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Materiais e Dispositivos Eletrônicos - Sérgio M. Rezende - 2ª Ed

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(rezende@df.ufpe.br)
i
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Editora Livaria da Fı́sica
ii
iii
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
SERGIO M. REZENDE
Departamento de Fı́sica
Universidade Federal de Pernambuco
Editora Livraria da Fı́sica
São Paulo – 2004 – 2a¯ edição
iv
Copyright 2004: Editora Livraria da Fı́sica
Editor: José Roberto Marinho
Capa: Miguel Pachá Filho
Revisão: Sergio Machado Rezende
Impressão: Gráfica Paym
Dados de catalogação na Publicação (CIP) Internacional
( Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil )
Rezende, Sergio Machado
Materiais e Dispositivos Eletrônicos/Sergio M. Rezende – 2a¯ ed. –
São Paulo: Editora Livraria da Fı́sica, 2004.
Bibliografia.
1. Aparelhos e dispositivos eletrônicos
2. Eletrônica I . Tı́tulo
04 - 1157
CDD – 621.381
Índices para catálogo sistemático
1. Materiais e dispositivos: Engenharia eletrônica 621.381
ISBN: 85-88325-27-6
Editora Livraria da Fı́sica
Telefone: 0xx11 – 3816 7599
Fax: 0xx11 – 3815 8688
e-mail: livraria@if.usp.br
Página na internet: www.livrariadafisica.com.br
v
Í N D I C E
Prefácio
ix
Capı́tulo 1. Materiais para Eletrônica
1
1.1 Eletrônica e Fı́sica do Estado Sólido
1.2 Ligações Atômicas
1.3 Materiais Cristalinos
1.4 Materiais para Dispositivos Eletrônicos
Capı́tulo 2. Ondas e Partı́culas na Matéria
2.1 Ondas Eletromagnéticas
2.2 Ondas Elásticas em Sólidos
2.3 Efeito Fotoelétrico - Ondas e Partı́culas
2.4 O Elétron como uma Onda - Princı́pio da Incerteza
2.5 Fônons e outras Excitações Elementares
Capı́tulo 3. Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
3.1 Os Postulados da Mecânica Quântica
3.2 A Equação de Schroedinger Independente do Tempo
3.3 Aplicações Simples da Mecânica Quântica
3.4 Elétron no Átomo de Hidrogênio
3.5 Átomos de Muitos Elétrons
2
5
8
14
27
28
34
40
46
50
55
56
60
62
73
84
vi
Capı́tulo 4. Elétrons em Cristais
4.1 Bandas de Energia em Cristais
4.2 Condutores, Isolantes e Semicondutores
4.3 Massa Efetiva
4.4 Comportamento dos Elétrons em T > 0 - Distribuição de Fermi-Dirac
4.5 O Mecanismo da Corrente Elétrica em Metais
Capı́tulo 5. Materiais Semicondutores
91
92
98
101
103
109
117
5.1 Semicondutores
5.2 Elétrons e Buracos em Semicondutores Intrı́nsecos
5.3 Semicondutores Extrı́nsecos
5.4 Dinâmica de Elétrons e Buracos em Semicondutores
118
122
135
145
Capı́tulo 6. Dispositivos Semicondutores: Diodos
167
6.1 A Junção p-n
6.2 Corrente na Junção Polarizada
6.3 Heterojunções
6.4 Diodo de Junção
6.5 Diodo de Barreira Schottky
6.6 Ruptura na Polarização Reversa: Diodo Zener
6.7 Outros Tipos de Diodos
168
180
186
192
198
200
202
Capı́tulo 7. Transistores e
Outros Dispositivos Semicondutores
215
7.1 O Transistor
7.2 O Transistor Bipolar
7.3 Correntes no Transistor Bipolar
7.4 Aplicações de Transistores
7.5 Transistores de Efeito de Campo
7.6 O Transistor MOSFET
7.7 Dispositivos de Controle de Potência: SCR e TRIAC
7.8 Circuitos Integrados
217
219
225
237
241
251
267
271
vii
Capı́tulo 8. Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
287
8.1 Propriedades Ópticas dos Materiais
8.2 Interação da Radiação com a Matéria - Modelo Clássico
8.3 Teoria Quântica da Interação Radiação-Matéria
8.4 Fotodetetores
8.5 Diodo Emissor de Luz (LED)
8.6 Emissão Estimulada e Lasers
8.7 O Laser de Diodo Semicondutor
8.8 Aplicações dos Lasers de Diodo
289
298
308
323
342
348
359
372
Capı́tulo 9. Materiais e Dispositivos Magnéticos
383
9.1 Magnetismo e Materiais Magnéticos
9.2 Propriedades Magnéticas da Matéria
9.3 Materiais Magnéticos
9.4 Materiais para Aplicações Tradicionais
9.5 Gravação Magnética
9.6 Dispositivos de Ferrites para Microondas
385
390
400
416
425
442
Capı́tulo 10. Outros Materiais Importantes
para a Eletrônica
463
10.1 Materiais Dielétricos
10.2 Materiais Dielétricos para Opto-Eletrônica
10.3 Materiais para Mostradores e Telas de Vı́deo
10.4 Materiais Supercondutores
465
484
493
514
Apêndice A. Teoria de Perturbação: Cálculo
da Probabilidade de Transição
535
Apêndice B. Constantes Fı́sicas e Tabela de
Conversão de Unidades Energia
539
Apêndice C. Tabela Periódica dos Elementos
540
Índice Analı́tico
541
viii
ix
Prefácio
O advento da eletrônica e das tecnologias a ela relacionadas foi um dos
principais responsáveis pelas grandes transformações econômicas e sociais verificadas no final do Século XX. O desenvolvimento destas tecnologias resultou
de um enorme investimento em pesquisa básica e aplicada nos paı́ses industrializados. Como conseqüência, estes paı́ses passaram a concentrar a maior parte
do conhecimento cientı́fico e tecnológico e, por conseguinte, têm hoje grande
vantagem competitiva em relação aos demais numa economia globalizada.
O Brasil custou a criar condições para dominar as tecnologias relacionadas
à eletrônica. O primeiro curso de engenharia eletrônica só foi criado na década
de 1950, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Em 1958, e portanto dez
anos após a descoberta do transistor, haviam no Paı́s menos de dez fı́sicos do
Estado Sólido, a área da ciência que mais contribuiu para o desenvolvimento da
eletrônica. Todavia, a partir da década de 1960, foi desencadeado um grande
esforço de desenvolvimento cientı́fico e tecnológico no Paı́s. Foram criados grupos de pesquisa e cursos de pós-graduação em todas as áreas do conhecimento.
Isto resultou numa melhoria considerável nos cursos de ciências e engenharia
e, conseqüentemente, na qualidade dos recursos humanos formados para as
universidades, as empresas e a sociedade em geral. A despeito do progresso
recente, ainda é necessário investir muito em ciência e tecnologia no Brasil.
Este livro tem como objetivo contribuir para o aumento da competência
do Paı́s na eletrônica, que sem dúvida será uma tecnologia estratégica para
o século XXI. Sua proposta básica é introduzir os materiais e dispositivos
eletrônicos no estágio inicial dos cursos de graduação de engenharia elétrica,
eletrônica e de computadores, fı́sica, informática e outros cursos de ciências e
engenharia. Todos sabemos que a compreensão da finalidade e da operação
básica dos dispositivos é essencial para projetar equipamentos eletrônicos. Entretanto, as disciplinas de dispositivos, quando constam dos currı́culos, exigem
inúmeros pré-requisitos que acarretam sua apresentação em estágio avançado
dos cursos universitários. Este livro possibilita o ensino de materiais e dispositivos eletrônicos a partir do 4o¯ semestre dos cursos, pois apresenta também
os conceitos básicos de ondas e de mecânica quântica em nı́vel acessı́vel aos
estudantes.
O livro tem caráter introdutório e não entra nos detalhes técnicos mais especı́ficos dos dispositivos e dos métodos de fabricação de materiais. Preferi sacrificar o detalhe em favor da abrangência, apresentando dispositivos e materi-
x
ais baseados numa grande variedade de fenômenos. A ênfase é na conceituação
fı́sica das propriedades dos materiais e dos princı́pios básicos de funcionamento
dos dispositivos. Procurei fazer uma apresentação bastante didática, visando
principalmente motivar estudantes, como também profissionais de outras áreas,
pela eletrônica. Esta abordagem dá ao livro um caráter original.
O material é adequado para dois semestres tradicionais de aulas. Os
três primeiros capı́tulos apresentam a introdução básica de materiais para
eletrônica e a conceituação fı́sica necessária para a compreensão dos fenômenos
que neles ocorrem. Nesta parte o conceito de onda é bastante explorado, pois
ele desempenha papel fundamental na mecânica quântica e, por conseguinte,
nas propriedades de elétrons nos átomos e nos materiais. O Capı́tulo 4 é dedicado ao estudo das principais propriedades dos elétrons nos materiais, sendo,
portanto, também básico para os capı́tulos seguintes.
A partir do Capı́tulo 5 os temas tornam-se mais especı́ficos. Neste
capı́tulo são apresentados as principais caracterı́sticas dos materiais semicondutores. Os Capı́tulos 6 e 7 são dedicados aos princı́pios de funcionamento dos
dispositivos fabricados com estes materiais, diodos, transistores e dispositivos
correlatos, que hoje existem numa grande variedade de tipos e categorias. O
diodo de junção e o transistor de junção são estudados em maior detalhe, uma
vez que suas equações podem ser inteiramente deduzidas a partir das leis e
equações básicas, apresentadas nos capı́tulos iniciais.
O Capı́tulo 8 apresenta as propriedades básicas da interação da luz com a
matéria e uma variedade de dispositivos usados na conversão da luz em corrente
elétrica, ou vice-versa. Estes dispositivos são responsáveis pela viabilização da
opto-eletrônica e suas aplicações em diversas áreas da ciência, da medicina e da
engenharia. Nesta categoria encontram-se os fotodetetores, como os fotodiodos
e as células solares, os diodos emissores de luz (LED) e os lasers. Os princı́pios
básicos dos lasers de semicondutores e das fibras ópticas são estudados em
mais detalhe, em virtude de sua importância nas comunicações ópticas.
O Capı́tulo 9 é dedicado a materiais e dispositivos magnéticos, que desempenham um papel fundamental na eletrônica e que normalmente não são
apresentados nos livros de dispositivos. Ênfase especial é dada aos processos
de gravação magnética, uma vez que esta tecnologia tem importância crescente
nos computadores e em inúmeras aplicações da vida diária. Os dispositivos de
ferrite para utilização nos sistemas de microondas também têm destaque neste
capı́tulo.
Finalmente, o Capı́tulo 10 apresenta uma variedade de materiais com
xi
aplicações especı́ficas, porém muito importantes na gama cada vez maior de
dispositivos eletrônicos. Entre eles destacam-se os materiais piezoelétricos, os
dielétricos usados na opto-eletrônica, os eletretos e os materiais empregados
na fabricação de telas de vı́deo, as cerâmicas fosforescentes, os cristais lı́quidos
e os condutores orgânicos. A última seção apresenta as propriedades básicas
dos materiais supercondutores, que têm algumas aplicações práticas e têm
potencial de futuras aplicações em eletrônica.
Os materiais e dispositivos apresentados neste livro são essenciais para
o funcionamento dos equipamentos eletrônicos da atualidade e provavelmente
dos que serão utilizados nas próximas décadas. Ao decidir escrevê-lo, no inı́cio
da década de 1990, a motivação principal era suprir uma lacuna na literatura
técnica em lı́ngua portuguesa. A primeira edição foi publicada pela Editora da
UFPE em 1996, com o tı́tulo A Fı́sica de Materiais e Dispositivos Eletrônicos.
Pela reação inicial positiva que percebi em professores e estudantes, fiquei
otimista com a possibilidade de vê-lo adotado como livro texto em diversos
cursos. Isto realmente aconteceu, pelo que tenho conhecimento, ele foi adotado
em pelo menos quinze universidades brasileiras e uma em Portugal. Isto exigiu
que a primeira edição fosse reimpressa duas vezes.
Nesta segunda edição retirei a palavra Fı́sica do tı́tulo, pois percebi que
em algumas livrarias o livro não era colocado nas seções de Engenharia, mas
apenas nas de Fı́sica. Em relação à primeira edição, a atual tem diversas novidades, como exemplos numéricos em todos os capı́tulos, seções com material
novo, principalmente nos últimos capı́tulos, além de uma revisão completa do
texto, com melhoria de algumas explicações e extensa correção de pequenos
erros.
É com satisfação que agradeço a colaboração de vários colegas professores do Departamento de Fı́sica da UFPE, feita por meio de sugestões diversas, crı́ticas e revisões de textos. Sou grato em particular a Anderson Gomes,
Antônio Azevedo, Celso Melo, Cid Araújo, Fernando Machado, Flávio Aguiar
e José Marcı́lio Ferreira. Sou muito grato a Gilvani Holanda pelo competente e dedicado trabalho de digitação, a Carlos Marrocos e Joaquim Antônio
Soares pela confecção das figuras, a Jairo Coutinho, pelo belo trabalho de diagramação, e a meu genro, o artista plástico Miguel Pachá, que fez a capa
do livro. Minhas atividades de pesquisa, e portanto as condições para a realização deste livro, não seriam possı́veis sem o apoio financeiro do CNPq,
FINEP, CAPES, MCT e da UFPE. Desde já deixo os agradecimentos antecipados a todos aqueles que, futuramente, me enviarem crı́ticas e sugestões para
a melhoria do livro (smr@df.ufpe.br).
xii
Não posso perder a oportunidade de deixar registrado o reconhecimento
a Leo e Elsa, meus pais, que me educaram e sempre souberam me estimular, e a Cláudia, Isabel e Marta, minhas filhas, que ao se tornarem adultas,
compreenderam bem porque não dediquei a elas mais tempo quando eram
crianças.
Finalmente, meu maior agradecimento é para Adélia, que sempre me
incentivou nesta empreitada, ajudou a esclarecer inúmeras dúvidas ortográficas
e acompanhou com grande interesse cada uma das fases da elaboração das duas
edições do livro.
Recife, 29 de janeiro de 2004
O autor
Capı́tulo 1
Materiais para Eletrônica
1.1 Eletrônica e Fı́sica do Estado Sólido
2
1.2 Ligações Atômicas
5
1.3 Materiais Cristalinos
8
1.3.1 Redes Cristalinas
1.3.2 Estruturas Cristalinas Simples
1.4 Materiais para Dispositivos Eletrônicos
9
11
14
1.4.1 Monocristais
1.4.2 Cerâmicas e Vidros
1.4.3 Polı́meros
1.4.4 Cristais Lı́quidos
1.4.5 Filmes Finos e Multicamadas
14
17
19
20
21
REFERÊNCIAS
25
PROBLEMAS
25
1
2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Materiais para Eletrônica
1.1
Eletrônica e Fı́sica do Estado Sólido
A Eletrônica é o ramo da tecnologia mais marcante do Século XX. Ela surgiu
em 1906 com a invenção por Lee De Forest, nos Estados Unidos, da válvula
triodo, um dispositivo que tornou possı́vel a amplificação de sinais elétricos. A
válvula triodo consiste de um tubo a vácuo contendo três eletrodos: o catodo,
que aquecido emite elétrons, o anodo, no qual os elétrons são recebidos, e a
grade, situada entre o catodo e o anodo, que serve para controlar o fluxo de
elétrons e possibilitar a amplificação de sinais. Além do triodo, há outros tipos
de válvulas, como o diodo, que tem dois eletrodos (apenas catodo e anodo),
os pentodos com cinco, entre outras. O funcionamento de todas as válvulas é
baseado no controle do movimento dos elétrons entre os eletrodos por meio
da ação de um campo elétrico sobre sua carga elétrica. Esta é a origem do
nome Eletrônica.
O principal produto da Eletrônica na primeira metade do século XX
foi, o rádio, que possibilitou a comunicação e a difusão de informações à
distância através da voz e da música. Mais tarde foi desenvolvido o sistema
para a transmissão à distância de imagens em movimento, a televisão. Depois
vieram os computadores e também uma grande variedade de equipamentos
para diversas finalidades. Porém, a Eletrônica baseada nas válvulas a vácuo
tinha grandes limitações e inconvenientes. As válvulas eram grandes, frágeis,
aqueciam muito, tinham vida curta e fabricação dispendiosa, além de várias
desvantagens técnicas. Por esta razão, desde antes da segunda Grande Guerra
procurava-se um dispositivo que pudesse substituir as válvulas nos equipamentos eletrônicos. O grande passo nesta direção foi dado em 1947 por J. Bardeen,
W. Brattain e W. Shockley, três fı́sicos dos laboratórios da Bell Telephone que
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
3
estudavam propriedades de condução eletrônica em semicondutores. Naquele
ano eles descobriram o transistor, um dispositivo de três elementos que possibilitava o controle da corrente elétrica no interior de um material semicondutor,
e que poderia substituir a válvula triodo. Durante a década de 1950 o transistor foi aperfeiçoado, tornando-se um dispositivo confiável, com aplicações
nos mais diversos equipamentos eletrônicos e com custos de fabricação cada
vez mais baixos. Na década de 1960 assistimos à miniaturização da eletrônica,
com o desenvolvimento dos circuitos integrados, contendo inúmeros transistores e diodos, interligados com resistores e capacitores, fabricados na mesma
pastilha de semicondutor. A fabricação dos circuitos integrados com elementos de dimensões da ordem de alguns micrômetros (10−6 metros) deu origem à
tecnologia da microeletrônica. Com a crescente miniaturização dos componentes, surgiram na década de 1970 os microprocessadores, com os quais foi
possı́vel fabricar os microcomputadores. A produção de circuitos integrados e
microprocessadores cada vez mais rápidos e com maior número de elementos
está produzindo uma constante evolução na Eletrônica. Esta evolução provocou uma enorme mudança nos costumes da sociedade, proporcionada pelos
modernos sistemas de comunicação, a ampla utilização dos computadores, a
automação dos meios de produção e os mais variados equipamentos utilizados
em nossa vida diária. Por esta razão, a Eletrônica tornou-se um dos principais
fatores de desenvolvimento do final do século XX e provavelmente continuará
com este papel no século que inicia.
Além dos diodos, transitores, circuitos integrados e microprocessadores,
cuja operação é baseada nas propriedades de transporte eletrônico dos semicondutores, existe um grande número de outros dispositivos que dão à eletrônica
uma enorme variedade de aplicações. Eles são baseados em diversas propriedades de materiais sólidos, ópticas, magnéticas, térmicas, etc. A descoberta desses dispositivos só foi possı́vel graças ao conhecimento acumulado
com as atividades de pesquisa em Fı́sica do Estado Sólido. Esta é a área da
Fı́sica que investiga as propriedades e os fenômenos que ocorrem em materiais
sólidos, e que ganhou um grande impulso com a descoberta do transistor. Até
a década de 1950, os trabalhos nesta área estavam concentrados nos sólidos
cristalinos, que são aqueles cujos átomos ou ı́ons constituintes têm um arranjo
ordenado periódico. Nesses sólidos ocorrem fenômenos que não existem em
materiais amorfos. Além disso, como eles têm estrutura cristalina com propriedades de simetria bem definidas, os fenômenos podem ser interpretados
pelas leis da Fı́sica com mais facilidade. Com o progresso das técnicas experimentais e teóricas de investigação, esta área se estendeu a materiais mais complexos, como vidros, polı́meros orgânicos diversos, ligas amorfas e até mesmo
os lı́quidos, passando a ser conhecida como Fı́sica da Matéria Condensada.
4
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Nesta área da Fı́sica trabalham atualmente mais de 40% dos fı́sicos em todo o
mundo e a cada ano surgem novas linhas de pesquisa, impulsionadas pela descoberta de novas propriedades, novos fenômenos e novos materiais artificiais.
Estes, por sua vez, abrem o potencial para o desenvolvimento de novos dispositivos que encontram aplicações nos mais variados segmentos tecnológicos,
e cujo interesse econômico impulsiona as pesquisas básica e aplicada. Foram
as descobertas em Fı́sica da Matéria Condensada que possibilitaram o desenvolvimento do transistor, dos circuitos integrados e de inúmeros dispositivos
que revolucionaram a eletrônica e os computadores. Os lasers encontraram
inúmeras aplicações na indústria e na medicina e propiciaram o advento das
comunicações ópticas. Os materiais magnéticos novos são os responsáveis pela
melhoria de dispositivos e de processos de gravação, que estão tendo enorme
impacto nos meios de comunicação e nos computadores.
Entretanto, não foi apenas por causa de sua importância tecnológica que
a nova área se desenvolveu rapidamente. A enorme variedade de fenômenos
que os elétrons e os núcleos apresentam coletivamente em sólidos deu origem
a descobertas fundamentais excitantes. Esta é uma das razões para que cerca
de 50% dos prêmios Nobel nos últimos 30 anos tenham sido dados a fı́sicos
que trabalharam nesta área. Foram eles J. Bardeen, L.N. Cooper e J.R.
Schrieffer (1972 - teoria de supercondutividade), L. Esaki, I. Giaever e B.
Josephson (1973 - efeito de tunelamento em sólidos), P.W. Anderson, N.F.
Mott e J.H. Van Vleck (1977 - estudos de sólidos amorfos e propriedades
magnéticas da matéria), P. Kaptisa (1978 - estudos em baixas temperaturas), N. Bloembergen, A.L. Schawlow e K.M. Siegbahn (1981 - espectroscopia
com lasers e de fotoelétrons), K.G. Wilson (1982 - teoria de grupo de renormalização e transições de fase), K. von Klitzing (1985 - efeito Hall quântico),
G. Binning, H. Rohrer e E. Ruska (1986 - invenção do microscópio de tunelamento e do microscópio eletrônico), K.A. Müller e G. Bednorz (1987 - descoberta da supercondutividade em altas temperaturas, P. de Gennes (1991 estudos de polı́meros e cristais lı́quidos), B.N. Brockhouse e C.G. Shull (1994
- desenvolvimento de técnicas de espalhamento de nêutrons para o estudo de
materiais), D.M. Lee, D.D. Osheroff e R.C. Richardson (1996 - descoberta da
superfluidez em Helio 3), R.B. Laughlin, H.L. Stormer e D.C. Tsui (1998 descoberta de fluido quântico com excitações de carga fracionária), e no ano
2000, Z.I. Alferov e H. Kroemer pelo desenvolvimento de heteroestruturas de
semicondutores, juntamente com Jack Kilby, um dos maiores responsáveis pela
invenção dos circuitos integrados. Assim, o prêmio Nobel de Fı́sica da virada
do milênio marcou a importância da área para o desenvolvimento da eletrônica.
Foi interessante, também, o fato de o prêmio Nobel de Quı́mica em 2000 ter
sido agraciado aos fı́sicos A. Heeger, A. MacDiarmid e H. Shirakawa, pela des-
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
5
coberta e desenvolvimento dos polı́meros condutores, materiais que começam
a ter aplicações comerciais na eletrônica.
Os materiais sólidos investigados na Fı́sica da Matéria Condensada ou
utilizados em dispositivos eletrônicos, em geral não são encontrados na natureza. Eles são produzidos artificialmente a partir de compostos quı́micos com
alto grau de pureza, através de processos diversos. Os processos de fabricação de materiais estão tornando-se cada vez mais sofisticados, possibilitando a
obtenção de estruturas artificiais não imagináveis há duas décadas. É possı́vel,
por exemplo, utilizando a técnica de epitaxia de feixe molecular (MBE), depositar camadas atômicas individuais, uma após outra, formando uma multicamada ou super-rede cristalina. O domı́nio das técnicas de preparação de materiais é então essencial para a investigação em Fı́sica da Matéria Condensada
e para a fabricação de dispositivos eletrônicos. A compreensão dos fenômenos
que ocorrem nos sólidos requer o domı́nio de vários conceitos fundamentais
que serão apresentados a partir da próxima seção. Vamos iniciar discutindo
uma questão básica: por que e como os átomos dos diversos elementos formam
materiais sólidos?
1.2
Ligações Atômicas
Vamos considerar inicialmente o caso de sólido do tipo do cloreto de sódio,
NaC. Por razões conhecidas da quı́mica, e que são explicadas em detalhe pela
mecânica quântica, um átomo de cloro, com seus 17 elétrons, tende a capturar
outro elétron extra para completar sua terceira “camada” eletrônica e tornar-se
estável. Por outro lado, um átomo de sódio com 11 elétrons tende a perder seu
único elétron da terceira camada para que as duas camadas interiores formem
um núcleo fechado. Então, quando um átomo de cloro está próximo de outro
de sódio, este passa seu elétron para o de cloro, dando origem a dois ı́ons
com cargas elétricas opostas, que se atraem devido à interação eletrostática.
Em outras palavras, os átomos de cloro e de sódio juntos formam um sistema
que tem menor energia do que quando estão longe um do outro. Entretanto, quando os dois ı́ons se aproximam muito, a repulsão entre os elétrons
mais externos faz com que a energia aumente impedindo uma maior aproximação. A Fig.1.1 mostra a variação da energia de interação entre os dois
ı́ons em função da distância entre eles. Quando os ı́ons estão muito afastados,
a energia eletrostática diminui com o aumento da distância r, aproximadamente como −(1/r). Por outro lado, quando os ı́ons estão muito próximos,
a energia cresce exponencialmente à medida que a distância diminui. Existe
6
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 1.1: Energia de interação efetiva entre um ı́on Na+ e um ı́on C− em função da
distância entre seus núcleos.
então uma distância a na qual a energia é mı́nima e o sistema pode estar em
equilı́brio estável. Quando temos 1023 átomos de sódio “próximos” de 1023
átomos de cloro acontece essencialmente o mesmo, mas agora eles tendem a
formar um sistema tridimensional em equilı́brio, na forma de um sólido cristalino. Este tipo de ligação é chamada iônica, e é a mais simples de entender.
Há outros três tipos de ligações entre átomos nos materiais: covalente, molecular e metálica. Todas elas resultam da interação Coulombiana envolvendo os
elétrons e os núcleos dos átomos. O tipo de ligação é determinante de algumas
propriedades do material, apresentadas brevemente a seguir.
Nos sólidos iônicos, como vimos, a ligação é devida à atração eletrostática entre ı́ons de cargas opostas, como ilustrado esquematicamente em duas
dimensões, na Fig.1.2(a). Esta ligação é muito forte e por isso o ponto de
fusão do material é alto. Em outras palavras, é preciso uma grande energia de
agitação térmica para que os átomos libertem-se uns dos outros para formar
o estado lı́quido. Como os elétrons estão fortemente ligados aos átomos, estes
cristais têm em geral uma pequena condutividade elétrica e térmica, isto é,
são bons isolantes. A ausência de elétrons livres resulta também numa boa
transparência óptica em uma grande parte do espectro eletromagnético. Alguns exemplos tı́picos de sólidos iônicos são os halogenetos alcalinos (NaC,
KC, NaBr, LiF, etc.), vários óxidos, sulfetos, selenetos, teluretos, e outros.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
7
Figura 1.2: Ilustração esquemática dos quatro principais tipos de ligação em sólidos:
(a) Ligação iônica; (b) Ligação covalente; (c) Ligação molecular; (d) Ligação metálica.
Na ligação covalente os elétrons de valência são compartilhados entre
átomos vizinhos, como ilustrado na Fig.1.2(b). Neste caso a atração é devida
à presença dos elétrons entre os átomos, que atraem simultaneamente átomos
vizinhos que foram deixados positivos com sua ausência. Os sólidos covalentes
têm em geral um ponto de fusão menor que os iônicos, porém têm maior
dureza. Alguns dos importantes materiais covalentes são os semicondutores,
silı́cio, germânio, GaAs, InSb, etc.
A ligação molecular é bem mais fraca do que nos dois casos anteriores.
Ela resulta da atração entre dipolos elétricos formados nos átomos por um
pequeno deslocamento das camadas eletrônicas em relação aos núcleos, como
na Fig.1.2(c). Sólidos com esta ligação têm ponto de fusão muito baixo, em
geral menor do que 10 K, como é o caso de cristais de gases solidificados, como
oxigênio, nitrogênio e outros gases inertes.
Em metais, de certa maneira a ligação pode ser considerada iônica.
Estes materiais são formados por átomos que têm poucos elétrons fora de sua
última camada cheia sendo, portanto, fracamente ligados ao núcleo atômico.
Quando postos juntos, estes átomos liberam seus últimos elétrons que ficam
“passeando” livremente entre eles, formando um “mar” de elétrons. Este mar
negativo de elétrons tende a manter juntos os ı́ons positivos devido à atração
8
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
eletrostática, como mostrado esquematicamente na Fig.1.2(d). Desta forma a
ligação é razoavelmente fraca, o que resulta em ponto de fusão relativamente
baixo, maleabilidade, ductibilidade e grande condutividade térmica e elétrica,
que são propriedades caracterı́sticas dos metais.
1.3
Materiais Cristalinos
Grande parte dos materiais usados na fabricação de dispositivos eletrônicos tem
a estrutura de sólidos cristalinos ou cristais. Um cristal perfeito é aquele que
tem um arranjo regular e periódico de átomos ou ı́ons, formado pela translação
repetitiva de uma célula unitária. O ordenamento regular dos átomos ou ı́ons
é o arranjo que minimiza a energia eletrostática total do conjunto. Por esta
razão, quando um material é fundido e depois resfriado lentamente, os átomos
ou ı́ons procuram as posições de menor energia e tendem a formar cristais.
A Fig.1.3(a) mostra a estrutura de um cristal de cloreto de césio. Ela
pode ser vista como formada por um par de ı́ons de Cs+ e de C− , associado a
cada ponto de uma rede cristalina. Os ı́ons do par formam a base do cristal.
A rede cristalina é uma abstração matemática, constituı́da de pontos obtidos
pela translação repetitiva dos pontos da célula unitária, definida por três
vetores unitários a, b e c. A rede cristalina do cloreto de césio é cúbica simples
Figura 1.3: (a) Cristal de cloreto de césio, CsC. A rede cristalina é cúbica simples. A
base tem um ı́on Cs+ na posição 000 e um ı́on C− em 12 21 21 . Note que os ı́ons estão
desenhados com tamanho pequeno para facilitar a visualização. Num cristal real os ı́ons
vizinhos tocam-se. (b) Célula unitária do CsC.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
9
e sua célula unitária está mostrada na Fig.1.3(b). Também estão indicados na
figura os vetores unitários e a base da estrutura do cristal. A base é composta
de um ı́on de Cs+ na posição 000 e outro de C− na posição 12 21 21 (referidas ao
comprimento a dos vetores unitários).
1.3.1
Redes Cristalinas
Embora o número de estruturas de cristais seja muito grande, existem apenas 14 tipos diferentes de redes critalinas em três dimensões, mostradas na
Fig.1.4. As redes são agrupadas em sete sistemas de acordo com o tipo da
célula unitária: triclı́nico, monoclı́nico, ortorrômbico, tetragonal, cúbico, trigonal e hexagonal. Na Fig.1.4 estão indicadas as relações entre os ângulos α,
β, γ e entre os comprimentos a, b, c das arestas da célula unitária. a, b, c
são chamados parâmetros da rede. As células unitárias mostradas na figura
são chamadas células convencionais. Elas são as mais fáceis de serem visualizadas mas não são necessariamente as menores que reproduzem a rede pela
translação repetitiva. As menores células unitárias que reproduzem a rede são
chamadas células primitivas. A Fig.1.5 mostra os vetores primitivos a , b ,
c da rede cúbica de faces centradas (fcc) e da rede cúbica de corpo centrado
(bcc).
Os planos e eixos que passam por pontos da rede cristalina são representados por três algarismos que caracterizam suas coordenadas, chamados ı́ndices
de Miller. Para obter os ı́ndices de um plano é preciso inicialmente determinar suas interseções com os eixos a, b, c da célula unitária. As interseções
são então representadas por números p, q, r que exprimem suas coordenadas
pa, qb, rc naqueles eixos. Os ı́ndices de Miller h, k, são os menores números
inteiros na mesma proporção de 1p , 1q , 1r . Para representar o plano, os ı́ndices
são colocados entre parênteses (hk). O eixo perpendicular ao plano (hk) é
representado por [hk].
A Fig.1.6 mostra os três planos e os três eixos mais importantes de uma
rede cúbica. Veja que o plano paralelo ao eixo z e que intercepta os eixos x e
y nos pontos x = a e y = a respectivamente, é caracterizado pelas interseções
p = 1, q = 1, r = ∞. Os recı́procos destes números dão os ı́ndices de Miller
do plano, ou seja (110). Note que como a rede cúbica é invariante em relação
a rotações de 90◦ em torno do eixo z, o plano (110) é equivalente aos planos
(110), (110) e (110), onde a barra acima do ı́ndice indica a interseção no lado
negativo do eixo. Esses planos também são equivalentes aos planos (101), (011)
10
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 1.4: Células unitárias das 14 possı́veis redes cristalinas em três dimensões.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
11
Figura 1.5: Vetores primitivos das redes cúbicas de face centrada e de corpo centrado.
e seus equivalentes com ı́ndices negativos. O conjunto de planos equivalentes
é representado pelo sı́mbolo {110}. Do mesmo modo, o conjunto de eixos que
podem ser obtidos do eixo [110] por operações de simetria é representado pelo
sı́mbolo < 110 >.
Figura 1.6: Ilustração dos três principais planos e dos eixos de simetria de uma rede cúbica.
1.3.2
Estruturas Cristalinas Simples
Em geral muitas substâncias diferentes cristalizam com a mesma estrutura
cristalina. Algumas estruturas são simples e são caracterı́sticas de certos materiais importantes na Eletrônica. A seguir apresentamos algumas das estruturas
mais conhecidas.
A estrutura do cloreto de césio, CsC, está mostrada na Fig.1.3. Ela
é caracterizada por uma rede cúbica simples com a base formada por dois
12
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
ı́ons de cargas opostas, o Cs+ na posição 000 e o C− na posição 12 21 21 . Note
que basta especificar um ı́on C− na base pois todos oito ı́ons nos vértices da
célula unitária são equivalentes, isto é, qualquer um pode ser obtido a partir do
outro por uma translação na rede cristalina. Como apenas 18 de cada ı́on C−
está contido no interior da célula unitária, para todos efeitos a célula contém
apenas um ı́on Cs+ e um ı́on C− . O parâmetro da rede do CsC é a = 4, 11
Å. Outros cristais com a mesma estrutura são TBr (3,97 Å), CuZn (2,94 Å)
que é o latão tipo β, AgMg (3,28 Å), e BeCu (2,70 Å).
A estrutura do cloreto de sódio, NaC, está mostrada na Fig.1.7(a). Ela é
formada por uma rede cúbica de faces centradas com dois ı́ons na base, um de
Na+ e outro de C− , separados por meia diagonal do cubo da célula unitária.
Note que a célula primitiva, não mostrada na figura, contém apenas um ı́on
de cada elemento. Por outro lado, a célula unitária contém quatro ı́ons de
cada elemento ( 12 dos 6 nas faces e 18 dos 8 nos vértices). Note também que
a estrutura do NaC pode ser vista como formada por duas redes cúbicas de
faces centradas entrelaçadas, uma de Na+ e outra de C− , deslocadas de meia
diagonal do cubo. O NaC tem parâmetro de rede a = 5,63 Å. Outro cristal
que tem a estrutura do NaC é o PbS (5,92 Å), conhecido como galena. Ele
é um material semicondutor e foi muito usado para fazer diodos de detecção
por contato metálico nos “rádios galena”. Ainda hoje o PbS é utilizado como
detetor de radiação infravermelha. Há também vários materiais importantes
Figura 1.7: (a) Estrutura do cloreto de sódio, NaC, que pode ser construı́da com duas
redes cúbicas de faces centradas, uma de Na+ e outra de C− , deslocadas uma da outra de
meia diagonal do cubo. (b) Ilustração do cristal de NaC, no qual o tamanho dos ı́ons é
comparável à distância entre eles.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
13
para a eletrônica que têm a estrutura do NaC, como MgO (4,20 Å), muito
utilizado em componentes ópticos, e o NiO (4,18 Å), empregado em dispositivos de gravação magnética. Note que a Figura 1.7(a) é uma representação
simplificada da estrutura do NaC. Como as últimas camadas eletrônicas de
ı́ons vizinhos estão muito próximas umas das outras, tudo se passa como se os
ı́ons vizinhos se tocassem, como ilustrado na Figura 1.7(b). O raio aparente
de cada ı́on é chamado raio iônico. No caso do NaC, o raio iônico do ı́on de
Na+ é 1,220 Å e o do C− é 1,595 Å. A soma desses dois raios iônicos é metade
do parâmetro de rede do NaC (5,63 Å).
A estrutura cristalina do sulfeto de zinco, ZnS, cúbico (zinc-blende),
também tem uma rede cúbica de faces centradas, como mostrado na Fig.1.8(a).
A base é formada pelo átomo de um dos elementos na posição 000 e por um
átomo do outro elemento na posição 14 41 41 . A estrutura pode ser vista como
formada por duas redes cúbicas de faces centradas entrelaçadas, uma com
átomos de Zn e outra com S, deslocadas uma da outra de 14 da diagonal do
cubo. Desta forma, como pode ser visto na Fig.1.8(a), cada átomo de Zn
têm quatro vizinhos de S e vice-versa, possibilitando uma ligação covalente
tetraédrica entre eles. O parâmetro da rede do ZnS é a = 5,41 Å. Também
cristalizam nesta estrutura vários semicondutores importantes formados por
elementos dos grupos III e V da tabela periódica e por elementos dos grupos
II e VI. Exemplos de semicondutores III-V são o GaAs (5,65 Å), AAs (5,66
Figura 1.8: (a) Célula unitária de sulfeto de zinco, ZnS. A rede também pode ser construı́da
por duas redes cúbicas de face centradas, uma de Zn e outra de S, deslocadas de um quarto da
diagonal do cubo: (b) Célula unitária da estrutura cristalina do diamante, na qual também
cristalizam os semicondutores Si e Ge.
14
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Å) e o InSb (6,49 Å), enquanto do tipo II-VI podemos citar CdS (5,82 Å) e
CdTe (6,48 Å).
Nosso último exemplo de estrutura cristalina importante é a do diamante, cuja célula unitária convencional está mostrada na Fig.1.8(b). Ela
é igual a do ZnS, porém todos os átomos são do mesmo elemento. No caso
do diamante o elemento é o carbono, C, sendo o parâmetro da rede a = 3,56
Å. A estrutura do diamante, caracterizada pelas ligações tetraédricas entre os
vizinhos resulta da ligação covalente. Também cristalizam nesta estrutura os
importantes semicondutores silı́cio, Si (5,43 Å), e germânio, Ge (5,65 Å).
1.4
Materiais para Dispositivos Eletrônicos
Tradicionalmente, os livros de Ciência e Engenharia de Materiais classificavam
os materiais de acordo com suas propriedades mecânicas, nas seguintes categorias: metais, cerâmicas, polı́meros e compósitos. Nos últimos anos, eles introduziram a categoria dos semicondutores, por conta de sua grande importância
para a eletrônica. É melhor classificar os materiais utilizados para fabricar
dispositivos eletrônicos de acordo com suas principais propriedades fı́sicas.
Nos capı́tulos seguintes estudaremos as propriedades e os fenômenos que
ocorrem em semicondutores, materiais ópticos, materiais magnéticos,
dielétricos e supercondutores. Entretanto, do ponto de vista da fabricação
dos materiais, é conveniente classificá-los de acordo com sua microestrutura.
A seguir apresentaremos, brevemente, algumas caracterı́sticas dos materiais e
de seus processos de preparação, divididos nas seguintes classes: monocristais;
cerâmicas e vidros; polı́meros; cristais lı́quidos; filmes finos e multicamadas.
1.4.1
Monocristais
Um monocristal, também chamado simplesmente de cristal, é um material
que apresenta ordem cristalina ao longo de toda sua extensão utilizável, tendo
dimensões tı́picas que variam de alguns milı́metros a muitos centı́metros. Existem inúmeros métodos para fabricar monocristais, sendo cada um adequado
a certas classes de materiais. Em geral o cristal é produzido a partir de um
lı́quido contendo os elementos que formam a rede cristalina. Quando uma
pequena amostra do cristal desejado, a semente, é colocada na solução, se
as condições de concentração e temperatura forem adequadas, seu volume au-
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
15
z
Cadinho
Solução
derretida
Semente
Bobina para
aquecimento
de RF
T
Figura 1.9: Ilustração do cadinho com o gradiente de temperatura usado no método de
Bridgman estático.
menta formando um cristal maior. O fator essencial para crescer o cristal a
partir da semente é possibilitar que os átomos da solução se agreguem lentamente a ela, o que ocorre em posições que minimizam a energia total de ligação,
fazendo a rede cristalina crescer gradualmente. Em alguns casos simples, podese utilizar a solução lı́quida da substância num certo solvente. Este é o caso
do NaC que pode ser diluı́do em água. É muito comum também derreter
os compostos básicos a altas temperaturas, produzindo uma solução fundida.
O aquecimento é feito num recipiente, chamado cadinho, usando um forno
resistivo ou de rádio freqüência (RF).
Os dois métodos mais conhecidos para crescer cristais a partir da solução
fundida são o de Bridgman e o de Czochralsky. No primeiro, ilustrado na
Fig.1.9, a semente é colocada na parte inferior do cadinho contendo a solução
derretida. A temperatura do cadinho é diminuida lentamente mantendo-se
um gradiente do tipo da Fig.1.9, de modo que o cristal cresce de baixo para
cima. No método de Czochralsky, ilustrado na Fig.1.10, a semente é colocada
na extremidade inferior de uma haste em lento movimento de rotação, tocando a superfı́cie da solução derretida. Quando a haste em rotação é puxada
lentamente para cima, a solução solidifica gradualmente em torno da semente,
fazendo o cristal crescer. A Fig.1.11 mostra um bastão cilı́ndrico (lingote) de
silı́cio monocristalino crescido pelo método de Czochralsky, com diâmetro 10,2
cm (4 polegadas). Os dispositivos discretos e os circuitos integrados usados
em microeletrônica são fabricados sobre pastilhas, ou lâminas, de Si, obtidas
16
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Semente
Cristal
Bobina para
aquecimento
de RF
Solução
derretida
Cadinho
Figura 1.10: Ilustração do método de Czochralsky para crescer monocristais.
Figura 1.11: Bastão monocristal de Si crescido pelo método de Czochralsky, com 10,2 cm
de diâmetro. A pastilha mostrada na fotografia é obtida pelo corte do bastão e processada
para fabricar uma célula solar (cortesia da Heliodinâmica).
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
17
pelo corte de bastões, como o da figura. Atualmente, na indústria de microeletrônica, utiliza-se lingotes com até 30 cm de diâmetro.
É possı́vel crescer monocristais de certos materiais a temperaturas bem
abaixo de seus pontos de fusão devido a propriedades tı́picas de misturas de
duas substâncias. Um método muito utilizado é o de epitaxia de fase lı́quida
- LPE, usado para crescer camadas do semicondutor GaAs sobre sementes do
mesmo material. Isto é possı́vel porque o ponto de fusão de GaAs é 1238◦ C,
enquanto a mistura de GaAs com o metal Ga tem uma temperatura de fusão
bem menor. Se uma semente de GaAs é mergulhada numa solução de Ga +
GaAs, derretida a uma temperatura menor que 1238◦ C, ela se mantém sólida
enquanto novas camadas cristalinas são formadas sobre ela com os átomos de
Ga e As da solução.
1.4.2
Cerâmicas e Vidros
A palavra cerâmica é originária do grego “keramos”, que era o nome do barro
utilizado para fazer jarros. Atualmente ela é usada para designar uma variedade de compostos inorgânicos não metálicos, geralmente duros, quebradiços e
com elevado ponto de fusão. Eles podem ser sólidos amorfos ou policristalinos.
Para entender a diferença entre os dois tipos vamos considerar os exemplos da
sı́lica (SiO2 ) e da alumina (A2 O3 ). A ligação atômica nesses materiais tem um
caráter misto de iônica e covalente e, dependendo da forma de preparo, pode
resultar em sólidos amorfos ou cristalinos. Se o resfriamento da solução fundida for lento o material tende a ficar cristalino. No caso da sı́lica isto ocorre
com uma rede cúbica ou hexagonal de átomos de oxigênio, ficando os ı́ons de Si
entre eles com ligações tetraédricas, como ilustrado na Fig.1.12(a). Quando a
Figura 1.12: (a) Vista em duas dimensões das ligações atômicas num monocristal de SiO2 ,
o quartzo. (b) Ilustração de um policristal. (c) Ligações em SiO2 amorfo, a sı́lica.
18
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
cristalização é feita a partir de uma semente, forma-se um monocristal de SiO2 ,
chamado quartzo. Entretanto, se não houver uma semente única, a cristalização ocorrerá simultaneamente a partir de muitos pontos no material. Neste
caso formam-se grãos cristalinos orientados aleatoriamente, constituindo um
policristal, como ilustrado na Fig.1.12(b). Por outro lado, se o resfriamento
for rápido, os átomos não terão tempo para encontrar as posições de menor
energia e não será formada uma rede cristalina. Neste caso não haverá ordem de longo alcance e o material será amorfo, ficando com ligações atômicas
conforme ilustrado na Fig.1.12(c) para sı́lica (também chamado de quartzo
fundido). O caso do A2 O3 é semelhante ao da sı́lica. Ele pode ser encontrado
na forma amorfa, chamada alumina, ou na forma de um cristal, chamado safira.
As cerâmicas também podem ser preparadas por sinterização. Neste processo os constituintes do material na forma de pó são misturados e compactados com o formato final desejado. O material é então aquecido até próximo do
ponto de fusão e depois de resfriado resulta numa cerâmica formada de grãos
policristalinos com uma forte aderência entre si. Este é o processo usado para
fabricar objetos de cerâmica de uso diário, como jarros, objetos de adorno,
etc. Quando a matéria prima é de alta qualidade e o processamento é feito
em condições muito controladas, obtêm-se as chamadas cerâmicas avançadas,
que encontram aplicações diversas em eletrônica e em outros ramos da tecnologia. Atualmente é possı́vel fabricar partı́culas com dimensões na escala
nanométrica (1 nm = 10−9 m) com grande uniformidade de tamanhos, que ao
serem compactadas e processadas termicamente resultam em cerâmicas com
propriedades especiais para diversas aplicações.
Os materiais amorfos também são chamados de vidros e são caracterizados pela ausência de uma temperatura de fusão bem definida. Quando um
vidro é aquecido ele amolece gradualmente até tornar-se um lı́quido, sem uma
transição brusca da fase sólida para a fase lı́quida, como ocorre em cristais.
Na realidade o vidro pode ser visto como um lı́quido de altı́ssima viscosidade, que para efeitos práticos comporta-se como se os átomos estivessem
congelados desordenadamente. Do ponto de vista da condutividade elétrica,
os materiais amorfos, ou vidros, podem ser metálicos, isolantes ou semicondutores. Na eletrônica eles encontram muitas aplicações em qualquer das formas.
Atualmente o silı́cio cristalino está sendo substituı́do pelo amorfo em vários
dispositivos, como por exemplo nas células solares.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
1.4.3
19
Polı́meros
Os polı́meros consistem de moléculas com estrutura em cadeias longas, lineares ou ramificadas, e que resultam da combinação quı́mica de certo número
(tipicamente milhares) de unidades mais simples chamadas monômeros, repetidas de maneira regular ou aleatória. Enquanto que polı́meros naturais, como a
borracha, são conhecidos desde tempos imemoriais, só no século XX, com o desenvolvimento da indústria quı́mica, tornou-se possı́vel a preparação em larga
escala de polı́meros sintéticos, com as mais variadas propriedades. Não apenas
alterações na natureza quı́mica dos monômeros, mas mesmo simples diferenças
estruturais no tipo de organização da cadeia, podem levar a moléculas com
propriedades fı́sicas e quı́micas profundamente distintas. Isto está ilustrado
na Fig.1.13 que mostra as cadeias de dois polı́meros muito utilizados: o polietileno e o cloreto de polivinila (PVC). O polietileno consiste de monômeros
com um átomo de carbono e dois átomos de hidrogênio. A substituição de
um átomo de hidrogênio no etileno por outro de cloro resulta no PVC, um
material completamente diferente. Este exemplo explica a enorme diversidade
de polı́meros existentes.
Os materiais poliméricos mais utilizados na eletrônica são os “plásticos”
que servem de isolantes elétricos para cobertura de fios, para encapsular dispositivos e para fabricar peças com funções variadas. Entretanto, nos últimos
anos, foram descobertos polı́meros e substâncias orgânicas que conduzem corrente elétrica de forma semelhante a metais, semicondutores ou mesmo supercondutores. Eles também têm propriedades ópticas semelhantes às dos
semicondutores, e começam a ser empregados em dispositivos eletroluminescentes. A atividade de pesquisa em torno deles é muito intensa, e espera-se,
que em poucos anos venham substituir semicondutores e metais tradicionais
Figura 1.13: Cadeias de dois polı́meros comuns, (a) polietileno e (b) cloreto de polivinila
(PVC).
20
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
em diversos dispositivos e sensores eletrônicos e optoeletrônicos, apresentados
na seção 10.3.
1.4.4
Cristais Lı́quidos
Os cristais lı́quidos são materiais que têm uma estrutura molecular com caracterı́sticas intermediárias entre a ordem orientacional e posicional de longo alcance dos cristais e a desordem tı́pica dos lı́quidos e gases. Os cristais lı́quidos
também apresentam propriedades que não são encontradas nem em lı́quidos
nem em sólidos, tais como: formação de monocristais com a aplicação de campos elétricos; atividade óptica muito maior que sólidos e lı́quidos tı́picos e
controlável por campos elétricos; grande sensibilidade a temperatura que pode
resultar em mudanças de sua cor.
Há duas grandes classes de cristais lı́quidos: os liotrópicos e os termotrópicos. Os liotrópicos são em geral obtidos pela dispersão de um composto num solvente. Este é o caso de vários sistemas de importância biológica,
tais como lipı́deo-água, lipı́deo-água-proteı́na, etc. Os cristais lı́quidos de
importância para eletrônica são os termotrópicos. Eles são formados por
moléculas longas, em geral de compostos orgânicos, dispostas em dois tipos
de estruturas: nemáticas ou sméticas. Estas estruturas estão ilustradas na
Figura 1.14, que também mostra a orientação aleatória das moléculas num
Figura 1.14: Ilustração da orientação de moléculas nos seguintes sistemas: (a) lı́quido
isotrópico; (b) cristal lı́quido nemático; (c) cristal lı́quido smético A; (d) cristal lı́quido
smético C.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
21
lı́quido isotrópico. Nos cristais lı́quidos nemáticos as moléculas têm um ordenamento paralelo, ou quase paralelo, como na Fig.1.14(b). Elas são móveis nas
três direções e portanto apresentam desordem posicional. Nos cristais lı́quidos
sméticos as moléculas também estão orientadas paralelamente entre si, porém
apresentam uma estrutura estratificada em camadas. Dentro de uma mesma
camada as moléculas ocupam posições aleatórias, mantendo a mesma distância
para as moléculas das camadas vizinhas. Nos cristais lı́quidos sméticos tipo A
a orientação das moléculas é perpendicular ao plano das camadas, enquanto
que no tipo C elas estão inclinadas em relação ao plano das camadas.
Os cristais lı́quidos têm grande aplicação em eletrônica, principalmente
para a confecção de mostradores, conhecidos como LCD (Liquid Crystal
Display). Esta aplicação é baseada no fato de que a orientação das moléculas
pode ser controlada pela aplicação de um campo elétrico, possibilitando variar
a quantidade de luz transmitida ou refletida pelo material. Isto pode ser feito
por meio de baixas tensões e com pequeno consumo de energia, dando aos
mostradores de LCD grande vantagem em relação a outros tipos, como apresentado na seção 10.3.
1.4.5
Filmes Finos e Multicamadas
Muitos materiais empregados em dispositivos eletrônicos são fabricados na
forma de filmes finos, isto é, camadas com espessuras que variam desde alguns
angstroms (1 Å = 10−10 m) até dezenas de microns (1 µm = 10−6 m). Os filmes
são feitos com metais, isolantes, semicondutores ou supercondutores, dependendo da aplicação desejada. Eles são usados em inúmeras aplicações, como
resistores, capacitores, contatos metálicos em dispositivos semicondutores, camadas magnéticas em dispositivos de gravação, camadas dielétricas em dispositivos opto-eletrônicos, dispositivos de filmes semi ou supercondutores, etc.
Os filmes finos podem ser preparados por vários métodos diferentes, dependendo da composição, estrutura, espessura e aplicação. Todos eles se baseiam
na deposição gradual de átomos ou moléculas do material desejado sobre a
superfı́cie de outro material que serve de apoio, chamado substrato. Dentre
os métodos mais utilizados estão a deposição em alto vácuo, para filmes mais
finos (de algumas camadas atômicas até 1000 Å), a deposição eletroquı́mica,
a deposição quı́mica de vapor e a epitaxia de fase lı́quida, para filmes mais
espessos.
A grande evolução nas técnicas de vácuo nas últimas décadas possibilitou
o aperfeiçoamento dos processos de deposição de filmes muito finos. Atual-
22
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
mente é possı́vel evacuar câmaras com volumes da ordem de 1 m3 , atingindo
rotineiramente pressões tão baixas quanto 10−11 − 10−9 Torr (1 Torr = 1 mm
de Hg). Isto possibilita fabricar filmes finos através da deposição de camadas
individuais de átomos ou moléculas, uma sobre a outra, por meio de diversas técnicas diferentes. Em todas as técnicas o processamento é feito numa
câmara de alto vácuo, e consta de três etapas: na primeira etapa os materiais que servem de matéria-prima são fragmentados em átomos neutros, ı́ons
ou moléculas, por meio da ação de fontes térmicas, ou de um plasma, ou um
laser, ou bombardeio por elétrons ou ı́ons acelerados; na segunda etapa, o vapor fı́sico formado pelos fragmentos da matéria é transportado na direção do
substrato; finalmente, na terceira etapa, os fragmentos depositados no substrato interagem fı́sica e quimicamente entre si, nucleando e formando porções
maiores de material, resultando no filme desejado. As principais diferenças entre os diversos métodos estão na primeira etapa. Um dos métodos mais simples
é o da evaporação térmica, no qual a substância original é aquecida em alta
temperatura até evaporar. O aquecimento é feito por meio de uma corrente
elétrica num fio ou elemento resistivo de material que suporta altas temperaturas, como o tungstênio. Este método é utilizado para depositar filmes simples
de metais ou substâncias simples, para fazer espelhos ou contatos metálicos,
por exemplo.
Uma das técnicas mais sofisticadas é a epitaxia de feixe molecular
(Molecular Beam Epitaxy - MBE), ilustrada na Figura 1.15. As substâncias
Figura 1.15: Ilustração do processo de epitaxia de feixe molecular-MBE, com fontes de
elementos usados para fabricar multicamadas de GaAs e (GaA)As, dopadas com impurezas
de Sn ou de Be.
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
23
dos elementos que formam o material desejado são aquecidas separadamente
em fontes individuais, no interior de uma câmara de alto vácuo. Cada fonte
é feita de um cadinho fechado, contendo um pequeno orifı́cio na extremidade.
Ao ser aquecida até fundir, a substância gera um vapor sob pressão no interior do cadinho que é ejetado no vácuo através do orifı́cio, produzindo um
feixe atômico ou molecular, que incide sobre o substrato. Através do controle preciso das taxas de evaporação e do movimento dos obturadores de
cada fonte é possı́vel construir filmes cristalinos de alta qualidade. Com este
método é possı́vel também fabricar cristais com mudanças abruptas de composição formando uma multicamada, ou super-rede. Um sistema de grande
interesse tecnológico é aquele formado por GaAs e AAs, empregado na fabricação de lasers semicondutores. Os cristais dessas substâncias têm a mesma
estrutura cristalina do ZnS, com parâmetros da rede praticamente iguais, a =
5,65 Å. Por causa disto é possı́vel depositar epitaxialmente camadas atômicas
cristalinas da liga ternária Ga1−x Ax As sobre um substrato cristalino de GaAs,
para construir artificialmente multicamadas, super-redes ou “poços quânticos”,
com concentrações x escolhidas. A Figura 1.16(a) ilustra uma multicamada
de GaAs e da liga (GaA)As empregada em lasers semicondutores. Estas
multicamadas também podem ser feitas por técnicas de epitaxia de feixe de
vapor (VPE), das quais a mais comum é a MOCVD (Metal-Organic Chemical
Vapor Deposition). A técnica de MBE também é utilizada para fazer muitos
outros tipos de multicamadas. A Figura 1.16(b) ilustra uma multicamada
Figura 1.16: Ilustração de dois tipos importantes de multicamadas utilizadas em eletrônica:
(a) Multicamada de GaAs e (GaA)As, empregada em lasers de semicondutores; (b) Multicamada magnética, empregada em dispositivos de gravação magnética.
24
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
magnética, formada por várias camadas magnéticas, intercaladas por camadas
não-magnéticas, metálicas ou isolantes, empregada em dispositivos de gravação
magnética, descritos no Capı́tulo 9.
Outra técnica de deposição de filmes e multicamadas muito empregada
em instalações industriais é a vaporização catódica, também chamada de
pulverização (sputtering), cujo equipamento básico está mostrado na Figura
1.17. Antes de iniciar o processo de deposição, a câmara é evacuada permanecendo com pressão muito baixa (10−11 − 10−8 Torr) durante várias horas,
para eliminar gases residuais. Em seguida um gás nobre (Ar, Ne) é injetado na
câmara com pressão da ordem de 10−3 Torr, formando uma atmosfera inerte.
Uma diferença de potencial da ordem de alguns kV é então aplicada entre os
suportes do substrato e do alvo que contém a matéria-prima a ser pulverizada,
ionizando o gás na região e formando um plasma. Os ı́ons do plasma são acelerados pela diferença de potencial adquirindo energia suficiente para fragmentar
o material do alvo e formando o vapor que deposita no substrato. O processo
pode empregar vários alvos, possibilitando assim depositar um filme de certo
material sobre outro diferente, sucessivamente, formando uma multicamada.
Os sistemas atuais de vaporização catódica utilizam ı́mãs permanentes para
criar um campo magnético que serve para confinar o plasma na região do alvo,
aumentando a eficiência do processo (magnetron sputtering). A alta tensão
aplicada pode ser dc, utilizada para vaporizar metais, ou rf, mais adequada
para materiais isolantes. Os aperfeiçoamentos recentes na vaporização catódica
têm tornado esta técnica cada vez mais poderosa, contribuindo para dissemi-
+
Substrato
V
Plasma
Alvo
_
Bomba
de vácuo
Figura 1.17: Componentes básicos de um sistema de vaporização catódica, ou pulverização
(sputtering).
Cap. 1 Materiais para Eletrônica
25
nar seu uso no processamento de dispositivos eletrônicos, tanto na pesquisa
em laboratório quanto em plantas industriais.
REFERÊNCIAS
W.D. Callister, Jr., Materials Science and Engineering, an Introduction, J.
Wiley , New York, 2000.
P.J. Collings, Liquid Crystals, Princeton University Press, Princeton, 1990.
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials, Springer-Verlag, Berlin,
2001.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
D.J. Roulston, An Introducion to the Physics of Semiconductor Devices, Oxford University Press, Oxford, 1999.
B.J. Streetman and S. Banerjee, Solid State Electronic Devices, PrenticeHall, New Jersey, 2000.
PROBLEMAS
1.1 Calcule o ângulo entre a direção [111] e o plano (001) numa rede cristalina
cúbica.
1.2 Calcule os cossenos diretores da direção [122].
1.3 Mostre, com um desenho claro, quais são os vetores primitivos de uma
rede 3d tetragonal simples. Mostre porque não existe rede tetragonal de
faces centradas.
1.4 Silı́cio, o semicondutor mais importante da Eletrônica, cristaliza na estrutura do diamante, cuja célula unitária está mostrada na Fig.1.8. À
temperatura ambiente o parâmetro da rede é 5,42 Å. Sendo do grupo IV
da tabela periódica, o átomo de Si tem quatro elétrons de valência. Calcule o número total de elétrons de valência do Si por unidade de volume,
em cm−3 .
1.5 Assim como o Si, o germânio também cristaliza na estrutura do diamante,
com parâmetro de rede 5,65 Å. Sabendo que a massa atômica do Ge é
72,59 (referida a massa de H), calcule a massa especı́fica do Ge em g/cm3
e compare com o valor da tabela.
26
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
1.6 A liga Ax Ga1−x As é um importante semicondutor utilizado para fabricar
dispositivos optoeletrônicos. Na fase cristalina, ela tem a estrutura do
cristal de GaAs, no qual átomos de Ga numa fração x são substituı́dos
aleatoriamente por átomos de A. Sabendo que GaAs e AAs cristalizam
na estrutura do ZnS, Fig.1.8(a), calcule o número de átomos por cm3 e a
massa especı́fica de A0,3 Ga0,7As.
1.7 Um modelo matemático para a energia total de uma rede cristalina com
ligação iônica é:
U = N γe−R/ρ − αq 2 /R
onde 2N é o número de ı́ons da rede, q é a carga iônica, γ, ρ e α são
constantes que dependem da estrutura cristalina e dos átomos que formam
o cristal e R é a distância entre dois vizinhos mais próximos. Para o NaC,
que cristaliza na estrutura fcc da Fig.1.7, γ = 1, 05 × 10−15 J, ρ = 0, 321
Å e α = 1, 747/4π0.
a) Faça um gráfico das duas parcelas da energia por molécula, U/N, em
função da distância R e interprete o significado de cada parcela. Se você
tiver um computador com impressora, use-o para fazer um gráfico quantitativo bonito! Observe que a segunda parcela, que resulta da atração
entre os dois ı́ons de cargas opostas, tende para −∞ em R = 0. Na realidade aquela expressão não vale para R → 0, pois os ı́ons não são cargas
pontuais. Para evitar a divergência de segunda parcela em R → 0, faça
um truncamento na energia, considerando que seu valor em R ≤ 1 Å é
constante e igual ao valor em R = 1 Å.
b) Faça o gráfico da soma das duas parcelas, isto é da energia U/N. (Sugestão:
faça a escala horizontal na faixa 0-10 Å. No eixo vertical use como unidade
o joule dividido por uma potência de 10 conveniente para evidenciar o
mı́nimo da energia, como na Fig.1.1).
c) Calcule o valor da distância R de equilı́brio e do parâmetro da rede
cristalina, e compare o valor deste com aquele dado no texto.
d) Calcule a energia por molécula necessária para desfazer o cristal, isto é,
para que a distância entre vizinhos seja infinita.
1.6 Um filme de Fe monocristalino é crescido no plano (100) com uma certa
técnica de deposição, a uma taxa de 1,4 Å por segundo. Sabendo que
o Fe cristaliza na estrutura bcc, com parâmetro de rede 2,8 Å, calcule o
número de átomos depositados durante 20 segundos sobre um substrato
na forma de um disco, com diâmetro 1,0 cm.
Capı́tulo 2
Ondas e Partı́culas na Matéria
2.1 Ondas Eletromagnéticas
28
2.2 Ondas Elásticas em Sólidos
34
2.3 Efeito Fotoelétrico - Ondas e Partı́culas
40
2.4 O Elétron como uma Onda-Princı́pio da Incerteza
46
2.5 Fônons e outras Excitações Elementares em Sólidos
50
REFERÊNCIAS
51
PROBLEMAS
52
27
28
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Ondas e Partı́culas na Matéria
2.1
Ondas Eletromagnéticas
O fenômeno de propagação de ondas desempenha papel fundamental na
Eletrônica e na Fı́sica da Matéria Condensada. Na eletrônica, o mais importante é, sem dúvida, o emprego de ondas eletromagnéticas para “transportar”
sinais de áudio, de vı́deo, ou de dados através de cabos, de fibras ópticas, ou
propagando no ar. Porém não é este tipo de aplicação que vai nos interessar
aqui. Vamos concentrar nas ondas de diversas naturezas que propagam no
interior dos materiais. As vibrações dos átomos da rede cristalina e o movimento dos elétrons nos sólidos, por exemplo, são dois tipos de fenômenos que
ocorrem naturalmente na forma de ondas. Além destas, há uma grande variedade de ondas que podem ser produzidas em materiais, tendo elas muitas
caracterı́sticas comuns de qualquer onda. Para firmar alguns conceitos importantes, vamos iniciar este capı́tulo revendo as principais caracterı́sticas das
ondas eletromagnéticas.
A evolução dos campos eletromagnéticos no espaço e no tempo é descrita
pelas equações de Maxwell,
= ρ
∇.D
= 0
∇.B
∂B
∇ × E = −
∂t
= J + ∂ D
∇×H
∂t
(2.1)
(2.2)
(2.3)
.
(2.4)
são os campos elétrico e magnético, respectivamente, B
é o vetor
onde E e H
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
29
é o vetor deslocamento elétrico, ρ é a densidade de carga
indução magnética, D
= E
livre e J é a densidade de corrente. Num material linear e isotrópico, D
= µH,
sendo a permissividade elétrica e µ a permeabilidade magnética.
eB
Se o material é isolante e não tem cargas livres, ρ = 0 e J = 0. Nestas
condições, substituindo (2.4) em (2.3) e utilizando (2.1) e conhecidas relações
entre operadores diferenciais, obtemos a equação que descreve a evolução do
campo elétrico (Problema 2.1),
r , t) − µ
∇2 E(
r, t)
∂ 2 E(
= 0.
∂t2
(2.5)
Esta é a equação de ondas para um campo vetorial em três dimensões.
Ela relaciona a variação espacial do campo com sua variação temporal. Para
ondas planas propagando na direção do eixo x de um sistema de coordenadas,
a equação reduz-se a
t)
t)
1 ∂ 2 E(x,
∂ 2 E(x,
=
∂x2
v2
∂t2
,
(2.6)
√
onde v = 1/ µ. Uma das soluções da Eq.(2.6) é (Problema 2.3),
t) = E0 cos(kx − ωt)
E(x,
(2.7)
onde E0 é um vetor constante. A substituição em (2.6) mostra que (2.7) é sua
solução se ω = vk. Utilizando-se (2.1) pode-se mostrar que E0 é necessariamente perpendicular à direção de propagação x. Substituindo (2.7) em (2.3)
e utilizando (2.2) obtemos a solução para o campo magnético
0 cos(kx − ωt)
H(x,
t) = H
,
(2.8)
0 é perpendicular à direção de propagação x e ao campo E0 , sendo as
onde H
amplitudes relacionadas por E0 = µ/ H0 . As equações (2.7) e (2.8) mostram
que em um ponto qualquer do espaço, de coordenada x1 , os campos E e H
variam harmonicamente no tempo com freqüência angular ω. Pode-se definir
ω = 2πν e ν = 1/T , onde ν é a freqüência e T o perı́odo da oscilação. Elas
têm comportamento idêntico em todos
mostram também que tanto E quanto H
os pontos do plano x = x1 . Por esta razão, os planos perpendiculares ao eixo
30
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
de propagação são chamados planos de fase da onda. O vetor perpendicular
a estes planos, k = x̂k, é o vetor de onda, e sua interpretação está ligada
ao comportamento espacial da onda. Para entender isto considere a variação
no espaço em um certo instante qualquer. Como mostra a Fig.2.1,
de E e H
variam senoidalmente ao longo da direção de propagação,
os campos E e H
tendo sua fase repetida a cada distância λ, chamada comprimento de onda.
Como o argumento kx correspondente a um perı́odo completo é 2π, a relação
entre k e λ é
2π
.
(2.9)
λ=
k
A variação espacial do campo num instante t posterior é dada pela
mesma função de onda deslocada em x de uma distância x = ωt/k, como
na Figura 2.1. Então, à medida em que o tempo passa, os campos E e H
variam como se a função de onda transladasse ao longo do eixo x positivo,
com velocidade x/t = ω/k. Esta relação é chamada a velocidade de
fase da onda vf , que neste caso é:
vf =
c
ω
=
k
n
,
(2.10)
√
onde n = (µ/µ0 0 )1/2 é o ı́ndice de refração do material e c = 1/ µ0 0 ≃
3, 0 × 108 m/s é a velocidade da luz. Não é difı́cil ver que no caso em que
a onda propaga numa direção qualquer, k é um vetor cuja direção e sentido
são os da propagação. Sua direção é normal aos planos de fase e seu módulo
é relacionado com o comprimento de onda pela Eq.(2.9). Neste caso geral,
(x, t)
t
t + Dt
x
Figura 2.1: Variação da intensidade do campo elétrico no espaço
em dois instantes, t e t + t.
l
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
31
pode-se mostrar que são soluções da Eq.(2.5),
r, t) = E0 cos(k.r − ωt + φ)
E(
r, t) = H
0 cos(k.r − ωt + φ)
H(
,
(2.11)
,
(2.12)
onde
0 =
H
/µ k × E0
k
.
(2.13)
Além da forma harmônica (2.11), é também muito útil representar os campos
na forma complexa, utilizando a identidade de Euler eiθ = cos θ + isenθ. Assim
o campo elétrico da Eq.(2.11) pode ser escrito como
t) = Re E0 ei(k.r−ωt+φ)
E(r,
.
(2.14)
A Fig.2.2 mostra os planos de fase e os campos elétrico e magnético
de uma onda propagando numa direção genérica. A função ω(k) é chamada
relação de dispersão e contém informações importantes sobre o comportamento das ondas. Uma delas é a velocidade de fase vf = ω/k. Como vimos,
no caso de ondas eletromagnéticas, ω(k) = ck/n, isto é, a relação é linear,
como mostra a Fig.2.3. Para outros tipos de ondas em sólidos, entretanto,
k
0
k
H0
(a)
l
(b)
0 e k no espaço. (b) Planos de fase de uma onda eletromagnética
Figura 2.2: (a) Vetores E0 , H
em certo instante. Os vetores nos planos representam o campo elétrico. A distância entre
dois planos consecutivos que têm o mesmo campo elétrico é igual ao comprimento de onda
λ.
32
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 2.3: Relação de dispersão de uma onda
eletromagnética em material isotrópico, homogêneo e linear.
essa relação é uma função mais complicada de k. Na seção seguinte veremos,
por exemplo, relações de dispersão não lineares de ondas elásticas em sólidos.
Uma forma de gerar ondas eletromagnéticas é através de cargas elétricas
em movimento. Ondas harmônicas do tipo (2.11) resultam de cargas em movimento oscilatório, ou correntes alternadas. A freqüência do movimento, ou
da corrente, determina a freqüência da onda e portanto o tipo de radiação
que é produzido. Correntes de freqüência na faixa de 100 kHz (105 Hz) a 100
MHz (108 Hz), geradas por osciladores a transistor ou a válvula, produzem
ondas que são utilizadas para transportar sinais de áudio, chamadas ondas
de rádio. A faixa que vai de pouco abaixo de 100 MHz até 1000 MHz, ou
1 GHz (109 Hz), é utilizada para transportar sinais de televisão. Durante a
década de 1990, houve uma grande evolução na telefonia móvel, que passou
a utilizar freqüências na faixa de centenas de MHz a alguns GHz. As várias
regiões do espectro eletromagnético estão ilustradas na Fig.2.4 por meio de
escalas logarı́tmicas de freqüência ν, do correspondente comprimento de onda
λ no vácuo, do inverso de λ e da energia E (esta será definida na seção 2.3).
Não estão representadas na Fig.2.4 a parte superior da faixa de raios-X, que
se estende desde 1016 Hz até 1019 Hz, e os raios gama (acima de 1019 Hz). A
radiação na faixa de microondas (1 GHz - 300 GHz) também é produzida por
osciladores a válvula ou a transistor. Nas regiões infravermelho, visı́vel e ultravioleta, a radiação é produzida por filamentos incandescentes de lâmpadas,
por transições atômicas em lâmpadas de descarga elétrica ou em lasers a gás,
e também por transições eletrônicas em materiais diversos ou em diodos semicondutores.
A função de onda descrita pela Eq.(2.11) representa um campo elétrico
que preenche todo o espaço, o que, evidentemente, representa uma situação
irreal. Apesar disto, ela é de grande importância em fı́sica por diversas razões.
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
33
Figura 2.4: Ilustração de parte do espectro eletromagnético em unidades de freqüência ν,
comprimento de onda λ, inverso de λ e energia E.
Uma delas é que qualquer variação do campo elétrico que ocorre na prática
pode ser decomposta em uma soma de ondas planas do tipo (2.11), através da
técnica de transformada de Fourier. A transformada de Fourier permite decompor qualquer forma de variação em ondas planas de diferentes freqüências
e vetores de onda. Por exemplo, vamos considerar um campo elétrico que varia
somente na direção x. Em um determinado instante, digamos t = 0, podemos
decompor este campo na seguinte forma:
∞
Ek eikx dk
(2.15)
E(x, 0) =
−∞
onde
1
Ek =
2π
∞
−∞
0) e−ikx dx
E(x,
.
(2.16)
A Eq.(2.15) significa que o campo é uma superposição de várias ondas
planas, cada uma caracterizada por um vetor de onda k e amplitude Ek . O
valor de Ek é dado pela transformada de Fourier (2.16). Vamos considerar o
caso de um campo eletromagnético confinado a uma pequena região do espaço,
como o representado na Fig.2.5(a), no instante t = 0. À medida que o tempo
passa, este pulso propaga-se no espaço. Pode-se mostrar que a transformada de
Fourier do pulso tem também a forma de um pulso, mostrado na Fig.2.5(b).
Em outras palavras, a superposição de várias ondas planas, com vetores de
onda próximos de k0 e com amplitude do tipo representado em 2.5(b), reproduz
uma variação espacial na forma do pulso 2.5(a). Pode-se mostrar, ainda, que à
34
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 2.5: (a) Pulso de campo elétrico no espaço. (b) Amplitude da transformada de
Fourier do pulso mostrado em (a).
medida em que o tempo passa, o pulso de campo propaga com a velocidade
de grupo, dada por
∂ω vg =
.
(2.17)
∂k k0
Este resultado vale para qualquer tipo de onda. No caso de ondas eletromagnéticas no vácuo ou em meios isotrópicos, lineares e homogêneos, a velocidade de grupo é igual a velocidade de fase (Problema 2.4). Entretanto,
em outras situações como as que encontraremos mais tarde, isto não ocorre, a
velocidade de propagação de pulsos é diferente da velocidade de fase.
2.2
Ondas Elásticas em Sólidos
Nesta seção vamos estudar algumas propriedades do tipo de onda em cristais
mais simples de ser entendido, a onda de vibração da rede cristalina. Uma das
razões da simplicidade deste fenômeno é que suas propriedades básicas podem
ser deduzidas com a fı́sica clássica, uma vez que os ı́ons que formam a rede são
relativamente pesados.
Para entender a essência do fenômeno de vibração da rede vamos considerar o caso de dois ı́ons, ligados como explicado na seção 1.2. Classicamente, na
situação de equilı́brio, os dois ı́ons ocupam a posição correspondente à mı́nima
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
35
Figura 2.6: (a) Energia de interação efetiva entre dois ı́ons. (b) Sistema equivalente na
vizinhança de x = a.
energia de ligação, representada na Fig.2.6.
Esta situação só ocorre em temperatura T = 0 K, e quando não há
qualquer perturbação externa ao sistema. Em sólidos a distância tı́pica de
equilı́brio é de alguns Å. Quando os ı́ons são desviados da posição de equilı́brio
eles tendem a oscilar em torno dela. Para pequenos desvios, a variação da
energia de interação pode ser aproximada por um poço parabólico, fazendo com
que o movimento dos ı́ons seja o de um oscilador harmônico. Considerando
u = x − a o desvio em torno do ponto de equilı́brio, os primeiros termos da
expansão em série de Taylor da energia são:
1 d2 V
dV
u+
u2 + · · ·
(2.18)
V (u) = V (0) +
du 0
2 du2 0
No ponto de equilı́brio a força de interação entre os ı́ons é nula, ou seja,
(dV /du)0 = 0. Então, no entorno deste ponto, podemos escrever,
1
V (u) ≃ V (0) + Cu2
2
(2.19)
onde C = (d2 V /du2)0 é uma constante caracterı́stica da ligação entre os ı́ons.
Nesta aproximação, a força de interação entre os ı́ons é linear,
F (u) = −
dV
= −Cu
du
,
(2.20)
como ocorre num oscilador harmônico simples. Este resultado permite concluir
36
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
que os dois ı́ons ligados pela interação eletrostática, comportam-se como duas
massas ligadas por uma mola.
Em uma rede cristalina acontece essencialmente o que está ilustrado na
Fig.2.7, porém o sistema é tridimensional e o número de ı́ons envolvidos é muito
grande. Em T = 0 e sem perturbação externa a rede está em equilı́brio. À medida que aumentamos sua temperatura, seus ı́ons vibram com amplitude cada
vez maior. Essa vibração é incoerente, aleatória, no sentido que o movimento
de um ı́on não tem qualquer correlação com o de outro. Esta é a principal
maneira com a qual a energia térmica é absorvida pelo cristal. Entretanto, a
vibração coletiva dos ı́ons pode ser vista como uma superposição de ondas. Em
outras palavras, as excitações da rede têm caráter ondulatório. Essas ondas
de vibração são chamadas ondas elásticas. Para estudá-las vamos considerar
um modelo simplificado da rede, no qual ı́ons iguais estão ligados por molas na
forma de uma cadeia infinita, como representado na Fig.2.7(a). A constante
C é a constante elástica da cadeia. Chamamos de un o deslocamento do ı́on
n de sua posição de equilı́brio, ao longo da cadeia. Sendo a força de interação
entre dois ı́ons dada por (2.20), a força sobre o ı́on n exercida por seus dois
vizinhos é
Fn = C {(un+1 − un ) − (un − un−1 )} = C(un+1 − 2un + un−1)
.
(2.21)
Figura 2.7: (a) Modelo de cadeia monoatômica em equilı́brio. (b) Deslocamentos dos ı́ons
quando da passagem de uma onda longitudinal. (c) Deslocamentos numa onda transversal.
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
37
Sendo m a massa dos ı́ons, a equação de movimento do ı́on n é
m
d2 u n
≡ m ün = C(un+1 − 2un + un−1 )
dt2
.
(2.22)
Como era de esperar, o movimento do ı́on n depende dos movimentos
dos ı́ons n ± 1, que por sua vez dependem dos n ± 2, e assim por diante. O
movimento da rede é descrito por um número infinito de equações acopladas.
Logo, o movimento da rede é coletivo. Para resolver o sistema infinito de
equações, escrevemos a possı́vel solução de un (x, t) sob a forma de onda
un (x, t) = uk (t) eikna
,
(2.23)
pois x = na é a coordenada do ı́on n. Substituindo esta função na equação de
movimento (2.22) obtemos
m ük = Cuk (eika − 2 + e−ika )
= 2 Cuk (cos ka − 1)
.
(2.24)
Assim, obtemos uma só equação para uk (t), a função que exprime a
variação do deslocamento de qualquer ı́on no tempo. A variação no espaço,
devida ao caráter coletivo do movimento, está contida em (2.23). Veja que
(2.24) é a equação de um oscilador harmônico simples, cuja solução é
uk (t) = Ae−iωk t
.
(2.25)
Substituindo (2.25) em (2.24) obtemos a freqüência de oscilação da rede em
função do número de onda k:
1/2
2C
(1 − cos ka)1/2 .
(2.26)
ω(k) =
m
Este resultado significa que quando excitada externamente, a cadeia de
ı́ons oscila coletivamente com freqüência ω(k), dando origem às ondas elásticas.
A onda esquematizada na Fig.2.7(b) é longitudinal, pois os deslocamentos têm
a mesma direção da propagação. Poderı́amos ter obtido, de modo semelhante,
as equações para as ondas transversais, cujo modo de vibração está ilustrado
na Fig.2.7(c).
38
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
A equação (2.26) é a relação de dispersão das ondas elásticas na cadeia
monoatômica linear. Como esta relação é periódica e ω(k) = ω(−k), consideraremos somente os valores de ω entre k = 0 e k = π/a (Fig.2.8), pois este intervalo contém toda informação necessária sobre ω(k). A região −π/a < k < π/a
é chamada primeira Zona de Brillouin do espaço de vetor de onda.
Observe que em (2.26), ka representa o ângulo de fase entre os movimentos de dois ı́ons vizinhos. Para ondas de grande comprimento de onda, λ
a,
este ângulo é pequeno e podemos usar a aproximação cos ka ≃ 1 − (ka)2 /2, o
que resulta em
ω(k) = C/m ka ,
(2.27)
isto é, para ka
1, a relação de dispersão é aproximadamente linear, como
em ondas eletromagnéticas. Neste caso as velocidades de fase e de grupo da
onda são iguais, sendo dadas por
v = C/m a .
(2.28)
Em geral v é da ordem de 104 m/s, isto é, 104 vezes menor que a velocidade da luz. Para ondas de grande comprimento de onda, podemos aproximar
a função deslocamento por uma função contı́nua de x, u(x, t). Neste caso, é
possı́vel mostrar que a equação de u(x, t) é igual a equação de ondas para o
campo elétrico, Eq.(2.6) (Problema 2.5). Por outro lado, quando o comprimento de onda é pequeno, a natureza discreta da rede torna-se importante. A
onda com λ = 2a tem a máxima freqüência de vibração. Fazendo ka = π em
(2.26) vemos que o máximo valor de ω é dado por (4C/m)1/2 . O valor desta
freqüência varia de um material para outro e está na faixa de 1 a 10 THz (1
THz = 1012 Hz), que corresponde à região do infravermelho distante no espectro eletromagnético (Problema 2.6).
Em um cristal qualquer há dois fatos que tornam o problema das ondas
elásticas mais complexo: o primeiro é que ele é tridimensional; o segundo é
que ele contém ı́ons diferentes. Este segundo fato traz uma caracterı́stica nova,
que pode ser entendida de maneira simples, no caso da cadeia unidimensional.
Se tivermos uma cadeia com dois tipos de ı́ons intercalados de massas m1
e m2 , ao escrevermos as equações de movimento teremos duas equações da
forma (2.22), em vez de apenas uma, como no caso dos ı́ons iguais. Teremos
então duas soluções para a freqüência de vibração e, conseqüentemente, dois
ramos na relação de dispersão. Sua forma está mostrada na Fig.2.9. Neste
caso, as freqüências de vibração possı́veis do sistema formam duas bandas,
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
39
Figura 2.8: Relação de dispersão de ondas
elásticas numa cadeia monoatômica linear.
definidas pelos dois ramos da relação de dispersão. Entre elas existe uma faixa
proibida, cuja largura depende da diferença entre as massas. Quando as duas
massas são iguais, a banda proibida desaparece, isto é, o ramo inferior na
região 0 ≤ k ≤ π/2a e o ramo superior na região π/2a ≤ k ≤ π/a compõem a
relação de dispersão da cadeia monoatômica da Fig.2.8.
No ramo inferior da Fig.2.9, chamado acústico, em uma onda com ka
1, dois ı́ons vizinhos movem-se em fase. No ramo superior, chamado óptico,
uma onda com ka
1 tem os dois ı́ons vizinhos movendo em oposição de fase.
As ondas do ramo acústico podem ser excitadas por um tipo de força que faz
átomos vizinhos irem no mesmo sentido, como em uma onda sonora (daı́ seu
nome, acústico). Por outro lado, as ondas do ramo óptico são criadas quando
a excitação produz efeitos opostos em ı́ons vizinhos, como é o caso do campo
elétrico de luz infravermelha atuando em ı́ons vizinhos de cargas opostas.
Figura 2.9: (a) Relação de dispersão de ondas elásticas na cadeia diatômica linear mostrada
em (b), com os ramos acústico e óptico.
40
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 2.10: Curvas de dispersão de ondas elásticas em um cristal cúbico diatômico, com
o vetor de onda na direção de um eixo principal (L = longitudinal, T = transversal, O =
óptico e A = acústico).
A complexidade vinda do caráter tridimensional do cristal resulta na
existência de um maior número de graus de liberdade no sistema. Neste caso,
o deslocamento de um ı́on de sua posição de equilı́brio r é caracterizado por
r , t). As soluções das equações de movimento gerais levam à
um vetor R(
i(k.
r−ωλ t)
Rλ (r, t) = Re Ak e
,
(2.29)
onde λ é um ı́ndice que representa o tipo da vibração e a direção do deslo ou seja ele exprime a polarização da onda e seu tipo (óptico ou
camento R,
acústico). Para uma dada direção de k temos três polarizações para cada tipo
de onda. Para direções particulares podemos ter duas ondas transversais e
uma longitudinal. A freqüência ωλ (k) depende de k e do tipo da onda. A
Fig.2.10 ilustra as formas tı́picas das curvas de dispersão para ondas elásticas
em um cristal cúbico com dois ı́ons por célula unitária.
2.3
Efeito Fotoelétrico - Ondas e Partı́culas
No fim do século passado surgiram as primeiras evidências de que, em algumas
situações, uma onda eletromagnética se comportava com caracterı́sticas tı́picas
de partı́culas. Hertz, em 1886-87, realizou diversas experiências que confirmaram a existência de ondas eletromagnéticas e a teoria de Maxwell. Numa
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
41
Figura 2.11: Ilustração do equipamento usado para estudo do efeito fotoelétrico.
dessas experiências ele observou que a descarga elétrica entre dois eletrodos
ocorria mais facilmente quando luz ultravioleta incidia sobre um dos eletrodos.
Mais tarde Lenard verificou que a descarga ocorria mais facilmente porque a
luz facilitava a emissão de elétrons da superfı́cie do eletrodo, fenômeno que foi
posteriormente chamado de efeito fotoelétrico.
A Fig.2.11 mostra um equipamento usado para estudar o efeito fotoelétrico. Ele consiste de um tubo de vidro evacuado, com uma “janela”
de quartzo plana por onde passa a luz incidente. A luz monocromática incide
sobre a placa de metal que forma o catodo C, fazendo-o liberar elétrons. Estes,
chamados fotoelétrons, são atraı́dos para a superfı́cie metálica do anodo
A por meio da diferença de potencial V , produzindo uma corrente elétrica
que é medida pelo microamperı́metro µA. Numa experiência tı́pica mede-se
a variação da corrente em função da diferença de potencial V , que pode ser
variada através do potenciômetro. Um aparato deste tipo foi usado em 1914
por Millikan, que por seus estudos do efeito fotoelétrico e da carga do elétron
ganhou o prêmio Nobel de Fı́sica em 1923.
A curva da Fig.2.12 mostra a variação da corrente fotoelétrica I com a
tensão V aplicada, para dois valores da intensidade da luz incidente. Quando V
é suficientemente grande e positiva, a corrente tende para o valor de saturação
Ia correspondente à intensidade da luz. A saturação da corrente ocorre quando
todos fotoelétrons emitidos pelo catodo são coletados pelo anodo. Um dos resultados mais importantes desta experiência é obtido quando o sinal da tensão
V é trocado. A corrente não vai bruscamente para zero com a tensão negativa,
indicando que os elétrons são emitidos de C com certa energia cinética. En-
42
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 2.12: Variação da corrente fotoelétrica com a tensão aplicada, para dois valores de
intensidade da luz incidente. A tensão V0 é independente da intensidade de luz, mas a
corrente de saturação é diretamente proporcional à mesma.
tretanto, quando a tensão atinge um valor −V0 , mesmo os elétrons de maior
energia são freados e a corrente vai a zero.
Do resultado desta experiência pode-se concluir que a tensão V0 , chamada
potencial de retardo, permite medir a energia cinética Tmax dos elétrons que
são emitidos com a máxima energia. A relação entre eles é, então,
Tmax = e V0
,
(2.30)
onde e é a carga do elétron. Esta máxima energia cinética é independente da
intensidade da luz incidente, como mostrado pela curva b da Fig.2.12, obtida
com metade da intensidade usada em a.
A Fig.2.13 mostra a variação da tensão V0 em função da freqüência da
luz incidente em sódio, medida por Millikan em 1914. Estas medidas mostram
que há uma freqüência de corte νc , abaixo da qual o efeito fotoelétrico deixa
de ocorrer. O valor desta freqüência varia de um material para outro, sendo
que para o sódio νc = 4, 39 × 1014 Hz (λ ≃ 683 nm, que corresponde à luz
vermelha, quase no infravermelho).
Os resultados observados com o efeito fotoelétrico não puderam ser explicados através da teoria clássica da luz e durante vários anos constituı́ram um
grande desafio para os fı́sicos. Mas em 1905, Einstein usou as idéias de quantização, inicialmente propostas por Planck, para explicar o efeito fotoelétrico.
Sua teoria lhe valeu o prêmio Nobel de Fı́sica de 1921. O modelo quântico
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
43
Figura 2.13: Medidas de Millikan
do limiar de tensão para efeito fotoelétrico em sódio, em função da
freqüência da luz incidente.
de Einstein para a radiação eletromagnética foi posteriormente explicado de
forma coerente pela teoria quântica de campos. Um dos resultados mais importantes dessa teoria é que uma onda eletromagnética é quantizada em
energia. Isto significa que se ela tem freqüência ν, ela só pode ser gerada
com valores discretos de energia nhν, onde n é um inteiro e h é a constante de
Planck (h = 6, 6262 × 10−34 J.s).
Segundo Einstein, a energia da radiação eletromagnética é quantizada
na forma de pacotes, chamados fótons. Quando uma onda eletromagnética
tem energia elevada, isto é, muito maior do que hν, o número de fótons é tão
grande, que a natureza discreta da energia não é percebida. Nesta situação,
a onda se comporta classicamente. A energia de um fóton de radiação de
freqüência ν, ou freqüência angular ω = 2πν, é
E = hν = ω
,
(2.31)
onde = h/2π. Os fótons têm, em muitas situações, comportamento tipo
partı́cula. No entanto, não são partı́culas comuns, pois só existem com velocidade da luz c e têm massa de repouso nula. A relação entre energia e
freqüência, dada por (2.31), permite representar o espectro eletromagnético
em unidades de energia, como o eV. Utilizando o valor da constante de Planck
e da carga do elétron é possı́vel verificar que para converter Hz em eV é preciso
multiplicar por 4, 1357 ×10−15 . Este fator de conversão foi utilizado para construir a Fig.2.4. Assim, a região visı́vel do espectro tem comprimento de onda
de 700 nm a 400 nm, freqüência de 4,3 a 7, 5 × 1014 Hz e energia de 1,7 a 3,1
eV. O Apêndice B apresenta uma tabela de conversão entre várias unidades
de energia.
44
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Sabemos da teoria eletromagnética que o momentum p de uma onda no
vácuo está relacionado com sua energia E por
p=
E
c
.
(2.32)
Usando (2.10), com n = 1, e (2.31) em (2.32), obtemos a expressão para o
momentum do fóton,
p = k .
(2.33)
Segue, portanto, que em uma onda eletromagnética de freqüência ω e
vetor de onda k, tanto a energia quanto o momentum são quantizados. É
importante chamar a atenção para o fato de que a teoria não prevê uma quantização espacial da onda eletromagnética. Em outras palavras, não há nada
que limite a existência de um fóton a uma região finita do espaço. É possı́vel ter
uma onda eletromagnética plana, enchendo todo o espaço, correspondendo a
apenas um fóton. A quantização é feita somente em termos de momentum e de
energia. É possı́vel, entretanto, ter uma onda eletromagnética confinada numa
região limitada do espaço, como por exemplo no pulso de onda da Fig.2.5,
contendo apenas um fóton. Neste caso, o fóton fica mais parecido com uma
partı́cula, ou um corpúsculo.
No efeito fotoelétrico os fótons são absorvidos num processo de interação
que resulta na emissão de elétrons. Como há conservação de energia na interação elétron-fóton, quando o elétron é emitido da superfı́cie do metal sua
energia cinética é
T = hν − W ,
(2.34)
onde W é o trabalho necessário para arrancar o elétron do metal. Como há
elétrons que estão mais presos aos átomos do que outros, W varia de um elétron
para outro. Os elétrons que estão menos ligados emergem da superfı́cie com a
máxima energia cinética. Para eles podemos escrever
Tmax = hν − W0
,
(2.35)
onde W0 , uma grandeza caracterı́stica de cada metal chamada função trabalho, é a mı́nima energia necessária para que um elétron vença as forças de
atração internas e atravesse a superfı́cie. A teoria de Einstein explica as principais observações do efeito fotoelétrico. Veja que os elétrons “arrancados” do
metal por fótons com energia
hνc = W0 ,
(2.36)
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
45
têm energia cinética nula, não produzindo corrente fotoelétrica com V0 = 0.
Então, o valor de νc dado por (2.36) é a freqüência de corte, que é independente da intensidade da luz incidente. Quando ν > νc e V > −V0 , existe uma
corrente fotoelétrica resultante da emissão de elétrons. Quando a intensidade
de luz aumenta, o número de fótons incidentes por unidade de tempo aumenta proporcionalmente, o que resulta no aumento proporcional da corrente
fotoelétrica.
Com as equações (2.30) e (2.35) podemos obter a expressão para o potencial do retardo V0 decorrente da teoria de Einstein,
eV0 = hν − W0
.
(2.37)
,
(2.38)
Utilizando (2.36), obtemos para ν ≥ νc ,
V0 =
h
(ν − νc )
e
que mostra a variação linear de V0 com νc , em acordo com a medida experimental de Millikan (Fig.2.13).
As idéias de quantização da energia e das caracterı́sticas corpusculares da
radiação eletromagnética provocaram um profundo impacto na Fı́sica no inı́cio
deste século. Com base nestas idéias, vários fı́sicos passaram a procurar nos
elétrons efeitos de quantização e de comportamento ondulatório. Estes trabalhos levaram à formulação da mecânica quântica em 1926 por Schroedinger e
independentemente por Heisenberg. As equações da mecânica quântica governam o comportamento dos elétrons nos átomos e nos sólidos e seu conhecimento
é fundamental para a compreensão dos fenômenos eletrônicos que ocorrem nos
diversos materiais.
Exemplo 2.1: Numa experiência de efeito fotoelétrico, o material do fotocatodo é o lı́tio, cuja
função trabalho é 2,3 eV, e o comprimento de onda da luz usada para iluminar o fotocatodo é 300
nm. Determine: a) A freqüência de corte do lı́tio; b) O potencial de retardo.
a) A relação entre a função trabalho e a freqüência de corte é dada pela Eq. (2.36). Então,
νc
=
W0
2, 3 eV × 1, 6 × 10−19 coulomb
≃
h
6, 63 × 10−34 joule-seg
≃
5, 5 × 1014 Hz
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
46
b) O potencial de retardo é relacionado com a freqüência de corte e a freqüência da luz pela
Eq.(2.38). A freqüência da luz é,
ν=
3, 0 × 108 m/s
c
=
= 10, 0 × 1014 Hz .
λ
300 × 10−9 m
Assim,
V0
=
=
2.4
h
6, 63 × 10−34 joule-seg
(ν − νc ) =
× 4, 5 × 1014 Hz
e
1, 6 × 10−19 coulomb
1, 86 V
O Elétron como uma Onda - Princı́pio da Incerteza
Como vimos na seção anterior, a radiação eletromagnética é quantizada em
energia, adquirindo em certas situações comportamento do tipo de corpúsculos
ou partı́culas. Este conceito foi introduzido na Fı́sica para explicar um resultado experimental, o efeito fotoelétrico, que não podia ser compreendido num
contexto clássico. Ao contrário, o conceito de que o elétron, uma partı́cula no
sentido clássico, é também uma onda, resultou de uma dedução teórica que só
mais tarde foi confirmada experimentalmente. Foi Louis de Broglie, em sua
tese de doutorado apresentada em 1924 na Universidade de Paris, que propôs a
idéia revolucionária de ondas de matéria. Sua teoria lhe valeu o prêmio Nobel
de Fı́sica de 1929, depois que ela foi confirmada experimentalmente.
A hipótese de Broglie de que o elétron pode ter comportamento de
partı́cula e de onda foi inspirada no conceito, já aceito na época, de que a
radiação eletromagnética tem comportamento tipo partı́cula. Ele postulou
que o elétron é caracterizado por uma freqüência ν e comprimento de onda λ,
relacionados com a energia e o momentum exatamente do mesmo modo que
para fótons. Como na Eq.(2.31), a energia do elétron é expressa na forma,
E = hν
,
(2.39)
p = h/λ
.
(2.40)
enquanto que o momentum é:
Multiplicando e dividindo o lado direito de (2.40) por 2π, e usando k = 2π/λ,
obtemos
p = k .
(2.41)
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
47
que é igual a Eq.(2.33). Se a matéria tem comportamento de onda, por que
não notamos isto na vida diária? Considere um objeto de massa m = 1,0 kg
movendo com velocidade v = 100 m/s. O comprimento de onda correspondente
é:
h
6, 6 × 10−34
h
=
= 6, 6 × 10−36 m .
λ= =
(2.42)
p
mv
100
Veja que o comprimento de onda é muito pequeno comparado à dimensão
tı́pica de objetos comuns. Por isso, os efeitos de difração e interferência, que
são caracterı́sticos de ondas, são inteiramente desprezı́veis.
Considere agora um elétron com energia cinética T = 100 eV. O comprimento de onda correspondente é:
λ=
h
h
=√
≃ 1, 2 × 10−10 m = 1, 2 Å
p
2mT
.
(2.43)
Este comprimento de onda é da mesma ordem de grandeza da dimensão dos
átomos e da distância entre eles na matéria. Por isso, os efeitos ondulatórios
são importantı́ssimos na escala atômica. Esses efeitos foram observados por
Davisson, Germer e G.P. Thomson em 1927, através de uma experiência na
qual um feixe de elétrons acelerados por um potencial elétrico incidia sobre um
cristal. Eles verificaram que o cristal, com sua estrutura atômica periódica,
atuava como uma rede de difração, produzindo máximos e mı́nimos de interferência no feixe de elétrons espalhados.
O fato dos elétrons com energias de dezenas de eV serem ondas, com
comprimento de onda várias ordens de grandeza menor do que o da luz visı́vel,
tem uma importante aplicação prática. Quando um feixe de elétrons incide
sobre um material, a análise dos elétrons espalhados permite observar detalhes
muito menores do que se consegue com a luz visı́vel num microscópio óptico.
Este é o princı́pio básico de operação do microscópio eletrônico. No microscópio
óptico o observador vê a imagem do objeto ampliada por meio de lentes de
vidro, que processam a luz espalhada pelos detalhes do material analisado.
Como o comprimento de onda mı́nimo da luz visı́vel é da ordem de 3000 Å,
não é possı́vel distinguir detalhes com dimensões menores que este valor. Por
outro lado, como no microscópio eletrônico a onda utilizada é a de um feixe
de elétrons, é possı́vel observar detalhes com dimensões de alguns angstroms.
Neste caso, a imagem do objeto é formada por lentes magnéticas (campos
magnéticos produzidos por bobinas com formatos adequados) e convertida em
sinais elétricos por meio de detetores, de modo a ser observada na tela de um
computador.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
48
Outra aplicação importante de ondas de matéria é no estudo de sólidos
cristalinos por meio de difração. Como o parâmetro da rede nos cristais é da
ordem de alguns angstroms, a difração só ocorre com radiação de comprimento
de onda próximo deste valor. É possı́vel então usar feixes de elétrons ou de
nêutrons de alta velocidade. A vantagem dos nêutrons está no fato de que
sendo eletricamente neutros, sua penetração no sólido é muito maior que a dos
elétrons.
Exemplo 2.2: Calcule as energias e as velocidades de um feixe de elétrons e outro de nêutrons,
para que ambos tenham comprimento de onda de 2 Å.
A relação entre energia e comprimento de onda é dada pela Eq. (2.43). Então, T = h2 /2mλ2 .
Para o feixe de elétrons m = 9, 1 × 10−31 kg, logo,
T
=
=
6, 632 × 10−68
= 6, 0 × 10−18 J
2 × 9, 1 × 10−31 × 22 × 10−20
6, 0 × 10−18
eV = 37, 5 eV
1, 6 × 10−19
A velocidade é relacionada com a energia cinética por T = mv 2 /2. Portanto, a velocidade
dos elétrons é,
v = (2T /m)1/2 =
2 × 6, 0 × 10−18
9, 1 × 10−31
1/2
= 3, 6 × 106 m/s
No caso do feixe de nêutrons, m = 1, 67 × 10−27 kg. Então,
T
=
v
=
6, 632 × 10−68
= 3, 3 × 10−21 J
2 × 1, 67 × 10−27 × 22 × 10−20
2 × 3, 3 × 10−21
1, 67 × 10−27
1/2
= 2, 0 × 103 m/s
As caracterı́sticas de um elétron podem ser descritas de maneira quantitativa através de uma função de onda Ψ. No próximo capı́tulo ela será
definida com precisão. Se o elétron for uma onda plana com um momentum
bem definido p0 , ele terá um vetor de onda k0 = p0 / e sua função de onda
pode ser escrita na forma
Ψ(x, t) = A eik0 x−iωt
,
(2.44)
onde sua freqüência angular ω é relacionada com sua energia por E = ω.
A função de onda (2.44) descreve um elétron que preenche todo o espaço, e
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
49
que portanto tem uma incerteza em sua posição x → ∞. É evidente que
é muito difı́cil “produzir” um elétron com a função de onda (2.44) em todo o
espaço. Entretanto, é possı́vel ter um elétron mais localizado, com uma função
de onda como a da Fig.2.14(a). Neste caso, o elétron não tem um vetor de
onda bem definido k0 . Ele é descrito, digamos em t = 0, por uma função de
onda Ψ(x, 0) que é uma superposição de ondas planas com vetores de onda
k próximos de k0 e amplitudes φ(k) com máximo em k = k0 e largura k
(Fig.2.14(b)), de modo análogo ao caso do campo elétrico E(x, 0) descrito na
seção 2.1. Uma incerteza na determinação de k implica numa incerteza no
momentum do elétron p = k. É possı́vel mostrar, pela transformada
de Fourier de uma função do tipo da Fig.2.14(a), que xk ≃ 1. Para um
elétron descrito por Ψ(x, 0) isto significa que
xp ≃ ,
(2.45)
Este resultado tem a seguinte interpretação: Se em uma medida experimental, a posição do elétron é determinada com uma incerteza x, seu
momentum também tem uma incerteza p. Isto foi postulado em 1927 por
Heisenberg, sendo conhecido como o princı́pio da incerteza. Segundo este
princı́pio, em uma experiência não é possı́vel determinar exatamente o valor
da posição do elétron x e seu momentum p simultaneamente. Existe uma
incerteza mı́nima no processo de medida que é dada por
xp ≥ /2
.
(2.46)
Figura 2.14: (a) Pacote de ondas que descreve o estado de uma partı́cula livre localizada
numa região do espaço. (b) Transformada de Fourier do pacote de ondas mostrado em (a).
50
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Veja que no caso de uma função de onda plana como a da Eq. (2.44), o
momentum é bem determinado (p = 0), em contrapartida x → ∞.
Existe uma outra versão do princı́pio da incerteza, relativa à determinação da energia do elétron E e o intervalo de tempo t necessário para
medi-la. Segundo Heisenberg, se a medida é efetuada em um intervalo t
finito, existe uma incerteza E na determinação de E dada por
E t ≥ /2
.
(2.47)
O princı́pio da incerteza, representado pelas equações (2.46) e (2.47), foi
assim proposto por Heisenberg numa época em que o conceito da função de
onda do elétron ainda não era conhecido. Ele causou um profundo impacto na
Fı́sica e também gerou muitas especulações filosóficas. Na verdade, ele é uma
decorrência natural do caráter ondulatório das partı́culas da matéria, cuja
formalização é dada pela mecânica quântica, que será estudada no próximo
capı́tulo.
2.5
Fônons e outras Excitações Elementares em Sólidos
As quantizações da onda eletromagnética e da onda de elétron são apenas dois
exemplos de um fenômeno geral que ocorre com qualquer tipo de onda. Este
fenômeno é observado experimentalmente através de diversos efeitos e tem
uma explicação rigorosa na teoria quântica de campos. Qualquer onda é
formada por “pacotes” de energia ω, chamados quanta (plural de quantum)
de energia. Assim sendo, a energia de uma onda é discreta e tem valor igual
a um múltiplo de ω. O quantum de uma onda tem comportamento tanto de
onda como de partı́cula, tendo energia e momentum dados por
E = ω
,
(2.48)
p = k
,
(2.49)
que são relações idênticas àquelas vistas anteriormente para ondas eletromagnéticas e para elétrons. As excitações num sólido têm caráter de onda,
sendo portanto quantizadas. Os quanta das diversas ondas são chamados de
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
51
excitações elementares. Assim, um quantum de vibração de rede é um
pacote de onda elástica, e recebe o nome de fônon.
Há muitas outras excitações elementares em sólidos, em geral com nomes
terminados em on. O quantum de onda de spin em materiais magnéticos é
o magnon. O de uma onda de plasma num metal ou semicondutor chama
plasmon. Outras excitações, que não serão apresentadas neste livro são os
excitons, polarons, polaritons, helicons, plasmaritons, rotons, etc.
REFERÊNCIAS
A. Chaves, Fı́sica, Ondas, Relatividade e Fı́sica Quântica, Reichmann &
Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001.
R. Eisberg e R. Resnick, Fı́sica Quântica, Editora Campus, Rio de Janeiro,
1988.
G.R. Fowles, Introduction to Modern Optics, Holt, Rinehart and Winston,
New York, 1975.
D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da Fı́sica, Livros Técnicos
e Cientı́ficos, Rio de Janeiro, 1995.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
J. Leite Lopes, A Estrutura Quântica da Matéria, Editora UFRJ, Rio de
Janeiro, 1992.
H.P. Neff, Jr., Introductory Electromagnetics, J. Wiley, New York, 1991.
O. Pessoa, Jr., Conceitos de Fı́sica Quântica, Livraria Editora da Fı́sica, São
Paulo, 2003.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
52
PROBLEMAS
2.1 Aplique o operador rotacional (∇×) à Eq.(2.3), utilize a Eq.(2.4), juntamente com as relações entre os campos e a identidade vetorial
∇ × (∇×
) = ∇(∇·
) − ∇2 (
)
e mostre que num meio sem cargas ou correntes, o campo elétrico obedece
à Eq.(2.5).
2.2 Considere um campo elétrico com amplitude que varia no tempo e no
espaço com uma função E(x, t): a) Mostre que esta função será solução
da equação de ondas (2.6), se o argumento tiver a forma E(x, t) = f (x −
vt) + g(x+ vt), onde f e g são quaisquer funções diferenciáveis; b) Escolha
uma função f (x) em t = 0 que satisfaça à equação de ondas e faça um
gráfico qualitativo de sua variação com x em dois instantes de tempo t > 0
quaisquer. Interprete o resultado.
t) = ŷ E0 cos(kx−ωt) de uma onda eletro2.3 Considere o campo elétrico E(x,
magnética plana: a) Mostre que esta forma de E é solução da equação
de ondas pela substituição direta em (2.6); b) Mostre que esta função é
solução da equação de ondas, pois é um caso particular da solução obtida
no problema 2.2; c) Faça um gráfico qualitativo de E em função de x para
t = 0 e obtenha a relação com k e ω da distância entre dois máximos
consecutivos da onda; d) Faça o gráfico de E em função de x para t = t
e relacione a velocidade de deslocamento de um máximo, x/t, com ω
e k.
2.4 Considere um pulso de onda eletromagnético de forma gaussiana no instante t = 0,
2
2
E(x, 0) = E0 e−x /2L cos k0 x
a) Faça um gráfico semi-quantitativo de E em função de x para E0 = 1
(unidades arbitrárias) e L = 5 × 2π/k0 . Se você tiver um computador
com impressora, faça o gráfico quantitativo usando k0 = 1; b) Determine
a função E(x, t) que descreve o pulso num instante arbitrário, t, pela
imposição de que E(x, t) satisfaça à Eq.(2.6); c) Repita o item a) para o
campo obtido no item b).
2.5 Mostre que no limite de grandes comprimentos de onda, λ
a, a Eq.(2.22)
se reduz a uma equação de ondas para uma variável u contı́nua,
2
∂2u
2 ∂ u
=
v
∂t2
∂x2
Cap. 2 Ondas e Partı́culas na Matéria
53
2.6 As vibrações da rede de um certo cristal podem ser descritas pelo modelo
unidimensional dado pela Eq.(2.22), com átomos de peso atômico 56 e
constante elástica C = 104 g/s2 : a) Calcule a velocidade de propagação
da onda elástica na cadeia no limite de grandes comprimentos de onda,
λ
a (ou ka
1), em cm/s, e compare com a velocidade da luz; b)
Calcule o valor máximo da freqüência de vibração da cadeia em rd/s e
em Hz.
2.7 A partir das medidas do efeito fotoelétrico mostradas na Fig.2.13: a)
Calcule a função trabalho do sódio, em eV; b) Calcule o potencial de
retardo V0 de uma célula com fotocatodo de sódio, iluminada por luz de
comprimento de onda λ = 350 nm.
2.8 Uma montagem de medida do efeito fotoelétrico utiliza uma célula com
fotocatodo de alumı́nio, cuja função trabalho é 4,2 eV. A luz ultravioleta
empregada tem comprimento de onda 180 nm: a) Qual é a freqüência
de corte do alumı́nio?; b) Qual o potencial de retardo do alumı́nio para
este comprimento de onda?; c) Calcule a energia cinética do elétron mais
rápido emitido; d) Qual é a energia do elétron no alumı́nio, que ao ser
emitido é o mais lento?
2.9 Um diodo emissor de luz de GaP emite luz de comprimento de onda 549
nm, com potência 1 µW: a) Qual é a energia, em eV, dos fótons emitidos
pelo diodo? b) Quantos fótons por segundo são emitidos pelo diodo?
2.10 Numa experiência de efeito fotoelétrico com um laser, luz de intensidade
1,0 watt e certa freqüência, incide sobre um fotocatodo de lı́tio, cuja
função trabalho é 2,3 eV. a) Qual é o potencial de retardo para uma
freqüência cujo valor é o dobro da freqüência de corte? b) Suponha que a
cada dez fótons que chegam ao fotocatodo um elétron é emitido, e que o
potencial positivo aplicado entre anodo e catodo é tal que a corrente está
saturada. Calcule o valor desta corrente, em ampère.
2.11 Um elétron é descrito por uma função de onda na forma de um pacote
gaussiano dado, em t = 0, por
2
2
ψ(x, 0) = A e−x /2L eik0 x
,
a) Faça um gráfico qualitativo de |ψ(x, 0)|2 em
função de x; b) A largura
do pacote pode ser caracterizada por x = < x2 > sendo < x2 >
o desvio médio quadrático da função em relação ao seu valor médio xm ,
2
< x >= |ψ(x, 0)|2(x − xm )2 dx
54
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
b) Calcule x para o elétron; c) Calcule a transformada de Fourier φ(k)
da função de onda, utilizando a definição da Eq.(2.16) com E substituı́do
por ψ. Faça um gráfico qualitativo de |φ(k)|2 e calcule a largura k do
pacote do mesmo modo que o item b); d) Calcule o produto xk e
interprete o resultado. Dados:
∞
∞
√
2
−y 2
e dy = 2
y 2 e−y dy = π
−∞
−∞
2.12 Um elétron e um fóton têm, cada um, um comprimento de onda de 3,0
Å. Calcule as energias e os momentos de cada um e interprete o resultado.
2.13 A máxima resolução de um microscópio é limitada pelo comprimento
de onda da radiação utilizada, sendo a menor distância que pode ser
observada igual ao comprimento de onda. Qual deve ser, em eV, a energia
dos elétrons num microscópio eletrônico para que sua resolução seja 10
Å?
2.14 Mostre que a relação de incerteza para uma partı́cula, em termos das
incertezas na posição x e no comprimento de onda λ que podem ser
medidos simultaneamente, é dada por:
x λ ≥ λ2 /4π
2.15 Se a incerteza na medida do comprimento de onda de um fóton for
λ/λ = 10−7 , qual será a incerteza na medida da posição de fótons
com λ = 5 × 10−4 Å (raios γ), 5 Å (raios X) e 500 nm (luz visı́vel)?
2.16 As vibrações da rede de um certo cristal diatômico podem ser descritas
pelo modelo unidimensional estudado na Seção 2.2, com átomos de pesos
atômicos 39 e 80 e constante elástica C = 104 g/s2 . a) Calcule o valor da
freqüência de vibração da cadeia com k = 0, em rd/s e em Hz; b) Qual é
a energia do fônon correspondente à vibração do item a) em eV?; c) Para
que o fônon do item b) seja excitado ressonantemente por um fóton de
mesma energia, qual deve ser o comprimento de onda deste fóton e em
qual região do espectro eletromagnético ele se situa?
Capı́tulo 3
Mecânica Quântica: O Elétron
no Átomo
3.1 Os Postulados da Mecânica Quântica
3.1.1 A Função de Onda
3.1.2 Operadores Quânticos
3.1.3 Valor Esperado de uma Grandeza
3.1.4 A Equação de Schroedinger
56
57
57
59
60
3.2 A Equação de Schroedinger Independente do Tempo
60
3.3 Aplicações Simples da Mecânica Quântica
62
3.3.1 Elétron Livre
3.3.2 Elétron num Poço de Potencial Infinito
3.3.3 Barreira de Potencial-Efeito Túnel
62
65
69
3.4 Elétron no Átomo de Hidrogênio
73
3.5 Átomos de Muitos Elétrons
84
REFERÊNCIAS
86
PROBLEMAS
87
55
56
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
3.1
Os Postulados da Mecânica Quântica
O modelo de Bohr para o átomo com estados estacionários é baseado no postulado de que o momentum angular do elétron em órbita circular em torno do
núcleo é quantizado. Este modelo, quando proposto em 1913, teve um grande
sucesso pois conseguiu explicar os resultados experimentais do espectro discreto da radiação emitida pelos átomos de um gás de hidrogênio. Apesar de
seu sucesso, o modelo de Bohr deixou os fı́sicos inquietos por causa da quantização imposta ad-hoc. Seu mistério era tão grande quanto o da quantização
da energia de uma partı́cula executando um movimento harmônico simples,
proposta em 1900 por Planck. Durante anos os fı́sicos procuraram uma teoria mais fundamental que explicasse os resultados de Planck e de Bohr. O
postulado de Broglie, relativo à natureza ondulatória da matéria, abriu o caminho para os princı́pios da mecânica quântica, enunciados por Schroedinger
em 1926. Na mesma época, Heisenberg desenvolveu uma teoria matricial que à
primeira vista era distinta da de Schroedinger. Posteriormente verificou-se que
as duas formulações eram equivalentes e seus resultados eram idênticos. Vamos
apresentar aqui apenas a formulação de Schroedinger que é matematicamente
mais simples.
Alguns autores tentam justificar a equação básica da mecânica quântica,
a equação de Schroedinger, utilizando argumentos diversos. Entretanto ela é
uma equação fundamental da Fı́sica, que não pode ser deduzida a partir das
leis clássicas. Sua melhor justificativa é o fato de seus resultados explicarem
as observações e medidas experimentais. A mecânica quântica é baseada nos
quatro postulados seguintes:
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
3.1.1
57
A Função de Onda
O estado de um elétron, ou de qualquer “partı́cula” material, é caracterizado
por uma função de onda complexa Ψ(x, t). Em três dimensões, Ψ é na
realidade função de r e não de x, mas vamos manter x por simplicidade. Ψ
e suas derivadas em relação a x são contı́nuas, finitas e unı́vocas. Se num
instante t fizermos uma medida para determinar a localização da partı́cula
com função de onda Ψ(x, t), a probabilidade de encontrá-la entre x e x + dx
é dada por P (x, t) dx, onde
P (x, t) = Ψ∗ (x, t) Ψ(x, t)
.
(3.1)
Como a probabilidade de encontrar a partı́cula em todo o espaço é 1,
∞
∞
P (x, t) dx =
Ψ∗ (x, t) Ψ(x, t) dx = 1 .
(3.2)
−∞
−∞
Esta condição é suficiente para determinar a amplitude da função de
onda com uma forma conhecida. Dizemos que a função de onda que satisfaz
(3.2) está normalizada.
3.1.2
Operadores Quânticos
Com a função de onda podemos determinar a probabilidade de “localização”
de uma partı́cula em qualquer instante. Entretanto, para calcular outras
grandezas relativas ao seu movimento é preciso introduzir o conceito de operador. A cada grandeza fı́sica corresponde um operador matemático, que opera
na função de onda.
O operador relativo ao momentum em uma dimensão, digamos x, é
pop = −i
∂
∂x
,
(3.3)
onde i é a unidade imaginária. Veja o que acontece quando (3.3) opera na
função de onda plana de um elétron livre dada pela Eq. (2.44)
pop Ψ(x, t) = −i
∂
A eik0 x−iωt = k0 Ψ(x, t)
∂x
.
(3.4)
58
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Ora, k0 é o momentum de um elétron livre proposto por de Broglie. Então
a definição (3.3) está bastante razoável. É importante chamar a atenção de
que quando um operador é aplicado a uma função de onda, em geral não se
obtém diretamente o valor da grandeza fı́sica a ele associado, como na Eq.
(3.4). Quando um operador aplicado a Ψ, reproduz Ψ multiplicada por uma
constante, dizemos que Ψ é uma autofunção do operador. Assim, se
pop Ψ = pΨ
,
(3.5)
Ψ é uma autofunção de pop , sendo p o autovalor. Quando isto ocorre, o
momentum da partı́cula é bem determinado, ou seja, sua incerteza é nula.
Este é o caso do elétron descrito por (2.44).
No caso mais geral de três dimensões, o operador momentum é
∂
∂
∂
pop = −i ∇ = −i x̂
+ ŷ
+ ẑ
.
∂x
∂y
∂z
(3.6)
Outro operador importante é o da energia, dado por,
Eop = i
∂
∂t
.
(3.7)
Para um elétron livre
Eop Ψ(x, t) = i
∂
A eik0 x−iωt = ω Ψ(x, t)
∂t
.
(3.8)
Logo, a função de onda de um elétron livre também é uma autofunção
do operador energia, com autovalor
E = ω
,
(3.9)
o que também está em acordo com a teoria de Broglie.
A partir destes operadores é possı́vel construir outros. Por exemplo, a
energia cinética é
Top =
2 2
1
2
pop .
∇.∇ = −
∇
pop = −
2m
2m
2m
(3.10)
onde m é a massa da partı́cula e, em coordenadas cartesianas,
∇2 =
∂2
∂2
∂2
+
+
∂x2 ∂y 2 ∂z 2
(3.11)
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
59
é o operador Laplaciano. No caso particular de uma dimensão
Top = −
2 ∂ 2
2m ∂x2
(3.12)
A Tabela abaixo apresenta os operadores quânticos correspondentes a
algumas grandezas clássicas importantes.
Grandeza Clássica
3.1.3
Operador Quântico
x
x
r
r
px
−i∂/∂x
p
−i∇
E
i∂/∂t
T
L
−(2 /2m)∇2
−ir × ∇
Valor Esperado de uma Grandeza
Como foi dito anteriormente, quando um operador atua numa função de onda,
em geral o valor da grandeza associada não aparece imediatamente. Neste
caso, o valor da grandeza não pode ser determinado com precisão, ele tem
uma incerteza. Podemos, no entanto, calcular o valor mais provável, ou seja,
seu valor médio no sentido estatı́stico, chamado valor esperado.
Sendo a função normalizada,
∞
Ψ∗ Ψ dxdydz = 1
,
(3.13)
−∞
o valor esperado < Q > de uma grandeza associada a um operador Qop é dado
por,
∞
< Q >=
−∞
Ψ∗ Qop Ψ dxdydz
.
(3.14)
É comum também representar o valor esperado de um operador por Q.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
60
3.1.4
A Equação de Schroedinger
A evolução da função de onda de uma partı́cula em um sistema fı́sico é determinada por uma equação diferencial proposta por Schroedinger. Como foi
dito anteriormente, esta equação não pode ser deduzida. É preciso aceitá-la,
utilizá-la em várias aplicações, até que ela se torne familiar. A equação de
Schroedinger exprime que a energia total de uma partı́cula, em termos de operadores atuando sobre a função de onda, é a soma da energia cinética com a
potencial. Ela pode ser escrita da seguinte forma,
(Top + Vop )Ψ = Eop Ψ
.
(3.15)
Utilizando (3.7) e (3.10) obtemos
−
∂Ψ(r, t)
2 2
∇ Ψ(r, t) + Vop Ψ(r, t) = i
2m
∂t
,
(3.16)
onde o operador Vop representa o potencial de interação a que a partı́cula está
sujeita numa dada situação fı́sica, variando, evidentemente, de um problema
para outro. Se o movimento da partı́cula está restrito à coordenada x, a
Equação de Schroedinger se reduz à
−
2 ∂ 2 Ψ
∂Ψ
+ V Ψ = i
2
2m ∂x
∂t
.
(3.17)
De agora em diante vamos deixar de usar o ı́ndice “op” no operador para simplificar a notação. A Eq.(3.16) é uma equação diferencial de derivadas parciais
que tem, para cada potencial V , uma infinidade de soluções. As soluções para
cada problema são limitadas pelas condições de contorno que Ψ e ∂Ψ/∂x devem obedecer, bem como pela condição de normalização (3.2) que “amarra” as
amplitudes das funções de onda. A Eq. (3.16) tem outra caracterı́stica importante, ela é uma equação diferencial linear, pois os operadores e as funções são
elevados à potência um. Uma propriedade importante das equações lineares é
que a superposição de duas ou mais de suas soluções, também, é sua solução
(ver o Problema 3.1).
3.2
A Equação de Schroedinger Independente do Tempo
Quando o potencial V não varia no tempo, o primeiro passo para resolver
(3.16) é fazer uma separação de variáveis. Esta é uma técnica comum para
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
61
resolver equações de derivadas parciais.
Se V não é função de t, é possı́vel encontrar para Ψ(r, t) uma solução do
tipo
Ψ(r, t) = ψ(r)φ(t)
,
(3.18)
onde ψ(r) e φ(t) são funções apenas das variáveis r e t respectivamente. Substituindo (3.18) em (3.16) obtemos:
−
2 2
∂φ(t)
∇ ψ(r) φ(t) + V (r)ψ(r)φ(t) = i
ψ(r)
2m
∂t
.
(3.19)
Dividindo os dois membros pelo produto ψ(r)φ(t) vem
1
1
2 2
∂φ(t)
∇ ψ(r) + V (r)ψ(r =
−
i
ψ(r)
2m
φ(t)
∂t
.
(3.20)
Veja que o lado direito de (3.20) não depende de r, enquanto que o lado
esquerdo não depende de t. Em conseqüência, o valor comum dos dois lados
não pode depender de r ou de t, devendo então ser uma constante, que vamos
chamar de E. A equação obtida igualando o lado direito de (3.20) a E é,
E
dφ(t)
= −i φ (t)
dt
.
(3.21)
Note que substituı́mos o sı́mbolo da derivada parcial pelo da derivada total,
pois φ(t) só é função de t. A solução de (3.21) é
E
.
(3.22)
φ(t) = exp −i t
Vemos que φ(t) é uma função oscilante no tempo com freqüência angular ω =
E/. Assim sendo, podemos associar a constante E introduzida na separação de variáveis com a energia do estado cuja função de onda é solução da
Eq.(3.16).
A equação obtida igualando o lado esquerdo de (3.20) a E é uma equação
diferencial com variáveis do espaço:
−
2 2
∇ ψ(r) + V (r) ψ(r) = E ψ(r)
2m
.
(3.23)
62
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Ela é conhecida como a Equação de Schroedinger independente do tempo. O
operador energia total também é chamado o Hamiltoniano do sistema, o que
permite escrever (3.23) na forma,
H ψ(r) = E ψ(r)
onde
H=−
2 2
∇ + V (r)
2m
,
(3.24)
.
(3.25)
A Eq.(3.24) é uma equação de autovalores. Sua solução dá a parte espacial das autofunções, bem como os autovalores de energia correspondentes.
A solução completa de (3.16) fica então
E
Ψ(r, t) = ψ(r) exp −i t
,
(3.26)
onde ψ(r) representa a autofunção com energia E. Veja que a densidade de
probabilidade de encontrar a partı́cula com função de onda (3.26) na posição
r,
(3.27)
P (r, t) = Ψ∗ (r, t)Ψ(r, t) = |ψ(r)|2 ,
é independente do tempo. Isto significa que se uma partı́cula tem num certo
instante uma função de onda dada por uma autofunção do tipo (2.44), ela
permanece indefinidamente com a mesma função. Dizemos que a partı́cula
nesta situação permanece num estado estacionário. Vamos agora utilizar a
equação de Schroedinger em algumas aplicações simples.
3.3
Aplicações Simples da Mecânica Quântica
3.3.1
Elétron Livre
O exemplo mais simples de aplicação da equação de Schroedinger é o de um
potencial uniforme, V (r) = constante. Classicamente, uma partı́cula nesse
potencial é sujeita a uma força F = −∇V = 0. Portanto, ela é uma partı́cula
livre e move-se com velocidade constante. Como o valor do potencial constante
não influi no movimento, tomamos V = 0. Supondo que o elétron se desloca
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
63
na direção x, a Eq.(3.23) fica
−
2 d2 ψ(x)
= E ψ(x)
2m dx2
.
(3.28)
A solução desta equação pode ser escrita na forma
ψ(x) = A eikx + B e−ikx
.
(3.29)
Substituindo (3.29) em (3.28) vemos que
E=
2 k 2
2m
.
(3.30)
Como φ(t) = exp(−iEt/), a primeira parcela de (3.29) representa uma onda
plana propagando na direção de x positivo:
Ψ(x, t) = A eikx−iωt
.
(3.31)
Esta é a função de onda de uma partı́cula livre, movendo-se com velocidade
constante na direção +x, como tinha sido antecipado na Eq.(2.44). Da mesma
forma, a função de onda correspondente à segunda parcela de (3.29) corresponde a um elétron movendo-se no sentido −x. Em ambos os casos, o momentum p = k é relacionado com a energia pela expressão (3.30), que pode ser
escrita na forma,
p2
.
(3.32)
E=
2m
Como esperado, a energia é exatamente a energia cinética, pois trata-se de
uma partı́cula livre. Veja que neste problema não há qualquer condição que
restrinja o valor de E, que pode variar continuamente entre 0 e ∞. Note que
da Eq. (3.30) pode-se obter a relação de dispersão ω(k) do elétron livre.
Usando E = ω obtemos
2
k
,
(3.33)
ω(k) =
2m
que é a função parabólica ilustrada na Fig.3.1.
A partı́cula com a função de onda (3.31) comporta-se como uma onda
que preenche todo o espaço, tendo comprimento de onda
λ=
2π
k
,
(3.34)
64
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 3.1:
Relação de dispersão
parabólica de um elétron livre.
onde
√
k=
2mE
.
(3.35)
Todos os resultados acima estão em completo acordo com a teoria de
de Broglie estudada no Capı́tulo 2. Veja que se a função de onda (3.31) for
normalizada através da Eq.(3.2) obtemos A → 0. Portanto, não faz sentido
normalizar (3.31) em todo o espaço. Na verdade, não há muito sentido fı́sico
em considerar uma partı́cula em todo o espaço. Entretanto, ondas planas do
tipo (3.31) podem ser usadas matematicamente para construir um pacote de
onda como o da Fig.2.14(a), que representa uma partı́cula confinada em uma
região do espaço. Ora, sabemos que um “pacote“ como este propaga com a
velocidade de grupo
∂ω vg =
.
(3.36)
∂k k0
Utilizando a relação de dispersão (3.33) obtemos a velocidade de uma partı́cula
representada por este pacote
k0
m
.
(3.37)
p = m vpart = k0
,
(3.38)
vpart = vg =
O momentum desta partı́cula é então
que está em acordo com o conceito introduzido por de Broglie.
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
3.3.2
65
Elétron num Poço de Potencial Infinito
Vamos obter os estados estacionários de uma partı́cula de massa m que se
movimenta livremente no interior de um poço de potencial com paredes infinitamente altas, em uma dimensão. Este poço, mostrado na Fig.3.2, representa
aproximadamente a situação de um elétron livre confinado ao interior de um
sólido. O fenômeno que impede sua saı́da pelas superfı́cies do sólido é a atração
eletrostática exercida pelos átomos ou ı́ons do sólido. Na verdade, como sabemos, este poço não é infinito, pois o elétron pode ser arrancado do sólido, como
no efeito fotoelétrico.
As autofunções da equação de Schroedinger (3.24) para este problema
são determinadas da mesma forma que para um potencial uniforme, sendo
neste caso:
V (x) =
0
∞
0<x<L
x≤0 ; x≥L
(3.39)
No intervalo 0 < x < L a equação é idêntica a do elétron livre, e portanto
sua solução é igual a (3.29),
ψ(x) = A eikx + B e−ikx
(0 < x < L)
,
(3.40)
sendo E = (k)2 /2m. Em x ≤ 0 e x ≥ L, ψ = 0 pois o potencial infinitamente
grande não permite que o elétron esteja nesta região. Como o momentum do
elétron, dado por −idψ/dx, não pode ser infinito, ψ deve ser uma função
contı́nua em x, e portanto
ψ(x = 0) = ψ(x = L) = 0
.
(3.41)
Usando a condição de contorno acima em (3.40) obtemos B = −A. As auto-
Figura 3.2: Poço de potencial
com paredes infinitamente altas.
66
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
funções do poço de potencial infinito são então
ψn (x) = An senkn x
.
A condição ψ(L) = 0 imposta a (3.42) restringe os valores de kn a
π
kn = n (n = 1, 2, 3, 4, ...) .
L
(3.42)
(3.43)
Ao contrário do elétron livre, o elétron no poço de potencial infinito não
pode ter um valor qualquer de energia. As energias possı́veis são dadas por
E = (k)2 /2m, ou seja, E só pode assumir valores discretos,
En =
2 π 2 2
n
2mL2
,
(3.44)
onde n é chamado um número quântico, pois corresponde a valores quantizados da energia. Os En são chamados autovalores e os ψn são as autofunções
da equação para o poço infinito.
A Fig.3.3 mostra uma representação das funções de onda e das energias
correspondentes, para os quatro primeiros valores do número quântico n.
Figura 3.3: Funções de onda e correspondentes energias de uma partı́cula num poço de
potencial infinito, para os quatro primeiros valores do número quântico n.
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
67
Alguns resultados deste problema simples são, pelo menos qualitativamente, de validade bastante geral para poços de potencial, independentemente
de sua forma detalhada. São eles:
• Partı́culas cujo movimento é confinado a uma região limitada do espaço
só podem ocupar estados (estacionários) de energia discreta, ou seja, têm
energia quantizada. Matematicamente isto decorre das condições de
contorno impostas às funções de onda nos limites da região. Esta é a
mesma razão pela qual uma corda presa nas extremidades só pode vibrar
em certas freqüências discretas. O estado de menor energia é chamado
estado fundamental.
• A função de onda de um estado confinado a uma região do espaço tem um
certo número de zeros, que é tanto maior quanto maior for sua energia.
Exemplo 3.1: Uma partı́cula está no estado fundamental num poço de potencial infinito de largura
L. Calcule: a) Os valores esperados da posição x e do momentum px ; b) Os desvios médios
quadráticos de x e de px .
a) A função de onda da partı́cula no estado fundamental é dada por (3.42) e (3.43) com n = 1,
ψ = A sen (πx/L). Para normalizar a função de onda usamos a condição (3.1),
L
0
A2 sen2
π L
L
0
x dx = A2
sen2
π L
x
dx = A2
L
π
π
sen2
π πx 0
L
x
d
L
=1.
Como sen2 α = (1 − cos 2α)/2, o integrando pode ser dividido em duas parcelas. Fazendo
α ≡ (πx/L), é fácil ver que a integral da primeira parcela é π/2 e a da segunda é nula. Então,
2L
π
A
= 1 , logo A =
π 2
O valor esperado de x é
∞
x=
−∞
ψ ∗ x ψ dx =
L
0
A2 x sen2
π L
x dx =
2
.
L
L A2
0
2
x 1 − cos
2π
x
L
dx
Para calcular esta expressão usamos a seguinte integral que pode ser resolvida por partes,
x cos ax dx =
1
x
cos(ax) + sen(ax) .
a2
a
Aplicando este resultado na integral definida e usando a = 2π/L, verificamos que a segunda
parcela da integral na expressão de x é nula. Assim,
x=
A2
2
L
0
x dx =
L
A2 L2
=
2 2
2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
68
Este resultado era, de certa forma, esperado, pois uma partı́cula que se movimenta livremente
entre x = 0 e x = L tem uma posição média em x = L/2.
O valor esperado do momentum é,
∞
px
ψ ∗ (−i )
∂ψ
dx = −i A2
∂x
A2 π
2 L
sen
=
−∞
=
−i
L
sen
L
0
π π
L
0
x
L
cos
π L
x dx
2π
x dx = 0
L
Este resultado também é natural, pois uma partı́cula que vai e volta dentro de uma caixa,
com energia constante, tem velocidade média nula.
b) O desvio médio quadrático de x é definido por
∆x2 =< x2 − x2 >
Então
∆x2
=
=
A2
L
0
L
A2
2
0
x2 −
L2
4
x2 −
L2
4
sen2
π L
x dx
1 − cos
2π
x dx
L
Para resolver esta expressão, usamos o resultado,
2x cos(ax)
a2 x2 − 2
+
sen(ax) .
2
a
a3
x2 cos(ax) dx =
Após algumas contas simples obtemos, finalmente,
L
2π
∆x2 =
2
π2 − 6
3
= 0, 033 L2
O desvio médio quadrático do momentum pode ser calculado de maneira semelhante. O
resultado é,
∆p2x =
π
L
2
É interessante notar que as incertezas na determinação da posição e do momentum podem
ser consideradas como as raı́zes quadradas dos desvios médios quadráticos. Assim,
∆x
=
∆px
=
∆x2
∆p2x
1/2 = 0, 033L = 0, 18 L
1/2
π
=
L
.
O produto dessas duas grandezas dá,
∆x ∆px = 0, 18 π
= 0, 57
.
Este resultado é consistente com o princı́pio da incerteza, que estabelece como limite mı́nimo
para o produto das incertezas o valor de /2.
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
3.3.3
69
Barreira de Potencial-Efeito Túnel
Considere um elétron livre, “propagando” na direção +x, que encontra uma
barreira de potencial de altura V0 maior do que sua energia E, como ilustrado
na Fig.3.4.
Se a região 1 é semi-infinita a energia do elétron não é quantizada. Desejamos saber o que acontece com o elétron ao encontrar a barreira de potencial
maior do que sua energia. Na região 1, como vimos anteriormente, a função
de onda do elétron é dada por
ψ1 (x) = A eikx + B e−ikx
,
(3.45)
sendo k = (2mE)1/2 /. Na região 2 a equação de Schroedinger leva a
d2 ψ
2m
= 2 (V0 − E) ψ
2
dx
.
(3.46)
Sendo (V0 − E) > 0, a solução de (3.46) é
ψ2 (x) = C eγx + D e−γx
onde
γ=
2m(V0 − E)/
,
.
(3.47)
(3.48)
Veja que na Eq.(3.47) a primeira parcela é uma função que cresce exponencialmente com x enquanto a segunda decai exponencialmente. Isto é uma
conseqüência do fato de a energia do elétron ser menor que a altura da barreira
Figura 3.4: Barreira de potencial.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
70
de potencial. No caso de E > V0 , o expoente γ em (3.48) é imaginário, e as
duas parcelas em (3.47) representam ondas propagantes (Problema 3.6).
Para determinar as quatro constantes A, B, C e D que aparecem em
(3.45) e (3.47) é preciso usar as condições de contorno para a função de onda.
Para x → ∞, a Eq.(3.47) mostra que ψ2 → ∞ se C = 0. Como a função de
onda não pode divergir, a constante C deve ser nula.
Em x = 0 as funções de onda nas duas regiões devem ser iguais, pois
ψ é contı́nua em todo o espaço. Fazendo C = 0, em (3.47), obtemos com
ψ1 (0) = ψ2 (0),
A+B =D .
(3.49)
Em x = 0 a derivada de ψ em relação a x também deve ser contı́nua,
dψ2 dψ1 =
,
(3.50)
dx 0
dx 0
porque se isto não fosse verdadeiro, a energia cinética, que é proporcional a
d2 ψ/dx2 seria infinita em x = 0. Usando (3.45) e (3.47) em (3.50), obtemos
ik(A − B) = −γD
.
(3.51)
Com as duas condições (3.49) e (3.51) podemos determinar as amplitudes
da onda refletida B e da onda transmitida D em função da amplitude da onda
incidente A:
D=
2k
A
k + iγ
,
B=
(k − iγ)
A
k + iγ
.
(3.52)
Veja que na região 2 a função de onda do elétron é
ψ2 (x) = D e−γx
,
(3.53)
o que mostra que existe uma certa probabilidade do elétron ser encontrado
na região 2. Este é um efeito puramente quântico, pois classicamente uma
partı́cula seria totalmente refletida por uma barreira do potencial maior do
que sua energia. Como ilustrado na Fig.3.5, ψ2 (x) decai exponencialmente
com x e podemos ter ψ2 (x = a) > 0. Assim, se a barreira tiver uma espessura
finita a, a probabilidade do elétron atravessá-la será, aproximadamente,
|ψ2 (a)|2 = e−2γa
.
(3.54)
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
71
Figura 3.5: Comportamento espacial da função de onda para uma partı́cula sujeita a uma
barreira de potencial, como na Fig.3.4.
Este fenômeno quântico é chamado efeito túnel, pois classicamente o elétron
só atravessaria a barreira de potencial se houvesse um túnel sob ela. Note que
o resultado (3.54) é aproximado, porque se tivéssemos considerado a largura
da barreira finita desde o inı́cio não poderı́amos ter feito C = 0. Entretanto,
se exp(−2γa) é suficientemente pequeno, a amplitude C da “onda refletida”
em x = a é desprezı́vel e a expressão (3.54) é uma boa aproximação para o
resultado exato.
Exemplo 3.2: Outra aplicação importante da mecânica quântica é a de uma partı́cula de massa
m submetida a uma interação com um potencial de oscilador harmônico simples do tipo,
V (x) =
1
1
kx2 = m ω02 x2 ,
2
2
2
onde ω0 = k/m é a freqüência natural do oscilador. Verifique que as funções ψ0 (x) = A0 e−ax
2
e ψ1 (x) = A1 x e−ax são autofunções da equação de Schroedinger para o oscilador harmônico e
determine suas energias.
A equação de Schroedinger para o oscilador harmônico tem a forma,
−
2
1
d2 ψ
+ m ω02 x2 ψ = E ψ .
2m dx2
2
Para o estado fundamental temos as seguintes derivadas de ψ0 ,
dψ0
dx
d2 ψ0
dx2
2
=
−2ax A0 e−ax ,
=
−2a A0 e−ax + 4a2 x2 A0 e−ax .
2
2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
72
Substituindo na equação vem,
−
2
2m
2
−2a A0 e−ax + 4a2 x2 A0 e−ax
2
+
2
2
1
m ω02 x2 A0 e−ax = E A0 e−ax .
2
2
Cancelando o fator comum A0 e−ax obtemos,
2
m
a−2
2
m
a2 x2 +
1
m ω02 x2 = E .
2
Para que esta equação seja satisfeita para qualquer valor de x, é necessário que o termo em
x2 seja nulo. Isto permite obter o valor da constante a,
m ω0
.
a=
2
Substituindo esta expressão na equação anterior vem,
2
E=
1
a
=
ω0 .
m
2
Esta é a energia do estado fundamental. O procedimento para obter a energia do estado
ψ1 é semelhante. Calculamos a derivada d2 ψ1 /dx2 , substituı́mos na equação de Schroedinger e
cancelamos o fator comum, obtendo,
−
2
2m
−2ax − 4ax + 4a2 x3 +
1
m ω02 x3 = xE .
2
Neste caso é preciso anular separadamente todos os termos com potências iguais de x. O
termo em x3 leva ao mesmo valor de a obtido para o estado fundamental, enquanto o termo em x
dá,
2
E=3
a
3
=
m
2
ω0 .
Esta é a energia do primeiro estado excitado, cuja função de onda é precisamente ψ1 . A
solução geral da equação de Schroedinger para o oscilador harmônico, que está apresentada em
detalhe nos livros de mecânica quântica, é dada por funções do tipo,
2
ψn (x) = c0 + c1 x + c2 x2 + · · · cn xn e−ax ,
onde a função entre parênteses é conhecida como polinômio de Hermite. A demonstração de que esta
expressão é autofunção da equação de Schroedinger para o oscilador harmônico é feita de maneira
análoga ao que fizemos para n = 0 e n = 1, que correspondem aos dois estados de menor energia.
A solução geral mostra que a energia do estado excitado de ordem n é dada por,
En =
1
n+
2
ω0 .
Este é um resultado importante que mostra que os nı́veis de energia dos estados do oscilador
harmônico estão igualmente espaçados, com uma diferença entre dois nı́veis consecutivos de
ω0 .
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
3.4
73
Elétron no Átomo de Hidrogênio
Uma das aplicações simples mais importantes da mecânica quântica é no átomo
de hidrogênio. Foi este um dos primeiros problemas que Schroedinger tratou
com sua equação. A concordância que ele obteve com os autovalores de energia
do modelo de Bohr constituiu o primeiro teste importante da validade de sua
teoria.
O átomo de hidrogênio é o mais simples de todos, pois tem apenas um
elétron de carga −e em torno de um próton de carga +e. O potencial que atua
sobre o elétron é devido à energia de interação eletrostática:
V (r) = −
e2 1
4π0 r
,
(3.55)
onde r é a distância entre o elétron e o próton. Apesar da simplicidade deste
potencial, a solução da equação de Schroedinger é razoavelmente complicada
por causa de sua natureza tridimensional. Para resolvê-la mais facilmente
devemos usar um sistema de coordenadas esféricas, ilustrado na Fig.3.6, que
utiliza as variáveis r, θ e ϕ para caracterizar a posição do elétron em relação
ao núcleo. Em coordenadas esféricas o operador Laplaciano, que aparece na
Equação de Schroedinger, tem a seguinte forma
1 ∂
1
1
∂2
∂
∂
2
2 ∂
∇ = 2
+ 2
r
+ 2 2
senθ
. (3.56)
2
r ∂r
∂r
r sen θ ∂ϕ
r senθ ∂θ
∂θ
Para resolver a equação de Schroedinger (3.24) com o potencial V (r)
dado por (3.55) e o Laplaciano (3.56), vamos supor que a massa do próton é
Figura 3.6:
Coordenadas esféricas
(r, θ, ϕ) de ponto P com coordenadas
cartezianas (x, y, z).
74
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
infinitamente maior que a do elétron. Isto corresponde a dizer que o elétron
se movimenta em torno do núcleo sem que este se desloque, o que reduz o
problema de duas partı́culas ao de apenas uma. Na Eq. (3.24) podemos então
desprezar a energia cinética do próton, o que não seria possı́vel se sua massa
não fosse muito grande. Como o potencial (3.55) depende apenas da variável
r, é possı́vel encontrar soluções para a equação de Schroedinger da forma
Ψ(r, θ, ϕ) = R(r) Θ(θ) Φ(ϕ)
.
(3.57)
Esta solução permite separar a equação diferencial parcial com três
variáveis em três equações diferenciais ordinárias nas variáveis r, θ e ϕ, semelhantemente ao que foi feito para tratar a Eq.(3.16). Substituindo a solução
(3.57) na Eq. (3.24) com o Laplaciano (3.56) obtemos:
∂ 2 RΘΦ
2 1 ∂
1
2 ∂RΘΦ
−
+
r
+
2m r 2 ∂r
∂r
r 2 sen2 θ ∂ϕ2
∂
1
∂RΘΦ
senθ
+ V (r) RΘΦ = E RΘΦ .
r 2 senθ ∂θ
∂θ
Operando as derivadas parciais segue que,
RΘ d2 Φ
dΘ
RΦ
2 ΘΦ d
2 dR
r
+ 2 2
senθ
+ 2
−
2
2
2m r dr
dr
r sen θ dϕ
r senθ
dθ
+V (r) RΘΦ = E RΘΦ
.
Nesta equação substituı́mos o sı́mbolo da derivada parcial pelo da
derivada total porque as funções dependem de apenas uma variável. Multiplicando todos os termos por −2mr 2 sen2 θ/(RΘΦ 2 ) e rearrumando as parcelas
vem
1 d2 Φ
sen2 θ d
senθ d
dΘ
2m
2 dR
=−
r
−
senθ
− 2 r 2 sen2 θ[E − V (r)] .
2
Φ dϕ
R dr
dr
Θ dθ
dθ
(3.58)
Como o lado esquerdo desta equação não depende de r ou θ, enquanto que o
direito não depende de ϕ, seu valor comum deve ser uma constante, que vamos
designar por −m2 . Assim obtemos duas equações
d2 Φ
= −m2 Φ
dϕ2
,
(3.59)
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
1 d
−
R dr
r
2 dR
d
1
−
Θsenθ dθ
dr
dΘ
senθ
dθ
−
75
m2
2m 2
r
[E
−
V
(r)]
=
−
2
sen2 θ
.
(3.60)
A Eq.(3.59) pode ser resolvida por uma função de ϕ, enquanto que a Eq.(3.60)
pode ser reescrita na forma
1 d
R dr
dR
r2
dr
2mr 2
1 d
m2
+
−
[E
−
V
(r)]
=
2
2
sen θ Θsenθ dθ
senθ
dΘ
dθ
,
que também pode ser separada nas variáveis r e θ. Usando como constante de
separação ( + 1), obtemos as equações nas variáveis r e θ:
1 d
dΘ
m2 Θ
−
senθ
+ 2 = ( + 1)Θ
(3.61)
senθ dθ
dθ
sen θ
1 d
r 2 dr
dR
r2
dr
+
R
2m
[E − V (r)]R = ( + 1) 2
2
r
.
(3.62)
As equações (3.59), (3.61) e (3.62) são agora independentes uma das outras
e podem ser resolvidas separadamente. A solução completa para a função de
onda do elétron é o produto das três soluções daquelas equações.
Vamos considerar inicialmente a equação (3.59) para Φ(ϕ). É fácil ver
que sua solução é
(3.63)
Φ(ϕ) = eim ϕ .
Matematicamente esta função é solução da equação (3.59) para qualquer valor
de m . Entretanto, fisicamente a função de onda do elétron deve ter para ϕ = 0
o mesmo valor que em ϕ = 2π, 4π, 6π, etc. Isto requer que m tenha apenas
os seguintes valores
(3.64)
|m | = 0, 1, 2, 3, ...
ou seja, m deve ser um inteiro, positivo ou negativo; ele é um número
quântico. As soluções das Eq.(3.61) e (3.62) são bem mais complexas. Entretanto elas são equações bem conhecidas, estudadas exaustivamente em disciplinas de cálculo avançado. As soluções de (3.61) são os chamados polinômios
76
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
de Legendre associados, e são finitas somente se for um número inteiro, positivo, limitado por
(3.65)
|m | ≤ .
As soluções da equação radial (3.62) são os polinômios de Laguerre, que são
finitas se a constante E for dada por
E=−
me4
22 (4π0 )2 n2
,
(3.66)
onde n também é um número inteiro, que satisfaz a relação
0≤ ≤n−1
.
(3.67)
A constante E da Eq.(3.66) é o autovalor de energia da função de onda no
átomo de hidrogênio. Este resultado significa que a energia do elétron no
átomo de hidrogênio é quantizada (discreta), semelhantemente ao que ocorre
no poço de potencial infinito estudado na seção 3.3. Substituindo as constantes
em (3.66) podemos exprimir a energia em eV,
E=−
13, 6
eV
n2
.
(3.68)
A Fig.3.7 ilustra os nı́veis de energia do poço de potencial infinito e do
poço Coulombiano do elétron no átomo (V = −A/r). Note que em ambos os
casos o menor valor de energia não é o do potencial no fundo do poço, mas sim
um valor acima deste chamado energia de ponto-zero, ou energia do estado
fundamental.
A solução geral da Equação de Schroedinger para o elétron no átomo de
hidrogênio é dada pelo produto das três funções nas variáveis r, θ e ϕ, soluções
de (3.59), (3.61) e (3.62), que pode ser escrita na forma
Ψnm (r, θ, ϕ) = Rn (r)Θm (θ)Φm (ϕ)
,
(3.69)
onde
Φm (ϕ) = eim ϕ
Θm (θ) = sen|m | θ × (polinômio em cos θ)
Rn (r) = e−Cr/n r × (polinômio em r)
.
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
77
Figura 3.7: (a) Representação de um “poço” de potencial ao qual um elétron está submetido
pelo núcleo de um átomo. (b) Diagrama de um modelo de caixa retangular de potencial que
se aproxima, grosseiramente, do potencial visto pelo elétron em torno de um núcleo.
sendo C uma constante. Embora os autovalores de energia do elétron no
átomo com o potencial Coulombiano só dependam do número quântico n, as
funções de onda dependem também de e m . O fato de haver três números
quânticos, em vez de um apenas como no poço de potencial estudado na seção
3.3, é uma conseqüência da equação de Schroedinger para o átomo conter
três variáveis independentes. Agrupando as condições (3.64), (3.65) e (3.67),
podemos escrever as relações entre os números quânticos na forma
no¯ quântico principal:
no¯ quântico azimutal:
no¯ quântico magnético:
n = 1, 2, 3, ...
= 0, 1, 2, ...n − 1
m = −, − + 1, ...0, ... − 1, .
é chamado número quântico azimutal porque ele determina a variação
angular de ψnm . m é chamado número quântico magnético porque define a
separação de energia entre os nı́veis quando o átomo é colocado em um campo
magnético. A Tabela 3.1 mostra as autofunções normalizadas correspondentes
aos três primeiros valores de n para um átomo com núcleo de carga +Ze (Z é
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
78
Nos
¯ quânticos
n
Autofunções
m
1
0
0
ψ100 = √1π
2
0
0
ψ200 = 4√12π
Z
a0
2
1
0
ψ210 = 4√12π
Z
a0
2
1
±1
ψ21±1 = 8√1 π
Z
a0
3
0
0
ψ300 = 81√1 3π
Z
a0
3
1
0
ψ310 = 81√2π
3
1
±1
ψ31±1 = 811√π
Z
a0
3
2
0
ψ320 = 81√1 6π
Z
a0
3
2
±1
ψ32±1 = 811√π
Z
a0
3
2
±2
ψ32±2 = 1621√π
Z
a0
Z
a0
√
3/2
Z
a0
e−Zr/a0
3/2
3/2
−Zr/2a0
2 − Zr
a0 e
Zr −Zr/2a0
cos θ
a0 e
3/2
Zr −Zr/2a0
senθ e±iϕ
a0 e
3/2
2 2
Z r
27 − 18 Zr
a0 + 2 a2
0
3/2
6 − Zr
a0
3/2
3/2
3/2
6 − Zr
a0
Zr −Zr/3a0
a0 e
e−Zr/3a0
cos θ
Zr −Zr/3a0
senθ e±iϕ
a0 e
Z 2 r 2 −Zr/3a0
e
(3 cos2 θ − 1)
a20
Z 2 r 2 −Zr/3a0
e
senθ cos θ e±iϕ
a20
3/2
Z 2 r 2 −Zr/3a0
e
sen2 θ e±2iϕ
a20
Tabela 3.1: Autofunções de um átomo com Z prótons no núcleo e um elétron para os
primeiros valores de n. a0 = 4π 0 2 /me2 é o raio de Bohr.
o número atômico) e apenas um elétron. A função de onda Ψ100 corresponde
ao estado de menor energia, chamado estado fundamental.
Veja que as funções de onda Ψ200 , Ψ210 e Ψ21±1 são bastante diferentes
umas das outras mas têm a mesma auto-energia, pois todas têm n = 2. Os
estados com diferentes funções de onda que têm a mesma energia são chamados
degenerados. É comum encontrar soluções da equação de Schroedinger que
são estados degenerados.
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
79
Para entender o significado das autofunções do átomo de hidrogênio,
vamos calcular algumas grandezas a elas associadas. A primeira é a função
densidade de probabilidade Ψ∗ Ψ. Como não podemos fazer seu gráfico em
função das três coordenadas simultaneamente, vamos considerar cada uma
delas separadamente. Inicialmente consideramos a dependência em r. Como a
probabilidade de encontrar o elétron no volume elementar d3 r é Ψ∗ Ψ d3 r, não
faz sentido estudar o comportamento somente de Ψ∗ Ψ, pois em coordenadas
esféricas d3 r = r 2 senθdrdθdϕ também depende de r. Consideramos então a
densidade de probabilidade radial P (r), definida de modo que P (r)dr é a
probabilidade de encontrar o elétron com a coordenada radial entre r e r + dr.
Para a função de onda Ψnm , esta densidade é dada por (Problema 3.16)
∗
(r)Rn (r)
Pn (r) = r 2 Rn
,
(3.70)
onde o fator r 2 é devido ao volume da região entre as esferas de raio r e
r + dr. Veja que o número quântico m não influencia na densidade radial
pois a função exp(im ϕ) desaparece no produto com o complexo conjugado.
A Fig.3.8 representa a densidade de probabilidade radial das autofunções do
átomo de hidrogênio para n = 1, 2 e 3, através de grandezas adimensionais
nos dois eixos. Esta figura mostra que os elétrons não são partı́culas com
órbitas bem definidas, como previsto no modelo de Bohr. Na verdade cada
elétron ocupa a região em torno do núcleo, com uma distribuição no espaço
tal que a probabilidade de encontrá-lo é máxima num certo raio, cujo valor
aumenta quando n cresce. Considere o estado fundamental (n=1), isto é, o
estado de mı́nima energia. Vamos calcular a posição de máximo da densidade
de probabilidade. Para isto substituı́mos a autofunção Ψ100 da Tabela 3.1 com
Z = 1 e ignorando a constante de normalização em (3.70), obtemos:
P10 (r) = e−2r/a0 r 2
,
que é proporcional à função mostrada na Fig.3.8. O máximo desta função é
dado por
r
dP10 (r)
−2r/a0
= 2r e
1−
=0 .
dr
a0
Isto leva ao raio de máxima probabilidade de encontrar o elétron no
estado de menor energia. Veja que seu valor é exatamente o raio de Bohr:
r = a0 =
4π0 2
≃ 0, 53 Å
me2
.
80
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
A variação angular da densidade de probabilidade pode ser representada
de várias maneiras diferentes. Uma delas é através do gráfico polar, no qual
a amplitude da densidade de probabilidade de encontrar o elétron na posição
(x, y, z) é representada pela distância do ponto (x, y, z) à origem. A Fig.3.9
mostra os gráficos polares correspondentes aos números quânticos = 0 e
= 1. Esses gráficos dão uma idéia do que seria a “nuvem” eletrônica em
cada estado. Eles mostram claramente que o elétron não é caracterizado por
uma órbita no sentido clássico, mas sim por uma densidade de probabilidade
Figura 3.8: Densidade de probabilidade radial para o elétron num átomo de hidrogênio para
os valores de n e de indicados. Os triângulos indicam os valores médios de r [Eisberg e
Resnick].
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
81
Figura 3.9: Representação da função |Θ(θ)Φ(ϕ)|2 , que é proporcional às densidades de
probabilidade eletrônicas para = 0 e = 1.
de ser encontrado em cada ponto. Entretanto, a variação da densidade com
a posição sugere o nome orbital para designar as funções de onda atômicas.
Como o número quântico determina a forma de variação angular do orbital,
ele é muito importante e é designado por letras provenientes da interpretação
dos espectros de emissão de radiação do átomo de hidrogênio. Os orbitais com
= 0, 1, 2, 3, 4, ... são designados pelas letras s,p,d,f,g,... A Fig.3.10 mostra
outra forma de representar as densidades eletrônicas, que leva em conta sua
variação com a distância radial e a posição azimutal.
Antes de encerrar esta seção é preciso mencionar dois fatos importantes
relativos ao átomo de hidrogênio: primeiro é que o elétron tem, além de massa
e carga, um spin. O nome spin vem do inglês e significa rotação. Classicamente o spin corresponderia a uma rotação do elétron em torno de si mesmo,
analogamente ao que ocorre com o planeta Terra. Entretanto, o elétron não
é propriamente uma partı́cula e não tem sentido falar em rotação em torno
dele mesmo. O spin é uma entidade quântica, que surge naturalmente de uma
teoria quântica relativı́stica. O spin do elétron é caracterizado por um quarto
número quântico, que pode ter dois valores ms = ± 1/2 (corresponderia à
rotação em um sentido em torno de um eixo, ou no sentido oposto). Como
o spin resulta em um dipolo magnético, o potencial que aparece na equação
de Schroedinger para o átomo de hidrogênio é na verdade mais complexo do
que (3.55). Conseqüentemente sua solução é mais complexa do que vimos.
82
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Entretanto, como o efeito do spin é relativamente pequeno, o problema pode
ser tratado aproximadamente com teoria de perturbação. O principal resultado é que a energia do elétron não depende apenas do número quântico n,
mas depende também do número quântico orbital . Entretanto a separação
de energia de estados com mesmo n e diferentes ’s é pequena comparada com
a separação de estados com n’s diferentes.
A outra observação importante é sobre as transições eletrônicas. Quando
o elétron é “colocado” num certo estado eletrônico caracterizado por uma autofunção da equação de Schroedinger, ele permanece nesse estado se não houver
qualquer perturbação no átomo. Uma perturbação possı́vel é a da radiação
eletromagnética, que contribui para a equação de Schroedinger com um potencial variável no tempo. Como veremos no Capı́tulo 8, a teoria quântica mostra
Figura 3.10: Ilustrações em diferentes escalas das densidades de probabilidade eletrônicas
nos vários estados do átomo de hidrogênio. O eixo dos z está colocado no plano da folha
[Pohl].
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
83
que o elétron pode passar para um estado de maior energia pela absorção de
um fóton de freqüência ν, desde que a diferença entre as energias do estado
final f e do estado inicial i seja igual a energia do fóton, isto é,
Ef − Ei = hν.
(3.71)
Esta expressão nada mais é do que a equação de conservação de energia.
O elétron também pode passar de um estado de energia mais alta para outro
de menor energia pela emissão de fótons com freqüência dada por ν = E/h,
sendo E a diferença de energia entre os dois nı́veis. As medidas dos espectros
de absorção e emissão de luz no inı́cio do Século XX foram muito importantes
para mostrar que era necessária uma teoria nova para o átomo de hidrogênio.
Posteriormente, a comparação com resultados experimentais foi decisiva para
a aceitação da teoria quântica. Até hoje as técnicas de espectroscopia ótica
são muito utilizadas para o estudo e para a identificação de átomos, moléculas
e sólidos. A Fig.3.11 mostra diversas transições entre nı́veis de menor energia
no átomo de hidrogênio. A teoria quântica mostra que as transições acompanhadas de emissão ou absorção de fótons só podem ocorrer quando os números
quânticos orbitais dos estados inicial e final diferem de 1, ou seja, = ±1.
2
2
S
0
4d
3d
F
4f
2p
1215
-6
1026
-4
4
-1
Energia(10 cm )
2s
2
D
4p
3p
1
82
6
65
48
4s
3s
-2
2
P
-8
-10
1s
-12
Figura 3.11: Representação de transições com absorção ou emissão de fótons entre nı́veis de
energia do átomo de hidrogênio. As linhas diagonais mostram as transições possı́veis. Os
comprimentos de onda correspondentes estão indicados em Angstroms.
84
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Isto é uma regra de seleção. Somente quando dois estados têm distribuições
de carga com orbitais diferindo de = ±1, o campo elétrico consegue induzir
transição de dipolo elétrico entre eles. Por esta razão as linhas que indicam
as transições na Fig.3.11 são diagonais. Se o campo é linearmente polarizado,
outra regra de seleção é ∆m = 0. Mas se o campo é circularmente polarizado,
a regra é ∆m = ±1.
3.5
Átomos de Muitos Elétrons
Nos átomos com mais de um elétron o potencial V que entra na equação de
Schroedinger é muito mais complicado que no átomo de hidrogênio. Isto resulta
do fato de que cada elétron interage não apenas com o núcleo, mas também
com os outros elétrons. Assim, o “movimento” de um elétron, e portanto sua
função de onda, afeta todos os outros elétrons. É possı́vel escrever a equação
de Schroedinger para o problema, mas não é possı́vel resolvê-la analiticamente.
A solução só pode ser obtida aproximadamente através de cálculos numéricos
em computador. Para isto existem vários métodos de aproximação, sendo o
do campo médio o mais simples.
O método do campo médio, proposto por D.R. Hartree, é essencialmente o seguinte: escreve-se a equação de Schroedinger para um certo elétron
levando em conta a interação com o núcleo e com os outros elétrons. Porém, o
potencial de interação com os outros elétrons é considerado apenas na média,
sendo desprezadas as interações instantâneas. Para resolver o problema para
Z elétrons supõe-se inicialmente que cada elétron tenha uma certa função de
onda tentativa. Com as densidades eletrônicas correspondentes calcula-se o
campo médio ao qual um certo elétron está submetido devido aos outros Z − 1
elétrons. Resolvendo a equação para este elétron obtém-se uma função mais
aproximada da verdadeira: o procedimento é então repetido para os outros
Z − 1 elétrons, ao fim do qual todas funções de onda são melhores do que
as originais. Este processo é repetido várias vezes, até que as diferenças entre as funções obtidas em ciclos sucessivos sejam desprezı́veis. No final obtemos um conjunto auto-consistente de orbitais atômicos, bem como as energias
eletrônicas correspondentes.
Uma vez obtidos os orbitais atômicos, a pergunta seguinte é: como os Z
elétrons do átomo se distribuem nesses orbitais, ou seja, nos nı́veis de energia?
A distribuição é baseada em dois princı́pios fundamentais: o primeiro é o que
determina que os elétrons devem ocupar os estados de mais baixa energia
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
85
possı́vel. Entretanto, eles não podem ir todos para o estado fundamental,
devido ao princı́pio de exclusão de Pauli. De acordo com este princı́pio,
dois elétrons não podem ocupar exatamente o mesmo estado. Como cada
elétron pode ter spin ms = ±1/2, a distribuição no átomo é feita preenchendose os estados de menor energia, a partir do estado fundamental, sucessivamente
com dois elétrons cada. Assim, na configuração de menor energia, um átomo
de número atômico Z tem dois elétrons com números quânticos n = 1, = 0,
m = 0, dois com n = 2, = 0, m = 0, dois com n = 2, = 1, m = ±1,
e assim sucessivamente. Veja que um orbital pode ter m = 0, ±1, ... ± ,
e portanto comporta 2(2 + 1) elétrons. Para facilitar a notação, os orbitais
são representados por letras correspondentes aos valores do número quântico
. Para = 0, 1, 2, 3, 4... dá-se o nome de orbital s,p,d,f,g,... respectivamente.
Da mesma forma, ao número quântico n atribui-se uma letra que representa
a “camada”, sendo as letras K,L,M,N,O,... associadas respectivamente a n =
1, 2, 3, 4, 5, ....
O elemento cujo átomo tem um elétron é o hidrogênio. No estado fundamental este elétron tem orbital representado por 1s. No elemento com dois
elétrons, o hélio, ambos os elétrons têm orbital 1s. Seu estado fundamental é
representado por 1s2 . Como na camada K, de orbital 1s, somente cabem dois
elétrons, o átomo de hélio é formado por uma “camada fechada”. Este fato
confere a ele uma grande estabilidade quı́mica, e por isto é chamado de gás
nobre. O átomo seguinte é o lı́tio, com três elétrons e portanto representado
pela notação 1s2 2s. Assim, os elétrons vão preenchendo sucessivamente estados orbitais e conferindo aos elementos caracterı́sticas quı́micas próprias. É
importante notar, entretanto, que vários elementos têm propriedades quı́micas
semelhantes, pois há uma repetição periódica na formação das camadas. Por
exemplo, o átomo de argônio tem dez elétrons, com a configuração 1s2 2s2 2p6 .
Portanto ele tem duas camadas (K e L) fechadas e tem propriedades semelhantes as do hélio. O sódio, com onze elétrons, tem configuração 1s2 2s2 2p6 3s e tem
propriedades semelhantes as do lı́tio. Esta periodicidade de comportamento
com o número atômico Z é a razão do nome Tabela Periódica, na qual os
elementos são organizados, como mostrado na Tabela 3.2. Nesta Tabela estão
apresentados o número atômico Z de cada elemento, bem como o número
de elétrons e os orbitais correspondentes das últimas camadas ocupadas. A
Tabela Periódica do Apêndice C contém outros dados importantes sobre os
elementos.
86
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Tabela 3.2: Tabela Periódica dos elementos. A notação espectroscópica indica o número de
elétrons e os orbitais correspondentes das últimas camadas ocupadas.
REFERÊNCIAS
A. Chaves, Fı́sica, Ondas, Relatividade e Fı́sica Quântica, Reichman &
Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001.
R. Eisberg e R. Resnick, Fı́sica Quântica, Editora Campus, Rio de Janeiro,
1988.
S. Gasiorowicz, Fı́sica Quântica, Editora Guanabara Dois, Rio de Janeiro,
1974.
J. Leite Lopes, A Estrutura Quântica da Matéria, Editora UFRJ, Rio de
Janeiro, 1992.
H.A. Pohl, Introdução à Mecânica Quântica, Edgard Blücher, Universidade
de São Paulo, 1971.
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
87
L. Solymar and D. Walsh, Lectures on the Electrical Properties of Materials,
Oxford University Press, Oxford, 1993.
P.A. Tipler, Fı́sica, Volume 3, 4a¯ Edição, Livros Técnicos e Cientı́ficos Editora S.A., 2000.
PROBLEMAS
3.1 Mostre que a soma das funções de onda ψ1 = A eikx−iωt e ψ2 = B e−ikx−iωt
é solução da equação de Schroedinger (3.17) para uma partı́cula de massa
m num potencial constante, V = V0 , e obtenha a relação entre k e ω.
3.2 Calcule as constantes A1 e A2 , definidas na Eq.(3.42), de modo a normalizar as duas autofunções de onda de menor energia de uma partı́cula
num poço de potencial infinito.
3.3 Calcule a diferença das energias, em eV, dos dois estados de menor energia
de um elétron num poço de potencial infinito de largura: a) L = 30 Å; b)
L = 1 cm.
3.4 Considere um elétron num poço de potencial infinito de largura L,
no primeiro estado excitado.
Calcule: a) O valor esperado da
posição x do elétron; b) O desvio médio quadrático da posição,
∆x2 = < (x− < x >)2 >; c) O valor esperado do momentum px ; d) O
desvio médio quadrático do momentum; e) O produto das incertezas
x px .
3.5 Um elétron move-se com velocidade constante na direção de uma barreira
de potencial, como aquela ilustrada na Fig.3.4. Sendo a energia E do
elétron maior que a altura V0 da barreira, calcule as probabilidades do
elétron refletir ou ultrapassar a barreira, em função de E e V0 . Obtenha
os valores numéricos para E = 2V0 .
3.6 Um elétron move-se com energia E numa multicamada formada por dois
filmes espessos de um semicondutor A, separados por um filme fino de
outro semicondutor B, de espessura d. Em primeira aproximação, o potencial visto pelo elétron é o que está mostrado abaixo:
a) Sendo E > V0 , calcule a probabilidade do elétron, inicialmente na camada A da esquerda, atravessar perpendicularmente a camada B e atingir
88
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
a camada A da direita; b) Qual é a condição para que a probabilidade
calculada em a) seja 1; c) Calcule a espessura d para que a probabilidade
do elétron atravessar a barreira seja 1, para E = 1, 0 eV e V0 = 0,8 eV;
d) Sendo V0 = 1,2 eV e d o valor obtido em c), calcule a probabilidade do
elétron atravessar a camada B.
3.7 Considere a situação do Problema 3.6 com E < V0 . Calcule a probabilidade do elétron atravessar a camada B para E = 1, 0 eV, V0 = 1,2 eV e
d = 5 Å (efeito túnel).
3.8 Obtenha a função de onda e a energia do segundo estado excitado do
oscilador harmônico simples. (Sugestão: use a função polinomial no final
do exemplo 3.2 com n = 2).
3.9 Calcule as energias, em eV, dos estados do átomo de hidrogênio com n =
1, 2 e 3 e obtenha as freqüências, em Hz, de todas transições possı́veis
entre estes nı́veis.
3.10 a) Mostre que o comprimento de onda do fóton absorvido, ou emitido,
numa transição entre os nı́veis n1 e n2 de um átomo de hidrogênio é, em
Angstroms,
911 n21 n22
λ(Å) = 2
n2 − n21
.
b) Compare o resultado obtido no Problema 3.9 para os nı́veis n = 2 e
n = 3 com o desta expressão. Em qual região do espectro eletromagnético
situa-se a radiação envolvida nesta transição?
3.11 A atração de um elétron por um buraco num semicondutor, pode ser
descrita através do potencial Coulombiano
U(r) = −
e2
4πr
,
Cap. 3 Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo
89
onde é a permissividade do material. Ao contrário do átomo de
Hidrogênio, em que o núcleo é muito mais pesado do que o elétron, os
nı́veis de energia dependem da massa reduzida (µ) do par elétron-buraco:
µe4
En = Ec − 2
2 (4π)2 n2
.
Onde Ec é a energia da banda de condução. Para o Cu2 O, que tem
= 100 , as freqüências das transições correspondentes obtidas experimentalmente podem ser descritas por:
ν(cm−1 ) = 17.508 −
800
n2
.
a) A partir dos resultados acima, determine a massa reduzida do par
elétron-buraco; b) Determine também o raio médio da órbita para o estado
ψ100 ; c) Desenhe os nı́veis de energia em relação à energia da banda de
condução.
3.12 Verifique, por substituição direta, que a autofunção ψ100 dada na Tabela
3.1, é solução da equação de Schroedinger independente no tempo, e
obtenha os valores das constantes a0 e E.
3.13 Mostre que as autofunções ψ100 e ψ211 dadas na Tabela 3.1 são normalizadas.
3.14 A partir da expressão do operador momentum angular dada na Seção
3.1.2 , pode-se mostrar que em coordenadas cartesianas sua componente
z é dada por
Lzop = −i ∂/∂ϕ
.
e seu módulo ao quadrado é
L2op = −2
1 ∂
∂
1
∂2
(senθ ) +
senθ ∂θ
∂θ
sen2 θ ∂ϕ2
.
a) Mostre que as autofunções ψnm do átomo de hidrogênio são autofunções de Lzop e dê uma interpretação para o número quântico m ; b)
Mostre que ψnm são autofunções de L2op e interprete o número quântico
(Sugestão: use a expressão acima combinada com a Eq.(3.61).
3.15 Um elétron no átomo de hidrogênio tem função de onda ψ = A(6 −
r/a0 ) ar0 e−r/3a0 senθ eiϕ . Substitua esta função na equação de Schroedinger
e encontre a energia do elétron.
90
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
3.16 Faça a integral da densidade de probabilidade Ψ∗ Ψ no volume compreendido entre as esferas de raios r e r + dr, para a função de onda do
átomo de hidrogênio dado pela Eq.(3.69), e mostre que a densidade de
probabilidade radial é dada pela Eq.(3.70).
Capı́tulo 4
Elétrons em Cristais
4.1 Bandas de Energia em Cristais
92
4.2 Condutores, Isolantes e Semicondutores
98
4.3 Massa Efetiva
101
4.4 Comportamento dos Elétrons em T > 0
Distribuição de Fermi-Dirac
103
4.5 O Mecanismo da Corrente Elétrica em Metais
109
REFERÊNCIAS
115
PROBLEMAS
116
91
92
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Elétrons em Cristais
4.1
Bandas de Energia em Cristais
Neste Capı́tulo estudaremos algumas propriedades básicas de elétrons em
cristais, que são fundamentais para a compreensão dos mecanismos responsáveis pela corrente elétrica num material e, portanto, por sua utilização na
Eletrônica.
Como vimos no Capı́tulo anterior, um elétron num átomo isolado tem
estados quânticos estacionários caracterizados por nı́veis de energia discretos
e quantizados, correspondendo aos orbitais atômicos designados por 1s, 2s,
2p, 3s, 3p, 3d, etc. Num átomo com muitos elétrons, o estado fundamental
é obtido distribuindo os vários elétrons nos nı́veis de menor energia possı́vel,
obedecendo ao Princı́pio de Exclusão de Pauli. Como o elétron é dotado de
spin, cada estado orbital comporta dois elétrons com spins opostos. A pergunta
que fazemos agora é então: como são modificados os estados eletrônicos quando
aproximamos um grande número de átomos (cerca de 1022 /cm3 ) para fazer um
cristal?
O problema quântico é muito mais complicado do que num átomo isolado, pois os elétrons de cada átomo são sujeitos à interação com os átomos
vizinhos. Uma primeira explicação do que ocorre é a seguinte: Ao trazermos
um átomo isolado para próximo de outro, os nı́veis de energia de cada um são
perturbados levemente pela presença do vizinho. Se aproximarmos um grande
número de átomos, teremos um grande número de nı́veis próximos uns dos
outros, formando uma banda de energia quase contı́nua. Isto está mostrado
na Fig.4.1, que apresenta a variação das energias dos estados eletrônicos com
a distância interatômica para N átomos de sódio, cuja configuração é (1s)2
Cap. 4 Elétrons em Cristais
93
Figura 4.1: Formação de bandas de nı́veis de energia devido à aproximação dos átomos em
um sólido.
(2s)2 (2p)6 (3s). Para uma distância infinita, os nı́veis de energia de estados
equivalentes coincidem e são iguais aos de um átomo isolado. À medida que
a distância diminui, os nı́veis se separam devido à interação com os vizinhos,
dando origem à várias bandas de energia. Na distância de separação atômica
de equilı́brio r = a, temos quatro bandas, cada uma correspondendo a um
estado orbital. É claro, então, que o número de nı́veis em uma banda é igual
a 2(2 + 1)N sendo o número quântico orbital. Esta descrição do aparecimento das bandas de energia é extremamente simplificada e esconde algumas
caracterı́sticas essenciais dos estados eletrônicos. Na realidade, é a natureza
ondulatória dos elétrons nos cristais que dá origem às bandas de energia, de
maneira análoga à formação dos vários ramos na relação de dispersão de ondas
elásticas, como aqueles da Fig.2.10.
O cálculo quântico dos estados eletrônicos e das energias num sólido é
bastante complexo, e só pode ser feito com várias aproximações no problema. A
primeira consiste em supor que os núcleos dos átomos são fixos e com posições
conhecidas na rede cristalina. Outra aproximação consiste em considerar que o
problema envolve um só elétron (modelo de um elétron), e que todos os outros
elétrons são considerados parte integrante dos ı́ons que criam um potencial
periódico. Isto está ilustrado na Fig.4.2, que mostra qualitativamente o potencial visto por um elétron ao longo de um eixo no cristal. O potencial periódico
ao qual o elétron está submetido leva à soluções da equação de Schroedinger
cujas energias formam bandas. Como a solução para um potencial periódico,
94
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.2: (a) Energia potencial V de um elétron ao longo do eixo x do cristal mostrado
em (b).
mesmo o mais simples, é complexa, vamos entender o que ocorre com um modelo aproximado. No caso dos metais alcalinos, como o sódio, o elétron 3s
da última camada vê um potencial do núcleo muito blindado pelos elétrons
interiores, de modo que ele fica quase livre. Para este elétron podemos supor,
em primeira aproximação, que o potencial é um poço com paredes infinitas nas
superfı́cies do cristal e constante no seu interior, como na Fig.3.2. Neste caso,
como vimos na Seção 3.2, as autofunções do elétron são do tipo
Ψ(r, t) = A ei(k.r−ωt)
sendo suas energias
2 k 2
E = ω =
2m
,
,
(4.1)
(4.2)
onde k é sujeito a condições do tipo (3.43). A relação de dispersão (4.2) está
representada pela curva tracejada na Fig.4.3. Entretanto, como o potencial
não é constante no interior do poço, sua pequena variação periódica altera a
propagação da onda de elétron (4.1) e conseqüentemente a relação de dispersão
(4.2). Esta alteração pode ser compreendida em analogia com o efeito de uma
rede de difração. Considerando a periodicidade da rede em uma dimensão, as
ondas mais afetadas são as que têm vetor de onda satisfazendo a condição de
Bragg
2 a senθ = m λ = m 2π/k .
(4.3)
As ondas que satisfazem a relação (4.3) são refletidas pela rede, dando
origem a uma onda estacionária. Dependendo da configuração espacial da onda
Cap. 4 Elétrons em Cristais
Ek
3p
a
2p
a
p
a
0
95
elétron
livre
p
a
2p
a
3p
a
k
Figura 4.3: Modificação da relação de dispersão pelo efeito do potencial periódico no modelo
de elétron quase livre.
estacionária em relação à rede, ela pode ter dois valores de energia. Assim,
nos pontos k = mπ/a, onde m é um inteiro positivo ou negativo, a curva
de dispersão quebra-se em duas. Isto dá origem às linhas cheias da Fig.4.3,
que representam a relação de dispersão do elétron no potencial periódico. A
separação das linhas resulta em bandas, ou faixas, de energia para os estados
eletrônicos. Os elétrons só podem ocupar estados cuja energia está em uma
das bandas da Fig.4.3.
O modelo de um sólido como um poço de potencial com elétron quase
livre é uma aproximação razoável para um metal como o sódio. Em um cristal
mais complexo, entretanto, as funções de onda do elétron não têm a forma
da onda plana simples (4.1). Apesar disso o problema ainda pode ser tratado
com ondas planas por causa de um resultado geral de grande importância, o
teorema de Bloch, que resulta da invariância dos cristais a translações. Vamos
supor que um meio seja caracterizado em certo ponto por uma grandeza U(r),
invariante no tempo. O meio tem simetria de translação em relação a esta
grandeza quando o seu deslocamento por um vetor múltiplo de certo vetor
unitário o deixa inalterado. Em outras palavras quando
U(r + na) = U(r)
,
(4.4)
onde n é um número inteiro qualquer. Um exemplo simples de invariância
de translação é o de meio homogêneo e contı́nuo, no qual (4.4) se aplica para
um vetor a → 0. Outro exemplo que nos interessa diretamente é o de um
cristal perfeito, no qual parâmetros repetem-se regularmente de um ponto
96
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
para outro distantes de um vetor primitivo da célula unitária. Na equação de
Schroedinger, a simetria de translação (4.4) leva a soluções do tipo
Ψk (r, t) = e±ik.r uk (r, t)
,
(4.5)
onde uk (r, t) é uma função com a mesma periodicidade que U(r). Esta função
de onda representa uma onda plana, cuja amplitude é modulada por uma
função periódica que reflete o efeito do potencial cristalino. As funções (4.5)
são chamadas funções de Bloch. Este resultado, que pode ser demonstrado
por sua substituição na equação de Schroedinger é de grande importância
em cristais, pois se aplica a qualquer tipo de excitação. As ondas elásticas
estudadas no Capı́tulo 2 são um exemplo de que (4.5) vale para uma cadeia
periódica. No caso de elétrons, a conseqüência importante de (4.5) é que eles
são descritos no cristal por ondas, caracterizadas por um vetor de onda k e
energia Ek . A energia é função, não apenas do módulo de k, mas também de
sua direção no cristal. Por isso, as bandas de energia devem ser representadas
para as várias direções de k no cristal. Como k pode ter qualquer direção, em
geral representa-se a variação de Ek com k para as direções de maior simetria
nos cristais. Assim a Fig.4.3 pode representar a variação da energia com o
vetor de onda na direção [100] de um cristal cúbico. Esta forma de representar
a energia dos estados eletrônicos é chamada de esquema da zona estendida.
Outra forma mais útil de representar as bandas de energia é no chamado
esquema de zona reduzida. Veja que um elétron com vetor de onda −π/a < k <
π/a está na primeira zona de Brillouin, e tem energia na primeira banda. Um
Figura 4.4: (a) Ilustração do deslocamento das bandas na segunda zona de Brillouin de
±2π/a. (b) Esquema de bandas reduzido à primeira zona, resultante desse deslocamento.
Cap. 4 Elétrons em Cristais
97
elétron com vetor de onda k , π/a < k < 2π/a, na segunda zona de Brillouin
tem energia em outra banda. Entretanto, se subtrairmos de k um vetor de
onda G = 2π/a, isto resultará num vetor de onda k = k − G que, por causa
do resultado (4.5), tem efeito idêntico ao de k . Então é possı́vel transladar as
bandas no espaço de momentum de um múltiplo de G, isto é, n 2π/a, de modo
a levar todas as bandas para a primeira zona de Brillouin. Esta operação,
mostrada na Fig.4.4 para as primeiras bandas, resulta no esquema de bandas
reduzido à primeira zona. Neste esquema fica evidente que não há estados
eletrônicos entre as bandas de energia. Por esta razão, as regiões entre as
bandas são chamadas faixas proibidas.
No caso de um cristal tridimensional a representação das bandas é um
pouco mais complicada. A Fig.4.5(b) mostra a estrutura de bandas do cobre cristalino com a rede cúbica de faces centradas. A Fig.4.5(a) mostra as
superfı́cies que limitam a primeira zona de Brillouin para a rede fcc. Evidentemente, no cristal tridimensional não é possı́vel representar a variação da
energia em todas direções de k. Então, escolhe-se as principais direções de k na
primeira zona de Brillouin, mostradas em (a). O eixo horizontal é segmentado
e em cada trecho representa-se o módulo de k em cada direção, indicada pelas
letras que designam os pontos caracterı́sticos da zona de Brillouin. Note que
para cada vetor de onda k o elétron pode ter várias funções de onda, cada uma
com energia diferente.
Para encerrar esta seção é importante chamar a atenção de que devido às
condições de contorno nas superfı́cies do cristal, k não pode assumir qualquer
valor, ele varia discretamente. Por isso o número de estados em cada banda é
finito. Se o número de células unitárias no cristal é N, cada banda contém
2N estados eletrônicos, onde o fator 2 é devido aos dois estados possı́veis para
o spin. Este resultado vem da Eq.(3.43) generalizada para três dimensões. Em
uma dimensão, k pode assumir valores mπ/Na, onde N é o número de células
unitárias de comprimento a. Como m é um inteiro e positivo, entre 0 e π/a
há N valores diferentes para k, e, portanto, o número de estados eletrônicos
em cada banda é 2N (Note que se deixarmos k assumir valores positivos ou
negativos, como é mais apropriado para uma onda progressiva como (4.1), é
preciso mudar as condições de contorno de modo que k = m2π/Na, sendo m
inteiro positivo ou negativo).
A formação do estado fundamental do sólido é feita com o preenchimento dos nı́veis discretos de menor energia pelos elétrons, analogamente ao
que ocorre num átomo. Como veremos na próxima seção, o resultado deste
preenchimento determina se o sólido é isolante ou condutor elétrico.
98
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.5: (a) Primeira zona de Brillouin de um cristal fcc; (b) Estrutura de bandas de
energia do cobre fcc calculada teoricamente [B. Segal, Phys. Rev. 125, 109 (1962)]. A
energia de Fermi EF será definida na seção 4.4.
4.2
Condutores, Isolantes e Semicondutores
Num cristal com n elétrons, o estado fundamental é obtido preenchendo os
nı́veis de menor energia de modo a ter somente um elétron em cada estado.
Como há 2N estados em cada banda, o número de bandas ocupadas no estado
fundamental é n/2N. Como n/N é o número de elétrons por célula unitária, ele
é um número inteiro, e portanto n/2N é inteiro ou semi-inteiro. Logo, em um
cristal a T = 0 K (estado fundamental), há várias bandas cheias com elétrons,
sendo a última necessariamente preenchida por completo ou pela metade. As
propriedades de condução do cristal dependem fundamentalmente do fato da
Cap. 4 Elétrons em Cristais
99
Figura 4.6: Ocupação das bandas em isolantes (a) e em condutores (b). As regiões hachuradas representam as faixas de energia ocupadas pelos elétrons.
última banda estar cheia ou não. Isto é devido ao fato do vetor de onda k ter
qualquer direção e das bandas serem simétricas, o que resulta em:
Σ k = 0
(4.6)
todos estados
de uma banda
Os isolantes, isto é, materiais que não conduzem corrente elétrica, são
cristais que têm a última banda completamente cheia. Nestes cristais, a
aplicação de um campo elétrico externo não pode alterar o momentum total dos elétrons que é nulo, pois todos estados disponı́veis estão ocupados.
Logo não há passagem de corrente elétrica quando o campo é aplicado. Então,
a condição necessária para um cristal ser isolante é que ele tenha um número
par de elétrons por célula unitária (a condição não é suficiente, como veremos
a seguir). A Fig.4.6(a) mostra uma possı́vel distribuição das últimas bandas e
sua ocupação por elétrons num cristal isolante. O nı́vel de energia acima do
qual não há estados ocupados a temperatura T = 0 K é chamado nı́vel de
Fermi E . Na Seção 4.4 discutiremos, em mais detalhe, o importante papel
que o nı́vel de Fermi desempenha nas propriedades dos sólidos.
Os materiais condutores, também chamados metais, são os que têm a
última banda semi-cheia. Isto ocorre sempre que o número de elétrons por
célula unitária for ı́mpar. Neste caso é possı́vel mudar os estados dos elétrons
com um campo elétrico, resultando em uma corrente elétrica. Nesta categoria
estão os metais alcalinos (Li3 , Na11 , K19 , etc.) e os metais nobres (Cu29 , Ag47 ,
Au79 ), que têm um número ı́mpar de elétrons, sendo os de maior energia externos a última camada completa. A Fig.4.6(b) ilustra a ocupação das bandas
100
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.7: Ocupação das bandas de energia em semi-metais.
nestes metais e o nı́vel de Fermi. É possı́vel também ter um metal formado
por átomos com número par de elétrons na célula unitária, como os metais
alcalinos terrosos (Be4 , Mg12 , Ca20 , Sr38 , Ba56 ). Nestes metais a distribuição
de bandas não é tão simples como as da Fig.4.6. Como mostrado na Fig.4.7,
nesses materiais a banda 1, que normalmente seria a última cheia, tem seu
máximo acima do mı́nimo da banda 2 seguinte. Como os elétrons ocupam os
estados de menor energia, os elétrons que estariam no topo da banda 1 vão
para a banda 2, ficando ambas incompletas. Nestes materiais, a aplicação de
um campo elétrico externo faz os elétrons mudarem de estados, o que resulta
numa corrente elétrica. Logo, eles também são condutores, mas não tão bons
como os metais alcalinos. Por isto eles são também chamados de semi-metais.
Em um cristal isolante, somente na temperatura T = 0 K a última banda,
chamada banda de valência, está completamente cheia. Quando a temperatura é maior que zero, elétrons da banda de valência podem ganhar energia térmica suficiente para atingirem a banda seguinte, chamada banda de
condução, que estava vazia a T = 0. A passagem de elétrons para a banda
de condução deixa na banda de valência estados que se comportam como portadores de carga elétrica positiva, chamados buracos. Os elétrons na banda
de condução e os buracos na banda de valência produzem corrente elétrica
sob a ação de um campo externo. A condutividade do material depende do
número de elétrons que passam para a banda de condução, o que pode ser
calculado probabilisticamente, como veremos na próxima seção. Este número
é tanto maior quanto maior for a temperatura e quanto menor for a energia que separa as duas bandas. Esta energia é representada por Eg , onde o
ı́ndice g vem da palavra gap, que significa intervalo, em inglês. (Por ser muito
simples e conveniente, a palavra gap já foi incorporada ao nosso vocabulário
técnico, da mesma forma que o spin). Os materiais que são isolantes a T = 0
Cap. 4 Elétrons em Cristais
101
Figura 4.8: Bandas de valência e de condução em semicondutores. As regiões hachuradas
representam a ocupação dos elétrons em T > 0. A distância entre as bandas é o gap de
energia Eg .
K mas que têm Eg relativamente pequeno, da ordem de 1 eV ou menos, à temperatura ambiente, têm condutividade significativa e por isso são chamados
semicondutores. A Fig.4.8 ilustra a ocupação das bandas de valência e de
condução num semicondutor. Nesses materiais o número de elétrons na banda
de condução pode ser significativo em relação a um isolante, mas é ainda muito
menor que o número de elétrons livres num metal. Por isso, a condutividade
dos semicondutores é muito menor que a dos metais. A principal diferença
entre um isolante e um semicondutor é então o valor de Eg . Por exemplo, o
silı́cio tem Eg = 1,1 eV e é um semicondutor, enquanto o diamante, que tem
a mesma estrutura do Si formada por átomos de C, tem Eg = 5 eV, sendo
um ótimo isolante. O óxido de silı́cio, SiO2 , tem Eg ≃ 8 eV e também é um
isolante. A diferença nos valores de Eg pode não parecer tão grande para
produzir mudança tão radical na condutividade. Entretanto, como veremos
posteriormente, a ocupação da banda de condução decresce exponencialmente
com o aumento da razão Eg /kB T .
4.3
Massa Efetiva
Para estudar as propriedades elétricas dos metais e dos semicondutores, será
preciso entender primeiro como um elétron se comporta no material sob a
ação de um campo elétrico externo. Como vimos na Seção 3.3.1, o elétron é
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
102
descrito por um pacote de onda que se movimenta com a velocidade de grupo
vg = ∂ω/∂k. Sendo E = ω a energia do elétron, podemos escrever,
∂E
= vg
∂k
.
(4.7)
Se o elétron for submetido a uma força F , de um campo elétrico por exemplo,
sua energia varia de dE durante um percurso dx, sendo dE = F dx. Usando
(4.7) vemos que a velocidade do elétron está relacionada com a força por,
F dx = vg dk
.
dk
dt
.
Como dx = vg dt vem,
F =
(4.8)
Este resultado talvez já fosse esperado, pois sendo k o momentum do elétron,
(4.8) nada mais é do que a segunda lei de Newton. Entretanto, ele não deixa de
ser surpreendente, pois talvez esperássemos que o potencial da rede cristalina
tivesse um efeito mais drástico sobre o movimento do elétron. Vemos então
que a rede não afeta a forma da equação da variação do momentum. O que ela
altera é a dependência da energia com o momentum, que corresponde a mudar
a massa do elétron. Para mostrar isto exprimimos a aceleração do elétron, em
função de E e k a partir de (4.7):
a=
∂2E
∂ 2 E dk
dvg
= −1
= −1 2
dt
∂k∂t
∂k dt
.
(4.9)
Substituindo o valor de dk/dt de (4.8) obtemos
F =
2
a
∂ 2 E/∂k 2
.
(4.10)
Lembrando que F = ma, vemos que sob a ação de uma força externa o elétron
no cristal age semelhantemente a um elétron livre, porém com uma massa
efetiva
2
m∗ = 2
.
(4.11)
∂ E/∂k 2
Este resultado também vale para um elétron livre. Neste caso, usando a relação
de dispersão (3.30) obtemos m∗ = m, ou seja, a massa efetiva é a própria massa
do elétron livre.
Cap. 4 Elétrons em Cristais
103
A expressão (4.11) foi obtida supondo que a energia só depende do
módulo de k. Na realidade, como mostra a Fig.4.5, ela também depende
da direção de k. Isto significa que a massa efetiva depende da direção de k.
Na definição mais geral a massa não é um escalar, é uma grandeza tensorial
representada por uma matriz, cujo elemento αβ é dado por
m∗αβ =
2
∂ 2 E/∂kα ∂kβ
.
(4.12)
Esta definição vale para elétrons em metais ou em semicondutores.
4.4
Comportamento dos Elétrons em T > 0 Distribuição
de Fermi-Dirac
Sabemos que em T = 0 K os elétrons ocupam os estados de menor energia
permitidos no cristal, de modo a preencher, um a um, todos os estados até um
certo nı́vel EF , o nı́vel de Fermi. Evidentemente, esta distribuição é alterada
quando a temperatura do sólido é aumentada para T > 0. A distribuição
em equilı́brio térmico é calculada em mecânica estatı́stica e leva em conta
que os elétrons são partı́culas indistinguı́veis umas das outras e que obedecem
ao princı́pio de exclusão de Pauli. A probabilidade de encontrar os estados
com energia na faixa (E, E + dE) ocupados com elétrons a uma temperatura
absoluta T é dada por f (E)dE, onde
f (E) =
1
1 + e(E−EF )/kB T
(4.13)
é a distribuição de Fermi-Dirac. Nesta expressão EF é o nı́vel de Fermi e kB
é a constante de Boltzmann (kB ≃ 1, 38 × 10−23 J/K). A forma de f (E) está
mostrada na Fig.4.9 para várias temperaturas. Note que em T = 0 a função é
descontı́nua em E = EF , isto é f (E < EF ) = 1, f (E > EF ) = 0. Isto significa
que os estados com E < EF estão ocupados por um elétron enquanto que
aqueles com E > EF estão vazios em T = 0. Em temperaturas acima de 0 K a
distribuição de Fermi-Dirac se altera principalmente nas proximidades de EF .
A probabilidade dos estados com E > EF estarem ocupados deixa de ser zero
devido à excitação térmica. Entretanto, seu valor cai quase exponencialmente
com a distância E − EF e aumenta exponencialmente com a temperatura. A
104
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.9: Distribuição de Fermi-Dirac para várias temperaturas.
probabilidade f (E) de ocupação dos estados com E > EF corresponde a uma
probabilidade 1 − f (E) de que os estados com E < EF estejam vazios. Note
que a função de Fermi-Dirac f (E) é simétrica em torno de EF , no qual seu
valor é f (EF ) = 1/2. Em cada material o valor de EF depende da forma das
bandas e do número de elétrons.
A distribuição de Fermi-Dirac f (E) representa a probabilidade de
ocupação de um estado com energia E. Para calcular o número de elétrons
numa dada faixa de energia, é preciso saber também o número de estados
nesta faixa. Este número é dado pela densidade de estados D(E), que pode
ser calculada a partir da relação Ek (k). Vamos considerar o modelo de um
metal como o da seção 4.1, no qual elétrons livres estão num poço de potencial infinito. Neste caso, a energia do elétron é caracterizada por uma função
parabólica em k dada por (4.2),
E=
2 k 2
2m
.
Na realidade este resultado foi demonstrado para um poço unidimensional. Entretanto, ele também vale para um poço de potencial em três dimensões com paredes infinitas. Neste caso o número de onda k dá lugar ao
vetor de onda k com três componentes kx , ky , kz , de modo que a energia fica
E=
2 2
(k + ky2 + kz2 )
2m x
.
(4.14)
Analogamente ao problema em uma dimensão, as três componentes do vetor
Cap. 4 Elétrons em Cristais
105
de onda só podem assumir valores discretos, determinados pelas condições de
contorno nas superfı́cies do cristal. Supondo que o cristal é um cubo de lado
L, temos então:
2π
2π
2π
, ky = ny
, kz = nz
,
(4.15)
kx = nx
L
L
L
onde nx , ny e nz são números inteiros positivos ou negativos. Este resultado
é uma generalização da equação (3.44) para três dimensões e para ondas progressivas. Devido ao spin do elétron, para cada conjunto de números quânticos
(nx , ny , nz ), e portanto, em cada volume (2π/L)3 no espaço k, existem dois
estados eletrônicos. A densidade de estados D(E) é a medida do número
de estados disponı́veis com energia E. Por definição, V D(E)dE é o número
de estados com energia entre E e E + dE, sendo V = L3 o volume do cristal.
No espaço de vetor de onda k as superfı́cies de energia constante são esferas
de raio k. Portanto, o número de estados com energia na faixa (E, E + dE) é
o volume compreendido entre as esferas de raio kE e kE+dE , multiplicado pelo
número de estados por unidade de volume no espaço k. Sendo este dado por
2(L/2π)3 , temos
3
L
4πkE2 dk ,
(4.16)
V D(E) dE = 2
2π
onde kE é o módulo do vetor de onda correspondente a energia E. De (4.2)
temos que
3/2
1 2m
2
kE dk =
E 1/2 dE ,
2 2
que, substituı́do em (4.16), dá para a densidade de estados
3/2
2m
1
E 1/2 .
D(E) = 2
2π
2
(4.17)
O gráfico da Fig.4.10 representa a densidade de estados D(E) dos elétrons
em uma banda parabólica. Note que a energia é colocada no eixo vertical
de modo a facilitar a visualização do preenchimento dos estados de menor
energia. Em T = 0, todos estados com energia inferior ao nı́vel de Fermi EF
estão preenchidos. Havendo N elétrons na banda, por unidade de volume, a
condição que determina EF é,
EF
D(E)dE = N .
(4.18)
0
106
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.10: Densidade de estados
eletrônicos D(E) em uma banda de
energia parabólica.
Utilizando (4.17) obtemos
2m
1
2
3π
2
3/2
3/2
EF = N
.
(4.19)
A partir de (4.19) obtemos então o nı́vel de Fermi para uma banda parabólica
com N elétrons em T = 0,
EF = (3π 2 N)2/3
2
2m
.
(4.20)
Em T = 0 todos estados com energia E ≤ EF estão ocupados. Esses estados
são caracterizados por vetores de onda com módulo k ≤ kF , onde kF , dado
por,
2m EF
,
(4.21)
kF2 =
2
é chamado o vetor de onda de Fermi. A superfı́cie no espaço k no interior da
qual todos estados estão ocupados em T = 0, é chamada superfı́cie de Fermi.
Numa banda parabólica ela é uma esfera de raio kF dado por (4.21), ilustrada
na Fig.4.11(a). A banda parabólica (4.14) só é válida exatamente para elétrons
livres. Em cristais, a variação da energia com k é mais complicada, como está
ilustrado pelas bandas do cobre na Fig.4.5. Neste caso a superfı́cie de Fermi
não é uma esfera, ela tem uma forma mais complexa. A Fig.4.11(b) mostra a
superfı́cie de Fermi do cobre, que está contida na primeira zona de Brillouin.
Cap. 4 Elétrons em Cristais
107
Figura 4.11: (a) Superfı́cie de Fermi para um sistema de elétrons livres. (b) Superfı́cie de
Fermi (SF) e a primeira zona de Brillouin do cobre fcc.
Exemplo 4.1: O sódio cristaliza na estrutura bcc, tendo dois átomos por célula unitária, cada um
com um elétron 3s. Sabendo que o parâmetro de rede do sódio em T = 5K é 4,225 Å, calcule: a) A
energia de Fermi; b) a velocidade dos elétrons com energia no nı́vel de Fermi, chamada velocidade
de Fermi vF .
a) Para calcular a energia de Fermi, através da Eq.(4.20), é preciso inicialmente calcular o número
de elétrons livres por unidade de volume. Havendo dois elétrons por célula unitária com
parâmetro de rede a,
N=
2
2
=
= 2, 65 × 1022 cm−3 = 2, 65 × 1028 m−3 .
a3
4, 2253 × 1024
A energia de Fermi é relacionada com N pela Eq.(4.20),
EF = (3π 2 N )2/3
2
2m
.
Em primeira aproximação podemos considerar a massa dos elétrons livres como sendo a massa
do elétron no vácuo, 9, 1 × 10−31 kg. Assim,
EF = 3 × 3, 142 × 2, 65 × 1028
EF =
2/3 1, 052 × 10−68
2 × 9, 1 × 10−31
5, 15 × 10−19 J
= 3, 22 eV
1, 6 × 10−19 C
b) Como a energia dos elétrons livres é de natureza cinética,
EF =
1
m vF2 .
2
= 5, 15 × 10−19 J
ou
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
108
Logo
vF =
2EF
m
1/2
=
2 × 5, 15 × 10−19
9, 1 × 10−31
1/2
vF = 1, 06 × 106 m/s = 1, 06 × 108 cm/s
A temperaturas acima de zero a probabilidade de ocupação dos estados
é dada por f (E), Eq.(4.13), de modo que o número de elétrons, por unidade
de volume no intervalo de energia entre E e E + dE é
dN = f (E) D(E) dE
.
(4.22)
A Fig.4.12 ilustra o produto das funções f (E) e D(E) e mostra o elemento de área correspondente a dN. Note que os elétrons que passam para
estados acima do nı́vel de Fermi provêm principalmente dos estados com energias abaixo e próximas de EF . Este resultado é bastante geral. Sempre que
há uma perturbação no sistema de elétrons, os estados com energia próxima
de EF são os mais afetados. Esta perturbação pode ser devido à excitação
térmica, ou à excitação produzida por campos externos. Na próxima seção
veremos o efeito de um campo elétrico.
Figura 4.12: População de elétrons
N (E) = f (E)D(E) numa banda
parabólica a T = 0. dN é o número
de elétrons na faixa de energia dE.
Exemplo 4.2: Calcule a energia total dos elétrons livres numa amostra de sódio de volume 1 cm3 ,
em T = 0.
A energia dos elétrons por unidade de volume é a soma das energias dos elétrons livres, que
pode ser calculada usando (4.22),
U
=
V
E dN =
E f (E) D(E) dE .
Cap. 4 Elétrons em Cristais
109
Em T = 0, a distribuição de Fermi-Dirac tem valor 1 para E < EF e valor 0 para E > EF ,
logo, com (4.17),
U
=
V
=
E
F
0
1
2π 2
E D(E) dE =
2m
3/2 2
2
5
2m
1
2π 2
5/2
EF
3/2 E
2
0
F
E 3/2 dE
.
Utilizando (4.20) podemos exprimir este resultado na forma,
3
U
= N EF .
V
5
Portanto, usando os resultados do Exemplo 4.1, obtemos,
3
U
= × 2, 65 × 1028 × 5, 15 × 10−19 = 8, 19 × 109 J m−3 .
V
5
Então, a energia dos elétrons numa amostra de 1 cm3 é
U = 8, 19 × 109 × 10−6 = 8, 19 × 103 J .
4.5
O Mecanismo da Corrente Elétrica em Metais
Para entender o mecanismo da passagem de corrente elétrica em metais, teremos que utilizar resultados clássicos combinados com conceitos quânticos.
Quando um campo elétrico externo é aplicado ao metal, os elétrons sofrem o
efeito deste campo superposto ao do potencial cristalino. O efeito deste último
resulta na massa efetiva do elétron m∗ . Desta forma, se o campo externo é E,
a aceleração do elétron dada por (4.10) e (4.11) é,
a=
e
dv
=− ∗ E
dt
m
.
(4.23)
Este resultado significa que num cristal perfeito, o campo E constante produz
uma aceleração constante e portanto uma velocidade que aumenta linearmente
no tempo, v = at. A Eq.(4.23) implica também que, mesmo sem campo
externo, os elétrons podem ter velocidade constante e não nula. Isto resulta
do fato de que o estado estacionário do elétron no cristal sem campo externo
é uma onda plana, dada pela Eq.(4.5). Esta onda tem um momentum k, que
110
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.13: a) Deslocamento do patinador em movimento “zig-zag” ao longo de uma fileira
regular de obstáculos. b) Ilustração da colisão provocada por um obstáculo “fora do lugar”.
corresponde a uma velocidade constante. Mas ela só é um estado estacionário
quando o cristal é perfeito, a T = 0 e sem campo externo. Podemos entender
melhor este comportamento do elétron fazendo uma analogia com o movimento
de um patinador. Um patinador pode se deslocar ao longo de uma fileira de
obstáculos regularmente espaçados, fazendo um movimento “zig-zag” de modo
a contornar cada obstáculo, como ilustrado na Fig.4.13(a). Se o patinador está
bem treinado, ele pode executar este movimento de “zig-zag” naturalmente,
sem se chocar com os obstáculos, e com velocidade média constante ao longo
da fileira. Este movimento é análogo ao do elétron no cristal perfeito, descrito
por uma onda plana com amplitude modulada pelo potencial periódico da rede,
Eq.(4.5). Entretanto, se um obstáculo está deslocado de sua posição normal,
ou se há um obstáculo “extra” entre aqueles da fileira regular, o patinador
provavelmente irá colidir com ele, como ilustrado na Fig.4.13(b). O que ocorre
com um elétron no sólido é semelhante. Se a regularidade da rede cristalina é
perturbada, o elétron só permanece num estado estacionário durante um certo
intervalo de tempo. A perturbação provoca uma colisão do elétron, produzindo
um espalhamento que resulta na passagem para um outro estado estacionário.
As duas principais perturbações da regularidade da rede são a própria vibração
dos ı́ons devido à agitação térmica em T = 0 e a presença de átomos ou ı́ons
de impurezas. A colisão com a rede em movimento térmico corresponde ao
espalhamento de elétrons por fônons. Este processo é semelhante ao da colisão
entre partı́culas, no qual há conservação de energia e de momentum. Devido
às colisões, a velocidade média do elétron é nula na ausência de campo elétrico
externo, como ilustrado na Fig.4.14(a). Quando um campo elétrico é aplicado
ao material, ao movimento rápido e aleatório do elétron, causado pelas colisões,
superpõe-se um contı́nuo deslocamento na direção do campo elétrico. Este
deslocamento resulta numa corrente elétrica chamada de corrente de deriva
(drift current), ou corrente de condução.
Na descrição quântica do comportamento dos elétrons é preciso considerar que a T = 0 e sem campo externo, todos estados no espaço k no interior da
Cap. 4 Elétrons em Cristais
111
Figura 4.14: Ilustração do movimento de um elétron num sólido: a) Sem campo externo
aplicado, a velocidade média é nula. b) Na presença de campo elétrico, além do movimento
rápido e aleatório há um deslocamento contı́nuo que resulta numa corrente elétrica.
superfı́cie de Fermi estão ocupados. Isto está ilustrado na Fig.4.15(a) por um
corte no plano kx ky da esfera de Fermi, que vale para o caso de elétrons livres.
Como todos estados com k < kF estão preenchidos, a cada estado +k ocupado
corresponde outro −k também ocupado. Então Σk = 0 e por conseguinte a
corrente é nula. Se um campo elétrico E é aplicado na direção −x no instante
t = 0, os elétrons mudam de estado k, de acordo com a Eq.(4.8). Sendo a força
sobre os elétrons Fx = (−e)(−E) = eE, a variação de k no intervalo de tempo
δt é,
eE
δt .
(4.24)
δkx =
Como conseqüência de (4.24), cada elétron num estado k passa para outro
estado k + x̂δkx após um intervalo δt, resultando na ocupação de estados
mostrada na Fig.4.15(b). O resultado lı́quido é um momentum total Nδkx por
unidade de volume, sendo N a concentração de elétrons na banda. Isto resulta
numa corrente elétrica na direção +x. Note que embora todos elétrons tenham
seus estados alterados pela ação do campo elétrico, são os estados próximos da
superfı́cie de Fermi que contribuem para fazer a soma vetorial das velocidades
ser diferente de zero. Devido às colisões, o deslocamento da esfera de Fermi
estaciona após um intervalo médio de tempo τ , chamado tempo de colisão. A
velocidade média resultante pode ser obtida a partir de (4.23) ou diretamente
de (4.24) usando v = k/m∗ . Esta velocidade média, chamada de velocidade
de deriva, é então
eE τ
vx =
.
(4.25)
m∗
112
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.15: (a) Os pontos representam estados ocupados no espaço k no cristal não perturbado. O cı́rculo representa a interseção da esfera de Fermi com o plano kx ky . (b) Com
a aplicação de um campo elétrico na direção −x os estados ocupados se deslocam de δkx
dado pela Eq.(4.24).
Considerando que há N elétrons livres por unidade de volume, obtemos a
densidade de corrente
Jx = (−e)Nvx = −Ne2 τ E/m∗
.
(4.26)
Esta equação tem a forma da lei de Ohm que relaciona a tensão aplicada V , a
corrente elétrica I e a resistência R
V =RI
,
(4.27)
sendo a resistência de um condutor de comprimento L e área da seção transversal A dada por
1L
,
(4.28)
R=
σA
onde σ = 1/ρ é a condutividade e ρ é a resistividade. Usando (4.28) em (4.27),
juntamente com as relações J = I/A e V = EL, a lei de Ohm (4.27) pode ser
escrita na forma
J = σE .
(4.29)
Substituindo (4.29) em (4.26) obtemos a condutividade do metal,
σ=
Ne2 τ
m∗
.
(4.30)
Cap. 4 Elétrons em Cristais
113
Figura 4.16: Variação da resistividade
de potássio em baixas temperaturas.
Num condutor com uma rede cristalina perfeita a T = 0, o tempo de colisão é
infinito e, portanto, a condutividade também é infinita. Num cristal real, τ é
limitado por causa do espalhamento dos elétrons pelas impurezas e imperfeições
da rede e por fônons. Como a agitação térmica aumenta com a temperatura, o
tempo de colisão devido ao espalhamento por fônons diminui com o aumento
da temperatura. Por outro lado a contribuição das impurezas e imperfeições
não varia com a temperatura e existe mesmo a T = 0. Isto está ilustrado na
Fig.4.16 que mostra a variação da resistividade ρ = 1/σ de potássio com a
temperatura T . O aumento de ρ com T é devido ao espalhamento por fônons
enquanto que a contribuição em T = 0 provém das impurezas e imperfeições. A
curva de cima corresponde a um material com maior quantidade de impurezas
que a de baixo e, portanto, tem um valor maior de ρ(0).
A Fig.4.17 mostra a condutividade à temperatura ambiente para uma
variedade de materiais. Ela varia de 10−18 Ω−1 m−1 no quartzo, que é um
ótimo isolante, a cerca de 108 Ω−1 m−1 no cobre, que é um bom condutor.
Esta faixa de variação de 1026 é a maior verificada numa mesma grandeza
fı́sica. Na verdade, a faixa de variação de σ é maior ainda pois os materiais
supercondutores têm condutividade várias ordens de grandeza maior do que o
cobre.
Para encerrar este Capı́tulo vamos estimar numericamente algumas
grandezas importantes envolvidas no mecanismo da corrente elétrica. Considere o caso do cobre, que à temperatura ambiente tem condutividade
σ ∼ 108 Ω−1 m−1 . Sendo o número de elétrons livres N ∼ 1023 /cm3 , usando
(4.30) e os valores para a massa e carga do elétron (Apêndice B), obtemos para
114
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 4.17: Condutividade em Ω−1 m−1 de uma variedade de materiais à temperatura
ambiente.
o tempo de colisão τ ∼ 10−13 s. A distância que o elétron percorre entre duas
colisões é o livre caminho médio . Como os elétrons envolvidos na corrente
são aqueles próximos da superfı́cie de Fermi, o livre caminho médio é
= vF τ
,
(4.31)
onde vF é a velocidade de Fermi, relacionada com o raio da esfera de Fermi
kF pela relação vF = kF /m∗ . Usando esta relação e as equações (4.20) e
(4.21) obtemos para o cobre vF ∼ 106 m/s. Isto dá para o livre caminho médio
no cobre ∼ 10−7 m = 103 Å, que corresponde à distância de centenas de
átomos na rede cristalina. De certa forma é surpreendente que um elétron no
cobre à temperatura ambiente passe por centenas de átomos sem se chocar
com eles.
A partir da Eq.(4.25) podemos estimar a velocidade de deriva dos
elétrons. Considerando que uma tensão de 10 V é aplicada nas extremidades
de um fio de cobre de 1 m de comprimento, o campo elétrico é E = 10 V/m.
Usando τ = 10−13 s obtemos de (4.25) vx ∼ 10−1 m/s. Isto mostra que a velocidade de deriva é várias ordens de grandeza menor que a velocidade vF de
movimento de elétrons entre duas colisões. Em outras palavras, o movimento
de deriva é muitı́ssimo mais lento que o movimento aleatório do elétron entre
uma colisão e outra.
Exemplo 4.3: Sabendo que o tempo de colisão dos elétrons livres na prata à temperatura ambiente
é 3,8 × 10−14 s e que a concentração de elétrons livres é 5,86 × 1022 cm−3 , calcule: a) A resistência
de um fio de prata de seção reta 0,1 mm2 e comprimento 100 m; b) A corrente elétrica no fio quando
uma tensão de 1,6 V é aplicada nas extremidades; c) A velocidade de deriva dos elétrons na situação
do item b.
a) Para calcular a resistência é preciso inicialmente obter a condutividade, dada pela Equação
Cap. 4 Elétrons em Cristais
115
(4.30),
N e2 τ
5, 86 × 1022 × 106 × 1, 62 × 10−38 × 3, 8 × 10−14
=
∗
m
9, 1 × 10−31
σ=
σ = 6, 26 × 107 (Ωm)−1 .
A resistência do fio é,
R=
1 L
100 m
= 16 Ω
=
σ A
6, 26 × 107 Ω−1 m−1 × 1 × 10−7 m2
b) A corrente no fio é,
I=
1, 6
V
=
= 0, 1 A .
R
16
c) A velocidade de deriva é relacionada com a corrente por meio da Eq. (4.26),
v=
J
I
0, 1
=
=
Ne
Ne A
5, 86 × 1028 × 1, 6 × 10−19 × 10−7
v = 1, 7 × 10−4 m/s
REFERÊNCIAS
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials, Springer-Verlag, Berlin,
2001.
D. Jiles, Electronic Properties of Materials, Chapman & Hall, London, 1994.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
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F.F.Y. Wang, Introduction to Solid State Electronics, North-Holland, Amsterdam, 1980.
116
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
PROBLEMAS
4.1 A prata cristaliza na estrutura fcc, tendo quatro átomos por célula
unitária, cada um deles com um elétron 5s. Sabendo que o parâmetro
de rede da prata é 4,086 Å, calcule a concentração de elétrons livres em
cm−3 .
4.2 Em primeira aproximação, a prata tem banda 5s parabólica. Calcule seu
nı́vel de Fermi, EF , em eV, considerando que a massa dos elétrons livres
é igual à massa de elétron no vácuo.
4.3 A partir dos resultados dos Problemas 4.1 e 4.2, calcule: a) a velocidade
de Fermi vF dos elétrons com energia EF ; b) o comprimento de onda do
elétron movendo-se com a velocidade de Fermi e compare com a distância
entre os átomos (≃ 4 Å); c) Em qual temperatura a probabilidade de
encontrar elétrons com energia E = EF + 0, 1 eV é 10%.
4.4 Um metal tem nı́vel de Fermi EF = 1 eV. Faça um gráfico (de preferência
num computador) da função de distribuição de Fermi-Dirac f (E) para
T = 5, 5 e 300 K.
4.5 Mostre que a probabilidade de um estado eletrônico de energia E = EF +
E estar ocupado é igual a probabilidade do estado com energia E =
EF − E estar vazio.
4.6 Num fio de cobre de seção reta 1 mm2 circula uma corrente de 10 A.
Sabendo que a concentração de elétrons livres é N = 8, 5 × 1022 cm−3 ,
calcule: a) O nı́vel de Fermi, nas mesmas aproximações do Problema
4.2; b) A velocidade de Fermi; c) A velocidade de deriva dos elétrons.
Compare com vF e interprete o resultado.
4.7 Sabendo que a resistividade do cobre à temperatura ambiente é 1, 7 ×10−8
Ω m, utilize os dados e resultados do problema anterior para calcular: a)
O tempo médio de colisão dos elétrons; b) O livre caminho médio dos
elétrons.
Capı́tulo 5
Materiais Semicondutores
5.1 Semicondutores
118
5.2 Elétrons e Buracos em Semicondutores Intrı́nsecos
122
5.2.1 Massa Efetiva de Elétrons e Buracos
5.2.2 Criação e Recombinação de Pares Elétron-Buraco
5.2.3 Concentração de Portadores em Equilı́brio Térmico
5.3 Semicondutores Extrı́nsecos
122
125
127
135
5.3.1 Nı́vel de Energia de Impureza num Cristal
5.3.2 Concentração de Portadores em Semicondutores Extrı́nsecos
135
139
5.4 Dinâmica de Elétrons e Buracos em Semicondutores
145
5.4.1 Corrente de Condução
5.4.2 Movimento em Campo Magnético-Efeito Hall
5.4.3 Corrente de Difusão
5.4.4 Injeção de Portadores: Difusão com Recombinação
145
150
152
158
REFERÊNCIAS
162
PROBLEMAS
163
117
118
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Materiais Semicondutores
5.1
Semicondutores
Como vimos no capı́tulo anterior, os semicondutores são caracterizados por
uma banda de valência cheia e uma banda de condução vazia a T = 0, separadas por um gap de energia relativamente pequeno, Eg < 2 eV. Devido ao
pequeno gap, à temperatura ambiente o número de elétrons na banda de
condução é apreciável, embora muito menor que o número de elétrons livres em
metais. Isto resulta numa condutividade intermediária entre a dos isolantes e
a dos metais, como ilustrado na Fig.4.17. Esta é a razão do nome semicondutor. A concentração de elétrons na banda de condução de um semicondutor
puro varia exponencialmente com a temperatura, o que faz sua condutividade depender fortemente da temperatura. Esta é uma das razões pelas quais
os semicondutores puros, também chamado intrı́nsecos, são utilizados em
poucos dispositivos.
A condutividade dos semicondutores também pode ser drasticamente alterada com a presença de impurezas, ou seja, de átomos diferentes dos que
compõem o cristal puro. É esta propriedade que possibilita a fabricação de uma
variedade de dispositivos eletrônicos a partir do mesmo material semicondutor.
O processo de colocar impurezas de elementos conhecidos num semicondutor
é chamado dopagem. Semicondutores com impurezas são chamados dopados
ou extrı́nsecos.
O semicondutor mais importante para a eletrônica é o silı́cio. Ele tem a
mesma estrutura cristalina do diamante, mostrada na Fig.1.8, formada apenas
Cap. 5 Materiais Semicondutores
119
por átomos do elemento Si, do grupo IV da tabela periódica. A Fig.5.1 mostra
a estrutura de bandas de energia do silı́cio. O máximo da banda de valência
ocorre em k = 0, o ponto Γ da zona de Brillouin. O topo da banda de valência
é tomado como referência na escala de energia, ou seja E = 0. O mı́nimo da
banda de condução ocorre num vetor de onda k = 0 na direção [100], próximo
do ponto X na fronteira da zona de Brillouin, com energia 1,12 eV. Este é
então o valor do gap de energia do Si, Eg = 1, 12 eV. Na realidade o valor
do gap varia com a temperatura. Em Si o gap é Eg = 1, 16 eV em T = 0 e
diminui com o aumento de T . Outro semicondutor importante é o germânio,
também formado por um elemento do grupo IV, o Ge, e que também tem a
estrutura cristalina do diamante. O Ge tem estrutura de bandas semelhante a
do Si, porém com um gap menor, Eg = 0,66 eV à temperatura ambiente. Isto
faz com que suas propriedades elétricas sejam mais sensı́veis a mudanças de
temperatura do que em Si.
Em germânio e silı́cio as bandas de valência e de condução resultam de
estados eletrônicos s e p que se misturam. Como há dois estados s e p, há oito
bandas hı́bridas s + p, que se separam em dois conjuntos de quatro bandas
cada. As quatro bandas de menor energia podem acomodar 4N elétrons. Como
Si e Ge possuem quatro elétrons de valência por átomo, as quatro bandas
s + p de menor energia estão completamente cheias, constituindo as bandas
de valência, mostradas na Fig.5.1 para Si.
Figura 5.1: Estrutura de bandas de energia do silı́cio (Si) [Hummel].
120
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
O semicondutor de maior aplicação em opto-eletrônica é o arseneto de
gálio, GaAs. Ele é formado pelos elementos Ga e As, dos grupos III e V respectivamente, e cristaliza na estrutura zinc-blende da Fig.1.8(a). Na formação
do GaAs, o átomo de As perde um elétron que passa para um vizinho de Ga,
ficando ambos com quatro elétrons nas camadas 4s2 4p2 . Semelhantemente a Si
e Ge, o GaAs tem 4N elétrons que enchem completamente a banda de valência,
deixando vazia a banda de condução. A estrutura de bandas do arseneto de
gálio está mostrada na Fig.5.2. Note que neste caso o mı́nimo da banda de
condução ocorre no mesmo vetor de onda, k = 0, que o máximo da banda de
valência, sendo o gap Eg = 1, 43 eV. Há vários outros semicondutores formados por elementos dos grupos III e V, chamados compostos III-V, como InSb
(Eg = 0, 18 eV), InP (1,35 eV) e GaP (2,26 eV), por exemplo. Também há
semicondutores compostos II-IV, como CdS (2,42 eV), PbS (0,35 eV), PbTe
(0,30 eV) e CdTe (1,45 eV), entre outros.
As propriedades de condução dos semicondutores são determinadas principalmente pelo número de elétrons na banda de condução. Então elas dependem fortemente da razão Eg /kB T e portanto do valor do gap Eg , mas não são
muito influenciadas pela forma das bandas. Por outro lado, as propriedades
ópticas dependem muito da forma das bandas de energia. Como será mostrado
no Capı́tulo 8, as transições eletrônicas acompanhadas da emissão ou absorção
de fótons num cristal devem conservar energia e momentum, ou seja
Ef − Ei = ±ω
,
Figura 5.2: Estrutura de bandas
de energia de arseneto de gálio
(GaAs) [Hummel].
(5.1)
Cap. 5 Materiais Semicondutores
121
kf − ki = ±k
(5.2)
,
sendo Ef e Ei as energias do elétron nos estados final e inicial, respectivamente,
kf e ki os vetores de onda correspondentes, ω e k a freqüência e o vetor de
onda do fóton absorvido (Ef > Ei ) ou emitido (Ef < Ei ) na transição. No
caso do arseneto de gálio, a transição de um elétron do mı́nimo da banda de
condução para o máximo da banda de valência é acompanhada da emissão de
um fóton de energia ω = Eg = 1, 43 eV, cujo vetor de onda tem módulo
k = 2π/λ = 7, 2 × 104 cm−1 . Como este valor de k é muito menor que o valor
da fronteira da zona de Brillouin (kZB ≃ π/a ∼ 108 cm−1 ), ele é desprezı́vel
na escala da Fig.5.2. Desta forma o momentum é conservado na emissão do
fóton e a transição é permitida. Esta transição, ilustrada na Fig.5.3(a), é
chamada de processo direto de emissão. Correspondentemente o semicondutor
é denominado de gap direto.
No caso do silı́cio ou do germânio, não é possı́vel ter uma transição entre
o topo da banda de valência e o mı́nimo da banda de condução apenas com
emissão ou absorção de fótons. Isto porque o fóton com energia Eg tem k
kZB e esta transição requer uma variação de vetor de onda da ordem de kZB
para conservar momentum. Como vimos no Capı́tulo 2, os fônons têm energia
Ω
Eg e vetor de onda na faixa 0 ≤ k ≤ kZB . É possı́vel então, ter uma
Figura 5.3: (a) Bandas de valência e de condução em semicondutor de gap direto. Neste
caso, a transição através do gap ocorre com a emissão de um fóton de freqüência ωg = Eg /
e com vetor de onda desprezı́vel na escala da figura. (b) No semicondutor de gap indireto,
a transição através do gap envolve um fóton de freqüência ω ≈ ωg e k ≈ 0 e um fônon de
freqüência Ω muito menor que ωg e vetor de onda k ≃ kZB , de tal forma a conservar energia
e momentum totais.
122
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
transição através do gap, com a emissão ou absorção de um fóton, desde que
acompanhada da emissão ou absorção de um fônon. Esta transição, ilustrada
na Fig.5.3(b) é chamada de processo indireto. Si e Ge são semicondutores de
gap indireto. Como a transição em semicondutores de gap indireto envolve
fônons e fótons, a probabilidade de emissão ou absorção de fótons é muito
menor que no caso de gap direto. Por esta razão é preciso utilizar semicondutores de gap direto para fabricar lasers e diodos emissores de luz (LED).
Entre os semicondutores de gap direto destacam-se GaAs, InSb, InAs, InP,
PbS, CdS, CdTe. Nem todos compostos do grupo III-V são de gap direto.
GaP e ASb, por exemplo, têm gap indireto.
5.2
Elétrons e Buracos em Semicondutores Intrı́nsecos
5.2.1
Massa Efetiva de Elétrons e Buracos
Num semicondutor a uma temperatura finita, a excitação térmica faz com que
um certo número de elétrons passe da banda de valência para a de condução.
Por conseguinte, se ele é submetido a um campo elétrico, as duas bandas contribuem para a condução de corrente elétrica, pois ambas estão parcialmente
senpreenchidas. Os elétrons da banda de condução, sob a ação do campo E,
tem uma força F = −eE e movem-se de acordo com a lei de Newton, com massa
efetiva dada pela Eq.(4.11). Como os elétrons estão agrupados em torno do
mı́nimo da banda de condução, todos têm aproximadamente a mesma massa
efetiva,
2
,
(5.3)
m∗e = 2
(∂ E/∂k 2 )k=kmc
onde kmc corresponde ao mı́nimo da banda de condução. Sendo a curvatura
da banda de condução para cima, a massa efetiva dos elétrons nela situados é
positiva, de modo que eles têm aceleração no sentido oposto ao campo.
O comportamento dos elétrons da banda de valência é diferente. Vemos,
em primeiro lugar, que os elétrons próximos do topo da banda de valência têm
massa efetiva negativa, por causa da curvatura da função E(k). Para entender
seu comportamento, vamos supor que há somente um estado vazio no topo
da banda. A Fig.5.4 ilustra o comportamento deste estado quando o cristal é
submetido a um campo E na direção x̂. Antes da aplicação do campo, o estado
Cap. 5 Materiais Semicondutores
123
Figura 5.4: Movimento de elétrons na banda de valência: em (a) sem campo aplicado,
Σkc = 0. Em (b) e (c) com campo no sentido +x.
vazio deve estar no topo, como na Fig.5.4(a) para que a soma algébrica dos
momenta kx de todos elétrons seja nula. Após a aplicação do campo, todos os
elétrons tendem a deslocar-se no espaço E(k) no sentido kx negativo, porque,
pela Eq.(4.8),
dkx
= −e Ex .
(5.4)
dt
Desta forma, em instantes posteriores teremos as situações mostradas na
Fig.5.4(b) e (c). Note que o deslocamento de todos os elétrons da banda no
sentido kx negativo, resulta no deslocamento do estado vazio no mesmo sentido no espaço do momentum. Como todos os outros estados estão ocupados,
a existência de um estado vazio (ausência de elétron) com momentum −k1
implica em que o momentum total do sistema é +k1 . Assim sendo, o sistema
comporta-se como se fosse formado por um buraco1 de vetor de onda
kb = −ke
.
(5.5)
A equação da força pode ser escrita então como
dke
dkb
Fe = = −
dt
dt
.
(5.6)
Sendo a força proveniente de um campo elétrico, como a carga do elétron é
e portanto,
negativa, Fe = −eE,
1 O nome universalmente aceito em inglês é hole. Alguns autores brasileiros usam o nome lacuna.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
124
+e E = dkb
dt
.
Isto mostra que o buraco se comporta como uma partı́cula de carga
positiva. Um desenvolvimento análogo ao das Eqs.(4.9)-(4.11) mostra que
massa efetiva do buraco é
m∗b = −
2
(∂ 2 E/∂k 2 )k=kmv
,
(5.7)
onde kmv corresponde ao máximo da banda de valência. Como ∂ 2 /∂k 2 no
máximo da banda de valência é negativo, a massa do buraco é positiva.
Isto é consistente com o fato de que se um campo elétrico é aplicado no sentido
+x, os buracos têm momentum kx > 0 e portanto, movimentam-se no sentido
+x no espaço real.
As Eqs.(5.6) e (5.7) levam à conclusão que os estados vazios, no topo
da banda de valência, comportam-se como estados de excitações elementares
de carga positiva, com módulo igual ao da carga do elétron, e massa efetiva
positiva dada por (5.7). São os estados de buracos. Como as curvaturas
das bandas de valência e de condução não são iguais, as massas efetivas dos
elétrons e dos buracos são diferentes. Além disso, é possı́vel ter cristais com
mais de uma banda de condução ou de valência, e também curvaturas que
variam com a direção de k, havendo portanto várias massas de elétrons e de
Eg (eV)
m∗e /m0
m∗b /m0
Ge
0,66
Si
1,12
GaAs
InSb
InP
1,43
0,18
1,29
m∗c = 0, 55
m∗e = 0, 12
m∗c = 1, 10
m∗e = 0, 26
0,068
0,013
0,07
m∗v = 0, 31
m∗b = 0, 23
m∗v = 0, 56
m∗b = 0, 38
0,5
0,6
0,4
Cristal
Tabela 5.1: Energias do gap e massas efetivas de semicondutores importantes a 300 K.
m0 = 9, 1 × 10−31 kg é a massa de repouso do elétron. Em Si e Ge, m∗c e m∗v são as massas
que entram no cálculo das densidades de estados das bandas de condução e de valência,
enquanto m∗e e m∗b são as massas de deslocamento de elétrons e buracos [Sze e Yang].
Cap. 5 Materiais Semicondutores
125
buracos. Nas Figuras 5.1 e 5.2 vemos que tanto Si como GaAs têm duas bandas
de valência degeneradas em k = 0. Os buracos da banda de maior curvatura
(maior módulo de ∂ 2 E/∂k 2 ) têm menor massa efetiva, sendo por isso chamados
buracos leves, enquanto os da banda de menor curvatura são chamados buracos
pesados. Devido à multiplicidade de massas efetivas e também a divergências
nas medidas experimentais, os valores das massas encontrados na literatura
variam de uma fonte para outra, mesmo nos casos dos semicondutores mais
estudados, como Si, Ge e GaAs.
A Tabela 5.1 mostra as massas efetivas de alguns semicondutores importantes para aplicações em eletrônica, e também os valores de Eg em T = 300
K. Note que no caso do silı́cio e germânio há duas massas efetivas de elétrons e
duas de buracos. m∗c e m∗v são médias geométricas das massas efetivas usadas
para calcular as densidades de estados nas bandas de condução e de valência,
respectivamente. Por outro lado, m∗e e m∗b são as massas médias usadas para
calcular o movimento de elétrons e buracos.
5.2.2
Criação e Recombinação de Pares Elétron-Buraco
Num cristal semicondutor puro a T = 0 e sem qualquer perturbação externa,
não há elétrons na banda de condução nem buracos na banda de valência. Em
outras palavras, não há portadores de carga elétrica e o material é um isolante
elétrico. Há vários processos para levar elétrons para a banda de condução. O
mais comum é a excitação térmica, pela qual um certo número de elétrons do
topo da banda de valência vai para os primeiros nı́veis da banda de condução
quando T > 0. A concentração de elétrons e de buracos devido à excitação
térmica será calculada na próxima seção. O ponto a ressaltar aqui é que, num
semicondutor intrı́nseco, a passagem de um elétron para a banda de condução
sempre corresponde à criação de um buraco na banda de valência, ou seja,
elétrons e buracos são criados aos pares.
Elétrons e buracos também são criados aos pares em outros processos,
como o de absorção óptica. Como ilustrado na Fig.5.5, quando um fóton
de energia ω é absorvido num semicondutor, um elétron passa da banda de
valência para a de condução. Como o vetor de onda do fóton é desprezı́vel, o
elétron criado na banda de condução tem o mesmo ke do elétron removido da
banda de valência. Isto corresponde à criação de um buraco com vetor de onda
kb = −ke . Em outras palavras, a absorção do fóton é acompanhada da criação
de duas quase-partı́culas: um elétron e um buraco. Como eles têm momenta
126
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 5.5: Absorção de um fóton de energia ω e vetor de onda desprezı́vel acompanhada
da criação de um par elétron-buraco em semicondutor de gap direto.
ke e −ke , o momentum total antes e depois da absorção do fóton é nulo, ou
seja, ele é conservado.
Sendo n a concentração de elétrons por unidade de volume na banda de
condução do semicondutor puro e p a concentração de buracos na banda de
valência, pode-se afirmar então que n = p. Em equilı́brio térmico temos então,
n = p = ni
,
(5.8)
onde ni é a concentração de portadores no semicondutor intrı́nseco, que será
calculada na próxima seção. Qualquer que seja o mecanismo de criação de
pares elétron-buraco, o processo não é estático, é dinâmico. Elétrons vão para
a banda de condução, deixando buracos na banda de valência, com uma certa
taxa g que representa o número de pares gerados por unidade de volume e
por unidade de tempo. Simultaneamente elétrons recombinam com buracos
a uma taxa de recombinação r. Isto é evidente no caso da excitação térmica.
No processo induzido opticamente isto também é verdade, pois enquanto a
absorção de fótons resulta na criação de pares, a recombinação produz emissão
de fótons. O fato é que, no regime estacionário, o número de pares é constante.
Isto requer que, para cada mecanismo de geração e recombinação de pares, as
taxas de criação e de recombinação sejam iguais, isto é,
r=g
.
Este resultado é chamado o princı́pio do balanceamento detalhado.
(5.9)
Cap. 5 Materiais Semicondutores
127
Exemplo 5.1: Um feixe de laser de comprimento de onda 5145 Å com área 1 mm2 e potência
10 mW incide num semicondutor, sendo totalmente absorvido em processo de geração de pares
elétron-buraco ao longo de uma distância 100 µm. Supondo que a eficiência de conversão de fótons
em pares elétron-buraco é 10 %, calcule a taxa de criação de pares em cm−3 s−1 .
Inicialmente é preciso calcular o número de fótons por unidade de tempo no feixe de laser.
Usando (2.31), podemos determinar a energia de cada fóton,
hν = h
6, 63 × 10−34 J.s × 3, 0 × 108 m.s−1
c
=
= 3, 86 × 10−19 J .
λ
5145 × 10−10 m
O número de fótons por unidade de tempo é a razão entre a potência do laser e a energia do
fóton,
10 × 10−3 W
P
=
= 2, 59 × 1016 s−1 .
hν
3, 86 × 10−19 J
Como a cada 10 fótons absorvidos um par elétron-buraco é gerado, a taxa de criação de
pares por unidade de volume é,
r=
5.2.3
2, 59 × 1016 s−1
1
= 2, 59 × 1019 cm−3 s−1
−2
10 1 × 10 cm2 × 100 × 10−4 cm
Concentração de Portadores em Equilı́brio Térmico
Várias propriedades dos semicondutores, como por exemplo a condutividade,
dependem fundamentalmente da concentração dos portadores de carga elétrica.
Esta concentração depende do número de estados disponı́veis para serem ocupados e da probabilidade de ocupação de cada um. Vamos calcular esta concentração num semicondutor intrı́nseco a uma temperatura T utilizando conceitos
apresentados no Capı́tulo 4. A probabilidade dos elétrons ocuparem um estado de energia E é dada pela função de Fermi-Dirac f (E), Eq.(4.13). Uma
dificuldade adicional nos semicondutores em relação aos metais é que o nı́vel
de Fermi EF não é conhecido, a priori, como veremos a seguir.
Vamos considerar um semicondutor com bandas como na Fig.5.6. O
topo da banda de valência tem energia Ev e o mı́nimo da banda de condução
é Ec , sendo Ec − Ev = Eg . Em T = 0 a banda de valência está cheia e a de
condução está vazia. É claro então que o nı́vel de Fermi está situado entre
as duas bandas, Ev < EF < Ec , porém sua posição exata no gap depende da
forma das bandas. Devido à simetria de f (E) e ao fato de que, em T > 0, o
128
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 5.6: Bandas parabólicas em semicondutor utilizadas para o cálculo da densidade de
estados.
número de elétrons na banda de condução é igual ao número de buracos na
banda de valência, se as bandas forem simétricas, EF estará exatamente no
meio do gap. Por outro lado, se as bandas não forem simétricas, EF estará
próximo mas não exatamente no meio. Na verdade a determinação de EF é
feita no próprio cálculo das concentrações de portadores.
Para o cálculo da concentração dos portadores no semicondutor é preciso
saber também o número de estados eletrônicos disponı́veis para ocupação nas
bandas de energia, o que depende da forma das bandas. Como os estados
envolvidos são os que estão próximos dos extremos das duas bandas na Fig.5.6,
podemos fazer para ambas a aproximação parabólica. Supondo que a energia
não varia com a direção de k podemos escrever para a banda de condução,
2 k 2
E − Ec =
2m∗c
,
(5.10)
2 k 2
Ev − E =
2m∗v
,
(5.11)
e para a banda de valência,
onde m∗c e m∗v são, respectivamente, as massas efetivas nas bandas de condução
e de valência.
Exceto pelo deslocamento da referência, as expressões acima são iguais
a Eq.(4.14). Desta forma, os vetores de onda dos estados que podem ser
Cap. 5 Materiais Semicondutores
129
ocupados são discretos e dados pela Eq.(4.15). Assim sendo, a densidade de
estados eletrônicos na banda de condução é dada por (4.17) com E substituı́do
por E − Ec , e m substituı́do por m∗c ,
∗ 3/2
2mc
1
D(E) = 2
(E − Ec )1/2 .
(5.12)
2π
2
Do mesmo modo, a densidade de estados de buracos na banda de valência é,
∗ 3/2
2mv
1
D(E) = 2
(Ev − E)1/2 .
(5.13)
2π
2
A partir desses resultados podemos obter as concentrações de elétrons
e buracos em equilı́brio térmico nos semicondutores.
A concentração
(número/unidade de volume) de elétrons na banda de condução é obtida pela
integral do produto da densidade de estados D(E) com a probabilidade de
ocupação f (E),
∞
n=
D(E)f (E)dE .
(5.14)
Ec
Nesta equação fizemos o limite superior infinito porque a contribuição dos
estados com energia muito acima de Ec é desprezı́vel, devido ao fato de que
f (E) cai exponencialmente com E. Para facilitar a integração, vamos utilizar
uma expressão aproximada para a função de Fermi-Dirac. À temperatura
ambiente, T ≃ 290 K, o fator de Boltzmann é kB T ≃ 0, 025 eV. Como EF
está próximo do meio do gap e Eg é da ordem de 1 eV, podemos considerar
kB T . Logo, (4.13) pode ser aproximada por
E − EF
f (E) ≃ e−(E−EF )/kB T
.
(5.15)
Substituindo (5.12) e (5.15) em (5.14) vem
∗ 3/2 ∞
2mc
1
n =
(E − Ec )1/2 e−(E−EF )/kB T dE
2
2π
2
Ec
1
=
2π 2
2m∗c
2
3/2
−(Ec −EF )/kB T
∞
e
x1/2 e−x/a dx
,
0
onde x ≡ (E − Ec ) e a ≡ kB T . A integral definida pode ser calculada analiticamente e seu valor é a3/2 π 1/2 /2. A concentração de elétrons na banda de
condução é então
130
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
n = Nc e−(Ec −EF )/kB T
onde
Nc = 2
m∗c kB T
2π 2
,
(5.16)
3/2
.
(5.17)
Podemos dar à concentração Nc duas interpretações úteis. Veja que a Eq.(5.16)
seria obtida de (5.14) imediatamente se a densidade de estados fosse uma
função delta de Dirac em E = Ec ,
D(E) = Nc δ(E − Ec )
.
(5.18)
Esta equação significa que Nc faz o papel de uma concentração de estados totalmente localizados na energia E = Ec . Também pode-se ver a concentração
de elétrons n como sendo dada, aproximadamente, por uma concentração efetiva de estados com valor constante Nc entre Ec e Ec + kB T e nula fora deste
intervalo.
De forma análoga, podemos obter a concentração de buracos na banda
de valência. Como o número de buracos é dado pela falta de elétrons na banda
de valência, temos,
Ev
p=
−∞
Considerando EF − E
[1 − f (E)]D(E)dE
.
(5.19)
kB T , podemos usar a aproximação
1 − f (E) ≃ e(E−EF )/kB T .
A integral (5.19) pode ser resolvida por um cálculo análogo ao de n, levando
ao seguinte resultado para a concentração de buracos,
p = Nv e−(EF −Ev )/kB T
,
(5.20)
onde Nv é a concentração efetiva de estados com energia no topo da banda de
valência Ev , dada por,
∗
3/2
mv kB T
.
(5.21)
Nv = 2
2π 2
Cap. 5 Materiais Semicondutores
131
Figura 5.7: Ilustração gráfica do cálculo da concentração de portadores no semicondutor
intrı́nseco: (a) As linhas cheias representam as densidades de estados D(E) nas duas bandas;
(b) A distribuição de Fermi-Dirac f (E); (c) As densidades de portadores nas duas bandas
numa temperatura T > 0. As áreas hachuradas em (c) correspondem às concentrações
efetivas de estados.
O cálculo de n e p está ilustrado graficamente na Fig.5.7 para o caso de
um semicondutor intrı́nseco com bandas aproximadamente simétricas. Neste
caso o nı́vel de Fermi está aproximadamente no meio do gap. Na verdade, desde
que a função de Fermi-Dirac possa ser aproximada pela expressão (5.15), as
equações (5.16)-(5.21) valem para semicondutores intrı́nsecos ou extrı́nsecos.
O que diferencia os dois casos é a posição do nı́vel de Fermi, EF , que até o
momento não foi calculada.
Exemplo 5.2: Calcule a probabilidade de ocupação f (E) de um estado com energia E acima do
nı́vel de Fermi, E = EF + 0, 2 eV, a uma temperatura 290 K, usando a expressão exata e também
a aproximada (5.15).
Inicialmente calculamos o valor da energia térmica em eV,
kB T = 1, 38 × 10−23 × 290 J =
1, 38 × 10−23 × 290
= 0, 025 eV .
1, 6 × 10−19
Então,
e(E−EF )/kB T = e0,2/0,025 = e8 = 2980, 96 .
A probabilidade calculada pela distribuição de Fermi-Dirac é,
f (E) =
1
1
= 3, 3535 × 10−4 .
=
1 + 2980, 96
1 + e(E−EF )/kB T
132
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
O valor calculado com a expressão (5.15) é,
f (E) =
1
= 3, 3546 × 10−4 ,
2980, 96
que é praticamente igual ao calculado com a expressão exata.
Para determinar o nı́vel de Fermi EF é preciso utilizar a condição de
conservação do número de elétrons. No caso do semicondutor intrı́nseco, a
esta condição impõe que o número de elétrons na banda de condução seja
igual ao número de buracos na banda de valência, n = p ≡ ni . Igualando
(5.16) e (5.20), fazendo EF = Ei (nı́vel de Fermi no semicondutor intrı́nseco)
e utilizando (5.17) e (5.21) obtemos a energia de Fermi no material intrı́nseco
(Problema 5.2),
1
3
m∗
(5.22)
Ei = (Ec + Ev ) + kB T n v∗ .
2
4
mc
Esta equação mostra claramente que somente se T = 0, ou se as massas
efetivas de elétrons e buracos forem iguais, o nı́vel de Fermi no semicondutor
intrı́nseco estará exatamente no meio do gap. No caso geral em que m∗c = m∗v
(bandas não simétricas), o nı́vel de Fermi não está exatamente no meio e sua
Figura 5.8: Variação das concentrações de portadores intrı́nsecos
em Ge, Si e GaAs medidas experimentalmente [Sze].
Cap. 5 Materiais Semicondutores
133
posição depende da temperatura. Entretanto, como à temperatura ambiente
kB T
Eg , esta correção é muito pequena em Si, Ge e GaAs.
Uma vez obtida a energia de Fermi Ei do semicondutor intrı́nseco,
podemos imediatamente calcular a concentração ni de elétrons na banda de
condução e de buracos na banda de valência. Fazendo EF = Ei em (5.16) e
(5.20) obtemos,
ni = Nc e−(Ec −Ei )/kB T
,
(5.23)
pi = Nv e−(Ei −Ev )/kB T
.
(5.24)
Fazendo o produto dessas duas equações e usando o fato de que pi = ni ,
obtemos
√
(5.25)
ni = pi = ni pi = (Nc Nv )1/2 e−Eg /2kB T .
Este resultado mostra que o número de portadores no semicondutor intrı́nseco
varia exponencialmente com Eg /kB T . A Fig.5.8 mostra a variação de ni
com a temperatura nos três semicondutores mais importantes, medida experimentalmente. Esta variação é devida principalmente ao fator exponencial
da Eq.(5.25), mas também contém uma contribuição em T 3/2 proveniente do
termo (Nc Nv )1/2 (Problema 5.3).
Grandeza
Átomos ou moléculas (1022 /cm3 )
Parâmetro da rede a (Å)
Constante dielétrica / 0
Gap de energia Eg (eV)
Concentração intrı́nseca ni (cm−3 )
Concentração efetiva Nc (cm−3 )
Concentração efetiva Nv (cm−3 )
Mobilidade µn (cm2 /V.s)
Mobilidade µp (cm2 /V.s)
Coeficiente de difusão Dn (cm2 /s)
Coeficiente de difusão Dp (cm2 /s)
Ge
Si
GaAs
4,42
5,658
16,0
0,68
2,5×1013
1,04×1019
6,1×1018
3900
1900
100
50
5,0
5,431
11,8
1,12
1,5×1010
2,8×1019
1,02×1019
1350
480
35
12,5
2,21
5,654
10,9
1,43
107
4,7×1017
7,0×1018
8600
400
220
10
Tabela 5.2: Valores de grandezas importantes em Ge, Si e GaAs a T = 300 K [Sze e
Streetman].
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
134
A Tabela 5.2 apresenta os valores das concentrações de portadores e
outras grandezas importantes para os três principais semicondutores. A mobilidade e o coeficiente de difusão serão definidos na seção 5.5. Note que em
todos eles a concentração intrı́nseca está na faixa 107 − 1013 cm−3 . Este valor
é extremamente pequeno comparado com o número de portadores em metais
Eg . Note que os valores de Nc ,
(1022 cm−3 ) e resulta do fato de que kB T
Nv e ni dados na Tabela 5.2 foram obtidos através de medidas independentes.
Por esta razão existe uma pequena discrepância entre eles e os valores obtidos
com a Eq.(5.25) (Problema 5.3).
Exemplo 5.3: Obtenha uma expressão numérica para a concentração de elétrons na banda de
condução de um semicondutor hipotético, intrı́nseco, com m∗c = m∗v = m0 e calcule seu valor para
Eg = 1, 0 eV e T = 300 K.
Para m∗c = m∗v = m0 , (5.17) e (5.21) dão
Nc = Nv = 2
=2
m 0 kB
2π 2
3/2
T 3/2
9, 1 × 10−31 kg × 1, 38 × 10−23 J/K
2 × 3, 14 × 1, 0542 × 10−68 J2 s2
3/2
T 3/2
= 4, 83 × 1021 T 3/2 (kg s2 /J)3/2 .
Veja que como o joule é a unidade de energia no sistema internacional, 1 J = 1 kg m2 s2 .
Portanto, a unidade da expressão acima é m−3 , que é a unidade de concentração (número por
volume) no sistema internacional. Usando (5.25) e convertendo m3 em cm3 , a concentração de
elétrons pode ser escrita como,
ni = 4, 83 × 1015 T 3/2 e−Eg /2kB T cm−3 K−3/2 .
Para calcular o valor da exponencial, vamos exprimir a energia térmica em 300 K em unidades
de eV,
kB T = 1, 38 × 10−23 × 300 J =
1, 38 × 10−23 × 300
= 0, 026 eV .
1, 6 × 10−19
Então,
ni = 4, 83 × 1015 × 3003/2 × e−(1,0/0,052)
ni = 1, 12 × 1010 cm−3
Cap. 5 Materiais Semicondutores
5.3
135
Semicondutores Extrı́nsecos
Os semicondutores intrı́nsecos são pouco utilizados em dispositivos, entre outras razões, porque sua condutividade é pequena e depende muito da temperatura. Em geral utiliza-se semicondutores com uma certa quantidade de
impurezas, de tipo e concentração controlados e colocados propositalmente no
cristal. Semicondutores com impurezas são chamados extrı́nsecos. Dizemos
também que o semicondutor extrı́nseco é aquele que é dopado com impurezas.
Através da dopagem é possı́vel fazer com que o número de elétrons seja maior
que o de buracos, ou vice-versa. Os semicondutores com predominância de
elétrons são chamados do tipo n (de negativo), enquanto que os de maior
concentração de buracos são do tipo p (de positivo). Os semicondutores
dopados têm condutividade que varia pouco com a temperatura e cujo valor
é controlado pela concentração de impurezas. É o controle das propriedades
dos semicondutores através da dopagem que possibilita utilizar estes materiais
para fabricar uma enorme variedade de dispositivos eletrônicos.
O método mais comum de dopagem de semicondutores é a difusão em
alta temperatura. Os átomos da impureza desejada são provenientes de um
gás, como AsH3 no caso de As, e difundem para o interior do material através
de sua superfı́cie. Este processo é feito num forno onde o material e o gás que
fornece a impureza são aquecidos a uma temperatura na faixa de 400 − 700◦C.
A profundidade da camada superficial que fica dopada e a concentração de
impurezas dependem da temperatura e do tempo de exposição.
No processo de difusão a fronteira entre a camada dopada e o material
puro não é bem definida. Devido à natureza térmica do processo, a concentração de impurezas varia gradualmente na fronteira. Um outro método que
permite a obtenção de regiões dopadas com fronteiras melhor definidas é a implantação iônica. Neste processo um feixe de ı́ons acelerados com energia na
faixa 10 - 100 keV bombardeia a superfı́cie do material e penetra no interior.
Camadas de impurezas com fronteiras controladas e bem definidas podem ser
produzidas por este processo com espessuras de até 1 µm.
5.3.1
Nı́vel de Energia de Impureza num Cristal
A presença de defeitos ou impurezas num cristal modifica o potencial eletrostático nas suas vizinhanças, quebrando a simetria de translação do potencial
periódico. Essa perturbação pode produzir funções de onda eletrônicas que
136
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 5.9: Perturbação do esquema de energia causada por impurezas ou defeitos no cristal.
Alguns nı́veis de energia das impurezas estão nas faixas proibidas.
são localizadas nas proximidades da impureza, deixando de ser propagantes
em todo o cristal. As energias dessas funções de onda são obtidas através
da equação de Schroedinger resolvida para o potencial da impureza. Essas
energias aparecem na forma de nı́veis discretos que podem estar situadas entre
as bandas do cristal perfeito. A Fig.5.9 ilustra possı́veis nı́veis de energia de
impurezas nas bandas de um cristal com defeitos. Numa primeira aproximação,
esses nı́veis de energia podem ser calculados com um modelo simples. Vamos
considerar por exemplo o caso de semicondutores como germânio ou silı́cio,
que têm uma ligação covalente uniforme.
Os elementos do grupo V da tabela periódica (P, As ou Sb, por exemplo)
têm uma camada eletrônica interna igual a do Si ou Ge, mas têm cinco elétrons
de valência em vez de quatro. Em pequenas quantidades esses elementos podem facilmente entrar no cristal no lugar dos átomos de Ge ou Si. Isto não
produz grandes modificações na rede cristalina, resultando na formação de impurezas substitucionais, como ilustrado na Fig.5.10. A dopagem também pode
ser feita com elementos do grupo III (B, A, Ga ou In), que têm um elétron
de valência a menos que Ge ou Si.
No caso das impurezas do grupo V, como As, quatro de seus cinco elétrons
de valência são utilizados na ligação covalente com os átomos vizinhos de Ge
ou Si. O quinto elétron fica fracamente ligado ao átomo, que pode ser ionizado
termicamente a temperaturas relativamente baixas, como acima de 50 K. Com
a ionização o quinto elétron fica livre para se movimentar no cristal, o que
equivale a dizer que ele vai para a banda de condução. Isto significa que
Cap. 5 Materiais Semicondutores
137
Figura 5.10: Modelo esquemático de
um cristal de Ge ou Si dopado com impurezas substitucionais Ga (aceitador)
e As (doador). As bolas brancas representam os átomos de Ge ou Si.
o nı́vel de energia da impureza de As está próximo da banda de condução.
As impurezas de As e dos outros elementos do grupo V são doadoras, pois
doam elétrons para a banda de condução, como ilustrado na Fig.5.11(a). Os
semicondutores com impurezas doadoras têm maior concentração de elétrons
do que de buracos e por isso são chamados do tipo n.
No caso de impurezas do grupo III, como o Ga, há um elétron a menos
dos quatro necessários para completar a ligação covalente com os vizinhos. Em
temperaturas da ordem de 50 a 100 K, elétrons da banda de valência do cristal
são capturados para completarem as ligações covalentes, deixando buracos na
banda de valência. As impurezas do grupo III são chamadas aceitadoras e
formam semicondutores do tipo p. Como ilustrado na Fig.5.11(b), elas têm
nı́vel de energia eletrônica próximo da banda de valência. Os nı́veis de energia
Figura 5.11: Representação esquemática dos nı́veis de impurezas no gap de semicondutores
dopados. Ec e Ev representam as energias mı́nima e máxima das bandas de condução
e valência respectivamente. Note que esta figura representa a energia ao longo de uma
dimensão fı́sica do semicondutor.
138
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
das impurezas no gap dos semicondutores podem ser calculados quanticamente
com um modelo simples do átomo de hidrogênio. Vamos considerar o caso do
As em germânio, por exemplo. O cálculo é feito supondo que o elétron quase
livre está ao redor do ı́on positivo de As, com uma massa efetiva m∗e devido
ao potencial periódico da rede cristalina. A energia do nı́vel de impureza é
dada pela expressão da energia de ionização do átomo de hidrogênio no estado
fundamental, Eq.(3.66) com n = 1,
m∗e 0 2
m∗e e4
≡
EH ,
(5.26)
E=
2(4π)2 2
m0 onde é a permissividade do cristal, m∗e é a massa efetiva de condução e EH é
a energia no átomo de hidrogênio, cujo valor, calculado com m∗e = m0 e = 0
é EH = 13, 6 eV. No germânio ≃ 16 0 , a massa efetiva de condução dada na
Tabela 5.1 é m∗e = 0, 12 m0 , de modo que a energia de ionização das impurezas
doadoras neste material é,
E1 = 13, 6 ×
0, 12
= 0, 006 eV
162
.
Silı́cio tem = 120 e maior massa efetiva, tendo portanto uma maior energia
de ionização (0,025 eV). Este é o valor de energia necessário para ionizar uma
Figura 5.12: Energias de ionização de várias impurezas em Ge e Si em T = 300 K. Os
números indicam as distâncias em eV do mı́nimo da banda de condução para os nı́veis
acima do meio do gap e do máximo da banda de valência para os nı́veis abaixo do meio do
gap. Note que Cu e Au têm vários nı́veis de impurezas, tanto doadoras como aceitadoras
[Sze].
Cap. 5 Materiais Semicondutores
139
impureza doadora. Logo ele representa a distância entre o nı́vel da impureza e
o mı́nimo da banda de condução. É claro que este modelo rudimentar, que não
leva em conta a natureza detalhada do átomo de impureza, dá resultados apenas aproximados. A Fig.5.12 mostra os nı́veis de energia de várias impurezas
em Ge e em Si. As impurezas comumente usadas para produzir semicondutores tipo n, como Sb, P e As, têm nı́veis próximos da banda de condução. Por
outro lado as utilizadas nos semicondutores tipo p como B, A, Ga e In têm
nı́veis próximos da banda de valência. No caso de Cu e Au há vários nı́veis
de impurezas no gap do Si ou do Ge. Alguns nı́veis estão longe das bandas e
são chamados de nı́veis profundos. Estes nı́veis são utilizados para aumentar
a taxa de recombinação de pares elétron-buraco. As concentrações utilizadas
variam de 1014 cm−3 (1 parte em 108 , considerando 1022 átomos por cm3 ) a
1020 cm−3 (1 parte em 102 , que é muito forte).
5.3.2
Concentração de Portadores em Semicondutores Extrı́nsecos
As Equações (5.14) e (5.19) não são, evidentemente, restritas a semicondutores
intrı́nsecos. Elas também valem para semicondutores dopados, tanto com impurezas doadoras como aceitadoras. Assim sendo, os resultados (5.16) e (5.20)
também valem para os semicondutores extrı́nsecos, desde que a aproximação
(5.15) seja válida. Representando por n0 e p0 as concentrações em equilı́brio
térmico de elétrons na banda de condução e de buracos na banda de valência,
no semicondutor extrı́nseco, podemos escrever então
n0 = Nc e−(Ec −EF )/kB T
,
(5.27)
p0 = Nv e−(EF −Ev )/kB T
.
(5.28)
O cálculo de n0 e p0 num semicondutor tipo n está ilustrado na Fig.5.13.
O que difere o semicondutor extrı́nseco do intrı́nseco é a posição do nı́vel de
Fermi. Por exemplo, num semicondutor tipo n com impurezas doadoras com
energia Ed próxima da banda de condução, em T = 0 os estados com energia Ed
estão cheios enquanto que aqueles com energia E > Ec estão vazios. Portanto
em T = 0 o nı́vel de Fermi está entre Ed e Ec . Em T > 0 ele pode estar
abaixo de Ed , mas não estará muito longe deste nı́vel. Como EF está próximo
de Ec , à temperatura ambiente a exponencial em (5.27) é muito maior do que
aquela em (5.28), de modo que o número de elétrons é muito maior que o de
buracos. Fisicamente o que ocorre é que n0 no semicondutor tipo n aumenta
em relação a ni por causa da ionização das impurezas doadoras. Por outro
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
140
E
E
E
D(E) D(E)
Área = n0
Ec
EF
Ed
Ev
Área = p0
[1 – f(E)]D(E)
D(E)
0
D(E) 1
Figura 5.13: Ilustração gráfica do cálculo das concentrações de portadores num semicondutor
tipo n.
lado, o número de buracos diminui porque há mais elétrons para recombinar
com eles. O produto das concentrações de elétrons e buracos é obtido de (5.27)
e (5.28),
n0 p0 = Nc Nv e−Eg /kB T
.
(5.29)
Comparando este resultado com (5.25) vemos que
n0 p0 = n2i
.
(5.30)
Desta forma, o produto n0 p0 é constante e independe do tipo e da concentração de impurezas.
Este resultado, conhecido como a lei de ação
das massas, é muito importante e será usado com freqüência posteriormente.
Usando (5.23) e (5.24) podemos reescrever (5.27) e (5.28) numa forma conveniente
n0 = ni e(EF −Ei )/kB T
,
(5.31)
p0 = ni e(Ei −EF )/kB T
.
(5.32)
Estas relações mostram claramente que n0 = p0 = ni quando EF = Ei , e que
n0 e p0 variam exponencialmente quando EF se afasta de Ei .
Cap. 5 Materiais Semicondutores
141
Nos semicondutores tipo n o nı́vel de Fermi EF está próximo da banda
de condução, de modo que (EF − Ei )/kB T
1. Em conseqüência n0
ni
e p0
ni , e por isso os elétrons são chamados portadores majoritários,
enquanto os buracos são os portadores minoritários. Por outro lado, nos
semicondutores tipo p, (EF − Ei )/kB T é grande e negativo, de modo que
ni e p0
ni . Neste caso os buracos são os portadores majoritários
n0
enquanto os elétrons são minoritários.
Outra relação importante entre as concentrações de portadores resulta
da neutralidade de cargas. Sendo Nd+ a concentração de impurezas doadoras
ionizadas (impurezas que cederam elétrons para a banda de condução e ficaram
carregadas positivamente) e Na− a de impurezas aceitadoras ionizadas (que
receberam elétrons da banda de valência e ficaram negativas), a condição para
que o material seja eletricamente neutro é:
n0 + Na− = p0 + Nd+
.
(5.33)
Esta é a equação da neutralidade de cargas. Para um dado semicondutor com
concentrações de impurezas conhecidas, o conjunto das Equações (5.27)-(5.33)
permite calcular o nı́vel de Fermi e as concentrações de elétrons e buracos.
Vamos considerar o caso de um semicondutor tipo n com Nd impurezas
doadoras, a uma temperatura tal que todas estão ionizadas, ou seja Nd+ ≃ Nd .
Neste caso
n0 ≃ p0 + Nd
.
(5.34)
Usando a lei de ação das massas (5.30) nesta equação, obtemos
Nd
+
n0 =
2
Nd
+
p0 = −
2
Nd
2
Nd
2
1/2
2
+ n2i
,
(5.35)
1/2
2
+ n2i
.
(5.36)
Normalmente, no semicondutor dopado, a concentração de impurezas é muito
ni . Neste caso, desprezando ni
maior do que a concentração intrı́seca, Nd
em (5.35) obtemos,
(5.37)
n0 ≃ Nd ,
142
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
como esperado. Por outro lado não podemos desprezar ni completamente em
(5.36), pois isto levaria a p0 = 0. Usando a aproximação binomial para a raiz
quadrada em (5.36) obtemos
p0 ≃
n2i
Nd
,
(5.38)
que é compatı́vel com (5.30) e (5.37). Tendo as relações (5.37) e (5.38) para
as concentrações de portadores, o nı́vel de Fermi pode ser determinado com as
Equações (5.27) ou (5.31). Por exemplo, substituindo (5.37) em (5.27) vem
EF = Ec − kB T n
Nc
Nd
.
(5.39)
Ou substituindo (5.37) em (5.31), obtemos outra expressão útil para EF ,
EF = Ei + kB T n
Nd
ni
.
(5.40)
É importante chamar a atenção de que estas expressões para EF só valem
para semicondutores tipo n, na condição Nd
ni .
Exemplo 5.4: Calcule as concentrações de elétrons e de buracos e a posição do nı́vel de Fermi
num cristal de silı́cio dopado com 1016 cm−3 átomos de As, à temperatura ambiente T ≃ 290 K.
Da Tabela 5.2 temos ni = 1, 5 × 1010 cm−3 . Usando (5.37) e (5.38),
n0 ≃ Nd+ ≃ Nd = 1016 cm−3
,
n2i
= 2, 25 × 104 cm−3
Nd
.
p0 ≃
Usando kB T ≃ 0, 025 eV e Nc = 2, 8 × 1019 cm−3 em (5.39) vem
Ec − EF = 0, 025 n(2, 8 × 103 ) = 0, 20 eV
.
Comparando este resultado com a energia dada na Fig.(5.12), vê-se que neste caso o nı́vel de Fermi
está próximo e um pouco abaixo do nı́vel da impureza de As no silı́cio. Por outro lado com (5.40)
obtemos
EF = Ei + 0, 34 eV
.
Cap. 5 Materiais Semicondutores
143
Figura 5.14: Diagrama de energia do silı́cio: (a) Tipo n, com Nd = 1016 cm−3 impurezas
doadoras; (b) Tipo p, com Na = 1017 cm−3 impurezas aceitadoras.
O diagrama de energia correspondente à situação do Exemplo 5.4 está
mostrado na Fig.5.14(a). Este diagrama é tı́pico de semicondutor tipo n, no
qual o nı́vel de Fermi está próximo da banda de condução. É importante notar
que quando a concentração de impurezas é grande, ou seja, comparável com
Nc (2,8 ×1019 cm−3 em Si), o nı́vel de Fermi se aproxima de Ec . Neste caso
o resultado (5.39) não vale porque (5.15) não é uma boa aproximação para
f (E). O semicondutor com Nd ≃ Nc é chamado degenerado e tem EF ≃ Ec .
É fácil ver, por analogia com o desenvolvimento das Equações (5.34)(5.40), que num semicondutor tipo p, dopado com Na impurezas aceitadoras,
as expressões para as concentrações e o nı́vel de Fermi são (Problema 5.6):
n2i
Na
(5.41)
p0 ≃ Na
(5.42)
n0 ≃
EF = Ev + kB T n
Nv
Na
EF = Ei − kB T n
Na
ni
(5.43)
.
(5.44)
144
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Exemplo 5.5: Calcule as concentrações de elétrons e buracos e a posição do nı́vel de Fermi num
cristal de silı́cio com Na = 1017 cm−3 impurezas de Ga, a T = 290 K.
Usando (5.41) e (5.42) vêm,
p0 ≃ 1017 cm−3
,
3
−3
n0 ≃ 2, 25 × 10 cm
.
Usando kB T = 0,025 eV e Nv = 1, 02 × 1019 cm−3 em (5.43) temos
EF = Ev + 0, 025 × n (1, 02 × 102 )
EF = Ev + 0, 11 eV
.
O diagrama de energia correspondente ao Exemplo 5.5 está ilustrado na
Figura 5.14(b). Ele é tı́pico de semicondutor tipo p, no qual o nı́vel de Fermi
está próximo e um pouco acima do nı́vel de energia da impureza, estando
ambos próximos do topo da banda de valência.
Para concluir esta seção é importante chamar a atenção de que as aproximações Nd+ ≃ Nd e Na− ≃ Na só valem acima de uma certa temperatura,
que, no caso do silı́cio, é da ordem de 100 K. Abaixo desta temperatura as
impurezas não estão todas ionizadas e o número de portadores varia com a
temperatura (veja Problema 5.8). Entretanto, como na faixa de 100 a 500 K
as impurezas estão praticamente todas ionizadas, as concentrações são quase
Figura 5.15: Concentração de elétrons
em função da temperatura em silı́cio
tipo n com Nd = 1016 cm−3 [Yang].
Cap. 5 Materiais Semicondutores
145
independentes da temperatura, como ilustrado na Fig.5.15. Acima de 500 K
a concentração intrı́nseca, que cresce exponencialmente com T , passa a ser
importante e eventualmente domina a extrı́nseca.
5.4
Dinâmica de Elétrons e Buracos em Semicondutores
A operação dos dispositivos semicondutores é baseada na dinâmica dos portadores de carga elétrica, que são os elétrons e buracos. Os principais processos
dinâmicos são a criação de pares elétron-buraco, a recombinação de pares e o
movimento coletivo desses portadores. O movimento coletivo das cargas resulta em corrente elétrica, que consiste no principal mecanismo de transmissão
de informação nos dispositivos. Há dois tipos básicos de movimento coletivo
que estudaremos a seguir: o movimento de deriva num campo elétrico e a difusão de cargas devido a um gradiente espacial na concentração de portadores.
5.4.1
Corrente de Condução
A corrente de condução, ou deriva (drift current), resulta do lento deslocamento médio de portadores de carga produzido por um campo elétrico externo,
simultâneo com o movimento rápido e aleatório caracterı́stico das partı́culas
em agitação térmica. Esta corrente é da mesma natureza que nos metais,
entretanto, nos semicondutores ela é formada tanto por elétrons quanto por
buracos.
Quando um campo elétrico é aplicado ao material, elétrons e buracos
têm movimentos de deriva em sentidos opostos. Porém, como eles têm cargas
opostas, as intensidades das correntes elétricas dos dois tipos de portadores
se somam. Como vimos na Seção 4.5, a densidade de corrente de elétrons é
relacionada com o campo elétrico E por,
Jn = σn E
,
(5.45)
onde σn é a condutividade devida aos elétrons. Usando a Eq.(4.25) temos,
σn =
e2 n0 τe
m∗e
,
(5.46)
146
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
onde τe é o tempo de colisão dos elétrons. Nesta expressão utilizamos a concentração de equilı́brio n0 de elétrons porque a aplicação do campo elétrico tem
efeito desprezı́vel no valor das concentrações dos portadores. Como a condutividade resulta do movimento médio do conjunto de elétrons, é útil definir uma
nova grandeza, que descreva a facilidade com a qual cada elétron se desloca
no material sob a ação do campo externo. Esta grandeza é a mobilidade,
definida pela razão entre a velocidade de deriva e o campo elétrico,
µ=
v
E
.
(5.47)
Comparando (4.25), (5.46) e (5.47) vemos que a condutividade pode ser
escrita como,
σn = e n0 µn ,
(5.48)
onde µn é a mobilidade dos elétrons, dada por
µn =
eτe
m∗e
.
(5.49)
Note que, pela definição, a mobilidade envolve explicitamente apenas
parâmetros intrı́nsecos do material, pois é uma grandeza caracterı́stica de cada
elétron. Entretanto ela depende indiretamente da concentração de impurezas,
uma vez que esta é um fator determinante do tempo de colisão τe . A Fig.5.16
Figura 5.16: Mobilidade de elétrons
em função da temperatura, em silı́cio
tipo n, para várias concentrações de impurezas Nd [Yang].
Cap. 5 Materiais Semicondutores
147
mostra a variação da mobilidade de elétrons com a temperatura, em silı́cio tipo
n, para diversas concentrações de impurezas doadoras. Note que a mobilidade
diminui com o aumento da concentração de impurezas, devido à diminuição de
τe resultante da colisão do elétron com as impurezas. Ela também diminui com
a temperatura devido ao aumento das colisões dos elétrons com as vibrações
térmicas da rede.
Por analogia ao que foi feito para os elétrons, vemos que densidade de
corrente de buracos é dada por
Jp = σp E
,
(5.50)
sendo σp a condutividade devida aos buracos, dada por,
σp = e p0 µp =
e2 p0 τb
m∗b
,
(5.51)
onde τb é o tempo de colisão, p0 a concentração e µb a mobilidade de buracos. A
soma de (5.45) e (5.50) dá a densidade total da corrente, J = (σn + σp )E = σE,
onde
(5.52)
σ = e(n0 µn + p0 µp ) ,
Figura 5.17: Mobilidade de elétrons e buracos em Si e GaAs em função da concentração de
impurezas em T = 300 K [Sze].
148
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
é a condutividade total do material. Em cada temperatura, σ pode ser calculada a partir das concentrações de elétrons e buracos, obtidos como na seção
5.3, e do valor da mobilidade. A Fig.5.17 apresenta a variação de µn e µp com
a concentração de impurezas em silı́cio e arseneto de gálio em T = 300 K.
Note que a mobilidade de elétrons em GaAs é cerca de cinco vezes maior que
em Si, devido principalmente a menor massa efetiva dos elétrons em GaAs.
Evidentemente, num semicondutor tipo n a corrente é devida essencialmente
aos elétrons, enquanto que no material tipo p ela é devida aos buracos.
A corrente elétrica numa barra de material semicondutor na qual é aplicado um campo externo resulta da mobilidade de elétrons e buracos. Normalmente este campo é estabelecido por uma diferença de potencial entre as
extremidades da barra, criada por um circuito externo, como o da Fig.5.18.
A corrente no semicondutor é a soma das contribuições dos dois tipos de portadores de carga, uma vez que os elétrons se movimentam em sentido oposto
aos buracos. Evidentemente, no fio metálico que fornece a diferença de potencial para a barra, a corrente é inteiramente devida a elétrons. Cabe agora
perguntar o que acontece com os buracos nas extremidades da barra. Como a
corrente no fio é igual a corrente na barra, o número de elétrons que passa por
uma seção reta do fio por unidade de tempo é a soma dos números de elétrons
e de buracos no semicondutor, pois a carga de todos eles tem o mesmo módulo.
Isto só é possı́vel porque na interface entre o metal e o semicondutor da extremidade A, existe um processo de criação de pares elétron-buraco. Os elétrons
Figura 5.18: Ilustração do movimento de elétrons e buracos num material semicondutor e
no circuito externo.
Cap. 5 Materiais Semicondutores
149
criados na interface A passam para o fio, enquanto os buracos passam a se
mover na barra em direção à extremidade B. Na interface B, por outro lado,
os buracos recombinam com o excesso de elétrons provenientes do fio metálico,
de tal modo que o número de elétrons no semicondutor seja igual à diferença
entre o número de elétrons no fio e o número de buracos.
Estes processos de criação e recombinação de pares nas interfaces requerem que estas funcionem como fontes ou sumidores perfeitos de elétrons
e buracos, sem qualquer tendência de privilegiar um dos dois portadores de
carga. Um contato metal-semicondutor com essas caracterı́sticas é chamado
contato ôhmico. Num contato ôhmico a resistência é a mesma em qualquer
dos dois sentidos da corrente usada para medi-la. Num circuito real, o contato entre um metal e um semicondutor nunca é perfeitamente ôhmico. As
caracterı́sticas do contato metal-semicondutor serão estudadas na seção 6.3.1.
Exemplo 5.6: Calcule a resistividade do silı́cio em T = 300 K em duas situações: a) Intrı́nseco;
b) Dopado com impurezas de As com concentração Nd = 2 × 1016 cm−3 .
a) No Si intrı́nseco a condutividade total é calculada com a Eq.(5.52), utilizando os parâmetros da
Tabela 5.2
σ
=
e(n0 µn + p0 µp ) = e ni (µn + µp )
=
1, 6 × 10−19 × 1, 5 × 1010 (1350 + 480) C cm−3 cm2 /V s
=
4, 39 × 10−6 (Ω cm)−1
A resistividade é o inverso da condutividade, logo,
ρ=
1
1
= 2, 28 × 105 Ω cm .
=
σ
4, 39 × 10−6
b) No Si com impurezas doadoras com Nd ni , a concentração de elétrons é dada por (5.37),
n0 ≃ Nd = 2 × 1016 cm−3 .
Como p0 n0 , a condutividade é σ ≃ e n0 µn , sendo µn dado pelo gráfico da Fig.5.17.
σ ≃ 1, 6 × 10−19 × 2 × 1016 × 103 = 3, 2 (Ω cm)−1
Logo,
ρ=
1
= 0, 31 Ω cm
3, 2
Veja que uma dopagem relativamente fraca (1 parte em 106 ) aumenta a resistividade do
silı́cio em quatro ordens de grandeza.
150
5.4.2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Movimento em Campo Magnético - Efeito Hall
Se um campo magnético estático é aplicado numa barra de semicondutor,
perpendicularmente à direção de movimento de deriva das cargas, estas tendem a ser defletidas lateralmente, crinado um acúmulo de cargas que resultam
numa diferença de potencial transversal à barra. Vamos considerar a geometria mostrada na Fig.5.19, na qual a direção z do sistema de coordenadas é
x é a direção da corescolhida como sendo a direção do campo magnético B,
rente e y é a direção transversal. A força do campo magnético sobre as cargas
é dada por
.
F = q v × B
(5.53)
Vamos supor que o semicondutor é tipo p, de modo que a corrente é
devida essencialmente aos buracos. Como estes se movimentam na direção +x
e têm carga positiva, a força sobre eles tem o sentido −y. Esta força deflete
os buracos e resulta no acúmulo de cargas positivas no lado y = −d/2 da
barra deixando, por conseguinte, cargas negativas no lado y = +d/2. Estas
cargas criam um campo elétrico no sentido +y que, após um transiente inicial,
impedem a continuação do movimento dos buracos na direção y. O valor do
Figura 5.19: Efeito Hall num semicondutor. A aplicação de um campo magnético numa
barra com corrente resulta numa diferença de potencial transversal VH que permite medir
a concentração de portadores.
Cap. 5 Materiais Semicondutores
151
campo elétrico transversal pode ser calculado considerando que a força total
sobre um buraco é dada por
F = q (E + v × B)
.
(5.54)
Em regime estacionário a componente y desta força deve ser nula. Então a
componente y do campo elétrico é,
y = vx Bz
Ey = −(v × B)
.
(5.55)
O aparecimento deste campo elétrico transversal é conhecido como o efeito
Hall, em homenagem a E.H. Hall que observou o fenômeno em condutores
em 1879. A tensão transversal que aparece na barra, VH = Ey d, é chamada a
tensão Hall. Utilizando a relação entre a densidade de corrente de buracos e a
velocidade, Jp = e p0 vx , temos
Ey =
Jp
Bz ≡ RH Jp Bz
ep0
,
(5.56)
onde RH = (ep0 )−1 é o coeficiente Hall. A medida da tensão Hall permite
determinar a concentração de portadores p0 com bastante precisão. Na verdade
ela dá informação sobre a diferença entre as concentrações de elétrons e de
buracos. Note que no caso da corrente ser produzida por elétrons a velocidade
vx é negativa e, portanto, pela Eq.(5.55) o campo elétrico e a tensão Hall
têm o sentido oposto ao do caso dos buracos. Assim, o sinal da tensão Hall
permite determinar o sinal dos portadores majoritários de carga. No caso da
concentração de elétrons ser comparável com a de buracos, o valor da tensão
Hall permite determinar a diferença (p0 − n0 ).
Apesar de ter sido descoberto há mais de um século, o efeito Hall constitui ainda hoje uma técnica importante de investigação das propriedades de
condução dos materiais. Foi com esta técnica que o alemão K. von Klitzing
descobriu que quando o movimento de elétrons num semicondutor é confinado
a duas dimensões, a tensão Hall varia com o campo magnético em degraus.
Este é um efeito quântico resultante da quantização dos nı́veis de energia de
elétrons no campo magnético. A descoberta do efeito Hall quântico valeu a
von Klitzing o Prêmio Nobel de Fı́sica de 1985. O efeito Hall também tem
várias aplicações práticas. Uma das mais importantes é na medida de campos
magnéticos. O sensor Hall é constituı́do de uma pequena barra de semicondutor, percorrido por uma certa corrente elétrica. Quando colocado num campo
152
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
magnético cuja intensidade deseja-se medir, o valor da tensão que aparece
transversalmente no sensor fornece uma medida direta do campo.
Exemplo 5.7: Uma barra de silı́cio tipo p, com concentração de impurezas Na = 1014 cm−3 , com
espessura d = 0, 5 mm, é usada como sensor Hall. Calcule a tensão Hall para uma corrente de
prova de 100 mA quando o campo magnético é perpendicular ao plano da dimensão maior e tem
intensidade B = 10−1 T.
A tensão Hall é dada por VH = Ey e a densidade de corrente é J = I/( d), onde e d
são largura e a espessura da barra. Sendo Na ni , p0 ≃ Na n0 , a corrente é dominada pelos
buracos. Então, usando (5.56) e convertendo todas as unidades para o sistema internacional temos,
I/( d)
I Bz
=
Bz =
e p0
e p0 d
10−1 × 10−1
=
= 1, 25 V .
−19
1, 6 × 10
× 1014 × 106 × 0, 5 × 10−3
VH =
Este exemplo mostra que a tensão Hall tem um valor relativamente alto, para circuitos
eletrônicos, para um valor de campo tı́pico de laboratórios. Isto não ocorre em metais, porque a
concentração de elétrons livres (∼ 1022 cm−3 ) é muito maior do que em semicondutores.
5.4.3
Corrente de Difusão
A corrente de condução resulta do movimento de cargas produzido por um
campo elétrico, ou seja, pelo gradiente de potencial elétrico. Este não é o
único gradiente que produz corrente elétrica num semicondutor. Quando portadores de carga são criados não-uniformemente num material, o gradiente de
concentração resultante produz movimento de portadores. Este movimento,
chamado de difusão, ocorre no sentido da região de maior para a de menor
concentração. Como os portadores têm carga elétrica, seu movimento de difusão resulta numa corrente elétrica, chamada corrente de difusão.
O movimento de difusão é muito comum na fı́sica. É através dele que
uma gota de tinta azul de caneta, colocada num copo d’água, espalha-se no
copo deixando a água uniformemente azulada após um certo tempo. A difusão das moléculas da tinta da água resulta de seu movimento aleatório de
agitação térmica. Neste processo, cada molécula, tanto da água quanto da
tinta, move-se numa direção arbitrária até colidir com outra molécula. Após
o choque a molécula se move em outra direção, resultando num movimento
Cap. 5 Materiais Semicondutores
153
completamente aleatório. Desta forma, as moléculas de tinta, que estavam inicialmente concentradas numa certa região, após um certo tempo se encontram
completamente difundidas na água. No caso do semicondutor, a difusão dos
portadores de carga em excesso, inicialmente concentrados numa certa região,
resulta de seu movimento aleatório na rede cristalina do material.
Para obter a equação que descreve o movimento de difusão, vamos considerar inicialmente um modelo simples, no qual buracos se movimentam em
uma dimensão, digamos a direção x. A concentração de buracos em excesso do
equilı́brio é descrita pela função p(x). Seja a distância média percorrida por
um buraco entre duas colisões, o livre caminho médio, e τ o tempo médio
entre duas colisões. Considere dois planos perpendiculares a x, com coordenadas x e x + ∆x, sendo ∆x = , como na Fig.5.20. No movimento aleatório
que caracteriza a difusão, os buracos que estão entre os planos x e x + ∆x têm
igual probabilidade de se moverem no sentido +x ou −x. Da mesma forma, os
buracos entre os planos x − ∆x e x podem se mover no sentido +x ou −x com
igual probabilidade. Se a concentração de buracos for a mesma à esquerda ou à
direita de x, o número lı́quido de buracos que atravessa o plano x é nulo, sendo
nula também a corrente elétrica. Por outro lado, se houver um gradiente de
concentração de buracos, a corrente no plano x será diferente de zero. Ela será
proporcional à diferença das concentrações à esquerda e à direita de x. Como
metade dos buracos entre x − ∆x e x cruza o plano x, no sentido +x, durante
um intervalo de tempo τ , a corrente devido a esses buracos numa seção reta
de área A é aproximadamente,
Figura 5.20: Ilustração das correntes entrando e saindo de uma região com volume A∆x de
carga.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
154
1
1
e A p(x − ∆x/2) × ,
2
τ
porque a corrente é a razão entre a carga total que atravessa a seção e o
intervalo de tempo, sendo a carga total igual à carga do buraco vezes o número
de buracos. Para obter a densidade de corrente no plano x, é preciso subtrair
a contribuição dos buracos que estão entre x e x + ∆x e que cruzam o plano
x no sentido −x, e dividir a diferença pela área A. O resultado é,
1
∆x
∆x
e p(x −
) − p(x +
)
2τ
2
2
.
Supondo que a variação de p(x) com x ocorra em distâncias muito maiores
que ∆x = , podemos considerar que ∆x é muito pequeno, de modo que a
expressão entre colchetes é −∆x dp/dx. Assim a densidade de corrente de
difusão dos buracos na direção +x é dada por,
Jpdif = −e Dp
dp(x)
dx
,
(5.57)
2
onde Dp = /2τ é o coeficiente de difusão dos buracos. A corrente de
difusão dos elétrons pode ser obtida do mesmo modo que a de buracos. Como
o elétron tem carga −e, sua corrente de difusão é
Jndif = +e Dn
dn(x)
dx
,
(5.58)
sendo Dn o coeficiente de difusão e n(x) a concentração de elétrons. Tanto
(5.57) quanto (5.58) mostram que, como esperado, a corrente de difusão será
nula se não houver variação espacial da concentração de portadores. Estas
equações, obtidas supondo que as concentrações só variam na direção x, representam as componentes x das correntes de difusão. No caso mais geral de
variação em três dimensões, as componentes y e z são dadas pelas derivadas em
relação a y e z. Assim, a generalização de (5.57) e (5.58) leva à duas equações
envolvendo o operador gradiente,
Jpdif = −e Dp ∇p
Jndif = +e Dn ∇n
(5.59)
.
(5.60)
Cap. 5 Materiais Semicondutores
155
As Equações (5.59) e (5.60) permitem calcular as correntes de difusão
de buracos e de elétrons a partir das variações de suas concentrações. Na
maioria das situações, entrentanto, estas não são conhecidas a priori, precisam
ser calculadas. Para obter as equações que fornecem a evolução das concentrações é preciso ter outra relação independente entre a corrente de difusão e
a concentração. Para obter esta relação, vamos considerar inicialmente o modelo unidimensional da Fig.5.20 para relacionar a densidade de corrente com
a variação temporal da densidade. Vamos supor também, inicialmente, que
o fenômeno de geração e recombinação de pares elétron-buraco é desprezı́vel.
Veja que a corrente lı́quida I que entra no volume assinalado na figura, dividida
pelo volume, é a diferença das densidades de corrente em x e em x + ∆x,
dividida por ∆x,
I
J(x) − J(x + ∆x)
=
.
A ∆x
∆x
Sendo I = dq/dt, este resultado leva, no limite ∆x → 0, à seguinte equação
diferencial,
∂ρ
∂J(x)
=−
,
(5.61)
∂t
∂x
onde ρ = q/(A ∆x) é a densidade volumétrica de carga. Esta é a equação da
continuidade de carga, que exprime o fato de que a carga total é conservada.
Se a densidade de corrente tiver também componentes y e z, (5.61) pode ser
generalizada para três dimensões
∂Jx ∂Jy ∂Jz
∂ρ
=−
+
+
,
∂t
∂x
∂y
∂z
ou
∂ρ
∇ · J = −
∂t
.
(5.62)
Esta é a equação da continuidade de carga em três dimensões. Ela vale
qualquer que seja a origem da corrente. Veja que ela está contida nas equações
= 0 para qualquer
de Maxwell estudadas no Capı́tulo 2. Como ∇ · ∇ × A
campo vetorial A, a operação ∇ na Eq.(2.4) juntamente com (2.1) reproduzem
a equação da continuidade (5.62).
A densidade de carga ρ está relacionada com as concentrações de elétrons
e buracos por
156
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
ρ = e (p − n)
.
(5.63)
Para obter a equação da evolução da concentração, vamos supor, para
simplificar, um semicondutor tipo n, isto é, apenas com elétrons em excesso
do equilı́brio. Assim, de (5.62) e (5.63) vem,
∇ · J = e
∂n
∂t
.
(5.64)
Substituindo este resultado na Eq.(5.60) submetida ao operador divergência
(∇.), obtemos,
∂n
=0 .
(5.65)
Dn ∇ 2 n −
∂t
Esta é a equação da difusão, que permite calcular a evolução espacial e
temporal da concentração de elétrons em excesso, sujeitos apenas ao movimento de agitação térmica. Uma equação idêntica vale para a concentração p
de buracos, com o correspondente coeficiente de difusão Dp , e também para
a concentração de moléculas de tinta azul no copo d’água. A equação da difusão mostra que enquanto houver variação espacial da concentração, também
haverá variação no tempo. A Figura 5.21 mostra a evolução da concentração
n(x) após a produção de um pulso de elétrons na posição x = 0 e t = 0. Em
t = 0 os elétrons estão concentrados em x = 0 e podemos escrever n(x) = δ(x).
Em t > 0 os elétrons difundem para regiões de menor concentração. A solução
de (5.65) é uma função gaussiana (Problema 5.17), que se alarga gradualmente
à medida que o tempo passa, como mostrado na Fig.5.21. Como o número total de elétrons é conservado, a área sob a curva não varia com o tempo. Após
um longo tempo n(x) é uniforme, de modo que ∇2 n = 0 e portanto n(x) fica
constante.
Se, além do gradiente de concentração de portadores, houver um campo
elétrico E aplicado ao semicondutor, as densidades de corrente de elétrons e
de buracos terão componentes de condução e de difusão,
Jn = e µn n E + e Dn ∇n
Jp = e µp p E − e Dp ∇p
(5.66)
,
(5.67)
sendo a corrente total
J = Jn + Jp
.
(5.68)
Cap. 5 Materiais Semicondutores
157
Figura 5.21: Ilustração da difusão de elétrons criados por um pulso em x = 0 no instante
t = 0.
Como veremos no próximo Capı́tulo, todas as componentes da corrente
são relevantes para o funcionamento de dispositivos semicondutores. São o
campo elétrico e as concentrações de portadores na região de uma junção entre
dois semicondutores tipos p e n, que determinam a relação entre a tensão e a
corrente num dispositivo de junção e, portanto, o seu funcionamento.
Para concluir esta seção, vamos obter uma importante relação entre o coeficiente de difusão e a mobilidade. Quando o semicondutor está em equilı́brio
térmico, sem campo externo, tanto a corrente de elétrons quanto a de buracos
devem ser nulas. Nesta situação se, devido ao movimento térmico, as cargas
produzirem uma variação em sua concentração, o campo elétrico por ela criado produzirá uma corrente de deriva que cancelará a corrente de difusão. A
relação entre este campo interno E e o gradiente de concentração em equilı́brio
pode ser obtida de (5.66) e (5.67) com Jn = Jp = 0. Como o campo elétrico é
o gradiente do potencial,
E = −∇φ ,
(5.69)
da Eq.(5.67) com Jp = 0 obtemos,
1
µp
∇φ = − ∇p0
Dp
p0
,
(5.70)
onde p0 é a concentração de equilı́brio de buracos. Uma relação análoga a
158
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
(5.70) vale para os elétrons. Substituindo em (5.70) a expressão de p0 dada
por (5.32) obtemos,
µp
1
∇φ = −
∇(Ei − EF )
Dp
kB T
.
(5.71)
O nı́vel de Fermi não pode variar com a posição pois o sistema está em
equilı́brio, logo ∇EF = 0. Por outro lado, a energia de um elétron no potencial elétrico φ é E = −eφ. Isto significa que se o potencial elétrico variar
no espaço, os nı́veis e bandas de energia do elétron acompanham o potencial,
ou seja, ∇Ei = −e∇φ. Usando esta relação em (5.71) vem,
kB T
Dp
=
µp
e
.
(5.72)
Como a relação obtida para elétrons é idêntica, podemos escrever
Dp
Dn
kB T
=
=
µp
µn
e
.
(5.73)
Este resultado, conhecido como a relação de Einstein, permite calcular
o coeficiente de difusão a partir da medida da mobilidade, ou vice-versa. A
Tabela 5.2 apresenta os valores de D e µ para Ge, Si e GaAs em T = 300 K.
Verifique que em todos eles D/µ ≃ 0, 026 eV, que é o valor de kB T /e nesta
temperatura.
5.4.4
Injeção de Portadores: Difusão com Recombinação.
Um processo muito importante na operação de dispositivos, é aquele no qual
portadores em excesso do equilı́brio são introduzidos numa região do semicondutor por um mecanismo externo qualquer. Isto é chamado de injeção de
portadores. Ela ocorre, por exemplo, quando elétrons, que são os portadores
majoritários num semicondutor tipo n, passam para o lado p numa junção
p − n. Na região da junção os elétrons são injetados no semicondutor p.
No processo de injeção de portadores, o mecanismo de recombinação de
pares elétron-buraco não pode ser desprezado como foi feito na seção anterior.
Como os portadores injetados estão em excesso da concentração de equilı́brio,
é o processo de recombinação que faz sua concentração diminuir e tender para
Cap. 5 Materiais Semicondutores
159
o equilı́brio. Considere, por exemplo, buracos injetados num semicondutor de
modo que em certo instante sua concentração seja
p = p0 + δp
.
(5.74)
A recombinação do excesso de buracos com os elétrons existentes no semicondutor ocorre numa taxa que é tanto maior quanto maior for δp. Em primeira
aproximação o processo pode ser descrito por
δp
∂δp
=−
∂t
τp
,
(5.75)
onde τp é o tempo de recombinação de buracos. Veja que se não houver
outro mecanismo atuando para a evolução de δp, a solução da Eq.(5.75) é
δp(t) = A e−t/τp
,
(5.76)
onde A é o valor de δp no instante t = 0. Este resultado mostra que a recombinação atua no sentido de fazer o excesso de portadores decair exponencialmente no tempo, com um tempo caracterı́stico τp . No caso de elétrons, o
excesso de concentração δn é descrito por uma equação análoga a (5.75), com
um tempo de recombinação τn ,
∂δn
δn
=−
∂t
τn
.
(5.77)
Os portadores injetados numa certa região do semicondutor produzem
um gradiente de concentração que, por sua vez, resulta numa corrente de
difusão. Assim, no processo de injeção, a evolução espacial e temporal da
concentração de portadores é determinada pelos processos de difusão e de recombinação. Para obter a equação que descreve este processo, basta subtrair
da derivada temporal da concentração na equação da difusão (5.65) o termo
que descreve a recombinação, dado por (5.77). Combinando (5.65) com (5.77)
e levando em conta que ∂n0 /∂t = 0, pois a concentração de equilı́brio é constante, obtemos para os elétrons,
∂δn
δn
= Dn ∇2 δn −
∂t
τn
Um desenvolvimento análogo para buracos leva à,
.
(5.78)
160
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
∂δp
δp
= Dp ∇2 δp −
∂t
τp
.
(5.79)
Estas são as equações da difusão com recombinação. Elas permitem
calcular a evolução no espaço e no tempo das concentrações de portadores
injetados num certo instante numa região do semicondutor. Se um pulso na
concentração de elétrons é produzido em x = 0 e t = 0, a evolução do pulso
no tempo é semelhante ao da Figura 5.21. A diferença para o caso descrito na
seção anterior, enunciado no Problema 5.17, é que agora a área sob a curva
diminui com o tempo. Isto é devido ao processo de recombinação de pares, que
faz a concentração de elétrons em excesso do equilı́brio decair com o tempo
caracterı́stico τn . Se, além disso, houver um campo elétrico ao longo da barra,
à medida que o pulso de concentração alarga e diminui de área, ele se desloca
devido ao efeito de deriva dos elétrons.
Para encerrar este Capı́tulo, vamos aplicar a equação da difusão com
recombinação ao caso de injeção em regime estacionário. Isto é o que ocorre,
por exemplo, quando um feixe de luz incide sobre uma região de um semicondutor com intensidade constante. Os fótons produzem pares elétron-buraco na
região iluminada. Se a intensidade do feixe for constante, após o transiente que
ocorre quando a luz começa a incidir, o processo entra em regime estacionário.
Nesta situação, a taxa de criação de pares é constante e a derivada temporal
é nula. Isto também é o que ocorre quando uma corrente constante atravessa
uma junção p-n. Quando os portadores majoritários de um lado chegam na
junção, eles são injetados no outro lado com uma taxa constante. Em regime
estacionário ∂/∂t = 0, e das Eqs.(5.78) e (5.79) obtemos
∇2 δn =
δn
L2n
,
(5.80)
∇2 δp =
δp
L2p
,
(5.81)
√
onde Ln = Dn τn e Lp = Dp τp são os comprimentos de difusão de
elétrons e buracos, respectivamente. A razão deste nome ficará clara com
o seguinte exemplo: considere uma barra de semicondutor semi-infinito, no
qual buracos são injetados uniformemente em x = 0 com uma taxa constante,
de modo que o excesso de concentração é mantido constante neste ponto,
δp(x = 0) = ∆p. Os buracos injetados difundem ao longo da barra e recombinam com elétrons. Isto resulta numa distribuição do excesso de concentração
ao longo da barra, caracterizado pela função δp(x). Para obter δp(x) utilizamos
Cap. 5 Materiais Semicondutores
161
(5.81) e consideramos ∂ 2 /∂ 2 y = ∂ 2 /∂z 2 = 0 no Laplaciano, de modo que,
d2 δp(x)
δp
= 2
2
dx
Lp
.
(5.82)
A solução desta equação é
δp(x) = C1 e−x/Lp + C2 ex/Lp
.
(5.83)
onde C1 e C2 são constantes determinadas pelas condições de contorno. Devido
à recombinação ao longo da barra, δp deve tender a zero em x → ∞. Assim
C2 = 0. Como em x = 0, δp = ∆p, a constante C1 é igual a ∆p. Portanto,
δp(x) = ∆p e−x/Lp
.
(5.84)
Esta função está mostrada na Fig.5.22. Os buracos injetados em x = 0 a
uma taxa constante no tempo, resultam numa concentração δp em excesso do
equilı́brio p, que cai exponencialmente com x. O comprimento caracterı́stico
dessa exponencial é Lp , que é precisamente o comprimento de difusão de buracos.
O valor do comprimento de difusão depende do tipo de portador, do
semicondutor e da concentração de impurezas. A dependência do portador
Figura 5.22: Concentração de buracos resultante de um processo de injeção com taxa constante em x = 0.
162
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
e do material se dá tanto através do coeficiente de difusão D (veja Tabela
5.2), quanto do tempo de recombinação τ . A dependência da concentração de
impurezas ocorre através de τ . Quanto maior a concentração, menor é o tempo
2
−6
−7
de recombinação. Como D varia
√ na faixa 10-200 cm /s e τ ∼ 10 −3− 10−2 s, o
comprimento de difusão L = Dτ está tipicamente na faixa de 10 −10 cm,
ou 10−100 µm.
REFERÊNCIAS
N.W. Ashcroft e N.D. Mermin, Solid State Physics, Holt, Rinehart and Winston, New York, 1976.
A. Bar-Lev, Semiconductors and Electronic Devices, Prentice-Hall, New Jersey, 1984.
D.A. Fraser, The Physics of Semiconductor Devices, Claredon Press, Oxford,
1983.
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials, Springer-Verlag, Berlin,
2001.
K. Kano, Semiconductor Devices, Prentice-Hall, New Jersey, 1998.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
H.A. Melo e R.S. de Biasi, Introdução à Fı́sica dos Semicondutores, Edgard
Blücher, 1975.
D.J. Roulston, An Introducion to the Physics of Semiconductor Devices, Oxford University Press, Oxford, 1999.
B.J. Streetman e S. Banerjee, Solid State Electronic Devices, Prentice Hall,
New Jersey, 2000.
S.M. Sze, Physics of Semiconductor Devices, J. Wiley, New York, 1981.
E.S. Yang, Fundamentals of Semiconductor Devices, McGraw-Hill, New
York, 1978.
F.F.Y. Wang, Introduction to Solid State Electronics, North-Holland, Amsterdam, 1980.
J.A. Zuffo, Dispositivos Eletrônicos, McGraw-Hill, São Paulo, 1976.
Cap. 5 Materiais Semicondutores
163
PROBLEMAS
5.1 Utilize um desenvolvimento análogo ao da seção 4.3 para demonstrar que
a massa efetiva dos buracos é dada pela expressão (5.7).
5.2 Mostre que num semicondutor intrı́nseco, com bandas parabólicas, o nı́vel
de Fermi é dado pela Eq.(5.22).
5.3 a) Mostre que as concentrações efetivas de elétrons e de buracos, Nc e Nv ,
podem ser calculadas numericamente com a expressão
∗
mc,v T 3/2
Nc,v (T ) = 2, 54
× 1019 cm−3 ,
m0 300
onde T é a temperatura em K. Aplique esta expressão para Si e Ge e
compare com os valores da Tabela 5.2; b) Calcule os valores de ni em
T = 300 K para Ge, Si e GaAs a partir dos dados da Tabela 5.2 e compare
com os valores da Tabela e da Figura 5.8.
5.4 Calcule a distância entre o nı́vel de Fermi EF e o meio do gap em Si e em
GaAs puro a T = 300 K. Explique porque EF não está no meio do gap.
5.5 Usando os dados da Tabela 5.2, calcule a energia de ionização de impurezas
doadoras em Si no modelo do átomo de hidrogênio desenvolvido na seção
5.3.1.
5.6 Considere um semicondutor tipo p com Na impurezas aceitadoras, todas
Na : a) Partindo da lei de ação
ionizadas, a uma temperatura tal que ni
das massas (5.30) e da equação de neutralidade de cargas (5.33), obtenha
as expressões para as concentrações de elétrons e buracos (5.41) e (5.42);
b) Utilizando os resultados do item a) e as Eqs.(5.28) e (5.32), mostre que
o nı́vel de Fermi é dado por (5.43) ou (5.44); c) Mostre que Ei dado por
(5.22) é compatı́vel com as expressões obtidas no item c).
5.7 Três pastilhas de silı́cio são dopadas com impurezas de As com concentrações 1016 , 1017 e 5 × 1018 átomos/cm3 respectivamente. Considere
T = 300 K e suponha que todas impurezas sejam ionizadas: a) Calcule o nı́vel de Fermi em cada pastilha; b) Verifique se a aproximação da
Eq.(5.15) para a função de Fermi-Dirac é boa nos três casos; c) Calcule a
resistividade de cada pastilha.
5.8 A probabilidade dos elétrons ocuparem os nı́veis de energia discretos das
impurezas não é dada simplesmente pela estatı́stica de Fermi-Dirac. Podese mostrar que a concentração de impurezas doadoras ionizadas é dada
164
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
por (ver Ashcroft e Mermin)
Nd+ =
Nd
1 (Ed −Ef )/kB T
1+ 2 e
,
onde Ed é o nı́vel de energia da impureza. a) Verifique se a suposição de
completa ionização é boa nas três pastilhas do Problema 5.7; b) Faça um
gráfico de Nd+ /Nd em função de T para a pastilha do Problema 5.7 com
a maior concentração, supondo que Eg não varia em T (0 − 400 K).
5.9 Uma pastilha de GaAs é dopada com impurezas doadoras com concentração 1017 átomos/cm3 . Supondo que todas as impurezas estejam ionizadas, calcule a resistividade da pastilha e compare com o valor obtido
no problema 5.7 para o Si com a mesma concentração.
5.10 Calcule as concentrações de impurezas doadoras que tornam Si e GaAs
degenerados (EF = Ec ).
5.11 Uma pastilha de silı́cio tem impurezas aceitadoras com concentração
Na = 2 × 1014 cm−3 . Suponha que todas estão ionizadas. a) Calcule
as concentrações de elétrons e de buracos em T = 300 K. Nesta situação,
o semicondutor é considerado intrı́nseco ou extrı́nseco? b) Calcule as
concentrações de elétrons e buracos em T = 600 K, sabendo que nesta
temperatura o gap diminui para 1,0 eV. Nesta situação o semicondutor é
intrı́nseco ou extrı́nseco?
5.12 a) Explique, qualitativamente, usando poucas palavras e alguns gráficos,
porque o nı́vel de Fermi no semicondutor tipo n está mais próximo da
banda de condução do que da de valência, e no tipo p está mais próximo da
banda de valência; b) Explique, qualitativamente, usando poucas palavras
e alguns gráficos, como o nı́vel de Fermi varia com a temperatura num
semicondutor tipo n.
5.13 Um termistor é um resistor cuja resistência varia com a temperatura.
Considere um termistor feito de silı́cio intrı́nseco, cuja resistência é 500 Ω
em T = 300 K: a) Supondo que a mobilidade não varia com a temperatura,
calcule a taxa de variação da resistência com a temperatura em torno de
300 K, expressa em Ω/◦ C; b) Qual é, aproximadamente, a resistência do
termistor em T = 320 K?
5.14 Uma barra de germânio tem comprimento 1 cm e seção reta quadrada
de lado 1 mm. (a) Calcule a resistência entre as duas extremidades da
barra a T = 300 K no caso do semicondutor intrı́nseco; b) Considere que
a barra foi dopada com uma certa concentração de impurezas doadoras
Cap. 5 Materiais Semicondutores
165
Nd . Supondo que a mobilidade é a mesma do material puro, qual deve
ser o valor de Nd para que a resistência seja 10 Ω a T = 300 K?
5.15 Uma barra de semicondutor com concentração de portadores majoritários
1016 cm−3 tem largura d = 1 mm e espessura 0,5 mm. Qual a tensão Hall
na barra quando submetida a um campo magnético B = 0, 1 weber/m2
(1 kG) e percorrida por uma corrente 100 mA?
5.16 Uma barra semi-infinita feita de material semicondutor tem uma distribuição estacionária de buracos mostrada na Figura 5.22. Esta distribuição é mantida por uma certa corrente I constante, entrando na
extremidade da barra em x = 0 através de um contato metálico. a) Utilizando a expressão (5.57) para a corrente de difusão, calcule a corrente
I = Ip (x = 0) em função de Lp , Dp e da concentração em excesso δp
em x = 0; b) Mostre que esta corrente é igual a carga total existente em
x > 0, obtida pela integração da distribuição de buracos δp(x), dividida
pela vida média τp dos buracos. Explique porque este cálculo leva ao
mesmo resultado que o do item a).
5.17 Considere a função gaussiana para a concentração de elétrons em excesso
do equilı́brio num semicondutor na forma de uma barra como a da Figura
5.20, numa seção de abcissa x no instante t,
∆N0
2
δn(x, t) = √
e−x /4Dn t
2 πDn t
onde ∆N0 é o número de elétrons por unidade de área no instante t = 0
na região entre duas seções espaçadas de ∆x em torno de x = 0, sendo
∆x muito pequeno. a) Mostre que esta função gaussiana é solução da
equação de difusão para elétrons, Eq.(5.65); b) Mostre que em t → 0 esta
distribuição tende para Aδ(x), sendo A uma constante e δ(x) a função
delta de Dirac, que é nula para x = 0, diverge em x = 0 e tem área
igual a unidade. Calcule o valor de A; c) Faça um gráfico qualitativo
de δn(x) para um instante genérico t1 . Neste instante, calcule a largura
δx da distribuição, definida como a distância entre dois pontos nos quais
o valor de δn é δn(x = 0)/2. Obtenha a relação entre o coeficiente de
difusão Dn , a largura δx e o instante t1 . A partir deste resultado sugira
um método para medir o coeficiente de difusão em semicondutores.
166
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Capı́tulo 6
Dispositivos Semicondutores: Diodos
6.1 A Junção p-n
168
6.1.1 Fabricação da Junção p-n
6.1.2 A Barreira de Potencial na Junção p-n
6.1.3 Carga e Campo na Junção em Equilı́brio
168
170
175
6.2 Corrente na Junção Polarizada
6.3 Heterojunções
186
6.3.1 Junção Metal-Semicondutor
6.3.2 Heterojunções de Semicondutores
188
190
180
6.4 Diodo de Junção
192
6.4.1 Aplicações
196
6.5 Diodo de Barreira Schottky
6.6 Ruptura na Polarização Reversa: Diodo Zener
6.7 Outros Tipos de Diodos
198
200
202
6.7.1 Varactor
6.7.2 Diodo Túnel
6.7.3 Diodo IMPATT
6.7.4 Diodo Gunn
202
203
206
207
REFERÊNCIAS
210
PROBLEMAS
211
167
168
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Dispositivos Semicondutores: Diodos
6.1
A Junção p-n
O fato de se poder dopar diversas regiões de um mesmo material semicondutor
com diferentes impurezas possibilita a fabricação de uma grande variedade de
dispositivos eletrônicos. Num semicondutor contendo uma região tipo p e uma
região tipo n, separadas por uma camada fina de transição, é formada o que
chamamos de junção p-n. A espessura da camada de transição depende do
método de fabricação, estando na faixa de 10−2 a 1 µm. Em quase todos dispositivos semicondutores existe pelo menos uma junção p-n. O comportamento
de elétrons e buracos nas junções de um dispositivo determina as caracterı́sticas
corrente-tensão (I−V ) de seus diversos terminais. Por esta razão, este Capı́tulo
é iniciado com um estudo detalhado da junção p-n. Ele servirá de base para a
compreensão da operação dos dispositivos semicondutores. Na próxima seção
deduziremos a caracterı́stica I − V do diodo de junção, o dispositivo mais simples de todos, constituı́do de apenas uma junção p-n. Nas seções seguintes
descreveremos a operação de outros tipos de diodos. Os transistores e outros
dispositivos ativos serão apresentados no Capı́tulo 7. As caracterı́sticas mais
detalhadas dos dispositivos semicondutores podem ser encontradas em vários
livros listados nas Referências. Os dispositivos semicondutores para aplicações
opto-eletrônicas serão abordados no Capı́tulo 8.
6.1.1
Fabricação da Junção p-n
A tecnologia de fabricação de junções evoluiu muito desde que o transistor de
junção foi inventado em 1948. Os métodos mais empregados atualmente são
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
169
a difusão e a implantação iônica, mencionadas na Seção 5.3. A Figura 6.1
mostra as etapas mais importantes na fabricação de um diodo de junção p-n
por difusão, com a tecnologia planar introduzida no inı́cio da década de 60. O
primeiro passo consiste na preparação da pastilha do cristal semicondutor, o
substrato, mostrado na Fig.6.1(a). Cerca de 90% dos dispositivos semicondutores são feitos com Si monocristalino. A pastilha, com espessura de alguns
décimos de mm, é obtida pelo corte em fatias de um bastão de Si, como o
mostrado na Fig.1.11, sendo suas superfı́cies polidas após o corte. Em geral o
cristal de Si é crescido com alta concentração de impurezas tipo n, sendo por
isso denominado de n+ . A alta concentração facilita a formação de contato
ôhmico com a camada metálica depositada posteriormente (Fig.6.1f).
Figura 6.1: Etapas da fabricação de um diodo de junção p-n com a tecnologia planar: (a)
pastilha de Si usada como substrato; (b) substrato com camada de Si epitaxial dopado com
impurezas tipo n; (c) camada óxida sobre o Si; (d) ilustração do processo de fotolitografia
para polimerizar certas regiões da resina foto-resistiva; (e) difusão de impurezas tipo p
através da janela aberta no óxido; (f) estrutura completa do diodo de junção com contatos
metálicos.
170
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
A etapa seguinte consiste em crescer sobre o substrato uma camada de Si
tipo n, com menor concentração de impurezas, usando a técnica de crescimento
epitaxial (Fig.6.1b). A pastilha é então levada ao forno numa atmosfera de
oxigênio para a formação de uma fina camada (menos de 1 µm de espessura) de
óxido SiO2 (Fig.6.1c). A etapa seguinte é a da fotolitografia, que é utilizada
para remover seletivamente o óxido de algumas regiões nos quais deseja-se
fazer a difusão. Uma pelı́cula de resina foto-resistiva, um lı́quido orgânico
polimérico, é espalhada sobre a camada de óxido e levada a um forno para
secar. A resina é solúvel em certos solventes, a não ser que esteja polimerizada.
A polimerização, em certas regiões, é feita por luz ultra-violeta que passa pelas
aberturas de uma máscara colocada sobre a resina, e que contém o desenho
desejado. A Fig.6.1(d) mostra a parte opaca da máscara evitando que a área na
qual se deseja fazer a difusão seja exposta à radiação ultravioleta. Em seguida
usa-se solvente para remover a resina da região não exposta e depois coloca-se
a pastilha num banho de ácido, que corrói a camada de óxido na região onde
a resina foi removida. Este processo abre uma janela na camada de óxido
através da qual é feita a difusão de impurezas tipo p (Fig.6.1e) num forno a
alta temperatura (da ordem de 1000◦C). Finalmente, a estrutura é completada
com a deposição de filmes metálicos para os contatos externos (Fig.6.1f).
A tecnologia planar é empregada para fabricar um simples diodo de
junção, ou um transistor com várias junções, ou um complexo circuito integrado contendo milhares de diodos e transistores na mesma pastilha de Si. Um
componente importante no processamento da pastilha é a máscara contendo o
padrão do circuito a ser produzido. Até a década de 1990, o “layout” original
era desenhado em escala grande, para aumentar sua resolução, e posteriormente reduzido fotograficamente para a escala real da máscara. Atualmente o
processo é todo feito em computadores através de softwares especı́ficos. Para
os modernos circuitos de alta integração, nos quais as dimensões laterais das
estruturas são menores que 1 µm, as máscaras são produzidas na escala real
por feixes de elétrons.
6.1.2
A Barreira de Potencial na Junção p-n
Para tratar matematicamente as equações que descrevem a carga e o potencial elétrico numa junção é necessário fazer algumas aproximações na junção
real. A primeira consiste em reduzir o problema para uma dimensão. Veja
na Fig.6.1(f), que devido à forma da junção e dos contatos, o movimento dos
elétrons e buracos em grande parte do dispositivo ocorre na direção normal
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
171
à superfı́cie que separa as regiões p e n. Portanto, a suposição de que as
grandezas variam apenas em uma direção, digamos x, é uma boa aproximação
para o problema real. A segunda aproximação se refere à separação entre as
regiões p e n. Na junção real, a variação da concentração de impurezas na
fronteira é gradual. A diferença de concentrações, Na − Nd , passa gradualmente de positiva na região p, para negativa na região n, como mostrado pela
linha tracejada da Fig.6.2(a). Entretanto, para simplificar o problema, vamos
supor que a junção é abrupta, isto é, Na − Nd varia bruscamente de um valor
constante e positivo em x < 0 para um valor constante e negativo em x > 0,
como na linha cheia da Fig.6.2(a). A Fig.6.2(b) mostra o modelo da junção
p-n abrupta, unidimensional, que vamos considerar nesta seção.
Para entender o que ocorre na junção em equilı́brio, vamos supor que as
regiões p e n do semicondutor estão fisicamente separadas antes da junção
ser formada. Nesta situação o nı́vel de Fermi está próximo da banda de
condução no lado n e próximo da banda de valência no lado p, como ilustrado
na Fig.6.3(a). Suponhamos agora que os dois materiais são postos em contato
para formar a junção. Como há excesso de elétrons em relação aos buracos
no lado n, há uma difusão de elétrons do lado n para o lado p. Do mesmo
modo, ocorre difusão de buracos do lado p para o lado n. Esta difusão de
cargas de um lado para o outro produz duas camadas de cargas, ilustradas no
topo da Fig.6.3(b), formadas pelas impurezas ionizadas, doadoras no lado n e
aceitadores no lado p. Estas camadas de cargas criam um campo elétrico E
dirigido do lado n para o lado p, que se opõe à continuação do movimento de
cargas causado pela difusão. O campo E empurra os buracos de volta ao lado
p e os elétrons de volta ao lado n, através de uma corrente de deriva que se
opõe à corrente de difusão. No regime de equilı́brio as correntes de deriva e
de difusão se anulam, tanto para elétrons quanto para buracos, de modo que
a corrente total é nula. Nesta situação, a distribuição de cargas e o campo
elétrico adquirem uma configuração estacionária.
A região nas proximidades da junção onde há cargas não compensadas,
mostrada nas Figuras 6.2 e 6.3(b), é chamada região de carga espacial.
Esta região também é chamada de transição ou de depleção (outro anglicismo
técnico: to deplete significa exaurir). O campo E criado nesta região corresponde a uma diferença de potencial V0 entre o lado n e o lado p. Esta diferença
de potencial tende a impedir a passagem de portadores majoritários do lado p
(buracos) para o lado n e de portadores majoritários do lado n (elétrons) para
o lado p. Devido à forma da variação do potencial, ilustrada na Fig.6.3(b),
ele é chamado barreira de potencial. A formação da barreira de potencial
é o fenômeno fı́sico mais importante que ocorre na junção, sendo o principal
172
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 6.2: (a) Variação da concentração de impurezas numa junção p-n. A linha tracejada representa a variação numa junção real enquanto a linha cheia representa uma junção
abrupta ideal. (b) Modelo de junção abrupta unidimensional.
responsável por suas caracterı́sticas elétricas. A formação da barreira também
tem uma implicação importante no comportamento dos nı́veis de energia na
junção. Como a energia do elétron é relacionada ao potencial eletrostático φ
por E = −eφ, a diferença das energias da banda de condução entre o lado p e
o lado n é,
Ecp − Ecn = −e(φp − φn ) = eV0
.
(6.1)
Portanto, a diferença das energias é, em unidades de eVolt, o próprio valor
do potencial V0 da barreira. Isto significa que quando a junção é formada, as
referências para os nı́veis de energia dos lados p e n se ajustam de modo que a
diferença das energias da banda de condução entre os dois lados, bem como da
banda de valência, correspondam à diferença de potencial criada pelo campo
elétrico produzido na junção. Esta alteração nos nı́veis relativos é decorrência
do fato de que o nı́vel de Fermi EF deve ser o mesmo nos dois lados da junção,
como mostra a Fig.6.3(b). Pela figura vemos também que como o menor valor
possı́vel de EF do lado p é Evp e o maior valor do lado n é Ecn , o valor limite
da barreira de potencial é V0 = Eg /e. O potencial se aproxima deste limite
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
173
Figura 6.3: (a) Semicondutores p e n separados. (b) Carga, campo elétrico, potencial e
nı́veis de energia na região de carga espacial da junção p-n.
quando as duas regiões da junção estão fortemente dopadas.
Na verdade, a explicação para a formação da barreira de potencial poderia ter começado pela análise do nı́vel de Fermi. Ele é relacionado com o
potencial quı́mico de um sistema termodinâmico, que é constante quando o
sistema está em equilı́brio. Podemos fazer uma analogia entre o nı́vel de Fermi
e o nı́vel da água num reservatório, pois todas moléculas da água têm energia
(gravitacional) menor que as da superfı́cie. Quando dois reservatórios com
nı́veis diferentes são interligados, parte da água do tanque de nı́vel mais alto
passa para o outro até que os nı́veis se igualem. O que ocorre quando dois
semicondutores são colocados em contato é semelhante. As cargas fluem de
um lado para outro até que os nı́veis de Fermi se igualem. Quando isto ocorre,
o sistema atinge o equilı́brio.
O valor da diferença de potencial V0 da barreira na junção em equilı́brio,
também chamado potencial de contato, pode ser calculado de várias
maneiras: a mais simples é baseada nos fatos de que o nı́vel de Fermi é constante na junção e o semicondutor intrı́nseco é o mesmo nas duas regiões. Com
a Eq.(5.32) podemos escrever as relações entre as energias e as concentrações
174
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
de equilı́brio de buracos, pp0 do lado p e pn0 do lado n, nas regiões afastadas
da junção,
pp0 = ni e(Eip −EF )/kB T
pn0 = ni e(Ein −EF )/kB T
.
A razão entre as duas concentrações é então,
pp0
= e(Eip −Ein )/kB T
pn0
.
(6.2)
Como o semicondutor intrı́nseco é o mesmo nas regiões p e n, vemos na
Fig.6.3(b) que a diferença entre os nı́veis de Fermi intrı́nsecos nos dois lados é precisamente o valor do potencial da barreira em elétron-volt (eV),
Eip − Ein = e V0 . Fazendo esta substituição, obtemos
V0 =
kB T
pp0
n
e
pn0
.
(6.3)
Este mesmo resultado poderia ser obtido pela integração da Eq.(5.70) que
exprime o fato de que na junção em equilı́brio a corrente de buracos é nula
(Problema 6.3). Podemos também relacionar o potencial de contato com as
concentrações de elétrons nos dois lados da junção. Partindo de (5.31) obtemos
V0 =
kB T
nn0
n
e
np0
.
(6.4)
Este resultado também pode ser obtido de (6.3) usando a lei de Ação das
Massas. As Eqs.(6.3) e (6.4) podem ser reescritas na forma
pp0
nn0
=
= eeV0 /kB T
pn0
np0
.
(6.5)
Finalmente, utilizando relações obtidas no Capı́tulo 5, podemos exprimir o
potencial de contato em termos das concentrações de impurezas nos dois lados
da junção. No lado p, os buracos são os portadores majoritários e sua concentração é, por (5.42), pp0 ≃ Na . Por outro lado, na região n, de acordo com
(5.38), pn0 ≃ n2i /Nd . Usando estes valores em (6.3) obtemos,
V0 ≃
Na Nd
kB T
n
e
n2i
.
(6.6)
Utilizando (5.25) podemos obter outra expressão para o potencial de contato,
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
V0 ≃
kB T
Nc Nv
Eg
−
n
e
e
Na Nd
.
175
(6.7)
Para uma junção de Ge com as mesmas concentrações de impurezas do Exemplo 6.1, pode-se mostrar que (Problema 6.1) V0 = 0,45 V. Veja que a medida
que as concentrações de impurezas aumentam, a segunda parcela da Eq.(6.7)
diminui e V0 se aproxima de Eg /e. Assim, os máximos valores do potencial de
contato são 0,68 V em Ge e 1,12 V em Si.
Exemplo 6.1: Considere uma junção p-n de Si, tendo concentrações de impurezas Nd = 1016 cm−3
e Na = 1018 cm−3 . Calcule o potencial de contato da junção em T = 300 K.
Usando kB T = 0, 026 eV e os valores de Eg , Nc e Nv da Tabela 5.2, obtemos com a Eq.(6.7),
V0 = 1, 12 − 0, 026 n
2, 6 × 1019 × 1, 02 × 1019
1018 × 1016
= 1, 12 − 0, 026 × 10, 18 = 0, 85 V .
6.1.3
Carga e Campo na Junção em Equilı́brio
O potencial de contato calculado na seção anterior é a diferença de potencial
elétrico entre um ponto no lado p e outro no lado n, ambos afastados da região
da junção. Para calcular o campo elétrico é preciso obter a variação do potencial na região de carga espacial, que por sua vez depende da distribuição
de cargas na região. Em vez de resolver o problema completo autoconsistentemente, vamos aproximar a distribuição de cargas por uma função simples e
calcular o campo e o potencial a partir dela. Para obter esta distribuição vamos
considerar o que acontece na região de carga espacial, ilustrada na Fig.6.4(a).
Elétrons e buracos estão em trânsito permanente, passando de um lado da
junção para outro. Alguns elétrons passam do lado n para o lado p por difusão, recombinam com buracos ou são “empurrados” de volta para o lado n
pelo campo elétrico. O mesmo acontece com buracos do outro lado. Como
resultado, há poucos elétrons e buracos na região de carga espacial pois eles
são varridos de lá pelo campo elétrico. Esta exaustão de cargas móveis da
região de carga espacial faz com que esta região também seja chamada de depleção (vem do inglês depletion). Desta forma, as cargas da região são devidas
aos ı́ons das impurezas não compensadas, doadoras do lado n e aceitadoras
176
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
do lado p. Tendo as impurezas doadoras, com concentração Nd , perdido seus
elétrons, sua carga é positiva. Por outro lado, as impurezas aceitadoras, com
concentração Na , recebem elétrons e tornam-se negativas. Em primeira aproximação podemos então considerar que no lado n, a densidade de carga tem
valor ρ = +eNd constante numa camada de espessura n e nulo fora dela. Por
outro lado, na região p a densidade é ρ = −eNa numa camada de espessura p
e nula fora dela, como ilustrado na Fig.6.4(b). Esta é a chamada aproximação
de depleção. Como a carga total deve ser nula, pois a junção é eletricamente
neutra, o módulo da carga de um lado é igual ao módulo da carga no outro.
Sendo a carga igual ao produto da densidade de carga pelo volume, é fácil
ver que as espessuras das camadas são relacionadas com as concentrações de
impurezas por,
n Nd = p Na .
(6.8)
Sendo a espessura total da região de carga espacial = p + n , podemos
exprimir as espessuras das duas camadas de carga em função das concentrações
de impurezas
Nd
Na
p =
, n =
.
(6.9)
Na + Nd
Na + Nd
Estas equações mostram que a espessura é maior do lado de menor
dopagem. Para calcular o campo elétrico a partir da distribuição de cargas,
utilizamos a lei de Gauss na forma diferencial, Eq.(2.1). Como só há variação
= E,
a Eq.(2.1) pode ser escrita como:
na direção x, usando a relação D
dE
ρ(x)
=
dx
,
(6.10)
sendo ρ = eNd em 0 < x < n e ρ = −eNa , em −p < x < 0. A integração
de (6.10) com essas densidades resulta numa variação linear do campo elétrico
em cada um dos lados, como ilustrado na Fig.6.4(c). Em −p < x < 0,
E(x) = −
eNa
x − E0
,
(6.11)
onde E0 é uma constante de integração, que corresponde ao valor de E em
x = 0. Como E(x = −p ) = 0, pois o campo é nulo fora da região de carga
espacial, E0 = eNa p /. De (6.10) vemos também que, em 0 < x < n ,
E(x) =
eNd
x − E0
,
(6.12)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
177
Figura 6.4: Variação da densidade de carga, campo elétrico e potencial eletrostático no
modelo unidimensional da junção p-n.
onde a constante de integração, determinada por E(x = n ) = 0, deve ser a
mesma de (6.11). De fato, usando (6.8), vemos que
E0 =
eNd n
eNa p
=
.
(6.13)
A Fig.6.4(c) mostra a variação do campo elétrico dada por (6.11) e (6.12).
Note que o campo só é diferente de zero na região de carga espacial, sendo
dirigido no sentido −x, como era de se esperar.
A partir das expressões do campo elétrico podemos obter a variação do
potencial φ(x), usando a relação E(x) = −dφ/dx. A função cuja derivada é a
178
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Eq.(6.11) com o sinal trocado é,
φ(x) =
1 eNa 2
x + E0 x + C
2 ,
onde C é uma constante cujo valor depende da escolha da referência do potencial. Tomando como referência φ(x = −p ) = 0 e substituindo a expressão
de E0 em (6.13), obtemos C = eNa 2p /2. O potencial em −p ≤ x ≤ 0 é então
φ(x) =
eNa
(x + p )2
2
.
(6.14)
Para calcular φ(x) em x ≥ 0 integramos (6.12) de maneira análoga e determinamos a constante de integração igualando as expressões dos potenciais nos
dois lados em x = 0. O resultado é, para 0 ≤ x ≤ n ,
eNd 1 2
1
φ(x) = −
.
(6.15)
x − n x − p n
2
2
A variação do potencial dado por (6.14) e (6.15) está mostrada na Fig.6.4(d).
Como era esperado, ela tem a forma da barreira de potencial da Fig.6.3(b).
O valor do potencial de contato V0 é a diferença de potencial entre os pontos
x = n e x = −p , que é simplesmente o valor do potencial em x = n . Usando
(6.15) e a expressão de E0 obtemos,
V0 = φ(n ) =
eNd
1
n = E 0 2
2
.
(6.16)
Como a diferença de potencial entre dois pontos é a integral do campo elétrico,
o resultado (6.16) poderia ter sido facilmente obtido pela área do triângulo que
representa a variação de E(x) mostrado na Fig.6.4(c). Partindo das Eqs.(6.9)
e (6.16) é possı́vel relacionar as espessuras das camadas de carga com as concentrações de impurezas e o potencial de contato. É fácil mostrar que,
V0 =
e Na Nd 2
2 Na + Nd
de onde obtemos
2V0
=
e
1
1
+
Na Nd
,
(6.17)
1/2
.
(6.18)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
179
Para obter uma expressão para a espessura em função apenas dos
parâmetros dos semicondutores que formam a junção, substuı́mos (6.6) em
(6.18), obtendo
1/2
2kB T
1
1
Na Nd
=
+
.
(6.19)
n 2
e2
Na Nd
ni
A partir desta expressão pode-se calcular as espessuras p e n das camadas de
carga nos lados p e n através da Eq.(6.9).
Finalmente notamos que, como a diferença de potencial entre os dois
lados é produzido por duas camadas de carga, a junção tem uma capacitância
C. Sendo A a área da seção reta da junção, as cargas totais nas camadas são
+Q e −Q, sendo Q = eNd n A. No caso em que as cargas são distribuı́das nas
duas camadas, a capacitância é definida por C = dQ/dV . A partir de (6.9) e
(6.18) obtemos então (Problema 6.5):
C=
A
(6.20)
onde é dado por (6.19). Vê-se que a capacitância da junção varia inversamente proporcional à espessura da região de carga espacial. Como veremos
na próxima seção, pode ser alterado pela aplicação de uma tensão externa,
o que permite então variar o valor de C.
Exemplo 6.2: Considere uma junção p-n de Si como a do Exemplo 6.1, tendo uma seção reta
circular de diâmetro 200 µm. Calcule: a) A espessura da região de carga espacial; b) O campo
elétrico máximo; c) A capacitância da junção.
a) Para calcular a espessura , usamos a Eq.(6.18), com o valor da carga do elétron e = 1, 6 × 10−19
C, a permissividade do vácuo = 8, 85 × 10−12 Fm−1 .
Da Tabela 5.2 temos a constante dielétrica / 0 = 11,8, logo,
=
2 × 11, 8 × 8, 85 × 10−12 × 0, 85
1, 6 × 10−19
≃
2 × 11, 8 × 8, 85 × 10−12 × 0, 85
1, 6 × 10−19 × 1022
1
1
+ 16
1018 × 106
10 × 106
1/2
= 3, 3 × 10−7 m = 0, 33 µm
b) De (6.16) vem
E0 =
2V0
=
1/2
2 × 0, 85
= 5, 2 × 106 V/m
3, 3 × 10−7
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
180
c) Para calcular a capacitância usamos (6.20) com a área A = πR2 , sendo R = 10−4 m o raio da
seção circular.
C=
6.2
11, 8 × 8, 85 × 10−12 × 3, 14 × 10−8
= 9, 9 × 10−12 F = 9,9 pF .
3, 3 × 10−7
Corrente na Junção Polarizada
Quando uma junção é polarizada, isto é, submetida a uma diferença de potencial de um circuito externo, o equilı́brio é alterado resultando numa corrente,
cujo sentido depende da tensão aplicada. A caracterı́stica essencial da junção
p-n é sua assimetria em relação ao sentido de aplicação da tensão externa.
Tensões em sentidos diferentes produzem correntes com intensidades diferentes. Isto pode ser compreendido examinando o efeito da tensão externa na
barreira de potencial.
Quando uma tensão externa V é aplicada nos terminais da junção, ela
aparece quase inteiramente através da região de carga espacial. Isto ocorre
porque a densidade de portadores nesta região é muito menor do que nas
regiões neutras dos semicondutores e tem portanto resistência muito maior.
Assim, a tensão externa soma-se ou subtrai-se do potencial V0 da barreira em
equilı́brio, dependendo de seu sentido, como ilustrado na Fig.6.5. Quando a
tensão V é aplicada no sentido do lado p para o lado n, chamado direto, ela
diminui a barreira de potencial, que passa a ter um valor V0 −V (Fig.6.5b).
Por outro lado, se V tem o sentido de n para p, chamado reverso, a barreira
aumenta, passando a ter um valor V0 + V (Fig.6.5c). O resultado é que a
corrente que atravessa a junção quando a tensão é aplicada no sentido direto é
maior que no sentido reverso, dando a junção p-n uma assimetria que é a base
de operação dos diodos e dos transistores de junção.
É fácil verificar que o campo elétrico e a espessura da região de carga
especial também variam com a tensão externa aplicada. Quando a tensão V
tem o sentido direto a diferença de potencial na barreira diminui, portanto
o campo também diminui. Da mesma forma, a espessura da região de carga
diminui, podendo ser calculada pela Eq.(6.18) com V0 − V em lugar de V0 .
Por outro lado, quando a junção é polarizada no sentido reverso, a altura
da barreira, o campo elétrico e a espessura da região de carga aumentam
simultaneamente.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
181
Figura 6.5: Efeito de tensão externa na espessura da região de carga espacial e na altura
da barreira de potencial: (a) situação em equilı́brio; (b) polarização direta; (c) polarização
reversa.
Vamos agora considerar o que ocorre com as diversas componentes da
corrente na junção, visando calcular sua caracterı́stica I-V . Vamos adotar a
convenção de que V é positivo se aplicado no sentido direto e negativo no
sentido reverso. Quando uma tensão positiva é aplicada aos terminais da
junção, a corrente I entra pelo contato metálico do lado p (Fig.6.2) e sai
pelo contato do lado n. Nas duas regiões neutras do semicondutor afastadas
da junção, a corrente é inteiramente de deriva e dominada pelos portadores
majoritários, buracos no lado p e elétrons no lado n. Esses portadores se
movem em direção à região de carga espacial onde se encontram, produzem
recombinação e também passam para o outro lado por difusão. Para calcular
o valor da corrente I produzida pela tensão V é preciso entender, com detalhe,
as várias componentes da corrente na região da junção.
Consideremos o que ocorre com os buracos que se movem do lado p em
direção à junção. Ao atingirem a região próxima da junção, muitos deles
recombinam com elétrons provenientes do lado n. Aqueles que “sobrevivem”
chegam à região de depleção, onde a densidade de portadores é bem menor
e portanto há pouca recombinação. Ao atingirem a fronteira da região de
depleção, o plano de coordenada x ≈ +n na Fig.6.4, os buracos são injetados
182
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
na região n onde passam a ser portadores minoritários. Nesta região os buracos
difundem mais para dentro do lado n enquanto recombinam com os elétrons,
resultando numa variação da concentração como aquela obtida na Seção 5.4.4.
Os buracos injetados na região n têm uma concentração δp em excesso do valor
de equilı́brio p
n0 que decai exponencialmente com x. Sendo o comprimento de
difusão Lp = Dp τp da ordem de 10−3 cm a 10−1 cm, ele é muito maior que a
espessura da camada de carga espacial, ∼ 1 µm = 10−4 cm. Assim, a variação
da concentração de buracos pn no lado n da junção tem a forma mostrada na
Fig.6.6(a). Comportamento análogo têm os elétrons do lado p, onde são eles
os portadores minoritários.
Para calcular a corrente total que atravessa a junção podemos tomar
como base as correntes dos portadores minoritários nos dois lados. Elas resultam dos movimentos de difusão dos buracos no sentido de p para n e dos
elétrons no sentido oposto. Para calculá-las é preciso inicialmente obter as
concentrações dos portadores. Para facilitar a notação vamos fazer uma mudança de coordenadas: a coordenada no lado n da junção será representada
por x, sendo a origem x = 0 na fronteira da região de carga espacial (plano
x = +n na Fig.6.4); no lado p representamos a coordenada por x no sentido
−x, sendo x = 0 o ponto x = −p da Fig.6.4. Esta notação está mostrada na
Fig.6.6. De acordo com (6.5), a razão entre as concentrações de equilı́brio de
buracos nos dois lados é
pp0
= eeV0 /kB T .
(6.21)
pn0
Quando uma tensão externa V é aplicada na junção, o potencial da barreira
passa a ser V0 −V , de modo que a diferença entre os nı́veis de Fermi intrı́nsecos
nos dois lados fica Eip − Ein = e(V0 − V ). Como mostra a Figura 6.5, este
resultado é consistente com uma diferença entre os nı́veis de Fermi nos lados
p e n de EF = −eV , devido ao fato de que a junção não está em equilı́brio.
Desta forma, a razão entre as concentrações de buracos nas fronteiras da região
de carga espacial nos lados p e n, obtida por desenvolvimento análogo ao que
levou a Eq.6.2, é dada por,
pp (x = 0)
= ee(V0 −V )/kB T
pn (x = 0)
.
(6.22)
No caso da corrente de junção não ser muito elevada, as concentrações dos portadores majoritários quase não variam em relação aos valores de equilı́brio
com a aplicação da tensão externa. Assim, pp (x = 0) ≃ pp0 . Fazendo esta
substituição em (6.22) e dividindo esta por (6.21) obtemos,
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
183
Região de carga espacial
Lado p
(a)
Lado n
pn
np
0
0
0 0
Ipdif
Indif
0 0
I = Ip + In
Ipder
Inder
In
Ipdif
0 0
Figura 6.6: Concentrações dos portadores minoritários e correntes nas proximidades da
região de carga espacial em junção p-n polarizada diretamente.
pn (x = 0)
= eeV /kB T
pn0
.
(6.23)
Este resultado mostra que as concentrações de portadores minoritários nas
fronteiras da região de carga espacial aumentam exponencialmente com a
tensão, no caso de polarização direta. Ao contrário, elas diminuem exponencialmente com a tensão, no caso de polarização reversa. A partir da Eq.(6.23)
é simples obter a corrente de difusão de buracos no lado n usando os resultados
das seções 5.4.3 e 5.4.4. O incremento na concentração de buracos em relação
ao equilı́brio em x = 0, é obtido de (6.23),
δpn (x = 0) ≡ pn (x = 0) − pn0 = pn0 (eeV /kB T − 1)
.
(6.24)
A variação de δpn ao longo de x, mostrada na Fig.6.6(a) é obtida uti-
184
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
lizando (5.84),
δpn (x) = pn0 (eeV /kB T − 1) e−x/Lp .
(6.25)
A partir deste resultado podemos obter a densidade de corrente de difusão de
buracos na direção +x. Usando (6.25) em (5.57) vem
Jpdif (x) = e
Dp
pn0 (eeV /kB T − 1) e−x/Lp
Lp
.
(6.26)
Sendo A a área da seção reta da junção, a intensidade de corrente de difusão
de buracos em x = 0 é então,
Ipdif (0) = eA
Dp
pn0 (eeV /kB T − 1)
Lp
.
(6.27)
Na aproximação de que a recombinação na região de carga espacial é desprezı́vel, a corrente de buracos não varia nesta região, como ilustrado na Fig.6.6(c).
Por outro lado, um desenvolvimento análogo ao das Eqs.(6.21)-(6.27) leva à
corrente de difusão de elétrons na região de carga espacial,
Indif (0) = eA
Dn
np0 (eeV /kB T − 1)
Ln
.
(6.28)
Em regime estacionário a corrente total é a mesma em qualquer seção da
junção e também igual a corrente I que passa pelos contatos metálicos. Podemos então obter I pela soma das correntes de deriva de elétrons e de buracos
na região de carga espacial. Veja na Fig.6.6 que como a corrente total I não
varia ao longo de x, as correntes de deriva de elétrons no lado n e de buracos
no lado p, são dadas pelas diferenças entre I e as correntes de difusão de buracos e de elétrons, respectivamente. Assim, podemos calcular a corrente total
sem utilizar explicitamente as correntes dos portadores majoritários. Somando
(6.27) e (6.28) obtemos,
I = Is (eeV /kB T − 1)
onde
Is = eA
Dp
Dn
pno +
npo
Lp
Ln
,
(6.29)
.
(6.30)
A Eq.(6.29) é chamada a equação do diodo. Ela foi deduzida pela
primeira vez por W. Shockley, um dos três fı́sicos que receberam o Prêmio Nobel em 1954 pela descoberta do transistor. Ela permite calcular a corrente I na
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
185
junção em função da tensão externa V . É importante chamar a atenção para
o fato de que na dedução de (6.29)-(6.30) ficou claro que a corrente na junção
p-n é dominada pelos portadores minoritários. Note que para tensões negativas e muito maiores que kB T /e (0,026 V à temperatura ambiente), I → −Is .
Por esta razão Is é chamada a corrente de saturação reversa. A Eq.(6.30)
permite calcular Is em termos unicamente dos parâmetros dos semicondutores
que formam a junção. Considerando que à temperatura ambiente as impurezas
estão quase totalmente ionizadas, podemos usar as expressões (5.38) e (5.41)
para as concentrações de portadores em equilı́brio. Substituindo-as em (6.30)
vem
Dn
Dp
2
+
.
(6.31)
Is = eA ni
Lp Nd Ln Na
Como ni varia exponencialmente com a energia do gap Eg , a corrente de
saturação (6.31) varia muito de um semicondutor para outro. Evidentemente,
ela também varia muito com a temperatura. Consideremos uma junção de
Ge com concentrações de impurezas Na = 1018 cm−3 e Nd = 1015 cm−3 . Uma
Nd é chamada p+ − n. Neste caso o primeiro
junção como esta com Na
termo em (6.31) domina completamente o segundo. Considerando uma área
da junção de A = 10−4 cm2 e tempo de recombinação τp ≃ 0, 1 µs, com os
valores de ni e Dp da Tabela 5.2 obtemos,
Is ≃ 2, 5 × 10−7 A = 0, 25 µA
.
A Figura 6.7 mostra a curva I − V dada pela Equação (6.29) com este
valor de Is . A parte (b) da figura mostra uma região expandida em torno da
origem. Vemos que para V = −0, 1 V a corrente já tem valor praticamente
igual a da saturação reversa. Com polarização direta, V > 0, a corrente cresce
exponencialmente com V . A Fig.6.7(a) feita numa escala de corrente 105 vezes
maior apresenta um aspecto mais familiar da caracterı́stica I − V da junção.
Ela é fortemente assimétrica em relação ao sentido de polarização. Com polarização reversa a corrente é desprezı́vel comparada com a de polarização direta,
que é a caracterı́stica essencial do diodo. Um aspecto marcante da Fig.6.7(a)
é o aumento abrupto da corrente que ocorre num valor de tensão em torno de
0,3 V. Este aspecto da curva é simplesmente o resultado de um crescimento
exponencial de I com V . O valor da tensão crı́tica para o qual a corrente cresce
bruscamente depende fundamentalmente do semicondutor. Isto pode ser visto
substituindo (6.31) em (6.29) e usando a Eq.(5.23) para ni . Desprezando a
unidade em presença da exponencial em (6.29) obtemos,
Dp
Dn
+
(6.32)
I = eA
Nc Nv e(eV −Eg )/kB T .
Lp Nd Ln Na
186
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 6.7: Caracterı́stica I-V de junção p-n ideal dada pela equação do diodo com Is =
0, 25 µA, valor adequado para uma junção de germânio. A curva em (b) é a mesma que em
(a), feita em escala ampliada para mostrar o comportamento em torno da origem.
Vemos então que a corrente cresce exponencialmente com a diferença entre V
e o valor da energia do gap em eV. A tensão crı́tica de crescimento brusco
da corrente está na faixa 0,2-0,4 V para junções de germânio e 0,6-0,8 V para
junções de silı́cio.
Finalmente é preciso notar que em junções reais a resposta I −V desvia de
(6.29) devido aos seguintes fatores: a recombinação na região de carga espacial
não é completamente desprezı́vel; a concentração de portadores majoritários
não permanece em equilı́brio quando a corrente aumenta muito; a junção não
é abrupta, como o modelo que consideramos nesta seção. Estes efeitos são
tratados em outros livros mais especializados em dispositivos semicondutores.
6.3
Heterojunções
Uma junção formada por dois materiais intrinsecamente diferentes é chamada
uma heterojunção, em contraste com aquela estudada na seção anterior,
que é uma homojunção. Quando os materiais nos dois lados da junção são
diferentes, o diagrama de energia exibe uma descontinuidade na interface dos
dois materiais, ao contrário do comportamento contı́nuo da Fig.6.3. Em geral
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
187
são chamadas heterojunções aquelas formadas de semicondutores diferentes,
como GaAs e (GaA)As, usada em lasers semicondutores. Porém junções entre
metais e semicondutores também são heterojunções e têm utilidade para a fabricação de dispositivos. Junções envolvendo metais têm algumas propriedades
e aplicações semelhantes às das junções p-n, mas também têm caracterı́sticas e
atrativos peculiares. Este é o caso de junções metal-semicondutor, que são úteis
em dispositivos de alta freqüência, e de junções metal-isolante-semicondutor,
usadas em circuitos digitais de alta integração.
O comportamento de um material numa heterojunção depende fortemente de sua função trabalho W0 , cujo conceito foi introduzido na Seção
2.3. Ela é definida como a energia necessária para “arrancar” um elétron do
interior de um material e levá-lo para longe de sua superfı́cie. Tendo estudado as propriedades quânticas de elétrons em metais e em semicondutores,
podemos compreender melhor o conceito da função trabalho. No caso de um
metal, como os elétrons de energia mais alta estão no nı́vel de Fermi, é fácil
ver que a função trabalho é dada por W0 = E0 − EF , onde E0 é a energia
do elétron no vácuo e longe do material, como ilustrado na Fig.6.8(a). Em
metais costuma-se escrever W0 = eφm , onde φm é um potencial elétrico com
valor tipicamente da ordem de 2 a 6 V. Nos semicondutores a definição da
função trabalho também é W0 = E0 − EF . Entretanto como não existem
elétrons no nı́vel de Fermi, W0 = eφs não é a energia mı́nima necessária para
“arrancar” elétrons do semicondutor. Como os elétrons de mais alta energia
estão na banda de condução, a energia necessária para removê-los do material
Figura 6.8: Ilustração das funções trabalho nos diagramas de energia de um metal (a) e de
um semicondutor (b) separados.
188
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
é E0 − Ec ≡ eX , onde eX é chamada afinidade eletrônica. A Fig.6.8 ilustra
esquematicamente as funções trabalho de um metal e de um semicondutor separados e no vácuo. Note que na figura o nı́vel de energia E0 de um elétron no
vácuo é o mesmo, quer ele tenha sido removido do metal ou do semicondutor.
Desta forma, quando um metal e um semicondutor estão separados, seus nı́veis
de Fermi têm posições relativas diferentes, que dependem exclusivamente de
suas respectivas funções trabalho eφm eφs .
6.3.1
Junção Metal-Semicondutor
Quando um metal é colocado em contato direto com um semicondutor, ocorre
uma transferência de cargas de um lado para o outro de modo a igualar os dois
nı́veis de Fermi, a semelhança do que acontece numa junção p-n. O sentido de
movimento de cargas depende então dos valores relativos das funções trabalho.
A diferença para o caso da junção de dois semicondutores é que buracos não
podem passar do semicondutor para o metal, pois eles são quase-partı́culas que
existem apenas nos semicondutores. Essa transferência cria camadas de cargas
nos dois lados da junção resultando numa barreira de potencial, chamada barreira de Schottky, em homenagem ao fı́sico W. Schottky que estudou contatos
metal-semicondutor na década de 30. A forma da barreira é bastante diferente da junção p-n, depende do tipo do semicondutor, dos valores relativos
das funções trabalho nos dois materiais e da afinidade eletrônica. As formas
da barreira Schottky para dois casos tı́picos estão mostradas na Fig.6.9.
A Fig.6.9(a) corresponde à junção de um metal com um semicondutor
tipo n de função trabalho menor, isto é, com φs < φm . Sendo eφm a energia
necessária para arrancar um elétron do metal e −eX a energia para introduzilo no semicondutor, a altura da barreira de energia eφB que um elétron deve
vencer para passar do metal para o semicondutor é eφB = e(φm − X ). Analisando as posições relativas de EF e Ec nas Figuras 6.8 e 6.9(a), vemos então que
a diferença de energia entre o pico da barreira e o mı́nimo da banda de condução
Ec é e(φm − φs ). Esta diferença caracteriza o potencial de contato entre o
metal e o semicondutor em equilı́brio, V0 = φm − φs , que impede a passagem
de elétrons do semicondutor para o metal. Este potencial pode ser reduzido
ou aumentado pela aplicação de uma tensão externa com polarização direta
ou reversa, respectivamente. Por esta razão o contato metal-semicondutor tem
caracterı́stica I-V semelhante a de uma junção p-n.
A Fig.6.9(b) ilustra a barreira Schottky no caso de um semicondutor tipo
p com φs > φm . Neste caso, para ocorrer o alinhamento dos nı́veis de Fermi, é
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
189
Figura 6.9: Diagramas de energia de junções metal-semicondutor em equilı́brio: (a) Semicondutor tipo n com φs < φm ; (b) Semicondutor tipo p com φs > φm .
preciso que haja um acúmulo de cargas positivas no lado do metal e de cargas
negativas no lado do semicondutor. Isto ocorre com a transferência de elétrons
do metal para o semicondutor, onde eles ionizam as impurezas aceitadoras
numa camada de depleção. As camadas de carga nos dois lados produzem uma
barreira de potencial V0 = φs − φm em equilı́brio que impede a continuação
do movimento de transferência. Como no caso anterior, esta barreira pode ser
aumentada ou diminuı́da pela aplicação de uma tensão externa.
Uma diferença importante da junção metal-semicondutor para a junção
p-n é que na primeira a corrente é dominada por portadores majoritários,
enquanto que na segunda ela é determinada pelos portadores minoritários.
O processo pelo qual os portadores majoritários constituem a corrente na
junção metal-semicondutor polarizada diretamente envolve a emissão de
elétrons do metal, semelhante à emissão termiônica no catodo quente de uma
válvula a vácuo. Seu estudo quantitativo pode ser encontrado em algumas
referências citadas no final deste Capı́tulo.
Finalmente é importante ressaltar que nos casos dos contatos metalsemicondutor tipo n com φm < φs e metal-semicondutor tipo p com φs < φm ,
o potencial de contato é negativo e não há formação da barreira de poten-
190
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
cial. Contatos deste tipo são chamados ôhmicos, porque sua resistência não
depende do sentido da corrente.
6.3.2
Heterojunções de Semicondutores
Numa heterojunção de semicondutores a descontinuidade de energia na interface resulta dos diferentes gaps de energia nos dois lados. Uma heterojunção com grande aplicação tecnológica é aquela formada por GaAs e pela liga
Ga1−x Ax As. Nesta liga uma certa fração x de átomos de A substitui os
átomos de Ga de maneira aleatória na rede cristalina. Como GaAs e AAs
cristalizam na mesma estrutura (zinc-blende, Fig.1.8a) e têm parâmetros de
rede quase idênticos, a substituição de Ga por A não produz distorções na
rede. O principal efeito do A na rede de GaAs é o aumento do gap de energia. Como GaAs tem Eg = 1, 43 eV e AAs tem Eg = 2, 16 eV, o gap de
Ga1−x Ax As depende da concentração x do alumı́nio. Em primeira aproximação, Eg varia linearmente com x entre os dois valores dos cristais puros.
Devido ao fato de que as redes são quase idênticas, é possı́vel crescer
Ga1−x Ax As em cima da superfı́cie de um cristal de GaAs, produzindo uma interface cristalina quase perfeita. Isto possibilita a fabricação de heterojunções
nas quais os elétrons e buracos passam de um lado para outro sem sofrer espalhamento causado por imperfeições na interface. O crescimento de (GaA)As
sobre GaAs é feito tradicionalmente com a técnica LPE, mencionada na Seção
1.4. Atualmente, com a técnica de MBE e outras técnicas de fabrição de filmes,
é possı́vel depositar camadas monoatômicas individuais, uma após outra, produzindo redes, interfaces, heterojunções e super-redes quase perfeitas.
A Fig.6.10(a) mostra os diagramas de energia de GaAs tipo n e
Ga1−x Ax As tipo p, com certa concentração x de A, quando os dois materiais
estão separados. Neste caso, cada material é caracterizado por uma função
trabalho e uma afinidade eletrônica diferentes, referidas ao nı́vel do vácuo.
Quando os dois materiais são postos em contato, ocorre passagem de elétrons
e buracos de um lado para outro. Como na homojunção p-n, no equilı́brio os
nı́veis de Fermi dos dois lados se igualam. Entretanto, sendo os valores de Eg
diferentes, aparecem descontinuidades Ec na banda de condução e Ev na
banda de valência, como ilustrado na Fig.6.10(b). Pelo exame dos diagramas
de energia vemos facilmente que,
Ec = e(X1 − X2 )
,
Ev = Eg2 − Eg1 − Ec
(6.33)
.
(6.34)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
191
Ec 2
2
1
1
Ev1
Ec 2
DEc
Ec1
F1
2
2
Eg1
DEv
Eg 2
DEc
eV1
Ec1
EF2
Ev 2
EF
Ev 2
Ev1
Figura 6.10: Diagramas de energia de uma heterojunção de n-GaAs e p-(GaA)As:
(a) Materiais separados; (b) Junção em equilı́brio.
Estas descontinuidades são as mesmas, quer os materiais estejam separados
quer estejam em contato, uma vez que elas dependem das afinidades eletrônicas
e dos gaps. Vemos em (6.33) e (6.34) que quando os valores de χ e Eg são
iguais, Ec = Ev = 0. Como as descontinuidades existem nos materiais
separados, elas nada têm a ver com a formação das camadas de carga nos
dois lados da junção, as quais criam a barreira de potencial V0 . Assim sendo,
V0 só depende da variação no nı́vel Ec da banda de condução, descontada a
descontinuidade Ec . A altura da barreira é, portanto, dada por
V0 = V1 + V2
,
(6.35)
onde V1 e V2 estão mostrados na Fig.6.10(b).
A diferença entre os gaps de energia dos semicondutores numa heterojunção possibilita a fabricação de uma enorme variedade de formas de potenciais
para elétrons na banda de condução e buracos na banda de valência. Isto
permite a investigação de propriedades quânticas de partı́culas em potenciais
fabricados com formas engenhosas, como também a construção de sofisticados dispositivos. Uma heterojunção importante para investigações cientı́ficas
e para aplicações está mostrada na Fig.6.11. Ela é formada por dois semicondutores dopados com impurezas tipo n, n-GaAs e n-Gax A1−x As. Devido aos
valores das afinidades eletrônicas dos dois materiais, as descontinuidades nas
bandas são Ec = 0, 85 Eg e Ev = 0, 15 Eg , sendo Eg = Eg2 − Eg1 .
Estas descontinuidades servem para bloquear a difusão de portadores do GaAs
para o (GaA)As, o que é importante para os lasers semicondutores que serão
estudados no Capı́tulo 8.
192
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
DEc
EF
Eg1
DEv
Eg 2
Figura 6.11: Heterojunção de n-GaAs e n-(GaA)As.
6.4
Diodo de Junção
O diodo é um dispositivo eletrônico de dois terminais que só deixa passar
corrente elétrica num sentido. Um diodo ideal deveria apresentar resistência
nula à corrente num sentido, como um curto-circuito, e resistência infinita,
como um circuito aberto, para a corrente no sentido oposto. Os diodos reais,
no entanto, têm num sentido resistência pequena, mas não nula, e resistência
muito elevada, porém não infinita, no outro sentido. A Figura 6.12 mostra o
sı́mbolo do diodo e a caracterı́stica I-V de um diodo ideal. A parte triangular
do sı́mbolo representa a ponta de uma seta, indicando o sentido de passagem da
corrente no diodo. O diodo à válvula, que existia antes da era do semicondutor,
é feito de um tubo a vácuo no interior do qual há dois elementos, catodo e
anodo. O catodo é aquecido por um filamento e emite elétrons, enquanto o
anodo não aquecido apenas recebe elétrons provenientes do catodo. Quando
uma diferença de potencial positiva é aplicada entre o anodo e o catodo, os
elétrons vão do catodo para o anodo e produzem uma corrente. Quando a
tensão é aplicada no sentido oposto, o anodo não pode emitir elétrons, pois
não é aquecido, resultando em corrente nula. Os diodos semicondutores são
feitos com junções p-n ou contatos metal-semicondutor. Enquanto na válvula
à vácuo a assimetria é devida ao fato de que o catodo emite elétrons mas o
anodo não, nos diodos semicondutores a assimetria é causada pela barreira de
potencial.
O diodo de junção consiste apenas de uma junção p-n com dois contatos
metálicos para entrada e para saı́da de corrente. No lado p o contato entre
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
193
Figura 6.12: (a) Sı́mbolo do diodo. (b) Caracterı́stica I-V do diodo ideal.
o semicondutor e o filme de alumı́nio forma naturalmente um bom contato
ôhmico, devido aos valores relativos das funções trabalho. No lado n o contato
ôhmico é obtido através de uma dopagem mais forte, produzindo uma região
n+ como na Fig.6.1. Por analogia com o diodo à válvula, o terminal p é
chamado anodo e o terminal n é chamado catodo.
Os diodos de junção têm caracterı́stica I-V como aquela mostrada na
Fig.6.7. Quando eles são polarizados diretamente, a corrente só alcança intensidade substancial quando a tensão é próxima ou maior que um valor crı́tico
E0 , que depende do semicondutor da junção. Em diodos de Ge este valor é
da ordem de 0,2 a 0,4 V, enquanto que em diodos de Si ele varia de 0,6 a 0,8
V. A Fig.6.13 mostra um circuito aproximadamente equivalente ao diodo de
junção. Para V < E0 a corrente no circuito é nula, pois a presença da bateria
faz a tensão nos terminais do diodo ideal ser negativa. Para V > E0 a corrente
aumenta linearmente com a diferença V − E0 , devido ao resistor R em série
Figura 6.13: (a) Circuito aproximado equivalente ao diodo de junção. A bateria produz a
tensão crı́tica E0 e o resistor determina a inclinação finita da caracterı́stica I-V , mostrada
em (b).
194
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 6.14: Aspectos fı́sicos comuns de diodos. (a) Baixa corrente. (b) Corrente intermediária. (c) Alta corrente.
com o diodo e a bateria.
O circuito equivalente da Fig.6.13(a) vale para tensões dc. Para tensão
alternada, de freqüência relativamente alta, é preciso considerar o efeito da
capacitância da junção. Quando a tensão aplicada ao diodo varia bruscamente,
a carga na região de depleção não acompanha imediatamente. Isto limita a
resposta em freqüência do diodo. Este efeito pode ser representado por um
capacitor em paralelo com o circuito da Fig.6.13(a), cuja capacitância é, em
parte, dada pela Eq.(6.20). Também contribui para a capacitância o atraso
no tempo do movimento de difusão das cargas nas proximidades da junção.
Os valores relativos da capacitância de difusão e da região de carga espacial
dependem da geometria da junção e dos materiais que a formam.
A Figura 6.14 mostra três aspectos fı́sicos comuns de diodos comerciais.
Cada tipo de diodo é identificado por um código alfanumérico (Exemplos:
1N23 e 1N56. O número 1 antes da letra N é usado para identificar diodos). A
identificação dos terminais do anodo e do catodo, assim como a caracterı́stica
I-V e outros parâmetros do diodo, constam das especificações de cada tipo de
diodo.
Exemplo 6.3: Calcule as correntes de saturação e faça os gráficos I − V de três diodos ideais, em T
= 300 K, um de Ge, um de Si e um de GaAs, considerando que todos têm os seguintes parâmetros:
Na = 1017 cm−3 ; Nd = 1015 cm−3 ; A = 10−4 cm2 ; τp = τn = 0, 5 µs.
A corrente desaturação é dada por (6.31). Como Na Nd , podemos desprezar o segundo
termo. Usand Lp = Dp τp vem,
Is ≃
1/2
e A n2i Dp
1/2
τp Nd
.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
195
Utilizando os dados do diodo e os parâmetros da Tabela 5.2 convertidos para o Sistema
Internacional, temos para o diodo de Ge,
Is =
1, 6 × 10−19 × 10−4 × 10−4 × (2, 5 × 1013 × 106 )2 × (50 × 10−4 )1/2
A
(0, 5 × 10−6 )1/2 × 1015 × 106
Is = 1, 0 × 10−7 A .
Para o diodo de Si vem
Is =
1, 6 × 10−19 × 10−4 × 10−4 × (1, 5 × 1010 × 106 )2 × (12, 5 × 10−4 )1/2
A
(0, 5 × 10−6 )1/2 × 1015 × 106
Is = 1, 8 × 10−14 A .
Para o diodo de GaAs vem
Is =
1, 6 × 10−19 × 10−4 × (107 × 106 )2 × (10 × 10−4 )1/2
A
(0, 5 × 10−6 )1/2 × 1015 × 106
Is = 7, 2 × 10−21 A .
Os gráficos I − V dos três diodos são feitos calculando I em função de V , numericamente,
com a Equação do Diodo (6.29), usando os três valores de Is acima. O resultado está mostrado na
Figura 6.15 e evidencia a diferença entre as tensões crı́ticas dos diodos feitos com os três materiais.
Figura 6.15: Curvas I − V dos diodos de Ge, Si e GaAs do Exemplo 6.3.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
196
6.4.1
Aplicações
Os diodos de junção têm inúmeras aplicações em circuitos eletrônicos. Uma das
mais tradicionais é a retificação de tensão alternada em fontes de alimentação,
usadas para fornecer tensão dc para a operação de equipamentos eletrônicos.
A Figura 6.16(a) mostra os elementos básicos do circuito retificador de meia
onda. O transformador tem a função de transformar a amplitude da tensão
alternada da rede de distribuição (em geral 110 V ou 220 V, valor eficaz) para
o valor adequado à fonte. A Figura 6.16(b) mostra a tensão senoidal v(t) no
secundário do transformador, cujo valor médio é nulo, aplicada na entrada
do retificador. Considerando a tensão crı́tica E0 do diodo muito menor que
o valor de pico de v(t), o diodo apresenta resistência desprezı́vel nos semiciclos positivos de v(t) e resistência elevada nos semiciclos negativos. Como
resultado, a corrente i(t) que atravessa o diodo em série com a resistência de
carga R, acompanha v(t) nos semiciclos positivos, porém é desprezı́vel durante
os semiciclos negativos, adquirindo a forma mostrada na Fig.6.16(c). A corrente retificada é unidirecional, tem valor médio diferente de zero, porém não
é constante, como seria desejado numa fonte dc. Entretanto, a simples adição
ao circuito de um capacitor na posição mostrada pelas linhas tracejadas, faz a
corrente aproximar-se da forma dc. O capacitor carrega-se durante o semiciclo
de condução do diodo e descarrega sobre R no semiciclo negativo, fazendo a
corrente adquirir a forma da linha tracejada na Fig.6.16(c). Evidentemente,
Figura 6.16: Ilustração da operação de um circuito simples retificador de meia-onda. A
tensão v(t) no secundário do transformador resulta na corrente i(t) no diodo e na carga. A
linha tracejada representa a forma de onda obtida com a adição do capacitor ao circuito.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
197
a condição para que isto ocorra é que a constante de tempo RC seja muito
maior que o perı́odo da tensão alternada.
Os diodos empregados em circuitos retificadores não precisam ter resposta rápida, uma vez que a tensão ac nesses circuitos tem baixa freqüência
(tipicamente 60 Hz nas redes de distribuição). Porém eles precisam satisfazer
dois requisitos básicos: o primeiro é que a sua corrente máxima seja maior
que a exigida pela carga. Devido às colisões de elétrons e buracos com a rede
cristalina, a passagem de corrente aquece o diodo, havendo um valor limite
que danifica a junção por superaquecimento. Desta forma, cada diodo, dependendo de suas caracterı́sticas fı́sicas, suporta uma corrente máxima; o outro
requisito é que a tensão de pico no semiciclo negativo seja menor que a tensão
de ruptura do diodo na polarização reversa. A origem desta tensão de ruptura
será apresentada na Seção 6.6.
Outra aplicação do diodo, baseada em sua propriedade de retificação, é
como detetor de pico, empregado na detecção de onda modulada em amplitude em receptores de rádio AM. Na transmissão por rádio AM, a onda de alta
freqüência, chamada portadora, tem uma amplitude que varia de acordo com
o sinal de baixa freqüência (por exemplo, de áudio) da informação. Uma onda
AM tı́pica está mostrada na Figura 6.17(a), na qual a portadora senoidal de
alta freqüência é modulada por um sinal, também senoidal, de baixa freqüência.
Se a tensão desta onda AM é aplicada a um circuito com diodo, capacitor e resistência de carga, como o da Fig.6.16, sem o transformador, a tensão na carga
tem a forma da Fig.6.17(b). O circuito retificador de meia onda com capacitor
corta os semiciclos negativos da portadora, produzindo um sinal que corresponde à variação do valor dos picos positivos. Este sinal é aproximadamente
Figura 6.17: a) Onda senoidal de alta freqüência modulada por sinal senoidal de áudio.
A linha formada pelos valores de pico corresponde ao sinal de áudio. b) Sinal de áudio
produzido pelo detetor de pico com diodo.
198
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
igual ao sinal senoidal de áudio que modula a amplitude da onda portadora.
Os diodos usados em detetores de pico trabalham com tensões muito pequenas
e portanto podem ter baixa corrente máxima. Por outro lado, ao contrário dos
diodos de retificação de fontes de alimentação, eles devem responder a altas
freqüências.
6.5
Diodo de Barreira Schottky
Como mencionado na Seção 6.3.1, um contato metal-semicondutor com barreira de Schottky tem caracterı́stica I-V semelhante à da junção p-n sendo,
portanto, também um diodo. Na realidade, historicamente o primeiro dispositivo semicondutor construı́do foi o diodo de contato metal-semicondutor. Nos
primeiros anos da eletrônica costumava-se fabricar diodos detetores de sinal
pressionando uma agulha metálica na superfı́cie de um cristal semicondutor.
Um semicondutor usado popularmente era o PbS, a galena, encontrado na natureza na forma cristalina. Daı́ surgiu o nome rádio galena, dado aos receptores
de rádio constituı́dos apenas de um circuito LC de sintonia, um diodo detetor
de galena e um fone de ouvido. Foi também com contatos metal-semicondutor
que Bardeen e Brattain construı́ram em 1947 o primeiro transistor, que se
constituiu na maior descoberta tecnológica do século 20. No decorrer dos
anos 50 os diodos e os transistores de contato metal-semicondutor, chamados simplesmente de ponto-contato, foram abandonados devido à dificuldade
de reprodução das caracterı́sticas I-V . Eles foram então substituı́dos pelos
dispositivos de junção p-n que são os mais utilizados até hoje. Entretanto,
com o aperfeiçoamento da tecnologia de fabricação e a compreensão teórica
de seu funcionamento, os dispositivos de ponto-contato voltaram a ter grande
utilidade em certas aplicações.
Apesar do diodo de barreira de Schottky ter caracterı́stica I-V semelhante ao diodo de junção, há importantes diferenças entre os dois tipos de
diodo. Elas decorrem fundamentalmente do fato de que a corrente na barreira de Schottky é devida a portadores majoritários, enquanto na junção
p-n é devida aos portadores minoritários. Quando a tensão numa junção pn é chaveada bruscamente de polarização direta para reversa, os portadores
minoritários não são removidos para o outro lado instantaneamente devido
ao tempo de recombinação (Seção 5.4.4). Este efeito limita a resposta de
freqüência de diodos de junção p-n. Nos diodos de barreira de Schottky não
há portadores minoritários para serem removidos, de modo que o tempo de
resposta é muito menor. Por esta razão eles têm grande aplicação em circuitos
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
199
detetores de alta freqüência ou de chaveamento rápido.
Outra diferença entre o diodo Schottky e o de junção p-n está no valor
da tensão crı́tica E0 da caracterı́stica I-V . Como vimos na Seção 6.1, ela
resulta de uma combinação entre o valor da corrente de saturação Is e o efeito
do crescimento exponencial de I com V , dada pela Eq.(6.29). Num diodo
Schottky feito com um mesmo semicondutor e com a mesma área que outro
diodo de junção p-n, a corrente de saturação é muito maior no primeiro, pois
é devida a portadores majoritários. Como ilustrado na Fig.6.18 isto resulta
numa tensão crı́tica bem menor no diodo Schottky que no de junção p-n,
aproximando-o mais de um diodo ideal na polarização direta.
Os diodos Schottky não suportam correntes elevadas, pois sendo a área
de contato muito pequena, a densidade de corrente torna-se muito grande e
danifica o contato. Por esta razão eles não servem para circuitos retificadores.
Sua maior aplicação é em circuitos detetores, que exigem resposta em alta
freqüência e alta sensibilidade (grande inclinação da curva I-V próximo da
origem).
Figura 6.18: Comparação entre as caracterı́sticas I-V de um diodo Schottky (a) e um diodo
de junção p-n (b) de Silı́cio. Ambas as curvas foram obtidas da Eq.(6.29), sendo usado
Is = 2, 5 µA em (a) e Is = 1 nA em (b).
200
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
6.6
Ruptura na Polarização Reversa: Diodo Zener
De acordo com o modelo apresentado na Seção 6.1, na junção p-n polarizada
reversamente circula uma pequena corrente, cuja intensidade tende para um
valor de saturação Is à medida que a tensão reversa aumenta. Na verdade
isto só ocorre enquanto a tensão reversa for menor (em módulo) que um certo
valor VR , chamado tensão de ruptura (breakdown, em inglês). Se a tensão
atingir este valor crı́tico, a corrente aumenta bruscamente, como resultado de
um processo de ruptura eletrônica da junção. Desde que o circuito externo
limite a intensidade da corrente não a deixando ultrapassar um valor máximo
(que depende das caracterı́sticas do dispositivo), este processo de ruptura nada
tem de destrutivo. Ele é perfeitamente reprodutivo e pode ser repetido uma
infinidade de vezes. O processo de ruptura de uma junção pode ocorrer por dois
mecanismos diferentes: o chamado efeito Zener e o mecanismo de avalanche.
Embora diferentes, ambos resultam do efeito do campo elétrico que existe na
região de carga espacial da junção p-n, sobre os portadores de carga. Na
junção polarizada reversamente, este campo cresce acompanhando a altura da
barreira de potencial, como ilustrado na Figura 6.5(c). O processo de ruptura
acontece quando o campo atinge um valor crı́tico.
O efeito Zener ocorre em tensões relativamente pequenas, de alguns
volts, em junções de semicondutores fortemente dopados. Como mostra a
Eq.(6.18), se as concentrações de impurezas Na e Nd nos dois lados da junção
aumentam, a espessura da camada de depleção diminui. Com concentrações
da ordem de 1019 − 1020 cm−3 , para tensões reversas de alguns volts a espessura é da ordem de 10−5 cm, o que resulta em campos da ordem de 106
V/cm. Campos elétricos com esta intensidade quebram as ligações covalentes
e ionizam átomos da rede cristalina. Os elétrons liberados na ionização são
acelerados no sentido oposto ao campo, passando para o lado n da junção e produzindo corrente no sentido reverso, muito maior que a corrente de saturação
reversa.
Em junções com menores concentrações de impurezas, o campo elétrico
na região de depleção pode não ser suficiente para produzir ionização direta
dos átomos do semicondutor, não havendo, portanto, efeito Zener. Entretanto,
sempre haverá um valor de tensão reversa para o qual ocorrerá ruptura na
junção através do mecanismo de avalanche. Como o nome sugere, este é um
processo no qual ocorrem eventos sucessivos, resultando numa multiplicação
no número de portadores. O primeiro evento resulta da aceleração, pelo campo
elétrico, de um elétron que entra na junção proveniente do lado p. Se o elétron
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
201
tiver energia suficiente, sua colisão com a rede cristalina pode produzir um par
elétron-buraco, resultando na multiplicação por um fator dois no número de
portadores. Em seguida, o elétron criado é acelerado para o lado n, enquanto o
buraco é acelerado para o lado p. Se a tensão reversa for suficientemente alta,
cada um deles produzirá um par elétron-buraco, que por sua vez produzirão
outros pares, num processo de reação em cadeia. O valor de tensão reversa
para o qual esta avalanche produz um brusco crescimento na corrente reversa
é a tensão de ruptura VR , cujo valor pode variar entre alguns volts e milhares
de volts.
Independentemente do mecanismo responsável pela ruptura na junção,
Zener ou avalanche, a caracterı́stica I-V completa do diodo tem a forma
mostrada na Fig.6.19(a). Na polarização reversa o diodo apresenta uma grande
resistência, sendo atravessada por uma corrente pequena de valor próximo a
Is , desde que a tensão seja menor que VR . Para tensões próximas de VR , qualquer variação em V produz enormes variações na corrente reversa causada pela
ruptura da junção. Os diodos que são fabricados para operar na região de ruptura são chamados diodos Zener. Apesar do nome, em geral o mecanismo
de ruptura dos diodos Zener é o processo de avalanche. Eles têm o sı́mbolo
mostrado na Figura 6.19(b), e podem ser fabricados para apresentar tensão de
ruptura VR escolhida, variando na faixa de 1 V a centenas de volts. Nos diodos
Zener de boa qualidade a corrente de ruptura é representada por uma linha
quase vertical, o que significa que a tensão nos terminais é mantida constante
Figura 6.19: (a) Caracterı́stica I-V do diodo de junção, mostrando o brusco aumento da
corrente reversa na tensão de ruptura VR . (b) Sı́mbolo do diodo Zener.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
202
Figura 6.20: a) Circuito regulador com diodo Zener. b) Tensão variável na entrada.
c) Tensão constante na saı́da do regulador.
e igual a −VR , independentemente do valor da corrente.
A aplicação mais importante dos diodos Zener é como regulador de
tensão em fontes de alimentação. A Fig.6.20 mostra a saı́da de um circuito
regulador com um diodo Zener de 9 V, quando alimentado por uma tensão
tı́pica de um retificador de meia onda. A tensão de entrada tem uma pequena
ondulação em torno de um valor médio de 12 V, como a forma de onda da
Fig.6.16(c). A presença do diodo Zener com polarização reversa faz com que
a tensão de saı́da seja VR = 9 V, independentemente da variação da tensão de
entrada. A diferença entre a tensão de entrada e a de saı́da fica aplicada no
resistor, cujo papel é “absorver” as flutuações da entrada.
6.7
Outros Tipos de Diodos
6.7.1
Varactor
As Eqs.(6.18) e (6.20) mostram que o diodo de junção p-n tem uma capacitância que varia com a tensão da barreira de potencial. Considerando que
na polarização reversa com uma tensão V o potencial da barreira é V + V0 , e
supondo que V
V0 , a Eq.(6.18) dá para a espessura da região de depleção
(Problema 6.4),
∝ V 1/2 .
(6.36)
Como conseqüência deste resultado e da Eq.(6.20), a capacitância da junção
varia com a tensão reversa na forma
C ∝ V −1/2
.
(6.37)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
203
Um diodo com corrente de saturação muito pequena, submetido a uma
tensão de polarização reversa, comporta-se então como um capacitor cuja capacitância é variável com a tensão. Ele é chamado varactor, termo formado
pela união de partes das palavras variable reactor. A dependência da capacitância com a tensão da Eq.(6.37) é válida apenas para uma junção abrupta,
como aquela da Fig.6.2. Se a variação da concentração na região da junção
for gradual, a dependência de C com V será diferente. Utilizando técnicas
de crescimento epitaxial ou de implantação iônica, é possı́vel fabricar junções
com diferentes perfis de variação da concentração, escolhidos de modo a obter
funções C(V ) adequadas para aplicações especı́ficas do varactor.
Os varactores são utilizados em circuitos LC de sintonia de receptores
de rádio, no lugar dos capacitores de placa variáveis manualmente. O fato
de sua capacitância ser controlada pela tensão possibilita o controle eletrônico
da freqüência de sintonia do circuito. Para esta aplicação utiliza-se varactores
cuja capacitância varia na forma C ∝ V −2 . Neste caso, a freqüência de sintonia do circuito, ω = (LC)−1/2 , é proporcional à tensão aplicada ao diodo.
Eles também são empregados em filtros ativos, geradores de harmônicos e em
circuitos de microondas.
6.7.2
Diodo Túnel
O diodo túnel é feito com uma junção p-n na qual, em certa faixa de tensão
de polarização direta, a corrente é dominada pelo efeito de tunelamento de
elétrons através da barreira de potencial na junção. Como mostrado na Seção
3.3.3, existe uma probabilidade finita para um elétron atravessar uma barreira
com potencial máximo maior que sua energia cinética. Este é o efeito túnel,
de natureza inteiramente quântica.
Como vimos na Seção 6.2, a corrente numa junção p-n comum é devida
ao movimento de difusão de portadores minoritários nos dois sentidos. Isto
resulta numa corrente que decresce exponencialmente com a tensão aplicada,
tendendo a zero quando V → 0. O diodo túnel é feito com semicondutores
fortemente dopados nos dois lados da junção, o que resulta no tunelamento
direto de elétrons do lado n para o lado p, produzindo uma corrente maior que a
corrente de difusão quando V é pequena. Para que isto ocorra é essencial, como
veremos a seguir, que os dois lados da junção estejam fortemente dopados.
O cenário de nı́veis de energia que apresentamos na Seção 5.3 só é válido
quando a concentração de impurezas é relativamente pequena, N
1020 cm−3 .
204
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Nesta situação as impurezas estão muito afastadas umas das outras, de modo
que a interação entre elas é desprezı́vel. Quando a concentração de impurezas é
da ordem de 1020 cm−3 ou maior, a interação entre elas deixa de ser desprezı́vel.
Neste caso ocorre um fenômeno como aquele ilustrado na Fig.4.1, os nı́veis de
energia das impurezas deixam de ser discretos e passam a formar bandas.
Se as impurezas forem doadoras, elas formam uma banda de energia que se
superpõe a banda de condução, fazendo com que o nı́vel de Fermi esteja acima
do mı́nimo desta banda, EF > Ec . Em conseqüência, os estados de energia
acima de Ec e abaixo de EF estão preenchidos com elétrons, mesmo em T = 0.
Os semicondutores nesta situação são chamados degenerados tipo n. De
maneira análoga, um semicondutor fortemente dopado com impurezas tipo p
tem EF < Ev , de modo que os estados entre EF e Ev estão preenchidos com
buracos.
O diodo túnel é feito com uma junção p-n de dois semicondutores degenerados, cujo diagrama de energia está mostrado na Fig.6.21. Na situação
de equilı́brio, com tensão externa V = 0, o nı́vel de Fermi EF é o mesmo nos
dois lados da junção. Como EF > Ev no lado p e EF < Ec no lado n, existem
estados preenchidos na banda de condução no lado n com energia próxima a de
estados vazios na banda de valência no lado p. Estes estados estão separados
espacialmente pela espessura da região de depleção que, devido à alta concentração de impurezas é bastante estreita (veja a Eq.6.18). Como vimos na Seção
3.3.3, estados cheios separados de estados vazios por uma barreira de potencial estreita e de altura finita, criam as condições favoráveis ao tunelamento de
elétrons. Quando V = 0, como vemos na Fig.6.21(a) não há estados cheios e
vazios exatamente com a mesma energia. Nesta situação não há tunelamento
Figura 6.21: Diagramas de energia de uma junção p-n no diodo túnel: a) V = 0, junção
em equilı́brio; b) V < 0, corrente de tunelamento no sentido reverso; c) V > 0, corrente de
tunelamento no sentido direto.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
205
de elétrons. Entretanto, com V = 0, tanto na polarização reversa como na
direta, há estados cheios de um lado com mesma energia de estados vazios do
outro lado porque os nı́veis de Fermi nos dois lados são diferentes, resultando
em tunelamento. Se V < 0 ocorre tunelamento de elétrons do lado p para o
lado n, como mostra a Fig.6.21(b), resultando em corrente no sentido reverso.
Por outro lado, se V > 0, pela Fig.6.21(c) vemos que o tunelamento é no
sentido de n para p, produzindo corrente direta.
Com polarização direta, V > 0, inicialmente a corrente aumenta com
a tensão, pois o número de estados vazios no mesmo nı́vel de estados cheios
aumenta com V . Entretanto, com o aumento progressivo de V , a partir de um
certo valor a banda de condução no lado n fica acima da banda de valência
no lado p, reduzindo o tunelamento. Desta forma, quando uma tensão de
polarização direta é aplicada ao diodo, a corrente de tunelamento inicialmente
aumenta com V , passa por um máximo e depois diminui, resultando numa
caracterı́stica I-V mostrada na Fig.6.22(a). Como a corrente de difusão, que
aumenta monotonicamente com V , se soma a de tunelamento, a caracterı́stica
I-V completa do diodo túnel tem a forma curiosa mostrada na Fig.6.22(b).
Uma caracterı́stica importante da curva I-V do diodo túnel é que em
certa faixa de tensão dI/dV < 0. Isto corresponde a uma resistência negativa para sinais ac, cujo valor pode ser controlado pela tensão da V aplicada
ao diodo. Quando operando nesta região de resistência negativa, o diodo túnel
fornece potência ac ao circuito, ao contrário de uma resistência normal que
sempre absorve energia. Assim, ele encontra aplicações em osciladores e am-
Figura 6.22: Caracterı́stica I-V de diodo túnel: a) somente a componente de tunelamento
da corrente; b) caracterı́stica I-V completa incluindo a corrente de difusão.
206
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
plificadores de sinal. Como o mecanismo de tunelamento não apresenta retardo
devido aos processos de deriva e difusão, o diodo túnel também tem aplicações
em circuitos de chaveamento rápido.
6.7.3
Diodo IMPATT
O
nome
IMPATT
é
feito
com
as
letras
das
palavras
IMPact Avalanche Transit Time diode. O diodo IMPATT opera
com tensão reversa, próxima do valor de avalanche, tendo uma estrutura
que cria um perfil de campo que faz um pacote de elétrons transitar de
uma extremidade a outra do dispositivo, produzindo uma oscilação de alta
freqüência. A estrutura do diodo IMPATT está mostrada na Fig.6.23(a). Ela
consiste de uma junção p+ − n, na qual a região n é extensa e terminada por
uma estreita região n+ com dopagem mais forte. Quando o diodo é polarizado
reversamente, a variação do potencial tem a forma mostrada na Fig.6.23(b).
O potencial tem uma forte variação na região da junção polarizada reversamente, resultando num pico do campo elétrico, mostrado na Fig.6.23(c). Na
região n o potencial varia monotonicamente, correspondendo a um campo
aproximadamente constante. A região n+ tem uma resistividade menor,
resultando numa menor queda de potencial e por conseguinte menor campo
elétrico. O diodo IMPATT normalmente opera com um circuito ressonante
externo, em regime de oscilação, de modo que as variações do campo e do
potencial da Figura 6.23 correspondem aos valores médios daquelas grandezas.
A seguir descrevemos qualitativamente o mecanismo que produz a oscilação
no diodo.
Quando a tensão externa é aplicada ao diodo, um campo elétrico é rapidamente criado tendendo para uma distribuição mostrada na Fig.6.23(c),
onde Eav é o valor de campo necessário para produzir avalanche na junção
p+ − n. Quando o campo atinge o valor Eav na junção, uma avalanche produz um grande número de pares elétron-buraco. Os buracos criados durante
a avalanche deslocam-se no sentido −x na região p+ e atingem o contato
metálico, onde recombinam com os elétrons provenientes da corrente externa.
Por outro lado, os elétrons criados na avalanche formam um pacote que se
desloca pela região n, em movimento de deriva sob a ação do campo elétrico
de valor Ed . Logo que o pacote de elétrons sai da região da junção e penetra
na região n, ele produz uma queda de potencial em torno de si, o que provoca
uma diminuição do campo elétrico na junção. Isto faz o campo cair abaixo
do valor Eav , interrompendo o processo de avalanche. O pacote de elétrons
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
207
Figura 6.23: a) Estrutura do diodo IMPATT. b) Variação do potencial médio ao longo do
diodo polarizado reversamente. c) Variação do valor médio do campo elétrico.
transita na região n durante um certo tempo, até atingir a região n+ e passar
para o circuito externo. Quando o pacote deixa a região n, o campo elétrico
na junção volta a aumentar, atinge o valor Eav provocando nova avalanche e
reiniciando o processo. Se o diodo IMPATT estiver conectado a um circuito
LC, ou uma cavidade de microondas ressonante, cujo perı́odo de oscilação é
o dobro do tempo de trânsito do pacote de elétrons, a oscilação se mantém
indefinidamente. Durante cada meio ciclo da oscilação, um pacote de elétrons
produz corrente no mesmo sentido do meio ciclo, fornecendo energia ao circuito externo e compensando as perdas que nele existam. Os diodos IMPATT
são utilizados como geradores de microondas, podendo produzir potências de
dezenas de watts.
6.7.4
Diodo Gunn
Outro dispositivo utilizado como oscilador de microondas é o diodo Gunn, descoberto por J.B. Gunn em 1963. Este dispositivo é chamado de diodo porque
tem dois terminais. Entretanto, ao contrário de todos diodos apresentados
anteriormente, em vez de ser formado por uma junção p-n, ele é constituı́do
apenas de uma amostra de n-GaAs dopada uniformemente. O mecanismo de
208
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
oscilação do diodo Gunn é baseado na resistência negativa que ele apresenta em
certa faixa de tensão, semelhante a do diodo túnel. Entretanto, ao contrário
deste, a resistência negativa resulta de uma propriedade intrı́nseca do GaAs.
A Fig.6.24(a) mostra uma parte das bandas de energia do GaAs, obtida
da estrutura completa de bandas da Fig.5.2. No semicondutor dopado com impurezas tipo n, no equilı́brio os elétrons ocupam os estados próximos do mı́nimo
da banda de condução no ponto Γ1 , tendo massa efetiva m∗1 = 0, 068 m0
(Tabela 5.1). Quando um campo elétrico pequeno é aplicado a uma amostra
de n-GaAs, os elétrons com momentum em torno do ponto Γ1 deslocam-se
no material, com velocidade de deriva proporcional ao campo. Isto resulta
numa densidade de corrente J proporcional ao campo E (Eq.5.52), fazendo
com que o material tenha curva J − E linear, como a parte inicial do gráfico
da Fig.6.24(b). Quando o campo elétrico aumenta e atinge certo valor crı́tico
Ecr ≃ 3 × 105 V/m, os elétrons ganham energia suficiente para passar para o
mı́nimo do ponto X1 , cuja energia está E = 0, 36 eV acima. Note que sendo
E
kB T , esta passagem para o mı́nimo de X1 não ocorre por excitação
térmica, o que é uma condição essencial para a operação do dispositivo. Sendo
a massa efetiva no ponto X1 muito maior que em Γ1 , em conseqüência do maior
raio de curvatura de E(k) e da Eq.5.3, a condutividade do material (Eq.5.46)
diminui. A faixa de resistência diferencial negativa da Fig.6.24(b) corresponde
a valores de campo para os quais parte dos elétrons de condução está em torno
do ponto Γ1 , e parte está no ponto X1 . Com o progressivo aumento de E, a
Figura 6.24: Propriedades de n-GaAs: a) detalhe da banda de condução mostrando dois
mı́nimos que podem ser ocupados por elétrons. No mı́nimo do ponto Γ1 , os elétrons têm
massa efetiva m∗1 = 0, 068 m0 , onde m0 é a massa do elétron livre. No mı́nimo do ponto X1 ,
a massa efetiva é m∗2 = 1, 2 m0 ; b) caracterı́stica corrente- campo elétrico do material.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
209
quase totalidade dos elétrons passa para X1 e a caracterı́stica J − E volta a ser
linear, porém com inclinação bem menor que a inicial.
Há vários mecanismos pelos quais a oscilação no diodo Gunn pode ocorrer. Vamos considerar aqui apenas o modo de camada de dipolo, ou domı́nio,
que ocorre em amostras relativamente longas. A Fig.6.25(a) ilustra uma
amostra de n-GaAs submetida a uma diferença de potencial externa entre
os terminais negativo e positivo, respectivamente catodo e anodo. A amostra
tem elétrons na banda de condução, cujas cargas negativas são compensadas
pelas cargas positivas das impurezas doadoras ionizadas fixas na rede. Quando
a tensão externa é aplicada, os elétrons injetados através do contato metálico
do catodo criam uma camada de carga negativa, que juntamente com as impurezas positivas formam uma camada de dipolo elétrico, ou domı́nio. A
camada de dipolo provoca em torno dela uma brusca variação do potencial e,
conseqüentemente, um pico de campo elétrico. O gradiente de campo exerce
uma força sobre a camada de dipolo, que se movimenta em direção ao anodo.
A Fig.6.25(b) mostra o domı́nio viajando do catodo para o anodo, enquanto
a Fig.6.25(b) ilustra a variação do potencial resultante. Quando o domı́nio
atinge o anodo, um pulso de corrente é produzido no circuito externo. Se a
tensão aplicada ao diodo tiver valor apropriado, o campo elétrico no domı́nio
estará na região de resistência negativa, resultando em fornecimento energia
ao circuito externo. Se este for um circuito LC ou uma cavidade ressonante,
o pulso de energia tende a manter a oscilação, desde que o tempo de trânsito
Figura 6.25: Operação do diodo Gunn: a) ilustração da amostra de n-GaAs com uma camada
de dipolo viajando do catodo para o anodo; b) variação do potencial elétrico na amostra
com a presença da camada de dipolo.
210
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
do domı́nio seja aproximadamente igual a meio perı́odo da oscilação. Após a
extinção no anodo, outro domı́nio forma-se no catodo e o ciclo se repete.
Os diodos Gunn são largamente utilizados como osciladores de microondas. Eles operam com tensões na faixa de 5 a 20 V, o que representa uma
vantagem em relação aos diodos IMPATT, que normalmente requerem tensões
de dezenas de volts. Como a velocidade de movimento dos domı́nios aumenta
com o aumento da tensão aplicada, a freqüência de oscilação aumenta com a
tensão. Por esta razão, a oscilação do diodo Gunn é facilmente modulável em
freqüência, pela superposição de uma tensão variável à tensão de polarização.
REFERÊNCIAS
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J.A. Zuffo, Dispositivos Eletrônicos, McGraw-Hill, São Paulo, 1976.
PROBLEMAS
6.1 Uma junção p-n de Ge tem em cada lado impurezas com concentrações
Nd = 1016 cm−3 e Na = 1018 cm−3 . a) Calcule as posições do nı́vel de
Fermi em cada lado a T = 300 K, em relação às bandas de valência e
de condução. b) Desenhe o diagrama de energia da junção em equilı́brio,
indicando os valores das energias relevantes, e a partir dele determine o
potencial de contato V0 .
6.2 Calcule o campo elétrico máximo, a espessura da região de depleção (em
µm) e a capacitância da junção p-n do problema 6.1, considerando que
ela tem uma seção circular de diâmetro 300 µm.
6.3 Na situação de equilı́brio de uma junção p-n, a corrente de difusão criada pelo gradiente de concentração cancela a corrente de deriva devido
ao gradiente de potencial, tanto para elétrons como para buracos. Este
equilı́brio é expresso pela Eq.(5.70) para buracos. Faça a integral desta
equação em uma dimensão e utilizando a relação de Einstein obtenha a
Eq.(6.3) para o potencial de contato.
6.4 Uma diferença de potencial V é aplicada para polarizar uma junção p-n
abrupta. Considerando que para V não muito elevada a condição de
equilı́brio Eq.(5.70) não é muito alterada, demonstre a Eq.(6.22) e mostre
que a espessura da região de depleção é dada por uma equação igual a
(6.18), com V0 − V no lugar de V0 .
6.5 Utilize o resultado do Problema 6.4 e a expressão da carga de uma junção
p-n para mostrar que a capacitância da junção é dada por (6.20).
6.6 Mostre que a corrente de difusão de elétrons na região de depleção de uma
junção p-n é dada por (6.28).
212
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
6.7 Considere duas junções p-n abruptas feitas com semicondutores diferentes, uma de Si e outra de Ge. Ambas têm as mesmas concentrações de
impurezas, Na = 1018 cm−3 e Nd = 1016 cm−3 , e a mesma seção circular
de diâmetro 300 µm. Suponha também que os tempos de recombinação
são todos iguais, τp = τn = 1 µs. a) Calcule as correntes de saturação
das duas junções em T = 300 K. b) Faça o gráfico I - V , preferivelmente
com um computador, com V variando na faixa -1, +1 V e I limitado a
100 mA.
6.8 O campo elétrico de ruptura da junção de Si do Problema 6.7 é 106 V/cm.
Calcule a tensão de ruptura da junção.
6.9 Numa junção p+ − n a concentração de impurezas do lado n é desprezı́vel
p . Considere uma junção
comparada com a do lado p, de modo que n
deste tipo com n muito menor que o comprimento de difusão de buracos
do lado n, Lp . Mostre que nesta junção polarizada diretamente, a corrente
de elétrons é desprezı́vel comparada com a de buracos e que o campo
elétrico no lado n, fora da região de depleção, é dado aproximadamente
por
E(x) =
kB T 1
pn (0)
e n Nd + pn (x)
,
onde x é medido a partir da fronteira da região de depleção.
6.10 Um diodo de junção p-n de Si polarizado diretamente com uma corrente
constante é utilizado como um termômetro. Em T =27◦ C a tensão no
diodo é 700 mV. a) Calcule o coeficiente de temperatura do diodo nesta
temperatura, isto é, a razão V /T . b) Qual será a variação na tensão
se a temperatura aumentar para 80◦ C? Calcule esta variação exatamente
e compare com o valor obtido supondo que ela é linear e caracterizada
pelo coeficiente obtido no item a).
6.11 Uma junção p+ − n de Si com seção reta de área 10−2 cm2 tem nos dois
lados concentrações Na = 1017 cm−3 e Nd = 1015 cm−3 . Os parâmetros do
Si estão dados na Tabela 5.2. Calcule: a) o campo elétrico máximo; b) a
espessura da região de depleção (em µm) e c) a capacitância da junção na
situação de equilı́brio e quando ela está submetida a uma tensão externa
de polarização direta de 0,4 V.
6.12 A Eq.(6.25) para a concentração de buracos no lado n de uma junção
p-n vale tanto para polarização direta como reversa. O mesmo ocorre
com a equação análoga para a concentração de elétrons no lado p. Para
uma junção p-n polarizada reversamente com tensão muito maior que 25
mV: a) Dê as expressões e faça gráficos qualitativos das concentrações
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos
213
dos portadores minoritários np (x ) e pn (x), em função dos parâmetros da
junção e de x e x , medidos a partir das fronteiras da região de depleção; b)
Calcule as variações com x e x das correntes dos portadores minoritários
e faça os gráficos correspondentes. c) A partir dos resultados do item
b), calcule a corrente total na junção e explique por que as correntes dos
portadores majoritários não são necessárias para o cálculo.
6.13 Considere uma junção p+ − n abrupta de Ge, com concentrações de impurezas Na = 5 × 1016 cm−3 e Nd = 1015 cm−3 , seção reta de 10−3 cm2
e tempos de recombinação τn = τp = 2 µs. A junção está polarizada
diretamente e nela circula uma corrente de 100 mA. a) Calcule a tensão
na junção. b) Calcule numericamente as concentrações dos portadores
minoritários np (x ) e pn (x), e faça gráficos mostrando suas variações com
x e x, medidas a partir das fronteiras da região de depleção. c) Calcule numericamente as concentrações dos portadores majoritários nn (x) e
pp (x ), e faça gráficos mostrando suas variações com x e x . (Elas podem
ser calculadas usando o fato de que a neutralidade de carga fora da região
de depleção requer que as concentrações de elétrons e buracos em excesso
do equilı́brio sejam iguais em cada ponto, δp(x) = δn(x).
6.14 Um diodo feito com uma junção de Si, como a do Problema 6.7, é colocado no circuito da figura abaixo. A bateria tem força eletromotriz 1,5
V e resistêncica interna 0,2 V e o resistor é de 20 Ω. a) Utilizando a
equação do diodo, calcule analiticamente a corrente e a tensão no diodo.
b) Utilizando a curva I - V obtida no Problema 6.7, calcule graficamente a
corrente e a tensão no diodo e compare com os valores obtidos no item a).
214
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Capı́tulo 7
Transistores e Outros
Dispositivos Semicondutores
7.1 O Transistor
217
7.2 O Transistor Bipolar
219
7.3 Correntes no Transistor Bipolar
225
7.3.1 Cálculo das Correntes no Modelo Unidimensional
7.3.2 Corrente de Base
7.3.3 Parâmetros do Transistor
7.3.4 Curvas Caracterı́sticas I-V
225
231
233
234
7.4 Aplicações de Transistores
237
7.5 Transistores de Efeito de Campo
241
7.5.1 O Transistor do Efeito de Campo de Junção
7.5.2 Caracterı́stica do Transistor JFET
7.5.3 O Transistor de Efeito de Campo Metal-Semicondutor
7.6 O Transistor MOSFET
7.6.1 O Capacitor MOS
7.6.2 A Tensão Crı́tica de Inversão
7.6.3 A Caracterı́stica I-V do Transistor MOSFET
7.6.4 Aplicações de Transistores MOSFET
215
242
243
248
251
252
257
261
264
216
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
7.7 Dispositivos de Controle de Potência: SCR e TRIAC
7.7.1 O Retificador Controlado de Silı́cio-SCR
7.7.2 O TRIAC
7.8 Circuitos Integrados
267
267
270
271
7.8.1 Conceitos Básicos e Técnicas de Fabricação
7.8.2 Dispositivos de Memória de Semicondutor
272
277
REFERÊNCIAS
282
PROBLEMAS
283
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
217
Transistores e Outros Dispositivos
Semicondutores
7.1
O Transistor
O transistor é um dispositivo de três terminais, utilizado para controlar sinais
elétricos. Um sinal variável aplicado aos dois terminais de entrada controla
eletronicamente o sinal nos dois terminais de saı́da, sendo um deles comum
com a entrada. As duas funções mais usuais de controle são a amplificação
e o chaveamento. Quando usado para amplificação, o dispositivo fornece na
saı́da um sinal com a mesma forma de variação do sinal de entrada, porém com
maior amplitude. Isto está mostrado na Fig.7.1 para uma variação senoidal. A
potência do sinal de saı́da é em geral maior que a do sinal de entrada, sendo o
acréscimo de potência fornecido pela fonte de alimentação dc. Nas aplicações
digitais, um sinal digital na entrada faz o transistor chavear entre dois estados,
um com corrente e outro sem corrente, representando os bits 0 e 1. Devido a
sua capacidade de converter energia de uma fonte dc em energia de um sinal
controlado, o transistor é chamado de dispositivo ativo.
A invenção do transistor representou um dos maiores avanços tecnológicos
do século XX, porque foi decisivo para a enorme evolução da eletrônica. Até
meados da década de 1950 o dispositivo de controle eletrônico de maior uso
era a válvula triodo. O triodo é formado por um tubo a vácuo contendo um
catodo aquecido que emite elétrons e um anodo que os recebe, tendo entre
eles um terceiro eletrodo feito de uma malha de fios metálicos, chamado grade.
Uma tensão variável aplicada entre a grade e o catodo controla o fluxo de
218
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.1: Sinais de entrada e de saı́da num dispositivo de amplificação, como um transistor.
elétrons do catodo para o anodo passando pela grade. Desta forma, um sinal
de tensão entre grade e catodo controla a corrente de saı́da no anodo, tornando
a válvula triodo um dispositivo ativo de controle. A partir da década de 1950,
as válvulas a vácuo dos equipamentos eletrônicos foram gradualmente dando
lugar aos transistores e diodos semicondutores, chamados de dispositivos de
estado sólido.
O desenvolvimento do transistor resultou de investigações básicas de propriedades de semicondutores. Em 1947 Brattain e Bardeen estudavam, nos
laboratórios da Bell Telephone nos Estados Unidos, propriedades de superfı́cie
de germânio com contatos metálicos retificadores. Nesses estudos eles observaram que a corrente no diodo semicondutor variava quando uma outra corrente passava por um segundo contato metálico colocado próximo ao primeiro.
Em dezembro daquele ano eles anunciaram a descoberta do novo dispositivo
de amplificação, batisado por eles de transistor, significando um elemento
de transcondutância variável. Apesar de seu grande potencial, o transistor
de ponto de contato tinha grandes problemas: ele era muito frágil; o contato degradava com a umidade do ar; seu ruı́do interno era muito grande. O
próximo passo no desenvolvimento do transistor ocorreu em 1948, quando W.
Shockley, também dos laboratórios Bell, publicou um trabalho teórico propondo a estrutura do transistor de junção. A partir de então muitos laboratórios industriais investiram em técnicas de fabricação e estudo dos transistores e em poucos anos eles se tornaram dispositivos comerciais.
Existem atualmente dois tipos principais de transistores: o transistor
bipolar de junção, em geral chamado simplesmente de transistor de junção,
e o transistor de efeito de campo. O transistor bipolar de junção é feito
por duas junções p-n fabricadas na mesma pastilha de semicondutor, sendo que
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
219
a corrente na primeira junção controla a injeção de portadores minoritários na
segunda junção. Como os portadores minoritários podem ser tanto elétrons
como buracos, este transistor opera com portadores de cargas positivas e negativas, daı́ o nome bipolar. O transistor de efeito de campo pode ser feito por
duas junções ou por contatos metal-óxido-semicondutor. Em ambos os tipos,
a tensão de entrada controla o fluxo dos portadores majoritários que passam
da entrada para a saı́da do dispositivo. Como estes portadores são elétrons
ou buracos, dependendo do tipo de impureza do semicondutor, o transistor
de efeito de campo é um dispositivo unipolar. Nesta seção apresentaremos
os princı́pios de funcionamento e o modelamento dos transistores bipolares de
junção. Os transistores de efeito de campo serão estudados na seção 7.5.
7.2
O Transistor Bipolar
O transistor bipolar de junção é o dispositivo semicondutor mais importante
da atualidade. Com a tecnologia planar, descrita na Seção 6.1.1, ele pode
ser fabricado numa pastilha de semicondutor isoladamente, para formar um
único dispositivo de três terminais, ou num conjunto com muitos outros diodos
e transistores, formando um circuito integrado. Sua estrutura básica está
mostrada na Fig.7.2. Ela consiste de três camadas de dopagens diferentes,
feitas no mesmo semicondutor, formando duas junções p-n com polaridades
opostas. As três camadas são chamadas de emissor, base e coletor, que
são ligadas ao circuito externo através de contatos metálicos nos quais são
soldados fios condutores. A estrutura da Fig.7.2 é a de um transistor p-n-p.
Se as dopagens p e n forem trocadas obtém-se o transistor n-p-n, que é tão
Metal
3 mm
20 mm
2 mm
E
B
SiO2
p
n
p
C
Figura 7.2: Estrutura planar do transistor bipolar de junção com algumas dimensões tı́picas.
As letras E, B e C representam os terminais do emissor, da base e do coletor, respectivamente.
As distâncias indicadas representam espessuras tı́picas.
220
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
utilizado quanto o p-n-p. Os dois tipos têm operação inteiramente análoga,
sendo os papéis dos elétrons e dos buracos trocados entre si.
A Fig.7.3 mostra a representação esquemática de um transistor p-n-p com
um circuito externo simples para polarização de suas junções. Convencionamos
que IE , IB e IC , chamadas respectivamente correntes de emissor, base e coletor,
são positivas quando têm os sentidos indicados na figura. A junção p-n entre o
emissor e a base é chamada simplesmente de junção do emissor, enquanto a da
base-coletor é chamada de junção do coletor. VEB e VCB representam as tensões
nas junções do emissor e do coletor respectivamente. A configuração do circuito
da Fig.7.3 é chamada de base comum, pois o terminal da base é comum entre
os dois terminais de entrada e os dois de saı́da do dispositivo. Embora ela
não seja a mais utilizada para polarizar transistores em circuitos práticos, é
a mais conveniente para a compreensão dos mecanismos de funcionamento do
transistor.
Na operação normal do transistor bipolar, a junção do emissor é polarizada diretamente, enquanto a do coletor é polarizada reversamente. Assim,
a resistência da junção do emissor é pequena e a corrente IE é relativamente
grande. No transistor p-n-p, longe da junção, esta corrente é constituı́da essencialmente de buracos, que são os portadores majoritários no emissor e no coletor (componente 1 na Fig.7.4). Na junção do emissor, os buracos provenientes
do emissor são injetados na base, onde se movem por difusão, contribuindo
para uma parte da corrente do emissor que chamaremos de IEp . Por outro lado,
elétrons passam da base para o emissor constituindo outra parte da corrente,
IEn , ilustrada na Fig.7.4 (componente 7). Como vimos nas Eqs.(6.29)-(6.31),
IEn se a concentração de impurezas for muito maior no
é possı́vel ter IEp
Figura 7.3: Representação esquemática de um transistor p-n-p com um circuito simples de
polarização de base comum.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
221
lado p que no lado n. Note que se a espessura da base fosse muito grande, a
junção do coletor estaria isolada da do emissor e o sistema corresponderia a
dois diodos em série com polaridades opostas. Neste caso a corrente do coletor
seria muito pequena, dada pelo valor de saturação reversa Is da Eq.(6.30) e,
portanto, independente da corrente do emissor. Entretanto, a espessura da
base é feita propositalmente pequena, menor que o comprimento de difusão
Lp de buracos na base. Desta forma, mesmo sendo portadores minoritários,
os buracos injetados na base não têm tempo de se recombinar completamente
com os elétrons, pois logo atingem a região de depleção da junção do coletor, onde são acelerados pelo campo elétrico para o outro lado da junção. Ao
atingirem o coletor tipo p, os buracos voltam a ser portadores majoritários e
adquirem um movimento de deriva sob a ação do campo externo, formando
a maior parte da corrente IC (componente 2 da Fig.7.4). Vemos então que
a corrente no coletor é devida principalmente aos buracos injetados pelo
emissor, sendo muito maior que a corrente de saturação reversa da junção do
coletor (componentes 4 e 5 da Fig.7.4). A soma das componentes 2 e 4 forma
a contribuição dos buracos para a corrente do coletor, que será chamada de
ICp . A componente 5 é a contribuição dos elétrons para a corrente do coletor,
chamada ICn .
Para completar o cenário do funcionamento do transistor, é preciso com-
Figura 7.4: Ilustração do fluxo de elétrons e de buracos em transistor p-n-p: 1- Buracos
em movimento de deriva no emissor; 2- Buracos que atingem o coletor em movimento de
difusão; 3- Buracos que desaparecem na base por recombinação; 4 e 5- Buracos e elétrons
gerados termicamente e que formam a corrente de saturação reversa da junção do coletor;
6- Elétrons que recombinam com os buracos da componente 3; 7- Elétrons injetados da base
para o emissor formando a corrente IEn .
222
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
preender o importante papel da corrente da base IB . Como vimos antes, grande
parte da corrente IE passa para o coletor porque a espessura da base é muito
pequena. Isto resulta numa corrente de coletor com valor próximo, porém
menor que a corrente de emissor. Usando a equação de conservação de carga,
IE = IB + IC , vemos que fazendo IC IE , a corrente IB será pequena mas não
nula. Ela resulta do fluxo de elétrons do circuito externo para a base através do
contato B, e consiste de três contribuições distintas: a primeira corresponde aos
elétrons que recombinam com parte dos buracos injetados na base pelo emissor
(componente 6 na Fig.7.4). Esta contribuição pode ser minimizada fazendo-se
a espessura da base muito menor que Lp ; a segunda é relativa aos elétrons
que passam da base para o emissor constituindo a corrente IEn (componente 7
na Fig.7.4); destas contribuições se subtrai uma terceira, ICn , produzida pelo
fluxo de elétrons gerados termicamente no coletor e que passam para a base
através da junção do coletor (componente 5 na Fig.7.4).
Como veremos mais adiante, a condição essencial para a função de amplificação do transistor é que a corrente de base seja pequena, IB ∼ 10−2IE .
Devido à proporcionalidade entre as correntes, uma variação na pequena corrente de base aparece ampliada na corrente de emissor e
portanto também no coletor. Para fabricar um bom transistor é preciso
então minimizar IB . Isto é conseguido fazendo-se a base estreita de modo
a diminuir a recombinação, e com dopagem muito menor que a do emissor,
de modo a reduzir IEn . Entretanto, como a espessura da base não pode ser
muito menor do que 1 µm, devido às limitações fı́sicas, o mecanismo de recombinação ainda é significativo. Este fato estabelece um limite mı́nimo para
IB . Na próxima seção apresentaremos a dedução das várias componentes das
correntes a partir dos mecanismos microscópicos. Para concluir esta seção,
vamos definir algumas relações entre as correntes IE , IB e IC que caracterizam
parâmetros importantes do transistor.
Como vimos anteriormente, a corrente de coletor é constituı́da essencialmente de buracos injetados pelo emissor e que não desaparecem na recombinação com elétrons na base. Na região linear de operação do transistor, esta
corrente é proporcional à componente IEp da corrente no emissor. Portanto,
ICp = B IEp
,
(7.1)
onde B é o fator de transporte da base, que representa a fração dos buracos
injetados pelo emissor que conseguem alcançar o coletor. Num transistor p+ n-p com uma base muito estreita, B < 1. Por outro lado, a componente IEp
da corrente é um pouco menor e também proporcional à corrente do emissor
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
223
IEp = γ IE
(7.2)
IE ,
,
onde γ < 1 é chamado eficiência de injeção do emissor. Se a corrente de
saturação reversa na junção do coletor, ICn , for desprezı́vel, podemos considerar IC = ICp + ICn ≃ ICp . Neste caso, com (7.1) e (7.2) podemos relacionar a
corrente do coletor com a do emissor,
IC = γ B IE ≡ α IE
,
(7.3)
onde α ≡ γB é o fator de transferência de corrente, que também é menor
que 1. A partir de (7.3) e da equação de continuidade de corrente é possı́vel
relacionar a corrente de base com a do coletor. Usando (7.3) em IB = IE − IC
obtemos,
IB =
IC
1−α
− IC =
IC
α
α
,
ou então
IC = β IB
onde
β=
α
1−α
,
(7.4)
(7.5)
é o fator de amplificação ou ganho de corrente. Este fator é um parâmetro
caracterı́stico de cada transistor, mas também varia com as tensões de polarização das junções. Num bom transistor, α 1 de modo que o fator β é
grande. A Eq.(7.4) exprime a caracterı́stica básica dos transistores no regime
linear. Ela mostra que através de variações numa pequena corrente de base, é
possı́vel controlar a variação na corrente muito maior que circula no coletor. A
explicação fı́sica da proporcionalidade entre as correntes de base e de coletor
é a seguinte. A corrente de coletor IC é formada basicamente pelos buracos
injetados na base pela corrente do emissor, e que atingem o coletor porque
não têm tempo de recombinar com elétrons na base, porque esta é muito
estreita (espessura muito menor que o comprimento de difusão dos buracos).
Portanto IC aumenta quando aumenta a corrente do emissor IE . A diferença
entre IE e IC é a corrente de base IB , que é formada principalmente pelos
elétrons que recombinam com os buracos injetados pelo emissor e que não
alcançam o coletor. Então, se a corrente de base IB varia, o número de elétrons
disponı́veis para recombinação varia, o que força IC a variar também, caso
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
224
contrário haveria um acúmulo de cargas na base. Desta forma uma variação
em IB resulta numa variação em IC e em IE . Em certa faixa de variação a
relação entre IB e IC é linear, como expresso na Equação (7.4). Na próxima
seção obteremos as expressões que relacionam os parâmetros B, γ, α e β com
as grandezas microscópicas dos semicondutores que compõem o transistor.
Exemplo 7.1: Um transistor p-n-p em regime estacionário tem as seguintes componentes das
correntes de emissor e de coletor: IEp = 10 mA, IEn = 0,1 mA, ICp = 9,98 mA, ICn = 0,001 mA.
Calcule os parâmetros B, γ, α e β do transistor e a corrente de base nesta situação.
O fator de transporte da base B é dado por (7.1),
B=
ICp
9, 98
=
= 0, 998 .
I Ep
10
A eficiência de injeção do emissor γ é dada por (7.2), sendo IE = IEp + IEn . Logo
γ=
I Ep
10
=
= 0, 99 .
I Ep + I En
10 + 0, 1
O fator de transferência de corrente α = γB é então,
α = 0, 99 × 0, 998 = 0, 988 .
Desprezando ICn em presença de ICp , o ganho de corrente é calculado com (7.5),
β=
0, 988
α
=
= 82, 33 .
1−α
1 − 0, 988
A corrente de base pode ser calculada exatamente pela diferença entre as correntes de emissor
e de coletor,
IB = IE − IC = IEp + IEn − ICp + ICn = 10, 1 − 9, 981 = 0, 119 mA .
Podemos também calcular IB usando as relações (7.4) e (7.5), onde (7.5) foi obtida desprezando a contribuição da corrente de saturação para IC . O resultado é,
IB =
9, 981
IC
=
= 0, 121 mA .
β
82, 33
Este valor difere do anterior em 0,002 mA, o que corresponde a uma diferença de apenas
1,7%.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
7.3
225
Correntes no Transistor Bipolar
Como acontece no diodo de junção, as correntes no transistor bipolar de junção
são determinadas pelo movimento de difusão dos portadores minoritários nas
proximidades das junções. A diferença fundamental entre o diodo e o transistor é que, enquanto no primeiro a solução da equação da difusão é sujeita à
condição de contorno na interface de uma junção, no segundo é preciso considerar as interfaces nas duas junções. Para calcular as correntes devemos
então resolver a equação da difusão nas três regiões do transistor e impor as
condições de contorno nas duas junções. Após obter a variação das concentrações dos portadores minoritários, calcularemos as correntes de difusão como
fizemos para o diodo na Seção 6.2.
7.3.1
Cálculo das Correntes no Modelo Unidimensional
Vamos analisar um transistor p-n-p com o modelo unidimensional ilustrado na
Fig.7.5. Este modelo é bom para o dispositivo da Fig.7.2 porque as dimensões
laterais são muito maiores que as espessuras das camadas. Vamos supor que
as espessuras do emissor e do coletor são muito grandes comparadas com o
comprimento de difusão, enquanto a base tem uma espessura qualquer. No
emissor e no coletor os portadores minoritários são os elétrons, cujas concentrações são nE (x) e nC (x) respectivamente. Os buracos injetados pelo emissor
são portadores minoritários na base, descritos pela concentração p(x). Como o
emissor é longo, nE (x) é descrito por uma exponencial que cai quando se afasta
da junção do emissor. A corrente de difusão correspondente é então dada pela
mesma expressão obtida na Seção 6.2 para uma junção. Da Eq.(6.28) podemos
escrever a contribuição dos elétrons para a corrente de emissor,
IEn = e A
DnE
nE eeVEB /kB T − 1
LnE
,
(7.6)
onde A é a área da seção reta do transistor, nE é a concentração de equilı́brio de
elétrons no emissor, DnE e LnE são o coeficiente e o comprimento de difusão
respectivamente, e VEB é a tensão entre emissor e base. Do mesmo modo
podemos escrever a contribuição dos elétrons para a corrente de coletor,
ICn = −e A
Dn C
nC eeVCB /kB T − 1
LnC
,
(7.7)
226
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.5: Modelo unidimensional utilizado para calcular as correntes no transistor p-n-p.
Note que as coordenadas x = 0 e x = estão nas extremidades das regiões de depleção das
junções do emissor e do coletor.
onde a notação é análoga a da Eq.(7.6) e o sinal é negativo pois o sentido
positivo de IC vai do lado n para o lado p da junção do coletor e VCB é
normalmente negativo. No caso dos buracos na base, a solução para a variação
da concentração p(x) é mais complicada porque é preciso considerar a solução
geral da equação de difusão, dada por (5.83),
δp(x) ≡ p(x) − pB = C1 e−x/Lp + C2 ex/Lp
,
(7.8)
onde pB é a concentração de equilı́brio de buracos na base e Lp é o comprimento
de difusão correspondente. Para obter δp(x) basta impor as condições de
contorno nas junções do emissor e do coletor, em x = 0 e x = , e calcular
as constantes C1 e C2 . Na junção do emissor, desprezando-se a espessura
da região de carga espacial, a Eq.(6.24) permite relacionar a concentração de
buracos com a tensão de polarização,
.
(7.9)
δpn (x = 0) ≡ pE = pB eeVEB /kB T − 1
Analogamente, na junção do coletor temos
δpn () ≡ pC = pB eeVCB /kB T − 1
.
(7.10)
Note que num transistor em condições normais de operação, a junção do emissor é polarizada diretamente (VEB > 0) enquanto a do coletor é polarizada
reversamente (VCB < 0). Nessa situação, para VEB , |VCB |
kB T /e (0,025 V
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
227
em T = 290 K), as condições de contorno (7.9) e (7.10) podem ser aproximadas
por,
pE ≃ pB eeVEB /kB T
pC ≃ −pB
pE
pB
,
(7.11)
.
(7.12)
O resultado (7.12) é devido ao fato de que, na junção polarizada reversamente,
os buracos em excesso do equilı́brio são “puxados” rapidamente pelo forte
campo elétrico para o coletor, fazendo sua concentração ficar próxima de zero.
Substituindo (7.9) e (7.10) em (7.8) obtemos
pE = C1 + C2
,
pC = C1 e−/Lp + C2 e/Lp
,
das quais obtemos
C1 =
pE e/Lp − pC
2 senh(/Lp )
C2 =
pC − pE e−/Lp
2 senh(/Lp )
,
(7.13)
,
(7.14)
Antes de prosseguir na análise das correntes vamos examinar o comportamento das concentrações dos portadores minoritários nas três regiões do
transistor. Em condições normais de operação e considerando a concentração
de equilı́brio de buracos na base muito pequena, podemos supor que pC ≃ 0.
Substituindo (7.13) e (7.14) em (7.8), e usando esta aproximação, obtemos
para a região 0 < x < ,
δp(x) = pE
senh[( − x)/Lp ]
senh(/Lp )
,
(7.15)
No caso dos elétrons no emissor e no coletor, suas concentrações são dadas
por exponenciais simples, como discutimos anteriormente. A Fig.7.6 ilustra
a variação das concentrações no transistor p+ -n-p em condições normais de
polarização. Note que em geral a base é feita com espessura pequena, Lp ,
de modo a minimizar a corrente de base. Por esta razão a variação da concentração de buracos é aproximadamente linear. Tendo obtido a distribuição
de buracos na base do transistor, podemos calcular sua contribuição para as
228
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.6: Variação das concentrações dos portadores minoritários no transistor p-n-p com
polarização direta na junção do emissor e reversa no coletor. O valor de ∆pC ≃ −pB está
exagerado, pois pB
∆pE .
correntes a partir da equação da corrente de difusão (5.57),
Ip (x) = −eA Dp
dδp
dx
,
que aplicada à (7.8) dá,
Ip (x) = eA
Dp C1 e−x/Lp − C2 ex/Lp
Lp
.
(7.16)
As componentes das correntes do emissor e de coletor devidas aos buracos
são dadas pelos valores da Eq.(7.16) em x = 0 e x = , respectivamente,
IEp = Ip (0) = e A
Dp
(C1 − C2 )
Lp
ICp = Ip () = e A
Dp
(C1 e−/Lp − C2 e/Lp )
Lp
,
(7.17)
.
(7.18)
Substituindo as expressões (7.13) e (7.14) em (7.17) e (7.18) e utilizando
as definições das funções hiperbólicas vem:
Dp
pE coth − pC csch
,
(7.19)
IEp = e A
Lp
Lp
Lp
Dp
− pC coth
pE csch
.
(7.20)
ICp = e A
Lp
Lp
Lp
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
229
Somando-se as contribuições de elétrons e de buracos, (7.6), (7.7), (7.19) e
(7.20), e utilizando as expressões (7.9) e (7.10), obtemos as correntes de emissor
e de coletor em função das tensões de polarização e dos parâmetros do material,
IE = e A
+eA
IC = e A
Dp
pB eeVEB /kB T − 1 coth − eeVCB /kB T − 1 csch
Lp
Lp
Lp
Dn E
nE eeVEB /kB T − 1
LnE
,
(7.21)
Dp
pB eeVEB /kB T − 1 csch
− eeVCB /kB T − 1 coth
Lp
Lp
Lp
−eA
Dn C
nC eeVCB /kB T − 1
LnC
.
(7.22)
As Eqs.(7.21) e (7.22) permitem calcular todos parâmetros e curvas caracterı́sticas do transistor. A corrente de base pode ser obtida usando-se estas duas
expressões na equação de continuidade, IB = IE − IC . Os parâmetros do transistor podem ser calculados pela substituição de (7.19)-(7.22) nas definições
(7.1)-(7.5). Como na forma geral estas equações são difı́ceis de interpretar,
vamos calcular as grandezas de interesse fazendo algumas aproximações simplificadoras.
Exemplo 7.2: Um transistor p+ -n-p+ de Si em T = 300 K tem as seguintes caracterı́sticas: Área
de seção A = 10−3 cm2 ; espessura da base = 1 µm; concentração de impurezas, no emissor NaE =
1017 cm−3 , na base Nd = 5 × 1015 cm−3 , no coletor NaC = 5 × 1017 cm−3 ; tempos de recombinação
de portadores minoritários, no emissor e no coletor, τn = 0, 5 µs, na base τp = 1 µs. Calcule
as correntes no emissor e no coletor com a junção emissor-base polarizada diretamente no regime
de plena condução, com VEB = 0,7 V, tendo a junção coletor-base polarizada reversamente, com
VCB = - 10V.
Para calcular as correntes por meio das Equações (7.21) e (7.22) é preciso, inicialmente,
calcular as concentrações dos portadores minoritários e os comprimentos de difusão. A concentração
de equilı́brio dos buracos na base é calculada com (5.38), sendo ni o valor dado na Tabela 5.2.
Usando unidades do SI temos,
pB =
n2i
1, 52 × 1020 × 1012
=
= 4, 5 × 1010 m−3 .
Nd
5 × 1015 × 106
As concentrações de elétrons em equilı́brio no emissor e no coletor são dadas por (5.41),
nE =
n2i
1, 52 × 1020 × 1012
=
= 2, 2 × 109 m−3 ,
NaE
1017 × 106
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
230
nC =
n2i
1, 52 × 1020 × 1012
=
= 4, 5 × 108 m−3 .
NaC
5 × 1017 × 106
Os comprimentos de difusão são √
calculados através de sua relação com o coeficiente de difusão
D e o tempo de recombinação τ , L = Dτ . Usando os valores de D no Si dados na Tabela 5.2 e
os valores de τ do enunciado, obtemos no SI,
1/2
1/2
Lp = 12, 5 × 10−4 × 1 × 10−6
Ln = 35 × 10−4 × 0, 5 × 10−6
= 3, 5 × 10−5 m = 35 µm ,
= 4, 2 × 10−5 m = 42 µm .
Vemos então que /Lp 1 e portanto as funções hiperbólicas das equações (7.21) e (7.22)
podem ser substituı́das por suas expansões binomiais, com x = /Lp ,
coth x ≃
1
x
35
1
+ =
+
= 35, 0095
x
3
1
3 × 35
csch x ≃
x
35
1
1
− =
+
= 34, 9952
x
6
1
6 × 35
Finalmente, para comparar os valores relativos dos diversos termos das Equações (7.21) e
(7.22), é preciso calcular os valores das exponenciais contendo as tensões de polarização. Lembrando
que em T = 300 K a energia térmica é kB T = 0, 026 eV,
eeVEB /kB T = e0,7/0,026 = e26,92 = 4, 9 × 1011
eeVCB /kB T = e−10/0,026 = e−384,6 ≃ 0
Vemos então que, como exp(eVEB /kB T ) 1, tanto em (7.21) quanto em (7.22), os termos
que não contêm este fator podem ser desprezados. Então podemos escrever,
IE ≃ e A
Dp
DnE
pB eeVEB /kB T coth
+ eA
nE eeVEB /kB T
Lp
Lp
LnE
IC ≃ e A
Dp
pB eeVEB /kB T csch
.
Lp
Lp
Usando os parâmetros da Tabela 5,2, os dados do transistor e os valores obtidos anteriormente
temos, no SI,
IE = 1, 6 × 10−19 × 10−7 ×
= 1, 6 × 10−19 × 10−7 ×
12, 5 × 10−4
× 4, 5 × 1010 × 4, 9 × 1011 × 35, 0095
3, 5 × 10−5
35 × 10−4
× 2, 2 × 109 × 4, 9 × 1011
4, 2 × 10−5
= 0, 44112 A + 0, 00144 A = 0, 44256 A
IC = 1, 6 × 10−19 × 10−7 ×
= 0, 44094 A .
12, 5 × 10−4
× 4, 5 × 1010 × 4, 9 × 1011 × 35, 9952
3, 5 × 10−5
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
231
Evidentemente, os valores das correntes do emissor e do coletor são muito próximos, como
era esperado. É importante notar que, se nas expressões de IE e de IC for usado apenas o primeiro
termo da expansão binomial da função hiperbólica, e se a contribuição IEn for desprezada, as duas
correntes ficarão rigorosamente iguais. Portanto, como a diferença das duas correntes é a corrente
de base, é essencial usar nas expansões binomiais os dois primeiros termos. Vemos também que,
embora a contribuição dos elétrons gerados termicamente seja pequena, ela não deve ser desprezada
a priori, pois estando presente em IE mas não em IC , ela tem significado importante na diferença
das duas correntes.
7.3.2
Corrente de Base
Como mostram os cálculos feitos no Exemplo 7.2, no transistor p-n-p com
polarização normal, o fator exp(e VEB /kB T ) é muito grande, enquanto que o
fator exp(e VCB /kB T ) é desprezı́vel. Isto permite obter uma expressão aproximada para a corrente de base, desprezando os termos que não contêm o fator
exp(e VEB /kB T ) nas Equações (7.21) e (7.22),
DnE
e VEB /kB T Dp
pB coth − csch
nE .
IB = IE − IC = e A e
+
Lp
L
L
LnE
Pode-se mostrar (Problema 7.2) que esta expressão se reduz a
DnE
e VEB /kB T Dp
pB tanh
nE .
+
IB = e A e
Lp
2Lp
LnE
(7.23)
Este resultado mostra que no transistor p-n-p com polarização normal,
a corrente de base é dominada por duas contribuições. O segundo termo em
(7.23) corresponde à contribuição dos elétrons injetados da base para o emissor, representado pela componente 7 da Figura 7.4. Para interpretar a outra
contribuição, vamos introduzir ∆pE , dado por (7.11), no primeiro termo de
(7.23). Desprezando o termo em nE temos,
Dp
pE tanh
.
IB ≃ e A
Lp
2Lp
Supondo que a base é estreita em relação ao comprimento de difusão, podemos usar a aproximação tanh x ≃ x para obter
IB ≃
eA pE
2τp
,
Lp ,
(7.24)
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
232
onde τp = L2p /Dp é o tempo de recombinação dos buracos. Esta equação tem
uma interpretação fı́sica simples. Sendo a concentração de buracos na base,
em excesso do equilı́brio, dada por pE em x = 0 (emissor) e pC = 0 em
x = (coletor), epE A /2 ≡ Qp é a carga dos buracos que desaparecem da
base por recombinação. Como a recombinação ocorre num intervalo de tempo
caracterı́stico τp , a corrente que deve ser fornecida à base para repor a carga
que desaparece e manter o regime estacionário, é Qp /τp . Esta é, precisamente,
a corrente de base dada por (7.24). Este resultado confirma a interpretação
qualitativa da corrente de base descrita no final da Seção 7.2. A Equação (7.24)
mostra que para ter uma corrente IB pequena deve-se fazer a base muito estreita comparada com Lp , e com uma concentração de impurezas relativamente
baixa de modo que o tempo τp seja longo.
Exemplo 7.3: Calcule a corrente de base no transistor do Exemplo 7.2, utilizando a Equação
(7.23), e compare com o valor obtido pela diferença entre IE e IC .
Substituindo em (7.23) os valores das grandezas do Exemplo 7.2 e usando tanh ( /2Lp ) ≃
( /2Lp ) vem,
IB = 1, 6 × 10−19 × 10−7 × 4, 9 × 1011
×
35 × 10−4
1
12, 5 × 10−4
10
+
×
4,
5
×
10
×
× 2, 2 × 109
3, 5 × 10−5
2 × 35
4, 2 × 10−5
= 1, 6 × 10−19 × 10−7 × 4, 9 × 1011 × 2, 29 × 1010 + 1, 83 × 1011
= 1, 61 × 10−3 A = 1, 614 mA .
É interessante notar que, neste caso, a contribuição dos elétrons térmicos (IEn ) para a
corrente de base, dada pelo segundo termo da equação acima, é maior que a contribuição dada pelo
primeiro termo. Num transistor p+ -n-p, com concentração de impurezas no emissor muito maior
que na base, nE é muito menor e o termo de recombinação predomina sobre IEn .
O valor de IB obtido por meio da diferença entre as correntes calculadas no Exemplo 7.2 é
IB = IE − IC = 0, 44256 − 0, 44094 = 0, 00162 A = 1, 62 mA
que é muito próximo do valor acima. Evidentemente, a diferença entre os dois valores resulta das
aproximações feitas nas funções hiperbólicas e nos arredondamentos numéricos.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
7.3.3
233
Parâmetros do Transistor
Para obter os parâmetros γ, B, α e β do transistor vamos desprezar os termos
em pC e a corrente de saturação reversa no coletor, nas Eqs.(7.6)-(7.22). Esta
aproximação é válida porque quando usado como amplificador, o transistor
sempre tem a junção do coletor polarizada reversamente. Nesta aproximação,
usando (7.6), (7.11) e (7.19) na definição da eficiência de injeção (7.2) obtemos,
γ=
IEp
1
1
=
=
DnE nE Lp
IE
1 + IEn /IEp
1 + Dp pB Ln tanh Lp
.
E
Utilizando-se as relações (5.38) e (5.41) entre as concentrações de equilı́brio
dos portadores minoritários e as concentrações de impurezas doadoras (Nd ) na
base e aceitadoras (Na ) no emissor, esta expressão pode ser escrita na forma
−1
DnE Nd Lp
tanh
.
(7.25)
γ = 1+
Dp Na LnE
Lp
Usando apenas o primeiro termo de (7.22) para IC e o primeiro termo
de (7.19) para IEp , com ∆pE dado por (7.9), o fator de transporte da base,
definido por (7.1), fica
IC
csch(/Lp )
= sech
B=
=
.
(7.26)
IEp
coth(/Lp )
Lp
Com (7.25) e (7.26), pode-se obter o fator de transferência de corrente α
definido em (7.3)
−1
DnE Nd Lp
IC
= Bγ = cosh +
senh
.
(7.27)
α=
IE
Lp Dp Na LnE
Lp
Finalmente, usando (7.27) em (7.5) obtemos o fator de amplificação β,
−1
α
DnE Nd Lp
IC
=
senh − 1
.
(7.28)
β=
≃ cosh +
IB
1−α
Lp Dp Na LnE
Lp
1, podemos obter uma expressão mais simples
Considerando que /Lp
para β com a utilização das expansões das funções hiperbólicas,
senh x ≃ x
1
cosh x ≃ 1 + x2 .
2
234
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
O fator de amplificação dado por (7.28) fica então,
2
−1
DnE Nd +
.
β=
2L2p Dp Na LnE
(7.29)
As expressões (7.26)-(7.29) permitem calcular todos os parâmetros do
transistor a partir das caracterı́sticas de sua construção com boa precisão.
Exemplo 7.4: Calcule o fator de amplificação do transistor p-n-p de silı́cio com os mesmos
parâmetros do Exemplo 7.2.
Usando na Eq.(7.29) os parâmetros e as grandezas calculadas no Exemplo 7.2, vem,
35 × 5 × 1015 × 1
1
1
+
=
2
β
2 × 35
12, 5 × 1017 × 42
1
1
1
=
+
= 0, 00374 .
β
2450
300
Portanto, o fator de amplificação dado por (7.29) é,
β=
1
= 267, 3 .
0, 00374
Podemos também calcular β diretamente, através da razão entre IC , calculado no Exemplo
7.2, e IB , calculado no Exemplo 7.3. O resultado é,
β=
0, 44094
IC
= 272, 2 .
=
IB
0, 00162
A diferença entre os dois valores decorre das aproximações feitas na dedução da Eq.(7.29) e
também dos arredondamentos numéricos.
7.3.4
Curvas Caracterı́sticas I-V
As Eqs.(7.21) e (7.22) descrevem muito bem as correntes no transistor p-n-p.
Para entender qualitativamente o comportamento das correntes em função das
tensões de polarização, é melhor simplificar a notação e escrevê-las na forma,
(7.30)
IE = IEs eeVEB /kB T − 1 − αI ICs eeVCB /kB T − 1
,
(7.31)
IC = αN IEs eeVEB /kB T − 1 − ICs eeVCB /kB T − 1
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
235
onde
IEs ≡
e A Dp pB
e A DnE nE
coth +
Lp
Lp
LnE
(7.32)
ICs ≡
e A Dp pB
e A DnC nC
coth +
Lp
Lp
LnC
(7.33)
αN ≡
e A Dp pB
csch
IEs Lp
Lp
(7.34)
αI ≡
e A Dp pB
csch
ICs Lp
Lp
.
(7.35)
As relações (7.30) e (7.31) foram obtidas originalmente por J.J. Ebers
e J.L. Moll e são por isso chamadas equações de Ebers-Moll. Elas têm
validade bastante geral, mesmo que o transistor não possa ser representado
pelo modelo unidimensional simples da Fig.7.4. No caso geral os parâmetros
das equações não são dados pelas expressões (7.32)-(7.35), porém é possı́vel
mostrar que eles obedecem a relação
αN IEs = αI ICs
,
(7.36)
que também é satisfeita por (7.32)-(7.35). As equações de Ebers-Moll mostram
que a corrente no emissor é dada por um termo caracterı́stico do diodo de sua
própria junção, superposto a outro termo proporcional à corrente de diodo na
junção do coletor. Analogamente, a corrente no coletor é a soma de dois termos, um propocional ao do diodo do emissor e outro do próprio coletor. Essas
equações mostram que o transitor pode ser caracterizado por apenas quatro
parâmetros, relacionados entre si pela expressão (7.36). Esses parâmetros não
são em geral fornecidos pelo fabricante, porém podem ser facilmente medidos no laboratório. Veja na Eq.(7.30) que se a junção coletor-base for curtocircuitada, isto é VCB = 0, a medida de IE e IC em função de VEB fornece IEs
e αN IEs respectivamente. Analogamente, fazendo VEB = 0 pode-se medir ICs
e αI ICs e completar a caracterização do transistor descrito pelas Eqs.(7.30) e
(7.31).
As curvas caracterı́sticas I-V do transistor nada mais são que a representação gráfica das equações de Ebers-Moll. Como nas equações há duas
tensões, VEB e VCB , e duas correntes, IE e IC , é preciso selecionar algumas
grandezas e exprimi-las em função de outras. Multiplicando (7.30) por αN e
subtraindo de (7.31) vem
236
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
IC = αN IE − (1 − αN αI ) ICs (eeVCB /kB T − 1)
.
Analogamente, multiplicando (7.31) por αI e subtraindo de (7.30) obtemos
IE = αI IC + (1 − αN αI ) IEs (eeVEB /kB T − 1)
.
Estas equações podem ser escritas na forma,
IE = αI IC + IE0 (eeVEB /kB T − 1)
,
(7.37)
IC = αN IE − IC0 (eeVCB /kB T − 1)
,
(7.38)
onde
IE0 = (1 − αN αI ) IEs
,
IC0 = (1 − αN αI ) ICs
,
são, respectivamente, as correntes de saturação do emissor com a junção do
coletor aberto (IC = 0) e do coletor com a junção do emissor aberta (IE = 0).
A Eq.(7.38) permite fazer o gráfico de IC em função de VCB tendo IE como
parâmetro. Para IE = 0, se VCB < 0, a curva IC −VCB é igual à de uma junção
polarizada reversamente, como na Fig.6.7. Para pequenos valores de VCB a
corrente atinge a saturação com valor IC ≃ IC0 . Se IE = 0, podemos fazer
uma curva IC − VCB para cada valor de IE , resultando no conjunto de curvas
mostrado na Fig.7.7(a). Note que para IE = 0 e VCB < 0, parte dos buracos
injetados na base pela corrente do emissor atinge a junção do coletor e produz
uma contribuição adicional à corrente de saturação reversa, IC ≃ IC0 + αN IE .
Por esta razão, as várias curvas da Fig.7.7(a) se assemelham a de uma junção
polarizada reversamente, deslocada de αN IE . As curvas da Fig.7.7(a) são úteis
quando o transistor é usado na configuração de base comum da Fig.7.3. Neste
caso, se a corrente de base é nula, a corrente de coletor é muito pequena.
Isto pode ser entendido pelo fato de que sendo IC = IE , como a junção do
coletor está polarizada reversamente, ambas as correntes devem ser pequenas.
À medida que IB aumenta, a diferença entre IE e IC cresce e, mesmo estando
a junção do coletor com polarização reversa, o mecanismo de injeção faz IC
aumentar. As curvas da Fig.7.7(b) mostram claramente o controle da corrente
IC feito pela pequena corrente IB .
Quando o transistor é usado na configuração de emissor comum, é mais
importante trabalhar com as curvas IC − VCE , tendo a corrente de base IB
como parâmetro. A Fig.7.7(b) mostra curvas tı́picas para o transistor p-n-p
na configuração de emissor comum. As diversas curvas I-V são caracterı́sticas
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
237
Região de saturação
10
10
8
8
6
6
4
4
2
2
2
4
6
100
8
75
6
50
4
8
10
– VCB(V)
Região ativa
Região
de corte
25
2
IE = 0 mA
0
10
IC(mA)
IC(mA)
125 mA
IB = 0 mA
0
2
4
6
8
10
– VCE(V)
Figura 7.7: Curvas caracterı́sticas de transistor p-n-p: a) curvas com IE como parâmetro
usadas na configuração de base comum; b) curvas com parâmetro IB para configuração de
emissor comum.
de cada tipo do transistor e são fornecidas pelo fabricante. Na verdade elas
variam um pouco de uma medida para outra, mesmo sendo do mesmo tipo,
de modo que as curvas dos fabricantes representam dados médios. Como elas
também variam com a temperatura, é comum encontrar as curvas para alguns
valores de temperatura.
Para concluir esta seção observamos que num transistor n-p-n os sentidos
das correntes e das tensões são opostos aos do transistor p-n-p. As equações
para o transistor n-p-n têm a mesma forma de (7.30)-(7.35), com as letras p e
n trocadas, uma vez que os papéis dos elétrons e dos buracos são trocados.
7.4
Aplicações de Transistores
Os transistores bipolares de junção têm inúmeras aplicações em circuitos
eletrônicos, sendo as mais comuns a amplificação e o chaveamento. A
Fig.7.8 mostra os sı́mbolos dos transistores n-p-n e p-n-p utilizados em circuitos, e uma vista externa tı́pica de um transistor de baixa potência encapsulado. Nos sı́mbolos de circuito a única diferença entre os tipos n-p-n e p-n-p é
238
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.8: a) Sı́mbolos dos transistores n-p-n e p-n-p utilizados em circuitos. b) Vista
externa de transistor de baixa potência encapsulado.
a seta no terminal do emissor, indicando o sentido direto da corrente. No transistor encapsulado não existe qualquer diferença externa entre os dois tipos. É
preciso consultar os dados do fabricante para se saber qual o seu tipo.
Para operar em uma região conveniente de sua caracterı́stica I-V , o transistor precisa ter suas junções polarizadas adequadamente. A Fig.7.9(a) mostra
um transistor n-p-n na configuração de emissor comum com um circuito simples de polarização. Note que as tensões aplicadas às junções do emissor e do
coletor têm os sentidos opostos aos do transistor p-n-p. Como a resposta do
transistor é altamente não linear, é preciso usar métodos gráficos para determinar o chamado ponto de operação, cujas coordenadas são as correntes
e tensões no regime dc. Como a resistência da junção do emissor é muito
pequena, a corrente de base é simplesmente IB ≃ EB /RB . Para calcular a
corrente de coletor, utilizamos a curva correspondente ao valor calculado da
corrente IB nas caracterı́sticas I-V de emissor comum, como as da Fig.7.7(b).
A equação da malha do coletor é
EC = RC IC + VCE (IC , IB )
.
(7.39)
Esta equação é representada no plano IC −VCE por uma reta, chamada reta de
carga. Para determinar sua posição basta obter os pontos de interseção com
os eixos IC e VCE . É fácil ver na Eq.(7.39) que eles são dados por IC = EC /RC
e VCE = EC , como mostrado na Fig.7.9(b). O ponto de interseção da reta de
carga com a curva IC − VCE do transistor, o ponto P da Fig.7.9(a), é a solução
da Eq.(7.39) e portanto o ponto de operação do circuito. Dependendo da
região na caracterı́stica I-V onde o ponto está situado, assim como da forma e
amplitude do sinal vs de entrada, o transistor pode exercer diferentes funções.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
239
Figura 7.9: a) Circuito amplificador simples com transistor n-p-n na configuração de emissor
comum. b) Ilustração do método gráfico para determinação do ponto de operação.
Para atuar como um bom amplificador é preciso que o ponto de
operação esteja na região ativa das curvas caracterı́sticas, mostrada na
Fig.7.7(b). Nesta região, uma variação IB na pequena corrente de base, produzida por um sinal ac aplicado ao circuito através do capacitor na Fig.7.9(a),
produz uma variação IC na corrente do coletor. Desde que a corrente de base
não se aproxime das regiões de saturação ou de corte, mostradas na Fig.7.7(b),
a variação na corrente de coletor é proporcional a da corrente de base, estando
relacionadas pelo ganho de corrente, IE /IB ≃ β. Vemos então que a
posição do ponto de operação é essencial para o bom funcionamento do transistor. Por esta razão, costuma-se utilizar um circuito de polarização mais
complexo que o da Fig.7.9, no qual uma malha de realimentação serve para
estabilizar o ponto de operação.
Outra aplicação importante de transistores é em circuitos de chaveamento. A Fig.7.10 mostra um desses circuitos com um transistor p-n-p na
configuração de emissor comum, com um esquema simples de polarização. No
circuito de chaveamento o transistor é geralmente controlado para operar em
dois estados de condução, um estado on e outro off. No estado on ele deve
comportar-se como uma chave fechada, que deixa passar uma corrente, com
resistência muito baixa, enquanto no estado off ele se comporta como uma
chave aberta. Este controle é feito na corrente de coletor, por meio de uma
corrente de base muito menor. Os dois estados do transistor podem ser alcançados na configuração de emissor comum, como pode ser visto nas curvas
da Fig.7.7(b). A reta de carga para o circuito da Fig.7.10 é obtida do mesmo
modo que na Fig.7.9. Entretanto, como não existe a bateria EB , a corrente de
240
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
base na ausência do sinal de entrada vs é nula. Nesta situação a corrente de
coletor é muito pequena e o transistor está cortado, ou no estado off. Quando
o sinal vs mostrado na Fig.7.10 é aplicado, o circuito opera com a corrente de
base variando entre dois valores, um que corta a corrente do coletor e outro que
leva o transistor à saturação. A região de corte, mostrada na Fig.7.7(b), é alcançada quando a corrente de base é nula ou negativa. Por outro lado, a região
de saturação é atingida quando a corrente de base é positiva e suficientemente
grande. Nesta situação a corrente de coletor é grande e o transistor está no
estado on. Desta forma, um sinal de pequena potência como vs controla o transistor fazendo-o operar como uma chave que ora está aberta, ora está fechada.
Esta chave pode controlar uma corrente de coletor muito maior que a corrente
de base, desempenhando um papel semelhante ao de um relé eletromecânico,
porém com inúmeras vantagens. Como o relé tem partes móveis e usa contatos mecânicos, ele é muito mais lento e tem durabilidade muito menor que
o transistor.
Numa chave ideal a passagem do estado off para on, ou vice-versa, deve
ser feita instantaneamente. É evidente que isto não ocorre no transistor real.
Existe um tempo de transiente finito, devido ao fato de que na passagem do
estado de saturação para o estado de corte, ou vice-versa, ocorre a remoção ou
introdução de carga distribuı́da na base. Isto não pode ser feito instantaneamente, pois corresponderia a uma corrente infinita. Os tempos de decaimento e
de crescimento da carga na base são devidos essencialmente aos mesmos efeitos
mencionados no caso do diodo de junção.
O transistor de chaveamento é utilizado em inúmeras aplicações de circuitos digitais, uma vez que seus dois estados correspondem aos bits 0 e 1 do
sistema binário.
Figura 7.10: Circuito simples de chaveamento usando transistor p-n-p na configuração de
emissor comum.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
7.5
241
Transistores de Efeito de Campo
Os transistores de efeito de campo, abreviadamente TEC ou FET (de Field
Effect Transistor), constituem uma famı́lia de transistores de grande importância tecnológica. Do mesmo modo que os transistores bipolares, os FETs
são dispositivos de três terminais amplamente utilizados para amplificação
e chaveamento. Entretanto, do ponto de vista do circuito, há uma grande
diferença entre os dois tipos de transistores. Enquanto nos bipolares o sinal
de saı́da é controlado por uma corrente de entrada, nos FETs ele é controlado
por uma tensão de entrada.
Os mecanismos de operação dos transistores de efeito de campo são bastante diferentes dos que ocorrem nos transistores bipolares, estudados na seção
anterior. Enquanto nos transistores bipolares o controle do sinal de saı́da é feito
através dos portadores minoritários em movimento de difusão na base, nos
FETs o controle é feito sobre os portadores majoritários em movimento de
deriva. Estes portadores movem-se de um terminal chamado fonte para outro
chamado dreno, através de uma região uniforme do semicondutor, o canal.
O controle do movimento dos portadores no canal é feito por um campo criado
pela tensão aplicada entre um terceiro terminal, chamado porta, e a fonte.
Esta é a razão do nome efeito de campo.
Há três tipos principais de transistores de efeito de campo: o de junção,
o de metal-semicondutor e o de porta isolada. No de junção, abreviado
por TECJ em português, ou JFET, em inglês, a tensão aplicada à porta varia
a espessura da região de depleção de uma junção p-n reversamente polarizada. No transistor de efeito de campo metal-semicondutor, abreviado por
TECMS, ou MESFET em inglês, a porta é formada por uma junção metalsemicondutor. A operação do MESFET é muito semelhante a do JFET, porém
ele tem resposta mais rápida, e por isto é muito empregado em aplicações de
altas freqüências.
Nos transistores de efeito de campo com porta isolada, como o nome
diz, o terminal metálico da porta é isolado do semicondutor por uma camada
isolante. No caso mais comum este isolante é um óxido do próprio semicondutor, como o SiO2 no caso do silı́cio. Neste caso o transistor é chamado
de metal-óxido-semicondutor, sendo abreviado por TEC-MOS ou MOSFET
(do inglês, Metal-Oxide-Semiconductor-FET). Ambos os tipos são caracterizados por uma alta impedância de entrada, uma vez que a tensão de controle
é aplicada à junção polarizada reversamente, ou através de um isolante. Os
242
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
MOSFETs têm enorme aplicação em circuitos digitais integrados e constituem
dispositivos fundamentais na tecnologia de computadores.
7.5.1
O Transistor de Efeito de Campo de Junção
No transistor de efeito de campo de junção, que será referido aqui por sua
abreviatura em inglês, JFET, uma tensão variável aplicada à porta controla
a seção reta efetiva de um canal semicondutor, por onde fluem portadores
majoritários. A Fig.7.11(a) mostra um corte da pastilha de semicondutor de
um JFET de canal n, no qual aparecem as regiões tipo n do canal e tipo p+
das portas, bem como os contatos metálicos da fonte (F), porta (P) e dreno
(D). Note que há duas regiões p+ das portas, uma superior e outra inferior, que
são interligadas eletricamente. Devido a sua simetria, a estrutura com duas
portas é mais simples de ser analisada. Entretanto, é comum também fabricar
o JFET com apenas uma porta. O JFET de canal p é inteiramente análogo
ao de canal n, tendo as regiões p e n trocadas em relação às da Fig.7.11(a).
Em comparação com a do transistor bipolar, a operação do JFET é
muito simples. Vamos considerar o caso de um JFET de canal n, mostrado
na Fig.7.11. A diferença de potencial VD entre dreno e fonte produz uma
corrente ID no canal, formada predominantemente por elétrons. Os elétrons
se movem por deriva da fonte para o dreno, enquanto o sentido convencional
da corrente é o oposto. O valor desta corrente é determinado pela tensão VD
Figura 7.11: Transistor de efeito de campo de junção de canal n: a) estrutura planar
mostrando as diversas regiões e os terminais da fonte (F), porta (P) e dreno (D); b) modelo
simétrico para a região do canal.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
243
e também pela resistência do canal, que por sua vez depende da concentração
de impurezas, do comprimento e da área efetiva da seção reta do canal. Esta
área pode ser controlada pelo tamanho das regiões de depleção das junções
p+ -n entre as portas e o canal, uma vez que nestas não existem elétrons de
condução. Como a espessura da região de depleção depende da tensão reversa
na junção, a corrente de dreno ID varia com a tensão VP entre a porta e a
fonte. Desta forma a variação da corrente ID é controlada pela tensão VP .
7.5.2
Caracterı́stica do Transistor JFET
Para calcular a caracterı́stica I-V do JFET, vamos considerar o modelo
simétrico mostrado na Fig.7.11(b) para a região do canal. O canal tem comprimento L, profundidade D (perpendicular ao plano da figura) e altura efetiva
h(x), uma vez que não há elétrons nas regiões de depleção das duas junções
canal-porta. Esta altura efetiva é dada por h = 2(a − ), sendo que a espessura da região de depleção depende da tensão reversa na junção. Esta tensão
varia com x pois a corrente ID do dreno para a fonte produz uma queda de
potencial ao longo do canal. Por conseguinte e h também variam com x, de
modo que a área da seção reta efetiva varia ao longo do canal. Isto faz com
que a resistência do canal não seja dada simplesmente pela expressão usual,
ρL/A. No entanto, a dependência da corrente ID com as tensões VD e VP pode
ser calculada a partir de conceitos e relações simples.
A densidade de corrente no canal, dada pelas Eqs.(5.45) e (5.48), pode
ser escrita na forma:
dφ(x)
,
(7.40)
J(x) = σ E(x) = enµn E(x) = −enµn
dx
onde φ(x) é o potencial elétrico no ponto de coordenada x do canal, em relação
à fonte (x = 0). A intensidade de corrente ID no canal é dada pelo produto
de J pela área efetiva,
ID = 2[a − (x)] D J(x)
,
(7.41)
onde (x) é a espessura das regiões de depleção das junções p+ − n na seção de
Nd
abcissa x. Considerando que em x a tensão reversa é V (x), supondo Na
e potencial de contato desprezı́vel, (x) é dado por (Eq.(6.18) e Problema 6.4)
2
V (x)
(x) ≃
e Nd
1/2
,
(7.42)
244
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
onde a tensão reversa na junção V (x) é dada pela diferença de potencial entre
um ponto de abcissa x no canal e a porta, ou seja V (x) = φ(x) − VP . Substituindo (7.40) e (7.42) em (7.41), utilizando esta relação para V (x) e fazendo
n ≃ Nd , obtemos:
1/2
2
dφ
(φ − VP )
ID ≃ −2 eNd µn D a −
.
eNd
dx
Podemos agora separar as variáveis φ e x e fazer as integrais nos dois lados
entre x = 0 e x = L. Como o potencial nas extremidades do canal é φ(0) = 0
e φ(L) = VD temos,
VD L
1/2
2
ID dx = −2eNd µn D
(φ − VP )
a−
dφ .
eNd
0
0
A integral do lado esquerdo é trivial pois a intensidade de corrente ID não
varia com x. A integral em φ também é simples de ser efetuada, levando a:
1/2
2eNd µn Da
2
2
VD −
(VD − VP )3/2 − (−VP )3/2
.
ID = −
L
3 eNd a2
(7.43)
Esta expressão pode ser simplificada utilizando-se as seguintes considerações.
O fator multiplicativo que aparece à esquerda do colchete é o inverso da resistência do canal, sem as regiões de depleção, que é chamada condutância,
G0 =
σ 2Da
2eNd µn Da
1
=
=
R
L
L
.
(7.44)
Note que como V (x) aumenta com x, a altura efetiva do canal, h = 2(a − ),
diminui com x em virtude da Eq.(7.42), como mostrado na Fig.7.12. Existe
então um valor crı́tico de V (x) para o qual = a, fazendo com que o canal seja
obstruı́do. Isto ocorre inicialmente no ponto x = L, no qual V é máximo. O
valor crı́tico de V , também chamado de constrição do canal, é dado por (7.42)
com = a,
eNd a2
.
(7.45)
Vc =
2
Substituindo as definições (7.44) e (7.45) em (7.43), e observando que o
sinal negativo de (7.43) é devido ao fato de que a corrente tem o sentido −x,
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
245
Figura 7.12: Variação da altura efetiva do canal para dois valores de tensão de dreno. Para
VD = Vc + VP o canal sofre uma constrição em x = L.
obtemos a expressão final para o módulo da corrente em função das tensões:
3/2
3/2
2 VD − VP
VD 2 −VP
|ID | = G0 Vc
+
−
.
(7.46)
Vc
3
Vc
3
Vc
É preciso observar que esta expressão só vale se o canal estiver aberto em todos
os pontos, ou seja se V (x) < Vc . Como a tensão reversa máxima na junção é
V (L) = VD − VP , (7.46) só é válida para
VD − VP ≤ Vc
.
(7.47)
Para tensões de dreno maiores que o valor dado por (7.47), a corrente
atinge uma saturação, com valor igual ao obtido de (7.46) com VD − VP = Vc .
Observe também que normalmente a porta opera com tensão nula ou negativa
em relação a fonte, de modo que em todas as expressões acima VP ≤ 0.
Exemplo 7.5: Considere um JFET de Si com Nd = 5 × 1015 cm−3 , Na = 1019 cm−3 , a = 1 µm,
L = 15 µm e D = 1 mm. Calcule os parâmetros G0 e Vc e faça as curvas ID − VD para diversos
valores de VP .
Como Na Nd , a espessura da região de depleção pode ser calculada por (7.42). Então,
usando os dados da Tabela 5.2 e os parâmetros do transistor em (7.44), vem,
2 e Nd µn D a
2 × 1, 6 × 10−19 × 5 × 1015 × 106 × 1350 × 10−4 × 10−3 × 10−6
=
L
15 × 10−6
−2
−1
G0 = 1, 44 × 10 Ω
G0 =
Com (7.45) obtemos,
1, 6 × 10−19 × 5 × 1015 × 106 × 10−12
e Nd a2
=
2
2 × 11, 8 × 8, 85 × 10−12
Vc = 3, 8 V
Vc =
246
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Como estes valores de G0 e Vc na Eq.(7.46) obtemos numericamente as curvas mostradas na
Figura 7.13.
Para entender o comportamento das curvas I-V da Fig.7.13, tomemos
inicialmente VP = 0. Nesta situação a corrente dada por (7.46) é:
|ID | = G0 Vc
VD 2
−
Vc
3
VD
Vc
3/2
.
(7.48)
Vc , o primeiro termo
Observe que para tensões de dreno baixas, isto é, VD
em (7.48) domina o segundo, sendo |ID | ≃ G0 VD . Esta é a região linear
da curva caracterı́stica com VP = 0 na Fig.7.13. A presença do termo com
potência 3/2 e sinal negativo em (7.48), faz com que a taxa de crescimento de
|ID | diminua com o aumento de VD . Fazendo a derivada de |ID | em relação a
VD vem,
d|ID |
= G0 1 − (VD /Vc )1/2 V =0 .
(7.49)
P
dVD
Vemos então que |ID | atinge o máximo (dID /dV = 0) exatamente em VD = Vc
(para VP = 0). Neste valor de tensão a corrente atinge a saturação, dada por
(7.48) com VD = Vc ,
Figura 7.13: Caracterı́sticas I-V de um transistor de efeito de campo de junção, obtidas da
Eq.(7.46) com Vc = 3, 8 V e G0 = 1, 44 × 102 .
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
IDsat = G0 Vc /3
.
247
(7.50)
Para VD > Vc a corrente mantém este valor, que corresponde à situação do
canal quase totalmente obstruı́do. Isto ocorre porque, se a corrente diminuisse,
a queda de tensão no canal também diminuiria e ele seria desobstruı́do. Este
delicado equilı́brio mantém a corrente constante para VD > Vc , com valor igual
ao de saturação (7.50).
Para tensões de porta VP não nulas e negativas o comportamento das
curvas ID − VD é qualitativamente o mesmo do descrito para VP = 0. As
diferenças fundamentais são que a corrente de saturação e o valor crı́tico de
saturação na tensão VD diminuem com o aumento de −VP . A linha tracejada
na Fig.7.13 indica o lugar geométrico dos pontos de saturação para VP = 0.
Observe que os valores de tensão e corrente mostrados na Fig. 7.13 são
tı́picos de um JFET. O transistor trabalha com tensões de dreno e de porta
da ordem de alguns volts e corrente de dreno na faixa de mAmp. As curvas
caracterı́sticas do transistor de efeito de campo se assemelham as do transistor
bipolar mostradas na Fig.7.7(b). A diferença fundamental é que enquanto no
bipolar o parâmetro de controle é a corrente de base, no JFET o controle é
feito pela tensão da porta. Então, como a tensão de porta no JFET é aplicada
numa junção polarizada reversamente, a corrente de entrada é muito pequena
comparada com a corrente de base no transistor bipolar. Num JFET tı́pico a
corrente na porta é da ordem de 10−9 a 10−12 A. Como a tensão aplicada a
porta é de alguns volts, a impedância de entrada excede 108 Ω.
Os transistores de efeito de campo de junção são utilizados para amplificação ou chaveamento, em circuitos semelhantes aqueles das Figs. 7.9 e
7.10, em aplicações que requerem alta impedância de entrada. Os sı́mbolos de
Figura 7.14: Sı́mbolos de circuito dos transistores de efeito de campo (JFET) de canal n e
de canal p.
248
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
circuito dos JFET de canal n e de canal p estão mostrados na Fig.7.14.
7.5.3
O Transistor de Efeito de Campo Metal-Semicondutor
O princı́pio de funcionamento do transistor de efeito de campo metalsemicondutor, que passaremos a chamar de MESFET (Metal Semiconductor
Field Effect Transistor), é basicamente o mesmo do JFET. Ele tem três terminais, fonte, porta e dreno. Os portadores de carga majoritários fluem da
fonte para o dreno através de um canal semicondutor, tipo n ou tipo p. O
controle da corrente é feito por meio de uma tensão aplicada à porta, que
controla a espessura do canal e portanto sua resistência. A diferença para o
JFET é que no MESFET o terminal metálico da porta está em contato direto
com o semicondutor do canal, formando uma junção Schottky, em vez de uma
junção p-n. Como na barreira de potencial Schottky não há participação de
portadores minoritários, a resposta na variação de espessura do canal devido
à variação na tensão da porta, é mais rápida do que nas junções p-n. Por isso,
o MESFET é utilizado em aplicações de altas freqüências. Como o GaAs tem
maior mobilidade de elétrons do que Si, ele é o semicondutor mais utilizado
na fabricação de MESFETs.
A Figura 7.15 mostra duas estruturas comuns de MESFET. Em ambas
o substrato é uma pastilha de alta resistividade, feita com GaAs o mais puro
possı́vel ou com pequena dopagem com Cr. Como o gap de GaAs é grande,
Figura 7.15: Estruturas de MESFET: a) Estrutura simples, com terminais metálicos da
fonte, porta e dreno, depositados diretamente sobre a camada epitaxial que forma o canal;
b) Estrutura na qual as regiões da fonte, canal e dreno são formadas por implantação iônica
de impurezas tipo n.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
249
o nı́vel de Fermi no meio do gap que ocorre no semicondutor intrı́nseco ou
com dopagem de Cr, resulta em resistividades da ordem de 108 Ωcm. Como
este valor de resistividade torna o material quase isolante, ele é chamado de
semi-isolante. O canal é formado por uma camada de GaAs dopado, com
espessura da ordem de 0,1 µm. Como a mobibilidade de elétrons em GaAs
é 22 vezes maior que a de buracos (veja Tabela 5.2), utiliza-se dopagem com
impurezas doadoras para formar um canal n nos MESFETs para aplicações
em altas freqüências. Concentrações de impurezas do grupo VI, como Se, da
ordem de 1017 cm−3 , resultam em condutividades adequadas ao canal n, no
qual os elétrons fluem da fonte para o dreno. A estrutura dos contatos é feita
através de processos sucessivos de fotolitografia.
A estrutura mostrada na Figura 7.15(a) é bastante simples, formada apenas por uma fina camada de n-GaAs crescido epitaxialmente sobre o substrato
e três contatos metálicos. O contato da porta é feito de A ou ligas de Ti, W
ou Au, que são adequados para formar uma barreira Schottky em GaAs. Os
contatos da fonte e do dreno devem ser ôhmicos, por isso são feitos com outro
metal, em geral uma liga de Ge e Au. Como a fabricação desta estrutura
não requer o uso de processos de difusão, ela pode ser feita com dimensões
pequenas e muito precisas. Pode-se então fazer canais de comprimentos inferiores a 1 µm, o que possibilita minimizar o tempo de deslocamento dos
elétrons e a capacitância da porta, requisitos importantes para aplicações em
altas freqüências. Na estrutura da Figura 7.15(b), os contatos ôhmicos da
fonte e do dreno são feitos por meio de duas regiões n+ com concentrações de
impurezas da ordem de 1018 cm−3 . Devido aos requisitos de precisão e boa
definição das fronteiras entre as diversas regiões, as dopagens que formam a
fonte, o canal e o dreno são feitas por meio de implantação iônica. Este tipo
de estrutura faz com que haja um ótimo isolamento elétrico entre transistores
vizinhos, fabricados numa mesma pastilha para formar um circuito integrado,
por conta da natureza semi-isolante do substrato. Este não é o caso da estrutura da Figura 7.15(a), pois a camada epitaxial tipo n sobre o substrato
estabelece um contato direto entre transistores vizinhos. Para isolar o transistor de elementos vizinhos, ele é circundado por uma vala com cerca de 0,2 µm
de profundidade, que atinge o substrato semi-isolante. A vala é produzida por
um processo de corrosão numa linha definida por meio de fotolitografia.
Como mencionado no inı́cio da seção, o funcionamento do MESFET é
basicamente o mesmo do JFET. A junção Schottky formada entre o terminal da
porta e o canal n é polarizada inversamente, o que faz com que a impedância de
entrada do transistor seja muito alta. A tensão aplicada entre porta e a fonte
determina a espessura da região de depleção, que é dada aproximadamente
250
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
pela mesma expressão (7.42) válida para o JFET. Como o potencial varia ao
longo do canal, a espessura da região de depleção também varia, formando a
região triangular indicada pela área branca nas estruturas da Figura 7.15. O
cálculo da corrente no canal é feito exatamente como para o JFET, de modo
que a relação entre a corrente do dreno ID e as tensões VP e VD da porta
e do dreno, é dada pela Equação (7.46). Assim, as curvas caracterı́sticas do
MESFET têm a mesma forma das curvas do JFET, mostradas na Figura 7.13.
Os MESFETs de GaAs podem ser fabricados em circuitos integrados
para processar sinais analógicos ou digitais em altas freqüências, alcançando
a faixa de microondas. Atualmente eles têm grande aplicação em telefonia
móvel, empregando freqüências de alguns GHz. Os MESFETs são usados para
fazer osciladores e amplificadores de micro-ondas, que constituem elementos
fundamentais dos circuitos dos telefones celulares e telefones sem fio de alta
freqüência.
A necessidade de aumentar a freqüência de geração e a banda de passagem nos sistemas de comunicações tem estimulado o desenvolvimento de novas estruturas de MESFET. A operação em freqüências mais elevadas requer
a diminuição do tempo de trânsito dos elétrons e portanto menores dimensões
fı́sicas do canal. Para manter a condutância do canal é preciso então aumentar sua condutividade. Isto pode ser feito até certo ponto com o aumento
da concentração de impurezas no canal. Entretanto, concentrações excessivas
aumentam o espalhamento dos elétrons e comprometem a mobilidade. Uma
forma engenhosa para aumentar a concentração de elétrons sem aumentar a
concentração de impurezas doadoras é fazer o canal com duas camadas, uma
de n-(GaA)As e outra de GaAs puro, esta crescida diretamente sobre o substrato. Isto resulta em uma heterojunção com estrutura de bandas semelhante
à da Figura 6.11. A composição da liga de n-(GaA)As é feita de tal modo que
o nı́vel de Fermi está acima do mı́nimo do poço formado na descontinuidade
da banda de condução (na Fig.6.11 ele está um pouco abaixo). O resultado
é que uma parte dos elétrons da camada de n-(GaA)As salta para a camada
de GaAs, ficando aprisionados na interface. Energeticamente o que ocorre é
que os elétrons ocupam os estados de energia abaixo do nı́vel de Fermi, ficando
aprisionados no poço de potencial. Como a camada de GaAs é pura, o espalhamento dos elétrons é pequeno, resultando num canal de alta mobilidade.
O transistor MESFET feito com esta estrutura é chamado de HEMT (High
Electron Mobility Transistor). Ele é muito empregado em telefonia móvel
utilizando a faixa de microondas, podendo alcançar freqüências em torno de
10 GHz.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
7.6
251
O Transistor MOSFET
Um outro tipo de transistor de efeito de campo, de importância tecnológica
muito maior que o de junção, é o de porta isolada. Neste transistor o controle
da corrente no canal é feito por meio do campo num capacitor, formado pelo
contato metálico da porta e pelo semicondutor do canal, separados por uma
camada de isolante. No caso mais comum o isolante é o óxido de silı́cio, SiO2 ,
o que dá o nome em inglês Metal-Oxide-Semiconductor FET. Vamos aqui nos
referir a este tipo de transistor por sua sigla em inglês, MOSFET.
A Fig.7.16 mostra a estrutura planar de um MOSFET de canal n. Ele é
formado por duas regiões tipo n+ difundidas (ou implantadas) num substrato
tipo p, sendo uma para a fonte (F) e outra para o dreno (D). A fonte e o dreno
são ligados ao circuito através de contatos de alumı́nio. O canal de condução
entre a fonte e o dreno é induzido no substrato por uma tensão aplicada à porta,
cujo contato é isolado do semicondutor por uma camada de óxido, através do
fenômeno de inversão que será explicado mais tarde.
Se uma tensão for aplicada entre dreno e fonte, em qualquer sentido, uma
das duas junções p-n estará polarizada diretamente, enquanto a outra ficará
polarizada reversamente. Neste caso, se não houver tensão na porta não haverá
canal e, portanto, a corrente entre fonte e dreno será desprezı́vel devido à presença da junção reversa. Quando uma tensão positiva é aplicada à porta, uma
camada de cargas negativas é induzida no semicondutor, em frente ao contato
metálico da porta. Esta camada de cargas proporciona um canal de condução
entre fonte e dreno, resultando numa corrente que varia com a amplitude da
tensão da porta. Para compreender o mecanismo de aparecimento do canal
de condução é necessário analisar o comportamento das cargas no capacitor
formado pelo conjunto metal-óxido-semicondutor, chamado capacitor MOS,
o que faremos a seguir.
Figura 7.16: Estrutura planar de MOSFET de canal n.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
252
7.6.1
O Capacitor MOS
A Fig.7.17 mostra os diagramas de energia nas três regiões de um capacitor
MOS com semicondutor tipo p, para diversos valores da diferença de potencial
V aplicada entre o metal e o semicondutor. Em (a) vemos a situação de
equilı́brio com V = 0, na qual os nı́veis de Fermi do metal e do semicondutor
são iguais. Na figura estão mostradas as funções trabalho eφm e eφs do metal e
do semicondutor. Estando o metal e o semicondutor em contato com o isolante,
eφm e eφs são definidas em relação ao nı́vel da banda de condução do óxido
e não ao nı́vel do vácuo, como foi feito no caso da Fig.6.8. Por esta razão,
essas grandezas também são chamadas funções trabalho modificadas para a
interface metal-óxido. Para simplificar a análise do efeito da tensão aplicada,
(a) V = 0
(b) V
0
e
Ec
Ei
EFm
Acumulação
Ec
Ei
EFm
Ev
Semicondutor
Metal
Óxido
M
e
O
e
Depleção
V
EFm
0
Ev
S
Inversão
Ec
Ec
Ei
eV
M
Ev
O
S
V
Ei
eV
M
0
Ev
EFm
O
S
V
0
Figura 7.17: Diagramas de energia no capacitor MOS para diversos valores da diferença de
potencial V aplicada entre o metal e o semicondutor (tipo p).
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
253
consideramos na Fig.7.17 que φm = φs . No caso geral, o efeito de φm = φs
pode ser facilmente incorporado ao resultado final.
Na Fig.7.17(b) vemos o efeito de uma tensão V < 0 aplicada entre o metal
e o semicondutor. Neste caso aparecem cargas negativas no metal e cargas positivas no semicondutor, como num capacitor comum. Estas cargas criam um
campo elétrico E no sentido do semicondutor para o metal. Como no semicondutor tipo p os portadores majoritários são buracos, o aparecimento de cargas
positivas corresponde à acumulação de buracos na interface semicondutoróxido. Esta acumulação de buracos é consistente com o comportamento das
energias, como veremos a seguir. Quando a tensão é aplicada entre metal e
semicondutor, as energias dos elétrons no metal variam de −eV em relação
aos seus valores de equilı́brio. Portanto, sendo V < 0 as energias no metal
sofrem um acréscimo de e|V |. Em conseqüência, a banda de condução do
óxido fica inclinada e o nı́vel de Fermi no metal EF m fica acima do nı́vel EF s
no semicondutor, sendo a diferença entre eles EF m − EF s = e|V |. Isto resulta
numa curvatura para cima das energias da banda de valência Ev , da banda de
condução Ec e do nı́vel de Fermi intrı́nseco Ei nas proximidades da interface,
como mostra a Fig.7.17(b). Por outro lado, como a camada de óxido é isolante,
a aplicação de uma tensão externa não resulta em corrente no semicondutor.
Em conseqüência, o nı́vel de Fermi EF s não varia ao longo do semicondutor,
como ocorre nas junções p-n e metal-semicondutor. Desta forma, a energia
Ei se afasta do nı́vel EF s na interface. Sendo a concentração de buracos dada
pela Eq.(5.32),
(7.51)
p = ni e(Ei −EF s)/kB T ,
vemos que p cresce exponencialmente com a diferença Ei − FF s . Assim, a
variação das energias mostradas na Fig.7.17(b) é consistente com a acumulação
de buracos no semicondutor na interface com o óxido.
O comportamento das energias no caso de tensões positivas do metal
em relação ao semicondutor está ilustrado nas Figuras 7.17(c) e (d). Sendo
−eV < 0, as energias dos elétrons no metal decrescem em relação aos valores
de equilı́brio, de modo que as curvaturas de Ec , Ev e Ei próximo da interface
são opostas as do diagrama em (b). Neste caso Ei se aproxima de EF s na
interface, de modo que, pela Eq.(7.51), a concentração de buracos diminui nas
proximidades do óxido. Se V é menor que um certo valor crı́tico Vc , Ei − EF s
diminui em relação ao equilı́brio porém é ainda positivo em todos os pontos,
como no diagrama em (c). Neste caso a concentração p na interface é menor
que o valor de equilı́brio, o que deixa uma fração das impurezas aceitadoras
não compensadas. Portanto o semicondutor fica carregado negativamente en-
254
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
quanto o metal fica carregado positivamente, como esperado para V > 0. A
ausência de buracos nas proximidades da interface é um fenômeno análogo ao
que ocorre na região de carga espacial, ou de depleção, de uma junção p-n.
Se a tensão V ultrapassa um certo valor crı́tico Vc , a energia Ei na interface cai abaixo do nı́vel EF s , como mostrado na Fig.7.17(d). Neste caso, como
se vê na Eq.(7.51), p < ni . Sendo p n = n2i (Eq.(5.30), vemos que n > ni , e por
conseguinte os elétrons passam a ser os portadores majoritários. Este é um
caso muito interessante no qual o semicondutor tipo p passa a comportar-se
como tipo n por ação de uma tensão aplicada e não por causa de uma dopagem.
Este fenômeno, chamado inversão constitui a chave para o aparecimento do
canal n no semicondutor tipo p do transistor MOSFET.
Para calcular a tensão aplicada ao transistor MOSFET acima da qual
uma camada de inversão é produzida no semicondutor, é necessário em
primeiro lugar entender como se comporta a queda de potencial no óxido e no
semicondutor. Para isto vamos, inicialmente, considerar um capacitor MOS
ideal no qual não há cargas de superfı́cie e as funções trabalho do metal e do
semicondutor são iguais, φm = φs . Posteriormente generalizaremos o resultado
para superfı́cies reais.
Se uma tensão V é aplicada entre o metal e o semicondutor, parte da
queda de potencial ocorre no isolante (Vi ) e parte ocorre no semicondutor (Vs ),
de modo que
(7.52)
V = Vi + Vs .
Esta tensão produz cargas Qm na superfı́cie do metal e Qs no semicondutor,
sendo Qm = −Qs = Q, como num capacitor. Se V > 0, evidentemente teremos
Q > 0. A queda de potencial no isolante é relacionada com a carga através da
capacitância obtida como se ele estivesse entre duas placas metálicas,
Vi =
Q
Ci
,
(7.53)
sendo Ci = i A/d, onde i é a permissividade do isolante, d sua espessura e A
a área. Para relacionar a queda de potencial no semicondutor com a carga, é
preciso resolver o problema da carga distribuı́da. Como o problema completo é
muito difı́cil, vamos usar uma aproximação para a distribuição de carga, como
foi feito para a junção p-n na Seção 6.1.3. Ela consiste em supor que toda a
carga no semicondutor está contida numa camada de espessura , com uma
densidade uniforme, como ilustrado na Fig.7.18. Na aproximação de depleção
total consideramos que todas impurezas aceitadoras na camada de espessura Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
255
estão ionizadas, de modo que a carga no semicondutor é Qs = −Q = −eNa A.
Nesta situação, a equação da lei de Gauss pode ser facilmente integrada para se
obter o campo elétrico e a partir dele a variação do potencial. A relação entre
a espessura da região de depleção e a queda de potencial Vs no semicondutor
é igual a Eq.(6.18) com V0 substituı́do por Vs e sem o termo em Nd ,
1/2
2s Vs
,
(7.54)
=
eNa
onde s é a permissividade do semicondutor. Observe que este resultado foi
obtido na suposição de que a tensão V aplicada é suficiente para produzir
depleção total na camada de espessura , mas sem inversão. As Eqs.(7.52)(7.54) permitem calcular em função de V , desde que V seja menor que o
valor crı́tico Vc para produzir inversão. Usando (7.54) e Q = eNa A em (7.53)
e substituindo Vs e Vi em (7.52), obtemos
eNa 2
eNa d
+
.
(7.55)
V =
i
2s
Este resultado mostra que a espessura da camada de depleção cresce com
Figura 7.18: Distribuição de carga num capacitor MOS ideal com semicondutor tipo p (canal
n), na aproximação de depleção. A linha tracejada indica a carga criada pela inversão quando
V > Vc .
256
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
o aumento da tensão V no capacitor. Na verdade isto só ocorre enquanto V
for menor que Vc . Quando V atinge Vc , a inversão produz uma camada fina
de carga na interface com o óxido, mostrada na Fig.7.18 pela linha tracejada.
Qualquer aumento adicional de V acima deste valor resulta em crescimento da
carga de inversão e não em aumento da camada de depleção. A partir de (7.55)
podemos obter a capacitância total do capacitor MOS. Colocando a carga
Q = eNa A em evidência naquela equação e usando a definição C = dQ/dV
vem:
A
C=
.
(7.56)
d/i + /s
Esta expressão também pode ser obtida pela associação em série dos capacitores formados pelo isolante (Ci ) e pelo semicondutor. Como a espessura aumenta com V , a capacitância C diminui com o aumento de V na região
0 ≤ V ≤ Vc . Para V ≥ Vc o valor de C estabiliza em Cmin , como mostrado na
Fig.7.19. Com tensões negativas há uma acumulação de buracos na superfı́cie
do semicondutor, de modo que = 0 e C é devido ao capacitor formado
apenas pelo óxido dielétrico, C = Ci . Observe que quando a medida da capacitância é feita com freqüência muito baixa, tipicamente menor que 100 Hz,
a capacitância tende a aproximar-se do valor Ci, como mostrado pelas linhas
tracejadas da Fig.7.19. O mecanismo responsável por este efeito é a geração
de portadores na região de carga espacial. Quando a variação da tensão é
muito lenta, a criação de pares elétron-buraco nesta região mascara a variação
da capacitância. Os buracos tendem a neutralizar as impurezas aceitadoras,
Figura 7.19: Variação da capacitância com a tensão em capacitor MOS de canal n ideal. As
curvas tracejadas para V > Vc são os resultados obtidos quando a medida de C é feita com
freqüências muito baixas (tipicamente menores que 100 Hz).
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
257
eliminando a região de depleção, enquanto os elétrons vão para a interface
semicondutor-óxido. Em conseqüência → 0 e a capacitância tende para o
valor Ci .
7.6.2
A Tensão Crı́tica de Inversão
Para compreender o mecanismo de inversão e o aparecimento do canal n no
semicondutor tipo p, vamos analisar em detalhe o diagrama de energia do
semicondutor quando a tensão aplicada ao capacitor MOS é positiva. Como
mostrado na Fig.7.20, as bandas de condução e de valência, bem como o nı́vel
de Fermi intrı́nseco Ei , curvam para baixo nas proximidades da interface.
Sendo a energia do elétron relacionada ao potencial elétrico φ por E = −eφ,
o desvio da banda de condução de seu valor de equilı́brio Ec é eφ. Como a
curvatura de Ei acompanha a de Ec , o desvio de Ei em cada ponto y também é
eφ, o que pode ser visto na Fig.7.20. Vemos então que a queda de potencial Vs
no semicondutor, estabelecida pela tensão aplicada V , corresponde ao desvio
de Ei na interface com o semicondutor, isto é, em y = 0. Vemos também na
Fig.7.20 que se Vs > φF , há uma pequena faixa de y em que Ei < EF s , onde
portanto a concentração de elétrons é maior que a de buracos. Entretanto não
basta ter Ei < EF s para haver um canal de condução significativo. O critério
utilizado para definir a condição de forte inversão é que a concentração n de
elétrons na superfı́cie seja, no mı́nimo, tão grande quanto a concentração de
Figura 7.20: Diagrama de energia no semicondutor p próximo da interface do óxido em
capacitor MOS com tensão V > Vc .
258
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
buracos no substrato, p ≃ Na . Pela Eq.(7.51) vemos que esta condição é
Na = ni eeφF /kB T
,
(7.57)
onde eφF é a diferença entre os nı́veis de Fermi Ei e EF s longe da interface.
Como n = n2i /p, vemos na Fig.7.20 que para termos n = Na em y = 0 é preciso
que Vs = 2φF . Utilizando (7.57) podemos escrever a condição para a existência
de uma camada de inversão no semicondutor,
Vs ≥ VsI = 2φF = 2
kB T
Na
n
e
ni
.
(7.58)
Substituindo este resultado em (7.54) obtemos a máxima espessura da camada
de depleção, que é atingida na condição de inversão,
1/2
1/2
4s φF
4s kB T n(Na /ni )
=
.
(7.59)
max =
eNa
e2 Na
Esta é a situação na qual a carga na região de depleção é máxima, sendo
seu módulo dado por
Qd = eNa max A = 2(s eNa φF )1/2 A
.
(7.60)
Substituindo (7.53) e (7.58) em (7.52) obtemos a tensão crı́tica no capacitor
MOS para a criação da camada de inversão,
Vc =
Qd
+ 2φF
Ci
,
(7.61)
onde Qd é dado por (7.60). Este resultado só vale para um capacitor MOS
ideal. Num capacitor real há dois efeitos que devem ser considerados no cálculo
de Vc : as funções trabalho φm e φs em geral são diferentes; existem cargas no
interior do óxido e na superfı́cie da interface semicondutor-óxido.
As funções trabalho modificadas para a interface metal-SiO2 de alguns
metais utilizados em contatos metálicos estão apresentadas na Tabela 7.1. No
caso dos semicondutores, a função trabalho depende também da concentração
de impurezas, porque varia com a posição no nı́vel de Fermi EF s . A Figura
7.21 mostra a diferença das funções trabalho modificadas, φms = φm − φs , para
A com Si tipo p e tipo n, em função da concentração de impurezas. Como
se vê, neste caso φms é negativo independentemente do tipo de impureza. É
fácil ver que se φm < φs , o diagrama de energia em equilı́brio (V = 0) é
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
259
Figura 7.21: Variação da diferença das funções trabalho φm = φm − φs na interface A-Si
em função da concentração de impurezas [Sze].
semelhante aquele da Fig.7.17(c), válido para φm = φs e V > 0. Isto significa
que, mesmo em equilı́brio, o metal fica carregado positivamente enquanto o
semicondutor fica com cargas negativas. Assim, para tornar as bandas retas
como na Fig.7.17(a), seria preciso aplicar uma tensão negativa para compensar
a diferença das funções trabalho, com valor precisamente igual a φms .
Outro efeito importante nos capacitores MOS é a presença de cargas no
isolante e na interface semicondutor-óxido. As cargas no interior do isolante resultam de contaminação no processo de fabricação, como ocorre freqüentemente
com ı́ons de Na+ . Essas cargas positivas criam um campo elétrico que altera a
distribuição de potencial no capacitor. As cargas na interface Si-SiO2 resultam
da existência de estados superficiais criados pela interrupção da rede cristalina
na superfı́cie. No processo de oxidação do Si para a fabricação da camada
de SiO2 , átomos de Si são removidos da superfı́cie e reagem com o oxigênio.
Quando o processo é interrompido, alguns ı́ons de Si permanecem próximos da
interface, formando uma camada superficial de cargas. O conjunto das cargas
Metal
A
Ag
Au
Cu
eφm (eV)
4,1
5,1
5,0
4,7
Tabela 7.1: Funções trabalho de metais modificadas para o isolante SiO2 [Sze].
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
260
no óxido e na interface pode ser representado por uma carga efetiva Qox . Essa
carga produz uma diferença de potencial adicional no capacitor Vox = Qox /Ci ,
onde Ci é a capacitância do isolante.
A tensão crı́tica calculada anteriormente é válida para a situação na qual,
com V = 0, as bandas do semicondutor têm curvatura nula. Como a diferença
das funções trabalho φms e a presença da carga Qox resultam numa tensão
efetiva positiva Vox − φms , a tensão externa que deve ser aplicada ao capacitor
para produzir inversão é menor do que Vc obtido para o caso ideal, Eq.(7.61).
Assim, o valor da tensão crı́tica no caso geral é
Qd
Qox
Vc =
+ 2φF + φms −
.
(7.62)
Ci
Ci
Este resultado mostra que para obter uma tensão crı́tica pequena é
necessário fazer a capacitância Ci maior possı́vel. Isto requer uma espessura
do óxido isolante muito pequena, em geral da ordem de 0, 1 µm.
Exemplo 7.6: Calcule a tensão crı́tica de inversão Vc para um MOSFET de A -SiO2 -pSi com
d = 0, 1 µm, Na = 1015 cm−3 , com carga no óxido por unidade de área Qox /A = 8 × 10−8 C/cm2 ,
sabendo que a constante dielétrica do óxido é 3,9.
Usando o valor de ni da Tabela 5.2 para Si obtemos, com (7.58),
2φF = 2
Na
kB T
1015
n
= 2 × 0, 025 × n
= 0, 56 V
e
ni
1, 5 × 1010
.
Usando (7.60) calculamos a carga por unidade de área,
1/2
Qd
= 2 × 11, 8 × 8, 85 × 10−12 × 1, 6 × 10−19 × 1015 × 106 × 0, 28
A
= 1, 37 × 10−4 C/m2
.
A capacitância por unidade de área é determinada pela espessura do óxido e por sua constante
dielétrica. Para SiO2 i = 3, 9 0 , logo
3, 9 × 8, 85 × 10−12
Ci
i
=
=
A
d
10−7
≃ 3, 45 × 10−4 F/m2
.
Usando o valor φms = −0, 9 V da Fig.7.21 e substituindo os dados e parâmetros calculados em
(7.62) vem,
Vc =
1, 37 × 10−4
8 × 10−8 × 104
+
0,
56
−
0,
9
−
3, 45 × 10−4
3, 45 × 10−4
= 0, 4 + 0, 56 − 0, 9 − 2, 3 = −2, 24 V
.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
261
Note que a inversão ocorre em baixos valores de tensão, que podem ser fornecidos por pequenas baterias. Este fato é importante pois ele possibilita a operação de circuitos lógicos alimentados
por baterias em equipamentos portáteis.
7.6.3
A Caracterı́stica I-V do Transistor MOSFET
Estamos agora em condições de entender o mecanismo de operação de um transistor MOSFET com a estrutura da Fig.7.16, assim como calcular a corrente de
dreno ID em função das tensões de dreno VD e de porta VP . Se uma diferença
de potencial VD positiva for aplicada entre dreno e fonte, a junção p-n entre
substrato e dreno estará polarizada reversamente. Portanto só haverá corrente
do dreno para a fonte (elétrons vão da fonte para o dreno) se houver uma
camada de inversão em toda extensão da interface semicondutor-óxido. Esta
camada pode ser induzida por uma tensão VP entre porta e fonte, maior que
um certo valor crı́tico VP c . Este valor é diferente de Vc da Eq.(7.62), porque
a tensão de dreno eleva o potencial do semicondutor em relação ao metal da
porta. Devido à presença da corrente ID , o potencial do semicondutor aumenta
gradualmente da fonte para o dreno.
Isto resulta numa variação da tensão crı́tica ao longo do capacitor e, por
conseguinte, numa diminuição gradual da espessura da camada de inversão
da fonte para o dreno, como ilustrado na Fig.7.16. Assim, a tensão de porta
mı́nima VP c para que haja um canal de condução em toda extensão do semicondutor é determinada pelo valor da tensão crı́tica na extremidade do dreno,
VP c = Vc + VD
.
(7.63)
Para calcular a corrente ID criada pela tensão VD é preciso, inicialmente,
determinar a carga na camada de inversão. Para isto vamos considerar o
modelo da Fig.7.22 para a variação da camada entre fonte e dreno. O capacitor
MOS é dividido em capacitores elementares de largura dx, cujas áreas são
dA = Ddx, sendo D a profundidade na direção perpendicular ao plano do
papel. Pela Eq.(7.53), a carga elementar em cada capacitor é dQ = Vi (x) dCi,
onde dCi = Ci dx/L e Vi (x) é a queda de tensão no isolante no ponto de abcissa
x. Vi (x) é determinada pela tensão de porta VP , a tensão efetiva Vox − φms , a
queda de potencial Vs no semicondutor e a diferença de potencial φ(x) entre o
ponto x e a fonte (x = 0). Na condição de inversão no ponto x, Vs = 2φF , de
262
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.22: Modelo para a variação da camada de inversão em transistor MOSFET de
canal n.
modo que a carga elementar no capacitor em dx é,
Ci
[VP + (Vox − φms − 2φF ) − φ(x)] dx
dQ =
L
.
Note que na condição de inversão esta carga é igual àquela existente na região
de depleção, cujo valor na faixa dx é dQd = Qd dx/L. Qualquer acréscimo da
tensão resulta no aparecimento de uma carga negativa na camada de inversão,
cujo módulo é dQn = dQ − dQd , uma vez que a carga na região de depleção
não aumenta além do valor dado por (7.60). Temos então
Ci
Qd
[VP + (Vox − φms − 2φF ) − φ(x)] dx −
dx .
dQn =
L
L
Utilizando a Eq.(7.62) nesse resultado, podemos escrever
Ci
[VP − Vc − φ(x)] dx .
dQn =
L
(7.64)
Sob a ação de uma tensão VD positiva, esta carga (negativa) move-se no
sentido fonte-dreno, produzindo uma corrente ID no sentido −x. Sendo h a altura do canal no ponto x, a densidade volumétrica de carga é ρ = −dQn /Dhdx.
A densidade de corrente que ela produz é J = ρµn E, onde µn é a mobilidade
das cargas no canal e E = −dφ/dx é o campo elétrico. A corrente de dreno é
então,
dQn dφ
.
(7.65)
ID = J D h = µn
dx dx
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
263
Substituindo (7.64) em (7.65) e passando dx para o lado esquerdo, podemos
integrar os dois lados separadamente,
L
µn Ci VD
ID dx =
(VP − Vc − φ)dφ .
L
0
0
Como ID não varia com x, a integral do lado esquerdo é simplesmente ID L.
Efetuando a integral do lado direito e utilizando a definição de VP c em (7.63)
obtemos finalmente,
ID =
µ n Ci
1
(VP − Vc )VD − VD2
2
L
2
.
(7.66)
Note que µn é a mobilidade dos elétrons próximos da superfı́cie, que em geral
é menor que o valor no interior do substrato tipo p. Na Eq.(7.66) é comum
utilizar a capacitância por unidade de área, ci = Ci /DL, no lugar de Ci .
Esta equação descreve bastante bem o comportamento da corrente de dreno,
principalmente para baixos valores de VD . Na verdade este resultado é apenas
aproximado porque desprezamos a variação de Qd com x. A Eq.(7.66) mostra
que para pequenos valores de VD , a corrente ID cresce linearmente com VD ,
desde que VP > Vc . Para valores maiores de VD , o termo em VD2 faz a taxa de
crescimento de ID diminuir. Observe que a derivada
µ n Ci
dID
=
(VP − Vc − VD )
dVD
L2
(7.67)
é nula em VD = VDs ≡ VP − Vc . Neste valor de tensão, que é exatamente o
mesmo de (7.63), a corrente é máxima. Para tensões de dreno maiores que este
valor, o canal de condução é interrompido fazendo a corrente saturar, num
fenômeno semelhante ao que ocorre no JFET. A Fig.7.23 mostra curvas de ID
em função de VD para diversos valores de VP , obtidas da Eq.(7.66) para um
MOSFET canal n com Vc = −2 V, Ci /A = 3, 45 × 10−8 F/cm2 , L = 10 µm,
D = 300 µm e µn = 675 cm2 /V.s (metade do valor no interior do substrato,
dado na Tabela 5.2). Esses valores dão µn Ci /L2 = µn DCi /AL ≃ 0, 7 mA/V2 .
Na Fig.7.23 a linha tracejada indica os pontos VD − ID onde a corrente satura.
Note que o valor da corrente de saturação é obtido de (7.66) com VP − Vc =
VD = VDs ,
µ n Ci 2
V
.
(7.68)
IDsat =
2L2 Ds
Este resultado mostra que a curva de saturação é uma parábola.
264
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.23: Curvas caracterı́sticas de MOSFET de canal n.
7.6.4
Aplicações de Transistores MOSFET
Os transistores MOSFET têm uma variedade de aplicações em circuitos digitais e são largamente utilizados em computadores. Os sı́mbolos de circuito
dos MOSFETs de canal n e de canal p estão mostrados na Fig.7.24. Observe
que eles têm um quarto terminal, correspondente ao substrato. Como o semicondutor do substrato forma diodos de junção com fonte e dreno, ele deve ser
mantido num potencial que faz as junções não conduzirem. Em geral ele é
ligado à fonte no MOSFET de canal n e ao dreno no de canal p.
No MOSFET que apresentamos em detalhe, o canal é induzido no substrato através do mecanismo de inversão, produzido por uma tensão de porta.
Se VP < VP c o canal está fechado e não há corrente de dreno. É possı́vel
também fazer um MOSFET dopando uma região n− entre fonte e dreno, de
modo que mesmo sem tensão na porta a corrente ID pode ser diferente de zero.
Neste tipo, uma polarização negativa na porta repele os elétrons do canal n e
reduz a corrente, como no n-JFET. O primeiro tipo, no qual o canal é induzido
e aumenta com a tensão VP , é chamado de indução ou de aumento (channel
enhancement, em inglês). O segundo tipo, no qual o canal é deprimido com
a tensão, é chamado de depleção. É comum utilizar os sı́mbolos da Fig.7.24
para representar os dois tipos de MOSFETs.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
265
Figura 7.24: Sı́mbolos dos transistores MOSFET.
A principal caracterı́stica dos MOSFETs é o isolamento elétrico da porta.
Sua impedância de entrada é da ordem de 1014 Ω, independentemente do
sentido da tensão na porta. Uma grande vantagem dos MOSFETs em relação
aos JFETs está no seu processo de fabricação, que requer um número reduzido
de etapas. Isto facilita a fabricação de um grande número de transistores de
dimensões inferiores a 1 µm, interconectados por meio de contatos de alumı́nio
na superfı́cie de cima, constituindo circuitos integrados de alta integração
(VLSI, Very Large Scale Integration).
Nos circuitos integrados digitais utilizando MOSFETs, é possı́vel reduzir
drasticamente o consumo de potência com o emprego de pares de transistores interligados, sendo um de canal n e o outro de canal p. Esta tecnologia,
chamada de par complementar ou CMOS, possibilita a fabricação de relógios,
calculadoras e computadores com dissipação de potência extremamente pequena. A tı́tulo de exemplo do emprego de par complementar, mostramos
na Fig.7.25(a) um circuito inversor CMOS com MOSFETs de indução. Os
dois transistores são ligados em série e submetidos a uma tensão +VDD . A
Fig.7.25(b) mostra as curvas ID -VD dos transistores T1 (canal n) e T2 (canal
p), para dois valores das tensões de porta, 0 e +VDD para T1 , e 0 e −VDD para
T2 . Note que as curvas de T2 são colocadas no mesmo gráfico de T1 porém
invertidas, de modo que a soma das duas tensões de dreno é VDD . Desta forma,
o ponto de operação do circuito é dado pela interseção das curvas de T1 e T2 ,
pois VD1 + VD2 = +VDD e ID1 = ID2 .
O circuito da Fig.7.25(a) é um circuito lógico inversor do tipo NÃO.
Seu objetivo é dar na saı́da um sinal nulo (0) quando o sinal de entrada for
Ve = +VDD (bit 1), e saı́da +VDD (bit 1) quando a entrada for nula (bit 0).
Este funcionamento pode ser verificado no gráfico em (b). Se o sinal de entrada
é nulo, as tensões nas portas de T1 e T2 (em relação às respectivas fontes) são,
respectivamente, VP 1 = 0 e VP 2 = −VDD . Nesta situação T1 se encontra no
266
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
estado off e T2 no estado on. A interseção das duas curvas é o ponto 1 da
figura, sendo a tensão de saı́da +VDD . Por outro lado, se a entrada é +VDD ,
T1 está on e T2 está off, sendo o sinal de saı́da, dado pelo ponto 0, VD ≃ 0.
Note que nas duas situações a corrente no circuito é muito pequena. Este
fato permite construir circuitos CMOS com dissipação de potência inferior a
10 nW.
As propriedades peculiares dos transistores e capacitores MOS também
são utilizadas para a construção de vários tipos de dispositivos que transferem ou armazenam informação digital. Dentre os mais importantes estão as
memórias de semicondutores e os dispositivos de acoplamento de carga,
ou CCD (do inglês Charge-Coupled-Device). Ele é formado por uma série
de capacitores MOS, um ao lado do outro, no mesmo substrato semicondutor.
Quando um pulso de tensão é aplicado num capacitor, com amplitude suficiente
para produzir inversão, ele cria um pacote de cargas que fica armazenado no
capacitor durante um certo tempo. A presença de um pacote de cargas num
capacitor representa o dı́gito binário 1, enquanto que a ausência representa 0.
O capacitor MOS é o elemento básico das memórias de semicondutor. Um conjunto de capacitores e transmissores MOS num circuito integrado, forma uma
memória que armazena as informações expressas em códigos binários. Atualmente há uma variedade de dispositivos de memória de semicondutor, alguns
Figura 7.25: (a) Circuito inversor NÃO com par complementar de MOSFETs. (b) Curvas
caracterı́sticas para determinação dos pontos de operação.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
267
dos quais serão apresentados na seção 7.8.2. Quando os capacitores estão interconectados adequadamente, a aplicação de um pulso de tensão num capacitor
vizinho, produz nele um poço de potencial, para o qual o pacote de cargas é
transferido através do semicondutor. Desta forma é possı́vel deslocar o dı́gito
1 ao longo da série de capacitores, formando um dispositivo CCD, utilizado
para fabricar registros de deslocamento para computadores e em sensores de
imagem, apresentados na seção 8.4.4.
7.7
Dispositivos de Controle de Potência: SCR e TRIAC
Nesta seção, vamos descrever qualitativamente a operação de dois dispositivos
da famı́lia dos tiristores. Os tiristores são dispositivos formados por várias
junções p-n, que têm grande aplicação como chave para controlar altas correntes. O controle é feito eletronicamente, através de uma corrente relativamente pequena aplicada a um dos terminais do dispositivo. Os dois principais
membros da famı́lia dos tiristores são o retificador controlado de silı́cio, ou
SCR (Silicon Controlled Rectifier), e o triodo bidirecional para corrente alternada, ou TRIAC. Ambos dispositivos são feitos de silı́cio monocristalino,
porque sendo um material de alta condutividade térmica, facilita o escoamento
do calor gerado pela corrente elétrica.
7.7.1
O Retificador Controlado de Silı́cio - SCR
O retificador controlado de silı́cio (SCR) é formado por um semicondutor com
quatro camadas de impurezas, constituindo uma estrutura p-n-p-n, mostrada
na Fig.7.26(a). O dispositivo tem dois terminais nas extremidades, por onde
circula a corrente principal a ser controlada, o anodo (A) na região p1 e o
catodo (C) na região n2 . Um terceiro terminal na região p2 , chamado porta
(P), serve para a entrada da corrente de controle. A Fig.7.26(b) mostra o
modelo utilizado para representar as quatro regiões do dispositivo, que formam
três junções p-n: J1 , J2 e J3 .
Para compreender o mecanismo de operação do SCR, vamos analisar inicialmente o que ocorre no dispositivo p-n-p-n sem a porta, também conhecido
como diodo Shockley. Se uma tensão externa positiva é aplicada entre anodo
e catodo, as junções J1 e J3 ficam polarizadas diretamente, enquanto J2 recebe
polarização reversa. Em conseqüência, as resistências de J1 e J3 são pequenas,
enquanto a de J2 é muito grande. Então toda tensão externa aparece em J2 , e
268
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.26: Retificador controlado de silı́cio-SCR: a) Seção reta da estrutura na forma de
um disco; b) Modelo para descrever o dispositivo p-n-p-n.
se ela é menor que o valor de ruptura, a corrente tem o valor de saturação reversa, que é muito pequeno. Este é o regime de bloqueio na polarização direta,
indicado na linha cheia da caracterı́stica I-V mostrada na Fig.7.27(a). Note
que se a tensão externa é negativa, J1 e J3 ficam polarizadas reversamente, e
neste caso são elas que limitam a corrente ao valor de saturação, resultando
no regime de bloqueio reverso, indicado na curva I-V .
O fenômeno mais interessante do dispositivo p-n-p-n acontece quando
a tensão externa positiva aumenta e atinge o valor de ruptura da junção J2 .
Nesta situação ocorre avalanche em J2 e a corrente tende a aumentar rapidamente, não encontrando resistência nas junções J1 e J3 que estão polarizadas
diretamente. Na região p1 esta corrente é formada por buracos movendo-se
no sentido anodo-catodo, enquanto em n2 ela é formada por elétrons, indo do
catodo para o anodo. Uma vez iniciado o processo de condução, uma parte
dos buracos de p1 é injetada na região p2 através de n1 , como se as regiões
p1 − n1 − p2 formassem um transistor. Da mesma forma, elétrons de n2 são
injetados em n1 , como se n2 − p2 − n1 formassem outro transistor. A corrente
passa então a ser produzida pelo processo de injeção de portadores, cessando
o processo de avalanche. Isto resulta numa rápida diminuição e até na inversão do sinal da tensão em J2 , de modo que a junção passa a ser polarizada
diretamente. No regime de condução direta, mostrado na Figura 7.27(a), a
corrente pode atingir valores elevados, sendo limitada apenas pela resistência
do circuito externo ou pelo valor de rompimento do dispositivo. Neste regime
as três junções ficam polarizadas diretamente. Como a queda de potencial na
junção J2 tem o sentido oposto ao das quedas em J1 e J3 , a queda de tensão
total no dispositivo corresponde a de apenas uma junção, sendo da ordem de
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
269
0,7 V no caso do silı́cio.
É interessante observar que a curva I-V da Fig.7.27(a) é semelhante a de
um tubo de descarga de gás. Para dar inı́cio ao processo de condução, é preciso
aumentar a tensão externa até atingir o valor de disparo VD . Entretanto,
a introdução da porta no dispositivo p-n-p-n transforma-o num retificador
controlado, SCR. Nele é possı́vel passar diretamente do estado de bloqueio para
o de condução, por meio de uma corrente relativamente pequena na porta. As
linhas tracejadas da Figura 7.27(a) mostram as curvas I-V do SCR para dois
valores de corrente de porta. O efeito da corrente entrando na porta é injetar
buracos na região p2 , que sendo a base do transistor n2 −p2 −n1 , provoca nele o
inı́cio do processo de condução. Isto resulta na injeção de elétrons de n2 em n1 ,
o que faz o transistor p1 − n1 − p2 também conduzir. Este processo dispara o
SCR, fazendo-o passar do regime de bloqueio para o de condução, sem que seja
necessário aumentar a tensão externa até o valor de ruptura por avalanche. O
efeito da corrente na porta é justamente reduzir o valor da tensão de disparo,
como indicado na Fig.7.27(a). Uma vez disparado, o SCR mantém o processo
de condução, mesmo que a corrente de porta seja interrompida. Desta forma
o SCR pode ser disparado por um pulso de corrente na porta. Por outro lado,
um pulso negativo de corrente na porta pode cortar o dispositivo, fazendo-o
passar do estado de condução para o de bloqueio.
Figura 7.27: (a) Caracterı́stica I-V do SCR: a linha cheia vale para corrente de porta
nula; as duas linhas tracejadas correspondem a dois valores de corrente, sendo IP 2 > IP 1 .
(b) Sı́mbolo de circuito do SCR.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
270
O sı́mbolo de circuito do SCR está mostrado na Fig.7.27(b). Ele é
utilizado em uma grande variedade de aplicações em eletrônica industrial e
de controle, pois permite controlar a potência entregue a carga por meio de
chaveamento com baixa potência.
7.7.2
O TRIAC
O triodo para corrente alternada, ou TRIAC, como o nome diz, é uma chave de
controle para corrente ac. Ele é formado por um semicondutor com seis regiões
de impurezas, constituindo dois SCRs conectados em paralelo e em sentidos
opostos. A estrutura do TRIAC e seu sı́mbolo de circuito estão mostrados
na Fig.7.28. Na estrutura da Figura (a) podemos identificar claramente dois
dispositivos em paralelo, um formado pelas regiões p1 − n1 − p2 − n2 e outro
formado pelas regiões n4 − p1 − n1 − p2 . Sem a porta, eles são equivalentes
a dois diodos Schockey em paralelo e em sentidos opostos, cuja caracterı́stica
I-V é dada pela linha cheia da Fig.7.29. Esse dispositivo é chamado de diodo
bidirecional, ou diodo ac (DIAC). Ele pode conduzir corrente em qualquer dos
dois sentidos, desde que a tensão externa atinja o valor de disparo ±VD .
O terminal da porta serve para disparar o TRIAC em qualquer dos dois
sentidos, por meio de pulsos de corrente. Se a tensão entre anodo e catodo
for positiva, um pulso de corrente na porta dispara o SCR p1 − n1 − p2 − n2 ,
produzindo uma corrente no sentido do anodo para o catodo. Por outro lado,
se a tensão for negativa, o disparo produzido pelo pulso de corrente na porta
faz o SCR p2 − n1 − p1 − n4 conduzir no sentido do catodo para o anodo.
Figura 7.28: Seção reta da estrutura (a) e sı́mbolo de circuito (b) de um TRIAC.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
271
Figura 7.29: Curvas I-V para um TRIAC com três valores de corrente na porta.
Evidentemente, no TRIAC o anodo e o catodo têm papéis semelhantes e a
distinção de nomes nem se justifica. Eles são usados apenas para facilitar a
descrição.
Os TRIACs são amplamente utilizados em eletrônica de controle de
potência ac. Eles podem ser construı́dos de tal modo que tanto no ciclo positivo ou no negativo, o disparo seja feito por pulsos positivos, negativos, ou
por ambos. A corrente no dispositivo cessa quando a tensão entre anodo e
catodo se anula. Ele pode então deixar passar uma corrente alternada se for
disparado duas vezes em cada ciclo.
7.8
Circuitos Integrados
Todos dispositivos apresentados nos Capı́tulos 6 e 7 podem ser encapsulados
separadamente, apresentando dois ou mais terminais externos, para que possam ser conectados a outros dispositivos, formando um circuito eletrônico.
Neste caso eles são chamados dispositivos discretos. Porém, a forma mais
atual de utilização desses dispositivos, é através dos circuitos integrados.
Um circuito integrado é formado por um grande número de transistores, diodos, resistores e capacitores, fabricados na mesma pastilha de semicondutor e
interligados entre si através de filmes metálicos, compondo um circuito com-
272
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
pleto com dimensões microscópicas. O primeiro circuito integrado foi produzido em 1958, pelo americano Jack Kilby. Este feito não representou propriamente um avanço cientı́fico, mas sim uma forma engenhosa de conectar dispositivos cujos princı́pios de funcionamento já eram bem conhecidos. Entretanto,
a concepção do circuito integrado revolucionou a eletrônica e possibilitou um
grande avanço nos equipamentos cientı́ficos e na ciência. Por isto, Kilby foi
agraciado com o prêmio Nobel de Fı́sica no ano 2000.
Os primeiros circuitos integrados não tinham mais do que algumas
dezenas de transistores. Entretanto, em pouco tempo a tecnologia de integração foi dominada por diversos fabricantes e a competição para ganhar
mercado levou a uma corrida para aumentar a quantidade de dispositivos no
mesmo circuito. O resultado foi um rápido aumento na capacidade de integração, com a conseqüente melhoria de desempenho e diminuição dos custos
de fabricação dos circuitos. No final da década de 1960, os dispositivos nos
circuitos integrados tinham dimensões de alguns micrômetros, dando origem
à tecnologia da microeletrônica. Naquela época, Gordon Moore, um dos
fundadores da Intel, atualmente um dos maiores fabricantes de microprocessadores, observou que o número de transistores por circuito dobrava a cada
dezoito meses, e que o custo de produção por função caia à metade no mesmo
perı́odo. Esta observação passou a ser conhecida como a Lei de Moore, que
tem caraterizado a indústria de semicondutores há mais de três décadas. Esta
“lei” continua válida no Século 21, e o número de transitores nos circuitos integrados de microprocessadores se aproxima de um bilhão. Porém, as dimensões
laterais dos dispositivos diminuı́ram tanto que atingem a escala de dezenas
de nanômetros, e as espessuras de algumas camadas correspondem a poucos
átomos. Isto faz prever que até 2010 haverá uma grande redução na taxa de
crescimento da integração, a não ser que novos fenômenos e novos dispositivos
sejam descobertos nos próximos anos. A pesquisa cientı́fica e tecnológica de
fenômenos e propriedades de materiais na escala nanométrica deu origem a um
novo campo de conhecimento, a nanociência e nanotecnologia.
7.8.1
Conceitos Básicos e Técnicas de Fabricação
Os circuitos integrados (CI) são fabricados através de inúmeras operações
fı́sico-quı́micas, como aquelas descritas na Seção 6.1, de tal forma que as diversas etapas de fabricação são realizadas simultaneamente em todos os componentes do circuito. Em cada pastilha de semicondutor são fabricados centenas
de CIs completos, o que resulta em grande miniaturização e diminuição do
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
273
Figura 7.30: Vista externa de alguns circuitos integrados: a) Circuito regulador de voltagem;
b) Envólucro de CI comum de dezesseis pinos; c) Pente de memóra de computador. A escala
da figura (c) é diferente das outras duas, pois o pente de memória tem dimensões fı́sicas bem
maiores que os outros dois.
custo de produção. Após o processamento, a pastilha é retalhada em pequenos
quadrados ou retângulos de dimensões da ordem ou inferiores a 1×1 mm2 , correspondentes aos CIs individuais. Cada um destes chips, como são chamados,
é então testado individualmente. Cada chip aprovado é montado numa base,
interligado aos pinos externos através de fios de ouro ou prata, e finalmente
encapsulado com uma resina isolante (tipo epoxy). O número de pinos externos pode variar de quatro a algumas centenas, dependendo da sofisticação do
circuito. A Fig.7.30 mostra o aspecto externo de alguns circuitos integrados.
Os circuitos integrados podem ser classificados de várias maneiras. Com
relação a aplicação, eles são em geral chamados de digitais ou lineares
(analógicos). Quando são fabricados na pastilha por meio da mesma tecnologia, eles são chamados monolı́ticos. Quando o circuito envolve diferentes
tipos de tecnologia, por exemplo interligando dispositivos semicondutores com
sensores magnéticos, ele é chamado hı́brido. Atualmente mais de 90% dos
circuitos monolı́ticos são feitos com silı́lico monocristalino. Pastilhas (wafers)
com diâmetro de 300 mm são utilizadas largamente na indústria de semicondutores. O outro semicondutor mais utilizado na fabricação de CIs é o GaAs,
que encontra um número crescente de aplicações em altas freqüências.
Os CIs lineares são aqueles que desempenham funções analógicas, ou
lineares. Os CIs lineares simples mais comuns são os amplificadores operacionais (conjunto de amplificadores com grande ganho, alta impedância de
entrada e baixa impedância de saı́da), reguladores de voltagem e chaves. Em
geral estes circuitos são feitos com transistores bipolares e são utilizados como
componentes discretos em circuitos eletrônicos, ou como parte de um CI que
desempenha funções completas, como um receptor de rádio ou de TV.
274
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Os CIs digitais são aqueles que processam informação binária, na forma
de on ou off. Os CIs digitais podem ser feitos com a tecnologia bipolar ou MOS.
Como vimos na Seção 7.6, o uso de MOSFETs complementares possibilita a
fabricação de circuitos de VLSI com baixo consumo de energia. Estes circuitos
são a base dos microprocessadores e das memórias de altı́ssima capacidade,
utilizados na construção dos modernos computadores.
Uma questão importante nos circuitos integrados é o isolamento elétrico
entre dispositivos vizinhos, uma vez que o material semicondutor da pastilha
permite a passagem de corrente elétrica de um dispositivo para outro. No
caso dos dispositivos MOS e MESFET isto não é problema, pois a condução
é restrita à região do canal, o que faz a operação de cada dispositivo ser
independente do vizinho. Entretanto, no caso dos transistores bipolares, é
preciso tomar precauções para isolar um transistor dos vizinhos.
Diversas técnicas são utilizadas para isolamento. Conceitualmente, uma
das mais simples e mais eficazes é o isolamento com dielétrico, utilizado em
certos circuitos integrados de silı́cio. O processo de fabricação inicia com a
preparação da pastilha de Si, com pequena dopagem, formando um substrato
tipo n. Em seguida é feita a difusão de impurezas doadoras em toda a superfı́cie, de modo a formar uma camada n+ . Depois, através de um processo
de fotolitografia, e de corrosão com ácido, um canal é cavado na camada n+ ,
até atingir o substrato n, circundando toda a região onde será fabricado o dispositivo. O substrato é então colocado num forno com atmosfera de oxigênio,
produzindo uma camada de óxido isolante (SiO2 ), que cobre toda a superfı́cie
exposta, incluindo a superfı́cie interna do canal. O passo seguinte é a deposição
de uma camada de Si policristalino, que preenche o canal, mas também cobre
toda a superfı́cie. Finalmente, a pastilha é virada para baixo e polida mecanicamente, de modo a remover todas as camadas sobre a camada epitaxial n+ .
Figura 7.31: Ilustração do método de isolamento com junções reversas: a) Substrato tipo p
com camada epitaxial tipo n; b) Canal de isolamento tipo p atingindo o substrato.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
275
O resultado final é um conjunto de regiões n+ , formando ilhas, circundadas
por canais isolantes (como na Fig.7.33 (c), que será explicada adiante). Os
dispositivos desejados são então fabricados nas ilhas e depois interconectados
por meio de filmes metálicos depositados na superfı́cie. Uma vantagem do
processo de isolamento dielétrico é a baixa capacitância parası́tica entre os
dispositivos vizinhos e a eliminação de tensões de polarização, necessárias no
processo que será apresentado a seguir. A maior desvantagem deste método é
o grande número de etapas de processamento e a necessidade de utilizar um
processo mecânico de polimento.
O método de isolamento mais comum é o de junções reversas. A idéia
básica deste método consiste em formar ilhas, nas quais os dispositivos são
fabricados, circundados por junções p-n polarizadas reversamente. Como a
corrente na junção reversa é muito pequena, as ilhas ficam efetivamente isoladas eletricamente umas das outras. A Fig.7.31 ilustra o processo de formação
das ilhas. Inicialmente uma camada epitaxial tipo n é crescida sobre a pastilha
de silı́cio tipo p (para o transistor p-n-p seria uma camada p sobre substrato
n). Os passos seguintes consistem em oxidar a superfı́cie e por meio de proces-
Figura 7.32: Métodos de contatos do transistor bipolar em circuito integrado: a) contatos
para operação lateral: b) e c) Coletor em camada enterrada.
276
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
sos de fotolitografia e corrosão abrir janelas na camada de óxido na forma de
linhas que definem as ilhas. Através das janelas é feita difusão de impurezas
tipo p, produzindo canais com profundidade tal que atingem o substrato p.
Para polarizar a junção p-n reversamente e produzir o isolamento das ilhas é
preciso aplicar uma tensão por meio de contatos metálicos.
Uma questão adicional nos circuitos integrados com transistores bipolares
é o contato com o coletor. No dispositivo discreto da Fig.7.2, o contato do
coletor está situado na face oposta a dos contatos do emissor e da base. Isto não
pode ser feito no circuito integrado, uma vez que a interligação dos dispositivos
é feita através de filmes metálicos na forma de linhas na superfı́cie de cima. A
Fig.7.32 ilustra dois métodos utilizados para contato com o coletor na mesma
face do emissor e da base. Em (a) o coletor é formado pela difusão de uma
região n+ circundando a base. Neste caso a condução entre o emissor e o coletor
é feita lateralmente, o que resulta em alta resistência de coletor. Em aplicações
que requerem baixa resistência do coletor, a estrutura mais empregada é a da
camada enterrada (buried layer). Nesta estrutura o contato efetivo do coletor
é uma camada n+ , fabricada por difusão no substrato p, antes da deposição
da camada epitaxial tipo n, como na Fig.7.32 (b). A ligação do terminal do
coletor com a camada enterrada é feita por meio de uma região n+ , produzida
por difusão, como ilustrado na Fig.7.32 (c).
Para concluir esta seção, mostramos na Fig.7.33 as etapas de fabricação
Figura 7.33: Ilustração das etapas de fabricação de transistor n-p-n num circuito integrado.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
277
de transistor n-p-n num circuito integrado. Em (a) aparecem as camadas n+
difundidas no substrato tipo p. Em (b) vê-se a camada epitaxial n depositada
sobre o substrato, formando as camadas enterradas. Em (c) aparecem os canais
de isolamento, que podem ser feitos com dielétricos ou com junções reversas.
Finalmente, na figura (d), aparecem as regiões do emissor (n), da base (p) e
do contato do coletor (n+ ). Para completar o circuito, um filme metálico é
depositado sobre a superfı́cie, na forma de linhas, estabelecendo contatos com
as regiões de interesse através de janelas na camada de óxido. Os terminais
do circuito são então ligados aos pinos externos e o conjunto é encapsulado,
podendo adquirir diversas feições, como por exemplo aquelas mostradas na
Fig.7.30.
7.8.2
Dispositivos de Memória de Semicondutor
Dentre os dispositivos mais importantes dos equipamentos eletrônicos nos dias
de hoje estão aqueles que armazenam informações, chamados dispositivos de
memória. Eles têm sido essenciais para a operação dos computadores, desde
que estes foram inventados há cerca de meio século. Por isto mesmo a pesquisa
e o desenvolvimento de memórias tornou-se uma área de grande interesse
cientı́fico e tecnológico. Mas nas últimas décadas, as memórias passaram a ser
utilizadas em uma grande variedade de equipamentos eletrônicos, que incorporaram microprocessadores em seus sistemas. Nestes equipamentos as memórias
são essenciais para armazenar os programas, ou códigos, ou sof tware, que
fazem o sistema executar suas funções.
As memórias internas dos computadores e de certos equipamentos são de
dois tipos principais, dispositivos semicondutores e dispositivos magnéticos. Os
meios magnéticos armazenam a informação indefinidamente, até que elas sejam
apagadas ou substituı́das. Por isto eles são chamados não-voláteis. Nos dispositivos de memória de semicondutores o tempo de armazenamento depende
do seu tipo. Alguns têm tempos de armazenamento de alguns mili-segundos
ou menos, sendo chamados voláteis, outros podem armazenar a informação
por muitos anos, sendo considerados não-voláteis. As principais vantagens
das memórias de semicondutores são a maior densidade, maior velocidade de
gravação e de leitura, e o fato de não necessitarem de partes móveis. As
memórias magnéticas, que serão apresentadas no Capı́tulo 9, têm maior capacidade de armazenamento e são não-voláteis. Dentre os dispositivos de memória
removı́veis, para transporte ou armazenamento externo, os mais importantes
atualmente são as fitas e discos magnéticos e os discos ópticos (Capı́tulo 8).
278
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Os dispositivos de memória de semicondutores podem ser fabricados
tanto com a tecnologia de transistores bipolares, quanto com a tecnologia MOS.
Nos últimos anos a tecnologia MOS passou a dominar completamente na fabricação das memórias de semicondutores, por conta da maior capacidade de
integração, menor custo e menor consumo de energia. O elemento básico das
memórias MOS é o capacitor MOS, apresentado na Seção 7.6.1. A presença de
carga no capacitor representa o bit 1, enquanto a ausência de carga representa
o bit 0.
Em geral, as células básicas das memórias de semicondutores são constituı́das de capacitores e transistores MOS. A Fig.7.34 ilustra uma célula tı́pica
simples, formada por um transistor MOS de canal n, em série com um capacitor. Os terminais da fonte (F) e da porta (P) do transistor são utilizados
para as conecções com os eletrodos de endereçamento, feitos por fitas de filmes
finos metálicos. A região n+ do dreno do transistor faz a ligação em série
com o capacitor formado pelo semicondutor tipo p do substrato e pelo filme
metálico, separados pela camada isolante, em geral o óxido SiO2. Também é
comum utilizar uma camada de silı́cio policristalino para a placa do capacitor,
no lugar do filme metálico. O terminal da placa do capacitor em geral é ligado
à terra do circuito. A região p+ na extremidade direita da figura é utilizada
para isolar a célula do elemento vizinho.
O processo de carga do capacitor, ou seja, o armazenamento da informação do bit 1, é feito pela aplicação simultânea de dois pulsos de tensão,
um entre a fonte e a terra, outro entre a porta e a terra. Os valores das tensões
de pico devem ser suficientes para criar uma camada de inversão entre a fonte
e o dreno do transistor e outra sob o terminal do capacitor. Após a aplicação
dos pulsos, a camada de inversão no transistor desaparece, porém a carga na
Figura 7.34: Ilustração de uma célula de memória de semicondutor formada por um transistor em série com um capacitor MOS.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
279
Figura 7.35: Ilustração de parte de um circuito integrado de memória RAM formado por
um arranjo matricial de células de memória, cada uma contendo um transistor em série com
um capacitor MOS.
camada de inversão do capacitor permanece armazenada. Esta carga tende a
desaparecer depois de um certo tempo devido à geração térmica de portadores,
o que limita o tempo de armazenagem a alguns mili-segundos. Este tempo é
suficientemente longo para a operação dinâmica de uma memória nos equipamentos cujos relógios trabalhem com perı́odos muito inferiores a 1 ms, como
é o caso dos computadores atuais que operam com relógios na região de GHz.
Para a operação contı́nua do equipamento é necessário então que a memória
seja periodicamente “refrescada”, isto é, que os capacitores das células que
armazenam o bit 1 sejam recarregados antes que a carga desapareça. Naturalmente, as informações são perdidas quando o equipamento é desligado.
Portanto, uma memória com células como a da Fig.7.34 é do tipo volátil.
As memórias de semicondutores são formadas por circuitos integrados
contendo um grande número de células conectadas a malhas de eletrodos de
endereçamento. Um tipo de circuito está mostrado na Fig.7.35. A malha
tem uma forma matricial, na qual as interligações das linhas e das colunas
são chamadas de linhas de palavras e linhas de bits, que na figura são representadas respectivamente por WL (Word Line) e por BL (Bit Line). Note
que as fontes dos transistores MOS são ligadas às linhas de bits e as portas
são ligadas às linhas de palavras, enquanto que os capacitores são ligados à
terra, permitindo carregar os capacitores como explicado anteriormente. Este
arranjo matricial permite acessar aleatoriamente uma célula com qualquer endereço, tanto para gravação quanto para leitura da informação. Por esta razão
280
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 7.36: Estrutura de dispositivo FAMOS utilizado em memórias não-voláteis de semicondutores.
este tipo de memória é chamado de acesso aleatório, ou mais comumente por
sua sigla em inglês, RAM (de Random Access Memory). O acesso aleatório
possibilita uma velocidade de operação, isto é gravação e leitura, maior que
no acesso serial, caracterı́stico de fitas e discos magnéticos, nos quais é preciso passar por vários endereços até atingir um endereço especı́fico desejado. É
possı́vel construir memórias não-voláteis com semicondutores, utilizando diversas estruturas MOS. A Fig.7.36 mostra uma estrutura de transistor MOSFET,
na qual há dois eletrodos de porta. Um deles é metálico, usado para contato
externo, enquanto que o outro, chamado de porta flutuante, em geral é feito de
uma camada de Si policristalino, completamente envolvido pelo óxido isolante.
Nesta estrutura, chamada de porta flutuante, conhecida pela sigla em inglês de
FAMOS (Floating-gate Avalanche-injection MOS), a carga pode permanecer
na porta flutuante durante vários anos. O armazenamento de carga na porta
flutuante pode ser feito por diversos processos. Um processo comum consiste
na aplicação de uma tensão na junção do dreno, com valor suficientemente
alto para produzir uma forte polarização reversa. Isto resulta na ruptura por
avalanche, produzindo grande aceleração dos elétrons na região de depleção da
junção. Se uma tensão relativamente alta também for aplicada ao terminal da
porta, parte dos elétrons passa para a porta flutuante por injeção direta ou
por efeito túnel através da fina camada de óxido.
A utilização de uma variedade de estruturas possibilita construir dispositivos de memória de semicondutores, voláteis ou não-voláteis, para inúmeras
aplicações. A Fig.7.37 mostra uma classificação de memórias, representadas por suas siglas em inglês. As memórias voláteis são de dois tipos,
estática (SRAM, de Static Random Access Memory) ou dinâmica (DRAM,
de Dynamic Random Access Memory). A memória dinâmica é como a do
tipo das Figuras 7.34 e 7.35, apresentado anteriormente, e que necessita ser
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
281
Figura 7.37: Classificação dos dispositivos de memória de semicondutores.
refrescada periodicamente. A memória estática retém a informação gravada
sem a necessidade de refrescar, desde que o dispositivo permaneça energizado.
Isto é feito através de circuitos bi-estáveis, também conhecidos como flip-flops,
que podem ser chaveados para passar de um estado elétrico estável para outro,
um deles representando o bit 0 e outro o bit 1.
A variedade de memórias não-voláteis é maior, por isso elas são subdivididas em dois grupos, ROM (Read Only Memory), usadas somente para
leitura e RAM, que podem ser gravadas e acessadas para leitura. A rigor, as
memórias ROM também são do tipo RAM, pois como vimos anteriormente,
é um nome usado para designar memórias cujos endereços podem ser acessados aleatoriamente. Porém, o nome RAM é utilizado para os dispositivos
de acesso aleatório, tanto para gravação quanto para leitura das informações.
Nas memórias chamadas de EEPROM (Electrically Erasable-Programmable
Read Only Memory) as informações são usadas somente para leitura, mas
podem ser gravadas ou apagadas eletricamente. Os outros principais tipos
de memória ROM são: PROM (Programmable Read Only Memory), que é
um dispositivo no qual a informação em cada célula é gravada de forma permanente, por um processo tipo fusı́vel; EPROM (Electrically Programmable
Read Only Memory), é uma memória que utiliza dispositivos FAMOS nos
quais as informações são gravadas eletricamente. Esta é a memória mais comum para armazenar a programação que dá a partida no processo de operação
de um computador, ou de outros equipamentos contendo micro-processadores,
quando eles são ligados. As informações na memória EPROM podem ser
apagadas globalmente, isto é, em todos os endereços, por meio de radiação
282
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
ultra-violeta ou raios-X. Os fótons de alta energia levam os elétrons da porta
flutuante para a porta de controle ou para o substrato. Para isso, o encapsulamento dos dispositivos EPROM tem uma abertura com uma janela óptica na
parte superior, para permitir a passagem da radiação. Finalmente, a memória
f lash, uma abreviação para o nome completo de f lash EEPROM, é uma
memória na qual as informações são gravadas eletricamente, como na EPROM,
mas podem ser apagadas globalmente, de uma só vez, como num f lash. As
memórias f lash encontram um número de aplicações cada vez maior como
meio de armazenagem não-volátil de grande capacidade. Elas são utilizadas,
por exemplo, como memórias removı́veis em câmeras digitais, computadores e
outros aparelhos eletrônicos.
A necessidade de produzir memórias para diversas aplicações, com maior
capacidade de gravação e com maior velocidade de acesso, tem impulsionado
a pesquisa e o desenvolvimento de novos dispositivos e de tecnologias de integração cada vez mais sofisticados. Estas atividades têm proporcionado um
contı́nuo aperfeiçoamento das memórias e uma busca permanente por novos
dispositivos, fabricados com semicondutores ou outros materiais, que possibilitem a realização de funções inusitadas para novos equipamentos ou para
inovações na indústria eletrônica.
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J.A. Zuffo, Compêndio de Microeletrônica, Guanabara Dois, Rio de Janeiro,
1984.
PROBLEMAS
7.1 A variação da concentração de buracos em excesso do equilı́brio, δp(x), em
função da posição x na base de um transistor p-n-p é dada pela Eq.(7.15).
Faça gráficos de δp(x)/pE (de preferência num computador), para três
espessuras da base, = 2Lp , 0, 5Lp e 0, 1Lp , onde Lp é o comprimento de
difusão. Utilizando os gráficos explique qual das espessuras é a melhor
para um bom transistor.
7.2 Mostre que num transistor p+ -n-p+ fortemente polarizado diretamente, a
corrente de base é dada pela Eq.(7.23).
7.3 Considere um transistor p+ -n-p+ simétrico, de Si, com as seguintes caracterı́sticas da base, = 2 µm, A = 10−3 cm2 , Nd = 5 × 1015 cm−3 e
τp = 0, 5 µs. Sabendo que o emissor e o coletor têm Na = 5 × 1017 cm−3
e τn = 0, 1µs, calcule as correntes do emissor, da base e do coletor, com o
transistor polarizado com VEB = 0, 75 V e VCB = - 10 V.
7.4 Calcule os parâmetros α, γ e β do transistor do Problema 7.3.
284
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
7.5 Calcule os parâmetros IEs , ICs , αN e αI do transistor do Problema 7.3 e
obtenha as correntes do emissor e do coletor usando as Equações (7.37) e
(7.38). Compare os resultados com os do Problema 7.3.
7.6 Considere um transistor p+ -n-p+ simétrico, isto é, com todos parâmetros
do emissor iguais aos do coletor. a) Escreva as equações de Ebers-Moll
para o transistor. b) Obtenha a corrente I em função de V para o transistor no circuito (a) da figura abaixo. c) Calcule VCB quando o transistor
está conectado como no circuito (b) da figura a seguir.
7.7 Um transistor p+ -n-p+ simétrico Si tem as seguintes caracterı́sticas da
base: = 1 µm, A = 10−3 cm2 , Nd = 1015 cm−3 e τp = 2 µs. O emissor e
o coletor têm Na = 5×1016 cm−3 e têm comprimento de difusão metade do
valor na base. Os outros parâmetros de Si à temperatura ambiente estão
dados na Tabela 5.2. a) Calcule as correntes de saturação do emissor e do
coletor, IEs e ICs . b) Escreva as equações de Ebers-Moll para o transistor
e dê os valores numéricos dos quatro parâmetros que aparecem nelas.
7.8 Considere o transistor p+ -n-p+ do Problema 7.7. A partir das Eqs.(7.37)
e (7.38), obtenha uma equação para a corrente de coletor IC em função
apenas da tensão VCE e da corrente de base IB . Use um computador e
faça os gráficos do IC em função de (−VCE ), para diversos valores de IB ,
e compare o resultado com a Figura 7.7(b).
7.9 Para o transistor do Problema 7.3, calcule a corrente I quando ele está
conectado, como no circuito abaixo, sendo V = 500 mV.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores
285
7.10 Um transistor p-n-p com caracterı́sticas dadas na Fig.7.7, é utilizado
como amplificador num circuito de polarização simples, análogo ao da
Fig.7.9(a). Sendo EB = EC = 10 V e RC = 1 kΩ calcule: a) O valor
de RB para que a corrente de base seja 50 µA; b) Os valores de IC e
VCE ; c) O ganho de corrente do circuito; d) O máximo sinal de tensão
de entrada para o circuito operar na região linear.
7.11 Obtenha a equação da corrente de dreno de um transistor JFET, como o
da Fig.7.11, correspondente a (7.43), sem desprezar o potencial de contato
V0 das junções.
7.12 Obtenha as expressões da condutância e da tensão crı́tica de um JFET,
desprezando o potencial de contato das junções mas sem a condição Na
Nd utilizada na dedução das Equações (7.44) e (7.45).
7.13 Um transistor de efeito de campo de junção como o da Fig.7.11 feito
de silı́cio, tem regiões p+ com dopagem Na = 1018 cm−3 e canal com
Nd = 2 × 1016 cm−3 e meia largura a = 0, 8 µm. a) Calcule a tensão
crı́tica Vc supondo V0 = 0. b) Qual o valor de Vc se V0 não for desprezado?
c) Qual o valor de VD no qual a corrente satura para VP = −2 V?
7.14 Qual é, aproximadamente, o maior ganho de tensão de um circuito amplificador feito com o transistor de junção da Fig.7.13?
7.15 Um transistor MESFET de GaAs tem barreira de potencial V0 = 0, 8 V e
tem no canal concentração de impurezas Nd = 1016 cm−3 , mobilidade µn
= 7 × 103 cm2 /V · s e dimensões a = 0, 7 µm, L = 15 µm e D = 10 µm.
Calcule a) A condutância do canal; b) A tensão crı́tica; c) A corrente de
dreno de saturação para VP = 0 e VP = −1, 0V .
7.16 Um transistor MOSFET de canal n é feito com eletrodos de alumı́nio
e semicondutor silı́cio tipo p, com Na = 2 × 1017 cm−3 . A espessura
da camada de SiO2 é 100 Å na região da porta, a carga na interface
é Qi /A = 10−8 C/cm2 , e as outras dimensões relevantes (Fig.7.21) são
L = 10 µm e D = 300 µm. Calcule: a) A tensão crı́tica Vc ; b) A corrente
de saturação para VP = 6 V; c) A curva ID − VD para VP = 4 V.
286
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Capı́tulo 8
Materiais e Dispositivos
Opto-Eletrônicos
8.1 Propriedades Ópticas dos Materiais
289
8.1.1 Ondas Eletromagnéticas em Materiais
8.1.2 Refletividade de Materiais
291
295
8.2 Interação da Radiação com a Matéria
- Modelo Clássico
298
8.2.1 Contribuição dos Elétrons Livres em Metais
8.2.2 Contribuição de Elétrons Ligados
299
303
8.3 Teoria Quântica da Interação Radiação
- Matéria
308
8.3.1 Transições entre Nı́veis Discretos
8.3.2 Absorção de Luz e Luminescência
8.3.3 Absorção e Emissão de Luz em Isolantes e Semicondutores
8.3.4 Absorção e Emissão de Luz em Materiais com Impurezas
8.4 Fotodetetores
309
312
315
321
323
8.4.1 Foto-resistores
8.4.2 Fotodiodos
8.4.3 Células Solares
8.4.4 Sensor de Imagem CCD
326
330
336
338
287
288
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
8.5 Diodo Emissor de Luz (LED)
342
8.6 Emissão Estimulada e Lasers
348
8.6.1 O Mecanismo de Amplificação por Emissão Estimulada
8.6.2 Lasers de Sólidos com Impurezas
8.6.3 Lasers a Gás
8.7 O Laser de Diodo Semicondutor
8.7.1 O Laser de Junção p-n
8.7.2 Lasers de Heterojunções
8.7.3 Laser de Poço Quântico
8.8 Aplicações dos Lasers de Diodo
349
353
357
359
360
363
368
372
8.8.1 Comunicações Ópticas
8.8.2 Gravação e Reprodução em Discos Compactos
372
378
REFERÊNCIAS
380
PROBLEMAS
380
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
289
Materiais e Dispositivos
Opto-Eletrônicos
8.1
Propriedades Ópticas dos Materiais
As propriedades ópticas são aquelas que caracterizam como os materiais respondem a uma radiação externa, emitindo, absorvendo, refletindo ou alterando
a polarização da luz. Alguns aspectos dessas propriedades estão, sem dúvida,
entre os mais facilmente identificáveis nos materiais. Desde tempos imemoriais
que o brilho, a cor, a transparência e a opacidade dos materiais fascinam e intrigam a humanidade. São antiquı́ssimas a utilização de metais para fabricar
espelhos e o emprego de metais e minerais naturais na confecção de jóias e
objetos de adorno.
Os estudos cientı́ficos sobre a cor e o efeito de materiais sobre a luz ganharam grande impulso com as experiências de Newton no Século XVII. Newton
mostrou que, ao passar por um prisma de vidro, um feixe de luz solar dava
origem a uma faixa multicolorida. Na extremidade da faixa formada pelos raios
que sofrem o menor desvio ao passar pelo prisma a cor é vermelha, enquanto na
outra extremidade a cor é violeta. Atualmente sabe-se que a sensação de cor é
produzida no cérebro, e resulta do efeito de ondas eletromagnéticas numa faixa
estreita de freqüências ao incidir na retina do olho humano. Comprimentos de
onda em torno de 400 nm produzem a sensação da cor violeta, enquanto na
outra extremidade do espectro, comprimentos de 700 nm produzem a cor vermelha. A Figura 8.1(a) mostra a resposta padrão do olho humano em função
do comprimento de onda da luz visı́vel. A região na qual o olho é mais sensı́vel
está em torno de 555 nm, que corresponde a uma cor verde-amarelado. A
290
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.1: (a) Sensibilidade relativa do olho humano em função do comprimento de onda
da luz; (b) Variação do ı́ndice de refração de quartzo fundido com o comprimento de onda.
Figura 8.1(b) ilustra a dispersão óptica dos materiais transparentes, que é responsável pela separação do feixe de luz branca em várias cores. O ı́ndice de
refração, definido no Capı́tulo 2, varia com o comprimento de onda da luz. Na
cor violeta (menor comprimento de onda) o ı́ndice de refração é maior, o que
resulta em maior desvio ao passar pelo prisma. Na cor vermelha o ı́ndice de
refração é menor e portanto o desvio é menor. A variação do ı́ndice de refração
é devida às caracterı́sticas da interação da radiação com a matéria, que serão
estudadas na Seção 8.2.
A região visı́vel do espectro eletromagnético, com comprimento de onda
na faixa 700-400 nm, corresponde a uma energia de fótons na faixa 1,7-3,1 eV.
Estes valores são da mesma ordem de grandeza das energias dos gaps em vários
semicondutores e também das energias de transições eletrônicas em átomos
diversos. Por esta razão, foi possı́vel desenvolver, nas últimas décadas, vários
dispositivos que convertem eficientemente luz em corrente elétrica, e vice-versa.
Isto deu origem à Opto-eletrônica. Este é o ramo da tecnologia no qual sinais
analógicos e digitais são processados por meio de dispositivos que empregam
luz e corrente eletrônica, e que formam a base das comunicações ópticas. Uma
área correlata, que também está se desenvolvendo rapidamente, é a Fotônica,
na qual o processamento de sinais é feito em dispositivos inteiramente ópticos.
Neste capı́tulo estudaremos os principais fenômenos envolvidos na interação
da radiação eletromagnética com a matéria, bem como suas aplicações em
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
291
dispositivos opto-eletrônicos de semicondutores. Outros dispositivos baseados
na interação da luz com diversos materiais serão apresentados no Capı́tulo 10.
8.1.1
Ondas Eletromagnéticas em Materiais
Os fenômenos de reflexão, refração e absorção da luz em materiais, podem
ser descritos macroscopicamente através das equações de Maxwell (2.1)-(2.4).
No capı́tulo 2, estas equações foram resolvidas para ondas planas num meio
isolante perfeito, no qual a densidade de corrente J é nula. Nesta situação
não existe absorção, ou perda de energia, de modo que as amplitudes dos
dados por (2.7) e (2.8), não variam durante a propagação.
campos E e H,
No caso em que a onda propaga num meio real, metálico, semicondutor ou
mesmo isolante, sempre existe perda. Esta perda pode ser descrita por uma
densidade de corrente, relacionada ao campo elétrico através da condutividade
Neste caso, a equação de ondas propagando na direção do eixo x
σ, J = σ E.
contém outro termo que não aparece em (2.6). A partir de (2.1)-(2.4) podese mostrar facilmente que para ρ = 0, o campo elétrico variando somente na
direção x é descrito por (Problema 8.1),
t)
t)
t)
∂ 2 E(x,
∂ E(x,
∂ 2 E(x,
=
µ
+
µσ
∂x2
∂t2
∂t
(8.1)
Na região visı́vel do espectro eletromagnético os efeitos magnéticos são desprezı́veis, de modo que podemos considerar µ = µ0 . Substituindo em (8.1) a
solução de campo harmônio (2.14), com k na direção x obtemos,
ε
(8.2)
k 2 = µ0 ω 2 + iωµ0 σ = 2 ω 2 + iω µ0 σ
c
√
onde c = 1/ µ0 0 é a velocidade da luz no vácuo e ε = /0 é a constante
dielétrica do material (também chamada permissividade relativa). Num meio
sem perdas a razão entre k e ω leva à definição do ı́ndice de refração n, dado
pela Eq.(2.10). Esta definição pode ser generalizada para meios com perdas,
através do ı́ndice de refração complexo,
1/2
σ
N(ω) = ε + i
.
(8.3)
ω0
Com esta definição a Eq.(8.2) adquire a mesma forma de (2.10),
ω
k = N(ω) ,
c
(8.4)
292
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
uma vez que µ0 c2 = 1/0 . O ı́ndice de refração complexo foi representado
por N(ω) para não confundir com o número de partı́culas N e também para
explicitar sua dependência com ω. Esta dependência não surge apenas do
ω que aparece no denominador do segundo termo em (8.3), mas também do
fato de que ε(ω) e σ(ω) sempre variam com a freqüência. É precisamente
a variação de ε e σ com a freqüência que determina as propriedades ópticas
dos materiais, como veremos mais adiante neste capı́tulo. A vantagem de
introduzir o ı́ndice de refração complexo é que todas expressões obtidas no
Capı́tulo 2 podem ser usadas aqui com a simples substituição do ı́ndice de
refração n pelo seu correspondente complexo N(ω). Vamos agora explicitar as
partes real e imaginária do ı́ndice complexo,
N(ω) = n + iκ
.
(8.5)
Para relacionar as duas parcelas de N(ω) com os parâmetros e σ do
meio, elevamos (8.3) e (8.5) ao quadrado e igualamos os dois,
N 2 (ω) = n2 − κ2 + i2nκ = ε + i
σ
ω0
.
Como veremos mais tarde, tanto ε quanto σ podem ser complexos. Fazendo
ε = ε + iε e σ = σ + iσ e igualando as partes reais e imaginárias das duas
formas de N 2 (ω) acima obtemos
n2 − κ2 = ε −
σ ω0
σ
2nκ = ε +
ω0
(8.6)
.
(8.7)
Para entender o significado de n e κ, substituimos (8.5) em (8.4) e obtemos
para o módulo do vetor de onda,
ωκ
ωn
+i
≡ k + ik k=
c
c
O campo elétrico da onda, dado por (2.14), passa a ser, com k na direção x,
t) = Re E0 ei ωc nx−iωt e− ωc κx
E(x,
ω
ω
nx − ωt e− c κx
= E0 cos
c
.
(8.8)
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
293
Vemos então que o campo é descrito por uma função harmônica cuja
amplitude decai exponencialmente durante a propagação. Note que n, a parte
real de N(ω), é a razão entre a velocidade da luz c e a velocidade de fase
vf = ω/k = c/n, e portanto é o próprio ı́ndice
√ de refração. Somente no
caso de meios sem perdas (κ = 0) temos n = ε, como definido na Eq.(2.10).
A Eq.(8.8) mostra que κ, a parte imaginária de N(ω), produz um decaimento exponencial na amplitude do campo. Por esta razão ele é chamado
coeficiente de amortecimento ou coeficiente de extinção. Para compreender o significado de κ, vamos estudar o que ocorre com a energia da
onda. A grandeza que exprime a energia transportada por uma onda eletro definido pela relação,
magnética é o vetor de Poynting S,
= E × H
S
.
(8.9)
é igual à energia por unidade de área e
Pode-se mostrar que o módulo de S
por unidade de tempo transportada pela onda. Utilizando as expressões (2.11) tem
(2.13), é fácil verificar que para uma onda plana num meio sem perdas, S
a mesma direção que o vetor propagação k e tem módulo dado por (Problema
8.2),
n 2
S(r, t) =
E cos2 (k · r − ωt + φ) ,
(8.10)
cµ0 0
o que mostra que S varia harmonicamente no tempo e no espaço. Como nas
considerações de energia o mais importante é a média, define-se a intensidade
de uma onda como o valor médio do módulo do vetor de Poynting. Sendo o
valor médio do cosseno ao quadrado igual a 1/2, temos que a intensidade da
onda é
n
I =<S>=
E2 .
(8.11)
2cµ0 0
Esta relação mostra que em meio sem perdas, a intensidade de uma onda
harmônica plana é constante, ou seja, não varia no espaço nem no tempo. Ela
é proporcional ao quadrado da amplitude do campo elétrico e é igual a energia
média transportada, por unidade de área e por unidade de tempo. Em outras
palavras, a intensidade é a potência média por unidade de área. No Sistema
Internacional ela é expressa em W/m2 .
É possı́vel relacionar a intensidade de um feixe de luz com o fluxo de
fótons. Um feixe com intensidade I e área da seção reta A tem potência média
P = IA. Sendo ω a freqüência angular da onda, a energia de cada fóton é ω.
Portanto, o fluxo de fótons, definido como o número de fótons Φ que atravessa
294
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
uma seção reta do feixe, por unidade de tempo e por unidade de área é dado
por:
I
.
(8.12)
Φ=
ω
Veja que o número de fótons por unidade de tempo não varia ao longo do feixe
porque a amplitude é constante. Este resultado não vale para um material
com perdas, no qual N(ω) tem partes real e imaginária. Neste caso, o cálculo
do vetor de Poynting tem um complicador na defasagem entre os campos E e
introduzida pela parte imaginária de N(ω). Porém, é fácil mostrar que a
H
intensidade de uma onda com campo dado pela Eq.(8.8) varia no espaço da
seguinte forma (Problema 8.3),
I(x) = I(0) e−2 c κx ≡ I(0) e−αx
ω
.
(8.13)
Esta expressão mostra que κ, a parte imaginária de N(ω), produz ao longo de
x um decaimento exponencial na amplitude da onda. A taxa de decaimento é
caracterizada pelo coeficiente de absorção, definido por,
α=−
1 dI
ω
=2 κ.
I dx
c
(8.14)
Veja que o coeficiente de absorção tem a dimensão do inverso de distância.
O seu inverso, 1/α, é a distância caracterı́stica de decaimento da intensidade
da onda. Como a amplitude do campo elétrico varia com a raiz quadrada da
intensidade, o comprimento caracterı́stico da penetração do campo no material
é dado por,
c
2
.
(8.15)
δ= =
α
ωκ
As equações (8.6), (8.7) e (8.14) são válidas em cada valor de freqüência
ω. Como veremos mais tarde, em qualquer material todas as grandezas
definidas nesta seção variam com ω. Na região visı́vel do espectro eletromagnético os isolantes têm σ ≃ 0, e portanto são transparentes (α = 0).
Porém, na região ultravioleta, sua condutividade é finita e eles absorvem
fortemente a radiação. O aumento da absorção e da constante dielétrica na
região ultravioleta resulta num gradual aumento do ı́ndice de refração com
a freqüência na faixa visı́vel. É isto que faz com que o ı́ndice de refração
do quartzo fundido diminua com o comprimento de onda (que é inversamente
proporcional a ω), como na Fig.8.1(b), e que produz a dispersão da luz branca.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
8.1.2
295
Refletividade de Materiais
Uma onda eletromagnética incidindo sobre a superfı́cie de um material qualquer dá origem a uma onda refletida e outra refratada. As leis da óptica
geométrica relacionam os ângulos de incidência, reflexão e refração, mas nada
dizem em relação às intensidades das ondas. Para obter a relação entre as
intensidades é preciso utilizar as condições de contorno na superfı́cie decorrentes das equações de Maxwell. Vamos considerar o caso simples de uma
onda com campo E1 = ŷE (no vácuo ou no ar) incidindo perpendicularmente
na superfı́cice plana de um material com ı́ndice de refração complexo N(ω),
como ilustrado na Fig.8.2. O cálculo dos campos refletidos E2 = ŷE2 e transmitido (ou refratado) E3 = ŷE3 é muito semelhante ao do problema do elétron
numa barreira de potencial (Seção 3.3.3 e problema 3.5). O campo complexo
no ar, isto é, em x < 0, é,
Ey = E1 ei c x−iωt + E2 e−i c x−iωt
ω
ω
enquanto no material, suposto semi-infinito, ele é dado por (8.8) com (8.5),
ω
Ey = E3 ei c N (ω)x−iωt
.
Para obter E2 e E3 em função de E1 é preciso aplicar as condições de
contorno em x = 0. A continuidade do campo elétrico tangencial em x = 0 dá
E3 = E1 + E2
.
(8.16)
Para
impor a continuidade do campo H tangencial, usamos a Eq.(2.13) com
√
ε substituı́do por N(ω). O resultado é,
N(ω) E3 = E1 − E2
.
(8.17)
Figura 8.2: Ilustração das ondas incidente, refletida e transmitida (refratada) na superfı́cie
de um material.
296
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
De (8.16) e (8.17) obtemos as amplitudes dos campos refletido e transmitido,
1 − N(ω)
E2
=
E1
1 + N(ω)
E3
2
=
E1
1 + N(ω)
(8.18)
.
(8.19)
A refletividade R é definida pela razão entre as intensidades das ondas
refletida e incidente. Usando (8.18) obtemos,
N(ω) − 1 2
.
(8.20)
R = N(ω) + 1 Em função das partes real e imaginária de N(ω), a refletividade pode ser escrita
como,
(n − 1)2 + κ2
R=
.
(8.21)
(n + 1)2 + κ2
Note que R é uma grandeza adimensional que freqüentemente é expressa em
percentual. Por exemplo, vidro comum tem n ≃ 1, 5 e κ = 0, o que dá
R ≃ 0, 04, ou R = 4%. A Eq.(8.21) mostra que a refletividade depende
tanto do ı́ndice de refração quanto do coeficiente de extinção. No caso de
metais em freqüências abaixo da região visı́vel, a absorção é muito forte, de
modo que κ
n. Nesta situação as parcelas em n na Eq.(8.21) podem ser
desprezadas em presença de κ2 de modo que R ≃ 1. A refletividade próxima
de 100% é precisamente uma das caracterı́sticas marcantes dos metais. É fácil
verificar que a transmissão, definida como a razão entre as intensidades das
ondas transmitida e incidente, é relacionada com R por T = 1 − R. Esta
relação também expressa a conservação de energia no processo de incidência
de uma onda na superfı́cie de separação de dois meios.
Exemplo 8.1: Uma onda eletromagnética de comprimento de onda 500 nm incide na superfı́cie
plana de uma amostra de semicondutor de CdTe intrı́nseco. Considerando que neste comprimento
de onda CdTe tem condutividade desprezı́vel e constante dielétrica com parte real ε = 8,9 e parte
imaginária ε = 2,3. Calcule: a) A velocidade de fase da radiação no comprimento de onda dado;
b) O coeficiente de absorção; c) A refletividade; d) A transmissão total de uma placa de CdTe com
faces paralelas e espessura 0,1 µm.
a) Para calcular a velocidade de fase é necessário relacionar o ı́ndice de refração n com as partes real
e imaginária da constante dielétrica. Fazendo σ = 0 e substituindo (8.7) em (8.6) obtemos a
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
equação para n,
n2 −
ε
2n
2
297
= ε ,
que leva à seguinte equação biquadrática,
2
ε
=0.
n −ε n −
4
4
2
A solução positiva desta equação é,
1/2
1
.
n = √ ε + (ε2 + ε2 )1/2
2
Logo
1/2
1
= 3, 01 .
n = √ 8, 9 + (8, 92 + 2, 32 )1/2
2
Então
vf =
c
3 × 108
=
= 9, 97 × 107 m/s .
n
3, 01
b) O coeficiente de extinção é calculado por um procedimento análogo,
1/2
1
.
κ = √ −ε + (ε2 + ε2 )1/2
2
1/2
1
= 0, 38 .
κ = √ −8, 9 + (8, 92 + 2, 32 )1/2
2
O coeficiente de absorção é dado por (8.14),
α=
2ωκ
4π ν κ
4π κ
=
=
c
c
λ
α=
4 × 3, 14 × 0, 38
= 9, 55 × 106 m−1 = 9, 55 µm−1 .
500 × 10−9
c) A refletividade é dada por (8.21),
R=
(3, 01 − 1)2 + 0, 382
= 0, 258 .
(3, 01 + 1)2 + 0, 382
Portanto, a refletividade do CdTe em 500 nm é 25,8 %.
d) Para calcular a transmissão total é preciso considerar a transmissão nas duas superfı́cies e ao
longo da espessura d da placa,
T = (1 − R)2 e−αd = (1 − 0, 258)2 × e−9,55×0,1 = 0, 21 .
298
8.2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Interação da Radiação com a Matéria-Modelo
Clássico
Nesta seção vamos estudar alguns mecanismos de interação de ondas eletromagnéticas com a matéria que podem ser descritos por um modelo clássico. O
objetivo é compreender alguns fenômenos básicos com modelos simples que permitam calcular ε(ω) e σ(ω). Como vimos na seção anterior, estes parâmetros
determinam n(ω) e κ(ω) e portanto as propriedades ópticas de cada material. Inicialmente estudaremos a interação da radiação com elétrons livres,
que tem um papel essencial nas propriedades ópticas de metais. Em seguida
estudaremos o modelo clássico da interação com os elétrons ligados. Para compreender em detalhe as propriedades ópticas de isolantes e semicondutores será
necessário considerar a natureza quântica desta interação, o que será feito na
próxima seção.
A interação da radiação com a matéria resulta da força que o campo
elétrico da onda exerce sobre as cargas elétricas dos ı́ons e dos elétrons. Como o
campo varia com uma certa freqüência ω, ele tende a criar nas cargas um movimento harmônico com a mesma freqüência. Porém, este movimento só será
significativo se as cargas tiverem um modo natural de vibração com freqüência
próxima da freqüência do campo. Por esta razão, no caso dos ı́ons, a interação
com o campo eletromagnético só será importante se este tiver freqüência na
faixa 1-10 THz (4-40 meV), caracterı́stica dos modos ópticos de vibração da
rede cristalina. Como esta faixa corresponde ao infravermelho distante, as vibrações da rede, ou fônons, só contribuem de maneira mais significativa para
as propriedades ópticas nesta região do espectro eletromagnético. No caso
de isolantes e semicondutores, os fônons dominam as propriedades ópticas no
infravermelho. Entretanto, nos metais predomina a interação do campo com
os elétrons livres, fazendo com que a refletividade seja próxima de 1, como
veremos a seguir.
Nas regiões do infravermelho próximo, visı́vel e ultravioleta, o movimento
dos ı́ons é desprezı́vel, de modo que as propriedades ópticas nessas faixas são
dominadas pela interação do campo elétrico com os elétrons, livres ou ligados
aos átomos. Vamos estudar os diversos aspectos desta interação separadamente
em várias subseções.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
8.2.1
299
Contribuição dos Elétrons Livres em Metais
Nos metais, o comportamento dos elétrons livres é determinante para as propriedades ópticas numa extensa faixa de freqüências. O movimento dos elétrons
sob a ação do campo elétrico de uma onda plana,
E = E0 e−ωt
,
(8.22)
pode ser deduzido pela extensão dos conceitos apresentados na seção 4.5, para
campos variáveis no tempo. Sendo −eE a força que o campo exerce sobre o
elétron, a equação de movimento do elétron fica,
dv m
m
(8.23)
+
v = −E0 e−iωt ,
dt
τ
onde m, v e τ são respectivamente a massa, a velocidade e o tempo de colisão do
elétron. O segundo termo de (8.23) representa o amortecimento no movimento
do elétron devido às colisões com a rede e com impurezas. Substituindo em
(8.23) a solução para regime estacionário v = v0 exp(−iωt), obtemos
v0 =
−eE0
−imω + m/τ
.
(8.24)
Considerando N elétrons livres por unidade de volume, obtemos para a densidade de corrente,
(8.25)
J = −eNv0 e−iωt .
Substituindo (8.24) em (8.25) e usando a relação J = σE, obtemos para a
condutividade do metal,
σ(ω) =
Ne2 τ
m(1 − iωτ )
.
(8.26)
Este resultado é conhecido como a condutividade do modelo de Drude. Note
que fazendo ω = 0 em (8.26), obtemos a condutividade dc dada pela Eq.(4.30),
como esperado. Substituindo (8.26) em (8.3) obtemos para o ı́ndice de refração
complexo dos metais,
N 2 (ω) = εc +
iNe2 τ
mω0 (1 − iωτ )
,
(8.27)
onde εc é a contribuição dos elétrons ligados para constante dielétrica. Como
veremos mais tarde, esta contribuição é mais importante nas regiões visı́vel e
300
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
ultravioleta do espectro, sendo aproximadamente constante no infravermelho.
O fato de σ(ω) ser complexo faz com que as expressões para as partes real
e imaginária de N(ω) sejam relativamente grandes e difı́ceis de analisar. Por
esta razão, vamos analisar σ(ω) aproximadamente em dois limites, baixas e
altas freqüências.
Na aproximação de baixas freqüências fazemos ωτ
1. Como nos metais
alcalinos (Li, Na, K, Rb e Cs) e nos metais nobres (Cu, Ag e Au), τ ∼ 10−13 s,
esta aproximação corresponde a ω
1013 s−1 . Ela vale então para a região do
infravermelho distante. Nesta região, desprezando iωτ na presença de 1 em
(8.26), vemos que σ(ω) = n e2 τ /m = σ0 é a própria condutividade dc, dada
por (4.30). Então, podemos escrever (8.27) na forma,
N 2 (ω) ≃ εc + i
σ0
ω0
.
(8.28)
9
2
2
Usando os valores σ0 ∼ 108 Ω−1 m−1 (veja Fig.4.17), −1
0 = 36π × 10 Nm /C
e ω ∼ 1012 s−1 , vemos que a parte imaginária de N 2 (ω) em (8.28) é muito
maior que a parte real, εc ∼ 1. Assim sendo, no infravermelho distante os
metais têm ı́ndice de refração complexo,
1/2
1/2
σ0
σ0
1/2
(i) = (1 + i)
.
N(ω) ≃
ω0
2ω0
Portanto, as partes real e imaginária são iguais e muito maiores que 1,
1/2
σ0
n=κ≃
1 .
(8.29)
2ω0
A substituição de (8.29) em (8.21) mostra que R ≃ 1. Este resultado explica porque os metais são refletores quase perfeitos de ondas eletromagnéticas
com freqüências abaixo do infravermelho. Eles não são refletores perfeitos
porque uma pequena fração da energia da onda penetra numa camada fina na
superfı́cie, sendo absorvida pelos elétrons livres e transformada em calor nos
processos de colisão. Este é o efeito pelicular, caracterizado por um comprimento de penetração δ (skin depth) da onda, dado pelo dobro do inverso
do coeficiente absorção. Substituindo (8.29) em (8.15) e usando c = (0 µ0 )−1/2
obtemos
1/2
2
c
=
.
(8.30)
δ=
ωκ
ωµ0σ0
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
301
Para o cobre à temperatura ambiente, com σ0 = 0, 6×108 Ω−1 m−1 , a Eq.(8.30)
dá δ = 0, 066 mm em ν = 1 MHz e δ = 6, 6 µm em ν = 100 MHz.
Na aproximação de altas freqüências, ωτ
1, válida para as regiões do
infravermelho próximo, visı́vel e ultravioleta, podemos desprezar a unidade no
denominador de (8.27) e escrever,
ωp2
2
N (ω) = εc 1 − 2
,
(8.31)
ω
onde
ωp2 =
Ne2
m0 εc
.
(8.32)
ωp é chamada a freqüência de plasma do metal. Seu valor é da ordem de
1015 Hz (correspondente a uma energia ωp ∼ 4 eV) nos metais comuns, e portanto está situada no final da faixa visı́vel e inı́cio do ultravioleta. A Eq.(8.31)
mostra que para ω < ωp o ı́ndice de refração N(ω) é um imaginário puro,
√
ou seja, n = 0 e κ = εc (ωp2 /ω 2 − 1)1/2 . Nesta situação a refletividade, dada
por (8.21), é exatamente R = 1. Por esta razão, à semelhança do que ocorre
no infravermelho, também na região visı́vel os metais são ótimos refletores de
ondas eletromagnéticas. Por outro lado, para ω > ωp , N(ω) é real, o que faz
com que a absorção devida aos elétrons livres seja nula.
A Fig. 8.3 mostra a variação da refletividade da prata, em (a) com a
Figura 8.3: Refletividade da prata: (a) Em função da energia do fóton da onda eletromagnética incidente [H. Ehrenreich et al., Phys. Rev. 128, 1622 (1962)]; (b) Em função do
comprimento de onda, em escala ampliada.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
302
energia do fóton incidente e em (b) com o comprimento de onda numa escala
ampliada para realçar detalhes na região visı́vel. Note que a prata tem refletividade quase 100% em toda a região de energia desde zero até o final da
região visı́vel. Por esta razão a prata reflete todo o espectro de luz branca
igualmente. A refletividade cai bruscamente para próximo de zero nas proximidades da freqüência de plasma. Para energias mais altas R apresenta outras
variações causadas por transições de elétrons ligados, que serão estudadas a
seguir. É interessante notar que no caso do cobre, estas transições produzem
uma variação na refletividade dentro da região visı́vel. Neste caso, a refletividade é alta em toda a faixa visı́vel porém é maior no vermelho do que no azul.
Por esta razão, a reflexão do cobre tem uma cor alaranjada, que contrasta com
o “prateado” da prata.
Exemplo 8.2: A concentração de elétrons livres na prata é 5, 86 × 1022 cm−3 e o tempo de colisão
é 3, 8 × 10−14 s. Calcule: a) O comprimento de penetração na prata de uma onda eletromagnética
com freqüência de microondas, ν = 1 GHz; b) O comprimento de penetração de um feixe de laser
de argônio com comprimento de onda λ = 514, 5 nm; c) A atenuação sofrida pelo feixe de laser ao
atravessar um filme de prata de espessura 50 Å.
a) Inicialmente é preciso calcular o produto ωτ ,
ωτ = 2π × 109 × 3, 8 × 10−14 = 2, 38 × 10−3 .
Como ωτ 1, o comprimento de penetração pode ser calculado por (8.30). Usando o valor
da condutividade da prata calculada no Exemplo 4.3, σ0 = 6, 26 × 107 (Ωm)−1 , vem,
2
ωµ0 σ0
δ=
1/2
=
2
2π × 109 × 4π × 10−7 × 6, 26 × 107
1/2
δ = 2, 01 × 10−6 m = 2, 01 µm.
b) A freqüẽncia do laser de argônio é
ω = 2πν = 2π
2π × 3 × 108
c
=
= 3, 66 × 1015 s−1 ,
λ
514, 5 × 10−9
então
ωτ = 3, 66 × 1015 × 3, 8 × 1014 = 1, 39 × 102 .
Neste caso ωτ 1 e o ı́ndice de refração complexo é dado por (8.31). Considerando εc = 1,
a freqüência de plasma da prata dada por (8.32) é,
ωp2 =
N e2
5, 86 × 1022 × 106 × 1, 62 × 10−38 × 36π × 109
=
m 0 εc
9, 1 × 10−31
ωp2 = 1, 86 × 1032 s−2 .
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
303
Logo ωp = 1, 36 × 1016 s−1 é maior do que ω, o que faz com que N 2 seja negativo e portanto
N é imaginário. De (8.31) vem
N=i
ωp2
−1
ω2
=i
1, 86 × 1032
−1
3, 662 × 1030
,
N = i 12, 9 .
A Equação (8.5) mostra que a parte imaginária de N é o próprio coeficiente de extinção κ.
O comprimento de penetração é então calculado com (8.15),
δ=
3 × 108
c
=
ωκ
3, 66 × 1015 × 12, 9
δ = 6, 35 × 10−9 m = 63, 5 Å .
c) A atenuação do feixe numa distância d = 50 Å é
e2d/δ = e100/63,5 = e1,57 = 4, 83
Isto significa que ao atravessar o filme de prata, a intensidade do feixe de laser diminui por
um fator 4,83. A atenuação também pode ser expressa em decibéis,
A = 10 log 10 e2d/δ = 10 log10 4, 83
A = 6, 84 dB .
8.2.2
Contribuição de Elétrons Ligados
Como mencionado anteriormente, as propriedades ópticas dos materiais em
energias da ordem ou maiores que 1 eV são devidas principalmente às transições
dos elétrons ligados nos átomos, ou elétrons de valência. O tratamento correto dessas transições, que será apresentado na próxima seção, deve ser feito
com a mecânica quântica. Entretanto, é possı́vel entender certos aspectos do
fenômeno com um modelo simples devido a Lorentz. Neste modelo, baseado
na visão clássica do átomo, supõe-se que a aplicação de um campo elétrico
externo resulta no deslocamento das camadas eletrônicas negativas em relação
ao núcleo positivo, como ilustrado na Figura 8.4(a). Isto produz um momento
de dipolo elétrico que contribui para a permissividade do material. Porém, o
deslocamento relativo das cargas também cria uma força eletrostática restauradora que influencia o movimento. Na aproximação linear esta força é proporcional ao deslocamento, como num oscilador harmônico. O modelo simplificado mostrado na Figura 8.4(b), consiste de um conjunto massa-mola, no
304
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.4: (a) Visão clássica do efeito de campo elétrico externo E sobre as cargas num
átomo; (b) Modelo simplificado de átomo sob ação de campo elétrico.
qual uma partı́cula de massa m e carga −e iguais as do elétron, está sob a
ação da força do campo elétrico da radiação. Para um campo elétrico variável
com freqüência ω, como em (8.22), a equação de movimento do elétron é,
2
dx
dx
m
+ ω02 x = − e E0 e−iωt
+Γ
(8.33)
2
dt
dt
onde x é o deslocamento do elétron em relação à sua posição de equilı́brio, ω0
é a freqüência de ressonância do oscilador e Γ é a taxa de amortecimento do
movimento. O primeiro termo de (8.33) é a aceleração do elétron, que multiplicada pela massa é igual a soma das forças. O segundo termo é responsável
pelo amortecimento do movimento, e corresponde a uma força contrária e
proporcional à velocidade do elétron. Ele é semelhante ao segundo termo da
Eq.(8.23), porém Γ não é o inverso do tempo de colisão pois no caso presente o elétron está ligado ao átomo. Finalmente, o terceiro termo é a força
restauradora da mola que simula a ligação do elétron com o átomo. Sendo k a
constante da mola, esta força é −kx, onde k = ω02 m. A solução de (8.33) no
regime estacionário é
−eE0
e−iωt .
(8.34)
x(t) =
2
m(ω0 − ω 2 − iωΓ)
O deslocamento do elétron, dado por (8.34), produz no átomo um momento
de dipolo elétrico p = −ex. Havendo no material N átomos por unidade de
volume, a polarização (momento de dipolo elétrico por unidade de volume)
resultante é P = −Nex. Lembrando a relação entre o vetor deslocamento, a
polarização e o campo elétrico, que define a permissividade,
D = 0 E + P ≡ ε 0 E
,
(8.35)
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
305
obtemos para a constante dielétrica na freqüência ω,
ωp2
ε(ω) = 1 + 2
,
ω0 − ω 2 − iωΓ
sendo ωp2 = Ne2 /m0 . Note que o valor de ε nesta equação tende para 1
quando ω → ∞. Na verdade isto não ocorre, pois esta é apenas a contribuição
de um elétron ligado. A contribuição de outros elétrons com freqüências de
osciladores maiores faz com que a parte real de ε em altas freqüências seja
maior que 1. Representando esta contribuição por ε∞ , podemos escrever a
constante dielétrica em freqüências próximas de ω0 como,
ωp2
.
(8.36)
ε(ω) = ε∞ + 2
ω0 − ω 2 − iωΓ
A partir de (8.36) obtemos as partes real e imaginária da constante
dielétrica,
ωp2 (ω02 − ω 2 )
ε (ω) = ε∞ + 2
(8.37)
(ω0 − ω 2 )2 + ω 2Γ2
ε (ω) =
ωp2 ω Γ
(ω02 − ω 2 )2 + ω 2 Γ2
.
(8.38)
As variações de ε e ε com a freqüência estão mostradas na Fig.8.5 para
ωp = 0, 7 ω0 , Γ = 0, 05 ω0 e ε∞ = 2, 0. Veja que a parte real de ε(ω) é
desprezı́vel em toda a faixa de freqüência, exceto nas vizinhanças da freqüência
de ressonância ω0 . Como a parte imaginária ε (ω) está relacionada com a
absorção óptica no material (Eqs.(8.7) e (8.14)), este resultado significa que só
existe absorção em ω ≈ ω0 . Esta mesma conclusão é obtida com o tratamento
quântico da interação da radiação com a matéria, sendo ω0 a separação de
energia entre dois nı́veis quânticos do elétron.
A representação gráfica da função que descreve ε (ω) é chamada forma
de linha de absorção. Como para Γ
ω0 , ε (ω) só é significativa em
ω ≈ ω0 , podemos fazer ω0 + ω ≈ 2ω0 ≃ 2ω em (8.38) e reescrever ε (ω) na
forma,
ωp2 Γ/4ω0
πωp2
ε (ω) ≃
≡
fL (ω) ,
(8.39)
(ω0 − ω)2 + (Γ/2)2
2ω0
onde
fL (ω) =
Γ/2π
(ω0 − ω)2 + (Γ/2)2
(8.40)
306
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.5: Partes real e imaginária de ε(ω) = ε (ω) + iε (ω) no modelo clássico de um
elétron ligado com freqüência de ressonância ω0 , para ωp = 0, 7 ω0 , Γ = 0, 05 ω0 e ε∞ = 2, 0.
é a função Lorentziana. A constante
2π usada na definição faz com que a área
sob a curva seja normalizada, fL (ω)dω = 1. O valor máximo desta função
ocorre em ω = ω0 , fL (ω0 ) = 2/πΓ, sendo portanto inversamente proporcional
à taxa de amortecimento Γ. Por outro lado, a largura de linha, definida
como a diferença entre as duas freqüências para as quais fL (ω) = fL (ω0 )/2, é
precisamente Γ (Problema 8.7). Desta forma, quanto menor a taxa de amortecimento menor será a largura de linha e maior será o pico da absorção. Este
mesmo resultado será obtido na próxima seção através do tratamento quântico
da interação radiação-elétron ligado.
É importante notar que ε (ω) tem a forma da derivada de ε (ω) em
relação à freqüência. Isto não é apenas uma coincidência, é conseqüência de um
resultado geral pelo qual ε (ω) é dado pela integral de uma função relacionada
com (ω), e vice-versa. Essas equações integrais constituem as relações de
Kramers-Kronig que valem para as partes real e imaginária de ε(ω), qualquer
que seja o mecanismo da interação radiação-matéria.
Finalmente, para encerrar esta seção, vamos achar as constantes ópticas
de um material descrito pelo modelo clássico do elétron ligado. Fazendo σ = 0
e substituindo (8.7) em (8.6) obtemos equações biquadráticas para o ı́ndice de
refração n e para o coeficiente de amortecimento κ, como mostrado no exemplo
8.1,
1 √ 2
(8.41)
ε + ε + ε2
n2 =
2
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
κ2 =
√
1
−ε + ε2 + ε2
2
307
(8.42)
A Figura 8.6(a) mostra, graficamente, as funções n(ω) e κ(ω) obtidas
de (8.37)-(8.42) com os mesmos parâmetros usados na Fig.8.5. Observe que o
ı́ndice de refração é próximo de 1 em toda a faixa de freqüências, exceto nas vizinhanças da freqüência de ressonância, onde ele apresenta uma grande anomalia. Por outro lado o coeficiente de extinção, responsável pela atenuação da
onda, é desprezı́vel em toda a faixa mas apresenta um pico em ω = ω0 . Finalmente, é importante notar que o ı́ndice de refração aumenta com a freqüência
na região ω < ω0 , como evidenciado na curva n(λ) para o quartzo, mostrada na
Fig.8.1(b). É isto que produz o fenômeno da dispersão em materiais transparentes. Isto ocorre porque a freqüência de transição eletrônica desses materiais
está acima da faixa visı́vel.
A partir de n e κ pode-se calcular a refletividade R do material usando
a Eq.(8.21). O gráfico de R(ω) obtido com n(ω) e κ(ω) da Fig.8.6(a) está
mostrado na Figura 8.6(b). A refletividade apresenta um pico em freqüência
um pouco acima de ω0 e com uma linha mais larga que as de ε (ω) e κ(ω),
porque nela também há uma contribuição importante da dispersão de n(ω).
Note que num material real há várias transições eletrônicas com diferentes
3
2
1
0
0,6
Refletividade R
Índice de refração
4
0,4
0,2
0
Figura 8.6: (a) Variação do ı́ndice de refração n e do coeficiente de extinção (ou amortecimento) κ com a freqüência com os mesmos parâmetros usados na Fig.8.5. (b) Refletividade
calculada com a Eq.8.21.
308
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
freqüências, e portanto R(ω) apresenta vários picos. É um desses picos ocorrendo com energia próxima de 2 eV, que dá ao cobre a coloração alaranjada.
Exemplo 8.3: Um material dielétrico tem uma linha de absorção devido a um fônon no infravermelho, com freqüência angular ω0 = 2 × 1014 s−1 , largura de linha Γ = 1013 s−1 e com ωp = 0, 7 ω0 .
Sabendo que ε∞ = 2, 0, calcule o coeficiente de absorção e a refletividade do material para um feixe
de infravermelho com freqüência igual a do pico de absorção.
Inicialmente é preciso calcular as componentes real e imaginária da constante dielétrica.
Usando (8.37), com ω = ω0 , vem ε = ε∞ = 2, 0. Usando (8.38), com ω = ω0 , vem,
ε =
ωp2
0, 72 × 2 × 1014
= 9, 8 .
=
ω0 Γ
1013
O ı́ndice de refração n e o coeficiente de extinção κ são calculados com (8.41) e (8.42)
√
1/2
1 = 2, 45
n = √ 2 + 4 + 96
2
√
1/2
1 = 2, 0
κ = √ −2 + 4 + 96
2
O coeficiente de absorção é dado por (8.14),
α=
2 × 2 × 1014 × 2, 0
= 2, 67 × 106 m−1
3 × 108
A refletividade é dada por (8.21),
R=
6, 10
(2, 45 − 1)2 + 2, 02
= 0, 38 .
=
(2, 45 + 1)2 + 2, 02
15, 90
Note que os valores obtidos para ε, n, κ e R coincidem com os valores das Figuras 8.5 e 8.6
em ω = ω0 . Observe na Figura 8.6 que o pico em R não ocorre exatamente em ω0 .
8.3
Teoria Quântica da Interação Radiação-Matéria
Na seção anterior fizemos a suposição de que os elétrons se comportam como
partı́culas clássicas, ligadas ao átomo por uma força do tipo de um oscilador
harmônico. Este modelo levou ao resultado de que a absorção óptica ocorre
quando a freqüência do campo de radiação é aproximadamente igual a do
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
309
oscilador harmônico. Sabemos, entretanto, que na mecânica quântica o elétron
é descrito por uma função de onda, cujo módulo ao quadrado representa a
probabilidade de encontrá-lo numa certa posição. É preciso agora entender
como a natureza quântica do elétron influencia a absorção da luz pela matéria.
Como veremos a seguir, o resultado quântico da interação da luz com um
sistema de dois nı́veis é consistente com o do modelo clássico. Entretanto, há
vários aspectos desta interação que não estão contidos no modelo clássico e
que são essenciais para compreender certas propriedades ópticas de materiais,
como por exemplo as transições interbanda e a emissão estimulada de luz.
8.3.1
Transições entre Nı́veis Discretos
Vamos considerar inicialmente um sistema no qual um elétron pode ocupar estados com nı́veis discretos de energia. O sistema pode ser um elétron num poço
de potencial infinito, ou num átomo por exemplo. Como vimos no Capı́tulo
3, se o potencial do elétron não varia no tempo, ele pode ocupar estados estacionários caracterizados por um número quântico n, descritos por funções de
onda,
i
(8.43)
ψ(r, t) = ψn (r) e− En t .
Neste caso o valor esperado de qualquer operador não varia no tempo, em
virtude da definição (3.14). O elétron permanece nesse estado indefinidamente
e sua energia é exatamente En , constante. Vejamos o que acontece se o elétron
estiver num estado dado pela combinação linear de dois estados estacionários,
como por exemplo,
ψ(r, t) = ψ1 e− E1 t + ψ2 e− E2 t
i
i
.
(8.44)
Esta equação pode ser reescrita na forma
ψ(r, t) = e− E1 t (ψ1 + ψ2 e−iω12 t )
i
,
(8.45)
onde ω12 = (E2 − E1 )/. Com a definição (3.14) pode-se escrever o valor
esperado de um operador qualquer F no estado (8.45) como
∗
−iω12 t
dV + ψ2∗ F ψ1 eiω12 t dV,
< F (t) > = < F >1 + < F >2 + ψ1 F ψ2 e
onde < F >1 e < F >2 são os valores esperados de F nos estados estacionários
1 e 2, que são constantes. Se F é um operador hermiteano ψ2∗ F ψ1 dV =
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
310
ψ1∗ F ψ2 dV
∗
= |F12 |eiϕ . Neste caso
< F (t) > = < F >1 + < F >2 + 2|F12 | cos(ω12 + ϕ).
(8.46)
Vemos então que se o elétron está num estado que é uma combinação
de estados com energias E1 e E2 , o valor esperado de um operador varia harmonicamente no tempo com freqüência angular ω12 = (E2 − E1 )/. Pode-se
mostrar, sem dificuldade, que a probabilidade de encontrar o elétron no estado
1, ou no estado 2, também varia harmonicamente no tempo com freqüência
ω12 . Dizemos que o elétron sofre transições de 1 para 2 ou vice-versa. Para
que um elétron que esteja inicialmente no estado 1, ou em 2, passe a sofrer
transições entre 1 e 2, é preciso ter uma ação externa que varia no tempo com
freqüência ω ≃ ω12 . Usando a mecânica quântica, mostraremos a seguir como
calcular a probabilidade de ocorrência dessas transições.
Consideremos um elétron num átomo, ou num poço de potencial qualquer, submetido a uma perturbação externa dependente do tempo. Esta perturbação pode ser a força do campo elétrico de uma onda eletromagnética, por
exemplo. A equação de Schroedinger (3.24) para o elétron é então,
∂ψ
,
(8.47)
[H0 + H (t)] ψ = i
∂t
onde H0 é o Hamiltoniano constante correspondente ao poço de potencial e
H (t) representa a interação variável no tempo devido à perturbação externa.
H , pois a interação que mantém o elétron no poço é muito
Normalmente H0
maior que a perturbação externa. Como já sabemos que o efeito da perturbação
é provocar transições entre os estados eletrônicos, procuramos soluções para
(8.47) na forma de uma expansão em auto-funções ψn do Hamiltoniano não
perturbado H0 , que consideramos conhecidas, na forma,
Ψ(t) =
an (t) ψn e−iEn t/
.
(8.48)
n
Para obter os coeficientes an (t) que determinam a função de onda, substituimos
(8.48) em (8.47) e usamos a equação H0 ψn = En ψn .
dan
En
−iEn t/
− i an ψn e−iEn t/
an [En + H (t)]ψn e
= i
.
dt
n
n
Com o cancelamento dos termos em En a equação fica,
dan
ψn e−iEn t/ =
i
an H (t) e−iEn t/
dt
n
n
.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
311
∗ +iEm t/
Multiplicando os dois lados à esquerda por ψm
e
, integrando no volume
e usando (3.13) que exprime a condição de normalização e ortogonalidade das
autofunções obtemos para os coeficientes a expansão,
1 dam
i(Em −En )t/
∗
=
an (t) e
H (t) ψn dV .
(8.49)
ψm
dt
i n
Como nenhuma aproximação foi feita até o momento, esta equação é inteiramente equivalente à equação de Schroedinger dependente no tempo. Ela é a
base da formulação matricial da mecânica quântica. Agora vamos considerar
que a perturbação é produzida por um campo harmônico com freqüência ω,
de modo que,
(8.50)
H (t) = H e−iωt .
A Eq.(8.49) toma a forma
1 dam
=
an (t) Hmn
ei(ωmn −ω)t
dt
i n
,
(8.51)
onde ωmn = (Em − En )/ e Hmn
é o elemento de matriz do operador H entre
os estados m e n, definido por
∗
H ψn dV .
(8.52)
Hmn = ψm
A Eq.(8.51) pode ser utilizada para calcular a evolução no tempo do
estado do sistema devido à perturbação H e−iωt . Vamos supor que um elétron
está inicialmente num estado discreto n de um Hamiltoniano H0 , quando uma
pequena perturbação externa do tipo (8.50) é aplicada. A partir de (8.51)
pode-se calcular o coeficiente correspondente a um estado m num instante t e
portanto a probabilidade do elétron ser encontrado neste estado, que é dada
por |am |2 . Pode-se mostrar então (Apêndice A) que a probabilidade por
unidade de tempo do elétron sofrer uma transição para um conjunto de
estados m muito próximos uns dos outros é dada por
2π
|Hmn
|2 D(Em = En + ω) ,
(8.53)
Wmn =
onde D é a densidade de estados com energia Em = En + ω. A Eq.(8.53) é
chamada a regra de ouro da teoria de perturbação. No caso da transição entre
dois nı́veis de energia alargados pelo efeito de amortecimento, a densidade de
estados é dada por uma forma de linha Lorentziana. No caso de transição entre
bandas, a densidade de estados tem a forma daquela estudada no Capı́tulo 4.
312
8.3.2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Absorção de Luz e Luminescência
Vamos utilizar a teoria de perturbação para calcular os efeitos da interação
de uma onda eletromagnética com um sistema de átomos. Inicialmente consideramos um conjunto de N átomos (por unidade de volume) independentes,
com nı́veis de energia E1 , E2 , E3 , etc. Esta é a situação que ocorre em gases
ou em transições entre nı́veis discretos em sólidos. Quando o sistema está em
equilı́brio térmico numa certa temperatura T , os elétrons sofrem transições
de um nı́vel para outro devido às interações com fônons térmicos, no caso de
sólidos, ou as colisões atômicas, no caso de gases. No entanto, enquanto os
elétrons em um certo número saem de um determinado nı́vel, outros elétrons
em igual número chegam naquele nı́vel (em outros átomos), de modo a manter
o equilı́brio térmico do sistema. É possı́vel mostrar que, no equilı́brio térmico,
as populações Ni e Nj dos nı́veis Ei e Ej (Ni é o número de átomos por
unidade de volume com elétrons no nı́vel Ei ) obedecem à relação,
Ni
e−Ei /kB T
= −Ej /k T = e−(Ei −Ej )/kB T
B
Nj
e
.
(8.54)
Esta é a distribuição de Boltzmann, que se aplica a um sistema de partı́culas
distinguı́veis, que no caso presente são os diferentes átomos do sistema. De
acordo com a Eq.(8.54), a população de um certo nı́vel i diminui exponencialmente com o aumento da energia Ei ou com a diminuição da temperatura.
Este é um resultado esperado, porque é exatamente a excitação térmica que
leva os elétrons do estado fundamental para nı́veis de maior energia.
A presença de um campo eletromagnético no sistema tende a produzir
transições entre nı́veis de energia cuja separação esteja próxima da energia
dos fótons ω. A Eq.(8.53) mostra que a probabilidade de transição induzida
pelo campo do nı́vel m para o nı́vel n é igual a de n para m. Desta forma,
a tendência do campo é de igualar as populações Nn e Nm . Entretanto, esta
igualdade só ocorreria se a intensidade do campo fosse suficientemente alta
para vencer o papel da excitação térmica. Este efeito é importante no caso
de lasers. Nesta seção vamos supor que o campo é pequeno e que o equilı́brio
térmico não é perturbado.
Vamos calcular as constantes ópticas de um sistema de átomos considerando, para simplificar, que eles têm apenas dois nı́veis, E1 e E2 (E2 > E1 ),
com populações N1 e N2 . Quando um campo elétrico
E = ŷ E e−iωt
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
313
2
1
(a)
(b)
Figura 8.7: Transições eletrônicas em sistema de dois nı́veis, por absorção (a) e por emissão
(b) de fótons.
é aplicado ao sistema, os elétrons ficam sujeitos a uma interação com energia
−eφ(y) = eEy y, que resulta num termo de perturbação do Hamiltoniano dado
por
H (t) = e E y e−iωt ≡ −E py e−iωt
,
onde py = −ey é a componente y do operador momento de dipolo elétrico. De
acordo com a regra de ouro (8.53) as probabilidades de transição, por unidade
de tempo, para o sistema passar do nı́vel 1 para o nı́vel 2, ou vice-versa, são,
W12 = W21 =
2π 2 2
E p12 D(E2 − E1 = ω)
,
(8.55)
onde p12 é o elemento de matriz do operador py entre os estados 1 e 2 (omitimos
o ı́ndice y para simplificar a notação) Quando há N1 elétrons no nı́vel inferior
(por unidade de volume), a potência absorvida do campo eletromagnético pelo
sistema é N1 W12 ω, pois N1 W12 é o número de fótons absorvidos por unidade
de tempo e volume. Por outro lado, N2 W21 ω é a potência emitida pelos
elétrons que passam do nı́vel 2 para o nı́vel 1 pela emissão de fótons. Os
processos de absorção e emissão de fótons por transições eletrônicas num
sistema de dois nı́veis estão ilustrados na Fig.8.7.
A potência lı́quida por unidade de volume absorvida pelo sistema é então
P =
2π
(N1 − N2 ) E 2 p212 D(ω) ω
.
Note que a potência absorvida por unidade de volume pode ser identificada
como −dI/dx, uma vez que a intensidade da onda I é a potência transmitida
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
314
por unidade de área. Assim sendo, usando (8.11) e (8.14) na relação dI/dx =
−P e observando que D(ω) = D(ω)/, obtemos o coeficiente de extinção
κ=
2π
(N1 − N2 ) p212 D(ω)
n0 .
(8.56)
Considerando para D(ω) uma forma de linha Lorentziana fL (ω) dada por
(8.40), a substituição desta equação em (8.7) fornece a parte imaginária da
constante dielétrica
ε (ω) =
2
Γ
(N1 − N2 ) p212
0
(ω21 − ω)2 + (Γ/2)2
,
(8.57)
onde ω21 = (E2 −E1 )/. Esta equação tem a mesma forma de (8.39) com ω21 no
lugar ω0 e 2(N1 −N2 )p212 /0 lugar de ωp2 /4ω0 (veja Problema 8.8). Isto mostra
que o resultado clássico é consistente com o quântico, como foi antecipado.
Entretanto, há detalhes importantes do resultado quântico que não aparecem
no tratamento clássico. Da Eq.(8.57) concluimos que para haver absorção de
energia em transições eletrônicas entre dois nı́veis E1 e E2 é preciso que: 1) A
freqüência da radiação seja ω ≃ (E2 − E1 )/; 2) A população do nı́vel inferior
seja maior que a do nı́vel superior, ou seja, N1 − N2 > 0; 3) O elemento de
matriz p12 do operador momento de dipolo elétrico entre os estados dos dois
nı́veis seja diferente de zero. Esta última condição dá origem às regras de
seleção para transição de dipolo elétrico que determinam quais transições
são possı́veis por absorção ou emissão de fótons. Como foi mencionado na
seção 3.4, as regras de seleção para transições no átomo de hidrogênio com
campo linearmente polarizado são ∆ = ±1 e ∆m = 0 (Problema 8.10).
O processo de absorção de luz que acabamos de tratar, ocorre quando
a radiação eletromagnética interage com um conjunto de átomos produzindo
transições de nı́veis quânticos de menor energia para outros nı́veis de maior
energia. Outro processo óptico muito importante é a emissão espontânea
de radiação, que ocorre quando os átomos passam de um estado excitado para
outro estado de menor energia, mesmo sem a presença de radiação externa.
A probabilidade por unidade de tempo para haver emissão espontânea com
transição de nı́vel 2 para o nı́vel 1, como na Figura 8.7(b), também é dada
pela Equação (8.55). Porém, neste caso o campo E que aparece em (8.55) é
aquele associado às flutuações quânticas do estado fundamental de zero fótons.
Havendo um momento de dipolo elétrico entre os estados 1 e 2, a transição
de 2 para 1 ocorre com a emissão de um fóton, sendo chamada de transição
−1
. Se
radiativa. O tempo caracterı́stico desta transição é dado por τR = W12
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
315
o momento de dipolo entre os dois estados for nulo, a transição de 2 para
1 também pode ocorrer, mas neste caso, em vez de haver emissão do fóton,
há emissão de fônon ou de alguma outra excitação elementar. Este tipo de
transição é chamada não-radiativa.
O processo pelo qual os átomos são colocados em estados excitados, e
subseqüentemente decaem por meio de transições radiativas, é chamado de luminescência. Dentre os vários mecanismos que produzem luminescência em
materiais, os mais importantes são a fotoluminescência e a eletroluminescência.
A fotoluminescência é aquela na qual os átomos são levados para estados excitados por meio da absorção de fótons de maior energia. Este processo é
importante em lasers de sólidos com impurezas, que serão apresentados na
Seção 8.6.2. A eletroluminescência é aquela na qual a emissão de luz é causada por um estı́mulo elétrico, como a passagem de uma corrente elétrica, como
ocorre nos diodos emissores de luz e nos lasers de diodo, ou pela incidência de
um feixe de elétrons, ou com a aplicação de um campo elétrico intenso.
8.3.3
Absorção e Emissão de Luz em Isolantes e Semicondutores
No caso de cristais, o tratamento quântico da interação radiação-matéria deve
levar em conta o fato de que os elétrons são descritos por funções de onda
com vetor de onda k. Além disso eles têm energia E(k) na forma de bandas
e não em nı́veis discretos. A aplicação da regra de ouro (8.53) para cristais
com bandas no esquema reduzido à primeira zona de Brillouin mostra que as
transições eletrônicas entre bandas devem conservar energia e momentum. No
caso de transições produzidas apenas por fótons tem-se
Ef − Ei = ±ω
kf − ki = ±k
,
(8.58)
(8.59)
onde Ef e Ei são as energias do elétron nos estados final e inicial, respectivamente, kf e ki são os vetores de onda correspondentes, ω e k são a freqüência
e o vetor de onda do fóton absorvido (Ef > Ei ) ou emitido (Ef < Ei ) na
transição. Para fótons da região visı́vel k ∼ 105 cm−1 , sendo portanto desprezı́vel em relação ao valor da fronteira da zona de Brillouin, de modo que a
transição entre bandas ocorre com kf ≃ ki. A Fig.8.8 mostra duas transições
de absorção entre as bandas de valência e de condução num isolante ou semicondutor de gap direto. A transição com energia mı́nima é aquela que ocorre
316
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.8: Absorção de fótons em semicondutor de gap direto. O fóton de mı́nima energia
que é absorvido tem freqüência ωg = Eg /.
no centro da zona, kf = ki = 0, e com fótons de energia igual ao gap do
semicondutor, ωg = Eg . Fótons com energia menor que Eg atravessam o
semicondutor sem absorção por transição entre as bandas. Por outro lado,
fótons com ω > ωg são facilmente absorvidos porque há um grande número
de estados eletrônicos com kf = ki > 0. Usando a Eq.(8.53) para calcular
a probabilidade de transição entre as bandas de valência e de condução, com
densidades de estados dadas por (5.12) e (5.13), pode-se mostrar que o coeficiente de absorção no semicondutor de gap direto varia com a freqüência na
forma,
α(ω) ∼ (ω − Eg )1/2 /ω ,
(8.60)
para ω ≥ Eg e α(ω) = 0 para ω < Eg . Este resultado, ilustrado na Fig.8.9,
mostra que o coeficiente de absorção aumenta rapidamente com ω acima do
valor crı́tico ωg = Eg /.
A situação em semicondutores de gap indireto é mais complicada. Como
ilustrado pela seta na Fig.8.10, a transição de um elétron do topo da banda
de valência para o mı́nimo da banda de condução num semicondutor como
silı́cio, requer uma grande mudança no vetor de onda. Isto não pode ser feito
somente com a absorção de um fóton pois este tem k ≃ 0. Esta transição
pode ocorrer com a absorção de um fóton com energia ω e vetor de onda
desprezı́vel (k ≃ 0) acompanhada da absorção de um fônon de energia Ω e
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
317
Figura 8.9: Variação do coeficiente de absorção com a freqüência do fóton em semicondutor
de gap direto.
momentum k, ou da emissão de um fônon com energia Ω e momentum −k.
Neste caso, as equações de conservação de energia e momentum são
Ef − Ei = ω ± Ω
(8.61)
kf − ki = k
(8.62)
,
onde os sinais + e − em (8.61) correspondem, respectivamente, aos processos
com absorção e emissão de fônon. Note que no caso do processo com absorção
de fônon, a energia mı́nima do fóton necessária para produzir a transição é
Eg −Ω, enquanto no caso do processo com emissão de fônon a energia mı́nima
é Eg + Ω. Entretanto, os semicondutores de gap indireto também podem ter
uma transição direta (k ≃ 0) para um mı́nimo relativo da banda de condução,
com energia Eg + E , como ilustrado na Fig.8.10. Como a transição indireta
envolve três excitações elementares, ela tem probabilidade de ocorrência menor
que a direta, na qual os fônons não participam. Por esta razão, a combinação
dos processos indireto e direto resulta num coeficiente de absorção que varia
com a freqüência como ilustrado na Fig.8.11.
Sendo a energia de fônons (Ω ∼ 0, 05-0,1 eV) muito menor que os valores tı́picos da energia do gap (Eg ∼ 1 eV), em primeira aproximação a
energia crı́tica abaixo da qual o semicondutor intrı́nseco (ou isolante) não
absorve fótons por transição interbanda é Eg . Por outro lado, fótons de energia maior que Eg são fortemente absorvidos resultando na geração de pares
elétron-buraco. Este processo possibilita o uso de semicondutores em detetores
de radiação eletromagnética. O processo inverso pelo qual fótons são emitidos
318
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.10: Transições eletrônicas do topo da banda de valência para dois mı́nimos da
banda de condução em semicondutor de gap indireto como Si. A transição indireta envolve
fônons e tem energia Eg . A transição direta tem energia Eg + E .
na recombinação de pares elétron-buraco, é chamado luminescência. Ele é a
base da operação dos diodos emissores de luz e dos lasers semicondutores. A
Tabela 8.1 apresenta as energias do gap e os comprimentos de onda correspondentes para vários semicondutores importantes, indicando também a natureza
do gap, direto (d) ou indireto (i). Vê-se na tabela que existem semicondutores
para fabricar diodos emissores de luz em diversos comprimentos de onda. Além
disso, através da combinação de compostos diversos na forma de ligas, como
Gax A1−x As, é possı́vel obter materiais com gaps variando continuamente em
Figura 8.11: Variação do coeficiente de absorção com a freqüência em semicondutor de gap
indireto.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
Semicondutor
Si
Ge
AN
AAs
GaN
GaP
GaAs
InP
InAs
InSb
CdS
CdTe
319
Gap
E (eV)
λ (µm)
i
i
i
i
d
i
d
d
d
d
d
d
1,12
0,67
5,90
2,16
3,40
2,26
1,43
1,35
0,35
0,18
2,53
1,50
1,11
1,88
0,21
0,57
0,36
0,55
0,86
0,92
3,54
6,87
0,49
0,83
Tabela 8.1: Energias do gap e comprimentos de onda correspondentes de semicondutores
importantes à temperatura ambiente [Wilson e Hawkes].
extensas faixas das regiões visı́vel e infravermelho.
Os processos de absorção e emissão de luz interbanda em isolantes são
iguais aos dos semicondutores. Entretanto, como a energia do gap nos isolantes
é da ordem de 10 eV, os fótons da região visı́vel, não têm energia suficiente
para produzir transições interbanda. Esta é a razão pela qual cristais isolantes,
como diamante, safira, e cloreto de sódio, por exemplo, são quase inteiramente
transparentes à luz visı́vel.
Para ilustrar as propriedades ópticas mais importantes dos isolantes,
mostramos na Figura 8.12 espectros de transmissão da safira, a forma cristalina
do A2 O3 . A Fig. 8.12(a) mostra a transmissão em função do comprimento
de onda, representado numa escala logarı́tmica para ressaltar toda a faixa
de transparência. Ele mostra uma transmissão acima de 80% na faixa de
comprimento de onda entre 200 nm (energia de 6,2 eV) e 2500 nm (0,5 eV),
estendendo-se do infravermelho ao ultravioleta próximo e abrangendo toda a
região visı́vel (400 a 700 nm). A depressão na transmissão na forma de um
pico negativo em torno de λ = 3000 nm e a forte diminuição em λ > 6000 nm,
resultam da absorção da radiação infravermelha pelos fônons ópticos da safira.
Por outro lado, a queda na transmissão na região ultravioleta, em λ < 200 nm,
320
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.12: Espectros de transmissão medidos em amostras de A2 O3 . (a) Cristal puro,
chamado safira, em escala logarı́tmica de comprimento de onda, para mostrar toda a faixa
de transparência; (b) comparação dos espectros de safira (A2 O3 puro) e de rubi (A2 O3
com 0,05% de Cr3+ ).
é devida à absorção pelas transições interbanda produzidas pelos fótons com
energia ω > 6 eV.
Na faixa de transparência não há transições para absorver os fótons e
portanto o coeficiente de absorção é desprezı́vel. Nesta situação a componente
√
imaginária do ı́ndice de refração é desprezı́vel e a componente real é n = ε,
que no caso da safira tem valor n = 1, 77. Com este valor de n, a refletividade,
dada por (8.21) é R = 0, 077, enquanto a transmissão em uma superfı́cie é
T = (1 − R) = 0, 923. Ocorre que o espectro mostrado na Figura 8.12 foi
medido numa amostra na forma de uma placa fina, que reflete a onda nas duas
superfı́cies. Por esta razão, a transmissão é dada por (1 − R)2 = 0,85, que é
o valor observado na Figura 8.12. A presença de uma pequena quantidade de
impurezas de Cr3+ na safira produz duas bandas de forte absorção, mostradas
na Figura 8.12(b). A banda de maior energia está no azul, centrada em λ = 400
nm (3,1 eV), e a de menor energia está na região verde-amarelo, centrada em
λ = 550 nm (2,25 eV). A presença destas bandas faz com que o cristal de
Cr3 :A2 O3 tenha uma cor vermelha, como será explicado na próxima seção.
Este cristal é o rubi, encontrado na natureza como uma pedra preciosa. O rubi
também pode ser crescido sinteticamente por meio das técnicas apresentadas
no Capı́tulo 1.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
321
Exemplo 8.4: Uma amostra de CdTe tem a forma de uma placa de faces paralelas, de espessura
0,3 µm com camadas anti-refletoras nas duas faces. Calcule a transmissão de um feixe de luz de
laser de He-Ne, comprimento de onda 632,8 nm que incide normalmente sobre a placa.
No Exemplo 8.1 calculamos o coeficiente de absorção do CdTe no comprimento de onda λ1
= 500 nm, tendo obtido α(ω1 ) = 9,55×106 m−1 . Como CdTe é um semicondutor de gap direto, a
variação do coeficiente de absorção com a energia nas proximidades da energia do gap é dada pela
Equação (8.60). Então, o coeficiente de absorção no comprimento de onda λ2 = 632,8 nm pode ser
calculado com,
( ω2 − Eg )1/2 ω1
( ω2 − Eg )1/2 λ2
α(ω2 )
=
=
1/2
α(ω1 )
( ω1 − E g )
ω2
( ω1 − Eg )1/2 λ1
A energia do gap de CdTe dado na Tabela 8.1 é Eg = 1, 5 eV. As energias dos fótons
correspondentes aos dois comprimentos de onda são,
ω2 =
hc
6, 63 × 10−34 × 3 × 108
=
= 3, 14 × 10−19 J
λ2
632, 8 × 10−9
ω2 =
3, 14 × 10−19
= 1, 96 eV
1, 6 × 10−19
ω1 = 1, 96 ×
632, 8
= 2, 48 eV
500
Logo
α(ω2 ) = 9, 55 × 106
(1, 96 − 1, 5)1/2 632, 8
= 8, 28 × 106 m−1
(2, 48 − 1, 5)1/2 500
Como não há reflexão nas superfı́cies, a transmissão é dada por
T = e−αd = e−8,28×0,3 = 0, 084 .
Portanto a transmissão é 8,4 %.
8.3.4
Absorção e Emissão de Luz em Materiais com Impurezas
Em cristais semicondutores ou isolantes contendo impurezas, a presença de
nı́veis discretos de energia entre as bandas de valência e de condução dá origem
a importantes processos de absorção e emissão de fótons. A Figura 8.13 ilustra
processos de emissão em semicondutores tipo n e tipo p. Em (a) um elétron da
banda de condução passa para um nı́vel vazio de impureza aceitadora emitindo
322
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.13: Ilustração de dois tipos de recombinação elétron-buraco envolvendo nı́veis de
impureza com emissão de fótons: (a) Impureza aceitadora em semicondutor tipo p; (b)
Impureza doadora em semicondutor tipo n.
um fóton de energia Ec − Ea . Em (b) um elétron no nı́vel de impureza doadora
recombina com um buraco da banda de valência emitindo fóton de energia
Ed − Ev .
Apesar do número de impurezas num sólido ser muito pequeno comparado com o dos ı́ons de cristal, os processos de emissão e absorção de fótons
envolvendo nı́veis de impurezas são muito importantes, especialmente nos semicondutores de gap indireto. Isto é devido ao fato de que a função de onda de
um elétron ligado a uma impureza tem uma localização espacial ∆x da ordem da distância interatômica a. Esta incerteza na posição do elétron resulta
numa incerteza no seu momentum ∆p, dada por (2.46), ∆x ∆p ≥ /2. Sendo
∆x ∼ a, a incerteza no vetor de onda do elétron é ∆k ∼ 1/2a, que cobre uma
larga faixa da zona de Brillouin. Em conseqüência, as transições envolvendo
impurezas podem ocorrer por emissão ou absorção de fótons, sem a necessidade
da participação dos fônons para ajudar na conservação de momentum. Isto
torna estas transições muito mais eficientes do que as transições interbanda
nos semicondutores de gap indireto. Devido à facilidade dos elétrons e buracos se recombinarem por este processo de emissão de fótons, as impurezas são
chamadas de centros de recombinação.
As transições entre nı́veis discretos também são muito importantes em
isolantes contendo impurezas de certos elementos, especialmente os do grupo
de transição 3d e as terras raras. Como veremos no próximo capı́tulo, nestes
elementos a formação dos ı́ons das impurezas deixa uma camada eletrônica incompleta, que freqüentemente tem nı́veis de energias dentro do gap do isolante.
Esta é a origem das bandas de absorção que aparecem em cristais de A2 O3
(safira) com impurezas de Cr3+ , mostradas na Figura 8.12(b). A presença das
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
323
Figura 8.14: Nı́veis de energia e transições importantes em Cr3+ :A2 O3 , o rubi.
impurezas introduz no gap dois conjuntos numerosos de nı́veis que formam as
bandas 4 F1 e 4 F2 , além dos nı́veis discretos 2 E e 2 F2 , mostrados na Figura
8.14. Quando o cristal é iluminado com luz branca, ocorrem transições do estado fundamental 4 A2 para as bandas 4 F1 e 4 F2 por absorção de fótons. Essas
transições são responsáveis pelas bandas de absorção da Figura 8.12(b). Subseqüentemente os elétrons da banda 4 F2 decaem rapidamente para o nı́vel 2 E,
por transições não-radiativas, e daı́ voltam para o estado 4 A2 por transições
radiativas com a emissão de fótons de comprimento de onda 694,3 nm. Desta
forma o cristal absorve luz branca e emite luz vermelha, dando ao rubi sua
cor vermelho vivo. Este é o processo de fotoluminescência, no qual se baseia o
laser de rubi, que foi pioneiro dos lasers, descoberto em 1960.
8.4
Fotodetetores
Fotodetetores são dispositivos que convertem luz num sinal elétrico. Existem
vários fenômenos que possibilitam a fabricação de um fotodetetor. O primeiro
a ter importância tecnológica foi o efeito fotoelétrico, descoberto no final do
século XIX e estudado no Capı́tulo 2. Ele é a base da operação das tradicionais
células fotoelétricas, feitas de um bulbo a vácuo contendo um fotocatodo e um
anodo, aos quais é aplicada uma tensão externa (positivo no anodo). Quando
os fótons incidem no fotocatodo, os elétrons emitidos pelo efeito fotoelétrico são
acelerados para o anodo produzindo uma corrente elétrica. Isto constitui uma
célula fotoelétrica simples. Com a colocação de eletrodos entre o fotocatodo
e o anodo é possı́vel multiplicar o número de elétrons e amplificar a corrente.
Este é o princı́pio de funcionamento das válvulas fotomultiplicadoras, que são
324
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
dispositivos extremamente sensı́veis. Atualmente existem válvulas fotomultiplicadoras para aplicações cientı́ficas que detetam a radiação contando fótons
individualmente, em nı́veis de algumas contagens por segundo.
Assim como ocorreu na eletrônica, o desenvolvimento dos fotodetetores
e dos fotoemissores de semicondutor possibilitou a substituição das válvulas
e das lâmpadas a vácuo e deu um enorme impulso à opto-eletrônica. Os
fotodetetores mais utilizados atualmente nas regiões visı́vel e infravermelho
próximo são os fotodiodos e os foto-resistores de semicondutor. Estes dispositivos não operam no infravermelho médio ou distante, pois os fótons não têm
energia suficiente para produzir pares elétron-buraco. Nessas regiões utiliza-se
fotodetetores térmicos, nos quais a absorção da luz produz um aquecimento
no elemento sensor e varia sua resistência elétrica. Nesta seção estudaremos
apenas os foto-resistores, os fotodiodos e os sensores de imagem CCD, que
são os fotodetetores mais importantes para a opto-eletrônica. Nestes dispositivos, o mecanismo fundamental de conversão de luz em corrente elétrica é a
geração de pares elétron-buraco por absorção de fótons. Este processo provoca
uma diminuição na intensidade da luz à medida que esta penetra no material.
Sendo α o coeficiente de absorção do material na freqüência da luz, a variação
da intensidade ao longo da direção x de penetração é dada pela Eq.(8.13),
I(x) = I0 e−αx
onde I0 é a intensidade da radiação na superfı́cie. Como a intensidade cai exponencialmente com a distância, para assegurar que todos os fótons incidentes
sejam absorvidos, é preciso que a espessura d do material seja muito maior
que α−1 . A Figura 8.15 mostra a variação do coeficiente de absorção com
o comprimento de onda para vários semicondutores importantes. Em geral
procura-se trabalhar com materiais com α ∼ 106 m−1 na faixa de operação do
dispositivo. Isto assegura que a quase totalidade dos fótons é absorvida numa
distância da superfı́cie de apenas alguns µm. Com esta condição vê-se que
os melhores materiais para fotodeteção na região visı́vel são Si e GaAs. Nos
comprimentos de onda empregados em comunicações ópticas, λ = 1, 3 µm e
1,5 µm, utiliza-se Ga0,3 In0,7 As0,6 P0,4 e Ga0,5In0,5 As respectivamente.
Considerando que o semicondutor tem espessura tal que toda a radiação
é absorvida, a taxa de criação de pares elétron-buraco é determinada pela
intensidade inicial I0 da luz. Logo, o número de fótons absorvidos por unidade
de tempo e de área é dado por (8.12), Φ = I0 /ω. Na realidade, sempre existe
algum processo de absorção que não resulta em criação de pares elétron-buraco.
Define-se a eficiência quântica de conversão η, como a razão entre o número
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
325
Coeficiente de absorção (m–1)
107
Ga0,5In0,5As
GaAs
106
Ge
10
5
104
103
0,4
Ga0,3In0,7As0,6P0,4
CdS
Si
0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6
Comprimento de onda (mm)
1,8
Figura 8.15: Variação do coeficiente de absorção α com o comprimento de onda para vários
semicondutores [Wilson e Hawkes].
de pares produzidos e o número de fótons absorvidos. Assim, o número de
pares criados por unidade de tempo e de área é ηI0 /ω. Portanto, a taxa de
geração de portadores, definida como o número de pares criados por unidade
de volume e por unidade de tempo é
g=
ηI0
ωd
,
(8.63)
sendo d a espessura do semicondutor. Como os elétrons e buracos são criados
aos pares, a variação δn na concentração de elétrons devido à radiação é igual à
variação na concentração de buracos, δp = δn. As taxas de variação no tempo
dessas concentrações são então
∂δn
∂δp
=
=g
∂t
∂t
.
(8.64)
Esta equação mostra que se a intensidade da luz incidente no semicondutor for
constante e se não houver qualquer outro mecanismo além da geração de pares
elétron-buraco, o número de portadores crescerá indefinidamente, linearmente
no tempo. Na realidade, sempre que as concentrações saem da situação de
equilı́brio, ocorrem mecanismos de recombinação que tendem a restaurar o
equilı́brio. A taxa com a qual os pares são destruı́dos é determinada pelo
tempo de recombinação dos portadores minoritários, τp ou τn , dependendo
326
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
do tipo do semicondutor. Usando τr para representar este tempo, a taxa de
recombinação é dada pela razão entre o excesso de portadores minoritários, δp
ou δn, e o tempo τr . Sendo δp = δn, a taxa de recombinação é
r=
δn
δp
=
τr
τr
.
(8.65)
Em regime estacionário r = g, de modo que as concentrações de elétrons e de
buracos gerados pela luz, por unidade de tempo, são dadas por
δn = δp = g τr =
η I0 τr
ωd
.
(8.66)
Esta expressão determina o número de portadores criados nos fotodetetores de
semicondutor, que serão apresentados a seguir.
8.4.1
Foto-resistores
Fotocondutividade é o fenômeno pelo qual a condutividade de um material
varia quando a intensidade da luz que incide sobre ele é alterada. A fotocondutividade é a base de funcionamento do fotodetetor mais simples que existe, o
foto-resistor. Ele é também chamado de célula ou dispositivo de fotocondução,
ou simplesmente LDR (das iniciais de Light Dependent Resistor). A estrutura mais simples de um LDR é constituı́da de uma pequena placa de um
semicondutor intrı́nseco, ou com uma dopagem muito pequena, tendo nas extremidades dois eletrodos metálicos para a aplicação de uma tensão externa,
como ilustrado na Figura 8.16. Na ausência de luz a resistência do LDR é
grande porque o número de portadores é pequeno. Quando ele é iluminado o
número de portadores aumenta por causa da criação de pares elétron-buraco.
Isto pode fazer a resistência diminuir muito em relação ao seu valor inicial, o
que resulta num grande aumento da corrente entre os eletrodos.
Para calcular o efeito da luz sobre a corrente utilizamos a Eq.(5.52) para
a condutividade,
σ = n e µn + p e µp
.
A incidência da radiação produz uma variação nas concentrações dos portadores dada por (8.66), o que resulta num aumento da condutividade dado
por:
(8.67)
∆σ = g τr e (µn + µp ) .
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
327
Figura 8.16: Estrutura simples de um foto-resistor, ou LDR.
Se a tensão nos eletrodos da placa for V , a variação na densidade de
corrente será ∆J = ∆σV /. Portanto, a variação na intensidade de corrente
será
bd
(8.68)
g τr e (µn + µp )V .
∆I =
É comum definir o ganho da fotocondutividade como a razão entre a
variação de corrente devida à variação da condutividade, produzida pela tensão
externa dada por (8.68), e a corrente correspondente aos pares elétron-buraco
gerados pela luz. Como esta última é a carga total dos elétrons gerada pela
radiação por unidade de tempo, o ganho é,
G=
∆I
egbd
.
Usando (8.68) nesta expressão, obtemos para o ganho
G=
τr (µn + µp )V
2
.
(8.69)
Este resultado mostra que o ganho aumenta com o valor da tensão aplicada e
com a diminuição da distância entre os eletrodos. Evidentemente, os valores
de µn , µp e τr dependem do material utilizado.
A Figura 8.17 mostra a vista de cima do elemento fotocondutivo empregado nos foto-resistores comerciais e a visão do dispositivo encapsulado. O
elemento fotocondutivo é formado por uma pastilha de material isolante, na
328
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
forma de um disco com diâmetro que varia de alguns mm a vários cm. Sobre a pastilha é depositada uma camada policristalina do semicondutor fotosensı́vel (CdS, CdSe, PbS, InSb, Hgx Cd1−x Te, entre outros), e sobre ela um
filme metálico (A, Ag, ou Au) para formar os eletrodos. O filme metálico é
evaporado através de uma máscara que deixa a área exposta do material fotocondutivo na forma de zig-zag. Isto resulta numa grande área de iluminação do
semicondutor, combinada com um pequeno valor da distância entre os eletrodos, de modo a produzir um alto ganho G.
Os materiais mais utilizados para fabricar foto-resistores que operam na
região visı́vel são CdS e CdSe. No infravermelho próximo usa-se PbS e no infravermelho médio InSb ou Hgx Cd1−x Te. Esses materiais têm valores elevados
para o coeficiente de absorção na faixa do espectro de sua operação, e também
para as mobilidades µn e µp e o tempo de recombinação τr . Além disso, esses
materiais são favoráveis à formação de armadilhas causadas por defeitos na
rede ou por impurezas. Estas armadilhas têm o papel de aprisionar, temporariamente, portadores de carga elétrica com determinado sinal. Por exemplo,
impurezas de Mn2+ funcionam como armadilhas de elétrons. Assim, enquanto
os portadores com certa carga estão presos nas armadilhas, os portadores com
a carga oposta podem transitar de um eletrodo para o outro com menor probabilidade de recombinação. Isto resulta num aumento efetivo de τr e portanto
num maior ganho do dispositivo.
Uma consideração importante em qualquer dispositivo fotodetetor diz
respeito ao ruı́do que ele gera na ausência de radiação. A amplitude deste
Figura 8.17: (a) Vista de cima do elemento fotocondutivo com o eletrodo metálico; (b)
Foto-resistor comercial tı́pico.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
329
ruı́do determina o nı́vel mı́nimo da radiação que pode ser detetada. No caso
dos foto-resistores e dos fotodiodos, a principal fonte de ruı́do é a geração
térmica de pares elétron-buraco. Como a probabilidade de geração térmica
é proporcional a exp(−Eg /2kB T ) [Eq.(5.23)], o ruı́do depende do material
utilizado e da temperatura de operação. Então, como os materiais usados
em fotodetetores de infravermelho têm energia do gap Eg menores que os do
visı́vel, seu ruı́do é maior. Para diminuir o ruı́do dos fotodetetores é comum
resfriar o elemento fotocondutivo. Isto pode ser feito eletricamente através de
compactos dispositivos termoelétricos, que facilmente produzem temperaturas
da ordem de −30◦ C (∼ 240 K). Embora esta temperatura represente uma
redução em relação à ambiente de apenas 20%, o efeito no ruı́do é sensı́vel
devido à sua variação exponencial com 1/T .
Em geral os foto-resistores são dispositivos lentos porque são feitos com
semicondutores cujos tempos de recombinação são muito grandes. Por esta
razão seu uso é restrito a aplicações que necessitem de altos valores de ganho
(103 −104 ) e que não requeiram resposta rápida. Por exemplo, os foto-resistores
de CdS e CdSe, cujo tempo de resposta é da ordem de 50 ms, são utilizados
nos medidores de intensidade de luz de câmaras fotográficas.
Para completar esta seção, apresentamos na Fig.8.18 um circuito simples
de polarização de um foto-resistor. O foto-resistor, ou LDR, representado
no circuito através de seu sı́mbolo mais comum, é colocado em série com o
resistor de carga RL . Quando a intensidade da luz incidente varia, a corrente
no circuito acompanha a variação da luz. Isto produz uma tensão através de
RL , cuja variação fornece uma medida da intensidade da luz. Quando apenas
a componente ac da tensão é de interesse, utiliza-se um capacitor na saı́da para
bloquear a parte dc. O valor utilizado para RL depende do valor da resistência
RD do LDR e também de sua variação relativa com a máxima intensidade
Figura 8.18: (a) Sı́mbolo de circuito do foto-resistor, ou LDR; (b) Circuito simples utilizado
para polarizar um LDR.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
330
de luz incidente. No caso da variação relativa de RD ser pequena (até 10%),
a maior variação de VL é obtida com RL = RD . Por outro lado, quando a
variação de RD é muito grande, a linearidade entre as variações da intensidade
da luz e de VL ocorre aproximadamente com RD
RL . Por esta razão, para
que a tensão de saı́da seja alta, deve-se fabricar foto-resistores com o maior
valor possı́vel de RD . Este é outro motivo para que a geometria do foto-resistor
tenha a forma de uma longa fita em zig-zag, como mostrado na Fig.8.17(a).
8.4.2
Fotodiodos
Fotodiodos são detetores de radiação nos quais o sinal elétrico é produzido pela
geração de pares elétron-buraco causada por absorção de fótons nas imediações
da região de depleção de uma junção p-n. Os elétrons e os buracos dos pares
criados pela radiação são acelerados em sentidos opostos pelo campo elétrico
da junção. Como o campo tem sentido do lado n para o lado p, os buracos são
acelerados no sentido n → p, enquanto os elétrons movem-se no sentido p → n,
como ilustrado na Figura 8.19. Isto resulta numa corrente gerada pela radiação
no sentido n → p, que é o sentido reverso da corrente na junção. Uma grande
diferença dos fotodiodos para os foto-resistores é que neles a fotocorrente é
produzida sem a necessidade da aplicação de uma tensão externa.
A deteção da radiação nos fotodiodos pode ser feita em dois modos dis-
Figura 8.19: Ilustração do processo de criação de pares elétron-buraco por absorção de fótons
na região de depleção de uma junção p−n de um fotodiodo, seguida da aceleração das cargas
em sentidos opostos.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
331
tintos de operação: no modo fotovoltaico o fotodiodo opera com circuito
aberto, e quando a junção é iluminada aparece uma tensão entre os lados p e
n que pode ser medida externamente; no modo fotocondutivo o dispositivo
é curto-circuitado, ou opera sob uma tensão externa no sentido reverso. Nesta
situação uma corrente flui no sentido reverso quando a junção é iluminada. A
escolha do modo de operação do fotodiodo depende de sua aplicação. Qualquer
um dos modos pode ser empregado na deteção de luz. O modo fotovoltaico
é utilizado para converter energia luminosa em energia elétrica, como no caso
das células solares.
Em qualquer modo de operação, o fotodiodo sob radiação comportase como uma junção p − n cuja corrente tem duas componentes: a primeira
é aquela que existe sem a geração de pares por absorção de fótons. Ela é
chamada de corrente de escuro e é dada por (6.29),
Ie = Is (eeV /kB T − 1)
,
(8.70)
onde Is é a corrente de saturação reversa, dada por (6.30), e V é a tensão na
junção; a outra componente é aquela produzida pelos pares elétron-buraco
gerados pelos fótons absorvidos nas proximidades da junção. Sendo I0 a
intensidade da radiação absorvida e η a eficiência quântica da conversão, o
número de pares criados por unidade de volume e de tempo é dado por (8.63),
g = ηI0 /ωd. Para calcular o número total de pares deve-se considerar que
os portadores minoritários gerados fora da região de depleção (espessura ),
porém dentro de uma distância da ordem do comprimento de difusão (Ln e
Lp ), são capazes de difundir para a região de depleção e serem acelerados
pelo campo para o outro lado. Como em geral Ln , Lp
, a contribuição
desses pares para a corrente é importante, fazendo com que o volume efetivo
de geração de pares seja d A ∼ ( + Ln + Lp )A, onde A é a área de iluminação
da junção. A corrente na junção produzida pela luz é então,
η e I0 A
IL = g d A =
.
ω
Sendo PL = I0 A a potência incidente na área efetiva da junção, usando a
relação ω = hc/λ podemos escrever esta contribuição na forma,
IL =
η e PL λ
hc
.
(8.71)
A eficiência quântica de conversão depende do material utilizado e também
do comprimento de onda λ da radiação. Como esta corrente tem o sentido
reverso, a corrente total no fotodiodo é dada por
332
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
I = Is (eeV /kB T − 1) − IL
.
(8.72)
A Figura, 8.20, mostra as caracterı́sticas I − V de um fotodiodo no
escuro e sob iluminação, para dois valores de potência de luz. O efeito da
radiação contribui com uma parcela negativa para a corrente, independente de
V , que aumenta proporcionalmente à intensidade de luz. A Eq.(8.72) e sua
representação gráfica são usadas para analisar os dois modos de operação do
fotodiodo.
No modo fotocondutivo o fotodiodo opera em curto-circuito. Neste
caso V = 0 e Icc = −IL . O ponto de operação correspondente está mostrado
na curva I − V da Fig.8.20 correspondente à potência de luz P2 . No modo
fotovoltaico o fotodiodo opera em circuito aberto, portanto I = 0. Nesta
situação a absorção de luz dá origem a uma tensão nos terminais do diodo,
cujo valor é obtido diretamente de (8.72),
IL
kB T
Vca =
n
+1
.
(8.73)
e
Is
O ponto de operação I = 0, V = Vca é a interseção do eixo de tensão com a
curva I − V , mostrada na Fig.8.20. Na realidade, em nenhuma aplicação o
fotodiodo opera estritamente nos modos de operação acima. Como veremos
a seguir, as células solares atuam próximo do modo fotovoltaico, enquanto os
fotodetetores atuam próximo do modo fotocondutivo.
Figura 8.20: Caracterı́stica I − V de uma junção p − n no escuro e sob iluminação, para dois
valores de potência de luz.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
333
Para fazer o fotodiodo atuar como fotodetetor, aplica-se uma tensão externa reversa que faz a junção operar no terceiro quadrante do diagrama I −V ,
de modo que I ≃ Is − IL . Se a taxa de geração térmica de pares for muito
menor que a de absorção de fótons, a corrente de saturação reversa será desprezı́vel comparada com IL . Neste caso a corrente no fotodiodo será proporcional à
potência da radiação incidente na junção. Além da linearidade de sua resposta,
o fotodiodo tem outras vantagens em relação ao foto-resistor como detetor de
radiação. As mais importantes são a rapidez de resposta, melhor estabilidade
e maior faixa dinâmica de operação. Em aplicações que não necessitem de resposta muito rápida, ele ainda tem a vantagem de poder ser usado num circuito
muito simples, formado apenas por uma pequena resistência de carga (de um
microamperı́metro, ou ligada a um voltı́metro eletrônico).
Para pequenas potências de luz a corrente será baixa, de modo que se
RL é pequena, V = RL I
Vca . Neste caso o ponto de operação está próximo
de Icc , V = 0, de modo que a corrente é proporcional à potência incidente. As
vantagens no uso de uma bateria adicional para polarizar o diodo reversamente,
são o aumento na rapidez de resposta e também na faixa dinâmica de operação.
O material mais utilizado para fabricar fotodiodos para a região visı́vel
é o silı́cio. A Figura 8.22 mostra a responsividade de um fotodiodo comercial de Si em função do comprimento de onda. Esta grandeza, muito usada
para caracterizar a resposta de fotodetetores, é a razão entre a fotocorrente
e a potência de luz incidente. A linha tracejada mostrada na figura, é a resposta de um fotodetetor ideal, dada pela Eq.(8.71), com η = 1 para qualquer
comprimento de onda (Problema 8.11). Vemos na figura que a responsividade
do silı́cio se aproxima da ideal em toda a região visı́vel. A Figura 8.23 mostra
a estrutura tı́pica de um fotodiodo de Si. Ela é formada de regiões p+ e n+
Figura 8.21: (a) Sı́mbolo de circuito do fotodiodo; (b) Circuito simples para uso do fotodiodo
como detetor de radiação.
334
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
nas extremidades para facilitar o contato ôhmico com os filmes metálicos. A
principal diferença para a estrutura do diodo comum, mostrada na Fig.6.1, é
a abertura existente no contato metálico. É comum também depositar sobre
a superfı́cie de entrada uma camada dielétrica anti-refletora para aumentar a
eficiência de conversão. Como os pares são criados na região de depleção ou em
suas proximidades, deve-se fazer a espessura do lado p+ a menor possı́vel para
que a luz não seja absorvida antes de chegar nela. De acordo com a Eq.(6.9),
numa junção p+ − n a espessura da região de depleção no lado n é muito maior
que no lado p+ . Assim sendo, deve-se fazer a espessura da região n suficientemente grande para assegurar que toda radiação incidente no fotodiodo seja
absorvida.
Uma outra estrutura comumente utilizada em fotodiodos é a do diodo
PIN, na qual uma camada de semicondutor intrı́nseco é interposta entre as
regiões p+ e n+ da junção p-n, como ilustrado na Figura 8.24. A sigla PIN
indica o semicondutor intrı́nseco entre os lados p e n. Na realidade a camada
não é intrı́nseca, porém tem uma concentração de impurezas doadoras muito
pequena (Nd < 1013 cm−3 ), de modo que sua resistividade é muito alta. Isto
resulta numa região de depleção que se estende até o lado n+ , fazendo com que
a espessura útil do fotodiodo seja muito maior que na estrutura p − n. Isto
Figura 8.22: Responsividade de um fotodiodo de Si (linha cheia). A linha tracejada indica
a resposta de um fotodiodo ideal, obtido de (8.71) com η = 1.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
335
SiO2
Região de
depleção
n
Contatos
metálicos
n+
Figura 8.23: Estrutura da junção p+ -n-n+ de um fotodiodo.
melhora a resposta na região de maior comprimento de onda, pois assegura
que toda a radiação é absorvida mesmo nesta região de menor coeficiente de
absorção.
Outros fotodetetores muito utilizados são o fotodiodo de avalanche
e o fototransistor. O fotodiodo de avalanche opera sob tensão reversa com
um valor suficiente para produzir multiplicação por avalanche, que resulta em
ganho de corrente. Isto permite que o dispositivo atue com uma resistência de
carga pequena, aumentando assim sua rapidez de resposta. Por outro lado o
ganho possibilita gerar na resistência uma tensão apreciável. O fototransistor
é um dispositivo no qual a junção emissor-base pode ser iluminada de modo
a gerar pares elétron-buraco. Isto resulta numa corrente de emissor que varia
com a intensidade da luz, permitindo a deteção da luz com ganho de corrente.
Figura 8.24: (a) Modelo da estrutura do fotodiodo PIN; (b) Variação do campo elétrico ao
longo do fotodiodo.
336
8.4.3
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Células Solares
A célula solar é um fotodiodo com uma grande área de exposição à radiação,
cuja operação se dá em condições de fornecer energia a uma carga externa.
Para que isto ocorra é necessário que ela opere no quarto quadrante da caracterı́stica I − V , de tal forma que a potência absorvida pelo dispositivo, dada
pelo produto V I, seja negativa. Nesta situação o fotodiodo converte energia
luminosa em energia elétrica. O circuito utilizado para isto é o mesmo da
Fig.8.21 exceto que o valor de RL , em vez de ser pequeno, deve ser escolhido
para maximizar a potência fornecida. O ponto de operação do circuito é determinado pela interseção da reta de carga da resistência RL com a curva I − V
da célula, como ilustrado na Figura 8.25. Note que a área do retângulo cinza
indicado na figura representa a potência elétrica Pe = V I entregue à carga.
O melhor valor de RL é aquele no qual Pe é máximo. Os valores Vm e Im
de operação na condição de Pe máximo são determinados por dPe /dV = 0
(Problema 8.14), sendo dados por:
1 + (IL /Is )
eVm
kB T
kB T
n
n 1 +
≃ Vca −
,
(8.74)
Vm =
e
1 + (eVm /kB T )
e
kB T
kB T
eVm eVm /kB T
≃ IL 1 −
.
(8.75)
Im = Is
e
kB T
eVm
Como (8.74) é uma equação transcendental, não é possı́vel obter uma expressão
Figura 8.25: Determinação gráfica do ponto de operação de um circuito série célula solarresistência RL .
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
337
analı́tica para Vm , da qual seria obtida a expressão para o valor ótimo de RL .
No entanto, usando o valor de Vca obtido da curva I −V , a Equação (8.74) pode
ser resolvida numericamente, fornecendo o valor de Vm . Com este valor podese obter Im de (8.75) e portanto a resistência RL = Vm /Im . A eficiência de
conversão da célula solar é a razão entre a potência elétrica máxima fornecida
e a potência de luz incidente PL . Pode-se ver que esta eficiência aumenta com
o aumento de Vca e da razão IL /PL .
Atualmente as melhores células solares comerciais são feitas de Si cristalino, com estrutura mostrada na Figura 8.26. A junção é formada por uma
fina camada tipo n produzida por uma forte dopagem Nd ∼ 1018 cm−3 ) num
substrato tipo p (Na ∼ 2 × 1015 cm−3 − 5 × 1016 cm−3 ). Sendo fina, a região
n deixa passar a radiação incidente num largo espectro de freqüência. Para
aumentar a área de exposição e ao mesmo tempo manter baixa a resistência
de contato, o eletrodo superior é feito na forma de um pente, com dentes finos, como ilustrado na figura. As células solares de Si cristalino em geral têm
forma circular, com diâmetros da ordem de 10 cm, pois esta é a forma das
lâminas obtidas no corte dos lingotes de Si. As células feitas de Si amorfo ou
policristalino têm forma retangular ou quadrada, cuja vantagem é ocupar toda
a área de um painel quando colocadas uma ao lado da outra.
As melhores células solares de Si têm eficiência de conversão que se aproxima de 15%. A radiação solar no meio de um dia claro, ao nı́vel do mar,
tem intensidade na faixa 70-80 mW/cm2 . Isto produz numa célula com área
40 cm2 , uma tensão de circuito aberto Vca ≃ 0, 6 V e uma corrente de curto
Icc ≃ 0, 9 A. Como os valores de operação são um pouco menores que estes,
Figura 8.26: Estrutura de uma célula solar de Si retangular: (a) Corte transversal; (b) Vista
de cima.
338
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
é evidente que as células solares devem ser associadas em série e em paralelo para produzirem tensão e corrente adequados para cargas formadas por
lâmpadas, motores, etc. Em geral as células são colocadas em grandes painéis,
interligados entre si, de modo a coletar energia solar em grandes áreas. A
conversão direta de energia solar em energia elétrica ainda é uma fonte de
energia de alto custo. Atualmente ela só é econômica em situações onde o
acesso a fontes de geração convencional é difı́cil. Entretanto, há uma intensa
atividade de pesquisa para produzir células mais eficientes e com menor custo
de fabricação. Dentre os materiais investigados estão o Si policristalino e o
amorfo, que são mais baratos que o monocristalino, e semicondutores III-IV,
como GaAs e CdS, que são mais eficientes. A fabricação de células solares mais
eficientes e de menor custo poderá tornar a conversão fotovoltaica de energia
solar uma tecnologia importante no Século XXI, principalmente em regiões de
grande insolação, como é o caso do Nordeste do Brasil.
8.4.4
Sensor de Imagem CCD
Uma imagem preto e branco em duas dimensões, estática como numa fotografia, é formada por um grande número de pontos, ou pequenas áreas (pixel,
em inglês), cada um com uma cor que varia de branco a preto, passando por todas as gradações de cinza. Quanto maior o número de pixeis, maior a resolução
da imagem. Uma imagem em movimento, como no cinema ou na televisão,
é formada por uma seqüência de imagens estáticas, que diferem pouco uma
da outra. Elas são mostradas uma após a outra, com um intervalo de tempo
pequeno, de tal modo que o sistema de percepção humano tenha a sensação
de um movimento contı́nuo. A imagem na televisão é formada por 525 linhas
horizontais, com uma taxa de exibição das imagens de 60 Hz. O sensor de
imagem é um dispositivo que produz um sinal elétrico correspondente a uma
imagem óptica. Ele é usado em câmaras fotográficas ou câmaras de vı́deo. O
sinal elétrico do sensor pode ser armazenado em forma analógica ou digital,
ou transmitido através de cabos ou ondas eletromagnéticas. Um dos sensores
de imagem mais utilizados é o do tipo CCD.
A sigla CCD é formada pelas iniciais do nome em inglês Charge-Coupled
Device, que significa dispositivo de acoplamento de carga (DAC). O CCD é
parte de uma classe de estruturas de dispositivos de transferência de carga,
desenvolvidos nos Laboratórios Bell em 1969. Eles são dispositivos dinâmicos,
que movem um pacote de carga de uma unidade para outra vizinha, ao longo de
uma cadeia, numa seqüência determinada pelos pulsos do relógio de comando.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
339
Figura 8.27: Estrutura básica do sensor de imagem CCD de Si.
Esses dispositivos encontram uma variedade de aplicações em eletrônica, tais
como em memórias, em várias funções lógicas, processamento de sinais e sensores de imagem. O sensor de imagem CCD é constituı́do por um conjunto de
capacitores metal-isolante-semicondutor (MIS), fabricados na mesma pastilha
de semicondutor como num circuito integrado, formando uma rede em duas
dimensões. O semicondutor usado em sensores de luz visı́vel é Si, e de luz
infravermelho é InSb ou HgCdTe. No caso do silı́cio o isolante é SiO2 , e os
capacitores são do tipo MOS, estudados na Seção 7.6. A Figura 8.27 ilustra a
estrutura básica do sensor de imagem CCD, também chamado de fotodetetor
MIS, ou fotodetetor MOS. Os eletrodos metálicos das portas dos capacitores
são filmes finos, com espessura da ordem de 100-300 nm, que deixam passar
a luz incidente. Cada capacitor tem dimensão da ordem de 10×10 µm2 e corresponde a um pixel da imagem. O conjunto tem dimensão lateral que pode
variar de alguns mm a vários cm. Atualmente os sensores de imagem CCD
têm estruturas mais sofisticadas, com porta de silı́cio policristalino, em vez de
metal, e com eletodos enterrados.
A imagem é formada na área do dispositivo por meio do sistema óptico da
câmara, fazendo com que sobre cada pixel incida um certo fluxo de fótons. Os
fótons com energia maior que a energia do gap criam na região da superfı́cie do
semicondutor pares elétron-buraco, com uma taxa proporcional à intensidade
de luz em cada pixel. Uma diferença de potencial aplicada entre a porta e o
eletrodo na outra face da pastilha (ou no eletrodo enterrado, como estudado na
Seção 7.8), atrai os elétrons para a superfı́cie e afasta os buracos, que difundem
no susbtrato e são capturados no circuito externo, como ilustrado na Figura
8.27. Durante um intervalo de tempo caracterı́stico da operação do dispositivo,
(varia de 100 µs a 100 ms), forma-se sob a porta de cada capacitor um pacote de
carga de elétrons, cuja carga total representa a intensidade de luz integrada no
intervalo. Após este intervalo de exposição, a informação armazenada em cada
340
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.28: Ilustração do processo de transferência de carga num dispositivo CCD:
a) ligações dos capacitores MOS; b) Variação do potencial elétrico da distribuição de
carga; c) Variação dos potenciais das três linhas ao longo do tempo.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
341
linha de capacitores na forma de pacotes de carga, é deslocada rapidamente
(em intervalo de tempo muito menor que o de exposição) para a extremidade
da linha, produzindo um sinal de corrente elétrica correspondente à imagem
na linha. O sinal correspondente a uma linha é seguido do sinal da linha
seguinte, e assim por diante, num processo de varredura vertical, de cima para
baixo. O sinal correspondente ao conjunto de linhas forma um quadro. Uma
imagem estática é formada por apenas um quadro, enquanto uma imagem em
movimento é formada por uma seqüência de quadros, tipicamente numa taxa
de 60 Hz.
A transferência do pacote de cargas de cada capacitor para a extremidade
da cadeia é feita pela ação de uma seqüência de pulsos de tensão, aplicados nas
portas dos capacitores, num processo caracterı́stico dos dipositivos de transferência de carga, ou de acoplamento de carga. Esta é a razão do nome CCD
deste tipo de sensor de imagem. Dentre os diversos tipos de estruturas CCD,
as mais utilizadas são as de duas fases e de três fases. A Figura 8.28 ilustra a
transferência de carga numa estrutura de três fases. Em (a) estão mostrados
alguns capacitores ao longo de uma linha, o esquema de ligação externa para
aplicação da seqüência de pulsos de tensão, e um pacote de cargas no capacitor 1, num certo instante de tempo t1 . A Figura 8.28(b) ilustra a variação
do potencial elétrico e da carga ao longo da cadeia de capacitores, em quatro
instantes de tempo.
A Figura 8.28(c) mostra a variação no tempo das tensões nas três linhas
de fase, φ1 , φ2 e φ3 . Elas são funções periódicas com dois valores, um alto e um
baixo, com perı́odo determinado pelo relógio do sistema. Todas têm a mesma
forma, porém a de φ2 está defasada de φ1 por um intervalo de tempo correspondente a um terço do perı́odo, enquanto φ3 está defasada de φ2 também por
um terço do perı́odo. A Fig. 8.28(c) mostra que no instante t1 , o potencial
φ1 é alto, enquanto φ2 e φ3 são baixos. Como a carga do elétron é negativa,
a energia potencial tem a forma de um poço na região do capacitor 1, o que
mantém o pacote de cargas naquela região, como ilustrado no diagrama de
cima da figura (b). No instante t2 o potencial φ2 é alto, enquanto φ1 permanece alto, de modo que o poço de energia se estende ao capacitor 2, fazendo
com que a carga original fique dividida entre os capacitores 1 e 2. No instante
t3 o potencial φ1 é menor do que φ2 , que permance alto, de modo que a maior
parte da carga passa para o capacitor 2, processo que é concluı́do quando o
potencial φ1 atinge o valor baixo enquanto φ2 permanece alto (instante t4 ).
Desta forma, em cada ciclo de variação das tensões, a carga passa de um capacitor para o vizinho, e assim sucessivamente até atingir a extremidade da
cadeia, dando origem ao sinal de corrente correspondente ao pixel original da
342
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
imagem na posição do capacitor 1.
8.5
Diodo Emissor de Luz (LED)
A conversão de um sinal elétrico em sinal luminoso é uma função de grande
importância na eletrônica. Sua aplicação mais elementar é em indicadores e
mostradores luminosos usados em equipamentos eletro-eletrônicos, aparelhos
de som e vı́deo, equipamentos cientı́ficos e industriais, relógios, etc. Outra
aplicação importante é na geração de imagens a partir de um sinal eletrônico,
como em cinescópios de computadores e de aparelhos de televisão. A partir
da década de 1980, esta função adquiriu importância ainda maior com a disseminação das comunicações ópticas. Nos sistemas de comunicação óptica, um
sinal elétrico que contém a informação a ser transmitida é convertido em sinal
luminoso num diodo emissor de luz ou num laser semicondutor. Este propaga
através de uma fibra óptica até o receptor, onde é convertido outra vez em
sinal elétrico num fotodetetor, reproduzindo a informação original.
A forma mais simples e mais tradicional de gerar a luz a partir de uma
corrente elétrica é através do aquecimento. Quando uma corrente elétrica
passa por um fio metálico, os átomos do metal entram em vibração devido às
colisões dos elétrons da corrente. Isto resulta em aquecimento do fio e também
em radiação eletromagnética produzida pelas cargas atômicas em movimento.
Esta radiação ocorre numa ampla faixa do espectro eletromagnético, que pode
se estender do infravermelho ao visı́vel, em torno de um valor de energia que
aumenta com a temperatura do material. Para que um fio possa ser suficientemente aquecido e emitir na região visı́vel do espectro, ele deve ser feito de
material com alto ponto de fusão e colocado no vácuo, ou numa atmosfera
inerte, para não entrar em combustão. As lâmpadas incandescentes são feitas
com fios de tungstênio, aquecidos à temperatura de cerca de 6.200◦ C. Nesta
temperatura o pico do espectro de radiação ocorre na região visı́vel. Entretanto, a maior parte da energia da corrente elétrica é convertida em calor
ou radiação infravermelha, fazendo com que a eficiência de conversão em luz
visı́vel seja muito baixa. Nas lâmpadas incandescentes comuns, apenas 13% da
energia elétrica são convertidos em energia luminosa. Além de ineficientes, essas lâmpadas geram muito calor e têm resposta extremamente lenta. Durante
muitas décadas elas foram usadas em indicadores e mostradores de aparelhos
eletrônicos, mas a partir da década de 70 foram substituı́das por diodos emissores de luz e outros dispositivos de estado sólido, como os mostradores de
cristal lı́quido.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
343
A emissão de luz numa lâmpada incandescente ocorre devido ao aquecimento, um processo fı́sico clássico. Os modernos dispositivos opto-eletrônicos
operam com base em processos quânticos de emissão de radiação, através dos
processos de luminescência.
O funcionamento do diodo emissor de luz, o LED (Light Emitting Diode),
é baseado numa forma especial de eletroluminescência, produzida pela injeção
de portadores numa junção p-n. Como vimos na Seção 6.2, quando uma junção
p-n é polarizada no sentido direto, os buracos do lado p e os elétrons do lado
n movem-se em sentidos opostos em direção à região de depleção. Os buracos
injetados no lado n recombinam com elétrons que estão chegando na região de
depleção, enquanto os elétrons injetados no lado p recombinam com buracos
que lá se encontram. Desta forma, todos elétrons e buracos que participam
da corrente recombinam nas imediações da região de depleção, numa camada
de espessura Lp do lado p e Ln do lado n. Se o semicondutor da junção
tiver gap indireto, como Si ou Ge, além dos fótons a recombinação produz
fônons e, portanto, calor. Isto torna a emissão de luz muito pouco eficiente nos
semicondutores de gap indireto. Por outro lado, se o semicondutor tiver gap
direto, a recombinação de cada par elétron-buraco resulta na emissão de um
fóton. A Figura 8.29 ilustra o processo de injeção de portadores minoritários
nos dois lados de uma junção p-n, produzindo recombinação de pares e emissão
de fótons por transições interbanda. Nos diodos feitos com semicondutores de
gap direto este processo é extremamente eficiente na conversão de energia
elétrica em luz. Se os elétrons de condução estivessem no mı́nimo da banda de
condução, com energia Ec , os fótons emitidos na transição interbanda teriam
energia igual a do gap do semicondutor, Eg . Em geral, devido à excitação
Figura 8.29: Ilustração da recombinação de pares elétron-buraco com emissão de fótons
em transições interbanda, devido à injeção de portadores minoritários numa junção p-n
polarizada diretamente.
344
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
térmica, a energia média dos elétrons tem valor próximo de Ec + kB T /2. Isto
faz com que a energia dos fótons emitidos na transição seja um pouco maior
que Eg . Além da transição interbanda, mostrada na Fig.8.29, é possı́vel ter
na junção p-n transições envolvendo nı́veis de impureza, como ilustrado na
Fig.8.13.
Os materiais mais utilizados na fabricação de LEDs são as ligas ternárias
Gax A1−x As e GaAs1−x Px . GaAs é um semicondutor de gap direto, de baixa
resistividade, que pode ser facilmente dopado com impurezas n ou p, para a
formação da junção p-n. As junções de GaAs têm grande eficiência de luminescência em transições interbanda, que ocorrem num comprimento de onda
de aproximadamente 0,87 µm. Este valor corresponde à radiação no infravermelho próximo. Como GaP tem um gap de energia maior, as ligas formadas por
GaAs e GaP têm transições interbanda com menor comprimento de onda que
em GaAs. É interessante notar que ao contrário de GaAs, GaP tem gap indireto. Com isto, o gap da liga GaAs1−x Px é direto para x < 0, 45, como GaAs,
porém torna-se indireto para x > 0, 45. A liga de composição GaAs0,6 P0,4 ,
com gap direto, é muito utilizada na fabricação de LEDs que produzem luz
vermelha em transições interbanda, com λ = 0, 65µm.
A liga Gax A1−x As também é muito usada para fabricar LEDs de
alta eficiência. É comum encontrar dispositivos feitos com heterojunções de
Ga0,3 A0,7 As tipo n e Ga0,6 A0,4 As tipo p. Nesse sistema, os elétrons do lado n
são injetados no lado p, onde produzem transições para os nı́veis das impurezas
aceitadoras (como na Fig.8.13a), com emissão de fótons de 0,65 µm (vermelho).
A radiação produzida no lado p atravessa o lado n sem absorção, pois este tem
um gap de energia maior, o que faz com que estes LEDs tenham eficiência
próxima de 100%. No final da década de 1990 foi desenvolvida a tecnologia
de fabricação de LEDs eficientes de GaN, que têm um gap correspondente
à luz azul. Isto permitiu a fabricação de painéis contendo agrupamentos de
Figura 8.30: Estrutura tı́pica de um diodo emissor de luz (LED).
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
345
Figura 8.31: Estrutura tı́pica de lâmpada LED utilizada em painéis de equipamentos eletroeletrônicos.
LEDs com as três cores básicas do espectro visı́vel, simulando uma fonte de
luz branca.
O material mais utilizado na fabricação de LEDs de infravermelho é a
liga quaternária Gax In1−x Asy P1−y . Dependendo das concentrações dos constituintes, o LED feito com esta liga pode emitir em qualquer comprimento de
onda na faixa 1,1-1,6 µm, utilizada para comunicações ópticas.
A Figura 8.30 mostra a estrutura tı́pica de um LED de Ga(AsP) que
opera no vermelho. Como nos fotodiodos, o contato metálico no lado de cima
tem um orifı́cio que forma uma janela para a passagem da radiação. Normalmente o lado p é uma camada fina na parte de cima, feita com dopagem
muito menor que no lado n. Isto faz com que a radiação seja produzida ma-
Figura 8.32: Estrutura tı́pica do LED tipo Burrus.
346
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.33: (a) Sı́mbolo de circuito do LED; (b) Circuito simples de alimentação.
joritariamente no lado p, próximo da janela de saı́da, por elétrons injetados do
lado n, o que minimiza a absorção da radiação emitida pelo LED. As várias
camadas da estrutura do LED são produzidas por crescimento epitaxial sobre
um substrato de GaAs. Como o GaAs0,6 P0,4 tem parâmetro de rede muito diferente de GaAs, ele não deve ser crescido diretamente sobre o substrato, para
evitar o aparecimento de defeitos cristalinos que formam centros de recombinação não-radiativos. Esta é a razão da existência da camada intermediária
de GaAs1−y Py . Ela é feita com uma concentração y que varia gradualmente
de 0 a 0,4, produzindo um casamento entre as redes cristalinas de GaAs0,6 P0,4
e de GaAs.
Figura 8.34: Dois tipos de mostradores de LEDs: (a) Mostrador numérico de 7 segmentos;
(b) Mostrador alfanumérico de matriz 7×5.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
347
Os LEDs que operam no visı́vel são muito utilizados para fazer lâmpadas
indicadoras para painéis de equipamentos eletro-eletrônicos. Estas lâmpadas
são feitas com uma grande variedade de formatos e de cores. A Figura 8.31
mostra uma estrutura tı́pica de uma lâmpada de LED. O chip do LED é
montado sobre um dos pinos metálicos utilizados como terminal externo. O
contato com o outro terminal é feito por um fio soldado no filme metálico no
lado da janela do LED. O conjunto é encapsulado num plástico colorido, cuja
parte superior forma uma lente para colimar parcialmente a radiação.
Os LEDs de infravermelho são utilizados em sistemas de comunicações
ópticas. Como será mostrado na Seção 8.8, estes sistemas são baseados na
transmissão de informação por meio de um feixe de luz infravermelho, que
propaga confinado numa fibra óptica com diâmetro de alguns µm. Os LEDs
para esta finalidade são feitos com uma estrutura conhecida pelo nome de
inventor, Burrus. Na estrutura do LED tipo Burrus, mostrada na Fig.8.32, o
contato metálico com o semicondutor é confinado a uma região de diâmetro
semelhante ao da fibra óptica. Isto faz com que a região ativa de emissão de
luz seja pequena, resultando num eficiente acoplamento com a fibra óptica. A
fibra é montada rigidamente na estrutura e presa por meio de resina de epoxi,
como mostrado na Fig.8.32.
Os circuitos de alimentação dos LEDs são bastante simples. Para a
emissão de luz com intensidade constante basta fazer passar no sentido direto do diodo uma corrente constante. Nos sistemas de comunicação óptica
é preciso incorporar um circuito de modulação da corrente para produzir as
variações correspondentes na intensidade da luz. A Fig.8.33 mostra o sı́mbolo
de circuito do LED e um circuito simples de alimentação. O resistor Rs em
série é necessário para limitar a corrente que passa no LED, pois como este
opera com polarização direta, sua resistência é muito pequena.
Os LEDs que operam no visı́vel também são muito utilizados atualmente
para fazer mostradores luminosos alfanuméricos. A Fig.8.34 mostra dois tipos
de mostradores muito comuns. Em (a) está apresentado o sistema de 7 segmentos, utilizado para indicar os algarismos de 0 a 9. Cada segmento é formado por um conjunto de LEDs, conectados em paralelo e encapsulados numa
mesma peça, de modo a produzir iluminação uniforme em toda sua extensão.
A Fig.8.34(b) mostra a matriz de 7×5 LEDs individuais, que permite exibir
algarismos e letras, formando um mostrador alfanumérico.
348
8.6
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Emissão Estimulada e Lasers
A radiação produzida por uma fonte tradicional de luz, como as lâmpadas
incandescentes e fluorescentes, ou por um LED, é composta por fótons emitidos espontaneamente por átomos ou moléculas independentes. No processo
de emissão espontânea, um sistema quântico passa de um certo nı́vel de
energia para outro de menor energia devido a flutuações aleatórias. Em conseqüência, a fase do campo resultante varia aleatoriamente no espaço e no
tempo, fazendo com que a radiação seja incoerente. Outro tipo de radiação
é aquela produzida por um laser, nome adotado em português, para os dispositivos de amplificação por emissão estimulada de radiação (do inglês Light
Amplification by Stimulated Emission of Radiation).
A radiação de um laser resulta das emissões de átomos ou moléculas induzidas, ou estimuladas, por um campo eletromagnético macroscópico. Neste
processo as fases dos campos dos fótons emitidos são correlacionadas, e em conseqüência a radiação é coerente. Além de coerente, a radiação do laser é altamente monocromática, isto é, tem freqüências numa estreita faixa do espectro.
A intensidade depende do tipo de laser e da magnitude da excitação, podendo
variar numa ampla faixa de valores. Os estudos teóricos sobre a operação de
lasers foram publicados por C.H. Townes e A.L. Schawlow dos Laboratórios
Bell em 1958, pelos quais eles receberam o prêmio Nobel de Fı́sica em 1964
e em 1981, respectivamente. Em 1960 foram descobertos o laser de Rubi e o
laser de Hélio-Neônio. Desde então foram descobertas inúmeras variedades de
lasers e desenvolvidas muitas aplicações na medicina, na indústria e na ciência.
O desenvolvimento do laser semicondutor operando à temperatura ambiente,
feito no final da década de 1960, possibilitou uma revolução na comunicação à
distância, feita através de fibras ópticas.
Os principais componentes de um laser são: o ressoador ou cavidade
óptica; o meio ativo; e o mecanismo de bombeamento. A cavidade é
formada por dois espelhos parciais, um em frente ao outro, que refletem a maior
parte da radiação emitida de volta para a região do meio ativo existente entre os
espelhos. A estrutura entra em ressonância em certos comprimentos de onda,
resultando num campo eletromagnético macroscópico que produz a emissão
estimulada nos átomos ou moléculas do meio. Esta emissão amplifica o campo
na cavidade e mantém a radiação do laser. As principais caracterı́sticas do laser
são determinadas pela natureza do meio ativo. Os lasers mais comuns são de
gás, de lı́quidos orgânicos, de sólidos com nı́veis de impurezas luminescentes
e de diodos semicondutores. Para entender o papel do meio ativo é preciso
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
349
estudar a emissão estimulada.
8.6.1
O Mecanismo de Amplificação por Emissão Estimulada.
Como vimos na Seção 8.3, um sistema quântico de dois nı́veis de energia,
E2 > E1 , com populações N2 e N1 , tem um coeficiente de absorção dado por
(8.14) e (8.56),
ω
4πω
α=2 κ=
(8.76)
(N1 − N2 ) p212 D(ω) ,
c
n c 0 onde p12 é o elemento de matriz do momento de dipolo elétrico entre os dois
nı́veis e D(ω) representa a forma de linha espectral da transição entre os dois
nı́veis. Quando uma radiação de freqüência ω atravessa o meio, sua intensidade
varia no espaço de acordo com (8.13),
I(x) = I(0) e−αx
.
Em equilı́brio térmico, a população N1 do nı́vel de menor energia é maior
que a do nı́vel de maior energia, N2 , de modo que α > 0. Nesta situação a
radiação é absorvida pelas transições de E1 para E2 , fazendo com que sua intensidade diminua à medida que ela atravessa o meio. Entretanto, se houver um
mecanismo externo de inversão de população, tornando N2 > N1 , teremos
α < 0 e portanto a radiação será amplificada pela emissão estimulada.
Assim, quando N2 > N1 , definimos o ganho do meio como γ(ω) = −α(ω). Naturalmente o sistema tem perdas, principalmente causadas pela radiação que
sai da cavidade ressonante. Desta forma, é preciso que o processo de bombeamento faça a inversão de população ultrapassar um valor crı́tico (N2 − N1 )c
para que o ganho total seja maior que as perdas. Nesta situação o sistema
gera uma radiação pela emissão estimulada.
O valor crı́tico da diferença de população é determinado pela condição
na qual o ganho na intensidade ao longo do comprimento do meio ativo iguala
às perdas. As perdas têm duas origens, a atenuação ao longo do feixe, causada
pela difração e por interações com outras excitações, e a perda por radiação
para fora da cavidade óptica. Esta última é grande para freqüências diferentes
das freqüências de ressonância da cavidade. Por esta razão, o laser opera somente nos comprimentos de onda correspondentes às ressonâncias da cavidade,
dados por
2L
(8.77)
λ =
m
350
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.35: Espectro de emissão da luz de um laser de He-Ne mostrando os modos longitudinais.
onde λ é o comprimento de onda no meio ativo, L é a distância entre os
espelhos da cavidade e m é um número inteiro. Sendo λ relacionado com o
comprimento de onda no vácuo (praticamente igual ao do ar) por λ = nλ ,
onde n é o ı́ndice de refração, obtemos as freqüências de operação do laser,
c
c
ν= =m
.
(8.78)
λ
2nL
Os lasers operam em uma ou mais freqüências dadas por esta relação e
que estão na faixa da curva de ganho do meio ativo. Em geral os lasers operam
simultaneamente em vários modos da cavidade, chamados modos longitudinais,
cada um com largura de linha da ordem de alguns MHz, que é muito menor que
a largura da curva de ganho. Por exemplo, a curva de ganho do laser de He-Ne
tem uma largura de cerca de 1 GHz, que comporta 20 modos longitudinais
espaçados de 500 MHz, que é o valor obtido com (8.48) para uma cavidade
óptica com 30 cm de comprimento. A Figura 8.35 mostra um espectro tı́pico
de um laser de He-Ne.
A Figura 8.36 ilustra o que ocorre com a curva de ganho γ(ω) de um laser,
para três valores da diferença de população ∆N = N2 − N1 . Na curva 1 ∆N é
tal que o ganho é menor que a taxa de perdas em qualquer valor de freqüência.
Nesta situação o laser não emite radiação. A curva 2 corresponde à taxa de
bombeamento crı́tica, para a qual ∆N faz o máximo de γ(ω) igualar a perda.
Com uma taxa de bombeamento maior, o ganho supera a perda numa certa
faixa de freqüências. Nesta situação, o sistema mantém uma radiação com
freqüência ωc determinada pela cavidade ressonante. A depressão que aparece
na curva 3 resulta do fato de que a intensa radiação criada na cavidade aumenta
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
351
Figura 8.36: Curvas de ganho de um laser para três valores da diferença de população
∆N = N2 − N1 : ∆N3 > ∆N2 > ∆N1 .
as transições do nı́vel 2 para o nı́vel 1, tendendo a igualar as populações. O
regime estacionário de operação é atingido quando a taxa de ganho é igual a
taxa de perdas. O requisito fundamental para ocorrer emissão estimulada de
radiação e ganho é a inversão de população no meio ativo. Há vários métodos
para inverter as populações de dois nı́veis, dos quais os mais importantes são:
• Bombeamento óptico ou excitação por fótons;
• Excitação eletrônica;
• Colisão inelástica entre átomos;
• Injeção de portadores em semicondutores.
A inversão de população entre dois nı́veis envolvidos na emissão estimulada em sistemas homogêneos requer a existência de pelo menos outro nı́vel
de energia. A Figura 8.37 mostra dois modos de operação num sistema de
três nı́veis. Em (a) os elétrons passam do estado fundamental E1 para um terceiro estado E3 através de um dos possı́veis processos de bombeamento. Este
terceiro estado é selecionado de tal maneira que as transições de E1 para E3
sejam bastante eficientes pelo processo de bombeamento usado. De E3 para
E2 as transições devem ser rápidas e não radiativas. Com isto há um acúmulo
de população em E2 , o que resulta numa inversão de população em relação ao
nı́vel E1 . A radiação do laser ocorre então nas transições do nı́vel E2 para o
nı́vel Ei . A Figura 8.37(b) ilustra o outro modo possı́vel de operação com três
nı́veis, no qual a radiação ocorre em transições do nı́vel mais alto para outro
intermediário, que por sua vez relaxa para o estado fundamental.
Nos processos de bombeamento óptico utiliza-se uma fonte de luz ex-
352
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.37: Processos de emissão estimulada em sistemas de 3 nı́veis.
terna, que pode ser uma lâmpada de flash de alta potência, para aumentar a
população de uma banda acima dos dois nı́veis de interesse. Este método de
excitação é empregado em lasers com materiais sólidos, como os de rubi, de
outros cristais ou de vidros dopados com impurezas apropriadas.
Os processos de excitação eletrônica são em geral utilizados em gases. Na
descarga elétrica num gás, os elétrons da corrente são acelerados pela tensão
aplicada e colidem com os ı́ons do gás. Nesta colisão eles transferem energia
aos ı́ons, fazendo com que elétrons do estado fundamental passem para estados
excitados. Este processo é utilizado em lasers de Argônio.
Outro processo de bombeamento importante em gases é o de colisão
átomo-átomo, no qual numa descarga elétrica um certo tipo de átomo colide
com outro deixando este no estado excitado para irradiar. Este processo é
importante nos lasers com misturas de gases, como o de Hélio-Neônio.
Finalmente, outro método importante é o de injeção de portadores numa
junção de semicondutores. Como vimos na Seção 8.5, a corrente elétrica numa
junção p+ -n faz buracos do lado p+ difundirem para o lado n, resultando num
excesso de buracos em relação aos elétrons. Assim, na região da junção ocorre
uma inversão de população, no sentido em que há mais portadores minoritários
que haveria na situação de equilı́brio térmico. Isto resulta na recombinação de
pares elétron-buraco e na geração de fótons, por emissão espontânea como num
LED, ou por radiação estimulada. A seguir apresentaremos alguns detalhes de
diversos lasers importantes comercialmente. Devido a sua grande importância
na opto-eletrônica, o laser de diodo semicondutor será apresentado em maior
detalhe na próxima seção.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
8.6.2
353
Lasers de Sólidos com Impurezas
Nos lasers de sólidos com impurezas, também chamados lasers de estado sólido,
o meio ativo é um bastão de material cristalino transparente, ou de vidro,
dopado com ı́ons de impurezas cujos nı́veis de energia são adequados para
emissão estimulada. A cavidade óptica é, em geral, formada por dois espelhos
externos, sendo um deles totalmente refletor enquanto o outro transmite uma
pequena fração da radiação incidente. É através do espelho parcial que uma
parte da energia da radiação armazenada na cavidade passa para o exterior,
produzindo o feixe de laser. Os estados excitados das impurezas são populados
por bombeamento óptico, produzido por lâmpadas de flash ou por outro laser.
A Figura 8.38 mostra o arranjo original utilizado no laser de rubi. O
rubi é um cristal de safira, A2 O3 , contendo impurezas de Cr3+ em pequenas
concentrações, de 0,01 a 0,1%. Os nı́veis de energia do Cr3+ em A2 O3 e as
três transições envolvidas na ação do laser estão mostrados na Fig.8.14. O
bombeamento óptico leva os elétrons do estado fundamental, nı́vel 1, para
uma banda relativamente larga (3). Eles então decaem num tempo curto, da
ordem de 10−8 s, para o nı́vel 2. Como o tempo de decaimento de 2 para 1
é longo (∼ 10−3 s), ocorre um acúmulo de elétrons no nı́vel 2 e inversão de
população em relação ao nı́vel 1. A transição estimulada de 2 para 1 gera
a radiação vermelha do laser de rubi, com comprimento de onda 694,3 nm.
Como a lâmpada de flash é acionada pela descarga de um capacitor, indicado
na Fig.8.38, a luz de bombeamento tem a forma de pulsos com duração de
Líquido para
resfriamento
Lâmpada
de flash
Feixe de saída
Bastão
de rubi
Espelho parcial
Espelho
externo
Figura 8.38: Arranjo utilizado em laser de rubi bombeado por lâmpada de flash.
354
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
alguns ms. Por esta razão, em vez de gerar uma radiação contı́nua, o laser
emite pulsos de luz com uma taxa de repetição determinada pelo circuito de
descarga. A escolha da taxa de repetição depende da capacidade de resfriar
o bastão de rubi. Este refriamento pode ser feito circulando água em contato
com o bastão, como mostrado na Fig.8.38. Note que nos atuais lasers de sólidos
com impurezas que empregam lâmpada de flash, ela não é enrolada em torno
do bastão, como no arranjo original da Fig.8.38. Ela tem a forma de um tubo
cilı́ndrico, colocado paralelo ao bastão do sólido, no interior de uma cavidade
metálica, de seção elı́ptica, polida internamente. A lâmpada é colocada num
dos focos da elipse e o bastão no outro, de modo que a radiação do flash é
focalizada no bastão.
Um dos lasers de estado sólido mais importantes da atualidade é o de
neodı́mio-YAG, Nd-YAG. Sua ação ocorre nos nı́veis de energia de impurezas
de Nd3+ no cristal da granada de alumı́nio e ı́trio, cuja fórmula quı́mica é
Y3 A5 O12 . O nome YAG vem das iniciais em inglês, Yttrium Aluminum
Garnet. A Figura 8.39 ilustra os nı́veis de energia e as transições importantes do laser de Nd-YAG. O bombeamento óptico feito pela radiação de
uma lâmpada de flash, ou de um laser de diodo semicondutor, leva os elétrons
do estado fundamental para uma banda larga de estados excitados. De lá
eles caem para o estado 4 F3/2 por transições não-radiativas. A transição deste
estado para o estado 4 I11/2 produz a radiação laser no comprimento de onda
Figura 8.39: Esquema de energias e de transições responsáveis pela radiação de comprimento
de onda 1064 nm no laser de Nd-YAG.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
355
λ = 1064 nm, situado no infravermelho próximo. O ganho do laser de Nd-YAG
é cerca de 75 vezes maior que o de rubi. Por isto ele pode ser bombeado com
luz contı́nua de um laser de diodo, como ilustrado na Figura 8.40. O feixe
do laser de diodo passa por duas lentes que o focalizam no eixo do bastão de
Nd-YAG. A superfı́cie de entrada do bastão é esférica e recoberta por camadas
dielétricas que transmitem a radiação de 809 nm e refletem a radiação de 1064
nm. A superfı́cie plana, na outra extremidade, tem uma camada refletora, formando a cavidade óptica. Quando operado com lâmpadas de flash, ele atinge
potências de pico muito altas. Apesar de operar no infravermelho, o laser de
Nd-YAG é mais utilizado para aplicações na região visı́vel. Isto é conseguido
fazendo o feixe pulsado passar por um cristal gerador de segundo harmônico,
que converte a maior parte da radiação em luz verde, com λ = 532 nm. (veja
Seção 10.2.2).
Os lasers de estado sólido bombeados com a luz do feixe de um laser de
diodo, como na Figura 8.40, produzem radiação contı́nua, designada de CW
(do inglês Continuous Wave). Os lasers bombeados por lâmpadas de flash
produzem luz na forma de pulsos emitidos periodicamente. Os pulsos são longos, com duração de alguns ms, e a taxa de repetição é baixa, com alguns
tiros por segundo, porque estas são as caracterı́sticas da descarga elétrica na
lâmpada de flash. Os lasers pulsados são importantes em aplicações que requerem alta potência de luz, pois a energia acumulada no perı́odo é emitida
num intervalo de tempo muito menor. Existem outros métodos para produzir pulsos de luz em lasers de estado sólido e outros tipos, como a gás e de
lı́quidos corantes, com bombeamento contı́nuo. Dois métodos que possibilitam
obter pulsos muito curtos são o chaveamento-Q (Q-switching em inglês) e o
travamento de modos (mode locking). Em ambos os métodos, os espelhos da
1064 nm
Laser
de diodo
809 nm
Lentes
Bastão
de Nd: YAG
Figura 8.40: Esquema de bombeamento do laser de Nd-YAG com radiação contı́nua de um
laser de diodo.
356
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
cavidade devem ser externos ao meio ativo, pois o mecanismo requer a inserção
de um dispositivo no caminho do feixe no interior da cavidade.
O método de Q-switching consiste em deteriorar o Q da cavidade durante
um certo tempo, impedindo a ação de laser. Como o bombeamento é contı́nuo,
enquanto o Q está baixo e não há radiação estimulada, a população dos estados
excitados aumenta e ultrapassa muito o valor crı́tico emissão de luz com o Q
normal. Periodicamente então o Q é restaurado, proporcionando a emissão de
pulsos curtos de alta potência. Um dos mecanismos utilizados para variar o Q
é a modulação da polarização da luz por meio de um modulador eletro-óptico
(seção 10.2) colocado no interior da cavidade. Quando a polarização da luz é
alterada numa passagem do feixe, o feixe refletido num espelho retorna com
uma polarização diferente do incidente e não produz interferência construtiva
necessária para a ressonância.
O método de mode locking também utiliza uma modulação interna na
cavidade, mas o mecanismo é baseado na existência de um grande número
de modos longitudinais. Pode-se mostrar que a modulação de amplitude com
freqüência igual a da separação dos modos produz o travamento das fases dos
modos. Como eles têm freqüências diferentes, periodicamente as fases de todos
eles coincidem, o que resulta num trem de pulsos de radiação. O perı́odo de
emissão dos pulsos é o inverso da freqüência de espaçamento dos modos.
Outro laser de estado sólido muito utilizado atualmente por conta de sua
versatilidade é o laser de titânio-safira (Ti3+ :A2 O3 ). Este laser pode operar
Figura 8.41: Bandas de absorção e de emissão em Ti3+ :A2 O3 .
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
357
nos regimes CW ou pulsado (Q-switching ou mode-locking).
As impurezas de Ti3 têm uma banda de absorção com pico em torno
de 500 nm, como mostrado na Figura 8.41, e uma banda de emissão larga,
podendo operar em toda a faixa de 660 nm−1180 nm, com o uso adequado
de filtros e espelhos na cavidade óptica. Sua eficiência de conversão, definida
como a potência óptica emitida dividida pela potência elétrica gasta, é de aproximadamente 0,01%. Este valor é baixo comparado com o do laser de Nd:YAG
(0,5%), mas é da mesma ordem dos lasers a gás. O laser de Ti:safira é comumente bombeado por um laser de Argônio (514 nm) ou pelo segundo harmônico
de um laser de Nd:YAG (532 nm). Para potências ópticas de bombeamento
tı́picas da ordem de 10 W, cerca de 1,5 W pode ser emitido no laser de Ti:safira
em regime CW. Ele também opera em regime de mode-locking, emitindo pulsos ultracurtos. Como a largura da linha de transição de Ti:safira é de 100
THz, pulsos de duração curta como 10 fs (1 fs = 10−15 s) são produzidos em
laboratórios de pesquisa. Os lasers comerciais de Ti:safira emitem pulsos da
ordem de 50 fs.
8.6.3
Lasers a Gás
Nos lasers a gás, a emissão estimulada ocorre entre estados quânticos de átomos
ou moléculas, que são em geral excitados por meio de colisões numa descarga
elétrica. A Figura 8.42 mostra os componentes básicos de um laser a gás.
A alta tensão aplicada aos eletrodos do tubo mantém uma descarga elétrica
no gás, que pode estar confinado ou circulando. Quando a cavidade óptica é
formada por espelhos externos, as extremidades do tubo são feitas com placas
transparentes, inclinadas com ângulo de Brewster, para minimizar as perdas
Tensão
para descarga
Feixe
de saída
Janela de Brewster
Espelho
refletor
Figura 8.42: Componentes básicos de um laser a gás.
Espelho
parcial
358
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
por reflexão. Nos pequenos lasers a gás, os espelhos são feitos internamente
nas próprias extremidades do tubo.
O laser de Hélio-Neônio foi o primeiro laser a gás descoberto, sendo ainda
hoje muito utilizado em aplicações simples de baixa potência. Na descarga
através da mistura dos dois gases, os átomos de He são facilmente excitados
por colisões eletrônicas. As excitações desses átomos são transferidas para
os estados 2S e 3S do Ne, que coincidentemente têm energias quase iguais
as do He. As transições com emissão estimulada ocorrem nos átomos de Ne
entre os nı́veis ilustrados na Fig.8.43, que também mostra os comprimentos
de onda correspondentes às transições. As transições 3S-3p e 2S-2p ocorrem
no infravermelho, enquanto a transição 3S-2p tem λ = 632,8 nm, situada na
região vermelha do espectro. O laser de He-Ne é de fabricação simples e opera
continuamente com baixa corrente, sendo por isto muito utilizado numa grande
variedade de aplicações de baixa potência (alguns mW).
Outro laser a gás importante com radiação de luz visı́vel é o laser de
Argônio. Ele opera com transições eletrônicas nos ı́ons de Ar, produzindo
radiação em várias linhas do espectro visı́vel. As mais intensas ocorrem em
λ = 488 nm (azul) e 514,5 nm (verde). Geralmente, o laser de Ar opera
Figura 8.43: Nı́veis de energia e transições de laser em átomos de Neônio.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
359
continuamente com potências que vão desde centenas de mW a dezenas de W,
encontrando inúmeras aplicações médicas, industriais e cientı́ficas.
Na categoria de lasers a gás moleculares, o mais importante é o de dióxido
de carbono, CO2 . Neste sistema os nı́veis quânticos envolvidos nas transições
do laser estão associados às vibrações da molécula de CO2 . A emissão estimulada tem comprimento de onda em torno de 10 µm, correspondente à radiação
infravermelha. O laser de CO2 tem construção fácil e robusta e produz radiação contı́nua com potência de dezenas a centenas de W, sendo também
muito empregado na indústria e na medicina.
8.7
O Laser de Diodo Semicondutor
O laser de diodo semicondutor, mais conhecido como laser de diodo, é, de longe,
o mais importante para a opto-eletrônica. Enquanto todos os lasers mencionados na seção anterior são grandes, dispendiosos e necessitam de potências significativas para funcionar, o de semicondutor tem dimensões submilimétricas,
baixo custo e requer baixa potência de alimentação. Ele foi descoberto em
1962, porém foram necessários muitos anos de pesquisa e desenvolvimento para
que ele chegasse ao atual estágio tecnológico. Os primeiros lasers eram formados de diodos de junção simples de GaAs e só operavam em temperatura de
hélio lı́quido (4,2 K) com correntes relativamente altas. No final da década de
1960 alguns laboratórios conseguiram materializar propostas teóricas do russo
Zhores Alferov e do alemão-americano Herbert Kroemer, que mostravam a
possibilidade de aumentar o ganho do laser com um confinamento de elétrons
e buracos em heterojunções. Dentre os grupos que conseguiram fabricar lasers
de heterojunções operando à temperatura ambiente, estava o do Laboratório
Bell, integrado pelo fı́sico brasileiro José Ripper Filho.
Atualmente os lasers de diodo são feitos com heterojunções múltiplas
de ligas de semicondutores de gap direto, operam à temperatura ambiente e
com baixas correntes, e produzem potências de luz que variam de alguns mW,
comparáveis com as do laser de He-Ne, a dezenas de watts. O laser de diodo
semicondutor tornou-se um componente essencial dos sistemas de comunicação
óptica, de inúmeros equipamentos eletrônicos e de outras aplicações, o que
contribuiu para que Alferov e Kroemer fossem agraciados com o prêmio Nobel
de Fı́sica no ano 2000.
360
8.7.1
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
O Laser de Diodo de Junção p-n
Um dos mecanismos básicos para operação de um laser, a inversão de população, ocorre naturalmente numa junção p-n feita de semicondutor de gap
direto, polarizada diretamente. Isto porque os elétrons do lado n que se movem
em direção à região da junção e são injetados no lado p, produzem na banda
de condução do lado p uma concentração maior que a de equilı́brio térmico.
Situação semelhante também acontece com os buracos injetados no lado n.
A recombinação de pares elétron-buraco, que ocorre para fazer com que as
concentrações atinjam o equilı́brio nos dois lados, produz a emissão espontânea
caracterı́stica dos LEDs. Entretanto, quando a injeção é suficientemente forte,
a condição crı́tica de operação laser pode ser alcançada e o diodo emite radiação
estimulada.
Para atingir a condição de laser, a junção p-n deve ter grandes dopagens
nos dois lados, ou seja, deve ser formada por semicondutores degenerados.
Nesta junção, o nı́vel de Fermi EF n do lado n está acima do mı́nimo da banda
de condução, Ecn , enquanto no lado p o nı́vel EF p está abaixo do máximo
da banda de valência, Evp . A Figura 8.44 ilustra as bandas de energia numa
junção deste tipo. Em (a) não existe tensão aplicada, de modo que o nı́vel de
Fermi é o mesmo nos dois lados. Em (b) a junção está polarizada diretamente,
de modo que as energias do lado p diminuem em relação às energias do lado n,
sendo a diferença das energias dos nı́veis de Fermi nos dois lados igual a eV ,
onde V é a tensão aplicada. Finalmente, a Fig.8.44(c) mostra o que ocorre
com uma tensão ainda maior: na região de transição da junção a banda de
condução é preenchida com elétrons provenientes do lado n, enquanto a banda
de valência recebe buracos do lado p. Isto produz inversão de população nesta
região, o que resulta em altas taxas de recombinação acompanhada de emissão
espontânea de luz. Os fótons criados neste processo e que ficam confinados na
região da junção, fazem a taxa de recombinação aumentar ainda mais através
da emissão estimulada. A ação de laser ocorre quando a corrente no diodo
ultrapassa um certo valor crı́tico para o qual o ganho óptico iguala as perdas
no sistema.
A freqüência ν dos fótons emitidos na transição banda-a-banda é dada, no
mı́nimo, por hν = Eg . Por outro lado, pela condição de inversão de população
ilustrada na Fig.8.44(c), vemos que o máximo valor de ν é dado por EF n −
EF p ≥ hν. Portanto, a condição de operação de um laser de junção p-n é,
EF n − EF p ≥ hν ≥ Eg
.
(8.79)
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
361
Figura 8.44: Diagramas de energia em junção p-n formada por semicondutores degenerados:
(a) Sem tensão aplicada; (b) Com polarização direta; (c) Com tensão suficientemente alta
para produzir inversão de população na região de transição.
Para aumentar o ganho, diminuir as perdas e fazer a radiação sair apenas
numa direção, é preciso construir uma cavidade óptica na junção. As duas
superfı́cies planas e paralelas que formam os espelhos da cavidade são feitas
através da clivagem do chip da junção nos planos cristalinos, como ilustrado na
Figura 8.45. Como o ı́ndice de refração de GaAs é n = 3, 6, a refletividade de
um espelho deste tipo, dada pela Eq.(8.21), é R = 0, 32. Este valor é suficiente
para criar uma cavidade óptica entre os dois planos de clivagem. Entretanto,
para aumentar o ganho e fazer a radiação sair apenas num sentido, cobre-se um
dos lados com filme metálico. Além disso, para evitar que a radiação também
saia lateralmente, usa-se um abrasivo para tornar ásperas as duas superfı́cies
laterais. Isto elimina o efeito da cavidade ressonante na direção lateral, fazendo
com que o feixe de radiação saia apenas pela superfı́cie frontal.
362
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.45: Ilustração de um laser de junção p-n.
A Figura 8.46 mostra o comportamento da intensidade e do espectro
da radiação do laser com a corrente na junção. Na Fig. 8.46(a) vemos que
quando a corrente é menor que um valor crı́tico Ic , a intensidade da radiação
é pequena. Nesta situação ela é devida à emissão espontânea que ocorre nas
vizinhanças da junção, como num LED. Neste caso o espectro de radiação é
largo, como ilustrado na Fig.8.46(b). Entretanto, se I > Ic , a radiação passa a
ter intensidade muito maior, com um espectro confinado a uma faixa estreita
de freqüências. Estas duas caracterı́sticas constituem as principais diferenças
entre o LED e o laser de junção: o laser emite radiação estimulada com um
Figura 8.46: Comportamento da potência luminosa emitida por um laser semicondutor.
Quando a corrente I é maior que um valor crı́tico Ic , a potência aumenta bruscamente (a)
e seu espectro torna-se estreito (b).
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
363
espectro estreito, enquanto o LED emite radiação espontânea com espectro
largo; o laser só opera com corrente acima de um valor crı́tico, ao passo que
o LED opera com qualquer corrente. Na realidade, o laser de diodo opera
em vários modos longitudinais, com freqüências dentro da faixa da curva de
ganho.
Exemplo 8.5: Calcule o espaçamento entre os modos longitudinais de um laser de diodo de GaAs,
com cavidade óptica de comprimento 1 mm.
Sendo λ o comprimento de onda da luz no GaAs, a condição de ressonância na cavidade
óptica é
L = mλ = m
c
λ
=m
,
n
nν
onde n é o ı́ndice de refração, λ é o comprimento de onda no vácuo e ν a freqüência. Então, a
diferença entre as freqüências de dois modos vizinhos (m e m ± 1) é ∆ν = c/nL. Considerando o
ı́ndice de refração do GaAs n = 3, 6, vem,
∆ν =
3 × 108
= 8, 3 × 1010 Hz = 83 GHz .
3, 6 × 10−3
O laser de semicondutor formado por apenas uma junção p-n, também
chamado laser de homojunção, foi o primeiro a ser desenvolvido. Este tipo
de laser apresenta vários problemas, sendo os principais: sua corrente crı́tica
é alta; para evitar super-aquecimento ele deve ser colocado em baixas temperaturas ou operar em modo pulsado; a largura espectral da radiação é grande
comparada com outros tipos de laser; a potência luminosa é pequena comparada com outros tipos de laser; como a radiação é emitida numa região de
espessura (< 1 µm) menor que o comprimento de onda, a difração é grande e
o feixe não sai colimado. Vários desses problemas são contornados nos lasers
de heterojunções, descritos a seguir.
8.7.2
Lasers de Heterojunções
No laser de homojunção a inversão de população que produz a recombinação de
pares elétron-buraco com emissão de fótons ocorre apenas na região de carga
espacial, como mostrado na Fig.8.44(c). Mas nem todos elétrons e buracos que
chegam na junção participam deste processo. Muitos deles são injetados no
outro lado como portadores minoritários e difundem numa região de espessura
364
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
na faixa de 1-10 µm. Desta forma, para que a taxa de emissão de fótons seja
maior que as perdas ópticas e produzir a operação do laser, é necessário que a
corrente seja alta. Este fato é o maior responsável pela elevada corrente crı́tica
do laser de homojunção, que é da ordem de 40-100 kA/cm2 em junções de
GaAs à temperatura ambiente. Outro efeito que contribui para o alto valor da
corrente crı́tica no laser de homojunção é a forte difração da luz. Ela faz com
que muitos fótons emitidos saiam da região da junção, deixando de contribuir
para a emissão estimulada.
Nos lasers de heterojunções estes dois efeitos são muito menores, de modo
que as correntes crı́ticas são reduzidas em várias ordens de grandeza em relação
ao laser de homojunção, situando-se na faixa de 100-500 A/cm2 . Como vimos
na seção 6.3.2, numa heterojunção existe uma barreira de potencial devido
Figura 8.47: Estruturas de lasers de heterojunções: (a) heterojunção simples; (b) heterojunção dupla; (c) heterojunção dupla em geometria estriada.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
365
à diferença entre os gaps de energia dos dois lados. Isto permite construir
estruturas de heterojunções com barreiras de potencial que produzem confinamento de elétrons e buracos numa camada fina, com espessura da ordem de
0,1-0,5 µm. Ao mesmo tempo, como os ı́ndices de refração nos dois lados da
heterojunção são diferentes, devido também à diferença dos gaps de energia
dos semicondutores, há um confinamento dos fótons emitidos. O aumento da
concentração de pares elétron-buraco e de fótons na mesma região espacial,
resulta numa maior taxa de recombinação e portanto numa menor corrente
crı́tica.
A Figura 8.47 mostra três estruturas de lasers de heterojunções de GaAs
e (GaA)As. As estruturas são feitas depositando-se camadas de espessuras
e composições desejadas sobre um substrato de GaAs monocristalino. A deposição pode ser feita pela técnica mais simples de epitaxia de fase lı́quida
(LPE) ou pela sofisticada técnica de epitaxia de feixe molecular (MBE). A
concentração x do A na liga Ga1−x Ax As determina o valor do gap de energia
Eg , que varia entre 1,43 eV (x = 0) e 2,16 eV (x = 1). O semicondutor tipo p é
feito com difusão de átomos do grupo II, Zn por exemplo, formando impurezas
aceitadoras. Para dopagem tipo n podem ser utilizados elementos do grupo
IV, como Sn. Os átomos desses elementos doam um elétron para os átomos
de Ga ou A, que são do grupo III, formando impurezas doadoras.
A Figura 8.48(a) apresenta o modelo unidimensional de um laser
com uma junção p-n simples de GaAs e uma heterojunção de p GaAs−p
Ga1−x Ax As. A figura 8.48(b) mostra o diagrama de energia sem tensão aplicada e a figura (c) mostra o diagrama com polarização direta. A região central
da estrutura é feita do tipo p porque a injeção de elétrons para o lado p é
mais eficiente do que a injeção de buracos no sentido oposto. Quando uma
tensão é aplicada para polarizar a junção p-n no sentido direto, os elétrons
provenientes do lado n são injetados na região central tipo p. A barreira de
potencial criada na heterojunção impede a passagem dos elétrons para o lado
p GaAAs. Como a espessura da região central é muito menor que o comprimento de difusão, os pares elétron-buraco ficam confinados nesta região e
distribuı́dos uniformemente.
A diferença entre os ı́ndices de refração de GaAs e GaAAs faz com que
os fótons emitidos na recombinação sejam refletidos na interface entre os dois
materiais, aumentando a taxa de emissão estimulada. A operação do laser
ocorre quando a corrente ultrapassa um certo valor crı́tico, com emissão de
fótons com energia aproximadamente igual a do gap de GaAs, Eg = 1, 43 eV.
Isto corresponde à radiação no infravermelho próximo, com comprimento de
366
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.48: Laser de diodo semicondutor com uma junção p-n de GaAs e uma heterojunção de GaAs − GaAAs: (a) modelo unidimensional; (b) diagrama de energia em
equilı́brio; (c) diagrama de energia com polarização direta. As linhas tracejadas indicam
o nı́vel de Fermi. As bolas pretas representam os elétrons e as bolas brancas representam
os buracos.
onda λ = 860 nm.
A descoberta no final da década de 1960 do laser de heterojunção
operando à temperatura ambiente, impulsionou as atividades de pesquisa
nesses lasers, principalmente pelo seu potencial na opto-eletrônica e nas comunicações ópticas. Durante os anos 70 e 80, laboratórios de todo o mundo
competiram para desenvolver estruturas de heterojunções com menor corrente
crı́tica, melhor colimação do feixe de radiação e maior estabilidade de operação
de lasers em diferentes comprimentos de onda. O desenvolvimento da Fı́sica do
Estado Sólido no Brasil propiciou a criação de um grupo de pesquisa em laser
semicondutor na Universidade Estadual de Campinas, liderado por Ripper,
que acompanhou de perto a maturação desta tecnologia e a transferiu para
empresas nacionais.
A estrutura da Fig.8.47(b), chamada de heterojunção dupla, representa
um avanço em relação a de heterojunção simples pois aumenta o confinamento
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
367
de portadores e de fótons na região central. A estrutura e o esquema de
bandas da heterojunção dupla estão ilustrados na Figura 8.49. O fato da
camada de GaAs estar situada entre camadas de GaAAs, que tem um gap de
energia maior, acentua o poço de potencial tanto para os elétrons na banda de
condução quanto para os buracos na banda de valência. Uma redução maior
na corrente crı́tica e na largura do feixe é alcançada utilizando um contato
metálico na forma de uma faixa estreita, com largura da ordem de 20 µm, com
a geometria mostrada na Fig.8.47(c). O desenvolvimento desta estrutura de
heterojunção dupla representou um grande avanço para a utilização prática do
laser de diodo semicondutor em comunicações ópticas.
Atualmente os lasers de semicondutores utilizam estruturas com
inúmeras camadas de ligas com diferentes concentrações dos constituintes e
de impurezas. Os objetivos da sofisticação das estruturas são: redução da
corrente crı́tica; melhoria da colimação e distribuição espectral da radiação;
maior estabilidade de operação e facilidade de modulação; e menor custo de
fabricação dentro dos padrões de qualidade para a aplicação desejada. Esses
lasers são produzidos por várias técnicas de crescimento epitaxial, como LPE,
MBE e MOCVD.
O material semicondutor utilizado no laser de diodo depende principalmente do comprimento de onda da radiação desejado. A Tabela 8.2 mostra as
faixas cobertas por algumas das principais ligas de semicondutores. A variação
das concentrações dos constituintes permite sintonizar o comprimento de onda
do laser. Os lasers de (InGa)(AsP) são usados em comunicações ópticas. Uma
das aplicações atuais mais importantes dos lasers de (GaA)As no infraver-
Figura 8.49: Laser de diodo de heterojunção dupla: (a) modelo unidimensional; (b) diagrama
de energia com a junção p-n polarizada, ilustrando o movimento dos elétrons (bolas pretas)
e dos buracos (bolas brancas).
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
368
Liga
λ(µm)
Região do espectro
Pbx Sn1−x Te
7-30
infravermelho (iv)
In1−x Gax Asy P1−y
1,1-1,6
iv próximo
Ga1−x Ax As
0,7-0,9
iv próximo
Ga1−x Ax In1−y Py
0,6-0,8
vermelho e iv
In1−x Gax N
0,4-0,5
violeta-azul
Tabela 8.2: Faixas de comprimento de onda cobertas por diversas ligas usadas na fabricação
de lasers semicondutores.
melho é na leitura de discos ópticos, ou discos compactos (CD e DVD), usados
em sistemas de som, computadores e vı́deos. Por outro lado, os lasers de
(GaA)InP no vermelho estão substituindo os lasers a gás de He-Ne em diversas aplicações, com a enorme vantagem de serem alimentados por pequenas
baterias em estruturas portáteis. Os lasers de InGaN, com emissão na região
violeta-azul do espectro visı́vel, foram desenvolvidos no final da década de 1990
e estão encontrando inúmeras aplicações, dentre elas em DVD (Digital Video
Disc) de alta definição.
8.7.3
Laser de Poço Quântico
O diagrama de energia do laser de heteroestrutura dupla da Figura 8.49(b)
representa a variação espacial dos nı́veis de energia Ev e Ec , correspondentes
ao máximo da banda de valência e ao mı́nimo da banda de condução, respectivamente. Na realidade, em cada seção do modelo unidimensional da Figura
8.49(a), os elétrons podem ocupar estados com energia acima de Ec e os buracos podem ocupar estados com energia abaixo de Ev . Como ilustrado nas
bandas de energia da Figura 5.7, a ocupação dos estados excitados é devido à
energia térmica. Os elétrons têm energia numa faixa kB T acima de Ec e os buracos têm energia numa faixa kB T abaixo de Ev . Por esta razão, a radiação do
laser de heteroestrutura tem uma largura de linha grande, que à temperatura
ambiente é da ordem de kB T /h = 6 THz.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
369
Entretanto, se a camada de GaAs for muito fina, os efeitos quânticos
do confinamento serão importantes. Neste caso, os estados dos elétrons e dos
buracos não serão descritos por ondas propagantes na direção longitudinal,
mas sim por ondas estacionárias, tı́picas de partı́culas num poço de potencial,
como estudado na Seção 3.3.2.
A Figura 8.50 ilustra o diagrama de energia de uma heterojunção de
GaAAs/GaAs/GaAAs, com os poços de potencial para os elétrons na banda
de condução e para os buracos na banda de valência. Na camada fina de GaAs,
a energia mı́nima dos elétrons é E1 , e não Ec , enquanto a máxima energia dos
buracos é E1 , e não Ev . Os poços de potencial criados pela diferença entre
as energias do gap de GaAs e de GaAAs, têm profundidades que dependem
das concentrações de Ga e de A. Como mostra a Tabela 8.1, para altas
concentrações de A o gap se aproxima de 2,16 eV, enquanto o gap de GaAs
é 1,43 eV. Assim, em heterojunções de ligas com altas concentrações de A,
a profundidade do poço na banda de condução é da ordem de 0,5 eV. Como
este valor é muito maior que a energia térmica dos elétrons, kB T = 0,025 eV
à temperatura ambiente, efeito de confinamento quântico em camadas finas
de GaAs é grande. O cálculo exato dos nı́veis de energia é mais complexo do
que para um poço de potencial infinito, apresentado na seção 3.3.2. Porém,
se a espessura x da camada de GaAs não for pequena demais, o nı́vel E1
estará próximo de Ec , podendo ser calculado aproximadamente como se a
profundidade fosse infinita. Assim, usamos a Equação (3.44) com n = 1 para
calcular, em primeira aproximação, o nı́vel de menor energia dos elétrons no
Figura 8.50: Diagrama de energia de um laser de poço quântico.
370
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
poço,
E1 = Ec +
2 π 2
.
2m∗e 2x
(8.80)
Do mesmo modo, o nı́vel de maior energia dos buracos é,
E1 = Ev −
2 π 2
.
2m∗b 2x
(8.81)
Vemos que no laser de heteroestrutura dupla com uma camada de GaAs
espessa, E1 se aproxima de Ec e E1 se aproxima de Ev . Neste caso, os efeitos
de confinamento são pequenos. A radiação laser tem freqüência dada pela
Equação (8.79) e largura de linha kB T /h. Por outro lado, se a espessura x é
pequena, de tal modo que E1 − Ec dado por (8.80) é comparável ou maior que
a energia térmica, a radiação tem largura de linha estreita e freqüência dada
pela diferença entre (8.80) e (8.81),
1
2 π 2
1
+ ∗ .
hν = Eg +
(8.82)
2
∗
2x
me mb
O laser de heteroestrutura dupla com x pequeno é chamado laser de
poço quântico, ou laser QW (do inglês Quantum Well). Os lasers de poço
quântico têm estrutura como aquela da Figura 8.47(c), onde a camada de pGaAs tem espessura da ordem de 100 Å. As principais vantagens do laser de
poço quântico são: a largura de linha da radiação é mais estreita; a freqüência
do laser pode ser sintonizada pela escolha adequada da espessura x , podendo
ser maior que a freqüência de emissão de GaAs.
Um problema do laser de poço quântico simples é a pequena área de
recombinação dos pares elétron-buraco, o que compromete a intensidade da
radiação. Este problema é resolvido no laser de múltiplos poços quânticos, ou
MQW (Multiple Quantum Well), formado por um grande número de camadas com a repetição periódica da unidade básica da Figura 8.50. A primeira
camada de GaAAs depositada sobre o substrato n-GaAs é dopada com impurezas doadoras, portanto é n-GaAAs. Todas as outras camadas, alternadamente GaAs (espessura de 100 Å ou menos) e GaAAs (espessura da
ordem de 100 Å ou mais), são tipo p. Como o comprimento de difusão é
da ordem ou maior que 10 µm = 100.000 Å, os elétrons injetados pelo conjunto n-GaAs/n-GaAAs alcançam todas as camadas do conjunto (p-GaAs/pGaAAs)m , mesmo que o número m de repetições seja de algumas dezenas.
É importante notar também que como a distância entre dois poços vizinhos é
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
371
menor que o comprimento de onda da radiação, a emissão estimulada de poços
vizinhos é sincronizada. Os lasers de múltiplos poços quânticos são fabricados
pelas mesmas técnicas de produção dos lasers de heteroestruturas, que experimentaram grande evolução na década de 1990, possibilitando o crescimento
de finas camadas de semicondutores com grande precisão e confiabilidade.
Exemplo 8.6: Calcule para um laser de poço quântico de GaA As/GaAs( x )/GaA As, a espessura
x para a qual: a) A energia E1 −Ec seja igual à energia térmica dos elétrons à temperatura T = 300
K; b) A emissão do laser tenha comprimento de onda de 820 nm.
a) A espessura x que satisfaz a condição dada é obtida igualando à diferença de energia da
Eq.(8.80) com a energia térmica,
2
π2
2m∗e
2
x
= kB T ,
donde vem,
x =
π
(2m∗e kB T )1/2
.
Usando para a massa efetiva dos elétrons m∗e = 0, 068 m0 (Tabela 5.1)
x =
1, 05 × 10−34 × 3, 14
(2 × 0, 068 × 9, 1 × 10−31 × 1, 38 × 10−23 × 300)1/2
= 1, 46 × 10−8 m .
A espessura é então 146 Å. Camadas de GaAs mais finas resultam num espaçamento de
energia E1 − Ec maior que a energia térmica, e portanto têm efeito quântico de confinamento.
b) A espessura
(8.82),
x que resulta numa radiação laser com energia de fóton hν é obtida a partir de
x =
π
21/2 (hν − Eg )1/2
1
1
+ ∗
m∗e
mb
1/2
O comprimento de onda 820 nm corresponde a uma energia de fóton,
hν =
6, 62 × 10−34 × 3 × 108
hc
=
eV ,
λ
820 × 10−9 × 1, 6 × 10−19
hν = 1, 51 eV .
Sendo Eg = 1, 43 eV em GaAs, vem,
hν − Eg = 0, 08 eV = 1, 28 × 10−20 J .
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
372
Usando este valor e m∗b = 0, 5 m0 (Tabela 5.1) na expressão de
x =
1, 05 × 10−34 × 3, 14
(2 × 1, 28 × 10−20 × 9, 1 × 10−31 )1/2
x vem,
1
1
+
0, 068
0, 5
1/2
−9
m = 88, 6 Å .
x = 8, 86 × 10
Veja que, como o parâmetro de rede do GaAs é 5,65 Å, esta espessura da camada de GaAs
contém cerca de 16 células unitárias.
8.8
Aplicações dos Lasers de Diodo
Os lasers de diodo semicondutor tornaram-se dispositivos essenciais de um
grande número de equipamentos e sistemas desenvolvidos nas últimas décadas
do Século XX. Suas aplicações vão desde equipamentos muito simples, como
o apontador laser, a sofisticados equipamentos de comunicações ópticas de
alta velocidade que conectam todo o globo terrestre. Muitos equipamentos
tiveram seu desempenho melhorado e o custo reduzido com a substituição da
fonte de luz por lasers de diodo, como a leitora óptica de código de barras nos
supermercados, os aparelhos de fax e inúmeros equipamentos de diagnóstico
médico, por exemplo. Outros equipamentos novos só se tornaram possı́veis
com o desenvolvimento do laser de diodo, como os tocadores de discos ópticos
compactos (CD player e DVD player). Cada aplicação requer um laser com
radiação com comprimento de onda e outras caracterı́sticas especı́ficas, e portanto utilizando materiais e estruturas especı́ficas. Em geral os lasers são
feitos com heteroestrutura dupla, mas certas aplicações requerem estruturas
de múltiplos poços quânticos. O desenvolvimento de materiais, estruturas e
processos de fabricação de lasers de diodo é uma área de atividades de pesquisa
em inúmeros laboratórios acadêmicos e industriais em todo o mundo. Nesta
seção abordaremos apenas duas das aplicações mais importantes dos lasers de
diodo, comunicações ópticas e tocadores de discos compactos.
8.8.1
Comunicações Ópticas
O advento das comunicações ópticas foi possı́vel não apenas pelo desenvolvimento dos lasers semicondutores e fotodiodos, mas também das fibras ópticas.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
373
A fibra óptica é um fio fino de seção reta circular, feita de material transparente, em geral vidro ou plástico. A fibra óptica é flexı́vel mecanicamente e
não quebra quando é encurvada suavemente, sendo usada para guiar um feixe
de luz através de caminhos sinuosos sem interferências do meio externo.
A idéia básica do uso de fibra óptica como guia de luz é muito antiga. Um
feixe de luz num material transparente com ı́ndice de refração n1 , incidindo na
interface com outro material de ı́ndice de refração n2 < n1 , sofre reflexão total
se o ângulo de incidência θ1 (em relação a normal) for maior que um valor
crı́tico θc = arc sen (n2 /n1 ). Assim, um feixe pode propagar no interior de
um cilindro maciço, sofrendo reflexões sucessivas na superfı́cie interna e sendo
guiado ao longo do cilindro. Fibras ópticas de vidro ou plástico transparentes
são usadas como guias de onda de luz para aplicações simples desde a década
de 1930. Todavia, somente a partir da década de 1970 foram desenvolvidas
fibras de sı́lica (SiO2 ) com baixas perdas, possibilitando guiar feixes de luz a
grandes distâncias.
A fibra óptica mais simples é feita de material homogêneo com certo
ı́ndice de refração n > 1. Esta fibra não tem muita utilidade porque seu contato
com qualquer material externo, como sujeira na superfı́cie, pode resultar em
refração e consequente perda da energia luminosa guiada. Por esta razão as
fibras ópticas são feitas com duas regiões, um núcleo central com raio R1 e
ı́ndice de refração n1 , e uma casca com raio externo R2 > R1 e ı́ndice de
refração n2 < n1 . Desta forma, a reflexão interna total ocorre na superfı́cie
entre o núcleo e a casca, de modo que a propagação não é perturbada por
interferências externas.
A Figura 8.51 mostra a seção de uma fibra óptica e os dois perfis comuns
de ı́ndice de refração. Na fibra com perfil em degrau, tanto o núcleo como a
casca são homogêneos, de modo que n1 e n2 não variam com o raio. Suas principais aplicações são em iluminação e sistemas de imagem. Na fibra com perfil
gradual, o ı́ndice de refração do núcleo varia com o raio, n1 (r), enquanto que
a casca é homogênea. Uma forma muito comum é a parabólica, na qual n1
diminui a partir do eixo com o quadrado do raio. O material básico usado
para a fabricação de fibras ópticas é a sı́lica fundida. A variação no ı́ndice
de refração é obtida no processo de fabricação através de dopagens adequadas
com diversos materiais, tais como GeO2 , P2 O5 , B2 O3 , etc. A proteção da fibra
óptica é feita por meio de um revestimento plástico.
A propagação da luz numa fibra óptica está ilustrada na Fig.8.52. Na
fibra com perfil em degrau, a luz comporta-se como se fosse formada por raios
374
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.51: (a) Seção de uma fibra óptica mostrando o núcleo, a casca e o revestimento;
(b) perfil de ı́ndice de refração em degrau; (c) perfil gradual.
que propagam em linha reta, sofrendo reflexões sucessivas na superfı́cie interna
da casca. Na fibra com perfil gradual as trajetórias dos raios são curvas porque
eles sofrem refração contı́nua devido à variação do ı́ndice de refração n1 .
Na realidade, a visão da onda formada por raios é uma simplificação
do fenômeno. A propagação da onda guiada pela fibra é descrita matematicamente pelas soluções das equações de Maxwell na geometria cilı́ndrica da fibra.
Essas soluções correspondem a modos discretos de propagação, que podem ser
vistos como ondas propagantes ao longo do eixo da fibra e modos de onda estacionária na seção transversal. Os modos de onda estacionária são semelhantes
às funções de onda de uma partı́cula num poço de potencial, como na Fig.3.3,
com um certo número de máximos e de nulos do campo ao longo do diâmetro.
Quanto maior a razão diâmetro/comprimento de onda, maior o número de
máximos. Na visão simplificada da óptica geométrica, cada modo de onda
estacionária corresponde a um ângulo diferente de propagação dos raios. Vemos então que quanto maior o diâmetro da fibra, maior o número de modos
diferentes que podem propagar. Numa fibra de perfil em degrau, com diâmetro
do núcleo de 125 µm, podem propagar milhares de modos no comprimento de
onda de 0,85 µm. Uma fibra deste tipo é chamada multimodo. As fibras que
permitem propagar apenas um modo são chamadas monomodo. A variação
transversal do campo eletromagnético numa fibra monomodo se assemelha à
função de onda do modo n = 1 na Fig.3.3. As fibras monomodo têm núcleo
com diâmetro de cerca de 5-10 µm e casca com diâmetro 125 µm.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
375
Figura 8.52: Ilustração da propagação da luz em fibras ópticas: (a) perfil em degrau;
(b) perfil gradual.
Uma caracterı́stica fundamental das fibras ópticas é a variação da
atenuação da energia luminosa com o comprimento de onda da luz. A Figura
8.53 mostra esta variação para uma fibra de sı́lica. Note que a escala vertical
da figura é expressa em dB/km. O valor em decibel de uma atenuação A é
dado por A(dB) = 10 log10 A. Assim, uma atenuação por um fator 10 corresponde a 10 dB, 100 corresponde a 20 dB, 1000 a 30 dB, etc. Esta notação é
conveniente para exprimir grandezas multiplicativas, porque os valores em dB
se somam. Por exemplo, como a atenuação total em dois trechos consecutivos
de fibra é o produto das atenuações de cada um, o valor em dB é dado pela
soma dos valores individuais em dB.
A Figura 8.53 mostra três curvas de atenuação. A curva tracejada corresponde às fibras utilizadas até meados da década de 1990. Os picos na atenuação
em 1240 nm e 1390 nm são devidos a modos vibracionais de impurezas de ı́ons
OH− causadas pela presença de água dissolvida no vidro. A curva cheia corresponde às fibras comerciais fabricadas atualmente, por processos que reduzem a
presença de impurezas. A curva com traço e ponto é produzida em laboratório
e permite a utilização de uma faixa contı́nua de comprimentos de onda.
A Figura 8.54 mostra os componentes básicos de um sistema de comunicações ópticas. O transmissor é composto por uma fonte de luz e um
circuito driver. A fonte de luz é um laser de diodo semicondutor. O circuito
driver serve para polarizar a fonte de luz e também para modular a luz de
acordo com o sinal elétrico de entrada. O sinal luminoso gerado pelo transmissor é guiado pela fibra óptica até o receptor, onde é convertido em sinal
elétrico no fotodetetor, amplificado e depois processado para restaurar o sinal
original. Na comunicação em longas distâncias, são utilizados repetidores para
amplificar o sinal entre o transmissor e o receptor. A grande vantagem da
376
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 8.53: Atenuação da luz em fibra óptica de sı́lica em função do comprimento de onda.
comunicação óptica em relação aos sistemas baseados em microondas é sua
grande largura espectral, que possibilita a transmissão numa única fibra de
milhares de canais de voz ou de vı́deo. Com a crescente da digitalização das
informações, a capacidade dos sistemas de comunicação passou a ser expressa
em termos da velocidade de transmissão de pulsos, em bits por segundo (b/s).
O primeiro sistema comercial de comunicação óptica foi implantado na
segunda metade da década de 1980, operando com lasers de semicondutor
de GaAs, com comprimento de onda em torno de 800 nm, a uma taxa de
repetição de 45 Mb/s. Como a atenuação das fibras nesta região era alta,
cerca de 2 dB/km, havia a necessidade de colocar repetidores a cada 10 km de
distância. Os repetidores utilizados naquela época eram baseados em amplificadores eletrônicos, portanto eles tinham que detetar o sinal óptico, amplificar
o sinal elétrico e depois modular um novo feixe de laser. Na década de 80 foram
desenvolvidos sistemas operando em torno de 1300 nm, em que as fibras tinham
atenuação de cerca de 0,6 dB/km. Eles empregavam lasers de semicondutor
de InGaAsP, podendo operar com até 2 Gb/s e com uma distância de 44 km
entre repetidores, que usavam amplificadores óptico-eletrônicos. Mais tarde
foram desenvolvidos sistemas para 1550 nm, em que as fibras têm atenuação
de 0,2 dB/km, podendo transmitir a distâncias de 70 km sem a necessidade
de repetidores. Estes sistemas utilizam lasers de diodo de InGaAsP com uma
concentração maior de In, operando com até 4 Gb/s.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
377
Figura 8.54: Componentes básicos de um sistema de comunicações ópticas.
O que possibilitou um grande aumento na velocidade de transmissão
foi o desenvolvimento do amplificador óptico no final da década de 1980. O
amplificador óptico consiste basicamente de uma fibra óptica com impurezas
de terras raras. Na faixa em torno de 1550 nm são usadas fibras de sı́lica
dopadas com Er, enquanto em 1300 nm usavam-se vidros fluoratos dopados
com Pr. Estas impurezas têm nı́veis de energia que absorvem radiação no
visı́vel e emitem no infravermelho. Quando bombeado por um laser de diodo,
este sistema amplifica um sinal óptico que propaga na fibra, através de emissão
estimulada. Os amplificadores ópticos possibilitaram o advento de uma nova
área da tecnologia, na qual o processamento de sinais é inteiramente óptico,
chamada fotônica. Na seção 10.2 apresentaremos alguns dispositivos ópticos
baseados em materiais dielétricos que são empregados no processamento de
sinais ópticos.
A amplificação e o processamento totalmente ópticos do sinal permitiram
o aumento da distância entre os repetidores. Os primeiros sistemas comerciais
totalmente ópticos surgiram em 1990, funcionavam a 10 Gb/s e requeriam
distâncias de 60 a 80 km entre os repetidores. Estes avanços cientı́ficos também
possibilitaram o desenvolvimento de uma nova tecnologia de transmissão de
vários canais numa só fibra, a WDM (Wavelength Division Multiplexing),
que contribuiu para o grande aumento na taxa de transmissão de bits. Atualmente os sistemas de comunicação operam com taxas de transmissão superiores a 1 Tb/s. As faixas de comprimento de onda utilizadas para comunicação óptica estão assinaladas na Figura 8.54 e são designadas por letras
378
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
estabelecidas pela União Internacional de Telecomunicações (ITU, sigla para
International Telecommunication Union). A banda S é a faixa que abrange os
comprimentos de onda entre 1460 e 1530 nm, a banda C é a faixa entre 1530
e 1565 nm e a banda L é a faixa entre 1565 e 1625 nm.
8.8.2
Gravação e Reprodução em Discos Compactos
Uma aplicação dos lasers de diodo semicondutor de importância econômica
crescente é nos dispositivos de armazenagem de informação em discos ópticos,
também chamados discos compactos, ou CD (Compact Disc). Eles são utilizados em aparelhos de reprodução de som, ou tocadores de CD (CD players),
em aparelhos de reprodução de vı́deo, ou DVD (Digital Video Disc), e em
unidades de gravação, armazenagem e leitura de informação digital em computadores. As principais vantagens destes dispositivos em relação a outros
sistemas estão na grande capacidade de armazenagem dos discos ópticos, facilidade de transporte, e no fato do processo de leitura não requerer contato
fı́sico com o disco. A Figura 8.55 ilustra os elementos básicos do processo de
armazenagem e leitura em disco óptico.
Nos discos ópticos de gravação permanente, a informação digital é registrada na forma de pequenas covas (pits, em inglês), mostradas nas Figuras
8.55 (b) e (c). As covas têm forma ovalada, com dimensões da ordem ou menor
que 1 µm, dispostas ao longo de uma trilha em espiral. A presença da cova
numa posição representa o bit 1, e a ausência representa o bit 0. O disco é
de plástico, e sua preparação é feita por meio de um processo de injeção sobre
uma matriz metálica plana, contendo ressaltos nas posições que irão produzir
as covas. Após a injeção, a superfı́cie contendo as covas na trilha em espiral é
metalizada com um filme de alumı́nio para refletir a luz. Finalmente, o conjunto é recoberto por um polı́mero transparente, visando proteger as covas e
formar uma superfı́cie final lisa, para evitar o acúmulo de sujeira.
Nos últimos anos foram desenvolvidos sistemas de gravação termo-óptica
em CD, permanente ou regravável, compatı́veis com os sistemas tradicionais.
Neste caso, o CD virgem consiste de uma camada de polı́mero uniforme, sobre
um filme metálico plano. O processo de gravação de um bit 1 numa pequena
região da camada é feito por aquecimento, produzido por um pulso de laser de
diodo focalizado por uma lente, que resulta na mudança do ı́ndice de refração
do material depois que esfria. A profundidade da região alterada é tal que
no processo de leitura, a parte da luz que a atravessa e é refletida pelo filme
metálico tem uma defasagem de 180◦ em relação à outra parte. Isto produz
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
379
interferência destrutiva na luz indicando a presença do bit 1, como no CD
tradicional.
As dimensões mostradas na Figura 8.55 (b) são tı́picas de CD de som e
de armazenagem digital de computadores. Os lasers de leitura, neste caso, são
de heteroestrutura dupla ou de MQW, de GaAs, operando no infravermelho
com comprimento de onda de 780 nm. Os discos de vı́deo ou DVD requerem
uma maior capacidade de armazenagem. Por isto, as dimensões das covas
e a distância entre trilhas são cerca de 50% menores, e os lasers de leitura
operam no vermelho, com 650 nm. O desenvolvimento de lasers de diodo
operando no azul está possibilitando a redução das dimensões das covas e
trilhas e o conseqüente aumento da capacidade de armazenamento, necessária
para o DVD de alta definição e outras aplicações.
Feixe
incidente
Trilhas
1,6 mm
Superfície
refletora
0,5 mm
Lente
0,7 mm
1,2 mm
Polímero
transparente
00 1111 00 1110 1110
111010 1111 0
Figura 8.55: Elementos básicos de um sistema de CD: (a) Vista do disco óptico; (b) Ilustração
das covas nas trilhas e da focalização do laser de leitura; (c) Vista lateral das covas através
de corte do disco ao longo de uma trilha.
380
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
REFERÊNCIAS
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New York, 2002.
M. Fox, Optical Properties of Solids. Oxford University Press, Oxford, 2001.
W.F. Giozza, E. Conforti, H. Waldman, Fibras Ópticas, McGraw Hill, São
Paulo, 1991.
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2001.
W.B. Jones, Jr, Introduction to Optical Fiber Communication Systems, Holt,
Rinehart and Winston, New York, 1988.
J. Leite Lopes, A Estrutura Quântica da Matéria, Editora UFRJ, Rio de
Janeiro, 1992.
H.P. Neff, Jr., Introductory Electromagnetism, John Wiley and Sons, New
York, 1991.
S.D. Smith, Optoelectronic Devices, Prentice Hall, New York, 1995.
L. Solymar and D. Walsh, Lectures on the Electrical Properties of Materials,
Oxford University Press, Oxford, 1988.
B.J. Streetman and S. Banerjee, Solid State Electronic Devices, Prentice
Hall, New Jersey, 2000.
S.M. Sze, Semiconductor Devices, John Wiley and Sons, New York, 1985.
J. Wilson and J.E.B. Hawkes, Optoelectronics, Prentice Hall, New York,
1992.
D. Wood, Optoelectronic Semiconductor Devices, Prentice Hall, New York,
1994.
A. Yariv, Optical Electronics, Holt, Rinehart and Winston, New York, 1991.
PROBLEMAS
8.1 Mostre, a partir das equações de Maxwell, (2.1)-(2.4), que num meio de
condutividade σ e sem carga elétrica (ρ = 0), o campo elétrico variando
somente na direção x é descrito pela equação de onda (8.1).
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos
381
8.2 a) Mostre que numa onda plana senoidal com campo elétrico de amplitude E0 propagando num dielétrico com ı́ndice de refração n, o vetor de
Poynting é dado pela equação (8.10). b) Calcule a intensidade da luz num
feixe de laser com diâmetro 1 mm e potência média 10 W. c) Calcule o
valor de E0 no feixe de laser do item b.
8.3 Mostre que numa onda plana senoidal com campo elétrico dado pela
Eq.(8.9), a variação de intensidade no espaço é dada por (8.14).
8.4 a) Verifique que o comprimento de penetração δ, dado pela Eq. (8.30),
tem a unidade do metro no Sistema Internacional. b) Calcule o valor de
δ para a freqüência ν = 10 THz, da região infravermelho. c) Verifique
que a freqüência de plasma, dada pela Eq.(8.32), tem a unidade rd/s. d)
Calcule ωp para o cobre em Hz e em eV.
8.5 O ı́ndice de refração complexo de germânio para um feixe de luz de comprimento de onda de 400 nm é dado por N = 4,14 + i 2,221. Calcule: a) A
velocidade de fase da luz; b) O coeficiente de absorção; c) A refletividade.
8.6 Calcule a transmissão total de uma amostra de germânio na forma de
uma placa de faces paralelas e espessura 50 nm de um feixe de luz de
comprimento de onda de 400 nm.
8.7 A largura de linha de uma absorção é definida como a diferença entre as
duas freqüências para as quais a absorção é metade do valor máximo na
ressonância. Mostre que para a função Lorentziana (8.40) a largura de
linha é igual a taxa de amortecimento Γ.
8.8 Na comparação das equações (8.57) e (8.38), é necessário que (N1 −
N2 )p212 /0 tenha a mesma dimensão que ωp2/ω0 . Mostre que isto é verdadeiro.
8.9 A partir da constante dielétrica para um sistema de dois nı́veis com linha
Lorentziana, dado por (8.57), calcule o coeficiente de absorção α, em
cm−1 , no pico da linha, para os seguintes valores: ν0 = 3 × 1014 Hz,
N2 ≃ 0, N1 = 1018 cm−3 , Γ = 3 × 103 s−1 , p = e a0 , onde e é a carga do
elétron e a0 o raio de Bohr.
8.10 Um átomo de hidrogênio está num campo eletromagnético linearmente
polarizado com fótons de energia igual a separação dos nı́veis n = 1 e
n = 2. Usando as autofunções da Tabela 3.1, mostre que só há transição
de dipolo elétrico do estado n, , m = 1, 0, 0 para o estado 1, 1, 0.
8.11 Considere um foto-resistor para o infravermelho com dimensões 30 × 1 ×
0, 1 mm3 , feito de Ge intrı́nseco, com tempo de recombinação τr = 10−6 s,
submetido a uma tensão de 10 V. a) Calcule a variação de corrente nos terminais, produzida por uma variação de 1 mW na intensidade de uma radiação de λ = 1.100 nm distribuı́da uniformemente na superfı́cie, sabendo
382
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
que a eficiência quântica do Ge neste comprimento de onda é 80%. b)
Calcule a variação da tensão numa resistência de carga RL = RD nas
condições do item a.
8.12 Uma célula solar de área 10 cm2 é feita de Si com concentrações de
impurezas Na = 2 × 1016 cm−3 e Nd = 5 × 1019 cm−3 , para as quais
τn = 10 µs, τp = 0, 5 µs, Dn = 9, 3 cm2 /s e Dp = 2, 5 cm2 /s. Para
condições normais de radiação esta célula tem IL = 500 mA. Calcule a
tensão de circuito aberto e a máxima potência fornecidas pela célula.
8.13 A responsividade de um fotodetetor é definida como a razão entre a
corrente gerada pelos fótons e a potência de luz incidente. Calcule a
responsividade de um detetor ideal em função do comprimento de onda
da radiação e compare seu valor com um ponto qualquer da linha tracejada
da Figura 8.22.
8.14 Mostre que os valores de corrente e tensão numa célula solar na condição
de máxima potência, são dados pelas Equações (8.74) e (8.75).
8.15 A largura da curva de ganho de um laser de He-Ne é 1 GHz. Calcule o
número de modos longitudinais de uma cavidade óptica de comprimento
0,5 m que podem ser emitidos pelo laser.
8.16 Qual é o ângulo da janela de Brewster de um laser a gás feito com um
vidro de n = 1, 46.
8.17 O núcleo e a casca de uma fibra óptica com perfil em degrau têm ı́ndices
de refração 1,48 e 1,46 respectivamente. Calcule o ângulo crı́tico de
propagação.
Capı́tulo 9
Materiais e Dispositivos
Magnéticos
9.1 Magnetismo e Materiais Magnéticos
385
9.2 Propriedades Magnéticas da Matéria
390
9.2.1 Origem do Momento Magnético do Elétron
390
9.2.2 Momento Magnético de Átomos e Íons
9.2.3 Paramagnetismo
392
396
9.3 Materiais Magnéticos
400
9.3.1 Magnetização Espontânea e Temperatura de Curie
9.3.2 O Modelo de Campo Molecular
9.3.3 A Interação de Intercâmbio
9.3.4 Materiais Ferrimagnéticos e Ferrites
9.3.5 Curva de Magnetização: Domı́nios Magnéticos
9.4 Materiais para Aplicações Tradicionais
9.4.1 Ímãs Permanentes
9.4.2 Materiais de Alta Permeabilidade
383
400
402
404
408
411
416
417
422
384
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
9.5 Gravação Magnética
9.5.1 Conceitos Básicos
9.5.2 Análise Qualitativa
9.5.3 Materiais Apropriados
9.5.4 Novas Tecnologias com Filmes Finos e Nanoestruturas
425
427
430
435
437
9.6 Dispositivos de Ferrites para Microondas
442
9.6.1 O Movimento de Precessão da Magnetização
9.6.2 Susceptibilidade Dinâmica de um Ferrite
9.6.3 Ondas Eletromagnéticas em Ferrites
9.6.4 Dispositivos de Ferrites
443
445
448
452
REFERÊNCIAS
459
PROBLEMAS
460
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
385
Materiais e Dispositivos Magnéticos
9.1
Magnetismo e Materiais Magnéticos
A palavra magnetismo está associada ao fenômeno pelo qual um ente tem o
poder de atrair e influenciar outro ente. Sua origem está ligada ao nome de
uma cidade da região da Turquia antiga que era rica em minério de ferro, a
Magnésia. A palavra surgiu na Antiguidade, associada à propriedade que fragmentos de ferro têm de serem atraı́dos pela magnetita, um mineral encontrado
na natureza, de composição quı́mica Fe3 O4 . Os fenômenos magnéticos foram os
primeiros a despertar a curiosidade do homem sobre o interior da matéria. Os
primeiros relatos de experiências com a “força misteriosa” da magnetita, o ı́mã
natural, são atribuı́dos aos gregos e datam de 800 a.C. A primeira utilização
prática do magnetismo foi a bússola, inventada pelos chineses na Antiguidade.
Baseada na propriedade de uma agulha magnetizada em se orientar na direção
do campo magnético terrestre, a bússola foi importante instrumento para a
navegação no inı́cio da era moderna.
Os fenômenos magnéticos ganharam uma dimensão muito maior a partir do Século XIX, com a descoberta de sua correlação com a eletricidade.
Em 1820 Oersted descobriu que uma corrente elétrica num fio também produzia efeito magnético, mudando a orientação da agulha de uma bússola em
suas proximidades. Mais tarde Ampère formulou a lei que relaciona o campo
magnético gerado com a intensidade da corrente no fio. O efeito pelo qual um
fio com corrente sofre a ação de uma força produzida pelo campo criado por
um ı́mã permanente, foi descoberto logo em seguida. Em 1831, Faraday na
386
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Inglaterra e Henry nos Estados Unidos, descobriram que um campo variável
podia induzir uma corrente elétrica num circuito. No final do Século XIX
estes três fenômenos eram perfeitamente compreendidos e já tinham inúmeras
aplicações tecnológicas, das quais o motor e o gerador elétrico eram as mais
importantes. A invenção da lâmpada incandescente, associada ao desenvolvimento dos geradores elétricos, proporcionou uma revolução nos costumes da
sociedade. Por outro lado, a introdução do motor elétrico na indústria e nas
oficinas revolucionou as atividades industriais e de serviços.
Atualmente os materiais magnéticos desempenham papel muito importante nas aplicações tecnológicas do magnetismo. Nas aplicações tradicionais,
como em motores, geradores, transformadores, etc, eles são utilizados em duas
categorias: os ı́mãs permanentes são aqueles que têm a propriedade de criar
um campo magnético constante; os materiais moles, também chamados doce
ou permeáveis, são aqueles que produzem um campo proporcional à corrente
num fio enrolado, muito maior ao que seria criado apenas pela corrente. Nas
últimas décadas surgiu uma nova aplicação para os materiais magnéticos que
adquiriu grande importância na eletrônica: a gravação magnética. Esta
aplicação é baseada na propriedade que tem a corrente numa bobina em alterar o estado de magnetização de certos materiais. Isto possibilita armazenar,
num meio magnético, a informação contida num sinal elétrico. A recuperação,
ou leitura, da informação gravada, é feita através da indução de uma corrente
elétrica pelo meio magnético em movimento, ou por meio de outros processos nos quais uma corrente elétrica é influenciada por um campo magnético.
A gravação magnética é, atualmente, a melhor tecnologia da eletrônica para
armazenamento regravável e não-volátil de informação. Ela é essencial para
o funcionamento de computadores, gravadores de som e de vı́deo, além de
inúmeros equipamentos acionados por cartões magnéticos.
Muitas das aplicações atuais dos materiais magnéticos resultaram dos
avanços cientı́ficos e tecnológicos obtidos nas últimas décadas nos centros de
pesquisa e laboratórios industriais no Japão, Europa e Estados Unidos. Esses
avanços só foram possı́veis graças à compreensão das propriedades atômicas da
matéria, com base na mecânica quântica desenvolvida nas décadas de 1920 e
1930. Foram as contribuições fundamentais ao magnetismo que deram o prêmio
Nobel a Louis Néel em 1970 e J.H. van Vleck e P.W. Anderson em 1977. Ainda
hoje o magnetismo é um dos campos mais férteis e mais ativos da Fı́sica da
Matéria Condensada. É o conhecimento acumulado neste campo, juntamente
com o progresso na ciência e engenharia de materiais, que têm possibilitado a
descoberta de novos fenômenos e a fabricação de novos materiais magnéticos
para aplicações em eletrônica. No Brasil esta área também se desenvolveu
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
387
bastante, e hoje há dezenas de bons grupos de pesquisa em todo o Paı́s.
O comportamento dos materiais num campo magnético externo é determinado pela origem de seus dipolos magnéticos e pela natureza da interação entre eles. Os dipolos magnéticos têm origem no momentum angular
dos elétrons nos ı́ons ou átomos que formam a matéria. Este momentum tem
natureza quântica, como será mostrado na seção 9.2.1. Entretanto, vamos utilizar neste capı́tulo uma combinação de tratamentos quântico e semiclássico
visando obter os resultados importantes na forma mais direta possı́vel. Macroscopicamente, a grandeza que representa o estado magnético de um material é o
Ele é definido como o momento de dipolo magnético
vetor magnetização M.
por unidade de volume,
= 1
M
µi ,
(9.1)
V i
onde o somatório é feito sobre todos os pontos i nos quais há dipolos de momento µi , no interior de um volume V . V é escolhido suficientemente grande
para que haja uma boa média macroscópica, porém pequeno em relação ao
represente uma propriedade magnética lotamanho da amostra para que M
cal.
O campo magnético pode ser expresso por duas grandezas: o vetor
e o vetor intensidade de campo magnético H.
Enquanto
indução magnética B
é relacionado com a corrente que cria o campo, B
depende tanto da corH
que determina o fluxo
rente quanto da magnetização do meio. É o vetor B
magnético Φ através de uma superfı́cie S,
· da
(9.2)
Φ= B
s
onde da é um vetor normal a superfı́cie em cada ponto. Na teoria macroscópica,
a magnetização entra nas equações de Maxwell levando informações das pro e H.
No Sistema
priedades magnéticas do material, através da relação entre B
Internacional de unidades,
+M
) ,
= µ 0 (H
(9.3)
B
onde µ0 = 4π×10−7 N/A2 é a permeabilidade magnética do vácuo. No sistema
CGS, a relação entre os campos tem a forma,
=H
+ 4π M
B
.
(9.4)
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
388
=H
e µ0 = 1. A resposta do material a um
Vemos que no CGS, no vácuo, B
campo aplicado H, caracterizada pelo comportamento de M, é representada
pela susceptibilidade magnética χ. No caso mais simples, a magnetização é
induzida na mesma direção do campo aplicado de modo que χ é um escalar
definido por,
M
.
(9.5)
χ=
H
Note que, como M e H têm a mesma dimensão, a susceptibilidade é uma
grandeza adimensional. A permeabilidade magnética µ é definida através da
e H,
razão entre B
=µH
.
B
(9.6)
A relação entre µ e χ, obtida de (9.3)-(9.6), é, nos dois sistemas de
unidades:
(SI)
µ = µ0 (1 + χ)
;
(CGS)
µ = 1 + 4πχ
.
(9.7)
O motivo para apresentar as relações entre as grandezas magnéticas em
dois sistemas de unidades, é o fato de que ambos os sistemas são muito usados
tanto na engenharia quanto na ciência. Por esta razão, também apresentamos
na Tabela 9.1 as unidades das grandezas magnéticas nos dois sistemas. Note
que a unidade de M no CGS é emu/cm3 , sendo emu (Electromagnetic Units)
Grandeza
SI
CGS
Relação
Φ
weber (Wb)
maxwell
1 Wb = 108 maxwells
B
tesla (T) = Wb/m2
gauss (G)
1 T = 104 G
H
A/m
oersted (Oe)
M
A/m
emu/cm3
1 A/m = 4π × 10−3 Oe
= (1/79,58) Oe
1 A/m = 10−3 emu/cm3
µ
N/A2
adimensional
χ
adimensional
adimensional
Tabela 9.1: Unidades das grandezas magnéticas nos Sistemas Internacional (SI) e Gaussiano
(CGS).
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
389
a unidade de momento magnético. O emu/cm3 é formalmente equivalente ao
gauss (G). Entretanto, como o gauss é a unidade de B, e no CGS a relação
entre B e M é dada por (9.4), costuma-se usar emu/cm3 para unidade de M e
o gauss para 4πM. No SI, por outro lado, a unidade de M é o A/m, enquanto
a de µ0 M é o tesla (T).
Outra relação importante é a da energia de um dipolo magnético µi num
i no ponto i,
campo magnético B
i
Uz = −µi · B
.
(9.8)
Esta equação mostra que a energia é mı́nima quando µi tem a direção e o
i . No interior de um sólido, B
i é a soma do campo externo
sentido do campo B
com os campos criados pelos ı́ons vizinhos ao ponto i. Este campo interno é
um dos principais responsáveis pela diferenciação das propriedades magnéticas
dos vários materiais.
O valor da susceptibilidade varia de 10−5 em materiais fracamente
magnéticos até 106 em materiais fortemente magnéticos. Em alguns casos
a susceptibilidade é pequena e negativa. Em outros casos a relação entre M
e H não é linear, de modo que a susceptibilidade varia com a intensidade de
campo magnético. Dependendo da origem microscópica de sua magnetização
e das interações internas, os materiais são comumente classificados em uma
das seguintes categorias:
• Diamagnéticos
• Paramagnéticos
• Ferromagnéticos
• Ferrimagnéticos
• Antiferromagnéticos
Diamagnetismo é o tipo mais fraco de resposta magnética de um sistema
e é caracterizado por uma susceptibilidade negativa e da ordem de grandeza
de 10−5 . A origem do diamagnetismo está na variação do momentum angular
orbital dos elétrons induzida pela aplicação do campo externo. A explicação
clássica deste fenômeno vem da lei de Lenz, pela qual uma variação de campo
magnético resulta numa corrente elétrica induzida que tende a se opor a esta
variação, isto é, criando um campo oposto ao aplicado. Este fenômeno ocorre
em qualquer átomo. Mas como ele é muito fraco, só aparece quando no material não há dipolos magnéticos permanentes que produzem efeitos muito mais
pronunciados. Os materiais diamagnéticos são aqueles que não possuem dipolos magnéticos permanentes, ou seja, são aqueles cujos átomos ou ı́ons têm
390
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
camadas eletrônicas completas. Este é o caso dos gases nobres, He, Ne, Ar,
Kr, Xe. É também o caso dos sólidos com ligação iônica, cujos átomos trocam
elétrons para ficarem com suas últimas camadas completas, tais como NaC,
KBr, LiF e CaF2 . Como o diamagnetismo é uma propriedade muito fraca dos
materiais, seu estudo não será aprofundado aqui.
Os materiais que têm momentos magnéticos atômicos permanentes são
classificados em uma das outras categorias acima, ou então têm estrutura
magnética mais complexa como é o caso dos chamados vidros de spin. Todavia, para ter extensa aplicação prática é necessário que a magnetização
macroscópica seja alta, o que ocorre apenas nos materiais ferro ou ferrimagnéticos. Estes são os materiais usados nas três aplicações anteriormente mencionadas: ı́mãs permanentes; materiais moles; meios de gravação
magnética.
9.2
Propriedades Magnéticas da Matéria
A magnetização da matéria tem origem no momento magnético associado
ao momentum angular do elétron. Assim, para entender melhor o momento
magnético, é preciso rever algumas propriedades do momentum angular.
9.2.1
Origem do Momento Magnético do Elétron
de uma partı́cula está relacionado com
Classicamente, o momentum angular L
= r ×p.
o momentum linear p e o vetor posição r da partı́cula pela expressão L
Sendo o operador momentum linear pop dado por (3.6), o operador momentum
angular é
op = −i r × ∇ .
(9.9)
L
A partir deste resultado, pode-se mostrar (Problema 9.1) que num átomo
hidrogenóide, no qual há apenas um elétron fora da última camada completa,
o orbital eletrônico é um auto-estado de L2op e de Lzop . Na realidade isto só é
verdade se o spin do elétron for ignorado. As equações de autovalores são
L2op Ψnm = 2 ( + 1) Ψnm
(9.10)
Lzop Ψnm = m Ψnm
(9.11)
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
391
onde Ψnm é a função de onda eletrônica com números quânticos n, , m .
Além do momentum angular orbital, o elétron tem momentum angular
de spin (spin significa rotação em torno de si próprio), que é representado
Se o elétron fosse uma partı́cula clássica de massa m, o
pelo operador S.
spin poderia ser interpretado como resultante de uma rotação em torno dele
mesmo, e cujo valor dependeria da velocidade angular de rotação. Na realidade
o elétron não é uma partı́cula clássica e seu spin é uma propriedade intrinsecamente quântica. Devido à presença do spin, a função de onda eletrônica
completa deve ser caracterizada pela parte orbital e por uma parte que representa o estado do spin. Esta parte é autofunção das componentes S 2 e Sz do
tendo autovalores respectivamente 2 s(s + 1) e ms . Para
operador de spin S,
um elétron, s = 1/2, de modo que o número quântico ms pode assumir valores
+1/2 e -1/2, representando o spin para cima ou para baixo, em relação a um
eixo de quantização. Esse eixo é determinado, por exemplo, pela direção de
um campo magnético externo.
O momentum angular orbital e o momentum angular de spin do elétron
dão origem ao momento de dipolo magnético do átomo. A Fig.9.1 ilustra
o momento magnético orbital através do modelo de Bohr. O momentum
angular clássico do elétron na órbita de raio r com velocidade angular ω é
L = I ω = m r 2 ω. Como o elétron tem carga −e, seu movimento corresponde
a uma espira circular com corrente i = e ω/2π. Esta espira cria um dipolo
magnético, cujo momento é µ = iA = iπr 2 . Note que como a carga do elétron
é negativa, o momento magnético tem o sentido oposto do momento angular. Este momento magnético faz o átomo comportar-se como uma minúscula
agulha magnética, com pólos norte (N) e sul (S) indicados na Fig.9.1. Dessas
expressões podemos obter a relação entre o momento magnético e o momentum
angular. No Sistema Internacional,
µ = −g
e L
2m
(9.12)
onde g = 1 é o fator g orbital. Se o spin do elétron fosse uma grandeza
deveria ser a
clássica, a relação entre o momento magnético do spin µs e S
a relação é:
mesma de (9.12). Entretanto, devido à natureza quântica de S,
µs = −gs
e S
2m
(9.13)
onde gs ≃ 2. A diferença dos fatores g orbital e de spin é uma das manifestações
da origem não-clássica do spin.
392
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.1: Órbita de elétron no modelo
de Bohr ilustrando o momentum angular orbital e o momentum magnético orbital.
O movimento do elétron em torno do núcleo faz com que ele sofra a ação
de um campo magnético, resultante da transformação (relativı́stica) do campo
eletrostático do referencial do núcleo para o seu referencial. A interação do
momento magnético do spin com este campo dá origem à chamada interação
spin-órbita. Por causa dessa interação a função de onda eletrônica deixa de
ser uma autofunção de Lz e Sz separadamente. Ela passa a ser autofunção de
Jz , onde
op + S
op
Jop = L
(9.14)
é o operador momentum angular total. Neste caso m e ms deixam de ser
“bons” números quânticos, mas são ainda úteis para determinar o novo número
quântico mj = ms + m .
9.2.2
Momento Magnético de Átomos e Íons
Quando o átomo ou o ı́on tem vários elétrons fora da última camada completa, seu comportamento magnético é determinado pelas propriedades desses
elétrons. Isto porque numa camada cheia, os elétrons ocupam orbitais com todos valores de m possı́veis, positivos e negativos, bem como todos os valores
de ms possı́veis. Desta forma, o momentum angular total da camada fechada
é nulo, sendo portanto nulo seu momento magnético. A maneira pela qual
os elétrons externos ocupam os orbitais para formar o estado fundamental é
determinada pelas condições de mı́nima energia. Essas condições são dadas
pelas regras de Hund, enunciadas da seguinte forma:
1. Os elétrons ocupam
os estados de modo a maximizar a componente z do
spin total, S = ms , sem violar o princı́pio de Pauli.
2. Os elétrons ocupam orbitais que resultam no máximo valor de L =
m ,
consistente com a regra 1 e com o princı́pio de Pauli.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
393
3. O valor do número quântico da magnitude do momentum angular total
é J = |L − S| quando a camada tem menos da metade do número de
elétrons que ela comporta, e J = |L + S| quando tem mais da metade do
número de elétrons.
Na maioria dos elementos da tabela periódica, para formar sólidos os
átomos tendem a ganhar ou perder elétrons, ficando com suas últimas camadas cheias e formando ı́ons diamagnéticos. Este é o caso, por exemplo, do
sódio e do cloro no cloreto de sódio. O átomo de sódio tem 11 elétrons, com
configuração 1s2 2s2 2p6 3s1 , enquanto o cloro tem configuração 1s2 2s2 2p6
3s2 3p5 . O sódio perde seu elétron 3s, que é o único desemparelhado, para
formar o ı́on Na+ . Este elétron vai para o cloro, completando a camada 3p do
ı́on C− no NaC. Entretanto, isto não acontece com os ı́ons dos elementos
de transição do ferro, Ti, V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni. Os átomos destes elementos
têm a camada 3d incompleta, mesmo tendo elétrons na camada 4s. São os
elétrons 4s que são perdidos na ligação quı́mica, deixando a camada 3d incompleta e formando um ı́on com momento magnético total não nulo. Fenômeno
semelhante acontece com as terras raras do grupo dos lantanı́deos (Nd, Pm,
Sm, Eu, Gd, Tb, Dy, etc.), que perdem elétrons 6s ficando com a camada 4f
incompleta, e com os elementos do grupo dos actinı́deos. Estes são os elementos cujos átomos ou ı́ons têm momentos magnéticos permanentes. Por esta
razão, os materiais magnéticos necessariamente contêm um ou mais elementos
do grupo de transição do ferro ou de terras raras.
Para calcular o momento magnético de um certo átomo ou ı́on isolado, é
necessário aplicar as regras de Hund para determinar a configuração do estado
fundamental e os valores de S, L e J correspondentes. Isto está apresentado
de forma esquemática, a seguir, para alguns ı́ons magnéticos importantes.
2
2
6
2
6
6
Fe2+ - configuração: (1s 2s 2p 3s 3p )3d
(átomo de argônio)
Os seis elétrons 3d são distribuı́dos da seguinte maneira:
Regra 1:
ms =
1/2
1/2
1/2
1/2
1/2
- 1/2
→S=2
Regra 2:
m =
2
1
0
-1
-2
2
→L=2
Regra 3: J = L + S = 4
O estado fundamental do Fe2+ é representado por 5 D4 , onde a letra maiúscula
designa o valor de L (S para L = 0, P para L = 1, D para L = 2, F, G, H, I,
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
394
etc.), o ı́ndice superior é a multiplicidade 2S + 1 e o inferior é o valor de J.
Mn2+ , Fe3+ - configuração: (argônio) 3d5
O ı́on Mn2+ é formado pela perda de dois elétrons 4s enquanto que Fe3+ é
formado pela perda de dois elétrons 4s e um 3d. A distribuição dos cinco
elétrons 3d é determinada da seguinte maneira:
Regra 1:
ms =
1/2
1/2
1/2
1/2
1/2
→ S = 5/2
Regra 2:
m =
2
1
0
-1
-2
→L=0
Regra 3: J = S + L = 5/2
O estado fundamental desses ı́ons é então 6 S5/2 .
Para concluir a exemplificação do uso das regras de Hund, consideremos
o caso de um elemento de terra rara, o Sm3+ . O ı́on é formado pela perda de
dois elétrons 6s e um elétron 4f, restando cinco elétrons na camada 4f.
Sm3+ - configuração das últimas camadas: 4f5 5s2 5p6
Regra 1:
ms =
1/2
1/2
1/2
1/2
1/2
→ S = 5/2
Regra 2:
m =
3
2
1
0
-1
→L=5
Regra 3: J = L − S = 5/2
Portanto, o estado fundamental de Sm3+ é 6 H5/2 .
O momentum angular total tem as mesmas propriedades de (9.10) e
2
e mJ é o autovalor de Jzop , onde
(9.11): J(J + 1) 2 é o autovalor de Jop
mJ varia de −J a +J. A determinação de J para cada ı́on através das regras de Hund possibilita calcular as propriedades magnéticas dos materiais
contendo aquele ı́on. Usando as relações (9.12)-(9.14), pode-se mostrar que
a componente z do momento magnético total de um ı́on magnético livre é,
aproximadamente:
(9.15)
µz = −g µB mJ
onde µB é o chamado magneton de Bohr, dado por,
(CGS)
µB =
e
= 9, 27 × 10−21 G cm3
2mc
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
(SI)
µB =
395
e
= 9, 27 × 10−24 A m2
2m
(9.16)
sendo g o fator de Landé,
g =1+
J(J + 1) + S(S + 1) − L(L + 1)
2J(J + 1)
.
(9.17)
Veja, nesta equação, que g = 1 quando S = 0, e g = 2 quando L = 0, como
era esperado, pois g = 1 e gs = 2.
As regras de Hund são válidas com exatidão para os elétrons em átomos
ou ı́ons isolados, nos quais o campo elétrico visto pelos elétrons tem simetria
esférica. Todavia, quando um ı́on do grupo 3d está num cristal, os elétrons da
camada 3d também sofrem influência do campo elétrico cristalino produzido
pelos ı́ons vizinhos. Isto faz com que os orbitais atômicos do tipo da Tabela
3.1 não sejam auto-estados do Hamiltoniano cristalino. Pode-se mostrar que
os auto-estados são formados aproximadamente por combinações lineares de
orbitais atômicos com números quânticos +mL e −mL . Em conseqüência, o
momentum angular efetivo dos ı́ons do grupo 3d nos sólidos é L ≃ 0. Este
fenômeno, chamado supressão do momentum angular, faz com que o momento
magnético dos materiais contendo ı́ons 3d seja quase inteiramente devido ao
spin dos elétrons. Neste caso o momento é calculado pela Eq.(9.15) com
g ≃ 2.
No caso dos ı́ons de terras raras, os orbitais responsáveis pelo momento
magnético correspondem às camadas eletrônicas interiores. Neste caso, o
campo elétrico cristalino tem efeito desprezı́vel sobre os elétrons destes orbitais, por causa da blindagem criada pelos elétrons exteriores. Isto faz com
que o momentum angular do ı́on no sólido seja igual ao do ı́on livre, e portanto
dado pelas regras de Hund. Em consequência, os elementos de terras raras têm,
em geral, maior momento magnético que os do grupo 3d. Além disso, eles têm
também forte interação entre o spin e o campo cristalino, através da interação
spin-órbita. Devido à forte reatividade quı́mica dos elementos de terras raras,
a tecnologia de utilização desses elementos demorou a ser desenvolvida. Entretanto, nas últimas décadas eles adquiriram grande importância na indústria
de materiais magnéticos.
396
9.2.3
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Paramagnetismo
Paramagnetismo é o fenômeno que ocorre em materiais que têm momentos
magnéticos atômicos permanentes, porém isolados uns dos outros. Na ausência
de campo externo os materiais paramagnéticos têm magnetização nula. A
aplicação de um campo externo produz uma pequena magnetização na direção
do campo. Por esta razão os materiais paramagnéticos têm susceptibilidade
positiva, com ordem de grandeza na faixa χ ∼ 10−5 − 10−3 .
Os principais materiais paramagnéticos são os metais de elementos não
magnéticos e os materiais isolantes que contêm átomos livres ou ı́ons de elementos do grupo de transição do ferro, de terras raras e dos elementos actinı́deos.
Os metais são paramagnéticos, porque um campo magnético aplicado separa
a banda de condução em duas, uma com elétrons de spin +1/2 e outra de spin
-1/2. Isto é devido ao fato de que as energias dos momentos magnéticos de spin
+1/2 e -1/2 no campo são diferentes. Com isso, a banda de menor energia fica
com um número maior de elétrons do que a de maior energia. Como a banda de
menor energia tem momento magnético na direção do campo, a magnetização
induzida no material tem a direção do campo. Portanto χ é positiva e o metal
é paramagnético. Este tipo de magnetismo é chamado paramagnetismo de
Pauli.
A Figura 9.2 ilustra algumas caracterı́sticas dos materiais paramagnéticos. A caracterı́stica básica desses materiais é o fato de seus dipolos magnéticos
atômicos poderem mudar sua direção livremente, sem influência dos dipolos
vizinhos. Numa temperatura finita, com campo nulo, os momentos magnéticos
ocupam direções aleatórias devido à agitação térmica, como ilustrado na
Fig.9.2(a). Com a aplicação de um campo externo, a orientação média dos
dipolos produz uma magnetização resultante na direção do campo. À medida
que o campo aumenta, a energia de interação dos dipolos com o campo aumenta (em módulo) em relação à energia térmica, fazendo a ordem no sistema
aumentar. Em certas faixas de temperatura, M é proporcional a H, como na
Fig.9.2(b). Por outro lado, se o campo for mantido fixo e a temperatura aumentar, a agitação térmica aumenta, resultando numa menor susceptibilidade.
Desde o século passado foram feitas experiências que mostram que a susceptibilidade varia com o inverso da temperatura, como mostrado na Fig.9.2(c).
Esta forma de variação da susceptibilidade é chamada lei de Curie.
Quanticamente, as propriedades básicas de materiais paramagnéticos podem ser entendidas a partir dos resultados que apresentamos anteriormente.
Para um campo B aplicado na direção ẑ, os nı́veis de energia de um sistema
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
397
Figura 9.2: Caracterı́sticas de materiais paramagnéticos: (a) Comportamento dos momentos
magnéticos na ausência de campo externo; (b) Variação de M com H (a inclinação da curva
é a susceptibilidade); (c) Variação do inverso da susceptibilidade com a temperatura.
de momentos magnéticos são obtidos de (9.8) e (9.15),
Em = m g µB B
.
(9.18)
Se o sistema tiver N momentos independentes, como num material paramagnético, a razão entre o número Nm+1 de momentos no nı́vel (m + 1) e Nm
no nı́vel m, a uma certa temperatura T , é dada pelo fator da estatı́stica de
Boltzmann, Eq.(8.54),
Nm+1
= e−gµB B/kB T ,
(9.19)
Nm
pois gµB B é a diferença de energia entre os dois nı́veis. A Fig.9.3 ilustra a
variação da população de cada nı́vel. É claro então que, como os nı́veis de m
mais negativo (menor energia) estão mais populados, há uma predominância de
e logo M
é diferente de zero. Utilizando
momentos magnéticos no sentido de B
(9.1), (9.5) e (9.19) é possı́vel calcular χ(T ) e obter a lei de Curie. Este foi
um dos primeiros sucessos da teoria quântica em materiais. Vamos calcular
χ(T ) para o caso simples de S = 1/2 e L = 0, no qual há apenas dois nı́veis de
energia. Neste caso J = 1/2, mJ = ±1/2 e g = 2, de modo que a magnetização
na direção (z) do campo é:
M = (N1 − N2 ) µB
,
(9.20)
onde N1 é o número de momentos magnéticos no sentido do campo, e N2 o
número no sentido oposto, por unidade de volume. Substituindo (9.19) em
398
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.3: Variação com a energia, da população de momentos magnéticos independentes
em equilı́brio térmico.
(9.20) e usando x ≡ µB B/kB T obtemos
M = N µB
1 − e−x
= N µB tanh x
1 + e−x
,
(9.21)
onde N = N1 + N2 é o número total de dipolos magnéticos por unidade de
volume. A Figura 9.2 mostra qualitativamente a variação da magnetização
num material paramagnético com o campo e a temperatura, dada por (9.21).
Para x
1, ou seja, para baixos valores de campo e/ou altas temperaturas,
(9.21) mostra que M varia linearmente com x,
M ≃ N µB x =
N µ2B
B
kB T
,
o que dá para a susceptibilidade,
χ=
N µ2B µ0
kB T
(9.22)
que é a lei de Curie. Por outro lado, para x
1, isto é, para altos valores
de campo e/ou baixas temperaturas, M → NµB . Esta situação corresponde
a ter todos dipolos alinhados com o campo e portanto a uma saturação da
magnetização. Quanticamente, neste estado todos momentos estão no nı́vel
de energia E1 , ou seja, N2 = 0 e N1 = N. No caso geral em que o número
quântico J é qualquer, o cálculo de M é um pouco mais complexo. Pode-se
mostrar que o valor de saturação que a magnetização atinge em altos campos
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
399
e/ou baixas temperaturas é
Ms = Ng J µB
.
(9.23)
Por outro lado, em baixos campos e/ou altas temperaturas, a susceptibilidade é,
M
C
χ=
≃ µ0
(9.24)
H
T
onde
C=
NJ(J + 1) g 2 µ2B
3kB
(9.25)
é a constante de Curie. Note que no sistema Gaussiano µ0 = 1 e C tem dimensão de temperatura, pois χ é adimensional. Evidentemente, as expressões
(9.24) e (9.25) dão o mesmo resultado de (9.22) no caso J = 1/2, g = 2. Com a
Eq.(9.23) é possı́vel calcular o valor da magnetização de saturação nos sólidos.
Exemplo 9.1: Considere um material com rede cúbica simples, com parâmetro de rede a = 2, 5 Å,
tendo J = 1 e um momento 2µB por célula unitária. Calcule: a) A magnetização de saturação; b)
A susceptibilidade em T = 300 K.
a) Para calcular Ms com (9.23), é preciso inicialmente calcular N . Como foi dado o momento
por célula unitária, N = 1/a3 é o número de momentos por unidade de volume. Usando
µB = 9, 27 × 10−21 erg/G, temos no sistema gaussiano,
Ms =
2 × 9, 27 × 10−21
= 1, 19 × 103 G
2, 53 × 10−24
.
Esta é a ordem de grandeza tı́pica da magnetização de saturação observada tanto nos materiais
paramagnéticos como nos ferromagnéticos.
b) A susceptibilidade obtida de (9.24) e (9.25) com estes mesmos dados, à temperatura ambiente,
T = 300 K, no sistema Gaussiano (µ0 = 1) é,
χ=
2 × 22 × 9, 272 × 10−42
2, 53 × 10−24 × 300 × 1, 38 × 10−16
= 1, 06 × 10−3
.
A susceptibilidade calculada no Exemplo 9.1, da ordem de 10−3 , observada nos materiais paramagnéticos, é várias ordens de grandeza menor que nos
materiais ferromagnéticos. O fato das duas classes de materiais terem magnetizações semelhantes quando todos momentos estão alinhados, o que ocorre
400
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
em T = 0, indica que a origem dos momentos é a mesma nas duas classes. Entretanto, como muitos materiais ferromagnéticos têm à temperatura ambiente,
magnetização da mesma ordem que em T = 0, deve haver uma interação entre
seus momentos que tende a mantê-los alinhados. Os materiais que têm uma
forte interação entre os momentos magnéticos estão apresentados na próxima
seção.
9.3
Materiais Magnéticos
Vários metais de elementos do grupo de transição do ferro, como ferro, nı́quel
e cobalto, puros ou em ligas com outros elementos, apresentam uma alta magnetização à temperatura ambiente quando submetidos a um pequeno campo
externo. Estes materiais são chamados ferromagnéticos. A propriedade que
eles têm de serem atraı́dos pela magnetita é conhecida há milênios. Porém,
somente no final do Século XIX foram feitas medidas quantitativas das propriedades magnéticas destes materiais. Na metade do Século XX, descobriuse que vários materiais que se supunha serem ferromagnéticos, na realidade
são ferrimagnéticos. Estas duas categorias de materiais têm propriedades
magnéticas semelhantes e encontram várias aplicações na eletrônica.
9.3.1
Magnetização Espontânea e Temperatura de Curie
No final do século XIX, Pierre Curie verificou que a magnetização dos materiais ferromagnéticos diminui com o aumento da temperatura e torna-se nula
acima de um certo valor Tc , chamado de temperatura de Curie. Atualmente
sabe-se que, localmente, em pequenas regiões chamadas domı́nios, os materiais
ferromagnéticos apresentam magnetização finita mesmo sem campo externo.
Ela é chamada magnetização espontânea e resulta de uma forte interação entre
momentos vizinhos que tende a mantê-los alinhados. A forma qualitativa da
variação da magnetização espontânea M com a temperatura está mostrada na
Figura 9.4. Em T = 0, M tem valor igual ao da magnetização de saturação,
Ms , porque todos momentos estão alinhados. À medida que a temperatura
aumenta, M diminui gradualmente devido à agitação térmica dos momentos. Em T > Tc , a energia térmica predomina sobre a energia de ordenamento, de modo que o material passa a ter comportamento paramagnético,
com M = 0. A Figura 9.5 apresenta a visão clássica do comportamento dos
momentos magnéticos nestas três faixas de temperatura.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
401
Figura 9.4: Variação da magnetização espontânea em materiais ferromagnéticos com a temperatura.
A Tabela 9.2 apresenta os valores de Tc e da magnetização espontânea
em T = 0 e em T = 300 K em alguns ferromagnetos simples. No sistema CGS
a magnetização está multiplicada por 4π porque a grandeza que contribui para
o campo B é 4πM. Pela mesma razão, no sistema SI, utiliza-se µ0 M. Note que
vários materiais têm Tc < 300 K, e portanto não têm magnetização espontânea
à temperatura ambiente. Outra observação interessante é que os materiais que
têm maior magnetização, não têm necessariamente maior Tc . A razão disto
Material
Tc
K
4πM (0)
G
4πM (300 K)
G
Fe
1043
22.016
21.450
Co
1394
18.171
17.593
Ni
631
6.409
6.095
Gd
293
24.881
0
CrBr3
37
3.393
0
EuO
77
24.002
0
EuS
16,5
14878
0
Tabela 9.2: Dados de alguns materiais ferromagnéticos no sistema CGS. Para obter o valor
de µ0 M no SI basta multiplicar o valor de 4πM por 10−4 .
402
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.5: Visão clássica dos momentos magnéticos num material ferromagnético em três
faixas de temperatura.
é que o valor de M depende do momento magnético atômico, enquanto Tc
depende da interação entre os momentos, como veremos a seguir.
9.3.2
O Modelo de Campo Molecular
No inı́cio do Século XX, quando a origem do momento magnético atômico
ainda era desconhecida, Pierre Weiss propôs um modelo teórico para o ferromagnetismo, que até hoje continua muito útil. Neste modelo, cada dipolo
magnético atômico sofre a ação de um campo magnético efetivo criado pelos
vizinhos, que tende a fazer com que eles fiquem alinhados na mesma direção.
E , postulado empiricamente por Weiss, chamado campo
Este campo efetivo B
,
molecular de Weiss, é proporcional à magnetização local M
E = λ M
,
B
(9.26)
sendo λ um parâmetro adimensional, caracterı́stico de cada material. Desta
, cuja direção é
E e portanto com M
forma, cada dipolo tende a se alinhar com B
dada pela média de todos dipolos vizinhos. Este modelo pode ser utilizado para
calcular a magnetização local em função da temperatura e do campo aplicado
H0 . Para isto utilizamos o resultado (9.21), válido apenas para S = 1/2 e
g = 2, sendo o parâmetro x determinado pelo campo local total,
x=
µB (µ0 H0 + λM)
µB B
=
kB T
kB T
.
(9.27)
Assim, a magnetização espontânea é dada por (9.21) e (9.27) com H0 = 0,
µB λM
M = NµB tanh
.
(9.28)
kB T
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
403
Figura 9.6: Solução gráfica da Eq.(9.28) para a magnetização espontânea em quatro valores
de temperatura.
Esta é uma equação transcendental, que não tem solução geral analı́tica, mas
que pode ser resolvida numericamente ou graficamente. A Figura 9.6 ilustra
as soluções de (9.28) para a magnetização espontânea em quatro valores de
temperatura. A curva representa a função M(x) dada pela Eq.(9.21), enquanto
as retas representam a função M = kB T x/µB λ nas diversas temperaturas.
Para T = T1
Tc , a solução de (9.28) é o ponto 1, interseção da curva
com a reta correspondente a T1 , que tem baixa inclinação. Neste ponto a
magnetização espontânea tem um valor próximo da saturação Ms . É fácil ver
que a medida que T aumenta, a inclinação da reta aumenta e portanto o valor
de M diminui, como no ponto 2 da Fig.9.6. Este comportamento está em
acordo com o resultado experimental da Fig.9.4. A temperatura de Curie é
aquela na qual a reta tangencia a curva M(x), pois é o menor valor de T para
o qual M = 0 (ponto 3 da figura). Evidentemente, para T > Tc , a solução
permanece no ponto 3 e portanto M = 0.
Podemos obter a relação entre Tc e os parâmetros do material com a
condição de tangenciamento entre a reta e a curva da Fig.9.6. O coeficiente
1, tanh x ≃ x, de modo que o coefiangular da reta é kB T /µB λ. Para x
ciente angular da tangente de (9.21) na origem é NµB . Igualando estes dois
coeficientes angulares temos,
Tc =
Nµ2B
λ
kB
.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
404
Note que a expressão que multiplica λ neste resultado é exatamente a
constante de Curie, C, válida para J = 1/2, g = 2, na Eq.(9.25). Para o caso
geral de J qualquer, pode-se mostrar que
Tc = λ C
.
(9.29)
Este resultado pode ser obtido de outra maneira interessante. Na fase
ferromagnética, T < Tc , não faz sentido definir uma susceptibilidade local,
pois M = 0 com H0 = 0. Entretanto, na fase paramagnética, T > Tc , a
susceptibilidade local é dada por (9.24), χ = µ0 C/T . Como o campo local é
a soma do campo externo com o campo molecular,
M=
χ
C
(µ0 H0 + λM)
(µ0 H0 + BE ) =
µ0
T
.
Com esta expressão obtemos a susceptibilidade de um material ferromagnético na fase paramagnética,
χ=
µ0 C
M
=
H0
T − Tc
,
(9.30)
onde Tc = λ C, como em (9.29). Este resultado, conhecido como a lei de
Curie-Weiss, mostra que χ diverge quando T → Tc . Isto é consistente com o
fato de que em T ≤ Tc , M é finito mesmo com H0 = 0.
O resultado (9.29) permite estimar o valor do campo molecular nos materiais ferromagnéticos. Para os metais do grupo de transição do ferro, da Tabela
9.2 temos M ∼ 103 G e Tc ∼ 103 K, e com (9.25) obtemos no sistema Gaussiano C ∼ 1 K. Portanto, λ = Tc /C ∼ 103 e o campo molecular BE = λM é da
ordem de 106 G. Este valor é muito elevado em relação aos campos magnéticos
tı́picos produzidos em laboratórios, que são no máximo da ordem de 105 G.
Ele é também muito maior que o campo magnético que um dipolo atômico
cria nos vizinhos, que é da ordem de µB /a3 ∼ 10−20 /10−23 = 103 G.
9.3.3
A Interação de Intercâmbio
A origem do campo molecular de Weiss foi explicada muitos anos depois de
sua descoberta, através da mecânica quântica. Ela está associada à chamada
energia de intercâmbio de Heisenberg, cuja origem é eletrostática porém de
natureza quântica, sem analogia clássica. Ela resulta da diferença entre as
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
405
Figura 9.7: Ilustração da origem da interação de intercâmbio. As direções dos spins dependem da distribuição espacial de carga (função de onda espacial) dos elétrons dos ı́ons
vizinhos.
energias eletrostáticas de dois elétrons nas situações de spins paralelos e antiparalelos. Podemos entender esta interação com um modelo simples. Sejam
1 e S
2 . O princı́pio de exclusão
dois elétrons de ı́ons vizinhos, cujos spins são S
de Pauli impõe que a função de onda total dos dois elétrons seja anti-simétrica.
A função de onda total é o produto da função espacial e da que descreve o
estado de spin. Quando a função espacial é simétrica, os spins devem ser
antiparalelos para que a função de onda total seja anti-simétrica. Analogamente, quando a função espacial é anti-simétrica os spins devem ser paralelos.
Como a energia eletrostática total do conjunto depende da distribuição espacial de carga elétrica, ela é diferente nos dois casos das Figuras 9.7(a) e (b). A
diferença entre os valores da energia eletrostática nas duas situações é chamada
a energia de intercâmbio (exchange) entre os dois spins. Como ela depende
fundamentalmente dos estados dos spins, pode-se mostrar que ela adquire a
forma
1 · S
2 ,
(9.31)
U12 = −2J12 S
onde J12 é a integral de Heisenberg, também chamada constante de intercâmbio. Esta integral depende das distribuições eletrônicas dos átomos
e de sua distância. Como a interação eletrostática diminui com o aumento
da distância, J12 diminui rapidamente à medida que os átomos se afastam.
Vemos pela Eq.(9.31) que quando J12 é positivo, o estado de menor energia
corresponde aos dois spins paralelos, que é o caso ferromagnético.
No caso de substâncias que contém apenas um elemento com momento
magnético atômico, J12 é, em geral, positivo. Entretanto, quando a substância
contém elementos que intermediam a ligação quı́mica entre os átomos de momentos magnéticos, como é o caso de O, F e C, por exemplo, J12 tende a ser
negativo. Neste caso, o estado de menor energia de intercâmbio tem os spins
406
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
antiparalelos. Isto dá origem ao antiferromagnetismo e ao ferrimagnetismo.
Por esta razão, é raro encontrar ferromagnetismo nos óxidos, fluoretos ou cloretos. Evidentemente, quando J12 = 0, o material é paramagnético.
É fácil relacionar a constante de intercâmbio com o campo molecular. Consideremos dois átomos vizinhos com momentos magnéticos µ1 e
µ2 . Supondo que o momento magnético do ı́on é devido somente ao spin,
a Eq.(9.31) pode ser reescrita na forma
µ = −g µB S,
U12 = −
2 J12
2
µ1 · S
gµB
.
(9.32)
Comparando (9.32) com (9.8), vemos que é possı́vel representar a ação do spin
2 /gµB .
12 = −2J12 S
2 sobre o spin 1 na forma de um campo magnético efetivo B
Geralmente a constante de intercâmbio é a mesma entre os vizinhos magnéticos
mais próximos, sendo representada por J1 , e nula para vizinhos mais afastados.
Se um spin tem z1 vizinhos mais próximos, o campo efetivo médio que atua
sobre ele é então,
2 S z1 J1
.
(9.33)
BE =
gµB
Este é o campo molecular de Weiss. Comparando as equações (9.26) e (9.33) e
usando o valor da magnetização a T = 0, Ms = gµB S N, onde N é o número
de spins por unidade de volume, vemos que
λ=
2 z1 J1
N(gµB )2
.
(9.34)
Usando (9.29) e (9.25), com J = S, podemos obter a relação entre a
temperatura de Curie e a constante de intercâmbio,
Tc =
2 S(S + 1) z1 J1
3kB
.
(9.35)
Esta expressão mostra que à medida que a interação de intercâmbio aumenta,
Tc aumenta, pois é preciso uma maior temperatura para destruir a ordem
magnética. Isto explica a grande variação nos valores de Tc dos materiais da
Tabela 9.2.
Para concluir esta seção, vamos abordar a questão importante do
magnetismo dos materiais metálicos. Até o momento, todas propriedades
magnéticas foram tratadas como se os momentos magnéticos fossem associados a ı́ons localizados, fixos na rede cristalina. Isto é válido para isolantes,
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
407
mas não para metais. Nos metais é preciso considerar o fato de que os elétrons
ocupam estados em bandas de energia, e não nı́veis discretos em ı́ons localizados. No caso dos metais de elementos do grupo de transição do ferro, as
bandas importantes são aquelas associadas aos nı́veis 3d e 4s. A banda 4s é a
dos elétrons quase livres, responsáveis pela maior parte da condutividade. A
banda 3d é a do magnetismo, pelas mesmas razões discutidas na seção 9.2.1.
Na verdade, as curvas E(k) correspondentes às bandas 3d e 4s se interceptam,
como mostrado na Figura 9.8 (a). Como resultado, existe uma mistura de
estados 3d e 4s e a curva da densidade de estados tem a forma mostrada na
Figura 9.8 (b). Devido à interação de intercâmbio entre os spins eletrônicos,
em temperaturas menores que Tc a energia de um elétron no estado k com
o spin para cima é menor que a energia de um elétron no mesmo estado k
mas com o spin para baixo. Como resultado, a banda de densidade de estados separa-se em duas, uma com menor energia que a outra, como indicado
na Figura 9.8(b). Como os estados são ocupados até o nı́vel de Fermi, a
banda com menor energia fica com mais estados ocupados que a outra. Isto
resulta, em alguns metais do grupo 3d, num momento magnético total por
átomo diferente de zero, o que dá origem a uma magnetização espontânea e
comportamento ferromagnético. Este é o caso de Fe, Co e Ni, que têm a T = 0
momentos 2, 22µB , 1, 72µB e 0, 16µB por átomo, respectivamente. Apesar das
origens do momento magnético nos metais e nos isolantes serem diferentes, as
propriedades magnéticas macroscópicas podem ser tratadas da mesma forma
nos dois tipos de materiais.
Figura 9.8: Ilustração das últimas bandas de energia nos metais do grupo de transição do
ferro: (a) Curvas E(k) para T > Tc ; (b) Ocupação dos estados em T < Tc .
408
9.3.4
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Materiais Ferrimagnéticos e Ferrites
Quando a interação de intercâmbio entre dois ı́ons vizinhos é negativa, seus
spins tendem a se alinhar na mesma direção porém em sentidos opostos. Isto
dá origem a ordenamentos magnéticos mais complexos que o ferromagnético. A
Figura 9.9 ilustra dois tipos de ordenamento simples que ocorrem com J12 < 0,
o antiferromagnetismo e o ferrimagnetismo. No antiferromagnetismo os
momentos antiparalelos são iguais, fazendo com que a magnetização resultante seja nula. Por esta razão, embora os materiais antiferromagnéticos tenham uma forte interação entre os momentos magnéticos, e por isso sejam
de grande interesse cientı́fico, até recentemente eles não tinham aplicações tecnológicas. Atualmente eles são empregados em cabeçotes de leitura de gravação
magnética, apresentados na Seção 9.5.4.
Os materiais ferrimagnéticos também são caracterizados por uma interação de intercâmbio negativa. Entretanto, como os momentos vizinhos são
diferentes, a magnetização resultante é diferente de zero. Na realidade, do
ponto de vista macroscópico, as propriedades dos materiais ferrimagnéticos
são muito semelhantes as dos ferromagnetos.
Uma classe de materiais ferrimagnéticos muito importante para a
eletrônica é a dos ferrites. Ferrites são óxidos ferrimagnéticos com estrutura cristalina semelhante ao spinel natural MgA2 O4 . Suas propriedades
magnéticas decorrem da existência de ı́ons magnéticos, como Fe, Ni, Co, Mn
ou terras raras, no lugar do Mg ou A. Sua estrutura complexa origina a
distribuição de spins opostos uns aos outros, mas várias de suas propriedades
são semelhantes as dos ferromagnetos. Duas propriedades importantes de al-
Figura 9.9: Ilustração de ordenamentos anti- e ferrimagnético simples.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
409
guns ferrites dão a eles grande importância tecnológica. São elas a rapidez da
resposta da magnetização e a alta resistividade. Esta última permite que
eles sejam usados em aplicações de altas freqüências, inclusive na faixa de microondas, porque não desenvolvem correntes parasitas, ou de Foucault, que são
responsáveis pelo aquecimento e perda de energia nos metais ferromagnéticos.
A Figura 9.10 mostra a estrutura cristalina do spinel natural MgA2 O4 ,
que é um mineral conhecido encontrado na natureza. Se o A3+ é substituı́do
por Fe3+ , e o Mg2+ é substituı́do por um metal divalente M, obtemos o ferrospinel MO.Fe2 O3 , também chamado ferrita. Se o metal divalente for Fe2+ ,
teremos o ferrite de ferro, ou magnetita, que é o ı́mã encontrado na natureza,
Fe3 O4 (ou FeO · Fe2 O3 ). Os ı́ons metálicos na estrutura spinel ocupam duas
posições de simetrias diferentes. A posição A tem simetria tetraédrica, isto é,
os oxigênios que circundam o ı́on metálico formam um tetraedro. A posição
B é a de simetria octaédrica. Na célula unitária do cristal há 8 posições A e
16 posições B. Nos ferrites a interação entre os spins dos ı́ons magnéticos que
entram nas posições A e B é ferrimagnética, isto é, os spins nessas posições são
antiparalelos. A Figura 9.11 mostra como estão distribuı́dos os ı́ons de Fe3+
(S = 5/2) e Fe2+ (S = 2) na magnetita, Fe2+ O· Fe3+
2 O3 . Veja que os spins
dos 8 ı́ons de Fe3+ na posição A cancelam os outros 8 dos Fe3+ na posição B.
Com isso, o momento magnético resultante é devido exclusivamente aos ı́ons
Fe2+ , que têm spin S = 2. O momento magnético medido experimentalmente
a T = 0 K é 8 × 4, 07 µB por célula unitária, que é um valor próximo do
obtido na Figura 9.11, 8 × gµB S = 8 × 4 µB . A diferença é devido à pequena
contribuição do momento magnético orbital.
É possı́vel obter uma enorme variedade de ferrites com magnetizações
diferentes, próprias para cada aplicação, pela substituição adequada dos ı́ons
metálicos. O ferrite de magnésio puro Mg2+ Fe3+
2 O4 , por exemplo, tem magnetização quase nula, pois o ı́on de Mg não é magnético e os spins dos ı́ons
Figura 9.10: Estrutura cristalina do spinel
natural MgA2 O4 . Os ı́ons de Mg2+ ocupam posições tetraédricas (os oxigênios em
torno deles formam um tetraedro). Os
ı́ons de A3+ ocupam posições octaédricas
(somente dois octantes da célula unitária
estão mostrados com todos os ı́ons, para
facilitar a visão).
410
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.11: Ordenamento dos spins na célula unitária da magnetita, Fe2+ O · Fe3+
2 O3 .
de Fe3+ nas posições A e B se cancelam. Mostramos abaixo as fórmulas de
alguns ferrites nos quais os ı́ons metálicos são substituı́dos fracionariamente,
bem como o momento magnético por célula unitária.
Ferrite de Nı́quel
Fe3+
1,0
A 3+
Ni2+
1,0 Fe1,0
B
O4
Momento Magnético = 8 × 2 µB × (↓ 5/2 ↑ 1 ↑ 5/2) = 16 µB
Ferrite de Nı́quel
com Alumı́nio
Fe3+
1,0
A 3+
Ni2+
1,0 A0,4 Fe0,6
B
O4
Momento Magnético = 8 × 2 µB × (↓ 5/2 ↑ 1 ↑ 0, 6 × 5/2) = 0
Veja que com a substituição de uma pequena fração de ferro por alumı́nio,
a magnetização é cancelada. Com a substituição de uma fração menor podemos
obter uma magnetização com qualquer valor entre 0 e 16 µB por célula unitária.
Os ferrites são cerâmicas, que têm grande dureza e alto ponto de fusão.
Eles são geralmente usados na forma policristalina. A preparação de ferrites
começa com a mistura de partı́culas finas dos vários óxidos metálicos, que entram em sua composição, na proporção desejada na forma final do material.
Essa mistura é aquecida a temperaturas da ordem de 1000◦ C com o objetivo
de homogeneizar os óxidos. Ela é então novamente moida e o pó resultante
é pressionado para ficar com a forma desejada. Finalmente ela é aquecida a
uma temperatura pouco abaixo do ponto de fusão (1200-1500◦C), adquirindo
a forma policristalina densa. Esses passos têm durações que variam de material para material e seus detalhamentos constituem segredos industriais dos
fabricantes. O desenvolvimento desses processos foi feito durante décadas de
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
411
trabalhos de pesquisa em laboratórios universitários e industriais, com a participação de fı́sicos, quı́micos e engenheiros de materiais.
Um material ferrimagnético de grande importância tecnológica é a
granada de ferro e ı́trio (Yttrium Iron Garnet), o YIG, cuja fórmula quı́mica é
Y3 Fe5 O12 . Como o ı́on Y3+ é diamagnético, as propriedades magnéticas do YIG
são devidas aos ı́ons de Fe3+ , três dos quais têm spins opostos aos outros dois.
Com isso o momento magnético por fórmula unitária é 5 µB . Como a célula
unitária de YIG tem oito fórmulas Y3 Fe5 O12 , o momento por célula é 40 µB .
A aresta da célula unitária de YIG mede a = 12, 376 Å, e sua magnetização
a T = 0 é M0 = 40 µB /a3 = 194 G. A temperatura ambiente, M = 140 G. A
temperatura de Curie de YIG é 559 K. Este material tem grande importância
tecnológica porque apresenta perdas magnéticas e atenuação acústica extremamente reduzidas em freqüências de microondas. Ele é usado tanto na forma
cristalina quanto policristalina. Atualmente consegue-se crescer cristais de
YIG relativamente grandes (muitos cm3 ).
9.3.5
Curva de Magnetização: Domı́nios Magnéticos
A magnetização total de um pedaço de material ferro- ou ferrimagnético sem
campo aplicado é em geral muito menor do que a magnetização espontânea.
Isto é devido a formação dos chamados domı́nios magnéticos. Nesta seção
veremos como esses domı́nios são formados e qual sua influência na curva de
magnetização de um material magnético.
Num material ferromagnético a uma temperatura T
Tc , os momentos magnéticos tendem a se alinhar na mesma direção devido à energia de
intercâmbio, mesmo na ausência de um campo aplicado externamente. Se
este alinhamento se der ao longo de todo o material, a magnetização será uniforme, como na Fig.9.12(a). Neste caso os pólos magnéticos gerados nas extremidades criam um campo macroscópico externo, como mostrado
na figura.
Este campo tem uma energia magnética, dada por (µ0 /2) H 2 dV , relativamente alta, de modo que esta configuração não se mantém em equilı́brio. Se
metade da amostra tiver magnetização num sentido e metade no outro, como
na Fig.9.12(b), o campo externo será menor e a energia será reduzida aproximadamente à metade do valor em (a). A figura (c) mostra uma situação
de energia ainda menor, pois as linhas de campo fecham internamente no
material, de modo que o campo externo é desprezı́vel. As quatro regiões
mostradas em (c) têm, internamente, magnetização saturada, porém a magnetização total é nula. Essas regiões são chamadas domı́nios magnéticos, e
412
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.12: Ilustração da diminuição da energia magnética devido à formação de domı́nios
magnéticos.
formam-se espontaneamente para diminuir a energia do sistema. As principais contribuições para a energia são: a energia magnética; a energia Zeeman,
devido a interação dos momentos com um campo aplicado externamente; a
energia de intercâmbio; e a energia de anisotropia cristalina. Esta última é
uma contribuição devida à interação entre os momentos orbitais e o campo
elétrico cristalino, que tende a fazer os momentos se alinharem ao longo de
um dos eixos cristalinos do material. A forma e o tamanho dos domı́nios são
determinados pela minimização da energia total. Um dos resultados importantes é que a fronteira entre os domı́nios não é brusca, pois caso contrário a
energia de intercâmbio seria alta. Na fronteira entre dois domı́nios a energia é
minimizada com a formação de uma camada onde a orientação dos momentos
varia gradualmente. Esta camada é chamada parede de domı́nio, ou parede
de Bloch. A Figura 9.13 ilustra uma parede de 180◦ , separando dois domı́nios
cujas magnetizações tem sentidos opostos. Como a orientação dos momentos
pode variar facilmente, as paredes dos domı́nios têm grande mobilidade. Essas
paredes têm espessuras tipicamente da ordem de 1.000 a 10.000 Å. A largura
dos domı́nios varia desde alguns µm até vários mm ou cm, dependendo das
caracterı́sticas do material e do campo externo aplicado. A Figura 9.14 ilustra
o comportamento dos domı́nios numa situação idealizada. Quando o campo é
nulo, formam-se domı́nios, como em (a), que resultam em magnetização total
nula. Quando um pequeno campo é aplicado ao longo da barra, há um deslocamento das paredes dos domı́nios para diminuir a energia Zeeman. O tamanho
dos domı́nios magnetizados no sentido do campo aumenta, enquanto os de sentido oposto ficam menores. Como resultado, a barra passa a ter magnetização
total ao longo do campo, como mostrado em (b). Um aumento do campo
produz um deslocamento maior das paredes e também rotação dos domı́nios
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
413
Figura 9.13: Ilustração de uma parede de domı́nio de 180◦ .
perpendiculares ao campo, como em (c). Finalmente, com um campo muito
maior, todas paredes de domı́nios desaparecem e a barra é saturada, como
mostrado em (d).
A forma da curva de magnetização em função do campo aplicado,
mostrada na Figura 9.15, é determinada pelo comportamento dos domı́nios. A
curva (a) corresponde a um material inicialmente desmagnetizado, chamado de
virgem. Para pequenos valores de campo, o aumento inicial da magnetização
é devido ao deslocamento reversı́vel das paredes de domı́nios. Se o campo for
retirado, os domı́nios voltam à configuração inicial. Com um aumento maior
do campo, a magnetização cresce em razão dos deslocamentos das paredes,
porém esses deslocamentos tornam-se irreversı́veis devido às imperfeições no
Figura 9.14: Comportamento dos domı́nios magnéticos numa barra de material ferromagnético submetida a um campo externo.
414
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.15: Variação da magnetização de material ferro ou ferrimagnético com o campo
aplicado: (a) amostra inicialmente desmagnetizada; (b) curva de histerese.
material. Finalmente, com valores mais elevados de campo, ocorre rotação de
domı́nios até a saturação completa da magnetização em todo o material. A
Figura 9.15(b) mostra o comportamento da magnetização M com a variação
do campo H após o material ter sido saturado. Quando H diminui, M não
retorna pela mesma curva do material virgem, por causa das rotações e deslocamentos irreversı́veis dos domı́nios. Em consequência, mesmo com H = 0,
Figura 9.16: Processo de desmagnetização ac de um material ferromagnético: (a) Campo H
alternado com amplitude decrescente; (b) Trajetória de M no plano M − H.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
415
há um valor finito de M, chamado magnetização remanente, Mr . Ela resulta do aprisionamento de certas paredes que fazem os domı́nios favoráveis
prevalecerem sobre os desfavoráveis. Se H aumenta no sentido oposto, M
diminui gradualmente e somente com um valor H = −Hc , chamado campo
coercitivo (ou coercivo), a magnetização é anulada. A curva da figura (b),
chamada curva (ou ciclo) de histerese do material, mostra a variação de
M num ciclo completo de variação de H. A forma da curva de histerese é
determinante no tipo de aplicação de um material magnético, como veremos
na próxima seção.
Para concluir esta seção, vejamos o que acontece quando um material é
submetido a um campo H alternado, cuja amplitude diminui gradualmente no
tempo. A Figura 9.16 ilustra o processo de desmagnetização de um material
ferromagnético através de um campo H alternado. A aplicação de um campo
ac com amplitude decrescente no tempo, como em (a), resulta numa trajetória
da magnetização no plano M − H mostrada em (b). Enquanto a variação de
H é periódica, M descreve a curva de histerese externa, atingindo a saturação
nos extremos positivo e negativo. Quando a amplitude de H decresce, em
cada extremo consecutivo o valor máximo de M é menor que no ciclo anterior.
Como resultado, à medida que a amplitude de H tende para zero, o material
torna-se gradualmente desmagnetizado.
Um processo importante para a gravação magnética de sinais de áudio é a
magnetização dc com polarização ac, ilustrado na Figura 9.17. Neste processo
Figura 9.17: Processo de magnetização dc com polarização ac: (a) Trajetória de M no plano
M − H; (b) Curva de magnetização remanente em função de Hdc , na qual não existe o ciclo
de histerese.
416
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
o material é submetido simultaneamente a dois campos H na mesma direção,
sendo um constante Hdc e outro alternado Hac . O campo Hac tem inicialmente
amplitude maior que Hdc , e decresce no tempo como na Figura 9.16(a). Neste
caso, a medida que Hac diminui, a presença do campo Hdc impede que o valor de
M tenda para zero, como no caso da desmagnetização ac. Quando Hac tornase nulo, o material retém uma magnetização finita Mr , cujo valor depende de
Hdc , como mostrado na Figura 9.17(a). Naturalmente Mr = 0 se Hdc = 0, e
Mr = Ms quando o valor de Hdc é elevado. Como resultado deste processo, a
curva Mr − Hdc tem a forma mostrada em (b), na qual não existe o ciclo de
histerese. Este processo permite magnetizar um material ferromagnético com
uma magnetização proporcional ao campo dc, numa certa faixa de campo em
torno da origem. Isto não é possı́vel de ser feito sem a polarização ac por causa
do efeito de histerese.
9.4
Materiais para Aplicações Tradicionais
Os materiais magnéticos desempenham um importante papel na tecnologia
moderna, pois encontram aplicações em um grande número de produtos e processos industriais dos mais variados setores. Essas aplicações vão desde dispositivos com funções muito simples, como os pequenos ı́mãs permanentes usados
para fechaduras de móveis e utensı́lios, a inúmeros componentes sofisticados
utilizados na indústria eletro-eletrônica e de computadores. A mais notável
delas é, sem dúvida, a de gravação magnética, cujo mercado tem expandido
enormemente nos últimos 20 anos. No setor eletro-eletrônico, os materiais
magnéticos são suplantados em volume de aplicação apenas pelos semicondutores, tendo importância econômica quase tão grande quanto estes, e sendo
elementos essenciais de muitos dispositivos e equipamentos.
Do ponto de vista das propriedades magnéticas básicas, os materiais
magnéticos são classificados em três grandes classes:
• Materiais duros, ou ı́mãs permanentes;
• Materiais moles, também chamados doces ou permeáveis;
• Materiais intermediários, ou meios de gravação magnética.
As principais caracterı́sticas desses materiais estão mostradas na Figura
9.18. Os materiais duros, usados em ı́mãs permanentes, têm altos valores de
magnetização remanente Mr e de campo coercitivo Hc , e portanto têm um
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
417
Figura 9.18: Ciclos de histereses de materiais magnéticos: (a) Materiais duros, ou ı́mãs
permanentes; (b) Materiais moles, ou permeáveis; (c) Materiais intermediários para gravação
magnética.
ciclo de histerese retangular, como em (a). Os materiais moles são aqueles
facilmente magnetizáveis pela aplicação de um campo externo, e facilmente
desmagnetizáveis com a retirada do campo. Então eles devem ter campo coercitivo muito pequeno e, portanto, um ciclo de histerese muito estreito, como
em (b). Finalmente, os meios de gravação magnética devem ter um ciclo de histerese intermediário, como em (c). Eles têm Mr e Hc suficientemente grandes
para reter a informação contida no campo de gravação, porém menores que
nos ı́mãs permanentes, para permitir que a informação seja apagada. Nas
seções seguintes apresentamos mais detalhes sobre as aplicações dessas classes
de materiais.
9.4.1
Ímãs Permanentes
Os ı́mãs permanentes constituem a aplicação mais antiga e mais caracterı́stica dos materiais magnéticos. Sua função é criar um campo magnético fixo
numa certa região do espaço, sem a necessidade da passagem de uma corrente elétrica. Os ı́mãs, também chamados magnetos, são feitos de materiais
magnéticos duros, de modo que sua magnetização não seja facilmente alterada
por campos externos. Os ı́mãs permanentes são empregados em dispositivos
eletromagnéticos (geradores e motores de automóveis, aviões, eletrodomésticos,
relógios, computadores, etc.), dispositivos eletroacústicos (alto-falantes, fones,
microfones, agulhas magnéticas de toca discos, etc.), instrumentos de medida
(galvanômetros e balanças), dispositivos de torque (ultracentrı́fugas, medidores
de potência elétrica, etc.) equipamentos médicos, dispositivos de ferrites para
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
418
microondas, instrumentos e equipamentos cientı́ficos diversos, etc.
O campo magnético criado por um ı́mã tem intensidade e variação espacial que dependem de sua forma fı́sica e do material de que é feito. Para
entender algumas questões importantes, vamos considerar uma geometria simples. A Figura 9.19 mostra uma extremidade plana de um material com magnetização M, perpendicular à superfı́cie. O campo criado pela magnetização
pode ser obtido substituindo as relações (9.3) e (9.4) na equação de Maxwell
(2.2),
= −∇ · 4π M
∇·H
(CGS),
= −∇ · M
∇·H
(SI)
. (9.36)
Para integrar estas equações, utilizamos o teorema de Gauss, de maneira
análoga ao que se faz com a Eq.(2.1) para o campo elétrico. A analogia com o
campo elétrico sugere a introdução de uma nova grandeza, fictı́cia, ρm definida
por
ρm = −∇ · 4π M
(CGS),
ρm = −∇ · M
(SI)
,
(9.37)
onde ρm faz o papel da densidade volumétrica de monopolos magnéticos. Assim, a integral de volume de (9.36) no interior da superfı́cie de Gauss dá,
usando as relações (9.37),
dv = ρm dv ≡ qm .
∇·H
Figura 9.19: (a) Extremidade plana de um ı́mã permanente magnetizado perpendicularmente à superfı́cie; (b) Vista de perfil.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
Com a aplicação do teorema de Gauss obtemos,
· da = qm
H
s
onde, no CGS,
qm =
419
(9.38)
−∇ · 4π Mdv
=
s
· da
−4π M
(9.39)
representa os dipolos magnéticos não compensados, no interior da superfı́cie S.
No SI a expressão de qm é a mesma de (9.39) sem o fator 4π. Embora os dipolos
magnéticos sejam produzidos por correntes elétricas, qm é matematicamente
equivalente à carga magnética, ou monopolo magnético. Com isto, a Eq.(9.38)
é análoga à lei de Gauss da eletrostática. No caso da geometria da Figura
9.19, a superfı́cie utilizada para a aplicação de (9.38) é a de um cilindro com
bases paralelas à superfı́cie plana do material. Como a magnetização é M em
z < 0 e nula em z > 0, de (9.39) obtemos qm = 4πMA, onde A é a área da
base do cilindro. Os monopolos estão distribuı́dos na superfı́cie, com densidade
superficial de carga magnética σm = qm /A = 4πM. Tudo se passa então como
se a descontinuidade de M na superfı́cie produzisse monopolos magnéticos. A
é dirigido tem monopolos positivos, e faz o papel do
superfı́cie para a qual M
pólo norte (N) do ı́mã. Supondo que a outra extremidade do ı́mã (pólo Sul)
criado pela densidade de carga σm é análogo
está muito distante, o campo H
ao campo elétrico criado por um plano de cargas elétricas. A aplicação de
(9.39) ao cilindro da Figura 9.19 dá, no CGS,
Hz = σm /2 = 2πM
(z > 0)
,
Hz = −2πM
(z < 0).
(9.40)
Para obter o resultado no SI basta dividir o lado direito por 4π. Vemos
no interior do ı́mã tem o sentido oposto ao de M
, e portanto
que o campo H
tende a desmagnetizar o material. Isto requer que o campo coercitivo seja
suficientemente grande para evitar a desmagnetização do material. Com (9.4)
e (9.40) obtemos o vetor indução magnética,
Bz = 2πM
(z > 0)
,
Bz = 2πM
(z < 0).
(9.41)
tem o mesmo valor em z > 0 e z < 0, o
Vemos então que o campo B
que já era esperado da condição de contorno que estabelece que a componente
é contı́nua na superfı́cie.
normal de B
Outra forma de ı́mã simples para o cálculo do campo é o da ferradura
fechada, ilustrada na Figura 9.20. Neste caso, o campo no entreferro (o espaço
420
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.20: Ímã permanente na forma de ferradura fechada.
entre os dois pólos) é a soma dos campos criados pelas duas superfı́cies de
monopolos, ou seja, pelos polos norte e sul do ı́mã. Então, na região central
do entreferro, o vetor indução magnética e o vetor intensidade de campo são
aproximadamente uniformes, com módulos B = H = 4πM no sistema CGS.
Por outro lado, no interior do ı́mã e próximo às superfı́cies, B = 4πM e H = 0.
Esses dois exemplos simples mostram que os campos B e H, tanto no interior quanto no exterior, dependem fortemente da forma do ı́mã. Isto significa
que mesmo sem campo externo aplicado, o valor de M não é o da magnetização
tem
remanente, pois H = 0 no ı́mã. Devido ao efeito de desmagnetização, H
o sentido oposto ao de M no interior, e portanto a região da curva de histerese
relevante para um ı́mã permanente é o segundo quadrante. Como as equações
e H,
é comum representar o ciclo de hisde Maxwell envolvem os campos B
em função de H.
A Figura 9.21 mostra o segundo quadrante
terese com B
do ciclo B(H) para um ı́mã permanente. Note que para H = 0, B = Mr . O
ponto de operação do ı́mã é determinado pela interseção da curva de histerese
com a curva que representa a equação que relaciona B e H, obtida a partir
Figura 9.21: Segundo quadrante da curva B − H de material usado em ı́mã permanente.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
421
das equações de Maxwell e das condições de contorno. No caso do ı́mã com a
forma de ferradura fechada, o ponto de operação na região central interior de
um dos polos é o ponto 1 da Figura 9.21. No caso de um ı́mã com a forma
de um disco fino, o ponto de operação é o ponto 2 (Problema 9.8). Em geral
procura-se colocar o ponto de operação numa situação intermediária entre 1 e
2, porque a energia armazenada no ı́mã é proporcional a integral de volume do
produto BH. Por esta razão, uma grandeza que indica a qualidade de um ı́mã
é o valor máximo do produto BH, que corresponde a um certo ponto Pm da
curva de histerese. Um bom ı́mã permanente tem um alto valor de (BH)max .
Para isto é preciso ter altos valores de Mr e de Hc .
A Tabela 9.3 apresenta as principais propriedades de materiais usados
como ı́mãs permanentes. Os primeiros ı́mãs eram feitos de magnetita, Fe3 O4 ,
o ı́mã natural. Os primeiros materiais duros artificiais desenvolvidos no começo
do Século XX foram os aços, ligas de Fe-C, endurecidos por tratamento térmico
especial. Na década de 1930, laboratórios japoneses descobriram que o campo
coercitivo em ligas de Fe podia ser aumentado com a mistura de A, Ni e
Co, dando origem as ligas de Alnico. A Tabela 9.3 mostra a composição e
os parâmetros de Alnico 5, uma liga de baixo custo muito utilizada ainda
hoje. A descoberta do Alnico resultou numa grande melhoria dos ı́mãs em
relação aos de aço, cujo produto (BH)max é de apenas 1 MG.Oe (106 G.Oe). As
propriedades magnéticas destas ligas foram aperfeiçoadas na década de 1940,
quando Neél e Kittel introduziram o conceito de partı́cula de domı́nio único.
A idéia é fazer o material como um agregado de partı́culas tão pequenas, que
energeticamente não possibilitam a formação de paredes de domı́nios. Essas
partı́culas são feitas com formas alongadas, como agulhas, orientadas na mesma
Material
Composição
%
4πMs
(kG)
Hc
(kOe)
(BH)max
MG.Oe
Alnico 5
51 Fe, 8 A, 14 Ni, 24 Co, 3 Cu
12,5
0,72
5,0
Ferrite de Bário
BaFe12 O19
(ou BaO · 6Fe2 O3 )
3,95
2,4
3,5
Samário-Cobalto
Co5 Sm
9,0
8,7
20
Fe14 Nd2 B1
13,0
14,0
40
Neodı́mio-Ferro-Boro
Tabela 9.3: Principais propriedades de materiais duros, usados como ı́mãs permanentes, a
temperatura ambiente (Hummel).
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
422
direção durante o processo de preparação.
Na década de 1950, o laboratório da Philips desenvolveu ı́mãs de ferrite
de bário, cuja magnetização remanente é menor que em Alnico 5, porém o
campo coercitivo é muito maior. Devido ao fato de ter Hc elevado, o ferrite de
bário é usado para fazer ı́mãs com qualquer formato. Os ı́mãs de terras raras
foram desenvolvidos a partir da década de 1970. Inicialmente ligas de SmCo, e depois as de Nd-Fe-B, representaram um enorme avanço na qualidade
dos ı́mãs, como pode ser visto na Tabela 9.3. O grande aumento do produto
(BH)max desses materiais possibilitou a fabricação de dispositivos menores e
com desempenho muito melhor que os de Alnico.
9.4.2
Materiais de Alta Permeabilidade
Os materiais de alta permeabilidade, também chamados materiais
magnéticos moles (soft), ou doces, são utilizados para criar um alto fluxo
magnético a partir de uma corrente elétrica, ou então para produzir uma grande
indução magnética devido a um campo externo variável. Essas propriedades
devem ser alcançadas com requisitos diversos de variação no tempo e no espaço
e com um mı́nimo de dissipação de energia. Os materiais de alta permeabilidade devem então ter um ciclo de histerese estreito (Hc muito pequeno) e uma
grande inclinação na parte inicial da curva B − H.
Material
Ferro
Aço carbono
Aço silı́cio
Permalloy
Sendust
Mumetal
Ferrite Mn-Zn
Composição
(%)
Permeabilidade
máxima µmax /µ0
4πMs
(kG)
Hc
(Oe)
Resistividade (µΩ.cm)
Fe
5×103
21,5
1,0
10
5×10
3
21,5
1,0
10
7×10
3
Fe-C(0,05)
Fe-Si(3), C(0,005)
78Ni, 22Fe
85Fe, 10Si, 5A
77Ni, 16Fe, 5Cu, 2Cr
50Mn, 50Zn
19,7
0,5
60
10
5
10,8
0,05
16
10
4
10,5
-
80
10
5
6,5
0,05
62
2,5
0,1
108
2×10
3
Tabela 9.4: Propriedades de alguns materiais de alta permeabilidade. µmax é o valor máximo
da permeabilidade da curva B − H.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
423
A Tabela 9.4 apresenta as principais propriedades de alguns materiais de
alta permeabilidade usados atualmente. Em dispositivos de baixa freqüência
(motores, geradores, transformadores, reatores, entre outros) os materiais mais
comuns são: ferro puro; os chamados aços elétricos, feitos com lâminas de aço
com pouca concentração de carbono ou silı́cio; ligas de ferro e nı́quel ou ferro
e cobalto, na forma de material bruto ou de liga amorfa preparada por esfriamento rápido sobre uma superfı́cie metálica fria. Em dispositivos de freqüência
acima de 10 kHz as perdas por correntes parasitas não permitem o uso de
ferro, aços ou ligas metálicas. São então utilizados ferrites diversos como os
hexagonais (estrutura do BaFe12 O19 , os espinelios (MFe2 O4 ) e as granadas
(Y3 Fe5 O12 ), cuja resistividade é bastante alta. As principais aplicações desses
materiais são em transformadores e indutores de alta freqüência utilizados
em equipamentos eletrônicos, dispositivos de microondas usados em telecomunicações e em radar, bem como em cabeçotes de gravação magnética.
A Figura 9.22 mostra um dispositivo usado para gerar um campo
magnético proporcional a uma corrente elétrica, que encontra uma variedade
de aplicações. Ele consiste de um núcleo de material magnético mole com permeabilidade µ, em torno do qual há um fio enrolado com N espiras. Vamos
obter o campo magnético B no entreferro do dispositivo, criado pela corrente
i no enrolamento. A relação entre o campo e a corrente tem origem na lei de
Ampère, obtida da equação de Maxwell (2.3). Levando em conta que a corrente i atravessa N vezes a superfı́cie apoiada na curva C mostrada na figura,
temos no sistema SI,
= Ni .
H.d
(9.42)
Sendo µ
µ0 , o fluxo magnético produzido pela corrente fica inteiramente
confinado no circuito magnético. Isto faz com que a intensidade do campo seja
aproximadamente uniforme na seção reta do núcleo magnético, com valor Hi .
Considerando o espaçamento d do entreferro pequeno, o campo também
é aproximadamente uniforme na região de ar entre os polos, tendo intensidade
He . A Eq.(9.42) então dá,
Hi + He d = Ni
,
(9.43)
onde é o comprimento da curva C no interior do núcleo. Para obter o campo
B no entreferro, utilizamos as relações entre B e H no núcleo (B = µHi ) e
é contı́nua na
no ar (B = µ0 He ) e o fato de que a componente normal de B
fronteira entre dois meios. Como B só tem componente normal na fronteira
424
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.22: Circuito magnético usado para gerar um campo magnético no entreferro proporcional a corrente i.
entre o núcleo e o ar, B = µHi = µ0 He . Substituindo esta relação em (9.43)
obtemos,
Ni
.
(9.44)
B=
/µ + d/µ0
Sendo A a área da seção reta, o fluxo magnético no entreferro, Φ = BA, pode
ser escrito na forma,
Ni
(9.45)
Φ=
R
onde R é a relutância do circuito magnético,
R=
d
+
≡ Rn + Re
µA µ0 A
.
(9.46)
A Eq.(9.45) é análoga à relação entre corrente e tensão num circuito
elétrico com resistores em série, I = E/R. No circuito magnético o fluxo Φ
é análogo à corrente I, Ni é análogo à força eletromotriz E, sendo por isso
chamado força magneto-motriz, e R é análoga à resistência. Note que R, dado
por (9.46), é a soma das relutâncias do núcleo (Rn ) e do entreferro (Re ). Isto é
análogo à resistência de um circuito série, que é a soma das resistências individuais. As cabeças de gravação e leitura utilizadas em gravação magnética têm
circuito magnético como o da Figura 9.22. Nessas cabeças é importante obter
o maior fluxo Φ possı́vel no entreferro, para uma certa força magnetomotriz
Ni. As Eqs.(9.44)-(9.46) mostram que para isto é necessário minimizar a relutância do núcleo. Costuma-se definir a eficiência de uma cabeça de gravação
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
425
η pela razão entre o fluxo existente no entreferro e seu valor máximo possı́vel,
que seria obtido com Rn = 0. Vemos então que a eficiência é dada por
Re
.
(9.47)
η=
Re + Rn
Para fazer η próximo de 1 deve-se utilizar no núcleo materiais com valores
muito elevados de µ. Além disso, costuma-se fazer a seção reta do entreferro
Re .
muito menor que a do núcleo, de modo a tornar Rn
Exemplo 9.2: Considere um ı́mã permanente de alnico e um eletromagneto com núcleo de ferro,
ambos com a forma das Figuras 9.20 e 9.22, com seção reta circular de diâmetro 10 cm, comprimento
médio total 100 cm e espaçamento do entreferro 2 cm. Considerando que o enrolamento tem 800
espiras, calcule a corrente que deve passar no enrolamento para que o campo magnético no entreferro,
num ponto próximo do centro da superfı́cie, tenha no eletromagneto o mesmo valor que no ı́mã.
O campo no entreferro do ı́mã é calculado usando o resultado (9.40), considerando que a
superfı́cie do pólo norte é equivalente a um disco com densidade de carga magnética positiva σm ,
enquanto o pólo sul tem carga magnética −σm . Então o campo no entreferro do ı́mã é aproximadamente uniforme e tem valor H = σm . O problema é inteiramente análogo ao do campo elétrico
entre as placas de um capacitor com seção circular. Usando o valor de 4πM do alnico dado na
Tabela 9.3, vemos que o campo no entreferro do ı́mã é
H = 12, 5 kOe = 12, 5 × 103 × 79, 58 A/m = 9, 95 × 105 Nm .
O campo H no entreferro do eletromagneto é calculado com (9.44),
H=
Ni
B
.
=
µ0
µ0 /µ + d
Usando para µ o valor da permeabilidade máxima do ferro, dado na Tabela 9.4, obtemos o
valor da corrente que produz um campo igual ao do ı́mã permanente, no SI,
i=
H( µ0 /µ + d)
9, 95 × 105 (1/5000 + 0, 02)
=
= 25, 12 A .
N
800
Observe que o valor de µ0 /µ é muito menor que o espaçamento do entreferro d. Portanto,
é o espaçamento que limita o valor do campo.
9.5
Gravação Magnética
A gravação de um sinal, para seu armazenamento e posterior reprodução, é
uma das funções mais importantes no processamento de informações. A pos-
426
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
sibilidade de utilizar um material magnético para gravação de informação foi
demonstrada pela primeira vez no final do Século XIX pelo engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen. Ele inventou um instrumento que gravava sinais
de voz numa corda de aço magnetizável. No entanto, como o sinal reproduzido
era muito fraco e distorcido, durante muitos anos a invenção não passou de
uma curiosidade tecnológica. Somente na década de 1940, as fitas magnéticas
ganharam importância comercial nos EUA em equipamentos eletrônicos de
gravação de áudio. A gravação de sinais de vı́deo foi demonstrada pela primeira
vez em 1951, também nos EUA, ganhando importância comercial na década
de 60. Graças ao desenvolvimento da microeletrônica e à evolução das fitas
magnéticas, os equipamentos de gravação e de reprodução de áudio e de vı́deo
tornaram-se muito populares a partir da década de 70.
Na área digital a gravação magnética sempre desempenhou papel importante. Os primeiros computadores eletrônicos comerciais produzidos na década
de 1950 utilizavam como memória principal, discos ou cilindros cobertos com
uma camada magnética. Eles tinham capacidade de armazenamento de 103 -104
bits/polegada2 e acesso muito lento, com tempos da ordem de mili-segundos.
Na década de 60 eles deixaram de ser usados como memória principal, dando
lugar aos núcleos de ferrite, que possibilitavam acesso mais rápido. A partir dos
anos 70, as memórias de acesso rápido e aleatório (Random Access Memory
- RAM) passaram a ser feitas com dispositivos semicondutores MOS. No entanto, as fitas e depois os discos magnéticos firmaram-se como o melhor meio
de armazenamento não-volátil e regravável de grande quantidade de dados.
Foi na área de gravação magnética que ocorreu a maior expansão no
mercado de materiais magnéticos nos anos recentes, e por conseguinte nas
atividades de pesquisa e desenvolvimento. Como resultado, tem-se verificado grande aumento na capacidade de armazenamento e na velocidade de
gravação e acesso. A densidade de armazenamento em disco, por exemplo,
tem aumentado continuamente há quatro décadas, sendo hoje superior a 1010
bits/polegada2 . Além da utilização em discos rı́gidos, os meios magnéticos
possibilitaram a introdução dos discos flexı́veis, que tornaram muito prático
o transporte e armazenamento externo de informações. Como resultado dos
avanços nesta área, a gravação magnética domina atualmente o mercado de
gravação de sinais analógicos de áudio e de vı́deo e de sinais digitais regraváveis.
O sucesso desta tecnologia decorre de vários fatores: a variedade de formatos
dos meios (fitas, cartões, folhas, discos rı́gidos ou flexı́veis, etc.); baixo custo;
não-volatilidade; alta densidade; e capacidade quase ilimitada de gravar e regravar informações.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
9.5.1
427
Conceitos Básicos
A Figura 9.23 mostra os elementos básicos de um sistema tradicional de
gravação e reprodução com fita magnética. A fita é feita de material plástico,
como polietileno, com espessura da ordem de 25 µm, recoberta com uma fina
camada de emulsão de partı́culas magnéticas. A fita move-se com velocidade
constante, mantendo contato com uma cabeça (ou cabeçote) de gravação
e uma cabeça de leitura.
Cada cabeça é feita por um núcleo de material magnético de alta permeabilidade, com entreferro estreito, tendo um enrolamento para o sinal de corrente elétrica. É comum também utilizar uma só cabeça, tanto para gravação
quanto para leitura.
No processo de gravação, a corrente variável no tempo, correspondente
ao sinal a ser gravado, produz um campo magnético variável na borda do
entreferro da cabeça de gravação. Como a fita está em movimento, o campo
cria uma magnetização que varia ao longo da fita, retratando o sinal de entrada.
No processo de reprodução, ou leitura, a magnetização da fita cria um campo
magnético que produz um fluxo magnético variável na cabeça de leitura. Este
fluxo variável induz uma corrente elétrica no enrolamento, que reproduz o sinal
original de gravação.
No sistema mostrado na Figura 9.23, a magnetização da fita tem a
direção longitudinal. Supondo que a corrente da entrada varia senoidalmente
Figura 9.23: Elementos básicos de um sistema tradicional de gravação e reprodução com
fita magnética.
428
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
no tempo, com freqüência angular ω,
I = I0 sen ωt
,
(9.48)
pode-se mostrar que a magnetização da fita é, em primeira aproximação,
M = M0 sen kx
(9.49)
onde x é a coordenada ao longo da fita e k = ω/v, sendo v a velocidade da fita.
A partir desta relação define-se o comprimento de onda da variação espacial,
λ=
2π
v
v
= 2π =
k
ω
f
(9.50)
onde f é a freqüência do sinal. A análise quantitativa dos processos de gravação
e reprodução é feita com base nas variações dadas por (9.48) e (9.49), uma vez
que um sinal com uma variação qualquer no tempo pode ser decomposto em
funções senoidais por transformada de Fourier. Na realidade, o processo de
magnetização da fita a partir da corrente na cabeça de gravação é razoavelmente complexo, sendo necessário recorrer a métodos numéricos ou modelos
aproximados para obter a variação espacial de M. Contudo a Eq.(9.49) é uma
boa aproximação para a variação de M. Esta variação produz um campo interno na fita que tende a desmagnetizá-la, daı́ a necessidade do material ter um
campo coercitivo razoavelmente alto. Como será mostrado na próxima seção,
o campo de desmagnetização aumenta com a diminuição do comprimento de
onda.
A variação de M também cria um campo externo na fita. Este campo,
que será calculado na próxima seção, tem linhas de indução mostradas na
Figura 9.24. Quando a fita passa nas bordas do entreferro da cabeça de leitura,
o campo externo gera um fluxo magnético que varia senoidalmente no tempo.
Este fluxo variável induz uma força eletromotriz nas espiras da cabeça, que é
aproximadamente proporcional à corrente do sinal de gravação. Este processo
é utilizado nos três tipos básicos de gravação magnética: sinal analógico de
áudio; sinal analógico de vı́deo; e sinais digitais.
Na gravação de áudio, a freqüência do sinal está compreendida na faixa
50 Hz - 20 kHz. Sendo a velocidade da fita v = 2 − 8 polegadas/seg ≃ 5-20
cm/seg, o comprimento de onda de gravação está na faixa 2,5 µm - 0,4 cm.
Como a espessura do entreferro das cabeças de gravação e de leitura é
da ordem de alguns µm, é perfeitamente possı́vel gravar e detetar variações
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
429
Figura 9.24: Ilustração do campo magnético criado por uma magnetização que varia
senoidalmente ao longo da fita.
espaciais da magnetização nesta faixa de comprimentos de onda. A gravação
de áudio é feita superpondo o sinal de áudio com um sinal de polarização ac de
freqüência 100 kHz, para obter uma linearidade na relação M − H, através do
processo descrito na seção 9.3.5. Na realidade, foi a descoberta deste processo
na década de 1920 que viabilizou a gravação de áudio sem a grande distorção
que ocorre na gravação direta.
Na gravação de vı́deo o espectro do sinal cobre a faixa 30 Hz − 2 MHz,
o que causa dois problemas: o alto valor da razão entre os valores máximo e
mı́nimo desta faixa, cerca de 7 × 104 , torna difı́cil a operação dos circuitos
de gravação e leitura; o comprimento de onda correspondente à freqüência
máxima para uma velocidade de fita de 30 polegadas/seg, λ = 0, 15 µm, é
muito pequeno para ser gravado nos meios magnéticos usuais. Duas técnicas
são usadas para contornar estes problemas. A primeira consiste em modular
a freqüência de uma onda portadora com o sinal de vı́deo. O sinal modulado
em FM é então utilizado diretamente na gravação. A freqüência usada na
portadora é 3,9 MHz e a banda de passagem tem largura total de 5,6 MHz.
Isto reduz enormemente a razão entre os extremos da banda e torna o sistema pouco sensı́vel às flutuações na amplitude do sinal de leitura. A outra
técnica importante é o uso de cabeça de gravação rotativa. A fita desliza em
baixa velocidade (0,8 polegada/seg) sobre a cabeça na forma de um cilindro
girante, com velocidade superficial de 220 polegadas/seg. Isto resulta numa
alta velocidade relativa entre a fita e a cabeça, e conseqüentemente em maior
comprimento de onda.
A gravação digital é, conceitualmente, muito simples, porque o sinal é
uma seqüência de pulsos com apenas dois valores, correspondentes aos dı́gitos
0 e 1. Estes dı́gitos podem ser armazenados através da magnetização orientada
num dos dois sentidos de uma certa direção. Então o processo de gravação é
direto, sem a necessidade das sofisticações usadas nos gravadores de áudio ou
430
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
de vı́deo. A gravação pode ser feita em fita ou em disco, tanto na direção
longitudinal quanto perpendicular. A gravação magnética digital é largamente
utilizada em computadores. No entanto, ela está sendo cada vez mais empregada na gravação de sinais de áudio e de vı́deo digitalizados.
9.5.2
Análise Quantitativa
Nesta seção vamos analisar em detalhe o processo de reprodução de um sinal
gravado num meio magnético. Para simplificar o problema, consideramos uma
camada magnética de espessura δ, infinita nas direções x e z. O sistema de
coordenadas está mostrado na Figura 9.25, sendo x a direção longitudinal de
movimento da camada. Como a fita magnética tem largura finita na direção z,
o resultado obtido para a camada infinita será aproximadamente válido para
a região central e para pequenas distâncias da fita. O objetivo da análise
é obter os campos criados pela fita magnetizada, e a partir deles calcular a
tensão induzida na cabeça de leitura. Para isto consideramos que a fita tem
magnetização longitudinal, variando senoidalmente na direção x,
= x̂ M(x) = x̂ M0 sen kx .
M
(9.51)
Como M não varia na direção z, a geometria do problema é reduzida à
duas dimensões, x e y. Para facilitar a solução do problema introduzimos o
potencial magnético escalar ψ(x, y), definido pela relação,
= −∇ψ
H
.
(9.52)
Isto é possı́vel porque o rotacional do gradiente de qualquer função escalar
é nulo, e num sistema magnetostático (∂/∂t = 0) sem corrente elétrica, a
Figura 9.25: Geometria utilizada para calcular os campos criados por uma fita magnética.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
431
= 0. A equação de ψ, obtida substituindo (9.52) e (9.37)
Eq.(2.4) fica ∇ × H
em (9.36), é, no SI,
(9.53)
∇2 ψ = −ρm .
Esta equação deve ser resolvida para as três regiões da Figura 9.25, sendo
a solução final determinada pelas condições de contorno nas superfı́cies em
y = ±δ/2. Na região 1 a densidade magnética ρm é dada por (9.37) aplicada
a (9.51),
ρm = −M0 cos kx .
(9.54)
A Eq.(9.53) com ρm = 0 é chamada equação de Poisson. Na parte externa da
fita, onde ρm = 0, ela reduz-se a equação de Laplace,
∇2 ψ = 0
.
(9.55)
Em duas dimensões ela pode ser escrita na forma
∂2ψ ∂2ψ
+ 2 =0
∂x2
∂y
.
(9.56)
As soluções desta equação para as regiões 2 e 3 são
ψ2,3 (x, y) ∝ (sen kx, cos kx) · e±ky
.
(9.57)
Note que embora ρm não tenha dependência em y, o potencial no interior da
camada deve variar com y, caso contrário não é possı́vel satisfazer as condições
de contorno nas superfı́cies. A solução de (9.53) com ρm dado por (9.54) é
ψ1 (x, y) = cos kx (A eky + B e−ky + C)
.
(9.58)
A solução final nas três regiões é determinada pelas condições de con eB
nas duas superfı́cies. A continuidade da componente
torno dos campos H
tangencial de H na superfı́cie de separação de dois meios implica que
ψ é contı́nuo na superfı́cie.
(9.59)
não tem componente normal à superfı́cie, a continuidade da compoComo M
implica que Hy é contı́nuo, ou seja,
nente normal de B
∂ψ
é contı́nuo na superfı́cie.
∂y
(9.60)
Nas regiões 2 e 3 a solução (9.57) contém somente o termo cos kx, uma vez
que o termo sen kx não pode satisfazer as condições de contorno com (9.58).
Além disso, ψ2 não pode conter o termo exp (ky) pois ele diverge em y → +∞,
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
432
enquanto ψ3 não pode ter o termo exp (−ky), que diverge em y → −∞. Assim,
o potencial nas regiões 2 e 3 é dado por:
ψ2 (x, y) = D cos kx e−ky
(9.61)
ψ3 (x, y) = E cos kx eky
(9.62)
A aplicação das condições de contorno (9.59) e (9.60) às funções (9.58),
(9.61) e (9.62) em y = ±δ/2 e as Eqs.(9.53) e (9.54) dão cinco equações que
permitem determinar as cinco constantes. Os potenciais não três regiões são
(Problema 9.10):
M0
− δ2 ≤ y ≤ δ2
ψ1 (x, y) = −
cos kx 2 − e−k(y+δ/2) − ek(y−δ/2) (9.63)
2k
δ
≤y
2
ψ2 (x, y) = −
M0
(1 − e−kδ ) cos kx e−k(y−δ/2)
2k
y ≤ − δ2
ψ3 (x, y) = −
M0
(1 − e−kδ ) cos kx ek(y+δ/2)
2k
(9.64)
.
(9.65)
A solução (9.63) fornece o campo magnético no interior da camada. Suas
componentes são:
∂ψ1
M0
(9.66)
Hx = −
=−
sen kx 2 − e−k(y+δ/2) − ek(y−δ/2)
∂x
2
M0
∂ψ1
Hy = −
=
cos kx e−k(y+δ/2) − ek(y−δ/2)
.
(9.67)
∂y
2
O campo criado pela magnetização na direção longitudinal, (9.66), tem o
, e por isto é chamado campo de desmagnetização.
sentido oposto ao de M
Para que a fita magnética retenha a magnetização produzida pela cabeça de
gravação, é necessário que o material tenha um campo coercitivo maior que
o campo de desmagnetização em todos os pontos. Vemos na Eq.(9.66) que o
campo é nulo no limite ω = k = 0 e cresce a medida que a freqüência aumenta.
O máximo valor do campo no limite ω, k → ∞ é M0 /2. Este resultado mostra
que as fitas de vı́deo devem ser feitas com materiais de campo coercitivo maior
que as fitas de áudio.
O campo no exterior da fita é obtido a partir de (9.64) e (9.65). É fácil
mostrar que,
M0
(1 − e−kδ ) sen kx e−k(±y−δ/2)
(9.68)
Hx = −
2
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
Hy = ∓
M0
(1 − e−kδ ) cos kx e−k(±y−δ/2)
2
433
,
(9.69)
onde os sinais superiores valem para a região acima da fita (y > δ/2) e os
inferiores para a região de baixo (y < −δ/2). Este resultado indica que as
componentes longitudinal e normal do campo estão defasadas de 90◦ . O fator exp(−ky) tem grande importância no sinal de leitura, pois introduz um
decaimento exponencial no campo com a distância da fita. Por exemplo, o
campo a uma distância d = λ da fita é reduzido a exp(−2π) ≃ 0, 002 do valor
na superfı́cie. Por causa deste resultado, é importante fazer com que a fita
seja tensionada para deslizar em contato com a cabeça de leitura. No caso da
gravação de vı́deo, como λ é muito pequeno, o ruı́do causado pelas flutuações
de amplitude devido ao fator exponencial é evitado através da modulação em
freqüência.
Para calcular o sinal induzido na cabeça de leitura, consideramos a geometria mostrada na Figura 9.26. Apenas a componente Hx contribui para
o fluxo que atravessa as espiras enroladas no núcleo. A presença do núcleo
magnético resulta num aumento do campo. Através do método das imagens
pode-se mostrar que, num núcleo com permeabilidade µ
µ0 , o campo B é
duas vezes maior que o campo no ar. Assim, o fluxo magnético que atravessa
as espiras é, aproximadamente,
∞
e−kd
Φ = ηL
Bx dy ≃ −ηµ0 M0 L(1 − e−kδ )
sen kx
(9.70)
k
δ/2+d
onde η é a eficiência da cabeça de leitura, L é a largura da fita ou da trilha
de gravação e d é a distância entre o núcleo e a fita. A tensão induzida nas N
Figura 9.26: Ilustração do fluxo criado pela fita magnética na cabeça de leitura.
434
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
espiras da cabeça é obtida com a lei de Faraday. Fazendo x = vt vem
V (t) = −N
dΦ
dΦ
= −Nv
dt
dx
.
(9.71)
Substituindo (9.70) em (9.71) obtemos
V (t) = Nηµ0 M0 Lv (1 − e−kδ ) e−kd cos ωt
(9.72)
Este resultado mostra que a tensão elétrica produzida na cabeça de leitura
pela magnetização da fita é um sinal alternado, defasado de 90◦ da corrente
senoidal de gravação. A amplitude da tensão de saı́da depende da freqüência
do sinal, da velocidade da fita, da magnetização remanente e da largura da
trilha de gravação.
Na gravação digital em computadores, uma exigência importante é a capacidade de armazenamento das memórias magnéticas, expressa em bits/cm2 .
O aumento desta capacidade requer a diminuição da área ocupada por um bit,
e portanto de L. Vemos então que na leitura convencional uma dificuldade para
o aumento da capacidade é a perda do sinal de corrente com a diminuição de
L.
Exemplo 9.3: Calcule a amplitude do sinal de saı́da de um cabeçote de leitura de uma fita
magnética com freqüência de áudio de 1 kHz, tendo os seguintes parâmetros: N = 20, η = 1,
µ0 M = 0, 5 T, v = 0, 1 m/s, L = 1 mm, δ = 10 µm e d = 0.
O número de onda de um sinal de 1 kHz gravado numa fita com velocidade v = 0, 1 m/s é
dado por (9.50),
k=
2π × 103
2πf
=
= 6, 28 × 104 m−1 .
v
0, 1
A amplitude do sinal é calculada com (9.72),
V = N η µ0 M L v 1 − e−kδ
4
−5
= 20 × 1 × 0, 5 × 10−3 × 0, 1 × 1 − e−6,28×10 ×10
= 4, 66 × 10−4 V = 0, 466 mV .
Este valor é facilmente processável para a reprodução final do sinal gravado.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
9.5.3
435
Materiais Apropriados
Dois tipos de materiais magnéticos são utilizados nos equipamentos de gravação
magnética: materiais de alta permeabilidade, que formam os núcleos dos
cabeçotes de gravação e leitura; materiais intermediários, que formam as camadas magnéticas dos meios de armazenamento.
Os principais materiais usados nos núcleos dos cabeçotes são as ligas
metálicas, Permalloy, Sendust e os óxidos ferrites de MnZn e NiZn. As principais vantagens de Permalloy e Sendust, cujos parâmetros estão na Tabela
9.4, são o alto valor da magnetização de saturação e a alta permeabilidade.
Além disso, eles têm grande resistência ao desgaste mecânico provocado pelo
contato da fita ou disco em movimento. Entretanto, como eles têm baixa resistividade elétrica, o efeito de correntes parasitas só permite seu uso em baixas
freqüências. Por isso eles são usados nas cabeças de gravadores de áudio. Os
ferrites de MnZn e NiZn têm menor magnetização, porém têm resistividade
105 vezes maior que as ligas metálicas. Por esta razão eles são usados nos
cabeçotes de gravação e leitura de vı́deo e de sinais digitais.
Quanto aos meios de gravação, há dois tipos de materiais intermediários
usados para fazer a camada magnética: os meios particulados, que consistem de partı́culas microscópicas de óxidos ou metais magnéticos em suspensão
numa camada polimérica; e os filmes finos de metais ou ligas metálicas ferromagnéticas.
Os meios particulados são utilizados para recobrir as fitas de áudio e de
vı́deo, os cartões de plástico ou de papelão usados em inúmeras aplicações, e os
discos flexı́veis de computadores. Eles também são usados nos discos rı́gidos,
porém estão sendo gradualmente substituı́dos por filmes finos metálicos. Os
meios particulados são preparados por processos semelhantes ao de fabricação
de tintas empregadas para pintar paredes, madeira, telas artı́sticas, etc. Qualquer tinta é formada por partı́culas sólidas diluı́das e em suspensão num meio
lı́quido, constituı́do de solventes, diluentes e secantes adicionados a um aglutinante. As partı́culas sólidas são os pigmentos coloridos que dão cor a tinta,
enquanto o aglutinante pode ser resina orgânica natural, artificial ou óleo. Depois que a tinta é espalhada na superfı́cie a ser pintada, ocorre o processo de
secagem, no qual alguns componentes do lı́quido evaporam e outros reagem
quimicamente no aglutinante. Após a secagem, os pigmentos coloridos são
fixados na camada de aglutinante que cobre a superfı́cie. No caso do meio
magnético, o aglutinante é um polı́mero e as partı́culas são feitas de óxidos
ou metais magnéticos, formando o que pode ser chamado de tinta magnética.
436
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
As partı́culas têm forma alongada, com comprimento da ordem de 1 µm e
dimensão transversal da ordem de 0,1 µm. Devido a estas dimensões reduzidas, elas só podem acomodar um domı́nio magnético. A tinta magnética é
espalhada sobre a superfı́cie do material da base, que pode ser uma folha de
polietileno, no caso das fitas, ou de plástico ou papelão, no caso dos cartões.
Durante o processo de secagem ele é submetido a um campo magnético da
ordem de 1 kOe, que serve para alinhar as partı́culas na direção que será utilizada para magnetização. Após a secagem, as partı́culas ficam alinhadas e
separadas umas das outras na camada magnética.
Vários compostos são utilizados para fazer as partı́culas magnéticas. O
mais antigo e ainda o mais comum nas fitas de áudio é óxido férrico, com
fórmula quı́mica γ-Fe2 O3 . Ele tem magnetização de saturação 4πMs = 4.650 G
(ou µ0 Ms = 0, 465 T no SI) e campo coercitivo Hc = 300 Oe. No entanto,
como as partı́culas são diluı́das na camada magnética, o valor de 4πMs é reduzido na mesma proporção da diluição, em geral na faixa 30-50 %. O óxido
férrico também é utilizado em discos flexı́veis e em cartões de plástico ou bilhetes de papelão. Entretanto, sua aplicação é restrita a baixas freqüências e
baixas densidades de gravação devido ao valor de Hc . À medida que o comprimento de onda, e portanto o tamanho do bit de gravação, diminui, o campo
de desmagnetização aumenta, tornando necessários valores mais altos de Hc .
Na década de 1970 a empresa japonesa TDK descobriu que a impregnação de
uma fina camada de cobalto na superfı́cie do óxido férrico eleva o valor de Hc
para cerca de 700-800 Oe. Este processo é atualmente empregado nas fitas de
áudio de melhor qualidade e nos discos flexı́veis de alta capacidade.
Outra substância empregada para fazer partı́culas de tintas magnéticas
é dióxido de cromo, CrO2 . Ela tem 4πMs = 6.160 G e Hc = 450 Oe, valores maiores que em óxido férrico puro. O CrO2 foi muito utilizado em fitas
de áudio, de vı́deo e de computadores, antes da descoberta do processo de
modificação do óxido férrico com cobalto. Atualmente ele é empregado por
alguns fabricantes de fitas de vı́deo. Além dos óxidos, também são utilizados nas tintas magnéticas partı́culas metálicas de Fe, Co ou suas ligas. Estas
partı́culas têm valores de Ms e de Hc maiores que os óxidos, e portanto apresentam vantagens na gravação de altas freqüências, porém requerem processos
de preparação mais sofisticados e dispendiosos.
Durante a década de 1990, ganharam espaço na tecnologia de fabricação
de discos magnéticos para computadores, os filmes finos metálicos ou multicamadas de elementos do grupo de transição do ferro, terras raras e suas ligas.
Uma grande vantagem dos filmes é o alto valor de Ms . Por exemplo, Fe ou
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
437
Co puros têm valor de Ms uma ordem de grandeza maior que as partı́culas de
óxidos diluı́dos nas tintas magnéticas. Os filmes finos magnéticos são preparados pelos processos de evaporação em alto vácuo ou pulverização, descritos
na seção 1.4.5. As ligas mais utilizadas no momento são CoNiPt, CoCrTa e
CoCrPt, que têm coercividade na faixa 750-1500 Oe. Os filmes são depositados
sobre um disco de alumı́nio, tendo espessura de dezenas de nm, e cobertos com
uma camada de carbono para dar resistência à corrosão e para lubrificação no
contato com o cabeçote de gravação.
9.5.4
Novas Tecnologias com Filmes Finos e Nanoestruturas
A necessidade de aumentar a capacidade de armazenamento de dados nos
computadores tem levado ao desenvolvimento de novos materiais, dispositivos
e processos de gravação e leitura magnéticas.
Os desenvolvimentos recentes foram possibilitados por inúmeros avanços
cientı́ficos e descobertas fundamentais em filmes finos, multicamadas e estruturas magnéticas na escala nanométrica. Atualmente há um intenso esforço
de pesquisa cientı́fica e tecnológica em todo o mundo visando utilizar estas
estruturas para aumentar a capacidade de memória e a velocidade de gravação
e acesso em discos magnéticos, e para obter novos dispositivos comerciais de
memória magnética de acesso randômico MRAM (Magnetic Random Access
Memory). A vantagem da MRAM sobre a RAM de semicondutores é sua nãovolatilidade. Nesta seção abordaremos apenas dois produtos das novas tecnologias, a memória magneto-óptica e a cabeça de leitura de magneto-resistência
gigante.
A tecnologia de memória magneto-óptica é empregada em discos removı́veis de alta capacidade. Nesta tecnologia os bits de informação são gravados no disco em movimento por um processo termomagnético. Como mostrado
na Figura 9.27, no processo de gravação o feixe de um laser semicondutor
modulado pelo sinal elétrico contendo a informação a ser gravada (0 ou 1), é
focalizado por uma lente na camada magnética. O filme é previamente magnetizado na direção perpendicular, para cima, correspondendo ao bit 0. Além
disso, na região do foco da lente existe um campo magnético criado por um
ı́mã permanente, dirigido para baixo. Este campo tem valor menor que o
campo coercitivo do filme à temperatura ambiente, de modo que ele sozinho
não altera a magnetização do filme. Para gravar o bit 1 numa pequena região
do filme, o feixe do laser aquece esta região e produz uma rápida diminuição
de Hc . Isto possibilita ao campo do ı́mã inverter o sentido da magnetização,
438
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.27: Ilustração de um sistema de gravação e leitura magneto-óptica.
como mostrado na Fig.9.27.
O processo de leitura é baseado num efeito magneto-óptico. Quando
um feixe de luz polarizada incide na superfı́cie de um material magnético,
a luz refletida tem polarização em direção um pouco diferente da incidente.
O sentido da mudança da polarização depende do sentido da magnetização.
Este fenômeno, chamado efeito Kerr magneto-óptico, permite a leitura do sinal
gravado através dos seguintes passos: o laser emite um pulso que passa por um
polarizador e incide no meio magnético; o feixe refletido atravessa o espelho
parcial e o analisador, sendo convertido em sinal elétrico no fotodiodo. Como
a polarização do feixe refletido depende do sentido da magnetização na região
do foco da lente, a intensidade da luz após o analisador varia, dependendo se
o bit gravado for 0 ou 1. A vantagem desta tecnologia em relação à gravação
magnética convencional é a maior capacidade de armazenamento. Isto resulta
do fato da área de focalização da lente ser muito menor que a área mı́nima
necessária para gravar e reproduzir um sinal com cabeçotes indutivos. Os discos magneto-ópticos são feitos de filmes finos ou multicamadas de ligas que
apresentam forte efeito magneto-óptico e que produzem magnetização perpendicular ao filme. Os materiais mais utilizados nos filmes são ligas binárias ou
ternárias de metais de transição 3d e terras raras, tais como GdCo, GdFe,
TbFe, DyFe, GbTbFe e TbDyFe.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
439
As principais vantagens da gravação magneto-óptica em relação à
gravação tradicional nos discos flexı́veis são o menor tempo de acesso e a
maior capacidade de memória. O tempo de acesso é cerca de dez vezes menor
porque não há contato do cabeçote de gravação e leitura com o disco, o que
permite girar o disco com maior velocidade. A capacidade de memória do
disco magneto-óptico é cerca de mil vezes maior que no disco flexı́vel, porque
na leitura magneto-óptica o feixe de laser é focalizado pela lente numa área
muito menor que a área do bit nos discos flexı́veis. A desvantagem da gravação
magneto-óptica e que tem dificultado sua disseminação no mercado é seu maior
custo em relação aos dispositivos de discos magnéticos flexı́veis e de discos
ópticos compactos.
Outro desenvolvimento recente na tecnologia de memórias magnéticas é o cabeçote de magneto-resistência gigante, GMR (Giant Magneto
Resistance). A magneto-resistência é o fenômeno pelo qual a resistividade
elétrica ρ de um metal, ou de um semicondutor, varia com a aplicação de
um campo magnético H. A taxa de variação ∆ρ/∆H depende do material
e também do valor de H. Ela é muito maior nos metais ferromagnéticos que
nos semicondutores e nos metais não-magnéticos. Além disso, ela pode ser
aumentada em até duas ordens de grandeza em multicamadas de filmes finos
metálicos, intercalando metais magnéticos e metais não-magnéticos.
O aumento da magneto-resistência em multicamadas de filmes finos é
devido à influência do spin dos elétrons nas propriedades de transporte. Como
vimos na Seção 4.5, o livre caminho médio dos elétrons em metais é da ordem de 1000 Å, ou 100 nm. Por isso, ao atravessar um material massivo ou
um filme grosso, com espessura da ordem ou maior que 1 µm, o elétron sofre
inúmeras colisões e perde a orientação de seu spin. Por outro lado, ao atravessar um filme fino, com espessura de até dezenas de nm, a orientação do spin é
preservada, pois o elétron não sofre colisões no caminho. Numa estrutura de
várias camadas metálicas finas, as colisões ocorrem principalmente nas interfaces. Quando um elétron com spin orientado no sentido da magnetização de
uma camada magnética passa para outra camada magnética, a probabilidade
de ocorrer colisão na interface depende da direção da magnetização desta camada. A probabilidade é pequena se as duas magnetizações estão paralelas,
pois o spin do elétron não é perturbado na passagem de uma camada para a
outra. Por outro lado, a probabilidade de colisão é maior se as magnetizações
são antiparalelas ou têm direções diferentes.
O fato do movimento dos elétrons em multicamadas magnéticas depender
de seu spin tem conseqüências importantes. Como a condutividade é propor-
440
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
cional ao tempo de colisão, e esta por sua vez é inversamente proporcional
à probabilidade de colisão, a resistividade é menor quando as magnetizações
estão paralelas. Em certas multicamadas formadas de filmes magnéticos, intercalados por filmes metálicos não magnéticos, a orientação relativa das magnetizações depende da direção e do valor do campo magnético aplicado. Desta
forma, a resistência da multicamada varia muito com o campo magnético.
Este fenômeno, chamado de magneto-resistência gigante, foi descoberto
em 1988, em pesquisas lideradas pelo fı́sico gaúcho Mario Baibich, quando passava uma temporada na Universidade de Orsay, na França. A descoberta da
magneto-resistência gigante estimulou as pesquisas cientı́ficas em nanoestruturas e multicamadas magnéticas, o que resultou na observação de inúmeros
outros fenômenos nos quais as propriedades de transporte são controladas
pelo spin do elétron. Em conseqüência, vários dispositivos eletrônicos inteiramente novos foram desenvolvidos, dando origem a um novo ramo da tecnologia
chamado de spintrônica, ou magneto-eletrônica
Um produto importante da spintrônica é a válvula de spin, um dispositivo cuja resistência elétrica é controlada pela direção dos spins, ou seja da
magnetização, de uma camada magnética sensora. A estrutura básica de uma
válvula de spin está mostrada na Figura 9.28. Ela consiste de quatro camadas de filmes finos, depositados seqüencialmente sobre um substrato apropriado, que pode ser vidro, um cristal isolante (como MgO) ou uma pastilha de
semicondutor (como Si ou GaAs). A camada de cima é um filme de metal
magnético mole, com baixa anisotropia magnética, como Ni0,81 Fe0,19 (permalloy) ou Co0,9 Fe0,1 , com espessura da ordem de 10 nm. Ela é a camada sensora,
pois é a direção de sua magnetização, determinada por um campo externo,
que controla a resistência do dispositivo. Sob ela está uma camada fina de um
metal condutor não magnético, em geral cobre, com espessura da ordem de 5
nm, por onde passa a maior parte da corrente de prova I. A resistência da
camada de cobre depende da direção da magnetização da camada sensora em
Figura 9.28: Estrutura básica de uma válvula de spin.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
441
relação à da camada presa, por causa do mecanismo explicado anteriormente.
Como o nome diz, a camada presa tem magnetização numa direção fixa, que
serve de referência para o sensor. Quando a magnetização da camada sensora
é paralela à da referência, a resistência R da válvula de spin é baixa, e quando
é antiparalela a resistência é alta.
O mecanismo que prende a magnetização de referência foi descoberto
na década de 1950, porém só foi compreendido no final dos anos 90, sendo
conhecido como polarização por intercâmbio (exchange bias). Ele resulta da
interação de intercâmbio entre os átomos na interface de uma camada ferromagnética (FM) com uma camada antiferromagnética (AF). Quando o conjunto é resfriado na presença de um campo externo, passando de uma temperatura acima para uma abaixo da temperatura de ordenamento do material AF,
os spins da interface no lado AF passam a ser majoritariamente da sub-rede paralela à magnetização da camada FM. Como a camada AF tem magnetização
total desprezı́vel, ela não é afetada por campos externos, permanecendo num
estado congelado. Assim, a interação de intercâmbio entre os spin do lado
AF e os spins do lado FM gera na interface um campo magnético efetivo de
dezenas, ou centenas de oersteds, que prende a magnetização da camada FM
na direção do campo aplicado durante o resfriamento. A camada AF tem espessura maior que as outras, da ordem de dezenas de nm, para que o arranjo
de spins fique congelado. Ela pode ser feita por uma variedade de materiais
antiferromagnetos, dentre os quais NiO e IrMn, que têm ordenamento AF à
Figura 9.29: Ilustração esquemática do cabeçote de leitura e gravação magnética em discos
rı́gidos utilizado em computadores.
442
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
temperatura ambiente.
Uma aplicação importante das válvulas de spin é nos cabeçotes de leitura
de gravação magnética em discos rı́gidos de computadores. A Figura 9.29
ilustra o cabeçote de gravação e de leitura utilizado atualmente. A figura
representa apenas uma ilustração esquemática para facilitar a visão dos componentes. Na realidade todos os componentes são fabricados na forma de
multicamadas de filmes finos, formando um conjunto integrado. No cabeçote
mostrado, a gravação é feita com o dispositivo tradicional, no qual a corrente
de gravação cria um campo magnético no entreferro do núcleo que magnetiza
a camada magnética do disco. A leitura da informação gravada é feita por um
sensor formado por uma válvula de spin. Um pulso de corrente passa no sensor
quando ele está sobre a região magnetizada a ser detetada. Como a resistência
do sensor varia com o campo criado pela magnetização, o valor da tensão resultante indica o bit de informação que está gravado. A principal vantagem do
cabeçote de leitura magneto-resistivo é que ele pode detetar a magnetização em
regiões menores que a dos cabeçotes indutivos convencionais, pois ele é sensı́vel
ao campo criado pela magnetização, enquanto o cabeçote indutivo é sensı́vel
ao fluxo magnético, que depende da área ocupada pelo bit. A introdução do
sensor de GMR nos sistemas de gravação de discos rı́gidos comerciais ocorreu
em 1998, e tem possibilitado o contı́nuo aumento da capacidade de memória,
que atualmente ultrapassa 20 Gb/polegada2.
9.6
Dispositivos de Ferrite para Microondas
Uma área importante de aplicação dos materiais magnéticos é a de dispositivos
não-recı́procos para circuitos de microondas. As ondas eletromagnéticas com
freqüência na faixa de microondas, 1-30 GHz, são utilizadas em comunicações
entre estações terrestres e com satélites. Elas também são empregadas no
radar e em aparelhos cientı́ficos, industriais, e eletrodomésticos. Nos circuitos
de microondas existem certos dispositivos, tais como isoladores e circuladores,
nos quais o elemento central é feito de ferrite. Para entender o efeito de um
ferrite na onda eletromagnética é necessário estudar sua susceptibilidade em
altas freqüências. Inicialmente, porém, vamos entender o movimento natural
da magnetização num material submetido a um campo externo.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
9.6.1
443
O Movimento de Precessão da Magnetização
Quando uma onda eletromagnética penetra num meio magnético, seu campo
magnético interage com os momentos magnéticos microscópicos. No caso do
meio ser condutor e espesso, a amplitude da onda decai rapidamente devido
ao efeito pelicular, de modo que o efeito magnético é pequeno. No entanto, se
o meio é isolante, a atenuação é pequena e a interação magnética produz um
grande efeito na polarização da onda. É por isto que os materiais magnéticos
usados em microondas são ferrites isolantes. Para calcular a resposta em altas
freqüências, consideramos inicialmente um meio infinito de ferrite, submetido
Na situação de equilı́brio, os momentos µ
a um campo magnético estático H.
pois esta é a situação na qual
dos dipolos magnéticos ficam alinhados com H,
a energia, dada pela Eq.(9.8), é mı́nima. O torque que o campo exerce sobre
o momento é dado por (no SI):
τ = µ0 µ × H
.
(9.73)
Porém, quando
Evidentemente, o torque é nulo quando µ está na direção de H.
µ é desviado desta direção, o torque deixa de ser nulo e produz um movimento
no dipolo. A equação de movimento de um momentum angular J submetido
a um torque τ é
dJ
= τ .
(9.74)
dt
No caso do dipolo magnético atômico, µ e J estão relacionados por uma
expressão obtida das equações (9.12) - (9.15),
µ = −γ µ0 J
onde
γ=
,
(9.75)
gµB
(9.76)
é o fator giromagnético do átomo, ou ı́on, magnético. A substituição de
(9.73) e (9.75) em (9.74) dá a equação de movimento do momento magnético
no campo H,
dµ
= −γ µ0 µ × H
dt
.
é o momento magnético por unidade de volume, sua
Como a magnetização M
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
444
equação de movimento é,
dM
×H
= −γ µ0 M
dt
.
(9.77)
quando ela é desviada da
Para entender o movimento natural de M
direção de equilı́brio, escolhemos um sistema de coordenadas no qual o eixo z
Podemos então escrever a magnetização
tem a direção do campo estático H.
na forma,
= x̂ mx (t) + ŷ my (t) + ẑ Mz ,
M
(9.78)
onde usamos letras minúsculas para as componentes x e y porque elas são
variáveis, enquanto a componente ẑ é estática, e também porque mx , my
Mz .
De (9.77) obtemos as equações para as componentes transversais de M ,
dmx
= −γ µ0 my H
dt
,
dmy
= γ µ0 mx H
dt
.
(9.79)
my (t) = m0 sen ω0 t
.
(9.80)
Uma solução para (9.79) é:
mx (t) = m0 cos ω0 t
,
está ilustrado na Figura 9.30. O vetor magnetização
O movimento de M
semelhante
executa um movimento de precessão circular em torno do campo H,
Mz
M
H
Figura 9.30: Movimento de precessão da magnetização de um ferrite em torno de um campo
magnético estático.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
445
a um giroscópio no campo gravitacional da terra. A freqüência angular de
precessão, obtida pela substituição de (9.80) em (9.79), é
ω0 = γ µ0 H = γB ,
(9.81)
é o vetor indução magnética aplicado. No sistema CGS a expressão é
onde B
ω0 = γH. Esta freqüência é diretamente proporcional à intensidade do campo
magnético, onde o coeficiente de proporcionalidade é o próprio fator giromagnético, dado pela Eq.(9.76). Para g = 2, seu valor é γ ≃ 2π × 28 GHz/T,
no SI, e γ ≃ 2π × 2, 8 MHz/Oe. Assim, para um campo tı́pico de ı́mãs ou
de eletromagnetos, H = 1 kOe, a freqüência de precessão é 2,8 GHz. Vemos
então que a resposta natural de um ferrite tem freqüência situada na região de
microondas. Esta é razão da importância dos ferrites para os dispositivos de
microondas.
9.6.2
Susceptibilidade Dinâmica de um Ferrite
Para calcular a resposta do ferrite a uma radiação de microondas, consideramos
um campo magnético alternado com freqüência ω, ou campo de rf, transversal
ao campo estático. O campo total é então,
= (x̂ hx + ŷ hy ) e−iωt + ẑH ,
H
(9.82)
H, uma vez que H é da ordem de centenas ou milhares de Oe,
onde hx , hy
enquanto o campo de rf de uma onda é da ordem de fração de Oe. Substituindo
(9.78) e (9.82) em (9.77), obtemos as equações de movimento das componentes
,
transversais de M
dmx
= −γ µ0 my H + γ µ0 Mz hy e−iωt
(9.83)
dt
dmy
= γ µ0 mx H − γ µ0 Mz hx e−iωt
dt
.
(9.84)
Como estamos interessados apenas na resposta estacionária, fazemos
mx (t) = mx e−iωt
,
my (t) = my e−iωt
.
Substituindo estas expressões em (9.83) e (9.84) e fazendo ω0 = γ µ0 H,
vem
−iωmx = −ω0 my + γ µ0 Mz hy
(9.85)
446
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
−iωmy = ω0 mx − γ µ0 Mz hx
.
(9.86)
A partir destas expressões podemos escrever a relação entre as compo eH
na forma,
nentes de rf de M
m
= χ · h
,
(9.87)
onde os vetores m
e h são representados pelas matrizes coluna,
⎛
m
=⎝
mx
⎞
⎛
⎠
h = ⎝
my
hx
⎞
⎠
,
(9.88)
hy
e χ é o tensor susceptibilidade, representado pela matriz
χxy
χxx
,
χ=
χyx
χyy
(9.89)
onde
χxx (ω) = χyy (ω) =
ωM ω0
ω02 − ω 2
χyx (ω) = −χxy (ω) = i
ωM ω
ω02 − ω 2
(9.90)
,
(9.91)
sendo ωM ≡ γµ0 Mz ≃ γµ0 M. Note que no sistema gaussiano, ωM = γ4πM,
pois µ0 = 1 e 4π é o fator que entra na relação entre a permeabilidade e a
susceptibilidade, Eq.(9.7). Este resultado mostra que num ferrite, a aplicação
de um campo de rf na direção x, produz componentes de rf da magnetização
tanto na direção x quanto na direção y. Do mesmo modo, um campo hy produz
componentes mx e my . Isto é devido ao fato de que o movimento natural de
é a precessão em torno do eixo z. Assim, a aplicação de um campo hx ou hy
M
produz o movimento de precessão, e em conseqüência componentes mx e my .
Por esta razão, a relação entre m
e h não é um escalar, mas sim um tensor.
As Eqs.(9.90) e (9.91) indicam que a amplitude da resposta do ferrite ao
campo de microondas aumenta à medida que ω se aproxima da freqüência de
aumenta e
ressonância ω0 . Quando isto ocorre, a amplitude da precessão de M
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
447
precessiona em
a relaxação não pode ser desprezada. Na realidade, quando M
torno de H, a interação spin-órbita nos átomos faz com que parte da energia
magnética seja transferida para a rede cristalina. Isto resulta em relaxação,
. Este efeito pode ser representado
ou amortecimento, do movimento de M
fenomenologicamente pela substituição de ω0 por ω0 − iΓ/2, onde Γ é a taxa
de relaxação. Com isto, as componentes do tensor susceptibilidade tomam a
forma,
ωM ω0
(9.92)
χxx = χyy = 2
ω0 − ω 2 − iω0 Γ
χyx = −χxy = i
onde admitimos que Γ
ωM ω
2
ω0 − ω 2 − iω0 Γ
(9.93)
ω0 .
Este resultado mostra que a resposta magnética de um ferrite tem comportamento análogo ao da susceptibilidade elétrica de um átomo submetido
a uma radiação eletromagnética, estudada nas seções 8.2.2 e 8.3.2. A grande
diferença entre as duas situações é que, enquanto no átomo a freqüência ω0
está na região óptica do espectro, no caso magnético ω0 está na região de
microondas. A analogia entre as duas situações permite também dar uma interpretação quântica para o efeito magnético nos ferrites. O movimento de
corresponde a transições quânticas entre dois nı́veis de energia separados
M
pelo campo magnético. Na Eq.(9.18), vemos que a separação de energia entre
dois nı́veis vizinhos é ∆E = gµB B. Esta energia corresponde a fótons com
freqüência ω0 = ∆E/ = γB, que é precisamente a freqüência de precessão
(9.81).
Um aspecto importante da resposta de um ferrite ao campo de microondas, é que a freqüência de precessão ω0 varia linearmente com o campo H.
Isto permite sintonizar a resposta do ferrite na freqüência desejada, através
de H. A Fig.9.31 mostra as partes real e imaginária da componente χxx da
susceptibilidade em função do campo aplicado H, para uma freqüência fixa
ω/2π = 2, 8 GHz. Os outros parâmetros usados são: g = 2, ωM /γ = 3 kG
e Γ/ω = 0, 2. Observe a semelhança entre esta figura e a Fig.8.5 que mostra
as partes real e imaginária da permissividade elétrica. A parte imaginária χxx
está relacionada à potência de microondas absorvida pelo ferrite. Quando o
campo H tem valor igual a ω/γ, χ e a potência absorvida são máximos. O
fenômeno pelo qual a potência absorvida cresce bruscamente e passa por um
máximo em H = ω/γ é chamado de ressonância ferromagnética. O campo
de ressonância é aquele no qual ω = ω0 . A diferença entre os dois valores de
448
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.31: Partes real (a) e imaginária (b) de χxx em função do campo H para ω/2π = 2, 8
GHz, ωM /γ = 3 kG e ∆H = Γ/γ = 200 Oe.
campo para os quais χxx tem metade do valor de pico é chamada largura de
linha da ressonância. É fácil verificar que a largura de linha ∆H é relacionada
com a taxa de relaxação por
∆H = Γ/γ
.
(9.94)
A largura de linha do ferrite da Fig.9.31 é ∆H = 200 Oe.
9.6.3
Ondas Eletromagnéticas em Ferrites
As caracterı́sticas de uma onda eletromagnética propagando num meio de ferrite submetido a um campo estático H são determinadas pelas equações de
Maxwell (2.1)-(2.4), com a permeabilidade magnética obtida dos resultados
da seção anterior. Como a susceptibilidade do ferrite é um tensor, a permeabilidade, definida por (9.6) e (9.7), também é um tensor. No SI,
µ = µ0 (1 + χ)
.
(9.95)
Em conseqüência, além de sofrer defasagem espacial e atenuação, como em
qualquer meio, no ferrite a onda pode sofrer mudança da polarização. Os
efeitos do ferrite na onda dependem muito das direções de propagação e de
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
449
polarização, e também da proximidade entre as freqüências da onda e da ressonância ferromagnética.
Uma situação especial importante é o da propagação na direção do campo
estático. Neste caso, o campo h é perpendicular ao eixo z, e portanto só
tem componentes hx e hy . Vejamos o comportamento de ondas circularmente
polarizadas nesta região. Com as Equações (9.88) e (9.89) obtemos
m± ≡ mx ± imy = (χxx ∓ iχxy ) (hx ± ihy )
,
(9.96)
onde m+ e m− representam as magnetizações de uma onda circularmente polarizada à direita e à esquerda, respectivamente. Este resultado significa que,
embora a relação entre m
e h seja tensorial, no caso de ondas circularmente
polarizadas a relação é escalar. Representando por b± e h± as componentes
circularmente polarizadas dos campos b e h, usando (9.3) e (9.96) vem,
b+ = µ+ h+
,
b− = µ− h−
,
(9.97)
onde
µ± = µ0 (1 + χxx ∓ iχxy )
(9.98)
são as permeabilidades escalares das ondas circularmente polarizadas. Se ω
for muito diferente de ω0 , a relaxação pode ser desprezada, e de (9.90) e (9.91)
vem:
ωM
(9.99)
µ+ = µ0 1 +
ω0 + ω
ωM
.
(9.100)
µ− = µ0 1 +
ω0 − ω
Este resultado significa que as relações para ondas em meios com permeabilidade escalar, obtidas no Capı́tulo 8, valem para ondas circularmente
polarizadas em ferrites. Por exemplo, os vetores de onda para estas ondas têm
módulo
1/2
ωε1/2
ωM
±
.
(9.101)
1+
k =
c
ω0 ± ω
O fato de ondas circularmente polarizadas à direita e à esquerda terem
vetores de propagação diferentes, dá origem ao fenômeno de rotação de
Faraday, ilustrado na Figura 9.32. Considere uma onda linearmente polarizada propagando na direção do campo H, no eixo z. Escolhemos o eixo x
450
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.32: Rotação de Faraday de uma onda eletromagnética propagando na direção do
campo magnético num ferrite.
como a direção do campo h no plano em z = 0. Sendo h0 a amplitude do
campo em z = 0, temos
h± (0, t) = Re x̂ h0 e−iωt = x̂ h0 cos ωt .
É fácil ver que este campo pode ser decomposto em duas componentes
circularmente polarizadas, com amplitudes iguais a h0 /2, girando em sentidos
opostos, h = h+ + h− , onde
±
h (0, t) = Re x̂ h0 ± ŷ i h0 e−iωt =
2
2
= x̂
h0
h0
cos ωt ± ŷ
sen ωt
2
2
.
(9.102)
Cada onda circularmente polarizada propaga com um vetor de onda diferente, de modo que no plano z = d temos,
h± (d, t) = Re
h0
h0
± ŷ i
x̂
2
2
±
eik d−iωt
.
(9.103)
O campo em z = d é dado pela soma dos dois campos em (9.103). Suas
componentes podem ser escritas na forma:
hx (d, t) = Re h0 cos θ eikm d−iωt
(9.104)
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
hy (d, t) = Re h0 sen θ eikm d−iωt
onde
.
km = (k + + k − )/2
e
θ = (k − − k + ) d/2
451
(9.105)
(9.106)
.
(9.107)
Veja que as equações (9.104) e (9.105) representam um campo linearmente polarizado, fazendo um ângulo θ com o eixo x. Isto mostra que a
composição dos dois campos circularmente polarizados em z = d, com fases
diferentes daquelas em z = 0, resulta em outro campo linearmente polarizado.
Como resultado deste processo, a onda original propaga no ferrite mantendo
a polarização linear, porém numa direção que gira gradualmente em torno do
campo estático, no sentido de x para y (pois k − > k + ). Este é o fenômeno
de rotação de Faraday. O ângulo de rotação da direção de polarização, dado
pela Eq.(9.107), é proporcional à distância e à diferença dos vetores de onda
das polarizações + e −. É importante observar que o sentido da rotação de
e não depende do sentido de
Faraday é definido pelo sentido do campo H,
propagação da onda.
Exemplo 9.4: Considere uma radiação de microondas com freqüência 9,4 GHz propagando ao
longo do campo H num ferrite com M = 250 emu/cm3 , g = 2, ∆H = 50 Oe e = 4 0 . Calcule o
coeficiente de absorção da onda para H = 2, 5 kOe, considerando: a) Onda circularmente polarizada
no sentido +; b) Onda circularmente polarizada no sentido −.
a) Os vetores de onda para as polarizações circulares + e − incluindo a relaxação magnética são
dados pela Eq. (9.101), com a substituição de ω0 por ω0 − iΓ/2,
k± =
ωε1/2
c
1+
ωM
ω0 ± ω − iΓ/2
1/2
.
A introdução do termo imaginário nessa equação faz com que o vetor de onda tenha uma
componente imaginária, que produz atenuação na onda. Para calcular a parte imaginária é
preciso trabalhar com o número complexo no interior da raiz quadrada, o que leva a expressões
grandes para o caso geral. Para simplificar as contas, vamos obter os valores numéricos
das grandezas ω0 , Γ e ωM , dadas por (9.81), (9.94) e ωM = γ4πM (no CGS). Como essas
grandezas aparecem numa fração, vamos deixar explı́cito o fator 2π que relaciona a freqüência
angular com a freqüência. Usando o sistema CGS vem,
ω0 = γ H = 2π × 2, 8 × 106 × 2, 5 × 103 = 2π × 7, 0 GHz ,
Γ0 = γ ∆H = 2π × 2, 8 × 106 × 50 = 2π × 0, 14 GHz ,
ωM = γ 4πM = 2π × 2, 8 × 106 × 4π × 250 = 2π × 8, 8 GHz ,
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
452
Vemos então que o termo imaginário no denominador da expressão de k± é muito menor
que o termo real. Podemos então utilizar a expansão binomial para obter as partes real e
imaginária da raiz quadrada. Multiplicando ωM pelo fator 4π, apropriado ao sistema CGS,
vem,
k± =
ω ε1/2
c
≃
ω ε1/2
c
≃
ω ε1/2
c
1+
1+
1+
ωM
(ω0 ± ω) [1 − Γ/2(ω0 ± ω)]
ωM
(ω0 ± ω)
1+
iΓ
2(ω0 ± ω)
ωM
2(ω0 ± ω)
1+
iΓ
2(ω0 ± ω)
1/2
1/2
.
Logo, a parte imaginária é,
k± ≃
ω ε1/2
ωM Γ
.
c
(ω0 ± ω)2
De acordo com (8.13), o coeficiente de absorção é o dobro da parte imaginária de k, portanto,
∝± =
ω ε1/2
ωM Γ
.
c
2(ω0 ± ω)
Substituindo os valores das grandezas, vem,
∝± =
2π × 9, 4 × 109 × 41/2 8, 8 × 0, 14
1, 23
= 3, 93
.
3 × 1010
(7, 0 ± 9, 4)2
(7, 0 ± 9, 4)2
Assim, para a onda + temos,
∝+ = 3, 93
1, 23
= 0, 018 cm−1 .
(7, 0 + 9, 4)2
b) Para a onda − temos,
∝−1 = 3, 93
1, 23
= 0, 84 cm−1 .
(7, 0 − 9, 4)2
A onda circularmente polarizada no sentido − tem um coeficiente de absorção muito maior
que a onda no sentido + porque ela está mais próxima da condição de ressonância, onde a perda
de energia é muito maior.
9.6.4
Dispositivos de Ferrites
Nesta seção vamos apresentar, de forma qualitativa, os dispositivos de ferrite
mais utilizados em microondas: isoladores; circuladores; e filtros de YIG. Esses
dispositivos são usados em toda a região de microondas, de 1 a 100 GHz. Cada
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
453
unidade opera eficientemente apenas numa estreita faixa de freqüências, cuja
largura depende das caracterı́sticas do ferrite e da geometria do dispositivo.
O isolador é um dispositivo de duas portas, que transmite a radiação
num sentido e absorve integralmente a radiação no sentido oposto. Ele é
utilizado na saı́da do gerador de microondas, para evitar que as reflexões produzidas no circuito externo voltem para ele e interfiram no seu funcionamento.
A Fig.9.33(a) mostra o sı́mbolo de circuito de um isolador. Como os isoladores
são dispositivos não-recı́procos, sua operação depende fundamentalmente de
materiais que tenham propriedades não-recı́procas. Na região de microondas,
os materiais que têm estas propriedades são os ferrites. Sua origem está no
comportamento giroscópico dos momentos magnéticos atômicos, cujo sentido
de precessão é determinado pelo sentido do campo estático aplicado.
Um dos primeiros isoladores de ferrite construı́dos foi o de rotação de
Faraday, mostrado na Figura 9.34 Seus elementos básicos são: um bastão
de ferrite magnetizado longitudinalmente por um campo externo, de modo a
produzir rotação de Faraday de 45◦ ; duas placas resistivas fazendo um ângulo
de 45◦ entre si, colocadas próximas às duas portas e paralelas às direções de
maior dimensão dos guias de onda retangulares; guia de onda circular no qual
o bastão de ferrite está montado, com transições para as seções retangulares
das portas, que fazem ângulo de 45◦ entre si.
A onda que entra na porta 1 passa pela placa resistiva sem atenuação,
pois tem campo elétrico perpendicular ao plano da placa (no guia retangular,
o campo elétrico tem a direção da dimensão menor e o campo magnético tem a
direção da dimensão maior), e portanto não produz corrente no plano. Como
Figura 9.33: Sı́mbolos de circuito de dispositivos não-recı́procos: (a) Isolador; (b) Circulador
de 4 portas; (c) Circulador de 3 portas.
454
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.34: Isolador de rotação de Faraday.
a rotação de Faraday do bastão de ferrite é de 45◦ no sentido horário, ao
chegar na porta 2 a onda é transmitida para o guia retangular. Por outro
lado, uma onda entrando na porta 2 tem sua polarização girada de 45◦ no
mesmo sentido, sendo portanto parcialmente absorvida pela placa resistiva
da porta 1 e também ficando a 90◦ da direção de polarização desta porta.
Desta forma, o dispositivo transmite a onda no sentido 1→2, mas não a onda
no sentido oposto. O isolador de rotação de Faraday não é muito utilizado
nas faixas inferiores de freqüências de microondas, pois os guias de onda têm
dimensões avantajadas e a estrutura do dispositivo torna-se muito volumosa.
Um dispositivo análogo, baseado no efeito Faraday magneto-óptico, é utilizado
na região do infravermelho próximo em sistemas de comunicações com fibras
ópticas.
O isolador de ferrite mais utilizado em microondas é o de ressonância.
O isolador para guia de onda, ilustrado na Figura 9.35 consiste de uma seção
de guia, uma placa de ferrite situada num certo plano do guia, e um ı́mã
permanente que magnetiza o ferrite e determina a freqüência de ressonância ω0 .
Para entender o funcionamento do isolador, é importante saber que o campo
magnético de microondas tem duas componentes no plano xy, defasadas de
90◦ , e cujas amplitudes variam ao longo da direção x. Em conseqüência, há
dois planos do guia, P1 e P2 mostrados na figura, simétricos em relação ao
centro, nos quais os campos são circularmente polarizados, sendo um deles à
direita e o outro à esquerda. A distância de P1 e P2 para as paredes laterais
é determinada pela freqüência da onda e as dimensões do guia (Problema
9.16). O isolador opera numa faixa de freqüências em torno de ω0 . Quando
a onda propaga num sentido, a polarização circular no plano P1 , onde está
. Neste caso não há
o ferrite, tem o sentido oposto ao da precessão de M
ressonância, e a onda é transmitida sem atenuação. Entretanto, quando a
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
455
Figura 9.35: Isolador de ressonância em guia de onda retangular.
onda propaga no sentido oposto, os sentidos das polarizações circulares em P1
e P2 são invertidas, fazendo com que ela seja atenuada devido à absorção de
ressonância no ferrite. Para aumentar a absorção é comum colocar uma fina
placa resistiva junto do ferrite. Os isoladores de ressonância são de construção
simples e podem ter razão entre as transmissões nos dois sentidos superior
a 1000:1. Eles também são feitos em dispositivos de cabos coaxiais e em
estruturas de microondas miniaturizadas, baseadas em linhas de fita (linhas
de transmissão, semelhantes às guias feitas em chapas de circuito impresso
usadas em eletrônica).
Outro dispositivo de ferrite importante é o circulador, também chamado
de girador. Ele é um dispositivo de três ou mais portas, que transmite a
radiação que entra numa certa porta para outra imediatamente vizinha, num
sentido de “mão única”. As Figuras 9.33(b) e (c) mostram os sı́mbolos de
circuito de circuladores de três e de quatro portas, respectivamente. Uma
aplicação importante do circulador de três portas é em sistemas de transmissão
e recepção com uma só antena. Como mostrado na Fig.9.33(b), o circulador
faz com que a radiação do transmissor (T) seja dirigida para a antena (A). Por
outro lado, a radiação recebida pela antena é dirigida para o receptor (R). E
como o sentido do girador é de mão única, o sinal do transmissor não é levado
ao receptor.
Como ocorreu com o isolador, o primeiro circulador de quatro portas
construı́do era baseado na rotação de Faraday. Os seus componentes, mostrados na Figura 9.36, são: um bastão de ferrite num guia de seção circular, com
rotação de Faraday de 45◦ ; quatro portas feitas de guias de seção retangular,
estando a porta 2 a 45◦ da porta 1, a porta 3 perpendicular a 1, e a porta 4
a 45◦ da 3. Com esta disposição, a radiação que entra em qualquer porta é
456
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 9.36: Circulador de 4 portas de rotação de Faraday.
girada de 45◦ e sai pela seguinte, ficando as demais isoladas. O circulador da
Fig.9.36 não é mais utilizado devido à dificuldade de sua miniaturização. A
Figura 9.37 mostra um circulador de três portas em linha de fita, utilizado em
circuitos de microondas miniaturizados. Sua operação também é baseada nas
propriedades giroscópicas do disco de ferrite, mas a configuração dos campos
no disco é complexa e não será analisada aqui.
Outro dispositivo magnético de grande aplicação em circuitos de microondas é o filtro de YIG. Como vimos na seção 9.4, o YIG é uma granada
ferrimagnética, e não um ferrite. Entretanto, seu enquadramento na categoria de ferrites é justificado pela semelhança das propriedades magnéticas.
Os ferrites utilizados em isoladores e circuladores são cerâmicas policristalinas, com larguras de linha de dezenas ou centenas de Oersted. As larguras
de linha grandes são necessárias para que os dispositivos possam operar em
largas faixas de freqüências. O YIG, por outro lado, é usado na forma de
monocristais, cuja largura de linha é da ordem de 0,1 Oe. Como em ω = ω0 as
susceptibilidades (9.92) e (9.93) têm amplitude ωM /Γ = M/∆H, este pequeno
valor de ∆H faz a ressonância de YIG ser muito intensa. Veja que no ferrite
das curvas mostradas na Fig.9.31, o pico da susceptibilidade tem altura 15,
enquanto em YIG a altura é M/∆H = 1, 76 × 104 . Estas propriedades possibilitam a construção de filtros de transmissão de banda estreita, sintonizáveis
eletricamente.
A Figura 9.38 mostra as configurações básicas de filtros de YIG de um e
de dois estágios. A estrutura eletromagnética de cada estágio consiste apenas
de duas semiespiras de fios finos, dispostas perpendicularmente entre si. Entre
elas é colocada uma pequena esfera de YIG, com diâmetro menor ou da ordem
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
457
Figura 9.37: Circulador de ferrite de 3 portas em linha de fita.
de 1 mm, submetida ao campo magnético estático H de um eletromagneto.
O valor do campo é ajustado pela corrente no eletromagneto. A corrente de
microondas numa das espiras cria um campo magnético de rf h na esfera,
perpendicular ao campo estático. Se a freqüência ω da microonda estiver
afastada de ω0 = γH, a susceptibilidade é desprezı́vel, fazendo com que mx e
my também o sejam. Como as duas espiras são perpendiculares entre si, nesta
situação o sinal transmitido de uma para a outra é também desprezı́vel.
Quando ω ≃ ω0 , o campo h produzido por uma das espiras cria na
esfera de YIG uma magnetização de rf no plano xy, dada por (9.88)-(9.91). A
componente de m
perpendicular a outra espira induz nela um sinal de saı́da,
proporcional ao sinal de entrada. Assim, o dispositivo opera como um filtro
de transmissão de banda estreita. Como ω0 = γH, a sintonização do filtro é
Figura 9.38: Diagramas esquemáticos de filtros de YIG: (a) Um estágio; (b) Dois estágios.
458
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
feita através da corrente no eletromagneto.
No filtro de um estágio a curva de resposta, sinal transmitido em função
da freqüência, tem a forma da curva de ressonância. Para sintetizar formas de
resposta mais apropriadas para filtros de transmissão, utiliza-se dispositivos
com múltiplos estágios. A Figura 9.38(b) mostra o diagrama de um filtro de
dois estágios. As duas esferas de YIG são montadas na mesma estrutura e
ficam submetidas ao mesmo campo estático. Desta forma, quando o campo
é variado, as freqüências de ressonância das duas esferas variam igualmente.
A sintetização da curva de resposta do filtro é possı́vel porque a freqüência
de ressonância de cada esfera varia finamente com a direção de seus eixos
cristalinos em relação ao campo externo. Como a curva de transmissão do
filtro é o produto das respostas dos dois estágios, é possı́vel variar a forma
da curva ajustando-se finamente uma esfera em relação a outra. A Figura
9.39 mostra a curva de resposta de um filtro de dois estágios construı́do no
Departamento de Fı́sica da UFPE. O filtro tem largura de banda de 15 MHz
e pode ser sintonizado na faixa de 4 a 6 GHz.
Os filtros de YIG encontram várias aplicações em equipamentos de microondas, em funções que requerem sintonia eletrônica. Eles são utilizados
nos estágios de entrada de receptores simples sintonizáveis e em estágios intermediários de receptores super-heterodinos. Eles são também empregados para
estabilizar a freqüência de osciladores de microondas, como os de diodo Gunn
Figura 9.39: Curva de resposta de um filtro de YIG de dois estágios (A. Belfort de Oliveira,
Tese de Mestrado, Departamento de Fı́sica da UFPE, 1981).
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
459
e osciladores com transistores MESFET de GaAs, com a vantagem de permitir
a sintonia eletrônica da freqüência.
REFERÊNCIAS
H.N. Bertram, Theory of Magnetic Recording, Cambridge University
Press, Cambridge, 1994.
S. Blundell, Magnetism in Condensed Matter, Oxford Univ. Press, Oxford,
2001.
S. Chikazumi, Physics of Magnetism, John Wiley, New York 1964.
R.L. Comstock, Introduction to Magnetism and Magnetic Recording, John
Wiley, New York, 1999.
R. Dalven, Introduction to Applied Solid State Physics, Plenum Press, New
York, 1996.
J. Helszajn, Passive and Active Microwave Circuits, John Wiley, New York,
1978.
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials, Springer-Verlag, Berlin,
2001.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
B. Lax e K. Button, Microwave Ferrites and Ferrimagnetics, McGraw-Hill,
New York, 1962.
J.C. Mallinson, The Foundations of Magnetic Recording, Academic Press,
New York, 1987.
A.H. Morrish, The Physical Principles of Magnetism, IEEE Press, New York,
2001.
R.M. White, Introduction to Magnetic Recording, IEEE Press, New York,
1985.
460
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
PROBLEMAS
9.1 a) A partir da definição (9.9) do operador momentum angular, obtenha as
expressões para os operadores L2op e Lzop . b) Mostre que os orbitais ψ110
e ψ111 do átomo de hidrogênio são auto-estados dos operadores L2op e Lzop
e que as equações de autovalores satisfazem as relações (9.10) e (9.11).
9.2 Aplique as regras de Hund para obter os estados fundamentais dos ı́ons
Ni2+ e Eu2+ e calcule os fatores g correspondentes.
9.3 Um átomo com S = 1/2 e L = 0 é colocado num campo magnético
H = 2 kOe. Calcule a freqüência, em GHz, do fóton emitido pela
transição de dipolo magnético entre os dois estados de spin no campo.
9.4 Uma substância paramagnética é formada por 4 × 1022 cm−3 ı́ons
magnéticos com S = 2 e L = 0. Calcule a susceptibilidade magnética
da substância em T = 4 K e T = 300 K.
9.5 O ferro cristaliza na estrutura bcc, com parâmetro de rede a = 2, 87 Å.
Sabendo que o momento magnético do ferro é 2,22 µB por átomo, calcule
sua magnetização de saturação e compare com o valor da Tabela 9.2.
9.6 Sabendo que o ferro tem temperatura de Curie Tc = 1.043 K, calcule seu
campo molecular e a constante de intercâmbio J1 .
9.7 Um ı́mã permanente tem a forma de um bastão cilı́ndrico de diâmetro
2 cm e comprimento 10 cm, com uma magnetização uniforme, paralela ao
eixo, de valor 4πM = 15 kG. Calcule o campo criado pelo ı́mã em pontos
ao longo de seu eixo, distantes 1 mm, 10 mm e 50 mm de uma das bases
do cilindro.
9.8 Um ı́mã permanente tem a forma de um disco fino, com magnetização M
uniforme e perpendicular ao plano. Calcule os campos B e H num ponto
externo ao disco, próximo à superfı́cie do pólo norte. Localize o ponto de
operação do ı́mã na curva da Figura 9.21.
9.9 Um eletromagneto tem um circuito magnético como o da Figura 9.22,
tendo um núcleo cilı́ndrico de diâmetro 10 cm, comprimento 120 cm e
entreferro 5 cm. Sabendo que o núcleo é de ferro e que o enrolamento
tem 200 espiras, calcule o campo em ponto próximo do centro da superfı́cie
do entreferro, produzido por uma corrente de 10 A.
9.10 Mostre que as funções ψ1 , ψ2 e ψ3 dadas pelas Equações (9.63) e (9.65)
satisfazem a equação de Poisson (9.53) para o potencial magnético na
geometria da Figura 9.25, que representa uma fita magnética com um
sinal senoidal gravado.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos
461
9.11 a) Calcule o comprimento de onda de um sinal de 1 kHz, gravado numa
fita magnética de velocidade 8 polegadas/seg. b) Calcule a distância da
fita na qual o campo criado por ela é 5 % do valor na superfı́cie.
9.12 Uma fita magnética com magnetização M = 500 emu/cm3 , espessura 15
µm e largura de trilha 1 mm, desliza com velocidade 8 polegadas/seg sob
uma cabeça de leitura de eficiência 0,8 com 20 espiras, mantendo uma
distância de 2 µm para a mesma. Calcule: a) freqüência do sinal para o
qual a amplitude de reprodução é máxima; b) o valor do sinal de saı́da
nesta condição.
9.13 A partir das Equações (9.85) e (9.86), mostre que o tensor susceptibilidade magnética dinâmica de um ferrite é dado por (9.90) - (9.91).
9.14 Uma onda eletromagnética de freqüência 9,8 GHz propaga ao longo do
num ferrite com parâmetros M = 300 emu/cm3 , g = 2, ∆H =
campo H,
100 Oe e = 40 . a) Sendo a onda circularmente polarizada no sentido −,
calcule seu coeficiente de absorção para H = 1 kOe e H = 3,5 kOe; b)
Calcule o coeficiente de absorção nos mesmos campos do item a), caso a
onda seja circularmente polarizada no sentido +.
9.15 Se a onda do problema anterior for linearmente polarizada, calcule o
ângulo de rotação de Faraday, em rd/cm, nos dois valores de campo dados.
9.16 O campo magnético de microondas propagando num guia de onda retangular, no modo fundamental, tem duas componentes:
ikg a
πx ikg z−iωt
h0 sen
e
hx = −
π
a
πx ikg z−iωt
e
hz = h0 cos
a
onde z é a direção ao longo do guia, x é a direção transversal maior, a é
a largura do guia (na direção x), h0 é a amplitude do campo longitudinal
e kg é o módulo do vetor de onda na direção longitudinal, dado por
1/2
/c
kg = ω 2 − (πc/a)2
sendo c a velocidade da luz. Sabendo que no guia de banda X, a = 2,3 cm,
determine a distância da parede lateral do plano onde deve ser colocada
a placa de ferrite num isolador de banda X, para operação em 9,4 GHz.
462
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Capı́tulo 10
Outros Materiais Importantes
para a Eletrônica
10.1 Materiais Dielétricos
10.1.1 A Polarização dos Materiais
10.1.2 Capacitores
10.1.3 Materiais Piezoelétricos
10.1.4 Materiais Ferroelétricos
10.1.5 Eletretos
10.2 Materiais Dielétricos para Opto-Eletrônica
465
466
469
473
479
481
484
10.2.1 Efeitos Eletro-Ópticos e Elasto-Ópticos
484
10.2.2 Materiais Ópticos Não-Lineares
487
10.2.3 Dispositivos Eletro-Ópticos de Guias de Onda
489
10.3 Materiais para Mostradores e Telas de Vı́deo
493
10.3.1 Materiais Cerâmicos Fosforescentes
10.3.2 Cristais Lı́quidos
10.3.3 Materiais Orgânicos Condutores
463
493
501
507
464
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
10.4 Materiais Supercondutores
514
10.4.1 Propriedades Magnéticas dos Supercondutores
10.4.2 A Fı́sica da Supercondutividade
10.4.3 Junções com Supercondutores
10.4.4 Aplicações
517
520
526
529
REFERÊNCIAS
531
PROBLEMAS
532
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
465
Outros Materiais Importantes
para a Eletrônica
Neste capı́tulo apresentamos as propriedades fı́sicas básicas e algumas
aplicações de certos materiais importantes para a eletrônica, não estudados nos
capı́tulos anteriores. Os materiais dielétricos encontram inúmeras aplicações
nesta área desde seu surgimento no inı́cio do século. Nas últimas décadas
estas aplicações tornaram-se mais diversificadas e sofisticadas com a descoberta
de novos materiais e fenômenos e com o desenvolvimento da opto-eletrônica.
Este também é o caso das cerâmicas fosforescentes, dos cristais lı́quidos e dos
condutores orgânicos, que encontram aplicações cada vez mais sofisticadas em
mostradores e telas de monitores de vı́deo. Por outro lado, os supercondutores
têm um grande potencial de aplicação, porém a concretização deste potencial
ainda depende do desenvolvimento de novos materiais.
10.1
Materiais Dielétricos
Como vimos no Capı́tulo 4, os materiais com um grande gap de energia entre as bandas de valência e de condução, não têm elétrons nesta banda e
portanto são isolantes elétricos. Os isolantes têm grande importância para
a eletrônica, pois são necessários para montar ou isolar eletricamente fios e
partes de dispositivos e de circuitos. Os materiais mais usados nessas aplicações
são cerâmicas de óxidos inorgânicos, resinas e uma grande variedade de materiais poliméricos comumente chamados plásticos. Entretanto, os elétrons
livres não são os únicos responsáveis pela resposta dos materiais a um campo
elétrico externo. Em geral os isolantes têm ı́ons ou moléculas que, sob ação de
um campo externo, sofrem pequenos deslocamentos ou reorientações. Desta
466
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
forma, mesmo sem produzir corrente elétrica, esses materiais apresentam uma
resposta ao campo elétrico. Eles são chamados materiais dielétricos, e encontram várias aplicações especı́ficas na eletrônica.
10.1.1
A Polarização dos Materiais
O comportamento dos materiais dielétricos num campo elétrico externo é determinado pelas propriedades de seus dipolos elétricos microscópicos. Esses
dipolos podem ser permanentes, ou induzidos pelo campo elétrico externo.
Eles são produzidos pela separação entre as cargas positivas dos núcleos e as
negativas dos elétrons, nos átomos, ı́ons ou moléculas que formam o material.
Os materiais que têm dipolos elétricos microscópicos permanentes são chamados polares, enquanto os que não têm dipolos permanentes são não-polares.
Quando o material é submetido a um campo externo, como este exerce forças
opostas sobre as cargas positivas e negativas, os dipolos são orientados como
ilustrado na Figura 10.1. Como resultado, os dipolos criam um campo que se
superpõe ao campo externo e determinam a resposta dielétrica do material.
O dipolo elétrico criado pela separação de duas cargas de sinais opostos, ±q,
tem momento
distantes uma da outra por um vetor deslocamento d,
p = q d
.
(10.1)
Macroscopicamente, a grandeza que representa o estado dielétrico de um
material é vetor polarização P . Ele é definido de forma análoga ao vetor
Figura 10.1: Orientação dos dipolos microscópicos sob a ação de um campo elétrico.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
467
magnetização, sendo o momento de dipolo elétrico por unidade de volume,
1 pi ,
(10.2)
P =
V i
onde o somatório é feito sobre todos os pontos i nos quais há dipolos microscópicos, no interior de um volume V . Como no caso magnético, V é
escolhido suficientemente grande para que haja uma boa média macroscópica,
porém pequeno em relação ao tamanho da amostra, de modo que P represente uma propriedade local. P está relacionado com o vetor campo elétrico
através de relações que dependem do sistema de
E e o vetor deslocamento D
unidades. No Sistema Internacional,
= 0 E + P
D
,
(10.3)
onde 0 = (4π × 9 × 109 )−1 C2 /Nm2 é a permissividade do vácuo. Note que
a unidade C2 /Nm2 é equivalente ao farad/metro. A unidade de E é V/m,
enquanto a de D e P é C/m2 . No CGS 0 = 1, de modo que a relação entre
os campos é,
= E + 4π P .
D
(10.4)
Ao contrário do caso magnético, onde os sistemas SI e CGS são igualmente usados, no caso elétrico o sistema mais utilizado é o SI. Por esta razão,
não mais usaremos o CGS nesta seção. Vemos que como no vácuo não há
A resposta de um dielétrico a um campo
= 0 E.
dipolos, P = 0 e portanto D
elétrico pode ser expressa pela susceptibilidade elétrica χ, ou pela permissividade . No caso dos dielétricos simples, o campo E produz uma polarização P
na mesma direção, de modo que χ e são escalares. Por definição,
χ=
P
0 E
,
=
D
E
.
(10.5)
A relação entre estas grandezas é obtida substituindo (10.5) em (10.3),
= 0 (1 + χ)
.
(10.6)
Também é comum utilizar a permissibidade relativa, ou constante dielétrica,
definida por ε = /0 .
A resposta de um dielétrico a um campo externo varia com a freqüência
do campo. A forma tı́pica de variação da susceptibilidade χ(ω) com a
freqüência está mostrada na Figura 10.2. Nas regiões do infravermelho
468
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.2: Variação da susceptibilidade de um dielétrico com a freqüência do campo
aplicado.
próximo, visı́vel e ultravioleta, a resposta é dominada pelas transições
eletrônicas nos átomos, como estudado nas seções 8.2.2 e 8.3.1.
Na região do infravermelho, a principal contribuição para χ(ω) vem da
interação entre o campo e os ı́ons que formam o material. Esta contribuição
está ilustrada na Figura 10.3(a), que mostra o efeito de um campo elétrico
sobre os ı́ons de uma rede cristalina, representada por uma cadeia linear. O
campo desloca os ı́ons de cargas + e − em sentidos opostos, produzindo um
movimento de vibração tı́pico do modo óptico, estudado na seção 2.2. A susceptibilidade pode ser calculada usando um modelo semelhante ao da seção
8.2.2, e considerando que o campo interage com os ı́ons de carga +q e −q.
Com este modelo pode-se mostrar que a contribuição dos ı́ons para a susceptibilidade é,
Nq 2 /mr 0
(10.7)
χı́on (ω) = 2
ω0 − ω 2 − iωΓ
onde mr = M1 M2 /(M1 +M2 ) é a massa reduzida dos ı́ons com massa M1 e M2 ,
N é o número de células unitárias por unidade de volume, ω0 é a freqüência angular do modo óptico em k = 0 e Γ é a taxa de amortecimento. A contribuição
iônica para a resposta dos materiais dielétricos é importante na região do infravermelho, porque é nesta região que estão situadas as freqüências dos modos
ópticos de vibração da rede cristalina. A amplitude desta resposta é menor
do que a contribuição dos elétrons na região visı́vel porque a massa dos ı́ons
é maior que a dos elétrons. É importante notar, entretanto, que embora a
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
M1
M2
M1
469
M2
Figura 10.3: Ilustração dos mecanismos de contribuição para a resposta de dielétricos a um
campo elétrico externo: (a) iônica; (b) dipolar.
contribuição dos elétrons, dada por (8.36), seja máxima na região visı́vel, ela
ainda é significativa em freqüências mais baixas. Como a contribuição iônica
soma-se à dos elétrons, χ não passa por zero na região do infravermelho, como
mostrado na Fig. 10.2.
Em freqüências abaixo da região do infravermelho, a resposta dielétrica
de certos materiais contém uma contribuição dipolar que se soma às componentes iônica e eletrônica. Isto ocorre em dielétricos que têm moléculas com
dipolos permanentes, como ilustrado na Figura 10.3(b). A aplicação do campo
tende a produzir uma rotação dos momentos de dipolo em sua direção. Embora
esta tendência seja em parte contrabalançada pelo efeito da agitação térmica,
há um momento resultante na direção do campo.
10.1.2
Capacitores
Uma das aplicações mais tradicionais dos materiais dielétricos na eletrônica
é na construção de capacitores. A Figura 10.4 mostra um capacitor simples
formado por uma camada dielétrica entre duas placas metálicas paralelas. Uma
das funções básicas do capacitor é armazenar carga, e portanto energia elétrica.
Quando uma diferença de potencial V é aplicada entre as placas, um campo
elétrico é criado no sentido da placa + para a placa −. Longe das bordas o
campo é uniforme, com intensidade E = V /d, onde d é a distância entre as
placas. Como a capacitância do capacitor é C = Q/V , onde Q é o módulo
da carga em cada placa, para calcular C é preciso relacionar o campo elétrico
470
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.4: Capacitor de placas paralelas.
com a carga. Para isto utilizamos a forma integral da Eq.(2.1),
D · da = ρdv = q
(10.8)
S
onde ρ é a densidade de cargas livres, e q é a carga livre total no interior
do volume limitado pela superfı́cie fechada S. A aplicação da Eq.(10.8) a um
cilindro contendo uma base no interior de uma das placas metálicas e a outra
no dielétrico (onde não há cargas livres) dá,
Q
(10.9)
A
onde σ é a densidade superficial de cargas livres na superfı́cie interna da placa
metálica positiva, cuja área é A. A partir deste resultado pode-se obter a
capacitância em função das dimensões do capacitor e da permissividade do
dielétrico.
σA
EA
A
C=
=
=
.
(10.10)
V
V
d
D=σ=
Note que como > 0 , a presença do dielétrico aumenta a capacitância em
relação ao seu valor com ar entre as placas. Para compreender melhor o papel
do dielétrico no capacitor, vejamos o comportamento da polarização. O vetor
e portanto é dirigido da placa + para a placa −. Nesta
P é criado pelo campo E,
situação os dipolos microscópicos induzidos pelo campo estão uniformemente
distribuı́dos e dirigidos para baixo. Em conseqüência, as cargas que formam os
dipolos se cancelam no interior do dielétrico. Entretanto, nas duas superfı́cies
este cancelamento não ocorre, resultando na formação de cargas superficiais.
Elas são chamadas cargas de polarização e resultam da descontinuidade de
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
471
P na superfı́cie. Note que as cargas são negativas na superfı́cie de cima do
dielétrico e positivas na superfı́cie de baixo, por conta do sentido de cima para
baixo dos dipolos não compensados. Por esta razão elas também são chamadas
de cargas de despolarização.
Formalmente estas cargas podem ser introduzidas a partir de uma
equação semelhante a (2.1), ou de sua forma integral. Sendo ρp a densidade
volumétrica de carga de polarização, temos:
P · da = − ρp dv .
,
(10.11)
∇ · P = −ρp
S
A aplicação da forma integral de (10.11) a um cilindro com uma base no
interior da camada dielétrica e outra fora, mostra que o módulo da densidade
superficial de carga de polarização é σp = P . Finalmente, a relação entre a
carga de polarização e o campo elétrico, obtida substituindo (10.3) e (10.11)
em (2.1) é,
∇ · 0 E = ρ + ρp = ρt ,
(10.12)
onde ρt é a densidade de carga total, resultante da soma das cargas livres e de
polarização. A integral de (10.12) leva à
0 E · da = (ρ + ρp )dv = qt .
(10.13)
S
Esta é a lei de Gauss para o campo elétrico na presença de materiais dielétricos.
O campo E é criado pela soma das cargas livres e de polarização, como se elas
estivessem no vácuo. A importância deste resultado para o capacitor vem do
fato de que as cargas de polarização têm o sinal oposto ao das cargas livres. Em
conseqüência, para uma certa carga Q no capacitor, a presença do dielétrico
resulta num campo E menor do que haveria sem ele. Isto produz uma menor
diferença de potencial V e, portanto, uma maior capacitância.
Diversos materiais dielétricos são utilizados para fazer capacitores. Como
vimos no Capı́tulo 7, nos circuitos integrados são utilizados óxidos dos próprios
semicondutores empregados para fabricar os circuitos. Um tipo comum de
capacitor utilizado no passado era o capacitor de papel. Ele era feito por duas
lâminas de alumı́nio intercaladas com folhas de papel encerado. O conjunto era
enrolado para formar um pequeno cilindro e, depois da soldagem de terminais
às lâminas de alumı́nio, encapsulado.
Um tipo de capacitor muito comum atualmente é o eletrolı́tico. No passado o capacitor eletrolı́tico utilizava como dielétrico um lı́quido, ou uma pasta,
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
472
de solução eletrolı́tica. Posteriormente eles foram substituı́dos por um filme
óxido, depositado sobre uma folha de alumı́nio, ou de tântalo, através da
eletrólise de uma solução eletrolı́tica. Nesta técnica, após a formação do filme
na espessura desejada, a solução lı́quida é removida. A superfı́cie do filme é
então coberta com uma camada metálica, formando a segunda placa do capacitor. O conjunto é finalmente enrolado na forma de um cilindro. O filme
pode ser feito com espessuras bastante reduzidas, na faixa de 10-100 Å, possibilitando obter capacitâncias na faixa 1-105 µF.
Dois dielétricos bastante utilizados em capacitores eletrolı́ticos são o
óxido de alumı́nio e o óxido de tântalo. Esses óxidos são facilmente formados sobre as folhas dos metais correspondentes. Além de terem permissividade
relativa razoavelmente alta, estes materiais têm valores elevados de campo
elétrico de ruptura Er . Esta grandeza, também chamada rigidez dielétrica,
é o máximo valor de E suportado pelo dielétrico e que limita o máximo valor
de V . No caso de óxido de tântalo ε ≃ 28 e Er ≃ 108 V/m.
Finalmente, há várias cerâmicas utilizadas como dielétricos em capacitores, possibilitando obter capacitâncias numa extensa faixa de valores. A
vantagem das cerâmicas em relação aos óxidos é sua resistividade muito mais
elevada. Em conseqüência, os capacitores de cerâmica têm perda muito menor
que os eletrolı́ticos. A Tabela 10.1 apresenta os principais parâmetros de alguns
dielétricos importantes para eletrônica.
Material
Baquelite
Mica
Óxido de alumı́nio (A2 O3 )
Óxido de tântalo (Ta2 O5 )
Óxido de Titânio (TiO3 )
Papel
Porcelana
Quartzo fundido (SiO2 )
Teflon (PFTE)
ε
Er (106 V/m)
4,8
5,4
10
28
94
3,5
6,5
3,8
1,9
12
160
100
6
14
4
8
60
Tabela 10.1: Permissividade relativa ε = / 0 em baixas freqüências e rigidez dielétrica Er
de alguns materiais dielétricos à temperatura ambiente.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
10.1.3
473
Materiais Piezoelétricos
Piezoeletricidade é a propriedade que alguns dielétricos têm, de desenvolver
uma polarização quando submetidos a uma tensão mecânica. A polarização
produzida pela tensão cria cargas de polarização e, portanto, um campo
elétrico. Reciprocamente, a aplicação de um campo elétrico num material
piezoelétrico resulta numa deformação mecânica (chamado efeito piezoelétrico
reverso). Nos dois casos, a mudança no sentido da perturbação produz uma
inversão no sentido do efeito. Estes fenômenos foram descobertos no final do
Século XIX por Pierre Curie, que cunhou o nome piezoeletricidade ao efeito
(piezo significa pressão).
A Figura 10.5 mostra, através de um modelo bidimensional, como a
compressão de um cristal induz um momento de dipolo elétrico na direção
da deformação. No cristal sem deformação, em (a), os três dipolos formados
pelo ı́on A e seus vizinhos (cada carga ±e é repartida em três) têm momento
total nulo. Entretanto, quando o cristal é deformado como indicado em (b),
os ângulos entre os dipolos produzem um momento resultante na direção da
deformação.
É importante observar que não pode existir piezoeletricidade em cristais
Figura 10.5: Ilustração da origem da piezoeletricidade: (a) No cristal em equilı́brio o momento de dipolo elétrico total é nulo; (b) o dipolo elétrico resultante da deformação mecânica
não é nulo.
474
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
com centro de simetria de inversão. Esta propriedade pode ser demonstrada
genericamente a partir de relações de simetria entre os campos. Fisicamente
ela pode ser compreendida com o modelo bidimensional da Figura 10.6. Veja
que na rede quadrada com simetria de inversão, o momento de dipolo elétrico
resultante é nulo, tanto na situação de equilı́brio em (a), quanto na rede deformada em (b). A piezoeletricidade não é restrita aos isolantes. Ela também
ocorre em diversos semicondutores, tais como CdS e ZnO.
A aplicação de uma tensão mecânica em certa direção do cristal resulta,
em geral, numa polarização em direção diferente. Assim, as relações entre as
várias grandezas envolvidas na piezoeletricidade são tensoriais. Entretanto, em
algumas direções particulares dos cristais, os vetores estão na mesma direção.
Neste caso as relações são escalares e podem ser escritas na forma,
P = d T + 0 χE
(10.14)
R = sT +dE
(10.15)
onde T é a tensão aplicada ao material (força por unidade de área), E é o campo
aplicado, P é a polarização induzida e R é a deformação por unidade de comprimento resultante. As constantes d, s e χ são parâmetros caracterı́sticos de
cada material. A constante d é a que caracteriza a piezoeletricidade, pois relaciona a polarização induzida com a tensão mecânica aplicada, ou a deformação
produzida por um campo elétrico aplicado. Como R é adimensional, d tem a
unidade inversa do campo elétrico, m/V no SI, ou cm/statvolt no CGS. Na realidade, cada material tem várias constantes piezoelétricas dαβγ , relacionando a
polarização induzida na direção α com a componente βγ do tensor que caracteriza a tensão mecânica (força por unidade de área). Como α pode assumir
3 valores e βγ pode assumir 3 × 3 valores, o tensor piezoelétrico pode ter 27
Figura 10.6: Demonstração da ausência de piezoeletricidade em cristais com centro de simetria de inversão.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
475
componentes. Entretanto, devido à simetria do cristal, vários componentes são
iguais entre si e vários são nulos, de modo que somente alguns são relevantes.
Atualmente são conhecidos cerca de mil materiais piezoelétricos, porém
as aplicações práticas são dominadas por apenas alguns deles. As constantes
piezoelétricas e dielétricas dos materiais mais importantes estão apresentadas
na Tabela 10.2. Um dos cristais piezoelétricos mais tradicionais é o quartzo
(SiO2 ), cuja constante piezoelétrica longitudinal é d11 = 2 × 10−12 m/V. Para
ter uma idéia do significado deste valor, consideremos um disco de quartzo de
espessura = 1 mm, submetido a uma diferença de potencial V = 100 Volts.
A variação ∆ na espessura do disco, dada por (10.15)
∆
V
=d
(10.16)
é de apenas ∆ = 2 × 10−10 m = 2 Å.
Nos materiais genuinamente piezoelétricos, a polarização é nula na
ausência de tensão mecânica ou campo elétrico externo, como mostra a
Eq.(10.14). Há uma outra classe de materiais, que será apresentada na próxima
seção, nos quais existe uma polarização espontânea na ausência de campos externos. Eles são chamados materiais ferroelétricos e, como será mostrado
na próxima seção apresentam efeito piezoelétrico. Os materiais ferroelétricos
e piezoelétricos mais importantes para aplicação em eletrônica são o niobato
de lı́tio, o titanato de bário e o titanato de chumbo e zircônio, este conhecido
como PZT, cujos parâmetros estão na Tabela 10.2. O PZT é em geral utilizado
Material
d (10−12 m/V)
Piezoelétricos genuı́nos
Quartzo (SiO2 )
Turmalina
KDP (KH2 PO4 )
-2,3
-3,7
21
Ferroelétricos
Titanato de bário (BaTiO3 )
PZT (Pb0,5 Zr0,5 TiO3 )
390
370
ε
4,5
6,3
40
2.900
1.700
Tabela 10.2: Valores das maiores componentes do tensor constante piezoelétrica e constante
dielétrica de materiais piezoelétricos importantes.
476
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
na forma de cerâmica policristalina, sinterizada num campo elétrico externo.
A aplicação do campo durante o processo de resfriamento produz um alinhamento dos grãos cristalinos ao longo de um certo eixo cristalográfico, fazendo
com que o material apresente efeito piezoelétrico macroscópico. A cerâmica de
PZT é muito utilizada atualmente por causa do valor elevado de sua constante
piezoelétrica, d33 = 3, 7 × 10−10 m/V, cerca de duzentas vezes maior que a do
quartzo.
Uma aplicação importante dos materiais piezoelétricos é na fabricação de
transdutores eletromecânicos para a geração de ondas elásticas, como ilustrado
na Figura 10.7. Nas aplicações em baixas freqüências (até dezenas de kHz) o
material mais usado em transdutores é o PZT, enquanto que em freqüências
mais altas (≥ 1 MHz) o quartzo cristalino é o mais empregado. O transdutor
é formado por um disco, ou uma placa retangular, de PZT ou quartzo, com
as duas faces cobertas por filmes metálicos. A cobertura metálica de uma das
faces é estendida para a borda lateral para permitir o contato elétrico com
um fio externo. A aplicação de uma diferença de potencial entre os eletrodos
cria um campo elétrico no material piezoelétrico, resultando numa deformação
mecânica. Quando o transdutor é colocado em contato com um outro material
qualquer, a aplicação de uma tensão ac gera uma onda elástica no material.
Esta técnica é empregada para gerar ondas de ultrassom, utilizadas em equipamentos médicos, cientı́ficos e industriais. As ondas de ultrassom refletidas são
convertidas em sinal elétrico por um outro transdutor de recepção, ou pelo
próprio transdutor de transmissão.
Figura 10.7: (a) Transdutor piezoelétrico de PZT; (b) Utilização do transdutor para gerar
uma onda de ultrassom.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
477
Embora o quartzo tenha um efeito piezoelétrico muito menor que o PZT,
ele encontra várias aplicações importantes na eletrônica por conta de sua baixa
perda acústica. Esta propriedade faz com que um bloco de quartzo cristalino
seja um ótimo ressoador mecânico, com uma taxa de amortecimento muito
pequena. A aplicação de um pulso de tensão no bloco provoca uma vibração
mecânica, que por sua vez cria uma tensão elétrica oscilante através do efeito
piezoelétrico. Assim, o bloco de quartzo com filmes metálicos em duas faces
opostas, é eletricamente equivalente a um circuito ressonante paralelo RLC. As
freqüências de vibração dependem das dimensões e do formato do bloco. No
caso de uma placa fina com faces paralelas, o modo fundamental de ressonância
corresponde a uma onda acústica estacionária, refletindo sucessivamente nas
duas faces, tendo comprimento de onda igual ao dobro de espessura da placa.
Assim, sendo a espessura da placa e v a velocidade da onda acústica na
direção perpendicular à face, a freqüência de oscilação é,
v
ν=
.
(10.17)
2
A velocidade da onda depende da direção cristalográfica do corte do cristal.
Para o chamado corte X no quartzo, v ≃ 5, 4 × 103 m/s. Então, um cristal com
espessura 1 mm neste corte, oscila com freqüência 2,7 MHz. Por causa desta
oscilação ressonante, a variação na espessura é muito maior que na situação
dc, dada por (10.16).
Os cristais de quartzo são utilizados para sincronizar osciladores
eletrônicos de relógios, computadores, transmissores e receptores de rádio e TV.
O oscilador consiste de um circuito amplificador com realimentação, tendo no
lugar do circuito ressonante RLC uma pequena placa de quartzo, com contatos
metálicos nas duas faces opostas. A Figura 10.8 mostra o sı́mbolo do circuito do
cristal de quartzo e seu circuito elétrico equivalente. Os osciladores de quartzo
apresentam duas vantagens em relação aos circuitos RLC: em freqüências da
ordem de alguns MHz, eles têm perdas muito menores, e em conseqüência têm
fator de qualidade da ressonância muito maior (no circuito RLC o fator de
qualidade é Q = ωL/R); a estabilidade da freqüência de ressonância do cristal
de quartzo é muito mais elevada que no circuito RLC.
Finalmente, uma outra aplicação importante dos materiais piezoelétricos
é nos dispositivos de ondas acústicas de superfı́cie, SAW (Surface Acoustic
Wave). O dispositivo SAW mais simples, mostrado na Figura 10.9 é formado
basicamente por uma lâmina de quartzo ou de niobato de lı́tio, tendo uma
das superfı́cies polidas, sobre a qual são feitos dois transdutores interdigitais.
Cada transdutor consta de um filme metálico, depositado sobre a lâmina do
substrato, tendo a forma de dois pentes com os dentes (ou dedos) intercala-
478
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.8: (a) Sı́mbolo de circuito de cristal oscilador de quartzo; (b) Circuito elétrico
equivalente.
dos. Uma tensão ac aplicada entre os dois terminais do transdutor, produz
uma perturbação elástica na região próxima à superfı́cie. Isto gera uma onda
acústica que propaga na lâmina, confinada a uma camada superficial, com
velocidade próxima a das ondas de volume. Esta onda acústica de superfı́cie
é detetada pelo segundo transdutor, que converte o sinal acústico em sinal
elétrico. Como dois dentes vizinhos têm polaridades opostas, a eficiência do
transdutor é máxima para a freqüência cujo comprimento de onda acústica é
o dobro da distância entre eles. A tecnologia SAW é utilizada para fabricar
diversos dispositivos de processamento de sinais com freqüência na faixa de
dezenas ou centenas de MHz, como linhas de atraso e filtros. Antes do advento desta tecnologia, esses dispositivos eram volumosos, feitos por séries de
circuitos sintonizados de capacitores e indutores discretos. O desenvolvimento
dos dispositivos SAW possibilitou a miniaturização e a integração de circuitos
de VHF e UHF.
Figura 10.9: Dispositivo de onda acústica de superfı́cie-SAW.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
10.1.4
479
Materiais Ferroelétricos
Materiais ferroelétricos são aqueles que apresentam polarização espontânea,
na ausência de campos externos. Esta polarização espontânea tem origem no
momento de dipolo elétrico que surge na célula unitária, em decorrência de um
deslocamento do centro das cargas positivas em relação ao centro das cargas
negativas. Este deslocamento resulta de uma pequena distorção na estrutura
cristalina, que ocorre abaixo de certa temperatura crı́tica, visando minimizar
a energia do sistema. A Figura 10.10 mostra a célula unitária de titanato
de bário (BaTiO3 ), indicando o deslocamento dos ı́ons positivos que produz o
momento de dipolo elétrico.
Exemplo 10.1: Calcule o deslocamento do ı́on de Ti4+ em relação ao centro da célula unitária
no BaTiO3 , sabendo que em T = 300 K sua polarização espontânea é Ps = 0, 26 C/m2 e que o
parâmetro de rede é a ≃ 4 Å.
Como a polarização é o momento de dipolo elétrico por unidade de volume, o momento da
célula unitária é,
p = Ps a3 = 0, 26 × (4 × 10−10 )3 = 1, 66 × 10−29 Cm .
Como a carga total dos ı́ons de Ba2+ e Ti4+ no interior da célula é 6e, este momento de dipolo é
resultante de um deslocamento dado por
δ=
1, 66 × 10−29
p
m ≃ 0, 17 Å
=
6e
6 × 1, 6 × 10−19
,
Note que o deslocamento é muito menor que as dimensões da célula.
A polarização espontânea nos materiais ferroelétricos desaparece acima
de uma certa temperatura Tc , a semelhança do que ocorre com a magnetização
nos ferromagnetos. Tc também é chamado temperatura de Curie. No caso de
BaTiO3 , Tc = 393 K. Outro material ferroelétrico importante, o niobato de
lı́tio, LiNbO3 , tem Tc = 1470 K. A polarização dos materiais ferroelétricos pode
ser alterada pela aplicação de um campo externo E. Aqui também há uma
semelhança com o caso ferromagnético, pois a variação de P com E segue um
ciclo de histerese como o de M −H. No caso de monocristais, a curva tem uma
forma retangular, mostrada na Figura 10.11(a), que lembra o ciclo de histerese
de ı́mãs permanentes. O material mantém uma polarização remanente Pr ,
de valor próximo ao da saturação, depois que o campo E é retirado. Para
480
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
2+
Ba
Ti
4+
O
Figura 10.10: Célula unitária do BaTiO3 , com a indicação do deslocamento dos ı́ons positivos
que produz o momento de dipolo elétrico.
aplicações nas quais o campo E é variável, o loop retangular é indesejável,
pois a variação de P é discreta e porque a perda de energia é grande. Isto
pode ser contornado com a preparação de materiais cerâmicos, formados por
grãos cristalinos alinhados. O alinhamento é obtido através da aplicação de
um campo E externo durante o processo de resfriamento. Este processo resulta
num ciclo de histerese fino e alongado, como mostrado na Fig.10.11(b).
Os materiais ferroelétricos são utilizados em três situações distintas:
aplicações que requerem dielétricos de alta permissividade; aplicações baseadas
no ciclo de histerese retangular; e como materiais piezoelétricos. A propriedade
que todo material ferroelétrico tem em ser piezoelétrico pode ser compreendida
através da Figura 10.12. Em (a) vê-se um modelo bidimensional de material
Figura 10.11: Ciclos de histerese de materiais ferroelétricos: (a) ciclo retangular observado
em cristais; (b) ciclo alongado em cerâmicas policristalinas alinhadas.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
481
Figura 10.12: Ilustração do efeito piezoelétrico em cristais ferroelétricos: (a) Cristal em
repouso; (b) Cristal sob tensão mecânica apresentando variação ∆p no momento de dipolo
elétrico.
ferroelétrico, no qual existe um momento de dipolo elétrico devido ao deslocamento entre os centros das cargas positivas e negativas. Em (b) está mostrado
o cristal deformado pela aplicação de uma tensão mecânica externa. Vemos
que a deformação resulta numa variação ∆p no momento de dipolo elétrico da
célula unitária, produzindo portanto uma polarização no material.
10.1.5
Eletretos
Uma classe especial de materiais dielétricos, com propriedades que se assemelham as dos ferroelétricos, é a dos eletretos. O eletreto é formado por um
material dielétrico no qual são depositadas cargas elétricas positivas e negativas. As cargas permanecem aprisionadas, próximas das superfı́cies ou no volume, gerando uma polarização macroscópica e, portanto, um campo elétrico.
A Figura 10.13 ilustra várias formas de aprisionamento de cargas em eletretos. Em (a) as cargas negativas aprisionadas na superfı́cie de cima, induzem
o aparecimento de cargas de compensação no filme metálico da superfı́cie de
baixo. Estas cargas de compensação permanecem no filme pois não conseguem
passar pela barreira de potencial entre o metal e o dielétrico. A situação em
(b) é semelhante a de (a), porém as cargas negativas estão aprisionadas na
superfı́cie e no interior. Em (c) as cargas + e − estão no interior do material,
formando domı́nios que se comportam como dipolos elétricos.
482
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.13: Ilustração de alguns tipos de eletretos. Em (a) e (b) a superfı́cie de baixo está
metalizada.
Uma diferença básica do eletreto para o ferroelétrico, é que sua polarização decai gradualmente no tempo, ou seja, não é permanente. Isto resulta do fato das cargas serem colocadas artificialmente, gerando um estado
metaestável. As cargas permanecem aprisionadas em poços de potencial locais,
mas podem ser liberadas através da ativação térmica. O tempo de decaimento
das cargas depende do material hospedeiro, das condições de preparação do eletreto, e da temperatura. Sendo ∆E a altura média das barreiras de potencial
que aprisionam as cargas, o tempo de decaimento das cargas é
τ = τ0 e−∆E/kB T
(10.18)
onde τ0 é um tempo caracterı́stico do material e das condições de preparação.
Vemos então que o tempo de decaimento das cargas diminui com o aumento
da temperatura. Assim, à medida que T aumenta, a polarização diminui gradualmente, sem uma transição de fase definida como ocorre nos materiais ferroelétricos. O tempo de decaimento a temperatura ambiente pode variar desde
alguns segundos até dezenas ou centenas de anos. Portanto, embora a polarização dos eletretos não seja permanente, para efeitos práticos os materiais
com τ ∼ 100 anos comportam-se como se fossem estáveis.
Os eletretos podem ser feitos com uma enorme gama de materiais,
preparados através de diversas técnicas de carregamento. Os primeiros eletretos estudados foram as ceras vegetais, como a carnaúba. Muitos trabalhos
pioneiros nesta área foram realizadas no Brasil, inicialmente na década de
1940 por Bernard Gross, no Rio de Janeiro, e mais tarde pelo grupo de Sergio Mascarenhas, em São Carlos. Muitos materiais formam eletretos bastante
estudados, tanto substâncias orgânicas como antraceno, naftaleno e polı́meros
diversos, quanto inorgânicos, como quartzo, enxofre e cristais iônicos. Também
há diversos eletretos de materiais biológicos, chamados bioeletretos, como ossos, dentes, tecidos, proteı́nas, etc. Dentre os métodos de carregamento, os
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
483
Figura 10.14: Seção transversal de microfone de eletreto simples.
mais importantes são: descarga elétrica no ar a partir de uma ponta de alta
tensão próxima à superfı́cie do material; radiações ionizantes diversas como
raios-X, raios-gama, partı́culas alfa, e ultravioleta.
Os eletretos importantes para eletrônica são filmes de polı́meros, principalmente dois tipos de teflon: propileno de polifluoretileno (FEP) e politetrafluoretileno (PTFE). Eles são feitos na forma de filmes com espessura de
10-50 µm, metalizados por evaporação em uma ou nas duas superfı́cies. As
cargas são produzidas por descarga de alta tensão, tendo densidades na faixa
10−4 − 10−2 C/m2 e tempo de decaimento τ ∼ 109 s (∼ 32 anos).
A maior aplicação desses materiais na eletrônica é como transdutores
eletrostáticos para microfones. Os microfones de eletreto são pequenos, muito
sensı́veis e são produzidos a custo muito baixo. Conseqüentemente, eles estão
substituindo com grande vantagem os microfones magnéticos tradicionais utilizados em telefones e em equipamentos de áudio diversos, e encontrando novas
aplicações. A Figura 10.14 mostra a seção transversal de um microfone de eletreto simples. Ele consiste de um diafragma formado por um filme de teflon
(FEP ou PTFE) com espessura da ordem de 20 µm, tendo a superfı́cie superior
coberta por um filme metálico (espessura ∼500-1000 Å). O filme de teflon, contendo carga superficial como na Figura 10.13 (a), é montado sobre uma placa
metálica, apoiado sobre espaçadores que deixam uma camada de ar com certa
espessura. Quando uma onda de som atinge o diafragma, produz neste uma
deflexão que faz variar a espessura da camada de ar. Assim, o campo elétrico
existente entre o filme e a placa metálica produz uma variação na tensão de
saı́da proporcional à deflexão no diafragma. Com algumas modificações em
relação ao esquema da Fig.10.14, os microfones de eletreto adquirem maior
estabilidade e melhor resposta de freqüência.
484
10.2
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Materiais Dielétricos para Opto-Eletrônica
Os dipositivos opto-eletrônicos apresentados no Capı́tulo 8 têm como função
primordial a conversão de um sinal elétrico em sinal óptico, ou vice-versa. O
desenvolvimento da opto-eletrônica levou à criação de dispositivos de processamento direto do sinal óptico, evitando a necessidade de sua conversão em
sinal eletrônico, o processamento deste, e a conversão de volta ao sinal óptico.
Esses dispositivos têm rapidez de resposta muito maior que aqueles que empregam a conversão em sinal eletrônico e também menor perda de inserção, e
formam a base da fotônica. A operação de vários destes dispositivos é baseada
em propriedades ópticas de materiais dielétricos que apresentaremos a seguir.
10.2.1
Efeitos Eletro-Ópticos e Elasto-Ópticos
Estes dois efeitos têm uma forte analogia com o efeito piezoelétrico, estudado
na seção anterior. Quando um campo elétrico macroscópico é aplicado a um
material dielétrico, ele atua nos momentos de dipolo elétrico, podendo produzir
efeitos macroscópicos. A ação do campo nos dipolos iônicos resulta numa
deformação da rede cristalina, e portanto no efeito piezoelétrico inverso. Por
outro lado, a ação do campo nos dipolos eletrônicos, produz uma alteração
na constante dielétrica óptica do material, dando origem ao efeito eletroóptico. Esta alteração tem origem principalmente na variação dos nı́veis de
energia eletrônica produzida pelo campo externo, conhecida como efeito Stark.
Esta variação resulta numa mudança da constante dielétrica óptica, pois como
vimos no Capı́tulo 8, esta depende diretamente das energias das transições
eletrônicas.
Do mesmo modo que a piezoeletricidade, o efeito eletro-óptico só é observado em materiais que não têm centro de simetria de inversão. Por esta
razão, os cristais piezoelétricos também são eletro-ópticos. Como a constante
dielétrica de um cristal é caracterizada por um tensor com 9 componentes, enquanto o campo elétrico aplicado pode ter 3 componentes, a relação entre eles
envolve um tensor de 27 componentes. Para evitar complicações algébricas,
vamos supor que o tensor eletro-óptico é dominado por uma de suas componentes. Neste caso, a relação entre o campo elétrico aplicado E e a variação
na constante dielétrica óptica ε relevante toma a forma
∆
1
ε
= rE
(10.19)
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
485
onde r é a constante eletro-óptica. Note que como ε é adimensional, r tem
a unidade inversa do campo elétrico, sendo então m/V no SI. A mudança da
constante dielétrica produzida pelo campo elétrico produz uma variação do
ı́ndice de refração n do material. Como ε = n2 , a variação de n com o campo
aplicado é dada por
1
∆n = − n3 r E
2
.
(10.20)
Os principais cristais eletro-ópticos são também os principais
piezoelétricos, devido à questão da simetria, já mencionada. A Tabela 10.3
apresenta os ı́ndices de refração e os valores das maiores compoentes do tensor eletro-óptico de alguns desses materiais. No caso de LiNbO3 , n = 2, 29 e
r = 3, 26 × 10−11 m/V para luz visı́vel no comprimento de onda λ = 633 nm.
Por conseguinte um campo E = 10 V/m aplicado neste material produz uma
mudança no ı́ndice de refração de apenas ∆n = 1, 96 × 10−4. Apesar de
pequena, esta variação é suficiente para produzir efeitos macroscópicos que
possibilitam a construção de dispositivos eletro-ópticos.
O efeito elasto-óptico, também chamado fotoelástico, é o fenômeno
pelo qual a deformação elástica de um material resulta numa variação da constante dielétrica óptica, e portanto no ı́ndice de refração. Este efeito tem origem
nas variações dos nı́veis de energia eletrônica resultantes da mudança no campo
elétrico cristalino, produzida pela deformação da rede. Embora este efeito
também seja caracterizado por um tensor, para simplificar vamos considerar
Material
BaTiO3
CdTe
GaAs
KDP
LiNbO3
Quartzo
Ti:LiNbO3
λ (nm)
514
1000
1150
514
633
514
1500
n
r (10−12 m/V)
2,44
2,84
3,43
1,51
2,29
1,54
2,20
820,0
4,5
1,43
10,6
32,6
0,53
31,0
Tabela 10.3: Índice de refração ordinário n e principal constante eletro-óptica r e em alguns
materiais, medidos no comprimento de onda λ indicado.
486
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
apenas o caso simples da relação envolvendo a maior variação.
1
=pR
∆
ε
(10.21)
onde p é a constante fotoelástica e R é uma componente do tensor deformação,
definido como a variação na dimensão do material numa certa direção, por
unidade de comprimento. Como ε e R são grandezas adimensionais, a constante fotoelástica também o é. A Tabela 10.4 apresenta o valor da principal
constante fotoelástica e o ı́ndice de refração de alguns materiais. Note que
quartzo fundido, fluoreto de lı́tio, rutila e outros materiais da Tabela 10.4 têm
simetria de inversão e apresentam efeito fotoelástico. A razão disto é que o tensor foto-elástico é caracterizado por componentes com quatro ı́ndices, pαβγδ .
Neste caso, não é necessário que o material não tenha simetria de inversão para
que algumas componentes de pαβγδ sejam diferentes de zero.
Do mesmo modo que no efeito eletro-óptico, o efeito elasto-óptico resulta
numa variação do ı́ndice de refração n da luz, dada por
1
∆n = − n3 p R
2
.
(10.22)
Num material piezoelétrico, o efeito elasto-óptico pode dar origem a um
efeito eletro-óptico. A aplicação de um campo E produz uma deformação R,
dada por (10.15), que por sua vez resulta numa variação no ı́ndice de refração
dada por (10.22). Cobinando estas equações, vemos que a constante eletroóptica resultante deste efeito indireto é r = d p. No caso de quartzo, os valores
de d e p das Tabelas 10.2 e 10.4 dão r = 4, 6 × 10−13 m/V, um valor menor
que o da constante eletro-óptica da Tabela 10.3. Este resultado, obtido aqui
Material
n
p
LiNbO3
LiF
Rutila TiO2
Safira (A2 O3 )
Quartzo fundido
2,25
1,39
2,60
1,76
1,46
0,15
0,13
0,05
0,17
0,20
Tabela 10.4: Índice de refração médio e principal constante fotoelástica na região visı́vel em
alguns dielétricos.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
487
para o quartzo, vale para outros materiais. Isto significa que o efeito eletroóptico direto, produzido pelas variações da estrutura eletrônica causadas pelo
campo elétrico, é maior que o efeito indireto, resultante da combinação da
piezoeletricidade e da fotoelasticidade.
A variação do ı́ndice de refração produzida pelos efeitos eletro- e elastoópticos, dá origem a vários fenômenos de interesse, tanto cientı́fico quanto
tecnológico. Um dos fenômenos mais evidentes é a birrefringência induzida
por um campo, ou por uma deformação externa. Quando uma onda eletromagnética propaga num material, tendo componentes de polarização em duas
direções perpendiculares, seu comportamento é influenciado pelos ı́ndices de
refração nessas duas direções. Como a direção de mudança do ı́ndice depende
da direção da perturbação externa e das caracterı́sticas do material, o efeito
eletro-, ou elasto-óptico, pode produzir variação do ı́ndice em apenas uma
direção. Assim, se o material em equilı́brio é isotrópico, a perturbação resulta em ı́ndices diferentes nas duas direções. Esta birrefringência causa uma
variação na polarização da onda, que pode ser controlada pela perturbação
externa, seja ela um campo elétrico ou uma deformação no material. Este
fenômeno encontra diversas aplicações em Óptica. Na Seção 10.2.3 apresentaremos alguns dispositivos opto-eletrônicos cuja operação é baseada nos
efeitos eletro- e elasto-ópticos.
10.2.2
Materiais Ópticos Não-Lineares
Na apresentação do efeito eletro-óptico, consideramos que o campo elétrico no
material era criado por uma fonte externa. Na realidade, o próprio campo
de uma onda eletromagnética propagando no material pode produzir efeito
eletro-óptico. Neste caso, o ı́ndice de refração que determina a velocidade da
onda, depende da amplitude do campo da própria onda. Para quantificar este
fenômeno, consideremos a variação da polarização P (2) resultante do efeito
eletro-óptico criado pelo campo elétrico E da onda. Através de (10.5) e (10.19)
obtemos
(10.23)
P (2) = 0 ∆χ E = 0 ∆ε E = −0 ε2 r E 2 .
Este resultado mostra que a contribuição do efeito eletro-óptico para a
polarização varia com o quadrado do campo, enquanto a contribuição usual é
linear no campo. Os materiais que têm esta propriedade são chamados materiais ópticos não-lineares. Somente cristais sem simetria de inversão apresentam respostas não-lineares do tipo (10.23). Além da não-linearidade quadrática
488
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
da Eq.(10.23), é possı́vel ter contribuições de ordem superior. A polarização
total criada por um campo elétrico pode então ser escrita na forma
P = 0 χ(1) E + χ(2) E 2 + χ(3) E 3 + · · ·
,
(10.24)
onde χ(1) é a susceptibilidade linear, que anteriormente representamos apenas
por χ, e χ(2) e χ(3) são as susceptibilidades quadrática e cúbica. Na realidade,
as grandezas E 2 e E 3 que aparecem em (10.24) podem ser produtos de componentes de campos em diferentes direções, Eβ Eγ e Eβ Eγ Eδ , enquanto P é a
componente Pα do vetor polarização. Assim, no caso mais geral, as suscepti(1)
(2)
bilidades que aparecem em (10.24) são componentes dos tensores χαβ , χαβγ e
(3)
χαβγδ . Enquanto o tensor χ(2) é nulo em cristais com simetria de inversão, o
tensor χ(3) não é necessariamente nulo qualquer que seja a simetria do material.
Como os efeitos não-lineares variam com o quadrado e o cubo do campo,
eles são importantes apenas para campos de maior intensidade, como ilustrado
na Figura 10.15. Os efeitos não-lineares se manifestam em ondas de alta
potência, tipicamente da ordem ou acima de 1 MW/cm2 . É por esta razão
que a óptica não-linear só desenvolveu-se após a invenção do laser. Os efeitos
não-lineares têm uma grande variedade de aplicações ópticas. Uma das mais
evidentes é a mistura de ondas. Quando duas ondas de freqüências ω1 e ω2 ,
com amplitudes E1 e E2 , respectivamente, propagam num meio não-linear, elas
geram uma polarização P (2) , dada por
P (2) = 0 χ(2) E1 E2 e(±iω1 ±iω2 )t
.
(10.25)
Esta polarização resulta numa terceira onda, cuja freqüência é a soma ou a
diferença das freqüências originais. Outro efeito não-linear mais simples é o
dobramento de freqüência resultante do termo χ(2) E 2 em (10.24). Ele ocorre
naturalmente quando uma onda de alta potência atravessa um cristal sem
simetria de inversão, como KDP, LiNbO3 ou quartzo. Entretanto, para que
a conversão de uma onda de freqüência ω em outra de freqüência 2ω seja eficiente, é necessário que o cristal seja cortado em certa direções cristalográficas,
com determinada espessura, para evitar que a dispersão produza interferência
destrutiva. Como alguns lasers comerciais operam no infravermelho, os dobradores ou triplicadores de freqüência são muito utilizados para converter a
radiação em luz visı́vel. Este é o caso dos lasers de Nd:YAG, que operam em
λ = 1060 nm. Os dobradores de freqüência de KDP convertem esta radiação
em luz verde, com λ = 530 nm, com eficiência superior a 60%.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
489
Figura 10.15: Ilustração do desvio da linearidade da polarização para campos intensos em
cristal sem simeria de inversão.
10.2.3
Dispositivos Eletro-Ópticos de Guias de Onda
A disseminação das comunicações ópticas criou o mercado para inúmeros dispositivos de processamento de sinais ópticos. Atualmente muitos desses dispositivos são baseados na tecnologia de guia de onda óptica. A idéia básica do
guia de onda é a mesma da fibra óptica, apresentada na Seção 8.8. Quando
uma onda propaga ao longo de um meio com certo ı́ndice de refração, rodeado
por outro meio com ı́ndice de menor valor, ela pode sofrer reflexões internas
sucessivas e ficar confinada à região do primeiro meio. É possı́vel fabricar guias
de onda de luz visı́vel ou infravermelho em substratos de material dielétrico
ou semicondutor, utilizando técnicas de fotolitografia e difusão, semelhantes
às usadas para fazer circuitos eletrônicos integrados. Estes guias podem ser
usados para conduzir a onda de um dispositivo para outro, num conjunto
de dispositivos fabricados sobre o mesmo substrato, constituindo um circuito
óptico integrado.
A Figura 10.16 mostra um guia de onda simples utilizado em dispositivos ópticos. Ele é feito numa lâmina de material dielétrico, como quartzo
ou LiNbO3 , ou semicondutor, como GaAs ou Si. O guia é formado através da
interdifusão de certa impureza ao longo de uma faixa na superfı́cie da placa.
A difusão da impureza produz um canal formado por um material com ı́ndice
de refração maior que o do substrato, constituindo um guia de onda de luz,
como ilustrado na Figura 10.16(a). O guia tem largura tı́pica de alguns µm e
a impureza normalmente utilizada em LiNbO3 é o titânio. A figura (b) ilustra
dois métodos utilizados para acoplar luz externa com o guia. No primeiro, a
luz externa proveniente de um feixe de laser colimado incide sobre um prisma
e sofre reflexão interna total na superfı́cie em contato com a lâmina. Isto
490
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.16: (a) Guia de onda de luz em lâmina de material dielétrico ou semicondutor;
(b) ilustração de métodos usados para acoplar luz externa com o guia de onda.
resulta numa onda evanescente que penetra na lâmina, reproduzindo aproximadamente o perfil do modo no guia de onda. Este método permite acoplar
eficientemente o guia com um feixe de luz externo, tanto para entrada quanto
para saı́da da onda. No caso do acoplamento com fibras ópticas a situação é
mais simples, uma vez que o modo na fibra tem configuração semelhante ao do
guia. Assim, o acoplamento pode ser feito simplesmente colando a extremidade
da fibra na superfı́cie frontal do dispositivo, como mostrado na Fig.10.16(b).
Um dispositivo eletro-óptico simples baseado no guia da Fig.10.16 é o
defasador, ou modulador de fase. Ele consiste de um guia numa placa de
material eletro-óptico, situado entre dois eletrodos formados pela deposição
de filmes metálicos sobre a superfı́cie da placa, ilustrado na Figura 10.17.
Quando uma tensão V é aplicada entre os dois eletrodos, um campo elétrico
é criado através do guia. A intensidade do campo é dada, aproximadamente,
por E = V /d, onde d é a distância entre os eletrodos. O campo produz uma
variação ∆n no ı́ndice de refração, que resulta numa mudança da defasagem
sofrida pela onda no guia ao longo dos eletrodos,
∆φ = L ∆k =
2πL
∆n
λ
(10.26)
onde L é o comprimento dos eletrodos. Usando a Eq.(10.20), pode-se exprimir
a mudança de fase em função da tensão aplicada,
∆φ = −
πn3 r
LV
λd
.
(10.27)
Vemos que a mudança de fase é proporcional ao comprimento dos eletro-
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
491
Figura 10.17: Modulador de fase eletro-óptico.
dos e à tensão aplicada. É fácil ver que o valor do produto LV necessário para
que ∆φ seja igual a π radianos é,
(L V )π =
λd
.
n3 r
(10.28)
Exemplo 10.2: Calcule a tensão que deve ser aplicada entre os eletrodos distantes d = 7µm, num
modulador de fase eletro-óptico de LiNbO3 , com um guia de Ti:LiNbO3 .
Substituindo os parâmetros de Ti:LiNbO3 dados na Tabela 10.3 na Eq.(10.28) vem,
(L V )π =
1, 5 × 10−6 × 7 × 10−6
≃ 0, 032 Vm = 32 Vmm
2, 23 × 31 × 10−12
.
Este resultado significa que para um modulador com 8 mm de comprimento dos eletrodos, uma
tensão de 4 V é suficiente para produzir uma mudança de fase de π.
Com base na modulação eletro-óptica da fase, é possı́vel construir moduladores de amplitude de luz bastante eficientes. A Figura 10.18 mostra o
esquema básico de um modulador de amplitude que utiliza um interferômetro
Mach-Zehnder. O interferômetro é formado por duas junções em Y, ligadas
em sentidos opostos a dois guias de onda. Um par de eletrodos é depositado
em torno de um dos guias, de modo que uma tensão a ele aplicada produz uma
defasagem ∆φ na onda que propaga neste guia em relação à onda no outro
guia. A onda incidente no terminal de entrada 1 é dividida igualmente entre
as duas pernas do Y, dando origem à duas ondas que propagam independentemente nos dois guias com amplitudes iguais E1 . Na junção de saı́da as duas
ondas se superpõe, dando origem a uma onda cuja amplitude é
492
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.18: Vista de cima de modulador de amplitude eletro-óptico com interferômetro
Mach-Zehnder.
E2 = E1 + E1 ei∆φ
.
Como a potência na saı́da é proporcional a E2 E2∗, pode-se mostrar (Problema
10.5) que a transmissão do dispositivo, definida como a razão entre a potência
de saı́da e a potência de entrada T = P2 /P1 , é dada por
T =
1 + cos ∆φ
,
2
(10.29)
onde ∆φ é proporcional à tensão aplicada aos eletrodos, de acordo com a Eq.
(10.27). A Figura 10.19 mostra a curva da transmissão em função de ∆φ.
Vemos que a transmissão é máxima em ∆φ = 0, ou seja, quando a tensão
aplicada é nula. No dispositivo ideal o valor máximo é 1, porém nos dispositivos reais existem perdas por reflexão nas conecções e nas junções, reduzindo
a transmissão máxima para cerca de 0,5 (correspondente a uma perda por
inserção de 3 dB). A transmissão cai a zero em ∆φ = π, 3π, etc, o que possibilita modulação digital tipo on/off para V variando entre 0 e o valor dado por
(10.28). O dispositivo também pode ser utilizado para modulação analógica.
Para isto é necessário superpor ao sinal ac, numa tensão dc de polarização que
Figura 10.19: Transmissão do modulador de amplitude em função do ângulo de defasagem
∆φ, o qual é proporcional à tensão aplicada. A é o ponto de operação para modulação
analógica.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
493
coloque o ponto de operação na região linear em torno de ∆φ = π/4 (ponto A
da Fig.10.19). Os moduladores eletro-ópticos comerciais operam com tensões
de alguns volts e têm largura de banda de modulação superior a 1 GHz, no
caso analógico, ou taxa de modulação acima de 1 Gbit/s, no caso digital.
A tecnologia de guias de onda está sendo utilizada para o desenvolvimento
de inúmeros outros dispositivos eletro-ópticos para comunicações ópticas, tais
como chaveadores, acopladores direcionais, multiplexadores, etc.
10.3
Materiais para Mostradores e Telas de Vı́deo
Uma das funções mais importantes da eletrônica na atualidade é a transformação de sinais elétricos em informação visual. Esta função é utilizada em
mostradores dos mais diversos equipamentos eletro-eletrônicos, para indicar o
estado do equipamento ou para transmitir uma informação para o observador
externo. Ela também é essencial na apresentação de imagens estáticas ou em
movimento, em telas de televisão, equipamentos de vı́deo, monitores de computador e de inúmeros equipamentos cientı́ficos, médicos e industriais, assim
como em uma variedade crescente de aparelhos de consumo de massa, fixos ou
portáteis.
Até a década de 1970 os mostradores luminosos eram feitos com lâmpadas
incandescentes, ou lâmpadas de bulbos de gás, de diversos tamanhos. A partir daquela época eles passaram a utilizar dispositivos de estado sólido, como
os LEDs e os indicadores de cristal lı́quido, que são muito mais eficientes,
resistentes e econômicos. Por outro lado, somente na década de 1990 os monitores de vı́deo tradicionais que utilizam tubos de cinescópios começaram a dar
lugar aos monitores de estado sólido. Nesta seção apresentaremos os principais
materiais e dispositivos utilizados atualmente na fabricação de mostradores e
de telas de vı́deo, que são as cerâmicas fosforescentes, os cristais lı́quidos e os
condutores orgânicos.
10.3.1
Materiais Cerâmicos Fosforescentes
Como vimos no Capı́tulo 8, a luminescência é a propriedade que tem a matéria
de emitir luz quando excitada por certos estı́mulos externos. A emissão de luz
ocorre quando os elétrons sofrem transições radiativas de estados excitados
para estados de menor energia. Duas formas comuns de luminescência são a
494
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
fotoluminescência e a eletroluminescência. Na primeira os elétrons são levados a estados excitados por meio da absorção de fótons, enquanto na segunda
a excitação resulta de um estı́mulo elétrico. Os materiais que exibem estas
propriedades são chamados fotoluminescentes e eletroluminescentes, respectivamente.
Uma classe importante de materiais eletroluminescentes é a dos semicondutores, que emitem luz com a passagem de uma corrente elétrica. Como
vimos no Capı́tulo 8, a corrente num diodo de junção no sentido direto produz
injeção de elétrons e de buracos, que emitem luz ao se recombinarem. Outra
classe de importância tecnológica é a das cerâmicas eletroluminescentes, que
são excitadas eletricamente de várias maneiras. Uma delas é o bombardeio
por elétrons em alta velocidade, como num feixe de elétrons. Ao colidirem
com os átomos do material, eles levam os elétrons ligados para estados excitados, que relaxam rapidamente para outros estados com maior vida média
e na seqüência sofrem transições radiativas para estados com menor energia,
emitindo fótons com energia determinada pela diferença das energias dos estados envolvidos, como estudado na Seção 8.3. Outra forma de excitação elétrica
das cerâmicas eletroluminescentes é a aplicação de um campo elétrico intenso.
Quando este campo ultrapassa o valor da rigidez dielétrica, que é da ordem de
106 V/cm, certos átomos são ionizados e os elétrons soltos são acelerados. Na
seqüência eles chocam-se com outros átomos, levando-os a estados excitados e
produzindo luminescência pelo processo descrito anteriormente.
Duas propriedades importantes dos materiais luminescentes e que determinam sua aplicação são o tempo de decaimento da transição radiativa e
o espectro da luz emitida. O tempo de decaimento determina a duração do
pulso de luz produzido após a excitação externa. Quando este tempo é da ordem de nanosegundos ou menos, o processo é chamado fluorescência. Nesta
categoria encontram-se a emissão de luz por transições banda a banda nos semicondutores de gap direto e a emissão por transições atômicas nas lâmpadas de
gases ionizados, chamadas lâmpadas fluorescentes. Por outro lado, quando
a duração da emissão é da ordem de mili-segundos ou maior, o processo é
chamado fosforescência.
Os materiais fosforescentes têm grande importância na eletrônica por
conta de sua aplicação na fabricação de telas de vı́deo. Como a imagem em
movimento é formada por uma seqüência de imagens, cada uma diferindo
pouco da anterior, é importante que a duração da luminescência, também
chamada de persistência, seja da ordem de dezenas de mili-segundos. Isto
faz o observador ter a sensação de uma mudança contı́nua na imagem. Tempos
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
495
mais curtos dão sensação de que a imagem pisca, como num estroboscópio
enquanto tempos mais longos resultam num borrão, pois uma nova imagem é
formada antes que a anterior desapareça. Os materiais cerâmicos fosforescentes
empregados em telas de vı́deo são chamados genericamente de fósforos, por
conta do sentido literal da palavra, eles acendem quando excitados. Eles são
compostos fosfatos, óxidos, tungstatos, sulfatos e sulfitos de diversos metais,
como zinco e cádmio, isolantes ou semicondutores, dopados com impurezas
de elementos de transição do ferro ou de terras raras. São as impurezas que
formam os estados metaestáveis envolvidos nas transições luminescentes. A
composição quı́mica determina a persistência e o espectro de emissão de luz,
e portanto a aplicação do fósforo.
A aplicação mais importante dos fósforos na eletrônica é em telas de
vı́deo. A tecnologia mais antiga emprega cinescópios, que ainda hoje são
utilizados extensivamente e se constituem um dos poucos remanescentes da
eletrônica de tubos a vácuo. A Figura 10.20 mostra a vista externa de um
cinescópio, também chamado de tubo de raios catódicos, ou tubo de imagem.
O cinescópio consiste de um tubo de vidro reforçado, evacuado e selado, com
um formato piramidal e tendo um pescoço alongado na extremidade. No interior do pescoço existe um canhão eletrônico com um catodo e vários eletrodos,
que emite um feixe de elétrons. Este é dirigido para a face frontal por meio
de uma alta tensão aplicada entre ela e o catodo no canhão. A face frontal é
recoberta internamente por uma camada de fósforo, que ao ser bombardeada
pelos elétrons emite luz que atravessa o vidro e é vista externamente.
O canhão eletrônico é formado por um catodo aquecido, uma grade e
alguns eletrodos, sendo montado num soquete com pinos para as conecções
externas. Quando aquecido por um filamento de tungstênio atravessado por
uma corrente elétrica, o catodo emite elétrons que são acelerados pelas tensões
aplicadas nos eletrodos, formando um feixe monoenergético, isto é, com pequena dispersão de velocidade. Ao incidir na camada de fósforo, o feixe de
elétrons produz um ponto luminoso na tela do tubo.
A formação da imagem na tela requer dois processos: a varredura do
feixe, para que o ponto luminoso percorra toda a área da tela; a modulação da
intensidade do feixe, ou seja, do número de elétrons por unidade de tempo, por
um sinal de vı́deo. A varredura do feixe é feita pelos campos magnéticos criados
por dois pares de bobinas colocadas externamente nas paredes do cinescópio,
como ilustrado esquematicamente na Figura 10.20. Somente um par de bobinas está mostrado na figura, para facilitar a visão. Ele cria um campo vertical,
que deflete o feixe horizontalmente. Outro par de bobinas, no plano vertical,
496
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.20: Ilustração de um cinescópio, ou tubo de imagem.
cria um campo horizontal, que produz a deflexão vertical. Nas bobinas são
aplicadas tensões que produzem correntes variando no tempo com a forma de
dente de serra, mostrada na Figura 10.20. Esta forma de onda faz o feixe varrer
a tela num sentido, e retornar rapidamente no sentido oposto. A aplicação simultânea de tensões nos dois pares de bobinas faz o ponto luminoso percorrer a
tela nas direções horizontal e vertical, porém, a cada varredura vertical correspondem muitas varreduras horizontais, como ilustrado na Figura 10.21(a). O
ponto luminoso descreve um movimento de zig-zag, da esquerda para a direita
na direção horizontal, e de cima para baixo na direção vertical. O padrão tradicional mais utilizado emprega 525 linhas horizontais que formam um quadro da
imagem. Para produzir uma imagem em movimento são utilizados 60 quadros
por segundo. Desta forma, a freqüência de variação da onda dente de serra da
corrente nas bobinas de deflexão vertical é 60 Hz, enquanto a da corrente de
deflexão horizontal é 525×60 Hz = 31,5 kHz .
Finalmente, para a formação da imagem preto-e-branco, é preciso variar
a intensidade do feixe enquanto ele percorre a tela, de modo que a luminosidade
de cada ponto corresponda a da imagem. A variação da intensidade do feixe é
feita por meio de um sinal de tensão aplicado na grade do canhão eletrônico,
o que controla o número de elétrons no feixe. Na Figura 10.20 está ilustrada
a forma de um sinal de vı́deo analógico, durante um intervalo de tempo de
dois perı́odos da varredura horizontal. Os picos nas extremidades de cada
varredura fazem parte do sinal de sincronismo. Eles servem para disparar
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
497
o retorno no circuito oscilador que gera a corrente dente de serra, fazendo
com que a varredura do cinescópio fique em sincronia com a da câmara que
produziu o sinal de vı́deo. O sentido do sinal de vı́deo é tal que quanto maior
o sinal, mais escuro é o ponto luminoso na tela. Desta forma, como o retorno
é disparado por um pico do sinal, o ponto luminoso torna-se escuro durante o
retorno. Assim, a imagem é formada pelas linhas horizontais percorridas da
esquerda para a direita na tela, e apresentados de cima para baixo. Note que
durante o perı́odo de uma varredura horizontal existem cerca de 200 variações
no sinal de vı́deo, o que faz com que sua freqüência seja da ordem de 6 MHz.
Esta é a largura da banda necessária para a transmissão de sinais de vı́deo.
O cinescópio de imagens em cores funciona como se houvessem três sistemas de imagens monocromáticas em um mesmo tubo. Ele tem três canhões
eletrônicos idênticos, que produzem três feixes de elétrons independentes, paralelos e com mesma velocidade. A intensidade de cada feixe é determinada
pelo sinal correspondente a uma das cores básicas. Há duas tecnologias para
disposição dos canhões. Eles podem estar um acima do outro, num alinhamento vertical, ou dispostos nos vértices de um triângulo. No primeiro caso os
fósforos das três cores são depositados na tela em linhas horizontais, de modo
que cada feixe atinge uma linha diferente. No segundo caso os três fósforos
são depositados em pequenos cı́rculos adjacentes, com os centros nos vértices
de um triângulo, de modo que cada cı́rculo é bombardeado por um dos três
feixes. A informação sobre as intensidades das três cores é transportada pelo
sinal de vı́deo através de um processo de multiplexação temporal. O intervalo de tempo do sinal correspondente a um pixel da imagem é subdividido
Figura 10.21: Ilustração do processo de varredura em telas de vı́deo: (a) Nos cinescópios o
ponto luminoso descreve um movimento de zig-zag; (b) Nas telas de estado sólido, os pixeis
são acesos em seqüência, da esquerda para a direita, de cima para baixo.
498
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
em três intervalos iguais, cada um para uma das três cores, seguindo a ordem
vermelho, verde e azul. Este sinal é decodificado no receptor, de modo que a
informação sobre a intensidade de cada cor é processada, gerando um sinal de
tensão que atua no canhão eletrônico correspondente.
Apesar de diversos inconvenientes, como alta fragilidade, tamanho, peso
e consumo de energia elevados, os tubos de cinescópio continuam sendo fabricados em larga escala para uso nos mais diversos equipamentos. Eles ainda
dominam o mercado de monitores, com mais de 60% da fatia do mercado. Uma
das razões para isto é seu baixo custo comparado com o das telas de vı́deo de
novas tecnologias, uma vez que há muitas fábricas no mundo e todo o custo de
desenvolvimento já foi pago. Entretanto, gradualmente eles estão dando lugar
a telas de estado sólido, principalmente de cerâmicas eletroluminescentes, de
plasma, de cristais lı́quidos e de condutores orgânicos, que serão apresentadas
a seguir.
Uma tecnologia de estado sólido utilizada para fabricação de telas de
vı́deo que estão substituindo os cinescópios em diversas aplicações é a que
emprega dispositivos de cerâmicas eletroluminescentes. Na tela eletroluminescente, chamada de ELD (Electro Luminescent Display), a luminescência é
produzida diretamente pela aplicação de um campo elétrico intenso, por meio
do mecanismo descrito no inı́cio da seção. Desta forma não há necessidade de
utilizar canhão eletrônico, o que possibilita que a tela seja plana e com pequena
espessura comparada com a dos monitores de cinescópios. A Figura 10.22 ilustra um dispositivo eletroluminescente que produz luz quando submetido a uma
tensão elétrica adequada. Ele consiste basicamente de cinco camadas, depositadas sobre um substrato por meio de técnicas de preparação de filmes finos.
O fósforo é uma camada de cerâmica eletroluminescente com espessura da ordem de 500−1000 nm. Ele é excitado pelo campo elétrico criado pela tensão
aplicada nos dois eletrodos, que são isolados do fósforo por meio de duas camadas finas (da ordem de 300 nm) de material isolante. Os isolantes mais
utilizados são óxido de alumı́nio, A2 O3 , e uma liga de A, Ti e O, conhecida
como ATO. Um dos eletrodos é uma camada metálica grossa, por exemplo de
A, que reflete a luz emitida pelo fósforo. O outro eletrodo é uma camada
fina (da ordem de 300 nm) de um condutor transparente, como óxido de ı́ndio
e estanho, conhecido com ITO (Indium-Tin-Oxide). Para a emissão de luz
pelo fósforo é necessário que o campo elétrico ultrapasse a rigidez dielétrica
do material, por isso em geral a tensão aplicada é pulsada e alternada, com
amplitude na faixa 120-200 volts.
Cada pedacinho da imagem, chamado de pixel, é formado por três dis-
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
499
Figura 10.22: Ilustração de um dispositivo eletroluminescente utilizado em tela de ELD.
positivos com o da Figura 10.22, cada um com um fósforo de uma cor básica.
Dentre os materiais mais utilizados estão ZnS:Mn, ZnS:C ou CaS:Eu para o
vermelho, ZnS:Tb ou SrS:Ce para o verde e Ga2 S3 :Ce, SrS:Eu ou SrS:Ag para o
azul. A intensidade da luz emitida por cada dispositivo é controlada pela taxa
de repetição dos pulsos da tensão aplicada durante o intervalo correspondente
no sinal de vı́deo. Combinando-se as intensidades da emissão nos dispositivos das três cores básicas, é possı́vel obter qualquer cor do espectro visı́vel.
A tela é formada por centenas de milhares de pixeis, um ao lado do outro,
dispostos em linhas e em colunas, formando um quadro como ilustrado na
Figura 10.21(b). A imagem é produzida acendendo-se os pixeis em seqüência,
através de um processo de varreduras horizontal e vertical, seguindo o mesmo
padrão descrito anteriormente para os cinescópios. A aplicação da tensão em
cada dispositivo é feita através de uma malha de eletrodos de endereçamento,
ilustrada esquematicamente na Figura 10.23, também fabricada com técnicas
de filmes finos usando máscaras apropriadas.
A tensão na forma de pulsos é aplicada entre um eletrodo de linha e um
eletrodo de coluna, fazendo acender o dispositivo conectado nesses eletrodos.
Por exemplo, no caso da Figura 10.23, o dispositivo que está aceso é o correspondente a célula verde do pixel na linha 3 e na coluna 4. Os pixeis são
acesos um de cada vez, na seqüência e com a intensidade determinada pelo
sinal de vı́deo, num processo de varredura semelhante ao do feixe eletrônico
no cinescópio.
As telas de ELD têm diversas vantagens em relação aos cinescópios. Elas
são mais resistentes, mais duráveis, mais leves, menos volumosas e consomem
menos energia. Em relação à tela de cristal lı́quido, a tela de ELD tem as vanta-
500
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.23: Malha de eletrodos utilizada para aplicar as tensões nas células dos pixeis nas
telas de estado sólido.
gens de operar numa faixa de temperatura muito maior e de produzir imagens
de ótima qualidade por emissão de luz, que podem ser vistas de ângulos rasantes. Uma desvantagem é a necessidade de tensões de centenas de volts para
acender o fósforo, o que faz com que ela não seja utilizável em equipamentos
portáteis. Elas são utilizadas em aparelhos médicos e industriais, em radar e
outros equipamentos de defesa. Atualmente elas respondem por cerca de 10%
do mercado de telas de vı́deo de estado sólido.
Uma tecnologia que está ganhando terreno rapidamente no segmento de
telas planas é a de plasma, conhecida como PDP (Plasma Display Panel).
Figura 10.24: Célula de plasma.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
501
Figura 10.25: Tela de vı́deo de plasma.
A tela de plasma também é emissiva e tem como material luminescente as
cerâmicas fosforescentes, como as empregadas nos cinescópios e nas telas eletroluminescentes. A diferença para as outras é que a emissão de luz ocorre por
fotoluminescência, sendo a excitação produzida por radiação ultravioleta emitida por um plasma. A tela é formada por centenas de milhares de células
de vidro, com o formato ilustrado na Figura 10.24, todas seladas hermeticamente e contendo um gás em baixa pressão, com uma mistura de xenônio e
hélio. Quando uma tensão ac da ordem de 100 V é aplicada nos eletrodos de
endereçamento, ocorre uma descarga no gás e a emissão de radiação ultravioleta. Esta radiação excita a camada de fósforo depositada no fundo da célula,
fazendo com que ela emita luz visı́vel. A Figura 10.25 ilustra a disposição das
células numa tela de PDP em cores, que são energizadas por uma malha de
eletrodos de endereçamento como a da Figura 10.23. As telas de plasma são
duráveis, apresentam imagens de ótima qualidade, que podem ser vistas numa
grande faixa de ângulos. Como as dimensões da célula de plasma são avantajadas, da ordem de 1 mm, as telas de plasma são grandes. No segmento de
telas planas grandes para televisão, elas estão ganhando terreno rapidamente
e já respondem por mais de 10% deste mercado.
10.3.2
Cristais Lı́quidos
Como vimos na Seção 1.4.4, os cristais lı́quidos são formados por moléculas
alongadas, orientadas aproximadamente ao longo de uma mesma direção,
porém sem ocupar posições fixas e podendo fluir como num lı́quido. O que
caracteriza o cristal lı́quido e o distingue de um lı́quido comum, é o fato de
502
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.26: Ilustração das posições e orientações das moléculas de certa substância em
três faixas de temperatura, caracterizando as fases sólida, cristal lı́quido e lı́quida.
suas moléculas serem longas e relativamente rı́gidas. É o “contato” entre as
moléculas longas que impede que elas ocupem direções aleatórias, como num
lı́quido isotrópico. Uma camada de moléculas num cristal lı́quido é, de certa
forma, análoga a um conjunto de toros de madeira, boiando na superfı́cie de
um rio.
Na realidade, o cristal lı́quido é uma fase que certas substâncias exibem
numa faixa de temperatura compreendida entre a fase sólida e a fase lı́quida.
A Fig.10.26 ilustra as posições e orientações das moléculas de certa substância
em três faixas de temperatura. Em T < T1 a energia de ligação das moléculas
predomina, fazendo com que elas ocupem posições fixas e apresentem ordem
posicional e orientacional, caracterizando a fase sólida cristalina. Em T >
T2 a energia térmica predomina, quebrando as ligações entre as moléculas e
fazendo com que elas tenham posições e orientações aleatórias, caracterı́sticas
da fase lı́quida. Na faixa intermediária de temperatura, a do cristal lı́quido, a
energia térmica é suficiente para vencer a ligação molecular, mas sem destruir
completamente a ordem orientacional das moléculas.
A direção média de orientação das moléculas na fase cristal lı́quido
é chamada diretor, e representa uma direção preferencial de alinhamento.
A orientação das moléculas varia aleatoriamente no tempo, mantendo uma
média na direção do diretor. Esta situação lembra a configuração dos momentos magnéticos num material ferromagnético em temperaturas elevadas
mas ainda abaixo de Tc . Entretanto, no cristal lı́quido as moléculas também
apresentam movimento aleatório de deslocamento e podem fluir como num
lı́quido. Costuma-se caracterizar a fase ordenada de um sistema fı́sico por
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
503
Figura 10.27: Variação do parâmetro de ordem de uma substância com fase cristal lı́quido
com a temperatura.
um parâmetro de ordem, que em geral varia com a temperatura. O
parâmetro de ordem nos materiais magnéticos é a magnetização, enquanto
nos ferroelétricos é a polarização. Nos cristais lı́quidos o parâmetro de ordem
numa região com N moléculas é definido por
S=
1 3 cos2 θi − 1 /2
N i
,
(10.30)
onde θi é o ângulo entre a direção de cada molécula e o diretor. Note que
S é uma média angular cujo valor é 1 para um sistema com ordem orientacional perfeita (θi = 0) e 0 para um sistema isotrópico mbox(Problema 10.7).
A Fig.10.27 mostra o comportamento tı́pico do parâmetro de ordem de uma
substância com fase de cristal lı́quido. Ele diminui gradualmente com a temperatura na fase cristal lı́quido, caindo bruscamente para zero na transição para
a fase lı́quida, que ocorre na temperatura crı́tica Tc .
A maior aplicação dos cristais lı́quidos na eletrônica é na fabricação de
mostradores e telas de vı́deo. O mostrador de cristal lı́quido, conhecido por sua
sigla em inglês, LCD (Liquid Crystal Display), é do tipo passivo, isto é, não
gera luz própria. Por esta razão seu consumo de energia é baixı́ssimo, o que
dá a ele enorme vantagem em relação aos mostradores emissivos nas aplicações
que utilizam pequenas baterias, como os relógios de pulso e as calculadoras de
mão.
Há dois tipos básicos de LCDs, os de reflexão e os de transmissão. Em
504
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.28: Ilustração da orientação das moléculas de um cristal lı́quido numa célula de
LCD: (a) E = 0; (b) E > Ec .
ambos os tipos o cristal lı́quido tem a função de alterar uma iluminação externa, que pode ser do ambiente, de uma lâmpada ou de um LED. O LCD de
reflexão utiliza luz frontal, enquanto o de transmissão utiliza luz traseira. O
dispositivo consiste de uma camada de cristal lı́quido, com espessura da ordem de 10 µm ou menos, colocado entre duas lâminas transparentes de vidro
ou plástico, seladas nas extremidades, formando uma célula fechada. Nas superfı́cies das lâminas depositam-se filmes condutores transparentes, como ITO,
que permitem criar um campo elétrico através do cristal lı́quido. O efeito do
LCD sobre a luz externa é produzido pelas moléculas do cristal lı́quido, cuja
orientação pode ser alterada pelo campo elétrico produzido pelas malhas condutoras nas duas lâminas.
Dentre os tipos de cristais lı́quidos apresentados na Seção 1.4, os mais
utilizados nos LCDs são os nemáticos. Uma célula muito comum é feita com
um cristal lı́quido nemático entre duas lâminas cujas superfı́cies internas são
tratadas de modo a forçar as moléculas das camadas mais próximas a se orientarem no plano das superfı́cies, porém perpendicularmente entre si. Sem
campo aplicado, o diretor varia gradualmente de uma superfı́cie para a outra,
como mostrado na Fig.10.28. Quando uma tensão V é aplicada entre as placas,
o campo elétrico criado tende a reorientar as moléculas em sua direção, que é
perpendicular à superfı́cie. Todavia, a reorientação só ocorre se o campo for
maior que um valor crı́tico Ec , que corresponde a tensões da ordem de alguns
volts.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
505
Figura 10.29: Ilustração da operação de um dispositivo LCD de reflexão.
A ação do cristal lı́quido sobre a luz se dá através da forte polarização
produzida pelas moléculas orgânicas. Quando uma luz polarizada atravessa
a célula com campo E = 0, como na Fig.10.28, sua polarização acompanha a
orientação das moléculas e sofre uma rotação de 90◦ . Por outro lado, se houver
um campo aplicado com valor maior que o crı́tico E > Ec , a polarização da luz
que atravessa a célula não é alterada.
A Figura 10.29 ilustra a operação de um dispositivo LCD de reflexão. Ele
consiste da célula de cristal lı́quido, duas lâminas polaróides com polarizações
cruzadas e um espelho para refletir a luz incidente. A radiação, inicialmente
despolarizada, incide da esquerda para à direita. Após passar no polaróide
P1, ela é polarizada verticalmente e entra na célula do cristal lı́quido. Se não
houver tensão na célula, a polarização sofre rotação de 90◦ , de modo que a
radiação atravessa o polaróide P2, reflete no espelho e faz o percurso de volta,
como mostrado na Fig.10.29. Desta forma, com E = 0, a radiação incidente
é refletida no dispositivo, que aparece claro para um observador externo. Por
outro lado, quando uma tensão é aplicada fazendo E > Ec , a radiação não sofre
mudança de polarização ao atravessar a célula, sendo absorvida no polarizador
P2. Nesta situação a célula aparece escura para um observador externo.
Um mostrador de LCD é formado por uma malha de eletrodos de
endereçamento conectados à grade de filmes condutores transparentes depositados sobre as duas superfı́cies externas da célula. O conjunto célulapolarizadores-espelho é feito com as lâminas coladas uma na outra, como
mostrado na Fig.10.30. O conjunto tem espessura total da ordem de alguns
µm a décimos de milı́metros e dimensões laterais que dependem da aplicação,
variando desde alguns mm no caso de relógios, a dezenas de cm nas telas de
vı́deo. A malha de endereçamento define um quadro de pixeis, cada um ficando
claro ou escuro, dependendo da tensão aplicada, formando padrões de letras,
506
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.30: Ilustração do mostrador do cristal lı́quido de reflexão (LCD).
números ou imagens. Como o cristal lı́quido é isolante, a corrente que atravessa a célula é extremamente pequena, como também é a potência consumida.
A utilização de tensão dc tende a diminuir a vida do LCD porque depois de
um certo número de ciclos ocorrem reações eletromecânicas que dificultam o
movimento das moléculas. Por esta razão, usam-se tensões alternadas com
forma de onda quadrada, com freqüência na faixa de 25 Hz a 1 kHz. Isto resulta em correntes capacitivas que produzem um pequeno aumento na potência
consumida.
Depois de dominar inteiramente o mercado de mostradores de relógios e
de equipamentos eletrônicos em geral, os cristais lı́quidos entraram no segmento
de telas de vı́deo, preto-e-branco ou colorida, de computadores e aparelhos de
televisão. O desempenho das telas de LCD é bastante melhorado através da
técnica de matriz ativa. Esta técnica consiste em incorporar a cada pixel
um dispositivo semicondutor, um diodo ou um transistor. Como a ativação
do pixel de cristal lı́quido tem uma resposta não-linear, pois só ocorre para
V > Vc , a incorporação de um dispositivo semicondutor não-linear aumenta as
possibilidades de endereçamento. Isto permite a fabricação de telas com maior
contraste e brilho e portanto melhor qualidade de imagem. As técnicas de
produção de telas de vı́deo são bastante sofisticadas, com os dispositivos semicondutores fabricados integradamente nas células de cristal lı́quido, através
da deposição de sucessivas camadas de filmes finos. Atualmente as telas de
LCD dominam completamente as aplicações em computadores tipo notebook e
aparelhos de TV pequenos, respondendo por mais de 70% do mercado de telas
de estado sólido.
Os cristais lı́quidos utilizados em mostradores de LCD são compostos
orgânicos, com moléculas formadas por dois ou três anéis de benzenos ligados
diretamente entre si. Esses compostos, sintetizados nos últimos vinte anos,
apresentam grande estabilidade quı́mica e fases de cristal lı́quido em extensas
faixas de temperatura de trabalho. A função do cristal lı́quido é apenas variar
a polarização da luz, possibilitanto o controle de sua intensidade por meio dos
polarizadores cruzados. As cores das células que formam os pixeis nas telas
coloridas são criadas por meio de filtros ópticos feitos de camadas dielétricas.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
10.3.3
507
Materiais Orgânicos Condutores
Os materiais orgânicos são aqueles que têm em sua estrutura básica átomos
de carbono e de hidrogênio. O mundo vegetal e o mundo animal são formados
por compostos orgânicos produzidos pela natureza. No Século XX a tecnologia
de fabricação de materiais orgânicos artificiais foi desenvolvida, possibilitando
a produção comercial de uma grande variedade de materiais para diversas
aplicações. Atualmente mais de dois milhões de materiais orgânicos são conhecidos. Eles podem ser agrupados em duas grandes categorias, materiais
poliméricos e materiais não-poliméricos.
Os materiais poliméricos, comumente chamados plásticos, têm uma
enorme variedade de aplicações em nossa vida diária. Como apresentado na
seção 1.4.3, os polı́meros consistem de moléculas com estrutura em cadeias longas, formadas pela repetição de unidades mais simples, chamadas monômeros.
Estas cadeias são facilmente formadas por átomos de C e de H, e por isso os
polı́meros são em geral materiais orgânicos. A riqueza dos polı́meros decorre
do fato de que pequenas alterações na constituição dos monômeros resultam
em profundas modificações em suas propriedades fı́sico-quı́micas. Embora os
polı́meros possam ser sintetizados a partir de uma grande variedade de matérias
primas, os processos de fabricação mais econômicos são baseados na transformação de derivados do petróleo. É por isto que o contı́nuo surgimento
de novos materiais plásticos após a segunda grande guerra está associado à
evolução da indústria petroquı́mica.
Os materiais poliméricos utilizados nos setores tradicionais da indústria
são isolantes elétricos. Na eletrônica eles são essenciais para a fabricação
de partes e peças diversas, tais como: capas de fios e cabos elétricos; suportes isolantes; caixas de equipamentos; botões; teclas; e invólucros diversos. Como os plásticos tradicionais são isolantes, causou grande surpresa na
década de 1970 a descoberta de novos polı́meros condutores de eletricidade,
tendo propriedades elétricas que se assemelham às de metais, de semicondutores ou mesmo de supercondutores. Estes materiais também são conhecidos como polı́meros não-convencionais. Recentemente estes materiais encontraram aplicações inusitadas na eletrônica, e diversos dispositivos de condutores orgânicos já são fabricados comercialmente. A possibilidade de obter
materiais de uso prático, combinando propriedades elétricas tı́picas de materiais inorgânicos com certas caracterı́sticas de plásticos, como a flexibilidade
mecânica e a transparência óptica, tem motivado uma grande atividade de
pesquisa na área de polı́meros condutores. Vários dos desenvolvimentos recentes nesta área devem-se a descobertas e contribuições cientı́ficas de Alan
508
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.31: Ilustração de um polı́mero policristalino.
J. Heeger, Alan G. MacDiarmid e Hideki Shirakawa, que receberam o Prêmio
Nobel de Quı́mica no ano 2000.
A ligação entre os átomos que formam as cadeias dos polı́meros é do tipo
covalente, na qual os elétrons de valência são compartilhados por átomos vizinhos. Esta ligação é do mesmo tipo que existe na maioria dos semicondutores
inorgânicos, sendo muito mais forte que as ligações metálica e molecular. Cada
átomo de C, que tal como Si e Ge tem quatro elétrons de valência, compartilha
seus elétrons com os átomos de H ligados a ele e com os átomos de C vizinhos
na cadeia. É a forte ligação covalente dos átomos ao longo da cadeia que dá a
coesão aos polı́meros. Isto possibilita a fabricação de finas folhas de plástico,
com espessuras da ordem de alguns µm, tendo maleabilidade não encontrada
em folhas feitas de outros tipos de materiais.
Em contraste com a forte coesão ao longo das cadeias, a ligação entre
cadeias vizinhas é fraca, sendo do tipo molecular. Por esta razão, os plásticos
comumente utilizados são feitos com as cadeias entrelaçadas, de modo a produzir resistência uniforme ao longo de todas as direções. No entanto, para
aplicação em eletrônica, é importante que o material tenha a maior ordem
estrutural possı́vel. Isto pode ser obtido através de estruturas policristalinas,
como aquela ilustrada na Figura 10.31. O material é formado por conjuntos
ordenados de cadeias poliméricas, separados por regiões amorfas.
Um dos polı́meros condutores mais estudados é o poliacetileno. Ele
consiste de uma cadeia de monômeros contendo apenas átomos de C e H,
representada por (CH)x . Ele é um polı́mero conjugado, nome dado aos
polı́meros que têm os carbonos ao longo da cadeia com ligações alternadas,
sendo uma simples, com um vizinho, e uma dupla, com o outro vizinho. O
poliacetileno pode ser sintetizado em duas formas distintas, designadas por
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
509
Figura 10.32: Dois isômeros de poliacetileno: (a) cis-(CH)x ; (b) trans-(CH)x .
cis e trans, mostradas na Figura 10.32. Como as duas formas têm fórmulas
quı́micas idênticas, elas são chamadas isômeras. Na forma trans, os átomos de
H são ligados aos átomos de C alternadamente, em lados opostos da cadeia,
enquanto na forma cis os átomos de H ligados a carbonos vizinhos com ligações
duplas estão no mesmo lado da cadeia. Com isto, os átomos vizinhos de H estão
mais próximos entre si na forma cis do que na forma trans. O poliacetileno é
normalmente sintetizado na forma cis. O aquecimento em 150◦ C por alguns
minutos produz a isomerização e transforma a forma cis na configuração trans.
As diferentes configurações dos átomos de H nos monômeros de cis-(CH)x
e trans-(CH)x resultam em estruturas de bandas de energia eletrônica bastante diferentes, e portanto em propriedades elétricas distintas. Enquanto
o cis-(CH)x é eletricamente isolante, o trans-(CH)x é um semicondutor. A
Figura 10.33 mostra as estruturas de bandas de trans-(CH)x , calculadas para
diversas distâncias das ligações carbono-carbono. Como nos polı́meros conjugados existem dois tipos de ligação ao longo da cadeia, é preciso considerar
duas distâncias entre carbonos vizinhos, d1 para a ligação C-C, e d2 para
C=C. Vemos, na Figura 10.33, que o gap de energia Eg entre as bandas de
valência e condução depende das distâncias das ligações. Em (a), as distâncias
iguais d1 = d2 = 1, 39 Å resultam num gap nulo, e portanto em comportamento metálico. Em (b), as distâncias um pouco diferentes, d1 = 1, 43 Å e
d2 = 1, 36 Å, já são suficientes para produzir um gap de energia. Em (c), uma
diferença maior entre as distâncias das ligações, d1 = 1, 54 Å e d2 = 1, 34 Å,
resulta num maior gap. Esta é a razão pela qual os polı́meros conjugados, que
têm necessariamente d1 e d2 diferentes, são os que têm propriedades semicondutoras interessantes para a eletrônica.
Os valores de d1 e d2 da Figura 10.33(c) são as distâncias reais de transpoliacetileno à temperatura ambiente. Elas resultam num gap direto, com
Eg = 1, 5 eV. Este valor é suficientemente pequeno para que elétrons passem
510
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.33: Bandas de energia em poliacetileno trans-(CH)x para diferentes distâncias das
ligações C-C (d1 ) e C=C (d2 ): (a) d1 = d2 = 1, 39 Å; (b) d1 = 1, 43 Å, d2 = 1, 36 Å; (c) valores reais, d1 = 1, 54 Å, d2 = 1, 34 Å[P.M. Grant e I.P. Batra, Solid State Communications,
29, 225 (1979)].
da banda de valência para a de condução por excitação térmica à temperatura
ambiente. Na visão da estrutura quı́mica, a passagem de um elétron para a
banda de condução corresponde à quebra de uma ligação dupla entre os átomos
de carbono. Com isto, ela torna-se uma ligação simples e libera um elétron
para conduzir a corrente elétrica. Os elétrons no mı́nimo da banda de valência
têm vetor de onda k = π/a, massa efetiva m∗ = 0, 1 m0 e tempo de colisão
τe ≃ 10−14 s. Esses valores resultam numa mobilidade ao longo da cadeia,
dada por (5.49), µn ≃ 200 cm2 /Vs. Comparando este valor com os dados da
Tabela 5.2, vemos que ele é da mesma ordem da mobilidade de buracos nos
semicondutores tradicionais Si e GaAs. Por esta razão, uma folha de transpoliacetileno apresenta um brilho óptico semelhante ao do silı́cio, porém com
a flexibilidade mecânica tı́pica de plásticos.
As propriedades eletrônicas do trans-poliacetileno podem ser alteradas
através da dopagem com impurezas doadoras ou aceitadoras, como nos semicondutores inorgânicos. O semicondutor tipo p pode ser obtido com impurezas
de pentafluoreto de arsênico (AsF5 ) ou iodo (I2 ), difundidas no (CH)x através
de técnicas de fase de vapor ou métodos eletroquı́micos. Com a dopagem,
ocorre uma transferência de elétrons dos átomos das cadeias do polı́mero
para as moléculas das impurezas, produzindo buracos nas cadeias e con-
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
511
Figura 10.34: Variação da condutividade de trans-poliacetileno com a concentração de impurezas.
seqüentemente comportamento de semicondutor tipo p. A Figura 10.34 mostra
o aumento da condutividade de trans-(CH)x com a concentração de AsF5 e
I2 , expressa em fração de moléculas das impurezas em relação as do polı́mero.
Vê-se que a condutividade varia quase sete ordens de grandeza com a dopagem
por AsF5 . Comportamento semelhante da condutividade é obtido na dopagem
com átomos de metais alcalinos, que produz um semicondutor tipo n. É importante chamar a atenção de que os mecanismos de transporte de cargas nos
polı́meros condutores é mais complexo do que nos metais e semicondutores
inorgânicos. Estes mecanismos envolvem o movimento de defeitos conformacionais tipo “sóliton” ou “pólaron”, que ocorrem nas ligações alternadas dos
polı́meros conjugados e que não têm análogos nos materiais tradicionais.
Outros polı́meros conjugados importantes com propriedades semicondutoras são a polianilina e o PPV, cujas estruturas quı́micas estão mostradas
na Figura 10.35. A polianilina tem aparência semelhante aos plásticos usados nos filmes fotográficos. Ela foi um dos primeiros polı́meros a serem
sintetizados. Sua fabricação é simples, de baixo custo, e ela é estável no
ar. Ela tem propriedades fı́sico-quı́micas bem conhecidas, e pode ser sintetizada com impurezas controladas para produzir condutividades adequadas
para diferentes aplicações. A Figura 10.35(b) mostra a estrutura quı́mica
do poli-fenilenovinileno (PPV), outro polı́mero conjugado importante para
a eletrônica. PPV é estável até temperaturas de 400◦C e tem propriedades
mecânicas que permitem sua fabricação e processamento na forma de filmes
finos, com espessuras na faixa 0,02-1 µm. Uma de suas propriedades mais
512
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.35: Estruturas quı́micas dos monômeros de dois polı́meros semicondutores importantes: (a) polianilina; (b) poli-fenilenovinileno (PPV). Em (b) as letras C e H indicativas
dos átomos são omitidas para simplificar a notação.
importantes para aplicação na eletrônica é a eletroluminescência. Semelhantemente ao que ocorre com semicondutores inorgânicos de gap direto, quando
elétrons e buracos se encontram em PPV, a recombinação produz fótons com
energia aproximadamente igual a Eg . Uma vantagem do PPV sobre muitos
dos semicondutores inorgânicos é que ele produz luz no espectro visı́vel, com
comprimento de onda que que pode ser sintonizado pela variação das distâncias
das ligações quı́micas na cadeia.
Além dos polı́meros não-convencionais, existe uma grande variedade de
materiais orgânicos com propriedades de condutores elétricos. Alguns são até
supercondutores em temperaturas muito baixas. Uma classe desses materiais
que tem sido muito investigada é a dos sais de transferência de carga. Um
desses sais mais estudados é o TTF-TCNQ, cuja unidade básica consiste de
uma molécula de tetratiafulvaleno (TTF) ligada a uma molécula de tetracianoquinodimetano (TCNQ). Estas moléculas têm estrutura plana que se
agregam uma sobre a outra, formando pilhas de moléculas, dispostas ao longo
de folhas planas. Na ligação ocorre uma transferência de elétrons da molécula
de TTF, chamada doadora, para a molécula de TCNQ, chamada de aceitadora.
O entrelaçamento das funções de onda ao longo da pilha forma uma banda de
condução parcialmente cheia com os elétrons provenientes da transferência de
carga. Como resultado, a condutividade ao longo da pilha é razoavelmente
alta, da ordem de 2 × 103 Ω−1 cm−1 , enquanto a condutividade ao longo dos
planos é baixa, porque a interação entre as pilhas de moléculas é pequena.
Por esta razão, o TTF-TCNQ tem condutividade predominantemente em uma
dimensão.
Outro material orgânico condutor importante é a hidroxiquinolina de
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
513
alumı́nio, conhecida por AQ. Ele pertence a uma classe de compostos conhecidos como de molécula pequena, porque ela contém um número de átomos
muito menor que na maioria dos compostos orgânicos. Sua molécula é formada
por um grupo AO3 N3 , cercado por seis anéis de benzeno, alguns incompletos.
O AQ é preparado na forma de pequenos cristais, dispostos em camadas, apresentando propriedades de condução e de eletroluminescência semelhantes as do
PPV. Uma das vantagens dos materiais orgânicos sobre os inorgânicos é que
eles podem ser depositados na forma de filmes com estrutura ordenada sobre
uma grande variedade de substratos. A fabricação de dispositivos com materiais orgânicos tem baixo custo e pode ser feita sobre lâminas de substratos
poliméricos, que podem ser enroladas e utilizadas em aplicações inusitadas.
Uma desvantagem dos materiais orgânicos é a baixa mobilidade dos elétrons.
Ela é da ordem de 1 cm2 /Vs nos melhores filmes orgânicos, que é muito baixa
em comparação com os valores 103 −106 cm2 /Vs caracterı́sticos dos semicondutores inorgânicos. Isto resulta em baixa velocidade de resposta dos dispositivos
de condutores orgânicos.
Os dispositivos eletrônicos de maior aplicação dos condutores orgânicos
são os sensores bioquı́micos, o transistor de filmes poliméricos finos e o diodo
emissor de luz orgânico - OLED. O transistor de polı́mero tem baixa rapidez de
resposta comparada com os de silı́cio. Por esta razão, sua utilização é restrita
a aplicações de baixas freqüências, como é o caso de monitores de vı́deo. Uma
aplicação de grande potencial é em telas de cristal lı́quido de matriz ativa,
nas quais cada pixel é ativado por um transistor de polı́mero. A vantagem do
transistor de polı́mero sobre o de silı́cio é seu menor custo de processamento e
a facilidade de sua deposição direta sobre o cristal lı́quido.
O dispositivo de material orgânico de maior importância comercial é o
OLED (Organic Light Emitting Diode), empregado em mostradores ópticos
e telas de imagens. A Figura 10.36 mostra a estrutura básica de um OLED.
Ela consiste de um substrato de vidro ou outro material transparente, sobre o
qual são depositados sucessivamente cinco filmes: um eletrodo metálico positivo ou anodo; três camadas de material orgânico condutor; e outro eletrodo
metálico negativo. O eletrodo positivo é feito de um condutor transparente,
como o ITO. O eletrodo negativo, ou catodo, é um filme metálico comum,
como alumı́nio, que reflete luz visı́vel. Os materiais orgânicos mais usados entre os dois eletrodos são o PPV e o AQ, que com a adição de corantes emitem
luz em qualquer comprimento de onda na faixa visı́vel. O filme que emite
luz, feito de semicondutor intrı́nseco, está situado entre um filme dopado com
impurezas doadoras e outro com impurezas aceitadoras, chamadas de camadas
de transporte de elétrons e de buracos, respectivamente.
514
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.36: Estrutura básica de um diodo emissor de luz orgânico (OLED).
Quando uma tensão é aplicada entre os eletrodos, no sentido mostrado
na Figura 10.36, elétrons são injetados no filme do meio por uma camada, enquanto buracos são injetados pela outra camada. A recombinação dos elétrons
e buracos produz luz que é refletida pelo filme de alumı́nio e sai frontalmente
através da placa de vidro. Uma grande vantagem deste LED é exatamente
o fato da luz sair frontalmente, em área extensa, em vez da emissão lateral
confinada à região da junção, como ocorre nos diodos de semicondutores inorgânicos. Os OLEDs atuais de PPV ou de AQ operam com tensões da
ordem de 10 volt e têm eficiência de conversão de 4%. Eles são empregados em
telas planas de mostradores ópticos pequenos, usados em telefones celulares,
câmaras digitais e aparelhos de vı́deo miniatura. Neste segmento eles venceram
a corrida tecnológica contra os mostradores de cristais lı́quidos porque emitem
luz diretamente, tendo maior brilho e maior ângulo de visão.
10.4
Materiais Supercondutores
Materiais supercondutores são aqueles que apresentam resistência desprezı́vel
à passagem de corrente elétrica. A supercondutividade só é observada em
certos elementos ou ligas metálicas, a temperaturas abaixo de um valor crı́tico
Tc . Este fenômeno foi descoberto em 1911 pelo fı́sico holandês Kamerlingh
Onnes, que três anos antes havia conseguido liquefazer hélio. Ao fazer medidas
da resistência elétrica de materiais em torno da temperatura de liquefação do
hélio (4,2 K), ele observou que a resistência do mercúrio caia bruscamente para
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
515
valores desprezı́veis numa certa temperatura Tc ≃ 4, 2 K. Uma reprodução do
gráfico original feito por Kamerlingh Onnes está mostrada na Fig.10.37.
Nos anos seguintes Onnes descobriu que, mesmo em T < Tc , a supercondutividade era destruı́da e a resistência voltava ao normal, quando o
material era submetido a um campo magnético de intensidade acima de um
valor crı́tico Hc . Ele também observou que a supercondutividade era destruı́da
com a passagem de uma corrente elétrica com densidade acima de um valor
crı́tico Jc . A partir de então, inúmeros laboratórios e pesquisadores de todo
o mundo passaram a investigar as propriedades elétricas e magnéticas de materiais, a procura de novos supercondutores com temperaturas crı́ticas mais
elevadas. Por outro lado, fı́sicos teóricos passaram a buscar uma explicação
para o fenômeno.
Inicialmente descobriu-se que vários metais simples eram supercondutores, porém todos com baixos valores de Tc . O próprio Onnes observou a
supercondutividade em chumbo (Pb) em 1913, com Tc = 7, 2 K. Em 1930 foi
descoberto o metal simples com a maior temperatura crı́tica, nióbio (Nb) com
Tc = 9, 2 K. Em seguida passou-se a investigar ligas e compostos intermetálicos,
sendo descobertos vários compostos de Nb com temperaturas crı́ticas mais
elevadas. Entretanto, até 1986, a maior temperatura crı́tica conhecida era
Tc = 23,2 K, em Nb3 Ge. Naquele ano, Bednorz e Müller, pesquisadores do
laboratório da IBM em Zurique, observaram supercondutividade em cerâmicas
de LaBaCuO, com temperatura crı́tica próxima de 30 K. Este fato levou os
pesquisadores a procurar a supercondutividade numa nova classe de mate-
Figura 10.37: Variação da resistência
elétrica de uma amostra de mercúrio
com a temperatura, medida por Kamerlingh Onnes em 1911.
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
516
Figura 10.38: Variação da resistividade de Y1 Ba2 Cu3 O7 com a temperatura medida por
Chu et al. [Physical Review Letters, 58, 908, 1987)].
riais ainda inexplorada. Logo no ano seguinte, o grupo de Paul Chu, em
Houston, descobriu a supercondutividade em cerâmicas com fórmula quı́mica
Y1 Ba2 Cu3 O7 , com Tc = 92 K. A Figura 10.38 mostra a medida da resistivi-
Material
Tc (K)
Hc (kOe)
λL (Å)
ξ (Å)
Elementos metálicos
A
Sn
Pb
Nb
1,1
3,9
7,2
9,5
0,1
0,3
0,8
2,0
160
340
370
400
16.000
2.300
830
380
Ligas e compostos binários
Nb0,3 Ti0,7
Nb3 A
Nb3 Sn
Nb3 Ge
9,2
17,5
18,1
23,2
140
325
240
380
600
800
-
450
35
-
Óxidos cuprosos de alta Tc
YBa2 Cu3 O7
Bi2 Ca2 Sr2 Cu3 O10
T2 Ca2 Ba2 Cu3 O10
92
110
> 110
∼1.500
∼1.000
> 1.100
4.000
∼6.000
∼1.600
∼10
∼10
∼13
Tabela 10.5: Parâmetros de alguns materiais supercondutores. Os valores de Hc , λL e
ξ foram medidos em temperaturas próximas de 0 K. Os parâmetros dos óxidos cuprosos
dependem das condições de preparação.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
517
dade elétrica deste composto em função da temperatura, medida pela equipe
de Chu.
A importância da descoberta de Chu está no fato de que o YBaCuO foi o
primeiro material a exibir supercondutividade a temperatura superior a 77 K.
Esta é a temperatura de liquefação de nitrogênio, muito maior que a do hélio.
Hélio e nitrogênio são os lı́quidos criogênicos mais utilizados para abaixar a
temperatura de materiais. Como é muito mais fácil e mais econômico trabalhar
com nitrogênio lı́quido do que com hélio lı́quido, a descoberta da supercondutividade em YBaCuO trouxe grande esperança de aplicação prática dos supercondutores. Desde 1987 vários outros óxidos cuprosos supercondutores foram
sintetizados com temperaturas crı́ticas acima de 77 K. O material estável de
maior Tc conhecido é T2 Ca2 Ba2 Cu3 O10 , que tem Tc = 125 K. Esses materiais são chamados supercondutores de alta T . A Tabela 10.5 apresenta as
temperaturas crı́ticas, os campos crı́ticos e dois comprimentos importantes que
serão explicados na seção 10.4.2, para materiais supercondutores de diversas
classes.
10.4.1
Propriedades Magnéticas dos Supercondutores
Os materiais supercondutores apresentam forte comportamento magnético
em temperaturas abaixo de Tc . Isto foi primeiro observado por Meissner e
Ochsenfeld, em 1933, que descobriram que os metais simples apresentam diamagnetismo perfeito em T < Tc . Eles observaram que quando um supercondutor é submetido a um campo magnético externo, o campo B é expulso do
interior ao se diminuir a temperatura abaixo de Tc . Este fenômeno, ilustrado
na Figura 10.39, é conhecido como efeito Meissner.
Na realidade, este fenômeno só ocorre para campos de intensidade H <
Hc , pois acima de Hc o material é normal em qualquer temperatura. Como
= µ 0 (H
+M
), no SI, o efeito Meissner significa que, em T < Tc e H < Hc ,
B
= −H
M
(10.31)
no interior do supercondutor. Esta magnetização não tem origem em dipolos magnéticos atômicos, como ocorre nos materiais magnéticos. Ela resulta
de correntes macroscópicas, induzidas no supercondutor com a aplicação do
campo magnético, chamadas supercorrentes. As supercorrentes são induzidas pelo efeito Faraday, e como a resistência do material é desprezı́vel, elas
persistem durante um longo tempo (nos materiais puros elas podem durar
518
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
é
Figura 10.39: Ilustração do efeito Meissner numa esfera supercondutora. O campo B
expulso do interior da esfera em T < Tc .
até milhares de anos). Devido à lei de Lenz, as supercorrentes têm o sentido
de contrariar o campo, e por isto criam uma magnetização efetiva no sentido
oposto ao de H.
Na realidade, somente os supercondutores feitos de metais simples, têm
magnetização dada por (10.31) em toda a região H < Hc . Esses materiais,
chamados supercondutores tipo I, têm curva de M em função de H
mostrada na Figura 10.40(a). Há uma outra classe de materiais, chamados su = −H
somente para campos H menores
percondutores tipo II, nos quais M
que um valor Hc1 . Nestes materiais identificam-se dois campos crı́ticos, Hc1
e Hc2. O campo Hc2 é aquele acima do qual o material deixa de ser supercondutor, isto é, sua resistência é normal, enquanto Hc1 é o campo abaixo do
qual o material é perfeitamente diamagnético. Nos supercondutores tipo II, a
variação de M com H tem a forma mostrada na Figura 10.40(b). Assim, o comportamento magnético é caracterizado por três fases distintas: em H < Hc1
= −H);
ocorre a fase Meissner, na qual o diamagnetismo é completo (M
em H > Hc2 temos a fase normal, na qual M = 0; na região intermediária,
Hc1 < H < Hc2 , ocorre a fase mixta, na qual o comportamento é mais complexo. Nesta fase o material é diamagnético, porém o diamagnetismo não é
perfeito, isto é, |M| < |H| pois a expulsão do campo B do interior do material
não é completa. Como mostrado na Figura 10.41, algumas linhas de indução
permanecem no interior do material, agrupadas em feixes cilı́ndricos chamados fluxóides. Nas regiões filamentares atravessadas pelas linhas o material
encontra-se na fase normal, enquanto no restante ele está na fase supercondu-
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
519
Figura 10.40: Variação da magnetização em função do campo magnético em materiais supercondutores: (a) Tipo I; (b) Tipo II.
tora. Nas regiões supercondutoras existem supercorrentes circulando em torno
dos filamentos, de modo a manter o campo dos fluxóides. Por esta razão, os
filamentos onde existem os fluxóides também são chamados vórtices. Utilizando conceitos de mecânica quântica aplicada a supercondutores, é possı́vel
mostrar que o fluxo magnético de cada fluxóide é dado por,
Φ0 =
h
= 2, 067 × 10−7 gauss cm2
2e
.
(10.32)
Assim, o fluxo magnético que atravessa o material é quantizado, sendo igual a
um múltiplo de Φ0 .
Figura 10.41: Comportamento do campo magnético em supercondutor tipo II nas três fases
magnéticas.
520
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.42: Variação dos campos crı́ticos com a temperatura em supercondutores tı́picos:
(a) Pb, tipo I; (b) Nb3 Sn, tipo II.
Os supercondutores tipo I são os metais simples, formados por apenas
um elemento. Como mostrado na Tabela 10.5, eles têm temperaturas crı́ticas
abaixo de 10 K e campos crı́ticos de algumas centenas de Oersteds. Por outro
lado, os compostos intermetálicos e os óxidos cuprosos são supercondutores
tipo II, com temperatura crı́tica mais elevada. Neste caso, os campos crı́ticos
apresentados na Tabela 10.5 são aqueles nos quais a supercondutividade é
destruı́da, isto é, Hc2 . Vê-se que os campos crı́ticos nos supercondutores tipo
II são muito maiores do que nos supercondutores tipo I. Esta é a principal razão
pela qual os supercondutores tipo II são mais importantes tecnologicamente
que os tipo I.
Os valores de campo crı́tico apresentados na Tabela 10.5 são válidos
para temperatura nula. Na realidade, os campos Hc , Hc1 e Hc2 variam com
a temperatura. Quanto maior T , menor o valor do campo necessário para
destruir a supercondutividade. Este fato está evidenciado na Figura 10.42,
que mostra diagramas de fase para supercondutores tı́picos tipo I e tipo II.
10.4.2
A Fı́sica da Supercondutividade
A supercondutividade dos materiais tornou-se um dos fenômenos fı́sicos mais
intrigantes e desafiadores deste século. Desde sua descoberta casual em 1911,
ela atraiu grande interesse por parte de fı́sicos experimentais e teóricos, na
busca de novos materiais supercondutores e de explicações teóricas para os
fenômenos observados. Em 1934 Hans e Fritz London anunciaram uma teoria
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
521
fenomenológica que explicava o efeito Meissner. Porém, foram necessárias
mais duas décadas de trabalho até a formulação de uma teoria microscópica
convincente, elaborada por Bardeen, Cooper e Schrieffer e anunciada em 1957.
A teoria BCS, como é conhecida, explicava os fenômenos observados até então
e parecia resolver todos os mistérios da supercondutividade. Entretanto, com
a descoberta dos supercondutores de alta Tc , em 1986, verificou-se que a teoria
BCS não explicava a supercondutividade desses materiais, que até o momento
não têm uma teoria microscópica. Nesta seção apresentaremos o resultado
mais importante da teoria de London e algumas noções sobre o mecanismo
básico da teoria BCS.
A teoria de London para o comportamento do campo magnético é
baseada nas equações do eletromagnetismo e na propriedade básica de um
supercondutor, qual seja, resistência nula. Considera-se que a corrente elétrica
no material é formada por dois tipos de partı́culas: os elétrons normais, que
sofrem espalhamento por impurezas ou por fônons, e as partı́culas supercondutoras, que não sofrem colisões. A componente da corrente das partı́culas
supercondutoras é chamada supercorrente. A equação de movimento dessas
partı́culas num campo elétrico E é
dvs
m
= q E ,
(10.33)
dt
onde m, vs e q são respectivamente a massa, a velocidade e a carga das
partı́culas supercondutoras. Sendo ns a concentração dessas partı́culas, a densidade de corrente J = ns qvs obtida de (10.33) satisfaz a seguinte equação;
dJ ns q 2 =
E .
(10.34)
dt
m
Substituindo esta expressão para o campo elétrico na equação de Maxwell
(2.3) obtemos,
∂
ns q 2 B =0 .
(10.35)
∇ × J +
∂t
m
= 0 não há
Integrando esta equação no tempo e considerando que com B
corrente no supercondutor, vem:
∇ × J +
ns q 2 B=0
m
.
(10.36)
Esta é a equação de London, que relaciona a corrente com o campo magnético
num supercondutor. Para obter a equação do campo substituimos (10.36) na
522
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
equação de Maxwell (2.4). Considerando o campo estático (∂ D/∂t
= 0) e a
= µ0 H,
válida para o campo microscópico, obtemos:
relação B
2
+ µ0 ns q B
=0
∇×∇×B
m
.
(10.37)
Utilizando conhecidas relações entre operadores diferenciais e a Eq.(2.2),
num supercondutor,
obtemos a equação que descreve a variação do campo B
=
∇2 B
onde
λL =
1 B
λ2L
m
µ0 ns q 2
(10.38)
1/2
(10.39)
é o comprimento de London. A Tabela 10.5 apresenta os valores de λL para
alguns supercondutores. Vamos utilizar a Eq.(10.38) para calcular a variação
do campo magnético num supercondutor semi-infinito, com superfı́cie plana,
ilustrado na Figura 10.43. Supomos que o campo é uniforme na parte externa,
= ẑB0 . Como Bz só varia na direção x,
x < 0, sendo paralelo à superfı́cie, B
a Eq.(10.38) em x > 0 reduz-se a,
d2 Bz (x)
1
= 2 Bz (x)
2
dx
λL
(10.40)
Figura 10.43: Ilustração da variação do campo magnético num supercondutor. O campo é
praticamente confinado numa camada superficial de espessura λL .
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
523
A solução desta equação é
Bz (x) = C1 e−x/λL + C2 ex/λL
.
(10.41)
Como o campo deve ser finito em x → ∞, é preciso que C2 = 0. Devido à
continuidade na superfı́cie x = 0, C1 = B0 . Portanto,
Bz (x) = B0 e−x/λL
.
(10.42)
Assim, o campo externo aplicado ao supercondutor penetra apenas numa camada de espessura λL na superfı́cie, e decai exponencialmente tendendo a zero
no interior. Como λL está na faixa 500-5000 Å, a camada é muito fina, de modo
que o campo praticamente não penetra no interior. Este resultado explica o
efeito Meissner.
Enquanto a teoria de London é fenomenológica e baseada em equações
clássicas, a teoria BCS que explica a resistência nula dos supercondutores é
microscópica e inteiramente quântica. A compreensão da teoria BCS exige
conhecimentos avançados de mecânica quântica e de mecânica estatı́stica, que
estão além do nı́vel deste livro. Entretanto, algumas noções elementares do
mecanismo da supercondutividade podem ser compreendidas qualitativamente.
O primeiro conceito importante da teoria BCS é o de pares de Cooper.
Em certas condições, numa rede cristalina, dois elétrons formando um par
ligado têm energia menor do que teriam se estivessem independentes. Como
os elétrons têm carga de mesmo sinal e portanto sofrem repulsão eletrostática, a
formação de um par requer a existência de uma interação atrativa, proveniente
de algum outro mecanismo. Utilizando a teoria quântica, Cooper mostrou em
1956, que a interação entre elétrons e fônons numa rede cristalina pode produzir
uma interação atrativa entre elétrons e resultar na formação de pares. A Figura
10.44 ilustra como isto é possı́vel. Quando um elétron desloca-se numa rede
cristalina em equilı́brio (T = 0 K), os ı́ons da rede ao seu redor são perturbados
ligeiramente, devido à interação eletrostática. Assim, ao chegar num certo
ponto, o elétron e1 atrai momentaneamente os ı́ons vizinhos. Isto produz uma
onda de vibração da rede, ou seja, um fônon. Esta onda propaga na rede e pode
produzir, em outro ponto, um deslocamento dos ı́ons no sentido de criar um
potencial atrativo para outro elétron e2 . Se a energia deste par for menor que
a dos dois elétrons independentes, eles formarão um estado ligado, chamado
par de Cooper. O tamanho deste par é caracterizado por uma distância ξ,
chamada comprimento de coerência. Como os elétrons que participam
deste processo são aqueles que estão próximos da superfı́cie de Fermi, tendo
524
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.44: Ilustração da interação atrativa entre dois elétrons através da perturbação da
rede cristalina. Este é o mecanismo básico para a formação dos pares de Cooper.
velocidade vF , pode-se mostrar que o comprimento de coerência é dado por
ξ=
vF
π∆
(10.43)
onde ∆ é a redução de energia que um elétron sofre na formação do par de
Cooper. ∆ é da ordem de alguns meV, que é a energia tı́pica de fônons. A
Tabela 10.5 mostra os valores de ξ para alguns supercondutores. Vemos que
nos materiais tradicionais, ξ é muito maior que a distância entre os vizinhos na
rede. Isto significa que dois elétrons podem estabelecer uma interação atrativa
e formar um par, tendo um grande número de ı́ons entre eles.
Na realidade, esta visão do par de Cooper é extremamente simplificada.
Como mencionado anteriormente, a interação entre elétrons através dos fônons
é um fenômeno eminentemente quântico. Sua descrição é feita no espaço de
momentum, e pode-se mostrar que os dois elétrons do par têm vetores de
onda opostos, k e −k, assim como spins opostos. Os pares de Cooper, com
carga q = −2e e massa m = 2me , são as partı́culas que produzem a supercorrente. Na supercorrente os pares de Cooper têm um movimento de deriva
com caráter coletivo. Assim, enquanto os elétrons normais movem-se individualmente sofrendo colisões com fônons e com impurezas, os pares deslocam-se
coletivamente, sem colisões. Portanto, o estado supercondutor resulta do ordenamento dos elétrons de condução em pares que se formam para diminuir a
energia total do sistema.
O estado supercondutor pode ser destruı́do por um aumento da temperatura, ou pela aplicação de um campo magnético. A energia térmica resultante
do aumento de temperatura faz a energia efetiva de ligação do par diminuir
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
525
Eg (T)
Tc
T
Figura 10.45: Variação da energia de ligação de um par de Cooper com a temperatura.
com T , como mostrado na Figura 10.45. Note a semelhança qualitativa entre
esta figura e a da variação da magnetização num ferromagneto com a temperatura, Fig.9.4. Esta semelhança não é acidental. A energia de ligação é
o parâmetro de ordem do supercondutor, e portanto tem certa analogia com
a magnetização espontânea do ferromagneto. Em ambos os casos a energia
térmica é igual à energia de ordenamento na temperatura crı́tica Tc , onde
ocorre uma transição de fase. Abaixo desta temperatura a ordem predomina
e se estabelece o fenômeno coletivo.
A destruição da supercondutividade com a aplicação de um campo
magnético acima de um valor crı́tico é explicada pela natureza dos elétrons
nos pares de Cooper. Como foi mencionado, os dois elétrons do par têm spins
opostos. Então, como o campo H tende a alinhar os spins em sua direção, o
aumento de H pode produzir a quebra do par. Isto ocorre quando H ≥ Hc .
É de se esperar então que o campo Hc varie com a temperatura de modo semelhante à energia de ligação. Esta é a razão da semelhança entre as Figuras
10.42 e 10.45.
O comportamento magnético dos supercondutores, e portanto sua classificação como tipo I ou II, está diretamente associado à relação entre os dois
comprimentos relevantes surgidos na teoria, λL e ξ. Os supercondutores tipo
I têm ξ ≥ λL , porque eles devem ter a distância entre os elétrons dos pares
de Cooper, e portanto a extensão espacial do estado supercondutor, maior
que a distância caracterı́stica da variação do campo magnético. Veja que este
é o caso dos metais simples A, Hg e Pb, cujos parâmetros estão na Tabela
526
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
10.5. Por outro lado, os supercondutores tipo II têm ξ ≤ λL , porque neste
caso o campo penetra no material em distâncias maiores que a extensão do
estado supercondutor. Assim, o material é caracterizado por regiões normais,
na forma de cilindros de raio ξ, atravessadas por linhas de campo, que são os
vórtices. Este é o caso dos compostos binários e dos supercondutores de alta
Tc , listados na Tabela 10.5. Note que apesar de ser um metal simples, Nb tem
comportamento mais próximo de supercondutor tipo II.
Para concluir esta seção, é importante mencionar que os mecanismos responsáveis pela supercondutividade dos materiais de alta Tc ainda estão sendo
investigados. Sabe-se que a supercorrente é produzida por partı́culas de carga
q = −2e, e portanto o estado supercondutor é formado por pares de elétrons,
como nos materiais tradicionais. Entretanto, há várias evidências experimentais de que a formação de pares de elétrons não é mediada por fônons. Isto
é compatı́vel com o fato desses materiais terem comprimento de coerência
comparável com o parâmetro da rede, como mostra a Tabela 10.5. Nesta
situação espera-se que a interação atrativa entre elétrons seja mediada por algum mecanismo de interação local, o que não é o caso das ondas de vibração
da rede. Este mecanismo não foi, até o momento, identificado em todos os
seus detalhes.
10.4.3
Junções com Supercondutores
Nos Capı́tulos 5 e 6 foram apresentados vários tipos de junções de materiais
distintos, envolvendo semicondutores, metais e isolantes. Em todos os casos o
comportamento da corrente na junção em função da tensão aplicada é determinado pelas propriedades das partı́culas responsáveis pela corrente. Como
nos supercondutores essas partı́culas são pares de elétrons, é de se esperar que
as junções envolvendo estes materiais tenham propriedades diferentes daquelas
estudadas anteriormente.
Para analisar as junções com materiais supercondutores, é necessário
inicialmente compreender certas propriedades dos elétrons de condução. Ao
formar os pares de Cooper no estado supercondutor, a energia dos elétrons é
reduzida de um valor ∆. Como os elétrons que formam pares são aqueles que
estão próximos da superfı́cie de Fermi no espaço de momentum, esta redução
produz uma abertura na curva de densidade de estados em torno da energia
EF . A Figura 10.46 mostra a densidade de estados eletrônicos D(E) em função
da energia num supercondutor. A linha tracejada representa D(E) no metal
normal em T > Tc , como na Figura 4.10. Em T < Tc ocorre uma redução ∆ da
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
527
E
EF
Figura 10.46: Densidade de estados
eletrônicos D(E) num supercondutor.
Eg
D(E)
energia dos pares e um correspondente aumento ∆ na energia dos estados com
E > EF , de modo que o gap de energia torna-se Eg = 2∆. Em T = 0 somente
os estados com energia menor que EF − ∆ estão ocupados. Em T > 0, alguns
elétrons têm energia térmica suficiente para passar para o ramo de cima da
curva, quebrando os pares de Cooper correspondentes.
Consideremos agora uma junção NIS formada por um metal normal (N),
separado de um supercondutor (S) por meio de uma fina camada isolante (I),
como ilustrado na Figura 10.47(a). Se a camada de isolante tiver espessura
da ordem de 100 Å ou maior, a barreira de potencial impede a passagem de
elétrons do lado N para o lado S, e vice-versa. Entretanto, se a camada for
suficientemente fina (∼ 10 − 20 Å), existirá uma probabilidade significativa
para a passagem de elétrons de um lado para outro por meio do efeito túnel.
Porém, para que isto ocorra é necessário haver estados ocupados, de um lado, e
estados desocupados do outro lado, com a mesma energia. Como pode ser visto
na Figura 10.47(b), isto não acontece no equilı́brio. É preciso então aplicar
uma diferença de potencial V na junção, em qualquer dos dois sentidos, para
fazer o diagrama de energia de um lado subir, ou descer, em relação ao outro,
de um valor eV . Assim, somente quando V ≥ Eg /e a corrente de tunelamento
I aumentará significativamente. A variação de I com V na junção NIS está
mostrada na Figura 10.47(c).
Outra junção importante é a SIS, formada por dois supercondutores separados por uma fina camada isolante. Neste caso, se o material supercondutor
for o mesmo nos dois lados, o diagrama de energia terá a forma mostrada na
Figura 10.48(a). Para ocorrer passagem de elétrons isolados de um lado para
outro é preciso haver estados ocupados num lado, com mesma energia de es-
528
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Figura 10.47: Junção NIS: (a) modelo unidimensional; (b) diagramas de energia no metal e
no supercondutor; (c) caracterı́stica I − V da junção.
tados desocupados no outro. Assim, quando a diferença de potencial aplicada
à junção é V ≥ Eg /e, há corrente de tunelamento de elétrons isolados, como
indicado na Figura 10.48(b). Entretanto, mesmo com V = 0, existe uma corrente de valor máximo I0 , produzida pelo tunelamento de pares de Cooper.
Este fenômeno é chamado o efeito Josephson dc, em homenagem ao fı́sico
britânico Brian Josephson, que o previu teoricamente em 1962 na sua tese de
doutorado. A corrente em V = 0 é de natureza quântica, e pode fluir em
qualquer dos dois sentidos. Seu valor depende da defasagem entre as funções
de onda do estado supercondutor nos dois lados. A junção SIS também é
conhecida como junção Josephson.
Na junção SIS ocorre um outro fenômeno importante, chamado efeito
Josephson ac. A aplicação de uma tensão contı́nua V na junção produz uma
corrente alternada, com freqüência
ν=
V
2e
V =
h
Φ0
(10.44)
onde Φ0 é o quantum de fluxo magnético, dado por (10.32). Este fenômeno,
também de natureza quântica, resulta em uma oscilação na corrente de pares
de Cooper proveniente da variação da fase da função de onda de um lado da
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
529
Figura 10.48: Junção supercondutor-isolante-supercondutor: (a) diagrama de energia;
(b) caracterı́stica I-V, mostrando o efeito Josephson dc em V=0.
junção em relação ao outro. Para V = 0,1 mV, a freqüência dada por (10.44)
é 48,36 GHz, que está situada na região de microondas.
10.4.4
Aplicações
As aplicações tecnológicas mais importantes dos materiais supercondutores
no momento estão concentradas em equipamentos que utilizam campos
magnéticos intensos. Estes campos são criados por bobinas feitas de fios
supercondutores com um grande número de espiras. Como a resistência do
fio é muito pequena, ele pode ser percorrido por uma corrente elevada para
gerar um campo intenso, sem muito aquecimento. As bobinas supercondutoras
são utilizadas em eletromagnetos de laboratórios, em equipamentos médicos
de tomografia por ressonância nuclear magnética e em motores e geradores
elétricos especiais de grande potência. Em geral elas são feitas com fios multifilamentares de Nb-Ti ou de Nb3 Sn que têm campos crı́ticos Hc2 de 150 e
240 kOe, respectivamente, e corrente crı́tica da ordem de 105 A/cm2 . As bobinas supercondutoras são feitas rotineiramente para campos na faixa 100-200
kOe. Elas operam mergulhadas num banho de hélio lı́quido, para manter a
temperatura baixa e assegurar que o fio permaneça na fase supercondutora.
Por esta razão, os equipamentos que usam bobinas supercondutoras são volumosos e de alto custo. Os supercondutores de alta Tc ainda não são utilizados
nestas aplicações porque são quebradiços, e portanto de difı́cil manuseio para
fazer enrolamentos. Além disso, na forma cerâmica eles não têm corrente
crı́tica suficientemente elevada.
530
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Os materiais supercondutores ainda não encontram aplicações significativas em dispositivos eletrônicos, onde sua principal limitação é a necessidade
de operar em baixas temperaturas. Uma possı́vel aplicação potencial é em circuitos eletrônicos de altı́ssima integração, nos quais a redução das dimensões
fı́sicas dos componentes limita a dissipação de energia térmica. Neste caso, a
substituição dos filmes metálicos dos contatos e das interligações entre os componentes, por filmes supercondutores, possibilitaria maior redução no tamanho
dos dispositivos. Em algumas situações a utilização de filmes supercondutores
nesses dispositivos pode ser vantajosa, mesmo com a necessidade de mantê-los
em baixa temperatura.
As junções de supercondutores também têm aplicação potencial na
eletrônica. A junção Josephson, com a caracterı́stica I − V da Figura 10.48,
apresenta um comportamento com dois estados distintos de corrente: I ≃ 0
para V < Eg /e; I = 0 para V > Eg /e. Nas junções feitas com supercondutores
tradicionais, o chaveamento de um estado para o outro é muito rápido, com
intervalos de tempo de picosegundo (10−12 s), e com dissipação de potência da
ordem de pW. Estas caracterı́sticas tornam as junções Josephson muito atrativas para aplicações digitais, em circuitos lógicos e em memórias de computadores rápidos. Novamente, a maior dificuldade desta tecnologia é a necessidade
de operação em baixas temperaturas.
O efeito Josephson ac encontra uma aplicação importante em metrologia.
O padrão tradicional de diferença de potencial é uma bateria eletroquı́mica,
conhecida como célula de Weston. Esta célula tem tensão de 1,018 V e estabilidade da ordem de 1 ppm. Através do efeito Josephson ac é possı́vel converter tensão em freqüência, e vice-versa, com grande precisão na medida de
freqüência. Isto possibilita a construção de um padrão de tensão com precisão
e estabilidade cerca de 100 vezes maiores que na célula de Weston.
Finalmente, outra aplicação atual das junções Josephson é nos dispositivos conhecidos como SQUID, palavra formada pelas letras iniciais de
Superconducting Quantum Interference Device. O dispositivo SQUID é formado por duas junções Josephson em paralelo, como ilustrado na Figura 10.49.
A corrente I que entra no dispositivo é dividida em duas componentes, que
atravessam as duas junções Josephson na forma de correntes de pares de
elétrons. Neste caso, pode-se mostrar que a dependência de cada corrente
nas fases das funções de onda nos dois lados resulta numa corrente que varia
com o fluxo magnético Φ que atravessa o contorno do circuito, na forma
Φ
(10.45)
I = I0 cos π
Φ0
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
531
Figura 10.49: Dispositivo SQUID: (a) esquema da ligação das junções Josephson;
(b) Variação da corrente com o fluxo magnético que atravessa o dispositivo.
onde Φ0 é o quantum de fluxo dado por (10.32). Este resultado mostra que
quando o SQUID é submetido a um campo magnético, a corrente varia periodicamente, passando por máximos consecutivos à medida que o fluxo passa
por múltiplos do quantum Φ0 . Então, por meio de um circuito contador digital pode-se contar o número de máximos que a corrente atravessa e assim
determinar o fluxo final. Vemos pela Eq.(10.45) que se o circuito tiver área
1 cm2 , o campo correspondente a um quantum Φ0 será B ≃ 2 × 10−7 gauss.
Este valor extremamente pequeno (o campo magnético da Terra é cerca de 0,5
gauss) possibilita que o SQUID seja usado para medir campos magnéticos com
grande sensibilidade e precisão. Os magnetômetros de SQUID são utilizados
rotineiramente em equipamentos cientı́ficos, médicos e industriais.
REFERÊNCIAS
P.J. Collings, Liquid Crystals, Princeton University Press, Princeton, 1990.
M. Cyrot and D. Pavuna, Introduction to Superconductivity and High-Tc
Materials, World Scientific, Singapore, 1992.
R. Dalven, Introduction to Applied Solid State Physics, Plenum Press, New
York, 1996.
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials, Springer-Verlag, Berlin,
2001.
I.C. Khoo, Liquid Crystals, J. Wiley, New York, 1995.
532
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
D. Jiles, Electronic Properties of Materials, Chapman & Hall, London, 1994.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
M.E. Lines and A.M. Glass, Principles and Applications of Ferroelectrics and
Related Materials, Claredon Press, Oxford, 1977.
Y.A. Ono, Electroluminescent Displays, World Scientific, Singapore, 1995.
C.Z. Rosen, B.V. Hiremath and R. Newnham, eds., Piezoelectricity, American Institute of Physics, New York, 1992.
G.M. Sessler, ed., Electrets-Topics in Applied Physics, Springer-Verlag,
Berlin, 1983.
L. Solymar and D. Walsh, Lectures on the Electrical Properties of Materials,
Oxford University Press, Oxford, 1993.
R. Syms and J. Cozens, Optical Guided Waves and Devices, Mc Graw-Hill,
New York, 1992.
A. Yariv, Quantum Electronics, J. Wiley, New York, 1989.
PROBLEMAS
10.1 Um capacitor de placas paralelas com um isolante de óxido de tântalo de
espessura 1 µm tem capacitância C = 1µF: a) Calcule a tensão máxima de
operação do capacitor; b) Calcule a densidade de carga livre e a densidade
de carga de polarização quando a tensão aplicada é 10 V.
10.2 Dez discos de PZT de espessura 1 mm são empilhados para formar um
microposicionador. Os discos são colocados um sobre o outro, com polaridades alternadas, e separadas por uma lâmina de cobre para aplicação da
tensão. Os terminais das lâminas são interligados de modo que todos os
discos são submetidos a mesma tensão externa, alternadamente, fazendo
com que a expansão da pilha seja a soma das expansões dos discos. Calcule a variação do comprimento do microposicionador ao ser submetido a
uma tensão de 100 V.
10.3 Calcule a espessura de uma placa de quartzo, no corte X, utilizada
para estabilizar o oscilador do transmissor de uma estação de rádio de
freqüência 720 kHz.
10.4 A célula unitária de BaTiO3 tem parâmetro de rede a ≃ 4 Å e momento
de dipolo elétrico p ≃ 1, 66×10−29 Cm devido a um pequeno deslocamento
espontâneo dos ı́ons Ti4+ . Estime o valor da constante piezoelétrica deste
material e compare com o dado da Tabela 10.2.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrônica
533
10.5 Mostre que num modulador eletro-óptico tipo Mach-Zehnder, a transmissão é dada pela Equação (10.29).
10.6 Um modulador eletro-óptico tipo Mach-Zehnder com guia de Ti:LiNbO3
tem eletrodos com comprimento 5 mm e distantes 5 µm um do outro.
Calcule a tensão necessária para produzir o corte numa modulação tipo
on/off.
10.7 Num lı́quido isotrópico, as moléculas podem assumir qualquer direção no
espaço com igual probabilidade. Mostre que a integral em três dimensões
do fator angular da Eq.10.30 é nula nesta situação.
10.8 No estado de vórtices de um supercondutor, cada vórtice tem um fluxo
Φ0 . Calcule o número de vórtices por cm2 num material quando o campo
magnético que o atravessa é 50 kgauss.
10.9 Calcule o comprimento de London para um metal simples com ns =
1023 /cm3 , m = 2me e q = −2e e compare com os dados da Tabela 10.5.
10.10 Qual a tensão necessária para produzir oscilação com freqüência 100
GHz numa junção Josephson?
10.11 Um magnetômetro SQUID tem um detetor com área 2 cm2 . Qual é, em
gauss, a menor variação no campo magnético que pode ser medida pelo
magnetômetro?
534
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Apêndice A
535
Apêndice A
Teoria de Perturbação: Cálculo da
Probabilidade de Transição
Neste apêndice apresentamos o cálculo da probabilidade de transição,
por unidade de tempo, para que um sistema quântico, inicialmente num estado
n, passe para outro estado m. O cálculo é baseado na teoria de perturbação
dependente do tempo, estudada na Seção 8.3.1. Como mostrado naquela seção,
o estado quântico de um sistema com Hamiltoniano H = H0 + H (t) é descrito
por uma função de onda Ψ(t), que pode ser expandida como em (8.48)
Ψ(t) =
an (t)ψn e−iEn t/
,
(A.1)
n
onde ψn são as autofunções da parte constante H0 do Hamiltoniano, com
energias En . Sendo as funções de onda ψn conhecidas, para determinar a
evolução do sistema submetido a uma excitação variável no tempo H (t) =
H exp(−iωt), é preciso obter os coeficientes an (t). O ponto de partida é a
Eq.(8.51)
dam
1 =
an (t)Hmn
ei(ωmn −ω)t ,
(A.2)
dt
i n
onde ωmn = (Em −En )/. Note que este resultado é exato, pois nenhuma aproximação foi feita até o momento. O problema é que a Eq.(A.2) não pode ser
resolvida analiticamente de maneira exata. Para resolvê-la aproximadamente,
empregamos teoria de perturbação. Para isto consideramos que o Hamiltoniano de excitação no tempo é pequeno comparado com o estático, isto é,
H0 . Assim, os coeficientes an (t) podem ser expandidos em série de
H
potências
(1)
(2)
an = a(0)
,
(A.3)
n + an + an + · · ·
onde an é o valor que an teria se H = 0, an é o termo de primeira ordem
(2)
em H , an é o termo de segunda ordem, etc.
(0)
(1)
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
536
Substituindo (A.3) em (A.2) vem:
1 (0)
(1)
(2)
(1)
(2)
=
ȧ
+
ȧ
+
·
·
·
=
+
a
+
a
+
·
·
·
Hmn ei(ωmn −ω)t
a
ȧ(0)
m
m
m
n
n
n
i n
.
(A.4)
Igualando os termos de mesma ordem nos lados direito e esquerdo desta
equação vem:
ȧ(0)
m = 0
ȧ(1)
m = −
i (0) a H (t) ei(ωmn −ω)t
n n mn
ȧ(2)
m = −
i (1) a H (t) ei(ωmn −ω)t
n n mn
..
.
ȧ(s)
m = −
i (s−1) an Hmn (t) ei(ωmn −ω)t
n
.
(A.5)
(0)
A solução de ordem zero é obtida da primeira equação, am = constante.
Isto significa que se não houver perturbação, o sistema permanecerá no estado
estacionário em que estiver sido colocado inicialmente. Supondo que ele esteja
inicialmente no estado n temos
a(0)
= 1
n
a(0)
= 0
m
,
m=n
.
(A.6)
A solução de primeira ordem é obtida da segunda equação em (A.5), que
pode ser escrita na forma,
i = − Hmn
ei(ωmn −ω)t
ȧ(1)
m
.
(A.7)
Vamos considerar agora que a excitação do sistema é ligada apenas em
t = 0, isto é, H = 0 para t < 0. A integração de (A.7) leva à
t
i
(1)
ei(ωmn −ω)t dt
am (t) =
−
Hmn
0
Apêndice A
= −i−1 Hmn
537
ei(ωmn −ω)t − 1
ωmn − ω
.
(A.8)
Sendo Ψm Ψ∗m a densidade de probabilidade de encontrar o sistema no
estado m, pode-se ver que a probabilidade do sistema sofrer transição do estado
n para o estado m é dada por,
2
|a(1)
m | =
|2 sen2 [ 12 (ωmn − ω)t]
4|Hmn
2
(ωmn − ω)2
.
(A.9)
Como sabemos que a largura de linha de transição não é nula, vamos
considerar que n e m são na realidade dois grupos de estados. Assim, a probabilidade do sistema ser encontrado no grupo de estados m é,
4 +∞ 2 sen2 [ 12 (ωmn − ω)t]
(1) 2
|Hmn |
D(ωmn ) dωmn , (A.10)
|am | = 2
−∞
(ωmn − ω)2
onde D(ωmn ) é a densidade de estados associada aos dois grupos de estados m
e n. Note que a função de ωmn entre os colchetes tem valor t2 /4 para ωmn = ω.
Quando ωmn se afasta de ω, ela oscila com uma amplitude decrescente devido
ao aumento do denominador. É fácil ver que a largura de linha desta função em
torno de ωmn = ω é da ordem de 2π/t. Então, após um tempo t relativamente
grande, a função entre os colchetes tem largura pequena na região ωmn ≃
ω. Assim, a densidade de estados pode ser considerada aproximadamente
constante D(ωmn = ω) nesta região, podendo ser retirada da integral. Usando
a integral definida
+∞
πt
sen2 (xt/2)
,
(A.11)
dx =
2
x
2
−∞
obtemos
2
|a(1)
m | =
2π|Hmn
|2
D(ωmn = ω)t
2
.
(A.12)
Portanto, a probabilidade por unidade de tempo do sistema passar do
(1)
grupo de estados n para o grupo de estados m é dada por |am |2 /t, ou
Wn→m =
2π 2
|H | D(Em = En + ω)
mn
,
(A.13)
onde D(E)dE = D(ω)dω é o número de estados com energia entre E e E +dE.
Este resultado é chamado regra de ouro, Eq.(8.53).
538
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Apêndice B
Constantes Fı́sicas e
Tabela de Conversão de Energia
Constantes Fı́sicas
Grandeza
Massa do elétron
Carga do elétron
(em módulo)
Constante de Planck
Velocidade da luz
Massa do próton
Constante de Boltzmann
Permissividade de vácuo
Sı́mbolo
Valor
CGS
SI
m0
e
9,10956
1,60219
4,80325
6,62620
1,05459
2,99792
1,67261
1,38062
-
10−28 g
10−10 esu
10−27 erg.s
10−27 erg.s
1010 cm/s
10−24 g
10−16 erg/K
1
10−31 kg
10−19 C
-
1
h
= h/2π
c
Mp
kB
0
Permeabilidade de vácuo
µ0
10−34 J.s
10−34 J.s
108 m/s
10−27 g
10−23 J/K
107 /4πc2 =
8, 85 × 10−12 C2 /Nm2
4π × 10−7
Tabela de Conversão de Unidades de Energia/Freqüência
Hz
cm−1
eV
J
K
Oe∗
1
Hz
cm
1
29,979×109
2,4180×1014
1,5092×1033
20,836×109
2,80×106
3,3357×10−11
1
8,0655×103
5,0341×1022
0,69502
9,3399×10−5
eV
4,1357×10−15
1,2398×10−4
1
6,2414×1018
8,6170×10−5
1,1580×10−8
J
6,6262×10−34
1,9865×10−23
1,6022×10−19
1
1,3806×10−23
1,8554×10−27
K
Oe
4,7994×10−11
1,4388
1,1605×104
7,2431×1022
1
1,3438×10−4
3,5714×10−7
1,0707×104
8,6355×107
5,3898×1026
7,4413×103
1
Para converter o valor de uma grandeza expressa na unidade da coluna à esquerda, para a unidade correspondente a uma das colunas, multiplique pelo valor da linha e coluna correspondentes.
∗ Calculado com γ = 2, 8 MHz/Oe
540
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Apêndice C
Tabela Periódica dos Elementos
Índice Analı́tico
teorema de, 95
Bloembergen, N., 4
Bohr, 56
Boltzmann, 312, 397
Brattain W., 2, 218
Brockhouse, B.N., 4
Buraco, 100, 123
A
Absorção óptica, 125, 308, 315
Acumulação de buracos, 253
Afinidade eletrônica, 188
Alferov, Z.I., 4, 359
Ampère, 385
lei de, 423
Amplificação, 217, 237
Amplificador óptico, 377
Anderson, P.W., 4, 386
Antiferromagnetismo, 389, 408
Átomo de hidrogênio, 73
Átomos de muitos elétrons, 84
Autofunção, 58
Autovalor, 58
Avalanche, 200
C
Câmara CCD, 338
Campo,
coercitivo, 415
crı́tico de cristal lı́quido, 504
crı́tico de supercondutor, 520
de desmagnetização, 432
médio, 84
molecular, 402, 406
Canal de JFET, 242
Capacitor,
elétrico, 469
MOS, 251
CCD, 266, 338
CD, 378
Célula primitiva, 9
Célula solar, 336
Célula unitária, 8, 9
Centro de recombinação, 322
Cerâmica, 17
Chaveamento, 217, 237, 239
Chu, Paul, 516
Ciclo de histerese,
ferroelétrico, 480
magnético, 415
Cinescópio, 495
Circuito integrado, 3, 271
Circulador de ferrite, 455
CMOS, 265
B
Baibich, Mario, 440
Banda de,
condução, 100
energia, 92, 95
valência, 100
Bardeen, J., 2, 4, 218, 521
Barreira de potencial, 69, 171
Barreira Schottky, 188
Base,
comum, 220
corrente de, 222, 231
de transistor, 219
BCS, teoria, 521
Bednorz, G., 4, 515
Binning, G., 4
Birrefringência, 487
Bloch,
função de, 96
541
542
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Coeficiente,
de absorção, 294
de amortecimento, 293
de difusão, 134, 154
extinção, 293, 314
Hall, 151
Coletor,
corrente de, 221
de transistor, 219
Comprimento de,
coerência, 523
difusão, 160
London, 522
onda, 30
penetração, 300
Comunicações ópticas, 372
Concentração de portadores, 126, 141
Condutores, 99
Conservação de,
carga, 155
energia, 120
momentum, 121
Constante dielétrica, 291, 305, 314
Contato ôhmico, 149, 190
Continuidade de carga, equação de, 155
Cooper, L.N., 4, 521
Corrente crı́tica de,
laser de semicondutor, 364
supercondutor, 529
Corrente de,
condução, 110, 145
deriva, 110, 145
difusão, 152, 154
escuro, 331
saturação de JFET, 246
saturação reversa, 185
Cristal, 14
Cristal lı́quido, 20, 501
mostrador de, 503
Cristal, crescimento de, 15
Curie, Pierre, 400, 473
constante de, 399
lei de, 398
temperatura de, 400, 479
D
DAC, 338
Davisson, Germer e Thomson, 47
de Broglie, Louis, 46
De Forest, Lee, 2
de Gennes, P., 4
Defasador, 490
Densidade de estados, 105, 129, 526
Diamagnetismo, 389
Difusão, equação da, 156, 160
Diodo,
de barreira de Schottky, 198
de junção, 192
emissor de luz, 342
equação do, 184
Gunn, 207
túnel, 203, 204
válvula, 2
varactor, 202, 203
Zener, 201, 202
Dipolo,
elétrico, 466
magnético, 387
Disco óptico, 378
Disco magnético, 426
Dispositivos eletro-ópticos, 489
Domı́nio,
de dipolo, 209
magnéticos, 411
parede de, 412
Dreno de JFET, 241
Drude, modelo de, 299
DVD, 378
E
Ebers-Moll, equações de, 235
Efeito,
elasto-óptico, 485
eletro-óptico, 484
Faraday, 454
fotoelástico, 485
fotoelétrico, 41
Hall, 151
Josephson, 528
Kerr magneto-óptico, 438
Índice Analítico
Efeito,
Meissner, 517
pelicular, 300
Stark, 484
túnel, 71, 527
Zener, 200
Eficiência,
de cabeça de gravação, 424
de injeção do emissor, 223
quântica, 324
Einstein, 42
relação de, 158
ELD, 498
Eletrônica, 1
Eletreto, 481
microfone de, 483
Eletroluminescência, 315, 494
Emissão,
espontânea, 314, 348
estimulada, 349
Emissor,
comum, corrente de, 236, 238
corrente de, 220
de transistor, 219
Energia de,
elétron, 46, 63, 94, 104, 110
fóton, 43
Fermi, 99
impureza, 136
Epitaxia de,
fase lı́quida (LPE), 17
feixe molecular (MBE), 22
Esaki, L., 4
Estado,
estacionário, 62
fundamental, 67, 76, 78
F
Faixa proibida, 97
Faraday, 385
lei de, 434
rotação de, 449
Fator,
de amplificação, 223
de Landé, 395
de transferência de corrente, 223
543
Fator,
de transporte da base, 222
giromagnético, 443
Fermi,
nı́vel ou energia de, 99, 103, 105, 139
superfı́cie de, 106
velocidade de, 107, 114
vetor de onda de, 106
Fermi-Dirac,
distribuição de, 104
Fermi-Dirac, distribuição de, 103
Ferrimagnetismo, 389, 408
Ferrite, 408
dispositivos de, 452
Ferromagnetismo, 389, 400
Fibra óptica, 373
Filme fino, 21
Filtro de YIG, 456
Fı́sica da Matéria Condensada, 3
Fı́sica do Estado Sólido, 3
Fluorescência, 494
Fluxóide, 518
Fluxo magnético, 387
Fonte de JFET, 241
Forma de linha, 305
Lorentziana, 306, 311
Fônon, 51
Fosforescência, 494
Fósforo, 495
Fóton, 43
Fotônica, 290, 377
Foto-resistor, 326
Fotocondutividade, 326
Fotocondutivo, modo, 331
Fotodetetor, 323
Fotodiodo, 330
de avalanche, 335
Fotoelétron, 41
Fotolitografia, 170
Fotoluminescência, 315
Fototransistor, 335
Fotovoltaico, modo, 331
Freqüência de plasma, 301
Função de onda, 48, 57
Função trabalho, 44, 187
544
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
G
Gap,
de energia, 100, 118
direto, 121
indireto, 122
Giaever, I., 4
Gravação magnética, 425
cabeça de, 427
de áudio, 428
de vı́deo, 429
digital, 429
materiais para, 435
Gravação magneto-óptica, 439
Gross, Bernard, 482
Gunn, J.B., 207
H
Hall, E.H., 151
Hartree, D.R., 84
Heeger, A., 4, 507
Heisenberg, 45, 49, 56, 404
HEMT, 250
Henry, 386
Hertz, 40
Heterojunção, 186
de semicondutor, 190
Homojunção, 186
Hund, regra de, 392
I
Ímã permanente, 386, 437
Implantação iônica, 135
Impureza, 135, 139
aceitadora, 137
doadora, 137
Índice de refração, 30, 291
Índices de Miller, 9
Injeção de,
buracos, 159, 181, 225
elétrons, 158
portadores, 158
Interação de intercâmbio, 404
Interação radiação-matéria, 290, 298
Interferômetro Mach-Zehnder, 491
Inversão,
de população, 349
em capacitor MOS, 251
Isolador,
de ferrite, 453
magneto-óptico, 454
Isolantes, 99
J
JFET, 241
Josephson, B., 4, 528
Junção,
de supercondutores, 526
Josephson, 528
metal-semicondutor, 188
Junção p-n, 168
em equilı́brio, 175
polarizada, 180
K
Kamerlingh Onnes, 514
Kaptisa, P., 4
Kilby, Jack, 4, 272
Kittel, 421
Kroemer, H., 4, 359
L
Largura de linha, 306, 448
Laser, 348
a gás, 357
de argônio, 358
de CO2 , 359
de diodo semicondutor, 359
de He-Ne, 358
de heterojunções, 363
de Nd-YAG, 354
de poço quântico, 368
de rubi, 353
de sólidos com impurezas, 353
de Ti:safira, 356
Laughlin, R.B., 4
LCD, 503
LDR, 326
LED, 343
orgânico, 513
Índice Analítico
Lee, D.M., 4
Lei de ação das massas, 140
Ligação covalente, 7
Ligação molecular, 7
Ligações atômicas, 5
Livre caminho médio, 114, 153
London,
comprimento de, 522
Hans e Fritz, 520
teoria de, 521
Lorentz, 303
Lorentziana, função, 306
Luminescência, 315, 318, 343, 493
M
MacDiarmid, A., 4, 508
Magnetismo, 385
Magnetização, 387
de saturação, 399
espontânea, 400
remanente, 415
Magneto-eletrônica, 440
Magneto-resistência gigante, 439
Magneton de Bohr, 394
Mascarenhas, Sergio, 482
Massa efetiva, 102, 103, 122, 124
Materiais,
amorfos, 17
cerâmicos, 17
cristalinos, 8, 14
de alta permeabilidade, 422
dielétricos, 466
eletroluminescentes, 494
ferroelétricos, 475, 479
fosforescentes, 494
fotoluminescentes, 494
magnéticos, 400
ópticos não-lineares, 487
orgânicos, 19, 507
piezoelétricos, 473
policristalinos, 17
supercondutores, 514
Maxwell, equações de, 28
Mecânica quântica, 56
Memória,
de semicondutor, 277
magnética, 437
Memória,
óptica, 378
MESFET, 248
Metais, 7
Microeletrônica, 272
Microprocessadores, 3
Microscópio eletrônico, 47
Millikan, 41
MIS, 339
Mobilidade, 146, 148
Mode locking, 355
Modulador eletro-óptico, 490
Momento de,
dipolo elétrico, 466
magnético, 387
magnético de átomos e ı́ons, 394
Momentum de,
elétron, 46, 57, 64
fóton, 44
Monocristal, 14
Moore, lei de, 272
MOSFET, 241
Mott, N.F., 4
Müller, K.A., 4, 515
Multicamada magnética, 23
N
Nanociência e nanotecnologia, 272
Néel, Louis, 386
Neutralidade de cargas, 141
Newton, 289
Número quântico, 66, 75
O
Oersted, 385
OLED, 513
Onda,
de elétron, 50
elástica, 34, 36
eletromagnética, 28, 291
em ferrites, 448
equação de, 29
Operador quântico, 57, 59
Opto-Eletrônica, 290
Orbital, 81
Oscilador harmônico, 71
545
546
Materiais e Dispositivos Eletrônicos
Osheroff, D.D., 4
P
Par de Cooper, 523
Par elétron-buraco, 125
Paramagnetismo, 389, 396
de Pauli, 396
Parâmetro,
da rede, 9
de ordem, 503, 525
do transistor, 233
Pauli, princı́pio de exclusão, 85
PDP, 500
Permissividade
elétrica, 29, 467
magnética, 29
relativa, 291, 467
Piezoeletricidade, 473
Planck, 42, 56
Polarização, 466
espontânea, 479
Policristal, 18
Ponto de operação, 238
Polı́meros, 19
condutores, 507
Porta de JFET, 241
Porta isolada em MOSFET, 251
Portadores,
majoritários, 141, 189
minoritários, 141, 185, 189
Potencial de
contato, 173
retardo, 42
Poulsen, Valdemar, 426
Princı́pio da incerteza, 46, 49
Princı́pio do balanceamento detalhado, 126
Probabilidade de transição, 313, 316
Q
Q-switching, 355, 356
R
Raio iônico, 13
Recombinação de pares, 126
centros de, 322
Rede cristalina, 8, 9
Refletividade óptica, 296
Região de,
carga espacial, 171
depleção, 171, 175
transição, 171
Regra de,
Hund, 392
ouro, 311, 536
seleção, 84
Relação de dispersão de,
elétron, 63, 94
onda elástica, 38
onda eletromagnética, 31, 32
Resistência negativa, 205
Responsividade, 333
Ressonância ferromagnética, 447
Reta de carga, 238
Retificador, 196
controlado de silı́cio, 267
Richardson, R.C., 4
Ripper Filho, José, 359, 366
Rohrer, H., 4
Ruska, E., 4
S
SAW, dispositivo, 477
Schawlow, A.L., 4, 348
Schottky, W., 188, 198
Schrieffer, J.R., 4, 521
Schroedinger, 45, 56
equação de, 60, 62
SCR, 267
Semicondutor, 101, 118
de gap direto, 121
de gap indireto, 122
degenerado, 143, 204
dopado, 135
extrı́nseco, 118, 135
intrı́nseco, 118
tipo n, 135
tipo p, 135
Sensor de imagem, 338
Shirakawa, H., 4, 508
Shockley, W., 2, 184, 218
Shull, C.G., 4
Siegbahn, K.M., 4
Índice Analítico
Sólidos iônicos, 6
Spin, 81, 391
momento magnético de, 392
Spintrônica, 440
Sputtering, 24
SQUID, 530
Stormer, H.L., 4
Substrato, 21, 169
Supercondutor, 514
de alta Tc , 517
tipo I, 518
tipo II, 518
Supercorrente, 517, 521
Susceptibilidade,
dinâmica de ferrite, 445
elétrica, 467
magnética, 388
T
Tabela periódica dos elementos, 85
Tela,
de cinescópio, 495
de cristal lı́quido, 506
de material orgânico, 513
de plasma, 500
eletroluminescente, 498
Temperatura
crı́tica de cristal lı́quido, 503
crı́tica de supercondutor, 514, 525
de Curie, 400, 479
Tempo de,
colisão, 111
decaimento, 482
recombinação, 159
Tensão crı́tica de inversão de MOSFET,
257
Teoria de perturbação, 82, 312, 535
Tiristor, 267
Townes, C.H., 348
Transição,
de dipolo elétrico, 314
não-radiativa, 315
radiativa, 314
Transistor, 3, 218
bipolar, 219
bipolar de junção, 218
de efeito de campo, 218, 241
Transistor,
HEMT, 250
MESFET, 248
MOSFET, 251, 264, 265
TRIAC, 270
Triodo, válvula, 2, 217
Tsui, D.C., 4
Tubo de raios catódicos, 495
V
Valor esperado, 59
Válvula de spin, 440
Van Vleck, J.H., 4, 386
Varactor, 203
Velocidade de,
deriva, 111
fase, 30
Fermi, 107
grupo, 34
Vetor de,
onda, 30
Poynting, 293
Vibração de rede, 36
VLSI, 265
von Klitzing, K., 4, 151
Vórtice, 519
W
WDM, 377
Weiss, Pierre, 402
Wilson, K.G., 4
Z
Zona de Brillouin, 38, 96, 97
547
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