Pedro Lombardo [? - 1160] OS QUATRO LIVROS DAS SENTENÇAS Livro I Sobre a SS. Trindade Distinção Primeira Trata das coisas em geral. Sobre as coisas devemos considerar que, conforme diz Agostinho na obra Sobre a Doutrina Cristã, Livro I, capítulo 3, que entre as coisas há algumas que são para serem fruídas, outras para serem usadas, e outras que fruem e usam. As coisas que são para serem fruidas são as que nos fazem felizes. As coisas que são para serem usadas são aquelas pelas quais somos ajudados para buscar a felicidade, e sobre as quais nos apoiamos para que possamos alcançar as coisas que nos fazem felizes e possamos inerir a elas. As coisas que fruem e usam somos nós, como que constituidos entre anjos e santos. Fruir significa inerir pelo amor em alguma coisa por causa dela mesma. Usar significa direcionar aquilo que se apresenta ao uso para alcançar aquilo que deve ser fruido. Fazer o contrário não é usar, mas abusar. É um uso ilícito, que deve ser chamado pelo nome de abuso. As coisas que devem ser fruidas são o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A própria Trindade é a mais elevada de todas as coisas, e comum a todos os que fruem, se é que deva ser chamada de coisa, e não causa de todas as coisas, e se é que também deva ser chamada de causa. Não é fácil encontrar um nome que convenha a tanta excelência, a não ser que se diga melhor que esta Trindade é o Deus único. As coisas que devem ser usadas são o mundo e o que nele foi criado. Por isso é que Agostinho diz na mesma obra, no Livro I, capítulo 5, que "devemos usar este mundo, e não fruí-lo, para que possamos contemplar as coisas invisíveis de Deus através das coisas criadas, conforme diz o Apóstolo em Romanos 2, 22". Isto é, para que alcancemos o que é eterno através das coisas temporais. E também, no quarto capítulo, diz Agostinho: "Entre todas as coisas, somente devem ser fruidas as que são eternas e incomutáveis; todas as restantes são para serem usadas, para que alcancemos a perfeita fruição das primeiras". E o mesmo Agostinho afirma no Livro X do De Trinitate, capítulo 10: "Fruimos as coisas conhecidas nas quais a vontade repousa conjuntamente por causa delas mesmas; usamos, porém, aquelas que dirigimos às outras que existem para serem fruidas". S. Tomás de Aquino [1225-1275] SUMMA THEOLOGIAE IIa Parte A graça é princípio do mérito principalmente pela caridade, mais do que pelas demais virtudes, o que pode ser entendido porque os atos humanos possuem razão de mérito em primeiro lugar e principalmente pela ordenação divina, na medida em que os atos são ditos serem meritórios daquele bem ao qual o homem é divinamente ordenado. Quanto a isto, a principalidade do mérito reside inteiramente na caridade, porque a vida eterna consiste na própria fruição de Deus. Ora, o ato próprio da caridade é o movimento da mente humana para a fruição do bem divino, através do qual os atos de todas as demais virtudes são ordenados a este mesmo fim. Por isso o mérito da vida eterna pertence em primeiro lugar à caridade, e às demais virtudes secundariamente (Ia IIae, q. 114, a. 4). Nenhuma virtude possui tanta inclinação ao seu ato como a caridade, nem há outra que tão deleitavelmente opera. (IIa IIae., q. 23 a.2). TEXTOS ORIGINAIS De rebus communiter agit. 2. Id ergo in rebus considerandum est, ut in eodem Aug. ait (lib. 1, c. 3), quod res aliae sunt quibus fruendum est, aliae quibus utendum est, aliae quae fruuntur et utuntur. Illae quibus fruendum est, nos beatos faciunt. Istis quibus utendum est, tendentes ad beatitudinem adjuvamur, et quasi adminiculamur, ut ad illas res, quae nos beatos faciunt, pervenire, eisque inhaerere possimus. Res vero quae fruuntur et utuntur nos sumus; quasi inter utrasque constituti et angeli, et sancti. Frui autem est amore alicui rei inhaerere propter seipsam. Uti vero, id quod in usum venerit referre ad obtinendum illud quo fruendum est; alias abuti est, non uti: nam usus illicitus, abusus vel abusio nominari debet. Res igitur quibus fruendum est, sunt Pater et Filius, et Spiritus sanctus. Eadem tamen Trinitas quaedam summa res est, communisque omnibus fruentibus, ea si tamen res dici debet, et non rerum omnium causa; si tamen et causa. Non enim facile potest inveniri nomen quod tantae excellentiae conveniat, nisi quod melius dicitur Trinitas haec unus Deus. Res autem quibus utendum est, mundus est, et in eo creata. Unde Aug. in eodem, lib. 1, c. 5: Utendum est hoc mundo, non fruendum, ut invisibilia Dei per ea quae facta sunt intellecta conspiciantur (Rom. 2, 22), id est ut de temporalibus aeterna capiantur. Item in eodem, c. 4: In omnibus rebus illae tantum sunt quibus fruendum est, quae aeternae et incommutabiles sunt; caeteris autem utendum est, ut ad illarum perfruitionem perveniatur. Idem Aug. in lib. 10 de Trin., c. 10: Fruimur cognitis in quibus ipsis propter se voluntas delectata conquiescit: utimur vero eis quae ad aliud referimus, quo fruendum est. Summa Theologiae, IIa Pars. Gratia est principium meriti principalius per caritatem quam per alias virtutes. Humanus actus habet rationem merendi primo quidem et principaliter, ex divina ordinatione, secundum quod actus dicitur esse meritorius illius boni ad quod homo divinitus ordinatur. Et quantum ad hoc, principalitas meriti penes caritatem consistit. Vita aeterna in Dei fruitione consistit. Motus autem humanae mentis ad fruitionem divini boni, est proprius actus caritatis, per quem omnes actus aliarum virtutum ordinantur in hunc finem. Et ideo meritum vitae aeternae primo pertinet ad caritatem, ad alias autem virtutes secundario (Ia IIae, q. 114, a. 4). Nulla virtus habet tantam inclinationem ad suum actum sicut caritas, nec aliqua ita delectabiliter operatur (IIa IIae., q. 23 a.2).