Somatórios e Produtórios Segunda versão R. Bertolucci Conteúdo Capítulo 1 – Generalidades 1. Motivação 2. Rudimentos de Teoria dos Conjuntos (Funções e Conjuntos Numéricos) 3. O Conjunto dos Números Naturais (Primeiros Exemplos de Somatórios e Produtórios) 4. Indução Matemática (Indução “Fraca”, “Forte” e o Princípio da Boa Ordem) 5. Números Reais e Complexos Capítulo 2 – Sequências Numéricas (ℕ → ℝ e ℕ → ℂ) 1. Definição e Exemplos Básicos 2. Progressões Aritméticas 3. Progressões Geométricas e Harmônicas 4. Progressões Mistas (Aritmético – Geométricas e Geométrico – Aritméticas) 5. Floreios Sobre Conjuntos Finitos, Infinitos e Enumeráveis* 6. Noção Intuitiva de Limite de Sequências Capítulo 3 – Somatórios 1. Introdução, Notação (∑) e Definição Provisória 2. Definição Formal 3. Propriedades Gerais 4. Sequências Telescópicas 5. A Propriedade Telescópica e Frações Parciais 6. Somatórios de Números Complexos 7. Somatórios Generalizados (Duplos, Triplos e etc) 8. Noção Intuitiva de Séries Matemáticas Capítulo 4 – Produtórios 1. Introdução, Notação (∏) e Definição Provisória 2. Definição Formal 3. A Função Logarítmica Real 4. Propriedades Gerais 5. A Propriedade Telescópica 6. Produtórios de Números Complexos 7. Produtórios Generalizados e Apêndice Algébrico (Grupos) 8. Composição de Operadores (Somatórios de Produtórios e vice-versa) Capítulo 5 – Tópicos Adicionais 1. Limites de Sequências (𝜀 – 𝑁) 2. Introdução às Séries Matemáticas 3. Espaços Métricos* (Definição e Exemplos Rudimentares) 4. Sequências Básicas em Espaços Métricos* 5. Polinômios* (Definição Básica, Anéis Simples de Polinômios, Teorema de Newton e Polinômios Simétricos) 5. Cálculo Diferencial e Aplicações (Derivada de Somatórios, Séries de Funções) 6. A Integral de Riemann – Darboux (A Integral como o Limite de uma Soma e vice-versa) Dicas e Exercícios Resolvidos Referências Bibliográficas Capítulo 1 – Generalidades 1.1. Motivação A noção primordial por trás dos conceitos que aqui serão tratados é a de compactação, ou seja, algo que está relacionado com a necessidade da simplificação. A simplificação é um dos guias da matemática, e o matemático é, grosso modo, alguém que busca “facilitar” ao máximo uma ideia, um problema, etc, para que, no final, quaisquer ambiguidades fiquem de fora (a palavra “facilitar”, aqui, relaciona-se com a ideia de clareza, isso é, de “jogar limpo”, de ser exato, não abrindo margem a quaisquer outras interpretações que possam parecer confusas e, portanto, não deve ser interpretada no sentido de tornar uma teoria matemática “fácil”). À luz disso, os conceitos de somatório e produtório, embora grandemente relacionados com a ideia da compactação mencionada acima, e também com a de economia na notação matemática, trouxeram notável elegância à matemática moderna, marcando presença nas mais robustas vertentes dessa, como a Análise e a Álgebra Abstrata. Por exemplo, é de grande interesse da Análise Matemática e de áreas correlatas o estudo das Séries, criaturas um tanto quanto exóticas que generalizam a noção de soma para quantidades infinitas. Imagine, por exemplo, que você, leitor, se depare com a seguinte monstruosidade no decorrer da resolução de algum problema: 𝑆 = 1 − 1⁄2 + 1⁄3 − 1⁄4 + ⋯ Tal monstruosidade é um exemplo notável de série matemática, onde as reticências têm o papel de informar a tortuosa caminhada para o infinito, e faz parte de um subconjunto dessas, o das séries alternadas (ótimas referências são [1] e [4]) Agora, supondo que você desconfie que é inútil tentar manipular 𝑆 no sentido convencional, isso é, de ir “somando parcela por parcela” e, para complicar, não tenha a mínima ideia de onde 𝑆 vai acabar “caindo” (i.e., o limite de 𝑆1), é de extrema urgência que consigamos fazer 𝑆 não “ocupar espaço”, ou seja, fazer com que 𝑆 não atrapalhe e fique quieta. Em suma, compactar 𝑆. É exatamente essa a ideia chave por trás do operador de somatório (∑) e, da mesma forma, do operador de produtório (∏) considerando, de maneira análoga, o produto 𝑃 = (2⁄1) ⋅ (2⁄3) ⋅ (4⁄3) ⋅ (4⁄5) ⋅ … . 𝑛+1 Conforme veremos, 𝑆 e 𝑃 podem ser escritos, respectivamente, como 𝑆 = ∑∞ /𝑛 𝑛 = 1(− 1) 4𝑛 2 e 𝑃 = ∏∞ 𝑛 = 1 (4𝑛 2 − 1). Perceba o quão mais elegantes 𝑃 e 𝑆 ficaram, além de, é claro, terem deixado de ocupar todas as páginas desse documento, visto que ambos estendem-se ao infinito. Por fim, como curiosidade, vale mencionar que tanto 𝑆 quanto 𝑃 possuem um valor bem definido, isso é, a tais criaturas podemos atribuir um limite: são convergentes! 𝑛+1 A série ∑∞ /𝑛, um exemplo de série harmônica alternada, converge para o logaritmo natural de 2 𝑛 = 1(− 1) 4𝑛 2 (ln(2), ao passo que o produto ∏∞ 𝑛 = 1 (4𝑛 2 − 1) converge para o estranho número 2/𝜋. 𝑛+1 Dito isso, podemos escrever ∑∞ /𝑛 = 𝐥𝐧(𝟐) e ∏∞ 𝑛 = 1(− 1) 𝑛=1( 4𝑛 2 4𝑛 2 − 1 ) = 𝟐/𝝅 (produto de Wallis, matemático inglês que muito contribuiu, com trabalhos na Álgebra, no “recém-chegado” Cálculo e etc. Viveu na mesma época que grandes nomes como Newton, Mersenne, Gassendi, Barrow e Déscartes). Encerro a seção dizendo que as noções aritméticas de soma e produto são a essência do presente texto, visto que, conforme dito anteriormente, os operadores de somatório e produtório buscam fornecer meios econômicos e elegantes para sintetizar operações muito grandes; infinitas, em certos casos. Porém, como também mencionado, o objetivo da obra é apresentar ao leitor um parâmetro geral do emprego de tais operadores, não os tratando apenas como meras notações. Conforme veremos, as sequências desempenharão crucial papel no desenvolvimento (afinal, tanto o somatório quanto o produtório são exemplos de sequências!), e a teoria detalhada acerca dessas começará no próximo capítulo e não irá se encerrar tão cedo... seus desdobramentos perdurarão até a última página! Logo, peço ao leitor que dê uma atenção especial às tais sequências, mesmo que esse já saiba do que se trata. 1 Noções básicas acerca dos limites de sequências e funções, bem como uma pequena introdução às séries, serão abordadas nos capítulos 2 e 4. No capítulo 2, a teoria básica acerca das sequências definidas no conjunto dos números naturais com imagem nos reais, bem como nos complexos, será iniciada, com enfoque especial nas progressões e a motivação por trás do conceito de convergência. No capítulo 5, de tópicos especiais, será apresentada a noção de limites de sequências nos conformes da Análise Real, bem como uma brevíssima introdução às sequências definidas nos espaços conhecidos como Espaços Métricos, caso o leitor se interesse. 1.2. Rudimentos de Teoria dos Conjuntos (Funções e Conjuntos Numéricos) I. Definições Primitivas A definição de conjunto do ponto de vista da matemática é, na superfície, extremamente simples. Ora, um conjunto de “coisas” é nada mais do que uma coleção dessas “coisas” como, por exemplo, {São Paulo, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Carlos} é o conjunto de algumas cidades do estado de São Paulo, e {√2, √3, 𝑒, 𝜋} é o conjunto de alguns dos mais famosos números irracionais. Porém, nem tudo são flores, uma vez que a Teoria Axiomática de Conjuntos (ZFC) está entre as mais elaboradas da matemática e, por razões óbvias, não será abordada no presente texto (o leitor curioso pode consultar, por exemplo, [2] e [6]). Um conjunto pode ser expresso em termos de uma propriedade característica intrínseca a todos os elementos que o compõem. Por exemplo, {São Paulo, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Carlos} = {𝑥: 𝑥 é uma cidade do estado de SP}. Da mesma forma, {√2, √3, 𝑒, 𝜋} = {𝑦: 𝑦 é um número irracional famoso} e {2, 4, 6} = {𝑧: 𝑧 é par e menor do que 8}. Com isso, definimos o conjunto 𝑋, que goza da propriedade 𝑝(𝑥 ), para todo 𝑥 em X, como X ∶= {𝑥: 𝑝(𝑥)}. Aqui, postulamos a existência de um estranho porém necessário conjunto: o vazio, ∅. Tal conjunto não possui elemento nenhum, como o leitor já deve saber. Em função disso, para caracterizarmos ∅, basta atribuirmos uma propriedade contraditória como, por exemplo, ∅ = {𝑥: 𝑥 ≠ 𝑥}. Com isso, ∅ = {𝑥: 2 = 1} = {𝑦: ∃ 𝑦/0} = {𝑧: 𝑧² = 0 ∧ 𝑧 ≠ 0} (∧ = “e”, conjunção). Definimos a relação de pertinência de um elemento 𝑥 em relação a um conjunto X, isso é, a ideia de que 𝑥 é elemento de X, como: 𝒙 é elemento de X ∶= 𝑥 ∈ 𝑋. Disso, também definimos a ideia contrária, de que 𝑦 não é elemento de X: 𝒚 não é elemento de X ∶= 𝑦 ∉ X. Perceba que 𝑥 ∈ X ⟹ 𝑥 satisfaz 𝑝(𝑥) e 𝑦 ∉ X ⟹ 𝑦 não satisfaz 𝑝(𝑥). Assim, 1 ∈ ℕ e √2 ∉ ℚ. De maneira análoga, definimos a relação de “estar contido em”, ou de “ser subconjunto de”, doravante denominada de relação de inclusão, de um conjunto X em relação ao conjunto Y como: X é subconjunto de Y ∶= X ⊂ Y. Dessa, se 𝑥 ∈ X e X ⊂ Y, então 𝑥 ∈ Y (todo 𝑥 ∈ X “é” 𝑦 ∈ Y). Se X ⊂ Y e X = Y, denotamos esse fato por X ⊆ Y. Caso contrário, dizemos que X é subconjunto próprio de Y. Postulamos que ∅ ⊆ X, ∀ X. Com relação a relação de inclusão, ⊂, temos que essa é reflexiva, pois, ∀ 𝐴, 𝐴 ⊆ 𝐴, transitiva, pois, dados 𝐴 e 𝐵, 𝐴 ⊆ 𝐵 e 𝐵 ⊆ 𝐶 ⟹ 𝐴 ⊆ 𝐶, e anti-simétrica, pois, 𝐴 ⊆ 𝐵 e 𝐵 ⊆ 𝐴 ⟹ 𝐴 = 𝐵, que também é conhecido como o Axioma da Extensão, nos axiomas ZFC. Com isso, é válido que: (I) X ⊆ X. (II) X ⊆ Y ∧ 𝑥 ∈ X ⟹ 𝑥 ∈ Y. (III) X = X. (IV) X = Y ⟹ Y = X. (V) (X = Y ∧ Y = Z) ⟹ X = Z. (VI) (X = Y ∧ X ⊂ Z) ⟹ (Y ⊂ Z). Demonstração: Exercício. Uma importante consequência da relação de inclusão é a noção de um Conjunto das Partes, ℙ(𝐴) (ou 2𝐴 ) de um dado conjunto 𝐴, que é formado por todos os subconjuntos de 𝐴 (para mais profundidade, veja [6]). Assim, temos a definição: ℙ(𝐴) (conjunto das partes de 𝐴) = {𝑋: 𝑋 ⊆ 𝐴}. Se 𝐴 = {0, 1, 3}, temos ℙ(𝐴) = {∅, {0}, {1}, {3}, {0, 1}, {0, 3}, {1, 3}, {0, 1, 3}} e, se 𝐵 = {1, 3, 5, 7}, temos ℙ (𝐵 ) = {∅, {1}, {3}, {5}, {7}, {1, 3}, {1, 5}, {1, 7}, {3, 5}, {3, 7}, {5, 7}, {1, 3, 5}, {1, 3, 7}, {1, 5, 7}, {3, 5, 7}, {1, 3, 5, 7}}. II. Operações Elementares Fixe o conjunto U tal que 𝐴, 𝐵 ⊂ U. A esse conjunto é atribuído o nome de Universo. Dados dois conjuntos 𝐴 e 𝐵, definimos a união de 𝐴 e 𝐵 como o conjunto 𝐴 ∪ 𝐵 de todos os 𝑎 ∈ 𝐴, mais (ou*) o conjunto de todos os 𝑏 ∈ 𝐵: 𝐴 ∪ 𝐵 ∶= {𝑥: 𝑥 ∈ 𝐴 ∨ 𝑥 ∈ 𝐵} (∨ = “ou”, disjunção). * A palavra mais foi proposital, pois há uma certa semelhança entre a operação de união entre conjuntos e a adição aritmética convencional (+). Qual? Veja [2]. Se 𝐴 = {1, 2} e 𝐵 = {3, 𝜋 2 }, então 𝐴 ∪ 𝐵 = {1, 2, 3, 𝜋 2 }. Se 𝐴 = {𝑎: 𝑝(𝑎)} e 𝐵 = {𝑏: 𝑞(𝑏)}, então 𝐴 ∪ 𝐵 = {𝑥: (𝑥 ⟹ 𝑝(𝑥 )) ∨ (𝑥 ⟹ 𝑞(𝑥 ))}. Por exemplo, colocando 𝐴 = {𝑎: 𝑎 é inteiro positivo, par e menor do que 8} e 𝐵 = {𝑏: 𝑏 é inteiro positivo, ímpar e menor do que 5}, então 𝐴 ∪ 𝐵 = {𝑥: (𝑥 é inteiro positivo, par e menor do que 8) ou (𝑥 é inteiro positivo, ímpar e menor do que 5} = {1, 2, 3, 4, 6}. Sejam 𝑉 = {𝑎, 𝑒, 𝑖, 𝑜, 𝑢} e 𝐶 = {𝑏, 𝑐, 𝑑, 𝑓, 𝑔, ℎ, 𝑗, 𝑘, 𝑙, 𝑚, 𝑛, 𝑝, 𝑞, 𝑟, 𝑠, 𝑡, 𝑢, 𝑣, 𝑥, 𝑦, 𝑧} os respectivos conjuntos das vogais e consoantes do alfabeto. Logo, 𝑉 ∪ 𝐶 = Alfabeto. Teorema 𝟏. 𝟏: Sejam X e Y conjuntos. Então, X ∪ Y ⊇ X e X ∪ Y ⊇ X. Demonstração: Suponha 𝑥 ∈ X ∪ Y. Então, 𝑥 ∈ X ∨ x ∈ Y, o que dá 𝑥 ∈ X ∪ Y e X ⊆ X ∪ Y ⟹ X ⊇ X ∪ Y. ∎ Faça o mesmo para Y. Teorema 𝟏. 𝟐: X ∪ ∅ ≡ X. Demonstração: Tome 𝑥 ∈ X ∪ ∅, que dá 𝑥 ∈ X ∨ 𝑥 ∈ ∅. Dessa última, ficamos apenas com 𝑥 ∈ X, uma vez que a disjunção é verdadeira bastando que uma sentença também o seja, já que 𝑥 ∈ ∅ é falsa. ∎ São válidas as propriedades para a união entre conjuntos (demonstre): (I) 𝐴 ∪ ∅ = 𝐴 (identidade). (II) 𝐴 ∪ 𝑈 = 𝑈 (dominância). (III) 𝐴 ∪ 𝐴 = 𝐴 (idempotência). (IV) 𝐴 ∪ 𝐵 = 𝐵 ∪ 𝐴 (comutatividade). (V) (𝐴 ∪ 𝐵) ∪ 𝐶 = 𝐴 ∪ (𝐵 ∪ 𝐶) (associatividade). Definimos a intersecção de 𝐴 e 𝐵, como o conjunto 𝐴 ∩ 𝐵 dos elementos que estão simultaneamente em 𝐴 e 𝐵: 𝐴 ∩ 𝐵 = {𝑥: 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ 𝑥 ∈ 𝐵}. Por exemplo, dados 𝐴 = {4, 5, 6} e 𝐵 = {1, 3, 4}, então 𝐴 ∩ 𝐵 = {4} e, se 𝐶 = {𝑎, 𝑏, 𝑐} e 𝐷 = {𝑑, 𝑒, 𝑓}, então 𝐶 ∩ 𝐷 = ∅. Corolário 𝟏. 𝟏: 𝑨 ∩ 𝑩 = 𝑨 ⟹ 𝑨 = 𝑩. Com isso, listamos as propriedades da intersecção entre conjuntos, todas de fácil demonstração: (I) 𝐴 ∩ 𝑈 = 𝐴 (identidade). (II) 𝐴 ∩ 𝐴 = 𝐴 (idempotência). (III) 𝐴 ∩ ∅ = ∅ (dominância). (IV) 𝐴 ∩ 𝐵 = 𝐵 ∩ 𝐴 (comutatividade). (V) 𝐴 ∩ (𝐵 ∩ 𝐶 ) = (𝐴 ∩ 𝐵) ∩ 𝐶 (associatividade). Podemos generalizar as noções de união e intersecção em termos de um operador, ou indexador (os somatórios e produtórios que posteriormente darão as caras no texto também são exemplos de indexadores). Consideremos o conjunto 𝐼𝑛 = {𝑖: 𝑖 ≤ 𝑛} ⊂ ℕ, isso é, 𝐼𝑛 = {1, 2, 3, ..., 𝑛}, e os conjuntos 𝐴1 , 𝐴2 , 𝐴3 , ..., 𝐴𝑛 . A união generalizada dos conjuntos 𝐴𝑖 será, então, dada por 𝐴1 ∪ 𝐴2 ∪ 𝐴3 … ∪ 𝐴𝑛 = ⋃ 𝐴𝑖 . 𝑖 ∈ 𝐼𝑛 Da mesma forma, a intersecção generalizada dos 𝐴𝑖 será 𝐴1 ∩ 𝐴2 ∩ 𝐴3 … ∩ 𝐴𝑛 = ⋃ 𝐴𝑖 . 𝑖 ∈ 𝐼𝑛 A menção 𝑖 ∈ 𝐼 significa que os índices dos 𝐴𝑖 percorrem desde o menor elemento de 𝐼𝑛 , 1, até o maior, 𝑛. Esse tipo de notação ganha o nome de família indexada, que pode ser formalizada em termos de uma função 𝜑, denominada função indicadora (o conceito de função será abordado nas próximas páginas): Sejam 𝐼𝑛 e 𝐴 conjuntos, sendo esse último composto pelos conjuntos 𝐴1 , 𝐴2 , 𝐴3 , ..., 𝐴𝑛 (isso é, 𝐴 = ⋃𝑖 ∈ 𝐼𝑛 𝐴𝑖 ). 𝐼 ⟶𝐴 A função 𝜑: { 𝑛 , que associa, a cada 𝑖 ∈ 𝐼𝑛 , um conjunto 𝜑(𝑖 ) = 𝐴𝑖 ⊂ 𝐴, é a função indicadora do 𝑖 ⟼ 𝐴𝑖 conjunto 𝐴 em relação a 𝐼. Sendo X e Y subconjuntos do Universo U, é natural definir a operação conhecida como complementação. O complementar do conjunto X em relação ao Universo U é o conjunto dos elementos de U que não estão em X, i.e, {𝑢 ∈ U: 𝑢 ∉ X} ≕ X c . Ainda, o complementar de X em relação a U também pode ser denotado por U ∖ X, ou X′, ante menção do Universo. Dito isso, é claro que, se 𝑥 ∈ X c, então 𝑥 ∉ X e, por contraposição, se 𝑥 ∉ X c, então 𝑥 ∈ X. As seguintes propriedades da complementação são válidas, sendo X ⊂ U: (I) (X c )c = X. (II) X ∩ X c = ∅. (III) X ∪ X c = U. Demonstração: (I) 𝑥 ∈ (X c )c ⟹ 𝑥 ∉ X c ⟹ 𝒙 ∈ 𝐗 ∴ (𝐗 𝐜 )𝐜 = 𝐗. (II) 𝑥 ∈ X ∩ X c ⟹ 𝑥 ∈ X ∧ 𝑥 ∈ X c ⟹ 𝑥 ∈ X ∧ 𝑥 ∉ X (absurdo) ∴ 𝐗 ∩ 𝐗 𝐜 = ∅. (III) 𝑥 ∈ X ∪ X c ⟹ 𝑥 ∈ X ∨ 𝑥 ∈ X c ⟹ 𝑥 ∈ X ∨ 𝑥 ∉ X ⟹ 𝒙 ∈ 𝐔 ∴ 𝐗 ∪ 𝐗 𝐜 = 𝐔. Teorema 𝟏. 𝟑 (Leis de De Morgan): Se X, Y ⊂ U, então (I) (X ∪ Y)c = X c ∩ Y c; (II) (X ∩ Y)c = X c ∪ Y c . Demonstração: (I) Seja 𝑥 ∈ (X ∪ Y)c. Então: 𝑥 ∈ (X ∪ Y)c ⟹ 𝑥 ∉ X ∪ Y ⟹ 𝑥 ∉ X ∧ 𝑥 ∉ Y ⟹ 𝑥 ∈ X c ∧ 𝑥 ∈ Y c ⟹ 𝑥 ∈ X c ∩ Y c ⟹ (X ∪ Y )c ⊆ X c ∩ Y c . Ainda, considerando 𝑥 ∈ X c ∩ Y c: 𝑥 ∈ X c ∩ Y c ⟹ 𝑥 ∈ X c ∧ 𝑥 ∈ Y c ⟹ 𝑥 ∉ X ∧ 𝑥 ∉ Y ⟹ 𝑥 ∉ X ∪ Y ⟹ 𝑥 ∈ (X ∪ Y )c ⟹ X c ∩ Y c ⊆ (X ∪ Y )c . Dessas, conclui-se, pela antissimetria da relação de inclusão, que (X ∪ Y)c = X c ∩ Y c . ∎ (II) Por ser totalmente análoga à (I), será deixada como exercício. Corolário 𝟏. 𝟐 (Leis de De Morgan Generalizadas): Seja 𝐼 um conjunto finito de índices inteiros e positivos qualquer, e {𝐴𝑖 }𝑖 ∈ 𝐼 uma família de conjuntos indexados por 𝐼. Então, é válido que (I)(⋃𝑖 𝐴𝑖 )c = ⋂𝑖 Aci ; (II)(⋂𝑖 𝐴𝑖 )c = ⋃𝑖 Aci . As demonstrações das leis de De Morgan generalizadas serão feitas no item seguinte do capítulo, utilizando a ferramenta da indução matemática. Augustus De Morgan (1806 – 1871) foi um matemático e logicista britânico, que muito contribuiu para a Teoria dos Conjuntos e Lógica matemática, juntamente com George Boole (1815 – 1864). Por ora, nos restringiremos ao fato de que o número de elementos de um dado conjunto X, 𝜂(X), é um número inteiro estritamente positivo e finito. Isso é, 𝜂(X) < ∞ e 𝜂 (X) é elemento do conjunto {1, 2, ..., 𝑛}. Por exemplo, 𝜂 (𝐴) = 3, sendo 𝐴 = {0, 1, 3}, 𝜂 (𝐵) = 4, sendo 𝐵 = {1, 3, 5, 7} e 𝜂(∅) = 0. Como o leitor atento pôde notar, 𝜂(ℙ(𝐴)) = 23 = 8 (isso é, 𝐴 admite 8 subconjuntos) no exemplo acima e, caso um conjunto tenha 𝑛 elementos, 𝑛 < ∞ e inteiro positivo, como é o caso de {1, 2, ..., 𝑛}, seu número de subconjuntos será 2𝑛 (daí a notação 2𝐴 ). Demonstraremos esse fato em breve, na seção 4 desse capítulo. O conceito de número de elementos também pode ser abordado em termos das funções, que, de fato, logo darão as caras (perceba sua importância!) Sejam 𝐴 = ⋃𝑖 ∈ 𝐼𝑛 𝐴𝑖 , 𝐼𝑛 = {1, 2, 3, ..., 𝑛} e 𝐼𝑚 = {1, 2, 3, ..., 𝑚} ⊆ 𝐼𝑛 , 𝑚 ≤ 𝑛, e suponha que os 𝐴𝑖 “cobrem2” totalmente 𝐴, isso é, que a união desses não deixa “espaços em branco”, e também que os 𝐴𝑖 são disjuntos dois a dois, isso é, se 𝑖1 ≠ 𝑖2 , então 𝐴𝑖1 ∩ 𝐴𝑖2 = ∅, como na malha retangular abaixo (os 𝐴𝑖 são denominados partições de 𝐴). Figura 1: Os conjuntos 𝐴𝑖 e 𝐴𝑗 são disjuntos, e toda a união dos retângulos nos dá o conjunto 𝐴, que será toda a malha retangular. 𝐴 ⟶ 𝐼𝑚 Consideremos a função 𝜂: { ⟹ 𝑚 = 𝜂 (𝐴 𝑖 ). 𝐴𝑖 ⟼ 𝑚 ≤ 𝑛 Essa função nos dá o número de elementos do conjunto 𝐴𝑖 , e nos informa que 𝐴𝑖 é um conjunto finito. Ora, como 𝐴 = ⋃𝑖 ∈ 𝐼 𝐴𝑖 , o que se pode afirmar sobre o número de elementos de 𝐴 (𝜂(𝐴))? Será verdade que 𝜂(𝐴) = 𝜂 (𝐴1 ) + 𝜂 (𝐴2 ) + 𝜂 (𝐴3 ) + ⋯ + 𝜂(𝐴𝑛 )? A resposta, infelizmente, é: depende. Caso os 𝐴𝑖 cubram 𝐴, isso é, caso a intersecção seja vazia a cada dois conjuntos, então é verdade! Porém, quando isso não acontecer, temos, no caso mais simples, de apenas dois conjuntos, pela representação de Venn, a situação da figura 2: Figura 2: Representação de Venn da intersecção dos conjuntos 𝐴 e 𝐵. Veja que é necessário nos preocuparmos com o número de elementos da intersecção, 𝜂 (𝐴 ∩ 𝐵). Dessa forma, observemos que 𝜂 (𝐴 ∪ 𝐵) + 𝜂(𝐴 ∩ 𝐵) = 𝜂 (𝐴) + 𝜂 (𝐵), visto que 𝐴 e 𝐵 têm elementos em comum, o que nos dá a conhecida identidade 𝜼(𝑨 ∪ 𝑩) = 𝜼(𝑨) + 𝜼(𝑩) − 𝜼(𝑨 ∩ 𝑩) (1). No caso de três conjuntos (figura 3), 𝐴, 𝐵 e 𝐶, pode-se demonstrar que 𝜂 (𝐴 ∪ 𝐵 ∪ 𝐶 ) = 𝜂 (𝐴) + 𝜂 (𝐵) + 𝜂 (𝐶 ) − 𝜂(𝐴 ∩ 𝐵) − 𝜂 (𝐴 ∩ 𝐶 ) − 𝜂 (𝐵 ∩ 𝐶 ) + 𝜼(𝑨 ∩ 𝑩 ∩ 𝑪) (2). Perceba que a fórmula (2) é consideravelmente pior que a (1), e o grau de “monstruosidade” cresce conforme aumentam-se os índices. O conceito de número de elementos ganha força junto ao de cardinalidade, que generaliza o primeiro para casos mais gerais. Logo mais, serão introduzidas brevemente as ideias de conjuntos finitos e infinitos, que serão abordadas com mais detalhes no item 5 do segundo capítulo. 2 Os conceitos de partição e cobertura são explorados com maiores detalhes na Teoria dos Conjuntos e na Topologia. Para maiores informações, consulte [12]. Figura 3: A região em destaque representa a intersecção entre os conjuntos 𝐴, 𝐵 e 𝐶. III. Funções O objeto (𝑎, 𝑏), onde 𝑎 e 𝑏 são denominados números, será chamado, sem maiores explicações, de par ordenado. No entanto, vale destacar que tal objeto não é, a priori, um conjunto, no sentido comum. A palavra “ordenado” explicita o fato de que a ordem dos números importa, isso é, são diferentes os pares (𝑎, 𝑏) e (𝑏, 𝑎), enquanto que os conjuntos {𝑎, 𝑏} e {𝑏, 𝑎} são os mesmos, visto que a ordem de disposição dos elementos, num conjunto, não importa. Com isso, temos a definição: (𝑎, 𝑏) = (𝑐, 𝑑) ⟺ 𝑎 = 𝑏 ∧ 𝑐 = 𝑑3. Definição 𝟏. 𝟏 (Kuratowski4): (𝑎, 𝑏) ∶= {{𝑎}, {𝑎, 𝑏}}. Sejam X e Y conjuntos. O conjunto X × Y = {(𝑥, 𝑦): 𝑥 ∈ X ∧ 𝑦 ∈ Y} é denominado produto cartesiano dos conjuntos X e Y. Observe que X × Y é um conjunto de pares ordenados. Por exemplo, considerando os conjuntos X = {1, 2, 𝑎} e Y = {3, 𝑏}, temos que X × Y = {(1, 3), (1, 𝑏), (2, 3), (2, 𝑏), (𝑎, 3), (𝑎, 𝑏)}. Assim como se pode generalizar a intersecção e união de conjuntos para casos mais gerais (aqui, faço menção aos casos nos quais temos 𝑛 ≥ 2 conjuntos), também pode-se generalizar a noção de produto cartesiano. Seja 𝐼𝑛 = {1, 2, 3, ..., 𝑛} um conjunto de índices e {𝐴𝑖 }𝑖 ∈ 𝐼𝑛 (ou {𝐴𝑖 }𝑛𝑖 = 1 ) uma família de conjuntos indexados por 𝐼. Então, o produto cartesiano dos conjuntos 𝐴𝑖 será denotado por ∏𝑖 𝐴𝑖 , ou ∏𝑛𝑖= 1 𝐴𝑖 (essa notação, conhecida como notação Pi, aparecerá incessantemente no texto, pois é utilizada para representar produtos em geral, seja no sentido convencional da palavra ou não), e representará o conjunto {(𝑎1 , 𝑎2 , 𝑎3 , ..., 𝑎𝑛 ): 𝑎𝑖 ∈ 𝐴𝑖 , ∀ 𝑖 ∈ 𝐼𝑛 }, isso é, o conjunto das ênuplas5 ordenadas tais que 𝑎𝑖 ∈ 𝐴𝑖 , para todo 𝑖 ∈ 𝐼𝑛 (i.e., 1 ≤ 𝑖 ≤ 𝑛). Por exemplo, dados os conjuntos 𝐴1 , 𝐴2 e 𝐴3 , temos que 𝐴1 × 𝐴2 × 𝐴3 = ∏3𝑖 = 1 𝐴𝑖 = {(𝑎1 , 𝑎2 , 𝑎3 ): 𝑎𝑖 ∈ 𝐴𝑖 ∧ 1 ≤ 𝑖 ≤ 3}. Dado o produto cartesiano ∏𝑛𝑖= 1 𝐴𝑖 , pode-se demonstrar que 𝜂 (∏𝑛𝑖= 1 𝐴𝑖 ) = 𝜂 (𝐴1 ) 𝜂(𝐴2 ) 𝜂 (𝐴3 ) ⋅ … ⋅ 𝜂 (𝐴𝑛 ) (o número de elementos do produto cartesiano é o produto do número de elementos). Uma relação binária 𝑅 entre os conjuntos X e Y é um subconjunto do produto cartesiano X × Y. Se um elemento 𝑥 ∈ X estiver relacionado com elemento 𝑦 ∈ Y pela relação 𝑅, então escreve-se 𝑥 𝑅 𝑦, o que quer dizer que (𝑥, 𝑦) ∈ 𝑅 ⊂ X × Y. Por exemplo, um exemplo de relação 𝑅 é o conjunto { ... , (1, 2), (2, 4), (3, 6), ..., (𝑘, 2𝑘), ... }, que é o conjunto dos pares ordenados (𝑥, 𝑦), com 𝑥 e 𝑦 sendo números inteiros tais que 𝑦 = 2𝑥, i.e, 𝑅 = {(𝑥, 𝑦): 𝑥 ∈ ℤ, 𝑦 ∈ ℤ e 𝑦 = 2𝑥}. O conjunto de todos os 𝑥 ∈ X que estão relacionados com algum 𝑦 pela relação 𝑅 é chamado de domínio de 𝑅, e é denotado por dom(𝑅) ou D(𝑅). O conjunto de todos os 𝑦 tais que 𝑦 ∈ Y é chamado de contra–domínio de 𝑅, e é denotado por Cd(𝑅). Por fim, o conjunto de todos os 𝑦 ∈ Y tais que, para algum 𝑥 ∈ X, 𝑥 𝑅 𝑦, é chamado de imagem de 𝑅 e é denotado por Im(𝑅). 3 Para uma demonstração desse fato utilizando a definição adotada, consulte o clássico Naive Set Theory, de Paul R. Halmos. Existem várias outras definições do objeto que veio a ser denotado par ordenado. Nesse texto, será adotada a definição do matemático polonês Kazimierz Kuratowski (1896 – 1980). 5 Por “ênupla”, deve-se enteder como a generalização de “par”. Por exemplo, tripla, no caso 𝑛 = 3, e quádrupla, no caso 𝑛 = 4. 4 Uma relação binária 𝑓 é denominada função de X em Y se, para todo 𝑥, 𝑦1 e 𝑦2 , 𝑥 ∈ X e 𝑦1 , 𝑦2 ∈ Y, 𝑥 𝑓 𝑦1 e 𝑥 𝑓 𝑦2 implicar necessariamente que 𝑦1 = 𝑦2 . Isso é, uma função é uma relação binária especial na qual exige-se que um elemento 𝑥 de X esteja relacionado com um, e apenas um, elemento 𝑦 de Y. Nessas condições, escrevemos 𝑓: X ⟶ Y para denotar uma função de um conjunto X (domínio) em Y (contra-domínio) e 𝑥 ⟼ 𝑦 = 𝑓 (𝑥 ) para mencionar o fato de que o elemento 𝑥 “chega” em 𝑦 por aplicação da lei de formação 𝑓 (outros sinônimos para o termo “função” são “mapa” e “operador”), ao invés da notação usual para relações 𝑥 𝑓 𝑦, por questões de comodidade e para reiterar que uma função é um tipo especial de relação. Em notação lógica, temos que a definição de função é: 𝑓: X ⟶ Y é função ⟺ ∀ 𝑥 ∈ X, ∃! 𝑦 ∈ Y t.q. 𝑦 = 𝑓(𝑥). Os conjuntos X e Y, como já dito, são os respectivos domínio e contra-domínio da função 𝑓. O conjunto 𝑓 (𝑋) = {𝑦 ∈ Y: ∃ 𝑥 ∈ X t.q. 𝑓 (𝑥 ) = 𝑦} ⊆ Y é a imagem da função 𝑓, e não necessariamente coincidirá com o contra-domínio (a menos que 𝑓 seja sobrejetiva, como veremos). Se 𝐴 ⊂ X, o conjunto 𝑓 (𝐴) = {𝑓 (𝑥 ): 𝑥 ∈ 𝐴} é denominado imagem de 𝑨 por 𝒇. Dito isso, é comum representar uma função como uma terna (X, Y, 𝑓)6, onde X é o domínio, Y o contradomínio, e 𝑓 a lei de formação que, aplicada aos elementos de X, os levará “transformados” para Y. Na notação de par ordenado 𝑓 = {(𝑥, 𝑦): 𝑥 ∈ X, 𝑦 ∈ Y e 𝑦 = 𝑓(𝑥)}. Para subconjuntos 𝐴, 𝐵 ⊆ X, é válido que: Teorema 𝟏.𝟒: (I) 𝑓(𝐴 ∪ 𝐵) = 𝑓(𝐴) ∪ 𝑓(𝐵). (II) 𝑓(𝐴 ∩ 𝐵) ⊆ 𝑓(𝐴) ∩ 𝑓 (𝐵). Demonstração: (I) Considerando 𝑦 ∈ 𝑓(𝐴 ∪ 𝐵), então existe 𝑥 ∈ 𝐴 ∪ 𝐵 tal que 𝑓(𝑥 ) = 𝑦. Dessa forma: 𝑥 ∈ 𝐴 ∪ 𝐵 ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∨ 𝑥 ∈ 𝐵 ⟹ 𝑓 (𝑥 ) ∈ 𝑓 (𝐴) ∨ 𝑓(𝑥) ∈ 𝑓 (𝐵) ⟹ 𝑓(𝑥 ) ∈ 𝑓 (𝐴) ∪ 𝑓 (𝐵) ⟹ 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐴 ) ∪ 𝑓 (𝐵 ) ⟹ 𝑓 (𝐴 ∪ 𝐵 ) ⊆ 𝑓 (𝐴 ) ∪ 𝑓 ( 𝐵 ). Da mesma forma, considerando 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐴) ∪ 𝑓 (𝐵), então 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐴) ∨ 𝑦 ∈ 𝑓(𝐵). Dessa última, segue que deve existir 𝑥 ∈ 𝐴 ∨ 𝑥 ∈ 𝐵 ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∪ 𝐵 tal que 𝑦 = 𝑓(𝑥 ). Assim: 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐴) ∨ 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐵) ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∪ 𝐵 ⟹ 𝑓 (𝑥) ∈ 𝑓(𝐴 ∪ 𝐵) ⟹ 𝑦 ∈ 𝑓(𝐴 ∪ 𝐵). Então, 𝑓(𝐴) ∪ 𝑓 (𝐵) ⊆ 𝑓(𝐴 ∪ 𝐵) e, portanto, 𝑓 (𝐴 ∪ 𝐵) = 𝑓(𝐴) ∪ 𝑓(𝐵). ∎ (II) Tome 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐴 ∩ 𝐵), de sorte que existe 𝑥 ∈ 𝐴 ∩ 𝐵 tal que 𝑓(𝑥 ) = 𝑦. Logo: 𝑥 ∈ 𝐴 ∩ 𝐵 ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∨ 𝑥 ∈ 𝐵 ⟹ 𝑓 (𝑥 ) ∈ 𝑓(𝐴) ∧ 𝑓(𝑥 ) ∈ 𝑓(𝐵) ⟹ 𝑓(𝑥 ) ∈ 𝑓(𝐴) ∩ 𝑓 (𝐵) ⟹ 𝑦 ∈ 𝑓 (𝐴 ) ∩ 𝑓 (𝐵 ) ⟹ 𝑓 (𝐴 ∩ 𝐵 ) ⊆ 𝑓 (𝐴 ) ∩ 𝑓 ( 𝐵 ). A demonstração acaba aqui, já que, para a recíproca ser válida, isso é, para que 𝑓(𝐴) ∩ 𝑓 (𝐵) ⊆ 𝑓 (𝐴 ∩ 𝐵), devemos assegurar que a função 𝑓 mapeia elementos distintos em imagens distintas, isso é, 𝑓 deve ser injetiva. Corolário 𝟏.𝟑: Seja 𝑓: X ⟶ Y uma função, 𝐼 um conjunto finito de índices inteiros e positivos qualquer, e {𝐴𝑖 }𝑖 ∈ 𝐼 uma família de conjuntos indexados por 𝐼, com 𝐴𝑖 ⊂ X, ∀ 𝑖. Então, é válido que (I) 𝑓(⋃𝑖 𝐴𝑖 ) = ⋃𝑖 𝑓 (𝐴𝑖 ). (II) 𝑓(⋂𝑖 𝐴𝑖 ) ⊆ ⋂𝑖 𝑓(𝐴𝑖 ). Uma função 𝑓 é dita injetiva quando elementos distintos são levados em imagens distintas. Isso é, dada a função 𝑓, definida num domínio X, então 𝑥1 ≠ 𝑥2 ⟹ 𝑓(𝑥1 ) ≠ 𝑓(𝑥2 ), ∀ {𝑥1, 𝑥2 } ⊆ X. Tal propriedade também é enunciada em sua contrapositiva: 𝑓(𝑥1 ) = 𝑓 (𝑥2 ) ⟹ 𝑥1 = 𝑥2 . Por exemplo, a função 𝑓 (𝑥 ) = 𝑥² definida em [0, + ∞) é injetiva, ao passo que a função 𝑔(𝑥 ) = cos(𝑥 ), definida na reta, não o é, visto que 𝜋 ≠ 3𝜋 e cos(𝜋) = cos(3𝜋). 1 (𝑥 ∈ 𝐴) A função característica de um conjunto 𝐴 ≠ ∅, 𝜇𝐴 : 𝐴 → {0, 1}, tal que 𝜇𝐴 (𝑥 ) ∶= { é injetiva? 0 (𝑥 ∉ 𝐴) 6 Esse tipo de notação é comum na matemática, e deve ser interpretada como uma “condição englobada”, um “resumo” das exigências para que exista a função 𝑓 da maneira que a definimos, isso é, necessitando de um conjunto de partida (domínio), de um conjunto de chegada (contradomínio), e de uma lei que, por abuso de notação, denotada por 𝑓, levará os elementos do domínio nos elementos do contra-domínio pela correspondência 𝑦 = 𝑓(𝑥). Os leitores mais curiosos podem consultar o capítulo 5, onde o par (𝑋, 𝑑) denotará um ente matemático denominado espaço métrico. Uma função é dita sobrejetiva quando seu contra-domínio coincide com a sua imagem. Isso é, se a função 𝑓: X ⟶ Y for sobrejetiva, então Cd(𝑓) = Im(𝑓) = 𝑓 (X). Em linguagem matemática, a função 𝑓: X ⟶ Y é sobrejetiva quando, ∀ 𝑦 ∈ Y, ∃ 𝑥 ∈ X t.q. 𝑓(𝑥 ) = 𝑦. A função 𝑓(𝑥 ) = 𝑥³, da reta na reta, é sobrejetiva pois, dado 𝑦 = 𝑥³, basta tomar 𝑥 = 3√𝑦 para que 3 𝑓(𝑥 ) = 𝑓( 3√𝑦 ) = ( 3√𝑦 ) = 𝑦. Por fim, uma função é dita bijetiva quando é injetiva e sobrejetiva. Um outro termo recorrente para designar uma função bijetiva é correspondência biunívoca e, quando a função em questão não necessariamente é definida em conjuntos numéricos (isso é, quando a função é definida em estruturas mais “abstratas”, como em espaços vetoriais, estruturas algébricas e afins), o termo bijeção também é empregado. As bijeções são de tamanha importância para a Matemática em geral que toda uma teoria é dedicada a elas, no estudo dos conjuntos enumeráveis e não enumeráveis, de interesse da Análise e, é claro, da Teoria dos Conjuntos, que será abordado de maneira ligeira no próximo capítulo. De posse da definição de bijeção, podemos definir com considerável acurácia o que pode ser caracterizado como um conjunto finito ou infinito, tópicos que retornarão no capítulo 2 desse texto, como já dito. Definição 𝟏.𝟐: Um conjunto X é dito finito quando existe uma bijeção 𝜑: 𝐼𝑛 ⟶ X. Embora o símbolo ℕ tenha sido introduzido de maneira “precoce”, visto que iremos abordá-lo na próxima seção do capítulo, é de se esperar que o leitor já tenha certa familiaridade com ℕ, o conhecido conjunto dos números naturais: ℕ = {0 (?), 1, 2, 3, ... }. Aqui, a interrogação foi colocada de propósito, visto que há muita confusão acerca do “primeiro” número natural, se esse é o 0 ou 1. Essa discussão é longa, e será levantada brevemente no capítulo seguinte (quantas promessas para esse capítulo...), pois a resposta é: depende. Pois bem, dado um conjunto X e a função bijetora 𝜑: 𝐼𝑛 ⟶ X, onde 𝐼𝑛 = {𝑖: 𝑖 ≤ 1} (aqui, considere 1 como o primeiro número natural) então pode-se tomar uma enumeração 7 𝜑(1) = 𝑥1 , 𝜑(2) = 𝑥2 , 𝜑(3) = 𝑥3 e assim por diante, até um certo 𝜑(𝑛) = 𝑥𝑛 , de sorte que os elementos de X ficam dispostos numa lista {𝑥1 , 𝑥2 , 𝑥3 , ..., 𝑥𝑛 }. Em outras palavras, pode-se dizer que, se existir uma bijeção de um conjunto de índices 𝐼𝑛 = {𝑖 }𝑛𝑖 = 1 num conjunto X, então X será finito e, em razão disso, será tal que 𝜂 (X) = 𝜂 (𝐼 ) = 𝑛, o que fica claro com a listagem {𝑥1 , 𝑥2 , 𝑥3 , ..., 𝑥𝑛 }. Um resultado intuitivo, mas de extrema importância, é o seguinte: Teorema 𝟏.𝟓: Qualquer subconjunto de um conjunto finito é finito. Demonstração: Seja 𝐴 um conjunto finito, de sorte que conseguimos estabelecer a correspondência biunívoca 𝜙: 𝐼𝑛 ⟶ 𝐴. Tomando 𝜙(1) = 𝑎1 , 𝜙(2) = 𝑎2 , 𝜙(3) = 𝑎3 e assim por diante, até 𝜙(𝑛) = 𝑎𝑛 , temos que 𝐴 = {𝑎𝑖 }𝑛𝑖 = 1 . Defina, em 𝐼𝑛 ∖ {𝑖 }, a função 𝜓𝑖 : 𝐼𝑛 ∖ {𝑖 } ⟶ 𝐴 ∖ {𝑎𝑖 } tal que 𝜓𝑖 (𝑥 ) = 7 Esse é exatamente o conceito por trás de um conjunto ser dito enumerável. A diferença é que um conjunto não precisa ser finito para ser enumerável, basta que exista uma bijeção entre o conjunto dos números naturais e esse, o que permite o conjunto ser infinito. É claro que todo conjunto finito é enumerável, mas a recíproca não necessariamente é válida.