ESZM022-17 Cerâmicas Especiais e Refratárias Prof. Dr. Humberto N. Yoshimura humberto.yoshimura@ufabc.edu.br Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas Jun - Ago 2022 1E2 – Cerâmicas especiais: Cerâmicas estruturais1 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Sumário Cerâmicas especiais – Cerâmicas para aplicações estruturais Comportamento mecânico Fratura rápida Fratura dependente do tempo Cerâmicas de óxidos Cerâmicas covalentes 2 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias σ Fratura rápida Critério de falha de Griffith-Irwin: σf ε σf – tensão da fratura KIc – tenacidade à fratura Y – constante geométrica c – tamanho do defeito Fratura atrasada (delayed failure) σa<σf t0 c0 t > t0 Crescimento lento do defeito (trinca) ct 3 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Crescimento subcrítico de trinca Crescimento subcrítico ou lento de trinca (SCG): também conhecido como fadiga estática, corrosão sob tensão ou fratura atrasada (delayed failure) Fenômeno no qual a trinca cresce de maneira estável e lenta sob a influência de uma tensão aplicada abaixo da tensão de fratura, até atingir um tamanho crítico resultando na fratura frágil da peça Tempo decorrido até o momento da fratura é o tempo de crescimento da trinca de um tamanho subcrítico até um tamanho crítico para uma determinada tensão aplicada Crescimento subcrítico de trinca causa degradação da resistência mecânica por meio de corrosão sob tensão da ponta da trinca (usualmente devido às moléculas de água) Ensaio de tensão constante ou fadiga estática Ensaio de taxa de tensão constante ou fadiga dinâmica 4 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Mecanismo de corrosão sob tensão Efeitos ambientais na ponta da trinca em vidro de sílica: 1) molécula de água difunde para a ponta da trinca; 2) adsorção química e rotação da molécula de água; 3) quebra da ligação Si-O-Si e formação de duas ligações Si-OH 5 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fenômeno SCG: 3 regimes de velocidade de propagação da trinca, v, conforme as faixas de fator de intensidade de tensão, KI, aplicado: KI0 - fator de intensidade de tensão limite, abaixo do qual o crescimento da trinca não ocorre Região I: velocidade de propagação da trinca (v) é exponencialmente dependente da tensão (KI) aplicada; propagação se deve a ataque corrosivo por moléculas d’água na ponta da trinca; controlada pela taxa de reação química entre cerâmica e água; crescimento depende também de umidade relativa, pH, temperatura e magnitude de KI; •Processo termicamente ativado: onde, v0 e β são constantes, ΔH* é a variação de entalpia e T é a temperatura •Usual é aplicação de relação empírica: Curva v-K n-1 KI0 onde, n é coeficiente de susceptibilidade ao SCG; quanto maior n, menor a susceptibilidade; usualmente varia entre ~10 e >100 6 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Região II: velocidade da trinca ainda é dependente da pressão parcial de água, mas é praticamente independente de KI; transporte de água (difusão de vapor) para a ponta da trinca é o fator que limita a velocidade de propagação da trinca Região III: propagação da trinca se torna independente da concentração de água no ambiente (condição de vácuo) e alcança elevada velocidade (da ordem da onda sonora), sendo esta região associada à fratura rápida; velocidade volta a ser exponencialmente dependente de KI Maior ênfase é dada ao limite de fadiga, KI0, e ao comportamento da região I, pois os KI0 componentes estruturais geralmente passam a maior parte de seu “tempo de vida” (lifetime) em serviço nestas regiões Outras moléculas polares pequenas que podem ser adsorvidas na ponta da trinca também podem causar SCG (ex., metanol e amônia) 7 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Velocidade da trinca em vidro de sílica soda-cal em função de KI Efeito da umidade relativa Em atmosfera de gás N2 com diferentes porcentagens de umidade relativa Efeito da temperatura Em água em diferentes temperaturas 8 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fadiga (cíclica) Fadiga cíclica: diminuição de resistência do material sob carregamento cíclico Pode resultar em fratura em tensões significativamente menores do que tensão de fratura em condição rápida de carregamento Mecanismos que atuam na fadiga cíclica de cerâmicas ainda não foram totalmente elucidados; são diferentes dos observados em metais, usualmente associados com deformação plástica No passado, acreditava-se que os materiais cerâmicos não eram susceptíveis à degradação por fadiga cíclica, devido à limitada mobilidade de discordâncias Ocorre particularmente em cerâmicas com comportamento de curva-R, i.e., tenacificadas por mecanismos que atuam no rastro da trinca: ponteamento de trinca e tenacificação por transformação Carregamento cíclico causa danos nos elementos tenacificadores (ex. quebra de “pontes”/fibras) diminui “blindagem” da ponta da trinca aumenta fator de intensidade de tensão na ponta da trinca, Ktip 9 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Parâmetros de fadiga: Amplitude de tensão cíclica: Curva de amplitude de tensão versus número de ciclo para fratura (curva S-N) Razão de carregamento, R: Ensaios podem ser realizados em condições de tração-tração, compressãocompressão e tração-compressão (nos dois primeiros, R é positivo e, no terceiro R, é negativo) Representações gráficas: Curva S-N – amplitude de tensão em função de número de ciclo para fratura Velocidade de crescimento da trinca por ciclo (da/dN ou dc/dN) em função de ΔK [ΔK= Kmáx – Kmín] 10 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Três estágios da fadiga: Estágio I: faixa de ΔK abaixo do limite de fadiga (Kth), na qual trinca não cresce com carregamento cíclico; microestrutura, razão de tensão R e ambiente influenciam Kth Estágio II: regime de lei de potência (relação Paris-Erdogan) [linear na representação log(dc/dN) versus logΔK, com inclinação/expoente q ]: onde, c – comprimento da trinca, N – número de ciclos de tensão, ΔK = Y(σmax – σmin)c1/2, e B e q são parâmetros empíricos, que usualmente dependem de material, ambiente, frequência, temperatura e razão de tensão R Estágio III: regime de crescimento rápido da trinca, quando seção remanescente do material não suporta tensão de tração máxima; mecanismo de propagação da trinca similar ao modo estático, sendo dependente da microestrutura e razão de tensão R, mas pouco dependente do ambiente Valores de q são elevados em cerâmicas (~8 a 42) em comparação com metais (2 a 4) 11 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Mecanismos de fadiga (cíclica) em cerâmicas Mecanismos intrínsecos: criação de danos microestruturais de fadiga à frente da ponta da trinca decorrente do carregamento cíclico (ex. quebra de fibras em compósitos) Mecanismos extrínsecos: criação de danos nos elementos tenacificadores que atuam no rastro da trinca, diminuindo a blindagem da ponta da trinca [principalmente nos casos de tenacificação por ponteamento, por fibras e por intertravamento de grãos (grain interlocking), e tenacificação por transformação de fase] 12 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Esquema que sintetiza o comportamento de propagação da fratura em cerâmicas (G=KI2/E) Materiais frágeis apresentam “resistências” à propagação da trinca R (em vácuo) e Re (em um dado ambiente), que são deslocadas para maiores valores de G com um mecanismo de reforço sob carregamento estático (RØ). Aplicação de carregamento cíclico resulta em degradação parcial do reforço, o que desloca as curvas de “resistências” para menores valores de G (taxa de liberação de energia; similar a K). 13 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Uma das principais dificuldades nos experimentos de fadiga é constatar que a degradação na resistência é devido realmente ao carregamento cíclico e não ao fenômeno de SCG (crescimento subcrítico de trinca), principalmente em altas temperaturas, pois o processo SCG é termicamente ativado e se torna mais importante em temperaturas elevadas Crescimento de trinca em fadiga em uma cerâmica de alumina (tamanho de grão de ~10 µm) submetido em ciclo tensão-compressão (R= -1) em frequência de 5 Hz, em termos de da/dN vs Kmáx, fator de intensidade de tensão máximo. Também são indicados dados derivados de carregamento estático. 14 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Efeito da temperatura na resistência mecânica Região A: fratura frágil e resistência varia pouco com a temperatura; não há deformação plástica precedendo a fratura; varia conforme diminuição do módulo de elasticidade Região B: fratura ainda é frágil, mas resistência passa a diminuir fortemente com aumento da temperatura; ativação de fluência (limitada) ou outros mecanismos inelásticos; pode ocorrer pequena deformação plástica antecedendo a fratura de cerca de 10-3 a 10-2 Região C: ocorre escoamento plástico apreciável por fluência (acentuada) com deformações da ordem de 10-1 antecedendo a fratura Temperaturas críticas TAB e TBC variam fortemente entre cerâmicas Para MgO policristalino, transição frágildúctil (TBC) ocorre a ~1700°C (0,6 Tf) Não se observa deformação plástica em β-SiC abaixo de 2000°C 15 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Comportamento típico da variação da resistência de cerâmicas em função da temperatura 16 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fluência Fluência (creep): fenômeno de deformação plástica/permanente dependente do tempo Em geral, fluência é função inter-relacionada de tensão, tempo, temperatura, tamanho e forma de grão, microestrutura, fração volumétrica e viscosidade de fases vítreas nos contornos de grão, mobilidade de discordâncias, etc. Fluência deve ser considerada em componentes cerâmicos para aplicações estruturais em altas temperaturas Projeto para uso seguro de cerâmicas sob carga a alta temperatura procura evitar deformação excessiva e fratura É necessário especificar uma deformação máxima aceitável durante o tempo de vida do componente Todos materiais cerâmicos sofrem algum grau de fluência em temperatura suficientemente alta Fluência em cerâmicas: de forma geral, comportamento similar ao dos metais, embora alguns mecanismos ainda não estão elucidados, e ocorre a altas temperaturas (T > 0,5.Tf) sob níveis de tensão modestos e baixas taxas de deformação (deformação lenta) Usualmente ocorre por processos envolvendo difusão e não por movimentação de discordâncias Cerâmicas policristalinas em tração a altas temperaturas usualmente desenvolvem pequenos defeitos internos (cavitação) que eventualmente resultam em fratura Deformação por fluência até a fratura em cerâmicas é usualmente pequena (< 2%) 17 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Regimes de fluência Região primária ou transiente: após resposta quase instantânea de deformação, taxa de deformação por fluência diminui com tempo; em algumas cerâmicas (ex., fibras de SiC) ocorre somente este estágio Curva de fluência Região secundária ou estado estacionário: deformação (ε) aumenta linearmente com o tempo (t), taxa de fluência ( ) é constante e deformação pode continuar por longo tempo; estágio mais importante Região terciária: taxa de fluência aumenta rapidamente com o tempo; início do processo da fratura; em cerâmicas este estágio é curto ou suprimida 18 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Aumento da temperatura e/ou tensão aplicada aumento na deformação instantânea e na taxa de fluência no estado estacionário e diminuição no tempo para fratura Deformação total até estágio secundário: Deformação instantânea Deformação no estágio primário m - constante Deformação no estágio de estado estacionário 19 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fluência em tração em nitreto de silício 20 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Mecanismos de fluência no estado estacionário Fluência por discordâncias Fluência por deslizamento (glide) e escalagem (climb) de discordâncias assistida por difusão de lacunas Taxa de deformação de processo controlado por escalagem: onde, α - constante, DL – coeficiente de difusão pela rede, µ - módulo de cisalhamento, b - vetor de Burgers, σ - tensão aplicada, n - expoente de tensão, k - constante de Boltzmann, T - temperatura absoluta, Γ - constante dependente da temperatura Para n > 1 chamado de fluência de lei de potência Para movimentação de discordância por escalagem, n varia entre 4 e 5 Para processo controlado por deslizamento de discordância (equação de mesma forma), n=3 Forte dependência (potência) entre tensão aplicada e taxa de deformação 21 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fluência por difusão induzida por tensão 1 (pelo volume/rede cristalina) Fluência por difusão de lacunas pela rede a partir de contornos em tração para contornos em compressão (com contrafluxo de átomos) fluxo de massa deformação permanente Mecanismo conhecido como fluência de Nabarro-Herring: onde, α - constante, DL - coeficiente de difusão pela rede, σ - tensão aplicada, Ω - volume atômico, d - tamanho de grão, k - constante de Boltzmann, T - temperatura absoluta Dependência da taxa de fluência com d-2: aumenta com diminuição do tamanho de grão Dependência linear entre tensão aplicada e taxa de deformação 22 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fluência por difusão induzida por tensão 2 (pelo contorno de grão) Fluência por difusão pelos contornos de grão de átomos de contornos sob compressão para tração fluxo de massa deformação permanente Mecanismo conhecido como fluência de Coble: onde, Ω - volume atômico, δ - largura do contorno de grão, Dgb - coeficiente de difusão pelo contorno de grão, σ - tensão aplicada, d - tamanho de grão Dependência da taxa de fluência com d-3: aumenta com diminuição do tamanho de grão importante para cerâmicas com grãos muito finos Dgb > DL fluência de Coble favorecida em menores temperaturas (do que Nabarro-Herring) Dependência linear entre tensão aplicada e taxa de deformação Fluência por difusão controlada por reação na interface/contorno de grão: processos controlados pela reação na interface Esquema de estrutura de grãos e contornos de grão (sem presença de fase vítrea) mostrando fluência difusional através dos grãos (difusividade DL) ou ao longo de contornos de grão (difusividade DG) 23 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Fluência por escorregamento do contorno de grão ou fluência viscosa Ocorre em cerâmicas com fase vítrea nos contornos de grão Mecanismo de solução-reprecipitação: dissolução do material cristalino na fase vítrea nas interfaces sob compressão e reprecipitação nas interfaces submetidas à tração (similar ao mecanismo de sinterização assistida por fase líquida) Mecanismo de redistribuição de fase vítrea por fluxo viscoso: líquido/vidro é espremido para fora dos contornos sob compressão e escoa para contornos sob tração (usualmente significante quando há alta fração de fase vítrea) onde, α - constante, w - espessura da camada vítrea, σ - tensão aplicada, Ω - volume atômico, η0 - viscosidade da fase vítrea, d - tamanho de grão Dependência da taxa de fluência com d-3: aumenta com diminuição do tamanho de grão Dependência linear entre tensão aplicada e taxa de deformação 24 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Imagens de MET mostrando filme de fase vítrea nos contornos de grão de cerâmicas de nitreto de silício 25 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Dano induzido por fluência: cavitação Cavitação: formação de cavidades em contornos de grão/interfaces, especialmente em cerâmicas com fase vítrea nos contornos de grão Ocorre com mais frequência sob tensão de tração: pode resultar em comportamento em fluência assimétrico sob tensão de tração e compressão (ex. ensaio de flexão) Esquema de formação de cavidades em filme de contorno de grão viscoso decorrente da aplicação de tensão de tração Fratura intergranular em alumina mostrando cavitação devido à fluência em compressão a 1600°C Dano por cavitação em alumina após deformação em alta temperatura 26 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Taxa de fluência no estado estacionário (s-1) Taxa de fluência no estado estacionário de α(6H)-SiC sinterizado Tamanho de grão G1 – 3,5 µm G2 – 4,9 µm G3 – 7,5 µm Mecanismo 1 Mecanismo 2 Mecanismo 1: Escorregamento de contorno de grão acomodado por difusão Mecanismo 2: Deslizamento de discordâncias 27 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Efeito do tamanho de grão na taxa de fluência normalizada versus tensão normalizada Fluência difusional torna-se mais importante conforme grãos se tornam pequenos (diminui distância de difusão) Pequenos grãos são deletérios para taxas de fluência em baixas tensões, mas em altas tensões o movimento intragranular de discordâncias por ascensão e deslizamento passa a operar e torna-se o mecanismo mais importante No esquema ao lado, os efeitos de filmes intergranulares e formação de cavitação na junção de grãos não foram levados em consideração, mas os expoentes de tensão obtidos experimentalmente destes mecanismos variam entre 2 e 7, o que dificulta a interpretação dos resultados de fluência 28 UFABC ESZM022-17 – Cerâmicas Especiais e Refratárias Mapa de deformação por fluência (creep) 29