Uploaded by L. Antonio Colognesi

DUDU HALUCH - Nutrição e Hipertrofia Muscular

advertisement
-
-
NUTRIÇÃO E
HIPERTROFIA
MUSCULAR
DUDU HALUCH
Balneário Camboriú
2021
“Dudu Haluch”: Carlos Eduardo Ferreira Haluch
-
Copyright © 2021 por Carlos Eduardo Ferreira Haluch - “Dudu Haluch”
Todos os direitos reservados.
Capa
Dudu Haluch, Thaís Essu
Editor
Dudu Haluch
Ilustrações
Dudu Haluch, Carolina Simião e Thaís Essu
Site: www.duduhaluch.com.br
E-commerce: www.livrosduduhaluch.com.br
facebook.com/eduardo.haluch.5
instagram.com/duduhaluch
-
APRESENTAÇÃO
Neste e-book abordo os principais aspectos nutricionais que envolvem a montagem
de uma dieta para ganho de massa muscular. Também abordo com detalhes o papel dos
macronutrientes e suplementos em uma dieta para hipertrofia muscular. Outro diferencial
desse e-book é abordar potencial genético, platô na hipertrofia muscular, estratégias que
envolvem tempo de nutrientes (nutrient timing), jejum intermitente e muito mais.
Abraços,
Dudu Haluch
-
SUMÁRIO
1) PROTEÍNAS E HIPERTROFIA MUSCULAR
8
1.1) INTRODUÇÃO ..................................................................................................
8
1.2) QUALIDADE DAS PROTEÍNAS ........................................................................
11
1.3) BALANÇO NITROGENADO: ANABOLISMO E CATABOLISMO ......................
14
1.4) PROTEÍNAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES ....................................
17
1.5) RECOMENDAÇÃO DE PROTEÍNA PARA HORMONIZADOS .........................
19
1.6) EXISTE UM LIMITE PARA ABSORÇÃO DE PROTEÍNAS POR REFEIÇÃO? .
22
1.7) QUANTIDADE DE PROTEÍNA POR REFEIÇÃO ..............................................
25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................
27
2) SUPLEMENTOS E HIPERTROFIA MUSCULAR
28
2.1) INTRODUÇÃO ..................................................................................................
28
2.2) PROTEÍNA DO SORO DO LEITE (WHEY) .......................................................
28
2.3) CASEÍNA E LEITE ............................................................................................
31
2.4) ALBUMINA E PROTEÍNA DE SOJA .................................................................
31
2.5) SUPLEMENTAÇÃO DE AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS ....................................
32
2.6) SUPLEMENTAÇÃO DE BCAA E LEUCINA ......................................................
33
2.7) SUPLEMENTAÇÃO DE HMB............................................................................
36
2.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA .................................................................
37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................
40
3) CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA MUSCULAR
42
3.1) INTRODUÇÃO ..................................................................................................
42
3.2) CLASSIFICAÇÃO DOS CARBOIDRATOS .......................................................
43
3.3) FIBRAS ALIMENTARES ...................................................................................
45
3.4) FRUTAS E FRUTOSE .......................................................................................
46
3.5) LEITE, LACTOSE E HIPERTROFIA MUSCULAR ............................................
49
3.6) ÍNDICE GLICÊMICO E CARGA GLICÊMICA....................................................
51
3.7) CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES ............................
54
3.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA...........................
55
3.9) DIETA LOW CARB E HIPERTROFIA MUSCULAR ..........................................
56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................
59
-
4) GORDURAS E HIPERTROFIA MUSCULAR
61
4.1) INTRODUÇÃO ..................................................................................................
61
4.2) CLASSIFICAÇÃO DAS GORDURAS ................................................................
62
4.2.1) GORDURA SATURADA .................................................................................
63
4.2.2) GORDURA MONOINSATURADA ..................................................................
63
4.2.3) GORDURA POLI-INSATURADA ....................................................................
64
4.2.4) GORDURA TRANS ........................................................................................
66
4.2.5) GORDURAS E SAÚDE CARDIOVASCULAR ................................................
66
4.3) GORDURAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES ...................................
68
4.4) ÔMEGA 3 E HIPERTROFIA MUSCULAR .........................................................
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................
72
5) POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA MUSCULAR
73
5.1) INTRODUÇÃO ..................................................................................................
73
5.2) TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES E HIPERTROFIA ......................................
73
5.3) SINALIZAÇÃO PARA HIPERTROFIA ...............................................................
75
5.4) POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA ......................................................
77
5.5) POTENCIAL GENÉTICO, TREINAMENTO E RESPOSTA HORMONAL .........
80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................
83
6) DIETA PARA HIPERTROFIA MUSCULAR
84
6.1) INTRODUÇÃO ..................................................................................................
84
6.2) CÁLCULO DO GASTO ENERGÉTICO .............................................................
85
6.3) METABOLISMO E MASSA MUSCULAR ..........................................................
90
6.4) SUPERÁVIT CALÓRICO E HIPERTROFIA MUSCULAR .................................
92
6.5) CÁLCULO DE DIETA (EXEMPLOS) .................................................................
96
6.6) MONTANDO A DIETA ....................................................................................... 101
6.7) O QUE FAZER NO PLATÔ? ............................................................................. 104
6.8) HIPERTROFIA MUSCULAR EM DÉFICIT CALÓRICO .................................... 106
6.9) CATABOLISMO MUSCULAR............................................................................ 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 113
-
7) NUTRIENT TIMING E JEJUM INTERMITENTE
114
7.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 114
7.2) PÓS-TREINO E HIPERTROFIA: JANELA ANABÓLICA ................................... 114
7.2.1) REFEIÇÃO LIXO PÓS-TREINO ..................................................................... 118
7.3) PRÉ-TREINO E HIPERTROFIA ........................................................................ 120
7.4) CEIA E HIPERTROFIA ...................................................................................... 122
7.5) JEJUM INTERMITENTE ................................................................................... 123
7.5.1) METABOLISMO NO JEJUM INTERMITENTE ............................................... 124
7.5.2) JEJUM INTERMITENTE E HIPERTROFIA .................................................... 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 129
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
1
PROTEÍNAS E HIPERTROFIA MUSCULAR
1.1) INTRODUÇÃO
Proteínas são as macromoléculas mais abundantes nos seres vivos, elas
desempenham uma grande variedade de funções no organismo, regulando as
reações metabólicas, como as enzimas e os hormônios peptídicos (insulina, IGF1, GH), atuando na resposta imune (imunoglobulinas), transportando diversas
substâncias pelo organismo (albumina, globulinas, hemoglobina), formando
estruturas (colágeno, queratina) e desempenhando importante papel para o
movimento dos músculos (actina, miosina).
É impossível falar de proteínas sem falar de aminoácidos. Os aminoácidos
são os blocos construtores que formam as proteínas (os tijolos), as unidades
básicas das proteínas. Proteínas são polímeros de aminoácidos e podem ter os
mais variados tamanhos. Os aminoácidos são moléculas formadas por carbono
(C), hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N); diferente dos lipídios e
carboidratos, que contêm os três primeiros átomos na composição (CHO), mas
não apresentam o nitrogênio. Alguns aminoácidos ainda podem apresentar
enxofre (S) na sua composição. Cerca de 16% da composição das proteínas é
formada por nitrogênio e isso faz o metabolismo das proteínas ter características
bem distintas em relação ao metabolismo de carboidratos e lipídios. O nitrogênio
pode ser aproveitado para a síntese de novas proteínas e outras moléculas,
como os ácidos nucleicos (DNA, RNA). No entanto, o excesso de nitrogênio
precisa ser eliminado do organismo, pois um dos produtos finais do catabolismo
dos aminoácidos, a amônia (NH3), é tóxica ao organismo. A maior parte do
nitrogênio do organismo é excretada pela urina na forma de ureia, que é
8
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
sintetizada no fígado durante o catabolismo dos aminoácidos. O consumo de “1
g de proteína equivale a 4 kcal”.
Os aminoácidos têm uma estrutura básica formada por um carbono
central (carbono alfa), ligado a um grupo carboxila (COOH), um grupo amino
(NH2), um hidrogênio e uma cadeia lateral (R), que é diferente para cada
aminoácido. Para formar as proteínas os aminoácidos se ligam entre si através
de ligações peptídicas (figura 1.1). Estruturas menores formadas por
aminoácidos são chamadas de peptídeos, enquanto as estruturas maiores
recebem o nome de proteínas. A identidade e função de cada proteína é dada
pela sua sequência de aminoácidos. Alterar a ordem de algum aminoácido faz
com que a proteína perca sua função e atividade biológica.
Figura 1.1. Estrutura química de um aminoácido (a e b) e a ligação entre dois
aminoácidos (ligação peptídica). As figuras a e b representam duas formas diferentes
de representação de um aminoácido. Os aminoácidos se diferenciam pela cadeia lateral
R, que tem uma estrutura diferente para cada aminoácido. A figura c representa a
ligação peptídica entre dois aminoácidos distintos (um dipeptídeo).
Existem mais de 300 aminoácidos conhecidos na natureza, mas apenas
20 desses aminoácidos podem formar proteínas nos seres vivos. Os outros
aminoácidos podem existir no nosso organismo (ornitina, citrulina, taurina), mas
9
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
não podem ser usados para síntese proteica. Desses 20 aminoácidos presentes
nas proteínas, 9 deles são considerados “essenciais” (indispensáveis), pois seus
esqueletos de carbono (parte do aminoácido sem o grupo amino) não podem ser
sintetizados pelo nosso organismo (fenilalanina, metionina, lisina, leucina, valina,
isoleucina, triptofano, treonina e histidina). Os outros 11 aminoácidos (arginina,
alanina, tirosina, aspartato, asparagina, glutamato, glutamina, cisteína, serina,
glicina, prolina) podem ser sintetizados pelo nosso organismo através das
reações metabólicas, onde seus esqueletos de carbono podem ser fornecidos
pelo catabolismo de carboidratos e lipídios. Esses aminoácidos são chamados
de aminoácidos “não essenciais” (dispensáveis), pois são produzidos pelo
organismo mesmo sem o consumo de proteínas. Alguns aminoácidos
dispensáveis podem se tornar indispensáveis em algumas situações críticas ou
de doença, pois o organismo fica limitado para produzir as quantidades
necessárias para os processos fisiológicos. Esses aminoácidos são chamados
de “condicionalmente essenciais” (arginina, glutamina, cisteína, tirosina, prolina,
serina, histidina, glicina).
Essa distinção entre aminoácidos essenciais e não essenciais é
fundamental para entender porque determinados alimentos fontes de proteínas
são mais importantes que outros. Mesmo que você não entenda nada de
fisiologia e bioquímica, provavelmente já ouviu falar que as proteínas animais
(carne, peixe, frango, leite, ovo) são mais completas que as proteínas vegetais
(arroz, feijão, trigo, milho). Isso acontece justamente porque os alimentos fontes
de proteínas animais tem um perfil mais completo de aminoácidos essenciais,
enquanto os alimentos fontes de proteínas vegetais possuem deficiência de
algum ou alguns aminoácidos essenciais (com exceção da soja).
Algumas pessoas podem se questionar: “qual o problema de faltar apenas
um aminoácido?” O que acontece é que a simples deficiência de um aminoácido
impossibilita a síntese de proteínas pelo organismo, pois as proteínas precisam
de todos os aminoácidos para serem formadas e apresentarem atividade
biológica. Isso não torna as proteínas vegetais inúteis, na verdade os
aminoácidos dessas proteínas serão aproveitados pelo organismo desde que
você apresente uma dieta variada em alimentos, mesmo sem fontes de proteína
animal. As proteínas vegetais são geralmente incompletas, mas quando
10
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
diferentes alimentos são combinados você pode ter um perfil completo de
aminoácidos. Cereais (arroz, trigo, milho) são geralmente deficientes do
aminoácido lisina, enquanto as leguminosas (feijões, ervilhas) são deficientes do
aminoácido metionina e apresentam boa quantidade de lisina. Dessa forma, a
combinação de arroz com feijão se torna uma fonte completa de proteínas, pois
oferece todos os aminoácidos essenciais.
1.2) QUALIDADE DAS PROTEÍNAS
Como mencionado acima, a qualidade de uma proteína está relacionada
com a sua capacidade de fornecer todos os aminoácidos necessários para a
síntese proteica. Um alimento é considerado uma fonte completa de proteínas
se ele contém todos os aminoácidos essenciais em sua composição. Caso falte
um aminoácido ou ele esteja em pequena quantidade, esse alimento é
considerado uma proteína de baixa qualidade e o aminoácido em falta é
chamado de “aminoácido limitante”. Lembre-se que mesmo uma dieta com
alimentos fontes de proteínas incompletas (dieta vegana), ainda pode ser uma
dieta completa em proteínas, pois a mistura de diferentes fontes de proteínas
incompletas acaba por fornecer todos os aminoácidos essenciais. No entanto,
outro fator importante deve ser considerado para avaliar a qualidade da proteína,
a sua digestibilidade.
Existem diferentes métodos para avaliar a qualidade de uma proteína e
de forma geral todos chegam a conclusões gerais semelhantes, mas com
algumas diferenças importantes. Entre esses métodos estão: o escore químico,
a taxa de eficiência proteica (PER), o saldo de utilização proteica (Net Protein
Utilization - NPU), o valor biológico (VB) e a digestibilidade proteica corrigida pelo
escore de aminoácidos (protein digestibility-corrected amino acid score PDCAAS). O método mais citado no meio do fisiculturismo e do fitness é o valor
biológico, mas como veremos aqui a preocupação com o VB das proteínas
geralmente tem pouca relevância para fisiculturistas. O método PDCAAS é o
mais recente e aceito pela FAO/OMS (FAO - Food and Agriculture Organization/
OMS - Organizção Mundial de Saúde) para avaliar a qualidade das proteínas.
11
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
O escore químico avalia a qualidade da proteína comparando o percentual
do aminoácido limitante da proteína teste (aminoácido que está em menor
quantidade) em relação a uma proteína de referência (proteína do ovo). A aveia
tem 51% da lisina presente na proteína do ovo, logo seu escore químico é 51.
A taxa de eficiência proteica (PER) é um método que avalia a qualidade
da proteína medindo o ganho de peso de ratos jovens com o consumo de
determinada fonte proteica. Esse método tem pouca relevância prática em
humanos, embora também mostre superioridade das fontes de proteína animal.
O saldo de utilização proteica (NPU) é um método muito semelhante ao
VB. Esse método mede a quantidade de nitrogênio retida pelo organismo em
relação a quantidade consumida. No método do VB a absorção da proteína é
levada em conta, por isso vamos nos concentrar nele ao invés do NPU.
O valor biológico da proteína é medido avaliando a quantidade de
nitrogênio retida pelo organismo em relação a quantidade que é absorvida, como
na fórmula:
𝑉𝐡 =
𝑁 π‘Ÿπ‘’π‘‘π‘–π‘‘π‘œ
𝑁 π‘Žπ‘π‘ π‘œπ‘Ÿπ‘£π‘–π‘‘π‘œ
Ou seja, aquela proteína que é digerida e tem todos os seus aminoácidos
absorvidos no intestino. Uma proteína de valor biológico igual a 100 tem todo
seu nitrogênio retido pelo organismo, mas obviamente nenhuma proteína pode
ter VB igual a 100. As proteínas de origem animal (carnes, ovos, leite) tem alto
VB, enquanto as proteínas de origem vegetal (arroz, feijão, milho, trigo) tem
baixo VB, pois são carentes de algum aminoácido essencial (geralmente lisina
ou metionina). Problema desse método é que ele avalia a retenção de nitrogênio
em condições de baixa oferta de proteínas. A oferta de calorias e proteínas na
dieta afeta o valor biológico, de forma que um aumento das calorias e da proteína
na dieta aumenta o VB, enquanto a restrição de calorias e proteína reduz o VB.
Uma proteína de alto VB pode ser importante para pessoas em desnutrição
calórica-proteica, mas para indivíduos que já comem quantidades de proteínas
acima das recomendações (0,8-1,0 g/kg), em uma dieta mista, se preocupar com
VB acaba sendo desnecessário. Indivíduos veganos precisam se preocupar com
uma maior oferta de proteínas porque sua dieta é carente de proteínas de alto
12
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
VB, mas um atleta de fisiculturismo geralmente já come quantidades elevadas
de proteína, muitas vezes acima das recomendações para hipertrofia (1,6-2,2
g/kg). Outra crítica feita ao VB é que ele ignora o papel da oxidação de
aminoácidos (degradação do aminoácido que leva a produção de energia, ATP)
que ocorre com proteínas de absorção rápida, como whey protein. A rápida
absorção de proteínas também acaba aumentando a oxidação de aminoácidos
ou seu uso na gliconeogênese (síntese de glicose a partir de aminoácidos no
fígado). Se os esqueletos de carbono dos aminoácidos são oxidados, usados
como fonte de energia, então eles não podem ser usados para síntese proteica.
Tabela 1.1. Qualidade de algumas importantes fontes de proteína segundo diferentes
métodos de avaliação. Valor biológico acima de 100 é relativo, porque a proteína do ovo
foi considerada a proteína de referência. Obviamente nenhuma proteína pode ter VB
igual a 100, portanto, em “valores absolutos” whey é superior ao ovo, mas abaixo de
100 (HALUCH, 2018).
Proteína
Digestibilidade
Valor biológico
PDCAAS
Ovo
98
100
118
Leite de vaca
95
91
121
Carne de vaca
98
80
92
Soja
95
74
91
Trigo
91
64
42
Whey
98
104
100*
Caseína
98
77
100*
Em 1989 a FAO/OMS estabeleceu que a qualidade de uma proteína
poderia ser avaliada pelo conteúdo do seu primeiro aminoácido indispensável
limitante, comparando com uma proteína de referência. Esse valor deve ser
corrigido pela digestibilidade da proteína testada, que avalia o aproveitamento
da proteína pelo organismo, a porcentagem de nitrogênio que o organismo
absorve ao se consumir as proteínas, já que uma pequena parte das proteínas
podem não ser absorvidas, sendo seu nitrogênio excretado nas fezes. A
digestibilidade das proteínas de origem animal é de 100% em relação à proteína
de referência (ovo ou leite). Em relação à proteína de referência o feijão tem uma
digestibilidade de 82%, a aveia 90% e o arroz polido 93%. A digestibilidade
proteica corrigida pelo escore de aminoácidos (protein digestibility-corrected
amino acid score - PDCAAS) é dada pela seguinte fórmula:
13
Nutrição e Hipertrofia Muscular
𝑃𝐷𝐢𝐴𝐴𝑆 =
Dudu Haluch
π‘šπ‘” π‘‘π‘œ 𝐴𝐴 π‘™π‘–π‘šπ‘–π‘‘π‘Žπ‘›π‘‘π‘’ π‘’π‘š 1𝑔 π‘‘π‘Ž π‘π‘Ÿπ‘œπ‘‘. 𝑑𝑒𝑠𝑑𝑒
× π‘‘π‘–π‘”π‘’π‘ π‘‘π‘–π‘π‘–π‘™π‘–π‘‘π‘Žπ‘‘π‘’ × 100
π‘šπ‘” π‘‘π‘œ 𝐴𝐴 π‘’π‘š 1𝑔 π‘‘π‘Ž π‘π‘Ÿπ‘œπ‘‘. 𝑑𝑒 π‘Ÿπ‘’π‘“π‘’π‘Ÿêπ‘›π‘π‘–π‘Ž
Nesse método a soja é considerada uma proteína de boa qualidade,
recebendo uma pontuação de 91, enquanto a carne de vaca tem uma pontuação
de 92. Nesse método o ovo apresentou PDCAAS de 118 e o leite de vaca 121,
mas valores acima de 100% não são considerados com benefícios adicionais,
devendo o valor da PDCAAS ser truncado em 100%.
Para concluir essa seção é importante deixar claro que de forma geral os
métodos
convergem
para
conclusões
semelhantes,
apesar
de
suas
particularidades. As proteínas de origem animal são consideradas de melhor
qualidade, principalmente ovo e leite, enquanto as proteínas de origem vegetal
são consideradas de menor qualidade, com exceção da soja que ainda pode ser
considerada uma fonte de proteína completa, embora um pouco inferior as fontes
proteicas de origem animal.
1.3) BALANÇO NITROGENADO: ANABOLISMO E
CATABOLISMO
O nosso corpo está o tempo todo sintetizando e degradando proteínas,
sendo que muitos dos aminoácidos resultantes do catabolismo das proteínas
endógenas são reaproveitados para síntese de novas proteínas. Algumas
proteínas tem uma vida média muito curta, de poucas horas (enzimas
intracelulares), enquanto outras chegam a ter uma vida média de mais de 100
dias (hemoglobina) ou até um ano (colágeno).
A síntese e degradação de proteínas são reguladas pelo estado
nutricional do organismo e também por vários hormônios (insulina, hormônio do
crescimento, testosterona, cortisol). Quando a síntese proteica é igual a
degradação de proteínas dizemos que o balanço nitrogenado do organismo é
neutro. Quando a síntese proteica excede a degradação o balanço nitrogenado
é positivo (anabolismo > catabolismo) e quando a degradação de proteínas
excede a síntese o balanço nitrogenado é negativo (anabolismo < catabolismo).
Durante a fase de crescimento as crianças estão em balanço nitrogenado
14
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
positivo, enquanto indivíduos acometidos por algumas enfermidades que
provocam perda de peso e massa muscular estão em balanço nitrogenado
negativo.
O músculo esquelético é uma grande reserva de proteínas e em um
indivíduo normal o tecido muscular esquelético contribui com cerca de 40% do
peso corporal, cerca de 7-8 kg de proteínas, sendo que a maior parte dessas
proteínas (66%) são proteínas contráteis (actina e miosina). A água e as
proteínas são os principais componentes do musculo esquelético, em uma
proporção de 4:1. Para aumentar 1 kg de massa muscular é necessário um
acréscimo de 200 g de proteínas no músculo. Pode parecer pouco, mas ganhar
1 kg de massa muscular não é nada fácil para um fisiculturista com anos de
treino. Um indivíduo treinado tem muito mais dificuldade para ganhar massa
muscular que um iniciante e aumentar a ingestão de proteínas além do
necessário para o organismo não vai aumentar a síntese proteica muscular. Na
verdade, com o excesso de proteínas ocorre aumento da oxidação dos
aminoácidos (os aminoácidos são utilizados para produzir energia, ATP).
O balanço nitrogenado positivo (síntese > degradação) é fundamental
para o ganho de massa muscular e o treinamento resistido em conjunto com a
nutrição são essenciais para promover o ganho de massa muscular tão desejado
por fisiculturistas. Fisiculturistas costumam periodizar seu treinamento em duas
fases, off season e pré-contest (pré-competição). Durante o off season o principal
objetivo é o ganho de massa muscular, geralmente com o mínimo de ganho de
gordura. Já na fase de pré-contest o objetivo primordial é a perda de gordura,
com o mínimo de perda de massa muscular, ou seja, maximizar a perda de
gordura evitando um balanço nitrogenado negativo (catabolismo muscular).
Os principais hormônios que controlam a síntese e degradação de
proteínas pelo organismo são insulina, GH (hormônio do crescimento), IGF-1
(fator de crescimento semelhante à insulina 1), testosterona e cortisol. A insulina,
o GH, o IGF-1 e a testosterona aumentam a síntese proteica muscular, mas em
humanos o principal efeito da insulina é inibir a degradação de proteínas (efeito
anticatabólico). O GH e a testosterona também inibem a degradação de
proteínas. O IGF-1 é um peptídeo liberado pelo fígado e pelos tecidos extrahepáticos (osso, músculo esquelético) sob estímulo do GH. A testosterona é o
15
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
principal hormônio anabólico e estudos em humanos mostram um grande
aumento da massa muscular com doses suprafisiológicas de testosterona e seus
derivados, os esteroides anabolizantes. O uso de esteroides anabolizantes é
prática comum no fisiculturismo, assim como GH e insulina. Mulheres possuem
muito menos massa muscular que os homens, pois produzem cerca de 10 vezes
menos testosterona.
Figura 1.2. Efeitos dos hormônios na síntese e degradação de proteínas. Aqui foram
ilustrados apenas os principais efeitos de cada hormônio, mas é importante lembrar que
os hormônios anabólicos (testosterona, GH, IGF-1) também podem inibir a degradação
de proteínas, enquanto o cortisol pode inibir a síntese proteica, além de estimular sua
degradação. A seta indica efeito estimulante e a barra indica efeito inibitório. O T3 pode
estimular tanto a síntese como a degradação de proteínas, sendo mais catabólico em
níveis elevados (como no hipertiroidismo ou quando se faz uso do hormônio sintético
para queima de gordura).
Os glicocorticoides são liberados pelo córtex adrenal sob o estímulo do
hormônio
corticotropina
(ACTH),
secretado
pela
hipófise.
O
principal
glicocorticoide é o cortisol, um hormônio que aumenta a degradação de proteínas
nos tecidos extra hepáticos, principalmente no músculo esquelético. A função do
cortisol é aumentar a disponibilidade de aminoácidos para serem utilizados na
síntese de proteínas celulares hepáticas e plasmáticas. A restrição calórica e o
jejum elevam as concentrações de cortisol, aumentando a degradação de
proteínas no músculo e os aminoácidos liberados na corrente sanguínea são
16
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
usados na gliconeogênese quando a dieta é restrita em calorias e carboidratos.
A adrenalina e o glucagon estão aumentados em estados catabólicos (doenças
debilitantes) em conjunto com o cortisol, mas estudos mostram que a adrenalina
pode ter um efeito anticatabólico no metabolismo proteico. Já o glucagon não
tem nenhum efeito anticatabólico direto no músculo esquelético, pois não tem
receptores desse hormônio no tecido muscular.
Os hormônios da tireoide aumentam a síntese e degradação de proteínas.
São fundamentais durante a fase de crescimento e sua inibição (hipotireoidismo)
pode inibir o crescimento pela redução da síntese proteica. Em excesso esses
hormônios têm efeitos catabólicos, aumentando muito mais a degradação de
proteínas do que a síntese (balanço nitrogenado negativo). Isso acontece
também em dietas restritas em calorias, lipídios e carboidratos, pois o aumento
do metabolismo (pelo uso de T3 ou T4) com restrição de calorias aumenta
mobilização tanto dos estoques de gordura, como também das proteínas
musculares.
1.4) PROTEÍNAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES
As recomendações de proteínas para adultos saudáveis se baseiam em
estudos que usam o método do balanço nitrogenado. Esse método avalia a
perda diária de nitrogênio, que ocorre principalmente pela urina na forma de
ureia. A ingestão dietética recomendada (RDA) de proteínas para adultos é de
0,8 g/kg. A RDA avalia a necessidade do nutriente necessária para atender as
necessidades de aproximadamente 98% da população.
Embora nosso organismo priorize o uso de carboidratos e gorduras como
fonte de energia, a oxidação de proteínas diária é aproximadamente 10% do
gasto energético diário. Para um indivíduo sedentário, pesando 70-80 kg, o gasto
energético diário (GET) fica em torno de 2500 a 2800 kcal (equações para
cálculo do GET são discutidas no capítulo 6), dependendo do nível de atividade
física. Calculando 10% do GET e transformando o valor em gramas (1 g = 4
kcal), obtemos:
- 2500 x 0,1 = 250 kcal → 250/4 = 62,5 g (1)
17
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
- 2800 x 0,1 = 280 kcal → 280/4 = 70,0 g (2)
Considerando a RDA para proteínas de 0,8 g/kg, obtemos:
- 70 x 0,8 = 56 g
- 80 x 0,8 = 64 g
Que estão bem próximos dos valores encontrados nas relações (1) e (2).
O uso de proteínas no exercício aeróbico vai depender da duração e
intensidade do exercício, mas dificilmente passa dos 5–10% do gasto energético
do exercício. Durante o exercício de alta intensidade (> 70% do VO2máx) o
principal substrato energético é o carboidrato, enquanto no exercício de baixa
intensidade (< 60% do VO2máx) o principal substrato energético é a gordura. De
qualquer forma, um grande volume de exercício aeróbico (> 2-3h) pode aumentar
a degradação de proteínas.
Em indivíduos que praticam treinamento resistido (musculação) a
necessidade de proteínas fica na faixa de 1,6 a 2,2 g/kg segundo estudos que
avaliam balanço nitrogenado (MORTON, 2018). Estamos considerando
indivíduos que mantém uma ingestão normal de energia e carboidratos ou estão
em superávit calórico. O aumento de calorias e carboidratos na dieta minimiza a
degradação de proteínas, reduzindo o catabolismo de aminoácidos e favorece o
uso desses para síntese proteica. Esse é o “efeito poupador de proteínas” dos
carboidratos.
Como em dieta hipocalórica a necessidade de proteínas pode ser maior
devido ao aumento da degradação de proteínas, é prudente aumentar o
consumo de proteínas para poupar massa muscular, principalmente se o déficit
calórico for muito grande e a dieta for pobre em carboidratos (low carb). Nessas
condições, a degradação de proteínas é estimulada pela redução dos níveis de
insulina (hormônio anticatabólico) e pelo aumento do cortisol, que além de
estimular a degradação proteica também estimula a gliconeogênese.
Alguns estudiosos recomendam aumentar a ingestão de proteínas para
cerca de 2,0–3,0 g/kg em fisiculturistas naturais (que não usam esteroides
18
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
anabolizantes) ou indivíduos magros que buscam atingir um baixo percentual de
gordura (HELMS, 2014). Essa recomendação é prudente para esses indivíduos
porque o catabolismo de proteínas é maior em indivíduos magros e menor para
obesos. Com menor reserva de gordura, as proteínas musculares acabam
contribuindo mais para produção de energia e também para a gliconeogênese.
A principal característica das diversas “dietas da moda” é recomendar um
aumento da ingestão de proteínas, não tanto pelo objetivo de ajudar a manter a
massa muscular, mas principalmente porque as proteínas podem ajudar a perder
peso aumentando a saciedade e o gasto energético (termogênese induzida pela
dieta, TID).
Embora aumentar o consumo de proteínas eleve o gasto energético, o
efeito das proteínas sobre a saciedade parece ser muito mais importante para
ajudar na perda de peso e na manutenção da perda de peso em dietas
hipocalóricas e hiperproteicas. Esse efeito das dietas hiperproteicas sobre a
saciedade parece ser modulado através de hormônios peptídeos liberados pelo
trato gastrointestinal. A liberação dos neuropeptídeos anorexígenos GLP-1
(peptídeo semelhante a glucagon 1), colecistocinina (CCK) e peptídeo YY (PYY)
intensifica com o aumento da ingestão de proteínas, enquanto as concentrações
de grelina (hormônio que aumenta a fome) estão reduzidas.
1.5) RECOMENDAÇÃO DE PROTEÍNA PARA HORMONIZADOS
O grande fisiculturista Nasser El Sombaty dizia que consumia apenas 100
g de proteínas em off season, em uma dieta com 80% de carboidratos. Já no
período pré-competição (pré-contest) Nasser dizia consumir 400-600 g de
proteínas e apenas 80-250 g de carboidratos. Ingerir mais proteínas durante uma
dieta hipocalórica faz mais sentido do que ter uma grande ingestão de proteínas
em uma dieta hipercalórica. Isso acontece porque durante a restrição calórica a
síntese proteica tende a reduzir, enquanto a degradação de proteínas tende a
aumentar.
A redução das calorias e dos níveis de insulina favorece a oxidação de
gorduras e o aumento da gliconeogênese (síntese de glicose a partir de
19
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
compostos não carboidratos, como aminoácidos, glicerol e lactato). Os
aminoácidos provenientes do músculo são os principais substratos para
gliconeogênese. A gliconeogênese é um processo importante em uma dieta
hipocalórica porque o cérebro e as hemácias usam glicose como fonte de
energia, enquanto os demais tecidos do organismo podem usar os ácidos graxos
como principal substrato energético. Embora nosso organismo priorize as
reservas de gordura como fonte de energia em uma dieta hipocalórica, a
degradação de proteínas tende a aumentar com uma grande restrição de
calorias e carboidratos, e também quando o indivíduo está com um percentual
de gordura muito reduzido. Dessa forma, é prudente aumentar o consumo de
proteínas nessas condições. Alguns estudos recomendam o consumo de
aproximadamente 2,0-3,0 g/kg de proteínas para fisiculturistas naturais no
período pré-competição (pré-contest).
Para um fisiculturista pesando 120-130 kg (como Nasser El Sombaty) 100
g de proteínas é muito pouco, apesar dos esteroides favorecerem um "maior
aproveitamento das proteínas", aumentando síntese proteica e reduzindo
degradação proteica. Seria estranho Nasser mentir a esse respeito, até porque
outros fisiculturistas como Mike Mentzer e Tom Platz também relatavam
consumir menos proteína que a grande maioria dos fisiculturistas.
Para um indivíduo natural que treina musculação a recomendação de
proteínas para hipertrofia é de 1,6 a 2,2 g/kg (MORTON, 2018). Para um
indivíduo que faz uso de esteroides anabolizantes é de se esperar valores
maiores, mas pouco provável algo como 4,0-5,0 g/kg de proteínas, justamente
pelos esteroides também reduzirem a degradação proteica, além de aumentar a
síntese.
O pesquisador Shalender Bhasin (expert em estudos com doses elevadas
de testosterona) já realizou diversos estudos com doses suprafisiológicas de
testosterona, chegando a utilizar dosagens de 600 mg por semana em indivíduos
jovens e idosos. Nos estudos de Bhasin a ingestão de proteínas ficou entre 1,2
a 1,5 g/kg e os ganhos de massa livre de gordura ficaram na média de 6,0 a 8,0
kg (com 600 mg de enantato de testosterona por semana), utilizando somente
testosterona por 10 e 20 semanas respectivamente (BHASIN, 1996; BHASIN,
20
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
2001). Ou seja, embora a grande maioria dos fisiculturistas utilize grandes
quantidades de proteínas na dieta (> 3,0 g/kg), é possível ter uma ótima resposta
utilizando quantidades bem menores, como 1,0 a 1,5 g/kg. Mesmo que essas
quantidades possam não ser as melhores para otimizar os ganhos de massa
muscular, os estudos de Bhasin dão certo suporte às alegações de Mike Mentzer
e Nasser El Sombaty.
Acredito que mesmo para fisiculturistas hormonizados uma quantidade de
proteínas maior que 2,5 g/kg seja desnecessária para hipertrofia muscular. A
quantidade exata não há como saber, até porque depende das dosagens de
esteroides e do potencial genético do indivíduo. Lembrando que em déficit
calórico e quando o percentual de gordura está baixo uma quantidade maior de
proteínas pode ser justificada, principalmente por seus efeitos na preservação
da massa muscular, no aumento da saciedade e do gasto energético (HALUCH,
2020).
Tabela 1.2. Homens jovens com idade entre 19 e 35 anos, 20 semanas usando enantato
de testosterona. Alterações na massa livre de gordura (MLG) com diferentes dosagens
de testosterona (BHASIN, 2001).
Dosagem (enantato de
Testosterona total
Alteração na MLG
testosterona)
(ng/dl)
25 mg
253
- 1,0 kg
50 mg
306
+ 0,6 kg
125 mg
570
+ 3,4 kg
300 mg
1345
+ 5,2 kg
600 mg
2370
+ 7,9 kg
21
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
1.6) EXISTE UM LIMITE PARA ABSORÇÃO DE PROTEÍNAS
POR REFEIÇÃO?
Ao ingerir proteínas, elas serão degradadas nos seus componentes
fundamentais, os aminoácidos. Os aminoácidos são absorvidos no intestino
delgado e utilizados para diversas funções. A absorção de proteínas não é
limitada, podendo levar várias horas de acordo com tipo de alimento ingerido
(tabela 1.3). No entanto, existe uma limitação para o nosso organismo sintetizar
proteínas. Por isso não é inteligente consumir apenas 1-2 refeições com
proteínas no dia pensando em hipertrofia muscular, assim como também não é
inteligente um indivíduo de 70-80 kg consumir uma grande quantidade de
proteína de rápida absorção de uma única vez (60 g de whey por exemplo). A
rápida absorção dos aminoácidos do whey aumenta sua oxidação, já que apenas
uma parte desses aminoácidos consegue ser utilizada para síntese proteica
muscular (síntese de actina e miosina).
Tabela 1.3. Taxas de absorção de diferentes fontes de proteínas (BILSBOROUGH,
2006).
Fonte de proteína
Taxa de absorção (g/h)
Ovo cru
1,3
Ervilha
2,4
Ovo cozido
2,8
Leite
3,5
Proteína isolada de soja
3,9
Caseína isolada
6,1
Whey isolado
8-10
22
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 1.3. Visão geral simplificada da utilização das proteínas ingeridas no corpo inteiro
em repouso. Da proteína ingerida, aproximadamente 50% é extraída pelos tecidos
esplâncnicos (intestino, fígado), para a produção de energia e síntese proteica local,
antes de entrar na circulação periférica. Curiosamente, apenas cerca de 10% da
proteína ingerida é utilizada para a síntese de proteínas do músculo esquelético (actina,
miosina), enquanto o restante (~ 40%) é catabolizado (STOKES, 2018).
Boa parte dos aminoácidos absorvidos no nosso intestino será utilizada
para a produção de energia ou para a síntese de proteínas essenciais para o
funcionamento do organismo (figura 1.3), como hormônios, enzimas, proteínas
do sistema imune, proteínas transportadoras (albumina, hemoglobina), proteínas
musculares (actina e miosina). No entanto, a síntese proteica depende da
necessidade do organismo.
O indivíduo pode estimular o aumento da síntese proteica muscular com
treinamento resistido, com a ingestão de proteínas e/ou usando hormônios
(esteroides anabolizantes), mas existe um limite para isso. O excesso de
aminoácidos não utilizado para a síntese proteica pode virar glicose (jejum, low
carb, dieta hipocalórica), ácidos graxos através da lipogênese (menos provável)
ou energia (mais provável).
Para o aminoácido virar glicose, ácido graxo ou produzir energia (ATP) é
necessário perder seu grupo amino (NH2), que é removido na forma de amônia
(NH3). A amônia é tóxica ao organismo e por esse motivo é convertida em ureia
23
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
no fígado (figura 1.4). A ureia circula no sangue até ser excretada pela urina.
Níveis de ureia podem estar elevados na doença renal e em dietas
hiperproteicas. Assim fica claro que níveis de ureia elevados podem significar
elevado catabolismo de proteínas/aminoácidos, já que os aminoácidos em
excesso não serão utilizados para síntese proteica e sim catabolizados,
perdendo seu grupo amino (nitrogênio), e sendo utilizados para produção de
energia (oxidação), glicose (gliconeogênese) ou ácidos graxos (lipogênese).
Níveis de ureia elevados são comuns em fisiculturistas que consomem grandes
quantidades de proteínas na dieta, principalmente acima de 2,5-3,0 g/kg.
Figura 1.4. Ao ingerir proteínas elas serão degradadas nos seus componentes
fundamentais, os aminoácidos. Os aminoácidos são absorvidos no intestino delgado e
utilizados para diversas funções. Boa parte deles será utilizada para síntese de
proteínas essenciais para o funcionamento do organismo, como hormônios, enzimas,
proteínas do sistema imune, proteínas musculares (actina e miosina). No entanto, a
síntese proteica depende da necessidade do organismo. Para o aminoácido virar
glicose, ácido graxo ou produzir energia (oxidação) é necessário perder seu grupo
amino, que é removido na forma de amônia (NH3). A amônia é tóxica ao organismo e
por esse motivo é convertida em ureia no fígado. A ureia circula no sangue até ser
excretada pela urina. Níveis de ureia podem estar elevados na doença renal e em dietas
hiperproteicas.
24
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Dificilmente seu corpo irá utilizar mais que 2,0-2,5 g/kg de proteínas por
dia, mesmo utilizando hormônios (esteroides, GH, insulina). Por isso, ingerir 4,0
ou 5,0 g/kg de proteínas por dia não irá aumentar os ganhos de massa muscular
continuamente, já que o excesso de proteínas não irá estimular a síntese
proteica muscular. O excedente dos aminoácidos é oxidado e podemos verificar
isso observando altos níveis de ureia em pessoas que consomem muita proteína.
Caso seus níveis de ureia estejam elevados é um forte indício de que você está
com excedente de proteínas na dieta, o que significa que seu músculo não está
aproveitando esse excesso de proteínas.
1.7) QUANTIDADE DE PROTEÍNA POR REFEIÇÃO
Embora não seja necessário comer a cada 3 horas para ganhar massa
muscular e perder gordura, é preciso fazer considerações importantes sobre a
frequência do consumo de proteínas e a manipulação dos carboidratos nos
períodos pré e pós-treino. Pesquisadores que estudam as necessidades de
proteínas no treinamento de força (Stuart Phillips, Van Loon, Brad Shoenfeld,
Alan Aragon) recomendam que a proteína total diária seja dividida em pelo
menos 3 a 4 refeições com 0,25 – 0,50 g/kg /refeição (25-50 g de proteína por
refeição para um atleta de 100 kg), com uma refeição com mais proteínas antes
de dormir (~ 0,5 g/kg de uma proteína de lenta absorção, como caseína, ovos,
carnes etc), devido ao período de várias horas que ficamos em jejum, o que
atenuaria o catabolismo proteico durante o sono. Mas fique tranquilo, você não
vai perder massa muscular apenas porque ficou algumas horas sem comer,
mesmo não seguindo fielmente as recomendações dos especialistas. A perda
de massa muscular é um processo crônico, que depende de vários fatores além
da simples restrição calórica-proteica, como o treinamento e o ambiente
hormonal.
Um longo tempo sem ingerir proteínas diminui a síntese proteica e
aumenta a degradação de proteínas. Por esse motivo, o jejum intermitente
parece ser uma estratégia mais limitada para promover hipertrofia muscular,
25
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
embora não pareça ser um problema quando se trata de manutenção da massa
muscular e otimização da perda de gordura (mais detalhes na seção 7.5).
Tabela 1.4. Dois modelos de dieta com diferentes distribuições de proteínas para um
indivíduo com 80 kg consumindo 2,2 g/kg de proteínas (176 g).
DIETA 1
DIETA 2
Refeição 1 – desjejum: 25 g
Refeição 1 – desjejum: sem proteína
Refeição 2 – almoço: 30 g
Sem refeição
Refeição 3 - pré-treino: 25 g
Refeição 2 - pré-treino/almoço: 45 g
Treino
Treino
Refeição 4 - pós-treino: 35 g
Refeição 3 - pós-treino: 50 g
Refeição 5 – jantar: 30 g
Refeição 4 – jantar: 40 g
Refeição 6 – ceia: 35 g
Refeição 5 – ceia: 45 g
Total: 180 g de proteínas
Total: 180 g de proteínas
A maioria dos fisiculturistas prefere ingerir proteínas em todas as
refeições, seja porque acreditam que isso é o melhor para o ganho de massa
muscular, ou, também, porque acreditam que refeições sem proteínas podem
aumentar o catabolismo muscular. O mais comum é observar fisiculturistas
ingerindo entre 6 e 8 refeições por dia, com cerca de 25-30 g de proteína por
refeição (equivalente a 30 g de whey, 150 g de frango cru ou 8 claras). Para um
fisiculturista de 80 kg uma dieta de 6 refeições com 25-30 g de proteína por
refeição equivale a uma quantidade de proteína diária de 150-180 g, que fica
próximo das recomendações de 2,0 g/kg para esses atletas. Importante lembrar
que muitos fisiculturistas não contabilizam as proteínas de origem vegetal na
dieta, o que é um grande equívoco. O mais importante no final do dia é bater as
recomendações diárias, independente de usar 30 g em uma refeição ou 50 g em
outra, dividindo entre 3 e 6 refeições durante o dia.
26
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BHASIN, S. et al. Testosterone dose-response relationships in healthy young
men. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2001.
BILSBOROUGH, S.; MANN, N. A review of issues of dietary protein intake in
humans. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2006 Apr;16(2):129-52.
HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo – bioquímica, fisiologia e nutrição.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021.
HALUCH, D. Testosterona (fisiologia, estética e saúde). 2020.
HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
HELMS, E. R.; ARAGON, A.; FITSCHEN, P. J. Evidence-based
recommendations for natural bodybuilding contest preparation: nutrition and
supplementation. Journal Of The International Society Of Sports Nutrition, [s.l.],
v. 11, n. 1, p.1-20, 2014.
HELMS, E. R. et al. A Systematic Review of Dietary Protein during Caloric
Restriction in Resistance Trained Lean Athletes: A Case for Higher
Intakes. International Journal Of Sport Nutrition And Exercise Metabolism, [s.l.],
v. 24, n. 2, p.127-138, abr. 2014. Human Kinetics.
HOFFMAN, Jay R.; FALVO, Michael J. Protein – Which is Best? Journal Of
Sports Science & Medicine. Las Vegas, p. 118-130. jun. 2005.
MORTON, R. et. al, A systematic review, meta-analysis and meta-regression of
the effect of protein supplementation on resistance training-induced gains in
muscle mass and strength in healthy adults. Br J Sports Med. Mar;52(6):376384. 2018.
SCHAAFSMA, Gertjan. The Protein Digestibility–Corrected Amino Acid
Score. The Journal of Nutrition. Rockville, p. 1865-1867. jul. 2000.
STOKES, T. et al. Recent Perspectives Regarding the Role of Dietary Protein
for the Promotion of Muscle Hypertrophy with Resistance Exercise Training.
Nutrients. Feb 7;10(2):180, 2018.
UMPLEBY, AM.; RUSSELL-JONES, DL. The hormonal control of protein
metabolism. 1996.
27
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
2
SUPLEMENTOS E HIPERTROFIA
MUSCULAR
2.1) INTRODUÇÃO
A suplementação de proteínas e aminoácidos é muito comum entre
fisiculturistas. A maioria dos atletas acredita que a suplementação pode trazer
benefícios adicionais no desempenho e na hipertrofia muscular. Os
pesquisadores já são mais céticos, pois as evidências científicas não dão muito
suporte para a efetividade da maioria dos suplementos de aminoácidos. Vou
considerar aqui as duas posições e tentar contextualizar melhor até que ponto o
uso desses suplementos pode ser efetivo ou desnecessário.
2.2) PROTEÍNA DO SORO DO LEITE (WHEY)
Suplementos de proteína em pó estão entre os mais utilizados pelos
fisiculturistas e atletas fitness. Duas proteínas do leite ganham destaque, o whey
protein (proteína do soro do leite) e a caseína. O soro do leite equivale a 20%
das proteínas do leite, enquanto a caseína compõe os outros 80%. Um litro de
leite tem aproximadamente 30 g de proteínas (6 g a cada 200 ml), sendo 6 g de
proteína do soro do leite (20%) e 24 g de caseína (80%).
O soro do leite é o suplemento proteico mais largamente utilizado por
atletas e praticantes de musculação e tem um forte apelo comercial. Também é
a fonte de proteína mais estudada quando se trata de hipertrofia muscular. O
whey é uma proteína de alta qualidade, alto valor biológico, rica em aminoácidos
essenciais, principalmente os BCAAs. É uma proteína de absorção rápida e com
28
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
maior potencial para elevação da síntese proteica muscular, devido ao seu alto
teor de leucina (~ 3 g por dose).
Existem basicamente 3 tipos de whey, de acordo com o processamento:
concentrado, isolado e hidrolisado. O whey concentrado apresenta maior teor de
carboidratos (incluindo lactose) e cerca de 70-80% de proteínas em sua
composição. O whey isolado apresenta baixo teor de carboidratos (sem lactose)
e cerca de 90% de proteínas. O whey hidrolisado é a proteína pré-digerida, que
disponibiliza cadeias de dipeptídeos e tripeptídeos e por isso também o que
apresenta maior velocidade de digestão e absorção (cerca de 1 hora). Não
existem vantagens em relação aos resultados na hipertrofia muscular usando a
versão isolada ou hidrolisada quando comparadas à versão concentrada. A
vantagem do whey isolado é que ele pode ser utilizado por indivíduos
intolerantes à lactose, enquanto o hidrolisado pode ser utilizado por indivíduos
alérgicos às proteínas do leite ou com problemas na digestão.
Um estudo (TANG, 2009) comparou a resposta aguda da síntese proteica
muscular (SPM) de proteínas digeridas rapidamente (hidrolisado de soro de leite
e soja) e lentamente (caseína micelar) em repouso e após exercício resistido. A
SPM foi maior após o consumo de whey hidrolisado tanto em repouso, como
após o exercício.
Concluímos que a simulação da SPM induzida pela alimentação
em homens jovens é maior após o consumo de hidrolisado de
soro de leite ou proteína de soja do que a caseína em repouso e
após o exercício resistido; além disso, apesar de serem
proteínas rápidas, o hidrolisado de soro de leite estimulou a SPM
em maior grau do que a soja após o exercício resistido. Essas
diferenças podem estar relacionadas à rapidez com que as
proteínas são digeridas (isto é, rápido versus lento) ou
possivelmente a pequenas diferenças no conteúdo de leucina de
cada proteína (TANG, 2009).
29
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 2.1. Taxa sintética fracionária de proteína muscular mista (FSR) após a ingestão
de hidrolisado de soro de leite, caseína ou proteína de soja em repouso e após exercício
resistido (TANG, 2009).
Apesar da larga propaganda da indústria de suplementos que uma
proteína de rápida absorção deveria ser utilizada depois do treino de
força/hipertrofia, visando ofertar rapidamente aminoácidos para a síntese
proteica, não existem boas evidências que uso de uma proteína de rápida
absorção seja superior a um alimento (carne, frango, ovos, leite) quando se trata
de ganhos de massa muscular. Na verdade, a rápida absorção de aminoácidos
promovida com altas doses de whey (> 20-30 g), além de aumentar a síntese
proteica muscular, pode também aumentar a oxidação de aminoácidos,
utilizando esses aminoácidos como fonte de energia, ao invés de serem
utilizados para síntese proteica.
O soro do leite pode ser uma ótima proteína para ser utilizada depois do
treino, mas parece que uma combinação de proteínas rápidas e lentas, ou
apenas lentas (caseína, albumina), seja mais interessante para um melhor
aproveitamento dos aminoácidos na síntese proteica (Lyle McDonald). Outro uso
interessante do whey é no pré-treino, pois a rápida digestão dessa proteína evita
desconfortos durante o treino. Ele também pode ser utilizado em refeições
rápidas durante o dia, quando o preparo e transporte de uma refeição sólida são
mais complicados.
30
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
2.3) CASEÍNA E LEITE
A caseína é uma proteína de absorção lenta, que libera os aminoácidos
de forma lenta na corrente sanguínea, mantendo os níveis desses aminoácidos
mais estáveis por várias horas (7-8 horas). A caseína também é uma proteína
de alta qualidade, alto valor biológico e rica em aminoácidos essenciais.
Comparada a whey, a caseína mostrou menor estímulo na síntese proteica, mas
mostrou melhor balanço líquido de leucina, melhor retenção de aminoácidos e
menor degradação de proteínas. Enquanto whey é uma proteína mais anabólica,
por seu potente efeito estimulador sobre a síntese proteica, a caseína é uma
proteína mais anticatabólica, devido ao seu potencial para reduzir a degradação
de proteínas. Por esse motivo, especialistas e fisiculturistas gostam do uso da
caseína na última refeição, antes de dormir. Nada impede de utilizá-la em outros
horários e pode ter um uso interessante após o treino também, principalmente
em combinação com whey. Nesse caso, seria mais barato usar o próprio leite
como fonte de proteínas, já que é um blend natural composto por 20% de whey
e 80% de caseína. Estudos mostraram que o leite apresenta um bom potencial
para melhorar a composição corporal, principalmente ajudar no ganho de massa
muscular. A mistura de whey com leite também pode ser muito interessante após
o treino de hipertrofia, já que oferece uma mistura de proteína rápida com lenta.
Atrasar a absorção da proteína não é um problema, já que a “janela anabólica”
pós-treino pode durar várias horas (mais detalhes na seção 7.2).
2.4) ALBUMINA E PROTEÍNA DE SOJA
Albumina é a principal proteína presente na clara do ovo e pode ser
encontrada na forma de suplemento em pó. Também é uma proteína de
absorção lenta (não tanto como a caseína) e de alto VB, rica em aminoácidos
essenciais. Tanto a albumina como a proteína isolada da soja apresentam um
custo mais barato que o whey e a caseína, e ambas são proteínas de alta
qualidade, ricas em aminoácidos essenciais, incluindo a leucina.
Muitos fisiculturistas têm medo de usar a proteína da soja, pois acreditam
que ela pode reduzir os níveis de testosterona, devido à presença de
31
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
fitoestrógenos (isoflavonas). As principais evidências não suportam essas
alegações em humanos (HAMILTON-REEVES, 2010). Os fitoestrógenos da soja
têm baixa afinidade com os receptores de estrogênio.
Tabela 2.1. Quantidade aproximada de BCAA em alguns suplementos proteicos. A
quantidade de BCAA é um bom parâmetro para avaliar a qualidade de uma proteína.
Para compensar o menor teor de BCAA e leucina a proteína de soja pode ser utilizada
em maior quantidade ou misturada com outras fontes (whey, albumina, leite), formando
um blend de proteínas.
Suplemento
Whey
Albumina
Proteína isolada
de soja
Quantidade de
5,5 g de BCAA
5,1 g de BCAA
3,6 g de BCAA
BCAA em 24 g
de proteínas
Apesar do grande potencial dos suplementos proteicos para auxiliar no
ganho de massa muscular, o grande pesquisador Stuart Phillips afirma que não
existem evidências que esses suplementos sejam mais eficazes que o consumo
de proteínas dietéticas de alta qualidade (carnes, peixes, ovos, frango, leite).
2.5) SUPLEMENTAÇÃO DE AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS
Suplementos de aminoácidos essenciais (AAEs) são a nova promessa do
mercado de suplementos. Muitos marqueteiros alegam que a suplementação de
AAEs é superior ao consumo de alimentos sólidos fontes de proteínas, como
carne, frango, ovos e whey. Na verdade, o aproveitamento desses aminoácidos
pelo organismo não é superior a uma fonte de proteínas completas. Além disso,
os alimentos além de possuírem os aminoácidos essenciais também possuem
os demais aminoácidos, os não essenciais (tabela 2.2), que podem ser
sintetizados pelo organismo. A alegação de que suplementos de AAEs podem
oferecer benefícios superiores (maior síntese proteica e hipertrofia muscular) aos
alimentos fontes de proteínas não tem nenhum embasamento científico.
Um estudo mostrou que adicionar leucina ou uma mistura de AAEs sem
leucina a uma dose subótima do soro do leite (6,25 g de whey) é tão eficaz
quanto 25 g de soro do leite para estimular as taxas de síntese proteica muscular
32
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
(SPM); no entanto 25 g de soro do leite são mais adequados para estimular o
anabolismo muscular induzido por exercícios resistidos (musculação). O whey
sustentou por mais tempo as taxas de SPM induzidas pelo exercício
(CHURCHWARD-VENNE, 2012).
Tabela 2.2. Aminoácidos não essenciais (dispensáveis) e essenciais (indispensáveis).
Aminoácidos não essenciais
Aminoácidos essenciais
arginina, alanina, tirosina, aspartato,
fenilalanina, metionina, lisina, leucina,
asparagina, glutamato, glutamina,
valina, isoleucina, triptofano, treonina,
cisteína, serina, glicina, prolina
histidina
2.6) SUPLEMENTAÇÃO DE BCAA E LEUCINA
Os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs, branched chain amino
acids) são três aminoácidos essenciais (valina, leucina, isoleucina), que estão
presentes em grandes quantidades nos alimentos fontes de proteínas e no
músculo esquelético. Um diferencial desses aminoácidos é que eles são
oxidados no músculo, ao invés do fígado. Além de serem utilizados como fonte
de energia, os BCAAs também desempenham um importante papel na regulação
da síntese proteica, principalmente a leucina. A leucina estimula a síntese
proteica através da ativação de uma proteína intracelular chamada de mTOR
(mammalian Target of Rapamycin). Esse estímulo da leucina sobre a mTOR
independe da presença dos outros dois aminoácidos de cadeia ramificada, mas
é importante lembrar que para sintetizar proteínas o nosso organismo precisa de
todos os outros aminoácidos essenciais.
A sinalização promovida pelo BCAA através da via Akt/mTOR irá
estimular a síntese proteica, mas na ausência dos demais aminoácidos
essenciais, o seu corpo precisa obter aminoácidos a partir da degradação das
proteínas do seu músculo, o que acaba resultando em redução da síntese
proteica muscular. Por isso, qualquer alimento fonte de proteínas é mais
vantajoso que consumir um suplemento de BCAA. O BCAA só tem utilidade se
consumido com proteínas, mas como sabemos esse excesso não irá trazer
benefícios se o indivíduo já consome proteína suficiente na dieta (~ 2,0 g/kg).
33
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 2.2. Esquema simplificado da ativação da via mTOR e da regulação da síntese
proteica, mostrando o papel do aminoácido leucina, que é o aminoácido da cadeia
ramificada (BCAA) mais importante no estímulo da síntese de proteínas. Além da
leucina, o treinamento de força e a dieta podem estimular a síntese proteica através da
liberação de hormônios como a insulina (carboidratos + proteínas) e o IGF-1 (treino). A
proteína AMPK é importante fator que inibe a via mTOR e a síntese proteica, e é
estimulada principalmente em situações de baixa disponibilidade de energia, como
restrição calórica e treinamento aeróbico.
A suplementação de BCAA pode ser muito importante em algumas
doenças, como uso terapêutico em doenças hepáticas e em indivíduos com
fenilcetonúria. Mas quando olhamos para o uso de BCAA para hipertrofia ou
como suplemento anti-catabólico existem muitas controvérsias e a tendência dos
grandes pesquisadores da área é considerar o uso de suplementos de BCAA
pouco relevante para essas finalidades. Segundo Lyle McDonald, na maioria dos
estudos onde BCAA teve algum benefício, foi em um contexto de ingestão
inadequada de proteínas.
Podemos entender melhor isso quando consideramos a presença desses
aminoácidos nos alimentos. Cada 100 g de proteína dos alimentos contém cerca
de 15-20 g de BCAA e as necessidades proteicas para indivíduos treinados varia
de 1,6 a 2,2 g/kg (com déficit calórico a demanda pode ser maior). Um indivíduo
de 70 kg deve ingerir cerca de 105-140 g de proteína e umas 20-25 g de BCAA
vindo dos alimentos. Isso já mostra o quanto a suplementação de cápsulas de
34
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
BCAA é inútil e cara, pois facilmente se obtém quantidades muito maiores dos
alimentos do dia a dia (frango, ovos, leite).
Será que a suplementação adicional de 5-15 g de BCAA por dia fará
diferença? Bom, é importante considerar que a síntese proteica não depende
apenas da quantidade de proteínas da dieta, mas também do balanço
energético, conteúdo de carboidratos da dieta, volume e intensidade do treino,
ambiente hormonal etc. Diversos estudos têm mostrado que o excesso de
proteína, acima de ~ 2,0 g/kg, não aumenta síntese proteica muscular. Sendo
assim, o excesso de proteína, BCAAs ou leucina, parece ser irrelevante para
promover hipertrofia muscular, principalmente em uma dieta hipercalórica, rica
em carboidratos. Seria muito mais útil gastar com proteínas em pó, como whey
protein, que já contém cerca de 2,5-3,0 g de leucina e 5-6 g de BCAAs por dose
(~ 30 g de pó de proteína).
Quando todas as evidências e teorias são consideradas juntas,
é razoável concluir que não há evidências confiáveis de que a
ingestão de um suplemento dietético de BCAAs por si só resulte
em um estímulo fisiologicamente significativo da proteína
muscular. De fato, as evidências disponíveis indicam que os
BCAAs realmente diminuem a síntese de proteínas musculares.
Todos os AAEs devem estar disponíveis em abundância para
aumentar a sinalização anabólica para traduzir a síntese
acelerada de proteínas musculares (WOLFE, 2017).
Os carboidratos têm efeito poupador de proteína, eles minimizam a
degradação proteica. Se o indivíduo está em déficit calórico e com uma grande
redução de carboidratos, a suplementação de BCAAs poderia ser útil. Porém,
isso vai depender do tamanho do déficit calórico e de quanta proteína na dieta o
indivíduo está utilizando. O uso de hormônios anabólicos (esteroides, GH,
insulina) também otimiza a eficiência do uso de proteína, aumentando a síntese
(anabolismo) e minimizando a degradação proteica (catabolismo). Nesse
contexto podemos ver que o uso de suplementos de BCAA tem baixo custo
benefício para evitar catabolismo e é ainda mais limitado quando se deseja
hipertrofia muscular.
Todos os argumentos utilizados para contestar a eficácia dos BCAAs para
hipertrofia muscular podem ser utilizados para a leucina, que é o principal
aminoácido envolvido no estímulo da síntese proteica muscular através da via
35
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
mTOR. Se um alimento é rico em proteínas, aminoácidos essenciais e BCAAs,
a adição de leucina não trará maiores benefícios no aumento da massa
muscular.
É uma crença popular de que as propriedades anabólicas da
leucina podem ser usadas para aumentar ainda mais o acúmulo
de proteína muscular pós-exercício e, como tal, maximizar a
resposta adaptativa do músculo esquelético ao exercício.
Embora tenha sido bem estabelecido que a ingestão de
aminoácidos e/ou proteínas aumenta as taxas de síntese de
proteínas musculares pós-exercício, as taxas máximas de
síntese de proteínas são alcançadas após a ingestão de
aproximadamente 20 g de proteína...Em suma, apesar de suas
propriedades anabólicas propostas, a co-ingestão de leucina
após o exercício parece não aumentar ainda mais a síntese de
proteínas musculares pós-exercício, quando já é fornecida
ampla proteína na dieta. Portanto, a suplementação com leucina
provavelmente não trará nenhum benefício para o atleta (VAN
LOON, 2012).
2.7) SUPLEMENTAÇÃO DE HMB
O beta-hidroxi-beta-metilbutirato (HMB) é um suplemento conhecido
principalmente por seus efeitos anticatabólicos. No entanto, o HMB também
pode aumentar a força, a síntese de proteínas (pela via mTOR) e a massa
muscular. O HMB pode ser produzido naturalmente pelo nosso organismo a
partir da leucina e também pode ser encontrado em alguns alimentos (alfafa,
toranja, bagre, leite materno). Porém, não é possível só com a alimentação
atingir as dosagens diárias de HMB necessárias para promover melhora da
composição corporal e ganho de força.
Os estudos com HMB geralmente utilizam dosagens que variam de 1 a 3
g por dia do suplemento, geralmente utilizado pré e/ou pós treino. Os resultados
dos estudos são controversos, principalmente porque em indivíduos treinados o
HMB geralmente não mostra benefícios nos ganhos de força e massa muscular.
Já em indivíduos idosos e não treinados o HMB tem apresentado resultados
razoavelmente satisfatórios, como aumento da massa muscular e ganhos de
força.
36
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Alguns estudos relataram ganhos extraordinariamente grandes de massa
magra e força por indivíduos treinados que ingeriram HMB, ganhos de ~ 7,0-8,0
kg de massa magra (WILSON, 2014). Esses resultados são semelhantes aos
encontrados em usuários de testosterona e esteroides anabolizantes e
obviamente não são nada confiáveis. De qualquer forma, uma meta-análise
recente (JAKUBOWSKI, 2020) não mostrou melhora da composição corporal ou
aumento da força com a suplementação de HMB em indivíduos jovens.
Muitos fisiculturistas têm utilizado esse suplemento, assim como BCAA e
leucina. Como vimos, as evidências não mostram resultados significativos em
indivíduos treinados, então é de se esperar que esse suplemento não seja
vantajoso para o uso em atletas (SANCHEZ-MARTINEZ, 2018). Claro que os
estudos não avaliam situações mais específicas, como é o caso de um
fisiculturista em restrição de calorias, com baixo percentual de gordura, durante
a fase de dieta pré-competição. Na fase de pré-contest, a restrição de calorias e
carboidratos aumenta a degradação de proteínas do músculo esquelético,
principalmente se o atleta já está com baixo percentual de gordura. Nessas
condições o HMB pode ter um uso interessante devido ao seu potencial efeito
anticatabólico. Já na fase de off season não vejo vantagem no uso do HMB.
2.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA
A creatina é considerada o suplemento com maior potencial ergogênico e
vem sendo estudada intensamente desde os anos 90, quando se tornou popular
depois que alguns atletas relataram seu uso nas olimpíadas de Barcelona em
1992. Diferente da maioria dos suplementos, a creatina é um suplemento para
aumento da performance que tem suporte de um bom conjunto de evidências
científicas.
A creatina é uma substância produzida pelo organismo, sintetizada
principalmente no fígado e nos rins a partir dos aminoácidos arginina, glicina e
metionina. A síntese endógena da creatina é de aproximadamente 1 g e por estar
presente nas carnes, uma dieta mista pode oferecer cerca de 1 g de creatina a
partir da alimentação. A quase totalidade da creatina do nosso corpo é
37
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
armazenada no músculo esquelético (95%) na forma de creatina livre e
fosfocreatina.
A função da creatina é fornecer o grupo fosfato (P) da fosfocreatina para
o ADP (adenosina difosfato), aumentando rapidamente a ressíntese de ATP
(ADP + P = ATP) durante um esforço de alta intensidade. Essa rápida produção
de ATP fornece energia aos músculos a uma taxa muito rápida, mas dura apenas
alguns poucos segundos (5-10 segundos). Por isso a aplicabilidade da creatina
inicialmente era limitada a exercícios de alta intensidade e curta duração
(anaeróbios).
No treinamento resistido (musculação) a creatina mostra grande potencial
para aumento da força e da massa magra. Esse ganho de massa magra é
atribuído à capacidade osmótica da creatina, que promove aumento da retenção
hídrica intracelular. No entanto, existem evidências que esse ganho de massa
magra, que varia de 1 a 2 kg em média, não é apenas retenção de água
intramuscular, mas também ocorre por aumento das proteínas musculares.
Mesmo não mostrando aumento na síntese e degradação proteica, a
suplementação de creatina parece aumentar níveis de IGF-1 no músculo e
reduzir as concentrações de miostatina (proteína que inibe a síntese proteica e
o crescimento muscular). O treinamento de força por si só já aumenta as
concentrações de IGF-1 e reduz a miostatina, mas a suplementação com
creatina mostrou um efeito adicional em conjunto com o exercício.
Os estudos mostram que a suplementação de creatina é segura, sem
prejuízos às funções renal e hepática. Os protocolos de uso geralmente
recomendam uma fase de saturação que pode durar de 4 a 7 dias, usando
dosagens de aproximadamente 20 g/dia (ou 0,3 g/kg/dia), seguida da fase de
manutenção, onde se usa 3 a 5 g por dia. Na fase de saturação se recomenda
dividir as dosagens 4 vezes ao dia e combinar creatina com alguma fonte de
carboidrato, pois a insulina facilita a captação de creatina pela fibra muscular.
Algumas pessoas podem optar por evitar a fase de saturação, mas dessa forma
o aumento do estoque intramuscular levará mais tempo.
A creatina pode ser usada tanto em uma dieta para ganho de massa
muscular (bulking), como também em uma dieta para definição muscular (pré38
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
contest/cutting). A maioria dos atletas de fisiculturismo prefere seu uso na fase
de hipertrofia (off season), devido ao aumento da força e da retenção hídrica
(retenção intramuscular).
A creatina é considerada por muitos especialistas o suplemento mais
eficaz para aumento da força e da massa magra:
O monohidrato de creatina é o suplemento nutricional
ergogênico mais eficaz atualmente disponível para atletas com
a intenção de aumentar a capacidade de exercícios de alta
intensidade e a massa corporal magra durante o treinamento.
A suplementação de monohidrato de creatina não é apenas
segura, mas foi relatado que possui vários benefícios
terapêuticos em populações saudáveis e doentes, variando de
bebês a idosos. Não há evidências científicas convincentes de
que o uso a curto ou longo prazo da creatina monohidratada (até
30 g/dia por 5 anos) tenha efeitos prejudiciais em indivíduos
saudáveis ou entre populações clínicas que podem se beneficiar
da suplementação de creatina (KREIDER, 2017)
39
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHURCHWARD-VENNE, T. et al. Supplementation of a suboptimal protein
dose with leucine or essential amino acids: effects on myofibrillar protein
synthesis at rest and following resistance exercise in men. J Physiol. 2012 Jun
1;590(11):2751-65.
HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
HAMILTON-REEVES, J. et al. Clinical studies show no effects of soy protein or
isoflavones on reproductive hormones in men: results of a meta-analysis. Fertil
Steril. Aug;94(3):997-1007, 2010.
HOFFMAN, Jay R.; FALVO, Michael J. Protein – Which is Best? Journal Of
Sports Science & Medicine. Las Vegas, p. 118-130. jun. 2005.
JAKUBOWSKI, J. et al. Supplementation with the Leucine Metabolite βhydroxy-β-methylbutyrate (HMB) does not Improve Resistance ExerciseInduced Changes in Body Composition or Strength in Young Subjects: A
Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients. 2020 May 23;12(5):1523.
KREIDER, R. et al. International Society of Sports Nutrition position stand:
safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and
medicine. J Int Soc Sports Nutr. 2017 Jun 13;14:18.
MCDONALD, Lyle. What Are Good Sources of Protein? – Protein
Quality. Disponível em: <http://www.bodyrecomposition.com/nutrition/what-aregood-sources-of-protein-protein-quality.html/>.
ROWLANDS, D. S.; THOMSON, J. S. Effects of β-Hydroxy-β-Methylbutyrate
Supplementation During Resistance Training on Strength, Body Composition,
and Muscle Damage in Trained and Untrained Young Men: A MetaAnalysis. Journal Of Strength And Conditioning Research, [s.l.], v. 23, n. 3,
p.836-846, maio 2009. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health).
SANCHEZ-MARTINEZ, J. et al. Effects of beta-hydroxy-beta-methylbutyrate
supplementation on strength and body composition in trained and competitive
athletes: A meta-analysis of randomized controlled trials. J Sci Med Sport 2018
Jul;21(7):727-735.
TANG, J. et al. Ingestion of whey hydrolysate, casein, or soy protein isolate:
effects on mixed muscle protein synthesis at rest and following resistance
exercise in young men. J Appl Physiol (1985). 2009 Sep;107(3):987-92.
VAN LOON, L. Leucine as a pharmaconutrient in health and disease. Curr Opin
Clin Nutr Metab Care. 2012 Jan;15(1):71-7.
WILSON, J. et al. The effects of 12 weeks of beta-hydroxy-beta-methylbutyrate
free acid supplementation on muscle mass, strength, and power in resistance40
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
trained individuals: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. Eur J
Appl Physiol. 2014 Jun;114(6):1217-27.
WOLFE, R. Branched-chain amino acids and muscle protein synthesis in
humans: myth or reality? J Int Soc Sports Nutr. Aug 22;14:30, 2017.
41
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
3
CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA
MUSCULAR
3.1) INTRODUÇÃO
Os carboidratos são as macromoléculas mais abundantes na natureza e
também a fonte preferencial de energia para a maior parte dos seres vivos. São
produzidos pelos vegetais através do processo de fotossíntese. Carboidratos
também possuem outras funções, como proteção e comunicação celular.
Normalmente mais de 50% das calorias da dieta dos seres humanos é composta
por carboidratos.
Os carboidratos são compostos por carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio
(O) em uma proporção C : H2 : O. A fórmula empírica dos carboidratos pode ser
escrita como (CH2O)n, mas alguns tipos de carboidratos podem conter outros
átomos, como nitrogênio, fósforo e enxofre.
Os carboidratos constituem a principal fonte de energia da dieta humana
e no esporte esse macronutriente geralmente tem um papel ainda mais
importante, pois um bom aporte de carboidratos está relacionado a um aumento
do desempenho do atleta em grande parte dos esportes. O consumo de “1 g de
carboidratos equivale a 4 kcal”. No fisiculturismo os carboidratos desempenham
um papel fundamental tanto para o ganho de massa muscular, como para a
perda de gordura. A manipulação dos carboidratos é a principal estratégia
nutricional utilizada por fisiculturistas durante o off season e o pré-contest, pois
os efeitos metabólicos dos carboidratos são fundamentais para regular o
crescimento muscular e a queima de gordura.
42
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
No capítulo um falei sobre a importância das proteínas na manutenção da
massa muscular durante a fase de perda de peso. O aumento das necessidades
proteicas durante uma dieta hipocalórica ocorre devido à redução das calorias e
carboidratos da dieta. Essa redução dos carboidratos e calorias aumenta a
queima de gordura, mas também aumenta a degradação de proteínas
musculares. Assim como o excesso de calorias e carboidratos durante uma dieta
hipercalórica diminui o catabolismo de proteínas e gorduras e pode favorecer o
ganho de massa muscular, como também o ganho de gordura. Como veremos
adiante,
esses
efeitos
metabólicos
dos
carboidratos
são
mediados
principalmente pelo hormônio insulina. Portanto, os carboidratos não são apenas
uma fonte de energia para os treinos, a sua manipulação tem grande importância
na regulação dos processos anabólicos e catabólicos do nosso organismo.
3.2) CLASSIFICAÇÃO DOS CARBOIDRATOS
Os carboidratos são classificados de acordo com seu grau de
polimerização (GP), segundo o número de ligações glicosídicas entre as
moléculas de monossacarídeos (figura 3.1), que são os carboidratos mais
simples, que não podem sofrer hidrólise (quebra). Os monossacarídeos por sua
vez podem se unir através de ligações glicosídicas, formando moléculas mais
complexas. Duas moléculas de monossacarídeos ligadas formam um
dissacarídeo e ligações entre 3 a 9 moléculas de monossacarídeos formam os
oligossacarídeos. As estruturas mais complexas, com várias moléculas de
monossacarídeos ligadas, formam polissacarídeos. Além
do
grau
de
polimerização também existem diferenças entre as ligações glicosídicas (tipo
alfa e não alfa) e essa distinção é importante para entender a diferença entre
carboidratos que sofrem digestão pelas enzimas intestinais e aqueles que não
sofrem digestão, as “fibras alimentares” (que tem ligações glicosídicas do “tipo
beta”). Além do GP e do tipo de ligação, os carboidratos também se distinguem
pelas características dos monômeros individuais (glicose, frutose, galactose).
43
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 3.1. Classificação dos carboidratos de acordo com o grau de polimerização e de
acordo com o tipo de ligação glicosídica (α, β). Nosso intestino só é capaz de absorver
os monossacarídeos (glicose, frutose, galactose), que são carboidratos simples. Os
dissacarídeos também são carboidratos simples (açúcares), formados por uma ligação
glicosídica entre dois monossacarídeos. Oligossacarídeos e polissacarídeos (amido,
celulose) formam estruturas mais complexas e precisam ser quebrados em
monossacarídeos (glicose, frutose) para serem absorvidos no intestino delgado.
Em 1997 um comitê da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO – Food
and Agriculture Organization) classificou os carboidratos em três grandes
classes, com subdivisões entre elas, de acordo com os critérios citados acima.
Os três grandes grupos de carboidratos classificados segundo o GP são:
açúcares (GP: 1 a 2), oligossacarídeos (GP: 3 a 9/10) e polissacarídeos (GP >
9/10). Os carboidratos podem ser divididos da seguinte forma:
1) Carboidratos simples (açúcares):
- Monossacarídeos: glicose, frutose, galactose;
- Dissacarídeos: sacarose (glicose + frutose), lactose (glicose + galactose),
maltose (glicose + glicose);
44
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
2) Carboidratos complexos:
- Oligossacarídeos: maltodextrina (5 a 10 moléculas de glicose), frutooligossacarídeos (FOS);
-
Polissacarídeos:
amido
(presente
nos
cereais,
tubérculos,
batatas,
leguminosas), glicogênio (reserva de glicose nos animais), celulose (presente na
parede celular das plantas).
3.3) FIBRAS ALIMENTARES
Fibras alimentares são carboidratos do tipo polissacarídeo não amido,
carboidratos não digeríveis. Os polissacarídeos não amido estão presentes em
diversos alimentos, principalmente em frutas, vegetais, leguminosas (feijão),
oleaginosas (linhaça) e grãos integrais. Além dos polissacarídeos não amido
(celulose,
hemicelulose,
gomas,
mucilagens,
pectinas),
os
fruto-
oligossacarídeos e o amido resistente também fazem parte do grupo das fibras
alimentares. Esses carboidratos não sofrem ação da enzima amilase porque
suas moléculas de glicose estão unidas por ligações glicosídicas do tipo beta 14. Segundo a definição do Codex Alimentarius:
Fibra alimentar é constituída de polímeros de carboidratos com
grau de polimerização maior que 3, que não são absorvidos e
digeridos no intestino delgado. Pode ser encontrada naturalmente
nos alimentos como são consumidos, obtida de material cru por
meio físico, químico, enzimático ou, ainda, por síntese. Apresenta
uma ou mais das seguintes características: diminui o trânsito
intestinal e aumenta o bolo fecal; é fermentada pela flora
bacteriana, reduz os níveis de LDL-colesterol; reduz os níveis
plasmáticos de glicose e insulina (PHILIPPI, 2014).
Além de todos esses benefícios para a saúde, reduzindo o risco de doenças
crônicas
não
transmissíveis
(obesidade,
diabetes,
câncer,
doenças
cardiovasculares etc), as fibras alimentares também ajudam no controle da
saciedade e isso pode fazer muita diferença durante uma dieta para perda de
peso/gordura.
As recomendações para o consumo de fibras alimentares são de 25 a 35 g
por dia (ou 14 g a cada 1000 kcal segundo o Instituto de Medicina, IOM), mas
45
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
boa parte da população consome muito menos que isso, devido ao baixo
consumo de frutas, vegetais e grãos integrais, aumento do consumo de
carboidratos refinados (baixo teor de fibras) e gorduras.
As fibras podem ser classificadas em solúveis (formam géis, aumentando
a retenção de água) e insolúveis, mas essa divisão deixou de ser usada por não
ser preditiva de efeitos benéficos das fibras. Além disso, as fibras podem ser
classificadas por outras características mais importantes, como viscosidade e
fermentabilidade.
3.4) FRUTAS E FRUTOSE
Recentemente a frutose tem sido acusada de trazer grandes malefícios à
saúde, associadas ao aumento da obesidade, triglicerídeos e outras
características relacionadas à síndrome metabólica (resistência à insulina).
Cerca de 10% das calorias (~ 55 g dia) contidas em dietas ocidentais provêm da
frutose e sua principal fonte é a sacarose (açúcar), um dissacarídeo formado
pelos monossacarídeos glicose e frutose. A frutose também é encontrada em
grandes quantidades no mel, no xarope de milho e em menor quantidade nas
frutas.
Muita gente acredita que a frutose pode levar a um ganho de gordura ou
prejudicar a sua perda, e acabam retirando as frutas da dieta. Na verdade a
maior parte das frutas tem pouca frutose e muitas ainda possuem baixa caloria
(morango, abacaxi, melão, melancia etc). Frutas tem fibras solúveis, que ajudam
a retardar a absorção do açúcar e a forma física e estrutura celular da fruta inteira
provavelmente têm um efeito maior, ao sequestrar o açúcar da superfície do
intestino delgado. Além disso, frutas contém micronutrientes e antioxidantes que
podem auxiliar contra a inflamação hepática e a resistência à insulina (LUDWIG,
2013). As frutas deveriam estar sempre presentes na dieta e não há nenhuma
razão muito inteligente para evita-las. Mesmo em dietas pobres em carboidratos
(dieta cetogênica) é possível consumir frutas de baixa caloria e pode ser uma
grande vantagem manter esses alimentos nessas condições, tanto por questões
de saúde, como pela eficiência do metabolismo e pela palatabilidade da dieta.
46
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
As frutas são fontes de carboidratos simples (glicose, frutose, sacarose)
e também possuem fibras e vitaminas, principalmente vitamina C. O teor de
calorias e carboidratos varia bastante entre diferentes tipos de frutas, por isso é
importante considerar a informação nutricional da fruta escolhida durante a
montagem do planejamento nutricional. Além de alimentos saudáveis, as frutas
também apresentam boa palatabilidade. Esses atributos tornam esses alimentos
muito interessantes para qualquer fase da dieta. Além disso, o medo da frutose,
quando advinda das frutas, é infundado, pois a quantidade é irrelevante para
causar algum tipo de problema.
Algumas frutas podem ser mais interessantes em uma dieta para perda
de peso, principalmente as de baixa carga glicêmica (CG), com baixo teor
calórico, como melancia, melão, morango, abacaxi e mamão. Apesar de ser
muito consumida por fisiculturistas, a banana é uma das frutas mais calóricas,
com alto teor de carboidratos comparada à maioria das outras frutas. O abacate
também é uma excelente fruta para ser utilizada em dietas pobres em
carboidratos e tem características muito interessantes, como alto teor de
gorduras boas (monoinsaturadas) e fibras.
Apesar das frutas serem compostas por carboidratos simples (glicose,
frutose, sacarose), elas também possuem fibras e fitoquímicos (flavonoides,
carotenoides), e seu consumo está associado a menor ganho de peso no longo
prazo. No entanto, sucos concentrados de frutas podem não ser uma boa ideia
para indivíduos que estão em um processo de emagrecimento.
Verificou-se que o consumo de frutas inteiras contribui para um
risco reduzido de ganho de peso a longo prazo em adultos de
meia idade. Ensaios experimentais sugerem que esse efeito
benéfico da fruta inteira é mediado por uma redução na ingestão
total de energia. O suco de frutas, no entanto, teve um efeito
oposto, promovendo ganho de peso a longo prazo (HEBDEN,
2017).
Quando a dieta é mais restrita em carboidratos, considero mais
interessante reduzir primeiro os alimentos ricos em amido (arroz, batata,
macarrão, pães), preferindo manter boa parte das frutas e leguminosas da dieta,
além dos vegetais. Esses alimentos apresentam baixa densidade energética e
47
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
costumam ser ricos em fibras, vitaminas, minerais e fitoquímicos. De qualquer
forma, ter maior variedade de alimentos na dieta pode melhorar a adesão ao
plano alimentar e as frutas podem contribuir muito com isso.
Os sucos concentrados de frutas (laranja, uva) podem ser mais
interessantes justamente em uma dieta visando ganho de massa muscular,
principalmente por indivíduos que possuem mais dificuldade em comer grandes
quantidades de comida. Em superávit calórico outra estratégia muito utilizada
por fisiculturistas é fazer vitaminas com frutas, misturando proteínas em pó e/ou
hipercalórico com leite ou iogurte.
Tabela 3.1. Informação nutricional de algumas frutas. Fonte: TACO.
Alimento
kcal
(100 g)
Banana
Carboidratos
Fibras (g)
(g)
Proteínas
Gorduras
(g)
(g)
92
23,8
1,9
1,4
0,1
Maçã fuji
56
15,2
1,3
0,3
Tr
Pêra
53
14,0
3,0
0,6
0,1
37
8,9
0,8
1,0
0,1
Abacaxi
48
12,3
1,0
0,9
0,1
Kiwi
51
11,5
2,7
1,3
0,6
51
12,8
2,1
0,9
0,2
40
10,4
1,0
0,5
0,1
Melão
29
7,5
0,3
0,7
Tr
Melancia
33
8,1
0,1
0,9
Tr
Morango
30
6,8
1,7
0,9
0,3
Abacate
96
6,0
6,3
1,2
8,4
Uva (rubi)
49
12,7
0,9
0,6
0,2
nanica
Laranja
pêra
Manga
(Tommy)
Mamão
papaia
48
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
3.5) LEITE, LACTOSE E HIPERTROFIA MUSCULAR
Muitas pessoas têm medo de utilizar leite e derivados na dieta, pois
acreditam que o leite pode prejudicar a perda de gordura. O leite e seus
derivados foram por muito tempo parte importante da dieta dos fisiculturistas. A
partir dos anos 90 esse grupo de alimentos parece ter sido excluído por muitos
atletas devido à crença de prejudicar a definição muscular (“engrossar a pele”).
Foi na mesma época que a indústria de suplementos sofreu um grande boom e
os atletas passaram a ingerir proteína do soro do leite (whey) na forma de
suplemento.
A lactose é o carboidrato do leite e é geralmente sobre ela que recai a
culpa sobre esse alimento não ser considerado bom para a dieta de um
fisiculturista. Embora muitos indivíduos tenham um certo grau de intolerância à
lactose, boa parte das pessoas pode tolerar o consumo de leite sem maiores
problemas em relação à digestão da lactose.
Muitos profissionais de saúde e leigos também acreditam ou afirmam que
o leite é um alimento inflamatório, mas essas alegações não são suportadas pela
literatura. Ao invés disso, leite e derivados parecem possuir uma atividade antiinflamatória em indivíduos com distúrbios metabólicos e uma atividade próinflamatória em indivíduos alérgicos ao leite bovino (BORDONI, 2017).
O leite e seus derivados (queijos, iogurte) não são apenas fontes de
carboidratos, mas são também excelentes fontes de proteínas e cálcio. Ao
excluir esse grupo de alimentos da dieta o indivíduo deixa de ingerir um alimento
rico em proteínas de alta qualidade e a melhor fonte de cálcio da dieta. Sem
contar o sabor agradável e o potencial para promover ganho de massa muscular
e ajudar na perda de peso. Embora não seja um alimento essencial para se ter
na dieta, eu considero a retirada dos laticínios da dieta uma péssima escolha.
Embora o consumo de laticínios não leve ao emagrecimento, diversos
estudos mostraram que em dietas para perda de peso os laticínios contribuem
para o emagrecimento e podem ajudar na manutenção da massa muscular
(ABARGOUEI, 2012). O estudo de Hartman (2007) mostrou que o consumo de
49
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
leite após o treino de musculação apresentou resultados mais favoráveis na
composição corporal que a soja e o grupo controle (que consumiu carboidratos).
Em conclusão, o consumo imediato e de 1 h de leite pós-exercício,
em oposição a uma bebida isoenergética de carboidrato ou de
soja, resultou em maiores ganhos na MLG (massa livre de
gordura) e na área das fibras musculares tipo II. Aumentos na área
de fibras musculares tipo I foram maiores nos grupos Leite e Soja
do que no grupo controle. Todos os grupos apresentaram
aumento de força como resultado do programa de treinamento; no
entanto, não houve diferença de efeito entre os grupos. Observouse uma maior perda de massa gorda em indivíduos que
consumiram o suplemento de leite pós-exercício do que nos
grupos Soja e controle, que podem estar relacionados à ingestão
de cálcio na dieta ou a uma propriedade endógena das próprias
proteínas do leite (HARTMAN, 2007).
A informação nutricional de alguns laticínios está descrita na tabela 3.2.
Tabela 3.2. Informação nutricional dos laticínios. Valores retirados de algumas marcas
tradicionais.
Alimento
Leite
Quantidade
kcal
Proteínas Carboidratos Gorduras Cálcio
(g)
(g)
(g)
(mg)
200 ml
114
6,0
9,0
6,0
210
200 ml
61
6,0
9,3
0
210
170 g
102
6,0
8,7
4,8
230
90 g
73
4,6
9,3
1,9
154
30 g
95
7,2
0
7,0
220
30 g
110
8,0
1,0
8,0
285
30 g
25
4,0
0
1,0
-
integral
Leite
desnatado
Iogurte
natural
Iogurte
grego light
Queijo
mozarela
Queijo
prato
Queijo
cottage
50
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
3.6) ÍNDICE GLICÊMICO E CARGA GLICÊMICA
O índice glicêmico (IG) foi criado em 1981 com a proposta de classificar
os carboidratos de acordo com a sua capacidade de elevar a glicemia. O IG de
um alimento é calculado a partir da mensuração da glicose sanguínea por um
período de 2 horas depois da ingestão de 50 g de carboidratos de um alimento
teste e comparando esse resultado com um alimento de referência (pão branco
ou glicose). Dessa forma, o IG do alimento é medido em relação ao alimento de
referência. Por isso é comum termos duas tabelas de IG, uma feita utilizando o
pão branco como referência e outra a glicose. Alimentos de alto IG são digeridos
e absorvidos mais rapidamente e por isso provocam elevações mais abruptas na
glicose sanguínea e nos níveis de insulina (figura 3.2). No entanto, o IG de um
alimento pode variar de acordo com seu preparo, conteúdo de fibras, proteínas,
gorduras etc. Mais importante que isso, um alimento geralmente é consumido
em combinação com outros em uma refeição e isso vai influenciar no seu
impacto na glicemia. Nesse caso é o IG da refeição que deve ser considerado.
Figura 3.2. Impacto de diferentes alimentos nos níveis de glicose, mostrando um
alimento com alto IG e um alimento com baixo IG. Alimentos com alto IG são digeridos
e absorvidos mais rapidamente, tendo maior impacto no aumento da glicose e da
insulina.
51
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
O maior problema do IG é que ele é um índice qualitativo e ignora a
quantidade de carboidratos do alimento, que acaba sendo muito mais importante
para elevar a glicemia e a insulina. Pensando nisso, os pesquisadores criaram
posteriormente o conceito de carga glicêmica (CG), que considera o conteúdo
de carboidratos do alimento, além do seu IG. A CG de um alimento é dada por:
𝐢𝐺 =
𝐼𝐺 × π‘π‘œπ‘›π‘‘π‘’úπ‘‘π‘œ 𝑑𝑒 π‘π‘Žπ‘Ÿπ‘π‘œπ‘–π‘‘π‘Ÿπ‘Žπ‘‘π‘œ π‘‘π‘œ π‘Žπ‘™π‘–π‘šπ‘’π‘›π‘‘π‘œ
100
Esse conceito é muito mais útil para avaliar a resposta glicêmica de um
alimento e de uma refeição. Alguns alimentos de alto IG, como melancia, batata
inglesa, abacaxi, possuem baixa CG, pois para elevar os níveis de glicose e
insulina com esses alimentos é preciso consumir grandes porções, diferente do
pão ou do arroz branco, que possuem alta CG. Como exemplo vou calcular a
carga glicêmica de 100 g de arroz branco e 100 g de batata inglesa cozida,
utilizando seus respectivos índices glicêmicos (tabela 3.3):
Arroz branco cozido, IG = 64, com 28 g de carboidratos em 100 g de arroz:
𝐢𝐺 =
64 × 28
= 17,9
100
Batata inglesa cozida, IG = 81, com 12 g de carboidratos em 100 g de
batata:
𝐢𝐺 =
81 × 12
= 9,7
100
Portanto, mesmo tendo um maior IG, 100 g de arroz branco terá um impacto
muito maior nos níveis de glicose do que 100 g de batata inglesa, devido a maior
quantidade
de
carboidratos
presentes
nessa
porção
de alimento
e,
consequentemente, uma maior CG.
Os conceitos de IG e CG foram criados pensando no tratamento de
indivíduos com doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2,
obesidade, dislipidemia e doenças cardiovasculares. O uso desses índices no
tratamento dessas doenças, principalmente no diabetes, tem sido alvo de
debates e controvérsias, com alguns estudos mostrando resultados favoráveis e
outros nem tanto, pois consideram que o conteúdo, o tipo de carboidrato e o
52
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
consumo de fibras pode ser mais relevante. Quando se trata de perda de peso
as evidências têm mostrado que não existe diferença significativa na perda de
peso quando se comparam dietas com alimentos de alto IG e baixo IG. De
qualquer forma, não podemos ignorar que em uma dieta para ganho de peso, o
IG dos alimentos pode ser relevante, principalmente quando consideremos o
saldo calórico total e a resposta à insulina individual (sensibilidade/resistência à
insulina). Além disso, a escolha dos alimentos em relação ao IG pode ter
impactos diferentes na saúde, principalmente de diabéticos.
Tabela 3.3. Índice glicêmico de alguns alimentos. Pão branco e glicose como alimentos
de referência. No padrão glicose, IG > 70 é alto, IG = 55 – 70 é médio e IG < 55 é
considerado baixo. No padrão pão IG > 95 é alto, IG = 75 – 95 é médio e IG < 75 é
baixo.
Alimento
Pão branco = 100
Glicose = 100
Banana
74
52
Maçã
57
40
Abacaxi
94
66
Melancia
103
72
Arroz branco
91
64
Arroz integral
79
55
Macarrão cozido
87
61
Batata doce
87
61
Batata inglesa cozida
116
81
Pão integral
74
52
Feijão cozido
57
40
Aveia
78
55
Mandioca cozida
57
40
Leite desnatado
46
32
Considerando tudo o que foi descrito acima é preciso utilizar esses
conceitos de IG e CG de forma cautelosa e não simplesmente considerar que
alimentos de alto IG são ruins. Como vimos, a CG de um alimento é muito mais
relevante do que considerar o IG, mas em uma situação de déficit calórico (dieta
para perda de peso) se preocupar com o IG e CG dos alimentos acaba sendo
53
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
irrelevante. Outro ponto muito importante é considerar o metabolismo e
sensibilidade à insulina do indivíduo. Pessoas que acumulam gordura com
facilidade ou tem dificuldade de perder gordura precisam se preocupar mais com
o controle dos níveis de insulina e consequentemente com o IG e CG dos
alimentos. Indivíduos com boa sensibilidade à insulina e facilidade de perder
gordura não precisam se preocupar tanto ou mesmo nada com o IG/CG dos
alimentos. Na verdade pode até ser mais interessante o consumo de alimentos
de alto IG e CG em indivíduos magros com dificuldade de ganho de peso e
massa muscular. Não por acaso, muitos utilizam suplementos com alto IG, como
maltodextrina, dextrose e hipercalóricos, para essa finalidade. A tabela 3.3
mostra o IG de alguns alimentos, mas é importante lembrar que os valores
podem ser muito variáveis dependendo da referência consultada.
3.7) CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES
Os carboidratos são a principal fonte de energia para o treinamento de
força (musculação), utilizados principalmente pelas fibras musculares do tipo II,
que são fibras de contração rápida com metabolismo predominantemente
glicolítico. Por esse motivo é muito importante que antes do treinamento as
reservas de glicogênio muscular estejam abastecidas, já que o desempenho do
treino de força pode ser prejudicado se as reservas de glicogênio estiverem
baixas.
As recomendações de carboidratos para indivíduos que treinam força e
potência ficam na faixa de 4 a 8 g/kg (45-60% das calorias), mas mulheres
geralmente consomem uma quantidade mais próxima do limite inferior.
Importante salientar que a principal preocupação dos fisiculturistas é melhorar a
composição corporal, ganhando ou mantendo a massa muscular enquanto
perdem gordura.
A dieta de um fisiculturista em off season (fora de competição, fase de
ganho de massa muscular) é geralmente composta de 45-60% de calorias de
carboidratos, 15-25% de calorias de proteínas e 20-35% de calorias
provenientes de gorduras. A quantidade de carboidratos pode variar muito da
resposta do indivíduo, dependendo do seu gasto energético, da sua
54
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
sensibilidade à insulina, e também da intensidade e do volume de treinamento.
Em indivíduos pouco treinados é mais fácil observar como o consumo de uma
dieta rica em carboidratos é importante para o ganho de massa muscular.
3.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA
Suplementos de carboidratos são muito comuns entre fisiculturistas,
principalmente durante o off season. Enquanto nos esportes de endurance
(ciclismo, maratona) a finalidade principal desses suplementos é aumentar
rapidamente a ressíntese de glicogênio após o exercício e/ou serem utilizados
como combustível energético durante o treino, no fisiculturismo a finalidade
principal é ajudar no ganho de massa muscular e na recuperação dos estoques
energéticos após o treinamento. Claro que a finalidade vai depender também do
tipo de carboidrato utilizado.
Existem vários tipos de suplementos de carboidratos, mas atualmente os
mais utilizados entre fisiculturistas são a dextrose (glicose), a maltodextrina, o
waxy maize e a palatinose.
A dextrose e a maltodextrina são carboidratos de alto índice glicêmico e
por esse motivo são absorvidos rapidamente pelo organismo, promovendo
rápido aumento da glicemia e dos níveis de insulina, além do aumento da síntese
de glicogênio muscular e hepática. O IG da dextrose é de 138 (utilizando pão
branco como referência) e o da maltodextrina fica próximo desse valor. A
principal diferença entre esses dois carboidratos é que a dextrose é um
carboidrato simples, enquanto a maltodextrina é um carboidrato complexo (um
oligossacarídeo formado por 5-10 moléculas de glicose). Em termos de
velocidade de absorção existe pouca diferença e qualquer um desses
suplementos pode ser utilizado com a mesma eficácia. O uso geralmente é
realizado após o treinamento de musculação, misturado com proteína do soro
do leite (whey), com objetivo de potencializar a síntese proteica e ajudar na
recuperação dos estoques de glicogênio muscular. Estudos recentes têm
mostrado que o uso de carboidratos não é necessário para otimizar síntese
proteica após o exercício resistido (STAPLES, 2011).
55
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
O waxy maize é o amido de milho ceroso, suplemento que se tornou
popular no Brasil nos últimos anos. O waxy maize teve um forte apelo comercial
e por muito tempo divulgaram esse suplemento como se ele fosse muito superior
a dextrose e a maltodextrina. O marketing sobre o waxy maize relata que sua
composição de 99% de amilopectina e ~1% de amilose permite uma absorção
rápida sem elevar os níveis de insulina. Na verdade, esse suplemento tem um
IG moderado (85), mais baixo que o da dextrose e da maltodextina, mas ainda
assim pode elevar a glicemia e a insulinemia. Por esse motivo o waxy maize tem
uma absorção mais lenta que o dos carboidratos de alto IG e pode ser utilizado
antes do treino ou mesmo após o treino.
A palatinose é um isômero da sacarose (possuem a mesma fórmula
molecular, mas propriedades físicas e químicas diferentes), formada por glicose
e frutose. O arranjo molecular dessa substância faz com que tenha um baixo IG
(32) e, portanto, uma absorção bem mais lenta que os demais tipos de
carboidratos. Recentemente esse suplemento passou a ter um grande apelo
comercial, já que não promove picos de insulina e tem uma absorção lenta. A
verdade é que a palatinose não tem benefícios diferenciados para praticantes de
treino de força, já que os alimentos podem ser uma opção muito melhor e mais
barata se a intenção for utilizar um carboidrato de absorção lenta.
3.9) DIETA LOW CARB E HIPERTROFIA MUSCULAR
Ganhar massa muscular com dieta low carb é muito difícil e ineficiente
porque uma redução na ingestão de carboidratos faz com que as reservas de
glicogênio (hepática e muscular) se esgotem mais rapidamente. O cérebro e as
hemácias precisam de glicose como fonte de energia, pois não podem usar
ácidos graxos (gordura) de forma eficiente como combustível energético.
No período logo após as refeições, essa glicose é fornecida pelos
estoques de glicogênio hepático, mas em uma dieta low carb, o glicogênio do
fígado se esgota rapidamente. A redução dos estoques de glicogênio hepático
aumenta a gliconeogênese, que é a síntese de glicose a partir de compostos não
carboidratos, como aminoácidos, glicerol e lactato. Os aminoácidos provenientes
da degradação de "proteína muscular" (actina e miosina) são os principais
56
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
substratos da gliconeogênese. Ou seja, a redução dos carboidratos da dieta
intensifica a degradação de proteínas do músculo para fornecer aminoácidos
para a gliconeogênese.
Quando o indivíduo reduz a ingestão de carboidratos, os níveis de insulina
também são reduzidos e os hormônios glucagon e cortisol ficam aumentados. O
glucagon e o cortisol estimulam a gliconeogênese no fígado e o cortisol também
estimula a degradação de proteínas do músculo para fornecer aminoácidos para
esse processo, além de inibir a síntese de proteínas. Por isso a insulina é
considerada um hormônio anticatabólico e o cortisol um hormônio catabólico. A
degradação de proteínas musculares pode ser atenuada com o aumento da
ingestão de proteínas, mas ainda assim isso não torna uma dieta low carb
eficiente para o ganho de massa muscular.
Em uma dieta cetogênica (muito low carb), ocorre produção de corpos
cetônicos, que diminuem a intensidade da gliconeogênese, pois eles também
podem ser utilizados como fonte de energia pelo cérebro. No entanto, o aumento
da ingestão de proteínas inibe a cetogênese. É mais difícil o ganho de massa
muscular em uma dieta com baixo consumo de carboidrato (~ 50 g por dia) e
com proteína limitada a ~ 1,5-2,0 g/Kg, que são as condições para entrar em
cetose mais facilmente. Por isso a dieta cetogênica tem pouca ou nenhuma
utilidade para fisiculturistas e fazer low carb só faz sentido se o indivíduo
aumentar a quantidade de proteína na dieta quando deseja perder gordura e
manter ao máximo sua massa muscular.
Um estudo recente (VARGAS, 2018) investigou se uma dieta cetogênica
em conjunto com treinamento resistido melhoraria a composição corporal,
promovendo ganho de massa muscular e perda de gordura. Vinte e quatro
homens saudáveis realizaram um programa de treinamento resistido (RT) por 8
semanas. Os participantes foram aleatoriamente designados a um grupo KD
(dieta cetogênica), grupo não-KD (dieta não-cetogênica) e grupo controle (GC)
em condição hiperenergética e hiperproteica (2,0 g/Kg). O grupo que fez dieta
cetogênica (KD) perdeu gordura e reduziu o tecido adiposo visceral, mas não
aumentou a massa muscular, enquanto o grupo não-KD não teve perda de
gordura, mas teve aumento da massa muscular.
57
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Nossos resultados sugerem que uma dieta cetogênica pode ser
uma abordagem dietética alternativa para diminuir a massa gorda
e o tecido adiposo visceral sem diminuir a massa corporal magra;
no entanto, pode não ser útil aumentar a massa muscular durante
o balanço energético positivo em homens submetidos a RT por 8
semanas (VARGAS, 2018).
58
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABARGOUEI, A. et al. Effect of dairy consumption on weight and body
composition in adults: a systematic review and meta-analysis of randomized
controlled clinical trials. Int J Obes (Lond). 2012 Dec;36(12):1485-93.
AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Glycemic index for 60+ foods. Harvard
Health Publishing, 2018. Disponível em:
<http://www.health.harvard.edu/diseases-and-conditions/glycemic-index-andglycemic-load-for-100-foods>. Acesso em: 26 de dez. de 2019.
ARAGON, A. Elements Challenging the Glycemic Index. Directly Fitness.
Disponível em: <http://www.directlyfitness.com/store/elements-challengingglycemic-index/>. Acesso em: 26 de dez. de 2019.
BARREIROS, R.; BOSSOLAN, G.; TRINDADE, C. Frutose em humanos:
efeitos metabólicos, utilização clínica e erros inatos associados. Rev.
Nutr. vol.18 no 3, Campinas May/June, 2005.
BORDONI, A. et al. Dairy products and inflammation: A review of the clinical
evidence. Crit Rev Food Sci Nutr. 2017 Aug 13;57(12):2497-2525.
BRAND-MILLER, J. et al. Glycemic index and obesity. Am J Clin Nutr.
Jul;76(1):281S-5S, 2002.
COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. 5. ed. rev. e atual.
Barueri-SP, Manole, 2016.
COZZOLINO, S. M. F.; COMINETTI, C. Bases bioquímicas e fisiológicas da
nutrição. Barueri-SP, Manole, 2013.
FEINMAN, R.; FINE, E. Fructose in perspective. Nutr Metab (Lond). Jul
1;10(1):45, 2013.
FERNANDES, N.; HALUCH, D. Nutrição e Fisiologia Low Carb – utilizando a
ciência contra a carbofobia. 2020.
HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo – bioquímica, fisiologia e nutrição.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021.
HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
HARTMAN, J. et al. Consumption of fat-free fluid milk after resistance exercise
promotes greater lean mass accretion than does consumption of soy or
carbohydrate in young, novice, male weightlifters. Am J Clin Nutr. 2007
Aug;86(2):373-81.
HEBDEN, L. et al. Fruit consumption and adiposity status in adults: A
systematic review of current evidence. Crit Rev Food Sci Nutr. Aug
13;57(12):2526-2540, 2017.
59
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
LUDWIG, D. S. Examining the Health Effects of Fructose. JAMA Jul
3;310(1):33-4, 2013.
PHILIPPI, S. T. Pirâmide dos alimentos: fundamentos básicos da nutrição. 2.
ed. rev. Barueri-SP, Manole, 2014.
TABELA BRASILEIRA DE COMPOSIÇÃO DE ALIMENTOS. Resposta
Glicêmica de Alimentos Brasileiros. TBCA, 2008. Disponível em:
<http://www.intranet.fcf.usp.br/tabela/lista.asp?base=r>. Acesso em: 26 de dez.
de 2019.
VARGAS, S. et al. Efficacy of ketogenic diet on body composition during
resistance training in trained men: a randomized controlled trial. J Int Soc
Sports Nutr. 2018 Jul 9;15(1):31.
60
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
4
GORDURAS E HIPERTROFIA MUSCULAR
4.1) INTRODUÇÃO
Os lipídios constituem um conjunto heterogêneo de substâncias orgânicas
insolúveis em água e solúveis em solventes orgânicos (clorofórmio, éter,
acetona). São moléculas orgânicas formadas por carbono, hidrogênio e oxigênio,
mas também podem conter fósforo, nitrogênio e enxofre. O grupo dos lipídios é
representado principalmente pelos triacilgliceróis, pelos fosfolipídios e pelo
colesterol. Os lipídios constituem cerca de 34% das calorias da dieta dos seres
humanos e estão presentes na dieta na forma de óleos (líquidos) e gorduras
(sólidos), sendo que cada grama contém cerca de 9 kcal.
Os lipídios têm diversas funções no organismo. Os triacilgliceróis são uma
importante reserva de energia para nosso corpo, sendo armazenados nas
células de gordura (adipócitos) e também são a principal fonte de lipídio da dieta
humana (cerca de 90%). Triacilgliceróis são moléculas formadas por uma
molécula de glicerol ligada a três moléculas de ácidos graxos, que podem ser
saturados ou insaturados. Os fosfolipídios são os principais constituintes das
membranas celulares. O colesterol é um lipídio que também faz parte da
membrana das células, sendo responsável pela fluidez da membrana. O
colesterol também é um precursor da vitamina D e dos hormônios esteroides
(testosterona, estrogênio, cortisol), além de ser constituinte da bile.
A dieta de um fisiculturista contém geralmente cerca de 20-30% de
calorias
provenientes
de
lipídios,
na
forma
de
gorduras
saturadas,
monoinsaturadas e poli-insaturadas (ômega 6 e ômega 3). Diferente das
proteínas e carboidratos, a quantidade de lipídios não costuma variar muito entre
as fases off season e pré-contest. No entanto, alguns fisiculturistas consomem
61
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
quantidades maiores de gordura, principalmente na fase de pré-contest. É o caso
de adeptos de dieta cetogênica e metabólica, onde as calorias de gordura podem
chegar a 50-70% do valor energético total.
4.2) CLASSIFICAÇÃO DAS GORDURAS
Os lipídios podem ser divididos em três grandes grupos: lipídios simples,
lipídios compostos e lipídios derivados. O grupo dos lipídios simples é formado
pelos ácidos graxos e os triacilgliceróis (gordura). O grupo dos lipídios
compostos inclui principalmente os fosfolipídios e as lipoproteínas (LDL, HDL),
responsáveis pelo transporte do colesterol na corrente sanguínea. O principal
representante do grupo dos lipídios derivados é o colesterol, um esteroide
encontrado apenas em alimentos de origem animal, precursor dos ácidos
biliares, da vitamina D e dos hormônios esteroides, e também um constituinte da
membrana celular.
Figura 4.1. O triacilglicerol é uma molécula formada por um glicerol (álcool) ligado a 3
ácidos graxos. Essa é a forma que a gordura é armazenada nas nossas células de
gordura (adipócitos).
Nesse livro vou falar apenas dos lipídios simples, que representam a
quase totalidade dos lipídios que ingerimos. Os triacilgliceróis (TG) são os
principais representantes dessa classe, os mais abundantes dos lipídios na dieta
e no corpo humano. Triacilgliceróis são moléculas formadas por um glicerol (um
62
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
álcool), ligado a três moléculas de ácidos graxos (figura 4.1). Ácidos graxos são
cadeias de carbono ligadas a átomos de hidrogênio com um grupo carboxila
(COOH) em uma extremidade e um grupo metil (CH3) na outra extremidade
(figura 4.2). A cadeia carbônica dos ácidos graxos pode ter de 2 a 26 carbonos.
A cadeia de carbonos dos ácidos graxos também pode apresentar duplas
ligações entre alguns átomos de carbono.
4.2.1) GORDURA SATURADA
Quando não apresenta nenhuma dupla ligação o ácido graxo é
considerado saturado e quando apresenta duplas ligações é chamado de
insaturado. Os ácidos graxos saturados são encontrados principalmente nos
produtos de origem animal, como carnes, ovos e laticínios. A gordura saturada
tem sido alvo de intenso debate nos últimos anos acerca da sua possível
associação ao aumento de risco cardiovascular. Apesar das divergências entre
os estudos, muitos pesquisadores concordam que a gordura saturada pode não
ser tão responsável pelo aumento do risco cardiovascular quando comparada
com os carboidratos refinados. No entanto, as evidências têm mostrado que
substituir gordura saturada por poli-insaturada (ômega 6 e ômega 3) diminui o
risco cardiovascular. As diretrizes dos órgãos e organizações de saúde
recomendam que a gordura saturada não seja superior a 10% do total de calorias
da dieta.
4.2.2) GORDURA MONOINSATURADA
Os ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) possuem uma dupla ligação
e podem ser sintetizados pelo nosso organismo, sendo o mais conhecido o ácido
oleico (ômega 9). A gordura monoinsaturada está presente em uma grande
variedade de alimentos, de fontes animais e vegetais, mas os alimentos mais
abundantes em ácidos graxos monoinsaturados são o azeite de oliva, o abacate
e as oleaginosas (nozes e castanhas). Os ácidos graxos monoinsaturados
mostraram importantes benefícios metabólicos em alguns estudos, como
63
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
melhora da sensibilidade à insulina e redução da pressão arterial. Além disso, o
mais significativo é uma melhora do perfil lipídico quando se substitui ácidos
graxos saturados por MUFA, com redução dos níveis de LDL. Dietas ricas em
MUFA, como a dieta mediterrânea, podem ainda aumentar os níveis de HDL e
reduzir os triglicerídeos.
4.2.3) GORDURA POLI-INSATURADA
Os ácidos graxos poli-insaturados (PUFA) possuem mais de uma dupla
ligação na cadeia carbônica e a posição da primeira dupla ligação em relação ao
grupo metil determina o tipo de ácido graxo poli-insaturado. Ácidos graxos
ômega 3 (ácido alfa-linolênico) possuem a primeira dupla ligação no terceiro
carbono depois do grupo metil, enquanto os ácidos graxos ômega 6 (ácido
linoleico) possuem a primeira dupla ligação no sexto carbono depois do grupo
metil. Os ácidos graxos ômega 3 e ômega 6 não podem ser sintetizados pelo
nosso organismo e por esse motivo são chamados de “ácidos graxos
essenciais”, pois devem ser obtidos pela alimentação.
O ácido graxo linoleico (ômega 6) está presente em diversos alimentos,
principalmente nos óleos de origem vegetal (soja, canola, girassol e milho) e nas
oleaginosas. O ácido graxo alfa-linolênico (ômega 3) está presente em alguns
alimentos de origem vegetal, como óleo de canola, óleo de soja, chia e linhaça.
O ácido alfa-linolênico também é precursor de outros ácidos graxos essenciais
do tipo ômega 3, que desempenham importantes funções fisiológicas no nosso
organismo, como é o caso do ácido eicosapentaenoico (EPA, C 20:5 ω3) e do
ácido docosaexaenoico (DHA, C 22:6 ω3), presentes principalmente em peixes
de água fria (salmão, cavala, sardinha e atum).
Como os ácidos graxos n-6 são precursores de eicosanoides próinflamatórios, sugere-se que maiores ingestões sejam prejudiciais, e a relação
(4:1) de ácidos graxos n-6 a n-3 tem sido sugerida por alguns especialistas como
sendo particularmente importante. No entanto, segundo o grande pesquisador
Walter Willett, esta hipótese baseia-se em evidências mínimas, e, nos seres
humanos, maiores ingestões de ácidos graxos n-6 não foram associadas com
64
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
níveis elevados de marcadores inflamatórios. Enquanto existem fortes
evidências que um aumento do consumo de ômega 3, particularmente dos
ácidos docosaexaenoico (DHA) e eicosapentaenoico (EPA), confere proteção
contra doenças cardiovasculares, não existem evidências convincentes de que
a redução do consumo de ômega-6, por si só, faça o mesmo. Pelo contrário,
pode até aumentar o risco cardiovascular (SBC, 2013). Na verdade, o aumento
no consumo de ácidos graxos ômega 6 nas últimas décadas tem sido associado
a uma redução de até 50% de morte por doença cardíaca coronariana
(WILLETT, 2007).
Figura 4.2. Estrutura química de alguns ácidos graxos importantes, onde cada vértice
da cadeia tem um átomo de carbono ligado em 2 átomos de hidrogênio. a) Ácido láurico,
ácido graxo saturado de cadeia média com 12 carbonos, C (12, 0); b) ácido palmítico,
ácido graxo saturado com 16 carbonos, C (16, 0); c) ácido linoleico, ácido graxo poliinsaturado com 18 carbonos e 2 ligações duplas, C (18, 2); d) ácido alfa-linolênico, ácido
graxo poli-insaturado com 18 carbonos e 3 ligações duplas, C (18, 3); e) ácido oleico,
ácido graxo monoinsaturado com 18 carbonos e 1 ligação dupla, C (18, 1).
65
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
4.2.4) GORDURA TRANS
Ácidos graxos trans são ácidos graxos insaturados, que podem ser
produzidos
de
forma
artificial
ou
naturalmente.
Os
ácidos
graxos
monoinsaturados e poli-insaturados apresentam uma configuração geométrica
chamada cis, onde os hidrogênios ligados aos carbonos da dupla ligação estão
no mesmo plano. Já na configuração trans, esses hidrogênios se apresentam
em planos opostos. Dessa forma, as moléculas dos ácidos graxos trans
assemelham-se mais às moléculas de ácidos graxos saturados. A gordura trans
pode ser produzida artificialmente através do processo de hidrogenação dos
ácidos graxos insaturados, quando hidrogênios são adicionados às duplas
ligações na presença de um catalisador e de altas temperaturas. A gordura trans
é sólida à temperatura ambiente, como as margarinas (que no passado eram
feitas de gordura trans), e apresentam ponto de fusão mais elevado que os óleos
ricos em MUFA e PUFA. O aumento do consumo de ácidos graxos trans (gordura
vegetal hidrogenada) está associado a diversos problemas metabólicos, como
aumento da resistência à insulina, piora do perfil lipídico (redução do HDL e
aumento do LDL) e disfunção endotelial.
4.2.5) GORDURAS E SAÚDE CARDIOVASCULAR
As principais evidências sobre os efeitos dos diferentes tipos de gordura
na saúde cardiovascular são resumidas abaixo (SACKS, 2017):
• Ensaios clínicos randomizados mostraram que a gordura poli-insaturada dos óleos
vegetais substituindo a gordura saturada dos laticínios e da carne reduzem as doenças
cardiovasculares.
• Uma estratégia dietética para reduzir a ingestão do total gordura dietética, incluindo
gordura saturada, e substituição das gorduras principalmente com carboidratos não
especificados não impede a doença arterial coronariana (DAC).
• Estudos observacionais prospectivos em muitas populações mostraram que menor
ingestão de gordura saturada juntamente com maior ingestão de gordura poli-insaturada
e monoinsaturada está associada com menores taxas de DCV e mortalidade por todas
as causas.
66
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
• A gordura saturada aumenta o colesterol LDL, uma importante causa da aterosclerose
e DCV, e substituindo pela gordura poli-insaturada ou monoinsaturada diminui o
colesterol LDL
• Substituindo a gordura saturada por poli-insaturada ou pela gordura monoinsaturada
reduz os níveis de triglicerídeos no sangue, um biomarcador independente de risco para
DCV.
• Substituir a gordura saturada por poli-insaturada previne e regride a aterosclerose em
primatas não humanos.
• No geral, as evidências apoiam a conclusão de que gordura poli-insaturada dos óleos
vegetais (principalmente n-6, ácido linoleico) reduz a DCV um pouco mais do que a
gordura monoinsaturada (principalmente ácido oleico) ao substituir a gordura saturada.
Em uma dieta com superávit calórico e ganho de peso os níveis de
colesterol podem aumentar, assim como os níveis de colesterol LDL
(lipoproteína de baixa densidade) e também as concentrações de triglicerídeos.
Isso acontece principalmente quando o indivíduo faz uma dieta rica em gorduras
saturadas (rica em gordura animal), gorduras trans (fast food) e carboidratos
refinados (GRUNDY, 1990). Níveis maiores de LDL e triglicerídeos estão
associados a um maior risco cardiovascular. Para piorar a situação, muitos
fisiculturistas que seguem uma dieta rica em gordura saturada e carboidratos
refinados também utilizam esteroides anabolizantes, que costumam reduzir os
níveis de HDL e aumentar os níveis de LDL.
Por esse motivo é importante seguir uma alimentação saudável em uma
dieta para hipertrofia muscular, já que o excesso de calorias e uma alimentação
ruim podem aumentar o risco cardiovascular. Um padrão alimentar saudável
inclui uma dieta rica em frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais, isenta
de gordura trans e com gordura saturada abaixo de 10% das calorias totais
(substituição parcial da gordura saturada pelas gorduras mono e poliinsaturadas). Mais detalhes sobre as recomendações de gorduras em uma dieta
para hipertrofia são dados na próxima seção.
67
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
4.3) GORDURAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES
Ao aumentar as calorias da dieta a intenção do fisiculturista é aumentar a
massa muscular, já que o estímulo do treino de musculação irá favorecer a
síntese proteica e inibir a degradação proteica, gerando um balanço nitrogenado
positivo.
A insulina aumenta a síntese e inibe a degradação de proteínas, mas
também aumenta a síntese de ácidos graxos e triacilgliceróis no fígado e no
tecido adiposo (lipogênese). No entanto, o ganho de gordura ocorre
principalmente devido ao “efeito poupador de gordura” da insulina e dos
carboidratos. A insulina inibe a enzima lipase hormônio sensível (LHS), que é
responsável pela lipólise no tecido adiposo, a quebra de triacilgliceróis em ácidos
graxos e glicerol. Essa enzima é estimulada nos períodos de jejum pelos
hormônios contrarreguladores da insulina: glucagon, adrenalina, cortisol e
hormônio do crescimento. Além disso, a insulina inibe a oxidação de ácidos
graxos nos tecidos e favorece o armazenamento dos triacilgliceróis no tecido
adiposo através da ativação da enzima lipase lipoproteica (LL). Essa enzima,
que atua no meio extracelular, hidrolisa os triacilgliceróis transportados pelas
VLDL (sintetizados no fígado) e pelos quilomícrons (oriundos da dieta), liberando
ácidos graxos, que são então captados pelo adipócito e reesterificados em
triacilgliceróis para serem armazenados (figura 4.3).
Como o objetivo de quem deseja ganhar massa muscular é minimizar o
ganho de gordura, é muito importante controlar o superávit calórico nessa fase
(mais detalhes sobre a escolha do superávit calórico no capítulo 6).
Fisiculturistas geralmente aumentam a ingestão calórica diária em 500 a 1000
kcal, sendo a maior parte desse superávit calórico oriundo dos carboidratos,
mantendo as gorduras em torno de 20 a 30% das calorias da dieta. Esse
superávit calórico deve ser ajustado de acordo com o gasto energético e
metabolismo do indivíduo (sensibilidade à insulina, flexibilidade metabólica), pois
um ganho de peso grande e rápido favorece um maior acúmulo de gordura.
Usuários de esteroides anabolizantes podem ter um superávit calórico maior que
500 kcal, pois os hormônios anabólicos aumentam o metabolismo basal e a
68
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
síntese proteica, minimizando o ganho de gordura e favorecendo o ganho de
massa muscular.
Figura 4.3. A figura ilustra os principais efeitos da insulina no metabolismo de gorduras
durante o superávit calórico. Embora a insulina aumente a síntese proteica e reduza a
degradação proteica muscular, ela possui um grande potencial lipogênico e inibe a
lipólise e a oxidação de gorduras. Por isso, em uma dieta para hipertrofia é importante
ter cautela no aumento das calorias.
Para alguns indivíduos o ganho de peso não é tão fácil, pois aumentar as
calorias é um desafio, já que se sentem saciados muito facilmente. Quando
aumentamos as calorias da dieta ocorre aumento dos níveis de leptina, além do
aumento de outros peptídeos (CCK, PYY, GLP-1) que promovem saciedade
através da sinalização anorexígena no hipotálamo. A leptina aumenta o gasto
energético e a saciedade, tornando o ganho de peso um grande desafio para
algumas pessoas, principalmente indivíduos magros com gasto energético
elevado (fenótipo gastador).
As recomendações da FAO/OMS é que as gorduras da dieta sejam
distribuídas da seguinte forma:
•
Gordura saturada: até 10% das calorias;
69
Nutrição e Hipertrofia Muscular
•
Dudu Haluch
Gorduras poli-insaturadas: 6-10% das calorias (sendo 1-2% ômega 3 e 58% ômega 6);
•
Gorduras monoinsaturadas: o restante das calorias (cerca de 10% ou
mais);
•
Gorduras trans: devem ser evitadas ou consumir o mínimo possível, no
máximo 1% das calorias da dieta.
4.4) ÔMEGA 3 E HIPERTROFIA MUSCULAR
O ômega 3 é um ácido graxo essencial encontrado principalmente em
peixes de água fria (salmão, cavala, sardinha) na forma de ácido
eicosapentaenoico (EPA, C 20:5 ω3) e de ácido docosaexaenoico (DHA, C 22:6
ω3). Nas fontes vegetais ele é encontrado principalmente na forma de ácido alfalinolênico (C 18:3 ω3).
O consumo de alimentos fontes de ômega 3 tem sido associado a redução
de doenças cardiovasculares, mas a suplementação de ômega 3 é motivo de
controvérsias no meio científico. Diversos estudos mostraram que a
suplementação de óleo de peixe (EPA e DHA) reduz triglicerídeos, pressão
arterial, e também pode reduzir morte súbita e arritmia cardíaca em indivíduos
com risco cardiovascular. Os benefícios em indivíduos saudáveis são
questionáveis, mas a suplementação nesses casos parece não oferecer riscos.
Alguns
estudos
também
mostraram
possíveis
benefícios
da
suplementação de ômega 3 na hipertrofia muscular em indivíduos que sofrem
perda de massa muscular (idosos com sarcopenia, indivíduos com câncer) e
também em indivíduos saudáveis. O ômega 3 parece estimular a síntese proteica
através da sinalização da via mTOR.
Em resumo, as evidências disponíveis sugerem que a ingestão de
ácidos graxos ômega-3 tem o potencial de aumentar o anabolismo
do músculo esquelético, mas a magnitude do efeito pode
depender de vários fatores. Esses fatores incluem, entre outros, a
dose diária de ingestão de proteínas, técnica de medição, bem
como a idade e o status metabólico dos participantes. Uma área
específica da promessa é o potencial dos ácidos graxos ômega-3
70
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
para neutralizar a atrofia muscular e promover a recuperação de
períodos de desuso muscular induzido pela cirurgia e
subsequente repouso/inatividade (MCGLORY, 2019).
71
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. 5. ed. rev. e atual.
Barueri-SP, Manole, 2016.
COZZOLINO, S. M. F.; COMINETTI, C. Bases bioquímicas e fisiológicas da
nutrição. Barueri-SP, Manole, 2013.
GRUNDY, S.; DENKE, M. Dietary influences on serum lipids and lipoproteins. J
Lipid Res. Jul;31(7):1149-72, 1990.
HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo – bioquímica, fisiologia e nutrição.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021.
HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
MCGLORY, C. et al. The Influence of Omega-3 Fatty Acids on Skeletal Muscle
Protein Turnover in Health, Disuse, and Disease. Front Nutr. 2019 Sep 6;6:144.
ROSS, A. C. et al. Nutrição moderna de Shils na saúde e na doença. Tradução
11. ed. Barueri-SP, Manole, 2016.
SACKS, F. et al. Dietary Fats and Cardiovascular Disease: A Presidential
Advisory From the American Heart Association. Circulation. 2017 Jul
18;136(3):e1-e23.
SANTOS, R. et al. I Diretriz sobre o consumo de gorduras e saúde
cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol. vol. 100 n. 1 supl. 3, São Paulo Jan. 2013.
SMITH, G. et al. Omega-3 polyunsaturated fatty acids augment the muscle
protein anabolic response to hyperinsulinaemia-hyperaminoacidaemia in
healthy young and middle-aged men and women. Clin Sci (Lond). Sep;
121(6):267-78, 2011.
TIRAPEGUI, J. Nutrição - fundamentos e aspectos atuais. 3. ed. São Paulo,
Atheneu, 2013.
TIRAPEGUI, J. Nutrição, metabolismo e suplementação na atividade física. 2.
ed. São Paulo, Atheneu, 2012.
WILLETT, W. Dietary fats and coronary heart disease. J Intern Med.
Jul;272(1):13-24, 2012.
72
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
5
POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA
MUSCULAR
5.1) INTRODUÇÃO
Cada indivíduo tem o seu próprio potencial genético máximo para ganhar
massa muscular, além da genética também influenciar sua capacidade de perder
gordura (sensibilidade à insulina, autocontrole, gasto energético). Quando se
analisa os grandes atletas de elite não há dúvidas que o volume muscular e
outras características do atleta são muito influenciados pela genética do
indivíduo, independente do uso de esteroides anabolizantes, de outras drogas e
da dedicação do indivíduo. Por mais que esses últimos fatores também
influenciem na evolução do atleta, é o potencial genético do indivíduo que diz até
onde ele pode chegar, independente do uso de hormônios anabólicos.
5.2) TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES E HIPERTROFIA
Hipertrofia muscular é o aumento da secção transversa do músculo, o
aumento do tamanho das fibras musculares. As fibras musculares são as células
do músculo esquelético, também chamadas de miócitos. As fibras musculares
são multinucleadas e podem ser de dois tipos basicamente: fibras do tipo I (ou
de contração lenta) e fibras do tipo II (ou de contração rápida). As fibras do tipo
I são mais recrutadas em exercícios de baixa-média intensidade e utilizam
predominantemente o metabolismo aeróbio (oxidativas), enquanto as fibras do
tipo II são recrutadas principalmente com o treino de alta intensidade e utilizam
predominantemente o metabolismo anaeróbio (sem uso de oxigênio).
73
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
A distribuição dessas fibras pode variar muito de indivíduo para indivíduo
e de acordo com a atividade física que pratica. Fisiculturistas possuem mais
fibras de contração rápida do que lenta, devido às características do treinamento
de força (mais intensidade, sobrecarga). É importante deixar claro que ambas as
fibras irão hipertrofiar com o estímulo do treinamento de força e pelo uso de
testosterona, sendo que as fibras do tipo II apresentam um aumento maior que
as fibras do tipo I. As fibras do tipo II respondem mais à síntese proteica,
enquanto as fibras do tipo I aumentam mais pela redução da degradação de
proteínas.
As fibras musculares são formadas por filamentos de actina e miosina,
proteínas que deslizam uma sobre as outras durante a contração muscular. O
aumento da fibra muscular ocorre quando a síntese dessas proteínas é superior
a degradação das mesmas (balanço nitrogenado positivo). Assim como toda
célula, a fibra muscular também possui um citoplasma, que é nesse caso
chamado de sarcoplasma. Não vou entrar nos detalhes da estrutura da fibra
muscular e no mecanismo da contração muscular, uma vez que o objetivo aqui
é apenas entender melhor como ocorre o ganho de massa muscular.
Além do aumento da fibra muscular, o músculo também pode aumentar
de tamanho devido a um aumento no número de fibras musculares (hiperplasia).
No entanto, embora esse efeito tenha sido observado em animais, em humanos
esses achados não são muito claros. A hiperplasia parece ter pouca contribuição
para o volume muscular em humanos. Segundo alguns especialistas a
contribuição da hiperplasia seria no máximo 5% do volume muscular. É possível
que o uso de esteroides anabolizantes em combinação com GH, insulina e IGF1, aumente o potencial para ganhos de volume muscular pelo processo de
hiperplasia, além do aumento do número de mionúcleos, células satélites e
receptores androgênicos.
Existem dois tipos de hipertrofia basicamente: hipertrofia sarcoplasmática
e hipertrofia miofibrilar. Ambas podem ocorrer concomitantemente. A hipertrofia
muscular nada mais é que o aumento da secção transversa da fibra muscular.
Na hipertrofia sarcoplasmática esse aumento ocorre de forma transitória, durante
e logo após o treinamento, devido a um aumento do fluxo sanguíneo nos
músculos treinados, aumentando o volume de liquido intersticial e intracelular e
74
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
provocando o chamado “pump” (edema). A hipertrofia miofibrilar ocorre de forma
crônica, devido a um aumento da síntese de proteínas, principalmente actina e
miosina. Os filamentos de actina e miosina formam as miofibrilas. Cada fibra
contém várias centenas ou milhares de miofibrilas. Na próxima seção explico os
principais mecanismos responsáveis pelo processo de hipertrofia muscular.
5.3) SINALIZAÇÃO PARA HIPERTROFIA
A hipertrofia do músculo esquelético ocorre não só pelo estímulo do
treinamento, mas também pela influência de fatores hormonais e nutricionais. É
necessária nutrição adequada e ambiente hormonal bem regulado para que a
síntese proteica muscular aumente mais que a degradação de proteínas,
propiciando balanço nitrogenado positivo e, consequentemente, um efeito
anabólico no músculo esquelético. Homens com baixos níveis de testosterona
(hipogonadismo) perdem massa muscular, principalmente homens mais velhos.
A terapia de reposição de testosterona (TRT) aumenta a massa muscular em
homens com deficiência de testosterona. Por outro lado, doses suprafisiológicas
de testosterona podem provocar ganhos expressivos de massa muscular em
homens saudáveis, sem deficiência de testosterona, em um período de tempo
relativa mente curto (poucas semanas).
Os principais hormônios anabólicos envolvidos na hipertrofia muscular
são: testosterona, GH, IGF-1 e insulina. A testosterona é o principal hormônio
responsável pelo aumento da massa muscular, mas o IGF-1 também é um
importante regulador do crescimento muscular. O hormônio do crescimento
promove ganhos de massa muscular apenas em indivíduos com deficiência
desse hormônio. Por outro lado, a testosterona e os esteroides anabolizantes
aumentam a massa muscular mesmo em homens, animais e mulheres sem
deficiência androgênica. O cortisol é um hormônio catabólico que se eleva com
o estímulo do treinamento de força e tem um importante papel nas adaptações
do treinamento de força e no remodelamento do músculo esquelético.
O estresse mecânico causado pelo treinamento resistido é um estímulo
catabólico e inflamatório. Esse estímulo provoca então uma resposta do
75
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
organismo, que através da liberação de células do sistema imune (macrófagos,
neutrófilos), IGF-1 e fatores inflamatórios (IL-6), irão ativar as células satélites.
Essas células por sua vez doam núcleos (mionúcleos) ou se unem às fibras
lesadas, levando a regeneração do músculo. Uma fibra muscular maior e com
mais núcleos tem agora maior capacidade de síntese proteica.
A testosterona estimula a síntese proteica através do processo de
transcrição (síntese do RNAm a partir do DNA). Esse hormônio entra na célula,
se liga ao receptor androgênico e ocorre a formação de um complexo hormônioreceptor. O complexo hormônio receptor vai até o núcleo da célula (a fibra
muscular nesse caso) e inicia o processo de transcrição gênica, ativando genes
que codificam a síntese de proteínas contráteis (actina e miosina). A testosterona
também inibe a expressão de genes responsáveis pelo aumento da degradação
de proteínas, como MuRF1 e Atrogin 1. O grande aumento de massa muscular
provocado pelo uso de esteroides anabolizantes demonstra o grande potencial
da testosterona endógena como hormônio anabólico, que desempenha um
importante papel na hipertrofia das fibras musculares (figura 5.1).
Além da testosterona, O IGF-1 desempenha um importante papel na
hipertrofia muscular. Esse hormônio, responsável por mediar os efeitos
anabólicos do hormônio do crescimento, também é estimulado durante a
contração muscular. O IGF-1 atua principalmente através da via de sinalização
PI3k/Akt/mTOR, promovendo aumento da síntese proteica e redução do
catabolismo proteico.
Sinalização IGF1/PI3k/Akt pode também dominantemente inibir os efeitos
de uma proteína segregada chamada “miostatina”, que é um membro da família
de proteínas TGF-β (fator de crescimento transformador-beta). Eliminação ou
inibição da miostatina provoca um aumento no tamanho do músculo esquelético,
porque a miostatina atua para inibir a diferenciação de mioblastos (célula
percursora das fibras musculares) e para bloquear a via de Akt. Assim, através
do bloqueio da miostatina, a ativação da via PI3k/Akt estimula a diferenciação e
a síntese de proteínas por este mecanismo distinto. Como mencionado, a
miostatina também diminui a expressão da via da síntese de proteínas
Akt/mTOR/p70S6k, que medeia ambos diferenciação em mioblastos e hipertrofia
em miotubos (figura 5.1).
76
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 5.1. Vias de sinalização intracelular envolvidas no processo de hipertrofia
muscular (HALUCH, 2018).
5.4) POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA
Alguns estudiosos do treinamento e nutrição do fitness/bodybuilding
criaram modelos teóricos que preveem quanto de massa muscular um indivíduo
pode atingir sem uso de hormônios. Segundo Lyle McDonald e Alan Aragon que criaram modelos simples e semelhantes em termos de resultados - o ganho
médio de massa muscular no primeiro ano de treino seria de aproximadamente
7-10 kg (~ 800 g por mês). No segundo ano de treino o ganho médio seria de
aproximadamente 4-6 kg (~ 0,5 kg por mês), no terceiro ano cerca de 2-3 kg (~
250 g por mês) e nos anos seguintes seria cada vez mais difícil para esse
indivíduo, mesmo experiente em treinamento e nutrição, ter ganhos de massa
muscular além de 1-2 kg por ano, já que estaria provavelmente próximo de seu
limiar genético. No total você deveria esperar um ganho de aproximadamente 20
kg de massa muscular em 4-5 anos de treino. Você pode ganhar 20 kg em um
77
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
ano de treino, mas pode ter certeza que uma boa parte desses ganhos serão
retenção hídrica e gordura.
Um indivíduo que iniciasse o treinamento com 60 kg, 1,72 m de altura e
um percentual de gordura de 10% (meu caso quando comecei na musculação),
após 5 anos deveria atingir cerca de 80 kg com os mesmos 10% de BF (body
fat). Isso é apenas uma aproximação, que também varia da idade, do potencial
genético, nível de conhecimento etc. No entanto, são dados bem confiáveis,
baseados nas estatísticas de trabalho em campo de McDonald e Aragon. Esses
modelos
são para homens e para as mulheres os ganhos caem
aproximadamente pela metade, até porque elas produzem cerca de 10-20 vezes
menos testosterona que os homens. Outro ponto importante é que você pode ter
ganhos pífios nos primeiros anos de treino (meu caso quando comecei),
simplesmente por não ter conhecimento dos métodos de treinamento e nutrição
adequados. Claro que mesmo sem esse conhecimento alguns indivíduos com
genética diferenciada podem ter uma boa evolução apenas pelos estímulos do
treinamento.
Tabela 5.1. Modelo de Lyle Mcdonald para o máximo potencial genético muscular.
Anos de treino adequado
Potencial médio dos ganhos de
massa muscular por ano
1
9 – 11.5 kg (900 g por mês)
2
4.5 – 5.5 kg (450 g por mês)
3
2.2 – 2.7 kg (230 g por mês)
4+
0.9 – 1.3 kg (não vale à pena
calcular)
Os modelos de McDonald e Aragon são um tanto simplificados e
generalistas, pois não consideram outros fatores importantes, como idade e
individualidade genética. Indivíduos mais novos tendem a ter ganhos mais
rápidos e também poderão atingir resultados melhores, mais próximos do seu
limite natural. Individualidade genética é outro fator extremamente relevante e
será o foco principal desse capítulo, pois ela determina o máximo potencial
genético de cada indivíduo e isso está diretamente relacionado a como cada um
78
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
de nós responde aos nossos hormônios anabólicos (insulina, testosterona, GH,
IGF-1). A testosterona é o principal hormônio anabolizante responsável pela
quantidade de massa muscular que atingimos pelos estímulos de treinamento e
nutrição.
Os principais esteroides anabolizantes que conhecemos são hormônios
derivados da testosterona (sintetizada em 1935) e foram sintetizados no final dos
anos 50 e início dos anos 60. Entre esses esteroides estão a nandrolona,
comercializada como Deca Durabolin a partir de 1962; a metandrostenolona,
lançada em 1958 com o nome de Dianabol; o estanozolol, comercializado como
Winstrol a partir de 1962; e a oxandrolona, que passou a ser distribuída com o
nome de Anavar a partir de 1964.
O fisiculturista Bill Pearl admitiu que fez uso de esteroides anabolizantes
na sua preparação para o Mister Universo NABBA de 1961, onde foi campeão.
Nessa época Pearl, assim como Larry Scott (vencedor do Mister Olympia em
1965 e 1966), relatam que o uso de esteroides anabolizantes já era uma prática
comum entre os principais fisiculturistas.
O período anterior ao uso disseminado de esteroides é conhecido como
era pré-esteroides. Nessa época alguns dos grandes atletas de fisiculturismo
que se destacam são John Grimek, Steve Reeves e Reg Park. Esses
fisiculturistas são conhecidos por atingir um grande volume muscular
(principalmente para os padrões da época) sem o uso de esteroides.
Os fisiculturistas da era pré-esteroides são verdadeiros exemplos de que
nosso potencial genético para ganhos de massa muscular e força pode ser muito
acima do que esperamos. Nesse sentido, não preciso especular que a quase
totalidade das pessoas, que praticam musculação e iniciam o uso de esteroides,
fazem isso de forma muito precipitada e equivocada, achando que já estão no
seu limite natural, ou, que podem manter os resultados conquistados pelo uso
de esteroides.
Como os esteroides anabolizantes são os principais hormônios
responsáveis pelo grande ganho de massa muscular atingido pelos fisiculturistas
a partir dos anos 50-60, é de se esperar também que o potencial genético
muscular de um indivíduo esteja fortemente relacionado à testosterona. Na
79
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
próxima seção exploro em detalhes a relação entre potencial genético muscular
e a testosterona.
5.5) POTENCIAL GENÉTICO, TREINAMENTO E RESPOSTA
HORMONAL
O principal determinante para o ganho de massa muscular é o "potencial
genético" do indivíduo, que está relacionado ao número de mionúcleos e
receptores androgênicos (AR) em suas fibras musculares.
Existe a crença entre muitos praticantes de musculação que boa genética
para o ganho de massa muscular está associada a maior produção de
testosterona e outros hormônios anabólicos, como GH e IGF-1. Também existe
a crença que comer muita proteína e fazer uso de suplementos, como BCAA, é
importante para promover grandes ganhos de massa muscular. No entanto, a
síntese proteica muscular é limitada e não aumenta só por comer muita proteína.
Indivíduos com maior potencial genético têm mais facilidade para aumentar a
síntese proteica quando estão sob estímulo de treino resistido (musculação),
pois possuem mais mionúcleos e melhor resposta à testosterona por possuírem
mais receptores androgênicos.
Existe uma grande variabilidade de respostas para hipertrofia muscular
quando indivíduos são colocados sob estímulo do treinamento resistido. Um
estudo (HUBAL, 2005) mostrou que os ganhos com treinamento de força têm
uma grande variabilidade genética, tanto em termos de ganhos na massa
muscular, como em ganhos de força. Esse estudo considerou 585 indivíduos
entre 18 e 40 anos, homens e mulheres, treinando por 12 semanas, sem uso de
hormônios ou suplementos, mantendo sua rotina normal. No estudo os
indivíduos treinaram apenas um braço e enquanto alguns poucos indivíduos
tiveram ganhos acima de 40% (10 pessoas), outra minoria (5-10%) não obteve
nenhum ganho de volume muscular. No entanto, a grande maioria das pessoas
obteve ganhos em hipertrofia de 15 a 25% (aumento da área de secção
transversa). Esses resultados são interessantes, não só porque mostram que a
grande maioria das pessoas pode ter ganhos com treinamento, mas porque
80
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
mostra uma grande variabilidade de respostas aos estímulos do treinamento, ou
seja, potenciais genéticos diferenciados.
Nós sabemos que os hormônios anabólicos (testosterona, GH, IGF-1 e
insulina) desempenham um importante papel nas adaptações do treinamento de
força, mediando parte da sinalização celular responsável pela hipertrofia.
Também sabemos que o uso de esteroides anabolizantes em doses
suprafisiológicas promove um aumento de massa muscular que é dosedependente (o mesmo não ocorre com GH, IGF-1, insulina, pelo menos não de
forma isolada). O principal receptor da testosterona e seus derivados sintéticos
é o receptor androgênico (AR) e é principalmente através desse receptor que a
testosterona e os esteroides androgênicos atuam no organismo, promovendo
efeitos anabólicos e androgênicos.
O estudo de Morton (2018) mostrou que a facilidade / dificuldade que um
homem tem para ganhar massa muscular não tem relação com os níveis
endógenos de testosterona (nem com os níveis de GH e IGF-1) e sim com o
número de receptores androgênicos na fibra muscular. Após entrar na fibra
muscular e se ligar ao AR, a testosterona promove hipertrofia muscular através
do aumento da síntese proteica muscular e do aumento de células satélites e
mionúcleos. Indivíduos mais responsivos ao treinamento resistido também
parecem ser os mais responsivos ao uso de testosterona e esteroides
anabolizantes.
Quando um indivíduo usa BCAA para hipertrofia muscular a síntese
proteica não pode ser aumentada sem a presença dos demais aminoácidos
essenciais, não importa quanto BCAA o indivíduo utilize. A síntese de proteína
muscular exige a presença de todos os aminoácidos e também atinge um limite
para determinada quantidade de proteína. Ou seja, tomar BCAA não pode ser
um diferencial para o ganho de massa muscular. Além disso, a ingestão de
proteína acima de aproximadamente 2,0 g/kg não parece oferecer maiores
ganhos de massa muscular em indivíduos treinados, sem o uso de esteroides
anabolizantes.
81
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Dessa forma, o maior determinante para o ganho de massa muscular é o
potencial genético do indivíduo. Além disso, exagerar no consumo de proteínas
ou BCAA não irá promover hipertrofia porque a síntese proteica muscular é
limitada e não pode ser aumentada continuamente. Os indivíduos com maior
potencial para aumentar síntese proteica parecem ser os que apresentam maior
número de mionúcleos, células satélites e receptores androgênicos nas fibras
musculares, que são justamente os mais responsivos ao treinamento e aos
esteroides anabolizantes.
82
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUTT, C. The Weigh Trainer, Your Maximum Muscular Bodyweight and
Measurements. http://www.weightrainer.net/potential.html
HALUCH, D. Hormônios no fisiculturismo – história, fisiologia e farmacologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2017.
HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
HALUCH, D. Testosterona (fisiologia, estética e saúde). 2020.
HELMS, E. What can be achieved as a natural bodybuilder?
http://www.alanaragonblog.com/wp-content/uploads/2014/11/Aug-2014-AARREric-Helms-Article.pdf
HUBAL, M. J. et al. Variability in muscle size and strength gain after unilateral
resistance training. Med Sci Sports Exerc Jun;37(6):964-72, 2005.
MCDONALD, L. What’s My Genetic Muscular Potential?
http://www.bodyrecomposition.com/muscle-gain/whats-my-genetic-muscularpotential.html/
MORTON, R. et al. Muscle Androgen Receptor Content but Not Systemic
Hormones Is Associated With Resistance Training-Induced Skeletal Muscle
Hypertrophy in Healthy, Young Men. Front Physiol. Oct 9;9:1373, 2018.
TIMMONS, J. A. Variability in training-induced skeletal muscle adaptation. J
Appl Physiol 110:846-853, 2011.
83
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
6
DIETA PARA HIPERTROFIA MUSCULAR
6.1) INTRODUÇÃO
Para ganhar peso é necessário que o consumo de calorias seja maior que
o gasto energético do indivíduo (balanço energético positivo) e para perder peso
é necessário que o consumo de calorias seja menor do que o gasto energético
(balanço energético negativo). O gasto energético total (GET) é a energia que
nosso corpo consome diariamente a partir de carboidratos, gorduras e proteínas.
Nosso organismo consome diariamente calorias principalmente a partir de
carboidratos e gorduras. Os macronutrientes fornecem energia para o
desenvolvimento e funcionamento do organismo, sendo que o papel principal
das proteínas na hipertrofia é a sinalização da síntese proteica e o fornecimento
de aminoácidos para o aumento da massa muscular.
A hipertrofia muscular acontece quando existe um balanço nitrogenado
positivo (síntese proteica > degradação proteica) ao longo do tempo,
normalmente ao longo de vários dias. A hipertrofia muscular pode acontecer
mesmo na ausência do treinamento resistido (musculação), mas a sinalização
do exercício é fundamental para maximizar o ganho de massa muscular,
principalmente para atingir o físico de um fisiculturista. O superávit calórico
também é muito importante para otimizar o ganho de massa muscular, mas a
hipertrofia
pode
acontecer
mesmo
na
ausência
de
superávit
(dieta
normocalórica) e até mesmo quando existe um déficit calórico (dieta
hipocalórica).
84
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
6.2) CÁLCULO DO GASTO ENERGÉTICO
O gasto energético total diário (GET) tem basicamente três componentes:
a taxa metabólica basal (TMB: energia mínima para o nosso organismo manter
suas funções normais); a termogênese induzida pela dieta (TID) ou efeito térmico
dos alimentos (ETA): gasto de energia do organismo para digerir, absorver e
metabolizar os macronutrientes); e o gasto energético da atividade física (GAF:
energia consumida para manter nossas atividades diárias, voluntárias e
involuntárias). Dessa forma, o GET pode ser escrito como:
GET = GER + ETA + GAF
A TMB só pode ser medida em condições laboratoriais restritas (jejum,
repouso físico e mental, controle de temperatura etc) e o mais usual é medirmos
o gasto energético de repouso (GER), um pouco superior a TMB (cerca de 35%). O GER pode ser medido com o uso da calorimetria indireta ou ser estimado
por equações, como as fórmulas de Harris-Benedict e da FAO/OMS
(Organização Mundial de Saúde).
As tabelas 6.1, 6.2, 6.3, 6.4 e 6.5 mostram diferentes equações utilizadas
para calcular o GER. O GER se refere ao gasto energético para manter a
temperatura do organismo e suas funções vitais normais (batimento cardíaco,
respiração, atividade cerebral, função renal etc). Cerca de 50 a 70% do gasto
energético diário corresponde ao GER. Por aproximação podemos considerar
que TMB = GER.
Podemos ver claramente pelos termos utilizados nas equações que o
tamanho corporal (peso, altura) é o principal determinante do GER,
principalmente o tecido magro ou massa livre de gordura (MLG). A média do
GER varia entre 65 a 70 kcal por hora para um indivíduo de 70 kg, sendo que as
variações entre diferentes indivíduos se devem principalmente às diferenças na
quantidade de massa muscular e ao tamanho corporal. O GER reduz com a
idade e homens possuem valores um pouco maiores do que as mulheres, devido
ao maior volume muscular e menor percentual de gordura.
85
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
A dieta e o exercício físico também exercem grande influência sobre o
metabolismo. O exercício intenso é o fator que mais aumenta o metabolismo,
podendo aumentar a liberação de calor de 50 até 100 vezes, em relação a
quantidade normal, em poucos segundos. A atividade física é a principal variável
que diferencia o gasto energético diário entre diferentes indivíduos com peso
corporal semelhante, sendo que a atividade física inclui exercício físico e
atividades do dia a dia (caminhar, brincar, trabalhar etc).
Tabela 6.1. Equação de Harris e Benedict para cálculo do GER. P é o peso; A é altura
(em centímetros); I é idade (em anos).
Sexo
Fórmula de Harris-Benedict
Feminino
655 + (9,6 x P) + (1,9 x A) – (4,7 x I)
Masculino
66 + (13,8 x P) + (5,0 x A) – (6,8 x I)
Tabela 6.2. Equações da FAO/OMS para estimativa do GER.
Idade (anos)
Masculino
Feminino
10 a 18
(17,686 x P) + 658,2
(13,384 x P) + 692,6
18 a 30
(15,057 x P) + 692,2
(14,818 x P) + 486,6
30 a 60
(11,472 x P) + 873,1
(8,126 x P) + 845,6
Mais que 60
(11,711 x P) + 587,7
(9,082 x P) + 658,5
Tabela 6.3. Equação de Mifflin-St Jeor para cálculo do GER. P é o peso; A é altura (em
centímetros); I é idade (em anos). É a mais indicada para o cálculo do GER de indivíduos
obesos e indivíduos com metabolismo lento (já que os valores costumam ser menores
que as equações de Harris-Benedict e FAO/OMS).
Sexo
Fórmula de Mifflin-St Jeor
Feminino
(10 x P) + (6,25 x A) – (5,0 x I) – 161
Masculino
(10 x P) + (6,25 x A) – (5,0 x I) + 5
86
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Tabela 6.4. Equações de Cunningham e Tinsley para cálculo do GER de fisiculturistas
e indivíduos com físico atlético. P é o peso e MLG é a massa livre de gordura. São as
mais indicadas para o cálculo do GER de indivíduos com grande volume muscular e
percentual de gordura relativamente baixo.
Nome da equação
Fórmula
Cunningham (MLG)
(22 x MLG) + 500
Tinsley (P)
(24,8 x P) + 10
Tinsley (MLG)
(25,9 x MLG) + 284
Tabela 6.5. O fator atividade (FA) deve ser multiplicado pelo GER para encontrar o
cálculo do GET (GET = GER x FA). A maior parte da população tem um FA em torno de
1,6.
Nivel de atividade física diária
Fator atividade (FA)
Muito sedentário
1,3 – 1,4
Sedentário pouco ativo
1,5
Sedentário mais ativo (mais comum)
1,6
Moderadamente ativo
1,7
Muito ativo
1,8 – 1,9
Atividade intensa
2,0 ou mais
Calculando o gasto energético de repouso (GER) do indivíduo podemos
estimar seu gasto energético diário (GET) se conseguirmos estimar seu gasto
de atividade física (GAF). Por simplicidade, uma forma de estimar o GET é
multiplicar o GER por um fator relacionado ao gasto energético da atividade
física, o fator atividade (FA). A tabela 6.5 apresenta números aproximados para
o fator atividade de acordo com nível de atividade física do indivíduo, sendo que
os valores mais prováveis para maioria da população se situam na faixa de 1,5
a 1,6. Sendo assim, o gasto energético diário é dado por:
GET = GER x FA
Considerando as informações acima parece simples afirmar que para
emagrecer basta apenas comer menos calorias do que seu GET. Por outro lado,
só iremos engordar se comermos mais calorias do que nosso GET.
87
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Perda de peso: IE < GET (balanço energético negativo)
Ganho de peso: IE > GET (balanço energético positivo)
No entanto, existem outras considerações importantes sobre o nosso
metabolismo que não devem ser ignoradas. Diversos estudos têm mostrado que
alguns indivíduos têm maior predisposição para o ganho de peso e gordura. Um
estudo com vários pares de gêmeos mostrou que para um mesmo superávit
calórico (1000 kcal) o ganho de peso foi semelhante entre os irmãos, mas teve
grandes variações entre os pares de gêmeos (BOUCHARD, 1990). Isso
demonstra que a genética desempenha um grande papel no processo de ganho
e perda de peso. A sensibilidade à insulina varia entre as pessoas, assim como
o GER e o potencial de um indivíduo para perder ou armazenar gorduras. Ou
seja, algumas pessoas engordam mais facilmente que outras. Essas diferenças
também podem ser explicadas por variações no gasto energético de atividade
física (GAF).
O GAF pode ser dividido em dois componentes, um relacionado ao gasto
energético do exercício físico (GEF) e o outro relacionado ao gasto energético
de atividades que não são exercício, mais conhecido como non-exercise activity
thermogenesis (NEAT, termogênese de atividades que não são exercício).
Temos então:
GAF = GEF + NEAT
O NEAT é um componente do gasto energético diário (GET) relacionado
a todas as atividades do dia a dia que não são exercício físico, como caminhar,
brincar, dançar, transar, ficar mexendo os pés inquieto etc.
Embora o gasto energético de repouso (GER) seja normalmente o
componente que mais contribui para o GET (60-70%), em muitos indivíduos o
gasto energético da atividade física (GAF) pode ser um componente de maior
contribuição para o GET, principalmente em atletas de alto nível que treinam
várias horas por dia e possuem um elevado GEF. No entanto, para a maior parte
da população, a contribuição do NEAT tende a ser mais significativa para o GAF
do que o gasto do exercício físico (GEF). O NEAT pode variar até 2000 kcal entre
88
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
indivíduos da população com mesmo porte físico, e dessa forma pode explicar
porque alguns indivíduos são resistentes ao ganho de peso, enquanto outros
ganham gordura com facilidade (maior eficiência metabólica).
Indivíduos obesos parecem exibir uma tendência inata a sentar-se 2,5
horas por dia a mais do que suas contrapartes magras sedentárias (LEVINE,
2004). O NEAT também aumenta com superávit calórico e isso pode explicar
porque alguns indivíduos podem ter tanta dificuldade de ganhar peso (gordura e
massa muscular). O NEAT também reduz com a restrição calórica e isso explica
porque alguns indivíduos obesos têm tanta dificuldade de perder peso. Isso pode
explicar porque estudos em ambiente controlado (com controle rigoroso da
ingestão calórica) mostram grandes diferenças no ganho e perda de peso entre
indivíduos que utilizam o mesmo superávit ou o mesmo déficit calórico.
Se o NEAT atua para manter um peso corporal estável
dissipando energia em face de um excesso de energia, ele pode
agir para manter um peso estável ao conservar energia diante
de um déficit de energia. Sob tais circunstâncias, as diferenças
no NEAT entre os indivíduos poderiam explicar as diferenças
aparentes na eficiência metabólica (HAINER, 2001).
Outra consideração importante aqui é que durante o processo de perda
de peso nosso organismo sofre adaptações fisiológicas (redução do gasto
energético, aumento do apetite), de forma que as previsões de perda de peso
dadas pelo balanço energético negativo não se sustentam (HALUCH, 2021).
Essas considerações mostram que utilizar as equações para cálculo do
GER e do GET possui limitações, embora elas sejam uma boa aproximação em
um primeiro momento.
Devo lembrar o leitor que as equações para o cálculo do GER servem
apenas como estimativa. Por comparação, é interessante usar o recordatório
alimentar através de uma boa anamnese. Sei que muitos profissionais se
baseiam apenas no recordatório alimentar, mas a maioria dos indivíduos
subestima a ingestão energética, muitas vezes em até 50% do total de calorias.
Em quem não pesa os alimentos, as equações podem ser muito úteis para
aproximar o valor calórico da dieta. Eu mesmo não tenho o hábito de utilizar
89
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
equações, mas não deixam de ser úteis para um melhor entendimento,
principalmente naqueles indivíduos que estão estagnados no processo de
emagrecimento.
6.3) METABOLISMO E MASSA MUSCULAR
Os estudos que avaliam o efeito do treinamento resistido (musculação) no
emagrecimento costumam mostrar pouco ou nenhum efeito desse tipo de
exercício na perda de gordura. O exercício aeróbico parece ter uma contribuição
mais significativa para a perda de gordura comparado ao exercício resistido. Isso
acontece provavelmente porque o gasto energético do exercício é baixo e o
controle dietético não é rigoroso, fazendo com que os indivíduos compensem as
calorias gastas no exercício.
Por outro lado, a musculação é o exercício base dos fisiculturistas, atletas
que conseguem atingir um percentual de gordura muito baixo (4-7%) na fase de
pré-competição. Existe a crença de que o ganho de massa muscular ajude na
perda de gordura devido a um aumento na taxa metabólica, já que o tecido
muscular consome mais calorias que o tecido adiposo. Um quilograma de massa
muscular consome 13 kcal, enquanto 1 kg de tecido adiposo consome 4,5 kcal.
Sendo assim, é de se esperar que um ganho de 10 kg de massa muscular eleve
o gasto energético em ~ 130 kcal, enquanto o mesmo ganho de peso em gordura
aumenta o gasto energético em ~ 45 kcal. Embora a diferença pareça pequena
(130 – 45 = 85 kcal), quando comparamos o gasto energético de repouso (GER)
de obesos e fisiculturistas observamos grandes diferenças para um mesmo peso
corporal.
Tabela 6.6. Taxa metabólica dos órgãos/tecidos (WANG, 2010).
Tecido
Fígado
Cérebro
Coração + rins
Músculo esquelético
Taxa metabólica
(kcal/kg)
200
240
440
13
Tecido adiposo
Outros
4,5
12
Peso
1,5 kg
1,5 kg
300 + 150 g
40 – 50% do peso
corporal
Varia muito
90
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Considere um homem de 26 anos, pesando 84 kg, com 1,63 m de altura.
Se ele for obeso, a equação mais apropriada para o cálculo do GER é a equação
de Mifflin-St Jeor (FRANKENFIELD, 2005):
GER = (10 x P) + (6,25 x A) – (5,0 x I) + 5
GER = (10 x 84) + (6,25 x 163) – (5,0 x 26) + 5
GER = 1734 kcal
Se o homem tiver uma composição corporal atlética, como um
fisiculturista, a equação mais apropriada será a equação de Tinsley (TINSLEY,
2019):
GER = (24,8 x P) + 10 = (24,8 x 84) + 10
GER = 2093 kcal
Comparando o GER do obeso e do fisiculturista encontramos:
2093 – 1734 = 359 kcal
Embora seja uma estimativa, esse valor pode ser até maior, considerando
os resultados de estudos que avaliam o GER de obesos e fisiculturistas através
do uso da calorimetria indireta. Ou seja, no longo prazo, o gasto energético
parece aumentar substancialmente com uma mudança drástica de composição
corporal; mudança essa que envolve obrigatoriamente a prática de musculação,
pelo seu potencial de promover hipertrofia muscular.
Não há dúvidas que o ganho de massa muscular tenha impactos positivos
no metabolismo, aumentando a sensibilidade à insulina, o gasto energético de
repouso e a capacidade de oxidação de gorduras. No curto prazo (semanas,
meses), os efeitos do treinamento resistido na perda de gordura podem ser
discretos, mas, no longo prazo (anos), os efeitos podem ser bem expressivos.
Indivíduos com composição corporal atlética (lutadores, fisiculturistas, ginastas)
são mais sensíveis à insulina e possuem maior flexibilidade metabólica, o que
implica maior capacidade de oxidação de gorduras.
Segundo a posição do Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM,
2009), o treinamento resistido tem pouco efeito na redução do peso corporal,
mas sua prática está associada a melhorias nos fatores de risco de DCV
91
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
(doenças cardiovasculares), como aumento do HDL, redução do LDL, dos
triglicerídeos e da pressão arterial, além de melhorias na sensibilidade à insulina.
Em resumo, o treinamento resistido não parece ser eficaz para a
redução de peso da ordem de 3% do peso inicial e não aumenta
a perda de peso quando combinado com a restrição alimentar. O
treinamento resistido aumenta a massa livre de gordura quando
usado sozinho ou em combinação com a perda de peso causada
pela restrição da dieta. O treinamento resistido pode aumentar a
perda de massa gorda quando combinado ao exercício aeróbico
comparado ao treinamento resistido sozinho. Atualmente, não
existem evidências para a prevenção do aumento de peso após a
perda de peso ou para um efeito de dose para treinamento
resistido e perda de peso (DONNELLY, 2009).
6.4) SUPERÁVIT CALÓRICO E HIPERTROFIA MUSCULAR
Fisiculturistas geralmente desejam ganhar massa muscular no off season,
mas nem sempre pode ser o caso. Muitos indivíduos utilizam a fase de off season
para manutenção dos resultados ou simplesmente para melhorar o físico. O que
não significa apenas comer mais calorias para ganhar peso, músculos.
Como visto anteriormente, a necessidade de proteínas para hipertrofia se
situa na faixa de 1,6 a 2,2 g/kg, mas a maioria dos fisiculturistas facilmente
ultrapassa essas recomendações. Para indivíduos que utilizam esteroides
anabolizantes as necessidades de proteínas podem aumentar, já que esses
hormônios aumentam a síntese e reduzem a degradação proteica, otimizando o
aproveitamento das proteínas para construção muscular. De qualquer forma, o
uso de grandes quantidades de proteínas, acima de ~ 2,5 g/kg, não parece trazer
um resultado adicional no ganho de massa muscular.
Para o ganho de massa muscular é geralmente recomendado um
superávit calórico de cerca de 500 kcal, que pode ser maior ou menor
dependendo da condição física do indivíduo, do nível de treinamento (iniciante
ou avançado), do seu metabolismo e do uso de hormônios (tabela 6.7).
Indivíduos com percentual de gordura baixo, mais sensíveis à insulina e/ou
usuários de esteroides, podem utilizar um superávit calórico maior (500-1000
kcal). Mulheres devem ter mais cautela, já que produzem menos testosterona
92
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
que os homens e por isso ganham massa muscular mais lentamente. Indivíduos
com percentual de gordura mais elevado (> 12-15%) e/ou menos sensíveis à
insulina também devem ser mais cautelosos, já que podem acumular gordura
mais facilmente. Esses indivíduos estão mais susceptíveis ao ganho de gordura
ao subir as calorias, quando comparados a indivíduos com baixo percentual de
gordura.
Na literatura científica, tem sido recomendado ter como objetivo
um ganho de peso alvo de ~ 0,25-0,5 kg por semana ao tentar
aumentar a massa magra e minimizar os ganhos de massa
gorda. Para o fisiculturista avançado, um aumento potencial de 2
kg no peso corporal mensalmente pode ser excessivo e resultar
em acúmulo desnecessário de gordura corporal; portanto, essa
taxa deve ser considerada com cautela. Com base nas evidências
atuais, pode ser apropriado recomendar que os fisiculturistas
consumam uma dieta ligeiramente hiperenergética (~ 10–20%
acima das calorias de manutenção) no off season e recomendar
os fisiculturistas avançados para atingir o limite inferior desta
recomendação, ou mesmo ser mais conservador se ocorrerem
aumentos substanciais na massa gorda (IRAKI, 2019).
Tabela 6.7. Essa tabela mostra como escolher o superávit calórico de acordo com o
perfil do indivíduo. É importante levar em consideração nível de treinamento (quanto
mais treinado, maior a dificuldade em ganhar massa muscular), o metabolismo do
indivíduo e também se faz uso de esteroides anabolizantes. A terceira coluna é uma
estimativa do ganho de peso mensal que seria vantajoso para minimizar o ganho de
gordura em cada condição.
Perfil
Superávit calórico
Ganho de peso
mensal
Iniciante, intermediário
400 – 800 kcal
~ 1,0 a 2,0 kg
Avançado
200 – 400 kcal
~ 0,5 a 1,0 kg
Usuário de esteroides
500 – 1000 kcal
~ 1,0 a 5,0 kg
Esse aumento das calorias na fase de off season deve ser proveniente
principalmente dos carboidratos, considerando que as metas de proteínas já
estão alcançadas (~ 2,0 g/kg). As recomendações de carboidratos para
indivíduos que treinam musculação (força e hipertrofia) ficam na faixa de 4 a 8
g/kg (45-60% das calorias), mas mulheres geralmente consomem uma
quantidade mais próxima do limite inferior. Aqui novamente é importante lembrar
que as pessoas podem ter respostas diferentes ao aumento de calorias e
93
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
carboidratos, já que alguns indivíduos acabam ganhando gordura com facilidade
quando utilizam dietas high carb. Nesse caso é importante considerar o histórico
do indivíduo e seu metabolismo, podendo ser necessário mais cautela com o
superávit calórico e na escolha dos carboidratos.
As recomendações de gordura para fisiculturistas se situam na faixa de
20-35% das calorias, podendo ser maior para aqueles indivíduos que não
possuem uma resposta tão boa com dietas high carb.
O ganho de peso no início de uma dieta para hipertrofia (bulking) deve ser
de aproximadamente 0,2-0,5 kg por semana (menos para mulheres). Nas
primeiras semanas (6-8 semanas) é de se esperar um ganho de massa magra
maior, mas depois de algumas semanas ocorre estagnação dos resultados e
aumentar as calorias pode ser uma péssima ideia, pois os ganhos de gordura
tendem a ser maiores.
A sinalização intracelular em dietas hipercalóricas (IGF-1 -> PI3k -> Akt > mTOR) leva ao aumento da resistência à insulina no longo prazo, que tende a
piorar com o ganho de peso e acaba prejudicando a sinalização que aumenta a
síntese proteica (IGF-1/Akt/mTOR), tornando difícil o ganho de massa muscular.
Alguns estudos mostram que no início de dietas hipercalóricas ocorre um
aumento da sensibilidade à insulina, principalmente quando se sai de uma dieta
low carb. No entanto, é preciso ter cautela, e alguns indivíduos podem ganhar
muita gordura se abusarem do excedente calórico. Por isso também se ganha
mais massa muscular e menos gordura quando se inicia uma dieta hipercalórica,
e conforme o tempo passa se ganha mais gordura e menos massa muscular
(devido ao aumento da resistência à insulina e menor ativação da mTOR).
O excesso calórico em longo prazo acompanhado do ganho de gordura
pode criar uma resistência maior aos ganhos de massa muscular devido ao
aumento da resistência à insulina e uma limitação fisiológica para aumentos da
síntese proteica muscular. A tendência ao ganho gordura aumenta, se tornando
um ciclo vicioso, onde o indivíduo não tem ganhos consideráveis de massa
muscular e tem um aumento do percentual de gordura acima do que deveria.
94
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 6.1. O ganho de peso e massa muscular é maior nas primeiras semanas de uma
dieta para hipertrofia (bulking) devido a maior sensibilidade à insulina e maior potencial
para aumentar a síntese proteica muscular. Depois de algumas semanas os ganhos
começam a estagnar e com a redução da sensibilidade à insulina um aumento de
calorias tende a favorecer um maior ganho de gordura (HALUCH, 2018).
Estudos em animais demonstraram que superalimentação pode induzir
resistência à insulina aguda. Estratégias com excesso de calorias em longo
prazo, ainda mais quando se tem muitas refeições livres na semana, são
desfavoráveis e podem complicar ainda mais a obtenção de bons resultados. Por
esse motivo é necessário ter paciência e evitar extremismos. Indivíduos com
percentual de gordura acima de 12-15% (18-20% para as mulheres) com certeza
estão em condições físicas desfavoráveis no quesito estético.
Se depois de algumas semanas em dieta hipercalórica ocorre estagnação
dos resultados e maior ganho de gordura, o que devemos fazer então?
O indivíduo precisa estar consciente que aumentar peso não significa
ganhar massa muscular, assim como perder peso não significa perder massa
muscular. Se ao aumentar as calorias depois de certo tempo em dieta favorece
um maior ganho de gordura, devido a uma redução da sensibilidade à insulina e
limitações no aumento da síntese proteica muscular, então uma alternativa seria
justamente reduzir a ingestão de calorias para melhorar a sensibilidade à insulina
95
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
e favorecer a perda de gordura. Mais detalhes sobre o que fazer no platô de uma
dieta para hipertrofia são dados na seção 6.7.
6.5) CÁLCULO DE DIETA (EXEMPLOS)
Para calcular a dieta de um indivíduo que busca hipertrofia é necessário
antes de tudo conhecer suas necessidades energéticas, seu gasto energético
total (GET) diário. Já conhecemos as recomendações de macronutrientes para
hipertrofia, então agora precisamos entender como esses macronutrientes se
encaixam em uma dieta para hipertrofia.
As tabelas 6.1, 6.2, 6.3 e 6.4 mostram diferentes equações utilizadas para
calcular o gasto energético de repouso (GER) e o gasto energético total (GET).
O GER (ou TMB) se refere ao gasto energético para manter a temperatura do
organismo e suas funções vitais normais (batimento cardíaco, respiração,
atividade cerebral, função renal etc). Cerca de 60 a 70% do gasto energético
diário corresponde ao GER.
As equações para calcular o GET devem ser utilizadas com cautela, pois
não oferecem valores precisos, apenas uma estimativa. No entanto, esses
valores geralmente oferecem uma boa aproximação para o GET da maioria dos
indivíduos, principalmente quando se tem uma boa estimativa do gasto
energético da atividade física (FA = fator atividade). Algumas dicas importantes
aqui para fazer um bom uso dessas equações é considerar utilizar mais de uma
delas para fazer o cálculo do GET, comparar os valores e escolher o valor mais
alto ou mais baixo de acordo com as informações da anamnese e da composição
corporal. Por exemplo, para um indivíduo com “metabolismo acelerado” (gasto
energético elevado) e baixo percentual de gordura pode ser interessante utilizar
o valor mais alto.
Além disso, nutricionistas experientes costumam comparar os resultados
obtidos das equações com a quantidade de calorias ingeridas pelo indivíduo,
realizando para isso um recordatório alimentar de 24 horas e questionários de
ingestão alimentar. No recordatório alimentar o indivíduo relata o que consumiu
no dia anterior e outros questionários podem ser utilizados para verificar a
96
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
ingestão alimentar em outros dias da semana. Com os dados dos questionários
de ingestão alimentar é possível comparar com o resultado das equações, tendo
assim mais segurança para estimar as necessidades energéticas do indivíduo.
Vou usar um exemplo para o cálculo da dieta de um indivíduo que busca
ganhar massa muscular. O primeiro passo é calcular suas necessidades
energéticas diárias (GET) e depois adicionar calorias (superávit calórico = SUP),
já que sua meta é ganhar peso/massa muscular. O resultado final é o total de
calorias que ele deve ingerir em sua dieta, ou seja, o valor energético total (VET).
EXEMPLO 1:
Fisiculturista homem de 37 anos, pesando 81 kg, percentual de gordura
de 10%, 1,74 m de altura, com atividade física moderada (FA = 1,6). O superávit
calórico será de 400 kcal (SUP). Importante considerar a rotina diária do
indivíduo, como trabalho, atividade física diária etc.
Começamos calculando seu GER com as equações mais apropriadas
para fisiculturistas, como Cunningham e Tinsley (tabela 6.4):
- Por Cunningham:
GER = (22 x MLG) + 500
Onde a MLG = P – PG, sendo PG o peso gordo.
PG = 81 x 0,10 = 8,1 kg, então:
MLG = 81 – 8,1 = 72,9 kg
GER = (22 x 72,9) + 500 = 2104 kcal
- Por Tinsley:
GER = (24,8 x P) + 10
GER = (24,8 x 81) + 10 = 2019 kcal
Agora é preciso escolher um dos resultados (Cunningham ou Tinsley)
para prosseguir e calcular o gasto energético total (GET). Geralmente eu
recomendo escolher o menor valor, mas se o indivíduo tem dificuldade de ganhar
peso e massa muscular (“metabolismo acelerado”) é interessante escolher o
97
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
maior valor entre os resultados. Nesse caso vou escolher Tinsley para calcular
o GET:
GET = GER x FA
GET = 2019 x 1,6 = 3230 kcal
Com o GET calculado, adicionamos o superávit calórico, que nesse caso
foi escolhido como sendo 400 kcal (SUP):
VET = GER + SUP
VET = 3230 + 400 = 3630 kcal
Para finalizar resta calcular os macronutrientes da dieta. Começamos
pelas proteínas, sendo interessante usar valores entre 2,0 e 2,5 g/kg em dietas
para hipertrofia muscular. Se o indivíduo não faz uso de esteroides usar 2,0 g/kg
está de bom tamanho.
- Proteínas (2,0 g/kg):
81 x 2 = 162 g
Para converter em calorias devemos multiplicar por 4 (1 g de prot = 4 kcal):
162 x 4 = 648 kcal
Em valores percentuais obtemos:
(648/3630) x 100 = 18% (regra de 3)
Restam então 82% das calorias para serem distribuídas entre
carboidratos e gorduras. Em uma dieta para hipertrofia é mais interessante e
conveniente usar 45 a 55% das calorias para carboidratos. Vou escolher 50%
para carboidratos, restando então 32% das calorias para as gorduras.
- Carboidratos (50%):
3630 x 0,50 = 1815 kcal
Para converter em gramas devemos dividir por 4 (1 g de carbo = 4 kcal):
1815/4 = 454 g
- Gorduras (32%):
98
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
3630 x 0,32 = 1162 kcal
Para converter em gramas devemos dividir por 9 (1 g de gordura = 9 kcal):
1162/9 = 129 g
Para facilitar o entendimento vou colocar os resultados em uma tabela:
Tabela 6.8. Exemplo 1. Para achar os valores em g/kg basta dividir o total de cada
macronutriente (em gramas) pelo peso do indivíduo.
Macronutriente
Gramas
kcal
Em %
g/kg
Proteínas
162
648
18
2,0
Carboidratos
454
1815
50
5,6
Gorduras
129
1162
32
1,6
EXEMPLO 2:
Vamos considerar uma mulher de 26 anos, pesando 57 kg, com 1,66 m e
muito ativa (trabalha em pé, treina ~ 1 hora por dia, FA = 1,7). Considerando que
ela é iniciante (não atleta) e tem um percentual de gordura baixo podemos utilizar
as equações da FAO/OMS e Harris-Benedict para calcular o GER:
- Por FAO/OMS:
GER = (14,818 x P) + 486,6
GER = (14,818 x 57) + 486,6
GER= 1331 kcal
- Por Harris-Benedict:
GER = 655 + (9,6 x P) + (1,9 x A) – (4,7 x I)
GER = 655 + (9,6 x 57) + (1,9 x 166) – (4,7 x 26)
GER = 655 + 547,2 + 315,4 – 122,2
GER = 1395 kcal
99
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Agora é preciso escolher um dos resultados (FAO/OMS ou HarrisBenedict) para calcular o gasto energético total (GET). Nesse caso vamos
escolher o menor valor do GER (FAO/OMS) para calcular o GET, sendo FA =
1,7:
GET = 1331 x 1,7 = 2263 kcal
Considerando que ela não é tão experiente em treinamento e tem um
baixo percentual de gordura podemos escolher um superávit calórico de 500
kcal.
VET = 2263 + 500 = 2763 kcal
Para finalizar resta calcular os macronutrientes da dieta. Começamos
pelas proteínas, sendo interessante usar valores entre 2,0 e 2,5 g/kg em dietas
para hipertrofia muscular. Se o indivíduo não faz uso de esteroides usar 2,0 g/kg
está de bom tamanho. Neste exemplo vou usar 2,2 g/kg.
- Proteínas (2,2 g/kg):
57 x 2,2 = 125,4 g
Convertendo em calorias obtemos:
125,4 x 4 = 502 kcal
Em percentual obtemos:
(502/2763) x 100 = 18%
Restam então 82% das calorias para serem distribuídas entre
carboidratos e gorduras. Vou escolher 52% para carboidratos, restando então
30% das calorias para as gorduras.
- Carboidratos (52%):
2763 x 0,52 = 1437 kcal
1437/4 = 359 g
- Gorduras (30%):
2763 x 0,30 = 829 kcal
100
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
829/9 = 92 g
Colocando os resultados em uma tabela:
Tabela 6.9. Exemplo 2.
Macronutriente
Gramas
kcal
Em %
g/kg
Proteínas
125,4
502
18
2,2
Carboidratos
359
1437
52
6,3
Gorduras
92
829
30
1,6
Após calcular a dieta é importante dividir os macronutrientes nas refeições
(mais detalhes sobre isso são dados na próxima seção). É importante fazer uma
avaliação frequente do físico durante o seguimento da dieta (monitorar a
evolução da composição corporal), de preferência semanalmente ou a cada 2-3
semanas. Se o indivíduo estiver ganhando muita gordura é importante fazer um
ajuste nas calorias.
Para quem quiser aprender a montar uma dieta e uma estratégia para
emagrecimento ou definição muscular recomendo a leitura do meu livro
Emagrecimento e Metabolismo e do meu e-book Estratégias Nutricionais
para Definição Muscular.
6.6) MONTANDO A DIETA
Depois de calcular o gasto energético e a dieta com todos os
macronutrientes é importante saber distribuir os macronutrientes entre as
refeições. Como vimos no capítulo 1 é importante ingerir proteínas em pelo
menos 3-4 refeições, não sendo necessário o indivíduo consumir 6-7 refeições
no dia. A distribuição de carboidratos e gorduras pode ser mais flexível, mas é
importante ter carboidratos em refeições que antecedem o treino visando
abastecer os estoques de glicogênio muscular. Mais detalhes sobre a
distribuição de macronutrientes e os possíveis benefícios na hipertrofia e no
desempenho são dados no último capítulo.
Como exemplo vamos considerar fisiculturista homem de 25 anos,
pesando 74 kg, percentual de gordura de 8%, 1,68 m de altura, com atividade
101
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
física moderada (FA = 1,6). Considerando que ele fará uso de esteroides, o
superávit calórico escolhido será de 700 kcal (SUP). Importante considerar a
rotina diária do indivíduo, como trabalho, atividade física diária etc.
Começamos calculando seu GER com as equações mais apropriadas
para fisiculturistas, como Cunningham e Tinsley (tabela 6.4):
- Por Cunningham:
GER = (22 x MLG) + 500
Onde a MLG = P – PG, sendo PG o peso gordo.
PG = 74 x 0,08 = 5,9 kg, então:
MLG = 74 – 5,9 = 68,1 kg
GER = (22 x 68,1) + 500 = 1998 kcal
- Por Tinsley:
GER = (24,8 x P) + 10
GER = (24,8 x 74) + 10 = 1845 kcal
Agora é preciso escolher um dos resultados (Cunningham ou Tinsley)
para prosseguir e calcular o gasto energético total (GET). Nesse caso eu
recomendo escolher o menor valor (Tinsley) para evitar superestimar o GET:
GET = GER x FA
GET = 1845 x 1,6 = 2952 kcal
Com o GET calculado, adicionamos o superávit calórico, que nesse caso
foi escolhido como sendo 700 kcal (SUP):
VET = GER + SUP
VET = 2952 + 700 = 3652 kcal
Para finalizar resta calcular os macronutrientes da dieta. Começamos
pelas proteínas, sendo interessante usar valores entre 2,0 e 2,5 g/kg em dietas
para hipertrofia muscular. Se o indivíduo faz uso de esteroides é interessante
usar 2,5 g/kg.
102
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
- Proteínas (2,5 g/kg):
74 x 2,5 = 185 g
Para converter em calorias devemos multiplicar por 4 (1 g de prot = 4 kcal):
185 x 4 = 740 kcal
Em valores percentuais obtemos:
(740/3652) x 100 = 20% (regra de 3)
Restam então 80% das calorias para serem distribuídas entre
carboidratos e gorduras. Em uma dieta para hipertrofia é mais interessante e
conveniente usar 45 a 55% das calorias para carboidratos. Vou escolher 50%
para carboidratos, restando então 30% das calorias para as gorduras.
- Carboidratos (50%):
3652 x 0,50 = 1826 kcal
Para converter em gramas devemos dividir por 4 (1 g de carbo = 4 kcal):
1826/4 = 456 g
- Gorduras (30%):
3652 x 0,30 = 1096 kcal
Para converter em gramas devemos dividir por 9 (1 g de gordura = 9 kcal):
1096/9 = 122 g
Para facilitar o entendimento vou colocar os resultados em uma tabela:
Tabela 6.10. Cálculo da dieta de hipertrofia de um fisiculturista de 74 kg, com VET =
3652 kcal (superávit calórico de 700 kcal).
Macronutriente
Gramas
kcal
Em %
g/kg
Proteínas
185
740
20
2,5
Carboidratos
456
1826
50
6,2
Gorduras
122
1096
30
1,65
Depois de calcular a dieta o último passo é montar o plano alimentar,
dividindo os macronutrientes entre as refeições. Aqui vou considerar duas
103
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
possibilidades (tabela 6.11), uma dieta com 4 refeições (dieta 1) e outra dieta
com 6 refeições (dieta 2), seguindo as recomendações de distribuição de
proteínas dadas no capítulo 1. Mais detalhes sobre a distribuição de
macronutrientes são dados no próximo capítulo.
Tabela 6.11. Dois modelos de dieta com diferentes quantidades de refeições para um
fisiculturista de 74 kg consumindo 2,5 g/kg de proteínas (185 g), 456 g de carboidratos
e 122 g de gorduras. P = proteínas; C = carboidratos; G = gorduras.
DIETA 1
DIETA 2
Refeição 1: 40 g P / 90 g C / 30 g G
Refeição 1: 30 g P / 80 g C / 25 g G
Refeição 2: 55 g P / 140 g C / 40 g G
Refeição 2: 40 g P / 100 g C / 35 g G
Treino
Refeição 3: 25 g P / 60 g C / 10 g G
Refeição 3: 60 g P / 150 g C / 32 g G
Treino
Refeição 4: 30 g P / 76 g C / 20 g G
Refeição 4: 35 g P / 70 g C / 2 g G
Refeição 5: 55 g P / 100 g C / 35 g G
Refeição 6: 46 g C / 15 g G
6.7) O QUE FAZER NO PLATÔ?
A hipertrofia muscular depende da manutenção de um estado de balanço
nitrogenado positivo (síntese proteica > degradação proteica), que pode ser
gerado com estímulo do treinamento resistido (musculação), da dieta (superávit
calórico) e com uso de hormônios anabólicos (testosterona, esteroides, GH,
insulina). No entanto, a ganho de massa muscular também depende do potencial
genético do indivíduo, que está relacionado ao número de receptores
androgênicos, mionúcleos, células satélites etc. É possível aumentar o número
de células satélites e mionúcleos nas fibras musculares com treinamento
resistido e uso de esteroides anabolizantes, mas ainda assim existe uma
limitação fisiológica. Dessa forma, a hipertrofia muscular é um processo lento e
gradativo, que tem limites fisiológicos que variam de acordo com o potencial
genético de cada indivíduo.
Quando um indivíduo atinge um platô nos ganhos de massa muscular,
usando ou não esteroides anabolizantes, isso não significa que esse platô é seu
104
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
limite máximo para ganhos de massa muscular. Significa apenas que ele atingiu
um limiar para aumento da síntese proteica muscular. Como a síntese proteica
muscular depende do número de mionúcleos da fibra muscular, é necessário ter
paciência para que o treinamento em sinergia com a dieta e o uso de esteroides
aumente o número de mionúcleos nas fibras musculares. Por isso não é possível
um atleta se tornar tão grande como um Mister Olympia em um período curto de
tempo (meses). De qualquer forma, manter o uso contínuo de esteroides parece
ser inevitável para se atingir o alto nível de musculosidade dos fisiculturistas
profissionais.
Abaixo descrevo algumas possibilidades de estratégias para sair de um
platô quando se trata de hipertrofia muscular.
•
AUMENTAR AS CALORIAS?
Essa estratégia é a mais óbvia, mas só é interessante se o percentual de
gordura do indivíduo estiver baixo (abaixo de 12-15% para homens; abaixo de
18-20% para mulheres) caso contrário acumula-se muita gordura.
•
AUMENTAR A INGESTÃO PROTEICA?
Essa estratégia só faria sentido se a ingestão proteica estivesse abaixo
de ~ 2 g/kg, o que é pouco provável na grande maioria dos casos.
•
AUMENTAR O VOLUME DE TREINO?
Só faria sentido se o volume de treino estivesse baixo (como alguém
treinando 2 a 3 vezes na semana), o que é improvável em indivíduos e atletas
experientes, que costumam treinar 5 a 7 vezes na semana com sessões durando
mais de 1 hora por dia.
•
AUMENTAR AS DOSAGENS DE HORMÔNIOS?
Essa é uma estratégia que tem grande apelo entre usuários de esteroides
iniciantes e pouco experientes (superestimam o potencial anabólico dos
esteroides). Essa estratégia só faz sentido se as dosagens estiverem baixas,
como de um homem usando ~ 250 mg de testosterona por semana.
105
Nutrição e Hipertrofia Muscular
•
Dudu Haluch
CICLAR CARBOIDRATOS?
As estratégias que ciclam carboidratos são muito conhecidas no
fisiculturismo e muito utilizadas durante o período pré-competição (HALUCH,
2018). No entanto, no contexto de superávit calórico provavelmente vai surtir
pouco efeito se não alterar a ingestão calórica.
•
MANTER TREINO E DIETA POR UM TEMPO?
A estratégia da paciência é simples, mas não tem tanto prestígio por
motivos óbvios (os resultados são demorados e podem ser frustrantes). É uma
boa estratégia, pois hipertrofia muscular é um processo lento, que exige uma
série de adaptações das fibras musculares para elevar o potencial para aumento
da síntese proteica muscular.
•
REDUZIR AS CALORIAS (FAZER UM CUTTING)?
Em minha opinião essa é a melhor estratégia no longo prazo, desde que
seja utilizada de forma cautelosa, visando perder gordura e melhorar a
sensibilidade à insulina enquanto se mantém a massa muscular. Muitos
fisiculturistas têm medo de entrar em uma dieta hipocalórica fora do período de
competição com medo de perder os resultados conquistados durante o off
season/bulking.
6.8) HIPERTROFIA MUSCULAR EM DÉFICIT CALÓRICO
É possível ganhar massa muscular em déficit calórico, embora seja mais
difícil. Não há violação do princípio de conservação de energia aqui, pois o ganho
de tecido magro (músculo) é conseguido apenas às custas da energia fornecida
pelo catabolismo do tecido adiposo (reserva energética). Também é necessária
uma sinalização para aumentar a síntese proteica muscular, como o treino de
musculação e/ou uso de hormônios anabólicos (esteroides anabolizantes).
106
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Figura 6.2. A hipertrofia muscular pode ocorrer em déficit calórico, desde que a síntese
proteica muscular (SPM) seja estimulada pelo treinamento resistido e a energia (ATP)
para a SPM seja fornecida pela oxidação dos ácidos graxos (gordura) provenientes do
tecido adiposo. O ganho de massa muscular em restrição calórica ocorre mais
facilmente em indivíduos pouco treinados e com elevado percentual de gordura, com
estímulo do treinamento resistido e dieta hiperproteica. Em usuário de esteroides
anabolizantes esse processo também ocorre com certa facilidade (HALUCH, 2021).
Construir tecido muscular envolve um custo energético grande para o
organismo e obviamente não é uma prioridade em uma situação de déficit
energético (restrição calórica). Em déficit calórico, o organismo prioriza sintetizar
proteínas mais essenciais para o seu funcionamento, como enzimas que
regulam o metabolismo energético, proteínas transportadoras (albumina e
hemoglobina), proteínas do sistema imune, hormônios etc. A proteína muscular
(actina e miosina), na verdade, é catabolizada principalmente para fornecer
aminoácidos para a gliconeogênese, já que em déficit calórico os estoques de
glicogênio hepático esgotam mais rapidamente e alguns tecidos dependem
constantemente de glicose (cérebro e as hemácias).
107
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
O treinamento resistido (musculação) estimula a síntese proteica
muscular e isso pode reduzir o catabolismo de proteínas ou até mesmo deixar o
organismo em balanço nitrogenado positivo (síntese proteica > degradação
proteica). Claro que isso dificilmente será possível com um grande déficit
energético e em indivíduos com muita massa muscular (maior demanda de
proteínas). Também é necessário aumentar a ingestão de proteínas pela dieta,
já que o déficit calórico aumenta a degradação proteica muscular (figura 6.2).
No estudo de Longland (2016) homens com sobrepeso fizeram uma dieta
hipocalórica (40% de redução do gasto energético) por 4 semanas e perderam
4,8 kg de massa gorda. Os níveis de testosterona reduziram de forma
expressiva, de 507 ng/dl para 126 ng/dl. Mesmo com essa grande redução das
concentrações séricas de testosterona, os indivíduos ganharam massa magra
(1,2 kg), graças à combinação de treinamento resistido (musculação) com uma
dieta hiperproteica (2,4 g/kg). Um resultado impressionante, considerando que
essa grande mudança de composição corporal ocorreu com a testosterona na
faixa infrafisiológica (abaixo de 300 ng/dl) e em uma situação de grande déficit
calórico.
Os processos anabólicos que ocorrem em situação de déficit energético,
como gliconeogênese e síntese proteica, utilizam obrigatoriamente a energia
proveniente da oxidação de ácidos graxos do tecido adiposo, nossa reserva de
energia. Se o indivíduo tem muita massa muscular será muito difícil ganhar
massa muscular em déficit calórico sem uso de hormônios anabólicos
(esteroides anabolizantes), pois é mais difícil ficar em balanço nitrogenado
positivo quando o indivíduo está mais próximo do potencial genético muscular
máximo e também pelo aumento da sinalização que estimula degradação
proteica muscular (baixos níveis de insulina, aumento do cortisol e da
gliconeogênese).
108
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
6.9) CATABOLISMO MUSCULAR
Catabolismo é uma palavra que provoca medo em muitos fisiculturistas,
em geral porque falta entendimento de como esse processo funciona.
Catabolismo é um conceito amplo, que denota degradação de macromoléculas
em suas partes mais simples, como a degradação de proteínas em aminoácidos
ou de triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol. A energia resultante do
catabolismo é aproveitada pelo organismo que normalmente a armazena nas
células em forma de compostos trifosfatados, como o ATP e o GTP. A célula
utiliza as moléculas de ATP para transferir a energia liberada pelo catabolismo
para as reações que precisam de energia, que constituem os processos
anabólicos (formação de proteínas, biossíntese de ácidos graxos e glicogênese).
Muitas dessas reações anabólicas e catabólicas estão ocorrendo de forma
simultânea dentro das células, de acordo com a necessidade de cada célula e
tecido do organismo.
Já é bem conhecido que durante o treinamento aeróbico a principal via de
sinalização intracelular ativada é a da proteína AMPK (proteína quinase ativada
por AMP), responsável pelo aumento do transporte de glicose para o interior da
célula e pelo aumento da oxidação de ácidos graxos (queima de gordura),
estimulando vias de sinalização que também estimulam a biogênese
mitocondrial (aumento do volume e número de mitocôndrias). Além disso, AMPK
é responsável pela inibição da via mTOR e, consequentemente, inibição da
síntese de proteínas. A AMPK tem sua expressão aumentada quando o estoque
energético é baixo (baixo estoque de glicogênio), como em uma dieta
hipocalórica e/ou muito low carb.
Aumentos da AMPK estão associados a aumento dos genes MuRF1 e
Atrogin-1 (envolvidos na atrofia muscular), e esse mecanismo é dependente do
aumento do fator de transcrição FOXO. O catabolismo levando a atrofia muscular
ocorre em situações de dieta muito restrita e/ou aumento exacerbado da
atividade física aeróbica (super expressão da AMPK, inibição da mTOR) e após
uso de esteroides anabolizantes, que leva a uma grande diminuição da
expressão da via Akt/mTOR, e consequente aumento da expressão de FOXO
109
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
(figura 6.3), como também da miostatina (proteína que inibe o crescimento
muscular).
Figura 6.3. Algumas das principais vias de sinalização intracelular envolvidas no
catabolismo muscular. A restrição calórica e o treinamento aeróbico estimulam a
proteína AMPK, que estimula o fator de transcrição FOXO, responsável pela
estimulação da degradação proteica e inibição da síntese proteica, o que pode levar a
perda de massa muscular. A via Akt/mTOR é estimulada pelo treinamento de força e
pelo IGF-1, sendo responsável por estimular a síntese proteica. A mTOR é inibida pela
proteína AMPK e pela sinalização de FOXO. As setas indicam ativação e as barras
indicam inibição (HALUCH, 2018).
O saldo entre anabolismo e catabolismo ao longo do tempo depende da
soma total das reações catabólicas e anabólicas, e esse saldo vai depender do
estímulo do treino, da dieta e do ambiente hormonal (isso se tratando de
anabolismo proteico, porque ganho de gordura também é um processo
anabólico). É difícil catabolizar durante um ciclo de esteroides anabolizantes,
porque a sinalização hormonal otimiza os processos anabólicos e atenua os
processos catabólicos, de forma que, mesmo em dieta restrita, é possível manter
um saldo final anabólico (síntese proteica > degradação proteica). Dentro desse
110
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
contexto mais amplo, é besteira se preocupar se uma variável, como
aeróbico/termogênico, pode levar à perda de massa muscular, porque você
obviamente precisa considerar o contexto global, tudo que o indivíduo está
fazendo.
O catabolismo como um processo crônico de perda de massa muscular
em indivíduos treinados não acontece de um dia para o outro. As condições para
que isso aconteça envolvem destreinamento por um período maior que ~ 2
semanas, má alimentação com grande déficit calórico por dias prolongados,
principalmente em indivíduos com baixo percentual de gordura. Alterações no
ambiente hormonal também podem levar a uma perda substancial da massa
muscular, como é o caso de indivíduos com hipertireoidismo ou hipotireoidismo,
indivíduos que fazem uso de corticoides, indivíduos que interromperam o uso de
esteroides anabolizantes ou homens que possuem deficiência de testosterona
(hipogonadismo) (tabela 6.12).
Tabela 6.12. Principais fatores que influenciam no catabolismo muscular.
Fatores que reduzem o
Fatores que favorecem o
catabolismo muscular
catabolismo muscular
Adiposidade (indivíduos obesos
Grande déficit calórico
perdem menos massa muscular)
Esteroides anabolizantes, GH,
Percentual de gordura baixo
SARMs
Musculação
Inatividade física, destreinamento
Dieta hiperproteica (> 2,0 g/kg)
Envelhecimento
Dieta high carb
Ambiente hormonal desfavorável
(pós-ciclo de esteroides, baixa
testosterona, hipertireoidismo, uso de
corticoides)
Ficar algumas horas sem comer durante o dia, como na prática do jejum
intermitente, não levará necessariamente a perda de massa muscular. Longos
dias sem carboidratos podem levar a perda de massa muscular, principalmente
se a perda de peso ocorre de forma rápida. Outro fator agravante para promover
111
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
perda de massa muscular é baixa ingestão de proteínas na dieta quando o
consumo de carboidratos já está baixo (redução do efeito poupador de proteína
dos carboidratos) e o percentual de gordura está muito baixo. Quanto mais peso
se perde e quanto menor percentual de gordura maior o risco para perder massa
muscular.
112
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOUCHARD, C. et al. The response to long-term overfeeding in identical twins.
N Engl J Med. 1990 May 24;322(21):1477-82.
DONNELLY, J. et al. American College of Sports Medicine Position Stand.
Appropriate physical activity intervention strategies for weight loss and
prevention of weight regain for adults. Med Sci Sports Exerc. Feb;41(2):459-71,
2009.
FRAKENFIELD, D.; ROTH-YOUSEY, L.; COMPHER, C. Comparison of
Predictive Equations for Resting Metabolic Rate in Healthy Nonobese and
Obese Adults: A Systematic Review. J Am Diet Assoc. May;105(5):775-89,
2005.
HAINER, V. et al. A twin study of weight loss and metabolic efficiency. Int J
Obes Relat Metab Disord. Apr;25(4):533-7, 2001.
HALUCH, D. Nutrição no fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo - bioquímica, fisiologia e nutrição.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021.
HALUCH, D. Testosterona (fisiologia, estética e saúde), 2020.
IRAKI, J. et al. Nutrition Recommendations for Bodybuilders in the Off-Season:
A Narrative Review. Sports (Basel). Jun 26;7(7):154, 2019.
LEVINE, J. Non-exercise activity thermogenesis (NEAT). Best Pract Res Clin
Endocrinol Metab. Dec;16(4):679-702, 2002.
LONGLAND, T. et al. Higher Compared With Lower Dietary Protein During an
Energy Deficit Combined With Intense Exercise Promotes Greater Lean Mass
Gain and Fat Mass Loss: A Randomized Trial. Am J Clin Nutr. Mar;103(3):73846, 2016.
TINSLEY, G.; GRAYBEAL, A.; MOORE, M. Resting metabolic rate in muscular
physique athletes: validity of existing methods and development of new
prediction equations. Appl Physiol Nutr Metab. Apr; 44(4):397-406, 2019.
WANG, Z. et al. Specific metabolic rates of major organs and tissues across
adulthood: evaluation by mechanistic model of resting energy expenditure. Am
J Clin Nutr. Dec; 92(6): 1369–1377, 2010.
113
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
7
NUTRIENT TIMING E JEJUM INTERMITENTE
7.1) INTRODUÇÃO
Neste capítulo discuto estratégias que modificam a frequência das
refeições (jejum intermitente) e/ou se baseiam no nutrient timing. Nutrient timing
(tempo de nutrientes) pode ser definido da seguinte forma:
O tempo dos nutrientes envolve a ingestão proposital de todos os
tipos de nutrientes em vários momentos ao longo do dia para
impactar favoravelmente a resposta adaptativa ao exercício
agudo e crônico (ou seja, força e potência muscular, composição
corporal, utilização de substrato e desempenho físico, etc)
(KERKSICK, 2017).
Analiso a importância das refeições pré-treino e pós-treino para a
mudança de composição corporal e outras estratégias que se baseiam em
nutrient timing, principalmente quando se trata de perda de gordura e hipertrofia
muscular.
7.2) PÓS-TREINO E HIPERTROFIA: JANELA ANABÓLICA
Muitos fisiculturistas e praticantes de musculação acreditam que o
consumo de proteínas em combinação com carboidratos logo após o treino
otimiza a hipertrofia muscular. No entanto, não existem na literatura evidências
claras para a existência de uma “janela anabólica pós-treino”. Na verdade, essa
janela anabólica pode durar várias horas após o treino de força.
Existe uma série de estudos sobre Nutrient Timing, mas esses estudos
são pouco conclusivos no que tange ao tempo de consumo de nutrientes pósexercício. Muitos desses estudos consideram o treinamento em jejum. No
114
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
entanto, nós sabemos que na maior parte dos casos as pessoas realizam pelo
menos uma refeição antes do treino de musculação. Aliás, a ingestão de proteína
antes do treino mostrou maior síntese proteica que a ingestão imediata póstreino (TIPTON, 2001). De qualquer forma, o ponto é que os estudos geralmente
não comparam whey e maltotexdrina com uma refeição sólida (arroz com carne
por exemplo). O treinamento resistido realmente estimula o aumento da síntese
proteica muscular após o exercício, mas essa janela anabólica dura várias horas
após o exercício, não sendo necessário o consumo imediato de proteínas após
o exercício (figura 7.1).
Em conclusão, as evidências atuais não parecem apoiar a
alegação de que o consumo imediato (≤ 1 hora) de proteína pré
e/ou pós-treino melhora significativamente as adaptações do
exercício resistido (musculação) relacionadas à força ou
hipertrofia. Os resultados dessa metanálise indicam que, se de
fato existe uma janela anabólica de oportunidade durante o treino,
a janela para o consumo de proteínas parece ser maior que uma
hora antes e depois de uma sessão de treinamento resistido
(SCHOENFELD, 2013).
Figura 7.1. Ilustração da janela anabólica pós-treino. O treinamento resistido
(musculação) estimula uma elevação prolongada da síntese proteica muscular (SPM)
que pode permanecer elevada por pelo menos 48 h (linha pontilhada). A ingestão de
proteínas em qualquer ponto durante este período intensificado de 'potencial anabólico'
terá um efeito aditivo a essas taxas já elevadas mediadas pelo exercício (linhas
contínuas) (PHILLIPS, 2014).
115
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Embora não exista uma janela anabólica “imediata” após o treinamento
resistido (musculação), é prudente consumir proteínas depois do exercício (não
imediatamente após o treino necessariamente). Isso não significa que as
proteínas e carboidratos ingeridos após o treinamento precisam ser
suplementos, como whey, maltodextrina ou waxy maize. Não é necessário que
as proteínas e carboidratos ingeridos após o treino sejam de rápida absorção.
Os maiores especialistas em nutrição esportiva (Stuart Phillips, Brad Shoenfeld,
Alan Aragon) concordam que comer alimentos sólidos promove resultados
semelhantes a um shake proteico. Ou seja, ter proteína de rápida absorção
depois do treino é desnecessário e suplementos de carboidratos de alto IG
também.
É normal pensarmos que o carboidrato, por estimular mais insulina,
deveria aumentar mais a síntese proteica e reduzir o catabolismo de proteínas.
No entanto, o que foi observado em estudos recentes é que o aumento da
insulina pelo carboidrato não fez nada de diferente no balanço proteico muscular.
Ou seja, o efeito insulinotrópico da proteína basta para otimizar a síntese proteica
e reduzir degradação proteica (STAPLES, 2011). Isso não significa que vale a
pena ficar por muitas horas sem ingerir carboidratos depois do treino, e sim que
consumir proteína depois do treino é primordial, com ou sem carboidratos.
Outro ponto importante que gera dúvida sobre a alimentação pósexercício é relacionado ao consumo de gorduras. Muitas pessoas acreditam que
não se deve consumir gorduras após o treino com medo de que sua ingestão em
combinação com carboidratos favoreça o acúmulo de gordura. A insulina é um
hormônio que favorece a lipogênese (síntese de ácidos graxos a partir de
carboidratos) e inibe da lipólise, mas também aumenta a síntese de proteínas e
inibe sua degradação. O ganho de gordura não acontece simplesmente pelo
consumo de gordura em conjunto com carboidratos, é necessário superávit
calórico. Além disso, o superávit calórico em conjunto com o estímulo do treino
de hipertrofia tende a favorecer a hipertrofia muscular. Portanto, o ganho de
gordura depende muito mais da quantidade de calorias ingeridas e da
sensibilidade à insulina do indivíduo. Como o exercício físico aumenta a
sensibilidade à insulina, o consumo de gorduras após o treino não é um
problema.
116
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Outro argumento importante para defender a existência de uma janela
anabólica pós-treino, é que após o exercício a ressíntese de glicogênio fica
otimizada, sendo maior logo após o treino do que horas depois. No entanto, não
há nenhum motivo para se preocupar que a ressíntese de glicogênio seja rápida
após o exercício para alguém que não faça outras sessões de treino no mesmo
dia (considerando um indivíduo cujo objetivo é hipertrofia muscular e/ou perda
de gordura, e não um atleta de endurance). Dessa forma, é irrelevante, para o
indivíduo que busca hipertrofia muscular, consumir carboidratos de rápida
absorção (alto IG) após o treino (como maltodextrina ou dextrose). Claro que o
consumo desse tipo de carboidrato pode ser interessante para quem tem
dificuldade de ganhar peso e massa muscular, principalmente indivíduos magros
com boa sensibilidade à insulina. Estudos recentes mostram que o consumo de
leite com achocolatado pode ser uma excelente combinação depois do treino de
musculação e muitos fisiculturistas também costumam consumir doces depois
do treino, como leite condensado, doce de leite e chocolate.
A seguir cito algumas recomendações práticas para o consumo de
proteínas e carboidratos segundo Alan Aragon e Brad Shoenfeld. Proteína de
alta qualidade administrada em doses de 0,4-0,5 g/kg de massa magra, tanto pré
e pós-exercício, é uma diretriz geral simples, que reflete as atuais evidências,
mostrando um efeito anabólico agudo máximo de 20-40 g de proteínas. As
refeições pré e pós-exercício não devem ser separadas por mais de ~ 3-4 horas,
dado um treinamento resistido típico que dure 45-90 minutos. Sobre a ingestão
de carboidratos, alguns autores falam em uma ingestão da ordem de 1,2-1,5
g/kg, mas isso pode ser variável de acordo com objetivos e treino do praticante,
sendo mais relevante para o treino de resistência do que para o treino de
hipertrofia (musculação). Além disso, como visto anteriormente, Staples mostrou
que o aumento pós-exercício do balanço proteico muscular após ingestão de 25
g de whey isolado não foi melhorada pela adição 50 g de maltodextrina durante
as 3 horas do período de recuperação após o exercício.
Se o indivíduo está em cutting/pré-contest com uma dieta muito restrita
em calorias é melhor optar por carboidratos de menor densidade energética no
pós-treino (em conjunto com as proteínas), como arroz, frutas ou batata inglesa
cozida. Usar maltodextrina, dextrose ou waxy maize nesse tipo de situação seria
117
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
desvantajoso, já que pode ser mais difícil se manter saciado com esses
carboidratos de alta densidade energética e alta carga glicêmica. Uma outra
opção para quem prefere ter um shake pós-treino é a mistura de whey com leite
desnatado ou semidesnatado. Leite integral também pode ser utilizado,
principalmente por indivíduos que precisam ingerir muitas calorias.
É importante você conhecer os alimentos e fazer boas escolhas antes e
após o treino. Se tiver gordura isso provavelmente não será um problema, mas
é claro que toda refeição pós-treino deve considerar a dieta e rotina do indivíduo.
Muitas vezes é mais cômodo usar o shake de proteína em um horário que seja
mais difícil fazer uma refeição sólida, então ele pode ocupar um lugar inteligente
na sua dieta. Você também não precisa se preocupar com a quantidade de
leucina ou BCAA do whey, já que você pode ter esses aminoácidos em
quantidades suficientes em outros alimentos (frango, carne, ovos), mesmo que
em menor quantidade. Isso dificilmente será um diferencial para a maioria das
pessoas que seguem uma dieta com a maior parte das fontes provenientes de
proteínas de alta qualidade (carne, ovos, leite).
7.2.1) REFEIÇÃO LIXO PÓS-TREINO
Alguns indivíduos têm utilizado doces no pós-treino ou algum tipo de fast
food. Lembro-me de um estudo alguns anos atrás que mostrou não existir
diferença na ressíntese de glicogênio comendo um lanche do McDonalds ou
usando suplementos. É muito provável também que não exista diferença no
balanço proteico muscular. Jay Cutler era adepto dessa ideia por sinal, já que
utilizava frequentemente coca-cola no pós-treino e também doces. E não há
nenhum problema se existe demanda energética para isso.
O ambiente metabólico pós-treino pode ser o melhor momento para fazer
isso, tanto que por muito tempo se defendeu a ideia de usar carboidratos de alto
índice glicêmico depois do treino, como maltodextrina e dextrose.
Por que utilizar um alimento rico em açúcar estaria errado?
118
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
O açúcar (sacarose) fornece frutose e glicose, diferente da maltodextrina,
do waxy maize e da dextrose que fornecem apenas glicose. Frutose é um
carboidrato simples que não estimula insulina, mas tem maior potencial que a
glicose para aumentar a síntese hepática de ácidos graxos (gordura). No
entanto, a frutose também é um carboidrato melhor para recuperar os estoques
de glicogênio hepático. Como o treino de musculação vai consumir parte do
glicogênio hepático e muscular é uma boa ideia ter frutose depois do treino. Se
o indivíduo não está em superávit calórico não corre risco de ganhar gordura
fazendo isso.
Comer doces pós-treino geralmente envolve consumo de gorduras e
muita gente acha que isso seria um problema consumindo com carboidratos de
alto IG. Não existem evidências mostrando que refeições que misturam
carboidratos e gorduras favorecem maior acúmulo de gordura, muito menos em
déficit calórico. Claro que se o indivíduo ingere muita gordura e carboidratos
refinados em várias refeições isso poderá ser um problema, principalmente em
superávit calórico. Porém, isso seria uma dieta inadequada para quem busca
saúde e hipertrofia. No pós-treino sua sensibilidade à insulina está aumentada e
seu metabolismo mais flexível para otimizar a oxidação de carboidratos e
gorduras, além de mais responsivo à síntese proteica.
O maior problema de usar “refeições lixo” (fast food, doces) é que elas
contêm alimentos de alta densidade energética, ricos em açúcares simples
(glicose, frutose, sacarose, lactose), carboidratos refinados, e gorduras trans e
saturadas. Esse tipo de alimento (sorvete, biscoito recheado, chocolate,
sucrilhos) geralmente dificulta o controle da saciedade e favorece o consumo de
muitas calorias. De qualquer forma, comer esse tipo de alimento em pequena
quantidade não será um problema se existe demanda energética e pode ajudar
a manter a adesão na dieta.
Lembre-se que as pessoas têm metabolismos e necessidades
energéticas diferentes. Se você ganha gordura com facilidade ou tem um treino
pouco intenso não adianta se entupir de fast food e doces na sua refeição póstreino.
119
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
Gostaria de salientar que adicionar doces na refeição pós-treino não tem
nada de especial quando se trata de desempenho e hipertrofia, e esse tipo de
alimento pode ser adicionado em outro horário de acordo com a preferência do
indivíduo.
7.3) PRÉ-TREINO E HIPERTROFIA
Muitas pessoas têm dúvidas sobre a refeição pré-treino, considerando um
treino de musculação. É importante considerar que a refeição pré-treino pode
variar de acordo com a rotina do indivíduo e também de como ele se sente
durante o treinamento. Em uma dieta para hipertrofia muscular, com superávit
calórico, o grande consumo de calorias facilita a distribuição de macronutrientes
ao longo do dia. Já em uma dieta para definição muscular, cutting/pré-contest,
ocorre redução de calorias e geralmente carboidratos. Nesse sentido é
importante considerar como fica a distribuição de macronutrientes nessa refeição
e nas demais.
Muitas pessoas têm dúvidas sobre o que comer na refeição pré-treino e
também se o horário do treino influencia na performance e na hipertrofia
muscular. Como o desempenho no treino depende dos nossos estoques de
glicogênio muscular e hepático é importante considerar que esses estoques
dependem de quanto carboidrato o indivíduo ingere antes do treino. Isso
acontece porque nos treinos mais intensos o corpo prioriza o uso do carboidrato
como fonte de energia.
Nosso corpo armazena cerca de 70-100 g de glicogênio no fígado e 300
a 700 g de glicogênio nos músculos (tabela 7.1). O glicogênio muscular fornece
glicose como fonte de energia apenas para os músculos, enquanto o glicogênio
hepático fornece glicose para vários tecidos e órgãos (cérebro principalmente),
seja durante o exercício ou também durante o repouso. Isso significa que durante
o sono (repouso) nosso corpo consome apenas glicogênio hepático, que leva
cerca de 15 horas para se esgotar completamente. Portanto, quando o indivíduo
treina em jejum ele ainda pode treinar com boa intensidade, se ele se alimentou
bem antes de dormir. Nesse caso é importante consumir carboidratos durante a
120
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
parte da noite, já que uma refeição de manhã, antes do treino, não teria
condições de repor os estoques de glicogênio a tempo. Leva aproximadamente
4 horas para que os carboidratos ingeridos sejam digeridos, absorvidos e
armazenados como glicogênio.
Tabela 7.1. Principais características dos estoques de glicogênio hepático e muscular
(HALUCH, 2021).
Tecido
Quantidade
Hormônios
Principal
armazenada
que realizam
característica
glicogenólise
Fígado
70 – 100 g
Glucagon,
Fornece glicose
adrenalina
para todos os
tecidos.
Músculo
300 – 700 g
esquelético
Adrenalina
Fornece glicose
apenas para o
músculo.
As refeições que vão abastecer os estoques de glicogênio hepático e
muscular precisam ser consumidas pelo menos de 4 a 6 horas antes do treino.
Uma refeição de 1 a 2 horas antes do treino pode contribuir para sua
performance, se forem utilizados carboidratos de alto índice glicêmico e rápida
absorção (maltodextrina, dextrose, algumas frutas). No entanto, alguns
indivíduos podem não responder bem aos alimentos de alto IG pré-treino, devido
a uma possível hipoglicemia de rebote. Alimentos de alto IG elevam os níveis de
glicose e insulina rapidamente e em algumas pessoas essa elevação da insulina
pode promover uma rápida queda nos níveis de glicose, provocando uma leve
hipoglicemia durante o treino.
Proteína muito próxima do treino também deve ser de rápida absorção
(whey), ou ainda, pode ser melhor evitar o consumo, pois a digestão durante o
treinamento pode causar problemas intestinais e prejudicar a desempenho. Não
é interessante comer frango/carne com batata ou arroz 1h antes do treino.
Refeições sólidas seriam melhor aproveitadas e sem risco de impacto negativo
se consumidas 2-3 h antes do treino. Não é preciso ter medo de treinar em jejum
se você tem uma boa alimentação durante o dia e faz uma boa refeição pós121
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
treino. Perder massa muscular é um processo crônico e depende de vários
fatores, como restrição calórica, destreinamento e um ambiente hormonal
desfavorável (pós-ciclo de esteroides).
7.4) CEIA E HIPERTROFIA
“O que comer na última refeição?”
Algumas pessoas acreditam que não se deve comer carboidratos na
última refeição, pois isso inibiria a liberação de GH durante o sono. A liberação
do hormônio do crescimento durante o sono é irregular e intermitente, e ocorre
quando a glicose plasmática não é flutuante e depois que a insulina caiu para
um nível muito baixo (VANDERLAAN, 1971). Portanto, comer carboidratos antes
de dormir não vai atrapalhar a liberação de GH.
Outros acreditam que comer antes de dormir não é uma boa ideia, pois o
“metabolismo fica mais lento”. A taxa metabólica realmente reduz quando
estamos dormindo, cerca de 10-15%. Ou seja, se um indivíduo gasta
normalmente 70 kcal/h acordado, durante o sono seu corpo irá gastar 60-65
kcal/h. Considerando que dormindo ficamos cerca de 7-9 horas em jejum ganhar
gordura por comer antes de dormir não deve ser uma preocupação, já que
podemos queimar ~ 300-500 kcal dormindo. De qualquer forma, é importante
deixar claro que comer muitas calorias à noite pode ser prejudicial à saúde
cardiometabólica e favorecer o ganho de peso e gordura (RAVUSSIN, 2019).
Se o indivíduo treina de manhã e/ou em jejum é interessante consumir
carboidratos durante a noite e até mesmo antes de dormir, pois assim garante a
manutenção de suas reservas de glicogênio hepático e muscular. Prefira
carboidratos de baixo ou médio IG. O glicogênio hepático é consumido
parcialmente durante a noite para fornecer glicose aos órgãos e tecidos (cérebro,
hemácias etc), mas o glicogênio muscular é gasto apenas com atividade física
(não sendo gasto durante o sono/repouso).
Estudos recentes têm mostrado que ingerir proteínas na última refeição é
uma estratégia que pode otimizar o ganho de massa muscular. Os estudos
122
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
costumam utilizar caseína (lenta absorção), mas qualquer fonte proteica pode
ser utilizada. É aconselhável escolher proteínas de lenta absorção, como carnes,
leite, ovos, caseína. Consumir proteínas antes de dormir aumenta a síntese
proteica muscular e aumenta a taxa metabólica durante o sono sem inibir a
lipólise. Provavelmente não importa muito se o indivíduo vai consumir proteínas
na ceia ou no jantar, mas alguns especialistas recomendam ingerir mais
proteínas antes de dormir (~ 40-50 g) do que em uma refeição comum em outra
hora do dia. Hipotetizou-se que a suplementação proteica pré-sono aumente os
ganhos de massa muscular do treinamento resistido no longo prazo,
principalmente em função do aumento da ingestão total de proteínas, e não por
seu tempo específico de ingestão de proteínas, melhorando assim a distribuição
de proteínas (SNIJDERS, 2019).
Não há nenhuma restrição ao consumo de gorduras e os carboidratos
devem ser ajustados conforme a rotina de treino do indivíduo.
7.5) JEJUM INTERMITENTE
O jejum intermitente é uma prática comum entre muitas religiões há
milhares de anos e, nos últimos anos, vem sendo estudado como estratégia
dietética no tratamento da obesidade e doenças crônicas não transmissíveis
(diabetes tipo 2, hipertensão e síndrome metabólica). Além disso, recentemente,
o jejum intermitente também ganhou muita popularidade devido a grande
quantidade de livros de divulgação e artigos em blogs, muitas vezes exaltando o
jejum intermitente como sendo um protocolo revolucionário para o tratamento da
obesidade.
Existem diversos protocolos de jejum intermitente, sendo que os três mais
conhecidos e estudados são: jejum em dias alternados, jejum periódico e
alimentação com restrição de tempo (time-restricted feeding, TRF).
123
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
7.5.1) METABOLISMO NO JEJUM INTERMITENTE
Durante
o
jejum,
nosso
corpo
muda
gradativamente
de
uma
predominância do metabolismo de carboidratos para uma predominância do
metabolismo de lipídios. Logo após as refeições, os níveis de glicose e insulina
estão elevados. A insulina estimula a captação de glicose e sua oxidação no
músculo esquelético. Os demais tecidos também utilizam glicose como fonte de
energia, mas o músculo esquelético é o principal local de captação, oxidação e
armazenamento de glicose (glicogênio muscular) no período pós-prandial. Além
de estimular a oxidação e o armazenamento de glicose, a insulina estimula a
síntese de proteínas, mas inibe a degradação de proteínas, a lipólise e a
oxidação de ácidos graxos (queima de gordura). Ou seja, quando os níveis de
insulina estão elevados, nosso organismo prioriza a oxidação de carboidratos e
inibe a oxidação de gorduras.
Algumas horas após a refeição, os níveis de glicose e insulina estão
reduzidos, e os níveis de glucagon estão aumentados. O glucagon estimula a
glicogenólise hepática e a gliconeogênese, além de estimular a lipólise no tecido
adiposo. A manutenção da glicemia no período pós-prandial é importante porque
o cérebro e as hemácias são dependentes de glicose. Depois de algumas horas
de jejum, outros hormônios antagônicos da insulina (cortisol, adrenalina e GH)
se elevam e estimulam a lipólise, liberando os ácidos graxos do tecido adiposo
para serem utilizados pelos demais tecidos e órgãos do organismo. Durante o
jejum, os ácidos graxos passam a ser o substrato energético predominante para
a maioria dos tecidos, principalmente o músculo esquelético.
Como o cérebro e as hemácias são dependentes de glicose, o cortisol
desempenha um papel muito importante nas primeiras horas de jejum. O cortisol
estimula degradação de proteínas no músculo esquelético, liberando
aminoácidos (alanina, glutamina) para serem convertidos em glicose no fígado
e nos rins (gliconeogênese). A gliconeogênese ganha muita importância
conforme os níveis de glicogênio hepático ficam reduzidos. No entanto, um
aumento da gliconeogênese intensifica o catabolismo de proteínas. Para
contrabalançar os efeitos do cortisol durante o jejum, ocorre aumento dos níveis
124
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
de GH. O GH, assim como o cortisol, também estimula a lipólise e a
gliconeogênese; mas no tecido muscular o GH atua reduzindo a degradação de
proteínas. O efeito do GH na redução do catabolismo proteico parece estar
relacionado a um aumento da lipólise e da oxidação de ácidos graxos. Ao usar
mais ácidos graxos como fonte de energia, o músculo diminui a oxidação de
aminoácidos.
De qualquer forma, conforme o tempo de jejum aumenta (> 12 horas), a
lipólise e a gliconeogênese se intensificam. Como o cérebro é um ávido
consumidor de glicose, consumindo cerca de 100-120 g de glicose por dia, a
degradação de proteínas aumenta nos primeiros dias de jejum. Ao mesmo
tempo, o jejum e os baixos níveis de glicose e insulina intensificam a lipólise.
Com a intensificação da lipólise, muitos ácidos graxos inundam o fígado e se
convertem em corpos cetônicos. No jejum prolongado (> 2 dias) os corpos
cetônicos passam a ser um importante combustível energético para os tecidos,
incluindo o cérebro, que passa a consumir menos glicose.
Assim, fica claro que durante o jejum a gordura passa a ser o combustível
energético primordial do organismo, seja na forma de ácidos graxos ou através
da sua conversão em corpos cetônicos. Pode-se dizer então que quanto mais
tempo em jejum, maior será a oxidação de gorduras (HALUCH, 2021).
7.5.2) JEJUM INTERMITENTE E HIPERTROFIA MUSCULAR
Embora diversos estudos em animais e humanos mostrem benefícios do
jejum intermitente na saúde cardiometabólica (aumento da sensibilidade à
insulina, melhora do perfil lipídico, perda de peso, redução da pressão arterial),
não está claro se esses benefícios do jejum são independentes da perda de
peso. Quando se trata de emagrecimento, diversos estudos investigaram os
efeitos do jejum intermitente na perda de peso. A grande maioria dos estudos
mostra que o jejum intermitente não promove maior perda de peso e gordura
quando comparado a uma estratégia convencional de dieta, ou seja, restrição
calórica contínua. Uma revisão sistemática de 40 estudos com seres humanos
125
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
avaliou 12 estudos que faziam comparação do jejum intermitente com restrição
calórica contínua (dieta tradicional) e a conclusão foi a seguinte:
Embora o jejum intermitente pareça produzir efeitos
semelhantes à restrição contínua de energia para reduzir o peso
corporal, a massa gorda, a massa livre de gordura e melhorar a
homeostase da glicose e reduzir o apetite, ele não parece
atenuar outras respostas adaptativas à restrição energética ou
melhorar a eficiência da perda de peso, embora a maioria das
publicações revisadas não tenha capacidade para avaliar esses
resultados. O jejum intermitente representa, portanto, uma
opção válida – embora aparentemente não superior – à restrição
contínua de energia para perda de peso (SEIMON, 2015).
Comer a cada 3 horas é comum entre fisiculturistas e praticantes de
musculação, pois muitos têm medo de perder massa muscular dando intervalos
maiores. No entanto, as principais evidências mostram que o jejum intermitente
não aumenta o risco de catabolismo muscular. O catabolismo muscular depende
muito mais de outros fatores, como tamanho da restrição calórica e
destreinamento. O jejum intermitente é uma estratégia que pode funcionar muito
bem para alguns indivíduos, mas não tão bem para outros. No emagrecimento
pode funcionar melhor, já que em uma dieta para hipertrofia alguns indivíduos
podem ter dificuldade de comer grande quantidade de comida em um período de
tempo limitado. Alguns indivíduos relatam melhor controle do apetite com o jejum
intermitente.
Um longo tempo sem ingerir proteínas diminui a síntese proteica muscular
e aumenta a degradação de proteínas musculares. Por esse motivo, o jejum
intermitente parece ser uma estratégia mais limitada para promover hipertrofia
muscular, embora não pareça ser um problema quando se trata de manutenção
da massa muscular e otimização da perda de gordura.
Alguns defensores do jejum intermitente afirmam que essa estratégia é
superior para perda de gordura, pois potencializa o aumento de hormônios
lipolíticos durante o jejum (glucagon, cortisol e GH).
Quando se trata de fisiculturismo, o jejum intermitente pode ser uma
estratégia interessante, principalmente na fase de pré-competição. Longe de tirar
uma conclusão de que seja um método melhor ou pior, ele pode ser muito útil
126
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
para alguns indivíduos. De qualquer forma, não há nenhuma necessidade de
comer a cada 2-3 horas ou fazer jejum intermitente para otimizar a composição
corporal. Planejamento de dieta, aliado a um planejamento de treinamento e
escolha dos alimentos, tudo isso é superior a qualquer tipo de dieta, e é isso que
as pessoas geralmente não entendem. É mais confortável acreditar que seguir
um estilo de dieta é algo diferencial para os resultados.
O método de jejum intermitente mais utilizado no meio do fitness e do
fisiculturismo é o que preconiza períodos de 16 horas de jejum com 8 horas para
se alimentar (MORO, 2016). Porém, muitos indivíduos adotam períodos maiores
em jejum, como 18 a 24 horas. Embora seja uma estratégia interessante para
perda de gordura sem muito risco de perda de massa muscular (TINSLEY,
2019), o uso do jejum intermitente para ganhar massa muscular pode ser
contraprodutivo, uma vez que limita por muitas horas o estado anabólico, já que
o indivíduo fica horas sem ingerir proteínas, calorias e com baixos níveis de
insulina (hormônio anticatabólico). O jejum estimula vias de sinalização
intracelular catabólicas, como AMPK e FOXO, enquanto inibe vias de sinalização
anabólicas, como a via Akt/mTOR.
Como o jejum não oferece uma maior perda de peso quando comparado
a um regime de restrição calórica contínua, ele acaba não sendo uma estratégia
diferenciada quando se trata de emagrecimento. Isso não torna seu uso inútil e
sim uma opção adicional para aqueles que desejam variar a estratégia por algum
motivo especial, principalmente os que não sentem fome nas primeiras horas do
dia. Além disso, é possível que uma mudança na estratégia de dieta possa
oferecer alguma vantagem metabólica para algumas pessoas, mas isso fica
como especulação da minha parte e de alguns treinadores e nutricionistas.
Considerando que nosso corpo sofre adaptações metabólicas (termogênese
adaptativa) que limitam a perda de peso/gordura com o tempo, é possível que
alterações na estratégia de dieta levem a uma atenuação dessas adaptações,
quebrando platô. Nosso metabolismo é dinâmico, e embora a restrição calórica
seja o maior diferencial para promover perda de peso e gordura, alterações no
balanço de macronutrientes e na estratégia de dieta (periodização nutricional)
127
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
podem oferecer benefícios adicionais quando se atinge um platô na perda de
peso.
Tabela 7.2. Dois modelos de dieta: dieta padrão com maior frequência de refeições e
jejum intermitente com 16 horas de jejum e 3 refeições (modelo TRF).
DIETA PADRÃO
JEJUM INTERMITENTE (16 h)
Refeição 1 - desjejum (8:30)
Jejum
Refeição 2 - almoço (12:00)
Jejum
Refeição 3 - pré-treino (15:00)
Jejum
Treino (17:00 – 18:00)
Refeição 1 – pré-treino/desjejum
(15:30)
Refeição 4 - pós-treino (18:30)
Treino (18:00 – 19:00)
Refeição 5 - jantar (20:30)
Refeição 2 - pós-treino (19:30)
Refeição 6 - ceia (23:30)
Refeição 3 – jantar/ceia (23:30)
128
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAGON, A.; SCHOENFELD, B. Nutrient timing revisited: is there a postexercise anabolic window? J Int Soc Sports Nutr. 2013 Jan 29;10(1):5.
HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo - bioquímica, fisiologia e nutrição.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021.
HALUCH, D. Nutrição no fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia.
Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018.
HALUCH, D. JEJUM INTERMITENTE. http://www.duduhaluch.com.br/jejumintermitente-dudu/
KERKSICK, C.M et al. International society of sports nutrition position stand:
nutrient timing. J Int Soc Sports Nutr 14, 33 (2017).
LONGO, V.; MATTSON, M. Fasting: Molecular Mechanisms and Clinical
Applications. Cell Metab. Feb 4; 19(2): 181–192, 2014.
MORO, T. et al. Effects of eight weeks of time-restricted feeding (16/8) on basal
metabolism, maximal strength, body composition, inflammation, and
cardiovascular risk factors in resistance-trained males. J Transl Med. Oct
13;14(1):290, 2016.
PATTERSON, R. et al. Intermittent Fasting and Human Metabolic Health. J
Acad Nutr Diet. Aug; 115(8): 1203–1212, 2015.
PHILLIPS, S. et al. Mixed muscle protein synthesis and breakdown after
resistance exercise in humans. Am J Physiol. Jul;273(1 Pt 1):E99-107, 1997.
PHILLIPS, S. A brief review of critical processes in exercise-induced muscular
hypertrophy. Sports Med. May;44 Suppl 1(Suppl 1):S71-7, 2014.
RAVUSSIN, E. et al. Early Time-Restricted Feeding Reduces Appetite and
Increases Fat Oxidation But Does Not Affect Energy Expenditure in Humans.
Obesity (Silver Spring). 2019 Aug;27(8):1244-1254.
SCHOENFELD, B. et al. The effect of protein timing on muscle strength and
hypertrophy: a meta-analysis. J Int Soc Sports Nutr. 2013 Dec 3;10(1):53.
SEIMON, R. et al. Do intermittent diets provide physiological benefits over
continuous diets for weight loss? A systematic review of clinical trials. Mol Cell
Endocrinol. Dec 15;418 Pt 2:153-72, 2015.
SNIJDERS, T. et al. The Impact of Pre-sleep Protein Ingestion on the Skeletal
Muscle Adaptive Response to Exercise in Humans: An Update. Front Nutr.
2019; 6: 17.
STAPLES A. et al. Carbohydrate does not augment exercise-induced protein
accretion versus protein alone. Med Sci Sports Exerc. 2011 Jul;43(7):1154-61.
129
Nutrição e Hipertrofia Muscular
Dudu Haluch
TINSLEY, G. et al. Time-restricted feeding in young men performing resistance
training: A randomized controlled trial. Eur J Sport Sci. Mar;17(2):200-207,
2017.
TINSLEY, G. et al. Time-restricted feeding plus resistance training in active
females: a randomized trial. Am J Clin Nutr. Sep 1;110(3):628-640, 2019.
TIPTON, K. et al. Timing of amino acid-carbohydrate ingestion alters anabolic
response of muscle to resistance exercise. Am J Physiol Endocrinol
Metab. Aug;281(2):E197-206, 2001.
VANDERLAAN, W. Changing concepts on the control of growth hormone
secretion in man. Calif Med. Aug;115(2):38-46, 1971.
130
Download