A Reação da Radiação Uma partícula carregada emite radiação de energia, momentum e momentum angular quando acelerada e, portanto, sofre uma força de reação à emissão radiativa. Abraham, em 1903, e Lorentz, em 1904, propuseram uma teoria em que o momentum de uma partícula carregada tem origem completamente eletromagnética. Assim, a lei de conservação de momentum linear envolvendo campos e matéria, na teoria de Abraham-Lorentz, não apresenta o termo com momentum mecânico, apenas o termo envolvendo o momentum eletromagnético. Como os campos nessa lei são os campos totais presentes em uma região V, na ausência de momentum mecânico, a lei é equivalente a ˆ V J (r, t) × B (r, t) = d3 r ρ (r, t) E (r, t) + c 0. Devemos lembrar que o balanço de momentum foi obtido igualando essa equação à variação do momentum mecânico da matéria dentro da região V. Agora, a região V será tomada como o interior de uma partícula de carga total q, uniformemente distribuída. Além disso, V será tomada como uma esfera de raio R0 . Os campos totais podem ser decompostos em uma contribuição da própria partícula e de fontes externas à distribuição de carga em V. A força externa sobre a partícula é, portanto, escrita como ˆ Fext J (r, t) d r ρ (r, t) Eext (r, t) + × Bext (r, t) , c 3 = V onde Eext (r, t) e Bext (r, t) são os campos externos à partícula. Para uma partícula localizada em uma região em que os campos externos variam muito pouco, podemos escrever Fext = q qEext (r, t) + v × Bext (r, t) . c Os campos devidos à própria partícula serão denotados por Epart (r, t) e Bpart (r, t) . Portanto, podemos escrever: ˆ J (r, t) 3 × Bpart (r, t) , Fext = − d r ρ (r, t) Epart (r, t) + c V já que não há momentum mecânico atribuído à partícula nessa teoria. Tomemos a partícula como instantaneamente em repouso no instante t. Então, ˆ Fext = − V d3 r [ρ (r, t) Epart (r, t)] . O campo Epart , no interior V da partícula de carga total q, pode ser visto como a superposição de cada elemento de campo dEpart produzido por cada elemento de carga ρ (r0 , t) d3 r0 da partícula. Estaremos sempre supondo que cada elemento de carga tenha sempre a mesma velocidade ṙ0 (t) , em cada instante de tempo t, 1 pois a hipótese é de uma distribuição de carga esférica rígida. Fixemos o instante de tempo t, quando a partícula está em repouso com relação ao referencial do laboratório e, portanto, ṙ0 (t) = 0, no instante xo t, mas não necessariamente em outros instantes. Nesse instante de tempo xo, podemos escrever ˆ Epart (r, t) = V dEpart (r, t) . O campo elementar dEpart (r, t) , produzido por um elemento de carga ρ (r0 , t) d3 r0 que descreve uma trajetória r0 = r0 (t) é deduzido a partir dos potenciais de Liénard-Wiechert e o resultado é 2 R̂ (t ) − β (t ) 1 − (β (t )) ret ret ret dEpart (r, t) = d3 r0 ρ (r0 , t) 3 2 (R (tret )) 1 − R̂ (tret ) · β (tret ) h i R̂ (tret ) × R̂ (tret ) − β (tret ) × a (tret ) + , 3 R (tret ) c2 1 − R̂ (tret ) · β (tret ) onde R (tret ) tret = r − r0 (tret ) , |r − r0 (tret )| , c = t− R (tret ) = |R (tret )| , R̂ (tret ) = v (tret ) = = β (tret ) = R (tret ) , R (tret ) dr0 (tret ) dtret ṙ0 (tret ) , v (tret ) c e β (tret ) = |β (tret )| . 2 Para o cálculo do campo elétrico no interior da partícula de raio R0 , vemos que tret difere de t por um intervalo de tempo não maior do que R0 /c, que dá a ordem de grandeza do tempo que leva para um sinal luminoso cruzar a partícula. Como a partícula é um modelo para o elétron, R0 será tomado como muito pequeno e R0 /c será suposto como um intervalo de tempo curto o suciente para que a posição, a velocidade, a aceleração e outras derivadas superiores da posição da partícula não tenham sido alteradas apreciavelmente. Em outras palavras, vamos supor que β 1, |a| c2 |v| c , R0 R0 |ȧ| c3 |a| c 2, R0 R0 |ä (t)| c4 ȧ (t) c 3, R0 R0 etc., para todo instante de tempo. Consideremos uma função qualquer de tret , f (tret ) . Então, podemos expandir f (tret ) = ∞ n n X (−1) n ∂ f (t) [R (tret )] . n n!c ∂tn n=0 Em especial, até ordem 1/c3 , R (tret ) = ∞ n n X (−1) n ∂ R (t) [R (tret )] n n!c ∂tn n=0 ≈ R (t) − 2 3 1 1 R (tret ) ∂R (t) 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) + 2 [R (tret )] − 3 [R (tret )] . 2 c ∂t 2c ∂t 6c ∂t3 Mas, ∂R (t0 ) ∂t0 = = = = ∂ |r − r0 (t0 )| ∂t0 ∂ p [r − r0 (t0 )] · [r − r0 (t0 )] ∂t0 1 ∂r0 (t0 ) 0 0 − [r − r (t )] · R (t0 ) ∂t0 −R̂ (t0 ) · v (t0 ) . Em particular, porque v (t) = 0, ∂R (t) ∂t = −R̂ (t) · v (t) = 0 3 e, portanto, R (tret ) ≈ R (t) + 2 3 1 1 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) [R (t )] − [R (t )] . ret ret 2c2 ∂t2 6c3 ∂t3 Iterando essa expressão e mantendo termos até ordem 1/c3 , obtemos 2 2 2 3 1 1 1 ∂ R (t) 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) R (tret ) ≈ R (t) + 2 R (t) + 2 [R (tret )] − 3 [R (tret )] + ... 2c 2c ∂t2 6c ∂t3 ∂t2 3 2 3 ∂ 3 R (t) 1 1 1 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) − R (t) + 2 [R (tret )] − 3 [R (tret )] + ... , 3 2 3 6c 2c ∂t 6c ∂t ∂t3 isto é, R (tret ) ≈ R (t) + 2 3 1 1 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) [R (t)] − [R (t)] . 2c2 ∂t2 6c3 ∂t3 Mas, ∂ 2 R (t0 ) ∂t02 = = ∂ R (t0 ) · v (t0 ) − ∂t0 R (t0 ) 0 1 ∂R (t0 ) R (t0 ) · a (t0 ) R (t ) · v (t0 ) ∂R (t0 ) 0 − · v (t ) − 2 ∂t0 R (t0 ) ∂t0 R (t0 ) [R (t0 )] 2 2 = − [R (t0 ) · v (t0 )] + 3 [R (t0 )] [v (t0 )] R (t0 ) · a (t0 ) − R (t0 ) R (t0 ) e, assim, ∂ 2 R (t) ∂t2 = − R (t) · a (t) . R (t) De forma análoga, podemos calcular ∂ 3 R (t0 ) ∂t03 = " # 2 2 [R (t0 ) · v (t0 )] [v (t0 )] ∂ R (t0 ) · a (t0 ) − + − 3 ∂t0 R (t0 ) R (t0 ) [R (t0 )] 3 − 3 [R (t0 ) · v (t0 )] 5 [R (t0 )] R (t ) · ȧ (t0 ) R (t0 ) + R (t0 ) · v (t0 ) 3 [R (t0 )] 2 [v (t0 )] − 3R (t0 ) · v (t0 ) R (t0 ) · a (t0 ) [R (t0 )] 0 − e, com isso, ∂ 3 R (t) ∂t3 = − R (t) · ȧ (t) . R (t) Logo, 2 R (tret ) ≈ R (t) − R (t) R (t) · a (t) [R (t)] R (t) · ȧ (t) + . 2c2 6c3 4 3 + 3v (t0 ) · a (t0 ) R (t0 ) Assim, usando como notação β = β (t) , a = a (t) , ȧ = ȧ (t) , R = R (tret ) , R̂ = R̂ (tret ) , R = R (tret ) e ä = ä (t) , obtemos ȧ (tret ) ≈ ȧ − R ä, c já que, por hipótese, R ä c R ȧc < |ȧ| , c R0 pois, obviamente, R < R0 . De forma análoga, também temos v (tret ) ≈ − R 1 R2 a+ ȧ, c 2 c2 pois estamos supondo que, no instante xo t, v (t) = 0 e |ȧ| ac , R0 isto é, R2 ȧ c2 R2 ac R < a . c2 R0 c 5 Agora temos o denominador: h i−3 1 − R̂ · β (tret ) −3 = R3 [R − R · β (tret )] −3 R 3 ≈ R R− · v (tret ) . c Usando o resultado acima, v (tret ) ≈ − vem h 1 − R̂ · β (tret ) R 1 R2 a+ ȧ, c 2 c2 −3 R · a R R · ȧ ≈ 1+ 2 − c 2 c3 R · a 3R R · ȧ ≈ 1−3 2 + . c 2 c3 i−3 Vamos considerar termos até a ordem 1/c3 . Na expressão do campo elétrico, aparece o termo 2 R̂ − β (tret ) 1 − (β (tret )) 3 R2 1 − R̂ · β (tret ) = 2 (R − Rβ (tret )) 1 − (β (tret )) . 3 R3 1 − R̂ · β (tret ) Com as aproximações acima, segue R − Rβ (tret ) ≈ R + R2 1 R3 a − ȧ c2 2 c3 e, também, até ordem 1/c3 , (R − Rβ (tret )) 3 R3 1 − R̂ · β (tret ) ≈ R a ȧ + − 3 R3 Rc2 2c R · a 3R R · ȧ 1−3 2 + c 2 c3 a ȧ RR · a 3RR · ȧ R + − 3 −3 3 2 + . R3 Rc2 2c R c 2R2 c3 = Notemos que desprezamos [β (tret )]2 porque 2 [β (tret )] 2 1 R 1 R2 − a + ȧ , c2 c 2 c2 ≈ que é da ordem de 1/c4 . O outro termo do campo elétrico é i R̂ − β (tret ) × a (tret ) 3 Rc2 1 − R̂ · β (tret ) R̂ × h = RR · a (tret ) Rv (tret ) R · a (tret ) 3 − 3 R3 c2 1 − R̂ · β (tret ) R3 c3 1 − R̂ · β (tret ) R2 a (tret ) − R3 c2 1 − R̂ · β (tret ) 6 3 + RR · β (tret ) a (tret ) 3 . R3 c2 1 − R̂ · β (tret ) Calculemos cada um até ordem 1/c3 : RR · a (tret ) 3 R3 c2 1 − R̂ · β (tret ) − R R · a 3R R · ȧ R · ȧ 1−3 2 + c c 2 c3 ≈ R R3 c2 ≈ RR · a RR · ȧ − , R 3 c2 R2 c3 Rv (tret ) R · a (tret ) 3 R3 c3 1 − R̂ · β (tret ) ≈ − R·a− 1 2 R c3 R R 1 R2 − a+ ȧ R · a − R · ȧ c 2 c2 c ≈ 0, R2 a (tret ) − R 3 c2 3 1 − R̂ · β (tret ) ≈ − a ȧ + 3 2 Rc c e RR · β (tret ) a (tret ) 3 R3 c2 1 − R̂ · β (tret ) R 1 R2 a R · − a + ȧ R2 c3 c 2 c2 ≈ ≈ 0. Assim, obtemos dEpart (r, t) ≈ ≈ R a ȧ RR · a 3RR · ȧ RR · a RR · ȧ a ȧ d r ρ (r , t) + − 3 −3 3 2 + + − − + 3 R3 Rc2 2c R c 2R2 c3 R 3 c2 R2 c3 Rc2 c R RR · a RR · ȧ ȧ 3 0 0 d r ρ (r , t) −2 3 2 + + 3 . R3 R c 2R2 c3 2c 3 0 0 A partir de agora, para não termos que lidar com R calculado em tret , utilizaremos a expressão aproximada que deduzimos acima, isto é, 2 R (tret ) ≈ R (t) − R (t) R (t) · a (t) [R (t)] R (t) · ȧ (t) + . 2c2 6c3 Também devemos utilizar R (tret ) ≈ R (t) + 2 3 1 1 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) [R (tret )] − 3 [R (tret )] , 2 2 2c ∂t 6c ∂t3 que, com a aproximação para R (tret ) acima e mantendo termos até ordem 1/c3 , pode ser escrita como R (tret ) ≈ R (t) + 2 3 1 1 2 ∂ R (t) 3 ∂ R (t) [R (t)] − [R (t)] 2c2 ∂t2 6c3 ∂t3 7 e, portanto, R (tret ) ≈ R (t) − 1 1 2 3 [R (t)] a (t) + 3 [R (t)] ȧ (t) . 2c2 6c Em especial, o termo de Coulomb escreve-se, até ordem 1/c3 , ( R R3 ≈ ( ≈ R (t) ) R (t) · a (t) R (t) R (t) · ȧ (t) + 1− 2c2 6c3 R (t) ) 3R (t) · a (t) R (t) R (t) · ȧ (t) − 1+ 2c2 2c3 ȧ (t) a (t) 3 − 2c2 R (t) + 6c3 [R (t)] a (t) ȧ (t) 3 − 2c2 R (t) + 6c3 [R (t)] R (t) ≈ 3 [R (t)] + 3R (t) R (t) · a (t) 2c2 3 [R (t)] R (t) R (t) · ȧ (t) − 2c3 2 [R (t)] − −3 a (t) ȧ (t) + . 2c2 R (t) 6c3 Assim, a partir de agora, denotaremos: R = R (t) = |r − r0 | e R = R (t) = r − r0 . Com isso e mantendo termos até ordem 1/c3 , dEpart (r, t) ≈ d3 r0 ρ (r0 , t) RR · a a 2ȧ R − − + , R3 2c2 R3 2c2 R 3c3 Então, a força externa sobre a partícula agora pode ser escrita como ˆ Fext = ˆ − d r V 2ȧ R RR · a a d r ρ (r, t) ρ (r , t) − − 2 + 3 . R3 2c2 R3 2c R 3c 3 0 3 V 0 Dada a simetria esférica da distribuição de carga na partícula, podemos tomar a origem no centro da partícula e escrever ρ (r, t) = % (r, t) e ρ (r0 , t) = % (r0 , t) . Também, sem perda de generalidade, podemos tomar o eixo z ao longo do sentido de a (t) , por exemplo. Assim, ˆ ˆ d r V RR · a d r ρ (r, t) ρ (r , t) R3 3 0 3 V 0 ˆ = a d3 r0 % (r0 , t) (z − z 0 ) d r % (r, t) V 8 ˆ 3 V R . R3 A componente x dessa integral dupla pode ser escrita como ˆ ˆ d r % (r, t) V (z − z 0 ) (x − x0 ) , R3 d3 r0 % (r0 , t) 3 V que troca de sinal se trocarmos (x, x0 ) por (−x, −x0 ) e vice-versa. Como a mudança de variáveis de integração não pode alterar o resultado da integral, vemos que essa componente x se anula. Um raciocínio análogo leva à conclusão de que a componente y da integral ˆ ˆ d3 r0 % (r0 , t) (z − z 0 ) d3 r % (r, t) V V R R3 também se anula, restando apenas a componente z, que não muda de sinal quando trocamos (z, z 0 ) por (−z, −z 0 ) e vice-versa. Portanto, ˆ ˆ d3 r0 ρ (r, t) ρ (r0 , t) d3 r V V ˆ RR · a R3 = ˆ 2 d3 r0 % (r0 , t) d3 r % (r, t) ẑa V V (z − z 0 ) . R3 Além disso, por causa da simetria esférica, também podemos escrever ˆ ˆ d r % (r, t) V (z − z 0 ) d r % (r , t) R3 3 0 3 V ˆ 2 0 ˆ 3 = d r % (r, t) V (x − x0 ) R3 d3 r0 % (r0 , t) (y − y 0 ) R3 V ˆ ˆ d3 r % (r, t) = 2 d3 r0 % (r0 , t) V 2 V e, portanto, ˆ ˆ d r % (r, t) V (z − z 0 ) d r % (r , t) R3 3 0 3 V 2 0 = = Logo, ˆ ˆ V RR · a R3 d3 r0 ρ (r, t) ρ (r0 , t) d3 r V = = ˆ ˆ 1 1 3 d r % (r, t) d3 r0 % (r0 , t) 3 R2 3 V R ˆ ˆV 1 1 3 d r % (r, t) d3 r0 % (r0 , t) . 3 V R V ˆ ˆ 1 1 d3 r % (r, t) d3 r0 % (r0 , t) ẑa 3 V R V ˆ ˆ 0 a 3 3 0 ρ (r, t) ρ (r , t) d r d r . 3 V R V Além disso, por causa da simetria esférica, também decorre que ˆ ˆ d3 r0 ρ (r, t) ρ (r0 , t) d3 r V V R R3 = 0. Com esses resultados, a força externa aplicada à partícula expressa-se como Fext = 4a 6c2 ˆ ˆ d3 r0 3 d r V V 9 ρ (r, t) ρ (r0 , t) 2q 2 ȧ − R 3c3 É importante notarmos que a integral dupla restante no membro direito dessa equação é a energia eletrostática U0 armazenada na partícula: U0 = 1 2 ˆ ˆ d3 r0 d3 r V V ρ (r, t) ρ (r0 , t) . R Logo, Fext = 2q 2 4U0 a − ȧ, 3c2 3c3 que é a chamada equação de Abraham-Lorentz. Como vemos, a energia eletrostática armazenada na partícula corresponde a uma massa dada pela relação meletr = U0 c2 e, na presente teoria, o fator 4/3 indica a inadequação deste tratamento. O termo proporcional à derivada da aceleração descreve a reação radiativa da partícula. Se, no referencial de repouso da partícula, sua energia fosse dada por U0 , então, como nesse referencial seu momentum seria nulo, em um referencial com velociade relativa −cβ a partícula deveria ter uma energia γU0 e momentum γU0 β/c, como se sua massa de repouso fosse U0 /c2 , sem o fator 4/3. No cálculo de Abraham-Lorentz acima, a energia de repouso se refere a um referencial diferente do referencial do laboratório, que é o referencial do campo elétrico utilizado nos cálculos acima. O cuidado necessário com as devidas transformações de Lorentz elimina o erro, mas essa é outra história que ainda não contei. 10