CÁLCULO AVANÇADO Primeira Edição Rolci Cipolatti Instituto de Matemática - UFRJ Rio de Janeiro - RJ - Brasil 2016 Caiu a primeira gota na terra seca Solitária, corajosa, suicida, Pra que molhe o chão, a planta cresça Pra que brote o verde, a nova vida Cairão dezenas no inı́cio Centenas, milhares em seguida Mas de nada valerá o sacrifı́cio Se não vier a chuva decidida RC Exórdio O presente texto iniciou-se como notas de aula e listas de exercı́cios do Curso de Cálculo Avançado I, curso que ministrei por vários anos no programa de Mestrado em Matemática Aplicada do Instituto de Matemática da UFRJ. As notas foram publicadas pela Editora do IM e continham a primeira parte do programa do Exame de Qualificação de Cálculo Avançado, o que aqui corresponde essencialmente ao material distribuı́do nos onze primeiros capı́tulos. Como a inclusão da Integral de Riemann e aplicações se fazia necessária para que essas notas pudessem almejar uma promoção à categoria de livro texto, foram incluı́dos na presente edição os Capı́tulos 12 e 13, um Apêndice contendo coisas básicas da Álgebra Multilinear e, ao longo do texto, alguns tópicos interessantes que, de um modo geral, não são abordados nos livros de Análise no Rn . Por uma questão de nostalgia, preferi manter o tı́tulo Cálculo Avançado, embora o conteúdo abordado contenha o programa básico de um curso de Análise do mestrado. Os alunos podem consultar a solução de todos os exercı́cios desta edição no site abaixo. São vários os que complementam o conteúdo dos respectivos capı́tulos, razão pela qual recomendamos fortemente que os considerem, inicialmente procurando resolvê-los e, complementarmente, estudando (e se possı́vel, melhorando) as soluçõas apresentadas. http://www.dmm.im.ufrj.br/~cipolatti/ Os cursos de Cálculo Diferencial e Integral, assim como Análise na Reta compõem os pré-requisitos para a leitura confortável do texto. ii Cálculo Avançado I Não posso deixar de agradecer aos alunos e colegas pelas correções e observações que possibilitaram a presente edição. Sendo eles tantos, certamente cometeria a indelicadeza da omissão caso pretendesse listá-los. Meu muito obrigado a todos. Como nada substitui o olhar atento de leitores perspicazes para apontar erros — grandes e pequenos — invisı́veis aos meus olhos, continuarei sempre contando com as correções e sugestões do leitor, pelo que, desde já, agradeço calorosamente. Rio de Janeiro, janeiro de 2016. Rolci Cipolatti Sumário Capı́tulo 1: Conjuntos e Funções Operações com conjuntos Funções . . . . . . Composição de funções Sequências . . . . . Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 5 6 7 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 13 14 17 19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 24 26 29 31 32 33 Capı́tulo 2: Métricas e Normas Espaços vetoriais com Normas em Rn . . Exemplos de espaçoes Exercı́cios . . . . . . . . . . produto interno . . . . . . . vetoriais normados . . . . . . . Capı́tulo 3: Abertos, Fechados, Compactos Conjuntos compactos . . . . . Compactos de Rn . . . . . . Sequências em espaços vetoriais . Sequências de Cauchy . . . . Sequências em Rn . . . . . . Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iv Cálculo Avançado I Capı́tulo 4: Limite e Continuidade Funções contı́nuas . . . . . . . . . . . . 35 . . . . . . . . . . . . . . . 38 Funções contı́nuas e compactos . . . . . . . . . . 40 Funções contı́nuas e conjuntos conexos . . . . . . . . 42 Conjuntos convexos e funções convexas Continuidade uniforme . . . . . . . 43 . . . . . . . . . . . . . 45 Espaços vetoriais de dimensão finita . . . . . . . . 47 O espaço vetorial das transformações lineares O teorema do ponto fixo de Banach Semicontinuidade Exercı́cios . . . . . 48 . . . . . . . . 48 . . . . . . . . . . . . . . . 50 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Capı́tulo 5: Funções Diferenciáveis Derivadas direcionais . . . . . . . . . . . . 61 . . . . . . . . . . . . . . 61 Funções diferenciáveis (o caso escalar) . . . . . . . . 62 O vetor gradiente . . . . . . . . . . . . . . . 66 Regras básicas de derivação . . . . . . . . . . . 68 Funções diferenciáveis (o caso vetorial) A matriz jacobiana A regra da cadeia . . . . . . . 69 . . . . . . . . . . . . . . 70 . . . . . . . . . . . . . . . 71 O teorema do valor médio . . . . . . . . . . . . 72 Derivadas parciais (o caso vetorial) . . . . . . . . . 73 Condições suficientes para a diferenciabilidade . . . . . 74 Funções diferenciáveis (o caso geral) A diferencial: funções de classe C A projeção ortogonal Exercı́cios 1 . . . . . . . . 76 . . . . . . . . . 79 . . . . . . . . . . . . . . 81 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Sumário v Capı́tulo 6: Curvas em Rn . . . . . . Curvas retificáveis . . . . . . Curvas diferenciáveis . . . . . Integral de linha: o caso escalar . Aplicação: a transformada raio-x O teorema fundamental do cálculo Aplicação: conservação da energia Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 91 92 94 95 99 105 105 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 114 114 120 125 O Teorema da Função Inversa . . O teorema da função inversa . . . . Aplicação: o método das caracterı́sticas O teorema da função inversa (bis) . . Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 130 135 137 140 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 146 147 149 151 153 Capı́tulo 7: Derivadas de Ordem Superior A matriz hessiana . . . . . . Máximos e mı́nimos . . . . . Partição da unidade . . . . . Exercı́cios . . . . . . . . . Capı́tulo 8: Capı́tulo 9: O Teorema da Função Implı́cita O teorema da função implı́cita . . Multiplicadores de Lagrange . . . Aplicações . . . . . . . . . . Multiplicadores de Lagrange (bis) . Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . vi Cálculo Avançado I Capı́tulo 10: Sequências de Funções Convergência uniforme . . . . . . . . . . . 157 . . . . . . . . . . . . 159 Convergência uniforme e derivadas . . . . . . . . 163 Série de funções e convergência uniforme . . . . . . 167 Série de potências . . . . . . . . . . . . . . 170 A matriz exponencial . . . . . . . . . . . . . 172 Exercı́cios 173 . . . . . . . . . . . . . . . . . Capı́tulo 11: O Espaço C(K;Rm ) . . . . . . . . . . . . Aplicação: o teorema de Picard O teorema de Arzelà-Ascoli . . . . . . . . . 178 . . . . . . . . . . 180 Aplicação: o teorema de Cauchy-Peano O teorema de Weierstrass . . . . . . 184 . . . . . . . . . . . 187 Funcionais contı́nuos e diferenciáveis . . . . . . . 190 . . . . . . . . . . . . . . 191 . . . . . . . . . . . . . . . . . 195 Aplicação: fluxos Exercı́cios 177 Capı́tulo 12: A integral de Riemann em Rn . . . . . . . . 201 Áreas, volumes, etc... . . . . . . . . . . . . . 201 A integral de Riemann . . . . . . . . . . . . 206 . . . . . . . . . . . 219 Como calcular integrais? Funções de conjuntos e derivadas espaciais . . . . . 224 Mudança de variáveis . . . . . . . . . . . . . 229 Coordenadas esféricas em Rn e aplicações . . . . . 237 . . . . . . . . . . . . . . . . . 246 Exercı́cios Sumário vii Capı́tulo 13: Gauss, Green e Stokes . . . . . . . . . . . Superfı́cies em Rn . . . . . . . . . . . . . . 253 253 Integrais de superfı́cie em Rn . . . . . . . . . . O Teorema de Gauss e aplicações . . . . . . . . 259 262 Campos vetoriais da Fı́sica Matemática . . . . . . Formas diferenciais - uma breve introdução . . . . . 283 299 O Lema de Hadamard . . . . . . . . . . . . Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . 306 311 Apêndice: Determinantes, traços e etc. . . . . . . . . 315 Formas n-lineares alternadas . . . . . . . . . . O determinante . . . . . . . . . . . . . . . 315 317 O traço . . . . . . . . . . . . . . . . . . O produto tensorial . . . . . . . . . . . . . 324 326 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . 333 “Até onde as leis da matemática se refiram à realidade, elas estão longe de constituir algo certo; e, na medida em que constituem algo certo, não se referem à realidade.” (Albert Einstein) 1 Conjuntos e Funções Um dos fundamentos sobre os quais a Matemática se alicerça é o conceito de conjunto. No que segue, estabelecemos a notação universalmente adotada e recordamos as operações básicas da Teoria dos Conjuntos. Como é usual, a notação x∈X indica que o elemento x pertence ao conjunto X. Por outro lado, para indicar que o elemento x não pertence ao conjunto X, escrevemos x∈ / X. Dizemos que A é subconjunto de B se todo elemento pertencente a A também pertence a B. Neste caso denotamos A ⊂ B ou B ⊃ A. Dizemos que dois conjuntos são iguais se possuem os mesmos elementos. Assim, A = B se e somente se A ⊂ B e B ⊂ A. Representamos por ∅ o conjunto vazio, isto é, o (único!) conjunto que não possui elementos. Denotamos por N, Z, Q, R e C respectivamente os conjuntos dos números naturais, inteiros, racionais, reais e complexos, munidos de suas respectivas estruturas algébricas. 2 Cálculo Avançado I Operações com conjuntos Nesta seção vamos introduzir as operações básicas da Teoria dos Conjuntos que serão exaustivamente utilizadas no restante do texto. • União e Interseção Dados dois conjuntos A e B, definimos A ∪ B = x ; x ∈ A ou x ∈ B A ∩B = x; x ∈ A e x ∈ B Uniões e interseções gozam das seguintes propriedades básicas, denominadas respectivamente associatividade, comutatividade e distributividade. ◦ (A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C), ◦ A ∪ B = B ∪ A, (A ∩ B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C); A ∩ B = B ∩ A; ◦ (A∪B)∩C = (A∩C)∪(B∩C), (A∩B)∪C = (A∪C)∩(B∪C). Mais geralmente, se {Aλ }λ∈Λ é uma famı́lia qualquer de conjuntos, definimos: [ λ∈Λ \ λ∈Λ n o Aλ = x ; x ∈ Aλ para algum λ ∈ Λ , n o Bλ = x ; x ∈ Bλ para todo λ ∈ Λ . (1.1) Exemplo 1: Famı́lia finita de conjuntos: Λ = {1, 2, . . . , k}. Neste caso denotamos: [ Aλ = k [ λ∈Λ i=1 \ k \ λ∈Λ Aλ = i=1 Ai = A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ Ak , Ai = A1 ∩ A2 ∩ · · · ∩ Ak . Conjuntos e Funções 3 Exemplo 2: Famı́lia infinita enumerável de conjuntos: Λ = N. Neste caso denotamos: [ Aλ = λ∈Λ \ Aλ = λ∈Λ ∞ [ i=1 ∞ \ i=1 Ai = A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ Ak ∪ · · · , Ai = A1 ∩ A2 ∩ · · · ∩ Ak ∩ · · · . Exemplo 3: Há frequentemente situações em que precisamos formar uniões ou interseções de famı́lias infinitas não enumeráveis de conjuntos. A tı́tulo de exemplo, consideremos Λ = [0, 1] e Aλ = ]λ−1, λ+1[. Neste caso, é fácil ver que (verifique!) [ \ Aλ = ] − 1, 2[ e Aλ = ]0, 1[. λ∈Λ λ∈Λ • Diferença e Complementar Dados dois conjuntos A e B, definimos A \ B = x ; x ∈ A e x 6∈ B . Quando A ⊃ B, dizemos que A\B é o complementar de B em relação a A e denotamos B c = A \ B. A notação de complementar traz ambiguidade, posto que o sı́mbolo c B não indica em relação a quem se está tomando o complementar. Por exemplo, se C ⊂ B ⊂ A, então quem é C c ? Portanto, restringimos a notação de complementar somente aos casos em que os conjuntos que consideramos são todos subconjuntos de uma dado universo U. Isto é, denotamos por C c = U \ C. É imediato verificar as seguintes propriedades básicas: ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ (A ∪ B) \ C = (A \ C) ∪ (B \ C); (A ∩ B) \ C = (A \ C) ∩ (B \ C); (A ∪ B)c = Ac ∩ B c ; (A ∩ B)c = Ac ∪ B c ; A \ B = A ∩ Bc. 4 Cálculo Avançado I • Produto Cartesiano Dados dois conjuntos A e B, definimos A × B = (x, y) ; x ∈ A e y ∈ B . Podemos observar que A × B = ∅ se e somente se A = ∅ ou B = ∅. De um modo geral, se A1 , A2 , . . . , Ak é uma famı́lia finita de conjuntos, então definimos k Y i=1 Ai = A1 × · · · × Ak = (x1 , . . . , xk ) ; xi ∈ Ai , i = 1, . . . , k . É fácil ver que A1 ×· · ·×Ak = ∅ se e somente se existe i ∈ {1, 2, . . . , k} tal que Ai = ∅. Em particular, se A1 = . . . = Ak = A, denotamos A × · · · × A = Ak . Mais geralmente ainda, se Ai i∈N é uma famı́lia enumerável de conjuntos, podemos definir o produto cartesiano (infinito): ∞ Y i=1 Ai = A1 × A2 × · · · = (x1 , x2 , x3 , . . .) ; xi ∈ Ai , i = 1, 2, 3, . . . . Observe também que se A1 = A2 = . . . = A, então A1 × A2 × · · · é o conjunto de todas as sequências (x1 , x2 , . . .) de elementos de A. Notação: A × A × · · · = AN . Exemplo: RN é o conjunto de todas as sequências de números reais. Nota: Como se poderia definir o produto cartesiano de uma famı́lia infinita arbitrária de subconjuntos Y Aλ ? λ∈Λ É possı́vel tal generalização? Em caso afirmativo, o que é R[0,1] ? Pense nisso! Conjuntos e Funções 5 Funções Definição 1.1: Sejam A e B dois conjuntos. Dizemos que f é uma função de A em B se f ⊂ A × B é tal que: ∀x ∈ A, ∃ um único y ∈ B tal que (x, y) ∈ f. (1.2) Notação: Se f é uma função de A em B, então A é denominado o domı́nio de f , B o contra-domı́nio e escrevemos f : A → B. Além disso, se (x, y) ∈ f , então denotamos y = f (x). Definição 1.2: Se f : A → B é uma função e A1 ⊂ A e B1 ⊂ B, definimos: f (A1 ) = y ∈ B ; ∃x ∈ A1 , y = f (x) , f −1 (B1 ) = x ∈ A ; f (x) ∈ B1 . f (A1 ) é denominado imagem de A1 por f e f −1 (B1 ) é denominado imagem inversa de B1 por f . Observação: Segue da definição que se f é uma função de A em B, então para todo x ∈ A, f ({x}) é subconjunto unitário de B. Observação: Embora o conceito formal de função dada pela Definição 1.1 só leve em consideração o conceito básico de conjunto, é muitas vezes conveniente interpretar uma função f : A → B como uma “regra” que associa (que transforma) elementos de A a (em) elementos de B. Assim, no dicionário matemático, aplicação e transformação são sinônimos da palavra função. A f B 6 Cálculo Avançado I Definição 1.3: Dizemos que uma função f : A → B é injetora se x1 , x2 ∈ A são tais que f (x1 ) = f (x2 ), então x1 = x2 . Dizemos que f é sobrejetora se para todo y ∈ B existe x ∈ A tal que y = f (x). Em particular, f é dita bijetora se for injetora e sobrejetora. A definição acima pode ser sintetizada da seguinte forma: uma função f : A → B é sobrejetora se f (A) = B. Ela é injetora se, para todo y ∈ B, f −1 ({y}) ou é um subconjunto unitário de A ou é vazio. E f é bijetora se, para todo y ∈ B, f −1 ({y}) é um subconjunto unitário de A. Definição 1.4: Dizemos que uma função f : A → B é invertı́vel se o conjunto g = (y, x) ∈ B × A ; (x, y) ∈ f é uma função de B em A. Neste caso, dizemos que g é a inversa de f e a denotamos por f −1 . Como consequência imediata das definições acima temos o seguinte resultado, cuja demonstração deixamos como exercı́cio. Lema 1.5: Uma função f : A → B é invertı́vel se e somente se é bijetora. Composição de funções Se f : A → B e g: B → C são funções, podemos definir a função composta g ◦ f : A → C por (g ◦ f )(x) = g f (x) , ∀x ∈ A. Mais precisamente, como f é função, para cada x ∈ A existe um único y = f (x) ∈ B tal que (x, y) ∈ f . Como g é função, existe um único z = g(y) = g(f (x)) ∈ C tal que (y, z) ∈ g. Portanto, o conjunto g ◦ f = (x, z) ∈ A × C ; z = g(f (x)) satisfaz a propriedade (1.2). É, portanto, uma função, que definimos como função composta de g com f . f A g B g◦f C Conjuntos e Funções 7 Sequências Definição 1.6: Seja A um conjunto. Uma sequência em A é uma função ϕ: N → A. Embora formalmente uma sequência seja uma função, é usual identificarmos a sequência ϕ com sua imagem {ϕ(1), ϕ(2), . . .} em A. Podemos, em particular, interpretar um ponto de A como uma sequência (função) constante. As sequências podem ser construı́das explicitamente, quando a função ϕ é dada de forma explı́cita, ou por recorrência, quando cada termo é obtido de termos anteriores. Por exemplo, a sequência de números naturais {1, 3, 7, 15, . . .} pode ser definida explicitamente por ϕ(n) = 2n − 1, ou pela recorrência x1 = 1 e xn+1 = 2xn + 1, n ≥ 1. Além das aplicações onde aparecem naturalmente, as sequências são úteis como ferramentas de demonstração, mas sua essência está na caracterização da enumerabilidade, que permite diferenciar “tipos de infinito”. Definição 1.7: Um conjunto A é dito enumerável se existe uma sequência ϕ: N → A bijetora. Exercı́cios Exercı́cio 1.1. Mostre que o cojunto vazio é único. Exercı́cio 1.2. Seja S T Λ = ]0, 1[ e Aλ = [λ − 2, λ + 2], ∀λ ∈ Λ. Determine λ∈Λ Aλ e λ∈Λ Aλ . S Exercı́cio 1.3. Considere os conjuntos A = λ∈Λ Aλ e B = S λ∈Λ Bλ , onde Λ = [0, 1[ e Aλ = (x, y) ∈ R2 ; (x − λ)2 + y 2 ≤ λ2 /2 , Bλ = (x, y) ∈ R2 ; (x − λ)2 + y 2 = λ2 /2 . Mostre que A = B. Faça um esboço gráfico de A. Exercı́cio 1.4. Prove o Lema 1.5. 8 Cálculo Avançado I Exercı́cio 1.5. Dados A, B e C conjuntos, {Aα } e {Bβ } duas famı́lias de conjuntos, mostre que: [ [ [ a) Aα ∩ Bβ = (Aα ∩ Bβ ). α b) \ α Aα β ∪ \ β c c) A \ B = A ∩ B . Bβ α,β = \ α,β (Aα ∪ Bβ ). d) se A ⊂ B então B c ⊂ Ac . [ c \ \ c [ c e) Aα = Aα , e Aα = Acα . α α α α f) A ∩ (B \ C) = (A ∩ B) \ (A ∩ C). g) (A ∩ B) \ C = (A \ C) ∩ (B \ C). h) Valem as duas últimas identidades acima substituindo-se ∩ por ∪? i) A × (B ∪ C) = (A × B) ∪ (A × C). j) A × (B ∩ C) = (A × B) ∩ (A × C). k) A × (B \ C) = (A × B) \ (A × C). Exercı́cio 1.6. Sejam f : X −→ Y uma função, A ⊂ X, B ⊂ Y , {Aα }α famı́lia de subconjuntos de X e {Bβ }β famı́lia de subconjuntos de Y . Mostre que: S S a) f −1 Bβ = f −1 (Bβ ). T T b) f −1 Bβ = f −1 (Bβ ). c c) f −1 (B c ) = f −1 (B) . S S d) f Aα = f (Aα ). T T e) f Aα ⊂ f (Aα ). f) Dê um exemplo para o qual não vale a igualdade no item (e). c g) Verifique c que em geral não há nenhuma relação entre f (A ) e f (A) . h) f f −1 (B) ⊂ B e f −1 f (A) ⊃ A, não valendo, em geral, as Conjuntos e Funções 9 igualdades nos dois casos. Dê condições sobre f para que sejam válidas as igualdades f f −1 (B) = B e f −1 f (A) = A. Exercı́cio 1.7. Seja A = {0, 1, 2, . . . , 9}. Considere a função Φ assim definida N Φ : A → [0, 1], ∞ X an Φ(a1 , a2 , a3 , . . .): = . 10n n=1 Mostre que Φ não é injetiva e que se Φ(a) = Φ(b) para a 6= b, então Φ(a) ∈ Q ∩ [0, 1]. 2 Métricas e Normas Para medir distâncias entre pontos de um dado conjunto A, devemos considerar uma função que a cada dois elementos x e y de A associe um número real positivo, denominado distância de x a y. Tal função deve satisfazer as propriedades usuais da distância euclidiana definidas para pontos do plano. Denominamos métricas as funções que permitem “medir distâncias” entre pontos de um dado conjunto A. Mais precisamente. Definição 2.1: Seja X um dado conjunto. Uma métrica em X é qualquer função d: X × X → R que satisfaça as seguintes propriedades: i) d(x, y) ≥ 0, ∀x, y ∈ X; ii) d(x, y) = 0 ⇐⇒ x = y; iii) d(x, y) = d(y, x), ∀x, y ∈ X; iv) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y), ∀x, y, z ∈ X. Exemplo 1: Seja d: R2 × R2 → R definida por p d(x, y) = (x1 − y1 )2 + (x2 − y2 )2 , onde x = (x1 , x2 ) e y = (y1 , y2 ). Então d é métrica em R2 . Exemplo 2: A Definição 2.1 é geral o suficiente para que se “possa medir distâncias” num conjunto qualquer não vazio. De fato, se X é um conjunto qualquer não vazio, defina d: X × X → R por 1 se x 6= y d(x, y) = 0 se x = y 12 Cálculo Avançado I Então d é métrica em X. No caso em que X é um espaço vetorial, podemos medir distâncias por intermédio de normas, que são funções que permitem “medir comprimentos”. Definição 2.2: Seja V um espaço vetorial. Uma norma em V é qualquer função k k: V → R que satisfaça as seguintes propriedades: i) kxk ≥ 0, ∀x ∈ V ; ii) kxk = 0 ⇐⇒ x = 0; iii) kλxk = |λ|kxk, ∀λ ∈ R e ∀x ∈ V ; iv) kx + yk ≤ kxk + kyk, ∀x, y ∈ V . A desigualdade em iv) é denominada desigualdade triangular. Observação: É fácil ver das definições acima que toda norma num espaço vetorial induz uma métrica nesse espaço. De fato, se k k é uma norma num espaço vetorial V , então d(x, y) = kx − yk é uma métrica em V . Por outro lado, nem toda métrica induz uma norma (dê um exemplo!). Lema 2.3: Se k k é uma norma em V , então para todo x, y ∈ V temos kxk − kyk ≤ kx + yk e kxk − kyk ≤ kx − yk. Prova: Da desigualdade triangular, kxk = kx + y − yk ≤ kx + yk + k − yk = kx + yk + kyk. Logo kxk − kyk ≤ kx + yk. (2.1) Analogamente, kyk = ky−x+xk ≤ kx+yk +k−xk = kx+yk +kxk, de onde se obtém kyk − kxk ≤ kx + yk. (2.2) As desigualdades (2.1) e (2.2) nos fornecem a primeira conclusão: kxk − kyk ≤ kx + yk. A segunda segue por argumento análogo. Métricas e Normas 13 Definição 2.4: Seja V um espaço vetorial e k k∗ , k k∗∗ duas normas definidas em V . Dizemos que estas normas são equivalentes se: ∃a, b > 0 tais que akxk∗ ≤ kxk∗∗ ≤ bkxk∗ , ∀x ∈ V. Espaços vetoriais com produto interno A estrutura métrica em espaços vetoriais introduzidas pelas normas não permite explorar aspectos geométricos importantes, tais como ortogonalidade, ou mais geralmente, ângulo entre vetores. Se esses conceitos são importantes, precisamos equipar o espaço com uma outra estrutura. Nos espaços vetoriais reais, essa nova estrutura é obtida pelo produto interno ou produto escalar. Definição 2.5: Seja V um espaço vetorial real. Um produto interno definido em V é qualquer aplicação p : V × V → R satisfazendo as seguintes propriedades: i) p(x + λy, z) = p(x, z) + λp(y, z), ∀x, y, z ∈ V , ∀λ ∈ R. ii) p(x, y) = p(y, x), ∀x, y ∈ V ; iii) p(x, x) > 0, ∀x ∈ V , x 6= 0; Da definição acima se depreende que um produto interno é qualquer forma bilinear simétrica positiva definida em V . É usual denotarmos um dado produto interno pela expressão hx : yi Exemplo 3: Se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ) são vetores de Rn , a forma bilinear definida por hx : yi = n X xi y i . i=1 é um produto interno, denominado produto escalar usual ou canônico. Proposição 2.6: Seja V um espaço vetorial real munido de um produto interno h : i. Então vale a seguinte desigualdade, denominada Desigualdade de Cauchy-Schwarz: |hx : yi| ≤ p hx : xihy : yi (2.3) 14 Cálculo Avançado I Prova: Para x, y ∈ V , considere a aplicação f : R → R definida por f (λ) = hx − λy : x − λyi. Pelas propriedades que definem o produto interno, podemos escrever 0 ≤ f (λ) = hx : xi − 2λhx : yi + λ2 hy : yi. Portanto, f é um polinômio do segundo grau com discriminante menor ou igual a zero, isto é, 4hx : yi2 − 4hx : xihy : yi ≤ 0, de onde se conclui de imediato a desigualdade (2.3). Corolário 2.7: Seja V um espaço vetorial real munido de um produto interno h : i. Então a aplicação k k: V → R definida por kxk = p hx : xi é uma norma em V Prova: As propriedades (i)–(iii) são óbvias a partir da definição. Provemos (iv). Por (2.3), temos kxk + kyk 2 = kxk2 + 2kxkkyk + kyk2 ≥ kxk2 + 2hx : yi + kyk2 = kx + yk2 Normas em Rn Sabemos que o conjunto Rn , munido das operações usuais de soma e produto por escalar, é um espaço vetorial de dimensão n. As expressões abaixo definem normas equivalentes em Rn : se x = (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ Rn , kxk1 =|x1 | + |x2 | + · · · + |xn |, p kxk2 = |x1 |2 + |x2 |2 + · · · + |xn |2 , kxk∞ = max{|x1 |, |x2 |, . . . , |xn |}. Mais geralmente, Teorema 2.8: Se 1 ≤ p < +∞, então 1/p kxkp = |x1 |p + |x2 |p + · · · + |xn |p Métricas e Normas 15 é uma norma em Rn . A demonstração deste resultado faz uso da Desigualdade de Young, que enunciamos e demonstramos a seguir. Lema 2.9: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e 1/p + 1/q = 1. Então, para todo x, y ∈ R, vale a desigualdade |xy| ≤ |y|q |x|p + . p q Prova: A função real t 7→ ln t é côncava e crescente. Portanto, para todo α e β positivos, ln λα + (1 − λ)β ≥ λ ln α + (1 − λ) ln β, ∀λ ∈ ]0, 1[. Considerando λ = 1/p, temos 1 − λ = 1/q e consequentemente ln 1 1 1 1 α + β ≥ ln α + ln β = ln α1/p β 1/q , p q p q e obtemos o resultado, considerando |x|p = α e |y|q = β. Como consequência do lema acima, temos a Desigualdade de Hölder: Corolário 2.10: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e 1/p+1/q = 1. Então, para todo x, y ∈ Rn , vale a desigualdade |hx : yi| ≤ kxkp kykq . Prova: Se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ), obtemos da desigualdade de Young, hλx : yi ≤ n X i=1 λ|xi ||yi | ≤ n p X λ i=1 1 q |xi | + |yi | , ∀λ > 0. (2.4) p q p Dividindo ambos os lados de (2.4) por λ, obtemos hx : yi ≤ n p−1 X λ i=1 1 q |xi | + |yi | , ∀λ > 0. p λq p (2.5) 16 Cálculo Avançado I Para x e y fixos, o lado direito da desigualdade (2.5) define uma função na variável λ ∈ ]0, +∞[, isto é: ϕ(λ) = λp−1 1 kxkpp + kykqq . p λq Portanto, decorre de (2.5) que hx : yi ≤ minλ>0 ϕ(λ). Calculando o valor mı́nimo de ϕ(λ) (veja exercı́cio), obtemos o resultado. Nota: A desigualdade de Hölder no caso p = 2 coincide com a Desigualdade de Schwarz. De fato, neste caso a norma é a induzida pelo produto interno usual. Passemos, então, à demonstração do Teorema 2.8. Prova: Basta mostrar a desigualdade triangular, as outras propriedades sendo imediatas. Se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ), temos da definição, kx + ykpp = n X i=1 p |xi + yi | ≤ n X i=1 |xi ||xi + yi | p−1 + n X i=1 |yi ||xi + yi |p−1 . Considerando os vetores a = (|x1 |, . . . , |xn |), b = (|y1 |, . . . , |yn |) e c = (|x1 + y1 |p−1 , . . . , |xn + yn |p−1 ), podemos expressar a desigualdade acima na forma kx + ykpp ≤ ha : ci + hb : ci. Decorre, então, da desigualdade de Hölder, kx + ykpp ≤ ha : ci + hb : ci ≤ kakp kckq + kbkp kckq . Observando que kakp = kxkp , kbkp = kykp , kckq = kx + ykp/q = kx + ykp−1 , p p obtemos kx + ykpp ≤ kxkp kx + ykp−1 + kykp kx + ykp−1 p p e o resultado decorre da simplificação. Métricas e Normas 17 Exemplos de espaços vetoriais normados Além do Rn , há outros espaços vetoriais que desempenham papel relevante na Análise. Há os que são isomorfos ao Rn , e nesse caso, todos os resultados da Análise que se obtém para este se estendem naturalmente àqueles via os isomorfismos que os identificam. Mas há também os que não são isomorfos ao Rn , que são necessariamente de dimensão infinita. Vejamos alguns exemplos. • Espaços Vetoriais de Polinômios Seja V = Pn o conjunto dos polinômios reais de grau menor ou igual a n, munido das operações usuais de soma de polinômios e produto por escalar. Então V é espaço vetorial de dimensão n + 1. As expressões abaixo definem normas equivalentes em V : se P (x) = a 0 + a 1 x + a 2 x2 + · · · + a n xn , kP kp = kP k∞ n X i=0 |ai |p !1/p p ∈ [1, +∞[, . = max |ai | ; i = 0, . . . , n • Espaços Vetoriais de Matrizes Seja V = Mm×n o conjunto das matrizes a coeficientes reais de ordem m × n, munido das operações usuais de soma de matrizes e produto por escalar. Então V é espaço vetorial de dimensão mn. As expressões abaixo definem normas equivalentes em V: se a11 a21 A= ... am1 a12 a22 .. . ... ... .. . am2 . . . amn 1/p n m XX kAkp = |aij |p i=1 j=1 a1n a2n .. . , p ∈ [1, +∞[, kAk∞ = max |aij | ; i = 1, . . . , m, j = 1, . . . , n . (2.6) 18 Cálculo Avançado I Observação: A semelhança nas definições das normas k kp , com p ∈ [1, +∞], definidas acima nos remete à ideia de construir normas em espaços vetoriais de dimensão n a partir de normas conhecidas em Rn . De fato, considerando o exemplo dos polinômios, se T : Pn → Rn+1 é a aplicação definida por T (P ) = (a0 , a1 , . . . , an ), então T é um isomorfismo, isto é, uma aplicação bijetora que preserva as estruturas algébricas (estruturas de espaços vetoriais) de Pn e Rn+1 . Além disso, é fácil ver que kP kp = kT (P )kp ∀P ∈ Pn , onde k kp representa respectivamente norma em Pn e Rn+1 . Este exemplo se generaliza facilmente, como se pode verificar com o seguinte resultado. Teorema 2.11: Sejam V e W dois espaços vetoriais de dimensão n e T : V → W um isomorfismo. Se k kW é norma em W , então a expressão kvkV = kT (v)kW (2.7) define uma norma em V . Além disso, se k kα e k kβ são normas equivalentes em W , então as normas de V definidas pela relação (2.7) são normas equivalentes em V . Nota: Afirmamos em cada um dos exemplos acima que todas as normas k kp são equivalentes. Na verdade, e veremos adiante, se V é espaço vetorial de dimensão finita, então todas as normas são equivalentes. Ainda mais geralmente, podemos provar que um espaço vetorial V é de dimensão finita se e somente se todas as normas são equivalentes. Vejamos um exemplo de espaço vetorial de dimensão infinita. • Espaços Vetoriais de Funções Contı́nuas: Seja V = C [a, b]; R o conjunto das funções reais contı́nuas definidas em [a, b], munido das operações usuais de soma de funções e produto por escalar. Então V é espaço vetorial de dimensão infinita. As expressões abaixo definem normas em V : !1/p Z b kf kp = |f (x)|p dx , p ∈ [1, +∞[ a kf k∞ = max |f (x)| ; x ∈ [a, b] . Métricas e Normas 19 Exercı́cios Exercı́cio 2.1. Seja x = (x1 , · · · , xn ) ∈ Rn . Mostre que cada uma das expressões abaixo define uma norma em Rn . n X 1) kxk1 = |xi |. i=1 2) kxk∞ = max{|x1 |, · · · , |xn |}. Exercı́cio 2.2. Faça os detalhes da prova do Corolário 2.10. Exercı́cio 2.3. Seja x ∈ Rn . Mostre que lim kxkp = kxk∞ . p→∞ Exercı́cio 2.4. Sejam k kα , k kβ e k kγ normas num espaço vetorial V . Se k kα e k kβ são equivalentes e k kβ e k kγ são equivalentes, mostre que k kα e k kγ são equivalentes. Exercı́cio 2.5. Sejam p1 , p2 ∈ [1, ∞]. Mostre que as normas k kp1 e k kp2 de Rn são equivalentes. Exercı́cio 2.6. Demonstre o Teorema 2.11. Exercı́cio 2.7. Mostre que as normas definidas em C [0, 1]; R por Z 1 kf k1 = |f (x)| dx, kf k∞ = max |f (x)| ; x ∈ [0, 1] 0 não são equivalentes. Exercı́cio 2.8. a) Seja A matriz n × n positiva-definida (isto é, hAx : xi > 0, ∀x ∈ Rn , x 6= 0) e simétrica (isto é, hAx : yi = hx : Ayi, ∀x, y ∈ Rn ), onde h : ipdenota o produto escalar usual de Rn . Mostre que kxkA = hAx : xi é uma norma em Rn . b) Seja B matriz n×n positiva-definida (não necessariamente simép trica). Mostre que kxkB = hBx : xi é uma norma em Rn . c) Sejam A e B matrizes p simétricas e positivas tais que AB = BA. Mostre que kxk = hAx : Bxi é uma norma em Rn . Exercı́cio 2.9. Considere V = Mm×n o espaço vetorial das matrizes de ordem m × n. Para A, B ∈ V , seja A : B = tr(AT B), 20 Cálculo Avançado I onde AT é a matriz transposta de A e tr(AT B) denota o traço da matriz quadrada AT B, isto é, a soma dos elementos da diagonal principal. a) Mostre que : define um produto interno em V . q b) Verifique que A : A = kAk2 , onde k k2 é a norma definida por (2.6) para p = 2. c) Se m = n, mostre que kABk2 ≤ kAk2 kBk2 Exercı́cio 2.10. Para cada k ∈ N seja fk : [0, 1] → R, fk (x) = xn . Mostre que o conjunto X = f1 , f2 , f3 , . . . é linearmente independente e conclua que C [0, 1]; R tem dimensão infinita. Exercı́cio 2.11. Seja X um conjunto e f : X → Rn uma função. Mostre que sup kf (x)k2 − inf kf (x)k2 ≤ x∈X x∈X n X sup fi (x) − inf fi (x) , i=1 x∈X x∈X onde k k2 denota a norma 2 de Rn . Sugestão: Seja g: X → R uma função real. Mostre que sup |g(x)| − inf |g(x)| ≤ sup g(x) − inf g(x) x∈X x∈X x∈X x∈X 3 Abertos, Fechados, Compactos Neste capı́tulo introduzimos os conceitos básicos e os principais resultados da Topologia dos Espaços Normados, com ênfase aos espaços de dimensão finita e, especialmente, o espaço Rn . Seja V um espaço vetorial munido de uma norma k k, x0 ∈ V e r > 0. O conjunto Br (x0 ) = x ∈ V ; kx − x0 k < r é denominado bola aberta de centro em x0 e raio r. A Fig. 3.1 abaixo ilustra bolas de R2 relativas a normas k kp para alguns valores de p. p=1 p = 3/2 p=2 p=4 p=∞ Figura 3.1 O conceito de bola aberta nos permite intruduzir diversas definições, alicerces para a construção da Análise. Iniciemos com os conceitos de ponto interior e ponto de acumulação. Definição 3.1: Seja A um subconjunto de V e x0 ∈ V . 22 Cálculo Avançado I a) Dizemos que x0 é ponto interior de A se existe r > 0 tal que Br (x0 ) ⊂ A. b) Dizemos que x0 é ponto de acumulação de A se para todo r > 0, Br (x0 ) \ {x0 } ∩ A 6= ∅. Observe que se x0 é ponto de acumulação de A, podemos tomar pontos de A tão próximos de x0 quanto se queira. Se x0 é ponto interior de A, então x0 é ponto de acumulação e pertence a A. Além disso, podemos aproximar x0 por pontos de A “em qualquer direção”. Se x0 ∈ A não pode ser aproximado por outros pontos de A, dizemos que x0 é ponto isolado de A. Mais precisamente, x0 é ponto isolado de A se existe r > 0 tal que Br (x0 ) ∩ A = {x0 }. O conjunto de todos os pontos interiores de A é denominado interior ◦ de A, denotado por A: ◦ A= x ∈ A ; x é ponto interior de A . O cojunto dos pontos de acumulação de A é denominado derivado de A, denotado por A′ : A′ = x ∈ V ; x é ponto de acumulaçãode A . ◦ Nota: Observe que é imediato verificar que A⊂ A′ e que A \ A′ é o conjunto dos pontos isolados de A. Definição 3.2: Dizemos que um subconjunto A de V é aberto se ◦ todos os seus pontos são pontos interiores, isto é, A =A. Proposição 3.3: A união qualquer de conjuntos abertos é um conjunto aberto. A interseção finita de conjuntos abertos é um conjunto aberto. S Prova: Seja {Aα }α uma famı́lia de conjuntos abertos e x ∈ α Aα . Então existe ı́ndice α0 tal que x ∈ Aα0 . Como Aα0 é aberto, existe r > 0 tal que Br (x) ⊂ Aα0 . Portanto [ Br (x) ⊂ Aα0 ⊂ Aα . α Abertos, Fechados, Compactos 23 Tk Por outro lado, se x ∈ i=i Ai , então x ∈ Ai para todo i. Como cada Ai é aberto, existe ri > 0 tal que Bri (x) ⊂ Ai . Seja r = min{r1 , . . . , rk }. Então Br (x) ⊂ Ai , para todo i = 1, . . . , k e Br (x) ⊂ k \ Ai . i=1 Definição 3.4: Dizemos que um subconjunto A de V é limitado se existe r > 0 tal que A ⊂ Br (0). Definição 3.5: Dizemos que A ⊂ V é um conjunto fechado se Ac é aberto. Proposição 3.6: A interseção qualquer de conjuntos fechados é um conjunto fechado. A união finita de conjuntos fechados é um conjunto fechado. Prova: Seja {Fλ }λ uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados. Então {Fλc }λ é uma famı́lia de conjuntos abertos. Como a união de conjuntos abertos é aberto, segue que \ Fλ λ !c = [ Fλc λ T é um conjunto aberto. Portanto λ Fλ é conjunto fechado. Analogamente, como a interseção finita de conjuntos abertos é um conjunto aberto, segue que k [ i=1 Fi !c é um conjunto fechado. Portanto = k \ Fic i=1 Sk i=1 Fi é conjunto aberto. Definição 3.7: A = A′ ∪ A é denominado aderência ou fecho de A. Proposição 3.8: A é fechado se e somente se A = A. Prova: Veja exercı́cios. 24 Cálculo Avançado I Conjuntos compactos Definição 3.9: Uma famı́lia {Aλ }λ∈Λ de subconjuntos de V é denominada cobertura de um dado conjunto B se B⊂ [ Aλ . λ Se Aλ é conjunto aberto para todo λ ∈ Λ, dizemos que a cobertura é aberta. Se Λ é conjunto finito, dizemos que a cobertura é finita. Definição 3.10: Um conjunto K ⊂ V é compacto se toda cobertura aberta de K admite subcobertura finita, isto é, se {Aλ }λ∈Λ é uma cobertura aberta de K, então existem λ1 , . . . , λk tais que K ⊂ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλk . Proposição 3.11: Todo conjunto compacto é fechado e limitado. Prova: Seja K compacto. Provemos inicialmente que K é limitado. A famı́lia {B1 (x)}x∈K é uma cobertura aberta de K. Logo, existem x1 , x2 , . . . xm ∈ K tais que K⊂ m [ B1 (xi ). i=1 Seja r̄: = max{kx1 k, . . . , kxm k} + 1. Afirmo que Br̄ (0) ⊃ K. Com efeito, se x ∈ K, então x ∈ B1 (xi ) para algum i = 1, . . . , m. Assim kxk = kx + xi − xi k ≤ kx − xi k + kxi k < 1 + kxi k ≤ r̄. Provemos que K é fechado, isto é, que K c é aberto. Seja x0 ∈ K c . Para cada x ∈ K considere rx = 12 kx − x0 k. Então {Brx (x)}x∈K é uma cobertura aberta de K. Sendo K compacto, podemos encontrar x1 , x2 , . . . , xm tais que K⊂ m [ i=1 Brxi (xi ). (3.1) Abertos, Fechados, Compactos 25 Seja r̄: = min{rx1 , rx2 , . . . , rxm } > 0. Afirmo que Br̄ (x0 ) ⊂ K c . De fato, pela definição de r̄ temos Br̄ (x0 ) = m \ Brxi (x0 ). i=1 Passando ao complementar em (3.1) temos c K ⊃ m \ i=1 c Brxi (xi ) ⊃ m \ Brxi (x0 ) = Br̄ (x0 ). i=1 Proposição 3.12: Seja F ⊂ K ⊂ V , com F fechado e K compacto. Então F é compacto. Prova: Seja {Gα }α∈Λ uma cobertura aberta de F . Então é fácil ver que {Gα ∪ F c }α∈Λ é cobertura aberta de K. Como K é compacto, existem α1 , α2 , . . . , αm ∈ Λ tais que K⊂ m [ i=1 m [ Gαi ∪ F c . Gαi ∪ F c = i=1 Como F ⊂ K, segue que F ⊂ m [ Gαi . i=1 Observação: Todas as definições e resultados apresentados até aqui neste capı́tulo são relativos à norma fixada no espaço vetorial V . Não é difı́cil observar, porém, que essas definições e resultados são invariantes para outras normas equivalentes de V . Vejamos, por exemplo, o caso de ponto interior. Sejam k kα e k kβ duas normas equivalentes de V e x0 um ponto interior de A ⊂ V relativamente à norma α. Então, x0 também é ponto interior de A relativamente à norma β. Com efeito, como as normas são equivalentes, existem números reais positivos m e M tais que mkxkα ≤ kxkβ ≤ M kxkα , ∀x ∈ V. 26 Cálculo Avançado I Como x0 é ponto interior de A relativamente à norma α, existe r > 0 1 tal que se kx−x0 kα < r, então x ∈ A. Como kx−x0 kα ≤ m kx−x0 kβ , para todo x ∈ V , segue que se kx − x0 kβ < mr, então x ∈ A e concluı́mos que x0 é ponto interior de A relativamente à norma β. Isso pode ser resumido pela afirmação de que as topologias geradas por normas equivalentes de V são idênticas. Observação: Uma caracterização importante dos espaços de dimensão finita (além da que se refere à equivalência das normas), é a recı́proca da Proposição 3.11: se V é espaço vetorial de dimensão finita, então todo conjunto fechado e limitado é compacto. É o que demonstraremos a seguir para o espaço Rn . Compactos de Rn Para caracterizar os conjuntos compactos de Rn , consideremos os seguintes resultados. Lema 3.13: Seja {Ik }k∈N uma famı́lia de intervalos fechados e limitados de R tais que I1 ⊃ I2 ⊃ . . .. Então ∞ \ k=1 Ik 6= ∅. Prova: Se Ik = [ak , bk ], segue da hipótese que a 1 ≤ a 2 ≤ . . . ≤ a k ≤ . . . ≤ bk ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 . Logo {ak } é sequência crescente e limitada e {bk } é sequência decrescente e limitada. Portanto (veja Análise Real) ak −→ α e bk −→ β quando k → ∞ e ∞ \ [α, β] ⊂ Ik . k=1 Definição 3.14: Chama-se n-pavê todo conjunto P ∈ Rn da forma P = n Y i=1 [ai , bi ]. Abertos, Fechados, Compactos 27 Lema 3.15: Seja {Pk }k∈N uma famı́lia de n-pavês tais que P1 ⊃ P2 ⊃ . . .. Então ∞ \ Pk 6= ∅. k=1 Qn Prova: Pk = i=1 [ai,k , bi,k ]. Como P1 ⊃ P2 ⊃ . . ., segue que Ii,k = [ai,k , bi,k ] satisfaz Ii,1 ⊃ IT i,2 ⊃ . . . para todo i = 1, . . . , n. ∞ Logo, decorre do Lema 3.13 que k=1 Ii,k 6= ∅ e consequentemente T ∞ k=1 Pk 6= ∅. Teorema 3.16: (Bolzano-Weierstrass) Seja A ⊂ Rn limitado contendo uma infinidade de pontos. Então A′ 6= ∅. Prova: A sendo limitado, existe r > 0 tal que Br (0) ⊃ A, onde Br denota a bola aberta relativa à norma k k∞ . Seja P0 = Br (0). Então P0 ⊃ A e n Y P0 = Ii,0 , onde Ii,0 = [−r, r]. i=1 Dividindo cada intervalo Ii,0 no ponto médio, obtemos 2n bolas fechadas de raio r/2. Como A possui infinitos pontos, alguma Qn dessas bolas fechadas contém infinitos pontos de A. Seja P1 = i=1 [ai,1 , bi,1 ] tal bola. Novamente dividindo cada intervalo [ai,1 , bi,1 ] pelo ponto médio, obtemos 2n bolas fechadas de raio r/4. Seja P2 uma dessas bolas que contenha infinitos pontos de A. Repetindo o procedimento acima ad infinitum, obtemos uma famı́lia de bolas fechadas {Pk }k∈N que satisfaz P1 ⊃ P2 ⊃ P3 ⊃ . . . Pelo Lema 3.15, existe x̄ ∈ T k Pk . Provemos que x̄ ∈ A′ . Dado δ > 0, seja k0 ∈ N tal que r/2k0 < δ/2. Como x̄ ∈ Pk para todo k, temos Pk0 ⊂ Bδ (x̄). Como Pk0 contém infinitos pontos de A, segue que Bδ (x̄) ∩ A \ {x̄} 6= ∅. Teorema 3.17: Todo n-pavê é compacto. 28 Cálculo Avançado I Prova: Seja P = Qn δ= seu diâmetro. i=1 [ai , bi ] p um n-pavê e (b1 − a1 )2 + · · · + (bn − an )2 Suponhamos que {Gα }α∈Λ seja uma cobertura aberta de P que não admite subcobertura finita. Os pontos médios ci = (ai + bi )/2 dos intervalos que compõem P dividem P em 2n pavês de diâmetro δ/2. Algum desses 2n pavês não pode ser coberto por um número finito de abertos de {Gα }. Seja P1 tal pavê. Repetindo-se o argumento acima ad infinitum, construimos uma famı́lia {Pk }k∈N de n-pavês, cada Pk com diâmetro δ/2k , tais que P1 ⊃ P2 ⊃ . . . T∞ Pelo Lema 3.15, ∃x̄ ∈ k=1 Pk ⊂ P . Portanto, ∃α0 ∈ Λ tal que x̄ ∈ Gα0 . Como Gα0 é aberto, ∃r > 0 tal que Br (x̄) ⊂ Gα0 . Escolhendo k ∈ N tal que δ/2k < r/2 tem-se Pk ⊂ Br (x̄) ⊂ Gα0 , o que é uma contradição, pois Pk não pode ser coberto por uma quantidade finita de abertos. Teorema 3.18: Se K é fechado e limitado de Rn , então K é compacto. Prova: Se K limitado, então existe P n-pavê tal que K ⊂ P . Pelo teorema anterior, P é compacto. Como K é fechado e K ⊂ P , segue que K é compacto. . Os resultados seguintes fornecem uma generalização aos Lemas 3.13 e 3.15. Teorema 3.19: Seja {Kα }α∈Λ uma famı́lia de compactos de Rn com a propriedade da interseção finita, isto é, “toda subfamı́lia finita tem interseção não vazia”. Então \ Kα 6= ∅. α∈Λ T Prova: Suponhamos que α∈Λ Kα = ∅ e fixe α0 ∈ Λ. Afirmo que {Kαc }α∈Λ é cobertura aberta de Kα0 . Com efeito, se x ∈ Kα0 , segue Abertos, Fechados, Compactos de T α∈Λ Kα = ∅ que x∈ \ Kα α∈Λ 29 c = [ Kαc . α∈Λ Como Kα0 é compacto, existem α1 , . . . , αm tais que K α0 ⊂ m [ Kαc i = i=1 m \ K αi i=1 c . Portanto Kα0 ∩ Kα1 ∩ · · · ∩ Kαm = ∅, o que é uma contradição. Corolário 3.20: Seja {Kk }k∈N famı́lia enumerável de compactos de Rn tal que K1 ⊃ K2 ⊃ . . .. Então \ Kk 6= ∅. k∈N Sequências em espaços vetoriais Há muitas aplicações nas quais as sequências surgem naturalmente, como nos métodos de discretização de equações diferenciais. Além disso, também são úteis como ferramenta de demonstração, como teremos oportunidade de ver neste capı́tulo. Relembrando a definição formal introduzida no Capı́tulo 1, uma sequência de V é qualquer função ϕ: N → V . Em geral, denotamos por {xk }k∈N (ou simplesmente {xk }) a sequência ϕ tal que ϕ(k) = xk . Se ϕ: N → V é uma sequência de V e ψ: N → N é uma função estritamente crescente, então ϕ ◦ ψ é denomindada subsequência da sequência ϕ. Uma subsequência de {xk }k é usualmente denotada por {xki }i . Definição 3.21: Seja V um espaço vetorial normado. Dizemos que uma sequência {xk } de V converge para x0 ∈ V se ∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 então kxk − x0 k < ε. Se a sequência {xk } converge para x0 , denotamos lim xk = x0 ou xk −→ x0 . k→∞ 30 Cálculo Avançado I As seguintes propriedades são fáceis de demonstrar. Proposição 3.22: Seja {xk } uma sequência de V e A ⊂ V . a) se {xk } converge ⇒ o limite é único. b) se {xk } converge ⇒ {xk } é limitada. c) x0 ∈ A′ ⇐⇒ existe sequência {xk } de A (com xk 6= x0 para todo k) que converge para x0 . Prova: Exercı́cio. Corolário 3.23: Seja A ⊂ V um conjunto fechado e {xk } uma sequência de elementos de A. Se xk −→ x0 , então x0 ∈ A. Prova: Pela Proposição 3.22, se xk −→ x0 , então x0 ∈ A′ . Como A é fechado, A′ ⊂ A. O teorema seguinte estabelece uma caracterização para os compactos de um espaço vetorial normado (ou mais geralmente, de um espaço métrico). Teorema 3.24: Seja V um espaço vetorial normado e K ⊂ V . Então K é compacto se e somente se toda sequência {xn }n de K possui subsequência {xni }i tal que xni → x̄ ∈ K. Prova: (=⇒): É claro que se {xn }n possui subsequência convergente, então o limite pertence a K, pois K é fechado. Suponhamos então que existe uma sequência {xn }n que não possui subsequência convergente e considere B = x1 , x2 , x3 , . . . . Então B ′ = ∅ e consequentemente B é fechado. Além disso, para cada n ∈ N existe εn > 0 tal que Bεn (xn ) ∩ B = {xn }. Logo Bεn (xn ) n é cobertura aberta de B que não admite subcobertura finita. Como B é compacto (como subconjunto fechado do compacto K), temos uma contradição. (⇐=): Suponhamos que existe {Aα }α∈Λ uma cobertura aberta de K que não admita subcobertura finita. Para cada x ∈ K, seja δ(x) = sup δ > 0 ; Bδ (x) ⊂ Aα , para algum α ∈ Λ . É claro que δ(x) > 0 ∀x ∈ K. Seja δ0 = inf δ(x) ; x ∈ K . Abertos, Fechados, Compactos 31 Se provarmos que δ0 > 0, podemos construir uma sequência {yn }n em K que não possui subsequência convergente. De fato, admita por um instante que δ0 > 0 e considere a cobertura Bδ0 (x) x∈K . É claro que esta cobertura aberta não admite subcobertura finita, pois caso contrário Aα também admitiria. Consideremos então a sequência assim construı́da: considere y1 ∈ K qualquer e, para cada n ≥ 2, escolha yn tal que ! n−1 [ Bδ0 (yi ) . yn ∈ K \ i=1 Então kyn − ym k ≥ δ0 para todo n, m ∈ N tais que n 6= m. Provemos então que δ0 > 0. Segue da definição que existe uma sequência {xn } em K tal que δ(xn ) → δ0 . Por hipótese, existe uma subsequência {xni } que converge para algum x0 ∈ K. Seja ε0 = δ(x0 )/2 > 0. Então existe i0 ∈ N tal que xni ∈ Bε0 (x0 ) para todo i ≥ i0 . Logo, para algum α ∈ Λ, Bε0 (xni ) ⊂ Bδ(x0 ) (x0 ) ⊂ Aα . Portanto, δ(xni ) ≥ ε0 > 0, ∀i ≥ i0 e o mesmo vale para δ0 . Sequências de Cauchy Definição 3.25: Uma sequência {xk } de V é dita sequência de Cauchy se ∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que k, l ≥ k0 ⇒ kxk − xl kV < ε. Lema 3.26: Se {xk }k é uma sequência de Cauchy em V , então {xk }k é limitada em V . Prova: Seja ε = 1. Então existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , kxk − xk0 kV < 1. Em particular, kxk kV < 1 + kxk0 kV , para todo k ≥ k0 . Assim, se M = 1 + max{kx1 kV , . . . , kxk0 −1 kV , kxk0 kV }, então kxk kV ≤ M para todo k ∈ N. Como decorrência imediata da desigualdade triangular, toda sequência convergente de um espaço vetorial normado é sequência de 32 Cálculo Avançado I Cauchy. Mas a recı́proca nem sempre se verifica. Os espaços vetoriais normados para os quais todas as sequências de Cauchy são covergentes são denominados Espaços de Banach e são fundamentais para a Análise, pois neles ficam assegurados os processos de limite. Sequências em Rn Nesta seção estudaremos as sequências em Rn ; mostraremos que Rn é espaço de Banach. Denotamos por k k uma norma qualquer de Rn . Se {xk }k , onde xk = (x1,k , . . . , xn,k ), é uma sequência de Rn que converge para x0 = (x1,0 , . . . , xn,0 ), então existe ϕ: N → Rn tal que ϕ(k) = xk . Segue em particular da Definição 3.21 e da equivalência de normas que {xj,k }k é sequência de números reais que converge para xj,0 . Proposição 3.27: Toda sequência limitada de Rn possui subsequência convergente. Prova: Se ϕ é sequência de Rn , seja A = ϕ(N). Se A é finito, então existe uma infinidade de números naturais k1 < k2 < · · · para os quais ϕ(k1 ) = ϕ(k2 ) = · · · e concluı́mos, porque sequências constantes são convergentes. Se A é infinito, segue do Teorema de Bolzano-Weierstrass 3.16 que ′ A 6= ∅ e concluı́mos o resultado pelo item (c) da Proposição 3.22. Teorema 3.28: Rn é um espaço de Banach. Prova: Seja {xk }k uma sequência de Cauchy de Rn . Então {xk }k é limitada e, portanto, possui uma subsequência {xki } que converge para x ∈ Rn . Assim, dado ε > 0 existe i0 ∈ N tal que se i ≥ i0 então kxki − xk < ε/2. Como a sequência dada é de Cauchy, existe k0 ∈ N tal que se k, l ≥ k0 então kxk − xl k < ε/2. Portanto, se k1 = max{k0 , ki0 } e k ≥ k1 , temos kxk − xk ≤ kxk − xki0 k + kxki0 − xk < ε. O Teorema a seguir complementa a caracterização dos cojuntos compactos de Rn (veja Proposição 3.11 e Teorema 3.18). Abertos, Fechados, Compactos 33 Teorema 3.29: Seja K ⊂ Rn . Então as afirmativas abaixo são equivalentes a) K é compacto; b) K é fechado e limitado; c) Toda sequência de K possui subsequência que converge para um ponto de K. Prova: A equivalência entre (a) e (b) está provada pela Proposição 3.11 e Teorema 3.18. A equivalência entre (a) e (c) é consequência do Teorema 3.24. Exercı́cios Exercı́cio 3.1. Sejam A e B subconjuntos de um espaço vetorial normado V . Demonstre as afirmativas abaixo. a) A é fechado ⇐⇒ A ⊃ A′ . Dê exemplo de A fechado tal que A′ 6= A. b) A′ é conjunto fechado. c) A ⊂ B =⇒ A′ ⊂ B ′ . d) (A ∪ B)′ = A′ ∪ B ′ . e) A é conjunto fechado. f) A é fechado ⇐⇒ A = A. Exercı́cio 3.2. Sejam k k∗ e k k∗∗ duas normas equivalentes de um espaço vetorial V . a) Mostre que x0 é ponto de acumulação de A com relação a uma das normas se e somente se é ponto de acumulação com relação à outra. b) Mostre que se A é um conjunto aberto em V em relação a k k∗ , se e somente se A é aberto em relação a k k∗∗ . Mostre que o mesmo vale para conjuntos fechados e compactos. Exercı́cio 3.3. ◦ ◦ ◦ ◦ Se A ⊂ B, mostre que A ⊂B e A ⊂ B. Defina α(A) =A e β(B) = B. Mostre a) A aberto ⇒ A ⊂ α(A). 34 Cálculo Avançado I b) B fechado ⇒ B ⊃ β(B). ◦ c) Dê exemplo de conjunto A tal que A, A, A, α(A) e β(A) sejam todos distintos. Exercı́cio 3.4. Seja K subconjunto compacto de um espaço vetorial normado V . Mostre que existe A = {x1 , x2 , . . .} ⊂ K tal que A = K. Exercı́cio 3.5. Seja A = f ∈ C [0, 1]; R ; kf k∞ < 1 e f0 ≡ 0. Mostre que f0 é ponto interior de A relativamente à norma k k∞ mas não é ponto interior de A relativamente à norma k k1 . Exercı́cio 3.6. Demonstre a Proposição 3.22. Exercı́cio 3.7. Prove diretamente a equivalência dos itens (b) e (c) no Teorema 3.29. Exercı́cio 3.8. Seja A ⊂ Rn . A fronteira de A é definida por: ∂A = x ∈ Rn ; ∀r > 0, Br (x) ∩ A 6= ∅, Br (x) ∩ (Rn \ A) 6= ∅ . ◦ a) Mostre que ∂A = A \ A = A ∩ (Rn \ A). Em particular, ∂A é fechado. ◦ b) Mostre que A = A ∪ ∂A e A= A \ ∂A. c) Determina a fronteira de A = [0, 1] × [0, 1] ∩ Q2 . Exercı́cio 3.9. Considere as afirmações: a) X ⊂ Rn é conexo; b) Se A ⊂ X tal que ∂A ∩ X = ∅, então A = ∅ ou A = X. Mostre que (a) implica (b), mas a recı́proca é falsa. 4 Limite e Continuidade Neste capı́tulo iniciamos o estudo sobre limite e continuidade para funções de Rn em Rm . No que segue estaremos denotando por k k indistintamente as normas euclidianas, isto é, as normas k k2 de Rn e Rm . Definição 4.1: Sejam f : A ⊂ Rn → Rm , x0 ∈ A′ e b ∈ Rm . Dizemos que b é o limite de f (x) quando x se aproxima de x0 em A (relativamente às normas euclidianas) se ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ ⇒ kf (x) − bk < ε. Neste caso denotamos b = lim f (x). x→x0 Observação: A definição acima pode ser expressa usando-se a notação de bolas, isto é: lim f (x) = b ⇐⇒ x→x0 ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x ∈ A ∩ Bδ (x0 ) \ {x0 } ⇒ f (x) ∈ Bε (b). Ou ainda na forma mais concisa ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que f A ∩ Bδ (x0 ) \ {x0 } ⊂ Bε (b). 36 Cálculo Avançado I Teorema 4.2: Sejam f : A ⊂ Rn → Rm , f = (f1 , . . . , fm ), onde fi : A ⊂ Rn → R, ∀i = 1, . . . , m, x0 ∈ A′ e b ∈ Rm , b = (b1 , . . . , bm ). Então lim f (x) = b x→x0 ⇐⇒ lim fi (x) = bi , x→x0 ∀i = 1, . . . , m. Prova: Suponhamos limx→x0 fi (x) = bi e seja ε > 0. Então existem δ1 , . . . , δm > 0 tais que x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δi ⇒ |fi (x) − bi | < ε/m. Se {e1 , . . . , em } é a base canônica de Rm , então considerando-se δ = min{δ1 , . . . , δm } temos, para x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ: kf (x) − bk ≤ |f1 (x) − b1 | + · · · + |fm (x) − bm | < ε. Reciprocamente, se limx→x0 f (x) = b, para ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que se x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ então kf (x) − bk < ε. Como |fi (x) − bi | ≤ kf (x) − bk para todo i = 1, . . . , m segue o resultado. As provas dos próximos resultados desta seção são deixadas como exercı́cio para o leitor Teorema 4.3: Seja f : A ⊂ Rn → Rm e x0 ∈ A′ . Então, lim f (x) = b ⇐⇒ x→x0 ∀ {xk }k ⊂ A tal que xk 6= x0 , ∀k e xk → x0 ⇒ f (xk ) → b. Teorema 4.4: Sejam f, g: A ⊂ Rn → R e x0 ∈ A′ . Se lim f (x) = b e lim g(x) = c, x→x0 então x→x0 lim (f ± g)(x) = b ± c x→x 0 lim (f g)(x) = bc x→x0 Além disso, se c 6= 0 então f b lim (x) = . x→x0 g c Limite e Continuidade 37 Corolário 4.5: Sejam f, g: A ⊂ Rn → Rm e x0 ∈ A′ . Se lim f (x) = b x→x0 e lim g(x) = c, x→x0 então lim f (x) : g(x) = hb : ci. x→x0 Lema 4.6: Seja, k k∗ e k k∗∗ respectivamente normas de Rn e Rm equivalentes às normas euclidianas. Então limx→x0 f (x) = b relativamente às normas k k∗ e k k∗∗ se e somente se limx→x0 f (x) = b relativamente às normas euclidianas Observação: É preciso ter cuidado com o limite de funções compostas. De fato, parece intuitivamente razoável esperar que se f : A ⊂ Rn → Rm , x0 ∈ A′ e g: B ⊂ Rm → Rk , y0 ∈ B ′ são tais que f (A) ⊂ B e lim f (x) = y0 e lim g(y) = z0 , x→x0 y→y0 então lim (g ◦ f )(x) = z0 . x→ x0 No entanto, isto é em geral falso, como se pode ver pelos exemplos a seguir. Sejam f, g: R → R, definidas por: f (x) = n 1 se x 6= 0 0 se x = 0 e g(x) = n 1 0 se x 6= 1 se x = 1 Então lim f (x) = 1 x→0 e lim g(y) = 1. y→1 Entretanto, é fácil ver que (g ◦ f )(x) = n 0 se x 6= 0 1 se x = 0 e lim (g ◦ f )(x) = 0. x→0 38 Cálculo Avançado I Funções contı́nuas Definição 4.7: Seja f : A ⊂ Rn → Rm e x0 ∈ A ∩ A′ . Dizemos que f é contı́nua em x0 se limx→x0 f (x) = f (x0 ). Mais precisamente, ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x ∈ A e kx − x0 k < δ ⇒ kf (x) − f (x0 )k < ε. Usando a notação de bolas, podemos dizer que f é contı́nua em x0 se e somente se ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x ∈ A ∩ Bδ (x0 ) ⇒ f (x) ∈ Bε f (x0 ) , ou ainda ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que f A ∩ Bδ (x0 ) ⊂ Bε f (x0 ) . Observação: Decorre das propriedades sobre limites os seguintes fatos: a) Se f = (f1 , f2 , . . . , fm ), então f é função contı́nua em x0 se e somente se fi : A ⊂ Rn → R é contı́nua em x0 . b) Se f, g: A ⊂ Rn → R são contı́nuas em x0 e λ ∈ R, então as funções f + g, f g e λf são contı́nuas em x0 . Além disso, se g(x0 ) 6= 0, então a função f /g é contı́nua em x0 . Teorema 4.8: Sejam f : A ⊂ Rn → Rm , g: B ⊂ Rm → Rk tais que f (A) ⊂ B. Se x0 ∈ A′ , y0 ∈ B ∩ B ′ , lim f (x) = y0 x→x0 e g é contı́nua em y0 , então lim (g ◦ f )(x) = g(y0 ). x→x0 Prova: Seja ε > 0 dado. Como g é contı́nua em y0 , existe µ > 0 tal que y ∈ B ∩ Bµ (y0 ) ⇒ g(y) ∈ Bε (g(y0 )). Como limx→x0 f (x) = y0 , existe δ > 0 tal que x ∈ Bδ (x0 ) \ {x0 } ∩ A ⇒ f (x) ∈ Bµ (y0 ). Portanto, x ∈ Bδ (x0 ) \ {x0 } ∩ A ⇒ y = f (x) ∈ Bµ (y0 ) Limite e Continuidade 39 e consequentemente g(f (x)) ∈ Bε (g(y0 )) Definição 4.9: Quando uma função f é contı́nua em todos os pontos de seu domı́nio, dizemos simplesmente que f é função contı́nua. Teorema 4.10: Seja f : Rn → Rm . Então as afirmativas abaixo são equivalentes. a) f é função contı́nua; b) se A é aberto em Rm ⇒ f −1 (A) é aberto em Rn ; c) se F é fechado em Rm ⇒ f −1 (F ) é fechado em Rn ; Prova: Provemos “(a) ⇔ (b)”: Seja x0 ∈ f −1 (A). Então y0 = f (x0 ) ∈ A. Como A é aberto, existe ε > 0 tal que B x0 , existe δ > 0 tal ε (y0 ) ⊂ A. Como f é contı́nua em −1 que f Bδ (x0 ) ⊂ Bε (y0 ) ⊂ A. Logo Bδ (x0 ) ⊂ f (A). Reciprocamente, dado ε > 0 seja A = Bε (y0 ) com y0 = f (x0 ). Como A é aberto, temos por hipótese f −1 (A) aberto. Logo existe δ> 0 tal que Bδ (x0 ) ⊂ f −1 (A). Portanto, f Bδ (x0 ) ⊂ f f −1 (A) ⊂ A. Provemos “(b) ⇔ (c)”: Se F é fechado então A = F c é aberto. Pelo item (b) f −1 (A) = f −1 (F )c é aberto. Logo f −1 (F ) é fechado. Reciprocamente, se A é aberto, então F = Ac é fechado. Pelo item (c) f −1 (F ) = f −1 (A)c é fechado. Logo f −1 (A) é aberto. No caso de funções com valores reais, a oscilação fornece uma caracterização útil sobre a continuidade. Definição 4.11: Seja f : A ⊂ Rn → R e x0 ∈ A ∩ A′ . A oscilação de f no ponto x0 é o número real definido por: ω(f, x0 ) = inf sup f Bδ (x0 ) − inf f Bδ (x0 ) . δ>0 Teorema 4.12: f : A ⊂ Rn → R é contı́nua em x0 ∈ A ∩ A′ se, e somente se, ω(f, x0 ) = 0. Prova: Se f é contı́nua em x0 , dado ε > 0, existe δ > 0 tal que kx − x0 k < δ ⇒ |f (x) − f (x0 )| < ε. 40 Cálculo Avançado I Então, de onde se obtém sup f Bδ (x0 ) ≤ f (x0 ) + ε, inf f Bδ (x0 ) ≥ f (x0 ) − ε, sup f Bδ (x0 ) − inf f Bδ (x0 ) ≤ 2ε. Logo, ω(f, x0 ) ≤ 2ε e sendo ε > 0 arbitrário, temos ω(f, x0 ) = 0. Reciprocamente, se ω(f, x0 ) = 0, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que Como sup f Bδ (x0 ) − inf f Bδ (x0 ) < ε. inf f Bδ (x0 ) ≤ f (x) ≤ sup f Bδ (x0 ) , ∀x ∈ Bδ (x0 ), segue que |f (x) − f (x0 )| < ε para todo x ∈ Bδ (x0 ), com o que concluı́mos a prova. Proposição 4.13: Se A, B ⊂ Rn são fechados não vazios e disjuntos, existe f : Rn → [0, 1] satisfazendo as seguntes propriedades: f (x) = 1, ∀x ∈ A e f (x) = 0, ∀x ∈ B. Prova: Considere as funções dist(x, A) e dist(x, B) (veja Exercı́cios) e defina dist(x, A) f (x) = . dist(x, A) + dist(x, B) Funções contı́nuas e conjuntos compactos Os resultados a seguir são fundamentais, especialmente quando se tem em vista as aplicações. Teorema 4.14: Seja f : Rn → Rm função contı́nua e K ⊂ Rn conjunto compacto. Então f (K) é conjunto compacto de Rm . Limite e Continuidade 41 Prova: Seja Aλ λ∈Λ uma cobertura qualquer de f (K). Queremos S verificar se ela admite uma subcobertura finita. Como f (K) ⊂ Aλ , temos ! [ [ −1 −1 K⊂f f (K) ⊂ f Aλ = f −1 (Aλ ). λ λ Como f é contı́nua, segue que f −1 (Aλ ) λ∈Λ é cobertura aberta de K. Como K é compacto, existem λ1 , . . . , λk tais que K ⊂ f −1 (Aλ1 ) ∪ · · · ∪ f −1 (Aλk ). Portanto, f (K) ⊂ f k [ f −1 (Aλi ) i=1 ! = k [ f f i=1 −1 (Aλi ) ⊂ k [ Aλi . i=1 Corolário 4.15: Se f : Rn → R é função contı́nua e K ⊂ Rn é compacto, então existe x, x ∈ K tais que f (x) = min{f (x) ; x ∈ K} e f (x) = max{f (x) ; x ∈ K}. Prova: Pelo teorema anterior f (K) é compacto de R. Logo é fechado e limitado. Sendo limitado temos s = sup f (K) < +∞ e s = inf f (K) > −∞. Sendo fechado temos s ∈ f (K) e s ∈ f (K). Portanto, existem x, x ∈ K tais que s = f (x) e s = f (x). Como consequência dos resultados anteriores, temos o Teorema da equivalência das normas em Rn . Teorema 4.16: Todas as normas em Rn são equivalentes Prova: Seja k k uma norma qualquer em Rn e k k1 a norma 1 definida por kxk1 = |x1 | + · · · + |xn |. Dado x ∈ Rn , temos x= n X i=1 xi ei ⇒ kxk ≤ n X i=1 |xi |kei k ≤ M kxk1 , onde e1 , . . . , en é a base canônica de Rn e M = max{kei k ; i = 1, . . . , n}. Seja K = x ∈ Rn ; kxk1 = 1 e f (x) = kxk. 42 Cálculo Avançado I Então f : Rn → R é função contı́nua (relativamente à norma k k1 de Rn ). Como K é fechado e limitado, e portanto compacto, segue do corolário anterior que existe x ∈ K tal que m: = f (x) = min f (K). Observe que m > 0, pois se 0 = m = kxk ⇒ x = 0. Seja x um ponto qualquer de Rn . Então y = x/kxk1 ∈ K e m ≤ f (y) = x kxk1 = kxk kxk1 ⇒ mkxk1 ≤ kxk. Observação: Decorre do Teorema 4.16 e do Lema 4.6 que se uma função f : Rn → Rm é contı́nua em relação a determinadas normas de Rn e Rm , então será contı́nua em relação a quaisquer outras normas de Rn e Rm . Como veremos no final deste capı́tulo, este resultado se estende para espaços vetoriais de dimensão finita, mas não vale em geral para espaços de dimensão infinita. Funções contı́nuas e conjuntos conexos Sabemos da Análise Real que se f : [a, b] → R é função contı́nua satisfazendo f (a) < 0 < f (b) (ou f (a) > 0 > f (b)), então existe x0 ∈ ]a, b[ tal que f (x0 ) = 0, isto é, f possui uma raı́z entre a e b. Este resultado, conhecido como Teorema do Valor Intermediário, se generaliza para o caso vetorial usando-se o conceito de conjunto conexo. Definição 4.17: Um conjunto B ⊂ Rn é dito conexo se para todo A1 e A2 abertos tais que B ⊂ A1 ∪ A2 e B ∩ Ai 6= ∅, i = 1, 2, tem-se A1 ∩ A2 6= ∅. Teorema 4.18: Se f : Rn → Rm é função contı́nua e B ⊂ Rn conjunto conexo, então f (B) ⊂ Rm é conjunto conexo. Prova: Sejam A1 e A2 abertos de Rm tais que f (B) ⊂ A1 ∪ A2 e f (B) ∩ Ai 6= ∅, i = 1, 2. Então B ⊂ f −1 (f (B)) ⊂ f −1 (A1 ∪ A2 ) = f −1 (A1 ) ∪ f −1 (A2 ). Como f é contı́nua e Ai é aberto, segue que f −1 (Ai ) é aberto. Além disso, se y ∈ f (B) ∩ Ai , então existe x ∈ B tal que y = f (x). Por Limite e Continuidade 43 definição, x ∈ f −1 (Ai ) e portanto B∩f −1 (Ai ) 6= ∅. Como B é conexo, f −1 (A1 ) ∩ f −1 (A2 ) 6= ∅. Portanto f −1 (A1 ∩ A2 ) 6= ∅ ⇒ A1 ∩ A2 6= ∅. Logo f (B) é conexo. Conjuntos convexos e funções convexas Definição 4.19: Um subconjunto A de um espaço vetorial V é dito convexo se, para todo x, y ∈ A temos λx + (1 − λ)y ∈ A, ∀λ ∈ ]0, 1[. Definição 4.20: Uma função f : A ⊂ V → R é dita convexa se A é convexo e para todo x, y ∈ A, vale a desigualdade f λx + (1 − λ)y ≤ λf (x) + (1 − λ)f (y), ∀λ ∈ ]0, 1[. Lema 4.21: Seja f : A ⊂ V → R uma função convexa. Se x1 , x2 , . . . , xk ∈ A e λ1 , λ2 , . . . , λk ∈]0, 1[ são tais que λ1 + · · · + λk = 1, então f k X i=1 λi xi ! ≤ k X λi f (xi ). i=1 Prova: Veja Exercı́cios. Teorema 4.22: Toda função convexa f : Rn → R é contı́nua. Prova: Faremos a prova em quatro etapas. Etapa 1: Se f (0) = 0, então 0 ≤ sup f (x) ; kxk1 ≤ 1 < +∞. É claro que 0 = f(0) ≤ sup f (x) ; kxk1 ≤ 1 . Vamos mostrar inicialmente que sup f (x) ; kxk1 = 1 < +∞. Seja b = max f (e1 ), . . . , f (en ), f (−e1 ), . . . , f (−en ) , onde {e1 , e2 , . . . , en } é a base canônica de unitário, isto é, kxk1 = 1, definimos, para xi /|xi | se xi ai = 1 se xi Rn . Se x ∈ Rn é um vetor i = 1, . . . , n, 6= 0, =0. 44 Cálculo Avançado I Então, os vetores ui definidos por ui = ai ei são vetores unitários. Como x= n X i=1 |xi |ui , |x1 | + · · · + |xn | = 1, concluı́mos do Lema 4.21 que f (x) ≤ n X i=1 |xi |f (ui ) ≤ max f (u1 ), . . . , f (un ) ≤ b. (4.1) Suponhamos que sup f (x) ; kxk1 ≤ 1 = +∞. Então, para cada k ∈ N, existe xk na bola unitária B = x ∈ Rn ; kxk1 ≤ 1 tal que f (xk ) ≥ k. Em particular, como xk 6= 0, podemos considerar o vetor unitário xk = xk /kxk k1 . Como xk = kxk k1 xk + (1 − kxk k1 )0, segue da convexidade de f que k ≤ f (xk ) ≤ kxk k1 f (xk ) + (1 − kxk k1 )f (0) ≤ f (xk ), ∀k ∈ N. Logo sup{f (x) ; kxk1 = 1} = +∞, e temos uma contradição com (4.1). Etapa 2: Suponhamos f (0) = 0. Então f é contı́nua em x = 0. De fato, se f ≡ 0 em B, não há nada a provar. Suponhamos então f 6≡ 0 em B. Segue da etapa 1 que 0 < a: = sup f (x) ; x ∈ B < +∞. Dado 0 < ε < a, seja δ < ε/a. Se kxk1 < δ, então kx/δk1 < 1 e f (x/δ) ≤ a. Como podemos escrever x = δ(x/δ) + (1 − δ)0, temos da convexidade f (x) ≤ δf (x/δ) + (1 − δ)f (0) ≤ δa < ε. (4.2) Seja λ = δ/(1 + δ). Então 0 < λ < 1 e temos a combinação convexa −x + (1 − λ)x = 0. λ δ Pela convexidade, 0 = f (0) ≤ λf −x δ + (1 − λ)f (x) ≤ λa + (1 − λ)f (x) Limite e Continuidade 45 e concluı́mos que f (x) ≥ −δa > −ε. (4.3) De (4.2) e (4.3) concluı́mos |f (x)| < ε se kxk1 < δ. Etapa 3: Se f (0) 6= 0. Neste caso, g(x) = f (x) − f (0) é função convexa que se anula em x = 0. Pelas etapas anteriores, g é contı́nua em x = 0, o mesmo valendo para f . Etapa 4: O caso geral. Seja x0 ∈ Rn . Então g(x) = f (x + x0 ) é função convexa. Portanto, etapas anteriores, g é contı́nua em x = 0. Segue que f é contı́nua em x = x0 . Continuidade uniforme Vimos anteriormente que uma função é contı́nua quando é contı́nua em todos os pontos de seu domı́nio. Podemos dizer, portanto, que a continuidade é um conceito local. Isso se expressa na definição, pelo fato de que, para cada ε e para cada x, δ = δ(ε, x) depende de épsilon e do ponto x. A definição que introduzimos a seguir expressa um conceito global de continuidade—a continuidade uniforme. Definição 4.23: Seja A ⊂ Rn e f : A → Rm uma função. Dizemos que f é uniformemente contı́nua em A se ∀ε > 0 existe δ > 0 tal que se x, y ∈ A kx − yk < δ, então kf (x) − f (y)k < ε. Exemplo: A função f : R → R definida por f (x) = 1/(1 + x2 ) é uniformemente contı́nua em R. É claro que toda função uniformentente contı́nua é contı́nua em seu domı́nio. Mas a recı́proca é falsa. Considere por exemplo f (x) = x2 . Definição 4.24: Uma função f : A ⊂ Rn → Rm é dita Lipschitzcontı́nua em A se existe M > 0 tal que kf (x) − f (y)k ≤ M kx − yk, ∀x, y ∈ A. 46 Cálculo Avançado I Observação: É fácil ver que toda função Lipschitz-contı́nua é uniformemente contı́nua. É fácil ver também, como consequência imediata do Teorema do Valor Médio, que toda função derivável f : R → R cuja derivada é limitada em R, é Lipschitz-contı́nua. Proposição 4.25: Seja f : Rn → Rm uma função linear. Então f é Lipschitz-contı́nua. Prova: Seja M = max{kf (e1 )k, . . . , kf (en )k}, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn . Então, se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ), temos n X kf (x) − f (y)k ≤ |xi − yi |kf (ei )k ≤ M kx − yk1 i=1 e a conclusão segue da equivalência das normas de Rn . As funções Lipschitz-contı́nuas são casos particulares das Höldercontı́nuas, cuja definição é a seguinte. Definição 4.26: Seja 0 < α ≤ 1. Uma função f : A ⊂ Rn → Rm é dita Hölder-contı́nua de ordem α em A se existe M > 0 tal que kf (x) − f (y)k ≤ M kx − ykα , ∀x, y ∈ A. Exemplo: A função f : [0, ∞[→ R definida por f (x) = xα , com 0 < α < 1 é Hölder-contı́nua em [0, ∞[. É claro que toda função Hölder-contı́nua é uniformemente contı́nua. Observação: Os conceitos de continuidade uniforme, Lipschitz-continuidade e Hölder-continuidade são invariantes para normas equivalentes; são portanto independentes das normas que estejam fixadas em Rn e Rm . Teorema 4.27: Toda função contı́nua definida num compacto K ⊂ Rn é uniformemente contı́nua. Prova: Seja x ∈ K e ε > 0. Como f é contı́nua, existe Sδx > 0 tal que se y ∈ Bδx (x) então kf (y)−f (x)k < ε/2. Como K ⊂ x∈K Bδx /2 (x), segue da compacidade que existem x1 , x2 , . . . , xk em K tais que K⊂ k [ i=1 Bδxi /2 (xi ). (4.4) Limite e Continuidade 47 Seja δ = min{δx1 /2, δx2 /2, . . . , δxk /2} Então, se x, y ∈ K são tais que kx − yk < δ, segue de (4.4) que x ∈ Bδxi /2 (xi ), para algum i. Portanto, ky − xi k ≤ ky − xk + kx − xi k < δ + δxi /2 ≤ δxi ⇒ y ∈ Bδxi (xi ). Logo, ky − xk < δ ⇒ kf (x) − f (y)k < ε e temos o resultado. Espaços vetoriais de dimensão finita As definições e os resultados anteriores se estendem aos espaços vetoriais de dimensão finita via os isomorfismos naturais. De fato, se V é um espaço vetorial de dimensão n, seja {u1 , . . . , un } uma base de V . Podemos considerar o isomorfismo T : Rn → V definido por T (ei ) = ui , i = 1, . . . , n, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn , que induz a V as propriedades de Rn . A tı́tulo de exemplo, consideremos a extensão do Teorema 4.16 aos espaços vetoriais reais de dimensão finita. Teorema 4.28: Seja V um espaço vetorial de dimensão finita. Então todas as normas de V são equivalentes. Prova: Suponhamos n a dimensão de V e seja {u1 , . . . , un } uma base de V . Consideremos o isomorfismo T : Rn → V definido por T (ei ) = ui , i = 1, . . . , n, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn . Se k k∗ e k k∗∗ são duas normas de V , sejam respectivamente k kα e k kβ as normas de Rn induzidas por T pela relação (2.7). O Teorema 4.16 garante que estas normas são equivalentes em Rn . A equivalência das normas de V é consequência do Teorema 2.11. De um modo geral, sejam V e W espaços vetoriais de dimensão finita e f : V → W , T : V → Rn e S: V → Rm isomorfismos. As definições anteriores se estendem naturalmente a V e W e os resultados podem ser induzidos pelo diagrama 48 Cálculo Avançado I f V −−−−−−→ W x x T y T −1 S −1 y S Rn g −−−−−−→ Rm O espaço vetorial das transformações lineares Sejam V e W dois espaços vetoriais de dimensão finita e consideremos o conjunto de todas as transformações lineares de V em W : L(V, W ) = T : V → W ; T é linear . L(V, W ) é espaço vetorial se munido das operações usuais de soma de funções e produto por escalar. Além disso, se dim V = n e dim W = m, então dim L(V, W ) = mn. De fato, fixadas bases em V e W , L(V, W ) pode ser identificado a Mm×n via isomorfismo natural. Em particular, decorre do Teorema 2.11 que L(V, W ) é espaço vetorial normado com todas as normas equivalentes. Nota: Se V ou W são espaços vetoriais normados de dimensão infinita, a situação é muito mais complicada pois, contrariamente ao caso finito, existem transformações lineares de V em W que não são contı́nuas. A maneira natural de se introduzir uma norma em L(V, W ) é a seguinte (veja Exercı́cio 4.13): se T ∈ L(V, W ), definimos (4.5) kT kL(V,W ) = sup kT xkW ; kxkV = 1 . O teorema de ponto fixo de Banach Seja V um espaço vetorial normado, A ⊂ V e f : A → V uma função. Definição 4.29: Dizemos que f é uma contração em A se existe 0 ≤ α < 1 tal que kf (x) − f (y)kV ≤ αkx − ykV , ∀x, y ∈ A. Limite e Continuidade 49 Definição 4.30: Dizemos que x ∈ V é um ponto fixo para uma função f : V → V se f (x) = x. Teorema 4.31: Seja V um espaço de Banach relativamente à norma k kV . Se f : V → V é uma contração em V , então f possui um único ponto fixo. Prova: Seja x0 ∈ V e considere a sequência definida implicitamente por xk+1 = f (xk ), ∀k ≥ 0. Então, kxk+1 − xk kV = kf (xk ) − f (xk−1 )kV ≤ αkxk − xk−1 kV ≤ α2 kxk−1 − xk−2 kV ≤ · · · ≤ αk kx1 − x0 kV . Portanto, se k, l ∈ N, temos (supondo k ≥ l) kxk − xl kV ≤ kxk − xk−1 kV + · · · + kxl+1 − xl kV ≤ αk−1 + αk−2 + · · · + αl kx1 − x0 kV ≤ αl kx1 − x0 kV . 1−α Como α < 1, dado ε > 0, podemos escolher l0 ∈ N tal que αl0 kx1 − x0 kV < ε, 1−α de modo que se k, l ≥ l0 então kxk − xl kV < ε. Logo {xk } é sequência de Cauchy em V e, portanto, converge para algum x ∈ V . Para concluir que x é ponto fixo de f , basta observar que sendo f contı́nua, segue do Teorema 4.3 que x = lim xk+1 = lim f xk = f lim xk = f (x). k→∞ k→∞ k→∞ Sendo a unicidade consequência imediata da definição de contração, concluı́mos a prova. Observação: É oportuno observar que, se uma função f é uma contração em V relativamente a uma norma k k∗ , pode não ser contração em relação a uma outra norma equivalente (veja exercı́cios). 50 Cálculo Avançado I Semicontinuidade O Corolário 4.15 estabelece a existência de máximos e mı́nimos para funções reais contı́nuas definidas em conjuntos compactos de Rn . Este resultado, fundamental para as aplicações, pode ser generalizado para funções descontı́nuas que satisfaçam certas propriedades que definiremos a seguir. Definição 4.32: Sejam f : A ⊂ Rn → R e x0 ∈ A′ . Definimos o limite inferior e o limite superior de f (x) em x0 (ou quando x se aproxima de x0 ) respectivamente por: lim inf f (x) = lim inf f (x) ; x ∈ A ∩ (Br (x0 ) \ {x0 }) x→x0 r↓0 = lim inf f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 } r↓0 lim sup f (x) = lim sup f (x) ; x ∈ A ∩ (Br (x0 ) \ {x0 }) r↓0 x→x0 = lim sup f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 } r↓0 Observação: É fácil ver que −∞ ≤ lim inf f (x) ≤ lim sup f (x) ≤ +∞ x→x0 x→x0 e que, se f é função limitada, então o limite inferior e o limite superior sempre existem. Exemplo: lim inf x→0 sen(1/x) = −1 e lim supx→0 sen(1/x) = 1. Lema 4.33: f possui limite em x0 se e somente se o limite inferior e o limite superior de f são iguais. Mais precisamente, l = lim f (x) ⇐⇒ lim inf f (x) = lim sup f (x) = l. x→x0 x→x0 x→x0 Prova: Suponhamos lim inf x→x0 f (x) = lim supx→x0 f (x) = l e sejam l(r) = inf f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 } (4.6) L(r) = sup f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 } Limite e Continuidade 51 Então, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que ⇒ 0<r<δ l − ε < l(r) ≤ L(r) < l + ε. Além disso, segue de (4.6) que ∀x ∈ A ∩ Br (x0 ) \ {x0 } . l − ε < l(r) ≤ f (x) ≤ L(r) < l + ε, Portanto, se x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ, então |f (x) − l| < ε e concluı́mos que l = limx→x0 f (x). Reciprocamente, suponhamos que l = limx→x0 f (x). Então, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que 0 < kx − x0 k < δ ⇒ |f (x) − l| < ε/2. Definindo-se l(r) como em (4.6), temos 0<r<δ ⇒ l − ε/2 ≤ l(r) < l + ε/2 e concluı́mos que l = lim l(r) = lim inf f (x). r↓0 x→x0 O mesmo argumento mostra que l é o limite superior de f em x0 . Definição 4.34: Seja f uma função real definida em A ⊂ Rn e x0 ∈ A ∩ A′ . Dizemos que f é semicontı́nua inferiormente (sci) em x0 se f (x0 ) ≤ lim inf f (x). x→x0 Analogamente, dizemos que f é semicontı́nua superiormente (scs) em x0 se f (x0 ) ≥ lim sup f (x). x→x0 Em particular, como consequência imediata do lema 4.33, temos: Corolário 4.35: Um função real f definida em A ⊂ Rn é contı́nua em x0 ∈ A ∩ A′ se e somente se é semicontı́nua inferiormente e superiormente em x0 . 52 Cálculo Avançado I Proposição 4.36: Seja f uma função real definida em A ⊂ Rn e x0 ∈ A ∩ A′ . Então f é semicontı́nua inferiormente em x0 se e somente se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que x ∈ A e kx − x0 k < δ ⇒ f (x) > f (x0 ) − ε. Prova: Se f é sci em x0 , então f (x0 ) ≤ l = lim inf f (x) = lim l(r), x→x0 r↓0 (4.7) onde l(r) é definido por (4.6). Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se 0 < r < δ, então l − ε < l(r) < l + ε. Em particular, se x ∈ A e kx − x0 k < r, então l(r) ≤ f (x). Portanto, se x ∈ A e kx − x0 k < δ, podemos escolher r > 0 tal que kx − x0 k < r < δ e f (x0 ) − ε ≤ l − ε ≤ l(r) ≤ f (x). Reciprocamente, se f (x) ≥ f (x0 ) − ε ∀x ∈ A ∩ Bδ (x0 ), então l(r) = inf f (x) ; x ∈ A ∩ Br (x0 ) ≥ f (x0 ) − ε, ∀r < δ. Como l(r) é função decrescente, segue que f (x0 ) − ε ≤ l(r) ≤ lim l(r) = lim inf f (x). r↓0 x→x0 (4.8) A conclusão segue fazendo-se ε ↓ 0 em (4.8). Definição 4.37: Uma função real f : A ⊂ Rn → R é dita semicontı́nua inferior (sci) se for semicontı́nua inferiormente em cada ponto de A. Analogamente, dizemos que f é semicontı́nua superior (scs) se for semicontı́nua superiormente em cada ponto de A. n → R é função sci se e somente se para todo Teorema 4.38: f : R −1 α ∈ R, f ]α, +∞[ é aberto em Rn . Prova: Suponha f sci. Se x0 ∈ f −1 ]α, +∞[ , então f (x0 ) > α. Considere ε > 0 tal que f (x0 ) − ε > α. Como f é sci, segue da Proposição 4.36 que existe δ > 0 tal que kx − x0 k < δ implica f (x) > f (x0 ) − ε. Logo kx − x0 k < δ ⇒ f (x) > f (x0 ) − ε > α ⇒ f (x) ∈ ]α, +∞[. Limite e Continuidade 53 o que implica que Bδ (x0 ) ⊂ f −1 ]α, +∞[ . Reciprocamente, se x0 ∈ Rn e ε > 0, considere α = f (x0 ) − ε e I = ]α, +∞[. Por hipótese f −1 (I) é conjunto aberto de Rn . Logo, existe δ > 0 tal que Bδ (x0 ) ⊂ f −1 (I). Portanto, kx − x0 k < δ ⇒ f (x) ∈ I ⇒ f (x) > f (x0 ) − ε. n Corolário 4.39: f : R → R é função scs se e somente se para todo −1 ] − ∞, α[ é aberto em Rn . α ∈ R, f O resultado a seguir generaliza o Corolário 4.15. Teorema 4.40: Seja f : Rn → R função sci e K ⊂ Rn conjunto compacto. Então existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) = min f (K). Prova: Faremos a prova em duas etapas: Etapa 1: Provemos que inf f (K) > −∞. De fato, como f é sci, para todo x ∈ K existe δx > 0 tal que ky − xk < δx ⇒ f (y) > f (x) − 1. É claro que Bδx (x) x∈K é cobertura aberta de K. Portanto existem x1 , . . . , xk ∈ K tais que K⊂ k [ Bδxj (xj ). j=1 Seja m = min{f (x1 ), . . . , f (xk )}. Se y ∈ K, então ky − xj k < δxj , para algum j e f (y) > f (xj ) − 1 ≥ m − 1. Etapa 2: Provemos que existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) ≤ f (x) para todo x ∈ K. Seja l = inf f (K) (l ∈ R pela etapa 1) e suponha l ∈ / f (K). Então l < f (x), ∀x ∈ K. Para cada x ∈ K, considere lx ∈ R tal que l < lx < f (x) e defina −1 Ix = ]lx , +∞[. Então f (Ix ) x∈K é cobertura aberta de K. Como K é compacto, existem, x1 , x2 , . . . , xk tais que K⊂ k [ j=1 f −1 (Ixj ) 54 Cálculo Avançado I Seja l = min{lx1 , . . . , lxk }. Então l > l e se x ∈ K, então f (x) ∈ Ixj para algum 1 ≤ j ≤ k, o que implica f (x) > lxj ≥ l > l. Portanto f (x) ≥ l > l ∀x ∈ K ⇒ inf f (K) ≥ l > l e temos uma contradição. Corolário 4.41: Seja f : Rn → R função scs e K ⊂ Rn conjunto compacto. Então existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) = max f (K). Exercı́cios Exercı́cio 4.1. Sejam a, b, c, d números reais positivos. Mostre que o limite |x|a |y|b lim x→0 |x|c + |y|d y→0 existe (e vale zero) se, e somente se, b a + > 1. c d Exercı́cio 4.2. Sejam f1 e f2 duas funções de Rn em R e considere g: Rn → R definida por g(x) = max{f1 (x), f2 (x)}. Prove se verdadeira ou dê contra-exemplo se falsa: a) Se f1 e f2 são contı́nuas, então g é contı́nua. b) Se g é contı́nua, então f1 e f2 são contı́nuas. c) Sejam f1 , f2 , . . . , fk funções contı́nuas de Rn em R. Defina f por f (x) = max f1 (x), . . . , fk (x) . As mesmas afirmativas de (a) e (b). Exercı́cio 4.3. Demonstre o Lema 4.21. Use o resultado para mostrar que se 1 < p1 , p2 , . . . , pk < +∞ são tais que 1 1 1 + +···+ = 1, p1 p2 pk Limite e Continuidade 55 então vale a seguinte generalização da desigualdade de Young. |x1 x2 · · · xk | ≤ |x1 |p1 |xk |pk +···+ . p1 pk (4.9) . Exercı́cio 4.4. Diz-se que uma função f : Rn → Rm é aberta se f (U ) é aberto de Rm para todo U ⊂ Rn aberto. Seja f : Rn → Rn uma função invertı́vel tal que f −1 é contı́nua. Mostre que f é aberta. Exercı́cio 4.5. a) Sejam A e B subconjuntos de Rn e f : A −→ B uma função bijetora. Se A é compacto e f é contı́nua, mostre que f −1 : B −→ A é contı́nua. b) Dê exemplo com A, B ⊂ R e f : A −→ B bijetora e contı́nua tal que f −1 : B −→ A não é contı́nua. Faça o mesmo com A, B ⊂ R2 . Exercı́cio 4.6. Seja f : Rn → R uma função contı́nua tal que lim kxk→+∞ f (x) = +∞. (4.10) Mostre que existe x0 ∈ Rn tal que f (x0 ) ≤ f (x), ∀x ∈ Rn . Obs.: Se f satisfaz (4.10), dizemos que f é coerciva. Exercı́cio 4.7. Mostre que a função f : [0 , ∞) → R definida por f (x) = xα , com 0 < α < 1 é Hölder contı́nua de ordem α. Exercı́cio 4.8. Considere f : [0, 1/e] → R definida por 0 √ se x = 0 f (x) = 1/ − ln x se 0 < x ≤ 1/e Mostre que f é uniformemente contı́nua mas não é Hölder contı́nua. Exercı́cio 4.9. Seja F ⊂ Rn um conjunto fechado e não vazio. Para cada x ∈ Rn defina dist(x, F ) = inf kx − yk ; y ∈ F . a) Mostre que, para cada x ∈ Rn , existe yx ∈ F tal que dist(x, F ) = kx − yx k. b) Mostre que a função x 7→ dist(x, F ) é Lipschitz contı́nua. 56 Cálculo Avançado I Exercı́cio 4.10. Dados a, b ∈ R e A, B conjuntos fechados não vazios disjuntos, mostre que existe uma função f : Rn → R contı́nua satisfazendo as seguintes propriedades f (x) = a, ∀x ∈ A, f (x) = b, ∀x ∈ B. min{a, b} ≤ f (x) ≤ max{a, b}, ∀x ∈ Rn . Exercı́cio 4.11. a) Mostre que se A ⊂ Rn é um conjunto aberto e convexo e f : A → R é uma função convexa, então f é contı́nua. Mostre que o resultado é falso se A não for aberto. b) Seja f : [a, b] → R função convexa. Mostre que f é semicontı́nua superiormente em [a, b]. c) Dê um exemplo de uma função convexa definida na bola B = {x ∈ R2 ; kxk2 ≤ 1} que não seja semicontı́nua superiormente em B. Exercı́cio 4.12. Prove que o conjunto Nr = {x ∈ Rn | f (x) ≤ r} é convexo se f é função convexa. Exercı́cio 4.13. Seja Ω ⊂ Rn um conjunto aberto e convexo. Uma função f : Ω → ]0, ∞[ é dita log-côncava em Ω se a função log f (x) é côncava em Ω. a) Prove que toda função log-côncava é contı́nua. b) Prove que f é log-côncava ⇔ f λx +(1 −λ)y ≥ f (x)λ f (y)(1−λ) , ∀x, y ∈ Rn , ∀λ ∈ [0, 1]. c) Prove que o conjunto Nr = {x ∈ Rn | f (x) ≥ r} é convexo se f é log-côncava. d) Toda função log-côncava é côncava? Toda função côncava é logcôncava? Exercı́cio 4.14. Seja f : Rn → R uma função estritamente convexa, isto é, f tx1 +(1−t)x2 < tf (x1 )+(1−t)f (x2), para todo x1 , x2 ∈ Rn com x1 6= x2 e para todo t ∈ ]0, 1[. Mostre que se f é coerciva (veja (4.10)), então existe um único x0 ∈ Rn tal que f (x0 ) ≤ f (x), ∀x ∈ Rn . Exercı́cio 4.15. Seja C ⊂ Rn conjunto convexo e fechado. Limite e Continuidade 57 a) Mostre que ∀x ∈ Rn , existe um único y ∈ C tal que kx − yk2 ≤ kz − xk2 , ∀z ∈ C. (y = PC (x) é denominado a projeção ortogonal de x sobre C. Temos assim definida a aplicação PC : R n x → Rn 7 → PC (x) (4.11) b) Mostre que y = PC (x) ⇐⇒ hx − y : z − yi ≤ 0, ∀z ∈ C. c) Use o item (b) para mostrar que PC satisfaz kPC (x) − PC (y)k22 ≤ x − y : PC (x) − PC (y) e conclua que PC é Lipschitz-contı́nua em Rn . d) Verifique que os argumentos dos itens anteriores continuam válidos para qualquer norma que provenha de um produto escalar. e) Mostre que ∀x ∈ Rn , existe (não necessariamente único) y ∈ C tal que kx − yk1 ≤ kz − xk1 , ∀z ∈ C. Analogamente, existe (não necessariamente único) y ∈ C tal que kx − yk∞ ≤ kz − xk∞ , ∀z ∈ C. Exercı́cio 4.16. Considere Rn munido da norma k k∗ e Rm munido da norma k k• . Seja f : (Rn , k k∗ ) → (Rm , k k• ) definida por f (x) = Ax, onde A é matriz (m × n). Defina ( MA = sup{kf (x)k• ; kxk∗ = 1}, mA = inf{C ≥ 0; kf (x)k• ≤ Ckxk∗ }. 1. Prove que MA = mA = kf (x0 )k• para algum vetor unitário x 0 ∈ Rn ; 2. Prove as seguintes propriedades: a) MA+B ≤ MA + MB ; b) MλA = |λ|MA ; c) MA ≥ 0 e MA = 0 ⇐⇒ A = 0. d) Mostre que se m = n e k · k• = k · k∗ , então MAB ≤ MA MB . Em particular, se A é invertı́vel, então MA−1 ≥ 1/MA . 58 Cálculo Avançado I 3. Calcule MA nos seguintes casos: a) A: (Rn , k k∞ ) → (Rm , k k∞ ) b) A: (Rn , k k1 ) → (Rm , k k1 ) c) A: (Rn , k k1 ) → (Rm , k k∞ ) Definição: Denotando kAk = MA , (4.12) temos definida uma norma no espaço vetorial das matrizes e vale a desigualdade kAxk• ≤ kAkkxk∗ ∀x ∈ Rn . A norma definida por (4.12) é denominada norma induzida pelas normas k k∗ e k k• Exercı́cio 4.17. Se V é um espaço vetorial normado, o espaço das funções lineares contı́nuas de V em R, é denominado espaço dual de V e denotado por V ′ . Seja V = Rn munido da norma k kp , com p ∈ [1, +∞]. Mostre que V ′ pode ser identificado a Rn e, para todo y ∈ Rn , kykV ′ = kykq , onde q ∈ [1, +∞] satisfaz 1/p + 1/q = 1 (q = 1 se p = +∞ e vice-versa). Exercı́cio 4.18. Seja A matriz m × n e defina a função f : Rn → Rm por f (x) = Ax. Mostre que f é injetora ⇐⇒ ∃k > 0 tal que kf (x)k ≥ kkxk, ∀x ∈ Rn . Exercı́cio 4.19. Seja M2 o espaço das matrizes quadradas 2 × 2 a coeficientes reais, com alguma norma. Seja det: M2 a11 a12 a21 a22 −→ 7→ R a11 a22 − a21 a12 a) Mostre que det é contı́nua. b) Mostre que S = {A ∈ M2 ; det A 6= 0} é aberto e não conexo. c) Seja f : S → M2 a função definida por f (X) = X −1 . Mostre que f é contı́nua em S. Sug.: X −1 − X0−1 = X −1 (X0 − X)X0−1 . Exercı́cio 4.20. Seja f : Rn → Rm função contı́nua e defina Z(f ) = n x ∈ R ; f (x) = 0 . Mostre que Z(f ) é fechado em Rn . Limite e Continuidade 59 Exercı́cio 4.21. Seja f : Rn → R contı́nua em 0 e tal que f (x + y) = f (x) + f (y), ∀x, y ∈ Rn . Mostre que existe a ∈ Rn tal que f (x) = ha : xi, ∀x ∈ Rn . Exercı́cio 4.22. Seja f : Rn → R contı́nua tal que para todo x, y ∈ Rn , f (x) + f (y) x+y f ≤ . 2 2 Mostre que f é convexa. Exercı́cio 4.23. Seja f : Rn −→ Rm uma função e considere seu gráfico G(f ) = {(x, y) ∈ Rn+m ; y = f (x), ∀x ∈ Rn }. a) Mostre que se f é contı́nua, então G(f ) é fechado em Rn+m . b) Mostre que se G(f ) é fechado e f é limitada, então f é contı́nua. c) Considere G(f |K ) = {(x, y) ∈ Rn+m ; y = f (x), ∀x ∈ K}. Mostre que se f é contı́nua e K é compacto em Rn , então G(f |K ) é compacto em Rn+m . Exercı́cio 4.24. Seja f : Rn −→ Rn tal que f k = f ◦ f ◦ · · · ◦ f é | {z } k vezes uma contração. Mostre que f possui um único ponto fixo. Exercı́cio 4.25. Verdadeiro ou falso? 1) f e g contrações ⇒ f ◦ g contração. 2) f ◦ f contração ⇒ f contração. Exercı́cio 4.26. Seja f (x, y) = ( x3 − y4 + 3 , x2 + y2 − 8). Mostre que f não é contração na norma k k∞ mas é contração na norma k k1 . Portanto f possui um único ponto fixo. Calcule-o. Exercı́cio 4.27. Seja g: [a, b] → R função contı́nua e crescente e f : X → [a, b]. Mostre que sup g f (x) = g sup f (x) . x x Exercı́cio 4.28. Seja f : R → R uma função monótona crescente e A ⊂ R conjunto limitado. 60 Cálculo Avançado I a) Mostre que sup f (x) ≤ f (sup A) e x∈A f (inf A) ≤ inf f (x). x∈A b) Mostre que se f é sci então sup f (x) = f (sup A). x∈A Exercı́cio 4.29. Seja {sk }k sequência de números reais e defina: lim inf sk = lim inf{sk , sk+1 , sk+2 , . . .}. k→+∞ k→+∞ Seja f : A ⊂ Rn → R, x0 ∈ A ∩ A′ . Mostre que f é semicontı́nua inferiormente em x0 se e somente se f (x0 ) ≤ lim inf f (xk ) ∀ {xk }k ⊂ A tal que xk → x0 . k→+∞ Exercı́cio 4.30. Usando argumento de sequências, prove que se K ⊂ Rn é compacto e f : Rn → R é função sci, então existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) = min{f (x) ; x ∈ K}. a) Prove que l = inf f (K) > −∞ b) Prove que se l = inf f (K) então l ∈ f (K). Exercı́cio 4.31. Seja {fα }α uma famı́lia de funções s.c.i. de Rn em R. Defina f : Ω → R por: Ω = {x ∈ Rn ; sup fα (x) < ∞} α ∀x ∈ Ω, a) b) c) d) f (x) = sup fα (x) α Mostre que f é semicontı́nua inferiormente em Ω. Se fα é contı́nua ∀α, podemos concluir que f é contı́nua? Se fα é função convexa ∀α, mostre que f é convexa. Mostre que as afirmativas anteriores se verificam trocando-se acima: “sci”, “sup”, “< ∞” e “convexa” respectivamente por “scs”, “inf”, “> −∞” e “côncava”. 5 Funções Diferenciáveis Vamos iniciar o estudo da diferenciabilidade no caso das funções reais de n variáveis, isto é, funções f : Rn → R. Derivadas direcionais Definição 5.1: Seja x0 ∈ Rn e u um vetor unitário de Rn . Dizemos que f possui derivada direcional em x0 na direção u se existe o limite f (x0 + λu) − f (x0 ) , λ→0 λ lim denominado derivada direcional de f (em x0 na direção u) e denotada por: ∂f (x0 ). ∂u No caso em que u = ei é o i-ésimo vetor da base canônica, denotamos a derivada direcional na direção de ei por ∂f (x0 ), ∂xi que denominamos derivada parcial de f em x0 em relação a xi . Definição 5.2: Uma função f : Rn → R é dita Gateaux derivável em x0 se f possui derivadas direcionais em x0 em todas as direções u. 62 Cálculo Avançado I Observação: As derivadas direcionais podem parecer, à primeira vista, a generalização natural para a definição de derivada de uma função real de uma variável. Entretanto, a existência das derivadas direcionais não assegura a regularidade de f em torno de x0 , como no caso de uma variável (caso n = 1). De fato, contrariamente ao caso unidimensional, uma função que é Gateaux-diferenciável num ponto x0 não é necessariamente contı́nua neste ponto. Por exemplo, consideremos f (x, y) = ( xy 2 x2 + y 4 0 se (x, y) 6= (0, 0) (5.1) senão Figura 5.1 Se u = (u1 , u2 ) é um vetor unitário qualquer, então f (λu) − f (0) ∂f (0, 0) = lim = λ→0 ∂u λ ( u22 u1 0 se u1 6= 0, senão. Entretanto, f não é contı́nua em (0, 0). De fato, f (t2 , t) = 1/2, ∀t 6= 0. Funções diferenciáveis: o caso escalar No que segue consideraremos Ω ⊂ Rn um conjunto aberto, k k a norma euclidiana de Rn e f : Ω → R uma função. Funções Diferenciáveis 63 Definição 5.3: Dizemos que f é diferenciável (ou Fréchet-derivável) em x0 ∈ Ω se existem funções L, εx0 : Rn → R tais que f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εx0 (h), (5.2) com L linear e εx0 satisfazendo |εx0 (h)| = 0. h→0 khk lim (5.3) Se εx0 (h) satisfaz (5.3), dizemos que εx0 é função o(khk). Para simplificar a notação, escreveremos simplesmente ε(h), deixando de explicitar a dependência de ε em x0 . Se f é função diferenciável em x0 , então a transformação linear L é denominada diferencial de f em x0 (ou a derivada de Fréchet de f em x0 ) e denotamos f ′ (x0 ). Exemplos 1: Consideremos f (x, y) = xy. Se h = (h1 , h2 ), então f (x0 + h1 , y0 + h2 ) = x0 y0 + y0 h1 + x0 h2 + h1 h2 . Como L(h) = y0 h1 + x0 h2 é linear e ε(h) = h1 h2 satisfaz |ε(h)|/khk ≤ khk/2 → 0 se h → 0, temos que f é diferenciável em (x0 , y0 ) e f ′ (x0 , y0 )(h) = y0 h1 + x0 h2 . Exemplo 2: Consideremos f (x, y) = x/y, y 6= 0. Então podemos escrever f (x0 + h1 , y0 + h2 ) = x0 1 h2 (x0 h2 − y0 h1 ) + 2 (y0 h1 − x0 h2 ) + . y0 y0 y02 (y0 + h2 ) Como L(h) = (1/y02 )(y0 h1 − x0 h2 ) é linear em h e a função ε(h) = h2 (x0 h2 − y0 h1 )/y02 (y0 + h2 ) satisfaz p |ε(h)| x2 + y02 ≤ 2 0 khk → 0 khk y0 (y0 + h2 ) se h → 0, 64 Cálculo Avançado I temos que f é diferenciável em (x0 , y0 ) e f ′ (x0 , y0 )h = 1 (y0 h1 − x0 h2 ). y02 Exemplo 3: Seja f : Rn → R uma função linear. Então f (x0 + h) = f (x0 ) + f (h). Se considerarmos ε(h) = 0 para todo h ∈ Rn , então a identidade (5.2) fica satisfeita com L(h) = f (h), o que nos leva a concluir que f é diferenciável em x0 e f ′ (x0 ) ≡ f . Exemplo 4: Consideremos f : Rn → R definida por f (x) = kxk22 . Então f (x0 + h) = kx0 + hk22 = kx0 k22 + h2x0 : hi + khk22 . Como a aplicação h 7→ h2x0 : hi é linear e ε(h) = khk22 satisfaz |ε(h)| = khk2 → 0 khk2 se h → 0, segue que f é diferenciável em x0 e f ′ (x0 )(h) = h2x0 : hi. O resultado a seguir estabelece a unicidade da diferencial de uma função. Lema 5.4: Se f é função diferenciável em x0 ∈ Ω e L1 e L2 são diferenciais de f , então L1 = L2 . Prova: Suponhamos que para todo h ∈ Rn , f (x0 + h) = f (x0 ) + L1 (h) + ε1 (h) f (x0 + h) = f (x0 ) + L2 (h) + ε2 (h) (5.4) com L1 e L2 lineares e ε1 e ε2 funções o(khk). Então, subtraindo a primeira identidade da segunda em (5.4), temos L1 (h) − L2 (h) = ε2 (h) − ε1 (h). Considerando h = λei , onde λ > 0, temos |L1 (ei ) − L2 (ei )| ≤ |ε1 (λei )| |ε2 (λei )| + . λ λ Funções Diferenciáveis 65 Fazendo λ tender a zero, concluı́mos que L1 (ei ) = L2 (ei ) para i = 1, . . . , n. Portanto L1 ≡ L2 . Exemplo 5: Seja f : R2 → R a função definida por (veja Figura 5.2) f (x, y) = ( p |x|y x2 + y 2 0 se (x, y) 6= (0, 0), senão. É fácil ver (veja Exercı́cios) que f é contı́nua e Gateaux-derivável em (0, 0). No entanto, f não é diferenciável em (0, 0). Figura 5.2 Exemplo 6: Seja f : R2 → R a função definida por (veja Figura 5.3) f (x, y) = ( 2y|x|x2 x4 + y 2 0 se (x, y) 6= (0, 0), senão. É fácil ver (veja Exercı́cios) que f é contı́nua e Gateaux-derivável em ∂f (0, 0), com ∂u (0, 0) = 0 para todo vetor unitário u ∈ R2 . No entanto, f não é diferenciável em (0, 0). 66 Cálculo Avançado I Figura 5.3 Proposição 5.5: Se f é diferenciável em x0 ∈ Ω, então f é contı́nua em x0 . Prova: Segue da definição que f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + ε(h), onde ε(h) é o(khk). Portanto, existe δ1 > 0 tal que se khk < δ1 , então |ε(h)| < 1. khk Como L é linear, segue da Proposição 4.25 que existe α ≥ 0 tal que |L(h)| ≤ αkhk, ∀h ∈ Rn . Dado ε > 0, seja δ = min{δ1 , ε/(1 + α)}. Então se x ∈ Ω é tal que kx − x0 k < δ, temos |f (x) − f (x0 )| ≤ (1 + α)kx − x0 k < ε. O vetor gradiente Embora a existência das derivadas parciais de uma dada função não implique a sua diferenciabilidade, a diferencial quando existe, é dada pelas derivadas parciais, como veremos a seguir. Se L: Rn → R é função linear, então existe b ∈ Rn tal que L(h) = hb : hi para todo h ∈ Rn . De fato, seja {e1 , . . . , en } a base canônica de Rn e bi = L(ei ). Então, ! n n X X L(h) = L hi ei = hi bi = hb : hi. i=1 i=1 Funções Diferenciáveis 67 Dizemos que b é a representação matricial de L relativamente à base canônica. Seja L = f ′ (x0 ) a diferencial de uma função f . Então, L(h) = hb : hi para algum b ∈ Rn e para todo h ∈ Rn . Considerando h = λei temos da definição 5.3 f (x0 + λei ) − f (x0 ) ε(λei ) = L(ei ) + . λ λ Fazendo λ tender a zero, concluı́mos que f (x0 + λei ) − f (x0 ) ∂f (x0 ). = λ→0 λ ∂xi L(ei ) = lim Notação: O vetor de Rn ∇f (x0 ) = ∂f ∂f (x0 ), . . . , (x0 ) ∂x1 ∂xn é denominado vetor gradiente de f em x0 e é tal que se f é função diferenciável em x0 , então f ′ (x0 )(h) = ∇f (x0 ) : h , ∀h ∈ Rn . Vale repetir que a existência do vetor gradiente não implica a diferenciabilidade de uma função, mas se a função for diferenciável então o vetor gradiente é a representação matricial de f ′ (x0 ) relativamente à base canônica de Rn . Observação: No caso unidimensional (n = 1), não existe distinção entre derivável no sentido de Gateaux e derivável no sentido de Fréchet. De fato, se f : R → R é derivável em x0 , então podemos escrever f (x0 + ∆x) = f (x0 ) + f ′ (x0 )∆x + ε(∆x) e a aplicação linear ∆x 7→ f ′ (x0 )∆x fica unicamente determinada pela existência da derivada de f em x0 . 68 Cálculo Avançado I Regras básicas de derivação Proposição 5.6: Sejam f, g: Ω → R duas funções diferenciáveis em x0 . Então a) f + g é diferenciável em x0 e (f + g)′ (x0 ) = f ′ (x0 ) + g ′ (x0 ); b) f g é diferenciável em x0 e (f g)′ (x0 ) = f (x0 )g ′ (x0 ) +g(x0 )f ′ (x0 ); c) se g(x0 ) 6= 0 então f /g é diferenciável em x0 e (f /g)′ (x0 ) = 1 ′ ′ )f (x ) − f (x )g (x ) . g(x 0 0 0 0 g(x0 )2 Prova: Faremos a demonstração de (b); os outros itens são deixados como exercı́cio para o leitor. Por hipótese temos, f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + ε1 (h), g(x0 + h) = g(x0 ) + G(h) + ε2 (h), onde estamos denotando L = f ′ (x0 ) e G = g ′ (x0 ). Então podemos escrever f (x0 + h)g(x0 + h) = f (x0 )g(x0 ) + f (x0 )G(h) + g(x0 )L(h) + E(h), onde E(h) = f (x0 ) + L(h) ε2 (h) + g(x0 ) + G(h) ε1 (h) + + L(h)G(h) + ε1 (h)ε2 (h). Como a aplicação h 7→ f (x0 )G(h) + g(x0 )L(h) é linear e |E(h)|/khk tende a zero quando h tende a zero, segue-se o resultado. Observação: Usando a representação matricial para a diferencial, podemos expressar os três itens da Proposição 5.6 por ∇(f + g)(x0 ) = ∇f (x0 ) + ∇g(x0 ) ∇(f g)(x0 ) = g(x0 )∇f (x0 ) + f (x0 )∇g(x0 ) 1 ∇(f /g)(x0) = g(x0 )∇f (x0 ) − f (x0 )∇g(x0 ) g(x0 )2 Funções Diferenciáveis 69 Funções diferenciáveis: o caso vetorial Antes de definirmos a diferencial de uma função f : Ω ⊂ Rn → Rm , lembremos alguns fatos básicos da Álgebra Linear. Observação 1: Se L: Rn → Rm é uma transformação linear, fixadas as bases canônicas de Rn e Rm , existe uma matriz m × n A = [aij ] tal que L(x) = Ax, ∀x ∈ Rn . Dizemos que A é a matriz associada à transformação L ou representação matricial (ou representação em coordenadas) de L relativamente à base canônica. Representaremos a matriz associada a uma transformação L por [L]. Observação 2: Se L1 : Rn → Rm e L2 : Rm → Rk são duas transformações lineares, então podemos definir L2 ◦ L1 : Rn → Rk e [L2 ◦ L1 ] = [L2 ][L1 ]. Definição 5.7: Uma função f : Ω → Rm é dita diferenciável (ou Fréchet-derivável) em x0 ∈ Ω se existem funções L, εx0 : Rn → Rm tais que f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εx0 (h), (5.5) com L linear e εx0 função o(khk), isto é, satisfazendo kεx0 (h)k = 0. h→0 khk lim (5.6) Para simplificar a notação, escreveremos simplesmente ε(h), deixando de explicitar a dependência de ε em x0 . Se f é função diferenciável em x0 , então a transformação linear L é denominada a diferencial de f em x0 (ou a derivada de Fréchet de f em x0 ) que denotamos por f ′ (x0 ). Lema 5.8: Uma função f : Ω → Rm , f = (f1 , . . . , fm ) é diferenciável em x0 se e somente se cada uma de suas componentes fi : Ω → R é diferenciável em x0 70 Cálculo Avançado I Prova: Se cada fi é diferenciável em x0 , então existem funções Li e εi satisfazendo (5.2) tais que Li é linear e |εi (h)| = 0. h→0 khk lim Sejam L = (L1 , . . . , Lm ) e ε = (ε1 , . . . , εm ). Então, é claro que f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + ε(h) e segue do Teorema 4.16 que m X |εi (h)| kε(h)k kε(h)k1 ≤C =C →0 khk khk khk i=1 se h → 0. Reciprocamente, se f é diferenciável em x0 , então existem funções L = (L1 , . . . , Lm ) linear e ε = (ε1 , . . . , εm ) satisfazendo (5.5) e (5.6). Como cada Li é linear e kε(h)k1 |εi (h)| ≤ , khk khk temos o resultado. A matriz jacobiana Se f : Ω → Rm é uma função diferenciável em x0 ∈ Ω, então sua diferencial (ou sua derivada de Fréchet) f ′ (x0 ) é uma transformação linear de Rn em Rm . A matriz associada a f ′ (x0 ) relativamente às bases canônicas de Rn e Rm é dada por ∂f 1 (x ) ∂x1 0 ′ .. f (x0 ) = . ∂fm (x ) ∂x1 0 ∂f1 (x ) ∂x2 0 .. . ∂fm (x ) ∂x2 0 ... .. . ... ∂f1 (x0 ) ∂xn .. . ∂fm (x0 ) ∂xn Observe que as linhas de [f ′ (x0 )] são formadas pelos gradientes de cada fi em x0 . No caso em que m = n a matriz f ′ (x0 ) é denominada matriz Jacobiana de f em x0 . O seu determinante é denominado Jacobiano Funções Diferenciáveis 71 de f em x0 e o seu traço é denominado Divergente de f em x0 , que denotamos respectivamente por Jf (x0 ) = det f ′ (x0 ) e n ′ X ∂fi div f (x0 ) = tr f (x0 ) = (x0 ). ∂x i i=1 Observação: Se Jf (x0 ) 6= 0, então a matriz f ′ (x0 ) é invertı́vel. Como f ′ (x0 ) aproxima f (x) − f (x0 ) na vizinhança de x0 , seria razoável esperar que f também fosse invertı́vel nas proximidades de x0 . De fato é quase isso, como veremos mais à frente no estudo do Teorema da Função Inversa. O Jacobiano e o Divergente também desempenham papel importante na integração de funções de várias variáveis. A regra da cadeia A regra para derivar funções compostas é tradicionalmente denominada Regra da Cadeia, embora em português talvez fosse mais intuitivo denominar regra da corrente, tendo-se em vista a analogia da regra com a composição dos elos que formam a corrente. Teorema 5.9: (Regra da Cadeia) Sejam Ω subconjunto aberto de Rn e A subconjunto aberto de Rm . Suponha f : Ω → Rm e g: A → Rk duas funções tais que f (Ω) ⊂ A. Se f é diferenciável em x0 e g é diferenciável em y0 = f (x0 ), então g ◦ f é diferenciável em x0 e (g ◦ f )′ (x0 ) = g ′ (y0 ) ◦ f ′ (x0 ). Em particular (g ◦ f )′ (x0 ) = g ′ (y0 ) f ′ (x0 ) . Prova: Sejam L = f ′ (x0 ) e G = g ′ (y0 ). Então f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εf (h) ∀h ∈ Rn g(y0 + k) = g(y0 ) + G(k) + εg (k) ∀k ∈ Rm onde εf e εg satisfazem (5.6). 72 Cálculo Avançado I Portanto, podemos escrever g f (x0 + h) = g f (x0 ) + G L(h) + ε(h), onde ε: Rn → Rk é definida por ε = G ◦ εf + εg ◦ (L + εf ). Além disso, kG εf (h) k kεg L(h) + εf (h) k kε(h)k ≤ + . khk khk khk Pela Proposição 4.25, podemos escrever kεf (h)k kεg (k)k kkk kε(h)k ≤α + , khk khk kkk khk onde k = L(h) + εf (h). Como kkk ≤ αkhk + kεf (h)k, temos kεf (h)k kεg (k)k kε(h)k ≤α + khk khk kkk kεf (h)k α+ . khk e concluı́mos o resultado, visto que kkk → 0 quando khk → 0. O teorema do valor médio O Teorema do Valor Médio se estende para o caso de funções de Rn em R e sua demonstração é consequência direta da Regra da Cadeia, como se vê na prova do resultado a seguir. Teorema 5.10: Seja f : Rn → R uma função diferenciável e x1 e x2 dois pontos de Rn . Então existe x sobre o segmento de reta que liga x1 a x2 tal que f (x2 ) − f (x1 ) = ∇f (x) : x2 − x1 . Prova: Consideremos γ: R → Rn a parametrização γ(t) = x1 + t(x2 − x1 ) da reta que passa por x1 e x2 . É fácil ver que γ é função diferenciável e γ ′ (t0 ) = x2 − x1 para todo t0 ∈ R. Funções Diferenciáveis 73 Seja g: R → R a função real definida pela composição g(t) = f γ(t) . Pelo Teorema 5.9, g é função derivável e g ′ (t) = ∇f γ(t) : x2 −x1 . Pelo Teorema do Valor Médio parafunções reais de variável ′ real, g(1) − g(0) = g (t0 ) para algum t0 ∈ 0, 1 . Assim denotando por x = γ(t0 ), segue o resultado. Observação: O Teorema do Valor Médio não vale para funções f : Rn → Rm , se m > 1. Em particular, não vale para curvas em Rm . Derivadas parciais (o caso vetorial) Seja f : Rn → Rm uma função diferenciável em x0 . Então a diferencial f ′ (x0 ) fica determinada pela matriz f ′ (x0 ) . Se Rn = Rk × Rl e x = (y, z) = (y1 , . . . , yk , z1 , . . . , zl ), então podemos escrever ∂f1 ∂f1 ∂f1 ∂f1 (x0 ) · · · (x0 ) (x0 ) · · · (x0 ) ∂yk ∂z1 ∂zl ′ ∂y1 .. .. .. .. .. .. f (x0 ) = . . . . . . ∂fm ∂fm ∂fm ∂fm (x0 ) · · · (x0 ) (x0 ) · · · (x0 ) ∂y1 ∂yk ∂z1 ∂zl Se considerarmos os blocos B e C definidos respectivamente por ∂f1 (x ) · · · ∂y1 0 .. .. . . ∂fm (x0 ) · · · ∂y1 ∂f1 ∂f1 (x0 ) ∂z1 (x0 ) ∂yk .. .. , . ∂fm. ∂fm (x0 ) (x0 ) ∂yk ∂z1 então para todo h = (h1 , h2 ) ∈ Rk × Rl , temos ··· .. . ··· ∂f1 (x0 ) ∂zl .. . ∂fm (x0 ) ∂zl f ′ (x0 )h = Bh1 + Ch2 . As transformações lineares associadas às submatrizes B e C são denominadas derivadas parciais de f em x0 com relação respectivamente a y e z e denotamos ∂f ∂f B= (x0 ) , C= (x0 ) . ∂y ∂z 74 Cálculo Avançado I Com esta notação podemos escrever f ′ (x0 )h = ∂f ∂f (x0 )h1 + (x0 )h2 . ∂y ∂z Com a notação das derivadas parciais, a Regra da Cadeia toma a seguinte forma Teorema 5.11: Seja f : Rk × Rl → Rm uma função diferenciável em (x0 , y0 ). Sejam ϕ: Rn1 → Rk e ψ: Rn2 → Rl funções diferenciáveis tais que ϕ(u0 ) = x0 e ψ(v0 ) = y0 . Então g: Rn1 +n2 → Rm definida por g(u, v) = f ϕ(u), ψ(v) é diferenciável em (u0 , v0 ) e ∂f g (u0 , v0 ) = (x0 , y0 ) ∂x ′ ∂ϕ ∂f ∂ψ (u0 ) + (x0 , y0 ) (v0 ) . ∂u ∂y ∂v Condições suficientes para a diferenciabilidade Pelo que vimos até agora, só dispomos da definição para verificar se uma dada função é diferenciável. O Teorema a seguir fornece uma condição suficiente para a diferenciabilidade de uma dada função. Teorema 5.12: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função cujas derivadas parciais existem em Ω e são contı́nuas em um ponto x0 de Ω. Então f é diferenciável em x0 . Prova: À guisa de simplicidade, faremos a demonstração no caso n = 2; o caso geral segue por argumento análogo. Seja h = (h1 , h2 ) = h1 e1 + h2 e2 , tal que x0 + h ∈ Ω, onde {e1 , e2 } é a base canônica de R2 . Então f (x0 + h) − f (x0 ) = f (x0 + h) − f (x0 + h1 e1 ) + f (x0 + h1 e1 ) − f (x0 ). (5.7) Como f possui derivadas parciais em Ω, a função g2 (t) = f (x0 + h1 e1 + th2 e2 ) é derivável em ]0, 1[. Pelo Teorema do Valor Médio, existe ξ2 ∈ ]0, 1[ tal que g2 (1) − g2 (0) = g2′ (ξ2 ), isto é, f (x0 + h1 e1 + h2 e2 ) − f (x0 + h1 e1 ) = ∂f (x0 + h1 e1 + ξ2 h2 e2 )h2 . ∂x2 Funções Diferenciáveis 75 Analogamente, a função g1 (t) = f (x0 + th1 e1 ) é derivável em ]0, 1[. Logo, existe ξ1 ∈ ]0, 1[ tal que f (x0 + h1 e1 ) − f (x0 ) = ∂f (x0 + ξ1 h1 e1 )h1 . ∂x1 Portanto, f (x0 + h) − f (x0 ) = ∂f ∂f (x0 + ξ1 h1 e1 )h1 + (x0 + h1 e1 + ξ2 h2 e2 )h2 . ∂x1 ∂x2 Denotando ∂f ∂f ε(h) = (x0 + ξ1 h1 e1 ) − (x0 ) h1 ∂x1 ∂x1 ∂f ∂f + (x0 + h1 e1 + ξ2 h2 e2 ) − (x0 ) h2 , ∂x2 ∂x2 (5.8) temos f (x0 + h) = f (x0 ) + ∇f (x0 ) : h + ε(h). Para concluir que f é diferenciável, basta mostrar que ε(h) é de ordem o(khk). Por hipótese, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se x ∈ Bδ (x0 ), então | ∂f ∂f (x) − (x0 )| < ε, ∂xi ∂xi i = 1, 2. Portanto, se khk < δ, segue de (5.8) |ε(h)| < ǫ|h1 | + ǫ|h2 | = ǫkhk1 e consequentemente, |ε(h)| <ǫ khk1 e o resultado segue da equivalência das normas em Rn . Observação: Vale observar que o Teorema 5.12 dá somente condição suficiente para a diferenciabilidade. De fato, uma função pode ser diferenciável num ponto x0 , mesmo tendo suas derivadas parciais 76 Cálculo Avançado I descontı́nuas em x0 . Por exemplo, consideremos f : R2 → R definida por 1 2 f (x, y) = x sen x se x 6= 0, 0 se x = 0. Então, calculando diretamente ∂f (x, y) = ∂x 1 − cos 1 2x sen x x 0 se x 6= 0, se x = 0, verifica-se que ∂f ∂x (x, y) é descontı́nua nos pontos (0, y) para todo y ∈ R. Por outro lado, é fácil ver (verifique!) que f é função diferenciável em (0, 0) e f ′ (0, 0) = (0, 0). Funções diferenciáveis: o caso geral As definições de diferenciabilidade apresentadas nas seções anteriores podem ser estendidas naturalmente para funções f definidas e tomando valores em espaços vetoriais normados gerais. Mais precisamente, sejam V e W espaços vetoriais sobre os quais estejam definidas respectivamente as normas k kV e k kW . Definição 5.13: Uma função f : V → W é dita diferenciável (ou Fréchet-derivável) em x0 ∈ V se existem funções L, εx0 : V → W tais que f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εx0 (h), (5.9) com L é linear contı́nua e εx0 função o(khkV ), isto é, satisfazendo kεx0 (h)kW = 0. h→0 khkV lim (5.10) Como antes, é usual denotar L = f ′ (x0 ) e escrever ε(h), deixando de explicitar a dependência de ε em x0 . Deixamos a cargo do leitor verificar que os resultados e as respectivas demonstrações apresentados no Lema 5.4, nas Proposições 5.5 e 5.6(a) e no Teorema 5.9 seguem válidos no caso geral. Além disso, com os mesmos argumentos do Exemplo 3, temos: Funções Diferenciáveis 77 Proposição 5.14: Se f : V → W é uma função linear e contı́nua, então f é diferenciável em todo ponto x0 ∈ V e f ′ (x0 ) = f . Observe que a hipótese da continuidade na proposição acima é necessária, caso a dimensão de V não seja finita. A tı́tulo de exemplo, seja W = R, V = Mn×n o espaço das matrizes quadradas de ordem n munido na norma k k2 introduzida em (2.6) e consideremos as funções traço e determinante definidas em V , isto é, f : V → R, g: V → R, f (A) = tr(A), g(A) = det(A). Como f é linear (e necessariamente contı́nua porque a dimenão de V é finita), segue da Proposição 5.14 que f é diferenciável em toda A ∈ V e f ′ (A)H = f (H), para todo H ∈ V . Para a função determinante, temos: Proposição 5.15: Se det(A) 6= 0, então g é diferenciável em A e g ′ (A)H = det(A) tr(A−1 H). (5.11) Prova: Por simplicidade, faremos a demostração no caso n = 3. O caso geral, que depende de propriedades do determinante de ordem n, foge ao escopo deste texto. Vamos dividir a prova em duas etapas. Etapa 1: Se A = I e H ∈ V , um cálculo direto nos dá g(I + H) = 1 + tr(H) + P2 (H) + P3 (H), onde P3 (H) = det(H) e P2 (H) = h11 h21 h12 h + 11 h22 h31 h13 h + 22 h33 h32 h23 , h33 onde hij denotam os coeficinetes de H. Pela desigualdade de Young (4.9) (veja Exercı́cio 4.3), temos, |P2 (H)| ≤ kHk22 e |P3 (H)| ≤ 2 kHk33 , 3 78 Cálculo Avançado I onde k k2 e k k3 são as normas definidas em (2.6) para p = 2 e p = 3 respectivamente. Como as normas em V são equivalentes, existe α > 0 tal que kHk3 ≤ αkHk2 ⇒ |P3 (H)| ≤ α3 kHk32 . Denotando-se εI (H) = P2 (H) + P3 (H), segue que |εI (H)| ≤ kHk2 + α3 kHk22 , kHk2 de onde se conclui que εI (H) é o(kHk2 ) e consequentemente, g é diferenciável em I, com a diferencial dada pela função linear traço, isto é, g ′ (I) = f . Etapa 2: Sejam A, H ∈ V , com det(A) 6= 0. Lembrando que det(AB) = det(A) det(B) qualquer que seja B ∈ V , segue da Etapa 1, g(A + H) = g A(I + A−1 H) = g(A)g(I + A−1 H) = g(A) 1 + tr(A−1 H) + P2 (A−1 H) + P3 (A−1 H) = g(A) + det(A) tr(A−1 H) + det(A)P2 (A−1 H) + det(H). Denotando εA (H) = det(A)P2 (A−1 H) + det(H), segue da etapa anterior e do Exercı́cio 2.9(c), |P2 (A−1 H)| ≤ kA−1 Hk22 ≤ kA−1 k22 kHk22 , de modo que |εA (H)| ≤ | det(A)|kA−1 k22 kHk22 + α3 kHk32 . Logo εA (H) é o(kHk2 ) e como H 7→ det(A) tr(A−1 H) é linear, concluı́mos a prova. Observação: Com a mesma demostração, a Proposição 5.15 (e consequentemente a fórmula (5.11)) é verdadeira para n ∈ N qualquer. A única dificuldade reside na prova da seguinte identidade: para qualquer matriz H de ordem n × n, temos det(I + H) = 1 + tr(H) + P2 (H) + · · · + Pn (H), Funções Diferenciáveis 79 onde Pk (H), k = 2, 3, . . . , n, é um polinômio homogêneo de grau k nos coeficientes hij de H. Observação: A hipótese det(A) 6= 0 na Proposição 5.15 não é necessária. Veja Exercı́cios. Observação: Lembrando que hA : Bi = tr(AT B) define um produto interno no espaço Mn×n (veja Exercı́cio 2.9), se A é invertı́vel e g(A) = det(A), então g ′ (A) = det(A)A−T , visto que g ′ (A)(H) = det(A) tr(A−1 H) = det(A)hA−T : Hi, ∀H ∈ Mn×n . Corolário 5.16: Seja A : R → Mn×n função diferenciável, tal que det A(t0 ) 6= 0. Então, existe δ > 0 tal que a função ψ : (t0 − δ, t0 + δ) → R definida por ψ(t) = det A(t) é derivável e ψ ′ (t) = det A(t) tr A(t)−1 A′ (t) . (5.12) Prova: Consequência imediata da regra da Cadeia. A diferencial: funções de classe C1 Se f : Ω ⊂ Rn → Rm é uma função diferenciável em cada ponto x do seu domı́nio, então podemos considerar a função linear f ′ (x), diferencial de f em x. Temos assim a aplicação f ′ : Ω →L(Rn , Rm ), x 7→f ′ (x), onde L(Rn , Rm ) denota o espaço de todas as aplicações lineares de Rn em Rm . f ′ é denominada a função diferencial de f (ou função derivada de Fréchet de f ). Observe que, fixada uma base nos espaços Rn em Rm , como por exemplo a base canônica, então cada elemento T de L(Rn , Rm ) pode ser representado por uma matriz [T ] de Mm×n . Exemplo 1: Se f (x, y) = (xy, x2 + y 2 ) então f ′ : R2 → L(R2 , R2 ) é dada por y x ′ [f (x, y)] = 2x 2y 80 Cálculo Avançado I Exemplo 2: Se f : Rn → R é definida por f (x) = kxk22 , então f ′ (x) = 2x para todo x ∈ Rn . Logo f ′ ≡ 2I, onde I denota a função identidade de Rn em Rn . Se m = 1, então o espaço L(Rn , R) pode ser identificado com Rn (ou mais precisamente com M1×n ), isto é, L(Rn , Rm ) ∼ = Rn . Neste caso, se f : Ω → R é função diferenciável, podemos fazer a identificação f ′: Ω → x 7→ Rn , ∇f (x). Definição 5.17: Dizemos que uma função diferenciável f : Ω → Rm é de Classse C 1 (ou continuamente diferenciável) em x0 ∈ Ω se f ′ é função contı́nua em x0 . Dizemos que f é de classe C 1 em Ω se f ′ é função contı́nua em todos os pontos de Ω. Como já vimos anteriormente, uma função f pode possuir derivadas parciais e não ser diferenciável. De fato, pode nem mesmo ser contı́nua (veja (5.1)). Entretanto, se f é uma função convexa e possui derivadas parciais, então ela é necessariamente de classe C 1 . Teorema 5.18: Seja Ω um aberto convexo de Rn e f : Ω → R uma função convexa que possui derivadas parciais em todos os pontos de Ω. Então f é de classe C 1 . Prova: Como f é convexa, então f λy + (1 − λ)x ≤ λf (y) + (1 − λ)f (x) (5.13) para todo x, y ∈ Ω e 0 ≤ λ ≤ 1. Seja K um subconjunto compacto de Ω. Então existe δ > 0 tal que x + sei ∈ Ω para todo x ∈ K, |s| < δ, e i = 1, 2, . . . , n, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn . Assim, para y = x + sei obtemos de (5.13) f (x + λsei ) − f (x) ≤ f (x + sei ) − f (x). λ Passando ao limite nesta desigualdade quando λ → 0+ temos que s∇f (x) · ei ≤ f (x + sei ) − f (x). Funções Diferenciáveis 81 Como esta desigualdade também é válida substituindo s por −s, segue que se s ∈]0, δ[, então f (x) − f (x − sei ) f (x + sei ) − f (x) ≤ ∇f (x) · ei ≤ s s (5.14) para todo x ∈ K e i = 1, . . . , n. Se f não é C 1 , então existe ε > 0, x0 ∈ Ω e uma sequência {xk }k≥1 em Ω tal que xk → x0 e |∇f (xk ) − ∇f (x0 )| > ε, ∀k. (5.15) Seja K = {x0 , x1 , x2 , . . .}. Se |s| < δ/2 e k é suficientemente grande, então xk ± sei ∈ Ω e como f é contı́nua em Ω (veja Exercı́cio 4.11), segue de (5.14) que a sequência {∇f (xk ) · ei } é limitada, para cada i = 1, . . . , n. Portanto, passando a uma subsequência se necessário, podemos supor que existe u ∈ Rn tal que ∇f (xk ) → u. Passando ao limite quando k → ∞ em (5.14), temos, para s ∈]0, δ/2[ e i = 1, . . . , n, f (x0 + sei ) − f (x0 ) f (x0 ) − f (x0 − sei ) ≤ u · ei ≤ . s s (5.16) Fazendo s → 0+ em (5.16) obtemos ∇f (x0 ) = u, o que está em contradição com (5.15). Portanto, x 7→ ∇f (x) é contı́nua em Ω. A projeção ortogonal A Projeção Ortogonal sobre um convexo fechado C de Rn que introduzimos no Capı́tulo 4 (veja Exercı́cio 4.15) é fundamental na Análise Convexa e surge com frequência nas aplicações. Vamos encerrar este Capı́tulo mostrando uma propriedade importante: que elas são derivadas de Fréchet de funções reais definidas em Rn . Teorema 5.19: Seja C um conjunto convexo e fechado de Rn e considere a função f : Rn → R definida por 1 f (x) = x − PC (x) : PC (x) , 2 (5.17) 82 Cálculo Avançado I onde PC : Rn → Rn é a projeção ortogonal sobre C definida em (4.11). Então f é função de classe C 1 em Rn e f ′ = PC . Prova: Sejam x0 e h em Rn . Então podemos escrever f (x0 + h) = f (x0 ) + PC (x0 ) : h + ε(h), onde ε(h) = 1 1 kPC (x0 )k22 − kPC (x0 +h)k22 + x0 +h : PC (x0 +h)−PC (x0 ) . 2 2 Como g(x) = 12 kxk22 é diferenciável com g ′ (x) = x para todo x ∈ Rn , temos do Teorema do Valor Médio, 1 1 kPC (x0 )k22 − kPC (x0 + h)k22 = 2 2 (1 − θ)PC (x0 ) + θPC (x0 + h) : PC (x0 ) − PC (x0 + h) , para algum θ ∈ ]0, 1[. Logo, ε(h) = x0 − PC (x0 ) : PC (x0 + h) − PC (x0 ) − θkPC (x0 + h) − PC (x0 )k22 (5.18) + h : PC (x0 + h) − PC (x0 ) . Como as duas primeiras parcelas do lado direito de (5.18) são negativas (veja Exercı́cio 4.15(b)), temos ε(h) ≤ khk2 kPC (x0 + h) − PC (x0 )k2 ≤ khk22 . Por outro lado, considerando ν = 1 − θ, temos ε(h) = νPC (x0 ) + (1 − ν)PC (x0 + h) : PC (x0 ) − PC (x0 + h) + x0 + h : PC (x0 + h) − PC (x0 ) = x0 + h − PC (x0 + h) : PC (x0 + h) − PC (x0 ) + νkPC (x0 ) − PC (x0 + h)k22 ≥ 0 Portanto, 0 ≤ ε(h) ≤ khk22 e temos a conclusão. Observação: Embora estejamos nos referindo às projeções sobre convexos fechados de Rn , é imediato verificar que a demonstração acima é válida para qualquer espaço de Hilbert V , isto é, qualquer espaço de Banach cuja norma seja proveniente de um produto interno. Funções Diferenciáveis 83 Exercı́cios Exercı́cio 5.1. Sejam ψ, ϕ: R → R com ϕ satisfazendo lim ϕ(s) = 0. s→±∞ Considere f : R2 → R definida por f (x, y) = ϕ(y/x2 )ψ(|x|) se x 6= 0 0 se x = 0 (5.19) a) Considere ψ(s) = s. Mostre que f é Gateaux-derivável em (0, 0) com ∂f (0, 0) = 0 ∀u ∈ R2 vetor unitário , ∂u mas f não é diferenciável em (0, 0). b) Verifique que a função f do Exemplo 6 deste capı́tulo é obtida de (5.19) com ϕ(s) = 2s/(1 + s2 ) e ψ(s) = s. c) Sejam ψ(s) = 1 ∀s ≥ 0 e ϕ = 1[1,2] a função caracterı́stica de [1, 2], isto é, ϕ(s) = 1 se s ∈ [1, 2] e ϕ(s) = 0 senão. Esboce o gráfico de f e mostre que f definida por (5.19) satisfaz o item (a) mas f não é contı́nua em (0, 0). Exercı́cio 5.2. a) Considere f : Rn → R dada por f (x) = 12 kxk22 . Mostre que f é diferenciável e que f ′ : Rn → Rn é a matriz identidade I. b) Seja f : Rn → R dada por f (x) = p1 kxkpp , com 1 < p < ∞. Mostre que f é diferenciável. Mostre que kf ′ (x)kqq = kxkpp , ∀x ∈ Rn e 1/p + 1/q = 1. Exercı́cio 5.3. Sejam f, g: Rn → Rn funções diferenciáveis e considere F (x) = f (x) : g(x) , onde h : i denota o produto escalar usual em Rn . Mostre que F é diferenciável e calcule F ′ (x). Exercı́cio 5.4. Seja A matriz n × n, g: Rn → R função diferenciável e defina F (x) = g(Ax). Mostre que F ′ (x) = AT g ′ (Ax), ∀x, onde AT é a transposta de A. 84 Cálculo Avançado I Observe que, em particular, se F (x) = 12 kAxk22 , então F ′ : Rn → Rn é dada por F ′ = AT A. Exercı́cio 5.5. Seja F (x) = hAx : xi, ∀x ∈ Rn . Mostre que F ′ = AT + A. Calcule G′ para G(x) = hAx : Bxi, A e B matrizes n × n. Exercı́cio 5.6. Uma função f : Rn → R é p-homogênea se f (λx) = λp f (x), ∀λ > 0 e ∀x ∈ Rn . a) Dê exemplo de função p-homogênea. Existe função p-homogênea descontı́nua? b) Mostre que uma função 1-homogênea é diferenciável em x = 0 se, e somente se, é linar. c) Mostre que toda função p-homogênea diferenciável satisfaz a relação x : ∇f (x) = pf (x). Reciprocamente, se x : ∇f (x) = pf (x), ∀x ∈ Rn , então f é p-homogênea. Exercı́cio 5.7. Sabemos que o TVM é válido para funções diferenciáveis de Rn em R, isto é; se x1 , x0 ∈ Rn , então existe t ∈ ]0, 1[ tal que f (x1 ) − f (x0 ) = f ′ (xt )(x1 − x0 ) = ∇f (xt ) : x1 − x0 , onde xt = x0 + t(x1 − x0 ). a) Verifique que o TVM não vale para funções de Rn em Rm se m > 1. b) Mostre que vale a Desigualdade do Valor Médio: se f : Rn → Rn , então kf (x1 ) − f (x0 )k2 ≤ kf ′ (xt )(x1 − x0 )k2 . Em particular, vale a desigualdade kf (x1 ) − f (x0 )k2 ≤ kf ′ (xt )kk(x1 − x0 )k2 , onde estamos denotando kf ′ (x)k = sup{kf ′ (x)hk2 ; khk2 = 1}. Sug.: Considere h(t) = f (x0 + t(x1 − x0 )) : f (x1 ) − f (x0 ) . Funções Diferenciáveis 85 Exercı́cio 5.8. Seja B = B1 (0) a bola unitária de Rn e f : B → B uma função de classe C 1 . Suponha que existe α > 0 tal que kf ′ (x)hk2 ≤ αkhk2 , ∀x ∈ B1 (0) e ∀h ∈ Rn . Prove que kf (x) − f (y)k2 ≤ αkx − yk2 , ∀x, y ∈ B. Exercı́cio 5.9. Seja f : Rn → Rm função de classe C 1 . Mostre que: f (x0 + h) − f (x0 ) = Z 1 f ′ (x0 + th)h dt. 0 Obs.: Se γ(t) = γ1 (t), . . . , γm (t) , define-se Z a b γ(t) dt = Z a b γ1 (t) dt, . . . , Z b γm (t) dt a (5.20) Exercı́cio 5.10. Seja f : R2 \ {0} → R2 contı́nua satisfazendo: (1) x e f (x) são linearmente dependentes para todo x ∈ R2 \{0}. (2) kxk2 kf (x)k2 = 1, ∀x ∈ R2 \ {0}. a) Determine f (x). Mostre que f é diferenciável e determine f ′ (x). b) Se C ⊂ R2 é uma circunferência que não passa pela origem, determine f (C). Quem é f (C) se C passa pela origem? Exercı́cio 5.11. Seja V = Mn×n o espaço das matrizes n×n munido da norma induzida (veja (4.12)) por uma norma qualquer de Rn . Considere f : V → V a função definida por f (X) = X 2 . Mostre que f é diferenciável em V e calcule f ′ (X)H para toda H ∈ V . Cuidado! f ′ (X) 6= 2X. Faça o mesmo para f (X) = X 3 . Exercı́cio 5.12. Seja Ω aberto de Rn e f : Ω → Rm uma função de classe C 1 em Ω. Mostre que ε: Ω × Rn → Rm definida por ε(x, h) = f (x + h) − f (x) − f ′ (x)h é contı́nua em Ω × Rn . Mostre também que kε(x, h)k =0 h→0 khk lim 86 Cálculo Avançado I uniformemente nos compactos de Ω. Mais precisamente, mostre que se K ⊂ Ω é um conjunto compacto e ε > 0, então existe δ > 0 (independente de x ∈ K) tal que khk < δ =⇒ kε(x, h)k < ε, khk ∀x ∈ K. (5.21) Exercı́cio 5.13. Seja Ω aberto de R2 e f : Ω → R uma função de classe C 1 em Ω. Seja R ⊂ Ω o retângulo R = [a, b] × [c, d]. Considere g: [a, b] → R definida por g(x) = Z d f (x, y) dy. c Mostre que g é diferenciável em ]a, b[ e que para todo x0 ∈ ]a, b[, ′ g (x0 ) = Z c d ∂f (x0 , y) dy. ∂x Exercı́cio 5.14. Calcule PC (x) e f (x) definida por (5.17) para cada um dos seguintes convexos: (a) C = [0, +∞[; (b) C = [0, 1]; (c) C = [0, +∞[ ×[0, +∞[ (d) C = BR (0) a bola de raio R e centro em zero de Rn . Descreva o operador de projeção PC nos três primeiros casos acima usando a notação x+ = max{x, 0} = x + |x| . 2 Exercı́cio 5.15. Seja f : U ⊂ Rn → R função Lipschitz, U aberto e x0 ∈ U . Suponha que, para todo h ∈ Rn , existe o limite f (x0 + λh) − f (x0 ) λ→0 λkhk g(h) = lim (5.22) Funções Diferenciáveis 87 e que a aplicação g: Rn → R definida por (5.22) é linear em h. Mostre que f é diferenciável em x0 . Exercı́cio 5.16. (a) Verifique diretamente a fórmula (5.12) no caso n = 2, calculando a derivada do determinante det A(t) = a11 (t)a22 (t) − a12 (t)a21 (t). (b) Seja A(t) matriz n × n. Calcule d det A(t)−1 . dt Exercı́cio 5.17. Seja M2×2 (R) o espaço das matrizes quadradas de ordem 2 e considere a função g : M2×2 (R) → R, g(A) = det(A). Seja f : M2×2 (R) → M2×2 (R) definida por a b d A= 7→ f (A) = c d −c −b a . Mostre que g(A + H) = g(A) + tr f (A)H + det(H), e conclua que g é diferenciável, com g ′ (A) = f (A)T . Observe que se det(A) 6= 0, então f (A) = det(A)A−1 . Exercı́cio 5.18. Seja SL2 (R) o espaço das matrizes simétricas de ordem 2. Mostre que SL2 (R) é um subespaço vetorial de dimensão 3 do espaço M2×2 (R). Considere a aplicação λi : SL2 (R) → R, λi (A) = i-ésimo autovalor de A. (a) Mostre que λi é diferenciável em SL2 (A) e calcule λ′i (A). (b) Seja A ∈ SL2 (R) e suponha λ1 (A) > λ2 (A). Mostre que existe δ > 0 tal que as aplicações λi estão bem definidas na bola Bδ (A) ⊂ M2×2 (R) e são diferenciáveis em A. 6 Curvas em Rn Se imaginarmos uma partı́cula se deslocando no espaço, podemos descrever sua posição (x, y, z) em cada instante t por equações x = γ1 (t), y = γ2 (t), z = γ3 (t), (6.1) onde cada γi (t) é uma função real da variável real t, com t percorrendo um dado intervalo I ⊂ R. A trajetória da partı́cula é uma curva em R3 e (6.1) são denominadas equações paramétricas da curva (ou da trajetória), sendo t o parâmetro. Se denotarmos por γ: I → R3 a função dada por γ(t) = γ1 (t), γ2 (t), γ3 (t) , então temos uma representação vetorial para as equações paramétricas e γ(I), a imagem de I por γ, é a curva de R3 sobre a qual a partı́cula se desloca. As considerações acima nos levam à seguinte definição para curvas em Rn . Definição 6.1: Seja I um intervalo de R e γ: I → Rn uma função contı́nua. Dizemos que Γ = γ(I) é uma curva em Rn e que γ é uma representação paramétrica ou uma parametrização da curva. Se I = a, b é um intervalo fechado, dizemos que a curva tem extremidades γ(a) e γ(b), ou que a curva liga os pontos x = γ(a) e 90 Cálculo Avançado I y = γ(b). Se γ é uma função injetora em [a, b], dizemos que a curva é simples ou que é um arco de Jordan. Se γ(a) = γ(b), dizemos que a curva é fechada. Se γ é injetora em [a, b) e é fechada, dizemos que é uma curva de Jordan. Exemplo 1: Sejam u0 e v dois vetores de Rn e γ: R → Rn a função definida por γ(t) = u0 + tv. Então γ(R) é a reta que passa por u0 e é paralela a v. Em particular, se u0 = 0 γ é uma função linear. Exemplo 2: Sejam I = 0, 2π e γ: I → R2 definida por γ(θ) = (sen θ, cos θ). Então γ(I) é a circunferência unitária centrada na origem de R2 . Exemplo 3: Sejam I = 0, +∞ e γ: I → R3 definida por γ(θ) = (e−θ cos θ, e−θ sen θ, e−θ ). Então γ(I) é uma espiral de R3 . Exemplo 4: Como era de se esperar, todo gráfico de função real contı́nua de uma variável real é uma curva. Com efeito, se f : I → R é uma função contı́nua definida num intervalo I, então podemos considerar a parametrização γ: I → R2 definida por γ(x) = x, f (x) . Observação: A definição 6.1 acima inclui situações que fogem ao senso comum. Por exemplo, seja γ(t) = (a1 , . . . , an ), para todo t ∈ R, isto é, γ uma função constante. Como toda função constante é contı́nua, temos um ponto como caso especial de curva de Rn (compare este exemplo com caso especial de sequência constante). Entretanto, dois pontos isolados não podem ser considerados uma curva (justifique!). Outro exemplo: consideremos uma mesa de sinuca de dimensões a e b. A trajetória de uma bola que se desloca sobre a mesa (aqui representada pelo retângulo 0, a × 0, b ) pode ser descrita por uma função 2 γ: I ⊂ R → R , cuja imagem γ(I) está contida em 0, a × 0, b . Podemos imaginar uma situação ideal em que a ausência de atrito permita que a bola (considerada um ponto), uma vez deslocada, permaneça em movimento sobre a mesa, refletindo-se nos bordos indefinidamente. Nestas circunstâncias, podemos provar que se a e b satisfazem certas condições, a bola passa por quase todos os pontos da mesa. Por exemplo, se a bola é lançada de algum ponto com inclinação de 45◦ e a/b ∈ / Q, então para qualquer ponto P = (x, y) ∈ [0, a] × [0, b] e para cada ε > 0 existe t > 0 tal que kP − γ(t)k < ε. n Curvas em R 91 2 Portanto, γ: 0, ∞ → R é função contı́nua tal que γ 0, ∞ é um cojunto denso em 0, a × 0, b . Situações semelhantes aparecem em movimentos de pêndulos giratórios, nas figuras de Lissajous. Para simplificar a terminologia, denominaremos curva γ de Rn toda e qualquer função contı́nua γ: I → Rn , onde I é uma intervalo de R. Curvas retificáveis Seja γ uma curva de Rn parametrizada por γ: I → Rn , onde I é um intervalo de R. É geometricamente intuitivo considerar que se γ não for muito complicada, podemos calcular um valor aproximado para seu comprimento pela expressão m X i=1 kγ(ti ) − γ(ti−1 )k, (6.2) onde P = {t0 < t1 < · · · < tm−1 < tm } é uma partição de I, isto é, um conjunto finito de pontos de I. Além disso, segue da desigualdade triangular que as somas em (6.2) aumentam se a partição P for refinada. Portanto, é razoável que o comprimento de γ seja dado pelo supremo das somas em (6.2) para todas as possı́veis partições de I. Para formalizar estas ideias, denotemos por P a coleção de todas as partições do intervalo I. Definição 6.2: Uma curva γ: I → Rn é retificável se existe M > 0 tal que m X kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ≤ M, i=1 para qualquer partição P de I. Além disso, se γ é retificável, então med(γ) = sup P ∈P m nX i=1 kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ; ti ∈ P é denominado o comprimento de γ. o 92 Cálculo Avançado I Curvas diferenciáveis Seja γ uma curva em Rn . Se γ: I → Rn é uma função diferenciável em todos os pontos interiores de I, dizemos que γ é uma curva diferenciável. Em particular, segue da definição que γ(t0 + ∆t) = γ(t0 ) + γ ′ (t0 )∆t + ε(∆t), onde γ ′ (t0 ): R → Rn é uma função linear e ε: R → Rn é função o(|∆t|), isto é, kε(∆t)k lim = 0. ∆t→0 |∆t| Vale observar que γ ′ (t0 ): R → Rn sendo uma função linear é necessariamente da forma γ(t0 )(s) = su, com u ∈ Rn . Além disso, segue do Teorema 5.8 que a curva γ = (γ1 , . . . , γn ) é uma curva diferenciável se e somente se cada coordenada γi é função diferenciável no interior de I. Se γ: [a, b] → Rn é curva diferenciável em (a, b) e se existem os limites lateriais lim+ t→a γ(t) − γ(a) t−a e lim− t→b γ(t) − γ(b) , t−b dizemos que γ é diferenciável em [a, b]. Se γ ′ : I → Rn é função contı́nua, dizemos que γ é curva de classe C 1 em I. Proposição 6.3: Se γ: [a, b] → Rn é curva de classe C 1 em [a, b], então γ é retificável e Z b med(γ) = kγ ′ (t)k dt. (6.3) a Prova: Seja ε > 0 e P = {t0 = a < t1 < . . . < tm = b} uma partição de [a, b]. Como γ é de classe C 1 , temos, para i = 1, . . . , m (veja Exercı́cio 5.9), γ(ti ) − γ(ti−1 ) = ∆ti Z 0 1 γ ′ sti−1 + (1 − s)ti ds, Curvas em R n 93 onde ∆ti = ti − ti−1 . Logo, kγ(ti ) − γ(ti−1 ) − γ ′ (ti−1 )∆ti k ≤ Z 1 ∆ti kγ ′ sti−1 + (1 − s)ti − γ ′ (ti−1 )k ds. 0 Como t 7→ kγ ′ (t)k é uma função uniformemente contı́nua em [a, b], existe δ0 > 0 tal que se ∆ti < δ0 , então kγ ′ sti−1 + (1 − s)ti − γ ′ (ti−1 )k ≤ ε , 2(b − a) ∀s ∈ [0, 1]. Portanto, para i = 1, . . . , m, se ∆ti < δ0 , temos kγ(ti) − γ(ti−1 ) − γ ′ (ti−1 )∆ti k ≤ ε∆ti /2(b − a) e segue da desigualdade triangular, kγ ′ (ti−1 )k∆ti − ε∆ti ≤ kγ(ti ) − γ(ti−1 )k 2(b − a) ε∆ti ≤ kγ (ti−1 )k∆ti + . 2(b − a) (6.4) ′ Tomando-se a soma em i nas desigualdades (6.4), obtemos m X i=1 m kγ ′ (ti−1 )k∆ti − ε X kγ(ti) − γ(ti−1 )k ≤ 2 i=1 ≤ m X ε kγ ′ (ti−1 )k∆ti + . 2 i=1 ′ Por outro lado, Pmsegue′ da continuidade de t 7→ kγ (t)k que as somas de Riemann i=1 kγ (ti−1 )k∆ti convergem para a integral, isto é, existe δ1 > 0 tal que se ∆ti < δ1 então Z b ′ a kγ (t)k dt − m X i=1 kγ ′ (ti−1 )k∆ti < ε . 2 Portanto, se a partição P é tal que ∆ti < min{δ0 , δ1 }, então Z a b ′ kγ (t)k dt − ε ≤ m X i=1 kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ≤ Z a b kγ ′ (t)k dt + ε 94 Cálculo Avançado I e concluı́mos que γ é retificável com med(γ) = Z b a kγ ′ (t)k dt. Observação: É claro que se γ : I → Rn é de classe C 1 e I é um intervalo não limitado, então γ é retificável se, e somente se, sup nZ b a kγ(t)k dt ; [a, b] ⊂ I o < +∞. Integral de linha: o caso escalar A integral em (6.3) é um caso particular do que usualmente se denomina integral de linha escalar. Mais geralmente, se Ω ⊂ Rn é um conjunto aberto, f : Ω → R é uma função contı́nua e γ: [a, b] → Ω é uma curva de calsse C 1 , então a aplicação t 7→ f (γ(t))kγ ′(t)k é contı́nua em [a, b] e portanto integrável em [a, b]. Definição 6.4: Denominamos integral de linha da função f sobre γ a integral Z b f (γ(t))kγ ′(t)k dt. a Uma propriedade importante desta integral é o fato que, sob certas condições, ela independe da parametrização da curva. De fato, seja γ1 : [a, b] → Rn uma curva de classe C 1 e ϕ: [α, β] → [a, b] função de classe C 1 tal que ϕ′ (τ ) > 0 para todo τ ∈ ]α, β[. Definindo γ2 (τ ) = γ1 (ϕ(τ )), uma simples mudança de variável nos dá Z β α f (γ2 (τ ))kγ2′ (τ )k dτ = Z b a f (γ1 (t))kγ1′ (t)k dt. Nos textos de Cálculo Diferencial é usual a notação ds = kγ ′ (t)kdt, onde ds é denominado elemento de comprimento de arco. Assim, e tendo em vista a propriedade de invariância em relação ao parâmetro, Curvas em R n 95 se uma dada curva Γ é parametrizada por γ: [a, b] → Rn , é usual escrever Z b Z f ds = f (γ(t))kγ ′(t)k dt. (6.5) Γ a A variável s introduzida acima é mais do que uma mera notação; pode ser considerada como um parâmetro “intrı́nsico” da curva. Para mais detalhes, veja o Exercı́cio 6.9. Aplicação: a transformada raio-x Como exemplo de integral de linha escalar, vamos considerar a Transformada Raio-X , que é amplamente empregada na Tomografia Computadorizada. Os modelos matemáticos sobre os quais a tomografia se baseia incluem, como uma de suas etapas básicas, a reconstrução de uma função f a partir do conhecimento de integrais de linha de f sobre retas. Muito esquematicamente, as retas descrevem as trajetórias de raios X que atravessam um corpo fı́sico que ocupa uma região Ω do espaço e as integrais de linha sobre essas retas medem a absorção dos raios pelo material no interior do corpo. Do ponto de vista matemático, o problema da tomografia pode ser formulado como segue: Problema: Seja L o conjunto de todas as retas que R interceptam Ω. Para cada l ∈ L, denotamos por R(l) = l f ds a integral de linha de f sobre a reta l. É possı́vel determinar f conhecendo-se R(l) para todas as retas l ∈ L? Para formulá-lo de modo mais preciso, seja f : Ω → R uma função contı́nua, onde Ω ⊂ Rn é um aberto com fronteira regular. Vamos denotar por fe a extensão de f nula no complementar de Ω, isto é, fe: Rn → R a função definida por e f (x) = f (x) se x ∈ Ω, 0 senão. A Transformada Raio-X de f na direção u é definida como a função Ru [f ]: Rn → R tal que Z ∞ Ru [f ](x) = fe(x + τ u) dτ, (6.6) −∞ 96 Cálculo Avançado I onde u ∈ S é vetor unitário de Rn . Então o Problema acima pode ser reescrito como Problema: Se g: Ω × S → R, podemos determinar f tal que Ru [f ](x) = g(x, u) para todo x ∈ Ω e para todo vetor unitário u? (6.7) Decorre imediatamente da definição a seguinte propriedade: para todo x ∈ Rn e para todo u ∈ S, tem-se Ru [f ](x + λu) = Ru [f ](x), ∀λ ∈ R. (6.8) • Funções radiais Consideraremos a seguir um caso particular onde o problema pode ser resolvido facilmente. Por simplicidade, vamos nos restringir a duas dimensões. Observação: A Transformada Raio-X no caso n = 2 é equivalente à Transformada de Radon, estudada pelo matemático austrı́aco J. Radon. Para θ ∈ R, consideramos o vetor unitário na direção θ, isto é, u(θ) = (cos θ, sen θ). Para cada x = (x1 , x2 ) ∈ R2 , seja γ(t) a parametrização da reta que passa por x na direção u(θ), isto é, γ(t) = x + tu(θ) = (x1 + t cos θ, x2 + t sen θ), t ∈ R. Seja Ω o disco de centro em (0, 0) e raio R, Ω = (x1 , x2 ) ; x21 + x22 < R2 . Neste caso, a Transformada Raio-X de f : Ω → R no ponto x e na direção θ se expressa por Z ∞ Rθ [f ](x) = fe(x1 + t cos θ, x2 + t sen θ) dt. −∞ Se f é uma função p radial, existe f0 : [0, R] → R tal que f (x1 , x2 ) = f0 (r), onde r = x21 + x22 . Pela propriedade (6.8), podemos escolher Curvas em R n 97 λ tal que x + λu seja o ponto sobre a reta ortogonal a γ que passa pela origem, isto é x + λu = (−τ sen θ, τ cos θ), Assim, temos Z Rθ [f ](x) = ∞ −∞ =2 Z 0 |τ | ≤ R. fe(−τ sen θ + t cos θ, τ cos θ + t sen θ) dt ∞ Z p 2 2 e f0 τ + t dt = 2 0 √ R2 −τ 2 f0 p τ 2 + t2 dt. Podemos concluir da expressão acima que se f é uma função radial, então Rθ [f ] não depende de θ. • O problema inverso. A solução do Problema em (6.7) é relativamente simples no caso radial. De fato, seja f uma função radial e g(τ ) = Rθ [f ](τ ) sua Transformada Raio-X. Então, pelo que vimos anteriormente, Z ∞ p g(τ ) = 2 fe0 ( τ 2 + t2 ) dt. 0 √ Considerando a mudança de variável ξ = τ 2 + t2 , obtemos Z ∞ ξ p g(τ ) = 2 fe0 (ξ) dξ. 2 − τ2 ξ τ (6.9) A equação acima é uma Equação de Abel. Podemos invertê-la, utilizando o√seguinte argumento: multipliquemos ambos os lados de (6.9) por τ / τ 2 − r 2 e integremos no intervalo [r, +∞]. Assim, obtemos # Z ∞ Z ∞ "Z ∞ τ ξ τ √ p √ fe0 (ξ) dξ dτ g(τ ) dτ = 2 2 − r2 2 − r2 2 − τ2 τ τ ξ r r τ # Z ∞ "Z ξ 1 τ p √ =2 dτ ξ fe0 (ξ) dξ 2 2 2 2 τ − r ξ −τ r r 98 Cálculo Avançado I Para simplificar a integral entre colchetes √ na última igualdade acima, consideremos a mudança de variável ζ = τ 2 − r 2 . Então I(r, ξ) = Logo, Z ∞ r Z ξ 1 p √ τ dτ τ 2 − r2 ξ2 − τ 2 √ Z ξ2 −r2 dζ p = ξ 2 − r2 − ζ 2 0 Z a dζ π p = = . 2 a2 − ζ 2 0 r τ √ g(τ ) dτ = π 2 τ − r2 Z ∞ r ξ fe0 (ξ) dξ. Derivando os dois lados da identidade acima em relação a r, obtemos d dr Z ∞ r ou, equivalentemente, τ √ g(τ ) dτ = −rπ fe0 (r), τ 2 − r2 1 d fe0 (r) = − πr dr Z r ∞ τ √ g(τ ) dτ . τ 2 − r2 √ Observe que a função τ 7→ τ / √ τ 2 − r 2 é integrável em [r, r+ε] para todo ε > 0. Entretanto, como τ / τ 2 − r 2 → 1 quando τ → +∞, devemos supor que |g(τ )| decaia rapidamente a zero para que a integral imprópria acima seja convergente. Esta condição é automaticamente satisfeita se o suporte de fe0 estiver contido no cı́rculo de raio R. De fato, neste caso, como vimos anteriormente, g(τ ) = 0 para τ > R e, consequentemente, 1 d f0 (r) = − rπ dr "Z r R # τ √ g(τ ) dτ , τ 2 − r2 ∀r ∈ (0, R). (6.10) Curvas em R n 99 O teorema fundamental do cálculo Além da integral de linha escalar definida em (6.5), há uma outra forma de definir integral de linha, cuja interpretação fı́sica usual é a definição de trabalho realizado por um campo de forças. Mais precisamente, seja g: Ω → Rn uma função contı́nua, onde Ω ⊂ Rn é um conjunto aberto e γ: [a, b] → Rn uma de classe C 1 contida curva ′ em Ω. Então a função ϕ(t) = g γ(t) : γ (t) é contı́nua e portanto integrável em [a, b]. Definição 6.5: Denominamos integral de linha do campo g sobre γ a integral Z b Z g · dγ = (6.11) g γ(t) : γ ′ (t) dt. γ a Além de sua importância nas aplicações, a integral de linha definida em (6.11) tem uma estreita relação com o Teorema Fundamental do Cálculo, como veremos a seguir. Lembremos o Teorema Fundamental do Cálculo para funções reais de uma variável. Se g: [a, b] → R é função contı́nua e x0 ∈ ]a, b[, então a função f : [a, b] → R definida por Z x g(s) ds f (x) = y0 + x0 é diferenciável em ]a, b[ e é a única função que satisfaz ( f ′ (x) = g(x), ∀x ∈ ]a, b[ f (x0 ) = y0 . A questão natural sobre a extensão do Teorema Fundamental do Cálculo para as funções de várias variáveis pode ser formulada da seguinte forma: Problema: Seja Ω aberto e conexo de Rn , x0 ∈ Ω e y0 ∈ R. Dada g: Ω → Rn contı́nua, deseja-se saber se existe f : Ω → R função diferenciável tal que ( f ′ (x) = g(x), ∀x ∈ Ω f (x0 ) = y0 . 100 Cálculo Avançado I Uma função g para a qual o problema acima tem resposta afirmativa é denominado Campo Gradiente em Ω e a função f é denominada potencial associado ao campo g. Uma condição necessária para que g seja um campo gradiente pode ser obtida pela Regra da Cadeia. De fato, sejam x e y dois pontos de Ω e γ1 , γ2 : [0, 1] → Ω duas curvas de classe C 1 ligando x a y. Então, segue da Regra da Cadeia, Z 1 f (y) − f (x) = f ′ γi (t) : γi′ (t) dt, i = 1, 2, 0 isto é, as integrais de linha sobre γ1 e γ2 são iguais. A observação acima suscita de imediato a questão sobre a possibilidade de se ligar dois pontos quaisquer de um aberto conexo por uma curva de classe C 1 totalmente contida em Ω. De fato, Lema 6.6: Sejam Ω aberto e conexo de Rn , x e y dois pontos de Ω. Então existe uma curva γ: [a, b] → Ω de classe C 1 em [a, b] ligando x a y. Prova: Veja exercı́cios. As observações acima e considerações da fı́sica (veja próxima seção) nos levam à Definicão 6.7: Seja Ω aberto e conexo de Rn . Dizemos que g: Ω → Rn é Campo Conservativo em Ω se para todo x, y ∈ Ω e duas curvas diferenciáveis quaisquer γ1 , γ2 ligando x a y, tem-se Z Z g · dγ = g · dγ. γ1 γ2 Lema 6.8: Seja Ω aberto e conexo de Rn . Se f : Ω → R é função de classe C 1 em Ω, então f ′ é campo conservativo em Ω. Teorema 6.9: Seja Ω aberto e conexo de Rn . Se g: Ω → Rn é campo conservativo contı́nuo em Ω, então dado x0 ∈ Ω e y0 ∈ R, existe uma única f : Ω → R de classe C 1 tal que ( f ′ (x) = g(x), ∀x ∈ Ω f (x0 ) = y0 . Curvas em R n 101 Prova: Seja f : Ω → R a função definida por f (x) = y0 + Z 1 0 g γ(t) : γ ′ (t) dt, (6.12) onde γ: [0, 1] → Rn é uma curva de classe C 1 contida em Ω ligando x0 a x. Como g é campo conservativo, f está bem definida e f (x0 ) = y0 . Provemos então que f é diferenciável e que f ′ ≡ g em Ω. Seja x ∈ Ω e r > 0 tal que Br (x) ⊂ Ω. Para h ∈ Rn tal que khk < r, seja γ1 : [0, 2] → Rn uma curva de classe C 1 ligando x0 a x + h totalmente contida em Ω, satisfazendo γ1 (t) = x + (t − 1)h, ∀t ∈ [1, 2]. Então podemos escrever f (x + h) = y0 + Z 0 2 g γ1 (t)) : γ1′ (t) dt. (6.13) Consideremos γ2 , γ3 : [0, 1] → Rn definidas por γ2 (t) = γ1 (t), γ3 (s) = γ1 (s + 1) = x + sh. Então γ2 e γ3 são curvas de classe C 1 ligando respectivamente x0 a x e x a x + h. Da definição (6.12), a equação (6.13) toma a forma Z f (x+h) = f (x)+ 1 g γ3 (s) 0 : γ3′ (s) Z ds = f (x)+ 1 0 g γ3 (s) : h ds. (6.14) Podemos ainda reescrever (6.14) na forma f (x + h) = f (x) + g(x) : h + ǫ(h), onde ǫ(h) = Z 0 1 g γ3 (s) − g(x) : h ds. (6.15) 102 Cálculo Avançado I Como g é contı́nua em Ω, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se ky−xk < δ, então kg(y) − g(x)k < ε. Portanto, se khk < δ, temos de (6.15) |ǫ(h)| ≤ kg(γ3 (s)) − g(x)k < ε. khk Como a unicidade de f é consequência imediata do Teorema do Valor Médio, concluı́mos a prova. Observação: O Teorema 6.9 dá condições suficientes para que g seja um campo gradiente num aberto conexo de Rn , mas não oferece um critério prático para isso. Podemos obter um critério simples e fácil de provar supondo Ω convexo. Teorema 6.10: Seja Ω aberto e convexo de Rn . Se g: Ω → Rn é função de classe C 1 em Ω tal que g ′ (x) é matriz simétrica para todo x ∈ Ω, então g é campo gradiente em Ω. Prova: Sejam x, y ∈ Ω e γ0 , γ1 : [0, 1] → Rn duas curvas diferenciáveis distintas que ligam x a y em Ω. Para cada s ∈ [0, 1], consideremos γs : [0, 1] → Rn definida por γs (t) = γ0 (t) + s γ1 (t) − γ0 (t) . Então para cada s ∈ [0, 1], γs é curva diferenciável ligando x a y e γs′ (t) = γ0′ (t) + s γ1′ (t) − γ0′ (t) . Seja Φ(s) a função definida por Z 1 g γs (t) : γs′ (t) dt. Φ(s) = 0 Como g é de classe C 1 , podemos calcular a derivada de Φ em relação ao parâmetro s derivando sob o sinal de integral (veja Exercı́cio 5.13). Assim, Z 1 ∂ ′ Φ (s) = g γs (t) : γs′ (t) dt 0 ∂s Z 1 Z 1 d d ′ ′ ′ g γs (t) γs (t) : γs (t) + g γs (t) : γ (t) . = ds ds s 0 0 Como g ′ (x) é simétrica, temos Z 1 Z 1 d d ′ ′ g γs (t) γs (t) : γs (t) dt = g ′ γs (t) γs′ (t) : γs (t) dt. ds ds 0 0 Curvas em R n 103 Por outro lado, como d g γs (t) : γ1 (t) − γ0 (t) = g ′ γs (t) γs′ (t) : γ1 (t) − γ0 (t) dt + g γs (t) : γ1′ (t) − γ0′ (t) , podemos escrever ′ Φ (s) = Z 1 0 d g γs (t) : γ1 (t) − γ0 (t) dt = 0. dt Portanto Φ(s) é função constante e concluı́mos Z γ1 g · dγ = Φ(1) = Φ(0) = Z γ0 g · dγ e temos a conclusão pelo Teorema 6.9. Observação: A hipótese sobre a convexidade de Ω no Teorema 6.10 não é necessária, mas o resultado não pode ser estendido a todos os abertos conexos, como se pode ver pelo seguinte exemplo. Exemplo: Seja Ω = (x1 , x2 ) ∈ R2 ; 1/4 < x21 + x22 < 4 . Seja g: Ω → R2 a função definida por g(x1 , x2 ) = −x2 x1 , 2 2 2 x1 + x2 x1 + x22 . É fácil ver que g é de classe C 1 em Ω e que g ′ (x1 , x2 ) é matriz simétrica para todo (x1 , x2 ) ∈ Ω. No entanto, g não é campo conservativo em Ω. De fato, considerando γ1 , γ2 : [0, 1] → Ω as curvas definidas por γ1 (t) = (cos πt, sen πt) γ2 (t) = (cos πt, − sen πt), e então γ1 e γ2 ligam (1, 0) a (−1, 0) e π= Z γ1 g · dγ 6= Z γ2 g · dγ = −π. 104 Cálculo Avançado I Portanto, não existe f : Ω → R diferenciável tal que f ′ (x) = g(x) para todo x ∈ Ω. Por outro lado, g é de classe C 1 no convexo Ω1 = (x1 , x2 ) ∈ R2 ; x1 > 0 e g ′ (x1 , x2 ) é simétrica para todo (x1 , x2 ) ∈ Ω1 . Pelo Teorema 6.10 existe f : Ω1 → R um potencial de g em Ω1 . De fato, um cálculo simples mostra que f (x1 , x2 ) = arctan(x2 /x1 ) é potencial de g em Ω1 . Analogamente, f (x1 , x2 ) 2= − arctan(x1 /x2 ) é potencial de g no convexo Ω2 = (x1 , x2 ) ∈ R ; x2 > 0 . Observação: O exemplo mostra que numa coroa circular o resultado não vale em geral. Veja que o campo no exemplo anterior não está definido em (0, 0), de modo que o “buraco” da coroa evita a singularidade. Observação: Como dissemos na observação anterior, a hipótese sobre a convexidade de Ω no Teorema 6.10 não é necessária. No caso n = 2, a prova que apresentamos para o Teorema 6.10 também se aplica para os conjuntos denominados simplesmente conexos, isto é, os conjuntos que não possuem “buracos” em seu interior. Mais precisamente, Definição 6.11: Dizemos que um conjungo Ω ⊂ R2 é simplesmente conexo se, para toda curva de Jordan Γ contida em Ω, a região de R2 interior a Γ é um subconjunto de Ω. Observação: Observe que a coroa circular não é um conjunto simplesmente conexo de R2 . Podemos estender a definição de conjunto simplesmente conexo para dimensão n ≥ 3. No caso n = 3, por exemplo, um conjunto é simplesmente conexo se não existem “túneis que o atravessem”. Assim, uma esfera oca de R3 é simplesmente conexa, mas um toro não é. Observação: Não é muito difı́cil de imaginar que a demostração do Teorema 6.10 pode ser adaptada para conjuntos simplesmente conexos de R3 se substituirmos os segmentos de reta γs (t) por curvas ligando os pontos γ0 (t) e γ1 (t) que evitem os eventuais “buracos” de Ω, mas isso só é possı́vel se este for simplesmente conexo. Curvas em R n 105 Aplicação: conservação da energia Consideremos uma partı́cula de massa m que se desloca no espaço R sob a ação de um campo de forças g: R3 → R3 . Se γ(t) é sua posição no instante t, temos pela lei de Newton: “a variação da quantidade de movimento em cada instante é igual a resultante das forças que atuam sobre a partı́cula”, isto é, 3 d mγ ′ (t)) = g γ(t) . dt Se g é um campo gradiente, definimos a Energia da partı́cula no instante t por E(t) = Ec (t) + Ep (t) = m ′ kγ (t)k22 − f γ(t) , 2 (6.16) onde f é o potencial associado a g. Ec e Ep são respectivamente as energias cinética e potencial no instante t. Como consequência da lei de Newton temos a Conservação da Energia, isto é, E(t) = E(0) para todo t. De fato, d E(t) = m γ ′ (t) : γ ′′ (t) − ∇f γ(t) : γ ′ (t) dt = mγ ′′ (t) − g γ(t) : γ ′ (t) = 0. Exercı́cios Exercı́cio 6.1. Seja γ: [0, +∞[ → R3 definida por γ(t) = (e−t cos t, e−t sen t, e−t ). Mostre que γ é retificável e calcule seu comprimento. Exercı́cio 6.2. Dê exemplo de uma curva γ: [0, 1] → R2 , ligando dois pontos de R2 que não seja retificável. Exercı́cio 6.3. Uma partı́cula se move no plano (resp. no espaço) e sua trajetória é descrita por γ(t) = (1 − t)2 x1 + 2t(1 − t)x2 + t2 x3 , t ∈ [0, 1], (6.17) 106 Cálculo Avançado I onde x1 , x2 e x3 são pontos dados de R2 (resp. R3 ). a) Descreva o movimento da partı́cula, fazendo um esboço da trajetória. b) Calcule γ ′ (0) e γ ′ (1). c) Se x1 , x2 e x3 não são colineares, mostre que γ(t) está contido no triângulo com vértices em x1 , x2 e x3 . Exercı́cio 6.4. O mesmo do exercı́cio anterior para a partı́cula cuja trajetória é descrita por γ(t) = (1 − t)3 x1 + 3t(1 − t)2 x2 + 3t2 (1 − t)x3 + t3 x4 . (6.18) Observação: As curvas definidas por (6.17) e (6.18) têm como coordenadas polinômios na variável t denominados Polinômios de Bernshteı̆n, porque foram introduzidos por Sergeı̆ Bernshteı̆n em 1912 num trabalho pioneiro em Teoria da Aproximação. As curvas mencionadas são denominadas Curvas de Bézier, por ter sido Pierre Bézier quem as introduziu nos anos sessenta como importante ferramenta para a Computação Gráfica. Enfatizamos aqui a importância destas curvas na construção e desenho dos caracteres e sı́mbolos (fontes do TEX) utilizados neste texto. Exercı́cio 6.5. Seja Ω aberto e conexo de Rn . (a) Mostre que se x e y são dois pontos quaisquer de Ω, existe uma curva ligando x a y totalmente contida em Ω. Sugestão: Fixe x ∈ Ω e considere A o conjunto dos y de Ω que podem ser ligados a x por uma curva totalmente contida em Ω. Mostre que A e Ω \ A são abertos. (b) Mostre que existe uma curva poligonal (isto é, formada por segmentos de reta) ligando x a y totalmente contida em Ω. Exercı́cio 6.6. Seja γ uma curva poligonal ligando os pontos x1 , x2 e x3 de Rn . ParaSε > 0 seja Oε a vizinhança de diâmetro ε de γ definida por Oε = x∈γ Bε (x). Construa uma curva diferenciável ligando x1 a x3 inteiramente contida em Oε . Sugestão: Use (6.17) Exercı́cio 6.7. Prove o Lema 6.6. Sugestão: Use os dois exercı́cios anteriores. Curvas em R n 107 Exercı́cio 6.8. Sejam γ: [a, b] → Rn uma curva fechada (γ(a) = γ(b)) diferenciável e K um convexo fechado do Rn tal que K ⊃ {γ ′ (t) ; t ∈ [a, b]}. Mostre que 0 ∈ K. Exercı́cio 6.9. Seja γ uma curva retificável de comprimento L parametrizada por γ: [a, b] → Rn . Seja s: [a, b] → [0, L] a função definida por s(t) = comprimento de γ [a, t] se t > a 0 se t = a a) Mostre que s é crescente. b) Mostre que se γ é função Lipschitz contı́nua, então s(t) também é Lipschitz contı́nua. c) Suponha s(t) estritamente crescente e defina γ̃: [0, L] → Rn , γ̃(s) = γ(t(s)), onde t(s) denota a inversa de s(t). Mostre que γ̃ e γ descrevem a mesma curva, isto é, γ [a, b] = γ̃ [0, L] . 6 0 d) Se γ: [a, b] → Rn é curva de classe C 1 em [a, b] tal que kγ ′ (t)k = 1 para todo t ∈]a, b[, mostre que γ̃ é curva de classe C em [0, L] tal que kγ̃ ′ (s)k = 1 para todo s. (Moral da história: se uma curva pode ser percorrida por uma partı́cula com velocidade escalar kγ ′ (t)k = 6 0, então pode ser percorrida com velocidade escalar constante). Exercı́cio 6.10. Seja Ω ⊂ R2 o disco unitário de centro na origem. Determine f : Ω → R tal que q Rθ [f ](x) = 2 1 − kxk22 , ∀x ∈ Ω. Exercı́cio 6.11. Seja Ω ⊂ Rn aberto, limitado e conexo. Demonstre a afirmativa abaixo se verdadeira ou dê um contra-exemplo se falsa. Existe R > 0 tal que ∀x, y ∈ Ω existe uma curva γ retificável ligando x a y tal que med(γ) ≤ R. Exercı́cio 6.12. O ângulo formado por duas curvas diferenciáveis que se cruzam num ponto P é, por definição, o ângulo formado pelos 108 Cálculo Avançado I vetores tangentes às curvas em P . Mais precisamente, se γ1 , γ2 : I → Rn são duas curvas diferenciáveis tais que P = γ1 (t0 ) = γ2 (t0 ) para algum t0 ∈ I, então definimos o ângulo θ entre γ1 e γ2 em P por cos θ = γ1′ (t0 ) : γ2′ (t0 ) kγ1′ (t0 )kkγ2′ (t0 )k. Uma função f : R2 → R2 é denominada transformação conforme se o ângulo entre duas quaisquer curvas que se cruzam fica preservado por f . a) Seja f (x) = Ax, ∀x ∈ R2 , onde A é matriz 2 × 2. Mostre que f é transformação conforme se e somente se A é da forma: a −c c a ou a c c −a b) Seja f : R2 → R2 , f = (ϕ, ψ) função diferenciável. Determine as condições necessárias e suficientes sobre f ′ para que f seja uma transformação conforme. c) Calcule Jf (x). Exercı́cio 6.13. Mostre que a função f definida no Exercı́cio 5.10 é uma transformação conforme. Exercı́cio 6.14. Determine uma curva diferenciável γ: [−1, 1] → R2 tal que γ [−1, 1] = {(x, y) ∈ R2 ; y = |x|, −1 ≤ x ≤ 1}. Exercı́cio 6.15. Seja g: Ω → R2 definido por g(x, y) = x −y , 2 2 2 x + y x + y2 , onde Ω = (x, y) ∈ R2 ; y > −x . Mostre que g é campo gradiente em Ω e determine o potencial f : Ω → R tal que ∇f = g. 7 Derivadas de Ordem Superior Vamos tratar neste capı́tulo do estudo da derivada de segunda ordem para funções reais definidas em um aberto de Rn . Seja f : Ω ⊂ Rn → R uma função diferenciável. Então, está bem definida a aplicação f ′ : Ω →L Rn ; R , x 7→f ′ (x). Fazendo-se a identificação L Rn ; R ∼ = Rn , podemos perguntar se a ′ n aplicação f : Ω → R é diferenciável em algum ponto x0 ∈ Ω. No caso afirmativo diremos que f é duas vezes diferenciável em x0 . Decorre da Definição 5.3 que se f é duas vezes diferenciável em x0 , então existem funções L, ε: Rn → Rn tais que f ′ (x0 + h) = f ′ (x0 ) + Lh + ε(h), onde L é linear e ε é o(khk). L, a diferencial (ou derivada de Fréchet) de f ′ em x0 , é denominada derivada segunda de f em x0 e denotamos L = f ′′ (x0 ). Lema 7.1: Seja f : Ω ⊂ Rn → R uma função de classe C 1 em Ω, duas vezes diferenciável em x0 . Então existe ǫ: Rn → R satisfazendo |ǫ(h)| =0 h→0 khk2 lim (7.1) 110 Cálculo Avançado I tal que f (x0 + h) = f (x0 ) + f ′ (x0 ) : h + 1 ′′ f (x0 )h : h + ǫ(h). 2 Prova: Seja h ∈ Rn e t ∈ R suficientemente pequenos. Por hipótese temos (7.2) f ′ (x0 + th) = f ′ (x0 ) + f ′′ (x0 )(th) + E(th), onde a função E: Rn → Rn é o(khk). Da Proposição 5.5 temos a continuidade de h 7→ E(h). Logo, podemos multiplicar escalarmente por h ambos os lados de (7.2) e integrar em t de 0 a 1, para obter Z 0 1 1 f (x0 +th) : h dt = f (x0 ) : h + f ′′ (x0 )h : h + 2 ′ Como ′ Z 0 1 Z 1 E(th) : h dt. 0 f ′ (x0 + th) : h dt = f (x0 + h) − f (x0 ), temos a identidade 1 f (x0 +h) −f (x0 ) = f (x0 ) : h + f ′′ (x0 )h : h + 2 ′ Z 1 E(th) : h dt. 0 Para concluir a demonstração, basta mostrar que a função ǫ(h) = Z 1 E(th) : h dt 0 satisfaz a condição (7.1). De fato, segue da desigualdade de CauchySchwarz, |ǫ(h)| ≤ khk2 Z 0 1 | E(th) : h | dt ≤ khk2 Z 0 1 kE(th)k dt. khk Como E é o(khk), dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se kξk < δ, então kE(ξ)k < εkξk. Em particular, se khk < δ, então kE(th)k < εkhk, para todo t ∈ [0, 1] e concluı́mos a prova. Derivadas de Ordem Superior 111 Sabemos do Cálculo Diferencial que se f : R → R é duas vezes derivável e convexa, então f ′ é função monótona crescente e f ′′ é função positiva. Estes fatos podem ser generalizados para funções f : Rn → R se consideradas as extensões apropriadas dos conceitos de crescente e positiva respectivamente para vetores e matrizes. Definição 7.2: Uma função g: Ω ⊂ Rn → Rn é dita monótona positiva em Ω se g(x) − g(y) : x − y ≥ 0, ∀x, y ∈ Ω. g é dita monótona negativa se −g é monótona positiva. Definição 7.3: Uma matriz A n × n é dita positiva definida se hAx : xi > 0, ∀x 6= 0 em Rn . A é dita semipositiva definida se hAx : xi ≥ 0, ∀x ∈ Rn . A é dita negativa (resp. seminegativa) definida se −A é positiva (resp. semipositiva) definida. Notação: Se A é semipositiva (resp. seminegativa) definida denotamos A ≥ 0 (resp. A ≤ 0). Se A é positiva (resp. negativa) definida, denotamos A > 0 (resp. A < 0). Observe que uma função real de variável real é crescente se e somente se é monótona positiva. Observe também que se f (x) = Ax, então f é monótona positiva se e somente se A é semipositiva definida. Teorema 7.4: Seja f : Rn → R uma função diferenciável. Então f é convexa se e somente se f ′ é monótona positiva. Prova: Provemos inicialmente a implicação “⇒”. Por hipótese temos f x0 + t(x1 − x0 ) ≤ f (x0 ) + t f (x1 ) − f (x0 ) , f x0 + t(x1 − x0 ) = f (x0 ) + t f ′ (x0 ) : x1 − x0 + ǫ t(x1 − x0 ) . Subtraindo a segunda equação da primeira, obtemos t f (x1 ) − f (x0 ) ≥ t f ′ (x0 ) : x1 − x0 + ǫ t(x1 − x0 ) . Denotando por ξ = t(x1 − x0 ), t > 0, temos após divisão por t f (x1 ) − f (x0 ) ≥ f ′ (x0 ) : x1 − x0 + ǫ(ξ) kx1 − x0 k. kξk 112 Cálculo Avançado I Fazendo t → 0, concluı́mos f (x1 ) − f (x0 ) ≥ f ′ (x0 ) : x1 − x0 . Mutatis mutandis, f (x0 ) − f (x1 ) ≥ f ′ (x1 ) : x0 − x1 e temos a conclusão. Provemos a implicação contrária “⇐”. Sabemos da Análise Real que se ϕ: R → R é derivável e ϕ′ é crescente, então ϕ é convexa. Sejam x1 , x0 ∈ Rn e consideremos ϕ(t) = f x0 + t(x1 − x0 ) . Como f é diferenciável, segue 5.9) que ϕ′ (t) = da Regra da Cadeia (Teorema ′ ′ f x0 + t(x1 − x0 ) : x1 − x0 . Provemos que ϕ é crescente. ϕ′ (t1 )−ϕ′ (t0 ) = f ′ x0 +t1 (x1 −x0 ) −f ′ x0 +t0 (x1 −x0 ) : x1 −x0 . Como x0 + t1 (x1 − x0 ) − x0 + t0 (x1 − x0 ) = (t1 − t0 )(x1 − x0 ), podemos escrever (t1 − t0 ) ϕ′ (t1 ) − ϕ′ (t0 ) = f ′ (xt1 ) − f ′ (xt0 ) : xt1 − xt0 , onde estamos denotando xt = x0 + t(x1 − x0 ). Como por hipótese f ′ é monótona positiva, concluı́mos que ϕ′ é crescente. Logo ϕ é convexa e ϕ(t) ≤ ϕ(0) + t(ϕ(1) − ϕ(0)) para todo t ∈ ]0, 1[. Portanto, f x0 + t(x1 − x0 ) ≤ f (x0 ) + t f (x1 ) − f (x0 ) para todo t ∈ ]0, 1[. Teorema 7.5: Seja g: Rn → Rn uma função diferenciável. Então g é monótona positiva se e somente se g ′ é semipositiva definida. Prova: Provemos inicialmente a implicação “⇒”. Por hipótese temos g(x1 ) − g(x0 ) : x1 − x0 ≥ 0, g(x1 ) = g(x0 ) + g ′ (x0 )(x1 − x0 ) + ǫ(x1 − x0 ). Derivadas de Ordem Superior 113 Fazendo o produto escalar da segunda equação acima por x1 − x0 , obtemos da primeira 0 ≤ g(x1 ) − g(x0 ) : x1 − x0 = g ′ (x0 )(x1 − x0 ) : x1 − x0 + ǫ(x1 − x0 ) : x1 − x0 . (7.3) Seja u ∈ Rn vetor unitário tal que x1 − x0 = λu, com λ > 0. Então, segue de (7.3) 0 ≤ λ2 g ′ (x0 )u : u + λ ǫ(λu) : u . Dividindo por λ2 e usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos g ′ (x0 )u : u ≥ − kǫ(λu)k . kλuk Fazendo λ → 0 obtemos a conclusão. Para provar a implicação contrária, consideremos a função ϕ: R → R definida por ϕ(t) = g x0 + t(x1 − x0 ) : x1 − x0 . Segue da Regra da Cadeia que ϕ é derivável e ϕ′ (t) = g ′ x0 + t(x1 − x0 ) (x1 − x0 ) : x1 − x0 . Pelo Teorema do Valor Médio aplicado à ϕ, temos que existe t ∈ ]0, 1[ tal que ϕ(1) − ϕ(0) = ϕ′ (t). Assim, g(x1 ) − g(x0 ) : x1 − x0 = g ′ x0 + t(x1 − x0 ) (x1 − x0 ) : x1 − x0 e temos a conclusão porque g ′ x0 +t(x1 −x0 ) é semipositiva definida. Observação: As versões gêmeas dos Teoremas 7.4 e 7.5 são evidentes, bastando trocar crescente, positiva, convexa pelos simétricos decrescente, negativa, côncava. 114 Cálculo Avançado I A matriz hessiana Seja f : Ω → R função duas vezes diferenciável e consideremos f ′′ : Ω → L(Rn , Rn ). Fixada a base canônica de Rn , podemos fazer a identificação do espaço das transformações lineares L(Rn , Rn ) com o espaço Mn das matrizes n × n. A matriz associada a f ′′ (x0 ) é denominada Matriz Hessiana de f em x0 . ∂ 2f (x ) ∂x21 0 ′′ .. f (x0 ) = ∂ 2f. (x ) ∂x1 ∂xn 0 ∂ 2f (x ) . . . ∂x2 ∂x1 0 .. .. . . ∂ 2f (x ) . . . ∂x2 ∂xn 0 ∂ 2f (x ) ∂xn ∂x1 0 .. . ∂ 2f (x ) 0 ∂x2n Máximos e mı́nimos Seja f : A ⊂ Rn → R uma função. Definição 7.6: Dizemos que x0 ∈ A é ponto de mı́nimo local (resp. máximo local) para f se existe r > 0 tal que f (x0 ) ≤ f (x) (resp. f (x0 ) ≥ f (x)), para todo x ∈ A ∩ Br (x0 ). Teorema 7.7: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função diferenciável. Se x0 ∈ Ω é ponto de mı́nimo (resp. máximo) local de f , então f ′ (x0 ) = 0. Além disso, se f é C 1 em Ω e duas vezes diferenciável em x0 , então f ′′ (x0 ) é semipositiva (resp. seminegativa) definida. Prova: Como f é diferenciável, temos f (x0 + h) = f (x0 ) + f ′ (x0 ) : h + ε(h), onde ε(h) é função o(khk). Como Ω é aberto e x0 é ponto de mı́nimo local para f , existe r > 0 tal que se khk < r então f ′ (x0 ) : h + ε(h) ≥ 0. (7.4) Derivadas de Ordem Superior 115 Se 0 < λ < r e u ∈ Rn unitário são tais que h = λu, obtemos de (7.4) f ′ (x0 ) : u + ε(λu) ≥ 0. λ No limite quando λ tende a zero, obtemos a desigualdade f ′ (x0 ) : u ≥ 0 para todo u unitário. Como f ′ (x0 ) : u = − f ′ (x0 ) : −u ≥ 0, ∀u, concluı́mos que f ′ (x0 ) = 0. Se f é duas vezesdiferenciável em x0 , segue do Lema 7.1 que existe ǫ(h) função o khk2 tal que f (x0 + h) = f (x0 ) + f ′ (x0 ) : h + 1 ′′ f (x0 )h : h + ǫ(h). 2 O argumento anterior nos permite concluir que f ′ (x0 ) = 0 e 1 ′′ ǫ(λu) f (x0 )u : u + ≥0 2 λ2 para todo vetor unitário u e para todo λ ∈ ]0, r[. Obtemos o resultado no limite quando λ → 0. Teorema 7.8: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função de classe C 1 em Ω e duas vezes diferenciável em x0 ∈ Ω. Se f ′ (x0 ) = 0 e f ′′ (x0 ) é matriz positiva definida, então x0 é ponto de mı́nimo local de f . Prova: Pelo Lema 7.1, temos f (x0 + h) = f (x0 ) + 1 ′′ f (x0 )h : h + ǫ(h), 2 (7.5) para todo h suficientemente pequeno, onde ǫ(h) é função o khk2 . Seja µ = min{ f ′′ (x0 )u : u ; kuk = 1}. Como f ′′ (x0 ) é positiva definida, segue que µ > 0 e vale a desigualdade f ′′ (x0 )h : h ≥ µkhk2 , ∀h ∈ Rn . (7.6) 116 Cálculo Avançado I Substituindo (7.6) em (7.5), obtemos f (x0 + h) − f (x0 ) ≥ µ khk2 + ǫ(h). 2 Como ǫ(h) é o khk2 , existe δ > 0 tal que se 0 < khk < δ, então |ǫ(h)| < (µ/4)khk2 . Portanto, f (x0 + h) − f (x0 ) ≥ µ µ khk2 − khk2 ≥ 0 2 4 para todo h tal que khk < δ e concluı́mos a prova. Observação: Se f : Ω → R é uma função diferenciável no aberto Ω ⊂ Rn e f ′ (x0 ) = 0, então dizemos que x0 é ponto crı́tico de f . O Teorema 7.8 acima nos fornece um critério—critério da derivada segunda—para busca de pontos de mı́nimo local dentre os pontos crı́ticos de f . Esse critério, tal como formulado pelo Teorema 7.8, apresenta uma dificuldade de ordem prática para dimensões grandes, visto que, excetuando os casos n ≤ 2 (veja Exercı́cios), não é uma tarefa simples decidir se [f ′′ (x0 )] é positiva definida. Podemos obter novos critérios caso f verifique certas condições de regularidade, como veremos adiante. A ideia é simples, se lembrarmos certos resultados fundamentais de Álgebra Linear, a saber: (a) Se A = aij )ij é matriz n × n, definimos o traço de A como a soma dos elementos da diagonal principal de A, isto é, tr(A) = a11 + a22 + · · · + ann ; (b) O traço de A é um invariante para semelhança de matrizes, isto é, se A e B são matrizes semelhantes, então tr(A) = tr(B); (c) Se A é matriz diagonalizável, então tr(A) = λ1 + · · · + λn , onde λi , i = 1, . . . , n são os autovalores de A; (d) Uma matriz diagonizável é semipositiva definida (resp. positiva definida) se e somente se todos os seus autovalores são positivos (resp. estritamente positivos). Derivadas de Ordem Superior 117 (e) Teorema Espectral: Toda matriz simétrica é diagonalizável. Lema 7.9: Seja f uma função duas vezes diferenciável que satisfaz as seguintes propriedades: para todo x ∈ Br (x0 ), a matriz [f ′′ (x)] é diagonalizável e tr [f ′′ (x)] > 0 . Então f atinge o seu máximo na fronteira da bola Br (x0 ), isto é max f (x) ; kx − x0 k ≤ r = max f (x) ; kx − x0 k = r . Prova: Suponhamos que max f (x) ; kx − x0 k ≤ r = f (x), com kx − x0 k < r. Então, decorre do Teorema 7.7 que f ′ (x) = 0 e [f ′′ (x)] é seminegativa definida. Logo, todos os autovalores de [f ′′ (x)] são negativos, o que implica tr [f ′′ (x)] ≤ 0, em contradição com a hipótese. Lema 7.10: Seja f uma função duas vezes diferenciável que satisfaz as seguintes propriedades: para todo x ∈ Br (x0 ) a matriz [f ′′ (x)] é diagonalizável e tr [f ′′ (x)] ≥ 0. Então f atinge o seu máximo na fronteira da bola Br (x0 ), isto é max f (x) ; kx − x0 k ≤ r = max f (x) ; kx − x0 k = r . Prova: Podemos supor sem perder a generalidade que x0 = 0. Seja ε > 0 e considere a função g definida por ε g(x) = f (x) + kxk22 . 2 Então g é duas vezes diferenciável e g ′′ (x) = f ′′ (x) + εI, para todo x, onde I denota a identidade em Rn . Portanto, tr [g ′′ (x)] = tr([f ′′ (x)] + nε > 0, ∀x ∈ Br (0). Segue do Lema 7.9 que g atinge seu máximo na fronteira da bola. Para concluir o resultado basta observar que ε max f (x) ≤ max g(x) = max g(x) = max f (x) + r 2 . 2 kxk≤r kxk≤r kxk=r kxk=r Assim, para todo ε > 0, temos ε max f (x) ≤ max f (x) + r 2 . 2 kxk≤r kxk=r 118 Cálculo Avançado I Fazendo ε tender a zero obtemos max f (x) ≤ max f (x) kxk≤r kxk=r e a conclusão da prova, pois a desigualdade contrária é imediata. Notação: O traço da matriz Hessiana de uma função f : Ω ⊂ Rn → R é denominado Laplaciano de f e denotamos ∂2f ∂ 2f tr [f ′′ (x0 )] = ∆f (x0 ) = (x ) + · · · + (x0 ). 0 ∂x21 ∂x2n Os Lemas 7.9 e 7.10 são conhecidos como Princı́pio do Máximo e são fundamentais no estudo das Equações a Derivadas Parciais. O Lema 7.10 pode ser formulado da seguinte forma: Corolário 7.11: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função duas vezes diferenciável. Suponha x0 ∈ Ω tal que f ′ (x0 ) = 0 e ∆f (x) ≥ 0 para todo x ∈ Br (x0 ). Se [f ′′ (x)] é matriz diagonalizável para todo x ∈ Br (x0 ), então x0 não é ponto de máximo local de f . Observe que ∆f (x) ≥ 0 para todo x ∈ Br (x0 ) não implica que f ′′ seja positiva definida em Br (x0 ). De fato, considere f (x, y) = 5x2 − y 2 . Então ∆f (x, y) = 8 para todo (x, y) ∈ R2 . No que segue formularemos condições simples para que a matriz Hessiana seja diagonalizável. Definição 7.12: Se f : Ω → R é uma função diferenciável em Ω e f ′ : Ω → Rn é uma função de classe C 1 em x0 ∈ Ω, dizemos que f é de classe C 2 em x0 . Proposição 7.13: Seja f : Ω → R uma função duas vezes diferenciável no aberto Ω ⊂ Rn . Se f é de classe C 2 em x0 ∈ Ω então a matriz Hessiana [f ′′ (x0 )] é simétrica. Prova: A prova se reduz ao caso n = 2 (veja o Lema a seguir). De fato, sejam h, k ∈ Rn dois vetores quaisquer e defina g(t, s) = f (x0 + th + sk), para s e t suficientemente pequenos. Então, segue da Regra da Cadeia ∂ 2g (0, 0) = f ′′ (x0 )h : k ∂t∂s ∂ 2g (0, 0) = f ′′ (x0 )k : h ∂s∂t Derivadas de Ordem Superior 119 e temos a conclusão se ∂ 2g ∂ 2g (0, 0) = (0, 0) ∂t∂s ∂s∂t Observação: A hipótese “f de classe C 2 em x0 ” na Proposição acima é essencial. De fato, considere a função f (x, y) = ( xy(x2 − y 2 ) x2 + y 2 0 se (x, y) 6= (0, 0) senão Então, um cálculo direto mostra que ∂ 2f (0, 0) = 1 ∂x∂y e ∂ 2f (0, 0) = −1. ∂y∂x Lema 7.14: Seja g: R2 → R função duas vezes diferenciável com derivadas parciais segundas contı́nuas em (0, 0). Então, ∂ 2g ∂ 2g (0, 0) = (0, 0). ∂t∂s ∂s∂t Prova: Seja Φ(s, t) = g(s, t) − g(s, 0) − g(0, t) + g(0, 0). Para t fixado, consideremos a função ϕ(s) = g(s, t) − g(s, 0) que é derivável na variável s. O Teorema do Valor Médio garante a existência de 0 < θ1 < 1 tal que ∂g ∂g ′ (θ1 s, t) − (θ1 s, 0) . Φ(s, t) = ϕ(s) − ϕ(0) = sϕ (θ1 s) = s ∂s ∂s (7.7) Aplicando novamente o TVM (com relação à variável t) no termo da direita de (7.7), obtemos para algum 0 < θ2 < 1 Φ(s, t) = st ∂ 2g θ1 s, θ2 t . ∂t∂s (7.8) Para s fixado, consideremos a função ψ(t) = g(s, t) − g(0, t) que é derivável na variável t. De modo análogo ao anterior, existem 120 Cálculo Avançado I 0 < θ3 , θ4 < 1 tais que Φ(s, t) = ψ(t) − ψ(0) = tψ ′ (θ3 t) ∂g ∂g =t (s, θ3 t) − (0, θ3 t) ∂t ∂t ∂ 2g = st θ4 s, θ3 t . ∂s∂t (7.9) De (7.8) e (7.9) obtemos a igualdade st ∂ 2g ∂ 2g θ1 s, θ2 t = st θ4 s, θ3 t , ∀s, t. ∂t∂s ∂s∂t A conclusão da prova segue da passagem ao limite para (s, t) → (0, 0) e da continuidade em (0, 0) das derivadas parciais de segunda ordem de g. Sintetizando os resultados anteriores, temos o seguinte critério: Corolário 7.15: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função de classe C 2 . Se ∆f (x0 ) > 0 então existe R > 0 tal que para todo r ≤ R o máximo de f sobre a aderência da bola Br (x0 ) é atingido sobre a fronteira kx − x0 k = r. Em particular, se f ′ (x0 ) = 0, então x0 não é máximo local de f em Ω. Partição da unidade Nesta Seção apresentamos um resultado geral importante, do qual faremos uso na prova do Teorema de Gauss (veja Capı́tulo 13). Tratase do Teorema da Partição da Unidade. O conjunto das fuções reais definidas em Rn que possuem derivadas de todas as ordens será denotado por C ∞ (Rn , R). Definição 7.16: Seja A ⊂ Rn . Dizemos que Φ ⊂ C ∞ (Rn , R) é uma partição da unidade de A se as seguintes propriedades são satisfeitas: (1) 0 ≤ φ(x) ≤ 1 para todo x ∈ Rn e para todo φ ∈ Φ; (2) Para todo x ∈ A, existe r > 0 tal que φ ∈ Φ ; φ(y) > 0, ∀y ∈ Br (x) é finito; Derivadas de Ordem Superior (3) Para todo x ∈ A, X 121 φ(x) = 1; φ∈Φ Se U = {Uλ }λ∈Λ é uma cobertura aberta de A, dizemos que Φ é subordinada a U se, (4) para todo φ ∈ Φ, existe Uλ ∈ U e Bλ ⊂ Uλ conjunto fechado tal que φ(x) = 0 para todo x ∈ Uλ \ Bλ . Teorema 7.17: Sejam A ⊂ Rn e U uma cobertura aberta de A. Então existe Φ ⊂ C ∞ (Rn , R) uma partição de A subordinada a U. A prova do Teorema 7.17 que apresentaremos faz uso dos seguintes resultados preliminares: Lema 7.18: Sejam K ⊂ U ⊂ Rn , K compacto e U aberto. Então, podemos determinar B compacto e ψ : Rn → [0, 1] de classe C ∞ tais que ◦ K ⊂B ⊂ B ⊂ U, 1 se x ∈ K, ◦ ψ(x) = 0 se x ∈ Rn \ B. (7.10) (7.11) Prova: Seja d = inf{kx − yk2 ; x ∈ K, y ∈ U c }. É claro que d > 0, de modo que podemos considerar a cobertura aberta Bd/2 (x) x∈K . Como K é compacto, existem x1 , x2 , . . . , xm em K tais que K⊂ Assim, B = Sm j=1 m [ Bd/2 (xj ). j=1 Bd/2 (xj ) satisfaz (7.10). Seja g : Rn → R definida por g(x) = exp −(kxk22 − 1)−2 0 se kxk2 < 1, se kxk2 ≥ 1 122 Cálculo Avançado I (deixamos ao leitor verificar que g é função de classe C ∞ em Rn ) e Pm considere f (x) = j=1 gj (x), onde gj (x) = g x − xj d/2 . ◦ Então, f (x) > 0 se, e somente se, x ∈B. Como K é compacto, existe x ∈ K tal que µ = f (x) = min f (x) ; x ∈ K > 0. Seja ρ : R → R função de classe C ∞ tal que 0 < ρ(s) < 1 para todo 0 < s < µ e (veja Exercı́cios) ρ(s) = 0 se s ≤ 0, 1 se s ≥ µ. Então a função ψ(x) = ρ(f (x)) satisfaz (7.11) e concluı́mos a prova. Lema 7.19: Seja K ⊂ Rn compacto e U uma cobertura aberta de K. Então existe Φ ⊂ C ∞ (Rn , R) partição da unidade de K subordinada a uma subcobertura finita de U Prova: Sejam U1 , U2 , . . . , Um ∈ U tais que K ⊂ U1 ∪ · · · ∪ Um . Considere K1 = K \ (U2 ∪ U3 ∪ · · · ∪ Um ). É claro que K1 é compacto e K1 ⊂ U1 . Pelo Lema 7.18, existe B1 compacto tal que ◦ K 1 ⊂ B 1 ⊂ B 1 ⊂ U1 , de modo que (verifique!) ◦ K ⊂ B 1 ∪ U2 ∪ U3 ∪ · · · ∪ Um . Considere então ◦ K 2 = K \ ( B 1 ∪ U3 ∪ · · · ∪ Um ) (7.12) Derivadas de Ordem Superior 123 Então, K2 é compacto e, como consequência de (7.12), K2 ⊂ U2 . E assim, sucessivamente, construı́mos compactos B1 , B2 , . . . , Bm tais que ◦ K ⊂ B ⊂ B ⊂ U , i = 1, . . . , m, i K i ◦ ⊂B1 ∪ i i ◦ B2 ∪ · · · ∪ ◦ Bm Para cada i = i, . . . , m, o Lema 7.18 nos garante que existe ψi : Rn → [0, 1] de classe C ∞ , satisfazendo ( ψi (x) = 1 se x ∈ Ki ; ψi (x) = 0 se x ∈ Bic ; Sm ◦ Seja U = i=1 Bi . Como ψ1 (x) + · · · + ψm (x) > 0 para todo x ∈ U , definimos φi : Rn → R, por φi (x) = 0 se x ∈ U c e φi (x) = ψi (x) ψ1 (x) + · · · + ψm (x) se x ∈ U . Considere ρ : U → [0, 1] de classe C ∞ tal que ( ρ(x) = 1 se x ∈ K; ρ(x) = 0 se x ∈ U c . Então o conjunto Φ = ρφ1 , . . . , ρφm satisfaz as condições (1)–(4) da Definição 7.16, subordinada à subcobertura U1 , . . . , Um . Observação: Como se pode depreender da prova do Lema 7.19, se K é compacto, sempre existe uma partição da unidade Φ contendo um número finito de funções, de modo que a condição (2) na Definição 7.16 é automaticamente satisfeita, qualquer que seja r > 0. Prova do Teorema 7.17: Procederemos em três etapas: Etapa 1: Vamos supor A = K1 ∪ K2 ∪ K3 . . . , ◦ Ki compacto e Ki ⊂ K i+1 , i = 1, 2, . . . . 124 Cálculo Avançado I Para i ≥ 2, considere n ◦ o U2 = Uλ ∩ K3 , λ∈Λ n ◦ o Ui = Uλ ∩ K i+1 \Ki−2 λ∈Λ É claro que Ui é cobertura aberta de Ki . Então, o Lema 7.19 nos garante a existência de uma partição da unidade Φi de Ki subordinada a Ui , com cada Φi contendo um número finito de funções. Seja x ∈ A. Então, x ∈ Ki0 para algum i0 ∈ N. Observe que se φ ∈ Φj com j ≥ i0 + 2, então φ(x) = 0. Logo, ∞ X X φ(x) = i=1 φ∈Φi iX 0 +1 X i=1 φ∈Φi φ(x) < ∞ e a função σ : Rn → R, σ(x) = ∞ X X φ(x) i=1 φ∈Φi está bem definida. Consideremos a famı́lia n o Φ = φ/σ ; φ ∈ Φ1 ∪ Φ2 ∪ · · · . Então, Φ é uma partição da unidade de K subordinada a U. Etapa 2: Vamos supor A aberto. Neste caso, considere Ki = x ∈ A ; dist(x, ∂A) ≥ 1/i ∩ Bi (0), i = 1, 2, . . . . É claro que Ki é compacto e A = K1 ∪ K2 ∪ · · ·. A conclusão segue da Etapa 1. Etapa 3: No caso geral, seja U a união de todos os abertos da cobertura U. Então, A ⊂ U e, pela Etapa 2, existe uma partição da unidade de U , que também é partição da unidade de A. Derivadas de Ordem Superior 125 Exercı́cios Exercı́cio 7.1. Seja f : Rn → Rm linear. Mostre que f ′ (x) = f , ∀x ∈ Rn , isto é, f ′ (x)h = f (h), ∀x, h ∈ Rn . Observe também que f ′ é constante e, portanto, f ′′ ≡ 0. Exercı́cio 7.2. Seja ϕ: Rn → Rn função diferenciável tal que kϕ′ (x)kL(Rn ) ≤ α, ∀x ∈ Rn . a) Se α < 1, mostre que ϕ é uma contração e demonstre que para cada y ∈ Rn , existe um único x ∈ Rn tal que y = x + ϕ(x). b) Podemos afirmar que ϕ é uma contração se kϕ′ (x)kL(Rn ) < 1, ∀x ∈ Rn ? c) Use o item (a) para mostrar que se A é uma matriz n × n tal que kAk < 1 então (I + A) é invertı́vel. d) Se ϕ é monótona positiva, mostre que para cada y ∈ Rn , existe um único x ∈ Rn satisfazendo y = x + ϕ(x) (mesmo que α ≥ 1). Exercı́cio 7.3. Seja C ⊂ Rn convexo e fechado e PC : Rn → Rn a projeção ortogonal sobre C (veja Exercı́cio 4.15). Mostre que PC é função monótona positiva. Conclua que 1 x 7→ f (x) = x − PC (x) : PC (x) 2 é função convexa. Exercı́cio 7.4. Calcule f ′′ (x) para cada uma das funções f : Rn → R. Observe que em todos os casos f ′ é linear e portanto f ′′ : Rn → Mn×n é constante. 1 1 kxk22 , f (x) = kAxk22 , 2 2 f (x) = hAx : xi, f (x) = hAx : Bxi. f (x) = Exercı́cio 7.5. Considere f : Rn → R função duas vezes diferenciável e A uma matriz n × n. Defina g(x) = f (Ax). Mostre que g é duas vezes diferenciável em Rn e g ′ (x) = AT f ′ (Ax) g ′′ (x) = AT f ′′ (Ax)A 126 Cálculo Avançado I Exercı́cio 7.6. Considere a matriz simétrica a b A= , a, b, c ∈ R. b c Mostre que A é positiva definida se e somente se det A > 0 e a > 0. Mostre que se A é semipositiva definida, então det A ≥ 0 e a ≥ 0 mas a recı́proca é falsa. Exercı́cio 7.7. Seja f : Rn → R função duas vezes diferenciável tal que f (tx) = t2 f (x) para todo x ∈ Rn e todo t ∈ R. Mostre que f (x) = 1 ′′ f (0)x : x , 2 ∀x ∈ Rn . Exercı́cio 7.8. Seja D = {x ∈ R2 ; kxk22 ≤ 1}. Considere f : R2 → R2 de classe C 1 tal que Jf (x) 6= 0 ∀x ∈ D e kf (x) − xk2 ≤ 1 3 ∀x ∈ D. Mostre que existe x0 ∈ D tal que f (x0 ) = 0. Exercı́cio 7.9. a) Seja A matriz n × n semipositiva definida, isto é hAx : xi ≥ 0 ∀x ∈ Rn e defina a função g(x) = Ax. Mostre que g é monótona positiva. Seja Fλ (x) = x + λAx, com λ > 0. Mostre que Fλ é bijetora em Rn . b) Seja f monótona positiva e considere Fλ (x) = x + λf (x), com λ > 0. Mostre que Fλ é injetora. Se Fλ0 é sobrejetora para algum λ0 , mostre que Fλ é sobrejetora para todo λ > 0. Sugestão: Dado y ∈ Rn , considere a função Φλ (x) = Fλ−1 0 λ0 λ − λ0 y+ x . λ λ Mostre que Φλ é contração para λ > λ0 /2. Repita o argumento para λ0 /2 < λ1 < λ0 Derivadas de Ordem Superior 127 Exercı́cio 7.10. (Método de Newton) Seja f : Rn → Rn função de classe C 1 tal que Jf (x) 6= 0, ∀x ∈ Rn . Considere a sequência: x 0 ∈ Rn e xk+1 = xk − f ′ (xk )−1 f (xk ), k≥0 (7.13) a) Mostre que se xk −→ x̄, então f (x̄) = 0. b) Reciprocamente, suponha que f é duas vezes diferenciável com f ′′ limitada. Se f (x̄) = 0 para algum x̄, mostre que a sequência definida por (7.13) converge para x̄ se x0 for tomado suficientemente próximo de x̄. Exercı́cio 7.11. (A Transformada de Legendre) Seja g : Rn → R função estritamente convexa e fortemente coerciva, isto é, g(x) = +∞. kxk2 →+∞ kxk2 lim (a) Mostre que existe ϕ : Rn → Rn tal que g ∗ definida por g ∗ (x) := x : ϕ(x) − g ϕ(x) é convexa e fortemente coerciva. Sug.: considere sup hx : yi − g(y) ; y ∈ Rn . (b) Suponha g de classe C 1 . Mostre que g ′ é invertı́vel com ϕ sua inversa Sug.: aplique o Teorema 7.4. (c) Suponha que g é de classe C 2 . Mostre que g ∗ é estritamente convexa, de classe C 2 e ∇g ∗ (x) = ϕ(x), para todo x ∈ Rn . Sug.: aplique o Teorema 5.18. (c’) A condição g de classe C 2 no item anterior não é necessária. Mostre que se g é de classe C 1 , o mesmo vale para g ∗ e seguemse as mesmas conclusões do item (c). (d) Nas condições acima, mostre que g ∗∗ (x) := sup x : y − g ∗ (y) = g(x). y∈Rn Exercı́cio 7.12. Seja µ > 0. Dê exemplo de uma função ρ : R → R de classe C ∞ tal que 0 < ρ(s) < 1 para todo 0 < s < µ e 0 se s ≤ 0, ρ(s) = 1 se s ≥ µ. 8 O Teorema da Função Inversa Neste capı́tulo abordaremos um dos resultados centrais da Análise: o Teorema da Função Inversa. À guisa de motivação, consideremos a função linear g: Rn → Rn definida por g(x) = Ax, onde A é uma matriz n × n. Sabemos da Álgebra Linear que se det A 6= 0, então g é invertı́vel e sua inversa g −1 : Rn → Rn é dada por g −1 (x) = A−1 x. Vimos também que g (resp. g −1 ) é diferenciável em Rn e g ′ (x0 ) = A ′ (resp. g −1 (x0 ) = A−1 ), qualquer que seja x0 ∈ Rn . Se Ω ⊂ Rn é um conjunto aberto e f : Ω → Rn é uma função diferenciável em x0 ∈ Ω, então sabemos que f ′ (x0 ): Rn → Rn é a função linear que “melhor aproxima” f nas proximidades de x0 , no sentido dado por (5.2). Seria, portanto, natural esperar que se f : Ω → Rn é diferenciável em x0 ∈ Ω e Jf (x0 ) = det f ′ (x0 ) 6= 0, então f é invertı́vel nas proximidades de x0 . Com um pouco mais de atenção podemos observar que um tal resultado não pode ser verdadeiro, mesmo para n = 1. De fato, consideremos f : R → R a função definida por x + x2 sen 1 se x 6= 0, x f (x) = 2 0 se x = 0. 130 Cálculo Avançado I É imediato verificar que f é diferenciável em todos os pontos de R e 1 1 1 + 2x sen − cos x x f ′ (x) = 2 1 2 se x 6= 0, se x = 0. Se f fosse invertı́vel numa vizinhança de x0 = 0, então seria necessariamente injetora nessa vizinhança. Como f ′ (0) = 1/2, seria necessariamente crescente nessa vizinhança. Mas isso é impossı́vel porque f ′ (x) muda de sinal (infinitas vezes!) em qualquer vizinhança que contenha x0 = 0. Observe que se f ′ fosse contı́nua em x0 = 0, então f ′ (x) > 0 para x suficientemente próximo de x0 = 0 e terı́amos o resultado desejado. O teorema da função inversa O Teorema da Função Inversa é verdadeiro para funções f : V → V , onde V é um espaço de Banach. Nesta seção veremos uma demonstração especı́fica para o caso de V = Rn . No que segue estaremos denotando indistintamente por k k a norma euclidiana k k2 de Rn e a norma induzida k kL(Rn ,Rn ) definida por (4.12). Teorema 8.1: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → Rn função de classe C 1 tal que Jf (x0 ) 6= 0. Então existe δ0 > 0 tal que a) f é injetora em U = Bδ0 (x0 ); b) V = f (U ) é aberto; c) f −1 1 : V → U é de classe C e h f −1 ′ h i−1 ′ (f (x0 )) = f (x0 ) . Prova: Faremos a prova em quatro etapas. i Etapa 1: ∃ δ1 > 0 tal que f é injetora em Bδ1 (x0 ). Seja A = f ′ (x0 ). Como Jf (x0 ) 6= 0, A−1 está definida. Como f é de classe C 1 , dado ε > 0, existe δ > 0 (dependendo de ε e x0 ) tal que kx − x0 k < δ ⇒ kf ′ (x) − Ak < ε Tome x ∈ Bδ (x0 ) e h 6= 0 tal que x + h ∈ Bδ (x0 ). (8.1) O Teorema da Função Inversa 131 Afirmativa 1: f (x + h) 6= f (x) se δ é suficientemente pequeno. De fato, seja ϕ: [0, 1] → Rn definida por ϕ(t) = f (x + th) − tAh. Então ϕ é de classe C 1 em ]0, 1[ e ϕ′ (t) = f ′ (x + th)h − Ah. Além disso, Z 1 ϕ(1) − ϕ(0) = ϕ′ (t) dt, 0 isto é, f (x + h) − Ah − f (x) = Z 1 0 Em particular, kf (x + h) − f (x) − Ahk ≤ Z 1 0 f ′ (x + th) − A h dt. kf ′ (x + th) − Akkhk dt. Como x + th ∈ Bδ (x0 ), ∀t ∈ [0, 1], segue de (8.1) que kf (x + h) − f (x) − Ahk < εkhk. (8.2) Visto que khk = kA−1 Ahk ≤ kA−1 kkAhk, obtemos de (8.2) −1 kf (x + h) − f (x)k > 1 − εkA k kAhk. (8.3) Escolhendo-se ε = 12 kA−1 k−1 e δ1 o δ correspondente, temos de (8.3): kf (x + h) − f (x)k > 1 kAhk. 2 Como A é invertı́vel, Ah 6= 0 ∀h 6= 0, o que demonstra a afirmativa. Etapa 2: ∃ δ2 > 0 tal que f Bδ2 (x0 ) é aberto. Como f é de classe C 1 , x 7→ Jf (x) é função contı́nua. Logo, ∃δ̃ > 0 tal que Jf (x) 6= 0 ∀x ∈ Bδ̃ (x0 ). Seja δ2 = min{δ1 , δ̃}. Então Jf (x) 6= 0 ∀x ∈ Bδ2 (x0 ) e f é injetora em Bδ2 (x0 ). Provemos que W = f Bδ2 (x0 ) é um conjunto aberto. 132 Cálculo Avançado I Seja y1 ∈ W . Então existe um único x1 ∈ Bδ2 (x0 ) tal que f (x1 ) = y1 . Tome r > 0 tal que Br (x1 ) ⊂ Bδ2 (x0 ) e considere K = ∂Br (x1 ) e u(x) = kf (x) − f (x1 )k, onde ∂B denota a fronteira de B. Como K é compacto e u é função contı́nua, existe x∗ ∈ K tal que m: = inf{u(x) ; x ∈ K} = u(x∗ ). Observe que x∗ ∈ K ⇒ x∗ 6= x1 ⇒ f (x∗ ) 6= f (x1 ) ⇒ m > 0. Afirmativa 2: Bm/2 f (x1 ) ⊂ f Br (x1 ) ⊂ W . Com efeito, tome ȳ ∈ Bm/2 f (x1 ) . Isto é, kȳ − f (x1 )k < m/2. Defina w(x): = kf (x) − ȳk. Como Br (x1 ) é compacto, ∃x̄ ∈ Br (x1 ) tal que w(x̄) = min{w(x) ; x ∈ Br (x1 )}. Observe que w(x̄) = kf (x̄) − ȳk ≤ kf (x1 ) − ȳk < m/2. Observe também que se x ∈ K, então w(x) = kf (x) − ȳk ≥ kf (x) − f (x1 )k − kf (x1 ) − ȳk ≥ m − m m = . 2 2 Portanto x̄ 6∈ K, o que implica x̄ ∈ Br (x1 ). Afirmativa 3: f (x̄) = ȳ, isto é ȳ ∈ f Br (x1 ) Com efeito, se x̄ é ponto de mı́nimo de w(x) em Br (x1 ), então x̄ também é ponto de mı́nimo de g(x) = 12 kf (x) − ȳk22 . Como x̄ é ponto interior, g ′ (x̄)h = 0, ∀h ∈ Rn , o que implica que ∀h ∈ Rn D T E 0 = g ′ (x̄)h = f (x̄) − ȳ; f ′ (x̄)h = f ′ (x̄) f (x̄) − ȳ ; h Portanto, T f ′ (x̄) f (x̄) − ȳ = 0. T Como det f ′ (x̄) = det f ′ (x̄) = Jf (x̄) 6= 0, segue que f (x̄) = ȳ, e a afirmativa esta provada. O Teorema da Função Inversa 133 Etapa 3: Se U = Bδ2 (x0 ) e V = f (U ), então f −1 : V → U é diferenciável. Seja y ∈ V e tome r > 0 tal que y + k ∈ V ∀k tal que kkk < r e h = f −1 (y +k) −f −1 (y) = f −1 (y +k) −x. Então k = f (x +h) −f (x). Como f é diferenciável, temos k = f ′ (x)h + ef (h). Se x ∈ U , então Jf (x) = 6 0 e f ′ (x) é invertı́vel. Assim, seja B = ′ −1 f (x) . Então Bk = h + Bef (h) Portanto, f −1 (y + k) = f −1 (y) + Bk − Bef (h) Para provar que f −1 é diferenciável, basta provar que kBef (h)k =0 k→0 kkk lim (8.4) Como na Etapa 1, kkk = kf (x + h) − f (x)k ≥ 1 kAhk 2 Como khk ≤ kA−1 kkAhk, temos kAhk ≥ Portanto, kkk ≥ e 0≤ 1 khk. kA−1 k 1 khk 2kA−1 k kBef (h)k kBkkef (h)k kef (h)k ≤ = 2kA−1 kkBk 1 kkk khk khk 2kA−1 k o que implica (8.4). Logo, f −1 é diferenciável em y = f (x) e ′ −1 f −1 (y) = f ′ (x) 134 Cálculo Avançado I Etapa 4: f −1 : V → U é de classe C 1 . Vamos denotar A = f ′ (x1 ) e B = f ′ (x2 ). Visto que B −1 − A−1 = −1 B (A − B)A−1 , obtemos kB −1 − A−1 k ≤ kB −1 kkA − BkkA−1 k Por outro lado, temos para todo h ∈ Rn , khk ≤ kA−1 kkAhk ⇒ kAhk ≥ de modo que (8.5) khk , kA−1 k kBhk ≥ kAhk − k(A − B)hk ≥ kAhk − k(A − B)kkhk khk ≥ − k(A − B)kkhk. kA−1 k Portanto 1 kBhk ≥ − kA − Bk khk. kA−1 k Como f é de classe C 1 , dado 0 < ε ≤ 1/2kA−1 k, existe δ > 0 tal que kx2 − x1 k < δ ⇒ kB − Ak < ε. Portanto, se kx1 − x2 k < δ, temos kBhk ≥ Tomando k = Bh vemos que 1 khk. 2kA−1 k kB −1 kk ≤ 2kA−1 kkkk ⇒ kB −1 k ≤ 2kA−1 k. (8.6) Portanto, se kx1 − x2 k < δ, concluı́mos de (8.5) e (8.6) kB −1 − A−1 k < 2kA−1 k2 kA − Bk < 2εkA−1 k2 . Definição 8.2: Seja f : U → V uma função bijetora. Dizemos que f é um homeomorfismo entre U e V se f e f −1 são contı́nuas. Dizemos que f é um difeomorfismo entre U e V se f e f −1 são diferenciáveis. Com a terminologia da definição acima, podemos enunciar o Teorema da Função Inversa da seguinte maneira: Teorema 8.1: Se f é função de classe C 1 e Jf (x0 ) 6= 0, então existem vizinhanças abertas U e V respectivamente de x0 e f (x0 ) tais que f é difeomorfismo de classe C 1 entre U e V . O Teorema da Função Inversa 135 Aplicação: o método das caracterı́sticas Como exemplo de aplicação direta do Teorema da Função Inversa, vamos considerar nesta seção o Método das Caracterı́sticas para a solução de equações a derivadas parciais de primeira ordem. Problema: Seja γ uma curva de R2 parametrizada por γ: I → Ω, onde I é um intervalo de R e Ω um aberto de R2 . Sejam a, b, c: Ω → R funções dadas. Determinar uma função ϕ(x, y) solução da equação a(x, y) ∂ϕ ∂ϕ + b(x, y) = c(x, y), ∂x ∂y (8.7) cujos valores sobre a curva γ são prescritos, isto é, ϕ γ(ξ) = ϕ0 (ξ) onde ϕ0 : I → R é uma função dada. A solução do problema acima pode ser obtida via uma mudança apropriada de coordenadas, que pode ser intuı́da pelo seguinte argumento: fixado um ponto γ0 = γ(s0 ) = (x0 , y0 ) de γ, considere a curva Γ(ξ) = x(ξ),y(ξ) que passa por γ0 , isto é, Γ(0) = γ0 . Defina z(ξ) = ϕ x(ξ), y(ξ) , onde ϕ é solução de (8.7). Se Γ é diferenciável, temos pela Regra da Cadeia, dx ∂ϕ dy ∂ϕ dz = Γ′ (ξ); ∇ϕ(Γ(ξ)) = + . dξ dξ ∂x dξ ∂y Portanto, se Γ satisfaz o sistema de equações diferenciais ordinárias dx = a(x, y), dξ dy = b(x, y), dξ x(0) = x0 , (8.8) y(0) = y0 , podemos obter a solução ϕ resolvendo dz = c(x, y), dξ z(0) = ϕ0 (s0 ). 136 Cálculo Avançado I Se repetirmos o argumento anterior para todos os pontos γ(s), s ∈ I, obtemos uma famı́lia de curvas — as curvas caracterı́sticas — sobre as quais a solução ϕ pode ser determinada. Antes de analisarmos as condições para as quais o método funciona (e onde entra em cena o Teorema da Função Inversa), vejamos um exemplo cuja solução explı́cita pode ser calculada. Exemplo: Considere γ(s) = (s, s2 ). Determinar ϕ(x, y) solução de x ∂ϕ ∂ϕ +y = xy ∂x ∂y (8.9) tal que ϕ(γ(s)) = sen(s2 ), para todo s ∈ R. Solução: Consideremos o sistema (equações caracterı́sticas) dx = x, dξ dy = y, dξ dz = xy, dξ x(0, s) = s, y(0, s) = s2 , (8.10) z(0, s) = sen(s2 ) Resolvendo as duas primeiras equações de (8.10), obtemos ( x(ξ, s) = seξ , y(ξ, s) = s2 eξ . (8.11) Substituindo (8.11) na terceira equação de (8.10) e resolvendo, obtemos s3 z(ξ, s) = (e2ξ − 1) + sen(s2 ). (8.12) 2 Explicitando ξ e s em função de x e y e substituindo em (8.12), encontramos a solução y 2 1 1 y 3 z = ϕ(x, y) = xy − + sen . 2 2 x x O Teorema da Função Inversa 137 O exemplo evidencia o ponto-chave do método. De fato, a solução das duas primeiras equações de (8.10) define uma mudança de variáveis, isto é, uma função f : R2 → R2 , (ξ, s) 7→ (x, y). Se f é invertı́vel, então obtemos a solução por ϕ(x, y) = z(ξ, s) = z ◦ f −1 (x, y). Pelo Teorema da Função Inversa, se Jf (0, s) 6= 0 para todo s em algum intervalo I, então f admite uma inversa numa vizinhança de γ(I). Considerando os dados do problema, a saber, a curva inicial γ(s) = (γ1 (s), γ2 (s)) e o campo de vetores (x, y) 7→ a(x, y), b(x, y) , a condição a(γ(s)) b(γ(s)) Jf γ(s) = 6= 0 γ1′ (s) γ2′ (s) indica que os vetores (a(γ(s)), b(γ(s))) e (γ1′ (s), γ2′ (s)) são linearmente independentes. Temos, portanto, uma condição geométrica para que o método forneça solução, a saber, que o campo (a, b) seja transversal à curva γ. O Teorema da função inversa (bis) A prova do Teorema da Função Inversa apresentada na primeira seção deste capı́tulo restringe o resultado a espaços de dimensão finita, visto que utiliza a compacidade da bola fechada. Nesta seção apresentamos uma prova que não faz uso desse fato e que estende o resultado a espaços de Banach de dimensão infinita. No que segue denotamos indistintamente por k k uma norma qualquer de Rn e a norma induzida k kL(Rn ;Rn ) definida por (4.12). Lema 8.3: (Perturbação da Identidade) Seja U um aberto de Rn e ϕ: U → Rn uma contração em U . Se f (x) = x − ϕ(x), então f (U ) é aberto e f é homeomorfismo entre U e f (U ). Prova: Faremos a prova em duas etapas. 138 Cálculo Avançado I Etapa 1: f (U ) é aberto. Por hipótese, existe 0 < α < 1 tal que kϕ(x) − ϕ(y)k ≤ αkx − yk para todo x, y ∈ U . Seja y ∈ f (U ) e x ∈ U tal que y = f (x). Se R = r(1−α)/2, onde r > 0 é tal que Br (x) ⊂ U , então BR (y) ⊂ f (U ). De fato, seja y ∈ BR (y) e considere a sequência definida pela recorrência x0 = x, xk+1 = y + ϕ(xk ), k ≥ 0. Afirmativa 1: xk ∈ U , ∀k ∈ N, e, consequentemente, {xk }k está bem definida. De fato, kx1 − xk = ky + ϕ(x) − xk = ky − yk < R < r/2. (8.13) Suponhamos que xj ∈ Br/2 (x), para todo j = 1, . . . , k − 1. Então, kxk − xk−1 k = kϕ(xk−1 ) − ϕ(xk−2 )k ≤ αkxk−1 − xk−2 k ≤ . . . ≤ αk−1 kx1 − x0 k e obtemos kxk − xk ≤ kxk − xk−1 k + · · · + kx1 − xk ≤ (αk−1 + · · · + 1)kx1 − xk 1 r < R= . 1−α 2 (8.14) De (8.13) e (8.14) concluı́mos, por indução, que xk ∈ Br/2 (x) ⊂ U , ∀k ∈ N. Afirmativa 2: {xk }k é sequência de Cauchy. De fato, se l > k, então kxl − xk k ≤ kxl − xl−1 k + · · · + kxk+1 − xk k ≤ (αl−1 + · · · + αk )kx1 − x0 k ≤ αk kx1 − x0 k. 1−α Como α < 1, dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que αk < (1 − α)ε/R se k ≥ k0 . Portanto, para l > k > k0 , temos kxl − xk k < ε. O Teorema da Função Inversa 139 Das afirmativas 1 e 2 concluı́mos que existe x ∈ Br/2 (x) ⊂ U tal que xk → x. Segue que x = y + ϕ(x), ou equivalentemente y = f (x), o que implica y ∈ f (U ) e concluı́mos que f (U ) é aberto. Etapa 2: f é homeomorfismo entre U e f (U ). Como ϕ é contração, temos kf (x1 ) − f (x2 )k ≥ kx1 − x2 k − kϕ(x1 ) − ϕ(x2 )k ≥ (1 − α)kx1 − x2 k, ∀x1 , x2 ∈ U. (8.15) De (8.15) concluı́mos que f é injetora em U . Portanto f −1 : f (U ) → U está bem definida. Igualmente de (8.15) concluı́mos que f −1 é contı́nua, pois kf −1 (y1 ) − f −1 (y2 )k ≤ 1 ky1 − y2 k. 1−α Corolário 8.4: Sejam A, B ∈ L(Rn , Rn ) com A invertı́vel. Se kA − Bk < 1/kA−1 k então B é invertı́vel. Prova: Seja ϕ = I − A−1 B = A−1 (A − B). Como kI − A−1 Bk ≤ kA−1 kkA − Bk < 1, ϕ é contração em Rn . Pelo Lema 8.3, f = I − ϕ = A−1 B é homeomorfismo em Rn e concluı́mos a prova. Teorema 8.5: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → Rn função de classe C 1 tal que Jf (x0 ) 6= 0. Então existe U ⊂ Ω vizinhança aberta de x0 tal que a) V = f (U ) é aberto em Rn ; b) f : U → V é difeomorfismo de classe C 1 . Prova: Faremos a prova em três etapas. Etapa 1: Existe δ1 > 0 tal que f Bδ1 (x0 ) é aberto e f é homeomorfismo entre Bδ1 (x0 ) e sua imagem. De fato, seja A = f ′ (x0 ) e considere ϕ = I − A−1 ◦ f . Como ϕ′ (x0 ) = 0 e ϕ′ é contı́nua, existe δ1 > 0 tal que kϕ′ (x)k ≤ α < 1 para todo x ∈ Bδ1 (x0 ). Portanto ϕ é contração em Bδ1 (x0 ). Pelo 140 Cálculo Avançado I −1 Lema 8.3, g = I − ϕ = A ◦ f é homeomorfismo entre Bδ1 (x0 ) e o aberto g Bδ1 (x0 ) . Como A é uma função aberta (A é inversa de função contı́nua A−1 ), temos em particular f Bδ1 (x0 ) = A g(Bδ1 (x0 )) aberto e f : Bδ1 (x0 ) → f Bδ1 (x0 ) é homeomorfismo. Etapa 2: Existe δ2 > 0 tal que f : Bδ2 (x0 ) → f Bδ2 (x0 ) é difeomorfismo. De fato, como f é de classe C 1 , dado ε = 1/kA−1 k existe δ2 > 0 tal que se kx − x0 k < δ2 , então kf ′ (x) − Ak < ε. Segue portanto do Corolário 8.4 que f ′ (x) é invertı́vel para todo x ∈ Bδ2 (x0 ). Etapa 3: (f ′ )−1 é contı́nua em f Bδ2 (x0 ) . Podemos repetir o argumento da etapa 4 da prova do Teorema 8.1. Observação: O Lema 8.3 e o seu Corolário permanecem válidos se substituirmos em seus enunciados Rn por um espaço de Banach V qualquer. Como consequência, substituindo a condição “Jf (x0 ) 6= 0” por “f ′ (x0 ) invertı́vel”, temos o Teorema da Função Inversa para aplicações de classe C 1 f : V → V definidas em um espaço de Banach V qualquer. Exercı́cios Exercı́cio 8.1. Seja f : R2 → R2 definida por f (x, y) = (ex cos y, ex sen y). Qual a imagem de f ? Mostre que o Jacobiano de f não é nulo em nenhum ponto de R2 . Pelo teorema da função inversa, todo ponto de R2 tem uma vizinhança onde f é biunı́voca. Entretanto f não é injetora em R2 . Quais são as imagens por f das retas paralelas aos eixos coordenados? Exercı́cio 8.2. Para cada uma das funções abaixo determinar: (1) quais são sobrejetivas; (2) quais são injetivas; (3) o Jacobiano; (4) os pontos de R2 onde não se aplica o Teorema da Função Inversa. O Teorema da Função Inversa 141 a) f : R2 → R2 dada por f (x, y) = (ax + by, cx + dy) p b) f : ]0, ∞[×R → R2 dada por f (x, y) = ( x2 + y 2 , arc tan y/x); c) f : R2 → R2 dada por f (x, y) = (xy 2 , x2 y); d) f : R2 → R2 dada por f (x, y) = (x3 − y, y 3 + x). Exercı́cio 8.3. Seja f : R3 \ P → R3 , f = (f1 , f2 , f3 ) definida por fi (x1 , x2 , x3 ) = xi /(1 + x1 + x2 + x3 ), onde P = {(x1 , x2 , x3 ) | 1 + x1 + x2 + x3 = 0}. Calcule o Jacobiano Jf (x1 , x2 , x3 ). Mostre que f é injetora e calcule f −1 . Exercı́cio 8.4. Considere as funções cosh ξ = eξ + e−ξ , 2 senh ξ = eξ − e−ξ . 2 a) Determine uma solução (x0 , y0 ) para o sistema ( ex cos y − ex sen y = 1 ex cosh y + ex senh y = 1 b) É possı́vel resolver o sistema ( ex cos y − ex sen y = 1 + µ ex cosh y + ex senh y = 1 + ν para µ e ν pequenos? Exercı́cio 8.5. Sabendo-se que o polinômio f (x) = x3 −6x2 +11x−6 possui as raı́zes λ1 = 1, λ2 = 2 e λ3 = 3, mostre que existe δ > 0 tal que se |a + 6| < δ, |b − 11| < δ e |c + 6| < δ, então o polinômio g(x) = x3 + ax2 + bx + c possui três raı́zes reais e distintas λ1 , λ2 e λ3 . Exercı́cio 8.6. Seja k k uma norma qualquer de Rn e considere em V = Mn×n munido da norma induzida, definida por (4.12). 142 Cálculo Avançado I a) Seja I = X ∈ V ; X é invertı́vel . Mostre que I é aberto e desconexo em V . b) Sejam A, B ∈ V . Dizemos que B é raiz quadrada de A se B 2 = A. Mostre que existe δ > 0 tal que se kA−Ik < δ então A possui uma raiz quadrada. c) “Quantas” raı́zes quadradas possui a identidade I ∈ M2×2 , I= 1 0 ? 0 1 9 O Teorema da Função Implı́cita Neste capı́tulo vamos estudar outro resultado central da Análise: o Teorema da Função Implı́cita. À guisa de motivação, consideremos a equação da circunferência unitária x2 + y 2 − 1 = 0. É imediato verificar que podemos explicitar y como função da variável x: p p y = 1 − x2 ou y = − 1 − x2 . Mais precisamente, se ϕ: √ √[−1, 1] → R é a função definida por ϕ(x) = 2 1 − x (ou ϕ(x) = − 1 − x2 ), então ϕ está implı́cita na equação da circunferência. De modo análogo, a equação 5x2 + 5y 2 − 6xy − 8 = 0 descreve uma elipse centrada em (0, 0). 1.6 1.4 1.2 1 y0.8 0.6 0.4 0.2 –1.6 –1.2 –1 –0.8 –0.4 0 –0.2 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6 x –0.4 –0.6 –0.8 –1 –1.2 –1.4 –1.6 Figura 9.1 144 Cálculo Avançado I Embora explicitar y em função de x não seja uma tarefa tão imediata, vemos pela figura que existe uma função ϕ: ]a, b[→ R tal que y = ϕ(x) está implı́cita na equação da elipse. O mesmo pode ser feito para mais variáveis. Por exemplo, no sistema ( 2 x + y 2 + z 2 − 10 = 0, −y 2 + z 2 − 4 = 0, as variáveis z e y podem ser facilmente expressas como função de x: r r 14 − x2 6 − x2 z= e y= . 2 2 Mas o que dizer do sistema ( 3 x + x2 y 2 + xyz 2 − 4 = 0, x2 − xyz + y 2 z 2 − 7 = 0? Os exemplos acima nos remetem à seguinte questão: Problema: Dada f : Rk+m → Rm e (x0 , y0 ) ∈ Rk+m tal que f (x0 , y0 ) = 0, deseja-se saber se existe Ω ⊂ Rk aberto e uma função ϕ: Ω → Rm satisfazendo a) x0 ∈ Ω e ϕ(x0 ) = y0 ; b) f x, ϕ(x) = 0, ∀x ∈ Ω. Se a resposta for afirmativa, dizemos que ϕ é função implı́cita para a equação f (x, y) = 0 na vizinhança de x0 . Observação: No caso particular em que k = m = 1, podemos obter resposta para a questão acima via Teoria de Equações Diferenciais Ordinárias. De fato, supondo f e ϕ diferenciáveis, temos pela Regra da Cadeia ∂f ∂f + ϕ′ (x) = 0. ∂x ∂y Se f é de classe C 1 e ∂f ∂y (x0 , y0 ) 6= 0, podemos obter ϕ como solução do problema de valor inicial dϕ = Φ(x, ϕ) dx (9.1) ϕ(x0 ) = y0 O Teorema da Função Implı́cita 145 onde estamos denotando Φ(x, y) = − ∂f (x, y) ∂y −1 ∂f (x, y). ∂x As hipóteses que garantem a existência de soluções para as equações do tipo (9.1) (veja Capı́tulo 11) fornecem respostas para a questão. A “via” que permite tratar a questão acima de modo simples, é a que faz uso do Teorema da Função Inversa. Para ilustrar a ideia, consideremos o seguinte caso particular. Seja f : Rn → Rm (n = k + m) a função linear definida por f (z) = Az, onde A é matriz m × n. Denotando z = (x, y) = (x1 , . . . , xk , y1 , . . . , ym ), podemos escrever f (x, y) = Az = Bx+Cy, onde B e C são submatrizes respectivamente de ordem m × k e m × m, isto é, A = [B C] é composta dos blocos B e C. Se C é invertı́vel, podemos explicitar y como função de x pois Bx + Cy = 0 ⇒ y = −C −1 Bx. Neste caso, se ϕ: Rk → Rm é a função linear definida por ϕ(x) = −C −1 Bx, então ϕ está implı́cita na equação f (x, y) = 0 na vizinhança de x0 , qualquer que seja x0 . Observe que neste caso particular, os blocos B e C são as derivadas parciais de f . De fato, ∂f ∂f B= (x0 , y0 ) (x0 , y0 ) e C= ∂x ∂y e ∂f (x0 , y0 ) ϕ=− ∂y −1 ∂f (x0 , y0 ) ∂x (9.2) A chave para tratar a questão via Teorema da Função Inversa pode ser observada se reescrevermos a equação f (x, y) = 0 na seguinte n forma. Seja F : Rn → R (n = k + m) a função linear definida por F (x, y) = x, f (x, y) . Então F (z) = Az, onde A é a matriz Ik O , A= B C 146 Cálculo Avançado I onde Ik é a matriz identidade de ordem k × k e O é a matriz nula de ordem k × m. Sabemos da Álgebra Linear que det A = det C. Assim, se C é invertı́vel, também é a matriz A, sendo fácil verificar que Ik O −1 . A = −C −1 B C −1 Portanto, F (x, y) = (x, 0) ⇐⇒ (x, y) = F −1 (x, 0) = (x, −C −1 Bx) e reencontramos a solução (9.2). O Teorema da função implı́cita Teorema 9.1: Seja f : Rk × Rm → Rm uma função de classe C 1 . Suponha f (x0 , y0 ) = 0 e ∂f det (x0 , y0 ) 6= 0. ∂y Então existe δ0 > 0 e ϕ : Bδ0 (x0 ) ⊂ Rk → Rm função de classe C 1 tais que f x, ϕ(x) = 0, ∀x ∈ Bδ0 (x0 ). k m k m Prova: Seja F : R ×R → R ×R 1 a função definida por F (x, y) = x, f (x, y) . Então F é de classe C e a matriz Jacobiana de F em z0 = (x0 , y0 ) é Ik O ′ F (z0 ) = ∂f ∂f (z ) ) (z 0 0 ∂x ∂y Como (veja a subseção sobre determinantes de matrizes em bloco no Apêndice ao final do Capı́tulo 12) ′ ∂f JF (z0 ) = det F (z0 ) = det (z0 ) 6= 0, ∂y O Teorema da Função Implı́cita 147 segue do Teorema da Função Inversa que existe δ1 > 0 tal que V = F Bδ1 (z0 ) é aberto e F : Bδ1 (z0 ) → V é difeomorfismo de classe C 1 . É claro que (x0 , 0) ∈ V e é claro também da definição de F que se −1 (x, ỹ) ∈ V , então F (x, ỹ) = x, g(x, ỹ) , onde g : V → Bδ1 (z0 ) é de classe C 1 . Como V é aberto, seja δ0 > 0 tal que Bδ0 (x0 , 0) ⊂ V e considere ϕ(x) = g(x, 0), para todo x ∈ Bδ0 (x0 ) ⊂ Rk . Então x, f (x, ϕ(x)) = F x, ϕ(x) = F x, g(x, 0) = F F −1 (x, 0) = (x, 0), de onde se conclui que f x, ϕ(x) = 0 para todo x ∈ Vδ0 (x0 ). Multiplicadores de Lagrange Uma das aplicações importantes do Teorema da Função Implı́cita é o Método dos Multiplicadores de Lagrange para o cálculo de extremos de funções sujeitas a restrições. À guisa de motivação, seja f : Rn → R uma função contı́nua e considere o problema de otimização Problema: Determinar o mı́nimo global de f sobre a bola fechada B = BR (x0 ), isto é, determinar x ∈ B tal que f (x) ≤ f (x), ∀x ∈ B Como B é compacto e f é contı́nua, sabemos que a solução do problema existe. Se f é diferenciável e x pertence ao interior de B, então a solução pode ser determinada dentre os pontos crı́ticos de f . Mas como determinar a solução se x estiver na fronteira da bola? O resultado a seguir fornece um método, caso f seja suficientemente regular. Teorema 9.2: Sejam f, g: Rn → R funções de classe C 1 e S = x ∈ Rn ; g(x) = 0 . Suponha x0 ∈ S tal que g ′ (x0 ) 6= 0 e f (x0 ) = min f (x) ; x ∈ S . Então f ′ (x0 ) e g ′ (x0 ) são linearmente dependentes, isto é, existe (multiplicador de Lagrange) λ ∈ R tal que ∇f (x0 ) = λ∇g(x0 ). 148 Cálculo Avançado I Prova: Se g ′ (x0 ) 6= 0, podemos supor sem perder a generalidade que ∂g (x0 ) 6= 0. Seja λ ∈ R tal que ∂xn ∂f ∂g (x0 ) = λ (x0 ). ∂xn ∂xn Para concluir a prova, basta mostrar que ∂g ∂f (x0 ) = λ (x0 ) ∂xi ∂xi se verifica para i = 1, . . . , n − 1. Se denotarmos x = (x̃, y) ∈ Rn−1 × R, x0 = (x̃0 , y0 ), então g é de classe C 1 , g(x̃0 , y0 ) = 0 e ∂g ∂g (x0 ) = (x̃0 , y0 ) 6= 0, ∂xn ∂y segue do Teorema da Função Implı́cita que existe uma vizinhança aberta Ω ⊂ Rn−1 de x̃0 e uma função ϕ: Ω → R de classe C 1 tais que ϕ(x̃0 ) = y0 e g x̃, ϕ(x̃) = 0, ∀x̃ ∈ Ω. (9.3) Além disso, como f x̃0 , ϕ(x̃0 ) ≤ f x̃, ϕ(x̃) , ∀x̃ ∈ Ω, verificamos que x̃0 ∈ Ωé ponto de mı́nimo para a função diferenciável x̃ 7→ ψ(x̃) = f x̃, ϕ(x̃) . Portanto, ψ ′ (x̃0 ) = 0 e temos da Regra da Cadeia, ∂f ∂f ′ [ψ (x̃0 )] = (9.4) (x0 ) + (x0 ) [ϕ′ (x̃0 )] = 0. ∂ x̃ ∂y Derivando a equação (9.3) em relação a x̃, obtemos ∂g ∂g (x0 ) + (x0 ) [ϕ′ (x̃0 )] = 0. ∂ x̃ ∂y (9.5) Multiplicando a equação (9.5) por λ e subtraindo de (9.4), obtemos a conclusão ∂f ∂g (x0 ) = λ (x0 ) . ∂ x̃ ∂ x̃ O Teorema da Função Implı́cita 149 Aplicações Para exemplificar aplicações do Método dos Multiplicadores de Lagrange, retomemos duas desigualdades importantes demonstradas no Capı́tudo 2: as desigualdades de Hölder e de Young (veja Lema 2.9 e Corolário 2.10). Desigualdade de Hölder: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e 1/p + 1/q = 1. Então, para todo x, y ∈ Rn , vale a desigualdade |hx : yi| ≤ kxkp kykq . Prova: Seja y ∈ Rn , y 6= 0 e consideremos as funções f, g: Rn → R definidas por f (x) = hy : xi e g(x) = kxkpp − 1. A função f é de classe C 1 , pois é linear e ∇f (x) = y para todo x ∈ Rn . A função g é de classe C 1 , pois se p > 1, ∇g(x) = p |x1 |p−2 x1 , . . . , |xn |p−2 xn é contı́nua em Rn . Seja S = x ∈ Rn ; g(x) = 0 . O conjunto S é a esfera unitária para a norma k kp . Como S é compacto, existe x ∈ S ponto de máximo de f sobre S, isto é, f (x) ≥ f (x), ∀x ∈ S. Além disso, ∇g(x) 6= 0 pois ∇g(x) : x = p n X i=1 |xi |p = pkxkpp = p > 0. Pelo Teorema 9.2, existe λ ∈ R tal que ∇f (x) = λ∇g(x), isto é, yi = λp|xi |p−2 xi , ∀i = 1, . . . , n. (9.6) Multiplicando ambos os lados da igualdade em (9.6) por xi e somando em i, obtemos f (x) = hy : xi = λpkxkpp = λp. (9.7) 150 Cálculo Avançado I É claro que λ > 0, pois se ỹ = y/kykp , então ỹ ∈ S e λp = hy : xi ≥ hy : ỹi = kyk22 /kykp > 0. Como q é o conjugado de p, tomando o módulo em ambos os lados de (9.6) e elevando à potência q, obtemos |yi |q = (pλ)q |xi |(p−1)q = (pλ)q |xi |p . Somando em i = 1, . . . , n, obtemos de (9.7), kykqq = (pλ)q kxkpp = (pλ)q ⇒ f (x) = kykq . Então, se x̃ ∈ S, então hy : x̃i = f (x̃) ≤ f (x) = kykq . (9.8) Para x ∈ Rn x 6= 0 qualquer, seja x̃ = x/kxkp . Então x̃ ∈ S e a desigualdade (9.8) nos dá hy : xi ≤ kykq kxkp . Para concluir a desigualdade, basta observar que −x ∈ S é ponto de mı́nimo para f em S. Desigualdade de Young: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e 1/p + 1/q = 1. Então, para todo x, y ∈ R, vale a desigualdade |xy| ≤ |y|q |x|p + . p q Prova: Consideremos as funções f, g: Ω+ → R definidas por f (x, y) = 1 p 1 q |x| + |y| , p q e g(x, y) = xy − 1, onde Ω+ = (x, y) ∈ R2 ; x > 0, y > 0 . A função f é de classe C 1 pois p, q > 1 e ∇f (x, y) = |x|p−2 x, |y|q−2y para todo (x, y) ∈ R2 . A função g é de classe C 1 pois é polinômio e ∇g(x, y) = (y, x), para todo (x, y) ∈ R2 . O Teorema da Função Implı́cita 151 Seja S = (x, y) ∈ R2 ; g(x, y) = 0 . O conjunto S não é compacto, pois não é limitado. Entretanto é fechado e como f é coerciva (veja (4.10)), existe (x, y) ponto de mı́nimo de f sobre S, isto é, f (x, y) ≤ f (x, y), ∀(x, y) ∈ S. Além disso, ∇g(x, y) = (y, x) 6= (0, 0). é, Pelo Teorema 9.2, existe λ ∈ R tal que ∇f (x, y) = λ∇g(x, y), isto ( |x|p−2 x = λy, |y|q−2 y = λx, de onde concluı́mos que x = y = 1. Logo, f (x, y) ≥ 1 para todo (x, y) ∈ S. Seja (x, y) ∈ R2 , (x, y) = 6 (0, 0) e defina x̃ = x/|xy|1/p e ỹ = y/|xy|1/q . Então (x̃, ỹ) ∈ S e 1 p 1 q |x̃| + |ỹ| ≥ 1, p q de onde segue a desigualdade 1 p 1 q |x| + |y| ≥ xy. p q Para concluir, basta repetir o argumento para as funções f e g acima definidas em Ω− = (x, y) ∈ R2 ; x < 0, y < 0 . Multiplicadores de Lagrange (bis) Vimos nas seções anteriores o Método dos Multiplicadores de Lagrange para o caso de uma restrição, isto é, g(x) = 0, com g: Rn → R função de classe C 1 . Vamos tratar nesta seção o caso geral, com m restrições. Teorema 9.3: Seja f : Rn → R uma função diferenciável e g: Rn → m 1 n R , m < n, uma função de classe C . Seja S = x ∈ R ; g(x) = 0 152 Cálculo Avançado I e x0 ∈ S tal que f (x0 ) = min f (x) ; x ∈ S . Se o posto de g ′ (x0 ) é m, então existe λ = (λ1 , . . . , λm ) ∈ Rm tal que ∇f (x0 ) = m X i=1 λi ∇gi (x0 ). (9.9) Observação: A equação (9.9) pode ser interpretada como um sistema linear de n equações e m incógnitas, com n > m. De fato, podemos escrever (9.9) na forma ∂g1 ∂x1 (x0 ) · · · .. .. . ∂g1 . (x0 ) · · · ∂xn ∂gm ∂f1 (x0 ) λ (x0 ) 1 ∂x1 ∂x1 . .. .. . = . . . ∂f ∂gm 1 λm (x0 ) (x0 ) ∂xn ∂xn (9.10) T Ou de modo mais conciso, Hλ = F , onde H = g ′ (x0 ) e F = ′ T f (x0 ) . Para provar o teorema, devemos mostrar que o sistema (9.10) possui uma solução λ. x = (y, z) ∈ Rk ×Rm , ondek = n−m. Prova: Se x ∈ Rn ,escrevemos ′ Como o posto de g (x0 ) é igual a m, a matriz g ′ (x0 ) possui m colunas linearmente independentes, que podemos supor sem perder a generalidade, serem as últimas m colunas. Assim, ′ ∂g ∂g g (x0 ) = (x0 ) (x0 ) , ∂y ∂z ∂g onde a submatriz (x0 ) é invertı́vel. ∂z Como g é de classe C 1 e g(y0 , z0 ) = 0, segue do Teorema da Função Implı́cita que existe U ⊂ Rk vizinhança aberta de y0 e ϕ: U → Rm de classe C 1 tal que ϕ(y0 ) = z0 e g y, ϕ(y) = 0, ∀y ∈ U. (9.11) O Teorema da Função Implı́cita 153 Em particular, y0 ∈ U é ponto de mı́nimo para a função y 7→ f y, ϕ(y) , y ∈ U. Portanto, segue da regra da cadeia ∂f ∂f (x0 ) + (x0 )ϕ′ (y0 ) = 0 ∂y ∂z ∂g ∂g (x0 ) + (x0 )ϕ′ (y0 ) = 0 ∂y ∂z (9.12) (9.13) Para simplificar a notação, consideremos T ∂f F1 = (x0 ) , ∂y T ∂g B= (x0 ) , ∂y T ∂f F2 = (x0 ) , ∂z T ∂g C= (x0 ) , ∂z T Φ = [ϕ′ (y0 )] . Então, tomando a transposta nas equações (9.13), temos ( ΦF2 = −F1 ΦC = −B (9.14) Como C é invertı́vel, seja λ ∈ Rm solução de Cλ = F2 . Então, segue de (9.14) que −Bλ = ΦCλ = ΦF2 = −F1 . Portanto, Hλ = F e concluı́mos a prova. Exercı́cios Exercı́cio 9.1. Considere a superfı́cie xy − z log y + eyz − e = 0. É possı́vel representá-la na forma z = f (x, y) nas proximidades do ponto (0, 1, 1)? Exercı́cio 9.2. O ponto P = (1, −1, 2) pertence às superfı́cies x2 (y 2 + z 2 ) = 5 e (x − z)2 + y 2 = 2. Mostre que a curva interseção dessas 154 Cálculo Avançado I superfı́cies pode ser parametrizada na forma z = f (x) e y = g(x) numa vizinhança de P . Exercı́cio 9.3. Seja f : R → R função de classe C 1 tal que f (1) = 1 e defina S = (x, y) ∈ R2 ; 2f (xy) = f (x)2 + f (y) . a) Mostre que se f ′ (1) 6= 0, existe r > 0 tal que S ∩ Br (1, 1) é gráfico de uma função y = ϕ(x) de classe C 1 . b) Nas condições do item (a), se f é de classe C 2 , mostre que x = 1 é ponto de máximo ou mı́nimo local para ϕ (o que implica, em particular, que S não é gráfico de nenhuma função x = ψ(y) na vizinhança de (1, 1)). c) Mostre que se S é gráfico de uma função x = ψ(y) em alguma vizinhança de (1, 1), então f ′ (1) = 0. Exercı́cio 9.4. Seja f : R2 → R tal que f (0, 0) = 0. Encontre uma condição para f que permita resolver a equação f f (x, y), y = 0 com y função de x numa vizinhança de (0, 0). Exercı́cio 9.5. Mostre que o sistema abaixo pode ser resolvido com: 1) x, y, u em função de z; 2) x, z, u em função de y; 3) y, z, u em função de x; mas não é possı́vel exprimir x, y, z em 3x + y − z x − y + 2z 2x + 2y − 3z função de u. + u2 + u + 2u = 0 = 0 = 0 Exercı́cio 9.6. Seja f : Rn ×Rn → Rn uma função de classe C 1 tal que f (0, 0) = 0. Sejam B e C respectivamente as matrizes (relativamente à base canônica) ∂f ∂f (0, 0) e (0, 0) ∂x ∂y a) B e C são matrizes de que ordem? O Teorema da Função Implı́cita 155 b) Escreva [f ′ (0, 0)] em termos dos blocos B e C. c) Seja φ: Rn × Rn → Rn definida por φ(x, y) = f f (x, y), f (x, y) . Calcule ∂φ ∂φ (0, 0) , (0, 0) e [φ′ (0, 0)] ∂x ∂y em termos de B e C. d) Se B é invertı́vel e kCk < 1/kB −1 k, mostre que a equação φ(x, y) = 0 pode ser resolvida com x em função de y numa vizinhança de 0 ∈ Rn . Exercı́cio 9.7. Seja f : R → R contı́nua tal que f (x) > 0 se x > 0, satisfazendo Z 1 f (t) dt = 2. 0 Mostre que existe δ > 0 e uma única função ϕ: [0, δ] → R de classe C 1 em ]0, δ[ tal que Z ϕ(x) f (t) dt = 1. x ′ Determine ϕ (x). Exercı́cio 9.8. Considere ai , i = 1, . . . , n, números reais distintos e o polinômio de grau n ı́mpar, p(x) = n Y i=1 (x − ai ). Defina A = b ∈ R ; p(x) = b possui n raı́zes distintas . (a) Mostre que 0 ∈ A. (b) Mostre que A é limitado. (c) Use o Teorema da Função Implı́cita para mostrar que A é aberto. Exercı́cio 9.9. Calcular o valor máximo de f (x1 , . . . , xn ) = (x1 x2 · · · xn )2 156 Cálculo Avançado I sob a restrição x21 + x22 + · · · + x2n = 1. Utilizar o resultado para calcular a seguinte desigualdade, válida para números reais positivos a1 , . . . , an : a1 + · · · + an (a1 a2 · · · an )1/n ≤ n Exercı́cio 9.10. Seja f : Rn → R definida por f (x1 , . . . , xn ) = x21 x22 · · · x2n . Sejam p1 , p2 , . . . , pn números reais estritamente positivos e defina n X n G= x∈R ; pi x2i = 1 . i=1 a) Mostre que existe x ∈ G tal que f (x) = max f (x) ; x ∈ G ; b) Calcule x. Exercı́cio 9.11. Seja k kL(Rn , Rm ) a norma induzida pelas normas m euclidianas k k2 de Rn e R √ (veja (4.12)). Se A é matriz m × n, mostre que kAkL(Rn , Rm ) = λ, onde λ é o maior autovalor da matriz simétrica e positiva definida AT A. 2 1 Use o resultado para concluir que se A = , então 0 1 q √ kAkL(R2 , R2 ) = 3 + 5. Exercı́cio 9.12. Seja A uma matriz simétrica n × n. Para todo α ∈ R, seja Aα = A + αI, sendo I a matriz unitária. Considere λ1 (α) ≤ λ2 (α) ≤ · · · ≤ λn (α) os autovalores de Aα . (a) Mostre que λ1 (α) = min hAα x : xi ; kxk22 = 1 , onde h : i denota o produto escalar usual de Rn . (b) Supondo x1 , x2 , . . . , xk , ( 1 < k ≤ n ) os autovetores correspondentes aos primeiros k autovalores, mostre que λk (α) = min hAα x : xi ; kxk22 = 1, e hx : x1 i = 0, hx : x2 i = 0, . . . , hx : xk−1 i = 0 , (c) Mostre que as aplicações α 7→ λi (α), i = 1, . . . , n são funções côncavas definidas em R (Sug.: Veja o Exercı́cio 4.31). 10 Sequências de Funções Seja A um subconjunto de Rn e consideremos F (A, Rm) a coleção de todas as funções definidas em A com valores em Rm , isto é, F (A, Rm ) = f : A → Rm ; f é função . Seja {fk }k uma sequência de funções de F (A, Rm ) e x0 ∈ A. Dizemos que {fk } converge pontualmente em x0 se {fk (x0 )} é sequência convergente de Rm . Dizemos que {fk } converge pontualmente em A se para todo x ∈ A a sequência {fk (x)} é convergente em Rm . É claro que se {fk } é pontualmente convergente em A, a unicidade do limite nos permite definir a função limite f ∈ F (A, Rm). Isto é, f (x) = limk→∞ fk (x). As considerações acima nos levam naturalmente à Definição 10.1: Dizemos que uma sequência {fk } de F (A, Rm ) converge pontualmente para f em A se ∀x ∈ A, f (x) = lim fk (x), k→∞ isto é, ∀x ∈ A e ∀ε > 0, ∃k0 ∈ N (que pode depender de ε e x) tal que se k ≥ k0 então kfk (x) − f (x)k < ε. Notação: Se {fk } converge pontualmente para f em A denotamos p fk −→ f em A. 158 Cálculo Avançado I A convergência pontual tem um “defeito”; pode não transferir para a função limite as “boas” propriedades das funções fk . De fato, propriedades tais como continuidade, semicontinuidade, integrabilidade, etc., podem não ser herdadas pela função limite pontual, como veremos a seguir. Exemplo 1: (Perda de Continuidade) Consideremos a sequência de F (R, R) definida por (0 se x ≤ 0 fk (x) = kx se x ∈ [0, 1/k] 1 se x ≥ 1/k É imediato verificar que fk é contı́nua para todo k ∈ N e que fk converge pontualmente em R para a função de Heaviside n 0 se x ≤ 0 f (x) = 1 se x > 0 que é descontı́nua em x = 0. Exemplo 2: (Perda de Integrabilidade) Consideremos a sequência de F [0, 1], R definida por fk (x) = lim (cos k!πx)2j . j→∞ Não é difı́cil mostrar (veja Exercı́cios) que fk (x) = 0, exceto para um número finito de pontos de [0, 1] e que fk converge pontualmente em [0, 1] para a função de Dirichlet n 0 se x é irracional f (x) = 1 se x é racional Portanto, fk é função Riemann-integrável em [0, 1] para todo k ∈ N, mas a função limite f não é Riemann-integrável. Mesmo que a função limite pontual seja integrável, pode não ocorrer a conservação no valor limite das integrais. De fato, considere a sequência {fk } de F ([0, +∞); R) definida por fk (x) = kx2 e−x/k . É fácil ver que fk converge pontualmente para a função f ≡ 0 e que Z +∞ fk (x) dx = 1, ∀k ∈ N. 0 Sequências de Funções 159 Convergência uniforme Definição 10.2: Dizemos que uma sequência {fk } de F (A, Rm ) converge uniformemente para f ∈ F (A, Rm ) em A se ∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 então kfk (x) − f (x)k < ε, ∀x ∈ A. Notação: Se {fk } converge uniformemente para f em A denotamos u fk −→ f em A. Vale observar que a convergência uniforme implica na convergência pontual, mas não a recı́proca; o k0 da convergência uniforme só depende de ε, enquanto o da convergência pontual depende do ε e de cada x. Exemplos: A sequência {fk } de F [−1, 1], R definida por fk (x) = p x2 + 1/k converge uniformemente em [−1, 1] para f (x) = |x|. A sequência {fk } definida por fk (x) = xk converge pontualmente (mas não uniformemente) em [0, 1] para a função n f (x) = 0 se x ∈ [0, 1[ 1 se x = 1 p Proposição 10.3: Suponhamos fk −→ f em A e seja Mk = sup kfk (x) − f (x)k ; x ∈ A . u Então fk −→ f em A se e somente se Mk −→ 0. Prova: Provemos inicialmente a implicação ⇒. Dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , então kfk (x) − f (x)k < ε/2, para todo x ∈ A. Portanto, passando ao sup em x, Mk ≤ ε/2 se k ≥ k0 . A recı́proca é imediata, pois kfk (x)−f (x)k ≤ Mk para todo x ∈ A. Definição 10.4: Uma sequência de F (A, Rm ) é denominada uniformemente de Cauchy se ∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que se k, l ≥ k0 então kfk (x) − fl (x)k < ε, ∀x ∈ A. 160 Cálculo Avançado I O Teorema a seguir, denominado Critério Uniforme de Cauchy, caracteriza as sequências que convergem uniformemente. u Teorema 10.5: fk −→ f em A se e somente se {fk }k é uniformemente de Cauchy em A. Prova: A implicação ⇒ é consequência imediata da desigualdade triangular, kfk (x) − fl (x)k ≤ kfk (x) − f (x)k + kfl (x) − f (x)k. Provemos a implicação contrária (⇐). Se {fk } é uniformemente de Cauchy em A, então para cada x ∈ A, a sequência {fk (x)} é sequência de Cauchy em Rm . Como consequência do Teorema 3.28 existe o limite f (x) = limk→∞ fk (x) e concluı́mos p que fk −→ f em A. u Para provar que fk −→ f em A, seja ε > 0. Então existe k0 ∈ N tal que k, l ≥ k0 ⇒ kfk (x) − fl (x)k < ε/2, ∀x ∈ A. (10.1) Fixando k e passando ao limite para l → ∞ em (10.1), obtemos k ≥ k0 ⇒ kfk (x) − f (x)k ≤ ε/2, ∀x ∈ A. Segue a conclusão. A convergência uniforme preserva as “boas” propriedades. De fato, Teorema 10.6: Seja x0 ∈ A ∩ A′ e {fk } sequência de função contı́u nuas em x0 . Se fk −→ f em A, então f é contı́nua em x0 . Prova: Seja x ∈ A. Então kf (x) − f (x0 )k ≤ kf (x) − fk (x)k + kfk (x) − fk (x0 )k + kfk (x0 ) − f (x0 )k, ∀k. (10.2) Dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , kfk (x) − f (x)k < ε/3, ∀x ∈ A. Portanto, fixando k = k0 em (10.2), temos kf (x) − f (x0 )k < 2ε + kfk0 (x) − fk0 (x0 )k. 3 Sequências de Funções 161 Como fk0 é função contı́nua, existe δ > 0 tal que se kx − x0 k < δ, então kfk0 (x) − fk0 (x0 )k < ε/3 e temos a conclusão. Observação: O Teorema 10.6 pode ser interpretado como uma comutatividade de limites: f (x0 ) = lim fk (x0 ) = lim lim fk (x), k→∞ k→∞ x→x0 f (x0 ) = lim f (x) = lim lim fk (x). x→x0 x→x0 k→∞ De fato, a convergência uniforme preserva essa comutatividade, como vemos no resultado a seguir. Teorema 10.7: Seja {fk } uma sequência de F (A, Rm ) e x0 ∈ A′ . u Se fk −→ f em A e limx→x0 fk (x) = µk , então lim f (x) = lim µk = µ. x→x0 k→∞ u f em A, então {fk } é uniformemente de Cauchy. Prova: Se fk −→ Assim, dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que k, l ≥ k0 ⇒ kfk (x) − fl (x)k < ε, ∀x ∈ A. (10.3) Para k e l fixados, podemos passar ao limite com x → x0 em (10.3) para obter k, l ≥ k0 ⇒ kµk − µl k ≤ ε. Portanto, a sequência {µk } é sequência de Cauchy em Rm e existe o limite µ = limk→+∞ µk . Por outro lado, temos da desigualdade triangular, kf (x) − µk ≤ kf (x) − fk (x)k + kfk (x) − µk k + kµk − µk, ∀k ∈ N. (10.4) A primeira e a terceira parcelas do lado direito de (10.4) podem ser tornadas tão pequenas quanto se queira se k é grande. Mais precisamente, existe k1 ∈ N tal que kµk1 − µk < ε/3 e kf (x) − fk1 (x)k < ε/3, ∀x ∈ A. 162 Cálculo Avançado I Além disso, como limx→x0 fk1 (x) = µk1 , existe δ > 0 tal que se 0 < kx − x0 k < δ, então kfk1 (x) − µk1 k < ε/3 e concluı́mos a prova. Teorema 10.8: Seja {fk }k uma sequência de funções de F [a, b]; R u f tal que cada fk é função Riemann-integrável em [a, b]. Se fk −→ em [a, b], então f é integrável em [a, b] e lim k→∞ Z b fk (x) dx = a Z b f (x) dx. a Prova: Seja P = a = x0 < x1 < · · · < xm = b uma partição de [a, b] e consideremos Mik = sup fk (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] , Mi = sup f (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] , mki = inf fk (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] , mi = inf f (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] . Consideremos também U (fk , P ) = m X Mik ∆xi e L(fk , P ) = i=1 m X mki ∆xi , i=1 onde ∆xi = xi − xi−1 . u f em [a, b], segue que Mik → Mi e mki → mi quando Como fk −→ k → ∞, para todo i = 1, . . . , m. Assim, para ε > 0 dado, existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , |Mik − Mi | < ε ε e |mki − mi | < , 4(b − a) 4(b − a) ∀i = 1, . . . , m. Portanto, ε ε < U (fk , P ) − U (f, P ) < , 4 4 ε ε − < −L(fk , P ) + L(f, P ) < . 4 4 − Somando as desigualdades acima obtemos − ε ε < U (fk , P ) − L(fk , P ) − U (f, P ) + L(f, P ) < , 2 2 (10.5) Sequências de Funções 163 qualquer que seja k ≥ k0 e P partição de [a, b]. Fixemos k = k0 . Como fk0 é Riemann-intergrável, existe uma partição P0 tal que P (fk0 , P ) − L(fk0 , P ) < ε/2, ∀P ⊃ P0 . Então, segue de (10.5) 0 ≤ U (f, P ) − L(f, P ) < ε + P (fk0 , P ) − L(fk0 , P ) < ε, 2 ∀P ⊃ P0 , com o que concluı́mos a prova. Convergência uniforme e derivadas Teorema 10.9: Seja {fk } uma sequência de funções de F [a, b], R u g em tais que fk é contı́nua em [a, b], derivável em ]a, b[ e fk′ −→ ]a, b[. Se para algum x0 ∈ [a, b] a sequência {fk (x0 )}k é convergente, u então existe f : [a, b] → R função derivável em ]a, b[ tal que fk −→ f em [a, b] e f ′ = g. Prova: Seja ϕ(x) = fk (x) − fl (x), x ∈ [a, b]. Então, pelo Teorema do Valor Médio, ϕ(x) − ϕ(y) = ϕ′ (ξ)(x − y), para algum ξ entre x e y. Portanto, para y = x0 , fk (x) − fl (x) − fk (x0 ) + fl (x0 ) = fk′ (ξ) − fl′ (ξ) (x − x0 ). (10.6) Por hipótese, a sequência {fk′ } é uniformemente de Cauchy em ]a, b[. Logo, dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que k, l ≥ k0 ⇒ |fk′ (ξ) − fl′ (ξ)| < ε , ∀ξ ∈ ]a, b[. 2(b − a) Usando a desigualdade triangular em (10.6) obtemos |fk (x) − fl (x)| ≤ ε |x − x0 | + |fk (x0 ) − fl (x0 )|, ∀x ∈ [a, b] 2(b − a) e concluı́mos que {fk } é uniformemente de Cauchy em [a, b]. Pelo u Teorema 10.5, existe f : [a, b] → R tal que fk −→ f em [a, b]. 164 Cálculo Avançado I Provemos que f é derivável em ]a, b[. Para x ∈ ]a, b[ fixado, considere Φk : [a, b] → R definida por fk (t) − fk (x) se t 6= x t−x Φk (t) = fk′ (x) se t = x Como fk é derivável, vemos que limt→x Φk (t) = fk′ (x). Por outro lado, é fácil ver que Φk converge pontualmente em [a, b] \ {x} para a função f (t) − f (x) Φ(t) = , t ∈ [a, b] \ {x}. t−x u Se provarmos que Φk −→ Φ em [a, b] \ {x}, podemos usar o Teorema 10.7 para concluir a demonstração. Com efeito, pelo Teorema do Valor Médio, Φk (t) − Φl (t) = fk (t) − fk (x) fl (t) − fl (x) − = fk′ (ξ) − fl′ (ξ) t−x t−x para algum ξ entre t e x. Como {fk′ } é uniformemente de Cauchy, o mesmo vale para {Φk }. O Teorema acima pode ser estendido às funções vetoriais, mas neste caso precisamos fazer hipóteses adicionais sobre o conjunto Ω. Por exemplo, um conjunto Ω é estrelado se existe x ∈ Ω satisfazendo a seguinte propriedade: para todo x ∈ Ω, sx + (1 − s)x ; s ∈ [0, 1] ⊂ Ω. (10.7) Teorema 10.10: Sejam Ω aberto e conexo de Rn e {fk } uma sequência de F (Ω, R) tal que a) para algum x0 ∈ Ω, a sequência {fk (x0 )} é convergente; b) para todo k ∈ N, fk é função de classe C 1 ; u c) fk′ −→ g em Ω. Então existe f ∈ F (Ω, R) função de classe C 1 tal que f ′ = g e p fk −→ f em Ω. Além disso, se Ω é limitado e é uma união finita de u conjuntos estrelados, então fk −→ f em Ω. Sequências de Funções 165 Prova: Faremos a prova em três etapas. Etapa 1: g é um campo conservativo. Sejam γ1 , γ2 : [0, 1] → Ω duas curvas de classe C 1 ligando x a y. Se denotarmos por Ii , i = 1, 2, as integrais de linha Z 1 Ii = g γi (t) : γi′ (t) dt, 0 então podemos escrever Z 1 Z ′ ′ Ii = g γi (t) − fk γi (t) : γi (t) dt + 0 0 1 fk′ γi (t) : γi′ (t) dt. Pelo Teorema 6.8, fk′ é campo conservativo. Logo, I1 − I2 = − Z Z 1 0 1 0 g γ1 (t) − fk′ γ1 (t) : γ1′ (t) dt g γ2 (t) − fk′ γ2 (t) : γ2′ (t) dt. Seja Mk = sup{kfk′ (x) − g(x)k ; x ∈ Ω}. Então, |I1 − I2 | ≤ Mk med(γ1 ) + med(γ2 ) . u g em Ω. Portanto, I1 = I2 e concluı́mos que g é Mk → 0 pois fk′ −→ conservativo. Seja y0 o limite da sequência {fk (x0 )}k . Pelo Teorema 6.9, existe uma única f de classe C 1 tal que f ′ (x) = g(x) para todo x ∈ Ω satisfazendo f (x0 ) = y0 . p Etapa 2: fk −→ f em Ω. Para cada x ∈ Ω, podemos determinar γx : [0, 1] → Ω curva de classe C ligando x0 a x, de modo que Z 1 fk′ (γx (t)) : γx′ (t) dt, fk (x) = fk (x0 ) + 1 Z f (x) = f (x0 ) + 0 1 0 g(γx (t)) : γx′ (t) dt. 166 Cálculo Avançado I Logo, |fk (x) − f (x)| ≤ |fk (x0 ) − f (x0 )| + Z 1 + kfk′ γx (t) − g γx (t)) kkγx′ (t)k dt ≤ Mk med(γx ). 0 Como Mk → 0, concluı́mos que fk converge pontualmente para f em Ω. Etapa 3: Suponhamos Ω = Ω1 ∪ · · · ∪ Ωp , p ∈ N, onde Ωi , 1 ≤ i ≤ p, é estrelado. Seja Φk = fk − f e x ∈ Ω. Por hipótese, existe xi ∈ Ωi tal que {sx + (1 − s)xi ; s ∈ [0, 1]} ⊂ Ωi . Pelo Teorema do Valor Médio, Φk (x) − Φk (xi ) = Φ′k (ξ) : x − xi , ), ξ ∈ Ωi de modo que |fk (x) − f (x)| ≤ |fk (xi ) − f (xi )| + kfk′ (ξ) − g(ξ)kkx − xi k. Como Ω é limitado, existe R > 0 tal que kx − xi k ≤ R para todo x ∈ Ω e para todo i = 1, . . . , p. Consequentemente, sup |fk′ (x) − g(x)| ≤ max |fk (xi ) − f (xi )| + Mk R. x∈Ω 1≤i≤p (10.8) Dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que Mk < ε/2R para todo k ≥ k0 . Pela Etapa 2, existe ki ∈ N tal que se k ≥ ki tem-se |fk (xi ) − f (xi )| < ε . 2 Então, se k ≥ max{k0 , k1 , . . . , kp }, segue de (10.8) a conclusão da prova. Sequências de Funções 167 Séries de funções e convergência uniforme Dada uma sequência de funções {fk } de F (A, Rm ), podemos considerar a sequência das somas parciais Φk (x) = k X fi (x). i=1 A sequência {Φk } é denominada série de funções de termo geral fk , que denotamos por ∞ X fi . (10.9) i=1 Dizemos que a série (10.9) converge uniformemente em A se a sequência das somas parciais que a define converge uniformemente em A. O Critério de Cauchy aplicado à sequência das somas parciais nos dá: P∞ Corolário 10.11: A série i=1 fi converge uniformemente em A se e somente se ∀ε > 0 existe k0 ∈ N tal que se k, l ≥ k0 então l X fi (x) < ε, i=k+1 ∀x ∈ A. Um resultado importante para o estudo da convergência uniforme de séries de funções é o Teste de Weierstrass, cuja prova é consequência imediata do critério de Cauchy. Teorema 10.12: Seja {fk } uma sequência de funções de F (A, Rm ) tais que kfk (x)k ≤ Mk , ∀x ∈ A. Se a série numérica P i Mi verge uniformemente em A. é convergente, então a série k X i=1 fk con- 168 Cálculo Avançado I • O Teorema de Extensão de Tietze Como aplicação do Teorema 10.12, vamos demonstrar o Teorema de Tietze, que permite vários desdobramentos importantes na Topologia Geral. Teorema 10.13: Sejam F ⊂ Rn fechado, I intervalo de R e f : F → I função contı́nua. Então f pode ser estendida ao Rn por uma função contı́nua. Mais precisamente, existe fe : Rn → I contı́nua tal que fe(x) = f (x), para todo x ∈ F Prova: Vamos dividir a demonstração em três etapas: (1) f limitada e atinge os extremos máximo e mı́nimo; (2) f é limitada mas não necessariamente atinge máximo ou mı́nimo e (3) f não é limitada. Etapa 1: Suponhamos I = [a, b], a < b (observe que se f é constante, o resultado é trivial) com os extremos deste intervalo atingidos por f , isto é, suponhamos que existem x e x em F tais que f (x) = a e 2 f (x) = b. Seja ϕ : [a, b] → [−1, 1] definida por ϕ(s) = −1 + b−a (s −a) e considere g0 = ϕ ◦ f . Então, g0 : F → [−1, 1] é contı́nua e atinge os extremos de [−1, 1]. Considere os conjuntos F0+ = x ∈ F ; g0 (x) ≥ 1/3 , F0− = x ∈ F ; g0 (x) ≤ −1/3 . Como g0 (x) = −1 e g0 (x) = 1, os conjuntos F0+ e F0− são não vazios, fechados, disjuntos e contidos em F . Logo, existe uma função h0 : Rn → [−1/3, 1/3] contı́nua (veja Exercı́cio 4.10) satisfazendo −1/3 se x ∈ F0− h0 (x) = . +1/3 se x ∈ F0+ Seja g1 : F → [−2/3, 2/3] definida por g1 = g0 − h0 . É claro que g1 é contı́nua e atinge os extremos do intervalo [−2/3, 2/3] respectivamente em x e x. Podemos então repetir o argumento anterior, considerando os conjuntos F1+ = x ∈ F ; g1 (x) ≥ 2/9 , F1− = x ∈ F ; g0 (x) ≤ −2/9 e uma função contı́nua h1 : Rn → [−2/9, 2/9] satisfazendo −2/9 se x ∈ F1− h1 (x) = . +2/9 se x ∈ F1+ Sequências de Funções 169 E assim, sucessivamente, construı́mos as sequências de funções contı́nuas {hk }k e {gk }k definidas respectivamente em Rn e F , satisfazendo as seguintes propriedades: gk+1 (x) = gk (x) − hk (x), ∀x ∈ F, k k 1 2 1 2 hk (x) = − e hk (x) = 3 3 3 3 k 1 2 |hk (x)| ≤ , ∀x ∈ Rn , 3 3 k 2 , ∀x ∈ F. |gk+1 (x)| ≤ 3 (10.10) Da terceira e quarta linhas de (10.10) e do Teorema 10.12, concluı́mos que: (1) a sequência {Hk }k , com Hk (x) = h0 (x) + · · · hk (x), e converge uniformemente em Rn para n H : R → [−1, 1], H(x) = ∞ X hj (x); j=0 (2) a sequência {gk } converge uniformemente para zero em F . Além disso, como para todo x ∈ F , gk+1 (x) = gk (x) − hk (x) = g0 (x) − Hk (x), concluı́mos que Hk converge uniformemente para g0 em F . Assim, fe : Rn → [a, b] a função definida por fe = ϕ−1 ◦ H é uma extensão contı́nua de f . Etapa 2: Suponhamos I = [a, b) com o extremo inferior a sendo atingido por f e o extremo b não atingido, mais precisamente, suponhamos x ∈ F tal que f (x) = a, f (x) < b para todo x ∈ F , sendo b = sup f (F ). Neste caso, o argumento do item anterior se aplica e obtemos uma função H : Rn → [−1, 1] contı́nua tal que ϕ−1 ◦ g0 coincide com f para todo x ∈ F . Se H(x) < 1 para todo x ∈ Rn , 170 Cálculo Avançado I teremos concluı́do a prova, tomando fe = ϕ−1 ◦ H. Caso contrário, consideremos o conjunto F0 = x ∈ Rn ; H(x) = 1 , que é fechado e não intercepta F . Assim, (veja Proposição 4.13)) existe ψ : Rn → [0, 1] contı́nua tal que |ψ(x)| ≤ 1, ∀x ∈ F , ψ(x) = 1 se x ∈ F e ψ(x) = 0 se x ∈ F0 . Neste caso, a função fe(x) = ψ(x)(ϕ−1 ◦ H)(x) satisfaz as condições desejadas. Mutatis mutandis, temos a mesma conclusão no caso f : F → (a, b]. Etapa 3: Se f não é limitada, consideremos a aplicação ϕ : R → (−1, 1), ϕ(s) = π2 arctan(s). Então, ϕ ◦ f satisfaz as condições da Etapa 2 e a prova está concluı́da. Séries de potências As séries de potências são casos particulares de séries de funções e desempenham papel preponderante na Matemática. Denominamos P∞ série de potências em torno de x0 ∈ R as séries de funções k=1 fk (x), onde fk (x) = ak (x − x0 )k . Como as funções fk (x) são polinômios e estão portanto definidas para todo x ∈ R, podemos perguntar para que valores de x a série converge pontualmente e/ou uniformemente. Para o estudo da convergência pontual podemos usar os testes para séries numéricas. De fato, para x fixado, o teste da raı́z dá: p lim sup k |ak ||x − x0 | < 1 ⇒ a série converge; k→∞ p lim sup k |ak ||x − x0 | > 1 ⇒ a série diverge. k→∞ Portanto, se denotarmos por R = 1/ lim sup k→∞ p k |ak |, (10.11) Sequências de Funções 171 então a série converge pontualmente (e absolutamente) no intervalo (x0 − R, x0 + R) (com a convenção R = +∞ se 1/R = 0) e diverge em (−∞, x0 − R) ∪ (x0 + R, +∞). O número R é denominado Raio de Convergência da série. Observe que o teste da raı́z nada informa sobre o que ocorre nas extremidades do intervalo. No que se refere ao estudo da convergência uniforme, podemos aplicar o Teste de Weierstrass. P∞ Teorema 10.14: Seja k=1 ak (x − x0 )k uma série de potências em torno de x0 e A um conjunto limitado qualquer tal que A esteja contido em (x0 − R, x0 + R), onde R é definido por (10.11). Então a série converge uniformemente em A. Prova: Seja α = sup{|x − x0 | ; x ∈ A}. Então 0 < α < +∞ e |fk (x)| ≤ |ak |αk , Como α < R, lim sup p k k→∞ P∞ k k=1 ak α ∀x ∈ A. |ak |α < 1. Logo a série numérica é convergente e concluı́mos a convergência uniforme da série de potências pelo Teorema 10.12. Observação: As funções definidas por séries de potências são infinitamente deriváveis no intervalo de convergência e suas derivadas são obtidas derivando-se a série termo a termo. De fato, seja ϕk (x) = k X j=0 aj (x − x0 )j , x ∈ IR = (x0 − R, x0 + R), p P∞ onde R = 1/ lim supk→∞ k |ak | e ϕ a série de potências j=1 aj (x − x0 )j (ϕ é o limite pontual de ϕk em IR ). Como ϕk é derivável, Pk ϕ′k (x) = j=0 jaj (x − x0 )j−1 e p p lim sup k (k + 1)|ak+1 | = lim sup k |ak | = 1/R, k→∞ k→∞ p segue do Teorema 10.14 que existe ψ: IR → R tal que ϕ′k −→ ψ em u IR e ϕ′k −→ ψ em todo intervalo I tal que I seja contido em IR . Portanto, pelo Teorema 10.9, ϕ é derivável em IR e ϕ′ = ψ. Como podemos repetir este argumento ao infinito, temos a conclusão. 172 Cálculo Avançado I A matriz exponencial Podemos estender de modo natural as definições de convergência pontual e convergência uniforme às sequências de F (A, W ), onde A ⊂ V , com V e W espaços vetoriais normados (de dimensão finita ou não), mantendo a validade da maioria dos resultados anteriores. Assim, por exemplo, se W é espaço de Banach, temos a extensão do Teorema 10.5. Essas extensões são particularmente importantes para o caso M = Mn×n do espaço das matrizes n × n (ou equivalentemente L(Rn , Rn ) o espaço das transformações lineares de Rn em Rn ). Além da estrutura de espaço vetorial de dimensão finita, M é uma álgebra se munido do produto usual de matrizes (ou equivalentemente munido da composição de funções), de modo que podemos considerar as séries de potências de matrizes. Mais precisamente, se Φk : M → M é polinômio da forma Φk (X) = k X j=1 aj (X − X0 )j , X ∈ M, podemos perguntar: Problema: Para quais X ∈ M temos a convergência pontual da sequência {Φk }k ? Onde ocorre a convergência uniforme? Com argumentos análogos aos anteriores podemos mostrar que p existe Φ: BR (X0 ) → M tal que Φk −→ Φ em BR (X0 ) = X ∈ M ; kX − X0 k < R , com R definido por (10.11). ΦP é denominada Série de Potências em torno de X0 , que denotamos ∞ por k=1 ak (X − X0 )k e, por analogia, BR (X0 ) o seu intervalo de convergência. Com argumentos análogos aos anteriores (veja Teorema 10.14), podemos provar o seguinte resultado sobre a convergência uniforme de séries de potências em M. P∞ Teorema 10.14 (bis): Seja k=1 ak (X − X0 )k uma série de potências em torno de X0 em M = Mn×n e S um subconjunto de BR (X0 ) Sequências de Funções 173 tal que S ⊂ BR (X0 ), onde R é definido por (10.11). Então a série converge uniformemente em S. Exemplo: (A Matriz Exponencial) Seja Φk : M → M definida por 1 1 Φk (X) = I + X + X 2 + · · · + X k . 2 k! p p Como limk→∞ k 1/k! = 0, existe Φ: M → M tal que Φk −→ Φ em M e uniformemente em qualquer conjunto limitado de M. Φ é denominada a Matriz Exponencial de X que denotamos por eX ou exp(X), isto é ∞ X 1 k exp(X) = (10.12) X . k! k=0 Observação: É possı́vel mostrar que, para toda matriz A ∈ M, a exponencial exp(A) é invertı́vel [exp(A)]−1 = exp(−A). Exercı́cios Exercı́cio 10.1. Seja fk : [0, 1] → R a função definida por fk (x) = lim (cos k!πx)2j . j→∞ Mostre que fk (x) = n 1 se x ∈ {1/k!, 2/k!, . . . , 1}, 0 senão e que fk converge pontualmente em [0, 1] para a função n 1 se x é racional, f (x) = 0 se x é irracional. Exercı́cio 10.2. Dê exemplo de sequência de funções sci que converge pontualmente para uma função que não é sci. Exercı́cio 10.3. Sejam {fk } e {gk } sequências de funções definidas em A ⊂ Rn com valores em Rm . Se {fk } e {gk } convergem uniformemente em A, prove que {fk + gk } converge uniformemente em A. 174 Cálculo Avançado I Se, além disso, {fk } e {gk } são sequências de funções uniformemente limitadas (isto é, kfk (x)k ≤ α e kgk (x)k ≤ β ∀x ∈ A, ∀k), mostre que {ϕk } definida por ϕk (x) = hfk (x) : gk (x)i converge uniformemente em A. Exercı́cio 10.4. Verdadeiro ou falso? u a) Se fk −→ f em A, ⇒ {fk } é sequência de funções limitadas. u f em A, com A compacto e fk contı́nua para todo k, b) Se fk −→ ⇒ {fk } é sequência de funções uniformemente limitadas. Exercı́cio 10.5. Sejam g: R → R função de classe C 1 e fk : A ⊂ Rn → R sequência de funções uniformemente limitadas (isto é, |fk (x)| ≤ α ∀k e ∀x ∈ A), tal que fk −→ f uniformemente em A. Mostre que g ◦ fk −→ g ◦ f uniformemente em A. Exercı́cio 10.6. Considere f (x) = ∞ X k=1 1 1 + k2 x Para que valores de x esta série é absolutamente (pontualmente) convergente? Em que intervalos ela é uniformemente convergente? f é contı́nua nos pontos em que a série converge? f é limitada? P∞ k x2 +k Exercı́cio 10.7. Prove que a série converge unik=1 (−1) k2 formemente em todo intervalo limitado, mas não converge absolutamente em nenhum x. 0 −1 Exercı́cio 10.8. Seja X = . Mostre que 1 0 cos θ exp(θX) = sen θ − sen θ . cos θ Exercı́cio 10.9. Seja M = Mn×n e considere X ∈ M tal que kXk < 1. a) Mostre que I + X é invertı́vel. P∞ k k b) Mostre que a série de potências k=0 (−1) X converge pon−1 tualmente para (I + X) em B1 (0). Sequências de Funções 175 c) Seja I = X ∈ M ; X é invertı́vel e f : I → M a função f (X) = X −1 . Mostre que f é diferenciável em I e calcule f ′ (X). Exercı́cio 10.10. Seja A ∈ Mn×n (R) e considere a matriz exponencial exp(θA) (veja (10.12)). Mostre que: d exp(θA) = A exp(θA) = exp(θA)A. dθ (b) det exp(A) = etr A . (a) Sug.: Considere ϕ(θ) = det exp(θA) e calcule ϕ′ (θ). Exercı́cio 10.11. Mostre que lim kxkp = kxk∞ p→+∞ uniformemente nos compactos de Rn . Exercı́cio 10.12. Seja f : Rn −→ Rn tal que f (0) = 0 e considere {fk }k a sequência definida por fk : B → Rn , x fk (x) = kf ( ) ∀x ∈ B, k onde B = {x ∈ Rn ; 12 ≤ kxk ≤ 1}. Mostre que se {fk }k converge uniformemente em B para uma transformação linear L: Rn −→ Rn , então f é diferenciável em 0. Exercı́cio 10.13. Seja K ⊂ Rn compacto e {fk }k sequência de funções reais contı́nuas convergindo pontualmente em K para uma função contı́nua f . Se fk (x) ≤ fk+1 (x), ∀x ∈ K, k = 1, 2, . . . mostre que a convergência é uniforme. Mostre que o resultado é falso se K não é compacto. 11 O Espaço C(K;Rm) Seja K um subconjunto compacto de Rn e considere C(K; Rm ) = f : K → Rm ; f é função contı́nua . C(K; Rm ) é espaço vetorial (com as operações usuais de soma de funções e produto por escalar) de dimensão infinita. De fato, num espaço vetorial V de dimensão n, qualquer subconjunto com mais de n vetores é necessariamente linearmente dependente. Consideremos, por exemplo, V = C([0, 1]; R). Para todo k ∈ N seja Ak o subconjunto Ak = {f1 , f2 , . . . , fk }, onde fk (x) = xk . É fácil ver que Ak é linearmente independente, qualquer que seja k ∈ N. Logo, V não pode ser de dimensão finita. A norma natural de C(K; Rm ) é a norma k k∞ definida por kf k∞ = max kf (x)k ; x ∈ K , onde k k é uma norma qualquer de Rm . Observação: O termo “natural” a que nos referimos acima é aqui justificado pelos resultados que se seguem, isto é, a norma k k∞ é natural do ponto de vista matemático. Como na prática a norma natural é em geral a que melhor convém a uma dada aplicação ou a um dado problema, pode ocorrer que a “natural” não seja a que 178 Cálculo Avançado I proporciona boas propriedades ao espaço. Por exemplo, a norma euclidiana em C([a, b], R), definida por !1/2 Z b kf k2 = a |f (x)|2 , é natural para muitas aplicações, como por exemplo os problemas que envolvem séries de Fourier, etc. Porém, C([a, b], R) não é espaço de Banach para esta norma, não ficam assim assegurados os processos de limite. Teorema 11.1: O espaço C(K; Rm ) munido da norma k k∞ é espaço de Banach. Além disso, kfk − f k∞ → 0 ⇐⇒ u fk −→ f em K. Prova: Seja {fk }k sequência de Cauchy em C(K; Rm ). Então {fk }k é uniformemente de Cauchy. Pelos Teoremas 10.5 e 10.6, existe u f ∈ C(K; Rm ) tal que fk −→ f em K. A conclusão segue da Proposição 10.3. Observação: O Teorema 11.1 assegura a validade em C(K; Rm ) dos principais resultados demonstrados nos capı́tulos anteriores. Em especial, o Teorema do Ponto Fixo de Banach, o Teorema da Função Inversa, o Teorema da Função Implı́cita, o Teorema dos Multiplicadores de Lagrange, etc., que são importantes para as aplicações. Aplicação: o Teorema de Picard Como aplicação dos resultados estudados até aqui, vamos apresentar nesta seção um prova elegante do Teorema de Picard para a existência e unicidade de soluções do Problema de Valor Inicial para Sistemas de Equações Diferenciais Ordinárias. Problema: Seja T > 0 e x0 ∈ Rn . Dada f : [0, T ]×Rn → Rn , deseja-se saber se existe uma única curva γ: [0, T ] → Rn diferenciável em ]0, T [ tal que ( γ ′ (t) = f t, γ(t) , ∀t ∈ ]0, T [, (11.1) γ(0) = x0 . m O Espaço C(K;R ) 179 Uma resposta afirmativa para o problema é dada pelo Teorema de Picard (para uma forma mais geral, veja exercı́cios). Teorema 11.2: Seja f : [0, T ] × Rn → Rn função contı́nua satisfazendo a seguinte propriedade: existe L ≥ 0 tal que ∀x, y ∈ Rn , kf (t, x) − f (t, y)k ≤ Lkx − yk, ∀t ∈ [0, T ]. (11.2) Então, para cada x0 ∈ Rn , existe uma única curva γ: [0, T ] → Rn de classe C 1 em ]0, T [ satisfazendo (11.1). Prova: Seja V = C [0, T ]; Rn e considere a função Ψ: V → V definida por (veja notação em (5.20)) Z Ψ(γ)(t) = x0 + t 0 Então, para todo t ∈ [0, T ] kΨ(γ1 )(t) − Ψ(γ2 )(t)k ≤ Z t 0 f s, γ(s) ds. kf s, γ1 (s) − f s, γ2 (s) k ds (11.3) ≤ Lkγ1 − γ2 k∞ t. Consideremos Ψ2 = Ψ ◦ Ψ. Então, para toda γ ∈ V , 2 Ψ (γ)(t) = x0 + Z t 0 e obtemos de (11.3) ∀t ∈ [0, T ] 2 2 kΨ (γ1 )(t) − Ψ (γ2 )(t)k ≤ Z 0 t f s, Ψ(γ)(s) ds LkΨ(γ1 )(s) − Ψ(γ2 )(s) k ds ≤ L2 kγ1 − γ2 k∞ t2 . 2 Repetindo o argumento para Ψ3 , . . . , Ψk , obtemos kΨk (γ1 )(t) − Ψk (γ2 )(t)k ≤ L k tk kγ1 − γ2 k∞ , k! ∀t ∈ [0, T ]. (11.4) 180 Cálculo Avançado I Passando ao supremo em t ∈ [0, T ] na desigualdade (11.4), temos kΨk (γ1 ) − Ψk (γ2 )k∞ ≤ Lk T k kγ1 − γ2 k∞ . k! Fixando k ∈ N tal que Lk T k /k! < 1, concluı́mos que Ψk é contração em V . Sendo V um espaço de Banach, existe um único γ ∈ V ponto fixo para Ψk . Logo (veja Exercı́cio 4.24), γ é ponto fixo de Ψ, isto é, γ(t) = x0 + Z t 0 f s, γ(s) ds. Para concluir que γ é de classe C 1 , basta observar que a aplicação t 7→ f (t, γ(t)) é contı́nua de ]0, T [ em Rn . Corolário 11.3: Seja f : [0, +∞[×Rn → Rn função contı́nua satisfazendo a condição de Lipschhitz (11.2) para todo t ≥ 0. Então, para cada x0 ∈ Rn , existe uma única curva γ: [0, +∞[→ Rn de classe C 1 em ]0, +∞[ satisfazendo (11.1). Prova: Fixe T > 0, 0 < ε < T /2 e aplique sucessivamente o Teorema 11.2 nos intervalos [0, T ], [T − ε, 2T ], [2T − ε, 3T ], . . .. O Teorema de Arzelà-Ascoli Uma das diferenças marcantes entre o Rn (ou mais geralmente entre um espaço de dimensão finita) e C(K; Rm ) é sobre a caracterização dos conjuntos compactos. Por exemplo, os fechados e limitados de C(K; Rm ) não são necessariamente compactos. De fato, mostremos que a bola fechada B = f ∈ C [0, 1]; R ; kf k∞ ≤ 1 não é um conjunto compacto em C([0, 1], R). Seja (veja Figura 11.1) fk (x) = x2 , x2 + (1 − kx)2 x ∈ [0, 1]. m O Espaço C(K;R ) 181 p É fácil ver que kfk k∞ ≤ 1 e que fk −→ 0 em [0, 1]. Se B fosse compacto, a sequência {fk } admitiria uma subsequência convergente (necessariamente a zero), o que é impossı́vel, pois kfk k∞ = |fk (1/k)| = 1. 1.2 1 0.8 y 0.6 0.4 0.2 0 0.2 0.4 x 0.6 0.8 1 Figura 11.1 A caracterização dos conjuntos compactos de C(K; Rm ) é dada pelo Teorema de Arzelà-Ascoli que veremos a seguir. Definição 11.4: Dizemos que X ⊂ C(K; Rm ) é equicontı́nuo se ∀ε > 0 existe δ > 0 tal que se x, y ∈ K e kx − yk < δ, então kf (x) − f (y)k < ε, ∀f ∈ X . Se X ⊂ C(K, Rm ), denotamos X (x) = {f (x) ; f ∈ X }. Teorema 11.5: Seja K ⊂ Rn compacto e X ⊂ C(K, Rm ). Então X é relativamente compacto em C(K, Rm ) se e somente se X é equicontı́nuo e, para todo x ∈ K, X (x) é limitado de Rm . A prova é consequência dos seguintes lemas: Lema 11.6: Se X é compacto em C(K, Rm ) então X é equicontı́nuo e, para todo x ∈ K, X (x) é compacto em Rm . Prova: Seja x0 ∈ K. Provemos que X (x0 ) é compacto. Consideremos {ξk } uma sequência de X (x0 ). Por definição, existe fk ∈ X tal que fk (x0 ) = ξk . Como X é compacto, {fk } admite uma subsequência {fki } tal que fki −→ f uniformemente para algum f ∈ X . 182 Cálculo Avançado I Em particular, ξki = fki (x0 ) −→ f (x0 ) ∈ X (x0 ). Logo X (x0 ) é compacto. Provemos que X é equicontı́nuo. Dado ε > 0, consideremos a cobertura {Bε (f )}f ∈X de X , onde Bε (f ) = {g ∈ C(K, Rm ) ; kg − f k∞ < ε} Como X é compacto, existem f1 , f2 , . . . , fk em X tais que X ⊂ Sk B i=1 ε (fi ). Como cada fi é contı́nua em K e K é compacto, fi é uniformemente contı́nua em K: ∃δi > 0 tal que kx − yk < δi ⇒ kfi (x) − fi (y)k < ε. Seja δ = min{δ1 , δ2 , . . . , δk }. Se f ∈ X , então f ∈ Bε (fi0 ) para algum 1 ≤ i0 ≤ k e se kx − yk < δ, kf (x) − f (y)k ≤ kf (x) − fi0 (x)k + kfi0 (x) − fi0 (y)k + kfi0 (y) − f (y)k ≤ 2kf − fi0 k∞ + kfi0 (x) − fi0 (y)k. Mas kfi0 (x) − fi0 (y)k < ε pois kx − yk < δ ≤ δi0 e kf − fi0 k∞ < ε pois f ∈ Bε (fi0 ). Portanto kf (x) − f (y)k < 3ε, o que implica X equicontı́nuo. Lema 11.7: Seja X subconjunto fechado de C(K, Rm ). Se X é equicontı́nuo e, para todo x ∈ K, X (x) é compacto em Rm , então X é compacto em C(K, Rm ). Prova: Consideremos {fk } uma sequência qualquer de X e E = {x1 , x2 , . . .} ⊂ K enumerável tal que E = K (veja Exercı́cio 3.4). Por hipótese X (x1 ) é compacto. Então {fk (x1 )} ⊂ X (x1 ) admite uma subsequência (que designaremos por {fk1 (x1 )}) convergente para um elemento ξ1 de X (x1 ). Como X (x2 ) é compacto, {fk1 (x2 )} admite subsequência {fk2 (x2 )} convergente para um elemento ξ2 de X (x2 ). E assim, sucessivamente, construı́mos subsequências de {fk }, a saber {fkj }k , satisfazendo as seguintes propriedades: 1. {fkj (xj )}k converge em Rm , para todo j ∈ N; m O Espaço C(K;R ) 183 2. {fkj }k é subsequência de {fkj−1 }k . Portanto, existe uma sequência ξ1 , ξ2 , . . . em Rm tal que lim fkj (xl ) = ξl k→∞ ∀l = 1, . . . , j. (11.5) Consideremos então a sequência diagonal f11 , f22 , . . . de elementos de X . Como X é equicontı́nuo, dado ε > 0, ∃δ > 0 tal que kx − yk < δ ⇒ kfkk (x) − fkk (y)k < ε, ∀k ∈ N. (11.6) Seja {Bδ (x)}x∈E a famı́lia de bolas de raio δ centradas nos elementos de E. Como E é densoSem K e este é compacto, existem l x1 , x2 , . . . , xl ∈ E tais que K ⊂ j=1 Bδ (xj ). Tomemos x ∈ K e ε > 0. Então x ∈ Bδ (xl ) para algum l. De (11.5), sabemos que existe kl ∈ N tal que kfkj (xl ) − ξl k < ε/2 para todo k ≥ kl e para todo j ≥ l. Portanto, se k0 = max{kl , l}, temos ′ kfkk (xl ) − fkk′ (xl )k < ε, ∀k, k ′ ≥ k0 . (11.7) Assim, se k, k ′ ≥ k0 , então ′ ′ kfkk (x) − fkk′ (x)k ≤ kfkk (x) − fkk (xl )k + kfkk (xl ) − fkk′ (xl )k ′ ′ + kfkk′ (xl ) − fkk′ (x)k < 4ε. Como k0 não depende de x, concluı́mos que fkk converge uniformemente para algum f ∈ C(K, Rm ). Em particular, f ∈ X = X . Lema 11.8: Seja X ⊂ C(K, Rm ). Então a) X é equicontı́nuo ⇐⇒ X é equicontı́nuo. b) X (x) ⊂ X (x) ∀x ∈ K. c) Se X é equicontı́nuo e X (x) é limitado para todo x ∈ K (K compacto de Rn ), então X (x) = X (x) ∀x ∈ K. 184 Cálculo Avançado I Prova: (a) A implicação “⇐” é óbvia. Provemos então “⇒”. Se X é equicontı́nuo, dado ε > 0, ∃ δ > 0 tal que se kx − yk < δ, então kf (x) − f (y)k < ε/3, ∀f ∈ X . Seja f ∈ X e considere fk ∈ X com fk −→ f uniformemente em K. Então ∃ k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , kfk (x) − f (x)k < ε/3 para todo x ∈ K. Portanto, kf (x) − f (y)k ≤ kf (x) − fk (x)k + + kfk (x) − fk (y)k + kfk (y) − f (y)k < ε. (b) Seja ξx ∈ X (x). Por definição, existe f ∈ X tal que ξx = f (x). Seja fk ∈ X tal que fk −→ f uniformemente. Então fk (x) −→ f (x) e portanto f (x) ∈ X (x). (c) Seja ξ ∈ X (x). Então existe sequência {ξk } em X (x) tal que ξk −→ ξ. Por definição, existe {fk } sequência em X tal que fk (x) = ξk . Com o mesmo argumento da prova do Lema 11.7, concluı́mos que fk possui uma subsequência que converge uniformemente para f ∈ C(K, Rm ). Assim f ∈ X e ξ = f (x) ∈ X (x). Prova do Teorema 11.5: Se X é relativamente compacto, X é compacto. Além disso, como X é limitado em C(K, Rm ), tem-se X (x) limitado em Rm para todo x ∈ K. Pelo Lema 11.6, X é equicontı́nuo e pelo Lema 11.8, X é equicontı́nuo. Concluı́mos, assim, que X é equicontı́nuo e X (x) é limitado. Reciprocamente, se X é equicontı́nuo e X (x) é limitado para todo x ∈ K, segue do Lema 11.8 que X é equicontı́nuo e X (x) é compacto para todo x ∈ K. Logo, pelo Lema 11.7, X é compacto e, portanto, X é relativamente compacto. Aplicação: o Teorema de Cauchy-Peano Como aplicação do Teorema de Arzelà-Ascoli (Teorema 11.5), vamos demonstrar o Teorema de Cauchy-Peano sobre a existência de soluções para problemas de valor inicial. Teorema 11.9: Seja Ω ⊂ R2 aberto, f : Ω → R uma função contı́nua e (x0 , y0 ) ∈ Ω. Então existe r > 0 e ao menos uma função de classe C 1 ϕ: [x0 − r, x0 + r] → R tal que ϕ(x0 ) = y0 satisfazendo ϕ′ (x) = f x, ϕ(x) ∀x ∈ ]x0 − r, x0 + r[. (11.8) m O Espaço C(K;R ) 185 Prova: Seja U ⊂ Ω uma vizinhança limitada de (x0 , y0 ) e considere M = max{|f (x, y)| ; (x, y) ∈ U }. Seja r > 0 tal que o retângulo R = {(x, y) ∈ Ω ; |x − x0 | ≤ r, |y − y0 | ≤ M r} ⊂ U. Consideremos o intervalo [x0 , x0 + r] e para cada n ∈ N a partição definida por xi = x0 + ir/n, i = 0, 1, . . . , n. Consideremos também para cada n ∈ N a função poligonal ψn (x) = n X ani ϕni (x), i=0 onde os coeficientes an0 , an1 , . . . , ann são definidos pela recorrência an0 = y0 , ani+1 = ani + r f (xi , ani ), i = 0, 1, . . . , n − 1 n e as funções ϕni são definidas por n ϕn0 (x) = n(x1 − x)/r 0 n ϕnn (x) = n(x − xn−1 )/r 0 e para i = 1, 2 . . . , n − 1, ( n(x − xi−1 )/r n ϕi (x) = n(xi+1 − x)/r 0 (11.9) se x0 ≤ x ≤ x1 , senão se xn−1 ≤ x ≤ xn senão se xi−1 ≤ x ≤ xi se xi ≤ x ≤ xi+1 senão (as funções ϕni formam uma base para o espaço vetorial das poligonais com vértices nos pontos da partição). Como |ai − a0 | ≤ M r para i = 1, 2, . . . , n, o gráfico de ψn está inteiramente contido no retângulo R. Além disso, é claro que ψn é contı́nua com derivada ψn′ contı́nua por partes. Mais precisamente, ψn′ (x) = (ani − ani−1 )n/r = f (xi−1 , ani−1 ), ∀x ∈ ]xi−1 , xi [. 186 Cálculo Avançado I Em particular, temos de (11.9) n |ψn′ (x)| ≤ |ani − ani−1 | ≤ M r e como Z x ψn (x) = y0 + x0 (11.10) ψn′ (s) ds, temos |ψn (x)| ≤ |y0 | + M |x − x0 | ≤ M r. (11.11) Consideremos o conjunto X = {ψn ; n ∈ N} que é subconjunto de C [x0 , x0 +r]; R . Segue de (11.11) que X (x) é limitado para qualquer x ∈ [x0 , x0 + r]. Além disso, como Z x′ ′ |ψn′ (s)| ds ≤ M |x′ − x|, |ψn (x) − ψn (x )| ≤ x segue que X é equicontı́nuo. Decorre do Teorema de Arzelà-Ascoli que existe uma subsequência (que ainda denotaremos por ψn ) e uma função ψ ∈ C [x0 , x0 + r], R tais que ψn → ψ uniformemente em [x0 , x0 + r]. Para concluir, basta mostrar que ψ satisfaz a equação (11.8), o que é equivalente a mostrar que Z x ψ(x) = y0 + f (s, ψ(s)) ds. x0 Consideremos as funções Φn e Φ definidas por Z x Z Φn (x) = y0 + f (s, ψn(s)) ds, Φ(x) = y0 + x0 x f (s, ψ(s)) ds x0 Como f é uniformemente contı́nua em R, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que se |x − x′ | < δ e |y − y ′ | < δ, então |f (x, y) − f (x′, y ′ )| < ε. Como ψn converge uniformemente para ψ em [x0 , x0 + r], existe n0 ∈ N tal que se n ≥ n0 , então |ψn (x) − ψ(x)| < δ. Portanto, para n ≥ n0 Z x |f (s, ψn(s)) − f (s, ψ(s))| ds |Φn (x) − Φ(x)| ≤ x0 ≤ n Z X i=1 ≤ εr xi xi−1 |f (s, ψn(s)) − f (s, ψ(s))| ds m O Espaço C(K;R ) 187 e concluı́mos que Φn converge uniformemente para Φ. Por outro lado, como Φn (x) − ψn (x) = Z x x0 f (s, ψn(s)) − ψn′ (s) ds, podemos escrever |Φn (x) − ψn (x)| ≤ ≤ n Z X xi i=1 xi−1 n Z xi X i=1 xi−1 |f (s, ψn(s)) − ψn′ (s)| ds |f (s, ψn(s)) − f (xi−1 , ani−1 )| ds ≤ εr Portanto a sequência Φn − ψn converge uniformemente para 0. Como ψn converge uniformemente para ψ, concluı́mos que Φ = ψ. Como o mesmo argumento pode ser repetido para o intervalo [x0 − r, x0 ], concluı́mos a prova. O Teorema de Weierstrass Como foi mencionado anteriormente, C(K; Rn ) é um espaço de Banach quando munido da norma do máximo. Portanto, no que se refere aos processos de limite, ele apresenta semelhanças com R. Uma propriedade importante de R, denominada separabilidade, é que R possui um subconjunto enumerável e denso, a saber, o conjunto dos números racionais Q. O resultado que se segue, denominado Teorema de Weierstrass, mostra que C([a, b]; R) também possui esta propriedade, sendo portanto um espaço separável. A prova que aqui apresentamos é devida a H. Lebesgue. Teorema 11.10: Se f ∈ C [a, b]; R , então existe uma sequência de polinômios {Pk }k tal que Pk → f uniformemente em [a, b]. Prova: Faremos a prova em duas etapas. 188 Cálculo Avançado I Etapa 1: Consideremos inicialmente a = 0, b = 1 e suponhamos que f (0) = 0. Como f é uniformemente contı́nua em [0, 1], dado ε > 0 existe δ > 0 tal que |x − x′ | < δ ⇒ |f (x) − f (x′ )| < ε/4. (11.12) Seja n ∈ N tal que 1/n ≤ δ e considere a partição P = {x0 , . . . , xn } de [0, 1] definida por xi = i/n, i = 0, 1, . . . , n. Para cada i = 0, 1, . . . , n−1, considere a função ϕi : [0, 1] → R definida por ϕi (x) = (x − xi )+ . É fácil ver que {ϕi }i é uma base para o espaço das poligonais ψ que têm vértices nos pontos de P e que satisfazem ψ(0) = 0. Seja ψ(x) = n−1 X αi ϕi (x), i=0 onde os coeficientes αi são definidos pela recorrência ( α0 = nf (x1 ) (11.13) αi = n f (xi+1 ) − 2f (xi ) + f (xi−1 ) , i = 1, . . . , n − 1. Então ψ(xi ) = f (xi ), para i = 0, 1, . . . , n e como consequência de (11.12) temos kf − ψk∞ < ε/2. Por outro lado, como ϕi (x) = 1 |x − xi | + x − xi , 2 se provarmos que as funções x 7→ |x − xi |, i = 1, 2, . . . , n − 1, podem ser aproximadas uniformemente por polinômios em [0, 1], teremos concluı́do a demostração desta etapa. De fato, suponhamos que exista um polinômio Qi (x) tal que |x − xi | − Qi (x) < ε , 2nM ∀x ∈ [0, 1], i = 0, . . . , n − 1, m O Espaço C(K;R ) 189 onde M = max{|α0 |, . . . , |αn−1 |}. Então, considerando P (x) = n−1 X i=0 αi Pi (x), onde Pi (x) = Qi (x) + x − xi , temos kf − P k∞ ≤ kf − ψk∞ + kψ − P k∞ < ε. Provemos, então, que x 7→ |x − xi |, i = 0, . . . , n − 1, pode ser aproximada uniformemente por polinômios em [0, 1]. √ A série de Taylor de φ(ξ) = 1 − ξ em torno de ξ = 0 é ∞ X (2ν − 3)! 1 1− ξ− ξν , 2ν−1 2 ν! (ν − 1)! 2 ν=2 cujo intervalo de convergência é |ξ| < 1. Portanto, se considerarmos a sequência de polinômios {Sk }k definidos por k X 1 (2ν − 3)! Sk (ξ) = 1 − ξ − ξν , 2ν−1 2 ν! (ν − 1)! 2 ν=2 então Sk converge absoluta e uniformemente para φ nos compactos de |ξ| < 1. Além disso, para |ξ| ≤ 1, temos |aν ξ ν | = (2ν − 3)! 1 k |ξ| ≤ , ∀ν ≥ 2 ν!(ν − 1)!22ν−1 ν!2ν e, do teste M de√Weirestrass, concluı́mos que Sk (ξ) converge uniformemente para 1 − ξ em [−1, 1]. Em particular, Pk (ξ) = Sk (1 − ξ 2 ) define uma p sequência de polinô2 mios que converge √ uniformemente para ξ√7→ 1 − √ (1 − ξ ) = |ξ| no intervalo |ξ| ≤ 2. Como [0, 1] ⊂ ]xi − 2, xi + 2[, os polinômios Pk (x − xi ) fornecem a sequência desejada. Etapa 2: Seja f ∈ C [a, b]; R e considere g: [0, 1] → R definida por g(x) = f xb + (1 − x)a − (1 − x)f (a). 190 Cálculo Avançado I Então g ∈ C [0, 1]; R e satisfaz g(0) = 0. Segue da Etapa 1 que existe uma sequência de polinômios Gk que converge uniformemente para g em [0, 1]. Seja Pk o polinômio definido por Pk (x) = Gk x−a b−a x−a + 1− f (a). b−a Então Pk → f uniformemente em [a, b]. Funcionais Contı́nuos e Diferenciáveis As funções reais definidas em C(K; Rm ) são denominadas funcionais de C(K; Rm ) e as definições de funções contı́nuas e funções diferenciáveis se estendem ipsis litteris aos funcionais. Como nunca é demais recordar, temos, Definição 11.11: Dizemos que um funcional J: C(K; Rm ) → R é contı́nuo em f0 se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que se kf − f0 k∞ < δ, então |J(f ) − J(f0 )| < ε. Dizemos que J é contı́nuo em X ⊂ C(K; Rm ) se é contı́nuo em todos os pontos de X . Definição 11.12:: Dizemos que um funcional J: C(K; Rm ) → R é diferenciável em f0 se existem funcionais ǫ, L: C(K; Rm ) → R tais que J(f0 + ϕ) = J(f0 ) + L(ϕ) + ǫ(ϕ), onde L é linear contı́nuo e ǫ é o kϕk∞ . Neste caso, L é denominado a Diferencial de Fréchet de J em f0 . Se J é diferenciável em todos os pontos do aberto O ⊂ C(K; Rm ), dizemos que J é diferenciável em O. Nota: Lembre-se que C(K; Rm ) é de dimensão infinita. Portanto, faz-se necessária a hipótese sobre a continuidade do funcional L, visto que existem funcionais lineares J: C(K; Rm ) → R que não são contı́nuos. A construção de tais funcionais, assim como a carac terização do espaço dual L C(K; Rm ); R (isto é, o espaço dos funcionais lineares contı́nuos) de C(K; Rm ) está fora do alcance destas notas. m O Espaço C(K;R ) 191 Exemplo 1: Se g: R → R é função contı́nua, então o funcional J: C(K; Rm) → R definido por Z J(f ) = b a g f (x) dx (11.14) é contı́nuo em C [a, b], R . Além disso, se g é uma função de classe C 1 (R), então o funcional J definido em (11.14) é diferenciável em C [a, b], R e (veja Exercı́cios) ′ J (f0 )h = Z b g ′ (f0 (x))h(x) dx. a Exemplo 2: Sejam x0 ∈ [a, b] e J: C [a, b] → R o funcional definido por J(f ) = f (x0 ). J é linear e contı́nuo em C [a, b] . Este funcional é denominado delta (ou medida) de Dirac em x0 . Aplicação: Fluxos Seja T > 0 e f : [0, T ] × Rn → Rn uma função satisfazendo (11.2). Pelo Teorema 11.2, para cada x0 ∈ Rn , existe uma única curva γ: [0, T ] → Rn , diferenciável em ]0, T [, solução do problema de valor inicial (11.1). Temos assim definida a aplicação Φ: Rn → C [0, T ], Rn (11.15) x0 7→ Φ(x0 ) onde γ(t) = Φ(x0 )(t) é a solução de (11.1), isto é, Φ(x0 )(t) = x0 + Z t 0 f s, Φ(x0 )(s) ds. (11.16) Definição 11.13: A aplicação (11.15)-(11.16) é denominada o Fluxo gerado por f . Exemplo: Como exemplo particularmente importante, consideremos a função linear f (x) = Ax, onde A é matriz n × n. Então 192 Cálculo Avançado I podemos verificar facilmente que o fluxo gerado por f é dado pela matriz exponencial exp(tA) (veja (10.12)), isto é, Φ(x0 )(t) = exp(tA)x0 , ∀t ∈ R, ∀x0 ∈ Rn . Além disso, se f (t, x) = A(t)x, onde A(t) = [aij (t)] é uma matriz n × n cujos coeficientes são funções contı́nuas de t, então é fácil ver Rt que, se B(t) = 0 A(s) ds comuta com A, isto é, A(t)B(t) = B(t)A(t) para todo t, o fluxo gerado por f é dado pela matriz exponencial exp(B(t)). O teorema a seguir é um resultado básico da Teoria das Equações Diferenciais, conhecido como dependência contı́nua das soluções com relação aos dados iniciais. Ele afirma que se os dados iniciais x0 e x̃0 do problema de valor inicial (11.1) estão próximos, então as respectivas curvas soluções permanecem próximas. Mais precisamente, Teorema 11.14: Seja f : [0, T ] × Rn → Rn uma função satisfazendo (11.2). Então o fluxo gerado por f é uma função Lipschitz-contı́nua de Rn em C [0, T ], Rn . A prova é consequência imediata da desigualdade de Gronwall. Lema 11.15: (Gronwall) Sejam α, β ≥ 0 e ϕ: [0, T ] → R uma função contı́nua e positiva tal que Z t ϕ(t) ≤ α + β ϕ(s) ds, ∀t ∈ [0, T ]. 0 βt Então, ϕ(t) ≤ αe , ∀t ∈ [0, T ]. Rt Prova: Seja ψ(t) = α + β 0 ϕ(s) ds. Então ψ ′ (t) = βϕ(t) ≤ βψ(t). Multiplicando a desigualdade por e−βt , podemos escrever d −βt e ψ(t) ≤ 0, dt de onde se obtém e−βt ψ(t) ≤ ψ(0) = α e a conclusão. Prova do Teorema 11.14: Sejam x0 e x dois pontos de Rn . Então Z t Φ(x0 )(t) = x0 + f s, Φ(x0 )(s) ds 0 Z t Φ(x)(t) = x + f s, Φ(x)(s) ds 0 m O Espaço C(K;R ) 193 Subtraindo as duas identidades e calculando a norma em Rn , temos Z t kΦ(x)(t) − Φ(x0 )(t)k ≤ kx − x0 k + L kΦ(x)(s) − Φ(x0 )(s)k ds 0 Pela desigualdade de Gronwall, obtemos kΦ(x)(t) − Φ(x0 )(t)k ≤ kx − x0 keLt . Passando ao supremo em t, concluı́mos kΦ(x) − Φ(x0 )k∞ ≤ kx − x0 keLT . O próximo resultado estabelece uma relação entre a diferencial do fluxo gerado por f e o fluxo gerado por f ′ . Mais precisamente, consideremos uma função f : [0, T ] × Rn → Rn de classe C 1 satisfazendo (11.2) e γ(t), 0 ≤ t ≤ T , uma curva de Rn . O problema de valor inicial ( h′ (t) = f ′ t, γ(t) h(t), ∀t ∈ ]0, T [, (11.17) h(0) = h0 , é denominado linearizado de (11.1) em relação a γ(t). Teorema 11.16: Seja f : [0, T ] × Rn → Rn uma função de classe C 1 satisfazendo (11.2) e Φ o fluxo associado a f . Então Φ é diferenciável em Rn e sua diferencial é o fluxo associado ao problema de valor inicial ( ′ h (t) = f ′ t, Φ(x0 )(t) h(t), ∀t ∈ ]0, T [, (11.18) h(0) = h0 . Prova: Sejam x0 , h0 ∈ Rn , y(t) = Φ(x0 + h0 )(t), x(t) = Φ(x0 )(t) e h(t) = Ψ(h0 )(t), onde Φ é o fluxo gerado por f e Ψ denota o fluxo associado ao problema de valor inicial (11.18). Então Z t y(t) = x0 + h0 + f s, y(s) ds, 0 Z t (11.19) x(t) = x0 + f s, x(s) ds, 0 Z t h(t) = h0 + f ′ s, x(s) h(s) ds. 0 194 Cálculo Avançado I Portanto, se ϕ(t) = ky(t) − x(t) − h(t)k, temos ϕ(t) ≤ ≤ Z t 0 Z t kf s, y(s) − f s, x(s) − f ′ s, x(s) h(s)k ds kf ′ s, x(s) (y(s) − x(s) − h(s))k ds + 0 Z t + kǫ s, x(s), y(s) − x(s) k ds (11.20) 0 onde ǫ(s, ξ, ζ) = f (s, ξ + ζ) − f (s, ξ) − f ′ (s, ξ)ζ. De (11.20) obtemos ϕ(t) ≤ C1 Z t ϕ(s) ds + C2 , 0 onde C1 = max{kf ′ s, x(s) k ; s ∈ [0, T ]} e C2 = Z 0 T kǫ s, x(s), y(s) − x(s) k ds. Decorre da desigualdade de Gronwall que ϕ(t) ≤ C2 eC1 t , ∀t ∈ [0, T ], de modo que, tomando o supremo em [0, T ], obtemos kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψ(h0 )k∞ ≤ C2 eC1 T . (11.21) Como kǫ(s, x(s), ζ)k/kζk → 0 quando ζ → 0 uniformemente nos compactos de [0, T ] × Rn (veja (5.21)), dado ε > 0 existe δ > 0 tal que Z T kǫ s, x(s), y(s) − x(s) k ds ≤ εT ky − xk∞ 0 se ky − xk∞ < δ. Portanto, segue de (11.21) que se ky − xk∞ < δ, então kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψ(h0 )k∞ ≤ εT eC1 T ky − xk∞ . Por outro lado, decorre do Teorema 11.14 que ky − xk∞ = kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 )k∞ ≤ eLT kh0 k. (11.22) m O Espaço C(K;R ) 195 Logo, kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψ(h0 )k∞ ≤ εT e(C1 +L)T kh0 k, e como h0 7→ Ψ(h0 ) é linear e contı́nua, concluı́mos a prova. Observação: Uma aplicação importante do Teorema 11.16 é a Fórmula de Derivação de Euler, que permite derivar em relação a t certas funções definidas por integrais sobre regiões de Rn que variam com o tempo. Mais precisamente, se f (t, x) é uma função satisfazendo as hipóteses do Teorema 11.16 e Ω(t) é a imagem de Ω0 pelo fluxo Φ gerado por f , então d dt Z ρ(t, x) dx = Ω(t) Z Ω(t) ∂ρ + div(ρf ) dx. ∂t Exercı́cios Exercı́cio 11.1. Sejam g: R → R e ψ: [a, b] → R funções contı́nuas. Mostre que o funcional J: C [a, b]; R → R, é contı́nuo em C [a, b]; R J(f ) = Z b ψ(x)g f (x) dx a Exercı́cio 11.2. Sejam Ji : C [a, b]; R → R, i = 1, 2, 3 os funcionais definidos abaixo. J1 (f ) = Z b cos f (x) dx, a J3 (f ) = Z a J2 (f ) = Z a b b p f (x) dx, 1 + f (x)2 |f (x)|p dx, (p > 0). Mostre que J1 e J2 são funcionais uniformemente contı́nuos e que J3 é uniformemente contı́nuo se e somente se p = 1. Exercı́cio 11.3. Seja K ⊂ Rn compacto e J: C K; R → R um funcional. Mostre que J é contı́nuo ⇐⇒ para toda sequência {fk } em C K; R , se fk −→ f uniformemente em K então J(fk ) −→ J(f ). 196 Cálculo Avançado I Exercı́cio 11.4. Verifique quais dos conjuntos abaixo são compactos em V = C [a, b]; R : Rx a) F1 = {φ ∈ V ; |φ(x)| ≤ 1 + a |φ(s)| ds}. b) F2 = {φ ∈ V ; φ derivável, φ(a) = 1, 0 ≤ φ′ (x) < φ+ (x)}. c) F3 = {φ ∈ V ; φ derivável, φ′ ∈ F1 }. Quais são fechados? Quais são limitados? Exercı́cio 11.5. Seja X = {fk }k∈N , onde fk : [0, +∞[→ R é definida por p fk (x) = sen x + 4k 2 π 2 . a) Prove que X é equicontı́nuo e uniformemente limitado. b) Prove que fk → 0 pontualmente, mas não converge uniformemente em [0, +∞[. (Qual a incoerência com o Teorema de Arzelà-Ascoli?) Exercı́cio 11.6. Mostre que se f : [0, 1] → R é função contı́nua tal que Z 1 f (x)xn dx = 0, n = 0, 1, 2, . . . , 0 então f (x) = 0 em [0, 1]. Sugestão: Use o Teorema de Weierstrass. Exercı́cio 11.7. Seja fk : [0, 1] → R a solução do problema de valor inicial: y y′ = , y(0) = ak . 1 + y2 Se ak −→ a, mostre que fk −→ f uniformemente em [0, 1], onde f : [0, 1] → R é a solução do problema de valor inicial: y′ = y , 1 + y2 y(0) = a. Exercı́cio 11.8. Considere a sequência {αi }i=0,...,n−1 definida em (11.13). Mostre que ψ(x) = α0 (x − x0 )+ + · · · + αn−1 (x − xn−1 )+ satisfaz ψ(xj ) = f (xj ), j = 0, 1, . . . , n. m O Espaço C(K;R ) 197 Exercı́cio 11.9. Seja V = C [0, 1]; R e J: V → R o funcional definido por Z 1 1 J(f ) = dx, ∀f ∈ V. 2 0 1 + f (x) a) Mostre que J é contı́nuo em V . b) Seja X o conjunto {f ∈ V ; f (0) = 0 e f é função Lipschitz contı́nua com constante L > 0}. Mostre que existe f ∈ X tal que J(f ) = min{J(f ) ; f ∈ X }. c) Calcule f . Exercı́cio 11.10. Seja V = C [a, b]; R e J: V → R o funcional definido por Rb |f (x)| dx se f 6≡ 0, a J(f ) = α se f ≡ 0, onde α ∈ R. Para que valores de α J é funcional semicontı́nuo em V? Exercı́cio 11.11. Sejam ψ: [a, b] → R função contı́nua e g: R → R função de classe C 1 . Mostre que o funcional J: C [a, b]; R → R Z b ψ(x)g f (x) dx J(f ) = a Rb é diferenciável em C [a, b]; R e que J ′ (f )h = a ψ(x)g ′ (f (x))h(x) dx Exercı́cio 11.12. Seja V = C [0, 2]; R e considere o funcional J: V → R definido por Z 2 xf (x) p J(f ) = dx. 1 + f (x)2 0 a) Mostre que J é funcional contı́nuo em V ; b) Mostre que J é diferenciável em V e calcule J ′ (f )ϕ; c) Seja X ⊂ V o conjunto das funções que satisfazem as seguintes propriedades 198 Cálculo Avançado I • f (0) = 0 e |f (2)| ≤ 1; • |f (x) − f (y)| ≤ |x − y| ∀x, y ∈ [0, 2]. Mostre que X é compacto em V . d) Calcule f0 em X tal que J(f0 ) = max J(f ) ; f ∈ X . Exercı́cio 11.13. Seja V = C [a, b]; R munido da norma k k∞ e considere o conjunto X ⊂ V das funções que satisfazem as seguintes priopriedades: (a) f (a) = 0; (b) para cada f ∈ X , existe αf ∈ [1/2, 1] tal que |f (x) − f (y)| ≤ |x − y|αf , ∀x, y ∈ [a, b]. Mostre que X é compacto em V . Exercı́cio 11.14. Seja x0 ∈ [a, b] e J: C [a, b]; R o funcional de Dirac definido por J(f ) = f (x0 ). Mostre que J é linear e contı́nuo. Em particular, J é diferenciável e J ′ (f )h = J(h). Exercı́cio 11.15. Seja f : R × Rn → Rn uma função contı́nua satisfazendo a seguinte propriedade: para cada M ≥ 0, existe LM ≥ 0 tal que se kxk, kyk ≤ M , então kf (t, x) − f (t, y)k ≤ LM kx − yk, ∀t ∈ R. (11.23) a) Mostre que para todo x0 ∈ Rn existe T ∗ (x0 ) > 0 e uma única curva γ: [0, T ∗(x0 )[→ Rn diferenciável em ]0, T ∗ (x0 )[ satisfazendo ( γ ′ (t) = f t, γ(t) , γ(0) = x0 . ∀t ∈ ]0, T ∗ (x0 )[, b) Mostre que se T ∗ (x0 ) < +∞, então lim t→T ∗ (x0 )− kγ(t)k = +∞. c) Mostre que a aplicação T ∗ : Rn → R é semicontı́nua inferiormente. m O Espaço C(K;R ) 199 Exercı́cio 11.16. Seja f : [0, +∞) × R → R definida por (1 − t)x3 f (t, x) = 0 (t − 2)x3 se 0 ≤ t ≤ 1 se 1 ≤ t ≤ 2 se t ≥ 2 Considere o problema de valor incial ( x′ (t) = f t, x(t) , x(0) = x0 ∈ R Determine a função T ∗ : R → R. 0 < t < T ∗ (x0 ) 12 A integral de Riemann em Rn Neste capı́tulo vamos definir a integral de Riemann para funções com domı́nio em Rn e apresentar os principais resultados sobre esta integral. No que segue, denotaremos por k k a norma euclidiana em Rn . Áreas, volumes, etc... Dizemos que um conjunto I ⊂ Rn é um n-paralelepı́pedo se existem intervalos limitados I1 , I2 , . . . , In de R tais que I = I1 × I2 × · · · × In . Se Ii = [a, b] para todo i = 1, . . . , n, dizemos que I é um n-cubo. É claro que I é fechado (resp. aberto) se, e somente se, cada intervalo Ij é fechado (resp. aberto). Lembremos que um n-pavê é qualquer n-paralelepı́pedo fechado. Definição 12.1: Se cada intervalo Ij tem extremidades aj ≤ bj , definimos o centro, o conteúdo e o diâmetro de I respectivamente por a 1 + b1 a n + bn ,..., , 2 2 1/2 n n Y X µ(II ) = (bj − aj ), diam(II ) = (bj − aj )2 . j=1 j=1 202 Cálculo Avançado I É claro que µ(II ) é a área (resp. volume) de I se n = 2 (resp. n = 3). Definição 12.2: Dizemos que um conjunto A é elementar se existem n-paralelepı́pedos I 1 , I 2 , . . . , I m tais que A= m [ Ij, j=1 ◦ ◦ I i ∩ I j = ∅, se i 6= j, (isto é, I i e I j não possuem pontos interiores em comum). Se A é um conjunto elementar, definimos seu conteúdo por µ(A) = m X µ(IIj ). j=1 É claro que se A1 e A2 são conjuntos elementares que não possuem pontos interiores em comum, então A = A1 ∪A2 é elementar e µ(A) = µ(A1 ) + µ(A2 ). Definição 12.3: Seja I = I1 ×I2 ×· · ·×In um n-pavê. Dizemos que P é uma partição de I (e escrevemos P ∈ P(II )) se P = P1 ×P2 ×· · ·×Pn , onde cada Pj é uma partição do intervalo Ij = [aj , bj ], isto é, Pj = a j = ξ 0 < ξ 1 < ξ 2 < · · · < ξ k = b j . Observe que uma partição P de I define uma única famı́lia de npavês {II1 , I 2 , . . . , I m } tais que I = m [ j=1 Ij, ◦ ◦ I i ∩ I j = ∅, se i 6= j, sendo P a coleção de vértices dos n-pavês. Nas condições acima, dizemos que {II1 , I 2 , . . . , I m } é a famı́lia de n-pavês gerada por P . Definição 12.4: Dizemos que P ′ ∈ P(II ) é um refinamento de P se P′ ⊃ P. Observe que se I 1 , . . . , I m é a famı́lia de n-pavês gerada por P ′ ′ e I 1 , . . . , I l é a famı́lia de n-pavês gerada por P ′ ⊃ P , então cada n-pavê I i′ está contido em algum n-pavê I j . A integral de Riemann em R n 203 Definição 12.5: Seja P ∈ P(II ) e I 1 , . . . , I m a famı́lia de n-pavês gerada por P . Definimos o módulo de P por |P | = max diam(II1 ), . . . , diam(IIm ) . Uma vez definidas essas noções elementares, estamos em condições de estender a noção de conteúdo para uma classe bem mais ampla de conjuntos de Rn . Seja A ⊂ Rn um conjunto limitado e I um n-pavê tal que I ⊃ A. Consideremos uma partição P ∈ P(II ) e seja I 1 , . . . , I m a famı́lia de n-pavês gerada por P . Vamos separar os elementos dessa famı́lia em três categorias: ◦ Cat1 (A, P ) = j ; I j ⊂A , Cat2 (A, P ) = j ; I j ∩ A 6= ∅ , Cat3 (A, P ) = j ; I j ∩ A = ∅ . (12.1) É claro que uma união qualquer de n-pavês da famı́lia gerada por P é um conjunto elementar. Assim, definimos X J(A, P ) = µ(IIj ), j∈Cat1 (A,P ) J(A, P ) = X µ(IIj ). j∈Cat2 (A,P ) Os números J(A, P ) e J(A, P ) são denominados soma inferior e soma superior de Jordan de A relativas à partição P . Como Cat1 (A, P ) ⊂ Cat2 (A, P ), fica evidente que 0 ≤ J(A, P ) ≤ J(A, P ) ≤ µ(II ). Além disso, se P ′ ⊃ P , então J(A, P ) ≤ J(A, P ′ ) ≤ J(A, P ′ ) ≤ J(A, P ). Definição 12.6: Seja A ⊂ Rn limitado e I um n-pavê tal que I ⊃ A. Considere os números c(A) = sup J(A, P ) ; P ∈ P(II ) , c(A) = inf J(A, P ) ; P ∈ P(II ) . 204 Cálculo Avançado I Dizemos que A é mensurável no sentido de Jordan (e escrevemos Jmensurável) se c(A) = c(A), sendo este valor comum, por definição, o conteúdo de Jordan de A, denotado por c(A). É claro que c(A) ≤ c(A), qualquer que seja A ⊂ Rn limitado, assim como é claro também (verifique!) que esses números não dependem da escolha de I ⊃ A. O resultado a seguir fornece uma caracterização útil para que um conjunto limitado A seja J-mensurável. Lembremos que a fronteira de A (veja o Exercı́cio 3.8) é o conjunto ∂A = x ∈ Rn ; Br (x) ∩ A 6= ∅ e Br (x) ∩ Ac 6= ∅, ∀r > 0 . Teorema 12.7: Seja A ⊂ Rn um conjunto limitado. Então, c(∂A) = c(A) − c(A). Em particular, A é J-mensurável se, e somente se, c(∂A) = 0. Prova: Seja I um n-pavê tal que I ⊃ A. Se P ∈ P(II ), temos J(∂A, P ) = J(A, P ) − J(A, P ) ≥ c(A) − c(A). Portanto, c(∂A) ≥ c(A) − c(A). Por outro lado, dado ε > 0, existem partições P1 e P2 de I tais que J(A, P1 ) < c(A) + ε/2, J(A, P2 ) > c(A) − ε/2. Como P1 ∪ P2 é um refinamento de P1 e de P2 , temos c(∂A) ≤ J(∂A, P ) = J(A, P ) − J(A, P ) < J(A, P1 ) − J(A, P2 ) < c(A) − c(A) + ε. Como ε > 0 é arbitrário, concluı́mos a demostração. Teorema 12.8: Seja f : Rn → Rn função localmente Lipschitz, i.e., satisfazendo a seguinte propriedade: para todo K ⊂ Rn limitado, existem constantes positivas M e δ tais que se x, y ∈ K, então kx − yk < δ ⇒ kf (x) − f (y)k ≤ M kx − yk. A integral de Riemann em R n 205 Nessas condições, se c(K) = 0, então c(f (K)) = 0. Prova: Fixemos I um n-pavê tal que I ⊃ K e considere o número √ α = (2M n)n . Dado ε > 0, existe Pε partição de I tal que J(K, P ) < ε , α ∀P ⊃ Pε . Fixemos então uma partição P0 ⊃ Pε com |P0 | < δ e seja {II1 , . . . , I m } a famı́lia gerada, com diâmetro iguais a |P0 | < δ. Então, µ(IIj ) = |P0 |n , nn/2 Desta forma, J(K, P0 ) ≤ p ∀j = 1, 2, . . . , m. |P0 | √ n n < ε , α onde p ≤ m denota o número de ı́ndices de Cat2 (K, P0 ) (veja (12.1)). Para cada j ∈ Cat2 (K, P0), seja xj ∈ I j ∩ K. Se y ∈ I j ∩ K, então ky − xj k < diam(IIj ) = |P0 | < δ e, portanto, kf (y) − f (xj )k < M ky − xj k < M |P0 |. Assim, f (y) está contido na bola de raio M |P0 | e centro f (xj ) e f (K) ⊂ [ j∈Cat2 (K,P0 ) BM |P0 | f (xj ) , de modo que c f (K) ≤ p X i=1 p X √ √ (2M |P0 |) = (2M n)n (|P0 |/ n)n < ε. n i=1 Como ε > 0 é arbitrário, a prova está concluı́da. Corolário 12.9: Sejam f : Rn → Rn de classe C 1 e K ⊂ Rn limitado tal que c(K) = 0. Então c f (K) = 0. 206 Cálculo Avançado I Teorema 12.10: Seja f : Rn → Rn de classe C 1 tal que Jf (x) 6= 0 para todo x ∈ Rn . Se K ⊂ Rn é compacto J-mensurável, então f (K) é J-mensurável. Prova: Pelo Teorema 12.7, basta mostrar que c(∂f (K)) = 0. Seja y0 ∈ ∂f (K). Então, para todo aberto U contendo y0 , tem-se U ∩ f (K) 6= ∅ e U ∩ f (K)c 6= ∅. Como ∂f (K) ⊂ K, existe x0 ∈ K tal que y0 = f (x0 ). Como Jf (x0 ) 6= 0, segue do Teorema da Função Inversa que existe δ > 0 tal que para todo r ≤ δ, (1) Ur = f Br (x0 ) é aberto; (2) f : Br (x0 ) → Ur é bijetiva. Se y1 ∈ Ur ∩ f (K), existe um único x1 ∈ Br (x0 ) ∩ K tal que y1 = f (x1 ). Analogamente, se y2 ∈ Ur ∩ f (K)c , existe um único x2 ∈ Br (x0 ) ∩ K c tal que y2 = f (x2 ). Logo, Br (x0 ) ∩ K 6= ∅ e Br (x0 ) ∩ K c 6= ∅, o que significa dizer que x0 ∈ ∂K e, consequentemente, y0 ∈ f (∂K). Portanto, ∂f (K) ⊂ f (∂K) e a conclusão da prova segue do Corolário 12.9, visto que ∂K é um conjunto compacto que, por hipótese, tem conteúdo nulo. Observação: Os resultados acima valem para o caso f : Ω → Rn , com Ω ⊂ Rn aberto e A limitado tal que A ⊂ Ω. De fato, consideremos a cobertura {IIx }x∈A , onde cada I x é um n-pavê com centro em x e inteiramente contido em Ω. Sendo A compacto, existe uma subcobertura finita {IIxi }i , i = 1, . . . , m e podemos aplicar os argumentos usados nas provas anteriores em cada um dos conjuntos A ∩ I xi . A integral de Riemann Vamos inicialmente definir a integral de Riemann para funções f limitadas e definidas num n-pavê I e, a seguir, estender a definição para conjuntos J-mensuráveis. A integral de Riemann em R n 207 Seja Ium n-pavê e f : I → R função limitada. Seja P uma partição de I e I 1 , . . . , I m a famı́lia de n-pavês gerada por P . Para cada j = 1, . . . , m, considere (12.2) Mj = sup f (x) ; x ∈ I j , mj = inf f (x) ; x ∈ I j . Consideremos também os números L(f, P ) = m X mj µ(IIj ), U (f, P ) = j=1 m X Mj µ(IIj ). j=1 L(f, P ) e U (f, P ) são denominados soma inferior e soma superior de Riemann de f relativas a P . É claro que L(f, P ) ≤ U (f, P ) para toda P ∈ P(II ). É claro também (verifique!) que se P ′ ⊃ P , então L(f, P ′ ) ≥ L(f, P ) e Sejam L U Z ZI I U (f, P ′ ) ≤ U (f, P ). f = sup L(f, P ) ; P ∈ P(II ) , f = inf U (f, P ) ; P ∈ P(II ) , que denominaremos respectivamente integral inferior e integral superior de Riemann de f em I . Definição 12.11: Seja f : I → R função limitada. Dizemos que f é Riemann integrável em I (e denotamos f ∈ R(II )) se Z Z L f = U f. I I Este valor comum é denominado integral de Riemann de f em I e denotado por Z Z f ou f (x) dx. I I Teorema 12.12: Seja f : I → R função limitada. Então f ∈ R(II ) se, e somente se, ∀ε > 0 existe Pε ∈ P(II ) tal que U (f, P ) − L(f, P ) < ε, ∀P ⊃ Pε . (12.3) 208 Cálculo Avançado I Prova: Se f ∈ R(II ), seja l=L Z f =U I Z f. I Por definição, dado ε > 0, existem Pε1 e Pε2 partições de I tais que l− ε ε < L(f, Pε1 ) ≤ l ≤ U (f, Pε2 ) < l + . 2 2 Seja Pε = Pε1 ∪ Pε2 e P ⊃ Pε . Então l− ε ε < L(f, P ) ≤ l ≤ U (f, P ) < l + , 2 2 de onde se conclui (12.3). Reciprocamente, se f não é Riemann integrável em I , então Z Z l1 = L f < l2 = U f. I I Se ε0 = l2 − l1 , é claro que L(f, P ) ≤ l1 < l2 ≤ U (f, P ), ∀P ∈ P(II ), de onde se conclui que U (f, P ) − L(f, P ) ≥ ε0 , ∀ P ∈ P(II ). Corolário 12.13: Seja f : I → R função contı́nua. Então f ∈ R(II ). Prova: Como I é compacto, f é limitada e uniformemente contı́nua, de modo que dado ε > 0, existe δ > 0 tal que kx − yk < δ ⇒ |f (x) − f (y)| < ε . µ(II ) Sejam P ∈ P(II ) tal que |P | < δ e I 1 , . . . , I m a famı́lia de n-pavês gerada por P . Então existem xj , yj ∈ I j tais que Mj = f (xj ) e mj = f (yj ). Logo, U (f, P ) − L(f, P ) = m X j=1 f (xj ) − f (yj ) µ(IIj ) < ε A integral de Riemann em R n 209 e a conclusão segue do Teorema 12.12. Teorema 12.14: Seja f : I → R função limitada e A o conjunto dos pontos de descontinuidade de f . Se c(A) = 0, então f ∈ R(II ). Prova: Seja M > 0 tal que |f (x)| ≤ M para todo x ∈ I . Por hipótese, dado ε > 0, existe Pε ∈ P(II ) tal que J(A, Pε ) < ε/4M . Seja I = {II1 , . . . , I m } a famı́lia de n-pavês gerada por Pε e [ B= Ij, j∈Cat3 (A,Pε ) isto é, B é a união dos n-pavês que não inteceptam A. Como f é contı́nua e B é compacto, existe δ > 0 tal que se x, y ∈ B e kx − yk < δ, então |f (x) − f (y)| < ε/2µ(II ). Tomemos Peε ⊃ Pε tal que |Peε | < δ e seja Ie = Ie1 . . . , Iel a famı́lia de n-pavês gerada por Peε . Sejam Então, Ie1 = Iej ; Iej ⊂ B U (f, Peε ) − L(f, Peε ) = X Ie2 = Ie \ Ie1 . e fj − m e j )µ(Iej ) + (M X fj − m e j )µ(Iej ) (M e eI j ∈e I j ∈e I1 I2 X X ε < µ(Iej ) + 2M µ(Iej ) < ε. 2µ(II ) e e I j ∈e I1 I j ∈e I2 Portanto, f é Riemann integável em I . O teorema acima nos dá uma condição suficiente para a integrabilidade de f em função do conjunto de seus pontos de descontinuidade. Por outro lado, é fácil ver que a função de Dirichlet 2 f : [0, 1] → R, f (x, y) = 1 se x, y ∈ Q, 0 senão, não é Riemann-integrável em [0, 1]2 . Assim, a pergunta natural que se coloca é: podemos obter uma caracterização sobre a integrabilidade 210 Cálculo Avançado I de f em função do conjunto dos seus pontos de descontinuidade? A resposta está no resultado que segue. Definição: Dizemos que A ⊂ Rn tem medida zero se, para todo ε > 0, existe uma famı́lia enumerável {II1 , I 2 , . . .} de n-pavês satisfazendo as seguintes condições: A⊂ ∞ [ Ij e j=1 ∞ X c(IIj ) < ε. j=1 Se A tem medida zero, denotamos m(A) = 0. Teorema 12.15: Sejam I um n-pavê de Rn , f : I → R função limitada e A o conjunto dos pontos de descontinuidade de f . Então f ∈ R(II ) se, e somente se, m(A) = 0. Prova: Denotemos I = [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ] e M > 0 tal que |f (x)| ≤ M para todo x ∈ I . Se m(A) = 0, dado ε > 0 existe {II1 , I 2 , . . .} uma famı́lia enumerável de n-pavês tal que (veja Exercı́cio 12.6) A⊂ ∞ [ ◦ Ij e j=1 ∞ X j=1 ◦ c Ij < ε . 2(M + c(II )) Por outro lado, para cada x ∈ I \ A, existe δx > 0 tal que se y ∈ I , ky − xk∞ < δx ⇒ |f (y) − f (x)| < ε . 2(M + c(II )) Assim, para cada x ∈ I \ A, denotemos I x = y ∈ I ; ky − xk∞ ≤ δx /2 . É claro que ◦ ◦ ◦ I 1, I 2, . . . ∪ I x ; x ∈ I \ A é uma cobertura aberta de I . Logo, existem j1 , . . . , jm e x1 , . . . , xk tais que ◦ ◦ ◦ ◦ I ⊂ I j1 ∪ · · · ∪ I jm ∪ I x1 ∪ · · · ∪ I xk . A integral de Riemann em R É óbvio que m X i=1 e é claro também que |f (y) − f (y ′ )| < n ◦ c I ji < ε , (M + c(II )) 211 ε 2(M + c(II )) (12.4) ◦ ∀y, y ′ ∈ I ∩ I xj , j = 1, . . . , k. (12.5) Como I ∩ I j e I ∩ I xj são n-pavês, denotemos I ∩ I ji = [alji , b1ji ] × · · · × [anji , bnji ], I ∩ I xj = [α1j , βj1 ] × · · · × [αnj , βjn ]. O conjunto de números reais l , Pl = alj1 , . . . , aljm , b1j1 , . . . , bljm , αl1 . . . , αlm , β1l , . . . , βm quando ordenado, define uma partição do intervalo [al , bl ], de forma que P = P1 × · · · × Pn é uma partição de I . Seja I = Ie1 , . . . , Iep a famı́lia de n-pavês gerada por P e consideremos a seguinte decomposição de I: I ′ = Ieq ∈ I ; Ieq ⊂ I ∩ I ji , para algum ji , I ′′ = Ieq ∈ I ; Ieq ⊂ I ∩ I x , para algum xj , j Então, U (f, P ) − L(f, P ) = = p X q=1 (Mq − mq )c(Ieq ) X Ieq ∈I ′ (Mq − mq )c(Ieq ) + X Ieq ∈I ′′ (Mq − mq )c(Ieq ) Segue de (12.4) e (12.5): X X (Mq − mq )c(Ieq ) ≤ 2M c(Ieq ), Ieq ∈I ′ Ieq ∈I ′ X X ε (Mq − mq )c(Ieq ) ≤ c(Ieq ). M + c(II ) Ieq ∈I ′′ Ieq ∈I ′′ 212 Como Cálculo Avançado I X Ieq ∈I ′ X Ieq ∈I ′′ c(Ieq ) ≤ c(Ieq ) ≤ m X i=1 k X c(If ji ) < ε , 2(M + c(II )) c(IIxi ) < c(II ), i=1 concluı́mos que U (f, P ) − L(f, P ) < ε. Reciprocamente, seja A ⊂ I o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e consideremos, para cada m ∈ N, Am = x ∈ I ; ω(f, x) ≥ 1/m , onde ω(f, x) denota a oscilação de f em x relativamente à norma k k∞ (veja Definição 4.11). Pelo Teorema 4.12, é claro que A= ∞ [ Am . (12.6) m=1 Para provar que m(A) = 0, é suficiente mostrar que cada Am tem conteúdo de Jordan nulo. Então fixemos m. Como f é integrável em I , dado ε > 0, existe Pε partição de I tal que ε U (f, P ) − L(f, P ) < , ∀P ⊃ Pε . m Fixemos P ⊃ Pε e consideremos {II1 , . . . , I k } a famı́lia de n-pavês gerada por P . Consideremos também os seguintes conjuntos: Bm = x ∈ Am ; x ∈ ∂IIj , j = 1, . . . , , k , Cm = Am \ Bm . É claro que c(Bm ) = 0, pois (veja Exercı́cio 12.6) Bm ⊂ ∂II1 ∪ · · · ∪ ∂IIk . ◦ Provemos então que c(Cm ) = 0. Se x ∈ Cm , então x ∈I j para algum ◦ 1 ≤ j ≤ k e podemos escolher δ > 0 tal que Bδ (x) ⊂I j , onde Bδ (x) denota a bola aberta com centro em x, relativa à norma k k∞ . Então, 1 ≤ ω(f, x) ≤ sup f Bδ (x) − inf f Bδ (x) ≤ Mj − mj . m (12.7) A integral de Riemann em R n 213 Sejam I j1 , . . . , I jl os n-pavês em cujos interiores existem pontos de Cm . Então, de (12.7), l 1 X ε c(IIji ) ≤ U (f, P ) − L(f, P ) < . m i=1 m Assim, vemos que Cm ⊂ I j1 ∪ · · · ∪ I jl e l X c(IIji ) < ε, i=1 isto é, c(Cm ) = 0. A conclusão da prova segue de (12.6) e do Exercı́cio 12.6(3). Dada uma partição P de I , seja I 1 , . . . , I m a famı́lia de n-pavês gerada por P . Para cada xj ∈ I j , definimos a soma de Riemann de f nos pontos xj por m X S f, P, {x1 , . . . , xm } = f (xj )µ(IIj ). j=1 Teorema 12.16: Seja f : I → R função limitada. Então f ∈ R(II ) se, e somente se, existe l ∈ R satisfazendo a seguinte propriedade: Para todo ε > 0, existe Pε ∈ P(II ) tal que se P ⊃ Pε e {II1 , . . . , I m } é a famı́lia gerada por P , então |S f, P, {x1 , . . . , xm } − l| < ε (12.8) qualquer que seja xj ∈ I j , j = 1, . . . , m. R Prova: Se f ∈ R(II ), seja l = I f . Dado ε > 0, existe Pε ∈ P(II ) tal que U (f, P ) − L(f, P ) < ε, ∀P ⊃ Pε . Se P ⊃ Pε , então −ε < L(f, P ) − l ≤ U (f, P ) − l < ε. 214 Cálculo Avançado I Como L(f, P ) ≤ S f, P, {x1 , . . . , xm } ≤ U (f, P ), qualquer que seja a escolha de xj ∈ I j , tem-se Portanto, S f, P, {x1 , . . . , xm } − l ≤ U (f, P ) − l < ε, S f, P, {x1 , . . . , xm } − l ≥ L(f, P ) − l > −ε. |S f, P, {x1, . . . , xm } − l| < ε. Reciprocamente, suponha que vale a propriedade (12.8). De (12.2) obtemos Mj − mj = sup f (x) − f (y) ; x, y ∈ I j , de modo que se ν < ε/µ(II ), existem xj , yj ∈ I j tais que Mj − mj − ν < f (xj ) − f (yj ) ≤ Mj − mj . Logo, m X j=1 m X f (xj ) − f (yj ) µ(IIj ) ≥ (Mj − mj − ν)µ(IIj ) j=1 = U (f, P ) − L(f, P ) − νµ(II ) (12.9) > U (f, P ) − L(f, P ) − ε. Por outro lado, como m X j=1 f (xj ) − f (yj ) µ(IIj ) segue de (12.8), = S f, P, {x1 , . . . , xm } − S f, P, {y1, . . . , ym } |S f, P, {x1 , . . . , xm } − S f, P, {y1, . . . , ym } | < 2ε. (12.10) Assim, de (12.9) e (12.10) concluı́mos que U (f, P ) − L(f, P ) < 3ε. n A integral de Riemann em R 215 R R Para concluir que l = I f , suponhamos ε = l − I f > 0. Por hipótese, existe uma partição Pε1 tal que qualquer partição P ⊃ Pε1 satisfaz S f, P, {x1, . . . , xm } > l − ε. Como f ∈ R(II ), existe uma partição Pε2 tal que U (f, P ) < Z f + ε, I ∀P ⊃ Pε2 . Então, para P ⊃ Pε1 × Pε2 , obtemos o que é absurso. U (f, P ) < S f, P, {x1, . . . , xm } , O mesmo argumento leva a um absurdo se R I f − l > 0. Agora estamos em condições de estender a integral de Riemann para funções definidas em conjuntos J-mensuráveis. Seja A um conjunto J-mensurável e f : A → R uma função limitada. Consideremos I um n-pavê tal que I ⊃ A. Seja fe : I → R a função definida por fe(x) = n f (x) se x ∈ A, 0 senão. fe é denominada a extensão nula de f em I . Definição 12.17: Dizemos que f é Riemann integrável em A (e escrevemos f ∈ R(A)) se fe é Riemann integrável em I e, neste caso, definimos Z Z f = fe. A I Deixamos como exercı́cio ao leitor verificar que escolha de I . R A f independe da Teorema 12.18: Seja A ⊂ Rn conjunto J-mensurável e f : A → R limitada e contı́nua em todos os pontos do interior de A. Então f ∈ R(A). 216 Cálculo Avançado I ◦ Prova: Vamos supor inicialmente A6= ∅. Sejam I um n-pavê tal ◦ que I ⊃ A e fe : I → R a extensão nula de f em I . É claro que fe ◦ ◦ é contı́nua em I \A e, por hipótese, fe é contı́nua en A. Se B é o conjunto dos pontos de descontinuidade de fe, então ◦ ◦ c B ⊂ (I \A)∪ A . ◦ Seja x0 ∈ B. Então x0 ∈ / A, o que significa que para todo r > 0, Br (x0 ) ∩ Ac 6= ∅. (12.11) ◦ Por outro lado, x0 ∈ / I \A signifca que x0 ∈ A e, portanto, Br (x0 ) ∩ A 6= ∅, ∀r > 0. (12.12) Segue de (12.11) e (12.12) que x0 pertence à fronteira de A, isto é, B ⊂ ∂A. Como estamos supondo A J-mensurável, segue do Teorema 12.7 que c(B) ≤ c(∂A) = 0. Com argumentos análogos (verifique), mostra-se que (12.11) e (12.12) ◦ também valem se A= ∅. A conclusão segue do Teorema 12.14. Teorema 12.19: Seja A ⊂ Rn conjunto J-mensurável, f, g ∈ R(A). Então: R R R (a) f ± g ∈ R(A) e A (f ± g) = A f ± A g; R R (b) ∀c ∈ R, cf ∈ R(A) e A cf = c A f ; R (c) se f ≥ 0 então A f ≥ 0. Em particular, se f ≤ g, então Z Z f≤ g. A A R R (d) |f | ∈ R(A) e A f ≤ A |f |. (e) se A = A1 ∪ A2 com A1 e A2 J-mensuráveis tais que c(A1 ∩ A2 ) = 0, então Z Z Z f= A f+ A1 f. A2 A integral de Riemann em R n 217 (f) se m ≤ f (x) ≤ M para todo x ∈ A e g ≥ 0, então existe λ ∈ [m, M ] tal que Z Z fg = λ g (12.13) A A Além disso, se f é contı́nua e A é compacto e conexo, então existe x0 ∈ A tal que λ = f (x0 ), isto é, Z Z f g = f (x0 ) g. (12.14) A A Prova: Os itens (a), (b) e (c) são imediatos (verifique!). Provemos (d). Seja I ⊂ Rn um n-pavê tal que A ⊂ I e fe a extensão nula de f em I . Então fe ∈ R(II ). Seja B ⊂ I o conjunto dos pontos e o de descontinuidade de fe. Pelo Teorema 12.15, m(B) = 0. Seja B conjunto dos pontos de descontinuidade de |fe|. Como |fe(x)| − |fe(y)| ≤ |fe(x) − fe(y)| ∀x, y ∈ I , e ⊂ B. Logo, m(B) e = 0, o que implica |fe| ∈ R(II ) e, é claro que B consequentemente, |f | ∈ R(A). Pelo item (a), f ± |f | ∈ R(A) e como f + |f | ≥ 0 e f − |f | ≤ 0, a conclusão segue do item (c). Para provar (e), considere a função F : A → R definida por n F (x) = f (x) se x ∈ A1 , 0 senão. Então f ∈ R(A) e Z Z Z Z Z f= F + (f − F ) = F + (f − F ) = A A A A f+ A1 Z f. A2 Provemos o item (f). Sejam N = sup{g(x) ; x ∈ A}, I um npavê tal que I ⊃ A e fe, e g as extensões nulas de de f e g em I , respectivamente. Então, é evidente que ffg = fee g . Dado ε > 0, existem Pε1 e Pε2 partições de I tais que ε U (fe, P ) − L(fe, P ) < , 2N ε U (e g , P ) − L(e g, P ) < , 2M ∀P ⊃ Pε1 ∪ Pε2 . 218 Cálculo Avançado I Seja {II1 , . . . , I m } a famı́lia de n-pavês gerada por P e considere os números Qj = sup{fe(x) ; x ∈ I j }, Rj = sup{e g (x) ; x ∈ I j }, Mj = sup{fe(x)e g (x) ; x ∈ I j }, e Então, qj = inf{fe(x) ; x ∈ I j }, rj = inf{e g(x) ; x ∈ I j }, mj = inf{fe(x)e g(x) ; x ∈ I j }. Mj − mj = Qj (Rj − rj ) + rj (Qj − qj ) ≤ M (Rj − rj ) + N (Qj − qj ) de onde se conclui que U (ffg, P ) − L(ffg, P ) < ε. Logo, f g ∈ R(A). Como mg(x) ≤ f (x)g(x) ≤ M g(x), para todo x ∈ A, segue do item (c) que Z Z Z m A f≤ A fg ≤ M g. (12.15) A R R Se A g = 0, a igualdade em (12.13) vale para qualquer λ. Se A g 6= 0, seja R fg λ = RA g A e (12.13) segue de (12.15). Em particular, se f é contı́nua e A é compacto conexo, então f (A) = [m, M ] e a conclusão segue do Teorema 4.18. Seja A ⊂ Rn . A função χA : Rn → R definida por χA (x) = 1 se x ∈ A, 0 senão, é denominada função caracterı́stica de A. Corolário 12.20: Seja A ⊂ Rn um subconjunto limitado de Rn . Então A é J-mensurável, se, e somente se, χA é Riemann integrável. Neste caso, Z χA = c(A). A A integral de Riemann em R n 219 Como calcular integrais? O Teorema Fundamental do Cálculo nos permite calcular integrais definidas em R quando conhecemos a primitiva da função integrando. Mais precisamente, se F (s) é uma primitiva de f (s), então sabemos que Z b f (s) ds = F (b) − F (a). a Este resultado fundamental pode ser aplicado no cálculo de integrais em Rn , no que usualmente se denomina integração iterada, consequência do Teorema de Fubini. No que segue, vamos nos restringir ao caso bidimensional; o caso geral segue por indução. Teorema 12.21: Seja I = [a, b] × [c, d] um 2-pavê e f : I → R uma função contı́nua. Então # # Z b "Z d Z d "Z b Z f= f (t, s) ds dt = f (t, s) dt ds. I a c c a Prova: Dado ε > 0, existe Pε = Pε1 × Pε2 ∈ P(II ) tal que se P ⊃ Pε , então Z ε S(f, P, {x1, . . . , xm }) − f < , (12.16) 2 I quaisquer que sejam xi ∈ I i , i = 1, . . . , m, onde {II, . . . , I m } é a famı́lia gerada por P . Para cada t ∈ [a, b], a aplicação s 7→ f (t, s) é contı́nua em [c, d] e, portanto, integrável nesse intervalo. Seja F : [a, b] → R a função definida por Z d F (t) = f (t, s) ds. c Como F é contı́nua em [a, b], segue dos Teoremas 12.13 e 12.16 (no caso n = 1) que F é integrável e existe P1 ∈ P([a, b]) (que, sem perda 1 de generalidade, podemos supor P1 ⊃ Pε ) tal que se P1 = a = t0 < t1 < · · · < tk = b , tem-se S F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk } − Z b F (t) dt < a ε 2 (12.17) 220 Cálculo Avançado I quaisquer que sejam ξi ∈ [ti−1 , ti ], i = 1, . . . , k. Seja P2 = c = s0 < s1 < · · · < sl = d uma partição de [c, d] com P2 ⊃ Pε2 . Como a aplicação s 7→ f (ξi , s), i = 1, . . . , k é contı́nua, segue de (12.14), que existe νij ∈ [sj−1 , sj ] tal que F (ξi ) = l Z X sj f (ξi , s) ds = sj−1 j=1 l X f (ξi , νij )∆sj . j=1 Logo, k X l X f (ξi , νij )∆sj . S F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk } = i=1 j=1 Assim, P = P1 × P2 é uma partição de I com P ⊃ Pε , que gera a famı́lia de 2-pavês I 11 , I 12 , . . . , I kl , onde I ij = [ti−1 , ti ] × [sj−1 , sj ], i = 1, . . . , k e j = 1, . . . , l. Como xij = (ξi , νij ) ∈ I ij , temos S F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk } = S f, P, {x11, . . . , xkl } . (12.18) Portanto, de (12.16), (12.17) e (12.18), obtemos Z I f− Z a Z b F (t) dt ≤ I f − S f, P, {x11, . . . , xkl } + S F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk } − Z b a Como ε > 0 foi tomado arbitrariamente, conclui-se que # Z Z Z "Z b f= I b d F (t) dt = f (t, s) ds dt. a a Por argumento análogo, mostra-se que Z Z "Z d b f= I c # f (t, s) dt ds. c a F (t) dt < ε. A integral de Riemann em R n 221 Observação: A hipótese de continuidade da f no teorema acima não é necessária, mas não podemos simplesmente substituı́-la por f ∈ R(II ), visto que as integrais parciais Z Z b f (t, s) dt, a d f (t, s) ds, c podem não estar definidas para todo s e para todo t. Por outro lado, mesmo que essas integrais existam e que Z a b "Z # d f (t, s) ds dt = c Z d c "Z # b f (t, s) dt ds, a não podemos garantir que f seja Riemann integrável em [a, b] × [c, d] (veja Exercı́cios). O seguinte resultado oferece uma condição suficiente um pouco mais geral para que a integral de f possa ser calculada via integrais iteradas. Teorema 12.22: Seja I = [a, b] × [c, d] um 2-pavê e f : I → R uma função limitada e contı́nua em I \ B, com c(B) = 0. Se existe um número p ∈ N tal que toda reta vertical intercepta B em no máximo p pontos, então Z I f= Z b a "Z # d f (t, s) ds dt. c Prova: Seja M = sup |f (x)| ; x ∈ I e ε > 0. Então: (1) Como c(B) = 0, existe Pε ∈ P(II ) tal que J(B, P ) ≤ ε , 4M ∀P ⊃ Pε . (12.19) (2) Pelo Teorema 12.14, f ∈ R(II ), de modo que existe Peε ∈ P(II ) tal que se P ⊃ Peε , então S f, P, {x1 , . . . , xm } − Z I f < ε , 2 (12.20) 222 Cálculo Avançado I quaisquer que sejam xi ∈ I i , i = 1, . . . , m, onde {II1 , . . . , I m } é a famı́lia gerada por P . (3) Para todo t ∈ [a, b], a aplicação s 7→ f (t, s) possui no máximo p pontos de descontinuidade, de modo que a função F : [a, b] → R, F (t) = Z d f (t, s) ds c está bem definida. Consideremos então: ( P1 = a = t0 < t1 < · · · < tk = b P2 = c = s 0 < s 1 < · · · < s l = d partições de [a, b] e [c, d] respectivamente, tais que P = P1 × P2 seja um refinamento de Pε ∪ Peε . Seja S(F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk }) uma soma de Riemann de F relativamente à partição P1 , com ξi ∈ [ti−1 , ti ]. Então, para cada i = 1, . . . , k, temos F (ξi ) = Z d f (ξi , s) ds = c l Z X j=1 sj f (ξi , s) ds sj−1 Seja I 11 , . . . , I kl a famı́lia gerada por P . Por hipótese, f é contı́nua em cada um dos pavês que não intercepta B. Vamos separálos em duas partes: Ii1 = j ; I ij ∩ B = ∅ , Ii2 = I \ Ii1 . Então, para cada n-pavê I ij de Ii1 podemos aplicar o Teorema do Valor Médio (12.14), isto é, existe νij ∈ I ij tal que Z sj f (ξi , s) ds = f (ξi , νij )∆sj . sj−1 Assim, para cada i = 1, . . . , k, F (ξi ) = X j∈Ii1 f (ξi , νij )∆sj + XZ j∈Ii2 sj sj−1 f (ξi , s) ds, A integral de Riemann em R n 223 de modo que S(F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk }) = k X i=1 X f (ξi , νij )∆sj j∈Ii1 XZ + j∈Ii2 Seja xij = sj sj−1 f (ξi , s) ds ∆ti . (ξi , νij ) se j ∈ Ii1 , (ξi , sj ) se j ∈ Ii2 . Então, de (12.19), obtemos S(f, P, {x11, . . . , xkl }) − S(F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk }) = k X X f (xij ) − i=1 j∈I 2 i ≤ 2M k X X Z sj ! f (ξi , s) ds ∆sj ∆ti sj−1 ∆sj ∆ti = 2M J(B, P ) < i=1 j∈I 2 i ε . 2 Logo, S F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk } − Z f ≤ S F, P1 , {ξ1 , . . . , ξk } − S(f, P, {x11, . . . , xkl }) Z + S(f, P, {x11, . . . , xkl }) − f < ε I I e a conclusão segue do Teorema 12.16. Corolário 12.23: Sejam φ1 , φ2 : [a, b] → R funções contı́nuas tais que φ1 (t) ≤ φ2 (t) para todo t ∈ [a, b]. Considere a região A de R2 definida por A = (t, s) ; a ≤ t ≤ b, φ1 (t) ≤ s ≤ φ2 (t) . 224 Cálculo Avançado I Então A é J-mensurável e se f é contı́nua em A, temos Z f= A Z b a "Z φ2 (t) # f (t, s) ds dt. φ1 (t) Os resultados desta Seção se estendem de forma natural para Rn , com n ≥ 3. Em particular, temos Teorema 12.24: Seja I = [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ] um n-pavê e f : I → R uma função contı́nua. Então Z f= I n Z Y k=1 bk f (x1 , x2 , . . . , xn ) dxk . ak Funções de conjunto e derivadas espaciais Seja A uma famı́lia de conjuntos. É usual denominar-se função de conjunto definida em A uma função F que a cada elemento A ∈ A associa um número real F (A). É sobre este conceito básico que desenvolve-se, por exemplo, a Teoria da Medida. Nesta seção abordaremos alguns aspectos relevantes das funções de conjunto definidas pelo conteúdo de Jordan e pela integral de Riemann sobre conjuntos J-mensuráveis. Seja Ω ⊂ Rn um aberto. Considere MJ (Ω) = A ⊂ Ω ; A é J-mensurável . Dizemos que uma função F : MJ (Ω) → R é aditiva se, para todo A1 , A2 ∈ MJ (Ω) tais que A1 ∪ A2 ⊂ Ω e c(A1 ∩ A2 ) = 0, tem-se F (A1 ∪ A2 ) = F (A1 ) + F (A2 ). Dizemos que F é monótona se A1 , A2 ∈ MJ (Ω), A1 ⊂ A2 ⇒ F (A1 ) ≤ F (A2 ). A integral de Riemann em R n 225 Exemplo: Sejam Ω = I um n-paralelepı́pedo aberto, f : Ω → R Riemann-integrável e Z F (A) = f, A ∈ MJ (Ω). A Então F é aditiva e se f ≥ 0, F é monótona. Observe que se f ≡ 1, então a função conteúdo de Jordan A 7→ c(A) é aditiva e monótona. Definição 12.25: Sejam F : MJ (Ω) → R, l ∈ R e x0 ∈ Ω. Dizemos que l é o limite de F em x0 se dado ε > 0, existe δ > 0 tal que, qualquer que seja I n-pavê contendo x0 , tem-se diam(II ) < δ ⇒ |F (II ) − l| < ε. Se l é o limite de F em x0 , denotamos lim F (II ) = l. I ↓x0 Se F admite limite em cada ponto x ∈ Ω, podemos considerar a função f : Ω → R por f (x) = lim F (II ). I ↓x Definição 12.26: Seja B ⊂ Ω. Dizemos que f (x) = lim F (II ) I ↓x é uniforme em B, se para todo x ∈ B e para todo ε > 0, existe δ > 0 independente de x tal que, qualquer que seja o n-pavê I contendo x, tem-se diam(II ) < δ ⇒ |F (II ) − g(x)| < ε. Definição 12.27: Uma função F : MJ (Ω) → R é diferenciável em x0 ∈ Ω se existe l ∈ R tal que lim I ↓x0 F (II ) = l. c(II ) (12.21) 226 Cálculo Avançado I Neste caso dizemos que l é a derivada espacial de F em x0 e denotamos l = F ′ (x0 ). Dizemos que F é uniformemente diferenciável em B ⊂ Ω se o limite (12.21) é uniforme em B. Os próximos dois Teoremas generalizam o Teorema Fundamental do Cálculo. Teorema 12.28: Sejam Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função contı́nua. Considere F : MJ (Ω) → R definida por F (A) = Z f. A Então F é uniformemente diferenciável em qualquer n-pavê I ⊂ Ω e F ′ (x) = f (x) para todo x ∈ Ω. Prova: Seja I ⊂ Ω um n-pavê. Como f é uniformemente contı́nua em I , dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f (x) − f (y)| < ε , 2 ∀x, y ∈ I com kx − yk∞ < δ. Fixe x0 ∈ I e considere I d ⊂ I um n-pavê contendo x0 tal que diam(IId ) = d < δ. Seja M = max f (x) ; x ∈ I d Então, |M − f (x0 )| ≤ ε 2 Como mc(IId ) ≤ obtemos e e Z Id m = min f (x) ; x ∈ I d . |m − f (x0 )| ≤ ε . 2 f ≤ M c(IId ), F (IId ) − f (x0 ) ≤ ε. c(IId ) Como x0 foi tomado arbitrariamente em I e δ não depende de x0 , concluı́mos que F é uniformemente diferenciável em I e F ′ (x0 ) = f (x0 ). A integral de Riemann em R n 227 Teorema 12.29: Seja F : MJ (Ω) → R função aditiva. Se F é uniformemente diferenciável no n-pavê I 0 ⊂ Ω e f (x) = F ′ (x) para todo x ∈ I 0 , então f é contı́nua em I 0 e F (II ) = Z I f, para todo n-pavê I ⊂ I 0 . Prova: Por hipótese, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que, qualquer que seja x ∈ I 0 e qualquer que seja o n-pavê I contendo x, se diam(II ) < δ, então F (II ) ε − f (x) < . c(II ) 2 √ Sejam x1 , x2 ∈ I 0 tais que kx1 − x2 k2 < δ/ n. Seja x0 = (x1 + x2 )/2 e I d o n-cubo com centro em x0 e diâmetro d = δ. Então, x1 , x2 ∈ I d e |f (x1 ) − f (x2 )| ≤ F (IId ) F (IId ) − f (x1 ) + − f (x2 ) < ε. c(IId ) c(IId ) ◦ Logo, f é uniformemente contı́nua em I 0 . Seja F0 : MJ (I 0 ) → R a função de conjuntos definida por F0 (A) = Z f. A Pelo Teorema 12.28, F0 é uniformemente diferenciável em I , qualquer ◦ que seja I ⊂I 0 e F0′ (x) = f (x), ◦ para todo x ∈I 0 . ◦ Considere G(A) = F (A) − F0 (A), A ∈ MJ (I 0 ). É claro que G é ◦ aditiva e uniformemente diferenciável em todo n-pavê I ⊂I 0 com derivada espacial G′ (x) = 0. Portanto, dado ε > 0, seja δ > 0 tal que G(II ) < ε, c(II ) (12.22) 228 Cálculo Avançado I ◦ para todo n-pavê I contido em I 0 com diam(II ) < δ. Fixe um npavê I ⊂ I 0 e considere P uma partição de I que gera a famı́lia I 1 , . . . , I m de n-pavês satisfazendo a seguinte propriedade: I = m [ j=1 Ij, diam(IIj ) < δ, ∀j, ◦ ◦ I i ∩ I j = ∅, se i 6= j. Por (12.22), |G(IIj )| < εc(IIj ) para cada j = 1, . . . , m e como G é aditiva, m X |G(II )| ≤ |G(IIj )| < εc(II ). j=1 Sendo ε > 0 arbitrário, concluı́mos que G(II ) = 0 e, consequentemente, F (II ) = F0 (II ). Com isso, demonstramos que Z F (II ) = f, ∀II ⊂ I 0 . I Corolário 12.30: Seja F : MJ (Ω) → R satisfazendo as condições do Teorema 12.29. Se F é monótona, então f é contı́nua em Ω Z F (A) = f, ∀A ∈ MJ (Ω) tal que A ⊂ Ω. A Prova: Seja A ⊂ MJ (Ω) e considere (veja Exercı́cios) uma sequência {Aj }j de conjuntos elementares satisfazendo a seguinte propriedade: Aj ⊂ Aj+1 ⊂ A, ∀j ∈ N e lim c(Aj ) = c(A). j→∞ Como F é monótona, F (Aj ) ≤ F (A). Repetindo a notação do Teorema 12.29, temos Z F (Aj ) = F0 (Aj ) = f. Aj Logo, lim j→∞ Z Aj f ≤ F (A). A integral de Riemann em R n 229 Como f é contı́nua em A, considere M = max{|f (x)| ; x ∈ A}. Então Z A f− Portanto, Z Aj f ≤ M c(A \ Aj ) = M c(A) − c(Aj ) → 0, j → ∞. Z A f ≤ F (A). (12.23) Repetindo o argumento com uma sequência {Aj }j de conjuntos elementares tal que Aj ⊃ Aj+1 ⊃ A, ∀j ∈ N e lim c(Aj ) = c(A), j→∞ obtemos a desigualdade reversa em (12.23). Mudança de variáveis O principal resultado desta seção é o teorema que estabelece a fórmula de mudança de variáveis para integrais em Rn , estendendo o bem conhecido método de substituição do cálculo de integrais de uma variável. Lema 12.31: Seja I um n-paralelepı́pedo e T : Rn → Rn uma transformação linear invertı́vel. Então c T (II ) = | det T |c(II ). A demonstração deste lema é elementar nos casos n = 2 e n = 3, mas bastante técnica no caso geral e, por isso, não será aqui apresentada. É claro que se A é um conjunto elementar, segue da aditividade da função A 7→ c(A) que c T (A) = | det T |c(A). A fórmula acima se estende facilmente para conjuntos J-mensuráveis, como demostra-se no lema a seguir. 230 Cálculo Avançado I Lema 12.32: Seja A um conjunto J-mensurável e T : Rn → Rn uma transformação linear invertı́vel. Então T (A) é J-mensurável e c T (A) = | det T |c(A). Prova: Primeiramente, observe que o Teorema 12.8 nos garante que T (A) é J-mensurável. De fato, ∂A é compacto e de conteúdo nulo e T é obviamente Lipschitz. Logo, c T (∂A) = 0. Consideremos {An }n∈N uma sequência de conjuntos elementares tal que (veja Exercı́cios) An ⊂ An+1 ⊂ A, ∀n ∈ N e lim c(An ) = c(A). n→∞ ∀n ∈ N. Como c T (An ) = Então, T (An ) ⊂ T (An+1 ) ⊂ T (A), | det T |c(An ), obtemos | det T |c(A) ≤ c(T (A)). (12.24) Analogamente, considerando {Bn }n∈N uma famı́lia de conjuntos elementares tal que Bn ⊃ Bn+1 ⊃ A, ∀n ∈ N e lim c(Bn ) = c(A), n→∞ obtemos com argumento análogo, | det T |c(A) ≥ c(T (A)). (12.25) De (12.24) e (12.25), concluı́mos a prova. Lema 12.33: Seja Ω ⊂ Rn aberto e g : Ω → Rn função de classe C 1 tal que Jg (x) 6= 0 para todo x ∈ Ω. Seja I d (x) d>0 a famı́lia de n-cubos com centro em x e diâmetro d. Então, c g I d (x) = |Jg (x)| lim d↓0 c I d (x) uniformemente nos compactos de Ω. (12.26) A integral de Riemann em R n 231 Prova: Como g é de classe C 1 , temos g (x + h) = g (x) + g ′ (x)h + ǫ(x, h), onde kǫ(x, h)k∞ =0 khk∞ khk∞ →0 lim (12.27) uniformemente nos os compactos de Ω (veja Exercı́cio 5.12). Assim, se K ⊂ Ω um compacto e ε > 0, existe δ > 0 (dependendo de K) tal que se khk∞ < δ e x + h ∈ Ω, tem-se kǫ(x, h)k∞ < εkhk∞ , ∀x ∈ K. Fixemos x0 ∈ K e seja x = x0 + h, com khk∞ < δ. Como Jg (x0 ) 6= 0, a transformação linear T = g ′ (x0 ) é invertı́vel. Então, de (12.27), T −1 g (x0 + h) − T −1 g (x0 ) = h + T −1 ǫ(x0 , h). (12.28) Seja M > 0 tal que kT −1 xk∞ ≤ M kxk∞ , para todo x ∈ Rn . Então, para todo 0 < ε < M , segue de (12.28), (1 − εM )khk∞ < kT −1 (g (x0 + h) − g (x0 ))k∞ < (1 + εM )khk∞ . (12.29) Se khk∞ ≤ r < δ, a segunda desigualdade acima implica que T −1 g Br (x0 ) ⊂ B(1+εM )r T −1 g (x0 ) , de onde se conclui que c T −1 g Br (x0 ) ≤ (1 + εM )n (2r)n , ∀r < δ. Por outro lado, é claro que se r < δ e h ∈ Br (x0 ), tem-se T −1 g (x0 + h) ∈ T −1 g Br (x0 ) . (12.30) Pelo Teorema da Função Invesa, existe r0 ≤ δ tal que T −1 g Br (x0 ) é aberto, qualquer que seja 0 < r ≤ r0 . Assim, da primeira desigualdade de (12.29), se h ∈ Br (x0 ), temos T −1 g (x0 + h) ∈ / B(1−εM )r T −1 g (x0 ) . 232 Cálculo Avançado I Como T −1 g Br (x0 ) é aberto, conexo e contém T −1 g (x0 ), concluı́mos que B(1−εM )r T −1 g (x0 ) ⊂ T −1 g Br (x0 ) , ∀r < r0 . Em particular, obtemos (1 − εM )n (2r)n ≤ c T −1 g Br (x0 ) , ∀r < δ. (12.31) Das desiguladades (12.30) e (12.31), temos c T −1 g Br (x0 ) (1 − εM )n ≤ c Br (x0 ) ≤ (1 + εM )n , ∀r < δ. √ Observe que I d (x0 ) = Br (x0 ) se d = 2 nr, de modo que c T −1 g I d (x0 ) (1 − εM ) ≤ c I d (x0 ) n ≤ (1 + εM )n , √ ∀d < 2 nδ. Pelo Lema 12.32, temos c T −1 g I d (x0 ) = det T −1 c g I d (x0 ) , e, consequentemente, existe C = C(M ) > 0 tal que c g I d (x0 ) − | det T | < Cε, c(IId (x0 )) √ ∀d < 2 nδ (12.32) e concluı́mos a prova, pois det T = Jg (x0 ). Observação: O limite em (12.26) nos sugere que a função de conjunto F definida sobre os n-pavês de Ω por F (II ) = c g (II ) é uniformemente derivável nos compactos de Ω, com F ′ (x) = |Jg (x)|, para todo x ∈ Ω. A rigor, o limite restrito aos n-cubos centrados em x não satisfaz a definição de derivada espacial, onde o limite é calculado com as “razões incrementais” envolvendo n-pavês arbitrários. O lema seguinte justifica por que, no caso em questão, podemos nos restringir aos n-cubos centrados em x. A integral de Riemann em R n 233 Lema 12.34: Nas condições do Lema 12.33, a função de conjunto F definida sobre os n-pavês de Ω por F (II ) = c g (II ) é uniformemente derivável nos compactos de Ω, com F ′ (x) = |Jg (x)|, para todo x ∈ Ω. Prova: Consideremos uma matriz diagonal D = diag(a1 , a2 , . . . , an ), onde ai > 0 para todo i = 1, . . . , n, e a norma k kD definida por kxkD = kDxk∞ . Então, relativamente a esta norma, a bola unitária centrada na origem, isto é, B1 (0) = x ∈ Rn ; kxkD ≤ 1 coincide com o n-pavê J 1 definido por J 1 = [−a1 , a1 ] × · · · × [−an , an ], cujo diâmetro é √ q diam(JJ1 ) = 2 a21 + · · · + a2n . Portanto, se Br (0) é a bola de raio r > 0 centrada na origem, temos Br (0) = rB1 (0) = J d , onde J d é um n-pavê de diâmetro d = r diam(JJ1 ). Repetindo o argumento da prova do Lema 12.33 coma norma k k∞ substituı́da por k kD , obtemos que, para todo x ∈ Ω e para todo ε > 0, existe δ1 > 0 (independente de x) tal que, se J d (x) é um n-pavê centrado em x com diam(JJd ) = d < δ1 , então c g (JJd (x)) ε − |Jg (x)| < . c(JJd (x)) 2 Como g é de classe C 1 , existe δ2 > 0 tal que se x, y ∈ Ω e kx − ykD < δ2 , tem-se ε |Jg (x)| − |Jg (y)| < . 2 Logo, se d < min{δ1 , δ2 } e ky − xkD ≤ d, então x ∈ J d (y) e, pela desigualdade tringular, c g (JJd (y)) − |Jg (x)| < ε c(JJd (y)) (12.33) sendo o limite acima uniforme nos compactos de Ω. Como a escolha de D é arbitrária, (12.33) significa que F ′ (x) = |Jg (x)| e a prova está concluı́da. 234 Cálculo Avançado I Lema 12.35: Sejam Ω ⊂ Rn aberto e g : Ω → Rn função injetiva de classe C 1 tal que Jg (x) 6= 0 para todo x ∈ Ω. Se K ⊂ Ω é compacto J-mensurável, então Z c g (K) = |Jg (x)| dx. K Prova: Pelo Tereoma 12.10, g (K) é J-mensurável. Seja G a função de conjunto definida nos compactos K ⊂ MJ (Ω) por c g (K) Pelo Lema 12.34, G é uniformemente derivável em todo n-pavê de Ω e G′ (x) = |Jg (x)|. Como g é injetiva, G é aditiva e monótona. Pelo Corolário 12.30, Z G(A) = |Jg (x)| dx, ∀A ∈ MJ (Ω). A Em particular G(K) = c g (K) = Z K |Jg (x)| dx e concluı́mos a prova. Com os resultados anteriores, podemos demonstrar a fórmula de mudança de variáveis. Teorema 12.36: Sejam U, Ω abertos de Rn e g : U → Ω função bijetiva de classe C 1 tal que Jg (u) 6= 0 para todo u ∈ U . Seja f : Ω → R função contı́nua e positiva. Então, para todo K ⊂ U compacto J-mensurável, tem-se Z Z f (x) dx = f g (u) |Jg (u)| du. g (K) K Prova: Pelo Teorema 12.10, g (K) ∈ MJ (Ω) qualquer que seja o compacto K ∈ MJ (U ). Consideremos a função de conjunto G definida por Z G(K) = f (x) dx, K ∈ MJ (U ). (12.34) g (K) A integral de Riemann em R n 235 G é aditiva (pois g é injetiva) e monótona (pois f é positiva). Seja u0 ∈ U . Pelo Teorema do Valor Intermediário (veja (12.14)), para cada d > 0, existe um único ud no n-pavê I d (u0 ) tal que Z G I d (u0 ) = f = f g (ud ) c g (IId (u0 ) g (I Id (u0 )) e c g (IId (u0 )) G I d (u0 ) = f g (ud ) . (12.35) c I d (u0 ) c I d (u0 ) É claro que limd↓0 f g (ud ) = f g (u0 ) pois f ◦ g é contı́nua e ud ∈ I d (u0 ) implica ud → u0 quando d → 0. Pelo Lema 12.34, obtemos c g (IId (u0 )) = |Jg (u0 )| (12.36) lim d↓0 c I d (u0 ) uniformemente nos compactos de U . Logo, G I d (u0 ) ′ = f g (u0 ) |Jg (u0 )|, G (u0 ) = lim d↓0 c I d (u0 ) ∀u0 ∈ U. Para mostrar que o limite acima é uniforme nos compactos de U , observe que de (12.35), obtemos G I d (u0 ) − f g (u0 ) Jg (u0 ) c I d (u0 ) c g (IId (u0 )) − Jg (u0 ) ≤ f g (ud ) I d (u0 ) + Jg (u0 ) f g (ud ) − f g (u0 ) (12.37) Seja K ⊂ U compacto. Como f ◦ g é uniformemente contı́nua em K, (1) existem M1 > 0 tal que f g (u) ≤ M1 para todo u ∈ K; (2) existe δ1 > 0 tal que se ku − vk < δ1 , então f g (u) − f g (v) < ε . 2M1 236 Cálculo Avançado I Como g é de classe C 1 e o limite (12.36) é uniforme em K, temos (3) existe M2 > 0 tal que Jg (u) ≤ M2 para todo u ∈ K; (4) existe δ2 > 0 tal que se d < δ2 , então c g (IId (u)) ε − Jg (u) < , 2M2 I d (u) ∀u ∈ K. G I d (u0 ) − f g (u0 ) Jg (u0 ) < ε, c I d (u0 ) ∀u0 ∈ K, Assim, se δ0 = min{δ1 , δ2 } e d < δ0 , segue da desigualdade (12.37), o que significa que G é uniformemente derivável nos compactos de U e G′ (u) = f g (u) |Jg (u)|. Assim, o Corolário 12.30 nos garante Z f g (u) |Jg (u)| du, ∀ A ∈ MJ (U ) G(A) = (12.38) A Em particular, se K é compacto, temos de (12.34) e (12.38), G(K) = Z f (x) dx = g (K) Z K f g (u) |Jg (u)| du e concluı́mos a prova. Podemos obter um resultado semelhante ao do Teorema acima sem a hipótese de positividade de f . De fato: Corolário 12.37: Sejam U, Ω abertos de Rn e g : U → Ω função bijetiva de classe C 1 tal que Jg (u) 6= 0 para todo u ∈ U . Seja f : Ω → R função contı́nua. Então, para todo K ⊂ U compacto J-mensurável, tem-se Z Z f (x) dx = f g (u) |Jg (u)| du. g (K) K A integral de Riemann em R n 237 Prova: Seja U1 ⊂ U aberto limitado tal que K ⊂ U1 . Seja m = min{|f (x)| ; x ∈ g (U1 )} Então a função h : U1 → R definida por h(x) = f (x) − m é positiva e contı́nua em U1 . Pelo Teorema 12.36, temos Z f (x) dx = g (K) = = = Z Z Z h(x) dx + mc g (K) g (K) K ZK K h g (u) |Jg (u)| du + m Z K |Jg (u)| du h g (u) + m |Jg (u)| du f g (u) |Jg (u)| du como querı́amos demonstrar. Coordenadas esféricas em Rn e aplicações As bem conhecidas coordenadas polares em R2 e coordenadas esféricas em R3 podem ser naturalmente estendidas para o Rn , n > 3. Como nos casos elementares, elas facilitam o cálculo de integrais em situações em que a simetria esférica se apresenta. Lembremos que, no caso n = 3, um vetor x ∈ R3 de coordenadas cartesianas (em relação a uma base ortonormal) (x1 , x2 , x3 ) pode ser representado em coordenadas esféricas por x = (ρ sen φ sen θ, ρ sen φ cos θ, ρ cos φ), onde ρ = kxk2 , φ ∈ [0, π] e θ ∈ [0, 2π). No caso geral, considere a região D = [0, +∞) × [0, π]n−2 × [0, 2π] 238 Cálculo Avançado I e a aplicação g : D → Rn , g = (g1 , . . . , gn ), assim definida: para u = (ρ, θn−1 , θn−2 , . . . , θ1 ) ∈ D, g1 (u) = ρ sen(θn−1 ) sen(θn−2 ) · · · sen(θ2 ) sen(θ1 ), g2 (u) = ρ sen(θn−1 ) sen(θn−2 ) · · · sen(θ2 ) cos(θ1 ), g3 (u) = ρ sen(θn−1 ) sen(θn−2 ) · · · cos(θ2 ), (12.39) .. .. .. . . . gn−1 (u) = ρ sen(θn−1 ) cos(θn−2 ), gn (u) = ρ cos(θn−1 ). O sistema (12.39) é denominado sistema de coordenadas esféricas em Rn . Observe que kg (u)k2 = ρ para todo u ∈ D. Além disso, g é de classe C 1 no interior de D e pode-se mostrar que |Jg (u)| = | det g ′ (u)| = ρn−1 senn−2 (θn−1 ) senn−3 (θn−2 ) · · · sen(θ2 ). Para se estender as coordenadas esféricas em Rn , n > 3, vamos proceder por indução. Seja x ∈ Rn (n > 3) um vetor não nulo, que denotaremos por x = (x′ , xn ), onde x′ = (x1 , x2 , . . . , xn−1 ) ∈ Rn−1 . O vetor x′ será identificado com x̃ = (x′ , 0), a projeção de x sobre o subespaço Rn−1 × {0}. Suponhamos as fórmulas (12.39) válidas para x′ , isto é, x1 = r sen(θn−2 ) · · · sen(θ2 ) sen(θ1 ), x2 = r sen(θn−2 ) · · · sen(θ2 ) cos(θ1 ), x3 = r sen(θn−2 ) · · · cos(θ2 ), .. .. .. . . . (12.40) xn−1 = r cos(θn−2 ). Seja θn−1 o ângulo entre x e en , o n-ésimo vetor na base canônica de Rn . Então, x · en xn = . cos(θn−1 ) = kxk2 kxk2 Denotando por ρ = kxk2 e r = kx′ k2 , obtemos xn = ρ cos(θn−1 ). (12.41) A integral de Riemann em R n 239 Por outro lado, para θn−1 ∈ [0, π] temos sen(θn−1 ) = s 1− x2n kx′ k2 = , kxk22 kxk2 de onde se conclui que r = ρ sen(θn−1 ). (12.42) Assim, substituindo (12.42) nas equações de (12.40) e completando com (12.41), obtemos as equações introduzidas em (12.39). • Aplicação: o conteúdo da bola de raio R em Rn Como exemplo, vamos usar as coordenadas esféricas para determinar fórmulas explı́citas para o contúdo de Jordan da bola de raio R de Rn . Seja BR a bola aberta de Rn de raio R centrada em zero. Então, pelo Lema 12.35, temos c(BR ) = Z dx = BR Z DR |Jg (u)| du, onde DR = (0, R) × (0, π)n−2 × (0, 2π) e, a menos de um conjunto de conteúdo zero, BR = g (DR ). Pelo Teorema de Fubini 12.24, temos Z |Jg (u)| du = 2π DR onde Ik = Z Rn In−2 In−3 · · · I2 I1 , n π senk (θ) dθ, 0 k = 1, 2, . . . , n − 2. Um cálculo elementar mostra que Z 0 π k−1 sen (x) dx = k k Z 0 π senk−2 (x) dx. 240 Cálculo Avançado I Assim, para k inteiro par, obtemos k−1 k−3 5 3 Ik = ··· I2 , k k−2 6 4 k−4 4 2 k−2 Ik−1 = ··· I1 , k−1 k−3 5 3 de modo que 2 2π I2 I1 = . (12.43) k k Com o mesmo argumento mostra-se que (12.43) vale também para k ı́mpar. Assim, se n é par, n − 2 também é par e podemos agrupar dois-a-dois todos os fatores evolvendo as integrais Ik , isto é, Ik Ik−1 = In−2 In−3 In−4 In−5 · · · (I2 I1 ) = = 2π 2π 2π ··· (n − 2) (n − 4) 2 (2π)n/2 . (n − 2)(n − 4) · · · 2 Se n é ı́mpar, n − 2 também o é, e o agrupamento dois-a-dois acima toma a forma 2π 2π 2π In−2 In−3 In−4 In−5 · · · (I3 I2 )I1 = · · · I1 (n − 2) (n − 4) 3 2(2π)(n−1)/2 = . (n − 2)(n − 4) · · · 3 Logo, o conteúdo de BR é: n R 2π k n (k − 1)! c(BR ) = n R 2π k n k − 12 k − 32 · · · 32 12 se n = 2k, (12.44) se n = 2k + 1. Observação: As fórmulas (12.44) podem ser expressas de modo unificado, sem distinguir entre n par ou n ı́mpar, se utilizarmos a função gama: Z ∞ Γ(x) = 0 tx−1 e−t dt, x > 0. A integral de Riemann em R n 241 Pode-se verificar que Γ(x) satisfaz, entre outras, as seguintes propriedades: √ Γ(x + 1) = xΓ(x), Γ(1/2) = π. (12.45) Com essas propriedades, podemos mostrar (veja Exercı́cios) que c(BR ) = Rn 2π n/2 . n Γ(n/2) Observação 12.38: É usual denotar Sn−1 = ∂B1 (0) a esfera unitária de Rn . Assim, como veremos no próximo capı́tulo, a medida superficial de Sn−1 é 2π n/2 |Sn−1 | = . Γ(n/2) Para simplificar a notação nos cálculos envolvendo coordenadas esféricas, escrevemos ω = (ω1 , ω2 , . . . , ωn ), onde ω1 = sen(θn−1 ) sen(θn−2 ) · · · sen(θ2 ) sen(θ1 ), ω2 = sen(θn−1 ) sen(θn−2 ) · · · sen(θ2 ) cos(θ1 ), ω3 = sen(θn−1 ) sen(θn−2 ) · · · cos(θ2 ), (12.46) .. .. .. . . . ωn−1 = sen(θn−1 ) cos(θn−2 ), ωn = cos(θn−1 ). Desse modo, temos x = ρω e dx = ρn−1 dω, com dω = senn−2 (θn−1 ) senn−3 (θn−2 ) · · · sen(θ2 ). Com essa notação, e como consequência do Teorema de Fubini 12.24, escrevemos !Z Z R n−1 c BR (0) = ρ dρ dω, Sn−1 0 onde Z 2π n/2 . Γ(n/2) Sn−1 Em particular, se f é uma função radial, temos ! Z Z R f (x) dx = f (ρ)ρn−1 dρ |Sn−1 |. dω = 2πIn−2 In−3 · · · I2 I1 = BR (0) 0 (12.47) 242 Cálculo Avançado I • Aplicação: integrais com domı́nios variáveis Sob certas condições de regulariddade de f , é possı́vel permutar os sı́mbolos de derivada e integral (veja Exercı́cio 5.13), isto é, Z Z d ∂f f (t, x) dx = (t, x) dx. (12.48) dt Ω Ω ∂t Nesta seção veremos como o Teorema 12.36 pode ser aplicado para estender a fórmula (12.48) no caso em que o domı́nio de integração também depende de t. Como veremos na sequência, resultados desse tipo são importantes em diversos contextos, tais como na Mecânica do Contı́nuo. No que segue, consideramos o seguinte: (1) g : R × Rn → Rn é função de classe C 2 em R × Rn tal que, para todo t ∈ R, a aplicação u 7→ g (t, u) é um difeomorfismo de classe C 1 em Rn ; (2) f : R × Rn → R é uma função de classe C 1 em R × Rn . Nas condições acima, denotamos: (3) se A ⊂ Rn , então At = g(t, A); (4) como para cada x ∈ At , existe um único u ∈ A tal que x = g (t, u), definimos ∂g (t, u) v (t, x): = ∂t Teorema 12.39: Sejam g e f satisfazendo as condições (1) e (2) acima e, com a notação introduzida em (3) e (4), consideremos K ⊂ Rn um conjunto compacto e M : R → R a função definida por Z M (t) = f (t, x) dx. Kt Então M é derivável e dM = dt Z Kt ∂f + div(f v ) dx. ∂t (12.49) Observação: Para tornar a notação mais clara, escreveremos ∂gi Du g (t, u) = (t, u) = g ′ (t, u). ∂uj i,j=1,...,n A integral de Riemann em R n 243 Lembremos também que n X ∂vi div v (t, x) = tr Dx v (t, x) = (t, x). ∂xi i=1 Prova do Teorema 12.39: Pelo Teorema 12.36, temos Z M (t) = f t, g (t, u) det Du g (t, u) du. K Fixado u ∈ K, a aplicação t 7→ f t, g (t, u) det Du g (t, u) é de classe C 1 em R. Logo (veja Exercı́cio 12.18), Z dM ∂ = f t, g (t, u) det Du g (t, u) du. dt K ∂t Observe que, para cada u ∈ K, temos ∂f ∂ ∂g f t, g (t, u) = (t, g (t, u)) + ∇f (t, g(t, u)) · (t, u), ∂t ∂t ∂t de modo que, retornando à variável x, Z ∂f ∂g (t, g(t, u)) + ∇f (t, g(t, u)) · (t, u) det Du g (t, u) du ∂t ∂t K Z ∂f = (t, x) + ∇f (t, x) · v (t, x) dx. ∂t Kt (12.50) Pela Proposição 5.15, temos −1 ∂ ∂ det Du g (t, u) = tr Du g (t, u) Du g (t, u) det Du g (t, u) . ∂t ∂t (12.51) Como estamos supondo g de classe C 2 , temos ∂ 2 gi ∂ 2 gi (t, u) = (t, u), ∂t∂uj ∂uj ∂t ∀i, j = 1, . . . , n, que em notação matricial se expressa por ∂ ∂g Du g (t, u) = Du (t, u) . ∂t ∂t 244 Cálculo Avançado I Além disso, como Du g (t, u) −1 = Dx g −1 (t, x) , ∀t ∈ R, temos pela Regra da Cadeia, ∂g ∂g Dx v (t, x) = Dx (t, u) = Du (t, u) Dx g −1 (t, x) ∂t ∂t −1 ∂g = Du (t, u) Du g (t, u) . ∂t Lembrando que tr AB = tr BA, obtemos de (12.51), −1 ∂ Du g (t, u) = tr Dx v (t, x) = div v (t, x). ∂t (12.52) Assim, segue de (12.51) e (12.52), Z Z ∂ f t, g (t, u) det Du g (t, u) du = f (t, x) div v (t, x) dx. ∂t K Kt (12.53) Somando-se (12.50) e (12.53), obtemos (12.49) e a prova está concluı́da. tr Du g (t, u) Observação: Em dimensão n = 1, se Kt = [0, a(t)], (12.49) toma a forma Z a(t) Z a(t) d ∂f ∂ ′ f (t, x) dx = (t, x) + f (t, x)a (t) dx dt 0 ∂t ∂x 0 Z a(t) ∂f = (t, x) dx + f t, a(t) a′ (t). ∂t 0 (12.54) Como veremos no próximo capı́tulo, a fórmula acima pode ser estendida para n > 1, onde o termo de fronteira f t, a(t) a′ (t) é substituı́do por uma integral de superfı́cie sobre a fronteira de Kt . Observação: A fórmula (12.49) é importante em várias aplicações, dentre as quais destacamos aqui, muito brevemente, a Mecânica do Contı́nuo. Nessa teoria, supõe-se que as leis de Newton da Mecânica A integral de Riemann em R n 245 Clássica se aplicam sobre as partı́culas que compõem um dado corpo material. Entretanto, esse corpo é considerado como um meio contı́nuo (o que intuitivamente poderia ser interpretado como o espaço ocupado pelo corpo — a configuração do corpo — onde os pontos se confundem com as partı́culas materiais). Com essa interpretação, o movimento das partı́culas pode ser descrito pela função g (t, u). Mais precisamente, se um ponto P inicialmente em K com coordenadas u = (u1 , u2 , u3 ), se desloca de sua posição inicial, estará no tempo t na posição x = g (t, u). Assim, o corpo material que no instante inicial estava ocupando a região K ⊂ R3 (configuração inicial), estará no tempo t ocupando a região Kt = g (t, K). Dessa forma, a função g descreve as grandezas cinemáticas do movimento, como por exemplo a velocidade v de cada partı́cula. • Aplicação: a equação da conservação da massa Uma aplicação imediata de (12.49) é a Equação da Conservação da Massa, também conhecida como Equação da Continuidade. Seja ρ = ρ(t, x) a função que descreve a densidade de massa (por unidade de volume) no instante t e posição x. Dado uma parte ωt ⊂ Kt , a massa dessa parte ωt é dada por Z m(t, ωt ) = ρ(t, x) dx, ωt onde ωt = g (t, ω0 ), ω0 ⊂ K. No denominado Princı́pio da Conservação da Massa supõe-se que m(t, ωt ) = m(0, ω0 ) para todo t > 0, e para qualquer parte ωt da configuração Kt do corpo. Nas condições do Teorema 12.39, temos Z d ∂ρ m(t, ωt ) = (t, x) + div(ρ(t, x)v(t, x) dx = 0. dt ∂t ωt Como ωt pode ser uma parte qualquer de Kt , conclui-se ∂ρ (t, x) + div ρ(t, x)v(t, x) = 0, ∂t ∀t > 0, ∀x ∈ Kt . (12.55) Vale aqui observar que se a função g e a densidade na configuração inicial ρ0 (u) são conhecidas, então o Princı́pio da Conservação da 246 Cálculo Avançado I Massa, m(t, ωt ) = m(0, ω0 ), pode também ser expressa por Z Z Z ρ(t, x) dx = ρ t, g (t, u) det Du g (t, u) du = ρ0 (u) du ωt ω0 ω0 de modo que a Equação da Continudade toma a forma, ρ t, g (t, u) det Du g (t, u) = ρ0 (u), ∀t > 0, ∀u ∈ K. (12.56) No primeiro caso, (12.55), dizemos que a equação está formulada em variáveis Eulerianas. No segundo caso, (12.56), dizemos que está em variáveis Lagrangeanas. Vale observar que, quando aplicadas, as leis da Mecânica agem sobre a configuração Kt , para todo t, isto é, em variáveis Eulerianas. Assim, é importante fazer a distinção entre as duas formulações. Exercı́cios: Exercı́cio 12.1. (a) Dê um exemplo de um conjunto A ⊂ R2 limitado tal que c(∂A) > 0. (b) Seja A ⊂ Rn um conjunto limitado e I um n-pavê tal que I ⊃ A. Considere uma partição P ∈ P(II ). Mostre que J(∂A, P ) = J(A, P ) − J(A, P ). (c) Seja A ⊂ Rn limitado tal que A′ é finito. Mostre que A é Jmensurável e c(A) = 0. Exercı́cio 12.2. Mostre que se A ⊂ Rn é J-mensurável, o mesmo vale para A. A recı́proca é verdadeira? Exercı́cio 12.3. Seja A ⊂ Rn conjunto J-mensurável. Mostre que: (1) existe {Ak }k∈N sequência de conjuntos elementares tal que A1 ⊂ A2 ⊂ . . . e lim c(Ak ) = c(A); k→∞ (2) existe {Bk }k∈N sequência de conjuntos elementares tal que B1 ⊃ B2 ⊃ . . . e lim c(Bk ) = c(A). k→∞ A integral de Riemann em R n 247 Exercı́cio 12.4. Seja C o conjunto de Cantor, isto é, aquele obtido pelo seguinte processo recursivo: C1 = [0, 1] \ 1 2 , 3 3 , C2 = C1 \ 1 2 , 9 9 ∪ 7 8 , 9 9 , etc... Mostre que ∂ [0, 1] \ C = C e conclua que [0, 1] \ C é J-mensurável. Exercı́cio 12.5. Prove o Corolário 12.9. Exercı́cio 12.6. Mostre as seguintes propriedades sobre medida zero: (1) Se m(A) = 0 e B ⊂ A, então m(B) = 0; (2) Se c(A) = 0, então m(A) = 0; (3) A união enumerável de conjuntos de medida zero tem medida zero; (4) m(A) = 0 se, e somente se, existe uma famı́lia enumerável de n-paralelepı́pedos satisfazendo as seguintes condições: A⊂ ∞ [ j=1 ◦ Ij e ∞ X j=1 ◦ c I j < ε. (5) Seja I = [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ] um n-paralelepı́pedo tal que aj < bj e ∂II a fronteira der I . Mostre que m(∂II ) = 0, mas que I não tem medida zero. Exercı́cio 12.7. Seja I ⊂ Rn (n ≥ 1) um n-pavê e f : I → R função contı́nua. Considere o gráfico de f : Graf(f ) = x = (x′ , xn+1 ) ∈ Rn+1 ; x′ ∈ I , xn+1 = f (x′ ) . Mostre que Graf(f ) tem conteúdo nulo em Rn+1 . Exercı́cio 12.8. Seja γ : [a, b] → Rn uma curva retificável e Γ = γ(t) ; t ∈ [a, b] . Mostre que Γ tem conteúdo de Jordan nulo em Rn . Exercı́cio 12.9. Sejam A ⊂ Rn conjunto J-mensurável e f, g : A → R funções Riemann-integráveis. Mostre que f g é Riemann-integrável em A. 248 Cálculo Avançado I Exercı́cio 12.10. Seja I = [0, 1] × [0, 1] e considere a função f : I → R assim definida: 1 se x ∈ Q, f (x, y) = 2y se x ∈ / Q. f é Riemann integrável em I ? As integrais iteradas existem? Justifique suas repostas. Exercı́cio 12.11. Seja A = Q ∩ [0, 1]. Para cada x ∈ A, x = p/q fração irredutı́vel, considere o conjunto S(x) assim definido: S(0) = {(0, 0)} e se x 6= 0, n m S(x) = , ; n, m = 0, 1, . . . , p . q q Considere a função f : [0, 1] × [0, 1] → R definida por n f (x, y) = 0 se x ∈ A e (x, y) ∈ S(x), 1 senão. Mostre que Z 1 Z 0 1 f (x, y) dy dx = 0 Z 0 1 Z 1 f (x, y) dx dy = 1, 0 mas f não é Riemann-integrável em [0, 1] × [0, 1]. Exercı́cio 12.12. Obtenha uma estimativa da constante C de (12.32) em ternos de M e n. Exercı́cio 12.13. Seja f : [0, 1] → R contı́nua e T ⊂ R2 o tiângulo com vértices em (0, 0), (1, 0) e (0, 1). Mostre que Z Z 1 f (x + y) dxdy = sf (s) ds. T 0 Exercı́cio 12.14. Sejam B1 (0) a bola aberta de R2 (relativa à norma euclidiana), de raio 1 e centro em zero, f : R2 → R uma função contı́nua e Rθ a matriz de rotação: cos θ sen θ Rθ = . − sen θ cos θ A integral de Riemann em R n 249 Considere a função g definida por Z g(θ) = f (Rθ x) dx. B1 (0) Mostre que g(θ) = g(0) para todo θ ∈ R. Exercı́cio 12.15. Sejam α ∈ R, 0 < a < b < +∞ e D = x ∈ Rn ; a < kxk2 < b . Considere f : D → R a função definida por f (x) = kxkα 2 . Mostre que n−1 Z |S |(n + α)−1 (bα+n − aα+n ) se α + n 6= 0, f (x) dx = n−1 |S | ln(b/a) se α + n = 0. D 1/p Exercı́cio 12.16. Seja kxkp = |x1 |p + |x2 |p + · · · + |xn |p , p ≥ 1, a norma p de Rn . Determine os valores de α ∈ R para os quais é finita a integral Z kxkα onde B1 = {x ∈ Rn ; kxk2 ≤ 1}. p dx, B1 Exercı́cio 12.17. Seja BR (0) a bola fechada de centro em zero e raio R > 0 de Rn , relativamente à norma k k1 , isto é, BR (0) = {(x1 , x2 , . . . , xn ); |x1 | + |x2 | + · · · + |xn | ≤ R}. Seja Vn (R) o volume de BR (0). (a) Prove que Vn (R) = Rn Vn (1). (b) Mostre que Vn (1) = 2n /n!. Exercı́cio 12.18. Sejam f : R × Rn função de classe C 1 e Ω ⊂ Rn aberto J-mensurável. Considere a função M : R → R definida por Z M (t) = f (t, x) dx. Ω Mostre que M é de classe C 1 em R e Z ∂f ′ M (t) = (t, x) dx, Ω ∂t ∀t ∈ R. 250 Cálculo Avançado I Exercı́cio 12.19. Seja f : Rn → R de classe C 1 e γ : R → Rn curva de classe C 1 tal que γ(0) = 0. Considere a função F : (0, +∞) × R → R definida por Z F (t, r) = f (x) dx, Br (γ(t)) onde Br γ(t) denota a bola de aberta de centro em γ(t) e raio r > 0. Mostre que F é de classe C 1 e calcule ∂F (t0 , r0 ), ∂t ∂F (t0 , r0 ). ∂r Exercı́cio 12.20. Para cada R > 0 e n ∈ N, consideremos os conjuntos BR (n) = x ∈ Rn ; kxk2 ≤ R , CR (n) = x ∈ Rn ; kxk∞ ≤ R . (1) Use coordenadas polares para calcular Z 2 IR (2) = e−kxk2 dx. BR (2) (2) Mostre que BR (2) ⊂ CR (2) ⊂ B√2R (2) e conclua que Z p IR (2) ≤ R −r2 e −R q dr ≤ I√2R (2). (3) Usando (2) e o Teorema de Fubini 12.24, mostre que Z Z 2 −kxk22 e dx = lim e−kxk2 dx = π n/2 . Rn R→+∞ CR (n) (4) Considere fR : (0, ∞) → R definida por Z 2 fR (α) = e−αkxk2 dx. CR (n) Mostre que fR (α) é derivável em relação a α e calcule a derivada fR′ (α). A integral de Riemann em R n 251 (5) Mostre que existe o limite lim fR′ (α), R→+∞ ∀α > 0. (6) Use os resultados anteriores para calcular Z 2 kxk22 e−kxk2 dx. Rn (7) Com o resultado de (3), a fórmula (12.47) pode ser obtida diretamente a partir da seguinte astúcia: use coordenadas esféricas e o Teorema de Fubini para obter Z Z Z 1 ∞ −s (n/2)−1 1 n/2 π = e s dρ dω = Γ(n/2) dω . 2 0 2 Sn−1 Sn−1 Exercı́cio 12.21. Sejam f, g : Rn → R funções contı́nuas, A ⊂ Rn conjunto J-mensurável, p, q ∈ (1, +∞) tais que 1/p+1/q = 1. Mostre que 1/p Z 1/q Z Z p p fg ≤ |f | |g| . (12.57) A A A n Estenda a desigualdade (12.57) para A = R supondo que as integrais impróprias de |f |p e |g|q existam. Exercı́cio 12.22. Seja G+ n o subconjunto de Mn×n (R) das matrizes simétricas e positivas. (a) Mostre que Z 1 hAx : xi −n/2 p dx, ∀A ∈ G+ exp − = (2π) n. 2 n det(A) R (b) Mostre que G+ n é convexo e que a aplicação A 7→ det(A) é logcôncava, isto é, A 7→ ln det(A) é côncava. Sugestão: Para provar o item (b), use o Exercı́cio 12.21. Exercı́cio 12.23. Seja u = (u1 , · · · , un ) um vetor de Rn e considere a matriz u2 u u ··· u u 1 u2 u1 A= .. . un u1 1 2 u22 .. . un u2 1 n · · · u2 un .. .. . . . · · · u2n 252 Cálculo Avançado I (a) Mostre que A é diagonalizável e seus autovalores são λ1 = · · · = λn−1 = 0, λn = kuk22 . (b) Use este fato para mostrar que det(A) = 1 + kuk22 . Observação: A matriz A é, por definição, o produto tensorial do vetor u por ele mesmo, i.e., A = [u ⊗ u]. Veja (A.6) no Apêndice. 13 Gauss, Green e Stokes No capı́tulo anterior provamos o Teorema da Mudança de Variáveis, que estende para as integrais de várias variáveis o método de substituição usual do Cálculo de uma variável. Neste capı́tulo vamos abordar o Teorema de Gauss também denominado Teorema da Divergência, que estende ao Rn o bem conhecido método de integração por partes. Como corolário do Teorema de Gauss, apresentamos o Teorema de Green em Rn , o Teorema de Stokes em R3 , assim como algumas aplicações clássicas. Para concluir, apresentamos uma introdução sobre campos vetoriais da Fı́sica Matemática e concluiremos com uma pequena introdução sobre Formas Diferenciais. Superfı́cies de Rn Retornemos ao Capı́tulo 6 para relembrar como definimos uma curva de Rn : “ Seja I um intervalo de R e γ : I → Rn uma função contı́nua. Dizemos que Γ = γ(I) é uma curva de Rn e γ uma parametrização de Γ ” Esta definição analı́tica é conveniente sob diversos aspectos, embora possa incluir, mesmo em R2 , conjuntos Γ que, do ponto de vista geométrico, fogem ao senso comum. Entretanto, ela inclui uma “caracterı́stica dinâmica” dada pela parametrização que é bastante útil e intuitiva. Mas o ponto essencial aqui é que uma curva em Rn é, 254 Cálculo Avançado I de certa forma, um conjunto “uni-dimensional”(i.e., com um grau de liberdade) imerso em Rn . Por outro lado, quando dizemos que S é uma superfı́cie de R3 , o que vem à mente é a imagem de um conjunto “bi-dimensional” (com dois graus de liberdade) imerso em um espaço tridimensional, isto é, um conjunto de co-dimensão 1. Os exemplos clássicos de superfı́cies em R3 estudados nos cursos de Cálculo são, em geral, descritos por parametrizações. Tudo isso nos leva naturalmente, e por analogia, a definir uma superfı́cie em Rn . Definição 13.1: Seja D ⊂ Rn−1 (n ≥ 2) e F : D → Rn uma função contı́nua. Dizemos que S = F (D) é uma n-superfı́cie e F uma parametrização de S. Observe que uma 2-superfı́cie é uma curva e, mesmo nesse caso, a definição acima é geral demais por incluir conjuntos S que fogem ao senso comum do ponto de vista geométrico (por exemplo, superfı́cies que se auto-interseptam de forma bastante complicada). Para contornar essas dificuldades, vamos impor restrições ao domı́nio D e à função F . Definição 13.2: Seja U ⊂ Rn−1 (n ≥ 2) um conjunto aberto. Dizemos que F : U → Rn é um mergulho, se F é injetiva, diferenciável em U e tal que, para todo u ∈ U , F ′ (u) também é injetiva. Dizemos que F é um mergulho de classe C k , k ∈ N, se cada componente Fi de F é função de classe C k . Definição 13.3: Dizemos que S é uma n-superfı́cie diferenciável se, para cada x ∈ S, existem um aberto U ⊂ Rn−1 , um aberto V ⊂ Rn contendo x e um mergulho F : U → Rn tais que: F (U ) = S ∩ V e F −1 : S ∩ V → U é contı́nua. (13.1) A coleção dos mergulhos cujas imagens cobrem a superfı́cie S é denominada sistema completo de cartas locais. Se a superfı́cie S admite um sistema completo de cartas locais com mergulhos de classe C k , dizemos que ela é uma superfı́cie de classe C k . Observação: A rigor, quando n > 3, deverı́amos denominar S uma hiper-superfı́cie, tal como dizemos dos hiper-planos H de Rn : H = x ∈ Rn ; hx − x0 : ui = 0 . Gauss, Green e Stokes 255 Observe também que a Definição 13.3 pode não incluir algumas superfı́cies que “possuem bordo”. Para incluı́-las, precisamos acrescentar uma restrição ao sistema de cartas locais. Definição 13.4: Dizemos que uma n-superfı́cie diferenciável S tem bordo se, para todo x ∈ S, existem um aberto U contido em Rn−1 ou no semi-espaço Rn−2 × (0, +∞), um aberto V ⊂ Rn contendo x e um mergulho F : U → Rn de classe C 1 satisfazendo as propriedades definidas em (13.1). Nesta caso, o bordo de S (que denotamos por ∂S) está contido na união das imagens daqueles mergulhos cujos domı́nios são abertos do semi-espaço Rn−2 × (0, +∞). Exemplo: A semi-esfera positiva Sn−1 = x ∈ Rn ; kxk2 = 1, xn > 0 (13.2) + é uma superfı́cie com bordo que pode ser definida com um único mergulho. O bordo de Sn−1 é o conjunto + ∂Sn−1 = x ∈ Rn ; kxk2 = 1, xn = 0 + A esfera Sn−1 é uma superfı́cie sem bordo que pode ser definida com dois mergulhos (veja Exercı́cios). Observação: Uma superfı́cie S tal como definida acima é, globalmente, uma “colagem de pedaços lisos” homeomorfos a abertos de Rn−1 . Se ela é de classe C 1 , então, como veremos a seguir, ela é uma colagem de gráficos de funções reais de n − 1 variáveis. Proposição 13.5: Seja S uma n-superfı́cie de classe C 1 e x0 = (x10 , . . . , xn0 ) ∈ S. Então existem um aberto V0 ⊂ Rn contendo x0 , u0 ∈ Rn−1 , um aberto W0 ⊂ Rn−1 contendo u0 e uma função ϕ : W0 → R de classe C 1 tal que, para algum i = 1, 2, . . . , n, tem-se: (a) ϕ(u0 ) = xi0 ; (b) V0 ∩ S é o gráfico de ϕ. Prova: Por hipótese, existem V ⊂ Rn aberto contendo x0 , U ⊂ Rn−1 e F : U → Rn mergulho de classe C 1 , F (U ) = V ∩ S e F −1 : V ∩ S → U é contı́nua. Seja u0 = F −1 (x0 ) e considere o conjunto de vetores C = L1 , . . . , Ln , onde ∂Fi ∂Fi Li = (u0 ), . . . , (u0 ) (13.3) ∂u1 ∂un−1 256 Cálculo Avançado I (isto é, Li é o vetor cujas coordenadas são os coeficientes da i-ésima linha da matriz [F ′ (u0 )]). Como por hipótese F ′ (u0 ) é injetiva, existem n − 1 vetores linearmente independentes no conjunto C. Suponhamos Li0 o vetor que se expressa como combinação linear dos de e = L1 , . . . , Li −1 , Li +1 . . . , Ln é uma mais. Então, o conjunto C 0 0 base de Rn−1 . Consideremos então a aplicação φ : U → Rn−1 definida por φ = P ◦ F , onde P é a projeção ortogonal sobre o subespaço gerado por e C, P (x1 , . . . , xn ) = (x1 , . . . , xi0 −1 , xi0 +1 . . . , xn ). Então, φ(u) = F1 (u), . . . , Fi0 −1 (u), Fi0 +1 (u) . . . , Fn (u) , u ∈ U , é de classe C 1 em U e — — L1 L2 — — . .. .. . . . . [φ′ (u0 )] = — Li0 −1 — . — Li0 +1 — . .. .. . . . . — Ln — Como det[φ′ (u0 )] 6= 0, o Teorema da Função Inversa nos garante a existência de δ > 0 tal que W0 = φ Bδ (u0 ) é aberto e φ : Bδ (u0 ) → W0 é um difeomorfismo de classe C 1 . Então ϕ : W0 → R definida por ϕ(x1 , . . . , xi0 −1 , xi0 +1 , . . . , xn ) = Fn φ−1 (x1 , . . . , xi0 −1 , xi0 +1 , . . . , xn ) satisfaz as condições (a) e (b) do enunciado. Observação 13.6: A prova acima indica que se S é n-superfı́cie de classe C 1 e x0 ∈ S, podemos escolher um dos eixos coordenados (digamos, aquele gerado pelo vetor e i0 da base canônica) e um aberto V tal que S ∩ V é o gráfico de uma função ϕ de classe C1 definida em um aberto do subespaço H = e , . . . , e , e , . . . , e e 1 i −1 i +1 n 0 0 n ϕ P (x0 ) = x0 , onde P é a projetção ortogonal de R sobre H. Gauss, Green e Stokes 257 • Superfı́cies orientáveis Para completar as definições básicas sobre os objetos que trataremos neste capı́tulo, vamos restringir um pouco mais as condições sobre os mergulhos que definem as cartas locais de S. A ideia é evitar aquelas superfı́cies de R3 tais como a famosa faixa de Möbius 1 (sobre a qual é possı́vel, “partindo-se de um ponto qualquer, voltar ao ponto de partida de cabeça para baixo sem virar cambalhotas”). Figura 13.1 - Faixa de Möbius Sejam F1 e F2 mergulhos distintos de um sistema completo de cartas locais de S. Denotemos S1 = F1 (U1 ) e S2 = F2 (U2 ). Se S1 ∩ S2 = W 6= ∅, dizemos que as cartas se interseptam. Neste caso, se Di = Fi−1 (W ), (i = 1, 2), podemos definir a aplicação de conexão T : D1 → D2 , T (u) = (F2−1 ◦ F1 )(u). (13.4) Observe que D1 e D2 são abertos em Rn−1 como imagem inversa de funções contı́nuas (aqui considerando S ∩ W com a métrica induzida pela norma de Rn ) e que T é um homeomorfismo de D1 sobre D2 . Proposição 13.7: Toda aplicação de conexão em uma n-superfı́cie de classe C 1 é um difeomorfismo de classe C 1 e) = Prova: Sejam F e Fe dois mergulhos de S tais que F (U ) ∩ Fe (U e → D, onde W 6= ∅. Consideremos a aplicação de conexão T : D −1 −1 e = Fe (W ). Para u0 ∈ D fixado, seja ũ0 = D = F (W ) e D T (u0 ). Consideremos o conjunto C = L1 , . . . , Ln , com os vetores 1 A faixa de Möbius, bem conhecida dos matemáticos, ganhou fama no mundo das artes com a obra do genial artista holandês M.C. Esher. Veja a gravura “Faixa de Möbius II” em http://www.mcescher.com/ 258 Cálculo Avançado I Li definidos como em (13.3). Como a matriz [F ′ (u0 )] tem posto n−1, podemos supor sem perda de generalidade que os n − 1 primeiros vetores de C são linearmente independentes. Consideremos então Φ : U × R → Rn definida por Φ(u, ξ) = F1 (u), . . . , Fn (u) + ξ . Então Φ é função de classe C 1 e ∂ F (u ) 1 1 0 ∂1 F2 (u0 ) .. [Φ′ (u0 , 0)] = . ∂1 Fn−1 (u0 ) ∂1 Fn (u0 ) Como 0 0 .. . · · · ∂n−1 Fn−1 (u0 ) 0 · · · ∂n−1 Fn (u0 ) 1 ··· ··· .. . — — det[Φ′ (u0 , 0)] = det ... ∂n−1 F1 (u0 ) ∂n−1 F2 (u0 ) .. . L1 L2 .. . — Ln−1 — — 6= 0. .. . — segue do Teorema da Função Inversa, a existência de δ > 0 tal que Φ Bδ (u0 ) = V0 é aberto de Rn e Φ : Bδ (u0 ) → V0 é um difeomorf0 = Fe−1 (V0 ∩ W ). fismo de classe C 1 . Considere o conjunto aberto U f0 ⊂ D e e T | = Φ−1 ◦ Fe é de classe C 1 . Então U e U 0 Mutatis-mutandis, provamos com o mesmo argumento que T −1 é de classe C 1 e concluı́mos a prova. Agora estamos em condições de definir a orientabilidade de n-superfı́cies. Definição 13.8: Dizemos que uma n-superfı́cie S de classe C 1 é orientável se admite um sistema completo de cartas locais tal que, se dois mergulhos distintos quaisquer F1 e F2 cujas imagens S1 e S2 se interseptam, a função de conexão T definida em (13.4) tem Jacobiano positivo em todos os pontos de seu domı́nio. Mais precisamenete, com a notação introduzida acima, S é orientável se JT (u) > 0, ∀u ∈ D1 . Gauss, Green e Stokes 259 Para as n-superfı́cies S orientáveis, podemos estabelecer uma orientação consistente com uma dada orientação de Ui . Observação 13.9: Seja S uma n-superfı́cie de classe C 1 . Se S é imagem de um único mergulho, então S é orientável. Se S tem um sistema completo com duas cartas locais F1 e F2 tais que F1 (U1 ) ∩ F2 (U2 ) é conexo, então S é orientável. De fato, como JT (u) não se anula, podemos trocar, se necessário, a ordem de coordenadas em U1 ou U2 de modo que JT (u) > 0 para todo u, o que significa S1 e S2 terem a mesma orientação. Integrais de superfı́cie em Rn Nesta seção vamos introduzir a definição de integral de n-superfı́cie, integral esta que estende a bem conhecida fórmula da integral de superfı́cie em R3 , a saber: Z Z ∂F ∂F (t, s) × (t, s) dtds, (13.5) f dS = f F (t, s) ∂t ∂s S U onde F : U ⊂ R2 → R3 é uma parametrização de S = F (U ). A fórmula (13.5) no caso em que f ≡ 1 é, por definição, a área de S. Observação: No Capı́tulo 6 deduzimos a fórmula para o comprimento de uma curva retificável Γ de classe C 1 a partir de aproximações por poligonais com vértices sobre a curva. A razão para não procedermos da mesma forma para superfı́cies S em R3 , aproximandoa por poliedros com vértices sobre ela, reside no fato de não termos estimativas simples para o processo de passagem ao limite. A abordagem “correta” é bem mais complicada e, por esta razão, preferimos “definir” a área (como uma medida superficial) pela integral acima com f ≡ 1. Entretanto, as aproximações feitas nos livros de Cálculo, embora não rigorosas, sugerem a validade da fórmula. Lembremos que o suporte de uma função f : Rn → Rm é, por definição, supp f = x ∈ Rn ; f (x) 6= 0 . Definição 13.10: Sejam U ⊂ Rn−1 (n ≥ 3) aberto, F : U → Rn um mergulho de classe C 1 e S = F (U ). Seja f : Rn → R função contı́nua 260 Cálculo Avançado I com suporte compacto. Se supp f ∩ S 6= ∅, definimos a integral de superfı́cie de f sobre S por Z Z 1/2 f (σ) dσ = f F (u) det [F ′ (u)]T [F ′ (u)] du. (13.6) S U Notação: Se F é um mergulho, denota-se dσ: = det [F ′ (u)]T [F ′ (u)] 1/2 du. Observação: A matriz [F ′ (u)]T [F ′ (u)] é quadrada de ordem n − 1, simétrica e positiva definida. Verifique que no caso n = 3 e u = (t, s), vale a igualdade ∂F ∂F det [F (u)] [F (u)] = (t, s) × (t, s) ∂t ∂s ′ T ′ 2 . Definição 13.11: Nas condições da Definição 13.10, denominamos a medida de superfı́cie de S por Z 1/2 du. (13.7) |S| = det [F ′ (u)]T [F ′ (u)] U A definição de integral em (13.6) utiliza, de maneira aparentemente fundamental, o mergulho F . Como veremos pelo resultado a seguir, ela independe da escolha do mergulho. Proposição 13.12: A integral de superfı́cie definida em (13.6) independe da escolha do mergulho F . Prova: Sejam U1 e U2 abertos de Rn−1 , F : U1 → Rn e G : U2 → Rn mergulhos de classe C 1 tais que S = F (U1 ) = G(U2 ). Considere g = F −1 ◦ G : U2 → U1 . Pela Proposição 13.7 g é um difeomorfismo de U2 sobre U1 e segue da Regra da Cadeia (veja Teorema 5.9), [G′ (u)] = [F ′ (g(u))][g ′(u)], para todo u ∈ U2 . Então, [G′ (u)]T [G′ (u)] = [g ′ (u)]T [F ′ (g(u))]T [F ′ (g(u))][g ′(u)] Gauss, Green e Stokes 261 e 2 det [G′ (u)]T [G′ (u)] = det [F ′ (g(u))]T [F ′ (g(u))] det[g ′ (u)] = det [F ′ (g(u))]T [F ′ (g(u))] |Jg (u)|2 . Assim, se v = g(u), temos pelo Teorema 12.36, Z 1/2 f G(u) det [G′ (u)]T [G′ (u)] du U2 Z 1/2 f F (g(u)) det [F ′ (g(u))]T [F ′ (g(u))] |Jg (u)| du = U2 Z 1/2 = f F (v) det [F ′ (v)]T [F ′ (v)] dv. U1 Exemplo: Consideremos a medida superficial da semi-esfera positiva de raio R de Rn com centro na origem, + SR = x ∈ Rn ; kxk2 = R, xn > 0 . Seja DR = u ∈ Rn−1 ; kuk2 < R . Então, F : DR → Rn definida por q F (u) = u, R2 − kuk22 + é um mergulho de classe C 1 sobre SR . Logo, a medida de superfı́cie + de SR é Z Z 1/2 det [F ′ (u)]T [F ′ (u)] du dσ = + SR = Z DR DR R p du. R2 − kuk22 Passando às coordenadas esféricas em Rn−1 , temos Z R DR p du = 2π R2 − kuk22 Z 0 R ! R √ r n−2 dr In−3 In−4 · · · I1 . R2 − r 2 262 Cálculo Avançado I Fazendo a substituição r = R sen(θ) e considerando a notação introduzida na seção sobre coordenadas esféricas do capı́tulo anterior, obtemos Z 0 R R √ r n−2 dr = Rn−1 2 2 R −r Z π/2 senn−2 (θ) dθ = 0 Rn−1 In−2 . 2 + Portanto, a medida superficial de SR é Z + SR dσ = 1 n−1 π n/2 R In−2 In−3 · · · I2 I1 = Rn−1 . 2 Γ(n/2) + é orientável. Além Observação: Segue da Observação 13.9 que SR disso, a medida superficial da esfera de raio R é Rn−1 |Sn−1 |, onde |Sn−1 | = In−2 In−3 · · · I2 I1 = 2π n/2 Γ(n/2) é a medida superficial da esfera unitária de Rn . Observe também que, para todo n ≥ 2, d c BR (0) = |∂BR (0)|. dR O Teorema de Gauss e Aplicações Sejam Ω ⊂ Rn um aberto e ∂Ω sua fronteira. Definição 13.13: Dizemos que Ω é de classe C 1 se sua fronteira ∂Ω, é uma n-superfı́cie de classe C 1 em Rn . Observação 13.14: Pela Proposição 13.5, ∂Ω é uma colagem de gráficos de funções de n − 1 variáveis. Podemos então identificar o domı́nio de cada uma dessas funções com o conjunto (parte de um hyper-plano) obtido pela composição de uma rotação e uma translação de um subconjunto de Rn−1 × {0}. Mais precisamente, podemos deteminar: Gauss, Green e Stokes 263 (1) r > 0 e um difeomorfismo Φ : Br (0) → V de classe C 1 , com Φ(0) = x0 ; (2) ϕ : Br (0) ∩ Rn−1 × {0} → R injetiva de classe C 1 ; (4) R0 uma rotação e b0 ∈ Rn ; tais que: Ω ∩ V = Φ Br (0) ∩ Rn−1 × [0, ∞) , n−1 ∂Ω ∩ V = Φ Br (0) ∩ R × {0} , e, se A0 é a função afim definida por A0 (y) = R0 (y) + b0 , então Ω ∩ V ⊂ A0 (y ′ , yn ) ; yn ≥ ϕ(y ′ ) , ′ ′ ∂Ω ∩ V ⊂ A0 (y , yn ) ; yn = ϕ(y ) . Observação 13.15: Veja que, pela Observação 13.14, a fronteira de um aberto de classe C 1 é, localmente e a menos de um movimento rı́gido (isto é, uma rotação seguida de translação), o gráfico de uma função de classe C 1 e, globalmente, uma “colagem” de pedaços difeomorfos de abertos de Rn−1 . Para os resultados que focaremos neste texto, é suficiente a regularidade C 1 das funções Φ, Φ−1 e ϕ. Observação: Todo aberto de classe C 1 é localmente J-mensuravel, isto é, Ω ∩ I é J-mensurável qualquer que seja o n-paralelepı́pedo I (veja Exercı́cios). Proposição 13.16: Seja Ω é um aberto de classe C 1 . Considere U = {y ′ ∈ Rn−1 ; ky ′ k < r}. Então, existe V aberto de Rn tal que F : U → Rn definida por F (y ′ ) = R0 y ′ , ϕ(y ′ ) + b0 é um mergulho sobre a n-superfı́cie ∂Ω ∩ V e T det F ′ (y ′ ) F ′ (y ′ ) = 1 + k∇ϕ(y ′ )k2 , ∀y ′ ∈ V. (13.8) Prova: Observe que U é a bola aberta de Rn−1 com centro em 0 e raio r. Considere G : U → Rn definida por G(y ′ ) = y ′ , ϕ(y ′ ) . 264 Cálculo Avançado I É claro que G é diferenciável e, para y ′ ∈ U e h′ ∈ Rn−1 , G′ (y ′ )h′ = h′ , ∇ϕ(y ′ ) · h′ , (13.9) de modo que, denotando ∂i ϕ a i-ésima derivada parcial de ϕ, a matriz associada a G′ (y ′ ) é 1 0 ′ ′ . . G (y ) = . 0 ∂1 ϕ 0 1 .. . 0 ∂2 ϕ ... ... .. . 0 0 .. . ... 0 . . . ∂n−2 ϕ 0 0 .. . 1 ∂n−1 ϕ cujo posto é n − 1. Logo, G′ (y ′ ) é injetiva, e como ϕ é de classe C 1 , G′ : U → L(Rn−1 ; Rn ) é contı́nua. Portanto, G é um mergulho de U sobre a interceção de Ω com o gráfico de ϕ, isto é, sobre o conjunto Graf(ϕ) ∩ Ω = (y ′ , yn ) ; yn = ϕ(y ′ ) ∩ Ω. Observe também que (veja o Teorema A.14 no Apêndice) Logo, ′ ′ T ′ ′ G (y ) G (y ) = I + ∇ϕ(y ′ ) ⊗ ∇ϕ(y ′ ) . det T G′ (y ′ ) G′ (y ′ ) = 1 + ∇ϕ(y ′ ) · ∇ϕ(y ′ ). Como F é a composta de G por uma rotação e uma translação, concluı́mos que F também é injetiva e de classe C 1 , com F ′ (y ′ ) = R0 ◦ G′ (y ′ ). Além disso, ′ ′ T ′ ′ ′ ′ T ′ ′ F (y ) F (y ) = G (y ) G (y ) , e a prova está concluı́da Gauss, Green e Stokes 265 Definição 13.17: Nas condições da Definição 13.13, cada ponto σ ∈ ∂Ω pode ser expersso na forma σ = R0 y ′ , ϕ(y ′ ) + b0 e o vetor normal unitário exterior a Ω no ponto σ é dado por n(σ) = 1 (1 + k∇ϕ(y ′ )k22 1/2 R0 ∇ϕ(y ′ ), −1 . (13.10) Como ϕ é de classe C 1 , vemos que a aplicação σ 7→ n(σ) é contı́nua. Pode-se observar também que o vetor normal n não depende de Φ ou ϕ, mas somente de σ ∈ ∂Ω. É claro que se f é de classe C 1 numa vizinhança de σ ∈ ∂Ω, vale a fórmula para a derivada normal exterior ∂f (σ) = ∇f (σ) · n(σ). ∂n • O Teorema de Gauss O Teorema a seguir é denominado Teorema de Gauss e estende ao Rn a bem conhecida fórmula de integração por partes do Cálculo Integral de uma variável. Tereoma 13.18: Sejam Ω ⊂ Rn aberto e f : Rn → R, função de suporte compacto, ambos de classe C 1 . Então, Z Ω ∂f (x) dx = ∂xj Z f (σ)n j (σ) dσ, (13.11) ∂Ω onde n j (σ) denota a j-ésima coordenada do vetor n(σ). Prova: Faremos a prova em três etapas. Etapa 1: Vamos inicialmente supor que Ω é da forma Ω = (x′ , xn ) ∈ Rn ; xn > ϕ(x′ ) , onde ϕ : Rn−1 → R é função de classe C 1 . Neste caso, sua fronteira é o gráfico de ϕ, ∂Ω = (x′ , xn ) ∈ Rn ; xn = ϕ(x′ ) . 266 Cálculo Avançado I Dados M > 0 e k ∈ N, denotemos I k o k-cubo obtido pelo produto cartesiano de I = [−M, M ] por ele mesmo, k vezes. Como f tem suporte compacto, podemos escolher M > 0 de tal forma que o suporte de f esteja contido no n-cubo I n . Pelo Teorema 12.24, temos, para cada j = 1, . . . , n − 1, ! Z Z Z M Jj = ∂j f (x′ , xn ) dxn ∂j f (x) dx = I n−1 Ω É claro que RM −M dx′ . (13.12) ϕ(x′ ) ∂j f (x) dxj = 0, o que implica Z ∂j f (x) dx = 0. In Por outro lado, Z ∂j f (x) dx = In Z Z I n−1 ϕ(x′ ) −M Z + I n−1 ∂j f (x′ , xn ) dxn Z ! dx′ M ∂j f (x′ , xn ) dxn ϕ(x′ ) ! dx′ . Assim, Jj = − Z Z I n−1 ϕ(x′ ) ∂j f (x′ , xn ) dxn −M Denotemos ′ h(x ) = Então é claro que Z ′ ∂j h(x ) = Z ! dx′ . ϕ(x′ ) f (x′ , xn ) dxn . −M ϕ(x′ ) −M ∂j f (x′ , xn ) dxn + f x′ , ϕ(x′ ) ∂j ϕ(x′ ). Como o suporte de f está contido em I n , temos Z M ∂j h(x′ ) dxj = 0, ∀j = 1, . . . , n − 1. −M (13.13) Gauss, Green e Stokes Portanto, Z 0= ′ I n−1 267 ′ ∂j h(x ) dx = Jj + Z I n−1 f x′ , ϕ(x′ ) ∂j ϕ(x′ ) dx′ , de onde se conclui que, para j = 1, . . . , n − 1, Z Jj = f x′ , ϕ(x′ ) ∂j ϕ(x′ ) dx′ . (13.14) I n−1 De (13.12), (13.13) e (13.14), obtemos Z Z ∂j f (x) dx = f x′ , ϕ(x′ ) ∂j ϕ(x′ ) dx′ . I n−1 Ω Como ∂j ϕ(x′ ) = n j (x′ , ϕ(x′ )) 1 + k∇ϕ(x′ )k2 1/2 e a aplicação x′ 7→ f (x′ , ϕ(x′ ))n j (x′ , ϕ(x′ )) é contı́nua em Rn−1 , segue da Proposição 13.16 que Z Z ∂j f (x) dx = f (σ)n j (σ) dσ. (13.15) Ω ∂Ω Para j = n, basta observar que (veja (13.10)) −1 n n (x′ , ϕ(x′ )) = p . 1 + k∇ϕ(x′ )k2 Logo, Z Ω ∂n f (x) dx = Z I n−1 Z Z M ϕ(x′ ) ! ∂n f (x′ , xn ) dxn dx′ =− f x′ , ϕ(x′ ) dx′ n−1 Z I p = f x′ , ϕ(x′ ) n n (x′ , ϕ(x′ )) 1 + k∇ϕ(x′ )k2 dx′ n−1 ZI = fn (σ)n n (σ) dσ. ∂Ω (13.16) 268 Cálculo Avançado I Das identidades obtidas em (13.15) e (13.16) (com j = 1, . . . , n), obtemos (13.11). Etapa 2: Consideremos agora Ω obtido por um movimento rı́gido de um aberto O ⊂ Rn de classe C 1 , sendo O como na etapa 1, isto é, Ω = R(O) + b, b ∈ Rn e R ∈ L(Rn ) rotação. Seja g : Rn → R, definido por g(y) = f (Ry + b). É claro que g é de classe C 1 e tem suporte compacto. Pela etapa 1, temos Z Z ∂j g(y) dy = g y ′ , ϕ(y ′ ) n j (y ′ ), ∀j = 1, . . . , n. I n−1 O Pela Regra da Cadeia, temos f ′ (x) = Rg ′ R−1 (x − b) = Rg ′ (y), ∀x ∈ Rn . Denotemos aij os elementos da matriz [R]. Assim, ∂i f (x) = n X aij ∂j g(y), j=1 y = RT (x − b). Logo, aplicando os resultados da Etapa 1, temos Z ∂i f (x) dx = Ω = n X j=1 n X aij aij j=1 = = Z ZI n−1 I n−1 Z Z Ω ∂j g(R−1 x − R−1 b) dx I n−1 g y ′ , ϕ(y ′ ) n j (y ′ ) dy ′ (13.17) g y ′ , ϕ(y ′ ) R n(y ′ ) f R y ′ , ϕ(y ′ ) + b R n(y ′ ) Pelo Teorema 13.16, F (y ′ ) = R y ′ , ϕ(y ′ ) + b, é um mergulho sobre ∂Ω, de modo que (13.17) equivale a (13.11). Gauss, Green e Stokes 269 Etapa 3: No caso geral, para cada σ ∈ ∂Ω, existe um aberto Uσ e funções Φσ , ϕσ satisfazendo as condições (1)–(4) da observação 13.13, isto é, para cada σ ∈ ∂Ω, existe uma vizinhança Uσ tal que Uσ ∩ ∂Ω é o gráfico de uma função de classe C 1 . Como ∂Ω ∩ supp f é compacto, podemos escolher σ1 , . . . , σm ∈ ∂Ω tais que supp(f ) ∩ ∂Ω ⊂ m [ Uσi . i=1 Seja U0 = Ω \ (U σ1 ∪ · · · ∪ U σm ). Então, U = U0 , Uσ1 , . . . , Uσm é cobertura aberta de Ω. Seja Φ = {φ0 , . . . , φm } uma partição da unidade de Ω subordinada a U (veja Lema 7.19). Então, Z ∂i f (x) dx = Ω m Z X Ω i=0 ∂j φi (x)f (x) dx. (13.18) Mas, para cada i = 1, 2, . . . , m, supp(φi f ) ⊂ Uσi , de modo que ∂Ω ∩ Uσi é o gráfico de uma função de classe C 1 , o que nos remete à Etapa 2. Logo, Z m Z X ∂i f (x) dx = Ω i=0 φi (σ)f (σ)n j (σ) dσ = ∂Ω Z f (σ)n j (σ) dσ, ∂Ω como querı́amos demonstrar. Como consequência direta do Teorema 13.18, temos os resultados: (1) o Teorema da Divergência, (2) o Teorema de Green, (3) as Identidades de Green e (4) a Fórmula de Euler, que enunciamos a seguir. Corolário 13.19: Sejam Ω aberto e f : Rn → Rn , f = (f1 , . . . , fn ), função de suporte compacto, ambos de classe C 1 . Então, Z Z ′ f (σ) ⊗ n(σ) dσ. (13.19) f (x) dx = Ω ∂Ω Em particular, Z Ω div f (x) dx = Z ∂Ω f (σ) : n(σ) dσ. (13.20) 270 Cálculo Avançado I Prova: A fórmula (13.19) é consequência direta do Teorema 13.18 e da definição do produto tensorial ′ ⊗ (Veja Apêndice). Além disso, lembrando que div f (x) = tr f (x) e que tr[u ⊗ v ] = hu : v i, a fórmula (13.20) decorre diretamente de (13.19) . O Teorema 13.19 no caso n = 2 se reduz ao clássico Teorema de Green: Corolário 13.20: Sejam Ω ⊂ R2 de classe C 1 (i.e., cuja fronteira é uma 1-superfı́cie de classe C 1 ) e f : R2 → R2 , f = (f1 , f2 ), função de classe C 1 de suporte compacto. Então, Z Z ∂f2 ∂f1 f · dγ, (13.21) (x, y) − (x, y) dxdy = ∂x ∂y Ω ∂Ω onde a integral de linha acima é calculada percorrendo a fronteira no sentido anti-hiorário. Prova: De (13.19) e das propridades do produto tensorial, temos Z Z ′ f (x) dx = f (σ) ⊗ n(σ) dσ, Z Ω Z∂Ω f ′ (x)T dx = n(σ) ⊗ f (σ) dσ, Ω ∂Ω onde n denota o vetor normal unitário exterior em σ ∈ ∂Ω. Subtraindo as identidades acima, obtemos Z Z ′ ′ T f (x) − f (x) dx = f (σ) ∧ n(σ) dσ. (13.22) Ω ∂Ω Observando que ′ f − f ′T = f ∧n = 0 ∂1 f 2 − ∂2 f 1 0 f2 n1 − f1 n2 ∂2 f 1 − ∂1 f 2 0 f1 n2 − f2 n1 0 , , onde ∂1 e ∂2 denotam respctivamente as derivadas parciais obtém-se das expressões acima e de (13.22), Z Z ∂1 f2 − ∂2 f1 dx = f2 n1 − f1 n2 dσ. Ω ∂Ω ∂ ∂x e ∂ ∂y , Gauss, Green e Stokes 271 Observando ainda que f2 n1 − f1 n2 = f : (e2 ∧ e1 )n onde e2 ∧ e1 = 0 1 −1 0 corresponde a uma rotação de π/2 (no sentido anti-horário), vemos que (e2 ∧ e1 )n(σ) é um vetor unitário tangente à fronteira de Ω no ponto σ ∈ ∂Ω. Corolário 13.21: Seja Ω é um aberto de classe C 1 e f, g duas funções de classe C 2 com suporte compacto. Então valem as seguintes fórmulas: Z h Z i ∂g f (x)∆g(x) + ∇f (x) · ∇g(x) dx = (σ)f (σ) dσ. Ω ∂Ω ∂n Z h i f (x)∆g(x) − g(x)∆f (x) dx Ω Z ∂g ∂f (σ)f (σ) − (σ)g(σ) dσ. = ∂n ∂Ω ∂n Corolário 13.22: Sejam Ω ⊂ Rn aberto limitado de classe C 1 , f e g nas condições do Teorema 12.39. Então, Z Z Z ∂f d f (t, x) dx = f (t, σ)v(t, σ) · n(σ) dσ. (t, x) dx + dt Ωt Ωt ∂t ∂Ωt • Aplicação: as equações dos fluidos perfeitos Como aplicação do Teorema de Gauss, vamos deduzir as equações que modelam a dinâmica de fluidos incompressı́veis e não viscosos, denominados fluidos perfeitos. Consideremos uma porção do fluido que, num dado instante t, ocupa a região Ω(t) do espaço e que se desloca segundo um campo de velocidades u(t, x), u = (u1 , u2 , u3 ). Isso quer dizer que uma qualquer de suas partı́culas individuais descreve uma trajetória P (t) tal que dP = u(t, P). dt 272 Cálculo Avançado I Se ρ(t, x) representa a densidade do fluido na posição x e no instante t, então a massa do fluido que ocupa a região Ω(t) é dada por Z M (t) = ρ(t, x) dx. Ω(t) A lei de conservação de massa (na ausência de fontes ou sumidouros) se expressa pelo fato de que M (t) é constante no tempo. Nas condições do Teorema 12.39, essa lei de conservação é dada por (veja (12.49)) Z ∂ρ + div(ρu) dx = 0. (13.23) Ω(t) ∂t Como Ω(t) é arbitrário, temos a equação ∂ρ + div(uρ) = 0, ∂t (13.24) que exprime a lei de conservação da massa. Se supusermos que o fluido é incompressı́vel (∂ρ/∂t = 0) e homogêneo (∂ρ/∂xi = 0, i = 1, 2, 3), então ρ(t, x) = ρ0 > 0, a equação da continuidade se reduz a div u = 0 (13.25) e (13.23) se expressa simplesmente por Z d dx = 0, dt Ω(t) o que significa que o volume da região Ω(t) não varia no tempo. A quantidade de movimento do fluido (suposto incompressı́vel) em Ω(t) é dada por Z Z Q(t) = ρ(t, x)u(t, x) dx = ρ0 u (t, x) dx. Ω(t) Ω(t) A lei de Newton afirma que a variação da quantidade de movimento Q (t) é igual a resultante das forças externas que atuam em Ω(t). ′ Gauss, Green e Stokes 273 No problema em questão, podemos supor que as forças externas que atuam em Ω(t) são F (t) = F 1 (t) + F 2 (t), onde F 1 é a resultante da ação da gravidade atuando em cada partı́cula do fluido em Ω(t) e F 2 é a resultante das forças de interação do fluido exterior a Ω(t). Como o campo gravitacional (suposto constante) é dado por g = (0, 0, −g), onde g é a acelaração da gravidade, temos Z Z ρ0 g dx = (0, 0, −gρ0) dx = (0, 0, −gM (t)). F 1 (t) = Ω(t) Ω(t) Para determinar F 2 (t), vamos agora considerar que a viscosidade do fluido é nula. Esta hipótese significa que o fluido que circunscreve uma dada partı́cula age sobre a mesma exclusivamente por meio de forças provocadas pela pressão normal, isto é, forças da forma −pndS, onde p = p(x) é a intensidade de pressão em x. Assim, a resultante das forças geradas pela pressão agindo nas partı́culas de Ω(t) é dada por Z F 2 (t) = − p(x)n dS. ∂Ω(t) e o Teorema de Gauss nos dá Z Z p(x)n dS = − F 2 (t) = − ∂Ω(t) Ω(t) ∇p(x) dx. Portanto, a resultante das forças externas que agem sobre Ω(t) é Z F (t) = ρ0 g − ∇p(x) dx. Ω(t) Pela Lei de Newton, Z Z d ρ0 u dx = ρ0 g − ∇p(x) dx. dt Ω(t) Ω(t) (13.26) Vamos agora calcular a derivada do lado esquerdo de (13.26). Para cada componente ui (t, x) do vetor de velocidade u (t, x), temos pelo Teorema 12.39, Z Z ∂ui d ρ0 ui dx = ρ0 + div(ui u) dx. dt Ω(t) ∂t Ω(t) 274 Mas Cálculo Avançado I 3 3 X X ∂ ∂ui div(ui u) = (ui uj ) = uj + ui div u ∂xj ∂xj j=1 j=1 e como div u = 0, temos Z Z 3 ∂u X d ∂ui i ρ0 ui dx = ρ0 uj + dx. dt Ω(t) ∂t ∂xj Ω(t) j=1 As equações acima podem ser expressas na forma vetorial, isto é, Z Z ∂u d + (u · ∇)u dx (13.27) ρ0 u dx = ρ0 dt Ω(t) ∂t Ω(t) Como Ω(t) foi escolhido arbitrariamente, temos de (13.26) e (13.27), 1 ∂u + (u · ∇)u + ∇p = g ∂t ρ0 (13.28) que é conhecida como a equação de Euler do movimento do fluido. As equações (13.25) e (13.28) fornecem as equações gerais para a dinâmica de fluidos perfeitos, a saber ∂u + (u · ∇)u + 1 ∇p = g , ∂t ρ0 (13.29) div u = 0. • Aplicação: funções harmônicas e o teorema da média Como vimos no Capı́tulo 7, o laplaciano de uma função f : Ω → R, Ω ⊂ Rn aberto, é definido como o traço da matriz hessiana de f , isto é, n X ∂2f ∆f (x) = (x). ∂x2i i=1 Uma função f é dita harmônica em Ω se ∆f (x) = 0 para todo x ∈ Ω. As funções harmônicas desempenham um papel importante em diversas áreas da Matemática e da Fı́sica. Como aplicação do Teorema de Gauss, demonstraremos o resultado a seguir, denominado Teorema da Média, uma propriedade fundamental das funções harmônicas. Gauss, Green e Stokes 275 Teorema 13.23: Seja Ω ⊂ Rn aberto conexo e f : Ω → R função contı́nua com derivada segunda [f ′′ (x)] contı́nua em Ω. Se ∆f (x) = 0 para todo x ∈ Ω, valem as seguintes propriedades: para todo y ∈ Ω e R > 0 tal que BR (y) ⊂ Ω, Z Z 1 n f (y) = n−1 n−1 f (σ) dσ = n−1 n f (x) dx. |S |R |S |R BR (y) ∂BR (y) (13.30) Prova: Faremos a prova em duas etapas. Etapa 1: Suponhamos inicialmente que 0 ∈ Ω. Seja R > 0 tal que BR (0) ⊂ Ω. Lembrando que ∆f (x) = div ∇f (x), segue do Teorema de Gauss, Z Z ∇f (σ) · n(σ) dσ = ∆f (x) dx = 0, (13.31) ∂Bρ (0) Bρ (0) para todo ρ ∈ (0, R). Observe que se σ ∈ ∂Bρ (0), então existe um único ω ∈ ∂B1 (0) tal que σ = ρω e n(σ) = ω. Assim, segundo a notação introduzida na Observação 12.38 (veja (12.46)), dσ = ρn−1 dω e (13.31) toma a forma Z (13.32) ∇f (ρω) · ω ρn−1 dω = 0. ∂B1 (0) Como ∂ f (ρω) = ∇f (ρω) · ω, ∂ρ (13.32) pode ser reescrita como Z Z ∂ n−1 n−1 d ρ f (ρω) dω = ρ f (ρω) dω = 0. dρ ∂B1 (0) ∂B1 (0) ∂ρ Assim, a função ρ 7→ Z f (ρω) dω = ∂B1 (0) 1 ρn−1 Z f (σ) dσ ∂Bρ (0) é constante, de modo que Z Z 1 1 f (σ) dσ = n−1 f (σ) dσ, ρn−1 ∂Bρ (0) R ∂BR (0) ∀ρ ∈ (0, R). (13.33) 276 Cálculo Avançado I Pelo Teorema do Valor Médio, (veja (12.14)), existe σρ ∈ ∂Bρ (0) tal que Z Z f (σ) dσ = f (σρ ) dσ = f (σρ )ρn−1 |Sn−1 |. ∂Bρ (0) Portanto, ∂Bρ (0) 1 Rn−1 Z ∂BR (0) f (σ) dσ = f (σρ )|Sn−1 |. (13.34) Como kσρ k = ρ e f é contı́nua, temos limρ→0 f (σρ ) = f (0). Logo, passando ao limite com ρ → 0 em (13.34), obtemos Z 1 f (0) = n−1 n−1 f (σ) dσ. (13.35) |S |R ∂BR (0) Por outro lado, substituindo (13.35) em (13.33), obtemos Z f (σ) dσ = ρn−1 |Sn−1 |f (0). ∂Bρ (0) Integrando em ρ os dois lados da equação acima, obtemos ! Z Z R Z Rn n−1 f (x) dx = f (σ) dσ dρ = |S |f (0). n BR (0) ∂Bρ (0) 0 (13.36) Assim, de (13.35) e (13.36), obtemos (13.30) para y = 0. Etapa 2: No caso geral, seja y ∈ Ω. Considere f0 : Ω0 → R, definida por f0 (z) = f (z + y), onde Ω0 = Ω − {y} = z ∈ Rn ; z = x − y, x ∈ Ω . Então 0 ∈ Ω0 , f0 (0) = f (x), e como n X ∂ 2 f0 i=1 ∂zi2 (z) = a conclusão segue da Etapa 1. n X ∂ 2f i=1 ∂x2i (z + y) = 0, Gauss, Green e Stokes 277 • O Teorema de Stokes No que segue demonstraremos um resultado importante: o Teorema de Stokes. Para isso, lembremos que, dado um campo de vetores f = (f1 , f2 .f3 ), f derivável em dado conjunto aberto Ω, definimos o rotacional de f o seguinte campo de vetores: rot f : Ω → R3 , ∂f3 ∂f2 ∂f1 ∂f3 ∂f2 ∂f1 rot f = − , − , − , (13.37) ∂x2 ∂x3 ∂x3 ∂x1 ∂x1 ∂x2 Teorema 13.24: Sejam Ω ⊂ R2 aberto limitado de classe C 1 , V ⊂ R3 conjunto aberto, f : V → R3 , f = (f1 , f2 , f3 ), um campo de vetores de classe C 1 em V e γ : [0, 1] → R2 uma curva de Jordan fechada de classe C 1 . Seja F : U → R3 um mergulho de classe C 2 , onde U ⊂ R2 aberto tal que Ω ⊂ U . Se Γ = F ◦ γ, S = F (Ω) e ∂S = F (∂Ω), então Z Z rot f (σ) · n(σ) dσ = f · d Γ. (13.38) S ∂S Prova: Por definição temos Z f · dΓ = ∂S = Z 1D 0 Z 1D 0 = Z 1D 0 E f Γ(t) ; Γ′ (t) dt E f F (γ(t)) ; F ′ (γ(t))γ ′(t) dt E F ′ (γ(t))T f F (γ(t)) ; γ ′ (t) dt Se denotarmos g (u) = F ′ (u)T f F (u) , para u = (u1 , u2 ) ∈ U , temos Z S f · dΓ = Z 1 0 ′ g γ(t) · γ (t) dt = Z γ g · dγ. Portanto, pelo Teorema de Green 13.20, Z Z ∂g2 ∂g1 f · dΓ = (u) − (u) du1 d2 . ∂u1 ∂u2 S Ω (13.39) 278 Cálculo Avançado I Um cálculo direto mostra que g1 (u) = 3 X fi F (u) i=1 g2 (u) = 3 X fi F (u) i=1 ∂Fi (u), ∂u1 ∂Fi (u). ∂u2 Como F é de classe C 2 , temos ∂ 2 Fi /∂u1 ∂u2 = ∂ 2 Fi /∂u2 ∂u1 , de modo que 3 X ∂fi ∂Fj ∂Fi ∂g2 ∂g1 ∂Fj ∂Fi − = − ∂u1 ∂u2 i,j=1 ∂xj ∂u1 ∂u2 ∂u2 ∂u1 3 X ∂fi ∂Fj ∂Fi ∂Fj ∂Fi = − ∂xj ∂u1 ∂u2 ∂u2 ∂u1 (13.40) i,j=1 i6=j e ∂1 F2 , ∂2 F2 (13.41) onde denotamos ∂j Fi = ∂Fi /∂uj . Calculando diretamente o produto escalar dos vetores (13.37) e (13.41), obtemos ∂F ∂F × = ∂u1 ∂u1 rot f · ∂1 F2 ∂2 F2 ∂F ∂F × ∂u1 ∂u1 ∂1 F3 ∂ F , 1 3 ∂2 F3 ∂2 F3 ∂1 F1 ∂ F , 1 1 ∂2 F1 ∂2 F1 3 X ∂Fj ∂Fi ∂fi ∂Fj ∂Fi − = . (13.42) ∂x ∂u ∂u ∂u ∂u j 1 2 2 1 i,j=1 i6=j Logo, de (13.39) e (13.42), temos Z Como S f ·dΓ = Z Ω rot f · ∂F ∂F × ∂u1 ∂u1 du1 du2 . ∂F ∂F ∂F ∂F × =n × . ∂u1 ∂u1 ∂u1 ∂u1 Gauss, Green e Stokes 279 concluı́mos a demonstração. Observação 13.25: Aplicando-se o Teorema de Partição da Unidade (veja Teorema 7.17), Podemos estender o Teorema de Stokes para superfı́cies S de classe C 1 orientáveis com bordo. Observe também que se a superfı́cie S é fechada (não pussui bordo), então Z S rot f (σ) · n(σ) dσ = 0. • Operadores diferenciais Como vimos anteriormente, se V e W são espaços vetoriais normados, Ω ⊂ V é um conjunto aberto e f : Ω → W é uma função diferenciável, definimos a diferencial de f como a aplicação f ′ : Ω → L(V, W ) x 7→ f ′ (x) onde L(V, W ) denota o espaço das aplicações lineares contı́nuas de V em W . No caso em que V = Rn e W = R, podemos olhar para a diferencial como um operador que age no espaço das funções diferenciáveis. Para detalhar um pouco mais este ponto de vista, consideremos Ω um conjunto aberto de Rn e F (Ω) = f : Ω → R ; f é função , F k (Ω) = f ∈ F (Ω) ; f é k vezes diferenciável em Ω . Temos assim a sequência de espaços encaixados: F (Ω) ⊃ C(Ω) ⊃ F 1 (Ω) ⊃ C 1 (Ω) ⊃ · · · Consideremos também os espaços de campos vetoriais F k (Ω)m = f = (f1 , . . . , fm ) ; fi ∈ F k (Ω) e os análogos C k (Ω)m . 280 Cálculo Avançado I Definimos o operador gradiente ∇ : F 1 (Ω) → F (Ω)n por f 7→ ∇f = ∂f ∂f ,..., ∂x1 ∂xn Considerando as propriedades da diferencial de uma função, podemos reescrever algumas delas sob a ótica do operador ∇: se f, g ∈ F 1 (Ω) e α ∈ R, temos (1) ∇(f + g) = ∇f + ∇g; (2) ∇(αf ) = α∇f ; (3) ∇(f g) = f ∇g + g∇f . O divergente de um campo vetorial f , definido anteriormente como o traço da matriz jacobiana de f , pode ser interpretado como o operador diferencial div : F 1 (Ω)n → F (Ω) ∂fn ∂f1 +···+ div f = ∂x1 ∂xn Vale aqui observar que devido à forma “vetorial” do operador ∇, é bastante conveniente a notação: div f = ∇ · f . É imediato ver que o operador divergente é linear em F 1 (Ω)n e div(ϕf ) = ∇ϕ · f + ϕ div f . quaisquer que sejam ϕ ∈ F 1 (Ω) e f ∈ F 1 (Ω)n . Além disso, se f ∈ F 2 (Ω), então div(∇f ) = ∂ 2f ∂ 2f + · · · + = ∆f ∂x21 ∂x2n o que justifica a seguinte notação bastante comum nos livros de Fı́sica: div(∇f ) = ∇ · (∇f ) = ∇2 f. Gauss, Green e Stokes 281 Observação: O Teorema de Gauss nos diz que se f ∈ C 1 (Ω) e U é um domı́nio limitado de classe C 1 tal que U ⊂ Ω, então Z Z div f (x) dx = f (σ) · n(σ) dσ. U ∂U Como neste caso a aplicação x 7→ div f (x) é contı́nua, temos pelo Teorema 12.28, Z 1 lim f (σ) · n(σ) dσ = div f (x0 ). (13.43) U↓x0 c(U ) ∂U A igualdade (13.43) nos permite definir o divergente de uma campo f ∈ C(Ω), mesmo que f não seja diferenciável. De fato, podemos definir o divergente de f como a derivada da função de conjunto Z U 7→ f · n dσ. ∂U A despeito da importância dessa abordagem, não a exploraremos neste texto. No caso n = 3, definimos o operador rotacional rot : F 1 (Ω)3 → F (Ω)3 , ∂f3 ∂f2 ∂f1 ∂f3 ∂f2 ∂f1 rot f = − , − , − . ∂x2 ∂x3 ∂x3 ∂x1 ∂x1 ∂x2 Aqui também a forma vetorial do operador ∇ nos remete à notação rot f = ∇ × f . Podemos verificar diretamente que o rotacional é operador linear em F 1 (Ω)3 e rot(ϕf ) = ∇ϕ × f + ϕ rot f . quaisquer que sejam ϕ ∈ F 1 (Ω) e f ∈ F 1 (Ω)3 . Observação: Motivado pelo Teorema de Stokes também é possı́vel definir o rotacional de um campo vetorial contı́nuo como derivada de uma função de conjunto, mesmo que o campo não seja diferenciável. 282 Cálculo Avançado I As seguintes propriedades são imediatas e deixamos ao leitor comprová-las: Proposição 13.26: Sejam Ω aberto de R3 , ϕ ∈ C 2 (Ω) e f ∈ C 2 (Ω)3 . Então, rot(∇ϕ) ≡ 0 e div(rot f ) ≡ 0. Definição: Sejam Ω ⊂ R3 aberto e f ∈ F 1 (Ω)3 . Dizemos que: (a) f é campo irrotacional em Ω se rot f ≡ 0; (b) f é campo solenoidal em Ω se div f ≡ 0. Se f ∈ F (Ω)3 e existe g ∈ F 1 (Ω)3 tal que f = rot g , dizemos que f é um campo rotacional. A proposição 13.26 possui uma quase-recı́proca, conforme atesta o resultado que segue. Proposição 13.27: Seja Ω um aberto convexo de R3 e f ∈ C 1 (Ω)3 . Então: (a) se f é irrotacional em Ω, existe ϕ ∈ C 2 (Ω) tal que ∇ϕ = f . (b) se f é solenoidal em Ω, existe g ∈ C 2 (Ω)3 tal que rot g = f . Prova: O item (a) é consequência imediata dos resultados apresentados no Capı́tulo 6 (veja Teorema 6.10 e as observações que seguem), pois rot f ≡ 0 em Ω equivale a [f ′ (x)] simétrica para todo x ∈ Ω. Para a prova do item (b), fixemos (a, b, c) ∈ Ω. Seja g = (g1 , g2 , g3 ) o campo definido em Ω por Z z Z y g1 (x, y, z) = f2 (x, b, s) ds − f3 (x, s, c) ds, c b Z z Z x ∂f3 g2 (x, y, z) = (t, y, s) dt ds, c a ∂z Z y Z x ∂f2 g3 (x, y, z) = − (t, s, z) dt ds (13.44) b a ∂y Z x Z y ∂f2 + f1 (x, t, z) + (t, s, z) ∂y b a ∂f3 + (t, s, z) dt ds. ∂z Então, derivando sob o sinal de integral (veja Exercı́cio 12.18), obtemos que rot g = f em Ω. Gauss, Green e Stokes 283 Observação: A hipótese sobre a convexidade de Ω no Teorema acima não é necessária. Como vimos no Cap. 6, para o resultado do item (a) é suficiente que o aberto Ω seja simplesmente conexo. Para o item (b) a condição simplesmente conexo também não é suficiente (veja Exercı́cio 13.11). Campos vetoriais da Fı́sica Matemática Nesta seção vamos considerar alguns campos vetoriais importantes da Fı́sica Matemática e apresentar algumas de suas principais propriedades. Para sermos mais especı́ficos, vamos considerar: (1) campos newtonianos; (2) campos de Biot e Savart; e (3) campos harmônicos. Para isso, precisamos preliminarmente estudar algumas propriedades das funções definidas por certas integrais singulares. • Integrais singulares Consideremos as funções definidas por integrais singulares do tipo: Z ϕ(x, y) dy, (13.45) f (x) = α Ω kx − yk onde Ω ⊂ Rn é um aberto limitado J-mensurável, ϕ : Rn × Rn → R é contı́nua e limitada, 0 < α < n e k k denota a norma euclidiana de Rn . Observação: Se x ∈ / Ω e ϕ é de classe C 1 , então a função y 7→ ϕ(x, y)kx − yk−α é de classe C 1 em Ω e f é diferenciável (veja Exercı́cio 12.18), com Z ϕ(x, y) ∂ ′ f (x) = dy. ∀α. kx − ykα Ω ∂x Para que f esteja bem definida em Ω, a condição α < n é necessária. Verifique! Como veremos agora, essa condição é também suficiente. Lema 13.28: Nas condições acima, dado ε > 0, existe δ0 > 0 tal que, para todo z ∈ Ω e para todo δ ≤ δ0 , tem-se Z Ω∩Bδ (z) ϕ(x, y) dy < ε. kx − ykα (13.46) 284 Cálculo Avançado I Prova: Seja ε > 0. Por hipótese, existe C0 > 0 tal que |ϕ(x, y)| ≤ C0 para todo (x, y) ∈ Rn × Rn . Se z = x temos, para R > 0, Z Ω∩BR (x) ϕ(x, y) dy ≤ C0 kx − ykα Z 1 dy α BR (x) kx − yk Z R n−1 = C0 |S | ρn−α−1 dρ , (13.47) 0 n−1 = C0 |S | n−α R n−α onde |Sn−1 | = 2π n/2 /Γ(n/2). Assim, podemos determinar R0 > 0 tal que (13.46) se verifica (com z = x), para todo R ≤ R0 . Consideremos agora z ∈ B2R0 /3 (x) e δ ≤ R0 /3. Como Bδ (z) ⊂ BR0 (x), é fácil ver que (13.46) se verifica. Por outro lado, se kz − xk ≥ 2R0 /3 e δ ≤ R0 /3, vemos que Bδ (z) ∩ BR0 /3 (x) = ∅. Logo, ky − xk ≥ R0 /3 para todo y ∈ Bδ (z), de modo que |ϕ(x, y)| C0 3α ≤ = C1 . kx − ykα R0α Portanto, Z Ω∩Bδ (z) ϕ(x, y) C1 |Sn−1 |δ n dy ≤ kx − ykα n e concluı́mos a prova com a escolha δ0 = min ( R0 , 3 nε C1 |Sn−1 | 1/n ) . Observação: Decorre do lema acima que a função dada por (13.45) está bem definida em Rn . Gauss, Green e Stokes 285 Teorema 13.29: Seja ϕ : Rn × Rn → R contı́nua e limitada. Se 0 < α < n, então a função f definida por (13.45) é contı́nua em Rn . Prova: Para cada R > 0, definimos hR : R+ → R a função hR (s) = 1/sα 1/Rα se s ≥ R, se s ≤ R. Seja ϕR (x, y) = hR kx − yk ϕ(x, y). É claro que ϕR é contı́nua em Rn × Rn . Seja fR : Rn → R a função definida por fR (x) = Z ϕR (x, y) dy. Ω Então fR é contı́nua e converge uniformemente para f em Rn , quando R tende a zero. De fato, se C0 = sup{|ϕ(x, y)| ; (x, y) ∈ Rn × Rn }, temos Z hR (kx − yk) − hR (kx0 − yk) dy |fR (x) − fR (x0 )| ≤ C0 Ω Z 1 |ϕ(x, y) − ϕ(x0 , y)|dy. + α R Ω Observe que, para cada y ∈ Ω fixado, temos hR (kx − yk) − hR (kx0 − yk) ≤ α Rα+1 kx − x0 k. Logo, dado ε > 0, existe δ1 > 0 tal que, para todo δ ≤ δ1 , Z Ω hR (kx − yk) − hR (kx0 − yk) dy ≤ αc(Ω) ε kx − x0 k < α+1 R 2C0 se kx − x0 k < δ, onde c(Ω) denota o conteúdo de Jordan de Ω. Por outro lado, ϕ é uniformemente contı́nua em Bδ1 (x0 ) × Ω, de modo que existe δ2 > 0 tal que para todo δ ≤ δ2 , |ϕ(x, y) − ϕ(x0 , y)| < ε . 2c(Ω) 286 Cálculo Avançado I Assim, Z Ω |ϕ(x, y) − ϕ(x0 , y)|dy < ε 2 se kx − x0 k < δ. Logo, para δ ≤ δ0 = min{δ1 , δ2 }, tem-se kx − x0 k < δ ⇒ |fR (x) − fR (x0 )| < ε. u Para mostrar que fR −→ f em Rn , observe que fR (x) − f (x) = Z BR (x) 1 1 ϕ(x, y) dy. − Rα kx − ykα Portanto, pelo Lema 13.28 (veja (13.47), temos 1 1 n−1 |fR (x) − f (x)| ≤ C0 |S | − Rn−α , ∀x ∈ Rn . n−α n Teorema 13.30: Seja ϕ : Rn × Rn → R contı́nua e limitada tal que ∂ϕ/∂x é contı́nua e limitada em Rn × Rn . Se 0 < α < n − 1, então a função f definida por (13.45) é diferenciável em Rn e Z ∂ ϕ(x, y) ′ f (x) = dy. α Ω ∂x kx − yk Prova: Primeiramente, observemos que se x 6= y, ∂ 1 −α = (x − y). α ∂x kx − yk kx − ykα+2 Logo, para todo x 6= y, ∂ ϕ(x, y) −αϕ(x, y) 1 ∂ϕ = (x − y) + (x, y). ∂x kx − ykα kx − ykα+2 kx − ykα ∂x Pela limitação de ϕ e de sua derivada parcial ∂ϕ/∂x, existe C1 > 0 tal que 1 1 ∂ ϕ(x, y) ≤ C1 + . ∂x kx − ykα kx − ykα+1 kx − ykα Gauss, Green e Stokes 287 Como estamos supondo α + 1 < n, podemos aplicar o Teorema 13.29 para concluir que a função fe : Rn → R dada por Z ∂ ϕ(x, y) fe(x) = dy α Ω ∂x kx − yk está bem definida e é contı́nua em Rn . Para R > 0, consideremos hR : R+ → R definida por 1/sα se s ≥ R, hR (s) = 2 a − bs se s ≤ R, onde a = (2 + α)/2Rα e b = α/2Rα+2 . Então é fácil ver que hR é de classe C 1 em R+ e −α/sα+1 se s ≥ R, ′ hR (s) = (13.48) α+2 −αs/R se s ≤ R. Observe que 0 < hR (s) ≤ α+2 2Rα e |h′R (s)| ≤ α Rα+1 , ∀ s ≥ 0. (13.49) Considere ϕR : Rn × Rn → R, ϕR (x, y) = hR kx − yk ϕ(x, y). Se fR : Rn → R é definida por Z fR (x) = ϕR (x, y) dy, Ω obtemos, com argumentos análogos ao empregados na prova do Teorema 13.29, que fR é contı́nua e converge uniformemente para f em Rn . Como ϕR é função de classe C 1 , temos (veja o Exercı́cio 5.13), Z ∂ϕR ′ fR (x) = (x, y) dy. Ω ∂x Como hR kx − yk = kx − yk−α se kx − yk ≥ R, temos fR′ (x) − fe(x) = Z BR (x) ∂ ∂x hR kx − yk − 1 kx − ykα ϕ(x, y) dy. 288 Cálculo Avançado I Por hipótese, existem constantes C0 > 0 e C1 > 0 tais que |ϕ(x, y)| ≤ C0 , ∂ϕ (x, y) ≤ C1 , ∂x ∀(x, y) ∈ Rn × Rn . Além disso, se 0 < kx − yk < R, temos de (13.48), ∂ α hR kx − yk = − α+2 (x − y). ∂x R Logo, para todo x ∈ Rn , kfR′ (x) 1 1 + Rn−α−1 n−α−1 n 1 α+2 n−1 + C1 |S | + Rn−α 2n n−α − fe(x)k ≤ C0 α|Sn−1 | u Portanto, fR′ −→ fe em Rn e, pelo Teorema 10.10, concluı́mos que f é diferenciável e f ′ (x) = fe(x) para todo x ∈ Rn . • Campos Newtonianos No que segue, Ω ⊂ Rn (n ≥ 2) denota um domı́nio (i.e., aberto conexo) limitado e J-mensurável. Definição: Dizemos que um campo vetorial g : Rn → Rn é newtoniano se é da forma g (x) = − Z Ω ϕ(y) (x − y) dy, kx − ykn (13.50) onde ϕ : Ω → R é função contı́nua. Observação: Segundo a lei da gravitação de Newton, uma partı́cula de massa m situada no ponto y ∈ R3 exerce uma força de atração sobre uma partı́cula P de massa unitária situada em x 6= y, dada pela fórmula m g (x) = − (x − y). kx − yk3 Gauss, Green e Stokes 289 No caso de k partı́culas de massa m1 , . . . , mk situadas respectivamente em y1 , . . . , yk , a resultante das forças que agem sobre a partı́cula P em x 6= yi , é dada por g (x) = − k X i=1 mi (x − yi ). kx − yi k3 (13.51) Se B é um corpo fı́sico ocupando uma região Ω de R3 , podemos deduzir a força que ele exerce sobre P situada em x ∈ / Ω a partir da fórmula (13.51). De fato, supondo que a densidade de massa do corpo seja dada pela função ϕ : Ω → R, podemos imaginar uma partição que divide Ω em k pavês ∆Ωi , cada um dos quais ocupados por pequenas partes Bi do corpo. Essas pequenas partes exercem atração sobre P cuja resultante é dada por (13.51), onde mi = ϕ(yi )∆Vi , yi ∈ ∆Ωi e ∆Vi denota o volume de ∆Ωi . Nessas condições, a fórmula (13.51) se expressa por g (x) = − k X i=1 ϕ(yi ) (x − yi )∆Vi , kx − yi k3 que corresponde a uma soma de Riemann de (13.50). Vejamos então algumas propriedades matemáticas dos campos newtonianos. A primeira delas, como demonstraremos a seguir, nos diz que todo campo newtoniano é gradiente. Observação 13.31: Todo campo newtoniano é uma função contı́nua de Rn em Rn . De fato, se g = (g1 , . . . , gn ), podemos escrever Z ψi (x, y) gi (x) = dy, (13.52) n−1/2 Ω kx − yk onde ψi (x, y) = ϕ(y) (yi − xi ) kx − yk1/2 é contı́nua em Ω (verifique). Pelo Teorema de Tietze (veja Teorema 10.13), ψ pode ser estendida a uma função contı́nua e limitada em Rn × Rn , de modo que, considerando essa extenção, o integrando em (13.52) satisfaz as hipóteses do Teorema 13.29. 290 Cálculo Avançado I Proposição 13.32: Seja n ≥ 3 e f : Rn → R definida por 1 f (x) = n−2 Z ϕ(y) dy. kx − ykn−2 Ω (13.53) Então f é de classe C 1 em Rn e f ′ (x) = g (x), ∀x ∈ Rn . Além disso, f é de classe C ∞ e harmônica em Rn \ Ω. Prova: Como α = n − 2 < n − 1, o Teorema 13.30 se aplica. Como ∂ ∂x ϕ(y) kx − ykn−2 = (2 − n) ϕ(y) (x − y), kx − ykn temos f ′ (x) = g (x) para todo x ∈ Rn . Se x ∈ / Ω, então y 7→ ϕ(y)kx − yk−n (x − y) é de classe C ∞ em Ω e podemos derivar sob o sinal de integral. Assim, ∆f (x) = div g (x) = − Z ϕ(y) div Ω x−y kx − ykn dy e concluı́mos a prova, pois, para cada y fixado, div x−y kx − ykn = 0, ∀x 6= y. Observção: O caso n = 2, que deixamos como exercı́cio ao leitor, segue de modo semelhante, com a função potencial dada for f (x) = Z Ω ϕ(y) ln 1 kx − yk dy. (13.54) Observemos que as componentes gi (i = 1, . . . , n) do campo g não satisfazem as hipóteses do Teorema 13.30. Entretanto, como veremos em seguida, se Ω é regular e se ϕ é de classe C 1 em Ω, então g também é de classe C 1 em Ω. Gauss, Green e Stokes 291 Lema 13.33: Seja Ω ⊂ Rn aberto limitado de classe C 1 . Suponha ϕ : Ω → R contı́nua, de classe C 1 em Ω e tal que ϕ(σ) = 0, ∀σ ∈ ∂Ω. Então, Z 1 ϕ′ (y) g (x) = dy, (13.55) n − 2 Ω kx − ykn−2 g é de classe C 1 em Ω e ′ g (x) = − Z Ω ′ 1 ϕ (y) ⊗ (x − y) dy. kx − ykn Em particular, para todo x ∈ Ω, div g (x) = − Z Ω h∇ϕ(y) : (x − y)i dy. kx − ykn Prova: Seja ε > 0 tal que Bε (x) ⊂ Ω e considere Mε = sup{|ϕ(y)| ; y ∈ Bε (x)}. Então, Z y−x ϕ(y) dy ≤ Mε ky − xkn Bε (x) Z 1 dy n−1 Bε (x) ky − xk Z ε n−1 = Mε |S | dρ (13.56) 0 n−1 = Mε |S Z |ε, ∂ 1 ϕ(y) dy ∂y ky − xkn−2 Ω\Bε (x) Z −1 ∂ ϕ(y) = dy n − 2 Ω\Bε (x) ∂y ky − xkn−2 Z 1 ϕ′ (y) + dy n − 2 Ω\Bε (x) ky − xkn−2 (13.57) y−x −1 ϕ(y) = n ky − xk n−2 Ω\Bε (x) Z 292 Cálculo Avançado I Pelo Teorema de Gauss, e lembrando que ϕ(σ) = 0 sobre ∂Ω, obtemos Z Ω\Bε (x) ∂ ∂y ϕ(y) ky − xkn−2 dy = Z ∂ Ω\Bε (x) = − Z ϕ(σ) n(σ) dσ kσ − xkn−2 ϕ(σ) n(σ) dσ. kσ − xkn−2 ∂Bε (x) Portanto, Z Ω\Bε (x) ∂ ∂y ϕ(y) ky − xkn−2 dy ≤ Z ∂Bε (x) Mε ≤ n−2 ε Z |ϕ(y)| dσ ky − xkn−2 ∂Bε (x) dσ = Mε |Sn−1 |ε. (13.58) Fazendo ε → 0, em (13.56), (13.57) e (13.58), obtemos para x ∈ Ω, 1 g (x) = n−2 Z Ω ϕ′ (y) dy. kx − ykn−2 Podemos agora aplicar o Teorema 13.30 em cada componente de g . A condição ϕ(σ) = 0 sobre a fronteira foi necessária para se obter a fórmula (13.55), da qual se conclui via Teorema 13.32 a regularidade C 1 do campo g . Entretanto, ela não é uma condição necessária para essa regularidade, como vemos pelo teorema seguinte. Teorema 13.34: Seja Ω ⊂ Rn aberto limitado de classe C 1 . Suponhamos ϕ : Ω → R contı́nua e de classe C 1 em Ω. Então, g ∈ C 1 (Ω) e div g (x) = −|Sn−1 |ϕ(x), ∀x ∈ Ω. (13.59) Prova: Faremos a prova em duas etapas. Etapa 1: g é de classe C 1 em Ω. De fato, fixemos x0 ∈ Ω e r > 0 tal que B2r (x0 ) ⊂ Ω. Seja ρ : R → R função de classe C 1 (R) tal que ρ(s) = 1 se |s| < r, 0 se |s| > 2r Gauss, Green e Stokes 293 e defina ϕr : Ω → R por ϕr (y) = ϕ(y)ψ ky − x0 k . Como ϕr (σ) = 0 para σ ∈ ∂Ω segue do Lema 13.33 que g r (x) = − Z Ω ϕr (y) (x − y) dy = − kx − ykn Z B2r (x0 ) ϕr (y) (x − y) dy kx − ykn é campo newtoniano de classe C 1 em Ω e, em particular, em Br (x0 ). Por outro lado, se denotarmos Ωr = Ω \ B2r (x0 ), segue da Proposição 13.32 que o campo ge r (x) = − Z Ω ϕ(y) − ϕr (y) (x − y) dy = − kx − ykn Z Ωr ϕ(y) − ϕr (y) (x − y) dy kx − ykn é de classe C ∞ no complementar de Ωr e, em particular, de classe C 1 em Br (x0 ). Como g (x) = g r (x) + ge r (x), concluı́mos que g é de classe C 1 em Br (x0 ) e como x0 foi tomado arbitrariamente em Ω, a prova está feita. Etapa 2: Vamos então provar (13.59). Seja x1 ∈ Ω e r > 0 tal que Br = Br (x1 ) ⊂ Ω. Pelo Teorema de Gauss, Z Z g (σ) · n(σ) dσ Z Z ϕ(y) = − (σ − y) dy · n(σ) dσ. n ∂Br Ω kσ − yk div g (x) dx = Br ∂Br Pelo Teorema de Fubini, obtemos Z Z Z div g (x) dx = − ϕ(y) Br Ω ∂Br (σ − y) · n(σ) dσ dy. (13.60) kσ − ykn Observe que, para y ∈ Ω fixado, Z ∂Br (σ − y) · n(σ) dσ = kσ − ykn Como div Z div Br x−y kx − ykn =0 x−y kx − ykn ∀x 6= y, dx. (13.61) 294 Cálculo Avançado I obtemos de (13.61), Z ∂Br (σ − y) · n(σ) dσ = 0, kσ − ykn ∀y ∈ / Br . Se y ∈ Br , tome ε > 0 tal que Bε (y) ⊂ Br . Então Z x−y div =0 kx − ykn Br \Bε (y) e obtemos do Teorema de Gauss, Z Z (σ − y) · n (σ) (σ − y) · n(σ) dσ = dσ = |Sn−1 |. n kσ − yk kσ − ykn ∂Br ∂Bε (y) (13.62) Substituindo (13.62) em (13.60), obtemos Z Z (σ − y) · n(σ) n−1 dσ = −|S | ϕ(y) dy. kσ − ykn ∂Br Br Dividindo ambos os lados da igualdade acima pelo conteúdo de Br e passando ao limite quando r → 0, obtemos div g (x1 ) = −|Sn−1 |ϕ(x1 ) e a prova está concluı́da, pois x1 foi fixado arbitrariamente em Ω. Observação 13.35: Nas condições do Teorema 13.34, a função potencial f (x) : Rn → R definida por (13.53) (ou (13.54) no caso n = 2) satisfaz a seguinte propriedade: n−1 |ϕ(x) se x ∈ Ω, −∆f (x) = |S 0 se x ∈ / Ω. Isso nos sugere uma “estratégia” para resolver o problema de Dirichlet para a equação de Poisson: Problema: dado ϕ : Ω → R contı́nua, de classe C 1 em Ω e ψ : ∂Ω → R contı́nua, determinar f : Ω → R solução do problema de contorno: ( −∆f (x) = ϕ(x), x ∈ Ω (13.63) f (σ) = ψ(σ), σ ∈ ∂Ω. Gauss, Green e Stokes 295 De fato, se f0 é uma função harmônica em Ω, segue de (13.59) que 1 f (x) = f0 (x) + (n − 2)|Sn−1 | Z Ω ϕ(y) dy kx − ykn−2 é solução da equação em (13.63). Assim, se podemos determinar uma f0 tal que 1 f0 (σ) = ψ(σ) − (n − 2)|Sn−1 | Z Ω ϕ(y) dy, kσ − ykn ∀σ ∈ ∂Ω então f será solução do problema de Dirichlet (13.63). • Campos de Biot e Savart No que segue, Ω ⊂ R3 denota um domı́nio limitado de classe C 1 . Definição: Dizemos que g : R3 → R3 e um campo de Biot e Savart se é da forma Z v (y) × (x − y) g (x) = dy, (13.64) kx − yk3 Ω onde v : Ω → R3 é função contı́nua. Observação: Os campos de Biot e Savart têm sua origem na eletrodinâmica e descrevem o campo magnético gerado pela corrente elétrica em um corpo condutor situado em Ω. Neste caso, v (y) descreve a densidade de corrente elétrica em y ∈ Ω. Observe que todo campo de Biot e Savart é função contı́nua em R3 (veja Obs. 13.31) e, como veremos a seguir, g admite um potencial vetorial, isto é, existe um campo h tal que g (x) = rot h(x), para todo x ∈ Ω. Proposição 13.36: Seja h : R3 → R3 definida por h (x) = Z Ω v (y) dy. kx − yk (13.65) Então h é de classe C 1 em R3 e rot h(x) = g (x), ∀x ∈ Ω. Além disso, h é de classe C ∞ e harmônica em R3 \ Ω. Em particular, div g = 0 em R3 . 296 Cálculo Avançado I Prova: Por definição, h = (h1 , h2 , h3 ), com hi (x) = Z Ω vi (y) dy. kx − yk Observe que cada componente de h é um potencial newtoniano. Pelo Teorema 13.30, hi é diferenciável em R3 e Z ∂hi vi (y)(xj − yj ) (x) = − dy, ∂xj kx − yk3 Ω isto é, ′ h (x) = Z Ω Logo, rot h(x) = Z Ω v (y) ⊗ (x − y) dy, kx − yk3 v (y) × (x − y) dy = g (x), kx − yk3 (13.66) ∀x ∈ R3 com o que concluı́mos a prova. A fórmula (13.66) nos dá diretamente a seguinte expressão para o divergente do campo potencial (13.65): div h (x) = − Z Ω v (y) · (x − y) dy. kx − yk3 Nas aplicações da eletrodinâmica, a conservação da carga elétrica em Ω implica que o campo de densidade de corrente elétrica é solenoidal (isto é, div v (y) = 0 em Ω) e v (σ) · n(σ) = 0 para todo σ ∈ ∂Ω. Essas condições implicam que o campo potendial h também é solenoidal. Mais precisamente: Proposição 13.37: Seja Ω ⊂ Rn aberto limitado de classe C 1 . Suponhamos v : Ω → R3 contı́nua e de classe C 1 em Ω satisfazendo as seguintes propriedades: div v (y) = 0, ∀y ∈ Ω, Então div h(x) = 0, ∀x ∈ Ω. e v (σ) · n(σ) = 0, ∀σ ∈ ∂Ω. Gauss, Green e Stokes 297 Prova: Os argumentos da prova do Lema 13.33 podem ser repetidos aqui para justificar os seguintes cálculos formais: Z Z ∂hi 1 1 ∂ ∂ (x) = vi (y) dy = − vi (y) dy ∂xi ∂xi kx − yk ∂yi kx − yk Ω Ω Z Z ∂ vi (y) ∂vi 1 = − dy + (y) dy kx − yk kx − yk Ω ∂yi Ω ∂yi Z Z vi (σ)ni (σ) ∂vi 1 (y) = − dy + dy. kx − yk ∂Ω kσ − yk Ω ∂yi Somando em i na igualdade acima, obtemos Z Z v (σ) · n(σ) div v (y) div h(x) = − dy + dy = 0 kσ − yk ∂Ω Ω kx − yk como querı́amos provar. Corolário 13.38: Nas condições da Proposição 13.37, temos, para todo x ∈ Ω, −∆hi (x) = 4πvi (x) e rot g (x) = 4πv (x). (13.67) Prova: Para mostrar a primeira igualdade em (13.67), basta observar que as componentes de h são potenciais de campos newtonianos em R3 e a conclusão segue da Observação 13.35. Para mostrar a segunda igualdade, lembremos que rot g = rot rot h = ∇ div h − ∆h (x) e concluı́mos a prova. • Campos Harmônicos Seja Ω ⊂ Rn um domı́nio limitado de classe C 1 . Definição: Dizemos que g : Ω → Rn é um campo harmônico se g é diferenciável em Ω e satisfaz as seguintes condições: para todo x ∈ Ω, (1) (2) div g (x) = 0, ′ g (x) é simétrico. 298 Cálculo Avançado I Observe que no caso n = 3, a condição (2) equivale a rot g (x) = 0 para todo x ∈ Ω. Observe também que todo campo newtoniano é harmônico no aberto Rn \ Ω, assim como todo campo de Biot e Savart o é em R3 \ Ω. Se Ω é simplesmente conexo, a condição (2) implica que g é campo gradiente. Logo, existe f : Ω → R tal que g = f ′ em Ω e a condição (1) implica que f é função harmônica em Ω. Assim, temos o seguinte resultado: Proposição 13.39: Seja Ω ⊂ Rn um domı́nio simplesmente conexo de classe C 1 . Um campo g : Ω → Rn é harmônico em Ω se, e somente se, existe f : Ω → R função harmônica tal que g = f ′ . • O problema inverso da Análise Vetorial Em algumas aplicações importantes da Fı́sica, deseja-se determinar um campo vetorial f para o qual é conhecido seu divergente e seu rotacional. Mais precisamente, sejam Ω ⊂ R3 aberto, h : Ω → R e g : Ω → R3 funções contı́nuas. Consideremos: Problema: determinar f : Ω → R3 tal que ( div f (x) = h(x), ∀x ∈ Ω. rot f (x) = g (x), (13.68) Sob certas condições podemos determinar a solução geral deste problema com base no que vimos nas subseções anteriores deste capı́tulo. De fato, suponhamos h e g funções diferenciáveis. Pela Proposição 13.26, div g (x) = 0 para todo x ∈ Ω é uma condição necessária para que o problema tenha solução. Suponhamos que g (σ) · n(σ) = 0 para todo σ ∈ ∂Ω. Podemos então determinar uma solução particular de (13.68). De acordo com a Proposição 13.32 e o Teorema 13.34, o campo newtoniano Z 1 h(y) f 1 (x) = (x − y) dy 4π Ω kx − yk3 é solução de (13.68) no caso particular g ≡ 0 em Ω. Por outro lado, pela Proposição 13.37 e o Corolário 13.38, o campo de Biot e Savart Z 1 g (y) × (x − y) f 2 (x) = dy 4π Ω kx − yk3 Gauss, Green e Stokes 299 é solução do problema no caso particular em que h ≡ 0 em Ω. Portanto, o campo f = f 1 + f 2 é uma solução particular do problema em questão. É claro que se somarmos um campo harmônico ao f acima definido, temos ainda uma solução do problema em questão. Logo, a solução geral de (13.68) é 1 f (x) = 4π Z Ω h(y) g (y) × (x − y) dy + h(x), (x − y) + kx − yk3 kx − yk3 onde h é uma campo harmônico qualquer. Os resultados acima estão intimamente relacionados à reslução das equações estacionárias de Maxwell. Ao leitor interessado, recomendo a consulta de [2] e sua bibliografia. Formas diferenciais: uma breve introdução Nesta Seção vamos apresentar uma introdução muito breve sobre as formas diferenciais tendo como único objetivo despertar a curiosidade e a motivação do leitor para um estudo mais aprofundado deste tema. Se Ω ⊂ Rn é um aberto e f : Ω → R é função diferenciável em Ω, então existe f ′ : Ω → L(Rn ; R) tal que, a cada x ∈ Ω, associa-se a transformação linear f ′ (x). Além disso, fixada a base canônica em Rn , temos f ′ (x)(h) = ∂f ∂f (x)h1 + · · · + (x)hn = ∇f (x) : h . ∂x1 ∂xn Se denotarmos dxi : Rn → R a transformação linear (ou forma linear) definida por dxi (h) = hi , podemos considar a forma linear df (x) = ∂f ∂f (x)dx1 + · · · + (x)dxn , ∂x1 ∂xn (13.69) de modo que df (x)(h) = f ′ (x)(h). Observe que {dx1 , . . . , dxn } assim definido é uma base de L(Rn , R). De fato, quando fazemos a identificação L(Rn , R) = Rn via o produto 300 Cálculo Avançado I escalar usual, temos dx1 = (1, 0, . . . , 0), . . . , dxn = (0, 0, . . . , 1). Logo, uma forma linear qualquer pode ser expressa como uma combinação linear dos elementos dessa base: L(h) = n X ai ∈ R. ai dxi (h), i=1 Quando os coeficientes de L são funções de x, dizemos que L é uma forma diferencial de ordem um, ou simplesmente uma 1-forma. Assim, (13.69) é um caso particular de uma 1-forma, dita uma 1-forma exata. Como estamos interessados em integrais, vamos supor que os tais coeficientes ai (x) são funções (no mı́nimo) contı́nuas. Definição: Dado Ω aberto de Rn e ai : Ω → R, i = 1, . . . , n, funções contı́nuas, a aplicação ω : Ω → L(Rn , R), ω(x) = n X ai (x) dxi i=1 é denominada 1-forma diferencial. As 1-formas diferenciais definem funções de conjunto quando associadas a integrais de linha. De fato, seja Γ o conjunto das curvas de classe C 1 em Ω e ω uma 1-forma. Se γ : [a, b] → R é uma curva de Γ, definimos F (γ) = Z γ a1 dx1 + · · · + an dxn = Nesta caso, é usual denotar F (γ) = R γ Z n bX a i=1 ai γ(t) γi′ (t) dt. ω. O produto exterior de L1 e L2 (veja Apêndice) é a forma bilinear alternada, definida por ∧ : L(R2 , R) × L(R2 , R) → A2 (R2 ), L1 ∧ L2 = a1 a2 b1 dx1 ∧ dx2 , b2 onde A2 (R2 ) denota o espaço das formas bilinerares alternadas de R2 e Li = ai dx1 + bi dx2 , i = 1, 2. Gauss, Green e Stokes 301 Com base nesta definição, podemos estender o produto acima para as 1-formas. Se ωi : Ω → L(R2 , R), ωi (x) = ai (x) dx1 + bi (x) dx2 , i = 1, 2, definimos o produto ω1 ∧ ω2 : Ω → A2 (R2 ), por a1 (x) b1 (x) dx1 ∧ dx2 . a2 (x) b2 (x) (ω1 ∧ ω2 )(x) = (13.70) Não é difı́cil mostrar que conjunto A2 (R3 ) das formas 2-lineares alternadas de R3 é um espaço vetorial de dimensão três. Assim (veja Apêndice), se Li = ai dx1 + bi dx2 + ci dx3 , definimos o produto exterior ∧ : L(R3 , R) × L(R3 , R) → A2 (R3 ), L1 ∧ L2 = a1 a2 b1 a dx1 ∧ dx2 + 1 b2 a2 b + 1 b2 c1 dx1 ∧ dx3 c2 c1 dx2 ∧ dx3 . c2 (13.71) No caso em que os coeficientes ai são funções contı́nuas em Ω ⊂ R3 , a expressão (13.71) define o que chamamos de 2-forma diferencial em R3 . Definição: Dado Ω aberto de R3 e ai : Ω → R, i = 1, 2, 3, funções contı́nuas, a aplicação ω : Ω → A2 (R3 ), ω = a1 dx1 ∧ dx2 + a2 dx1 ∧ dx3 + a3 dx2 ∧ dx3 é denominada 2-forma diferencial em Ω. Vejamos como as 2-formas diferenciais têm (tudo) a ver com integrais de superfı́cie em R3 . Seja S uma superfı́cie de classe C 1 contida no aberto Ω ⊂ R3 e parametrizada pelo mergulho ϕ : U → R3 , U ⊂ R2 aberlo limitado. Sabemos que o fluxo de um campo contı́nuo f : Ω → R3 através de S é definido pela integral de superfı́cie Z Z ∂ϕ ∂ϕ du1 du2 . f (σ) · n (σ) dσ = f (ϕ) · × (13.72) ∂u1 ∂u2 S U 302 Cálculo Avançado I Consideremos x1 = ϕ1 (u1 , u2 ), x2 = ϕ2 (u1 , u2 ), x3 = ϕ3 (u1 , u2 ) e x = (x1 , x2 , x3 ). Se ϕ = (ϕ1 , ϕ2 , ϕ3 ), então ∂ϕ ∂ϕ × = ∂u1 ∂u2 ∂1 ϕ2 ∂2 ϕ2 ∂1 ϕ3 ∂ ϕ ,− 1 1 ∂2 ϕ3 ∂2 ϕ1 ∂1 ϕ3 ∂ ϕ , 1 1 ∂2 ϕ3 ∂2 ϕ1 ∂1 ϕ2 ∂2 ϕ2 , onde ∂i ϕj = ∂ϕj /∂ui . Portanto, se considerarmos as formas diferenciais ∂ϕi ∂ϕi dxi = du1 + du2 , ∂u1 ∂u2 obtemos as seguintes expressões: dx1 ∧ dx2 = ∂1 ϕ1 ∂1 ϕ2 ∂2 ϕ1 du1 ∧ du2 = −dx2 ∧ dx1 , ∂2 ϕ2 dx1 ∧ dx3 = ∂1 ϕ1 ∂1 ϕ3 ∂2 ϕ1 du1 ∧ du2 = −dx3 ∧ dx1 , ∂2 ϕ3 dx2 ∧ dx3 = ∂1 ϕ2 ∂1 ϕ3 ∂2 ϕ2 du1 ∧ du2 = −dx3 ∧ dx2 , ∂2 ϕ3 e podemos expressar (13.72) na forma Z S f3 dx1 ∧ dx2 − f2 dx1 ∧ dx3 + f1 dx2 ∧ dx3 , de modo que Z S f · n dσ = Z (13.73) ω, S sendo, neste caso, ω(x) = f3 (x) dx1 ∧ dx2 − f2 (x) dx1 ∧ dx3 + f1 (x) dx2 ∧ dx3 . Observação 13.40: Podemos verificar que existe uma certa semelhança entre o produto de duas 1-formas diferenciais com o produto vetorial em R3 (veja Apêndice). De fato, assim como a “regra da mão direita” nos permite definir um “sentido positivo” para o produto vetorial, de tal forma que e 1 × e 2 = e 3 , e 2 × e 3 = e 1 e e 3 × e 1 = e 2 , Gauss, Green e Stokes 303 podemos convencionar também a “regra da mão direita” para as 1formas, de tal modo que (13.73) se expressa positivamente por ω = f1 (x) dx2 ∧ dx3 + f2 (x) dx3 ∧ dx1 + f3 (x) dx1 ∧ dx2 . (13.74) Lembrando que f (x) = f1 (x)e 1 + f2 (x)e 2 + f3 (x)e 3 , podemos fazer a seguinte associação: e 1 ↔ dx2 ∧ dx3 , e 2 ↔ dx3 ∧ dx1 , e e 3 ↔ dx1 ∧ dx2 . Com essas convenções, temos Z Z (f · n) dσ = f1 (x) dx2 ∧ dx3 + f2 (x) dx3 ∧ dx1 S S Z + f3 (x) dx1 ∧ dx2 = ω. S Com a convenção acima, diremos que uma 2-forma diferencial ω está associada ao campo de vetores f : Ω → R3 , se ω = f1 (x) dx2 ∧ dx3 + f2 (x) dx3 ∧ dx1 + f3 (x) dx1 ∧ dx2 . No caso n = 3, temos ainda o espaço A3 (R3 ) que tem dimensão 1, de modo que se fixarmos como base a forma alternada u1 (dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 )(u, v, w) = v1 w1 u2 v2 w2 u3 v3 , w3 podemos considerar produto a1 L1 ∧ L2 ∧ L3 = a 2 a3 b1 b2 b3 c1 c2 dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 , c3 o qual nos permite definir: Definição: Dado Ω aberto de R3 e a : Ω → R função contı́nua, a aplicação ω : Ω → A3 (R3 ), ω(x) = a(x) dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 é denominada 3-forma diferencial em Ω. 304 Cálculo Avançado I Fazendo a identificação Rn ∼ L(Rn , R) ∼ A1 (Rn ) e convencionando que as funções escalares definidas e contı́nuas em Ω são formas diferenciais de ordem 0, podemos resumir o que dissemos acima: ı) para n = 2, temos três tipos de formas diferenciais: 0-forma, 1-forma e 2-forma; ıı) para n = 3, temos quatro tipos de formas diferenciais: 0-forma, 1-forma, 2-forma e 3-forma; ııı) em cada um desses casos, define-se uma operação de produto cujo resultado é uma forma diferencial de grau igual à soma dos graus do fatores envolvidos. Para concluir as propriedades básicas, vamos introduzir o operador diferencial d para formas diferenciais no caso particular n = 3. Definição: Seja Ω ⊂ R3 um aberto e ω : Ω → Ak (R3 ) uma k-forma diferencial (k = 0, 1, 2, 3). Dizemos que ω é de classe C 1 se seus coeficientes ai são funções de classe C 1 . Neste caso, definimos dω por: (1) se ω é uma 0-forma, então ω(x) = a(x) e dω é a 1-forma dω = ∂a ∂a ∂a dx1 + dx2 + dx3 ; ∂x1 ∂x2 ∂x3 (2) se ω é a 1-forma a1 dx1 + a2 dx2 + a3 dx3 , então dω é a 2-forma dω = (da1 ) ∧ dx1 + (da2 ) ∧ dx2 + (da3 ) ∧ dx3 ; (3) se ω é a 2-forma a1 dx2 ∧ dx3 + a2 dx3 ∧ dx1 + a3 dx1 ∧ dx2 , então dω é a 3-forma dω = (da1 ) ∧ dx2 ∧ dx3 + (da2 ) ∧ dx3 ∧ dx1 + (da3 ) ∧ dx1 ∧ dx2 ; Observe que se os coeficientes ai são funções de classe C 2 , ddω = 0 qualquer que seja a k-forma acima (verifique). Observação: Consideremos a 1-forma diferencial em R2 : ω = a1 dx1 + a2 dx2 . Gauss, Green e Stokes Então é fácil ver que dω = 305 ∂a2 ∂a1 − ∂x1 ∂x2 dx1 ∧ dx2 , o que nos remete ao Teorema de Green: se Ω é um aberto cuja fronteira é uma curva de Jordan de classe C 1 com orientação positiva e ω é uma 1-forma de classe de classe C1 em Ω, então, Z Z ω= dω. (13.75) ∂Ω Ω Podemos também expressar o Teorema de Gauss com a mesma fórmula (13.75). De fato, considere a 2-forma diferencial ω asociciada ao campo f = (a1 , a2 , a3 ), isto é, ω = a1 dx2 ∧ dx3 + a2 dx3 ∧ dx1 + a3 dx1 ∧ dx2 . (13.76) Então (verifique), ∂a1 ∂a2 ∂a3 + + dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 . dω = ∂x1 ∂x2 ∂x3 Logo, se Ω é um aberto limitado de classe C 1 de R3 , temos o Teorema de Gauss: Z Z ω= dω. (13.77) ∂Ω Ω Analogamente, se ω = a1 dx1 + a2 dx2 + a3 dx3 é uma 1-forma de classe C 1 , obtemos (verifique) dω = A1 dx2 ∧ dx3 + A2 dx3 ∧ dx1 + A3 dx1 ∧ dx2 , com (A1 , A2 , A3 ) = rot(a1 , a2 , a3 ). Assim, com essa notação, se S é uma superfı́cie orientável com bordo ∂S, podemos escrever o Teorema de Stokes na forma Z Z ω= dω. ∂S S Como dissemos no inı́cio desta Seção, não é nosso interesse o estudo mais aprofundado das formas diferenciais; o que aqui apresentamos é uma mera introdução sobre esse tema. O leitor interessado poderá consultar textos mais completos ou mais profundos (veja p.e., [2], [13] e [14]). 306 Cálculo Avançado I O Lema de Hadamard A Mecânica do Contı́nuo é a área da Matemática que procura descrever os movimentos e, principalmente, deformações dos corpos fı́sicos associando-os a “meios contı́nuos”, isto é, desconsiderando-se suas estruturas moleculares ou atômicas. Dessa forma, um corpo fı́sico fica substituı́do pela região do espaço que ocupa e suas caracterı́sticas fı́sicas (sólidos elásticos, visco elásticos, fluı́dos, etc.) passam a ser caracterizadas por leis matemáticas (denominadas leis constitutivas) que descrevem o comportamento macroscópico das deformações dessas regiões quando sujeitas a atuação de forças, tensões, etc. Nessa teoria, um dos aspectos importantes refere-se ao estudo da propagação de descontinuidades, tópico inicialmente estudado por Riemann no final do século XIX. Um dos reultados importantes desse estudo, muito citado nos textos de Mecânica do Contı́nuo, é o Lema de Hadamard, que estabelece condições para validar cálculos nas regiões de descontinuidade. Nesse estudo, supõe-se que a descontinuidade de uma determinada grandeza fı́sica descrita por uma função Φ : R3 → R se localiza numa superfı́cie (de nı́vel) S = (x1 , x2 , x3 ) ∈ R3 ; f (x1 , x2 , x3 ) = 0}. No que segue, apresentamos (em Rn ) os resultados e argumentos originais de Hadamard em [7]. Seja f : Rn → R função de classe C 1 e S a superfı́cie de nı́vel zero de f , isto é, S = x ∈ Rn ; f (x) = 0 . Vamos supor que S divide o espaço Rn em duas regiões conexas Rn+ e Rn− , onde Rn+ = x ∈ Rn ; f (x) > 0 , Rn− = x ∈ Rn ; f (x) < 0 . Consideremos uma função contı́nua Φ : Rn+ ∪ Rn− → R satisfazendo as seguintes condições: para todo x0 ∈ S, existem os limites lim Φ(x), x∈Rn + x→x0 lim Φ(x). x∈Rn − x→x0 Gauss, Green e Stokes 307 Neste caso, podemos definir Φ+ , Φ− : S → R tais que, para todo x0 ∈ S, Φ+ (x0 ) = limn Φ(x), x∈R + x→x0 Φ− (x0 ) = limn Φ(x). x∈R − x→x0 (13.78) Observção: Nas condições acima vamos denominar Φ+ e Φ− os traços à direita e à esquerda de Φ sobre S, respectivamente. Vamos considerar em S a métrica induzida pela norma euclidiana de Rn , isto é, dados dois pontos x0 , y0 ∈ S, definimos d(x0 , y0 ) = kx0 − y0 k. Lema 13.41: As funções Φ+ e Φ− são contı́nuas em S Prova: Faremos a prova no caso Φ+ ; o mesmo argumento se aplica a Φ− . Seja ε > 0 e x0 ∈ S. Então, por (13.78), existe δ1 > 0 tal que se x ∈ Rn+ e kx − x0 k < δ1 , tem-se |Φ(x) − Φ+ (x0 )| < ε. Seja y0 ∈ S tal que d(y0 , x0 ) < δ1 . Então, existe δ2 > 0 tal que se x ∈ Rn+ e kx − y0 k < δ2 , tem-se |Φ(x) − Φ+ (y0 )| < ε. / ∅, de modo que se x ∈ Bδ1 (x0 ) ∩ É claro que Bδ1 (x0 ) ∩ Bδ2 (y0 ) ∈ Bδ2 (y0 ), então |Φ+ (x0 ) − Φ+ (y0 )| ≤ |Φ+ (x0 ) − Φ(x)| + |Φ(x) − Φ+ (y0 )| < 2ε e a prova está completa. Observação: Além das hipóteses acima, se supusermos que as derivad̄as parciais de Φ são contı́nuas em Rn+ e Rn− e possuem traços à esquerda e à direita em todo ponto de S, podemos considerar, então, − as funções Ψ+ i , Ψi : S → R, i = 1, 2, . . . , n, assim definidas: Ψ+ i (x0 ) = lim n x∈R + x→x0 ∂Φ (x), ∂xi Ψ− i (x0 ) = lim n x∈R − x→x0 ∂Φ (x). ∂xi (13.79) Neste caso, com os mesmo argumentos da prova do Lema 13.41, − podemos concluir que as funções Ψ+ i e Ψi são contı́nuas em S. 308 Cálculo Avançado I Definição: Se Φ hé função de classe C 1 em Rn+ ∪ Rn− , definimos as i ∂Φ funções salto [Φ], ∂x : S → R por i [Φ](x0 ) = Φ+ (x0 ) − Φ− (x0 ), ∂Φ − (x0 ) = Ψ+ i (x0 ) − Ψi (x0 ), ∂xi n X ∂Φ [∇Φ] (x0 ) = (x0 )e i . ∂xi i=1 Podemos então demonstrar o Lema de Hadamard: Lema 13.42: Seja Φ : Rn+ ∪Rn− → R função de classe C 2 satisfazendo as condições (13.78) e (13.79). Seja γ : [a, b] → S uma curva diferenciável em ]a, b[. Então, as funções s 7→ Φ± γ(s) são diferenciáveis em ]a, b[ e n X ′ dΦ± Ψ± (γ(s)) = i γ(s) γi (s). ds i=1 Em particular, a aplicação s 7→ [Φ](γ(s)) é diferenciável em ]a, b[ e dγ d[Φ] (γ(s)) = [∇Φ] γ(s) : (s) . (13.80) ds ds Prova: Seja s0 ∈ ]a, b[ e x0 = γ(s0 ). Considere u 0 o vetor uniário na direção de ∇f (x0 ). Então, existe δ0 > tal que, para todo ν > 0 e para todo s ∈ [s0 − δ0 , s0 + δ0 ], tem-se γν (s) = γ(s) + νu 0 ∈ Rn+ . Além disso, é claro que a curva γν (s) é diferenciável no intervalo (s0 − δ0 , s0 + δ0 ) e γν′ (s) = γ ′ (s). Sejam gν e g0 as funções definidas no intervalo [s0 − δ0 , s0 + δ0 ] por gν (s) = Φ γν (s) e g0 (s) = Φ+ γ(s) . Segue da hipótese (13.78) que se |s − s0 | ≤ δ0 , gν (s) converge pontualmente para g0 (s). Provemos que essa convergência é uniforme. Pelo Teorema do Valor Médio, temos gν (s) − g0 (s) = Φ γ(s) + νu 0 − Φ+ γ(s) = ∇Φ γ(s) + ξs νu 0 : (νu 0 ) , Gauss, Green e Stokes 309 onde 0 < ξs < 1. Assim, da desigualdade de Cauchy-Schwarz obtemos |gν (s) − g0 (s)| ≤ νk∇Φ γ(s) + ξs νu 0 k. (13.81) Sendo Φ uniformemente contı́nua no conjunto x = γ(s) + νu 0 ; |s − s0 | ≤ δ0 , 0 ≤ ν ≤ 1 , segue de (13.81) que existe M > 0 tal que sup |s−s0 |≤δ0 |gν (s) − g0 (s)| ≤ M ν de onde se conclui que gν converge unifomemente para g0 no intervalo [s0 − δ0 , s0 + δ0 ]. É claro que gν é diferenciável no intervalo (s0 − δ0 , s0 + δ0 ), com gν′ (s) = ∇Φ γν (s) : γ ′ (s) e é claro também que lim ν→0 gν′ (s) = n X i=1 ′ γ(s) γi (s) Ψ+ i (13.82) pontualmente no intervalo (s0 − δ0 , s0 + δ0 ). Sendo Φ de classe C 2 em Rn+ , os mesmos argumentos anteriores se aplicam para provar que a convergência em (13.82) é uniforme. Portanto, pelo Teorema 10.9 temos que g0 é diferenciável no intervalo (s0 − δ0 , s0 + δ0 ) e g0′ (s) = n X i=1 ′ Ψ+ i γ(s) γi (s). Repetindo os argmentos com γν (s) = γ(s) − νu 0 , temos os mesmos − − resultados anteriores, com Φ+ e Ψ+ i substituidos por Φ e Ψi , com o que concluı́mos a prova. Observação: Como consequência do Lema 13.42, podemos considerar a 1-forma diferencial n X ∂Φ d[Φ] = dxi ∂xi i=1 310 Cálculo Avançado I que está intrinsicamente definida sobre a superfı́cie S. Assim, se γ é uma curva diferenciável em S, temos Z d[Φ] = γ Z b a [∇Φ] γ(s) : γ ′ (s) ds. Corolário 13.43: Seja Φ : Rn → R função contı́nua com derivadas parciais de classe C 2 em Rn+ ∪ Rn− , satifazendo as condições (13.79). Seja x0 ∈ S tal que ∇f (x0 ) 6= 0. Então existe λ(x0 ) ∈ R tal que [∇Φ] (x0 ) = λ(x0 )∇f (x0 ). Em particular, se n 0 é o vetor unitário normal a S em x0 , temos h[∇Φ] (x0 ) : n 0 i = λ(x0 )k∇f (x0 )k. (13.83) Prova: Se Φ é contı́nua, então [Φ] γ(t) = 0 para todo t, qualquer que seja a curva contida em S. Logo, de (13.80), temos dγ [∇Φ] γ(s) : (s) ds = 0. Portanto, para todo x ∈ S, os vetores [∇Φ] (x) e ∇f (x) são linearmente dependentes. Observação: A Figura abaixo ilustra o gráfico de uma função Φ em que as hipóteses do Lema de Hadamard não se verificam. Φ x2 x1 Gauss, Green e Stokes 311 De fato, temos Φ(x) = 1 − kxk2 , 0, se kxk2 < 1 e x2 < 0, senão. Neste caso, consideremos S = {(x1 , 0) ; x1 ∈ R}, R2− = x ; x2 < 0 e R2+ = x ; x2 > 0 . Para x ∈ R2− tal que kxk2 < 1, temos xi ∂Φ (x) = − , ∂xi kxk2 i = 1, 2. Assim, passando ao limite x → (0, 0) nos caminhos x2 = mx1 e x2 = −mx1 , (m > 0), obtemos valores que dependem de m para cada uma das derivadas acima. Portanto, o limite não existe e as hipóteses do Lema 13.43 não são satisfeitas. De fato, para x = (x1 , 0) ∈ S, temos [Φ](x1 , 0) = 1 − |x| se |x| ≤ 1 e [Φ](x1 , 0) = 0 se |x| ≥ 1, que não é derivável em x = 0. O exemplo acima pode ser facilmente estendido para Rn . De fato, seja 1 − kxk2 , se kxk2 < 1 e xn < 0, Φ(x) = 0, senão e S = x ; xn = 0 . É fácil ver que as hipóteses do Lema 13.42 não se veriricam em x = 0. Neste caso, se x = (x′ , xn ), tem-se q [Φ](x ) = 1 − x21 + · · · + x2n−1 ′ e se por exemplo, γ(s) = (s, 0, . . . , 0), temos [Φ](γ(s)) = 1 − |s|, que não possui derivada em s = 0. 312 Cálculo Avançado I Exercı́cios Exercı́cio 13.1. Demonstre a fórmula (13.8) no caso n = 3. Exercı́cio 13.2. Mostre que todo aberto limitado de classe C 1 é J-mensurável. Exercı́cio 13.3. Usando projeções estereográficas, construa um sistema completo de cartas locais contendo exatamente dois megulhos para a esfera unitária de Rn : Sn−1 = x ∈ Rn ; kxk2 = 1 . Mostre que Sn−1 é uma superfı́cie orientável. Exercı́cio 13.4. Considere a faixa de Möbius S definida pela parametrização F : (0, 1) × [0, 2π] → R3 , θ x1 = F1 (r, θ) = cos(θ) 2 + r cos 2 θ x2 = F2 (r, θ) = sen(θ) 2 + r cos 2 θ z = F1 (r, θ) = r sen 2 Deduza a parametrização F considerando as seguintes tr̂es etapas: para cada θ ∈ [0, 2π], a) faça uma rotação de ângulo θ/2 do conjunto {(r, 0, 0), r ∈ [−1, 1]} em torno da reta gerada por (0, 1, 0); b) faça uma translação do resultado de (a) com o letravetor (2, 0, 0); c) faça uma rotação de ângulo θ em torno da reta gerada por (0, 0, 1) do resultado de (b). Então: 1) verifique que F não é um mergulho; 2) determine um sistema completo de cartas locais para S contendo dois mergulhos; 3) mostre que S não é orientável. Gauss, Green e Stokes 313 Exercı́cio 13.5. Seja Ω ⊂ R2 aberto limitado de classe C 1 e γ nas condições do Teorema de Green 13.20. Mostre que Z 1 2π c(Ω) = γ1 (t)γ2′ (t) − γ2 (t)γ1′ (t) dt 2 0 (13.84) Z 2π γ1 (t)γ2′ (t) dt = 0 Exercı́cio 13.6. Seja Ω ⊂ R2 um aberto de Jordan cuja fronteira ∂Ω é uma poligonal fechada com vértices nos pontos P1 , P2 , . . . , Pm , onde Pi = (ai , bi ). Mostre que 1 a 1 b1 a 2 b2 a m bm área(Ω) = + +···+ . a 2 b2 a 3 b3 a 1 b1 2 Exercı́cio 13.7. Seja Ω ⊂ R2 um conjunto aberto limitado e convexo. Um segmento rı́gido AB de comprimento 0 < L < diam(Ω) se desloca mantendo suas extremidades A e B sobre a fronteira ∂Ω. Após uma volta completa, um ponto M do segmento descreve uma curva fechada Γ no interior de Ω. Mostre a área da região compreendida entre as curvas ∂Ω e Γ é igual a πab, onde a e b são respectivamente os comprimentos de AM e M B. Sugestão: Use (13.84). Exercı́cio 13.8. Considere Ω = (x1 , x2 ) ; x21 + x22 < 1 o disco unitário de R2 e f : Ω −→ R2 , f = (f1 , f2 ) tais que f ′ é contı́nua em Ω e é de classe C 2 em Ω. a) Com a parametrização de ∂Ω dada por γ(θ) = (cos θ, sen θ), mostre que: Z I ′ 1 ∂f2 ∂f1 det f (x) dx = f1 − f2 ds 2 ∂Ω ∂θ ∂θ Ω onde ds denota o elemento comprimento de arco. b) Se f (x) = M x sobre ∂Ω (onde M é uma matriz 2 × 2 constante), use o item (a) para mostrar que: Z det f ′ (x) dx = π det(M ). Ω 314 Cálculo Avançado I c) Estenda os resultados dos itens (a) e (b) para Ω ⊂ R2 aberto limitado cuja fronteira é uma curva de Jordan de classe C 1 e conclua que, neste caso, Z det f ′ (x) dx = det(M )área(Ω). Ω Exercı́cio 13.9. Seja Ω ⊂ Rn um aberto de fronteira regualar S. Dados f : Ω → R e g : S → R funções contı́nuas, considere o problema de Neumann que consiste em determinar u: Ω → R de classe C 2 em Ω tal que −∆u = f em Ω, (13.85) ∂u = g em S, ∂n onde n é o letravetor normal unitário definido sobre Ω e exterior a Ω. Use o Teorema de Gauss para mostrar que nem sempre (13.85) possui solução. Exercı́cio 13.10. Considere os números reais 0 < a < b e Ω ⊂ R3 o aberto definido por Ω = x ∈ R3 ; a < kxk2 < b . Seja f : Ω → R3 o campo de letravetores definido por f (x) = x . kxk32 Verifique que f é um campo solenoidal, irrotacional, mas não é um campo rotacional em Ω. A Determinantes, traços e etc. Tivemos oportunidade de considerar em capı́tulos anteriores o determinante e o traço de uma matriz. Por exemplo, no Capı́tulo 5, provamos que a função A 7→ det(A), definida no espaço das matrizes Mn×n (R), é Fréchet-diferenciável. Vimos também no Capı́tulo 12 como o determinante (Jacobiano) é “determinante” na fórmula de mudança de variáveis. Em todas essas oportunidades usamos propriedades conhecidas, tais como det(AB) = det(A) det(B), etc. Para tornar este texto auto-suficiente, vamos aqui fazer uma rápida introdução sobre estes objetos e demonstrar suas principais propriedades. Formas n-lineares alternadas Para inı́cio de conversa, precisamos relembrar alguns fatos básicos sobre permutações. Definição A.1: Toda aplicação bijetora σ : {1, 2, . . . , n} → {1, 2, . . . , n} é denominada permutação. Denominamos transposição toda permutação τ que satisfaça a seguinte propriedade: se 1 ≤ i, j ≤ n, i 6= j, então τ (i) = j, τ (j) = i, τ (k) = k, ∀k 6= i, j. 316 Cálculo Avançado I Observação A.2: É claro que (verifique) se σ é uma permutação, existem τ1 , . . . , τk transposições tais que σ = τ1 ◦ τ2 ◦ · · · ◦ τk . Além disso, se σ = τe1 ◦ τe2 ◦ · · · ◦ τel , então k + l é número par, de modo que se k é par (resp. ı́mpar), o mesmo ocorre com l. Dito isto, podemos definir o sinal de σ: 1 se k é par, sign σ = −1 se k é ı́mpar. Denotamos Πn o conjunto de todas as permutações de {1, . . . , n}. É claro que Πn contém a identidade e, para cada σ ∈ Πn , existe σ −1 ∈ Πn . Portanto, Πn é um grupo relativamente à composição de funções. Definição A.3: Seja V um espaço vetorial de dimensão n. Uma aplicação Q : V n → R é uma forma n-linear se Q(v1 , v2 , . . . , vn ) é linear em cada uma das suas componentes, isto é, para todo j = 1, . . . , n e a ∈ R, Q(v1 , . . . , vj−1 , avj + ṽj , vj+1 . . . , vn ) = aQ(v1 , . . . , vj−1 , vj , vj+1 . . . , vn ) + Q(v1 , . . . , vj−1 , ṽj , vj+1 . . . , vn ). Uma forma n-linear é não nula se existe v = (v1 , . . . , vn ) ∈ V n tal que Q(v ) 6= 0. Notação: Se v ∈ V n e σ é uma permutação, denotaremos Q(σv ) = Q(vσ(1) , vσ(2) , . . . , vσ(n) ). Definição A.4: Uma forma n-linear é dita alternada se Q(τ v ) = −Q(v ), ∀v ∈ V n , ∀τ transposição. Observação A.5: É claro que se Q é uma forma n-linear alternada e v = (v1 , . . . , vn ), com vi = vj para algum i 6= j, então Q(v ) = 0. Em particular, se v = (v1 , . . . , vn ) e {v1 , . . . , vn } é linearmente dependente, então Q(v ) = 0 (verifique). É claro também que se σ é uma permutação, então Q(σv ) = (sign σ)Q(v). Apêndice 317 Proposição A.6: Seja Q uma forma n-linear alternada não nula e u = (u1 , . . . , un ). Então Q(u) = 0 se, e somente se, {u1 , . . . , un } é linearmente dependente. Prova: Em vista da Observação A.5, basta mostrar que a condição é necessária. Suponhamos por absurdo Q não nula e {u1 , . . . , un } conjunto linearmente independente tais que Q(u1 , . . . , un ) = 0. Então a aplicação linear λ 7→ Q(u1 , . . . , un−1 , λun ) é identicamente nula, isto é, Q(u1 , . . . , un−1 , v) = 0, ∀ v ∈ V. Analogamente, a aplicação linear λ 7→ Q(u1 , . . . , un−2 , λun−1 , v) é identicamente nula, qualquer que seja v ∈ V . Repetindo este argumento, concluı́mo que Q é identicamente nula, o que caracteriza o absurdo. e duas formas n-lineares alternadas, Q Teorema A.7: Sejam Q e Q e = λQ. não nula. Então existe λ ∈ R tal que Q Prova: Seja {u1 , . . . , un } uma base de V , u = (u1 , . . . , un ) e λ= e Q(u) . Q(u) e é identicamente nula. Se λ 6= 0, então a aplicação Se λ = 0, então Q e ) − λQ(v ) v 7→ Q(v é uma forma n-linear alternada que se anula em u . e − λQ é identicamente nula. Proposição A.6, Q Logo, pela Observação: O conjunto F das formas n-lineares munido das operações usuais de soma e produto por escalar é um espaço vetorial. O Teorema A.7 nos diz que o subespaço Fa das formas alternadas tem dimensão 1. O determinante Notação: Ainda para simplificar a notação, se v = (v1 , . . . , vn ) ∈ V n e L ∈ L(V, V ), escreveremos Lv = (Lv1 , . . . , Lvn ). 318 Cálculo Avançado I Definição A.8: Seja L ∈ L(V, V ) e Q uma forma n-linear não nula. Definimos LQ : V n → R por LQ (v ) = Q(Lv ). É claro que se Q é alternada, LQ também é, de modo que, pelo Teorema A.7, existe λ ∈ R tal que LQ (v ) = λQ(v ), ∀v ∈ V n . Como veremos pelo resultado a seguir, este λ só depende de L. Teorema A.9: Seja L ∈ L(V, V ) uma transformação linear. Então existe λL ∈ R tal que LQ (v ) = λL Q(v ) para todo v ∈ V n e para toda forma n-linear alternada Q. e existem constantes reais λ, Prova: Pelo Teorema A.7, dadas Q e Q, e λ e µ tais que LQ = λQ, Então , se v ∈ V n , temos Logo ee LQ e = λQ, e = µQ. Q e LQ e(v ) = Q(Lv ) = µQ(Lv ) = µLQ (v ). eQ(v e ) = µλQ(v ). λ (A.1) e = λ. e = µQ, concluı́mos de (A.1) que λ Como Q Definição A.10: Dada a transformação L ∈ L(V, V ), a constante λL é denominada determinante de L, que, de agora em diante, será denotada por det(L). Assim, temos LQ (v ) = det(L)Q(v ), ∀v ∈ V n , ∀Q forma n-linear alternada. Observação: Seja L : V → V uma transformação linear e [L] a matriz de L relativa à base {u1 , . . . , un }. Então, se vi = Lui , i = 1, 2, . . . , n, existem constantes ai1 , . . . , ain tais que vi = n X j=1 aij uj , Apêndice 319 de modo que · · · a1n .. .. . . · · · ann a11 .. [L] = . an1 Se v = (v1 , . . . , vn ), obtemos Q(v1 , u2 , . . . , un ) = n X a1j Q(uj , u2 , . . . , un ). j=1 Como Q(uj , u2 , . . . , un ) = 0 para todo j ≥ 2, temos Q(v1 , u2 , . . . , un ) = a11 Q(u). Observe agora que Q(v1 , v2 , u3 , . . . , un ) = n X n X a1j a2k Q(uj , uk , u3 , . . . , un ). j=1 k=1 Pela alternância de Q, temos se j = 1, k = 2, Q(u) Q(uj , uk , u3 , . . . , un ) = −Q(u) se j = 2, k = 1, 0 senão, de modo que Q(v1 , v2 , u3 , . . . , un ) = (a11 a22 − a12 a21 )Q(u). Observe que a11 a22 − a12 a21 = X σ∈Π2 Repetindo o processo, obtemos Q(v1 , . . . , vj , uj+1 , . . . , un ) = X σ∈Πj sign σ a1σ(1) a2σ(2) . sign σ a1σ(1) · · · ajσ(j) Q(u) 320 Cálculo Avançado I e assim, sucessivamente, obtemos a expressão Q(v ) = X σ∈Πn sign σ a1σ(1) a2σ(2) · · · anσ(n) ! Q(u), Como, por definição, Q(v ) = det(L)Q(u), concluı́mos que X det(L) = sign σ a1σ(1) a2σ(2) · · · anσ(n) . (A.2) σ∈Πn É claro que os coeficientes da matriz [L] dependem da escolha da base, mas o determinante independe dessa escolha. Mais precisamente, se A = [aij ] e B = [bij ] são representações matriciais da transformação linear L relativamente a duas bases β1 e β2 , respectivamente, então X det(L) = sign σ a1σ(1) · · · anσ(n) σ∈Πn = X σ∈Πn sign σ b1σ(1) · · · bnσ(n) . Se V está munido de um produto interno h : i, a transposta T T de uma dada transformação linear T : V → V é definida pela relação de dualidade: hT u : vi = hu : T T vi, ∀u, v ∈ V. (A.3) O resultado a seguir nos fornece algumas propriedades básicas do determinante de L. Teorema A.11: A função det : L(V, V ) → R satisfaz as seguintes propriedades: a) b) c) d) det(αI) = αn ; det(L ◦ M ) = det(L) det(M ); det(LT ) = det(L); L é invertı́vel se, e somente se, det(L) 6= 0 e, neste caso, det(L−1 ) = 1 . det(L) Apêndice 321 Prova: O item (a) segue direto da n-linearidade de Q. Para provar (b), considere uma forma n-linear alternada não nula Q. Então, se K = L ◦ M , temos Q(Kv ) = det(K)Q(v ), ∀v ∈ V n . Por outro lado, Q(Kv ) = det(L)Q(M v ) = det(L) det(M )Q(v ) e a conclusão segue da unicidade do determinante. Para provar (b), considere {u1 , . . . , un } uma base ortonormal de V . Sejam Lui = ai1 u1 + · · · + ain un LT uj = aTj1 u1 + · · · + aTjn un Então, hLui : uj i = aij , hui : LT uj i = aTji e segue de (A.3), aTji = aij . Portanto, de , X det(LT ) = sign σ aT1σ(1) · · · aTnσ(n) σ∈Πn = X σ∈Πn = X σ∈Πn sign σ aσ(1)1 · · · aσ(n)n sign σ a1σ−1 (1) · · · anσ−1 (n) = det(L) Para mostrar o item (d), suponha L invertı́vel e considere M = L−1 . Pelo item (b), se {v1 , . . . , vn } é uma base de V e Q é não trivial, então para v = (v1 , . . . , vn ), Q(v ) = det(L−1 ) det(L)Q(v ) 6= 0. Reciprocamente, se det(L) = 6 0, considere {u1 , . . . , un } uma base qualquer de V . Então, se Q é não nula, Q(Lu) = det(L)Q(u) 6= 0, 322 Cálculo Avançado I de modo que {Lu1 , . . . , Lun } é linearmente independente (veja Observação A.5). Logo, L é invertı́vel. • O determinante da matriz em blocos Consideremos uma matriz quadrada de ordem k + m da forma [L] = [L1 ] [L12 ] [L21 ] [L2 ] , (A.4) onde [L1 ] e [L2 ] são submatrizes quadradas de ordem k e m respectivamente e [L12 ], [L21 ] são blocos de ordem k × m e m × k respectivamente. Como veremos a seguir, se ao menos um dos blocos [L12 ] ou [L21 ] for uma matriz nula, então det[L] = det[L1 ] det[L2 ]. Para isso, consideremos {u1 , . . . , uk } e {v1 , . . . , vm } bases de Rk e R respectivamente. Então, é imediato constatar que m β= u1 0 ,..., uk 0 0 0 , ,..., v1 vm é uma base de Rk × Rm . Dada uma forma (k + m)-linear alternada e não nula Q, podemos escrever u1 uk 0 0 Q ,..., , ,..., 0 0 v1 vm = Q1 (u1 , . . . , uk )Q2 (v1 , . . . , vm ), onde Q1 (resp. Q2 ) é uma forma k-linear (resp. m-linear) alternada e não nula. Observe que a decomposição acima não é única. De fato, f1 = λQ1 e Q f2 = λ−1 Q2 , λ 6= 0. basta considerar Q Considere a transformação linear L : Rk × Rm → Rk × Rm definida por u L1 u , L = v L2 v Apêndice 323 onde L1 : Rk → Rk e L2 : Rm → Rm são lineares. Então, por definição (veja A.10), 0 u1 uk 0 ,..., ,..., , det(L)Q vm 0 0 v1 L 1 u1 L 1 uk 0 0 =Q ,..., , ,..., 0 0 L2 v1 L2 vm = Q1 (L1 u1 , . . . , L1 uk )Q2 (L2 v1 , . . . , L2 vm ) = det(L1 )Q1 (u1 , . . . , uk ) det(L2 )Q2 (v1 , . . . , vm ), e concluı́mos que det(L) = det(L1 ) det(L2 ). Observe que a matriz de L relativamente à base canônica de Rk+m tem a forma de blocos como em (A.4), com [L12 ] e [L21 ] matrizes nulas. Vamos agora considerar a transformação linear L : Rk × Rm → Rk × Rm definida por u L1 u + L12 v L = , v L2 v onde L1 : Rk → Rk , L2 : Rm → Rm e L12 : Rm → Rk são lineares e L1 é invertı́vel. Então, considerando a base β, temos u1 uk 0 0 det(L)Q ,..., , ,..., 0 0 v1 vm L 1 u1 L 1 uk L12 v1 L12 vm =Q ,..., , ,..., 0 0 L2 v1 L2 vm L12 vi 0 = Q ···, + ,··· 0 L2 vi L12 vi 0 = Q ···, ,··· + Q ···, ,··· 0 L2 vi (A.5) Observe que {L1 u1 , . . . , L1 uk } é base de Rk e L12 vi ∈ Rk . Então, Q L1 v1 0 ···, L1 vk 0 ,···, L12 vi 0 , · · · = 0, 324 Cálculo Avançado I de modo que (A.5) se reduz a L 1 u1 L 1 uk 0 0 Q ,..., , ,..., . 0 0 L2 v1 L2 vm Logo, como na etapa anterior, obtemos det(L) = det(L1 ) det(L2 ). O traço Nos capı́tulos anteriores, definimos o traço de uma matriz como sendo a soma dos elementos da diagonal. Tal como fizemos para o determinante, vamos agora definir o traço de uma transformação linear L ∈ L(V, V ) que, como veremos, coincide com a definição dada para matrizes e, de fato, independe da representação matricial de L. Notação: Para simplificar a notação, se v = (v1 , . . . , vn ) ∈ V n e L ∈ L(V, V ), escreveremos Li v = (v1 , . . . , vi−1 , Lvi , vi+1 , . . . , vn ). Para cada forma n-linear Q : V n → R, definimos e Q (v ) = L n X Q(Li v ). i=1 Observação: É fácil ver que se τ é uma transposição, então Li τ (v ) = Lτ (i) (v ) = τ Li (v ) , e Q . Como conde modo que se Q é alternada, o mesmo vale para L sequência dos Teoremas A.7 e A.9, podemos definir o traço de L: Definição A.12: Dada a transformação L ∈ L(V, V ), o traço de L é definido como a única constante tr(L) tal que e Q (v ) = tr(L)Q(v ), ∀v ∈ V n , ∀Q forma n-linear alternada. L Mais precisamente, tr(L)Q(v ) = Q(Lv1 , v2 , . . . , vn ) + Q(v1 , Lv2 , . . . , vn ) + · · · + Q(v1 , v2 , . . . , Lvn ). Apêndice 325 O resultado a seguir, cuja demonstração deixamos como exercı́cio para o leitor, fornece algumas propriedades básicas do traço. Teorema A.13: A função tr : L(V, V ) → R satisfaz as seguintes propriedades: a) tr(aL + M ) = a tr(L) + tr(M ); b) tr(I) = n; c) tr(LT ) = tr(L); d) tr(L ◦ M ) = tr(M ◦ L). Observação: É fácil ver que se · · · a1n .. .. . . · · · ann a11 . [L] = .. an1 é a matriz de L relativa à base {u1 , . . . , un }, então tr(L) = n X aii . i=1 De fato, seja Q uma forma n-linear não nula. Então tr(L)Q(u1 , . . . , un ) = Q(Lu1 , . . . , un ) + · · · + Q(u1 , . . . , Lun ). Como Luj = n X aij ui i=1 e Q(u1 , . . . , Luj . . . , un ) = ajj Q(u1 , . . . , uj , . . . , un ), segue que tr(L)Q(u1 , . . . , un ) = a11 Q(u1 , . . . , un ) + · · · ann Q(u1 , . . . , un ). Em particular, o traço da representação matricial de L ∈ L(V, V ) independe da escolha da base, isto é, se A, B ∈ Mn×n (R) são matrizes equivalentes, então tr(A) = tr(B). 326 Cálculo Avançado I O produto tensorial Se V é um espaço vetorial munido de um produto interno h : i, o produto tensorial ⊗ : V × V → L(V, V ) é definido por (u ⊗ v)(h) = hv : hiu. (A.6) Se V é de dimensão finita, u ⊗ v pode ser expresso em termos de coordenadas como matriz; se u = (x1 , . . . , xn ), v = (y1 , . . . , yn ) e h = (z1 , . . . , zn ), temos x1 y 1 x1 y 2 · · · x1 y n z1 x2 y1 x2 y2 · · · x2 yn z2 . (u ⊗ v)(h) = .. .. . ··· ··· ··· zn xn y 1 xn y 2 · · · xn y n Teorema A.14: As funções det, tr : L(V, V ) → R satisfazem as seguintes propriedades: a) det(u ⊗ v) = 0; b) tr(u ⊗ v) = hu : vi; c) det I + (u ⊗ v) = 1 + hu : vi. Prova: (a) Seja Q uma forma n-linear alternada não nula e h ∈ V n tal que Q(h) 6= 0. Então, de (A.6), det(u ⊗ v)Q(h) = Q (u ⊗ v)h = Q hv : h1 iu, . . . , hv : hn iu = hv : h1 i · · · hv : hn i Q(u, u, . . . , u) = 0. (b) Por definição, tr(L)Q(v ) = n X i=1 Q(Li v ), ∀Q, ∀v ∈ V n . No caso L = u ⊗ v, temos Q(Li w ) = Q(w1 , . . . , wi−1 , (u ⊗ v)wi , wi+1 , . . . , wn ) = Q(w1 , . . . , wi−1 , hv : wi iu, wi+1 , . . . , wn ) = hv : wi iQ(w1 , . . . , wi−1 , u, wi+1 , . . . , wn ) (A.7) Apêndice 327 Tomando {w1 , . . . , wn } uma base ortonormal com relação ao produto interno h : i, temos n X u= hu : wj iwj . j=1 Assim, Q(Li w ) = n X j=1 hv : wi ihu : wj iQ(w) e obtemos de (A.7) tr(L) = n X n X i=1 j=1 hv : wi ihu : wj i = hu : vi. (c) Denotando L = (u ⊗ v), temos por definição, det(I + L)Q(w ) = Q (I + L)w1 , . . . , (I + L)wn n X = Q(w ) + Q(Li w ) + · · · + Q(Lw ) i=1 = 1 + tr(L) Q(w ) + · · · + det(L)Q(w). onde as parcelas resumidas por “· · ·” são aquelas que envolvem duas ou mais “coordenadas” com termos Li w , isto é, parcelas do tipo Q(w1 , . . . Lwi , . . . , Lwj , . . . , wn ). Estas parcelas, da mesma forma como a última, que corresponde ao det(L), são nulas (verifique). Logo, det I + (u ⊗ v) = 1 + tr(u ⊗ v) = 1 + hu : vi. Observação: Seja V um espaço de dimensão finita com produto interno h : i e L ∈ L(V, V ) uma transformação linear. Associada a L podemos definir a forma bilinear a : V 2 → R por a(u, v) = hLu : vi. Reciprocamente, dada uma forma bilinear a(u, v) existe uma transformação linear L tal que a(u, v) = hLu : vi. Em particular, para L = u ⊗ v, temos a(w, z) = (u ⊗ v)w : z = (hv : wi)u : z = hv : wihu : zi. 328 Cálculo Avançado I Podemos então considerar equivalentemente o produto tensorial (A.6) tendo como imagem o espaço das formas bilineares de V 2 em R, isto é, (u ⊗ v)(w, z) = hv : wihu : zi. (A.8) Partindo deste ponto de vista, podemos estender o produto tensorial para ordens maiores: se u1 . . . , um ∈ V , o produto u1 ⊗ · · · ⊗ um é a forma m-linear definida por (u1 ⊗ · · · ⊗ um )(v1 , . . . , vm ) = m Y i=1 hui : vi i. O produto tensorial assim interpretado é conveniente no contexto das formas diferenciais. • O produto exterior Se V um espaço vetorial e L ∈ L(V, V ), a decomposição L= 1 1 (L + LT ) + (L − LT ) 2 2 nos permite considerar a soma direta L(V, V ) = Sim(V ) ⊕ Ant(V ), sendo Sim(V ) e Ant(V ) respectivamente os espaços vetoriais das transformações lineares simétricas e anti-simétricas. Observe que se V = Rn , então Sim(Rn ) e Ant(Rn ) são isomorfos aos espaços das matrizes simétricas e anti-simétricas, respectivamente. Veja também que dim Sim(Rn ) = n(n + 1) , 2 dim Ant(Rn ) = n(n − 1) . 2 Em particular, dim Ant(R2 ) = 1 e dim Ant(R3 ) = 3, de modo que Ant(R3 ) é isomorfo a R3 . Repare que em termos de coordenadas, Ant(R2 ) se identifica com o subespaço das matrizes 2 × 2 gerado por 0 1 . −1 0 Apêndice Analogamente, trizes 0 1 −1 0 0 0 329 Ant(R3 ) se identifica com o espaço gerado pelas ma 0 0, 0 0 1 0 0, 0 0 0 0 −1 0 0 0 0 0 −1 0 1. 0 (A.9) Definição: Se V é um espaço vetorial com produto interno, definimos o produto exterior em V por ∧ : V × V → Ant(V ), u ∧ v = (u ⊗ v) − (v ⊗ u). (A.10) Observação: Observe que no caso particular V = R2 , a definição do produto exterior expresso em termos de coordenadas nos dá [e1 ∧ e2 ] = 0 −1 1 0 e, no caso n = 3, e1 ∧ e2 , e1 ∧ e3 e e2 ∧ e3 , correspondem às três matrizes em (A.9). Se considerarmos o produto tensorial como forma bilinear, o produto exterior (A.10) define uma forma bilinear alternada. Por exemplo, se u = a1 e1 + a2 e2 e v = b1 e1 + b2 e2 , temos u ∧ v = (a1 e1 + a2 e2 ) ∧ (b1 e1 + b2 e2 ) = (a1 b2 − a2 b1 )(e1 ∧ e2 ), que em termos de coordenadas se expressa a u∧v = 1 b1 a2 b2 0 −1 1 0 . Assim, para w = w1 e1 + w2 e2 e z = z1 e1 + z2 e2 a (u ∧ v)(w, z) = 1 b1 a2 b2 a1 b1 a2 b2 = z1 w1 0 −1 z2 w2 1 0 w1 w2 z1 : z2 330 Cálculo Avançado I Analogamente, se u = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 e v = b1 e1 + b2 e2 + b3 e3 , temos u ∧ v = (a1 b2 − a2 b1 )(e1 ∧ e2 ) + (a1 b3 − a3 b1 )(e1 ∧ e3 ) + (a2 b3 − a3 b2 )(e2 ∧ e3 ) e, como no caso anterior, u ∧ v define uma forma bilinear alternada de modo que podemos considerar ∧ : R3 × R3 → A2 (R3 ). Vale observar neste caso que u ∧ v = (a1 b2 − a2 b1 )(e1 ∧ e2 ) + (a1 b3 − a3 b1 )(e1 ∧ e3 ) + (a2 b3 − a3 b2 )(e2 ∧ e3 ) = (a2 b3 − a3 b2 )(e2 ∧ e3 ) + (a3 b1 − a1 b3 )(e3 ∧ e1 ) + (a1 b2 − a2 b1 )(e1 ∧ e2 ), de modo que podemos fazer a associação (veja a Observação 13.40) e2 ∧ e3 ∼ e1 , e3 ∧ e1 ∼ e2 , e1 ∧ e2 ∼ e3 para estabelecer que u ∧ v ∼ u × v. Lembrando que V = L(Rn , R) é isomorfo a Rn e considerando as observações acima, podemos estender o produto exterior para as formas lineares. De fato, se definimos dxi (h) = hi , então {dx1 , . . . , dxn } é uma base de L(Rn , R). Associada a esta base consideramos a forma bilinear dxi ∧ dxj : V × V → A2 (Rn ), dxi ∧ dxj (u, v) = u : (ei ∧ ej )v . É claro que dxi ∧ dxi = 0, para todo i = 1, . . . , n. Além disso, dxi ∧ dxj (u, u) = 0 para todo u ∈ Rn . Como o espaço A2 (R2 ) tem dimensão 1, {dx1 ∧ dx2 } é uma base deste espaço. Se n = 3, o espaço A2 (R3 ) tem dimensão 3, e pode-se verificar que {dx1 ∧ dx2 , dx1 ∧ dx3 , dx2 ∧ dx2 } é base de A2 (R3 ). Apêndice 331 Por exemplo, consideremos L1 , L2 ∈ L(R2 , R), L1 = a1 dx1 + b1 dx2 , L2 = a2 dx1 + b2 dx2 . O produto exterior de L1 e L2 é a forma bilinear alternada, definida por a b L1 ∧ L2 = 1 1 dx1 ∧ dx2 a 2 b2 Se Li ∈ L(R3 , R), Li = ai dx1 + bi dx2 + ci dx3 , definimos o produto exterior L1 ∧ L2 = a1 a2 + a b1 dx1 ∧ dx2 + 1 b2 a2 b1 b2 c1 dx1 ∧ dx3 c2 c1 dx2 ∧ dx3 . c2 Por fim, sendo A3 (R3 ) um espaço vetorial de dimensão 1, definmos a forma trilinear alternada dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 : V × V × V → A3 (R3 ) por u1 u2 u3 dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 (u, v, w) = v1 v2 v3 . w1 w2 w3 Ao leitor interessado em aprofundar os resultados e observações expostas nesse Apêndice, recomendamos consultar textos sobre Álgebra Multiliner (veja por exemplo, Cap. 4 de [10]). Referências [1] Abdelhay, J.: Curso de Análise Matemática, Vol III, Editora Cientı́fica, Rio de Janeiro-RJ, 1955. [2] Acker, F.: Análise Vetorial Clássica, Textos Universitários, Soc. Brasileira de Matemática, 2011. [3] Apostol, A.M.: Análisis Matemático, Editorial Reverté S.A., 1960. [4] Buck, R.C.: Advanced Calculus, International Series in Pure and Applied Mathematicas, McGraw-Hill, Second Edition, 1965. [5] Chilov, G., Analyse Mathématique - Fonctions de Plusieurs Variables Réelles, Ed. Mir, Moscou, 1975. [6] Dantas, M.J.H.: Convexidade e diferenciabilidade, Matemática Universitária, no. 30, 2001, pp. 113–114. [7] Hadamard, L., Leçons sur la Propagation des Ondes et les Équations de l’Hidrodynamique, Librairie Scientifique A. Hermann, Paris, 1903. [8] Kavian, O.: Introduction à la Théorie des Points Critiques, Mathématiques & Applications no. 13, Spring-Verlag, 1993. [9] Knuth, D.E.: The TEXbook , Addison Wesley Publ. Company, 1989. [10] Lang. S.: Álgebra Linear, Editora Edgard Blücher LTDA, 1971, [11] Lima, E.L.: Curso de Análise, Vol II, Projeto Euclides, IMPA, 1981. [12] Liu, I-S.: Continuum Mechanics, Springer, 2002. 334 Cálculo Avançado I [13] Medeiros, L.A.: Lições sobre a equação x′ = f (t, x), Monografias XXXII, Centro Brasileiro de Pesquisas Fı́sicas, 1971. [14] Rudin, W.: Principles of Mathematical Analysis, 3rd. edition McGraw-Hill, 1976. [15] Spivak, M.: Cálculo en Variedades, Editorial Reverté S.A., 1972.