Introdução às Curvas Algébricas Planas Vainsencher, Israel Introdução às Curvas Algébricas Planas / Israel Vainsencher. 1 ed. Rio de Janeiro : IMPA, 2014. 151 p. : il. ; 23 cm. (Coleção matemática universitária) Inclui bibliografia. e-ISBN 978-85-244-0385-9 1. Curvas algébricas. 2.Geometria algébrica. 3. Curvas Planas. I. Título. II. Série. CDD-512.33 COLEÇÃO MATEMÁTICA UNIVERSITÁRIA Introdução às Curvas Algébricas Planas Israel Vainsencher INSTITUTO NACIONAL DE MATEMÁTICA PURA E APLICADA Copyright 2014 by Israel Vainsencher Impresso no Brasil / Printed in Brazil Capa: Rodolfo Capeto, Noni Geiger e Sérgio R. Vaz. Coleção Matemática Universitária Comissão Editorial: Elon Lages Lima S. Collier Coutinho Paulo Sad Títulos Publicados: • Análise Real, vol. 1: Funções de uma Variável – Elon Lages Lima • EDP. Um Curso de Graduação – Valéria Iório • Curso de Álgebra, Volume 1 – Abramo Hefez • Álgebra Linear – Elon Lages Lima • Introdução às Curvas Algébricas Planas – Israel Vainsencher • Equações Diferenciais Aplicadas – Djairo G. de Figueiredo e Aloisio Freiria Neves • Geometria Diferencial – Paulo Ventura Araújo • Introdução à Teoria dos Números – José Plínio de Oliveira Santos • Cálculo em uma Variável Complexa – Marcio G. Soares • Geometria Analítica e Álgebra Linear – Elon Lages Lima • Números Primos: Mistérios e Recordes – Paulo Ribenboim • Análise no Espaço Rn – Elon Lages Lima • Análise Real, vol. 2: Funções de n Variáveis – Elon Lages Lima • Álgebra Exterior – Elon Lages Lima • Equações Diferenciais Ordinárias – Claus Ivo Doering e Artur Oscar Lopes • Análise Real, vol. 3: Análise Vetorial – Elon Lages Lima • Álgebra Linear. Exercícios e Soluções – Ralph Costa Teixeira • Números Primos. Velhos Mistérios e Novos Recordes – Paulo Ribenboim Distribuição: IMPA Estrada Dona Castorina, 110 22460-320 Rio de Janeiro, RJ e-mail: ddic@impa.br http://www.impa.br “tudofNew i i 2012/12/13 page 2 i i A Kátia M. E. L. Vainsencher i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 3 i i Prefácio ...“la première est toujours si astreinte à la considération des figures, qu’elle ne peut exercer l’entendement sans fatiguer beaucoup l’imagination; et on s’est tellement assujetti, en la dernière, à certaines règles et à certains chiffres, qu’on en a fait un art confus et obscur qui embarrase l’esprit au lieu d’une science qui le cultive.” Após enunciar este veredito1 , Descartes [10] propôs-se a tomar o melhor da Geometria e da Álgebra, corrigindo os defeitos de uma pelas virtudes da outra. Nascia a Geometria Analı́tica Clássica. Dela são sucedâneas a Geometria Diferencial e a Geometria Algébrica. Apesar da origem comum, é claro o desequilı́brio verificado nos currı́culos atuais quanto ao tratamento dispensado aos aspectos introdutórios dessas duas disciplinas. O estudante é devidamente apresentado ao triedro de Frenet, torção, curvatura..., mas se passa a distância do plano projetivo e curvas algébricas. Estas notas foram escritas com o objetivo de servir de texto a um curso de um semestre, como disciplina eletiva destinada a alunos do terceiro ou quarto ano do Bacharelado, ou ainda como disciplina de iniciação cientı́fica. O teorema de Bézout é o resultado central do curso. Para apresentá-lo com rigor, é necessário empreender uma jornada razoável. Nosso ponto de partida são as curvas planas usualmente estudadas na geometria elementar, tais como retas, cônicas, concóides, etc. . . . Passamos em seguida a uma revisão crı́tica do conceito de curva algébrica, formulando uma definição rigorosa, ainda que mais abstrata. No capı́tulo II, iniciamos o estudo da interseção de duas curvas. In1 ...“a primeira é sempre tão restrita à consideração de figuras, que não se chega ao entendimento sem muito fatigar a imaginação; já na última, está-se de tal forma subjugado a certas regras e a tantos sı́mbolos, que resulta uma arte confusa e obscura a embaraçar a mente, ao invés de uma ciência a cultivá-la.” i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 4 i i troduzimos a resultante de dois polinômios e concluı́mos com um caso particular do teorema dos zeros de Hilbert. Nos capı́tulos III e IV são exploradas as idéias básicas necessárias à demonstração do teorema de Bézout. Para que curvas de graus m e n se encontrem “sempre” em m · n pontos, é necessário explicar como alguns desses pontos devem ser contados mais de uma vez, quer seja por tangência quer pelo fato de uma das curvas “passar várias vezes” pelo ponto em questão; por fim, deve-se explicar como alguns outros podem estar no infinito... No capı́tulo V demonstramos o teorema de Bézout. No capı́tulo seguinte estudamos mais detalhadamente o ı́ndice de interseção de duas curvas. O capı́tulo VII constitui-se quase que numa revisão da matéria: aplicamos o teorema de Bézout ao cálculo do número de tangentes inflexionais de uma curva e o de tangentes que passam por um ponto. No capı́tulo VIII ocorre uma certa mudança no objeto de estudo. Até então estivéramos interessados em analisar propriedades de uma curva como subconjunto do plano; agora examinamos o seu caráter funcional, i.e., propriedades do corpo de funções racionais. O último tópico – cúbicas não singulares – tenta mostrar o sabor de coisa inacabada, mal disfarçando a esperança de que o leitor recorra à bibliografia indicada para explorar com mais profundidade o roteiro aqui iniciado. Para conveniência do leitor, incluı́mos nesta edição revisada um apêndice com noções básicas de álgebra que são utilizadas no texto, notadamente o lema de Gauss e a propriedade de fatoração única para polinômios a coeficientes num corpo. Por fim, confesso que esta edição jamais teria ocorrido sem o insistente encorajamento de Abramo Hefez e Dan Avritzer. Recife, 7 de março de 1996. Nota à re-edição. Exceto pela seção sobre curvas de Bézier e a inclusão de alguns poucos exercı́cios, limitei-me a ligeiras correções e revisão de pouca monta. Algumas figuras foram re-diagramadas e uma ou outra demonstração mais detalhada; as referências bibliográficas ganharam mais uns tı́tulos, e o apêndice algumas linhas sobre o fecho algébrico e propriedades do grau de transcendência. Agradeço a Éden S. C. Amorim a valiosa ajuda na revisão. Belo Horizonte, 13 de Dezembro de 2012 i i i i “tudofNe i i 2012/12/1 page 5 i i Conteúdo 1 Definições Preliminares e Exemplos 1 1 Um pouco de história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 Equação de uma curva algébrica . . . . . . . . . . . . . . 9 3 Mudança de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2 Interseções de Curvas Planas 1 Finitude da interseção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 A resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 O grau da resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 O teorema dos zeros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 19 22 26 30 3 Multiplicidades 1 Interseção de uma curva com uma reta . . . . . . . . . . . 2 Pontos múltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Diagrama de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 32 35 40 4 Pontos no infinito 1 O plano projetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Espaços projetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Curvas projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 Mudança de coordenadas projetivas . . . . . . . . . . . . 44 45 46 48 50 5 Interseção de Curvas 56 1 Interseção de reta e curva, agora projetivas. . . . . . . . . 56 2 O teorema de Bézout . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 6 Propriedades do Índice 69 1 As propriedades caracterı́sticas . . . . . . . . . . . . . . . 69 2 Séries de potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 5 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 6 i i 7 Fórmulas de Plücker 85 1 Curvas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 2 A hessiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 8 Curvas Racionais 94 1 Curvas racionais afins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 2 Funções regulares e funções racionais . . . . . . . . . . . . 97 3 O teorema de Lüroth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 4 Curvas racionais projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 5 O gênero virtual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 6 Aplicação ao cálculo integral . . . . . . . . . . . . . . . . 114 7 Curvas de Bézier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 9 Cúbicas não Singulares 118 1 Conexões inesperadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 2 Forma normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 3 Funções racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 4 Ciclos e equivalência racional . . . . . . . . . . . . . . . . 124 5 A estrutura de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 10 Apêndice 133 1 Anéis, ideais e homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . 133 2 Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 3 Domı́nios de fatoração única e lema de Gauss . . . . . . . 142 4 Extensões de corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 Bibliografia 149 Índice 152 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 1 i i 1 Definições Preliminares e Exemplos 1 Um pouco de história A manipulação de expressões do tipo x2 +y 2 = 1 é um fato relativamente recente na história da Matemática, podendo se situar em torno do século XVI. Mas os matemáticos gregos já sabiam efetuar cálculos elaborados, recorrendo a procedimentos geométricos. Por exemplo, para o cálculo do produto de duas quantidades a, b, poderı́amos proceder assim: ... . . . . ........ . . . . .... .... . . . . ... .... . . ... ab . . .. . ... . . . . . . . . . ... . . .. ... a . . . . ......................•...........................................•........ O 1 b figura 1.1 Neste exemplo, o segmento de comprimento a é traçado perpendicularmente à reta Ob. Esta construção requer somente o desenho de retas e cı́rculos. (Os cı́rculos foram empregados para se obter o ângulo reto). Com um pouco de imaginação, é possı́vel descrever métodos para i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 2 i i 2 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 a construção com régua e compasso de expressões do tipo q √ . a + ab a2 b, ou mais geralmente, para qualquer elemento do chamado corpo dos números construtı́veis. Veja a discussão em Gonçalves [15], p. 138 e seguintes. Além das retas e cı́rculos, os matemáticos da Antiguidade estudaram outras curvas, geralmente descritas como o lugar geométrico de pontos satisfazendo certas condições. Essas curvas especiais eram o recurso empregado na solução de vários problemas, para os quais todas as tentativas com régua e compasso malograram. Alguns desses têm uma história curiosa, em que lenda e fato se misturam. É o caso dos célebres problemas da duplicação do cubo, da trissecção do ângulo e da quadratura do cı́rculo. Consulte Boyer, [4], p. 48 ou Klein, [22]. Veja o exemplo 2.6 mais adiante bem como o exercı́cio (4, p. 7). Com a ulterior introdução do método das coordenadas, constatou-se que várias curvas conhecidas desde os primórdios da Geometria podiam ser descritas por equações polinomiais. 1. Definição. Uma curva algébrica plana é o lugar dos pontos cujas coordenadas cartesianas satisfazem uma equação do tipo f (X, Y ) = 0, onde f é um polinômio não constante. (Compare com a def. (5, p. 11)). 2. Exemplos. Eis aqui uma lista preliminar de curvas algébricas planas. A maioria deve ser conhecida do leitor. 2.1. A reta que passa pelos pontos (a, b) 6= (c, d). Sua equação pode ser escrita como o determinante, a c X b d Y 1 1 1 = 0. 2.2. O cı́rculo de raio r e centro (a, b), lugar dos pontos que satisfazem a equação (X − a)2 + (Y − b)2 = r2 . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 3 i i Seção 1 Um pouco de história 3 2.3. A elipse, lugar dos pontos tais que a soma das distâncias a dois pontos fixos (digamos (±c, 0)) é uma constante, que por conveniência escolhemos = 2a. A condição imposta escreve-se p p (X + c)2 + Y 2 + (X − c)2 + Y 2 = 2a. Esta equação não é polinomial, mas é possı́vel eliminar os radicais e mostrar que toda solução dela é também solução da seguinte (e viceversa), X2 Y 2 + 2 = 1, a2 b √ onde b = a2 − c2 . 6 ...................b...............•.......... . . . . . . . . . ....... ...... . .... . . ... ..... ... .. -a .... ⋆ O ⋆ . ... −c . c . . ... .. .... . . ...... .... . . ........... . . . ........................................... .. ...... ... ...... ... ...... . . . . .. ... ...... .... . . ... ...... .... . . ... ...... ... ..... . . . . . .... ... . . ...... ... .... . . ...... figura 1.2 2.4. A hipérbole, lugar dos pontos cujas distâncias a dois pontos fixos, chamados focos, têm diferença constante 2a. Marcando os focos em (±c, 0), a diferença das distâncias se expressa p p (X − c)2 + Y 2 − (X + c)2 + Y 2 = 2a. (1) Procedendo como no caso da elipse, pondo b2 = c2 − a2 , eliminamos os radicais e obtemos a equação X2 Y 2 − 2 = 1, a2 b i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 4 i i 4 Definições Preliminares e Exemplos ...... ...... ...... ..... .... ... ⋆ . −c ... −a .. . . . . .... . . . . ... ..... ....... 6 Cap. 1 ... . . . . ....•. . . . .. ... .. .... ⋆ a .. c .... ..... ...... ...... ..... ...... ..... . .... .... .. ... ... . .. .... . . . . . .. ...... ..... . .... .. ... .. ... . . . . . . ....... . ....... .. ....... ....... ....... .. . . . . . . . . . figura 1.3 2.5. A parábola, lugar dos pontos equidistantes de um ponto fixo, chamado foco e de uma reta fixa, diretriz. Tomando (0, b), b > 0 e Y = −b como foco e diretriz, a equação (já simplificada) fica na forma, X 2 = 4bY ... 6 .. . ... . .... ..• . . .... .. . ..... b ⋆ . . ... ....... ..................... ...... ...... .... ..... ... ...... . ..... . . . ... . .. . .... . ... .. . . . . .... . . .... . . . . ...... ... ... . . ... ... . . ... ... . .. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ............ O −b figura 1.4 2.6. A cissóide de Diócles, lugar dos pés das normais traçadas do vértice de uma parábola às suas tangentes. Dada a parábola de equação X 2 = −4bY , a tangente num ponto (x0 , y0 ) se escreve 2x0 (X − x0 ) = −4b(Y − y0 ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 5 i i Seção 1 Um pouco de história 5 6 .................................. ......................... . . . . . . . . ............. . . . . . . . . ....... .....•.... .... ... ... ······· ······· ... ... ... ·· ·· · ·· · ·· · ·· ·· ··· · ·· · .... .... ...... .... .... . .... . . .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... ··· O ··· ··· ·· ·· ·· ·· · ⋆· ·· · figura 1.5 A reta normal tomada da origem (vértice da parábola) é −2bX + x0 Y = 0. A interseção desta última com a tangente é dada por X= bx20 x30 , Y = · 8b2 + 2x20 4b2 + x20 Substituindo x0 = 2bX/Y e simplificando, resulta a equação da cissóide, bX 2 − Y (Y 2 + X 2 ) = 0. Note que, em coordenadas polares, esta última equação fornece r = b cosθ cotgθ. Daı́ podemos obter uma descrição dinâmica que permite traçar a cissóide: 6 b P ⋆ ··············· · .................................... · .................. ·· R......................... ................ ····· ·· · ........• ...........··· .··...... ⋆b/2 .......····......... ·· ... . ·· ... .... ···⋆· Q ··· .. .. ·· ···· ... ····· ······ O ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ........ ....... ....... ....... ....... ....... ..... ...... ....... ....... ....... ....... ....... ....... . ...... ....... ....... ...... . ....... ....... ....... . . . . ... figura 1.6 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 6 i i 6 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 Construa o cı́rculo de diâmetro b e centro (0, b/2). Considere a reta Y = b; para cada um de seus pontos P , trace a reta OP e tome o ponto Q da interseção com o cı́rculo. Finalmente, marque o ponto R tal que OR = P Q. Variando P , o ponto R descreve a cissóide. Com efeito, [b = QbO, [ temos notando que o ângulo θ = OP OR = P Q = OP − OQ = b/ sen θ − b sen θ = b cos θ cotg θ = r. A cissóide foi empregada para resolver o problema da duplicação do cubo: dada a aresta de um cubo, construir a aresta do cubo de volume duplo. Em sı́mbolos, procuramos resolver a equação, X 3 = 2b3 , onde b denota o comprimento da aresta conhecida. Sabe-se que esta equação não é resolúvel por régua e compasso (por exemplo, para b = 1). Recorrendo à cissóide como “curva auxiliar”, a solução gráfica é obtida com o seguinte procedimento: acha-se a interseção da cissóide (b − Y )X 2 = Y 3 com a reta b − Y = 2X; obtém-se um ponto (x0 ,√ y0 ) com (y0 /x0 )3 = 2. Ligando-o à origem, 3 constrói-se a reta Y = 2 X. Fazendo X = b, resulta a quantidade procurada. Convidamos o leitor a se familiarizar com os exemplos adicionais compilados na lista de exercı́cios. 3. Exercı́cios Esboce as curvas seguintes. (Atribua valores aos parâmetros a, b, . . . ) 1. Folium de Descartes: X 3 + Y 3 − 3aXY = 0. 2. Trissectriz de Maclaurin: X(X 2 + Y 2 ) = a(Y 2 − 3X 2 ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 7 i i Seção 1 Um pouco de história 7 3. Concóide de Nicomedes: (Y − a)2 (X 2 + Y 2 ) = b2 Y 2 . É a concóide de reta Y = a, de intervalo b, relativa à origem. Em geral, a concóide de uma curva C relativa a um ponto O e de intervalo b é construı́da assim: para cada ponto P ∈ C, marque sobre OP dois segmentos P R = P R′ = b; os pontos R, R′ descrevem a concóide. Esta curva resolve o problema do cálculo de médias proporcionais: dados os números r, s, encontrar X, Y tais que X/r = Y /X = s/Y . A duplicação do cubo e a trissecção do ângulo são problemas desse tipo. ... ... ... ... ... ... ..... ... .. ... ... ... .. .... . ... . .. ... .. ... ... .. ... ... ... .. .. ... .... .... ... .. . .. ... .. .. ... ... .. . .. ... ......................... ... .... ... .. ......... .. .. ...... .. .... .. ........ . .. .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ...... .. .. .. ... .. ... .. .......... ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... ... .. . ... .. ...... ........ ....... . . . . . . ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. .. ...... .. ... .. .... ... .... . .. .. .. ..... ... .. ... .. ... .. . ..... .. ... ′ ... .............................•.R............ . . . . . . . . . . ........ ...... . ....... . . . . . M⋆ . . ........... . . . . . . . . . ..................... . . . . . . . . ........... ...................... A⋆ ⋆P ⋆B .......................................................................... .... ............................................................................................ .. ... ..... O ...... .... . ..•.................. R figura 1.7 [ = AOB/3. \ 4. A figura acima ilustra a construção do ângulo AOR O ponto R é a interseção da paralela ao segmento OA que passa por B com a concóide da reta AB e intervalo 2OB. Por construção, P R = 2OB. Marcando o ponto médio M de P R, resultam os triângulos isósceles P M B, BM R. O leitor não deve ter dificuldade em completar a justificativa da construção. (Sugestão: diagonais de um retângulo...) 5. Caracol de Pascal: (X 2 +Y 2 )2 −2aX(X 2 +Y 2 )+(a2 −b2 )X 2 −b2 Y 2 = 0. Mostre que em coordenadas polares a equação é dada por r = a cos θ ± b. Distinga os casos a > b, a < b e a = b. Trata-se da concóide da circunferência r = a cos θ relativa à origem. 6. Astróide: X 2/3 + Y 2/3 = 1. Mostre que esta curva é de fato algébrica, dada por uma equação polinomial do sexto grau. Ela é o lugar descrito por um ponto de uma circunferência de raio 1/4 que gira sem deslizar apoiada no lado interno i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 8 i i 8 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 de uma circunferência unitária centrada na origem. Curvas definidas por esse processo são chamadas de hipociclóides; quando a circunferência se move pelo lado externo, obtém-se uma epiciclóide; elas são algébricas se e só se a razão dos raios é um número racional. 7. Oval de Cassini: ((X − a)2 + Y 2 )((X + a)2 + Y 2 ) = b4 . É o lugar dos pontos cujo produto das distâncias aos 2 pontos fixos (± a, 0) é igual à constante b2 . Se b2 < a2 , a curva consiste em 2 componentes conexas. Se b2 = a2 tem-se a lemniscata de Bernoulli. Para b2 > a2 , tem-se a oval propriamente dita. 8. Esboce a curva dada parametricamente por x(T ) = T 2 − T, y(T ) = T 3 . Mostre que ela é uma curva algébrica, encontrando um polinômio f (X, Y ) não constante tal que f (x(T ), y(T )) = 0. 9. Sejam x = x(T ), y = y(T ) funções racionais (= quocientes de polinômios em uma variável T ). Mostre que existe um polinômio não constante f (X, Y ) tal que f (x, y) = 0. (Sugestão: seja K(T ) o corpo das funções racionais a coeficientes no corpo K. Se x ∈ K(T ) é não constante, então K(T ) é uma extensão algébrica do subcorpo K(x) gerado por x (vejas as definições 30, p. 145). De fato, temos x = p(T )/q(T ), com p, q polinômios, e assim T satisfaz a equação polinomial p(X) − xq(X) = 0. Logo, todo y ∈ K(T ) é algébrico sobre K(x)). 10. Uma curva é racional se for definida parametricamente por equações X = x(T ), Y = y(T ), onde as funções de T indicadas são racionais e ao menos uma é não constante. Mostre que toda curva racional é algébrica. 11. Curvas de Lissajous. São dadas parametricamente por x(θ) = a sen(mθ + p), y(θ) = b sen(nθ + q), onde a, b, m, n, p, q são constantes (abmn 6= 0). Curvas desse tipo ocorrem na investigação de fenômenos vibratórios. (a) Esboce a curva, supondo m = 2, n = 3, a = b = 1, p = 0, q = π/4. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 9 i i Seção 2 Equação de uma curva algébrica 9 (b) Mostre que a curva não é algébrica se m/n é irracional. (c) Se m é inteiro, mostre que x(θ) pertence ao anel A gerado pelas funções sen θ, cos θ. (d) Mostre que A é um domı́nio e que seu corpo de frações é igual a R(T ), onde T = tg(θ/2). (e) Conclua que uma curva de Lissajous com m/n racional é algébrica. Ache a equação polinomial no caso considerado em (a). 12. Chama-se rosácea uma curva de equação polar r = a sen(bθ). (a) Esboce para a = 1, b = 1, 2, 2/3. (b) Prove que se b = m/n, com m, n inteiros > 0, primos relativos, então a rosácea é algébrica, satisfazendo a uma equação polinomial (em coordenadas cartesianas) de grau m + n ou 2(m + n) conforme sejam m, n ambos ı́mpares ou um deles par. Se b é irracional, a rosácea não é algébrica. 2 Equação de uma curva algébrica Reexaminemos a definição 1. Uma questão que naturalmente se põe é se a equação polinomial f = 0 está bem determinada pela curva (entendida como o lugar das soluções). A resposta é não: f = 0 e f 2 = 0 admitem as mesmas soluções. Poderı́amos arriscar o palpite de que esse seria o único tipo de indeterminação: se tomássemos f com grau mı́nimo, talvez todas as outras equações definindo a mesma curva fossem do tipo f m = 0. Mas note que as soluções de XY = 0 e X 2 Y = 0 são as mesma, prejudicando a proposta. Ah, mas nesse exemplo a curva tem visivelmente dois “pedaços”, e a afirmativa poderia valer para cada um deles. Talvez uma hipótese mais promissora seja esperar que exista uma equação de grau mı́nimo, as demais sendo múltiplas desta. Mas as curvas (?), ou melhor dizendo, as equações X 2 + Y 2 = 0 e 2X 2 + Y 2 = 0 têm o mesmo conjunto de soluções reais, desfazendo a esperança. A escassez de pontos reais nesse último exemplo parece estar na raiz do problema. Com efeito, veremos mais adiante que, se p(X, Y ) é um polinômio irredutı́vel e a curva C definida por p(X, Y ) = 0 é infinita, então a equação de grau mı́nimo está bem determinada (a menos de fator constante). Aqui, e em outras situações com que iremos nos defrontar, a bem da simplicidade de uma proposição que desejamos tornar verdadeira, somos i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 10 i i 10 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 induzidos a repensar os fundamentos, isolar a dificuldade, e resolvê-la “por decreto”. Vale a pena ler a belı́ssima discussão desse processo de “negação da negação”, em Caraça, [5]. É o que faremos, passando a admitir pontos cujas coordenadas são números complexos. E, já tomada esta decisão, por que não trabalhar também com polinômios a coeficientes complexos? Na realidade, praticamente em toda a teoria que exporemos, a propriedade fundamental dos números complexos é que estes formam um corpo algebricamente fechado de caracterı́stica zero. Assim, salvo menção explı́cita em contrário, doravante, coordenadas de pontos, bem como coeficientes de polinômios, serão tomados em um corpo K algebricamente fechado e de caracterı́stica zero. Freqüentemente, nos exemplos, suporemos K = C. A perda aparente do recurso à intuição geométrica será amplamente compensada. Já podemos recolher o primeiro benefı́cio. 4. Proposição. Sejam f, g polinômios em duas variáveis a coeficiente no corpo K. Então f (X, Y ) = 0 e g(X, Y ) = 0 têm as mesmas soluções em K 2 se e só se os fatores irredutı́veis de f, g são os mesmos. Demonstração. Seja p ∈ K[X, Y ] um fator irredutı́vel de f . Por hipótese, para cada (x, y) ∈ K 2 , vale a implicação, p(x, y) = 0 ⇒ g(x, y) = 0. Provaremos que p divide g em K[X, Y ]. Trocando X por Y se necessário, podemos supor que Y ocorre efetivamente em p. Ponhamos A = K[X], L = K(X) (corpo de frações). Assim, pelo lema de Gauss (27, p. 143), p ∈ A[Y ] é irredutı́vel em L[Y ]. Suponhamos, por absurdo, que p 6 | g. Então MDC(p, g) = 1. Daı́, existe uma relação (veja o Cor. (17, p. 140)) ap + bg = 1, onde a, b ∈ L[Y ]. Podemos escrever a = a′ /c, b = b′ /c com a′ , b′ ∈ A[Y ] e c ∈ A, c 6= 0. Obtemos então, a′ p + b′ g = c. Agora, como Y ocorre efetivamente em p, segue-se que, exceto para um número finito de valores de x ∈ K, a equação p(x, Y ) = 0 admite solução. (Aqui usamos o fato de que o corpo K é algebricamente i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 11 i i Seção 2 Equação de uma curva algébrica 11 fechado). Conclui-se que há uma infinidade de valores de x tais que c(x) = 0, donde c = 0. Esta contradição mostra que p|g em L[Y ] seguindo, novamente pelo lema de Gauss, que p|g em K[X, Y ]. 2 Deduzimos da proposição anterior que uma curva algébrica, dada como lugar das soluções de uma equação polinomial não constante f (X, Y ) = 0, determina (a menos de fator constante) uma equação de grau mı́nimo: tomar o produto dos fatores irredutı́veis de f distintos. Este fato nos leva a substituir a definição 1 pela seguinte onde, essencialmente, passamos a identificar “curva” com sua equação. 5. Definição. Uma curva algébrica plana afim (ou mais abreviadamente, curva) é uma classe de equivalência de polinômios não constantes f ∈ K[X, Y ], módulo a relação que identifica dois tais polinômios se um é múltiplo do outro por alguma constante. Nesse contexto, a equação de uma curva é um qualquer dos polinômios nessa classe. Dizemos que uma curva está definida sobre o corpo K0 , subcorpo de K, se ela admitir uma equação a coeficientes em K0 . O traço (resp. traço real. . . ) de uma curva (definida sobre R. . .) é o conjunto das soluções (resp. soluções reais. . . ) da equação. O grau de uma curva f é o grau de sua equação, e será denotado por ◦ d f . Curvas de grau 1, 2, 3,. . . são chamadas retas, cônicas, cúbicas. . . . Uma curva é irredutı́vel se admite uma equação que é um polinômio irredutı́vel. As componentes irredutı́veis de uma curva f são as curvas definidas pelos fatores irredutı́veis de f . A multiplicidade de uma componente p de f é o expoente com que o fator p ocorre na decomposição de f ; quando ≥ 2, dizemos que p é componente múltipla de f . Usualmente, cometeremos o abuso de designar pelo mesmo sı́mbolo tanto a curva como o seu traço ou uma sua equação. Por comodidade, diremos indistintamente “a curva f ” ou “a curva dada pela equação f = 0” ou “a curva f = 0”. O contexto tornará claro quando nos referimos seja ao traço, seja ao polinômio. Observemos que, agora, as curvas X 2 = 0 e X = 0, embora tenham o mesmo traço, são consideradas distintas por definição. É sugestivo pensar em X 2 como uma “reta dupla”, limite de um par de retas que i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 12 i i 12 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 vêm a coincidir (digamos, X(X − εY ), com ε → 0), ou de hipérboles que se achatam sobre o eixo ( por exemplo, X 2 − εY 2 = ε). Intuitivamente, as componentes irredutı́veis de uma curva f são os “pedaços” que constituem f e que são também curvas. Com efeito, se f contém (o traço de) uma curva irredutı́vel p, então p é uma componente de f . Isto foi demonstrado na proposição (4, p. 10). O leitor deve no entanto ser alertado para o fato de que uma curva pode ser irredutı́vel mesmo sendo seu traço real formado por duas ou mais partes disjuntas: reveja o exemplo da hipérbole (p. 3). Outro exemplo é dado pela cúbica de equação Y 2 = X(X − a)(X − b), (b < 0 < a) (2) . ......... .. ..... .. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. ... ... .... ... .... ... .... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ................................................ . . . .... b... .. O ... . . . . . . ...... ......................................... ..... . . . . .... . . . . .... a .. .... ...... ...... ...... ..... figura 1.8 Veja também o exercı́cio 31, p. 21. Na realidade, a determinação do número, bem como da disposição dos chamados circuitos reais de uma curva algébrica plana é uma questão ainda não resolvida por completo. Consulte Arnold [2] p. 50 e Camacho [6]. Apesar do aparente contra-senso geométrico, a definição 5 coloca em definitivo relevo o papel da equação que individualiza uma curva algébrica. Além do mais, freqüentemente os argumentos algébricos empregados nas demonstrações de propriedades geométricas se aplicam indistintamente a polinômios, sejam eles irredutı́veis ou não. 6. Exercı́cios 13. Verifique se as curvas apresentadas no § 1 são irredutı́veis. 14. Ache as componentes irredutı́veis das curvas: i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 13 i i Seção 2 Equação de uma curva algébrica 13 (a) Y 3 − X 3 + X 2 Y − XY 2 + X 2 + Y 2 + X − Y − 1; (b) 2X 2 Y − 2X 3 + Y 2 − XY + X − Y ; (c) X 2 − 5XY + 6Y 2 . m P ai X i Y m−i um polinômio homogêneo 6= 0. 0 (a) Prove Q que fm é o produto de m fatores lineares homogêneos, i.e., 15. Seja fm = fm = (bi X + ci Y ), onde bi , ci são constantes não ambas nulas e as razões bi /ci são bem determinadas. (b) Prove que se fm , fm+1 não têm fator comum, então fm + fm+1 é irredutı́vel. 16. Mostre que Y 2 − p(X) é redutı́vel se e só se p(X) é um quadrado em K[X]. Em particular, Y 2 − (X − a)(X − b)(X − c) é irredutı́vel para todo a, b, c ∈ K. 17. Mostre que uma cônica a11 X 2 + a22 Y 2 + a33 + 2a12 XY + 2a13 X + 2a23 Y é redutı́vel se e só se for nulo o determinante da matriz simétrica (aij ). 18. Dado um ponto arbitrário P e duas retas distintas ℓ1 , ℓ2 contendo P , mostre que o conjunto das retas que contêm P é {x1 ℓ1 + x2 ℓ2 | x1 , x2 são constantes não ambas nulas}. 19. Dados quatro pontos não colineares, mostre que existem cônicas f1 , f2 tais que, a condição necessária e suficiente para que uma cônica f passe pelos quatro pontos é que f seja da forma x1 f1 + x2 f2 , com xi ∈ K, não ambos nulos. 20. Dados cinco pontos arbitrários, existe ao menos uma cônica que os contém; se existirem duas distintas, então quatro desses pontos são colineares. 21. Mostre que, para todo inteiro d ≥ 1, existem d(d + 3)/2 pontos no plano pelos quais passa exatamente uma curva de grau d. 22. Seja C a cúbica Y = X 3 . Para cada par de pontos P, Q ∈ C, a reta P Q encontra C num terceiro ponto R. Mostre que a correspondência que associa a cada par (P, Q) o simétrico −R de R em relação à origem O define uma estrutura de grupo em C isomorfo ao grupo aditivo de K. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 14 i i 14 Definições Preliminares e Exemplos 3 Mudança de coordenadas Cap. 1 As propriedades de curvas planas que estudaremos são aquelas que independem do particular sistema de coordenadas cartesianas empregado. Faremos aqui alguns comentários sobre mudança de coordenadas e daremos a conceituação precisa do que entendemos por “propriedade independente do referencial”. 7. Definição. Um referencial ou sistema de coordenadas afim no plano K 2 consiste na escolha de um ponto O ∈ K 2 , chamado origem do referencial, e de uma base {v1 , v2 } do espaço vetorial K 2 . O referencial canônico é dado por O = (0, 0), v1 = (1, 0), v2 = (0, 1). O vetor coordenadas de um ponto P ∈ K 2 em relação a um referencial R = {O, {v1 , v2 }} é o par ordenado (P )R = (x1 , x2 ) ∈ K 2 tal que P = O + x1 v1 + x2 v2 . (3) Se R′ = {O′ , {v1′ , v2′ }} é outro referencial, obtemos da relação acima, juntamente com P = O′ + x′1 v1′ + x′2 v2′ , uma fórmula que expressa (P )R em termos de (x′1 , x′2 ) = (P )R′ . Para isso, escrevemos vj = a1j v1′ +a2j v2′ , O − O′ = a1 v1′ + a2 v2′ . Deduzimos então x′1 v1′ + x′2 v2′ = P − O′ = a1 v1′ + a2 v2′ + x1 (a11 v1′ + a21 v2′ ) + x2 (a12 v1′ + a22 v2′ ) e por fim, (x′1 , x′2 ) = (a1 + a11 x1 + a12 x2 , a2 + a21 x1 + a22 x2 ). Uma transformação afim ou afinidade em K 2 é uma aplicação T : K 2 −→ K 2 composta de uma translação com um isomorfismo linear. A ambigüidade aparente na ordem da composição é irrelevante, pois se L é uma aplicação linear e P0 ∈ K 2 , temos L(P +P0 ) = L(P )+L(P0 ). Ou seja, uma translação seguida de uma aplicação linear tem o mesmo efeito que a (mesma) aplicação linear seguida de uma (outra) translação. Toda transformação afim é da forma T (x1 , x2 ) = (y1 , y2 ), onde y1 = a11 x1 + a12 x2 + a1 (4) y2 = a21 x1 + a22 x2 + a2 , i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 15 i i Seção 3 Mudança de coordenadas 15 com det(aij ) 6= 0. O leitor verificará sem dificuldade que as afinidades formam um grupo com a operação de composição. Assim, a composta de duas afinidades é uma afinidade, e a inversa de uma afinidade também é. Escrevendo v1 = (a11 , a21 ), v2 = (a12 , a22 ), O = (a1 , a2 ), podemos interpretar as equações (4) como as que relacionam P = (y1 , y2 ) com (P )R = (x1 , x2 ). E reciprocamente, podemos considerar as relações (3) como definindo a afinidade, (x1 , x2 ) 7−→ O + x1 v1 + x2 v2 . 8. Definição. Dizemos que a afinidade T e o referencial R são associados se (T (P ))R = P (∀P ∈ K 2 ). Assim, podemos adotar duas atitudes diante do processo de mudança de coordenadas: dada uma afinidade T , podemos olhar a relação (y1 , y2 ) = T (x1 , x2 ) como a expressão que fornece as novas coordenadas de um mesmo ponto em termos das antigas; os pontos ficam e as coordenadas movem-se. A outra possibilidade, é a de considerar T agindo sobre os pontos do plano: (y1 , y2 ) é a nova posição de (x1 , x2 ), com as coordenadas todas tomadas em relação ao referencial canônico. 9. Definição. O K-automorfismo do anel de polinômios em 2 variáveis T• : K[X1 , X2 ] → K[X1 , X2 ] associado à afinidade T : K 2 → K 2 é dado por, ∀ (x1 , x2 ) ∈ K 2 , (T• f )(x1 , x2 ) = f (T −1 (x1 , x2 )). Mais precisamente, se T −1 (x1 , x2 ) = (b11 x1 + b12 x2 + b1 , b21 x1 + b22 x2 + b2 ), então (T• f )(X1 , X2 ) = f (b11 X1 + b12 X2 + b1 , b21 X1 + b22 X2 + b2 ). O emprego de T −1 na definição acima se justifica em vista da seguinte i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 16 i i 16 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 10. Proposição. Sejam f uma curva e T uma afinidade. Então o traço de T• f é igual à imagem do traço de f por T . Demonstração. Imediata. 2 11. Definição. Seja T uma afinidade e seja R o referencial associado. A equação de uma curva f em relação a um referencial R é (T• )−1 f . A definição é natural porque, para cada P = (x, y) em K 2 , temos P ∈f ⇐⇒ f (x, y) = 0 ⇐⇒ ((T• )−1 f )(T −1 (x, y)) = 0 ⇐⇒ ((T• )−1 f )((P )R ) = 0. 12. Definição. Dizemos que uma propriedade P relativa a curvas (ou a configurações planas, tais como conjuntos de pontos, retas, etc.) é invariante ou independente do referencial se, para toda afinidade T , uma curva f (ou configuração C) satisfaz P se e só se T• f (resp. T (C)) satisfaz P. Por exemplo, o grau de uma curva é uma propriedade invariante. A propriedade de três retas serem concorrentes, bem como a de um ponto pertencer a uma curva, são invariantes. Já o requerimento de que dois pontos no plano real sejam equidistantes de um terceiro não é invariante; no entanto, exigir que um ponto seja colinear com, e equidistante de dois outros é invariante! (Leitor: verifique!). Nos próximos capı́tulos estudaremos várias propriedades invariantes de curvas algébricas. Ressaltaremos o fato delas serem independentes do referencial apenas quando a verificação a ser feita revelar-se um desafio instrutivo. 13. Exercı́cios 23. Ache as coordenadas do ponto (1, 2) no referencial {(1, 1), {(1, 2), (3, 5)}}. 24. Prove que dois triângulos quaisquer são congruentes por uma afinidade, i, e., se {P1 , P2 , P3 } e {Q1 , Q2 , Q3 } são conjuntos de três pontos não colineares existe uma afinidade T tal que T Pi = Qi , ∀i = 1, 2, 3. Verifique se 2 quadriláteros são sempre congruentes por uma afinidade. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 17 i i Seção 3 Mudança de coordenadas 17 25. Se Li (resp. Mi ) são três retas distintas concorrentes, existe uma afinidade T tal que T• Li = Mi (i = 1, 2, 3)? 26. Representação matricial . Seja T uma afinidade. Sejam (a1 , a2 ) = T (0, 0), (a11 , a21 ) = T (1, 0) − T (0, 0), (a12 , a22 ) = T (0, 1) − T (0, 0). Definimos a11 a12 a1 MT = a21 a22 a2 . 0 0 1 (a) Prove a fórmula [T P ] = MT [P ], ∀P ∈ K2 x onde, se P = (x, y), escrevemos [P ] = y . 1 (b) Prove que MT T ′ = MT MT ′ para todo par de afinidades T, T ′ . (c) Mostre que a correspondência T 7→ MT é um isomorfismo do grupo das afinidades de K 2 sobre o grupo dos isomorfismo lineares de K 3 que deixam invariante o plano X3 = 1. 27. Cônicas afins. Lembremos que são definidas por um polinômio do 2o grau, f (X1 , X2 ) = a11 X12 + a22 X22 + a33 + 2a12 X1 X2 + 2a13 X1 + 2a23 X2 , com ao menos um dos coeficientes dos termos de grau 2 não nulo. Seja Sf = (aij ), a matriz simétrica formada pelos coeficientes de f . (a) Mostre que f (X1 , X2 ) = (X1 , X2 , 1) Sf t (X1 , X2 , 1) (produto de matrizes) onde t ( ) significa “transposta”. (b) Mostre que, para toda afinidade T , vale ST• f = t MT−1 Sf MT−1 , onde MT é a matriz definida no exercı́cio anterior. (c) Supondo K = R, mostre que, dada f , existe T tal que T• f = X12 + b22 X22 + b33 + 2b23 X2 . (Sugestão: completar quadrados). (d) Ainda supondo K = R, mostre que f é congruente a exatamente uma das cônicas seguintes: X12 + X22 − 1, X12 − X22 − 1, X12 − X2 , X12 + X22 + 1, X12 + X22 , X12 − X22 , X12 + 1, X12 − 1, X12 . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 18 i i 18 Definições Preliminares e Exemplos Cap. 1 Nos quatro primeiros tipos, Sf tem posto 3; nos quatro seguintes, o posto é dois e no último é um. (e) Supondo agora K = C, mostre que esses nove tipos de cônicas reduzem-se a apenas cinco: X12 + X22 − 1, X12 − X2 , X12 − X22 , X12 − 1, X12 . (O leitor perceberá mais adiante (exercı́cio 74, p. 55) que os dois primeiros tipos diferem apenas pela posição com respeito à reta no infinito; idem para o terceiro e o quarto tipos.) 28. Determine todas as afinidades que deixam invariante a cúbica f = Y 2 − X(X − 1)(X − λ), onde λ é uma constante. Distinguir os casos (λ = 0, λ = 1, . . . ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 19 i i 2 Interseções de Curvas Planas Vimos em alguns exemplos no capı́tulo I a importância atribuı́da desde a Antiguidade ao estudo da interseção de duas curvas. Descartes e Newton chegaram a proclamar que o interesse principal das curvas algébricas seria fornecer soluções geométricas a equações algébricas por meio de interseção de curvas do menor grau possı́vel. Veja Dieudonné, [11], p. 17. Apresentaremos neste capı́tulo alguns aspectos gerais do problema. Inicialmente, veremos que a interseção de duas curvas sem componentes em comum é finita. Descrevemos em seguida o processo da resultante para a determinação dos pontos de interseção. Finalizamos dando uma demonstração de um caso particular do Nullstellensatz (teorema dos zeros) de Hilbert, o qual fornece uma condição para que um sistema de equações polinomiais admita solução. 1 Finitude da interseção Comecemos destacando o argumento usado na demonstração da proposição (4, p. 10). 2. Lema. Sejam f, g ∈ K[X, Y ] polinômios sem fatores irredutı́veis em comum. Então existe uma relação af + bg = c(X), i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 20 i i 20 Interseções de Curvas Planas Cap. 2 onde a, b ∈ K[X, Y ] enquanto c é um polinômio apenas na variável X, não nulo. Resultado análogo vale trocando X por Y . Demonstração. Ponhamos A = K[X], L = K(X). Consideremos f, g como elementos de L[Y ]. Visto que f, g não admitem fator comum em A[Y ], também não o admitem em L[Y ] (leitor: por quê?). Como L[Y ] é um domı́nio de ideais principais (veja a proposição (16, p. 140)), segue-se uma relação rf + sg = 1 em L[Y ]. Eliminando denominadores de r, s, obtemos a relação prometida. 2 Se f ∈ K[X] é um polinômio não constante, sabemos que a equação f (X) = 0 admite no máximo um número finito de soluções. O próximo resultado é uma versão deste fato para polinômios em duas variáveis. 3. Proposição. O conjunto das soluções de um sistema de duas equações polinomiais a duas incógnitas sem fator irredutı́vel em comum é finito. Reformulando em linguagem geométrica, temos, equivalentemente: 4. Proposição. A interseção de duas curvas algébricas planas sem componentes em comum é finita. Demonstração. Apliquemos o lema 2 aos polinômios f, g ∈ K[X, Y ] que não admitem fator em comum. Obtemos relações af + bg = c(X), uf + vg = w(Y ), onde a, b, c, u, v, w são polinômios, c(X), w(Y ) são não nulos e envolvem só a variável indicada. Dessas relações é evidente que toda solução de f = g = 0 tem para abscissa uma raiz de c(X) e para ordenada uma raiz de w(Y ), todas em número finito. 2 5. Exemplo. Consideremos as interseções da hipérbole f : XY = 1 com retas ℓ : aX + bY = c. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 21 i i Seção 1 Finitude da interseção 21 A figura seguinte ilustra as possibilidades; as retas X = 0 e Y = 0 não cortam a hipérbole (exceto no infinito...). Em geral, há duas interseções distintas, reais ou complexas (e.g. Y = −X corta f nos pontos (i, −i), (−i, i)). As retas tangentes têm apenas um ponto de interseção que, intuitivamente, deve ser contado duas vezes. 6 ... ... ... ... .... ......... ......................................... - ..... . ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . . ..... .. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . ..... . . . ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ............... ......... ..... . . . .................. ..... .. ................... ..... ..... ..... ............... ..... ..... ............... ..... ..... ............... ..... ......... ............... ..... ..... ............... ......... ............... ............... .. ...... . . . ............... . ..... ... . ... . . . . . ..... .... . . . . . . . ..... .... . . . . . . . ..... .... . . . . . . . ..... .. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . ..... . .... ..... . . . . ..... ... . . ..... . . ..... .... . . . . ..... .... . ..... . . . ..... .... . . . ..... . ... . ..... . . . ..... .... . . . ..... . . ... ..... ........................................... ........ .... ... ... ... .. figura 2.1 6. Exercı́cios 29. Dados f = X 2 − 2Y 2 + XY − 2X + 5Y, g = X 2 + XY + Y − X − 2, encontre polinômios a, b, c tais que af + bg = c(X) como no lema (2, p. 19). 30. Seja f = a0 Y m +a1 Y m−1 +· · · , a0 6= 0, um polinômio a coeficientes em um domı́nio A. Mostre que, para todo g ∈ A[Y ] existem um inteiro i ≥ 0 e polinômios q, r ∈ A[Y ] tais que ai0 g = qf + r, com r = 0 ou d◦ r < m. Suponha que A seja fatorial (23, p. 142) e f, g não admitam fator comum não constante. Deduza um algoritmo para construir uma relação af + bg = c, onde a, b ∈ A[Y ], c ∈ A, c 6= 0. Além disso, a, b podem ser tomados de maneira que d◦ a ≤ d◦ g − 1, d◦ b ≤ d◦ f − 1. 31. Prove que nenhum dos dois ramos do traço real da hipérbole XY = 1 é, em separado, o traço de uma curva algébrica. Mesma questão para a cúbica Y 2 = X(X − 1)(X + 1). (Veja fig. 1.8, p. 12). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 22 i i 22 Interseções de Curvas Planas Cap. 2 32. Sejam f, g ∈ K[X, Y ] polinômios sem fator comum não constante. Prove que K[X, Y ]/hf, gi é um espaço vetorial de dimensão finita. (Sugestão: existem r(X), s(Y ) no ideal hf, gi, não nulos. O quociente K[X, Y ]/hr(X), s(Y )i tem dimensão finita.) 2 A resultante Como proceder para achar os pontos de interseção de duas curvas f, g? O método geral mais simples é o de selecionar uma das variáveis, digamos X, para figurar como parte dos coeficientes. Isto é, consideramos f e g como polinômios na variável Y , a coeficientes no anel K[X]. Tentamos então encontrar os valores de x para os quais f (x, Y ) e g(x, Y ) admitem raiz comum. Geometricamente, queremos encontrar as projeções, sobre o eixo dos x, dos pontos de f ∩g. Este processo, tı́pico da chamada teoria da eliminação, repousa sobre o estudo da resultante de dois polinômios. 7. Definição. Seja A um anel (comutativo, e.g., A = K[X]), e sejam f = ad Y d + · · · + a0 , (d ≥ 1) g = be Y e + · · · + b0 , (e ≥ 1) polinômios a coeficientes em A. Definimos a resultante de f, g por R = Rf,g = ad ad−1 · · · a0 ad · · · a1 a0 ············ be be−1 · · · b0 ············ ad · · · · · · a0 , be · · · · · · b0 determinante da matriz (d + e) × (d + e), com e linhas de a’s e d linhas de b’s. Subentende-se que os espaços em branco são preenchidos com zeros. Nesta definição, os polinômios f, g são considerados formalmente de graus d, e, embora ad , be possam ser nulos. O contexto deixará claro o grau formal atribuı́do; quando não explı́cito, convencionamos atribuir o grau efetivo, i.e., o maior grau em que Y ocorre efetivamente. No i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 23 i i Seção 1 Finitude da interseção 23 caso em que estamos mais interessados, os coeficientes ai , bj são também polinômios em outras variáveis X1 , X2 , . . . , Xn . Escreveremos então R(X1 , X2 , . . . , Xn ) para enfatizar que R é um polinômio nessas variáveis. 8. Exemplo. Sejam f = Y 2 + X 2 − 4, R(X) = 1 0 X2 − 4 X −1 0 0 X −1 g = XY − 1. Temos = X 4 − 4X 2 + 1 . Note que um processo “natural” para resolver o sistema ( X2 + Y 2 = 4 XY = 1 seria substituir Y = 1/X na primeira equação, resultando a equação X 4 − 4X 2 + 1 = 0. Ou seja, as interseções do cı́rculo com a hipérbole têm para abscissas as soluções dessa última equação resultante. A coincidência não é acidental. 9. Proposição. Sejam f = ad (X)Y d + · · · + a0 (X), g = be (X)Y e + · · · + b0 (X), onde ai , bj são polinômios nas variáveis X1 , X2 , . . . , a coeficientes no corpo K. Então, para cada x = (x1 , x2 , . . . ), temos ad (x) = be (x) = 0 Rf,g (x) = 0 ⇔ ou f (x, Y ), g(x, Y ) admitem fator comum não constante. Demonstração. Para cada x ∈ K, a resultante de f (x, Y ) e g(x, Y ) é obviamente Rf,g (x) (veja o exercı́cio 39, p. 26). Por outro lado, f (x, Y ) e g(x, Y ) admitem uma raiz y em comum se e só se admitem um fator não constante Y − y. Portanto, o teorema resultará do seguinte. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 24 i i 24 Interseções de Curvas Planas Cap. 2 10. Lema. Sejam f = ad Y d + · · · + a0 , g = be Y e + · · · + b0 polinômios a coeficientes em um domı́nio de fatoração única (veja p. 142). Então ad = be = 0 Rf,g = 0 ⇔ ou f, g admitem fator comum não constante. Demonstração. Digamos ad 6= 0. Então f, g admitem fator comum h não constante se e só se existirem p, q ∈ A[Y ] não ambos nulos, com d◦ p ≤ d − 1 e d◦ q ≤ e − 1 tais que qf = pg. (1) Com efeito, se f = ph, g = qh, segue-se a relação (1). Reciprocamente, visto que A[Y ] também é fatorial, a relação (1) acarreta que algum fator irredutı́vel de f ocorre em g, pois d◦ f > d◦ p. Escrevendo p = u0 Y d−1 + · · · + ud−1 , q = v0 Y e−1 + · · · + ve−1 , a equação (1) é equivalente ao sistema linear nas variáveis ui , vj obtido comparando coeficientes, a saber, e−1 X j=0 ad−i−j vj = d−1 X h=0 be−i−h uh , i = 0, . . . , d + e − 1, onde convencionamos por am = bn = 0 se m, n < 0, ou m > d, n > e. Ora, este sistema admite solução não trivial se e só se é nulo o determinante da matriz dos coeficientes, o qual coincide com Rf,g , a menos de sinal. 2 Retornando ao problema da interseção de duas curvas f, g, observemos que Rf,g é identicamente nulo se e só se f, g admitem componentes em comum, caso em que f ∩ g não é finita. Quando a interseção é finita, podemos estimar o número de pontos contando o número de suas abscissas, que é limitado pelo grau da resultante R(X). Este procedimento é muito grosseiro, pois podem ocorrer vários pontos de interseção com a mesma abscissa. 11. Exemplo. Sejam f = X 2 + Y 2 − 2X, g = Y 2 − X. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 25 i i Seção 1 Finitude da interseção 25 A resultante é R(X) = 1 0 X 2 − 2X 1 0 X 2 − 2X 1 0 −X 1 0 −X = X 2 (X − 1)2 . .......... ... ..... ... ... ..... ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. .. .... ... ..... .. .. ... ..... .. ... ... .... ... ... ... .. ... ..... ...... .. ... ............................................................................................................................................................................................... ... ...... .... ... ... ... ... ..... .. .. ... ... ... .. ... ... ... ... ... ... .. . .... ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... .. ... . ..... ... ... ... .. ............ . . . . . . . . . . . . . ...... ........ ... ............. ... .. 1 ..... • O. . ....... .. . . ........... ............... .......... . ............. −1• . 1• figura 2.2 Nesse exemplo, o mero cálculo da resultante não permite prever o número de interseções. A multiplicidade dois da raiz x = 0 pode ser interpretada, na figura, como causada pela tangência. Já a raiz dupla x = 1 é devida ao fato de que há dois pontos de interseção com a mesma abscissa. Se trocarmos X por Y , eliminando X, obtemos R(Y ) = 1 −2 Y 2 −1 Y 2 −1 Y 2 = Y 2 (Y − 1)(Y + 1). Agora, os pontos de interseção aparecem fielmente refletidos nas raı́zes da resultante. A multiplicidade (dois) da raiz y = 0 persiste, pois ela corresponde a um fenômeno geométrico, que diz respeito à posição relativa das curvas f e g, e não depende do particular sistema de coordenadas empregado. Voltaremos a esta discussão no capı́tulo V. 12. Exercı́cios 33. Resolva os sistemas: a) X(Y 2 − X)2 = Y 5 , X 4 + Y 3 = X 2. 2 2 2 2 2 b) (X + Y ) = X − Y , X 2 + Y 2 = X − 4. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 26 i i 26 Interseções de Curvas Planas Cap. 2 34. Calcule a resultante do par de polinômios (a) f (X) = aX 2 + bX + c, f ′ (X) = 2aX + b. (b) f (x) = (X − a)(X − b)(X − c), g(X) = (X − d)(X − e), (a, b, . . . , e constantes). 35. Seja K um corpo e sejam f, g ∈ K[X]. Mostre que se L é uma extensão de K tal que f, g admitem um fator comum em L[X], então o mesmo ocorre já em K[X]. Idem para polinômios a mais de uma variável. 36. Seja K um corpo e sejam f, g, h ∈ K[X] polinômios tais que f = g 2 h. Prove que f e sua derivada f ′ são divisı́veis por g. Reciprocamente, se f e f ′ admitem um fator não constante g, então g 2 divide f . 37. Construa pares de cônicas fi , gi irredutı́veis tais que fi ∩ gi consiste em i pontos distintos para i = 1, 2, 3, 4. Calcule as resultantes com relação a X e com relação a Y em cada caso. 38. Seja A um anel comutativo com unidade. Mostre que a resultante dos polinômios f = Y − a e g = bn Y n + · · · + b0 ∈ A[Y ] é igual a g(a). 39. Seja ϕ : A → B um homomorfismo de anéis e denotemos pelo mesmo sı́mbolo o homomorfismo induzido A[Y ] → B[Y ] definido por ϕ(Σai Y i ) = Σϕ(ai )Y i . Prove que ϕ(Rf,g ) = Rϕ(f ),ϕ(g) para todo f, g ∈ A[Y ], onde os graus formais atribuidos a ϕ(f ) e ϕ(g) são os mesmos de f, g. 3 O grau da resultante É conveniente introduzir o conceito de direção assintótica de uma curva f . Intuitivamente, trata-se de uma direção limite de retas OP , onde o ponto P percorre f afastando-se indefinidamente da origem O. 13. Definição. Escreva f = f0 + f1 + · · · + fd , onde cada fi é homogêneo de grau i, e fd 6= 0. Cada componente aX +bY de fd é dita uma direção assintótica de f . (Veja o exercı́cio 15(a), p. 13.) i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 27 i i Seção 3 O grau da resultante 27 14. Exemplos. (1) f = 1 − XY tem as direções assintóticas X e Y . (2) f = Y 2 − X tem apenas a direção assintótica Y . Note que aqui a direção assintótica não é uma assı́ntota, no sentido da Geometria Analı́tica elementar (quando se fala em tangência no infinito; veja os exemplos 8, p. 51, em especial as figuras.). Calculando a resultante de cada uma dessas curvas com uma reta ℓ = Y − (aX + b), o leitor verificará que o grau de Rf,ℓ é em geral 2, sendo menor somente se ℓ tem a mesma direção assintótica que f . 15. Proposição. O grau da resultante de duas curvas sem direção assintótica em comum é igual ao produto dos graus. Em sı́mbolos, d◦ Rf,g = (d◦ f )(d◦ g). A resultante aqui é tomada atribuindo-se a f, g seus graus efetivos com respeito à variável Y . Demonstração. Para cada polinômio f = de grau i, fd 6= 0, ponhamos d P fi , com fi homogêneo 0 f ∗ (X, Y, Z) = Z d f0 + Z d−1 f1 + · · · + Zfd−1 + fd , onde Z é uma nova variável (independente de X, Y ) (veja a definição 4, p. 48). Observemos que f ∗ é um polinômio homogêneo de grau d = d◦ f , e evidentemente temos f ∗ (X, Y, 1) = f (X, Y ). Reescrevamos f ∗ , g ∗ na forma f ∗ = A0 Y d + · · · + Ad g ∗ = B0 Y e + · · · + Be onde Ai , Bj ∈ K[X, Z] são homogêneos e d◦ Ai = i, lemos a resultante R(X, Z) = d◦ Bj = j. Calcu- A0 · · · · · · Ad ············ A0 · · · · · · Ad B0 · · · · · · Be ············ B0 · · · · · · Be . 16. Lema. O polinômio R(X, Z) acima definido é homogêneo de grau d · e, se não for identicamente nulo. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 28 i i 28 Interseções de Curvas Planas Cap. 2 Demonstração. Em geral, um polinômio não nulo p(X1 , . . . , Xn ) a n variáveis é homogêneo de grau m se e só se vale a identidade p(T X1 , . . . , T Xn ) = T m p(X1 , . . . , Xn ) em K[X1 , . . . , Xn , T ], onde T é uma nova variável independente. Com efeito, sendo p homogêneo, é imediato que a relação vale. Reciprocamente, suponhamos válida a relação e escrevamos p = p0 + p1 + · · · + pr , onde o lado direito é soma de polinômio homogêneos com d◦ pi = i, pr 6= 0. Abreviando X = (X1 , . . . , Xn ), temos p(T X) = p0 + T p1 + · · · + T r pr = T m p donde, (pela definição de igualdade de polinômios!), segue-se m = r e p = pm . Continuando a demonstração do lema, mostremos agora que R(T X, T Z) = T de R(X, Z) em K[X, Z, T ]. Ora, A0 T A1 · · · R(T X, T Z) = A0 · · · .. . .. . B0 .. . T B1 · · · .. . T d Ad T d−1 Ad−1 .. . .. . .. . T d Ad .. . .. . T e Be · · · .. .. . . . Multiplicamos a segunda linha por T , a terceira por T 2 , . . . , a e-ésima por T e−1 , a segunda linha de B’s por T, . . . , a última por T d−1 . Resulta que a 2a coluna fica divisı́vel por T , a 3a por T 2 , etc. Obtemos T N R(T X, T Z) = T M R(X, Z), onde N = (1+· · ·+e−1)+(1+· · ·+d−1), Logo, M −N = M = 1+2+· · ·+d+e−1. (d + e)(d + e − 1) e(e − 1) d(d − 1) − − = d·e. 2 2 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 29 i i Seção 3 O grau da resultante 29 Para completar a demonstração da proposição 15 vamos comparar R(X, Z) com R(X). Veja o exercı́cio (39, p. 26). É evidente que R(X, 1) é a resultante de f, g considerados formalmente como polinômios em Y de graus d, e. Agora observemos que os coeficientes A0 , B0 de Y d e Y e em f ∗ e g ∗ são constantes, sendo nulos se e só se Y d e Y e não ocorrem em fd e ge respectivamente. Esta última condição é equivalente à condição de X ser fator de fd . Como f, g não têm direções assintóticas em comum, segue-se que, por exemplo, A0 6= 0. Seja j o menor ı́ndice tal que Bj 6= 0. Desenvolvendo o determinante que define R(X, Z) pelas j primeiras colunas, obtemos R(X, 1) = Aj0 R(X). Visto que f, g não têm direção assintótica em comum, em particular não têm componente em comum. Logo R(X) 6= 0 e portanto R(X, Z) 6= 0. Assim, o grau de R(X, Z) é d · e. Segue-se que R(X, 1) tem grau d · e, a menos que R(X, Z) seja múltiplo de Z. Mas neste último caso, R(1, 0) = 0, acarretando f ∗ (1, y, 0) = g ∗ (1, y, 0) para algum y, donde fd (1, y) = ge (1, y) = 0. Segue-se que f, g admitiriam ambos a direção assintótica yX − Y , proibido por hipótese. 2 17. Exercı́cios 40. Seja f = f0 + f1 + · · · + fd , onde cada fi ∈ K[X, Y ] é homogêneo de grau i e fd 6= 0. Prove que f (X, aX + b) tem grau exatamente igual a d se e só se a reta Y = aX + b tem direção assintótica distinta das de f . 41. Sejam f = a0 X d + a1 X d−1 Y + · · · + ad Y d , g = b0 X e + b1 X e−1 Y + · · · + be Y e , polinômios homogêneos 6= 0 a coeficientes em K. Mostre que f, g admitem uma direção assintótica comum se e só se a resultante de f (1, Y ) e g(1, Y ) é nula. 42. Prove que o grau da resultante de duas curvas sem componente comum é sempre menor do que ou igual ao produto dos graus, com igualdade somente na situação da proposição (15, p. 27). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 30 i i 30 Interseções de Curvas Planas 4 O teorema dos zeros Cap. 2 Finalizamos este capı́tulo discutindo uma versão particular do célebre Nullstellensatz de Hilbert. Trata-se de elucidar em que condições um sistema de equações polinomiais admite solução. Observemos inicialmente que, dado um sistema de equações, f1 = · · · = fN = 0, toda solução é também solução de qualquer equação do tipo g1 f1 + · · · + gN fN = 0, onde os gi ’s são polinômios arbitrários. Denotemos por I o ideal gerado pelos f1 , . . . , fN , ou seja, o conjunto de todos os polinômios da forma Σgj fj . Dizemos que um ponto P é um zero do ideal I se f (P ) = 0 para todo f ∈ I. É evidente que o conjunto dos zeros de I coincide com o conjunto das soluções do sistema proposto. Por outro lado, se o polinômio constante, 1, pertence a I, é claro que I não admite zero. O Nullstellensatz afirma que, reciprocamente, se I é um ideal próprio do anel dos polinômios a coeficientes num corpo algebricamente fechado, então I admite um zero. Vamos nos ater ao caso de duas variáveis. Lembremos que um ideal I ⊂ K[X, Y ] é próprio se e só se estiver contido em algum ideal maximal. Por exemplo, um ideal de K[X, Y ] da forma m = hX − x, Y − yi, i.e., gerado por X − x, Y − y, onde x, y são constantes, é maximal, pois é o núcleo do epimorfismo “substituir X = x, Y = y”, K[X, Y ] −→ K f (X, Y ) 7−→ f (x, y). (Veja o Apêndice, exercı́cio (165, p. 138)) Agora observemos que, se I estiver contido no ideal hX − x, Y − yi então P = (x, y) é um zero de I, e reciprocamente. Este argumento mostra que o Nullstellensatz é conseqüência imediata do seguinte resultado. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 31 i i Seção 4 O teorema dos zeros 31 18. Proposição. Se K é um corpo algebricamente fechado, então todo ideal maximal m de K[X, Y ] é do tipo hX − x, Y − yi para algum ponto (x, y) ∈ K 2 . Observemos que é essencial aqui a hipótese de fechamento algébrico. O ideal hX 2 + 1, Y i de R[X, Y ] é maximal e não admite zero real. Demonstração. Seja f ∈ m um polinômio não constante. (Leitor: justifique a existência de f ). Podemos supor f irredutı́vel porque “maximal ⇒ primo”. Sendo K algebricamente fechado, não há dificuldade em se garantir a existência de um zero de f ; digamos f (x0 , y0 ) = 0. Se m = hX − x0 , Y − y0 i, ponto final. Se não, existe g ∈ m tal que g(x0 , y0 ) 6= 0. Em particular, f não divide g. Aplicando o lema (2, p. 19) obtemos uma relação af + bg = c, onde c é um polinômio não constante de uma só variável, seja X ou Y , à nossa escolha. Visto que c ∈ m, concluı́mos que m contém elementos da forma X −x, Y −y. (Este é outro ponto em que a hipótese sobre K é imprescindı́vel). Tendo em conta que hX − x, Y − yi é maximal, concluı́mos que hX − x, Y − yi = m. 2 19. Exercı́cios 43. Seja f uma curva e seja A = K[X, Y ]/hf i. Mostre que os ideais maximais de A estão em correspondência bijetiva natural com os pontos (x, y) tais que f (x, y) = 0, i.e., com os pontos do traço de f . 44. Seja S um subconjunto de K 2 . Mostre que S é o conjunto das soluções de um sistema de equações polinomiais f1 (X, Y ) = f2 (X, Y ) = 0 se e somente se S = K 2 ou S = φ ou S = união de um número finito de curvas irredutı́veis e de um conjunto finito de pontos. 45. Verifique se a demonstração da proposição 18 se aplica para concluir um resultado análogo em mais de duas variáveis. 46. Mostre que os ideais maximais de R[X, Y ] são da forma hf, gi com d◦ f = 1 e d◦ g ≤ 2. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 32 i i 3 Multiplicidades A noção de multiplicidade é central na teoria de curvas algébricas. Historicamente, descende do simples fato de que todo polinômio de grau n em uma variável admite exatamente n raı́zes, contadas com as devidas multiplicidades. Isto significa, intuitivamente, atribuir um peso que indica quantas raı́zes coincidem com um mesmo valor. As sucessivas extensões do conceito de multiplicidade marcaram avanços importantes na álgebra e na geometria (veja o clássico de Serre, [30]). Nosso objetivo é dar um sentido preciso à idéia de uma curva passar um certo número de vezes por um mesmo ponto. A multiplicidade ou ı́ndice de interseção, que avalia a ordem de contato ou tangência entre duas curvas, merece tratamento rigoroso e será o principal tópico deste capı́tulo. 1 Interseção de uma curva com uma reta Seja f uma curva, e seja ℓ uma reta de equação Y = aX + b. Os pontos de f ∩ ℓ podem ser obtidos eliminando Y e resolvendo a equação fℓ (X) := f (X, aX + b) = 0. Eis as possibilidades: (1) fℓ (X) é identicamente nulo, caso em que ℓ é uma componente de f ; (2) fℓ (X) é uma constante 6= 0, quando f ∩ ℓ = φ. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 33 i i Seção 1 Interseção de uma curva com uma reta 33 (3) fℓ (X) é um polinômio não constante, decompondo-se na forma r Y fℓ (X) = c (X − xi )mi , i=1 onde c é uma constante e os xi são as abscissas (duas a duas distintas) dos pontos de interseção. Procede-se de maneira evidente quando ℓ é da forma X = cY + d. 1. Lema. Os inteiros mi independem do referencial afim. Demonstração. O processo de substituir Y = aX + b em um polinômio g(X, Y ) define um epimorfismo K[X, Y ] −→ K[X] g 7−→ g(X, aX + b), cujo núcleo é o ideal hℓi gerado por ℓ = Y − (aX + b). Logo, obtemos um isomorfismo ∼ K[X, Y ]/hℓi −→ K[X] tal que a classe f de f módulo hℓi corresponde a fℓ . Visto que K[X] é Q fatorial, à decomposição (X − xi )mi de fℓ corresponde uma (única!) decomposição de f em fatores irredutı́veis, com o mesmo número r de fatores irredutı́veis distintos, o i-ésimo repetido mi vezes. Agora, se T é uma afinidade, T induz um isomorfismo (9) K[X, Y ]/hℓi − g → K[X, Y ]/hT• ℓi tal que f + hℓi e T• f + hT• ℓi se correspondem, juntamente com as decomposições em fatores irredutı́veis. 2 2. Definição. A multiplicidade ou ı́ndice de interseção de ℓ, f no ponto P é dada por se P 6∈ ℓ ∩ f 0 (ℓ, f )P = ∞ se P ∈ ℓ ⊂ f mi se P = (xi , axi + b) como no caso (3) acima. Se ℓ 6⊂ f , chamamos o inteiro m∞ := d◦ f − r X mi i=1 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 34 i i 34 Multiplicidades Cap. 3 de multiplicidade de interseção de ℓ, f no ponto impróprio ou ponto de ℓ no infinito. Deixamos a cargo do leitor a verificação de que m∞ é positivo se e só se a direção de ℓ é uma direção assintótica de f . O significado intuitivo dessas multiplicidades é que, arbitrariamente próximo à curva f , existem curvas do mesmo grau que cortam ℓ em d◦ f pontos distintos, mi dos quais estão próximos a (xi , axi + b), os m∞ restantes distanciando-se para ∞ sobre ℓ. 3. Exemplos. (1) Sejam f = Y − X 2, ℓ = Y − (aX + b). Se a2 + 4b 6= 0, temos dois pontos de interseção distintos. Se a2 + 4b = 0, temos um só, com multiplicidade 2. ... 6 ... ... . . .... .. . .... . .. ..... . . . ....... ...... ............. ........................ ........................ ........................ ... ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... . . . . . .... ...... ........................ ...... ....................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............. ...... ...... ...... ...... ...... . . . . . ...... ...... ...... ...... ...... . . . . . ..... ...... ...... ...... ...... O figura 3.1 (2) Sejam f = Y − X 3, ℓ = aX + bY + c. Se b 6= 0 = a = c, temos uma interseção na origem, com multiplicidade 3. Se a 6= 0 = b, temos uma interseção a distância finita, com multiplicidade 1, e outra no infinito, com multiplicidade 2. Se b 6= 0, podemos ter 1, dois ou três pontos de interseção, todos a distância finita. i i i i “tudofNew” i i 2012/12/13 page 35 i i Seção 2 Pontos múltiplos 35 6 . ......... ....... ... . . . . ..................... . . . . ... .................................... . . ............... . . . . .. ................. ... .. figura 3.2 (3) Sejam f = Y 2 − X 2 (X + 1), ℓa = Y − aX. A origem O absorve pelo menos duas interseções. Se a = ±1, a multiplicidade de interseção (ℓ, f )O = 3. ℓ−1 6 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . . . ..... .. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . ..... . . .. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . ..... . . . .. ..... ..... ..... ..... ......... ..... ..... .. ............ . . . . .. ...... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . . ..... .... . ..... . . . ..... .... . . . ..... . .... ..... . . . . ..... ... . . ..... . . ..... .... . . . . ..... .... . ..... . . . ..... .... . . . ..... . ... . ..... . . . ..... .... . . . ... . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .......... .... ...... ... . . ..... ...... .... ..... .... .... ......... ... . O . . . ... .... ....... . . . .... . .... ................................. .... ... ℓ +1 figura 3.3 2 Pontos múltiplos Apresentamos nesta seção a noção de multiplicidade de um ponto sobre uma curva. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 36 i i 36 Multiplicidades Cap. 3 4. Proposição. Seja f uma curva e seja P um ponto de f . Existe um inteiro m = mP (f ) ≥ 1, tal que, para toda reta ℓ passando por P , temos (ℓ, f )P ≥ m, ocorrendo a desigualdade estrita para no máximo m retas e no mı́nimo uma. Demonstração. Suporemos, sem perda de generalidade, P = O. Escrevamos f = fm + · · · + fd , com fi homogêneo de grau i para m ≤ i ≤ d, e fm 6= 0. Lembrando que P ∈ f , temos m ≥ 1. Mudando coordenadas se necessário, podemos supor que X 6 | fm . O leitor verificará facilmente que f (0, Y ) = Y m (fm (0, 1) + · · · + fd (0, 1)Y d−m ) e fm (0, 1) 6= 0. Daı́ vem que (X, f )O = m. Para as demais retas passando por O, ponhamos ℓt = Y − tX. Temos então, f (X, tX) = X m (fm (1, t) + fm+1 (1, t)X + · · · + fd (1, t)X d−m ). Deduzimos que (ℓt , f )O ≥ m, ocorrendo igualdade se e só se fm (1, t) 6= 0. Como X 6 | fm , segue-se que fm (1, t) é um polinômio em t de grau m (≥ 1) e que portanto se anula para ao menos um e no máximo m valores de t distintos. 2 5. Definição. O inteiro m = mP (f ) descrito na proposição acima é a multiplicidade do ponto P na curva f ou multiplicidade de f em P . Se P 6∈ f , convencionamos mP (f ) = 0. Se P = (x, y) ∈ f , escrevemos f (X + x, Y + y) = fm (X, Y ) + (termos de grau > m). O polinômio homogêneo fm (X, Y ) pode ser decomposto de maneira única, Y fm = (ai X + bi Y )ei , i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 37 i i Seção 2 Pontos múltiplos 37 onde os fatores lineares ai X + bi Y são retas distintas. As retas ℓi = ai (X − x) + bi (Y − y) são as retas tangentes de f em P . O expoente ei é a multiplicidade da tangente ℓi . A demonstração da proposição 4 mostra que (ℓ, f )P > m = mP (f ) justamente para ℓ igual a uma das retas tangentes a f em P . Dizemos que um ponto P de uma curva f é liso, ou não singular ou simples em f e que f é lisa, ou não singular ou simples em P se mP (f ) = 1; singular caso contrário. A curva f é lisa ou não singular se mP (f ) = 1 para cada P ∈ f . Se mP (f ) = 2, 3, . . . , m, P é dito um ponto duplo, triplo, ..., m-uplo. Um ponto m-uplo P ∈ f é ordinário se f admitir m tangentes distintas no ponto P . Uma cúspide é um ponto duplo com tangentes coincidentes. Um nó é um ponto duplo ordinário. 6. Proposição. (1) Um ponto P ∈ f é liso se e só se ao menos uma das derivadas parciais fX , fY não se anula em P . (2) Se P = (a, b) ∈ f é liso então a (única!) tangente a f em P é dada por fX (P )(X − a) + fY (P )(Y − b) = 0. Demonstração. Ambas as afirmativas decorrem facilmente da fórmula de Taylor, f (X + a, Y + b) = f (a, b) + fX (a, b)X + fY (a, b)Y + g(X, Y ), onde todos os termos de g têm grau ≥ 2. 2 7. Exemplos. (1) A lemniscata (X 2 + Y 2 )2 = X 2 − Y 2 apresenta um nó na origem, com tangentes Y = ±X. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 38 i i 38 Multiplicidades Cap. 3 6 ......................... . . .......................... . . . . . . . . . . . . ... . ..... .... ... ..... ..... ..... .. .... ... .. . . . . . . . .... .. ........ .. . ....... .............. . . . . . ........................ ............. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . . ..... .. ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . . ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ......... ..... ..... ........ .... .... ..... ......... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . . . . ..... .. ..... ..... ..... ..... . . . ..... . .... ..... . . . . ..... .... . . ..... . . ... ..... . . . . ..... .... . . ..... . . ..... .... . . . . ..... . ..... figura 3.4 (2) A cissóide, X 2 − Y (Y 2 + X 2 ) = 0, tem uma cúspide na origem, com tangente vertical X = 0. ...................................... 6 ................................ . . . . . . .................... . . . . . . . . . . . . . . ............. ............. . . . . ........ . . . ..... ........ .... ... .... figura 3.5 Y 2 − 3X 2 Y − Y 3 + X 4 = 0. (3) Singularidade tacnodal: ..... ... ...... . .......6 . . ..... . . . . . ... ..... .... . . ... . . ..... ..... .... .. ...... . . . . . . . ...... ........ ..... .... ............ . .................... ... .............. .... ....... .... figura 3.6 4) Singularidade real isolada: X 2 + Y 2 = X 3. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 39 i i Seção 2 Pontos múltiplos 6 • 39 ..... . . . . .... . . . . . ....... ...... ...... ..... .. figura 3.7 5) Rosácea de 3 pétalas : (X 2 + Y 2 )2 = Y 3 − 3X 2 Y A origem é um ponto triplo ordinário. .. ...6 ..... ..... ... ... ... ... ..... . . . . . . . . . . .. ............................ . . . . . . .. .. ...... .... ............... .................... ... . ... ... ... .. ... .. . . ... ... ... ... ... ... ... ... .. . ... ... ... .. ... .. ... ... ... ... ..... ...... ... ..... .. ... . ... ... ... ... ... .. . ... .. . ... . . ... . . ... figura 3.8 8. Proposição. Se f é uma curva sem componentes múltiplas, então o conjunto dos pontos singulares de f é finito. Demonstração. Lembremos que uma componente irredutı́vel p de f é múltipla se p2 |f (veja o exercı́cio (36, p. 26). Pela proposição anterior, o conjunto dos pontos singulares é dado pelas equações f = fX = fY = 0 Ora, ao menos uma das derivadas parciais, digamos fX , é não identicamente nula. (Leitor: por quê?). Afirmamos que f = fX = 0 admite só um número finito de soluções. Do contrário, pela proposição (4, p. 20), existiria componente irredutı́vel p comum a f e fX . Mas isto acarreta que p2 |f , absurdo. 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 40 i i 40 Multiplicidades Cap. 3 9. Proposição. Seja f uma curva sem componentes múltiplas. Então, para cada ponto P do plano, e para cada reta ℓ contendo P , com exceção de um número finito, ℓ encontra f fora de P em d◦ f − mP (f ) pontos distintos. (Intuitivamente, um ponto de multiplicidade m absorve m interseções de ℓ ∩ f , as demais sendo, em geral, distintas). Demonstração. Suponhamos inicialmente f irredutı́vel. Sem perda de generalidade, podemos supor P = (0, 0). Ponhamos m = mP (f ), d = d◦ f e lembremos a convenção m = 0 ⇐⇒ P 6∈ f . Podemos escrever f = fm + · · · + fd , com fi homogêneo de grau i para m ≤ i ≤ d e fm fd 6= 0. Seja T uma nova indeterminada. Definamos g(X, T ) := X −m f (X, T X) = fm (1, T ) + · · · + X d−m fd (1, T ). O leitor verificará sem dificuldade que g(X, T ) é irredutı́vel em K[X, T ]. Em particular, gX e g não têm componente em comum. Logo, existe um número finito de valores t de T para os quais g(X, t) e gX (X, t) admitem raiz comum. (Essas são as raı́zes múltiplas de g(X, t)). Evitando o número também finito de valores que anulam fm (1, T )fd (1, T ), concluı́mos que g(X, t) é um polinômio em X de grau d − m, com esse mesmo número de raı́zes distintas, e todas 6= 0. Tendo em conta que f (X, tX) = X m g(X, t), concluı́mos que a reta Y = tX encontra f conforme anunciado. Para o caso geral (f possivelmente redutı́vel), aplicamos a parte já demonstrada para cada componente. 2 3 Diagrama de Newton Finalizamos o capı́tulo descrevendo o diagrama de Newton , um método prático para esboçar o traço real de uma curva na vizinhança de um de seus pontos. Para cada termo aij X i Y j efetivamente presente na equação da curva, marcamos o ponto (i, j) em um novo plano. Traçamos em seguida aqueles segmentos ligando dois ou mais desses pontos, com a propriedade de que a reta determinada isola os demais pontos no semi-plano oposto ao da origem. Antes de prosseguirmos, tomemos por i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 41 i i Seção 3 Diagrama de Newton 41 exemplo, X 5 − 5XY 2 + 2Y 5 = 0, para fixar as idéias. A primeira figura é o diagrama de Newton; a segunda, um esboço do traço real de f , próximo à origem. j 5 •..6 . 6 ... ... . 4 − ... ... ... . 3 − ... ... ... .•...... 2− .......... .......... .......... .......... 1− .......... .......... .......... ........- i | | | | • 1 2 3 4 5 · · ·· ··· · · ·· ·· · ... .... . .... . ·· ... ... . . . . · . .... .... · . .... .... .... .. .... ... .... .... ..· .... .... .... .... . . . . · .. .... . ... . ... ··· · ·· ·· · · ··· · ·· figura 3.9 Os termos correspondentes aos pontos (i, j) em um dado segmento, fatorando-se X ou Y , dão uma boa aproximação da curva próximo à origem. No exemplo, o segmento que une (0, 5) a (1, 2) fornece 2Y 5 − 5XY 2 , do qual retemos 2Y 3 − 5X. Esta é a parte do traço de f desenhada em pontilhado. O segundo segmento dá X 5 − 5XY 2 , daı́ o par de parábolas √ X 2 = ± 5Y marcadas em tracejado. Outro exemplo: X 4 + 2X 2 Y 2 + Y 4 = Y 3 − 3X 2 Y j 6 4− • ..... − 3• ..... ..... ..... ..... 2− • ..... ..... ..... ..... .•........ 1− .......... .......... .......... .......... ....•| - i | | | 0 1 2 3 .. 6 .. .. .. .. . . .. .. .. .. · · · · .·...·.· · · · · · · · ·· · . · · . . ··· .. ··· .. · .. .. .. .. 4 figura 3.10 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 42 i i 42 Multiplicidades Cap. 3 O segmento (0, 3)(2, 1) seleciona Y 3 − 3X 2 Y ; cancelando o fator Y , obtemos o par de retas Y 2 = 3X 2 . O outro segmento corresponde à parábola X 2 = −3Y . Compare com a figura 3.8, p. 39. Sem entrar em maiores detalhes, o método funciona porque cada segmento do diagrama seleciona termos da equação que são infinitésimos de mesma ordem, os demais pontos no semiplano oposto ao da origem representando termos de ordem superior. Veja Dieudonné, [12] p. 106. 10. Exercı́cios 47. Analise as interseções de X + Y = 2 com XY = 1 + ε para ε → 0. 48. Determine os pontos singulares com suas respectivas multiplicidades e retas tangentes e esboce as curvas: a) X 3 − 3XY 2 + X 4 + Y 4 + 2X 2 Y 2 = 0. b) Y 5 − 5Y X 2 + 2X 5 . c) Y 2 X − X 2 − Y 2 + X = 0. d) Reveja os exemplos e exercı́cios do capı́tulo I. 49. Mostre que se uma cônica é singular, ela é redutı́vel. Vale a recı́proca? 50. Mostre que mP (f ) é o menor inteiro m tal que alguma derivada parcial de f de ordem m é 6= 0 em P . 51. Dizemos que um ponto P sobre uma curva f é um ponto de inflexão se P é não singular e existe uma reta ℓ tal que (ℓ, f )P ≥ 3. a) Mostre que ℓ é a reta tangente a f em P . (Dizemos então que se trata de uma reta tangente inflexional.) b) Cônicas irredutı́veis não admitem pontos de inflexão. c) Escrevendo f = f1 + f2 + · · · com fi ∈ K[X, Y ] homogêneo de grau i, mostre que P = (0, 0) é um ponto de inflexão se e só se f1 é uma componente de f2 . 52. Determine os pontos de inflexão das curvas seguintes: a) Y = X 3 ; b) Y = Y X 2 + X 3 ; c) X 3 + Y 3 + 3XY = 0; d) X 3 + Y 3 + (X + Y + 1)3 + 3XY (X + Y + 1) = 0; e) (X 2 + Y 2 )2 = X 2 − Y 2 . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 43 i i Seção 3 Diagrama de Newton 43 53. Mostre que, se f é uma curva irredutı́vel e d◦ f ≥ 2, então mP (f ) ≤ d◦ f − 1 para todo P . Para cada d ≥ 2, dê um exemplo de curva irredutı́vel de grau d tendo a origem como ponto (d − 1)-uplo ordinário, e sendo lisa nos demais pontos. 54. Mostre que uma curva redutı́vel é singular em cada ponto de interseção de duas componentes. Dê um exemplo de curva redutı́vel não singular. 55. Sejam m um inteiro ≥ 2 e p(X) um polinômio de uma variável. Prove que uma curva do tipo Y m = p(X) é não singular se e só se p(X) não admite raı́zes múltiplas. 56. Mostre que a condição para que um dado ponto P seja m-uplo para uma curva geral f de grau d ≥ m se expressa por um sistema de (m + 1)m/2 equações lineares independentes, nos coeficientes de f . 57. Por três pontos arbitrários passa sempre uma cúbica que os contém com multiplicidade 2. Se existirem duas tais cúbicas, então os três pontos são colineares e de fato existe uma infinidade. 58. Complete os detalhes da demonstração da proposição (9, p. 40) no caso em que f é redutı́vel. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 44 i i 4 Pontos no infinito As retas aX + bY + c, aX + bY + c′ (c 6= c′ ) não se cruzam a distância finita; a parábola Y = X 2 e a reta X = 0, bem como a hipérbole XY = 1, junto com os eixos coordenados, são mais evidência de que essas interseções que estão “faltando”, e até o presente vêm sendo tratadas como “direções assintóticas”, devem ser melhor estudadas. O desejo de dar um tratamento rigoroso a esses “pontos que deviam estar lá” nos levará a introduzir de maneira sistemática os pontos no infinito. Esses “pontos” serão apresentados inicialmente como entes de natureza aparentemente diversa dos pontos usuais do plano afim. Mas logo veremos ser possı́vel, e mesmo recomendável, eliminar as aspas; os novos pontos não merecerão no final nenhuma distinção especial com relação a seus parceiros atualmente dados a distância finita. A idéia original de acrescentar ao plano usual uma reta no infinito, constituindo um plano projetivo, é devida a Desargues. Seu livro, publicado em 1639, pretendia dar uma fundamentação matemática aos métodos de perspectiva empregados pelos pintores e arquitetos. A concepção de Desargues do plano projetivo é, em essência, a que vamos descrever. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 45 i i Seção 1 1 O plano projetivo 45 O plano projetivo Consideremos o plano afim mergulhado no espaço tridimensional como o plano π de equação Z = 1. z... ..... ... . ... .......... .... ....... ·· ................... .. . . .. .•·.·.·.......···...... .... ................................. . . . . .............. ........... ℓ ......··......···............·•...................·.··•· .......... . . . · . . . · . . . . . .·.. ·· ·· ··· ·· ........... . . . . . . . . . . • . · ... . . . . . . · . ·· . . . . . · . . . · . . · . . . · . . . . . . . · ·· .... .. ℓ ·..·• ·· · · ·· ·· ··· · · · .... · · · ........... . · . · . · · · . · · · ······· · · · · · ... . · · ··· · .............. . . . · ·· .. .............. .............. · · · · · · · · · · · ·..·................. .............. ......·..................... π........ . ................y . . . ....... . . ... . . . . . . .... . . . . figura 4.1 . x........ ′ Cada ponto do plano π determina uma reta passando pela origem e pelo dado ponto. Cada reta de π determina um plano pela origem. Se as retas ℓ, ℓ′ ⊂ π se encontram, seu ponto de interseção dá lugar à reta de interseção dos dois planos associados a ℓ, ℓ′ . Quando as retas ℓ, ℓ′ ⊂ π são paralelas, os planos que elas definem ainda se cruzam, desta feita ao longo de uma reta passando pela origem e contida no plano Z = 0. 1. Definição. O plano projetivo P2 é o conjunto das retas do espaço tridimensional passando pela origem. Do exposto acima, vemos que o plano π se identifica naturalmente com um subconjunto de P2 que ainda denotaremos por π. Os pontos de P2 rπ são chamados de pontos no infinito. Denotamos por (x : y : z) o ponto de P2 que representa a reta ligando a origem O a um ponto (x, y, z) 6= O. Dizemos que x, y, z são coordenadas homogêneas do ponto (x : y : z) relativas à base canônica {(1, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 1)}. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 46 i i 46 Pontos no infinito Cap. 4 Por definição, temos que (x : y : z) = (x′ : y ′ : z ′ ) ⇐⇒ existe constante t 6= 0 tal que (x, y, z) = t(x′ , y ′ , z ′ ). Em geral, fixada uma base qualquer no espaço tridimensional, as coordenadas de um ponto 6= 0 relativas a essa base são chamadas de coordenadas homogêneas do ponto correspondente de P2 . Coordenadas homogêneas de um ponto de P2 (relativas a uma base prefixada) só estão bem definidas a menos de um fator escalar 6= 0. Vamos nos servir da aplicação, q : R3 − {0} −→ P2 (x, y, z) 7−→ (x : y : z) para introduzir uma topologia em P2 , a topologia quociente. Dizemos que um subconjunto U ⊂ P2 é aberto se q −1 (U ) é aberto em R3 − {0} com sua topologia usual. Estabelecemos assim em P2 uma noção de vizinhança, segundo a qual dois pontos de P2 estão “próximos” se as retas associadas em R3 formam um ângulo “pequeno”. O subconjunto de P2 , A2 = {(x : y : z)|z 6= 0}, é aberto e denso em P2 , pois q −1 (A2 ) é o complementar do plano z = 0 em R3 e é evidentemente aberto e denso em R3 − {0}. Pode-se mostrar que a aplicação R2 −→ A2 ⊂ P2 (x, y) 7−→ (x : y : 1) é uma bijeção contı́nua, com inversa também contı́nua. Desta maneira, passamos a considerar o plano afim R2 como contido em P2 , identificando-o com A2 . 2 Espaços projetivos Considerações análogas se aplicam, mais geralmente, para a definição do espaço projetivo associado a um espaço vetorial V de dimensão arbitrária sobre um corpo K. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 47 i i Seção 2 Espaços projetivos 47 2. Definição. O espaço projetivo P(V ) associado a um espaço vetorial V é o conjunto dos subespaços de V de dimensão 1. Se V = K n+1 , escrevemos PnK = P(V ), ou simplesmente Pn . As coordenadas homogêneas de um ponto P ∈ P(V ) relativas a uma base {v0 , . . . , vn } de V são as coordenadas (x0 , . . . , xn ) de um vetor não nulo do subespaço unidimensional representado por P . Fixada a base, escrevemos P = (x0 : · · · : xn ) para indicar um ponto com essas coordenadas homogêneas. Para cada i = 0, . . . , n, o subconjunto de Pn Ui = {(x0 : · · · : xn ) | xi 6= 0} pode ser identificado com K n através da bijeção (x0 : · · · : xn ) ←→ ( x0 xn ,..., ) xi xi (omitir xi ). xi Convencionamos escrever An = Un ; salvo menção em contrário, identificamos K n com An ⊂ Pn . O complementar de An em Pn consiste em pontos da forma (x0 : · · · : xn−1 : 0). Desta maneira, Pn rAn identifica-se a um Pn−1 , que convencionamos chamar hiperplano no infinito . (Veja o exercı́cio (68, p. 53), b)). Em particular, P0 consiste em um só ponto. Já P1 , a reta projetiva, é a reta usual A1 com um ponto extra no infinito. Quando K = R, podemos visualizar a reta projetiva real P1 (R) como a circunferência, com o ponto no infinito indicado na figura: ∞ ...........•............. ........· · ·········· ............. . . . . · .... .... · · · · ·· ... ... · · · · ···· ··· ... · · . · ·· ... · · ·.. · · 1 ·· · · ... ··· · .. P (R) ·· ... ·· . ·· · . ·· · ..·.· . ·· .. . ·· .... . · . · ..... · ........ ··· ........... ·· · . . . . . . . . . . ..........................·..................................................................... ...... ... ... ... .·.. ... ... ........... .... ............................................................................................... R figura 4.2 Analogamente, a reta projetiva complexa pode ser identificada com a esfera, via projeção estereográfica. Mas esta interpretação será ignorada aqui. Preferimos encarar P1 (C) como um objeto uni-dimensional. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 48 i i 48 Pontos no infinito 3 Curvas projetivas Cap. 4 Passemos a investigar como se situam as curvas planas afins nesse ambiente mais amplo. Comecemos com as retas. Para o resultado seguinte, suporemos K = R (ou C). 3. Proposição. Seja ℓ : aX + bY + c = 0 (com a ou b 6= 0), e seja ℓ a aderência de ℓ em P2 . Então temos ℓ = ℓ ∪ {(b : −a : 0)} = {(x : y : z) | ax + by + cz = 0}. Demonstração. Denotemos por ℓ∗ o segundo membro da última igualdade proposta. É imediato que ℓ∗ = ℓ ∪ {(b : −a : 0)}. Mostremos que ℓ = ℓ∗ . Por definição da topologia de P2 , resulta ℓ∗ fechado em P2 . Visto que ℓ ⊂ ℓ∗ , segue-se ℓ ⊂ ℓ∗ . Resta mostrar que o ponto no infinito P = (b : −a : 0) pertence a ℓ. Para isso, basta exibirmos uma seqüência de pontos Pn ∈ ℓ com lim Pn = P . Suponhamos, por exemplo, b 6= 0. n→0 Seja Pn = (bn : −an − c : b). Temos Pn = (n : (−an − c)/b : 1) = (b : −a − c/n : b/n). A primeira igualdade mostra que Pn ∈ ℓ; a segunda mostra que Pn → P , pois lim (b, −a − c/n, b/n) = (b, −a, 0) em R3 r {0} e q : R3 r {0} → P2 n→0 é contı́nua. 4. Definição. Seja 2 f = d P 0 fi , onde cada fi ∈ K[X, Y ] é homogêneo de grau i, fd 6= 0. A homogeneização de f é o polinômio homogêneo de grau d = d◦ f , f ∗ (X, Y, Z) = ΣZ d−i fi (X, Y ). Deixamos a cargo do leitor a verificação de que o resultado anterior se generaliza para uma curva f arbitrária: o subconjunto de P2 , {(x : y : z) | f ∗ (x, y, z) = 0}, é igual à aderência de f em P2 . Não faremos mais uso deste fato, nem de outras propriedades topológicas de P2 . Incluı́mos essa discussão apenas para motivar a definição seguinte. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 49 i i Seção 3 Curvas projetivas 49 5. Definição. Uma curva plana projetiva é uma classe de equivalência de polinômios homogêneos não constantes, F ∈ K[X, Y, Z], módulo a relação que identifica dois tais polinômios, F, G, se um for múltiplo constante do outro. Reveja a definição (5, p. 11). Adotaremos, mutatis mutandis, as definições e convenções feitas no capı́tulo I para o caso afim. Deixamos a cargo do leitor a transcrição das definições de traço, equação, componente irredutı́vel e grau feitas anteriormente. Observemos que, se F é um polinômio homogêneo de grau d, a relação F (tx, ty, tz) = td F (x, y, z) mostra que a condição para que um ponto (x : y : z) pertença ao traço de uma curva projetiva é independente das coordenadas homogêneas. Curvas de grau 1, 2, 3, . . . são, como antes, chamadas retas, cônicas, cúbicas, etc. A reta Z = 0 é usualmente chamada de reta no infinito, mas a escolha é meramente psicológica. Mudando a base de K 3 , podemos decretar que qualquer reta de P2 previamente estipulada seja a reta no infinito. Seu complementar (Z 6= 0) é o plano A2 , cujos pontos são ditos estarem a distância finita. O fecho projetivo de uma curva afim f é a curva projetiva definida pela homogeneização f ∗ . Os pontos a distância finita sobre uma curva F são dados pela equação F (X, Y, 1) = 0. O polinômio no primeiro membro desta equação é a desomogeneização de F com respeito a Z, denotado F∗ . Note que F∗ é não constante, a menos que F seja igual a uma potência de Z. (Equivalentemente: o traço de F coincide com a reta no infinito). Observaremos a seguinte Convenção: Doravante, as curvas algébricas planas afins f (X, Y ) = 0 serão consideradas implicitamente como a parte que se acha a distância finita sobre a curva projetiva f ∗ (X, Y, Z) = 0. Assim, quando nos referirmos, por exemplo, à parábola Y = X 2 , estaremos automaticamente pensando em ZY = X 2 . O termo curva significará curva plana projetiva, salvo menção em contrário. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 50 i i 50 Pontos no infinito 4 Mudança de coordenadas projetivas Cap. 4 Estudemos agora o comportamento da equação de uma curva por mudança de coordenadas projetivas. 6. Definição. (Compare com a definição 9, p.15.) Seja T : K 3 → K 3 um isomorfismo linear. Visto que uma tal aplicação preserva retas de K 3 passando pela origem, temos definida uma bijeção natural, ainda designada por T : P2 → P2 , chamada uma projetividade ou mudança de coordenadas projetivas em P2 . Mais geralmente, define-se de maneira análoga projetividade em um espaço projetivo P(V ) arbitrário. Temos também induzido um K-isomorfismo T• : K[X, Y, Z] → K[X, Y, Z] tal que, para todo (x, y, z) ∈ K 3 e todo polinômio f , (T• f )(x, y, z) = f (T −1 (x, y, z)). (1) Mais explicitamente, escrevendo X = X1 , Y = X2 , Z = X3 e designando por (aij ) a matriz de T −1 relativa à base canônica de K 3 , temos (T• f )(X1 , X2 , X3 ) = f (Σa1j Xj , Σa2j Xj , Σa3j Xj ). A imagem de uma curva projetiva F por uma projetividade T é a curva definida por T• F . As curvas F e T• F são ditas congruentes. Dizemos que uma propriedade P relativa à curva F é invariante ou independente das coordenadas se F satisfaz P somente se T• F a satisfaz para toda projetividade T . Definição análoga se aplica a propriedade relativa a outras configurações. (Comparar com a definição (12, p. 16)). São exemplos de propriedades invariantes o grau de uma curva projetiva, a colinearidade de pontos, a redutibilidade de uma curva, e várias outras que veremos no decorrer do curso. 7. Proposição. Sejam {L1 , L2 , L3 } , {H1 , H2 , H3 } conjuntos de três retas de P2 não concorrentes (i.e. ∩ Li = ∩Hj = ∅). Então existe uma projetividade T tal que T• Li = Hi para i = 1, 2, 3. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 51 i i Seção 4 Mudança de coordenadas projetivas 51 Demonstração. Cada reta em P2 corresponde a um plano de K 3 passando pela origem, denotado a seguir pelo mesmo sı́mbolo. Seja ui (resp. vi ) um vetor não nulo na interseção dos planos Lj , Lk (resp. Hj , Hk ) para {i, j, k} = {1, 2, 3}. Então os ui (resp. vi ), i = 1, 2, 3 formam uma base de K 3 . Assim, existe um isomorfismo linear T definido pela condição T ui = vi , i = 1, 2, 3. Visto que ui , uj geram Lk , temos efetivamente T• Li = Hi . 2 8. Exemplos. (1) Duas retas em P2 sempre se encontram porque dois planos passando pela origem em K 3 sempre contêm uma reta em comum. Em particular, as retas afins aX + bY + c = 0, aX + bY + c′ = 0 se cruzam no infinito, no ponto (b : −a : 0). (2) A parábola Y 2 = X cruza Y = 0 nos dois pontos (0 : 0 : 1) e (1 : 0 : 0) (este último que “estava faltando”...). (3) A hipérbole XY = 1 cruza X = 0 no ponto (0 : 1 : 0). Este se encontra no complementar da reta Y = 0. Tomando-a como a nova reta no infinito, desomogeneizando XY − Z 2 com relação a Y , obtemos a parábola afim X = Z 2 (que é tangente a X = 0). (4) A elipse X 2 /a2 + Y 2 /b2 = 1 é a parte da cônica X 2 /a2 + Y 2 /b2 = Z 2 a distância finita. Escolhendo a reta X = 0 como a reta no infinito, obtemos agora, a distância finita, a hipérbole Z 2 − Y 2 /b2 = 1/a2 . Tente imaginar os dois ramos de uma hipérbole se encontrando no ∞. Talvez você se convença de que a hipérbole e a elipse são de fato dois aspectos da mesma curva: ·· ·· . ............................... . . •·............................. ........· . . . . . · . . . . . . ... · . .... . .. · . . . . . . . . . . . . . .... ·· ......................... ·· ........ .. ....... .. ...····· ........ ... . ·· ............................... . ·· ........ .. . ... ........ ... . . . . . . · . . . . . . . . . .... .................. . ·· ·· ·· ........ .. . ........ . . ........ . . . . · . . . . . .. .................................. .. ·· ·· ·· . .. ·· . ..................... ..................... .. . . ·· · . . . ·· . ........ ·· .. ........ ... ·· ·· ........ .. .. ... ................... ........ .. ·· .. . ........ .. · ·· ....................................... . ........ ... · . ........ .. · ... ·· .... ........... ·· ................................ ........... · · ........ ........ · ... ........· . ··................. . . .. . ........................ ...•······ • · ⋆ ⋆ ⋆ figura 4.3 Imagine as retas pontilhadas representando a reta no infinito. É por vezes conveniente fazer uma representação gráfica de P2 desenhando o chamado triângulo de referência formado pelas retas X = 0, Y = 0, e Z = 0 (esta última tomada no ∞). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 52 i i 52 Pontos no infinito Cap. 4 A primeira figura mostra o ramo positivo da hipérbole XY = 1 . ...... .. ...... .. ...... .. ...... ...... .... ...... .. ....... ...... .. ....... .. ........... ...... .. ...... ... ...... .. ...... .. ...... .. ...... ... ...... ...... ... ...... ... ...... ...... ... ...... ... ...... . . . .......................................................................................................................................................................................................................................................................... ...... . ...... ... ...... ... ...... . ...... .. ...... ... ...... ...... ... ..... ... ... ... ... . .. .. .. ....... ..... ... ... .... ..... ....... ............ .. ............................... Y =0 ................................ ........... ...... .... ... ........ X = 0 Z=0 figura 4.4 efetivamente tangenciando no infinito os eixos X = 0 e Y = 0, e se prolongando com o ramo negativo. Na próxima figura, representamos a parábola cúbica Y = X 3 exibindo seu ponto cuspidal (ou de reviravolta) no ∞. . ....... ... ....... . .......... ......... .. ............................................ .. .................... ... ....... Z = 0 ... ....... . .... ... . . Y =0 . . . . . . . . . . . ..................................................................................... ..................................................................... ...... . .... .. ..... . . . . . .... .. .. .. . . . .. ...... .. X = 0 figura 4.5 9. Exercı́cios 59. Construa uma seqüência de pontos Pn a distância finita sobre a hipérbole XY = 1 tal que lim Pn = (0 : 1 : 0). n→∞ 60. Mostre que todo ponto de P2 r A2 está na aderência de alguma reta afim. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 53 i i Seção 4 Mudança de coordenadas projetivas 53 61. Mostre que as direções assintóticas de uma curva afim f estão em correspondência com as interseções de f ∗ com a reta no infinito Z = 0. 62. Prove que f ∗ é a aderência da curva afim f ⊂ A2 . 63. Demonstre as fórmulas: a) (f g)∗ = f ∗ g ∗ ; b) (F G)∗ = F∗ G∗ ; c) (f ∗ )∗ = f ; d) Z n (F∗ )∗ = F , onde n = d◦ F − d◦ F∗ . 64. Prove que um produto de polinômios é homogêneo se e só se cada fator é um polinômio homogêneo. (Este fato foi implicitamente suposto na definição de componente de uma curva plana projetiva). 65. Mostre que uma curva afim f é irredutı́vel se e só se f ∗ é uma curva projetiva irredutı́vel. 66. Seja F uma curva projetiva irredutı́vel e seja G uma curva projetiva. Mostre que se F ⊆ G então F divide G. 67. Sejam Pi = (ai1 : ai2 : ai3 ) ∈ P2 , i = 1, 2, 3. Prove que eles são colineares se e só se det(aij ) = 0. 68. Seja V um espaço vetorial. a) Para cada subespaço vetorial W ⊂ V , mostre que P(W ) se identifica a um subconjunto de P(V ), o que nos permite o abuso de notação, P(W ) ⊂ P(V ); se W ′ é outro subespaço de V , mostre que P(W ′ ) = P(W ) ⇐⇒ W = W ′ . O subconjunto P(W ) ⊆ P( V ) é dito um subespaço projetivo de P(V ). b) Suponha dim W = dim V − 1 e seja v0 um ponto de V fora de W . Para cada v ∈ V , seja [v] o subespaço gerado. Mostre que a aplicação w 7→ [w + v0 ] é uma bijeção de W em P(V ) r P(W ). c) Definimos a dimensão (resp. codimensão) de P(W ) por dim P(W ) = dim W −1 (resp. codim P(W ) = dim V −dim W ). Mostre que dim P(W ) ≥ 0 ⇐⇒ P(W ) 6= ∅. d) Mostre que toda interseção de subespaços projetivos é um subespaço projetivo. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 54 i i 54 Pontos no infinito Cap. 4 e) Mostre que se S1 , S2 são subespaços projetivos então codim(S1 ∩ S2 ) ≤ codim S1 + codim S2 . f) Uma reta (resp. hiperplano) em P(V ) é um subespaço de dimensão (resp. codimensão) 1. Mostre que toda reta encontra qualquer hiperplano de P(V ). 69. Seja Vd o espaço dos polinômios homogêneos F (X, Y, Z) de grau d. a) Mostre que o conjunto das curvas de grau d identifica-se naturalmente com P(Vd ). b) Calcule dim P(Vd ). c) Mostre que as curvas de grau d que passam por um ponto fixo de P2 formam um hiperplano em P(Vd ). d) Mostre que o conjunto das retas de P2 que passam por um ponto P é uma reta de P(V1 ) (dita a reta dual do ponto P ). e) A reta de P2 determinada por dois pontos distintos é representada em P(V1 ) pelo ponto de interseção das duas retas duais; três pontos de P2 são colineares se e só se suas retas duais são concorrentes. 70. Sejam P1 , . . . , P5 ∈ P2 cinco pontos distintos. Seja Si o conjunto das cônicas que passam por P1 , . . . , Pi . a) Mostre que Si é um subespaço projetivo de P(V2 ) e que codim Si = i para i = 1, 2 ou 3. b) Mostre que dim S4 = 1 se e só se P1 , . . . , P4 não são colineares. Neste caso, conclua que existem cônicas F1 , F2 tais que a condição necessária e suficiente para que uma cônica F contenha P1 , . . . , P4 é que F seja da forma x1 F1 + x2 F2 para algum (x1 : x2 ) ∈ P1 . c) Investigue sob quais condições os cinco pontos determinam uma única cônica. 71. Prove que o grupo das afinidades de A2 é isomorfo ao grupo das projetividades de P2 que deixam a reta no infinito invariante. 72. Dados dois conjuntos {Pi }, {Qi } de quatro pontos de P2 , três a três não colineares, mostre que existe uma única projetividade T tal que T Pi = Qi , i = 1, . . . , 4. Generalize para Pn . 73. Prove que dois isomorfismos lineares que induzem a mesma projetividade são múltiplos escalares um do outro. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 55 i i Seção 4 Mudança de coordenadas projetivas 55 74. Associe a cada cônica, F = a11 X 2 + a22 Y 2 + a33 Z 2 + 2(a12 XY + a13 XZ + a23 Y Z), a matriz simétrica SF = (aij ). Denote por t (X, Y, Z) o vetor coluna. a) Mostre que F (X, Y, Z) = (X, Y, Z)SF t (X, Y, Z). b) Seja M = (mij ) uma matriz invertı́vel 3×3 e denotemos pela mesma letra a projetividade associada (M (x1 : x2 : x3 ) = (Σm1j xj : Σm2j xj : Σm3j xj )). Prove que SM• F = t M −1 SF M −1 . c) Mostre que toda cônica é congruente por uma projetividade a exatamente uma das seguintes: XY = Z 2 , XY = 0, X 2 = 0. Em particular, do ponto de vista complexo–projetivo, a parábola, a hipérbole e a elipse são congruentes; elas diferem pela posição relativa à reta no infinito. 75. Mostre que a cissóide X 2 = Y (Y 2 + X 2 ) é congruente à cúbica cuspidal Y 2 = X 3 . (Homogeneizar primeiro!). A trissectriz de Maclaurin e o folium de Descartes também são congruentes entre si. 76. Prove que se uma cônica tem três pontos colineares ela é redutı́vel. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 56 i i 5 Interseção de Curvas Projetivas A motivação originalmente presente na criação do plano projetivo foi o desejo de abolir o paralelismo de retas: em P2 , duas retas sempre se cruzam. Mas na realidade P2 é muito mais prodigioso. Veremos que duas curvas projetivas planas quaisquer sempre se cruzam.1 Melhor ainda: é possı́vel atribuir, a priori, multiplicidades de interseção de maneira que o número total de pontos comuns às duas curvas, contados com as respectivas multiplicidades, seja ou igual ao produto dos graus dessas curvas, ou infinito. Este último caso ocorre somente se houver componente comum às duas curvas. Em essência, é esse o enunciado do teorema de Bézout. 1 Interseção de reta e curva, agora projetivas. Seja L uma reta e seja F uma curva de grau d. Suponhamos inicialmente L = X. Temos então: P = (0 : y : z) ∈ X ∩ F ⇐⇒ F (0, y, z) = 0. Ora, o polinômio F (0, Y, Z) ou bem é identicamente nulo (caso em que X ⊂ F ), ou é homogêneo de grau d, decompondo-se na forma Y F (0, Y, Z) = (zi Y − yi Z)mi , 1 Compare com a extensão dos números reais aos complexos: ao se permitir resolver a equação X 2 + 1 = 0, resulta que todas as equações polinomiais passam a ter raı́zes! i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 57 i i Seção 1 Interseção de reta e curva, agora projetivas 57 onde os pontos Pi = (0 : yi : zi ) são dois a dois distintos e constituem X ∩ F. Chamamos naturalmente o expoente mi de multiplicidade de interseção de X, F em Pi . Deixamos a cargo do leitor a verificação de que essas multiplicidades coincidem com as definidas anteriormente (quando comparáveis). Em especial, se (0 : 1 : 0) ∈ X ∩ F , a multiplicidade aqui definida coincide com aquela no então chamado ponto impróprio da reta. 1. Proposição. Seja L uma reta e seja F uma curva de grau d. Se L 6⊆ F então L ∩ F = {P1 , . . . , Pr }, onde Pi 6= Pj para i 6= j e existem inteiros mi ≥ 1 bem determinados pela seguinte condição : Se T é qualquer projetividade tal que T• L = X, então r Y (zi Y − yi Z)mi , (T• F )(0, Y, Z) = 1 onde T Pi = (0 : yi : zi ) para i = 1, . . . , r. Em particular, Σmi = d. Demonstração. Consideremos o diagrama de homomorfismos de anéis K[X, Y, Z] y T• −−−^ −−−−−→ K[X, Y, Z] y K[X, Y, Z]/hLi −−−^ −−−−−→ T• K[Y, Z]. A primeira das flechas verticais é a aplicação quociente g 7→ g = g + hLi (apêndice, definição (11, p. 138)); a segunda é dada por g(X, Y, Z) 7→ g(0, Y, Z), enquanto T• é o isomorfismo induzido por T• . Assim, K[X, Y, Z]/hLi é isomorfo ao domı́nio fatorial K[Y, Z]. Portanto, F admite fatoração única, F = pn1 1 . . . pns s , onde os pi ’s são irredutı́veis distintos e cada expoente ni é ≥ 1. Levando em conta que T• (F ) = (T• F )(0, Y, Z) e comparando as decomposições, i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 58 i i 58 Interseção de Curvas Projetivas Cap. 5 concluı́mos que r = s e ni = mi , a menos de reordenação. Finalmente, a afirmativa com relação aos T Pi é evidente. 2 2. Definição. A multiplicidade ou ı́ndice de interseção da reta L com uma curva F no ponto P é definida por ∞ se P ∈ L ⊂ F 0 se P 6∈ L ∩ F (L, F )p = mi se P = Pi nas condições da proposição anterior. A proposição acima pode ser reenunciada, dizendo que L ∩ F consiste em d◦ F pontos contados com multiplicidades; é um caso particular do teorema de Bézout. O caso geral será visto mais adiante. A mesma proposição revela que, com o emprego de uma projetividade conveniente, podemos sempre supor, para o cálculo de (L, F )P , que P se encontra a distância finita e que L e F são distintos da reta no ∞. Nessas circunstâncias, é imediato que (L, F )P = (L∗ , F∗ )P , onde o segundo membro é a multiplicidade de interseção definida no caso afim. Assim, os resultados do capı́tulo III podem ser transcritos para as curvas projetivas. Em especial, temos a seguinte 3. Proposição. Seja F uma curva projetiva e seja P um ponto de F . Então existe um inteiro m = mP (F ) ≥ 1 tal que, para toda reta L passando por P , vale (L, F )P ≥ m, ocorrendo desigualdade estrita para no máximo m retas e no mı́nimo uma. Demonstração. Movendo F e P com uma projetividade, podemos supor que a reta no infinito não contém P . Assim, reduzimos ao caso afim, quando então o enunciado é conseqüência da proposição (4, p. 36). 2 4. Definição. (Comparar com a definição 5, p. 36.) O inteiro mP (F ) descrito acima é a multiplicidade de F (resp. P ) em P (resp. F ). Se P 6∈ F , convencionamos mP (F ) = 0. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 59 i i Seção 1 Interseção de reta e curva, agora projetivas 59 Dizemos que P é um ponto simples ou não singular ou liso de F , e que F é simples ou não singular ou lisa em P se mP (F ) = 1; P é múltiplo ou singular se mP (F ) ≥ 2. A curva F é lisa ou não singular se o for em cada um de seus pontos. Se mP (F ) = 2, 3, . . . , m, dizemos que P é um ponto duplo, triplo,. . . , m-uplo. As retas tangentes a F em P são as retas distinguidas na proposição anterior. Se f é uma curva afim e F = f ∗ , é imediato que mP (F ) = mP (f ) para cada ponto P ∈ A2 . Portanto, as definições acima são consistentes com as dadas no capı́tulo III. Para a determinação de mP (F ) e das retas tangentes, reduzimos ao caso afim, desomogeneizando F com relação a uma variável que não se anula no ponto P . 5. Exemplo. A parábola cúbica Y = X 3 é singular no infinito, no ponto P = (0 : 1 : 0). Desomogeneizando F : Z 2 Y = X 3 com relação a Y (que tomamos como nova reta no infinito) obtemos Z 2 = X 3 . Segue-se que mP (F ) = 2, (Z, F )P = 3 e (L, F )P = 2 para qualquer reta L 6= Z passando por P . (Veja as figuras 3.2, p. 35 e 4.5, p. 52.) 6. Proposição. Seja F uma curva de grau m e seja P ∈ P2 . Então temos: (1) (fórmula de Euler) mF = XFX + Y FY + ZFZ . (2) P é um ponto singular de F se e só se FX (P ) = FY (P ) = FZ (P ) = 0. (3) Se F é lisa em P então a reta tangente a F neste ponto é FX (P )X + FY (P )Y + FZ (P )Z = 0. Demonstração. (1) Sendo ambos os membros lineares como funções de F , é suficiente verificar a fórmula quando F é um monômio X i Y j Z k , i + j + k = m, o que é imediato. (2) Suponhamos P = (a : b : 1). Pela proposição (6, p. 37)(1), P é um ponto singular de F se e só se (F∗ )X = (F∗ )Y = F∗ = 0 em (a, b). Aplicando (1), concluı́mos dessas igualdades que FZ (P ) = 0. Reciprocamente, se FX (P ) = FY (P ) = FZ (P ) = 0, então F∗ = (F∗ )X = (F∗ )Y = 0 em P . O mesmo argumento se aplica se P é da forma (a : 1 : b) ou (1 : a : b). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 60 i i 60 Interseção de Curvas Projetivas Cap. 5 (3) Suponhamos, por exemplo, P = (a : b : 1). De acordo com a proposição 6(2), p.37, a reta tangente é dada pelo polinômio (já homogeneizado) (F∗ )X (a, b)(X − aZ) + (F∗ )Y (a, b)(Y − bZ), que é igual a FX (P )X + FY (P )Y − Z[aFX (P ) + bFY (P )]. Por (1), a expressão entre colchetes coincide com −FZ (P ). 2 7. Exercı́cios 77. Para cada inteiro m ≥ 1, construa uma curva F , de grau m, tal que a origem O = (0 : 0 : 1) seja um ponto liso e a multiplicidade de interseção (X, F )O seja igual a um. É possı́vel conseguir F lisa (inclusive no infinito)? 78. Mostre que toda cúbica com dois pontos singulares é redutı́vel. 79. Ache as multiplicidades dos pontos no ∞ e os ı́ndices de interseção com a reta no ∞ para cada uma das curvas consideradas nos capı́tulos I e III. 80. Mostre que uma curva projetiva F ⊂ P2 é não singular se e só se F (X, Y, 1), F (X, 1, Z) e F (1, Y, Z) são todas não singulares (ou ∅). Mostre com um exemplo que duas dessas podem ser não singulares embora F seja singular. 81. Seja F uma curva irredutı́vel de grau d. Mostre que existem d(d+3) 2 pontos tais que F é a única curva deste grau que os contém. (Sugestão: existem retas L1 , . . . , Ld , cada qual cortando F em d pontos distintos, e tais que Li ∩ Lj ∩ Lk = Li ∩ Lj ∩ F = ∅ para i, j, k distintos. Tome P ∈ F , fora dos Li ’s; depois escolha i + 1 pontos distintos em Li ∩ F (i = 1, . . . , d − 1) e mais d pontos em Ld ∩ F . Se existisse G 6= F contendo estes pontos, com d◦ G = d, existiria uma curva H da forma xF + yG (com (x : y) ∈ P1 ) contendo um (d + 1)-ésimo ponto de Ld . Logo Ld ⊂ H, etc...) 82. Prove que toda curva projetiva lisa é irredutı́vel. (Compare com o exercı́cio 49, p. 42). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 61 i i Seção 2 2 O teorema de Bézout 61 O teorema de Bézout Consideremos agora o problema do cálculo do número de pontos de interseção de duas curvas projetivas F, G de graus arbitrários. 8. Lema. Sejam F, G curvas planas projetivas. Então F ∩ G é finita se e só se F, G não admitem componente em comum. Demonstração. Se F, G não admitem fator comum em K[X, Y, Z] então F∗ , G∗ também não o admitem em K[X, Y ]. Com efeito, se F∗ = f h, G∗ = gh, com f, g, h ∈ K[X, Y ] e h não constante, então (F∗ )∗ = f ∗ h∗ , (G∗ )∗ = g ∗ h∗ . Daı́ se seguiria que h∗ é fator de F, G, contradição. Como F∗ , G∗ não têm componente comum, segue-se que F e G têm interseção finita, a distância finita. Como F ∩Z ou G∩Z é finita, (senão Z seria componente comum) temos que F ∩ G é finita. A recı́proca é trivial. 2 Esclarecida a finitude de F ∩ G, propomo-nos calcular seu número de pontos. Note que ainda não apresentamos nenhuma garantia de que F ∩ G seja não vazia, em geral. Isto será uma conseqüência do teorema de Bézout. 9. Definição. Sejam Pi = (xi : yi : zi ), i = 1, . . . , r os distintos pontos de F ∩ G. Diremos que F, G estão em boa posição ou bem posicionadas se P0 = (0 : 1 : 0) 6∈ F ∩ G. Diremos que F, G estão em muito boa posição ou muito bem posicionadas se P0 6∈ F ∩ G e se, para cada par Pi , Pj ∈ F ∩ G, P0 , Pi , Pj são não colineares. Esta última condição é equivalente à exigência de que i 6= j implique (xi : zi ) 6= (xj : zj ). Suporemos no que segue-se que F, G não têm componente em comum. Escrevamos F = A0 Y d + A1 Y d−1 + . . . +Ad , G = B0 Y e + . . . . . . +Be , onde Ai , Bj ∈ K[X, Z] são homogêneos de graus i, j. É claro que (0 : 1 : 0) ∈ F ⇐⇒ A0 = 0. Logo, estando F, G bem posicionadas, temos A0 ou B0 6= 0. Lembrando o lema 16, p.27, a resultante R = R(X, Z) de F, G com respeito a Y é homogênea de grau d · e. Por outro lado, levando em conta que A0 ou B0 6= 0, para cada (x : z) ∈ P1 temos R(x, z) = 0 ⇐⇒ ∃ (x : y : z) ∈ F ∩ G. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 62 i i 62 Interseção de Curvas Projetivas Cap. 5 Supondo F, G muito bem posicionadas, concluı́mos que R escreve-se na forma r Y R(X, Z) = c (zi X − xi Z)mi i=1 onde • c é uma constante6= 0, • Pi = (xi : yi : zi ), i = 1, . . . , r, são os distintos pontos de F ∩ G, • os expoentes mi são inteiros ≥ 1 e Σmi = d · e. É natural, portanto, adotarmos a seguinte 10. Definição. A multiplicidade ou ı́ndice de interseção de F, G no ponto P é dada por 0 se P 6∈ F ∩ G (F, G)P = mi se P = Pi nas condições acima. Observando que Σmi = d◦ R = (d◦ F ) · (d◦ G), demonstramos, para o caso em que F, G estão bem posicionadas, o importante 11. Teorema de Bézout. Se F, G são curvas planas projetivas sem componente em comum então o número de pontos na interseção F ∩ G, contados com multiplicidade, é igual a (d◦ F ) · (d◦ G) Para o caso geral, é necessário definirmos o ı́ndice (F, G)P livre da hipótese de bom posicionamento. Ora, se F ∩ G é finito, é claro que existe uma projetividade T tal que T• F, T• G estão em muito boa posição. A sugestão foi lançada: 12. Definição. O ı́ndice ou multiplicidade de interseção de curvas projetivas F, G sem componentes em comum no ponto P ∈ P2 é (F, G)P = (T• F, T• G)T P onde T denota uma projetividade tal que T• F, T• G estejam muito bem posicionadas, de maneira que o segundo membro pode ser calculado como na definição 10. 13. Exemplo. O cı́rculo F : X 2 + Y 2 = 2XZ e a parábola i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 63 i i Seção 2 O teorema de Bézout 63 G : Y 2 = XZ não estão muito bem posicionados. Reveja o exemplo (11, p. 24): os pontos de interseção (1:1:1) e (1:–1:1) são colineares com (0:1:0). Aplicando a projetividade T que fixa Z e troca X por Y , obtemos T• F = X 2 + Y 2 − 2Y Z, T• G = X 2 − ZY , que agora estão em muito boa posição. A resultante é X 2 (X −Z)(X +Z), indicando as multiplicidades 2 e 1 dos pontos (0 : 0 : 1) e (1 : ±1 : 1) respectivamente . O leitor atento objetará de imediato, pois a “definição” 12 acima proposta só é honesta se provarmos que o segundo membro independe da projetividade T . Mãos à obra, pois! 14. Proposição. Sejam F, G curvas muito bem posicionadas. Seja T uma projetividade tal que T• F, T• G também estão muito bem posicionadas. Então (F, G)P = (T• F, T• G)T P ∀P ∈ P2 . Demonstração. Usaremos um artifı́cio notável, devido a Seidenberg [29]. A idéia é provar a igualdade quando T é a projetividade genérica. Precisamente, sejam Wij (i, j = 1, 2, 3) nove indeterminadas, e seja L = K(Wij ), o fecho algébrico do corpo de funções racionais nessas novas variáveis. O plano projetivo P2K se identifica a um subconjunto de P2L , o plano projetivo a coordenadas no corpo L. Note que F, G definem curvas em P2L , que denotamos por F , G. O fato importante a observar é que, mesmo considerando pontos com coordenadas em L ⊃ K, temos ainda F ∩ G = F ∩ G = {P1 , . . . , Pr } . Com efeito, as coordenadas de um ponto de F ∩ G provêm das raı́zes da resultante de F, G com relação a uma variável conveniente, e portanto satisfazem uma equação algébrica a coeficientes em K. Sendo este corpo algebricamente fechado, vemos que os pontos comuns a F , G em P2L são os que já conhecı́amos, em F ∩ G. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 64 i i 64 Interseção de Curvas Projetivas Cap. 5 A projetividade genérica W é a projetividade de P2L definida por W (x1 : x2 : x3 ) = (ΣW1j xj : ΣW2j xj : ΣW3j xj ) . Consideremos agora os “transladados genéricos”, W• F , W• G. Temos, por definição (veja (1), p.50) (W• F )(X, Y, Z) = F (W −1 (X, Y, Z)). Eliminamos os denominadores desta última expressão, definindo F W (X, Y, Z) = (det(Wij ))d F (W −1 (X, Y, Z)), (d = d◦ F ). Assim, F W é um polinômio a coeficientes em K[{Wij }], anel dos polinômios nas variáveis Wij . É claro que F W e W• F definem a mesma curva em P2L , pois diferem por um múltiplo constante. Para cada projetividade T definida por uma matriz (tij ) a coeficientes em K, é evidente que o resultado da substituição Wij → tij em F W é T• F . (Dizemos então que especializamos Wij para tij .) Note ainda que para cada ponto Q ∈ F W ∩P GW , existeP P = (x1 :P x2 : x3 ) ∈ F ∩ G tal que W (P ) = Q, a saber, Q = ( W1i xi : W2i xi : W3i xi ). Agora observemos que F W , GW estão muito bem posicionadas. Com efeito, se P0 = (0 : 1 : 0) pertencesse a F W ∩ GW , terı́amos P0 = W (P ) (⋆) para algum P ∈ F ∩ G. Ora, a relação (⋆) fornece uma equação de dependência algébrica (de fato linear) não trivial para os W Pij ’s, a coeficientes em K: se P = (x1 : x2 : x3 ) com xi ∈ K, terı́amos xj W1j = 0 contrariando a escolha dos Wij como indeterminadas sobre o corpo K. Alternativamente, especializando (Wij ) para a matriz identidade, viria P0 ∈ F ∩ G, proibido por hipótese. Da mesma forma, se existissem pontos distintos Q, Q′ ∈ F W ∩ GW colineares com P0 , concluirı́amos a existência de P, P ′ ∈ F ∩ G colineares com P0 . Basta notar que, se Q = W (P ), Q′ = W (P ′ ) são colineares com P0 , o determinante da matriz com linhas Q, Q′ e P0 é um polinômio que se anula para toda especialização Wij → tij . Calculando a resultante de F W , GW , encontramos R((W ), X, Z) = c(W ) r Y (zi (W )X − xi (W )Z)ni , i=1 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 65 i i Seção 2 O teorema de Bézout 65 onde c(W ) é um polinômio 6= 0, cada ni é um inteiro ≥ 1 e xi (W ) = W11 xi + W12 yi + W13 zi , zi (W ) = W31 xi + W32 yi + W33 zi , são coordenadas homogêneas do i-ésimo ponto, W (xi : yi : zi ), de F W ∩ GW . A expressão para a resultante está correta porque, por um lado, sabemos que R((W ), X, Z) ∈ K[{Wij }][X, Z] pode se escrever na forma R = c(W ) · R((W ), X, Z), onde R não é divisı́vel por c(W ) e que, em L[X, Z], R é completamente decomponı́vel nos fatores lineares zi (W )X − xi (W )Z correspondentes aos pontos de F W ∩ GW . Agora o leitor deve se convencer de que, especializando a matriz (Wij ) para qualquer (tij ) (a coeficientes em K) associada a uma projetividade T tal que T• F, T• G estejam muito bem posicionadas, R((W ), X, Z) se especializa na resultante de T• F, T• G. A condição de bom posicionamento garante que para i 6= j os fatores zi (T )X − xi (T )Z e zj (T )X − xj (T )Z permanecem distintos. Em resumo, cada fator zi (W )X − xi (W )Z se transforma no fator correspondente ao ponto T Pi . Segue-se que os expoentes ni não dependem de tij , e em particular, (T• F, T• G)T P = (F, G)P . 2 Para aplicações do teorema de Bézout, é importante saber como estimar (F, G)P em termos de dados locais de F, G, separadamente, em torno do ponto P . 15. Proposição. Temos (F, G)P ≥ mP (F )mP (G), valendo a desigualdade estrita se e só se F e G possuem uma tangente comum no ponto P . Demonstração. Podemos supor P = (0 : 0 : 1) e que F, G estão muito bem posicionadas. Ponhamos m = mP (F ), n = mP (G). Devemos mostrar que X mn divide R(X, Z) em K[X, Z], ou, equivalentemente, que X mn divide R(X, 1) em K[X]. Estando F, G bem posicionadas, sabemos que R(X, 1) é igual a R(X), resultante de i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 66 i i 66 Interseção de Curvas Projetivas Cap. 5 f = F (X, Y, 1), g = G(X, Y, 1), a menos de fator constante 6= 0. Para o cálculo de R(X), escrevemos f, g em potências crescentes de Y (causando apenas uma permutação nas colunas da matriz cujo determinante queremos calcular): f = a0 X m +a1 X m−1 Y + . . . g = b0 X n + . . . . . . + am Y m +am+1 Y m+1 + . . . , + bn Y n +bn+1 Y n+1 + . . . , com ai , bj ∈ K[X], independentes de Y . Temos R(X) = ± a0 X m a1 X m−1 a0 X m ········· n b0 X b1 X n−1 b0 X n . . . am am+1 . . . . . . am−1 X am . . . . . . bn . . . bn−1 X .. . bn+1 . . . bn . . . .. . . Multiplicamos a primeira linha de a’s por X n , a segunda por X n−1 , etc. e em seguida, a primeira de b’s por X m , etc. Vemos que é possı́vel fatorar X m+n−j+1 da j-ésima coluna, 1 ≤ j ≤ m + n. Desta maneira, concluı́mos que R(X) é divisı́vel por X elevado pelo menos ao expoente m(m − 1) n(n − 1) (m + n)(m + n − 1) − − = mn, 2 2 2 provando a desigualdade enunciada. Para estudarmos em que caso ocorre igualdade, definamos R̃(X) = R(X)X −mn . Trata-se de um polinômio em X. Ponhamos ai = ai (0), bi = bi (0) e sejam fm = a0 X m + a1 X m−1 Y + . . . +am Y m , gn = b0 X n + ...... +bn Y n . Precisamos mostrar que R̃(0) = 0 ⇐⇒ fm , gn admitem fator comum em K[X, Y ]. Sem perda de generalidade, podemos supor que X não é fator comum, i.e., am ou bn 6= 0. Neste caso, fm , gn têm fator comum em K[X, Y ] se e só se fm (1, Y ), gn (1, Y ) têm raiz comum. Examinando com atenção o i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 67 i i Seção 2 O teorema de Bézout 67 processo utilizado acima para extrair o fator X mn de R(X), percebemos que R̃(0) é o determinante de uma matriz que apresenta uma submatriz (m + n) × (m + n) (formada pelas n primeiras linhas de a’s e m primeiras de b’s ) igual à matriz que fornece a resultante de fm (1, Y ), gn (1, Y ); os demais elementos das colunas de ordem maior que m + n e nas mesmas linhas desta submatriz são nulos. Além disso, o bloco complementar da submatriz em questão é justamente a matriz que dá a resultante dos polinômios f = Y −m f (0, Y ), g = Y −n g(0, Y ). Desenvolvendo o determinante pelos menores extraı́dos das m + n primeiras colunas, encontramos e R(0) = Rfm ,gn · Rf ,g . Ora, Rf ,g 6= 0, do contrário f (Y ), g(Y ) admitiriam raiz comum y, necessariamente 6= 0 (porque am ou bn 6= 0). Mas então terı́amos (0, y) ∈ f ∩g, impedido pela hipótese de que F, G estão muito bem posicionadas e já têm o ponto (0, 0) em comum. Em conclusão, R̃(0) é zero se e só se 2 Rfm ,gn é zero. 16. Corolário. Sejam F, G curvas sem componentes em comum. Então X mP (F ) · mP (G) ≤ (d◦ F ) · (d◦ G) . P ∈F ∩G Demonstração. Pelo teorema de Bézout, sabemos que X (F, G)P = (d◦ F ) · (d◦ G) . Pela proposição anterior, temos cada (F, G)P ≥ mP (F )mP (G). 2 17. Exercı́cios 83. Mostre que as definições 2 e 10 são consistentes. 84. Calcule as multiplicidades de interseção para os pares de curvas: a) Y = X 3 , Y = X 2 ; b) X 2 + Y 2 = 1, X 2 + Y 2 = 4; c) (X 2 + Y 2 )2 = X 2 + Y 2 , X 2 + Y 2 = 1; d) (X 2 + Y 2 )2 = X 2 − Y 2 , X 2 + Y 2 = X − Y . 85. Escreva a matriz para o cálculo de R(X) que ocorre na prova da prop. 15 supondo F e G de graus 3 e 4, com multiplicidades em 0 iguais a 2 e 3 e verifique os detalhes. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 68 i i 68 Interseção de Curvas Projetivas Cap. 5 86. Sejam F, G curvas bem posicionadas Q (mas possivelmente não muito bem posicionadas). Prove que se RF,G = (zj X − xj Z)nj , com os (xj : zj ) ∈ P1 dois a dois distintos, então nj é a soma das multiplicidades de interseções correspondentes aos pontos (x : y : z) com (x : z) = (xj : zj ). 87. Sejam f, g curvas planasQafins, com f ∗ , g ∗ não necessariamente bem posicionadas. Seja R(X) = (X − xi )ni a resultante. Discuta a relação dos ni ’s com multiplicidades de interseção e estude a diferença de Σni para (d◦ f ) · (d◦ g). 88. Mostre que uma quártica com três pontos singulares colineares ou com quatro pontos singulares é redutı́vel. (Sugestão: trace uma cônica pelos quatro pontos e mais um quinto). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 69 i i 6 Propriedades do Índice de Interseção Mostraremos neste capı́tulo que o ı́ndice de interseção é caracterizado por uma lista de propriedades naturais. Como primeira conseqüência, veremos que a fórmula explı́cita que define (F, G)P pode ser esquecida, pois as referidas propriedades fornecem um método para o cálculo efetivo. Apresentamos depois uma fórmula alternativa para o ı́ndice de interseção, usando séries de potências. Esta nova abordagem dispensa o deslocamento prévio exigido pelo método da resultante e põe em relevo o fato de (F, G)P só depender do comportamento de F, G em torno do ponto P . 1 As propriedades caracterı́sticas Inicialmente reescrevemos a definição (12, p. 62) estendendo-a para o caso em que as curvas podem admitir componente comum. 1. Definição. Sejam F, G curvas planas projetivas e seja P um ponto de P2 . Escrevamos F = F0 H, G = G0 H, com H = MDC(F, G) (ou seja, H é a reunião das componentes comuns de F, G, tomadas com multiplicidade; logo F0 , G0 não têm componente em comum). Os pontos de F0 ∩ G0 fora de H são as interseções isoladas de F, G. Definimos a i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 70 i i 70 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 multiplicidade ou ı́ndice de interseção de F, G em P por ∞ se P ∈ H 0 se P 6∈ F ∩ G (F, G)P = (F0 , G0 )P se P é uma interseção isolada de F, G. Lembramos que, neste último caso, escolhemos uma projetividade S tal que S• F0 , S• G0 estejam muito bem posicionadas. Agora, se (x : y : z) = S(P ), então (F0 , G0 )P é igual ao expoente com que zX − xZ ocorre na resultante de S• F0 , S• G0 . Mostramos na proposição (14, p. 63) que esta definição independe da particular projetividade com que deslocamos F0 , G0 . Se não tivermos o cuidado de eliminar as componentes comuns, a resultante de F, G será nula. O processo de colocar duas curvas em muito boa posição é em geral laborioso. O cálculo de (F, G)P será tremendamente facilitado pela lista de propriedades que descrevemos logo a seguir. De fato, mostraremos que elas fornecem um algoritmo para o cálculo do ı́ndice, dispensando completamente a fórmula da resultante. Em particular, qualquer outra fórmula que satisfaça essas propriedades terá que atribuir o mesmo valor. 2. Proposição. O ı́ndice de interseção (F, G)P goza das seguintes propriedades: (1) (F, G)P = (G, F )P é ∞ ou um número inteiro ≥ 0. (2) (F, G)P = 0 ⇐⇒ P 6∈ F ∩ G. (3) (F, G)P = ∞ ⇐⇒ P ∈ H = componente comum de F, G. (4) (F, G)P = (T• F, T• G)T P ∀ projetividade T : P2 → P2 . (5) (X, Y )P = 1 onde P = (0 : 0 : 1). (6) (F, G + AF )P = (F, G)P ∀ A homogêneo com d◦ A = d◦ G − d◦ F . (7) (F, G1 G2 )P = (F, G1 )P + (F, G2 )P . Antes de escrever a demonstração, vamos ilustrar como essas propriedades podem ser empregadas para o cálculo de (F, G)P . 3. Exemplo. Seja F : (X 2 + Y 2 )2 = Y 3 − 3X 2 Y (rosácea de três pétalas) e seja G : Y 3 = Y 2 − 3X 2 (cúbica nodal). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 71 i i Seção 1 As propriedades caracterı́sticas 71 Homogeneizando, temos F = (X 2 + Y 2 )2 − Z(Y 3 − 3X 2 Y ), G = Y 3 − Z(Y 2 − 3X 2 ). Empregando as propriedades indicadas na última coluna abaixo, vem .... ........ ... .... .. .. .................. ........ ............ .......... .. ... .. ....... ............ ....... ..... ........ .... .... ....... .... .... ....... ... ... ....... . ......................................................................................................................................... ............................................................................. .... .... ... .... .... .... .... .... . ........ ......................................................... ............. . . . . . .. .. ... ...... ... ...... ..................... ................ ...................... ..... ... ..... ....... ....... .... . .. . figura 6.1 = = = = (F, G)P = (F − Y G, G)P ((1), (6)) (X 4 + 2X 2 Y 2 , G)P (X 2 , G)P + (X 2 + 2Y 2 , G)P (7) 2 2 2 3 2 2(X, Y (Y − Z))P + (X + 2Y , Y − 7ZY )P √ (6) 4(X, Y )P + 2(X, Y − Z)P + 4(X, Y )P + (X ± i 2Y, Y − 7Z)P . Portanto, √ F ∩ G = {(0 : 0 : 1), (0 : 1 : 1), (±7i 2 : 7 : 1)} No primeiro desses pontos de F ∩ G a multiplicidade de interseção é igual a 8; no segundo é 2; nos dois últimos é 1. Demonstração da proposição 2. As três primeiras propriedades dispensam comentários. A quarta – invariância por mudança projetiva de coordenadas – decorre essencialmente do fato de que, na definição 1, gozamos de liberdade irrestrita na escolha da projetividade T . Com efeito, se (F, G)P = 0 ou ∞, é óbvio que (T• F, T• G)T P tem o mesmo valor. Se P é uma interseção isolada, escolhemos (com a notação da definição i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 72 i i 72 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 10, p. 62) uma projetividade S tal que S• F0 , S• G0 estejam muito bem posicionadas e tomamos U = ST −1 . Temos então (T• F, T• G)T P = (U• (T• F ), U• (T• G))U T P = (S• F, S• G)SP = (F, G)P . Verifiquemos (5). Escrevendo F = 0Y + X, G = Y , calculamos RF,G = 0 1 X 0 = −X. Isto mostra que (0:0:1) ocorre com multiplicidade 1. Para a sexta propriedade, é suficiente considerarmos o caso em que A é um polinômio da forma A = Am Y c−m , com c = d◦ G−d◦ F e Am (X, Z) homogêneo de grau m. Neste caso, é imediato que a matriz cujo determinante define RF,G+AF é obtida da matriz associada a RF,G somando às linhas dos coeficientes de G, múltiplos das linhas dos coeficientes de F. A sétima propriedade é de verificação mais trabalhosa. Ela se baseia nos seguintes resultados da teoria da eliminação. 4. Lema. Seja A = Z[X0 , X1 , · · · , Xm , Y0 , · · · , Yn ] o anel dos polinômios nas indeterminadas Xi , Yj , a coeficientes inteiros. Sejam f = X0 (Y − X1 )· · ·(Y − Xm ) = X0 (Y m − (ΣXi )Y m−1 + · · ·), ∈A[Y ]. g = Y0 (Y − Y1 )· · ·(Y − Yn ) = Y0 (Y n − (ΣYi )Y n−1 + · · ·) Temos então as seguintes fórmulas para a resultante R de f, g: Q R = X0n Y0m i,j (Xi − Yj ) Q = X0n i g(Xi ) Q = (−1)mn Y0m j f (Yj ). Demonstração. Denotemos por S o segundo membro da primeira fórmula proposta. É imediato que S satisfaz as duas outras igualdades. Por outro lado, a definição da resultante mostra que R = X0n Y0m R̃, onde R̃ denota um polinômio nas variáveis X1 , X2 , . . . , Y1 , Y2 , . . . , a coeficientes em Z. Substituindo Xi por Yj , com i, j ≥ 1, anula-se a resultante; logo Xi − Yj divide R e portanto S divide R em A. Mas é i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 73 i i Seção 1 As propriedades caracterı́sticas 73 facil verificar que S e R têm o mesmo grau em Xi (resp. Yj ), donde R é um múltiplo inteiro de S. Fazendo X0 = Y0 = Y1 = · · · = Yn = 1 e X1 = · · · = Xm = 0, vê-se de imediato que esse inteiro é 1, ou seja, R = S. 2 5. Proposição. Seja D um domı́nio. Dados f, g, h ∈ D[Y ], vale a fórmula Rf,gh = Rf,g Rf,h . Demonstração. Escrevamos f = x0 Y m + · · · , g = y0 Y r + · · · , h = z0 Y s + · · · , as reticências indicando termos de grau inferior. Existe uma extensão E ⊃ D tal que, em E[Y ], podemos fatorar f = x0 (Y − x1 ) · · · (Y − xm ) , g = y0 (Y − y1 ) · · · (Y − yr ) , h = z0 (Y − z1 ) · · · (Y − zs ) . (Tomar, por exemplo, um corpo de raı́zes do produto f gh; veja o apêndice, (34, p. 146).) Consideremos o anel A=Z[X0 , . . ., Xm , Y0 , . . ., Yr , Z0 , . . ., Zs ]. Façamos f˜ = X0 (Y − X1 ) · · · (Y − Xm ), g̃ = Y0 (Y − Y1 ) · · · (Y − Yr ), h̃ = Z0 (Y − Z1 ) · · · (Y − Zs ). Podemos definir um homomorfismo de anéis ϕ : A −→ E mandando Xi em xi etc. . . , de sorte que o homomorfismo induzido, A[Y ] −→ E[Y ] ainda denotado ϕ, aplica f˜ em f , etc. . . . Nestas condições, é claro que ϕ(Rf˜,g̃h̃ ) = Rf,gh . Apliquemos o lema a f˜, g̃ h̃. Obtemos: Q Rf˜,g̃h̃ = X0r+s (g̃ h̃)(Xi )) Q Q = (X0r g̃(Xi ))(X0s h̃(Xi ) = Rf˜,g̃ Rf˜,h̃ . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 74 i i 74 Propriedades do Índice de Interseção Calculando ϕ em ambos os membros, resulta a fórmula enunciada. Verifiquemos agora a propriedade (7) da proposição 2: Cap. 6 2 (F, G1 G2 )P = (F, G1 )P + (F, G2 )P . Podemos supor que P é uma interseção isolada de F, G1 G2 , e sem perda de generalidade, supor logo que F, G1 G2 não têm componente comum e estão muito bem posicionadas. Mas agora a fórmula desejada decorre imediatamente da proposição 5. 2 6. Proposição. O ı́ndice de interseção (F, G)P é univocamente determinado pelas propriedades (1),. . . ,(7) listadas na proposição 2. Demonstração. É suficiente provar que (F, G)P é calculável a partir daquelas propriedades. E para tanto, basta considerarmos o caso em que F, G não têm componente comum passando por P . Consideremos F, G como polinômios em Z a coeficientes em K[X, Y ], escrevendo F = A0 Z m + · · · + Am , G = B0 Z n + · · · + Bn , com Ai , Bj ∈ K[X, Y ] homogêneos e d◦ Ai = d◦ F + i − m, d◦ Bj = d◦ G + j − n, A0 B0 6= 0. Procederemos por indução sobre min{m, n}. Se m = 0, então F = A0 é um produto de fatores lineares homogêneos do tipo aX +bY , caso em que sabemos calcular (F, G)P usando as propriedades. Com efeito, por (1) e (7) reduzimos à situação em que F é uma reta; por (4) podemos supor P = (0 : 0 : 1) e F = X; por (6) podemos substituir G por F (0, Y, Z); este último é um produto de fatores lineares e então ganhamos, usando (7) e (5) (e possivelmente (4) para transformar em Y um fator linear). Suponhamos, para a etapa indutiva, 0 < m ≤ n. Sem perda de generalidade, podemos supor F irredutı́vel. Em particular, A0 e F são primos relativos. Aplicamos o algoritmo da divisão, encontrando, para algum inteiro r ≥ 0, polinômios B, Ĝ tais que Ar0 G = BF + Ĝ, com d◦Z Ĝ ≤ m − 1. Note que Ĝ é primo relativo com F . Usando (6), obtemos (F, Ar0 G)P = (F, Ĝ)P . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 75 i i Seção 2 Séries de potências 75 Logo, (F, G)P = (F, Ĝ)P − (F, Ar0 )P ; O primeiro termo no segundo membro é calculável por indução; o se2 gundo é calculável pois d◦Z Ar0 = 0. Isto completa a demonstração. 7. Exercı́cios 89. Sejam F : (X 2 + Y 2 )2 = X 2 − Y 2 e Ca : X 2 + Y 2 = a(X − Y ), onde a é constante arbitrária. (Se a = ∞, tome C∞ : Z(X − Y ) = 0). Para cada a, calcule (F, Ca )P em cada ponto. Verifique o teorema de Bézout. 90. Mostre que F : Y 2 = X − X 3 e G : 3XY 2 = 3X 2 − 1 se cruzam em nove pontos distintos. Se P é qualquer um deles, mostre que o ı́ndice de interseção de F com sua reta tangente em P é igual a 3. 91. Prove que (F, G)P só depende das componentes de F, G que passam por P , usando apenas as propriedades (1),. . . ,(7), da proposição (2, p. 70). 92. Prove que (F, G)P ≥ mp (F )mp (G) usando apenas (1),. . . ,(7). 93. Refaça o exercı́cio (84, p. 67) sem calcular resultantes. 94. Use o lema (4, p. 72) para mostrar que, se f = a0 Y m + · · · + am , g = b0 Y n + · · · + bn são polinômios a coeficientes em um domı́nio arbitrário A, com a0 b0 6= 0, então Rf,g = 0 se e só se f, g admitem raiz comum em alguma extensão do corpo de frações de A. 2 Séries de potências Nesta seção descrevemos uma definição alternativa para a multiplicidade de interseção, empregando séries de potências. Há outras variantes, mas qualquer definição aceitável deverá satisfazer a lista de propriedades naturais dadas na proposição 2 e conseqüentemente, terá que coincidir com a que adotamos, via resultantes. Lembramos que uma série de potências na variável X a coeficientes no anel A é uma expressão da forma ∞ X ai X i i=0 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 76 i i 76 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 com os coeficientes ai ∈ A; duas tais expressões são iguais se e só se os coeficientes correspondentes são iguais. O conjunto A[|X|] das séries de potências a coeficientes em A contém um subconjunto que se identifica naturalmente com o anel dos polinômios A[X]. Definem-se as operações de soma e produto de séries de potências de maneira evidente, de sorte que A[X] se torna um subanel de A[|X|]. Tomando uma nova variável independente Y , o anel das séries de potências em duas variáveis é definido por A[|X, Y |] = (A[|X|])[|Y |]. Seus elementos se escrevem na forma X aij X i Y j . i,j Resumimos na proposição seguinte algumas propriedades básicas das séries de potências. A demonstração é deixada a cargo do leitor. 8. Proposição. (a) Se A é um domı́nio (i.e., anel comutativo, com unidade e sem divisores de zero) então A[|X|] também é. P (b) ai X i é invertı́vel em A[|X|] se e só se o termo constante a0 é invertı́vel em A. (c) Se α é uma série de potências com termo constante nulo e β é uma série de potências arbitrária, é possı́vel “substituir X por α em β”, resultando uma Pmsériei β(α) bem determinada pela seguinte condição: se P βm = 0 bi X é o polinômio “m-ésima soma pari m+1 . cial” de β = ∞ 0 bi X , então (β(α))m = βm (αm ) módulo X (d) Se α é como acima, a aplicação β 7→ β(α) é um homomorfismo de anéis. 9. Exemplo: (1 − X)−1 = 1 + X + X 2 + · · · . Mais geralmente, se α ∈ A[|X|] é uma série de potências com termo constante nulo, então (1 − α)−1 = 1 + α + α2 + · · · . Esta expressão tem sentido, pois apenas um número finito de parcelas contribui para o coeficiente de cada termo X i. i i i i “tudofNew” i i 2012/12/13 page 77 i i Seção 2 Séries de potências 77 Consideremos agora um polinômio p(X) ∈ K[X]. A multiplicidade de uma raiz x de p(X) pode ser detectada substituindo X por X + x e extraindo a maior potência possı́vel de X como fator de p(X + x). Escrevemos então p(X + x) = X m u(X), onde u(0) 6= 0. Logo, u(X) é invertı́vel em K[|X|], e portanto os ideais hp(X + x)i e hX m i são iguais em K[|X|]. Segue-se a igualdade1 dos anéis quocientes: K[|X|]/hp(X + x)i = K[|X|]/hX m i. Ora, este último, considerado como espaço vetorial sobre K, claramente admite para base as classes de 1, X, . . . , X m−1 (mod. hX m i). Vemos então que a multiplicidade da raiz x de p(X) é igual à dimensão do espaço vetorial K[|X|]/hp(X + x)i. Daı́ até inferirmos uma fórmula para a multiplicidade de interseção de duas curvas (digamos, inicialmente, afins) f, g é um pequeno (?) passo: 10. Definição. Dado P = (x, y) ∈ A2 , ponhamos (provisoriamente! cf. proposição (16, p. 80)), [f, g]P = dimK {K[|X, Y |]/hf (X + x, Y + y), g(X + x, Y + y)i}. 11. Exemplo. Suponhamos f = Y, g arbitrário, P = (x, y). Se y 6= 0, então P 6∈ f , e deverı́amos esperar [f, g]P = 0. E de fato, f (X + x, Y + y) = y + Y é invertı́vel em K[|X, Y |], acarretando a nulidade do anel quociente em questão. Se y = 0, temos o isomorfismo ∼ K[|X, Y |]/hY, g(X + x, Y )i −→ K[|X|]/hg(X + x, 0)i. Do que foi exposto acima, a dimensão deste último quociente é justamente a multiplicidade de x como raiz de g(X, 0), em completa concordância com a definição já apresentada para (f, g)P . Estendemos a definição acima para curvas projetivas F, G, de modo natural. 12. Definição. Se P = (x : y : 1) (resp. (x : 1 : z), resp. (1 : y : z :)), desomogeneizamos F, G com relação a Z (resp. Y , resp. X) e definimos [F, G]P aplicando a fórmula dada na definição 10 com as modificações óbvias. 1 k-isomorfismo, por preciosismo... i i i i “tudofNew” i i 2012/12/13 page 78 i i 78 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 Há que se fazer a seguinte verificação. 13. Lema. Se P = (x : y : 1) = (1 : u : v) então dimK K[|X, Y |]/hF (X + x, Y + y, 1), G(X + x, Y + y, 1)i = dimK K[|Y, Z|]/hF (1, Y + u, Z + v), G(1, Y + u, Z + v)i. (Valendo relação análoga se (x : y : 1) = (u : 1 : v) . . . ). Demonstração. Temos xv = 1, yv = u. Em particular, x 6= 0 6= v e portanto X + x é invertı́vel em K[|X, Y |]. Sendo F homogêneo, temos F (X + x, Y + y, 1) = (X + x)d F (1, (Y + y)(X + x)−1 , (X + x)−1 ) em K[|X, Y |], com d = d◦ F . Podemos construir um isomorfismo ϕ : K[|X, Y |] −→ K[|Y, Z|] tal que ϕ(X) = (Z + v)−1 − x, ϕ(Y ) = (Y + u)(Z + v)−1 − y , e assim, (X + x)−1 7→ Z + v, (Y + y)(X + x)−1 7→ Y + u. Logo, ϕ(F (X + x, Y + y, 1)) = (Z + v)−d F (1, Y + u, Z + v), e analogamente para G. Portanto, ϕ induz por passagem ao quociente um isomorfismo entre os espaços cujas dimensões querı́amos calcular. 2 Indicaremos mais adiante como proceder para a verificação de que [F, G]P satisfaz as propriedades caracterı́sticas (1),. . . ,(7). Assim, teremos mostrado que [F, G]P = (F, G)P . Antes porém deduziremos uma conseqüência da nova fórmula. Se P = (x0 , y0 ) ∈ f é um ponto não singular, digamos com fY (P ) 6= 0, e K = R ou C, sabemos do Cálculo que, próximo a P , a equação f (X, Y ) = 0 fornece uma função implı́cita Y = ϕ(X) tal que f (X, ϕ(X)) = 0 e y0 = ϕ(x0 ). Esta função é de fato analı́tica, i.e., sua série de Taylor converge a ϕ(X) numa vizinhança de x0 . Se g é uma curva arbitrária, podemos calcular g(X, ϕ(X)), obtendo uma série de potências em X. O ı́ndice de interseção (f, g)P deveria refletir a ordem do anulamento desta série para X = x0 , no sentido explicitado a seguir. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 79 i i Seção 2 Séries de potências 79 14. Definição. A ordem (ou ordem de anulamento) da série Σai X i é o ı́nfimo dos inteiros i tais que ai 6= 0. A ordem da série nula é ∞. 15. Proposição. Seja P = (x, y) um ponto não singular sobre a curva f . Então: (a) K[|X, Y |]/hf (X + x, Y + y)i é K-isomorfo a K[|T |], anel das séries de potências numa variável T . (b) Se g é uma curva arbitrária, então (f, g)P é a ordem da imagem de g(X + x, Y + y) em K[|T |] através do isomorfismo dado em (a). Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos supor P = (0, 0) e f da forma Y + f2 + · · · . Pondo Y em evidência nos termos em que ocorre, temos f = uY − X 2 h, com u invertı́vel em K[|X, Y |]. Visto que f e u−1 f geram o mesmo ideal, podemos supor u = 1. (Agora h não é mais necessariamente um polinômio; pouco importa.) Mostraremos que a aplicação K[|X|] −→ s(X) K[|X, Y |]/hf i 7−→ s = s(X) + hf i é um isomorfismo. Esta afirmação é equivalente à seguinte: ∀ g ∈ K[|X, Y |], ∃ séries q(X, Y ), r(X) tais que g = qf + r. As séries q, r são construı́das por aproximações sucessivas. Escrevemos g = g(X, 0) + Y q0 = g(X, 0) + (Y − X 2 h)q0 + X 2 hq0 . Ponhamos r0 = g(X, 0), e recomecemos com g1 = hq0 em lugar de g: g1 = g1 (X, 0) +q1 f + X 2 hq1 , etc · · · | {z } r1 Desta maneira, construı́mos seqüências r0 , r1 , · · · ∈ K[|X|], q0 , q1 , · · · ∈ K[|X, Y |], de sorte que, para cada m ≥ 1, # "m m X X X 2i qi )f + X 2m+2 hqm . X 2i ri + ( g= 0 0 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 80 i i 80 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 P Definimos r(X) = i≥0 X 2i ri , o que faz sentido, pois cada termo de r(X) é obtido a partir de apenas um número finito de X 2i ri . SimilarP mente, definimos q(X, Y ) = i≥0 X 2i qi . Por construção, temos g−r−qf múltiplo de X N para todo N , donde se conclui facilmente g = r + qf. Uma vez demonstrado o isomorfismo ∼ K[|X|] −→ K[|X, Y |]/hf i , se g ∈ K[|X, Y |] é arbitrário, temos K[|X, Y |]/hf, gi ≃ (K[|X, Y |]/hf i)/hḡi ≃ K[|X|]/hγi onde γ denota a imagem de ḡ = g + hf i em K[|X|]. Isto completa a demonstração, pois é imediato que a ordem de γ é a dimensão do último quociente. 2 ∼ Observemos que o isomorfismo K[|X|]−→K[|X, Y |]/hf i acima construı́do fornece uma série ϕ(X), imagem de Ȳ pelo isomorfismo inverso, tal que f (X, ϕ(X)) = 0. Isto é uma versão algébrica formal do teorema da função implı́cita. 16. Proposição. [F, G]P (cf. definição 10) satisfaz as propriedades do ı́ndice de interseção listadas na proposição 2, p.70. Em particular, [F, G]P = (F, G)P para todo par de curvas planas F, G e todo ponto P ∈ P2 . Demonstração. As propriedades (1), (5) e (6) são imediatas. A propriedade (2) segue-se de que f (X + x, Y + y) é invertı́vel em K[|X, Y |] se e só se f (x, y) 6= 0. Para a quarta propriedade, observemos que se T1 , T2 são projetividades tais que [(Ti )• F, (Ti )• G]Ti P = [F, G]P (∀F, G, P ), então o mesmo é válido para a composta T1 T2 . Tendo em conta que toda matriz invertı́vel é um produto de matrizes elementares (aquelas obtidas i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 81 i i Seção 2 Séries de potências 81 da matriz identidade por uma operação elementar sobre as linhas), é suficiente verificar (4) quando T é uma “projetividade elementar”. Suponhamos por exemplo T• F (X, Y, Z) = F (aX, Y, Z) para alguma constante a 6= 0; digamos P = (1 : b : c). Logo, T P = (a−1 : b : c) = (1 : ab : ac). Calculamos, pondo m = d◦ F , (T• F )(1, Y + ab, Z + ac) = F (a, Y + ab, Z + ac) = am F (1, a−1 Y + b, a−1 Z + c). Construı́mos um K-isomorfismo ϕ : K[|Y, Z|] → K[|Y, Z|] tal que ϕ(Y ) = Y /a, ϕ(Z) = Z/a. Temos então ϕ(F (1, Y + b, Z + c)) = F (1, a−1 Y + b, a−1 Z + c) = a−m (T• F )(1, Y + ab, Z + ac), e analogamente para G, mostrando que ϕ induz um K-isomorfismo entre os anéis quocientes K[|Y, Z|] hF (1, Y + b, Z + c), G(1, Y + b, Z + c)i ≃ K[|Y, Z|] h(T• F )(1, Y + ab, Z + ac), (T• G)(1, Y + ab, Z + ac)i. Isto prova que [F, G]P = [T• F, T• G]T P no caso considerado. Os demais casos são tratados de maneira similar. Resta verificar (3) e (7). Em vista de (4), podemos supor P = (0 : 0 : 1) e trabalhar com f = F∗ , etc. . . Observe que (3) é conseqüência imediata do resultado seguinte. 17. Lema. Sejam f, g ∈ K[X, Y ]. São equivalentes: (i) f, g não admitem componente comum passando pela origem; (ii) K[|X, Y |]/hf, gi tem dimensão finita; (iii) f, g são primos relativos (i.e., não admitem fator comum não invertı́vel) em K[|X, Y |]. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 82 i i 82 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 Demonstração. (i) ⇒ (ii). Da hipótese, seguem-se relações af + bg = r(X)h 6= 0, cf + dg = s(Y )h = 6 0, em K[X, Y ], onde h denota o MDC(f, g); em especial, h(0, 0) 6= 0. Agora em K[|X, Y |], podemos escrever r(X)h = X m u, s(Y )h = Y n v, com u, v invertı́veis. Deduzimos a inclusão de ideais hX m , Y n i ⊆ hf, gi em K[|X, Y |]. Obtemos o epimorfismo K[|X, Y |]/hX m , Y n i −→ → K[|X, Y |] hf, gi. O primeiro desses quocientes é manifestamente de dimensão finita, gerado pelas classes residuais de X i Y j mod. hX m , Y n i, i = 0, . . . , m − 1, j = 0, . . . , n − 1, provando (ii). (ii) ⇒ (iii) Suponhamos, por absurdo, que exista h ∈ K[|X, Y |] não invertı́vel tal que hf, gi ⊆ hhi (inclusão de ideais de K[|X, Y |] ). Levando em conta o epimorfismo K[|X, Y |]/hf, gi −→ → K[|X, Y |]/hhi, deduzimos que K[|X, Y |]/hhi tem dimensão finita. Logo, existe n ≥ 1 tal que 1, X, . . . , X n−1 são linearmente independentes e 1, . . . , X n são dependentes módulo h. Portanto, existe uma relação X n + a1 X n−1 + · · · + an = sh, com ai ’s constantes e s ∈ K[|X, Y |]. Mas h(0, 0) = 0 implica an = 0, donde s(0, Y ) = 0 ou h(0, Y ) = 0. Com a primeira alternativa, ganhamos pois concluı́mos uma relação de dependência para 1, . . . , X n−1 (porque X divide s). Com a segunda, também ganhamos, pois se X divide h, podemos substituir h por X e é óbvio que K[|X, Y |]/hXi = K[|Y |] tem dimensão infinita. (iii) ⇒ (i) Trivial. 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 83 i i Seção 2 Séries de potências 83 18. Lema. Sejam f, g ∈ K[X, Y ] polinômios primos relativos. Se existir uma relação af = bg em K[|X, Y |] então existe c ∈ K[|X, Y |] tal que a = cg. Em outras palavras, se g|af em K[|X, Y |] então g|a. Demonstração. Apelando para o fato de que um anel de séries de potências a coeficientes num corpo é fatorial, o resultado é conseqüência do lema anterior. Mas preferimos dar uma argumentação independente. Da hipótese, segue-se uma relação rf + sg = d(X) 6= 0 em K[X, Y ]. Escrevendo d(X) = uX m com u invertı́vel em K[|X|], obtemos αf + βg = X m , agora em K[|X, Y |]. Multiplicando por a, deduzimos (αb + aβ)g = aX m . Seja n o menor expoente ≥ 0 tal que existe uma relação X n a = cg, para algum c ∈ K[|X, Y |]. Mostremos que n = 0. Podemos supor que X não é fator comum de a, g em K[|X, Y |], bastando para isso substituir a, g por a/X i , g/X i para algum i. Nessas condições, X não divide g, do contrário dividiria af , e portanto dividiria f , impossı́vel. Isso mostra que n = 0. 2 Finalmente, para provar a propriedade (7), [F, G1 G2 ]P = [F, G1 ]P + [F, G2 ]P , podemos supor [F, G1 ]P < ∞ e como antes, P = (0 : 0 : 1). Da inclusão de ideais I = hf, g1 g2 i ⊆ J = hf, g1 i, obtemos as aplicações ϕ ψ K[|X, Y |]/hf, g2 i −→ K[|X, Y |]/I −→ K[|X, Y |]/J p̄ 7−→ g1 p + I; h + I 7−→ h + J. Notemos que ϕ e ψ são K-lineares, ψ é sobrejetiva e ψϕ = 0. É imediato que a imagem de ϕ coincide com o núcleo de ψ. Mostremos que ϕ é injetiva. Se existir uma relação g1 p = af + bg1 g2 em K[|X, Y |], i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 84 i i 84 Propriedades do Índice de Interseção Cap. 6 segue-se que g1 divide af em K[|X, Y |]. Visto que f, g1 são primos relativos, deduzimos do lema anterior que g1 c = a para algum c. Cancelando g1 , obtemos p = cf + bg2 , completando a prova de que ϕ é injetiva. Pelo teorema do núcleo e da imagem, vemos que a dimensão do núcleo de ψ (= [F, G2 ]P ), somada à dimensão da imagem de ψ (= [F, G1 ]P ), é igual à dimensão do domı́nio de ψ (= [F, G1 G2 ]P ). 2 19. Exercı́cios 95. Prove que K[|X|] é um domı́nio de ideais principais. 96. Prove a poposição 8. 97. Complete a demonstração do lema 13, verificando a última afirmação lá enunciada. 98. Denotemos por o(f ) a ordem de uma série f ∈ K[|X|] (cf. p. 79). Prove que a) o(f g) = o(f ) + o(g); b) o(f ) = 0 ⇔ f é invertı́vel em K[|X|]; c) o(f + g) ≥ min(o(f ), o(g)), valendo a igualdade se o(f ) 6= o(g). 99. Sejam F, G curvas distintas com o mesmo grau. Seja P um ponto não singular de uma curva H. Mostre que (F + G, H)P ≥ min{(F, H)P , (G, H)P }. Se P é singular em H, esta desigualdade pode não valer: considere uma cúbica nodal e as duas tangentes no ponto singular. 100. Justifique a observação feita logo após o final da demonstração da proposição (15, p. 79). 101. Complete os detalhes da demonstração da proposição (16, p. 80), verificando a invariância de [F, G]P pelos tipos de “projetividades elementares” não considerados. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 85 i i 7 Fórmulas de Plücker Vamos aplicar o teorema de Bézout e propriedades do ı́ndice de interseção para calcular o número de retas tangentes a uma curva passando por um ponto, e o número de tangentes inflexionais. O resultado é fornecido pelas fórmulas de Plücker, enunciadas a seguir. 1. Teorema. Seja F uma curva irredutı́vel de grau d ≥ 2 cujas únicas singularidades são δ nós e χ cúspides. Então temos d(d − 1) = 3d(d − 2) = dˇ + 2δ + 3χ, i + 6δ + 8χ, onde dˇ e i denotam o número de retas tangentes passando por um ponto P 6∈ F e o número de retas inflexionais, respectivamente. Supomos ainda que os pontos de inflexão, os nós e as cúspides são todos ordinários, isto é, a(s) reta(s) tangente(s) apresenta(m) contato triplo e não mais, e que o ponto P está fora das tangentes aos pontos singulares, das tangentes inflexionais e das bitangentes. 1.1. Exemplos. (i) Para uma cônica irredutı́vel, temos d = dˇ = 2, δ = χ = i = 0, confirmando o fato de que podem ser traçadas 2 tangentes a uma cônica irredutı́vel por um ponto exterior. Quando a cônica se degenera num par de retas, as duas tangentes coincidem com a reta que liga o ponto à i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 86 i i 86 Fórmulas de Plücker Cap. 7 singularidade, “explicando” a redução de dˇ causada por um ponto duplo ordinário ... (ii) Se F é uma cúbica irredutı́vel , há três alternativas: 1) δ = χ = 0, quando então F é não singular e dˇ = 6, i = 9; 2) δ = 1, χ = 0 e, por fim, 3) δ = 0, χ = 1. Note que uma cúbica irredutı́vel não admite bitangentes (por quê?) e toda reta tangente inflexional é simples, pois a multiplicidade de interseção não pode exceder 3. 1 Curvas polares Cada uma das fórmulas no teorema acima é obtida achando a interseção de F com uma curva auxiliar adequada. Para a primeira delas, introduzimos a seguinte 2. Definição. A polar de um polinômio F (de grau ≥ 2) relativa ao ponto P = (x0 : y0 : z0 ) é definida por F P := x0 FX + y0 FY + z0 FZ . P Se F 6= 0, temos definida a curva polar associada à curva F . 3. Exemplo. A curva polar do cı́rculo X 2 + Y 2 = 1 com respeito ao ponto (0, 2) é a reta 0 · (2X) + 2 · (2Y ) + 1 · (−2Z), ou ainda, Y = 1/2. Note que ela cruza o cı́rculo nos dois pontos de contacto das tangentes que passam por (0, 2). 4. Proposição. A interseção de uma curva F e sua polar F P consiste nos pontos singulares de F e nos pontos de contato das retas tangentes a F passando por P . Demonstração. Apliquemos a proposição (6, p. 59). É óbvio então que todo ponto singular de F está em F P . Seja agora Q um ponto não singular de F e pertencente a F P . A reta tangente a F em Q é XFX (Q) + Y FY (Q) + ZFZ (Q) a qual, por hipótese, contém P . 2 5. Corolário. Se F é irredutı́vel e d◦ F = d ≥ 2, então por cada ponto do plano passam, no máximo, d(d − 1) retas tangentes a F . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 87 i i Seção 1 Curvas polares 87 Demonstração. Visto que d◦ F P = d − 1, segue-se que F e F P não têm componente comum. O corolário resulta do teorema de Bézout. 2 Vamos agora fazer uma análise mais detalhada e calcular a contribuição efetiva, isto é, a multiplicidade de interseção, em F ∩F P , de cada ponto simples e de cada tipo de ponto singular de F . 6. Lema. A curva polar é invariante por mudança de coordenadas, i.e., se T é uma projetividade, então (T• F )(T P ) = T• (F P ). Demonstração. Fixados T e P , ambos os membros da igualdade são funções lineares de F . Logo, podemos supor F = X i Y j Z k , e calcular tomando para T uma projetividade elementar. Alternativamente, podese usar a regra da cadeia. 2 7. Lema. Seja Q ∈ F ∩ F P . Então, nas condições do teorema da p. 85, temos 1 se Q é um ponto simples de F ; 2 se Q é um ponto duplo ordinário de F ; (F, F P )Q = 3 se Q é uma cúspide ordinária de F. Demonstração. Pelo lema anterior, podemos supor Q = (0 : 0 : 1). Suponhamos F lisa em Q. Podemos tomar Y = 0 para tangente, i.e., o polinômio f = F∗ é da forma Y + aX 2 + bXY + · · · . Segue-se que P = (x0 : 0 : z0 ) com x0 6= 0, pois P 6∈ F . A curva polar é então 2ax0 X +cY +· · · (grau superior). Visto que Y não é tangente inflexional, temos a 6= 0. Logo F e F P têm tangentes distintas na origem, donde o ı́ndice de interseção é igual a 1 (proposição 15, p. 65). No segundo caso, podemos supor f da forma XY + grau superior. Visto que P está fora das tangentes aos pontos singulares, temos P = (x0 : y0 : z0 ) com x0 y0 6= 0. A polar tem então o aspecto x0 Y + y0 X + · · · , i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 88 i i 88 Curvas Racionais Cap. 7 sendo assim transversal às duas tangentes de F em Q e portanto (F, F P )Q = mQ (F ) = 2 (novamente por 15, p. 65). Para o 3o caso, escrevemos f = Y 2 + aX 3 + · · · , com a 6= 0 (senão (Y, f )O > 3). Temos P = (x0 : y0 : z0 ), com y0 6= 0. Aplicando uma projetividade que fixe (0 : 0 : 1) e (1 : 0 : 0) e mande P em (0 : 1 : 0), temos que a reta Y = 0 é deixada invariante. Logo f permanece na forma apresentada, e a curva polar é dada por f P = 2Y + grau superior. Empregando com argúcia a propriedade (6) do ı́ndice de interseção (2, p. 70) obtemos, finalmente, (f, f P )O = (aX 3 + · · · , 2Y + · · · )O = 3. 2 A primeira fórmula do teorema (p. 85) decorre da proposição 4 e do lema 7. 2 A hessiana Para provarmos a segunda fórmula, introduzimos a seguinte 8. Definição. A curva hessiana de uma curva F de grau ≥ 3 é dada por FXX FXY FXZ h(F ) = FXY FY Y FY Z . FXZ FY Z FZZ 9. Exemplos. 1) Se F = ZY 2 − X 3 (cúbica cuspidal), temos h(F ) = −6X 0 0 2Z 0 2Y 0 2Y 0 = 24XY 2 . Temos F ∩ h(F ) = {(0 : 1 : 0), (0 : 0 : 1)}. No primeiro ponto, a multiplicidade da interseção é 1 e no segundo é 8. A tangente a F no ponto (0 : 1 : 0) é Z = 0, que é inflexional. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 89 i i Seção 2 A hessiana 89 2) Se F = ZY 2 − ZX 2 + X 3 (cúbica nodal), h(F ) = −8(Z(X 2 − Y 2 ) + 3XY 2 ). O ponto singular de F absorve seis √ interseções com h(F ). Nos três pontos restantes, (0 : 1 : 0) e (12 : ±i4 3 : 9), o ı́ndice de interseção vale 1. As tangentes a F nesses três últimos pontos são inflexionais (Leitor: verifique!). 10. Proposição. F ∩ h(F ) é constituı́do pelos pontos singulares e os pontos de inflexão de F . Nas condições do teorema, se Q ∈ F ∩ h(F ) então 1 se Q é ponto de inflexão ordinário; 6 se Q é nó ordinário; (F, h(F ))Q = 8 se Q é cúspide ordinária. Demonstração. O procedimento é análogo ao tratamento dado à curva polar. Primeiro mostramos que h(F ) é invariante por mudança de coordenadas. Com esta liberdade, posicionamos o ponto Q na origem, e escolhemos a(s) tangente(s) como no caso anterior. Para provar a relação T• (h(F )) = h(T• F ) , observamos que a matriz hessiana de T• F é obtida da matriz hessiana de F multiplicando à esquerda e à direita pela matriz de T −1 e sua transposta. Como o determinante de um produto de matrizes é igual ao produto dos determinantes, concluı́mos que os polinômios T• (h(F )) e h(T• F ) diferem apenas por um múltiplo constante 6= 0, definindo a mesma curva. Suponhamos agora Q = (0 : 0 : 1) ∈ F ∩ h(F ). Podemos escrever F na forma αZ d−1 Y + Z d−2 (βX 2 + γXY + δY 2 ) + · · · . A condição Q ∈ h(F ) é equivalente ao anulamento do determinante 2β γ 0 γ 2δ (d − 1)α 0 (d − 1)α 0 = −2(d − 1)2 α2 β . Logo, ou α = 0, caso em que (0 : 0 : 1) é singular em F , ou α 6= 0 e β = 0, quando (0 : 0 : 1) é um ponto de inflexão. Calculemos o ı́ndice de interseção em cada caso. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 90 i i 90 Curvas Racionais Cap. 7 (i) Cúspide ordinária. Escrevemos F na forma Z d−2 Y 2 + Z d−3 (αX 3 + βX 2 Y + γXY 2 + δY 3 ) + · · · , com α 6= 0. Procuramos os termos de menor grau de h = h(F )∗ = 6αX + 2βY + · · · 2βX + 2γY + · · · 2 + 2γX + 6δY + · · · (d − 3)(3αX 2 + · · · ) 2(d − 2)Y + · · · D onde D = (d − 3)((d − 2)Y 2 + (d − 4)αX 3 + · · · ). Encontramos h = Y 2 (aX + bY ) + cX 4 + · · · as reticências indicando termos irrelevantes e a, b, c constantes, com a = 12α(d − 2)(d − 3) , c = 12α2 (d − 3)(d − 4) − 18α2 (d − 3)2 . Calculando o ı́ndice de interseção, pondo f = F∗ , g = h − (aX + bY )f , vem (f, h)Q = (f, g)Q = (Y 2 + αX 3 + · · · , (c − aα)X 4 + Y (· · · ) + · · · )Q = 2 · 4 = 8, porque c 6= aα implica que Y não é tangente a g. Note que c 6= aα para d ≥ 4. O caso d = 3 foi essencialmente tratado no exemplo anterior. (ii) Nó ordinário. Temos F = Z d−2 XY + Z d−3 (αX 3 + βY 3 + · · · ) + · · · , com αβ 6= 0 (senão o contato de uma reta tangente ao nó seria ao menos quádruplo). Calculando h = h(F )∗ encontramos h = cXY + aX 3 + bY 3 + · · · , com c = 2 − (d − 2)(d − 3), a = α(6 − (d − 3)(d − 4), b = β(6 − (d − 3)(d − 4)). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 91 i i Seção 2 A hessiana 91 Pondo f = F∗ , podemos calcular o ı́ndice de interseção, (f, h)O = (f, h − cf )O = (XY + · · · , (a − cα)X 3 + (b − cβ)Y 3 + · · · )O = 2 · 3 = 6, pois (a − cα)(b − cβ) 6= 0 implica que X, Y não são tangentes a h − cf . (iii) Ponto de inflexão ordinário. Fica como exercı́cio para o leitor. 2 Completamos portanto a demonstração das duas fórmulas de Plücker enunciadas no teorema deste capı́tulo. A verificação que fizemos para a contribuição de cada tipo de ponto em F ∩ h(F ) e F ∩ F P sugere que as fórmulas podem ser generalizadas para abranger singularidades mais complicadas. Encorajamos o leitor a calcular alguns outros casos nos exercı́cios. Há duas outras fórmulas de Plücker que gostarı́amos de mencionar: ˇ dˇ − 1) = d + 2β + 3i, d( ˇ 3d(dˇ − 2) = χ + 6β + 8i, onde β denota o número de bitangentes. Elas são, de certa maneira, duais das fórmulas do teorema 1. Precisamente, associemos a cada reta aX + bY + cZ = 0 o ponto (a : b : c) no plano projetivo dual P̌2 . Denotando por A, B, C coordenadas homogêneas em P̌2 , vemos que, dualmente, cada ponto (x : y : z) ∈ P2 corresponde a uma reta xA + yB + zC em P̌2 , justamente a que consiste nos pontos que representam as retas de P2 contendo (x : y : z). É razoável se esperar, e de fato pode-se demonstrar, que as retas tangentes a uma curva irredutı́vel F ⊂ P2 são parametrizadas por uma curva (igualmente irredutı́vel) F̌ ⊂ P̌2 , chamada curva dual de F . Por exemplo, AX + BY + C é tangente à parábola Y = X 2 se e só se A2 − 4BC = 0. Ora, sabemos que o grau de F̌ é o número de pontos da interseção de F̌ com uma reta genérica de P̌2 ; dualmente, isto corresponde ao número dˇ de retas tangentes a F passando por um ponto genérico de P2 . Demonstra-se também que F = F̌ˇ , e que, na correspondência (tangente de F ) ←→ (ponto de F̌ ), as tangentes inflexionais correspondem às cúspides de F̌ , e as bitangentes aos pontos duplos. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 92 i i 92 Curvas Racionais Cap. 7 Assim, as duas fórmulas acima podem ser provadas permutando os papéis de F, F̌ . ˇ δ, β, χ, i são chamados de caracterı́sticas de Plücker Os números d, d, da curva F . As equações de Plücker fornecem uma condição necessária para que seis números sejam as caracterı́sticas de uma curva. Sabese que essa condição não é suficiente: não existe curva irredutı́vel com d = dˇ = 14, δ = β = 0, χ = i = 56. É uma questão ainda não resolvida determinar condições necessárias e suficientes para que seis inteiros d, . . . , χ, i ocorram efetivamente como caracterı́sticas de uma curva. 11. Exercı́cios 102. Verifique as fórmulas de Plücker para a trissectriz de Maclaurin, para o folium de Descartes e para a cissóide de Diocles. 103. Mostre que os três nós da lemniscata não são ordinários. Calcule o número de interseções absorvidas por cada um desses nós com a hessiana. 104. Mostre que a curva Y 2 − 3X(X 2 + Y 2 ) − (X 2 + Y 2 )2 = 0 tem duas bitangentes e quatro pontos de inflexão. 105. Mostre que a reta que liga dois pontos de inflexão de uma cúbica irredutı́vel não cuspidal encontra a cúbica em um terceiro ponto de inflexão. 106. Prove que uma cúbica real não singular possui exatamente três pontos de inflexão reais e três pares de pontos de inflexão complexoconjugados. 107. Prove que os pontos de contato de tangentes a uma cúbica não singular por um ponto exterior pertencem a uma cônica. Em que caso é esta cônica degenerada? 108. Investigue os ı́ndices de interseção de uma curva com sua polar relativa a um ponto sobre a curva. 109. Prove que um ponto m-uplo ordinário absorve m(m−1) interseções de uma curva com sua polar com respeito a um ponto convenientemente situado. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 93 i i Seção 2 A hessiana 93 110. Prove que toda componente comum a uma curva e sua hessiana é uma reta. 111. Investigue a relação entre h(h(F )) e F para uma cúbica não singular F . 112. Para cada d ≥ 4 construa uma curva F não singular cujas tangentes inflexionais são todas ordinárias. 113. Mostre que a dual de uma cônica não degenerada F = a11 X 2 + a22 Y 2 + a33 Z 2 + 2(a12 XY + a13 XZ + a23 Y Z) é a cônica F̌ = a′11 A2 + a′22 B 2 + a′33 C 2 + 2(a′12 AB + a′13 AC + a′23 BC) onde a matriz simétrica (a′ij ) é a inversa de (aij ). 114. Verifique F = F̌ˇ para F = ZY 2 − X 3 e F = Z(Y 2 − X 2 )3 . Estude a correspondência entre os pontos singulares e as tangentes excepcionais. 115. “Se de um ponto P traçam-se tangentes às cônicas de um feixe Ft := F0 + tF∞ , então o lugar dos pontos de contato é uma cúbica”. Determine condições precisas sobre o ponto P e o par de cônicas F0 , F∞ que tornem verdadeira essa afirmação. 116. Quantas tangentes a uma cúbica F podem ser traçadas por um ponto de F ? i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 94 i i 8 Curvas Racionais Introduzimos neste capı́tulo os conceitos de função regular e função racional sobre uma curva. Servimo-nos das curvas racionais como itinerário e motivação. Demonstramos o teorema de Lüroth e estabelecemos um critério numérico de racionalidade. Nas duas seções finais ilustramos aplicações de curvas racionais ao cálculo de integrais de certas funções algébricas e apresentamos uma breve introdução às curvas de Bézier. 1 Curvas racionais afins 1. Definição. Uma curva afim irredutı́vel f é racional se existir um par de funções racionais x(T ), y(T ), não ambas constantes, tal que f (x(T ), y(T )) = 0 em K(T ). O par x(T ), y(T ) é chamado uma parametrização racional (ou simplesmente parametrização.) 2. Exemplos. 1) Toda reta é racional, admitindo parametrização da forma x(T ) = aT + b, com a 6= 0 ou c 6= 0. y(T ) = cT + d, 2) O cı́rculo X 2 + Y 2 = 1 é racional, com parametrização obtida como indicado na figura abaixo. Determinamos a interseção da reta Y = t(X + 1) 94 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 95 i i Seção 1 Curvas racionais afins 95 com o cı́rculo, encontrando o ponto variável (x(t), y(t)) onde x(t) = (1 − t2 )/(1 + t2 ), y(t) = 2t/(1 + t2 ). ................ ..............6 ...... (x(t), y(t)) ........ . . •. . · · ···..... · · ...... ·· .. t ·⋆· · · ·· ... .. · · · · · · · . · .. · · . −1....·......·.....·......................................................................................................··............................... . O ... .. . ... . .... .. . . . ..... ..... ........ ............................... figura 8.1 Intuitivamente, uma curva é racional se for possı́vel desenhá-la sem se levantar o lápis do papel. Por isso, o termo unicursal é também empregado. No entanto, esta descrição é por vezes enganosa. Por exemplo, embora o traço real de X4 + Y 4 = 1 admita essa caracterização, podemos mostrar que esta curva não é racional. 6 ................................................................... . . . ... ... ... ... ... .. ... .. ... ... .. ... .. . ... .. ... ... ... .. ... . . ...... ................................................................ figura 8.2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 96 i i 96 Curvas Racionais Cap. 8 Com efeito, suponhamos, por absurdo, a existência de uma parametrização x = p(T )/r(T ), y = q(T )/r(T ), onde p, q, r são polinômios sem fator comum (aos três), r 6= 0, e digamos q não constante. Derivando a relação x4 + y 4 = 1, vem ẋx3 + ẏy 3 = 0. Consideremos o sistema linear xu + yv = 1, ẋu + ẏv = 0. Visto que ω := xẏ− ẋy 6= 0 (senão x/y seria constante), o sistema admite a solução única u = ẏ/ω, v = −ẋ/ω. Mas u = x3 e v = y 3 são soluções. Daı́ vem ẏ = ωx3 , ẋ = −ωy 3 . Substituindo em termos de p, q, r, e simplificando, vem r3 (rq̇ − q ṙ) = (pq̇ − q ṗ)p3 , r3 (rṗ − pṙ) = −(pq̇ − q ṗ)q 3 . Daı́ se deduz que r3 divide pq̇−q ṗ. Dividindo e estimando graus, obtemos 3d◦ p ≤ d◦ r + d◦ q − 1, 3d◦ q ≤ d◦ r + d◦ p − 1, 3d◦ r ≤ d◦ p + d◦ q − 1, o que implica 0 ≤ d◦ p + d◦ q + d◦ r ≤ −3, absurdo! 3. Exercı́cios i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 97 i i Seção 2 Funções regulares e funções racionais 97 117. Seja f = fm + fm+1 uma curva afim irredutı́vel, onde fi é homogêneo de grau i. Mostre que f é racional. Obtenha uma parametrização para X 2 Y (X − Y ) + (X + Y )2 (X − 2Y )2 (X + 2Y ) empregando um feixe conveniente de retas. 118. Seja C uma cônica definida sobre o corpo dos números racionais. Prove que se C admite um ponto com coordenadas racionais então existe uma infinidade de tais pontos. Determine todas as soluções inteiras da equação X 2 + Y 2 = Z 2 . Idem para X 2 + Y 2 = 3Z 2 . 119. Mostre que X m + Y m = 1 é racional se e só se m = 1 ou 2. 2 Funções regulares e funções racionais Quando uma curva é racional, a cada valor do parâmetro (salvo um número finito que anula o denominador) corresponde um ponto bem definido da curva. Mas pode ocorrer que cada ponto da curva seja atingido por valores distintos do parâmetro, e.g., x = T 2 , y = 1/T 2 repete duas vezes cada ponto da hipérbole. Neste exemplo, vemos que é possı́vel substituir T por outra variável. Fazendo U = T 2 , obtemos a nova parametrização x = U, y = 1/U . Mostraremos mais adiante que é sempre possı́vel escolher uma boa parametrização, para a qual a correspondência (valor do parâmetro) ←→ (ponto da curva) é bijetiva, salvo um número finito de exceções. Para isto, será conveniente introduzir algumas definições. 4. Definição. Seja C ⊂ A2 uma curva afim irredutı́vel, de equação f = 0. Uma aplicação ϕ : C → A1 é chamada regular ou polinomial se for igual à restrição de uma função polinomial A2 → A1 , i.e., se existir um polinômio p(X, Y ) tal que ϕ(x, y) = p(x, y) para cada (x, y) ∈ C. O conjunto das funções regulares de C forma um anel, que denotamos por A(C). Por definição, temos um epimorfismo K[X, Y ] ։ A(C) i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 98 i i 98 Curvas Racionais Cap. 8 que associa a cada polinômio, considerado como função A2 → A1 , a sua restrição a C. Usualmente denotaremos pelo mesmo sı́mbolo três coisas distintas: 1o ) o polinômio p ∈ K[X, Y ]; 2o ) a função polinomial p : A2 → A1 e 3o ) a sua restrição a C. Não há confusão possı́vel para as duas primeiras, pois sendo K um corpo infinito, um polinômio é determinado pela função associada. Se necessário, escreveremos p̄ para distinguir a restrição a C. 5. Lema. A(C) é um domı́nio isomorfo a K[X, Y ]/hf i. Demonstração. Um polinômio g se anula sobre a curva C somente se for múltiplo de f . Com efeito, se g não for múltiplo de f , segue-se da proposição (4, p. 20) que a interseção é finita. Assim, o núcleo do epimorfismo definido por restrição é justamente o ideal hf i, o qual é um ideal primo pois f é irredutı́vel e K[X, Y ] é fatorial. 2 6. Exemplos. (1) Se ℓ é uma reta, então A(ℓ) é isomorfo a um anel de polinômios em uma variável. Precisamente, se ℓ é dada por Y = aX + b, a aplicação K[X, Y ] −→ K[X] h 7−→ h(X, aX + b) é um epimorfismo com núcleo hf i, onde f = Y − (aX + b). Logo, A(ℓ) ≃ K[X, Y ]/hf i ≃ K[X]. (2) Se C é a hipérbole XY = 1, temos A(C) ≃ {X m p(X) | m ∈ Z, p(X) ∈ K[X]}. Isto é, A(C) se identifica com o anel B das funções racionais cujos denominadores são potências de X. Com efeito, temos um homomorfismo K[X, Y ] −→ h(X, Y ) 7−→ K(X) h(X, 1/X) cuja imagem é justamente o anel B acima descrito, e cujo núcleo é o ideal hXY − 1i. (Leitor: verifique!). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 99 i i Seção 2 Funções regulares e funções racionais 99 7. Definição. O corpo das funções racionais de uma curva afim irredutı́vel C é o corpo de frações K(C) do domı́nio A(C). Cada elemento de K(C) pode ser escrito na forma p̄/q̄, onde p̄, q̄ denotam funções polinomiais restritas a C, com q̄ 6= 0. Duas tais expressões p̄/q̄, r̄/s̄ representam a mesma função racional em K(C) se e só se a função regular p̄s̄ − q̄r̄ é nula em C, ou equivalentemente, o polinômio ps − qr é múltiplo de f . Dizemos que a função racional ϕ ∈ K(C) é regular ou que está definida no ponto P ∈ C se ϕ admitir uma representação p/q, com p, q ∈ A(C) e q(P ) 6= 0. Denotemos por Cϕ o conjunto dos pontos de C onde ϕ é regular. Temos então definida uma aplicação, ainda denotada ϕ : Cϕ → A1 , justificando a nomenclatura “função racional” com que designamos os elementos de K(C). 7.1. Observação. Em geral, o domı́nio de regularidade Cϕ é o complementar de um subconjunto finito de C. (Leitor: justifique.) Uma função regular obviamente é uma função racional que está definida em todos os pontos de C. A recı́proca é o conteúdo da seguinte 8. Proposição. Se ϕ ∈ K(C) é uma função racional regular em cada ponto de C então ϕ ∈ A(C), i.e., ϕ é regular. Demonstração. Seja I = {q ∈ A(C) | qϕ ∈ A(C)}. Pretendemos mostrar que a função constante 1 está em I. É fácil ver que I é um ideal de A(C). Portanto, supondo, por absurdo, que 1 6∈ I, então I tem que estar contido em algum ideal maximal de A(C). Ora, cada ideal maximal de A(C) = K[X, Y ]/hf i corresponde a um ideal maximal de K[X, Y ] que contém f . Pelo Nullstellensatz (p. 31), concluirı́amos que existe P ∈ C tal que q(P ) = 0 para todo q ∈ I, contradizendo a regularidade de ϕ em P . 2 9. Exemplos. (1) Seja C o cı́rculo X 2 + Y 2 = 1, e seja ϕ = YX−1 . Esta função é certamente regular em cada (x, y) ∈ C com x 6= 0. No ponto X̄ (0, 1), ϕ também é regular, pois temos a nova representação − = ȲX̄−1 . Ȳ +1 Mas no ponto (0, −1) ϕ não é regular. (Leitor: por quê?) i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 100 i i 100 Curvas Racionais Cap. 8 (2) Considere a cúbica cuspidal C : Y 2 = X 3 . Sejam x = X̄, y = Ȳ , ϕ = y/x = x2 /y. O leitor deve verificar que Cϕ = C r {O}. Este exemplo mostra que uma função racional pode não admitir representação na forma p/q que funcione em todos os pontos em que ela é regular. A propriedade da fatoração única em A(C) é o critério responsável pela existência de uma tal representação. No exemplo (2), A(C) não é um domı́nio fatorial. (Veja o exercı́cio (124, p. 101).) 10. Proposição. C é uma curva racional se e somente se seu corpo de funções racionais K(C) é K-isomorfo a um subcorpo de K(T ) (= corpo das funções racionais numa variável T ). Demonstração. Suponhamos que K(C) é K-isomorfo a um subcorpo de K(T ). Sejam x(T ), y(T ) as imagens de X̄, Ȳ ∈ K(C) em K(T ). Se x(T ) for constante, então X̄ também é, acarretando X − a ∈ hf i para alguma constante a ∈ K. Daı́, visto que f , a equação de C, é irredutı́vel, concluı́mos que f = X − a (a menos de fator constante). Logo, Ȳ não é constante, mostrando que x(T ) ou y(T ) é não constante. Por fim, lembrando que f é zero em A(C), concluı́mos que f (x(T ), y(T )) = 0 em K(T ), ou seja, obtemos uma parametrização de C. Reciprocamente, dada uma parametrização x(T ), y(T ) ∈ K(T ), temos definido um K-homomorfismo ϕ : K[X, Y ] −→ h(X, Y ) 7−→ K(T ) h(x(T ), y(T )) que se anula em f . De fato, ϕ(f ) = f (x(T ), y(T )) = 0. Afirmamos que o núcleo I de ϕ coincide com hf i. Com efeito, se existir g ∈ I não divisı́vel por f , por (2, p. 19) podemos encontrar polinômios c(X), d(Y ) em I, não nulos. Daı́ K[X, Y ]/hc, di tem dimensão finita, e portanto sua imagem K[X, Y ]/I ≃ K[x(T ), y(T )], que é a K-subálgebra de K(T ) gerada por x(T ), y(T ), também é um Kespaço vetorial de dimensão finita. Em particular, as funções 1, x(= x(T )), x2 , . . . , xn são linearmente dependentes sobre K para algum inteiro n ≥ 1. Logo, x é algébrico sobre K, e portanto x ∈ K. Analogamente, y(T ) ∈ K, contradizendo a hipótese de que ao menos uma dessas funções era não constante. 2 11. Exercı́cios i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 101 i i Seção 3 O teorema de Lüroth 101 120. Mostre que toda função regular não constante ϕ ∈ A(C) admite no máximo um número finito de zeros, i.e., pontos P ∈ C onde ϕ(P ) = 0. 121. Seja C o gráfico de uma função polinomial Y = p(X). Mostre que A(C) é isomorfo a K[X]. Reciprocamente, se A(C) é K-isomorfo a um anel de polinômios K[T ], será C igual ao gráfico de uma função, a menos de uma mudança de coordenadas? 122. Mostre que K[X, Y ]/hXY − 1i (o anel das funções regulares da hipérbole) não é isomorfo a K[X]. (Sugestão: quais são os elementos invertı́veis?) 123. Mostre que, se C é uma cônica irredutı́vel afim, então A(C) é K-isomorfo seja a K[X, Y ]/hXY − 1i ou a K[X]. A qual desses corresponde o cı́rculo C : X 2 +Y 2 = 1? Defina as funções u = x+iy, v = x−iy no anel de coordenadas do cı́rculo. Mostre que ϕ = i(i − u)/(i + u) = (y − 1)/x. Compare com os exemplos (9, p. 99). 124. Seja A = K[X, Y ]/hY 2 − X 3 i o anel de coordenadas da cúbica cuspidal e sejam x = X̄, y = Ȳ . Mostre que x, y são elementos irredutı́veis (i.e., se x (resp. y) = f · g em A então f ou g é invertı́vel em A) e não associados em A (i.e., nenhum elemento invertı́vel f ∈ A satisfaz a relação y = x · f ). 125. Seja C uma curva irredutı́vel e seja ϕ ∈ K(C) uma função racional não constante. Mostre que o homomorfismo K[T ] → K(C) definido por p(T ) 7−→ p(ϕ) é injetivo e se estende a um isomorfismo do corpo das funções racionais K(T ) sobre o subcorpo K(ϕ) ⊂ K(C). 3 O teorema de Lüroth Suponhamos que a curva C seja racional. A inclusão de corpos, K(C) ֒→ K(T ) fornecida pela proposição anterior é dada pela substituição X 7→ x(T ), Y 7→ y(T ) em ϕ(X, Y ) = p(X, Y )/q(X, Y ), elemento de K(C). Esta substituição produz a função racional p(x(T ), y(T ))/q(x(T ), y(T )) em K(T ), a qual está bem definida porque o denominador é 6= 0, uma vez que f não divide q. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 102 i i 102 Curvas Racionais Cap. 8 12. Definição. Dizemos que a parametrização x(T ), y(T ) da curva C é boa se a inclusão K(C) ֒→ ϕ(X, Y ) − 7 → K(T ) ϕ(x(T ), y(T )) é sobrejetora. Isto equivale a requerer que exista ψ(X, Y ) ∈ K(C) tal que ψ(x(T ), y(T )) = T. 13. Exemplo. A parametrização do cı́rculo obtida anteriormente, x(T ) = (1 − T 2 )/(1 + T 2 ) y(T ) = 2T /(1 + T 2 ) é boa, pois tomando ψ = Y /(X + 1) temos que ψ(x(T ), y(T )) = T . 14. Proposição. Toda curva racional admite uma boa parametrização. Esse resultado é conseqüência do 15. Teorema de Lüroth. Seja L um subcorpo de K(T ) que contém K. Se L contém uma função não constante (i.e. L 6= K) então existe τ ∈ K(T ) tal que L = K(τ ). Em outras palavras, existe uma função τ = τ (T ) tal que cada elemento de L é da forma ϕ(τ ) para alguma ϕ ∈ K(T ). Antes de procedermos com a demonstração do teorema de Lüroth, é instrutivo examinar, por exemplo, o subcorpo L = K(T 4 , T 6 ) gerado pelas funções T 4 , T 6 . Tomemos τ = T 2 = T 6 /T 4 ∈ L. Agora note que T 4 = (τ )2 , T 6 = (τ )3 , donde L = K(τ ). Demonstração do teorema de Lüroth. Notemos que K(T ) é uma extensão algébrica de L. Com efeito, se ϕ = a(T )/b(T ) ∈ L é não constante, com a, b ∈ K[T ], vemos que T é raiz do polinômio a(X) − ϕb(X) ∈ L[X]. Logo, T é algébrico sobre L. Seja p(X, T ) = a0 (T )X m + · · · + am (T ), o polinômio mı́nimo de T sobre L, onde aj ∈ K[T ], a0 6= 0, aj /a0 ∈ L. Podemos supor MDC(a0 , . . . , am ) = 1. Seja i0 tal que n = d◦ ai0 (T ) ≥ d◦ aj (T ) para j = 0, . . . , m. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 103 i i Seção 3 O teorema de Lüroth 103 Escolha j0 tal que ai0 /aj0 6∈ K. (Leitor, justifique a lisura dessa escolha!) Definamos τ = ai0 /aj0 . Note que o polinômio τ aj0 (X) − ai0 (X) ∈ L[X] se anula em T e é de grau n em X. Logo, podemos estimar o grau da extensão, [K(T ) : K(τ )] ≤ n. Seja agora q(X, T ) = aj0 (X)ai0 (T ) − aj0 (T )ai0 (X). Temos q(T, T ) = 0. Segue-se que p(X, T ) divide q(X, T ) em K[X, T ], digamos p(X, T )r(X, T ) = q(X, T ). Comparando graus com respeito à variável T , d◦T p = n ≤ d◦T p + d◦T r = d◦T q ≤ n. Logo, r independe de T . Agora, r = r(X) divide q(X, T ); por simetria (vide definição de q!) r(T ) também é fator de q(X, T ). Portanto, r(T ) divide p(X, T ). Mas por construção, MDC(a0 , . . . , am ) = 1, donde r(T ) é constante. Logo m = n; concluı́mos a demonstração observando as desigualdades, n ≥ [K(T ) : K(τ )] ≥ [K(T ) : L] = m, que implica K(τ ) = L. 2 Para obtermos uma boa parametrização a partir de uma dada, x(T ), y(T ), basta aplicar o teorema de Lüroth ao subcorpo K(x(T ), y(T )) ⊂ K(T ). Deduzimos K(x(T ), y(T )) = K(τ ) e tomamos τ como novo parâmetro. 16. Exercı́cios 126. Determine a equação da curva parametrizada por x(T ) = T 6 − T 2 + 1, y(T ) = T 2 /(1 + T 2 ). Ache τ ∈ L = K(x(T ), y(T )) tal que L = K(τ ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 104 i i 104 Curvas Racionais Cap. 8 127. Sejam x, y ∈ K(T ) funções racionais não ambas constantes. Seja S ⊆ A1 a interseçãodos domı́nios de regularidade (veja p. 99) de x e de y. Mostre que existem u, v ∈ K(T ) tais que a aplicação de S em A2 definida por t 7−→ (u(t), v(t)) é injetiva e sua imagem coincide com a imagem de t 7−→ (x(t), y(t)), exceto para um número finito de pontos. Se x, y são polinômios, é possı́vel encontrar u, v polinômios? 4 Curvas racionais projetivas Observemos que a parte inicial da demonstração do teorema de Lüroth mostra, mais geralmente, que se x(T ), y(T ) ∈ K(T ) não são ambas constantes, então existe um polinômio f (X, Y ) não constante tal que f (x(T ), y(T )) = 0. É claro que podemos supor f irredutı́vel. Seja ψ a aplicação dada por ψ(t) = (x(t), y(t)). Note que ψ está definida no complementar de um número finito de pontos de A1 . A imagem de ψ está contida na curva definida por f , podendo porém omitir alguns pontos. 17. Exemplo. Consideremos a parametrização do cı́rculo, ψ(t) = ( 2t 1 − t2 , ). 2 1 + t 1 + t2 O ponto (−1, 0) está fora da imagem (verifique!). Se K = R ou C, podemos imaginar t → ∞, e é claro que lim ψ(t) = (−1, 0). t→∞ Mas em qualquer caso, temos um procedimento algébrico para fazer t → ∞: consideramos A1 ⊂ P1 , como de hábito, identificando t com (t : 1), e procedemos analogamente para A2 ⊂ P2 . Eis agora o passe de mágica: a aplicação ψ̃ : P1 −→ (t : u) 7−→ P2 (u2 − t2 : 2tu : u2 + t2 ) coincide com ψ no domı́nio comum e fornece o valor def. ψ̃(∞) = ψ̃(1 : 0) = (−1 : 0 : 1). √ Observe que ψ̃ estende ψ também aos pontos t = ± −1, em que ambas as coordenadas de ψ(t) não estavam definidas. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 105 i i Seção 4 Curvas racionais projetivas 105 18. Definição. Uma aplicação ψ : Pm → Pn é dita regular ou polinomial se existirem polinômios homogêneos do mesmo grau, ψ0 , . . . , ψn ∈ K[X0 , . . . , Xm ] tais que, ∀P = (x0 : · · · : xm ) ∈ Pm , ψ(P ) = (ψ0 (P ) : · · · : ψn (P )). Note que, em particular, os polinômios ψ0 , . . . , ψn são proibidos de admitir zero em comum P ∈ Pm . O requerimento de que sejam homogêneos e do mesmo grau se justifica para garantir que (ψ0 (P ) : · · · : ψn (P )) independe das coordenadas homogêneas de P . Deixamos a cargo do leitor a demonstração da proposição seguinte, generalizando a discussão feita acima. 19. Proposição. Sejam x1 (T ), . . . , xn (T ) funções racionais. Seja U ⊂ A1 o maior subconjunto em que estão todas definidas. Então existe uma única aplicação polinomial ψ : P1 → Pn tal que ψ(t : 1) = (x1 (t) : · · · : xn (t) : 1) ∀t ∈ U. Este resultado mostra que o conceito de parametrização racional de uma curva plana pode ser substituı́do, com vantagem, pelo conceito de aplicação polinomial P1 → P2 . Com efeito, com este último ponto de vista, por um lado desaparecem as restrições impostas à variação do parâmetro e, por outro, a imagem agora é completa no seguinte sentido. 20. Proposição. A imagem de uma aplicação polinomial ψ : P1 −→ P2 não constante é uma curva projetiva irredutı́vel. Demonstração. Sejam ψ0 , ψ1 , ψ2 ∈ K[X0 , X1 ] coordenadas de ψ. Se ψ2 = 0, mostremos que ψ(P1 ) é igual à reta no infinito Z = 0. Com efeito, dado Q = (y0 : y1 : 0) ∈ P2 , o polinômio y1 ψ0 (X0 , X1 ) − y0 ψ1 (X0 , X1 ) admite raiz P = (x0 : x1 ) ∈ P1 , i.e., y1 ψ0 (x0 : x1 ) = y0 ψ1 (x0 : x1 ), donde ψ(P ) = Q. Suponhamos agora ψ2 6= 0. Ponhamos x(T ) := ψ0 (T, 1)/ψ2 (T, 1), y(T ) := ψ1 (T, 1)/ψ2 (T, 1). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 106 i i 106 Curvas Racionais Cap. 8 Ao menos uma delas é não constante. Seja f a curva racional assim parametrizada (cf. observação no inı́cio do §4). Seja F = f ∗ . Provaremos que F = ψ(P1 ). Seja F̃ (T, U ) = F (ψ0 (T, U ), ψ1 (T, U ), ψ2 (T, U )). É fácil ver que F̃ (T, U ) é um polinômio homogêneo nas indeterminadas T, U . Como F̃ (T, 1) = 0, segue-se que F̃ (T, U ) = 0, ou seja, F contém ψ(P1 ). Para completar a demonstração, analisemos a condição para que um ponto (y0 : y1 : y2 ) ∈ P2 esteja em ψ(P1 ). Supondo y2 6= 0, a condição (y0 : y1 : y2 ) = (ψ0 (t, u) : ψ(t, u) : ψ2 (t, u)) se exprime na existência de uma solução (t : u) ∈ P1 para o sistema de equações y2 ψ0 (T, U ) − y0 ψ2 (T, U ) = 0, y2 ψ1 (T, U ) − y1 ψ2 (T, U ) = 0. Ponhamos Gi = Y2 ψi − Yi ψ2 , i = 0, 1. Temos dois polinômios homogêneos nas variáveis T, U , da forma G0 = a0 T m + a1 T m−1 U + · · · + am U m , G 1 = b0 T m + · · · + bm U m , onde os ai , bj são polinômios homogêneos de grau 1 nas novas variáveis Y0 , Y1 , Y2 . Esta é uma situação tı́pica da teoria da eliminação: procuramos condições sobre os coeficientes de dois polinômios para que admitam um zero em comum. (No caso em pauta, G0 , G1 são homogêneos, mas o zero trivial, t = u = 0, não interessa). Consideremos a resultante R = R(Y0 , Y1 , Y2 ) de G0 (T, 1), G1 (T, 1). Sabemos então que, para cada y = (y0 , y1 , y2 ), a0 (y) = b0 (y) = 0 ou R(y) = 0 ⇐⇒ G0 (T, 1), G1 (T, 1) admitem raiz comum t Ora, se a0 (y) = b0 (y) = 0, temos G0 (1, 0) = G1 (1, 0) = 0. Concluı́mos que R(y) = 0 ⇐⇒ (G0 (t, u) = G1 (t, u) = 0 para algum (t : u) ∈ P1 ). Em resumo, a argumentação acima mostra que (y0 : y1 : 1) ∈ ψ(P1 ) ⇐⇒ R(y0 , y1 , 1) = 0. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 107 i i Seção 4 Curvas racionais projetivas 107 Em particular, ψ(P1 ) contém a curva afim R(Y0 , Y1 , 1) = 0. Lembrando que F é irredutı́vel e ψ(P1 ) ⊂ F , concluı́mos que (y0 : y1 : 1) ∈ ψ(P1 ) ⇐⇒ (y0 : y1 : 1) ∈ F. Repetindo o argumento com y0 ou y1 no lugar de y2 , segue-se que ψ(P1 ) = F . 2 21. Definição. Uma curva projetiva é racional se for igual à imagem de uma aplicação polinomial não constante P1 −→ P2 . O leitor deve verificar que esta definição é consistente com a definição 1. Precisamente, deixamos como exercı́cio a prova da seguinte 22. Proposição. (i) Seja f uma curva afim. Então f é racional se e só se seu fecho projetivo f ∗ é racional. (ii) Seja F uma curva projetiva. Então F é racional se e só se F∗ é racional (ou vazia!). 23. Exercı́cios 128. Demonstre as proposições 19 e 22. 129. Sejam ψ0 , ψ1 , ψ2 ∈ K[X, Y ] polinômios homogêneos de grau 2, linearmente independentes. Mostre que não admitem fator comum, e que a imagem da aplicação polinomial de P1 em P2 que definem é uma cônica não singular. Toda cônica não singular é imagem de uma tal aplicação. 130. Mostre que toda cúbica singular irredutı́vel é racional. 131. Mostre que toda aplicação polinomial bijetiva P1 → P1 é do tipo (x : y) 7−→ (ax+by : cx+dy) com a, b, c, d constantes tais que ad−bc 6= 0. 132. Sejam p, q, r ∈ K[T ] tais que MDC(p, q, r) = 1 e p/r, q/r é uma boa parametrização da curva racional f . Mostre que d◦ f = max{d◦ p, d◦ q, d◦ r}. (Sugestão: Se A, B, C são indeterminadas, então Ap + Bq + Cr é irredutı́vel em K[A, B, C, T ]; conclua que as raı́zes de ap(T ) + bq(T ) + cr(T ) são todas distintas para “quase todo” (a : b : c) ∈ P2 ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 108 i i 108 Curvas Racionais Cap. 8 133. Mostre que a multiplicidade de um ponto de uma curva racional é igual ao número de valores do parâmetro que lhe correspondem numa parametrização do tipo descrito no exercı́cio anterior, contando esses valores com multiplicidades convenientemente definidas. 5 O gênero virtual Veremos nesta seção um critério numérico para que uma curva seja racional. 24. Definição. O gênero virtual de uma curva projetiva F sem componentes múltiplas é o número inteiro gv = gv (F ) = X (d − 1)(d − 2) − mP (mP − 1)/2, 2 P onde d = d◦ F e mP = mP (F ) é a multiplicidade de P em F . O somatório é finito pois sabemos que mP = 1 exceto para o número finito de pontos singulares de F . 25. Exemplos. 1) O gênero virtual de uma reta ou de uma cônica irredutı́vel é zero. 2) Se F é a cúbica Y 2 = X 3 , temos gv = 0. 3) Considere a curva Y 2 = X 5 . Os pontos singulares são (0 : 0 : 1) e (0 : 1 : 0) com respectivas multiplicidades iguais a 2 e 3. Logo, gv = (5 − 1)(5 − 2) − 1 − 3 = 2. 2 26. Proposição. Seja F uma curva irredutı́vel. Então temos, (i) gv (F ) ≥ 0; (ii) gv (F ) = 0 ⇒ F é racional. Observemos que a recı́proca de (ii) não é válida, pois no terceiro exemplo acima a curva é evidentemente racional (fazer x = T 2 , y = T 5 ), embora gv = 2 > 0. Na realidade, o gênero virtual é apenas uma aproximação grosseira do mais importante número associado a uma curva, o gênero geométrico. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 109 i i Seção 5 O gênero virtual 109 Este último coincide com gv (F ) quando as singularidades de F são apenas pontos múltiplos ordinários. Deixamos como exercı́cio 135 uma recı́proca parcial, mostrando que gv = 0 se F é racional e seus pontos singulares são todos ordinários. Demonstração da proposição 26. Examinemos inicialmente um caso simples. Uma cúbica irredutı́vel não admite ponto triplo, pois teria que conter a reta que une qualquer outro de seus pontos ao ponto triplo; similarmente, também não admite dois pontos duplos distintos. Por outro lado, se a cúbica admitir um ponto duplo P0 , consideremos o feixe das retas que passam por P0 . Se L0 , L∞ são duas dessas, as demais retas do feixe são da forma Lt = L0 + tL∞ para um valor conveniente de t. O ponto P0 absorvendo duas interseções, cada Lt destaca sobre a cúbica um único ponto adicional, cujas coordenadas se expressam como função racional de t. Para o caso geral, devemos considerar curvas de grau suficientemente grande passando por todos os pontos singulares de F . Precisamente, seja d = d◦ F . Os casos d = 1, 2 dispensando maiores comentários, suponhamos d ≥ 3. Sejam P1 , . . . , Ps os distintos pontos singulares de F , com mi = mPi (F ) ≥ 2. Vamos estudar a coleção das curvas de um certo grau n que passam por cada Pi com multiplicidade ≥ mi − 1. Denotemos por Sn o conjunto de todas as curvas projetivas planas de grau n. Podemos identificar Sn com um espaço projetivo PN , com N = n(n + 3)/2, associando a cada curva G = Σaij X i Y j Z n−i−j o ponto (a00 : a01 : · · · : an0 ), os ı́ndices i, j satisfazendo i, j ≥ 0, i + j ≤ n, ordenados de alguma maneira. Seja Sno = {G ∈ Sn | mPi (G) ≥ mi − 1, i = 1, . . . , s}. Ora, a imposição de que um dado ponto seja m-uplo sobre uma curva m+1 traduz-se num sistema de 2 equações lineares homogêneas nos coeficientes do polinômio que define a curva (veja o exerc. 56, p. 43). Assim, Sno identifica-se a um subespaço projetivo de PN , com a dimensão Xm dim Sno ≥ N − ( 2i ) =: Nn . Tomando n = d − 1, calculamos P 2Nd−1 = (d − 1)(d + 2) − mi (mi − 1) = 2gv + 4(d −P 1) ≥ d(d − 1) − mi (mi − 1). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 110 i i 110 Curvas Racionais Cap. 8 Esta última quantidade é ≥ 0. Com efeito, aplicando o teorema de Bézout a F, FX , encontramos X d(d − 1) = (F, FX )P . Mas é facil ver que mPi (FX ) ≥ mi − 1, donde (F, FX )Pi ≥ mi (mi − 1). Tendo verificado que Nd−1 é ≥ 0, podemos concluir que existe uma o , de grau d−1, satisfazendo ainda as condições adicionais curva G ∈ Sd−1 de passar por Nd−1 pontos de F , distintos dos Pi . Aplicando Bézout, resulta X d(d − 1) ≥ mi (mi − 1) + Nd−1 . Daı́ vem gv = Nd−1 − 2(d − 1) P ≤ (d − 1)(d − 2) − mi (mi − 1) = 2gv donde gv ≥ 0, completando a demonstração de (i). Suponhamos agora gv = 0. Fazendo n = d − 2, calculamos Nd−2 = d − 2. Escolhamos d − 3 novos pontos Qj ∈ F , e consideremos o S ′ = {G ∈ Sd−2 | Qj ∈ G, j = 1, . . . , d − 3}, o que é obtido a partir de Sd−2 pela imposição de d − 3 novas equações lineares. Temos então dim S ′ ≥ 1. Afirmamos que dim S ′ = 1. Com efeito, se dim S ′ ≥ 2, então poderı́amos forçar algum G ∈ S ′ a passar por mais dois pontos de F , distintos dos pontos fixos já considerados. Contando os pontos de G ∩ F , obterı́amos X d(d − 2) ≥ mi (mi − 1) + d − 3 + 2 donde 0 = (d − 1)(d − 2) − X mi (mi − 1) ≥ 1 !!! Em resumo, existem G0 , G1 ∈ S ′ tais que todo elemento de S ′ é da forma x0 G0 + x1 G1 , para algum (x0 : x1 ) ∈ P1 , i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 111 i i Seção 5 O gênero virtual 111 i.e., S ′ é um feixe (famı́lia linear a um parâmetro de curvas). Vamos mostrar que é possı́vel parametrizar F empregando esse feixe. Seja C ′ o complementar de G0 ∩ F∗ na curva afim C = F∗ . (Em particular, C ′ exclui os pontos Pi , Qj ). Seja ϕ a função racional definida por ϕ : C ′ −→ A1 ⊂ P1 P 7−→ ϕ(P ) = −G1 (P )/G0 (P ). Por construção, ϕ(P )G0 +G1 é a única curva de grau d−2 que passa por P , pelos Qj , e por cada Pi com multiplicidade ≥ mi − 1. Notemos que ϕ é injetiva, do contrário existiria G ∈ S ′ contendo dois pontos além dos já fixados. Em particular, ϕ é não constante, acarretando que o subcorpo K(ϕ) de K(C) gerado por ϕ é isomorfo ao corpo das funções racionais de uma variável (veja o exercı́cio (125, p. 101)). Para concluirmos que C, e portanto F , é racional, é suficiente provarmos que K(C) = K(ϕ). É o que resulta do próximo lema. 27. Lema. Seja C uma curva irredutı́vel e seja ϕ ∈ K(C) uma função racional não constante. Seja m = [K(C) : K(ϕ)]. Então, exceto para um número finito de valores t ∈ K, a equação ϕ(P ) = t admite exatamente m soluções distintas. Em particular, se C admitir uma função racional injetiva então C é racional. Demonstração. Lembremos que K(C) é gerado sobre K pelas restrições X̄, Ȳ , ou seja, K(C) = K(X̄, Ȳ ). Sem perda de generalidade, podemos supor X̄ 6∈ K. Mostremos que as funções X̄, Ȳ são algébricas sobre K(ϕ) (veja o apêndice, p. 145). Com efeito, ϕ não é algébrico sobre K, pois K é algebricamente fechado e ϕ 6∈ K. Se, por absurdo, X̄ não fosse algébrico sobre K(ϕ), então para todo p ∈ K(ϕ)[T ], p 6= 0, terı́amos p(X̄) 6= 0. Equivalentemente, para todo p ∈ K[T, U ], se p 6= 0 então p(ϕ, X̄) 6= 0. Assim, ϕ não seria algébrico sobre K(X̄). Visto que Ȳ é algébrico sobre K(X̄) (já que f (X̄, Ȳ ) = 0, onde f denota a equação de C), deduzirı́amos que ϕ não é algébrico sobre K(X̄, Ȳ ), contradição. Concluı́mos que K(X̄, Ȳ ) é uma extensão algébrica finita de K(ϕ). Apliquemos o teorema do elemento primitivo: existe ψ ∈ K(X̄, Ȳ ) tal que K(X̄, Ȳ ) = (K(ϕ))(ψ) = K(ϕ, ψ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 112 i i 112 Curvas Racionais Cap. 8 Em particular, existem funções racionais α, β de duas variáveis tais que X̄ = α(ϕ, ψ), Ȳ = β(ϕ, ψ). Escrevamos o polinômio mı́nimo de ψ sobre K(ϕ) na forma g(T, U ) = a0 (T )U m + · · · + am (T ), ai ∈ K[T ], a0 6= 0. Assim, g(ϕ, ψ) = 0, e o grau m coincide com o grau da extensão K(X̄, Ȳ ) = K(ϕ, ψ) sobre K(ϕ). Seja D a curva definida no plano (t, u) pela equação g(T, U ) = 0. Por construção de D, o K-homomorfismo de K[T, U ] em K(X̄, Ȳ ) definido por h(T, U ) 7→ h(ϕ, ψ) induz uma inclusão do anel de funções regulares A(D) em K(X̄, Ȳ ) e por fim, o K-isomorfismo K(T̄ , Ū )≃K(X̄, Ȳ ). Este último isomorfismo associa a X̄, Ȳ as funções α(T̄ , Ū ), β(T̄ , Ū ) respectivamente. Sejam C0 e D0 os maiores subconjuntos de C e D em que as funções racionais ϕ, ψ e α, β estão definidas. Consideremos as aplicações π : C0 −→ D e χ : D0 −→ C definidas por (x, y) 7−→ (ϕ(x, y), ψ(x, y)) e (t, u) 7−→ (α(t, u), β(t, u)). Desprezando mais um número finito de pontos, podemos supor que π(C0 ) ⊆ D0 e χ(D0 ) ⊆ C0 . Lembrando a definição do isomorfismo K(D)≃K(C), verifica-se facilmente que π e χ são inversas uma da outra. Em particular, observemos que ϕ(χ(t, u)) = t para todo (t, u) ∈ C0 . Desta maneira, resolver a equação ϕ(x, y) = t com (x, y) ∈ C0 é agora equivalente a resolver a equação g(t, U ) = 0. Descontando os valores de t que anulam a0 (T ) ou que ocorrem em pontos de interseção de g(T, U ) com gU (T, U ) (derivada parcial com respeito a U ), obtemos m soluções distintas. 2 Um comentário: o teorema do elemento primitivo nos permite substituir a curva C por outra curva D, com o mesmo corpo de funções racionais, de tal sorte que a função ϕ é substituı́da pela projeção D ∋ (t, u) 7−→ t. 28. Exemplo. Consideremos a lemniscata C : (X 2 + Y 2 )2 = X 2 − Y 2 . Seus pontos singulares são (0 : 0 : 1) e (1 : ±i : 0), todos duplos. Logo, i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 113 i i Seção 5 O gênero virtual 113 gv = 0. Apliquemos o procedimento da demonstração para construir uma parametrização. Devemos considerar o feixe das cônicas passando por esses três pontos e por um quarto ponto adicional, e.g., (1 : 0 : 1). Sejam G0 = Y Z, G1 = X 2 +Y 2 −XZ. Então o feixe {x0 G0 +x1 G1 |(x0 : x1 ) ∈ P1 } é a totalidade das cônicas que contêm os quatro pontos. A parametrização procurada será obtida achando a função inversa de ϕ(x, y) = (x − x2 − y 2 )/y, (x, y) ∈ Cϕ . Substituı́mos x − x2 − y 2 = ty na equação da lemniscata. Desprezando soluções provenientes dos pontos fixos, encontramos y = 2tx/(t2 + 1) x = (t4 − 1)/((t2 + 1)2 + 4t2 ), que dá a parametrização procurada. 29. Exercı́cios 134. Ache uma parametrização para (X 2 + Y 2 )2 = XY . 135. O objetivo deste exercı́cio é provar que, se F é uma curva projetiva racional cujas singularidades são apenas pontos múltiplos ordinários, então gv (F ) = 0. (a) Mostre que existem x, y, z ∈ K[T ] com MDC(x, y, z) = 1 e F (x, y, z) = 0 em K[T ] e tal que t 7−→ Pt = (x(t) : y(t) : z(t)) é uma bijeção do complementar U ⊂ A1 de um número finito de pontos sobre o complementar C ⊂ F de um número finito de pontos. (b) Desprezando mais um número finito de pontos, prove que a equação da reta tangente a F em Pt é, para t ∈ U, dada por X x(t) ẋ(t) Y y(t) ẏ(t) Z z(t) ż(t) = 0. (Sugestão: use a fórmula de Euler e derive F (x, y, z) com relação a T para mostrar que FX , FY , FZ (calculadas em Pt ) são proporcionais aos menores das duas últimas linhas). (c) Seja P = (x0 : y0 : z0 ) um ponto fora das tangentes aos pontos singulares de F e das tangentes aos pontos correspondentes a valores i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 114 i i 114 Curvas Racionais Cap. 8 excepcionais de t (i .e., t 6∈ U). Mostre que F ∩ F P contém, além dos pontos singulares, os pontos Pt em que t é raiz do polinômio x0 dx − tẋ ẋ y0 dy − tẏ ẏ z0 dz − tż ż , onde d = d◦ F. (d) Mostre que o grau deste último polinômio é no máximo 2d − 2. (e) Use o exercı́cio (109, p. 92) para concluir a relação d(d − 1) ≤ ΣmQ (F )(mQ (F ) − 1) + 2d − 2, e daı́, gv = 0. 136. Mostre que toda curva racional projetiva de grau ≥ 3 é singular. No entanto, existem curvas racionais afins não singulares de grau arbitrário. 6 Aplicação ao cálculo integral Vamos aplicar a propriedade caracterı́stica das curvas racionais ao cálculo de integrais de certas funções algébricas. Dizemos que uma função y = ϕ(x) definida e contı́nua numa vizinhança de um ponto x0 ∈ K (K = R ou C) é algébrica se existir um polinômio não constante f tal que f (x, ϕ(x)) = 0 no domı́nio de ϕ. (Por √ exemplo, ϕ(x) = x é algébrica.) Tomando f irredutı́vel, o polinômio fica determinado a menos de fator constante e dizemos então que f é a equação de ϕ, ou que ϕ é definida por f (X, Y ) = 0. R Eis a questão que queremos abordar: sob que condições a integral ϕ(x)dx é exprimı́vel por funções elementares? Não é nosso objetivo aqui explorar em profundidade esse problema. Vamos nos contentar com a discussão de um caso simples. De inı́cio, esclareçamos o significado de “função elementar”. Chamaremos de função elementar da função algébrica ϕ(x) a uma combinação linear de funções do tipo ψ(x, ϕ(x)) ou log(ψ(x, ϕ(x))), onde ψ denota uma função racional de duas variáveis. 30. Proposição. Seja y = ϕ(x) uma função algébrica definida por uma equação polinomial R f (X, Y ) = 0. Se a curva definida por f é racional, então a integral χ(x, ϕ(x))dx é uma função elementar de ϕ(x) para toda função racional χ. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 115 i i Seção 7 Curvas de Bézier 115 Demonstração. Seja x(T ), y(T ) uma boa parametrização de f . Assim, salvo um número finito de exceções, cada ponto (a, b) ∈ f é da forma a = x(t), b = y(t) para um único valor t. Segue-se que ϕ(x(t)) = y(t) para quase todo t em que o primeiro membro está definido. PorR tanto, a integral χ(x, ϕ(x))dx calcula-se por substituição, fazendo x = R ) x(T ), dx = ẋdT . A integral se transforma numa do tipo p(T q(T ) dT , onde p, q são polinômios. Se q(T ) = (T − c1 )m1 · · · (T − cs )ms , onde os ci ∈ C são dois a dois distintos, podemos escrever a expansão em frações parciais, mi s X X p(T ) aij (T − ci )−j , = r(T ) + q(T ) i=1 j=1 onde r(T ) é um polinômio e os aij são constantes. A integral de uma função desse tipo é claramente da forma ψ(T ) + Σai1 log(T − ci ), onde ψ(T ) é racional. Lembrando que T = ξ(x(T ), y(T )) para alguma função racional ξ, vemos que é possı́vel expressar o resultado final em termos de uma função elementar de ϕ(x). 2 R 2 2 31. Exemplo. Calcular ϕ(x) x+1 dx, onde ϕ(x) é definida por Y − X + X 3 = 0. Temos a parametrização x(T ) = T2 − 1 y(T ) = T (T 2 − 1). Logo, Z Z (T 2 − 1)T · 2T dT T2 − 1 + 1 Z T3 = 2 (T 2 − 1)dT = 2( − T) 3 ϕ(x) 2 ϕ(x) 3 ) −3 ), = (( 3 x x ϕ(x) dx = x+1 levando em conta a relação T = y/x = ϕ(x)/x). 7 Curvas de Bézier O leitor já deve ter visto em curso elementar de Cálculo ou Álgebra Linear a técnica de interpolação de Lagrange: dados os pontos i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 116 i i 116 Curvas Racionais Cap. 8 (x1 , y1 ), . . . , (xd , yd ), procura-se um polinômio, p(x), de grau mı́nimo tal que p(xi ) = yi ∀ i = 1 . . . d. Estamos supondo evidentemente xi 6= xj para i 6= j. A solução se exprime na forma Q X j6=i (x − xj ) p(x) = yi Q , j6=i (xi − xj ) i combinação linear de polinômios de grau d − 1. As curvas de Bézier servem a um propósito semelhante, com certas vantagens computacionais e estéticas. São dados novamente d pontos distintos, P1 = (x1 , y1 ), . . . , Pd = (xd , yd ), mas agora contentamonos com uma curva racional que se “ajuste visualmente” à distribuição gráfica dos pontos. Precisamente, a curva racional procurada passa pelas extremidades P1 e Pd , com tangentes nestes pontos contendo os segmentos P1 P2 e Pd−1 Pd . Os demais pontos servem de controle; a curva construı́da não é obrigada a passar por eles, mas segue o esboço delineado pela distribuição ordenada dos pontos. A parametrização é obtida de forma recursiva. Inicializamos com a poligonal formada pelos d − 1 segmentos, 1 = (1 − t)P1 + tP2 , σ1 (t) .. . 1 σd−1 (t) = (1 − t)Pd−1 + tPd . Nas etapas seguintes, cada par de poligonais consecutivas é substituı́da por uma interpolação, em geral formando uma parábola: 2 = (1 − t)σ11 + tσ21 , σ1 (t) .. . 2 1 1 . σd−2 (t) = (1 − t)σd−2 + tσd−1 Na última etapa, restam duas parametrizações σ1d−2 , σ2d−2 , de graus ≤ d − 2. Repetindo a interpolação, resulta σ1d−1 = (1 − t)σ1d−2 + tσ2d−2 , cujo grau é ≤ d − 1. 32. Exemplo. Considere os pontos P1 = (−1, 1), P2 = (0, 0), P3 = (−1.2, −1.2), P4 = (2, −1.5). Na primeira rodada, traçamos as três poligonais dadas parametricamente por, σ11 (t) = (t−1, −t+1), σ21 = (−1.2t, −1.2t), σ31 = (3.2t−1.2, −0.3t−1.2). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 117 i i Seção 7 Curvas de Bézier 117 Na próxima etapa, obtemos σ12 (t) = (−2.2t2 + 2t − 1, −0.2t2 − 2t + 1), σ22 = (4.4t2 − 2.4t, 0.9t2 − 2.4t). Por fim, σ 3 (t) = (6.6t3 − 6.6t2 + 3t − 1, 1.1t3 − 0.6t2 − 3t + 1). •.....·........... ·...·.....·.......... .·..·............. .·..· ............... .·.·. ............... .... ··... .................................... ··.. .....◦......•.. ··· ..............◦....◦...◦....◦. ·· ............◦ ··......·............... ◦◦◦..... ◦◦ .. ·..... ..... ◦◦..... ....· ...· ... .....· ◦◦ ..... ...· ... .........· ◦ .. .............. .........· •......................................................................... ◦◦◦.◦...◦..◦...◦........ .........................................◦◦◦◦ ....... .....................◦ ....... ....◦ .....◦ .....◦◦ .........◦◦ ...........◦ ......◦ .......◦◦ ............◦◦ ................... ... .......... ........................ ..............•. figura 8.3 Essas curvas são amplamente utilizadas em computação gráfica. Foram introduzidas e empregadas pelo engenheiro francês Pierre Bézier, da fábrica Renault, no projeto de carrocerias por volta de 1970. 33. Exercı́cios 137. Verifique no exemplo acima que as parábolas σ12 (t), σ22 (t) são de fato tangentes à poligonal nos pontos indicados. Idem para σ 3 . 138. Se três pontos consecutivas quaisquer não forem colineares, mostre que cada σi2 na recursão acima é de grau dois. Generalize! i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 118 i i 9 Cúbicas não Singulares 1 Conexões inesperadas Este último tópico é um notável ponto de confluência de ramos da Matemática tão diversos na aparência como a Álgebra, a Geometria, a Análise e a Teoria dos Números. O fato central na geometria de uma cúbica não singular F reside na estrutura de grupo definida a partir da correspondência que associa a cada par de pontos P, Q ∈ F , o terceiro ponto de interseção da reta P Q com F . Essa estrutura de grupo sintetiza uma grande riqueza de informações. Dela podemos deduzir, por exemplo, que a reta que liga dois pontos de inflexão encontra a cúbica num terceiro ponto de inflexão. Utilizamos este fato para mostrar que a classe de congruência de F (i.e., a coleção das cúbicas obtidas de F por uma projetividade) é determinada por uma certa constante, chamada o módulo de F . Quando K = C, a estrutura de grupo está intimamente ligada à teoria das funções elı́pticas. Embora o estudo desse aspecto analı́tico fuja aos nossos propósitos, não resistimos ao impulso de mencionar, ao menos de passagem, algumas das conexões mais surpreendentes. (O aluno com bom espı́rito de iniciativa encontrará os detalhes nas referências bibliográficas). (1) Associada a cada cúbica não singular F : Y 2 = X 3 + aX + b, i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 119 i i Seção 1 Conexões inesperadas 119 existe uma função meromorfa não constante ℘(z), satisfazendo a equação diferencial ℘′ (z)2 = ℘(z)3 + a℘(z) + b. (2) ℘(z) é uma função elı́ptica, i.e., existe um subgrupo aditivo hω1 , ω2 i ⊂ C gerado por dois números complexos ω1 , ω2 linearmente independentes sobre R tal que ℘(z + ω) = ℘(z) se e só se ω ∈ hω1 , ω2 i. Diz-se então que ℘(z) é duplamente periódica, com perı́odos m1 ω1 + m2 ω2 , mi ∈ Z. (3) A aplicação z 7→ (℘(z) : ℘′ (z) : 1) induz um isomorfismo do grupo aditivo C/hω1 , ω2 i sobre F . (4) Topologicamente, C/hω1 , ω2 i é isomorfo a R2 /Z2 = (R/Z) × (R/Z) = S 1 × S 1 , produto de dois cı́rculos. Assim, uma cúbica não singular se identifica com um toro! (5) O módulo de F , mencionado acima, expressa-se como função dos perı́odos de ℘(z). Quando a cúbica F é definida por uma equação a coeficientes inteiros (e.g., a cúbica do “último teorema de Fermat”, X 3 + Y 3 = Z 3 ), é natural perguntar se existem pontos racionais, i.e., com coordenadas homogêneas números racionais (ou equivalentemente, números inteiros). Infelizmente, não se conhece critério algum para decidir, em geral, se uma cúbica possui ou não pontos racionais. Há exemplos em que não existe nenhum tal ponto. Pelo lado mais positivo, pode-se mostrar que, se F possui um ponto racional, então F é congruente a uma cúbica (ainda definida sobre Z) com um ponto de inflexão racional. Tomando-se um tal ponto de inflexão como elemento neutro para a estrutura de grupo (cf. proposição (16, p. 129)), o conjunto dos pontos racionais forma um subgrupo finitamente gerado de F (teorema de Mordell). Veja as fascinantes notas escritas por J. Tate e expandidas no livro [32] contendo uma demonstração deste teorema. Não poderı́amos deixar de citar o papel central que tais curvas desempenham na demonstração do último teorema de Fermat. O leitor deve consultar o artigo expositório de Gouvêa [16]. Mencionemos por fim as aplicações em criptografia, cf. Blake et al.[3], Koblitz[23]. Bem, aqui vamos nos restringir apenas à classificação projetiva e às propriedades mais simples ligadas à estrutura de grupo de uma cúbica não singular. Procuramos dosar a necessidade de introduzir novos conceitos gerais com aplicações diretas ao estudo dessas curvas. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 120 i i 120 2 Cúbicas não Singulares Cap. 9 Forma normal Duas retas quaisquer são congruentes por uma projetividade. Similarmente, é um fácil exercı́cio mostrar que, a menos de projetividade, só há um tipo de cônica não degenerada. Também só há um tipo de cúbica nodal e outro cuspidal. Para cúbicas não singulares, porém, a classificação é bem diferente: existe um tipo para cada elemento do corpo K! Precisamente, mostraremos neste parágrafo que a cada cúbica F não singular está associado um invariante j ∈ K, o qual determina a classe de congruência de F . 1. Proposição. Toda cúbica não singular é congruente por uma projetividade a uma cúbica do tipo ZY 2 = X(X − Z)(X − λZ) para alguma constante λ ∈ K, λ 6= 0, 1. Demonstração. Sabemos, em vista das fórmulas de Plücker, que uma cúbica não singular F admite pontos de inflexão (nove ao todo). Tomamos (0 : 1 : 0) como um deles, com tangente Z = 0. Podemos ainda supor que (0 : 0 : 1) ∈ F , com tangente X = 0. Temos então F já na forma F = X 3 + Z(aX 2 + bXY + cY 2 ) + dZ 2 X, com d 6= 0 6= c (senão F seria divisı́vel por X). Substituindo Y por √ Y / c, podemos supor c = 1. Substituindo Y por Y − bX/2, podemos supor b = 0. Assim, já reduzimos F à forma F = X 3 + Z(Y 2 + aX 2 ) + bXZ 2 com novos a, b, este último 6= 0 (senão (0 : 0 : 1) seria um ponto singular). Seja α uma raiz de X 2 + aX + b. Substituindo X por αX vem F = ZY 2 + α3 X(X − Z)(X − λZ). Finalmente, substituindo Y por (−α)3/2 Y e cancelando, obtemos a forma normal do enunciado. 2 Quão bem determinado é o parâmetro λ? i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 121 i i Seção 2 Forma normal 121 Ponhamos, para cada λ 6= 0, 1, Fλ = ZY 2 − X(X − Z)(X − λZ), 1 λ Λ(λ) = {λ, λ1 , 1 − λ, 1−λ , λ−1 λ , λ−1 }. 2. Proposição. Duas cúbicas Fλ , Fµ são congruentes se e somente se Λ(λ) = Λ(µ). Demonstração. Mostremos inicialmente que existem projetividades S, T tais que S• Fλ = F1−λ e T• Fλ = F1/λ . Com efeito, basta definir S• , T• pelas condições: X −Z , X 7−→ λX , X 7−→ √ −1Y , Y 7−→ e T• : S• : Y 7−→ λ3/2 Y, Z 7−→ −Z, Z 7−→ Z. Substituindo λ por 1 − λ ou 1/λ, segue-se que, para cada µ ∈ Λ(λ), podemos obter uma projetividade que leve Fλ em Fµ . Para a recı́proca, seja U uma projetividade tal que U• Fµ = Fλ . O ponto de inflexão (0 : 1 : 0) ∈ Fµ é transformado em um ponto de inflexão U (0 : 1 : 0) ∈ Fλ . Admitamos, por um momento, conhecido o seguinte Fato: Se P, Q são pontos de inflexão de uma cúbica não singular F então existe uma projetividade M tal, que M• F = F e M P = Q. Continuando com a argumentação, já podemos supor que U (0 : 1 : 0) = (0 : 1 : 0). Agora os três pontos de contato das retas tangentes a Fµ passando por (0 : 1 : 0) são transladados sobre os respectivos de Fλ . Isto é: U aplica {(0 : 0 : 1), (1 : 0 : 1), (µ : 0 : 1)} sobre {(0 : 0 : 1), (1 : 0 : 1), (λ : 0 : 1)}. Além disso, U deixa invariante a tangente inflexional Z = 0, bem como a reta Y = 0. Identificando esta última com P1 , obtivemos uma projetividade de P1 (i.e., uma aplicação da forma (x : y) 7→ (ax + by : cx + dy) que fixa o ponto no infinito (1 : 0) (identificado com a interseção de Y = 0 e Z = 0), e que aplica {(0 : 1), (1, 1), (µ : 1)} sobre {(0 : 1), (1 : 1), (λ : 1)}. Nessas circunstâncias, o leitor não terá dificuldade em concluir que µ ∈ Λ(λ). Isto completa a demonstração, a menos da justificativa do fato acima, a qual será feita oportunamente (corolário 18, p. 131). 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 122 i i 122 Cúbicas não Singulares Cap. 9 3. Definição. O módulo da cúbica Fλ = ZY 2 − X(X − Z)(X − λZ) é dado por 27 (1 − λ + λ2 )3 . J(λ) = 4 λ2 (1 − λ)2 O leitor deve verificar que J é constante sobre cada Λ(λ) e que, de fato, J(λ) = J(µ) ⇔ Λ(λ) = Λ(µ). Em conclusão, segue-se que duas cúbicas não singulares são projetivamente equivalentes, (i.e., congruentes por uma projetividade) se e só se elas têm o mesmo módulo! Na realidade, o módulo de uma cúbica é um invariante mais fino. Pode-se demonstrar que duas cúbicas não singulares têm o mesmo módulo se e somente se seus corpos de funções racionais são K-isomorfos. 4. Exercı́cios 139. Reduza X 3 +Y 3 +Z 3 = 0 à forma normal da proposição (1, p. 120). 140. Ache a equação de uma cúbica F tal que (0 : 1 : 0) é um ponto de inflexão com tangente Z = 0 e tal que os pontos (−1 : 0 : 1), (0 : 0 : 1) são os pontos de contato das retas tangentes a F passando por (0 : 1 : 0). 141. Mostre que Λ(λ) consiste em seis elementos distintos, exceto se λ ∈ {−1, 1/2, 2} ou se λ2 − λ + 1 = 0. Mostre que J(λ) = J(µ) ⇔ Λ(λ) = Λ(µ). 142. Seja C ⊂ P2 um conjunto de nove pontos distintos com a propriedade de que a reta que une dois quaisquer contém um e só um terceiro. Mostre que existe uma projetividade que leva C no conjunto dos pontos, (0 : 1 : −1), (−1 : 0 : 1), (1 : −1 : 0) (0 : 1 : a), ( a : 0 : 1), (1 : a : 0) (0 : 1 : b), ( b : 0 : 1), (1 : b : 0), onde a, b são as raı́zes de X 2 − X + 1. (O grupo das simetrias dessa configuração é discutido em [20], [26]). 143. Mostre que toda cúbica não singular é congruente a uma do tipo Gc = X 3 + Y 3 + Z 3 + 3cXY Z. Mostre que Gc contém os nove pontos acima definidos e que Gc é singular se e só se c = ∞, −1, a ou b, quando então ela se degenera na união de três retas. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 123 i i Seção 3 3 Funções racionais 123 Funções racionais As propriedades mais interessantes de uma cúbica não singular estão diretamente relacionadas com sua estrutura de grupo mencionada na introdução. Para estudá-las, será conveniente fazer uma digressão, introduzindo mais alguns conceitos importantes. 5. Definição. O anel homogêneo de uma curva projetiva F é definido por A(F )h = K[X, Y, Z]/hF i. Denotamos por Ḡ a classe de G ∈ K[X, Y, Z] módulo hF i. Suporemos no que segue que F é irredutı́vel. Assim, A(F )h é um domı́nio (prop. 24, p.142); denotamos por K(F )h seu corpo de frações. Seja K(F ) o subconjunto de K(F )h formado pelas frações do tipo Ḡ/H̄ com G, H homogêneos do mesmo grau. É fácil ver que K(F ) é um subcorpo de K(F )h , chamado corpo das funções racionais de F . Esta designação se justifica pelo seguinte 6. Lema. Se F é o fecho projetivo da curva afim irredutı́vel f então K(F ) é K-isomorfo a K(f ) (def (7, p. 99)). Demonstração. Considere o homomorfismo ϕ : K[X, Y ] −→ K(F )h g(X, Y ) 7−→ g(X̄/Z̄, Ȳ /Z̄). Observando a fórmula ◦ g ∗ (X, Y, Z) = Z d g g(X/Z, Y /Z) em K[X, Y, Z], deduz-se facilmente que o núcleo de ϕ é igual a hf i. Obtêm-se então os homomorfismos induzidos, K[X, Y ]/hf i ֒→ K(F )h ∨ ↓ ր K(f ) Visto que K(F ) é gerado por X̄/Z̄, Ȳ /Z̄, os quais estão na imagem de K(f ), concluı́mos K(F ) ≃ K(f ). 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 124 i i 124 Cúbicas não Singulares Cap. 9 7. Exercı́cios 144. Seja F = f ∗ o fecho projetivo de uma curva afim irredutı́vel f . Mostre que K(F )h é a extensão de K(f ) = K(F ) gerada por Z̄. 4 Ciclos e equivalência racional 8. Definição. Um ciclo na curva F é uma expressão do tipo n1 P1 + · · · + nr Pr , onde os ni são inteiros e os Pi são pontos de F . Mais precisamente, um ciclo é um elemento do grupo abeliano livre gerado pelos pontos de F ; este grupo é chamado o grupo dos ciclos de F. Trata-se simplesmente de uma maneira cômoda de lidar com conjuntos de pontos de F afetados de multiplicidades. Definimos o grau de um ciclo pela fórmula d◦ (Σni Pi ) = Σni . Evidentemente, se D, D′ são ciclos, temos d◦ (D + D′ ) = d◦ D + d◦ D′ . Seja agora G uma curva distinta de F . Definimos o ciclo de interseção de G com F pela fórmula X (G) = (G)F = (F, G)P P. Observemos que, pelo teorema de Bézout, temos d◦ (G)F = (d◦ G)(d◦ F ). Seja ϕ ∈ K(F ) uma função racional 6= 0. Suponhamos ϕ = Ḡ0 /H̄0 = Ḡ1 /H̄1 , com Gi , Hi homogêneos, d◦ Gi = d◦ Hi e H̄0 H̄1 6= 0. Temos então G0 H1 = H0 G1 + AF , para algum A ∈ K[X, Y, Z]. Daı́ é imediato que (G0 H1 )F = (H0 G1 )F i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 125 i i Seção 4 Ciclos e equivalência racional 125 e portanto, (G0 )F − (H0 )F = (G1 )F − (H1 )F por propriedade do ı́ndice de interseção. Assim, é lı́cito definir o ciclo associado à função racional ϕ 6= 0 pela fórmula (ϕ) = (ϕ)F = (G)F − (H)F , onde ϕ = Ḡ/H̄, é uma representação de ϕ como quociente de classes de polinômios homogêneos do mesmo grau. 9. Exemplo. Seja F = ZY 2 − X(X − Z)(X − λZ). Temos (Z)F = 3(0 : 1 : 0); (Y /X)F = (0 : 0 : 1) + (1 : 0 : 1) + (λ : 0 : 1) − 2(0 : 0 : 1) − (0 : 1 : 0) = (1 : 0 : 1) + (λ : 0 : 1) − (0 : 0 : 1) − (0 : 1 : 0). 10. Definição. Sejam D, D′ ciclos de uma curva F (suposta irredutı́vel). Dizemos que D é racionalmente equivalente a D′ se existir uma função racional ϕ ∈ K(F ) tal que D − D′ = (ϕ). Escrevemos D ≡ D′ para denotar equivalência racional. 11. Lema. Equivalência racional é uma relação de equivalência compatı́vel com a adição de ciclos. Em sı́mbolos, ∀ ciclos D, D′ , D′′ , temos: (1) D ≡ D; (2) D ≡ D′ ⇔ D′ ≡ D; (3) D ≡ D′ , D′ ≡ D′′ ⇒ D ≡ D′′ ; (4) D ≡ D′ ⇒ D + D′′ ≡ D′ + D′′ . Demonstração. Sejam ϕ, ψ funções racionais 6= 0. (1) Temos D − D = 0 = ciclo da função constante 1. (2) Se D − D′ = (ϕ), então D′ − D = (ϕ−1 ). (3) Se i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 126 i i 126 Cúbicas não Singulares D − D′ = (ϕ) e D′ − D′′ = (ψ), temos evidentemente (ϕψ) = (ϕ) + (ψ) = D − D′ + D′ − D′′ = D − D′′ . (4) Fica como exercı́cio para o leitor. Cap. 9 2 12. Proposição. Seja F uma curva irredutı́vel não singular. Se existirem P 6= Q em F racionalmente equivalentes, então F é racional. Demonstração. Sejam G0 , G1 curvas projetivas do mesmo grau tais que (G1 ) − (G0 ) = P − Q. Temos então (G1 ) = P + Σmi Pi , (G0 ) = Q + Σmi Pi , com mi ≥ 1 e Pi ∈ F , dois a dois distintos. Visto que cada Pi é um ponto não singular de F , sabemos por (15, p. 79) que o ı́ndice de interseção (F, G)Pi é igual à ordem de anulamento de G sobre F em Pi . Daı́ concluı́mos que, para cada (x0 : x1 ) ∈ P1 , vale (x0 G0 + x1 G1 , F )Pi ≥ mi . Trocando em miúdos, construı́mos um feixe de curvas {x0 G0 +x1 G1 |(x0 : x1 ) ∈ P1 }, do qual cada membro corta F no ponto Pi pelo menos mi vezes. Lembrando que 1 + Σmi = (d◦ F )(d◦ G0 ), vemos que, por cada ponto distinto dos já fixados passa justamente um membro do feixe. Seguese que a função racional G1 /G0 é injetiva (veja o lema (27, p. 111) e o parágrafo que lhe antecede), e portanto F é racional. 2 13. Exercı́cios 145. Seja F a reta X = 0. Mostre que os ciclos (0 : 0 : 1) + (0 : 1 : 1) e (0 : 1 : 0) + (0 : −1 : 1) são racionalmente equivalentes sobre F . 146. Seja F = Y Z − X 2 . Mostre que os (ciclos que se reduzem aos) pontos (0 : 0 : 1) e (1 : 1 : 1) são racionalmente equivalentes. 147. Prove que dois ciclos racionalmente equivalentes têm o mesmo grau. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 127 i i Seção 5 A estrutura de grupo 127 148. Se F é uma reta, mostre que dois ciclos com o mesmo grau são racionalmente equivalentes. O mesmo é válido se F é uma cônica ou uma cúbica singular, ou mesmo a lemniscata... 149. Seja F = Z(X 2 − Y 2 ) + X 3 e seja ϕ = X+Y X−Y ∈ K(F ). Calcule o ciclo (ϕ). 150. Seja F uma curva não singular e seja ϕ ∈ K(F ) uma função racional não constante. Prove que (ϕ)F 6= 0. 151. Prove que o conjunto dos ciclos racionalmente equivalentes a zero sobre uma curva F é um subgrupo do grupo dos ciclos de F . 5 A estrutura de grupo Necessitaremos do seguinte resultado preliminar. Observemos que ele é conseqüência de um resultado mais geral, proposto como exercı́cio (135, p. 113). Mas vamos apresentar uma prova direta, por desencargo de consciência. 14. Proposição. Se F é uma cúbica não singular então F não é racional. Demonstração. Podemos supor F na forma normal (leitor: por quê?): Y 2 = X(X − 1)(X − λ), com λ 6= 0, 1. Procederemos por redução ao absurdo, supondo F racional. Assim, existem a, b, c, d ∈ K[T ] tais que x = a/c, y = b/d constituem uma boa parametrização. Naturalmente, podemos supor que MDC(a, c) = MDC(b, d) = 1. Substituindo na equação acima, resulta c3 b2 = d2 a(a − c)(a − λc) em K[T ]. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 128 i i 128 Cúbicas não Singulares Cap. 9 Note que c e a − λc também são primos relativos. Por unicidade da fatoração, segue-se que c3 e d2 são associados. Simplificando e absorvendo a constante c3 /d2 em b, vem b2 = a(a − c)(a − λc). (1) Admitamos por um momento que d◦ b = 3, d◦ a = 2 ≥ d◦ c. Escrevamos b = b1 b2 b3 com d◦ bi = 1. Notando que a, a − c, a − λc são dois a dois primos relativos, deduzimos que o mesmo ocorre com os bi e que b21 = a, b22 = a − c, b23 = a − λc (a menos de reordenação ou fator constante). Daı́ concluı́mos c = (b1 − b2 )(b1 + b2 ), (1 − λ)c = (b3 − b2 )(b3 + b2 ) Segue-se que b1 ± b2 é associado a b3 ± b2 . Sem perda de generalidade, podemos escrever relações b1 − b2 = α(b3 − b2 ) b1 + b2 = β(b3 + b2 ), com β − α 6= 0, permitindo concluir, finalmente, que b2 e b3 são associados, absurdo. Resta justificar porque d◦ b = 3 e d◦ a = 2 ≥ d◦ c. Ora, quase toda reta horizontal Y = y0 corta F em três pontos distintos. Como a parametrização é por hipótese boa, esses pontos são da forma (x(t), y0 ) para justamente três valores do parâmetro. Estes valores são dados pela condição b(t) y(t) = = y0 . d(t) Assim, o polinômio b(T )−y0 d(T ) admite exatamente três raı́zes distintas (para quase todo y0 ). Logo, d◦ b ≤ 3. Se d◦ b < 3, então d◦ d = 3 e daı́ d◦ c = 2 (pois c3 /d2 é constante). Observando a igualdade (1), deduz-se d◦ b = 2 e d◦ a = 0 ou 2. Escreve-se b = b1 b2 e procede-se como antes, chegando a uma contradição. Se d◦ b = 3, então d◦ d ≤ 3, acarretando d◦ c ≤ 2. Lembrando (1) outra vez, vê-se que necessariamente d◦ a = 2. 2 Tendo em vista a proposição 14, concluı́mos imediatamente o seguinte i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 129 i i Seção 5 A estrutura de grupo 129 15. Corolário. Se F é uma cúbica não singular e P, Q ∈ F então P é racionalmente equivalente a Q somente se P = Q. 2 Vejamos agora como é definida a estrutura de grupo. Fixemos um ponto O ∈ F . Para cada par de pontos P, Q em F , consideremos a interseção de F com reta L que os contém. Se P = Q, tomamos L igual à reta tangente. Podemos escrever (L) = P + Q + R para algum R em F , bem determinado pelo par P, Q. Seja H a reta definida pelo par R, O, e seja finalmente P +̇Q o terceiro ponto de interseção de H com F , de sorte que (H) = R + O + (P +̇Q). . ........... ... ... ..... .. ..... ... ..... ... ..... ... .... . . . ... . .... ... ..... ... ..... ... ................................................. ..................................................... ... .............................................................................................. . . . . .................. . ......................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... ... ................. ... ...... ..... ......... ....................................................................... ................ ... .... ........... ....... ..................................................... ................ ... ......................................................... .......... ..... ................ . ......... .... .... ................ ........ .................................. .... .... . . . . . ........ . .... ... ....................... .... ... ................ ...... ...... ... ... ................ ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ . . . . . . . . . ... . . . . . . . ...... . ... .... ........... . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . .... . ... ... .... ..... .. ................ .... ..... ....... ..... ................ .... ............................... ......... .... ... .......... ..... ........ .. ........... ........ . . . ..... . . . . . . . . . . . ......... ... ..... ........ . . . . . . . ............ . . . . . . . ..... . . ......... ..................... ..... ............................................................... ..... ..... ... ..... .... ..... ..... ... ..... .... ..... ..... ..... ..... ... .... .... . P • P +̇Q L Q • O • R • H • figura 9.1 Notemos que, pondo ϕ = L/H ∈ K(F ), temos (ϕ) = (P + Q + R) − (R + O + (P +̇Q)), e portanto, P +̇Q ≡ P + Q − O. (2) Pelo corolário 15, esta última fórmula determina completamente P +̇Q: é o único ponto de F racionalmente equivalente ao ciclo P + Q − O. 16. Proposição. Seja F uma cúbica não singular e seja O ∈ F um ponto de inflexão. A lei de composição (P, Q) 7−→ P +̇Q acima descrita i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 130 i i 130 Cúbicas não Singulares Cap. 9 estabelece uma estrutura de grupo abeliano em F . O elemento neutro é o ponto O. O inverso aditivo de um ponto P ∈ F é o terceiro ponto de interseção da reta OP com F , denotado −̇P . Demonstração. É claro que temos P +̇Q = Q+̇P . Levando em conta a fórmula (2) é fácil ver que O funciona como elemento neutro e −̇P como inverso de P . Verifiquemos o axioma da associatividade. Dados P, Q, R ∈ F , temos (P +̇Q)+̇R ≡ ≡ = ≡ ≡ (P +̇Q) + R − O (P + Q − O) + R − O P + (Q + R − O) − O P + (Q+̇R) − O P +̇(Q+̇R) 2 17. Proposição. (i) P +̇Q+̇R = O ⇔ existe uma reta H tal que (H)F = P + Q + R. (ii) Os nove pontos de inflexão formam um subgrupo isomorfo a Z/h3i × Z/h3i. (iii) A reta que une dois pontos de inflexão cruza F num terceiro ponto de inflexão. Demonstração. (i) Seja L a tangente (por escolha, inflexional!) de F em O. Assim, temos (L)F = 3O. Por outro lado, P +̇Q+̇R ≡ P + Q + R − 2O. Portanto, o primeiro membro é igual a O se e só se valer P +Q+R ≡ 3O. Suponha válida esta última relação; seja H a reta determinada pelo par P, Q. Escrevamos (H) = P + Q + R′ . O quociente L/H fornece uma função racional cujo ciclo é 3O − (H). Concluı́mos que R ≡ R′ e portanto pelo corolário (15, p. 129), R = R′ como desejávamos. A recı́proca deixamos para a distração do leitor. (ii) Tendo em vista (i), é claro que P é um ponto de inflexão se e só se 3 · P = O. Logo, o conjunto dos nove pontos de inflexão coincide com o subgrupo formado pelos elementos de ordem 3. Que este grupo é i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 131 i i Seção 5 A estrutura de grupo 131 isomorfo a Z/h3i×Z/h3i segue-se facilmente: é o único grupo não cı́clico de ordem 9. (iii) Se P + Q + R é o ciclo de interseção de F com uma reta, e se P, Q são pontos de inflexão, deduzimos primeiro que P +̇Q+̇R = O, e então, 3P +̇3Q+̇3R = O, donde 3R = O e R é um ponto de inflexão. 2 18. Corolário. Se P, Q são pontos de inflexão de uma cúbica não singular F então existe uma projetividade M tal que M• F = F e M P = Q. Demonstração. Seja R o terceiro ponto de inflexão colinear com P, Q. Procedendo como na demonstração da proposição (1, p. 120), podemos supor R = (0 : 1 : 0) e F na forma ZY 2 − X(X − Z)(X − λZ). Se T é a projetividade definida por (x : y : z) 7−→ (x : −y : z), é imediato que T• F = F . Por outro lado, P e T P são colineares com R. Visto que F não possui nenhum ponto de inflexão sobre Y = 0, segue-se P 6= T P , e portanto T P = Q. (Veja a fig. 1.8, p. 12.) 2 19. Exercı́cios 152. Sejam F = ZY 2 − X(X − 1)(X + 1), O = (0 : 1 : 0), P = (0 : 0 : 1), Q = (1 : 0 : 1), R = (−1 : 0 : 1). Mostre que {O, P, Q, R} é um subgrupo de F isomorfo a Z/h2i × Z/h2i. 153. Seja F = ZY 2 − (X 3 − 43XZ 2 + 166Z 3 ), P = (3 : 8 : 1). Calcule nP para cada inteiro n(O = (0 : 1 : 0)). 154. Mostre que a proposição(16, p. 129) subsiste mesmo se O não é um ponto de inflexão, modificando convenientemente a construção do inverso aditivo. 155. Mostre que a estrutura de grupo de uma cúbica não singular é independente do ponto escolhido para elemento neutro. Nos exercı́cios seguintes, F denota uma cúbica não singular e O ∈ F é um ponto de inflexão escolhido para elemento neutro. 156. Se G é uma curva distinta de F , então (G)F ≡ 3(d◦ G)O. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 132 i i 132 Cúbicas não Singulares Cap. 9 157. Todo ciclo de F de grau 1 é racionalmente equivalente a um único ponto de F . 158. Sejam G, H curvas de grau d, distintas de F . Se (G)F = P + Σ3d (H)F = Q + Σ3d 2 Pi , 2 Pi , então P = Q. Em particular, qualquer cúbica que passar por oito dos nove pontos de interseção de F com outra cúbica, conterá o nono ponto. 159. Mostre que os elementos de ordem 2 de F são justamente os pontos de contato das tangentes a F passando por O. O grupo gerado por esses elementos é isomorfo a Z/h2i × Z/h2i. 160. Seja D = Σ61 Pi um ciclo de grau 6 sobre F . Mostre que D ≡ 6O se e só se existir uma cônica C tal que (C)F = D. Generalize! 161. As soluções da equação 6 · P = O consistem nos nove pontos de inflexão juntamente com os 27 pontos de contato das retas tangentes passando pelos pontos de inflexão. Resulta um grupo isomorfo a Z/h6i × Zh6i. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 133 i i 10 Apêndice Reunimos aqui alguns conceitos e resultados de álgebra elementar para conveniência do leitor. Para mais detalhes, veja [15], [25]. 1 Anéis, ideais e homomorfismos 1. Definição. Um anel A é um conjunto não vazio no qual estão definidas duas operações, chamadas de soma e multiplicação, denotadas respectivamente + e ·, e que satisfazem as seguintes regras operatórias: +1 associatividade : +2 comutatividade : +3 zero : +4 negativo : ·1 associatividade : · + distributividade : ∀ x, y, z ∈ A, (x + y) + z = x + (y + z) ∀ x, y ∈ A, x+y =y+x ∃ 0 ∈ A tal que ∀ x ∈ A, x+0=x ∀ x ∈ A ∃ y ∈ A tal que x + y = 0 ∀ x, y, z ∈ A, ∀ x, y, z ∈ A, e (x · y) · z = x · (y · z) x · (y + z) = x · y + x · z (x + y) · z = x · z + y · z. Os exemplos aqui relevantes são o anel dos inteiros, o dos polinômios, o das funções racionais e o das séries de potências em uma ou mais variáveis. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 134 i i 134 Apêndice Cap. 10 Em cada um desses anéis valem ainda os axiomas seguintes: · 2 unidade : ∃ 1 ∈ A tal que ∀ x ∈ A, 1 · x = x · 1 = x · 3 comutatividade do produto : ∀ x, y ∈ A, x · y = y · x Convencionamos doravante que anel significa anel comutativo e com elemento unidade 1 6= 0. Verifica-se facilmente que os elementos 0 (zero) e 1 (unidade) são únicos; o negativo de cada x ∈ A também é único; denota-se naturalmente por −x. Diremos que um subconjunto A′ ⊆ A é um subanel de um anel A se 0, 1 ∈ A′ e ∀x, y, z ∈ A′ ⇒ x − y · z ∈ A′ . Segue-se que todo subanel é naturalmente um anel com as operações induzidas. 2. Exemplos. (1) O conjunto dos números inteiros é um subanel dos racionais, que por sua vez formam um subanel dos reais, ... Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C. (2) Seja A = {0̄, 1̄}, conjunto formado por dois elementos. Definamos as operações de soma e produto de tal maneira que 0̄ funcione como zero e 1̄ como 1: 0̄ + 0̄ = 0̄, 0̄ + 1̄ = 1̄, 1̄ + 1̄ = 0̄, 0̄ · 0̄ = 0̄, 0̄ · 1̄ = 0̄, 1̄ · 1̄ = 1̄. O leitor verificará sem dificuldades que se trata efetivamente de um anel. Note em particular que, neste exemplo, vale a relação −1̄ = 1̄. 3. Definições. Seja A um anel. Um elemento a ∈ A é dito um divisor de zero (resp. invertı́vel) se existir b ∈ A, b 6= 0 tal que a · b = 0 (resp. a · b = 1). O anel A é um domı́nio se 0 é o único divisor de zero. Dizemos que A é um corpo se todo elemento não nulo for invertı́vel, i.e., ∀ x ∈ A, x 6= 0 ⇒ ∃ y ∈ A tal que x · y = 1. Sejam A e B anéis. Um homomorfismo de A em B é uma aplicação ϕ : A −→ B tal que ϕ(1) = 1 e ∀ x, y, z ∈ A ⇒ ϕ(x + y · z) = ϕ(x) + ϕ(y) · ϕ(z). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 135 i i Seção 1 Anéis, ideais e homomorfismos 135 Um homomorfismo bijetivo ϕ é dito um isomorfismo; neste caso, a aplicação inversa ϕ−1 é necessariamente um homomorfismo. Os anéis A, B são isomorfos se existir um isomorfismo ϕ : A → B. Um isomorfismo ϕ : A → A é dito um automorfismo. Um homomorfismo sobrejetor é também chamado de epimorfismo. 4. Exemplos. (1) Se A′ é um subanel de um anel A, então a aplicação de inclusão A′ ⊆ A é um homomorfismo. (2) A aplicação de conjugação C → C, a + bi 7→ a − bi é um homomorfismo (de fato um automorfismo). (3) Seja A = {0̄, 1̄} como no exemplo 2 (2) e seja π : Z −→ A a aplicação definida por paridade, i.e., π(n) = 0̄ se n é par, 1̄ se ı́mpar. É imediato que π é um homomorfismo. 5. Exercı́cios 162. A composição ϕ · ψ : A −→ C de homomorfismos ψ : A −→ B, ϕ : B −→ C é um homomorfismo. 163. Seja ϕ : A −→ B um homomorfismo e seja a ∈ A um elemento invertı́vel de A. Então ϕ(a) é invertı́vel em B. 6. Proposição. (Corpo de frações) Seja A um domı́nio. Então existe um homomorfismo injetivo ι : A ֒→ K onde K denota um corpo, bem determinado a menos de isomorfismo pela condição seguinte: ∀ x ∈ K ∃ a, b ∈ A tais que x = ι(a) · ι(b)−1 . Demonstração. Verifiquemos de inı́cio a unicidade de K, i.e., devemos mostrar que se ι′ : A ֒→ K ′ é um homomorfismo com a mesma propriedade acima, então existe um (de fato único) isomorfismo ϕ : K −→ K ′ tal que ∀ a ∈ A, ϕ(ι(a)) = ι′ (a). Dado x ∈ K, sejam a, b ∈ A tais que x = ι(a) · ι(b)−1 . Se ϕ já estivesse definido, terı́amos ϕ(x) = ϕ(ι(a)) · ϕ(ι(b)−1 ) = ϕ(ι(a)) · ϕ(ι(b))−1 = ι′ (a) · ι′ (b)−1 . Isto sugere definirmos ϕ pela regra ϕ(x) = ι′ (a)·ι′ (b)−1 ; a questão é verificar que o lado direito depende só de x e não da particular representação x = ι(a) · ι(b)−1 . i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 136 i i 136 Apêndice Cap. 10 Sejam a′ , b′ ∈ A tais que ι(a) · ι(b)−1 = ι(a′ ) · ι(b′ )−1 . Daı́ resulta ι(a)·ι(b′ ) = ι(a′ )·ι(b) = ι(a·b′ ), e portanto, a·b′ = a′ ·b em A. Repetindo o cálculo, obtemos ι′ (a) · ι′ (b)−1 = ι′ (a′ ) · ι′ (b′ )−1 , mostrando que é lı́cito definir ϕ como proposto. Agora é um simples exercı́cio verificar que ϕ : K −→ K ′ é um isomorfismo. Passemos à construção de ι : A ֒→ K. Já que sabemos, a posteriori, que K será formado por “frações”, iniciamos por definir, para cada a, b ∈ A, b 6= 0, a fração a/b = {(α, β) ∈ A × A|β 6= 0, a · β = α · b}. O leitor não terá dificuldades em verificar os seguintes fatos. (1) a/b = c/d ⇐⇒ ad = bc (2) a/b = c/d e a′ /b′ = c′ /d′ =⇒ (a·b′ +a′ ·b)/(b·b′ ) = (c·d′ +c′ ·d)/(d·d′ ) (3) a/b = c/d e a′ /b′ = c′ /d′ =⇒ (a · a′ )/(b · b′ ) = (c · c′ )/(d · d′ ) Segue-se então que no conjunto K = {a/b|a, b ∈ A, b 6= 0} estão definidas de forma evidente operações de soma e produto, resultando um corpo. Finalmente, a aplicação ι : A −→ K definida por ι(a) = a/1 é um homomorfismo com as propriedades requeridas. 2 Observação. Costuma-se identificar A com ι(A), e escrever A ⊆ K. 7. Definição. Seja A um anel. Um ideal de A é um subconjunto I ⊆ A tal que 0 ∈ I, ∀ x, y ∈ I, z ∈ A ⇒ x + y · z ∈ I. Dizemos que um ideal I ⊂ A é primo se I 6= A e ∀ x, y ∈ A, x · y ∈ I =⇒ x ∈ I ou y ∈ I. Dizemos que um ideal I ⊂ A é maximal se I 6= A e não existir ideal intermediário entre I e A, i.e., ∀ ideal J ⊆ A, J ⊃ I =⇒ J = A. 8. Exemplos. (1) {0} e A são ideais de A. (2) Toda interseção de ideais é um ideal. (3) Seja S ⊆ A um subconjunto. Seja n X o hSi = ai · si | ai ∈ A, si ∈ S, n = 0, 1 . . . .1 1≤i≤n 1 Convenciona-se que uma soma com zero parcelas vale 0... i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 137 i i Seção 1 Anéis, ideais e homomorfismos Temos então hSi = \ 137 I, {I⊇S | I ideal} que chamamos de ideal gerado por S. Se S = {a} reduz-se a um só elemento, escrevemos hSi = hai, dito ideal principal gerado por a. O conjunto dos números pares {0, ±2, ±4, . . . } é o ideal de Z gerado por 2. 9. Definição. O núcleo de um homomorfismo ϕ : A −→ B é definido por Nϕ = {a ∈ A | ϕ(a) = 0}. O leitor deve verificar que Nϕ é um ideal de A. De fato, a próxima proposição afirma que todo ideal aparece como núcleo de algum homomorfismo. 10. Proposição. Seja I ⊆ A um ideal de um anel A. Então existe um homomorfismo sobrejetivo ϕ : A −→ B tal que Nϕ = I. Demonstração. Suponhamos por um instante já construı́do ϕ : A −→ B com as propriedades enunciadas. Observemos que para cada b, b′ ∈ B, o subconjunto ϕ−1 {b} é não vazio e que b 6= b′ ⇒ ϕ−1 {b} ∩ ϕ−1 {b′ } = ∅. Assim, b 7→ ϕ−1 {b} estabelece uma bijeção de B em um subconjunto de partes de A. A idéia agora é reconstruir B a partir dos subconjuntos do tipo −1 ϕ {b}. Vejamos como I entra em cena. Fixados b e algum a0 ∈ ϕ−1 {b}, vê-se facilmente que ϕ−1 {b} = {a ∈ A| ∃ i ∈ I tal que a = a0 + i} = {a0 + i| i ∈ I}. Ora, o lado direito faz sentido independentemente de ϕ! Definamos logo, pois, para cada a ∈ A, a classe lateral de I em A, a + I = {a + i| i ∈ I}, e seja B = {a + I | a ∈ A}, i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 138 i i 138 Apêndice Cap. 10 o conjunto de todas essas classes laterais. Resta a fazer a verificação rotineira de que B herda uma estrutura de anel mediante as receitas, (a + I) + (a′ + I) = (a + a′ ) + I (a + I) · (a′ + I) = (a · a′ ) + I de sorte que a aplicação definida naturalmente por ϕ : A −→ B a 7−→ a + I é de fato um homomorfismo e responde ao requerido. 2 11. Definição. Sejam A um anel e I um ideal de A. Chamamos de anel quociente, de A por I, denotado por A/I, o anel das classes laterais de I em A descrito na demonstração acima. A aplicação a 7→ a + I é dito o homomorfismo de quociente. 12. Exemplos. Z/h2i é isomorfo ao anel {0̄, 1̄} apresentado no exemplo 2, p. 134. Mais geralmente, para cada inteiro positivo m, o anel quociente Z/hmi consiste nas m classes de restos na divisão por m. Verifica-se que Z/hmi é um corpo se e só se m é um número primo. 13. Exercı́cios 164. Ache os divisores de zero em Z/hmi para m = 2, . . . , 10. Generalize! 165. Seja ϕ : A −→ B um homomorfismo sobrejetivo e seja I = Nϕ . Mostre que existe um e só um isomorfismo ψ : A/I −→ B tal que ψ(a + I) = ϕ(a) ∀ a ∈ A. 166. Sejam I ⊆ J ⊆ A ideais. Seja A = A/I o anel quociente e seja J ⊆ A a imagem de J pelo homomorfismo quociente. Mostre que A/J é isomorfo a A/J. 167. Mostre que um ideal I ⊂ A é primo (resp. maximal) se e só se A/I é um domı́nio (resp. corpo). Conclua que todo ideal maximal é primo. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 139 i i Seção 2 2 Polinômios 139 Polinômios No que se segue, denotaremos por R = K[X] o anel de polinômios em uma variável a coeficientes no corpo K. Cada elemento f ∈ R se escreve de forma única, f = an X n + an−1 X n−1 + · · · + a1 X + a0 , onde os coeficentes ai são elementos de K. Se an 6= 0 então f é de grau n e escrevemos d◦ f = n. Se an = 1, dizemos que f é mônico. Inicialmente, vamos rever algumas propriedades fundamentais de R. 14. Proposição. (Algoritmo da Divisão.) Sejam f, g ∈ R, f 6= 0. Então existem únicos q, r ∈ R tais que g = qf + r e r = 0 ou d◦ r < d◦ f. Chamamos q de quociente e r de resto na divisão de g por f . Demonstração. Se d◦ g < d◦ f então faça q = 0 e r = g. Prosseguimos por indução sobre n = d◦ g ≥ m = d◦ f . Escrevamos f = am X m + · · · , g = bn X n +· · · . Seja h = g−bn X n−m a−1 m f . Note o ajuste feito para cancelar o termo de maior grau de g. Por indução, h se escreve na forma n−m , h = q1 f + r, com r = 0 ou d◦ r < d◦ f . Fazendo q = q1 + bn a−1 m X concluı́mos g = qf + r. Para verificarmos a unicidade, suponhamos qf + r = q ′ f + r′ . Daı́ vem (q − q ′ )f = r′ − r. Ora, se q 6= q ′ então o primeiro membro é um polinômio de grau ≥ m enquanto que o segundo, supondo r (resp. r′ ) = 0 ou d◦ r (resp. r′ ) < d◦ f , certamente é nulo ou de grau < m. 2 15. Exercı́cios 168. Seja f = an X n + an−1 X n−1 + · · · + a1 X + a0 e seja a ∈ K. Mostre que o resto na divisão de f por X − a é igual a f (a). Conclua que f é múltiplo de X − a se e só se f (a) = 0. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 140 i i 140 Apêndice Cap. 10 16. Proposição. Todo ideal de R é principal. Demonstração. Seja I um ideal de R. Se I = {0}, não há nada a demonstrar. Assim, podemos supor que existe um elemento f0 ∈ I mônico e de grau mı́nimo com essa propriedade. Mostraremos que I = hf0 i, i.e., que todo elemento g ∈ I é múltiplo de f0 . Com efeito, aplicando o algoritmo da divisão, podemos em todo o caso escrever, g = qf0 + r, onde r = 0 ou d◦ r < d◦ f0 . Como r = g − qf0 é claramente um elemento do ideal I, se ocorresse r 6= 0, produzirı́amos um elemento em I com grau inferior ao mı́nimo, o que é absurdo. 2 Lembremos que o MDC de uma coleção de polinômios {ft }t∈T é o polinômio mônico p caracterizado pelas propriedades seguintes: • p divide cada ft na coleção; • se q ∈ R divide cada ft na coleção então q divide p. 17. Corolário. Seja {fs }s∈S uma coleção de polinômios. Então existem s1 , . . . , sn ∈ S e q1 , . . . , qn ∈ R tais que f = q1 fs1 + · · · + qn fsn é o MDC dessa coleção. Demonstração. I={ X 1≤i≤m Seja I o ideal gerado por {fs }s∈S , gi fsi |s1 , . . . , sm ∈ S, g1 , . . . , gm ∈ R, m = 0, 1, . . . }. Seja f o gerador mônico de I. Sendo f um elemento de I, necessariamente se escreve na forma f = q1 fs1 + · · · + qn fsn . Assim, se q divide cada fs na coleção então q divide f . Por fim, sendo I = hf i, é claro que cada fs (sendo elemento de I. . . ) é divisı́vel por f . 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 141 i i Seção 2 Polinômios 141 18. Exercı́cios 169. Sejam f, g ∈ R, f 6= 0 e seja r o resto na divisão de g por f . Prove a igualdade de ideais, hf, gi = hg, ri. Deduza então o algoritmo para cálculo do MDC por divisões sucessivas. 19. Definição. Um polinômio não constante f ∈ R é redutı́vel se existirem polinômios não constantes g, h ∈ R tais que f = g · h. Dizemos que f é irredutı́vel se não for redutı́vel. Um polinômio não constante f ∈ R é primo se toda vez que dividir um produto, dividir um dos fatores; em sı́mbolos: ∀ g, h ∈ R, f | (divide) gh ⇒ f |g ou f |h 20. Proposição. Seja f ∈ R polinômio não constante. Então f é primo se e só se for irredutı́vel. Demonstração. Suponhamos f mônico, irredutı́vel e sejam p, q, r ∈ R tais que p · q = f · r. Devemos mostrar que se f 6 | p então f |q. Seja h =MDC(f, p). Visto que f é mônico e irredutı́vel, temos h = 1 = f1 · f + p1 · p. Multiplicando por q, obtemos q = q · 1 = q · f1 · f + p1 · p · q, claramente divisı́vel por f . Reciprocamente, se f é primo e o exibı́ssemos como produto, f = g · h, deduzirı́amos que f divide algum dos fatores, digamos g = f · g1 . Substituindo e cancelando, viria 1 = g1 · h, logo h é constante e concluı́mos que f é irredutı́vel. 2 21. Proposição. (Fatoração Única.) Todo polinômio não constante em uma variável e a coeficientes em um corpo se escreve de maneira única (a menos de ordem dos fatores) na forma f = c · p1 · · · · · pm onde c denota uma constante e cada pi é um polinômio irredutı́vel mônico. Demonstração. Mostremos inicialmente, a unicidade. Como um produto de polinômios mônicos é mônico, evidentemente a constante c é bem determinada pois coincide com o coeficiente lı́der de f . Por outro lado, se p1 · · · · · pm = q 1 · · · · · qn i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 142 i i 142 Apêndice Cap. 10 fosse outra fatoração com cada qi mônico e irredutı́vel, terı́amos que p1 divide algum dos qi . Reordenando se preciso, podemos supor que p1 |q1 e portanto p1 = q1 . Cancelando, concluı́mos por indução sobre o número de fatores (ou, se preferir, sobre o grau de f ). Existência da fatoração. Se f já é um polinômio irredutı́vel, não há nada a provar. Se f = g · h, com d◦ g, d◦ h ≥ 1, então d◦ g, d◦ h são ambos menores que d◦ f e concluı́mos por indução sobre o grau de f . 2 22. Exercı́cios 170. Mostre que todo ideal primo não nulo de R é maximal, gerado por um polinômio irredutı́vel. 3 Domı́nios de fatoração única e lema de Gauss Observemos que as noções de elemento irredutı́vel e primo se estendem a um anel arbitrário de forma evidente. 23. Definição. Um domı́nio A é dito de fatoração única (DFU) ou fatorial se todo elemento se escreve como produto de irredutı́veis de forma única a menos de ordem ou de multiplicação por invertı́vel. O leitor é convidado a escrever a definição de MDC de uma lista de elementos a1 , . . . , an ∈ A. 24. Lema. Seja A um DFU. Então todo elemento irredutı́vel é primo. Demonstração. Seja a ∈ A irredutı́vel e sejam b, c ∈ A tais que a|bc, i.e., vale bc = ad para algum d ∈ A. Por fatoração única, o elemento irredutı́vel a deve figurar também no primeiro membro e assim, divide b ou c. 2 25. Definição. Seja A um DFU e seja f = an X n + · · · + a0 um polinômio com coeficientes ai ∈ A. O conteúdo de f é o MDC(a1 , . . . , an ), denotado c(f ). Dizemos que F é primitivo se c(f ) = 1. 26. Proposição. Sejam A um DFU e f, g ∈ A[X] polinômios. Então: (1) f, g primitivos =⇒ f · g primitivo; (2) c(f · g) = c(f )c(g) i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 143 i i Seção 3 Domı́nios de fatoração única e lema de Gauss 143 Demonstração. (1) Sejam m n f = aP m X + · · · + a0 , g = bn X + · · · + b0 , cr = ai br−i (=coeficiente de X r em f · g). Seja d ∈ A irredutı́vel. Visto que c(f ) = c(g) = 1, existem ı́ndices 0 ≤ m0 ≤ m, 0 ≤ n0 ≤ n tais que d|ai para i < m0 , d|bi para i < n0 e d 6 | am0 bn0 . Assim, na expressão cm0 +n0 = am0 +n0 b0 + am0 +n0 −1 b1 + · · ·+am0 bn0 +am0 −1 bn0 +· · · , todas as parcelas à exceção de uma (leitor: qual?) é divisı́vel por d. Logo, d 6 | cm0 +n0 e concluı́mos que c(f g) = 1. (2) Podemos escrever f = c(f )f ′ , g = c(g)g ′ , com f ′ , g ′ primitivos. Temos então f · g = c(f )c(g)f ′ · g ′ . Como f ′ · g ′ é primitivo segue-se facilmente que todo divisor comum aos coeficientes de f · g é divisor de c(f )c(g), donde se conclui (2). 2 27. Lema de Gauss. Seja A um DFU e seja K ⊇ A seu corpo de frações. Seja f ∈ A[X] um polinômio primitivo não constante. (1) Se f é redutı́vel em K[X], então também o é em A[X]. (2) Se g ∈ A[X] e f |g em K[X], então f |g em A[X]. Demonstração. Sejam g, h ∈ K[X] não constantes tais que f = g · h. Reduzindo os coeficientes a denominador comum, podemos escrever g = f1 /d1 , h = f2 /d2 , com f1 , f2 ∈ A[X], d1 , d2 ∈ A. Podemos supor que MDC(d1 , c(f1 )) = MDC(d2 , c(f2 )) = 1. Segue-se d1 d2 f = f1 · f2 em A[X]. Tomando conteúdos, obtemos d1 d2 = c(f1 )c(f2 ). Logo d1 |c(f2 ), d2 |c(f1 ) em A[X]e concluı́mos uma relação f = (f1 /d2 ) · (f2 /d1 ) válida em A[X]. A segunda afirmação se demonstra de forma similar e deixamos a cargo do leitor. 2 28. Proposição. Se A é um DFU, então o anel de polinômios A[X1 , . . . , Xn ] também é um DFU. Demonstração. Basta mostrar o caso de uma variável. A existência de decomposição em fatores irredutı́veis não oferece dificuldade e deixamos a cargo do leitor. Para a unicidade, o ponto fundamental é mostrar que se f ∈ A[X] é um polinômio irredutı́vel não constante então f é primo . Sejam gi ∈ A[X], i = 1, 2, 3 tais que f · g3 = g1 · g2 . Como f é primitivo, i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 144 i i 144 Apêndice Cap. 10 temos c(g3 ) = c(g1 )c(g2 ). Logo, dividindo os coeficientes de g1 ou g2 pelos fatores irredutı́veis de c(g3 ), podemos supor que os gi são primitivos. Seja K ⊇ A o corpo de frações. Como f permanece irredutı́vel (e portanto primo) em K[X], segue-se que f divide, digamos, g1 . Logo, existe h ∈ K[X] tal que g1 = h · f . Procedendo como na demonstração do lema de Gauss, obtemos uma relação dg1 = h′ · f , onde h′ ∈ A[X] e d ∈ A não tem fator comum com c(h′ ). Como g1 , f são primitivos, podemos supor d = 1 e portanto f |g1 em A[X]. 2 29. Exercı́cios 171. Seja A um DF U e seja a ∈ A não nulo. Mostre que A[X]/haX − 1i é um DF U . 172. Mostre que C[X, Y ]/(X 2 + Y 2 − 1) é um DF U . (Sugestão: comparar com C[X, Y ]/hXY − 1i.) 173. Mostre que R[X, Y ]/hX 2 + Y 2 − 1i não é um DF U ! 4 Extensões de corpos 30. Definições. Seja L um corpo e seja K ⊆ L um subanel. Se K é um corpo, dizemos que L é uma extensão de K e que este é um subcorpo de L. Seja L ⊇ K uma extensão de corpos e seja S ⊆ L um subconjunto. O subcorpo de L gerado por S sobre K é o menor subcorpo de L contendo K, S, denotado Kh(S)i. A extensão L ⊇ K é finitamente gerada se existir um subconjunto finito S ⊆ L tal que L = Kh(S)i. Se S = {s1 , . . . , sn }, escrevemos Kh(S)i = K(s1 , . . . , sn ). Se f, g ∈ K[X1 , . . . , Xn ] são polinômios e g(s1 , . . . , sn ) 6= 0, então f (s1 , . . . , sn )/g(s1 , . . . , sn ) é um elemento de K(s1 , . . . , sn ), e todo elemento de K(s1 , . . . , sn ) é dessa forma. Se L ⊇ K é uma extensão de corpos, L é naturalmente um espaço vetorial sobre o corpo K; a dimensão desse espaço é chamada o grau de L ⊇ K, denotado [L : K]; quando finita, dizemos que L ⊇ K é uma extensão finita. Evidentemente toda extensão finita é finitamente i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 145 i i Seção 4 Extensões de corpos 145 gerada. Vale a recı́proca para extensões algébricas que discutiremos a seguir. Seja L ⊇ K uma extensão de corpos. Dizemos que um elemento x ∈ L é algébrico sobre K se existir f (X) ∈ K[X] polinômio não constante tal que f (x) = 0. Equivalentemente, a seqüência 1, x, x2 , . . . gera um subespaço de L de dimensão finita. Se x não é algébrico, diremos que é transcendente. Dizemos que L ⊇ K é uma extensão algébrica se todo x ∈ L é algébrico sobre K. 31. Proposição. Seja L ⊇ K uma extensão de corpos e seja x ∈ L. Então x é algébrico sobre K se e só se o subanel K[x] ⊆ L é um subcorpo de L. Demonstração. Suponhamos x algébrico sobre K. Seja y ∈ K[x], y 6= 0. Devemos mostrar que y −1 ∈ K[x]. Como K[x] é um espaço vetorial de dimensão finita sobre K, existe n ≥ 1 tal que 1, y, . . . , y n são linearmente dependentes. Tomando n mı́nimo, obtemos uma relação y n + an−1 y n−1 + · · · + a1 y + a0 = 0, com ai ∈ K e necessariamente a0 6= 0. Daı́ obtemos y(y n−1 + · · · + a1 ) = −a0 e portanto, y −1 = (−a0 )−1 (y n−1 + · · · + a1 ) que pertence a K[y] ⊆ K[x]. Reciprocamente, se K[x] é um corpo e x 6= 0, temos x−1 ∈ K[x], i.e., vale uma relação x−1 = an xn + · · · + a0 com ai ∈ K seguindo-se evidentemente que x é algébrico sobre K. 2 32. Proposição. Sejam M ⊇ L ⊇ K extensões de corpos. Então vale a regra da multiplicatividade dos graus, [M : K] = [M : L][L : K]. Em particular se M ⊇ L e L ⊇ K são extensões finitas, então M ⊇ K é finita. Demonstração. Sejam {xi }i∈I , {yj }j∈J bases de L sobre K e M sobre L. Verifica-se facilmente que {xi · yj }(i,j)∈I×J é uma base de M sobre K. 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 146 i i 146 Apêndice Cap. 10 33. Proposição. Seja L ⊇ K uma extensão de corpos. Então a coleção formado pelos elementos de L algébricos sobre K é um subcorpo de L. Demonstração. Sejam x, y ∈ L algébricos sobre K. Seja K ′ = K[x]. Então K ′ ⊇ K é uma extensão finita. Como y é claramente algébrico sobre K ′ , segue-se que M = K ′ [y] ⊇ K ′ é finita e portanto M ⊇ K também o é. Logo todo elemento de M é algébrico sobre K; em particular, x ± y, x · y são algébricos sobre K, completando assim a verificação. 2 34. Proposição. (Corpo de raı́zes.) Seja K um corpo e seja f um polinômio não constante a coeficientes em K. Então existe uma extensão finita L ⊇ K tal que f se fatora em L[X] como produto de fatores lineares. Demonstração. Procedemos por indução sobre o grau de f . Se d◦ f = 1, tome L = K. Para a etapa indutiva, podemos supor f irredutı́vel. Nesse caso, o ideal hf i ⊂ K[X] é maximal. Portanto, o quociente E = K[X]/hf i é um corpo, extensão finita de K. A classe x de X módulo hf i é uma raiz de f em E. Logo, pelo exercı́cio (168, p. 139) f é divisı́vel por X − x. Substituindo f por f /(X − x), o resultado segue por indução, usando a proposição 32. 2 35. Definição. Um corpo K é dito algebricamente fechado se todo polinômio não constante em uma variável a coeficientes em K admite uma raiz em K. Dizemos que uma extensão algébrica L ⊃ K é um fecho algébrico de K se L é algebricamente fechado. É claro que se K é algebricamente fechado, na verdade todo f ∈ K[X] não constante é um produto de fatores lineares. Iterando a construção precedente, mostra-se a seguinte 36. Proposição. (Fecho algébrico.) Seja K um corpo. Então existe um fecho algébrico K ⊇ K, único a menos de K-isomorfismo. Para a demonstração, consulte Lang [25]. 37. Definição. Seja L ⊇ K uma extensão de corpos. Dizemos que x1 , . . . , xn ∈ L são algebricamente dependentes se existir polinômio não constante f (X1 , . . . Xn ) ∈ K[X1 , . . . , Xn ] tal que f (x1 , . . . xn ) = 0. Se x1 , . . . , xn são algebricamente independentes, o subanel K[x1 , . . . , xn ] (resp. subcorpo K(x1 , . . . , xn )) que eles geram sobre K i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 147 i i Seção 4 Extensões de corpos 147 é isomorfo ao anel de polinômios (resp. corpo de funções racionais) em n variáveis. Dizemos que x1 , . . . , xn formam uma base de transcendência de L ⊇ K se são algebricamente independentes e L ⊇ K(x1 , . . . , xn ) é uma extensão algébrica. 38. Proposição. (Grau de transcendência.) Seja L = K(x1 , . . . , xN ) ⊇ K uma extensão finitamente gerada. Então: (1) existem m ≥ 0, 1 ≤ i1 < · · · < im ≤ N tais que xi1 , . . . xim é uma base de transcendência de L ⊇ K; (2) o número de elementos de duas quaisquer bases de transcendência de L ⊇ K é o mesmo, chamado de grau de transcendência da extensão L⊇K . Demonstração. (1) Se cada xi é algébrico sobre K, então a extensão é algébrica e tomamos m = 0. Se, digamos, x1 é transcendente, façamos K ′ = K(x1 ), de sorte que L = K ′ (x2 , . . . , xN ) e podemos argumentar por indução sobre N , o número de geradores da extensão. Assim, reordenando se necessário podemos supor que x2 , . . . , xm são algebricamente independentes sobre K ′ e L ⊇ K ′ (x2 , . . . , xm ) é algébrica. Segue-se que x1 , . . . , xm é uma base de transcendência para L ⊇ K. (2) Seja x1 , . . . , xm uma base de transcendência e sejam y1 , . . . , yr algebricamente independentes. Mostraremos que m ≥ r. Precisamente, para cada i = 1, . . . , r, veremos que, reordenando os xi se necessário, podemos substituir xi por yi , de sorte que y1 , . . . , yi , xi+1 , . . . , xm permanece uma base de transcendência. Observemos de inı́cio que y1 é algébrico sobre K(x1 , . . . , xm ). Logo, podemos escrever uma relação de dependência, obtendo um polinômio f (X0 , X1 , . . . , Xm ) ∈ K[X0 , X1 , . . . , Xm ] não constante tal que f (y1 , x1 , . . . , xm ) = 0. Nessa relação, seguramente ocorre algum termo não nulo em y1 (pois x1 , . . . , xm são algebricamente independentes) bem como algum dos xi , digamos x1 , porque y1 é transcendente sobre K. Afirmamos que y1 , x2 . . . , xm é uma base de transcendência. Com efeito, temos x1 algébrico sobre K(y1 , x2 . . . , xm ) em virtude da relação dada por f . Assim, temos as extensões algébricas, L = K(x1 . . . , xN ) ⊇ K(y1 , x1 , x2 . . . , xm ) ⊇ K(y1 , x2 . . . , xm ). i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 148 i i 148 Apêndice Cap. 10 Se y1 , x2 , . . . , xm fossem algebricamente dependentes, numa relação não trivial g(y1 , x2 , . . . , xm ) = 0 necessariamente y1 compareceria em algum termo não nulo, senão seria uma relação entre os xi , proibida por hipótese; mas y1 algébrico sobre K(x2 , . . . , xm ) implica em x1 algébrico sobre este mesmo corpo, também impossı́vel, completando a verificação. 2 39. Proposição. Sejam M ⊇ L ⊇ K extensões de corpos finitamente geradas. Então vale a regra da aditividade dos graus de transcendência transK M = transL M + transK L. Demonstração. Seja x = x1 , . . . , xm uma base de transcendência de L sobre K. Temos que L é algébrico sobre a extensão transcendente K(x) de K. Seja y = y1 , . . . , yn uma base de transcendência de M sobre L. Mostremos que a união x, y é uma base de transcendência de M sobre K. Seja P f (T1 , . . . , Tm , U1 , . . . , Un ) = i ai (T )U i um polinômio a coeficientes em K tal que P f (x, y) = 0. Então f (x, U1 , . . . , Un ) = i ai (x)U i é um polinômio a coeficientes em L ⊃ K(x) que fornece uma relação de dependência para y sobre L. Logo, cada coeficiente ai (x) é nulo. Pela independência de x sobre K, temos cada ai (T ) = 0 e portanto f = 0. Logo x, y é algebricamente independente sobre K. Resta mostrar que M é algébrico sobre K(x, y). Dado z em M , existe um polinômio g 6= 0, a coeficientes em L′ = L(y), tal que g(z) = 0. Logo, a extensão L′ (z) ⊇ L′ é finita. Como a extensão L ⊇ K(x) é finita, segue-se facilmente que a extensão L′ (z) ⊇ K(x, y) é finita e portanto z é algébrico sobre este último corpo. 2 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 149 i i Bibliografia Um roteiro padrão para continuar o percurso aqui delineado poderia começar com [13], seguido de – ou, com mais fôlego, em paralelo a – [17], [31], [18]. As referências [21] e [28] são de caráter introdutório. Suporte necessário de álgebra comutativa mesclado com exemplos geométricos encontra-se em [24]. Um belo apanhado da contribuição dos patriarcas (1800-19??) encontra-se no compêndio [8]. O sabor de técnicas computacionais é bem apresentado em [9]; alguns dos tópicos aı́ tratados são expostos em [33]. Já [1] propicia uma visão geral personalı́ssima, informal e fascinante, endereçada a uma “audiência de engenheiros” (nas palavras do autor). Aplicações de curvas algébricas à teoria dos códigos corretores de erros são apresentadas a nı́vel elementar em [34]; veja também [27]. Para mais geometria de curvas sobre corpos finitos, consultar [14]. Uma introdução a fenômenos tı́picos da geometria de curvas em caracterı́stica > 0 pode ser vista em [19]. Uma abordagem complexo-analı́tica acha-se em [7]. Por fim, para notas históricas, veja [11]. 1. S. S. Abhyankar, Algebraic Geometry for Scientists and Engineers, AMS Math. Surveys and Monographs, vol. 35, 1990. 2. V. I. Arnold, Real Algebraic Geometry (the 16th Hilbert Problem), in Proceedings of Symposia in Pure Math., Vol. 28, F.E. Browder, editor, AMS, 1974. 3. I. Blake, G. Seroussi, N. Smart, Elliptic Curves in Cryptography, London Math. Soc. L.N.S.#265, Cambridge Univ. Press, 1999. 4. C. B. Boyer, História da Matemática, trad. E. Gomide, Edgar Blucher, 1968. 5. B. J. Caraça, Conceitos Fundamentais da Matemática, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1984. 6. C. Camacho O 16◦ Problema de Hilbert, Matemática Universitária n◦ 10, 1989. 7. C. H. Clemens, A scrapbook of complex curve theory, Plenum Press, New York, 1980. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 150 i i 150 Bibliografia 8. J. L. Coolidge, A Treatise on Algebraic Plane Curves, Dover Publ., New York, 1959. 9. D. Cox, J. Little, D. O’Shea, Ideals, Varieties and Algorithms, Undergraduate Texts in Math., Springer–Verlag, New York, 1992. 10. R. Descartes, Discours de la méthode (1637), http://perso.wanadoo.fr/minerva/DM/Page accueil DM.htm ou http://www.literature.org/authors/descartes-rene/reason-discourse. 11. J. Dieudonné, Cours de Géométrie Algébrique, vol. 1, P. U. France, 1974. 12. , Calcul Infinitésimal, Hermann, Paris, 1968. 13. W. Fulton, Algebraic Curves: an Introduction to Algebraic Geometry, Benjamin, New York, 1969. 14. A. Garcia, Pontos Racionais sobre Corpos Finitos, 20o Colóquio Brasileiro de Matemática, IMPA, 1995. 15. A. Gonçalves, Introduçao à Álgebra, Projeto Euclides, IMPA, 1987. 16. F. Q. 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Voloch, Códigos Corretores de Erros, IMPA, 1987. i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 152 i i Índice estrutura de grupo, 13 estrutura de grupo, 130 nodal, 70, 89 parábola, 52, 59 singular, 107 cubo, duplicação, 2, 6 curva, 2 irredutı́vel, 11 lisa, 37, 59 plana afim, 11 plana projetiva, 49 polar, 86 projetiva racional, 107 projetiva racional, 114 racional, 8, 94, 100 cúspide, 37 afinidade, 14 ângulo, trissecção, 2, 7 assı́ntota, 27 astróide, 7 automorfismo, 135 Bézout, teorema de, 62 bitangentes, 91, 92 caracol de Pascal, 7 ciclo, 124 cı́rculo, 2 cissóide, 4, 38, 55, 92 componente irredutı́vel, 11, 49 concóide, 7 de Nicomedes, 7 congruentes, curvas, 50 cônica, 11, 13 cônica afim, 17 conteúdo, 142 convenção, 49 coordenadas homogêneas, 45–47 sistema de, afim, 14 corpo, 134 algebricamente fechado, 10, 146 de funções, 98 de raı́zes, 73, 146 cúbica, 11, 13, 18, 43 cuspidal, 55, 88 dependência algébrica, 146 desomogeneização, 49 diagrama de Newton, 40 direção assintótica, 53 direção assintótica, 26, 27 distância finita, 49 divisor de zero, 134 domı́nio, 134 dual curva, 91 plano, 91 reta, 54 eliminação, 106 152 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 153 i i 153 Índice elipse, 3, 51 epiciclóide, 8 epimorfismo, 135 equivalência racional, 125 espaço projetivo, 47 Euler, fórmula de, 59, 113 extensão algébrica, 145 finita, 144 extensão algébrica, 8 fecho algébrico, 63, 146 fecho projetivo, 49 folium de Descartes, 6, 55, 92 função elementar, 114 implı́cita, 80 racional, 94 regular, 97 gênero geométrico, 108 virtual, 108 grau da resultante, 26, 27, 29 de transcendência, 147 de uma curva, 11, 49 hessiana, 88 hipérbole, 3, 51 hiperplano, 54 no infinito, 47 hipociclóides, 8 homogeneização, 48 homomorfismo, 134 ideal gerado, 137 principal, 137 ı́ndice de interseção, 58, 62, 70 infinito, ponto no, 45 inflexional tangente, 42 integrais de funções algébricas, 114 interseção, 20, 24 invertı́vel, 134 irredutı́vel curva, 11 polinômio, 141 isomorfismo, 135 lemniscata, 92, 112 lemniscata de Bernoulli, 8, 37 Lissajous, curva de, 8 Lüroth, teorema de, 102 módulo da cúbica, 122 mudança de coordenadas afins, 14 projetivas, 50 multiplicidade, 11, 58, 62 da tangente, 37 de interseção, 34, 57, 58, 62 do ponto, 36 nó, 37 oval de Cassini, 8 parábola, 4, 51 parametrização, 94 boa, 102 plano projetivo, 45 Plücker, fórmulas de, 91 polar, curva, 86 polinômio (ir)redutı́vel, 141 primitivo, 142 polinomial, aplicação, 105 i i i i “tudofNew i i 2012/12/13 page 154 i i 154 ponto de inflexão, 42, 85, 92 duplo, 37 liso, 37 m-uplo, 37, 59 múltiplo, 59 no infinito, 45 ordinário, 37 simples, 59 singular, 37, 39, 59 triplo, 37 posição boa, 61 muito boa, 61 primitivo, polinômio, 142 projetividade, 50 Índice transformação afim, 14 representação matricial, 17 triângulo de referência, 51 trissectriz de Maclaurin, 6, 55, 92 zeros de Hilbert, 30 racional curva, 8, 94 função, 94, 98 parametrização, 94 referencial, 14 regular, função, 97 resultante, 22, 26 reta, 2 no infinito, 49 projetiva, 47 tangente, 59 rosácea, 39, 70 série de potências, 75 subespaço projetivo, 53 tacnodal, 38 tangente, 37 traço, 11, 49 transcendência base de, 147 grau de, 147 i i i i