01/07/24, 00:45 Acórdãos TRC Processo: Nº Convencional: Relator: Descritores: Data do Acordão: Votação: Tribunal Recurso: Texto Integral: Meio Processual: Decisão: Legislação Nacional: Sumário: Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 2343/22.3T8CBR.C1 JTRC PAULO CORREIA DIVÓRCIO SEM O CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE PRAZO DE UM ANO DE SEPARAÇÃO DE FACTO FACTO CONSTITUTIVO DO DIREITO TEMPO DECORRIDO NA PENDÊNCIA DA AÇÃO APROVEITAMENTO NA SENTENÇA 21-11-2023 UNANIMIDADE JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA S APELAÇÃO CONFIRMADA ARTIGOS 1781.º, ALÍNEA A), DO CÓDIGO CIVIL E 611.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL I – Para efeitos do art. 1781.º, a) do Cód. Civil, o lapso temporal de um ano consecutivo da separação de facto apresenta-se como um facto constitutivo do direito a qualquer dos cônjuges requerer o divórcio sem o consentimento do outro, devendo tal requisito estar presente à data da propositura da ação. II – Não obstante, devendo a sentença tomar em consideração os factos constitutivos que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (art. 611.º, n.º 1 do CPC), se não subsistirem impedimentos à alteração da causa de pedir, a sentença pode considerar, para efeitos do decretar do divórcio, o prazo da separação de facto do casal decorrido na pendência da causa até ao encerramento da instrução. (Sumário elaborado pelo Relator) Apelaçã o n.º 2343/22.3T8CBR.C1 Juízo de Família e Menores de Coimbra – Juiz 1 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secçã o Cível do Tribunal da Relaçã o de Coimbra[1]: https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 1/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra I-Relatório AA, contribuinte fiscal n.º ...83, residente na Rua ..., ... ... intentou contra BB, contribuinte fiscal n.º ...31, residente na Rua ..., ... ..., ... a presente açã o especial de divó rcio sem consentimento do outro cô njuge, invocando, em síntese, ter o Ré expulsado a A. da casa de morada de família em 01.11.2021 e que, desde há muitos anos, a relaçã o entre ambos é pautada por violência física e verbal exercida pelo R. contra a A., pelidando-a de “puta”, “vaca”, “porca”, “maluca” e ter cessado a vida conjugal em janeiro de 2020. Concluiu dizendo “está separada de facto há mais de um ano e é seu propósito não mais restabelecer a vida em comum com o Réu, encontrando-se preenchidos os requisitos das als. a) e d) do art.º 1781º, 1782.º e 1785.º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, para que seja dissolvido o casamento por divórcio”, pedindo, a final, que o divó rcio seja decretado. * O R. contestou impugnando a factualidade alegada na petiçã o inicial e dizendo que a separaçã o do casal apenas ocorre desde 01.11.2021, inexistindo qualquer fundamento para que o divó rcio seja decretado. * Realizado o julgamento, foi, a 07.06.2023, proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: “1. Decreto a dissolução, por divórcio, do casamento celebrado entre AA e BB; 2. Fixo a data da separação de facto no dia 1 de novembro de 2021, retroagindo a esta data os efeitos do divórcio, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 1789.º do Código Civil”. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 2/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra * O R. interpô s recurso dessa decisã o, fazendo constar nas alegaçõ es apresentadas as conclusõ es que se passam a transcrever:” 1. Nos termos do nº 1 do art. 662º, Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2. Os elementos constantes nos presentes autos impõem decisão diversa da do Tribunal a quo, nomeadamente no que respeita à fixação de alguns factos considerados como provados e, em consequência no que respeita à decisão final. 3. Considerou o Tribunal a quo como provado que 4. No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ..., ...; e que 5. O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”. 6. Não poderia o Tribunal a quo ter considerado provado que “No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ..., ....” 7. De facto, em sede de audiência de discussão e julgamento, em nenhum momento se disse que o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam. 8. Mais, foi o próprio Tribunal a quo que considerou como não provado que “O réu dirigiu-se à autora dizendo-lhe “se não saíres, de noite ponho-te na rua!”. 9. Não podia o Tribunal a quo ter considerado provado que o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam. 10. Tendo-o feito, resultou violado o disposto no art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC. 11. Deve, assim, a sentença ser revogada nessa parte e substituída por outra onde se considere como não provado que “No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ..., ....” https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 3/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 12. Não poderia o Tribunal a quo ter considerado provado que “O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”.” 13. De facto, em sede de audiência de discussão e julgamento, em nenhum momento se fez referência ao facto de o réu se dirigir à autora nesses termos, com excepção do referido pela testemunha CC, filho de ambos, 14. No entanto, não poderá ser este ser considerado um depoimento credível nessa parte. 15. Tal afirmação é manifestamente fruto da má relação ou relação inexistente entre o filho CC e o réu. 16. Não sendo credível que ao longo de mais de 40 anos de vida conjunta o réu sempre tenha apelidado a autora de puta, cabra, filha da puta, ou porca, 17. Não podendo merecer credibilidade esta parte do seu depoimento. 18. Acresce, ainda, que esta testemunha não precisou ou especificou em nenhum momento, como, quando, e onde foram proferidas tais expressões pelo réu. 19. Não podia o Tribunal a quo ter considerado provado que o réu se dirigiu à autora apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”. 20. Tendo-o feito, resultou violado o disposto no art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC. 21. Deve, assim, a sentença ser revogada nessa parte e substituída por outra onde se considere como não provado que “O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca.” 22. Considerou como provado, o Tribunal a quo, que autora e réu se encontram separados desde o dia 1 de Novembro de 2021. 23. A Petição Inicial que deu origem aos presentes autos deu entrada no dia 13 de maio de 2022. 24. O decurso de um ano consecutivo de separação de facto é, com efeito, um facto constitutivo do direito potestativo (extintivo) de um dos cônjuges requerer o divórcio sem o consentimento do outro, devendo, por isso, verificar-se esse requisito à data da propositura da ação. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 4/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 25. O prazo de um ano tem que já ter decorrido à data da propositura da ação de divórcio (que coincidirá com a receção da correspondente petição inicial na secretaria do tribunal, nos termos do art. 259.º, n.º 1, do CPC), porquanto os pressupostos do divórcio devem estar preenchidos nesta data e não na da decisão. 26. O que não sucedeu, no caso em apreço. 27. Assim, tendo o Tribunal a quo considerado verificado o fundamento referido na al. a) do artigo 1781.º do Código Civil, resultou violado este mesmo dispositivo legal, por não estarem preenchidos os requisitos da sua aplicação. 28. A ruptura definitiva do casamento que o Tribunal a quo considerou estar demonstrado, acaba por “cair por terra” ao não se considerar provado que o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam, e que o réu se dirigiu à autora, chamando-a “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”. 29. Fica, assim, “despida” de fundamento a decisão do Tribunal a quo de considerar preenchidos os requisitos necessários para a aplicação deste dispositivo legal, pelo que 30. Tendo o Tribunal a quo considerado verificado o fundamento referido na al. d) do artigo 1781.º do Código Civil, resultou violado este mesmo dispositivo legal, por não estarem preenchidos os requisitos da sua aplicação. 31. Deve, assim, a sentença ser revogada nessa parte e substituída por outra onde se considere como não preenchidos os requisitos necessários para a aplicação do disposto no artigo 1781º do Código Civil, nomeadamente nas alíneas a) e d), e em consequência, 32. Ser revogada a decisão que decretou a dissolução, por divórcio, do casamento celebrado entre AA e BB; e que fixou a data da separação de facto no dia 1 de novembro de 2021, retroagindo a esta data os efeitos do divórcio, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 1789.º do Código Civil”. * Colhidos os vistos, foi realizada a conferência, com obtençã o prévia dos contributos e dos votos dos https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 5/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que nã o se encontrem cobertas pelo caso julgado, sã o as conclusõ es do recorrente que delimitam a esfera de atuaçã o deste tribunal em sede do recurso (arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, face à s conclusõ es avançadas, as questõ es a apreciar e decidir sã o as de saber se: A – A decisã o da matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pelo R. B – Nã o deve ser decretado o divó rcio porquanto, à data da propositura da açã o, nã o tinha decorrido o prazo de 1 ano a que se refere o art. 1781.º, alínea a) do Có digo Civil. * III-Fundamentação Com vista à incursã o nas questõ es objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisã o recorrida foi dada como provada e nã o provada. Factos provados: 1. Autora e réu casaram a 14 de janeiro de 1979, sem convenção antenupcial. 2. No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ..., .... 3. O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”. 4. Desde janeiro de 2020 a autora passou a dormir no sofá da sala. 5. A mudança da autora para a sala deveu-se ao facto de ressonar de noite, impedindo o réu de dormir. 6. Desde o dia 1 de novembro de 2021, autora e réu não https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 6/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra partilharam a mesma cama. 7. Não tiveram relações sexuais. 8. Não saíram juntos. 9. Não visitaram a família e amigos na companhia um do outro. 10. Cada um deles passando a ter uma vida autónoma e independente da do outro. Factos nã o provados a) Na ocasião referida em 2. o réu dirigiu-se à autora dizendo-lhe “se não saíres, de noite ponho-te na rua!” b) Desde janeiro de 2020 e sem prejuízo dos factos 6 a 10, que autora e réu não partilham a mesma cama. c) Não tiveram relações sexuais. d) Não saíram juntos. e) Não visitaram a família e amigos na companhia um do outro. f) Passando a viver como dois estranhos debaixo do mesmo teto. g) Desde que a autora saiu de casa, nunca o réu se preocupou em saber como ela passava. h) Nunca revelou interesse em saber em que condições a autora passou a viver desde que saiu de casa. Apreciemos entã o as questõ es suscitadas. A – Da pretendida modificação da decisão da matéria de facto No entender do recorrente devem ser considerados como nã o provados os seguintes factos: “No dia 1 de novembro de 2021, o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam, sita na Rua ..., ..., ... “ (facto provado n.º 2) e “O réu dirigiu-se à autora apelidando-a de “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca” (facto provado n.º 3). Na sentença recorrida foi aposta a seguinte motivaçã o para considerar tais factos como provados: “A relação conflituosa viva por autora e réu, a circunstância de a autora, a partir de janeiro de 2020, dormir na sala de casa e o réu no quarto e a saída da https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 7/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra autora de casa dia 1 de novembro de 2021, foram dados como provados com base no depoimento de DD e CC, filhos de autora e réu. Pese embora a particular afinidade que têm com a autora e a inexistência de relação com o réu, com quem estão de relações cortadas, certo é que estes depoimentos foram intensamente valorados, na medida em que as testemunhas relataram as suas vivências desde a infância, de forma intensa mas tranquila, descritiva e evidenciando conhecimento relativo à situação dos pais, reconhecendo desconhecerem o que se passava em casa dos pais até à saída da mãe, ainda que se apercebessem que a mãe dormia na sala, justificando a ausência do quarto com o barulho excessivo da sua respiração durante a noite, que perturbava o sono do réu. Acompanharam a mãe na saída da casa onde morava com o réu (CC) ou dois dias depois, para ir buscar alguns bens (DD). De referir que a testemunha CC foi buscar a mãe à casa onde esta morava com o réu, na sequência de contacto da mãe a informá-lo que o réu a ia pôr na rua. Porém, não se afigurou que tenha assistido a quaisquer palavras proferidas pelo réu a impor a saída da autora, nem foi produzida outra prova a este propósito, não se tendo, por conseguinte, apurado a factualidade referida em a)”. Da sua parte, o recorrente sustenta que, quanto ao facto provado 2, “em nenhum momento (da audiência) se disse que o réu expulsou a autora da casa onde ambos moravam. (…) O filho de ambos, DD, sobre essa ocorrência referiu que “Não estava presente na noite em que a Mãe saiu de casa”, referindo expressamente que a Mãe saiu de casa (sublinhado nosso), e não que foi expulsa de casa. O outro filho de ambos, CC, referiu sobre esse episódio que “O meu Pai basicamente não a ia deixar lá dormir de noite”, nunca referindo que o Pai alguma vez tenha expulsado a Mãe da casa onde ambos moravam. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 8/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Nenhuma outra testemunha falou ou afirmou saber algo sobre esse episódio”. E, quanto ao facto provado n.º 3, “em sede de audiência de discussã o e julgamento, em nenhum momento se fez referência ao facto de o réu se dirigir à autora nesses termos, com excepçã o do referido pela testemunha CC, filho de ambos, mas que nã o poderá ser considerado um depoimento credível nessa parte, como a seguir se demonstrará . (…) Nã o obstante ter o filho de ambos, CC, referido que o réu apelidava a autora de “(...) puta, cabra, filha da puta, porca, por aí afora (...)”, referiu igualmente que o réu nunca tratou a autora pelo seu nome e que sempre a tratava pelos nomes atrá s mencionados. Ora, tal afirmaçã o é manifestamente fruto da má relaçã o ou relaçã o inexistente entre o filho CC e o réu, nã o sendo credível que ao longo de mais de 40 anos de vida conjunta o réu sempre tenha apelidado a autora de puta, cabra, filha da puta, ou porca, nã o podendo merecer credibilidade esta parte do seu depoimento”. Na ausência de qualquer prova documental a este propó sito, procedeu-se à audiçã o da gravaçã o dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas DD (filho da A. e R.), CC (filho da A. e R.), EE, FF e GG. Estas 3 ú ltimas revelaram total desconhecimento acerca da vida conjugal da A. e do R. e quanto aos motivos da separaçã o, nada tendo presenciado ou sabido de outra forma acerca do contexto e da forma como o casamento se desenvolvia. Quanto ao filho DD e estritamente quanto aos factos em apreço, resulta do seu depoimento que nã o esteve presente aquando da saída de casa por parte da A. em 01.11.2021, apenas se tendo deslocado à residência do casal 2 dias depois para ir buscar os pertences da mã e. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 9/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Mencionou que os pais sempre mantiveram uma relaçã o conflituosa e terem existido muitos episó dios de conflito, embora sem os ter especificado ou materializado. Já o filho CC, relatou que, no dia 01.11.2022, depois de ter deixado a mã e na residência do casal, quando efetuava o percurso para a sua casa, foi contactado por ela, que, a chorar, lhe disse para a ir buscar porque o R. nã o a deixava dormir mais lá em casa e que a tinha “mandado embora”. Mais afirmou que, no contexto, se tratou de uma ameaça muito convincente, um “ato muito forte”, até porque a mã e nã o mais regressou a casa com receio/medo. Finalmente, no que atine ao relacionamento conjugal ao longo dos anos, classificou-a de “um caos” e o pai sempre ter manifestado agressividade, falando aos “berros” e tratando a esposa por “puta”, “cabra”, “filha da puta”, “porca”. Contrariamente ao sustentado em sede de recurso, nã o vemos qualquer motivo para colocar em causa a seriedade e veracidade deste ú ltimo depoimento. As circunstâ ncias de sempre ter tido dificuldades de relacionamento com o pai e nã o falar com ele desde o episó dio que motivou a saída de casa por parte da mã e nã o consentem que se lhe atribua menor credibilidade, tanto mais que encontra respaldo no que foi referido pelo irmã o e pelo facto de mã e nã o ter voltado à casa onde vivia com o R. Acresce que a justificaçã o apresentada pelo R. para a saída de casa por parte da A. e nã o mais ter regressado, essa sim, nã o apresenta qualquer consistência – “na sequência de ter sido interpelada pelo Réu sobre o seu paradeiro durante o dia que a Autora telefonou ao filho mais velho – onde alegadamente teria estado parte do dia -, para a ir buscar” (cfr. alegaçã o 9 da contestaçã o). https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 10/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Assim, da conjugaçã o dos depoimentos dos filhos do casal, é de considerar acertada a decisã o quando considerou provados os factos 2 e 3, nã o se impondo qualquer modificaçã o da decisã o da matéria de facto. Improcede, como tal, o recurso nesta parte. B – A não verificação dos pressupostos do divórcio No entender do R. o divó rcio nã o deve ser decretado porquanto, à data da propositura da açã o, nã o tinha decorrido o prazo de 1 ano a que se refere o art. 1781.º, alínea a) do Có digo Civil. Diga-se, a este propó sito, que, para além de se ter considerado como fundamento do divó rcio a separaçã o de facto por um ano consecutivo, o divó rcio foi decretado também com apoio no disposto no art. 1781.º, alínea d) do Có digo Civil, ou seja, por factos que mostram a rotura definitiva do casamento e que, perante a nã o modificaçã o da decisã o da matéria de facto, se deve manter inalterada. Na verdade, também aqui, dando-se respaldo à decisã o da 1.ª instâ ncia, considera-se que a expulsã o da A. de casa pelo R. e a forma desrespeitosa como se lhe dirigiu chamando-a “puta”,” vaca”, “porca”, “maluca”, consubstancia a violaçã o pelo réu dos deveres conjugais de respeito, coabitaçã o e cooperaçã o, previstos no artigo 1672.º do Có digo Civil. Nã o deixaremos, ainda assim, de abordar a questã o relacionada com a verificaçã o do divó rcio com fundamento na separação de facto por um ano consecutivo. O tribunal recorrido considerou, sem justificaçã o acrescida[2], que a separaçã o de facto do casal “dura há mais de um ano”. A verdade é que a A. tinha apoiado essa separaçã o de facto na circunstâ ncia de nã o viver com o R. “como marido e mulher” desde janeiro de 2020. Ocorre que a A. nã o logrou fazer prova disso, apenas se tendo demonstrado que a separaçã o do casal se verifica desde 01.11.2021. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 11/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Nesse pressuposto, tendo a A. sido intentada em 13.05.2022, à data da propositura da açã o ainda nã o se constituíra o fundamento do divó rcio a que se refere a citada alínea a) do art. 1781.º do Có digo Civil. A este propó sito importa, antes de mais, assumir, até para afastar a discussã o acerca da eventual modificaçã o do pedido e da causa de pedir, que a A. pediu o divó rcio também com fundamento na separaçã o de facto persistente há mais de um ano. Temos por seguro que o lapso temporal de um ano consecutivo da separaçã o se apresenta como um facto constitutivo do direito a qualquer dos cô njuges requerer o divó rcio sem o consentimento do outro, pelo que tal requisito deve estar presente à data da propositura da açã o, requisito esse que na situaçã o dos autos nã o se verificava. Resulta do art. 611.º do CPC, no que ao caso dos autos interessa, que, sem prejuízo das restriçõ es estabelecidas noutras disposiçõ es legais (nomeadamente quanto à s condiçõ es em que pode ser alterada a causa de pedir), deve a sentença tomar em consideraçã o os factos constitutivos que se produzam posteriormente à propositura da açã o, de modo que a decisã o corresponda à situaçã o existente no momento do encerramento da discussã o. É o designado princípio da atualidade da decisã o[3] o qual consente, embora com algumas restriçõ es, que sejam tomados em consideraçã o factos que se produzam depois da propositura da açã o. Assim, para efeitos do divó rcio com fundamento na separaçã o de facto, “não se vê qualquer obstáculo a que, de acordo com o estatuído no artigo 611º do CPC, se considerem os factos supervenientes, ainda que constitutivos, que se produzam durante o decurso da acção, para que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão” (cfr. acó rdã o do STJ de 15.09.2022, proferido no https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 12/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo 381/18.0T8ABT.E1.S1), a incluir o decurso do tempo[4]. Nã o obstante, por força dos limites estabelecidos nos art. 5.º, n.º 1 e 609.º, n.º 1 do CPC, a possibilidade de, no â mbito do art. 611.º do CPC, os “factos supervenientes” poderem ser considerados, encontrase dependente da introduçã o pela parte a quem aproveitem em articulado superveniente (art. 588.º do CPC.), sendo que, no caso, esse articulado nã o foi apresentado. Todavia essa exigência, no caso, apresenta-se dispensável, sem com isso se confrontar o princípio do dispositivo que emerge do já citados normativos. Dispensável, desde logo, porque a A., embora para fundamentar uma separaçã o de facto iniciada em momento anterior, já havia alegado na petiçã o inicial que saiu de casa em 01.11.2021, nã o mais aí tendo voltado (exceto 2 dias depois para aí ir buscar roupa), continuando o R. a viver na mesma habitaçã o, tendo deixado de viver sob o mesmo teto, cessando a comunhã o de mesa e habitaçã o (cfr. artigos 3.º, 14.º e 23.º da petiçã o inicial). Depois porque, embora numa apreciaçã o pouco segura, se tem vindo a entender que “o simples decurso de um período que falte para se completar um prazo sem o qual a ação não possa proceder talvez dispense a invocação em articulado superveniente” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Có digo de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ediçã o, Almedina, pá g. 725). Assim, na situaçã o subjudice, tendo ficado demonstrado que a separaçã o de facto se iniciou em 01.11.2021 e se manteve até ao encerramento da instruçã o do processo (19.05.2023), encontra-se preenchido o fundamento do divó rcio previsto no art. 1781.º, alínea a) do Có digo Civil. Improcede por isso, na globalidade, o recurso interposto https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 13/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Sumário[5]: (…). * IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acordase em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 21 de novembro de 2023 ______________________ (Paulo Correia) ______________________ (Helena Maria Gomes Carvalho Melo) _______________________ (Arlindo Oliveira) [1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Helena Maria Gomes Carvalho Melo e Arlindo Oliveira [2] - Embora no despacho saneador se tenha deixado escrito “Face ao lapso temporal decorrido, poderá ser apreciado como fundamento do divórcio a separação de facto por um ano consecutivo”. [3] - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de novembro de 2005 (proc. n.º 05B2266) e Acórdão do https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 14/15 01/07/24, 00:45 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de setembro de 2009. [4] - O Professor Miguel Teixeira de Sousa (IPCC Blog em anotação de 29.10.2021 ao acórdão do STJ de 23.02.2021, proferido no processo 3069/19.0T8VNG.P1.S1 aparenta ser mais restritivo, considerando “A interpretação razoável do estabelecido no art. 611.º, n.º 1, CPC, tem de ser outra. Um pouco à semelhança do que vale para o disposto no art. 610.º CPC, o art. 611.º, n.º 1, CPC orienta-se por um critério de aproveitamento do processo, pelo que deve ser interpretado no sentido de que, se o autor alegar que o facto constitutivo se verificou e se concluir que isso não era verdade, mas, entretanto, o facto se verificar antes do encerramento da discussão, então pode aproveitar-se esta verificação superveniente desse facto”. [5] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/386c2fce7101689080258a83004c968e?OpenDocument 15/15