Bases Teórico-Práticas do Condicionamento Físico Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Elias de França Prof. Me. Igor Roberto Dias Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico • Introdução; • Princípio da Sobrecarga; • Especificidade; • Reversibilidade; • Influência do Gênero e Condicionamento Físico Inicial; • Influência da Genética. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Discutir as variáveis que influenciarão nos resultados e no desenvolvimento do programa de condicionamento físico. UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico Introdução Todas as capacidades físicas mencionadas anteriormente – aptidão cardiorrespiratória, força e suas derivações (força máxima; potência, velocidade, taxa de desenvolvimento de força), agilidade, flexibilidade e equilíbrio – são positivamente ou negativamente influenciadas por variáveis universais relacionadas à resposta biológica ao treinamento. Portanto, quando vamos montar uma sessão de treino, ou até mesmo planejar um programa de treino semanal, mensal, ou para uma temporada inteira, precisamos ter em mente essas diversas variáveis que irão influenciar (positivamente ou negativamente) os resultados de condicionamento físico (ou seja, a adaptação ao treinamento). Essas variáveis são chamadas de princípios do treinamento. São elas: sobrecarga (frequência, volume, intensidade), especificidade, reversibilidade, influência do gênero, condicionamento físico inicial e influência da genética. Adaptação: “O termo adaptação refere-se a uma mudança na estrutura e função de uma célula ou sistema orgânico que resulta em uma capacidade aprimorada de manter a homeostase durante condições estressantes. A capacidade de uma célula responder a um desafio não é fixa e pode ser melhorada pela exposição prolongada a um estresse específico (por exemplo, exercícios regulares).” Princípio da Sobrecarga Quando falamos de sobrecarga, estamos falando de estresse (neste caso, aqui, estresse advinda do exercício físico). Temos que ter em mente que cada sessão de treino é uma situação de estresse a que estamos submetendo os órgão/sistemas do nosso aluno para tentar induzir adaptações morfofuncionais (Morfo = formas; Funcionais = funcionamento.). A adaptação ao treinamento físico se dá por meio de hormese, ou seja, devemos tomar cuidado com a dose (intensidade, volume e frequências das sessões). Hormese – “o que não mata, fortalece?!”, disponível em: https://bit.ly/3eITrvX O efeito da hormese (Figura 1) pode ser aplicado ao exercício físico e à adaptação da pressão arterial em reposta ao exercício físico. Por exemplo, quando o exercício físico é praticado, promove aumento da pressão arterial durante a sessão; como adaptação, isso desencadeia uma resposta oposta do organismo, promove diminuição da pressão arterial e, em longo prazo, diminuição do risco de morte por doenças cardiovasculares. Dependendo da dose do exercício físico (dose ajustada pela intensidade, frequência e volume), a adaptação pode ser insuficiente; já uma dose muito elevada poderá inibir esse efeito e causar más adaptações cardíacas (hipertrofia patológica do miocárdio). O intuito do treino é de fato alterar a forma (estrutura) do organismo/sistemas, pois a forma está geralmente associada à função. Por exemplo, mais mitocôndrias = maior capacidade de endurance; mais fibras musculares = mais capacidade de gerar força. 8 Inibição Estimulação Estímulo ótimo Estímulo insuficiente Estímulo deletério Figura 1 – Hormesis Uma dose ótima de um agente estressante pode estimular uma resposta adaptativa (estimular a ser tolerante àquele estresse), já uma dose muito elevada poderá matar o organismo, no entanto, um estresse muito baixo pode não causar nenhuma adaptação. Dosar a sobrecarga (intensidade, volume e frequências das sessões) é vital para obter ótimas adaptações em resposta ao treinamento. A frequência, a intensidade e o volume devem ser específicos para o tipo de adaptação morfofuncional desejado (discutimos mais em especificidade). Se, por um lado, a baixa frequência, o volume e a intensidade podem ser insuficientes para causar adaptações (em muitos casos), por outro lado, o excesso de treino (elevada frequência, intensidade e volume) pode levar a efeito deletério, como imunossupressão e lesões (desgastes excessivos dos tecidos), Portanto, é necessário estudar a dose ideal de frequência de treino, volume e intensidade das sessões para obter adaptações desejadas no tecido-alvo, sem causar prejuízo ao demais tecidos. Imunossupressão das células do sistema imune é a incapacidade de combater infecções. Um exemplo clássico são pessoas com AIDS, sigla em inglês para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Acquired Immunodeficiency Syndrome). Essas pessoas possuem sistema imune suprimido cronicamente pelo vírus HIV, sigla em inglês para o vírus das imunodeficiências em humanos (Human Immunodeficiency Virus). Esses pacientes possuem as células linfócitos T CD4+ (células que coordenam a defesa contra infecções do sistema imune) em muito baixa quantidade, pois o HIV sequestra e destrói essas células para sua replicação. Por exemplo, você pode programar treinos com elevada frequência (9 vezes semana, sessão pela manhã e a outra pela tarde do mesmo dia), com elevado volume por sessão (10-20 Km dia e com adição de treinos de força) e intensidade que oscilam de (50% a 100% do VO2máx para endurance e 30-90% 1RM para treino de força). Se, por um lado, irá induzir adaptações do tecido muscular (mitocôndrias e fibras) robustas, por outro lado, dependendo do atleta, aumentará exponencialmente as chances de os atletas terem lesões ósseas e tendíneas (por excesso de estresse). Além disso, o sistema imune pode ficar deprimido (aumentando, assim, o risco de infecções virais e bacterianas). Está bem estabelecido pela literatura científica que atletas que se engajam 9 9 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico em treinamento com elevadas cargas sofrem maior incidência de infecções do trato respiratório superior (isso é um indício de supressão do sistema imune). O sistema imune é responsável pela destruição de células infectadas ou danificadas pelo estresse imposto por fatores internos e externos (meio ambiente). Você deve ter estudado no ensino médio que a regeneração de feridas (aquelas da pele) é coordenada por células do sistema imune, pois o tecido muscular passa pelo processo de regeneração pós-treino (HO et al., 2017). É importante salientar que o sistema imune é quem controla as adaptações musculares ao treinamento (para detalhes aprofundados, veja o estudo de Ho et al., 2017; ou veja uma leitura mais prática veja o link 1, indicado a seguir ). A primeira resposta ao treino é uma inflamação aguda e necessária para, em seguida, entrar uma resposta anti-inflamatória para regenerar os tecidos e promover a adaptação ao treinamento. Caso você não dê espaço (dar descanso para o atleta recuperar) para o sistema anti-inflamatório predominar (e promover a regeneração tecidual), irá predominar uma inflamação crônica (e dependendo da característica do treino, imunossupressão), assim, a adaptação muscular ao treino não irá ocorrer (ocorrendo, então, o overtraining). Também são necessários picos agudos de EROS para induzir adaptações ao treino – para detalhes aprofundados, veja o estudo de Margaritelis et al. (2018) e Henríquez-Olguín et al. (2016); ou veja uma leitura mais prática deste conteúdo nos links 2 e 3 sugerido a seguir. Também é necessário que o EROS diminua para que o sistema imune inflamatório diminua, assim permitindo as adaptações ao treino – para que ocorra a diminuição do EROS induzida pelo treino, é necessário descanso e estar bem alimentado. Caso o atleta faça uso de anti-inflamatórios (LIlJA et al., 2018) ou suplementação de antioxidante (MANKOWSKI et al., 2015; BRISSWASLTER e LOUIS, 2014), irá diminuir as adaptações ao treino. Portanto, são necessários carga (estresse) e período sem carga (período regenerativo) para que ocorram adaptações ao treino. Overtraining é frequentemente definido como um desequilíbrio entre treinamento e recuperação. Em teoria, overtraining poderia contribuir para a incapacidade de atingir adaptações (por exemplo, ganho em força e capacidade de endurance) pelo treinamento. • Quando o uso de anti-inflamatório pós-treino pode atrapalhar os ganhos de força e de massa muscular, disponível em: https://bit.ly/3dYD1zm • Radicais Livres, vilões ou mocinhos?, disponível em: https://bit.ly/38wJrVe • Radicais livres produzido durante o exercício ajudam na melhora da performance atlética, disponível em: https://bit.ly/3e67s6N A seguir, vamos discutir alguns exemplos de manipulação de frequência, volume e intensidade de treino para induzir respostas ótimas. 10 Frequência de treino Qual a frequência ideal de sessão? A resposta é: depende. Depende do tipo de estresse ao qual você submeteu o seu atleta. A frequência de treino é geralmente quantificada pelos pesquisadores pela quantidade de sessões de treinos semanais. O distanciamento entre as sessões deve estar relacionado à capacidade de o organismo responder positivamente (veja exemplo da Figura 1). Nesse sentido, a quantidade de treinos executado dentro de uma semana deve responder a esse princípio. Por exemplo, a frequência semanal de treino para o mesmo músculo (objetivando a hipertrofia, força máxima e resistência muscular localizada), segundo a literatura, é de 2-3 vezes por semana (considerando que o volume é o mesmo), pois produz o mesmo resultado se comparado a 6 sessões (SARIC, et al., 2019). Considerando que existe uma fadiga periférica e central (discutida posteriormente), é possível separar as sessões do mesmo grupo muscular por períodos de 48h em média. Para adaptações para o treino aeróbio (aumento de VO2máx), a frequência é outra. A literatura ainda não achou um platô, por exemplo, 5 treinos semanais ainda se mostram mais efetivos quando comparado a 3 ou 4 treinos semanais (MONTERO et al., 2017). O estudo de Montero et al. (2017) com os dados apresentado na Figura 2 verificou por que algumas pessoas não se adaptam, por exemplo, a três treinos semanais e outras sim; existia uma teoria de que algumas pessoas não respondiam ao treinamento de resistência aeróbica (com aumento do VO2máx, por exemplo). O estudo verificou que 4 e 5 sessões por semana diminuíram o número de “não respondedores” para zero. Ou seja, esse estudo verificou que algumas pessoas precisam de uma dose mais alta (outras menos) de treinamento (com manipulação da intensidade e/ou volume) para obter os mesmos benefícios de condicionamento físico. Figura 2 – Sessões de Treino por Semana – Ganho em potência aeróbia depois de 16 semanas de treino com diferente frequência semanal Fonte: Adaptado de MONTERO et al., 2017 11 11 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico Então, quando você for montar um plano de treino, deve saber qual a frequência ideal para cada capacidade física e, assim, tentar juntar a teoria (o que a literatura científica diz) com a prática (a disponibilidade do seu atleta). Também deve avaliar periodicamente se o treinamento que você está aplicando no seu atleta é suficiente para promover ganhos (ou caso ele tenha ótimos valores, mantê-los). A frequência de treino é uma estratégia para modular o volume de treino semanal. Nesse sentido, o volume semanal deve ser ótimo para promover ganhos, sem induzir o overtraining (veja Figura 3). Volume O volume de treino pode ser modulado, por exemplo, com tempo de treino (em minutos, ou seja, a duração da sessão), quantidades de séries e quantidade de exercícios durante um treino. Devemos entender que cada sessão de treino é uma sinalização para o organismo se adaptar (devemos pensar a sessão como uma dose de um medicamento, mas o mecanismo de ação é a hormese). A frequência de treino semanal será as repetidas doses para induzir o efeito desejado (como discutido no tópico “frequência de treino”). Então o volume da sessão de treino e também o volume semanal devem ser estudados para cada capacidade física (qual o volume da sessão para induzir o efeito agudo e também qual a dose semanal ideal para promover um efeito crônico ao longo dos meses?). Caso o aluno não tolere um volume muito grande numa sessão (devido a ser iniciante ou o volume ser potencialmente lesivo), a manipulação da frequência de treino semanal pode ser usada para aumentar o volume. No mesmo sentido, a frequência de treino semanal é utilizada para aumentar ou diminuir o volume de treino de acordo com a necessidade do organismo do atleta (por exemplo, às vezes, três sessões não induzem melhoria, então, aumentando para cinco sessões, você estará aumentando o volume e a quantidade de estímulos agudos). A literatura científica tem reportado que treinos com duração superior a 90 minutos e intensos promovem imunossupressão temporária. Atletas que exercem modalidades com esse tempo de duração – maratonistas, futebolistas, ciclistas etc. – não podem ter contato com pessoas com doenças infecciosas. Ambos, intensidade e volume, são responsáveis por promover imunossupressão. Caso o treino seja muito intenso, tanto para o treino de força como para o aeróbio, o tempo para induzir imunossupressão temporária pode ser bem menor. Por exemplo, Jin et al. (2015) submeteu jovens saudáveis a corridas à 85% do VO2máx até a exaustão (o que leva em média 30 minutos para ocorrer em indivíduos mediamente treinados, ou seja, que possuem um VO2máx de ~53 ml/kg/min); em outro dia, ele submeteu esses jovens ao treino intenso de musculação para o corpo inteiro 85% 1RM com repetições até a falha (o treino durou 40 minutos). Ambos os treinos induziram imunossupressão temporária (nesse estudo, a imunossupressão durou 60 minutos). 12 Quer estudar mais sobre o assunto? Veja este link: https://bit.ly/2BA10YJ A exaustão no endurance ocorre quando o atleta não consegue manter a intensidade do exercício proposto, nesse caso citado acima a intensidade a ser mantida era à 85% do VO2máx. Apesar de a intensidade ser importante para induzir adaptações aeróbias, o volume não deixa de ser menos importante, veja a Figura 3. Na Figura 3, é apresentado que mesmo se o exercício for realizado em altas intensidades – por exemplo, com o treinamento intervalado de alta intensidade –, a resposta à adaptação ao treino está correlacionada ao volume do treino. Figura 3 – Relação entre volume de treinamento e alterações na citrato sintase (CS) Fonte: Adaptado de BOTELLA; GRANATA, 2019 Figura A, resulta de de estudos com Sprint Interval Training (SIT), High-Intensity Interval Training (HIIT), Moderate-Intensity Continuous Training (MICT), or MICT + HIIT. Figura B, B, relação entre volume de treinamento e alterações da CS em estudos que utilizaram HIIT. Esses dados corroboram com o conhecimento empírico de técnicos: que praticantes de endurance precisam tolerar volumes de treinos semelhantes à sua prova. Não se pode colocar um atleta para correr uma prova de 42 km (maratona), sem que ele nunca tenha vivenciado essa prova em algum momento do treinamento. Ou seja, o melhor treinamento para atletas de endurance é o próprio endurance, o melhor treino para um jogo de futebol é o próprio jogo, para o tênis é o jogo de tênis o restante é complementar (para lapidar o atleta). 13 13 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico Numa sessão de treino de força, o volume medido pela quantidade de séries, por exemplo, tem valores ideais sugeridos pela literatura. Está bem estabelecido que um músculo responde para hipertrofia e força até cinco séries (veja o estudo de Morton et al., 2019, para detalhes). O volume semanal se limita a quinze séries para hipertrofia, três séries para força e cinco séries para potência. Valor acima do mencionado é improvável de adicione benefícios, mas aumentará exponencialmente a chance de overtraining e lesões. Em síntese, o volume de treino é essencial para gerar estímulos. A literatura já tem informações para guiar a montagem de sessões diárias e de treino e programas semanais que podem ser repedidos por meses com os devidos ajustes para impedir o overtrainig e a falta de adaptação ou manutenção. Assim como a frequência de treino, o volume ideal (para induzir adaptações) precisa ser pesquisado na literatura científica. Intensidade Intensidade pode ser modular, por exemplo: treino de força, potência ou hipertrofia: com a porcentagem de peso levantado (% 1RM), para treino de endurance: velocidade relacionada à porcentagem da frequência cardíaca máxima (% FCmáx.) ou do VO2máx; para treino de flexibilidade: percepção de dor (medido por uma escala visual analógica) durante alongamentos. Cabe salientar que intensidade é relativa, ou seja, uma baixa intensidade de treino para um indivíduo treinado (corrida a 15 km/h que pode representar um VO2máx de 70%) pode ser uma intensidade extrema para indivíduo sedentário (corrida a 15 km/h que pode representar um VO2máx de 110%). O mesmo princípio pode se aplicar ao treinamento de força ou de flexibilidade. Os valores ideais de intensidade devem ser pesquisados na literatura e devem ser individualizados para o seu aluno. Ou seja, antes de aplicar a intensidade no seu aluno, é necessário que você o avalie (avaliações são discutidas nos capítulos 3 e 4). Em muitos casos, a intensidade ideal para induzir efeitos não pode ser introduzida logo de início, pois o indivíduo pode não tolerar. Se a intensidade não for ajustada (para o nível de condicionamento e capacidade de tolerar carga), você pode até induzir dores tardias insuportáveis, causar sérias lesões renais (rabdomiólise) ou até morte devido aos efeitos da rabdomiólise. Mudança abrupta na intensidade pode causar sérios problemas de hipoglicemia (caso o aluno esteja em jejum), alterações bruscas de pressão arterial (podendo levar à síncope). • Definição e informação de rabdomiólise, disponível em: https://bit.ly/2Z5EGPA • Definição e informação de sincope, disponível em: https://bit.ly/31Qt3NV A Figura 4 ilustra o consumo de carboidrato ou gordura em relação a diferentes intensidades de exercício. Como ilustrado na Figura 4, quando o atingimos em torno 14 de 10% da potência aeróbia, por exemplo em caminhada, ou quando atingimos a 20 e 30% da potência aeróbia (em exercício de resistência muscular localizada ou uma caminhada rápida), nosso organismo irá utilizar predominantemente gordura como fonte de energia (hipoglicemia nessas atividades em indivíduos saudáveis é improvável). Entretanto, quanto maior a intensidade maior a utilização de carboidrato para produzir energia. Temos que ter em mente que exercícios intensos (acima do limiar, apontando na Figura 4 em ~40 da potência aeróbia) usa predominantemente de como fonte de energia principal. Assim, dietas ricas em carboidratos são necessárias em atividades intensas para ótima performance e evitar situações de hipoglicemia. Importante! Os valores da Figura 4 abaixo são um exemplo, cada indivíduos tem seu consumo de gordura e carboidrato como fonte de energia individual, por exemplo, em atletas de elite o limiar pode ficar em torno de 85% da potência aeróbia; indivíduos sedentários geralmente tem um limiar em torno dos 30-40%; o treinamento aeróbio eleva esse limiar e otimiza o consumo de gordura como fonte de energia. Figura 4 – Contribuição de carboidrato ou gordura relacionada à intensidade de demanda de energia (ou seja, intensidade de atividade física) Fonte: Adaptada de FINK et al., (2013), originalmente o conteúdo pertence a: BROOKS G. A.; MERCIER J. Outro grande problema é a intensidade em atividade de endurance, pois existe uma linearidade entre a frequência cardíaca e a intensidade do exercício de endurance. Alguns indivíduos possuem disfunção cardíaca (como fibrilação arterial, as alterações morfológicas no miocárdio) sem saber. Esses indivíduos correm grande risco de morte em determinadas intensidades (geralmente acima da frequência cardíaca do limiar aeróbio, na zona anaeróbia). Portanto, caso seu atleta vá treinar com você, do ponto de vista ético, é obrigatório que ele apresente exames de ecocardiograma de esforço (para identificar anomalias morfológicas) e o eletrocardiograma de esforço (para identificar possíveis fibrilações que podem levar à morte súbita). Definição e informação de limiares, disponível em: https://bit.ly/3iHaemH 15 15 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico Você Sabia? Erros na intensidade do exercício é o que causa mais problemas. Como personal training, o difícil é evitar que o aluno adquira resfriados e infecções (principalmente quando o aluno é iniciante/sedentário), possivelmente devido ao excesso de carga que se aplica ao longo dos treinos. Além disso, é difícil não o lesionar, também pelo excesso de carga (e por exercício executado de forma errada). É difícil porque cada aluno tem uma resposta adaptativa diferente (devido à influência do gênero, condicionamento físico inicial, influência da genética etc.). Portanto, cada aluno precisa de uma abordagem individualizada (por exemplo: uma planilha de treino e todas as sessões anotadas de cada aluno), porque uma carga que não induz adaptação para um aluno pode induzir lesões e imunossupressão em outro. Dessa forma, o profissional ideal é aquele que induz adaptações sem tirar a saúde do atleta/aluno. Como volume, a intensidade é importante para induzir adaptações ótimas. Por exemplo, ganho de força é dose dependente (MORTON et al., 2019). Intensidades elevadas (>85% 1RM) impõem adaptações neurais e musculares para fibras do tipo 2 (princípio do recrutamento das unidades motoras). A velocidade do movimento é uma forma de intensificar o treino, quanto mais rápida a execução do movimento maior será o ganho de força (esse é o princípio do treino de potência-velocidade máxima- para desenvolver a fibras do tipo II X). Também treino aeróbio em elevada intensidade (acima de 85% do VO2máx) é a melhor estratégia para ganhos em VO2máx, veja a Figura 5 abaixo. Figura 5 – Relação da intensidade do treino e melhoria percentual do VO2máx Fonte: POWER; HOWLEY, 2015, p. 484 Uma das razões históricas pelas quais os atletas têm usado sessões de treinamento de longa duração é a crença de que melhorias na resistência são proporcionais ao volume de treinamento realizado. De fato, muitos treinadores e atletas acreditam que melhorias no desempenho atlético estão diretamente relacionadas à quantidade de trabalho realizado durante o treinamento e que os atletas só podem alcançar seu potencial fazendo treinos de longa duração. No entanto, há estudos na literatura que demonstram que atletas que treinam 1,5h por dia possuem performance igual aos atletas que treinam 3h por dia (COSTILL et al. 1979). Além disso, os atletas que treinavam 3h por dia realizavam piores provas, em alguns eventos, do que o grupo de treinamento de 1,5h por dia. Esse estudo aponta que “mais” nem sempre é o 16 melhor para o treinamento de endurance. Portanto, treinadores e atletas devem cuidadosamente considerar o volume de treinamento necessário para atingir benefícios máximos em esportes de longas e de baixas distâncias. Em Síntese É necessária a carga para impor adaptações no sistema. Podemos definir carga pela fórmula (carga= intensidade x volume x frequência). Nesse sentido, intensidade, volume e frequência de treino são variáveis a serem moduladas para ajustar a carga à individualidade biológica do aluno. Pontos-chave Portanto, a mensagem que fica desse tópico é: • A adaptação ao treinamento se dá através do acúmulo de várias sessões de treinos; • É necessário estudar (por meio de evidências científicas) a carga ótima para induzir adaptações desejadas do seu atleta; além disso, é necessário verificar se o seu aluno tolera tal carga (em muitos casos, a carga pode ser excessiva, então, é necessário ir adaptando-a até o atleta suportá-la de forma ótima); • O excesso de carga pode deteriorar a saúde do seu atleta e causar lesões que podem afastá-lo de treinamento; • Frequência de treino é um método de repetir o estímulo e atingir um volume necessário para induzir adaptações; • Volume é agudo (sessão) e crônico (acúmulo de várias sessões), existe um volume ótimo para causar adaptações e também existe um platô (a partir do qual o órgão/sistema responde negativamente); • Intensidade é um varável perigosa, mas eficaz quando bem utilizada; também é uma forma eficiente de induzir adaptações sem grandes volumes de treino. Especificidade O princípio da especificidade refere-se ao fato de que o treinamento é específico para os músculos envolvidos na atividade, os tipos de fibras recrutados, para o principal sistema de energia envolvido (aeróbico versus anaeróbico), a velocidade de contração e o tipo de contração muscular (excêntrico, concêntrico ou isométrico). Por exemplo, os braços não passam por uma adaptação significativa do treinamento durante um programa de 10 semanas. Além disso, isso também significa que, se um indivíduo participa de uma distância de baixa intensidade, o programa em execução que utiliza a contração lenta nas fibras musculares das pernas, há pouco ou nenhum treinamento, efeito que ocorre nas fibras de contração rápida nos músculos das pernas (ou seja, não haverá ganhos significativos em hipertrofia nem potência). Especificidade também se refere aos tipos de adaptações ocorrendo no músculo como resultado do treinamento. Se um músculo está envolvido em treinamento de 17 17 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico exercícios de endurance, as principais adaptações são aumentos nos capilares e volume mitocondrial, o que aumenta a capacidade do músculo de produzir energia aerobiamente (se tolerar esforços moderados por longos períodos). Se um músculo está envolvido em treinamento de musculação pesado, a adaptação primária é um aumento da quantidade de proteínas contráteis (resultando em hipertrofia e força). Portanto, os programas de treinamento devem usar não apenas os grupos musculares envolvidos durante a prática esportiva para qual se está treinando, mas também usar o mesmo sistema de energia (ATP). Por exemplo, o treinamento específico para um sprinter deve envolver sprints em máxima intensidade. Da mesma forma, treinamento específico para um maratonista deve envolver corridas de longa distância (similar à prova, em alguns casos, mais curta e mais intensa, mas nunca mais longa); além disso, praticamente todo o ATP necessário para o trabalho muscular deve vir do metabolismo aeróbico (e necessário trabalhar para potencializar o metabolismo aeróbio e economia de corrida). Reversibilidade O princípio da sobrecarga refere-se ao fato de que um órgão/sistema (por exemplo, cardiovascular) ou tecido (por exemplo, músculo esquelético) deve ser exercitado em um nível além do qual está acostumado para conseguir uma adaptação do treinamento. O sistema ou tecido se adapta gradualmente a essa sobrecarga. Esse padrão de sobrecarga progressiva de um sistema ou tecido conforme as adaptações ocorrem, resulta em uma função aprimorada ao longo do tempo. As variáveis típicas que constituem a sobrecarga incluem intensidade, volume e frequência (dias a semanas) de sessões de treino. O princípio da reversibilidade da sobrecarga é o inverso da adaptação à sobrecarga. O princípio de reversibilidade refere-se ao fato de que a aptidão obtida devido a um período de treinamento (devido à sobrecarga) é rapidamente perdida quando o treinamento é parado (ou seja, quando a sobrecarga é removida). Por exemplo, é bem demonstrado que, dentro de duas semanas, após a cessação do treinamento, há reduções significativas no VO2máx (COYLE et al., 1984). Um estudo clássico demonstrou que, após 20 dias de repouso, um grupo de atletas apresentou uma redução de 25% no VO2máx e débito cardíaco máximo (SALTIN et al., 1968). Essa grande perda de VO2máx induzido pelo destreinamento demonstra claramente a rápida reversibilidade do treinamento. Influência do Gênero e Condicionamento Físico Inicial Acreditava-se que os programas de condicionamento para as mulheres tinham requisitos especiais diferentes daqueles usados para treinar homens. No entanto, agora está claro que homens e mulheres respondem ao treinamento programas de maneira 18 semelhante. Portanto, a mesma abordagem geral para fisiologia condicionamento pode ser usado no planejamento de programas para homem e mulher. Isso não significa que homens e as mulheres devem realizar treinamento físico idêntico sessões (por exemplo, mesmo volume e intensidade). De fato, programas individuais de treinamento devem ser projetados para corresponder adequadamente ao nível de condicionamento físico e maturação do atleta, independentemente do sexo. Individualidade nas prescrições do treino é uma importante preocupação na concepção de programas de treinamento e será discutida em mais detalhes nas unidades posteriores. É comum observar uma grande diferença na resposta (ganhos em performance) de programas de treinamento. Muitos fatores contribuem para a variação individual observada na resposta ao treinamento. Uma das influências mais importantes é o nível inicial de condicionamento físico do atleta. Em geral, o tamanho da resposta ao treinamento é sempre maior naqueles que estão poucos condicionados no início do programa de treinamento. Foi demonstrado que homens sedentários de meia-idade com doença cardíaca podem melhorar seu VO2máx em até 50%, enquanto o mesmo programa de treinamento em adultos normais e ativos melhora VO2máx em apenas 10% a 20%. Da mesma forma, atletas condicionados podem melhorar seu nível de condicionamento em apenas 3% a 5% após um aumento na sobrecarga de treinamento (manipulação da frequência, volume ou intensidade). No entanto, essa melhoria de 3% a 5% no atleta treinado pode ser a diferença entre ganhar uma medalha de ouro olímpica e falhar em conseguir chegar nas primeiras colocações. Influência da Genética Algumas pesquisas indicam que 50% da magnitude da melhoria em VO2máx em resposta ao treinamento físico são determinadas pela genética (BOUCHARD et al., 2011). Por exemplo, como apresentado na Figura 2, mesmo num programa padronizado, existe uma grande variação na melhora do VO2máx entre os indivíduos. Estima-se que a hereditariedade para ganhos em VO2máx é de aproximadamente 47% e essa variação está relacionada ao DNA mitocondrial. Indivíduos geneticamente favoráveis a grandes melhorias (por exemplo, aumento de 40% a 50%) no VO2máx, após o treinamento de endurance, são frequentemente referidos como “ótimos respondedores”. Além de fatores genéticos, tanto a intensidade (já discutido anteriormente) como volume (Figura 2) do treinamento de resistência têm um importante impacto na magnitude das mudanças induzidas pelo treinamento. Portanto, uma pessoa com uma genética favorável para esportes de endurance responde diferentemente ao mesmo programa de treinamento do que alguém com um perfil genético diferente. Algumas pesquisas forneceram pistas genéticas por que algumas pessoas são “ótimos respondedores” e melhoram rapidamente seus níveis de condicionamento em maior extensão do que os “não respondedores” (veja o link indicado). Pelo fato de os atletas (os alunos) começarem programas de treinos com 19 19 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico diferentes níveis de condicionamento físico, os programas de treinamento devem ser individualizados. Você não pode prescrever para cada atleta da sua equipe (ou para os alunos da sua academia) a mesma quantidade de carga e os exercitar na mesma taxa de trabalho durante as sessões de treinamento. A genética importa? Leia o artigo “DNA de campeão?”, disponível em: https://bit.ly/3e26DMf Taxa de trabalho se refere a prescrever para alunos diferentes por exemplo: correr a 12km/h por 30 min; ou fazer 3 exercícios, com 10 repetições e com 3 séries cada para peito até a falha. É importante salientar que, embora o treinamento possa melhorar significativamente o desempenho, não há substituto para herança genética atlética para um indivíduo competir em nível de classe mundial. De fato, há um limite para o treinamento melhorar a potência aeróbia, força ou hipertrofia. Portanto, aqueles indivíduos com uma baixa carga genética não conseguirão em nenhum programa de treinamento aumentar, por exemplo, seu VO2máx para níveis de classe mundial. Semelhante ao exercício aeróbico, a genética também desempenha um papel importante na determinação do nível de desempenho que pode ser alcançado em esportes anaeróbicos (por exemplo, corrida em atletismo, levantamento de peso, hipertrofia etc.). De fato, é sabido que o treinamento só pode melhorar o desempenho anaeróbico em pequeno grau. A principal razão é que o tipo de fibra muscular esquelética mais adequada para o desempenho anaeróbicos (ou seja, fibras rápidas, tipo IIx) é determinado no início do desenvolvimento e a porcentagem relativa dos tipos de fibras musculares não varia muito ao longo da vida. Portanto, a capacidade anaeróbica parece ser determinada geneticamente porque a porcentagem de fibras rápidas/anaeróbicas é um determinante primário de capacidade anaeróbica. Você Sabia? Herança genética atlética é importante para nível mundial, não serve para os demais mortais. Se o treino for bem planejado, qualquer indivíduo tirará benefício do treinamento. De fato, não existem “não respondedores”, existem baixos respondedores. Mesmo respondendo em baixa magnitude, há ganhos significativos que podem ser aplicados no dia a dia. Por exemplo, com treino, o condicionamento aeróbio de um aluno não respondedor (mesmo ele melhorando pouco) mostrará a diferença no dia a dia (no futebol, ao final de semana, ao subir uma pequena subida e não ficar excessivamente fadigado etc.). 20 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Exerciência Site sobre treinamento e nutrição esportiva com base em evidências científicas. https://bit.ly/2C7fvmw Livros Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 9. ed. Barueri-SP: Manole, 2017. Leitura Emil Zátopek Histórias de Emil Zátopek, para demonstrar que saber manipular volume e intensidade é a chave do sucesso para o treinamento de endurance. https://bit.ly/2Z4GVCB Training for strength and hypertrophy: an evidence-based approach MORTON, R. W.; COLENSO-SEMPLE, L.; PHILLIPS, S. M. Training for strength and hypertrophy: an evidence-based approach. Curr Opin Physiol, v. 10, p. 90-95, 2019. https://bit.ly/3f3A41H 21 21 UNIDADE Princípios do Treinamento para o Condicionamento Físico Referências BISHOP, D. J.; BOTELLA, J.; GRANATA, C. CrossTalk opposing view: Exercise training volume is more important than training intensity to promote increases in mitochondrial content. The Journal of physiology, v. 597, n. 16, p. 4115-4118, 2019. BOUCHARD, C. et al. Genomic predictors of the maximal O2 uptake response to standardized exercise training programs. Journal of applied physiology, v. 110, n. 5, p. 1160-1170, 2011. COYLE, E. F. et al. Time course of loss of adaptations after stopping prolonged intense endurance training. Journal of Applied Physiology, v. 57, n. 6, p. 18571864, 1984. HENRÍQUEZ-OLGUÍN, C. et al. NOX2 inhibition impairs early muscle gene expression induced by a single exercise bout. Frontiers in Physiology, 2016. 7: p. 282. HO, A. T. V. et al. 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