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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

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Acórdãos TRC
Processo:
Nº Convencional:
Relator:
Descritores:
Data do Acordão:
Votação:
Tribunal Recurso:
Texto Integral:
Meio Processual:
Decisão:
Legislação Nacional:
Sumário:
Decisão Texto Integral:
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
2343/22.3T8CBR.C1
JTRC
PAULO CORREIA
DIVÓRCIO SEM O CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE
PRAZO DE UM ANO DE SEPARAÇÃO DE FACTO
FACTO CONSTITUTIVO DO DIREITO
TEMPO DECORRIDO NA PENDÊNCIA DA AÇÃO
APROVEITAMENTO NA SENTENÇA
21-11-2023
UNANIMIDADE
JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA DO TRIBUNAL
JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
S
APELAÇÃO
CONFIRMADA
ARTIGOS 1781.º, ALÍNEA A), DO CÓDIGO CIVIL E 611.º, N.º 1, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
I – Para efeitos do art. 1781.º, a) do Cód. Civil, o lapso
temporal de um ano consecutivo da separação de facto
apresenta-se como um facto constitutivo do direito a
qualquer dos cônjuges requerer o divórcio sem o
consentimento do outro, devendo tal requisito estar
presente à data da propositura da ação.
II – Não obstante, devendo a sentença tomar em
consideração os factos constitutivos que se produzam
posteriormente à propositura da ação, de modo que a
decisão corresponda à situação existente no momento do
encerramento da discussão (art. 611.º, n.º 1 do CPC), se
não subsistirem impedimentos à alteração da causa de
pedir, a sentença pode considerar, para efeitos do decretar
do divórcio, o prazo da separação de facto do casal
decorrido na pendência da causa até ao encerramento da
instrução.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Apelaçã o n.º 2343/22.3T8CBR.C1
Juízo de Família e Menores de Coimbra – Juiz 1
_________________________________
Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª
Secçã o Cível do Tribunal da Relaçã o de Coimbra[1]:
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument
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I-Relatório
AA, contribuinte fiscal n.º ...83, residente na Rua ..., ... ...
intentou contra
BB, contribuinte fiscal n.º ...31, residente na Rua ..., ... ...,
...
a presente açã o especial de divó rcio sem
consentimento do outro cô njuge, invocando, em
síntese, ter o Ré expulsado a A. da casa de morada de
família em 01.11.2021 e que, desde há muitos anos, a
relaçã o entre ambos é pautada por violência física e
verbal exercida pelo R. contra a A., pelidando-a de
“puta”, “vaca”, “porca”, “maluca” e ter cessado a vida
conjugal em janeiro de 2020.
Concluiu dizendo “está separada de facto há mais de um
ano e é seu propósito não mais restabelecer a vida em
comum com o Réu, encontrando-se preenchidos os
requisitos das als. a) e d) do art.º 1781º, 1782.º e 1785.º
do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13/2019, de 12/02, para que seja dissolvido o
casamento por divórcio”, pedindo, a final, que o divó rcio
seja decretado.
*
O R. contestou impugnando a factualidade alegada na
petiçã o inicial e dizendo que a separaçã o do casal
apenas ocorre desde 01.11.2021, inexistindo qualquer
fundamento para que o divó rcio seja decretado.
*
Realizado o julgamento, foi, a 07.06.2023, proferida
sentença contendo o seguinte dispositivo:
“1. Decreto a dissolução, por divórcio, do casamento
celebrado entre AA e BB;
2. Fixo a data da separação de facto no dia 1 de
novembro de 2021, retroagindo a esta data os efeitos do
divórcio, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo
1789.º do Código Civil”.
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument
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*
O R. interpô s recurso dessa decisã o, fazendo constar
nas alegaçõ es apresentadas as conclusõ es que se
passam a transcrever:”
1. Nos termos do nº 1 do art. 662º, Código de Processo
Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a
matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a
prova produzida ou um documento superveniente
impuserem decisão diversa.
2. Os elementos constantes nos presentes autos impõem
decisão diversa da do Tribunal a quo, nomeadamente no
que respeita à fixação de alguns factos considerados
como provados e, em consequência no que respeita à
decisão final.
3. Considerou o Tribunal a quo como provado que
4. No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a
autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ...,
...; e que
5. O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,”
vaca”, “porca”, “maluca”.
6. Não poderia o Tribunal a quo ter considerado provado
que “No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a
autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ...,
....”
7. De facto, em sede de audiência de discussão e
julgamento, em nenhum momento se disse que o réu
expulsou a autora da casa onde ambos moravam.
8. Mais, foi o próprio Tribunal a quo que considerou
como não provado que “O réu dirigiu-se à autora
dizendo-lhe “se não saíres, de noite ponho-te na rua!”.
9. Não podia o Tribunal a quo ter considerado provado
que o réu expulsou a autora da casa onde ambos
moravam.
10. Tendo-o feito, resultou violado o disposto no art.
607º, nºs 3 e 4 do CPC.
11. Deve, assim, a sentença ser revogada nessa parte e
substituída por outra onde se considere como não
provado que “No dia 1 de novembro de 2021, o réu
expulsou a autora da casa onde ambos moravam, sita na
Rua ..., ..., ....”
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12. Não poderia o Tribunal a quo ter considerado
provado que “O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de
“puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”.”
13. De facto, em sede de audiência de discussão e
julgamento, em nenhum momento se fez referência ao
facto de o réu se dirigir à autora nesses termos, com
excepção do referido pela testemunha CC, filho de
ambos,
14. No entanto, não poderá ser este ser considerado um
depoimento credível nessa parte.
15. Tal afirmação é manifestamente fruto da má relação
ou relação inexistente entre o filho CC e o réu.
16. Não sendo credível que ao longo de mais de 40 anos
de vida conjunta o réu sempre tenha apelidado a autora
de puta, cabra, filha da puta, ou porca,
17. Não podendo merecer credibilidade esta parte do seu
depoimento.
18. Acresce, ainda, que esta testemunha não precisou ou
especificou em nenhum momento, como, quando, e onde
foram proferidas tais expressões pelo réu.
19. Não podia o Tribunal a quo ter considerado provado
que o réu se dirigiu à autora apelidando-a de “puta”,”
vaca”, “porca”, “maluca”.
20. Tendo-o feito, resultou violado o disposto no art.
607º, nºs 3 e 4 do CPC.
21. Deve, assim, a sentença ser revogada nessa parte e
substituída por outra onde se considere como não
provado que “O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de
“puta”,” vaca”, “porca”, “maluca.”
22. Considerou como provado, o Tribunal a quo, que
autora e réu se encontram separados desde o dia 1 de
Novembro de 2021.
23. A Petição Inicial que deu origem aos presentes autos
deu entrada no dia 13 de maio de 2022.
24. O decurso de um ano consecutivo de separação de
facto é, com efeito, um facto constitutivo do direito
potestativo (extintivo) de um dos cônjuges requerer o
divórcio sem o consentimento do outro, devendo, por
isso, verificar-se esse requisito à data da propositura da
ação.
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25. O prazo de um ano tem que já ter decorrido à data
da propositura da ação de divórcio (que coincidirá com
a receção da correspondente petição inicial na
secretaria do tribunal, nos termos do art. 259.º, n.º 1, do
CPC), porquanto os pressupostos do divórcio devem estar
preenchidos nesta data e não na da decisão.
26. O que não sucedeu, no caso em apreço.
27. Assim, tendo o Tribunal a quo considerado verificado
o fundamento referido na al. a) do artigo 1781.º do
Código Civil, resultou violado este mesmo dispositivo
legal, por não estarem preenchidos os requisitos da sua
aplicação.
28. A ruptura definitiva do casamento que o Tribunal a
quo considerou estar demonstrado, acaba por “cair por
terra” ao não se considerar provado que o réu expulsou
a autora da casa onde ambos moravam, e que o réu se
dirigiu à autora, chamando-a “puta”,” vaca”, “porca”,
“maluca”.
29. Fica, assim, “despida” de fundamento a decisão do
Tribunal a quo de considerar preenchidos os requisitos
necessários para a aplicação deste dispositivo legal, pelo
que
30. Tendo o Tribunal a quo considerado verificado o
fundamento referido na al. d) do artigo 1781.º do Código
Civil, resultou violado este mesmo dispositivo legal, por
não estarem preenchidos os requisitos da sua aplicação.
31. Deve, assim, a sentença ser revogada nessa parte e
substituída por outra onde se considere como não
preenchidos os requisitos necessários para a aplicação
do disposto no artigo 1781º do Código Civil,
nomeadamente nas alíneas a) e d), e em consequência,
32. Ser revogada a decisão que decretou a dissolução,
por divórcio, do casamento celebrado entre AA e BB; e
que fixou a data da separação de facto no dia 1 de
novembro de 2021, retroagindo a esta data os efeitos do
divórcio, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo
1789.º do Código Civil”.
*
Colhidos os vistos, foi realizada a conferência, com
obtençã o prévia dos contributos e dos votos dos
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Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
*
II-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de
conhecimento oficioso que possam ser decididas com
base nos elementos constantes do processo e que nã o
se encontrem cobertas pelo caso julgado, sã o as
conclusõ es do recorrente que delimitam a esfera de
atuaçã o deste tribunal em sede do recurso (arts. 635.º,
n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do
CPC).
No caso, face à s conclusõ es avançadas, as questõ es a
apreciar e decidir sã o as de saber se:
A – A decisã o da matéria de facto deve ser alterada nos
termos pretendidos pelo R.
B – Nã o deve ser decretado o divó rcio porquanto, à
data da propositura da açã o, nã o tinha decorrido o
prazo de 1 ano a que se refere o art. 1781.º, alínea a)
do Có digo Civil.
*
III-Fundamentação
Com vista à incursã o nas questõ es objeto de recurso,
importa, antes de mais, transpor a factualidade que na
decisã o recorrida foi dada como provada e nã o
provada.
Factos provados:
1. Autora e réu casaram a 14 de janeiro de 1979, sem
convenção antenupcial.
2. No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a
autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ...,
....
3. O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,”
vaca”, “porca”, “maluca”.
4. Desde janeiro de 2020 a autora passou a dormir no
sofá da sala.
5. A mudança da autora para a sala deveu-se ao facto de
ressonar de noite, impedindo o réu de dormir.
6. Desde o dia 1 de novembro de 2021, autora e réu não
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partilharam a mesma cama.
7. Não tiveram relações sexuais.
8. Não saíram juntos.
9. Não visitaram a família e amigos na companhia um
do outro.
10. Cada um deles passando a ter uma vida autónoma e
independente da do outro.
Factos nã o provados
a) Na ocasião referida em 2. o réu dirigiu-se à autora
dizendo-lhe “se não saíres, de noite ponho-te na rua!”
b) Desde janeiro de 2020 e sem prejuízo dos factos 6 a
10, que autora e réu não partilham a mesma cama.
c) Não tiveram relações sexuais.
d) Não saíram juntos.
e) Não visitaram a família e amigos na companhia um
do outro.
f) Passando a viver como dois estranhos debaixo do
mesmo teto.
g) Desde que a autora saiu de casa, nunca o réu se
preocupou em saber como ela passava.
h) Nunca revelou interesse em saber em que condições a
autora passou a viver desde que saiu de casa.
Apreciemos entã o as questõ es suscitadas.
A – Da pretendida modificação da decisão da
matéria de facto
No entender do recorrente devem ser considerados
como nã o provados os seguintes factos:
“No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a autora
da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ..., ... “
(facto provado n.º 2) e “O réu dirigiu-se à autora
apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca” (facto
provado n.º 3).
Na sentença recorrida foi aposta a seguinte motivaçã o
para considerar tais factos como provados:
“A relação conflituosa viva por autora e réu, a
circunstância de a autora, a partir de janeiro de 2020,
dormir na sala de casa e o réu no quarto e a saída da
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autora de casa dia 1 de novembro de 2021, foram dados
como provados com base no depoimento de DD e CC,
filhos de autora e réu.
Pese embora a particular afinidade que têm com a
autora e a inexistência de relação com o réu, com quem
estão de relações cortadas, certo é que estes
depoimentos foram intensamente valorados, na medida
em que as testemunhas relataram as suas vivências
desde a infância, de forma intensa mas tranquila,
descritiva e evidenciando conhecimento relativo à
situação dos pais, reconhecendo desconhecerem o que se
passava em casa dos pais até à saída da mãe, ainda que
se apercebessem que a mãe dormia na sala, justificando
a ausência do quarto com o barulho excessivo da sua
respiração durante a noite, que perturbava o sono do
réu.
Acompanharam a mãe na saída da casa onde morava
com o réu (CC) ou dois dias depois, para ir buscar alguns
bens (DD).
De referir que a testemunha CC foi buscar a mãe à casa
onde esta morava com o réu, na sequência de contacto
da mãe a informá-lo que o réu a ia pôr na rua. Porém,
não se afigurou que tenha assistido a quaisquer palavras
proferidas pelo réu a impor a saída da autora, nem foi
produzida outra prova a este propósito, não se tendo,
por conseguinte, apurado a factualidade referida em a)”.
Da sua parte, o recorrente sustenta que, quanto ao
facto provado 2,
“em nenhum momento (da audiência) se disse que o réu
expulsou a autora da casa onde ambos moravam.
(…) O filho de ambos, DD, sobre essa ocorrência referiu
que “Não estava presente na noite em que a Mãe saiu de
casa”, referindo expressamente que a Mãe saiu de casa
(sublinhado nosso), e não que foi expulsa de casa.
O outro filho de ambos, CC, referiu sobre esse episódio
que “O meu Pai basicamente não a ia deixar lá dormir de
noite”, nunca referindo que o Pai alguma vez tenha
expulsado a Mãe da casa onde ambos moravam.
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Nenhuma outra testemunha falou ou afirmou saber algo
sobre esse episódio”.
E, quanto ao facto provado n.º 3,
“em sede de audiência de discussã o e julgamento, em
nenhum momento se fez referência ao facto de o réu se
dirigir à autora nesses termos, com excepçã o do
referido pela testemunha CC, filho de ambos, mas que
nã o poderá ser considerado um depoimento credível
nessa parte, como a seguir se demonstrará .
(…) Nã o obstante ter o filho de ambos, CC, referido que
o réu apelidava a autora de “(...) puta, cabra, filha da
puta, porca, por aí afora (...)”, referiu igualmente que o
réu nunca tratou a autora pelo seu nome e que sempre
a tratava pelos nomes atrá s mencionados.
Ora, tal afirmaçã o é manifestamente fruto da má
relaçã o ou relaçã o inexistente entre o filho CC e o réu,
nã o sendo credível que ao longo de mais de 40 anos de
vida conjunta o réu sempre tenha apelidado a autora
de puta, cabra, filha da puta, ou porca, nã o podendo
merecer credibilidade esta parte do seu depoimento”.
Na ausência de qualquer prova documental a este
propó sito, procedeu-se à audiçã o da gravaçã o dos
depoimentos prestados em audiência pelas
testemunhas DD (filho da A. e R.), CC (filho da A. e R.),
EE, FF e GG.
Estas 3 ú ltimas revelaram total desconhecimento
acerca da vida conjugal da A. e do R. e quanto aos
motivos da separaçã o, nada tendo presenciado ou
sabido de outra forma acerca do contexto e da forma
como o casamento se desenvolvia.
Quanto ao filho DD e estritamente quanto aos factos
em apreço, resulta do seu depoimento que nã o esteve
presente aquando da saída de casa por parte da A. em
01.11.2021, apenas se tendo deslocado à residência do
casal 2 dias depois para ir buscar os pertences da mã e.
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Mencionou que os pais sempre mantiveram uma
relaçã o conflituosa e terem existido muitos episó dios
de conflito, embora sem os ter especificado ou
materializado.
Já o filho CC, relatou que, no dia 01.11.2022, depois de
ter deixado a mã e na residência do casal, quando
efetuava o percurso para a sua casa, foi contactado por
ela, que, a chorar, lhe disse para a ir buscar porque o R.
nã o a deixava dormir mais lá em casa e que a tinha
“mandado embora”.
Mais afirmou que, no contexto, se tratou de uma
ameaça muito convincente, um “ato muito forte”, até
porque a mã e nã o mais regressou a casa com
receio/medo.
Finalmente, no que atine ao relacionamento conjugal
ao longo dos anos, classificou-a de “um caos” e o pai
sempre ter manifestado agressividade, falando aos
“berros” e tratando a esposa por “puta”, “cabra”, “filha
da puta”, “porca”.
Contrariamente ao sustentado em sede de recurso, nã o
vemos qualquer motivo para colocar em causa a
seriedade e veracidade deste ú ltimo depoimento.
As circunstâ ncias de sempre ter tido dificuldades de
relacionamento com o pai e nã o falar com ele desde o
episó dio que motivou a saída de casa por parte da mã e
nã o consentem que se lhe atribua menor credibilidade,
tanto mais que encontra respaldo no que foi referido
pelo irmã o e pelo facto de mã e nã o ter voltado à casa
onde vivia com o R.
Acresce que a justificaçã o apresentada pelo R. para a
saída de casa por parte da A. e nã o mais ter regressado,
essa sim, nã o apresenta qualquer consistência – “na
sequência de ter sido interpelada pelo Réu sobre o seu
paradeiro durante o dia que a Autora telefonou ao filho
mais velho – onde alegadamente teria estado parte do
dia -, para a ir buscar” (cfr. alegaçã o 9 da contestaçã o).
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Assim, da conjugaçã o dos depoimentos dos filhos do
casal, é de considerar acertada a decisã o quando
considerou provados os factos 2 e 3, nã o se impondo
qualquer modificaçã o da decisã o da matéria de facto.
Improcede, como tal, o recurso nesta parte.
B – A não verificação dos pressupostos do divórcio
No entender do R. o divó rcio nã o deve ser decretado
porquanto, à data da propositura da açã o, nã o tinha
decorrido o prazo de 1 ano a que se refere o art.
1781.º, alínea a) do Có digo Civil.
Diga-se, a este propó sito, que, para além de se ter
considerado como fundamento do divó rcio a separaçã o
de facto por um ano consecutivo, o divó rcio foi
decretado também com apoio no disposto no art.
1781.º, alínea d) do Có digo Civil, ou seja, por factos que
mostram a rotura definitiva do casamento e que,
perante a nã o modificaçã o da decisã o da matéria de
facto, se deve manter inalterada.
Na verdade, também aqui, dando-se respaldo à decisã o
da 1.ª instâ ncia, considera-se que a expulsã o da A. de
casa pelo R. e a forma desrespeitosa como se lhe dirigiu
chamando-a “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”,
consubstancia a violaçã o pelo réu dos deveres
conjugais de respeito, coabitaçã o e cooperaçã o,
previstos no artigo 1672.º do Có digo Civil.
Nã o deixaremos, ainda assim, de abordar a questã o
relacionada com a verificaçã o do divó rcio com
fundamento na separação de facto por um ano
consecutivo.
O tribunal recorrido considerou, sem justificaçã o
acrescida[2], que a separaçã o de facto do casal “dura
há mais de um ano”.
A verdade é que a A. tinha apoiado essa separaçã o de
facto na circunstâ ncia de nã o viver com o R. “como
marido e mulher” desde janeiro de 2020.
Ocorre que a A. nã o logrou fazer prova disso, apenas se
tendo demonstrado que a separaçã o do casal se
verifica desde 01.11.2021.
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Nesse pressuposto, tendo a A. sido intentada em
13.05.2022, à data da propositura da açã o ainda nã o se
constituíra o fundamento do divó rcio a que se refere a
citada alínea a) do art. 1781.º do Có digo Civil.
A este propó sito importa, antes de mais, assumir, até
para afastar a discussã o acerca da eventual
modificaçã o do pedido e da causa de pedir, que a A.
pediu o divó rcio também com fundamento na
separaçã o de facto persistente há mais de um ano.
Temos por seguro que o lapso temporal de um ano
consecutivo da separaçã o se apresenta como um facto
constitutivo do direito a qualquer dos cô njuges
requerer o divó rcio sem o consentimento do outro,
pelo que tal requisito deve estar presente à data da
propositura da açã o, requisito esse que na situaçã o dos
autos nã o se verificava.
Resulta do art. 611.º do CPC, no que ao caso dos autos
interessa, que, sem prejuízo das restriçõ es
estabelecidas noutras disposiçõ es legais
(nomeadamente quanto à s condiçõ es em que pode ser
alterada a causa de pedir), deve a sentença tomar em
consideraçã o os factos constitutivos que se produzam
posteriormente à propositura da açã o, de modo que a
decisã o corresponda à situaçã o existente no momento
do encerramento da discussã o.
É o designado princípio da atualidade da decisã o[3] o
qual consente, embora com algumas restriçõ es, que
sejam tomados em consideraçã o factos que se
produzam depois da propositura da açã o.
Assim, para efeitos do divó rcio com fundamento na
separaçã o de facto, “não se vê qualquer obstáculo a que,
de acordo com o estatuído no artigo 611º do CPC, se
considerem os factos supervenientes, ainda que
constitutivos, que se produzam durante o decurso da
acção, para que a decisão corresponda à situação
existente no momento do encerramento da discussão”
(cfr. acó rdã o do STJ de 15.09.2022, proferido no
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument
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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
processo 381/18.0T8ABT.E1.S1), a incluir o decurso
do tempo[4].
Nã o obstante, por força dos limites estabelecidos nos
art. 5.º, n.º 1 e 609.º, n.º 1 do CPC, a possibilidade de,
no â mbito do art. 611.º do CPC, os “factos
supervenientes” poderem ser considerados, encontrase dependente da introduçã o pela parte a quem
aproveitem em articulado superveniente (art. 588.º do
CPC.), sendo que, no caso, esse articulado nã o foi
apresentado.
Todavia essa exigência, no caso, apresenta-se
dispensável, sem com isso se confrontar o princípio do
dispositivo que emerge do já citados normativos.
Dispensável, desde logo, porque a A., embora para
fundamentar uma separaçã o de facto iniciada em
momento anterior, já havia alegado na petiçã o inicial
que saiu de casa em 01.11.2021, nã o mais aí tendo
voltado (exceto 2 dias depois para aí ir buscar roupa),
continuando o R. a viver na mesma habitaçã o, tendo
deixado de viver sob o mesmo teto, cessando a
comunhã o de mesa e habitaçã o (cfr. artigos 3.º, 14.º e
23.º da petiçã o inicial).
Depois porque, embora numa apreciaçã o pouco segura,
se tem vindo a entender que “o simples decurso de um
período que falte para se completar um prazo sem o
qual a ação não possa proceder talvez dispense a
invocação em articulado superveniente” (José Lebre de
Freitas e Isabel Alexandre, Có digo de Processo Civil
Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ediçã o, Almedina, pá g. 725).
Assim, na situaçã o subjudice, tendo ficado
demonstrado que a separaçã o de facto se iniciou em
01.11.2021 e se manteve até ao encerramento da
instruçã o do processo (19.05.2023), encontra-se
preenchido o fundamento do divó rcio previsto no art.
1781.º, alínea a) do Có digo Civil.
Improcede por isso, na globalidade, o recurso
interposto
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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Sumário[5]:
(…).
*
IV - DECISÃO.
Nestes termos, sem outras considerações, acordase em julgar improcedente o recurso e,
consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º
6 e 663.º, n.º 2 do CPC).
*
Coimbra, 21 de novembro de 2023
______________________
(Paulo Correia)
______________________
(Helena Maria Gomes Carvalho Melo)
_______________________
(Arlindo Oliveira)
[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Maria Gomes Carvalho Melo e Arlindo
Oliveira
[2] - Embora no despacho saneador se tenha deixado
escrito “Face ao lapso temporal decorrido, poderá ser
apreciado como fundamento do divórcio a separação de
facto por um ano consecutivo”.
[3] - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de
novembro de 2005 (proc. n.º 05B2266) e Acórdão do
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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de setembro de 2009.
[4] - O Professor Miguel Teixeira de Sousa (IPCC Blog
em anotação de 29.10.2021 ao acórdão do STJ de
23.02.2021, proferido no processo
3069/19.0T8VNG.P1.S1 aparenta ser mais restritivo,
considerando “A interpretação razoável do estabelecido
no art. 611.º, n.º 1, CPC, tem de ser outra. Um pouco à
semelhança do que vale para o disposto no art. 610.º
CPC, o art. 611.º, n.º 1, CPC orienta-se por um critério de
aproveitamento do processo, pelo que deve ser
interpretado no sentido de que, se o autor alegar que o
facto constitutivo se verificou e se concluir que isso não
era verdade, mas, entretanto, o facto se verificar antes do
encerramento da discussão, então pode aproveitar-se esta
verificação superveniente desse facto”.
[5] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º,
n.º 7 do CPC).
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