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a arte da boa batalha - Seminário Paulo VI

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A ARTE DA BOA BATALHA1
INTRODUÇÃO
Os principais mecanismos do pensamento malgino:
a) O primeiro sistema é o da remoção, ou seja, os pensamentos malignos querem
esconder algo da realidade, isto é, apagam algum fato importante da vida Dá-se
consentimento à remoção porque assim um pensamento parece mais conveniente, é
uma leitura mais rápida dos fatos, mas o que é removido continua lá. Ou seja,
simplifica-se um pensamento e isso leva à absolutização: olha-se para as coisas
superficialmente esquecendo as outras coisas ligadas a esse pensamento. Nesta altura,
pensa-se que se está em contato com a realidade, mas na realidade estamos em contato
com o que nos convém sobre a realidade. Por exemplo, dizemos: este colega é
insuportável, é um pensamento fácil, vem-nos assim, e para sustentar esta posição
começamos a absolutizar, esquecendo talvez muitos aspectos positivos deste colega, as
muitas vezes que ele nos ajudou... portanto, deixamos que se faça uma leitura muito
fácil, mas o que retiramos deste colega fica lá por baixo, e neste ponto temos um malestar que temos de cobrir com maior violência de pensamento. Fazemos isso todos os
dias, é uma leitura superficial da realidade que parece dar-nos um bem estar imediato,
mas a realidade é que esse afastamento fica lá e se produz um mal estar.
b) Uma segunda técnica de engano utilizada pelo maligno são as PROJEÇÕES Isto
significa apropriar-se de algo de mim a uma realidade - ou seja, tenho coisas não
resolvidas ou dolorosas em mim e começo a projetar esse meu problema, situações ou
relações. Este engano é muito perigoso e destrói as relações. Não se pode descer a
fonte porque este fenômeno faz-nos ver a realidade distorcida, ou seja, o que vejo não
corresponde à realidade. Este fenômeno também se chama FIXAÇÃO, ou seja, é uma
forma de abordar as coisas de acordo com uma forma interior e não de acordo com os
fatos objetivos da realidade.
Ex: sentimo-nos perseguidos onde quer que estejamos - mas como é que nos encontramos
sempre na mesma situação? devemos perguntar-nos: como é que nos sentimos sempre
perseguidos? Se isto lhe acontece em diferentes situações, é mais do que provável que seja
uma projeção de si próprio.
Santo Inácio diz que isso nos leva a não nos colocarmos diante da realidade, mas em
relação nós mesmos, absolutizando. O outro explica, interpreta, mas não tenho capacidade
de escutar e refletir e isto permanece como uma parte da minha raiva e desta forma, não
consigo entrar em relação com o outro. As projeções devem ser partidas pela raiz, ou
seja, não são coisas que se possam manter como parte da leitura da realidade. Muitas vezes
dizemos: mas é assim que eu vivo. Se queremos ter paz, chegar à liberdade de filhos de
Deus, temos de romper toda a aliança com este modo de viver as coisas. É uma exigência
existencial, por isso nunca se chega à paz. As projeções são generalizadas e acabamos
Rosini Fabio, L’Arte della Buona Bataglia – La libertà interiore e gli otto pensieri maligni secondo Evagrio Pontico,
Paolo, 2023.
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sempre por viver a repetição das nossas dores onde quer que estejamos.
Não basta a nossa boa vontade, ou seja, a ideia de resolver com as próprias forças, é
necessária ajuda externa, por detrás destas armadilhas está o maligno que é mais esperto
do que nós. Por isso, precisamos de nos aliar a Deus, precisamos da oração,
precisamos de entrar numa relação com Deus.
AS TÉCNICAS DO MALIGNO
O olho é a lâmpada do corpo. Se teu olho é são, todo o corpo será bem iluminado;
se, porém, estiver em mau estado, o teu corpo estará em trevas. Vê, pois, que a luz
que está em ti não sejam trevas. Se, pois, todo o teu corpo estiver na luz, sem
mistura de trevas, ele será inteiramente iluminado, como sob a brilhante luz de uma
lâmpada”. (Lc 11,34-36)
As projeções são geralmente aplicadas às coisas, projetando a nossa própria identidade
nos objetos. Típicas da nossa realidade somática, ou seja, nas coisas que vemos.
Um segundo nível é a projeção nos pensamentos, em que a pessoa se apega a
pensamentos que são ABSOLUTIZADOS.
Uma outra forma é trabalhar sobre os pontos fracos, ou seja, onde muitas vezes se fica
apegado às coisas bem feitas, e assim o demônio permite por vezes ganhar algumas
batalhas para perder a atenção a outros níveis. Uma técnica típica do maligno é
subestimar os conflitos fraternos, ou seja, não dar importância às rupturas nas
relações, perder a comunhão com as pessoas e dizer que está tudo bem, que não
aconteceu nada. O malígno tentará sempre isolar-nos.
AS TENTAÇÕES SÃO DE TRÊS NÍVEIS:
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Tentação das paixões físicas: estas não podemos negar que temos necessidade de
comer, de nos vestirmos, que temos um corpo sexual, que temos necessidade de
possuir. Se tivermos uma alma com apetites, os pensamentos estarão ligados à gula,
à luxúria, à avareza.
Tentação das paixões interiores - aqui estão os estados da alma, muito mais difíceis
do que na primeira fase. Se tivermos uma alma psicológica, teremos vícios como a ira,
a tristeza, a acídia.
Tentação das profundezas do ser: aqui estão os vícios mais duros e mais
devastadores são: a vanglória e a soberba.
PASSOS PARA COMBATER AS TENTAÇÕES
Temos de começar a questionar os nossos pensamentos e sentimentos: a verbalizá-los, a
analisá-los para ter contato com o nosso mundo interiror.
DISTINÇÃO ENTRE SUGESTÕES E INSPIRAÇÕES:
As sugestões têm a caraterística da imposição. Ou seja, é um pensamento que se impõe.
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Se forem inspirações, vêm do interior e nos libertam, são propostas que abrem o
horizonte e despertam uma consolação. Elas vêm do Espírito Santo.
1) GULA
A origem de toda a tentação é um falso amor, ou seja, um amor desordenado.
Que estas pedras se transformem em pão: a tentação de comer, da gula. Trata-se de
uma sugestão, enquanto a resposta de Cristo é uma inspiração: nem só de pão viverá o
homem.
Na vida espiritual, começamos sempre com o jejum de uma ascese, o início das paixões é a
gula, e se queremos começar a abrir espaço para a vida espiritual, teremos definitivamente
de jejuar.
Se deseja rezar de manhã, terá de jejuar do sono. Se quiser rezar à noite, terá de jejuar da
televisão, do celular, ou não procurar leituras fúteis.
É preciso, portanto, criar um espaço de silêncio, que implica uma renúncia a outra
coisa, ou seja, um jejum de algo.
O primeiro passo é ter disciplina sobre o próprio corpo, começar a lutar a partir da boca.
Antropologia cristã:
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Temos uma alma concupiscente ligada ao corpo, aos sentidos.
Uma alma racional onde se encontra o mundo dos pensamentos, dos sentimentos.
Uma alma espiritual, onde se encontra o eu profundo da pessoa. O maligno começa
sempre por pensamentos relacionados com o corpo e os sentidos, leva-nos a ter muitas
preocupações com as nossas pulsões físicas, ou seja, a concentrar-nos apenas nas
necessidades materiais. É por isso que o jejum é fundamental, ou seja, abrir espaço,
esta arma retira a alienação, porque a gula ocupa espaço, aliena-nos, entorpece-nos,
é uma fuga à vida (televisão, celular, comida, álcool, drogas, etc.) que é uma fuga para
um mundo irreal. Procura-se a felicidade através do prazer dos sentidos.
Começamos a ver o mundo em função de nós próprios, onde o apetite se torna o senhor
da nossa vida, os desejos tornam-se irreprimíveis, desregulados, na ilusão de dar-nos
prazer, fugimos da realidade.
Jejuar significa, de fato, regular o apetite - aqui não se trata de negar necessidades, mas
sim de não alienar-nos, de não fugir-nos da realidade, de não nos enganar. A perversão
da nossa vida começa com a falta de vigilância sobre a alimentação.
A gula perverte a função das coisas, ou seja, obriga a realidade a transformar-se em
alimento: daí que estas pedras se transformem em pão.
Por exemplo, quando não se gosta de estudar, foge-se da realidade indo comer, ficar no
celular, conversar, etc. Perante o sofrimento, procura-se o prazer, uma gratificação
momentânea. Isto é voltar a uma fase infantil, buscando compulsivamente a uma gratificação
rápida, prazeirosa que com o passar do tempo irá gerar dependência.
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A pessoa que está sobre a sugestão da gula vive no binômio: gosta/não gosta, até perder o
gosto de crescer espiritualmente.
AS CINCO FORMAS DE ATAQUE
1. Antecipar o tempo para comer
2. Comente somente alimentos refinados
3. Comer alimentos preparados de um certo modo
4. Comer sem limtes e quantidade
5. Comer sem atenção/voracidade
ALGUMAS TENTAÇÕES DESCRITAS NAS SAGRADAS ESCRITURAS
•
Adão e Eva comem o alimento proibido
•
Esaú (vende a sua primogenitura por um prato de lentilha)
•
Povo de Deus no deserto
•
Jesus foi tentado no deserto
AS CONSEQUÊNCIAS DA TENTAÇÃO
Não atingimos os nossos objetivos, tornamo-nos pessoas descontínuas e infantis, este
pecado destroi a nossa relação com a realidade, tornamo-nos pessoas existencialmente
obesas com um peso sobre nós e o que poderia ser uma solução se torna cada vez
mais um problema.
Esta dinâmica desmorona a nossa capacidade de amar. Se sou escravo do meu conforto,
se sou uma pessoa que só sobrevive se estiver realizado, porque deve fugir da tensão, como
é que vou entrar, por exemplo, na paternidade, na perda da vida? Esta forma de viver se
reduz a um sistema de realização primária, ou seja, a criança mimiada. Assim, tudo pode ser
pervertido. A realidade é que a alimentação é necessária, mas ao distorcer essa função,
tornando-a o centro do ser, aos poucos se destrói a vida.
Torna-nos incapazes de nos relacionarmos, estamos centrados no nosso estado físico
de realização. O jejum aqui não é um trabalho ascético, o jejum aqui é necessário para
amar, não podemos entrar numa relação sem entrar em uma batalha com a flecha voltada
para nós, o uso de tudo em função do eu, devemos governar este mecanismo autodestrutivo
porque nunca haverá um fundo (fim), porque mesmo que nos deixemos cair no prazer,
comer, , etc... depois, em dado momento, emerge novamente e a vida perguntará
novamente: e agora?
COMO COMBATER A GULA
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Atrvés do jejum. O problema é que o vemos como algo negativo e não como algo positivo.
Quando Jesus responde: nem só de pão vive o homem, o que isso significa? Jesus não
opõe o problema do apetite ao fato de não se comer. O jejum na vida espiritual não é uma
ascese desértica, vazia de alimento, mas é uma procura de outro alimento: o homem
não vive só de pão, ou seja: o que me propõe é pouco, é só pão, procuro algo maior.
Quando Jesus evangeliza a mulher samaritana, diz aos apóstolos: tenho para comer um
pão que vós não conheceis ou seja, não podemos vencer a luta contra a gula pela simples
negação, mas precisamos de afirmação - isto é, o guloso perde a realidade, enquanto o
jejuador entra na realidade e entra em algo mais belo do que aquilo que a tentação lhe
está oferecendo; em certo sentido, trata-se de comer melhor. Por isso, Deus diz-nos para
comermos melhor: nem só de pão vive o homem.
Quando se faz dieta, comporta um sofrimento, mas depois de um tempo surge uma
sensação de bem estar no meu corpo, porque o meu cérebro funciona melhor, mexo-me
melhor, etc.; e aqui encontro o prazer, isto é, sinto o prazer de cuidar de mim, ou seja, já não
é um entorpecimento, mas uma cura.
Assim, Jesus não se recusa a comer, mas diz que quer comer outra coisa, ou seja, trata-se
de abrir o espaço à relação com Deus, o que é possível quando o meu corpo está lúcido, só
agora Deus pode alimentar o meu coração, percebo as coisas com maior profundidade, a
escritura, a liturgia, a oração. Tudo isso nos faz ver as situações de outra maneira. Assim, o
comilão é aquele que não chega à meta do amor, enquanto que aquele que luta contra o
demônio da gula é aquele que sai de si e vai ao encontro do outro.
Exercitar a sobriedade: Cassiano “quem não consegue controlar a gula, como poderá
pensar em controlar a desordem da raiva, da paixão pelo dinheiro, o instinto sexual, a
vontade de dovorar o Irmão com a língua”
São João Clímaco2 “Gula é hipocrisia e fingimento do ventre que, depois de farto, nos faz
crer que tem necessidade de mais e, depois de cheio quase a arrebentar, ainda diz que
padece fome. Gula é inventora de sabores e guloseimas e descobridora de novos regalos.
[...] Gula é engano do juízo, o qual nos leva a crer que temos necessidade de comer e beber
tudo o que se nos põe diante, e junto com isto estraga no homem, não só a temperança,
como a penitência e a compaixão”
“Portanto, quer comais quer bebais, quer façais qualquer coisa, fazei tudo para a Glória de
Deus” (1Cor 10,31)
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CLÍMACO, São João. A Santa Escada., 2014
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2) LUXÚRIA
A luxúria: busca desenfreada pelo sexo, abuso do poder sexual. Em grego denomina-se
porneia= prostituição, latim significa fornicação, luxuria vem de Luxus = excesso.
“A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado do prazer venéreo. O prazer
sexual é moralmente desordenado quando buscado por si mesmo, isolado das finalidades de
procriação e união” (CIC 2351)
A sexualidade é criada por Deus, sendo uma dimensão do ser humano que une as pessoas
gerando: vida, fecundade, criatividade, felicidade
COMO SE MANIFESTA
Busca o sexo para encontrar a felicidade, mas a sexualidade por si mesma não cria
comunhão entre as pessoas, mas é o Amor que une as pessoas.
A luxúria é derivada da gula. Damos muita importância à luxúria, mas o que a desencadeia
é a gula, ou seja, a satisfação da necessidade de prazer (sexual, afetivo).
Para combater este espírito, utilizam-se as mesmas técnicas da gula. Ou seja, se tentarmos
lidar com uma frustração dando a nós próprios um prazer, a frustração, na verdade, não
diminui, mas aumenta, devemos compensar com um maior prazer e, portanto, há um
mecanismo autodestrutivo (de morte).
É evidente que precisamos de regras, de limites, de disciplina. Se uma criança comesse tudo
o que quisesse, ira matar-se.
Aqui devemos evocar a virtude cardeal da temperança, pela qual se sabe cortar, temperar,
moderar os impulsos. A temperança comporta a castidade, que deriva do castigo, isto é,
saber castigar um impulso desordenado, isto é, saber governar, é a disciplina, se o
coração é casto, a pessoa é dona de si mesma, sabe governar-se, portanto sabe fechar ou
abrir as portas das paixões segundo o seu verdadeiro bem. Se nos entregamos a todos os
desejos sexuais, isso nos levará à impossibilidade de ter relações verdadeiras e estáveis,
instrumentalizando as pessoas por um prazer egoista.
Assim, se o ponto de partida da vida espiritual é o jejum, o segundo ponto é a castidade. Ser
senhor da sexualidade não significa negá-la. Como sacerdote, não se nega a identidade
sexual, mas afirma-se a nobreza da identidade sexual. Não fomos chamados a negar a
sexualidade, mas a afirmá-la no caminho do amor, a ser pai e esposo naquela forma que é
profundamente gratificante. Tal como quem casa deve equilibrar a sua sexualidade e não ir
com outras mulheres, também como padre se trata de canalizar esta energia da sexualidade
para o ato de acolhimento, atenção e respeito que se torna a capacidade de falar ao coração.
Quantos homens sabem falar com uma mulher, compreendendo-a, escutando-a? Hoje falase em seduzir, conquistar, dominar. Uma pessoa não se realiza porque tem muitas
relações sexuais, mas realiza-se porque ama, realiza-se pela felicidade que conseguiu
nas pessoas, uma felicidade duradoura e não superficial, infantil. A realização é ser capaz de
amar muitos corações e não o de dormir com muitas mulheres.
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O que existe em comum entre a gula e a luxúria?
A perversão das coisas: que as pedras se transformem em pães. Trata-se, portanto, de
perverter o corpo e as relações. Tal como as pedras se transformam em pães, o corpo do
outro torna-se um instrumento de prazer. Assim, a sexualidade não é amar o outro, mas
ama-se a si mesmo. A sexualidade, por outro lado, é o encontro do diferente, o encontro da
vida.
Há dois canais fundamentais do engano da luxúria. Estamos sob a “proteção” da gula, que é
um suicídio velado, uma forma de não-ser. Isto também se aplica à luxúria.
O motor desta auto-destruição tem duas componentes principais:a curiosidade e a fantasia.
Somente o Amor autêntico dá felicidade ao coração humano
Há dois tipos de demônios: os que nos desviam do bom caminho e o segundo que quer
destruir o próprio caminho. No caso da luxúria, diante do primeiro tipo.
Luxúria vem de "lussa" que significa desviar-se de algo, escorregar, ir até ao limite, não
entrar. Uma floresta luxuriante é quando se tem mais do que se precisa, o luxo é quando se
tem mais do que se precisa, é um deslize para o exagero que é a superficialidade. Assim, a
luxúria é a superficialidade. A luxúria deseja uma pessoa apenas pela sua epiderme (corpo).
O olhar do luxurioso ofende, é um olhar predador. Já não se reconhece no outro uma pessoa
com o seu mundo interior.
MECANISMOS QUE ALIMENTAM A LUXÚRIA
Com a fantasia e a curiosidade. A fantasia é já a segunda fase, ou seja, é a permanência
sobre uma imagem, isto é, a pessoa sublinha a imagem que deixou entrar no seu coração e
começa a processá-la, desligando-se assim da realidade e entrando num mundo
independente da relação.
Curiosidade - é olhar para o outro como um objeto que se deve possuir, ter, obter. Enquanto
que a alternativa é a relação com a pessoa, é o diálogo, o conhecimento. É considerar o
outro como um todo.
Assim, combatemos a curiosidade com o conhecimento e não nos detemos em pensamentos
curiosos com a fantasia, passando assim da fantasia para a realidade. Combatemos a
luxúria com o real, com o diálogo, com o conhecimento mútuo, com a entrada na
realidade;
COMO COMBATER A LUXÚRIA
Cuidar dos olhos: ela se nutre da fantasia, jejum de imagem “a mente doente não sendo
enganada da multiplicidade de imagens, pode purificar o seu olhar interio”
Cuidar da integridade: Ter uma incessante paciência do coração e uma atenção contra a ira
e contra outras paixões. Exercer a humildade.
Cuidar do coração: Cuidar daquilo que alimenta o coração: o amor, a paz interior.
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3) AVAREZA
“A avareza é a recompensa dos ídolos, a profecia dos vulgares, um cáculo de acumulação,
uma riqueza de prisioneiro, uma espécie de injustiça, uma previsão de vida longa, um
estômago vazio, uma loucura insaciável” (Evágrio Póntico)
Em grego philargia, avidez pela prata: o desejo desmedido pelo dinheiro; não gastá-lo, mas
guardá-lo. A avereza é, portanto, o desejo imoderado de ter, o desejo meticulos de acumular,
o dsesejo espasmódico de preservar.3
Qual é a caraterística do avarento?
A avareza cega fundamentalmente o discernimento, ou seja, o avarento não sabe escolher,
portanto não consegue discernir o caminho certo para ele, porque é incapaz de renunciar,
ou seja, o avarento tem o problema da posse, portanto a perda é sempre uma tragédia
para ele. Um homem guiado pelo Espírito Santo, quando tem de tomar uma decisão, sabe
que terá de fazer uma renúncia. O avarento, pelo contrário, tem o problema de querer
ganhar em todos os atos da sua vida - muitas pessoas não conseguem compreender a
vontade de Deus porque não estão dispostas a perder alguma coisa. Qualquer coisa que
Deus pedir será encarado como perda.
Pensamos que a avareza esteja apenas relacionada com os ricos e com as posses, mas ela
diz respeito a todos os aspectos da vida.
Com a avareza estamos na parte concupiscente da alma. A avareza é o pior dos dois
vícios acima descritos. De fato, a gula e a luxúria têm a ver com necessidades objetivas que,
em si mesmas, são boas enquanto naturais, o problema é o seu excesso.
Da avareza nascem muitos males, aliás, a Escritura nos diz que dela nascem todos os
males. O jovem rico4 não pode escolher, vai viver uma fé triste, vai-se embora triste, é
colocado numa lógica medíocre. Em grego, a vida chama-se bios, curiosamente os bens
materiais também se chamam bios, ou seja, a escolha é entre uma vida falsa e uma vida
verdadeira. Os ladrões dizem: ou a carteira ou a vida. Pensamos que sem dinheiro não se
pode viver. Esta mentalidade provém de uma mentira diabólica que, no fundo, nos diz que
sem Deus podemos viver, mas sem dinheiro não podemos. Desta mentira nascem
todas as escolhas erradas na vida e todas as idolatrias. Pensamos que sem oração
vivemos em paz, mas sem dinheiro ficamos ansiosos. Infelizmente, só nos
preocupamos com os bens materiais, que são um falso bios.
Por isso, a característica típica do avarento é a ansiedade ou a preocupação. De fato,
dizemos que a escolha comporta perda, então, se não se desobedece aos bens, não se
pode ter discernimento. O avarento é, portanto, uma pessoa ansiosa, um ansioso é o
verdadeiro ateu, porque não acredita na providência. A caraterística do avarento é o
3
Militello Cettina, Entre vícios e virtudes, a vida cristã frente aos desafios do mundo e da Igreja, Vozes, Petrópolis,
2019,14)
4
Cf. Mc 10,17-22.
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cansaço, porque lhe falta sempre alguma coisa, tem que sempre ter alguma coisa, sentese sempre ameaçado. Nunca consegue fazer apenas uma coisa: enquanto reza, atende
o telefone, a sua cabeça está sempre ocupada com outra coisa e está constantemente
fazendo várias tarefas, ou seja, quando o filho está falando com ele, está vendo o celular ou
no computador, tem a ansiedade da perda. A avareza é precisamente a posição mais
contrária à fé. De fato, no Evangelho não se diz que não se pode servir a Deus e ao
orgulho, mas sim a Deus e ao dinheiro5. O dinheiro é apresentado como o anti-Deus. O
problema do avarento é que ele não conhece o desapego, portanto não tem discernimento.
Para ter discernimento, é preciso desapegar-se das coisas, libertar-se delas. É interessante
como Abraão tem que deixar a sua terra, a sua parentela e os seus afetos. Ou seja, Abraão,
para ser o pai da fé, deve experimentar desprendimentos, até ao último desprendimento,
o do seu filho, porque terá que gerá-lo na fé. Ninguém pode iludir-se, ninguém pode amar
verdadeiramente se tiver algo a defender, porque entrará em ânsia por esse algo.
Porque a fé exige o desprendimento. Com a avareza estamos tocando no tema da fé
autêntica. Porque a fé é apoiar-se em Deus, superando a posse e a segurança. Mamona
vem da palavra aman que significa acreditar. Ou seja, se acredita em Mamona - é uma fé. De
fato, por dinheiro: renuncia-se à paz, a ter filhos, a casar, exploram-se os outros, torna-se
desonesto, torna-se falso. O avarento pelo seu deus faz atos heróicos. O deus segurança,
o deus posse.
O comunismo e o capitalismo têm ambos a mesma antropologia: o homem é feliz com base
na posse. As famílias são destruídas pela avareza, o terror da insegurança econômica. Os
males da terra são alimentados por esta sede de ganho. A avareza separa-nos do amor.
Se esquecem que o amor é a grande verdade, enquanto com a avareza, a beleza se torna
ganho, comércio.
Como o demônio da avareza trabalha em nós?
A avareza está impregnada de ansiedade, por isso o demônio da avareza apresenta-nos
imagens de problemas, crises, fomes, faz-nos imaginar a dependência dos outros e, com
base naquilo que argumenta e justifica o acúmulo, motivando como um justo remédio
contra uma possível pobreza, quanto a um possível prejuízo.
Juntamente com a gula e a luxúria, a avareza é um dos demônios que nos afastam do
caminho do bem, que nos distraem do bem. Mas, ao contrário da luxúria, a avareza é uma
distração argumentada racionalmente, é lógica. O avarento é como um toxicodependente
que tem sempre razões para se drogar e sabe explicar porque o faz. As razões são todas
contra a sobriedade, isto é, o sentido do essencial.
O demônio avarento ataca a ideia de que podemos contentar-nos ou aceitar a
sobriedade, mas torna-se implacável: se tocarmos no bem de um avarento, seja ele material,
seja ele o seu tempo, o seu espaço, ele ataca-nos sem piedade. O avarento acaba por ser,
de fato, um mesquinho, isto é, quebra mil vezes o impulso de doar-se.
A luta contra a avareza é muito trabalhosa, porque tem a ver com uma necessidade que
responde aos primeiros medos da criança: o medo do abandono, da incerteza. Uma das
55
Cf Mt 6,24 e Lc 16,13.
9
primeiras palavras que a criança diz: isto é meu. A avareza é a falsa resposta à ansiedade
da vida que começa com o primeiro choro do bebé. Enquanto a avareza não for vencida,
não pode ser dominada. Todos os pecados têm uma morte violenta. A avareza exige golpes
científicos, dados no momento certo e sem hesitação. É preciso bater com a esmola
porque, enquanto a avareza não for chicoteada, não pode ser dominada, porque o
avarento tem uma lógica expansiva que permeia todos os espaços.
A avareza é alimentada como galhos malignos as demais paixões e não deixa secar as que
dela florescem. Quem quiser cortar as paixões, que os arranque pela raiz; pois se podares
bem os ramos e a avareza permanecer, de nada te servirá, porque eles, embora cortados,
voltam logo a florir.6
São Paulo, no texto citado por Evágrio dice “Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos
com isso. Aqueles que ambicionam tornar-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em
muitos desejos insensatos e nocivos, que precipitam os homens no abismo da ruína e da
perdição. Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça,
alguns se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições” 1Tm 6,8-10.
Se não se travar uma luta clara, a avareza volta sempre a surgir e os seus rebentos são
assinalados pela ansiedade e pelo medo.
Evagrio descreve a avareza da seguinte forma:
• A poupança dos ídolos - o avarento pensa que está ganhando, mas na realidade é
apenas o ídolo que está ganhando.
• A profecia do vulgar: os conselhos baratos que recebemos dos outros são, no fundo,
avareza, são conselhos baseados na procura da melhor vantagem.
• Um voto da restrição: um avarento é alguém que, por estar na ásia e tem que ganhar
dinheiro, vive na restrição apesar de estar ganhando, há pessoas que vivem na pobreza
e têm um colchão cheio de dinheiro, comem mal mas estão cheias de dinheiro.
• Um cálculo de acumulação: ou seja, o espírito do avarento está sempre trabalhando
para poupar dinheiro. Não goza a vida, tem um pensamento posterior que é um cálculo.
• A riqueza como prisioneira: o avarento é capturado pelos seus sistemas de segurança,
torna-se escravo deles e não sabe o que é a vida, não sabe usufruir dos bens, é
prisioneiro enquanto procura a liberdade.
• Uma espécie de injustiça: o avarento ansioso pela posse das coisas num dado
momento não percebe e que está caindo na injustiça.
• Opulência de doenças: porque por essas coisas se adoece, se destrói, nunca se está
num verdadeiro estado de bem-estar.
• Previsão de uma vida longa: a avareza é um engano em relação à duração da vida, ou
seja, a nossa vida é curta, aceitar o fato de que um dia temos de deixar as coisas para
trás, isto o avarento não consegue ouvir.
• Apetite para fazer: ou seja, nunca se descansa, há sempre que fazer alguma coisa.
• conselheiro vigilante: ou seja, é um demônio que nos mantém acordados, pensando
nos problemas que temos de resolver.
• Vazio de estômago: o avarento nunca está satisfeito,
6
Cf. Póntico Evárgio, Gli otto spiriti della malvagità, p.85)
10
• Econômico na alimentação: tudo deve ser poupado, o avarento come mal.
• Loucura insaciável: tira-nos da realidade e é insaciável.
• Perversidade preocupada: estar tão preocupado que se torna perverso, a ponto de ver
inimigos de todos os lados, de ver uma perda de todos os lados a ponto de se tornar
agressivo.
Passemos ao sentido positivo: a pobreza cristã. É uma beleza que podemos
perseguir, é a erradicação da avareza. Quando se aceita perder coisas, faz-se tudo com
calma. Quando se aceita a própria pobreza, dá-se conta de quantas coisas já se possui,
sente-se dono do mundo inteiro. Um ato de pobreza e de renúncia erradica pela raiz muitos
pensamentos ruins.
O demônio te mostra que vai ser pobre e que ninguém te vai ajudar nessa situação, então
Evágrio cita Génesis 28,20 - ou seja, deixa que Deus o faça, os pensamentos desesperados
choquem com uma realidade, mas o que é que eu sei sobre o meu futuro, de como Deus vai
arranjar as coisas. Deus sabe do que precisamos.
Para quem faz as coisas só para si, cita Mt 22 - acumular para si e só para si e não para a
fraternidade, é perder-se também a si próprio, se faço as coisas por amor a minha vida tem
sentido. De que serve ganhar dinheiro e não ter amor na vida.
O problema é sempre o esquecimento da paternidade de Deus e o esquecimento do amor. A
avareza separa-nos de Deus, do Amor. A relação com Deus passa pelo amor aos irmãos. A
pobreza é a proteção da nossa liberdade é a proteção da nossa relação com Deus, é a
proteção do nosso amor.
11
4) IRA
A ira é o roubo da prudência, a destruição de uma condição, a confusão da natureza, uma
maneira selvagem de fazer as cosias, uma fornalha do coração, uma chama que se inflama,
uma regra de irascibilidade, a cólera perante as ofensas, a mãe das feras, um conflito
silencioso, um impedimento à o7ração.
Evagrio dedica mais espaço e este vício porque as suas consequências são terríveis
(recordemos o caso de Moisés, chamado o homem mais manso da terra, que ele próprio
perdeu a terra prometida por causa de um ato de ira, não tendo em conta a misericórdia de
Deus).
A raiva, pela sua própria natureza, faz-nos perder o Paraíso. Por causa da raiva, perdemse as coisas mais belas. Podemos ter os dons espirituais mais extraordinários e, com uma
explosão de raiva, podemos perder tudo.
Se a gula, a luxúria e a avareza são demônios que nos afastam do bom caminho, com o
demônio da ira, é aquele que nos mantém dentro do caminho mas o pervertem por dentro,
sendo que a ira tem uma particularidade ainda maior. A ira é o único que faz parte dos
demônios do tipo duplo, ou seja, faz perder o caminho do bem, mas também o perverte por
dentro. Na ira, a pessoa perde a calma, não se lembra do que deve fazer, ou seja, sai do
caminho do bem. Mas a ira atua frequentemente mesmo dentro do caminho do bem, utiliza,
por exemplo, a justiça para aumentar a cólera. Isto é, a pessoa entra em cólera em nome de
um argumento a favor da justiça ou da bondade, justifica atos gravíssimos e horríveis. Se a
ira é justificada por uma razão qualquer, já não se sai dela. Com cólera diz que S. Paulo
não se faz a vontade de Deus. E a justiça é uma das principais razões pelas quais nos
entregamos à ira.
É preciso lembrar que também existe a ira boa, para sair de um vício é preciso ter alguma
ira/raiva, este tipo de ira chama-se zelo - é a ira contra o pecado.. É preciso ter cuidado,
porque mesmo o zelo pode transformar-se em ira quando esquecermos que as
pessoas são mais importantes do que as ideias.
Como é que surge a ira?
A luxúria, por exemplo, é um demônio repentino, enquanto a avareza é muito racional, lenta.
A ira é também um demônio repentino como a luxúria, ataca num instante, mas a
particularidade da ira é que ela tem um local de incubação. A ira é incubada pela
tristeza, e é por isso que Evagrio coloca a tristeza antes da ira. Estas duas coisas
alimentam-se uma da outra.
Os vícios da alma irritada de que nos lembramos são a ira, a tristeza e a preguiça. Têm a
ver com os estados de espírito, e aquele que é escravo dos seus estados de espírito é
infantil. A alma irritada reage a estímulos emocionais, ou seja, sem razão.
O ato de ira é uma absolutização de uma perceção. Vemos um fato e o absolutizamos,
mas não vemos tudo, não nos lembramos de tudo, nunca sabemos tudo, por isso as
7
Cf Evágrio Póntico, A Eulogio, pp 129-131.
12
percepções são sobredimensionadas. Sob a influência da ira, há quem ataque, ofenda, bata.
O pior é a ira fraudulenta que está entranhada na alma e que se transforma em rancor, essa
ira gera um cálculo oculto de vingança. Portanto, esta deriva sempre da absolutização de
um dado, nunca tem todos os dados à sua disposição, julga ter compreendido tudo, de faco,
depois diz: não havia percebido, não sabia, não vi, etc... A ira tende a ser pretextual, a ira
tende a nascer de um empurrão ocasional, mas é tão rápida a ser desencadeada porque tem
um local, ou seja, está incubada, não se começa com raiva, mas começa com uma pequena
coisa que depois é alimentada até explodir é como uma panela de pressão, quanto mais os
fatos contra alguém aumentam, mais cedo ou mais tarde é desencadeada.
De onde vem a raiva?
Nasce da frustração de um bem não alcançado ou de um prazer não desfrutado, tem a
sua raiz na frustração. Esta frustração gera tristeza, a tristeza é incubada, cultivada
interiormente e depois explode.
É necessário administrar os nossos reservatórios de ira para evitar que explodam. É preciso
esvaziar o reservatório da ira. São Paulo no diz “Mesmo em cólera, não pequeis. Não se
ponha o sol sobre o vosso ressentimento. Não deis lugar ao demônio”8. Não dar
oportunidade nem espaço ao demônio , diz Paulo. Se a ira é preparada pela tristeza, na
verdade ela é preparada pela cobiça de possuir algo, de fazer algo, de querer algo. E o fato
de não o poder fazer gera tristeza e depois vem a ira.
Estes são os mecanismos que preparam a ira: um sentimento oculto de injustiça, um
sentimento de carência, de queixa. Caim mata o seu irmão porque cultivou a tristeza, a
frustração de um ato. Em vez de examinar a sua conduta, que não ofereceu primícias mas
frutos da terra. Caim cultiva esta vitimização que o leva a irar-se ao ponto de matar o seu
próprio irmão. Enquanto houver em nós esse espaço de infelicidade, enquanto
resmungarmos, estamos prestes a tornar-nos assassinos, mesmo que não matemos
fisicamente, atentaremos contra a vida de alguém.
Temos que ter muito cuidado com as coisas que não aceitamos, sobretudo com os nossos
limites. Se não dissermos a Deus um belo sim, um belo ato de confiança, se não nos
apresentarmos diante dele com a nossa tristeza, talvez por não termos atingido certos
objetivos, por termos visto que a vida nos disse não, devemos apresentar-se diante dele,
chorando se for necessário, mas se não descarregarmos essa queixa, essa reclamação; não
conseguiremos racionaliza e canalizaremos as nossos decepções e espectivas frustradas na
raiva. Temos de refletir de que é feito o nosso espaço de insatisfação, o que cultivamos
como tristeza por vezes desde a infância. Temos que nos reconciliar com a nossa vida,
aceitar os nãos da vida, senão essa infelicidade se acumulará a ponde de explodir.
O dom de Espírito que se opõe à ira é o dom da misericórdia. É a lembrança da doçura
com que Deus nos tratou. É a gratidão pela qual recebemos tantos dons, a partir do qual
nos abrimos ao perdão. Ser magnâmine é compreender que perder uma casa é menos
importante do que perder um irmão. Não perder as coisas importantes por causa de uma
injustiça.
8
Ef 4,26-27.
13
A ira está relacionada com o vitimismo, o justicialismo e o sadismo. A pessoa irada parte do
vitimismo, vê a justiça como um absoluto e torna-se cruel. Para lutar contra a ira, é preciso
rejeitar os pensamentos vitimistas, recordar os nossos pecados, que não somos
melhores do que ninguém. Trata-se de renunciar ao justicialismo, de recordar que não
somos nós que devemos fazer justiça nesta terra, mas sim Deus. Devemos, portanto,
fugir do sadismo com horror (Salmo 130 se considerardes a nossa culpa, como Senhor,
quem se salvará).
A maturidade de uma alma cristã pode ser reconhecida pela sua mansidão, enquanto a
sua imaturidade pode ser reconhecida pela sua implacabilidade e intolerância.
Sabemos que a tristeza gera a ira e a ira gera a tristeza.
Na cólera, damos a nós próprios o direito de fazer o mal, de destruir alguma coisa. Na raiva,
a alma só olha para o que está perdendo e não olha para o que está destruindo.
O oposto da ira é a mansidão. O manso é alheio à guerra porque visa um terreno maior.
Isto é, em vez de olhar para o que lhe parece ameaçado pela justiça dos outros, defende um
bem maior, ou seja, uma herança (comunhão) maior é a terra que Deus dá; aceita perder
o que o homem lhe tira para se agarrar ao que Deus lhe dá.
Trata-se de lutar contra três impulsos: a vitimização, o justicialismo e o sadismo, ou seja:
começa-se por se sentir vítima, exige-se justiça e depois torna-se sádico, porque se sente no
direito de castigar o outro que lhe fez mal. Este gosto de magoar o outro torna-se algo
sangrento, perdendo-se o controle das coisas.
“a magnanimidade é o escudo da prudência, o tribunal da cólera, o remédio do coração, o
castigo dos presunçosos, a serenidade dos perturbados, um refúgio tranquilo, uma boa ação
para com o aflito, a bondade para com todos, uma benção perante a infâmia, uma alegria
perante a injúria, um conforto para o aflito, um espelho do que se espera, uma recompensa
dos aflitos”9
“Bem aventurado os mansos porque eles possuirão a terra” (Mt 5,5)
A magnanimidade não seleciona os bons dos maus, os merecedores dos não merecedores,
é bondoso para com todos, abençoando os que amaldiçoam.
9
Pontico Evágrio, A Eulogio, 130
14
5) TRISTEZA
A tristeza é inquilina nociva, confidente funesta, antecipadora do desenraizamento, nostalgia
da família, companheira da angústia, familiar da mágoa, lamentação exasperante, lembrança
das ofensas, escurecimento da alma, humilhação moral, euforia prudente, antídoto hipnótico,
maculação das formas, aflição dos pensamentos, prisão de um povo.10
O demônio da tristeza: é uma paixão terrível. Em cada um dos vícios, algo de bom é
distorcido e pervertido. A tristeza é diferente de todos os outros vícios porque não está
ligada ao prazer, ou seja, o seu prazer é o desprazer, ou seja, ela goza o desprazer. A
tristeza despoja a alma para a busca da autocompaixão (vitimismo) que produz o gozo do
desprazer. O vício gémeo da tristeza é a inveja. Este demônio está muito difundido. A
nossa época exalta a tristeza, aprecia as atitudes melancólicas, é um deslizar para a
infelicidade.
Evágrio relaciona-a com a cólera, sendo a sua caraterística o fato de gerar ira e de ser
gerada pela ira. Da frustração do desejo de vingança nasce a tristeza e, por sua vez, a
tristeza gera um novo estádio de suscetibilidade que conduz a cólera. Daí Evágrio a
chama de boca de leão que facilmente engole.
Essa devora o coração que o cultivou ao ponto de o tornar frio, insensível aos problemas dos
outros, fechado numa vitimização indiferente a tudo. É uma forma de frieza. Essa frieza é tão
repugnante que Evágrio nem sequer a descreve porque tem um desprezo muito grande por
ela, de fato diz que é a pior das paixões porque é a que extingue completamente o amor.
De fato, o drama da nossa época é esta falta de vontade de viver. Então, a pessoa tornase incapaz de lutar, incapaz de se definir, e fica satisfeito com tudo, na nossa cultura a
tristeza é louvada, onde os suicídios surgem como uma espécie de heroísmo. Em vez de se
ter compaixão por essas pessoas, elas são vistas como heróis que escapam. A tristeza é
rejeição da vida, o fato de já não encontrar interesse com si mesmo, com o próximo e com a
própria vida. Tantas canções tristes, tantos filmes tristes, mas que pai pode ser um vitimista?
Que companheiro de vida pode ser aquele que não tem vontade de viver? São Paulo diz:
alegrai-vos sempre no Senhor!11 É um imperativo, a alegria comanda-nos, como é que se
pode fazer isso? Amai-vos uns aos outros, diz Jesus... tanto o amor como a alegria são
opções profundas da alma, são escolhas, SE ABRIRMOS A NOSSA ALMA À ALEGRIA
AO AMOR, não estaremos condenados à tristeza, poderemos libertar-nos.
A tristeza apodera-se de nós, é uma pena que talvez tenhamos aprendido quando crianças:
chorar e, já adultos, tornamo-nos amargos e apaixonamo-nos por ser vítimas.
Em vez disso, devemos ser contra a tristeza, odiá-la. A primeira tristeza na Escritura é a
de Caim, porque um sacrifício saiu mal, Deus não o aceitou, sente-se vítima, o seu rosto está
abatido, por esta tristeza... não percebe seus erros e centraliza a frustração de algo que não
foi segundo a suas expectativas e assim torna-se um assassino. Assim se gera a ira e a ira
gera as feras. Hitler convenceu um povo: filósofos, professores, etc., a sentirem-se vítimas
de uma minoria tida como demoníaca, chegando ao ponto de matar um povo pela
10
11
Pontico Evágrio, A Eulogio, 129.
Fil 4,4
15
vitimização.
Tentemos rir da nossa tristeza
Como fazemos para desligar-nos da tristeza, de cair em pensamentos negativos?
Temos de deixar de as ver como inofensivas, não o são; temos de nos lembrar que a
tristeza só nos deixa quando nos tiver destruído. A tristeza destrói cada vez mais porque,
sendo fruto da frustração, produz mais frustração. Destrói tudo porque não é lógica, é
emocional e ao mesmo tempo automotivadora, e é por isso que não é dominada
porque não se baseia no prazer, ou seja, em algo bom. A tristeza está ligada à perda de
algo, à frustração de uma posse, à não realização de um objetivo, pelo que se entra numa
interpretação nebulosa da realidade onde a nostalgia, a memória do que se perdeu, faz com
que se comece a ver coisas que não existem, consequências que não se deram e a vida
desta forma torna-se sem sabor.
A raiz da tristeza é, portanto, a frustração de um desejo ou de uma posse.
O temperante, ou seja, aquele que sabe estabelecer um limite, sabe que certas renúncias
são necessárias. O casto não é triste porque tem paz no seu coração, liberdade,
honestidade de seus sentimentos. O humilde não é triste porque sabe que está na verdade.
O homem manso não está triste porque não se vinga porque sabe que terá algo mais
importante. O homem generoso não está triste porque sabe que não é perda o que doou,
mas uma dádiva.
Outra causa de tristeza é o abatimento perante as adversidades da vida, ao contrário, devem
ser valorizadas, pois são momentos para crescer para torna-se adulto.
A tristeza é então gerada por uma relação distorcida do tempo, ou seja, não se vive no
presente, idealiza-se lamentando o passado ou projeta-se no futuro idealizando os seus
pressupostos numa realidade utópica. Na verdade, o que causa os sofrimentos da vida
não são fatos, mas hipóteses, ou seja, os fatos estão nas mãos da Providência, as
interpretações podem, no entanto, ser suspiros do diabo ou do Espírito Santo. Satanás joga
somente com hipóteses, seus arrependimentos e projeções.
Se a tristeza vem da frustração de um desejo, se não se opuser à tristeza, certamente levará
a um mal, porque a tristeza é um demônio lento, não é como a ira. Começa-se com uma cara
ligeiramente triste e aos poucos acaba-se na ira.
O amor ao mundo, às coisas, aos próprios pressupostos, às próprias expectativas, é sempre
uma absolutização de uma percepção, a perda de todo o contexto objetivo - esta é uma das
técnicas fundamentais do diabo, ver apenas uma parte. Em vez disso, o magnânimo vê
melhor, tem uma grande alma: diz o Salmo 119: "Corro no caminho dos teus mandamentos
porque alargaste o meu coração”.
Só o amor muda a situação do coração de um homem. Se sofri uma injustiça, o amor faz-me
transformá-la num momento de aceitação da pobreza do meu irmão. Só o amor liberta o
nosso coração da tristeza.
16
A tristeza, segundo Deus, é quando se vê que as coisas da vida não nos dão vida, ou seja,
que se encontra fora da verdade. Como aconteceu com o jovem rico, a sua tristeza era o
ponto cardeal em torno do sol do seu erro, do seu vício, é um sintoma de que se está fora da
verdade. Ou seja, tendo percebido que as coisas estão erradas, a solução é sair dali. Ou
seja, essa coisa causa-me tristeza, então tenho de sair. Em vez disso, muitas vezes a
tristeza torna-se uma armadilha, um mecanismo que foi criado para assinalar a perda mas
que, em vez disso, se torna um culto da perda. O sentimento de perda é útil se levar ao
temor de Deus e a um sentido da importância das coisas.
A tristeza é um estado de espírito. Por isso, cometemos um grande erro quando
absolutizamos um estado de espírito. Um estado de espírito é muito menos nobre do que um
sentimento que é relacional, enquanto um estado de espírito é apenas um culto a química
interior de uma pessoa. Absolutizá-lo leva-nos a perder a razão, temos que rir de nós
mesmos . É PRECISO desprender-nos do que temos. Na morte, não nos perguntaremos
quantos prazeres tivemos, quantos nos demos, quantos bens possuímos, fama, etc., mas se
perguntará se amámos alguém, se alguém é feliz por nossa causa.
Podemos descobrir que a dor é um lugar do amor e que um dia poderemos alergrar-nos
diante do trono de Deus, pois estivemos do seu lado no dia em que sofremos e que usámos
a dor para crescer, para amar, para perdoar. O amor é o nosso sentido de vida, e a
tristeza extingue-o totalmente.
A tristeza para Evágrio é um inquilino que temos de expulsar. É a saudade da família, muitas
vezes de uma família que nunca se teve, ou seja, que se supôs, e por isto não se está
sintonizado com a realidade. É também um companheiro de angústia, ou seja, que não há
soluções. Ela nos leva a inatividade, ou seja, não fazer nada, não servir para nada. A
recordação de ofensas, ou seja, pensar em coisas passadas só para ficar triste, sem se
perguntar por que razão estou pensando nisso?
A alegria, pelo contrário, é escolhida, é uma ação de graças na adversidade: uma
pessoa torna-se adulta quando escolhe ser alegre perante alguém que vive amargamente. A
alegria é a raiz da renúncia: isto é, que me importa perder algo aqui na terra se vou
para uma realidade mais bela.
O primeiro ponto para combater a tristeza é lembrarmo-nos de que nunca estamos
sozinhos.
Quando temos medo daqueles que lutam contra nós ou dos demônios que nos atacam,
devemos recordar o Salmo 2: "Aquele que habita nos céus ri, o Senhor se diverte deles": os
tristes não sabem rir porque absolutizam uma dor - devemos pensar: o que pensa Deus
disto, o que é esta tentação diante de Deus? Jesus diz: tereis tribulações, mas diz: tende
confiança, eu venci o mundo, ou seja, não diz que sereis fortes, não, eu venço convosco.
Quando o espírito maligno ataca a alma evocando os pecados passados, é preciso lembrar
Miqueias: "Não te alegres por minha causa, minha inimiga, se caí, levantar-me-ei; se hábito
nas trevas, ainda assim serei feliz, porque o Senhor me iluminará12": Deus usa sempre a
ternura e levanta-nos daquilo em que caímos se pedirmos ajuda.
12
Salmo 7,8
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Contra os pecados da juventude: 2Cor: se alguém está em Cristo, é uma nova criatura; as
coisas velhas já passaram, eis que nasceram coisas novas... ou seja, estar em Cristo é o
SEGREDO DE COMBATE, ter a coragem de olhar as coisas na perspetiva Dele e
pensar que cada perda na nossa vida nos serve para crescer.
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