Lídia Carvalho dos Santos | ATM 25/2 FUNÇÃO TIREOIDIANA ANATOMIA DA TIREOIDE A glândula tireoide é uma glândula única, em formato de borboleta, que se situa anteriormente à traqueia, entre a cartilagem cricóidea hormônio é inibir a reabsorção de tecido ósseo, reduzindo a concentração de cálcio no plasma e a incisura supraesternal, entre a 5ª vértebra cervical e a 1ª torácica. Possui dois lobos conectados por um istmo, e quatro glândulas paratireoides na região posterior, produtoras do paratormônio. FISIOLOGIA a) regulação da função tireoidiana O eixo hipotálamo-hipófise-tireoide é o principal regulador da função tireoidiana normal, que consiste em produzir quantidades adequadas de hormônios para atender às demandas metabólicas periféricas; HISTOLOGIA A tireoide é formada por inúmeros folículos o hipotálamo produz TRH (hormônio estimulador de tireotrofina), atuando na hipófise anterior (adenohipófise) estimulando a produção de TSH; esféricos constituídos por células foliculares tireoidianas que circundam o coloide, líquido proteináceo que contém grande quantidade de tireoglobulina (Tg), precursor proteico dos hor- a hipófise anterior produz TSH (hormônio tireoestimulante), atuando na própria tireoide estimulando a produção de T3 eT4; T3 e T4 na circulação inibem a liberação de mônios tireoidianos. A parede do folículo é constituída por epitélio simples, no qual as células são chamadas de TRH e TSH (o feedback negativo que gera equilíbrio homeostático na produção/regulação tireoidiana). tirócitos. Quando a glândula está sendo estimulada, a quantidade de coloide diminui, visto que as Tg são reabsorvidas pela célula para síntese dos hormônios. Quando a glândula está inibida ou em baixa atividade, o folículo aumenta de volume, devido ao armazenamento de Tg no coloide. Outro tipo celular encontrado na tireoide é a célula parafolicular ou célula C, que, normalmente, são visualizadas por agrupamentos celulares isolados entre os folículos. São as produtoras de um hormônio chamado calcitonina ou tireocalcitonina. A função deste hormonononon b) produção hormonal A tireoide normal produz todo o T4 circulante e cerca de 20% do T3 circulante. Os 80% restantes do T3 circulante provêm da deiodinação periférica do T4, por meio da ação das deiodinases tipo 1 (D1) e tipo 2 (D2). A maior parte da atividade biológica dos hormônios tireoidianos provém dos efeitos celulares do T3, que tem maior afinidade pelo receptor do hormônio tireoidiano e é cerca de 4 a 10 vezes mais potente do que o T4. Existe ainda a deiodinase tipo 3 (D3), que é responsável pela metabolização periférica do T4 em tri-iodo-L-tironina tuyuyuyu 28 FUNÇÃO TIREOIDIANA Lídia Carvalho dos Santos | ATM 25/2 (T3 reverso ou rT3), metabolicamente inativo. Uma vez liberados na circulação, T4 e T3 se ligam, de maneira reversível, a três proteínas plasmáticas: globulina ligadora de tiroxina (TBG), transtirretina (TTR) e albumina. I. disponibilidade de substrato para a síntese ocorre, havendo excesso de produção de TSH pela adenohipófise (elevação e TSH por tentativa de produzir mais T3 e T4); O TSH em excesso ligando-se aos receptores foliculares leva a uma hipertrofia e aumento tireoidiano (bócio). Atualmente, essa situação é hormonal O principal substrato é o iodo, adquirido pela alimentação e, após digestão, absorvido pelas células foliculares/tireócitos. O iodo se associa a resíduos de tirosina formando monoiodotirosina (MIT) e di-iodotirosina (DIT). É a associação dessas moléculas que formam os hormônios tireoidianos: MIT + DIT forma T3 (tri-iodotironina); DIT + DIT forma T4 (tetraiodotironina ou incomum pela deficiência de iodo, uma vez que todo sal para consumo humano é iodado desde 1950. Assim, a causa mais comum de hipotireoidismo em áreas suficientes de iodo é a tireoidite de Hashimoto. Situações de hipotireoidismo em idade precoce sem tratamento adequado podem levar a quadros de cretinismo (comprometimento neurocognitivo). AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO TIREOIDIANA testes laboratoriais: TSH, T3 e T4 (livres e tiroxina); O T3 e T4 ficam ligados à tireoglobulina no coloide (estrutura interna da célula folicular) e, após estímulo do TSH nos receptores das célu- totais), autoanticorpos tireoidianos; testes de imagem: ecografia e cintilografia de tireoide. a) testes laboratoriais las foliculares, os hormônios são liberados e resíduos de tireoglobulina (proteína de armazenamento exclusivamente tireoidiana) são reutilizados para nova síntese hormonal. I. TSH (hormônio estimulador da tireoide) É a medida mais precisa da atividade da glândula, exceto em situações de doença no eixo hipotálamo-hipófise – nessas situações, avalia- II. funcionamento adequado da célula folicular O folículo tireoidiano é formado por uma camada única de células foliculares que envolve se diretamente os hormônios tireoidianos por ausência de TRH ou TSH); sensibilidade alta pela íntima relação entre o coloide (estrutura de armazenamento dos hormônios tireoidianos). Após estímulo do TSH, T3 e T4 são liberados na circulação (unidos a estruturas de transporte) e atuarão à distância em órgãos-alvo. III. controle apropriado do sistema hipotálamo ➔ TRH ➔ adenohipófise ➔ TSH ➔ tireoide ➔ T3 e T4 ➔ tecidos periféricos; T3 e T4 na circulação inibem a produção de TRH e TSH (feedback negativo) IV. situações de redução do substrato Frente à ingesta inadequada de iodo, T3 e T4 não serão produzidos de forma suficiente (baixa produção). O feedback negativo não llllllkkk TSH e hormônios tireoidianos (pequenas variações nos hormônios periféricos causam drásticas alterações nos níveis de TSH – relação log-linear). ➔ hipotireoidismo quando começa a haver redução de T3/T4 (mesmo com valores ainda dentro da normalidade), já haverá aumento significativo de TSH (acima dos valores de referência); ➔ hipertireoidismo supressão do TSH já é perceptível mesmo com elevação de T4 e T3 ainda na faixa da normalidade; Dessa forma, a avaliação precoce é feita com 29 TSH FUNÇÃO TIREOIDIANA Lídia Carvalho dos Santos | ATM 25/2 TSH, pois é sensível a leves alterações iniciais) - exame de escolha. sensibilidade de 97% e especificidade de 93%. (1) particularidades sobre o TSH O TSH é um hormônio com padrão pulsátil de sentar hipotireoidismo, o aporte não será suficiente, comprometendo a cognição futura do feto; teste do pezinho alterado; baixa estatura e/ou baixa velocidade de crescimento infantil; distúrbios de evolução secreção, respeitando um ciclo circadiano, tem pulsos de secreção entre 22h e 4h (algumas alterações em exames podem ser em decorrência disso). valores de referências – 0,5-5,0 mUI/L (valores 0,5-1,0 acima do limite superior podem estar relacionados com um pulso de secreção; Pode sofrer interferência por ingestão de biotina: vitamina B7, muito utilizada para forta- puberal; suspeita de TDAH ou queda no rendimento escolar (podem indicar disfunção tireoidiana). história prévia de disfunção tireoidiana, presença de bócio ao exame físico, radioterapia cervical, presença de outras doenças autoimunes; uso de medicações que possam interferir na síntese ou liberação de hormônios tireoidianos: lítio, citocinas, amiodarona, lecimento de unhas e cabelos, deve ser suspensa 2 dias antes da realização do exame, uma vez que reduz falsamente os níveis de TSH. agentes contrastados, etc; histórico familiar de doenças de tireoide ou doenças autoimunes; II. T3 e T4 (livres e totais) O TSH apresenta uma distribuição diferente conforme a idade do paciente. O aumento do TSH com a idade se relaciona com uma adaptação do organismo (não necessariamente 80% da produção tireoidiana é de T4, que posteriormente é convertido em T3, forma biologicamente ativa. Quase 100% dos hormônios tireoidianas circulam na corrente sanguí- sugere doença). Também aumenta progressivamente à medida que se aumenta de peso (elevação compensatória do TSH em uma nea ligados a proteínas carreadoras, sendo a globulina ligadora de tiroxina (TBG) a mais comum. Assim, a análise das proteinas carrea- tentativa frustrada de acelerar o metabolismo para diminuir a quantidade de gordura – TSH tende a diminuir à medida que o paciente emagrece). (2) indicações para o rastreamento A triagem ou screening é realizada em indivíduos assintomáticos, mas pertencentes a grupos de risco. A avaliação com TSH (pela alta sensibilidade, é suficiente para se fazer uma avaliação de hipo ou hipertireoidismo). mulheres com idade > 50 anos; gestantes: no 1º trimestre de gestação, o bebê não apresenta o eixo hipotálamohipófise desenvolvido, dependendo de aporte hormonal da mãe). Se a mãe apresen doras é um ótimo meio de avaliar o T3 e T4. alterações nas proteínas ligadoras (adquiridas ou herdadas) podem alterar as concentrações séricas totais de T3 e T4; excesso de proteínas transportadoras causam elevação na concentração de T3 e T4 totais (hormônios ligados a elas). Ocorre em condições como gestação, uso de amiodarona, uso de estrógenos, AIDS, hepatites e cirrose biliar primária; deficiência de proteínas carreadoras pode levar a uma redução de T3 e T4 totais, como por uso de glicocorticoides, transtornos psiquiátricos agudos, uso de andrógenos, IRC, cirurgias de grande porte, cirrose, 30 . FUNÇÃO TIREOIDIANA desnutrição, síndrome nefrótica etc. Se o paciente apresentar uma dessas condições, deve-se solicitar frações livres de T3 e T4 (não ligadas às proteínas carreadoras), uma vez que não se modificam por alterações na TBG, e TSH (se normais, não indicam doença Lídia Carvalho dos Santos | ATM 25/2 da doença de Graves. TRAb, na doença de Graves, é análogo ao TSH, se ligando aos receptores nos tireotrofos e estimulando a produção hormonal. Dosagem de anti-Tg e anti-TPO auxilia na confirmação diagnóstica de etiologia autoimune: não há necessidade de solicitar de forma seriada ao longo do tratamento do hipotireoidismo; tireoidiana, mas patologia nas proteínas). T4 total: mede a quantidade de tiroxina no sangue incluindo as ligadas às proteínas, que ajudam a transportar o hormônio pela corrente sanguínea. T4 livre: mede o nível de tiroxina que não está ligada às proteínas; T3: verifica os níveis do hormônio triiodotironina. É solicitado se os testes T4 e TSH sugerem hipertireoidismo. Níveis b) exames de imagem I. ecografia É o método mais sensível para a detecção de nódulos na glândula, possibilitando a avaliação do número e das características dos nódulos, serve para guiar procedimentos diagnósticos e para monitorar o crescimento da lesão. (1) indicações anormalmente altos geralmente indicam doença de Grave, distúrbio autoimune associado ao hipertireoidismo. III. anticorpos antitireoidianos avaliar a anatomia tireoidiana após suspeita da anormalidade no exame físico; reavaliar alterações de tireoide descobertas ao acaso em outros exames de imagem; Antígenos principais: tireoglobulina (Tg): proteína que participa da síntese hormonal – anticorpo anti-Tg; Utilizado para o acompanhamento dos níveis guiar punção aspirativa com agulha fina (PAAF) em nódulos suspeitos (aumentando a acurácia do exame); monitorar nódulos já diagnosticados; de tireoglobulina pós-tireoidectomia total. Como é uma proteína exclusiva da tireoide, seus níveis devem estar baixos (elevação indica metástase). tireoperoxidase (TPO): enzima que participa do processo de síntese hormonal – anticorpo anti-TPO; Solicita-se quando se quer ter certeza da origem autoimune da doença (certeza de que o hipotireoidismo é por tireoidite de Hashimoto, uma vez que é a assinatura imunológica dessa tireoidite); receptor de TSH (TSH-R): ligado à célula folicular – anticorpo TRAb (Anti-TSH-R); Auxilia no diagnóstico diferencial de hipertireoidismo. Solicita-se quando não se tem certeza da etiologia (doença de Graves, bócios etc.), uma vez que é a assinatura imunológica da doença deGraves; monitorar possíveis recidivas em pacientes em tratamento para câncer de tireoide; suspeita de bócio no feto. (2) características a serem avaliadas parênquima homogêneo ou heterogêneo; presença de linfonodos cervicais; ecogenicidade: iso, hipo ou hiperecoico; padrão de vascularização (Doppler); presença de calcificações ou microcalcificações; diâmetro AP em relação ao transversal; tamanho (sempre nas 3 dimensões – comprimento, largura e altura). Diâmetro transversal > diâmetro AP = sugere crescimento em paralelo com as fibras tireoidianas (nódulo arredondado, sugerindo benignidade); Diâmetro AP > diâmetro transversal = nódulo mais alto que largo (sugerindo malignidade). 31 FUNÇÃO TIREOIDIANA Lídia Carvalho dos Santos | ATM 25/2 halo: indica interface entre o nódulo e o restante do parênquima tireoidiano (é um bom achado, sugerindo crescimento lento que possibilitou a formação de cápsula, compressão do tecido tireoidiano, inflamação local ou edema); bordos: margens irregulares (infiltrativas ou espiculadas) indicam malignidade – avanço do tecido tireoidiano subjacente. Achados com maior especificidade (>90%) para malignidade: microcalcificações, margens irregulares e diâmetro AP > transverso (nódulo mais alto que largo). II. cintilografia Ingestão de isótopo de iodo radioativo que servirá como marcador (captado pela tiroide e avaliado pela imagem cintilográfica). (1) indicações diagnóstico diferencial de hipertireoidismo (adenoma multifuncionante, bócio multinodular tóxico e doença de Graves); avaliação do crescimento intratorácico tireoidiano (ecografia não avalia bócios com extensão intratorácica); manejo pós-operatório do câncer de tireoide (avaliar recidivas pela captação anormal do leito tireoidiano). 32 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 Tireoide: TIREOIDE Anatomia da tireoide: - A tireoide é uma glândula em forma de borboleta localizada na região cervical anterior (dois lobos conectados por um istmo central), - Acima da tireoide, há a cartilagem tireóidea (referência anatômica para a palpação no exame físico) e, lateralmente, os nervos laríngeos recorrentes. - Peso de 10 a 20g e volume de 7 a 10 ml; tem de 3 a 5 cm de altura e cerca de 2,5 cm de largura. Fisiologia tireoidiana: Regulação da função tireoidiana: - O eixo hipotálamo-hipófise-tireoide é o principal regulador da função tireoidiana normal, que consiste em produzir quantidades adequadas de hormônios para atender às demandas metabólicas periféricas. - Hipotálamo produz TRH (hormônio estimulador de tireotrofina), atuando na hipófise anterior (adenohipófise) estimulando a produção de TSH → Secreção pulsátil (pulsos a cada 2-3h que respeitam o padrão circadiano (níveis noturnos 2x mais elevados) - Hipófise anterior produz TSH (hormônio tireoestimulante), atuando na própria tireoide estimulando a produção de T3 e T4. - Tireoide secreta seus hormônios em uma proporção de 80% de T4 e 20% de T3. Isso ocorre porque o T4 corresponde à forma inativa, reduzindo o risco de tireotoxicose. Nos tecidos-alvo, T4 é ativado em T3 perifericamente pelas enzimas desiodases à medida que há necessidade tecidual (T3 é a forma biologicamente ativa). - T3 e T4 na circulação inibem a liberação de TRH e TSH (feedback negativo que gera equilíbrio homeostático na produção/regulação tireoidiana). Desiodases: enzimas que clivam iodo; apresentam 3 tipos: ○ Tipos 1 e 2: - Ativam o hormônio tireoidiano convertendo T4 em T3. - Enquanto o tipo 1 predomina nos tecidos periféricos, o tipo 2 ocorre no sistema nervoso central. - Existem duas enzimas ativadoras para tentar proteger estruturas nobres do organismo (SNC), em uma situação de déficit hormonal, há inibição da desiodase tipo 1 (privando tecidos periféricos de hormônio tireoidiano) e estímulo do tipo 2, uma vez que o T3 é de suma importância para o metabolismo do SNC. - Prioriza-se os órgãos mais nobres, em uma situação de hipertireoidismo, ocorre o oposto: estímulo à tipo 1 e inibição da tipo 2, protegendo o SNC de tireotoxicose. ○ Tipo 3: - Efeito reverso - Inativa T3 reverso em T4 - É a principal enzima responsável por degradar o hormônio tireoidiano. 47 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 Síntese hormonal adequada: - Adequada produção hormonal da tireoide depende de três fatores: ➜ Disponibilidade dos componentes essenciais para a síntese hormonal: - O principal substrato para a síntese hormonal é o iodo, adquirido pela alimentação e, após digestão, absorvido pelas células foliculares / tireócitos. - O iodo, se associado com resíduos de tirosina, forma monoiodotirosina (MIT) e diiodotirosina (DIT). É a associação dessas moléculas que formam os hormônios tireoidianos: MIT + DIT = T3 (triiodotironina) e DIT + DIT = T4 (tetraiodotironina ou tiroxina). - T3 e T4 ficam ligados à tireoglobulina no coloide (estrutura interna da célula folicular) e, após estímulo do TSH nos receptores das células foliculares, os hormônios são liberados e resíduos de tireoglobulina (proteína de armazenamento exclusivamente tireoidiana) são reutilizados para nova síntese hormonal. - A tireoide normal produz todo o T4 circulante e cerca de 20% do T3 (o restante provém da deiodinação periférica do T4 em T3 – forma biologicamente ativa. ➜ Funcionamento adequado da célula folicular: - Unidade funcional da tireoide: folículo tireoidiano, estrutura cística composta por uma camada única de células foliculares / tireócitos que envolve o coloide (estrutura de armazenamento dos hormônios tireoidianos). - Após estímulo do TSH, T3 e T4 são liberados na circulação (unidos a estruturas de transporte) e agirão à distância em órgãos-alvo. ➜ Controle apropriado do sistema: Situações de redução do substrato: - Frente à ingesta inadequada de iodo, T3 e T4 não serão produzidos de forma suficiente (baixa produção). O feedback negativo não ocorre, havendo excesso de produção de TSH pela adenohipófise (elevação de TSH por tentativa de produzir mais T3 eT4). O TSH em excesso se ligando aos receptores foliculares leva a uma hipertrofia e aumento tireoidiano (bócio). Atualmente, essa situação é incomum pela deficiência de iodo, uma vez que todo sal para consumo humano é iodado desde 1950. - A causa mais comum de hipotireoidismo em áreas suficientes de iodo é a tireoidite de Hashimoto (destruição tecidual de caráter imune, havendo extravasamento do hormônio armazenado no coloide – a proporção T3/T4 deixa de ser fisiológica; aumento de T3 na circulação com redução deT4). - Situações de hipotireoidismo em idade precoce sem tratamento adequado podem levar a quadros de cretinismo (comprometimento neurocognitivo). - Aumento fisiológico da síntese hormonal: situações de frio e estresse (hormônio tireoidiano é termogênico – produção de calor) e estímulo do estrógeno (gestação ou uso de terapia oral). Por isso, gestantes com hipotireoidismo devem receber dose aumentada de hormônio tireoidiano exógeno, visto que é um período que demanda mais hormônio fisiologicamente). 48 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 Avaliação da função tireoidiana: Testes laboratoriais: TSH, T3 e T4 (livres e totais), autoanticorpos tireoidianos o TSH: Referência: 0,5 a 5 mU/L - É o principal hormônio solicitado para avaliação da função tireoidiana, uma vez que é um exame extremamente sensível (exceto em situações de doença no eixo hipotálamo-hipófise, nessas situações, avalia-se diretamente os hormônios tireoidianos por ausência de TRH ou TSH). - A avaliação precoce é feita com TSH (sensível a leves alterações iniciais) → Sensibilidade de 97% e especificidade de 93%. - Sensibilidade alta pela íntima relação entre TSH e hormônios tireoidianos (pequenas variações nos hormônios periféricos causam drásticas alterações nos níveis de TSH – relação log-linear). Hipotireoidismo - O TSH alterado já é detectado enquanto T3 e T4 ainda estão na faixa da normalidade. - Quando começa a haver redução de T3/T4 (mesmo com valores ainda dentro da normalidade), já haverá aumento significativo de TSH (acima dos valores de referência) Hipertireoidismo - Supressão do TSH já é perceptível mesmo com elevação de T4 e T3 ainda na faixa da normalidade. Particularidades quanto ao TSH: - É um hormônio com padrão pulsátil de secreção: respeitando o ciclo circadiano, tem pulsos de secreção entre 22h e 4h (algumas alterações em exames podem ser em decorrência disso). - Valores 0,5 a 1,0 acima do limite superior (5 mUI/L) podem estar relacionados com um pulso de secreção. - Pode sofrer interferência por ingestão de biotina, vitamina B7, muito utilizada para fortalecimento de unhas e cabelos, deve ser suspensa 2 dias antes da realização do exame, uma vez que reduz falsamente os níveis de TSH. - TSH X idade: o TSH apresenta uma distribuição diferente conforme a idade do paciente. A maioria dos pacientes entre 20 e 29 apresenta TSH entre 0,4 e 4,5 mUI/L – valores variam conforme o paciente envelhece. O aumento do TSH com a idade se relaciona com uma adaptação do organismo (não necessariamente sugere doença – controvérsias quanto tratamento comTSH entre 5 e 10) - TSH X IMC: o TSH aumenta progressivamente à medida que se aumenta de peso (elevação compensatória do TSH em uma tentativa frustrada de acelerar o metabolismo para diminuir a quantidade de gordura – TSH tende a diminuir à medida que o paciente emagrece) Triagem x diagnóstico: ⇢ Triagem (screening): realizada em indivíduos assintomáticos, mas pertencentes a grupos de risco. Avaliação com TSH (pela sensibilidade alta, é suficiente para se fazer uma avaliação de hipo ou hipertireoidismo) ⇢ Diagnóstico: se o paciente apresentar quadro clínico suspeito (sugerindo hipo ou hipertireoidismo), a avaliação diagnóstica é realizada com TSH + hormônio tireoidiano (T3 ou T4). Seletividade da triagem: - Acima de 35 anos: triagem a cada 5 anos pela maior prevalência de doença tireoidiana com a idade. - Gestantes: nas primeiras 12 semanas de gestação, o bebê não apresenta o eixo hipotálamohipófise desenvolvido, dependendo de aporte hormonal da mãe). Se a mãe apresentar hipotireoidismo, o aporte não será suficiente, comprometendo a cognição futura do feto. 49 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 - Presença de bócio ao exame físico, história prévia de disfunção tireoidiana ou radioterapia cervical, presença de outras doenças autoimunes (DM1, vitiligo, anemia perniciosa, insuficiência adrenal primária). - Uso de medicações que possam interferir na síntese ou liberação de hormônios tireoidianos, como lítio, citocinas, amiodarona e agentes contrastados. - Histórico familiar de doenças de tireoide ou doenças autoimunes. - Presença de alterações laboratoriais que sugiram hipotireoidismo (não são específicas da doença, mas sugerem – hipercolesterolemia, hiponatremia, anemia, elevações de CK e LDH, hiperprolactinemia). - Presença de comorbidades associadas ao hipotireoidismo (apneia do sono, depressão, demência). Triagem em crianças e adolescentes: - Baixa estatura e/ou baixa velocidade de crescimento (são os sinais mais precoces de hipotireoidismo infantil → sempre avaliar). - Distúrbios de evolução puberal (tanto retardo puberal quanto puberdade precoce). - Suspeita de TDAH ou queda no rendimento escolar (podem indicar disfunção tireoidiana). o Avaliação da tiroxina (T4) e triiodotironina (T3): - 80% da produção tireoidiana é de T4. T4 é convertido em T3, forma biologicamente ativa, por meio da enzima 5-monoiododiodase / monodeiodinase. - Quase 100% dos hormônios tireoidianas circulam na corrente sanguínea ligados a proteínas carreadoras, sendo a globulina ligadora de tiroxina (TBG) a mais comum. Na célula, há o desligamento da proteína carreadora antes da entrada do hormônio livre. - No núcleo celular, T3 estimula elementos ativadores de DNA, levando à síntese proteica e à resposta tireoidiana nos tecidos periféricos-alvo. - Alterações nas proteínas ligadoras (adquiridas ou herdadas) podem alterar as concentrações séricas totais de T3 e T4. - Excesso de proteínas transportadoras: elevação na concentração de T3 e T4 totais (hormônios ligados a elas). Ocorre em condições como gestação, uso de amiodarona, uso de estrógenos, AIDS, hepatites e cirrose biliar primária. - Deficiência de proteínas transportadoras: qualquer situação de déficit pode levar a uma redução de T3 e T4 totais, como por uso de glicocorticoides, transtornos psiquiátricos agudos, uso de andrógenos, IRC, cirurgias de grande porte, cirrose, desnutrição, síndrome nefrótica. - Se o paciente apresentar uma dessas condições, deve-se solicitar frações livres de T3 e T4 (não ligadas às proteínas carreadoras), uma vez que não se modificam por alterações na TBG, e TSH (se normais, não indicam doença tireoidiana, mas patologia nas proteínas). o Anticorpos antitireoidianos: Antígenos principais: - Tireoglobulina (Tg): proteína que participa da síntese hormonal – o anticorpo é o Anti-Tg - Tireoperoxidase (TPO): enzima que participa do processo de síntese hormonal – o anticorpo é o Anti-TPO. - Receptor de TSH (TSH-R): ligado à célula folicular – o anticorpo é o TRAb (Anti-TSH-R). Tireoidite de Hashimoto - Principal causa de hipotireoidismo. - Anti-Tg: 80 a 90% - Anti-TPO: 90 a 100% - TRAb: 10 a 20% Doença de Graves - Principal causa de hipertireoidismo. - Anti-Tg: 50 a 70% - Anti-TPO: 50 a 90% -TRAb: > 90% Indivíduos hígidos - Anticorpos podem estar presentes na ausência de doença autoimune de tireoide - Anti-Tg: 5 a 20% - Anti-TPO: 8 a 27% - TRAb: muito raro 50 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 Em quais situações solicitar? • Anti-Tg: acompanhamento dos níveis de tireoglobulina pós-tireoidectomia total. Como é uma proteína exclusiva da tireoide, seus níveis devem estar baixos (elevação indica metástase). Solicita-se o anticorpo, pois a ligação Tg-Anti-Tg pode causar falso-negativo (redução dos níveis pela presença de anticorpo, não pela ausência de metástase). PESQUISA DE ANTI-TG: ponto de corte é 40 Ui/ml - Situações A e B indicam indivíduos hígidos (adultos e idosos, respectivamente), corroborando que há anticorpos em parcela da população hígida. - Situação C indica pacientes com Doença de Graves. - Situação D indica pacientes com tireoidite de Hashimoto. - Pesquisa de anti-Tg para avaliar possíveis falsos-negativos em situações de metástases em pacientes pós-tireoidectomia total se apresentariam como as situações C ou D. • Anti-TPO: solicita-se quando se quer ter certeza da origem autoimune da doença (certeza de que o hipotireoidismo é por tireoidite de Hashimoto, uma vez que é a assinatura imunológica dessa tireoidite). No entanto, não é necessário, visto que a probabilidade préteste é muito alta (98% dos hipotireoidismos são por tireoidite de Hashimoto). Não há necessidade de solicitar anticorpos para monitorização ao longo do tratamento do hipotireoidismo, uma vez que os valores podem flutuar ao longo do tratamento, o que não confere valor prognóstico. • TRAb: auxilia no diagnóstico diferencial de hipertireoidismo. Solicita-se quando não se tem certeza da etiologia (doença de Graves, bócios), uma vez que é a assinatura imunológica da doença de Graves. Além disso, pode ser usado para avaliar a gravidade e o risco de recidivas após tratamento (avaliar resposta ao tratamento) e o risco de tireotoxicose neonatal (se a mãe apresenta hipertireoidismo, há risco de o bebê desenvolver também durante a gestação – TRAb avalia risco ao feto). RESUMINDO TESTES LABORATORIAIS: TSH: melhor método para triagem: muito sensível → Pequenas alterações de T3 e T4 levam a grandes alterações de TSH. T4 livre: avaliar em casos de doença no eixo hipotálamo-hipófise; não depende dos níveis de TBG. Anormalidades de T3 e T4: são geralmente decorrentes de alterações das proteínas transportadoras e não propriamente da função tireoidiana. Dosagem de anti-TPO: auxilia na confirmação diagnóstica de etiologia autoimune: não há necessidade de solicitar de forma seriada ao longo do tratamento do hipotireoidismo. Anti-TPO é a assinatura imunológica do hipotireoidismo por tireoidite de Hashimoto. Anti-Tg: fundamental no seguimento de pacientes com câncer diferenciado de tireoide pós-tireoidectomia total, em conjunto com dosagem de Tg. TRAb: auxilia no diagnóstico de hipertireoidismo; tem boa especificidade para doença de Graves, mas não é essencial para o diagnóstico na maioria dos casos. 51 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 Exames de imagem: o Ecografia: - Principal exame para a identificação de nódulos de tireoide. - Sensibilidade alta (aproximadamente 95%), além de possibilitar a avaliação de cortes e planos pequenos (de até 2mm). - Superior que outros métodos (TC, RM) – se o paciente apresentar exame de imagem com suspeita de nódulo de tireoide, deve-se solicitar ecografia antes de prosseguir com a conduta, visto que a melhor forma de avaliação dos nódulos. Indicações: - Avaliar a anatomia tireoidiana após suspeita da anormalidade no exame físico. - Reavaliar alterações de tireoide descobertas ao acaso em outros exames de imagem. - Guiar punção aspirativa com agulha fina (PAAF) em nódulos suspeitos (aumentando a acurácia do exame). - Monitorar nódulos já diagnosticados. - Monitorar possíveis recidivas em pacientes em tratamento para câncer de tireoide. - Suspeita de bócio no feto. O que avaliar: - Descrição do parênquima (homogêneo X heterogêneo), tamanho da glândula, localização, presença de linfonodos cervicais. - Ecogenicidade: iso, hipo ou hiperecoico. - Padrão de vascularização ao doppler. - Presença de calcificações ou microcalcificações. - Diâmetro AP em relação ao transversal. - Tamanho (sempre nas 3 dimensões – comprimento, largura e altura) • Ecogenicidade: - Isoecoico: parênquima do nódulo é semelhante ao do restante do lobo tireoidiano - Hipoecoico: parênquima do nódulo é menos ecogênico que o da tireoide (mais escuro) - Hiperecoico: parênquima do nódulo é mais ecogênico que o da tireoide (mais claro) • Tamanho: - Nódulos maiores (principalmente > 4cm) podem se relacionar com maior potencial de malignidade. • Formato: - Sempre avaliado no eixo transversal (observar fibras do tecido tireoidiano – se longitudinais, sugerem corte transversal). - Diâmetro transversal > diâmetro AP = sugere crescimento em paralelo com as fibras tireoidianas (nódulo arredondado / ovoide, sugerindo benignidade). - Diâmetro AP > diâmetro transversal = nódulo mais alto que largo (sugerindo malignidade). • Padrão de vascularização: - Maior risco de malignidade em nódulos de vascularização intranodular/central ao Doppler. 52 ENDOCRINOLOGIA (clínica médica II) Letícia Kunst ATM 23/2 • Halo: - Área hipoecogênica em torno do nódulo indica interface entre o nódulo e o restante do parênquima tireoidiano → É um bom achado, sugerindo crescimento lento que possibilitou a formação de cápsula, compressão do tecido tireoidiano, inflamação local ou edema. - Halo ausente: sugere malignidade, • Bordos: - Margens irregulares/ infiltrativas/ espiculadas indicam malignidade. - Avanço do tecido tireoidiano subjacente. • Conteúdo: - Podem ser nódulos sólidos (preenchidos), císticos (líquidos) ou mistos (conteúdo líquido e sólido) • Calcificações: - Microcalcificações: pequenas (<1mm) – altamente sugestivas de carcinoma papilífero de tireoide (presente em 1/3 dos casos). - Calcificações em casca de ovo: reveste toda a borda externa do nódulo (sinal de cronicidade quando íntegra – sugere benignidade), podendo ocorrer em carcinomas (casca rompida com invasão do nódulo no tecido adjacente). - Calcificações grosseiras dispersas (“em pipoca”): sinal de sangramento prévio (tanto em benignos – mais comum- quanto em maligno Características sugestivas de malignidade: - Hipoecogenicidade, margens irregulares, morfologia mais alta que larga (diâmetro AP > transversal), microcalcificações e halo ausente. - Não confirmam o diagnóstico, mas aumentam a probabilidade de malignidade (diagnóstica confirmado somente com punção do nódulo). - Achados com maior especificidade (>90%) para malignidade: microcalcificações, margens irregulares e diâmetro AP > transverso (nódulo mais alto que largo). o Cintilografia: - Ingestão de isótopo de iodo radioativo que servirá como marcador (captado pela tiroide e avaliado pela imagem cintilográfica). - Captação normal do isótopo de iodo: difusa e homogênea em ambos os lobos tireoidianos Indicações: - Diagnóstico diferencial de hipertireoidismo (adenoma multifuncionante, bócio multinodular tóxico – diversos nódulos hiperfuncionantes- e doença de Graves). - Avaliação do crescimento intratorácico tireoidiano (ecografia não avalia bócios com extensão intratorácica). - Cálculo da dose terapêutica de iodo radioativo para doença de Graves (iodo destrói células hiper-reativas), - Manejo pós-operatório do câncer de tireoide (avaliar recidivas pela captação anormal do leito tireoidiano). 53