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CauêAbrantes Paper de Teorias da Historia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Ficção histórica japonesa como ponte entre o historicismo e o narrativismo
Cauê Magalhães Abrantes Pinheiro
caueabrantes@hotmail.com
RESUMO: Um dos principais temas abordados nos estudos da história da historiografia diz
respeito à maneira como o passado é representado através da narrativa histórica. No Ocidente
podemos identificar dois paradigmas relevantes ao discutir essa questão: o Historicismo e o
Narrativismo. Mas será que essa inquietação existe em produções historiográficas de outros
países, em outras matrizes culturais? Analisaremos, brevemente, o conflito e discussões em
torno desses dois paradigmas, estabeleceremos que na tradição japonesa alguns desses conflitos
são encarados sob uma outra perspectiva diferente, a da ficção histórica. Será apontado em um
exemplo mais atual dessa tradição, possíveis caminhos de análise que poderiam contribuir para
construir novos caminhos para a entre as filosofias de pesquisa histórica e de narrativa histórica.
PALAVRAS-CHAVE: historicismo, narrativismo, ficção histórica, Japão, representância.
ABSTRACT: One of the major issues addressed in the studies of the history of historiography
concerns is the representation of the past through historical narrative. In Western context, there
are two relevant paradigms identifiable, when discussing this issue: Historicism and
Narrativism. However, does this concern exist in historiographical productions from other
countries, within different cultural frameworks? Conflicts and discussions sorrounding these
two paradigms will be briefly analyzed, establishing that, in Japanese tradition, some of these
conflicts are approached from a different perspective, that of historical fiction. It will be pointed
out, through a more recent example from this tradition, possible paths of analysis that could
contribute to building new bridges between the philosophies of historical research and historical
narrative.
KEYWORDS: historicism, narrativism, historical fiction, Japan, vertretung.
O que faz algo ser uma escrita histórica? O que diferencia um texto histórico de um
texto ficcional? Essa é uma inquietação bastante comum para os historiadores. A
referencialidade e a busca pela verdade são critérios essenciais para a produção de um texto
histórico. Muitas vezes, podemos compreender o trabalho histórico como uma combinação de
duas etapas distintas: a pesquisa e a apresentação no formato narrativo. Mas será que essa
inquietação existe em produções historiográficas de outros países, em outras matrizes culturais?
Vivemos sob a égide eurocêntrica e academicista que impõe, problemas, questões,
paradigmas como, de alguma forma, universais. A própria noção de universal pode ser posta
em xeque, já que a concepção de universal é uma construção. A história foi, e é, alinhada em
uma narrativa, única, linear, teleológica, como se, antes disso, nem mesmo história houvesse.
A conquista e ocupação europeia é causa e justificativa, e como consequência passa a ser o
modelo histórico, o qual todas as outras sociedades devem seguir. Mas será que é o único
caminho possível para produção historiográfica?
Exploremos, brevemente então, evolução da disciplina histórica, passando pelo
historicismo e ao narrativismo. Assim como críticas ao historicismo, principalmente em relação
à sua visão eurocêntrica e simplificação da história. Ao narrativismo, por sua vez, destacaremos
a importância das figuras de linguagem e das tramas narrativas na construção do discurso
histórico. E vejamos se esses paradigmas podem ser aplicados a outras realidades, de outras
produções culturais. Quem sabe poderemos construir pontes entre esses paradigmas?
Rekishishugi to “monogatarishugi”: historicismo e narrativismo
O termo historicismo tem múltiplos significados e usos, mas neste texto será utilizado
para se referir à consciência histórica científica dos séculos XIX e XX. Aqui o entendemos
como: a prática de desenvolver um método que permita contrastar a história das ciências
naturais, através da especialização, mediante o pré-requisito teórico-metodológico de um
estudo rigoroso das fontes, a fim de estabelecer história com ciência.1 A profissionalização da
história resultou, assim, na produção de importantes obras e no surgimento de revistas
históricas, levando ao aumento significativo do número de trabalhos históricos no século XIX.
Outro fator que contribuiu para esse crescimento, possivelmente, foi a consolidação dos
Estados Nacionais europeus. Na Alemanha, por exemplo, historiadores estavam envolvidos em
campanhas e movimentos de unificação. Essas questões ajudaram a moldar o que ficou
MARTINS, Estevão de Resende (org.). A história pensada: teoria e método na historiografia europeia do Século
XIX. São Paulo: Contexto, 2010, pg. 6.
1
conhecido como o "século da História", embora isso não signifique que houve harmonia entre
as escolas históricas em relação a concepções de método, eventos e até mesmo a própria ciência
histórica.
O historicismo pode ser entendido como uma filosofia da pesquisa histórica que
contribuiu para a profissionalização da disciplina. No entanto, isso não significa que essa
abordagem da história tenha sido amplamente aceita. No século XX, o contínuo
desenvolvimento das pesquisas levou grupos a contestarem esse paradigma, inclusive
considerando-o como não científico e marcado por um "realismo ingênuo". Um dos principais
grupos que contestaram essa perspectiva foi o dos Annales, da França, que se concentraram na
análise dos textos e dos fatos. Com o surgimento da história econômica e social, que abordava
longas durações e se baseava em estruturas e mentalidades, suas teses se contrapuseram à
história narrativa, que era considerada uma história centrada em eventos políticos.
Contudo as práticas do historicismo perduraram no século XX, como analisado por
Dipesh Chakrabarty, é alvo de críticas pertinentes. Chakrabarty argumenta que esse tipo de
abordagem histórica possui limitações significativas ao tentar compreender e abarcar a
complexidade das experiências históricas não ocidentais e não europeias.
Uma crítica central é sua propensão a estabelecer o mundo ocidental como a medida
universal de desenvolvimento. Essa abordagem histórica está intrinsecamente ligada ao projeto
colonial e ao eurocentrismo, pressupondo que o progresso humano segue uma trajetória linear
com a Europa como o ápice dessa evolução. Isso ignora as experiências de outros povos e
culturas, reforçando a noção de superioridade do Ocidente em relação ao restante do mundo.2
Chakrabarty argumenta que esse historicismo, também falha ao desconsiderar as
diferenças culturais e a diversidade das experiências históricas. Ao tentar encaixar todas as
sociedades em uma única narrativa histórica, essa abordagem ignora as particularidades, lutas
e perspectivas específicas de cada contexto cultural. O resultado é uma simplificação excessiva
da história, que não permite uma compreensão abrangente e precisa dos eventos históricos.3
Outra crítica importante é a ênfase exagerada na linearidade temporal e na ideia de
progresso. Chakrabarty argumenta que a noção de progresso linear supõe que todas as
sociedades seguem uma trajetória semelhante de desenvolvimento, ignorando as diferenças
históricas e culturais. Além disso, essa visão deixa de reconhecer a existência de múltiplas
histórias e formas de existência simultâneas, limitando a compreensão e interpretação dos
Chakrabarty, Dipesh. Al margem de Europa: Pensamiento poscolonial y diferencia histórica. Tradução: Alberto
E. Álvarez e Araceli Maira. Tusquetes Editores, Barcelona, 2008.
3
Idem.
2
eventos históricos. Todos os outros povos que não estão na parte da frente dessa linha teriam
que esperar sua vez na sala de espera da história, nas palavras do próprio teórico.
O narrativismo surge como uma reação à filosofia analítica, que procurava impor às
ciências humanas as "leis gerais" das ciências naturais, buscando assim uma unidade científica.
De acordo com Paul Ricoeur, os narrativistas buscam enfatizar o caráter configurador da
narrativa, ao contrário dos historiadores dos Annales, que se concentram principalmente no
aspecto episódico. Aquilo que se tornou secundário na ciência histórica, ou seja, a forma como
a história é apresentada, em detrimento da pesquisa4, torna-se o foco central das reflexões do
pensamento histórico.
Dentro do paradigma narrativistas, destaca-se Hayden White, na obra Metahistória
explora a "teoria dos tropos" para investigar o que ele chama de "imaginação histórica",
estabelecendo assim uma abordagem narratológica da história. White destaca o papel
fundamental das palavras e expressões que aproximam a história da literatura, como
"imaginação histórica", "estória da história", tropos e figuras de linguagem. Ele equipara o
discurso historicista do século XIX, representado por Burckhard, Ranket, Tocqueville e outros,
com as obras dos filósofos da história, como Hegel, Marx e Nietzsche. White classifica esses
pensadores em categorias tetraquádruplas, relacionando-os tanto aos historiadores quanto aos
filósofos.
White argumenta que as grandes interpretações históricas do século XIX eram
essencialmente manifestações linguísticas, resultantes de dispositivos poéticos básicos
chamados tropos. Esses tropos atuavam dentro das tramas narrativas, classificando,
hierarquizando e organizando os fatos históricos. Ao evidenciar que a interpretação e a análise
histórica são, em sua essência, "figuras de linguagem", White desloca a história do campo das
ciências para o das narrativas literárias. Ele destaca que as figuras de linguagem e as tramas
narrativas não são apenas recursos retóricos, mas sim componentes estruturantes do discurso
histórico.
Assim, as interpretações históricas são formas pré-estruturadas de enredamento, ou seja,
de construção de tramas narrativas. Antes de aplicar seu aparato conceitual à análise histórica,
o historiador configura mentalmente o campo histórico, tornando-o um objeto de percepção5.
A partir dessa prefiguração, as imagens do passado podem ser construídas, o que implica que a
"imaginação histórica" é resultado da combinação dos elementos que compõem a interpretação
histórica, entrelaçados nos tropos fundamentais. White então estabelece uma distinção
4
5
Rüsen, Jörn. História Viva. Brasília: Ed. UnB, 2007, pg. 22
White, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 1992, pg.44.
fundamental entre a informação histórica, obtida nas fontes, e a interpretação histórica, que
organiza esses dados na forma de enredo e argumento.
Para White, ao falar de "imaginação histórica" ou "imagens do passado", a imagem em
si recebe uma atenção especial. Embora o autor apresente análises das imagens geradas pelos
historiadores e filósofos do século XIX, usando termos como "ondas" e "metástases"6, White
argumenta que essas operações não são imagéticas em si, mas sim imaginárias. A imaginação
é ativada discursivamente e tem como base estrutural os tropos, que permitem que os
paradigmas separados no imaginário sejam transformados em imaginação histórica,
funcionando como um "método de produzir imagens"7.
Os tropos são as bases estruturais e estruturantes do discurso e da interpretação histórica,
mas não são as próprias imagens geradas. Originados na retórica, os quatro tipos padrões pelos
quais os historiadores classificam o material histórico possuíam, cada um, quatro divisões
internas de inserção classificatórias em tipos de tropos (metáfora, metonímia, sinédoque,
ironia), modos de enredamento (romance, tragédia, comédia, sátira), modos de argumentação
(formalismo, mecanicismo, organicismo, contextualismo) e modos de implicação ideológica
(anarquismo, radicalismo, liberalismo, conservadorismo). As figuras de linguagem, segundo
White, permitem classificar em ordens, classes e gêneros distintos de fenômenos, sendo
operações do sentido figurado. White esclarece que os tropos são desvios do sentido literal que
não são sancionados pelo senso comum ou pela lógica, mas que geram figuras de linguagem ou
de pensamento. Os tropos instauram novos sentidos, expressando o que não poderia ser
expresso de outra forma. O discurso é o meio pelo qual o tropo realiza plenamente essa
operação, prefigurando as imagens formadas na prosa histórica. White considera o tropo como
a alma do discurso histórico.
Em suma, a história, para White, é uma exposição narrativa marcada por estilos,
argumentos e ideologias, onde as figuras de linguagem dominantes, baseadas nos quatro
principais tropos - metáfora, metonímia, sinédoque e ironia - são utilizadas na composição de
imagens. Essa abordagem dá origem à "imaginação histórica", que permite a produção de
múltiplas retóricas sobre o passado por meio da articulação dos recursos discursivos, gerando
uma diferenciação de significado em relação ao passado. E é da convergência dessas linhas –
teorias da história e reflexões sobre a ficção histórica – em cruzamentos que ocorrem em
diversos sentidos, que resulta a operação de selecionar as obras ficcionais recentes e refletir
sobre os modos de ficcionalização do passado histórico que praticam ou atualizam. A esse
6
7
White, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 1992, pg. 260.
Ricouer, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: EDUNICAMP, 2007, pg. 265.
aporte teórico mesclaram-se mais duas vertentes de operadores analíticos, em decorrência dos
encaminhamentos permitidos pelos textos de criação. Mobilizaram-se conceitos recorrentes nos
estudos culturais, tais como identidade e comunidade, e estudos sobre os modos de atuação e
narrativização da memória.
Nihon no rekishishôsetsu no dentô: tradição da ficção histórica japonesa
Neste trecho, examinaremos duas obras e exploraremos como a tradição japonesa pode
oferecer uma perspectiva fascinante sobre as tensões entre o historicismo e o narrativismo, e
como essas questões na concepção de História no Japão, parecem que não são problemas, ou
até mesmo questões conflitantes.
A primeira obra é Eiga Monogatari ("Tale of Flowering Fortunes” ou “Flowering
Tales”)i na tradução em inglês, uma obra literária que se destaca como crônicas da vida
aristocrática no período Heian (794-1185). Com seus 40 capítulos escritos entre 1028 e 1107;
sendo traduzido de uma forma peculiar, pois em 1980 os 30 primeiros capítulos foram
traduzidos para o inglês por William McCullough e Helen Craig McCullough como “A Tale of
Flowering Fortunes”, e posteriormente os últimos 10 por Takeshi Watanabe em 2020. A obra
como um todo apresenta as experiências e eventos vivenciados pela aristocracia da época, com
uma narrativa que foca nos desafios, alegrias, relacionamentos e aspirações da nobreza da
época.
Já a segunda obra é Okagami (Grande espelho), proporcionando um vislumbre da
sociedade do mesmo período, Heian, também, composto por 40 volumes, esse texto clássico,
escrito por um autor desconhecido, é considerado, também, uma crônica histórica. A obra
retrata as vidas e os feitos de membros da nobreza japonesa do século XI, especialmente da
corte imperial de Kyoto. Ele abrange um período de quase dois séculos, desde o século IX até
o início do século XI.
Durante o período Heian a corte imperial de Kyoto floresceu como um centro cultural e
político. A aristocracia desempenhou um papel crucial na sociedade, estabelecendo normas de
comportamento, valores estéticos e relações de poder complexas. O período Heian foi marcado
pela produção de uma literatura sofisticada, como poesia, prosa narrativa e diários pessoais. Em
Eiga Monogatari encontramos um retrato detalhado da vida aristocrática deste período. E não
apenas através dados crus sobre taxas de natalidade e mortandade, ou de figuras famosas que
ganharam ou perderam seus títulos, mas também, ao mesmo tempo, através de poesia e, o mais
interessante, conversas privadas dessas mesmas figuras, mesmo aquelas mantidas em locais
onde nenhuma testemunha poderia ter ouvido.8
Por exemplo, o texto nos revela a prática do amor cortês, que é descrito como um jogo
de trocas poéticas e mensagens codificadas, onde a expressão dos sentimentos amorosos ocorria
por meio de palavras cuidadosamente selecionadas. Essa forma de amor idealizado e platônico
é exemplificada pelas histórias de encontros secretos, desejos reprimidos e declarações poéticas
apaixonadas entre amantes.
Aborda também as obrigações familiares, um exemplo é a descrição de casamentos
arranjados para fortalecer alianças políticas, frequentemente acordos estratégicos, nos quais a
escolha do parceiro visava fortalecer relações políticas e garantir a preservação das linhagens
aristocráticas. Esses casamentos eram parte integrante da vida aristocrática e influenciavam
diretamente as relações sociais e a políticas da época.
Eiga Monogatari pode permitir a compreensão de alguns aspectos da história e da
cultura japonesas. Por exemplo, a obra nos proporciona uma compreensão mais aprofundada
da estética valorizada no período. Através de descrições poéticas e cerimônias, somos
apresentados à valorização da beleza, da harmonia e da sutileza que permeavam a vida
aristocrática. Assim a estética refinada era um valor central na sociedade aristocrática,
refletindo-se nas artes, na poesia e até mesmo nos arranjos florais, que eram considerados
expressões de um gosto refinado9.
Além disso contribui para a compreensão da própria literatura. A obra exemplifica a
transição da poesia clássica para a prosa narrativa, mostrando a evolução da escrita e a
adaptação de novas formas literárias, sendo um exemplo de prosa narrativa que emergiu,
marcando uma mudança na literatura japonesa e estabelecendo uma nova forma de contar
história10. A obra também documenta a importância da tradição oral e da transmissão de
conhecimento e narrativas na sociedade da época.
Okagami, escrito um pouco mais tarde, começa com dois homens extremamente velhos,
um com 180 anos de idade e o outro 170 anos, relembrando eventos de muito tempo atrás, algo
que demonstra elementos místicos e fantásticos na própria narrativa, onde coloca indivíduos
com alguma capacidade mágica (devido a sua longevidade) ao mesmo tempo que relembram
8
Keene, Donald. Shiba Ryotaro (1923–1996). In: Five modern Japanese novelists. Columbia University Press,
2005 pg.94
9
Sorte Junior, W. F. (2018). Uma análise de valores estéticos japoneses do período Heian: Miyabi e Mono No
Aware. Estudos Japoneses, (40), págs. 81-100.
10
Okimoto, Mariana O contexto de surgimento do romance de Heian: poligênese e historiografia. / Mariana
Okimoto. Curitiba, 2022.
histórias mais antigas do que eles mesmos, apontando a características mais marcantes da obra,
sua abordagem de contar a história através de uma lente subjetiva. Ao contrário de muitas
crônicas históricas que buscam uma objetividade factual, a obra mostra claramente suas
preferências e opiniões. Isso pode proporcionar uma perspectiva única sobre a vida da
aristocracia japonesa da época.
Um exemplo marcante dessa característica é a descrição detalhada das cerimônias e
rituais religiosos realizados na corte imperial de Kyoto. O texto relata que as festividades
sagradas foram conduzidas com grande pompa e esplendor, com inúmeros rituais que refletiam
a profunda espiritualidade da época (Okagami, Volume 2). Essas descrições fornecem um
registro precioso das práticas religiosas da aristocracia japonesa, permitindo-nos compreender
a importância da espiritualidade e do culto aos deuses na vida cotidiana.
Outro exemplo é a detalhada forma de como a etiqueta e as interações sociais da nobreza
japonesa são descritas. Por exemplo, a descrição de uma cerimônia de chá realizada na corte
imperial, relatando que "os convidados se curvavam respeitosamente antes de beber o chá,
seguindo as regras estritas de conduta da época" (Okagami, Volume 15). Essas descrições
fornecem uma compreensão sobre a importância da cortesia e da etiqueta na sociedade
aristocrática do período, demonstrando o valor atribuído às normas de comportamento e aos
rituais de interação social.
Além disso, a obra é uma fonte valiosa para os estudiosos interessados em compreender
a evolução da língua e da escrita japonesas. O texto é uma das primeiras obras a usar a
linguagem vernácula japonesa, conhecida como "kana", em vez do chinês clássico, que era a
língua oficial da corte na época. Isso torna o "Okagami" uma referência fundamental para a
história da língua japonesa e seu desenvolvimento literário.
Eiga Monogatari e Okagami são crônicas históricas subjetivas com intenções de
demonstrar o amor cortês, as obrigações familiares e a estética refinada, apresentam-se como
uma tentativa de oferecer uma visão autêntica e vívida da aristocracia do período Heian, a partir
delas pode-se compreender as tradições e os valores dessa própria aristocracia japonesa, assim
como sua influência na literatura e seu papel na evolução da língua japonesa. Sem esquecer a
influência dessas obras que permeiam até a atualidade.
A reflexão sobre a interação entre narrativas literárias e história pode se basear em duas
frentes de referências. A primeira aborda as relações gerais entre essas duas áreas, enquanto a
segunda teoriza especificamente sobre a ficção que dialoga intensamente com a história,
podendo ser chamada de romance histórico. O elemento distintivo nesse contexto é que a ficção
histórica se caracteriza por uma forma particular de intertextualidade. Reconhecemos que a
busca pela originalidade é ilusória na criação literária, criar na literatura significa estabelecer
diálogos entre textos. No entanto, generalidades, por sua natureza definitiva, nos deixam sem
palavras, frustrando nossos esforços como escritores e leitores. É necessário encontrar brechas
para atribuir significado à produção de novas combinações de palavras, a novos textos. A tarefa
de quem estuda consiste em investigar quais tipos de textos se entrelaçam em cada atualização
e com quais resultado11.
No contexto da ficção narrativa que pode ser classificada como histórica, o caráter
intertextual é específico e está intrínseco no adjetivo atribuído a ela. Dentro desse palimpsesto,
algumas ou muitas camadas contêm textos históricos, e até mesmo documentos, conforme é
reconhecido nos estudos humanísticos atuais.
Nesse sentido, a terminologia e os conceitos Gerdad Genette se mostram operacionais.
A narrativa ficcional histórica é compreendida como um hipertexto que necessariamente tem a
história como hipotexto. Ambos conceitos derivados da teoria literária e referem-se à relação
entre diferentes textos: hipotexto é o texto original, anterior e que serve de base para outro texto,
a referência primária que inspira ou é incorporada em um novo trabalho, podendo ser um texto
literário, histórico, científico ou qualquer outro tipo de texto que seja fonte de inspiração para
uma obra subsequente, pode ser reconhecido por meio de alusões, citações diretas ou indiretas,
paráfrases ou elementos temáticos que são incorporados ao novo texto; quanto ao hipertexto é
o texto que resulta da intertextualidade com o hipotexto, é uma nova obra que faz referência,
dialoga ou se baseia no texto original, podendo expandir, reinterpretar, reimaginar, comentar
ou subverte-lo, criando uma relação de interdependência entre os dois textos, pode ser uma
reescrita, uma resposta, uma paródia, uma continuação ou qualquer forma de transformação do
texto original.
Esses conceitos foram originalmente aplicados à literatura, mas também podem ser
utilizados em outras áreas, como história, filosofia, cinema, entre outras. A relação entre
hipertexto e hipotexto permite uma compreensão mais profunda da intertextualidade e das
influências mútuas entre diferentes obras literárias ou textos em geral.
É importante lembrar também que abordar um romance a partir de sua relação com a
história não implica em rotulá-lo definitivamente como um subgênero específico, como o
romance histórico, encaixando-o em uma categoria fixa e permanente. A inclusão de uma obra
em um determinado conjunto não impede automaticamente sua inclusão em outros conjuntos,
resultantes de diferentes formas de agenciamento. As possibilidades não são mutuamente
11
Genette, Gérdard. Palimpsestes. Paris: Seuil, 1982.
exclusivas. Ao analisar a interação entre ficção e história, é necessário considerar a mudança
no padrão dessas relações decorrente das teorias da história que surgiram, em especial, pelos
estudos de Hayden White.
Rekishishôsetsu soshite daiyaku o tsutomeru: ficção histórica e representância
Vejamos o caso particular do autor Shiba Ryôtarô, que ganhou extrema popularidade
graças as suas obras, e que para tal, era necessária uma tradição cultural deste tipo de produto
cultural, a ficção histórica.12 Tanto que as editoras como a Shinchōsha, Bungei shunju,
Shōgakukan, que chegaram a estrar entre as sete maiores editoras do Japão, possuem vários
livros, desse subgênero literário, publicados.
Para escrevê-las o escritor acumulou uma grande documentação, a fim de se familiarizar
com os fatos considerados oficiais por trás das histórias que escreveria; ao mesmo tempo que
intuiu o que as personagens de suas histórias pensaram ou haviam dito em determinada ocasião.
Os trabalhos resultantes foram considerados divertidos e populares a ponto de se tornarem bestsellers. Muitos leitores japoneses encontraram em seus romances não apenas a emoção de uma
boa história, bem contada, mas também o prazer de “ter seu passado restaurado para eles”. Nas
palavras do próprio autor “a herança japonesa já havia sido totalmente descartada ou então
reduzidos à fantasia infantil de filmes de época”13. Para os seus leitores as figuras do passado
que Shiba Ryôtarô traz em suas orbas não são fictícias; muitos descobriram que a história de
seu país não consistia apenas no heroísmo de guerreiros armados com espadas, esses tinham
inteligência e ideais, e se eles usassem suas espadas, não era simplesmente para mostrar sua
habilidade em combate. Eles eram em sua maioria desconhecidos para seus leitores, mas Shiba
Ryotaro os fez conhecidos. Essa passagem nos leva a estabelecer uma conexão com os estudos
de Hayden White
A fim de imaginar ‘o que realmente aconteceu’ no passado, portanto, deve
primeiro o historiador prefigurar como objeto possível de conhecimento o
conjunto completo de eventos referidos nos documentos. Este ato prefigurativo
é poético, visto que é precognitivo e pré-crítico na economia da própria
consciência do historiador. É também poético na medida em que é constitutivo
da estrutura cuja imagem será subsequentemente formada no modelo verbal
oferecido pelo historiador como representação e explicação daquilo ‘que
realmente aconteceu’ no passado. 14(WHITE, 1992, p. 45).
12
Keene, Donald. Shiba Ryotaro (1923–1996). In: Five modern Japanese novelists. Columbia University Press,
2005 pg.94.
13
Idem, pg.95.
14
White, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 1992.
Seria então essa produção histórica japonesa uma possibilidade de articular a pesquisa
juntamente com narrativa históricas? Na produção ocidental a explicação dos dois paradigmas
serviu para perceber quando a história se aproxima de seu ideal de ciência, com um método
autônomo, e quanto se aproxima da arte, se tornando um “artefato verbal”. Mas a que tudo
indica essa dicotomia parece ser parte integral dessas ficções históricas japonesas. Para entender
então a essa forma de produção histórica o conceito representância de Paul Ricouer nos ajude.
Em determinados momentos, pode parecer que o historiador não será capaz de cumprir
sua promessa de representar adequadamente o passado. Nesse contexto, Paul Ricoeur esclarece
que essa dúvida não deve se limitar apenas à etapa da representação escrita, mas também
abranger sua interação com estágios anteriores, como a explicação/compreensão e a pesquisa
documental, assim como a relação entre história e memória. Muitas dessas dificuldades surgem
porque a linguagem não é um meio transparente ou um espelho da realidade. Ao contrário, a
linguagem seria como a base do conhecimento histórico, o que implica reconhecer a própria
inteligibilidade do discurso figurativo da narrativa. Na epistemologia ricoeuriana, embora a
atenção aos procedimentos formais seja importante, isso não resulta no isolamento da trama
narrativa em si, pois o ato de narrar não perde sua conexão com o real. A fim de compreender
a realidade do passado histórico, Ricoeur emprega o termo representância. Ele enfatiza que essa
investigação transcende a epistemologia e se insere em uma ontologia da existência histórica
conhecida como condição histórica.15. Nas suas próprias palavras:
(...)“representância” condensa em si todas as expectativas, todas as exigências e todas as
aporias ligadas ao que chamamos em outro momento de intenção ou intencionalidade
histórica: ela designa a expectativa ligada ao conhecimento histórico das construções que
constituem reconstruções do curso passado dos acontecimentos16.
Representância é um conceito fundamental que abrange a capacidade humana de criar,
utilizar e interpretar símbolos e narrativas. Ricouer entende a representância como uma
atividade que permite a construção de significados e a comunicação entre os seres humanos. A
narrativa desempenha um papel central na teoria de representância. Ele considera a narrativa
como uma forma privilegiada de representação, pois nos permite dar sentido à experiência
humana ao construir uma estrutura temporal significativa. Através da narrativa, organizamos
eventos em uma sequência causal, atribuímos significado a eles e construímos identidades
15
16
Ricouer, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: EDUNICAMP, 2007.
Idem, pg. 359.
pessoais e coletivas. 17A narrativa é uma forma de representância que une passado, presente e
futuro, criando um sentido de continuidade e orientação em nossas vidas.18
Representância, reconhece que a interpretação desempenha um papel fundamental. A
interpretação é o processo pelo qual atribuímos significado aos símbolos e às narrativas. Ele
argumenta que a interpretação não é um ato subjetivo arbitrário, mas um esforço hermenêutico
que requer diálogo e reflexão. Através da interpretação, buscamos compreender a intenção do
autor, o contexto histórico e cultural, bem como a multiplicidade de significados possíveis. A
interpretação, portanto, envolve uma interação dinâmica entre o texto ou o símbolo e o
intérprete, onde a compreensão emerge por meio do diálogo entre ambos.19
O conceito não se limita apenas à esfera textual ou literária, mas está presente em todas
as formas de comunicação humana. Ela permeia nossa experiência cotidiana, nossas instituições
sociais, nossa memória coletiva e nossa compreensão do mundo. Através da representância,
construímos significados compartilhados e criamos uma realidade simbólica na qual podemos
nos orientar20.
Além disso, alguns comentaristas apontam a representância como fundamental para o
realismo crítico da epistemologia histórica de Ricoeur, que se situa entre um realismo
objetivista e o relativismo, como Oliver Mongin e Johan Michel. Utilizar o termo
"representância" em vez de "representação”, tem como objetivo a especificidade da referência
ou da interseção entre a realidade e história, com alguns pressupostos. De que a realidade
histórica é um vestígio, já que nosso acesso ao passado ocorre por meio de testemunhos ou
outras fontes documentais. E que as reconstruções historiográficas são consideradas em relação
ao avoir été, o ter sido21. A representância, de acordo com Johan Michel, permite que
escapemos dos extremismos do relativismo e do realismo ingênuo22.
Podemos achar essa representância nas relações das obras de Shiba Ryôtarô? Em 1863,
um grupo de jovens foi organizado pelo Tokugawa Bakufu (março de 1603 a maio de 1868)
para formar uma força de segurança chamada milícia, ou grupo, Shinsenii, em japonês
Shinsengumi, com o objetivo de subjugar grupos considerados, pelo governo, rebeldes23. Em
menos de seis anos, o grupo foi debandado devido estabelecimento do governo Meiji (25 de
17
Idem.
Ricoeur, Paul.Temps et récit. 3 tomes. Paris: Éditions du Seuil, 1991. (Collection Points Essais).
19
Ricouer, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: EDUNICAMP, 2007.
20
Ricoeur, Paul. Teoria da interpretação. O discurso e o excesso de significação. trad. de Artur Mourão. Lisboa:
Ediçõesd 70, s/d.
21
Mongin, Olivier. Paul Ricoeur. Paris: Seuil, 1994.
22
Michel, Johann. Paul Ricoeur: une philosophie de l’agir humain. Paris: Éditions du CERF, 2006.
23
Matsuura, Rei. Shinsengumi. Tokyo: Iwanami shoten, 2001.
18
janeiro de 1868 a 30 de julho de 1912), sendo marginalizado da história nacional devido à sua
postura política, considerada subversiva pelo novo regime, e à contribuição limitada, se é que
houve alguma, para a formação da moderna nação japonesa24. Sua história permaneceu um tabu
até a década de 1960, mesmo com tentativas por parte de jornalistas e historiadores, como
Shimozawa Kan e Hirao Michio, de renovar essa história nos anos 20 quando a cultura de massa
japonesa pré-guerra atingiu o ápice e a Restauração Meiji se tornou parte da história nacional25.
Shiba Ryōtarō, publica, de forma seriada, entre 1962 e 1964 o romance "Queime! Ó
espada", Moeyo Ken, no original, sendo que muitos creditam a popularidade da obra a elevação
dos membros do Shinsengumi a heróis contraculturais26. Já que as personagens são
representadas com uma estética hiper masculina, ao transformar um grupo de jovens comuns
em uma organização guerreiros letais, que conheceriam da glória e até a desgraça, quando das
suas mortes nas mãos do exército Meiji. A obra foi serializada em um momento em que a
sociedade japonesa exigia conformismo diligente dos indivíduos, ao mesmo tempo que se
aflorava uma sociedade de consumo em massa; muitos leitores, frustrados pelas mudanças
rápidas sociais e tecnológicas, juntamente com as amarras sociais, foram atraídos pela
caracterização desses membros como heróis autônomos, pois não estavam presos a
determinações sociais de classe, e anacrônicos, já que lutavam contra a modernização da
sociedade japonesa usando armas e valores considerados arcaicos27.
A partir de então inúmeras obras envolvendo essa figura histórica, entre romances,
filmes, quadrinhos, animações e jogos eletrônicos28, floresceram no Japão. Em especial, a partir
de 1998 um festival passou a ser celebrado na cidade de Hino, onde o grupo se organizava.
Neste festival pessoas de vários grupos sociais, historiadores acadêmicos e amadores, fãs de
animações e quadrinhos, jogadores de videogame, cosplayers (pessoas que gostam de se
fantasiar de personagens), além de membros da comunidade e do comércio local, se unem para
promover o evento.
Miyachi, Masato. Rekishi no naka no shinsengumi [Dentro da História do Shinsengumi]. Tokyo: Iwanami
shoten, 2004.
25
Suekuni, Yoshimi. ‘Kokumin bungaku ni natta shinsengumi [A transformação do Shinsengumi em Literatura
Nacional]’, Rekishi yomibon, September (2012): 226-231.
26
Miyachi, Masato. Rekishi no naka no shinsengumi [Dentro da História do Shinsengumi]. Tokyo: Iwanami
shoten, 2004.
27
Ozaki, Hotsuki. Taishū bungaku [Literatura Popular]. Tokyo: Kinokuniya shoten, 1964.
28
Lee, Rosamond. Becoming-minor through Shinsengumi: A sociology of popular culture as a people’s culture.
Semantic Scholar, 2014. Disponível em: www.semanticscholar.org/paper/Becoming-minor-throughShinsengumi%3A-A-sociology-of-Lee/1164773249551ab4b40c76b4e3bf7af89e1a2270. Acesso em: 13/07/2023,
pg. 07-10.
24
Em Hino, a capacidade simbólica do Shinsengumi de encarnar diferentes relações
facilita a conexão entre indivíduos com desejos e intenções distintas, à medida que se reúnem
em um espaço público concreto. Mesmo que esses atores não compartilham uma definição
única, encontramos representações desse grupo como uma base em sintonia com as vicissitudes
sócio-históricas, permitindo que grupos distintos recontem suas realidades históricas na forma
de história e cultura popular, ou melhor dizendo construam seus elementos de representância.
Em outras palavras, fenomenologicamente, a obra de Shiba Ryôtarô dá origem a
processos de representância do Shinsengumi, que poderiam representar ao mesmo tempo, para
os organizadores de festivais locais, eles são underdogs hiper-masculinos com ambições
selvagens29, para uma jovem mulher, samurais transformados em vampiros sexys, de um
videogame, os quais elementos de queering podem ser encontrados30; para os leitores de um
mangá para meninos, eles são jovens socialmente desajeitados, com olhos apenas para seus
hobbies e amigos; ou. Ao mesmo tempo, é considerado como história real, que constrói valores
reais para pessoas no cotidiano. Os vários interessados podem, assim, trocam suas
compreensões pessoais sobre história e realidades sociais, sem a necessidade de alinhar seus
interesses, desde que concordem com a indefinibilidade do símbolo, através da interpretação
dessas obras históricas ficcionais encontramos significado nos símbolos e nas narrativas, ou
seja, representância.
Hashiwatashi: construindo pontes
O termo hashiwatashi (橋渡し) em japonês pode ser traduzido como construir pontes,
tanto no singular quanto no plural, mas também pode ser traduzido como mediação. As obras
de Shiba Ryôtarô permitiram que os leitores japoneses se reconectassem com seu passado
histórico, suas obras resgataram personagens históricos menos conhecidos, revelando suas
inteligências, ideais e motivações, e proporcionaram aos leitores o prazer de ter seu passado
restaurado para eles. A representância abrange a capacidade humana de criar, interpretar e
comunicar símbolos e narrativas, e desempenha um papel fundamental na construção de
significados e na compreensão da experiência humana. A narrativa é uma forma privilegiada
de representância, permitindo a organização temporal dos eventos e a construção de identidades
29
Idem, pg. 10-15.
Hasegawa, Kazumi. Falling in Love with History: Japanese Girls’ Otome Sexuality and Queering Historical
Imagination. Emory University. In: Kapell, M.W., & Elliott, A.B. Playing with the Past: Digital games and the
simulation of history. New York: Bloomsbury Academic. 2013, pg. 143-145.
30
pessoais e coletivas. A representância está presente nas obras de Shiba Ryôtarô, que resgatou a
história do grupo Shinsengumi, anteriormente marginalizado na história nacional japonesa.
Permitiram, ainda, diferentes interpretações e representações desse grupo, conectando pessoas
com diferentes desejos e intenções. A representância oferece a possibilidade de trocar
compreensões pessoais sobre a história e as realidades sociais, encontrando significado nos
símbolos e nas narrativas.
Em resumo, as obras de ficção histórica japonesa permitiram que os leitores se
reconectassem com seu passado histórico, resgatando personagens e eventos menos
conhecidos. Através da representância, diferentes interpretações e significados foram atribuídos
a essas obras, promovendo a compreensão e a troca de ideias sobre a história e a realidade
social. Podemos, então, construir uma história que integre pesquisa histórica e narrativa
histórica. Essa possibilidade nos coloque que os dois paradigmas, a história que se aproxima do
seu ideal científico, e a história quando se assemelha à arte, não precisam necessariamente estar
tão distantes, em especial quando observamos como referencial textos e experiências históricas
de outras matrizes culturais. Mesmo com histórias fictícias e fantásticas povos diferentes
aprendem sobre seu passado, sua cultura, seus possíveis lugares socais, como também criam
suas realidades e pertencimentos na sociedade e no mundo.
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A tradução desse termo é complexa pois é a primeira palavra é composta por 2 ideogramas 栄(que faz parte de
palavras como glória ou prosperidade, e dos verbos prosperar ou ser atraente) e 花 (flor), mas a tradução dos dois
ideogramas juntos é “prosperidade”
ii
Os ideogramas usados para escrever o nome do gupo são dois 新選組 ou 新撰組 (que significam a mesma coisa)
o grupo dos novos escolhidos, o termo para grupo ou milícia é usado até hoje para várias finalidades, de grupos
empresariais, como Toyotagumi, até para famílias da máfia japonesa, como Yamaguchigumi.
i
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