TEOLOGIA RELIGIÃO, ARTE E CULTURA Profa. Cíntia Ribeiro RELIGIÃO, ARTE E CULTURA Cíntia Borges Ribeiro APRESENTAÇÃO Olá alunos, Nesta disciplina iremos estudar as relações entre Religião, Arte e Cultura. É necessário pontuar que essas relações são muito próximas, na realidade, intrínsecas, já que não há Religião sem Cultura, ou Arte sem Cultura e vice-versa. Solicito que, ao ler o conteúdo dessa disciplina, mantenha a mente aberta e procure encontrar as relações apresentadas aqui em sua própria vivência, pois todos nós já entramos em uma igreja ou templo e nos deparamos com imagens sacras, ou recebemos um certificado adornado com belas letras capitulares, esses itens são parte de uma cultura religiosa que nos chega através da arte. Todo povo tem sua cultura, sua religião e sua arte, o que veremos a seguir é como essas relações se constroem e como elas influenciam nossa existência, desde o primórdio do Homem até a atualidade. Sejam bem-vindos! Profa. Cíntia Borges Ribeiro PLANO DA DISCIPLINA Ementa: Conceituação de cultura, religião e arte. Conhecimento das etapas de desenvolvimento da cultura através da história e sua relação com a religião e arte. Conhecimentos das diferentes representações artísticas de crença. Conhecimento do valor das artes na catequização. Objetivo Geral: Apresentar um panorama geral da importância das relações existentes entre as diferentes ações do Homem durante sua evolução. Objetivos específicos: Compreender a dimensão sócio-cultural do religião; Relacionar Religião, Arte e Cultura; Aprofundar o conceito, criar repertório e difundir o respeito às crenças diferentes. Programa da Disciplina O que é cultura; Conceito de cultura; Conceito de Arte; Conceito de Religião; Inter-relação entre as áreas; Arte Mitológica; História da Arte Religiosa; Sincretismo Religioso no Brasil e no Mundo. Bibliografia Básica: DELUMEAU, J.; MELCHIOR-BONNET, S. De religiões e de homens. São Paulo: Loyola. 2000. 403 p. ELIADE, M. O sagrado e o Profano: a essência das religiões. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes. 2010. 174 p. HAUSER, A. História social da arte e da cultura – vol. I: Os tempos pré-históricos, Grécia e Roma. Lisboa: Vega/Estante Editora. 1954. 214 p. HAUSER, A. História social da arte e da cultura – vol. II: A idade média. Lisboa: Vega/Estante Editora. 1954. 214 p. HAUSER, A. História social da arte e da cultura – vol. III: Renascença, maneirismo e barroco. Lisboa: Vega/Estante Editora. 1954. 296 p. Bibliografia Complementar: BELLO, A. A. Culturas e religiões: Uma leitura fenomenológica. Bauru/SP: EDUSC. 1998. 199 p. CHILDE, V. G. A evolução cultural do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar. 1971. 229 p. FARTHING, S. Tudo sobre arte: Os movimentos e obras mais importantes de todos os tempos. Rio de Janeiro: Sextante. 1950. 576 p. PROENÇA, G. História da arte. São Paulo: Ática. 2003. 278 p. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 2 PLANO DA DISCIPLINA ............................................................................................................... 3 UNIDADE 01 – CULTURA: PRODUTO DO HOMEM. ................................................................. 1 UNIDADE 02 – ARTE: PRODUTO DA CULTURA. ....................................................................... 5 UNIDADE 03 – RELIGIÃO: PRODUTO DA CULTURA. ............................................................... 9 UNIDADE 04 – O INÍCIO DA RELIGIOSIDADE. ........................................................................ 13 UNIDADE 05 – O SAGRADO NA ARTE PRÉ-HISTÓRICA. ....................................................... 17 UNIDADE 06 – O RITO NA PRÉ-HISTÓRIA. ............................................................................. 22 UNIDADE 07 – A TRANSIÇÃO ENTRE A PRÉ-HISTÓRIA E A HISTÓRIA. ............................... 26 UNIDADE 08 – ÁFRICA: BERÇO DA CIVILIZAÇÃO. ................................................................. 30 UNIDADE 09 – MORTE E ARTE NO EGITO. ............................................................................. 35 UNIDADE 10 – O BERÇO DA CULTURA OCIDENTAL ............................................................. 39 UNIDADE 11 – EXPANSÃO DO IMPÉRIO.................................................................................. 44 UNIDADE 12 – ARTE ORIENTAL E O BUDISMO. ..................................................................... 48 UNIDADE 13 – CULTURA PALEO-CRISTÃ. ............................................................................... 52 UNIDADE 14 – BIZÂNCIO. ......................................................................................................... 56 UNIDADE 15 – IDADE MÉDIA NA EUROPA. ............................................................................ 59 UNIDADE 16 – RENASCIMENTO. .............................................................................................. 63 UNIDADE 17 – GRANDES NAVEGAÇÕES E O BRASIL INDÍGENA ......................................... 66 UNIDADE 18 – A RETOMADA DA IGREJA: ARTE BARROCA. ................................................. 69 UNIDADE 19 – BRASIL BARROCO. ........................................................................................... 72 UNIDADE 20 – SINCRETISMO NA ATUALIDADE BRASILEIRA. .............................................. 76 UNIDADE 01 – CULTURA: PRODUTO DO HOMEM. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetos: Compreender a cultura como parte do ser humano, sendo construída pelo homem para estabelecer vínculos e como forma de comunicação. Estabelecer as relações entre o comportamento humano de diferentes povos e a cultura produzida por eles. ESTUDANDO E REFLETINDO Nesta primeira unidade iremos nos familiarizar com o conceito de cultura, já que este conceito irá reger os estudos e entendimentos acerca de arte e religião nesta disciplina. Para entender cultura, precisamos entender que cultura é produto do Homem, da sociedade. Um homem sozinho não é sociedade e não produz cultura. Por quê? Para que haja cultura é necessário que conhecimentos transmitidos sejam de uma pessoa para outra, assim, um homem sozinho não é capaz de produzir cultura, é necessário que ele esteja inserido em uma sociedade. 1 Sociedade – organização humana criada ou sistema de inter-relação que conecta indivíduos em uma cultura comum. Todos os produtos da interação humana, a experiência de viver com pessoas ao nosso redor. Nós criamos essas interações e uma vez criados, os produtos dessa interação tem o poder ou a habilidade agir sobre nós, nos determinando e nos formando. Normalmente nós experimentamos SOCIEDADE como algo separado do INDIVÍDUO e das interações criados por ele, o que na realidade, não acontece. Ela é fruto desta relação. Agora, já familiarizados com o conceito de sociedade, podemos nos aprofundar no conceito de cultura. Ela é o produto da interação humana, conjunto de tradições, regras e símbolos que moldam e direcionam os sentimentos, pensamentos e comportamentos de um determinado grupo. Assim, podemos afirmar que, virtualmente, a cultura organiza todos os aspectos de nossas vidas, mesmo que estejamos alheios a isso. É possível que se perguntados sobre o que é cultura, respondêssemos que é a música, a literatura, a arquitetura... e não estaríamos errados, mas também não estaríamos tão corretos assim. É uma visão bastante simplista de cultura. Na realidade as coisas produzidas pela cultura são percebidas pelos nossos cinco sentidos e manifestam um significado mais profundo: O que fazemos, pensamos e sentimos. Esse conjunto a que chamamos cultura é de vital importância para a sociedade, pois permite que seus membros convivam uns com os outros sem que haja a necessidade de negociar e ensinar valores A cultura é diariamente aprendida e esquecida... ...apesar de sua importância, frequentemente estamos indiferentes de sua influência em nossa forma de perceber o mundo. e significados o tempo todo. 2 BUSCANDO O CONHECIMENTO Dentro de cultura, já vimos que são os conjuntos de tradições que direcionam as ações de pessoas que se relacionam dentro de uma sociedade. Podemos usar como primeira referência que o comportamento cultural é aprendido, sendo assim, diferente do instinto – comportamento dado por natureza ou de forma biológica. É todo comportamento desenvolvido pelo homem que é transmitido para outros, que se difere do comportamento natural e distingue os membros de diferentes sociedades. Estas diferenças entre as culturas das diversas sociedades podem ser apresentadas em: LINGUAGEM – Sistema de símbolos pelo qual os seres humanos comunicam suas ideias, sentimentos e experiências. Através da linguagem é que as experiências e descobertas podem ser guardadas e transmitidas para s futuras gerações. VALORES – São preferências, ideias que as pessoas compartilham sobre o que é bom e o que é ruim para a convivência dentro da sociedade. Extremamente abstrato e varia de acordo com as situações e épocas vivenciadas por determinada sociedade. NORMAS – Conceitos e comportamento que constituem o NORMAL. São regras de comportamento e padrões para a interação social. Elas, geralmente, derivam de valores, mas também contradizem valores. Têm como função guiar e criticar comportamentos individuais. As normas estabelecem expectativas que moldam as interações sociais. 3 Para entender melhor as diferenças culturais decorrente de diferentes povos em diferentes épocas, leia o trecho do capítulo ‘Da Natureza da Cultura ou Da Natureza à Cultura’ do livro de Roque de Barros Laraia, “Cultura: Um conceito antropológico.” Marco Polo, o legendário viajante italiano que visitou a China e outras partes da Ásia, entre os anos 1271 e 1296, assim descreveu os costumes dos tártaros: Têm casas circulares, de madeira e cobertas de feltro, que levam consigo onde vão, em carroças de quatro rodas... asseguro-lhes que as mulheres compram, vendem e fazem tudo o que é necessário para seus maridos e suas casas. Os homens não se têm de preocupar com coisa alguma, exceto a caça, a guerra e a falcoaria... Não têm objeções a que se coma a carne de cavalos e cães, e se tome leite de água... Coisa alguma no mundo os faria tocar na mulher de outro: têm extrema consciência de que isto é um erro e uma desgraça... (LARAIA. p. 11 e 12) O excerto do livro de Laraia nos apresenta a cultura de povo que viveu em uma região e uma época bastante diferentes da que vivemos hoje, e mostra que alguns atos, talvez impensáveis para nós, eram comuns e corriqueiros para essa cultura, por outro lado, cerca de oitocentos anos e milhares de quilômetros de distância não fizeram variar os valores acerca de cobiçar a mulher do próximo. O texto integral de Laraia pode ser encontrado em: http://books.google.com.br/books?hl=ptBR&lr=&id=TqjoHTKdo7cC&oi=fnd&pg=PA7&dq=cultura&ots=vqwoUs4huw&sig =WcgAOna97ARE_mDYWt3bultQagw#v=onepage&q=cultura&f=false 4 UNIDADE 02 – ARTE: PRODUTO DA CULTURA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetos: Estabelecer as relações entre a produção cultural das artes e a sociedade. Entender por que o homem, enquanto ser social e cultural produz arte. Compreender a importância das artes para a manutenção e evolução da sociedade, da cultura e de seus valores e normas. ESTUDANDO E REFLETINDO As definições tradicionais, pelo menos, tão comumente retratados nas discussões contemporâneas sobre a definição de arte levam a crer que obras de arte devem ser caracterizadas por um único tipo de propriedade. Os elementos padrão são propriedades de representação, propriedades expressivas e propriedades formais. Portanto, há definições de representação ou miméticos, definições expressivas e definições formalistas, que sustentam que obras de arte são caracterizadas pela sua posse, respectivamente, de propriedades representacionais, expressivas e formais. Não é difícil encontrar falhas nessas definições simplistas. Por exemplo, possuindo propriedades representacionais, expressivas e formais não podem ser condições suficientes, uma vez que, obviamente, manuais de instrução são representações, mas normalmente não obras de arte, rostos humanos e gestos têm propriedades expressivas sem ser obras de arte, e ambos os objetos naturais e os artefatos produzidos para os fins utilitários têm propriedades formal, mas não são obras de arte. Dois exemplos de definições historicamente influentes da arte são oferecidos por grandes filósofos e serão suficientes para ilustrar. Um primeiro estudo - Platão defende que as artes são representacionais, ou miméticas (às 5 vezes traduzida por "imitação"). As obras de arte são inferiores aos objetos físicos, que são reais. Apreendido perceptivamente, obras de arte apresentam apenas a aparência do que é realmente real. Consequentemente, a experiência artística não pode produzir conhecimento, pois não é real. Nem os fabricantes de obras de arte podem trabalhar o conhecimento, porque as obras de arte envolvem uma parte instável, inferior da alma, a arte deve ser subserviente às realidades morais, que, juntamente com a verdade, são mais metafisicamente fundamentais e, portanto, mais humanamente importante do que a beleza reproduzida. A beleza não é, para Platão, um terreno distinto das artes, e de fato a sua concepção de beleza é extremamente ampla e metafísica: há uma forma de beleza, de que podemos ter conhecimento não perceptual, mas é mais intimamente relacionada ao sentir do que às artes (ver, imitar, representar). Um segundo pensamento é o de Kant, ele tem uma definição de arte como ‘uma espécie de representação que é proposital em si mesmo e, embora sem um fim, no entanto, promove o cultivo das faculdades mentais de comunicação sociável’ (KANT, I. Crítica do juízo). A definição kantiana tem elementos de representação, formalistas e expressivas. Localizado conceitualmente em uma discussão muito mais ampla do juízo estético e teleologia, a definição é um pequeno pedaço de uma estrutura filosófica extremamente ambiciosa que tenta explicar e trabalhar as relações entre o conhecimento científico, a moralidade e a fé religiosa. Assim, nos apropriando do pensamento Antifonário Italiano – Iluminura sobre pergaminho, aprox.. 1450. National Széchényi Library, Budapeste de Kant para formularmos nosso próprio entendimento de arte. Sendo a arte representacional, expressiva e/ou formalista no sentido de promover as faculdades mentais de comunicação social, podemos concluir que 6 por função da arte na sociedade estão à comunicação de ideias, sentimentos, valores, entre outros elementos da cultura de um povo que são transmitidos e perpetuados através e independentes do período histórico e do espaço geográfico, já que registram as atividades humanas, tornando-as capaz de educar e ensinar, ao passo que artes de vanguarda, num momento mais contemporâneo, são passíveis de causar mudanças ao proporcionar questionamentos e novas forma de ver e estar no mundo (sociedade). BUSCANDO O CONHECIMENTO Leia o trecho do artigo de Irama Sonary de Oliveira Ferreira e Lívia Freire de Oliveira sobre “Arte: Conceito, Origem e Função”. Focaremos na parte FUNÇÃO DA ARTE, como forma de elucidar e provocar mais reflexões acerca do tema. FUNÇÃO DA ARTE Em cada sociedade existe um modo de se ver a arte, como por exemplo, em sociedades indígenas podemos nota-la no seu dia-a-dia através de suas vestimentas, pinturas, artefatos etc. A arte só foi reconhecida no séc. XX como um objeto que proporciona experiência de conhecimento (AZEVEDO JÚNIOR, 2007). Segundo Fischer (1983), o homem só se tornou homem através do conhecimento que a arte proporciona, pois é da utilização deste conhecimento que ele faz suas ferramentas para poder atender suas necessidades, como por exemplo, o homem primitivo viu a utilidade de se proteger contra os inimigos e também caçar, no entanto criou uma ferramenta como uma vara juntamente com uma pedra para atingir animais, ou outros seres que viessem o atacar. Para Azevedo Júnior (2007) arte, de uma forma mais artística, apresenta três funções principais: a pragmática ou utilitária, a naturalista e formalista. A arte como função pragmática serve como uma alternativa para alcançar um fim não artístico e sim uma finalidade, baseado nesta ideia, a arte pode estar a serviços 7 para finalidades religiosas políticas ou sociais, neste caso não é interessante sua qualidade estética, mas a finalidade que se prestou alcançar. A arte como função naturalista tem como objetivo representar algo ao observador de forma mais natural possível, o que interessa aqui é a representação da realidade e da imaginação do conteúdo de tal arte para o observador, de uma maneira que este possa compreender. A arte como função formalista preocupa-se com significados e motivos estéticos, se preocupa em transmitir e expressar idéias e emoções através de objetos artísticos (AZEVEDO JÚNIOR, 2007). Segundo Fischer (1983, p. 01) cabe a arte: “Papel de clarificação das relações sociais, ao papel de iluminação dos homens em sociedades que se tornavam opacas, ao papel de ajudar o homem a reconhecer e transformar a realidade social. Uma sociedade altamente complexificada, com suas relações e contradições sociais multiplicadas, já não pode ser representada à maneira dos mitos.” Esta função formalista apresentada no texto está na base dos conhecimentos e tradições das sociedades desde que o homem se agrupa em comunidades e faz uso das artes como meio de transmiti-los, mesmo que a apresentação das funções da arte se diferencie do início das produções artísticas para como vemos a arte nos dias atuais, é bastante esclarecedor para que entendamos o que nos leva, enquanto seres humanos, a produzir arte. Para ter ler o texto integral acesse: http://www2.ufersa.edu.br/portal/view/uploads/setores/241/texto%205.pdf 8 UNIDADE 03 – RELIGIÃO: PRODUTO DA CULTURA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetos: Estabelecer as relações entre a produção cultural religiosa e a sociedade. Entender a relação entre o Homem e a religião. Compreender a construção da religião como valor social e cultural e sua relação à população, o período histórico e o ambiente. ESTUDANDO E REFLETINDO Discutir de onde vem a religião e por que diferentes povos têm diferentes crenças perpassa a origem de cada povo e sua forma de enxergar o mundo. A religião define como a comunidade interpreta seu lugar no universo, com estes ensinamentos baseados na cultura local, diferentes religiões nascem de diferentes culturas. Assim, quando membros de uma determinada cultura passam suas crenças para membros de outra cultura, normalmente a cultura ‘hospedeira’ sofrerá mutações, podendo resultar em um terceiro entendimento de mundo ou extinguir um das culturas envolvidas no processo. O homem pré-histórico depositava sua crença em forças sobrenaturais, em divindades como as representadas pelas Vênus Estatopígeas, divindades da fertilidade, apresentadas como mulheres grávidas, a fim de trazer fertilidade às fêmeas do grupo ou à terra para o plantio. Sim, podemos perceber que a natureza, ou melhor, as forças da natureza foram a primeira ideia de religião articulada pelo homem. Pensando em uma humanidade evolucionária, o proto-homem, aquele que vivia na pré-história desenvolveu seu primeiro sistema de crenças ao se entender como um ser vivente e, portanto, mortal. 9 Ao se dar conta da própria mortalidade, o homem sente medo e precisa de conforto e respostas, não somente para a pergunta: “O que acontece comigo quando eu morro?” mas também para outras perguntas cujas respostas não eram óbvias. Perguntas como: - Quem envia as chuvas ou as secas? - Quem controla os raios nas tempestades? - Como as crianças se desenvolvem no ventre da mãe? - Quem controla as estações do ano? Tais perguntas se referem à situações cotidianas de um homem préhistórico, que influenciavam diretamente sua vida, mas para as quais não tinham respostas. Assim, surgem para as diferentes tribos existentes na Terra, durante a formação dos primeiros grupos humanos organizados, os sistemas de crença. Sistema que pertence e evolui de acordo com a cultura desenvolvida por cada tribo para sobreviver ao ambiente no qual se encontrava. BUSCANDO O CONHECIMENTO TRANSIÇÃO PARA A HUMANIDADE Clifford Geertz [...] Mas a situação é ainda mais desesperada, porquanto se os austhralopithecus possuíam uma forma de cultura elementar (aquilo a que um antropólogo chamou «protocultura»), com um cérebro cujo tamanho era apenas um terço daquele do homem moderno, daqui se infere que a maior parte da expansão cortical humana seguiu, e não precedeu, o «início» da cultura. Na teoria do «ponto crítico» considerava-se o homem já mais ou menos completo, pelo menos neurologicamente, antes de se iniciar o desenvolvimento da cultura, uma vez que a capacidade biológica de adquirir cultura era uma questão de tudo ou nada. Uma vez alcançada esta totalmente, o resto foi uma mera adição de novos 10 costumes e desenvolvimento de outros mais antigos. [...] um período no decorrer do qual se forjaram todas aquelas características da existência do homem que são mais humanas: o seu sistema nervoso, dotado de um bom encéfalo; a sua estrutura social baseada no incesto como tabu, e a sua capacidade de criar e de utilizar símbolos. O fato destas diferentes características da humanidade terem surgido a um mesmo tempo, numa complexa interação e não sucessivamente, como se supôs durante (muito tempo, é de excepcional importância para a interpretação da mentalidade humana, uma vez que sugere que o sistema nervoso do homem não só lhe permite adquirir cultura, como também é necessário que o faça para que possa funcionar. [...] As ferramentas, a caça, a organização familiar, e, mais a arte, a religião e uma forma primitiva de «ciência», moldaram o homem somaticamente, e são, portanto, não só necessárias para a sua sobrevivência, como também para a sua realização existencial. É certo que sem homens não existiriam manifestações culturais. Mas é igualmente certo que sem manifestações culturais não haveria homens. A trama simbólica formada por crenças, expressão e valores, em cujo interior vivemos, provê-nos dos mecanismos necessários a uma conduta ordenada; [...] Sem os padrões guias da cultura humana, a vida intelectual do homem não seria mais do que uma confusão barulhenta e estrondosa, como disse William James. O conhecimento no homem, ao contrário do que acontece com os símios, depende da existência de modelos simbólicos da realidade, objetivos e externos. Emocionalmente, a situação é a mesma. Sem o guia das imagens exteriorizadas, dos sentimentos falados no ritual, os mitos e a arte, não saberíamos, de fato, como sentir. Tal como o próprio cérebro anterior desenvolvido, as idéias e as emoções são artefatos culturais do homem. [...] O texto integral pode ser acessado em: 11 http://cdsa.ufcg.edu.br/portal/outras_paginas/arquivos/aulas/marcio_caniell o/introd_a_antropologia/GEERTZ_A_transicao_para_a_humanidade.pdf O excerto acima propõe uma teoria evolucionista do Homem apoiando esta evolução no desenvolvimento e apreensão da cultura, ele apresenta ao final deste trecho que sem a evolução emocional o homem não poderia ter se desenvolvido ao ponto em que nos encontramos, essa evolução emocional está atrelada também à forma como ele percebe, reage e interage com o mundo que o cerca. Sem os modelos simbólicos de que fazemos uso, como a fala, a escrita, a arte e a religião não haveria cultura e sem cultura não haveria evolução. Esta dependência está no campo racional, enquanto analisado o desenvolvimento cultural da abstração, mas está também ligada ao campo emocional, visto que o homem precisa se apoiar em crenças que justifiquem e regulem seu comportamento social. 12 UNIDADE 04 – O INÍCIO DA RELIGIOSIDADE. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer a civilização em formação e os fatores que iniciam a expressão da religiosidade humana. Analisar e conhecer o produto da cultura dessa civilização: arte e religião. ESTUDANDO E REFLETINDO De um ponto de vista puramente natural, o homem é o mais inadequado dos seres vivos existentes em nosso planeta. Por outro lado, é o mais poderoso de todos os animais. O lhama nasce com uma grossa proteção que lhe permite adequar-se ao frio dos Andes, seu ambiente natural; o homem, dotado de pele fina e delicada, teve de aprender a tirar o pêlo de outros animais para proteger-se do frio, o que lhe permite habitar todas as regiões da Terra. Depois aprendeu a se vestir com tecidos de fibras naturais e até artificiais, eliminando a aparente vantagem dos animais mais bem-dotados. Ratos e toupeiras são instintivamente industriados a cavar a terra em busca de calor e proteção, graças a suas patas e focinhos criados especialmente para isso. O homem, em vez de escavar a terra com suas mãos, utiliza-se de instrumentos como a enxada, a pá ou, mais recentemente, as máquinas modernas, com as quais constrói abrigos mais quentes e mais bem protegidos do que os outros animais. Garoupas devoram outros peixes enquanto nadam, os felinos tem garras com as quais dilaceram suas vítimas, as aves de rapina capturam suas presas com garras e bicos especialmente projetados para o ataque. Já o homem, frágil e sem habilidade natural, criou as armas e as armadilhas com as quais derrota o adversário e providencia o futuro alimento a distância, sem perigosos confrontos pessoais onde poderia dar-se mal. Os animais herdam, individualmente, suas capacidades; cada rato nasce sabendo roer, cada lhama nasce com seu casaco natural, cada peixe nasce sabendo procurar seu alimento. Nenhum 13 homem nasce sabendo construir casas, fabricar armas ou utilizar o pêlo de outro animal. Só através do exemplo dos mais velhos, ou seja, por meio da aprendizagem, é que ele chega a receber sua herança. Por isso, especialistas como Gordon Childe costumam dizer que, na história humana, roupas, ferramentas, armas e tradições tomam o lugar de pelos, garras, presas e instintos, na busca de alimentos e abrigos. Essa diferença não é apenas quantitativa, é também qualitativa, já que estabelece uma distinção, um momento de ruptura entre a história natural e a social, entre a história construída pela natureza e aquela em que os seres humanos além de pacientes são também agentes. (PINSKY, J. As primeiras civilizações. p.07. Grifo nosso). A passagem acima nos dá a perspectiva de que o Homem, mesmo sendo o mais fraco dos animais, se tornou forte ao usar sua melhor ferramenta para se adequar ao meio em que vive. A Inteligência. Essa ferramenta é o que moveu a humanidade para onde estamos hoje e nos levará adiante. Ela também é responsável pelo desenvolvimento de um pensamento crítico, não só quanto ao seu meio natural, mas cria no Homem uma certa inquietude, levando-o a buscar respostas não só para os problemas físicos que ele enfrentava, como a falta de comida, o frio e o perigo de enfrentar animais, mas para os problemas de ordem espiritual, como “de onde viemos?” e “para onde vamos” dentre outros muitos questionamentos. Aí reside o início da religiosidade. BUSCANDO O CONHECIMENTO QUANDO O SAGRADO SE MANIFESTA – Mircea Eliade O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. Poder-se-ia dizer que a história das religiões – desde as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas. A 14 partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, urna pedra ou uma árvore – e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo “natural”, “profano”. O homem ocidental moderno experimenta um certo mal estar diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado: é difícil para ele aceitar que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou árvores, por exemplo. Mas, como não tardaremos a ver, não se trata de uma veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore como árvore. A pedra sagrada, a árvore sagrada não são adoradas com pedra ou como árvore, mas justamente porque são hierofanias, porque “revelam” algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado, o ganz andere. Nunca será demais insistir no paradoxo que constitui toda hierofania, até a mais elementar. Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (para sermos mais exatos, de um ponto de vista profano) nada a distingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata transmuda se numa realidade sobrenatural. Em outras palavras, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania. O homem das sociedades arcaicas tem a tendência para viver o mais possível no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Essa tendência é compreensível, pois para os “primitivos”, como para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última análise, à realidade por excelência. O sagrado está saturado de ser. Potência sagrada quer dizer ao mesmo tempo realidade, perenidade e eficácia. A oposição sagrado/profano traduz se muitas vezes como uma oposição entre real e irreal ou pseudo real. (Não se deve esperar encontrar nas línguas arcaicas essa terminologia dos filósofos – real-irreal etc. –, mas encontra-se a coisa.) É, portanto, fácil de compreender que o homem religioso deseje profundamente ser, participar da realidade, saturar-se de poder. O texto de Mircea é esclarecedor quanto ao lugar onde reside a religiosidade. Ela está dentro de cada indivíduo e quando indivíduos de um mesmo grupo convivem compartilhando suas alegrias e temores acabam por partilhar também sua religiosidade, ou seja, aquilo onde depositam sua crença, seus objetos e locais sagrados, associam os mesmo eventos à situações de poder espiritual ou divino. 15 Na próxima unidade veremos a religiosidade que floresceu na pré-história. Enquanto isso, você pode ler o texto integral em: http://gepai.yolasite.com/resources/O%20Sagrado%20E%20O%20Profano%20-%20Mircea%20Eliade.pdf 16 UNIDADE 05 – O SAGRADO NA ARTE PRÉ-HISTÓRICA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer a civilização em formação e os fatores que iniciam a expressão da religiosidade humana. Analisar e conhecer o produto da cultura dessa civilização: arte e religião. ESTUDANDO E REFLETINDO Caro aluno, para compreender os conceitos apresentados nessa unidade, precisamos primeiramente relembrar o contexto em que surgem os termos e que mudanças ocorrem nesses pensamentos no decorrer da história, entender, também, a função da arte no cotidiano e conseguir “ler” as imagens para compreender o que querem nos dizer. Ao entender como os artistas contam suas “estórias” através das imagens, encontraremos o caminho para contarmos nossas “estórias” também. Conhecendo a história de um artista, a época em que ele viveu e o pensamento artístico desse período poderemos compreender melhor a sua obra. Uma obra pode nos sensibilizar, mesmo sem o conhecimento de seu “histórico”, mas para uma compreensão mais profunda do seu significado é de suma importância que se saiba em que contexto histórico e social tal obra foi produzida. Para podermos apreciar uma obra de arte precisamos, não só, de sensibilidade, pois aquele que desconhece o significado da beleza imaterial pode estar diante da obra mais importante da humanidade e sequer se manter dois segundos olhando para ela. Vamos analisar um trabalho artístico e ver as mudanças estéticas que ocorreram com o passar dos anos. 17 Vênus de Willendorf – Pedra calcária – 11 cm – aprox. 30 mil a.C. Museu de História Natural de Viena, Áustria A Vênus estatopígia que você está olhando é a Vênus de Willendorf. É uma estatueta que representa o ideal de mulher do paleolítico europeu. Note que o conceito de beleza do homem pré-histórico é diferente do conceito de beleza mais amplamente difundido atualmente (não que não haja quem goste ou credite beleza a essa constituição física na atualidade) O conceito de belo, no caso da Vênus de Willendorf, precisa ser analisado de acordo com os fatores sociais e culturais vigentes na época em que a obra foi 18 produzida. Precisamos pensar que durante o paleolítico o homem era nômade e não dominava a agricultura ou a pecuária, e a fertilidade era algo sagrado. Analisando por esse viés, a beleza de uma mulher estava em ser resistente às condições climáticas e na capacidade de gerar filhos. A mulher de maior constituição física era considerada mais apta a ter filhos, portanto, mais bela. Perceba como os fatores socioculturais de um período influenciam a produção artística dele. Essa é a análise estética da Vênus, mas vamos pensar que a relação entre poética e estética é uma relação de mensagem e meio. A mensagem já foi analisada, vamos analisar o meio, a maneira como ela é transmitida. As Vênus eram produzidas em pedra e mediam aproximadamente de 10 a 15 centímetros. Eram feitas assim, pois o homem pré-histórico era nômade, não se fixava em uma determinada região e, por estar sempre em movimento, não poderia fazer algo que não pudesse carregar ao se mudar para um novo acampamento. Aqui, o fator social influencia, não a imagem do que está sendo produzido, mas a forma como é produzido, então, influencia a poética. BUSCANDO O CONHECIMENTO Como visto no início de nossa disciplina, a cultura, aquilo que se desenvolve entre as pessoas de uma comunidade é influência e também influencia outras ações da vida em conjunto, como a religião e a arte. No paleolítico não podemos ainda chamar de religião, é mais como uma “magia”, a crença em um poder extracorpóreo, superior ao homem. A deusa e suas culturas - Rosalira Oliveira Os estudiosos costumam situar as origens do culto da Deusa no período Paleolítico (por volta de 100.000 a 10.000 a.C.), também chamado “período dos caçadores/coletores”. As estátuas da Deusa representada como uma mulher com seios e nádegas pronunciadas – as chamadas “Vênus Paleolíticas” – estão entre as primeiras representações do divino que a humanidade elaborou. Algumas dessas 19 imagens datam de 30.000 anos atrás. Tradicionalmente vistas como ligadas a algum culto antigo de fertilidade, elas foram reinterpretadas por Marija Gimbutas como representações dos poderes do mundo geradores da vida, precursoras muito antigas da Grande-Mãe que ainda será reverenciada em épocas históricas. No seu entendimento, as imagens das “Vênus”, com suas características femininas – seios, ventre, vulva, quadris – deliberadamente exageradas, constituem: Uma representação religiosa - a reificação da Geradora da Vida. Aquelaspartes do corpo que, aos nossos olhos, parecem exageradas ou grotescas são as suas partes mais importantes, mágicas e sagradas; a fonte visível e produtiva da continuidade da vida em seus diversos aspectos e funções. (1998: 54). Mas não é só no início da aventura humana que a Deusa se faz presente. A Grande Mãe do Paleolítico atravessa toda a chamada “revolução agrícola” para firmar, no período seguinte, sua adoração. O Neolítico é considerado um momento de grande prestígio do feminino, fato atestado pelo impressionante número de esculturas, gravuras e outras imagens representando imponentes personagens femininos, cujo poder e natureza divina se afirmam nitidamente. É ainda Marija Gimbutas quem percebe nesta continuidade da representação feminina, “uma única linha de desenvolvimento de um sistema religioso, desde o Paleolítico Superior, passando pelo Neolítico, pelo Calcolítico e pela Idade do Cobre baseado em uma organização matrifocal”. (IDEM: 67). Realmente, adoração da Deusa e matrifocalidade parecem caminhar juntas. Caracterizado pelo surgimento da agricultura, o período Neolítico marca um momento de extrema valorização dos aspectos positivos da Grande-Deusa como deusa da fecundidade, criadora da vida e, pensam historiadores e arqueólogos, também da mulher vista como a criadora no âmbito do humano. Afinal, o culto da Deusa-Mãe não poderia “deixar de ter consequências sobre as relações do homem e da mulher. Esta era o sucedâneo humano daquela e o homem do Neolítico adorava um deus com formas femininas”. (BADINTER, E. 1986:67) Mesmo levando-se em consideração o fato de que a concepção da sacralidade da maternidade e da mulher já se fazia presente desde o período anterior, pode-se inferir que a descoberta da agricultura reforçou consideravelmente essa associação vinculando simbolicamente a fertilidade da terra à fecundidade feminina. Na percepção dos nossos ancestrais, as mulheres se tornaram, então, as responsáveis pela abundância das colheitas, uma vez que conheciam e compartilhavam do mistério da Criação. Esse modo de pensar 20 constitui uma expressão daquilo que Mircea Eliade denominou “consciência agrícola”, uma concepção de mundo que tem na percepção de uma solidariedade mística entre a fertilidade da terra e a fecundidade da mulher uma das suas intuições fundamentais. Nesta concepção, o próprio trabalho agrícola é um rito, já que além de ser um ato realizado sobre o corpo da Terra-Mãe, implica na integração do lavrador com os Seus ciclos. Ainda segundo Eliade, a consciência agrícola enseja uma “religião cósmica”, fortemente ancorada no vínculo mágico que une agricultura e procriação, na qual os ritos destinados a assegurar a fecundidade do solo são frequentemente realizados pelas mulheres. São exemplos de tais ritos: a nudez, as orgias, as gotas de leite materno derramadas no campo, a semeadura ritual, etc. Em alguns casos, apenas as mulheres grávidas podem participar, em outros apenas as virgens e em outros, ainda, apenas as casadas. Todos eles reafirmam a crença nesse vínculo cósmico, nessa solidariedade profunda em virtude da qual: A fecundidade da mulher influencia a fertilidade dos campos e a opulência da vegetação, por sua vez, ajuda a mulher a conceber. Os mortos colaboram com uma e com a outra, esperando dessas duas fontes de fertilidade, a energia e a substância que os reintegrarão ao fluxo vital. (IDEM: 70). Para acessar o artigo completo clique no link abaixo: http://www.okara.ufpb.br/ojs2/index.php/artemis/article/view/2200/1939 21 UNIDADE 06 – O RITO NA PRÉ-HISTÓRIA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Conhecer a civilização em formação e os fatores que iniciam a expressão da religiosidade humana. Analisar e conhecer o produto da cultura dessa civilização: arte e religião. ESTUDANDO E REFLETINDO O surgimento da “consciência mística” ou de um poder superior ao do homem traz outras modificações na relação do Homem com o meio e produz outras conformações artísticas e ritualísticas. Durante a pré-história, além das estatuetas de culto à fertilidade, há o desenvolvimento da pintura rupestre, ou parietal (realizada em parede), essas pinturas se apresentam em cavernas dificilmente habitáveis, por isso, acredita-se que as cavernas eram locais de “culto”, as representações encontradas nessas cavernas são de animais sendo caçados ou já abatidos. 22 Pintura paleolítica de Bisão sendo atacado – Gruta de Niaux (fonte: www.bradshawfoundation.com) Acredita-se que essas pinturas eram realizadas como um ritual preparatório para a caçada. Assim como algumas comunidades indígenas da atualidade, é amplamente difundida a crença de que os homens primitivos pintavam as cenas da caçada e os animais abatidos acreditando que assim eles estavam antecipando a realidade. Não havia distinção para eles entre o que era real ou pictórico e que desta forma seriam vitoriosos na caçada, já que o “futuro” já estava traçado. Outra crença similar atrelada às pinturas parietais é de que os homens “das cavernas” acreditavam que ao representar fielmente a presa em sua pintura, e se essa fosse feita bem no fundo da caverna, o espírito do animal ficaria preso na caverna junto com a imagem, e assim, sem seu espírito, ele perderia sua vitalidade e seria uma presa fácil, garantindo o sucesso da caçada. Fonte: scm.ulster.ac.uk BUSCANDO O CONHECIMENTO A ARTE DOS POVOS PRIMITIVOS Lino Junkel Iara Ribeiro Há quarenta mil anos. Raquel Rascoe Datam dessa época, os primeiros vestígios do homem na terra. Os nossos antepassados, os famosos homens das cavernas, já produziam arte? Já refletiam sobre o fazer artístico? Até que ponto tinham consciência do poder das suas imagens? Qual era o lugar da arte na vida do homem pré-histórico? É muito comum encontrarmos como registros desses homens, as imagens que eles deixaram no interior das cavernas que lhes serviam de abrigo. Eles eram nômades, portanto, dependiam do fluxo da natureza para sobreviverem. [...] 23 No período inicial da sociedade humana, o homem competia com animais ferozes como o urso e o leão, pelas cavernas. Deduz-se isso a partir da informação documentada nas cavernas dos Alpes. Ursos representados através de pinturas no teto que sugerem rituais de culto ao urso. Nessas cavernas dos Alpes, também foram encontrados ossos de ursos ritualmente dispostos. Formas em círculos e uma simetria que sugere algum processo ritualístico. Também era frequente a caça e o culto da rena nesse período. O arouche foi outro animal pintado com muita frequência. Ele era parecido com o búfalo selvagem e ao que tudo indica, muito feroz e violento. Segundo as pinturas encontradas dessas feras, sua caça era um evento sangrento. A importância dos arouches nas comunidades primitivas foi tão forte, que ele chegou a ser posto como divindade, já nas comunas neolíticas por uma área que vinha da Europa ocidental até a Índia oriental. Nas primitivas clãs do Egito e no Mediterrâneo ocidental. Esses povos acreditaram por milênios, que o touro era o Deus da Fertilidade e do poder dos reis. Os primeiros Deuses totêmicos da "proto-história" do ocidente eram originados no culto do touro e do javali nas tribos Neolíticas. [...] O caráter místico da arte primitiva reside na forma como os animais eram representados, além dos locais onde são encontradas as pinturas e dos vestígios de atividades humanas nesses locais. O caráter utilitário da arte das cavernas consistia na crença de que através dos rituais, era possível um "encantamento" das feras que as tornassem mais passíveis de serem caçadas. A reprodução humana e animal também era um tema muito frequente na arte primitiva. Existem historiadores que acreditam que a Magia da fertilidade predominou sobre a Magia da caça. A magia da fertilidade é representada nas paredes das cavernas por formas exageradas de mulheres, os seios nus, sem pernas, braços e rostos. O homem era representado por um boneco simplificado, e o único detalhe era o pênis, muito grande e ereto. A reprodução animal era mais representada que a humana. É espantosa a qualidade técnica de algumas pinturas encontradas nos fundos das cavernas. A originalidade é característica muito comum nas grutas Francesas. O artista que executou grandes animais nas grutas de Lascaux, se apropriou de relevos existentes na superfície usada como suporte, para criar ilusões de músculos em um touro. Existem detalhes nessas imagens que o homem do paleolítico representava com um exímio conhecimento, comparável a grandes desenhistas. A superposição de imagens é muito comum. Acredita-se que certos lugares eram considerados especiais e por isso, por várias vezes, eram usados como cenário para magias de caça e fertilidade, além de suportes para a arte, seja ela produto ou parte desse rito. Não há outra explicação para essa superposição, já que o interesse estético não fazia o menor sentido e não havia nenhuma ordem lógica para a colocação dessas figuras. Quanto mais difícil o acesso a uma determinada caverna e quanto mais acidentada ela era, mais carregada de imagens eram suas paredes. Essa é outra característica que nos leva a acreditar na existência de lugares 24 sagrados para os homens primitivos e também descarta a possibilidade dessas imagens serem simplesmente decorativas. Outras evidências de rituais são encontradas nas cavernas africanas, crânios trabalhados com certas aberturas frequentemente repetidas são considerados vestígios de canibalismo ou de uma crença no espírito individual. O homem do período paleolítico já possuía ritos funerários ligados à crença de uma vida futura. Pois eles sepultavam seus mortos sem a preocupação de protegerem o seu corpo. Eram usados também, vários pigmentos nos ossos do homens. Devido a esse caráter ritualístico da arte rupestre, ela deve ser analisada juntamente com as características sociais que a envolvem. O artista, as crenças, os hábitos e as necessidades suas e de seus contemporâneos. Os ritos, acontecimentos sociais onde grupos de homens formalizam relações entre si e com outros grupos e forças superiores, têm, nas diferentes culturas em que ele se manifesta, um papel socializador muito importante. Especificamente na pré-história, ele foi responsável pelo desenvolvimento da cultura. As primeiras noções de hierarquia derivam dessas cerimônias - Quando um homem executava melhor determinada tarefa, ele se tornava responsável por ela num grupo, favorecendo o intercâmbio complementar à integração da vida social. A proibição do incesto, para alguns arqueólogos, é um dos fundamentos da sociedade humana - Um homem não se casa com uma moça de sua família porque pretende que ela se case com um homem de outra família. Assim aumenta as possibilidades de sobrevivência dos seus. Para ter acesso ao artigo completo, acesse: http://www.eba.ufmg.br/alunos/kurtnavigator/arteartesanato/rito.html 25 UNIDADE 07 – A TRANSIÇÃO ENTRE A PRÉ-HISTÓRIA E A HISTÓRIA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Conhecer a civilização mesopotâmica e os fatores que iniciam a expressão da religiosidade dessa cultura. Analisar e conhecer o produto da cultura dessa civilização: arte e religião. ESTUDANDO E REFLETINDO Na unidade anterior pudemos perceber que a evolução do Homem na sua forma de sobreviver o leva também a uma evolução espiritual, evolução de suas crenças e deuses. Nesta unidade veremos a transição da pré-história para a história. Isso é, o momento em que o Homem passa a registrar suas ações através da escrita. As primeiras formas de escrita são de 3.300 a.C. e foram descobertas na região suméria onde se encontrava a cidade de Uruk, na Mesopotâmia, e eram um sistema pictográfico complexo apresentados em um vaso decorado com uma oferenda feita a uma deusa. 26 Para os sumérios, a religião era parte fundamental da vida e cultura, deixando representações em escultura e modelagem em placas de argila, bem como sinetes e cilindros de gravação. Porém, não há muitos registros em pedras já que a região não oferecia a matéria prima para tal. A civilização se baseava em um governo teocrático, isso porque o governante precisava ter grande influência sobre a população para conseguir que as estruturas necessárias para o modo de vida desenvolvido fossem garantidas. Grandes estruturas de barragem e irrigação eram necessárias para a produção agrícola, já que a o regime dos rios Tigre e Eufrates não era tão regular quanto o do Nilo, no Egito. Assim, a população se organizava em torno dos Zigurates, construções piramidais de base quadrada e constituída por andares, no topo da pirâmide se encontrava o templo. O sacerdote governava o templo e a população e a religião não se voltava para a vida após a morte, a comprovação disso está na ausência de sepultamento dos mortos, só mais tarde no desenvolvimento desse povo é que passa-se a verificar uma preocupação com a vida pós morte, e nesse momento podemos encontrar governantes sendo enterrados com toda a casa e também com seus escravos, para que nada lhes faltasse no além. Estela de Naran Sin A grande obra que ilustra a arte imperial da dinastia acadiana, esta estela celebra o triunfo do Rei Naram-Sin sobre um povo da montanha, o Lullubi. O rei acadiano conduziu suas tropas sobre as encostas íngremes do território inimigo, esmagando sem piedade toda a resistência. A marcha da vitória do conquistador é coroada com a ascensão pessoal de um soberano que agora poderia reivindicar igualdade de condições com os deuses. O espólio dos reis elamitas 27 Esta grande estela da vitória de excepcional qualidade, esculpida em pedra calcária rosa, não foi encontrada na Mesopotâmia, mas no local iraniano de Susa. Ela foi levada para lá no século XII a.C. pelo rei elamita Shutruk-Nahhunte, juntamente com considerável espólio recolhido durante sua campanha vitoriosa na Babilônia. Juntamente com a inscrição existente em cuneiforme primitivo, o rei acrescentou uma outra dedicada a sua própria glória e na qual ele declara que a estela foi levada depois da pilhagem da cidade de Sipar. Naram-Sin e a altura do império acadiano O texto original escrito em acadiano nos diz que esta estela foi feito para comemorar a vitória do Naram-Sin, rei de Akkad, sobre o Lullubi, um povo de montanha da região central Zagros. Naram-Sin foi o neto de Sargon, o fundador do império acadiano e o primeiro a unificar toda a Mesopotâmia no final do século XXIV a.C.. NaramSin reinou depois de seu tio Rimush e de seu pai Manishtusu, fazendo dele o quarto soberano da dinastia. A lista de reis sumérios afirma que ele reinou por 36 anos, entre 2254 e 2218 a.C. Embora nenhum documento contemporâneo confirma um longo reinado, o império acadiano parece ter atingido seu auge durante este período. A vitória sobre os povos de montanha O brilho do reinado de Naram-Sin é refletido na execução desta estela, que comemorou sua vitória sobre Satuni, rei dos Lullubi. Pela primeira vez, o escultor rejeitou a tradicional divisão de gravuras registradas em camadas, optando por uma composição unificada e dinâmica, construída em torno da figura do soberano glorificado. O exército acadiano está subindo as encostas íngremes das montanhas Zagros, a casa dos Lullubi. Esta marcha ascendente varre toda a resistência. À direita de uma linha de árvores que aderem-se a encosta da montanha, inimigos derrotados são retratados em uma postura de submissão. Aqueles que foram mortos são pisoteados pelos soldados acadiano ou empurrados no precipício. Essas pessoas da montanha estão vestidas com uma túnica e usam o seu longo cabelo amarrado para trás. A composição é dominada pela figura eminente do rei, para quem todos os olhos - os dos soldados acadiano e de seus inimigos Lullubi - estão virados. O soberano triunfante, mostrado mais alto do que os outros homens em sua forma mais tradicional, leva o seu exército no ataque na montanha. Ele é seguido por porta-estandartes que marcham antes de soldados com capacetes carregando arcos e machados. Naram-Sin espezinha os corpos de seus inimigos, enquanto um Lullubi ajoelhado tenta arrancar a flecha perfurando sua garganta. Outro levanta as mãos à boca, pedindo ao rei acádio por misericórdia. Mas o olhar do conquistador é direcionado para o topo da montanha. Acima de Naram-Sin, discos solares parecem irradiar a sua proteção divina para com ele, quando ele se levantar para atendê-las. O soberano acadiano usa um capacete cônico com chifres - um símbolo tradicionalmente de privilégios com os deuses - e está armado com um grande arco e um machado. Essa ascensão vitoriosa esculpida na pedra, portanto, celebra um soberano que se considera em condições de igualdade com os deuses. Em inscrições oficiais, o nome de 28 Naram-Sin foi, portanto, precedido de um determinante divino. Ele empurrou as fronteiras do império mais longe do que jamais tinha sido, de Ebla na Síria para Susa em Elam, e levou seu exército "onde nenhum outro rei tinha ido antes dele." Ele agora aparece como um monarca universal, como proclamado por seu título oficial "Rei das Quatro Regiões" - ou seja, de todo o mundo. Fonte: http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/victory-stele-naram-sin. Acesso em 14/02/2015. Tradução: Cíntia Borges Ribeiro BUSCANDO O CONHECIMENTO Para aprofundar o conhecimento acerca da arte e da cultura mesopotâmicas, indico o site visitando o Louvre com a Bíblia, no endereço eletrônico abaixo: http://www.louvrebiblia.pt/index.php/louvrebible/default/visiteguidee/stele-denaram-s%C3%AEn-rubrique-menu-125 29 UNIDADE 08 – ÁFRICA: BERÇO DA CIVILIZAÇÃO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer, analisar e entender a expressão histórico-cultural da religião africana ‘primitiva’. ESTUDANDO E REFLETINDO O continente africano é imenso, e assim como é complexo definir a cultura e a arte brasileiras em uma só, mesmo o Brasil sendo um país e não um continente, essa tarefa é ainda mais difícil para um continente, principalmente um com tanto tempo de existência e tão grande. É importante salientar a necessidade de estudar e entender a cultura africana, pois ela é, em grande parte, responsável por nossa cultura também, mais a frente nessa disciplina, veremos a vinda dos povos africanos como escravos e como a sua cultura, sua religião e sua arte se mesclaram à dos portugueses e outros povos que viviam no Brasil e a contribuição que esse mistura trouxe para a identidade de nosso povo. Recentes pesquisas antropológicas e arqueológicas apresentam a África como berço e matriz da humanidade e isso traz um vasto acervo de registros da constituição civilizatória das comunidades humanas. Conhecer a simbologia e a liturgia, seus poderes, bem como o material ritualístico produzido para tal finalidade são de grande importância para o estudioso da natureza humana. O continente africano é quatro vezes maior que o Brasil, com um território maior de 30 milhões de km2, a população se divide em, aproximadamente, 2.000 etnias, ou seja, culturas distintas. Isso sem considerarmos os árabes e os berberes, que se localizam ao norte do território, ao norte do famoso deserto do Sahara. 30 Ao sul encontram-se os povos negros, os maiores grupos étnicos são os Yoruba, Zulu e Xhosa, porém, pesquisas em acervos de museus apontam mais de 300 etnias produtoras de artefatos artísticos como forma de expressividade religiosa, entres esses artefatos estão máscaras, estatuetas e adornos. BUSCANDO O CONHECIMENTO ÁFRICA: Culturas e Sociedades – Marta Heloísa Leuba Salum As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia). O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada. Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média europeia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a europeia. [...] E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) 31 com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo. 2ª. Parte - África: cultura material e arte africana. As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos. Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições. Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais. Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal. Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.[...] 3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião. Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma 32 maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram. Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional. Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida: morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.[...] Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido. Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território. Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente. Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para 33 que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim deles?". Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã". Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações. Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos nãoeuropeus. Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os como inferiores, ou "primitivos". O texto completo pode ser lido em: http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/africa_culturas_e_soci edades.html 34 UNIDADE 09 – MORTE E ARTE NO EGITO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer, analisar e entender a expressão histórico-cultural da religião egípcia antiga. ESTUDANDO E REFLETINDO. O vale do Nilo é o que tornou possível a permanência dos egípcios no norte da África no início da Idade Antiga, com pouca chuva na região, o regime anual das cheias é que possibilitou o desenvolvimento e a organização dessa civilização agropecuária. De forma geral, podemos dividir o Egito em: Fase pré-dinástica; Antigo, Médio, Novo Império e Último Império, muito embora, Manetho (sacerdote egípcio dos tempos romanos) tenha determinado cronologicamente 31 dinastias. O fator dominante da civilização egípcia é a posição do Faraó, que é tido como deus vivo, mas isso não significa que não haviam sacerdotes, esses se julgavam os verdadeiros detentores das tradições, a religião é, talvez, o aspecto mais significativo da cultura e arte egípcias. Diferente da Mesopotâmia, a arte desse povo se volta para a cantaria e eles demonstram preferência por formas cúbicas. Uma Arte Dedicada à Morte Além de crer em deuses que poderiam interferir na história humana, os egípcios acreditavam também numa vida após a morte e achavam que essa vida era mais importante do que a que viviam no presente. Inevitavelmente, a arte criada por esse povo refletiu suas crenças fundamentais. Dessa forma, a arte egípcia concretizou-se, desde o início, nos túmulos, nas estatuetas e nos vasos deixados junto aos mortos. É por isso também que a arquitetura egípcia se realizou, sobretudo, nas construções mortuárias. 35 As tumbas dos primeiros faraós eram réplicas das casas em que moravam, enquanto as pessoas sem importância social eram sepultadas em construções retangulares bastante simples, chamadas de mastabas, Entretanto, foram as mastabas que deram origem às grandes pirâmides construídas mais tarde. (PROENÇA, Graça. História da Arte. SP: Ática. p.15 e 16) Os Antigos Egípcios acreditavam em vida após a morte. Eles acreditavam que os mortos ainda precisariam de seus corpos para esta maravilhosa pós-vida, assim, eles desenvolveram uma forma de preservar o corpo da decomposição, a Mumificação. Depois de embalsamado e enfaixado, o corpo, ou a múmia, era colocado em um sarcófago, que poderia ser um ou vários sarcófagos, um ligeiramente maior que o outro para que pudessem ser guardados um dentro do outro. Eles pensavam no sarcófago como um corpo e uma casa substitutos para o espírito do morto, desta forma a decoração do sarcófago era de extrema importância. Acreditando que o morto deixou esta vida por uma melhor, as cores utilizadas eram brilhantes e alegres, e hieróglifos e símbolos religiosos eram pintados, incluindo o nome do morto. Alguns símbolos aparecem com mais frequência e têm significado especial: Olhos falsos eram pintados para que o morto pudesse ver do lado de fora do sarcófago. Portas falsas eram pintadas nas tumbas para que o espírito pudesse sair e retornar. 36 Escaravelhos apareciam com frequência nos sarcófagos, pois eram um símbolo de sorte e renascimento. Outra imagem recorrente é a de Nut, deusa da céu, que envolve o espírito em suas asas. As máscaras mortuárias eram confeccionadas e colocadas dentro da tumba para que o espírito reconhecesse o corpo em seu regresso. BUSCANDO O CONHECIMENTO Para um aprofundamento do conhecimento adquirido até aqui, assista às vídeo-aulas abaixo. 37 Aula 01 Aula 02 Aula 03 Aula 04 38 UNIDADE 10 – O BERÇO DA CULTURA OCIDENTAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer, analisar e entender a expressão histórico-cultural da religião na sociedade grega. ESTUDANDO E REFLETINDO Os antigos gregos adoravam muitos deuses, cada um com uma personalidade distinta e domínio. Mitos gregos explicam as origens dos deuses e suas relações individuais com a humanidade. A arte da Grécia Arcaica e Clássica ilustra muitos episódios mitológicos, incluindo uma iconografia que estabelecia atributos que identificam cada deus. Havia doze principais divindades do panteão grego. O mais importante era Zeus, o deus do céu e pai dos deuses, a quem o boi e do carvalho eram sagrados. Seus dois irmãos, Hades e Poseidon, reinando sobre o submundo e o mar, respectivamente. Hera, irmã e esposa de Zeus, era a rainha dos deuses, ela é frequentemente retratada vestindo uma coroa alta. Atena, a deusa padroeira de Atenas normalmente aparece vestido uma armadura completa com sua égide (a pele de cabra com uma franja), capacete e lança, foi também a padroeira da tecelagem e carpintaria, e a coruja e a oliveira eram sagradas para ela. O jovem Apollo, que é muitas vezes representado com a cítara, era o deus da música e profecia. A julgar por seus muitos locais de culto, ele era um dos deuses mais importantes da religião grega. Seu principal santuário era o de Delfos, onde gregos vieram a fazer perguntas ao oráculo, foi considerado o centro do universo. A irmã gêmea de Apollo, Artemis era a padroeira da caça, muitas vezes carregava um arco. Hermes, com suas sandálias aladas era o deus mensageiro. 39 Outras divindades importantes foram Afrodite, a deusa do amor, Dionísio, o deus do vinho e do teatro, Ares, o deus da guerra e o Hefesto, o deus da metalurgia. Os gregos antigos acreditavam que o Monte Olimpo, a montanha mais alta da Grécia continental, foi o lar dos deuses. Prática religiosa, essencialmente conservadora por natureza, foi baseada em observações consagradas do tempo, embora a Ilíada e a Odisseia de Homero, que se acredita ter sido composta em torno do século VIII a.C., foram poderosas influências sobre o pensamento grego, os antigos gregos não tinham um livro sagrado como a Torá judaica ou a Bíblia cristã, nem possuíam uma casta sacerdotal. A relação entre os seres humanos e divindades foi baseado no conceito de troca: os fiéis esperavam dádivas dos deuses e deusas e faziam oferendas votivas, que foram escavadas de santuários aos milhares, estas eram uma expressão física de agradecimento por parte de fiéis. Os locais sagrados, os santuários, eram construídos de acordo com a natureza da divindade em particular, tanto dentro da cidade como no campo. Este recinto sagrado, também conhecido como temenos, continha uma imagem de culto monumental da divindade, um altar ao ar livre, estátuas e oferendas votivas aos deuses e muitas vezes apresenta na paisagem árvores sagradas ou nascentes. Muitos templos se beneficiaram de seus ambientes naturais, o que ajudou a expressar o caráter das divindades. Por exemplo, o templo de Sounion dedicado a Poseidon, deus do mar, oferece uma vista espetacular da água em três lados, e o Parthenon, na rochosa Acrópole ateniense celebra a força indomável da deusa Atena. O ato ritualístico central na Grécia antiga era o sacrifício de animais, especialmente de bois, cabras e ovelhas. Os sacrifícios ocorriam dentro do santuário, geralmente em um altar em frente ao templo, com os participantes reunidos consumindo as vísceras e carne da vítima. Oferendas líquidas, ou libações, também ocorriam. 40 BUSCANDO O CONHECIMENTO A arte grega teve um efeito profundo ao longo dos tempos. Muitos dos estilos foram reproduzidos e copiado por alguns dos maiores artistas, como Michelangelo. Arte ocidental deriva das cópias romanas, enquanto no Oriente, a conquista de Alexandre, o Grande, deu à luz a arte greco-budista, que influenciou tanto o mundo que pode ser vista no Japão. Muitas das estátuas que sobreviveram são cópias romanas. Os romanos tinham um profundo respeito pela arte grega e muitas estátuas foram copiadas. Se os romanos não tivessem esse profundo respeito pela arte grega e não tivessem feito as cópias, muitas das lendas e histórias gregas que conhecemos hoje teriam sido perdidas. Esculturas gregas são divididas principalmente em sete períodos de tempo: Arte Micênica; Arte Geométrica; Sub-micênica ou Idade das Trevas, ProtoGeométrica; Arcaica; Clássica e Arte Helenística. Vamos nos focar nos períodos Micênico, Arcaico, Clássico e Helênico. A arte micênica é a primeira época em que encontramos exemplos sobreviventes da arte grega. Durante este período, houve duas civilizações distintas que viviam no continente, os gregos e os micênicos. Os gregos aprenderam muito com os micênicos, que eram mais avançados tecnologicamente. Os gregos aprenderam a construir portões e tumbas (como o túmulo de Agamemnon) e como usar diferentes metais na arte, usando técnicas de Micenas. O famoso portão leão é um bom exemplo de suas habilidades de alvenaria. Com as rotas de comércio recentemente estabelecidos no delta do Nilo, começamos a ver uma fusão de arte grega e oriental. Isto levou à época arcaica, 41 que apresenta um estilo mais naturalista que reflete influência significativa do Oriente Próximo e do Egito. Muitos artistas gregos começaram a assimilar as ideias do leste começando a usar palma e lótus em suas composições, caça de animais e feras tais compostos como grifos (parte pássaro, parte leão), esfinges (parte mulher, parte de leão alado), e sirenas (parte mulher, parte pássaro). Enormes santuários e templos foram construídos e decorados com os melhores motivos, como a competição foi acirrada no mundo grego para superar trabalhos anteriores de arte. A idade arcaica foi responsável pelo surgimento de estátuas de pedra de seres humanos, tais como os kouros (masculinos) e Koré (feminino). Estas novas estátuas mostram jovens nus e sempre com um sorriso no rosto. O principal objetivo era tentar mostrar a perfeição em forma humana, no entanto, a maioria das estátuas são rígidas e artificiais. A Arte Clássica foi criada durante a "idade de ouro", a idade clássica poderia ser vista como um ponto de virada na arte e produziu algumas das esculturas mais requintadas. Foi durante essa época que os escultores dominam o mármore e criam estátuas com mais liberdade de movimento e de expressão, enquanto celebrava a humanidade como uma entidade independente dos deuses. O melhor exemplo que mostra a liberdade de circulação é o Discóbolo (O atirador de disco) por Myron. Esta é uma das mais famosas estátuas clássicas gregas, que também mostra evolução na anatomia humana, antes retratando pessoas em uma posição estática e rígida agora com os movimentos tridimensionais, para que as pessoas pudessem admirar o corpo humano por seus valores estéticos. Foi a primeira vez que os seres humanos poderiam ser vistos quase como deuses, o que significava que o corpo humano tornou-se objeto de estudo pela primeira vez. 42 Na Grécia antiga, uma longa evolução intelectual tinha atingido a sua conclusão lógica durante a era clássica, quando "o homem como um organismo vivo neste planeta adquiriu a importância que merecia e deuses tornaram-se humanos através de mármore e bronze". A partir do período clássico as estátuas gregas mostram falta de expressão, isso aconteceu porque os gregos acreditavam que a supressão das emoções era uma característica nobre de todos os homens civilizados, enquanto a exibição pública de emoção humana era um sinal de barbárie. A lógica e a razão dominaram a expressão humana, mesmo durante as situações mais dramáticas. Templos e santuários foram adornados por estátuas monumentais, trazendo as lendas e deuses para a vida, como no Parthenon (infelizmente apenas alguns fragmentos permanecem). O período helenístico viu mudanças dramáticas em comparação com a lógica anterior. Os artistas do período helenístico mantiveram as convenções clássicas e regras, e virou-se para um movimento mais experimental e uma sensação de liberdade que permitiu que o artista explorase seu modelo a partir de diferentes pontos de vista. 43 UNIDADE 11 – EXPANSÃO DO IMPÉRIO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer, analisar e entender a expressão histórico-cultural da religião na sociedade romana. ESTUDANDO E REFLETINDO Definir qualquer cultura como “romana” é complicado, pois a civilização romana tem uma longa história que não é linear. Durante mil anos, da República ao Império, os territórios romanos se estenderam das ilhas britânicas, passando por toda a Europa ocidental, Grécia, regiões do norte da África e do Oriente Médio, até o mar Cáspio. A arte romana foi influenciada pelos precursores etruscos e gregos, a tal ponto que, até o séc. XVIII, pouca distinção se fazia entre as artes romana e grega, devido também a tradição romana de copiar a arte grega. (FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. p. 62) A escultura romana originou-se da grega e permaneceu como uma referência constante ao longo de toda sua trajetória, embora, saibamos hoje, que se desenvolveu gradualmente um estilo próprio, dando importante contribuição, tanto na retratística como na escultura decorativa dos grandes monumentos públicos, em que se desenvolveu um estilo narrativo de grande força. Painéis de figuras esculpidas representando feitos militares decoravam arcos de triunfo, sob os quais desfilavam os exércitos vitoriosos conduzindo longas filas de prisioneiros acorrentados. Marcus Aurelius – Colina Capiloline 44 Devemos a Roma muito do que conhecemos da arte da Grécia Antiga, a qual teve importância fundamental na formulação da estética do Renascimento e do Neoclassicismo. Os romanos são conhecidos por suas inovações tanto na arquitetura religiosa quanto na secular. Os arquitetos combinaram elementos etruscos e gregos com materiais e desenhos notadamente romanos, além de demonstrarem um interesse renovado no aspecto funcional e no tamanho das construções. O uso do concreto, visto como um material econômico e capaz de criar formas variáveis, e as enormes abóbodas semicilíndricas e os arcos sem sustentação presentes das estruturas romanas são uma prova de sua criatividade. (FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. p. 63) Isso pode ser comprovado na construção dos templos, que na Grécia não recebiam os fiéis, pois não haviam cultos coletivos, agora, em Roma, passa a receber diversos fiéis para cultos e celebrações em conjunto. A religião era politeísta, assim como os gregos e era composta, basicamente, pelos mesmos deuses do panteão grego. BUSCANDO O CONHECIMENTO Arte Parietal de Pompéia: Imagem e cotidiano no mundo romano. Renata Senna Garraffoni Esta perspectiva foi fundamental para ampliar a percepção do que é um documento histórico, até então entendido como texto, construindo uma História baseada em uma multiplicidade de fontes e de métodos interpretativos calcados na interdisciplinaridade (Le Goff, 2001). É dentro deste contexto que se insere a presente reflexão sobre a arte romana. Considerando que a preservação da arte parietal romana não é somente técnica, mas também estética e política e partindo do pressuposto que o estudo deste tipo de documentação requer um esforço interdisciplinar, ou seja, um 45 diálogo entre História e Arqueologia, gostaria, nesta ocasião, de propor uma discussão sobre o cotidiano romano, suas incertezas e conflitos, tendo em vista a rixa de torcedores ocorrida no anfiteatro de Pompéia no ano de 59 d.C. Para tanto, procurarei fazer uma reflexão sobre a importância de Pompéia para se pensar o mundo romano e, em segundo lugar, discutirei como as imagens presentes nas paredes desta pequena cidade da Campânia romana podem ser consideradas um importante corpus de documento para uma análise do dia a dia das pessoas que circularam por estas ruas antigas. Escavando Pompéia Pompéia, localizada próxima à bacia de Nápolis, no sul da Península itálica, é considerada pelos estudiosos um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo antigo. Muitos acreditam que esta cidade surgiu como um núcleo de agricultores e pescadores oscos na Idade do ferro. Desde o século VIII a.C., Pompéia foi habitada por diferentes povos e, por se localizar próxima ao mar, sempre favoreceu a circulação de pessoas. Assim, oscos, etruscos, gregos, samnitas e romanos circularam por este espaço em diversos períodos tornando a cidade um importante local de comércio e veraneio (Cavicchioli, 2004). Soterrada pelo vulcão Vesúvio no ano de 79 d.C., Pompéia permaneceu desaparecida até o século XVIII, quando as primeiras incursões foram feitas no local. Somente em 1763 foi confirmado que as ruínas ali presentes eram da cidade de Pompéia, pois foi encontrada uma inscrição dedicada à cidade (Funari, 2003). No entanto, como neste momento a Arqueologia como disciplina ainda não existia, as primeiras escavações foram feitas de forma aleatória, procurando preservar aquilo que a nobreza napolitana do momento acreditava ser mais valioso. Neste contexto, muito se perdeu, em especial pela falta de preservação e constantes saques. Muitos estudiosos de Pompéia, como Varone (1998), apontam a necessidade de se entender este contexto, pois a de retirada de objetos de valor artístico de sítios abandonados e o hábito de colecionar antiguidades era uma prática comum no momento. Embora durante este período Pompéia tenha sido visitada por pessoas que defendiam o fim destas pilhagens, Etienne (1994) afirma que, somente no século XIX, a cidade passar a ter uma intervenção mais sistemática e menos destruidora. Mesmo que em alguns momentos o interesse tenha sido menor pela escavação, sabemos que Victorio Emmanuele, rei da Itália e seu unificador, aponta Fiorelli como responsável pelo estudo de Pompéia. É somente com Fiorelli que a cidade passa a ter uma exploração mais científica e Etienne destaca que foi este homem quem dividiu a cidade em regiões e quarteirões (insulae), sistema de demarcação utilizado até hoje pelos arqueólogos, além de ter escavado o prostíbulo e outras regiões da cidade. Se Fiorelli é um dos mais importantes arqueólogos do século XIX, responsável por uma escavação menos destrutiva, Amadeo Maiuri é o superintendente mais polêmico do século XX. Mauiri ocupou o cargo entre 1924 e 1961 desenvolvendo seus trabalhos a partir 46 de financiamentos do governo fascista de Mussolini. Embora boa parte de Pompéia tenha sido escavada neste período, estudiosos criticam as restaurações inadequadas por ele propostas que mais indicavam uma percepção fascista do que era o Império do que uma estética romana propriamente dita. Suas restaurações visavam à propaganda do regime fascista, tornando Pompéia o orgulho nacional, substrato para as idéias de superioridade italiana moderna, já que estes descendiam de um povo conquistador. Cavicchioli (2004) ressalta ainda que, durante direção de Maiuri, muitos objetos foram retirados de seus contextos originais, em especial os que feriam a conduta de moralidade fascista como as pinturas e objetos com representações sexuais ou fálicas, descritas na época como pornográficas. Atitudes como esta restringiam o acesso ao material escavado em Pompéia, bem como alteraram os contextos nas quais foram encontrados. Estas considerações acerca da escavação de Pompéia, embora tenham sido apresentadas de maneira sucinta, permite uma reflexão particular: o que hoje consideramos o sítio arqueológico de Pompéia é um local que passou por diversas intervenções sejam elas naturais, como a erupção do Vesúvio que preservou alguns de seus aspectos, mas destruiu outros e as escavações do local. Tais escavações foram permeadas por saques, atravessadas pela estética napolitana do século XVIII, pelas primeiras escavações científicas, pelo fascismo de Mussolini e pela destruição dos bombardeios durante a II Guerra. Assim, o que hoje se preservou não deve ser entendido como uma ilustração direta do que era uma pequena cidade administrada pelos romanos no século I d.C., mas um sítio arqueológico que sofreu alterações naturais e humanas. Neste sentido, mais do que estudarmos o cotidiano de Pompéia como um reflexo do dia a dia romano, a idéia seria pensar este local na sua especificidade, nas suas tensões e conflitos, entendendo o mundo romano não como uma sociedade homogenia, mas formada a partir de uma pluralidade de sujeitos. Esta perspectiva possibilita o questionamento de parâmetros culturais absolutos para os romanos que foram estabelecidos pela historiografia ao longo do século XX e foca na experiência de vida, enfatizando sua fluidez e contradições. O artigo completo pode ser encontrado no endereço: http://scholar.google.com.br/scholar_url?url=http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/dominiosdaimagem/art icle/download/19263/14689&hl=ptBR&sa=X&scisig=AAGBfm0i8VRqzvh_UKlUE9oI4Y1SsdKLsA&nossl=1&oi=scholarr&ved=0CBsQgAMoADAAah UKEwjS8_CfvJfHAhWEF5AKHTdTDbg 47 UNIDADE 12 – ARTE ORIENTAL E O BUDISMO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivo: Compreender a evolução estética da produção artística budista de acordo com as modificações estruturais da religião. ESTUDANDO E REFLETINDO. O Budismo, como religião e como filosofia não é tão familiar para nós, que somos ocidentais, é uma referência distante e no nosso imaginário. Quem foi Buda?. Na verdade, dever-se-ia dizer ‘o Buda’, pois houve outros antes dele, e ele não foi o último. Essa palavra é um adjetivo que significa o “iluminado”, o desperto em conhecimento e em verdade. Chamava-se, na realidade, Gautama, e o pai o apelidou Siddharta, “o que é bem-sucedido”. [...] Esses três conjuntos compreendem respectivamente sermões do Buda, regras disciplinas para comunidades búdicas e, finalmente, um agrupamento metódico dos elementos doutrinais dispersos em outras obras. É nas duas primeiras “Tripitakas” que se encontram as fontes mais antigas e seguras para tentar conhecer a vida de Buda. Considerada a importância que depois tiveram, no pensamento e na iconografia búdica, lendas relativas ao fundador, é necessário tentar reconstituir de maneira prosaica a vida real do Buda, antes de lembrar algumas da principais lendas a seu respeito. (DELUMEAU, J. MELCHIOR-BONNET, S. De Religiões e de Homens. SP: Loyola. 2000. p.41) O Buda é o “caminho do meio”, rejeitando a autoindulgência bem como o ascetismo, para ele, isso é o que nos eleva ao Nirvana. Após sua morte, suas cinzas são espalhadas 48 por 84 mil estupas por toda a Índia. No primeiro século a.C, os artistas da Índia, que até então trabalhavam com materiais frágeis como tijolo, madeira, palha, bambu, passam a usar pedra em uma escala muito ampla. Pórticos e muros vazados de pedra cobertos com esculturas foram adicionados a estupas. Os temas favoritos eram acontecimentos históricos da vida de Buda, bem como de suas vidas anteriores, acredita-se, foram 550. Os últimos contos são chamados jatakas e muitas vezes incluem lendas populares adaptadas aos ensinamentos budistas. Na arte budista mais antiga da Índia, o Buda não estava representado em forma humana. Sua presença era indicada por um sinal, como um par de pegadas, uma cadeira vazia, ou um espaço vazio debaixo de um guarda-sol. No primeiro século d.C., a imagem humana de um Buda passou a dominar a cena artística, e um dos primeiros locais em que isso ocorreu foi ao longo da fronteira noroeste da Índia. Na área conhecida como Gandhara, elementos artísticos do mundo helenístico combinados com o simbolismo budista indiano criam um estilo único. Budas jovens com cabelos dispostos em cachos ondulados assemelham-se às estátuas romanas de Apollo, o manto monástico cobrindo ambos os ombros, disposto em pregas clássicas pesadas, reminiscentes de uma toga romana. Há também muitas representações de Siddharta como uma figura principesca adornada com joias antes de sua renúncia à vida no palácio. Os artistas de Gandhara fizeram uso de pedra e estuque para produzir essas imagens, que foram colocadas em santuários em nichos em torno da estupa de um mosteiro. Contemporaneamente, os artistas do período Kushan em Mathura, Índia, produzem uma imagem diferente do Buda. Seu corpo foi expandido por sopro sagrado (prana), e sua túnica monástica deixa a mostra o ombro direito. Um terceiro tipo influente de Buda evoluiu em Andhra Pradesh, no sul da Índia, onde as imagens de proporções consideráveis, com fisionomias sérias que não sorriem, vestidos com túnicas que criaram uma aparência pesada na bainha e deixam o ombro esquerdo a mostra. Estes locais ao sul forneceram inspiração artística para a terra budista do Sri Lanka, ao largo da ponta sul da Índia, e, tendo os monges do Sri Lanka visitado regularmente a região, uma série de estátuas neste estilo foram encontradas também em todo o sudeste asiático. O período Gupta sucede a partir do IV para o VI século d.C, no norte da Índia, por vezes referido como uma Idade de Ouro, testemunhou a criação de uma "imagem ideal" de Buda. Isto foi conseguido através da combinação de caracteres selecionados da região de Gandhara com a forma sensível criada pelos artistas Mathura. Os Gupta Buddhas têm seus cabelos dispostos em pequenos cachos individuais, e as vestes têm uma rede de cordas para sugerir drapeados (em Mathura) ou bainhas transparentes (em Sarnath). Com o seu olhar para baixo e aura espiritual, o Gupta Buddha se tornou o modelo para as futuras gerações de artistas, seja no pós-Gupta e Pala Índia ou no Nepal, Tailândia 49 e Indonésia. Imagens de metal do Gupta Buddha também foram disseminadas pelos peregrinos ao longo da rota da seda na China. Ao longo dos séculos seguintes, surgiu uma nova forma de budismo, que envolveu a expansão do panteão e rituais mais elaborados. Este budismo mais tarde introduziu o conceito de bodhisattvas celestiais, bem como deusas, dos quais a mais popular era Tara. No Nepal e do Tibete, onde as imagens de metal requintadas e pinturas foram produzidas, todo um conjunto de novas divindades foram criadas e retratada em esculturas e pergaminhos pintados. Divindades ferozes foram introduzidas no papel de protetores do budismo e seus crentes. Imagens de natureza mais esotéricas, descrevendo deus e deusa no abraço, foram produzidas para demonstrar o conceito metafísico que a salvação resultou da união de sabedoria (feminino) e compaixão (masculino). O budismo percorreu um longo caminho desde os seus primórdios simples. Fonte: http://www.metmuseum.org/toah/hd/budd/hd_budd.htm Tradução livre: Cíntia Borges Ribeiro BUSCANDO O CONHECIMENTO A escultura dourada em madeira do Buda amida, criada pelo escultor Jõchõ, domina o Salão Amida, que faz parte do templo Byôdô-in em Uji, perto de Kyoto, no Japão. Em 1052, Fujiwara no Yorimichi (992 – 1074) transformou a mansão aristocrática de seu pai num complexo de templos. O Salão Amida, mais tarde conhecido como Salão Fênix, foi projetado na forma de um gigantesco pássaro de asas abertas e uma cauda, e o teto do salão se eleva sobre duas fênix de bronze. Os pórticos em madeira do salão foram originalmente pintados com vermelho-alaranjado forte, ao passo que o interior era suntuosamente decorado com pinturas. A construção é intimista e, visto da margem oposta do lado, seu reflexo na água tem uma beleza etérea, que evoca o Paraíso Ocidental do Buda Amida (Amitãbha). 50 A monumental imagem do Buda Amida sentado num pedestal de lótus com várias camadas foi feita com o uso da técnica relativamente nova yosegi-zukuri, na qual vários blocos de madeira são grosseiramente entalhados e depois unidos para a escultura final. O Amida é o Buda da Luz Imensurável e da Vida Infinita, um Buda compassivo, dedicado a salvar qualquer pessoa que recite seu nome repetidas vezes. A partir do século X, a crença do Buda Amida cresceu no Japão porque a teoria do mappô (Últimos Dias da Lei) previa que, em 1052, o mundo entraria numa era de degeneração e que a única esperança de salvação era por meio da devoção totaç ao Buda Amida. Auréola Dourada – Em torno do Buda Amida sentado há um resplendor brilhante e magnífico, repleto de músicos esculpidos, que se eleva como uma chama acima da cabeça da estátua. Esse resplendor é de madeira entalhada à delicadeza de um filigrana e depois folheada a ouro. Cria-se um contraste com a solidez do Buda. Rosto do Buda – Os traços faciais do Buda são finamente entalhados e polidos, e o corpo e o rosto inteiros da escultura são revestidos de ouro. A expressão do rosto é serena e contemplativa. Os olhos, de modo pouco comum, são voltados para baixo e fitam o espectador; as estátuas mais antigas mantinham o olhar fixo à frente. Mãos do Buda – Os budistas se esforçam para atingir o renascimento em vários níveis, e aqui as mãos de Amida forma o mudra (posição das mãos) do renascimento no Paraíso Ocidental, no nível mais alto. Os vários mudras de Buda transmitem mensagens diversas, que os espectadores identificam consultando a iconografia budista. (DELUMEAU, J. MELCHIORBONNET, S. De Religiões e de Homens. SP: Loyola. 2000. p.61) 51 UNIDADE 13 – CULTURA PALEO-CRISTÃ. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Entender a transição entre o Império Romano pagão e cristão, as mudanças infligidas na cultura e na arte. ESTUDANDO E REFLETINDO Inicialmente uma pequena comunidade de cidades-estados, dominada pelos etruscos, Roma no final do século III a.C. dominava toda a Itália, e já lançara as bases para o império além-mar. No século II a.C. a influência romana começa a afirmar-se por todo o mundo helênico, e no final do século I Roma conquistara todos os reinos helenísticos. Adquiriu também vastos territórios no Ocidente; a Espanha foi derrotada na Segunda Guerra Púnica, a Gália conquistada por César, parte do Norte da África era controlada pro Roma e até a Bretanha foi duas vezes invadida pelas tropas de César. A necessidade de um pulso mais firme foi expressa na disputa entre os principais estadistas e continuou até 31 a. C. quando o herdeiro de César, Otaviano, derrotou Marco Antônio na batalha de Accio e fundou o Império Romano. Durante o domínio romano, nasce em Belém, Jesus Cristo, que nasceu em família de tradição judaica, e prega uma religião divergente quando se apresenta ao trabalho de seu Pai. Após a morte de Jesus, seus discípulos passaram a divulgar seus ensinamentos. Inicialmente, essa divulgação restringiu-se à Judéia, província romana onde Jesus viveu e morreu, mas depois, a comunidade cristã começou a dispersar-se por várias regiões do Império Romano. 52 No ano de 64, no governo do Imperador Nero, deu-se a primeira frande perseguição aos cristãos. Num espaço de 249 anos, eles foram perseguidos mais nove vezes; a última e mais violenta dessas perseguições ocorreu entre 303 e 305, sob o governo de Dioclesiano. Por causa dessas perseguições, os primeiros cristãos de Roma enterravam seus mortos em galerias subterrâneas, denominadas catacumbas. Dentro dessas galerias, o espaço destinado a receber o corpo das pessoas era pequeno. Os mártires, porém, eram sepultados em locais maiores, que passaram a receber em seu teto e em suas paredes laterais as Pintura mural das catacumbas de São Calixto, em Roma (século II) primeiras manifestações da pintura cristã. Inicialmente essas pinturas limitavam-se a representações dos símbolos cristãos: a cruz – símbolo do sacrifício de Cristo; a palma – símbolo do martírio; a âncora – símbolo da salvação; e o peixe – símbolo preferido dos artistas cristãos primitivos, pois as letras da palavra “peixe”, em grego (ichtys), coincidiam com a letra inicial de cada uma das palavras da expressão Iesous Christos, Theou Yios, Soter, que significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador” (PROENÇA, Graça. História da Arte. p.44) O Império Romano passou por uma grave crise política e econômica por volta do século III. Gastos desnecessário e corrupção retiraram recursos do exército romano e com isso, diminuíram as conquistas territoriais, diminuindo o número de escravos causando queda na produção agrícola e no pagamento de tributos originados das províncias, com o exército enfraquecido muitos soldados, sem receber salário, deixavam suas obrigações militares e as fronteiras ficaram cada vez mais desprotegidas. Enquanto o modo de vida romano entrava em colapso, os cristãos se organizavam, as mensagens transmitidas pela nova religião agradavam a população pobre e sofrida e o cristianismo ganhava cada vez mais adeptos, criando uma massa de população insatisfeita que não se conformava com os desmando e com a cultura impura dos romanos. Esses fatos criam um declínio na produção artística de tradição helenística, os artistas gregos e romanos já não são bem treinados e bem pagos e os que são 53 partidários do cristianismo passam a executar uma arte voltada para a adoração espiritual, não há preocupação estética com o culta à beleza, tão presentes na arte grecoromana. Nesse momento a evolução da arte paleocristã leva à representação mais elaborada, com painéis murais como a figura de Jesus Cristo como “O Bom Pastor” As perseguições aos cristão foram aos poucos diminuindo até que, em 313, o Imperador Constantino permitiu que os Bom Pastor. Pintura mural das catacumbas de Priscila, em Roma (século II) cristianismo fosse livremente professado e converteu-se à religião cristã. Sem as restrições do governo de Roma, o cristianismo expandiu-se muito, principalmente nas cidades, e, em 391, o Imperador Teodósio oficializou-se como a religião do império. (PROENÇA, Graça. História da Arte. p.44) Em 395, o imperador Teodósio dividiu o império em Império Romano do Ocidente, cuja capital era Roma e Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla (mais tarde seria chamado de Império Bizantino). No ano de 476 o Império Romano do Ocidente, após a invasão de diversos povos bárbaros, entra em total colapso e se extingue. Assim se dá o fim da Idade Antiga e se inicia a Idade Média. BUSCANDO O CONHECIMENTO Durante os períodos de perseguição não houvera necessidade nem, de fato, possibilidade de construir lugares públicos de culto. As igrejas e salas de reunião que existiam eram pequenas e de aspecto insignificante. Mas quando a igreja passou a ser o poder supremo do reino, todo o seu relacionamento com a arte teve, necessariamente, que ser reexaminado. Os lugares de culto não podiam adotar por modelo os antigos templos, uma vez que sua função era inteiramente diferente. O interior do templo era, usualmente, apenas um pequeno sacrário para abrigar a estátua de um deus. As 54 procissões e os desfiles tinham lugar do lado de fora. A igreja, pelo contrário, tinha que reservar espaço para toda a congregação que se reunia a fim de assistir ao serviço religioso, quando o padre recitava a missa no altar-mor ou proferia o seu sermão. Assim, aconteceu que as igrejas não usavam os templos pagãos como seus modelos, mas adotaram o tipo de amplos salões de reunião que, em tempos clássicos, eram conhecidos pelo nome de “basílicas”, o que significava aproximadamente “pórtico real”. Esses edifícios eram usualmente mercados cobertos e recintos para audiências públicas dos tribunais; consistiam principalmente em vastos salões elípticos, com compartimentos mais estreitos e mais baixos ao longo das laterais mais espaçosas, divididos do corpos central por colunatas. Na extremidade oposta à entrada havia frequentemente espaço para um estrado semicircular (ou abside), onde o presidente da assembleia ou o juiz podia sentar-se. (GOMBRICH, E. H. A história da arte. 1999. p. 143) 55 UNIDADE 14 – BIZÂNCIO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Entrar em contato com as modificações que a cultura de Bizâncio provocou no cristianismo oriental e em sua arte. ESTUDANDO E REFLETINDO. Como vimos na unidade anterior, Constantino transferiu a antiga capital imperial de Roma para a cidade de Bizâncio situado no território oriental do continente europeu, em um grande cruzamento de comércio entre o oriente e o ocidente. A primeira fase do Império Bizantino estende-se desde sua fundação até meados de 700 a.C.. A elite educada de Bizâncio usava as lei e a cultura grecoromana para manter um governo altamente organizado centrado no tribunal e suas grandes cidades. Nas décadas posteriores, o declínio urbano e as invasões de territórios ocidentais do império por tribos germânicas, especialmente no quinto século, levou à diminuição dos centros ocidentais, incluindo Roma, saqueados em 410 pelos godos e em 455 pelos vândalos. Roma, havia muito que, deixou de ter qualquer poder político real; sua autoridade era puramente religiosa. No Império Bizantino, a cultura clássica foi exercida ininterruptamente por quase mil anos até a queda de Constantinopla, em 1453. Assim como o Ocidente desceu até a Idade das Trevas e Roma se esforçou para ensinar moral e costumes aos bárbaros, a civilização oriental continuou a florescer, e Constantinopla tornou-se o centro cultural e artístico do mundo cristão. Este domínio cultural bizantino torna difícil para os historiadores determinarem onde a arte cristã termina e começa a arte bizantina. Muitas das tendências que vimos na arte cristã primitiva encontram plena expressão na arte bizantina, por exemplo, os primeiros cristãos desenvolveram 56 mosaicos, assim como os bizantinos. Os primeiros cristãos construíram seus mosaicos de pedaços de vidro colorido, fazendo seus mosaicos brilhantemente colorido, translúcidos e brilhantes em vigor. Os bizantinos não apenas seguiram esta tendência, eles refinaram ainda mais, criando alguns dos mais belos mosaicos na civilização ocidental. Estas semelhanças tornam difícil dizer se os primeiros cristãos estavam seguindo a liderança de Constantinopla, ou se Constantinopla era simplesmente o lugar onde essas artes e técnicas foram unificados em um estilo coerente. Os bizantinos melhoraram os mosaicos encontrados em igrejas cristãs, no entanto, a similaridade com o início da arte cristã não é a única dificuldade que enfrentam os historiadores, formular uma história clara da arte bizantina é desafiador porque muito pouco sobrou da arte bizantina. O Império Bizantino passou por vários períodos de iconoclastia, ou a destruição de imagens religiosas. Durante essas crises de iconoclastia, inúmeros mosaicos e pinturas foram desfigurados ou destruídos. Para piorar as coisas, muitas das imagens cristãs que conseguiram sobreviver a iconoclastia foram posteriormente cobertas ou destruídas pelos turcos, cuja fé islâmica proibia qualquer imagem do homem ou animal. Assim, ironicamente, os melhores exemplos de arte bizantina podem ser encontrados não no Oriente, onde o império tinha a sua sede, mas nas cidades do Ocidente, onde a iconoclastia nunca foi empregada e o Islã nunca conseguiu tomar posse. Os mosaicos tinham a função de evangelização e de propaganda para os governantes, ilustrando os testamentos e apresentando o Imperador como parte integrante do universo sacro. BUSCANDO O CONHECIMENTO Características Básicas da arte bizantina O Império Bizantino apresentou grande duração, extensão geográfica, e variadas influências, incluindo as do Islão, sua arte, entretanto, detém algumas características básicas: 57 • Foi essencialmente uma arte cristã, dedicada ao serviço da Igreja sendo utilizada para ilustrar e desenvolver a liturgia. • Foi também uma arte imperial, uma vez, que o imperador necessitava conjugar seu poder com a concepção cristã do mundo, ele era escolhido por Deus para ser seu representante na terra. Desta forma, a arte exaltou a grandeza sobre-humana do imperador, utilizou objectos preciosos para realçar seu prestígio, além de considerar muitos mosteiros fundações imperiais. • Era oriental quando substituiu o relevo pelas formas planas, a plástica; a escultura de vulto redondo da arte clássica passa para segundo plano, praticamente desaparecendo. Nessa área a contribuição bizantina foi na ornamentação arquitectónica – placas rectangulares de pedra com cruzes, combates de animais, etc. Os monumentos arquitectónicos eram concebidos como massas equilibradas, de materiais flexíveis, mas pouco nobres (ladrilhos, pedras) – exteriores austeros e interiores suntuosos e brilhantes, que busca efeitos especiais através dos jogos de luzes e sombras. • Também se torna oriental pelo gosto decorativo. A paixão pelo ornamento que substitui a forma, o apreço pelo abstracto ao invés do realismo, à preferência pelo brilho do ornamental e precioso à harmonia do Austero, da supremacia da cor. Com isso procuram utilizar materiais ricos: alabastros, jaspes, pórfiros, pedras preciosas, sedas, esmaltes; daí também os trabalhos em mosaico (dão a impressão de movimento, no qual a vista não se fixa num ponto determinado). • A arte clássica não se perde, apesar disso, e influi também nos motivos e ideias. • O cuidado e o interesse com a figura humana estavam presentes na arte bizantina (representações individuais da família imperial); ela representava residência do espírito e da fé, os seres humanos são arquétipos afastados da realidade visual (forma e proporções eram previamente estabelecidas). Assim se copiava um determinado modelo o que gerava certa monotonia, implicava na submissão à Igreja e na crença na eficácia da imagem (seu poder estava ligado à fidelidade dos protótipos). A paisagem e natureza são concebidas como um elemento que contribui para ornamentar uma determinada cena ajudando a, por exemplo, perfilar elementos e compor o conjunto. A lógica visual não coincide com a construtiva; o fundo dourado atua como limite de personagens, naturezas e arquitecturas que parecem aproximar do espectador formando uma espécie de perspectiva invertida. Ao longo estende-se o absoluto – arte bizantina quis evidenciar o invisível. O texto integral pode ser lido em: https://arquitecturananoite.files.wordpress.com/2011/06/civilizac3a7c3a3o-bizantina-r01.pdf 58 UNIDADE 15 – IDADE MÉDIA NA EUROPA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer a influência da Igreja Católica como instituição e o que levou a Idade Média ser conhecida como Idade das Trevas. ESTUDANDO E REFLETINDO. A partir da oficialização do cristianismo como religião do Estado, os cristão passam de perseguidos à perseguidores. Durante o período da Idade Média os chefes de Estado desempenhavam também a função de protetor da Igreja e durante as coroações, recebiam suas coroas do Papa, porém, o cisma na Igreja apresentava três Papas. Embora a transição tenha sido gradual, e as datas exatas para a determinação da Idade Média sejam falhas, convencionou-se posicionar o início do período entre a morte do imperador romano Teodósio I em 395 e a queda de Roma para os visigodos em 410. A Idade das Trevas, anteriormente uma designação para todo o período da Idade Média, e mais tarde para o período entre 450 e 750, é agora geralmente conhecido como a Idade Média. O termo Idade das Trevas está mais relacionado a um julgamento sobre a falta de fontes para avaliar o período do que com o significado dos acontecimentos que ocorreram. A Europa medieval estava longe de ser unificada, era uma grande região geográfica dividida em unidades políticas menores e culturalmente diversas, que nunca foram totalmente dominadas por qualquer autoridade. Com o colapso do Império Romano, o cristianismo tornou-se o porta-estandarte da civilização ocidental. O papado gradualmente ganhou autoridade secular e comunidades monásticas, geralmente vinculadas aos preceitos Beneditinos, tiveram o efeito de 59 preservar a aprendizagem das culturas da antiguidade e de enviar missionários para converter os alemães e outras tribos, expandindo a civilização latina. Até o século VIII a cultura centrada no Cristianismo tinha sido estabelecida; incorporou ambas as tradições latinas e de instituições alemãs, como as leis germânicas. O império longínquo criado por Carlos Magno ilustrou esta fusão. No entanto, com uma autoridade central frágil, o Império foi abalado por uma nova onda de invasões, os Vikings e os Húngaros. O sistema feudal, como sua base agrícola, tornou-se a organização típica social e política da Europa. A nova ordem social ganhou estabilidade no século XI, com os invasores se convertendo ao cristianismo, estabelecendo a prosperidade do sistema, criada por inovações agrícolas, aumento da produtividade e expansão da população. Na Europa, durante os tempos medievais a única religião reconhecida foi o cristianismo, sob a forma de religião católica. As vidas das pessoas da Idade Média foram dominadas pela igreja, do nascimento à morte, um camponês, um servo, um nobre, um senhor feudal ou um rei – a vida foi dominada pela igreja e religião Medieval. Várias instituições religiosas, como mosteiros e conventos, tornaram-se importantes, ricos e poderosos. Este também foi um período de grande mudança na igreja cristã. As disputas das Cruzadas levaram à divisão entre as Igrejas cristãs orientais e ocidentais, o chamado Grande Cisma de 1054. As práticas da religião católica foram questionadas e as crenças de homens como Martinho Lutero (1483-1546) levaram a uma nova religião chamada protestantismo, que conduziu a uma nova divisão na Igreja Cristã referida como a Reforma Protestante. Não era incomum para as pessoas a ir à igreja todos os dias e orar cinco vezes por dia. As pessoas acreditavam que todas as coisas boas da vida foram devido à generosidade de Deus e que os eventos ruins eram devido a seus pecados. 60 BUSCANDO O CONHECIMENTO O estilo de arte do início da Idade Medieval é chamada românica, arte sacra criada em grande parte para a Igreja Católica nas terras europeias que faziam parte do império romano ocidental. A arte cristã e a iconografia religiosa começaram cerca de 200 anos depois da morte de Cristo e foram originalmente baseadas nos estilos de arte clássica e imagens utilizadas pelos antigos romanos, essa é a origem se seu nome. No período Medieval, a arte e a iconografia começaram a ser normatizada e se relacionar de forma mais próxima com os textos encontrados na Bíblia. A produção artística ocorreu em forma de pintura, ilustração de manuscritos (iluminuras), mosaicos e afrescos em igrejas, apresentava também brilhantes e coloridos vitrais. As cores na arte deste período não eram constantes, de forma geral, exceto aqueles usados Cristo Pantocrator – Mosaico – Igreja de Santa Sofia. em manuscritos e vitrais. Não havia respeito às proporções, as figuras variavam em tamanho, dependendo da sua importância. As esculturas decorativas nos templos religiosos tinham função evangelizadora. O período final da Idade Média apresenta o surgimento de arte gótica e grandes avanços em técnicas artísticas. Durante este período, os artistas romperam com as influências da arte bizantina e com os estilos da arte românica. A arte gótica durou cerca de duzentos anos do século XII ao XIV. No final do século XIV a arte gótica tinha evoluído para um estilo mais secular e natural conhecido como gótico internacional. Os artistas e pintores fundadores do movimento gótico buscavam um maior realismo, o que culminou no estilo de arte renascentista. 61 As características dessa arte são as cores mais brilhantes, o realismo, o desenvolvimento de perspectiva e proporção, o uso de luz e sombras, a criação de um senso de espaço pictórico, mudanças no tema, o que incluía a representação de animais e cenas mitológicas. As igrejas partem para construções mais verticais e iluminadas. A Iluminura ou decoração de Catedral de Milão – Itália – Estilo Gótico manuscritos foi uma das formas mais comuns de Arte Medieval. A palavra Iluminura vem da palavra latina 'Illuminare' significa adornar, iluminar e é definido como o embelezamento de um manuscrito com cores luminosas (especialmente ouro). Os monges medievais dedicavam-se a uma vida piedosa e religiosa nos mosteiros e copiavam, meticulosamente, textos religiosos, embelezando-os com cores ricas que caracterizaram frequentemente o uso de ouro e prata. Os monges trabalhavam no Scriptorium, que era o quarto em um mosteiro usado por clérigos ou escribas para copiar manuscritos do texto religioso. A produção desses manuscritos trouxe riqueza e prestígio aos mosteiros. Os diferentes tipos de iluminuras variavam entre miniaturas ou ilustrações de página inteira para decorar o texto religioso. Iluminura do Evangelho de Lindisfarne – Arte Insular – Neste período a Bíblia ainda não era dividida em capítulos e as Iluminuras auxiliavam os padres a encontrar os textos dentro do livro 62 UNIDADE 16 – RENASCIMENTO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Relacionar os acontecimentos sociais da Idade Média tardia e a produção cultural do período. ESTUDANDO E REFLETINDO. O período renascentista, já anunciado pelo gótico, é uma retomada dos valores greco-romanos esquecidos pela população e tratados como perigosos pela Igreja Católica. A instituição Igreja acreditava que o conhecimento não era para todos, e assim mantinha os escritos greco-romanos dentro dos mosteiros, para que não chegassem ao grande público, o que não era de todo necessário, já que a maioria das pessoas neste período não sabiam ler. Na verdade, o Renascimento foi um momento da História muito mais amplo e complexo do que o simples reviver da antiga cultura greco-romana. Ocorreram nesse período muitos progressos e incontáveis realizações no campo das artes, da literatura e das ciências, que superaram a herança clássica. O ideal do humanismo foi sem dúvida, o motor desse progresso e tornou-se o próprio espírito do Renascimento. Num sentido amplo, esse ideal pode ser entendido como a valorização do homem e da natureza em oposição ao divino e sobrenatural, conceitos que haviam impregnado a Idade Média. (PROENÇA, Graça. História da Arte. p.78) BUSCANDO O CONHECIMENTO. Durante os séculos XIV e XV houve um boom do chamado esoterismo ocidental na Europa. Oriundo da chegada do saber árabe e bizantino na Europa ocidental, tendo 63 como porta de acesso principal a Itália (KIECKHEFER, 1989, p. 145-146), ele permeou-se por toda a sociedade européia, fragmentando-se ou unindo-se a saberes locais, e sendo reapropriado. Apesar de ter atingido primeiramente o público letrado, também foi sorvido pelos estamentos populares e influenciou profundamente uma das correntes intelectuais mais importantes da história do ocidente: o humanismo. A magia que resultou desse processo, segundo Garin (1994), tem raízes profundas na Alta Idade Média, uma vez que a literatura mágica dos séculos XV e XVI estaria numa mesma tradição que aquela surgida no século XII, esta fruto do crescimento da cultura filosófica ocidental. Mais uma vez fica claro que nesse momento nomeado de Rinascimento, não ocorre uma ruptura com a herança medieval, mas sim uma mistura das dúvidas e certezas medievais e renascentistas. A discussão corrente envolve o caráter dessa magia. Embalados por uma parte da discussão antropológica acerca desse objeto, alguns autores do século XIX e começo do XX a viram como um prenúncio da técnica, ou seja, o pensamento mágico nada mais seria que um antecessor da ciência. A alquimia e a astronomia teriam flertado com a prática da observação analítica, preparando essa ferramenta para a utilização científica. A ciência estaria um passo além da magia, pois ela havia retirado o véu do mundo, em outras palavras, ela o teria desencantado. Essa percepção foi influenciada pelas concepções evolucionistas, como no caso de James Frazer e seu Golden Bought (1890), onde foi traçada uma linha evolutiva na qual a magia antecedia a religião, que era sucedida pela ciência, o que era entendido como um sinal claro do progresso da humanidade rumo ao racionalismo. A literatura mais recente discorda dessa visão. Garin (1994) lembra que os historiadores costumam separar a magia em duas categorias: as técnicas que precederam a ciência, nos moldes modernos, e aquela entendida como fruto das reminiscências das religiões antigas. Essa dicotomia constituiria um equívoco, pois, para aqueles homens, os aspectos técnicos e espirituais da magia só possuíam eficácia se operados conjuntamente. Enquanto na ciência o aspecto técnico (experimento) é um fim em si, na magia o aspecto experimental é ferramenta de fundamentação da hipótese mágica. Outro ponto em que cabem esclarecimentos é o que trata da aparente confusão sobre duas figuras muito importantes no contexto da discussão sobre a magia que ocorreu nesse período. Trata-se da feiticeira e do magus. Mas, para que se compreendam os pontos de encontro e de divergência entre essas personagens, se faz necessário tratar primeiramente das modalidades de magia correntes naquele momento. O pensamento mágico daquela época foi embalado pela chamada magia naturalis. Cornelius Agrippa von Nettesheim (1486-1535) define a magia natural de forma muito eloquente em seu De Occulta Philosophia: A magia é uma faculdade de maravilhosa virtude, cheia dos mais altos mistérios, contendo a mais profunda contemplação de coisas as mais secretas, juntamente com a natureza, poder, qualidade, substância e virtudes delas, bem como o conhecimento de toda a natureza, e ela nos instrui com respeito à concordância e a discordância das coisas entre si; 64 pelas quais ela produz seus efeitos maravilhosos, unindo as virtudes das coisas através da aplicação de cada uma às outras, e a seus objetos inferiores apropriados, juntando-os e entrelaçando-os completamente pelos poderes e virtudes dos corpos superiores. Esta é a ciência principal e mais perfeita, aquele tipo mais sagrado e sublime de Filosofia, e finalmente, a mais absoluta perfeição de toda a mais excelente Filosofia. (AGRIPPA, 1651.) Essa visão parte da concepção de que as artes mágicas teriam como ancestral a magia dos persas antigos, cuja significação seria a sabedoria universal, não apenas uma ciência ou uma teoria explicativa das coisas, mas o ápice do saber do mundo. Conforme Pico della Mirandola (1463-1464) e Agrippa, essa seria a forma mais elevada de filosofia (CLARK, 2006, p. 287). Clark descreve assim o funcionamento da magia natural: As influências desciam do mundo angelical ou intelectual dos espíritos (aquelas substâncias imateriais que dispensam e administram todas as coisas) ao mundo estelar e planetário dos céus que por sua vez, governava o comportamento das coisas terrestres e suas transformações físicas. O “mágico” era, consequentemente, alguém que buscava ascender a um conhecimento desses poderes superiores e assim acentuar suas realizações normais utilizando-o artificialmente para produzir efeitos maravilhosos. No nível mais alto, a magia tornava-se tanto um ato de iluminação mística como uma obra de ciência; nisto, o mágico buscava um papel de tipo sacerdotal e seus prodígios competiam com os milagres da religião. (CLARK, 2006, p. 289) [...]Era corrente a ideia de que o Criador teria deixado indícios de sua presença em suas obras, as virtudes ocultas das coisas naturais, e que aquele que os descobrisse poderia encontrá-lo. O hermetismo, assim como a Cabala, buscava construir uma gramática funcional para instrumentalizar essa mensagem oculta por Deus em sua criação. Tudo que almejava é descobrir a mensagem divina cifrada no Livro da Natureza, para assim poder se aproximar dele. Essa ideia de uma mensagem divina oculta na Criação fomentou entre os magi um desejo pelo segredo. Kieckhefer (1989, p.140) e Rossi (2001, p. 45) defenderam a ideia de que a criação de línguas mágicas artificiais e a adoção de línguas tidas como mágicas, seriam estratégias para salvaguardar um tipo de conhecimento que possuía poder ainda que em latência. Mais do que isso, a busca e o uso desses artifícios foi fruto do esforço pelo deciframento da virtude oculta da Criação, a porta de acesso a Deus. O texto completo pode ser lido em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf10/01.pdf 65 UNIDADE 17 – GRANDES NAVEGAÇÕES E O BRASIL INDÍGENA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Conhecer a cultura existente no Brasil antes da chegada dos portugueses. ESTUDANDO E REFLETINDO. Durante o Renascimento cultural da Europa, muitas conquistas tecnológicas aconteceram, e os europeus se lançaram em novas aventuras, entre elas a descoberta de um caminho marítimo para as Índias e de um novo mundo, do outro lado do mar. A cada nova viagem, os marinheiros portugueses entregavam suas anotações aos cartógrafos do rei, que reuniam essas informações acerca dos caminhos para os novos mundos encontrados por eles. No início do século XV os europeus só se arriscavam navegar por algumas regiões do vasto oceano, como o mar Mediterrâneo e as bordas do continente europeu. Mais longe do que isso só havia o medo, pois havia a crença em monstros marinhos, zonas do mar em que não se podia navegar porque a água fervia ou porque os navios encalhavam. Havia, é claro, o medo do fim do mundo, do abismo no final do mar, pois poucos julgavam que o mundo fosse redondo. Porém, mesmo com todo o medo que o mar inspirava, os portugueses chegaram ao Brasil e encontraram um país-continente com uma exuberante em fauna, flora e recursos, e encontraram também um povo ‘primitivo’, com cultura, arte e religião próprios. 66 BUSCANDO O CONHECIMENTO. A primeira questão que se coloca em relação à arte indígena é defini-la ou caracterizá-la entre as muitas atividades realizadas pelos índios. Quando dizemos que um objeto indígena tem qualidades artísticas, podemos estar lidando com conceitos que são próprios da nossa civilização, mas estranhos ao índio. Para ele, o objeto precisa ser mais perfeito na sua execução do que sua utilidade exigiria. Nessa perfeição para além da finalidade é que se encontra a noção indígena de beleza. [...] Outro aspecto importante a ressaltar: a arte indígena é mais representativa das tradições da comunidade em que está inserida do que da personalidade do indivíduo que a faz. É por isso que os estilos da pintura corporal, do trançado e da cerâmica variam significativamente de uma tribo para outra. Cerâmica – As peças de cerâmica que se conservaram testemunham muitos costumes dos diferentes povos índios e uma linguagem artística que ainda nos impressiona. São assim, por exemplo, as urnas funerárias lavradas e pintadas de Marajó, a cerâmica decorada com desenhos impressos por incisão dos Kadiwéu, as panelas zoomórficas dos Waurá e as bonecas de cerâmica dos Karajá. Arte Plumária – Esta é uma arte muito especial porque não está associada a nenhum fim utilitário, mas apenas à pura busca da beleza. Máscaras – Para os índios, as máscaras têm um caráter duplo: ao mesmo tempo que são um artefato produzido por um homem comum, são a figura viva do ser sobrenatural que representam. Elas são feitas com troncos de arvores, cabaças e palhas de buriti e são usadas geralmente em danças cerimoniais, como por 67 exemplo, na dança do Aruanã, entre os Karajá, quando representam heróis que mantêm a ordem do mundo. Pintura Corporal – As cores mais usadas pelos índios para pintar seus corpos são o vermelho muito vivo do urucum, o negro esverdeado da tintura do suco de jenipapo e o branco da tabatinga. A escolha dessas cores é importante, pois o gosto pela pintura corporal está associado ao esforço de transmitir ao corpo a alegria contida nas cores vivas e intensas. (PROENÇA, Graça. História da Arte. p.192 - 195) <iframe width="420" src="https://www.youtube.com/embed/- height="315" IVWKUMZbkI?rel=0&amp;controls=0&amp;showinfo=0" frameborder="0" allowfullscreen></iframe> 68 UNIDADE 18 – A RETOMADA DA IGREJA: ARTE BARROCA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Conhecer o movimento barroco, suas causas e efeitos e entender de onde surge a influência para o barroco brasileiro. ESTUDANDO E REFLETINDO. Contra-Reforma - O período de renascimento católico começando com o O barroco é um estilo artístico que começou por volta de 1600, em Roma, Itália, e se espalhou por toda a Europa, no uso informal, a palavra "barroco" descreve algo que é elaborado, ou altamente detalhado. A popularidade do estilo barroco foi incentivada pela Igreja Católica, que havia decidido no Concilio de Concílio de Trento (1545-1563) e terminando no fim da Guerra dos Trinta Anos (1648); às vezes considerado uma resposta à Reforma Protestante. Reforma (Reforma Protestante ou Luterana) - O movimento religioso iniciado por Martinho Lutero, no século XVI para reformar a Igreja Católica Romana. Trento que as artes devem comunicar temas religiosos e devem envolver emocionalmente os fiéis, sendo uma resposta direta à Reforma Protestante. A técnica de chiaroscuro refere-se à interação entre a luz e a escuridão e é frequentemente usada em pinturas de cenas mal iluminadas para produzir um Chiaroscuro - Uma popularizada durante técnica o artística Renascimento, referindo-se ao uso da luz exagerada contrastando com áreas sombreadas da pintura de forma a criar a ilusão de volume e dramaticidade. alto-contraste e uma atmosfera dramática. Na música, o estilo barroco torna-se uma grande parte do cânone clássico. O estilo barroco mais tarde evoluiu, por assim dizer, para outro estilo, o rococó, este era caracterizado pelo apelo decorativo e pelas obras cada vez mais elaborados. 69 BUSCANDO O CONHECIMENTO. Arte barroca manifestou-se de forma diferente em vários países europeus devido a seus climas políticos e culturais únicos. Os fatores mais importantes durante o período barroco foram a Reforma e a Contra-Reforma, o estilo é caracterizado pelo movimento exagerado e o contraste entre luz e sombra usado para produzir drama, exuberância e grandiosidade em esculturas, pinturas, na arquitetura, na literatura e música. A iconografia barroca foi direta, óbvia, e dramática, com a intenção de apelar, acima de tudo para os sentidos e as emoções. A utilização da técnica "claro-escuro" é uma característica bem conhecida da arte barroca. Esta técnica refere-se à interação entre a luz e a escuridão e é frequentemente usado em pinturas de cenas mal iluminadas para produzir um alto-contraste e O sacrifício de Isaac - Caravaggio uma atmosfera dramática. A técnica de chiaroscuro é visível na pintura "O Massacre dos Inocentes", de Peter Paul Rubens. Outros pintores barrocos importantes incluem Caravaggio (que é tido como precursor do movimento, e é conhecido por seu trabalho caracterizado por ações fortes e orientações diagonais) e Rembrandt. "O Massacre dos Inocentes", de Peter Paul Rubens 70 O estilo barroco na arquitetura dá ênfase à espaços arrojados, cúpulas, grandes massas, como exemplificado pelo Palácio Nacional de Queluz em Portugal. Na música, o estilo barroco torna-se uma grande parte do cânone clássico. Compositores importantes incluem Johann Sebastian Bach, George Handel, e Antonio Vivaldi. Na parte final do período, o estilo barroco foi denominado rococó, um estilo caracterizado pelas obras cada vez mais decorativos e elaborados. Palácio Nacional de Queluz, Portugal 71 UNIDADE 19 – BRASIL BARROCO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Conhecer e entender a arte barroca brasileira, sua unicidade e importância para a produção de uma cultura verdadeiramente brasileira. ESTUDANDO E REFLETINDO. O estilo barroco se desenvolveu no Brasil no século XVIII, tendo continuidade até o início do XIX, nesse período os artistas europeus já não produziam arte barroca, sendo preterida aos modelos clássicos. Assim como o europeu, a arte barroca brasileira está intimamente ligada à Igreja católica, por todo o território brasileiro é possível encontrar igrejas de inspiração barraca, mas há também edificações civis e moradias construídas dentro dos preceitos do movimento. No Brasil ocorrem dois “barrocos” distintos: Nas regiões enriquecidas pelo comércio de açúcar e pela mineração, encontramos igrejas com trabalhos em relevo feitos em madeira – as talhas – recobertas por finas camadas de ouro, com janelas, cornijas e portadas decoradas com detalhados trabalhos de escultura. É o cada das construções barrocas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Já nas regiões onde não existia nem açúcar, nem ouro, a arquitetura teve outra feição. Aí as igrejas apresentam talhas modestas e trabalhos realizados por artistas menos experientes e famosos do que os que viviam nas regiões mais ricas. (PROENÇA, Graça. História da Arte. p. 197) 72 Santuário Bom Jesus de Matosinhos – Congonhas do Campo/MG Barroco ‘rico’ Igreja da Boa Morte – Goiás. Barroco ‘pobre’ BUSCANDO O CONHECIMENTO. 73 A Iconografia representada em cada grupo escultórico refere-se no caso à cartela presente na entrada de cada capela, observa-se no quadro acima. Aleijadinho trabalha em Congonhas num período com colaboração de auxiliares para execução das 64 imagens num período de 3anos e meio aproximadamente. O artista marca sua genialidade na grandiosidade do fazer escultórico, ou seja, no modo de esculpir em madeira com dimensões pouco convencionais para o período, a aplicabilidade da técnica do baixo relevo (muito utilizadas na ourivesaria, neste caso a partir de uma área plana escavar o volume), influência árabe à moda turca na representação das vestimentas (Centurião – Crucificação), caracterização de vestes da época como a do Servo à esquerda (Ceia) e possível influência “gótica” com a representatividade dos olhos rasgados e demais caracterizações. Aleijadinho trabalha com a emulação, caracterizando o que foge ao controle da Colônia e superando a imitação, isso demonstrado através da teatralidade, da enfatização dos Cristos resignados, as caricaturas representativas dos soldados, as vestimentas setecentistas entre outros. “A impressão que predomina nas representações de Cristo é a da Inocência da Santa Vítima que, no sofrimento, permanece estranha ao desencadeamento do mal que o acabrunha. Ignorando tão profunda maldade, o Puro Mártir não pode compreender esse pecado de que se revestiu e pelo qual morre...” Em momento algum o sofrimento altera a beleza imortal”. (BAZIN, 1963). Trata de um conjunto em madeira policromada que apresenta como características diferenciadas parte das esculturas da capela da Ceia executadas em meio corpo e escavadas na parte posterior, assim como o Cristo do Horto, Pedro, João e Tiago. As demais foram trabalhadas em tamanho natural, a altura varia de 87,5 cm (João da Capela da Ceia) a 205,0 cm (Centurião da Capela da Crucificação). O suporte em madeira possivelmente caracterizado como cedro, sendo realizados apenas exames organolépticos o que sugeri também outro tipo de madeira na base de várias esculturas. A coleta de amostra não foi realizada por considerar até o momento uma ação invasiva. Após ser esculpido, este conjunto escultórico ficou por um período guardado em um galpão, para em seguida serem policromadas num primeiro período por Manoel da Costa Athaíde e possivelmente após o intervalo e retomada a construção das três capelas restantes, possivelmente Francisco Xavier Carneiro. Neste momento podemos questionar as características apresentadas nas esculturas através das tonalidades fortes em contraposto aos tons suaves trabalhados por Ataíde. Em exames estratigráficos também observou diferenças de camadas aplicadas na policromia. “A importância do conhecimento das técnicas e materiais utilizados na construção de obras de arte ou de valor histórico ou de valor cultural reside no fato de que, somente a partir desse conhecimento poderemos 74 caracterizar o desenvolvimento da tecnologia de produção das obras e as características dos diversos estilos ou períodos históricos. Além disso, através do conhecimento de seus materiais constituintes pode-se elaborar uma estratégia de conservação preventiva das obras, pois sem o conhecimento de seus materiais constituintes é praticamente impossível o estudo de suas causas e processos de degradação”. (SOUZA, 1996). 75 UNIDADE 20 – SINCRETISMO NA ATUALIDADE BRASILEIRA. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE. Objetivos: Entender a mistura elaborada pelo povo brasileiro das tradições cristãs trazidas pelos portugueses e as culturas africanas e indígenas. ESTUDANDO E REFLETINDO. O Brasil foi ocupado pelos indígenas na sua pré-história tardia, tardia pois se considerarmos o conceito de pré-história como a parte da história que não tem registro escrito, podemos considerar que o Brasil deixou a pré-história quando os portugueses chegaram ao território, até o momento, os nosso índios mantinhas suas tradições de forma oral. Os portugueses trouxeram o cristianismo e mais tarde, os escravos africanos, que por sua vez tinham suas próprias crenças, culturas e expressões artísticas. Todas essas influências se mesclaram, formando o que hoje chamamos cultura brasileira. BUSCANDO O CONHECIMENTO. Posicionamentos como os firmados pela CNBB desde a sua fundação, deviam ser redimensionados na conjuntura pós-conciliar, a fim de tornar possível o diálogo e a aproximação com os não católicos preconizados pelo concílio. Em relação às religiões afro-brasileiras, essa nova inflexão do discurso católico não aconteceu sem ocasiões de hesitação ou recuo, onde vestígios de um passado marcado pela polêmica e pela não aceitação do universo simbólico e axiológico de grande parte da população brasileira, tornaram-se evidentes em alguns momentos. Em relação ao fenômeno lido como sincretismo religioso3 pela hierarquia católica, há alguns momentos emblemáticos desse período eclesial, no qual alguns nomes desta 76 hierarquia revelaram sua dificuldade em lidar com uma realidade cultural capaz de articular “diferenças enquanto diferenças” (Sanchis, 1995). Um desses momentos aparece em uma obra publicada em 1965 pelo padre jesuíta Edvino Friderichs (FRIDERICHs, 1965). Trata-se de um livro sobre as religiões mediúnicas e afro- brasileiras surgida em pleno “aggiornamento” e diálogo ecumênico proposto pelo Vaticano II (ISAIA, 2002). Após tecer comentários sobre as religiões afro-brasileiras e o sincretismo religioso com argumentos em nada diferentes do exposto anteriormente por Kloppenburg, padre Friderichs passa a comentar o filme “O Pagador de Promessas”, baseado na obra homônima de Dias Gomes. Friederichs comenta, não a ação da igreja católica no presente e no passado, mas a forma como o padre é apresentado na peça e no filme. Reconhecia que o padre criado pela ficção de Dias Gomes era intolerante e que a intolerância era odiosa. A solução era muito simples para o sacerdote: bastava o “produtor” do filme esquecer o texto de Dias Gomes e apresentar um padre tolerante, que com caridade e paciência mostrasse ao protagonista, Zé do Burro, que a correspondência entre Santa Bárbara e Iansã não existia, era um mentira. A “verdade” da igreja “converteria” Zé do Burro. E quanto a obra de Dias Gomes... Isso não interessava absolutamente a Friderichs: A intolerância fere e afasta ainda mais, como no caso do filme „O Pagador de Promessas‟. O papel daquele vigário que lá aparece, é o mais odioso possível. Se o produtor do filme tivesse em vista o bem espiritual dos assistentes e não exclusivamente o sensacionalismo, teria dado ensejo ao padre de fazer uma inteligente e caridosa exposição da doutrina da Igreja, tornando-o desta forma simpático. O pobre homem da promessa...teria, por seu turno aceito a doutrina católica. Intencionalmente, a partir daquela data já não faria a confusão entre Iansã e Santa Bárbara (FRIEDERICHS, 1965, p. 266). Uma crítica simplista à falta de sensibilidade e de informação do padre Friederichs poderia levar-nos a um anacronismo histórico. Temos que compreender seu posicionamento dentro do contexto eclesial anteriormente mencionado, no qual, se por um lado, o “aggiornamento” insistia mais na misericórdia do que na severidade pronta a condenar (DISCURSO, 1962), por outro subsistiam conteúdos residuais de tempos bem menos propensos ao diálogo. Os mesmos impasses revelados por Padre Friederichs longe estavam de serem peculiares na hierarquia católica brasileira no começo dos anos 1970. Um documento capaz de revelar esses impasses, avanços e recuos, foi uma obra surgida em 1972, publicada pela CNBB, com o sugestivo título de “Macumba, cultos afro-brasileiros. Candomblé, umbanda, observações pastorais” (GOMES, 1976). Nesta obra estão juntos desde o bispo de Nova Iguaçu, D. Adriano Hypólito, extremamente engajado na luta em defesa dos direitos humanos e que chegou, inclusive, a ser seqüestrado e 77 torturado em 1976, até um sacerdote como frei Boaventura Kloppenburg, bem mais voltado para questões doutrinárias e para a defesa da ortodoxia. No Prefácio à primeira edição do opúsculo publicado pela CNBB, D. Adriano Hypólito reconhece o crescimento das religiões afro-brasileiras naquele momento. O ponto de vista de D. Adriano, bem como dos demais religiosos que colaboram na obra, é, sobretudo, pastoral. As religiões afro-brasileiras e seu crescimento representam uma realidade a qual não podem voltar as costas. É necessário encontrar-se meios para que a atuação da igreja possa reverter essa situação. Essa é uma opinião consensual entre os religiosos no livro. O que matiza seus posicionamentos é justamente o modo pelo qual deve pautar-se a atuação pastoral naquela conjuntura. Era consensual, igualmente, entre os religiosos a necessidade de uma adaptação litúrgica a fim de que a igreja pudesse chegar com mais sucesso, sobretudo aos pobres e marginalizados. Aí é que aparecia a possibilidade de um encontro, principalmente através da liturgia, da igreja com as religiões afro-brasileiras, incorporando uma linguagem familiar ao universo simbólico de grande parte da população. Já no Prefácio que escreveu para a Primeira Edição, manifestava-se D. Adriano Hypólito, reconhecendo que “perante o crescimento dos cultos afrobrasileiros, de modo especial a umbanda, nossa atitude não pode ser de condenação, polêmica, frustração, mas de revisão séria de todas as nossas iniciativas e métodos” (GOMES, 1976). E acrescentava D. Adriano, claramente endossando que a missão salvífica da igreja não era meramente transcendente, mas que trazia uma mensagem histórica de libertação que já acontecia neste mundo: Se a mensagem libertadora de Cristo não atinge os homens torturados pela angústia da libertação, a falha não e está na mensagem mas na comunicação. Há alguma coisa de errado no instrumental que utilizamos. Pode ser que o instrumento seja mal empregado. Pode ser que o instrumento perdeu a razão de ser. Pode ser que os mensageiros falem uma língua desconhecida. Pode ser que a mensagem se alienou de tal modo que perdeu o seu efeito congênito. Aqui se impõe uma reflexão e uma revisão sérias. O homem é livre de seguir sua consciência. Aceitar o evangelho é uma decisão livre de sua vontade. Não é aí, portanto, que se impõe uma revisão da pastoral. Onde nos cabe toda responsabilidade é no que toca ao conteúdo e ao instrumento da libertação: anunciamos de fato o Cristo, o libertador? Anunciamos de fato a libertação que ele oferece? E depois: como, com que meios, de que modo anunciamos a mensagem de salvação? (GOMES, op.cit., p.7-8). 78 O reconhecimento por D. Adriano, da necessidade de uma revisão nos métodos usados pela igreja na comunicação do evangelho era a tônica do livro. Nesta revisão, a abertura às religiões afro-brasileiras e ao seu universo ritual aparecia como inevitável, para que a mensagem do evangelho não soasse estranha. Nesta abertura, os religiosos salientavam a necessidade de a igreja valorizar, principalmente a comunicação fluente entre os dirigentes umbandistas, pais e mães de santo e o povo sofrido que maciçamente acorria aos terreiros. A esse respeito, assim posicionava-se o dominicano, frei Raimundo Cintra: Os pais e mães de santo estão ao nível de seus clientes e falam uma linguagem que lhes é acessível. Possuem muito mais comunicação com as massas do que padres católicos ou pastores das denominações protestantes tradicionais. O canto e a dança falam mais ao povo. Tudo no candomblé e na macumba está ao alcance do povo. A participação da assembléia é total. Todos cantam e batem palmas ritmicamente. Os enfeites ingênuos dos terreiros ou tendas são adaptados ao gosto popular. Não é necessário insistir sobre estes pormenores que podem ser notados imediatamente por quem penetre, ainda que apenas por alguns minutos, num desses locais de culto ou assista a algumas dessas cerimônias. (GOMES, 1976, p. 105). Frei Raimundo Cintra e os demais religiosos que assinam textos neste livro reconheciam que a igreja católica, não apenas deveria valorizar as religiões afrobrasileiras, mas ter a humildade necessária para com elas aprender um modo mais democrático e participativo de celebração litúrgica e de comunicação: Há (nas religiões afro-brasileiras) também grande espontaneidade, uma parte de imaginação, de improvisação, dentro de certas linhas estabelecidas; por isso não há babalaô que seja igual ao outro. Quando ele fala, quando se dirige ao povo é de maneira bastante diferente. Inclusive há alguns oradores populares extraordinários. Alguns pregadores, que tive a ocasião de ouvir: Nilo Barbudo, por exemplo, tem um verdadeiro sentido de comunicação com o povo, sabendo falar a linguagem do povo. Não fala de coisas abstratas, áridas, mas de coisas concretas, tendo o dom de comunicação. Realmente, há o que se aprender com esses babalaôs da macumba.(GOMES, 1976, p.74). 79 Já frei Boaventura Kloppenburg, revendo suas posições do passado e ancorado nos documentos conciliares, via agora as religiões afro-brasileiras como uma reação popular a uma religiosidade não satisfeita, tanto pelo catolicismo, quanto pelo protestantismo tradicional e mesmo pelo espiritismo: Considerando o extraordinário crescimento do culto umbandista em nosso meio – onde se apresenta como a “religião do Brasil” – e seu curioso sincretismo de elementos africanos, ameríndios, católicos e, sobretudo, espíritas, temos a impressão de estar diante de um fenômeno de violenta irrupção de religiosidade, insatisfeita com as formas religiosas oficiais, rígidas e complexas com que aparecem o catolicismo oficial, o protestantismo puro, e o espiritismo de Allan Kardec, os quais não dariam suficiente vazão às necessidades religiosas de nossa gente. A umbanda dá a impressão de ser um protesto popular contra formas religiosas importadas e adaptadas ao ambiente. (GOMES, 1976, p. 84). insuficientemente Todavia, na conjuntura imediatamente pós-conciliar havia limites para a aceitação, tanto das religiões afro-brasileiras, quanto da realidade cultural do nosso povo.5 Nos textos contidos no livro da CNBB em questão, havia posições nuançadas em relação às religiões afro-brasileiras e ao seu relacionamento com a religião católica. Havia posições que enfatizavam bem mais os pontos em comum, mas havia, igualmente, argumentos que salientavam oposições intransponíveis. O interessante é que ambas as posições, estavam apoiadas nos documentos da igreja pós Vaticano II. Assim, frei Raimundo Cintra defendia que a umbanda, a macumba, o candomblé apresentavam-se como manifestações autenticamente religiosas. Empalidecendo os argumentos capazes de condenar as mesmas (como veremos mais adiante, o fenômeno entendido pelos religiosos como sincretismo seria o principal ponto não aceitável nas religiões afro-brasileiras), frei Raimundo Cintra defendia, inclusive, um comum monoteísmo6 e até mesmo uma possível trindade nos moldes ensinados pelo catolicismo: Nas décadas posteriores ao Vaticano II, a aceitação das realidades culturais próprias, sobretudo das populações do terceiro mundo, levou muitos missionários católicos e não católicos a inserir-se nas culturas locais, assumindo-as primordialmente no trabalho evangelizador. Era a chamada inculturação, termo que parece ter sido cunhado pelo missionário protestante G.L Barney nos inícios dos anos 1970 (CHUPUNGO, 2008) e incorporado ao discurso católico, explicitamente após a Congregação Geral da Companhia de Jesus, acontecida em 1974 e a célebre carta do pe. Pedro Arrupe, à época 80 superior dos jesuítas, datada de 1978, na qual a define como a “encarnação da vida cristã e da mensagem cristã em determinado contexto cultural local, de tal maneira que a experiência não só encontre expressão por meio de elementos apropriados à cultura em questão (apenas isso não seria mais que uma adaptação superficial), mas seja também um princípio que anime, dirija e unifique uma cultura, transformando-a e refazendo-a para acarretar uma „nova criação‟” (APUD. LONSDALE, 2002, p. 219. Sem marcas no original) A posição de frei Raimundo Cintra contradizia a anteriormente exposta por frei Boaventura Kopplenburg, que em 1961 qualificava a umbanda como politeísta: “Se os umbandistas se apresentassem como são – magos e politeístas – poucos seriam seus sequazes. Bem o sabem eles. Por isso ocultam a magia sob o manto cristão da caridade e disfarçam o politeísmo com a devoção cristã aos santos”. (KLOPPENBURG, 1961, p. 124) Primeiramente diria que se trata de um culto, um culto a Deus, porque, como sabem, a origem afro-brasileira desse culto é monoteísta: Olorum é o único Deus na macumba. E Oxalá é filho de Deus (que identificam com Cristo). E alguns dizem que há Ifá (que seria o Espírito Santo. Depois há uma série de espíritos: os Orixás, que não são deuses. Há uma grande confusão que se faz por aí quando dizem: “os deuses da macumba”, “os deuses africanos”. Por exemplo, nos livros escritos por Roger Bastide ou Pierre Verger que publicou um álbum “Les Dieux d‟Afrique”. Essa palavra “Deuses Africanos” está errada porque os Orixás não são deuses, são espíritos, mensageiros de Deus. (GOMES, 1976, 71). A posição de frei Raimundo Cintra, aproximando o possível as religiões afro- brasileiras do cristianismo é contrabalançada pelo jesuíta Vardeli Carvalho da Costa. Padre Vardeli vai apresentar uma leitura, onde as oposições ganham destaque, a começar pela negativa em reconhecer qualquer aproximação entre cristianismo e o que chama de umbanda. Os antagonismos que apresenta entre cristianismo e umbanda são assim resumidos: (A umbanda) é religião cósmica, cultua forças da natureza, portanto não é cristã. Tem apenas um verniz de cristianismo: fala de Cristo, mas entendendo Oxalá; fala de santos, mas entendendo divindades africanas, forças da natureza personificadas; fala da caridade, mas num plano apenas de filantropia, etc. (GOMES, 1976, p.81). Contrariamente a frei Raimundo Cintra, cujas pesquisas de campo concluíram pela autenticidade religiosa da umbanda e pela valorização de suas abstrações, padre Vardeli Carvalho da Costa, chamava as mesmas de “pseudo-religiosas”: ”A interpretação umbandista é uma interpretação primitiva, pseudo-religiosa, de 81 fenômenos que a psicologia e a parapsicologia procuram estudar cientificamente e em parte conseguem explicar.” (GOMES, 1976, p. 82) Defendendo o caráter não cristão e primitivo da umbanda, padre Vardeli, contudo, inseria-se na conjuntura eclesiástica pós-conciliar, na qual se buscavam “as sementes” da revelação cristã ou os prenúncios da mesma nas religiões não cristãs: Concluímos, pois: a umbanda, sendo religião cósmica é paganismo. Não desconhecemos, contudo, que o paganismo não é totalmente mau e pode estar, sob certos aspectos, numa etapa primitiva de preparação para a revelação da graça de Deus. (GOMES, 1976, p. 82). A concomitância entre, por um lado, a valorização das religiões afro-brasileiras e da busca de diálogo com as mesmas, que acompanhou suas redefinições pós- conciliares e, por outro, a continuidade da condenação do que lia como sincretismo religioso, aparece em Boaventura Kloppenburg: Respeitando, fomentando, elevando e consumando em Cristo tudo o que na umbanda descobrimos de bom, não esqueceremos, contudo os pontos em que estão em desacordo com a doutrina da igreja e devem ser libertados de contágios malignos. Aliás a umbanda não é só tradição africana, mas sincretismo. E o concílio não quer abrir portas ao sincretismo... O sincretismo com o espiritismo kardecista levou os umbandistas à prática da necromancia ou evocação dos mortos, e a doutrina da reencarnação. O fetichismo (africano e indígena), que continua quase intato e puro na umbanda, transforma muitas de suas práticas em verdadeiros atos de magia (inclusive em atos de magia negra nos terreiros de quimbanda). (GOMES, 1976, p. 8788). 82 POLOS EAD Av. Ernani Lacerda de Oliveira, 100 Bairro: Pq. Santa Cândida CEP: 13603-112 Araras / SP (19) 3321-8000 ead@unar.edu.br Rua Américo Gomes da Costa, 52 / 60 Bairro: São Miguel Paulista CEP: 08010-112 São Paulo / SP (11) 2031-6901 eadsp@unar.edu.br 0800-772-8030 www.unar.edu.br