REVISÃO Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar Assessment and specific nutritional recommendations for women during and after pregnancy of twins Natalia Mira de Assumpção Werutsky1, Vera Silvia Frangella2, Débora Pracanica3, Ariane Nadolskis Severine4, Cristiane Tonato5 RESUMO Objetivo: Atualizar e adequar os conhecimentos nutricionais sobre a gestante e puérpera gemelar para favorecer o cuidado prestado a esta clientela, a fim de melhorar sua sobrevida com qualidade, assim como, avaliar a conduta usada na Instituição e hospitais de referência, frente os conhecimentos adquiridos pela literatura específica. Métodos: Esta revisão de literatura se deu por meio de pesquisa de documentos e publicações científicas em sites eletrônicos (SciELO, Pubmed, SibI, Medline, Lilacs), datadas de 1964 a 2006, e contato direto via e-mail com alguns autores. Resultados: Em estudos selecionados, as gestantes gemelares apresentavam idade > 27 anos, sendo divididas em três períodos gestacionais (< 20a; 20 a 28a e > 28a semana). O programa nutricional recomenda: ingestão de 3.000 a 4.000 cals/dia de acordo com o índice de massa corpórea (IMC) da gestante, distribuídas em: proteínas (20%), carboidratos (40%) e gorduras (40%); além da suplementação de 3 g de cálcio, 1,2 g de magnésio e 45 mg de zinco, com a prescrição de dois comprimidos de multivitamínico/dia após a 20a semana. A alimentação deve ser composta de três refeições diárias e três lanches. Os poucos estudos encontrados sobre puérperas recomendam o acréscimo de 500 a 600 calorias/dia por criança, para garantir produção de volume de leite adequado à demanda. Discussão: Pesquisas demonstraram que o seguimento deste programa propicia maior tempo gestacional e peso dos recém-nascidos; redução dos riscos de complicações pré e pós-parto para mães e filhos. O adequado ganho de peso durante a gestação beneficia a mulher, os bebês e possibilita esta a amamentar e produzir leite de acordo com a demanda. Existem diferenças entre a gestante gemelar e de gestação única quanto ao ganho de peso semanal, total, recomendações de macro e micronutrientes, quantidade de porções e classificação do estado nutricional segundo IMC. Conclusões: Orientação nutricional, adequação da dieta e acompanhamento gestacional melhoram ganho ponderal dos recémnascidos, prolongam o período gestacional, diminuem os riscos de complicações pré e pós-parto para mães e filhos e favorecem aleitamento materno. Descritores: Gravidez múltipla; Ganho de peso; Necessidades nutricionais ABSTRACT Objective: To update and adjust nutritional recommendations for twin pregnancy during prenatal and postpartum periods in order to improve care provided to these women and ensure their quality of life, as well as to assess the practices adopted by the Institution and referral hospitals, in view of what was learned in specialized literature. Methods: This literature review was conducted by searching scientific papers in databases (SciELO, Pubmed, Sibi, Medline, Lilacs), published from 1964 through 2006, as well as by surveying some authors directly by e-mail. Results: In studies selected, the age of pregnant women with twins was > 27, and the subjects were divided into three gestational periods (< 20 weeks, 20 to 28 weeks, and > 28 weeks gestational age). The nutritional program recommends: the intake of 3.000 to 4.000 kcal/day according to the pregnant body mass index (BMI), distributed as: proteins (20%), carbohydrates (40%), and fat (40%); in addition to the supplemental intake of 3 g of calcium, 1.2 g of magnesium, and 45 mg of zinc, with the prescription of two tablets of multivitamin per day after week 20. The daily diet must be divided into three meals and three snacks. The few studies found about these puerperal women recommended the addition of 500 to 600 calories/day per child to ensure the production of the appropriate volume of milk to meet the necessary demand. 1 Nutricionista do Centro Universitário São Camilo – São Paulo (SP), Brasil. 2 Mestre; Professora do Curso de Pós-graduação em Nutrição do Centro Universitário São Camilo – São Paulo (SP), Brasil. 3 Especialista em Nutrição Clínica, Nutricionista do Departamento de Perinatologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 4 Pós-graduanda da Disciplina de Nutrição da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil; Coordenadora do Serviço de Nutrição Clínica, Responsável Técnica pelo Banco de Leite Humano do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil; Consultora em Aleitamento Materno pelo International Board of Lactation Consultant Examiners – IBCLE, São Paulo (SP), Brasil. 5 Especialista em Vigilância Sanitária de Alimentos; MBA em Direção de Empresas e Especialista em Nutrição Coletiva – São Paulo (SP), Brasil; Nutricionista; Gerente do Serviço de Nutrição do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. Autor correspondente: Vera Silvia Frangella – Rua Felipe de Alcaçova, 54 – Vila Madalena – CEP 05416-020 – São Paulo (SP), Brasil – e-mail: verasf.nutri@ajato.com.br Data de submissão: 16/10/2007 – Data de aceite: 26/3/2008 einstein. 2008; 6(2):212-20 Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar Discussion: Research demonstrates that this program increases the gestational period and newborns weight, and reduces the risk of prenatal and postpartum complications for mothers and children. The appropriate weight gain during pregnancy benefits the mother and their newborns, facilitating breast-feeding and milk volume production according to the demand. Comparing twin and single pregnant women there are differences related to weekly and total weight gain, recommendations for macro and micronutrients intake, number of portions, and nutritional status classification according to BMI. Conclusions: Nutritional guidance, dietary adjustments, and gestational follow-up improve newborn’s weight gain, extend the gestational period, reduce the risks of prenatal and postpartum complications for mothers and children, and favors breastfeeding. Keywords: Pregnancy, multiple; Weight gain; Nutritional requirements INTRODUÇÃO Esta revisão de literatura aborda os temas: avaliação nutricional e recomendações específicas para a gestante e puérpera gemelar. Sua importância deve-se ao elevado número de mulheres com gestações múltiplas internadas e, pela não existência de um protocolo hospitalar, o qual é composto por avaliação nutricional e recomendações nutricionais específicas ao cuidado nutricional apropriado a esta clientela. Nos Estados Unidos houve um aumento de 30% nas gestações gemelares, decorrentes do aumento da prática de reprodução assistida(1). Em 2002, houve 132.535 nascimentos de gêmeos. Este número vem crescendo significativamente desde 1980. As gestações gemelares representam 94% das gestações múltiplas a cada ano(2). No México, o número de mulheres internadas com gestação gemelar no Instituto Nacional de Perinatologia cresceu de 140 em 1999 para 217 em 2003(3). Segundo dados fornecidos pela Coordenação de Perinatologia do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), no período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2006, foram realizados 1.510 partos, representados por 5% (n = 76) de gestações múltiplas, das quais 69 são gemelares (4,5%) e sete trigemelares. Em relação à realidade brasileira, a Tabela 1 demonstra a distribuição e porcentagem de partos gemelares realizados durante os anos de 1996 a 2004, separa- 213 dos por Estados e regiões brasileiras, segundo informações do Ministério da Saúde. Conforme demonstram os dados da Tabela 1, a região Sudeste apresenta a maior concentração dos partos gemelares realizados no Brasil (41,2%). Só no Estado de São Paulo ocorreram 98.120 partos, o que representou 21,1% do total realizado no país. Dentro deste contexto, a incidência de partos gemelares verificados no HIAE, no primeiro semestre de 2006, se mostra muito significativa, já que representa um percentual de 0,14% do total de partos realizados no Estado de São Paulo, caso se mantenha a mesma progressão no segundo semestre e a mesma progressão de 2004 para 2006. Contudo, a tendência é que haja crescimento nos dois períodos. A alimentação, reconhecidamente, tem papel relevante para a saúde dos indivíduos, principalmente nas etapas da vida caracterizadas pelo aumento da demanda de energia e de nutrientes, como a gestação e o puerpério. Nestes períodos ocorrem: intenso e peculiar processo de formação de tecidos, bem como grandes transformações orgânicas durante um curto espaço de tempo(4). A gestação é um período de reconhecida vulnerabilidade biológica. No ciclo da vida humana, provavelmente, ela representa o processo ou o momento fisiológico mais crucial, face às demandas e circunstâncias em que se envolvem mãe e feto, uma vez que o período gestacional é uma fase na qual as necessidades nutricionais são elevadas, decorrentes dos ajustes fisiológicos da gestante e das demandas de nutrientes para o crescimento fetal(3). O estado nutricional da gestante influi diretamente na saúde, crescimento e desenvolvimento adequado dos fetos, seus pesos ao nascerem, nas chances de prematuridade, mortalidade e morbidade neonatal(4). Dessa forma, o ganho ponderal da gestante, sendo adequado ao peso pré-gestacional e a semana gestacional influi positivamente no peso ao nascer das crianças(5). Gestantes que apresentam uma reserva inadequada de nutrientes, aliada a uma ingestão dietética insuficiente, poderão ter um comprometimento do crescimento fetal e, conseqüentemente, do peso do feto ao nascer. Em contrapartida, o ganho ponderal gestacional excessivo Tabela 1. Distribuição e % de partos gemelares nos Estados e Regiões brasileiras de 1996 a 2004 Estados e regiões brasileiras Brasil Norte Nordeste Sudeste São Paulo Sul Centro-Oeste 1996 38.465 3.520 12.739 9.860 1.087 8.393 3.953 1997 51.248 3.610 13.609 21.951 12.441 8.048 4.030 1998 52.714 3.601 14.132 22.992 12.173 8.243 3.746 1999 55.537 3.944 14.760 24.295 12.676 8.570 3.968 2000 54.883 4.118 15.022 23.740 12.470 8.119 3.884 2001 53.178 4.100 15.513 22.338 11.660 7.486 3.741 2002 53.360 4.271 15.733 22.348 12.157 7.261 3.747 2003 52.596 4.402 15.285 21.902 11.579 7.173 3.834 2004 53.260 4.266 15.378 22.319 11.877 7.319 3.978 Total 465.241 35.832 132.171 191.745 98.120 70.612 34.881 % 100% 7,7% 28,4% 41,2% 21,1% 15,2% 7,5% Fonte: Secretaria de Vigilância do Saúde do Ministério da Saúde, 2006. einstein. 2008; 6(2):212-20 214 Werutsky NMA, Frangella VS, Pracanica D, Severine AN, Tonato C também não é benéfico ao recém-nascido, pois às vezes, esse excedente serve apenas para deteriorar o estado nutricional materno e não necessariamente é canalizado para os fetos(6). Assim sendo, a avaliação nutricional e o monitoramento do ganho ponderal da gestante são considerados cuidados essenciais sendo preconizado, para tanto, pelo Ministério da Saúde, o emprego da antropometria(7). A gravidez múltipla, freqüentemente, se relaciona com gestações de mulheres com idade acima de 27 anos, índice de massa corpórea (IMC) > 30 kg/m2, raça negra, aumento da paridade, história familiar (pelo lado materno), maior freqüência de relações sexuais e, atualmente, com as técnicas de indução da ovulação ou de fertilização assistida(1-3,5,7). As gestantes gemelares são classificadas em três períodos gestacionais (< 20a semana, 20 a 28a semana e > 28a semana), identificando-se dois tipos de gravidez gemelar: monozigótica – resultado da divisão, em fases muito precoces do ovo formado pela fecundação de um óvulo, e dizigótica – resultante da fecundação de dois óvulos por dois espermatozóides(3,7). Na gestação gemelar o volume sangüíneo aumenta em torno de 50 a 60% contra 40 a 50% na gestação única. Isso faz com que haja uma diminuição nas concentrações séricas de hemoglobina, glicose, albumina, proteína e vitaminas hidrossolúveis. Há também aumento na concentração de progesterona e do lactogênio placentário (HPL), que são secretados em maior quantidade neste período e podem afetar o metabolismo da glicose, elevando o risco da gestante em ter um aumento na resistência periférica à insulina, podendo desencadear diabetes gestacional e hipertensão(3). Alguns fatores de risco ou complicações da gravidez são mais freqüentes em gestações de gemelares, dados pela idade avançada da mãe; maior incidência de pré-eclampsia e anemia; descolamento prematuro de placenta; maior chance de ocorrência de hemorragia periventricular intra-uterina, prolapso retal e corioamnionite que é uma infecção mais comum da placenta decorrente da ruptura precoce da bolsa amniótica, que contém o feto. A ruptura leva à perda do líquido amniótico(8). Assim, as gestações gemelares são consideradas de risco materno fetal. Por isso, precisam de muita orientação e acompanhamento multiprofissional(9). Dentre as complicações da gestação gemelar, a mais freqüente é o parto pré-termo que pode ser fatal para a mãe e para os recém-nascidos(10). Devido à prematuridade, essas crianças estão mais sujeitas às complicações clínicas e/ou baixo peso ao nascerem. Estudos internacionais demonstram que a gestação gemelar possui um risco maior de ser pré-termo em relação à gestação única (48 contra 11% < 37 semanas de gestacionais e 11 contra 2% < 32 semanas gestacionais). Gêmeos têm maior chance de apresentar baixo peso ao nascer (50 einstein. 2008; 6(2):212-20 contra 6% < 2.500 g; e 10 contra 1% < 1.500 g)(1). Na gestação única, em média, o peso ao nascer é de 3.332 g e a idade gestacional é de 38,8 semanas, enquanto que na gemelar, em média, o peso dos recém-nascidos é de 2.347 g e a semana gestacional é de 35,3 semanas. Além disso, as mulheres grávidas de gêmeos têm seis vezes mais chances de ser hospitalizadas durante a gestação, em relação às de gestação única. O risco de morte no primeiro ano de vida é sete vezes maior em um gêmeo, em relação ao recém-nascido de gestação única(2). Embora os gemelares representem 3% dos nascimentos, representam 15% dos nascimentos pré-termos (< 32 semanas) e 25% dos nascidos com muito baixo peso (< 1.500 g). Por isso, têm um risco sete vezes maior de morrer no primeiro ano de vida, e os sobreviventes continuam tendo um alto risco de desenvolver problemas mentais, de aprendizagem e psíquicos(11). Após o parto, vem o momento da amamentação dos recém-nascidos e sabe-se que o aleitamento materno é um importante componente da alimentação infantil. Ele, isoladamente, é capaz de nutrir adequadamente as crianças nos primeiros seis meses de vida(12). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todas as crianças devam receber exclusivamente leite materno até cerca de seis meses de vida e que a amamentação deve ser mantida por pelo menos dois anos(13). É reconhecido cientificamente que lactentes amamentados exclusivamente com leite materno durante o período estabelecido, crescem e se desenvolvem adequadamente. Além disso, os riscos de infecção do trato gastrointestinal e de alergias diminuem nessas crianças(14). Contudo, em pesquisa realizada no ano de 1975, no Clube das Mães de Gêmeos no Sul da Califórnia, revelou-se que somente 24% das puérperas amamentavam os filhos desde o nascimento. Dessas, 37% pararam o aleitamento no primeiro mês e 20% continuaram até o quarto ou sexto mês. Como razão para este alto índice de desistência do aleitamento, encontrou-se que 28% das mães alegaram que o seu leite era inadequado, insuficiente; 15% referiram rachadura ou outros problemas nas mamas; 13% referiram que os filhos “não pegaram” a mama; 7% ficaram doentes e fracas e apenas 2% citaram doenças com os fetos. Como motivo para não se iniciar a amamentação, 36% das mães alegaram desinteresse; 8% ficaram doentes; 9% estavam com limitações físicas, 8% não tinham leite suficiente e 11% não tinham tempo(15). O nascimento pré-termo, parto por cesária, complicações neonatais, anomalias congênitas, medicações e anestesias, a inexistência de alojamento conjunto, a permanência do recém-nascido em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), entre outros motivos, podem prejudicar o início do aleitamento materno na gestação gemelar. Por isso, essa população necessita de atenção Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar especial e suporte técnico-psicológico e nutricional na iniciação do aleitamento(16). Pesquisas relatam como motivos mais citados como estímulo para se praticar o aleitamento: satisfação materna, proximidade com os filhos, melhora do vínculo mãe-filho e qualidade nutricional do leite materno adequado para as crianças(17). A introdução de fórmulas lácteas infantis nos primeiros meses de vida não é recomendada. A idéia de que o leite materno é insuficiente para mais de um recém-nascido é desfeita pelo fato de que o volume de leite produzido é diretamente relacionado à sua demanda. Assim, a puérpera de gêmeos produz o dobro de leite em comparação à mãe de gestação única. A gestante gemelar pode produzir, por dia, mais de 1,2 l no primeiro mês e mais de 2 l a partir do segundo mês. Cada 100 ml contêm em média de 67 a 75 calorias e a eficiência de produção é em torno de 80 a 90%(18). A concentração de lactose, proteínas, gorduras, vitaminas e minerais também é maior(19). O leite materno, portanto, atende às especificidades requeridas pelos fetos. Ele provê a quantidade ideal de nutrientes, água e minerais para o crescimento e desenvolvimento satisfatórios dos recém-nascidos(20). Crianças que são amamentadas têm melhor desenvolvimento cognitivo, psicomotor e possuem menores riscos para o desenvolvimento de infecções, meningites e pneumonias. Isto porque o leite materno é rico em: anticorpos, aminoácidos, gorduras, entre outros nutrientes(21). Durante a gestação, o organismo da mulher se prepara para a lactação. Há o desenvolvimento das mamas, o aumento da produção hormonal e o acúmulo de gordura (4 kg). Durante o aleitamento a mulher se utiliza da reserva de gordura obtida durante a gestação e das calorias que provêm da dieta alimentar diária. O estado nutricional materno, portanto influencia diretamente na amamentação. O aleitamento materno requer das mães uma quantidade adicional de calorias, para garantir a produção adequada de leite. Por isso, há a necessidade de se fazer adequações ao cardápio, aumentando-se as calorias e proteínas ingeridas pelas nutrizes(22). Pelo exposto, esta pesquisa torna-se importante e justificável devido à escassez de publicações e estudos sobre o assunto e ao aumento da gestação de gemelar. O Brasil carece de critérios e estudos sobre a avaliação do ganho de peso da gestante gemelar. Isto pôde ser verificado após rastreamento da literatura e de dados epidemiológicos obtidos no próprio HIAE. Assim, considera-se que esta pesquisa possa contribuir para a equipe de nutrição e comunidade científica, já que busca auxiliar no aprimoramento técnico-científico, garantindo melhor qualidade à assistência hospitalar prestada à gestante e puérpera gemelar. 215 OBJETIVO Avaliar, atualizar e adequar os conhecimentos nutricionais referentes à gestante e puérpera gemelar, para favorecer o cuidado prestado a essa clientela no tocante a avaliação do estado nutricional e recomendações específicas, melhorando sua sobrevida com qualidade. MÉTODOS Este trabalho se caracteriza como uma pesquisa de revisão bibliográfica, cujo rastreamento foi realizado por meio de publicações e artigos científicos em sites eletrônicos (SciELO, Pubmed, Sibi, Medline, Lilacs) sem restrição de idioma e divulgadas no período de 1964 a 2006; além do contato direto (via e-mail) com os autores de pesquisas que são fontes primárias do estudo. Os descritores de saúde utilizados foram: gestantes gemelares, puérperas, gêmeos, recomendações nutricionais e avaliação nutricional O total de material científico rastreado foi de 82, dos quais somente nove estudos foram selecionados para a elaboração final, por terem objetivos semelhantes aos propostos nesta pesquisa. Foram também excluídos os artigos que já haviam sido citados nos selecionados. Os artigos avaliados foram classificados como: revisão de literatura, coorte prospectivo e caso controle, com amostras significativas. Para auxiliar na confecção deste artigo, foram elaboradas duas planilhas para registro e organização dos dados obtidos das resenhas de cada estudo selecionado, contemplando as variáveis: título, país de origem, autor, publicação e ano, objetivos, materiais e métodos, resultados, discussão e conclusão. RESULTADOS Mais de 85% dos estudos rastreados foram realizados nos Estados Unidos, mostrando que esse é o país que mais publicou sobre o tema avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar, seguido pelo México com um estudo selecionado. Todos os estudos aqui avaliados apresentaram como objetivo principal o estabelecimento das adequadas taxas de ganho ponderal para a gestante gemelar, para se alcançar os melhores resultados de peso ao nascer (> 2.500 g) e tempo gestacional maior (> 36 semanas), visando diminuição das complicações pré e pós-gestacionais da gestante e dos fetos. O programa nutricional mais indicado e usado pelos autores correspondeu à implementação de 3.000 a 4.000 cals/dia de acordo com o IMC da gestante, distribuídas em 20% de proteína, 40% de carboidratos e 40% de gorduras; recomendando-se a suplementação einstein. 2008; 6(2):212-20 216 Werutsky NMA, Frangella VS, Pracanica D, Severine AN, Tonato C Quadro 1. Programa de recomendações nutricionais diárias de macronutrientes nos diferentes grupos,segundo estado nutricional para a gestante gemelar e de gestação única Baixo peso (IMC < 19,8 kg/m2) 4.000 20% (200 g) 40% (400 g) 40% (178 g) Composição Calorias (VET) Proteína Carboidrato Gorduras Eutrofia (IMC 19,8-26,0 kg/m2) 3.500 20% (175 g) 40% (350 g) 40% (156 g) Sobrepeso (IMC 26,1-29,0 kg/m2) 3.250 20% (163 g) 40% (325 g) 40% (144 g) Obesidade (IMC > 29,0 kg/m2) 3.000 20% (150 g) 40% (300 g) 40% (133 g) Recomendações para gestante única 10 a 15 50 a 60 25 a 30 Fonte: Luke et. al., 2003(11) de 3 g cálcio, 1,2 g de magnésio e 45 mg de zinco, com prescrição de dois comprimidos de multivitamínico por dia após a 20a semana, contemplando 100% da dose diária recomendada (DDR) de não gestantes. Além disso, a alimentação dessas mulheres deve ser composta por três refeições diárias e três lanches, sempre prezando a qualidade nutricional dos alimentos. São baseadas no fato de se observar que as gestantes que seguiram esse programa nutricional obtiveram melhores resultados no tempo gestacional, peso do recém-nascido e diminuição dos riscos para desenvolvimento de complicações pré e pós-parto para elas e para os seus fetos (Quadro 1). Nos estudos analisados, a gestação única foi dividida em três períodos exatos, trimestrais, cada um em média com 13,3 semanas. Já na gemelar, em 100% dos estudos os períodos foram divididos da seguinte forma: até a 20a, da 20a a 28a e > 28a semana. Em um estudo prospectivo de intervenção, o IMC da gestante gemelar é classificado de forma diferente da mulher com gestação única, considerando-se o estado nutricional prégestacional e o peso do início da gestação. Segundo as pesquisas, a gestante gemelar é considerada como baixo peso quando o resultado do seu IMC é < 19,8 kg/m2, enquanto que na gestação única a classificação de baixo peso se dá quando o IMC < 18,5 kg/m2. Na gestação gemelar a faixa de IMC para eutrofia é maior (19,8 < 26,0 contra 18,5 < 24,9 kg/m2), enquanto que para a classificação de sobrepeso a faixa é menor (26,1 < 29,0 contra 25,0 < 29,99 kg/m2). São consideradas obesas as gestantes que possuem IMC > 29,0 kg/m2 na gestação gemelar e > 29,99 kg/m2 na única (Quadros 2, 3 e 4). Quadro 2. Recomendação de taxa de ganho ponderal por período gestacional gemelar, segundo a avaliação do estado nutricional da mulher pelo índice de massa corporal Ganho de peso semanal (g) 0-20a semana 20-28a semana > 28a semana Baixo peso (IMC < 19,8 kg/m2) 0,56-0,78 0,67-0,78 0,56 Eutrofia (IMC 19,826,0 kg/m2) 0,45-0,67 0,56-0,78 0,45 Sobrepeso (IMC 26,129,0 kg/m2) 0,45-0,56 0,45-0,67 0,45 Obesidade (IMC > 29,0 kg/m2) 0,34-0,45 0,34-0,56 0,34 Fonte: Luke et al., 2003(11) Dos estudos rastreados, somente dois tratavam do cuidado nutricional de puérperas, sendo que ambos foram realizados nos Estados Unidos e tinham recomeneinstein. 2008; 6(2):212-20 Quadro 3. Recomendação de ganho de peso total por período gestacional gemelar, segundo a avaliação do estado nutricional da mulher pelo índice de massa corporal Objetivo de ganho de peso (kg) Até 20a semana Baixo peso (IMC < 19,8 kg/m2) 11,3-15,8 Eutrofia (IMC 19,826,0 kg/m2) 9,0-13,5 Sobrepeso (IMC 26,129,0 kg/m2) 9,0-11,3 Obesidade (IMC > 29,0 kg/m2) 6,75-9,0 Até 28a semana 16,7-22,0 13,5-19,8 12,6-16,7 9,5-13,5 28a a 38a semana 22,5-27,9 18,0-24,3 17,1-21,2 13,0-17,1 Fonte: Luke et al., 2003(11) Quadro 4. Ganho de peso semanal recomendado em (kg) na gestação única, segundo estado nutricional inicial Períodos 1º trimestre 2º e 3º trimestre Ganho de peso total Baixo peso 2,3 0,5 12,5-18,0 Eutrofia 1,6 0,4 11,5-16,0 Sobrepeso 0,9 0,3 7,0-11,5 Obesidade 0,3 7,0 Fonte: Ministério da Saúde, 2005 Quadro 5. Programa de recomendações nutricionais diárias de macronutrientes e calorias totais para a puérpera gemelar Nutrientes Acréscimo calórico Proteínas (%) Carboidrato (%) Lipídios (%) Recomendação 36 cal*kg + 500/600 cal por bebê 20% ou 1 g/ kg + 16 g/dia (1º trimestre) e 1 g/ kg + 12 g/ dia ( a partir 2º trimestre) 40% 40% Fonte: Rimon, 2002(20) dações semelhantes (Quadro 5), sendo um deles um estudo longitudinal baseado em questionários. Em nenhuma pesquisa sobre puérpera gemelar foram encontradas recomendações de porções, ganho ou perda de peso, classificação do estado nutricional segundo IMC, nem foi abordada a questão de suplementação de micronutrientes, minerais e vitaminas. DISCUSSÃO Os trabalhos rastreados indicam que, a partir de 2001, houve um aumento no nascimento de gêmeos, o que coincide com o crescimento significativo da fertilização in vitro. Isso pode ter impulsionado o interesse pelas pesquisas nesta área. Estudo apresentado por Mares em 2001(1), afirma que nesse período houve aumento de 30% nas gestações gemelares decorrentes da prática de reprodução assistida. Segundo Luke et al.(2), em 2002 houve Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar 217 Quadro 6. Programa de recomendações nutricionais dos grupos alimentares em porções, nos diferentes grupos, segundo estado nutricional da gestante gemelar e para gestação única Grupos de alimentos Laticínios Cereais Carnes e equivalentes Ovos Leguminosas Vegetais Frutas Gorduras e óleos Doces Baixo peso (IMC < 19,8 kg/m2) 10 12 10 2 5 8 7 - Eutrofia (IMC 19,8-26,0 kg/m2) 8 10 10 2 4 7 6 - Sobrepeso (IMC 26,1-29,0 kg/m2) 8 8 8 2 4 6 5 - Obesidade (IMC > 29,0 kg/m2) 8 8 6 2 4 6 5 - Recomendações Gestação única 3 5-9 1-2 1 4-5 3-5 1-2 1-2 Fonte: Luke et al., 2003(11) 132.535 nascimentos de gêmeos nos Estados Unidos, representando 94% das gestações múltiplas do país. Analisando-se o Quadro 1, em que aparecem as recomendações para distribuição de macronutrientes utilizada no programa nutricional recomendado no estudo de Luke et al.(2) para gestante gemelar e, se comparando à recomendação nutricional para a gestação única, percebe-se aumento na distribuição percentual das recomendações de gorduras (40% contra 25 a 30%) e proteínas (20% contra 10 a 15%); além da diminuição na proporção de carboidratos (40% contra 50 a 60%) na gestação gemelar. Isto mostra a importância das proteínas e da energia lipídica nas dietas destas gestantes, já que esta condição fisiológica envolve intensa proliferação de tecidos, acúmulo de gordura para ser usado como reserva energética na lactação e gasto energético com os fetos. Segundo Hytten(23) a gestante gemelar necessita do acréscimo de 20 g de proteína por dia, enquanto que na gestação única a mulher precisa de 10 g. Roselló-Soberón(3) indica acréscimo de 150 cal/dia sobre as 300 cals/dia recomendadas para a gestação única pelo Ministério da Saúde (2005)(7), totalizando 450 cals/dia de acréscimo (Quadro 6). Analisando-se o Quadro acima, percebe-se que as recomendações para a gestante gemelar e de gestação única são diferentes. A quantidade de porções de quase todos os grupos de alimentos é maior para as gestantes gemelares. Os aumentos mais significativos encontramse nas recomendações de carnes e derivados, na quais as porções aumentaram em cinco vezes; seguida da de óleos e gorduras com aumento de três vezes; e laticínios com 2,5 vezes a mais. As porções se mantiveram iguais no grupo de vegetais e muito próximas nos grupos de cereais e frutas. A recomendação para a gestante gemelar não indica porções para doces. Talvez esta possa estar inserida na recomendação de gorduras e óleos, mas isso não fica claro no estudo. Segundo os estudos avaliados, houve melhora significativa nos resultados de ganho de peso fetal, tempo gestacional e diminuição dos riscos de complicações para os fetos e para as gestantes quando elas receberam suple- mentação composta de multivitamínico diário com 100% da RDA de não gestante no primeiro trimestre, incluindo 400 µg de ácido fólico e doses duplas do multivitamínico a partir do segundo trimestre. Além disso, indica-se a ingestão diária de 3 g de cálcio, 1,2 g de magnésio, 45 mg de zinco, 400 UI de vitamina e 1 g de vitamina C. Já Newman et al.(24) indicam 150 mg/d da vitamina C para a gestante gemelar, enquanto que na única a mulher necessita de 70mg/d; e o Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IOM)(25) recomenda somente 50 mg de vitamina C. As recomendações indicadas pelo IOM(25) para mulheres com gestações com mais de um feto para os outros micronutrientes são: 15 mg de zinco, 2 mg de cobre, 250 mg de cálcio, 2 mg de vitamina B6, 300 µg de ácido fólico, 5 µg de vitamina D e 30 mg de ferro depois da 12a semana, ou seja, inferiores às dos outros estudos apresentados. A suplementação de cálcio, por exemplo, é 75% maior. Apenas a pesquisa de Roselló-Soberón(3) abordou a necessidade da suplementação de ferro. Segundo a autora, a gestante gemelar tem maior risco de desenvolver anemia, indicando aumento de 1,8 vezes na necessidade de ferro em relação às necessidades da gestação única. A deficiência de ferro (no segundo e terceiro períodos da gestação) pode estar associada a nascimentos prétermos. Verificou-se um risco quatro vezes maior para o desenvolvimento de anemia gestacional na gestante gemelar em relação à gestação única. No estudo de Luke et al. (2005)(2), verificou-se associação entre a deficiência de zinco e incidência de anemia ferropriva nas gestantes, o que poderia causar mais complicações pré e pós-parto. O estudo realizado por Luke et al. (2003)(11) com 529 gestantes, das quais 190 participaram do programa nutricional, verificou que as mulheres participantes foram menos propensas a terem complicações pré e pós-parto e alcançaram ganho de peso adequado para seu IMC prégestacional, particularmente entre a 20a a 28a semana gestacional e com mais facilidade. As mulheres que não participaram do estudo tiveram mais do que dobro de chance de desenvolverem pré-eclampsia e ruptura prematura de bolsa, além de terem três vezes mais riscos para desenvoleinstein. 2008; 6(2):212-20 218 Werutsky NMA, Frangella VS, Pracanica D, Severine AN, Tonato C verem anemia. Diabetes gestacional não foi avaliada nessa pesquisa, contudo, elevados níveis glicêmicos podem predispor a gestante gemelar a ter infecções e inflamações placentárias, estando associados ao peso do recém-nascido e com o desenvolvimento fetal(26). Assim sendo, é uma variante significativa na incidência de complicações na gravidez, como a pré-eclampsia. Percebe-se também que os fetos das mães que participaram do programa obtiveram significativa redução de incidência em todos os itens clínicos avaliados, principalmente, no uso de fototerapia (16 contra 37%), nas internações em UTI neonatal (43 contra 62%) e na morbidade (17 contra 32%). Verificou-se também maior ganho ponderal dos fetos e gestações mais longas das mulheres participantes, além da melhora nos índices de todas as intercorrências gestacionais. Além do mais, o risco de re-hospitalização durante os três primeiros anos de vida da criança foi menor nos fetos das mães que participaram do programa e estes obtiveram maior peso, comprimento e perímetro cefálico ao nascer durante a primeira infância. Em relação ao estado nutricional, não houve diferença significativa nos índices de gestantes classificadas como: eutrofia, sobrepeso e obesidade. A maior diferença aconteceu no grupo de baixo peso: 17% nas participantes e 13% nas que não participaram. Apesar disso, todos os resultados foram melhores neste primeiro grupo. Na gestação única, quando se calcula o IMC pré-gestacional, usa-se o peso que a mulher tinha ao engravidar, não considerando a semana gestacional da mesma. O cálculo é feito com o peso inicial da gestação, classificando a mulher segundo a OMS(25). A semana gestacional é levada em conta quando o estado nutricional da gestante é estabelecido a partir do SISVAN/MS (2005)(7), no qual a classificação considera o peso atual e a semana gestacional em que a mulher se encontra. Na gestação gemelar, a classificação do estado nutricional e a semana gestacional em que a mulher se encontra são importantes para se estabelecer faixas de ganho ponderal ideal da gestante, conforme demonstram os Quadros 2 e 3. A classificação do estado nutricional da gestante segundo o seu IMC pré-gestacional e seu IMC atual, de acordo com a semana gestacional é importante, pois fornece informações consistentes para se estabelecer recomendação de ganho ponderal semanal e total adequado, segundo as necessidades da gestante. O ganho de peso total na gestação única varia de 7 a 18 kg, dependendo do estado nutricional da mulher. Na gestação gemelar essa variação é maior, com recomendação mínima de 13 kg e máxima, podendo chegar a 27,9 kg, caso a gestante esteja classificada como baixo peso. Esses dados expressam que o ganho ponderal total para a gestante gemelar é muito superior em todas as classificações de estado nutricional da mulher e isso pode justificar a recomendação calórica e suplementação proposta pelos estudos avaliados. einstein. 2008; 6(2):212-20 Para a gestante gemelar classificada como baixo peso e eutrófica, a recomendação de ganho ponderal total pode chegar a 1,5 vezes a recomendação para gestante única; para a com sobrepeso é quase o dobro e para as obesas, o aumento da recomendação pode chegar a 2,5 vezes. Segundo o estudo de Roselló-Soberón(3), o ganho de peso gestacional deve começar antes da oitava semana, chegando ao ganho total de 16 a 20,5 kg no final da gestação. Ganho de peso inferior a 385 g por semana antes da 24a semana está associado ao retardo de crescimento intra-uterino e maior morbidade dos bebês, mesmo se verificando um ganho adequado posterior até o fim da gestação. Segundo Luke et al.(27) e Brown e Carlson(28) o IMC pré-gestacional e a classificação do estado nutricional, não são os únicos indicadores para garantia de gestações mais prolongadas, ganho de peso gestacional e crescimento fetal adequado. Estudo realizado pela autora, no período de 1999 a 2002, que comparava mulheres americanas hispânicas, brancas não-hispânicas e negras não-hispânicas, percebeu que apesar das hispânicas terem maior percentual de mulheres com sobrepeso (26,5%) e menor percentual de eutrofia (56,1%) em relação às brancas não-hispânicas, apresentaram os menores índices de partos pré-termos (34,1% < 36 semanas e 11,3% < 32 semanas), menores índices de recém-nascidos de baixo peso (48,8% < 2.500 g e 8,2% < 1.500g), e de ruptura prematura de membrana (15,8%). Elas possuíam média de idade menor em relação às brancas não-hispânicas (27,5 anos contra 29,8 anos), tinham o maior percentual de mulheres com seguro médico (22%) e eram as que fumavam menos (5,7% contra 13%). Isso pode mostrar que outras variáveis devem ser consideradas durante a avaliação do risco da gestação. Outros indicadores, portanto, são importantes para se obterem melhores resultados para o ganho de peso fetal adequado, tempo gestacional mais prolongado e menor risco para complicações clínicas da gestante e recém-nascido. Segundo Roselló-Soberón(3), os fatores que mais podem influenciar no prognóstico da gestação são: o peso prégestacional da mulher, o peso ganho durante a gestação, o crescimento fetal, o tempo gestacional e o tabagismo. Isso reforça os resultados encontrados por Luke et al.(27), que demonstraram que o cigarro é um fator importante na avaliação do prognóstico gestacional da gestante gemelar. Em relação à taxa de ganho de peso semanal, percebe-se que a recomendação na gestação única é superior a da gemelar em quase todas as classificações de estado nutricional no primeiro trimestre. Contudo, cabe salientar que na gestação única esse primeiro período é em média de 13,3 semanas e, na gemelar corresponde a 20 semanas. A exceção a essa recomendação é feita para as mulheres com obesidade, pois nesse caso, na gestação única, não se preconiza um ganho de peso no primeiro trimestre sendo que na gemelar se preconiza um ganho semanal entre 0,34 a 0,45 g. Nos outros três períodos, as faixas de recomenda- Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar ções para a gestante gemelar aumentam, sendo significativamente maiores do que as da gestação única. Para as mulheres eutróficas recomenda-se o ganho semanal de 0,56 a 0,78 g da 20a a 28a semana gestacional, enquanto que na gestação única a mulher deve ganhar em média 0,4 g a partir do segundo período. No terceiro período, há uma proximidade nas recomendações para as gestantes. Mesmo assim, as recomendações na gestação única são menores (0,4 contra 0,45 g para mulheres eutróficas). Assim, devido a essas diferenças nas recomendações semanais, o ganho ponderal total para a gestação gemelar é muito superior em todas as classificações do estado nutricional. O exercício físico durante a gestação é muito importante, pois auxilia na prevenção da hipertensão arterial, auxilia a circulação sangüínea e a disposição da gestante. O Centro Médico de Controle e Prevenção de Doenças e a Associação Americana de Medicina do Esporte recomendam 30 minutos ou mais de exercícios diários. Contudo, o Guia da Associação Americana de Ginecologia e Obstetrícia para Exercícios durante a gestação e pós-parto (2002), contra-indica a atividade aeróbica para a gestante gemelar, devido ao risco elevado para ruptura prematura de membranas. Quanto às puérperas gemelares, analisando-se o Quadro 5 é possível perceber que a recomendação de distribuição de macronutrientes é a mesma em relação à gestante gemelar (20% de proteína, 40% de carboidratos e 40% de lipídios). Já em relação ao acréscimo calórico para a puérpera gemelar, recomenda-se que seja de 500 a 600 calorias diárias para cada criança amamentada. A recomendação para a puérpera de gestação única é de 500 cals/dia de acréscimo para um recém-nascido. Verifica-se que para a puérpera gemelar é o dobro, porque segundo Rimon e Shinwell(20), a demanda de produção de leite é dobrada, requerendo um acréscimo calórico maior. A puérpera tem suas necessidades energéticas aumentadas, para garantir a produção adequada de leite e a manutenção do aleitamento. Segundo o autor, o acréscimo calórico pode ultrapassar as 1.200 calorias e chegar até 1.500 calorias diárias, já que a produção após o segundo mês é muito maior do que 2 l por dia. Este estudo revelou que a puérpera necessita de uma dieta com maior valor energético total (VET) em relação à gestante gemelar, para manter as condições nutricionais necessárias para a manutenção do aleitamento aos recém-nascidos. Na gestação única, a recomendação é de acréscimo de 2.700 cals/ dia e na gemelar de 3.000 a 4.000 cals/dia. Se calcularmos o VET para uma puérpera gemelar de 70 kg e eutrófica, a recomendação calórica será de 3.520 cals/dia (36 x 70 + 1.000) a 3.720 cals/dia (36 x 70 + 1.200), o que fica muito próximo da recomendação durante a gestação gemelar. A maior diferença é entre a puérpera de gestação única e gemelar, pois neste caso a recomendação seria de 3.020 cals/dia (36 x 70 + 500). 219 O cuidado nutricional de puérperas, segundo um estudo realizado em 1975 com as mulheres membros do Clube da Mãe de Gêmeos do Sul da Califórnia, demonstrou que a má nutrição, o vegetarianismo e a hidratação inadequada interferem na produção do leite, diminuindo a quantidade, mas não a qualidade(15). Esse estudo também verificou que apenas 24% delas iniciaram aleitamento, sendo que destas 37% interrompeu-o no primeiro mês e apenas 20% conseguiram mantê-lo do quarto ao sexto mês. Entre as muitas situações citadas como motivos para a interrupção ou a não iniciação do aleitamento, encontraram: rejeição à idéia de amamentar (36%), sensação que o leite é insuficiente (28%), fraqueza ou doenças da mãe (7%) ou dos bebês (2%), rachaduras nas mamas (15%), entre outros. O outro estudo feito por Damato et al.(29), com 123 gestantes gemelares do grupo de mães gemelares dos Estados Unidos, em Columbia, apresentou índices maiores de aleitamento. Segundo os autores, 89,4% (110) das mulheres iniciaram o aleitamento logo após o nascimento (em torno do terceiro e quarto dia pós-parto). Dessas mães que iniciaram o aleitamento, 72,7% (n = 80) mantiveram a amamentação após o primeiro mês e 39,1% (n = 41) conseguiram amamentar até pelo menos o sexto mês. A média foi de 4,5 meses ou 17,9 semanas. Neste estudo somente a depressão foi identificada como algo de significante influência na duração da lactação. As mães que possuíam mais conhecimento sobre os benefícios do aleitamento materno conseguiram amamentar por mais tempo. A razão mais citada para a interrupção do puerpério foi a falsa idéia do leite ser inadequado e insuficiente; a dificuldade na freqüência de mamadas; as mamas vazando e mamilos inflamados e doloridos. As mulheres que amamentaram por mais de seis semanas conseguiram manter o aleitamento por mais tempo. Segundo os estudos mencionados sobre puérperas, a puérpera gemelar necessita de acompanhamento e suporte nutricional especial para a iniciação e manutenção do aleitamento materno, segundo as recomendações existentes. Neste contexto, a orientação nutricional é imprescindível já que fornece energia para o organismo materno, devendo ajustar-se às necessidades energéticas que este período requer. CONCLUSÕES Os estudos rastreados demonstraram que as recomendações nutricionais e de ganho ponderal total são bem elevadas para a gestante e puérpera gemelar. Os resultados encontrados mostraram que a orientação nutricional, a adequação da dieta e o acompanhamento gestacional possuem íntima relação com a melhora de ganho de peso dos fetos ao nascerem, tempo gestacional mais proloneinstein. 2008; 6(2):212-20 220 Werutsky NMA, Frangella VS, Pracanica D, Severine AN, Tonato C gado, diminuição dos riscos para o desenvolvimento de complicações pré e pós-parto para a mulher e os fetos. Sugere-se que a gestante gemelar deva ingerir de 3.000 a 4.000 cals/dia, além de fazer uso de suplementação de alguns micronutrientes segundo IOM (15 mg de zinco; 2 mg de cobre; 250 mg de cálcio; 2 mg de vitamina B6; 300 µg de ácido fólico; 50 mg de vitamina C; 5 µg de vitamina D e 30 mg de ferro a partir da 12a semana). A distribuição de macronutrientes deve ser de 20% de proteína (50% de alto valor biológico), 40% de carboidratos e 40% de lipídios. A quantidade de porções dos laticínios, carnes e equivalentes, cereais, frutas, vegetais e gorduras e óleos, também deve ser aumentada para que se alcance o VET da dieta. Além disso, a alimentação destas mulheres deve ser composta por três refeições diárias e três lanches. Todos esses cuidados visam ganho de peso adequado ao estado nutricional da mulher, nunca esquecendo a qualidade dessa alimentação. Em relação à puérpera gemelar, muito pouco se encontrou sobre o tema avaliação nutricional e recomendações específicas. O que se percebeu foi que essas mulheres têm dificuldades em iniciar o aleitamento e, principalmente, em mantê-lo até pelo menos o sexto mês de vida dos seus filhos. Elas precisam, e muito, de suporte: emocional, psicológico e nutricional, já que muitas são as dificuldades encontradas para o início e a manutenção da amamentação. Quanto às recomendações encontradas, verifica-se a indicação para o acréscimo diário de 500 a 600 cals/dia por criança, sem mencionar quantidade em porções para os diferentes grupos alimentares ou suplementação com micronutrientes. A distribuição de macronutrientes se mantém como ocorre na gestação gemelar (20% de proteína, 40% de carboidratos e 40% de lipídios). Dessa forma, percebemos a necessidade de se desenvolver conduta de orientação nutricional e recomendações específicas de ganho de peso, distribuição de macronutrientes e calorias totais na dieta para a gestante e puérpera gemelar. Com isso, haverá a melhora na qualidade do atendimento a esta população, buscando sempre atingir os mais altos níveis de satisfação e melhora dos resultados para a gestante, os fetos e para a equipe de nutrição. 6. Rocha DS, Netto MP, Priore SE, Lima NMM, Rosado LEFPL, Franceschini SCC. Estado nutricional e anemia ferropriva em gestantes: relação com o peso da criança ao nascer. 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