Uploaded by Dacyo Cavalcante

capitao cortesia

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Capitão Cortesia
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Ele era um homem comum, sem grandes atributos morais, intelectuais ou
físicos. Não tinha nada de mais. A única coisa que possuía de diferente era
para menos: a paciência.
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Morava em uma grande metrópole, diariamente embebido no estresse,
absorvendo a sujeira atmosférica e ruminando a poluição sonora. Tomava o
ônibus todas as manhãs. Depois o metrô. Depois outro ônibus. Depois andava
um trecho a pé. Correndo o risco de ser assaltado, assediado, hostilizado.
Atropelado ele era sempre, mas por pessoas. De noite repetia o processo, na
direção oposta.
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Sua rotina era desgastante e extensa. Ao contrário da sua paciência, que, como
foi dito, era agastada e curta. Até que em um dia cinzento como qualquer
outro, usual e desimportante como nosso personagem, sua paciência rebentou
de vez. Foi no ônibus. Depois que o motorista freou o veículo bruscamente a
fim de não passar do ponto. Um idoso meteu a bengala na panturrilha do
protagonista, e disse:
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- Não vai sair da porta, não, seo porra?!
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Foi a gota d'água. Um acesso de fúria tomou conta do seo porra, e,
descontroladamente, o homem urrou, jogou a maleta no chão, rasgou a
gravata, pisou nos óculos, arremessou os sapatos pela janela e começou a girar
o cinto no ar, ameaçadoramente:
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- Para essa boceta! Senão eu vou rasgar os banco na dentada! Isto é, se não for
demasiado incômodo ao nobre motorista.
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Nascia o Capitão Cortesia. A capacidade daquele homem de tolerar grosserias
e desaforos estava definitivamente esgotada. A partir daquele momento, todos
os gestos descorteses que presenciasse seriam punidos pelo destemido cinto
do Capitão Cortesia, brandido com todo o requinte e elegância de um
indivíduo distinto.
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Um adolescente ouvindo funk no alto-falante do celular, perturbando o ônibus
inteiro? Cintada na cara do meliante acompanhada de um fraterno tapinha nas
costas. Um senhor fumando às baforadas enquanto se encontra parado em uma
fila? Cintada no plexo solar do malcriado sucedida de um polido elogio ao seu
bigode tingido. Uma dupla de velhinhas caminhando em ziguezague va-ga-rosa-men-te de braço dado, obstruindo toda a calçada? Cintada na meia kandle
das anciãs seguida de um gentil cumprimento ao tom roxo dos seus cabelos.
Um menino mimado esperneando no supermercado porque o pai não tem
dinheiro para comprar nutella? Fivelada nos glúteos do pai (afinal, a educação
da criança é responsabilidade dele) sucedida de um genuíno louvor ao talhe
refinado do cavalheiro. Um vendedor atendendo ao público com desacatos e
ostensiva cara de bunda? Cintada nos ovos do vilão, seguida de um sincero
desejo de feliz páscoa.
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Mas, se o caro leitor espera encontrar um fim surpreendente para este relato,
engana-se. Esta história não termina aqui, circunscrita aos exaustivos
parágrafos da ficção. Não, senhor. Esta história penetra a dimensão real das
nossas vidas. Enquanto houver pessoas sem noção, o Capitão Cortesia estará à
espreita, furtivo e onipresente como um pombo. Assim, o heroi da etiqueta
opera incansável e anonimamente na construção de uma sociedade cordial e
solidária.
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Você, que faz bolinha de catota e arremessa com uma catapultinha de dedo;
você, que fala efusivamente em buffets self-service lançando perdigotos sobre
a comida coletiva; você, que usa o mictório e cumprimenta os coleguinhas
sem lavar as mãos; você, que faz o escapamento da moto estourar para
assustar os transeuntes; você, que, enfim, atenta contra uma sociedade
afetuosa e acalentadora, esteja atento! A qualquer instante alguém poderá
rasgar o traje executivo e estalar o cinto nas suas áreas vulneráveis. Ousa
duvidar?
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