Como vender e realizar sua ideia maria dolores 2022 Rua Teodoro Sampaio, 744, cj 36 – Pinheiros São Paulo, SP CEP 05406-000 www.maroloproducoes.com.br marolo@maroloproducoes.com.br Revisão: Paula Terra Foto da autora: Cíntia Duarte Arte da capa: Milton Lima Diagramação: Milton Lima Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dolores, Maria Como vender e realizar sua ideia : conteúdo prático para transformar seus projetos criativos em realidade / Maria Dolores. -- São Paulo : Marolo Produções, 2022. ISBN 978-65-997909-0-4 1. Captação de recursos 2. Criatividade 3. Criatividade - Ideias 4. Empreendedorismo 5. Planejamento estratégico 6. Vendas I. Título. 22-111990 CDD-658.421 Índices para catálogo sistemático: 1. Empreendedorismo : Desenvolvimento pessoal e profissional : Administração 658.421 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida mediante autorização expressa da autora e da Marolo Produções. Para Felipe, sócio, marido e companheiro, responsável por não nos deixar tirar os pés do chão. Para a equipe (e família) Marolo, sem a qual nada disso seria possível. Em ordem alfabética: Betina, Cíntia, Daniel, Fabrício, Flávia, James, Kiko, Mariana, Miltinho, Roberta, Xandico, Vitoria e Zita. 4 maria dolores sumário Introdução: A ideia Pág 07 1ª Parte – Como conseguir o recurso Pág 13 - 2 tipos de projetos: Projeto Ganha-Pão e Projeto do Coração - O caminho inverso: O segredo é ir atrás do dinheiro - Como descobrir onde está o dinheiro - O Mito do Q.I. - Como descobrir quem manda no dinheiro - O que enviar Pág Pág Pág Pág Pág Pág 15 31 37 57 65 79 2ª Parte – Como montar um projeto? Pág 93 - Pós-contato: montando a proposta - Apresentação (Regra das 5) - Consegui uma reunião, e agora? Pág Pág Pág 95 129 137 3ª Parte – O que preciso para realizar o meu projeto Pág 155 - Habilidades (as que tenho e as que preciso desenvolver) - Planejamento - Regra dos 10% - Se eu não sei, vou atrás de quem sabe - Não tente ser quem você não é Pág Pág Pág Pág Pág 157 179 207 215 225 5 Como vender e realizar sua ideia 6 maria dolores Introdução A ideia 7 Como vender e realizar sua ideia Temos várias ideias o tempo todo. Algumas pessoas mais, outras menos. Ter ideias que nos parecem incríveis faz parte da nossa essência. Somos seres criativos. Para quem trabalha com cultura e criatividade ainda mais, pois a própria natureza do trabalho com o qual esta- mos envolvidos favorece o surgimento de novas e boas ideias. Existem várias maneiras de estimular a criativida- de, em outra oportunidade poderemos falar sobre isso. Hoje vamos falar sobre como transformar em realidade algumas dessas ideias que acalentamos. Uma boa ideia colocada em prática pode transformar a vida – sua e dos outros. O grande obstáculo, no entanto, é que na maioria das vezes uma ideia se encerra no que ela é, ou seja, continua no universo abstrato da imaginação e se perde com o passar do tempo e o surgimento de tantas outras destinadas ao mesmo fim. Eu sempre tive muitas ideias, desde criança. Algumas jamais saíram do lugar. Entretanto, várias aconteceram e se transformaram em projetos responsáveis pela virada na minha vida profissional. Nenhuma delas se transformou em realidade sozinha, nem por intermé- dio de outra pessoa que surgiu na minha frente como um anjo e se propôs a concretizar os meus sonhos. Não existe esse tipo de fada madrinha, embora a gente perca um pouco – ou muito – tempo na busca por esse persona- gem irreal. Seria tão bom se eu contasse minha ideia para alguém e esse alguém fizesse tudo! Esqueça, no mundo prático esse personagem não existe. No mundo das coisas 8 maria dolores possíveis – e o limite para o possível é a sua imaginação existe você. Você é esse alguém capaz de transformar seus sonhos em fatos. É claro que não precisa fazer essa jornada sozinho, quebrando a cabeça. Há muitas formas de agilizar o processo, encontrar atalhos, aprender estratégias e técnicas que ajudem a chegar lá com mais assertividade, sem tantos erros e voltas tal qual quem começou sozinho, como é o meu caso e do meu sócio e marido. Teríamos poupado esforços, prejuízos e caminhada se tivéssemos, lá atrás, aprendido algumas coisas básicas, porém funda- mentais para fazer de uma ideia um projeto concreto e de sucesso. Esse livro é exatamente o que teria me ajudado quando comecei a sair do imaginário e trabalhar para transformar meus sonhos em algo real: dicas práticas e efetivas aprendidas com a experiência. Não é uma teoria, não é um estudo acadêmico. “Como vender sua ideia” é um apanhado de dicas e passo a passo de como nós, na nossa produtora, transformamos nossas ideias em projetos reais. Há quatorze anos eu e meu marido e sócio, Feli- pe, montamos nossa produtora, a Marolo. Pequena e familiar, mas que realiza projetos de grande porte nas cinco regiões do Brasil. Como toda empresa pequena, a equipe é reduzida e eu sou responsável pelas vendas, sozinha. Vendi – e continuo vendendo - de Festivais de Música para multidões a Concertos de Orquestra em praça pública; de Livros a Espetáculos de Teatro; de Espetáculos de Dança a Eventos de Gastronomia; de Vídeos a Seminários; de 9 Como vender e realizar sua ideia Circuitos de Cultura a Corridas de Rua; de Festas Popu- lares a Turnês de artistas, de norte a sul do país. Todos projetos nossos, criados e realizado por nós. O diferencial deste livro é, segundo me dizem as pessoas que participam das nossas palestras, compartilhar realmente informações práticas e que funcionam, compar- tilhar a forma como fazemos as coisas para darem certo. Muita gente me pergunta: “Vocês não têm medo de criar concorrência?”. Não. Há mercado para todos e, quanto mais o setor se profissionalizar, melhor para todo mundo. Comecei a realizar palestras sobre o tema em 2013. Em todo o evento que realizávamos, aparecia algum artista – sobretudo músicos - ou produtor cultural pedindo orientações sobre como montar um projeto e como vende-lo. Eu dava meu e-mail e procurava ajudar. Mas faltava tempo para ajudar de forma aprofundada. E às vezes não conseguia atender todo mundo. Então, tive uma ideia para ajudar a quem tivesse interesse de uma forma mais eficiente e para mais pessoas. Eu e o Felipe passamos a ministrar pales- tras e workshops gratuitos sempre que realizávamos um projeto, em todas as cidades abrangidas por ele. De São Paulo (SP) a João Pessoa (PB), de Manaus (AM) a Porto Alegre (RS), de Primavera do Leste (MT) a Maracaju(MS). Eram momentos de muita troca e aprendizado e o retorno dos participantes era gratificante. Muitos tiveram o famo- so “click” durante as palestras e depois conseguiram reali- zar seus projetos. O que eu mais ouvia era “É tão simples, mas nunca tinha pensado nisso, assisti a muitas palestras 10 maria dolores e nunca disseram isso de uma forma tão prática e direta”. Depois de oito anos de palestras e workshops por todo o país, senti o desejo de compartilhar nossa experiência com ainda mais pessoas. E, por isso, estamos aqui. Transformar uma ideia em realidade envolve várias questões. Neste livro o foco é em um dos empecilhos mais recorrentes enfrentados pela área criativa e cultural: conseguir recurso financeiro. A famosa captação de recur- sos. O termo, aliás, não ajuda muito, traz impregnado em si algo de burocrático e teórico, embora não seja. Captar recurso é venda. Uma venda como outra qualquer. É como vender uma caneta, com as devidas particularidades de cada produto. E o nosso foco será na venda, embora este livro traga outros temas relacionados. Para isso, começare- mos com a nomenclatura. Entenderemos aqui Ideia como Projeto. Esse é o primeiro passo para tirar a sua do univer- so abstrato e trazê-la para o mundo de carne e osso. Ao entender e transformar uma ideia em projeto, temos algo palpável com o que trabalhar, algo para vender. O mais legal é que vender um projeto não é um bicho de sete cabe- ças. Nem é preciso ter uma estrutura complexa ou morrer de trabalhar. É preciso estratégia adequada e dedicação. É disso que trataremos aqui. Não abriremos a caixa com todos os segredos do sucesso, porque não temos a chave para abrir essa caixa, se ela existir. Vamos, juntos, abordar o passo a passo para se chegar lá, tendo como base nossa experiência particular, ou seja, o que temos feito para obter resultado nesses anos. E espero, com isso, ajudar 11 Como vender e realizar sua ideia você a transformar suas ideias em projetos e a descobrir seus próprios caminhos e maneiras de fazer as coisas e obter resultado e sucesso na área cultural e criativa. Vamos nessa? 12 maria dolores 1ª Parte Como conseguir o recurso 13 Como vender e realizar sua ideia 14 maria dolores Dois tipos de projeto: Projeto do Coração e Projeto Ganha-Pão 15 Como vender e realizar sua ideia Há quatorze anos entrei de paraquedas no univer- so de projetos culturais e eventos. E a primeira coisa que aprendi, a custo de prejuízo e perda de tempo, é que existem dois tipos diferentes de projetos. E é preciso saber exatamente com qual deles estamos lidando para conseguir não só realizá-lo como ter êxito na realização. Vou compartilhar com você o que aprendi com a prática, pesquisa e a experiência, para que não tenha o mesmo prejuízo que eu tive nem perca o mesmo tempo que perdi até descobrir o que estava fazendo errado e o que precisava fazer certo. 16 maria dolores Projeto do Coração Vou começar com o que eu chamo de Projeto do Coração. Para isso, preciso contar a história de como acabei entrando nesse universo. Nasci em Belo Horizonte, mas cresci em Três Pontas, uma cidadezinha agrícola no sul de Minas Gerais. Estudei Comunicação Social (Habilitação em Jornalismo) na Universidade Federal de Minas Gerais. Quando chegou a hora de fazer meu TCC escolhi escrever um livro reportagem sobre o cantor e compositor Milton Nascimento. Ele havia nascido no Rio de Janeiro, mas, assim como eu, cresceu em Três Pontas. Era para ser um livro reportagem pequeno, um trabalho para concluir a graduação. Entretanto, quando comecei a pesquisar sobre a vida do meu personagem e entrevistei o pai do Milton, Seu Zino, descobri que ele tinha uma história fascinante. Um romance pronto, esperando para ser passado para o papel. Decidi então escrever uma biografia em vez de um simples livro reportagem. Não uma biografia qualquer, mas uma biografia profissional. Usei como referência biografias que eu admirava, como “Anjo Pornográfico” e “Garrincha”, do Ruy Castro. Entusiasmada, fui em busca de um orientador para meu TCC. Para minha surpresa, nenhum professor aceitou. Diziam que eu era nova demais para uma empreitada daquele tamanho. Disseram, inclu- sive, para eu esperar entrar na casa dos quarenta anos e, aí sim, fazer o livro. Estou na casa dos quarenta agora. Esta- 17 Como vender e realizar sua ideia ria esperando até hoje. Depois de muita peleja, uma professora aceitou ser minha orientadora. Meu plano inicial era perfeito: no primeiro mês entrevistar oitenta pessoas; no segundo transcrever as entrevistas e pesquisar em bancos de dados de jornais e revistas; no terceiro reunir e cruzar as informa- ções e fazer o roteiro; no quarto, escrever. Entregar o trabalho e me formar. Tudo em um semestre, ou seja, quatro meses corridos. Claro que esse plano deu errado. Era totalmente fora da realidade. Um erro gigante de plane- jamento (tópico, aliás, que trataremos mais adiante). Para não virar uma aluna decana daquelas que não terminam a faculdade nunca, entreguei a primeira parte do livro para me formar e passei os três anos seguintes finalizando o projeto, em paralelo com meu trabalho de jornalista para revistas da Editora Abril. Escrever matérias como freelance, aliás, ajudou a bancar os custos do livro, pois eu precisava viajar regularmente para o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte para as entrevistas com o Milton e outras pessoas, e para pesquisar em bancos de dados e arquivos, pois não existia Google. Quatro anos depois, finalmente, em novembro de 2006, o livro foi publicado pela Editora Record. Eu era fã do escritor colombiano Gabriel García Márquez e decidi que queria publicar meu livro pela mesma editora dele aqui no Brasil, a Record. Utilizando as técnicas que apri- morei e hoje uso para vender projetos enviei um e-mail para a diretora editorial e tive uma resposta em exatos 18 maria dolores quinze minutos. Foi o tempo de tomar um café e voltar para o computador. Uma semana depois eu estava com o contrato assinado. Foi uma grande conquista e eu estava muito feliz, mas havia uma questão. Achava lançamento de livro chato demais. Ficava preocupada com a coitada da pessoa que saia da sua casa, gastava tempo, enfrentava trânsito para chegar no lançamento e ganhar, no máximo, um pró-seco. Meu marido, Felipe, tem uma banda de rock. Pedi que ele e a banda ensaiassem um repertório do Milton Nascimento, porque aí o cidadão que animasse a ir ao lançamento ganharia, pelo menos, uma música ao vivo para se distrair. Era uma época em que o Milton Nascimento havia retomado o contato com Três Pontas e com os músicos da cidade. Ele ficou sabendo que tocariam, não só a banda do Felipe, mas outros jovens músicos que faziam parte dessa reapro- ximação do Milton com sua terra. Resultado: o Milton quis cantar junto, de graça. Parecia mentira, de tão bom. Foi quando descobri que de graça não significava custo zero. Ele não cobraria cachê, mas havia toda despesa de logística. Passagem aérea, transporte local, hospedagem, alimentação, equi- pamentos. Para ele e sua equipe. A editora cobriria parte desses custos, mas eu teria que arcar com o restante. Da noite para o dia precisava arrumar dez mil reais. E consegui. Com uma empresa de call center, depois de falar com um diretor de uma empresa de telefonia móvel e que acabou virando nosso grande amigo e parceiro. 19 Como vender e realizar sua ideia Foram quatro eventos. No Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Três Pontas. Com o pocket show gratuito do biografado ilustre, vendi todos os livros, foi um sucesso. Foi tão bom que acabamos, eu e meu marido, tendo a ideia de resgatar em Três Pontas um evento que o Milton havia organizado em 1977 e ficou conhecido como “Woodsto- ck Mineiro”. O evento original havia sido realizado num pasto, a céu aberto, e contou com o Milton, Chico Buarque, Gonzaguinha, Clementina de Jesus, Azimuth e muitos outros. Sem nunca ter feito nada parecido, nos lançamos na aventura de reviver o festival. Foi a primeira vez que ouvimos falar de Lei de Incentivo. Inscrevemos o projeto, quando ainda era tudo no papel, sem sistema online, captamos o recurso e reali- zamos, em 2009, o Festival Música do Mundo. Nossa experiência nesse tipo de trabalho era tanta, que escolhemos o local pelo pôr do sol. Nada de energia, água, estru- tura. Realmente o pôr do sol foi lindo, atrás do palco. Mas os custos e as dores de da cabeça pela falta de experiência foram grandes O Festival acontecia em toda a cidade, com shows em um palco montado na praça, shows nos bares e restaurantes, exposição fotográfica, apresentações de folias de reis, dança e Fanfarras pelas ruas da cidade, sarau, atividades em todas as escolas da cidade, tenda de circo nas margens da represa de Furnas (na área rural do município) e o palco principal, erguido à frente do tal almejado pôr do sol, com um cenário gigante ao redor que remetia à serra de Três Pontas. Além do Milton Nascimen- 20 maria dolores to, participaram vários artistas não conhecidos e vários conhecidos como Ivan Lins, Tom Zé, Lô Borges, Lenine, Wagner Tiso – também de Três Pontas –, 14 Bis, Wilson Sideral, Didier Lockwood, Lokua Kanza, entre outros. O evento alcançou um êxito além do esperado, com direito a chamada ao vivo em grandes canais de televisão e matérias de página inteira nos principais jornais do país. Vieram pessoas de todo o Brasil e conseguimos o objetivo de resgatar aquele sentimento que fez parte do “Woodsto- ck Mineiro”. Financeiramente, no entanto, foi um fracasso. Encerramos com duzentos mil reais de prejuízo, apesar de toda a realização pessoal e do aprendizado. Como me disse o Tom Zé, ao nos encontrarmos poucos dias depois: “Foi uma universidade, minha filha. Cara, mas uma universidade”. Para não deixar nenhum fornecedor sem receber, pegamos dinheiro emprestado. No banco, com parentes e amigos. Apesar do prejuízo, como o projeto em si tinha sido excelente, novas oportunidades começaram a surgir. Convites de artistas e de patrocinadores. E, assim, acaba- mos entrando nesse universo, aos poucos. Em 2010 eu passei a diminuir o ritmo de matérias escritas para as revistas da Abril, o Felipe saiu do escritório de advocacia no qual trabalhava e começamos a nos dedicar efeti- vamente a esse trabalho tão encantador e gratificante que é a criatividade. E aqui estamos. Conseguimos pagar os duzentos mil reais do prejuízo e hoje realizamos projetos em todas as regiões do Brasil. 21 Como vender e realizar sua ideia Tanto a biografia que escrevi, publicada com o título “Travessia – a vida de Milton Nascimento” quanto o Festival Música do Mundo são da categoria Projetos do Coração. Um Projeto do Coração tem valor subjetivo. É algo que você quer muito realizar, por uma questão afetiva e pessoal. Você se dedica a um Projeto do Coração porque é seu sonho, por uma grande caus. Você se dedica por algo em que você acredita, por um sentimento. Nesse tipo de projeto o foco não é o resultado financeiro. O foco é fazer acontecer. Ter clareza sobre isso é fundamental, pois é a definição de Projeto do Coração ou Projeto Ganha-Pão que ajudará você saber até onde pode ceder em uma negociação por busca de investimentos e venda de projetos. Se, no mundo ideal, preciso de duzentos mil reais para realizar um Projeto do Coração e um patrocinador oferece cem mil, posso avaliar e aceitar, caso seja possível cobrir os custos essenciais com essa quantia. No Projeto do Coração você pode, inclusive, abrir mão da sua remuneração, trabalhar sem ganhar nenhum centavo. Porque o que vale é colocar em prática. No entanto, o Projeto do Coração deve ser a exceção, não a regra. Senão você vai passar a vida pulando de um prejuízo a outro, uma frustração a outra, até esgotar sua energia e não sobrar força nem para sonhar. Um dos perigos na venda de projetos criativos é justamente cair na cilada de considerar todo projeto “do Coração”. E é realmente tentador. A maioria dos projetos é envolvente e incrível. Afinal, estamos falando de criatividade, uma área apaixonante. Mas, se você não tomar 22 maria dolores cuidado, vai acabar tratando todo projeto como pessoal e vai sempre ceder nas negociações, de forma a nunca alcançar êxito financeiro. E a saúde financeira é indispen- sável tanto para viver, quanto para ter fôlego e, aí sim, concretizar seus Projetos do Coração. Quando for vender um projeto, avalie. Antes de seguir, faça a você mesmo a pergunta: “Por que eu quero realizar esse projeto?” Refli- ta, busque dentro de você e responda com sinceridade. É do Coração? É um sonho? Uma causa? Mesmo? Se for, vá em frente. Se não for, prepare-se para recusar patrocí- nios, oportunidades e dizer não para os outros e para você mesmo. Novos investimentos virão. 23 Como vender e realizar sua ideia Projeto Ganha-Pão Para cada Projeto do Coração é preciso realizar dez Projetos Ganha-Pão. Essa proporção não é uma regra, é apenas uma imagem para você compreender a impor- tância de dedicar energia e esforço para projetos que sejam mais viáveis comercialmente e que possam gerar resultado financeiro positivo. Um Projeto Ganha-Pão é aquele que você realiza com o objetivo de ganhar dinheiro. E não tem nada de errado ou ruim com isso. Não é demérito. É o que vai garantir a sustentabilidade do seu negócio e vai permitir, como consequência, que você tenha recursos e meios para se dedicar aos seus sonhos e causas pessoais. Antes de seguirmos é importante nos livramos de um pré-conceito muito comum e arraigado no mundo da cultura, da criatividade e das artes, o paradigma de que “arte não se vende”. Essa é uma prerrogativa ingênua e ignorante, que só atrapalha a vida e o progresso de muitas pessoas altamente talentosas. Ingênua porque a arte se vende, ou é vendi- da. Todo artista quer – ou quase todo – que sua obra seja comprada por alguém. Comprada no sentido de ser consumida ou comtemplada. A própria dinâmica da arte envolve dois lados: quem produz e quem consome, e uma obra só está completa quando conclui este processo, quando alguém, que não o artista, absorve e consome essa arte. O que seria de um livro sem leitores? Uma música sem 24 maria dolores ouvintes? Um filme sem espectadores? Um espetáculo sem plateia? Uma pintura em um museu sem visitantes? O público é consumidor da produção criativa. Este consu- mo pode ser gratuito ou pago, mas, nos dois casos, é uma relação de compra e venda. Suponhamos que o artista banque todos os custos da sua obra do próprio bolso e não cobre nenhum valor do público. Nesse caso não se trata de uma relação de compra e venda? Trata-se, sim. Porque o público está comprando a obra não com dinheiro, mas com seu tempo. O tempo necessário para consumi-la. Ignorante porque desde há muito tempo a arte é financiada ou comprada por um terceiro, sob encomenda ou não. Bradar o pré-conceito de “arte não se vende” ou separar em duas caixas a “arte verdadeira, maior, pura, que não está à venda” e a “arte menor, impura, sob enco- menda, comercializada”, é ignorar a própria história da arte e da cultura no mundo. A Capela Sistina, na Itália, uma das obras primas mais importantes e conhecidas da história mundial, foi pintada por Michelangelo sob enco- menda da Igreja Católica. Em 1508 o Papa Júlio II contratou o artista para realizar o serviço, que levou quatro anos para ser concluído. A Igreja encomendou, ele acei- tou, pintou, entregou e recebeu o pagamento por isso, conforme acertado entre as partes. A “Cantata do Café” de Johann Sebastian Bach foi composta sob encomenda do Café Zimmermann, localizado na cidade de Leipizig, na Alemanha, entre muitas outras composições sob enco- menda de um dos maiores artistas ocidentais de todos os 25 Como vender e realizar sua ideia tempos, que criou todo o sistema a partir do qual a músi- ca ocidental tem como base até hoje. Mozart compôs sua primeira ópera aos doze anos para atender a uma enco- menda do Imperador José II. Uma das pinturas mais céle- bres do francês Renoir, “Rosa e Azul” foi um retrato de duas filhas do banqueiro Louis Raphael Cahen d’Anvers, aliás, um cliente frequente do artista, que pintou retratos de praticamente toda a família do banqueiro. Nenhuma destas obras “vendidas” são menos arte. A compra não diminui a beleza, os traços característicos, a sofisticação da técnica, a relevância da obra e muito menos do seu criador. O artista, o produtor cultural, o trabalhador do segmento criativo, mais que ninguém, possui criatividade suficiente para desenvolver uma obra incrível, sem perder a essên- cia, mesmo sob encomenda ou para atender a uma deman- da específica. O Projeto Ganha-Pão entra exatamente aqui. São projetos que você vai desenvolver para aten- der a uma demanda ou oportunidade. O Festival Música do Mundo do qual falei anteriormente só podia ser reali- zado em Três Pontas, sul de Minas Gerais. Era um resgate de um evento anterior, além de uma homenagem aos filhos ilustres da terra, Milton Nascimento e maestro e pianista Wagner Tiso. O festival era um sonho, o desejo de realizar algo para o lugar de onde viemos. Na segunda edição, depois do sucesso da primeira, dois patrocinadores potenciais nos procuraram em momentos diferentes querendo patrocinar o projeto, mas com a condição de ser transferido para outra cidade. Recusamos. Era um Projeto 26 maria dolores do Coração. O Projeto Ganha-Pão você irá desenvolver sob demanda ou já conceber com a maior flexibilidade possível, para se adaptar às necessidades do cliente/patroci- nador. Que fique claro: você não irá flexibilizar o conte- údo ou a essência, mas o entorno. Como, por exemplo, o local de realização. Você imaginou realizar um Festival de Dança em São Paulo, mas conseguiu um patrocinador em Catalão, Goiás. É só trocar São Paulo por Catalão. Se for um projeto via lei de Incentivo, é importante verificar o que a lei específica permite. A Lei de Incentivo à Cultura federal permite alteração dentro do território nacional. As Leis Estaduais geralmente apenas dentro do estado, e as municipais nos limites do município, a não ser que sejam projetos de divulgação ou circulação artística fora da localidade de origem. É fundamental verificar todos os aspectos da legislação antes. Mas, verificado o que é legal- mente possível, a indicação das praças (cidades) é um dos itens que você pode deixar a cargo do patrocinador como contrapartida, se isso não interferir na essência do seu projeto. O mesmo ocorre em relação à data. Você gostaria de realizar seu Festival de Dança em outubro. Mas o patrocinador só topa investir se for realizado em agosto ou dezembro. Se houver condição de produção em alterar o cronograma, não tem por que dizer não. Vamos lá dançar em agosto ou dezembro. Outubro que fique para depois. Outra contrapartida atraente a muitos patrocinado- res é a possibilidade do naming rights que, nada mais é 27 Como vender e realizar sua ideia do que batizar o projeto com o nome da empresa patrocinadora. Quando eu e meu sócio e marido desenvolvemos pela primeira vez o Festival BB Seguros de Blues e Jazz e inscrevemos na Lei de Incentivo à Cultura o projeto chamava-se Blues Jazz Festival. Como a legislação federal de incentivo permite o naming, foi um importante atrativo para o patrocinador e, assim, o Blues Jazz Festival passou a se chamar Festival BB Seguridade de Blues e Jazz. Na terceira edição, com a mudança do nome do próprio patrocinador, tornou-se Festival BB Seguros de Blues e Jazz. Na sétima edição, com alteração de patrocinador, passou a se chamar Blues Jazz Brasil. O festival não teve sua essência alterada em absolutamente nada ao ter o nome do patro- cinador por aquele período. Continuou a ser um festival de blues e jazz, em parques públicos, como fora pensado desde o início. No Projeto Ganha-Pão você vai identificar oportu- nidades antes de sair em busca de investimento, antes de vender. Vai formatar suas ideias, explorar sua criatividade da melhor maneira para efetivar a capação de recurso e, assim, tirá-las do papel e transformá-las em realidade. Nesse tipo de projeto é preciso ter muito claro que não se trata de um projeto pessoal, trata-se, antes de qualquer coisa, do seu ganha-pão. Ter essa clareza é indispensá- vel no momento da negociação, para você saber até onde pode ir, onde pode ceder ou não. Se você precisa de 200 mil reais e o patrocinador oferece 100 mil, por mais que seja um montante expressivo, você vai agradecer e dizer não, 28 maria dolores obrigado. Pois, com metade do recurso necessário, você não só irá colocar a execução em risco, como não receberá nada pelo seu trabalho, não vai ganhar dinheiro. E você PRECISA ganhar dinheiro. Como os projetos da área criativa são sempre muito legais nós tendemos a dispensar a remuneração, achar que vale à pena para o currículo e pela satisfação pessoal. Preste atenção: ninguém almoça currículo, nem paga a escola dos filhos com satisfação pessoal. É preciso construir um bom portfólio, mas também, pagar as contas e ter conforto financeiro para se dedicar aos seus sonhos, em vez de minar a criatividade passando noites em claro sem saber como vai pagar a conta de luz amanhã. Quando vou vender um Projeto Ganha-Pão eu me faço a pergunta: Por que quero fazer este projeto? E respondo: porque eu tenho três filhos e preciso pagar as contas. Simples assim. Isso não quer dizer que você fará algo ruim ou menor. Tem que realizar um excelente trabalho, com toda sua criati- vidade e dedicação. Um projeto de sucesso e bem execu- tado é o melhor portfólio que você pode produzir. Com essa definição clara a respeito do tipo de projeto, é hora de conseguir os investimentos necessários. 29 Como vender e realizar sua ideia 30 maria dolores O caminho inverso: O segredo é ir atrás do dinheiro 31 Como vender e realizar sua ideia Eu errei muito. E não quero que você erre também. Se alguém tivesse me dado essa dica simples, eu teria focado tempo e energia no que dá resultado, em vez de ficar correndo sem sair do lugar, dando murro em ponta de faca. Quando começamos a trabalhar com projetos culturais, eu fazia o que as pessoas fazem: montava meu projeto, colocava frases de efeito, fotos bonitas, conteúdo fantástico e saía oferecendo para todo mundo. Fazia uma lista de empresas, entrava em contato, enviava, explicava as qualidades e benefícios do projeto. Às vezes conse- guia uma reunião. Me preparava para ir, ensaiava o que ia dizer, imprimia a apresentação do projeto, me dirigia ao local ou cidade da reunião, enchia minhas expectativas de esperança e rezava. Ao chegar na empresa, os acontecimentos seguiam um roteiro muito semelhante em todas elas. Eu pedia para usar o banheiro. Aproveitava para ver se estava tudo certo com o visual e, se estivesse cansada da viagem ou com sono ou qualquer outra coisa me deixando desanimada, fazia uns polichinelos para despertar. Depois, aceitava o café e a água que me ofereciam e, então, esperava. Por quinze minutos, meia hora, uma hora. Já cheguei a esperar por duas horas e meia. Como eu levava um livro, apro- veitava para ler e não ficar irritada com a espera. Afinal, era minha grande oportunidade. Então, quando eu já nem queria parar de ler o livro e nem me lembrava o que estava fazendo ali, a voz dizia: Maria Dolores, é a sua vez. Sim, a minha vez. A minha grande e esperada vez. 32 maria dolores O responsável da empresa que havia aceitado me receber era sempre gentil. Oferecia mais água e café, que eu tratava de aceitar. Seguiam-se então duas partes da reunião, alternadas conforme o interlocutor da vez. Uns perguntavam primeiro sobre o projeto e eu apresen- tava. Depois eles falavam sobre o momento da empresa. Às vezes era o contrário. Eles falavam sobre o momento da empresa primeiro, depois pediam para apresentar o projeto. Na maioria das vezes, o projeto, embora ótimo, não tinha absolutamente nada a ver com o tal momento da empresa. E realmente não tinha. A empresa estava focada em aumentar a carteira de clientes acima de sessenta anos no Norte. Meu projeto era para jovens do Sudeste. A empresa estava trabalhando com plataforma de dança. Meu projeto era de música. Uma vez fui para o Rio de Janeiro no ônibus que saía de São Paulo à meia noite e chegava na rodoviária Novo Rio às seis da manhã. A reunião era às onze horas. Não tinha onde esperar o tempo passar, então, fiquei na rodoviária mesmo, num calor com o qual eu não estava acostumada. Às nove da manhã peguei um ônibus Fres- cão até a Barra da Tijuca, para não correr o risco de atra- sar. Eu e minha mala com o indispensável travesseiro dentro. Esperei por duas horas na recepção do escritório da empresa, em um desses conjuntos comerciais em esti- lo americano. Morta de fome e calor. Adoraram o projeto, mas estavam buscando apenas projetos da cidade do Rio de Janeiro. “Por que não disseram isso antes?”, pensei. 33 Como vender e realizar sua ideia “Eles quiseram ser gentis”. Genial, Maria, parabéns. Em outra ocasião fui também de ônibus de São Paulo para Belo Horizonte. Nove horas de viagem. Cheguei na rodoviária às sete da manhã. Fui para a casa dos meus avós, tomar café e fazer uma visita até a hora da reunião, logo depois do almoço, num bairro longe. Chegando lá, esperei por quase uma hora para ser rece- bida. A reunião foi ótima. Pelo menos, eu achei que sim. Estava tudo certo! O projeto coincidia com os objetivos da empresa, tinha tudo a ver com o que estavam procurando. O gerente e a analista de marketing ficaram sinceramente empolgados. Saí do prédio da empresa direto para a rodoviária, radiante. Peguei o ônibus do fim do dia. No início da madrugada desembarquei na rodoviária do Tietê, de volta para casa cheia de cansaço e planos. Mas, aí, vinha a mesma história. Passava um dia, dois, três. Uma semana, duas, três. O responsável tinha dado encaminhamento interno e esperava ter um retorno em breve. Pedia mais informações. Trazia questões. Perguntava se podiam montar um estande. Enviavam mais perguntas. O estande podia ser de cinco metros por dez? Talvez não consigamos incluir no nosso budget um estande desse tamanho, diziam. Pode ser de quatro por quatro? Talvez não tenhamos o valor da cota que queríamos, justificavam. Podemos entrar com uma cota menor? Passava um dia, dois, três. Uma semana, duas, três. Infe- lizmente não foi dessa vez, vinha a resposta final. O recurso já estava comprometido. A diretoria adorou o projeto, é 34 maria dolores muito legal mesmo, mas não vamos conseguir participar neste momento. E lá se ia a animação, dando lugar a um balde de água fria e à frustração. Passei por isso mais vezes do que gostaria. E o pior não é o não. O pior não é o negócio dar errado, porque há sempre negócios que dão errado. O pior é o tempo perdido. O tempo, o esforço, o dinheiro. Desde o primeiro contato para tentar apresentar o projeto, seja por e-mail ou telefone, até a preparação para a reunião, a reunião em si, as demandas pós reunião, a expectativa que suga toda a energia emocional, não deixando nada para outras fren- tes. E, por fim, você tem que começar tudo de novo. Cinco anos depois do nosso primeiro projeto, ou seja, após cinco anos errando, resolvi mudar a estratégia. Parei de sair igual uma doida oferecendo projetos para um milhão de empresas e comecei a fazer o caminho inverso. Meu foco não era mais criar o projeto e sair em busca de recurso para viabilizá-lo. Meu foco passou a ser ir em busca do recurso e, só depois de encontrá-lo, criar o projeto. Existe muito dinheiro no mundo. Mais do que a nossa cabeça leiga pode imaginar. Existe mais recurso do que projeto. Mas dinheiro disponível do que projetos ou produtos que ele possa comprar. Então, o segredo é ir atrás desse dinheiro. Foi o que passei a fazer, e isso mudou a nossa vida e o patamar dos nossos projetos, além de redu- zir drasticamente o tempo e esforço perdidos. Veja bem: nós só temos UM tempo. Não temos dois. Só um. Então eu vou despender tempo e esforço em algo que possa me 35 Como vender e realizar sua ideia trazer mais resultado ao invés de gastar o mesmo tempo e mesmo esforço em tentativas com poucas chances de efeti- vação. Atirar para todo lado, nunca mais. Em vez de sair oferecendo projeto para empresas só por serem de médio ou grande porte, passei a pesquisar em quais empresas havia dinheiro disponível e, então, a focar meus esforços e tempo para oferecer um projeto para aquela empresa. Nesse caminho, na maioria das vezes o projeto a ser apre- sentado é um Projeto Ganha-Pão. Mas, em algumas ocasiões o recurso disponível de uma empresa está em busca justamente de um projeto como o Projeto do Coração. Nos dois casos, você interrompe o tóxico processo de andar em círculos, aumenta a efetividade das suas vendas e a consequente realização dos seus projetos. Mas, como descobrir onde está o dinheiro? 36 maria dolores Como descobrir onde está o dinheiro 37 Como vender e realizar sua ideia É mais simples do que parece. Você não precisa ter um software israelense nem comprar um banco de dados, listas de contatos ou um dos inúmeros serviços e soluções para prospecção que existem no mercado. Você pode até optar por uma dessas ferramentas depois, quan- do seu negócio estiver mais consolidado e houver recurso disponível para tanto. Mas, se você está começando ou já começou e ainda precisa firmar o negócio, não vai gastar dinheiro com isso, não nesse momento. Você só precisa do Google. “Ah, não acredito que eu li até aqui para isso!”. Pois bem, leu. E se souber utilizar o Google a seu favor, não vai se arrepender. É a ferramenta que eu utilizo para todas as minhas vendas, com raríssimas exceções, e, até hoje, já vendi dessa forma projetos que vão de 500 mil a 6 milhões de reais. Então, é isso mesmo: dá certo. Segundo a pesquisa Global Digital Overview 2020, o brasileiro passa, em média, 3 horas e 31 minutos nas redes sociais por dia. Por dia! São 4 dias e meio por mês, sem dormir, sem comer, sem fazer mais nada a não ser navegar pelas redes, ou 55 dias por ano, praticamente dois meses. Você pode pegar uma hora dessas 3h31 por dia útil para encontrar o dinheiro. “E o que eu faço no Google?”. O que todo mundo faz: pergunta. Você pode começar, por exemplo, com a pergunta básica e direta: “Quais empresas tem dinheiro em caixa no Brasil?”. Acabei de fazer isso e apareceram “Aproximadamente 235.000.000 resultados (0,74 segundos). Para que a estratégia funcione, é indispensável 38 maria dolores que você monte seu próprio banco de dados ou planilha de controle. O ideal é fazer em uma planilha digital, que você possa preencher, atualizar, alterar, pesquisar, cruzar dados. Mas você pode fazer como eu, anotar no caderninho. Eu não sou tão antiga, tenho quarenta e três anos. Aprendi a me virar bem no universo digital, mas ainda sou uma apaixonada pelos cadernos, agendas de papel, blocos com muitas folhas e linhas. Quando entrei na faculdade de Comunicação, minha madrinha me deu de presente um curso de computação, porque, segundo ela (com razão) eu teria muito texto para escrever e trabalhos para fazer. Curso de Computação significava na época: o básico. Lembro da minha primeira aula. Passei uma hora aprendendo a ligar e desligar o computador. Gastei uma semana para conseguir controlar o mouse. Não entendi patavinas do Excel, consegui me virar no Word e terminei o curso sem ter um e-mail ou saber navegar na internet. Afinal, não existia ainda o Google. A ferramenta de busca era o Cadê? e eu não consegui me familiarizar com ela. Voltando ao caderninho, ao Excel ou a outro forma- to de planilha, deixe a sua à mão e comece anotar os resultados da sua pesquisa. O objetivo da sua missão detetive é descobrir empresas que tenham dinheiro para investir. Foque em empresas de grande porte ou de médio porte. Lembre-se: você só tem UM tempo. Invista esse tempo para encontrar onde há mais recurso e oportunidade. Há várias perguntas que você pode fazer ao Google ou frases para digitar que fornecerão listas e rankings de empre- 39 Como vender e realizar sua ideia sas com verbas disponíveis em potencial. Vá anotando cada uma dessas empresas. Esse é primeiro passo, criar uma relação de Empresas-alvo. E, muito importante: deve ser uma lista enorme de empresas. Comece com, pelo menos, cem. Uma quantidade razoável para obter resultado é montar uma lista com trezentas empresas. “Mas é muito!”. Não é. Se, durante seis semanas, você gastar uma hora por dia das suas 3h31 das redes sociais, você terá a sua lista de trezentas empresas. Dez por dia. Confira abaixo algumas frases que você pode digitar no Google para ajudar a descobrir essas fontes de recurso: Quais empresas têm dinheiro em caixa no Brasil? Empresas que mais cresceram em 2020 Empresas com recursos para investir Empresas em expansão Maiores empresas do Brasil Empresas com maiores lucros no Brasil Empresas que mais crescem no Brasil 40 maria dolores Ao aparecerem os resultados, abra alguns dos links que surgiram na busca e dê uma lida no conteúdo. E é imprescindível conferir a data da publicação. Não conferir a data é um erro básico e que pode jogar todo o seu trabalho fora. Vamos supor que você ache uma maté- ria excelente, falando sobre as vinte empresas com recurso para investir em inovação. Você começa a trabalhar com foco nessas vinte empresas. Mas esqueceu de olhar a data da publicação e, tcham, tcham, tcham, tcham... era de 2016. Todo o trabalho em vão. Sempre que fizer uma pesquisa, abra links que achar interessantes ou que pareçam responder ao que você busca. Então, primeiro veja a data de publicação e só depois leia o conteúdo. Vale à pena se dedicar a ler conteúdos publicados desde o ano anterior ou, no máximo, até dois anos anteriores. Mais antigo que isso não vale a leitura. O mundo dos negócios muda muito rápido. Além de perguntar ao Google, inclua na sua rotina passar a vista, todos os dias, em sites que trazem informações preciosas para descobrir onde está o dinheiro e o que esse dinheiro busca. Sites de negócios, como www.exame. com.br, da revista Exame, ou www.valor.com.br, do jornal Valor Econômico sempre trazem notícias e informações do que acontece no universo empresarial. Qual setor está em expansão, qual empresa comprou outra, quais tiveram lucro e uma infinidade de informações úteis. Calma, você não precisa se tornar expert em finanças nem preci- sa ler todas as matérias. Basta abrir as páginas e ler as 41 Como vender e realizar sua ideia manchetes, os títulos, ver se tem algo interessante, alguma pista sobre onde está o dinheiro. Quando o conteúdo for muito bom, aí sim, gaste tempo com a leitura. Aliás, tanto a Exame quanto o Valor produzem guias anuais com as maiores e melhores empresas. Eu costumo comprar esses guias nas bancas, porque, como eu já disse, gosto de papel, mas você pode pesquisar o ranking virtual mesmo. Outro canal excelente para conseguir uma lista eficiente de empresas com recursos é o ranking de empre- sas incentivadoras da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Ele está disponível nas plataformas da Secretaria Especial da Cultura e relaciona as empresas que mais aportaram recursos em projetos culturais. Para você entender como essa informação é valiosa, uma empresa só pode alocar recurso em um projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura se estiver enquadrada no sistema de tributação de Lucro Real, que, geralmente é o status tributário de empresas que lidam com grandes quantias de dinheiro. E, o principal, a empresa só pode destinar ao projeto até 4% do imposto de renda devido. Ou seja: se a empresa tem que pagar 100 milhões de reais de imposto de renda, ela pode destinar até 4 milhões para projetos culturais. Há várias empresas que destinam 4 milhões, outras que destinam ainda mais. Vamos fazer outra conta por alto, apenas como ilustração. Suponhamos que a alíquota de imposto de renda a pagar da empresa seja de 27% sobre o lucro. Se o imposto devido é de 100 milhões de reais, os 100 milhões representam 27% do lucro. Portanto, o lucro da empresa 42 maria dolores é em torno de 370 milhões. Não é pouca coisa. Como eu disse, há bastante dinheiro por aí. Atualmente, você pode encontrar esse ranking da Secretaria Especial da Cultura no portal VerSalic (versalic. cultura.gov.br) ou no SalicNet (sistemas.cultura.gov.br). Eu sempre pesquiso o resultado do ano anterior, que já está consolidado. A dica é pesquisar por Incentivadores Maiores. Tem gente que pesquisa por Unidade da Federação, Região, mas esses filtros não condizem com o cenário real, pois são pela origem do CNPJ da empresa. Muitas vezes a empresa tem CNPJ em Recife, mas atua em todo o Brasil. É mais eficaz procurar as maiores incentivadoras. Eu gosto de pesquisar nas mil maiores empresas incenti- vadoras. Pode parecer chato, mas não é. É como um jogo, você tem que pesquisar, buscar, passar de fase e, quando você fecha um negócio, zera o jogo e começa de novo. A sensação é incrível. “Isso não é para mim, não trabalho com leis de incentivo”, você pode dizer. É sim. Você não precisa trabalhar com projetos via leis de incentivo para pesquisar uma lista prontinha com algumas das maiores empresas com lucro no país. Mesmo que você só realize projetos não incentivados, que seu negócio seja outro, essa relação da Secretaria Especial da Cultura é um excelente ponto de partida para descobrir onde estão os recursos. Feita essa primeira lista de empresas, o segundo passo é pesquisar cada uma delas. Para saber no que estão interessadas, o que querem. Um dos grandes problemas nessa relação de venda de projetos é que a maioria dos 43 Como vender e realizar sua ideia projetos que chegam nas empresas não tem nada a ver com os objetivos das mesmas. Isso vale para qualquer tipo de projeto, não só cultural. Uma vez eu precisava comprar uma bota com sola de metal para uma dança de festa junina do meu filho do meio. Era um tipo de sapateado com bota, o que, aliás, achei um desaforo. As escolas não podem pedir coisas mais simples? Como se uma bota com sola de metal tamanho 32 fosse algo fácil de encontrar. É mais fácil encontrar dinheiro disponível nas empresas do que uma bota dessas. Descobri uma loja de roupa country em Belo Horizonte, onde estava realizando um Festival. Fui até lá, expliquei sobre a bota e que precisava ter sola de metal para a dança. A atendente, muito simpática, foi lá dentro. Demorou um tempão. E voltou com uma calça com franjas. “Não tenho a bota, mas tenho essa calça linda de franjas”. Eu tive vontade de desaparecer, não só porque ela não tinha o que eu precisava, mas pelo tempo que eu havia perdido. Não comprei a calça. É a mesma situação de quando você precisa de uma blusa branca para um evento específico. Você vai em uma loja, explica que precisa da blusa branca para o evento e o vendedor ou vendedo- ra volta com uma calça preta, que combina com branco e está na promoção. Qual a chance de você comprar a calça? Bom, se você for um consumidor impulsivo, pode até ser que compre para aproveitar a promoção. Mas as empresas não são consumidores imulspivos. Não compram o que não precisam. Após montar a sua lista de clientes potenciais, é 44 maria dolores chegada a segunda fase do processo. Pegar empresa por empresa, uma de cada vez, e pesquisar quais os interesses dela, as estratégias, o que ela quer e precisa. Sim, você terá que fazer essa pesquisa para cada uma das cem ou trezen- tas empresas da sua lista. Mas, em um mês pesquisando uma hora por dia, você consegue coletar as informações sobre cada uma delas. Até aqui, dedicando uma hora por dia útil, em um mês e meio trabalho, você reuniu informações que farão toda a diferença na realização dos seus projetos. Lembrando que, se você dedicar mais de uma hora por dia, termina antes. Não tem como pular essa etapa. Não dá só para confiar nos rankings. Por exem- plo, mesmo que a empresa apareça em todos os rankin- gs, durante a pesquisa você pode descobrir que aquela multinacional irá fechar unidades ou construir uma fábri- ca nova e, portanto, não terá recurso disponível por um tempo. Não foi trabalho perdido, você coloca a empresa em stand by, aprende um pouco mais sobre o segmento e segue para as outras. Uma vez definida qual empresa pesquisar, você pode, claro, consultar sobre a empresa no site dela. Mas atente-se que o site da empresa não traz todas as informações que você demanda. O site de uma empresa é como eu ou você. Quando nos apresentamos para alguém, falamos o que queremos que o outro saiba, recortamos determinadas informações para repassar. Não saímos por aí abrindo nossa vida inteira. As empresas também não. Os sites são vitrines, não são o melhor lugar para você descobrir 45 Como vender e realizar sua ideia a estratégia da companhia. Para isso, mais uma vez, o Google é uma excelente ferramenta. Você fará perguntas sobre a empresa no Google. Veja alguns exemplos (onde está xxxx você coloca o nome da empresa): Estratégia de crescimento da xxxx para 2020 Estratégia de crescimento da xxxx para 2021 Estratégia de comunicação (ou marketing) da xxxx 2020 Estratégia de comunicação (ou marketing) da xxxx para 2021 Por que você precisa descobrir a estratégia de cres- cimento ou marketing? Para descobrir em qual público a empresa está interessada. Esse é o segredo. Qual público a empresa quer conquistar ou ampliar? Esse público é o foco de interesse do seu cliente potencial e, se você tiver um projeto justamente para esse público, que converse e envolva esse público, as suas chances de venda aumentam significativamente. Você para de oferecer calças pretas desnecessárias e passa a oferecer a blusa branca certeira. Exatamente o que ela precisa. Além de pesquisar no Google, alguns sites podem ajudar a descobrir essas estratégias. Os sites da revista 46 maria dolores e Exame e do jornal Valor Econômico, como já falamos antes, e sites do mercado publicitário. O que eu mais gosto é o site do Meio & Mensagem (www.meioemensagem. com.br). Ele traz informações sobre as campanhas publicitárias e essa informação é ouro. A campanha publicitária é feita para atingir o público para o qual a empresa deseja vender, o público que ela quer conquistar. Se uma empresa de automóveis lança uma campanha para o público feminino jovem no Nordeste, é porque quer vender para o público feminino jovem do Nordeste, quer ganhar espaço junto a esse público. Bingo! Essa empresa tem recurso e precisa de um projeto que converse com o público femini- no jovem do Nordeste. O que você faz? Oferece para ela um projeto que lida justamente com esse público. Coincidência? Não, trabalho. Você não vai sair criando projetos para cada público potencial que descobrir. Depois vamos falar sobre como fazer isso sem perder tempo montando mil projetos diferentes. Por ora, vamos manter nosso foco no dinheiro. Descobrimos onde ele está. Precisamos descobrir quem manda nele. Antes disso, vamos abrir os olhos. 47 Como vender e realizar sua ideia É preciso estar atento Parece óbvio, e é óbvio. Grande parte das estra- tégias e segredos para uma vida feliz e satisfatória são óbvias. O que falta é colocarmos em prática as obvieda- des. Isso é o difícil. Para realizar seu projeto, seus sonhos e suas prioridades na vida você precisa abrir os olhos para o que acontece ao seu redor. As oportunidades passam por nós com mais frequência do que imaginamos. Se você não estiver atento, pode perdê-las sem nem se dar conta de terem acabado de passar do seu lado. Infelizmente, isso é o que mais acontece. Perdemos inúmeras oportunidades por falta de atenção ao que acontece a nossa volta. Agora ainda mais que antes. Com os olhos pregados na tela do celular, perdemos os inúmeros bilhetes de loteria que passam por nós, nos dão oi – sem receber nossa resposta - e vão embora enquanto continuamos com o olhar fixo na tela. Nos abster de olhar ao redor e observar o mundo, prejudica não só nossa vida profissional, mas, ainda mais, nossa vida pessoal. Enquanto você gasta toda sua energia e atenção no aparelho à sua mão, deixa de viver a vida real, experimentar o presente e produzir memórias. Fico pensando, com aperto no coração, no idoso do futuro: sentado na cadeira, sem conseguir navegar pelo celular porque a vista não está boa, a audição não está boa e sem poder recorrer à memória. Se eu passo a maior parte do tempo conectado no mundo virtual, a que tipo de recor- 48 maria dolores dações vou poder recorrer quando precisar delas? Que lembranças terei da minha vida se eu não tive tempo para vive-la e experimentá-la, com a atenção focada numa tela de celular? A nossa mente não fixa o momento como deveria fixar se estamos de olho na tela. Eu percebi isso de um modo triste. Uma das coisas que eu mais gostava com meus filhos, e gosto, é levá-los para brincar num lugar lúdico ou interessante e observá-los. Não tenho paciência para brincar, nunca tive. Só tenho paciência para contar histórias, ler e jogar alguns jogos de cartas, mas gosto de levá-los para algum lugar, observar, estar ali com eles. São imagens, sentimentos e momentos que guardo com muito carinho no coração, memórias que me acalmam quando estou me sentindo mal por alguma coisa. Recordações que aquecem. Tenho filhos em idades bem diferentes. Vinte e três, dez e cinco anos. Com o meu caçula fiz a mesma coisa. Sempre o levava para brincar no parquinho do clube do Hospital em frente onde moramos, na trilha, na livraria, no quintal da casa da minha mãe e da minha sogra no interior. Um dia me dei conta que passava a maior parte desses preciosos momentos mexendo no celular que, aliás, é o novo e principal modo de entretenimento de qualquer pessoa, de qualquer idade. Ficava resolvendo coisas de trabalho ou só dando uma passeada pela internet. Um dia percebi, com remorso e sofrimento, que não conseguia me lembrar muito bem desses momentos. Enquanto ele estava fazendo bolinhos na caixa de areia, eu estava lendo uma notícia 49 Como vender e realizar sua ideia sobre como comer feijão ajuda em sei lá o quê. Coloquei o celular na bolsa, com vergonha, culpa e nostalgia por tudo o que eu estava perdendo. A partir desse dia, comecei a me esforçar para não ficar no celular nesses momentos. É difícil. O trabalho demanda, a família demanda, a vida demanda e a própria facilidade e o universo infinito de possibilidades da internet demandam. É tentador. Tem hora que não me controlo, mas tem hora que consigo. E sigo nessa luta, para que minhas lembranças da infância do meu caçula não se percam no vazio. E para que ele não se sinta sozinho. Para que suas recordações, lá na fren- te, não sejam da mãe que nunca estava presente, estava sempre vagando por perdida em algum lugar virtual. Contei esse meu drama particular para mostrar quantas oportunidades estamos perdendo ao focarmos nossa atenção no celular à nossa mão e deixar de observar o que acontece à nossa frente. Isso vale para tudo. Eu sempre trabalhei com a criatividade. Seja como jornalis- ta escrevendo matérias ou crônicas, ou como produtora cultural criando projetos. A maioria das ideias que tive, e tenho, para um texto ou um projeto – e isso inclui ideias para vender um projeto – surgiram enquanto eu estava sem ocupar a mente consumindo algum tipo de conteúdo ou respondendo a algum tipo de conteúdo. Surgiram quando estava sem ter nada para fazer ou pensar, quando a mente estava livre. Na sala de espera de um médi- co. Em uma caminhada, no congestionamento, na ida de um lugar para outro a pé, na estrada (não consigo ler em 50 maria dolores movimento, sou igual criança, enjoo). Nesses momentos em que não tinha como trabalhar, resolver alguma outra coisa na internet eu pensava, observava a vida, conversa- va com as pessoas e, pronto, as ideias vinham. Experencia- va o momento, de forma atenta e plena. Viver o momento é uma ferramenta indispensável para quem trabalha com criatividade e é o que mais temos deixado de fazer com o advento do vasto mundo virtual. Nas salas de esperas dos médicos, nas filas, está todo mundo conectado ao seu próprio aparelho, com as cabeças baixas para a tela, baixas para a vida que acontece ali, naquela hora. Uma vez, numa fila para pegar autógrafo com o autor no lançamento de um livro, fiz amizade com um cineasta importante que, na hora, eu nem sabia quem era. Ele acabou me inspirando e , da conversa, surgiram ideias para um projeto. Recebeu a mim e meu marido na sua produtora, compartilhou conhecimento e o acabei entrevistando para meu livro sobre o Milton Nascimen- to, porque ele havia feito um filme com ele. Estar aten- to, conversar com as pessoas, se interessar pela vida que acontece fora das telas, é fundamental para criar – e vender – bons projetos. Em 2013 acontecia no Brasil a Copa das Confederações. Eu e o Felipe estávamos fazendo um curso à noite na área de audiovisual. O lugar das aulas ficava a doze quarteirões de casa, doze longos quarteirões paulis- tanos, mas aproveitávamos para ir a pé, evitar o trânsito e ainda fazer uma caminhada. Descíamos a rua Teodoro Sampaio, onde, além de lojas de instrumentos musicais 51 Como vender e realizar sua ideia e móveis, há várias agências bancárias. O curso era às terças-feiras. Numa dessas terças, ficamos impressionados porque todas as agências, todas, estavam com as fachadas protegidas por tapumes. Ao chegarmos no curso, demos uma olhada no celular para ver o que estava acontecendo e, nos sites de notícia, havia a informação de uma manifestação naquela noite, que passaria pela av. Rebouças, para- lela à Teodoro. Eram manifestações por todo o Brasil, mas principalmente em São Paulo, contra o aumento no valor da passagem de transporte público. Começaram pequenas e cresceram, somando à insatisfação pelo aumento do preço do bilhete a indignação pelos gastos astronômicos e desperdício de recurso para o Brasil sediar a Copa das Confederações. Algumas agências bancárias haviam sido vandalizadas em uma manifestação anterior. Por isso todas as agências, de todos os bancos, estavam cercadas por tapumes. Nunca fui de assistir ao Jornal Nacional, da Globo. Quando criança, porque odiava jornal. Na faculdade, porque assistir ao Jornal Nacional, novela ou ler a revista Veja eram a maior traição que poderia existir ao curso de Comunicação Social – algo que descobri, depois, ser completamente sem sentido. Na vida adulta, não assis- tia porque já havia tv à cabo, streaming e quase não via televisão aberta. Mas, nos dias do curso, o intervalo era justamente na hora do Jornal Nacional, que era exibido pela padaria da esquina onde tomávamos um café. Então, nas terças-feiras assistíamos. Nesse dia, ao ver os tapumes 52 maria dolores nas agências e saber da manifestação, eu disse para o Felipe: “Vamos assistir ao Jornal Nacional até o fim hoje, tenho certeza de que todas as propagandas relacionadas à Copa das Confederações vão sumir”. Dito e feito. A propaganda do banco que trazia o público emocionado, segurando a bandeira e a bola de futebol foi substituída pela propa- ganda tradicional do rapaz oferecendo cartão de crédito. A propaganda da empresa de bebidas que também trazia o público emocionando, segurando a bandeira nacional e a bola foi substituída pelo churrasco da família feliz no final de semana. Meu pensamento foi: está péssimo para os patrocinadores da Copa das Confederações. Nenhum diretor de marketing que se preze vai manter uma propa- ganda de apoio ao evento nesse momento, principalmente no intervalo do Jornal Nacional, que vai mostrar as mani- festações pelo Brasil. No dia seguinte, fiz uma relação dos patrocinadores da Copa das Confederações. Descobri os responsáveis pelo marketing de cada empresa, o contato deles e enviei um e-mail. Na época estávamos prestes a cancelar uma edição de um dos nossos Projeto do Coração, o Festival Música do Mundo. Faltavam cem mil reais. Sem essa quantia era impossível realizar o projeto. No e-mail que enviei, pedi desculpas por entrar em contato num momento delicado e desejava que tudo se resolvesse logo. Depois dizia que, justamente num momento como aquele, com tantos questionamentos em relação ao apoio da marca à projetos de grandes somas de dinheiro e visibi- lidade, como a Copa das Confederações, talvez fosse inte- 53 Como vender e realizar sua ideia ressante associar-se a projetos fora dos grandes centros e totalmente desvinculados de qualquer foco comercial. No caso, um projeto como o nosso. E faltavam apenas cem mil reais para que fosse realizado. No mesmo dia, durante a tarde, recebi um telefo- nema da secretária de uma das pessoas para as quais eu havia enviado e-mail. Ela se apresentou e perguntou se o que precisávamos eram os cem mil reais mesmo. “Sim”, respondi, já morrendo de raiva por não ter pedido mais. Cem mil era o que precisávamos para realizar o projeto sem nenhum lucro. Podia ter pedido mais, pensei. Não, não podia. Esse era nosso Projeto do Coração. Meu objetivo era realizá-lo, e não aproveitar o momento ruim das empresas para ter lucro. O mundo, a meu ver, não é dos espertos. É dos espertos e corretos. Uma coisa leva à outra e, quando você age com honestidade, boa fé e ética, as coisas tendem a dar certo, mesmo que a passos mais lentos do que os espertinhos de ocasião. Em três dias o recurso estava na conta e não precisamos cancelar o evento. “Ah, mas você não precisava estar atenta à rua para saber disso, toda a informação estava na internet”, alguém pode dizer. Sim, estava. E eu uso a internet como principal ferramenta para as minhas vendas. Mas estar atento ao mundo concreto e real faz diferença, traz insights que não temos pelo universo virtual. Se eu não tives- se descido a Teodoro Sampaio e passado em frente, a pé, de diversas agências cobertas de tapume, não teria expe- rimentado a sensação tão forte quanto experimentei. Não 54 maria dolores teria sentido o quanto aquilo era grave para as empresas, o quanto estavam preocupadas, o quanto havia sido um azar associar suas marcas ao evento. Foi a imagem forte dos tapumes, reais, diante de mim, que despertou a minha sensibilidade. Eu procuro andar com um caderninho na bolsa, e uma caneta. Para anotar minhas ideias. Coisas que vão surgindo nesse contato direto com o mundo, os cenários e as pessoas. É um excelente exercício. Eu coloco o nome de Caderno de Ideias. Se não estou com o caderninho em mãos, envio um e-mail para mim mesma do celular, com o assunto “Ideias”. Depois eu dou busca, junto as ideias, salvo num arquivo com esse mesmo nome “Ideias”. De vez em quando consulto tanto as ideias do caderninho quando as do arquivo no computador. O virtual e o real trabalhan- do juntos. Você pode ter uma ideia para um projeto, uma abordagem de venda ou encontrar a solução para um problema se se desconectar um pouco e observar o mundo à sua volta. Se não tem o hábito de fazer isso, experimente. Deixe o celular em casa e saia sem ele, para evitar à tentação de dar só uma olhadinha. Faça esse exercício. Repare nos lugares e nas pessoas. Tente conversar com algumas delas. O atendente da lanchonete, o segurança da agência bancária, a pessoa da fila, a caixa de supermercado, o motorista de aplicativo. As pessoas têm histórias maravilhosas para contar, que podem inspirar você. Você não vai ter uma ideia incrível cada vez que fizer isso. Mas uma hora a ideia vem. Você só precisa praticar. Não vai se arre- 55 Como vender e realizar sua ideia pender. Mas, voltando à nossa busca pelo dinheiro, como eu sabia quem eram as pessoas nas empresas patrocinadoras que decidiam sobre os recursos destinados à Copa das Confederações? E como consegui, em uma manhã, entrar em contato com todas elas? Antes desta resposta, é preciso esclarecer sobre o mito do Q.I. 56 maria dolores O Mito do Q.I. 57 Como vender e realizar sua ideia Quando fizemos nosso primeiro projeto, o Festi- val Música do Mundo, em 2009, o que eu e o Felipe mais ouvíamos das diversas pessoas que tentaram ajudar foi: “Para conseguir um recurso tem que ter um Q.I.”. O famoso “Quem Indica”. Nós também acreditávamos nisso, afinal, era o mantra repetido desde sempre, não só no universo da cultura e da economia criativa como em todas as esferas da vida. Infelizmente, crescemos acredi- tando nessa máxima. Hoje as coisas mudaram um pouco, mas a prerrogativa de que é necessário um Q.I. para se chegar a algum lugar ainda é arraigada no imaginário e na nossa cultura. Eu ouvi isso desde criança. Engraçado que não na minha família. A minha família é um tanto quanto diferente e as pessoas nunca foram envolvidas ou interes- sadas em relações de poder, em conseguir ou não coisas que dependessem dos outros, de contatos importantes. Viviam mais no seu mundo. Mas, na escola, nas minhas outras áreas de convivência, sempre ouvi a história do Q.I. e essa crença estava tão naturalmente dentro de mim que não questionei quando as pessoas diziam que, para conseguir um patrocínio, era preciso ter um Q.I. Eu já tinha tido várias experiências pessoais mostrando justamente o contrário, mas não me atentei a elas, e esse foi um outro grande erro que, espero, você não repita. Quando resolvi escrever a biografia do Milton Nascimento fiz um caminho diferente do que todo mundo em Três Pontas fazia quando queria algo do conterrâneo ilustre. Em vez de procurar o pai ou a irmã dele, em Três 58 maria dolores Pontas, pedir ajuda à família, apelar para o fato de sermos da mesma cidade e as famílias terem relação há anos, telefonei no escritório que agenciava o Milton no Rio de Janeiro e pedi para falar com a empresária dele. Ela me atendeu. Não no primeiro dia que telefonei. Alguns dias e telefonemas depois. Expliquei - primeiro por telefone, depois pessoalmente em um horário agendado no Rio, no escritório - que estava concluindo o curso de Comunica- ção com habilitação em Jornalismo e meu TCC era uma biografia do Milton Nascimento. Que eu podia realizar o trabalho sem entrevistas com ele, mas seria muito melhor se eu pudesse entrevista-lo. Ela me conhecia, conhecia minha mãe, era amiga de um primo de segundo grau, mas não tínhamos qualquer contato e não lembrava de tê-la visto algum dia na minha vida. O fato é que eu ter ido falar com ela pelo caminho normal, em vez dos atalhos pelos Q.I. dos laços conterrâneos, fez toda a diferença. Ela disse que falaria com o Milton, mas já adiantava que havia gostado do projeto e que, sim, eu poderia entrevista-lo. E poderia também pesquisar o acervo sobre ele no escritório. Dei uma olhada no acervo, havia muita coisa e estava tudo desorganizado. Combinamos então que eu pesquisaria e poderia usar tudo o que quisesse e, em troca, organizaria o acervo. Bom para ela, bom para mim. Depois de preparar a minha lista de pessoas a serem entrevistadas, em vez de pedir ajuda para a empre- sária do Milton, para o próprio Milton ou para as pessoas do entorno dele, eu mesma procurava os telefones dos 59 Como vender e realizar sua ideia escritórios de cada uma dessas pessoas e entrava em conta- to em meu nome. Nunca entrei em contato dizendo algo do tipo: “Estou ligando em nome do Milton Nascimento” ou “Foi o Milton Nascimento que passou o seu contato” ou qualquer coisa do tipo. Sempre me apresentei da forma como achava que devia ser. E deu certo. Consegui entre- vistar todas as pessoas da minha lista. Até os tidos como impossíveis. Todo mundo dizia que o Chico Buarque era de difícil acesso, que eu não conseguiria, que precisava que alguém falasse com ele, precisava de um Q.I.. Mas eu sabia que estava fazendo um trabalho importante e não havia razão para ele não querer dar a entrevista. Telefo- nei no escritório que o agenciava. Disse exatamente assim: “Boa tarde, meu nome é Maria Dolores. Estou escrevendo a biografia do Milton Nascimento e preciso entrevistar o Chico. Gostaria de saber se ele poderia me atender”. A moça explicou que ele estava terminando de escrever um livro (“Budapeste”, na época), e que não estava receben- do ninguém. Mas que, por ser para a biografia do Milton Nascimento, provavelmente ele abriria uma exceção. Ela me telefonou alguns dias depois e passou a data, horário e local da entrevista. Seria no dia do meu aniversário, no apartamento dele. Minha mãe, minha sogra e mais um milhão de parentas pediram para ir comigo. Segurando a mala, o gravador, tirando as fotos. Eu não precisava de nada disso. Era uma entrevista de apoio para um livro de texto, só precisava das perguntas e do gravador com fita e pilhas sobressalentes. Antes de entre- 60 maria dolores vistar qualquer pessoa, eu pesquisava sobre ela. Lia não só sobre os fatos que interessavam ao meu propósito (no caso, passagens que envolviam o Milton) mas lia também um pouco sobre a biografia do entrevistado, para saber com quem estava falando e não fazer perguntas idiotas. Não existia Google. As pesquisas eram feitas em livros e materiais de acervos e bancos de dados de jornais e revis- tas. Fiz minha pesquisa sobre o Chico Buarque e ele me recebeu na hora marcada. Foi o único entrevistado famoso que abriu a porta ele mesmo. Perguntou se não havia fotó- grafo. Eu expliquei que não, porque eu não precisava de foto dele para o livro. Ele pareceu mais tranquilo e ficou à vontade, o que faz toda diferença para uma entrevista. Me ofereceu café e, como aceitei, coou ele mesmo na cozinha conjugada com a sala grande de uma bonita cobertura no alto de um morro. Foi uma ótima entrevista e, para não perder a oportunidade, no meio dela eu disse: “Ah, hoje é meu aniversário”. O que ele poderia fazer? Me deu os parabéns. E, então, sem Q.I. nem nada do tipo, tenho os parabéns do Chico Buarque para mim guardados em uma gravação numa caixa cheia de fitas cassete. Com o mesmo método, telefonando nos escritórios, entrevistei o Gilberto Gil, Caetano Veloso, Wayne Shorter, Herbie Hancock, Beto Guedes, Lô Borges e muitos outros. Eu havia feito todas essas coisas sem um Q.I. mas não tinha parado para pensar nisso. Portanto, na busca por patrocínio para o Festival quando alguém dizia: “tem que conhecer alguém, e eu conheço” eu acreditava e depositava 61 Como vender e realizar sua ideia todas as minhas esperanças e energias. Às vezes a pessoa chegava com a maior boa vontade do mundo e dizia: “Tem um conhecido meu, amigão, que tem um cargo importan- te na empresa tal, ele manda lá”. E, então, agendava um horário para eu ir apresentar o projeto. Eu fazia todo aque- le processo. Preparava, estudava a empresa, preparava um material de apresentação, gastava tempo, dinheiro, esforço e, pronto, chegava o dia da reunião. A pessoa me rece- bia com atenção e gentileza, afinal, era amigão do meu Q.I. E, realmente, ocupava um cargo importante na empresa. Era diretor de RH. Mandava, sim. Mas no RH. Não tinha qualquer relação com a área que decidia sobre os recursos de patrocínio ou eventos. Depois de me ouvir com interes- se, o diretor de RH pegava o projeto e encaminhava para o responsável. E a história terminava por aí. Em muitas empresas existe uma certa resistência de uma área para outra. Se um diretor de RH leva um projeto para a área que decide pelos patrocínios, não raras vezes esse gesto é visto como intromissão. Do tipo “meter o bedelho onde não foi chamado”. E o projeto vai para o fim da fila, onde fica eternamente. Mesmo quando a relação entre as áreas é boa, o projeto acaba ficando de lado, porque quem deveria ter recebido as informações, ouvido a minha empolgação e entusiasmo, não ouviu e tem outras prioridades, outros projetos para avaliar, projetos recebidos pela própria área. O resultado da empreitada? Eu gastei o meu tempo e o do coitado que me recebeu. Depois de alguns anos perdendo tempo e esforço 62 maria dolores em visitas inúteis aos contatos via Q.I., compreendi que esse tipo de abordagem pode até ter sido a estratégia domi- nante lá atrás, quando o mundo era menor, restrito aos limites históricos do “quem manda sou eu”, mas não hoje. Esse tipo de comportamento e mentalidade persistem, o que é uma pena, e ainda controlam uma parte expressi- va da engrenagem da riqueza e do sucesso, mas estão em declínio, sobretudo no universo dos negócios, ocupado cada vez mais por empresas saudáveis, que crescem exponencialmente apoiadas em valores como ética, meritocra- cia, desempenho e sustentabilidade. De uns bons anos para cá, descartei a abordagem Q.I. das minhas vendas e buscas por recurso. É claro que não podemos perder oportunidades que chegam por Q.I.. Se alguém se oferecer para apresentar a você uma pessoa que valha à pena para o que você está buscando, você vai aceitar, agradecer e se empenhar ao máximo. Mesmo assim, o ideal é você aproveitar o nome do seu conhecido, sim, mas buscar o encontro por si próprio. Você pode pegar o contato com seu conhecido e enviar um e-mail, ou uma mensagem, ou dar um tele- fonema dizendo “Oi, o fulano meu passou o seu contato, gostaria de apresentar um projeto, se você tiver dispo- nibilidade, cinco minutinhos etc”. É melhor do que seu conhecido organizar tudo, como se você fosse incapaz de entrar e fazer o caminho por si próprio. Se você precisa de uma babá para agendar um encontro, isso pode dizer algo sobre você e atuar contra sua credibilidade e competência. Pode passar a mensagem errada. Mas, afinal, se o Q.I. não 63 Como vender e realizar sua ideia é a solução, como descobrir na empresa quem manda no dinheiro? 64 maria dolores Como descobrir quem manda no dinheiro 65 Como vender e realizar sua ideia Vamos descobrir quem manda no dinheiro da exata e mesma forma que descobrimos onde está o dinheiro. Como vimos antes, existem bancos de dados de empresas e listas de contatos que você pode comprar, de forma legal, para trabalhar suas vendas. Para tanto, você dispenderá recurso financeiro. Além disso, a sua pesquisa acabará sendo um trabalho menos personalizado, o que é funda- mental para o sucesso da sua jornada. Existem diversas formas de fazer a mesma coisa, diferentes caminhos para alcançar os objetivos. A minha proposta, neste livro, é compartilhar a forma como eu tenho feito para vender e realizar nossos projetos. Você pode seguir outras técnicas ou pode criar a sua. Mas é sempre legal a gente saber como outras pessoas conseguem realizar algo similar ao que buscamos. E a forma como eu descubro quem manda no dinheiro dentro das empresas é tão óbvia e simples que, se você continuou a ler e chegou até aqui, vai pensar de novo: “Eu li até aqui para isso?”. Sim, para isso. Esse isso, no entanto, se bem aplicado, dá resultado. Quando fiz o Curso Abril de Jornalismo, antes de começar a escrever matérias para as revistas da Editora, aprendi algo que nunca mais abandonei, uma forma de olhar para as coisas que fez toda a diferença na minha vida e é completamente óbvia. Foi na aula do Thomaz Souto Corrêa, então vice-presidente do Conselho de Administra- ção e Diretor Editorial da empresa. Ele nos ensinou sobre os “Óbvios” na arte de fazer revista. Eram coisas óbvias, como o próprio nome diz, mas geralmente abandonadas 66 maria dolores pelos jornalistas e designers, em desfavor do leitor, dificultando a vida do dito cujo. O “óbvio” símbolo dessa aula, que guardei e aplico, é “Letra preta em fundo bran- co é sempre melhor”. Um livro impresso ou uma revista impressa precisam facilitar a leitura do leitor, senão ele desiste. Já tentou ler um livro impresso com letra branca em fundo preto? Cansa. Uma página é até bonitinha. Na segunda a gente já quer ir embora. E letra verde em fundo vermelho? Laranja em fundo amarelo? Marrom em fundo azul? É óbvio e é simples, mas nada funciona tão bem para facilitar a leitura do que letra preta em fundo branco, no máximo um fundo levemente puxado para o creme. O fundo do Word não é branco porque o Bill Gates, da Microsoft, adora branco. Mas porque é o mais funcional. Óbvio, simples. Na tentativa de inovar ou fazer diferente, muitas vezes a gente acaba fazendo algo que atrapalha em vez de ajudar, que nos cria obstáculos em vez de nos levar adiante. Pode até ficar bonito, mas não atende ao objetivo. Então, vamos ao óbvio. Como você vai descobrir quem manda no dinhei- ro? No Google. A primeira coisa é saber qual área da empresa tem afinidade e potencial interesse pelo seu projeto. Se você estiver buscando recurso para um projeto cultural, esportivo, gastronômico ou para um evento, o mais comum é a área responsável dentro da empresa ser de Comunicação ou Marketing. Se o seu projeto é de tecnologia, provavelmente a área responsável é a de inova- ção. Se o seu projeto atende ao público interno das empre- 67 Como vender e realizar sua ideia sas, é grande a chance de a área responsável ser RH ou Desenvolvimento de Pessoas. Para descobrir qual a área, você digita no Google. Pode começar escrevendo: “área responsável projetos esportivos xxxx”. Lembrando que xxxx é o nome da empresa. Ou “área responsável projetos de inovação xxxx”. Ou “área responsável por eventos e feiras xxxx”. A partir dessa busca inicial, você vai aprimorar a pesquisa de acordo com o que descobrir. O trabalho de vendas é como o trabalho de um detetive. Você precisa escarafunchar, analisar, ir atrás e seguir as pistas que surgem ao longo do caminho. Pronto, você descobriu que a empresa Vida Linda tem recursos para investir em 2021 e 2022, quer aumentar seu público no Sudeste e conquistar novo público na Bahia. Você trabalha com cultura e, portanto, quer apre- sentar algo nesse segmento. Você descobriu que a área responsável por eventos e projetos culturais na Vida Linda é Marketing – como geralmente é. Então, qual o próximo passo? Você vai digitar no Google: Diretor de marketing Vida Linda. Diretora de marketing Vida Linda. VP de marketing Vida Linda. Vários nomes irão aparecer. Como saber com qual trabalhar? Abrindo os links e lendo o conteúdo. Mais uma vez: é indispensável ver a data da publicação do link. Se a Joana Cardoso está como diretora de marketing da Vida Linda e a matéria é de 2013, pode ser que ela não esteja 68 maria dolores mais lá, ou tenha mudado de cargo. Trabalhe sempre com publicações de dois anos para cá. Se tudo der a entender que a Joana Cardoso é a diretora de marketing atual, digite o nome dela associado à Vida Linda, procure mais informações. Veja o que estão fazendo atualmente. Os diretores das suas áreas sempre dão entrevistas para veículos espe- cializados, falando sobre lançamentos, estratégias e resul- tados. Não é difícil encontrar ao menos uma nota ou vídeo com uma fala da pessoa em questão sobre a sua área. Algumas vezes, poucas, quem cuida da área na empresa não é um diretor, é um gerente. Mas eu sempre começo minha pesquisa pelos cargos mais altos: direto- res, vice-presidentes, que são as pessoas que, em última instância, decidem sobre o destino dos recursos. Direciono a busca no Google para “gerente de marketing Vida Linda” só em último caso, quando não consigo encontrar de forma nenhuma os ocupantes de cargos de diretoria. As áreas costumam ter vários gerentes, que podem ser geren- tes de equipe e gerentes de subdivisões dentro da área. E, com a busca pela internet, é difícil saber qual gerente específico é aquele que tem o poder de encaminhar interna- mente a sua proposta. Por isso, foco na diretoria. Também acontece com certa frequência de enviar um e-mail para o diretor e ele encaminhar para o gerente responsável da sua equipe. Aí sim, você dará sequência com o gerente. Além do Google, manter a olhadinha diária nos portais do Meio & Mensagem, Exame e Valor, ajuda na busca pelos profissionais com os quais você precisa falar. 69 Como vender e realizar sua ideia Esses canais trazem matérias sobre questões internas das empresas. Essas matérias apresentam a fala de uma pessoa envolvida diretamente nas ações. Essa pessoa pode ser aquela com a qual você precisa entrar em conta- to. Para a área da economia criativa, o Meio & Mensagem é fundamental. Por ser um veículo sobre o universo da publicidade e propaganda, traz conteúdo de quem entra e quem sai nos cargos chaves de marketing, comunicação e inovação das empresas, ou sobre as campanhas e estra- tégias de publicidade das marcas. O Meio & Mensagem traz ainda informações sobre as agências de publicidade que possuem as contas das empresas. Conheço algumas pessoas que entram em contato com as agências para vender seus projetos. Eu não faço isso. Porque não seria uma venda direta. Eu venderia algo para a agência, que venderia para o cliente. É um caminho com mais etapas e obstáculos e sobre o qual não temos controle. De todo modo, é uma alternativa que você também pode explorar, se tiver interesse. Mas vamos ao que interessa. Descobri na pesquisa que a Joana Cardoso é a diretora de Marketing da empresa Vida Linda. E agora, como faço para entrar em contato? Pelo bom e velho e-mail. Se você, por acaso, conseguir o WhatsApp pode até tentar. No entanto, para um primei- ro contato o e-mail é menos agressivo e invasivo. Você envia o e-mail. Se a proposta for algo dentro do escopo de interesses atuais da empresa, é enorme a chance dela ao menos abrir para ler. Quando eu trabalhava nas revistas 70 maria dolores da editora Abril, na maior parte das vezes eu trabalhava como freelancer, escrevendo matérias. Para isso, preci- sava vender o meu trabalho. Estudava, listava algumas pautas (ideias de matérias), escolhia uma e enviava como sugestão para uma revista. Se a editora, redatora-chefe ou diretora de redação achasse interessante, eles fechavam comigo. Acontecia muito também de eu sair para fazer uma matéria sobre um tema para uma revista e ter ideias para outro tema, de outra revista. As ideias surgiam à medida que eu abria os olhos e ficava atenta ao meu redor. Observar o presente, o entorno, tirar os olhos do celular, conforme já vimos. Uma vez eu estava em Mariana, Minas Gerais, trabalhando em uma matéria sobre o circuito das cidades históricas mineiras para a revista Viagem e Turismo. Esta- va diante da Igreja principal quando vi um senhor bem idoso, vestido de terno, gravata e chapéu, sentado numa cadeira no passeio, em frente a um bonito casarão barroco. Com aquela idade e vizinho da igreja, certamente ele teria coisas interessantes para contar. Fui até ele, me apresen- tei, expliquei que estava fazendo a matéria e começamos a conversar. Ele realmente sabia muitas coisas legais, mas o que mais me chamou a atenção é que ele ia a Belo Horizonte duas vezes por semana dirigindo o próprio carro. Uma hora e meia dirigindo em uma rodovia movimentada, duas vezes por semana, aos noventa e dois anos. Ali tinha uma história, uma pauta. Não sobre viagem e turismo, mas sobre carros. O personagem era fascinante e a 71 Como vender e realizar sua ideia história também. Fiz a entrevista, desenhei a ideia geral da pauta e enviei como sugestão para a revista Quatro Rodas. Fecharam comigo. O que era para ser um dia de trabalho para uma matéria se transformou em duas matérias. Mais portfólio, mais recurso. Mas, por que estou contando essa história? Não adiantava nada eu enviar a sugestão de pauta do motorista de noventa e dois anos para a Viagem e Turismo, nem para a revista Claudia ou a Manequim. Como o assunto interessava à Quatro Rodas, o diretor de redação abriu meu e-mail, leu, gostou e retornou. O e-mail funciona. Pelo menos ainda funciona. Quando e se parar de ser um canal de comunicação eficiente, é só mudar para o canal da vez. A tecnologia muda, as ferramentas de suporte mudam, mas a estratégia para alcançar os objetivos pode ter as mesmas bases – vender o que interessa para quem interessa e tem recursos para comprar - e se adaptar às novas realidades. Se você tem uma boa ideia, algo que realmente possa interessar à empresa, as suas chances são grandes. Mande um e-mail. Retomando o passo a passo, você já descobriu que a Joana Cardoso é a diretora de marketing da Vida Linda. Confirmou na sua pesquisa que ela, atualmente, continua como diretora de marketing da empresa. Falta só enviar a mensagem. E agora? Agora vamos ao passo: “Como descolar um e-mail?”. A primeira coisa a se fazer é desco- brir a extensão de e-mail das pessoas que trabalham na empresa. O site oficial é uma boa pista para começar a 72 maria dolores pesquisa. Se o site é www.vidalinda.com.bré possível que a extensão de e-mail de quem trabalha lá seja @vidalinda. com.br. Mas nem sempre o e-mail interno segue a exten- são do site oficial. A extensão pode ser @vidalinda.net ou @vdsa.br ou outra infinidade de possibilidades. Uma dica é acessar a aba de RI no site da empresa. As grandes empresas geralmente possuem uma seção chamada Relações com Investidores, o RI. Nessa seção haverá um e-mail de contato, que costuma ser ri@algumacoisa. O “alguma coisa” desse endereço de e-mail do RI é, com 99% de acer- to, a extensão dos e-mails internos da empresa. Se o site não tem a seção do RI, você começa pela extensão do site oficial e, se não der certo, parte para a pesquisa no Google. Você pode pesquisar: e-mail Joana Cardoso Vida Linda, ou contato Joana Cardoso Vida Linda, e-mail de quem trabalha na Vida Linda. Às vezes você encontra na pesquisa e-mail de outro colaborador. Já está ótimo, achou como é a extensão de e-mail e, de quebra, desco- briu a lógica da composição de e-mail. Cada empresa tem a sua forma de compor e-mail, que serve para todos os colaboradores, com raras exceções. As mais comuns são joana.cardoso@, jcardoso@, joanacardoso@, joana_cardoso@, joana@, joanac@. Como você vai saber qual o correto? Tentando. Você vai enviar um e-mail para cada um desses endereços. E aí, chegamos ao momento da aula de filosofia! “Como vou saber qual o e-mail certo?” Eis a resposta: o que não voltou é o que foi! Na sua tabelinha de controle, seja no Excel ou no papel, você irá anotar o e-mail que foi e 73 Como vender e realizar sua ideia não voltou. Esse é o certo. Às vezes acontece de você reali- zar todos os passos certinhos e não conseguir. A extensão pode ser muito diferente do site, o e-mail daquela pessoa específica ser uma total exceção à lógica de composição de e-mail da empresa ou a própria lógica ser um tanto quanto ilógica. Isso acontece? Sim. Mas em bem menor proporção do que as tentativas que dão certo. Usando essas técnicas de pesquisa no Google eu vendi mais de 40 milhões de reais em projetos nos últi- mos anos, e pretendo vender mais. 40 milhões em vendas para patrocinadores e parceiros, sem falar no impacto econômico desse recurso e em quanto dinheiro esses valo- res geraram. Em uma visão mais ampla, foram mais de 200 milhões de reais em recursos movimentados. Você também pode atingir essas vendas e superar esse montante. Certa ocasião dei uma palestra sobre o tema de captação de recursos e um patrocinador de um dos nossos projetos foi assistir. Ele se divertiu durante a palestra, com boas risadas, e me deu os parabéns. Tanto por compartilhar o conhecimento com outras pessoas quanto por seguir esse caminho da pesquisa por conta própria. Tão simples e efetivo. Um caminho que qualquer pessoa pode seguir. Então, por que todo mundo não faz isso? O que acontece, em muitos casos, é que, apesar de ser um processo sem segredo nenhum, demanda dedicação. Ocupa tempo, pesquisa, análise, atenção. Demanda trabalho. E as pessoas querem vender seus projetos, querem realizar seus projetos, mas não querem realizar o trabalho de venda. Que 74 maria dolores não é exaustivo, nem difícil, nem estressante. É tranquilo, basta organizar e fazer um pouco por dia. Sobrará tempo para você fazer todas as outras coisas que são importantes para você, sem sobrecarga. No futuro, se você puder contratar alguém para vender seu projeto, poderá se dedicar com mais exclusivi- dade às questões criativas e menos às vendas. Mas, você também pode descobrir – assim como eu descobri – que vender é um processo divertido e um excelente caminho para exercer e estimular a criatividade. No início, eu e o Felipe tentamos contratar captadores de recursos. Sei que existem ótimos captadores. Todavia, nunca deu certo para a gente. Nunca recusamos ofertas de pareceria que chegavam até nós, do tipo: “Posso oferecer seu projeto? Tenho um cliente, cobro x porcento?” Claro, pode. É prefe- rível pagar, com gosto, a porcentagem de captação para o captador e realizar o projeto do que ficar com ele na gaveta. Mas em doze anos trabalhando com projetos, não tivemos a sorte de encontrar um captador que funcionasse para nós ou de realizar uma pareceria que desse resultado positivo nesse sentido. Por isso, desde o início eu comecei a vender. Errando, acertando, mas sobretudo, aprendendo e realizando todos os projetos que eram importantes para o crescimento do nosso negócio. Agora que temos um bom portfólio, com projetos expressivos, com frequência recebemos e-mails de produtores com projetos muito legais, com qualidade, queren- do realizar parceria com a nossa produtora, a Marolo. A 75 Como vender e realizar sua ideia parceria, pelas propostas que recebemos, é invariavel- mente nesta direção: eles entram com o projeto e a realização, nós com a captação dos recursos. De vez em quando aparece alguém que não tem o projeto, apenas uma ótima ideia, o que já é muito bom, pois sem a ideia nada acontece. Resumindo: a pessoa tem a ideia e “só” precisa de alguém para fazer o restante - formatar a ideia, transformá-la em projeto, captar recursos e executar o projeto. Em algumas poucas e sortudas ocasiões você pode ter uma excelente ideia e conseguir um parceiro que faça o restante. Entretanto, no mundo real, onde há milhares de boas ideias, conseguir uma parceria dessas tem a mesma probabilida- de de ganhar na loteria. Não basta ter uma boa ideia, é preciso ser capaz de avançar um pouco mais. É preciso ter capacidade e dedicação para desenvolver a ideia e, mesmo que você não goste ou tenha preguiça, é preciso vender a ideia. Se você encara a venda como um jogo online, como uma busca ao estilo detetive, ela deixa de ser chata. Não só passa a ser divertida como cada passo avançado se torna uma conquista. Como já disse, é muito gratificante quan- do você descobre as empresas que tem dinheiro, quando você descobre quem manda nesse dinheiro, quando você envia o e-mail e ele não volta (ou volta com aviso de férias e fornece outros contatos) e, por fim, quando você consegue um retorno e fecha o negócio. Eu classifico os e-mails que envio em três catego- rias: os que deram errado (voltaram, preciso retomar as tentativas com essa empresa depois); os que deram certo 76 maria dolores (foram e não voltaram, ou seja, o e-mail está correto) e os que deram algum tipo de retorno. Mesmo que o retorno seja só “obrigada, no momento não estamos avalian- do novas propostas” já vale a comemoração. Comemo- rar um não? Sim! Você recebeu um não neste momento. Mas poderá trabalhar esse contato e receber um sim no futuro. Durante três anos recebi nãos de uma empresa do segmento de turismo. No quarto ano vendi um grande projeto para eles. Durante seis anos recebi nãos de uma empresa do segmento financeiro. Nos três anos seguintes vendemos um projeto para essa empresa e a parceria só terminou porque aquele projeto específico se encerrou. Nada se compara ao receber um retorno dando continuidade, pendido mais detalhes ou agendando uma conversa que, por fim, gera uma venda de sucesso. Em relação às nossas vendas, a proporção é mais ou menos a seguinte: de cem e-mails enviados (dos que foram e não voltaram) recebo uns dezesseis retornos. Uns três avançam. Um fecha. 100 para 1. Se você trabalhar menos de uma hora por dia, por um mês, vai conseguir enviar seus 100 e-mails ou mais. Se, em um mês você fechar uma boa venda, pode garantir um ano inteiro de trabalho. Então, antes de pensar: “ah, mas é muito chato”, foque no retorno que pode ter e, o principal, na possibilidade de realizar o seu sonhado projeto. Faça um teste. Por um mês, em vez de ficar 3h31 minutos nas redes sociais por dia, tire uma hora desse tempo e dedique às vendas do seu projeto. Depois me conte como foi. Você não vai se arrepender. No 77 Como vender e realizar sua ideia entanto, não basta acertar a empresa, a pessoa e o endereço de e-mail. É fundamental enviar um e-mail interessante. E é o que veremos a seguir. 78 maria dolores O que enviar 79 Como vender e realizar sua ideia Vamos começar pelo mais importante: o que NÃO enviar. Você vai eliminar para todo o sempre dos seus e-mails de venda os termos “Patrocínio”, “Proposta de Parceria”, “Solicitação”. Nunca, jamais, por nada nesse mundo, envie algum desses termos no assunto do e-mail ou no e-mail. Separados ou juntos. Eu mesma já recebi e-mails que uniam essas palavras de uma só vez, como: “Solicitação de Patrocínio – Proposta de Parceria”. É a morte da venda. Você nunca mais vai usar a palavra patro- cínio nas suas abordagens. A não ser depois que a negociação estiver avançada. Afinal, dependendo do seu projeto você vai assinar um contrato que se chamará Contrato de Patrocínio. Mas, na abordagem, essa palavra causa o efeito contrário, é um espanta-patrocínio. Assim, você só tocará nela se a negociação avançar e a pessoa do lado de lá utili- zar esse termo. Imagine quantos e-mails com pedidos de patrocínio um diretor ou gerente de marketing recebe por dia. Uns trinta em média. Ele tem mil coisas para fazer, pode até ler um ou outro. A maioria, no entanto, vai passar batido. Você também vai deletar da sua existência a palavra “Solicitação” ou qualquer variação dela. Repita para você mesmo: você nunca mais vai solicitar nada! Você vai oferecer! Oferecer a solução que a empresa precisa. Você tem um bom produto, que atende aos objetivos da empresa e você vai oferecer o que a empresa tanto necessita. A palavra solicitação pode causar alergia. Solicitação seja lá do que for. De patrocínio, de parceria, de reunião. As pesso- 80 maria dolores as recebem nos seus trabalhos solicitações o dia inteiro. Recebem solicitações em casa também, na vida pessoal. Basicamente, são solicitações da hora que acordamos até a hora em que vamos dormir. Portanto, você não vai ser mais uma entre as mil solicitações no dia a dia do outro. Proposta de Parceria pode não parecer tão ruim. Mas é. Pelo seguinte: as empresas recebem e-mails com esse tema diariamente. E a maioria das propostas de parceria que recebem, na verdade, não são propostas de parceria. São como as propostas que às vezes nós, aqui, recebemos: a pessoa tem uma ideia e a gente faz todo o resto. Isso não é uma parceria. Em uma parceria, os lados trabalham e dedicam esforço de forma equilibrada, e ganham de forma equilibrada. Uma parceria é boa se vale à pena de forma balanceada para os dois lados. Geralmen- te os contatos com Propostas de Parceria não são isso. Por esse motivo, mesmo que a sua proposta seja de uma efetiva parceria, a pessoa que receber o e-mail já vai olhar para ele com resistência. Você pode até usar a palavra proposta. Eu mesma uso bastante. Mas conjugada com outras palavras. Com parceria, não. Você também não vai enviar um e-mail na sexta- -feira à tarde ou na tarde véspera de feriado. Depois de uma semana intensa de trabalho, as tardes de sextas-feiras são apressadas, as atenções não estão tão focadas e o cansaço natural acumulado da semana torna esse período menos propício para novidades. Por outro lado, atenção: você estará disponível ao toque do celular e vai conferir o 81 Como vender e realizar sua ideia e-mail antes da sexta-feira terminar. Você também estará disponível no sábado e no domingo, se estiver em uma maratona de vendas. Eu já recebi telefonemas fechando negócios depois das dezoito horas da sexta-feira. Se eu não estivesse com o celular por perto, teria perdido a ligação. A pessoa teria enviado um e-mail ou entrado em contato segunda? Nem sempre. Recentemente recebi um desses telefonemas. A pessoa perguntou se poderia me ligar novamente no sábado, pois trabalharia no fim de semana e até segunda-feira de manhã precisava estar com o projeto a ser patrocinado fechado. Se não desse certo com o nosso, seria outro. Nesse caso específico, se eu não tivesse atendido ao telefone na sexta, não teria recebido o contato na segunda. Mas, calma, não é para você virar o doido do celular, conferindo de minuto em minuto. É só deixar por perto de segunda à sexta em horário comercial e, caso esteja numa das tais maratonas de venda ou em um momento propício à venda, ficar atento durante o fim de semana. Sem neurose, senão, antes de vender um projeto você terá esgotamento por ansiedade. Da mesma forma que as sextas-feiras à tarde, as segundas-feiras pela manhã não são o melhor momento para entrar em contato. As pessoas estão organizando suas caixas de e-mail, as tarefas da semana, enfim, estão retomando o foco e os trabalhos. Então, o período ideal para enviar e-mails de vendas é em horário comercial, da segunda-feira após o almoço até a sexta-feira até o almo- ço. Não envie e-mails à noite nem de madrugada. Apesar 82 maria dolores do e-mail poder chegar em qualquer horário e a pessoa abrir quando quiser, entrar em contato tarde da noite ou de madrugada pode passar uma impressão de você ser uma pessoa desorganizada, dessas que troca a noite pelo dia, que está sempre correndo para apagar incêndios. Isso é um preconceito e um clichê? Sim. Mas vamos nos ater ao horário comercial na primeira abordagem. Além do quê, os e-mails oferecem ferramentas para programar o horário do envio. Então mesmo que você esteja escrevendo às duas da manhã, pode programar para enviar às nove e meia. Isso é importante, porque uma venda conta também com a sorte. Seu e-mail chegar na caixa de entrada do outro no momento em que ele estiver justamente verificando os e-mails traz mais chances de ser lido do que entrar em outros horários e ficar lá, em negrito, entre vários outros não lidos. Observadas essas orientações básicas do que e quando não entrar em contato, vamos ao e-mail em si, começando pelo assunto. O assunto é o principal. É como a manchete de uma notícia, como a vinheta de um programa de televisão ou o trailer de um filme. É o que vai atrair a atenção e o interesse do interlocutor à primeira vista. É o que o fará abrir um livro, clicar na matéria ou procu- rar o filme no serviço de streaming. O assunto do e-mail determinará se será aberto ou não. Uma dica é algo curto que traga o nome da empresa. Como trabalhamos bastan- te com música, dependendo da empresa e do que tenho a oferecer, coloco no assunto: “Festival Vida Linda – proje- 83 Como vender e realizar sua ideia to” ou “Festival Vida Linda – proposta”. Tá vendo? Uso a palavra proposta em alguns casos, mas sem o comple- mento “de Parceria”. Por que colocar o nome da empresa? Porque a chance de o responsável abrir é maior. Nem que seja para ele conferir o que estão fazendo ou pensando em relação à empresa e ele não está sabendo. É legal identifi- car que se trata de uma possibilidade de projeto, de algo que tenha a ver com a empresa, e não só o nome da empresa. Use a sua pesquisa prévia sobre o cliente e dedique um tempo específico para criar o assunto do e-mail. Eu recebo muitos e-mails que vejo, automaticamen- te, serem enviados por programas robôs ou de mala direta e às vezes só abro para ver as técnicas que as malas dire- tas estão utilizando. E detesto e-mails que me pressionem já logo no assunto. Recebo muitos assim: “Confirmando reunião Marolo”. Daí eu penso: que peleja, não marquei reunião nenhuma! Ou “Vamos falar, Marolo?” ou “Tenho o que você precisa, Marolo”. Eles estão usando uma técni- ca parecida com a minha, colocando o nome da empresa no assunto. Mas é só ter um pouco de experiência para saber que se trata de mala direta. As pessoas em cargos de decisão nas empresas sabem muito bem disso. Por isso, seu e-mail precisa ser realmente personalizado, pessoal. Depois, vamos ao corpo do e-mail. Eu começo como uma saudação meio-termo, entre cordial, coloquial e formal. Não pode ser algo tão formal a ponto de espantar a pessoa. Lembre-se: ninguém gosta de burocracia e começar um e-mail com algo como “Prezado Sr. Frederico 84 maria dolores Gonzales,” pode parecer notificação da Receita Federal, intimação judicial ou cobrança de débitos antigos do IPTU. Também não pode ser tão coloquial do tipo “E aí, Gui, beleza?”. Melhor o meio termo, afinal você não conhece o interlocutor para saber o estilo dele: “Boa tarde, Juliano, tudo bem?” ou “Cara Patrícia, boa tarde” ou, se a pessoa for bem jovem (o que você já sabe ao ter pesquisado para saber que ela decide sobre os recursos e para descobrir o e-mail dela) pode ser algo como “Oi Vanessa, tudo bem?”. Feito isso você vai escrever um e-mail curto, dividi- do em três partes: Parte 1: Em duas ou três linhas, no máximo, apresen- te você ou a sua empresa e algum trabalho realizado que possa credenciá-lo ao que está oferecendo. Ex: Meu nome é Maria Dolores, da Marolo. Realizamos projetos de sucesso que agregam valor às marcas e estreitam os laços afetivos com o público, como o xxxx, xxx, xxx. (aqui você pode colocar link do seu site ou de algum trabalho realizado e, se tiver um bom portfólio, pode anexar o arquivo). Parte 2: Em uma ou duas linhas no máximo vai dizer o que tem a oferecer. Ex: Gostaria de apresentar uma proposta do projeto xxxx, que irá aproximar a Vida Linda com seu público e criar novos públicos. Parte 3: Despedida. Nunca se despeça cobrando um retor- 85 Como vender e realizar sua ideia no, do tipo “Fico aguardando um retorno”. Não se esque- ça do que acabamos de falar: as pessoas são cobradas e pressionadas no trabalho o tempo todo, não seja mais um a pressionar. Você está ali para oferecer e vender soluções, não para aumentar a pressão. Também não podemos deixar a coisa solta, como “Atenciosamente” ou “Um abraço e obrigada” ou “Fico à disposição”. Existem vários termos legais para encerrar deixando a coisa em aberto. Eu gosto de usar variações de “Acha possível? Um abraço e obrigada, Maria”. O “Acha possível?” é um encerramen- to que cai bem depois de frases como “Gostaria de apresentar uma proposta de projeto xxxx”. Você pode se perguntar: eu digo meu nome lá em cima e assino embaixo? Duas vezes? Sim, qual o problema? O seu cliente precisa saber quem você é, lembrar-se de você, saber desde o início com quem está falando. Você pode começar dizendo seu nome ou o nome da sua empresa e encerrar com a assinatura, sim. Nesse primeiro contato você não enviará um projeto detalhado. Você precisa customizar o seu traba- lho, ou não sai do lugar. Não pode dedicar um dia ou dois para montar um projeto específico para cada empresa que for abordar. Deixe isso para o segundo momento, quando você tiver um retorno e conseguir abrir o canal. Mas o que eu mando, então? Eu trabalho de duas formas: enviando nada ou uma apresentação simples, geral. Na maioria dos e-mails não envio arquivo em anexo sobre o proje- 86 maria dolores to proposto. Envio apenas o e-mail falando sobre a ideia geral e que gostaria de apresentar mais detalhes. Quando já tenho um determinado projeto em mente e acho que se encaixa naquela empresa, envio uma apresentação que eu mesma faço, em Power Point e salvo em PDF. Apenas uma apresentação da ideia, sem detalhes, sem valor. Com fotos bonitas e frases que reforcem o potencial. E se a pessoa responder dizendo que quer sim e pedir para enviar uma apresentação detalhada? Aí você vai parar tudo o que estiver fazendo, vai estudar mais sobre aquela empresa, pegar as ideias que você já tem, transformar em um projeto detalhado, coerente, eficiente e enviar. Aí sim, é o momento de desenvolver o projeto em si. Às vezes a empresa pede para enviar por e-mail, às vezes agenda um call, uma chamada de vídeo ou uma reunião presencial. Para mostrar como essa técnica funciona, vou contar uma das vendas que fechei dessa forma. Enviei um e-mail para o diretor de marketing de uma grande empresa, oferecendo um Festival com o nome da empresa. Dois dias depois, ele me retornou, copiando outra pessoa, que era a responsável por aquele tipo de projeto. Essa segunda pessoa me enviou um e-mail passados três dias, perguntando se eu poderia ir até a sede da empresa no dia seguinte para apresentar melhor a proposta. Recebi esse e-mail na parte da manhã. A reunião era na tarde seguinte. Parei tudo o que estava fazendo e me dediquei a formatar e detalhar a proposta de acordo com a minha pesqui- sa sobre o que interessava à empresa. Mas isso não acaba 87 Como vender e realizar sua ideia com seu projeto? Não. Não é se vender aos interesses do mercado? Sim, e não. Como já vimos no início do livro, a pintura do teto da Capela Sistina foi criada atendendo aos interesses do mercado, e isso não diminui o seu valor criativo. Tudo depende da forma como compreendemos um projeto e a forma como executamos. Um projeto de alta qualidade criativa pode estar alinhado aos interesses da empresa, e não tem nada de errado nisso. Da mesma forma, você pode realizar em paralelo seus “Projetos do Coração”. Uma coisa ajuda na outra. Em relação a essa venda específica, não ofereci meu “Projeto do Coração”, ofereci um “Projeto Ganha Pão”. Após o pedido para ir até a sede da empresa, passei o tempo todo estudando e montando uma proposta detalhada para apresentar na reunião do dia seguinte. Conseguir uma reunião, aliás, é um passo impor- tantíssimo. Muitas vezes fazemos toda a negociação por e-mail e telefone. Um dos nossos maiores projetos foi fechado sem eu saber qual a cara da pessoa com a qual conversava. Conheci seis meses depois do contrato assina- do, no dia do evento. Mas se surgir a oportunidade de uma reunião é um ponto a mais. Você terá a chance de desco- brir informações que podem ajudar a fechar o negócio. O segredo de uma reunião é ouvir. Não só deixar o outro falar como se preparar para conseguir que o outro fale, ajudar seu interlocutor nesse processo de fala, de contar, conversar. Ouvir o que o outro tem a dizer é infinitamente mais importante do que fazer a sua apresentação. Será 88 maria dolores ouvindo que você descobrirá informações que irão ajudá-lo na hora de aprimorar seu projeto, formatá-lo, adaptá-lo ou não. Uma boa reunião não é quando você fecha um negócio – pois isso raramente acontecerá em um primei- ro encontro. Uma boa reunião é quando você descobre os planos da empresa para aquele ano, o que ela precisa, qual tipo de público quer alcançar, quais valores quer traba- lhar, quais temas e qual verba ela tem disponível para um projeto como o seu. Se você descobrir essas informações, tem como ajustar o seu projeto, ou mesmo oferecer outro projeto mais adequado aos objetivos da empresa. Não é educado, já numa primeira reunião, pergun- tar: quanto de dinheiro vocês tem para isso. Mas você pode buscar essa informação de outra forma. Eu costumo explicar assim: “Seria importante ter um patamar de valor para poder desenhar uma proposta que se encaixe e atenda da melhor forma. Eu posso desenhar uma linda proposta no valor de duzentos mil reais e uma linda proposta de um milhão. Mas elas serão bem diferentes. Então, para ser mais assertivo é importante ter um pata- mar de orçamento”. Costuma dar certo, porque é verdade o que estou dizendo. O valor muda totalmente o projeto. Algumas vezes não consigo essa resposta. Então estudo ainda mais a empresa, projetos similares ao que pretendo oferecer, vejo o que está sendo feito no mercado e monto a proposta em um valor médio, de acordo com o projeto que eu acredito ser o ideal para aquela empresa. Depois, se ela interessar, numa etapa seguinte irão informar o valor 89 Como vender e realizar sua ideia disponível e pedir para ajustar o projeto a este valor, que pode ser cinquenta por cento menor ou totalmente dife- rente, sendo necessário mudar todo o escopo. Outra coisa para você não tirar de cabeça: para a saúde financeira do seu negócio, é fundamental você fazer esse ajuste para o novo valor (o estipulado pela empresa) sem perder dinheiro. Caso contrário, dali a pouco você pagará para trabalhar ou trabalhará de graça. Sobre isso, falaremos mais adiante. Esta etapa do processo de vendas do seu projeto tem dois pontos cruciais, que você precisa ter ciência para não se deixar abalar nem desistir. É onde muita gente desis- te. Primeiro – e já falamos sobre isso – você precisa entrar em contato com muitas empresas. Para fechar um negócio você terá que enviar, pelo menos, uns cem e-mails. E-mails naquele método: pesquisar onde está o dinheiro, listar as empresas, pesquisar quem decide, descobrir o e-mail, enviar o e-mail. Ocupa tempo? Sim. Mas menos do que bater perna nas redes sociais. E um tempo que traz resultado. Segundo ponto importantíssimo: quando receber um não, seja no início, no meio ou no fim do processo, jamais leve para o lado pessoal. Vejo muita gente falar “Ah, não procuro mais aquela empresa, recusaram meu projeto”, ou “Ah, me fizeram de bobo, fiquei seis meses negociando e deram para trás”. Atenção: vender o seu projeto não é uma ação entre amigos, não é uma gincana de escola, não é uma disputa com seu vizinho. Vender o seu projeto é um negócio. E negócios são assim. Quantas vezes você entrou numa loja, experimentou dezenas de sapatos ou calças e 90 maria dolores não comprou nenhum? E a pilha de roupas só aumentando em cima do balcão, com o vendedor lá, pegando mais um, mais um até você dizer “ah, vou pensar mais um pouco” e não voltar nunca mais e o vendedor ter que dobrar tudo de novo e voltar para os devidos lugares nas prateleiras ou no estoque? Se você voltar na loja, qual a chance do vendedor olhar para você e dizer “para esse aí eu não vendo, me fez de trouxa da outra vez”. Bom, se você experimentou montes de roupas vários dias diferentes, com frequência, e é do tipo que só vai experimentar para passar o tempo e nunca compra, pode ser que ele peça para outra pessoa atender você, mas só em um caso extremo. Empresas não são pessoas. Obviamente pessoas é que trabalham nas empresas, com todas as suas cargas emocionais, perfis, estilos, habilidades e problemas. Mas essas pessoas estão contratadas para atender aos objetivos das empresas e esses objetivos não são pessoais, do tipo “não gostei da cara dele”. Por isso, se você recebe um não, seja no início, no meio ou no final, continue a tratar bem a empresa e o seu representante, agradeça pela atenção e pelo tempo dispendido e mantenha o canal aberto. Não é para ficar mandando e-mail toda semana, nem todo mês. Mas se organize para entrar em contato em momentos pontuais. Uma vez por ano para oferecer projeto, outras vezes para convidar para conhecer projetos que você realiza. Sem importunar, mas sem desaparecer. Mantenha as portas abertas, e vá trabalhando para entrar devagarinho, pé ante pé. 91 Como vender e realizar sua ideia Pois bem, parabéns, você recebeu o retorno positivo ao seu contato. A diretora de marketing quer saber mais detalhes sobre o projeto e pediu para você enviar uma apresentação detalhada em dois dias. E agora? 92 maria dolores 2ª Parte Como montar um projeto? 93 Como vender e realizar sua ideia 94 maria dolores Pós-contato: montando a proposta (o projeto em si) 95 Como vender e realizar sua ideia Aconteceu com você exatamente como aconteceu comigo (várias vezes, é importante ressaltar, o que significa que, sim, funciona). Você fez o caminho do dinheiro, listou as empresas, os responsáveis, o e-mail, entrou em contato e teve um retorno dizendo: “sim, temos interesse em conhecer mais detalhes, envie uma apresentação por favor”. E agora? O que você faz? Você foca na apresen- tação. Você não pode demorar mais que dois dias para enviar o material. O ideal é enviar no dia seguinte. Por isso é muito importante aquela pesquisa prévia sobre a empresa e, tão importante quanto, ter total domínio e ciência sobre o seu projeto ou sobre os tipos de projetos que você pode oferecer. Cuidado! Oferecer significa realizar. Você só pode oferecer o que for capaz de realizar com qualidade e eficiência. Não adianta ter ideias incríveis e sair oferecendo sem ter plenas condições de executá-las. Eu tenho muitas ideias, sempre. Já tive ideias excelentes, que depois vi por aí virarem unicórnios. Você também já deve ter tido ideias do tipo. Entretanto, eu não sabia como transformar essas ideias em um negócio prático. Demandariam esforço e energia em algo muito fora das minhas habilidades. Eu poderia ter levado alguma dessas ideias adiante, mas optei por não levar. A vida é feita de escolhas e prioridades. Entre todas as ideias que iam surgindo, eu dava preferência para as que eu conseguiria realizar com o tempo e energia disponíveis. Temos três filhos. O primeiro veio aos dezoito anos, o segundo aos trinta e dois e o terceiro aos trinta e oito. Nossa vida sempre foi povoada 96 maria dolores por crianças e todas as demandas que envolvem ter uma criança em casa. Eu sempre quis ser uma mãe presente, aliás, justamente por isso nunca quis ter um emprego e, portanto, me dediquei a trabalhar por conta própria. Essa prioridade na vida pessoal era maior do que me dedicar por completo, ou quase por completo, a qualquer projeto. Então, eu precisava escolher quais ideias levar adiante, aquelas que poderia realizar e conciliar com outras prioridades. Na primeira edição do Festival Música do Mundo nos deparamos com um problema. Esperávamos pesso- as de todo o Brasil para assistir ao evento. A estimativa era ter um público quase um terço da população de Três Pontas, cidade sede do projeto. Entre os três hotéis existentes e um hotel fazenda, havia 350 leitos disponí- veis para um público estimado entre 15 e 20 mil pessoas. Para tentar amenizar o problema, tive a ideia de criar um sistema de classificados de hospedagem no blog oficial do Festival. Nós éramos a plataforma de contato entre o dono da hospedagem e o hóspede. As pessoas colocavam seus anúncios de casa (muita gente saiu da própria casa e foi para a casa de um parente nos dias de evento para alugar), sítio, áreas de lazer, quartos e até quintais para acampamento. Funcionou super bem e achei que era uma ótima ideia de negócio. Isso foi em 2009. O Airbnb surgiu um ano antes, 2008, mas em nível local, ninguém por aqui sabia desse modelo. A gente poderia ter criado o similar brasileiro. Mas precisávamos de pessoas de tecnologia, 97 Como vender e realizar sua ideia demandaria tempo, dedicação e, entre as ideias fervilhan- tes, preferi me dedicar à cultura. Poderia ter ganhado mais dinheiro como um Airbnb nacional, mas cada um no seu quadrado. Se eu não tinha como montar um site de hospe- dagem, não podia sair oferecendo um projeto como este. Ofereça só o que você pode realizar. Outra vez tivemos a ideia de montar um site que funcionasse como plataforma de conexão entre o cliente e o produtor de produtos agrícolas e derivados saudáveis, orgânicos ou artesanais. Foi em 2010. Criamos o nome e registramos o domínio. Balcão Verde. Poderia ter dado muito certo. Mais uma vez, abandonamos a ideia, como várias outras, por priorizar nosso tempo para outros projetos. Vamos repetir para não esquecer: você só pode oferecer o que for capaz de realizar. Não o que você, com suas próprias mãos, for capaz de fazer. Você pode – e deve – contratar pessoas mais capacitadas que você para determinadas ações e vamos falar sobre isso mais adiante. Mas o que quero que não saia da sua cabeça é que você só pode vender o que você for capaz de gerenciar. Você é o respon- sável pela entrega final. Se algo der errado, a responsa- bilidade perante o investidor ou cliente não é do diretor de palco, do produtor, do designer ou do técnico de som. A responsabilidade é sua, que não gerenciou o projeto da forma adequada. “Ah, eu não entendo de contas, preciso de alguém para cuidar da parte financeira”. Eu também sou péssima de contas e de administrar recursos. Enquan- to me meti nessa área, perdemos dinheiro. Só passamos a 98 maria dolores ganhar quando parei de lidar com orçamento e controle de gastos. Mas eu preciso saber como funciona, preciso saber por onde o dinheiro vai e volta. Não adianta apenas entregar para alguém que sabe. Você precisa saber geren- ciar quem sabe. Ou irá perder dinheiro, pois a tendência quando não sabemos gerenciar é, em alguma hora, a coisa dar errado. “Mas eu sou o criativo, o artista”. Bom, eu também. Bem-vindo ao mundo prático. Quer transformar suas ideias e sua criatividade em algo rentável? Quer viver com dignidade da sua arte? Você deve sair da sua bolha criativa e compreender o restante, para vender, gerenciar e ganhar dinheiro. Tendo ciência das suas habilidades e capacidades, e tendo ciência das suas limitações de execução, você sabe o que pode oferecer quando receber o retorno positivo ao seu e-mail, pedindo mais detalhes sobre a proposta. Agora você precisa aprofundar a sua pesquisa sobre a empresa para descobrir o que ela quer e necessita. As informações mais importantes para buscar são: qual público a empre- sa quer atingir e quais os valores deseja trabalhar naque- le momento ou no futuro próximo. O público no qual a empresa está interessada deve ser, sem exceção, o público do projeto que você vai oferecer. Se o seu projeto é para um público teen e a empresa está de olho no público da terceira idade, não adianta enviar esse projeto. Você precisa oferecer outra coisa. Se a empresa está interessada no público teen e seu projeto é para adultos jovens, também não adianta enviar. Você só vai perder o seu tempo e o 99 Como vender e realizar sua ideia tempo do outro. O objetivo final de uma empresa é o lucro, por mais que ela tenha foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas, do mundo como um todo ou do meio ambiente. Uma empresa quer crescer e ganhar dinheiro. Seu projeto precisa ajudar essa empresa nesse objetivo, mesmo que de forma sustentável. Isso não quer dizer que tenha que oferecer um siste- ma de otimização de produção ou uma nova ferramenta de funil de vendas. O crescimento de um negócio não se dá só por quanto ele vende. Se dá também pela aproximação entre a marca e o público. Os projetos criativos entram nesse espaço. São uma plataforma para a empresa se aproximar do público e estreitar os laços. O grande trunfo que você tem nas mãos é um projeto que converse com o mesmo público no qual a empresa tem interesse. “Mas eu não tenho um projeto para o público teen!”. Você não é da área criativa? Use a sua criatividade. Identifique suas habilidades e competências e as utilize para criar um incrível projeto criativo que converse com o público com o qual a empresa deseja se conectar. Seja um Michelangelo, pinte uma obra prima como a Capela Sistina, não porque você sempre sonhou em fazer isso, mas porque havia um cliente interessado naquele público e, portanto, no seu trabalho como um canal de comunicação com o público. Uma obra como a pintura da Capela Sistina aproximou o público da Igreja Católica, e continua aproximando mais de quinhentos anos depois, além de fortalecer o imaginário geral. Dê uma olhada também no que o mercado tem 100 maria dolores feito para aquele público. Quais os projetos criativos estão sendo desenvolvidos aqui e no exterior. Tem muita coisa legal acontecendo. Você não vai copiar um projeto, mas você pode se inspirar, ter ideias que possam se encaixar na sua proposta. Concluída essa pesquisa, que não vai tomar mais que meio período do seu dia, você deverá ter condições de responder às questões: Qual o público-alvo do projeto? Qual o local de realização? Qual a data de realização? Qual o cronograma de execução? Em que meu projeto contribui para melhorar a vida das pessoas e do mundo? Por que quero realizar esse projeto? Descreva o projeto em até cinco linhas acima. Vamos falar um pouco sobre cada um dos tópicos 101 Como vender e realizar sua ideia Qual o público-alvo do projeto? Esse, como vimos, é o grande trunfo do seu proje- to: o público-alvo. Você deve saber qual público terá interesse no projeto. Sem público, nenhum projeto ou produto tem sentido em existir. “Eu sou artista plástico, escritor ou cineasta e a arte que eu produzo é feita a partir de mim, do meu olhar, da minha inspiração, e não a partir do públi- co”. Ok, mas uma vez elaborada a arte, seja qual for, é possível identificar o público potencial para cada projeto com base na percepção histórica da produção cultural e do comportamento das pessoas. Um determinado estilo de pintura em óleo sobre tela irá interessar a um determinado perfil de pessoas. Um livro de ficção científica irá interessar a outro perfil. Um festival de um estilo musical a outro. Mesmo porque, se você pinta um quadro espera que alguém o veja. Se escreve um livro, que alguém o leia. Se organiza um festival, espera que alguém compareça. Ou, se você quer produzir apenas para si mesmo sem que ninguém contemple ou consuma sua arte - o que é totalmente possível e compreensível - não precisa perder tempo lendo este livro nem qualquer outro do tipo. Pode fechá-lo agora e procurar algo mais interessante para ler. Essa, aliás, é uma dica que eu, que adoro ler, aprendi há alguns anos. Existem milhares de livros bons e que atendem ao meu estilo de leitura. Se eu começo um livro e não gosto, paro e vou para outro. Antes desse aprendizado importantíssimo, eu insistia e lia até o final, por questão 102 maria dolores de honra, perdendo horas preciosas que poderiam ser aproveitadas com outras possibilidades de leitura praze- rosa ou com alguma utilidade para a minha vida. Era uma questão de honra idiota, na verdade. Mas, voltando ao nosso assunto, não existe desculpa para desconhecer o público-alvo do seu projeto. Por mais básico que isso possa ser, vejo muitas pessoas altamen- te criativas e capacitadas, com projetos muito bons, não conseguirem responder, quando pergunto: qual o públi- co do seu projeto? As respostas muitas vezes são palavras soltas, gaguejadas, pescadas ao acaso para não ficarem sem resposta. Única e simplesmente porque não pararam trinta minutos para pensar sobre essa questão fundamental. Não sabe por onde começar? Procure projetos seme- lhantes e veja quais perfis de pessoas estiveram presen- tes, compraram ou se interessaram por eles. Você, como uma pessoa criativa, com frequência segue a sua intuição. Nesse caso, por favor, ignore sua intuição. Não defina seu público por suposições do tipo “eu acho que o público tal vai se interessar”. Pesquise. Não raras vezes achamos que um determinado público é o do nosso projeto e, no final das contas, não tem nada a ver. Por exemplo: ir atrás de um banco para oferecer um projeto porque é o banco com mais clientes na sua cidade. Isso acontece muito em cidades pequenas. Sei disso, porque sou de cidade pequena e eu mesma já pensei nessa possibilidade – e paguei o mico por isso. Você tem um projeto para adolescentes e tenta 103 Como vender e realizar sua ideia vender para um banco de cooperativa, que é o maior da sua cidade, mas cujos clientes são agricultores cooperados. Ou, pior, você oferece projeto para outro banco porque VOCÊ tem conta naquele banco e comprou o título de capitalização da campanha passada. Não faça isso. Pesquise. Primeiro esclareça o básico: gênero, faixa etária, classe socioeconômica e localização geográfica. Mas é necessário ir além, identificando áreas de interesse desse público. Um projeto pode ter como público-alvo mulheres, entre 18 e 24 anos, classes BC, de Florianópolis, interessadas em celebridades e música. Um encontro de motoqueiros pode ter um público-alvo de homens, classes A, B e C, entre 35 e 55 anos, da grande Belo Horizonte, interessados em motos. Você pode dizer: “Mas também tem mulher em encontro de motoqueiros, também tem moçada de vinte e poucos anos”. Sim, sempre há um leque maior de público do que o definido por público-alvo. Os grupos de interesses entram justamente para preencher essa lacuna, pois podem existir pessoas muito diferentes em termos de definição de faixa etária e classe socioeconômica e um interesse em comum. Quando estabelecemos um público-alvo trata-se do público majoritário potencial para aquele projeto. É o público para o qual você vai direcionar a maioria dos seus esforços de divulgação, o público que você vai trabalhar e investir recursos para atrair, já que sempre é necessário otimizar os recursos para atrair o maior número de pessoas com a verba disponível para tanto. É também o público que você vai apresentar para a empresa para a qual está 104 maria dolores tentando vender o seu projeto. Lembre-se que o público do seu projeto é o que interessa para a empresa. Você pode ajustar ou flexibilizar seu projeto em várias frentes, mas o público não é uma delas, porque ele está intrinsecamente ligado ao conteúdo. Para você mudar de público tem que mudar o projeto. Qual o local de realização? Se o seu projeto for um evento ou algum produto a ser distribuído especificamente em uma localidade, essa informação precisa estar clara. A possibilidade de altera- ção do local de realização é fator fundamental de negociação – ou não. O Natal Luz de Gramado só pode ser realiza- do na cidade de Gramado. O festival de gastronomia pelo aniversário da cidade de São Paulo só pode ser realizado em São Paulo. Alguns projetos têm a sua essência ligada a um local específico. Esses projetos não têm flexibilidade para alteração de localização. Quando fizemos a primeira edição do Festival Música do Mundo e foi um sucesso, a secretaria de cultura de uma cidade vizinha nos procurou para realizarmos a segunda edição lá. Mas o Festival era uma homenagem ao Milton Nascimento e Wagner Tiso, ambos de Três Pontas, e tinha toda uma conceituação com a história e a cultura da cidade de Três Pontas. Não era viável, naquele momento, realizá-lo em outra cidade. Até pensamos que, se o festival perdurasse, no futuro poderia 105 Como vender e realizar sua ideia haver uma edição itinerante, mas naquela época não havia sentido. A maioria dos projetos, no entanto, não estão vincu- ladas a uma determinada localidade. Uma peça de teatro pode ser montada em qualquer cidade, a não ser que seja uma homenagem a um local específico. Mesmo assim, depois pode circular por outras paragens. Os eventos, de um modo geral, têm bastante flexibilidade quanto ao local de realização. Um livro pode ser lançado em qualquer lugar, inclusive no exterior. Um filme pode ser exibido em qualquer lugar. Um produto, se houver capacidade de distribuição, pode ser distribuído onde for necessário. Acontece com frequência de você apresentar um projeto para uma empesa, ela dizer que tem interesse e perguntar se, em vez do projeto acontecer na cidade A poderia acon- tecer na cidade B. Parece mentira, mas já vi muita gente recusar recurso por não aceitar trocar a cidade A pela B. Mais uma vez: se a cidade A não estiver ligada à essência do projeto, qual a diferença em realizar na B? Tudo bem, você nasceu na A, seus amigos estão na A, os veículos de comunicação onde você deseja aparecer e ser visto estão na A. Mas o recurso está na B. Cabe a você decidir se quer realizar o seu projeto ou quer deixá-lo na gaveta. Para ganhar dinheiro no universo criativo é preciso saber onde é possível ceder e onde não é. Se apegar a detalhes que não interferem no conteúdo não é proteção à sua criação, é vaidade e teimosia. 106 maria dolores Qual a data de realização? Outro item que merece atenção e pode ser uma moeda de troca na negociação com um investidor ou não é a data de realização. Vamos voltar ao Natal Luz. Se este é seu projeto, não adianta o investidor oferecer o dobro do recurso para você realizar em julho. Natal Luz é no Natal. Se você fizer em julho, pode até não perder o dinheiro, mas vai perder credibilidade, que é o que faz a diferen- ça a médio e longo prazo no seu histórico profissional. Por outro lado, se você planejou realizar o seu projeto e outubro e a empresa topou e precisa que seja realizado em dezembro, ok, vamos para dezembro. Não, não é mentira também. Já vi gente recusar recurso por não querer arre- dar o pé na data ou, pior, brigar com um possível cliente/ patrocinador por causa de data que, na verdade, é indiferente ao conteúdo. Quando é possível, é preciso arredar o pé, senão você vai morrer com os pés fincados, sem sair do lugar. Certa ocasião, trabalhamos dois anos com uma empresa até conseguir fechar um projeto. Fechamos em dezembro. O projeto era para junho e aconteceria em quatro cidades específicas, mas a empresa só topava investir se o projeto acontecesse em outras cidades e no mês de março. Sobre as cidades estava tudo certo, não interferiam no projeto em si. A data, no entanto, era uma questão importante. Seria uma antecipação em três meses 107 Como vender e realizar sua ideia no cronograma de produção. Estávamos em dezembro. Realizar o projeto em março não era algo tranquilo. Não dava para dizer na reunião apenas sim. Pedimos uns dias para avaliar. Estudamos, analisamos, verificamos todas as possibilidades e obstáculos a serem vencidos. Feito o dever de casa retornamos ao patrocinador. Sim, o projeto poderia ser realizado em março em vez de junho. Nunca dê uma resposta positiva sem ter condição de realizar o que foi combinado. Você não pode aceitar mudar a data de um projeto e depois não ter como cumprir. Para ter ferramentas que auxiliem na avaliação e decisão é indispensável ter um cronograma detalhado de execução. Qual o cronograma de execução? Vamos entrar nessa questão mais detalhadamen- te à frente. Mas falemos do principal neste momento. É indispensável ter total ciência do cronograma necessário para realizar o seu projeto. Consideremos que o seu projeto seja produzir um livro sobre mudança de vida, tendo como fio condutor pessoas que saíram da cidade grande e foram para o campo na pandemia, que trocaram de vida por completo temporariamente, mas depois transformaram essa decisão em algo permanente. Muita gente fez isso e é um tema muito legal para um livro. Você apre- sentou o projeto e conseguiu avançar a negociação com uma empresa que oferece produtos de bem-estar e tem 108 maria dolores interesse no mesmo público que pode se interessar pelo seu livro. A empresa, aliás, pode ser a mesma Vida Linda que estamos usando como exemplo. Ela não só quer patro- cinar o seu livro como quer trezentos exemplares para dar de presente para alguns parceiros no Natal. Então, vem a pergunta da Vida Linda: Você consegue me entregar até cinco de dezembro? Estamos no início de setembro. Para saber se é viável, você precisa ter todos os passos detalhados do início até estar com o livro impresso nas mãos. Um cronograma deve ser feito sempre de trás para frente. Ou melhor, eu prefiro falar da frente para trás, porque, na verdade, vamos começar a contar da data futura para trás. Se o livro precisa estar na sede da Vida Linda dia 5 de dezembro, eu preciso que a gráfica me entregue até, no máximo, dia 30 de novembro, para poder conferir, separar os exemplares e ter uma margem para imprevis- tos, mesmo que pequena. Se a gráfica precisa me entregar dia 30 de novembro, devo enviar o arquivo do livro pronto para ela de acordo com o prazo daquela gráfica específica. Por ser final de ano e haver muita demanda de impres- são, vamos considerar vinte dias. Então, preciso enviar o arquivo até dia 10 de novembro. Para enviar dia dez, o designer deve fazer os ajustes finais e fechar o arquivo entre 1 e 9 de novembro. Para ele receber os ajustes finais, o revisor precisa ter revisto. Para isso, deve receber o arquivo até 20 de outubro. Para enviar para o revisor 20 de outubro, o texto precisa estar pronto. Vamos considerar um mês e meio para o texto, que é um prazo aper- 109 Como vender e realizar sua ideia tado, mas factível para esse tipo de livro. Nesse mesmo período, se houver imagens, um profissional pode tratar as imagens. Então, até 10 de setembro quem for escrever precisa estar com todo material de apoio em mãos, para escrever o texto a partir dele. Para isso, ao menos um mês antes precisa começar a organizar o material da pesquisa, como transcrição das entrevistas, leitura de livros sobre o tema, definição de roteiro e estrutura. Portanto, a organi- zação do material precisa começar até 10 de agosto. Para essa organização do material ser possível as entrevistas precisam começar a ser feitas um mês antes, ou seja, 10 de julho. Para começar as entrevistas e a pesquisa, deve ser feito antes um trabalho de apuração, à fim de descobrir os personagens e as histórias possíveis. A apuração bem feita é a base de um texto coerente de um livro estilo livro-re- portagem, então demanda, ao menos, um mês. Portanto 10 de junho. Resumindo: para que o livro esteja na sede da Vida Linda em 5 de dezembro, você precisa iniciar a execução, no mínimo, em 10 de junho. Portanto, dessa vez você vai agradecer, mas recusar o patrocínio, porque não conseguirá fazer a entrega. Ou vai tentar negociar para outra data no ano seguinte. Diante de um recurso possível e uma pergunta do tipo “Preciso para dia tal, vocês conseguem?” somos tenta- dos a responder: “Sim!”. A tendência é a gente dar uma pensada rápida, fazer uns cálculos por cima e achar que dá. Com a experiência e a prática, você consegue responder isso talvez imediatamente. Mas, na maioria das vezes, 110 maria dolores mesmo com experiência, o melhor é responder: “Precisa- mos avaliar, amanhã respondo” ou, em dois dias respon- do ou o tempo que for necessário para dar uma resposta factível. Pode ser que você já tenha realizado parte desse processo, já tenha os personagens, já tenha feito algumas entrevistas. Pode ser que sim, seja possível entregar em 5 de dezembro. Mas você só pode dizer sim se realmente puder cumprir com qualidade. Se não tiver certeza, peça para avaliar e, identificando que não é possível diga não. Dizer não é crucial para a construção de uma rela- ção de sucesso com os parceiros e investidores e para a construção do seu currículo. Não é sair dizendo não toda hora (tem gente que adora dizer não). Eu raramente digo não de imediato para um patrocinador, cliente ou parceiro. Eu me esforço para estudar todas as demandas e ver o que é possível. Algumas vezes, me perguntam sobre algo que eu já sei ser praticamente impossível, mas, mesmo assim, nós verificamos. Vai que existe alguma possibilidade. Nossa função é não só atender ao cliente, mas nos esforçar para tentar atendê-lo. Há algum tempo um patro- cinador de um dos nossos projetos me enviou um e-mail com uma série de coisas que ele gostaria que verificássemos, para vermos se seria possível realizá-las no evento seguinte. Era uma lista com dezenove itens. Verificamos e respondi ao e-mail. Dezessete itens não eram possíveis. Dois, sim. Era uma das maiores empresas do Brasil e acho que, por isso, os patrocinados não costumavam dizer muitos nãos ao patrocinador. A pessoa me telefonou, 111 Como vender e realizar sua ideia rindo. Nunca havia recebido um e-mail com tantas nega- tivas, mas agradecia, porque para eles era muito melhor receber negativas em vez de promessas que não seriam cumpridas. Então, não tenha receio de dizer não. Isso vale tanto para fechar o patrocínio de um projeto quanto para as demandas no decorrer da execução. Sempre faça o esforço para ver se é possível, em vez de negar apenas porque “já sabe” que não vai dar certo. Estude, avalie. Se realmente não for viável, diga não e tenha os argumentos para explicar por que não. Você pode perder um recurso pontual, mas ganha credibilidade, o que vale muito mais. Em que meu projeto contribui para melhorar a vida das pessoas e do mundo? No começo, quando eu oferecia um projeto, foca- va em todos os benefícios que ele traria para a sociedade, o planeta e a natureza. Para mim, o mais importante do projeto era o potencial que ele tinha para transformar, de alguma forma, a vida das pessoas. Enxergava o Festival Música do Mundo, nosso Projeto do Coração, como um meio de produzir um grande encontro, promover a cultu- ra para pessoas que não tinham muito acesso a ela, incrementar a economia da cidade com o turismo e promover troca de experiências. Não eram só os shows. Havia música e cultura por toda parte. O projeto começava um mês 112 maria dolores antes, com uma ação em todas as escolas da cidade, da rede pública e privada. Os professores desenvolveram projetos com os alunos tendo como tema os conterrâneos famosos, Milton Nascimento e Wagner Tiso. Das creches ao terceiro ano do ensino médio. Todos participaram. O objetivo era resgatar a cultura local, a identidade cultural, fortalecer a autoestima e inspirar essas crianças e adolescentes. Milton Nascimento foi uma criança negra adotada por um casal branco. O pai era professor e a mãe era uma dona de casa encantadora. Apesar de ter boa educação e todos os cuidados dos pais, enfrentou o preconceito de ser negro, principalmente numa cidade pequena e agrícola. Foi orador da turma na formatura do ensino médio, mas não pôde participar do baile de formatura, por não ser permitida entrada de negros no clube local. Com todos os obstáculos, ele venceu e se tornou um dos músicos mais celebrados no mundo, com uma contribuição para a músi- ca popular que é comparada apenas às inovações que o compositor Debussy havia feito na música erudita. Ele era, e é, um personagem com uma história capaz de inspirar. Os trabalhos realizados pelos alunos foram expostos na biblioteca municipal e a cada dia um grupo de alunos ia até a biblioteca conhecer a exposição, ver expostas suas próprias obras. Nos dias do Festival, organizamos apresentações de músicas pelas praças e esquinas da cidade. A ideia era que você estivesse andando pela rua, indo do banco para a padaria, e se deparasse com uma pessoa tocando 113 Como vender e realizar sua ideia saxofone. Havia músicos individuais e grupos que fazem parte da cultura local, como as fanfarras da prefeitura e das escolas, as folias de reis, a banda de crianças da APAE. Nas noites de quinta e sexta-feira aconteciam shows em uma das praças e, depois dos shows das praças, shows nos bares e restaurantes da cidade. Havia ainda saraus, exposições de fotografia e palestras. No sábado aconte- cia a maratona de doze shows no palco montado em um pasto, com um cenário construído com ajuda de alunos da APAE, que participaram de uma oficina de cenografia com cenógrafos profissionais da TV Globo. Todo o cenário foi feito com material da Associação Trespontana de Cata- dores de Material Reciclável. No domingo, para encer- rar, uma grande tenda foi montada em um distrito rural da cidade, nas margens da represa de Furnas, com mais shows e bons encontros. O poder de transformar o mundo para melhor, ao menos uma pequena transformação, era inegável. E eu achava que isso era o que atrairia o patrocinador. Aprendi, como já vimos, que o olhar do investidor era para o públi- co, não para o caráter sustentável e social. Mas, mesmo assim, esse lado precisa estar presente nos projetos. Bom, na verdade, não é uma condição fundamental. Existem projetos de sucesso que não contribuem muito para melhorar o mundo. É uma questão pessoal, de princípios e valores, algo tão fundamental nos nossos dias. Já que você vai criar um projeto do zero, por que não fazer algo que possa melhorar, nem que seja um pouquinho, a vida das 114 maria dolores pessoas? Não precisa ser uma transformação gigantesca. Pode ser um pequeno passo. Nós realizamos um projeto de orquestra com convi- dado famoso no interior do Brasil. Os palcos gigantescos são montados em praças públicas ou na rua. A cidade, geralmente pequena, fica alvoroçada na semana da monta- gem, com aquele trambolho sendo erguido. Os eventos são realizados no domingo de tarde, justamente para que as pessoas possam ir pelo interesse no conteúdo e no evento. Achamos que se fizéssemos sábado à noite muita gente poderia ir com o espírito de “beber até cair, porque é sába- do”. No domingo as pessoas vão com o espírito “amanhã é segunda-feira e eu acordo cedo para trabalhar”. No domingo, duas horas antes do início do evento, as pesso- as começam a chegar. Famílias inteiras com suas cadeiras, lanches e expectativas. Elas vão por causa do convidado famoso, claro. Mas aí acontece a magia. A enorme maioria dessas pessoas nunca viu ou ouviu uma orquestra. O evento começa com a apresentação da orquestra, que toca músicas populares e eruditas de mais fácil assi- milação. Eu gosto de ficar no meio do público durante os eventos. Ando de lá para cá, para ver se está tudo bem, o que as pessoas estão achando e como estão reagindo. E é incrível. Uma vez, em Maracaju, no Mato Grosso do Sul, um pai de chapéu e botina, estava de mão dada com o filho de uns seis anos quando o menino perguntou: “Pai, que música é essa?”. O pai respondeu “É música de orquestra, meu filho”. E os dois permaneceram de pé, olhando 115 Como vender e realizar sua ideia para o palco, assistindo e ouvindo aquela música. A vida daquele menino pode não mudar drasticamente por ter conhecido e ouvido uma orquestra. Mas é uma gotinha a mais, regando, inspirando, apresentando novas formas de viver e estar no mundo. Ao todo, mais de duzentas mil pessoas já assistiram a esse evento. Se uma criança se inte- ressar em tocar violino ou qualquer outro instrumento, ou apenas descobrir e gostar de música de orquestra, ou, ainsa, se compreender que a vida pode ir além, o projeto já terá valido à pena. Mais para o fim da apresentação, a orquestra convida o convidado e aí tocam e cantam juntos com o público que, no final das contas, recebe aquilo que havia esperado, o ídolo. Como parte desse projeto realizamos ainda pales- tras e oficinas em escolas de cada cidade que recebe o evento. Sempre procuramos realizar algo além do produto principal. Promovemos palestras de capacitação ou de inspiração. É nossa forma de contribuir para melhorar a vida das pessoas, além do evento em si. O seu projeto também pode melhorar o mundo e a vida da comunidade, pode proporcionar um instante de alegria, pode propor- cionar encontros, pode motivar as pessoas a fazerem sua parte pelo meio ambiente, pode fazer muitas coisas que não demandam grande esforço da sua parte, nem grandes recursos, às vezes nenhum recurso. O locutor de um evento incentivar as pessoas a separar o lixo reciclável em casa não tem custo, só um esforço mínimo e atenção. Há inúmeras formas do seu projeto, seja qual for, contri- 116 maria dolores buir para um mundo melhor para todos nós. Então, não desperdice essa oportunidade. Seja uma festa de forma- tura, um livro, um filme, um produto ou um show. Seja o que for. Se você pensar e pesquisar um pouquinho, vai descobrir coisas lindas que pode fazer e incentivar através do seu projeto. Por que quero realizar esse projeto? Esta pergunta nos remete ao início deste livro. Antes de se lançar à aventura de realizar um projeto, você deve refletir. Você não precisa explicar para as pessoas ao seu redor ou para o mundo a motivação pela qual você decidiu dedicar esforço, tempo e recursos para empre- ender uma realização. Mas você precisa explicar para si mesmo. Como contei, eu e meu marido e sócio dividimos nossas empreitadas em Projetos do Coração e Projetos Ganha-Pão. Ter ciência dessa distinção e do tipo de projeto que você quer realizar ou está trabalhando para realizar é fundamental para você ter sucesso na realização, seja uma realização financeira ou pessoal. Sem resposta a essa pergunta, você pode se perder durante uma negociação, você pode ser inflexível onde não deve (alterar a data ou local do evento, por exemplo) e ser flexível onde não deve (aceitar realizar o projeto com metade do patrocínio necessário). Conhecer os limites em cada situação é essencial. 117 Como vender e realizar sua ideia Para a maioria dos nossos projetos, que são os Ganha-Pão, a minha resposta, também como já disse, é: “Porque tenho três filhos e preciso pagar as contas”. É claro que essa é a motivação principal pela qual quero realizar aquele trabalho e essa motivação ajuda a tratar o projeto como um negócio e ganhar dinheiro, como tem que ser um negócio de sucesso. Mas há outras motivações que tornam o trabalho prazeroso. Aí entram as respostas secundárias: “Porque gosto de música, porque me sinto realizada ao levar a música para as pessoas, ao promover encontros e experiências que acrescentem na vida do público, porque me sinto feliz ao saber que estou ajudando a tornar o mundo e a vida melhor, mesmo que seja só um pouquinho”. Quem trabalha com cultura, esporte, inovação e criatividade, sabe o quanto este sentimento está presente no processo e o quanto o resultado do que fazemos é gratificante. No entanto, não podemos perder de vista a resposta inicial, para que o projeto tenha êxito para os outros e para nós mesmos, não só trazendo à tona todos esses bons sentimentos e realizações quanto resultado financeiro. Se a sua resposta for: “Porque é algo que quero fazer, sempre quis, é meu sonho, acredito etc” você irá trabalhar de outra forma. Primeiro você pode – e deve – tentar realizar o seu Projeto do Coração com todos os recursos necessários e ganhar dinheiro com isso. Tem muita gente que ganha, o que é ótimo. Mas, se não conse- guir ganhar financeiramente, não tem problema. A moti- 118 maria dolores vação é outra. Pode ser até que decida usar os seus recursos pessoais para realizá-lo. Eu sempre gostei muito de ficar com as pessoas mais velhas da minha família, talvez por ter passado boa parte da infância com meus avós maternos e paternos e ter, inclusive, morado uma parte expressiva da minha vida com eles. Adorava ouvir as histórias de antigamente, as histórias dos pais deles, dos avós, dos tios, dos parentes estranhos e queridos. As histórias engraçadas, as histórias do cotidiano, as tristezas e as perdas jamais esquecidas. Meu filho mais velho, Daniel, conviveu bastante com algumas dessas pessoas. Eu e o Felipe começamos a namorar aos dezesseis, engravidei aos dezoito. Daniel nasceu quando nós tínhamos dezenove anos. Nossos pais também nos tiveram cedo, então o Daniel tinha uma tataravó, quatro bisavós, três bisavôs, três bisavôs tortos, vários tios avós e um tio tataravô e inúmeros tios, tias e primos. Nosso segundo filho veio treze anos depois e, o terceiro, dezoito anos depois. Nesse caminho, muitas dessas pessoas queridas e fascinantes se foram. E eu sentia um apertinho no coração pelos nossos filhos mais novos não terem conhecido esses familiares ou terem convivido tão pouco com eles. Decidi, então, escrever essas histórias que eu vivi e ouvi quando era crian- ça. Comecei há três anos, escrevendo pouco, maturando as ideias, resgatando as memórias, devagar, sem pressa. Ano passado, nos primeiros meses da pandemia, quando ficamos com menos trabalho, naquele limbo sem saber se esperávamos para realizar os eventos presenciais ou 119 Como vender e realizar sua ideia seu transformávamos em online, resolvi terminar o livro. Aproveitei todas as horas vagas entre cuidar das crian- ças, da casa, fazer comida, lavar roupa, e escrevi. Foi uma maneira muito boa também de aliviar a tensão e o medo da covid-19. Eu pensava: se eu morrer, pelo menos meus filhos terão parte da história deles escrita, um passado resgatado, um pedaço de mim. Montei um cronograma. Eu queria dar de presente para minha família no Natal. Consegui uma gráfica rápi- da em São Paulo que me entregaria cinquenta exemplares em quinze dias. Para o livro estar na gráfica até primei- ro de dezembro, eu precisava terminá-lo até setembro. Para dar tempo de corrigir, revisar e diagramar. Quando a gente escreve sobre coisas que viveu e se apoia na memória, como está tudo tão dentro da gente, às vezes informações importantes escapam no texto. Você acha que deu para entender tudo, mas é porque a história está dentro de você. Alguém que não esteve ali, não conheceu aqueles personagens, pode não compreender. Uma amiga que não conhecia a história nem as pessoas fez uma leitu- ra crítica, para ver se o texto estava claro e apontar onde não estava. Outra prima, escritora, também fez uma leitu- ra crítica. Minha cunhada, professora de português, fez a revisão. Contratei uma outra amiga, designer de livros, e ela diagramou. O livro ficou pronto, mais lindo do que eu esperava. Coloquei na capa a foto do tapete arraiolo que minha avó paterna, a única ainda viva, estava bordando. Ela começou a bordar o tapete em 1970. Parou e retomou 120 maria dolores em diversos momentos da vida. Agora, sentada em uma cadeira de rodas, ela está terminando o bordado. A história de uma vida. Eu mesma paguei a diagramação e a impres- são. E, no Natal em Três Pontas, conforme o planejado, dei de presente para meus filhos, meu marido, minha mãe, meus tios, tias e primos. Depois, fui a Belo Horizonte e dei de presente para meu pai, minha madrasta, minhas irmãs, minhas tias e minha avó, a autora do belíssimo tapete bordado por cinquenta anos. Eu não ganhei dinheiro com esse projeto. Pelo contrário, gastei. E foi o melhor projeto que realizei até hoje. O projeto que mais me deixou feliz, com a sensação de missão cumprida. Eu tinha a resposta pronta, era um Projeto do Coração. E só foi possível diagramar e impri- mir porque eu tive recurso para isso, recurso alcançado graças aos diversos Projetos Ganha-Pão que tenho feito, com alegria e dedicação, ao longo desses anos. Descreva seu projeto em até cinco linhas Depois de pensar e estudar sobre qual projeto dese- ja realizar, local, data, cronograma, público-alvo e moti- vação, você precisa fazer o que a maioria das pessoas tem desânimo de concluir: descrever seu projeto em até cinco linhas. Parece pouco, né. É pouco, mas as pessoas têm 121 Como vender e realizar sua ideia muita resistência em escrever essas míseras cinco linhas. Não são quaisquer cinco linhas, é a síntese do seu projeto, é a sua oportunidade de passar a mensagem do que ele é. Você não pode desperdiçá-la. Tem gente que começa a montar o projeto por essa descrição. Eu sugiro deixar para o final ou escrevê-la em dois momentos. O primeiro momento seria apenas um rascunho, para ter um norte. O segundo momento seria ao final, depois de responder as questões anteriores e, a partir delas, ajustar ou reescrever, transformar o rascunho em versão final, tendo como base tudo o que você pesquisou e analisou. Essa descrição em até cinco linhas é o pilar do projeto. Por que cinco linhas? Por ser o tamanho geralmente solicitado para descrição resumida do projeto em editais e leis de incentivo. Mas também porque você preci- sa saber explicar o seu projeto, de forma clara e sucinta. Se for enviar uma apresentação por escrito, nenhum diretor de marketing ou de investimentos terá tempo ou dispo- sição para ler mais do que cinco linhas. O ideal, aliás, é conseguir descrever em duas ou três. Cinco é o máximo. Se for apresentar pessoalmente, a descrição geral também precisa ser sucinta. Você deve explicar em uma única fala, dessas que a gente consegue proferir de um fôlego só. Depois, havendo tempo e oportunidade, você aborda os detalhes. Nos famosos pitchings o tempo para apresentar a ideia ou projeto varia entre três e cinco minutos, o que é muito mais do que as cinco linhas de um texto. Mesmo assim, para obter êxito em explanar os tópicos principais e 122 maria dolores mais interessantes do seu projeto em cinco minutos, você precisa exercitar a arte da síntese. Portanto, nada melhor do que começar com a descrição em até cinco linhas. Não sabe por onde começar? Comece. Eis uma dica de jornalista: escreva. Não se preocupe se está bom, se é a melhor forma de começar ou terminar. Não se preocupe se as palavras são as mais apropriadas, se tem erro, se não tem. Se você não sabe por onde começar, apenas comece. Depois você vai, aos poucos, amadurecendo as ideias e a própria escrita. Eu aprendi isso com uma matéria que escrevi para a revista Exame, da Editora Abril. Eu havia me formado há pouco tempo e acabado de concluir o Curso Abril de Jornalismo quando me chamaram na Exame para escrever uma matéria na cidade mineira de Divinópolis sobre confecções que produziam uniformes para o Exército dos Estados Unidos. Do sul de Minas Gerais para o front da maior potência mundial. Topei na hora. Era minha primeira matéria para uma revista. E não uma revista qualquer. A Exame fazia parte do alto escalão de publicações da Editora Abril, era a principal revista de negócios do país. Eu não entendia nada de negócios ou de economia e não tinha o menor interesse ou afinidade com o tema. Fui até Divinópolis, conheci as confecções, conver- sei com as pessoas, pesquisei. Essa parte foi ótima. Quando chegou a hora de escrever, travei. Embora eu pudesse colocar minha voz e meu estilo no texto, havia um limite para isso. O limite era a própria linguagem e estilo da revista. 123 Como vender e realizar sua ideia Cada publicação tem sua cara. Em textos de opinião você não precisa se alinhar à essa cara. Mas em uma matéria, sim. O leitor espera por algo que lhe é familiar. O familiar de uma revista de negócios era completamente estranho para mim. Nunca havia escrito nada parecido. Não sabia por onde começar. Por onde seguir. Nem começo, nem meio, nem fim. Nada. Era exatamente isso, meu texto estava reduzido a nada. E o tempo corria, o prazo para entrega se aproximava. Telefonei para o editor. Expliquei a situação. Falei da minha dificuldade com o segmento. Ele me deu um dos melhores conselhos que recebi em relação à escrita. “Apenas escreva. Não se preocupe com a forma, nem se está bom. Escreva como se estivesse me contando o que descobriu, me contando a história”. Foi o que fiz. Comecei de uma maneira despretensiosa. Contan- do, como quem conta para uma amiga sobre uma viagem que fez, um lugar que visitou, uma história que descobriu. Enviei para ele, esperando que me retornasse e me desse uma direção sobre o que fazer. Achei que, depois de ler, ele me indicaria por onde começar e o que fazer para escrever a matéria. Mas não. Ele me retornou dizendo que era aquilo mesmo, só precisava de uns ajustes. Então, com o texto em mãos e as observações dele que apenas deixavam a informação mais clara, ajustei e a matéria foi publicada. Duas páginas, com direito a fotografia. Desde então, sempre que tenho dificuldade para escrever um texto, seja do que for, eu sigo esse conselho recebido há dezoito anos. Simplesmente escrevo. Depois 124 maria dolores eu volto relendo, corrigindo, mudando as coisas de lugar. Às vezes chego à conclusão de que não está bom e preciso escrever tudo. Deletar. Recomeçar. Ainda nessas ocasiões, o texto escrito não é trabalho perdido. Foi um exercício, parte do processo que me ajudou a clarear as ideias e a ver que aquele não era o melhor caminho. Portanto, escreva. Ao concluir as suas cinco linhas, peça para alguém ler. São só cinco linhas, você vai encontrar uma boa alma com disponibilidade para lê-las. Não precisa ser alguém do ramo. Peça para alguém fora do ramo. Um leigo. Se o leigo entender, é porque a informação está clara. Se não entender, mesmo que não esteja familiarizado com a temática, provavelmente tem alguma frase truncada, algo dúbio ou confuso. Aceite as críticas com gratidão e releia. Alguns pontos serão pertinentes, outros não. Mas a opinião de quem lê ou recebe a informação traz sempre algo valioso para lapidá-la e torná-la mais atraente e precisa. Para adiantar o seu trabalho e facilitar o seu cami- nho, vamos lá: um erro muito comum nas descrições resu- midas é justamente não descreverem o projeto, mas apresentarem a justificativa. A descrição em até cinco linhas não é o lugar para você dizer por que seu projeto é importante, por que é diferente ou por que vale à pena investir nele. Vamos usar como exemplo um dos nossos projetos, o Festival de Blues e Jazz. 125 Como vender e realizar sua ideia Descrição correta: 5ª edição do maior Festival de Blues e Jazz do Brasil a ser realizado de forma gratuita em oito capitais brasi- leiras, com sete shows por dia e um dia de duração por cada cidade. O projeto contempla ainda ações de susten- tabilidade e atividades lúdicas para crianças, além ações educativas em escolas. Descrição equivocada: 5ª edição do maior Festival de Blues e Jazz do Brasil, que leva música de forma gratuita e acessível a oito capitais brasileiras, promovendo democratização, formação de público e fomentação da cultura. O projeto incrementa ainda as economias das cidades abrangidas, gerando postos de trabalho e movimentação de recursos indiretos nas áreas de hospedagem, transporte, alimentos e bebidas. O segundo exemplo é fundamental para o projeto ser aprovado em editais ou leis de incentivo e, sim, contri- bui para a venda e captação de recursos junto às empresas. Mas não é a descrição. A descrição deve se ater ao que é o projeto, de forma clara e prática. O lúdico, o afetivo, o potencial social transformador deixamos para a justificativa. Em uma apresentação para um diretor de marketing é claro que você vai abordar essas questões, mas, primeiro, ele precisa saber o que é o projeto para decidir se investe tempo em conhecer melhor a proposta ou não. Uma boa venda começa com clareza. Vamos repetir pela enési- 126 maria dolores ma vez? Todos temos apenas um tempo. Vamos gastar esse tempo com o que realmente importa. Isso vale para nós mesmos e para o outro. Se eu contribuo para que o outro não perca tempo, posso não ganhar o recurso nesse momento, mas ganho simpatia e confiança. Pronto, você realizou a pesquisa e tem total condi- ção de responder as perguntas abaixo: Qual o público-alvo do projeto? Qual o local de realização? Qual a data de realização? Qual o cronograma de execução? Em que meu projeto contribui para melhorar a vida das pessoas e do mundo? Por que quero realizar esse projeto? Descreva seu projeto em até cinco linhas E, agora? Agora você vai montar uma apresen- tação inicial para enviar por e-mail ou apresentar pesso- 127 Como vender e realizar sua ideia almente. Essa apresentação não pode ter mais que cinco páginas ou slides. Veremos por quê. 128 maria dolores Apresentação (Regra das 5) 129 Como vender e realizar sua ideia Como boa parte das pessoas que escolhem cursar jornalismo, optei pelo curso por gostar de ler e escrever. São meus dois hobbys. Qualquer tempo vago eu leio ou escrevo. Adotei o hábito de carregar um livro sempre comigo. Se estou numa fila, eu aproveito para ler. Se estou sentada numa sala de espera, aproveito para ler. Se meus filhos estão brincando numa tarde de sábado e eu não tenho nada para fazer, aproveito para ler. Sei que o Kindle e outras formas de leitura digital podem facilitar muito a minha vida e abrir um novo leque de oportunidades, mas eu já passo tanto tempo no computador e no celular trabalhando, que ainda prefiro carregar um livro em papel, mesmo que pese, ocupe espaço e consuma papel. Não consegui desenvolver o hábito de escrever nas filas e salas de espera. Mas eu carrego comigo também um caderninho onde anoto ideias e, se estou sem o cader- ninho, envio um e-mail para mim mesma com o assun- to “Ideias”, para que eu possa pesquisar depois. E levo o computador comigo se estiver em casa, na minha mãe, na minha sogra ou no sítio. Se eu acordo mais cedo que as crianças, aproveito para escrever um pouco. Se tenho alguma hora tranquila no fim de semana e estiver em casa, escrevo também. Este livro, por exemplo, escrevi durante as manhãs, antes das crianças acordarem e antes de come- çar a trabalhar. Escrevia por uma hora, meia hora, o que desse. E não incluía esse tempo gasto na categoria trabalho da minha agenda do dia, mas na categoria pessoal/lazer. Por isso, tenho facilidade para escrever muito. Não 130 maria dolores necessariamente uma escrita primorosa, mas volumosa. A primeira apresentação que fiz do Festival de Blues e Jazz para enviar ao potencial patrocinador, depois de já ter trocado e-mails com ele, tinha 22 páginas. Por sorte encontramos muitas pessoas do lado de lá do balcão de negociação que nos ajudam e nos ensinam. Esse gerente de marketing, que foi praticamente uma escola para nós nos anos de parceria, me telefonou ao receber a apresenta- ção e disse: “Maria, a apresentação ficou bonita, mas preci- so que você pegue o conteúdo e apresente em 5 slides. A diretoria não tem tempo para mais que isso”. Foi o que fiz, com muita dificuldade e sofrimento. Ele precisava do material para a manhã seguinte. Quase entrei em pânico. Já havia sido difícil colocar todas as informações importantes em 22 páginas. Como adaptar para cinco? Muita coisa vai ficar de fora, eu pensei. Eu lia, lia, lia e não via o que cortar. Tudo era importante. Mas, mais importante era a diretoria ver nosso projeto. Então eu precisava editar. Comecei tirando o conteúdo que expli- cava por que nosso projeto era incrível para o mundo e as pessoas. Havia três páginas sobre isso. Também tirei a parte que explicava o que era um Festival de Blues e Jazz e como eles eram fundamentais para a cultura. Havia uma página para cada artista possível, com foto e descrição a respeito de cada um deles. Transformei essas várias pági- nas em uma única com as fotos e os nomes de todos eles. Nada de descrição sobre cada um. Peguei as informações essenciais e reuni em uma única página. Para conseguir 131 Como vender e realizar sua ideia enviar em cinco páginas, não contei a capa, então a apre- sentação foi enviada na manhã seguinte, com seis páginas, miolo de cinco. A partir de então, minhas apresentações iniciais seguem um padrão com poucas variações: Capa: Imagem impactante, nome do projeto em tamanho grande e nome do autor do projeto em tamanho pequeno (que pode ser o seu ou o da sua empresa) Página 1: Imagem bonita e lúdica com uma frase de impacto afetivo/emocional. Página 2: Respondo com uma frase, no máximo duas, às perguntas O quê? Para quem? Quando? Onde? Como? Por quê? Páginas 3 e 4: A terceira e quarta páginas são dedicadas a dar mais detalhes sobre o projeto. Se for um evento, em uma delas você pode colocar imagens e os nomes das atrações possíveis. Pode colocar ainda referência de outros eventos similares de sucesso, no Brasil e no Mundo. Pode colocar ações extras. Pode colocar o nome dos profissionais envol- vidos, quando isso der peso e for importante para a venda. Ou seja, você tem duas páginas para dar mais detalhes do projeto. Com boas imagens e pouco texto. E lembre-se que as imagens possuem direito autoral. Há vários bancos de imagens gratuitos na internet para você pesquisar e fazer 132 maria dolores download. Página 5: Investimento, apenas com o valor total do proje- to. Nesta primeira apresentação não envio cotas nem contrapartidas específicas para cada cota. Numa apresen- tação mais detalhada posteriormente altero o valor para o valor do investimento já conversado com a empresa e acrescento uma ou mais páginas com as contrapartidas, conforme cada caso. Página 6: Nesta última página coloco apenas a palavra “Obrigado” e meus contatos. Quando você tem um departamento de arte para montar apresentações lindas ou mesmo um designer na sua equipe, ótimo. Quando não tem, é bom aprender a se virar, como é nosso caso. Aqui na Marolo, como já expli- quei, somos uma equipe fixa pequena. Eu, meu marido e sócio e duas primas que são da área de produção. Para cada projeto montamos as equipes conforme a necessidade e contratamos o designer ou o pessoal para cuidar das artes, criação de logomarca, peças etc. No dia a dia eu mesma monto as apresentações. Não tenho talento para o desenho e não tenho habilidade com programas ou apli- cativos. Uso o Power Point, embora meu filho mais velho já tenha me explicado que existem outros programas mais fáceis e autoexplicativos. Você pode usar o programa que 133 Como vender e realizar sua ideia preferir. Se você, como eu, não é da área visual, o impor- tante é criar algo simples e que funcione. Mais uma vez: não sou do ramo, existem várias formas de montar apresentações melhores que as minhas, mas como eu estou escrevendo esse livro e compartilhando a minha experi- ência, vão aqui as minhas dicas para uma boa e eficiente apresentação visual do seu projeto, que você mesmo pode fazer: Imagens em boa resolução: por favor, certifique-se que a imagem que você está usando tem alta resolução. A imagem precisa ser nítida, não pode ser borrada, fraca, tremida, fora de foco ou fragmentada. As imagens dos bancos gratuitos podem ser baixadas em boa resolução e oferecem opções, entre baixa, média ou alta. Prefira a média. A baixa vai ficar ruim, a alta pode deixar o arquivo pesado. Texto legível: vamos facilitar a vida do leitor? Nada de usar letras em degradê, com sombra ou efeitos desse tipo. Se for usar texto sobre imagem, o texto precisa estar em um local da imagem em que dê leitura, que seja um fundo mais uniforme. Se você colocar um texto em cima de uma foto de multidão, por exemplo, vai ficar ruim para ler. Texto claro: escreva um texto claro e fácil de entender. Deixe a criatividade apenas para a frase de efeito no início, 134 maria dolores mesmo assim, precisa ser uma frase curta e inteligível. No restante do texto, economize adjetivos. Ninguém quer ler um texto dizendo que seu projeto é incrível. Você vai mostrar que ele é incrível pelo conteúdo, pelo que ele é, não pelos adjetivos. Cor da fonte: a fonte precisa contrastar com o fundo para dar boa leitura. Em um fundo claro, escolha cores de fonte escuras. Em fundo escuro, escolha fontes de cores claras. Box: uma alternativa para usar uma imagem que não tenha uma parte em fundo uniforme é colocar o texto dentro de um box, que pode ser um retângulo, um círcu- lo, um quadrado, entre outros. Nesse caso, você mantém na apresentação tanto a foto que quer usar quanto o texto legível. Imagens estouradas: se você não é da área visual, pode usar a técnica da imagem estourada para dar uma cara mais profissional. Imagem estourada é quando ela ocupa toda a extensão da página, de fora a fora. Se a imagem for boa (e você já aprendeu a usar só imagem em boa resolução) vai dar uma cara profissional, bonita e clean. Seja clean: se você não é diretor nem diretora de arte e não entende patavinas de design, por favor, seja clean. Não invente, não tente inovar e muito menos complicar. Numa 135 Como vender e realizar sua ideia apresentação visual, menos é mais. Com imagens fortes, texto legível e organização da informação você alcançará seu objetivo. Num segundo momento, o investidor pode solici- tar uma apresentação mais detalhada, com cronograma de execução, contrapartidas, ações de sustentabilida- de e outras informações. Se pedirem uma apresentação detalhada, não tente adivinhar o que ele quer dizer com isso. Pergunte. As empresas são diferentes, os interesses são diferentes e o olhar é diferente. Pergunte que tipo de informações precisam que constem no material. Só isso. A resposta irá direcionar em que deve aprofundar ou não. 136 maria dolores Consegui uma reunião, e agora? 137 Como vender e realizar sua ideia Você descobriu onde está o dinheiro. Descobriu quem manda no dinheiro. Conseguiu o e-mail. Entrou em contato. Teve retorno. Enviou uma proposta. Outro retorno. E surgiu então um agendamento de reunião para apresentar a proposta detalhada. Parabéns! O caminho ainda é longo, mas você já venceu várias etapas. Antes de ir para uma reunião você precisa ter duas coisas em mente – opostas, mas complementares. O negócio pode dar certo. O negócio pode não dar certo. É claro que você irá se preparar, intelectual, física e emocionalmente para fechar o projeto. Mas para o bem do seu negócio, da sua carreira e da sua vida a longo prazo, precisa ter plena ciência de que há possibilidade real da venda não se concretizar daquela vez. Daquela vez! Algo não dar certo num determinado momento ou em uma negociação, não significa que tudo deu errado. A gente fica chateado quando investe tempo e energia em um projeto e, lá na frente, para de avançar. Mas isso é totalmente normal, faz parte do processo. Ter essa compreensão nos dá segurança e confiança. Uma venda que não prosperou, uma recusa, um declínio, nada disso pode tirar a sua confiança, porque você sabe que é assim. Lembra de quantos e-mails você precisa enviar para ter uma resposta? Para uma negociação avançar? Ao menos cem. Do mesmo modo, você irá em várias reuni- ões que serão excelentes, mas não darão o resultado esperado. Você perde com isso? Não. Você ganha experiência e abre canais. Tece mais um ponto na construção – que nunca termina – de credibilidade, currículo, ou seja, de um 138 maria dolores nome, o seu nome. Compreendido isto, vamos à reunião. Parece banal, mas não é. Cuide do seu visual. Você não precisa ir com a roupa de uma festa, nem deve se transformar em quem não é. É fundamental manter a sua essência, mas é importante se apresentar com um mínimo de organização visual. O que isso significa? Cabelo penteado, roupa limpa, sapato limpo, unhas cortadas, cara limpa, dentes escovados. Você não pode chegar numa reunião suado, sujo, bagunçado. Você pode ter um estilo mais informal, como eu, pode até ser mais desleixado, como eu. Mas para uma reunião você precisa se organi- zar. Ser informal ou não se encaixar nos padrões da moda pode ser um trunfo, mostra que você tem personalidade, que não se deixa levar facilmente, mas ir para uma reunião profissional desleixado não é indicativo disso, pelo contrário, pode dar a entender que você não liga para a reunião e que ela não é tão importante assim. Se você é desleixado com uma reunião, talvez seja com o projeto, não é mesmo? É o que pode intuir quem estiver do lado de lá, mesmo que não faça essa avaliação de forma consciente. Uma vez participamos de uma licitação para a produção de um dos eventos mais importantes de uma das maiores estatais do Brasil. Preparar a proposta para entregar na licitação foi um trabalho intenso, árduo e que envolveu uma série de pessoas, todas trabalhando no risco. Se vencêssemos, todo mundo ganharia pelo trabalho. Se perdêssemos, todo mundo ficaria no zero. Eu fui a Belo Horizonte entregar os envelopes e participar da 139 Como vender e realizar sua ideia licitação, que era presencial. Não tínhamos muito recurso, então fui de ônibus. Saí da rodoviária do Tietê, em São Paulo, no ônibus previsto para chegar à capital mineira às seis da manhã. Daria tempo de deixar minha mala e meu travesseiro na casa dos meus avós, lavar o rosto e trocar de roupa. Na chegada da região metropolitana o trânsito parou. Foi desesperante. Seis, sete, oito horas e o ônibus havia percorrido poucos metros. O Felipe, meu marido, telefonou para saber se estava tudo bem. Não tive cora- gem de dizer que não estava. Era muito esforço, de muita gente, para morrer dentro de um ônibus. Respirei fundo e avaliei quais eram as soluções. Olhei para fora. A única coisa que andava eram as motos, que passa- vam voando entre os carros, ônibus e caminhões. Peguei minha mala, meu travesseiro, a pasta com os envelopes e fui até o motorista. “Moço, por favor, você pode abrir a porta para mim, por favor? Preciso descer.” Ele não podia. Explicou que não podia simplesmente abrir a porta, estávamos na faixa do meio, era perigoso. “Você pode tentar ir para a faixa da direita, então? Por favor”. Expliquei que tinha uma licitação e que muita gente dependia de mim. Com muita dificuldade, setas e buzinas ele conse- guiu deslocar o ônibus para a faixa da direita. Abriu a porta. Desci, agradecida. Estávamos em Betim. Naquela parte da cidade em que ainda não é cidade, mas já não é só rodovia. Havia fábricas, oficinas e três pontos de entre- ga expressa e serviço de motoboy. Fui aos três. “Entrega pessoa, moço?”, perguntei. Nenhuma entregava. “Se for 140 maria dolores entregar esse envelope, eu posso ir junto?”, tentei. Não, não podiam transportar passageiros. Quase desisti. Vi então, mais pra baixo um pouco, um cômodo com uma placa “CHAVEIRO” e uma moto na frente. Pensei “Essa moto só pode ser desse chaveiro”. Ele estava lá, fazendo chaves. Eis o diálogo: - Moço, bom dia, desculpe perguntar, mas essa moto aí na frente é sua? - É, sim. - Desculpa perguntar de novo, moço, mas, por acaso, você tem dois capacetes? - Tenho. - Moço, se eu pagar para você o que você ganha por dia, será que você me leva no bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte? Ele coçou a cabeça, com muita preguiça. Fui então salva pela mulher. Ela apareceu por uma portinha. Havia escutado a conversa. - É claro que ele leva. 141 Como vender e realizar sua ideia Isso foi em 2011. Fechamos a corrida por cento e cinquenta reais. Subi na moto com minha mala, meu travesseiro e a pasta com o projeto e a documentação. Minhas poucas experiências com moto foram na moto do meu padrasto, no interior, só para ir da casa da minha mãe para a minha vó quando eu era pré-adolescente. Nunca mais andei de moto e, muito menos, numa cidade grande e na rodovia, entre carros, trânsito, correria, quebra-mo- las, sinais, escapamentos e pedestres. Foi uma alternativa arriscada. Hoje eu não faria isso. A despeito do perigo da moto, eu não conhecia o chaveiro, poderia ser uma pessoa má, um doido, sei lá. Mas tive sorte. Era só um trabalha- dor com uma moto e uma esposa que sabia não recusar oportunidades. Atravessamos Betim, Contagem, metade de Belo Horizonte e, faltando cinco minutos para às nove, cheguei ao edifício onde seria a licitação. Havia representantes de outras oito empresas participantes. Entregamos os envelopes. Primeiro os da proposta técnica. Depois de algumas horas de discussão interna, a comissão regressou. Nossa proposta fora a escolhida. Passei então mais algumas horas detalhando e conversando com a comissão e com os representantes das outras empresas. Na hora de ir embora, uma mulher e um homem da comissão me chamaram num canto e falaram baixinho: “Parabéns, a proposta é ótima e você também, muito simpática e comunicativa. Gostamos muito de você e, por isso mesmo, escute a nossa dica: nunca mais vá a uma apresentação com o travesseiro 142 maria dolores na mão e o cabelo nessa bagunça”. Eu, que não andava de moto, nem pensei que, ao tirar o capacete, o cabelo – preso num rabo de cavalo - ficaria totalmente bagunçado, parecendo uma louca. O caso pode parecer engraçado, e é. Ainda mais por ter tido um final feliz, que foi ganhar a licitação. Mas me ensinou algo importante, que nunca mais esqueci. Eu só tenho três calças, sendo duas jeans e uma preta. Um par de tênis, uma bota e três sapatilhas. Não tenho paciência nem talento para figurino. Não vejo isso como qualida- de, porque sinceramente invejo as mulheres que andam produzidas ou estilosas. Eu só sei combinar azul com azul. Qualquer variante que eu tente dá errado. Ainda assim, sempre me arrumo para as reuniões de trabalho. Tenho uma camisa de manga comprida, duas de manga curta e um casaco para reuniões. Arrumo o cabelo, com creme ou secador, e passo uma maquiagem básica, só para não ficar com cara de desmilinguida. Base, blush, rímel e batom claro. Pronto. Não estou mais com cara de desleixada. Sou uma convicta de que aparência engana, de que é preciso conhecer um pouco melhor a pessoa para ver se vale à pena ou não, se é confiável ou não, se é o que aparenta ou não. E já vi muita gente ser enganada justamente por confiar em pessoas que “aparentam” poder, confiança e conhecimento. Mas, mesmo sendo convicta de que é preci- so conhecer a pessoa além da capa, é importante ir a uma reunião de venda com o visual minimamente organizado. Essa atitude mostra que você se preocupa com o outro. Ir 143 Como vender e realizar sua ideia de chinelo ou short avacalhado pode indicar que você não está nem aí. E é como eu disse. Se não está nem aí para as pessoas que estarão na reunião, quem garante que estará aí para o desenvolvimento do projeto? Resolvida a questão do visual, o sucesso de uma reunião - seja para fechar o negócio ou para abrir o canal e mantê-lo aberto – passa por dois pontos cruciais: preparação e empatia. Vamos a cada um deles. Preparação: Você já conhece a empresa, pesquisou sobre ela, suas estratégias de crescimento, marketing e suas áreas de interesse. O próximo passo é aprofundar e ampliar essa pesquisa. Estudar todas as informações que conseguir encontrar sobre a empresa. Não só estratégias de marke- ting ou crescimento, mas de sustentabilidade, políticas de desenvolvimento de pessoas, estratégias internas, políti- cas para fornecedores. Você precisa conhecer a empresa, entender a empresa. Mesmo pesquisando e lendo bastan- te, será um conhecimento superficial, de quem está do lado de fora. Todavia, já é alguma coisa. Pois o seu desafio na reunião não é só fechar o negócio, é conseguir mais informações, conseguir que o cliente se abra com você, que sinta confiança para compartilhar os objetivos, o que realmente querem e precisam. Para isso, pesquise também projetos similares ou do mesmo segmento nos quais a empresa já investiu. Não só uma olhada rápida. Procure saber como foi o projeto, ou como está sendo. O que foi legal e o que 144 maria dolores não foi. O que deu certo e o que não deu. Quanto a empresa investiu em cada um desses projetos - se essa informa- ção estiver disponível. Pesquise ainda projetos similares ao seu que estejam acontecendo no Brasil ou no mundo. O que eles têm de positivo, o que não tem, o que pode ser uma inspiração, o que não cabe na sua proposta. É sua obrigação conhecer o mercado. Muita gente chama isso de “conhecer a concorrência”. Nós aqui na Marolo não usamos esse conceito de concorrência. Estamos todos no mesmo barco. Tem espaço para o meu produto, para o meu projeto. Mas tem para os outros também. Aprovei- tando, peço uma pausa para falar um pouco mais sobre concorrência, pois é um tema para se ter em mente. Em janeiro de 2018, divulgamos as datas do nosso Festival de Blues e Jazz, que aconteceria em seis capitais brasileiras, uma delas, Recife. Quando realizamos um evento em uma cidade, verificamos antes para saber se não haverá nenhum outro evento similar na mesma data, ou que possa dividir o público. Não havia nada para a data marcada. Mais tarde, sem ter visto nossa data, um dos mais importantes e tradicionais festivais da cidade agendou sua realização para o mesmo final de semana. Uma diferença favorecia o nosso projeto: o nosso festival era gratuito, o outro era com ingresso pago. Quando soubemos da coincidência de datas, ficamos preocupados. Tudo bem, levaria uma parte do nosso público. Mas, mesmo assim, haveria público e o nosso Festival não dependia de bilheteria, era gratuito, tinha todos os custos pagos pelo 145 Como vender e realizar sua ideia patrocínio. O outro festival também tinha patrocinadores, mas como contava com bilheteria, certamente esse recur- so entraria na composição da receita. Entrei em contato com a organização do “concorrente”. Expliquei a situação e perguntei no que poderíamos ajudar. O evento deles durava dois dias, o nosso um. Durante os intervalos do nosso Festival, que começava de dia e terminava às dez e meia da noite, divulgamos vídeos nos telões sobre o outro Festival e o locutor dizia para as pessoas irem para lá após o nosso, onde a programação seguiria até a madrugada. Não foi a primeira nem única vez que fizemos algum tipo de ação para ajudar a “concorrência”. A mentalidade de compartilhar é importante, e ainda mais nas áreas criati- vas. Como eu disse, estamos todos no mesmo difícil barco, remar juntos fortalece a travessia. Voltando à questão da preparação, pesquise a fundo a empresa, os projetos apoiados ou investidos por ela e os projetos similares ao seu. Chegue para a reunião com o dever de casa feito. A pior coisa é chegar boiando. Quando eu fazia entrevistas no meu trabalho de jornalista, pesqui- sava bastante sobre o tema e o entrevistado antes, mesmo quando não havia os sistemas de busca de internet como existem hoje. E, se precisava fazer perguntas que o entre- vistado já havia respondido um milhão de vezes, eu dizia “me desculpe, você já respondeu isso mil vezes, mas preci- so perguntar de novo, para constar na entrevista”. Essa postura mostrava ao entrevistado que eu me importava com ele, que sabia quem era e o que havia feito. Por incrí- 146 maria dolores vel que pareça, boa parte dos jornalistas chega para uma entrevista sem saber absolutamente nada do entrevistado. É uma vergonha alheia sem fim. Você não pode passar esse tipo de vergonha. Vá preparado para a reunião. Empatia: Cuidado! Não é porque você pesquisou sobre a empresa que pode chegar à reunião falando sem parar. É preciso vigiar a si mesmo para não dizer coisas como “eu sei que vocês agora querem isso” ou “eu sei que vocês fazem isso” ou “eu sei “blá blá blá”. Atenção: você não sabe o quanto acha que sabe. Se preparou, fez um bom trabalho, mas o seu principal objetivo em uma reunião é menos apresentar o projeto em si e suas habilidades de detetive e mais conseguir novas informações e criar empatia. O maior segredo de uma reunião de sucesso é a empa- tia. A empatia gera cumplicidade, destrói as barreiras de resistência e aproxima. Mas, como fazer para alcançar empatia? Sendo simpático? Carismático? Sim, mas princi- palmente sabendo ouvir. Parece fácil, né? Chegar, se apre- sentar, mostrar o projeto e ouvir. Mas não é bem assim que funciona. Você precisa ir de coração aberto, sem escudos, since- ramente pronto para ouvir, compreender e, por conseguin- te, poder oferecer o que a empresa precisa. Quando você consegue criar empatia, a pessoa do lado de lá se desarma, acaba dizendo o que realmente precisa, o que a empresa espera alcançar e, sabendo disso, você poderá ajustar a sua 147 Como vender e realizar sua ideia proposta, ampliando enormemente as chances de fechar o negócio. Há pessoas que são naturalmente propícias a criar empatia, mas mesmo que você não tenha essa habilidade ou traço natural de personalidade, pode aprender e trabalhar para desenvolvê-la. Isso irá ajudar não apenas na sua vida profissional e nas suas vendas, mas a sua vida pessoal também. Os laços que formamos com as pessoas são a base da vida que construímos. Algumas dicas: Seja autêntico: Não tente montar um personagem. Seja quem você é. É claro que é importante se apresentar bem, falar bem, mas se você é uma pessoa tranquila, de fala mansa, não tente parecer um palestrante motivacional. Soará artificial. Use as suas características a seu favor. Você não pode deixar o interlocutor morrer de sono, mas aprenda a utilizar os seus pontos positivos a seu favor. Faça uma lista dos seus traços positivos, aquilo que todo mundo diz que você faz bem, e use na reunião. Se o seu sorriso é conta- giante, sorria, se o seu sotaque é aconchegante, não tente acabar com o sotaque, se você é engraçado, não tente pare- cer sério. Mas faça isso de maneira natural, sem forçar. A linha entre espontaneidade e inconveniência é tênue. Seja você, mas sem exagero. Seja você, mas sem perder de vista que não está na sua casa, está num local de trabalho. Com a energia para cima: Como acabamos de falar, você não precisa se comportar como um palestrante motivacional. Entretanto, mesmo sendo uma pessoa tranquila, não 148 maria dolores pode chegar para uma reunião com cara de desânimo, sono ou qualquer sinal de apatia. Já cheguei para algumas reuniões cansada ou até desanimada, fosse pela viagem ou por estar num dia mais pra baixo mesmo. Então, ao chegar no local, eu pedia para usar o banheiro. Lá, fazia alguns polichinelos ou dava pulinhos. Parece idiotice. Mas não é. Movimento traz energia. E você precisa dela para vender o seu projeto ou a sua ideia. Aceite o café e a água: Eu sempre aceito o cafezinho e a água. Primeiro porque chego com sede nos lugares e porque adoro café. Segundo porque é uma oportunidade para quebrar o gelo. Falar sobre amenidades ajuda a dimi- nuir as barreiras e a minimizar o nervosismo e a ansie- dade. Eu cresci em um município que produz café. Então sempre falo sobre isso de alguma forma. “Aceita café?”. “Aceito, claro, obrigada, minha cidade é um dos maiores produtores de café do mundo, então não recuso um cafezinho”. É verdade, e uma forma de falar de trazer algo ameno para a conversa. Pergunte sobre a pessoa: Por favor, não seja “entrão”, mas as pessoas gostam de falar sobre si. Se tiver oportunida- de, pode perguntar coisas básicas, do tipo “você é daqui mesmo?”, “como começou a trabalhar com isso?”, “tem filhos?” etc. Coisas que você vai perguntar se já não souber e se surgir oportunidade. Só vai perguntar se a pessoa tem filhos caso haja uma brecha ou um sinal. Esteja atento ao 149 Como vender e realizar sua ideia entorno, aos gestos. Esteja atento à pessoa à sua frente, para ver o que pode ou não perguntar, o que é indelicado ou não. Seja solidário: As pessoas têm uma sobrecarga muito grande de trabalho e metas altas e difíceis. Geralmente a rotina é puxada. Então não se esqueça que aquela pessoa que está diante de você escolheu dedicar uma parte do seu precioso tempo para lhe receber. Mostre que você sabe disso e agradeça. Algo do tipo: “Agradeço muito por me receber, sei que sua vida é corrida, não sei como dá conta de tanta demanda, então obrigada mesmo”. Seja objetivo e rápido: Ser autêntico, aceitar o café, conver- sar amenidades, perguntar sobre a pessoa. Isso tudo deve ser rápido, uma palavra aqui, outra ali, para não ocupar demasiado o tempo do interlocutor. Mostre que você se preocupa com o tempo dele, que sabe o quanto vale e não quer desperdiça-lo. E a melhor forma de fazer isso é reali- zar uma apresentação rápida e objetiva. Poucos slides. O restante do tempo, se houver e você conseguir, deixe para a conversa e as perguntas (suas e do interlocutor). Pergunte: Sua meta principal é descobrir o que a empre- sa realmente quer e como isso pode se encaixar no seu projeto ou no seu negócio. Então, pergunte sobre o que a pessoa espera, o que precisa. Deixe claro que, só assim, 150 maria dolores você terá meios para apresentar uma proposta adequada. Eu sempre levo uma apresentação baseada no que pesqui- sei, no que acho que possa interessar à empresa. No entanto, antes de apresentar eu explico. “Eu trouxe a proposta, mas o ideal, para ajustar e trazer algo que realmente seja efetivo para vocês, é saber qual é a demanda, se puderem depois me passar mais algumas informações, eu ajustarei a proposta para atender de forma adequada”. Verba: A questão da verba é muito importante e a reunião é a melhor ocasião para falar sobre isso. Eu costumo explicar da seguinte forma, conforme já mencionei anteriormente, “fizemos essa proposta baseada em um valor, mas seria importante ter uma estimativa ou média de verba disponí- vel para que possamos desenhar uma proposta mais real, porque uma coisa é um projeto para uma verba de trezen- tos mil reais, outra é um projeto para um milhão, os dois serão excelentes, mas são projetos diferentes”. As pessoas nas empresas estão cansadas de saber isso. Quando expli- camos que precisamos de um indicativo de valor por esse motivo, elas costumam entender e passar uma estimativa. Se apenas perguntarmos qual a verba sem explicar a razão da nossa pergunta, pode parecer especulação, curiosidade e as pessoas podem resistir em abrir o valor. Diga não ou peça um tempo: Jamais, em hipótese algu- ma, responda sim a uma pergunta sobre a qual não tenha certeza. Também já falamos sobre isso. Seja sobre valor ou 151 Como vender e realizar sua ideia entrega. “É possível realizar o projeto com cem mil reais em vez de duzentos?”. Se você já sabe a resposta, respon- da: “não”, ou responda, “é possível se reduzirmos isso ou aquilo”. “É possível ter a contrapartida tal?”. Se você não sabe ou não tem certeza, peça um tempo. “Talvez seja possível sim, mas preciso olhar com a equipe” ou “Acho difícil, mas vamos estudar e retorno”. E, sim, você vai real- mente estudar, avaliar e responder com propriedade se é possível ou não e, quando necessário, explicar o porquê. Escute com atenção e interesse: Passe a observar suas conversas. Na maioria das vezes a gente escuta o outro já pensando no que vamos responder ou no que falaremos em seguida. Faça o seguinte exercício: escute, sem pensar na resposta. Escute tentando realmente entender o que a pessoa fala. Preste atenção não apenas nas palavras, mas na pessoa. Nos gestos, nas expressões, na postura. Tudo diz alguma coisa. Se você se esforçar para ouvir o que o outro tem a dizer, duas coisas incríveis acontecem: 1) você percebe coisas importantes que irão ajudá-lo a realmente compreender a mensagem, o que contribuirá para sua apresentação e para proposta em si; 2) o interlocutor vai sentir que você realmente está ouvindo, que está presente, com interesse sincero. Isso quebra barreiras. Seja gentil e agradeça: Mesmo se ouvir um não retum- bante na reunião, agradeça. Afinal, a pessoa reservou uma parte do tempo dela para receber e ouvir você. Aproveite 152 maria dolores para deixar as portas abertas, estreitar os laços. De tempos em tempos você pode mandar um alô, oferecer novas propostas e, principalmente, reforçar que está à disposição. Todas essas dicas acima só irão ajudar você se forem seguidas de forma sincera. Não são técnicas para empregar de forma superficial. São ideias para absorver e colocar em prática de coração aberto. Não há como criar empatia de maneira forçada. Pode até funcionar por um momento, mas a base é frágil. Não dura muito tempo. É preciso se esforçar e praticar, é preciso realmente pensar no outro, no tempo do outro, nos interesses e problemas do outro e levar tudo isso em conta. Se ouvir um não, precisa estar preparado para realmente sentir gratidão, apesar do não. Gratidão pelo tempo que lhe foi dedicado e pela porta que lhe foi aberta. É fundamental incorporar essa forma de ver o mundo e as pessoas. O sucesso e os resultados virão como consequência, mesmo que não de maneira imediata. 153 Como vender e realizar sua ideia 154 maria dolores 3a Parte O que preciso para realizar o meu projeto 155 Como vender e realizar sua ideia 156 maria dolores Habilidades (as que tenho e as que preciso desenvolver) 157 Como vender e realizar sua ideia Transformar seu projeto em realidade dá trabalho. Justamente por isso algumas pessoas conseguem realizar seus sonhos e outras não. Talento faz diferença, sim. Sorte também. Mas dedicação às questões fundamentais para o sucesso do projeto tem mais peso na balança. Embora as pessoas sejam diferentes e valorizar essa diferença seja essencial, algumas habilidades facilitam o processo. Todos nós temos habilidades inatas e habilidades aprendi- das, habilidades que deixamos de desenvolver, outras que desenvolvemos e ainda as que nunca pensamos ser capazes de ter, mas podemos aprender. Aprenda a usar suas habilidades a seu favor. Para isso, primeiro faça um mapeamento delas, separando em três grupos: Habilidades desenvolvidas, habilidades esquecidas e novas habilidades. Habilidades desenvolvidas: É aquilo em que você é melhor. São habilidades que você tem e desenvolveu no decorrer da sua vida. Muitas vezes temos uma visão distorcida de nós mesmos, mas, no fundo, sabemos em que somos realmente bons e em que não somos. Escrita, oratória, disciplina, gerenciamento, planejamento, nego- ciação, liderança, compreensão, criatividade, paciência e lealdade são algumas habilidades. Muitas se confundem com características pessoais. A categoria Habilidades Desenvolvidas reúne tudo em que você já é bom e tem relativa facilidade. Habilidades mais específicas também entram aqui. Dominar um determinado tipo de software, 158 maria dolores pintura em aquarela, escultura em madeira, organização de armário, limpeza de roupas, faxina, direção de veícu- los, correr, realizar embaixadinhas, dançar, apontar lápis, dobrar papéis. O leque é amplo. E tudo pode ser útil. Para você dirigir bem um carro, por exemplo, precisa ter noção de espaço, manter foco e atenção, precisa de bons reflexos, conhecimento do veículo, das regras de trânsito e algum nível de controle emocional. Todas essas habilidades são extremamente úteis para gerenciar um momento de alta tensão. Suponhamos que você este- ja realizando um festival de música. A última banda é a mais esperada. Quinze minutos antes de subir ao palco o artista começa a passar mal, sintomas de uma virose. O que você faz? Algumas das habilidades para dirigir um automóvel são necessárias para gerenciar uma crise como essa e encontrar uma solução. Conseguir manter foco e atenção, para não se deixar influenciar pelo entorno (barulho do público, do show, nervosismo das equipes). Precisa ter capacidade de responder rapidamente, que se assemelha a ter bons reflexos. Precisa conhecer o “veícu- lo”, que nada mais é que o seu projeto. Precisa conhecer as regras, para saber o que pode ou não fazer. O que está envolvido com os contratos do artista, patrocinador, local de realização, fornecedores, público. É possível atrasar a entrada do artista, para ver se ele melhora? Qual o limi- te? O local contratado para o festival permite ir além do horário contratado? A legislação do município permite? É melhor explicar e chamar outro artista que já se apresen- 159 Como vender e realizar sua ideia tou e ainda se encontra no local para tocar um pouco mais? O que diz o contrato desse outro artista? Ou a solução é explicar para todos a situação, pedir desculpas e não fazer o último show nem colocar um substituto? Conhecendo as regras, como as regras de trânsito, você sabe elencar as alternativas. E, por fim, controle emocional é indispensá- vel para uma situação como essa e todas as situações de crise. Se você tem controle emocional no trânsito, use essa habilidade a seu favor em seus projetos. Faça uma relação de todas as suas habilidades já desenvolvidas, todas mesmo. Pergunte às pessoas com as quais convive em que você é bom, desde habilidades bastante visíveis – como cantar – até outras mais difíceis de identificar, como capacidade de aceitação. Com a lista pronta, reflita sobre cada uma delas e as outras habilida- des envolvidas, necessárias para que você faça aquilo bem feito. Terminada a lista, você terá uma relação de habilida- des que você já vem desenvolvendo ao longo da sua vida. Elas são seu ponto forte. Apoie-se nelas para traçar suas estratégias e ações e invista tempo para aperfeiçoá-las. Um músico, por mais genial que seja, nunca para de praticar, porque sempre há o que aprimorar e aprender. Um cien- tista vencedor do prêmio Nobel continua a pesquisar e estudar mesmo após o Prêmio, porque o aprendizado não termina ali. Ciente das suas habilidades, continue a desenvolvê-las, agora com consciência. Habilidades esquecidas: Dos cinco aos quinze anos eu fiz 160 maria dolores ginástica artística, que, na época, era chamada de ginástica olímpica. Eu queria ser a romena Nádia Comaneci, que fez história na ginástica ao tirar dez em todas as suas provas durante uma Olimpíada. No entanto, logo eu percebi que jamais seria a Nádia Comaneci. Eu era alta e desajeitada para o esporte. Mas, os dez anos de prática deixaram algu- mas habilidades esquecidas, que, depois de adulta resga- tei, na figura da estrela. Um movimento simples, que as crianças aprendem na escola, mas poucos adultos realizam. No carnaval, quando o bloco tradicional da minha família vai para o desfile na rua, vou na frente virando estrelas. É meu momento de glória. Às vezes, com meus filhos, eu viro uma estrela e, literalmente, viro uma estrela por alguns minutos, ainda mais se estiverem juntos cole- guinhas da escola. O que isso pode ajudar no meu trabalho? Diretamente nada, mas me dá confiança, sei que sou capaz e quando nos sentimos capazes em algo esse sentimento acaba influenciando outras áreas da vida. Durante a faculdade de jornalismo, nas férias e nas greves eu estagiava na rádio da minha cidade. Tanto na redação quanto na locução. Apresentava jornais, fazia entrevistas e cheguei a apresentar um programa de varie- dades para o público feminino. No dia do atentado de 11 de setembro, nos Estados Unidos, descobri um conhecido que trabalhava ao lado das torres gêmeas e fiz uma longa entrevista com ele ao vivo, enquanto o mundo ainda não entendia o que havia acontecido. Foi um grande momento da rádio local. Terminados a faculdade e o estágio, as habi- 161 Como vender e realizar sua ideia lidades que aprendi na rádio ficaram de lado. Até come- çar a promover eventos. Com equipes enxutas e recursos escassos, em vez de contratar alguém para gravar ou fazer a locução da apresentação dos espetáculos, eu mesma fazia. Resgatei uma habilidade esquecida. Com os eventos cada vez maiores, passamos a contratar apresentadores, mas ainda hoje eu gravo áudios e locuções quando precisamos. Uma vez, estávamos no Teatro Alterosa em Belo Horizonte, para a apresentação da peça “Mãe de Dois”, baseada em meu livro de mesmo nome. Lá, a locução de apresentação não era feita em off, no microfone na coxia. Você precisava ir até a rádio Guarani, do mesmo grupo e no mesmo prédio, e gravar o áudio para soltar quando fosse o momento. Então, fui até lá e gravei. O diretor da rádio adorou minha voz e minha locução. Me convidou para trabalhar lá, pois estavam precisando de vozes femininas. Se não morasse em São Paulo teria aceitado, pois trabalhar em rádio é realmente divertido. A prática no rádio também me ajudou a desenvolver a fala em público e a comunicação, algo extremamente necessário no meu dia a dia profissional. Desenvolvemos várias habilidades ao longo da vida, que vamos abandonando pelo caminho. Esquecidas, mas não desaprendidas. Faça uma segunda lista de todas as habilidades que você desenvolveu em algum momento, veja os pontos fortes delas e o que pode resgatar e aplicar no seu dia a dia para ajudar você a realizar seus proje- tos, desde a concepção até a venda e execução. Você vai 162 maria dolores se surpreender com quantas coisas é capaz de fazer com qualidade. Novas habilidades: Quando me formei na faculdade, voltei a morar em Três Pontas. Na verdade, não deixei de morar totalmente em Três Pontas durante a faculdade. Com longas greves todos os anos passei boa parte do tempo no interior. Além disso, minha turma foi a primeira da universidade a testar a flexibilização curricular. Então, nos dois últimos anos juntei todas as minhas aulas entre terça e quinta e passava metade da semana em Belo Hori- zonte, metade em Três Pontas. Ao concluir a graduação, voltei de vez e arrumei um trabalho no jornal da Cooperativa de Cafeicultores. Escrevia matérias sobre agricultura e, uma vez por mês, um perfil de um personagem interes- sante para a coluna chamada Gente da Terra. Um desses perfis, sobre um sapateiro antigo, me rendeu um prêmio de uma associação de cooperativas e uma máquina fotográ- fica profissional. Numa tarde de terça-feira fui ao Centro Cultural Milton Nascimento, único teatro da cidade, cobrir um evento para os cooperados. Depois de palestras técnicas e demonstrativos da cooperativa, um palestran- te motivacional subiu ao palco. Não era uma missão fácil motivar o empreendedorismo na plateia composta por uma mulher – a única que, na época, cuidava da fazenda da família e participava ativamente como cafeicultora - e duzentos e cinquenta homens de meia idade para cima, criados nos costumes de fazer tudo igual sempre foi. A 163 Como vender e realizar sua ideia propensão para coisas novas era restrita, o que valorizava ainda mais a iniciativa da Cooperativa, que começava a dar sinais de uma busca pela modernização. O palestrante não se intimidou pelo público pouco receptivo. Deu o seu show e, já no início, eu me senti contagiada por aquele entusiasmo, aquelas oportunidades que, segundo ele, a vida nos dava, só dependia de nós sabermos aproveitá-las. Confesso, sou uma pessoa que adora palestras, seja do que for, e me deixo contagiar facilmente pela explana- ção. Lá pelo meio da apresentação o palestrante disse que o que faltava para empreender, para realizar o sonho, era basicamente ter coragem para se expor, para enfrentar os desafios e os medos. “Eu sei que você, empreendedor, está aí na plateia. Você vai conquistar tudo o que quiser, você é capaz”, ele dizia. “Então eu quero que você venha ao palco aqui, agora, você que vai realizar todos os seus sonhos”. Ninguém na plateia se mexeu. Aquelas muitas cabeças brancas sequer se moveram, fosse de preguiça, espanto, animação ou tédio. Era um público respeitoso, ficaria até o fim, mesmo não entendo o porquê daquela palestra alvoroçada. Nessa altura eu já estava totalmente empolgada, pensando em tudo o que faria ainda da minha vida. Eu estava ali a trabalho. A palestra não era para mim. Mas, ao ver que realmente ninguém levantaria a mão, eu pensei: “eu sou capaz, eu vou realizar os meus sonhos” e, mesmo morta de vergonha, levantei a mão. “Se eu fizer isso, posso fazer qualquer coisa”, disse para mim mesma. E realmente foi uma prova. Pior do que eu esperava. O mico que eu 164 maria dolores pagaria no palco me mostraria que posso, sim, fazer qual- quer coisa, mesmo que seja pagar micos e, ainda assim, sobreviver. Já no palco, olhando para aqueles rostos curiosos e confusos, eu me arrependi. Mas não tinha como desistir. Os diretores da cooperativa me olhavam sem entender muito bem. Por sorte eu era uma pessoa querida no trabalho. O desafio do palestrante não podia ter sido mais bobo, feito exclusivamente para a pessoa passar vergonha. Ele disse: “Vou colocar uma música e você tem que fazer uma coreografia”. O quê? Eu pensei. Ciente da minha falta de ritmo e do meu desajeito, eu sabia que a única saída honrosa era fugir, desmaiar ou levar na brincadeira. Então, começou a tocar “YMCA”, do grupo Village People, que sempre tocava em algum momento das festas de casamento. Era a coroação do mico. Pelo menos eu sabia os passinhos e, com as pernas tremendo e o rosto quente – provavelmen- te vermelho – dancei. Não perdi o trabalho, e isso já foi muito. Mas foi mais do que isso. Ao atender ao chamado do palestrante e me dispor a pagar o mico, eu trabalhei no desenvolvimento de uma nova habilidade, que me seria muito útil para vendas, e útil em qualquer projeto: não ter medo de errar, não ter medo de me expor, de tentar, de fracassar. Para colocar um projeto em prática, para realizar os sonhos, essa é uma habilidade essencial e que qualquer pessoa pode desenvolver. Não há uma regra acabada de quais habilidades são necessárias para empreender, para transformar um projeto em realidade, então vou comparti- 165 Como vender e realizar sua ideia lhar com vocês as habilidades que eu, na minha trajetória, precisei desenvolver, resgatar ou aprimorar. Não são um guia, mas um ponto de partida para que você descubra as que serão úteis a você. Trago aqui habilidades pontuais e técnicas e habilidades de comportamento ou enfrentamento da realidade. São elas: Planilhas: você pode não gostar nem ser bom em núme- ros, mas é indispensável saber trabalhar com planilhas. Para montar orçamentos, cronogramas e realizar o contro- le do projeto. Você pode fazer um curso básico ou aprender por si próprio, mas as chances de progredir sem lidar com uma planilha são raras. Você pode dizer: “Ah, mas eu contrato quem saiba”. Ok, você até pode e deve contratar quem saiba melhor que você, mas se você não souber o básico, como fará o controle? Na minha terra dizem “O olho do dono é que engorda o gado”. Lembre-se que o projeto é seu. Mesmo que você queira se dedicar à parte artística ou criativa, precisa saber como anda o restante. Um projeto é um todo. Se uma das áreas não funciona acaba comprometendo o restante. Você até pode alcançar reconhecimento e algum tipo de sucesso, mas em termos financeiros e práticos, sua vida pode se transformar em um caos, um redemoinho do qual ficará cada vez mais difícil escapar. Gestão: no mesmo sentido das planilhas, é necessário entender de gestão. Se você não entende ou não quer fazer 166 maria dolores gestão, é preferível procurar um emprego ou um trabalho em projetos de terceiros. Não que isso seja ruim, depende do perfil de cada um. Você pode ter uma carreira brilhante e realizar muitos dos seus sonhos em projetos de terceiros ou num emprego. Mas, se você quer realizar o seu projeto, quer empreender e transformar suas ideias em negócio, não tem como não aprender a fazer gestão. Nós, da área cultural, temos uma certa resistência. Dizemos a mesma coisa das planilhas “Sou da área criativa, contrato alguém para fazer isso”. Mais uma vez: se você não souber, não entender como funciona e o que precisa ser feito, seu negócio tem grande possibilidade de desandar. Existem diversos cursos, palestras e assessorias gratuitas ou a preço baixo oferecidos pelo Sebrae, por exemplo. Eu fiz vários cursos desse tipo. Se você quiser e puder fazer uma especialização, MBA ou algo semelhante, ótimo, mas os cursos do Sebrae oferecem os caminhos e princípios que ajudam. Não estou fazendo propaganda, mas temos que falar do que funciona, não é verdade? Imagens: Não é preciso procurar um curso, a não ser que queira se especializar na área. Mas é fundamental saber o que é uma boa imagem. Você pode pesquisar na internet e aprender as características para uma imagem boa, que cause impacto e seja profissional. Digo isso, porque muita gente utiliza em seus projetos imagens ruins, distorcidas, desfocadas, com enquadramento ruim, em baixa resolução, em contraluz. A imagem, seja da sua apresentação 167 Como vender e realizar sua ideia de vendas ou de divulgação do seu projeto, deve causar impacto. Além disso, não pode causar desconforto ao público nem espantá-lo. A imagem deve estar legível, inteligível e com boa qualidade. É o mínimo. Design: Um diretor de arte custa caro, você precisará contratar algum em um momento, pois faz uma diferença gigantesca em um projeto. Mas, no dia a dia, para as coisas que acontecem durante o processo de venda ou mesmo de divulgação da sua imagem pessoal no trabalho ou da sua empresa, você mesmo pode resolver as demandas, tal qual expliquei sobre os projetos visuais de venda, que eu mesma crio aqui na Marolo. Existem vários programas e plataformas autoexplicativos que ajudam e podem ser utilizados. Faça um curso ou aprenda na tentativa e erro, experimentando, se arriscando. Ao adquirir esse conheci- mento, quando você contratar um excelente designer para seu projeto ou sua empresa, você saberá o que quer, o que não quer e o que atende ou não aos seus objetivos. Texto: Por amor à língua portuguesa, aprenda a escrever um texto correto. Texto não quer dizer só um livro, uma carta ou um artigo. Um e-mail curto é um texto. Acredito piamente que todo mundo deveria fazer um curso de Português ou redação após concluir a faculdade, o curso técnico ou o ensino médio. Procure ler, um pouco que seja, todos os dias, para exercitar o contato com as palavras. E, por favor, faça uso dos corretores ortográficos e gramati- 168 maria dolores cais dos programas de escrita. Oratória: Se você não souber falar em público, mesmo para um pequeno público – como é o caso das reuniões – enfrentará grandes dificuldades. Não existe outra forma de aprender, a não ser falando. Quando tiver uma reunião, treine a apresentação antes. Apresente para algum fami- liar ou amigo. Para uma, duas pessoas. Treine sozinho, repasse. Pense nos problemas do projeto – todos tem seus pontos fracos -, nas dúvidas que podem surgir, antecipe. Prepare-se. Com o passar do tempo você vai ganhar confiança e ritmo de jogo. Também existem cursos que podem ajudar. Existem cursos para tudo, mas estamos considerando que você está no início dessa jornada e ainda não tem recursos sobrando para investir em cursos, então comece treinando com as pessoas à sua volta. Peça o feedback e aceite as críticas com gratidão, não com raiva. Todas as críticas ajudam no processo. As que realmente tem objetivo de nos ajudar a melhorar e as críticas gratuitas, que tem objetivo de nos rebaixar. “Como uma crítica gratuita e maldosa pode me ajudar?”, talvez você esteja perguntando. A resposta é simples: sempre enfrentaremos críticas sem fundamento, maldosas. Então, é importante aprendermos a lidar com elas e não nos deixarmos abater. Por isso, saber enfrentar uma crítica, analisar para saber se é fundamentada ou não e tirar o melhor proveito é fundamental. 169 Como vender e realizar sua ideia Confiança: Lembra do meu mico no palco dançando YMCA para os agricultores? Serviu para me ajudar a desenvol- ver confiança, além de fortalecer a minha fama de não ser muito boa da cabeça. Todos nós temos confiança em nós mesmos em algum nível. Alguns, pouca confiança, outros demais. Os dois extremos prejudicam a realização de um projeto. Pouca confiança trava o processo, traz inseguran- ça, desestimula a tentar ou ir atrás. Muita confiança costuma tirar os pés do chão, leva a pessoa a se arriscar demais e levar um tombo talvez grande demais, além de passar uma imagem um tanto quanto antipática e arrogante. O ideal é encontrar o meio termo, aquele que nos permite acreditar em nós mesmos para conseguir o que queremos, mas sabendo que precisamos nos esforçar, que precisamos de outras pessoas e que o trabalho é árduo (embora possa – e deva – ser divertido). Uma das maneiras para desenvolver confiança é se conhecer melhor, saber os seus pontos fortes e apostar neles, os pontos fracos e focar neles a fim de aprimorá-los. Para ajudar, pense em algo que você fez e foi muito difícil. Relembrar esse sentimento de supera- ção ajuda bastante. Nosso filho do meio tinha muito medo de cachorro, na verdade tinha pânico, desde bebê. Com o passar dos anos e muito esforço, ele superou o medo, a ponto de, aos dez anos, entrar num canil com vinte cachor- ros. Quando esse meu filho vem falar comigo preocupado com alguma coisa, com medo de fazer algo, de não conseguir, eu o lembro: “Filho, você superou um medo gigante, que era seu medo de cachorro. Lembra? Se você conseguiu 170 maria dolores superar isso, você consegue fazer qualquer coisa”. Temos que descobrir onde está a nossa força e nos apegarmos a ela. Criatividade: Deveria ser a regra, mas nem sempre é. Se você vai trabalhar com um projeto de economia criativa, cultura, inovação, é preciso ter criatividade. Não só para essas áreas, mas para qualquer uma. Criatividade não tem a ver apenas com arte ou cultura. É preciso criatividade para solucionar problemas e encontrar novos caminhos. Criatividade tem a ver com uma forma de ver e estar no mundo. E, num mundo com tanta oferta de tudo, a criatividade é um diferencial importante. “Eu sou de exatas, não sou criativo”. Não se preocupe. Criatividade se apren- de, assim como tudo. Eu nunca serei um Pelé ou uma Elis Regina, mas posso aprender a jogar futebol e a cantar, se me dedicar e praticar. Com a criatividade é a mesma coisa. Todas as crianças usam a criatividade, ou seja, todos nós nascemos com enorme potencial criativo. À medida que crescemos, vamos sendo podados – e vamos podando nossos filhos. A Revolução Industrial no século XIX trouxe avanços no mundo, mas trouxe alguns entraves também. O sistema de educação – que permanece até hoje – passou a se valer do sistema de linha de produção trazido pela Revolução Industrial. As peças (conteúdo) são postas na esteira e os operários (alunos) montam os equipa- mentos encaixando as peças umas nas outras conforme a regra. Esse sistema foi fundamental para o ensino em larga escala, mas há algum tempo já tem sido repensado, 171 Como vender e realizar sua ideia pois mina absurdamente a criatividade. Somos educados para encontrar as respostas “certas”, ou seja, esperadas. Enquanto deveríamos ser educados para buscar a respos- ta, independentemente de ser a esperada ou não. Na vida adulta replicamos o modelo: estamos sempre tentando dar as respostas esperadas. Temos medo de errar e fracassar, porque o erro e o fracasso são vistos como deméritos. E não são. São parte do processo. Quantas ideias deixamos de dar em uma reunião por medo do ridículo? Medo de sermos criticados ou passarmos vergonha? É difícil desa- prender e reaprender, mas temos capacidade para isso, se nos esforçarmos. Há vários artigos e livros sobre o tema, procure se informar melhor. Lembre-se que a criatividade é um ponto chave no seu trabalho e na sua vida. Aqui vão apenas algumas dicas. Mas, mais uma vez, esse livro é só um ponto de partida baseado na minha experiência particular e pessoal. Você pode, e deve, se aprofundar no que achar melhor para a sua realidade. Um bom treinamento, por exemplo, é deixar o celu- lar de lado quando estiver na rua, numa fila ou sala de espera e observar. Observar o entorno. Prestar atenção nas cores, nos cheiros, na temperatura e nos sons. Observar o mundo traz grandes insights. É um estímulo incrível para a criatividade. Faça o exercício algum dia. Saia por aí sem o celular. Observe. Depois anote tudo o que você obser- vou. Não só pela visão, mas pelos outros sentidos: olfato, tato, audição, paladar. Repare nas pessoas, nos cenários e nas situações. Talvez o caminho para a solução que você 172 maria dolores precisa esteja ali. Isso já aconteceu comigo muitas vezes. Não fazer nada, não pensar em nada e relaxar ajuda a resgatar o potencial criativo. Mas é fazer nada mesmo, é observar. Porque se você estiver conectando a mente a um estímulo, o exercício não vai adiantar. Nem música no fone de ouvido pode entrar nesse exercício. Na contramão, você também pode estimular o seu potencial criativo com referências criativas. Ler um livro, assistir a um filme, ir a um museu, ouvir uma música. Se não pode ir presencialmente a um local de criatividade, cultura e inovação, vale ir virtualmente. Interagir com a cultura, a arte e a inova- ção ampliam o repertório e nos traz inspiração, mesmo que o tema do filme você for assistir não tenha nenhuma relação com o seu negócio ou projeto. No entanto, não se limite ao papel receptivo. Seja ativo. Tente desenhar, colorir, recortar, dançar. O exercício aqui não é se tornar um Pablo Picasso. É apenas exercitar e experimentar. Deixar a criatividade sair sem medo do ridículo. Leia uma história para uma criança. Brinque. São pequenas coisas que pare- cem bobagens, mas atividades lúdicas ajudam a despertar o seu lado criativo. Para isso, você precisa se livrar da vergonha. Nós costumamos ter vergonha de brincar. Se você desenhava um boneco quando era criança, ou uma flor, ou o que quer que fosse, tente repetir aquele dese- nho, como criança mesmo. Eu gostava de desenhar um surfista e um barril em uma onda no mar. Fiz muitas vezes o mesmo desenho quando estava no grupo escolar (hoje ensino fundamental), colorindo de lápis de cor, contornan- 173 Como vender e realizar sua ideia do o mar de azul escuro, preenchendo com azul claro. Um traço infantil, mas que gosto de repetir, toda vez que me sento com meus filhos para desenhar. Se não tem crian- ça em casa, desenhe sozinho, para você mesmo. Explore, experimente, libere. A criatividade irá para um outro patamar e, pouco a pouco, fará parte do seu dia a dia. Compreensão do todo: Algo indispensável a quem quer realizar um projeto, ou ter um negócio, é uma visão geral. Aquela capacidade de compreender o todo. Algumas pessoas são melhores para enxergar e focar nos detalhes, outras são melhores para compreender o todo. Se você quiser realizar um projeto seu, ou um negócio, por mais que seu perfil seja de se ater aos detalhes e à parte em vez do todo, precisa exercitar e desenvolver a capacidade de olhar para o projeto como um todo. Essa visão geral é essencial para que você possa tomar decisões. Saber se, num projeto de um festival de música, por exemplo, vale mais a pena reduzir o número de bandas de seis para cinco para que uma das bandas seja de um cachê maior ou manter seis bandas sem investir num cachê mais alto. Se, em um projeto de livro, é preferível ter menos exemplares, em cor e papel com gramatura maior ou mais exempla- res em preto e branco e gramatura menor. Se vale a pena investir em um evento de lançamento ou só divulgação em mídia. Se vale a pena contratar um determinado profissional para uma função ou se vocês podem absorver essa função na equipe existente. Sem a visão do todo, fica difícil 174 maria dolores tomar essas decisões de forma a obter o melhor resultado possível. Persistência: Sem persistência, os projetos, negócios e ideias morrem no meio do caminho – ou até no início do caminho. Hoje queremos tudo rápido, inclusive realizar o projeto e colher os resultados. Mas o caminho para uma carreira e um negócio bem-sucedidos geralmente costu- ma ser mais lento do que desejaríamos. Por mais que estejamos vivendo num mundo acelerado, as coisas têm seu próprio tempo. Você precisa desenvolver sua ideia, detalhar, fazer orçamentos, cronograma, traçar um plano de ação e ir atrás dos recursos para, finalmente, executar. Esse processo não acontece da noite para o dia. O ideal, para um projeto cultural, por exemplo, é começar a traba- lhar, no mínimo, um ano antes do esperado para o início da pré-produção. Se quero realizar um evento de Natal, preciso começar a trabalhar, ao menos, em novembro do ano anterior. Isso para projetos mais simples. Os mais complexos demandam mais tempo, mesmo que você consiga realizar antes do esperado. E a venda, sim, exige muita persistência. Porque você vai receber muitos nãos. Mais nãos do que sins. E isso nos leva à última habilidade que vou abordar aqui, a resiliência. Resiliência: Não estamos acostumados com a frustração. E, como ela sempre vem em algum momento, tem o potencial de nos derrubar. Muita gente desiste depois 175 Como vender e realizar sua ideia de uma frustração. Ou leva o não para o lado pessoal e passa a cultivar ressentimento pelo não recebido, pelo que não deu certo. Ressentimentos em relação aos outros, ao mundo ou a si mesmo. Como já vimos, temos que deixar as portas abertas e aprender com as vivências. Não deu certo agora, tudo bem, uma hora vai dar, vamos ver o que é preciso ajustar, pois sempre há o que ajustar. Talvez tenha que buscar outro tipo de investidor, público, projeto ou negócio. Talvez tenha que me capacitar mais, aprimorar e desenvolver outras habilidades. Talvez seja necessário fazer uma mudança radical. Ou talvez tenha só que continuar, persistir e acreditar. O principal é não desistir nem se deixar desanimar. Faça planos e metas para curto, médio e longo prazo. Isso ajuda a não desistir. Receber um não após a apresentação de um projeto a uma empresa está nas metas de curto prazo, não influenciam a meta de longo prazo que é realizar o projeto. Ter ciência disso ajuda a aceitar aquele não como parte do processo e persistir. Se você só tem objetivos de curto prazo, as chances de as ideias morrerem no início são grandes. Mas, atenção: é preciso ter metas de curto e médio prazo também, que são justamente o passo a passo do que você precisa fazer para alcançar seu objetivo a longo prazo. Comece escrevendo a meta de longo prazo, que, em relação a um projeto, é o tempo para a sua realização. Um ano, dois, cinco. Mesmo que a meta de longo prazo do seu projeto seja de um ano, pense no seu negócio de forma mais ampla, envolvendo não só um projeto específico, mas um empreendimento. 176 maria dolores Trace metas para cinco e dez anos também. Em seguida faça a relação das metas de curto e médio prazo para alcançar a sua meta final, tanto para o projeto quanto para o negócio como um todo. Claro que todo planejamento precisa ser flexível – e falaremos sobre planejamento a seguir – mas se você não tiver esse passo a passo, mesmo que vá ajustando pelo caminho, fica muito difícil seguir adiante e fica mais fácil desabar com as frustrações que, certamente, surgi- rão. Quando a gente enxerga esses pequenos passos como parte de uma vida que é muito mais do que isso e como parte de objetivos a longo prazo, é mais fácil se recuperar de uma frustração e ter resiliência. 177 Como vender e realizar sua ideia 178 maria dolores Planejamento 179 Como vender e realizar sua ideia Na maioria dos projetos que não acontecem ou dão errado, um dos principais vilões é o erro ou falta de planejamento. Planejamento em todas as etapas. O planejamento deve estar presente não apenas no cronograma de execução do projeto em si, mas em todo o processo e em todas as esferas. Levar um projeto adiante baseando- -se na intuição é um passo em direção a problemas. Nosso primeiro grande projeto, o Festival Música do Mundo, foi feito sem planejamento correto, por inexperiência. Entre- tanto, inexperiência não é desculpa. Nós poderíamos ter estudado mais, buscado mais informações e planejado melhor. Fizemos no impulso, na ânsia de realizar e de colocar aquela linda ideia em prática. O resultado artístico foi superpositivo. O resultado financeiro foi um desastre. Levamos dez anos para pagar todas as dívidas e prejuízos. Talvez nunca tivéssemos conseguido nos recuperar, talvez tivéssemos desistido de trabalhar com cultura, projetos e eventos. Quando me perguntam se eu faria tudo de novo, porque, no final das contas, foi a partir do Festival Música do Mundo que entramos no universo da produção cultural, eu respondo que não, claro que não faria tudo de novo. Faria melhor. Poderia ter feito um lindo evento, sem prejuízo e com remuneração justa. Quando falamos em planejamento, no entanto, parece algo muito amplo e pouco palpável. Está certo, é preciso planejar. Mas, como e por onde começar? Para ajudar no planejamento do seu projeto, vou apresentar como colocá-lo em prática em diferentes áreas. São apenas 180 maria dolores alguns exemplos para ajudar você a compreender a impor- tância do planejamento, mas você mesmo vai saber como deve ser aplicado para o seu tipo de projeto. Cada caso é um caso. De todo modo, exemplos nos ajudam a termos uma ideia de caminhos por onde seguir. Cronograma: a primeira coisa a se planejar é o cronograma. Já falamos sobre isso, de como é importante ter um cronograma factível quando for oferecer o projeto ao patrocinador ou investidor, para saber se existe possibili- dade para negociar datas e prazos de realização e entrega ou não. O cronograma, no entanto, é importante não só por causa da sua negociação em busca de recurso, é importante por tudo. Se você não fizer um cronograma bem-feito, terá surpresas ruins e prejuízos. Você deve saber quanto tempo precisa da pré-produção até o projeto estar na rua, e também quanto tempo precisa para a pós-produção, que é algo que a gente às vezes esquece. Ainda em relação ao Festival Música do Mundo até que nos saímos bem no planejamento do cronograma da pré à produção. Quando o evento terminou, meu sócio e marido Felipe e minha mãe, Cíntia, estavam no local do evento, já vazio, e ficaram olhando um para o outro. E agora? Havia tendas, computadores, equipamentos, materiais de palco etc. Exaustos e sem dormir, os dois saíram em busca de carregadores, seguranças e pessoas para ajudar. Não é uma mão de obra que se encontre fácil e disponível por aí, ainda mais numa cidade pequena do interior. Às sete da manhã, trabalhado- 181 Como vender e realizar sua ideia res de uma fábrica próxima saíram do turno. Então, minha mãe e o Felipe foram até os trabalhadores e propuseram o negócio: ajudar a carregar materiais para lá e para cá. Toparam. Não resolveu a situação, mas amenizou, por um preço maior e que, simplesmente, inexistia no orçamen- to previsto. Então, jamais inicie-se na deliciosa aventura de colocar um projeto em prática sem antes trabalhar no cronograma de ponta a ponta. A melhor forma para evitar e minimizar os erros é fazer um cronograma de frente para trás, conforme já vimos. A data a ser projetada, para desenhar seu cronogra- ma, é a data do evento ou data do lançamento do produ- to. Já traçamos esse percurso com o lançamento de um livro, quando falamos deste assunto anteriormente. Agora vamos ao exercício de montar um cronograma para um festival de música com duração de um dia. Data do evento: 30 de outubro. Prestação de contas e pós-produção: 30/10 até 30/11, considerando um mês. Para os shows acontecerem em 30/10, a passagem de som precisa acontecer em 29/10. 182 maria dolores Para a passagem de som acontecer em 29/10, palco, som, luz e estrutura de camarins precisam estar montados até 28/10. Para som e luz serem montados dia 28/10, o palco precisa estar pronto até 27/10. Para o palco estar montado até 27/10, no caso de um palco grande como o do nosso festival, é necessário começar a montar o palco em 22/10, quando também já pode ser iniciada a montagem da estrutura de camarins, pórticos etc. Ou seja, para que o festival aconteça em 30/10, a montagem deve ser iniciada em 22/10. Essa informação é fundamental não só para que o evento aconteça no prazo e com a qualidade esperada, como para projetar o orçamen- to corretamente. Uma coisa é locar um espaço para um dia de evento, outra é locar para um dia de evento e sete dias de montagem, mais alguns de desmontagem. Aliás, assim que você terminar esse cronograma de frente para trás, vá até o dia do evento ou lançamento do produto e faça o cronograma detalhado de pós-produção. Por exemplo, uma estrutura como esta leva cerca de cinco dias para ser desmontada. Então é necessário incluir cinco dias de desmontagem. Na pós-produção também entram conso- lidação de clipping, mensuração de clipping, elaboração 183 Como vender e realizar sua ideia de relatórios de prestação de contas, vídeos e materiais de pós-evento. Inclua tudo isso no seu cronograma. Já falamos sobre a montagem do evento em si. Mas, para poder montar o evento e realizá-lo dia 30 de outubro os contratos com a maioria das bandas têm que estar fechados seis meses antes. Por que tanto tempo? Para você conseguir bons artistas para seu projeto, para comprar passagens aéreas por um preço razoável e garantir hospedagem a preço razoável. Quando você contrata logística com antecedência, uma passagem aérea nacional pode sair a 250 reais, se for em cima da hora, pode chegar a 3 mil reais. Aqui, outra dica importante para controlar os custos. Já tivemos muitos prejuízos e gastos extras com a troca de passagens de artistas e suas equipes. Há alguns anos incluímos uma cláusula no contrato, uma ideia, aliás, da Flávia Gomes, nossa prima e produtora responsável pela logística, entre outras coisas. Uma vez dado o ok do artista para aquela passagem aérea, se ele ou alguém da sua equipe quiser trocar, deve arcar com os custos da troca. Se não fizermos isso, cada dia aparece um pedido de troca, pois surgem outros trabalhos para o artista no decorrer do tempo. Antes a banda sairia do Rio de Janeiro para São Paulo, mas apareceu um show e agora precisam mudar quatorze passagens para sair de Recife para São Paulo. É um custo não previsto enorme. Se essa combinação estiver no contrato, você minimiza muitos gastos extras. Para começar a contratar as bandas seis meses antes, o recurso deve estar fechado até 30 de abril. 184 maria dolores Para estar com o contrato de patrocínio ou investi- mento assinado até 30 de abril, você deve ter começado a venda do seu projeto em, pelo menos, agosto do ano anterior. Para começar a venda do projeto em agosto do ano anterior, o projeto deve estar formatado e desenhado. Resumindo, para realizar um festival de música de médio a grande porte em outubro de 2023, será necessário começar a trabalhar nele, pelo menos, em maio de 2022. Esse é um cronograma viável, embora, dependendo do tamanho do Festival seja necessário começar antes. assim: No caso desse projeto, o cronograma geral ficaria 185 Como vender e realizar sua ideia 186 maria dolores Esse foi apenas um exemplo, um exercício de como deve ser pensado e montado um cronograma factível. Como você viu, planejamento é fundamental. Além da noção temporal, o cronograma é uma ferramenta que ajuda a dimensionar tudo o que será necessário para a execução do projeto. Com o cronograma em mãos, fica mais real dimensionar o tamanho da equipe, as funções que precisam ser exercidas, as demandas de contratação. Para dimensionar tudo isso, basta você fazer uma pergun- ta para cada item do cronograma: “Para que isso aconteça, o que eu preciso providenciar ou contratar?”. Não tenha preguiça, este é o seu negócio. Destrinche item a item do cronograma tendo esta pergunta em mente. O que é neces- sário providenciar para que o palco esteja montado? O que preciso contratar? Que tipo de palco? O palco se monta sozinho? Precisa de equipe técnica? Carregadores? Ele se limpa sozinho? Precisa de limpeza? Precisa de seguran- ça? Como é o espaço onde o palco ficará? É cercado? É na rua? É necessária alguma autorização da administração pública? Enfim, são muitas perguntas que desdobram desta pergunta inicial. Então, não deixe de questionar a cada item: “Para que isso aconteça, o que eu preciso providenciar ou contratar?”. Tempos e Movimentos: Poderia entrar em cronograma, mas como é algo bem pontual e específico, o melhor é trabalhar Tempos e Movimentos de forma separada. Mesmo porque, você não vai desenvolver seu cronograma 187 Como vender e realizar sua ideia de Tempos e Movimentos um ano e meio antes do evento ou lançamento do produto, pois não terá ainda as informações necessárias. Tempos e Movimentos é uma planilha na qual você detalha, hora a hora, tudo o que vai acontecer durante a montagem, execução e desmontagem do evento, seja um Festival, um espetáculo ou um lançamento de um livro ou produto. Já aconteceu de você estar a poucos minutos do evento começar e perceber ter esquecido alguma coisa? Pense em um evento particular. Uma festa de aniversário. Faltando meia hora você lembra que esque- ceu de buscar o bolo, ou esqueceu de comprar a vela, ou esqueceu de papel higiênico e guardanapo? Minha mãe sempre fazia lindas decorações para meus aniversários. Ela, meus avós, tios, tias e tias passavam dias confeccionando os enfeites. Meu aniversário de oito anos foi do tema “Fundo do Mar”, com cavalos marinhos de papel crepom, peixes em balões, cartolinas, painéis e celofane. Tudo lindo, até que os convidados começaram a chegar. Chegaram os parentes e os adultos, mas, nada das crianças. Eu havia esquecido de chamar meus colegas de escola, minha mãe também havia se esquecido daquele insignificante detalhe. Só não foi uma tragédia completa porque era uma cidade pequena e eu e minha madrinha saímos com minha melhor amiga e fomos nas casas dos meus colegas carregá-los para a festa, alguns de pijama. Se você não tiver um cronograma detalhado de tudo o que precisa fazer, receber e checar na montagem, execução e desmontagem, pode acabar se esquecendo do principal. 188 maria dolores Mas, em vez de falar e falar, acho mais produtivo demons- trar com um exemplo real. A planilha de Tempos e Movimentos abaixo foi utilizada em um dos nossos Festivais de música. Na nossa equipe, a Mariana Mariano, outra prima e excelente produtora, é quem monta os cronogra- mas de Tempos e Movimentos da estrutura dos eventos e é a responsável, entre outras coisas, pela montagem e desmontagem. Costumo dizer que a Mariana é a “prefeita” do evento, ela comanda tudo no local. Cada projeto tem suas características e necessidades particulares, mas o exemplo abaixo é um bom sinalizador para você não passar apuros totalmente dispensáveis. 189 Como vender e realizar sua ideia 190 maria dolores 191 Como vender e realizar sua ideia 192 maria dolores 193 Como vender e realizar sua ideia Para concluir esse tópico, vamos a mais uma dica. Minha tia Betina, que faz parte da nossa equipe nos projetos, tem uma forma muito eficiente de pensar sobre o even- to para ver o que pode estar faltando ou não, se está tudo contemplado ou não. Ela faz o caminho do evento mentalmente. “Chego na entrada, tem pórtico? O pórtico tem iluminação? Tem segurança? Onde está o segurança? No caminho tem banheiro químico? Os banheiros têm papel? Quem vai levar o papel? E a limpeza?” E assim, realizando o percurso visual do evento, passando por todos os locais, é possível analisar o cronograma de Tempos e Movimen- tos e completar com o que estiver faltando. Divulgação: Outro erro recorrente nos projetos é não pensar na divulgação com antecedência. Deixar para pensar próximo à execução e realizar sem planejamen- to, fazendo o que todo mundo está fazendo, ou fazendo o que ouviu dizer que as pessoas fazem ou que projetos similares fazem. Cada projeto é um projeto. Você pode não ser da área da comunicação, mas lembra das habilidades que precisa desenvolver? Você precisa ter alguma noção. Saber o que funciona para cada tipo de projeto ou produto. Antigamente as plataformas eram limitadas. Rádio, jornal, revista, televisão, guias, panfletos, folders, cartazes, outdoors e pequenas variações disto. Hoje, o limite é a sua imaginação. Você pode utilizar os veículos convencionais ou pode apostar tudo nas redes sociais. Você pode usar um pouco de cada ou pode fazer uma ação de divulgação 194 maria dolores pontual, como um concurso ou um evento. O importante é saber qual público precisa atingir e quais os melhores canais para chegar a este público. Quando fazemos shows em cidades pequenas do interior do Brasil, um dos canais mais eficazes de divulgação é o carro de som, que passeia pela cidade divulgando o projeto. É claro que é importante fazer o reforço com jornal, outdoor, rádio e internet, mas o carro de som é um dos principais. No orçamento, para saber quanto custará o projeto, você deve prever uma verba para divulgação. De acordo com essa verba, será possível avaliar as opções de divulgação com o melhor custo-benefício. Seria incrível divulgar na tv, mas a verba dá para isso? Se der para uma única veiculação na tv, vale à pena ou é melhor investir toda a verba em redes sociais. Qual o impacto? O importante é planejar, mesmo que depois seja necessário ajustar, o que acontece bastante em divulgação, por ser uma área muito dinâmica. Prestação de contas: A prestação de contas começa no primeiro dia de trabalho, e não no final. Os maiores problemas com prestação de contas acontecem porque as pessoas começam a se preocupar com ela no final do projeto. É uma corrida contra o tempo e, como não dá para voltar atrás, uma corrida perdida, pois é impossível recuperar papéis e refazer ou desfazer ações. Atenção: prestação de contas não é exclusiva para projetos realizados via lei de incentivo ou com recursos públicos. Você sempre precisará prestar contas, nem que seja para você mesmo. 195 Como vender e realizar sua ideia Não há como saber se projeto ou negócio deu resultado se não tiver uma prestação de contas. No caso de projetos realizados via leis de incentivo ou com recursos públicos, é fundamental ler, conhecer e assimilar todos os processos obrigatórios e o que será avaliado – e se ater a eles desde o início. Quais os comprovantes de pagamento você precisa apresentar? Como devem ser realizados esses pagamen- tos? Quais os tipos de contratação? Inúmeras irregulari- dades decorrem da falta de atenção e cuidado com esses procedimentos. Vamos a alguns erros frequentes: • Todo pagamento deve ser formal, ou seja, o prestador de serviço precisa emitir uma nota fiscal ou um RPA ou ser funcionário contratado. Na correria, muita gente acaba pagando informalmente e isso pode causar a reprovação das contas do projeto e devolução dos recur- sos (no caso de projetos via lei de incentivo ou com recursos públicos) ou pode dar a você uma visão equivocada do resultado final do projeto ou negócio. Afinal, um pagamento informal e sem registro pode ficar perdido e o projeto terá um resultado menor do que o aparente. Se você fez um pagamento informal no valor de três mil reais ou de cem reais, pode ser que seu resultado seja três mil reais ou cem reais menor do que o apontado ao final caso você não tenha uma prestação de contas condizente com a realidade. • Outro erro frequente é efetuar pagamento na 196 maria dolores conta errada. Se você contratou um prestador de serviços e ele enviou a nota fiscal, o paga- mento só pode ser realizado em conta bancária de titularidade do CNPJ do prestador de servi- ço. Acontece muito de a empresa enviar a nota fiscal de um CNPJ e uma conta de outra titulari- dade, seja conta bancária pessoal do diretor da empresa ou de outra empresa do mesmo grupo, por exemplo. Você recebe a conta e, sem ques- tionar, paga. Nem repara que a conta estava em outro nome ou só descobre muito tempo depois, ao ter as contas reprovadas ou um problemão com a Receita Federal. E que problemão! Então, sempre que for efetuar um pagamento, esteja atento a esse detalhe fundamental. • Mais uma armadilha terrível é se descuidar dos impostos. É indispensável ter um contator ou contratar um contador para o projeto, porque há muitas variações. Quando você faz um pagamento de nota fiscal, precisa saber se deve ou não reter parte do pagamento e recolher impostos ou se o pagamento da nota é integral e o recolhimento de impostos é por conta do contratado. Só um contador saberá dar a orientação correta. Os exemplos acima são apenas para demonstrar o 197 Como vender e realizar sua ideia quanto é importante enxergar a prestação de contas como algo que acompanha todo o processo de realização do projeto, desde o início. Orçamento: Mais um dos grandes erros de planejamento de um projeto e o principal responsável pelos prejuízos é o orçamento fora da realidade. A maioria dos orçamentos não contempla todos os itens necessários para a realização do projeto, ou dimensiona de forma errada. Por exemplo: não inclui diretor de arte ou designer porque você tem um primo que pode quebrar um galho, ou porque você mesmo é capaz de fazer a arte. Ou, você não prevê assessor de imprensa porque, como eu, é jornalista e pode fazer o trabalho. Eu, aliás, fiz assessoria de imprensa para vários projetos nossos. Mas acumular funções e contar com quebra galhos não deve ser a sua primeira opção. Você deve prever tudo no orçamento e trabalhar para conse- guir o recurso realmente necessário para realizar um bom projeto, em que todos os envolvidos sejam devidamente remunerados. A decisão de acumular funções ou quebrar galhos deve vir depois, caso você avalie que não há alternativa viável. Eu gosto de fazer assessoria de imprensa, gosto de escrever releases, mas o tempo de dedicação necessário para isso rouba o tempo que eu deveria estar empregando em gerenciar o projeto como um todo. E não é humanamente possível realizar bem várias funções simultâne- as. Em alguma delas você deixará a desejar, sem falar na 198 maria dolores sobrecarga de trabalho, estresse e esgotamento. Palavra de quem já passou por isso muitas vezes: não vale a pena. Nem pelo dinheiro, nem pela saúde, nem pela qualidade ou resultado do projeto. Você não precisa fazer uma coisa só. Nós, que temos empresas pequenas, precisamos fazer várias coisas. Mas há um limite e é crucial descobrir o seu. Para ter mecanismos para avaliar se conseguirá, saudavelmente, realizar mais de uma função, ou quais funções, faça a conta que pouca gente faz: quantas horas de trabalho são necessárias para realizar determinada ação? De acordo com o livro “168 Horas”, de Laura Vanderkam, o tempo é o recurso mais democrático que existe. Está disponível para todo mundo de forma igual. No entanto, não é renovável. Se passou uma hora, essa hora passou, não volta mais. Todos nós temos 168 horas por semana. O que costumamos fazer é colocar na agen- da mais coisas do que somos capazes de realizar. Se você dormir oito horas por dia e gastar duas horas por dia entre higiene pessoal, alimentação e cuidados básicos, são 10 horas por dia, 70 horas por semana. Sobram 98 horas por semana ou 14 horas por dia. Suponhamos que você tem família e amigos e dedique os finais de semana a eles. Nesse caso, mesmo que você só trabalhasse de segunda a sexta, sem qualquer tempo dedicado à família, amigos, lazer, redes sociais etc, você teria 14 horas de trabalho por dia. Nessas 14 horas por dia (que são irreais, mas supo- nhamos que você tenha super poderes) é possível gerenciar o projeto, cuidar do atendimento ao investidor ou 199 Como vender e realizar sua ideia cliente, cuidar das finanças, fazer curadoria, gerenciar a produção e ainda escrever e enviar releases, ligar para os veículos e jornalistas, influenciadores, conversar com eles para tentar engatar uma pauta, agendar entrevistas, fazer a ponte entre os entrevistados e os entrevistadores, supervisionar o clipping e muito mais, com a atenção e cuidados necessários e com qualidade? Não existem horas disponíveis para tudo isso, simples assim. Algo ficará sem ser feito, ou será malfeito. Por isso, se você quer realizar um projeto de sucesso, inclua no seu orçamento todos os itens e funções necessários. Outro equívoco é superdimensionar o projeto de acordo com o investidor ou cliente potencial, vulgo “cres- cer o olho”. O mercado é profissional e as pessoas sabem quanto custam as coisas. Definir o valor do seu trabalho pelo cliente é arriscado e trabalha contra a sua credibilidade. Claro que você pode dar um desconto ou reduzir sua remuneração ou seus ganhos se o cliente ou investidor tiver poucos recursos e você achar que vale à pena, seja por ser um bom parceiro a longo prazo, seja por querer apoiar ou ajudar. Mas, jogar o valor para cima porque o cliente tem dinheiro, não é a melhor alternativa. Você deve definir o valor pelo valor que as coisas têm, consideran- do todas as variáveis. Se você vai gerenciar um grande e complexo projeto, obviamente a sua remuneração deve ser maior. Se é um projeto pequeno e simples, pode ser menor. Você pode consultar preços de projetos e serviços nas tabelas desenvolvidas pela Fundação Getúlio Vargas, 200 maria dolores que oferecem um parâmetro por Estado. A prestação de um determinado serviço em São Paulo tem um valor médio, já em Manaus, tem outro. Varia por região, estado e também pelo currículo do prestador de serviço. Nem sempre essa tabela da FGV é atualizada, mas serve de base para um pontapé inicial. Existem outros indicadores de preços, outras tabelas de associações e conselhos regionais. Essas tabelas, no entanto, são apenas indicadores. Quando você for montar um orçamento faça o trabalho que tem que ser feito: orce cada item. Nós reali- zamos sempre três orçamentos para cada item, porque, assim, temos uma ideia concreta dos valores. Recebemos orçamentos bem baixos, bem caros e outros no meio termo para um mesmo item. Então, com base na experiência que vamos adquirindo e no currículo do prestador, conseguimos saber qual o valor é real e acessível para nosso projeto, a fim de alcançar o melhor custo-benefício. Chutar um valor é simplesmente inadmissível. E o pior é que tem quem faça isso. Eu mesma já fiz e sempre deu errado. Dá trabalho realizar três orçamentos para uma planilha de cem itens? Dá. Mas, em qualquer setor, todo trabalho dá trabalho para alcançar êxito. E, lembre-se, isso não significa que você vai morrer de trabalhar. Organização da agenda: Nós temos três filhos, como já disse, nas idades de 5, 10 e 23 anos. Fiquei grávida pela primeira vez aos dezoito anos e, pela última, aos 37. São vinte e três anos cuidando de criança. Passei no vestibu- 201 Como vender e realizar sua ideia lar em uma semana, descobri que estava grávida na outra. Justamente por ter tido filho tão nova e querer ser uma mãe presente, nunca procurei ou tive um emprego. Fui uma desempregada declarada desde o primeiro dia do início da minha vida profissional. Busquei alternativas para que me sobrasse tempo para cuidar do meu filho e depois do outro filho e depois do outro. Sempre trabalhei bastante, mas nunca desesperadamente - e com horários flexíveis. Ou seja, você pode trabalhar com afinco no seu negócio, crescer profissionalmente sem desistir da vida pessoal. Basta organizar e planejar. E aqui, outro alento, dá para organizar mesmo sendo uma pessoa desorganizada, como eu. Eu não tenho disciplina, tenho dificuldade de manter as coisas nos lugares, de fazer e manter uma dieta e de seguir as regras para viver bem. Tenho inveja das pessoas que conseguem organizar a vida certinha e possuem autocontrole para os horários das refeições, para o que escolhem para as refeições, para a atividade física, para o sono de qualidade, para a casa e a vida em ordem. Não sou assim, mas me dedico para fazer o meu melhor, dando foco à algumas prioridades. E isso já é o suficiente para realizar grandes projetos e sonhos e estar presente para a família. Por exemplo: meus filhos sempre estudaram no período da tarde, porque para o meu tipo de trabalho a tarde rende mais. Então, durante a manhã eu respondo alguns e-mails importantes, escrevo algo se conseguir, faço uma reunião ou outra quando necessário, 202 maria dolores mas o restante do tempo é dedicado para os filhos, a casa, caminhada ou ginástica (tenho me esforçado) e resolver problemas do cotidiano. De tarde eu me concentro no trabalho, das 13h às 18h. São cinco horas que, bem empregadas, rendem muito. Nos domingos pela noite eu gosto de preparar a agenda da semana. Não que eu tenha que seguir tudo à risca, mas pelo menos funciona como um guia. Há muitos anos eu tenho agenda, dessas de papel, porque gosto de papel. Mas você pode usar uma agenda eletrônica ou um apli- cativo, existem vários. Antes de organizar a agenda por semana, minha segunda-feira era lotada. O que eu fazia, basicamente, era uma lista de tarefas e pendências e, claro, não conseguia cumprir nem metade na segunda-feira. Na verdade, nem um terço, nada. Era frustrante e pouco produtivo. Em 2014 participei do EMPRETEC, um progra- ma de empreendedorismo do Sebrae. Ganhei um livro em uma das dinâmicas em que meu grupo se sobressaiu. Eu detestei a capa e o título. Como uma leitora assídua de literatura, torcia o nariz para qualquer publicação que soasse autoajuda. O livro ficou parado na estante, só não doei porque tinha dedicatória dos professores do curso. Um ano depois, eu estava uma noite em casa desesperada para ler algum livro novo. Já havia lido todos os meus, de Dostiéviski a Machado de Assim, Paul Auster a Gabriel García Márquez, Mia Couto a Phillp Rolth. Peguei o tal livro na estante para dar uma olhada. O título me dava arrepio, e a capa também. Chamava-se “Os 7 hábitos das 203 Como vender e realizar sua ideia pessoas altamente eficazes”, de Stephan Covey. Comecei a folhear, ler uma coisa aqui e outra ali e me surpreendi. Já li quatro vezes. Quebrei meu preconceito arraigado contra qualquer coisa que pareça autoajuda. Há livros bem bobos realmente, superficiais, mas há outros que são resultado de pesquisa e experiências que efetivamente podem acrescentar algo na nossa vida, dependendo de cada caso. Foi só por ter quebrado esse preconceito que eu, por exemplo, estou escrevendo esse livro. A experiência com as palestras que ministramos quando executamos projetos me mostrou que compartilhar nosso conhecimento e vivência pode abrir alguns caminhos e facilitar a vida de outras pessoas que querem se aventurar nesta área criativa. Enfim, o livro me ajudou muito. A gente não deve acreditar cegamente em tudo o que lê. Cada autor tem suas crenças, suas teorias e sua subjetividade. Mas uma boa leitura consiste justamente em identificar o que serve para você ou não. Se você achar que tudo o que leu em um livro serve exatamente para você sem qualquer questionamento, respire fundo, pode haver algum problema aí. Seguir de olhos fechados algo que outra pessoa pensa ou diz é dar um salto perigoso no escuro e deixar de ser você. Logo no início da leitura eu compreendi que o autor era um típico homem americano branco, provedor do lar, conservador e religioso. O que não é ruim nem bom, só estou ressaltando que eu sabia de onde ele falava, então algumas coisas não serviam para mim. Essas eu descartava. Mas, o autor não era só isso. 204 maria dolores Era um grande estudioso e conhecedor das dinâmicas humanas. Descartei as características que não tinham a ver comigo e aproveitei o que tinha. Foram vários ensina- mentos e que, aliás, valem a pena para quem quer empreender e ter uma vida equilibrada, seja no âmbito pessoal ou profissional. Dois ensinamentos melhoraram muito minha vida e tenho procurado colocar em prática desde 2014. O primeiro é organizar a agenda pelo período de uma semana. Não de um dia, um mês ou em listas intermináveis. Organizar significa distribuir. Como não dá para fazer tudo em um dia, você distribui tudo o que é importante para você e o que é prioridade ao longo dos sete dias da semana. Traz alívio emocional e aumenta a produtividade. O segundo ensinamento foi focar a ação no que é importante, mas não é urgente. O que acontece no dia a dia é que a gente foca a atenção no que é urgente, mas não necessariamente impor- tante, ou mesmo no que é urgente e importante. Responder e-mails e demandas, atender telefonemas, responder WhatsApp, participar de reuniões intermináveis quando o assunto poderia ser resolvido em quinze minutos, ou seja, apagar incêndios. A grande pergunta é: “O que você faria diferente que teria uma grande transformação positiva na sua vida?”. Geralmente são coisas não urgentes, como dormir melhor, estar mais com os filhos, o parceiro ou parceira, aprimorar o inglês, prospectar para aumentar as vendas, pesquisar, estudar, planejar com mais cuidado o projeto, buscar inovações. Quando a gente passa a 205 Como vender e realizar sua ideia aumentar o tempo dedicado a essas questões importantes e não urgentes, aos poucos as não importantes e urgentes vão diminuindo, os incêndios a serem apagados se reduzem. É o que tenho procurado fazer, sem neura: organizar as tarefas por semana e focar no que é importante, mas não urgente. Tem funcionado. Então, com base na minha experiência de nunca ter tido um emprego, de ter sempre conseguido dedicar tempo à família e à vida pessoal, de não ser uma pessoa organizada, eu confirmo: você consegue fazer um bom trabalho para realizar um bom projeto sem precisar morrer de trabalhar. Exige esforço e dedicação, sim. Mas não conheço outro tipo de sucesso duradouro sem esforço e dedicação. 206 maria dolores Regra dos 10% 207 Como vender e realizar sua ideia Mais um obstáculo para o sucesso dos negócios criativos e de qualquer negócio é não enxergá-lo como tal, ou seja, não enxergá-lo como um negócio e, por conse- guinte, abrir mão do lucro. É muito comum, nas áreas da criatividade, não darmos a devida atenção ao lucro ou, o que é pior e acontece com regularidade: associar o lucro ao demérito do produto criativo. Como se a arte fosse menos arte quando dá dinheiro. O que é uma tremenda bobagem. Falamos sobre isso no início do livro, quando enumerei algumas obras-primas contratadas sob encomenda. Todo trabalho deve ter sua remuneração, a não ser que seja voluntariado, mas aí é outra história. Se você trabalha com arte, cultura e criatividade, deve ser remunerado por isso. Receber dinheiro pela sua criatividade, pela sua dedicação e pelas horas trabalhadas não diminui o méri- to do conteúdo nem faz de você um mercenário. Faz de você uma pessoa saudável, que sustenta financeiramente a sua vida e o seu negócio. Ao longo da nossa trajetória nós escolhemos, diversas vezes, trabalhar sem receber. No entanto, isso é uma escolha pontual. Não deve ser a regra caso você queira ter independência financeira e queira que seu negócio progrida. Para não cair na armadilha de sair de um projeto devendo ou sem ganhar nada, é importante focar na regra dos 10%. Confesso que eu, particularmente, tive muita difi- culdade com a Regra dos 10%. Quando eu ainda me envolvia com a parte financeira dos nossos projetos, volta e meia fugia da regra e, toda vez que fazia isso, o prejuí- 208 maria dolores zo aparecia. Para quem vive com a cabeça nos sonhos, na beleza e no resultado criativo, é fácil desistir dos ganhos financeiros. Você pensa: “Ah, mas vai ficar tão melhor com seis bandas em vez de cinco! Tão melhor o cenário com cinco árvores em vez de duas, com tecido ortofônico em vez de lona, com papel couchê gramatura 150 em vez de 90”. Será? Se houver recurso disponível, tudo bem. Mas, se ter seis bandas em vez de cinco fizer com que você não tenha remuneração ou que sua empresa não tenha lucro, será que ter uma banda a mais vai fazer tanta diferença para o projeto como um todo? A gente acha que sim, bate o pé, chora, fica com o coração apertado e doendo, achando que vai ser um desastre. E é uma dor real, que tira nossa noite de sono, nos abate e fere a nossa alma sonhadora. Mas, aí o público aparece e adora o festival com as cinco bandas, o espetáculo com as duas árvores ou o livro em papel com gramatura 90. E, convenhamos, se somos da área da criatividade, quem melhor do que nós para pensar em soluções criativas com o recurso disponível? Com muito esforço, aprendi a desistir de ter artistas incríveis nos nossos projetos quando o valor para tê-los na progra- mação estava acima da verba para tanto. Aprendi a adap- tar ideias fantásticas para poder colocá-las em prática com o recurso existente, sem entrar no que seria o lucro. Hoje, quatorze anos depois do primeiro projeto, posso dizer que até mesmo eu consigo me manter na Regra dos 10%, sozinha, caso não tenha outra pessoa mais competente para cuidar do controle do orçamento. É difícil. É tenta- 209 Como vender e realizar sua ideia dor entrar nesse dinheiro intocável para viabilizar aque- le detalhe incrível, mas a gente aprende a se segurar, se houver esforço e consciência do quanto isso é importante para suas ideias e projetos a longo prazo. Respeitar esse limite é o que confere sobrevida, sustentabilidade e crescimento ao seu negócio, seja criativo ou não. A Regra dos 10% é, basicamente, deixar 10% do valor total do projeto como remuneração para a sua empresa (convenhamos que, nessa altura do campeonato você já não trabalha como Pessoa Física, mas como Pessoa Jurídica e, portanto, se seu projeto é, na verdade, um projeto da sua empresa). 10% é modo de dizer, é um parâ- metro para servir como exemplo. Obviamente há varia- ções. Se você estiver trabalhando com leis de incentivo ou outros segmentos que utilizam recursos públicos, existem tetos para a remuneração da empresa ou dos dirigentes e é fundamental você se atentar e se ater a tais regras. Mas, se seu projeto não envolve recurso público, o ideal é que a remuneração da sua empresa seja entre 10% e 20% do valor total do projeto. Se um projeto tem o valor total de 100 mil reais, a remuneração da empresa deve ficar entre 10 e 20 mil reais. Menos que 10% não é saudável financeiramente. Mais que 20% pode comprometer a execução e qualida- de do projeto e, consequentemente, a sua credibilidade e construção do seu currículo. O objetivo é sempre que a remuneração seja 20% ou o máximo saudavelmente possível. Esse é o melhor resultado. Entretanto, você sabe que pode reduzi-la um pouco se necessário, sem jamais entrar 210 maria dolores nos 10%, pois eles são sagrados. Importante ressaltar que essa margem para trabalhar dos 10 aos 20% não é para imprevistos e gastos extras. Na sua planilha orçamentária inicial você já vai prever uma porcentagem ou valor para imprevistos ou gastos extras, que INVARIAVELMENTE aparecem. A previsão será uma estimativa, é claro. Se, por um milagre supremo, seu projeto não precisar utilizar a verba de imprevistos e gastos extras, parabéns, aproveite, esse valor entrará como lucro e um bônus extra para a sua empresa. Entretanto, em quatorze anos realizando proje- tos, isso nunca aconteceu com a gente. E, na verdade, se não tomarmos muito cuidado, a verba para imprevistos e gastos extras acaba não sendo suficiente e falta dinhei- ro para o inesperado. Mas, como realizar esse controle na prática? É mais um dos óbvios: gastar no projeto o dinheiro que se tem, menos os 10% ou 20% da remuneração da sua empresa. Na correria a gente faz o contrário. Monta orça- mento do projeto e executa pensando no que queremos realizar e o que sobrar, ou se sobrar, é a remuneração. Para ter êxito financeiro você precisa fazer o caminho inverso. Voltemos ao projeto fictício no valor de 100 mil reais. Se este é o valor total, pelo menos 10 mil reais são a remuneração da empresa. Então, você vai contratar todo o restante com 90 mil. Você queria um artista com cachê de 25 mil, mas dentro dos 90 mil cabe um artista de 20 mil? Ok, agra- deça ao de 25 e vá em busca de um de 20 mil. Existem talentos, ideias e soluções de todos os preços. O segredo é 211 Como vender e realizar sua ideia você buscar o melhor possível dentro da verba disponível. Está vendo? Não é nenhum bicho de sete cabeças. O difícil mesmo é conseguir se controlar. Mas, ou você se controla e faz da Regra dos 10% seu mantra, ou vai passar a vida mergulhando em projetos lindos sem sair do lugar ou até mesmo se afundando em dívidas que, no final das contas, minam qualquer criatividade. Para êxito nesta missão – e na vida -, é preciso apren- der a dizer NÃO. Dizer não para o que está além do orça- mento, não para o que está além da sua capacidade técnica ou de tempo para realizar, não para as conquistas aparentemente fáceis demais (e duvidosas) e não para as diversas solicitações que chegam a quem empreende um projeto ou um negócio. Como realizamos muitos festivais de músi- ca, recebemos uma grande demanda de artistas e bandas que, com razão e propriedade, querem se apresentar nos eventos. Desde artistas consagrados a iniciantes. Não exis- te outra saída, temos que dizer não, muito mais nãos do que sins. Dá dor no coração? Dá. Porque há muitos traba- lhos excelentes e porque sabemos o quanto é difícil para um artista conseguir espaço e público. Também somos artistas, também batalhamos por palco e plateia. Todavia, a escolha do casting deve passar pelo que atende ao projeto. Temos muitos amigos e familiares artistas, gente que a gente gosta, tanto como artista quanto como pessoa. No entanto, em um projeto sério, a escolha não deve passar por esse tipo de filtro. Deve ser técnica. Por isso, antes de começar a contratar e colocar um projeto para andar, 212 maria dolores defina o perfil dos artistas, do conteúdo e daquilo a que o projeto se propõe. Assim fica menos difícil dizer não. Se um amigo ou um artista gente boa tiver um trabalho que se encaixe no que você está procurando, ótimo, que bom, é sempre bom unir as coisas. Mas se não se encaixa, você explica que não se encaixa e segue em busca do que lhe atende. Às acontece também de o artista participar de um projeto uma vez e, no ano seguinte e nas demais edições, querer participar novamente. Se a ideia do seu projeto é mudar a programação a cada ano e você tem clara essa conceituação, basta explicar para o artista, agradecer e deixar para uma próxima oportunidade. Tudo isso é ruim de se fazer, pelo menos eu acho ruim. Dizer não é complicado. Mas é a única forma de levar os projetos adiante. No entanto, é fundamental manter a educação e a gentile- za. Existem muitas pessoas, infelizmente, que confundem eficiência com grosseria, confundem clareza com falta de educação ou insensibilidade. “Eu sou direto, falo assim e pronto”. Parabéns, ser direto é muito melhor, mas isso não dá o direito de ser mal-educado, grosso ou insensível. Ter empatia, saber se colocar no lugar do outro e dizer não sem ser estúpido, ser firme sem ser arrogante é tão impor- tante quanto controlar o orçamento e cumprir a Regra dos 10%. Fixe na sua mente e no seu coração: o que eu faço e o que eu falo, a maneira como me comporto no dia a dia, nas pequenas e grandes coisas, constrói a minha credibilidade e meu currículo, constrói também a minha vida e os meus 213 Como vender e realizar sua ideia relacionamentos. Está tudo interligado. “Ah, mas tem gente arrogante e grosseira que está rica”. Ok, tem. Mas essa pessoa é feliz? Tem bons relacionamentos? Está rodeada por pessoas que, genuinamente, gostam dela? Inspira os outros que passam pelo seu caminho? Vai deixar um legado positivo que não seja dinheiro? Pode até ser, mas é raro. 214 maria dolores Se eu não sei, vou atrás de quem sabe 215 Como vender e realizar sua ideia Certa vez fui apresentar uma proposta de projeto em uma empresa, em busca de investimento. Apresentei a proposta e o responsável gostou. Estava alinhada com as estratégias da empresa em relação ao público-alvo. Tratava-se de um evento. O impeditivo era que eles estavam investindo apenas em projetos que tivessem também conteúdo audiovisual. “Vocês fazem vídeos?”, o executivo perguntou. “Sim, nós fazemos”, eu respondi sem titubear. Nós nunca havíamos produzido vídeos. Só mesmos os vídeos institucionais de divulgação dos projetos ou de pós-evento, com um apanhado geral. O conteúdo sobre o qual o executivo perguntava se referia a minidocumen- tários. Minha única experiência com isso havia sido na faculdade de Comunicação, com um curta-metragem de ficção e um pequeno documentário sobre a produção arte- sanal de doces de goiaba. Se a minha experiência era tão limitada, como eu pude responder “Sim, nós fazemos”? Eis outro mantra que utilizamos no nosso dia a dia: “Se eu não sei, vou atrás de quem sabe”. Obviamente não serve para tudo. Precisamos reconhecer nossos limites. A chave está tanto em arriscar e ousar, mas também em saber onde e quanto arriscar. Se você se arrisca em uma esfera ou projeto que não conseguirá cumprir com qualidade, o estrago está feito, você perde a credibilidade, o dinheiro e a energia. É uma aventura que não vale o risco. Em outra ocasião me perguntaram se poderíamos realizar um proje- to de restauração de patrimônio arquitetônico. No prazo que precisavam, minha resposta foi: “Infelizmente não”. 216 maria dolores Arquitetura é cultura? Sim. E cultura é meu campo de atuação. Mas, o que eu entendo de arquitetura e restau- ro? De projetos, cronogramas e orçamentos de restauro de patrimônio material? Nada. Poderia aprender? Sim. Como gestores e fazedores de projetos podemos aprender e avançar por uma área desconhecida. Mas aprendizado leva tempo e alguns mais que outros. Para eu me capacitar e ter segurança para realizar um projeto de restauro de patrimônio arquitetônico histórico-cultural eu precisaria de um tempo que não era compatível com o prazo que o investidor demandava. E para o projeto com os vídeos de minidocumentários? Sim, estava ao meu alcance. O prazo era mais curto do que o de restauro do patrimônio, mas eu tinha alguma noção e a produção de um conteúdo de audiovisual, por mais que tenha muitas questões técnicas envolvidas, envolve questões menos complexas para a minha gama de conhecimento do que arquitetura, restauro e construção civil. Além disso, audiovisual demanda muito mais contratação de prestação de serviço do que aquisição de material que, no caso do restauro, trata-se de uma parte expressiva do projeto. O de restauro era um projeto com o qual não podíamos nos comprometer naquele prazo. Pronto, vamos em frente, as oportunidades não deixam de aparecer para quem está aberto a elas e atento. Realizar o projeto com os vídeos foi um enorme aprendizado e, como todo aprendizado, com erros e bati- das de cabeça pelo caminho, que teriam sido muito maio- 217 Como vender e realizar sua ideia res se não tivéssemos ido atrás das pessoas que já sabiam fazer aquilo. Eu descobri que não sabia coisas básicas como o tipo de câmera para a qualidade e resolução neces- sárias, não sabia que depois de pronto o vídeo passava por um tratamento de cor, nem sabia o quanto a montagem podia transformar o mesmo conteúdo em produtos finais totalmente diferentes. Quem for do audiovisual e estiver lendo esse livro, vai pensar: Como assim? Não sabia? É tão básico! Bom, eu não sabia. E não há vergonha em não saber. Vergonha é fingir que sabemos e não irmos atrás de aprender, não procurarmos ajuda de pessoas competentes que saibam mais do que nós. Quando decidimos transformar meu livro “Mãe de Dois” em peça de teatro, eu não tinha a menor ideia de como montar um espetáculo teatral. Tinha uma noção muito superficial. Sabia, por exemplo, que era preciso transformar o livro em texto dramatúrgico. Eu sou jornalista, sei escrever ao menos o feijão com arroz. Poderia ler umas peças, estudar um pouco e fazer a adaptação. Mas, eu já havia feito isso? Só na quinta série do ensino funda- mental, quando adaptei o livro “O Menino Maluquinho”, do Ziraldo, para um espetáculo na escola que, além de fazer o texto, eu dirigi, produzi, defini o cenário e o figuri- no. Naquela época eu achava que podia fazer tudo. Ainda bem que a gente cresce, aprende e amadurece. Queríamos produzir um espetáculo profissional do meu livro, então eu não podia simplesmente colocar o projeto em risco para me lançar como autora teatral. E queríamos que a 218 maria dolores peça tivesse humor, pois boa parte do livro trazia situações cômicas. Fomos em busca de quem sabia fazer aquilo. O casal de escritores e roteiristas Martha Mendonça e Nelito Fernandes, do site Sensacionalista e de vários progra- mas de humor da televisão, foram os responsáveis pelo texto da peça, com base no meu livro. Eles foram incríveis. Montaram a peça de uma forma que eu jamais teria feito ou saberia fazer. Um texto de dramaturgia tem suas próprias características e necessidades, tem movimento e a maior parte é diálogo, diferente do texto corrido de um livro. Foi muito legal ver a transformação, aprendi bastante. Produzir teatro foi outro aprendizado fantástico e foi um dos trabalhos que mais gostei de fazer. Eu era tão por fora do assunto que achava que, no ensaio, cada ator chegava com o texto e ia fazendo a cena, com toques do diretor. Não tinha a menor ideia do que era marcação. E, sem marcação, não há teatro que funcione. Tudo era pensado e definido. O lado do palco em que cada atriz entraria, em que velocidade, andando em qual direção, onde pararia, colocaria o braço, a perna e como movimentaria o rosto. Cada gesto, cada passo era definido e repetido. Por isso, quando você vai a um espetáculo mais de uma vez, ele é igual, com os devidos improvisos e pequenas variações que fazem parte de tudo o que é ao vivo. Em 2017 surgiu outro grande desafio. Fomos procu- rados por uma empresa do setor automotivo. Eles tinham uma verba e queriam realizar um projeto em uma das 219 Como vender e realizar sua ideia cidades onde havia uma unidade fabril da empresa e para onde haviam acabado de transferir a sede. O objetivo era criar laços com a comunidade, mostrar que a empresa existia, que estava ali e queria o bem da cidade e das pessoas que ali viviam. Embora trabalhemos principalmente com cultura, estamos abertos e atentos a outras possibilidades. De acordo com a verba disponível e o perfil da cidade, pesquisamos bastante, estudamos, fizemos brainstorm e chegamos à conclusão de que o projeto mais efetivo seria uma corrida de rua. E agora, José? Como é que se faz uma corrida de rua? Fomos atrás de especialistas, da Federa- ção Paulista de Atletismo e da secretaria de esportes da cidade. Analisamos projetos e eventos similares. Em toda a sondagem eu não deixava de perguntar: “O que, para o público, é a pior coisa que pode acontecer em uma corrida de rua?”. A resposta era unânime: atraso na largada. Fui descobrir que os atletas, mesmo amadores, se aque- ciam para correr, se preparavam e o atraso fazia com que perdessem esse aquecimento, pois havia um tempo certo entre aquecer e correr. Tivemos alguns problemas, sobre- tudo no sistema de inscrição, mas foram resolvidos. No entanto, no dia da corrida, marcada para às 8h30, às 8h30 em ponto um dos árbitros deu o sinal da largada. Foi um grande sucesso, tanto que reeditamos o evento nos dois anos seguintes, ampliando a cada ano o número de inscri- tos, tendo sido interrompido só por causa da pandemia do covid-19. Apenas para reforçar e você não esquecer: em 220 maria dolores todos esses projetos que realizamos e nunca havíamos feito, deixamos tanto um valor para extras e imprevistos quanto respeitamos a Regra dos 10%. Quando foi possível remuneração maior, ótimo (lembra? De 10 a 20%), quando não deu, ao menos os 10% estavam garantidos. É comum termos mais extras e imprevistos em projetos de áreas com as quais ainda não temos muita familiaridade. Mas, mesmo em projetos novos, de áreas novas, você precisa prever e trabalhar pela remuneração da empresa. É falta de profissionalismo e um atraso de vida vir com a conver- sa “ah, tudo bem se eu não ganhar dinheiro, pelo menos estou ganhando aprendizado e entrando em outra área”. Se você quer realizar bons projetos e viver disso, precisa, de uma vez por todas, parar de trabalhar sem receber dignamente pelo seu trabalho. Uma dica importante para ir atrás de quem sabe quando você não sabe o suficiente é pesquisar tanto o currículo técnico da pessoa quanto o perfil emocional, ético e de comprometimento profissional. Não adianta ser um gênio naquilo e não saber cumprir prazos e orçamen- tos. Nem ser o maior expert no assunto, mas não saber trabalhar em equipe ou não saber respeitar os outros profissionais envolvidos. Da mesma forma, não adian- ta ser um grande talento, mas ser desonesto e antiético. Porque todos esses pontos fracos vão trazer desgaste e prejuízos ao seu projeto. Existem vários profissionais competentes e artistas talentosos de um determinado perfil que você precisa. Então, é muito melhor que, além 221 Como vender e realizar sua ideia de bom profissional, seja boa pessoa. O projeto flui muito melhor. Existem profissionais, fornecedores e artistas que preferimos não contratar, a não ser que surja uma empre- sa querendo realizar um grande projeto e só queira fazer se for com aquele profissional, por uma questão de gosto pessoal. Podemos até pegar o trabalho, mas já sabemos e nos preparamos para lidar com o que teremos que lidar. Isso porque esses profissionais e artistas são excelentes no quesito talento, mas péssimos nos demais. Se eu preciso de um artista de um determinado perfil, para um determinado projeto e público, certamente vou atrás do que, além de competente e talentoso, é gente boa, cumpridor de prazos e horários e respeitoso no trato. Essa, no entanto, deve ser uma pesquisa que você fará. Ouvir conselhos e o que os outros dizem costuma ser perigoso. Muitas vezes, quando contratamos um artista, aparece gente para falar: “Ele é tão chato, é isso, é aquilo, deu um chilique não sei onde etc”. E a nossa experiência acaba sendo justamente o contrário. Precisamos ter em mente que, às vezes, o artista ou profissional pareceu difícil porque o evento ou projeto não forneceu o que foi combinado ou nem a estrutura necessária para que ele fizesse seu trabalho com qualidade. Isso infelizmente acontece. Então, pesquise o currículo do profissional, o histórico, mas não guie suas decisões pelos boatos ou o disse que me disse, o que, infelizmente, é muito frequente em todas as esferas. Converse com alguém que já trabalhou ou contratou o profissional. Se a pessoa disser para você que foi difí- 222 maria dolores cil ou que é um chato, pergunte o que exatamente aconteceu. Ao ouvir a história com mais detalhes, você poderá ter uma ideia se realmente parece um chato ou se houve problema na produção que tenha atrapalhado a prestação de serviço. A equação é: faça bem a sua parte e exija que o outro faça a dele. Todo mundo sai ganhando. Os rides de camarim de artistas, por exemplo, às vezes vem com muita coisa, cujo custo vai além da verba disponível para tanto. O que nós costumamos fazer é, primeiro explicar que nossa verba para abastecimento de camarim é restrita e perguntar o que, daquela lista gigan- tesca, é realmente essencial e não pode faltar. Também perguntamos se podemos substituir um item difícil de ser obtido por outro. Essa conversa clara resolve boa parte dos problemas financeiros e dos desgastes no dia do evento. Segundo, explicamos para o produtor do artista que só a banda e os técnicos receberão a pulseira de acesso ao camarim. Eles podem receber fãs, receber um convidado, lógico, mas os convidados entram e saem, não tem aces- so livre e não ficarão ali para sempre. Porque camarim e backstage não são um ponto de encontro para uma festa, são um lugar para se preparar para se apresentar e parar descansar e relaxar depois da apresentação, que é sempre um desgaste físico e emocional para o artista. Além disso, camarim e backstage são locais com alta periculosidade, pois há carregadores transitando com equipamentos, há ligações elétricas e estruturas pesadas por toda parte. É um ambiente complexo de trabalho, não é um salão para 223 Como vender e realizar sua ideia uma balada. O palco, aliás, é um local super perigoso e só tem acesso a ele a banda e a equipe técnica. As esposas, espo- sos, amigos e fãs não sobem, com raras exceções como uma promoção ou algo assim, mas nesse caso uma situação já prevista e planejada. Não é seguro e não tem sentido ficar transitando à toa por ali. Nem nós, da produção, subimos ao palco. Só se for para resolver algo. Não tem nenhum trabalho para fazer no palco? Não suba. Essa é uma cultu- ra profissional que precisamos mudar. Arte e cultura estão associadas, ainda bem, ao prazer, diversão e entretenimento. Mas nós, que estamos trabalhando, precisamos colocar e respeitar os limites. O artista vai achar ruim dos amigos dele não subirem no palco? Pode achar um pouco, mas se você é profissional, se paga na data combinada, oferece a estrutura técnica que ele precisa, se o evento é um sucesso e tem público, não ter os amigos no palco será o de menos. O artista atendido no que foi combinado ficará fã do seu projeto e de você, pode ter certeza disso. Principalmente porque o que acontece com frequência é os artistas caírem em roubadas, entrarem em projetos ou se apresentarem eventos sem estrutura adequada e sem receber o cachê parcial ou integral. E o que você acha que eles preferem? Ter uma turma de amigos no palco, sem receber o cachê e sem estrutura? Ou os amigos não subirem no palco e terem estrutura e receberem o cachê? Nem preciso responder. 224 maria dolores Não tente ser quem você não é 225 Como vender e realizar sua ideia Contei no início deste livro que um dos conselhos mais importantes que recebi no início da minha carreira de jornalista – e que serviu para todas as minhas outras aventuras profissionais – foi “não mude o seu jeito de ser”. E, embora eu tenha escutado e seguido a orientação, tenho que me policiar para me manter convicta no meu modo de ser, no meu modo de trabalhar, de realizar os projetos e de gerir a empresa junto com meu marido. Pois é tentador a gente tentar se enquadrar em um modelo que está dando certo. Se deu certo para ele, por que não dará para mim? Certo? Errado. Cada um precisa descobrir, fortalecer e lutar pela sua forma de ser e estar no mundo, em todas as esferas. Quantas vezes vi uma empresa produtora de eventos ou de projetos culturais fazer as coisas de um jeito diferente ou ter um tipo de cultura organizacional e me deu vontade de fazer e ser exatamente igual? Muitas. Quantas vezes vi e ouvi uma pessoa se apresentar ou apresentar suas ideias em uma palestra e quis ser como aquela pessoa? Inúmeras. Mas nós somos quem somos. Devemos descobrir as nossas habilidades pessoais, aquilo que nos torna únicos, que está dentro de nós e fazer o melhor proveito disso. É igual corte de cabelo. Eu tinha dezoito anos e estava grávida do meu primeiro filho, Daniel. Já na reta final da gravidez, estava com a boca e a cara inchadas. Certa manhã uma parente foi entregar alface na casa da minha mãe e estava com um corte de cabelo lindo. Eu adorei e perguntei onde ela havia cortado. Ela me deu o nome do cabeleireiro e, no dia 226 maria dolores seguinte, fui até lá. “Robertinho, quero o corte de cabelo da Daniela da tia Lucimar”. Ele atendeu ao meu pedido. E eu fiquei parecendo a Jane Fonda nos vídeos VHS de aula de ginástica com polainas. Um cabelo repicado e volumo- so, mais anos 80 que isto, impossível. O cabeleireiro pode- ria ter me explicado que meu cabelo era diferente do da Daniela, mas acho que ele já devia estar cansado de tentar explicar para as clientes e não adiantar nada. O cabelo da Daniela era fino, pouco e mais para ondulado. O meu era grosso, liso e cheio. Foi a única vez que chorei por causa da minha aparência. Eu me senti horrorosa. E as fotos da época podem atestar que, senão horrorosa, parecia ao menos um personagem parado no tempo. Cada pessoa tem seus pontos fortes, fracos, sua luz e sua sombra. Precisamos trabalhar para fortale- cer os pontos fortes e aprimorar ou amenizar os fracos. Mas, tentar seguir um modelo pré-estabelecido, tentar se encaixar em algo que para o outro está dando certo, é um terreno fértil para o erro. É contar com a sorte. Isso não significa que não devemos nos inspirar em bons exem- plos, histórias de sucesso, bons conselhos, livros, cases, projetos e empresas. Devemos, sim, muito. Mas a palavra é inspirar, e isso quer dizer realizar uma análise crítica. Ver o que, daquilo tudo, pode funcionar para a gente e o que pode não funcionar. Selecionar, saber o que aproveitar ou não e sem nunca, jamais, em hipótese alguma, mudar a nossa essência. Manter a essência é o que nos torna autênticos. E ser autêntico costuma ter mais valor para os bons 227 Como vender e realizar sua ideia negócios e para o sucesso do que seguir modelos prontos. Para algumas pessoas essa essência é escancarada, a pessoa já vem com ela estampada, já sabe como é e o que tem de melhor. Para outras é uma busca. Para nenhuma é impossível. Algumas perguntas podem ajudar a descobrir a nossa essência: O que me faz sentir bem? O que eu faço que me envolvo a tal ponto de não ver o tempo passar? O que eu faço de melhor? O que eu faria e que me faria sentir tão bem que poderia fazer de graça com entusiasmo e satisfação? Para encontrar a resposta, não se limite à vida profissional. Pense no seu dia a dia. Pensando sobre mim mesma, descobri que as coisas em que eu mais me dou bem e gosto de fazer e que não vejo o tempo passar tem relação com contar histórias. E isso vale para todas as áreas da minha vida. Não sou uma mãe que gosta de se sentar e brincar com os filhos, mas adoro contar histórias, tanto antes de dormir, lendo livros ou inventando, quanto de dia, criando narrativas, situações, personagens e aventuras. Então, eu procuro investir nisso para estreitar os laços com meus filhos e ajudar a criar boas memórias. Já que, 228 maria dolores se depender de mim para eu me sentar e ficar brincando de blocos, eles crescerão frustrados. Nos relacionamentos com outras pessoas é também na contação de causos que eu me sinto bem e me sobressaio. Não sou muito presta- tiva, como boa parte da minha família, que oferece ajuda, não tem preguiça e está sempre pronta a fazer tudo para todo mundo. Eu sou mais preguiçosa, mas adoro contar histórias e causos. Sempre que nos encontramos eu apro- veito para divertir as pessoas com minhas histórias e escre- vi o livro de histórias da família, que dei de presente para todos no Natal. No meu trabalho de produção de projetos, criar histórias também é meu ponto forte, serve tanto para ajudar a criar os conteúdos artísticos dos projetos quanto para vender os projetos. Vender é contar uma história. Em todos os nossos projetos nós ministramos palestras e eu simplesmente amo fazer isso. Encerro a palestra empolga- da, com as energias recarregadas. Cada um tem aquilo que faz melhor, aquilo que o torna autêntico. Descubra o quê e invista nisso, sem deixar o restante de lado. Como vimos, é preciso entender de planilhas, cronogramas, porcenta- gens e burocracia. Mas, quando se gosta do que faz, essas partes que achamos chatas não chegam a tornar nossa vida ruim, apenas fazem parte do processo. Apostar na nossa autenticidade não quer dizer ser um poço de teimosia. A frase “sou assim e pronto” é morte certa para uma vida boa e para as realizações. Dificilmente a pessoa teimosa tem uma vida tranquila. Vive batendo cabeça e causando estragos pelo caminho. Eu tenho uma 229 Como vender e realizar sua ideia personalidade teimosa. Tenho dificuldade para ouvir os outros e sair do meu ponto de vista. No entanto, me esfor- ço para melhorar esse ponto fraco, que é horrível. Como contei aqui, a Marolo só passou a ganhar dinheiro depois que reconheci que eu não sabia nem podia cuidar da parte financeira, nem me envolver com ela. Não foi fácil aceitar isso. Mas foi a melhor coisa para a empresa, para a minha vida e para as pessoas à minha volta. Ainda sou teimosa e ainda tenho muito o que melhorar, mas sei o tamanho do estrago que a teimosia causa e, por isso, me esforço para diminuí-la. Bom, é isso. Existem várias maneiras de realizar projetos, de transformar uma ideia em realidade e ganhar dinheiro com ela. O que compartilhei aqui com você não é a única nem a melhor maneira, é apenas a nossa, é a maneira como nós fazemos para realizar nossos projetos. E esse é um processo dinâmico, que vamos ajustando, melhorando e inovando a cada dia. Sempre surgem novas ideias, dicas e percursos antes desconhecidos. De todo modo, acredito de verdade que ter um ponto de partida atalha e facilita boa parte da jornada. Se nós tivéssemos recebido algumas orientações básicas lá atrás, teríamos poupado muitos erros e prejuízos. Espero que essa nossa experiência possa ser isso para você, um ponto de partida. E que você crie seu próprio caminho, realize lindos sonhos e projetos e tenha uma vida que valha à pena ser vivida. Em nome de toda a nossa equipe, Boa sorte nessa divertida caminhada! 230 maria dolores 231 Como vender e realizar sua ideia 232 maria dolores Agradecimentos Em primeiro lugar, agradeço ao Felipe por compartilhar comigo essa aventura na produção e na vida. Quando começamos a namorar aos dezesseis anos, jamais imaginávamos trabalhar com produção e cultura, embora eu escrevesse e ele fosse músico. Em meu nome e do Felipe, agradecemos mais uma vez à nossa família e aos amigos que se tornaram família e que, juntos, formam essa querida e dedicada equipe Marolo. Gratidão à Mariana Mariano e Flávia Gomes que, com seus olhares afiados para produção, apontaram o que estava faltando ou não no texto deste livro, e à Paula Terra pela revisão. Nossa gratidão também a todos os que fizeram parte dessa trajetória, nos apontando caminhos e nos ensinando muito do que sabemos, em especial a Marilene Gondim, Milton Nascimento, Paulo Lafayete, Guiomar de Grammont, Gilberto Basílio, Paulo Loures, Antônio Machado Júnior, Keller Veiga, Pedro Bianco, Luiz Antônio Pilar, Thomaz Souto Corrêa, Jorge Caldeira, Silvia Venna, João Sidney Novak Jr, Felipe Campos, Guilherme Corrêa, Marina Caldeira, CBEC e tantos outros que iluminaram essa jornada. Agradecemos a todos os artistas, fornecedores, clientes, patrocinadores e parceiros que estiveram conosco em algum momento. E, por fim, nosso agradecimento especial ao público, sem o qual não existe razão em vender uma ideia e transformá-la em realidade. 233 Como vender e realizar sua ideia Mais sobre a Marolo e seus projetos: www.maroloproducoes.com.br marolo@maroloproducoes.com.br Mais sobre Maria Dolores e seus livros: www.mariadoloreslivros.com contato@mariadoloreslivros.com 234 235