- - NUTRIÇÃO E HIPERTROFIA MUSCULAR DUDU HALUCH Balneário Camboriú 2021 “Dudu Haluch”: Carlos Eduardo Ferreira Haluch - Copyright © 2021 por Carlos Eduardo Ferreira Haluch - “Dudu Haluch” Todos os direitos reservados. Capa Dudu Haluch, Thaís Essu Editor Dudu Haluch Ilustrações Dudu Haluch, Carolina Simião e Thaís Essu Site: www.duduhaluch.com.br E-commerce: www.livrosduduhaluch.com.br facebook.com/eduardo.haluch.5 instagram.com/duduhaluch - APRESENTAÇÃO Neste e-book abordo os principais aspectos nutricionais que envolvem a montagem de uma dieta para ganho de massa muscular. Também abordo com detalhes o papel dos macronutrientes e suplementos em uma dieta para hipertrofia muscular. Outro diferencial desse e-book é abordar potencial genético, platô na hipertrofia muscular, estratégias que envolvem tempo de nutrientes (nutrient timing), jejum intermitente e muito mais. Abraços, Dudu Haluch - SUMÁRIO 1) PROTEÍNAS E HIPERTROFIA MUSCULAR 8 1.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8 1.2) QUALIDADE DAS PROTEÍNAS ........................................................................ 11 1.3) BALANÇO NITROGENADO: ANABOLISMO E CATABOLISMO ...................... 14 1.4) PROTEÍNAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES .................................... 17 1.5) RECOMENDAÇÃO DE PROTEÍNA PARA HORMONIZADOS ......................... 19 1.6) EXISTE UM LIMITE PARA ABSORÇÃO DE PROTEÍNAS POR REFEIÇÃO? . 22 1.7) QUANTIDADE DE PROTEÍNA POR REFEIÇÃO .............................................. 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 27 2) SUPLEMENTOS E HIPERTROFIA MUSCULAR 28 2.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 28 2.2) PROTEÍNA DO SORO DO LEITE (WHEY) ....................................................... 28 2.3) CASEÍNA E LEITE ............................................................................................ 31 2.4) ALBUMINA E PROTEÍNA DE SOJA ................................................................. 31 2.5) SUPLEMENTAÇÃO DE AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS .................................... 32 2.6) SUPLEMENTAÇÃO DE BCAA E LEUCINA ...................................................... 33 2.7) SUPLEMENTAÇÃO DE HMB............................................................................ 36 2.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA ................................................................. 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 40 3) CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA MUSCULAR 42 3.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 42 3.2) CLASSIFICAÇÃO DOS CARBOIDRATOS ....................................................... 43 3.3) FIBRAS ALIMENTARES ................................................................................... 45 3.4) FRUTAS E FRUTOSE ....................................................................................... 46 3.5) LEITE, LACTOSE E HIPERTROFIA MUSCULAR ............................................ 49 3.6) ÍNDICE GLICÊMICO E CARGA GLICÊMICA.................................................... 51 3.7) CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES ............................ 54 3.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA........................... 55 3.9) DIETA LOW CARB E HIPERTROFIA MUSCULAR .......................................... 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 59 - 4) GORDURAS E HIPERTROFIA MUSCULAR 61 4.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 61 4.2) CLASSIFICAÇÃO DAS GORDURAS ................................................................ 62 4.2.1) GORDURA SATURADA ................................................................................. 63 4.2.2) GORDURA MONOINSATURADA .................................................................. 63 4.2.3) GORDURA POLI-INSATURADA .................................................................... 64 4.2.4) GORDURA TRANS ........................................................................................ 66 4.2.5) GORDURAS E SAÚDE CARDIOVASCULAR ................................................ 66 4.3) GORDURAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES ................................... 68 4.4) ÔMEGA 3 E HIPERTROFIA MUSCULAR ......................................................... 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 72 5) POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA MUSCULAR 73 5.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 73 5.2) TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES E HIPERTROFIA ...................................... 73 5.3) SINALIZAÇÃO PARA HIPERTROFIA ............................................................... 75 5.4) POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA ...................................................... 77 5.5) POTENCIAL GENÉTICO, TREINAMENTO E RESPOSTA HORMONAL ......... 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 83 6) DIETA PARA HIPERTROFIA MUSCULAR 84 6.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 84 6.2) CÁLCULO DO GASTO ENERGÉTICO ............................................................. 85 6.3) METABOLISMO E MASSA MUSCULAR .......................................................... 90 6.4) SUPERÁVIT CALÓRICO E HIPERTROFIA MUSCULAR ................................. 92 6.5) CÁLCULO DE DIETA (EXEMPLOS) ................................................................. 96 6.6) MONTANDO A DIETA ....................................................................................... 101 6.7) O QUE FAZER NO PLATÔ? ............................................................................. 104 6.8) HIPERTROFIA MUSCULAR EM DÉFICIT CALÓRICO .................................... 106 6.9) CATABOLISMO MUSCULAR............................................................................ 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 113 - 7) NUTRIENT TIMING E JEJUM INTERMITENTE 114 7.1) INTRODUÇÃO .................................................................................................. 114 7.2) PÓS-TREINO E HIPERTROFIA: JANELA ANABÓLICA ................................... 114 7.2.1) REFEIÇÃO LIXO PÓS-TREINO ..................................................................... 118 7.3) PRÉ-TREINO E HIPERTROFIA ........................................................................ 120 7.4) CEIA E HIPERTROFIA ...................................................................................... 122 7.5) JEJUM INTERMITENTE ................................................................................... 123 7.5.1) METABOLISMO NO JEJUM INTERMITENTE ............................................... 124 7.5.2) JEJUM INTERMITENTE E HIPERTROFIA .................................................... 125 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 129 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 1 PROTEÍNAS E HIPERTROFIA MUSCULAR 1.1) INTRODUÇÃO Proteínas são as macromoléculas mais abundantes nos seres vivos, elas desempenham uma grande variedade de funções no organismo, regulando as reações metabólicas, como as enzimas e os hormônios peptídicos (insulina, IGF1, GH), atuando na resposta imune (imunoglobulinas), transportando diversas substâncias pelo organismo (albumina, globulinas, hemoglobina), formando estruturas (colágeno, queratina) e desempenhando importante papel para o movimento dos músculos (actina, miosina). É impossível falar de proteínas sem falar de aminoácidos. Os aminoácidos são os blocos construtores que formam as proteínas (os tijolos), as unidades básicas das proteínas. Proteínas são polímeros de aminoácidos e podem ter os mais variados tamanhos. Os aminoácidos são moléculas formadas por carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N); diferente dos lipídios e carboidratos, que contêm os três primeiros átomos na composição (CHO), mas não apresentam o nitrogênio. Alguns aminoácidos ainda podem apresentar enxofre (S) na sua composição. Cerca de 16% da composição das proteínas é formada por nitrogênio e isso faz o metabolismo das proteínas ter características bem distintas em relação ao metabolismo de carboidratos e lipídios. O nitrogênio pode ser aproveitado para a síntese de novas proteínas e outras moléculas, como os ácidos nucleicos (DNA, RNA). No entanto, o excesso de nitrogênio precisa ser eliminado do organismo, pois um dos produtos finais do catabolismo dos aminoácidos, a amônia (NH3), é tóxica ao organismo. A maior parte do nitrogênio do organismo é excretada pela urina na forma de ureia, que é 8 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch sintetizada no fígado durante o catabolismo dos aminoácidos. O consumo de “1 g de proteína equivale a 4 kcal”. Os aminoácidos têm uma estrutura básica formada por um carbono central (carbono alfa), ligado a um grupo carboxila (COOH), um grupo amino (NH2), um hidrogênio e uma cadeia lateral (R), que é diferente para cada aminoácido. Para formar as proteínas os aminoácidos se ligam entre si através de ligações peptídicas (figura 1.1). Estruturas menores formadas por aminoácidos são chamadas de peptídeos, enquanto as estruturas maiores recebem o nome de proteínas. A identidade e função de cada proteína é dada pela sua sequência de aminoácidos. Alterar a ordem de algum aminoácido faz com que a proteína perca sua função e atividade biológica. Figura 1.1. Estrutura química de um aminoácido (a e b) e a ligação entre dois aminoácidos (ligação peptídica). As figuras a e b representam duas formas diferentes de representação de um aminoácido. Os aminoácidos se diferenciam pela cadeia lateral R, que tem uma estrutura diferente para cada aminoácido. A figura c representa a ligação peptídica entre dois aminoácidos distintos (um dipeptídeo). Existem mais de 300 aminoácidos conhecidos na natureza, mas apenas 20 desses aminoácidos podem formar proteínas nos seres vivos. Os outros aminoácidos podem existir no nosso organismo (ornitina, citrulina, taurina), mas 9 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch não podem ser usados para síntese proteica. Desses 20 aminoácidos presentes nas proteínas, 9 deles são considerados “essenciais” (indispensáveis), pois seus esqueletos de carbono (parte do aminoácido sem o grupo amino) não podem ser sintetizados pelo nosso organismo (fenilalanina, metionina, lisina, leucina, valina, isoleucina, triptofano, treonina e histidina). Os outros 11 aminoácidos (arginina, alanina, tirosina, aspartato, asparagina, glutamato, glutamina, cisteína, serina, glicina, prolina) podem ser sintetizados pelo nosso organismo através das reações metabólicas, onde seus esqueletos de carbono podem ser fornecidos pelo catabolismo de carboidratos e lipídios. Esses aminoácidos são chamados de aminoácidos “não essenciais” (dispensáveis), pois são produzidos pelo organismo mesmo sem o consumo de proteínas. Alguns aminoácidos dispensáveis podem se tornar indispensáveis em algumas situações críticas ou de doença, pois o organismo fica limitado para produzir as quantidades necessárias para os processos fisiológicos. Esses aminoácidos são chamados de “condicionalmente essenciais” (arginina, glutamina, cisteína, tirosina, prolina, serina, histidina, glicina). Essa distinção entre aminoácidos essenciais e não essenciais é fundamental para entender porque determinados alimentos fontes de proteínas são mais importantes que outros. Mesmo que você não entenda nada de fisiologia e bioquímica, provavelmente já ouviu falar que as proteínas animais (carne, peixe, frango, leite, ovo) são mais completas que as proteínas vegetais (arroz, feijão, trigo, milho). Isso acontece justamente porque os alimentos fontes de proteínas animais tem um perfil mais completo de aminoácidos essenciais, enquanto os alimentos fontes de proteínas vegetais possuem deficiência de algum ou alguns aminoácidos essenciais (com exceção da soja). Algumas pessoas podem se questionar: “qual o problema de faltar apenas um aminoácido?” O que acontece é que a simples deficiência de um aminoácido impossibilita a síntese de proteínas pelo organismo, pois as proteínas precisam de todos os aminoácidos para serem formadas e apresentarem atividade biológica. Isso não torna as proteínas vegetais inúteis, na verdade os aminoácidos dessas proteínas serão aproveitados pelo organismo desde que você apresente uma dieta variada em alimentos, mesmo sem fontes de proteína animal. As proteínas vegetais são geralmente incompletas, mas quando 10 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch diferentes alimentos são combinados você pode ter um perfil completo de aminoácidos. Cereais (arroz, trigo, milho) são geralmente deficientes do aminoácido lisina, enquanto as leguminosas (feijões, ervilhas) são deficientes do aminoácido metionina e apresentam boa quantidade de lisina. Dessa forma, a combinação de arroz com feijão se torna uma fonte completa de proteínas, pois oferece todos os aminoácidos essenciais. 1.2) QUALIDADE DAS PROTEÍNAS Como mencionado acima, a qualidade de uma proteína está relacionada com a sua capacidade de fornecer todos os aminoácidos necessários para a síntese proteica. Um alimento é considerado uma fonte completa de proteínas se ele contém todos os aminoácidos essenciais em sua composição. Caso falte um aminoácido ou ele esteja em pequena quantidade, esse alimento é considerado uma proteína de baixa qualidade e o aminoácido em falta é chamado de “aminoácido limitante”. Lembre-se que mesmo uma dieta com alimentos fontes de proteínas incompletas (dieta vegana), ainda pode ser uma dieta completa em proteínas, pois a mistura de diferentes fontes de proteínas incompletas acaba por fornecer todos os aminoácidos essenciais. No entanto, outro fator importante deve ser considerado para avaliar a qualidade da proteína, a sua digestibilidade. Existem diferentes métodos para avaliar a qualidade de uma proteína e de forma geral todos chegam a conclusões gerais semelhantes, mas com algumas diferenças importantes. Entre esses métodos estão: o escore químico, a taxa de eficiência proteica (PER), o saldo de utilização proteica (Net Protein Utilization - NPU), o valor biológico (VB) e a digestibilidade proteica corrigida pelo escore de aminoácidos (protein digestibility-corrected amino acid score PDCAAS). O método mais citado no meio do fisiculturismo e do fitness é o valor biológico, mas como veremos aqui a preocupação com o VB das proteínas geralmente tem pouca relevância para fisiculturistas. O método PDCAAS é o mais recente e aceito pela FAO/OMS (FAO - Food and Agriculture Organization/ OMS - Organizção Mundial de Saúde) para avaliar a qualidade das proteínas. 11 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch O escore químico avalia a qualidade da proteína comparando o percentual do aminoácido limitante da proteína teste (aminoácido que está em menor quantidade) em relação a uma proteína de referência (proteína do ovo). A aveia tem 51% da lisina presente na proteína do ovo, logo seu escore químico é 51. A taxa de eficiência proteica (PER) é um método que avalia a qualidade da proteína medindo o ganho de peso de ratos jovens com o consumo de determinada fonte proteica. Esse método tem pouca relevância prática em humanos, embora também mostre superioridade das fontes de proteína animal. O saldo de utilização proteica (NPU) é um método muito semelhante ao VB. Esse método mede a quantidade de nitrogênio retida pelo organismo em relação a quantidade consumida. No método do VB a absorção da proteína é levada em conta, por isso vamos nos concentrar nele ao invés do NPU. O valor biológico da proteína é medido avaliando a quantidade de nitrogênio retida pelo organismo em relação a quantidade que é absorvida, como na fórmula: ππ΅ = π πππ‘πππ π πππ πππ£πππ Ou seja, aquela proteína que é digerida e tem todos os seus aminoácidos absorvidos no intestino. Uma proteína de valor biológico igual a 100 tem todo seu nitrogênio retido pelo organismo, mas obviamente nenhuma proteína pode ter VB igual a 100. As proteínas de origem animal (carnes, ovos, leite) tem alto VB, enquanto as proteínas de origem vegetal (arroz, feijão, milho, trigo) tem baixo VB, pois são carentes de algum aminoácido essencial (geralmente lisina ou metionina). Problema desse método é que ele avalia a retenção de nitrogênio em condições de baixa oferta de proteínas. A oferta de calorias e proteínas na dieta afeta o valor biológico, de forma que um aumento das calorias e da proteína na dieta aumenta o VB, enquanto a restrição de calorias e proteína reduz o VB. Uma proteína de alto VB pode ser importante para pessoas em desnutrição calórica-proteica, mas para indivíduos que já comem quantidades de proteínas acima das recomendações (0,8-1,0 g/kg), em uma dieta mista, se preocupar com VB acaba sendo desnecessário. Indivíduos veganos precisam se preocupar com uma maior oferta de proteínas porque sua dieta é carente de proteínas de alto 12 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch VB, mas um atleta de fisiculturismo geralmente já come quantidades elevadas de proteína, muitas vezes acima das recomendações para hipertrofia (1,6-2,2 g/kg). Outra crítica feita ao VB é que ele ignora o papel da oxidação de aminoácidos (degradação do aminoácido que leva a produção de energia, ATP) que ocorre com proteínas de absorção rápida, como whey protein. A rápida absorção de proteínas também acaba aumentando a oxidação de aminoácidos ou seu uso na gliconeogênese (síntese de glicose a partir de aminoácidos no fígado). Se os esqueletos de carbono dos aminoácidos são oxidados, usados como fonte de energia, então eles não podem ser usados para síntese proteica. Tabela 1.1. Qualidade de algumas importantes fontes de proteína segundo diferentes métodos de avaliação. Valor biológico acima de 100 é relativo, porque a proteína do ovo foi considerada a proteína de referência. Obviamente nenhuma proteína pode ter VB igual a 100, portanto, em “valores absolutos” whey é superior ao ovo, mas abaixo de 100 (HALUCH, 2018). Proteína Digestibilidade Valor biológico PDCAAS Ovo 98 100 118 Leite de vaca 95 91 121 Carne de vaca 98 80 92 Soja 95 74 91 Trigo 91 64 42 Whey 98 104 100* Caseína 98 77 100* Em 1989 a FAO/OMS estabeleceu que a qualidade de uma proteína poderia ser avaliada pelo conteúdo do seu primeiro aminoácido indispensável limitante, comparando com uma proteína de referência. Esse valor deve ser corrigido pela digestibilidade da proteína testada, que avalia o aproveitamento da proteína pelo organismo, a porcentagem de nitrogênio que o organismo absorve ao se consumir as proteínas, já que uma pequena parte das proteínas podem não ser absorvidas, sendo seu nitrogênio excretado nas fezes. A digestibilidade das proteínas de origem animal é de 100% em relação à proteína de referência (ovo ou leite). Em relação à proteína de referência o feijão tem uma digestibilidade de 82%, a aveia 90% e o arroz polido 93%. A digestibilidade proteica corrigida pelo escore de aminoácidos (protein digestibility-corrected amino acid score - PDCAAS) é dada pela seguinte fórmula: 13 Nutrição e Hipertrofia Muscular ππ·πΆπ΄π΄π = Dudu Haluch ππ ππ π΄π΄ πππππ‘πππ‘π ππ 1π ππ ππππ‘. π‘ππ π‘π × πππππ π‘πππππππππ × 100 ππ ππ π΄π΄ ππ 1π ππ ππππ‘. ππ πππππêππππ Nesse método a soja é considerada uma proteína de boa qualidade, recebendo uma pontuação de 91, enquanto a carne de vaca tem uma pontuação de 92. Nesse método o ovo apresentou PDCAAS de 118 e o leite de vaca 121, mas valores acima de 100% não são considerados com benefícios adicionais, devendo o valor da PDCAAS ser truncado em 100%. Para concluir essa seção é importante deixar claro que de forma geral os métodos convergem para conclusões semelhantes, apesar de suas particularidades. As proteínas de origem animal são consideradas de melhor qualidade, principalmente ovo e leite, enquanto as proteínas de origem vegetal são consideradas de menor qualidade, com exceção da soja que ainda pode ser considerada uma fonte de proteína completa, embora um pouco inferior as fontes proteicas de origem animal. 1.3) BALANÇO NITROGENADO: ANABOLISMO E CATABOLISMO O nosso corpo está o tempo todo sintetizando e degradando proteínas, sendo que muitos dos aminoácidos resultantes do catabolismo das proteínas endógenas são reaproveitados para síntese de novas proteínas. Algumas proteínas tem uma vida média muito curta, de poucas horas (enzimas intracelulares), enquanto outras chegam a ter uma vida média de mais de 100 dias (hemoglobina) ou até um ano (colágeno). A síntese e degradação de proteínas são reguladas pelo estado nutricional do organismo e também por vários hormônios (insulina, hormônio do crescimento, testosterona, cortisol). Quando a síntese proteica é igual a degradação de proteínas dizemos que o balanço nitrogenado do organismo é neutro. Quando a síntese proteica excede a degradação o balanço nitrogenado é positivo (anabolismo > catabolismo) e quando a degradação de proteínas excede a síntese o balanço nitrogenado é negativo (anabolismo < catabolismo). Durante a fase de crescimento as crianças estão em balanço nitrogenado 14 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch positivo, enquanto indivíduos acometidos por algumas enfermidades que provocam perda de peso e massa muscular estão em balanço nitrogenado negativo. O músculo esquelético é uma grande reserva de proteínas e em um indivíduo normal o tecido muscular esquelético contribui com cerca de 40% do peso corporal, cerca de 7-8 kg de proteínas, sendo que a maior parte dessas proteínas (66%) são proteínas contráteis (actina e miosina). A água e as proteínas são os principais componentes do musculo esquelético, em uma proporção de 4:1. Para aumentar 1 kg de massa muscular é necessário um acréscimo de 200 g de proteínas no músculo. Pode parecer pouco, mas ganhar 1 kg de massa muscular não é nada fácil para um fisiculturista com anos de treino. Um indivíduo treinado tem muito mais dificuldade para ganhar massa muscular que um iniciante e aumentar a ingestão de proteínas além do necessário para o organismo não vai aumentar a síntese proteica muscular. Na verdade, com o excesso de proteínas ocorre aumento da oxidação dos aminoácidos (os aminoácidos são utilizados para produzir energia, ATP). O balanço nitrogenado positivo (síntese > degradação) é fundamental para o ganho de massa muscular e o treinamento resistido em conjunto com a nutrição são essenciais para promover o ganho de massa muscular tão desejado por fisiculturistas. Fisiculturistas costumam periodizar seu treinamento em duas fases, off season e pré-contest (pré-competição). Durante o off season o principal objetivo é o ganho de massa muscular, geralmente com o mínimo de ganho de gordura. Já na fase de pré-contest o objetivo primordial é a perda de gordura, com o mínimo de perda de massa muscular, ou seja, maximizar a perda de gordura evitando um balanço nitrogenado negativo (catabolismo muscular). Os principais hormônios que controlam a síntese e degradação de proteínas pelo organismo são insulina, GH (hormônio do crescimento), IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina 1), testosterona e cortisol. A insulina, o GH, o IGF-1 e a testosterona aumentam a síntese proteica muscular, mas em humanos o principal efeito da insulina é inibir a degradação de proteínas (efeito anticatabólico). O GH e a testosterona também inibem a degradação de proteínas. O IGF-1 é um peptídeo liberado pelo fígado e pelos tecidos extrahepáticos (osso, músculo esquelético) sob estímulo do GH. A testosterona é o 15 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch principal hormônio anabólico e estudos em humanos mostram um grande aumento da massa muscular com doses suprafisiológicas de testosterona e seus derivados, os esteroides anabolizantes. O uso de esteroides anabolizantes é prática comum no fisiculturismo, assim como GH e insulina. Mulheres possuem muito menos massa muscular que os homens, pois produzem cerca de 10 vezes menos testosterona. Figura 1.2. Efeitos dos hormônios na síntese e degradação de proteínas. Aqui foram ilustrados apenas os principais efeitos de cada hormônio, mas é importante lembrar que os hormônios anabólicos (testosterona, GH, IGF-1) também podem inibir a degradação de proteínas, enquanto o cortisol pode inibir a síntese proteica, além de estimular sua degradação. A seta indica efeito estimulante e a barra indica efeito inibitório. O T3 pode estimular tanto a síntese como a degradação de proteínas, sendo mais catabólico em níveis elevados (como no hipertiroidismo ou quando se faz uso do hormônio sintético para queima de gordura). Os glicocorticoides são liberados pelo córtex adrenal sob o estímulo do hormônio corticotropina (ACTH), secretado pela hipófise. O principal glicocorticoide é o cortisol, um hormônio que aumenta a degradação de proteínas nos tecidos extra hepáticos, principalmente no músculo esquelético. A função do cortisol é aumentar a disponibilidade de aminoácidos para serem utilizados na síntese de proteínas celulares hepáticas e plasmáticas. A restrição calórica e o jejum elevam as concentrações de cortisol, aumentando a degradação de proteínas no músculo e os aminoácidos liberados na corrente sanguínea são 16 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch usados na gliconeogênese quando a dieta é restrita em calorias e carboidratos. A adrenalina e o glucagon estão aumentados em estados catabólicos (doenças debilitantes) em conjunto com o cortisol, mas estudos mostram que a adrenalina pode ter um efeito anticatabólico no metabolismo proteico. Já o glucagon não tem nenhum efeito anticatabólico direto no músculo esquelético, pois não tem receptores desse hormônio no tecido muscular. Os hormônios da tireoide aumentam a síntese e degradação de proteínas. São fundamentais durante a fase de crescimento e sua inibição (hipotireoidismo) pode inibir o crescimento pela redução da síntese proteica. Em excesso esses hormônios têm efeitos catabólicos, aumentando muito mais a degradação de proteínas do que a síntese (balanço nitrogenado negativo). Isso acontece também em dietas restritas em calorias, lipídios e carboidratos, pois o aumento do metabolismo (pelo uso de T3 ou T4) com restrição de calorias aumenta mobilização tanto dos estoques de gordura, como também das proteínas musculares. 1.4) PROTEÍNAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES As recomendações de proteínas para adultos saudáveis se baseiam em estudos que usam o método do balanço nitrogenado. Esse método avalia a perda diária de nitrogênio, que ocorre principalmente pela urina na forma de ureia. A ingestão dietética recomendada (RDA) de proteínas para adultos é de 0,8 g/kg. A RDA avalia a necessidade do nutriente necessária para atender as necessidades de aproximadamente 98% da população. Embora nosso organismo priorize o uso de carboidratos e gorduras como fonte de energia, a oxidação de proteínas diária é aproximadamente 10% do gasto energético diário. Para um indivíduo sedentário, pesando 70-80 kg, o gasto energético diário (GET) fica em torno de 2500 a 2800 kcal (equações para cálculo do GET são discutidas no capítulo 6), dependendo do nível de atividade física. Calculando 10% do GET e transformando o valor em gramas (1 g = 4 kcal), obtemos: - 2500 x 0,1 = 250 kcal → 250/4 = 62,5 g (1) 17 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch - 2800 x 0,1 = 280 kcal → 280/4 = 70,0 g (2) Considerando a RDA para proteínas de 0,8 g/kg, obtemos: - 70 x 0,8 = 56 g - 80 x 0,8 = 64 g Que estão bem próximos dos valores encontrados nas relações (1) e (2). O uso de proteínas no exercício aeróbico vai depender da duração e intensidade do exercício, mas dificilmente passa dos 5–10% do gasto energético do exercício. Durante o exercício de alta intensidade (> 70% do VO2máx) o principal substrato energético é o carboidrato, enquanto no exercício de baixa intensidade (< 60% do VO2máx) o principal substrato energético é a gordura. De qualquer forma, um grande volume de exercício aeróbico (> 2-3h) pode aumentar a degradação de proteínas. Em indivíduos que praticam treinamento resistido (musculação) a necessidade de proteínas fica na faixa de 1,6 a 2,2 g/kg segundo estudos que avaliam balanço nitrogenado (MORTON, 2018). Estamos considerando indivíduos que mantém uma ingestão normal de energia e carboidratos ou estão em superávit calórico. O aumento de calorias e carboidratos na dieta minimiza a degradação de proteínas, reduzindo o catabolismo de aminoácidos e favorece o uso desses para síntese proteica. Esse é o “efeito poupador de proteínas” dos carboidratos. Como em dieta hipocalórica a necessidade de proteínas pode ser maior devido ao aumento da degradação de proteínas, é prudente aumentar o consumo de proteínas para poupar massa muscular, principalmente se o déficit calórico for muito grande e a dieta for pobre em carboidratos (low carb). Nessas condições, a degradação de proteínas é estimulada pela redução dos níveis de insulina (hormônio anticatabólico) e pelo aumento do cortisol, que além de estimular a degradação proteica também estimula a gliconeogênese. Alguns estudiosos recomendam aumentar a ingestão de proteínas para cerca de 2,0–3,0 g/kg em fisiculturistas naturais (que não usam esteroides 18 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch anabolizantes) ou indivíduos magros que buscam atingir um baixo percentual de gordura (HELMS, 2014). Essa recomendação é prudente para esses indivíduos porque o catabolismo de proteínas é maior em indivíduos magros e menor para obesos. Com menor reserva de gordura, as proteínas musculares acabam contribuindo mais para produção de energia e também para a gliconeogênese. A principal característica das diversas “dietas da moda” é recomendar um aumento da ingestão de proteínas, não tanto pelo objetivo de ajudar a manter a massa muscular, mas principalmente porque as proteínas podem ajudar a perder peso aumentando a saciedade e o gasto energético (termogênese induzida pela dieta, TID). Embora aumentar o consumo de proteínas eleve o gasto energético, o efeito das proteínas sobre a saciedade parece ser muito mais importante para ajudar na perda de peso e na manutenção da perda de peso em dietas hipocalóricas e hiperproteicas. Esse efeito das dietas hiperproteicas sobre a saciedade parece ser modulado através de hormônios peptídeos liberados pelo trato gastrointestinal. A liberação dos neuropeptídeos anorexígenos GLP-1 (peptídeo semelhante a glucagon 1), colecistocinina (CCK) e peptídeo YY (PYY) intensifica com o aumento da ingestão de proteínas, enquanto as concentrações de grelina (hormônio que aumenta a fome) estão reduzidas. 1.5) RECOMENDAÇÃO DE PROTEÍNA PARA HORMONIZADOS O grande fisiculturista Nasser El Sombaty dizia que consumia apenas 100 g de proteínas em off season, em uma dieta com 80% de carboidratos. Já no período pré-competição (pré-contest) Nasser dizia consumir 400-600 g de proteínas e apenas 80-250 g de carboidratos. Ingerir mais proteínas durante uma dieta hipocalórica faz mais sentido do que ter uma grande ingestão de proteínas em uma dieta hipercalórica. Isso acontece porque durante a restrição calórica a síntese proteica tende a reduzir, enquanto a degradação de proteínas tende a aumentar. A redução das calorias e dos níveis de insulina favorece a oxidação de gorduras e o aumento da gliconeogênese (síntese de glicose a partir de 19 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch compostos não carboidratos, como aminoácidos, glicerol e lactato). Os aminoácidos provenientes do músculo são os principais substratos para gliconeogênese. A gliconeogênese é um processo importante em uma dieta hipocalórica porque o cérebro e as hemácias usam glicose como fonte de energia, enquanto os demais tecidos do organismo podem usar os ácidos graxos como principal substrato energético. Embora nosso organismo priorize as reservas de gordura como fonte de energia em uma dieta hipocalórica, a degradação de proteínas tende a aumentar com uma grande restrição de calorias e carboidratos, e também quando o indivíduo está com um percentual de gordura muito reduzido. Dessa forma, é prudente aumentar o consumo de proteínas nessas condições. Alguns estudos recomendam o consumo de aproximadamente 2,0-3,0 g/kg de proteínas para fisiculturistas naturais no período pré-competição (pré-contest). Para um fisiculturista pesando 120-130 kg (como Nasser El Sombaty) 100 g de proteínas é muito pouco, apesar dos esteroides favorecerem um "maior aproveitamento das proteínas", aumentando síntese proteica e reduzindo degradação proteica. Seria estranho Nasser mentir a esse respeito, até porque outros fisiculturistas como Mike Mentzer e Tom Platz também relatavam consumir menos proteína que a grande maioria dos fisiculturistas. Para um indivíduo natural que treina musculação a recomendação de proteínas para hipertrofia é de 1,6 a 2,2 g/kg (MORTON, 2018). Para um indivíduo que faz uso de esteroides anabolizantes é de se esperar valores maiores, mas pouco provável algo como 4,0-5,0 g/kg de proteínas, justamente pelos esteroides também reduzirem a degradação proteica, além de aumentar a síntese. O pesquisador Shalender Bhasin (expert em estudos com doses elevadas de testosterona) já realizou diversos estudos com doses suprafisiológicas de testosterona, chegando a utilizar dosagens de 600 mg por semana em indivíduos jovens e idosos. Nos estudos de Bhasin a ingestão de proteínas ficou entre 1,2 a 1,5 g/kg e os ganhos de massa livre de gordura ficaram na média de 6,0 a 8,0 kg (com 600 mg de enantato de testosterona por semana), utilizando somente testosterona por 10 e 20 semanas respectivamente (BHASIN, 1996; BHASIN, 20 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 2001). Ou seja, embora a grande maioria dos fisiculturistas utilize grandes quantidades de proteínas na dieta (> 3,0 g/kg), é possível ter uma ótima resposta utilizando quantidades bem menores, como 1,0 a 1,5 g/kg. Mesmo que essas quantidades possam não ser as melhores para otimizar os ganhos de massa muscular, os estudos de Bhasin dão certo suporte às alegações de Mike Mentzer e Nasser El Sombaty. Acredito que mesmo para fisiculturistas hormonizados uma quantidade de proteínas maior que 2,5 g/kg seja desnecessária para hipertrofia muscular. A quantidade exata não há como saber, até porque depende das dosagens de esteroides e do potencial genético do indivíduo. Lembrando que em déficit calórico e quando o percentual de gordura está baixo uma quantidade maior de proteínas pode ser justificada, principalmente por seus efeitos na preservação da massa muscular, no aumento da saciedade e do gasto energético (HALUCH, 2020). Tabela 1.2. Homens jovens com idade entre 19 e 35 anos, 20 semanas usando enantato de testosterona. Alterações na massa livre de gordura (MLG) com diferentes dosagens de testosterona (BHASIN, 2001). Dosagem (enantato de Testosterona total Alteração na MLG testosterona) (ng/dl) 25 mg 253 - 1,0 kg 50 mg 306 + 0,6 kg 125 mg 570 + 3,4 kg 300 mg 1345 + 5,2 kg 600 mg 2370 + 7,9 kg 21 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 1.6) EXISTE UM LIMITE PARA ABSORÇÃO DE PROTEÍNAS POR REFEIÇÃO? Ao ingerir proteínas, elas serão degradadas nos seus componentes fundamentais, os aminoácidos. Os aminoácidos são absorvidos no intestino delgado e utilizados para diversas funções. A absorção de proteínas não é limitada, podendo levar várias horas de acordo com tipo de alimento ingerido (tabela 1.3). No entanto, existe uma limitação para o nosso organismo sintetizar proteínas. Por isso não é inteligente consumir apenas 1-2 refeições com proteínas no dia pensando em hipertrofia muscular, assim como também não é inteligente um indivíduo de 70-80 kg consumir uma grande quantidade de proteína de rápida absorção de uma única vez (60 g de whey por exemplo). A rápida absorção dos aminoácidos do whey aumenta sua oxidação, já que apenas uma parte desses aminoácidos consegue ser utilizada para síntese proteica muscular (síntese de actina e miosina). Tabela 1.3. Taxas de absorção de diferentes fontes de proteínas (BILSBOROUGH, 2006). Fonte de proteína Taxa de absorção (g/h) Ovo cru 1,3 Ervilha 2,4 Ovo cozido 2,8 Leite 3,5 Proteína isolada de soja 3,9 Caseína isolada 6,1 Whey isolado 8-10 22 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 1.3. Visão geral simplificada da utilização das proteínas ingeridas no corpo inteiro em repouso. Da proteína ingerida, aproximadamente 50% é extraída pelos tecidos esplâncnicos (intestino, fígado), para a produção de energia e síntese proteica local, antes de entrar na circulação periférica. Curiosamente, apenas cerca de 10% da proteína ingerida é utilizada para a síntese de proteínas do músculo esquelético (actina, miosina), enquanto o restante (~ 40%) é catabolizado (STOKES, 2018). Boa parte dos aminoácidos absorvidos no nosso intestino será utilizada para a produção de energia ou para a síntese de proteínas essenciais para o funcionamento do organismo (figura 1.3), como hormônios, enzimas, proteínas do sistema imune, proteínas transportadoras (albumina, hemoglobina), proteínas musculares (actina e miosina). No entanto, a síntese proteica depende da necessidade do organismo. O indivíduo pode estimular o aumento da síntese proteica muscular com treinamento resistido, com a ingestão de proteínas e/ou usando hormônios (esteroides anabolizantes), mas existe um limite para isso. O excesso de aminoácidos não utilizado para a síntese proteica pode virar glicose (jejum, low carb, dieta hipocalórica), ácidos graxos através da lipogênese (menos provável) ou energia (mais provável). Para o aminoácido virar glicose, ácido graxo ou produzir energia (ATP) é necessário perder seu grupo amino (NH2), que é removido na forma de amônia (NH3). A amônia é tóxica ao organismo e por esse motivo é convertida em ureia 23 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch no fígado (figura 1.4). A ureia circula no sangue até ser excretada pela urina. Níveis de ureia podem estar elevados na doença renal e em dietas hiperproteicas. Assim fica claro que níveis de ureia elevados podem significar elevado catabolismo de proteínas/aminoácidos, já que os aminoácidos em excesso não serão utilizados para síntese proteica e sim catabolizados, perdendo seu grupo amino (nitrogênio), e sendo utilizados para produção de energia (oxidação), glicose (gliconeogênese) ou ácidos graxos (lipogênese). Níveis de ureia elevados são comuns em fisiculturistas que consomem grandes quantidades de proteínas na dieta, principalmente acima de 2,5-3,0 g/kg. Figura 1.4. Ao ingerir proteínas elas serão degradadas nos seus componentes fundamentais, os aminoácidos. Os aminoácidos são absorvidos no intestino delgado e utilizados para diversas funções. Boa parte deles será utilizada para síntese de proteínas essenciais para o funcionamento do organismo, como hormônios, enzimas, proteínas do sistema imune, proteínas musculares (actina e miosina). No entanto, a síntese proteica depende da necessidade do organismo. Para o aminoácido virar glicose, ácido graxo ou produzir energia (oxidação) é necessário perder seu grupo amino, que é removido na forma de amônia (NH3). A amônia é tóxica ao organismo e por esse motivo é convertida em ureia no fígado. A ureia circula no sangue até ser excretada pela urina. Níveis de ureia podem estar elevados na doença renal e em dietas hiperproteicas. 24 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Dificilmente seu corpo irá utilizar mais que 2,0-2,5 g/kg de proteínas por dia, mesmo utilizando hormônios (esteroides, GH, insulina). Por isso, ingerir 4,0 ou 5,0 g/kg de proteínas por dia não irá aumentar os ganhos de massa muscular continuamente, já que o excesso de proteínas não irá estimular a síntese proteica muscular. O excedente dos aminoácidos é oxidado e podemos verificar isso observando altos níveis de ureia em pessoas que consomem muita proteína. Caso seus níveis de ureia estejam elevados é um forte indício de que você está com excedente de proteínas na dieta, o que significa que seu músculo não está aproveitando esse excesso de proteínas. 1.7) QUANTIDADE DE PROTEÍNA POR REFEIÇÃO Embora não seja necessário comer a cada 3 horas para ganhar massa muscular e perder gordura, é preciso fazer considerações importantes sobre a frequência do consumo de proteínas e a manipulação dos carboidratos nos períodos pré e pós-treino. Pesquisadores que estudam as necessidades de proteínas no treinamento de força (Stuart Phillips, Van Loon, Brad Shoenfeld, Alan Aragon) recomendam que a proteína total diária seja dividida em pelo menos 3 a 4 refeições com 0,25 – 0,50 g/kg /refeição (25-50 g de proteína por refeição para um atleta de 100 kg), com uma refeição com mais proteínas antes de dormir (~ 0,5 g/kg de uma proteína de lenta absorção, como caseína, ovos, carnes etc), devido ao período de várias horas que ficamos em jejum, o que atenuaria o catabolismo proteico durante o sono. Mas fique tranquilo, você não vai perder massa muscular apenas porque ficou algumas horas sem comer, mesmo não seguindo fielmente as recomendações dos especialistas. A perda de massa muscular é um processo crônico, que depende de vários fatores além da simples restrição calórica-proteica, como o treinamento e o ambiente hormonal. Um longo tempo sem ingerir proteínas diminui a síntese proteica e aumenta a degradação de proteínas. Por esse motivo, o jejum intermitente parece ser uma estratégia mais limitada para promover hipertrofia muscular, 25 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch embora não pareça ser um problema quando se trata de manutenção da massa muscular e otimização da perda de gordura (mais detalhes na seção 7.5). Tabela 1.4. Dois modelos de dieta com diferentes distribuições de proteínas para um indivíduo com 80 kg consumindo 2,2 g/kg de proteínas (176 g). DIETA 1 DIETA 2 Refeição 1 – desjejum: 25 g Refeição 1 – desjejum: sem proteína Refeição 2 – almoço: 30 g Sem refeição Refeição 3 - pré-treino: 25 g Refeição 2 - pré-treino/almoço: 45 g Treino Treino Refeição 4 - pós-treino: 35 g Refeição 3 - pós-treino: 50 g Refeição 5 – jantar: 30 g Refeição 4 – jantar: 40 g Refeição 6 – ceia: 35 g Refeição 5 – ceia: 45 g Total: 180 g de proteínas Total: 180 g de proteínas A maioria dos fisiculturistas prefere ingerir proteínas em todas as refeições, seja porque acreditam que isso é o melhor para o ganho de massa muscular, ou, também, porque acreditam que refeições sem proteínas podem aumentar o catabolismo muscular. O mais comum é observar fisiculturistas ingerindo entre 6 e 8 refeições por dia, com cerca de 25-30 g de proteína por refeição (equivalente a 30 g de whey, 150 g de frango cru ou 8 claras). Para um fisiculturista de 80 kg uma dieta de 6 refeições com 25-30 g de proteína por refeição equivale a uma quantidade de proteína diária de 150-180 g, que fica próximo das recomendações de 2,0 g/kg para esses atletas. Importante lembrar que muitos fisiculturistas não contabilizam as proteínas de origem vegetal na dieta, o que é um grande equívoco. O mais importante no final do dia é bater as recomendações diárias, independente de usar 30 g em uma refeição ou 50 g em outra, dividindo entre 3 e 6 refeições durante o dia. 26 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BHASIN, S. et al. Testosterone dose-response relationships in healthy young men. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2001. BILSBOROUGH, S.; MANN, N. A review of issues of dietary protein intake in humans. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2006 Apr;16(2):129-52. HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo – bioquímica, fisiologia e nutrição. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021. HALUCH, D. 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MORTON, R. et. al, A systematic review, meta-analysis and meta-regression of the effect of protein supplementation on resistance training-induced gains in muscle mass and strength in healthy adults. Br J Sports Med. Mar;52(6):376384. 2018. SCHAAFSMA, Gertjan. The Protein Digestibility–Corrected Amino Acid Score. The Journal of Nutrition. Rockville, p. 1865-1867. jul. 2000. STOKES, T. et al. Recent Perspectives Regarding the Role of Dietary Protein for the Promotion of Muscle Hypertrophy with Resistance Exercise Training. Nutrients. Feb 7;10(2):180, 2018. UMPLEBY, AM.; RUSSELL-JONES, DL. The hormonal control of protein metabolism. 1996. 27 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 2 SUPLEMENTOS E HIPERTROFIA MUSCULAR 2.1) INTRODUÇÃO A suplementação de proteínas e aminoácidos é muito comum entre fisiculturistas. A maioria dos atletas acredita que a suplementação pode trazer benefícios adicionais no desempenho e na hipertrofia muscular. Os pesquisadores já são mais céticos, pois as evidências científicas não dão muito suporte para a efetividade da maioria dos suplementos de aminoácidos. Vou considerar aqui as duas posições e tentar contextualizar melhor até que ponto o uso desses suplementos pode ser efetivo ou desnecessário. 2.2) PROTEÍNA DO SORO DO LEITE (WHEY) Suplementos de proteína em pó estão entre os mais utilizados pelos fisiculturistas e atletas fitness. Duas proteínas do leite ganham destaque, o whey protein (proteína do soro do leite) e a caseína. O soro do leite equivale a 20% das proteínas do leite, enquanto a caseína compõe os outros 80%. Um litro de leite tem aproximadamente 30 g de proteínas (6 g a cada 200 ml), sendo 6 g de proteína do soro do leite (20%) e 24 g de caseína (80%). O soro do leite é o suplemento proteico mais largamente utilizado por atletas e praticantes de musculação e tem um forte apelo comercial. Também é a fonte de proteína mais estudada quando se trata de hipertrofia muscular. O whey é uma proteína de alta qualidade, alto valor biológico, rica em aminoácidos essenciais, principalmente os BCAAs. É uma proteína de absorção rápida e com 28 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch maior potencial para elevação da síntese proteica muscular, devido ao seu alto teor de leucina (~ 3 g por dose). Existem basicamente 3 tipos de whey, de acordo com o processamento: concentrado, isolado e hidrolisado. O whey concentrado apresenta maior teor de carboidratos (incluindo lactose) e cerca de 70-80% de proteínas em sua composição. O whey isolado apresenta baixo teor de carboidratos (sem lactose) e cerca de 90% de proteínas. O whey hidrolisado é a proteína pré-digerida, que disponibiliza cadeias de dipeptídeos e tripeptídeos e por isso também o que apresenta maior velocidade de digestão e absorção (cerca de 1 hora). Não existem vantagens em relação aos resultados na hipertrofia muscular usando a versão isolada ou hidrolisada quando comparadas à versão concentrada. A vantagem do whey isolado é que ele pode ser utilizado por indivíduos intolerantes à lactose, enquanto o hidrolisado pode ser utilizado por indivíduos alérgicos às proteínas do leite ou com problemas na digestão. Um estudo (TANG, 2009) comparou a resposta aguda da síntese proteica muscular (SPM) de proteínas digeridas rapidamente (hidrolisado de soro de leite e soja) e lentamente (caseína micelar) em repouso e após exercício resistido. A SPM foi maior após o consumo de whey hidrolisado tanto em repouso, como após o exercício. Concluímos que a simulação da SPM induzida pela alimentação em homens jovens é maior após o consumo de hidrolisado de soro de leite ou proteína de soja do que a caseína em repouso e após o exercício resistido; além disso, apesar de serem proteínas rápidas, o hidrolisado de soro de leite estimulou a SPM em maior grau do que a soja após o exercício resistido. Essas diferenças podem estar relacionadas à rapidez com que as proteínas são digeridas (isto é, rápido versus lento) ou possivelmente a pequenas diferenças no conteúdo de leucina de cada proteína (TANG, 2009). 29 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 2.1. Taxa sintética fracionária de proteína muscular mista (FSR) após a ingestão de hidrolisado de soro de leite, caseína ou proteína de soja em repouso e após exercício resistido (TANG, 2009). Apesar da larga propaganda da indústria de suplementos que uma proteína de rápida absorção deveria ser utilizada depois do treino de força/hipertrofia, visando ofertar rapidamente aminoácidos para a síntese proteica, não existem boas evidências que uso de uma proteína de rápida absorção seja superior a um alimento (carne, frango, ovos, leite) quando se trata de ganhos de massa muscular. Na verdade, a rápida absorção de aminoácidos promovida com altas doses de whey (> 20-30 g), além de aumentar a síntese proteica muscular, pode também aumentar a oxidação de aminoácidos, utilizando esses aminoácidos como fonte de energia, ao invés de serem utilizados para síntese proteica. O soro do leite pode ser uma ótima proteína para ser utilizada depois do treino, mas parece que uma combinação de proteínas rápidas e lentas, ou apenas lentas (caseína, albumina), seja mais interessante para um melhor aproveitamento dos aminoácidos na síntese proteica (Lyle McDonald). Outro uso interessante do whey é no pré-treino, pois a rápida digestão dessa proteína evita desconfortos durante o treino. Ele também pode ser utilizado em refeições rápidas durante o dia, quando o preparo e transporte de uma refeição sólida são mais complicados. 30 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 2.3) CASEÍNA E LEITE A caseína é uma proteína de absorção lenta, que libera os aminoácidos de forma lenta na corrente sanguínea, mantendo os níveis desses aminoácidos mais estáveis por várias horas (7-8 horas). A caseína também é uma proteína de alta qualidade, alto valor biológico e rica em aminoácidos essenciais. Comparada a whey, a caseína mostrou menor estímulo na síntese proteica, mas mostrou melhor balanço líquido de leucina, melhor retenção de aminoácidos e menor degradação de proteínas. Enquanto whey é uma proteína mais anabólica, por seu potente efeito estimulador sobre a síntese proteica, a caseína é uma proteína mais anticatabólica, devido ao seu potencial para reduzir a degradação de proteínas. Por esse motivo, especialistas e fisiculturistas gostam do uso da caseína na última refeição, antes de dormir. Nada impede de utilizá-la em outros horários e pode ter um uso interessante após o treino também, principalmente em combinação com whey. Nesse caso, seria mais barato usar o próprio leite como fonte de proteínas, já que é um blend natural composto por 20% de whey e 80% de caseína. Estudos mostraram que o leite apresenta um bom potencial para melhorar a composição corporal, principalmente ajudar no ganho de massa muscular. A mistura de whey com leite também pode ser muito interessante após o treino de hipertrofia, já que oferece uma mistura de proteína rápida com lenta. Atrasar a absorção da proteína não é um problema, já que a “janela anabólica” pós-treino pode durar várias horas (mais detalhes na seção 7.2). 2.4) ALBUMINA E PROTEÍNA DE SOJA Albumina é a principal proteína presente na clara do ovo e pode ser encontrada na forma de suplemento em pó. Também é uma proteína de absorção lenta (não tanto como a caseína) e de alto VB, rica em aminoácidos essenciais. Tanto a albumina como a proteína isolada da soja apresentam um custo mais barato que o whey e a caseína, e ambas são proteínas de alta qualidade, ricas em aminoácidos essenciais, incluindo a leucina. Muitos fisiculturistas têm medo de usar a proteína da soja, pois acreditam que ela pode reduzir os níveis de testosterona, devido à presença de 31 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch fitoestrógenos (isoflavonas). As principais evidências não suportam essas alegações em humanos (HAMILTON-REEVES, 2010). Os fitoestrógenos da soja têm baixa afinidade com os receptores de estrogênio. Tabela 2.1. Quantidade aproximada de BCAA em alguns suplementos proteicos. A quantidade de BCAA é um bom parâmetro para avaliar a qualidade de uma proteína. Para compensar o menor teor de BCAA e leucina a proteína de soja pode ser utilizada em maior quantidade ou misturada com outras fontes (whey, albumina, leite), formando um blend de proteínas. Suplemento Whey Albumina Proteína isolada de soja Quantidade de 5,5 g de BCAA 5,1 g de BCAA 3,6 g de BCAA BCAA em 24 g de proteínas Apesar do grande potencial dos suplementos proteicos para auxiliar no ganho de massa muscular, o grande pesquisador Stuart Phillips afirma que não existem evidências que esses suplementos sejam mais eficazes que o consumo de proteínas dietéticas de alta qualidade (carnes, peixes, ovos, frango, leite). 2.5) SUPLEMENTAÇÃO DE AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS Suplementos de aminoácidos essenciais (AAEs) são a nova promessa do mercado de suplementos. Muitos marqueteiros alegam que a suplementação de AAEs é superior ao consumo de alimentos sólidos fontes de proteínas, como carne, frango, ovos e whey. Na verdade, o aproveitamento desses aminoácidos pelo organismo não é superior a uma fonte de proteínas completas. Além disso, os alimentos além de possuírem os aminoácidos essenciais também possuem os demais aminoácidos, os não essenciais (tabela 2.2), que podem ser sintetizados pelo organismo. A alegação de que suplementos de AAEs podem oferecer benefícios superiores (maior síntese proteica e hipertrofia muscular) aos alimentos fontes de proteínas não tem nenhum embasamento científico. Um estudo mostrou que adicionar leucina ou uma mistura de AAEs sem leucina a uma dose subótima do soro do leite (6,25 g de whey) é tão eficaz quanto 25 g de soro do leite para estimular as taxas de síntese proteica muscular 32 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch (SPM); no entanto 25 g de soro do leite são mais adequados para estimular o anabolismo muscular induzido por exercícios resistidos (musculação). O whey sustentou por mais tempo as taxas de SPM induzidas pelo exercício (CHURCHWARD-VENNE, 2012). Tabela 2.2. Aminoácidos não essenciais (dispensáveis) e essenciais (indispensáveis). Aminoácidos não essenciais Aminoácidos essenciais arginina, alanina, tirosina, aspartato, fenilalanina, metionina, lisina, leucina, asparagina, glutamato, glutamina, valina, isoleucina, triptofano, treonina, cisteína, serina, glicina, prolina histidina 2.6) SUPLEMENTAÇÃO DE BCAA E LEUCINA Os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs, branched chain amino acids) são três aminoácidos essenciais (valina, leucina, isoleucina), que estão presentes em grandes quantidades nos alimentos fontes de proteínas e no músculo esquelético. Um diferencial desses aminoácidos é que eles são oxidados no músculo, ao invés do fígado. Além de serem utilizados como fonte de energia, os BCAAs também desempenham um importante papel na regulação da síntese proteica, principalmente a leucina. A leucina estimula a síntese proteica através da ativação de uma proteína intracelular chamada de mTOR (mammalian Target of Rapamycin). Esse estímulo da leucina sobre a mTOR independe da presença dos outros dois aminoácidos de cadeia ramificada, mas é importante lembrar que para sintetizar proteínas o nosso organismo precisa de todos os outros aminoácidos essenciais. A sinalização promovida pelo BCAA através da via Akt/mTOR irá estimular a síntese proteica, mas na ausência dos demais aminoácidos essenciais, o seu corpo precisa obter aminoácidos a partir da degradação das proteínas do seu músculo, o que acaba resultando em redução da síntese proteica muscular. Por isso, qualquer alimento fonte de proteínas é mais vantajoso que consumir um suplemento de BCAA. O BCAA só tem utilidade se consumido com proteínas, mas como sabemos esse excesso não irá trazer benefícios se o indivíduo já consome proteína suficiente na dieta (~ 2,0 g/kg). 33 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 2.2. Esquema simplificado da ativação da via mTOR e da regulação da síntese proteica, mostrando o papel do aminoácido leucina, que é o aminoácido da cadeia ramificada (BCAA) mais importante no estímulo da síntese de proteínas. Além da leucina, o treinamento de força e a dieta podem estimular a síntese proteica através da liberação de hormônios como a insulina (carboidratos + proteínas) e o IGF-1 (treino). A proteína AMPK é importante fator que inibe a via mTOR e a síntese proteica, e é estimulada principalmente em situações de baixa disponibilidade de energia, como restrição calórica e treinamento aeróbico. A suplementação de BCAA pode ser muito importante em algumas doenças, como uso terapêutico em doenças hepáticas e em indivíduos com fenilcetonúria. Mas quando olhamos para o uso de BCAA para hipertrofia ou como suplemento anti-catabólico existem muitas controvérsias e a tendência dos grandes pesquisadores da área é considerar o uso de suplementos de BCAA pouco relevante para essas finalidades. Segundo Lyle McDonald, na maioria dos estudos onde BCAA teve algum benefício, foi em um contexto de ingestão inadequada de proteínas. Podemos entender melhor isso quando consideramos a presença desses aminoácidos nos alimentos. Cada 100 g de proteína dos alimentos contém cerca de 15-20 g de BCAA e as necessidades proteicas para indivíduos treinados varia de 1,6 a 2,2 g/kg (com déficit calórico a demanda pode ser maior). Um indivíduo de 70 kg deve ingerir cerca de 105-140 g de proteína e umas 20-25 g de BCAA vindo dos alimentos. Isso já mostra o quanto a suplementação de cápsulas de 34 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch BCAA é inútil e cara, pois facilmente se obtém quantidades muito maiores dos alimentos do dia a dia (frango, ovos, leite). Será que a suplementação adicional de 5-15 g de BCAA por dia fará diferença? Bom, é importante considerar que a síntese proteica não depende apenas da quantidade de proteínas da dieta, mas também do balanço energético, conteúdo de carboidratos da dieta, volume e intensidade do treino, ambiente hormonal etc. Diversos estudos têm mostrado que o excesso de proteína, acima de ~ 2,0 g/kg, não aumenta síntese proteica muscular. Sendo assim, o excesso de proteína, BCAAs ou leucina, parece ser irrelevante para promover hipertrofia muscular, principalmente em uma dieta hipercalórica, rica em carboidratos. Seria muito mais útil gastar com proteínas em pó, como whey protein, que já contém cerca de 2,5-3,0 g de leucina e 5-6 g de BCAAs por dose (~ 30 g de pó de proteína). Quando todas as evidências e teorias são consideradas juntas, é razoável concluir que não há evidências confiáveis de que a ingestão de um suplemento dietético de BCAAs por si só resulte em um estímulo fisiologicamente significativo da proteína muscular. De fato, as evidências disponíveis indicam que os BCAAs realmente diminuem a síntese de proteínas musculares. Todos os AAEs devem estar disponíveis em abundância para aumentar a sinalização anabólica para traduzir a síntese acelerada de proteínas musculares (WOLFE, 2017). Os carboidratos têm efeito poupador de proteína, eles minimizam a degradação proteica. Se o indivíduo está em déficit calórico e com uma grande redução de carboidratos, a suplementação de BCAAs poderia ser útil. Porém, isso vai depender do tamanho do déficit calórico e de quanta proteína na dieta o indivíduo está utilizando. O uso de hormônios anabólicos (esteroides, GH, insulina) também otimiza a eficiência do uso de proteína, aumentando a síntese (anabolismo) e minimizando a degradação proteica (catabolismo). Nesse contexto podemos ver que o uso de suplementos de BCAA tem baixo custo benefício para evitar catabolismo e é ainda mais limitado quando se deseja hipertrofia muscular. Todos os argumentos utilizados para contestar a eficácia dos BCAAs para hipertrofia muscular podem ser utilizados para a leucina, que é o principal aminoácido envolvido no estímulo da síntese proteica muscular através da via 35 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch mTOR. Se um alimento é rico em proteínas, aminoácidos essenciais e BCAAs, a adição de leucina não trará maiores benefícios no aumento da massa muscular. É uma crença popular de que as propriedades anabólicas da leucina podem ser usadas para aumentar ainda mais o acúmulo de proteína muscular pós-exercício e, como tal, maximizar a resposta adaptativa do músculo esquelético ao exercício. Embora tenha sido bem estabelecido que a ingestão de aminoácidos e/ou proteínas aumenta as taxas de síntese de proteínas musculares pós-exercício, as taxas máximas de síntese de proteínas são alcançadas após a ingestão de aproximadamente 20 g de proteína...Em suma, apesar de suas propriedades anabólicas propostas, a co-ingestão de leucina após o exercício parece não aumentar ainda mais a síntese de proteínas musculares pós-exercício, quando já é fornecida ampla proteína na dieta. Portanto, a suplementação com leucina provavelmente não trará nenhum benefício para o atleta (VAN LOON, 2012). 2.7) SUPLEMENTAÇÃO DE HMB O beta-hidroxi-beta-metilbutirato (HMB) é um suplemento conhecido principalmente por seus efeitos anticatabólicos. No entanto, o HMB também pode aumentar a força, a síntese de proteínas (pela via mTOR) e a massa muscular. O HMB pode ser produzido naturalmente pelo nosso organismo a partir da leucina e também pode ser encontrado em alguns alimentos (alfafa, toranja, bagre, leite materno). Porém, não é possível só com a alimentação atingir as dosagens diárias de HMB necessárias para promover melhora da composição corporal e ganho de força. Os estudos com HMB geralmente utilizam dosagens que variam de 1 a 3 g por dia do suplemento, geralmente utilizado pré e/ou pós treino. Os resultados dos estudos são controversos, principalmente porque em indivíduos treinados o HMB geralmente não mostra benefícios nos ganhos de força e massa muscular. Já em indivíduos idosos e não treinados o HMB tem apresentado resultados razoavelmente satisfatórios, como aumento da massa muscular e ganhos de força. 36 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Alguns estudos relataram ganhos extraordinariamente grandes de massa magra e força por indivíduos treinados que ingeriram HMB, ganhos de ~ 7,0-8,0 kg de massa magra (WILSON, 2014). Esses resultados são semelhantes aos encontrados em usuários de testosterona e esteroides anabolizantes e obviamente não são nada confiáveis. De qualquer forma, uma meta-análise recente (JAKUBOWSKI, 2020) não mostrou melhora da composição corporal ou aumento da força com a suplementação de HMB em indivíduos jovens. Muitos fisiculturistas têm utilizado esse suplemento, assim como BCAA e leucina. Como vimos, as evidências não mostram resultados significativos em indivíduos treinados, então é de se esperar que esse suplemento não seja vantajoso para o uso em atletas (SANCHEZ-MARTINEZ, 2018). Claro que os estudos não avaliam situações mais específicas, como é o caso de um fisiculturista em restrição de calorias, com baixo percentual de gordura, durante a fase de dieta pré-competição. Na fase de pré-contest, a restrição de calorias e carboidratos aumenta a degradação de proteínas do músculo esquelético, principalmente se o atleta já está com baixo percentual de gordura. Nessas condições o HMB pode ter um uso interessante devido ao seu potencial efeito anticatabólico. Já na fase de off season não vejo vantagem no uso do HMB. 2.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA A creatina é considerada o suplemento com maior potencial ergogênico e vem sendo estudada intensamente desde os anos 90, quando se tornou popular depois que alguns atletas relataram seu uso nas olimpíadas de Barcelona em 1992. Diferente da maioria dos suplementos, a creatina é um suplemento para aumento da performance que tem suporte de um bom conjunto de evidências científicas. A creatina é uma substância produzida pelo organismo, sintetizada principalmente no fígado e nos rins a partir dos aminoácidos arginina, glicina e metionina. A síntese endógena da creatina é de aproximadamente 1 g e por estar presente nas carnes, uma dieta mista pode oferecer cerca de 1 g de creatina a partir da alimentação. A quase totalidade da creatina do nosso corpo é 37 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch armazenada no músculo esquelético (95%) na forma de creatina livre e fosfocreatina. A função da creatina é fornecer o grupo fosfato (P) da fosfocreatina para o ADP (adenosina difosfato), aumentando rapidamente a ressíntese de ATP (ADP + P = ATP) durante um esforço de alta intensidade. Essa rápida produção de ATP fornece energia aos músculos a uma taxa muito rápida, mas dura apenas alguns poucos segundos (5-10 segundos). Por isso a aplicabilidade da creatina inicialmente era limitada a exercícios de alta intensidade e curta duração (anaeróbios). No treinamento resistido (musculação) a creatina mostra grande potencial para aumento da força e da massa magra. Esse ganho de massa magra é atribuído à capacidade osmótica da creatina, que promove aumento da retenção hídrica intracelular. No entanto, existem evidências que esse ganho de massa magra, que varia de 1 a 2 kg em média, não é apenas retenção de água intramuscular, mas também ocorre por aumento das proteínas musculares. Mesmo não mostrando aumento na síntese e degradação proteica, a suplementação de creatina parece aumentar níveis de IGF-1 no músculo e reduzir as concentrações de miostatina (proteína que inibe a síntese proteica e o crescimento muscular). O treinamento de força por si só já aumenta as concentrações de IGF-1 e reduz a miostatina, mas a suplementação com creatina mostrou um efeito adicional em conjunto com o exercício. Os estudos mostram que a suplementação de creatina é segura, sem prejuízos às funções renal e hepática. Os protocolos de uso geralmente recomendam uma fase de saturação que pode durar de 4 a 7 dias, usando dosagens de aproximadamente 20 g/dia (ou 0,3 g/kg/dia), seguida da fase de manutenção, onde se usa 3 a 5 g por dia. Na fase de saturação se recomenda dividir as dosagens 4 vezes ao dia e combinar creatina com alguma fonte de carboidrato, pois a insulina facilita a captação de creatina pela fibra muscular. Algumas pessoas podem optar por evitar a fase de saturação, mas dessa forma o aumento do estoque intramuscular levará mais tempo. A creatina pode ser usada tanto em uma dieta para ganho de massa muscular (bulking), como também em uma dieta para definição muscular (pré38 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch contest/cutting). A maioria dos atletas de fisiculturismo prefere seu uso na fase de hipertrofia (off season), devido ao aumento da força e da retenção hídrica (retenção intramuscular). A creatina é considerada por muitos especialistas o suplemento mais eficaz para aumento da força e da massa magra: O monohidrato de creatina é o suplemento nutricional ergogênico mais eficaz atualmente disponível para atletas com a intenção de aumentar a capacidade de exercícios de alta intensidade e a massa corporal magra durante o treinamento. A suplementação de monohidrato de creatina não é apenas segura, mas foi relatado que possui vários benefícios terapêuticos em populações saudáveis e doentes, variando de bebês a idosos. Não há evidências científicas convincentes de que o uso a curto ou longo prazo da creatina monohidratada (até 30 g/dia por 5 anos) tenha efeitos prejudiciais em indivíduos saudáveis ou entre populações clínicas que podem se beneficiar da suplementação de creatina (KREIDER, 2017) 39 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHURCHWARD-VENNE, T. et al. Supplementation of a suboptimal protein dose with leucine or essential amino acids: effects on myofibrillar protein synthesis at rest and following resistance exercise in men. J Physiol. 2012 Jun 1;590(11):2751-65. HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018. HAMILTON-REEVES, J. et al. Clinical studies show no effects of soy protein or isoflavones on reproductive hormones in men: results of a meta-analysis. Fertil Steril. Aug;94(3):997-1007, 2010. HOFFMAN, Jay R.; FALVO, Michael J. Protein – Which is Best? Journal Of Sports Science & Medicine. Las Vegas, p. 118-130. jun. 2005. JAKUBOWSKI, J. et al. Supplementation with the Leucine Metabolite βhydroxy-β-methylbutyrate (HMB) does not Improve Resistance ExerciseInduced Changes in Body Composition or Strength in Young Subjects: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients. 2020 May 23;12(5):1523. KREIDER, R. et al. 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Aug 22;14:30, 2017. 41 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 3 CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA MUSCULAR 3.1) INTRODUÇÃO Os carboidratos são as macromoléculas mais abundantes na natureza e também a fonte preferencial de energia para a maior parte dos seres vivos. São produzidos pelos vegetais através do processo de fotossíntese. Carboidratos também possuem outras funções, como proteção e comunicação celular. Normalmente mais de 50% das calorias da dieta dos seres humanos é composta por carboidratos. Os carboidratos são compostos por carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O) em uma proporção C : H2 : O. A fórmula empírica dos carboidratos pode ser escrita como (CH2O)n, mas alguns tipos de carboidratos podem conter outros átomos, como nitrogênio, fósforo e enxofre. Os carboidratos constituem a principal fonte de energia da dieta humana e no esporte esse macronutriente geralmente tem um papel ainda mais importante, pois um bom aporte de carboidratos está relacionado a um aumento do desempenho do atleta em grande parte dos esportes. O consumo de “1 g de carboidratos equivale a 4 kcal”. No fisiculturismo os carboidratos desempenham um papel fundamental tanto para o ganho de massa muscular, como para a perda de gordura. A manipulação dos carboidratos é a principal estratégia nutricional utilizada por fisiculturistas durante o off season e o pré-contest, pois os efeitos metabólicos dos carboidratos são fundamentais para regular o crescimento muscular e a queima de gordura. 42 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch No capítulo um falei sobre a importância das proteínas na manutenção da massa muscular durante a fase de perda de peso. O aumento das necessidades proteicas durante uma dieta hipocalórica ocorre devido à redução das calorias e carboidratos da dieta. Essa redução dos carboidratos e calorias aumenta a queima de gordura, mas também aumenta a degradação de proteínas musculares. Assim como o excesso de calorias e carboidratos durante uma dieta hipercalórica diminui o catabolismo de proteínas e gorduras e pode favorecer o ganho de massa muscular, como também o ganho de gordura. Como veremos adiante, esses efeitos metabólicos dos carboidratos são mediados principalmente pelo hormônio insulina. Portanto, os carboidratos não são apenas uma fonte de energia para os treinos, a sua manipulação tem grande importância na regulação dos processos anabólicos e catabólicos do nosso organismo. 3.2) CLASSIFICAÇÃO DOS CARBOIDRATOS Os carboidratos são classificados de acordo com seu grau de polimerização (GP), segundo o número de ligações glicosídicas entre as moléculas de monossacarídeos (figura 3.1), que são os carboidratos mais simples, que não podem sofrer hidrólise (quebra). Os monossacarídeos por sua vez podem se unir através de ligações glicosídicas, formando moléculas mais complexas. Duas moléculas de monossacarídeos ligadas formam um dissacarídeo e ligações entre 3 a 9 moléculas de monossacarídeos formam os oligossacarídeos. As estruturas mais complexas, com várias moléculas de monossacarídeos ligadas, formam polissacarídeos. Além do grau de polimerização também existem diferenças entre as ligações glicosídicas (tipo alfa e não alfa) e essa distinção é importante para entender a diferença entre carboidratos que sofrem digestão pelas enzimas intestinais e aqueles que não sofrem digestão, as “fibras alimentares” (que tem ligações glicosídicas do “tipo beta”). Além do GP e do tipo de ligação, os carboidratos também se distinguem pelas características dos monômeros individuais (glicose, frutose, galactose). 43 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 3.1. Classificação dos carboidratos de acordo com o grau de polimerização e de acordo com o tipo de ligação glicosídica (α, β). Nosso intestino só é capaz de absorver os monossacarídeos (glicose, frutose, galactose), que são carboidratos simples. Os dissacarídeos também são carboidratos simples (açúcares), formados por uma ligação glicosídica entre dois monossacarídeos. Oligossacarídeos e polissacarídeos (amido, celulose) formam estruturas mais complexas e precisam ser quebrados em monossacarídeos (glicose, frutose) para serem absorvidos no intestino delgado. Em 1997 um comitê da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO – Food and Agriculture Organization) classificou os carboidratos em três grandes classes, com subdivisões entre elas, de acordo com os critérios citados acima. Os três grandes grupos de carboidratos classificados segundo o GP são: açúcares (GP: 1 a 2), oligossacarídeos (GP: 3 a 9/10) e polissacarídeos (GP > 9/10). Os carboidratos podem ser divididos da seguinte forma: 1) Carboidratos simples (açúcares): - Monossacarídeos: glicose, frutose, galactose; - Dissacarídeos: sacarose (glicose + frutose), lactose (glicose + galactose), maltose (glicose + glicose); 44 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 2) Carboidratos complexos: - Oligossacarídeos: maltodextrina (5 a 10 moléculas de glicose), frutooligossacarídeos (FOS); - Polissacarídeos: amido (presente nos cereais, tubérculos, batatas, leguminosas), glicogênio (reserva de glicose nos animais), celulose (presente na parede celular das plantas). 3.3) FIBRAS ALIMENTARES Fibras alimentares são carboidratos do tipo polissacarídeo não amido, carboidratos não digeríveis. Os polissacarídeos não amido estão presentes em diversos alimentos, principalmente em frutas, vegetais, leguminosas (feijão), oleaginosas (linhaça) e grãos integrais. Além dos polissacarídeos não amido (celulose, hemicelulose, gomas, mucilagens, pectinas), os fruto- oligossacarídeos e o amido resistente também fazem parte do grupo das fibras alimentares. Esses carboidratos não sofrem ação da enzima amilase porque suas moléculas de glicose estão unidas por ligações glicosídicas do tipo beta 14. Segundo a definição do Codex Alimentarius: Fibra alimentar é constituída de polímeros de carboidratos com grau de polimerização maior que 3, que não são absorvidos e digeridos no intestino delgado. Pode ser encontrada naturalmente nos alimentos como são consumidos, obtida de material cru por meio físico, químico, enzimático ou, ainda, por síntese. Apresenta uma ou mais das seguintes características: diminui o trânsito intestinal e aumenta o bolo fecal; é fermentada pela flora bacteriana, reduz os níveis de LDL-colesterol; reduz os níveis plasmáticos de glicose e insulina (PHILIPPI, 2014). Além de todos esses benefícios para a saúde, reduzindo o risco de doenças crônicas não transmissíveis (obesidade, diabetes, câncer, doenças cardiovasculares etc), as fibras alimentares também ajudam no controle da saciedade e isso pode fazer muita diferença durante uma dieta para perda de peso/gordura. As recomendações para o consumo de fibras alimentares são de 25 a 35 g por dia (ou 14 g a cada 1000 kcal segundo o Instituto de Medicina, IOM), mas 45 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch boa parte da população consome muito menos que isso, devido ao baixo consumo de frutas, vegetais e grãos integrais, aumento do consumo de carboidratos refinados (baixo teor de fibras) e gorduras. As fibras podem ser classificadas em solúveis (formam géis, aumentando a retenção de água) e insolúveis, mas essa divisão deixou de ser usada por não ser preditiva de efeitos benéficos das fibras. Além disso, as fibras podem ser classificadas por outras características mais importantes, como viscosidade e fermentabilidade. 3.4) FRUTAS E FRUTOSE Recentemente a frutose tem sido acusada de trazer grandes malefícios à saúde, associadas ao aumento da obesidade, triglicerídeos e outras características relacionadas à síndrome metabólica (resistência à insulina). Cerca de 10% das calorias (~ 55 g dia) contidas em dietas ocidentais provêm da frutose e sua principal fonte é a sacarose (açúcar), um dissacarídeo formado pelos monossacarídeos glicose e frutose. A frutose também é encontrada em grandes quantidades no mel, no xarope de milho e em menor quantidade nas frutas. Muita gente acredita que a frutose pode levar a um ganho de gordura ou prejudicar a sua perda, e acabam retirando as frutas da dieta. Na verdade a maior parte das frutas tem pouca frutose e muitas ainda possuem baixa caloria (morango, abacaxi, melão, melancia etc). Frutas tem fibras solúveis, que ajudam a retardar a absorção do açúcar e a forma física e estrutura celular da fruta inteira provavelmente têm um efeito maior, ao sequestrar o açúcar da superfície do intestino delgado. Além disso, frutas contém micronutrientes e antioxidantes que podem auxiliar contra a inflamação hepática e a resistência à insulina (LUDWIG, 2013). As frutas deveriam estar sempre presentes na dieta e não há nenhuma razão muito inteligente para evita-las. Mesmo em dietas pobres em carboidratos (dieta cetogênica) é possível consumir frutas de baixa caloria e pode ser uma grande vantagem manter esses alimentos nessas condições, tanto por questões de saúde, como pela eficiência do metabolismo e pela palatabilidade da dieta. 46 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch As frutas são fontes de carboidratos simples (glicose, frutose, sacarose) e também possuem fibras e vitaminas, principalmente vitamina C. O teor de calorias e carboidratos varia bastante entre diferentes tipos de frutas, por isso é importante considerar a informação nutricional da fruta escolhida durante a montagem do planejamento nutricional. Além de alimentos saudáveis, as frutas também apresentam boa palatabilidade. Esses atributos tornam esses alimentos muito interessantes para qualquer fase da dieta. Além disso, o medo da frutose, quando advinda das frutas, é infundado, pois a quantidade é irrelevante para causar algum tipo de problema. Algumas frutas podem ser mais interessantes em uma dieta para perda de peso, principalmente as de baixa carga glicêmica (CG), com baixo teor calórico, como melancia, melão, morango, abacaxi e mamão. Apesar de ser muito consumida por fisiculturistas, a banana é uma das frutas mais calóricas, com alto teor de carboidratos comparada à maioria das outras frutas. O abacate também é uma excelente fruta para ser utilizada em dietas pobres em carboidratos e tem características muito interessantes, como alto teor de gorduras boas (monoinsaturadas) e fibras. Apesar das frutas serem compostas por carboidratos simples (glicose, frutose, sacarose), elas também possuem fibras e fitoquímicos (flavonoides, carotenoides), e seu consumo está associado a menor ganho de peso no longo prazo. No entanto, sucos concentrados de frutas podem não ser uma boa ideia para indivíduos que estão em um processo de emagrecimento. Verificou-se que o consumo de frutas inteiras contribui para um risco reduzido de ganho de peso a longo prazo em adultos de meia idade. Ensaios experimentais sugerem que esse efeito benéfico da fruta inteira é mediado por uma redução na ingestão total de energia. O suco de frutas, no entanto, teve um efeito oposto, promovendo ganho de peso a longo prazo (HEBDEN, 2017). Quando a dieta é mais restrita em carboidratos, considero mais interessante reduzir primeiro os alimentos ricos em amido (arroz, batata, macarrão, pães), preferindo manter boa parte das frutas e leguminosas da dieta, além dos vegetais. Esses alimentos apresentam baixa densidade energética e 47 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch costumam ser ricos em fibras, vitaminas, minerais e fitoquímicos. De qualquer forma, ter maior variedade de alimentos na dieta pode melhorar a adesão ao plano alimentar e as frutas podem contribuir muito com isso. Os sucos concentrados de frutas (laranja, uva) podem ser mais interessantes justamente em uma dieta visando ganho de massa muscular, principalmente por indivíduos que possuem mais dificuldade em comer grandes quantidades de comida. Em superávit calórico outra estratégia muito utilizada por fisiculturistas é fazer vitaminas com frutas, misturando proteínas em pó e/ou hipercalórico com leite ou iogurte. Tabela 3.1. Informação nutricional de algumas frutas. Fonte: TACO. Alimento kcal (100 g) Banana Carboidratos Fibras (g) (g) Proteínas Gorduras (g) (g) 92 23,8 1,9 1,4 0,1 Maçã fuji 56 15,2 1,3 0,3 Tr Pêra 53 14,0 3,0 0,6 0,1 37 8,9 0,8 1,0 0,1 Abacaxi 48 12,3 1,0 0,9 0,1 Kiwi 51 11,5 2,7 1,3 0,6 51 12,8 2,1 0,9 0,2 40 10,4 1,0 0,5 0,1 Melão 29 7,5 0,3 0,7 Tr Melancia 33 8,1 0,1 0,9 Tr Morango 30 6,8 1,7 0,9 0,3 Abacate 96 6,0 6,3 1,2 8,4 Uva (rubi) 49 12,7 0,9 0,6 0,2 nanica Laranja pêra Manga (Tommy) Mamão papaia 48 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 3.5) LEITE, LACTOSE E HIPERTROFIA MUSCULAR Muitas pessoas têm medo de utilizar leite e derivados na dieta, pois acreditam que o leite pode prejudicar a perda de gordura. O leite e seus derivados foram por muito tempo parte importante da dieta dos fisiculturistas. A partir dos anos 90 esse grupo de alimentos parece ter sido excluído por muitos atletas devido à crença de prejudicar a definição muscular (“engrossar a pele”). Foi na mesma época que a indústria de suplementos sofreu um grande boom e os atletas passaram a ingerir proteína do soro do leite (whey) na forma de suplemento. A lactose é o carboidrato do leite e é geralmente sobre ela que recai a culpa sobre esse alimento não ser considerado bom para a dieta de um fisiculturista. Embora muitos indivíduos tenham um certo grau de intolerância à lactose, boa parte das pessoas pode tolerar o consumo de leite sem maiores problemas em relação à digestão da lactose. Muitos profissionais de saúde e leigos também acreditam ou afirmam que o leite é um alimento inflamatório, mas essas alegações não são suportadas pela literatura. Ao invés disso, leite e derivados parecem possuir uma atividade antiinflamatória em indivíduos com distúrbios metabólicos e uma atividade próinflamatória em indivíduos alérgicos ao leite bovino (BORDONI, 2017). O leite e seus derivados (queijos, iogurte) não são apenas fontes de carboidratos, mas são também excelentes fontes de proteínas e cálcio. Ao excluir esse grupo de alimentos da dieta o indivíduo deixa de ingerir um alimento rico em proteínas de alta qualidade e a melhor fonte de cálcio da dieta. Sem contar o sabor agradável e o potencial para promover ganho de massa muscular e ajudar na perda de peso. Embora não seja um alimento essencial para se ter na dieta, eu considero a retirada dos laticínios da dieta uma péssima escolha. Embora o consumo de laticínios não leve ao emagrecimento, diversos estudos mostraram que em dietas para perda de peso os laticínios contribuem para o emagrecimento e podem ajudar na manutenção da massa muscular (ABARGOUEI, 2012). O estudo de Hartman (2007) mostrou que o consumo de 49 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch leite após o treino de musculação apresentou resultados mais favoráveis na composição corporal que a soja e o grupo controle (que consumiu carboidratos). Em conclusão, o consumo imediato e de 1 h de leite pós-exercício, em oposição a uma bebida isoenergética de carboidrato ou de soja, resultou em maiores ganhos na MLG (massa livre de gordura) e na área das fibras musculares tipo II. Aumentos na área de fibras musculares tipo I foram maiores nos grupos Leite e Soja do que no grupo controle. Todos os grupos apresentaram aumento de força como resultado do programa de treinamento; no entanto, não houve diferença de efeito entre os grupos. Observouse uma maior perda de massa gorda em indivíduos que consumiram o suplemento de leite pós-exercício do que nos grupos Soja e controle, que podem estar relacionados à ingestão de cálcio na dieta ou a uma propriedade endógena das próprias proteínas do leite (HARTMAN, 2007). A informação nutricional de alguns laticínios está descrita na tabela 3.2. Tabela 3.2. Informação nutricional dos laticínios. Valores retirados de algumas marcas tradicionais. Alimento Leite Quantidade kcal Proteínas Carboidratos Gorduras Cálcio (g) (g) (g) (mg) 200 ml 114 6,0 9,0 6,0 210 200 ml 61 6,0 9,3 0 210 170 g 102 6,0 8,7 4,8 230 90 g 73 4,6 9,3 1,9 154 30 g 95 7,2 0 7,0 220 30 g 110 8,0 1,0 8,0 285 30 g 25 4,0 0 1,0 - integral Leite desnatado Iogurte natural Iogurte grego light Queijo mozarela Queijo prato Queijo cottage 50 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 3.6) ÍNDICE GLICÊMICO E CARGA GLICÊMICA O índice glicêmico (IG) foi criado em 1981 com a proposta de classificar os carboidratos de acordo com a sua capacidade de elevar a glicemia. O IG de um alimento é calculado a partir da mensuração da glicose sanguínea por um período de 2 horas depois da ingestão de 50 g de carboidratos de um alimento teste e comparando esse resultado com um alimento de referência (pão branco ou glicose). Dessa forma, o IG do alimento é medido em relação ao alimento de referência. Por isso é comum termos duas tabelas de IG, uma feita utilizando o pão branco como referência e outra a glicose. Alimentos de alto IG são digeridos e absorvidos mais rapidamente e por isso provocam elevações mais abruptas na glicose sanguínea e nos níveis de insulina (figura 3.2). No entanto, o IG de um alimento pode variar de acordo com seu preparo, conteúdo de fibras, proteínas, gorduras etc. Mais importante que isso, um alimento geralmente é consumido em combinação com outros em uma refeição e isso vai influenciar no seu impacto na glicemia. Nesse caso é o IG da refeição que deve ser considerado. Figura 3.2. Impacto de diferentes alimentos nos níveis de glicose, mostrando um alimento com alto IG e um alimento com baixo IG. Alimentos com alto IG são digeridos e absorvidos mais rapidamente, tendo maior impacto no aumento da glicose e da insulina. 51 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch O maior problema do IG é que ele é um índice qualitativo e ignora a quantidade de carboidratos do alimento, que acaba sendo muito mais importante para elevar a glicemia e a insulina. Pensando nisso, os pesquisadores criaram posteriormente o conceito de carga glicêmica (CG), que considera o conteúdo de carboidratos do alimento, além do seu IG. A CG de um alimento é dada por: πΆπΊ = πΌπΊ × ππππ‘πúππ ππ ππππππππππ‘π ππ πππππππ‘π 100 Esse conceito é muito mais útil para avaliar a resposta glicêmica de um alimento e de uma refeição. Alguns alimentos de alto IG, como melancia, batata inglesa, abacaxi, possuem baixa CG, pois para elevar os níveis de glicose e insulina com esses alimentos é preciso consumir grandes porções, diferente do pão ou do arroz branco, que possuem alta CG. Como exemplo vou calcular a carga glicêmica de 100 g de arroz branco e 100 g de batata inglesa cozida, utilizando seus respectivos índices glicêmicos (tabela 3.3): Arroz branco cozido, IG = 64, com 28 g de carboidratos em 100 g de arroz: πΆπΊ = 64 × 28 = 17,9 100 Batata inglesa cozida, IG = 81, com 12 g de carboidratos em 100 g de batata: πΆπΊ = 81 × 12 = 9,7 100 Portanto, mesmo tendo um maior IG, 100 g de arroz branco terá um impacto muito maior nos níveis de glicose do que 100 g de batata inglesa, devido a maior quantidade de carboidratos presentes nessa porção de alimento e, consequentemente, uma maior CG. Os conceitos de IG e CG foram criados pensando no tratamento de indivíduos com doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, obesidade, dislipidemia e doenças cardiovasculares. O uso desses índices no tratamento dessas doenças, principalmente no diabetes, tem sido alvo de debates e controvérsias, com alguns estudos mostrando resultados favoráveis e outros nem tanto, pois consideram que o conteúdo, o tipo de carboidrato e o 52 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch consumo de fibras pode ser mais relevante. Quando se trata de perda de peso as evidências têm mostrado que não existe diferença significativa na perda de peso quando se comparam dietas com alimentos de alto IG e baixo IG. De qualquer forma, não podemos ignorar que em uma dieta para ganho de peso, o IG dos alimentos pode ser relevante, principalmente quando consideremos o saldo calórico total e a resposta à insulina individual (sensibilidade/resistência à insulina). Além disso, a escolha dos alimentos em relação ao IG pode ter impactos diferentes na saúde, principalmente de diabéticos. Tabela 3.3. Índice glicêmico de alguns alimentos. Pão branco e glicose como alimentos de referência. No padrão glicose, IG > 70 é alto, IG = 55 – 70 é médio e IG < 55 é considerado baixo. No padrão pão IG > 95 é alto, IG = 75 – 95 é médio e IG < 75 é baixo. Alimento Pão branco = 100 Glicose = 100 Banana 74 52 Maçã 57 40 Abacaxi 94 66 Melancia 103 72 Arroz branco 91 64 Arroz integral 79 55 Macarrão cozido 87 61 Batata doce 87 61 Batata inglesa cozida 116 81 Pão integral 74 52 Feijão cozido 57 40 Aveia 78 55 Mandioca cozida 57 40 Leite desnatado 46 32 Considerando tudo o que foi descrito acima é preciso utilizar esses conceitos de IG e CG de forma cautelosa e não simplesmente considerar que alimentos de alto IG são ruins. Como vimos, a CG de um alimento é muito mais relevante do que considerar o IG, mas em uma situação de déficit calórico (dieta para perda de peso) se preocupar com o IG e CG dos alimentos acaba sendo 53 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch irrelevante. Outro ponto muito importante é considerar o metabolismo e sensibilidade à insulina do indivíduo. Pessoas que acumulam gordura com facilidade ou tem dificuldade de perder gordura precisam se preocupar mais com o controle dos níveis de insulina e consequentemente com o IG e CG dos alimentos. Indivíduos com boa sensibilidade à insulina e facilidade de perder gordura não precisam se preocupar tanto ou mesmo nada com o IG/CG dos alimentos. Na verdade pode até ser mais interessante o consumo de alimentos de alto IG e CG em indivíduos magros com dificuldade de ganho de peso e massa muscular. Não por acaso, muitos utilizam suplementos com alto IG, como maltodextrina, dextrose e hipercalóricos, para essa finalidade. A tabela 3.3 mostra o IG de alguns alimentos, mas é importante lembrar que os valores podem ser muito variáveis dependendo da referência consultada. 3.7) CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES Os carboidratos são a principal fonte de energia para o treinamento de força (musculação), utilizados principalmente pelas fibras musculares do tipo II, que são fibras de contração rápida com metabolismo predominantemente glicolítico. Por esse motivo é muito importante que antes do treinamento as reservas de glicogênio muscular estejam abastecidas, já que o desempenho do treino de força pode ser prejudicado se as reservas de glicogênio estiverem baixas. As recomendações de carboidratos para indivíduos que treinam força e potência ficam na faixa de 4 a 8 g/kg (45-60% das calorias), mas mulheres geralmente consomem uma quantidade mais próxima do limite inferior. Importante salientar que a principal preocupação dos fisiculturistas é melhorar a composição corporal, ganhando ou mantendo a massa muscular enquanto perdem gordura. A dieta de um fisiculturista em off season (fora de competição, fase de ganho de massa muscular) é geralmente composta de 45-60% de calorias de carboidratos, 15-25% de calorias de proteínas e 20-35% de calorias provenientes de gorduras. A quantidade de carboidratos pode variar muito da resposta do indivíduo, dependendo do seu gasto energético, da sua 54 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch sensibilidade à insulina, e também da intensidade e do volume de treinamento. Em indivíduos pouco treinados é mais fácil observar como o consumo de uma dieta rica em carboidratos é importante para o ganho de massa muscular. 3.8) SUPLEMENTAÇÃO DE CARBOIDRATOS E HIPERTROFIA Suplementos de carboidratos são muito comuns entre fisiculturistas, principalmente durante o off season. Enquanto nos esportes de endurance (ciclismo, maratona) a finalidade principal desses suplementos é aumentar rapidamente a ressíntese de glicogênio após o exercício e/ou serem utilizados como combustível energético durante o treino, no fisiculturismo a finalidade principal é ajudar no ganho de massa muscular e na recuperação dos estoques energéticos após o treinamento. Claro que a finalidade vai depender também do tipo de carboidrato utilizado. Existem vários tipos de suplementos de carboidratos, mas atualmente os mais utilizados entre fisiculturistas são a dextrose (glicose), a maltodextrina, o waxy maize e a palatinose. A dextrose e a maltodextrina são carboidratos de alto índice glicêmico e por esse motivo são absorvidos rapidamente pelo organismo, promovendo rápido aumento da glicemia e dos níveis de insulina, além do aumento da síntese de glicogênio muscular e hepática. O IG da dextrose é de 138 (utilizando pão branco como referência) e o da maltodextrina fica próximo desse valor. A principal diferença entre esses dois carboidratos é que a dextrose é um carboidrato simples, enquanto a maltodextrina é um carboidrato complexo (um oligossacarídeo formado por 5-10 moléculas de glicose). Em termos de velocidade de absorção existe pouca diferença e qualquer um desses suplementos pode ser utilizado com a mesma eficácia. O uso geralmente é realizado após o treinamento de musculação, misturado com proteína do soro do leite (whey), com objetivo de potencializar a síntese proteica e ajudar na recuperação dos estoques de glicogênio muscular. Estudos recentes têm mostrado que o uso de carboidratos não é necessário para otimizar síntese proteica após o exercício resistido (STAPLES, 2011). 55 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch O waxy maize é o amido de milho ceroso, suplemento que se tornou popular no Brasil nos últimos anos. O waxy maize teve um forte apelo comercial e por muito tempo divulgaram esse suplemento como se ele fosse muito superior a dextrose e a maltodextrina. O marketing sobre o waxy maize relata que sua composição de 99% de amilopectina e ~1% de amilose permite uma absorção rápida sem elevar os níveis de insulina. Na verdade, esse suplemento tem um IG moderado (85), mais baixo que o da dextrose e da maltodextina, mas ainda assim pode elevar a glicemia e a insulinemia. Por esse motivo o waxy maize tem uma absorção mais lenta que o dos carboidratos de alto IG e pode ser utilizado antes do treino ou mesmo após o treino. A palatinose é um isômero da sacarose (possuem a mesma fórmula molecular, mas propriedades físicas e químicas diferentes), formada por glicose e frutose. O arranjo molecular dessa substância faz com que tenha um baixo IG (32) e, portanto, uma absorção bem mais lenta que os demais tipos de carboidratos. Recentemente esse suplemento passou a ter um grande apelo comercial, já que não promove picos de insulina e tem uma absorção lenta. A verdade é que a palatinose não tem benefícios diferenciados para praticantes de treino de força, já que os alimentos podem ser uma opção muito melhor e mais barata se a intenção for utilizar um carboidrato de absorção lenta. 3.9) DIETA LOW CARB E HIPERTROFIA MUSCULAR Ganhar massa muscular com dieta low carb é muito difícil e ineficiente porque uma redução na ingestão de carboidratos faz com que as reservas de glicogênio (hepática e muscular) se esgotem mais rapidamente. O cérebro e as hemácias precisam de glicose como fonte de energia, pois não podem usar ácidos graxos (gordura) de forma eficiente como combustível energético. No período logo após as refeições, essa glicose é fornecida pelos estoques de glicogênio hepático, mas em uma dieta low carb, o glicogênio do fígado se esgota rapidamente. A redução dos estoques de glicogênio hepático aumenta a gliconeogênese, que é a síntese de glicose a partir de compostos não carboidratos, como aminoácidos, glicerol e lactato. Os aminoácidos provenientes da degradação de "proteína muscular" (actina e miosina) são os principais 56 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch substratos da gliconeogênese. Ou seja, a redução dos carboidratos da dieta intensifica a degradação de proteínas do músculo para fornecer aminoácidos para a gliconeogênese. Quando o indivíduo reduz a ingestão de carboidratos, os níveis de insulina também são reduzidos e os hormônios glucagon e cortisol ficam aumentados. O glucagon e o cortisol estimulam a gliconeogênese no fígado e o cortisol também estimula a degradação de proteínas do músculo para fornecer aminoácidos para esse processo, além de inibir a síntese de proteínas. Por isso a insulina é considerada um hormônio anticatabólico e o cortisol um hormônio catabólico. A degradação de proteínas musculares pode ser atenuada com o aumento da ingestão de proteínas, mas ainda assim isso não torna uma dieta low carb eficiente para o ganho de massa muscular. Em uma dieta cetogênica (muito low carb), ocorre produção de corpos cetônicos, que diminuem a intensidade da gliconeogênese, pois eles também podem ser utilizados como fonte de energia pelo cérebro. No entanto, o aumento da ingestão de proteínas inibe a cetogênese. É mais difícil o ganho de massa muscular em uma dieta com baixo consumo de carboidrato (~ 50 g por dia) e com proteína limitada a ~ 1,5-2,0 g/Kg, que são as condições para entrar em cetose mais facilmente. Por isso a dieta cetogênica tem pouca ou nenhuma utilidade para fisiculturistas e fazer low carb só faz sentido se o indivíduo aumentar a quantidade de proteína na dieta quando deseja perder gordura e manter ao máximo sua massa muscular. Um estudo recente (VARGAS, 2018) investigou se uma dieta cetogênica em conjunto com treinamento resistido melhoraria a composição corporal, promovendo ganho de massa muscular e perda de gordura. Vinte e quatro homens saudáveis realizaram um programa de treinamento resistido (RT) por 8 semanas. Os participantes foram aleatoriamente designados a um grupo KD (dieta cetogênica), grupo não-KD (dieta não-cetogênica) e grupo controle (GC) em condição hiperenergética e hiperproteica (2,0 g/Kg). O grupo que fez dieta cetogênica (KD) perdeu gordura e reduziu o tecido adiposo visceral, mas não aumentou a massa muscular, enquanto o grupo não-KD não teve perda de gordura, mas teve aumento da massa muscular. 57 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Nossos resultados sugerem que uma dieta cetogênica pode ser uma abordagem dietética alternativa para diminuir a massa gorda e o tecido adiposo visceral sem diminuir a massa corporal magra; no entanto, pode não ser útil aumentar a massa muscular durante o balanço energético positivo em homens submetidos a RT por 8 semanas (VARGAS, 2018). 58 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABARGOUEI, A. et al. Effect of dairy consumption on weight and body composition in adults: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled clinical trials. Int J Obes (Lond). 2012 Dec;36(12):1485-93. AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Glycemic index for 60+ foods. Harvard Health Publishing, 2018. 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Os lipídios constituem cerca de 34% das calorias da dieta dos seres humanos e estão presentes na dieta na forma de óleos (líquidos) e gorduras (sólidos), sendo que cada grama contém cerca de 9 kcal. Os lipídios têm diversas funções no organismo. Os triacilgliceróis são uma importante reserva de energia para nosso corpo, sendo armazenados nas células de gordura (adipócitos) e também são a principal fonte de lipídio da dieta humana (cerca de 90%). Triacilgliceróis são moléculas formadas por uma molécula de glicerol ligada a três moléculas de ácidos graxos, que podem ser saturados ou insaturados. Os fosfolipídios são os principais constituintes das membranas celulares. O colesterol é um lipídio que também faz parte da membrana das células, sendo responsável pela fluidez da membrana. O colesterol também é um precursor da vitamina D e dos hormônios esteroides (testosterona, estrogênio, cortisol), além de ser constituinte da bile. A dieta de um fisiculturista contém geralmente cerca de 20-30% de calorias provenientes de lipídios, na forma de gorduras saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas (ômega 6 e ômega 3). Diferente das proteínas e carboidratos, a quantidade de lipídios não costuma variar muito entre as fases off season e pré-contest. No entanto, alguns fisiculturistas consomem 61 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch quantidades maiores de gordura, principalmente na fase de pré-contest. É o caso de adeptos de dieta cetogênica e metabólica, onde as calorias de gordura podem chegar a 50-70% do valor energético total. 4.2) CLASSIFICAÇÃO DAS GORDURAS Os lipídios podem ser divididos em três grandes grupos: lipídios simples, lipídios compostos e lipídios derivados. O grupo dos lipídios simples é formado pelos ácidos graxos e os triacilgliceróis (gordura). O grupo dos lipídios compostos inclui principalmente os fosfolipídios e as lipoproteínas (LDL, HDL), responsáveis pelo transporte do colesterol na corrente sanguínea. O principal representante do grupo dos lipídios derivados é o colesterol, um esteroide encontrado apenas em alimentos de origem animal, precursor dos ácidos biliares, da vitamina D e dos hormônios esteroides, e também um constituinte da membrana celular. Figura 4.1. O triacilglicerol é uma molécula formada por um glicerol (álcool) ligado a 3 ácidos graxos. Essa é a forma que a gordura é armazenada nas nossas células de gordura (adipócitos). Nesse livro vou falar apenas dos lipídios simples, que representam a quase totalidade dos lipídios que ingerimos. Os triacilgliceróis (TG) são os principais representantes dessa classe, os mais abundantes dos lipídios na dieta e no corpo humano. Triacilgliceróis são moléculas formadas por um glicerol (um 62 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch álcool), ligado a três moléculas de ácidos graxos (figura 4.1). Ácidos graxos são cadeias de carbono ligadas a átomos de hidrogênio com um grupo carboxila (COOH) em uma extremidade e um grupo metil (CH3) na outra extremidade (figura 4.2). A cadeia carbônica dos ácidos graxos pode ter de 2 a 26 carbonos. A cadeia de carbonos dos ácidos graxos também pode apresentar duplas ligações entre alguns átomos de carbono. 4.2.1) GORDURA SATURADA Quando não apresenta nenhuma dupla ligação o ácido graxo é considerado saturado e quando apresenta duplas ligações é chamado de insaturado. Os ácidos graxos saturados são encontrados principalmente nos produtos de origem animal, como carnes, ovos e laticínios. A gordura saturada tem sido alvo de intenso debate nos últimos anos acerca da sua possível associação ao aumento de risco cardiovascular. Apesar das divergências entre os estudos, muitos pesquisadores concordam que a gordura saturada pode não ser tão responsável pelo aumento do risco cardiovascular quando comparada com os carboidratos refinados. No entanto, as evidências têm mostrado que substituir gordura saturada por poli-insaturada (ômega 6 e ômega 3) diminui o risco cardiovascular. As diretrizes dos órgãos e organizações de saúde recomendam que a gordura saturada não seja superior a 10% do total de calorias da dieta. 4.2.2) GORDURA MONOINSATURADA Os ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) possuem uma dupla ligação e podem ser sintetizados pelo nosso organismo, sendo o mais conhecido o ácido oleico (ômega 9). A gordura monoinsaturada está presente em uma grande variedade de alimentos, de fontes animais e vegetais, mas os alimentos mais abundantes em ácidos graxos monoinsaturados são o azeite de oliva, o abacate e as oleaginosas (nozes e castanhas). Os ácidos graxos monoinsaturados mostraram importantes benefícios metabólicos em alguns estudos, como 63 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch melhora da sensibilidade à insulina e redução da pressão arterial. Além disso, o mais significativo é uma melhora do perfil lipídico quando se substitui ácidos graxos saturados por MUFA, com redução dos níveis de LDL. Dietas ricas em MUFA, como a dieta mediterrânea, podem ainda aumentar os níveis de HDL e reduzir os triglicerídeos. 4.2.3) GORDURA POLI-INSATURADA Os ácidos graxos poli-insaturados (PUFA) possuem mais de uma dupla ligação na cadeia carbônica e a posição da primeira dupla ligação em relação ao grupo metil determina o tipo de ácido graxo poli-insaturado. Ácidos graxos ômega 3 (ácido alfa-linolênico) possuem a primeira dupla ligação no terceiro carbono depois do grupo metil, enquanto os ácidos graxos ômega 6 (ácido linoleico) possuem a primeira dupla ligação no sexto carbono depois do grupo metil. Os ácidos graxos ômega 3 e ômega 6 não podem ser sintetizados pelo nosso organismo e por esse motivo são chamados de “ácidos graxos essenciais”, pois devem ser obtidos pela alimentação. O ácido graxo linoleico (ômega 6) está presente em diversos alimentos, principalmente nos óleos de origem vegetal (soja, canola, girassol e milho) e nas oleaginosas. O ácido graxo alfa-linolênico (ômega 3) está presente em alguns alimentos de origem vegetal, como óleo de canola, óleo de soja, chia e linhaça. O ácido alfa-linolênico também é precursor de outros ácidos graxos essenciais do tipo ômega 3, que desempenham importantes funções fisiológicas no nosso organismo, como é o caso do ácido eicosapentaenoico (EPA, C 20:5 ω3) e do ácido docosaexaenoico (DHA, C 22:6 ω3), presentes principalmente em peixes de água fria (salmão, cavala, sardinha e atum). Como os ácidos graxos n-6 são precursores de eicosanoides próinflamatórios, sugere-se que maiores ingestões sejam prejudiciais, e a relação (4:1) de ácidos graxos n-6 a n-3 tem sido sugerida por alguns especialistas como sendo particularmente importante. No entanto, segundo o grande pesquisador Walter Willett, esta hipótese baseia-se em evidências mínimas, e, nos seres humanos, maiores ingestões de ácidos graxos n-6 não foram associadas com 64 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch níveis elevados de marcadores inflamatórios. Enquanto existem fortes evidências que um aumento do consumo de ômega 3, particularmente dos ácidos docosaexaenoico (DHA) e eicosapentaenoico (EPA), confere proteção contra doenças cardiovasculares, não existem evidências convincentes de que a redução do consumo de ômega-6, por si só, faça o mesmo. Pelo contrário, pode até aumentar o risco cardiovascular (SBC, 2013). Na verdade, o aumento no consumo de ácidos graxos ômega 6 nas últimas décadas tem sido associado a uma redução de até 50% de morte por doença cardíaca coronariana (WILLETT, 2007). Figura 4.2. Estrutura química de alguns ácidos graxos importantes, onde cada vértice da cadeia tem um átomo de carbono ligado em 2 átomos de hidrogênio. a) Ácido láurico, ácido graxo saturado de cadeia média com 12 carbonos, C (12, 0); b) ácido palmítico, ácido graxo saturado com 16 carbonos, C (16, 0); c) ácido linoleico, ácido graxo poliinsaturado com 18 carbonos e 2 ligações duplas, C (18, 2); d) ácido alfa-linolênico, ácido graxo poli-insaturado com 18 carbonos e 3 ligações duplas, C (18, 3); e) ácido oleico, ácido graxo monoinsaturado com 18 carbonos e 1 ligação dupla, C (18, 1). 65 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 4.2.4) GORDURA TRANS Ácidos graxos trans são ácidos graxos insaturados, que podem ser produzidos de forma artificial ou naturalmente. Os ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados apresentam uma configuração geométrica chamada cis, onde os hidrogênios ligados aos carbonos da dupla ligação estão no mesmo plano. Já na configuração trans, esses hidrogênios se apresentam em planos opostos. Dessa forma, as moléculas dos ácidos graxos trans assemelham-se mais às moléculas de ácidos graxos saturados. A gordura trans pode ser produzida artificialmente através do processo de hidrogenação dos ácidos graxos insaturados, quando hidrogênios são adicionados às duplas ligações na presença de um catalisador e de altas temperaturas. A gordura trans é sólida à temperatura ambiente, como as margarinas (que no passado eram feitas de gordura trans), e apresentam ponto de fusão mais elevado que os óleos ricos em MUFA e PUFA. O aumento do consumo de ácidos graxos trans (gordura vegetal hidrogenada) está associado a diversos problemas metabólicos, como aumento da resistência à insulina, piora do perfil lipídico (redução do HDL e aumento do LDL) e disfunção endotelial. 4.2.5) GORDURAS E SAÚDE CARDIOVASCULAR As principais evidências sobre os efeitos dos diferentes tipos de gordura na saúde cardiovascular são resumidas abaixo (SACKS, 2017): • Ensaios clínicos randomizados mostraram que a gordura poli-insaturada dos óleos vegetais substituindo a gordura saturada dos laticínios e da carne reduzem as doenças cardiovasculares. • Uma estratégia dietética para reduzir a ingestão do total gordura dietética, incluindo gordura saturada, e substituição das gorduras principalmente com carboidratos não especificados não impede a doença arterial coronariana (DAC). • Estudos observacionais prospectivos em muitas populações mostraram que menor ingestão de gordura saturada juntamente com maior ingestão de gordura poli-insaturada e monoinsaturada está associada com menores taxas de DCV e mortalidade por todas as causas. 66 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch • A gordura saturada aumenta o colesterol LDL, uma importante causa da aterosclerose e DCV, e substituindo pela gordura poli-insaturada ou monoinsaturada diminui o colesterol LDL • Substituindo a gordura saturada por poli-insaturada ou pela gordura monoinsaturada reduz os níveis de triglicerídeos no sangue, um biomarcador independente de risco para DCV. • Substituir a gordura saturada por poli-insaturada previne e regride a aterosclerose em primatas não humanos. • No geral, as evidências apoiam a conclusão de que gordura poli-insaturada dos óleos vegetais (principalmente n-6, ácido linoleico) reduz a DCV um pouco mais do que a gordura monoinsaturada (principalmente ácido oleico) ao substituir a gordura saturada. Em uma dieta com superávit calórico e ganho de peso os níveis de colesterol podem aumentar, assim como os níveis de colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) e também as concentrações de triglicerídeos. Isso acontece principalmente quando o indivíduo faz uma dieta rica em gorduras saturadas (rica em gordura animal), gorduras trans (fast food) e carboidratos refinados (GRUNDY, 1990). Níveis maiores de LDL e triglicerídeos estão associados a um maior risco cardiovascular. Para piorar a situação, muitos fisiculturistas que seguem uma dieta rica em gordura saturada e carboidratos refinados também utilizam esteroides anabolizantes, que costumam reduzir os níveis de HDL e aumentar os níveis de LDL. Por esse motivo é importante seguir uma alimentação saudável em uma dieta para hipertrofia muscular, já que o excesso de calorias e uma alimentação ruim podem aumentar o risco cardiovascular. Um padrão alimentar saudável inclui uma dieta rica em frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais, isenta de gordura trans e com gordura saturada abaixo de 10% das calorias totais (substituição parcial da gordura saturada pelas gorduras mono e poliinsaturadas). Mais detalhes sobre as recomendações de gorduras em uma dieta para hipertrofia são dados na próxima seção. 67 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 4.3) GORDURAS E HIPERTROFIA – RECOMENDAÇÕES Ao aumentar as calorias da dieta a intenção do fisiculturista é aumentar a massa muscular, já que o estímulo do treino de musculação irá favorecer a síntese proteica e inibir a degradação proteica, gerando um balanço nitrogenado positivo. A insulina aumenta a síntese e inibe a degradação de proteínas, mas também aumenta a síntese de ácidos graxos e triacilgliceróis no fígado e no tecido adiposo (lipogênese). No entanto, o ganho de gordura ocorre principalmente devido ao “efeito poupador de gordura” da insulina e dos carboidratos. A insulina inibe a enzima lipase hormônio sensível (LHS), que é responsável pela lipólise no tecido adiposo, a quebra de triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol. Essa enzima é estimulada nos períodos de jejum pelos hormônios contrarreguladores da insulina: glucagon, adrenalina, cortisol e hormônio do crescimento. Além disso, a insulina inibe a oxidação de ácidos graxos nos tecidos e favorece o armazenamento dos triacilgliceróis no tecido adiposo através da ativação da enzima lipase lipoproteica (LL). Essa enzima, que atua no meio extracelular, hidrolisa os triacilgliceróis transportados pelas VLDL (sintetizados no fígado) e pelos quilomícrons (oriundos da dieta), liberando ácidos graxos, que são então captados pelo adipócito e reesterificados em triacilgliceróis para serem armazenados (figura 4.3). Como o objetivo de quem deseja ganhar massa muscular é minimizar o ganho de gordura, é muito importante controlar o superávit calórico nessa fase (mais detalhes sobre a escolha do superávit calórico no capítulo 6). Fisiculturistas geralmente aumentam a ingestão calórica diária em 500 a 1000 kcal, sendo a maior parte desse superávit calórico oriundo dos carboidratos, mantendo as gorduras em torno de 20 a 30% das calorias da dieta. Esse superávit calórico deve ser ajustado de acordo com o gasto energético e metabolismo do indivíduo (sensibilidade à insulina, flexibilidade metabólica), pois um ganho de peso grande e rápido favorece um maior acúmulo de gordura. Usuários de esteroides anabolizantes podem ter um superávit calórico maior que 500 kcal, pois os hormônios anabólicos aumentam o metabolismo basal e a 68 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch síntese proteica, minimizando o ganho de gordura e favorecendo o ganho de massa muscular. Figura 4.3. A figura ilustra os principais efeitos da insulina no metabolismo de gorduras durante o superávit calórico. Embora a insulina aumente a síntese proteica e reduza a degradação proteica muscular, ela possui um grande potencial lipogênico e inibe a lipólise e a oxidação de gorduras. Por isso, em uma dieta para hipertrofia é importante ter cautela no aumento das calorias. Para alguns indivíduos o ganho de peso não é tão fácil, pois aumentar as calorias é um desafio, já que se sentem saciados muito facilmente. Quando aumentamos as calorias da dieta ocorre aumento dos níveis de leptina, além do aumento de outros peptídeos (CCK, PYY, GLP-1) que promovem saciedade através da sinalização anorexígena no hipotálamo. A leptina aumenta o gasto energético e a saciedade, tornando o ganho de peso um grande desafio para algumas pessoas, principalmente indivíduos magros com gasto energético elevado (fenótipo gastador). As recomendações da FAO/OMS é que as gorduras da dieta sejam distribuídas da seguinte forma: • Gordura saturada: até 10% das calorias; 69 Nutrição e Hipertrofia Muscular • Dudu Haluch Gorduras poli-insaturadas: 6-10% das calorias (sendo 1-2% ômega 3 e 58% ômega 6); • Gorduras monoinsaturadas: o restante das calorias (cerca de 10% ou mais); • Gorduras trans: devem ser evitadas ou consumir o mínimo possível, no máximo 1% das calorias da dieta. 4.4) ÔMEGA 3 E HIPERTROFIA MUSCULAR O ômega 3 é um ácido graxo essencial encontrado principalmente em peixes de água fria (salmão, cavala, sardinha) na forma de ácido eicosapentaenoico (EPA, C 20:5 ω3) e de ácido docosaexaenoico (DHA, C 22:6 ω3). Nas fontes vegetais ele é encontrado principalmente na forma de ácido alfalinolênico (C 18:3 ω3). O consumo de alimentos fontes de ômega 3 tem sido associado a redução de doenças cardiovasculares, mas a suplementação de ômega 3 é motivo de controvérsias no meio científico. Diversos estudos mostraram que a suplementação de óleo de peixe (EPA e DHA) reduz triglicerídeos, pressão arterial, e também pode reduzir morte súbita e arritmia cardíaca em indivíduos com risco cardiovascular. Os benefícios em indivíduos saudáveis são questionáveis, mas a suplementação nesses casos parece não oferecer riscos. Alguns estudos também mostraram possíveis benefícios da suplementação de ômega 3 na hipertrofia muscular em indivíduos que sofrem perda de massa muscular (idosos com sarcopenia, indivíduos com câncer) e também em indivíduos saudáveis. O ômega 3 parece estimular a síntese proteica através da sinalização da via mTOR. Em resumo, as evidências disponíveis sugerem que a ingestão de ácidos graxos ômega-3 tem o potencial de aumentar o anabolismo do músculo esquelético, mas a magnitude do efeito pode depender de vários fatores. Esses fatores incluem, entre outros, a dose diária de ingestão de proteínas, técnica de medição, bem como a idade e o status metabólico dos participantes. Uma área específica da promessa é o potencial dos ácidos graxos ômega-3 70 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch para neutralizar a atrofia muscular e promover a recuperação de períodos de desuso muscular induzido pela cirurgia e subsequente repouso/inatividade (MCGLORY, 2019). 71 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. 5. ed. rev. e atual. Barueri-SP, Manole, 2016. COZZOLINO, S. M. F.; COMINETTI, C. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição. Barueri-SP, Manole, 2013. GRUNDY, S.; DENKE, M. Dietary influences on serum lipids and lipoproteins. J Lipid Res. Jul;31(7):1149-72, 1990. HALUCH, D. Emagrecimento e Metabolismo – bioquímica, fisiologia e nutrição. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2021. HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018. MCGLORY, C. et al. The Influence of Omega-3 Fatty Acids on Skeletal Muscle Protein Turnover in Health, Disuse, and Disease. Front Nutr. 2019 Sep 6;6:144. ROSS, A. C. et al. Nutrição moderna de Shils na saúde e na doença. Tradução 11. ed. Barueri-SP, Manole, 2016. SACKS, F. et al. Dietary Fats and Cardiovascular Disease: A Presidential Advisory From the American Heart Association. Circulation. 2017 Jul 18;136(3):e1-e23. SANTOS, R. et al. I Diretriz sobre o consumo de gorduras e saúde cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol. vol. 100 n. 1 supl. 3, São Paulo Jan. 2013. SMITH, G. et al. Omega-3 polyunsaturated fatty acids augment the muscle protein anabolic response to hyperinsulinaemia-hyperaminoacidaemia in healthy young and middle-aged men and women. Clin Sci (Lond). Sep; 121(6):267-78, 2011. TIRAPEGUI, J. Nutrição - fundamentos e aspectos atuais. 3. ed. São Paulo, Atheneu, 2013. TIRAPEGUI, J. Nutrição, metabolismo e suplementação na atividade física. 2. ed. São Paulo, Atheneu, 2012. WILLETT, W. Dietary fats and coronary heart disease. J Intern Med. Jul;272(1):13-24, 2012. 72 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 5 POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA MUSCULAR 5.1) INTRODUÇÃO Cada indivíduo tem o seu próprio potencial genético máximo para ganhar massa muscular, além da genética também influenciar sua capacidade de perder gordura (sensibilidade à insulina, autocontrole, gasto energético). Quando se analisa os grandes atletas de elite não há dúvidas que o volume muscular e outras características do atleta são muito influenciados pela genética do indivíduo, independente do uso de esteroides anabolizantes, de outras drogas e da dedicação do indivíduo. Por mais que esses últimos fatores também influenciem na evolução do atleta, é o potencial genético do indivíduo que diz até onde ele pode chegar, independente do uso de hormônios anabólicos. 5.2) TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES E HIPERTROFIA Hipertrofia muscular é o aumento da secção transversa do músculo, o aumento do tamanho das fibras musculares. As fibras musculares são as células do músculo esquelético, também chamadas de miócitos. As fibras musculares são multinucleadas e podem ser de dois tipos basicamente: fibras do tipo I (ou de contração lenta) e fibras do tipo II (ou de contração rápida). As fibras do tipo I são mais recrutadas em exercícios de baixa-média intensidade e utilizam predominantemente o metabolismo aeróbio (oxidativas), enquanto as fibras do tipo II são recrutadas principalmente com o treino de alta intensidade e utilizam predominantemente o metabolismo anaeróbio (sem uso de oxigênio). 73 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch A distribuição dessas fibras pode variar muito de indivíduo para indivíduo e de acordo com a atividade física que pratica. Fisiculturistas possuem mais fibras de contração rápida do que lenta, devido às características do treinamento de força (mais intensidade, sobrecarga). É importante deixar claro que ambas as fibras irão hipertrofiar com o estímulo do treinamento de força e pelo uso de testosterona, sendo que as fibras do tipo II apresentam um aumento maior que as fibras do tipo I. As fibras do tipo II respondem mais à síntese proteica, enquanto as fibras do tipo I aumentam mais pela redução da degradação de proteínas. As fibras musculares são formadas por filamentos de actina e miosina, proteínas que deslizam uma sobre as outras durante a contração muscular. O aumento da fibra muscular ocorre quando a síntese dessas proteínas é superior a degradação das mesmas (balanço nitrogenado positivo). Assim como toda célula, a fibra muscular também possui um citoplasma, que é nesse caso chamado de sarcoplasma. Não vou entrar nos detalhes da estrutura da fibra muscular e no mecanismo da contração muscular, uma vez que o objetivo aqui é apenas entender melhor como ocorre o ganho de massa muscular. Além do aumento da fibra muscular, o músculo também pode aumentar de tamanho devido a um aumento no número de fibras musculares (hiperplasia). No entanto, embora esse efeito tenha sido observado em animais, em humanos esses achados não são muito claros. A hiperplasia parece ter pouca contribuição para o volume muscular em humanos. Segundo alguns especialistas a contribuição da hiperplasia seria no máximo 5% do volume muscular. É possível que o uso de esteroides anabolizantes em combinação com GH, insulina e IGF1, aumente o potencial para ganhos de volume muscular pelo processo de hiperplasia, além do aumento do número de mionúcleos, células satélites e receptores androgênicos. Existem dois tipos de hipertrofia basicamente: hipertrofia sarcoplasmática e hipertrofia miofibrilar. Ambas podem ocorrer concomitantemente. A hipertrofia muscular nada mais é que o aumento da secção transversa da fibra muscular. Na hipertrofia sarcoplasmática esse aumento ocorre de forma transitória, durante e logo após o treinamento, devido a um aumento do fluxo sanguíneo nos músculos treinados, aumentando o volume de liquido intersticial e intracelular e 74 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch provocando o chamado “pump” (edema). A hipertrofia miofibrilar ocorre de forma crônica, devido a um aumento da síntese de proteínas, principalmente actina e miosina. Os filamentos de actina e miosina formam as miofibrilas. Cada fibra contém várias centenas ou milhares de miofibrilas. Na próxima seção explico os principais mecanismos responsáveis pelo processo de hipertrofia muscular. 5.3) SINALIZAÇÃO PARA HIPERTROFIA A hipertrofia do músculo esquelético ocorre não só pelo estímulo do treinamento, mas também pela influência de fatores hormonais e nutricionais. É necessária nutrição adequada e ambiente hormonal bem regulado para que a síntese proteica muscular aumente mais que a degradação de proteínas, propiciando balanço nitrogenado positivo e, consequentemente, um efeito anabólico no músculo esquelético. Homens com baixos níveis de testosterona (hipogonadismo) perdem massa muscular, principalmente homens mais velhos. A terapia de reposição de testosterona (TRT) aumenta a massa muscular em homens com deficiência de testosterona. Por outro lado, doses suprafisiológicas de testosterona podem provocar ganhos expressivos de massa muscular em homens saudáveis, sem deficiência de testosterona, em um período de tempo relativa mente curto (poucas semanas). Os principais hormônios anabólicos envolvidos na hipertrofia muscular são: testosterona, GH, IGF-1 e insulina. A testosterona é o principal hormônio responsável pelo aumento da massa muscular, mas o IGF-1 também é um importante regulador do crescimento muscular. O hormônio do crescimento promove ganhos de massa muscular apenas em indivíduos com deficiência desse hormônio. Por outro lado, a testosterona e os esteroides anabolizantes aumentam a massa muscular mesmo em homens, animais e mulheres sem deficiência androgênica. O cortisol é um hormônio catabólico que se eleva com o estímulo do treinamento de força e tem um importante papel nas adaptações do treinamento de força e no remodelamento do músculo esquelético. O estresse mecânico causado pelo treinamento resistido é um estímulo catabólico e inflamatório. Esse estímulo provoca então uma resposta do 75 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch organismo, que através da liberação de células do sistema imune (macrófagos, neutrófilos), IGF-1 e fatores inflamatórios (IL-6), irão ativar as células satélites. Essas células por sua vez doam núcleos (mionúcleos) ou se unem às fibras lesadas, levando a regeneração do músculo. Uma fibra muscular maior e com mais núcleos tem agora maior capacidade de síntese proteica. A testosterona estimula a síntese proteica através do processo de transcrição (síntese do RNAm a partir do DNA). Esse hormônio entra na célula, se liga ao receptor androgênico e ocorre a formação de um complexo hormônioreceptor. O complexo hormônio receptor vai até o núcleo da célula (a fibra muscular nesse caso) e inicia o processo de transcrição gênica, ativando genes que codificam a síntese de proteínas contráteis (actina e miosina). A testosterona também inibe a expressão de genes responsáveis pelo aumento da degradação de proteínas, como MuRF1 e Atrogin 1. O grande aumento de massa muscular provocado pelo uso de esteroides anabolizantes demonstra o grande potencial da testosterona endógena como hormônio anabólico, que desempenha um importante papel na hipertrofia das fibras musculares (figura 5.1). Além da testosterona, O IGF-1 desempenha um importante papel na hipertrofia muscular. Esse hormônio, responsável por mediar os efeitos anabólicos do hormônio do crescimento, também é estimulado durante a contração muscular. O IGF-1 atua principalmente através da via de sinalização PI3k/Akt/mTOR, promovendo aumento da síntese proteica e redução do catabolismo proteico. Sinalização IGF1/PI3k/Akt pode também dominantemente inibir os efeitos de uma proteína segregada chamada “miostatina”, que é um membro da família de proteínas TGF-β (fator de crescimento transformador-beta). Eliminação ou inibição da miostatina provoca um aumento no tamanho do músculo esquelético, porque a miostatina atua para inibir a diferenciação de mioblastos (célula percursora das fibras musculares) e para bloquear a via de Akt. Assim, através do bloqueio da miostatina, a ativação da via PI3k/Akt estimula a diferenciação e a síntese de proteínas por este mecanismo distinto. Como mencionado, a miostatina também diminui a expressão da via da síntese de proteínas Akt/mTOR/p70S6k, que medeia ambos diferenciação em mioblastos e hipertrofia em miotubos (figura 5.1). 76 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 5.1. Vias de sinalização intracelular envolvidas no processo de hipertrofia muscular (HALUCH, 2018). 5.4) POTENCIAL GENÉTICO E HIPERTROFIA Alguns estudiosos do treinamento e nutrição do fitness/bodybuilding criaram modelos teóricos que preveem quanto de massa muscular um indivíduo pode atingir sem uso de hormônios. Segundo Lyle McDonald e Alan Aragon que criaram modelos simples e semelhantes em termos de resultados - o ganho médio de massa muscular no primeiro ano de treino seria de aproximadamente 7-10 kg (~ 800 g por mês). No segundo ano de treino o ganho médio seria de aproximadamente 4-6 kg (~ 0,5 kg por mês), no terceiro ano cerca de 2-3 kg (~ 250 g por mês) e nos anos seguintes seria cada vez mais difícil para esse indivíduo, mesmo experiente em treinamento e nutrição, ter ganhos de massa muscular além de 1-2 kg por ano, já que estaria provavelmente próximo de seu limiar genético. No total você deveria esperar um ganho de aproximadamente 20 kg de massa muscular em 4-5 anos de treino. Você pode ganhar 20 kg em um 77 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch ano de treino, mas pode ter certeza que uma boa parte desses ganhos serão retenção hídrica e gordura. Um indivíduo que iniciasse o treinamento com 60 kg, 1,72 m de altura e um percentual de gordura de 10% (meu caso quando comecei na musculação), após 5 anos deveria atingir cerca de 80 kg com os mesmos 10% de BF (body fat). Isso é apenas uma aproximação, que também varia da idade, do potencial genético, nível de conhecimento etc. No entanto, são dados bem confiáveis, baseados nas estatísticas de trabalho em campo de McDonald e Aragon. Esses modelos são para homens e para as mulheres os ganhos caem aproximadamente pela metade, até porque elas produzem cerca de 10-20 vezes menos testosterona que os homens. Outro ponto importante é que você pode ter ganhos pífios nos primeiros anos de treino (meu caso quando comecei), simplesmente por não ter conhecimento dos métodos de treinamento e nutrição adequados. Claro que mesmo sem esse conhecimento alguns indivíduos com genética diferenciada podem ter uma boa evolução apenas pelos estímulos do treinamento. Tabela 5.1. Modelo de Lyle Mcdonald para o máximo potencial genético muscular. Anos de treino adequado Potencial médio dos ganhos de massa muscular por ano 1 9 – 11.5 kg (900 g por mês) 2 4.5 – 5.5 kg (450 g por mês) 3 2.2 – 2.7 kg (230 g por mês) 4+ 0.9 – 1.3 kg (não vale à pena calcular) Os modelos de McDonald e Aragon são um tanto simplificados e generalistas, pois não consideram outros fatores importantes, como idade e individualidade genética. Indivíduos mais novos tendem a ter ganhos mais rápidos e também poderão atingir resultados melhores, mais próximos do seu limite natural. Individualidade genética é outro fator extremamente relevante e será o foco principal desse capítulo, pois ela determina o máximo potencial genético de cada indivíduo e isso está diretamente relacionado a como cada um 78 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch de nós responde aos nossos hormônios anabólicos (insulina, testosterona, GH, IGF-1). A testosterona é o principal hormônio anabolizante responsável pela quantidade de massa muscular que atingimos pelos estímulos de treinamento e nutrição. Os principais esteroides anabolizantes que conhecemos são hormônios derivados da testosterona (sintetizada em 1935) e foram sintetizados no final dos anos 50 e início dos anos 60. Entre esses esteroides estão a nandrolona, comercializada como Deca Durabolin a partir de 1962; a metandrostenolona, lançada em 1958 com o nome de Dianabol; o estanozolol, comercializado como Winstrol a partir de 1962; e a oxandrolona, que passou a ser distribuída com o nome de Anavar a partir de 1964. O fisiculturista Bill Pearl admitiu que fez uso de esteroides anabolizantes na sua preparação para o Mister Universo NABBA de 1961, onde foi campeão. Nessa época Pearl, assim como Larry Scott (vencedor do Mister Olympia em 1965 e 1966), relatam que o uso de esteroides anabolizantes já era uma prática comum entre os principais fisiculturistas. O período anterior ao uso disseminado de esteroides é conhecido como era pré-esteroides. Nessa época alguns dos grandes atletas de fisiculturismo que se destacam são John Grimek, Steve Reeves e Reg Park. Esses fisiculturistas são conhecidos por atingir um grande volume muscular (principalmente para os padrões da época) sem o uso de esteroides. Os fisiculturistas da era pré-esteroides são verdadeiros exemplos de que nosso potencial genético para ganhos de massa muscular e força pode ser muito acima do que esperamos. Nesse sentido, não preciso especular que a quase totalidade das pessoas, que praticam musculação e iniciam o uso de esteroides, fazem isso de forma muito precipitada e equivocada, achando que já estão no seu limite natural, ou, que podem manter os resultados conquistados pelo uso de esteroides. Como os esteroides anabolizantes são os principais hormônios responsáveis pelo grande ganho de massa muscular atingido pelos fisiculturistas a partir dos anos 50-60, é de se esperar também que o potencial genético muscular de um indivíduo esteja fortemente relacionado à testosterona. Na 79 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch próxima seção exploro em detalhes a relação entre potencial genético muscular e a testosterona. 5.5) POTENCIAL GENÉTICO, TREINAMENTO E RESPOSTA HORMONAL O principal determinante para o ganho de massa muscular é o "potencial genético" do indivíduo, que está relacionado ao número de mionúcleos e receptores androgênicos (AR) em suas fibras musculares. Existe a crença entre muitos praticantes de musculação que boa genética para o ganho de massa muscular está associada a maior produção de testosterona e outros hormônios anabólicos, como GH e IGF-1. Também existe a crença que comer muita proteína e fazer uso de suplementos, como BCAA, é importante para promover grandes ganhos de massa muscular. No entanto, a síntese proteica muscular é limitada e não aumenta só por comer muita proteína. Indivíduos com maior potencial genético têm mais facilidade para aumentar a síntese proteica quando estão sob estímulo de treino resistido (musculação), pois possuem mais mionúcleos e melhor resposta à testosterona por possuírem mais receptores androgênicos. Existe uma grande variabilidade de respostas para hipertrofia muscular quando indivíduos são colocados sob estímulo do treinamento resistido. Um estudo (HUBAL, 2005) mostrou que os ganhos com treinamento de força têm uma grande variabilidade genética, tanto em termos de ganhos na massa muscular, como em ganhos de força. Esse estudo considerou 585 indivíduos entre 18 e 40 anos, homens e mulheres, treinando por 12 semanas, sem uso de hormônios ou suplementos, mantendo sua rotina normal. No estudo os indivíduos treinaram apenas um braço e enquanto alguns poucos indivíduos tiveram ganhos acima de 40% (10 pessoas), outra minoria (5-10%) não obteve nenhum ganho de volume muscular. No entanto, a grande maioria das pessoas obteve ganhos em hipertrofia de 15 a 25% (aumento da área de secção transversa). Esses resultados são interessantes, não só porque mostram que a grande maioria das pessoas pode ter ganhos com treinamento, mas porque 80 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch mostra uma grande variabilidade de respostas aos estímulos do treinamento, ou seja, potenciais genéticos diferenciados. Nós sabemos que os hormônios anabólicos (testosterona, GH, IGF-1 e insulina) desempenham um importante papel nas adaptações do treinamento de força, mediando parte da sinalização celular responsável pela hipertrofia. Também sabemos que o uso de esteroides anabolizantes em doses suprafisiológicas promove um aumento de massa muscular que é dosedependente (o mesmo não ocorre com GH, IGF-1, insulina, pelo menos não de forma isolada). O principal receptor da testosterona e seus derivados sintéticos é o receptor androgênico (AR) e é principalmente através desse receptor que a testosterona e os esteroides androgênicos atuam no organismo, promovendo efeitos anabólicos e androgênicos. O estudo de Morton (2018) mostrou que a facilidade / dificuldade que um homem tem para ganhar massa muscular não tem relação com os níveis endógenos de testosterona (nem com os níveis de GH e IGF-1) e sim com o número de receptores androgênicos na fibra muscular. Após entrar na fibra muscular e se ligar ao AR, a testosterona promove hipertrofia muscular através do aumento da síntese proteica muscular e do aumento de células satélites e mionúcleos. Indivíduos mais responsivos ao treinamento resistido também parecem ser os mais responsivos ao uso de testosterona e esteroides anabolizantes. Quando um indivíduo usa BCAA para hipertrofia muscular a síntese proteica não pode ser aumentada sem a presença dos demais aminoácidos essenciais, não importa quanto BCAA o indivíduo utilize. A síntese de proteína muscular exige a presença de todos os aminoácidos e também atinge um limite para determinada quantidade de proteína. Ou seja, tomar BCAA não pode ser um diferencial para o ganho de massa muscular. Além disso, a ingestão de proteína acima de aproximadamente 2,0 g/kg não parece oferecer maiores ganhos de massa muscular em indivíduos treinados, sem o uso de esteroides anabolizantes. 81 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Dessa forma, o maior determinante para o ganho de massa muscular é o potencial genético do indivíduo. Além disso, exagerar no consumo de proteínas ou BCAA não irá promover hipertrofia porque a síntese proteica muscular é limitada e não pode ser aumentada continuamente. Os indivíduos com maior potencial para aumentar síntese proteica parecem ser os que apresentam maior número de mionúcleos, células satélites e receptores androgênicos nas fibras musculares, que são justamente os mais responsivos ao treinamento e aos esteroides anabolizantes. 82 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUTT, C. The Weigh Trainer, Your Maximum Muscular Bodyweight and Measurements. http://www.weightrainer.net/potential.html HALUCH, D. Hormônios no fisiculturismo – história, fisiologia e farmacologia. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2017. HALUCH, D. Nutrição no Fisiculturismo – dieta, metabolismo e fisiologia. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2018. HALUCH, D. Testosterona (fisiologia, estética e saúde). 2020. HELMS, E. What can be achieved as a natural bodybuilder? http://www.alanaragonblog.com/wp-content/uploads/2014/11/Aug-2014-AARREric-Helms-Article.pdf HUBAL, M. J. et al. Variability in muscle size and strength gain after unilateral resistance training. Med Sci Sports Exerc Jun;37(6):964-72, 2005. MCDONALD, L. What’s My Genetic Muscular Potential? http://www.bodyrecomposition.com/muscle-gain/whats-my-genetic-muscularpotential.html/ MORTON, R. et al. Muscle Androgen Receptor Content but Not Systemic Hormones Is Associated With Resistance Training-Induced Skeletal Muscle Hypertrophy in Healthy, Young Men. Front Physiol. Oct 9;9:1373, 2018. TIMMONS, J. A. Variability in training-induced skeletal muscle adaptation. J Appl Physiol 110:846-853, 2011. 83 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 6 DIETA PARA HIPERTROFIA MUSCULAR 6.1) INTRODUÇÃO Para ganhar peso é necessário que o consumo de calorias seja maior que o gasto energético do indivíduo (balanço energético positivo) e para perder peso é necessário que o consumo de calorias seja menor do que o gasto energético (balanço energético negativo). O gasto energético total (GET) é a energia que nosso corpo consome diariamente a partir de carboidratos, gorduras e proteínas. Nosso organismo consome diariamente calorias principalmente a partir de carboidratos e gorduras. Os macronutrientes fornecem energia para o desenvolvimento e funcionamento do organismo, sendo que o papel principal das proteínas na hipertrofia é a sinalização da síntese proteica e o fornecimento de aminoácidos para o aumento da massa muscular. A hipertrofia muscular acontece quando existe um balanço nitrogenado positivo (síntese proteica > degradação proteica) ao longo do tempo, normalmente ao longo de vários dias. A hipertrofia muscular pode acontecer mesmo na ausência do treinamento resistido (musculação), mas a sinalização do exercício é fundamental para maximizar o ganho de massa muscular, principalmente para atingir o físico de um fisiculturista. O superávit calórico também é muito importante para otimizar o ganho de massa muscular, mas a hipertrofia pode acontecer mesmo na ausência de superávit (dieta normocalórica) e até mesmo quando existe um déficit calórico (dieta hipocalórica). 84 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 6.2) CÁLCULO DO GASTO ENERGÉTICO O gasto energético total diário (GET) tem basicamente três componentes: a taxa metabólica basal (TMB: energia mínima para o nosso organismo manter suas funções normais); a termogênese induzida pela dieta (TID) ou efeito térmico dos alimentos (ETA): gasto de energia do organismo para digerir, absorver e metabolizar os macronutrientes); e o gasto energético da atividade física (GAF: energia consumida para manter nossas atividades diárias, voluntárias e involuntárias). Dessa forma, o GET pode ser escrito como: GET = GER + ETA + GAF A TMB só pode ser medida em condições laboratoriais restritas (jejum, repouso físico e mental, controle de temperatura etc) e o mais usual é medirmos o gasto energético de repouso (GER), um pouco superior a TMB (cerca de 35%). O GER pode ser medido com o uso da calorimetria indireta ou ser estimado por equações, como as fórmulas de Harris-Benedict e da FAO/OMS (Organização Mundial de Saúde). As tabelas 6.1, 6.2, 6.3, 6.4 e 6.5 mostram diferentes equações utilizadas para calcular o GER. O GER se refere ao gasto energético para manter a temperatura do organismo e suas funções vitais normais (batimento cardíaco, respiração, atividade cerebral, função renal etc). Cerca de 50 a 70% do gasto energético diário corresponde ao GER. Por aproximação podemos considerar que TMB = GER. Podemos ver claramente pelos termos utilizados nas equações que o tamanho corporal (peso, altura) é o principal determinante do GER, principalmente o tecido magro ou massa livre de gordura (MLG). A média do GER varia entre 65 a 70 kcal por hora para um indivíduo de 70 kg, sendo que as variações entre diferentes indivíduos se devem principalmente às diferenças na quantidade de massa muscular e ao tamanho corporal. O GER reduz com a idade e homens possuem valores um pouco maiores do que as mulheres, devido ao maior volume muscular e menor percentual de gordura. 85 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch A dieta e o exercício físico também exercem grande influência sobre o metabolismo. O exercício intenso é o fator que mais aumenta o metabolismo, podendo aumentar a liberação de calor de 50 até 100 vezes, em relação a quantidade normal, em poucos segundos. A atividade física é a principal variável que diferencia o gasto energético diário entre diferentes indivíduos com peso corporal semelhante, sendo que a atividade física inclui exercício físico e atividades do dia a dia (caminhar, brincar, trabalhar etc). Tabela 6.1. Equação de Harris e Benedict para cálculo do GER. P é o peso; A é altura (em centímetros); I é idade (em anos). Sexo Fórmula de Harris-Benedict Feminino 655 + (9,6 x P) + (1,9 x A) – (4,7 x I) Masculino 66 + (13,8 x P) + (5,0 x A) – (6,8 x I) Tabela 6.2. Equações da FAO/OMS para estimativa do GER. Idade (anos) Masculino Feminino 10 a 18 (17,686 x P) + 658,2 (13,384 x P) + 692,6 18 a 30 (15,057 x P) + 692,2 (14,818 x P) + 486,6 30 a 60 (11,472 x P) + 873,1 (8,126 x P) + 845,6 Mais que 60 (11,711 x P) + 587,7 (9,082 x P) + 658,5 Tabela 6.3. Equação de Mifflin-St Jeor para cálculo do GER. P é o peso; A é altura (em centímetros); I é idade (em anos). É a mais indicada para o cálculo do GER de indivíduos obesos e indivíduos com metabolismo lento (já que os valores costumam ser menores que as equações de Harris-Benedict e FAO/OMS). Sexo Fórmula de Mifflin-St Jeor Feminino (10 x P) + (6,25 x A) – (5,0 x I) – 161 Masculino (10 x P) + (6,25 x A) – (5,0 x I) + 5 86 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Tabela 6.4. Equações de Cunningham e Tinsley para cálculo do GER de fisiculturistas e indivíduos com físico atlético. P é o peso e MLG é a massa livre de gordura. São as mais indicadas para o cálculo do GER de indivíduos com grande volume muscular e percentual de gordura relativamente baixo. Nome da equação Fórmula Cunningham (MLG) (22 x MLG) + 500 Tinsley (P) (24,8 x P) + 10 Tinsley (MLG) (25,9 x MLG) + 284 Tabela 6.5. O fator atividade (FA) deve ser multiplicado pelo GER para encontrar o cálculo do GET (GET = GER x FA). A maior parte da população tem um FA em torno de 1,6. Nivel de atividade física diária Fator atividade (FA) Muito sedentário 1,3 – 1,4 Sedentário pouco ativo 1,5 Sedentário mais ativo (mais comum) 1,6 Moderadamente ativo 1,7 Muito ativo 1,8 – 1,9 Atividade intensa 2,0 ou mais Calculando o gasto energético de repouso (GER) do indivíduo podemos estimar seu gasto energético diário (GET) se conseguirmos estimar seu gasto de atividade física (GAF). Por simplicidade, uma forma de estimar o GET é multiplicar o GER por um fator relacionado ao gasto energético da atividade física, o fator atividade (FA). A tabela 6.5 apresenta números aproximados para o fator atividade de acordo com nível de atividade física do indivíduo, sendo que os valores mais prováveis para maioria da população se situam na faixa de 1,5 a 1,6. Sendo assim, o gasto energético diário é dado por: GET = GER x FA Considerando as informações acima parece simples afirmar que para emagrecer basta apenas comer menos calorias do que seu GET. Por outro lado, só iremos engordar se comermos mais calorias do que nosso GET. 87 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Perda de peso: IE < GET (balanço energético negativo) Ganho de peso: IE > GET (balanço energético positivo) No entanto, existem outras considerações importantes sobre o nosso metabolismo que não devem ser ignoradas. Diversos estudos têm mostrado que alguns indivíduos têm maior predisposição para o ganho de peso e gordura. Um estudo com vários pares de gêmeos mostrou que para um mesmo superávit calórico (1000 kcal) o ganho de peso foi semelhante entre os irmãos, mas teve grandes variações entre os pares de gêmeos (BOUCHARD, 1990). Isso demonstra que a genética desempenha um grande papel no processo de ganho e perda de peso. A sensibilidade à insulina varia entre as pessoas, assim como o GER e o potencial de um indivíduo para perder ou armazenar gorduras. Ou seja, algumas pessoas engordam mais facilmente que outras. Essas diferenças também podem ser explicadas por variações no gasto energético de atividade física (GAF). O GAF pode ser dividido em dois componentes, um relacionado ao gasto energético do exercício físico (GEF) e o outro relacionado ao gasto energético de atividades que não são exercício, mais conhecido como non-exercise activity thermogenesis (NEAT, termogênese de atividades que não são exercício). Temos então: GAF = GEF + NEAT O NEAT é um componente do gasto energético diário (GET) relacionado a todas as atividades do dia a dia que não são exercício físico, como caminhar, brincar, dançar, transar, ficar mexendo os pés inquieto etc. Embora o gasto energético de repouso (GER) seja normalmente o componente que mais contribui para o GET (60-70%), em muitos indivíduos o gasto energético da atividade física (GAF) pode ser um componente de maior contribuição para o GET, principalmente em atletas de alto nível que treinam várias horas por dia e possuem um elevado GEF. No entanto, para a maior parte da população, a contribuição do NEAT tende a ser mais significativa para o GAF do que o gasto do exercício físico (GEF). O NEAT pode variar até 2000 kcal entre 88 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch indivíduos da população com mesmo porte físico, e dessa forma pode explicar porque alguns indivíduos são resistentes ao ganho de peso, enquanto outros ganham gordura com facilidade (maior eficiência metabólica). Indivíduos obesos parecem exibir uma tendência inata a sentar-se 2,5 horas por dia a mais do que suas contrapartes magras sedentárias (LEVINE, 2004). O NEAT também aumenta com superávit calórico e isso pode explicar porque alguns indivíduos podem ter tanta dificuldade de ganhar peso (gordura e massa muscular). O NEAT também reduz com a restrição calórica e isso explica porque alguns indivíduos obesos têm tanta dificuldade de perder peso. Isso pode explicar porque estudos em ambiente controlado (com controle rigoroso da ingestão calórica) mostram grandes diferenças no ganho e perda de peso entre indivíduos que utilizam o mesmo superávit ou o mesmo déficit calórico. Se o NEAT atua para manter um peso corporal estável dissipando energia em face de um excesso de energia, ele pode agir para manter um peso estável ao conservar energia diante de um déficit de energia. Sob tais circunstâncias, as diferenças no NEAT entre os indivíduos poderiam explicar as diferenças aparentes na eficiência metabólica (HAINER, 2001). Outra consideração importante aqui é que durante o processo de perda de peso nosso organismo sofre adaptações fisiológicas (redução do gasto energético, aumento do apetite), de forma que as previsões de perda de peso dadas pelo balanço energético negativo não se sustentam (HALUCH, 2021). Essas considerações mostram que utilizar as equações para cálculo do GER e do GET possui limitações, embora elas sejam uma boa aproximação em um primeiro momento. Devo lembrar o leitor que as equações para o cálculo do GER servem apenas como estimativa. Por comparação, é interessante usar o recordatório alimentar através de uma boa anamnese. Sei que muitos profissionais se baseiam apenas no recordatório alimentar, mas a maioria dos indivíduos subestima a ingestão energética, muitas vezes em até 50% do total de calorias. Em quem não pesa os alimentos, as equações podem ser muito úteis para aproximar o valor calórico da dieta. Eu mesmo não tenho o hábito de utilizar 89 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch equações, mas não deixam de ser úteis para um melhor entendimento, principalmente naqueles indivíduos que estão estagnados no processo de emagrecimento. 6.3) METABOLISMO E MASSA MUSCULAR Os estudos que avaliam o efeito do treinamento resistido (musculação) no emagrecimento costumam mostrar pouco ou nenhum efeito desse tipo de exercício na perda de gordura. O exercício aeróbico parece ter uma contribuição mais significativa para a perda de gordura comparado ao exercício resistido. Isso acontece provavelmente porque o gasto energético do exercício é baixo e o controle dietético não é rigoroso, fazendo com que os indivíduos compensem as calorias gastas no exercício. Por outro lado, a musculação é o exercício base dos fisiculturistas, atletas que conseguem atingir um percentual de gordura muito baixo (4-7%) na fase de pré-competição. Existe a crença de que o ganho de massa muscular ajude na perda de gordura devido a um aumento na taxa metabólica, já que o tecido muscular consome mais calorias que o tecido adiposo. Um quilograma de massa muscular consome 13 kcal, enquanto 1 kg de tecido adiposo consome 4,5 kcal. Sendo assim, é de se esperar que um ganho de 10 kg de massa muscular eleve o gasto energético em ~ 130 kcal, enquanto o mesmo ganho de peso em gordura aumenta o gasto energético em ~ 45 kcal. Embora a diferença pareça pequena (130 – 45 = 85 kcal), quando comparamos o gasto energético de repouso (GER) de obesos e fisiculturistas observamos grandes diferenças para um mesmo peso corporal. Tabela 6.6. Taxa metabólica dos órgãos/tecidos (WANG, 2010). Tecido Fígado Cérebro Coração + rins Músculo esquelético Taxa metabólica (kcal/kg) 200 240 440 13 Tecido adiposo Outros 4,5 12 Peso 1,5 kg 1,5 kg 300 + 150 g 40 – 50% do peso corporal Varia muito 90 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Considere um homem de 26 anos, pesando 84 kg, com 1,63 m de altura. Se ele for obeso, a equação mais apropriada para o cálculo do GER é a equação de Mifflin-St Jeor (FRANKENFIELD, 2005): GER = (10 x P) + (6,25 x A) – (5,0 x I) + 5 GER = (10 x 84) + (6,25 x 163) – (5,0 x 26) + 5 GER = 1734 kcal Se o homem tiver uma composição corporal atlética, como um fisiculturista, a equação mais apropriada será a equação de Tinsley (TINSLEY, 2019): GER = (24,8 x P) + 10 = (24,8 x 84) + 10 GER = 2093 kcal Comparando o GER do obeso e do fisiculturista encontramos: 2093 – 1734 = 359 kcal Embora seja uma estimativa, esse valor pode ser até maior, considerando os resultados de estudos que avaliam o GER de obesos e fisiculturistas através do uso da calorimetria indireta. Ou seja, no longo prazo, o gasto energético parece aumentar substancialmente com uma mudança drástica de composição corporal; mudança essa que envolve obrigatoriamente a prática de musculação, pelo seu potencial de promover hipertrofia muscular. Não há dúvidas que o ganho de massa muscular tenha impactos positivos no metabolismo, aumentando a sensibilidade à insulina, o gasto energético de repouso e a capacidade de oxidação de gorduras. No curto prazo (semanas, meses), os efeitos do treinamento resistido na perda de gordura podem ser discretos, mas, no longo prazo (anos), os efeitos podem ser bem expressivos. Indivíduos com composição corporal atlética (lutadores, fisiculturistas, ginastas) são mais sensíveis à insulina e possuem maior flexibilidade metabólica, o que implica maior capacidade de oxidação de gorduras. Segundo a posição do Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM, 2009), o treinamento resistido tem pouco efeito na redução do peso corporal, mas sua prática está associada a melhorias nos fatores de risco de DCV 91 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch (doenças cardiovasculares), como aumento do HDL, redução do LDL, dos triglicerídeos e da pressão arterial, além de melhorias na sensibilidade à insulina. Em resumo, o treinamento resistido não parece ser eficaz para a redução de peso da ordem de 3% do peso inicial e não aumenta a perda de peso quando combinado com a restrição alimentar. O treinamento resistido aumenta a massa livre de gordura quando usado sozinho ou em combinação com a perda de peso causada pela restrição da dieta. O treinamento resistido pode aumentar a perda de massa gorda quando combinado ao exercício aeróbico comparado ao treinamento resistido sozinho. Atualmente, não existem evidências para a prevenção do aumento de peso após a perda de peso ou para um efeito de dose para treinamento resistido e perda de peso (DONNELLY, 2009). 6.4) SUPERÁVIT CALÓRICO E HIPERTROFIA MUSCULAR Fisiculturistas geralmente desejam ganhar massa muscular no off season, mas nem sempre pode ser o caso. Muitos indivíduos utilizam a fase de off season para manutenção dos resultados ou simplesmente para melhorar o físico. O que não significa apenas comer mais calorias para ganhar peso, músculos. Como visto anteriormente, a necessidade de proteínas para hipertrofia se situa na faixa de 1,6 a 2,2 g/kg, mas a maioria dos fisiculturistas facilmente ultrapassa essas recomendações. Para indivíduos que utilizam esteroides anabolizantes as necessidades de proteínas podem aumentar, já que esses hormônios aumentam a síntese e reduzem a degradação proteica, otimizando o aproveitamento das proteínas para construção muscular. De qualquer forma, o uso de grandes quantidades de proteínas, acima de ~ 2,5 g/kg, não parece trazer um resultado adicional no ganho de massa muscular. Para o ganho de massa muscular é geralmente recomendado um superávit calórico de cerca de 500 kcal, que pode ser maior ou menor dependendo da condição física do indivíduo, do nível de treinamento (iniciante ou avançado), do seu metabolismo e do uso de hormônios (tabela 6.7). Indivíduos com percentual de gordura baixo, mais sensíveis à insulina e/ou usuários de esteroides, podem utilizar um superávit calórico maior (500-1000 kcal). Mulheres devem ter mais cautela, já que produzem menos testosterona 92 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch que os homens e por isso ganham massa muscular mais lentamente. Indivíduos com percentual de gordura mais elevado (> 12-15%) e/ou menos sensíveis à insulina também devem ser mais cautelosos, já que podem acumular gordura mais facilmente. Esses indivíduos estão mais susceptíveis ao ganho de gordura ao subir as calorias, quando comparados a indivíduos com baixo percentual de gordura. Na literatura científica, tem sido recomendado ter como objetivo um ganho de peso alvo de ~ 0,25-0,5 kg por semana ao tentar aumentar a massa magra e minimizar os ganhos de massa gorda. Para o fisiculturista avançado, um aumento potencial de 2 kg no peso corporal mensalmente pode ser excessivo e resultar em acúmulo desnecessário de gordura corporal; portanto, essa taxa deve ser considerada com cautela. Com base nas evidências atuais, pode ser apropriado recomendar que os fisiculturistas consumam uma dieta ligeiramente hiperenergética (~ 10–20% acima das calorias de manutenção) no off season e recomendar os fisiculturistas avançados para atingir o limite inferior desta recomendação, ou mesmo ser mais conservador se ocorrerem aumentos substanciais na massa gorda (IRAKI, 2019). Tabela 6.7. Essa tabela mostra como escolher o superávit calórico de acordo com o perfil do indivíduo. É importante levar em consideração nível de treinamento (quanto mais treinado, maior a dificuldade em ganhar massa muscular), o metabolismo do indivíduo e também se faz uso de esteroides anabolizantes. A terceira coluna é uma estimativa do ganho de peso mensal que seria vantajoso para minimizar o ganho de gordura em cada condição. Perfil Superávit calórico Ganho de peso mensal Iniciante, intermediário 400 – 800 kcal ~ 1,0 a 2,0 kg Avançado 200 – 400 kcal ~ 0,5 a 1,0 kg Usuário de esteroides 500 – 1000 kcal ~ 1,0 a 5,0 kg Esse aumento das calorias na fase de off season deve ser proveniente principalmente dos carboidratos, considerando que as metas de proteínas já estão alcançadas (~ 2,0 g/kg). As recomendações de carboidratos para indivíduos que treinam musculação (força e hipertrofia) ficam na faixa de 4 a 8 g/kg (45-60% das calorias), mas mulheres geralmente consomem uma quantidade mais próxima do limite inferior. Aqui novamente é importante lembrar que as pessoas podem ter respostas diferentes ao aumento de calorias e 93 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch carboidratos, já que alguns indivíduos acabam ganhando gordura com facilidade quando utilizam dietas high carb. Nesse caso é importante considerar o histórico do indivíduo e seu metabolismo, podendo ser necessário mais cautela com o superávit calórico e na escolha dos carboidratos. As recomendações de gordura para fisiculturistas se situam na faixa de 20-35% das calorias, podendo ser maior para aqueles indivíduos que não possuem uma resposta tão boa com dietas high carb. O ganho de peso no início de uma dieta para hipertrofia (bulking) deve ser de aproximadamente 0,2-0,5 kg por semana (menos para mulheres). Nas primeiras semanas (6-8 semanas) é de se esperar um ganho de massa magra maior, mas depois de algumas semanas ocorre estagnação dos resultados e aumentar as calorias pode ser uma péssima ideia, pois os ganhos de gordura tendem a ser maiores. A sinalização intracelular em dietas hipercalóricas (IGF-1 -> PI3k -> Akt > mTOR) leva ao aumento da resistência à insulina no longo prazo, que tende a piorar com o ganho de peso e acaba prejudicando a sinalização que aumenta a síntese proteica (IGF-1/Akt/mTOR), tornando difícil o ganho de massa muscular. Alguns estudos mostram que no início de dietas hipercalóricas ocorre um aumento da sensibilidade à insulina, principalmente quando se sai de uma dieta low carb. No entanto, é preciso ter cautela, e alguns indivíduos podem ganhar muita gordura se abusarem do excedente calórico. Por isso também se ganha mais massa muscular e menos gordura quando se inicia uma dieta hipercalórica, e conforme o tempo passa se ganha mais gordura e menos massa muscular (devido ao aumento da resistência à insulina e menor ativação da mTOR). O excesso calórico em longo prazo acompanhado do ganho de gordura pode criar uma resistência maior aos ganhos de massa muscular devido ao aumento da resistência à insulina e uma limitação fisiológica para aumentos da síntese proteica muscular. A tendência ao ganho gordura aumenta, se tornando um ciclo vicioso, onde o indivíduo não tem ganhos consideráveis de massa muscular e tem um aumento do percentual de gordura acima do que deveria. 94 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 6.1. O ganho de peso e massa muscular é maior nas primeiras semanas de uma dieta para hipertrofia (bulking) devido a maior sensibilidade à insulina e maior potencial para aumentar a síntese proteica muscular. Depois de algumas semanas os ganhos começam a estagnar e com a redução da sensibilidade à insulina um aumento de calorias tende a favorecer um maior ganho de gordura (HALUCH, 2018). Estudos em animais demonstraram que superalimentação pode induzir resistência à insulina aguda. Estratégias com excesso de calorias em longo prazo, ainda mais quando se tem muitas refeições livres na semana, são desfavoráveis e podem complicar ainda mais a obtenção de bons resultados. Por esse motivo é necessário ter paciência e evitar extremismos. Indivíduos com percentual de gordura acima de 12-15% (18-20% para as mulheres) com certeza estão em condições físicas desfavoráveis no quesito estético. Se depois de algumas semanas em dieta hipercalórica ocorre estagnação dos resultados e maior ganho de gordura, o que devemos fazer então? O indivíduo precisa estar consciente que aumentar peso não significa ganhar massa muscular, assim como perder peso não significa perder massa muscular. Se ao aumentar as calorias depois de certo tempo em dieta favorece um maior ganho de gordura, devido a uma redução da sensibilidade à insulina e limitações no aumento da síntese proteica muscular, então uma alternativa seria justamente reduzir a ingestão de calorias para melhorar a sensibilidade à insulina 95 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch e favorecer a perda de gordura. Mais detalhes sobre o que fazer no platô de uma dieta para hipertrofia são dados na seção 6.7. 6.5) CÁLCULO DE DIETA (EXEMPLOS) Para calcular a dieta de um indivíduo que busca hipertrofia é necessário antes de tudo conhecer suas necessidades energéticas, seu gasto energético total (GET) diário. Já conhecemos as recomendações de macronutrientes para hipertrofia, então agora precisamos entender como esses macronutrientes se encaixam em uma dieta para hipertrofia. As tabelas 6.1, 6.2, 6.3 e 6.4 mostram diferentes equações utilizadas para calcular o gasto energético de repouso (GER) e o gasto energético total (GET). O GER (ou TMB) se refere ao gasto energético para manter a temperatura do organismo e suas funções vitais normais (batimento cardíaco, respiração, atividade cerebral, função renal etc). Cerca de 60 a 70% do gasto energético diário corresponde ao GER. As equações para calcular o GET devem ser utilizadas com cautela, pois não oferecem valores precisos, apenas uma estimativa. No entanto, esses valores geralmente oferecem uma boa aproximação para o GET da maioria dos indivíduos, principalmente quando se tem uma boa estimativa do gasto energético da atividade física (FA = fator atividade). Algumas dicas importantes aqui para fazer um bom uso dessas equações é considerar utilizar mais de uma delas para fazer o cálculo do GET, comparar os valores e escolher o valor mais alto ou mais baixo de acordo com as informações da anamnese e da composição corporal. Por exemplo, para um indivíduo com “metabolismo acelerado” (gasto energético elevado) e baixo percentual de gordura pode ser interessante utilizar o valor mais alto. Além disso, nutricionistas experientes costumam comparar os resultados obtidos das equações com a quantidade de calorias ingeridas pelo indivíduo, realizando para isso um recordatório alimentar de 24 horas e questionários de ingestão alimentar. No recordatório alimentar o indivíduo relata o que consumiu no dia anterior e outros questionários podem ser utilizados para verificar a 96 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch ingestão alimentar em outros dias da semana. Com os dados dos questionários de ingestão alimentar é possível comparar com o resultado das equações, tendo assim mais segurança para estimar as necessidades energéticas do indivíduo. Vou usar um exemplo para o cálculo da dieta de um indivíduo que busca ganhar massa muscular. O primeiro passo é calcular suas necessidades energéticas diárias (GET) e depois adicionar calorias (superávit calórico = SUP), já que sua meta é ganhar peso/massa muscular. O resultado final é o total de calorias que ele deve ingerir em sua dieta, ou seja, o valor energético total (VET). EXEMPLO 1: Fisiculturista homem de 37 anos, pesando 81 kg, percentual de gordura de 10%, 1,74 m de altura, com atividade física moderada (FA = 1,6). O superávit calórico será de 400 kcal (SUP). Importante considerar a rotina diária do indivíduo, como trabalho, atividade física diária etc. Começamos calculando seu GER com as equações mais apropriadas para fisiculturistas, como Cunningham e Tinsley (tabela 6.4): - Por Cunningham: GER = (22 x MLG) + 500 Onde a MLG = P – PG, sendo PG o peso gordo. PG = 81 x 0,10 = 8,1 kg, então: MLG = 81 – 8,1 = 72,9 kg GER = (22 x 72,9) + 500 = 2104 kcal - Por Tinsley: GER = (24,8 x P) + 10 GER = (24,8 x 81) + 10 = 2019 kcal Agora é preciso escolher um dos resultados (Cunningham ou Tinsley) para prosseguir e calcular o gasto energético total (GET). Geralmente eu recomendo escolher o menor valor, mas se o indivíduo tem dificuldade de ganhar peso e massa muscular (“metabolismo acelerado”) é interessante escolher o 97 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch maior valor entre os resultados. Nesse caso vou escolher Tinsley para calcular o GET: GET = GER x FA GET = 2019 x 1,6 = 3230 kcal Com o GET calculado, adicionamos o superávit calórico, que nesse caso foi escolhido como sendo 400 kcal (SUP): VET = GER + SUP VET = 3230 + 400 = 3630 kcal Para finalizar resta calcular os macronutrientes da dieta. Começamos pelas proteínas, sendo interessante usar valores entre 2,0 e 2,5 g/kg em dietas para hipertrofia muscular. Se o indivíduo não faz uso de esteroides usar 2,0 g/kg está de bom tamanho. - Proteínas (2,0 g/kg): 81 x 2 = 162 g Para converter em calorias devemos multiplicar por 4 (1 g de prot = 4 kcal): 162 x 4 = 648 kcal Em valores percentuais obtemos: (648/3630) x 100 = 18% (regra de 3) Restam então 82% das calorias para serem distribuídas entre carboidratos e gorduras. Em uma dieta para hipertrofia é mais interessante e conveniente usar 45 a 55% das calorias para carboidratos. Vou escolher 50% para carboidratos, restando então 32% das calorias para as gorduras. - Carboidratos (50%): 3630 x 0,50 = 1815 kcal Para converter em gramas devemos dividir por 4 (1 g de carbo = 4 kcal): 1815/4 = 454 g - Gorduras (32%): 98 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 3630 x 0,32 = 1162 kcal Para converter em gramas devemos dividir por 9 (1 g de gordura = 9 kcal): 1162/9 = 129 g Para facilitar o entendimento vou colocar os resultados em uma tabela: Tabela 6.8. Exemplo 1. Para achar os valores em g/kg basta dividir o total de cada macronutriente (em gramas) pelo peso do indivíduo. Macronutriente Gramas kcal Em % g/kg Proteínas 162 648 18 2,0 Carboidratos 454 1815 50 5,6 Gorduras 129 1162 32 1,6 EXEMPLO 2: Vamos considerar uma mulher de 26 anos, pesando 57 kg, com 1,66 m e muito ativa (trabalha em pé, treina ~ 1 hora por dia, FA = 1,7). Considerando que ela é iniciante (não atleta) e tem um percentual de gordura baixo podemos utilizar as equações da FAO/OMS e Harris-Benedict para calcular o GER: - Por FAO/OMS: GER = (14,818 x P) + 486,6 GER = (14,818 x 57) + 486,6 GER= 1331 kcal - Por Harris-Benedict: GER = 655 + (9,6 x P) + (1,9 x A) – (4,7 x I) GER = 655 + (9,6 x 57) + (1,9 x 166) – (4,7 x 26) GER = 655 + 547,2 + 315,4 – 122,2 GER = 1395 kcal 99 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Agora é preciso escolher um dos resultados (FAO/OMS ou HarrisBenedict) para calcular o gasto energético total (GET). Nesse caso vamos escolher o menor valor do GER (FAO/OMS) para calcular o GET, sendo FA = 1,7: GET = 1331 x 1,7 = 2263 kcal Considerando que ela não é tão experiente em treinamento e tem um baixo percentual de gordura podemos escolher um superávit calórico de 500 kcal. VET = 2263 + 500 = 2763 kcal Para finalizar resta calcular os macronutrientes da dieta. Começamos pelas proteínas, sendo interessante usar valores entre 2,0 e 2,5 g/kg em dietas para hipertrofia muscular. Se o indivíduo não faz uso de esteroides usar 2,0 g/kg está de bom tamanho. Neste exemplo vou usar 2,2 g/kg. - Proteínas (2,2 g/kg): 57 x 2,2 = 125,4 g Convertendo em calorias obtemos: 125,4 x 4 = 502 kcal Em percentual obtemos: (502/2763) x 100 = 18% Restam então 82% das calorias para serem distribuídas entre carboidratos e gorduras. Vou escolher 52% para carboidratos, restando então 30% das calorias para as gorduras. - Carboidratos (52%): 2763 x 0,52 = 1437 kcal 1437/4 = 359 g - Gorduras (30%): 2763 x 0,30 = 829 kcal 100 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 829/9 = 92 g Colocando os resultados em uma tabela: Tabela 6.9. Exemplo 2. Macronutriente Gramas kcal Em % g/kg Proteínas 125,4 502 18 2,2 Carboidratos 359 1437 52 6,3 Gorduras 92 829 30 1,6 Após calcular a dieta é importante dividir os macronutrientes nas refeições (mais detalhes sobre isso são dados na próxima seção). É importante fazer uma avaliação frequente do físico durante o seguimento da dieta (monitorar a evolução da composição corporal), de preferência semanalmente ou a cada 2-3 semanas. Se o indivíduo estiver ganhando muita gordura é importante fazer um ajuste nas calorias. Para quem quiser aprender a montar uma dieta e uma estratégia para emagrecimento ou definição muscular recomendo a leitura do meu livro Emagrecimento e Metabolismo e do meu e-book Estratégias Nutricionais para Definição Muscular. 6.6) MONTANDO A DIETA Depois de calcular o gasto energético e a dieta com todos os macronutrientes é importante saber distribuir os macronutrientes entre as refeições. Como vimos no capítulo 1 é importante ingerir proteínas em pelo menos 3-4 refeições, não sendo necessário o indivíduo consumir 6-7 refeições no dia. A distribuição de carboidratos e gorduras pode ser mais flexível, mas é importante ter carboidratos em refeições que antecedem o treino visando abastecer os estoques de glicogênio muscular. Mais detalhes sobre a distribuição de macronutrientes e os possíveis benefícios na hipertrofia e no desempenho são dados no último capítulo. Como exemplo vamos considerar fisiculturista homem de 25 anos, pesando 74 kg, percentual de gordura de 8%, 1,68 m de altura, com atividade 101 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch física moderada (FA = 1,6). Considerando que ele fará uso de esteroides, o superávit calórico escolhido será de 700 kcal (SUP). Importante considerar a rotina diária do indivíduo, como trabalho, atividade física diária etc. Começamos calculando seu GER com as equações mais apropriadas para fisiculturistas, como Cunningham e Tinsley (tabela 6.4): - Por Cunningham: GER = (22 x MLG) + 500 Onde a MLG = P – PG, sendo PG o peso gordo. PG = 74 x 0,08 = 5,9 kg, então: MLG = 74 – 5,9 = 68,1 kg GER = (22 x 68,1) + 500 = 1998 kcal - Por Tinsley: GER = (24,8 x P) + 10 GER = (24,8 x 74) + 10 = 1845 kcal Agora é preciso escolher um dos resultados (Cunningham ou Tinsley) para prosseguir e calcular o gasto energético total (GET). Nesse caso eu recomendo escolher o menor valor (Tinsley) para evitar superestimar o GET: GET = GER x FA GET = 1845 x 1,6 = 2952 kcal Com o GET calculado, adicionamos o superávit calórico, que nesse caso foi escolhido como sendo 700 kcal (SUP): VET = GER + SUP VET = 2952 + 700 = 3652 kcal Para finalizar resta calcular os macronutrientes da dieta. Começamos pelas proteínas, sendo interessante usar valores entre 2,0 e 2,5 g/kg em dietas para hipertrofia muscular. Se o indivíduo faz uso de esteroides é interessante usar 2,5 g/kg. 102 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch - Proteínas (2,5 g/kg): 74 x 2,5 = 185 g Para converter em calorias devemos multiplicar por 4 (1 g de prot = 4 kcal): 185 x 4 = 740 kcal Em valores percentuais obtemos: (740/3652) x 100 = 20% (regra de 3) Restam então 80% das calorias para serem distribuídas entre carboidratos e gorduras. Em uma dieta para hipertrofia é mais interessante e conveniente usar 45 a 55% das calorias para carboidratos. Vou escolher 50% para carboidratos, restando então 30% das calorias para as gorduras. - Carboidratos (50%): 3652 x 0,50 = 1826 kcal Para converter em gramas devemos dividir por 4 (1 g de carbo = 4 kcal): 1826/4 = 456 g - Gorduras (30%): 3652 x 0,30 = 1096 kcal Para converter em gramas devemos dividir por 9 (1 g de gordura = 9 kcal): 1096/9 = 122 g Para facilitar o entendimento vou colocar os resultados em uma tabela: Tabela 6.10. Cálculo da dieta de hipertrofia de um fisiculturista de 74 kg, com VET = 3652 kcal (superávit calórico de 700 kcal). Macronutriente Gramas kcal Em % g/kg Proteínas 185 740 20 2,5 Carboidratos 456 1826 50 6,2 Gorduras 122 1096 30 1,65 Depois de calcular a dieta o último passo é montar o plano alimentar, dividindo os macronutrientes entre as refeições. Aqui vou considerar duas 103 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch possibilidades (tabela 6.11), uma dieta com 4 refeições (dieta 1) e outra dieta com 6 refeições (dieta 2), seguindo as recomendações de distribuição de proteínas dadas no capítulo 1. Mais detalhes sobre a distribuição de macronutrientes são dados no próximo capítulo. Tabela 6.11. Dois modelos de dieta com diferentes quantidades de refeições para um fisiculturista de 74 kg consumindo 2,5 g/kg de proteínas (185 g), 456 g de carboidratos e 122 g de gorduras. P = proteínas; C = carboidratos; G = gorduras. DIETA 1 DIETA 2 Refeição 1: 40 g P / 90 g C / 30 g G Refeição 1: 30 g P / 80 g C / 25 g G Refeição 2: 55 g P / 140 g C / 40 g G Refeição 2: 40 g P / 100 g C / 35 g G Treino Refeição 3: 25 g P / 60 g C / 10 g G Refeição 3: 60 g P / 150 g C / 32 g G Treino Refeição 4: 30 g P / 76 g C / 20 g G Refeição 4: 35 g P / 70 g C / 2 g G Refeição 5: 55 g P / 100 g C / 35 g G Refeição 6: 46 g C / 15 g G 6.7) O QUE FAZER NO PLATÔ? A hipertrofia muscular depende da manutenção de um estado de balanço nitrogenado positivo (síntese proteica > degradação proteica), que pode ser gerado com estímulo do treinamento resistido (musculação), da dieta (superávit calórico) e com uso de hormônios anabólicos (testosterona, esteroides, GH, insulina). No entanto, a ganho de massa muscular também depende do potencial genético do indivíduo, que está relacionado ao número de receptores androgênicos, mionúcleos, células satélites etc. É possível aumentar o número de células satélites e mionúcleos nas fibras musculares com treinamento resistido e uso de esteroides anabolizantes, mas ainda assim existe uma limitação fisiológica. Dessa forma, a hipertrofia muscular é um processo lento e gradativo, que tem limites fisiológicos que variam de acordo com o potencial genético de cada indivíduo. Quando um indivíduo atinge um platô nos ganhos de massa muscular, usando ou não esteroides anabolizantes, isso não significa que esse platô é seu 104 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch limite máximo para ganhos de massa muscular. Significa apenas que ele atingiu um limiar para aumento da síntese proteica muscular. Como a síntese proteica muscular depende do número de mionúcleos da fibra muscular, é necessário ter paciência para que o treinamento em sinergia com a dieta e o uso de esteroides aumente o número de mionúcleos nas fibras musculares. Por isso não é possível um atleta se tornar tão grande como um Mister Olympia em um período curto de tempo (meses). De qualquer forma, manter o uso contínuo de esteroides parece ser inevitável para se atingir o alto nível de musculosidade dos fisiculturistas profissionais. Abaixo descrevo algumas possibilidades de estratégias para sair de um platô quando se trata de hipertrofia muscular. • AUMENTAR AS CALORIAS? Essa estratégia é a mais óbvia, mas só é interessante se o percentual de gordura do indivíduo estiver baixo (abaixo de 12-15% para homens; abaixo de 18-20% para mulheres) caso contrário acumula-se muita gordura. • AUMENTAR A INGESTÃO PROTEICA? Essa estratégia só faria sentido se a ingestão proteica estivesse abaixo de ~ 2 g/kg, o que é pouco provável na grande maioria dos casos. • AUMENTAR O VOLUME DE TREINO? Só faria sentido se o volume de treino estivesse baixo (como alguém treinando 2 a 3 vezes na semana), o que é improvável em indivíduos e atletas experientes, que costumam treinar 5 a 7 vezes na semana com sessões durando mais de 1 hora por dia. • AUMENTAR AS DOSAGENS DE HORMÔNIOS? Essa é uma estratégia que tem grande apelo entre usuários de esteroides iniciantes e pouco experientes (superestimam o potencial anabólico dos esteroides). Essa estratégia só faz sentido se as dosagens estiverem baixas, como de um homem usando ~ 250 mg de testosterona por semana. 105 Nutrição e Hipertrofia Muscular • Dudu Haluch CICLAR CARBOIDRATOS? As estratégias que ciclam carboidratos são muito conhecidas no fisiculturismo e muito utilizadas durante o período pré-competição (HALUCH, 2018). No entanto, no contexto de superávit calórico provavelmente vai surtir pouco efeito se não alterar a ingestão calórica. • MANTER TREINO E DIETA POR UM TEMPO? A estratégia da paciência é simples, mas não tem tanto prestígio por motivos óbvios (os resultados são demorados e podem ser frustrantes). É uma boa estratégia, pois hipertrofia muscular é um processo lento, que exige uma série de adaptações das fibras musculares para elevar o potencial para aumento da síntese proteica muscular. • REDUZIR AS CALORIAS (FAZER UM CUTTING)? Em minha opinião essa é a melhor estratégia no longo prazo, desde que seja utilizada de forma cautelosa, visando perder gordura e melhorar a sensibilidade à insulina enquanto se mantém a massa muscular. Muitos fisiculturistas têm medo de entrar em uma dieta hipocalórica fora do período de competição com medo de perder os resultados conquistados durante o off season/bulking. 6.8) HIPERTROFIA MUSCULAR EM DÉFICIT CALÓRICO É possível ganhar massa muscular em déficit calórico, embora seja mais difícil. Não há violação do princípio de conservação de energia aqui, pois o ganho de tecido magro (músculo) é conseguido apenas às custas da energia fornecida pelo catabolismo do tecido adiposo (reserva energética). Também é necessária uma sinalização para aumentar a síntese proteica muscular, como o treino de musculação e/ou uso de hormônios anabólicos (esteroides anabolizantes). 106 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Figura 6.2. A hipertrofia muscular pode ocorrer em déficit calórico, desde que a síntese proteica muscular (SPM) seja estimulada pelo treinamento resistido e a energia (ATP) para a SPM seja fornecida pela oxidação dos ácidos graxos (gordura) provenientes do tecido adiposo. O ganho de massa muscular em restrição calórica ocorre mais facilmente em indivíduos pouco treinados e com elevado percentual de gordura, com estímulo do treinamento resistido e dieta hiperproteica. Em usuário de esteroides anabolizantes esse processo também ocorre com certa facilidade (HALUCH, 2021). Construir tecido muscular envolve um custo energético grande para o organismo e obviamente não é uma prioridade em uma situação de déficit energético (restrição calórica). Em déficit calórico, o organismo prioriza sintetizar proteínas mais essenciais para o seu funcionamento, como enzimas que regulam o metabolismo energético, proteínas transportadoras (albumina e hemoglobina), proteínas do sistema imune, hormônios etc. A proteína muscular (actina e miosina), na verdade, é catabolizada principalmente para fornecer aminoácidos para a gliconeogênese, já que em déficit calórico os estoques de glicogênio hepático esgotam mais rapidamente e alguns tecidos dependem constantemente de glicose (cérebro e as hemácias). 107 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch O treinamento resistido (musculação) estimula a síntese proteica muscular e isso pode reduzir o catabolismo de proteínas ou até mesmo deixar o organismo em balanço nitrogenado positivo (síntese proteica > degradação proteica). Claro que isso dificilmente será possível com um grande déficit energético e em indivíduos com muita massa muscular (maior demanda de proteínas). Também é necessário aumentar a ingestão de proteínas pela dieta, já que o déficit calórico aumenta a degradação proteica muscular (figura 6.2). No estudo de Longland (2016) homens com sobrepeso fizeram uma dieta hipocalórica (40% de redução do gasto energético) por 4 semanas e perderam 4,8 kg de massa gorda. Os níveis de testosterona reduziram de forma expressiva, de 507 ng/dl para 126 ng/dl. Mesmo com essa grande redução das concentrações séricas de testosterona, os indivíduos ganharam massa magra (1,2 kg), graças à combinação de treinamento resistido (musculação) com uma dieta hiperproteica (2,4 g/kg). Um resultado impressionante, considerando que essa grande mudança de composição corporal ocorreu com a testosterona na faixa infrafisiológica (abaixo de 300 ng/dl) e em uma situação de grande déficit calórico. Os processos anabólicos que ocorrem em situação de déficit energético, como gliconeogênese e síntese proteica, utilizam obrigatoriamente a energia proveniente da oxidação de ácidos graxos do tecido adiposo, nossa reserva de energia. Se o indivíduo tem muita massa muscular será muito difícil ganhar massa muscular em déficit calórico sem uso de hormônios anabólicos (esteroides anabolizantes), pois é mais difícil ficar em balanço nitrogenado positivo quando o indivíduo está mais próximo do potencial genético muscular máximo e também pelo aumento da sinalização que estimula degradação proteica muscular (baixos níveis de insulina, aumento do cortisol e da gliconeogênese). 108 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 6.9) CATABOLISMO MUSCULAR Catabolismo é uma palavra que provoca medo em muitos fisiculturistas, em geral porque falta entendimento de como esse processo funciona. Catabolismo é um conceito amplo, que denota degradação de macromoléculas em suas partes mais simples, como a degradação de proteínas em aminoácidos ou de triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol. A energia resultante do catabolismo é aproveitada pelo organismo que normalmente a armazena nas células em forma de compostos trifosfatados, como o ATP e o GTP. A célula utiliza as moléculas de ATP para transferir a energia liberada pelo catabolismo para as reações que precisam de energia, que constituem os processos anabólicos (formação de proteínas, biossíntese de ácidos graxos e glicogênese). Muitas dessas reações anabólicas e catabólicas estão ocorrendo de forma simultânea dentro das células, de acordo com a necessidade de cada célula e tecido do organismo. Já é bem conhecido que durante o treinamento aeróbico a principal via de sinalização intracelular ativada é a da proteína AMPK (proteína quinase ativada por AMP), responsável pelo aumento do transporte de glicose para o interior da célula e pelo aumento da oxidação de ácidos graxos (queima de gordura), estimulando vias de sinalização que também estimulam a biogênese mitocondrial (aumento do volume e número de mitocôndrias). Além disso, AMPK é responsável pela inibição da via mTOR e, consequentemente, inibição da síntese de proteínas. A AMPK tem sua expressão aumentada quando o estoque energético é baixo (baixo estoque de glicogênio), como em uma dieta hipocalórica e/ou muito low carb. Aumentos da AMPK estão associados a aumento dos genes MuRF1 e Atrogin-1 (envolvidos na atrofia muscular), e esse mecanismo é dependente do aumento do fator de transcrição FOXO. O catabolismo levando a atrofia muscular ocorre em situações de dieta muito restrita e/ou aumento exacerbado da atividade física aeróbica (super expressão da AMPK, inibição da mTOR) e após uso de esteroides anabolizantes, que leva a uma grande diminuição da expressão da via Akt/mTOR, e consequente aumento da expressão de FOXO 109 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch (figura 6.3), como também da miostatina (proteína que inibe o crescimento muscular). Figura 6.3. Algumas das principais vias de sinalização intracelular envolvidas no catabolismo muscular. A restrição calórica e o treinamento aeróbico estimulam a proteína AMPK, que estimula o fator de transcrição FOXO, responsável pela estimulação da degradação proteica e inibição da síntese proteica, o que pode levar a perda de massa muscular. A via Akt/mTOR é estimulada pelo treinamento de força e pelo IGF-1, sendo responsável por estimular a síntese proteica. A mTOR é inibida pela proteína AMPK e pela sinalização de FOXO. As setas indicam ativação e as barras indicam inibição (HALUCH, 2018). O saldo entre anabolismo e catabolismo ao longo do tempo depende da soma total das reações catabólicas e anabólicas, e esse saldo vai depender do estímulo do treino, da dieta e do ambiente hormonal (isso se tratando de anabolismo proteico, porque ganho de gordura também é um processo anabólico). É difícil catabolizar durante um ciclo de esteroides anabolizantes, porque a sinalização hormonal otimiza os processos anabólicos e atenua os processos catabólicos, de forma que, mesmo em dieta restrita, é possível manter um saldo final anabólico (síntese proteica > degradação proteica). Dentro desse 110 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch contexto mais amplo, é besteira se preocupar se uma variável, como aeróbico/termogênico, pode levar à perda de massa muscular, porque você obviamente precisa considerar o contexto global, tudo que o indivíduo está fazendo. O catabolismo como um processo crônico de perda de massa muscular em indivíduos treinados não acontece de um dia para o outro. As condições para que isso aconteça envolvem destreinamento por um período maior que ~ 2 semanas, má alimentação com grande déficit calórico por dias prolongados, principalmente em indivíduos com baixo percentual de gordura. Alterações no ambiente hormonal também podem levar a uma perda substancial da massa muscular, como é o caso de indivíduos com hipertireoidismo ou hipotireoidismo, indivíduos que fazem uso de corticoides, indivíduos que interromperam o uso de esteroides anabolizantes ou homens que possuem deficiência de testosterona (hipogonadismo) (tabela 6.12). Tabela 6.12. Principais fatores que influenciam no catabolismo muscular. Fatores que reduzem o Fatores que favorecem o catabolismo muscular catabolismo muscular Adiposidade (indivíduos obesos Grande déficit calórico perdem menos massa muscular) Esteroides anabolizantes, GH, Percentual de gordura baixo SARMs Musculação Inatividade física, destreinamento Dieta hiperproteica (> 2,0 g/kg) Envelhecimento Dieta high carb Ambiente hormonal desfavorável (pós-ciclo de esteroides, baixa testosterona, hipertireoidismo, uso de corticoides) Ficar algumas horas sem comer durante o dia, como na prática do jejum intermitente, não levará necessariamente a perda de massa muscular. Longos dias sem carboidratos podem levar a perda de massa muscular, principalmente se a perda de peso ocorre de forma rápida. Outro fator agravante para promover 111 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch perda de massa muscular é baixa ingestão de proteínas na dieta quando o consumo de carboidratos já está baixo (redução do efeito poupador de proteína dos carboidratos) e o percentual de gordura está muito baixo. Quanto mais peso se perde e quanto menor percentual de gordura maior o risco para perder massa muscular. 112 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOUCHARD, C. et al. The response to long-term overfeeding in identical twins. N Engl J Med. 1990 May 24;322(21):1477-82. DONNELLY, J. et al. American College of Sports Medicine Position Stand. Appropriate physical activity intervention strategies for weight loss and prevention of weight regain for adults. Med Sci Sports Exerc. Feb;41(2):459-71, 2009. FRAKENFIELD, D.; ROTH-YOUSEY, L.; COMPHER, C. Comparison of Predictive Equations for Resting Metabolic Rate in Healthy Nonobese and Obese Adults: A Systematic Review. 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Nutrient timing (tempo de nutrientes) pode ser definido da seguinte forma: O tempo dos nutrientes envolve a ingestão proposital de todos os tipos de nutrientes em vários momentos ao longo do dia para impactar favoravelmente a resposta adaptativa ao exercício agudo e crônico (ou seja, força e potência muscular, composição corporal, utilização de substrato e desempenho físico, etc) (KERKSICK, 2017). Analiso a importância das refeições pré-treino e pós-treino para a mudança de composição corporal e outras estratégias que se baseiam em nutrient timing, principalmente quando se trata de perda de gordura e hipertrofia muscular. 7.2) PÓS-TREINO E HIPERTROFIA: JANELA ANABÓLICA Muitos fisiculturistas e praticantes de musculação acreditam que o consumo de proteínas em combinação com carboidratos logo após o treino otimiza a hipertrofia muscular. No entanto, não existem na literatura evidências claras para a existência de uma “janela anabólica pós-treino”. Na verdade, essa janela anabólica pode durar várias horas após o treino de força. Existe uma série de estudos sobre Nutrient Timing, mas esses estudos são pouco conclusivos no que tange ao tempo de consumo de nutrientes pósexercício. Muitos desses estudos consideram o treinamento em jejum. No 114 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch entanto, nós sabemos que na maior parte dos casos as pessoas realizam pelo menos uma refeição antes do treino de musculação. Aliás, a ingestão de proteína antes do treino mostrou maior síntese proteica que a ingestão imediata póstreino (TIPTON, 2001). De qualquer forma, o ponto é que os estudos geralmente não comparam whey e maltotexdrina com uma refeição sólida (arroz com carne por exemplo). O treinamento resistido realmente estimula o aumento da síntese proteica muscular após o exercício, mas essa janela anabólica dura várias horas após o exercício, não sendo necessário o consumo imediato de proteínas após o exercício (figura 7.1). Em conclusão, as evidências atuais não parecem apoiar a alegação de que o consumo imediato (≤ 1 hora) de proteína pré e/ou pós-treino melhora significativamente as adaptações do exercício resistido (musculação) relacionadas à força ou hipertrofia. Os resultados dessa metanálise indicam que, se de fato existe uma janela anabólica de oportunidade durante o treino, a janela para o consumo de proteínas parece ser maior que uma hora antes e depois de uma sessão de treinamento resistido (SCHOENFELD, 2013). Figura 7.1. Ilustração da janela anabólica pós-treino. O treinamento resistido (musculação) estimula uma elevação prolongada da síntese proteica muscular (SPM) que pode permanecer elevada por pelo menos 48 h (linha pontilhada). A ingestão de proteínas em qualquer ponto durante este período intensificado de 'potencial anabólico' terá um efeito aditivo a essas taxas já elevadas mediadas pelo exercício (linhas contínuas) (PHILLIPS, 2014). 115 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Embora não exista uma janela anabólica “imediata” após o treinamento resistido (musculação), é prudente consumir proteínas depois do exercício (não imediatamente após o treino necessariamente). Isso não significa que as proteínas e carboidratos ingeridos após o treinamento precisam ser suplementos, como whey, maltodextrina ou waxy maize. Não é necessário que as proteínas e carboidratos ingeridos após o treino sejam de rápida absorção. Os maiores especialistas em nutrição esportiva (Stuart Phillips, Brad Shoenfeld, Alan Aragon) concordam que comer alimentos sólidos promove resultados semelhantes a um shake proteico. Ou seja, ter proteína de rápida absorção depois do treino é desnecessário e suplementos de carboidratos de alto IG também. É normal pensarmos que o carboidrato, por estimular mais insulina, deveria aumentar mais a síntese proteica e reduzir o catabolismo de proteínas. No entanto, o que foi observado em estudos recentes é que o aumento da insulina pelo carboidrato não fez nada de diferente no balanço proteico muscular. Ou seja, o efeito insulinotrópico da proteína basta para otimizar a síntese proteica e reduzir degradação proteica (STAPLES, 2011). Isso não significa que vale a pena ficar por muitas horas sem ingerir carboidratos depois do treino, e sim que consumir proteína depois do treino é primordial, com ou sem carboidratos. Outro ponto importante que gera dúvida sobre a alimentação pósexercício é relacionado ao consumo de gorduras. Muitas pessoas acreditam que não se deve consumir gorduras após o treino com medo de que sua ingestão em combinação com carboidratos favoreça o acúmulo de gordura. A insulina é um hormônio que favorece a lipogênese (síntese de ácidos graxos a partir de carboidratos) e inibe da lipólise, mas também aumenta a síntese de proteínas e inibe sua degradação. O ganho de gordura não acontece simplesmente pelo consumo de gordura em conjunto com carboidratos, é necessário superávit calórico. Além disso, o superávit calórico em conjunto com o estímulo do treino de hipertrofia tende a favorecer a hipertrofia muscular. Portanto, o ganho de gordura depende muito mais da quantidade de calorias ingeridas e da sensibilidade à insulina do indivíduo. Como o exercício físico aumenta a sensibilidade à insulina, o consumo de gorduras após o treino não é um problema. 116 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Outro argumento importante para defender a existência de uma janela anabólica pós-treino, é que após o exercício a ressíntese de glicogênio fica otimizada, sendo maior logo após o treino do que horas depois. No entanto, não há nenhum motivo para se preocupar que a ressíntese de glicogênio seja rápida após o exercício para alguém que não faça outras sessões de treino no mesmo dia (considerando um indivíduo cujo objetivo é hipertrofia muscular e/ou perda de gordura, e não um atleta de endurance). Dessa forma, é irrelevante, para o indivíduo que busca hipertrofia muscular, consumir carboidratos de rápida absorção (alto IG) após o treino (como maltodextrina ou dextrose). Claro que o consumo desse tipo de carboidrato pode ser interessante para quem tem dificuldade de ganhar peso e massa muscular, principalmente indivíduos magros com boa sensibilidade à insulina. Estudos recentes mostram que o consumo de leite com achocolatado pode ser uma excelente combinação depois do treino de musculação e muitos fisiculturistas também costumam consumir doces depois do treino, como leite condensado, doce de leite e chocolate. A seguir cito algumas recomendações práticas para o consumo de proteínas e carboidratos segundo Alan Aragon e Brad Shoenfeld. Proteína de alta qualidade administrada em doses de 0,4-0,5 g/kg de massa magra, tanto pré e pós-exercício, é uma diretriz geral simples, que reflete as atuais evidências, mostrando um efeito anabólico agudo máximo de 20-40 g de proteínas. As refeições pré e pós-exercício não devem ser separadas por mais de ~ 3-4 horas, dado um treinamento resistido típico que dure 45-90 minutos. Sobre a ingestão de carboidratos, alguns autores falam em uma ingestão da ordem de 1,2-1,5 g/kg, mas isso pode ser variável de acordo com objetivos e treino do praticante, sendo mais relevante para o treino de resistência do que para o treino de hipertrofia (musculação). Além disso, como visto anteriormente, Staples mostrou que o aumento pós-exercício do balanço proteico muscular após ingestão de 25 g de whey isolado não foi melhorada pela adição 50 g de maltodextrina durante as 3 horas do período de recuperação após o exercício. Se o indivíduo está em cutting/pré-contest com uma dieta muito restrita em calorias é melhor optar por carboidratos de menor densidade energética no pós-treino (em conjunto com as proteínas), como arroz, frutas ou batata inglesa cozida. Usar maltodextrina, dextrose ou waxy maize nesse tipo de situação seria 117 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch desvantajoso, já que pode ser mais difícil se manter saciado com esses carboidratos de alta densidade energética e alta carga glicêmica. Uma outra opção para quem prefere ter um shake pós-treino é a mistura de whey com leite desnatado ou semidesnatado. Leite integral também pode ser utilizado, principalmente por indivíduos que precisam ingerir muitas calorias. É importante você conhecer os alimentos e fazer boas escolhas antes e após o treino. Se tiver gordura isso provavelmente não será um problema, mas é claro que toda refeição pós-treino deve considerar a dieta e rotina do indivíduo. Muitas vezes é mais cômodo usar o shake de proteína em um horário que seja mais difícil fazer uma refeição sólida, então ele pode ocupar um lugar inteligente na sua dieta. Você também não precisa se preocupar com a quantidade de leucina ou BCAA do whey, já que você pode ter esses aminoácidos em quantidades suficientes em outros alimentos (frango, carne, ovos), mesmo que em menor quantidade. Isso dificilmente será um diferencial para a maioria das pessoas que seguem uma dieta com a maior parte das fontes provenientes de proteínas de alta qualidade (carne, ovos, leite). 7.2.1) REFEIÇÃO LIXO PÓS-TREINO Alguns indivíduos têm utilizado doces no pós-treino ou algum tipo de fast food. Lembro-me de um estudo alguns anos atrás que mostrou não existir diferença na ressíntese de glicogênio comendo um lanche do McDonalds ou usando suplementos. É muito provável também que não exista diferença no balanço proteico muscular. Jay Cutler era adepto dessa ideia por sinal, já que utilizava frequentemente coca-cola no pós-treino e também doces. E não há nenhum problema se existe demanda energética para isso. O ambiente metabólico pós-treino pode ser o melhor momento para fazer isso, tanto que por muito tempo se defendeu a ideia de usar carboidratos de alto índice glicêmico depois do treino, como maltodextrina e dextrose. Por que utilizar um alimento rico em açúcar estaria errado? 118 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch O açúcar (sacarose) fornece frutose e glicose, diferente da maltodextrina, do waxy maize e da dextrose que fornecem apenas glicose. Frutose é um carboidrato simples que não estimula insulina, mas tem maior potencial que a glicose para aumentar a síntese hepática de ácidos graxos (gordura). No entanto, a frutose também é um carboidrato melhor para recuperar os estoques de glicogênio hepático. Como o treino de musculação vai consumir parte do glicogênio hepático e muscular é uma boa ideia ter frutose depois do treino. Se o indivíduo não está em superávit calórico não corre risco de ganhar gordura fazendo isso. Comer doces pós-treino geralmente envolve consumo de gorduras e muita gente acha que isso seria um problema consumindo com carboidratos de alto IG. Não existem evidências mostrando que refeições que misturam carboidratos e gorduras favorecem maior acúmulo de gordura, muito menos em déficit calórico. Claro que se o indivíduo ingere muita gordura e carboidratos refinados em várias refeições isso poderá ser um problema, principalmente em superávit calórico. Porém, isso seria uma dieta inadequada para quem busca saúde e hipertrofia. No pós-treino sua sensibilidade à insulina está aumentada e seu metabolismo mais flexível para otimizar a oxidação de carboidratos e gorduras, além de mais responsivo à síntese proteica. O maior problema de usar “refeições lixo” (fast food, doces) é que elas contêm alimentos de alta densidade energética, ricos em açúcares simples (glicose, frutose, sacarose, lactose), carboidratos refinados, e gorduras trans e saturadas. Esse tipo de alimento (sorvete, biscoito recheado, chocolate, sucrilhos) geralmente dificulta o controle da saciedade e favorece o consumo de muitas calorias. De qualquer forma, comer esse tipo de alimento em pequena quantidade não será um problema se existe demanda energética e pode ajudar a manter a adesão na dieta. Lembre-se que as pessoas têm metabolismos e necessidades energéticas diferentes. Se você ganha gordura com facilidade ou tem um treino pouco intenso não adianta se entupir de fast food e doces na sua refeição póstreino. 119 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch Gostaria de salientar que adicionar doces na refeição pós-treino não tem nada de especial quando se trata de desempenho e hipertrofia, e esse tipo de alimento pode ser adicionado em outro horário de acordo com a preferência do indivíduo. 7.3) PRÉ-TREINO E HIPERTROFIA Muitas pessoas têm dúvidas sobre a refeição pré-treino, considerando um treino de musculação. É importante considerar que a refeição pré-treino pode variar de acordo com a rotina do indivíduo e também de como ele se sente durante o treinamento. Em uma dieta para hipertrofia muscular, com superávit calórico, o grande consumo de calorias facilita a distribuição de macronutrientes ao longo do dia. Já em uma dieta para definição muscular, cutting/pré-contest, ocorre redução de calorias e geralmente carboidratos. Nesse sentido é importante considerar como fica a distribuição de macronutrientes nessa refeição e nas demais. Muitas pessoas têm dúvidas sobre o que comer na refeição pré-treino e também se o horário do treino influencia na performance e na hipertrofia muscular. Como o desempenho no treino depende dos nossos estoques de glicogênio muscular e hepático é importante considerar que esses estoques dependem de quanto carboidrato o indivíduo ingere antes do treino. Isso acontece porque nos treinos mais intensos o corpo prioriza o uso do carboidrato como fonte de energia. Nosso corpo armazena cerca de 70-100 g de glicogênio no fígado e 300 a 700 g de glicogênio nos músculos (tabela 7.1). O glicogênio muscular fornece glicose como fonte de energia apenas para os músculos, enquanto o glicogênio hepático fornece glicose para vários tecidos e órgãos (cérebro principalmente), seja durante o exercício ou também durante o repouso. Isso significa que durante o sono (repouso) nosso corpo consome apenas glicogênio hepático, que leva cerca de 15 horas para se esgotar completamente. Portanto, quando o indivíduo treina em jejum ele ainda pode treinar com boa intensidade, se ele se alimentou bem antes de dormir. Nesse caso é importante consumir carboidratos durante a 120 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch parte da noite, já que uma refeição de manhã, antes do treino, não teria condições de repor os estoques de glicogênio a tempo. Leva aproximadamente 4 horas para que os carboidratos ingeridos sejam digeridos, absorvidos e armazenados como glicogênio. Tabela 7.1. Principais características dos estoques de glicogênio hepático e muscular (HALUCH, 2021). Tecido Quantidade Hormônios Principal armazenada que realizam característica glicogenólise Fígado 70 – 100 g Glucagon, Fornece glicose adrenalina para todos os tecidos. Músculo 300 – 700 g esquelético Adrenalina Fornece glicose apenas para o músculo. As refeições que vão abastecer os estoques de glicogênio hepático e muscular precisam ser consumidas pelo menos de 4 a 6 horas antes do treino. Uma refeição de 1 a 2 horas antes do treino pode contribuir para sua performance, se forem utilizados carboidratos de alto índice glicêmico e rápida absorção (maltodextrina, dextrose, algumas frutas). No entanto, alguns indivíduos podem não responder bem aos alimentos de alto IG pré-treino, devido a uma possível hipoglicemia de rebote. Alimentos de alto IG elevam os níveis de glicose e insulina rapidamente e em algumas pessoas essa elevação da insulina pode promover uma rápida queda nos níveis de glicose, provocando uma leve hipoglicemia durante o treino. Proteína muito próxima do treino também deve ser de rápida absorção (whey), ou ainda, pode ser melhor evitar o consumo, pois a digestão durante o treinamento pode causar problemas intestinais e prejudicar a desempenho. Não é interessante comer frango/carne com batata ou arroz 1h antes do treino. Refeições sólidas seriam melhor aproveitadas e sem risco de impacto negativo se consumidas 2-3 h antes do treino. Não é preciso ter medo de treinar em jejum se você tem uma boa alimentação durante o dia e faz uma boa refeição pós121 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch treino. Perder massa muscular é um processo crônico e depende de vários fatores, como restrição calórica, destreinamento e um ambiente hormonal desfavorável (pós-ciclo de esteroides). 7.4) CEIA E HIPERTROFIA “O que comer na última refeição?” Algumas pessoas acreditam que não se deve comer carboidratos na última refeição, pois isso inibiria a liberação de GH durante o sono. A liberação do hormônio do crescimento durante o sono é irregular e intermitente, e ocorre quando a glicose plasmática não é flutuante e depois que a insulina caiu para um nível muito baixo (VANDERLAAN, 1971). Portanto, comer carboidratos antes de dormir não vai atrapalhar a liberação de GH. Outros acreditam que comer antes de dormir não é uma boa ideia, pois o “metabolismo fica mais lento”. A taxa metabólica realmente reduz quando estamos dormindo, cerca de 10-15%. Ou seja, se um indivíduo gasta normalmente 70 kcal/h acordado, durante o sono seu corpo irá gastar 60-65 kcal/h. Considerando que dormindo ficamos cerca de 7-9 horas em jejum ganhar gordura por comer antes de dormir não deve ser uma preocupação, já que podemos queimar ~ 300-500 kcal dormindo. De qualquer forma, é importante deixar claro que comer muitas calorias à noite pode ser prejudicial à saúde cardiometabólica e favorecer o ganho de peso e gordura (RAVUSSIN, 2019). Se o indivíduo treina de manhã e/ou em jejum é interessante consumir carboidratos durante a noite e até mesmo antes de dormir, pois assim garante a manutenção de suas reservas de glicogênio hepático e muscular. Prefira carboidratos de baixo ou médio IG. O glicogênio hepático é consumido parcialmente durante a noite para fornecer glicose aos órgãos e tecidos (cérebro, hemácias etc), mas o glicogênio muscular é gasto apenas com atividade física (não sendo gasto durante o sono/repouso). Estudos recentes têm mostrado que ingerir proteínas na última refeição é uma estratégia que pode otimizar o ganho de massa muscular. Os estudos 122 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch costumam utilizar caseína (lenta absorção), mas qualquer fonte proteica pode ser utilizada. É aconselhável escolher proteínas de lenta absorção, como carnes, leite, ovos, caseína. Consumir proteínas antes de dormir aumenta a síntese proteica muscular e aumenta a taxa metabólica durante o sono sem inibir a lipólise. Provavelmente não importa muito se o indivíduo vai consumir proteínas na ceia ou no jantar, mas alguns especialistas recomendam ingerir mais proteínas antes de dormir (~ 40-50 g) do que em uma refeição comum em outra hora do dia. Hipotetizou-se que a suplementação proteica pré-sono aumente os ganhos de massa muscular do treinamento resistido no longo prazo, principalmente em função do aumento da ingestão total de proteínas, e não por seu tempo específico de ingestão de proteínas, melhorando assim a distribuição de proteínas (SNIJDERS, 2019). Não há nenhuma restrição ao consumo de gorduras e os carboidratos devem ser ajustados conforme a rotina de treino do indivíduo. 7.5) JEJUM INTERMITENTE O jejum intermitente é uma prática comum entre muitas religiões há milhares de anos e, nos últimos anos, vem sendo estudado como estratégia dietética no tratamento da obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (diabetes tipo 2, hipertensão e síndrome metabólica). Além disso, recentemente, o jejum intermitente também ganhou muita popularidade devido a grande quantidade de livros de divulgação e artigos em blogs, muitas vezes exaltando o jejum intermitente como sendo um protocolo revolucionário para o tratamento da obesidade. Existem diversos protocolos de jejum intermitente, sendo que os três mais conhecidos e estudados são: jejum em dias alternados, jejum periódico e alimentação com restrição de tempo (time-restricted feeding, TRF). 123 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch 7.5.1) METABOLISMO NO JEJUM INTERMITENTE Durante o jejum, nosso corpo muda gradativamente de uma predominância do metabolismo de carboidratos para uma predominância do metabolismo de lipídios. Logo após as refeições, os níveis de glicose e insulina estão elevados. A insulina estimula a captação de glicose e sua oxidação no músculo esquelético. Os demais tecidos também utilizam glicose como fonte de energia, mas o músculo esquelético é o principal local de captação, oxidação e armazenamento de glicose (glicogênio muscular) no período pós-prandial. Além de estimular a oxidação e o armazenamento de glicose, a insulina estimula a síntese de proteínas, mas inibe a degradação de proteínas, a lipólise e a oxidação de ácidos graxos (queima de gordura). Ou seja, quando os níveis de insulina estão elevados, nosso organismo prioriza a oxidação de carboidratos e inibe a oxidação de gorduras. Algumas horas após a refeição, os níveis de glicose e insulina estão reduzidos, e os níveis de glucagon estão aumentados. O glucagon estimula a glicogenólise hepática e a gliconeogênese, além de estimular a lipólise no tecido adiposo. A manutenção da glicemia no período pós-prandial é importante porque o cérebro e as hemácias são dependentes de glicose. Depois de algumas horas de jejum, outros hormônios antagônicos da insulina (cortisol, adrenalina e GH) se elevam e estimulam a lipólise, liberando os ácidos graxos do tecido adiposo para serem utilizados pelos demais tecidos e órgãos do organismo. Durante o jejum, os ácidos graxos passam a ser o substrato energético predominante para a maioria dos tecidos, principalmente o músculo esquelético. Como o cérebro e as hemácias são dependentes de glicose, o cortisol desempenha um papel muito importante nas primeiras horas de jejum. O cortisol estimula degradação de proteínas no músculo esquelético, liberando aminoácidos (alanina, glutamina) para serem convertidos em glicose no fígado e nos rins (gliconeogênese). A gliconeogênese ganha muita importância conforme os níveis de glicogênio hepático ficam reduzidos. No entanto, um aumento da gliconeogênese intensifica o catabolismo de proteínas. Para contrabalançar os efeitos do cortisol durante o jejum, ocorre aumento dos níveis 124 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch de GH. O GH, assim como o cortisol, também estimula a lipólise e a gliconeogênese; mas no tecido muscular o GH atua reduzindo a degradação de proteínas. O efeito do GH na redução do catabolismo proteico parece estar relacionado a um aumento da lipólise e da oxidação de ácidos graxos. Ao usar mais ácidos graxos como fonte de energia, o músculo diminui a oxidação de aminoácidos. De qualquer forma, conforme o tempo de jejum aumenta (> 12 horas), a lipólise e a gliconeogênese se intensificam. Como o cérebro é um ávido consumidor de glicose, consumindo cerca de 100-120 g de glicose por dia, a degradação de proteínas aumenta nos primeiros dias de jejum. Ao mesmo tempo, o jejum e os baixos níveis de glicose e insulina intensificam a lipólise. Com a intensificação da lipólise, muitos ácidos graxos inundam o fígado e se convertem em corpos cetônicos. No jejum prolongado (> 2 dias) os corpos cetônicos passam a ser um importante combustível energético para os tecidos, incluindo o cérebro, que passa a consumir menos glicose. Assim, fica claro que durante o jejum a gordura passa a ser o combustível energético primordial do organismo, seja na forma de ácidos graxos ou através da sua conversão em corpos cetônicos. Pode-se dizer então que quanto mais tempo em jejum, maior será a oxidação de gorduras (HALUCH, 2021). 7.5.2) JEJUM INTERMITENTE E HIPERTROFIA MUSCULAR Embora diversos estudos em animais e humanos mostrem benefícios do jejum intermitente na saúde cardiometabólica (aumento da sensibilidade à insulina, melhora do perfil lipídico, perda de peso, redução da pressão arterial), não está claro se esses benefícios do jejum são independentes da perda de peso. Quando se trata de emagrecimento, diversos estudos investigaram os efeitos do jejum intermitente na perda de peso. A grande maioria dos estudos mostra que o jejum intermitente não promove maior perda de peso e gordura quando comparado a uma estratégia convencional de dieta, ou seja, restrição calórica contínua. Uma revisão sistemática de 40 estudos com seres humanos 125 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch avaliou 12 estudos que faziam comparação do jejum intermitente com restrição calórica contínua (dieta tradicional) e a conclusão foi a seguinte: Embora o jejum intermitente pareça produzir efeitos semelhantes à restrição contínua de energia para reduzir o peso corporal, a massa gorda, a massa livre de gordura e melhorar a homeostase da glicose e reduzir o apetite, ele não parece atenuar outras respostas adaptativas à restrição energética ou melhorar a eficiência da perda de peso, embora a maioria das publicações revisadas não tenha capacidade para avaliar esses resultados. O jejum intermitente representa, portanto, uma opção válida – embora aparentemente não superior – à restrição contínua de energia para perda de peso (SEIMON, 2015). Comer a cada 3 horas é comum entre fisiculturistas e praticantes de musculação, pois muitos têm medo de perder massa muscular dando intervalos maiores. No entanto, as principais evidências mostram que o jejum intermitente não aumenta o risco de catabolismo muscular. O catabolismo muscular depende muito mais de outros fatores, como tamanho da restrição calórica e destreinamento. O jejum intermitente é uma estratégia que pode funcionar muito bem para alguns indivíduos, mas não tão bem para outros. No emagrecimento pode funcionar melhor, já que em uma dieta para hipertrofia alguns indivíduos podem ter dificuldade de comer grande quantidade de comida em um período de tempo limitado. Alguns indivíduos relatam melhor controle do apetite com o jejum intermitente. Um longo tempo sem ingerir proteínas diminui a síntese proteica muscular e aumenta a degradação de proteínas musculares. Por esse motivo, o jejum intermitente parece ser uma estratégia mais limitada para promover hipertrofia muscular, embora não pareça ser um problema quando se trata de manutenção da massa muscular e otimização da perda de gordura. Alguns defensores do jejum intermitente afirmam que essa estratégia é superior para perda de gordura, pois potencializa o aumento de hormônios lipolíticos durante o jejum (glucagon, cortisol e GH). Quando se trata de fisiculturismo, o jejum intermitente pode ser uma estratégia interessante, principalmente na fase de pré-competição. Longe de tirar uma conclusão de que seja um método melhor ou pior, ele pode ser muito útil 126 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch para alguns indivíduos. De qualquer forma, não há nenhuma necessidade de comer a cada 2-3 horas ou fazer jejum intermitente para otimizar a composição corporal. Planejamento de dieta, aliado a um planejamento de treinamento e escolha dos alimentos, tudo isso é superior a qualquer tipo de dieta, e é isso que as pessoas geralmente não entendem. É mais confortável acreditar que seguir um estilo de dieta é algo diferencial para os resultados. O método de jejum intermitente mais utilizado no meio do fitness e do fisiculturismo é o que preconiza períodos de 16 horas de jejum com 8 horas para se alimentar (MORO, 2016). Porém, muitos indivíduos adotam períodos maiores em jejum, como 18 a 24 horas. Embora seja uma estratégia interessante para perda de gordura sem muito risco de perda de massa muscular (TINSLEY, 2019), o uso do jejum intermitente para ganhar massa muscular pode ser contraprodutivo, uma vez que limita por muitas horas o estado anabólico, já que o indivíduo fica horas sem ingerir proteínas, calorias e com baixos níveis de insulina (hormônio anticatabólico). O jejum estimula vias de sinalização intracelular catabólicas, como AMPK e FOXO, enquanto inibe vias de sinalização anabólicas, como a via Akt/mTOR. Como o jejum não oferece uma maior perda de peso quando comparado a um regime de restrição calórica contínua, ele acaba não sendo uma estratégia diferenciada quando se trata de emagrecimento. Isso não torna seu uso inútil e sim uma opção adicional para aqueles que desejam variar a estratégia por algum motivo especial, principalmente os que não sentem fome nas primeiras horas do dia. Além disso, é possível que uma mudança na estratégia de dieta possa oferecer alguma vantagem metabólica para algumas pessoas, mas isso fica como especulação da minha parte e de alguns treinadores e nutricionistas. Considerando que nosso corpo sofre adaptações metabólicas (termogênese adaptativa) que limitam a perda de peso/gordura com o tempo, é possível que alterações na estratégia de dieta levem a uma atenuação dessas adaptações, quebrando platô. Nosso metabolismo é dinâmico, e embora a restrição calórica seja o maior diferencial para promover perda de peso e gordura, alterações no balanço de macronutrientes e na estratégia de dieta (periodização nutricional) 127 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch podem oferecer benefícios adicionais quando se atinge um platô na perda de peso. Tabela 7.2. Dois modelos de dieta: dieta padrão com maior frequência de refeições e jejum intermitente com 16 horas de jejum e 3 refeições (modelo TRF). DIETA PADRÃO JEJUM INTERMITENTE (16 h) Refeição 1 - desjejum (8:30) Jejum Refeição 2 - almoço (12:00) Jejum Refeição 3 - pré-treino (15:00) Jejum Treino (17:00 – 18:00) Refeição 1 – pré-treino/desjejum (15:30) Refeição 4 - pós-treino (18:30) Treino (18:00 – 19:00) Refeição 5 - jantar (20:30) Refeição 2 - pós-treino (19:30) Refeição 6 - ceia (23:30) Refeição 3 – jantar/ceia (23:30) 128 Nutrição e Hipertrofia Muscular Dudu Haluch REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGON, A.; SCHOENFELD, B. 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