Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Filosofia Lógica I Prof. Dr. Rodrigo Bacellar BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE LÓGICA FORMAL (Trabalho Final) Marcos Vinícius de Souza Verdugo 4902622 São Paulo 2019 INTRODUÇÃO Neste breve texto, a Lógica Formal é definida como a ciência das leis do pensamento e a arte de aplicá-los corretamente na procura e demonstração da “verdade”. Objetivamos, em linhas gerais, apresentar alguns princípios elementares da Lógica Formal, analisando a diferença entre dedução e indução, as regras da dedução, sob a forma de silogismos e de argumentos condicionais, bem como os alguns tipos de falácia. Etimologicamente, o termo “lógica” vem do grego “logos” que significa “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”, “razão”. Para Aristóteles, a lógica seria a “ciência da demonstração”. O teorema de Pitágoras, por exemplo, é demonstrado observando-se as regras impostas pela lógica. Poderíamos definir lógica como “a ciência da consequência e da verdade da argumentação”. “É a ciência das leis do pensamento e a arte de aplicá-las corretamente na procura e demonstração da verdade” (SMITH, 2003). A lógica se divide em lógica formal e lógica material. A lógica formal estuda as formas do pensamento no que estas tenham de geral e de comum. A lógica material é o conjunto de regras que devemos seguir para ordenar bem a matéria dos atos de inteligência, a fim de obter um conhecimento verdadeiramente científico que nos permita chegar à “verdade”. É também chamada metodologia. A Lógica Formal, lógica clássica de Aristóteles, é uma forma de pensar, de conhecer, de organizar o raciocínio sem considerar a verdade das premissas. O raciocínio opera a relação entre duas ideias: premissa e a conclusão, que chamamos de inferência. Interessa à Lógica Formal dar as regras do pensamento correto. Ela é instrumento que permite o rigor da produção do discurso filosófico ou científico. A correção ou incorreção lógica de um argumento depende, por conseguinte, da relação entre premissas e inferência. Nesse sentido, a Lógica Formal pressupõe que as premissas sejam verdadeiras. O que a Lógica Formal pode fazer é determinar se as premissas dadas sustentam a conclusão. É sobre essas regras que faremos nossas breves considerações. LÓGICA FORMAL Apresentaremos dois tipos de argumentação: a dedução e a indução. Em seguida, os enunciados condicionais, os argumentos condicionais e os enunciados categóricos. Dedução e Indução A dedução é uma inferência que vai dos princípios para uma consequência logicamente necessária. É chamada por Aristóteles de silogismo. A dedução é um raciocínio que parte de uma proposição geral e conclui outra proposição geral ou particular. Ex.: Todos os homens são mortais. Todos os brasileiros são homens. Todos os brasileiros são mortais O silogismo é um discurso em que, enunciadas algumas coisas, outras seguem necessariamente. Assim, dadas as proposições Todos os homens são mortais e Todos os brasileiros são homens, decorre delas necessariamente a conclusão de que Todos os brasileiros são mortais. Há silogismos que operam também com o provável. Uma proposição é uma sentença que exprime juízo, em que se atribui um predicado a um sujeito, por exemplo, Todo pássaro é um animal. O silogismo possui três proposições. As duas primeiras são denominadas premissas e a última é a conclusão. Ele opera com três termos: o maior, o médio e o menor. Essas denominações dizem respeito à extensão da palavra, isto é, à quantidade de elementos a que um vocábulo se pode aplicar. No exemplo acima, “mortais” é o termo maior, porque, além dos homens, há outros seres que são mortais; “homens” é o termo médio porque se aplica a um número de elementos menor do que “mortais” e maior que “brasileiros”. “Brasileiros” é o termo menor, porque se refere a um único grupo de homens. A proposição que contém o termo maior é chamada de premissa maior; aquela em que está presente o termo menor é denominada premissa menor. A conclusão decorre das premissas: é uma inferência que deve obedecer a regras muito precisas, para ser válida. Essas regras são extensionais, isto é, independem do conteúdo dos termos que se opera. A primeira regra diz que o silogismo só pode ter três termos, como já indicamos. A segunda regra diz que nenhum termo pode aplicar-se a mais seres na conclusão das premissas. A terceira regra diz que, na conclusão, devem aparecer os termos maior e menor. A quarta afiança que o termo médio deve ser tomado pelo menos uma vez universalmente, isto é, aplicável à totalidade de seres de um dado conjunto. A quinta regra revela que não há conclusão possível, quando as duas premissas são negativas. Deste modo, se se nega que os termos maior e menor estejam relacionados com o médio, então não podemos inferir que eles estejam ou não unidos entre si. Não podemos, por conseguinte, tirar uma conclusão afirmativa nem uma negativa. A sexta regra diz que a conclusão segue a parte mais fraca. Em lógica, a parte mais fraca é a negativa em relação à afirmativa e a particular em relação à universal. Assim, se uma premissa for particular, a conclusão tem que ser particular; se uma for negativa, a conclusão tem que ser negativa; se houver uma premissa particular e outra negativa, a conclusão deve ser particular e negativa. A oitava regra, por fim, indica que de duas premissas particulares nada se pode concluir. As proposições que aparecem nos silogismos podem ser classificadas de acordo com sua quantidade e com sua qualidade. Quanto à quantidade, as proposições podem ser universais e particulares. São universais quando se referem a todos os elementos de um dado conjunto e particulares quando se reportam a, pelo menos, um elemento de um certo conjunto, mas não a todos. Quanto à qualidade, as proposições podem ser afirmativas ou negativas: aquelas dizem que algo é de determinada maneira; estas, que não é. A indução é uma argumentação que a partir de dados singulares suficientemente enumerados inferimos uma verdade universal. A indução parte do particular para o geral. Deste modo, não podemos dizer que a conclusão do argumento é uma verdade. Neste sentido, alguns autores afirmam que só se pode falar em probabilidade de verdade na indução, mas este argumento é contestado por outros que afirmam, por sua vez, que sequer se pode falar em probabilidade de verdade através da indução (SMITH, 2003). Ex.: O cobre é condutor de eletricidade. O ferro é condutor de eletricidade. A prata é condutora de eletricidade. O ouro é condutor de eletricidade. O cobre, o ferro, a prata e o ouro são metais. Os metais são condutores de eletricidade. A indução é o modo de raciocínio principal das ciências experimentais, pois permite estabelecer “leis” a partir de fatos observados. É também um modo de raciocínio presente na vida cotidiana. Possibilita generalizações corretas, mas permite também chegar a generalizações que são a manifestação de preconceitos, pois temos tendência a generalizar no sentido que nos convém, conscientemente ou não, por razões afetivas ou ideológicas. Podemos dizer que há dois tipos de indução, completa e amplificante. A primeira é aquela que enumera a totalidade dos fenômenos para daí extrair uma lei geral. É esse o tipo de raciocínio empregado para enunciar certos princípios que não admitem exceção. Temos que convir com o fato de que esse tipo de indução não apresenta grande interesse, pois a lei geral nada mais é do que aquilo que convém a um conjunto de fatos singulares e, portanto, ela é de antemão conhecida. A segunda é aquela que, a partir de uma amostra de fenômenos, infere-se uma lei geral. Essa é a indução é mais produtiva do ponto de vista heurístico. No entanto, ela é suscetível a erros. Do ponto de vista metodológico, a questão mais importante é a representatividade dos fenômenos observados para permitir a generalização. De qualquer forma, a incerteza está sempre presente no método científico experimental, bem como em qualquer argumentação que se baseie na indução. Há uma diferença radical entre um silogismo e uma indução. Naquele, os três termos (maior, médio e menor) têm extensão diferente: o termo maior tem uma extensão maior que a do médio; o médio, maior do que a do menor. Retomando, Todos os homens são mortais “mortais” é o termo médio porque ele se aplica a mais seres do que a totalidade homem, uma vez que os animais não humanos também são mortais. Todos os brasileiros são homens “homens” é o médio porque ele convém a brasileiros e a todos os outros homens. Na indução, o termo médio não é uma noção geral, mas uma coleção de casos particulares: Cobre, ferro, prata e ouro são condutores de eletricidade. Cobre, ferro, prata e ouro são metais. Todos os metais são condutores de eletricidade. Na segunda proposição, que contém o sujeito da conclusão e que, por analogia com o silogismo, poderíamos denominar de menor, o sujeito e o predicado têm exatamente a mesma extensão, pois o sujeito é uma enumeração de partes constitutivas do predicado e o predicado é a categoria que engloba o que foi enumerado no sujeito. De fato, na indução, não há termo médio, pois o que ocupa seu lugar é uma enumeração de indivíduos ou partes. Na maior, esses indivíduos ou partes são tomados cada um por si, enquanto na menor são tomados como unidade dada por um conceito geral. O silogismo estabelece uma conexão de dois termos com um terceiro. Trata-se de estabelecer a identidade de dois termos e um terceiro. Por isso, é um raciocínio sobre verdades inteligíveis, evidentes ou conhecidas por si mesmas. Na indução, partimos de fatos singulares conhecidos pela experiencia sensível e estabelece-se uma conexão entre esses fatos singulares e um conceito universal. Nela, o que faz é estatuir uma conveniência de dois conceitos a uma série de indivíduos suficientemente enumerados. O princípio que rege a indução é o de identidade, mas formulado da seguinte maneira: o que convém a várias partes suficientemente enumeradas de uma totalidade convém a essa totalidade. A indução não permite certeza lógica na conclusão. Por isso, é preciso que a amostra seja representativa, para que a conclusão tenha força e legitimidade. A validade dos argumentos dedutivos é determinada pela forma lógica e não pelo conteúdo dos enunciados. A validade é, pois, uma propriedade dos argumentos – que são coleções de enunciados – e não uma propriedade de enunciados isoladamente considerados. Verdade, por outro lado, é uma propriedade de enunciados isolados, não de argumentos. Não tem sentido dizermos que um argumento é “verdadeiro”, nem que um enunciado singular é “válido”. Exemplos de argumentos válidos: (a) Premissas verdadeiras e uma conclusão verdadeira Todos os diamantes são duros. (V) Alguns diamantes são joias. (V) Algumas joias são duras. (V) (b) Alguma(s) ou todas as premissas falsas e uma conclusão verdadeira Todos os gatos têm asas. (F) Todos os pássaros são gatos. (F) Todos pássaros têm asas. (V) (c) Alguma(s) ou todas as premissas falsas e a conclusão falsa Todos os gatos têm asas. (F) Todos os cães gatos. (F) Todos os cães têm asas. (F) Um argumento não válido se chama falácia. Argumentos não válidos podem ter premissas verdadeiras e uma conclusão verdadeira. Ex.: Todos os homens são vertebrados. (V) Eu sou vertebrado. (V) Eu sou homem. (V) Uma boa maneira de identificar um argumento falaz é compará-lo com outro argumento da mesma forma que tenha premissas verdadeiras e uma conclusão falsa. No argumento válido, sempre que as duas premissas forem verdadeiras, a conclusão também o será. Este modo de revelar a não-validade de um argumento se chama método do contra- exemplo. Todos os homens são vertebrados. (f) Eu sou vertebrado. (h) (g) (g) Eu sou homem (h) (f) Temos a seguinte forma: Todos os (f) são (g). (h) sou (g). (h) sou (f). Se substituímos (h) por “peixe”, teremos: Todos os homens são vertebrados. O peixe é vertebrado. O peixe é homem. Como a conclusão é falsa e as premissas são verdadeiras, o argumento não é válido. Existem basicamente dois sofismas de indução. O primeiro é a enumeração insuficiente, que é a questão central do raciocínio indutivo e leva a conclusões falsas. Algumas teorias do racismo científico, por exemplo, afirmavam a superioridade dos brancos no domínio da inteligência, a partir, de medidas do crânio. Isso se revelou uma indução falsa, porque baseada numa enumeração insuficiente e porque a medida do crânio não poderia servir de base para a determinação da inteligência. O segundo sofisma é ilustrado na expressão “depois disso, portanto, por causa disso”. A indução pressupõe que todos os fenômenos têm uma causa e que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. No entanto, não se pode confundir causa com anterioridade, que é o que se faz nesse tipo de sofisma. Se, depois da passagem de um cometa, houve uma guerra, afirmar que o aparecimento do cometa é a causa da guerra é incorrer numa falácia, pois um acontecimento ocorre depois do outro e não por causa do outro. Esse sofisma está na base da tentativa de dar sentido a tudo o que acontece. É o raciocínio que preside todas as superstições. Enunciados condicionais (ou hipotéticos) Os enunciados condicionais são enunciados complexos formados com dois enunciados componentes que se ligam por meio da expressão “se... então...”. Se hoje é quarta-feira, então amanhã será quinta. Se P.V. = nRt, então V = nRt / P Num enunciado condicional, a parte ligada ao “se” denomina-se “antecedente” e a parte que se apresenta ligada ao “então” se denomina “consequente”. Antecedentes e consequentes de enunciados condicionais são eles próprios enunciados. Um enunciado condicional tem a sua forma definida: Se p.. então q. onde no lugar de p e q figuram enunciados. Se p. então q. é equivalente a Se não q, então – não p. Ex.: Se hoje é quarta-feira, então amanhã será quinta. (p) (q) Se amanhã não será quinta-feira, então hoje não é quarta. (não –q) (não –p) Argumentos condicionais Argumentos condicionais são argumentos de duas premissas e uma conclusão, sendo que a primeira premissa é um enunciado condicional. Argumentos condicionais válidos 1. “Afirmação do antecedente” Se o aluno chegar atrasado, então deverá justificar-se O aluno chegou atrasado. O aluno deverá justificar-se. O argumento é válido. Sua forma pode ser descrita por este esquema: Se p, então q. p. q. 2. “Negação do consequente” Se o Brasil conquistar mais uma Copa do Mundo, então ele será pentacampeão. O Brasil não é pentacampeão. O Brasil não conquistou mais uma Copa do Mundo. O argumento é válido. Sua forma pode ser descrita por este esquema: Se p, então q. Não q. Não p. Argumentos condicionais não – válidos 1. “Falácia da afirmação do consequente” Se os alunos cooperarem, então as aulas serão agradáveis. As aulas serão agradáveis. Os alunos vão cooperar. O argumento é não-válido. Sua forma pode ser assim descrita: Se p. então q. q. p. 2. “Falácia da negação do antecedente” Se você fuma Hollywood, então você terá o sucesso. Você não fuma Hollywood. Você não terá o sucesso. Os argumentos são não-válidos. A forma padrão pode ser assim descrita: Se p, então q. não p. não q. Enunciados Categóricos Há quatro formas de enunciados categóricos, simbolizados pelas quatro primeiras vogais. Como exemplos temos: A: Todos os diamantes são joias. E: Nenhum diamante é joia. I: Alguns diamantes são joias. O: Alguns diamantes são joias. Os enunciados A e I são afirmativos. Os enunciados E e O são negativos. Os enunciados A e E são universais. Os enunciados I e O são particulares. Temos, então, as seguintes formas de enunciados categóricos. Formas: A: Todos os F são G. Universal Afirmativa E: Nenhum F é G. Universal Negativa I: Alguns F são G. Particular Afirmativa O: Alguns F são não-G. Particular Negativa Lembramos que o enunciado categórico universal afirmativo “Todos os F são G” tem o mesmo valor que o enunciado condicional “Se algo é um F, então é um G”. Também lembramos que “alguns” em Lógica significa “pelo menos um”. Quando dizemos que “Alguns F são G” estamos dizendo o mesmo que “Pelo menos um F é G”. CONCLUSÃO Procuramos apresentar na forma de breves considerações alguns princípios elementares da Lógica Formal. É discutível se as regras da lógica formal ensinam alguém a pensar, mas é indiscutível que ajudam a corrigir argumentos falaciosos e tendenciosos. REFERÊNCIAS ALVES, Rubens. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. SALMON, W. C. Lógica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. SMITH, P. An Introduction to Formal Logic. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.