Como a tensão entre a tradição e a modernidade é retratada no livro Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato? Introdução O livro Reinações de Narizinho, originalmente publicado em 1932, foi escrito pelo famoso escrito brasileiro Monteiro Lobato. Tal obra é um clássico da literatura infantil brasileira e faz parte da série de livros “Sitio do Picapau Amarelo”. Ademais, ela aborda temas como a amizade, a imaginação, a curiosidade infantil e a valorização da cultura e do folclore brasileiro. Entretanto, um tema abordado no livro, mas de maneira um tanto quanto intrínseca é a tensão entre a tradição, histórias e costumes que constroem a identidade de uma comunidade, e a modernidade, conjunto de mudanças durante um certo período. O objetivo deste trabalho será realizar uma investigação, na qual mostrará como a tensão entre a tradição e a modernidade é retratada no livro Reinações de Narizinho. E além disto, como esta tensão afeta a o enredo do livro e a compreensão dos leitores. Sinas da tensão entre tradição e modernidade 1. O sítio e a cidade No livro Reinações de Narizinho, o rural e os valores antigos simbolizam a tradição. Em contraste, a cidade e seus habitantes simbolizam a modernidade, a urbanização e os novos modos de vida. Durante a história, pode-se ver diversos trechos os quais demonstram uma tensão entre o sítio e seus modos antigos e a cidade com sua modernidade, como o seguinte: Entre seus felizes habitantes, estão Emília, a boneca de pano que diz tudo o que lhe passa na cabeça; o Visconde de Sabugosa, o sábio de espiga de milho; Pedrinho e Narizinho, eternas crianças sempre abertas a tudo; Dona Benta, avó dos meninos, contadora de histórias que aceita a imaginação das crianças e admite as novidades que mudam o mundo; Nastácia, a empregada que fez Emília, suas crendices e seus quitutes. (Página 53) O trecho mencionado apresenta os personagens principais do Sítio, cada um com suas características tradicionais, como Emília, uma boneca de pano, destaca-se por sua franqueza, representando a liberdade de expressão. O Visconde de Sabugosa, uma espiga de milho transformada, que no caso, simboliza a sabedoria das tradições e da cultura agrícola brasileira. Pedrinho e Narizinho, por sua vez, são a representação da curiosidade e da inocência das crianças, agindo como pontes entre o mágico e o real. No entanto, a menção de Dona Benta aceitando "novidades que mudam o mundo" sugere uma abertura à modernidade, criando uma tensão entre o tradicional e o novo. 2. Personagens Clássicos e Modernos Enquanto personagens como a Cuca e o Saci são, em interpretação geral e não especifica, figuras tradicionais do folclore brasileiro, outros, como o Visconde de Sabugosa (um sabugo de milho que ganha vida) e a boneca Emília, representam a inovação e a criatividade. Isto traz um toque de modernidade à narrativa. Além disto, tal contraste ilustra a tensão existente entre a tradição e a modernidade. O mesmo é bem percebido em todo decorrer do texto, porém nas próximas passagens é mais predominante: [...] muitos dos personagens das minhas histórias já andam aborrecidos de viverem toda a vida presos dentro delas. Querem novidade. Falam em correr mundo a fim de se meterem em novas aventuras. Aladino queixa-se de que sua lâmpada maravilhosa está enferrujando. A Bela Adormecida tem vontade de espetar o dedo noutra roca para dormir outros cem anos. O Gato de Botas brigou com o marquês de Carabás e quer ir para os Estados Unidos visitar o Gato Félix. Branca de Neve vive falando em tingir os cabelos de preto e botar ruge na cara. Andam todos revoltados, dando-me um trabalhão para contê-los. Mas o pior é que ameaçam fugir, e o Pequeno Polegar já deu o exemplo. (Página 7) Neste trecho, o autor brinca com a ideia de que os personagens icônicos dos contos de fadas, que por gerações permaneceram imutáveis em suas narrativas, agora sentem o desejo de reinventar-se e explorar novos horizontes. Através das ações e desejos desses personagens, como Aladino querendo polir sua lâmpada ou a Bela Adormecida buscando uma nova roca, Lobato aborda a inquietação inerente ao ser humano de buscar novidade e romper com a monotonia. A referência ao Gato de Botas querendo visitar o Gato Félix, um ícone moderno da animação, ilustra o choque entre o tradicional e o contemporâneo. A "revolta" desses personagens simboliza a constante busca da sociedade por evolução e mudança, desafiando as convenções e redefinindo identidades. O trecho serve como uma metáfora para a eterna tensão entre preservar o legado cultural e adaptar-se às demandas do presente. 3. Tecnologia e Magia Monteiro Lobato introduz elementos tecnológicos e científicos nas histórias, como as invenções do Visconde. Estes representam a modernidade e contrastam com os elementos mágicos e folclóricos, que simbolizam a tradição. — Que horror! — foi o grito que escapou de Narizinho. — Que vai ser de nós agora? Já sei quem é essa velha! Não pode ser outra! Bem ela me disse que havia de vingar-se... — Que foi que aconteceu, princesa? — indagou Tom Mix, já de mão no revólver. — Não sei, Tom, se desta vez nos poderá valer! Você é invencível, mas só de igual para igual. Contra uma bruxa feiticeira, não sei... não sei... (Páginas 49-50) Neste trecho de "Reinações de Narizinho", Monteiro Lobato habilmente entrelaça elementos da tradição folclórica brasileira com símbolos da modernidade emergente. Narizinho, ao reconhecer a bruxa, imediatamente associa sua presença a uma ameaça mágica e tradicional, enraizada nas histórias e lendas que permeiam a cultura brasileira. A bruxa, como figura central dessas histórias, representa o poder misterioso e muitas vezes temível da tradição. Por outro lado, temos Tom Mix, um personagem que simboliza a modernidade, o progresso e a influência da cultura ocidental. Seu revólver é um emblema da tecnologia e da capacidade humana de inovar e superar desafios por meio da invenção. No entanto, a hesitação de Narizinho em confiar na capacidade de Tom Mix de enfrentar uma ameaça mágica sugere uma reflexão mais profunda sobre a relação entre tradição e modernidade. A interação entre esses personagens levanta questões sobre se a modernidade, com todas as suas inovações e avanços, pode realmente superar ou substituir as tradições e crenças profundamente enraizadas em uma cultura. A dúvida de Narizinho serve como um lembrete da persistente influência e respeito pela tradição, mesmo em face da rápida modernização. Além disso, a narrativa sugere que, embora a tecnologia e a modernidade possam oferecer soluções para muitos problemas, existem certos desafios e mistérios que permanecem intransponíveis e enraizados na essência cultural de um povo. 4. Questionamento e Aprendizado Dona Benta, com suas longas explicações sobre diversos assuntos, introduz o conhecimento moderno às histórias antigas, tradicionais. Estes momentos educativos, guiados por questionamentos e aprendizagens, contrastam com as crenças e superstições tradicionais representadas por personagens como Tia Nastácia. Durante inúmeras passagens, ambas estas personagens fazem críticas a ou a tradição ou a modernidade. Uma destas passagens é uma fala da Tia Nastácia: "Criança de hoje, sinhá, já nasce sabendo. No meu tempo, menina assim desse porte andava no braço da ama, de chupeta na boca. Hoje?... Credo! Nem é bom falar..." (Páginas: 26,27) Neste trecho de "Reinações de Narizinho", Tia Nastácia, uma figura emblemática da tradição, expressa seu espanto com a evolução das gerações. Ela observa que as crianças da era moderna parecem nascer com um conhecimento inato, uma maturidade precoce que contrasta fortemente com a infância que ela recorda. Em sua época, as crianças eram mais resguardadas, muitas vezes carregadas no colo e usando chupetas por mais tempo, simbolizando uma fase de inocência prolongada. A surpresa de Nastácia não é apenas com a mudança no comportamento infantil, mas também com a rapidez da transformação social e cultural. A fala de Nastácia serve como uma reflexão sobre a passagem do tempo, as mudanças nas dinâmicas familiares e a evolução dos papéis das crianças na sociedade. Através deste contraste, Monteiro Lobato nos convida a ponderar sobre a perda da inocência infantil e o avanço acelerado da modernidade. Efeitos desta tensão na obra A tensão entre tradição e modernidade em "Reinações de Narizinho" de Monteiro Lobato é um elemento crucial que enriquece a compreensão da obra. Narizinho, a protagonista, navega entre esses dois mundos de conhecimentos distintos, absorvendo influências de ambos. A interação entre o antigo e o novo cria uma dinâmica que não só entretém o leitor, mas também provoca reflexões sobre a evolução cultural e social. A obra, portanto, não é apenas uma narrativa focada para o público infantil, mas também um comentário sobre a busca da sociedade brasileira por identidade em um mundo em transformação. Esta tensão serve como uma lente através da qual, Lobato convida o leitor a questionar e refletir sobre a coexistência do tradicional e do moderno na formação da identidade brasileira. Em um cenário onde a globalização e a tecnologia avançam rapidamente, a obra ressalta a importância de valorizar as raízes e tradições, ao mesmo tempo em que se adapta e se reinventa diante das novidades. A interação dos personagens, cada um carregando sua essência e perspectiva, ilustra os desafios e as belezas desse equilíbrio. Além disso, a obra destaca que, apesar das diferenças, há uma interdependência entre tradição e modernidade. Uma não existe sem a outra. A modernidade, representada por Emília e suas aventuras, muitas vezes se baseia e se inspira nas histórias e ensinamentos tradicionais contados por Dona Benta. Por outro lado, a tradição se renova e ganha novos contornos ao ser confrontada com perspectivas modernas. Conclusão Infere-se, portanto, que o livro “Reinações de Narizinho” de Machado De Assis, originalmente publicado em 1932, mesmo não tendo como objetivo principal, menciona diversas vezes comentários sobre uma existente tensão entre a tradição e a modernidade. Tais comentários induzem o leitor a se questionar acerca da convivência entre o tradicional e o contemporâneo na construção da identidade brasileira. Em um contexto de acelerada globalização e avanço tecnológico, a obra destaca a relevância de preservar nossas origens e tradições, enquanto se molda e inova frente às emergentes tendências. Destacam-se, assim, personagens os quais refletem tais conceitos de tradição e modernidade. Dona Benta, a avó que vive no sítio do Pica-pau Amarelo, representa a sabedoria e a tradição. Ela é o pilar da família e frequentemente narra histórias e contos tradicionais. Em contraste, temos personagens como Emília, uma boneca de pano que ganha vida e voz, simbolizando a inovação e a ruptura com o convencional. A própria Narizinho, com sua curiosidade e espírito aventureiro, transita entre esses dois mundos, sendo influenciada tanto pela tradição quanto pela modernidade. Tia Nastácia, com suas crenças e superstições, é a personificação da cultura popular brasileira, enquanto os episódios mágicos e fantásticos que permeiam a história introduzem elementos modernos e até mesmo questionadores. Desta forma, o leitor é levado a uma jornada de reflexão e descoberta, onde a tradição e a modernidade se entrelaçam de maneira harmoniosa, oferecendo uma visão única e enriquecedora da cultura brasileira. Referencias LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1931.