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Cesare Lombroso

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Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna
Curso de Mestrado em Ciências Policiais
Área de Especialização em Criminologia e Investigação Criminal
UC de Criminologia I
Cesare Lombroso:
Vida, Obra e Principais linhas de Investigação
Cesare Lombroso:
Life, Work and Main ResearchLines
Inês Sofia Vaz Teixeira
N.º: 2022/18
Docente:
Prof. Doutor Nuno Caetano Lopes de Barros Poiares
Lisboa, janeiro, 2023
Índice
Resumo .............................................................................................................................. i
Abstract ............................................................................................................................. ii
Introdução ......................................................................................................................... 1
1. Dados Biográficos do Autor ......................................................................................... 2
2. Linhas de investigação.................................................................................................. 2
3. Produção Científica ...................................................................................................... 4
4. “O homem delinquente” de Cesare Lombroso ............................................................. 5
4.1.Resumo do Capitulo II ............................................................................................ 5
5. A obra e a Criminologia ............................................................................................... 8
6. Críticas à Obra .............................................................................................................. 8
Conclusão ....................................................................................................................... 10
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 11
Resumo
O presente trabalho escrito surge no âmbito da unidade curricular de Criminologia I do
curso de Mestrado em Ciências Policiais, área de especialização em Criminologia e
Investigação Criminal, do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna,
sob a regência do Senhor Professor Doutor Nuno Caetano Lopes de Barros Poiares.
Cesare Lombroso foi um importante médico psiquiatra, mas também jurista e
antropólogo, considerado por muitos o “pai da Criminologia”. Este trabalho pretende
estudar a sua vida e analisar um capítulo de uma das suas obras considerada por muitos a
obra primária da Criminologia do Período Científico, o “Homem Delinquente’’ (1876).
Desta forma, o trabalho inicia-se com a exposição dos seus dados biográficos, das suas
linhas de investigação e da sua produção científica. O presente trabalho pretende analisar
o capitulo II da obra, intitulado “Tatuagem nos Delinquentes”, para isso serão
apresentadas as perspetivas de Lombroso em relação às tatuagens nos criminosos,
delinquentes e militares, sendo estes os grupos com os quais mais interagiu ao longo da
sua vida profissional, enquanto médico militar e responsável por alas psiquiátricas em
Itália. É, ainda, analisado criticamente, para que seja possível entender a relevância do
mesmo para a área da Criminologia e são feitas algumas críticas.
Palavras-chave: Lombroso, Positivismo, Delinquente, Tatuagens, Atavismo, Período
Científico
i
Abstract
This paperwork is part of the curricular unit of Criminology I of the Master's Degree in
Police Science, specialization in Criminology and Criminal Investigation, of the Higher
Institute of Police Sciences and Homeland Security, under the supervision of Professor
Nuno Caetano Lopes de Barros Poiares.
Cesare Lombroso was an important psychiatrist, but also a jurist and anthropologist, and
is considered by many to be the "father of Criminology". This paper intends to study his
life and analyze a chapter of one of his works considered by many to be the primary work
of Criminology of the Scientific Period, "The Delinquent Man" (1876). Thus, the work
begins with the exposition of his biographical data, his lines of investigation, and his
scientific production. The present work intends to analyze chapter II of the work, entitled
"Tattoos on Delinquent". To this end, Lombroso's perspectives on tattoos on criminals,
delinquents, and military personnel will be presented, these being the groups with whom
he most interacted throughout his professional life, as a military doctor and responsible
for psychiatric wards in Italy. It is also critically analyzed to understand its relevance to
the field of Criminology.
Keywords: Lombroso, Positivism, Delinquent, Tattoos, Atavism, Scientific Period
ii
Introdução
Este trabalho propõe-se estudar o autor Cesare Lombroso, um dos nomes mais
falados do período científico da Criminologia, sendo “O Homem Delinquente” (1976) ,
apontado como a primeira obra a abordar a Criminologia enquanto estudo científico.
Embora exista a dúvida relativamente à obra mãe da Criminologia e ao autor, o pai da
mesma, os escritos de Lombroso e outros dos seus contemporâneos marcaram o início do
período científico da criminologia.
No período pré-científico, que permaneceu até ao século XIX, os fatores que
levavam um indivíduo a cometer um crime eram consideradas causas sobrenaturais ou
determinadas predisposições deste a proceder de modo menos próprio. Com o século
XIX, no período científico, muda-se a perspetiva face ao delinquente e à prática do crime.
O foco do “estudo” deixa de ser os fatores sobrenaturais afetos ao delinquente e passa a
ser o delinquente em si.
Desta forma, o trabalho inicia-se por abordar os principais dados biográficos do autor, a
seguir, são apresentadas as linhas de investigação a que Cesare Lombroso se dedicou e é
exposta parte da produção científica do autor. No que toca à obra em si, falar-se-á da obra
em geral, dando maior ênfase ao capítulo II referente à tatuagem no delinquente. A
abordagem do autor face aos criminosos e aos delinquentes é semelhante à utilizada pelos
antropólogos, no entanto, há que salientar que o mesmo é, em primeiro lugar, médico e
psiquiatra. O principal objetivo deste trabalho será entender de que modo Lombroso
(1876) via a tatuagem no delinquente, tendo em conta que a perceção científica da
criminologia dita que o delinquente carece de qualquer livre-arbítrio nas suas ações. Além
disso, procura-se aprofundar o conhecimento sobre as características intrínsecas dos
delinquentes e entender como estas afetam ou não aquilo que perpetuam na sua pele.
Acredito que seja uma obra com enorme relevância para a área e, em especial,
para a unidade curricular em que se insere este trabalho. Entender a relevância da obra
para a Criminologia é um dos grandes objetivos do trabalho e as críticas que esta teve, é
com essa reflexão que se o pretende terminar.
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1. Dados Biográficos do Autor
Ezequías Marco César Lombroso Levi mais conhecido pelo pseudónimo Cesare
Lombroso nasceu a 6 de novembro de 1835 em Verona, Itália e morreu a 19 de outubro
de 1909 em Turim, é ainda hoje considerado um dos autores e teóricos mais importantes
da Criminologia, do Direito e da Antropologia. Considerado por muitos o pai da
Criminologia, no entanto, o próprio Cesare Lombroso não se dizia criminólogo e
sustentava ser adepto da escola antropológica italiana.
Estudou medicina na Universidade de Pavia, estudando também em Pádua, Viena
e Paris, entre 1852 e 1858. Após concluir os estudos, começou a exercer como médico
voluntário do exército nacional. Na medicina, o seu foco inicial foi na área da psiquiatria,
sendo mais tarde nomeado diretor do manicómio da cidade de Pesaro. Foi ainda
responsável pelos pacientes dos hospitais psiquiátricos de Pavia e Reggio Emilia. Iniciouse, então, um longo percurso de vida de observação e estudo dos delinquentes e doentes
mentais. Lecionou nas Universidades de Pádua e Turim, enquanto professor de
Psiquiatria e Medicina, esteve vinculado à Universidade de Turim desde os seus 30 anos,
até ao final da sua vida. Ao longo do seu percurso académico teve vários contactos com
diferentes perspetivas teóricas a nível do Direito, nomeadamente a inspiração no
positivismo de Auguste Comte.
Ao longo da sua vida dedicou-se intensamente à investigação na área da antropologia
criminal e a sua ideia central nesta área, surgiu em 1871, quando realizou a autópsia ao
corpo de Giuseppe Villella. Ao observar o seu crânio, acreditou ter descoberto a natureza
do criminoso. Pois, este apresentava características distintivas dentro de uma época
civilizada, não se assemelhando somente aos «selvagens primitivos», como também aos
animais inferiores como consagra Agra, 2018.
2. Linhas de investigação
Foi um dos principais representantes da escola positivista, que tem como objeto de
estudo o delinquente sem livre arbítrio, deixando a preocupação da investigação de ser o
crime em si, passando a ser o criminoso. Tendo isto em conta, Lombroso procurou
encontrar e explicar a relação entre psicopatologias criminais e defeitos físicos no
delinquente.
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A principal teoria de Lombroso, baseava-se na existência de características
hereditárias ou atávicas (atavismo) que fossem uma representação das formas mais
primordiais do ser humano, ou seja, características que fizessem com que o homem
delinquente se parecesse mais com os antepassados evolutivos do mesmo. Baseou-se na
inspiração Darwinista, a nível da antropologia biológica e do evolucionismo. Ao referir
que o homem teria características atávicas, infere-se que este se assemelharia aos primatas
e, por conseguinte, ao ancestral comum entre estes e o homem. Traçou esta relação entre
o delinquente e tais características através de uma metodologia de trabalho empírica.
Estudou determinados aspetos e medidas cranianas de delinquentes já falecidos,
trançando semelhanças entre os mesmos. Procurou primeiramente se haveria de facto
alguma característica que o permitisse dizer, com base numa análise amétrica e puramente
visual se haveria traços cranianos semelhantes ou aparentemente iguais entre o universo
de delinquentes que estudara.
Além dos estudos e da relação entre o atavismo e a delinquência, Lombroso também
concluiu que há determinados traços comportamentais e da linguagem corporal de um
indivíduo que podem auxiliar a identificar o criminoso delinquente. De entre alguns
desses traços comportamentais temos o cinismo, vaidade e falta de senso moral. A nível
sensorial, a característica que sobressai é a insensibilidade à dor, a qual pode explicar o
motivo de os delinquentes terem mais tendência para fazer tatuagens. É importante
relembrar, que até ao início do século XIX as tatuagens realizavam-se com instrumentos
manuais, nomeadamente agulhas singulares. Sendo apenas uma agulha, esta era inclinada
para que raspasse parte da epiderme, de modo a que a tinta se colocasse diretamente na
derme.
Lombroso tem como principais sucessores a nível teórico e ideológico Raffaele
Garofalo e Enrico Ferri. Foram os três fundadores da escola positiva do Direito Penal e
da Criminologia. Garofalo focava-se na Psicologia Criminal e Ferri na Sociologia
Criminal (nome da sua obra mais importante).
Embora as suas teorias tenham inicialmente, influenciado a Europa, a ênfase que
Lombroso colocou nas causas hereditárias para a delinquência foram mais tarde
rejeitadas, passando-se a entender que o crime tinha causas ambientais e não somente
hereditárias.
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3. Produção Científica
Relativamente à sua bibliografia, ao nível de obras, começa em 1872 com a obra
Génio e Loucura, baseada nas experiências iniciais da sua carreira. Nesta obra traça
analogias fazendo uso da lógica dos Gregos Antigos, por exemplo para definir o que é
realmente um homem genial. Aqui podemos ver algo que Lombroso aborda e adota
noutras obras, o que diferencia todos estes homens é o ambiente que os rodeia.
Em 1876, Lombroso publicou a obra que mais à frente será abordada neste trabalho,
O Homem Delinquente, teve várias edições, da primeira edição publicada no ano de 1872
com 252 páginas, até à quinta edição, composta por três volumes e quase 1900 páginas,
passaram-se vinte anos. Esta obra vai, em detalhe delinear comportamentos, aspetos
físicos e emocionais, causas, paixões dos delinquentes distanciando-os do homem
civilizado e social. Lombroso, entre outros, recolheram relatos e estatísticas em Itália,
relativamente à incidência do delinquente nesses contextos. Para além disso, distingue
ainda os dementes ou delinquentes morais dos delinquentes natos.
O Delito (1891) é uma obra ligada a uma perspetiva jurídica. De entre as valências
evidenciadas por Lombroso, ao longo da sua vida, o seu forte entendimento jurídico e do
Direito Penal permitira-lhe enquadrar melhor as posições dos delinquentes e dos
criminosos nesse mesmo contexto.
Lombroso publica também algumas obras com um maior foco na relação das
origens do indivíduo com o meio social em que se encontra inserido, nomeadamente O
Anti-semitismo e as Ciências Modernas (1891), A mulher delinquente, a prostituta e a
mulher normal (1893) e Os Anarquistas (1894). Para além destas, as mais recentes
descobertas e aplicações da psiquiatria na Antropologia Criminal (1893) e O crime,
causas e remédios (1894) apresentam teorias interdisciplinares à procura de soluções para
a delinquência, bem como insight para a Antropologia Criminal.
4
4. “O homem delinquente” de Cesare Lombroso
Esta obra é considerada a que assinala o início do período científico da Criminologia.
Lombroso (1876) ao longo da sua obra refere determinadas características físicas,
psicológicas e comportamentais geralmente observadas na grande maioria dos
delinquentes, as quais raramente eram observadas naqueles que ele considera serem o
homem e a mulher “normais”.
Desta forma, ao qualificar o ser humano, coloca o delinquente numa posição inferior
à dos demais seres humanos. A nível do delinquente nato, aponta alguns aspetos físicos
que o distanciam do restante Homem: assimetria craniana bastante pronunciada, fronte
baixa e fugidia, orelhas em forma de asa, zigomas, lóbulos occipitais e arcadas
superciliares salientes, prognatismo (maxilar proeminente), crânio pequeno, mas uma
face longa, pilosidade capilar abundante, embora pouco pelo facial e rosto pálido. Outras
características apontadas ao criminoso nato era a sua insensibilidade, moral, física e
psíquica. A ambidextria ou o mancinismo eram outras anomalias comummente
associadas a estes indivíduos. Era também habitual que estes indivíduos sofressem de
determinados distúrbios ao nível dos reflexos vasomotores e dos sentidos em geral, o que
poderia justificar o tom de pele habitualmente mais pálido. Lombroso (1876) dá mais
destaque à insensibilidade física, considera que o delinquente se encontrava mais
propenso à prática da tatuagem na sua pele. Dada esta insensibilidade e o seu contexto
psicossocial atávico e de selvajaria, aproveitava o delinquente para realmente se marcar,
no sentido literal da palavra, como um selvagem.
4.1.Resumo do Capitulo II
Este livro foi publicado em 1872 e está dividido em 17 capítulos. No segundo capítulo,
intitulado “Tatuagens nos Delinquentes”, Lombroso (1876) observou um universo de
9234 indivíduos, 3886 soldados, dos quais considera “soldados honestos”, 5348
criminosos, meretrizes ou “soldados delinquentes”, de entre estes 200 eram mulheres e
378 franceses, tendo sido necessário o esforço conjunto de dez médicos para realizar a
contagem e o estudo em causa.
Em Itália a tatuagem era vista com mais regularidade nas classes sociais mais baixas,
chamada de “marca” ou “sinal”, sendo particularmente evidenciada entre camponeses,
marinheiros, operários, pastores, soldados e, claro, delinquentes. Lombroso (1876)
5
estabelece a existência de tais marcas como sendo um possível fator não só na
identificação individual de quem a possui, como também na identificação do grupo social
a que pertence. O autor destaca a tatuagem como um aspeto anatómico-legal que poderia
ser identificativo de dado indivíduo ou grupo de indivíduos.
Lombroso nesta obra tenta classificar as tatuagens em quatro temáticas diferentes:
amor, religião, guerra e profissão. Uma vez que se entende que não era algo que só o
delinquente faria, pois considerava-se que qualquer indivíduo se poderia relacionar com
estas temáticas. As tatuagens sobre profissão e guerra muitas vezes eram sobrepostas, por
exemplo no caso dos militares e marinheiros, cuja profissão era a guerra. No entanto,
dentro do grupo de militares e marinheiros, a tatuagem de índole profissional seria
diferente dependendo da sua unidade, uma vez que, cada unidade tinha as suas insígnias
e símbolos específicos. Os símbolos de guerra eram os mais frequentes, os militares
tatuavam para além das insígnias, espadas, canhões ou datas de batalhas memoráveis
presenciadas, entre outros temas. Outro tipo de tatuagem mais predominante, é o das
tatuagens profissionais, em parte pelo mesmo motivo que as de índole militar. O terceiro
símbolo mais tatuado era o ligado à religião, sendo que grande parte surgia antes do
ingresso dos homens nas forças armadas ou em milícias, providenciados por pastores da
Lombardia ou peregrinos de Loreto. As tatuagens de amor eram comuns entre duas
populações: lombardos e piemonteses, consistindo nas iniciais do nome da mulher, data
em que se tenham conhecido, ou apenas duas mãos que se apertam.
É nos delinquentes que se pode observar com maior regularidade a tatuagem. Um
soldado de milícia que terá sido questionado por Lombroso relativamente ao motivo de
não possuir qualquer tatuagem, ao que este lhe respondeu “são coisas que fazem os
condenados”. Alguns dos casos observados pelo autor apresentavam uma simbologia
particularmente violenta ou vingativa. Refere ainda o seguinte: “Dir-se-ia que o
delinquente tem gravado na sua própria carne o presságio do seu fim.” Da mesma forma,
a temática da obscenidade era muito adotada nas tatuagens entre os delinquentes, mas
também, tatuavam frases completas o que pensavam ser chamarizes para instigar a
vontade sexual entre as mulheres. Tanto Lombroso (1876) como Lacassagne (1881)
referem que havia com maior frequência, entre as suas tatuagens, a “amizade” que teriam
com o parceiro.
Nos delinquentes, a simbologia das tatuagens era variada, sendo por vezes confusa ou
até dicotómica. Por exemplo, existiam delinquentes com as iniciais da mãe ou da mulher
tatuada no braço, ou uma data importante na sua vida, bem como cenários representativos
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de guerra, como embarcações, diferentes tipos de armamento, mensagens a quem lhe
tenha causado injúrias no passado. Outros optavam por uma tatuagem obscena num braço
e outra com significados completamente diferentes no outro.
A quantidade de tatuagens que eram feitas e o lugar destas, eram considerados por
Lombroso (1876) como sendo importantes aspetos de interesse antropológico, visto que
se destacam como prova da vaidade instintiva e característica do delinquente. Há,
portanto, toda uma multiplicidade de tatuagens, que é a prova da falta de sensibilidade
dos delinquentes, a qual o autor compara à dos selvagens. Quanto aos indivíduos
associados ao crime organizado, Lombroso (1876) foi capaz de identificar códigos ou
alfabetos inteiros escritos no corpo dos delinquentes. Estas cifras eram utilizadas pelos
criminosos para comunicar, entre outros métodos, utilizando jornais dentro do
estabelecimento prisional, como observado por Lacassagne (1881).
Lombroso (1876) mencionou algumas das causas para a realização de tatuagens por
parte dos delinquentes ou criminosos. Embora fosse de esperar que estes as realizassem
sem motivo aparente, dada a sua invulnerabilidade, a vaidade que sentiam por ter o corpo
pintado com algo que lhes é relevante traduz-se num dos motivos que serão referidos em
seguida. De notar que o autor não apresenta somente causas da tatuagem no delinquente,
mas nos indivíduos em geral. Lombroso revela que de entre as principais causas estão: a
religião, a tatuagem como forma de perpetuação de antigos costumes, nomeadamente
religiosos. A imitação, entre os Lombardos era frequente que, quando um dos indivíduos
de determinado batalhão se tatuasse, que todos os seus companheiros seguissem o seu
exemplo, reiterando a união dentro do grupo. O espírito de vingança, caso alguém tenha
causado alguma injúria ou ferimento a dado criminoso é habitual traçarem uma tatuagem
como lembrete de quem ou quando o fez. Ociosidade, não por um significado em
específico associado à imagem, mas para passar o tempo. Vaidade, Lombroso (1876) e
Lacassagne (1881) ambos observaram uma tendência de tatuar as áreas mais visíveis do
corpo, entre estas o peito e os braços. Espírito Gregário, refere-se à utilização de
determinada simbologia relacionada com os animais. Paixão, nesta causa vemos a ligação
do tatuado com a sua família ou pessoas que lhe são ou eram queridas. Pichação, como o
nome indica seriam frases de repúdio ou pedidos que o delinquente faria, uma
externalização de como se sente em relação a algo (o que, segundo a obra em estudo, não
é propriamente habitual).
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5. A obra e a Criminologia
Esta obra de Cesare Lombroso é usualmente apontada como a obra fundadora da
Criminologia, trouxe reflexões muito importantes sobre o criminoso e foi com ela que
surgiu o período científico. A criminologia divide-se em dois grandes períodos: o período
pré-científico, desde a antiguidade, de onde resultam preocupações com o fenómeno
criminal e o período científico que surgiu com a obra de Cesare Lombroso, “O homem
delinquente” em 1876. O livro em análise, teve impacto significativo na época,
revolucionou o Direito Penal e a Medicina Legal e lançou as bases da criminologia e da
chamada antropologia criminal de forma sólida. É importante salientar que esta obra foi
escrita numa época de poucos recursos da medicina, como por exemplo, a ausência de
exames de DNA. Ainda hoje se considera uma grande obra e ajuda a perceber a história
da criminologia como ciência interdisciplinar.
Sendo a Criminologia multidisciplinar, vai procurar saberes de outras áreas, como
a Sociologia, a Psicologia, o Direito e a Psiquiatria. Segundo Agra e Faria, 2012, “Desde
a edição original de “O homem delinquente” de Lombroso em 1876, que campo de saber
criminológico tem sido questionado acerca das suas fronteiras (autonomia), conteúdo
(identidade), forma de atuação (método) e relação com o campo de decisões (aplicação)”.
No que concerne à Criminologia, o autor foca-se nas caraterísticas de um
indivíduo criminoso e ficamos assim a saber como este era caraterizado por Lombroso.
Para isso, Lombroso recorre a uma ciência positivista e empirista, centrada na observação
minuciosa que caracteriza a investigação atual em geral
6. Críticas à Obra
Considero que foi uma obra importante e marcante naquela época, no entanto, não
me identifico com a mesma, nem com a teoria de Lombroso.
Por esse motivo, não podemos deixar de fazer algumas críticas à sua teoria assim
como à sua obra. Considero que os seus estudos tiveram algumas limitações, como o fato
de não haver um grupo de controle, o universo de avaliação de pessoas ser muito limitado,
não existir diversidade no estudo.
No meu ponto de vista, a maior crítica é o fato do autor não considerar que o
delinquente fosse somente uma vítima das circunstâncias socias e educacionais nas quais
nascera e vivera, sofrendo de uma tendência atávica, ou seja, uma propensão hereditária
para o mal. Assim, o delinquente, segundo o autor, é doente e a delinquência é a sua
8
doença, e não deveria ser responsabilizado pelas suas ações, mesmo que estas fossem
qualificadas como ilícitas. Este ponto de vista é muito fechado, uma vez que, existem
outros fatores mais relevantes para a delinquência, como as experiências e o ambiente
vivenciado durante a infância. O ser humano é, portanto, fruto do meio em que vive e se
desenvolve.
Os traços característicos de delinquência, denominados de “estigmas” por
Lombroso não possibilitam a adequada identificação do indivíduo delinquente, uma vez
que os traços que o mesmo entendia ser de delinquência podem ser encontrados em um
ser humano normal, comum, sem que isso o torne um possível criminoso. Da mesma
forma pode ocorrer o oposto, analisando um real criminoso poderemos não encontrar no
mesmo os traços (estigmas) apontados por Lombroso e não é por isso que não vai deixar
de ser considerado criminoso. Não existe, pois, o "tipo criminoso", de caráter
antropológico, diferente de qualquer outro indivíduo não-delinquente, dotado de
determinadas características de identidade que o revelem.
Atualmente a criminologia não adota a teoria do delinquente nato, no entanto
reconhece-se a possibilidade de um indivíduo nascer com predisposição para violência,
ou seja, com uma tendência criminosa.
9
Conclusão
Lombroso demonstra um profundo interesse no delinquente e na mente criminosa,
desde a sua primeira interação com doentes mentais nos manicómios e alas psiquiátricas
de diferentes hospitais italianos. Como já foi referido, desde o início da sua carreira
profissional procurava traçar uma relação entre a demência e a delinquência, sendo a sua
experiência empírica que veio a permitir desenvolver ambas as temáticas e elaborar uma
teoria relacional entre ambas.
Nesta obra, o autor demonstra-nos que há um racional por detrás do uso da
tatuagem, por parte do delinquente, adotando a perspetiva do criminoso enquanto
indivíduo sem livre-arbítrio, que nasce e vive com permanentes defeitos ou malformações
físicas e psicológicas, tão recorrentemente associada à perspetiva positiva do crime
De acordo com a teoria de Lombroso, o delinquente estaria mais propício a
realizar o crime, não só pelas suas características físicas que lembram mais os primatas
que os seres humanos ou pelo estado da sua psique, mas também pelo seu gosto por tudo
o que é atávico, nomeadamente a vontade de desobediência a normas socialmente aceites,
a inscrição na pele, por vezes prévia à detenção, e o seu desprezo pela dor física. Todas
as caraterísticas anteriores, são consideradas, pela criminologia positiva, como ligadas ao
delinquente, assim nasceu e assim partirá. O principal motivo para ser delinquente é o
atavismo, e como referido anteriormente, este traduz-se, entre outros, sob a forma de
tatuagem, perpetuada no corpo desse indivíduo.
Se a Criminologia é uma área interdisciplinar que estuda o crime, este estudo foi
fundamental para a mesma, já que aborda teorias criminológicas, estuda e reflete sobre o
criminoso. Note-se, então, que este livro é portador de relevância tanto para a época em
que foi escrito, como também para a história e para a análise do crime, pois trouxe novos
contributos, novos conhecimentos e novas teorias da antropologia criminal e das
caraterísticas do ser criminoso.
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