Capítulo Gestão de conflitos As pessoas nunca têm objetivos e interesses idênticos. As diferenças de objetivos e de interesses individuais sempre produzem alguma espécie de conflito. O conflito é ine­ rente à vida de cada indivíduo e faz parte inevitável da natureza humana. Constitui o lado oposto da cooperação. A palavra conflito está ligada à discórdia, divergência, dis­ sonância, controvérsia ou antagonismo. Além da diferença de objetivos e interesses, deve haver necessariamente uma inter­ ferência deliberada de uma das partes envolvidas para que haja conflito. O conflito existe quando uma das partes - seja indivíduo ou grupo - tenta alcançar seus próprios objetivos interligados com alguma outra parte e esta interfere na outra que procura atingir seus objetivos. A interferência pode ser ativa (mediante ação para provocar obs­ táculos, bloqueios ou impedimentos) ou passiva (mediante omissão ou deixar de fazer algo). Assim, o conflito é muito mais que um simples desacordo ou desavença; consti­ tui uma interferência ativa ou passiva, mas deliberada para impor um bloqueio sobre a tentativa de outra parte de alcançar os seus objetivos. O conflito pode ocorrer no con­ texto do relacionamento entre duas ou mais partes: entre pessoas ou entre grupos como conjuntos de pessoas, bem como entre mais de duas partes ao mesmo tempo. Quando ocorre entre pessoas, o conflito individual pode ser: • Intemo: quando ocorre intimamente dentro de uma pessoa em relação a senti­ mentos, opiniões, desejos e motivações divergentes e antagônicas. Quando a pessoa quer trabalhar em uma empresa porque esta lhe dá prestígio e dinheiro, mas ao mesmo tempo não quer trabalhar na empresa porque não gosta do pa­ trão. É o chamado conflito psicológico ou intra-individual, de natureza íntima da pessoa. O conflito interno provoca um colapso nos mecanismos decisórios normais, provocando dificuldade na escolha dentre várias alternativas de ação. • Externo: quando ocorre entre uma pessoa e outra ou entre dois grupos de pes­ soas. É o chamado conflito social, que ocorre entre pessoas ou grupos sociais com interesses ou objetivos antagônicos. CAMPUS Capítulo i 9 - Gestão de conflitos O conflito pode ocorrer em três níveis de gravidade: • Conflito percebido: ocorre quando as partes percebem e compreendem que o conflito existe porque sentem que seus objetivos são diferentes dos objetivos dos outros e que existe oportunidade para interferência. É o chamado conflito latente, que as partes percebem existir potencialmente. • Conflito experienciado: quando o conflito provoca sentimentos de hostilidade, raiva, medo, descrédito entre uma parte e outra. É o chamado conflito velado, quando é dissimulado, oculto e não manifestado externamente com clareza. • Conflito manifesto: quando o conflito é expresso e manifestado pelo comportamen­ to, que é a interferência ativa ou passiva por pelo menos uma das partes. É o chama­ do conflito aberto, que se manifesta sem dissimulação entre as partes envolvidas. 19.2 A BO R D A G EN S Q U A N T O À G ESTÃ O DE C O N FLIT O S O gerente tem à sua disposição três abordagens quanto à administração de conflitos: 1. Abordagem estrutural: baseia-se no fato de que o conflito surge das percepções criadas pelas condições de diferenciação, de recursos limitados e escassos e de interdependência. Se esses elementos puderem ser modificados, as percepções e o conflito resultante poderão ser controlados. Trata-se, pois, de atuar sobre uma condição existente que predispõe ao conflito. A abordagem estrutural pro­ cura minimizar as diferenças entre os grupos identificando objetivos que pos­ sam ser compartilhados por eles. Se o gerente conseguir conscientizar os gru­ pos de que eles têm interesses em comum, eles deixarão de perceber seus pró­ prios objetivos como incompatíveis. A ameaça externa e o inimigo comum são soluções utilizadas freqüentemente para localizar um objetivo compartilhado. Outro mecanismo estrutural é a utilização dos sistemas de recompensas formais da organização. Utilizando um sistema de incentivos para recompensar o de­ sempenho conjunto e combinado de dois ou mais grupos, a organização cria um objetivo comum. Se o bolo de recursos a ser distribuído não é fixo, isso pos­ sibilita que um grupo ganhe recursos sem fazer com que o outro perca, tornan­ do vantajoso para todos os grupos desempenharem bem e cooperarem entre si. A abordagem estrutural também procura reduzir a diferenciação dos grupos por meio do reagrupamento de indivíduos, de maneira que os grupos conflitan­ tes se tomem parte de uma unidade maior. O pessoal de produção e de vendas pode ser colocado junto a uma equipe de produto, com a responsabilidade de produzir e vender determinado produto e ser recompensado com base no de­ sempenho global, em vez de no desempenho individual. Além disso, rodando entre si, os indivíduos adquirem uma melhor compreensão de outras perspecti­ vas, visualizando objetivos comuns existentes. Para reduzir a interdependência Série Provas e Concursos 19.1 N ÍV E IS DE G R A V ID A D E DO C O N FLIT O 179 Séfie Provas e Concursos 180 Administração Gerai e Pública —Chiavenato ELSEVIER e suas oportunidades de interferência, os grupos podem ser separados física e estruturalmente. Embora percebam a incompatibilidade de seus objetivos, o baixo nível de interdependência das atividades torna a interferência distante e reduz a possibilidade de conflito. 2. Abordagem de processo: é a abordagem que procura reduzir os conflitos por ■meio da modificação do processo, ou seja, de uma intervenção no episódio do conflito. Pode ser utilizada por uma das partes em conflito, por pessoas de fora ou por uma terceira parte, como um consultor, um gerente neutro ou algum su­ perior da organização. A abordagem de processo pode ser realizada de três dife­ rentes maneiras. A primeira é a desativação ou desescalonização do conflito. Ocorre quando uma parte reage cooperativamente - em vez de agressivamente - ao comportamento de conflito da outra, encorajando comportamentos menos conflitantes ou desarmando o conflito. Enquanto a reação conflitante de uma parte provoca idêntico comportamento da outra, uma reação cooperativa tende a provocar idêntica reação cooperativa da outra. A segunda maneira é a reunião de confrontação entre as partes. Ocorre quando o ponto de desativação jã foi ul­ trapassado e as partes se preparam para um conflito aberto via confrontação di­ reta e hostil. A intervenção nesse processo pode ser feita pela reunião de con­ frontação que procura reunir face a face as partes conflitantes, exteriorizar as emoções, discutir e identificar as áreas de conflito e localizar soluções do tipo ganha/ganha antes de qualquer solução beligerante. A terceira maneira é a cola­ boração. É usada após ultrapassada a oportunidade de desativação e de reunião de confrontação. Na colaboração, as partes trabalham juntas para solucionar problemas, identificar soluções do tipo ganha/ganha ou soluções integrativas capazes de conjugar os objetivos de ambas as partes. 3. Abordagem mista: é a abordagem que procura administrar o conflito tanto com aspectos estruturais como processuais. A solução inclui intervenções sobre a si­ tuação estrutural e sobre o episódio conflitivo. A primeira maneira mista é in­ fluenciar o processo de conflito por meios estruturais, como a adoção de regras para resolução de conflitos. Determinando-se previamente os procedimentos e os limites para trabalhar o conflito, esse pode ser contido e controlado, condu­ zindo as partes para a solução do problema. A segunda maneira mista é criar “terceiras partes” dentro da empresa de modo que estejam disponíveis a qual­ quer momento para ajudar na solução do tipo ganha/ganha dos conflitos que surgem. Uma parte em conflito pode se comunicar com a outra por meio de in­ divíduos formalmente responsáveis pela tarefa de comunicação entre partes •conflitantes. São os chamados papéis de ligação que podem ser exercidos pelo pessoal de ligação ou pelas equipes de trabalho intergrupais. São papéis integra­ dores cuja tarefa é coordenar o esforço dos grupos potencialmente conflitantes em direção aos objetivos globais da empresa. Ao contrário do consultor de pro­ cesso ou da terceira parte, que são passageiros, os papéis integradores são parte CAMPUS Capítulo i 9 —Gestão de conflitos A maneira pela qual as partes reagem ao conflito e a maneira pela qual o conflito é solucionado produzem uma influência sobre as percepções, os sentimentos e os com­ portamentos que se seguem, bem como sobre a qualidade da comunicação entre os grupos. Abordagens estruturais * Fixação de objetivos comuns .•Sistemas de recompensas • grupais Abordagens m istas' ; •Definição de regras e • regulamentos * Reagrupamento de pessoas ♦Formação de grupos e equipes de trabalho ■ * Rotação de pessoas •Papéis de ligação * Separação de pessoas ♦Papéis integradores Abordagens de processo ♦Desativação do conflito : ♦Confrontação direta ■. Coiaboração FIGURA !9 .i As abordagens de administração de conflitos.1 19.3 EFEIT O S P O S IT IV O S E N EG A T IV O S DO C O N FLIT O O conflito pode gerar efeitos positivos. Em primeiro lugar, o conflito desperta sen­ timentos e energia dos membros do grupo. Essa energia estimula interesse em desco­ brir meios eficazes de realizar as tarefas, bem como soluções criativas e inovadoras. Em segundo lugar, o conflito estimula sentimentos de identidade dentro do grupo, au­ mentando a coesão grupai. Em terceiro lugar, o conflito é um modo de chamar a aten­ ção para os problemas existentes e serve para evitar problemas mais sérios, atuando como mecanismo de correção. Todavia, o conflito pode gerar efeitos destrutivos. Em primeiro lugar, apresenta conseqüências altamente indesejáveis para o funcionamento da organização, pois indivíduos e grupos vêem seus esforços bloqueados, desenvol­ vendo sentimentos de frustração, hostilidade e tensão. Obviamente, isso prejudica o desempenho das tarefas e o bem-estar das pessoas. Em segundo lugar, grande parte da energia criada pelo conflito é dirigida e gasta nele mesmo, prejudicando a energia que poderia ser utilizada no trabalho produtivo, pois ganhar o conflito passa a ser mais im­ portante do que o próprio trabalho. Em terceiro lugar, a cooperação passa a ser substi­ tuída por comportamentos que prejudicam a organização e que influenciam a natureza dos relacionamentos existentes entre pessoas e grupos. Se o conflito pode trazer resultados positivos ou negativos para pessoas e grupos, sobretudo para a organização como um todo, a questão primordial é como administrar o conflito de maneira a aumentar os efeitos positivos (construtivos) e a minimizar os negativos (destrutivos). Essa tarefa cabe ao gerente. Embora muitas vezes seja um ator Série Provas e Concursos permanente da organização. O gerente pode assumir papel integrador sempre que surgir a necessidade de intervir nas condições estruturais como na dinâmi­ ca do conflito. 18! Administração Gerai e Púbiica —Chiavenato Série Provas e Concursos J82 ELSEVÍER envolvido até a cabeça em muitos conflitos, o gerente deve sempre buscar uma solução construtiva. Para tanto, deve saber escolher adequadamente as estratégias de resolução para cada caso. As abordagens estruturais são geralmente mais fáceis de utilizar e exi­ gem menos habilidades do que as abordagens de processo. 19.4 EST ILO S DE G ESTÃO DE C O N FLIT O S As equipes, assim como as pessoas, desenvolvem estilos específicos para lidar com conflitos, baseados no desejo de satisfazer seus próprios interesses versus o interesse da outra parte. O modelo a seguir descreve os cinco estilos de administrar conflitos por meio de duas dimensões: da dimensão assertiva (tentativa de satisfazer a seus próprios interesses) e da dimensão cooperativa (tentativa de satisfazer aos interesses das outras partes): 1. Estilo competitivo: reflete a assertividade para impor o seu próprio interesse e é utilizado quando uma ação pronta e decisiva deve ser rapidamente imposta em ações importantes ou impopulares, durante as quais a urgência ou a emergência se toma necessária ou indispensável. O negócio é ganhar. 2. Estilo de evitação: reflete uma postura não assertiva, nem cooperativa e é apro­ priado quando um assunto é trivial, quando não existe nenhuma possibilidade de ganhar, quando uma demora para obter maior informação se torna necessá­ ria ou quando um desentendimento pode ser muito oneroso. O negócio é se manter em copas. 3. Estilo de compromisso: reflete uma moderada porção de ambas as características de assertividade e de cooperação. É apropriado quando os objetivos de ambos os lados são igualmente importantes, quando os componentes têm igual poder Assertivo * . Competição ’ Assertividade Não-assertivo Colaboração Compromisso Acomodação Evitação Não-cooperaüvo Cooperação ................................ ...................... FIG U R A 1 9 .2 Os cinco estiios de gestão de conflitos.2 Cooperativo ...........— CAMPUS Capítuio 19 - Gestão de conflitos Referências bibliográfieas 1 Adaptado de D. A Nadler, J. R. Hackman & E. E. Lawler III, Comportamento Organizacional, op. cit., p. 217. 2 Kenneth Thomas, ín: M.D. Dunnette (ed.), Handboók o f industriai and organizational psychology, Nova York, John Wiley & Sons, 1976, p. 900. Série Provas e Concursos e ambos os lados querem reduzir as diferenças ou quando as pessoas precisam chegar a alguma solução temporária sem pressão de tempo. O negócio é ter jogo de cintura. 4. Estilo de acomodação: reflete um alto grau de cooperação e funciona melhor quando as pessoas sabem o que é errado, quando um assunto é mais importante que outros para cada lado, quando se pretende construir créditos sociais para utilizar em outras situações ou quando manter a harmonia é o mais importante. O negócio é ir levando. 5. Estilo dè colaboração: reflete um alto grau de assertividade e de cooperação. O estilo colaborativo habilita ambas as partes a ganhar, enquanto utiliza uma substancial parcela de negociação e de intercâmbio. O estilo de colaboração é importante quando os interesses de ambos os lados são importantes, quando os pontos de vista das partes podem ser combinados para uma solução mais ampla e quando o compromisso de ambos os lados requer consenso. O negócio é re­ solver para que ambas as partes ganhem' e se comprometam com a solução. 183