MANUAL DO BULKING Por Pedro Zachhuber SUMÁRIO Sem nutrição, sem bulking 4 O que é o bulking? 6 Não existe bulking sujo, e não existe bulking com bf alto 10 A sinalização da hipertrofia e a importância da nutrição 17 Carboidrato no bulking 24 Proteína no bulking 29 Gordura no bulking 33 Como calcular as calorias e o superávit calórico ideal 37 Integrando os conceitos: Dividindo as refeições e macronutrientes 39 Escolhendo os alimentos 43 Pré e Pós Treino, as refeições mais importantes? 46 A importância da ingestão de água durante o bulking 49 Refeições livres, como fazer e quando fazer? 52 Estratégias nutricionais (ciclo de carbo, jejum intermitente e carb back loading) 54 SEGREDOS DO BULKING 1º SEGREDO: Comer de forma certa na bacia 57 57 2º SEGREDO: A sensibilidade à insulina 59 3º SEGREDO: Como driblar o excesso de saciedade e a falta de apetite 62 Quanto tempo deve durar o bulking? 64 Suplementos no bulking: Aquilo que funciona! 65 BÔNUS: Treine pesado, coma pesado 67 BÔNUS: O checklist para saber se está evoluindo no bulking 69 Referências 71 01 SEM NUTRIÇÃO, SEM BULKING O coração de qualquer mudança na composição corporal sempre começa e sempre começará com a nutrição. Isto porque nós somos seres feitos de energia, principalmente por átomos de carbono, hidrogênio, hidrogênio, desde a nossa organização mais simples (átomos) até a mais complexa (o organismo como um todo). Além disso, como descreve Lavoisier, a energia é transformada, jamais criada e nem perdida. Logo, precisamos degradar os átomos até a forma de calor se quisermos perder massa corporal, ou utilizá-los para transformá-los em novos produtos. No bulking, o objetivo principal é a construção de massa muscular, minimizando o ganho de gordura, já que não existe 8 ou 80 no nosso corpo. Nunca conseguimos direcionar totalmente um substrato para a transformação deste em um único produto, mas conseguimos favorecer determinados processos objetivados. Os seres humanos obtêm energia em forma de carboidrato, proteína e gordura através dos alimentos. Logo, sem a nutrição adequada, não existe bulking, pois para a construção de novos tecidos, é necessário a abundância calórica correta e não simplesmente ela por ela. É necessário saber quais nutrientes devem ser ingeridos, em que momento, em que quantidade, para poder integrar isto de acordo com a rotina individual. 5 02 O QUE É O BULKING? Como relatei anteriormente, bulking é a fase em que o ganho de massa muscular é potencializado. Entretanto, há muitas confusões ainda sobre o que de fato é o bulking em termos pejorativos, e primeiro preciso desmistificá-los para então te apresentar o que DE FATO é o bulking. Muitos entendem que a prática de bulking é o “off-season”, entretanto, isto está incorreto. O off-season, como o próprio nome sugere, é o período em que o atleta está fora de competição e/ou fora de preparações para a competição. Entretanto, a preparação não começa no cutting (ou pré-contest), ela tem início no bulking, para que haja massa muscular a ser revelada no período de perda de massa gorda, o cutting. Um colateral do agrupamento dessas duas terminologias é encarar o bulking como um período de férias do treinamento e da dieta. Isso não poderia estar mais incorreto. Caso você adote este pensamento mediante a uma condição de superávit calórico, a única hipertrofia que conseguirá é a do tecido adiposo – algo que irá não somente prejudicar o aspecto do seu físico, mas também prejudicará a sinalização hipertrófica. Discutiremos isto nos próximos capítulos. Sabendo disto, vamos nos aprofundar nos aspectos bioquímicos e fisiológicos do bulking. O período de bulking é regido pela maior exposição a hormônios que favorecem o anabolismo de tecidos, principalmente a insulina. Entretanto, a insulina é um hormônio permissivo para a ação dos verdadeiros hormônios anabólicos: a testosterona, o GH (no tecido muscular), e o IGF-1 (principalmente o subtipo MGF – o mechano growth factor ou IGF-1Ec). Os hormônios podem ser subdivididos em 4 classes: os hormônios peptídicos, as catecolaminas, os esteroidais e as iodotironinas. Cada um irá agir em seu determinado receptor em diferentes tecidos a fim de exercer sua função. A insulina é um hormônio peptídico emitido pelo pâncreas quando a glicemia plasmática está elevada, atuando em diversos tecidos através da ação da proteína quinase B, a Akt, promovendo um efeito anticatabólico e permitindo que o anabolismo ocorra. Sua interação é através de receptores tirosina-cinase. Ao se ligar nesse receptor, ela ativará processos pós-transducionais que culminarão na ativação do substrato do receptor insulínico. Essa, portanto, ativará a fosfoinositol-3-quinase (PI3K), que tem a função de ativar a PIP 3 (fosfoinositol-3,4,5-trifosfato) através da conversão da PIP 2 (fosfoinositol-4,5-bifosfato). Todo este processo tem a finalidade de recrutar a Akt para a membrana celular, com o objetivo de desencadear seus processos anabólicos, sendo eles: translocação de GLUT4, permitindo a entrada de glicose na célula; ativação de proteínas fosfatases, com a função de ativar ou inativar enzimas que regem o metabolismo, por exemplo a ativação da glicogênio sintase, uma enzima necessária para que o glicogênio seja estocado na célula; ativação da SRBEP1c, favorecendo a transcrição de enzimas participantes da formação de gordura, a Acetil-CoA carboxilase e a Ácido graxo-sintase; inativação da AMPK e derivados da ativação desta, basicamente reduzindo o catabolismo; e nosso maior enfoque, a ativação da via mTOR (alvo de rapamicina nos mamíferos). Logo, podemos concluir que a insulina é um hormônio que tem a finalidade de favorecer a construção de novos tecidos a partir de um excedente calórico. Veja, a insulina não é um vilão como muitos divulgam, mas sim um 7 hormônio que permite alguns processos serem mais favorecidos em detrimento de outros. Não existe dicotomia na bioquímica e fisiologia, tudo tem uma razão. Figura 1 - Ação da insulina Se não houvesse insulina nossas células não receberiam glicose, seu principal combustível. Sendo assim, sem insulina não existiria vida. Portanto, o objetivo do bulking é, através de um excedente calórico, propiciar um ambiente mais anabólico através da ação da insulina, principalmente. Mas aqui temos um ponto muito importante a ser discutido: a insulina não é um hormônio que apresenta benefícios de forma dose-dependente. Exposições prolongadas a este hormônio causado pelo excedente calórico 8 agressivo e com os alimentos incorretos (sim, você precisa comer “limpo”) causam o favorecimento da hipertrofia do tecido adiposo. Infelizmente, a hipertrofia do tecido muscular esquelético tem uma taxa de síntese muito demorada. Entretanto, o tecido adiposo tem uma capacidade de hipertrofia muito acelerada, algo que foi herdado dos nossos antepassados devido à escassez de calorias no período em que eles viviam. Enfim, o tecido adiposo possui uma capacidade extremamente grande para que ele armazene as calorias extras da dieta em forma de gordura, e para isto, ele pode sofrer hiperplasia (duplicar suas células), embora este processo demore para acontecer, já que outros passos ocorrem antes, como a deposição ectópica dessa gordura (armazenar em órgãos, prejudicando suas funções), mas ele ocorre, e é acelerado através de uma dieta descontrolada, tanto em quantia quanto em qualidade. E por que ele seria potencializado? Porque nós não reduzimos a nutrição à ingestão de calorias. Antes disso ingerimos alimentos que se comportam de maneira diferente no nosso metabolismo. E para explicar melhor isso, vamos para o próximo capítulo. 9 03 NÃO EXISTE BULKING SUJO, E NÃO EXISTE BULKING COM BF ALTO Corroborando com a ideia que trouxe no capítulo anterior, muitos encaram o bulking como um período de flexibilização alimentar extrema, mas isso só traz prejuízos ao ganho de massa muscular. Os malefícios desta prática começam no intestino, importantíssimo órgão, em que temos a microbioma e o microbiota. O microbioma refere-se à coleção de genomas de todos os microorganismos no ambiente. Já a microbiota, por outro lado, geralmente se refere a microorganismos encontrados em um ambiente específico. Felizmente, nós podemos modular esse ambiente, instalando uma boa população ou uma má população. Embora não saibamos até o atual momento o que seria uma microbiota padrão ouro, nós sabemos o papel dela e o quão importante ela é. Uma dieta de caráter ocidental, rica em alimentos ultraprocessados, pode formar uma microbiota ruim, prejudicando a digestão dos alimentos, e principalmente causando o afrouxamento das tight-junctions, ou zonulinas. Essas proteínas são responsáveis por manterem as microvilosidades intestinais bem agrupadas e funcionais. Sendo que, as microvilosidades intestinais têm o papel de filtrar o que deve chegar à circulação sanguínea e o que não deve, por serem compostos tóxicos ou que deveriam ser retidos no trato digestivo. Os compostos tóxicos, chamados de lipopolissacarídeos, agora estarão livres para circular no sangue e desempenhar sua principal função — sinalizar um estado inflamatório. Os LPS são reconhecidos por TLR4 (toll-like receptor 4), que são basicamente vigias circulando pela corrente sanguínea, a fim de detectar algum invasor e avisar as células da primeira linha de defesa que algo está invadindo o organismo e precisa ser eliminado. De maneira aguda, esta resposta não é prejudicial e DEVE acontecer. Porém, a causa disso estar acontecendo é o padrão de alimentação, algo que tem raízes mais profundas, geralmente, o comportamento exageradamente hedônico em relação à interpretação dos alimentos. Portanto, isso se torna uma bola de neve cada vez maior, prejudicando a microbiota, levando à um maior extravasamento de LPS que prejudicam também a sensibilidade à insulina pela maior secreção de citocinas inflamatórias, que podem impedir a sinalização da insulina através da competição pelos receptores tirosina-cinase. Figura 2 - Síndrome do intestino permeável - Os maus hábitos alimentares levam à maior permeabilidade intestinal, permitindo a entrada de toxinas na corrente sanguínea, que irão prejudicar a sinalização de hipertrofia muscular. 11 Porém, esse é o primeiro elo da cadeia de eventos que pode ocorrer durante um bulking sujo. A verdadeira preocupação é o ganho de gordura corporal exagerado. Anos atrás, acreditávamos que o tecido adiposo era somente um tecido de reserva de energética que atuaria como uma despensa de triglicerídeos para que quando passássemos por um período de privação energética, ou seja, déficit energético prolongado, teríamos energia para sobreviver à nossa rotina, mesmo sem ingerir mais nada. Entretanto, embora ele seja sim um tecido primariamente de reserva energética, ele tem funções extremamente importantes a fim de regular o ganho de gordura corporal. Sim, seu corpo sabe que o ganho de gordura a partir de determinado ponto é prejudicial, desencadeando uma resposta inflamatória de baixa intensidade, porém crônica, que é um dos principais pontos comuns no desenvolvimento de diversas doenças — infarto, diabetes, aterosclerose, colesterol alto, etc. O tecido adiposo é um órgão de função endócrina — ele secreta hormônios na circulação sanguínea a fim de regular a ingestão energética. O principal hormônio secretado por este órgão é a leptina. A leptina é um hormônio peptídico que tem como principal alvo o núcleo arqueado do encéfalo e a área tegmentar ventral. Esta primeira região tem a função de regular a ingestão energética através do aumento/diminuição do apetite e saciedade. Já a segunda área tem o papel de regular o disparo de dopamina no nucleus accumbens, onde ela age a fim de despertar a motivação para determinada ação (não, a dopamina não é prazer, e sim antecipação do sentimento de recompensa). No núcleo arqueado, existe duas populações de neurônios que regulam o apetite e a saciedade: a POMC (pró-opiomelanocortina, que irá agir através seu produto alfa-melanócitos), o CART (peptídeo transcrito regulado por anfetamina e cocaína), NPY (neuropeptídeo Y) e AGRP (transcrito relacionado ao gene agouti). 12 Quando a POMC e o CART são estimulados, você tem a sensação de saciedade e diminuição do apetite. Já quando o NPY e o AGRP são estimulados, você tem a sensação de fome e aumento do apetite. Além disto, a leptina atua no próprio tecido adiposo (caracterizando ação autócrina e parócrina), a fim de aumentar as UCP3s. UCP3s, ou proteínas desacopladoras, são proteínas em forma de “porta” que são localizadas ao lado da cadeia transportadora de elétrons (fase final da oxidação de glicose ou Acetil-CoA para obter ATP, a moeda energética do organismo). Elas atuam da seguinte forma: ao invés de deixar a cadeia transportadora de elétrons produzir ATP de maneira desnecessária, já que a demanda já foi atingida, elas desviam os elétrons para a produção de calor, aumentando a taxa metabólica basal. Vemos então que a leptina é um hormônio que atua de diferentes formas a fim de regular a ingestão energética. Entretanto, ela fornece o que é chamado de “tônus de fundo”. Tônus de fundo é a regulação encefálica, que tem o objetivo de limitar seu consumo energético para evitar o desenvolvimento de problemas metabólicos. Entretanto, é algo “de fundo”, tendo em vista que o ambiente (propagandas, aprendizados ao longo da vida) confere maior importância ao consumo alimentar. Vimos então que a leptina mediante ao aumento da massa gorda tende a frear o consumo alimentar. Sendo esse, um dos fatores pelo qual muitos relatam não aguentam mais comer durante o bulking, e acabam partindo pro chamado bulking “sujo”, exagerando nos alimentos ultraprocessados, aumentando demais a quantidade calórica da dieta, porém isso não resolve o verdadeiro problema, na verdade, acaba piorando. 13 Figura 3 - Regulação da ingestão energética através de diferentes órgãos. Mas não para por aí, o VERDADEIRO problema do aumento exagerado do tecido adiposo no bulking sujo é a maior secreção de citocinas inflamatórias. Citocinas inflamatórias são hormônios peptídicos, que neste caso, irão sinalizar para alguns tecidos, principalmente o muscular, que a disponibilidade energética está bem alta. Alguns exemplos dessas citocinas inflamatórias são a IL1, IL6, RBP4, TNF-alfa, PAI1, resistina. Elas têm diversas funções, algumas delas sendo: aumento da lipase hormônio sensível (que quebra os triacilgliceróis e lança-os na circulação) e redução da expressão da GLUT4 (captadora de glicose principalmente do músculo) Lembra que falei dos receptores de insulina? Então, as citocinas conseguem se ligar a eles, prejudicando a sinalização dela. Mas os tecidos não podem ficar sem o recebimento de glicose, caso fiquem, eles morrerão. Logo, mais insulina passa a ser secretada. Nesse contexto, o excesso desse hormônio passa a produzir malefícios — maior direcionamento metabólico para a formação de gordura, já que a insulina atua em dois fatores de transcrição, o ChREB e o SREBP1c, que irão transcrever (gerar) mais Acetil-CoA 14 carboxilase e Ácido Graxo sintase, duas importantes enzimas do processo da lipogênese de novo, sistema que transforma carboidrato e proteína em gordura. Figura 4 - Excesso de calorias levando ao crescimento do tecido adiposo, que prejudica a hipertrofia muscular O metabolismo é dinâmico, não podemos enxergar calorias como calorias por si só, precisamos enxergar para quem elas estão sendo fornecidas, a partir de quais alimentos, como está o treino, como é a composição corporal desta pessoa, etc., e esses são alguns dos motivos pelos quais não tem como haver uma prescrição dietética generalizada. Outros motivos devem ser citados também: quando você inicia o bulking com BF alto, sua margem para ganho é mínima, logo, você passa a fazer ciclos de bulking/cutting curtos e nunca atingindo o potencial máximo daquela fase. Se formos estereotipar, é como aquela pessoa que treina, treina, treina e nunca evolui, o aspecto continua sempre o mesmo. 15 Você irá sofrer bastante no cutting também, tendo que passar por uma fase de restrição calórica não somente bem longa, mas com uma alta restrição. Fazendo isto, os mecanismos endógenos frente a preservação da vida (aumento da fome e apetite) se elevam bastante. Bastante cárdio será necessário também, ocupando tempo e esforço. Esses mecanismos são ainda mais potentes, visto que temos um sistema de “registro de normalidade de peso” no núcleo arqueado do encéfalo, dependente daqueles neurônios que citei acima, a POMC e o CART. Parece que quando você mantém um determinado peso corporal por uma quantia de tempo (não sabemos o quanto ainda), aquele peso é tomado como o padrão. Logo, ao tentar baixar aquele número, os estímulos para o aumento da ingestão energética serão ainda mais proeminentes. Bulking sujo ou sem controle calórico também atuará de forma negativa na distensão abdominal. Tendo em vista que, mais um dos centros reguladores da ingestão se situa no próprio estômago. Pois há sensores de distensão mecânica nele, que levará a informação de que você está saciado devido ao volume alimentar (uma das razões pela qual a manipulação da densidade calórica é tão importante, tanto no bulking quanto no cutting). Alguns outros mecanismos a serem citados são a secreção de CCK, PYY, grelina, nesfatina-1, oxintomodulina, amilina, GIP, entre outros. Todos atuam de forma aguda. Sabendo que o bulking praticado de forma sem controle leva à um grande consumo calórico e de volume, as chances de haver prejuízos ao treino é enorme, visto que o tempo de realização de uma refeição pré treino e o início da sessão pode ser insuficiente, mesmo que o espaçamento seja longo (2-3h), podendo ocasionar mal-estar ou até vômitos. Em suma, bulking sujo é uma péssima ideia. 16 04 A SINALIZAÇÃO DA HIPERTROFIA E A IMPORTÂNCIA DA NUTRIÇÃO Neste capítulo irei resumir como a sinalização para a hipertrofia muscular e integrar esse conceito com o objetivo de entender a importância da nutrição para que este processo ocorra de forma eficaz, afinal, se fosse detalhar de forma minuciosa como ocorre a hipertrofia muscular, seria necessário o desenvolvimento de um e-book somente disto. Uma sinalização é, como o nome sugere, um sinal para que um evento ocorra. Comparando à uma analogia, é como o sinal verde no trânsito. Para que esse sinal seja funcional e justificado, é necessário que haja carros nesta via, caso contrário, o sinal é inútil. Podemos transportar essa ideia para a nutrição e a hipertrofia muscular: o treinamento é o motor primário da sinalização da hipertrofia (o sinal), mas caso não haja nutrientes para atender a essa sinalização (os carros) não existe funcionalidade e justificativa. Agora vamos partir para como ocorre esta sinalização. Bem, logo de início é necessário quebrar um mito: hipertrofia muscular não ocorre devido ao dano muscular, gerando então a necessidade de reparar esse tecido. Isto é apenas uma consequência da contração muscular sob alta tensão. A verdadeira causa da hipertrofia muscular se chama mecanotransdução — um processo no qual um sinal mecânico, no caso a carga de treinamento utilizada, é transformado em diversos sinais bioquímicos com o intuito de causar adaptações celulares para suportar este nível de estresse imprimido. A tensão mecânica é o ponto de partida para que as sinalizações comecem. Para entender como a contração de um músculo mediante uma resistência externa dinâmica e constante pode causar isto, é necessário entender o mecanismo que leva à própria contração. A contração do músculo esquelético, pelo menos no que tange o treinamento, é um ato voluntário. Ou seja, nós, através do sistema motor somático, tomamos a decisão de que iremos (ou tentaremos) levantar um determinado peso. O sistema motor somático é composto de outros microsistemas: os planejadores (o córtex motor), os controladores (núcleos da base do encéfalo e o cerebelo), os ordenadores (medula espinal e tronco encefálico) e os efetuadores (músculo). Basicamente, a contração muscular vai do momento que decidimos pegar o peso até eventos intracelulares que permitem a movimentação. O evento da contração inicia com um potencial de ação, que é um sinal enviado pelo sistema nervoso central para que um órgão-alvo seja atingido, e a sua função seja ativada. No caso, iremos explicar o potencial de ação no músculo esquelético. Para que o potencial de ação seja enviado desde o encéfalo até o músculo sendo trabalhado, é necessário a despolarização de células nervosas. A despolarização é a ação de trocar íons potássio, que estão nas células em repouso, por íons sódio, que estão fora da célula, prontos para entrar a fim de transmitir o potencial de ação. Para exemplificar isto de uma 18 maneira visual, é como se quiséssemos escorregar num toboágua. Nós somos o potencial de ação, a água são os íons e a estrutura do toboágua, as células nervosas. Para que possamos chegar até nosso destino, é necessário que a água torne a estrutura escorregadia. Este potencial de ação percorrerá um caminho através daquela estrutura citada acima (planejadores etc.) até chegar nos motoneurônios. Esses motoneurônios se ligarão no músculo por meio da inervação das unidades motoras, gerando o chamado potencial de placa motora. Curiosidade: para que todas fibras musculares (ou quase todas) sejam inervadas, o potencial de ação tem que ser alto o suficiente, ou seja, não adianta pegar um peso leve. A fibra muscular, agora despolarizada, ou ativa, receberá o potencial ação através de uma estrutura chamada túbulos T, que possui receptores de diidropirina (canais de cálcio sensíveis à voltagem liberadores de cálcio de longa permanência), responsáveis por causar a propagação dessa mensagem para o retículo sarcoplasmático, um local especializado em causar a emissão de cálcio através dos canais de rianodina, presentes nas cisternas terminais do RS. O cálcio, agora livre no sarcoplasma (meio líquido das fibras musculares) tem alta afinidade com a subparte C do complexo troponina. A troponina é responsável por se liga à tropomiosina, uma proteína que impede a ligação da miosina à actina (as duas verdadeiras fibras musculares).O intuito disso é impedir que vivamos num estado de contratura permanente. Ao se ligar à troponina, ela causa uma alteração da confirmação da tropomiosina, expondo os sítios de ligação da actina para a miosina, que se ligarão, e promoverão a contração muscular. Este é, muito resumidamente, o processo de contração muscular. 19 Figura 5 - Eventos para a contração muscular. E o que isso tem a ver com a sinalização hipertrófica, você deve estar se perguntando. Bem, no meio de tudo isso há uma proteína chamada integrina. Ela conecta a matriz extracelular, ou seja, o espaço fora da célula muscular, com a actina, a fim de detectar potenciais de ação e outras substâncias, e causar adaptações fisiológicas, já que a homeostase celular foi perturbada. Quanto maior o potencial de ação, mais a integrina é acionada a fim de causar a hipertrofia muscular. Existem dois tipos de hipertrofia e elas não são dissociativas: a sarcoplasmática e a miofibrilar. A primeira é responsável por aumentar o glicogênio, água, gordura intramuscular, etc., já a segunda é responsável por aumentar as fibras em si e núcleos dessas fibras, fazendo com que os novos núcleos sustentem o domínio genético que elas necessitam. Com as integrinas bem acionadas, agora elas podem se ligar a diversas outras proteínas no espaço intramuscular, as chamadas vias de sinalização. Algumas que podem ser citadas: PI3K/AKT, ERK1/2, BAG3, via da titina, 20 via do achatamento nuclear/YAP, fosforilação direta da P70S6K, MAPK, via da complexo esclerose tuberosa 2 (TSC2), inibição da via da miostatina (SMAD1 e 2), aumento do fator de crescimento dos hepatócitos, aumento do GH por reflexo químico (devido ao aumento de H+ proveniente do processo de contração muscular), aumento do IGF-1 (principalmente a subparte MGF ou IGF-1Ec), aumento do cálcio no sarcoplasma, enfim, são inúmeras vias, algumas sendo bem conhecidas e outras ainda sendo descobertas. Para fins didáticos, agruparei essas vias com base no seu destino: a ativação da mTOR, o alvo de rapamicina dos mamíferos. A ativação dessa via será subjacente à formação do complexo hipertrófico, que envolverá mais algumas proteínas: a fosforilação da P70S6K, a desfosforilação da 4EBP-1 (proteína ligante do fator de iniciação eucariótico 4E), a ativação da eIF2E (ela atua como um interruptor para os processos de iniciação da síntese proteica) e a ativação da eIF4G. Para que a hipertrofia muscular ocorra, são necessários três processos na célula: a ativação, a elongação e a finalização. Basicamente é um processo da ampliação do tamanho da fibra muscular. Portanto, a P70S6K tem o objetivo de ativar a eIF2 (fator de elongação proteica 2), a 4EBP1 se transformará na eIF4E, haverá a ativação da eIF4A, e essas se combinarão com a eIF4G formando a eIF4F. Logo, elas formarão o complexo de iniciação hipertrófica, já os outros fatores de elongação e finalização ocorrerão na célula. Tudo isso ocorre no núcleo da célula muscular fazendo com que ele fabrique uma mensagem que será levada ao ribossomo, estrutura responsável por traduzir a mensagem. Em termos mais técnicos, o mRNA será fabricado pelo núcleo e transportado até o ribossomo, onde ele se ligará no mesmo e atrairá o RNA decodificador e de transferência, sendo nesse momento que a síntese proteica muscular de fato ocorre. A mensagem carregará a informação de que novas proteínas precisam ser sintetizadas para suportar a nova carga de trabalho, ela será traduzida, e os aminoácidos necessários para isto serão trazidos até o local, sendo posteriormente incorporado à miosina, à actina, à titina, à nebulina, à miotilina, causando o aumento da área muscular. 21 Outro evento muito importante que acontece é a ativação das células satélites, que são as células tronco do músculo. Elas têm a capacidade de regenerar as fibras musculares injuriadas, manter o pool destas e gerar novos mionúcleos. Algumas células satélites são a Myf4, MRF-5 e a miogenina. Elas são acionadas através da ativação de algumas vias em comum à hipertrofia muscular, como por exemplo o MGF, testosterona e o HGF. A célula muscular é a única que é multinucleada, justamente pela sua capacidade de hipertrofiar. Mais células satélites ampliam a possibilidade do músculo se expandir, já que elas promovem a sustentação dos substratos necessários para que as fibras sejam mantidas. Figura 6 - Mecanismo celular da hipertrofia muscular. Já ouviu falar da memória muscular? Ela justamente reside nos mionúcleos formados a partir das células satélites, diferentemente das fibras musculares que podem sofrer atrofia após um longo período sem treinamento, já os mionúcleos se mantém. Portanto, quando você volta a treinar, a recuperação da massa muscular é acelerada porque sua capacidade hipertrófica é maior. 22 E onde a nutrição entra na sinalização hipertrófica? Basicamente em tudo. O carboidrato é o principal precursor da glicose, que aumenta a concentração de glicogênio muscular e hepático. Pensando no desempenho na musculação, o muscular é o mais importante, já que será a principal fonte energética para os treinos. Ter quantidades abundantes de glicogênio parece ser um dos requisitos para não sofrer de fadiga muscular, já que a causa desta na musculação é por meio de antecipação, não um esgotamento das fontes energéticas e acúmulo de metabólitos. Então, ter mais glicogênio significa ser capaz de treinar mais. Ter mais glicogênio também significa ser capaz de aumentar a mecanotransdução através da movimentação de mais carga, já que este processo é dependente de ATP para que a contração muscular sob alta tensão ocorra. Pensando na proteína, vimos que o fim da mecanotransdução é induzir a síntese de uma mensagem pelo núcleo da célula requisitando produção de proteínas intramusculares, principalmente actina e miosina. “Nada se cria, tudo se transforma”. Isto significa que para a hipertrofia muscular ocorrer é necessário substrato. E o substrato para a hipertrofia muscular é justamente a proteína provinda da dieta, é por isso que pessoas que objetivam isto necessitam de mais deste macronutriente. A gordura, por sua vez, tem o papel de garantir boa condutibilidade da membrana celular, produção de hormônios esteroidais, como a testosterona, e proporcionar maior adesão à dieta. 23 05 CARBOIDRATO NO BULKING O carboidrato proveniente da dieta é altamente conhecido no meio da nutrição esportiva, sendo o macronutriente mais importante no que tange o aumento da performance. Isso também vale para a musculação, ainda que a proteína seja o macronutriente chave para a hipertrofia muscular, é o carboidrato, através das suas formas de armazenamento no corpo, que promove o maior potencial de sinalização hipertrófica. Este macronutriente pode ser estocado como glicogênio, tanto no fígado como no músculo, através de duas diferentes enzimas e transportadores que fosforilarão a glicose a fim de aprisioná-la em determinado espaço intracelular. No fígado, a enzima que exerce essa função é a glicoquinase (ou hexoquinase IV) e o transportador, o GLUT2, enquanto no músculo, é a hexoquinase e o GLUT4. A glicoquinase apresenta um alto valor da constante de Michaelis (ou kM), o que induz a essa enzima ter baixa afinidade com a glicose. Isso é importante pois, o GLUT2 permanece constantemente translocado no fígado, estando sempre apto a captar glicose, algo que poderia causar uma hipoglicemia, caso a constante de Michaelis não fosse alta. O GLUT4 é acionado através da ação da insulina (por isso é tão importante ter uma boa sensibilidade à insulina). Este processo ocorre após o hormônio se ligar aos receptores de tirosina quinase, causando fosforilação do substrato de receptor insulínico através da conversão do 4,5-bifosfato de Inositol em 3,4,5-trifosfoinositol, que então irá recrutar as proteínas TBC1D1 e TBC1D4, causando dissociação da Rab da RabGTP através do acionamento da enzima RabGTPase. Existem outros mecanismos muito importantes, mas esse é o que mais se destaca (ver figura 1). O glicogênio dessas duas fontes têm funções semelhantes, mas se diferem em um fator: o glicogênio hepático fornece energia para todos os tecidos corporais, enquanto o músculo utiliza seu glicogênio para si mesmo. Isso é explicado por causa da inexistência de uma enzima no músculo, a glicose-6-fosfatase – a, responsável por causar a conversão da glicose-6-fosfato em glicose, permitindo com que ela circulasse pela corrente sanguínea a fim de ser direcionada para o tecido que necessita de energia. Outra explicação é a herança sobrevivencialista do organismo: imagine que você vive na pré-história. Sendo assim, existe sempre um predador à sua caça e a comida é escassa. Nesse sentido, caso não haja glicogênio muscular pronto para ser utilizado, a sua chance de morte é bem grande. Então, por mais que pareça que o músculo é egoísta, existem explicações bem convincentes para ele ser assim. Figura 7 - O músculo esquelético utiliza diferentes fontes de energia, todas para trabalho próprio. 25 O glicogênio hepático também atua no treinamento, mas dificilmente ele será utilizado na musculação, visto que a depleção de glicogênio muscular teria que ser grande o suficiente para que o corpo identificasse uma necessidade de mobilizar glicogênio hepático para o músculo. Isso pode ocorrer com quem está passando por um período de choque de volume ou treina com um volume muito alto. Embora o glicogênio não seja a única fonte energética do corpo, e nem de longe a mais abundante, ela é a mais utilizada durante exercícios de alta intensidade, como a musculação. Isso se dá pela velocidade de disponibilização de ATP através desta via. As três fontes energéticas que possuímos são através do ATP-CP, da quebra do glicogênio e da gordura. A primeira é bastante utilizada na musculação e em movimentos que requeiram grande rapidez para a contração muscular, mas é extremamente limitada, fornecendo ATP até cerca de 10-15 de contração muscular. Sendo o ATP a moeda energética que o corpo utiliza para basicamente tudo. O glicogênio muscular pode fornecer ATP dependendo da intensidade do exercício, até 10 minutos. Já a gordura, embora seja a mais abundante e mais eficiente, tendo em vista que, uma molécula de triacilglicerol fornece 136 ATP contra 32 ATP da utilização da glicose mediante fornecimento suficiente de oxigênio não é uma fonte utilizável durante o exercício de alta intensidade, justamente pela escassez de oxigênio. Entretanto, não há fornecimento que atenda a demanda de oxigênio pela massa muscular esquelética durante os exercícios da musculação, visto que a taxa de utilização de oxigênio pode aumentar em cerca de 100x. Portanto, a glicólise é realizada de forma anaeróbica. Invés dela produzir 32 ATP, ela produzirá 4 ATP, muito menos, porém muito mais rápido. 26 Figura 8 - Substrato energético de acordo com a intensidade do exercício. Ter essa fonte energética prontamente disponível tem uma outra explicação também: a quebra do glicogênio muscular é dependente do influxo do cálcio. No capítulo anterior, citei o fundamental papel do cálcio no sarcoplasma para desempenhar a contração. Ele também é um sinalizador da quebra do glicogênio para que ele seja utilizado como energia. Para que o glicogênio seja utilizado, ele precisa ser convertido até a glicose-6-fosfato, e para isso, ele precisa sofrer ação da enzima glicogênio fosforilase, a enzima de desramificação e a de fosfoglicomutase. A mais importante é a glicogênio fosforilase, que inicia essa cadeira de reações. A glicogênio fosforilase tem um sítio de ligação para o cálcio, através da formação do complexo cálcio-calmodulina. Quando o cálcio se liga à esse sítio, ele torna a glicogênio-fosforilase ativa, quebrando então o glicogênio até glicose-6-fosfato, e ele passará pelo processo de quebra da glicose, a glicólise, no caso da musculação, a anaeróbica. 27 Vejam que genial: a contração muscular é dependente de ATP e de cálcio. Sendo que, o cálcio permite a contração muscular ao mesmo passo que disponibiliza ATP através do glicogênio. É uma maquinaria celular perfeitamente funcional e eficiente. Também temos o glicogênio muscular localizado em outros três locais: entre as fibras musculares e dentro das mesmas, isso garante ainda mais rapidez para a geração energética. Como foi citado no capítulo anterior também, o início do exercício com baixos níveis de glicogênio muscular é um dos requisitos para a queda de performance. Menos performance = menos mecanotransdução = menos hipertrofia. A capacidade do estoque de glicogênio hepático é de 70-120g, enquanto o glicogênio muscular reside da casa dos 300-700g a depender da quantidade de massa muscular do indivíduo. Portanto, quanto mais músculo, maior é a capacidade do estoque. O carboidrato é também o principal combustível das células imunes como os granulócitos, monócitos, macrófagos, leucócitos, etc., enfim, este macronutriente é essencial para a boa performance, recuperação e fornecimento energético para treinos mais potentes. Entretanto, a recomendação diária sofre grandes interferências devido, justamente, ao fato dele ser a fonte energética preferencial do corpo. Algumas pessoas gastam mais energia na sua rotina por serem mais ativas, treinarem mais, terem uma melhor sensibilidade à insulina devido à própria genética, enquanto outras gastam menos pelos mesmos motivos. Logo, é difícil estabelecer um número concreto. O que observamos nas dietas voltadas para a hipertrofia é que o carboidrato fica em torno de 50% das calorias totais ou de 4-8g/kg. Estabelecerei um método funcional para obter a quantia exata para a sua dieta nos próximos capítulos. 28 06 PROTEÍNA NO BULKING A proteína é o macronutriente chave para crescer. Como foi discutido no capítulo “sinalização hipertrófica e a importância da nutrição”, o processo de síntese proteica culmina, através de diversas vias, na emissão de um RNA mensageiro pelo núcleo da célula muscular, para que ele seja traduzido pelo ribossomo e a proteína seja fabricada. Pensando em termos evolutivos, este macronutriente é o que forneceu a base para que nos adaptássemos. A proteína participa de diversos processos metabólicos, sendo encontrada em tecidos fibrosos, como a queratina, o colágeno, a fibrina, a miosina, a titina, etc., também é encontrada nos tecidos globulares/dinâmicos, por exemplo as enzimas, o sangue, a albumina (transportadora de gordura) e formação das células do sistema imune. A distribuição de aminoácidos, produto da digestão das proteínas, é feita de acordo com a demanda do organismo. Ou seja, a partir de estímulos ambientais ou renovações proteicas, podendo ser desde uma lesão até o crescimento capilar, os aminoácidos serão fornecidos por meio destes. Aproximadamente 400g de proteína sofre o chamado “turnover proteico” — o processo de transformar determinadas proteínas em outras pela necessidade percebida do próprio corpo. Vou aproveitar esta informação e dar algumas explicações sobre porque alguns suplementos proteicos são inúteis. Muitas pessoas costumam suplementar colágeno a fim de melhorar a pele, a unha e o cabelo. Como vimos, tanto no processo digestivo da proteína, em que ela será quebrada em aminoácidos, quanto na circulação sistêmica (sangue), não é a nossa boa vontade que direcionará eles, e sim a demanda. Outro ponto importante a ser citado é que o colágeno é uma proteína de baixo valor biológico, visto que contém poucos aminoácidos na sua composição. A suplementação de BCAA segue a mesma lógica, mas tem alguns agravantes: já temos BCAA em abundância numa dieta hiperproteica; embora a leucina seja o aminoácido que mais estimula a síntese proteica, através de uma forte ligação à P70S6K e os miotubos humanos, de nada adianta isso se a dieta não fornece todos os aminoácidos para fabricar proteínas complexas, também vale a pena citar que ingestões superiores a 3g de leucina não produzirão efeito adicional algum; a absorção de BCAA na forma de suplemento é limitado, visto que eles competem pelo mesmo transportador; não adianta suplementar BCAA durante o exercício para poupar massa muscular, a atividade enzimática da geração energética a partir da proteína é baixa, contribuindo com no máximo 5% do total de energia utilizado durante o exercício, além de a prioridade durante o treinamento não ser poupar tecidos, e sim gerar energia, logo, vale mais a pena utilizar carboidrato. Podemos ver então que a suplementação de aminoácidos e proteínas incompletas é desnecessário para aumentar a síntese proteica ou diminuir a degradação muscular. Para que a hipertrofia ocorra, é necessário o balanço nitrogenado positivo. A proteína é um composto que contém um nitrogênio na sua composição química, que juntamente com o grupamento R, confere a sua função no organismo. Portanto, precisamos reter mais proteína do que descartar. O descarte do excesso proteico ocorre através da urina, na forma de ureia. 30 O grupamento nitrogênio é removido do aminoácido, se liga ao glutamato/ glutamina/aspartato/alanina (dependerá de qual tecido esse aminoácido está sendo retirado e em que momento metabólico. Por exemplo, no exercício, o piruvato se liga ao nitrogênio formando alanina que seguirá para o fígado e será fornecido para o glutamato) segue para o ciclo da ureia, que formará inicialmente carbamoil-fosfato e ao fim, ureia. Outros importantes compostos formados são a arginina, citrulina e ornitina durante esse processo. Podemos perceber, a partir disto também, que não adianta comer proteína em excesso, o que não for utilizado para a síntese proteica, seguirá outras rotas metabólicas, e a maioria não é utilizado. A proteína não serve somente para fabricar novos tecidos, na verdade, maioria é retida durante o processo digestivo (50% da ingestão), 40% vira energia — intermediários do ciclo de Krebs, Acetil-CoA ou piruvato, estes participarão do processo chamado gliconeogênese — formação de glicose a partir de compostos que não são glicose em si, ou a própria glicólise, e cerca de 10% segue para a síntese proteica. É possível aumentar um pouco essa proporção através do treinamento resistido. O motor primário da hipertrofia muscular, pelo menos em indivíduos saudáveis, é o treinamento com pesos. Porém, se o RNAm carregar a informação para o ribossomo da célula de que X quantidade de aminoácidos precisam estar circulantes para que mais miosina e actina sejam sintetizadas. Entretanto, devido ao baixo fornecimento da dieta, apenas X-3 aminoácidos estão disponíveis,sendo assim, a hipertrofia muscular será impossível de ocorrer. 31 Figura 9 - As vias da hipertrofia culminam na requisição de aminoácidos para sintetizar proteína muscular. Logo, o intuito de comer mais proteína é: garantir a quantidade suficiente para os processos vitais para a manutenção da vida — renovação de tecidos estruturais como o tendão, reparo e renovação de fibras musculares do músculo liso e cardíaco, sintetizar mioglobina, sintetizar transportadores, sintetizar enzimas, enfim, manter o corpo funcional, e então, a partir do estímulo ambiental, que é o treinamento, reparar as fibras musculares que sofreram dano pelo treinamento e sintetizar novas fibras para suportar novas cargas de trabalho. 32 07 GORDURA NO BULKING A gordura não influencia diretamente na performance no treinamento para a hipertrofia muscular, mas ela prepara o terreno celular, garante maior adesão à dieta e fornece substrato para a produção hormonal, principalmente os esteroidais. O processo de digestão da gordura, que se inicia no estômago e finaliza no intestino delgado, na porção jejuno, tem como produtoso 2-monoacilglicerol, que pode ser convertido tanto para o gliceraldeído-3-fosfato, um intermediário da quebra da glicose, portanto, pode dar origem à esta, como também pode ser utilizado para sintetizar gordura; colesterol e ácidos graxos livres. O colesterol é o precursor dos hormônios esteroidais como a testosterona, o cortisol, o estrogênio e a aldosterona. Todos estes, dentro de um equilíbrio, possuem papéis muito importantes para garantir a máxima hipertrofia muscular. Figura 10 - O colesterol é precursor de diversos hormônios. Os hormônios esteroidais são originados através de células esteroidogênicas, que por possuírem uma cavéola revestida de clatrina, são capazes de interagirem com o LDL e o HDL para captar colesterol e dar início à produção dos hormônios através de um precursor em comum: a pregnenolona. Modificações após este substrato são realizadas, de acordo com o órgão que está envolvido na produção para determinar o hormônio gerado. A testosterona, o hormônio mais anabólico da massa muscular, tem a capacidade de interagir com receptores androgênicos e causar proliferação destes, e isto causa a cascata de eventos citada no capítulo “sinalização da hipertrofia muscular e a importância da nutrição”. O cortisol, ao contrário do que muitos pensam, também é importante. Ele é capaz de perceber a desorganização celular, a quebra da homeostase desenvolvidas pelo treinamento e promover reparo e fortalecimento do tecido muscular através da síntese proteica. Além disso, é extremamente importante que o cortisol aja durante o treinamento, já que ele é capaz de impedir a absorção da glicose, protegendo contra uma possível hipoglicemia devido à contração muscular, e priorizar a oxidação de gordura. 34 O estrogênio também desempenha seu papel, promovendo maior absorção de cálcio no trato digestivo, mantendo a saúde óssea através da regulação da atividade de desmineralização e calcificação óssea, bem como influenciar na distribuição de gordura no corpo. Ter o estradiol, principal hormônio estrogênico, baixo demais pode levar à fragilidade óssea pela maior desmineralização e favorecer o acúmulo de gordura na porção central (abdominal) do corpo. Essa gordura, principalmente visceral, é capaz de aumentar o estado inflamatório através da maior produção de citocinas inflamatórias, prejudicando a hipertrofia. A aldosterona, por sua vez, é uma das responsáveis pela manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico (níveis de sódio e potássio), principalmente durante o exercício. Caso a aldosterona não agisse durante o treinamento, uma hiponatremia poderia ocorrer, levando até a um coma. Também tem a função de evitar câimbras, embora os mecanismos sejam muito elucidados, mas sabe-se que o equilíbrio dos níveis de sódio e potássio são fundamentais para a prevenção. Portanto, a gordura é fundamental para a hipertrofia, embora não por vias diretas, como o carboidrato e gordura. Mas não basta ser qualquer gordura. Há duas principais formas deste macronutriente: as saturadas e as insaturadas. As saturadas são encontradas principalmente em alimentos de origem animal e óleos vegetais tropicais — óleo de palma, óleo de coco, manteiga, e tem este nome devido à sua estrutura química de carbonos não haver nenhuma dupla ligação, pois elas estão todas ligadas ao hidrogênio. Elas têm, quando em excesso, efeito deletério para a hipertrofia muscular, já que geram muitos quilomícrons (distribuidores de gordura na corrente sanguínea para os tecidos), e em um padrão de alimentação mais processado, que por característica tem mais gordura saturado, é mais aterogênico e favorece o acúmulo de gordura central. Já as insaturadas, encontradas principalmente nos alimentos de origem vegetal (principalmente os de origem não tropical) possuem um impac- 35 to metabólico melhor. Desde que numa dieta ajustada, sua ingestão melhora a sensibilidade à insulina, elas geram menos quilomícrons quando comparado à gordura saturada. Os alimentos que a contém são muito saudáveis, possuindo fitoquímicos que auxiliam a hipertrofia e o desempenho no treinamento, como a óleoletanolamida, importante reguladora da saciedade; o betahidroxibutirato e a oleuropeína, que promovem produção de UCP3 nas mitocôndrias, aumentando a taxa metabólica basal (mas não se engane pela via mecanicista, o impacto, embora exista, é baixo). Enfim, a gordura insaturada tende a ter um melhor impacto metabólico que a saturada. Outros mecanismos para isto é que a gordura insaturada reduz o crescimento de placas ateroscleróticas, reduz a resistência vascular e aumenta a produção de óxido nítrico, um gás vasodilatador. Além do mais, ter muita gordura saturada na dieta é um forte indicador do desenvolvimento de câncer e outras DCNTs (doenças crônicas não transmissíveis), e sem saúde não há hipertrofia muscular. Figura 11 - Diferença estrutural entre gordura saturada e insaturada. 36 08 COMO CALCULAR AS CALORIAS E O SUPERÁVIT CALÓRICO IDEAL Para integrar os macronutrientes com a finalidade de favorecer a hipertrofia muscular, é necessário o aporte calórico necessário. Como foi mencionado diversas vezes aqui: nada se cria, tudo se transforma. Portanto, é necessário de calorias para transformá-las no principal objetivo: o ganho de massa muscular. Este tópico poderia ser extremamente extenso, mas como já foi abordado em detalhes o que deve ser pensado, no que tange à nutrição em termos fisiológicos e bioquímicos, para a hipertrofia muscular, deixarei ele de fácil consumo. Para calcular as calorias que um indivíduo necessita com um bom grau de precisão é importante conhecer as equações de estimativa da taxa metabólica basal para cada público e aprender sobre o fator atividade, que engloba todos os gastos calóricos além da TMB. Mas fique calmo(a), vou apresentar uma ótima forma de simplificar tudo isto e aplicar de maneira muito fácil. A Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (ISSN) estabelece recomendações de consumo calórico para indivíduos praticantes de exercício, desde recreativos até atletas. Porém, essas recomendações são para indivíduos que praticam exercícios como corrida e/ou endurance — atividades que envolvem maior gasto de energia quando comparado à musculação. Mas ao longo dos anos observei dietas de atletas de fisiculturismo, me tomei como ponto de vista também, outros praticantes de musculação e troca de informações com outros nutricionistas. Percebi que as recomendações podem ser aplicadas para quem pratica musculação, mas a faixa inferior é aquela que mais costuma trazer bons resultados. Considerando que o superávit calórico ideal para o bulking é de 300-1000kcal, a depender do nível de treinamento, da rotina, do uso ou não de esteroides anabolizantes, do volume de treino, da genética, da capacidade metabolização e sensibilidade à insulina do indivíduo, a recomendação de 40-70kcal/kg da ISSN para ganhar peso é assertiva. Dica de ouro para chegar à conclusão da quantia calórica de início: tenha base em como está sua dieta atualmente e como o peso vem se comportando. Por exemplo: Está mantendo o peso com 40kcal/kg por dia? Aposte em 45, veja como ele se comporta. Não sabe como está o aporte calórico? Comece com 40kcal/kg e veja a resposta. Abordarei em detalhes como a evolução no bulking deve ser avaliada nos próximos capítulos. Mas nesse, deixarei simples e rápido: ingira 40-70kcal/ kg para ganhar peso favorecendo a hipertrofia muscular a partir de uma boa demanda, o treinamento. 38 09 INTEGRANDO OS CONCEITOS: Dividindo as refeições e macronutrientes Agora que você já sabe a importância de cada macronutriente para a hipertrofia muscular, é necessário dividir as refeições ao longo do dia de maneira a otimizar esse processo. Algumas dúvidas bem comuns neste tópico são: pode comer carboidrato com gordura?; pode comer diferentes tipos de alimentos fonte de carboidrato? E proteína?. Sim, você pode fazer a mistura que quiser, pois ela não haverá impacto negativo na hipertrofia muscular. Tempo de absorção de nutrientes não é um problema, na verdade, é até aconselhável que ele seja mais lento. Como não temos estoque de aminoácidos no corpo, é necessário um constante fornecimento destes para a síntese proteica muscular. Devido a isto, não é interessante ter uma rápida disponibilização de aminoácidos na corrente sanguínea, já que o músculo tem capacidade limitada de captá-los. Quanto ao carboidrato e gordura, claro, considerando que eles serão obtidos a partir de alimentos saudáveis, o produto da digestão será: glicose, frutose, galactose e ácidos graxos. Portanto, independente dos alimentos que forem ingeridos, eles se tornarão a mesma coisa. Então, pode misturar diferentes fontes sem problema algum. A maior preocupação no que tange o fracionamento das calorias e macronutrientes ao longo do dia é garantir uma boa adesão, facilitando a sua rotina, por exemplo ter que comer no trabalho num período curto, e como citado acima, manter uma constante aminoacidemia — fornecimento de aminoácidos gradual. Para que os aminoácidos não sejam direcionados para a oxidação e excreção em excesso, é recomendável que você espalhe a ingestão total diária em 4 refeições de 0.25 - 0.6g/kg, espaçadas de 3-5h entre si, totalizando 1.6 - 2.2g/kg diários. Aproveitando este ponto, o espaçamento entre refeições serve para dois quesitos: facilitar a adesão à dieta e manter a aminoacidemia constante. Comer de 3 em 3h não tem nenhum benefício para o metabolismo. O que importa de fato para “acelerar” o metabolismo é, como discutido nos capítulos anteriores, a sua composição corporal, genética e ingestão calórica. Portanto, respeitando os intervalos citados acima, coma na frequência que desejar. Sobre o carboidrato e seu horário de ingestão, não há problema em comer no período noturno nem matutino. Embora o metabolismo sofra alterações de acordo com o ciclo circadiano — objeto de estudo da crononutrição — quem deve ter maior atenção a isso são pessoas com obesidade e/ou diabéticas. Entretanto, quem está em bulking pode se aproveitar desses efeitos fisiológicos. Durante a noite, enzimas reguladores chaves no processo de oxidação da glicose e estoque de glicogênio, principalmente a fosfofrutoquinase e a glicogênio sintase, sofrem redução na sua atividade, já que mudanças na luz através do ciclo dia/noite são percebidas através de células do cristalino ocular sensíveis à luminosidade, sinalizando o núcleo supraquiasmático através do trato retina-hipotálamo (lembre-se que o hipotálamo é o centro integrador de informações do encéfalo) e do núcleo geniculado lateral, que não é hora de se alimentar, e sim de dormir. 40 Esse efeito fisiológico diminuirá a sensibilidade à insulina, favorecendo o ganho de gordura, já que outras enzimas, comoa acetil-CoA carboxilase e ácido graxo sintase, ainda estão em plena atividade e haverá maior emissão de insulina para lidar com um determinado aporte de carboidrato, que se ingerido durante o dia, seria menor. Figura 12 - O ciclo circadiano afeta o comportamento dos nutrientes. E por que esses efeitos devem ser levados em conta para quem está em bulking, se o público estudado são obesos e diabéticos? A obesidade e o diabetes (o tipo 2) são produtos do superávit calórico crônico (claro, há uma grande influência genética, mas é possível causar essas doenças através da exposição à calorias em demasia a longo prazo). No bulking, por mais que o metabolismo sofra importantes modificações através do treinamento, estamos em superávit calórico, logo, estamos caminhando em direção ao desenvolvimento dessas DCNTs. Por isso é tão importante controlá-lo e ser extremamente atencioso. Portanto, preferencialmente, consuma grande parte das suas calorias durante o dia, período este em que a sensibilidade à insulina está aumentada. Em resumo: fracione as refeições de acordo com sua preferência, pode misturar carboidrato, gordura e proteína na mesma refeição; consuma pelo menos 4 refeições com proteína espaçadas de 3-5h entre si; consuma maior parte das calorias durante o dia, e não à noite, por precaução. 41 Em relação à divisão de macronutrientes, como foi possível perceber nos capítulos anteriores, isto é algo mais complexo. Mas para facilitar a sua vida, aqui está uma lógica que é funcional e efetiva: A primeira parte para calcular sua dieta deve ser a proteína. A partir das calorias totais que devem ser ingeridas, subtraia a quantia calórica que a proteína deve ocupar. Por exemplo: você pesa 80kg, necessita de 3000 calorias para a primeira fase do bulking, e adotou 2g/kg de proteína. Como a proteína gera 4kcal/g, ela ocupará 640 kcal, sobrando 2360 kcal para trabalhar. Parta agora para a gordura. As recomendações vigentes para ingestão de gordura é 0.5-1.5g/kg. Vamos supor que você adotou 1g/kg, isso gerará 720 kcal. Sobrará 1640 kcal. Como o carboidrato é o macronutriente mais variável e abundante na dieta, todo o resto deverá ser composto por ele. 1640 kcal serão provindas de carboidrato, que garantirá 410g, e se lembrarmos das recomendações, isto se encaixa na faixa recomendada de 4-8g/kg, já que essa quantia representa 5.12g/kg. 42 10 ESCOLHENDO OS ALIMENTOS Aqui mora um dos pontos mais importantes do bulking: escolher os alimentos corretos. Primeiro, vou reforçar a parte fisiológica: nós não comemos macronutrientes, e sim alimentos ricos em determinados macro e micronutrientes, e a depender da fonte, eles terão diferentes impactos no metabolismo. Obter o carboidrato através do arroz é muito diferente de obter através do leite condensado. Veja, não estou fazendo juízo de valor, mas sim estabelecendo um fato — diferentes alimentos causam diferentes impactos metabólicos. Utilizar muitos alimentos ultraprocessados na dieta pode causar todos aqueles efeitos que foram descritos nos capítulos anteriores, como o afrouxamento das zonulinas, piora na sensibilidade à insulina, favorecimento do estoque de gordura, piora na oxidação da glicose, logo, prejudicando a hipertrofia. Portanto, a base da sua dieta deve ser composta de alimentos saudáveis, com base nas suas preferências alimentares. Deixarei aqui uma lista de alimentos, divididos de acordo com sua riqueza de macronutrientes. ALIMENTOS RICOS EM CARBOIDRATO ALIMENTOS RICOS EM PROTEÍNA 44 ALIMENTOS RICOS EM GORDURA LEGUMES/VERDURAS/VEGETAIS* * Desconsiderem as calorias desse grupo de alimentos. É irrelevante e nem todas as calorias são aproveitadas, devido à característica fibrosa deste grupo. Coma pelo menos 400g por dia para ter uma boa sensibilidade à insulina e saúde intestinal. * Livre consumo. 45 11 PRÉ E PÓS TREINO, AS REFEIÇÕES MAIS IMPORTANTES? Creio que a este ponto do ebook, se você leu todos os outros capítulos, já tem uma certa ideia de se as refeições mais importantes do seu dia serão as refeições pré e pós treino, pensando em hipertrofia muscular. A verdade é que não. Todas as refeições têm impacto igual na sua performance e no ganho de massa muscular e as razões por trás disso são bem simples. Embora muitos acreditam que a energia fornecida para o treino seja através daquilo ingerido imediatamente antes da sessão, ou em 2-3h antecedentes, não é bem assim que funciona. Ainda que possamos disponibilizar energia rapidamente para o treino ingerindo somente carboidrato em 60-90min antes do treino, como por exemplo, leite condensado, doce de leite, entre outros alimentos ricos em carboidrato de rápida digestão, isso não é algo significativo, pois eles não terão tempo de formar glicogênio, a principal forma de combustível energético para o treinamento. Todas as refeições que antecedem a sessão de treino, são o pré treino. Isto porque o glicogênio muscular leva de 4 a 6h para ser sintetizado a partir do momento de ingestão de alimentos com carboidrato. Então somente aquilo ingerido neste intervalo será proveitoso? Não. O músculo estoca glicogênio e o utiliza para si mesmo, somente quando exercitado. Diferentemente do glicogênio hepático, devido à ausência da enzima glicose-6-fosfatase, ele não contribui para a manutenção da glicemia durante períodos de jejum. Sendo que, mesmo quando você estiver treinando, somente o músculo ativo sofrerá queda de glicogênio muscular, todos os outros tendem a preservar ou ter mínimas alterações negativas no seu conteúdo. É estimado que, mediante um treino de musculação, a queda de glicogênio chegue até a 70%. Nunca haverá uma depleção total, pois temos mecanismos que impedem isso. Portanto, esgotar o glicogênio é colocar a célula muscular à beira da morte. Nesse sentido, qualquer refeição realizada antes do treinamento daquele determinado músculo, seja em 6 ou 24h, será convertida e estocada como energia potencial para ele. Quanto à refeição pós treino, ela tem um maior impacto no que tange a hipertrofia muscular. Porém, quando se refere a esse período, não é 30-45min como se acreditava no passado. Os eventos de transcrição e elevação da síntese proteica são iniciados em cerca de 4h após o início da sessão de treino, e podem permanecer elevados até 48h em indivíduos iniciantes na musculação, e em indivíduos avançados, o pico de aproveitamento proteico parece ser em cerca de 6h, e permanece elevado até 18-24h, pois são pessoas mais eficientes na síntese proteica. Lembrando que a SPM não é somente para a construção muscular, é também para a reparação. Figura 13 - A síntese proteica muscular se mantém elevada durante um bom tempo após o exercício. 47 E para definir a verdadeira importância desta refeição, é necessário estabelecer dois quadros: quem treina em jejum e quem treina em estado alimentado. Como já foi citado anteriormente, o corpo não possui estoque de aminoácidos como existe com a gordura e o carboidrato. Embora haja renovação proteica através do processo denominado turnover proteico, não é algo que ocorra a partir de um estoque, e sim de tecidos já consolidados que quebram seus aminoácidos e fornecem para outros. Portanto, quando o treino é realizado no estado metabólico de jejum, a urgência de ingestão proteica após o treino é maior, para que haja um ótimo aproveitamento proteico e o músculo trabalhado não sofra grande degradação proteica. Um tempo bom, por precaução, é cerca de 1h após o término da sessão. Já quem treina em estado alimentado, não necessita ter grande urgência, já que até mesmo durante o treino, estará ocorrendo liberação gradual de aminoácidos provindo da digestão e processamento destes. 48 12 A IMPORTÂNCIA DA INGESTÃO DE ÁGUA DURANTE O BULKING Fator muito negligenciado pela maioria das pessoas, sejam aquelas que buscam saúde de forma geral, ou até que buscam performance na academia ou em exercícios de endurance, é a ingestão de água. E o preço por se esquecer dessa ingestão é caro. A água constitui cerca de 70% da massa corporal total de um indivíduo, diferindo levemente entre homens e mulheres pela composição corporal. Ela participa de inúmeras reações metabólicas — produção energética, quebra de gordura e processos de hidrólise. Portanto, para que você tenha boa disponibilização de energia durante o treinamento é fundamental que você esteja hidratado. Indivíduos que treinam em locais quentes necessitam de atenção extra ao consumo hídrico. Temperatura e umidade alta são um problema para a performance. Quando o exercício é iniciado, o consumo de oxigênio aumenta como tentativa de atender à demanda energética, já que esta precisa de oxigênio para funcionar, e a cada litro de oxigênio consumido, 4kcal são dispensadas em forma de calor, enquanto 1kcal é utilizada como energia mecânica. É como se o organismo fosse uma máquina que necessita acelerar para produzir mais energia e para evitar o superaquecimento, transpira. Para intensificar a perda de água corporal e assim causar resfriamento, o fluxo sanguíneo passa a ser mais direcionado para a pele, para que a água seja transportada, sofra evaporação e a temperatura corporal seja mantida em estado estável (cerca de 37.7 graus celsius). Quando a temperatura do local é alta, a transpiração pode ocorrer até mesmo em estado de repouso, levando à alguns efeitos caso não haja a reposição: quebra do glicogênio aumentada devido ao estado de estresse; prejuízo à membrana celular, permitindo a entrada de agentes patógenos e piorando a resposta imune; hiponatremia (queda de eletrólitos, principalmente o sódio), levando à câimbras, prejudicando a contração muscular pela impossibilidade da propagação do potencial de ação e letargia durante o exercício. Durante o bulking, é normal que a retenção hídrica ocorra, porque é através da insulina que este evento acontece. Como maiores quantidades de glicose estão sendo aportadas, é necessário que haja maior retenção de sódio, pois o transportador da glicose (SGLT1) no lúmen intestinal é dependente do sódio. Além disso, para que a glicose seja estocada em forma de glicogênio, é necessário que sua estrutura química seja acompanhada de 3 moléculas de água, o que significa que, a cada 1g de glicogênio, é estocado 3g de água. Porém, a retenção em excesso não deveria ocorrer, e para isto, é necessário um bom consumo de água, para que o corpo entenda, através da ação dos hormônios ADH e aldosterona, que não existe motivo para retenção hídrica excessiva. Para quem utiliza esteroides anabolizantes, isto é ainda mais importante, já que tende a haver um aumento da pressão arterial. Outros pontos importantes a serem citados é justamente a manutenção do volume plasmático, fazendo a regulação da P.A., manutenção do hematócrito (viscosidade sanguínea), logo, mantendo uma boa saúde cardiovascular. 50 Uma boa ingestão reside na casa dos 25-50ml/kg. Quanto maior for seu nível de atividade e exercício físico, vivendo em locais com temperatura alta, mais próximo sua ingestão deve estar do limite superior. Beba água. 51 13 REFEIÇÕES LIVRES, COMO FAZER E QUANDO FAZER As refeições livres devem ser feitas com extrema cautela durante o bulking. A hipertrofia muscular não tem dose-dependência do superávit calórico, ela depende de um bom tempo de exposição à este, mas não da intensidade, porém, a hipertrofia do tecido adiposo tem dose-dependência, e seu ganho exagerado prejudica a hipertrofia. Muitas pessoas encaram o bulking como um período de férias da dieta, realizando refeições livres com muita frequência e sem controle das calorias ingeridas. Isto num ambiente de superávit calórico, onde todas as adaptações fisiológicas e bioquímicas estão favorecendo o anabolismo, amplia ainda mais a capacidade de estocar gordura. Portanto, a refeição livre deve ser programada previamente, com dia e data definida. Quando você sabe o momento em que será realizada e o que comerá, a imprevisibilidade e hipervalorização do momento tende a ser menor, ajudando o autocontrole. A refeição livre também não é totalmente livre, ela tem uma meta calórica máxima que não deve ser ultrapassada. Calorias são calorias, e se você exagerar, irá engordar. Outro ponto: refeição livre é somente UMA refeição, e não um dia inteiro. Sabendo de todos estes pontos cruciais, existem duas maneiras de realizá-la: uma para quem não tem muito autocontrole e experiência com dieta, e outra para quem já é bem experiente e tem autocontrole. A primeira maneira é a tradicional: você reservará um dia para a refeição livre. Substitua uma refeição (ou duas se o aporte calórico não estiver muito alto — cerca de 3200 kcal), pela livre, com no máximo 1000 kcal podendo ser ingeridas. Algumas estratégias para manter o autocontrole: cumpra seu planejamento alimentar de maneira consistente, e deixa uma refeição 2h antes da livre, para que seu sistema hedônico e de apetite esteja bem controlado, evitando exageros; dê preferência à associar a refeição livre com atividades em família ou amigos — faça a comida ser o coadjuvante, e não o protagonista; programe o que irá comer; assim que finalizar a comida, diminua sua exposição à ela. E a segunda maneira de realizar a refeição livre é para quem já tem boa experiência, muito autocontrole e tem um alto consumo calórico: a partir da sua ingestão semanal, separe uma quantia de calorias para serem ingeridas de forma livre, sem dias pré-programados. Por exemplo: sua ingestão diária deve ser de 4200 kcal, na semana isto seriam 29400 kcal. Separe 2000 kcal para ser ingerido de forma livre, de acordo com os dias que tiver vontade. Em ambas as maneiras, saiba que o autocontrole, monitoramento e programação são imprescindíveis para que a refeição livre não acabe com seu bulking. 53 14 ESTRATÉGIAS NUTRICIONAIS Ciclo do carbo, Jejum intermitente e carb back loading Separei as 3 estratégias nutricionais mais conhecidas para abordar neste capítulo, embora existam diversas, mas o raciocínio para as demais seguem os mesmos que serão apresentados aqui. O ciclo de carboidrato é a estratégia mais conhecida no fisiculturismo, ela reside na oscilação da ingestão deste macronutriente ao longo de uma semana ou ao longo das semanas, respeitando uma meta semanal. Por exemplo, sua ingestão semanal é de 2.800g (400g por dia), no ciclo ao longo da semana, poderão haver dias com 200g, outros com 600g. Já no ciclo ao longo das semanas, deverá haver um cálculo mensal, e a distribuição dele será feita com as semanas. Embora não haja estudos com o ciclo de carboidrato para o emagrecimento, vemos na prática que ele tende a funcionar, principalmente em pessoas que treinam musculação, fazem cardio e têm um percentual de gordura corporal baixo. Os mecanismos mais aceitos atualmente são: prevenção da termogênese adaptativa, já que os estoques de glicogênio ficam ligeiramente mais altos, o que sinaliza alta disponibilidade energética, “acelera” o metabolismo por promover choques de caloria, aumenta o desempenho por ter mais energia disponível, aumenta a sensibilidade à insulina, aumenta a leptina e o T3. Porém, isto é visto em situações voltadas para o emagrecimento. Será que funcionaria em bulking? Bem, como não temos estudos avaliando, o que entrega a resposta é a prática. Não é observado vantagens no bulking, pois todos aqueles mecanismos, citados anteriormente, ocorrem justamente pelo ambiente proporcionado pelo déficit calórico. No bulking já está ocorrendo um constante “choque” no metabolismo devido ao aporte calórico, e não há como prevenir uma termogênese adaptativa no superávit calórico, já que ocorre somente em déficit. Portanto, não há eficácia. O jejum intermitente, por sua vez, consiste na prática de períodos longos de ausência de alimentação e janelas estipuladas para as refeições. Não abordarei os mecanismos que muitos profissionais alegam, como a autofagia, melhora do humor, aumento da longevidade, pois todos são alegações sem fundamentos, beirando a mentira e charlatanismo. Pensando na hipertrofia muscular, o jejum intermitente não é interessante por duas razões: limita a aminoacidemia e concentra um grande volume alimentar em um curto período de tempo. Para que a hipertrofia muscular ocorra, é necessário um constante fornecimento de aminoácidos para o músculo, algo que é conseguido através do fracionamento da ingestão proteica em 24h. Quando a janela de alimentação é restrita a 8-10h, isso fica impossibilitado, logo, o músculo passa a sofrer mais degradação proteica do que síntese, prejudicando o ganho de massa muscular. 55 Outro ponto é que, durante o bulking, é normal que o apetite seja diminuído, isso ocorre através de mecanismos fisiológicos que barram o ganho de peso — maior produção de hormônios anorexígenos, como a insulina, leptina, CCK, PYY, GIP, GLP-1, oxintomodulina, amilina, nesfatina-1. Uma das formas de driblar isto é justamente espaçando as refeições e diminuindo o volume alimentar. No jejum intermitente essa habilidade se torna restrita pela janela de alimentação curta. Porém, se sua rotina se encaixa somente com a prática do jejum intermitente, devido às longas jornadas de trabalho, não há muito o que fazer. Então, reduza ao máximo o volume alimentar e mantenha um espaçamento de 2h entre as refeições. Já o carb Back loading, idealizado pelo fisiculturista John Kiefer, consiste na prática de concentrar toda sua ingestão diária de carboidrato na refeição pós treino, por a ser um momento mais propenso ao reestoque de glicogênio e não a formação de gordura — translocação de GLUT4, aumento da atividade da glicogênio sintase e maior sensibilidade à insulina. Entretanto, existem alguns problemas nesta estratégia: uma das alegações seria o menor estímulo de insulina ao longo do dia, no entanto, a proteína e a gordura também a estimulam, através da secreção de GLP-1 e CCK. Além disso, o pico glicêmico e insulínico seria extremamente alto após o treino, compensando a frequência na intensidade; é possível gerar desconfortos gástricos com essa prática, imagine concentrar 400g de carboidrato em um período de 1-2h; o que determina o ganho de gordura não é o momento de ingestão do alimento, e sim o superávit calórico ao final do dia. Portanto, a CBL é ineficaz. Basicamente, toda estratégia que traga promessas tende a ser falha. A melhor estratégia, portanto, é um planejamento alimentar que facilite sua adesão, gerando consistência. 56 SEGREDOS DO BULKING 15 1º SEGREDO: Comer de forma certa na bacia Um bom bulking deve ser feito comendo na bacia. É isso que vai te trazer resultado. Mas não é enchendo a bacia de Nescau ball, leite e achando que ganhará kilos e kilos de massa muscular. Não vai. Você só ganhará gordura. A forma correta de comer na bacia é caprichando em legumes, vegetais e verduras. E por que comer eles? Porque são ricos em fibras, proporcionando um bom perfil glicêmico, lipídico e funcionamento intestinal; porque fornecem pro bióticos, melhorando a sua microbiota e permitindo uma melhor absorção e digestão dos alimentos; porque garantem todos os micronutrientes que você necessita, sem precisar de multivitamínicos; porque melhoram sua imunidade através do fortalecimento das zonulinas. Não existe bulking sem organismo saudável. Não adianta comer 1kg de arroz no dia se seu intestino não comporta esse volume, se sua imunidade está ruim, se sua ingestão de micronutrientes (que são cofatores para a produção energética) está deficitária. A ingestão mínima de legumes, vegetais e verduras no dia é de 400g, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, então trate de comer na bacia. Não se esqueça das frutas também, elas devem estar na mesma quantidade. A lista deles está no capítulo “escolhendo os alimentos”. 58 SEGREDOS DO BULKING 16 2º SEGREDO: A sensibilidade a insulina Aqui reside um grande segredo do bulking bem feito — a sensibilidade à insulina. Mas o que seria a sensibilidade à insulina, antes de eu entregar a rota até alcançar esse segredo? A insulina é um hormônio peptídico que age através do receptor tirosina-cinase em diversos tecidos, sendo um dos principais, o músculo esquelético. As suas duas principais funções são permitir a entrada de glicose na célula, promovendo a síntese de glicogênio e manutenção da glicemia, e o estímulo da via mTOR — principal responsável pelo anabolismo na célula, entretanto, a insulina não é diretamente um hormônio anabólico, mas sim um hormônio que corta o catabolismo. Além disso, ela favorece algumas enzimas e vias que levam ao estoque de gordura no organismo, principalmente através dos fatores de transcrição SREBP1c e ChREB. Esses fatores de transcrição irão aumentar a atividade de enzimas envolvidas na síntese de gordura, a citrato liase, a acetil-CoA carboxilase e a ácido graxo sintase. O maior estoque de gordura prejudica a hipertrofia, pois o tecido adiposo é um órgão que secreta hormônios que aumentam a saciedade (leptina) e prejudicam a entrada de glicose na célula, as chamadas citocinas inflamatórias. Mais detalhes sobre isto podem ser encontrados no capítulo “carboidrato no bulking”. Portanto, quando nos referimos a sensibilidade à insulina, é a capacidade desse hormônio se ligar no seu receptor de forma fácil, logo, necessitando menos dele, mitigando aqueles efeitos que serão prejudiciais à hipertrofia, como a síntese de gordura e melhorando a ativação da via mTOR e entrada de glicose, formando mais glicogênio e assim proporcionando um treino mais potente. Para que a boa sensibilidade à insulina seja mantida, há alguns pontos que devem ser obedecidos: Não existe bulking com percentual de gordura corporal alto. Todos os mecanismos para isto foram explicados no capítulo “não existe bulking sujo”. Para que essa fase produza ganhos de hipertrofia, deve haver espaço para o ganho de gordura, e quanto mais gordura você tem, mediante a um superávit calórico, mais gordura ganhará. O superávit calórico DEVE ser baixo-moderado, cerca de 300 a 500 kcal. A hipertrofia muscular não tem dose-dependência com o superávit calórico, mas o tecido adiposo tem. Portanto, não adianta se entupir de calorias, você só irá prejudicar o ganho de massa muscular. É obrigatório fazer cardio no bulking. A explicação para isto é: com o passar do tempo, a via AMPK passa a ser menos estimulada, já que ela é uma via que aumenta os processos catabólicos na célula, pelo aumento das mitocôndrias através da PGC1-alfa e enzimas que realizam a glicólise, ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa, tornando a célula mais eficiente na produção energética. 60 Isso se torna extremamente importante no bulking pois sua capacidade de oxidar mais substrato e melhorar a performance através da maior síntese de ATP, sensibilidade à insulina (pois a célula se torna mais apta à oxidar substrato) e capacidade respiratória— aumentando o limiar de esforço. E por fim, faça etapas de ressensibilização. Geralmente elas são realizadas a cada 6-8 meses de bulking, mas a resposta será ditada pelo metabolismo e genética de cada um. Alguns indicativos claros que uma fase de ressensibilização precisa ser feita é: perda de apetite, estagnação no ganho de força mesmo com o treino ajustado, ganho de retenção/gordura exagerado, letargia após se alimentar. A etapa de ressensibilização consiste em um período de 2-4 semanas de um leve déficit calórico, cerca de 200 a 300. Para entrar nessa fase, pode realizar cortes calóricos bruscos na dieta. Após, pode voltar ao superávit calórico leve. 61 SEGREDOS DO BULKING 17 3º SEGREDO: Como driblar o excesso de saciedade e a falta de apetite Embora a falta de saciedade e de apetite seja um indicador da necessidade de entrar na etapa de ressensibilização, ela pode ser simplesmente um fator limitante, caso você não esteja em bulking há um bom tempo, todas as outras variáveis estejam bem controladas e a única coisa disto é o volume alimentar. Os três mecanismos que existem para o controle da saciedade e apetite residem no hipotálamo, no tecido adiposo e na insulina. O hipotálamo recebe informações do preenchimento estomacal através do nervo vago, sensível ao preenchimento do estômago e secreção de hormôniosanorexígenos, como o GLP-1, GIP, nesfatina-1, CCK, PYY, NPY, entre outros. Já o tecido adiposo, ao perceber sua hipertrofia, secreta leptina, um hormônio que aumenta a TMB, reduz a eficiência mitocondrial e sinaliza saciedade. Já a insulina é capaz de agir no hipotálamo, no núcleo arqueado e na área tegmentar ventral, a fim de diminuir o impulso alimentar. Alguns indivíduos necessitam de grandes aportes calóricos, beirando até as 7-10 mil quilocalorias por dia. E independente do aporte, a dieta deve ter uma base de alimentos saudáveis, para que a sensibilidade à insulina, aporte de micronutrientes, perfil glicêmico e lipídico estejam em boas condições. As estratégias que causam a diminuição da falta de apetite e excesso de saciedade são: manipulação da densidade calórica e sensibilidade à insulina (olhe o capítulo anterior). Felizmente, existem diversos alimentos saudáveis que são densos em calorias, proporcionando um grande aporte calórico, principalmente de carboidrato e gorduras saudáveis, diminuindo a saciedade por ocupar menor espaço no estômago. ALIMENTOS RICOS EM CALORIAS (use com moderação) 63 18 QUANTO TEMPO DEVE DURAR O BULKING? Não existe bulking curto. Esta fase é destinada para o máximo de hipertrofia muscular, e como foi mencionado diversas vezes ao longo deste ebook, a hipertrofia leva muito tempo para ocorrer, e para que ela seja potencializada, a exposição ao superávit calórico deve ser longa. Por isso que é extremamente importante que você aplique todos os conceitos trazidos aqui: mantenha a boa sensibilidade à insulina; mantenha a saciedade e apetite controlados; fracione suas refeições ao longo do dia de maneira a otimizar a síntese proteica; faça etapas de ressensibilização. O tempo mínimo de bulking deve ser de 6 meses, podendo se estender até a um ano e meio. Trabalhe duro. 19 SUPLEMENTOS NO BULKING: Aquilo que funciona! Direto ao ponto: creatina, cafeína e whey. A creatina tem a função de sintetizar fosfocreatina no mùsculo, fonte de energia utilizada em exercícios de alta intensidade com duração extremamente curta, devido ao seu processo de quebra envolver somente uma etapa. Pensando na musculação, ela é o primeiro substrato a ser utilizado. Figura 14 - Creatina e energia. A cafeína é um potente estimulante, por ser uma antagonista dos receptores de adenosina no encéfalo. Quando estes receptores são estimulados, eles produzem a sensação de cansaço. Quando sofrem antagonismo, o cansaço é bloqueado. Figura 15 - Ações da cafeína. E por último, o whey. Whey protein nada mais é que a proteína concentrada, isolada ou hidrolisada do soro de leite. Ela não tem nenhuma propriedade exclusiva, serve como qualquer outra fonte de proteína para a hipertrofia muscular. Use somente se necessitar, seja por conta da rotina ou porque gosta. 66 20 BÔNUS: Treine pesado, coma pesado Para que haja demanda dietética para a hipertrofia, é OBRIGATÓRIO que ela tenha uma forte sinalização provinda do treinamento. Não adianta ter a melhor dieta do mundo se não existe demanda para isto. Muitas pessoas relaxam a dieta durante o período de bulking, e com isso ganham somente gordura, e não massa muscular. Portanto, se quiser ter hipertrofia, treine pesado. E o que seria o treino pesado? É aquele que gera demanda — progresso de carga através do ganho de força (se torne assombrosamente forte); descanse mais que 2 minutos entre as séries, isso proporciona o tempo necessário para que sua célula muscular esteja limpa dos metabólitos da produção energética e pronta para um novo ciclo de contração sob alta tensão; tenha um volume de séries que proporcione o ganho de força — cerca de 10 a 25 séries para cada grupamento muscular; seja consistente no treinamento. Todo dia é dia de ser excelente no treino e na dieta. E para que você coma pesado, é necessário obedecer todos esses pontos citados acima, já que a maior demanda por energia ocorre quando o treinamento é feito com base na intensidade (intensidade = % do seu 1RM para determinado exercício), pois o acionamento das fibras musculares para a contração muscular necessita de ATP. Quanto maior a intensidade, maior a energia empregada, e maior demanda é gerada. Figura 16 - O ATP é utilizado para recrutar fibras musculares. Quanto maior a intensidade, mais fibras são recrutadas. Treine pesado, coma pesado. Gere demanda, atenda à ela e garanta excedente para gerar ainda mais. Repita isso infinitamente. 68 21 BÔNUS: O checklist para saber se está evoluindo no bulking Uma dificuldade muito comum entre as pessoas que fazem o bulking é saber se elas estão evoluindo, pois como foi elucidado ao longo deste ebook, a hipertrofia é processo extremamente demorado. Quando você se baseia somente na aparência do seu físico para saber se está progredindo, pode acabar tomando decisões erradas devido à subjetividade desta métrica, portanto, é necessário estabelecer métricas de curto e longo prazo, que sejam objetivas. Portanto, se quiser saber se está evoluindo no bulking, essas são as métricas que você deve utilizar: Ganho de peso lento. A hipertrofia é um processo crônico, então mudanças bruscas no peso é um indicador de que muita gordura está sendo adicionada ao físico. Mantenha um ganho de 1-2kg por mês. Esses ganhos podem ser semanais se você estiver entrando no bulking após um longo cutting, porém deve obedecer ao ganho citado anteriormente após 1 mês de bulking. Você está ficando mais forte. Um dos pilares da hipertrofia é se tornar mais forte, já que ela ocorre justamente para sustentar novas cargas de trabalho. Comparado ao seu último bulking, você consegue comer mais calorias e se manter mais seco. Esse é um excelente parâmetro, pois indica que tem mais massa muscular e portanto consegue oxidar mais calorias, além de estar sustentando mais carga de treino, gerando maior gasto calórico. Suas medidas magras estão crescendo e as medidas que representam a massa gorda estão estáveis. Algumas medidas magras são a circunferência de braço, de peitoral, de ombro e coxa. As medidas que representam a gordura são a de cintura e abdominal. Você está sentindo as roupas mais apertadas nos locais magros. E por último, fotografe seu físico a cada 1 mês e compare as fotos ao longo do tempo. A evolução estará evidente. 70 Referências ROSS, A. Catharine et al. Nutrição Moderna de Shils. [S. l.: s. n.], 2016. ADAMS, Gregory R.; BAMMAN, Marcas M. Characterization and Regulation of Mechanical Loading-Induced Compensatory Muscle Hypertrophy. Comprehensive Physiology, [S. l.], p. 1-11, 1 out. 2012. DOI 10.1002/cphy.c110066. Disponível em: https://sci-hub.se/10.1002/ cphy.c110066. 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