Uploaded by Kesley Cassiano Dos Santos

CAP 1 - Terapia Cognitivo Comportamental para sofrimento perinatal

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Terapia Cognitivo-Comportamental para
sofrimento perinatal
Inúmeros estudos estabeleceram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental (TCC)
para diversas manifestações de depressão e ansiedade. Em Terapia CognitivoComportamental para sofrimento perinatal, Wenzel e Kleiman discutem os benefícios
da TCC para mulheres gestantes e puérperas que sofrem de ansiedade e depressão. Os
mitos da TCC como rígida e intrusiva caem por terra conforme as autoras descrevem
sua aplicação flexível para mulheres no período perinatal. O texto ensina os
profissionais como integrar com sucesso a estrutura e estratégia da TCC em uma
abordagem de apoio no trabalho com essa população. Os exemplos utilizados no livro
serão familiares aos especialistas em pós-parto, tornando esse um recurso útil e de fácil
compreensão.
Amy Wenzel, PhD, membro do Conselho Profissional de Psicologia Americano, é
autora e editora de quinze livros, muitos dos quais sobre psicologia perinatal ou terapia
cognitivo-comportamental. Ela dá palestras internacionalmente sobre questões
relevantes para saúde mental e psicoterapia, e fornece supervisão contínua para
psicólogos clínicos, assistentes sociais e enfermeiras psiquiátricas.
Karen Kleiman, mestre em Serviço Social, Assistente Social Clínica Licenciada, é uma
especialista internacional em depressão pós-parto. Ela é fundadora do The Postpartum
Stress Center, um centro de tratamento e treinamento profissional de primeira linha para
depressão e ansiedade pré-natal e puerperal. Ela escreveu vários livros sobre sofrimento
perinatal.
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TERAPIA COGNITIVOCOMPORTAMENTAL PARA
SOFRIMENTO PERINATAL
Amy Wenzel
com
Karen Kleiman
First published 2015
by Routledge
711 Third Avenue, New York, NY 10017
and by Routledge
27 Church Road, Hove, East Sussex BN3 2FA
Routledge is an imprint of the Taylor & Francis Group, an informa business
© 2015 Taylor & Francis
The rights of Amy Wenzel and Karen Kleiman to be identifi ed as the authors of this work have been
asserted by them in accordance with sections 77 and 78 of the Copyright, Designs and Patents Act
1988.
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Library of Congress Cataloging-in-Publication Data Wenzel, Amy.
Cognitive behavioral therapy for perinatal distress / Amy Wenzel, Karen Kleiman.
pages cm
1. Postpartum psychiatric disorders—Treatment. 2. Puerperium—Psychological aspects. 3.
Pregnancy—Psychological aspects. 4. Postnatal care—Psychological aspects. 5. Cognitive therapy. I.
Kleiman, Karen R. II. Title.
RG850.W46 2014
618.7'6075—dc23
2014008841
ISBN: 978-0-415-50804-9 (hbk)
ISBN: 978-0-415-50805-6 (pbk)
ISBN: 978-1-315-76910-3 (ebk)
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................................................... vii
PREFÁCIO ......................................................................................................................................................... ix
SOFRIMENTO PERINATAL ............................................................................................................................ 1
v
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vi
LISTA DE FIGURAS
2.1
O Modelo Biopsicossocial do Sofrimento Perinatal
14
2.2
Modelo Cognitivo Básico de Sofrimento Emocional
18
2.3
Modelo Cognitivo Expandido de Sofrimento Emocional
20
2.4
Modelo Cognitivo-Comportamental do Sofrimento Perinatal
22
2.5
Diagrama de Conceituação Cognitiva para pacientes
24
4.1
Técnicas que cultivam a relação terapêutica
51
5.1
Componentes da estrutura da sessão em TCC
70
5.2
Dicas para uma tarefa de casa bem-sucedida
80
5.3
O plano de tratamento de Wendy
82
6.1
Técnicas para eliciar os pensamentos automáticos
87
6.2
Avaliação de questões
92
6.3
Registro de pensamentos de três colunas
98
6.4
Registro de pensamentos de cinco colunas
99
6.5
Exemplo de Cartão de Enfrentamento
100
6.6
Exemplo de gráfico de pizza
106
7.1
Registro de atividades de Tara
116
7.2
Registro de atividades modificado de Lyla
118
7.3
Representação gráfica dos dados de ativação
120
comportamental de Lyla
7.4
Hábitos de dormir saudáveis
125
8.1
Tipos comuns de exposição
137
8.2
Formulário de auto-monitoramento
141
8.3
Formulário de registro de exposição
144
8.4
Exemplo de formulário de auto-monitoramento
150
8.5
Exemplo de hierarquia do medo
151
9.1
Análise de vantagens-desvantagens de Tara
163
11.1
Plano de prevenção de recaída
195
11.2
Exemplo de plano de prevenção de recaída
196
12.1
Fatores de proteção e risco de atos suicidas
211
12.2
Plano seguro
215
vii
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viii
PREFÁCIO
Amy Wenzel e eu nos conhecemos na Universidade da Pensilvânia, onde nos
encontramos com dois colegas para unir forças em nome de mulheres puérperas. Nós
quatro nos reunimos para contribuir com o que se transformaria em uma nova
ferramenta de triagem para mulheres no pós-parto. Confesso que fiquei ao mesmo
tempo impressionada e intimidada com o nível de destreza acadêmica que me cercava.
Normalmente consigo permanecer firme, mantendo contato visual e ouvindo com forte
determinação, mas, francamente, toda vez que Amy falava, eu ficava impressionada
com o quão pouco eu achava que sabia. Foi aí que percebi o quão diferente os nossos
cérebros trabalhavam. Quando ela me convidou para um café depois do encontro, eu
prontamente coloquei meu chapéu de adulta para não revelar minha hesitação em ter
uma conversa privada com ela. Afinal, sendo vinte anos mais velha que ela, como ela
ousava já ter publicado quatorze livros e ser autora de 100 artigos em periódicos
revisados por pares? Sério? Como eu poderia esperar manter uma conversa respeitável
com ela? Foi quando peguei meu cartão da Oprah. “Você estava no programa da
Oprah?!”, ela engasgou, com espanto, como uma aluna de escola. Agora, podemos
conversar.
Embora, individualmente, reivindiquemos sucesso e integridade em nossas
realizações, cada uma de nós queria uma amostra do que a outra havia desenvolvido de
tão bom. Ela esperava entrar no mercado de livros de autoajuda e levar seu trabalho
acadêmico a um público mais geral, enquanto eu buscava maior autoridade dentro da
comunidade acadêmica.
Amy pode ditar estatísticas de pesquisas atuais como eu posso ditar minha lista
de compras na minha cabeça enquanto estou indo para os corredores do supermercado.
A diferença óbvia é que estou pensando em ovos e brócolis; ela está pensando em
ensaios clínicos randomizados, agrupamentos pragmáticos e a regulação dos receptores
GABA em transtornos afetivos. Às vezes finjo saber do que ela está falando para não
me entregar e ela se arrepende de ter decidido trabalhar comigo! Mas verdade seja dita,
cada uma de nós possui pontos fortes que se complementam, e quando combinamos
nossas áreas de especialização, percebemos que temos muito a aprender uma com a
outra.
Uma coisa é indiscutível. A proficiência de Amy no campo da terapia cognitivocomportamental (TCC) é incomparável. Ela é uma estudiosa exímia, uma especialista
frequentemente procurada na área, treinada pelo pai da TCC, Dr. Aaron Beck, e quando
ela não está ajudando os clientes a mudarem suas vidas para melhor, ela está ensinando
ix
terapeutas a como aplicar essas habilidades ao seu trabalho clínico. Adorei a ideia de
incorporar o conhecimento especializado de Amy e a utilização da TCC como uma
opção de tratamento no Postpartum Stress Center. Para minha alegria, ela se afiliou a
nós, o que nos proporcionou o lugar perfeito para enviar nossas mães grávidas e
puérperas, quando determinamos que a TCC seria a melhor escolha de tratamento.
Mas havia um problema. Eu não estava convencida de que a TCC era uma ótima
opção para a maioria das mulheres em nossa clínica que vivenciaram níveis
significativos de angústia. Amy tinha muito trabalho a fazer para me convencer de que
uma gestante ou puérpera apreciaria e se beneficiaria com o modelo da TCC. Eu estava
preocupada que fosse muito estruturada, muito didática, muito rígida, com muita
conversa e muito dever de casa. Talvez o mais importante para mim é que realmente
acreditava que isso ia contra a minha premissa fundamental de que “dar colo” (Kleiman,
2009) às mulheres no pós-parto é a chave para a cura. A relação terapêutica é
fundamental e o fato de a TCC ser muito trabalhosa poderia interferir de alguma forma.
Eu temia que a TCC parecesse intrusiva e contra-intuitiva tanto para mim quanto para
as mulheres que eu trato, pelo menos no auge de seu sofrimento.
Amy imediatamente refutou minha preocupação e alegou que eu simplesmente
não tinha todas as informações. Ela explicou que a TCC é flexível e a construção das
intervenções da TCC se acomodam perfeitamente às necessidades específicas da cliente
e abraçam de forma absoluta o relacionamento terapêutico como um componente vital.
Mesmo assim, quando a Routledge nos pediu para escrever um livro para sua série de
TCC, Amy agarrou a ideia e eu pensei, bem, aqui está um desafio, como podemos
realmente fazer isso funcionar para a comunidade perinatal? Como modificamos as
estratégias e ajustamos as intervenções em favor das gestantes e puérperas? Podemos
preservar a perspectiva psicodinâmica e de apoio que orienta grande parte do meu
trabalho? Eu senti como se estivéssemos tentando colocar um bloco quadrado em um
buraco redondo. Foi quando eu basicamente sentei e observei Amy fazer sua mágica.
Na terapia cognitivo-comportamental para sofrimento perinatal, Amy ensina
brilhantemente os profissionais a como integrar com sucesso as habilidades da TCC em
sua prática, sempre levando em consideração as necessidades específicas das mulheres
grávidas e puérperas. Ela estava certa, eu não tinha todo o conhecimento.
A terapia cognitivo-comportamental para sofrimento perinatal fez duas coisas por
mim. Em primeiro lugar, validou o que eu suspeitava o tempo todo - eu já estava
praticando aspectos da TCC com minhas clientes, só não estava chamando assim. Como
tantas outras intervenções que acho que estou inventando ou tirando da minha bolsa de
bons instintos, tenho ajudado as mulheres a reformular seus pensamentos negativos por
décadas. É exatamente o que precisa ser feito quando uma mulher grávida ou puérpera
x
se rende ao viés negativo opressor e equivocado que permeia seus pensamentos. A TCC
é uma abordagem prática para a resolução de problemas, que é atraente e essencial para
a recuperação de qualquer doença emocional no pós-parto. Neste livro, Amy fornece as
ferramentas que ajudam o clínico a ver exatamente o que precisa ser dado em resposta
ao pensamento disfuncional que é tão presente na população de mulheres em período
perinatal. Ela oferece estratégias de tratamento específicas e um roteiro para
acompanhá-las, de modo que o leitor possa experimentar em primeira mão como as
interações podem ocorrer. Desse modo, Amy dá vida a essas construções teóricas de
maneira exímia. As mulheres que ela segue ao longo das páginas deste livro parecerão
familiares a qualquer especialista em pós-parto, tornando-o um recurso incrivelmente
útil.
A segunda lição valiosa que aprendi com a terapia cognitivo-comportamental
para o sofrimento perinatal é que a TCC funciona. Mulheres grávidas e puérperas
respondem bem ao estilo proativo, ao compromisso estruturado e limitado no tempo
com o tratamento e ao foco concreto da TCC. Enquanto eu anteriormente acreditava que
a TCC seria muito trabalhosa para uma mãe cansada e sobrecarregada de sintomas,
agora tenho certeza de que as mães que lutam com crenças problemáticas e raciocínio
disfuncional serão aliviadas pelo esforço conjunto para reduzir o sofrimento associado
a esses pensamentos. O leitor verá com que cuidado e intencionalidade Amy presta
atenção à natureza distinta dos sintomas perinatais e adapta as expectativas e estratégias
de enfrentamento de acordo.
Com maior ênfase nas intervenções não farmacológicas para depressão e
ansiedade perinatal, as mulheres e seus médicos estão procurando abordagens boas e
eficazes com as quais podem contar para o alívio dos sintomas. A terapia cognitivocomportamental para doenças perinatais fornece as evidências, as ferramentas e as
técnicas para realizar isso. Amy conseguiu combinar seus anos de pesquisa em TCC
com seu trabalho clínico e ofereceu-o como um protocolo prático e eficaz para o
tratamento da depressão e ansiedade perinatal. Ela aparou as arestas e me mostrou que
o bloco realmente se encaixa no buraco redondo. Você só precisa saber o que está
fazendo. Obrigada, Amy. Agora eu sei.
Karen Kleiman
Fundadora do The Postpartum Stress Center, LLC
Autora do livro Therapy and the Postpartum Woman
xi
1
SOFRIMENTO PERINATAL
Uma visão global
É cada vez mais reconhecido que a transição para a parentalidade é difícil e está
associada a um estresse significativo que pode colocar as mulheres em risco de
problemas de saúde mental. Embora um recém-nascido possa trazer muita alegria e
satisfação para a vida de uma pessoa, não há como negar o fato de que, para muitas
mulheres, a gravidez é repleta de desconfortos e incertezas excruciantes, e que o período
pós-parto traz uma enorme privação de sono, fadiga e altos e baixos emocionais. Além
disso, talvez como nenhum outro evento na vida, o processo de se tornar mãe faz com
que a mulher avalie criticamente seus valores e crenças essenciais, e pode mudar seu
senso de identidade. Quando a transição para a parentalidade é difícil, essa mudança
pode parecer indesejada e assustadora. Os sentimentos comuns expressos por mulheres
que procuram tratamento para sofrimento durante o período perinatal são: "não me sinto
como eu mesma" e "não consigo imaginar que me sentirei normal de novo".
Embora a depressão pós-parto tenha recebido muita atenção por anos na literatura
de pesquisa e na mídia, mais recentemente, foi reconhecido que a ansiedade é uma
manifestação significativa de sofrimento pós-parto por si só (Wenzel, 2011). Há uma
consciência crescente de que as expressões clinicamente significativas de depressão e
ansiedade não se limitam ao período pós-parto. Muitas mulheres vivenciam depressão
e ansiedade durante a gravidez, o que tem o potencial de afetar o autocuidado e o
cuidado com o feto em desenvolvimento (por exemplo, o não comparecimento a
consultas pré-natais, uso de álcool ou drogas (Lobel, Dunkel-Schetter, & Scrimshaw,
1992). Esse reconhecimento levou os autores do Manual Diagnóstico e Estatístico, 5ª
Edição (DSM-5) (American Psychiatric Association, 2013) a alterar o especificador
“com início pós-parto” associado ao diagnóstico de transtorno depressivo maior, para
“com início perinatal”, definida como o início da depressão durante a gravidez ou nas
primeiras quatro semanas após o parto.
Embora o DSM-5 reconheça o início da depressão pós-parto apenas nas primeiras
quatro semanas após o parto, muitos especialistas em perinatalidade definem a
depressão pós-parto como ocorrendo a qualquer momento durante o primeiro ano após
o parto (C. T. Beck & Driscoll, 2006). Por exemplo, as mulheres podem sentir um
1
aumento da angústia quando retornam ao trabalho, o que geralmente ocorre 8 a 12
semanas após o parto. Além disso, alguns pesquisadores têm indicado que o aleitamento
materno protege contra algumas manifestações de sofrimento emocional, pois alguns
hormônios permanecem elevados a fim de estimular a produção de leite (Klein,
Skrobala, & Garfinkel, 1995). Como muitas mulheres optam por amamentar seus bebês
por pelo menos seis meses, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da
Saúde (OMS, 2003), algumas mulheres podem apresentar sinais de desgaste emocional
vários meses após o nascimento de seus filhos quando interrompem a amamentação.
Isso é particularmente verdade se elas desmamarem abruptamente.
Este livro descreve a aplicação de uma abordagem psicoterapêutica bem
estabelecida ao tratamento do sofrimento perinatal, definido como a experiência de
depressão e/ou ansiedade durante a gravidez ou no primeiro ano pós-parto. A depressão
é uma construção bastante circunscrita; os sintomas que contribuem para o diagnóstico
de transtorno depressivo maior são: (a) humor deprimido na maioria das vezes; (b)
anedonia, ou perda de interesse em atividades anteriormente agradáveis; (c) distúrbio
do apetite; (d) distúrbios do sono; (e) distúrbio psicomotor; (f) fadiga; (g) uma
sensação de inutilidade ou culpa inadequada; (h) dificuldade de concentração ou
indecisão; e (i) ideação suicida (Associação Americana de Psiquiatria, 2013).
Diagnosticar a depressão em mulheres no período perinatal pode ser difícil, pois muitos
dos sintomas (como distúrbios do sono, fadiga) também podem ser atribuídos a estar
grávida ou a ter um recém-nascido. A característica chave no estabelecimento do
diagnóstico de transtorno depressivo maior em uma mulher nesse período, é que os
sintomas devem aparecer em excesso ao que é esperado pelas circunstâncias de sua vida
(Wenzel, 2011).
Em contraste, a ansiedade perinatal é mais difusa e pode ter muitas manifestações,
definidas da seguinte forma:
 Ansiedade generalizada: a ansiedade generalizada é uma preocupação excessiva
e incontrolável associada aos seguintes sintomas: (a) inquietação; (b) fadiga; (c)
dificuldades de concentração; (d) irritabilidade; (e) tensão muscular; e (f)
distúrbios do sono. Para atender aos critérios para um diagnóstico de transtorno
de ansiedade generalizada (TAG), esses sintomas devem ocorrer na maioria dos
dias por um período de pelo menos seis meses (Associação Americana de
Psiquiatria, 2013). Mulheres no período perinatal que relatam uma duração mais
curta de preocupação são diagnosticadas com transtorno de adaptação com
ansiedade (Matthey, Barnett, Howie, & Kavanagh, 2003).
2
 Ataques de pânico: um ataque de pânico é um início repentino de medo intenso
ou desconforto que atinge o pico dentro de alguns minutos. Os sintomas
característicos dos ataques de pânico incluem: (a) palpitações cardíacas; (b)
sudorese; (c) tremor; (d) falta de ar; (e) sensação de asfixia; (f) dor ou aperto no
peito; (g) desconforto gastrointestinal; (h) tonturas ou vertigens; (i) calafrios ou
ondas de calor; (j) formigamento ou dormência; (k) desrealização ou
despersonalização; (l) medo de perder o controle ou enlouquecer; e (m) medo de
morrer durante o episódio. Uma pessoa é diagnosticada com transtorno de pânico
quando ela tem ataques de pânico recorrentes acompanhados por preocupação
persistente em ter os ataques ou uma mudança no comportamento por causa dos
ataques (por exemplo, evitando circunstâncias que são percebidas como
desencadeadoras dos ataques; Associação Americana de Psiquiatria, 2013).
 Ansiedade social: a ansiedade social é o medo ou ansiedade acentuados acerca de
uma ou mais situações sociais em que o indivíduo é exposto a possível avaliação
por outras pessoas. Um diagnóstico de transtorno de ansiedade social é feito
quando a pessoa se esforça para evitar situações sociais ou avaliativas, ou as
suporta com grande sofrimento, e quando a ansiedade social causa interferência
significativa na vida do sujeito ou sofrimento subjetivo (Associação Americana
de Psiquiatria, 2013).
 Obsessões e compulsões: as obsessões são pensamentos indesejáveis e intrusivos,
muitas vezes de natureza perturbadora. Compulsões são rituais mentais ou
comportamentais que uma pessoa realiza, geralmente para neutralizar a ansiedade
associada às obsessões. Para ser diagnosticado com transtorno obsessivo
compulsivo (TOC), as obsessões ou compulsões devem ser demoradas (ou seja,
ocupar pelo menos uma hora por dia), causar interferência na vida ou sofrimento
clinicamente significativo (Associação Americana de Psiquiatria, 2013).
 Estresse pós-traumático: o estresse pós-traumático é o sofrimento emocional
resultante da exposição a morte real ou ameaçada, ferimentos graves ou violência
sexual. Muitas mulheres consideram o parto traumático, pois temem que elas ou
seus filhos morram. Uma pessoa é diagnosticada com transtorno de estresse póstraumático (TEPT) quando ela foi exposta a um evento traumático, conforme
definido acima, e experimenta sintomas nos domínios de: (a) reviver o trauma
(por exemplo, através de memórias intrusivas); (b) evitação de memórias ou
lembretes do trauma; (c) efeitos negativos no humor ou cognição (por exemplo,
falta de interesse em atividades significativas, distanciamento de outros); e (d)
aumento na excitação e reatividade (por exemplo, irritabilidade, hipervigilância)
3
por pelo menos um mês (Associação Americana de Psiquiatria, 2013). Se uma
pessoa apresentar esses sintomas imediatamente após o trauma, mas eles ainda
não persistirem por um mês, ela será diagnosticada com transtorno de estresse
agudo.
Muitos profissionais de saúde mental questionam sobre quando fazer o diagnóstico
de um desses transtornos de saúde mental. Afinal, a transição para a parentalidade é
um ajuste substancial, e certamente a maioria das novas mães experimenta alguma
instabilidade emocional quando seus níveis hormonais caem para os níveis anteriores
à gravidez. Pesquisas, de fato, apoiam essa observação. A tristeza pós-parto (baby
blues) é uma perturbação transitória do humor experimentada por 40-80% das novas
mães, caracterizada por alguns dias de choro, mudanças de humor e insônia (Buttner,
O’Hara, & Watson, 2012). A chave nesta definição é a palavra “transitório”; se esses
sintomas persistirem por pelo menos duas semanas em um mês, um diagnóstico de
transtorno depressivo maior deve ser considerado. Além da duração dos sintomas,
um diagnóstico de transtorno depressivo, ansiedade, obsessivo-compulsivo, trauma
ou transtorno relacionado ao estresse, deve ser considerado se a mulher estiver
passando por interferência na vida ou sofrimento emocional substancial.
Características do sofrimento perinatal
As mulheres que passam por sofrimento perinatal geralmente se preocupam bastante
com seu estado emocional. Eles querem saber se o que estão vivenciando é normal, se
estão enlouquecendo e se seria melhor para seus filhos serem criados por outra pessoa.
Embora livros inteiros possam ser escritos sobre as características do sofrimento
perinatal, esta seção descreve alguns destaques da literatura empírica sobre a
prevalência, fatores de risco e consequências, e custo do sofrimento emocional perinatal.
A mensagem importante é que o sofrimento perinatal é comum e compreensível à luz
de muitos fatores de vulnerabilidade que colocam as mulheres em risco de sofrimento
emocional em momentos de estresse, como a transição para a parentalidade (ver também
Capítulo 2). É um importante problema de saúde pública, pois o sofrimento emocional
não tratado está associado a efeitos adversos em crianças e dias perdidos de trabalho.
Prevalência
A maioria dos estudos que avaliam a prevalência de sofrimento emocional perinatal
enfoca a depressão pós-parto. Quando a depressão pós-parto é definida como depressão
maior e menor, a prevalência foi estimada em 19,2%; quando são considerados apenas
4
os casos de depressão maior, a prevalência foi estimada em 7,2% (Gavin et al., 2005).
Mesmo que as taxas sejam altas, há apenas evidências fracas de que o período perinatal
represente um período de aumento do risco para depressão, em relação a outros
momentos da vida das mulheres, embora um pequeno corpo da literatura sugira que há
um subconjunto de mulheres que são particularmente vulneráveis ao desenvolvimento
da depressão pós-parto em relação à depressão em outros momentos de suas vidas
(Bloch et al., 2000; Forty et al., 2006).
Estudos também investigaram a prevalência de várias manifestações de ansiedade
perinatal. Essas taxas são as seguintes:
 Transtorno de ansiedade generalizada: os resultados de alguns estudos sugerem
que as taxas de TAG são elevadas em mulheres grávidas (10,5%; Adewuya, Ola,
Aloba, & Mapayi, 2006) e puérperas (8,2% em 8 semanas, 7,7% em 6 meses,
7,0% em 12 meses; Wenzel, Haugen, Jackson, & Brendle, 2005), em relação a
taxas entre 1% e 3% em mulheres representativas da população em geral (Jacobi
et al., 2004). No entanto, deve-se reconhecer que outros estudos relataram baixas
taxas de TAG em amostras perinatais (por exemplo, 0,6%; Navarro et al., 2008).
 Transtorno do pânico: pesquisas mostram que a prevalência do transtorno do
pânico durante a gravidez é elevada (5,2%; Adewuya et al., 2006; 2,5%; Guler et
al., 2008) em relação à taxa de transtorno do pânico em mulheres representativas
da população em geral (1,3%; Jacobi et al., 2004). Em contraste, a taxa de
transtorno de pânico no período pós-parto é semelhante (1,4%; Wenzel et al.,
2005) ao observado em mulheres representativas da população em geral (Jacobi
et al., 2004).
 Transtorno de ansiedade social: existem poucas pesquisas que avaliaram a
prevalência de transtorno de ansiedade social em mulheres no período perinatal.
Em uma exceção, Adewuya et al. (2006) relataram que 6,4% das mulheres no
terceiro trimestre de gravidez preencheram os critérios para transtorno de
ansiedade social, em relação a 1,7% das mulheres não grávidas. Wenzel et al.
(2005) encontraram prevalência de 4,1%, não muito diferente das taxas de até
5,2% em mulheres representativas da população em geral (Magee, Eaton,
Wittchen, McGonagle e Kessler, 1996). Embora esses resultados possam sugerir
que a ansiedade social não é particularmente problemática para mulheres no
período perinatal, sobretudo para as puérperas, Wenzel (2011) observou casos de
mulheres que relataram um início pós-parto de ansiedade social que estava
associado ao isolamento dos amigos (especialmente amigos sem filhos) e
5
insatisfação conjugal que estava além da insatisfação típica que acompanha a
transição para a parentalidade.
 TOC: uma pesquisa por meta-análise recente descobriu que o risco de TOC
durante a gravidez (2,07%) e no período pós-parto (2,43%) foi elevado em
relação ao risco em outros momentos da vida de uma mulher (1,08%; Russell,
Fawcett e Mazmanian, 2013). Além disso, a pesquisa de Jonathan Abramowitz e
seus colegas sugere que pelo menos dois terços das novas mães, se não mais,
experimentam pensamentos intrusivos perturbadores sobre um dano que viria a
seus bebês (Abramowitz, Schwartz, & Moore, 2003).
 TEPT: aproximadamente um terço das mulheres relatam que tiveram uma
experiência de parto estressante (Creedy, Shochet, & Horsfall, 2000), e 10-15%
das mulheres relatam ter medo de que elas ou seus bebês morram durante o parto
(Lyons, 1998). Estudos usando respostas a listas de verificação de TEPT para
diagnosticar TEPT relataram que entre 3% (Czarnocka & Slade, 2000) e quase
6% (Creedy et al., 2000) relatam sintomas clinicamente significativos de estresse
pós-traumático.
Em conjunto, as implicações dessas taxas são surpreendentes. Não podemos
simplesmente usar as taxas para obter uma estimativa geral da prevalência de sofrimento
perinatal, uma vez que essas manifestações de sofrimento emocional frequentemente
co-ocorrem. No entanto, podemos fazer uma estimativa consistente de que 10-15% das
mulheres em período perinatal atendem aos critérios diagnósticos para um ou mais
transtornos depressivos, ansiosos, obsessivo-compulsivos ou relacionados a trauma ou
estresse. A cada ano, ocorrem aproximadamente 4 milhões de nascimentos nos Estados
Unidos (www.susps.org/overview/birthrates.html; M. Martin et al., 2009). Isso
significa que aproximadamente 400.000 a 600.000 mulheres atendem aos critérios
diagnósticos para um desses distúrbios a cada ano. Esse número não leva em
consideração o número significativo de mulheres que relatam sintomas subsindrômicos
(residuais) dos transtornos, ou sintomas que não atingem o limiar para um diagnóstico,
mas são preocupantes para as mulheres e perceptíveis para seus entes queridos (Wenzel,
2011). Também não leva em consideração o sofrimento emocional em mulheres que
apresentam perda gestacional ou infertilidade. Assim, é evidente a necessidade de
serviços de saúde que detectem o sofrimento perinatal, possam tratá-lo com eficácia nas
mulheres que o vivenciam e preveni-lo nas mulheres em risco. Uma base para pacotes
de tratamento e prevenção é descrita neste livro.
6
Fatores de risco
A investigação dos fatores que colocam as mulheres em risco de ansiedade perinatal
ainda está nos primeiros passos, mas muitos estudos foram conduzidos para identificar
os fatores que colocam as mulheres em risco de depressão pós-parto. Os resultados
desses estudos foram agregados em várias meta-análises (C. T. Beck, 2001; O’Hara &
Swain, 1996; Robertson, Grace, Wallington, & Stewart, 2004). Os fatores de risco mais
significativos para depressão pós-parto que emergiram dessas meta-análises incluem
uma história de depressão, depressão e ansiedade durante a gravidez, um estilo de
personalidade neurótico, baixa autoestima, estresse da vida, um relacionamento ruim
com o parceiro, e baixo nível de apoio social. Uma história de depressão, episódio de
sofrimento emocional já existente, um estilo de personalidade neurótico e baixa
autoestima podem se configurar como vulnerabilidades para ocorrência de sofrimento
emocional durante as principais transições da vida. O estresse adicional da vida, um
relacionamento ruim com o parceiro e um baixo nível de apoio social podem agravar
ainda mais o estresse associado à transição para a parentalidade. Outros fatores de risco
identificados por essas meta-análises incluem baixo status socioeconômico, que é
frequentemente associado a dificuldades financeiras e pressões, como ser solteira, ter
uma gravidez indesejada, complicações obstétricas e um temperamento infantil difícil.
É fácil imaginar como esses fatores representariam desafios durante a transição para a
parentalidade.
Um fator estressor que tem recebido atenção crescente por parte dos
pesquisadores é o efeito da violência praticada pelo parceiro íntimo (VPI) no ajuste pósparto. A IPV é definida como “violência física, violência sexual, ameaças de violência
física/sexual e abuso psicológico/emocional perpetrado por um cônjuge atual ou excônjuge, cônjuge em união estável, parceiros de namoro não maritais ou
namorados/namoradas do mesmo sexo ou sexo oposto” (Chang et al., 2005). De acordo
com uma revisão sistemática de Beydoun, Beydoun, Kaufman, Lo e Zonderman (2012),
estudos verificaram que entre 4% e 44% das mulheres sofreram abuso físico, sexual
e/ou emocional no último ano. Quando reuniram os resultados de 37 estudos em uma
meta-análise (veja mais sobre meta-análise no Capítulo 3), eles determinaram que o
risco de depressão pós-parto era 1,81 vezes maior em mulheres que foram expostas a
VPI, em comparação a mulheres que não foram. Claramente, a VPI é um fator estressor
significativo que não só tem o potencial de interromper a transição para a parentalidade,
como também coloca a mulher e o feto ou bebê em risco de danos. A IPV está recebendo
cada vez mais atenção na literatura de pesquisa e na prática clínica, e nós encorajamos
fortemente os terapeutas a avaliar sua ocorrência ao começarem a trabalhar com clientes
no período perinatal.
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Consequências
Embora o sofrimento emocional esteja associado ao funcionamento prejudicado e ao
sofrimento pessoal em qualquer momento da vida de uma pessoa, é particularmente
preocupante no período perinatal, quando as mulheres têm um bebê (e possivelmente
outros filhos pequenos) de quem cuidam. Pesquisas mostram que a depressão pós-parto
está associada a uma série de resultados negativos para bebês e crianças, como mau
funcionamento cognitivo, apego inseguro e desajuste emocional e social (ver Murray &
Cooper, 2003, para uma revisão abrangente). Por exemplo, estudos demonstraram que
a depressão pós-parto está associada à capacidade prejudicada em práticas de cuidados
infantis, como colocar os bebês para dormir, usar cadeiras de carro corretamente e
comparecer a consultas pediátricas (Field, 2010; Zajicek-Farber, 2009), bem como a
diminuição da responsividade aos bebês (por exemplo, Beebe et al., 2008; Stanley,
Murray, & Stein, 2004). A depressão pós-parto tem sido associada a problemas
comportamentais que vão desde a primeira infância até a adolescência (Avan, Richter,
Ramchandani, Norris, & Stein, 2010; Murray et al., 2011), bem como comprometimento
cognitivo (por exemplo, desenvolvimento mais defasado na linguagem e QI; Grace,
Evindar, & Stewart, 2003). Essas descobertas seriam compreensivelmente alarmantes
para qualquer nova mãe que esteja passando por sofrimento emocional. No entanto, é
importante reconhecer que alguns estudiosos concluíram que a cronicidade da depressão
é mais significativa para explicar esses resultados do que o tempo da depressão (SohrPreston & Scaramella, 2006). Assim, a intervenção precoce para sofrimento perinatal
tem o potencial de encurtar a duração do episódio e reduzir a probabilidade de episódios
futuros, limitando assim a exposição da criança ao sofrimento emocional materno. Em
outras palavras, embora esses achados devam ser levados a sério, eles não garantem que
as crianças serão afetadas por um episódio de sofrimento perinatal da mulher.
Tratamento para sofrimento perinatal
Esta breve visão geral da literatura sugere que o sofrimento perinatal é generalizado e
que tem o potencial de estar associado a consequências adversas para a mãe e para a
criança. Assim, é dever dos profissionais de saúde desenvolver e refinar abordagens de
tratamento que possam reduzir a devastação que causa às mulheres, crianças e famílias.
A pesquisa mostra que a maioria das mulheres perinatais prefere psicoterapia em vez de
farmacoterapia (Battle, & Salisbury, Schofi eld, & Ortiz-Hernandez, 2013; Pearl stein
et al., 2006), pois é lógico que elas teriam preocupações sobre os efeitos de tomar
medicação durante a gravidez ou durante a amamentação. Felizmente, existem
8
psicoterapias bem estabelecidas com eficácia comprovada no tratamento da depressão
e da ansiedade.
Comecemos considerando a talvez a psicoterapia mais bem estabelecida para a
depressão perinatal - a psicoterapia interpessoal (TIP; Weissman, Markowitz e Klerman,
2000). A TIP é uma abordagem de curto prazo (por exemplo, 16 sessões) e limitada no
tempo para a psicoterapia que está enraizada na teoria psicodinâmica, mas se concentra
no sofrimento interpessoal no presente. Os terapeutas trabalham com seus pacientes no
sofrimento interpessoal atual em um ou mais dos seguintes domínios: (a) transições de
papéis; (b) disputas de papéis; e (c) luto não resolvido. Os clientes começam a entender
seu sofrimento psiquiátrico no contexto de seus relacionamentos interpessoais e obtêm
ganhos concretos ao abordar seus relacionamentos com maior equilíbrio, formulando
expectativas razoáveis de seus relacionamentos, bem como de seu próprio papel dentro
deles, e se comunicando com eficácia. A TIP foi abraçada de todo o coração pela
comunidade de estudiosos que pesquisam tratamentos para sofrimento perinatal, que
fundamentaram que essa abordagem teria uma validade de face particularmente forte
para mulheres em período perinatal que estão enfrentando a transição para a
parentalidade, transição esta que tem o potencial para ser associada a conflitos em seus
relacionamentos. Em um estudo marcante de uma amostra da comunidade de mulheres
com depressão pós-parto, O'Hara, Stuart, Gorman e Wenzel (2000) descobriram que a
TIP estava associada a reduções significativas nos sintomas de depressão classificados
pelo entrevistador e auto relatados pelas pacientes, e melhorias notáveis no
funcionamento social em relação a uma lista de espera de controle. Spinelli e Endicott
(2003) estenderam a aplicação da TIP para depressão pós-parto à depressão pré-natal, e
descobriram que era mais eficaz do que um programa de educação parental na redução
dos sintomas de depressão relatados pelo entrevistador e auto relatados pela paciente.
Além disso, a TIP foi adaptada em um formato breve culturalmente sensível para
mulheres de baixa renda e centros urbanos com resultados impressionantes (Grote,
Bledsoe, Swartz, & Frank, 2004).
Não há dúvida de que a TIP é uma boa opção no tratamento de mulheres com
depressão perinatal, pois sua base de evidências é impressionante. É importante
reconhecer que há outra abordagem de terapia de curto prazo e sensível ao tempo, que
tem uma base de evidências ainda maior que apoia sua eficácia no tratamento de uma
ampla gama de manifestações de sofrimento emocional em adultos que buscam ajuda.
Essa terapia é chamada de terapia cognitivo-comportamental (TCC). A TCC é uma
abordagem de tratamento ativa e focada no problema que tem suas raízes na teoria
básica de que a cognição, a maneira como as pessoas pensam sobre suas circunstâncias
de vida, desempenham um grande papel em seu estado emocional e em suas escolhas
9
comportamentais subsequentes (ver maiores informações sobre a teoria cognitivocomportamental no Capítulo 2). A TCC é uma iniciativa colaborativa, de modo que o
terapeuta e o cliente são considerados membros iguais de uma equipe, e o cliente assume
uma propriedade substancial sobre a direção do curso do tratamento. A TCC usa
perguntas socráticas para criar um ambiente de descoberta guiada, por meio do qual o
terapeuta usa o questionamento dirigido para estimular o pensamento crítico, de modo
que o cliente tire suas próprias conclusões e crie suas próprias soluções, em vez de
receber instruções do terapeuta sobre o que fazer. Usando a descoberta guiada, os
terapeutas cognitivo-comportamentais ajudam os clientes a: (a) ver a relação entre seu
pensamento, humor e comportamento; (b) desenvolver habilidades para avaliar seu
pensamento a fim de ver as circunstâncias de sua vida da forma mais precisa e funcional
possível; (c) adotar comportamentos saudáveis que promovam a saúde mental ideal; e
(d) desenvolver a capacidade de tolerar incertezas, desconforto e adversidade que as
pessoas invariavelmente experimentam na vida. Espera-se que os clientes desenvolvam
uma compreensão sólida dos princípios de mudança cognitiva e comportamental, bem
como habilidades na aplicação de estratégias que atinjam esses princípios, de modo que
não precisem mais de terapia e possam lidar com o sofrimento emocional por conta
própria.
A TCC tem o potencial de ser outra boa opção para mulheres em período perinatal
que buscam tratamento para distúrbios emocionais. É uma terapia sensível ao tempo, o
que significa que os clientes iniciam o tratamento com o entendimento de que haverá
um desfecho e que, eventualmente, eles terão adquirido a capacidade de lidar com o
sofrimento emocional sem a ajuda de um profissional. Muitos cursos de TCC que foram
revisados na literatura empírica têm 12 ou 16 sessões de duração, e um estudo descobriu
que muitos clientes mostraram melhora substancial em apenas quatro sessões (Hirsch,
Jolley e Wil liams, 2000). Um curso de tratamento sensível ao tempo é atrativo para os
clientes, como mulheres em período perinatal, que estão lidando com múltiplas
demandas em suas vidas e que muitas vezes têm dificuldade de agendar e comparecer
às sessões. Os terapeutas cognitivo-comportamentais esperam que seus clientes levem
para casa algo concreto de cada sessão, uma habilidade, uma nova maneira de ver suas
circunstâncias de vida ou uma solução para um problema. Em outras palavras, o foco
do problema no aqui-e-agora tem o potencial de ajudar as mulheres em período perinatal
a se sentirem melhor imediatamente, treinando-as para usar ferramentas e estratégias
concretas para gerenciar o sofrimento emocional e resolver os problemas da vida.
Existem duas vantagens potenciais que a TCC tem sobre a TIP. Em primeiro
lugar, conforme descrito no Capítulo 3, há uma vasta literatura que estabelece a eficácia
da TCC para transtornos relacionados à ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, e
10
aqueles relacionados a trauma e estresse. A TIP foi desenvolvida para tratar a depressão
e, desde então, foi adaptada para tratar outras manifestações de sofrimento emocional,
como transtorno do pânico, transtorno de ansiedade social e TEPT (para um resumo,
ver Wenzel, 2014a). No entanto, há uma base de evidências muito maior para o uso da
TCC para manifestações de estresse emocional a partir da ansiedade, e os especialistas
desenvolveram e avaliaram cuidadosamente muitas intervenções estratégicas
específicas que seriam relevantes para mulheres em período perinatal com essas
apresentações clínicas. Em segundo lugar, a comunidade de TCC, como um todo, está
direcionando muita atenção para a disseminação, ou a exportação de abordagens de
TCC com suporte empírico para clínicas comunitárias e para os terapeutas que são
empregados por essas clínicas. Tem havido um florescimento de programas que são
projetados para treinar e supervisionar terapeutas à medida que adquirem habilidade em
demonstrar competência em TCC (Stirman, Buchhofer, McLaulin, Evans, & Beck,
2009; Wenzel, Brown, & Karlin, 2011). Além disso, incontáveis workshops, webinars
e outros recursos de treinamento são dedicados à instrução na prática de TCC. Embora
existam recursos e treinamentos dedicados à prática da TIP, eles são mais limitados do
que os disponíveis para o treinamento em TCC. Assim, as mulheres em período
perinatal que precisam, provavelmente terão mais facilidade em encontrar um terapeuta
em sua comunidade que tenha recebido treinamento e supervisão em TCC do que teriam
em encontrar um terapeuta que recebeu treinamento ou supervisão em TIP.
Um ponto sobre a terminologia merece uma observação. A TCC foi desenvolvida
na década de 1960 pelo Dr. Aaron T. Beck, que originalmente rotulou o tratamento de
terapia cognitiva. Embora a palavra “cognitiva” tenha sido enfatizada neste título,
estratégias comportamentais foram incorporadas até mesmo nas primeiras versões do
tratamento. À medida em que o campo progredia, inúmeras TCCs foram desenvolvidas,
todas mantendo a premissa básica da terapia cognitiva de que nosso pensamento
desempenha um papel importante em nosso estado emocional e comportamento, bem
como outras características importantes, como sua estrutura e foco no problema. Hoje,
os termos terapia cognitiva e TCC são usados como sinônimos (J. S. Beck, 2011;
Greenberg, McWilliams, & Wenzel, 2014). O termo “TCC” é usado principalmente
neste livro, embora referências a “terapia cognitiva” sejam feitas ao descrever estudos
que usaram especificamente essa terminologia. O livro também descreve a TCC que
reflete os principais recursos da terapia cognitiva que foram desenvolvidos e testados
na abordagem original do Dr. Beck para o tratamento. A abordagem beckiana da TCC
tem em seu cerne uma conceituação cognitiva de caso da apresentação clínica do cliente
individual, ou a compreensão dos sintomas e circunstâncias de vida do cliente à luz da
teoria cognitivo-comportamental. Essa conceitualização influencia as intervenções
11
estratégicas que o terapeuta cognitivo-comportamental oferece (ver Capítulo 2), o que
significa que o tratamento é flexível e as intervenções são realizadas com base no que é
apropriado para a apresentação clínica do cliente. Em outras palavras, cada curso da
TCC de Beck é diferente porque cada cliente é diferente, o que difere de outros
protocolos de TCC que exigem que certas tarefas sejam abordadas em sessões
específicas.
Visão geral do livro
Este livro descreve uma abordagem beckiana para o tratamento do sofrimento perinatal,
incluindo depressão e as várias manifestações de ansiedade descritas neste capítulo. Ele
fornece uma estrutura geral para o uso de conceituação cognitiva de caso e colaboração
junto ao cliente para se traduzir em intervenção estratégica para tratar aspectos
proeminentes das apresentações clínicas de clientes em período perinatal. Não é um
substituto para manuais de tratamento já estabelecidos no mercado. Na verdade, se uma
cliente apresenta uma manifestação pura de uma condição para a qual existem manuais
de tratamento estabelecidos (por exemplo, transtorno do pânico; Barlow & Craske,
2007), esses manuais devem ser usados para orientar o tratamento, pois eles têm maior
subsídio para sua eficácia. No entanto, a maioria das clientes trará apresentações clínicas
mistas de depressão e ansiedade, com um "sabor" de várias manifestações de sofrimento
emocional e com o foco de suas preocupações sendo direcionado para a experiência
única de parto, a transição para a parentalidade e o cuidado com um recém-nascido. A
abordagem cognitivo-comportamental descrita neste livro apresenta estratégias
cognitivas e comportamentais bem estabelecidas que são incorporadas a protocolos de
tratamento com suporte empírico para depressão, ansiedade, transtornos obsessivocompulsivos e relacionados a trauma e estresse. O elo que os mantém unidos para
apresentações clínicas mistas de depressão e ansiedade é a conceituação cognitiva de
caso.
Os primeiros capítulos do livro fornecem informações básicas que ajudarão os
leitores a compreender a base teórica e a justificativa do uso da TCC em mulheres
vivenciando o período perinatal. O Capítulo 2 apresenta um modelo biopsicossocial de
ansiedade perinatal, bem como o modelo cognitivo que fundamenta a TCC. Nós unimos
os dois modelos e descrevemos como eles facilitam a conceitualização cognitiva de
caso. Terminamos o capítulo com descrições e conceituações de quatro casos que
acompanhamos ao longo do livro. No Capítulo 3, descrevemos a eficácia da TCC para
o tratamento de mulheres que buscaram ajuda com as manifestações de sofrimento
perinatal que definimos neste capítulo, e analisamos a literatura específica que avaliou
12
a TCC para depressão e ansiedade perinatal. Comentamos sobre como o tratamento
descrito neste livro é tanto semelhante quanto diferente das abordagens cognitivocomportamentais que foram estudadas por outros pesquisadores. O Capítulo 4 enfatiza
a importância do relacionamento terapêutico, descrevendo aspectos que são importantes
para os terapeutas cognitivo-comportamentais cultivarem e dando destaque à literatura
empírica sobre a associação entre aspectos do relacionamento terapêutico e resultados.
Os capítulos 5 a 11 podem ser vistos como um manual de tratamento que orientará
o leitor sobre as estratégias padrão da TCC para depressão e ansiedade e discutirá sua
adaptação às mulheres em período perinatal. O Capítulo 5 apresenta uma visão geral
das fases inicial, intermediária e tardia do tratamento, descrevendo a estrutura geral das
sessões e vinculando o processo de conceituação cognitiva ao planejamento do
tratamento. O Capítulo 6 fornece um modelo para conduzir a reestruturação cognitiva
de pensamentos automáticos e crenças subjacentes dessas mulheres, descrevendo
maneiras de identificar, avaliar e modificar essas cognições para que minimizem os
distúrbios do humor. O Capítulo 7 descreve intervenções comportamentais para
depressão perinatal, com foco na ativação comportamental ou envolvimento ativo no
ambiente e autocuidado. O Capítulo 8 descreve dois tipos de intervenções
comportamentais para a ansiedade: (a) habilidades de enfrentamento afetivo, ou
ferramentas para gerenciar afeto elevado e agitação; e (b) exposição, ou o processo de
ter contato sistemático com um estímulo ou situação temida, a fim de superar a evitação
baseada no medo. O Capítulo 9 apresenta etapas para ajudar as clientes a adquirir
habilidades eficazes de resolução de problemas e a modificar atitudes disfuncionais em
relação aos problemas ou às suas próprias habilidades de resolução de problemas. O
Capítulo 10 ilustra as etapas para o treinamento de habilidades de comunicação, bem
como dicas para abordar questões de relacionamento que muitas vezes surgem durante
o período perinatal. O Capítulo 11 descreve as atividades que ocorrem na fase final do
tratamento, que ocorrem quando as clientes estão se encaminhando para o fim do
processo.
O Capítulo 12 serve como uma conclusão para o livro, na qual resumimos os
princípios principais da TCC que são importantes para os profissionais de saúde mental
que trabalham com mulheres em período perinatal, descrevem as circunstâncias
especiais que os especialistas em saúde mental perinatal frequentemente encontram, e
faz um convite para pesquisas futuras. Depois de ler o Capítulo 12, ficará claro para o
leitor que este livro é o primeiro passo no avanço de uma abordagem beckiana para o
tratamento cognitivo-comportamental de mulheres com sofrimento perinatal. O ritmo
da pesquisa nessa área está acelerando rapidamente, e esperamos que a abordagem
cognitivo-comportamental descrita neste livro sirva como base para trabalhar muitas
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das questões clínicas que ainda não foram respondidas para o tratamento do sofrimento
perinatal.
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