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Lilia Schwarcz - Guerra do Paraguai

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FIM DE FESTA: A LONGA E DESASTROSA
GUERRA NO PARAGUAI
A chegada da década de 1870 significou uma guinada radical na até então pacata
política do Segundo Reinado. Em 1865 começou a guerra internacional até hoje
mais conhecida no país: a Guerra do Paraguai. Diferentemente do que
imaginavam o monarca, ministros, generais e até mesmo seus aliados —
Argentina e Uruguai —, o conflito não seria breve ou fácil. Além do mais, no
período que durou o evento, o governo brasileiro voltou-se de tal maneira para
ele, que pouco capital e pouco tempo sobraram para reformas internas. Os gastos
com a guerra foram enormes: 614 mil contos de réis, onze vezes o orçamento
governamental para o ano de 1864, criando-se um déficit que persistiu até o fim
da monarquia.1
E, mesmo antes do início oficial da guerra, anunciava-se tempestade nas
relações internacionais do Império. Em 1862, quando o país se preparava para
participar da Exposição Universal de Londres — onde se exibiria a pujança da
agricultura tropical —, estourou a Questão Christie. William Dougal Christie,
desde 1860 representante da Inglaterra na corte brasileira, era famoso criador de
impasses diplomáticos. A gota d’água caiu quando três oficiais ingleses, que
andavam bêbados pelas ruas do Rio, foram presos por desacato à polícia da
corte, o que Christie julgou ultrajante a seu país. A represália veio logo: ele
ordenou que o comandante da esquadra inglesa no Rio de Janeiro bloqueasse o
porto, e cinco navios mercantes brasileiros acabaram apreendidos pela marinha
britânica, fora da baía de Guanabara, o que quase causou um grave problema
internacional e por pouco não levou a uma guerra. Os políticos imperiais
recebiam sempre em tom de zombaria as atitudes de Christie. “Aprendeu a
diplomacia no território de Mosquito”, dizia o barão do Penedo. Essas são “as
loucuras de Mr. Christie”, resumia o ministro Zacarias. Mas a maior das
“loucuras” do representante inglês foi deixar de comparecer ao aniversário de
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Pedro II, no dia 2 de dezembro de 1862, quando se convocara todo o corpo
diplomático. Dessa vez foi o imperador quem decidiu romper relações com o
governo britânico, obrigando Christie a ceder: o rei da Bélgica, chamado a atuar
como árbitro na questão, deu ganho ao Brasil, e a Inglaterra apresentou
desculpas formais. Mesmo assim, as relações entre os países ficaram suspensas
durante dois anos.
Mas essas não eram as maiores preocupações do Império. Os anos 1860
marcaram o recrudescimento da campanha pela abolição da escravidão. Com o
fim do tráfico em 1850, a questão servil entrou na agenda do país para não mais
sair. Até porque, com o término da Guerra de Secessão nos EUA, em 1865, a
votação vitoriosa da 13ª emenda à Constituição norte-americana acabou com a
escravidão naquela nação, e o fantasma do fim do sistema passou a assombrar,
ainda mais, o imaginário das elites locais e governamentais. Apenas Cuba
mantinha, a essas alturas, a escravidão, e a pressão internacional ficava cada dia
mais forte.
A crise na região do Prata roubaria, porém, as atenções, e adiaria a questão da
supressão do trabalho escravo em território nacional. Aliás, a Guerra da Tríplice
Aliança, “La Guerra Grande”, que estava para começar, teria tal impacto que
logo se transformaria em questão nacional e suprapartidária. No início da década
de 1860, as tensões nas fronteiras do Prata achavam-se fragilmente serenadas.
Em torno de dois grandes rios, Uruguai e Paraguai, quatro nações dividiam
limites e intenções distintas: Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai. Nesse
terreno minado, os contendores aplicavam-se em jogar num complicado
tabuleiro político. Em discussão estava, além do acesso à navegação na bacia
platina, a hegemonia sobre o lugar e a conformação de diferentes processos
nacionais. A região era tão explosiva que uma já vasta lista de incidentes se
acumulava, bem antes de a guerra começar. Uma crise ministerial que estourara
ainda no ano de 1849 teve por centro as ambições do presidente argentino Don
Juan Manuel Rosas. O ditador andava dando trabalho: ambicionava concretizar o
velho sonho de reconstituir o antigo Vice-Reinado do Prata, divisão
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administrativa da América espanhola. Para tanto, já havia assegurado o domínio
do Uruguai, e ameaçava pressionar a fronteira brasileira na província do Rio
Grande do Sul. Quanto ao governo do Brasil, a despeito de conhecer as
intenções de Rosas, achou por bem evitar o conflito, o que acarretou a queda do
ministério e a indicação de novo presidente no Conselho: Eusébio de Queirós. A
impressão que se tinha era que tudo ocorria ao mesmo tempo: investidas cada
vez mais agressivas na região do Prata e indícios do fim, lento e gradativo, da
escravidão. Pairava um temor generalizado diante da extrema concentração de
escravos na Região Sudeste, motivada pela expansão cafeeira nas décadas de
1830 e 1840.2 Como resposta, planejou-se a realização do primeiro
recenseamento geral e a implantação do registro civil, que ajudariam a avaliar a
situação e seu iminente risco de rebeliões. A proposta foi malvista pelas elites, o
que levou ao seu pronto engavetamento. Numa atitude recorrente, os
proprietários, receosos, preferiam o silêncio diante da verificação da proporção
elevada de negros — livres, escravizados ou libertos.3
Mas o vento soprava em outra direção, e a partir de 1851 “os negócios do
Prata” constituiriam o principal tema da política brasileira. E, se o primeiro
conflito na região terminou rapidamente — com o Brasil entrando oficialmente
na guerra em 1851 e a capitulação de Rosas acontecendo em fevereiro de 1852
—, o equilíbrio ia se tornando cada vez mais precário. Logo em 1864 estourou a
Questão do Uruguai: desde o ano anterior uma guerra civil separava o país entre
os adeptos do Partido Colorado, chefiado pelo general Venancio Flores, e os
adeptos do Partido Blanco, liderados por Atanasio Aguirre, que assumira a
presidência de uma nação dividida entre facções. Brasil e Argentina apoiavam
Flores, uma vez que ambos temiam a política expansionista proposta pelos
blancos.4 Mas a questão uruguaia também se encerraria rapidamente. Em 15 de
fevereiro de 1865, Aguirre capitulou, e assinou-se novo acordo de paz com o
Brasil.
Contudo, a tensão recomeçaria na região com outros lances e um novo
inimigo: o Paraguai. O tabuleiro do Prata parecia possibilitar muitas jogadas
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estratégicas: na Argentina os federalistas eram batidos pela candidatura de
Bartolomé Mitre, que passava a liderar um processo de centralização do Estado;
no Brasil, o Partido Liberal chegava ao poder, após catorze anos de domínio do
grupo conservador; no Paraguai, morria em 1862 o presidente Carlos Antonio
López, sendo logo substituído por seu filho, Francisco Solano López, que
entraria rapidamente em choque com o Império brasileiro. Em primeiro lugar, a
monarquia não acolheria bem a tentativa — aliás, frustrada — do chefe
paraguaio para mediar o conflito entre Brasil e Uruguai. Além do mais, o
Paraguai disputava com o Brasil o papel de fornecedor de erva-mate no mercado
latino-americano, e via em Montevidéu uma alternativa para o comércio exterior,
exigindo redefinição nas fronteiras. Para fechar o quadro, falta mencionar que
também os federalistas argentinos pretendiam o controle de Montevidéu, aliás,
por motivos semelhantes. Formavam-se então dois blocos, ainda informais. De
um lado, federalistas argentinos, blancos uruguaios e o Paraguai; de outro, o
Império brasileiro, o Partido Colorado e o governo argentino.
A região vivia assim a experiência de construção de uma nova ordem política
após as independências. Além da disputa entre os Estados recém-independentes
para impor uma única soberania rio-platense, na área do Prata desenharam-se
conflitos internos, justificados pelas diferentes tendências dos governos
envolvidos no litígio. Ainda a compor o quadro de instabilidade, note-se que
Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai se separavam pela cultura, pelos governos
e pela imagem que cada um tinha do outro: império estável versus repúblicas
instáveis; exemplo de civilização versus expansionismo e barbárie; imperador
versus caudilhos.
Como se vê, o cenário da guerra estava montado: só faltava o estopim. E ele
ocorreu em território uruguaio, em 1864, quando o Império lançou um ultimato
exigindo providências rápidas contra supostos abusos sofridos por brasileiros lá
residentes e pressões sobre criadores de gado rio-grandenses instalados do outro
lado da fronteira. Como não se atendeu o pedido brasileiro, a resposta foi
imediata: uma breve e temporária invasão do país vizinho. Outros incidentes
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aconteceram envolvendo os demais países litigantes; isso sem contar as
pretensões paraguaias que almejavam conquistar uma saída terrestre para o mar.
Então a guerra teve início, articulando os aliados em dois blocos. Em 12 de
novembro, as autoridades paraguaias aprisionaram o vapor brasileiro Marquês de
Olinda, e em dezembro as tropas de López invadiram Mato Grosso. Quatro
meses depois, em abril de 1865, virando o jogo, a Argentina foi invadida: López
atacou Corrientes e Entre Ríos, províncias até então aliadas do Paraguai. A partir
daí o dirigente paraguaio ficou isolado no cenário daquele jogo perigoso.
Enquanto isso, no Brasil, animado com o sucesso de sua atitude incisiva no
caso da Questão Christie, Pedro II partiu em 7 de julho de 1865 para a fronteira
ao sul do país. Ele seria “o voluntário número 1 do Exército”. A marcha
terminou em Uruguaiana, onde o imperador encontrou os chefes militares
brasileiros e seus aliados de guerra: o presidente Mitre e o presidente Flores.
Mas, se é relativamente fácil entrar numa guerra, mais difícil é sair dela, ou
mensurar suas consequências. Além disso, um evento com tantos contendores
sempre deixa margem para diversas opiniões. Mesmo no caso brasileiro, as
interpretações variaram, e muito. Há quem diga que a origem da guerra estaria
condicionada à ambição desmedida de López e a seu caráter autoritário. Mais
personalista, tal versão insiste em acusar o presidente paraguaio, sua política
fraudulenta e a aversão que d. Pedro II teria ao seu perfil de caudilho. Há
também quem explique o conflito a partir da política imperialista inglesa. Ciosa
em manter sua influência financeira no local, a Inglaterra teria se imiscuído na
guerra, forjando oposições e selando amizades. A seguir tal interpretação, López
seria um paladino anti-imperialista, isolacionista, defensor de um modelo mais
autônomo e vítima dessa conspiração internacional. Existe uma terceira
interpretação, mais atenta aos diferentes processos de formação nacional por que
passavam os países envolvidos e aos interesses geopolíticos e econômicos da
região platina. Para o Brasil era importante garantir a navegação dos rios Paraná
e Paraguai, pois através deles a província de Mato Grosso mantinha contatos
com o resto do país e assegurava o controle do comércio na região do Prata.
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Quanto à Argentina, apesar de sufocadas as intenções expansionistas, ainda era
patente sua disposição em anexar territórios vizinhos e ampliar sua esfera de
interesses. Já do lado de López, reconhecida a autonomia do país e contidos os
ímpetos argentinos, afloraram divergências em torno da navegação dos rios e das
fronteiras. Isso sem falar das velhas desconfianças que pairavam sobre o Brasil,
esse gigantesco Império escravocrata, diante das pequenas repúblicas sulamericanas, assustadas com possíveis imperialismos. Assim, além dos motivos
imediatos e das provocações de parte a parte, a região mais parecia um grande
caldeirão de água quente, prestes a transbordar, como, por sinal, transbordou.
Em 1º de maio de 1865 foi assinado em Buenos Aires o Tratado Secreto da
Tríplice Aliança. Nele se determinava que só se negociaria a paz mediante a
deposição de Solano López. Estabeleciam-se, ainda, novas fronteiras para os
países litigantes, bem como se definia que o Paraguai, como nação agressora,
pagaria os gastos e prejuízos decorrentes da guerra. A prepotência nos termos era
evidente: os aliados pareciam animados e supunham — equivocadamente — que
se tratava de uma guerra rápida, suposição alimentada pela clara vantagem
militar que tinham. Do ponto de vista demográfico, eles chegavam a 11 milhões
de habitantes, enquanto o Paraguai dispunha de um contingente de apenas
318144 soldados. No plano econômico os aliados obtinham com o comércio
exterior em torno de 36 milhões de libras, ao passo que no Paraguai os números
não eram superiores a meio milhão de libras.5 O Paraguai entrava assim em
posição fragilizada na guerra, ainda mais porque perdera os aliados com os quais
até então contava: Aguirre foi derrotado e Flores foi eleito no Uruguai; a invasão
da Argentina rompeu a aliança entre López e os governadores de Corrientes e
Entre Ríos. Vale lembrar que, até a emergência do conflito, o Império possuía
um exército mal preparado e sua maior força era a Guarda Nacional (criada em
1831 e reorganizada em 1850), basicamente comandada por grandes
proprietários. Era a primeira vez, pois, que se formava um exército profissional,
a despeito de muitas convocações compulsórias e de poucos alistamentos
voluntários: estes mais numerosos durante o primeiro ano da guerra, quando a
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participação no evento era considerada um ato de patriotismo.6
Nesse momento inicial, os mais diferentes propósitos incentivavam novos
alistamentos. Machado de Assis, em Iaiá Garcia, narra a história de Jorge, “um
dos primeiros lugares entre os dandies da Rua do Ouvidor”, que, disposto a
impressionar Estela, se alista para combater no Paraguai. Aos olhos do
personagem de Machado, o embate não passava de pretexto para uma romântica
declaração amorosa, até porque, na partida, Jorge preocupava-se mais com o
“vinco do uniforme e o brilho das botas”.7 O tom de ufanismo, de fato, invadiu a
corte, que comemorava como podia cada nova batalha. O nosso já conhecido
Fulano Beltrão, outro personagem do escritor, resolve celebrar a vitória brasileira
na Batalha de Riachuelo com um baile onde meteu “um troféu de armas navais e
bandeiras no salão de honra, em frente ao retrato do Imperador”.8
Mas os números também geravam otimismo. A Marinha imperial crescia e se
equipava, passando de 45 navios armados, em 1865, a 94 belonaves no fim do
conflito, em 1870. A Argentina contava com um exército pequeno em 1865 — 6
mil homens —, porém bem treinado, e o Uruguai com 4 mil soldados. O
entusiasmo era tal que em Buenos Aires, por exemplo, em 16 de abril desse
mesmo ano, o general Mitre anunciou: “Em 24 horas aos quartéis, em três
semanas em Corrientes, em três meses em Asunción”. Entretanto,
diferentemente do que todos esperavam, a primeira rendição — a de Uruguaiana
— encerrou a primeira fase da guerra, mas não o conflito. Ao contrário,
começava então uma guerra de cinco anos, repleta de sacrifícios, que
desmanchavam a unanimidade inicial, transformando o embate militar em
evento cada vez mais impopular.
Tinham início, igualmente, as discórdias internas nas Forças Armadas
brasileiras. Tamandaré, comandante das forças navais, estava velho e cansado. Já
Caxias contava com bastante prestígio em razão de sua atuação durante as
rebeliões regenciais, e além de general era senador pelo Partido Conservador.
Por isso sua entrada na guerra virou marco: começava com ele uma nova fase do
combate e uma grande reorganização do Exército. O general chegou ao Paraguai
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em novembro de 1866 e encontrou um exército desfalcado e desanimado. A
região era insalubre e o despreparo, geral. De mais a mais, rareava a
apresentação de voluntários brasileiros, o que levou o governo a estabelecer o
recrutamento obrigatório. Os ânimos se acirravam, e os elogios transformaramse em críticas ferozes, como as do Correio Mercantil, que em 9 de novembro de
1866 chamou a guerra de “açougue do Paraguai”.
Por outro lado, para evitar o alistamento forçado, muitos senhores passavam a
enviar seus cativos, como forma de se livrar do “castigo da guerra”. Nas
reuniões do Conselho de Estado do ano de 1866, as opiniões se dividiam: uns
eram a favor e outros eram contra a presença de negros libertos nas fileiras do
Exército. Para os que defendiam tal expediente, como o parlamentar Pimenta
Bueno, a liberação de escravos para o recrutamento (e inclusive a não
indenização de seus proprietários) seria justa, pois era “preferível poupar a classe
mais civilizada e mais moralizada, e não a outra que é menos, e que pode ser
perigosa. Entre males cumpre escolher os menores”. Já para Nabuco de Araújo,
o recurso seria problemático, e o senador acrescentava: só se os cativos, “depois
de serem soldados, voltassem à escravidão”. Segundo ele, porém, era de bom
alvitre supor que “os escravos comprados são libertos e por consequência
cidadãos antes de serem soldados; são cidadãos-soldados […] disciplinados pelo
seu hábito de obedecer”.9 Por sua vez, o conselheiro José Maria da Silva
Paranhos, futuro visconde do Rio Branco, alertava que “um numeroso exército
de libertos […] seria um elemento perigoso no teatro das operações, e o seu
alistamento poderia, dentro do Império, comover a população escrava, agitada
não só pelos seus próprios instintos, mas ainda por instigação de agentes
ocultos”.10 O próprio Caxias dizia que “a introdução do elemento servil nas suas
fileiras [está] produzindo já seus maléficos resultados por meio dos exemplos
imorais, e de todo contrários à disciplina, e subordinação dados constantemente
por homens, que não compreendem o que é pátria, sociedade e família”.11 Como
se vê, não existia unanimidade quando o tema chegava perto da abolição e da
inclusão de negros na sociedade, e, nesse caso — alegoricamente —, no
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Exército. A “mudança na coloração” do Exército brasileiro também não passaria
despercebida aos jornais paraguaios, que começaram a chamar nossos soldados
de “los macaquitos”. O Cabichuí, periódico diretamente ligado a López, trazia
uma série de charges representando um exército composto de macacos, e
também seus generais, o imperador e a imperatriz caricaturados da mesma
maneira (ver imagem 76).
Nesse meio-tempo, na corte, procurava-se nuançar o acirramento da guerra,
evitando-se notícias pormenorizadas. Mas a Sorte não parecia andar de bons
bofes: estamos no ano de 1867, e, enquanto no Brasil um surto de cólera
consumia a população, o combate nas fronteiras começava a mostrar sua face
mais sangrenta. Com tantos dissabores, o Estado imperial passou a ser
responsabilizado pela continuidade da guerra e pela verdadeira obsessão que
assolou o alto-comando brasileiro, de só dá-la por encerrada com a deposição de
López. Até Caxias defendeu o fim do conflito, em 1868, quando o Império
empreendeu suas maiores manobras: Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e Humaitá.
No entanto, foi apenas no princípio de 1869 que as tropas brasileiras tomaram
Assunção, aliás, sem encontrar mais resistência alguma. Ocupada a capital,
Caxias deu a guerra por terminada, mesmo sem a captura do chefe paraguaio.
Alegando doença, o general abandonou o embate, apesar da objeção do
imperador. Caxias chegou de volta da batalha e não foi acolhido com as festas
que imaginava merecer. Mesmo assim, o Estado conferiu-lhe o Grão-Colar da
Ordem de D. Pedro I — honraria que desde o início do Império nenhum outro
brasileiro havia recebido — e o título de duque.
Além de Caxias, o general Osório retornaria da Guerra do Paraguai aclamado
como um popular herói desse conflito. Se Caxias gozava do prestígio de
estrategista militar, Osório foi então reconhecido como um ícone nacional de
bravura. São inúmeros os registros de época que descrevem, em detalhes, os atos
protagonizados pelo militar. Suas façanhas foram lembradas tanto por aliados
quanto por paraguaios, e fomentaram o mito criado entre as tropas. Dizia-se que
Osório tinha o “corpo fechado” e que, depois dos combates, “sacudia o poncho
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para que as balas caíssem”.12 Mas, mesmo sem Caxias e Osório, a caça a López
continuaria, com novo expoente a partir de 22 de março de 1869: o conde D’Eu.
A despeito das súplicas da esposa, Isabel, que pretendia ver o marido seguro no
Paço, agora era o conde quem estava à frente de um exército de 26 mil homens,
cansados e loucos para desertar. No dia 12 de agosto, setecentos paraguaios
foram mortos e 1100 homens aprisionados. Em 16 de agosto, outra batalha:
Campo Grande para os brasileiros; Acosta Ñu para os paraguaios. E mais baixas:
2 mil paraguaios morreram e 2300 caíram prisioneiros. A perseguição a López
só teve fim em 1º de março de 1870, quando as tropas brasileiras o encurralaram
em Cerro Corá, e ele foi morto junto com seu filho adolescente. A consequência
para o lado paraguaio não foi apenas a deposição de seu dirigente máximo, mas
a destruição do próprio Estado nacional. O número de baixas sofridas pelo país é
até hoje objeto de discórdia, e oscila entre 800 mil e 1,3 milhão.
Quanto às estatísticas brasileiras, as discrepâncias já começam na relação de
homens enviados, variando de 100 mil a 140 mil. Em 1870, o número de perdas
divulgado pelo governo imperial foi de 23917, dessa maneira distribuídas: 4332
mortos, 18597 feridos, 988 desaparecidos.13 A guerra terminava com uma vitória
abalada pelo número de mortes de ambos os lados e pela exposição da crueldade
das batalhas. A imagem do imperador também saía muito arranhada. O antes
pacífico monarca, o mecenas das artes avesso à política, transformou-se no
senhor da guerra.
A “tríplice infâmia”, como passou a ser chamada a aliança, errou em cheio em
sua avaliação. O confronto que se pretendia breve acabou durando cinco anos e
assumindo proporções dantescas. Terminada a guerra, a situação do Império foi
atingida não só fora como dentro do país. Em primeiro lugar, o combate
consolidou uma instituição no cenário local: o Exército. Se em 1865 este possuía
18 mil homens, um ano depois os números variavam entre 38 mil e 78 mil
soldados. Foi durante o conflito que se formou esse novo Exército, separado da
“força de elite” que era a Guarda Nacional. Já com o fim da guerra, os
combatentes carregados de láureas, a profissão de armas tornava-se uma forma
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de ascensão social e ganhava uma representatividade social até ali desconhecida.
Criou-se então uma elite dentro do Exército, social e intelectualmente antagônica
à elite civil, insatisfeita com a situação do país e com sua própria posição na
hierarquia de poder. Ao mesmo tempo, acostumados a conviver lado a lado com
soldados negros, os militares passaram a negar-se a exercer a antiga função:
perseguir escravos fugidos. Enfim, o Exército acumulava descontentamentos
com o Império. Não por obra do acaso, de suas fileiras logo sairiam
simpatizantes da causa da República e da Abolição.
Por outro lado, é preciso lembrar que não existem soldados escravos, e o
recurso logo se converteu em moeda de troca, e fez com que muitos negros
conseguissem negociar sua manumissão. Segundo dados do jornal Times de 23
de junho de 1869, serviram no Exército brasileiro 7979 escravos libertos.14 O
tema do recrutamento militar e a questão espinhosa da abolição da escravidão
tornavam-se, assim, assuntos intrinsecamente vinculados e causas de uma das
mais graves crises políticas do período. Porém, se Osório e Caxias foram
transformados nos heróis da vez — imortalizados em monumentos públicos e
nos artigos de jornais —, já os negros combatentes, ao retornarem ao Brasil,
mesmo alforriados, encontraram-se diante da dura realidade do regime escravista
ainda vigente. Anônimos, muitos se viam reconduzidos ao cativeiro, até porque
no Brasil dessa época a liberdade de um negro era troféu difícil de guardar. Tal
paradoxo foi capturado por Angelo Agostini — ele mesmo um abolicionista
declarado — na caricatura “De volta do Paraguai”, publicada em 1870 (ver
imagem 77).15 Na imagem aparece um soldado negro, condecorado com honras
militares sobre o peito, e que, ao retornar da guerra, encontra sua mãe escrava
sendo castigada no tronco. Junto da imagem, lemos a seguinte legenda: “Cheio
de glória, coberto de louros, depois de ter derramado seu sangue em defesa da
pátria e libertado um povo da escravidão, o voluntário volta ao seu país natal
para ver sua mãe amarrada a um tronco! Horrível realidade…”.
O Brasil havia gastado mais de 600 mil contos de réis, agravado uma situação
de dependência financeira em relação à Inglaterra, perdido muitos soldados em
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combate e posto um ponto final na representação de um Império pacífico.
Contudo, as repercussões da guerra são paradoxais e incontroláveis. Talvez pela
primeira vez um sentido positivo de “pátria” tenha começado a se desenvolver,
em especial no início da guerra, com os batalhões de voluntários e as primeiras
vitórias. A bandeira começou a ser hasteada de modo sistemático, o imperador
virou o líder da nação empenhado em conseguir apoio dos dois partidos, e
surgiram os heróis nacionais: Caxias, Osório, Barroso (ver imagem 78). Além
disso, os artistas Pedro Américo e Victor Meirelles iriam realizar uma espécie de
pintura patriótica e elevatória, tendo como tema as batalhas. Victor Meirelles
escolheu pintar a Batalha dos Guararapes para vincular a Guerra do Paraguai ao
episódio de “criação” da pátria brasileira; já Pedro Américo selecionou a
sangrenta Batalha do Avaí e a apresentou como uma luta entre a civilização (os
brasileiros) e a barbárie (os paraguaios) (ver imagem 75). Ainda: o músico norteamericano Louis Moreau Gottschalk compôs a fantasia em torno do Hino
Nacional e fez um concerto gigantesco no Rio de Janeiro, enquanto o poeta
romântico Bernardo Guimarães compôs o “O adeus do voluntário”.
Internamente, porém, as feridas não cicatrizavam. Terminada a guerra, pouco
espaço sobraria para os veteranos e, como a maioria dos ex-soldados, também os
negros, e sobretudo eles, permaneceriam marginalizados. A liberdade era troféu
difícil de ganhar; quase impossível de manter.16
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