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O Ano da morte de Ricardo Reis

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O Ano da morte de Ricardo Reis
O título
O Ano da morte de Ricardo Reis pode ser divido em 2 grandes partes e seu o título
indica-nos desde logo essa mesma divisão.
Isto porque se por um lado a obra relata quase o dia a dia do último ano de vida de
Ricardo Reis – heterónimo de Fernando Pessoa; por outro lado, ao longo da obra são
inúmeras as referências ao tempo histórico - os acontecimentos do Ano de 1936.
Representações do século XX
Quanto aos principais acontecimentos de 1936, podemos dizer que o leitor os fica a
conhecer e o autor denuncia-os pela:
 leitura dos jornais por parte de Reis, apesar da censura da época referida por Lídia
(“não se deve fazer sempre fé no que os jornais escrevem” – cap. 18)
 Através daquilo que acontece a Ricardo Reis e do contacto que tem com
outras personagens ex.: ida à PVDE; deambulação por Lisboa (“bodo do
século”) ou Fátima onde é visível o fervor religioso
 Aquilo que ele vê. Ex.: a revolta dos marinheiros
 Ou quando Reis e Pessoa se encontram e comentam aquilo que é a europa
naquele ano. Tornando Fernando Pessoa, apesar de morto, inútil
Acontecimentos históricos referidos no Ano da Morte de Ricardo Reis
A obra é um dialogo entre a história e a ficção abordando a situação política vivida
nesse ano em pelo menos 6 países:
Espanha – referência à crise política que conduz ao golpe militar fascista, do
general Franco, em julho de 1936, e que leva a uma violenta guerra civil.
Itália – referência ao fascismo italiano, que procurava alargar o seu território
com a anexação da Etiópia sob a chefia de Mussolini.
Alemanha – referência à ascensão do nazismo fascista de Hitler
França – Referência à luta da esquerda (Frente Popular) na conquista de poder
e às grandes convulsões políticas e sociais aí ocorridas.
Brasil – referência à ascensão do regime fascista de Getúlio Vargas em 1930.
Portugal – referência à:
o Ditadura salazarista, apoiada pelo PVDE – símbolo da ausência de
liberdade, repressão e intimidação;
o Criação de movimentos como a Mocidade Portuguesa ou a Legião
Portuguesa incutiam na população os valores do regime;
o Censura;
o Pobreza - bodo dos pobres
o Propaganda
o Revolta –
marinheiros
o Forte crença religiosa
revolta
dos
É relativo a estes acontecimentos a 1º Epigrafe – “Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo”
O espaço da cidade
Se, por um lado, a descrição da cidade de Lisboa confere verosimilhança à obra; é
também útil na representação (metafórica) do ambiente político e social do país
Ora ao longo da obra Reis vai tendo contacto com uma cidade:

Soturna (“cidade sombria” e “extenso e único teto cor de chumbo”), suja e chuvosa,

Reprimida (“Alguém transporta ao colo uma criança, que pelo silencio portuguesa deve ser”)

Parada no tempo/apática (“Ao passageiro não parecia que as mudanças fossem tantas”)

Confusa e labiríntica de que Pessoa dá conta (“perco-me facilmente” cap. 16);
à semelhança do livro “the god of the labyrinth” e de onde Ricardo Reis parece
ser incapaz de encontrar saída - simbolizando a incapacidade de fugir aos
constrangimentos políticos-sociais da época.
Destacando-se, por isso, locais que invocam memórias felizes de um passado bastante
diferente. Como o Tejo, de onde saíram as naus que Camões celebra, a estátua do
próprio Camões, o Castelo de São Jorge e as estátuas do Adamastor e de Eça.
No entanto a cidade não é apenas um espaço físico, é também social, cheia de
contrastes, como já Cesário Verde tinha revelado. E neste âmbito opõem-se:

O fausto dos cafés da moda e dos teatros à pobreza dos bairros sociais

A repressão e degradação à propaganda e manipulação da imprensa

O burguesismo confortável à miséria de quem tem de recorrer aos bodos

A alegria do Carnaval e do Ano Novo a que se opõe a tristeza do real e da fome
Relativamente ao espaço social podemos ainda destacar:

A circulação de forças opressoras como a PVDE,

Espaço de propaganda política (comício de apoio ao regime, por exemplo),

Palco de uma tentativa revolução comunista,

Palco de acontecimentos socioculturais (Carnaval e ano novo),

Lisboa como retrograda, miserável e pobre (com bodo do seculo)
Deambulação geográfica e viagem literária
Se Reis faz uma deambulação física por Lisboa, Saramago faz uma deambulação
literária (metafórica e textual), sendo recorrente a construção de texto em
intertextualidade com citações ou alusões a jornais, bíblia, tradição literária
portuguesa… da tradição literária portuguesa destacam-se:
Ora Camões está claramente presente nesta obra em vários momentos, desde
logo com frase inaugural da narrativa transformada de um verso d‘Os Lusíadas, mas
também noutros momentos em que este é enaltecido: “todos os caminhos
portugueses vão dar a Camões”, entre outros
Com Cesário Verde a relação intertextual passa pela forma como Reis, tal como
Cesário deambulam e olham a cidade, reportando contrastes e desigualdades sociais.
Fazendo dos 2 observadores acidentais e críticos da capital portuguesa.
2ª epigrafe
Já a leitura de Pessoa por parte de Saramago é clara nas epigrafes; na
referência ao fingimento artístico de Pessoa, enquanto ortónimo; a referência a versos
seus da Mensagem ou de outros poemas (Ode marítima); a referência às odes de
Ricardo Reis ou a referência às figuras femininas sobre quem este escreve: Lídia,
Neeras e Cloes. Havendo, ainda, alusão a Caeiro e Campos.
Tudo isto confere verosimilhança à personagem.
Sendo ainda de realçar a referência às estatuas de Camões (“o que me salva é
conservar o tino da estátua de Camões”), do adamastor e de Eça.
A critica social

Opressão do regime – episódio da PVDE ou metáfora da cadela Ugolina

Repressão de manifestações de revolta - como a dos marinheiros;

Censura e manipulação da informação transmitida pela impressa

Propaganda política visível no enaltecimento de Salazar - o «salvador» da pátria
Na impressa, literatura,
rádio e cinema
Representações do amor
Ricardo Reis e Lídia
O cuidado com que Lídia trata o Reis quando este se encontra febril e restante
contacto que vão entre os dois leva-os a iniciar uma relação amorosa.
Contudo, as diferenças socias existentes e incapacidade de ultrapassar preconceitos
sociais levam Reis a ter uma clara dificuldade em demostrar sentimentos e retribuir o
amor que Lídia têm por ele, mostrando-se, ora atraído, ora indiferente.
Enquanto que Lídia, verdadeiro apaixonada por Reis e que se entrega sem pudor ao
caracter físico desta relação, sofre, mas compreende e aceita o comportamento deste
– afirmando perceber o seu desejo de não querer assumir a paternidade do seu filho.
Como tal, esta é, face às diferenças sociais, uma relação intermitente e sem futuro;
nunca correspondida e quase meramente carnal.
Ricardo Reis e Marcenda
Na chegada ao Hotel Bragança, Reis sente um fascínio por Marcenda devido à sua mão
inerte e isso leva-o a tentar promover encontros com estas. Daí surge uma relação.
Mas contrário do que acontece com a relação com Lídia, a relação de Reis e Marcenda
é, assim, essencialmente platónica e espiritual (dedicação de um poema)
E a prova disso é que Marcenda, apesar de só conhecer o contacto físico com um
homem através do beijo que Reis lhe dá e admitir que gosta deste, recusa pedido de
casamento feito por ele, revelando, tal como Reis, dificuldades em assumir
compromissos sentimentais, optando por “desenlaçar as mãos”.
Linguagem e estilo
Narrador
Critica o Estado Novo opressor, censurador e que distrai a população com “concertos,
… fogo de artificio … e continua festa”
O tom oral e a pontuação
Como é característico de Saramago, o texto é marcado pela oralidade, informalidade
(para o qual contribuem as expressões populares em intertextualidade), a fluidez do
discurso coloquial e comentários do narrador que convocam o leitor.
Na pontuação há uma transgressão do seu uso convencional, à exceção da virgula e
ponto final. Isso leva a frases longas exigindo um ritmo de leitura diferente do normal.
Não havendo também verbos introdutores do discurso direto.
Reprodução do discurso no discurso
O discurso indireto livre resulta da ligação entre o discurso direto e o indireto,
permitindo ao narrador filtrar as palavras das personagens e inserir até comentários e
outras informações. Na obra este discurso está quase sempre presente.
Personagens
Ricardo Reis

48 anos, médico, solteiro e exilado, por escolha própria

Dificuldade em agir/decidir – opinião face a Lídia, por exemplo

Sem grandes planos futuros

Na tentativa de conhecer melhor a realidade circundante, lê avidamente jornais
E isso interessa a Saramago já que o seu olhar objetivo e alheado da realidade e o
facto de este ler muitos jornais face ao desconhecimento da realidade em que está
inserido vai permitir o relato fiel e a denúncia de tudo o que aconteceu nesse ano
Ricardo Reis pessoano
Ricardo Reis de Saramago
Alheio e indiferente a tudo
Preocupado com questões existenciais ou básicas do
quotidiano: a solidão, a morte...
Chega a chorar ao saber que vai ser pai e que a revolução
dos marinheiros falhou
Procura o ideal e a perfeição clássica
Atraído pelas imperfeições terrenas: Lídia (plano social) e
Marcenda (físico)
Move-o a contemplação
Move-se, tentando sobreviver num lugar caótico, sem
tempo para contemplar
Disciplinado
Descuidado (dormir vestido cap. 2)
Fernando Pessoa

Motor dos acontecimentos, já que a sua morte desencadeia a ação

Nos diálogos que mantém com Reis, mostra-se interessado pela vida deste e
pelas novidades do mundo - desencadeando o relato de alguns acontecimentos

Cometa muitas vezes de forma irónica e cínica a postura de Ricardo Reis

Assume posições diferentes das que tinha em vida
Dr. Sampaio
(solidão, atitude do “poeta fingidor” …)

Notário de meia-idade,

Grande apoiante de Salazar – “o que nos vale […] é termos um homem de alto
pensamento e firme autoridade à frente do governo e do país”
Lídia

“Simples criada” “quase uma analfabeta” do Hotel Bragança

Bondosa e altruísta

Preocupada pelos outros (Reis, irmão, mãe…)

Distante da Lídia da poesia de Reis

É através do irmão que se mantém a par da situação político-social do país

Consciente, lúcida e crítica, reflete sobre o contexto político-social e tenta levar
Reis a não acreditar sempre no que ouve ou lê

Trabalhadora, lutadora e proativa

É a ligação de Reis à vida para além da contemplação

Autêntica e verdadeira

Corajosa
Marcenda

Solteira, 23 anos, destaca-se pelo facto de a sua mão esquerda estar “morta”

Educada e de boas famílias/alto estatuto social, tem uma postura exemplar

Resigna-se à sua condição clínica (sem solução)

Algo inerte e passiva (perante o mundo), seguindo o significado do seu nome
Outras personagens

Daniel, irmão de Lídia e oponente do regime, morre no episódio da revolta dos
marinheiros. Mantém a irmã a par da situação político-social do país.

Salvador - atencioso com os clientes, com um particular interesse pelas suas
vidas e defensor de uma suposta moral e os bons costumes.

Victor e o “doutor-adjunto” representam as forças opressoras. Cheiro a cebola
de Victor pode ser um símbolo da opressão

Os velhos que leem o jornal no Alto de Santa Catarina, que simbolizam o
analfabetismo e a ignorância de grande parte do povo.

Pimenta e Ramon – Funcionários do hotel
Simbologia
Primeiro encontro com Pessoa
Ricardo Reis não achou irregular encontrar Pessoa no seu quarto e isso deve-se ao
facto de toda a sua situação também não ser regular. Ricardo Reis nunca existiu, é
apenas uma “personagem” criada por Pessoa e agora usada por Saramago, no entanto
tem um passado, uma maneira de ser e pensar, uma profissão, tem gostos e
sentimentos e por isso nada lhe poderia parecer irregular.
Ricardo Reis
Leitor acrítico de jornais símbolo do povo que acredita em tudo o que lê
Epigrafes

De Ricardo Reis- Caracteriza a personagem principal do romance, lembrando a
sua passividade e filosofia epicurista.

De Bernardo Soares – indicia o caracter de denuncia e testemunha dos
acontecimentos daquele ano

De Pessoa – Justifica a utilização de uma personagem “que nunca existiu”
Semelhança com os Maias
Tal como nos Maias há nesta obra um variado conjunto de episódios que têm como
objetivo criticar e caracterizar a sociedade desta época, que poderiam ser retirados da
obra sem que quase não houvesse alguma diferença. Sendo esses episódios:



Ida a Fátima
Bodo dos pobres
Preparação para um ataque militar



Ida à PVDE
Funeral na mouraria
…
Referências a Camões
O verso camoniano “Onde a terra acaba e o mar começa” aparecem transformados no
inico da narrativa em “Aqui o mar acaba e a terra principia” e no final “Aqui, onde o
mar se acabou e a terra espera”. Simbolizando que o tempo para a descoberta do mar
terminou e é da “terra” – Lisboa – que se espera o fim do imobilismo e melancolia pois
um novo ciclo de glórias é possível.
Cor cinzenta
A cor cinzenta da cidade lisboeta “sombria” e “alagada” simboliza a ditadura opressora
As estátuas
Símbolo de valores humanísticos e capacidade de intervenção da arte e cultura no
poder, pensamento e história. Destaca-se Camões e Eça.
A estátua do Adamastor pode representar as dificuldades que o homem terá de passar
para realizar os seus objetivos, neste caso as forças opressoras da ditadura.
Diálogos entre Pessoa e Reis
Capítulo 3
Conversa sobre o tempo que Pessoa ainda tem no mundo dos vivos e as condições e
características dessa estadia
Capítulo 4
Conserva sobre posições existencialistas. Reis informa Pessoa que pensa instalar-se em
Lisboa e abrir um consultório
Capítulo 5
Conversa sobre o amor e as relações de Reis e Lídia.
Capítulo 7
Conversa sobre o comunismo, incentivada pelas eleições espanholas.
Capítulo 8
Pessoa ironiza sobre os amores de Reis, acusando-o de ser infiel, um “D. João”
Capítulo 10
Conversa sobre a solidão.
Capítulo 13
Conversa sobre a ditadura em Portugal, a PVDE, a propaganda portuguesa. E sobre o
culto ao chefe e a propaganda na Alemanha por Goebbels e a juventude hitleriana.
Capítulo 15
Mulheres e política
Capítulo 16
Reis informa Pessoa de que vai ser pai
Capítulo 17
Conversam sobre o início da guerra civil em Espanha
Capítulo 19
Pessoa informa Reis de que é a sua última visita. Reis opta por sair com este e
acompanhá-lo.
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