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Comportamento e Cultura: Análise de Interações - eBook

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João Claudio Todorov
Organizador
Comportamento e Cultura
Análise de interações
eBook (PDF)
Brasília
2020
Technopolitik
ISBN 978-65-86192-00-1
Technopolitik - Conselho Editorial
Ana Lúcia Galinkin - Universidade de Brasília
Antonio Nery Filho - Faculdade de Medicina/Universidade Federal da Bahia
Claudiene Santos - Universidade Federal de Sergipe
Eroy Aparecida da Silva - Afip/Universidade Federal de São Paulo
Marco Antônio Sperb Leite - Universidade Federal de Goiás
Maria Alves Toledo Burns - Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto
Maria Fátima Olivier Sudbrack – Universidade de Brasília
Maria Inês Gandolfo Conceição – Universidade de Brasília
Maria das Graças Torres da Paz - Universidade de Brasília
Raquel Barros - ONG Lua Nova
Telmo Ronzani – Universidade Federal de Juiz de Fora
Capa: Paulo Roberto Pereira Pinto/Ars Ventura Imagem & Comunicação.
Projeto gráfico e diagramação: Maurício Galinkin/Technopolitik
Esta publicação contou com o apoio da CNPq
________________________________________________________________
C736 Comportamento e cultura: análise de interações / Organização
João ClaudioTodorov.--Brasília, DF : Technopolitik, 2020.
222 p. : il. : color.
eBook (PDF)
ISBN 978-65-86192-00-1
1.
Família. 2. Políticas públicas. 3. Esporte como programa social. 4. Comportamento
politicamente correto. 5. Remissão de pena, legislação. 6. Capacitação profissional,
programa. 7. Personalidade (Psicologia). I. Todorov, João Claudio (Org.).
CDU 159.964
__________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Iza Antunes Araujo CRB1-079
© das autoras e autores
É permitida a reprodução para fins didáticos, desde que solicitada prévia autorização junto ao
organizador.
Os artigos expressam o ponto de vista e opinião das autoras e autores, não sendo,
necessariamente, os da editora.
Maurício Galinkin/Technopolitik (MEI)
CNPJ 25.211.009/0001-72 Novo (CBL) ISBN 65-86192
Tel: (61) 98407-8262. Correio eletrônico: editor@technopolitik.com
Sítios eletrônicos na internet: http://www.technopolitik.com.br e http://www.technopolitik.com
Introdução
Em qualquer ciência, a pesquisa básica costuma ser ignorada
pelo leigo. A visão popular da pesquisa depende de sua fácil
relação com a solução de algum problema. Se há uma epidemia
de vírus as pessoas que pelo menos sabem o que é isso não
estranham que os governos invistam em pesquisa básica que
possa fornecer informações sobre um problema para o qual
não há resposta. A psicologia não escapa; sempre alguém me
questiona porque trabalhei com ratos e pombos – uma
curiosidade que muitas vezes não resiste ao início de minha
explicação. Contudo, o que temos hoje em várias áreas de
aplicação da Análise do Comportamento teve sua origem há 90
anos em uma pequena câmara experimental onde ratos
trabalhavam. A análise do comportamento desenvolveu-se
como uma linguagem da psicologia, aperfeiçoou métodos de
estudo para questões tradicionais, abriu novos campos de
pesquisa e gerou tecnologias em uso por toda parte. Tais
métodos são utilizados por um grupo de pesquisadores que
vem crescendo desde os anos 50 do século passado.
Reuni neste volume 11 trabalhos com meus alunos e um de
dois ex-alunos. Os capítulos cobrem diversas áreas, de
trabalhos experimentais sobre o comportamento humano a
análises de projetos governamentais em andamento, capítulos
que mostram artigos publicados e outros com trabalhos
inéditos; um capítulo trata da Lei Maria da Penha, outro das
várias maneiras que agências de controle moldam e mantêm
comportamentos. No conjunto, uma boa mostra de nossa
produção.
João Claudio Todorov (Organizador)
iii
Sumário
Introdução
Sobre o organizador, autoras e autores
1-A Família como Agência de Controle, por
João Claudio Todorov
2- Comportamento politicamente correto de participantes humanos na pesquisa
analítico-comportamental, por
João Claudio Todorov, Bruna Maria Barbosa da Silva França e Yuri Santos Andrade
3- O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento
cooperativo, por
João Cláudio Todorov, Ísis Gomes Vasconcelos, Marcelo Borges Henriques, Fabiana
Azevedo de Andrade, João Vianney Barrozo Costa Severo e Igor Vasconcelos Costa
4- Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental: considerações
sobre métodos de avaliação psicológica, por
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
5- Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação,
por Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
11
16
26
50
67
6-A Identificação de programas esportivos governamentais como ferramenta para
aumentar a frequência escolar de jovens, por
Vitória dos Santos Ferreira, João Claudio Todorov, Roberta Freitas Lemos e Isabella
Righi Bernardes
90
7- Identificação de relações condicionais complementares nos Programas de
Capacitação Profissional como estratégia para aumentar a frequência
escolar de adolescentes de famílias beneficiárias do Programa Bolsa
Família, por
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João
Cláudio Todorov
105
8- Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre a remição
da pena pelo estudo, por
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
120
9- Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha, por
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Cláudio Todorov
140
10- Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da
educação: primeiro o objetivo, depois como chegar lá, por
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
11- Effect of relative reinforcement duration in concurrent schedules with different
reinforcement densities: a replication of Davison (1988), por
João Claudio Todorov, Elenice S. Hanna, Cristiano Coelho, Ana Flávia Borges
Moreira, Thaís Andreozzi, Patrícia Finageiv e Luciana Bayeh
12- Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência, por
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
iv
III
V
161
185
198
Sobre o organizador, autoras e autores
Sobre o organizador
João Claudio Todorov, Ph.D, é Professor Emérito e Pesquisador Associado da
Universidade de Brasília, Brasil. Foi Reitor (1993-1997), Vice-Reitor
(1985-1989) e Decano de Pesquisa e Pós-Graduação (1985). Suas publicações
incluem duas coletâneas, 17 capítulos em livros, mais de 100 artigos
publicados em periódicos científicos, e mais de 150 artigos de divulgação em
jornais. Foi Editor das revistas Psicologia: Ciência e Profissão e Revista
Brasileira de Análise do Comportamento. Fez parte dos Conselhos Editoriais
das revistas Journal of the Experimental Analysis of Behavior, Mexican
Journal of Behavior Analysis, Behavior and Philosophy, Acta
Comportamentalia e Psicologia: Teoria e Pesquisa. Recebeu os prêmios
Disseminação Internacional da Análise do Comportamento de 2009 da
Association for Behavior Analysis International e pelo conjunto da obra, de
2012, da Federação Ibero-Americana de Associações de Psicologia. É membro
honorário dos Conselhos da Sociedade Brasileira de Psicologia e da
Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental. Em 2015, foi
eleito Fellow da Association for Behavior Analysis International e recebeu o
título de Doutor Honoris Causa do Centro Universitário IESB. É Bolsista de
Produtividade em Pesquisa 1D do CNPq. Foi Presidente da Associação dos
Instrutores da Universidade de Brasília (1964-1965), do Conselho Regional de
Psicologia da Primeira Região (1974-1976) e da Associação dos Docentes da
Universidade de Brasília (1978-1980). Foi conselheiro do Conselho Federal de
Psicologia (1976-1982. Coordenou a implantação do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária do Pronera/Incra (1998-1999). Seus interesses
de pesquisa incluem controle temporal do comportamento, controle aversivo
e escolhas, decisões e preferências, e práticas culturais. Nos últimos anos, tem
v
contribuído com a análise de Políticas Sociais, mais especificamente, nas áreas de
transferência condicionada de renda, educação, medidas socioeducativas, meio
ambiente, mobilidade urbana e direitos de crianças e adolescentes. Sua atuação
inclui o desenvolvimento e orientação de pesquisas sobre a formulação e a
implementação das políticas públicas, seus programas e suas ações por meio de
análise de normativas publicadas (textos legais e infra legais) e de dados
secundários disponibilizados por agências oficiais.
Sobre autoras e autores
Ana Flávia Borges Moreira – Possui graduação em Psicologia Habilitação Licenciatura
pela Universidade de Brasília (2003) e graduação em Psicologia Habilitação
Licenciatura pela Universidade de Brasília(2005). Atualmente é Psicóloga do
Departamento de Polícia Federal. Tem experiência na área de Psicologia.
Bruna Maria Barbosa da Silva França - Graduada em Psicologia, Mestra em Ciências
do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB). Doutoranda em Ciências
do Comportamento pela UnB. Atualmente, membro do Grupo de Estudos sobre
Comportamento e Cultura e do Grupo de Estudos de Análise Quantitativa do
Comportamento, vinculados a Universidade de Brasília (UnB). Mestrado sobre
Políticas públicas no contexto escolar. Experiência como membro da Liga de
Cultura de Analise do Comportamento e como Secretária de Relações Públicas no
Centro Acadêmico do curso de Psicologia na Universidade Estadual do Piauí.
Atuação com aplicação de testes psicológicos e, também, experiências como
atuante e pesquisadora sobre Acompanhamento Terapêutico de crianças atípicas.
Cristiano Coelho - Possui graduação, Mestrado e Doutorado em Psicologia pela
Universidade de Brasília. Atualmente é professor Adjunto I da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás e terapeuta comportamental. Foi Professor
Substituto na UnB (1999 a 2000), Professor Colaborador do Instituto de Educação
Superior de Brasília - IESB (2009 a 2010) e Supervisor Estadual de Pesquisas do
vi
IBGE - Goiás (2010 a 2014). Tem experiência na área de Psicologia Experimental e
Análise do Comportamento, com ênfase em Comportamento de Escolha,
Economia Comportamental e Comportamento do Consumidor, nos quais tem
realizado pesquisas e orientado alunos de iniciação científica, Mestrado e
Doutorado principalmente nos seguintes temas: escolha com atraso e
probabilidade, modelos matemáticos, análise do comportamento do consumidor e
controle de estímulos. Na PUC-Goiás foi Coordenador do Laboratório de Análise
Experimental do Comportamento (2004-2007), Assessor de Iniciação Científica
(2004 a 2006), e Coordenador Geral de Pesquisa e Institucional do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC-CNPq) (janeiro de 2007 a
janeiro de 2009) na PUC Goiás. Atualmente é Coordenador do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da PUC-Goiás (Mestrado e
Doutorado).
Diogo Seco – possui graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília (2000),
mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília (2001) e doutorado em
Ciências do Comportamento (2008), também pela Universidade de Brasília, com
ênfase em estudos sobre o comportamento do consumidor; e pós doutorado na
Tilburg University, Holanda, em Economia Comportamental (2014). Atualmente é
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência na área
de Psicologia, com ênfase em Processos de Aprendizagem, Memória e Motivação, e
Psicologia Econômica, atuando principalmente com os seguintes temas: motivação
do comportamento econômico, efeitos de ambientações para o consumo, análise de
padrões de compra de consumidores e investigações teóricas sobre Análise do
Comportamento Econômico.
Elenice Seixas Hanna – Graduada em Psicologia pela Universidade de Brasília (1983),
Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (1987) e PhD em Psicologia
pela University of Wales, College of Cardiff (1991). Realizou Pós-doutorado no
Shriver Center, University of Massachussets, Medical School (2001) e na
Universidade Federal de São Carlos (2005). Atuou como docente e pesquisadora no
vii
Departamento de Processos Psicológicos Básicos (PPB) da Universidade de Brasília
de 1985 a 2017. Chefiou o PPB duas vezes e coordenou o Programa de
Pós-Graduação em Ciências do Comportamento (PPG-CdC) por duas gestões.
Atualmente orienta e desenvolve pesquisas no PPG-CdC como Pesquisadora
Colaboradora. Desenvolve pesquisa básica realizando análises funcionais do
comportamento de escolha e fenômenos de controle de estímulos, em seres
humanos e outros animais. Investiga, na área aplicada, o autocontrole e a
aprendizagem de leitura e escrita como fenômenos relacionados com escolha e
controle de estímulos. Integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Sobre
Comportamento, Cognição e Ensino (http://www.ufscar.br/ecce/).
Isabella Righi Bernardes, graduanda em Psicologia na Universidade de Brasília (UnB).
Izabel Cristina Vale de Carvalho – Psicóloga pela Universidade Estadual do Piauí UESPI (2010). Mestre em Ciências do Comportamento - Análise do
Comportamento pela Universidade de Brasília - UnB (2013). Foi membro da Liga
Acadêmica de Análise do Comportamento do Piauí (LiAAC-PI). Atualmente no
Doutorado em Ciências do Comportamento - Análise do Comportamento pela
Universidade de Brasília - UnB. Tem experiência em atendimento clínico infantil
com crianças especiais; prática docente em curso de Psicologia. Atualmente realiza
estudos sobre práticas culturais, agência governamental, psicoterapia infantil. Áreas
de estudo: práticas culturais, metacontingência, Análise Experimental do
Comportamento, Educação, Psicologia Clínica Infantil.
Luciana Bayeh de Resende – Possui graduação em Psicologia pela Universidade de
Brasília (2006).
Mariza Domiciano Carneiro Cabral - Possui graduação em Direito pelo Centro
Universitário de João Pessoa (2005) e em Psicologia pela Universidade Católica de
viii
Brasília (2011), e mestrado em Ciências do Comportamento pela Universidade de
Brasília (2014).
Patrícia Braz Finageiv – Possui graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília
(2007). Atualmente atua como Psicóloga no Sistema Socioeducativo do Distrito
Federal
Rafaela Meireles Fontes Azevedo – Graduação em Psicologia pela Universidade
Federal de Sergipe (2013). Mestre em Ciências do Comportamento pela
Universidade de Brasília - UnB (2015). Doutora em Ciências do Comportamento
pela Universidade de Brasília - UnB (2018), com estágio doutoral Utah State
University (2016/2017) como bolsista Capes/Fulbright (Programa Estágio de
Doutorando nas Ciências Humanas, Ciências Sociais, Letras e Artes nos EUA).
Doutoranda em Psicologia com ênfase em Análise do Comportamento pela Utah
State University (2018). Trabalha com pesquisa básica e experimentação.
Atualmente trabalhando com modelos experimentais de recaída e punição.
Roberta Freitas Lemos – Pós-doutorado em andamento na Virginia Tech
Carilion/Fralin Biomedical Research Center. Possui graduação em Bacharelado em
Esporte pela Universidade de São Paulo (2004), graduação em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005) e mestrado em Psicologia
Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (2008) e doutorado em Ciências do Comportamento pela Universidade
de Brasília (2018). É analista técnica de políticas sociais do Ministério da
Cidadania, atualmente em licença.
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira – É Mestre em Ciências do Comportamento
pela Universidade de Brasília e Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal
de Goiás. Possui interesse em Análise do Comportamento, principalmente no que
tange à aplicação. Interesses específicos em intervenções e análises de práticas
ix
culturais, tecnologias comportamentais voltadas para a educação regular e especial e
psicoterapia analítico-comportamental infantil. Faz parte do quadro de colunistas do Blog
Comporte-se, onde escreve sobre educação e cotidiano numa perspectiva
analítico-comportamental. É sócio-administrador do Colégio Arctempos, Unidade
Anápolis.
Thaís Cruz Andreozzi – Graduação em Psicologia (2006), na Universidade de Brasília, UnB,
Brasil. Atua principalmente nos seguintes temas: pesquisa em análise do comportamento e
psicoterpia analítico comportamental.
Yuri Santos Andrade - Graduando em Psicologia pela Universidade de Brasília com
experiência em Psicologia experimental e gestão de pessoas. Realizou pequisa na área de
sociologia política, atuou como assessor da presidência e consultor na Praxis consultoria Jr.
e atualmente realiza pesquisa em processos básicos de decisão sob a orientação do professor
emérito João Claudio Todorov.
Colaboraram nas pesquisas e elaboração de artigos que compõem esse livro as seguintes
(então) alunas de graduação do curso de Psicologia, do Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasilia:
Ana Flávia Borges Moreira
Luciana Bayeh
Patrícia Finageiv
Thaís Andreozzi
Vitória dos Santos Ferreira
x
1
A Família como Agência de Controle
João Claudio Todorov
Em encontro recente de pesquisadores
interessados na análise comportamental de práticas
culturais tive uma discussão com o grupo que me fez
sentir como aquele soldado que era o único a marchar
certo quando todo o batalhão marchava errado. Não
aceitavam meu tratamento da Família como Agência
de controle porque não estava em Skinner.
De fato, na seção V de Ciência e Comportamento
Humano, Skinner não dedica um item para falar de
família enquanto agência de controle, mas na página
311 do original (Skinner, 1953), ao falar do grupo
como uma unidade que se comporta, inclui a família.
Com relação às crianças, o poder de reforçar e punir
de acordo com relações condicionais está com os pais e
com seu grupo de amigos. Mãe e Pai são uma Agência
de Controle, ainda mais característica que o
psicoterapeuta tão bem descrito por Skinner.
Agências de controle são pessoas ou organizações
encarregadas de incentivar, acompanhar e selecionar,
pela apresentação de consequências, determinados
11
João Claudio Todorov
tipos de interação entre pessoas e/ou organizações. Skinner definiu agências de
controle como grupos dentro de um grupo maior que controlam a programação e a
efetivação de consequências para certos comportamentos. Mesmo quando uma pessoa
controla a apresentação de consequências, como faz o terapeuta na psicoterapia ou a
mãe na família, esse controle é exercido segundo regras próprias das instituições
legitimadas “psicoterapia” e “família”.
Então, se Família, Psicoterapia, Educação, Religião, Economia e Governo são
Agências de Controle, como explicitar o que têm em comum? Um conjunto de relações
condicionais específicas para o controle de certas pessoas, em certos lugares, e durante
certo tempo. Não são estruturas físicas, são relações entre pessoas construídas ao longo
do desenvolvimento da civilização. A Democracia controlada por Três Poderes e uma
Constituição é recente, tem pouco mais de 200 anos. Se compararmos com os 12 mil
anos do desenvolvimento da agricultura e do sedentarismo, há muito o que estudar
para entender como chegamos aos tempos atuais. A família constituída por pai, mãe e
filhos já não é modelo único, podendo ser constituída por dois homens ou duas
mulheres que convivem e repartem os cuidados com os filhos: essa família nuclear
também é recente.
Governo é uma das agências de controle mais antigas, sempre presente em
qualquer grupo, quer como um chefe, quer como um conjunto de instituições
governadas elas mesmas por uma constituição. Nas Ciências Humanas, certas agências
são alvo de estudos de mais de uma ciência, como a família (psicologia, antropologia,
sociologia etc.) ou o governo (sociologia, ciência política etc.). Ao longo do tempo cada
ciência desenvolve suas teorias independentemente, ainda que cada uma delas assuma
aberta ou dissimuladamente alguma teoria sobre o comportamento humano. A única
abordagem a tratar de maneira uniforme todas as ciências humanas é a Análise do
Comportamento, via análise das agências de controle do comportamento regido por
relações condicionais entre comportamentos e consequências.
Família é uma organização social tão importante que merece uma especialização
no Direito só para ela: é o ramo que contém normas relacionadas com a estrutura,
organização e proteção da família, que estabelece e regula as normas da convivência
familiar (cf. Todorov, 2005; Todorov, Moreira, Prudêncio e Pereira, 2004). Certamente a
12
A Família como Agência de Controle
Antropologia e a Sociologia terão exemplos do desenvolvimento de tipos de famílias ao
longo dos séculos, mas para nosso interesse atual seria fácil estudar as relações
condicionais em vigor em famílias reais. O trabalho de Xavier e Vasconcelos (2008) foi
um primeiro passo nesse sentido:
O estudo das interações estabelecidas pelos membros de cada grupo familiar é de
fundamental importância nas análises das matrizes de contingências nas quais o
indivíduo está inserido. É dentro da família que a criança, ao interagir com as
práticas culturais familiares, contribui também para a evolução desses padrões de
interação... o estudo do comportamento humano e das relações entre os
indivíduos pode ser feito tendo três eixos distintos de análise: (1) o indivíduo
como um ser isolado do seu ambiente social; (2) o indivíduo inserido dentro do
meio familiar e; (3) o indivíduo inserido em um contexto social mais amplo. A
família funciona, dessa forma, como um grupo social de proporções menores que,
ao estabelecer regras e limites, prepara o indivíduo para a comunidade social mais
ampla... a família, em uma discussão analítico comportamental, é uma agência de
controle importante na comunidade social mais ampla ao promover a socialização
de seus membros e a inserção destes em outras agências de controle a partir da
aceitação da autoridade destas agências. (Naves & Vasconcelos, pp. 13-14)
Então, o que caracteriza uma Agência de Controle?
(a) Um certo grupo de pessoas cujo comportamento pode ser punido ou
reforçado de acordo com certas regras que caracterizam aquela agência.
(b) Alguém, ou um grupo, da Agência de Controle encarregado de observar e
reforçar ou punir, de acordo com aquelas regras.
Ou como bem colocou Skinner, citado por Dittrich, Todorov, Martone & Lé
Sénéchal Machado (2013),
O grupo exerce um controle ético sobre cada um de seus membros através,
principalmente, de seu poder de reforçar ou punir. O poder deriva do número e da
13
João Claudio Todorov
importância de outras pessoas na vida de cada membro. Geralmente o grupo não
é bem organizado, nem seus procedimentos são consistentemente mantidos.
Dentro do grupo, entretanto, certas agências de controle manipulam conjuntos
particulares de variáveis. Essas agências são geralmente mais bem organizadas que
o grupo como um todo, e frequentemente operam com maior sucesso. (Skinner,
1953/2000, p. 363)
A questão da agência de controle é uma de descobrir, não de inventar nem de
arbitrar fronteiras (Todorov, 2010).
Qualquer que seja o grupo, qualquer que seja seu tamanho, esse grupo exerce o
controle sobre seus membros principalmente por meio de seu poder de reforçar e de
punir, de acordo com regras (relações condicionais entre comportamentos e
consequências) que definem o grupo. O conjunto dessas relações condicionais
caracteriza uma cultura.
Em qualquer grupo, organização, etnia ou sociedade, o conjunto de relações
condicionais (contingências comportamentais e metacontingências) é resultado da
evolução ao longo do tempo das interações entre pessoas. Na espécie humana a maior
complexidade dessas agências parece ter surgido há 12.000 anos, com a agricultura e o
sedentarismo que se seguiu aos tempos de movimentação de coletores e caçadores.
1. A família é a agência encarregada dos relacionamentos pais/filhos, e atua
primariamente na construção de repertórios dos jovens que garantam sua inserção
na sociedade quando adultos;
2. A escola continua o trabalho de socialização iniciada pela família e deve
preparar os jovens para o trabalho e para o convívio harmonioso na sociedade;
3. Os grupos de amigos também funcionam como agências de controle,
comunidades verbais selecionadoras de práticas culturais;
4. A religião contribui para a estabilidade das relações comportamentais
principalmente pelo uso do comportamento verbal, palavras que adquirem o
14
A Família como Agência de Controle
poder de reforçar ou punir comportamentos pelo emparelhamento com
promessas baseadas em fé;
5. Os processos psicoterápicos são necessários, e funcionam como agências de
controle, sempre que os controles exercidos por outras agências são excessivos ou
inconsistentes (Skinner, 1953, cap. XXIV).
6. Governos são as maiores agências de controle em todas as sociedades, com o
papel de regular a ação de todas as outras agências, da maneira como os pais
tratam os filhos, o que deve ser ensinado nas escolas, e até onde pode ir o controle
exercido pelas igrejas e como deve atuar o profissional psicoterapeuta.
Referências
Cullingford, C. & Morrison, J. (1997). Peer group pressure within and outside school.
British Journal of Educational Research, 23, 61-80.
https://doi.org/10.1080/0141192970230106
Dittrich, A., Todorov, J. C., Martone, R. C., & Lé Sénéchal Machado. (2013). Agências
de controle. Em M. B. Moreira, (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais.
Brasília: Instituto Walden4.
Gill, M., Chan-Golston, A. M., Rice, L. N., Roth, S. E., Crespi, C. M., Cole, B. L.,
Koniak-Griffin, D. & Prelip, M. L. (2018). Correlates of social support and its
association with physical activity among young adolescents. Health Educ Behav,
45(2), 207-216. doi: 10.1177/1090198117714826.
Nave, A. R. C. X. & Vasconcelos, L. A. (2008). O estudo da família: contingências e
metacontingências. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 4(1), 13-25.
Steinberg, L., & Monahan, K. C. (2007). Age differences in resistance to peer
i n flu e n c e . D e v e l o p m e n t a l p s y c h o l o g y , 4 3 ( 6 ) , 1 5 3 1 – 1 5 4 3 .
doi:10.1037/0012-1649.43.6.1531.
15
2
Comportamento politicamente correto de participantes
humanos na pesquisa analítico-comportamental
João Claudio Todorov
Bruna Maria Barbosa da Silva França
Yuri Santos Andrade
Quais são as características de uma pessoa que
p o d e m e x e r c e r a f u n ç ã o d e e s t í mu l o
discriminativo? A resposta é: praticamente todas!
Todas as características as quais consideramos
significativas numa pessoa são estímulos
discriminativos para diferentes consequências. Se
uma pessoa está usando uma faixa preta no braço
pode significar que certas respostas serão
fortalecidas (falar num tom baixo de voz) e outras
serão punidas (fazer piadas grosseiras sobre
pessoas mortas). (Bernard Guerin)
A Análise Experimental do Comportamento
Humano (AECH) não pode ignorar mais de cem anos
de descobertas da Psicologia Social Experimental
(PSE), entre elas, o efeito da desejabilidade social (e.g.,
Grimm, 2010; af Wahlberg, Dorn & Kline, 2010;
Gouveia et al., 2009): participantes tendem a se
comportar na situação experimental da maneira que
acham que vai agradar o experimentador. São as
16
João Claudio Todorov, Bruna M. B. da Silva França e Yuri Santos Andrade
respostas “politicamente corretas” em experimentos com humanos. O efeito aparece
nos mais variados tipos de pesquisa (e.g., Hayes, Strosahl, Wilson, & Bissett, 2004), de
respostas a questionários (e.g. Ribas Jr, de Moura & Hutz, 2004), a autorrelatos (e.g., af
Wahlberg et al., 2010) e a experimentos no laboratório (e.g., Fleming, & Zizzo, 2011) e
no ambiente natural (e.g., Akaichi, Nayga Jr, & Nalley, 2016).
Em pesquisas da economia, ainda que a previsão da teoria seja a de preferência
por alternativas que sejam mais interessantes para a pessoa, os participantes nem
sempre decidem assim. Regras ou preferências sociais podem ser responsáveis por essas
escolhas “altruístas” (Fleming, & Zizzo, 2011).
A desejabilidade social pode ser entendida como uma propensão por parte de
participantes de pesquisas psicológicas a responderem de forma tendenciosa a
perguntas apresentadas, por exemplo, em escalas de atitude ou em inventários de
personalidade. Os participantes tenderiam apresentar respostas consideradas mais
aceitáveis ou aprovadas socialmente e tenderiam ainda a negar sua associação pessoal
com opiniões e comportamentos que seriam desaprovados socialmente (Gouveia et al.,
2009, 84).
O problema será aqui tratado no escopo da Análise do Comportamento,
considerando-se os três níveis de seleção por consequências que afetam a ocorrência de
qualquer comportamento como fenômeno natural: filogenético, ontogenético e cultural
(Skinner, 1953/1967). Os efeitos de variáveis provenientes dos três níveis de seleção
repercutem em qualquer comportamento sob observação (Todorov, 1989/2007): há um
organismo que se comporta de acordo com membros de sua espécie, com reflexos
característicos e estrutura que condiciona repertórios operantes possíveis, que se
desenvolvem ao longo de interações com o ambiente, sob regras características de seu
grupo social (e.g., Skinner, 1953/1967; Todorov, 2012).
Até o desenvolvimento do comportamento verbal o bebê aprende por exposição
direta a contingências, inclusive a emitir verbalizações, depois modeladas em palavras.
A incorporação ao grupo cultural vai depender muito de aprender a seguir regras e
aprender a seguir modelos, dois repertórios ensinados primeiro por exposição direta a
contingências de reforço, esquiva e punição.
17
Comportamento politicamente correto em pesquisa analítico-comportamental
Vimos anteriormente que existem quatro maneiras de uma pessoa manipular as
consequências para outra. As primeiras três eram aprovação, atenção e estímulos
aversivos (ou por punição ou por reforçamento negativo). A quarta forma
consistia em dar instruções verbais a outra pessoa e tentar assim mudar seu
comportamento. Como mencionado em muitos lugares, essa é uma forma fraca de
controle, ao menos que já exista uma forma generalizada de obediência social, ou
mesmo consequências diretas sobre a desobediência (Guerin, 1994).
A tendência a seguir regras e modelos do grupo pode interferir em várias
situações de pesquisa com participantes humanos. Quando o ambiente é conhecido e já
houve exposição às contingências presentes, o comportamento tende a ser regulado
pela experiência própria da pessoa, mas em situação de teste, nova, regras aprendidas
e/ou modelos testemunhados podem atuar. Qualquer situação nova é potencialmente
perigosa e sempre gera aumento na probabilidade de comportamentos de esquiva.
Na psicologia social experimental um efeito conhecido é o da desejabilidade
social. Um termo específico que é usado para representar tendências de distorção de
respostas em questionários ou entrevistas negando comportamentos socialmente
indesejáveis (Gouveia et al., 2009). É uma tendência a dar respostas que fazem com que
o participante seja visto de maneira positiva (e. g., Malott, 19831993). Essa tendência é
maior quando a resposta do participante pode ser identificada e quando as normas do
experimentador forem conhecidas (Fleming & Zizzo, 2011).
A pesquisa da Análise do Comportamento com participantes humanos tende a
envolver poucas pessoas, em ambiente controlado, com a presença do experimentador,
uma figura de autoridade no estabelecimento em que o participante é aluno.
Geralmente são alunos dos primeiros semestres, sem muito conhecimento do que se
pesquisa na psicologia. A não ser em pesquisa sobre o efeito de diferentes instruções no
desempenho dos participantes, as pessoas são expostas a contingências com poucas
informações. Contudo,
18
João Claudio Todorov, Bruna M. B. da Silva França e Yuri Santos Andrade
A análise do comportamento não pode desconsiderar a relevância do aspecto
verbal no estudo do comportamento humano, tendo em vista que grande parte do
repertório comportamental é governado por regras. Na interação com membros
da comunidade verbal o indivíduo aprende a descrever para si mesmo as
contingências às quais está sendo exposto; esta descrição pode vir a exercer
controle parcial sobre os comportamentos subsequentes, tornando-se assim, um
elo na cadeia comportamental que deve ser investigado no escopo da análise do
comportamento. (dos Reis, da Rocha Teixeira & Paracampo, 2005, 57-58)
Regras são estímulos verbais que descrevem contingências e que podem adquirir
função discriminativa, alterando assim a probabilidade de emissão de uma dada
resposta ou estabelecedora, ao estabelecer o valor reforçador da consequência de uma
resposta (Albuquerque, 2001). Segundo dos Reis, da Rocha Teixeira e Paracampo
(2005) as descrições para si mesmo das contingências que controlam o próprio
comportamento são denominadas autorregras, essas são estabelecidas através do
contato com as contingências durante a história de aprendizagem do indivíduo e/ou
com as regras emitidas por outros membros da comunidade verbal que passam a
funcionar como autorregras. Zettle e Hayes (1982) intitulam auto-ply as autorregras
que descrevem contingências sociais para a emissão da resposta.
Em uma situação de pesquisa em Análise do Comportamento Humano em que o
participante possa emitir uma resposta politicamente correta ou não, as autorregras
exercem função facilitadora para a resposta socialmente desejada ao realçar as
contingências da resposta ou ao inibir o controle das contingências programadas pelo
experimentador, mantendo o comportamento sob controle das contingências descritas
na autorregra (dos Reis, da Rocha Teixeira & Paracampo, 2005; Iversen, 2013). Em
ambos os casos as autorregras podem enviesar pesquisas em Análise do
Comportamento Humano ao aumentar a probabilidade de respostas politicamente
corretas, interferindo assim no resultado das manipulações experimentais
implementadas pelo experimentador durante o estudo (cf., Pilgrim, 1998; Critchfield,
Tucker & Vuchinich, 1998; Wulfert, Dougher & Greenway, 1991).
19
Comportamento politicamente correto em pesquisa analítico-comportamental
O nível em que uma regra controla o comportamento depende, dentre outros
fatores, das características da mesma: se é implícita ou explícita, se é uma descrição
precisa ou não, do grau de complexidade da condicionalidade descrita e se foram
geradas pelo próprio indivíduo ou emitidas por outros e então aprendidas pelo sujeito
(Peláez, 2001).
A autorregra pode também alterar a probabilidade de emissão do comportamento
politicamente correto funcionando como operação estabelecedora (Albuquerque,
2001). Comportamentos socialmente desejados são em geral reforçados pela
comunidade verbal em que o indivíduo está inserido. Ao longo da história de
aprendizagem a pessoa pode emitir autorregras que descrevam essa contingência. Em
uma situação de pesquisa em que o indivíduo tenha que escolher entre emitir uma
resposta socialmente aceita ou uma que tenha como consequência um reforçador de
maior magnitude, pode ocorrer generalização da autorregra gerada ao longo da história
de aprendizagem, assim estabelecendo o valor reforçador de emitir a resposta
politicamente correta ao invés da mais reforçadora.
Além do papel que as autorregras desempenham no controle do comportamento
politicamente correto, estudos culturais com base analítico-comportamental
demonstram que em situações em que o participante deve escolher entre uma
consequência individual ou uma consequência cultural a resposta de escolha não é
determinada somente pelas contingências programadas, mas também por
contingências verbais mediadas pelos próprios membros do grupo (Gomes e Tourinho,
2016). Considerar a desejabilidade social no desenvolvimento do procedimento e na
análise dos resultados corrobora para a identificação de possível variáveis estranhas e
para aumentar o controle experimental. Para Sidman (1960), o controle experimental é
alcançado através da manipulação sistemática das variáveis para a compreensão de seus
efeitos e fenômenos comportamentais possibilitando uma generalização dos resultados
em outras circunstâncias. Um exemplo desse cuidado pode ser visto na sequência de
experimentos publicados com base no procedimento usado na tese de doutorado de
Aécio Borba (Borba, 2013)
Vários artigos investigaram a emergência e manutenção de autocontrole ético em
ambiente experimental definido como responder de maneira que uma consequência
20
João Claudio Todorov, Bruna M. B. da Silva França e Yuri Santos Andrade
favorável para o grupo seja produzida em situações em que essa concorra com uma
consequência de maior valor para o indivíduo (Tourinho & Vichi, 2012).
Esses artigos utilizam procedimentos de escolha em que os participantes podem
escolher uma consequência individual de maior magnitude ou uma de menor
magnitude em conjunto com a consequência cultural contingente a um determinado
padrão comportamental de escolha coordenado com outros participantes (Gomes &
Tourinho, 2016; Borba, 2014). As respostas que produzem consequências individuais
de maior magnitude são denominadas respostas impulsivas ou egoístas e as que
produzem consequências mais favoráveis para o grupo se denominam resposta
autocontroladas eticamente (Borba, 2014).
Diferentes variáveis foram manipuladas nos estudos citados: a possibilidade de
comunicação entre os participantes, se os mesmos fariam a tarefa sozinhos ou em
grupo e se teriam acesso às respostas dos outros participantes (Borba, 2014) e a
progressão da magnitude do reforço individual ao longo do experimento (Gomes &
Tourinho, 2016). Os resultados dessas pesquisas demonstram que houve maior
frequência de respostas autocontroladas a despeito das respostas impulsivas terem
como consequência um estímulo reforçador de maior magnitude. Também foi
identificado que as respostas politicamente corretas, ou seja, que beneficiavam o grupo
ao invés de um único indivíduo foram mais frequentes quando havia possibilidade de
comunicação entre os participantes do experimento (Borba, 2014).
Em ambas as pesquisas se concluiu que os resultados demonstram a ocorrência –
experimentalmente – de autocontrole ético. Contudo, cabe levar em consideração a
possibilidade de esses resultados estarem sendo mediados pelo fator desejabilidade
social. Levando em consideração que as respostas politicamente corretas ocorreram
com mais frequência quando havia possibilidade de comunicação entre os
participantes é possível que as respostas politicamente corretas emitidas pelos
participantes tenham sido respostas de esquiva de consequências aversivas
potencialmente presentes mediadas pelo comportamento verbal dos outros
participantes e não respostas de autocontrole ético.
Essa possibilidade acima apresentada está em consonância com a hipótese de que
o comportamento politicamente correto em pesquisas em grupo é emitido em função
21
Comportamento politicamente correto em pesquisa analítico-comportamental
do controle exercido pelas consequências verbais mediadas pelos outros participantes,
chamadas por Borba (2013) de sanções éticas.
Dessa forma, ao realizar experimentos com seres humanos faz-se necessário que
as pesquisas considerem como uma variável importante a desejabilidade social ou
comportamento politicamente correto, uma vez que os efeitos observados podem ser
provenientes desta variável e não da manipulação da variável independente (VI). Tal
procedimento asseguraria que o comportamento politicamente correto não fosse
confundido com uma variável espúria que interfere com o efeito da (VI), mas
considerando-a também como explicação aceitável para os dados frente a hipótese
experimental.
Considerar a desejabilidade social no desenvolvimento do procedimento e na
análise dos resultados corrobora para a identificação de possível variáveis estranhas e
para aumentar o controle experimental. Para Sidman (1960), o controle experimental é
alcançado através da manipulação sistemática das variáveis para a compreensão de seus
efeitos e fenômenos comportamentais possibilitando uma generalização dos resultados
em outras circunstâncias. Um exemplo desse cuidado pode ser visto na sequência de
experimentos publicados com base no procedimento usado na tese de doutorado de
Aécio Borba (Borba, 2013).
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25
3
O conceito de metacontingência na análise experimental do
comportamento cooperativo
The concept of metacontingency in the experimental analysis of cooperative
behavior
João Claudio Todorov
Ísis Gomes Vasconcelos
Marcelo Borges Henriques
Fabiana Azevedo de Andrade
João Vianney Barrozo Costa Severo
Igor Vasconcelos Costa
Resumo
Na análise experimental do comportamento de pessoas
em grupos, um elemento essencial é a descrição de um efeito
que somente pode ser produzido pela interdependência entre
comportamentos na produção de consequências. Embora o
conceito de cooperação tenha sido utilizado na literatura
experimental para se referir a variados cenários de
interdependência, essa miríade de definições não leva em
consideração, ne cess ar iamente, os efeitos da
interdependência. O conceito de metacontingência seria a
primeira proposta de descrição de fenômenos de grupo que
leva em conta a relação entre a produção de efeitos agregados
de comportamentos entrelaçados e consequências,
configurando uma unidade de resposta integrada. Este artigo
apresenta trabalhos de uma linha de pesquisa da UnB que,
utilizando o cenário de xadrez adaptado, operacionalizou
elementos da interdependência entre comportamentos,
produto agregado e eventos ambientais. O conjunto de
estudos sugere a continuidade dos processos básicos que
afetam o comportamento individual afetando similarmente
unidades de resposta integradas.
Palavras-C have: Análise do C omportamento;
C omp or t amento S o cial; C o op eração; Méto dos
Experimentais.
26
João Claudio Todorov et al.
Abstract
An essential element in the experimental analysis of the behavior of persons in groups is the
description of an effect, which could only be produced by the interdependence between the behaviors
of at least two persons. Although the concept of cooperation has been used in scenarios in which the
interdependence of behaviors is necessary to produce consequences, the myriad of definitions does not
take the effects into account. The concept of metacontingency was the first proposed description of
group phenomena taking into account the relationship between the production aggregate effects of
interlocking behaviors and consequences. setting up an integrated behavioral unit. This article
presents results of a line of researches developed at the University of Brasília, which programmed
conditional relations by describing the aggregate effect of the coordinated action of two or more
people. The set of studies permitted we to suggest the continuity of the basic processes that affect
individual behavior similarly affecting integrated response units.
Keywords: Behavior Analysis; Social Behavior; Cooperation; Experimental Methods.
“It takes two to tango” é um velho ditado inglês que quer dizer que há coisas que
só acontecem quando duas pessoas colaboram. Em português, um ditado relacionado
diz que “quando um não quer, dois não brigam”. Outro avisa que “uma andorinha só
não faz verão”. A interação é a base da vida em sociedade. Sem entender quando, como
e porque as pessoas colaboram umas com as outras não se pode dizer que temos uma
teoria sobre o comportamento humano.
A investigação sistemática do comportamento de pessoas em grupos é antiga na
análise do comportamento, mas não abriu linhas de pesquisa comparáveis às áreas
investigadas pela análise experimental do comportamento de indivíduos. Uma possível
explicação para esse hiato é a dificuldade de definir conceitualmente termos como
cooperação, gerando discordâncias internas e externas à área sobre a maneira de
descrever, medir e investigar o termo.
Em uma revisão dos procedimentos encontrados na literatura, Hake e Vukelich
(1972) sistematizaram pelo menos quatro características gerais dos procedimentos
experimentais utilizados para se estudar fenômenos sob o rótulo de cooperação. Cada
uma das categorias foi dividida em duas dimensões. Os autores argumentaram que era
27
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
possível encontrar até 12 procedimentos diferentes, dadas as possibilidades lógicas de
16 combinações diferentes daquelas dimensões (ver Tabela 1 do artigo original de Hake
& Vukelich, 1972). A sistematização dos autores revela a dificuldade de se definir
precisamente o conceito e de se estabelecer um procedimento padrão para estudá-lo.
Na ausência de um procedimento padrão, a literatura se dispersa no estudo de
fenômenos diferentes colocados sobre o mesmo rótulo (cooperação), o que dificulta a
replicação e subsequente teorização.
Contudo, tanto Hake e Vukelich (1972), quanto Schmitt (1998) concordam que
um elemento essencial do conceito de cooperação é a dependência mútua na produção
de consequências, ou seja, a contribuição de todos é importante para o benefício
individual. A definição permite procedimentos em que o benefício mútuo somente
poderá ser avaliado no decorrer da tarefa experimental, medido pela proporção de
trocas de reforçadores (exchange of reinforcements). Nesses procedimentos a unidade de
análise é o comportamento individual. Se um integrante do grupo fornece mais
reforçadores a outro ele é dito altruísta (cooperativo) enquanto o outro seria egoísta.
Entretanto, há procedimentos em que a unidade de análise é composta pela
coordenação dos comportamentos de dois ou mais indivíduos, formando uma unidade
comportamental integrada. Esses procedimentos são condizentes com uma parte
importante da definição de comportamento social de Skinner (1953), na qual dois ou
mais indivíduos podem se comportar “in concert with respect to a common
environment” (p. 297)1.
O primeiro experimento em Análise Experimental do Comportamento – de que
se tem notícia – a se comprometer com essa parte da definição de comportamento
social foi realizado por Peters e Murphree (1954). O artigo é uma nota técnica sobre o
aparato e o procedimento experimental utilizado pelos autores. Em 1956, Azrin e
Lindsley replicaram o estudo de Peters e Murphree com uma tarefa mais simples. No
ambiente experimental havia uma mesa dividida ao meio por uma divisória
translúcida. Em cada lado da mesa havia três orifícios e um estilete. Dois participantes
__________
1. “A science of culture focuses on relations between recurring cultural practices (i.e., interrelated
behavior among individuals) and the environments in which those practices occur. The units of
analys is differ”
28
João Claudio Todorov et al.
sentavam-se frente um ao outro e a tarefa consistia em introduzir os estiletes em um
dos três orifícios disponíveis para cada participante. Jujubas poderiam ser produzidas
se os participantes introduzissem os estiletes em buracos diretamente opostos, dentro
de um intervalo máximo de 0,04 segundos entre as respostas. Os autores mediram a
taxa de respostas conjuntas (i.e., coordenação entre os participantes) em um
delineamento do tipo ABA (A – reforço; B – extinção) e demonstraram que a
frequência de coordenações que atingia o critério aumentava como função da
programação dos reforços.
O valor heurístico dos trabalhos de Peters e Murphree (1954) e Azrin e Lindsley
(1956) foi a programação de um efeito no ambiente experimental que somente poderia
ser produzido pela ação conjunta de dois participantes – um efeito agregado. Tarefas
experimentais semelhantes foram utilizadas em trabalhos subsequentes por diferentes
autores (e.g., Azrin & Lindsley, 1956; Brotsky & Thomas,1967; Mithaug, 1969; Mithaug
& Burgess,1967; 1968; Rosenberg & Hall, 1958; Schmitt & Marwell, 1968; Vogler, 1968).
Todos definiram uma ocorrência da resposta conjunta pelo efeito ambiental agregado,
baseado na simultaneidade ou coordenação na operação de operandos individuais.
Quando um efeito ambiental agregado gera eventos subsequentes (consequências
socialmente estabelecidas) em uma relação condicional, uma outra unidade de análise
emerge – uma unidade comportamental integrada. Os conceitos de contingência e de
operante, originalmente utilizados para se falar do procedimento e do processo de
condicionalidade entre o efeito do comportamento de indivíduos e a produção de
consequências, não se adequa a essa outra unidade de análise.
A primeira sugestão de uma nova unidade de análise que leva em conta o produto
da coordenação, além dos comportamentos individuais envolvidos, foi a de Glenn
(1986), em uma análise conceitual de um texto de ficção (Skinner, 1948). Glenn partiu
da proposição de Skinner (1981) de um terceiro nível de seleção. Quando indivíduos
interagem de forma interdependente, eles podem produzir efeitos ambientais que
seriam mais do que a simples soma de efeitos dos comportamentos individuais. Esses
efeitos produziriam consequências para o grupo, selecionando a prática de produção de
efeitos. A dinâmica funcionaria como uma seleção operante, mas não reduzível ao
comportamento operante. Para Glenn (1988) “Uma ciência da cultura se concentra nas
29
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
relações entre práticas culturais recorrentes (i.e., o comportamento interrelacionado
entre os indivíduos) e os ambientes em que essas práticas ocorrem. As unidades de
análise são diferentes”² (p. 161). Glenn (1986, 1988) denominou essa unidade de
metacontingência.
Nos primeiros 20 anos após sua criação, o conceito de metacontingência foi usado
apenas em análises conceituais de temas sociais aplicados, como educação (Ellis &
Magee, 2007) e corrupção (Lamal & Greenspon 1992). O primeiro trabalho
experimental publicado foi o de uma dissertação de mestrado no Brasil, de Christian
Vichi (Vichi, 2004, 2005; Vichi, Andery & Glenn, 2009). Nos 15 anos seguintes a
produção experimental foi significativa, com dezenas de teses de doutorado,
dissertações de mestrado, e artigos publicados no Brasil e no exterior. Ao longo desse
período, o conceito passou por diversas revisões (e.g., Malott & Glenn, 2006; Martone
& Todorov, 2007; Todorov, 2012). Atualmente, há acordo de que o conceito, em sua
unidade mínima, descreve uma relação condicional entre contingências
comportamentais entrelaçadas (CCEs) recorrentes com seu produto agregado (PA); e
eventos ambientais selecionadores (Glenn et al., 2016).
Na Universidade de Brasília, alunos de pós-graduação têm desenvolvido uma série
de trabalhos com o objetivo de produzir uma abordagem experimental sistemática,
análoga aos procedimentos iniciais da literatura experimental operante. A principal
pergunta tem sido se a metacontingência (cenário no qual a unidade de análise é a
combinação de respostas) poderia produzir processos semelhantes aos que são
observados operantes individuais. Se o que se conhece a partir do comportamento de
indivíduos se repete no estudo do comportamento de indivíduos em dupla, por
exemplo, seria desnecessário postular um terceiro nível de seleção para esses casos.
Nesta empreitada, os autores têm adotado os mesmos pressupostos experimentais
e seguido os mesmos caminhos pragmáticos do início da análise experimental do
comportamento. Isto significa que a metacontingência, enquanto um procedimento
(arranjo de relações condicionais), deve especificar claramente: (a) um operandum
simples e externo ao entrelaçamento, que só pode ser operado pela ação coordenada de
dois ou mais indivíduos; (b) garantir que o comportamento de um indivíduo esteja sob
o controle do comportamento do parceiro na consecução da tarefa; e (c) organizar
30
João Claudio Todorov et al.
probabilidades condicionais entre o efeito agregado e consequências (Ferster, &
Skinner, 1957). Ao organizarem o ambiente experimental de tal maneira, os
investigadores têm produzido condições melhores de compreender como uma
configuração do ambiente pode afetar a recorrência da produção de um efeito
agregado.
Temas como modelagem, discriminação de estímulos, generalização, contraste,
esquemas de reforço, aprendizagem repetida e variabilidade foram explorados
usando-se um tabuleiro virtual de xadrez adaptado como equipamento experimental.
A ideia era produzir um procedimento tão simples quanto possível, semelhante aos
estudos clássicos de cooperação. A seguir, apresentamos um percurso pelos estudos
experimentais produzidos por este grupo.
Modelagem e Extinção
Vasconcelos (2014) usou um tabuleiro de xadrez virtual (8x8 peças) com apenas
duas peças (os dois cavalos) para observar a modelagem de repertórios de formação do
PA. Neste cenário, dois participantes precisavam mover suas respectivas peças a fim de
“se encontrar” no tabuleiro, o que acontecia quando eles posicionavam as duas peças
em células adjacentes do tabuleiro. O PA foi definido como o encontro dos dois cavalos
em locais pré-determinados do tabuleiro. Esses locais variavam em função do
refinamento dos critérios da modelagem. As CCEs correspondiam à resposta de mover
a peça, o que era feito a partir do movimento típico do cavalo no xadrez, em “L”. A
tarefa atendia à definição de metacontingência ao demandar coordenação dos
movimentos entre os participantes (CCEs) e o encontro entre as peças em uma região
considerada correta (PA). Um software foi criado especialmente para esse
procedimento, o "2cavalos", desenvolvido por Todorov, Vasconcelos & Costa
(Vasconcelos & Todorov, 2015; Azevedo & Todorov, 2016). Além da apresentação da
atividade, o software gera uma saída com o registro do tempo de duração de cada
movimento, o número de movimentos por jogador até o encontro e a posição do
jogador após movimentação.
31
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
Na primeira condição experimental, a Linha de Base, sempre que os dois cavalos
se encontravam, em qualquer posição do tabuleiro, a consequência ocorria na forma de
um aviso na tela com a mensagem “VOCÊS VENCERAM”, indicando o acerto. Depois
de dez tentativas de reforço contínuo e indiscriminado, iniciava a fase de modelagem,
similar à modelagem do comportamento operante, que consistiu em reduzir a área do
tabuleiro na qual os encontros produziam feedback positivo. As reduções sucessivas
realizadas durante a modelagem estão ilustradas na Figura 1.
Figura 1
Diagrama ilustrativo a redução gradativa na área do tabuleiro de xadrez considerada
como correta para o encontro
Na primeira fase da modelagem, o quadrante mais externo, marcado com a linha
verde na Figura 1, foi retirado da definição de produto agregado, que passou a ser
composto pelas 36 células mais centrais do tabuleiro. Se uma das duas peças estivesse
localizada nesse quadrante durante o encontro, o feedback recebido era “RODADA
TERMINADA. TENTEM NA PRÓXIMA.” Na segunda fase da modelagem, os dois
32
João Claudio Todorov et al.
quadrantes mais externos, indicados na Figura 1 pelas linhas verde e laranja, ficaram de
fora da definição de produto agregado, que correspondia às 16 células mais centrais. Na
terceira fase da modelagem, apenas encontros nas quatro células mais centrais
correspondiam à definição de produto agregado. Os participantes precisavam atingir ao
critério de sete rodadas consecutivas de acerto para passar para a fase seguinte da
modelagem.
Encerrada a modelagem, os participantes foram expostos a 20 rodadas de extinção
sinalizada. Neste bloco, encontros em qualquer local do tabuleiro produziam a
mensagem “RODADA TERMINADA. TENTEM NA PRÓXIMA”. Durante esta fase,
observou-se um aumento da variabilidade nos locais de encontro das peças. Após o
bloco de extinção sinalizada, os participantes foram expostos novamente à sequência
de modelagem.
A medida crítica neste estudo foi a demonstração de mudanças na variabilidade
da localização dos encontros em função dos feedbacks. Essa variabilidade foi calculada
por meio de um índice, da seguinte forma: as células ocupadas pelos dois participantes
nos encontros das sete últimas rodadas foram contadas formando uma lista de 14
localizações. As localizações que se repetiam entre rodadas de uma mesma fase para a
mesma dupla foram descontadas, de modo que se uma determinada célula tivesse sido
ocupada, por exemplo, em cinco das sete rodadas, ela seria contada como uma
ocupação. O valor obtido deste cálculo foi dividido pelo número 14, o máximo de
células diferentes que os dois jogadores poderiam ocupar em sete encontros. O valor
final era o índice de dispersão que variava entre 0,142 (a menor dispersão possível, com
apenas duas células sendo ocupadas durante as sete rodadas finais) e 1,0 (a maior
dispersão possível, com 14 células diferentes sendo ocupadas nas sete rodadas finais). A
Figura 2 apresenta o índice de variabilidade para as fases de linha de base, modelagem,
extinção e repetição da modelagem para os cinco pares que participaram deste estudo.
33
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
Figura 2
Número de células ocupadas dividido pelo número total de células possíveis no
Experimento 1 para cada dupla nas Fases 1, 5, 6 e 10 respectivamente
(Vasconcelos, 2014; Vasconcelos & Todorov, 2015).
Os resultados obtidos mostram que a variabilidade na localização dos encontros
acompanhou o critério estabelecido para a produção de feedback positivo. Este achado
ganha maior relevância quando se nota que o encontro com menor custo de resposta,
em todas as fases, era sempre o encontro nas quatro células centrais do tabuleiro
(demandava apenas dois movimentos de cada participante), mas, a despeito disso, a
variabilidade na localização dos encontros era maior quando o critério era mais amplo
(linha de base e extinção).
34
João Claudio Todorov et al.
Discriminação e generalização
Houmanfar e Rodrigues (2006) mencionam as condições antecedentes na
metacontingência se referindo ao meio cultural no qual o grupo está inserido.
Considerando a importância das condições antecedentes também para o estudo de
fenômenos sociais, Azevedo (2015) estudou o desenvolvimento do processo de
discriminação de estímulos e generalização em metacontingência. A partir deste
estudo, um novo software foi utilizado, o Chess (Todorov & Vianney, 2013). O software
apresenta uma tarefa semelhante a realizada com o software “2cavalos”, mas amplia o
leque de funcionalidades, permitindo tabuleiros com maior número de células e com
maior número de participantes, por exemplo.
O experimento de Azevedo (2015) foi realizado em uma única sessão, composta
de quatro fases: Linha de Base; Treino Discriminativo; Teste de Discriminação; e Teste
de Generalização. A Linha de Base foi semelhante à de Vasconcelos (2014). Todos os
encontros eram reforçados com a apresentação da mensagem “PARABÉNS! O objetivo
foi alcançado!”. A cor de fundo do tabuleiro permanecia azul (comprimento de onda da
cor: 484nm) durante toda a fase.
Imediatamente ao final da Linha de Base tinha início o treino discriminativo. O
fundo azul foi correlacionado com o reforço. A cada tentativa completada na presença
do S+, a cor de fundo do tabuleiro mudava para amarela (i.e., S- com comprimento de
onda da cor de 582nm). O critério para encerramento da apresentação do S- se dava
por tempo de inatividade, ou seja, um intervalo de tempo de duração pré-determinada
sem que houvesse encontro das peças. O primeiro critério utilizado foi 10 segundos.
Esse valor era aumentado em 5 segundos a cada nova apresentação do S- até que os
participantes permanecessem sem se encontrar durante 60 segundos consecutivos. A
contagem do tempo era reiniciada sempre que as peças se encontravam na condição do
S-. Uma vez cumprido o critério de inatividade, o fundo azul voltava a aparecer. A fase
se encerrava quando os participantes permaneciam 60 segundos inativos durante três
apresentações do S-. Em seguida foi realizado um teste discriminativo, no qual o
critério de duração da apresentação dos estímulos em relação à fase anterior foi
modificado. No teste, S+ e S- eram apresentados sucessivamente, durante intervalos de
60 segundos, independente da ocorrência ou não de encontros na presença de cada um
35
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
deles. Entretanto, os encontros ocorridos na presença do S+ continuavam a ser seguidos
de reforço, enquanto os encontros ocorridos na presença do S- continuavam em
extinção. A fase era encerrada após 10 minutos (cinco apresentações alternadas de cada
estímulo). Ambos os estímulos permaneciam em vigor por um intervalo de tempo,
independente da ocorrência ou não de encontros na presença de cada um deles.
Por último, foi realizado o teste de generalização. Além das cores utilizadas no
treino, outras cinco cores foram utilizadas: 566nm, 533nm, 500nm, 484nm e 451nm.
Todo o teste de generalização foi realizado em extinção e cada cor foi apresentada uma
única vez em intervalos de 120 segundos. Após o fim do Teste de Generalização o
programa apresentava a mensagem “Fim!”, indicando o término do experimento.
A Figura 3 apresenta a taxa de resposta em S+ e S- durante a linha de base, treino e
teste para cada uma das duplas participantes.
36
João Claudio Todorov et al.
Figura 3
Taxa de produto agregado por minuto, em cada tentativa ao longo das fases: Linha de
Base, Treino de Discriminação e Teste de Discriminação (Azevedo, 2015).
Os resultados apresentados na Figura 3 mostram a separação gradual entre taxas
em S+ e S-, indicando que o treino foi efetivo em produzir a discriminação. O Teste de
Generalização indicou que apenas quatro das oito duplas (D3, D6, D8 e D11)
apresentaram taxa de encontros mais alta na presença do S+. Dado interessante foi a
37
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
observação de que o tempo de exposição ao Treino Discriminativo poderia ser um
indicador de qualidade de discriminação. As duplas que apresentaram o pico de
encontros na presença do S+ durante o Teste de Generalização foram aquelas para as
quais a fase de Treino Discriminativo teve duração maior do que a média. A
informação sugere que maior exposição às condições e a adoção de critérios de
estabilidade podem produzir dados mais consistentes.
Esquemas de seleção para metacontingências.
O estudo de Vasconcelos (2014) demonstrou que o procedimento que utiliza o
tabuleiro de xadrez pode ser usado para a modelagem de CCEs pela simples seleção
diferencial de aproximações sucessivas da definição final de produto agregado.
Comportamentos de um parceiro são S+s e consequências para o comportamento do
outro parceiro. O estudo de Fontes (2015) adicionou o fator do controle discriminativo
à seleção do PA. Em conjunto, os dois trabalhos mostram que quando o efeito de
consequências sobre o comportamento colaborativo é medido pela frequência do PA
que resulta das CCEs, os processos de reforço, extinção, modelagem e discriminação
são semelhantes ao observado no comportamento operante. Henriques (2017), em
continuação, investigou os possíveis efeitos de contingências intermitentes de seleção
de metacontingências.
A investigação do efeito dos esquemas de reforço é de especial importância no
estudo do comportamento, pois revela propriedades dinâmicas do comportamento que
são controladas pela forma como a produção de consequências está programada. Esses
padrões usualmente geram protótipos previsíveis e ordenados na variável dependente.
No Experimento 1 de sua Tese de Doutorado, Henriques programou um esquema
de reforçamento diferencial de baixas taxas (DRL) em um procedimento intrassujeito
de reversão (ABA). Na tarefa, o intervalo entre CCEs era registrado por meio da
produção de PAs sucessivos. O relógio interno era iniciado a partir do aparecimento
das peças no tabuleiro, ao início da sessão. A primeira jogada (i.e., o primeiro encontro
das peças no centro do tabuleiro) nunca fornecia feedback ou pontos. O intervalo entre
respostas conjuntas (IRT) era contabilizado a partir do início da segunda jogada até a
38
João Claudio Todorov et al.
produção do segundo efeito agregado. Sendo assim, os IRTs correspondiam ao tempo
desde o fim do reforçamento ou timeout até o próximo efeito, portanto, contabilizando
o período de tempo em que os participantes coordenavam seus comportamentos. O
programa liberava reforços a cada efeito da resposta conjunta com um IRT igual ou
maior ao valor crítico t programado. Se o encontro ocorresse fora do quadrante central
(2 x 2 casas) sinalizado por bordas azuis, a tentativa permanecia em funcionamento, e
nada acontecia na tela dos participantes até que o encontro ocorresse no quadrante.
Cada encontro fora dos parâmetros programados produzia um timeout de 1 s (i.e., a
tela se escurecia). As consequências reforçadoras foram caracterizadas pela
apresentação de mensagem de parabéns na tela do notebook com duração de 0,5 s e
pela adição de 1 ponto no contador de pontos acumulados, ao final da tentativa, a tela
se escurecia por mais 0,5 s e uma nova tentativa era iniciada.
A Figura 4 apresenta os dados de uma das duplas usadas por Henriques (2017)
para investigar o padrão desenvolvido pela colaboração quando o produto agregado era
definido por um esquema temporal equivalente ao DRL (DRL 20 s e DRL 40 s).
Figura 4
Distribuição de frequência relativa de IRTs durante DRL 20 s, DRL 40 s, e DRL 20’ s
(Vinte Linha) para Dupla D2, em sucessivos intervalos de 5 s. Colunas em
negrito destacam IRTs com reforçamento. Os gráficos acima mostram as
distribuições nas primeiras tentativas e os gráficos abaixo apresentam os dados
das últimas tentativas (Henriques, 2017).
39
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
Nos demais Experimentos da tese, o autor pôde observar que a dificuldade para
atingir o estado estável é semelhante à relatada por Staddon (1965) para pombos e
Doughty & Richards (2002) para ratos e pombos. Entretanto, a despeito da curta
exposição das Duplas aos parâmetros do Experimento 1, foi possível notar uma
diferenciação nas distribuições de frequência relativa dos IRTs em direção ao valor
crítico programado no esquema. A moda das distribuições de frequência relativa ficou
próxima do valor programado para o esquema.
Foi comum observar, ao final de cada sessão, que a distribuição tendeu a se tornar
menos dispersa, com o pico de ocorrências em IRTs uma ou duas categorias acima do
valor programado. Os dados sugerem que, em termos procedimentais, foi possível
programar uma relação condicional de diferenciação temporal típica de estudos
operantes com respostas discretas, tomando como base o efeito agregado de respostas
entrelaçadas.
Variabilidade em metacontingências
Oliveira (2015) investigou o estabelecimento de padrões de variabilidade em uma
metacontingência por meio da tarefa experimental do software Chess. Variabilidade foi
definida, tal como em Vasconcelos (2014), como diferentes localizações no encontro
das peças ao longo das tentativas. Uma localização diferente ocorria quando ao menos
um dos participantes estava localizado em uma célula diferente do encontro anterior,
conforme o critério de variação estabelecido. No experimento 2, duas duplas
realizaram a tarefa experimental que seguiu a ordem: Linha de Base (fase de
variabilidade com dois diferentes critérios de não repetição); fase de extinção; e uma
fase de retorno à Linha de Base. Os resultados obtidos indicam um aumento
progressivo da variabilidade do PA calculada pelo índice U para as duas duplas. O
índice U mede a equiprobabilidade de eventos. O comportamento mais variável
corresponde ao comportamento menos previsível. Dessa forma, quanto maior o valor
de U, maior será a variabilidade dos dados. Os valores de U também foram altos na fase
de Extinção, o que corrobora com a literatura sobre variabilidade induzida por
contingências (Antonitis, 1951).
40
João Claudio Todorov et al.
Aprendendo a aprender: efeitos de mudanças sucessivas na definição de Produto
Agregado em metacontingências
Andrade (2015), examinou a possibilidade de utilização do procedimento de
aquisições repetidas em metacontingências utilizando a tarefa do xadrez adaptado. O
estudo de aquisições repetidas tipicamente envolve a aprendizagem de uma sequência
de respostas em que a sequência correta é alterada a cada condição, o que resulta em
uma nova aprendizagem em cada um desses momentos. Usualmente esta metodologia
serve como alternativa para medir o que, dentre possíveis variáveis, pode influenciar a
aprendizagem diminuindo o número de erros cometidos pelos participantes (para mais
informações sobre o procedimento de aquisições repetidas, recomendamos Boren,
1969; Boren & Devine, 1968; Hursh, 1977; Kelly, Fischman, Foltin & Brady, 1991;
Moerschbaecher, Boren, Schrot & Fontes, 1979; Thompson, 1971;1973; 1974; 1975;
1980; Thompson & Moerschbaecher, 1980; 1981; e Thompson, Moerschbaecher &
Winsauer, 1983).
O experimento foi realizado com dez duplas, sete delas na Condição 1 e três na
condição 2. Cada uma das condições foi composta por cinco fases. Para efeito da
programação das metacontingências, o tabuleiro foi dividido em 16 quadrantes de 2 x 2
células. Em cada uma das cinco fases de cada condição o PA foi reforçado em um local
específico (i.e., um dos 16 quadrantes). Não havia qualquer tipo de sinalização
indicando as localizações dos quadrantes aos participantes. Cada fase se encerrava após
a concretização de cinco PAs consecutivos, ou seja, aqueles encontros que ocorriam
dentro dos quadrantes programados.
Os dados indicam (Tabela 1) que três duplas (1, 2 e 4) da Condição 1 e uma dupla
(8) da Condição 2 apresentaram uma redução no total de tentativas para mudança de
fase. Contudo, as outras seis duplas de ambas as condições não apresentaram o mesmo
padrão. A falta de sistematicidade dos dados talvez se deva ao grau de dificuldade
programado em cada fase. A dificuldade na mudança das fases pode ser analisada
encontrando-se a proporção, superior ou inferior, de número de tentativas em relação à
fase subsequente. Nessa análise pode-se verificar que cinco duplas fizeram em média
41,6 % menos tentativas na Fase 3 em relação à Fase 2. As outras cinco duplas
realizaram 59 % mais tentativas. A mudança entre as Fases 3 e 4 gerou para cinco
41
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
duplas, em média, uma diminuição no número de tentativas entre as fases (52,4 %
menos tentativas na Fase 4). No entanto, as outras cinco duplas realizaram somente
46,4% mais tentativas na Fase 4 do que na Fase 3. Conclui-se que a mudança de
quadrante entre as Fases 2 e 3 gerou maiores dificuldades do que a mudança entre as
Fases 3 e 4. Essa dificuldade talvez tenha sido determinada pela disposição do
quadrante da nova fase em relação à fase anterior (a disposição dos quadrantes entre as
Fases 4 e 5 é semelhante à disposição entre as Fases 2 e 3).
No geral, os resultados sugerem a necessidade de experimentos adicionais para
controlar a dificuldade de mudança de fases, tornado a mudança isonômica. De
qualquer forma, os dados de quatro das dez duplas sugerem que é possível trabalhar
com procedimentos de aquisição repetida em metacontingência, com linhas de base
comparáveis para o comportamento em grupo (i.e., intrassujeito).
Tabela 1
Tentativas Emitidas Pelas Duplas nas Condições 1 e 2
Dupla
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
1
2
3
18
55
22
11
42
14
5
34
41
5
15
12
6
24
155
Condição 1
4
5
6
7
203
25
49
28
9
18
20
16
171
47
36
9
8
28
69
15
5
159
110
81
Condição 2
8
9
10
50
26
51
13
28
10
11
7
14
16
10
84
9
55
77
(Fonte: Andrade, F. A. (2015). Efeitos de mudanças sucessivas na identificação de produto agregado em
metacontingências. Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.)
42
João Claudio Todorov et al.
Conclusão
A investigação experimental do comportamento de pessoas em grupo tem se
dedicado ao estudo de contingências de interdependência de respostas de, no mínimo
duas pessoas. Muitos desses estudos são identificados sob o título da cooperação. Os
estudos em metacontingências também exploram a variável da interdependência, mas
incluem as variáveis efeito ambiental agregado e eventos ambientais selecionadores,
diferenciando-se dessa forma, dos estudos típicos sobre o comportamento de pessoas
em grupo.
A linha de pesquisas baseada no procedimento do xadrez adaptado com os
softwares “2cavalos” e Chess, examinou a noção de metacontingências
experimentalmente em um cenário simples. No tabuleiro de xadrez, as CCEs são
respostas de movimentação das peças do tabuleiro, uma vez que, para a efetividade na
tarefa (produzir o encontro das peças), os participantes precisam emitir tais respostas
tendo o comportamento do outro como estímulo discriminativo. O PA corresponde ao
encontro das peças em células adjacentes em locais pré-programados
experimentalmente. Apenas nos encontros ocorridos em locais pré-definidos como PA
é que o encontro seria efetivo em produzir o reforço. A partir desse cenário, diversos
processos básicos já investigados em cenários individuais foram examinados, e os
resultados, em conjunto, indicam a continuidade dos processos básicos que afetam o
comportamento individual, afetando de forma similar as unidades de resposta
integradas. Se o que se conhece a partir do comportamento de indivíduos se repete no
estudo do comportamento de indivíduos em dupla, por exemplo, seria desnecessário
postular um terceiro nível de seleção para esses casos.
Os procedimentos com o xadrez adaptado são elegantes e econômicos, na medida
em que os resultados obtidos prescindiram de recursos utilizados em outros
experimentos em metacontingências, como a adição de fase de treino individual, o uso
de reforços arbitrários na forma de pontos ou bônus (Amorim, 2010; Brocal, 2010;
Bullerjhann, 2009; Caldas, 2009; dos Santos, 2011; Oda, 2009; Vieira, 2010, apenas para
citar alguns) e a intervenção do experimentador de forma a forçar certas respostas do
participante (Vichi, 2004).
43
O conceito de metacontingência na análise experimental do comportamento cooperativo
O avanço em procedimentos experimentais simples, que explicitem claramente os
elementos da metacontingência, de forma deixar clara a diferença entre esses
procedimentos e os de outros estudos que investigam o comportamento em situação
social, pode contribuir de forma decisiva para a especificação da metacontingência
como um fenômeno específico do comportamento em situação de grupo, e, dessa
forma, contribuir com o refinamento dos estudos experimentais sobre grupos.
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49
4
Personalidade em uma perspectiva analíticocomportamental: considerações sobre métodos de
avaliação psicológica
Rafaela Meireles Fontes Azevedo
Diogo Seco
Resumo
O presente trabalho consiste em um estudo teórico que
apresenta um contraponto entre a abordagem tradicional da
personalidade e a abordagem analítico-comportamental da
personalidade com o objetivo de tentar estabelecer paralelos
entre estes campos distintos de estudo, aproximando, assim, a
Análise do Comportamento de áreas mais tradicionais da
Psicologia e estabelecendo explicações comportamentais para
temas clássicos. Para isso, além de apontar diferenças
conceituais entre essas perspectivas, tentou-se analisar
também qual tipo de avaliação da personalidade
(psicométrica ou projetiva) se aproximaria do entendimento
analítico-comportamental deste conceito. Por se encaixar
dentro de uma abordagem idiográfica, a Análise do
comportamento se afasta de tendências psicométricas, se
aproximando dos instrumentos projetivos, tal como proposto
por Skinner com a criação do Somador Verbal.
Palavras-chaves: Análise do Comportamento; Personalidade;
Testes Projetivos; Somador Verbal.
50
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
No século XIX o estudo da personalidade surgiu dentro da tradição da clínica
psiquiátrica, a partir de investigações desenvolvidas por Janet e Charcot na busca dos
aspectos patológicos da personalidade e sua relação com a doença mental. A
investigação deste conceito se desenvolveu de maneira distanciada da Psicologia
Experimental e a apropriação desse campo por parte da Psicologia se dá a partir dos
estudos de Freud. Com a construção da teoria psicanalítica da personalidade, surgiram
muitos adeptos que aos poucos foram criando novas teorias e métodos para lidar com
esse conceito (Lundin, 1977).
Devido à grande dispersão do conceito, a personalidade passou, então, a ser
compreendida a partir de diferentes perspectivas. Pervin (1978) afirma que ela pode ser
definida em termos bioquímicos, com base em características individuais observadas a
partir do comportamento, compreendida como processos inconscientes, ou pode,
ainda, ser definida em termos das interações estabelecidas pelo indivíduo ou pelo papel
que ele exerce na sociedade.
Uma característica geral é que “o campo da personalidade se preocupa com o
indivíduo como um todo, assim como com diferenças individuais” (Pervin, 1978, p. 2).
O estudo do indivíduo de maneira integral se dá a partir da tentativa de compreender
as interações dos diferentes aspectos psicológicos do organismo1 e a maneira como os
diferentes processos se combinam num padrão de funcionamento. A personalidade
pode ser entendida, então, como uma representação das características constantes e
estáveis dos indivíduos que os diferenciam dos demais (Silva & Nakano, 2011).
É possível identificar duas tendências gerais de investigação neste campo: a
idiográfica e a nomotética. O termo idiográfico, na sua origem, se refere àquilo que é
relativo ao próprio indivíduo e, por isso, esta tendência busca na personalidade a
compreensão dos aspectos individuais e singulares específicos de cada pessoa. Já o
termo nomotético se refere a leis gerais e universais, se opondo assim ao que é
particular e por isso esta tendência de investigação busca, na personalidade, aspectos
__________
1. Apesar das diferenças conceituais envolvidas no uso dos termos indivíduo, sujeito e
organismo, no presente trabalho eles serão utilizados como sinônimos.
51
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
gerais com relação aos quais diversos indivíduos possam ser comparados (Tavares,
2003).
Essas tendências se relacionam com as concepções de homem presentes na
Psicologia. Segundo Pervin (1978), a abordagem na qual os aspectos individuais são
valorizados se pauta numa concepção na qual o comportamento é entendido como
determinado internamente e dá ênfase aos aspectos instintivos do homem, ao livre
arbítrio e as relações complexas e dinâmicas estabelecidas por ele. Já as teorias que
buscam os aspectos mais gerais da personalidade entendem o comportamento como
função de estímulos ambientais e enfatiza os aspectos sociais do ser humano, o
determinismo ambiental e as relações estabelecidas entre o organismo e seu meio.
As abordagens que buscam por aspectos generalizáveis da personalidade embasam
seu argumento no papel que o meio social do indivíduo exerce para a formação da
mesma. Parte-se do pressuposto de que os padrões comportamentais aprendidos pelo
sujeito ao longo da vida estão diretamente relacionados com as práticas do meio no
qual ele está inserido. “A institucionalização de alguns padrões de comportamento
significa que a maioria dos membros de uma cultura terão certas características de
personalidade em comum” (Pervin, 1978, p. 10), logo, grande parte dos aspectos da
personalidade de um indivíduo só pode ser compreendida fazendo-se referência aos
seus grupos, levando em consideração características relacionadas às classes sociais,
práticas culturais e padrão de comportamento parental, por exemplo.
Diante de tantas perspectivas e abordagens, torna-se difícil estabelecer uma teoria
unificada da personalidade. Para Leite (1967) essa dificuldade se deve, principalmente,
ao distanciamento entre as teorias da personalidade e as teorias gerais do
comportamento. Enquanto as teorias gerais do comportamento focam na interação
organismo-ambiente (Todorov, 2007), buscando um ponto de vista exterior ao
organismo que se comporta, as teorias da personalidade buscam o estudo isolado do
organismo a partir de explicações interiores do indivíduo. “Assim, enquanto as teorias
gerais do comportamento procuram especificar as condições de comportamento,
válidas para todos os indivíduos colocados sob determinadas situações, as teorias da
personalidade procuram disposições individuais, relativamente inalteráveis, mesmo
quando colocadas em diferentes situações” (Leite, 1967, p. 22).
52
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
A Análise do Comportamento se caracteriza como uma abordagem que busca por
aspectos gerais do comportamento em sua interação com o ambiente (Todorov, 2007).
Nessa perspectiva há uma ênfase aos processos de aprendizagem nos quais o indivíduo
participa e, dessa forma, a personalidade é compreendida como sendo função da forma
e das condições nas quais certos comportamentos foram aprendidos. “O tipo singular
de padrão de comportamento adquirido durante o longo período de desenvolvimento
de um indivíduo é o seu comportamento peculiar, e constitui sua personalidade”
(Lundin, 1977, p. 7).
Enquanto uma estrutura de personalidade não faz sentido em uma teoria
analítico-comportamental, que toma o comportamento como sua unidade estrutural
principal, os processos comportamentais ganham uma ênfase maior. Os padrões
individuais de comportamento são compreendidos como resultado dos três níveis de
seleção propostos por Skinner (1981) e ao falar sobre os processos comportamentais e
seus efeitos na composição do repertório comportamental de um indivíduo os analistas
do comportamento estão se referindo ao fenômeno comumente caracterizado como
personalidade (Banaco, Vermes, Zamignani, Martone & Kovac, 2013).
Enquanto o enfoque dado pelas teorias que buscam uma estrutura de
personalidade está na uniformidade do comportamento, na teoria comportamental o
comportamento é compreendido como sendo sensível às variáveis ambientais. Então, “a
consistência de um comportamento de uma situação para outra é devida a semelhança
entre as situações, mais do que um traço geral de personalidade” (Pervin, 1978, p. 570).
O comportamento é tratado como determinado contextualmente e não são feitas
alusões a estruturas internas responsáveis pela ação do indivíduo. A consistência
comportamental se relaciona mais com a “equivalência funcional entre as condições
ambientais com as quais o indivíduo interage” ((Banaco, et al., 2013, p. 148), do que
com estruturas abstratas interiores. Assim, a estabilidade e regularidade do
comportamento do indivíduo podem ser explicadas a partir de variáveis contextuais.
Torna-se evidente, então, que o estudo do organismo não se dá de maneira isolada
do seu contexto e tanto aspectos individuais quanto aspectos situacionais são
considerados. Objetiva-se compreender quais condições afetam a emissão dos
comportamentos observando-se tanto a resposta em si, quanto as variáveis
53
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
antecedentes e consequentes à sua emissão. A ação é compreendida a partir dessa
contingência tríplice (antecedente-resposta-consequente) e estuda-se o comportamento
operante, ou seja, o comportamento e a função que ele exerce naquele ambiente, não
apenas a sua topografia (Catania, 1999/2008; Baum, 2006).
Para uma teoria do comportamento, a personalidade pode ser compreendida
como os padrões comportamentais desenvolvidos por um indivíduo ao longo de uma
história de reforçamento particular. Durante a sua vida, o indivíduo é exposto a uma
série de contextos frente aos quais ele se comporta, sendo esses comportamentos
reforçados ou punidos. As consequências que seguem a emissão de um
comportamento ditarão a probabilidade na qual ele ocorrerá e modelará sua forma de
agir (Catania, 1999/2008; Baum, 2006). Falar sobre a personalidade de um indivíduo
em uma perspectiva comportamental é se referir aos diversos repertórios
comportamentais exibidos por ele, de acordo com as especificidades do contexto no
qual se encontra. Desta forma, a personalidade é consistente ou variável de acordo com
fatores ambientais passados ou presentes (Phelps, 2000).
Esses padrões de comportamento podem ser estabelecidos de diferentes maneiras
e podem surgir sob controle das mais diversas variáveis. A observação direta do
comportamento atual de um indivíduo pode fornecer informações a respeito de seus
padrões comportamentais específicos, mas não esclarece a forma como esses padrões se
estabeleceram no seu repertório. Para compreender como o repertório
comportamental de cada sujeito se estabeleceu é preciso ter acesso à história de
reforçamento de cada indivíduo e só através dela é possível compreender a função que
cada comportamento desempenha no repertório individual.
Demonstrando que a partir do conhecimento da história de reforçamento de um
indivíduo pode-se compreender de quais estímulos determinados comportamentos são
função, Skinner (1953/2003, 1974) dispensa o uso de variáveis internas para atribuição
de causa para ação humana. Ele compreende conceitos tais como o de eu como um
“simples artifício para representar um sistema unificado de respostas” (Skinner,
1953/2003, p. 312) e personalidade como o nome de um conjunto relativamente estável
de respostas emitidas em função de um conjunto relativamente amplo de estímulos
discriminativos.
54
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
Ao explicar a “construção” desses repertórios individuais a partir da história de
vida do sujeito torna-se desnecessária a criação de novos conceitos de atribuição causal
para lidar com esses eventos. O que se coloca como um obstáculo no estudo desses
repertórios é a dificuldade que se tem de reconstruir essas histórias de reforçamento
para se chegar aos estímulos controladores do comportamento, quando muitas vezes
nem mesmo o organismo que os emite tem conhecimento desse controle. Aló (2005)
discute sobre a importância de investigar a história de reforçamento enquanto variável
independente atuando sobre o comportamento do indivíduo. A autora comenta a
respeito da dificuldade que se tem em estabelecer tanto uma definição específica para o
termo “história de reforçamento”, quanto um método capaz de mensurar o efeito dessa
variável sobre o comportamento atual do indivíduo. É justamente essa dificuldade que
leva muitas teorias a creditarem à personalidade um aspecto profundo e inacessível.
Criam-se, então, conceitos abstratos aos quais é atribuído o status causal para uma série
de comportamentos. Skinner (1953/2003) usa o termo mentalismo para se referir a esse
tipo de explicação, que faz uso de causas internas e fictícias para explicar a emissão de
comportamentos que não tem uma causa evidente.
Baum (2006) afirma que a utilização desses termos em nada auxilia no avanço da
compreensão do comportamento do indivíduo, apenas dificulta a investigação e
impede que se chegue a real explicação. Tratar o comportamento como fruto de
entidades internas na realidade acaba por impedir que se atente para as variáveis
realmente relevantes na sua emissão, e entender a personalidade como uma entidade
abstrata e inacessível em nada contribui para o seu estudo e compreensão. A
inacessibilidade da personalidade, na realidade, está na dificuldade de se reestabelecer a
maneira como cada repertório específico foi modelado na vida de cada sujeito
individualmente.
Apesar de ser possível para a Análise do Comportamento trabalhar com o
conceito de personalidade na busca de aspectos generalizáveis e processos
comportamentais comuns a todos os indivíduos, os aspectos singulares de cada um
continuam preservados, visto que cada um está submetido a contingências de
reforçamento bastante específicas. As “leis” que modelam os padrões comportamentais
são as mesmas, porém, os padrões que se estabelecem para cada indivíduo são
55
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
singulares. A Análise do Comportamento busca apenas por um método de estudo do
comportamento humano que seja aplicável a todos, o que não significa que os
comportamentos estudados em cada indivíduo serão os mesmos.
Com isso, a Análise do Comportamento se alinha às teorias idiográficas da
personalidade, por levar em consideração as características singulares das histórias de
vida que possibilitam o estabelecimento de repertórios bastante específicos em cada
indivíduo. O caráter idiográfico da teoria comportamental fica claro nos seus métodos
de investigação que, geralmente, rejeitam análises estatísticas por considerarem esta
uma prática que elimina a variabilidade (e assim a individualidade), e incluem
delineamentos de sujeito único, nos quais os resultados obtidos são comparados
intrassujeitos (Branch & Pannypacker, 2013; Chiesa, 2006).
O estudo das características singulares de cada indivíduo tem se mostrado
relevante não só para as teorias do comportamento, como para as demais áreas dentro
da Psicologia. Com isso, surge a necessidade de se criar técnicas capazes de mensurar
essas características individuais com o objetivo de se obter um conhecimento mais
amplo a respeito do funcionamento do sujeito, e assim, facilitar a previsão do seu
comportamento. Essa previsibilidade tem sua utilidade bastante evidente em alguns
contextos, como, por exemplo, na psicoterapia. Ter acesso às variáveis que governam o
comportamento do sujeito contribui para a explicação do estabelecimento de
determinados padrões de ação e a capacidade de explicar porque o indivíduo se
comporta da maneira como o faz facilita na criação de métodos para manipulação de
variáveis que promovam mudanças no seu comportamento, quando estas forem
desejadas.
Métodos para a investigação da personalidade:
Em função da compreensão diferenciada que a Análise do Comportamento
apresenta em relação ao conceito de personalidade, métodos investigativos nessa área
(bem como na área da avaliação psicológica de forma geral), não fazem parte da
tradição desta abordagem. Por isso, faz-se necessária uma breve revisão sobre as formas
de avaliação mais tradicionais da personalidade para, a partir de então, se propor
56
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
paralelos entre os métodos investigativos mais utilizados e outras formas de avaliação
mais próximas da tradição comportamental.
A testagem psicológica geralmente se encontra dividida em duas categorias: testes
psicométricos e projetivos. Os testes psicométricos têm suas origens no enfoque
empiricista adotado por algumas escolas de Psicologia do século XX (empirismo inglês
e norte-americano e a escola de Leipzig) e se caracterizam por serem instrumentos de
medidas objetivas com uma forte concepção estatística (Pasquali, 2003). A maior parte
dos instrumentos psicométricos mensura a característica a que se propõe a partir de
autorrelato e descrição verbal do comportamento. São testes com alto rigor
metodológico que geralmente apresentam altos níveis de validade e confiabilidade e
que tem seus resultados embasados estatisticamente. Esses instrumentos buscam por
uniformidade no comportamento dos indivíduos e as diferenças individuais são pouco
enfatizadas (Pasquali, 2003), por isso, os resultados geralmente são obtidos a partir da
comparação entre o desempenho do examinando e o desempenho do grupo.
A abordagem psicométrica é bastante utilizada pelos teóricos que compreendem a
personalidade a partir da teoria dos traços, já que estes utilizam a análise fatorial em
seus instrumentos de avaliação. E desta combinação entre a teoria fatorial e a teoria dos
traços de personalidade surgiu o modelo dos Cinco Grandes Fatores (Big Five), um dos
mais difundidos na avaliação da personalidade nos dias atuais (Silva & Nakano, 2011).
Já as técnicas projetivas, geralmente se baseiam em medidas indiretas do
comportamento e têm sua base teórica nas teorias psicodinâmicas. As teorias
psicodinâmicas enfatizam os aspectos idiossincráticos do sujeito, o comportamento
como sendo fruto de forças interiores complexas (logo, internamente determinados), a
personalidade constituída em níveis consciente e inconsciente de organização e sendo
responsável pela estruturação e organização dos estímulos externos (Pervin, 1978).
Sendo os testes projetivos baseados numa total liberdade de resposta do sujeito a partir
de estímulos parcialmente estruturados e que não revelam a sua finalidade, e o
resultado como sendo fruto de uma interpretação clínica, observa-se a relação entre o
suporte teórico e tais técnicas (Anzieu, 1989). “O método projetivo não se propõe
apenas em se deter em medidas dos traços ou a quantificação, mas em compreender o
57
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
sujeito – o que faz e não faz, a forma como faz, quando e porquê” (Formiga & Mello,
2000, p. 15).
Dentre os mais conhecidos testes projetivos temos o Teste de Associação de
Palavras de Jung, no qual são apresentadas palavras ao examinando e lhe é solicitado
que responda o mais rapidamente possível; o Teste de Apercepção Temática (TAT), que
é composto por 30 imagens que representam uma situação ambígua que deve ser
interpretada pelo examinando, e a partir da qual ele deve contar uma história; e o Teste
de Rorschach, composto por dez pranchas com borrões de tintas (sendo cinco
cromáticas e cinco acromáticas), e é solicitado ao examinando que relate o que as
formas lhe parecem (Pichot, 1960/1967).
A liberdade de resposta possibilitada pelos testes projetivos permite que aspectos
mais sutis do sujeito sejam avaliados. A proposta das técnicas projetivas é minimizar as
resistências que podem dificultar a mensuração de certas características através do
autorrelato (tal como a desejabilidade social ou mesmo o desconhecimento do
indivíduo a cerca de aspectos do seu próprio funcionamento). Segundo
Villemor-Amaral e Pasquallini-Casado (2006) “instrumentos de medidas projetivas e
de medidas objetivas acessam informações em níveis diferentes” (p. 186), ou seja,
apesar de medirem o mesmo construto, o medem sob diferentes aspectos.
Avaliando personalidade a partir da Análise do Comportamento
Assim como a avaliação da personalidade é de considerável relevância para as
demais teorias, ela também deve ser importante em uma abordagem
analítico-comportamental. A avaliação dos padrões de comportamento apresentados
pelos organismos é fundamental no processo de identificação das variáveis
controladoras daquele comportamento, bem como, na predição de respostas futuras
baseadas nos repertórios típicos apresentados pelo indivíduo. A Análise do
Comportamento, porém, não parte de categorias a priori nas quais os indivíduos
devem ser encaixados, mas observa as especificidades de cada repertório tentando
reconstruir o processo a partir do qual ele se estabeleceu.
58
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
Porém, as mesmas dificuldades com as quais os teóricos da personalidade se
deparam para a realização dessa avaliação são encaradas pelos analistas do
comportamento. Os testes psicométricos que envolvem medidas mais diretas do
comportamento e exigem autorrelato por parte do examinando podem se mostrar
ineficazes pelo fato de muitas vezes o examinando não apresentar o autoconhecimento
necessário para que a medida seja feita com sucesso. Autoconhecimento no
behaviorismo é entendido como a capacidade de descrever as variáveis das quais o seu
comportamento é função e de identificar as fontes de controle do próprio
comportamento (Baum, 2006; Skinner, 1953/2003; Tourinho, 1995). Nem todos os
indivíduos, porém, apresentam esse tipo de repertório verbal. Parte desse repertório
está sob controle de eventos privados (acessíveis apenas pelo próprio indivíduo) e a
discriminação desses eventos é modelado pela comunidade verbal.
O fato dos autorrelatos serem modelados pela comunidade verbal, ou seja, por
agentes externos, gera dois tipos de problema: 1) o autorrelato pode ser uma prática
pouco reforçada pela comunidade verbal, logo pouco valorizada e em baixa frequência
no repertório dos indivíduos; 2) por serem agentes externos que não têm como entrar
em contato direto com as variáveis para estabelecer as contingências corretas para
discriminação, a modelagem pode ser deficiente. Portanto, “a espécie de
autoconhecimento representada pelo comportamento verbal discriminativo –
conhecimento que é “expresso” quando falamos sobre nosso próprio comportamento –
é estritamente limitada pelas contingências que a comunidade verbal pode dispor”
(Skinner, 1953/2003, p. 285). Além disso, contingências de reforço concorrentes podem
enviesar o comportamento verbal do examinando, afastando o pesquisador das suas
principais fontes de controle.
Já os testes projetivos, apesar de pouco estruturados, apresentam a vantagem de
utilizar formas implícitas de evocar comportamento, permitindo assim uma maior
variabilidade de respostas e um menor contracontrole por parte do examinando. Ao
contrário dos testes psicométricos que apresentam poucas opções de resposta para o
sujeito, as técnicas projetivas pretendem uma abordagem mais livre com relação tanto
ao número quanto à forma das respostas emitidas (Pichot, 1960/1967). Os estímulos
que compõem esses instrumentos podem ser compreendidos como variáveis de
59
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
controle suplementares que permitem que comportamentos em alta probabilidade no
repertório do sujeito sejam evocados, facilitando ao experimentador entrar em contato
com outras fontes de controle do comportamento do examinando, bem como ter
acesso a partes da sua história de reforçamento.
Considerando a múltipla determinação do comportamento, pode-se verificar
diversas variáveis suplementares utilizadas para controlar o comportamento. Como
exemplo, pode-se citar a sugestão, “que pode ser definida como o uso de um estímulo
para aumentar a probabilidade de uma resposta já supostamente existente em um baixo
nível” (Skinner, 1953/2003, p. 232). Quando essa estimulação se dá a partir do uso de
operantes do tipo verbal, a sugestão pode ser chamada de sugestão formal. Quando a
probabilidade da resposta é alterada por estímulos não verbais, chama-se, então, de
sugestão temática (Skinner, 1953/2003, 1978/1957).
É justamente no campo da sugestão temática que se encontram os testes
projetivos. Skinner (1957/1978) se refere especificamente ao Teste do Rorschach
afirmando que ele “ilustra o uso da causação múltipla na investigação do
comportamento verbal” (p. 319), já que ele funciona a partir de dicas mínimas que
atuam como estímulo para a emissão de respostas. Ao expor o indivíduo a um estímulo
mínimo, as respostas verbais que se sucederem provavelmente estarão sob controle de
eventos anteriores e da sua história de vida, muito mais do que sob controle dos
estímulos da situação imediata. “Quando o comportamento verbal for coligido dessa
maneira, é possível inferir parte da história verbal do sujeito, bem como as variáveis
vigentes que são responsáveis por seus interesses, suas predições emocionais, etc.”
(Skinner, 1953/2003, p. 235). Variáveis emocionais e motivacionais também atuam
como suplementares no controle do comportamento, aumentando assim a
probabilidade de sua emissão.
As respostas obtidas a partir da aplicação dos métodos projetivos podem ser
descritas pelo processo que Skinner (1953/2003) emprega na explicação da visão
condicionada. Visão condicionada é justamente o comportamento de “ver” na ausência
de um objeto, ou seja, quando o indivíduo tateia um objeto que não está presente. Tal
visão condicionada pode ser evocada por estímulos fragmentários e ambíguos. Estes
estímulos, geralmente, evocam respostas que já tem alguma probabilidade no
60
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
repertório do sujeito, visto que objetos familiares são vistos mais facilmente do que os
não-familiares. Por isso “a visão condicionada explica a tendência que se tem de ver o
mundo de acordo com a própria história de vida” (Skinner, 1953/2003, p. 293) e a
depender da força que essa resposta tiver no repertório do sujeito é possível que os
estímulos familiares exerçam um controle maior do que os estímulos imediatos.
Skinner demonstrou seu interesse no efeito dos testes projetivos quando, em 1934,
criou um instrumento conhecido como Somador Verbal como um método para estudo
do comportamento verbal latente, análogo aos testes projetivos como o Rorschach e o
TAT (Rutherford, 2003). Ele propôs esse instrumento a partir da compreensão das
avaliações projetivas como estimulação sensorial ambígua atuando como fontes
suplementares de controle que dão acesso a história de reforçamento do indivíduo.
O Somador Verbal funcionaria, então, como uma técnica projetiva que tem uma
fonte de estimulação auditiva. Ele se constitui na repetição de padrões vagos de
discurso por um fonógrafo e a partir dessa estimulação pede-se que o examinando
relate o que está sendo ouvido. Como a estimulação é muito precária para que atue
como fonte de controle para a emissão verbal, compreende-se que a resposta emitida
“deve ser o produto de outras variáveis no comportamento do sujeito” (Skinner,
1953/2003, p. 234).
No seu artigo a respeito do Somador Verbal, Skinner afirma que mais do que uma
técnica projetiva, o instrumento era um método de testar duas suposições a cerca do
comportamento verbal: que uma parte do repertório verbal, assim como outras formas
de comportamento, é de natureza imitativa (ecóica); e que duas respostas de formas
similares podem se somar para evocar uma resposta (Rutherford, 2003).
No período da sua criação o Somador Verbal atraiu a atenção de muitos clínicos e
pesquisadores, sendo alvo de diversas pesquisas. O teste foi utilizado em diferentes
contextos, sob diferentes instruções e foram criados diversos sistemas para sua
classificação e avaliação. Shakow e Rosenzweig, os primeiros pesquisadores a utilizarem
o Somador Verbal como uma técnica projetiva (Shakow, 1938; Shakow & Rosenzweig,
1940), criaram um sistema de classificação semelhante ao utilizado na avaliação do
Rorschach na época, que tinha sua categorização baseada principalmente no nível de
estrutura da resposta. Outros pesquisadores, desde a área clínica (ver Trussell, 1939;
61
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
Grings, 1942) até a área forense (ver Chapman, 1937) também demonstraram interesse
no instrumento, realizando diversos estudos com o mesmo. Outros instrumentos de
medida projetiva foram ainda criados a partir da ideia básica proposta por Skinner,
como por exemplo, a forma visual do Somador Verbal criada por Estes (1940) e o
Auditory Apercetion Test criado em 1950 por Stone (Rutherford, 2003).
Passada a década de 50, porém, houve um notável declínio no interesse pelo
Somador Verbal e na literatura a seu respeito. Isso pode ser explicado por um declínio
no próprio interesse pelo estudo da personalidade e das técnicas projetivas, que tiveram
seu auge nos anos 50, bem como a uma maior ênfase nos aspectos psicométricos dos
testes. Mesmo os testes projetivos passaram a ser estudados a partir de um enfoque
mais empírico, e sistemas de classificação baseados em scores e dados objetivos foram
criados com o intuito de validar tais instrumentos. A ausência desse tipo de estudo
para o Somador Verbal e o fato de o mesmo nunca ter sido sistematizado em um
manual, pode ter contribuído para o seu desaparecimento dentre as técnicas de
investigação da personalidade (Rutherford, 2003).
Entretanto, o declínio do Somador Verbal não implica numa falta de interesse, por
parte da Análise do Comportamento, na investigação e compreensão dos padrões
individuais de comportamento e da maneira como os repertórios se estabelecem ao
longo da história de reforçamento. O fato de não compactuar com as teorias da
personalidade que se referem a entidades mentais como responsáveis pelas ações
humanas, não invalida o interesse da Análise do Comportamento neste campo de
estudo.
A partir de explicações que partem de um viés oposto ao tomado pelas teorias
psicodinâmicas, a Análise do Comportamento é capaz de explicar tanto o conceito de
personalidade, como os resultados obtidos pelos instrumentos utilizados na sua
investigação (em especial os projetivos), sem fazer alusão a construtos mentalistas, mas
e sim buscando no comportamento verbal do sujeito fontes de controle que dão acesso
à sua história de vida.
Assim como Skinner propôs o Somador Verbal para estudo de aspectos do
comportamento verbal, Azevedo (2013) propôs o uso do Teste do Rorschach com este
mesmo objetivo. A autora sugere que a partir das respostas emitidas pelo sujeito frente
62
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e Diogo Seco
à estimulação mínima do teste, aspectos do seu comportamento verbal podem ser
observados e sua história de reforçamento pode ser inferida. As categorias propostas
pelo Sistema Compreensivo (Exner, 1999) como relevantes na investigação da
personalidade a partir do Teste de Rorschach foram descritas em termos de variáveis de
controle do comportamento verbal do examinando, facilitando assim a investigação de
aspectos funcionais tanto dos estímulos quanto das respostas emitidas.
Uma tentativa de aproximação entre os métodos tradicionais de interpretação dos
testes projetivos e a abordagem comportamental torna-se útil por possibilitar o diálogo
entre áreas distintas dentro da Psicologia. Um viés comportamental na interpretação de
tais instrumentos traz a vantagem de uma explicação mais econômica e que dispensa o
uso de termos e conceitos mentalistas, possibilitando assim uma abordagem mais
científica para tais instrumentos (como tem sido buscado desde a década de 50) sem
necessariamente recorrer à medidas estatísticas de comparação entre sujeito e grupo.
Ao mesmo tempo, possibilita à Análise do Comportamento mais um método de
investigação da história de reforçamento, contribuindo assim para o estudo dos
padrões individuais de comportamento que tem sua relevância tanto na área clínica
quando nas investigações empíricas nas quais as características individuais são
variáveis a serem consideradas. Outro beneficio evidente para à Análise do
Comportamento é a possibilidade de integração desta abordagem com áreas
tradicionais da Psicologia com as quais não existem campos estabelecidos de diálogo. A
construção desse campo de intercessão possibilita a aplicação do aparato teórico
analítico-comportamental para o embasamento de instrumentos tradicionais na
investigação da personalidade. O benefício mútuo para ambas as áreas justifica o
esforço em se tentar aproximar campos tão distintos.
63
Personalidade em uma perspectiva analítico-comportamental
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66
5
Controle de estímulos e contraste comportamental
em uma tarefa de cooperação
Stimulus control and behavioral contrast in a cooperative task
Trabalho baseado na
Dissertação de Mestrado
de Rafaela Meireles Fontes
Azevedo do Programa de
Pós-Graduação em
Ciências do
Comportamento,
Departamento de
Processos Psicológicos
Básicos, Instituto de
Psicologia da Universidade
de Brasília. João Claudio
Todorov é Bolsista de
Produtividade Científica 1D
do CNPq. E-mail:
rafaelafontes@hotmail.com
Publicado originalmente
na Revista Brasileira de
Análise do
Comportamento/Brazilian
Journal of Behavior
Analysis, 2016, Vol. 12, nº
2, 95-105, e aqui
republicado por João
Claudio Todorov, com
autorização da revista.
67
Rafaela Meireles Fontes Azevedo
João Claudio Todorov
Resumo
Metacontingência, definida como um conjunto de
contingências comportamentais entrelaçadas que produzem
um produto agregado mantido por uma consequência, é uma
unidade de análise no nível cultural, análoga à tríplice
contingência. Estudos realizados na área têm tratado a
metacontingência como uma relação condicional de dois
termos, desconsiderando a função dos estímulos
antecedentes. Em função da importância dos estímulos
discriminativos sobre a emissão do comportamento, e
buscando estudar os processos básicos envolvidos, o presente
estudo teve como objetivo investigar os efeitos do processo de
discriminação em tarefas de cooperação. O procedimento foi
realizado a partir de um jogo colaborativo em um tabuleiro
de xadrez virtual e teve como produto agregado o encontro
dos cavalos. O experimento contou com quatro fases: Linha
de Base, Treino de Discriminação, Teste de Discriminação e
Teste de Generalização. Participaram do experimento 22
estudantes universitários, distribuídos em 11 duplas. Cada
dupla passou pelas quatro fases e participou da atividade
apenas uma vez. As medidas observadas foram: taxa de
produto agregado ao longo das quatro fases, número de
movimentos realizados e índice de dispersão. Os resultados
indicam que ocorreu responder diferencial entre os estímulos
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
que sinalizavam as diferentes metacontingências em vigor, embora os dados no Teste de
Generalização não tenham sido sistemáticos. Outro efeito observado foi o de contraste
comportamental, quando foi introduzida uma condição de extinção na fase de Treino. Os dados
relacionados ao número de movimentos e índice de dispersão demonstraram a estereotipia gerada
pelo reforçamento e variabilidade induzida pela extinção, ambos efeitos observados no
comportamento operante.
Palavras-chave: metacontingência, controle de estímulos, discriminação operante, estímulo
discriminativo, contraste comportamental.
Abstract
Metacontingency, defined as a set of interlocking behavioral contingencies that produce an
aggregate product maintained by a consequence, is a unit of analysis similar to the triple contingency.
Studies in this area have treated the metacontingency as a conditional relation of two terms,
disregarding the role of antecedent stimuli. Due to the importance of discriminative stimuli on the
emission of behavior, and in an attempt to study the basic processes involved, this study aimed to
investigate the effects of the discrimination process in metacontingencies. The procedure involved a
collaborative game on a virtual chessboard and defined the aggregated product as the meeting of two
knights. The experiment consisted of four phases: Baseline, Discrimination Training, Discrimination
Test and Generalization Test. Twenty-two college students, distributed in 11 dyads, participated in
the experiment. Each dyad participated in the activity only once. The measures were the rate of the
aggregate product over the four phases, the number of movements, and dispersion index. The results
indicated the occurrence of differential responding to the stimuli correlated with the different
metacontingencies (stimulus control) although generalization test data were unsystematic. Behavioral
contrast occurred after the introduction of an extinction condition in the training phase. The number
of movements and the dispersion index showed the stereotyped pattern generated by the
reinforcement, and variability induced by extinction, both effects observed in operant behavior.
Keywords: metacontingency, stimulus control, operant discrimination, discriminative stimulus,
behavioral contrast
68
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
Embora a proposta de uma ciência do comportamento se centre em explicar o
nível ontogenético de seleção e como o comportamento do indivíduo se estabelece ao
longo da sua história de vida, Skinner (1953/2003) demonstrou também interesse em
fenômenos que envolvem mais de um indivíduo atuando no que ele chamou de
comportamento social, “definido como o comportamento de duas ou mais pessoas em
relação uma à outra ou em conjunto em relação ao ambiente comum” (p. 325).
Os estudos sobre cooperação realizados principalmente entre as décadas de 50 e
70 demonstraram o interesse da Análise do Comportamento em dar conta de
fenômenos que envolvem ação conjunta de mais de um indivíduo. Entretanto, esses
estudos ainda faziam uso da tríplice contingência enquanto unidade de análise e
explicavam o comportamento a partir de contingências individuais atuando
simultaneamente sobre mais de um indivíduo, ou compreendiam o comportamento de
um estabelecendo as contingências para o comportamento do outro, atuando como
estímulo discriminativo e reforço (Azrin & Lindsley, 1956; Hake, Olvera & Bell, 1975;
Schimitt, 1976; Schimitt & Marwell, 1968, 1971a, 1971b).
Para dar conta dos fenômenos que extrapolam as contingências individuais e que
não são abarcados pela tríplice contingência enquanto unidade de análise, tarefas nas
quais pelo menos duas pessoas cooperam para a realização de um produto comum têm
sido estudadas com o auxílio do conceito de metacontingência (Glenn & Malott, 2004;
Todorov, 2012a, 2012b). Todorov (2012a, 2012b) afirma que na metacontingência o que
é selecionado não são as contingências entrelaçadas que caracterizam a cooperação,
mas o produto agregado. “Podemos dizer que a consequência seleciona um produto
agregado, independentemente de variações nas CCEs. O importante são as
características do PA. Potencialmente n diferentes CCEs podem produzir o PA
requerido pela metacontingência” (Todorov, 2012a, p. 39).
Algumas tentativas de se estudar o conceito experimentalmente têm sido
realizadas (e.g., Todorov, 2013; Vieira, 2010). O que se observa é que frequentemente
têm-se manipulado como variável independente alguma relação condicional, a fim de
verificar o efeito das consequências nas CCEs e em seus respectivos PAs. Vieira (2010)
afirma:
69
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
... até o momento, o que tem sido investigado experimentalmente em relação a
metacontingências refere-se à contingência entre os entrelaçamentos e seus
produtos agregados (CCEs
PA) e as consequências culturais. Tal relação é
análoga à relação resposta-reforçador na contingência operante, ou a uma
contingência básica de dois termos. (pp. 22-23)
Assim, além da complexidade de situações de escolha nos estudos iniciais que
utilizam o conceito de metacontingência (cf., Todorov, 2013), outra caraterística
notória nesses estudos é o fato de a metacontingência ser tratada de maneira análoga a
uma contingência de dois termos. Porém, Skinner (1953/2003) afirma que no estudo
do operante os estímulos antecedentes à emissão do comportamento exercem uma
função bastante relevante por sinalizarem a presença ou ausência de reforço. Todorov
(2012b) afirma que
... no ambiente natural raramente a contingência operante de dois termos
(resposta e consequência) é válida para qualquer situação. É mais comum a
observação de relações descritas pela contingência de três termos, ou tríplice: “se
na situação S1 o comportamento R1 ocorrer, então a consequência S1 será
apresentada”. (p. 51)
A função dos estímulos antecedentes
Um princípio geral que norteia a Análise do Comportamento é a compreensão de
que o comportamento operante é controlado por suas consequências. Um segundo
princípio geral é que o ambiente passa a controlar o comportamento a partir da relação
que estabelece com as consequências reforçadoras (Sidman, 2008). Assim, o
comportamento operante deve ser descrito tanto em termos de sua relação com a
consequência que o seleciona, quanto de sua relação com os estímulos antecedentes
presentes na ocasião em que houve apresentação do reforço (Sério, Andery, Gioia, &
Micheletto, 2002; Todorov, 2002).
70
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
O processo de discriminação se refere, então, ao estabelecimento de uma classe de
respostas que ocorre na presença de uma determinada classe de estímulos (SD ou S+),
que sinaliza a presença do estímulo reforçador, e não ocorre (ou ocorre em menor
frequência) na ausência desse estímulo ou na presença de um estímulo que sinalize a
ausência do reforço (SΔ ou S-).
Nos estudos iniciais um procedimento utilizado para mensurar o controle de
estímulos envolvia testes em extinção, em que os estímulos antecedentes eram
apresentados sem que houvesse consequências diferenciais entre eles, e era, então,
observada a taxa de respostas emitida na presença de cada estímulo (Dinsmoor, 1950;
Morse & Skinner, 1958). Outra maneira de se avaliar o controle de estímulos é a partir
de testes de generalização, que se caracterizam pela apresentação de uma série de
estímulos semelhantes aos estímulos treinados, sem que nenhum deles esteja
relacionado a alguma consequência, e observa-se como a taxa de resposta se distribui
ao longo do contínuo, tendo-se, tipicamente, o pico de respostas durante a
apresentação do estímulo correlacionado ao reforço durante o treino (Honig &
Urcuioli, 1981).
Dois efeitos geralmente observados em treinos de discriminação são o
deslocamento do pico do gradiente de generalização e o efeito de contraste
comportamental. O deslocamento do pico se refere a um afastamento do pico de
respostas do S+ na direção oposta ao S- (Terrace, 1966). O efeito de contraste se refere à
alteração da taxa de respostas durante a apresentação de um estímulo, em função de
alterações feitas no esquema de reforçamento associado a um estímulo diferente, sendo
essa mudança na taxa de respostas durante o primeiro estímulo na direção oposta à
taxa produzida pelo estímulo no qual o esquema foi alterado (Reynolds, 1961a). O
contraste pode ser positivo – quando em um esquema múltiplo se observa um aumento
da taxa de respostas no componente que é mantido constante em função de uma
“piora” nas condições de reforçamento do componente que é alterado, ou negativo quando a taxa de respostas no componente constante diminui em função de uma
“melhora” nas condições de reforçamento do componente alterado (McSweeney,
Ettinger, & Norman, 1981). O contraste ocorre tipicamente, mas não apenas, durante a
71
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
formação de discriminação entre dois estímulos, sendo um deles correlacionado com a
ausência de reforço.
Controle de estímulos em contextos sociais
Assim como os estímulos presentes no ambiente físico (inanimado) atuam no
controle do comportamento, Skinner (1953/2003) afirma que “um estímulo social,
como qualquer outro estímulo, torna-se importante no controle do comportamento
por causa das contingências em que se encaixa” (p. 330). Skinner (1953/2003)
argumenta a relevância do controle exercido pelo comportamento de outra pessoa em
situações de cooperação, que requerem ação combinada dos dois indivíduos, sendo
assim necessário que o comportamento de um fique sob controle do comportamento
do outro.
Alguns estudos sobre cooperação com humanos investigaram o papel do controle
discriminativo na coordenação dos comportamentos dos indivíduos (Schmitt, &
Marwell, 1968). Porém, o tipo de controle de estímulos manipulado nesses estudos, em
analogia à metacontingência, se refere ao controle de estímulo que ocorre ainda no
nível do entrelaçamento, ou seja, o comportamento de um atuando como SD para o
comportamento do outro (nível operante). Considerando que a metacontingência é
utilizada para analisar o processo de seleção do produto agregado (Todorov, 2012a),
ainda faltam estudos que demonstrem a função exercida por estímulos antecedentes
que sinalizam o reforço do produto agregado (que é diferente dos estímulos providos
pelos comportamentos entrelaçados dos indivíduos envolvidos). O único estudo
conhecido até o momento, que trabalhou com esse tipo de manipulação, é o da Vieira
(2010), que investigou o papel que estímulos antecedentes podem exercer na
metacontingência.
O experimento de Vieira (2010) segue a tradição de experimentos sobre
metacontingências, utilizando o procedimento de Pereira (2008), que trabalhou com a
inserção coordenada de números, manipulando consequências individuais e culturais e
troca de gerações. Os estímulos antecedentes manipulados eram a cor de fundo da tela
do programa: azul e vermelho eram correlacionados com diferentes requisitos para o
72
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
produto agregado e a liberação da consequência. Os resultados indicaram
estabelecimento de controle discriminativo, porém, não se observou sistematicidade
nos dados de generalização.
Soares, Cabral, Leite e Tourinho (2014) também realizaram um experimento que
envolvia controle de estímulos, embora não envolvesse a manipulação de estímulos
antecedentes e treino discriminativo, como no trabalho de Vieira (2010). Soares et al.
(2014) trabalharam com diferentes exigências de produto agregado (e entrelaçamento)
que demandavam, assim, a discriminação, pelos participantes, dos estímulos que
cumpriam ou não as exigências de cada metacontingência em vigor. Utilizando o
procedimento de matriz, semelhante ao de Vichi (2004), os autores visaram verificar o
estabelecimento de diferentes padrões de entrelaçamento e formação de produto
agregado em um delineamento de reversão que manipulava tanto consequências
individuais quanto culturais. Os autores observaram que houve “a seleção de duas
práticas culturais distintas” (Soares et al., 2014, p. 44), porém, os dados não são
sistemáticos. Embora tenham sido demonstradas tanto a seleção operante, quanto a
seleção cultural, a partir do uso de diferentes consequências, não há evidências de que
tenha ocorrido o processo de discriminação das exigências em vigor.
Em função da importância dos estímulos discriminativos sobre a emissão do
comportamento e na tentativa de estudar os processos básicos envolvidos no terceiro
nível de seleção, de maneira análoga ao estudo do operante, o presente estudo teve
como objetivo investigar os efeitos do processo de discriminação simples na
metacontingência. Buscou-se analisar se o terceiro nível de seleção respeita os mesmos
padrões observados nos estudos de discriminação operante, que se referem ao segundo
nível de seleção, a partir de um procedimento de discriminação sucessiva. Este esforço
se justifica pelo pequeno número de trabalhos que exploram o papel dos estímulos
discriminativos na metacontingência, apesar da relevância já demonstrada destes
estímulos no comportamento operante.
Foi utilizado o mesmo procedimento empregado por Vasconcelos & Todorov
(2015). Este procedimento apresenta a vantagem de ser um procedimento simplificado,
que respeita os critérios de uma metacontingência, e possibilita um maior controle
experimental, tendo em vista que são manipuladas as variáveis apenas no nível cultural,
73
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
sem a manipulação de contingências operantes atuando no nível individual. O
experimento teve quatro fases: Linha de Base, Treino de Discriminação, Teste de
Discriminação e Teste de Generalização. Com esse estudo se pretendeu: 1) testar um
procedimento que faz uso da metacontingência enquanto unidade de análise, no qual,
diferentemente dos estudos que vem sendo realizados na área, os tipos de consequência
(individual ou cultural) não foram manipulados, não havendo consequências
programadas para respostas individuais; 2) testar a viabilidade de um treino de
discriminação a partir unicamente de reforço social; 3) aplicar o procedimento de
discriminação sobre o responder de mais de um indivíduo simultaneamente, e 4)
observar os efeitos do treino de discriminação em um teste de generalização.
Foram manipulados os estímulos antecedentes relacionados à presença (SD) ou
ausência de reforço (SΔ), a fim de que fosse observado o seu efeito sobre a formação do
produto agregado.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 22 adultos entre 18 e 29 anos (média de 20 anos),
estudantes de graduação e de pós-graduação da Universidade de Brasília. Os
participantes foram selecionados por conveniência. Ao todo, 11 duplas participaram do
experimento, porém, apenas os dados de oito duplas foram analisados. Três delas foram
descartadas da análise de dados por problemas durante o procedimento1
O projeto foi submetido ao CEP/IH Brasil para análise.
Materiais e instrumentos
A coleta de dados foi realizada no Laboratório de Pesquisa em Avaliação e
Medidas (Labpam), localizado no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília,
__________
1. A exclusão das duplas da análise de dados se deveu a motivos como: travamento do
programa durante a execução do experimento; desistência de um dos participantes, deixando
apenas um responsável por executar a tarefa da dupla; ou desistência de ambos os
participantes, que pararam de responder e “aguardaram” o fim da sessão.
74
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
onde se encontrava uma mesa grande com um notebook, duas cadeiras (dispostas lado
a lado na lateral da mesa) e, em separado, uma cadeira para a experimentadora. A
experimentadora esteve presente em todas as sessões e, após a entrega das instruções,
mantinha-se sentada numa cadeira na lateral da mesa onde se encontravam os
participantes.
Para a realização da atividade foi utilizado um notebook Samsung, processador
Core i3, 2.10GHz, 2GB de RAM, com sistema Microsoft Windows 7 Home Basic. O
notebook foi equipado com o software “Xadrez” (Todorov & Vianney, 2013), que
permitia a movimentação das peças por um tabuleiro virtual de 8x8 células.
O software foi programado com parâmetros específicos em quatro fases. Os
resultados por ele registrados foram: o número de tentativas, acertos, erros, número de
movimentos, local de ocorrência de cada movimento, duração de cada movimento,
duração de cada apresentação de estímulo e o tempo decorrido em cada fase.
Procedimento
Cada dupla participou da atividade uma única vez. Ao entrarem na sala de coleta,
os participantes receberam e assinaram o TCLE. Em seguida, foi entregue uma ficha
para a dupla com instruções sobre a atividade. Não foram apresentadas instruções
verbais adicionais e em caso de dúvidas os participantes eram instruídos a ler a ficha
novamente. Após a compreensão das instruções, os participantes davam início à
atividade.
A atividade consistia na movimentação de duas peças por tabuleiro virtual, sendo
cada participante responsável pelo movimento de uma das peças e cada peça se
movimentava em L, como o cavalo no xadrez. Cada rodada iniciava com cada uma das
peças em um dos extremos do tabuleiro e o objetivo era que as peças ficassem em casas
adjacentes (horizontal, vertical ou diagonalmente) e isso caracterizava um encontro.
O experimento teve quatro fases, descritas a seguir.
Linha de Base. Nesta fase o encontro das peças podia ocorrer em qualquer ponto
do tabuleiro e todos os encontros eram reforçados com a apresentação da mensagem:
“PARABÉNS! O objetivo foi alcançado!”
75
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
A fase se encerrava após dez encontros. A cor da tela permanecia azul durante
toda a fase. Esta primeira fase foi utilizada como base de comparação para as fases
subsequentes de treino e teste de discriminação.
Treino de Discriminação. Nessa fase foi realizado um treino discriminativo, no
qual foram manipulados os estímulos antecedentes contingentes à disponibilidade do
reforço, em um procedimento de discriminação sucessiva. As cores de fundo do
tabuleiro, azul ou amarelo, funcionavam como SD e SΔ. A cor de fundo azul funcionava
como SD (comprimento de onda da cor: 484nm), ou seja, os encontros das peças em
qualquer ponto do tabuleiro ocorridos na presença da cor azul eram seguidos de
reforço (mensagem “PARABÉNS! O objetivo foi alcançado!”). A cor de fundo amarela
funcionava como SΔ (comprimento de onda da cor: 582nm), ou seja, aqui o encontro
não gerava consequência (a mensagem de parabéns) e após sua ocorrência as peças
voltavam às suas posições iniciais.
A cada tentativa completada na presença do SD, a cor da tela mudava para SΔ. O
critério para encerramento da apresentação do SΔ se dava por tempo de inatividade,
sendo considerado como inatividade um intervalo de tempo sem produção de produto
agregado (ou seja, sem ocorrência de encontro), porém, o movimento das peças era
permitido. O critério inicial era de 10 segundos na ausência de produto agregado que
progredia de 5 em 5 segundos, até que os participantes permanecessem sem se
encontrar durante 60 segundos consecutivos. A cada cumprimento do tempo de
inatividade exigido durante o SΔ, o tabuleiro voltava para a condição do SD, e assim a
apresentação dos estímulos se deu de maneira alternada.
Foi utilizada a progressão do tempo, pelo alto número de desistência quando as
primeiras exposições à extinção eram muito longas.
A fase se encerrava quando os participantes permaneciam 60 segundos inativos
durante três apresentações do SΔ. A contagem do tempo era reiniciada sempre que as
peças se encontravam na condição do SΔ.
76
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
Teste de Discriminação. Nessa fase foi realizado um teste discriminativo. O
procedimento era semelhante ao do Treino de Discriminação, exceto que SD e SΔ eram
apresentados sucessivamente, durante intervalos de 60 segundos.
Nesta fase, os encontros ocorridos na presença do SD continuavam a ser seguidos
de reforço, enquanto os encontros ocorridos na presença do SΔ continuavam em
extinção. A manutenção do reforço na condição SD foi realizada para evitar que a
ocorrência do produto agregado entrasse em extinção e impossibilitasse, assim, a
realização do teste de generalização.
A fase era encerrada após 10 minutos (cinco apresentações alternadas de cada
estímulo) e se caracterizava enquanto teste pela alteração do critério de duração da
apresentação dos estímulos em relação à fase anterior. Nesta fase o SD se mantinha em
vigor por 1 minuto e não mais até a ocorrência de um encontro. O SΔ também se
mantinha em vigor pelo mesmo período de tempo, não sendo mais atrasado pela
ocorrência de encontros.
Teste de Generalização. Essa fase era caracterizada pela apresentação de sete
cores. Além das cores que sinalizavam SD e SΔ, outras cinco cores foram utilizadas com
os seguintes comprimentos de onda: 566nm, 533nm, 500nm, 468nm e 451nm. Não
havia consequências para o responder durante a apresentação de nenhuma das cores, se
dando toda a fase em extinção. As cores foram apresentadas uma única vez, durante
intervalos de 2 minutos, e foram apresentadas na seguinte ordem: 582nm (SΔ), 566nm,
533nm, 500nm, 484nm (SD), 468nm e 451nm.
Após o fim do Teste de Generalização o programa apresentava a mensagem “Fim!”,
indicando o término do experimento.
Análise de dados
O que se considerou enquanto resposta no presente trabalho foi o encontro entre
as peças no tabuleiro, que caracterizava a formação do Produto Agregado (PA). Na
análise dos dados a medida principal utilizada neste experimento foi a taxa de produto
77
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
agregado (PA/minuto) em cada uma das fases, ao longo de toda a sessão experimental.
Outras medidas observadas em cada fase foram: número de encontros realizados em
cada condição e número de movimentos realizados em cada tentativa.
O cálculo da taxa de produto agregado e do número de movimentos foi feito por
tentativa, sendo que o critério de tentativa variou entre as condições. Na Linha de Base
cada encontro caracterizava uma tentativa. O mesmo foi feito para a condição de SD no
Treino de Discriminação. Para a condição de SΔ no Treino, considerou-se como
tentativa cada apresentação do estímulo (que se encerrava após x segundos sem
ocorrência de encontro). Nas condições de Teste de Discriminação e de Generalização
também se considerou cada apresentação do estímulo como uma tentativa. No Teste de
Discriminação cada estímulo permanecia em vigor por 1 minuto, enquanto no Teste de
Generalização cada estímulo permanecia em vigor por 2 minutos.
Para cada fase foram realizadas comparações intradupla e comparações entre
duplas. Com as comparações intradupla pretendeu-se observar os possíveis efeitos
diferenciados esperados para cada fase e entre cada estímulo (SD e SΔ). Com as
comparações entre duplas esperou-se descrever tendências gerais observadas em cada
fase, funcionando como replicações diretas.
Resultados
A Figura 1 mostra a análise da taxa de PAs para as três primeiras fases do
experimento. Observou-se que, apesar da variabilidade nas taxas, a ocorrência do PA
foi estabelecida na Linha de Base. Para cinco das oito duplas (D3, D7, D8, D9 e D11)
observou-se um aumento sistemático nas taxas de PA do começo ao final da fase. Para
D11, observa-se um grande aumento da taxa no final da Linha de Base, entretanto, essa
alta taxa não se manteve de maneira constante nas fases seguintes.
Na fase de Treino pode-se observar que, de maneira geral, a taxa durante as
apresentações de SD foram mais altas do que durante a apresentação do SΔ.
Com a introdução da condição de SΔ pode-se observar, ainda, um aumento da
taxa em SD em relação à Linha de Base para seis das oito duplas (D3, D5, D7, D8, D9,
78
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
D10), caracterizando assim o efeito de contraste comportamental. Para as duplas D3 e
D10 o efeito de contraste foi mais evidente nas tentativas finais da fase de Treino. Para
D6, embora se observe alguns pontos em que a taxa foi maior do que a obtida na linha
de base, não houve um aumento sistemático da taxa de uma condição para outra. Para
D11 observa-se um grande aumento na taxa nas tentativas finais da Linha de Base, mas
esse aumento não se manteve, nem se ampliou, durante o treino discriminativo.
Em relação à taxa em SΔ na fase de Treino, pode-se observar que, para todas as
duplas, a taxa de PA na primeira apresentação desse estímulo foi 0. Isso provavelmente
se deveu a uma característica do procedimento, pois a exigência de inatividade nessa
primeira apresentação era de 10 segundos sem ocorrência de encontros. Como essa
exigência era menor do que o tempo médio para a ocorrência de um encontro, é
possível que nessa primeira apresentação todas as duplas tenham alcançado o critério
por acaso (o estímulo se encerrou antes que houvesse tempo suficiente para as peças se
encontrarem). Embora tenha ocorrido um aumento das taxas nas tentativas seguintes
em SΔ, é observado um decréscimo sistemático ao longo da fase, para todas as duplas,
exceto D10. A diferenciação entre as taxas de PA sob as duas condições de estímulos
(SD e SΔ) indicam o estabelecimento do controle discriminativo pelos diferentes
estímulos apresentados.
Na fase de Teste de Discriminação observa-se que se manteve a maior taxa na
presença do SD em relação ao SΔ. As duplas D3, D7, D8, D10 e D11 apresentaram uma
queda na taxa em SD em relação à fase anterior. Isso pode ser devido ao fato de que na
fase de treino a presença do SD sinalizava a ocorrência de apenas um encontro, que era
seguido do reforço e então se passava para o SΔ. Porém, na fase de Teste a duração de
apresentação do SD obedecia a um critério de tempo e não de razão. Para as duplas D3,
D5, D6, D7, D8 e D11 observou-se também um aumento, mesmo que transitório, da
taxa em SΔ. Apesar das flutuações nas taxas, para seis das oito duplas (D3, D5, D7, D8,
D9 e D11) observou-se taxas bem diferenciadas entre os dois estímulos, evidenciando
assim a manutenção da discriminação. Dessa forma, houve mais ocorrência de PA na
condição associada ao reforço do que na condição associada à extinção.
79
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
Figura 1
Taxa de produto agregado (PA/min), em cada tentativa ao longo das fases: Linha de
Base, Treino de Discriminação e Teste de Discriminação. Cada gráfico se refere
a uma dupla. Note que os valores do eixo y variam para cada dupla
A dupla D10, além de não apresentar um decréscimo na taxa de PA na presença
do SΔ durante o Treino, também não apresentou padrão de taxa diferenciada durante o
Teste de Discriminação. Isso pode ter se devido ao fato de que essa dupla trabalhou a
uma taxa muito baixa desde o início da sessão (suas taxas foram as menores dentre
todas as duplas). Dessa forma, os critérios estabelecidos para o SΔ na fase de Treino
podem ter sido alcançados por acaso (tempo médio entre as ocorrências dos encontros
maiores do que 60 segundos, cumprindo assim o critério, sem necessariamente terem
discriminado as condições).
Os dados no Teste de Generalização (Figura 2) não demonstraram
sistematicidade. Apenas quatro das oito duplas (D3, D6, D8 e D11) apresentaram uma
80
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
taxa de PA mais alta na presença do SD, evidenciando o pico do gradiente de
generalização previsto na literatura, porém, para nenhuma das duplas a taxa foi menor
na presença desse estímulo, em relação aos demais. Não se observou o deslocamento
do pico para qualquer uma das duplas.
Observou-se uma correlação entre a duração do Treino e o padrão de distribuição
de respostas no Teste de Generalização. As duplas que apresentaram o pico de PA na
presença do SD durante o Teste de Generalização foram aquelas para as quais a fase de
Treino teve duração maior do que a média (28’25’’ para D3, 27’17’’ para D6, 36’22’’ para
D8 e 28’13’’ para D11). D10 também obteve um tempo de Treino acima da média,
embora não tenha demonstrado o padrão das demais duplas no Teste de Generalização.
Figura 2
Taxa de produto agregado (PA/min) ao longo da fase de Teste de Generalização. Note
que o eixo y varia para cada dupla.
81
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
Uma segunda análise realizada foi realizada em relação ao número de movimentos
(Figura 3). O número de movimentos foi calculado também por tentativas, e assim
como no cálculo das taxas, foram consideradas tentativas cada encontro na Linha de
Base e na condição SD no Treino e cada apresentação de estímulo para a condição SΔ no
Treino e para ambos os estímulos no Teste. Os movimentos na fase do Teste de
Generalização não foram analisados.
Tal análise demonstrou que o número de movimentos se manteve constante
durante as apresentações do SD, porém, variou consideravelmente durante as
apresentações do SΔ, sendo geralmente maior na presença desse estímulo. O aumento
do número de movimentos em SD durante o Teste se deveu ao fato de que cada
tentativa nessa fase tinha duração de um minuto, logo, ocorria mais de um encontro,
diferente das fases antecedentes, em que cada encontro era considerado uma tentativa.
A constância do número de movimentos em SD é um indício da estereotipia gerada
pelo reforço, pois as duplas emitiam, em média, o mesmo número de movimentos até o
encontro na presença do estímulo correlacionado ao reforço, mas variavam mais na
presença do estímulo correlacionado à extinção.
Figura 3
Número de movimentos, em cada tentativa, ao longo das condições experimentais
(exceto Teste de Generalização). Cada gráfico se refere a uma dupla. Note que
os valores do eixo y variam para cada dupla
82
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
O cálculo do índice de dispersão (dados não mostrados) confirmou os resultados
relativos ao número de movimentos, indicando o estabelecimento de estereotipia nas
condições de reforço e variabilidade induzida pela extinção.
Entretanto, como exceção, a dupla D6 apresentou bastante variabilidade no
número de movimentos, principalmente na presença do SD, evidenciando assim que
essa dupla não apresentou o padrão de estereotipia geralmente observado. Por outro
lado, a dupla D10, embora não tenha apresentado indícios de discriminação (Figura 1),
emitiu, como as demais duplas, números regulares de movimentos na presença do SD.
De modo geral, essa análise permitiu perceber que diferentes padrões de
comportamento foram estabelecidos pela contingência de extinção em vigor durante a
apresentação do SΔ na fase de treino: para algumas duplas se observou a extinção de
qualquer tipo de movimento enquanto o estímulo estava em vigor (D5, D6, D8, D9);
para outras duplas se observou a extinção da formação dos PAs e o desenvolvimento de
outros padrões de comportamento, como por exemplo, o comportamento de “passear”
pelo tabuleiro (D3, D7, D10 e D11). Dessa forma, há evidências de que, para algumas
duplas o SΔ funcionou como uma contingência de extinção, enquanto para outras
duplas funcionou como um DRO (tendo como reforço o retorno SD).
Discussão
O objetivo principal do presente estudo foi averiguar a possibilidade de
estabelecimento de controle de estímulos para a ocorrência de Produtos Agregados,
que envolvem comportamentos entrelaçados de mais de um indivíduo ao mesmo
tempo, a partir de um procedimento simplificado.
O primeiro ponto a ser observado é que a utilização do procedimento se mostrou
eficiente em demonstrar o estabelecimento da ocorrência do PA sem envolver
modelagem de comportamentos individuais e sem utilizar consequências diferenciais
para cada indivíduo, assim como foi observado por Vasconcelos & Todorov (2015). A
formação de PAs ao longo de toda a sessão experimental demonstrou, portanto, a
viabilidade da utilização de um procedimento mais simples para investigação de
fenômenos que ocorrem em um terceiro nível de seleção.
83
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
Apesar da variabilidade observada nos dados, há indícios de que o controle
discriminativo foi estabelecido em função das taxas diferenciais de PA na presença de
ambos os estímulos. O padrão observado durante o Teste de Discriminação é um
indicador do controle discriminativo exercido por cada estímulo, muito embora não se
observe sistematicidade para todas as duplas durante o Teste de Generalização. Os
indicativos do estabelecimento de discriminação nesse estudo confirmam e estendem
para outra tarefa os resultados de Vieira (2010), que também observou controle pelos
estímulos antecedentes na formação de Produtos Agregados. Assim como no presente
estudo, Vieira (2010) também não observou sistematicidade no teste de generalização.
Nos resultados do presente estudo pode-se observar também que, embora tenham
ocorrido taxas diferenciadas de produto agregado entre os estímulos durante a fase de
Teste de Discriminação, ocorreu também uma pequena diminuição na taxa nesta fase,
em relação ao Treino, para algumas duplas (D7, D8, D9, D10 e D11). Essa diferença
pode se dever à alteração na duração dos estímulos. No treino, a mudança de SD para
SΔ se dava a cada encontro e havia uma contingência de atraso da duração de SΔ
contingente a cada ocorrência de PA. Na fase de Teste foi introduzida uma modificação
na contingência associada à apresentação de cada estímulo, estando esses em vigor por
intervalos fixos de tempo (1 min para cada estímulo). Dessa forma, cada encontro
ocorrido na presença do SD não sinalizava mais o início do SΔ. Essa mudança na
contingência de apresentação dos estímulos de uma fase para outra pode ser apontada
como um fator que pode ter influenciado no padrão observado.
Uma possível explicação para a falta de sistematicidade dos dados de
generalização no presente trabalho pode ter sido, então, essa mudança na duração dos
estímulos de uma fase para a outra, atuando como uma variável estranha no
estabelecimento da discriminação. Outro fator que pode também ter afetado o
estabelecimento da discriminação, foi a alternância entre estímulos. Por exemplo,
durante o treino cada encontro ocorrido na presença do SD sinalizava não apenas a
apresentação do reforço, como também a mudança para a condição de SΔ. Assim, a
presença de um estímulo sinalizava, necessariamente, a apresentação do outro estímulo
em seguida, uma vez que os estímulos eram apresentados sucessivamente e não de
maneira aleatória. No Teste de Generalização, a maneira e a ordem na qual as cores
84
Controle de estímulos e contraste comportamental em uma tarefa de cooperação
foram apresentadas também podem ter contribuído para a distribuição das respostas,
tendo em vista que quando o SD era apresentado nessa fase a dupla já estava há muitos
minutos em extinção. Outra possível explicação pode ter sido a extensão da sessão, de
forma que as fases de treino e teste de discriminação podem não ter sido longas o
suficiente para gerar um padrão bem estabelecido de discriminação.
Foi possível observar o efeito de contraste comportamental quando ocorreu a
introdução do SΔ na fase de Treino, confirmando a literatura sobre treinos de
discriminação (Reynolds, 1961a e 1961b). Os dados estão de acordo com aqueles
demonstrados por Reynolds (1961a), que indicam o efeito contraste relacionado à
ausência de reforço no componente variável.
O contraste comportamental observado neste trabalho pode ser considerado o
que Killeen (2014) denomina de contraste transitório, por ser observado já na fase
inicial do treino. O autor afirma, ainda, que a duração dos componentes pode ter efeito
sobre esse tipo de contraste. Isso pode explicar, também, algumas das diferenças
observadas nas taxas de produto agregado entre as fases de Treino e Teste de
Discriminação. Durante a fase de Treino, a duração de cada SD era o equivalente à
duração para ocorrência do encontro. Porém, a a duração do SΔ era função do tempo
exigido sem ocorrência do PA (sendo o intervalo atrasado a cada ocorrência deste), e
sendo essa exigência de 1 minuto nas três últimas apresentações do estímulo durante a
fase de treino. Com exceção da dupla D10, para todas as outras duplas não houve
encontro nas últimas apresentações do SΔ; dessa forma, a duração do estímulo foi de 1
minuto, de acordo com o estabelecido pelo critério. Na fase de Teste, cada estímulo
passou a ficar em vigor pelo intervalo fixo de 1 minuto, logo, a duração do SD passou a
ser maior do que era na fase de Treino (em que, em geral, cada PA ocorria em um
tempo médio menor do que 1 minuto), porém, a duração do SΔ se manteve a mesma
das tentativas finais durante o treino. Assim, houve uma mudança na duração de um
dos componentes (componente correlacionado ao reforço), mas não houve mudança
da duração do segundo componente (componente correlacionado à extinção). Segundo
Killeen (2014), o aumento da duração do componente correlacionado ao reforço,
enquanto o segundo componente se manteve constante, pode ter como um dos efeitos
a diminuição do contraste, tal como observado no presente trabalho, em função da
85
Rafaela Meireles Fontes Azevedo e João Claudio Todorov
queda na taxa de PA durante o Teste de Discriminação (e.g., Shimp & Wheatley, 1971;
Todorov, 1972).
Os dados em relação aos números de movimentos e índice de dispersão, também
confirmaram os efeitos, já observados no nível operante, de estereotipia gerada pelo
reforçamento e variabilidade gerada pela extinção. Esses efeitos já haviam sido
observados no experimento de Vasconcelos & Todorov (2015).
De maneira geral, o presente estudo demonstrou a possibilidade de se trabalhar
com um procedimento simplificado que atende às definições do conceito de
metacontingência, além de dar indícios de que, assim como no nível operante, o
controle exercido pelos estímulos antecedentes parece ter relevância também quando se
fala em um terceiro nível de seleção (Houmanfar & Rodrigues, 2006). Faz-se
importante, então, avanços nas investigações sobre os processos básicos envolvidos no
terceiro nível de seleção, a fim de se observar se os princípios estabelecidos pelos
estudos do comportamento operante também se aplicam a este nível.
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89
6
A identificação de programas esportivos governamentais
como ferramenta para aumentar a frequência escolar de
jovens
Vitória dos Santos Ferreira
João Claudio Todorov
Roberta Freitas Lemos
Isabella Righi Bernardes
Resumo
Taxas de evasão e abandono escolar de jovens entre 15 e
17 anos são constante foco de preocupação do poder público.
Com o intuito de mudar esse quadro, uma agência
governamental estabelece contingências para alterar padrões
comportamentais que prevalecem em jovens dessa faixa
etária. Este estudo visou identificar potenciais relações
condicionais em iniciativas governamentais voltadas para o
esporte que possam ser aproveitadas com intuito de aumentar
a frequência escolar dos jovens. Para isso, analisou-se o
Programa Segundo Tempo que oferta práticas corporais em
núcleos esportivos, e o Profesp, uma vertente do programa
original. O método consistiu na descrição 1) das
contingências e metacontingências envolvidas na legislação
que regulamenta o programa, 2) do comportamento que se
pretende instalar e 3) dos entrelaçamentos necessários dos
atores governamentais. O procedimento envolveu análise das
normativas que regulamentam o programa, visitas in loco e
pedidos de informações em contatos oficiais. Os resultados
encontrados sugerem que metacontingências de suporte
organizam o comportamento de agentes de diferentes órgãos
para implementar a prática esportiva e fiscalizar a sua oferta,
mas que alguns aspectos de sua implementação podem ser
discutidos e adaptados para contribuir com objetivos
90
Vitória dos Santos Ferreira et al.
educacionais. Verificou-se que para praticar o esporte, o aluno precisa estar matriculado na escola;
entretanto não existem exigências em relação à frequência escolar. A reformulação de algumas
diretrizes para estabelecer o comportamento de ir à escola como condição para se manter no
programa pode torná-lo uma ferramenta eficaz para ajudar a aumentar a frequência escolar dos
participantes.
Palavras-chave: metacontingência, macrocontingência, esporte, frequência escolar, política
pública.
Abstract
Dropout and dropout rates for young people between 15 and 17 years of age are a constant
focus of public power concern. In order to change this scenario, the governmental agency establishes
contingencies to change behavioral patterns that prevail in young people of this age group. This study
aimed to identify potential conditional relations in governmental initiatives aimed at sports that can
be used in order to increase the school attendance of young people. We analyzed the Programa
Segundo Tempo (second time program) that offers practices in sports centers, and the Profesp, a
strand of the original program. The method consisted of description 1) of the contingencies and
metacontingencies involved in the legislation that regulates the program, 2) of the behavior that is
intended to be installed and 3) of the necessary interlockings of the governmental actors. The
procedure involved the analysis of the norms that regulate the program, on-site visits and requests for
information in official contacts. The results found suggest that support metacontingencies organize
the behavior of agents from different organs to implement the sports practice and supervise their offer,
but that some aspects of its implementation can be discussed and adapted to contribute to the
educational objectives. It was verified that to practice the sport, the student must be enrolled in the
school but there are no requirements regarding school attendance. The reformulation of some
guidelines to establish the behavior of going to school as a condition to stay in the program can make
it an effective tool to help increase the school attendance of participants.
Key words: metacontingency, macrocontingency, Sport, school attendance, public policy.
91
Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
Se oferecêssemos aos homens a escolha de todos os costumes do mundo, aqueles
que lhes parecessem melhor, eles examinariam a totalidade e acabariam
preferindo os seus próprios costumes, tão convencidos estão de que estes são
melhores do que todos os outros. (Heródoto, em Laraia, 1986/2001, p. 9).
Duas histórias conhecidas podem ilustrar a verdade da observação de Heródoto.
Em uma lagoa dois peixinhos nadam em uma direção e passam por um peixe velho que
lhes pergunta: “Como está a água hoje”. Os jovenzinhos continuam a nadar mais um
pouco, param, e perguntam “O que é água?”. Outra história fala do que acontece
naqueles currais cobertos e aquecidos de países muito frios. Quem chega de fora
reclama do forte cheiro, ao que o fazendeiro responde: “Que cheiro?”. Como nos dois
casos, quem sempre viveu em uma cultura não tem como perceber as relações que
modulam o comportamento das pessoas no grupo, relações que são facilmente
percebidas por estranhos.
Mas o que é cultura? Os sentidos encontrados no dicionário são vários, quase
sempre baseados no conceito original alemão de kultur, mais ligado a valores, e/ou à
palavra francesa culture, com o sentido de comportamento.
A Análise do Comportamento tem progredido na análise de questões sociais a
partir da concepção dos conceitos de macrocontingência e metacontingência.
Metacontingência é “uma relação condicional entre 1) contingências comportamentais
entrelaçadas recorrentes que produzem um produto agregado e 2) eventos ou
condições ambientais selecionadoras” (Glenn et al., 2016, p. 13). Macrocontingência é
“uma relação entre 1) comportamento operante governado por contingências
individuais e/ou contingências comportamentais entrelaçadas governadas por
metacontingências e 2) um efeito acumulado de significância social” (Glenn et. al,
2016, p 19).
No contexto escolar, as maiores taxas de evasão e abandono de jovens com idade
de 15 a 17 anos são questões sociais que preocupam o poder público. Nesse sentido, é
possível identificar uma macrocontingência, na qual repetidos padrões
comportamentais em uma cultura provocam efeitos sociais acumulados caracterizados
como indesejáveis como, por exemplo a baixa frequência escolar. Pesquisas apontam
92
Vitória dos Santos Ferreira et al.
diversos motivos para o desinteresse pelos estudos, tanto internos quanto externos à
escola (Neri, 2009). Lemos (2018) apresenta dados de jovens, de 15 a 17 anos, de 2001 a
2015, sugerindo que a consequência de comportamentos concorrentes pode exercer
maior controle efetivo do que a consequência para frequentar a escola.
Baseadas na perspectiva de Skinner (1953/2003) de que é possível alterar o
comportamento a partir da mudança das condições das quais ele é função, agentes
governamentais atuam de forma coordenada para estabelecer contingências para
alterar padrões comportamentais que prevalecem na população. Ações articuladas
entre diferentes órgãos têm o intuito de minimizar o desinteresse escolar em jovens
dessa faixa etária que geram efeitos acumulados indesejados. Nesse modelo,
identificam-se metacontingências de suporte necessárias para implementar as
contingências principais em cada programa.
O Programa Bolsa Família é uma das principais linhas de ação governamental que
visa combater a baixa frequência escolar. Jovens das famílias beneficiárias que
apresentarem frequência mensal mínima de 75%, recebem um benefício financeiro. No
estudo de Lemos (2018), é sugerida uma relação condicional complementar à prevista
no programa. A autora testou os efeitos da construção de um arranjo em âmbito local
com o entrelaçamento de atores competentes para promover oferta e demanda de vagas
de aprendizagem profissional e avaliou o estabelecimento da aprendizagem profissional
sobre o comportamento de ir à escola em jovens com baixa frequência. Resultados
mostraram o potencial da relação condicional prevista na aprendizagem para aumentar
a frequência escolar e a autora sugere a importância da busca de novas contingências
para atingir o público beneficiário na questão educacional.
Uma outra área possível para explorar contingências complementares é o Esporte,
que tem sido objeto de investigação da Análise do Comportamento desde 1972 (Martin
& Tkachuk, 2001). Santos (2010) defende que por estar culturalmente presente na vida
dos brasileiros e possuir um caráter amplo, capaz de abranger todas as faixas etárias em
diferentes contextos socioculturais, o esporte pode se configurar uma ferramenta no
processo de formação dos jovens. O autor cita que, independente da frequência com
que realiza, o jovem tem interesse pela prática e a considera importante. Nesse sentido,
93
Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
relacionar o acesso à prática esportiva à frequência escolar pode ajudar a alterar
padrões comportamentais.
Sendo assim, o presente estudo visou identificar possibilidades de estabelecer
contingências reforçadoras no contexto esportivo para alterar o comportamento de ir à
escola. Para tanto, descreveu uma iniciativa governamental vigente voltada para a
promoção do esporte, e identificou 1) as contingências e metacontingências envolvidas
na regulamentação do programa, 2) o comportamento que se pretende instalar e 3) os
entrelaçamentos necessários dos atores governamentais. Por fim, identificou potenciais
relações condicionais que possam ser implementadas em âmbito local com intuito de
aumentar a frequência escolar de jovens com idade de 15 a 17 anos e sugeriu o arranjo
de novos entrelaçamentos de atores competentes pela sua implementação.
Método
Amostra
Foram analisadas as normativas que regem o Programa Segundo Tempo (PST),
sendo elas:
1) as Diretrizes do PST, documento publicado pelo antigo Ministério do Esporte
em 2017;
2) as portarias:
a) Portaria 3497 de 2003 (instituição do Projeto Segundo Tempo);
b) Portarias 32 e 135, de 2005 (estabelecimento de normas e diretrizes);
c) Portarias 167 (acerca dos convênios com as escolas) e 183 (recursos e
orçamento) de 2006;
d) Portarias 137 (atualização de dados e prestação de contas) e 197 (propaganda e
divulgação) de 2008;
e) Portarias 170 (propaganda e divulgação) e 183 (recursos e orçamento) de 2009.
94
Vitória dos Santos Ferreira et al.
3) as respostas oficiais do governo aos pedidos de informação realizados com base
na Lei 12.527 de 2011, que assegura o direito de acesso à informação através do
e-SIC.
4) o Informativo do Programa Forças no Esporte (Profesp), edição 2019.
5) informações coletadas de visitas in loco e entrevista com agente público
coordenador do programa no Distrito Federal.
Fonte de dados
Portais eletrônicos oficiais do Governo, informações obtidas pelo Sistema de
Informação ao Cidadão do Governo Federal e do Governo do Distrito Federal e dados
coletados através de visitas in loco e entrevista com agente responsável.
Procedimento
1) Escolha de um programa para análise
Foram desenvolvidas pesquisas, em portais eletrônicos governamentais oficiais,
com o objetivo de buscar programas esportivos oferecidos pelo Governo Federal
voltados para jovens em fase escolar. A etapa contou com o levantamento dos
programas esportivos em vigor. Três critérios foram considerados para a seleção de um
programa para a análise: abrangência de jovens com idade entre 15 e 17 anos,
obrigatoriedade de matrícula escolar para participação e previsão de funcionamento
em 2019. A partir desses critérios selecionou-se o Programa Segundo Tempo (PST). O
Programa é uma iniciativa do Ministério da Cidadania (que incorporou as ações do
antigo Ministério do Esporte), em parceria com o Ministério da Educação, destinada a
oferta de práticas corporais a partir da implementação de núcleos esportivos.
95
Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
2) Identificação e sistematização
Após a seleção do programa, iniciou-se a leitura e análise da legislação que o rege
para identificar e sistematizar:
a) as práticas culturais e problemas sociais dela decorrentes, assim como a
alteração desejada da prática social;
b) a relação condicional que o governo pretende implementar para alterar o
comportamento dos jovens, por meio da replicação sistemática do procedimento
analítico-comportamental desenvolvido por Todorov e colaboradores para a
identificação de tríplices contingências a partir dos artigos de lei (Todorov, Moreira,
Prudêncio & Pereira, 2004);
c) as metacontingências de suporte que envolvem diferentes agentes para viabilizar
a implementação da relação condicional prevista, por meio da replicação do
procedimento presente no artigo de Carvalho e Todorov (2016).
3) Pedidos de informação
Contactou-se o Serviço de Informação ao Cidadão do Governo Federal e o
Serviço de Informação ao Cidadão do Governo do Distrito Federal, por meio do e-SIC,
para obter informações não evidentes nas normativas analisadas, assim como
compreender a realidade de implementação do programa no GDF. Entre as solicitações
realizadas, houveram respostas da Subsecretaria de Educação Básica (Subeb) e da
Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (Snelis).
4) Entrevistas e visitas in loco
A partir da listagem das escolas e regiões no Distrito Federal beneficiadas pelo
PST, fornecida pelo Ministério da Cidadania, não foram identificadas instituições de
ensino no GDF que executam diretamente o PST. No entanto, foram indicados núcleos
do Programa Força no Esporte (Profesp) que atendem alunos de escolas da região. O
Profesp é um programa oriundo do Segundo Tempo, criado em 2003, atualmente
desenvolvido pelo Ministério da Defesa sob gestão do Ministério da Cidadania. A
proposta é semelhante ao PST e as atividades são promovidas em clubes e bases
96
Vitória dos Santos Ferreira et al.
militares com infraestrutura e recursos humanos disponibilizados pelo Ministério da
Defesa.
Com o objetivo de melhor compreender o manejo do programa e sua
implementação, foram realizadas visitas in loco. Visitou-se a Associação de Esporte e
Lazer dos Subtenentes e Sargentos do Exército em Brasília (Asseb), antigo Clube do
Rocha, onde subside um dos núcleos esportivos vigentes atualmente, gerido pelo
Programa Força no Esporte (Profesp), voltado para crianças de 8 a 10 anos.
Na Asseb, realizou-se uma entrevista semiestruturada com o coordenador geral,
que supervisiona, monitora e avalia o projeto como um todo. Foram feitas perguntas
acerca do desenvolvimento e execução do núcleo, dificuldades enfrentadas, as
atividades esportivas oferecidas, entre outras, mas principalmente quanto ao
monitoramento da frequência escolar e sua relação com o PST. Além disso, buscou-se
compreender os problemas sociais e as vivências atreladas.
Posteriormente, tentou-se contato com o Grupamento de Fuzileiros Navais de
Brasília, uma vez que a base militar é onde o núcleo esportivo do PST voltado para
adolescentes está instalado. Duas tentativas presenciais foram feitas, além de ligações e
envio de e-mails em endereços disponibilizados oficialmente, entretanto sem respostas.
Resultados
Análise da formulação do PST
A partir da análise detalhada do Programa Segundo Tempo, estrutura-se a Figura
1, a seguir, que ilustra a macrocontingência que configura o problema, a contingência a
ser implementada para os jovens e as metacontingências de suporte necessárias para a
implementação do programa, de acordo com o arcabouço normativo.
97
Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
Figura 1
98
Vitória dos Santos Ferreira et al.
Macrocontingência
Os repetidos padrões comportamentais notados de sedentarismo e falta de
práticas esportivas acarretam prejuízos ao organismo e estão vinculadas fortemente à
incidência de diversos problemas de saúde, como doenças crônicas (Gualano &
Tinucci, 2011). O esporte, além de promover desenvolvimento cognitivo e social e
garantir melhor qualidade de vida, evita os problemas decorrentes do sedentarismo
(Junior, Silva, Ferreira, e Fonseca-Junior, 2017). De acordo com a Organização Mundial
de Saúde, 47% das pessoas em idade adulta no Brasil não praticam atividade física
(Guthold, Stevens, Riley & Bull, 2018). A promoção do esporte em larga escala, desde a
infância e adolescência, pode ajudar a mudar o atual cenário da saúde brasileira
(Gualano & Tinucci, 2011).
Contingência
Nos regulamentos do Programa Segundo Tempo estão os requisitos para ser
beneficiado pelo programa: 1) morar em áreas de vulnerabilidade social, 2) estar
regularmente matriculado na rede pública de ensino e 3) ter de 6 a 17 anos. No PST, o
jovem, após um processo seletivo realizado pela escola inscrita no programa, passa a ter
acesso às atividades esportivas oferecidas nos núcleos vinculados, que podem durar até
dois anos. As atividades são realizadas em contraturno escolar e com funcionamento de
três vezes por semana. Nas normas, o acompanhamento da frequência escolar não é
solicitado.
Entretanto, a contingência descrita pelo gestor é incompleta, uma vez que as
normativas não apontam com clareza quais são as consequências da participação no
programa. Nas diretrizes, menciona-se que apenas há o acesso a novos saberes,
conhecimentos e vivências, no entanto, não fica evidente como ocorre a manipulação
da consequência para instalar o comportamento do jovem de praticar esporte. Nesse
caso, é possível que o governo espere que consequências intrínsecas da prática
esportiva controlem a manutenção do comportamento. Consequências intrínsecas se
configuram como resultados automáticos ou naturais do responder, ou seja,
originam-se no próprio comportamento (Skinner, 1953).
99
Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
Metacontingências de suporte
Para implementar a oferta da prática esportiva, agentes governamentais atuam de
forma coordenada. É possível verificar contingências entrelaçadas e produtos agregados
em quatro fases do Programa compreendidas da legislação: seleção das instituições de
ensino, estruturação dos núcleos, oferta da prática esportiva e acompanhamento da
prática. Inicialmente, o Ministério da Cidadania atua na escolha das instituições de
ensino que estão vinculadas ao programa, a partir de um processo seletivo. Logo em
seguida, o recurso financeiro é repassado para estruturação do núcleo esportivo na
escola. As atividades compreendem: preparação para receber os jovens; seleção das
atividades que serão ofertadas, organização da prática esportiva, e integração dos
recursos humanos. Depois disso, é possível a oferta da prática esportiva. O convênio
entre a instituição e o governo dura dois anos, sob registro e fiscalização de todos os
dados pela Controladoria Geral da União. O apoio da população seleciona e mantém o
comportamento dos agentes governamentais.
Análise da implementação do PST
Como não foi possível conhecer a execução direta do PST em uma instituição de
ensino, mas apenas a execução do Profesp que é uma vertente do programa, tentou-se
apurar algumas diferenças que parecem relevantes para a discussão. Quatro pontos
principais foram identificados.
Um primeiro ponto a destacar é o local da prática esportiva. No caso do projeto
visitado, o núcleo é instituído em uma base do Profesp, que se caracteriza por clube ou
centro de lazer; enquanto que na legislação do PST está previsto o estabelecimento do
núcleo na escola beneficiada. Logo, há a necessidade do fornecimento de transporte da
escola até o núcleo e monitores para o acompanhamento; também não previsto nas
normativas do PST.
A relação entre o Ministério da Cidadania e as instituições de ensino é o segundo
ponto. Na legislação, o Ministério da Cidadania atuaria diretamente com as escolas,
desde a seleção até escolha das atividades ofertadas no núcleo que ali se constituiria e o
posterior controle. Na parceria com o Profesp, há a atuação de um agente intermediário
100
Vitória dos Santos Ferreira et al.
que fomenta todo o processo para o funcionamento do projeto. Nesse caso, o núcleo
que foi visitado é coordenado pela Asseb, por exemplo. O agente intermediário
contacta e escolhe as escolas e coloca o projeto em ação. O Ministério da Cidadania
não atua diretamente, então, na implementação do Programa.
Um terceiro ponto são as atividades ofertadas. A legislação do PST apresenta a
promoção do esportes, usando este como ferramenta para o crescimento da
comunidade beneficiada. O Profesp oferta desde esportes até reforço escolar e visitas a
navios, sendo assim abarca um maior número de atividades além das esportivas.
O último ponto relevante está relacionado à seleção das escolas e dos jovens que
serão beneficiados. Nas normativas do PST, há uma extensa descrição dos critérios para
que as escolas possam ser conveniadas ao programa como, por exemplo, apresentar
infraestrutura adequada para a promoção das atividades. De acordo com a legislação, o
Ministério da Cidadania atua diretamente na realização deste convênio. Entretanto,
durante a visita in loco, os coordenadores do projeto afirmaram que selecionam as
escolas partindo de condições determinadas por eles como, por exemplo, maior
proximidade geográfica da base. Em relação à seleção dos jovens que terão acesso às
atividades fornecidas, não foram encontradas diretrizes de como deve ser realizado o
processo seletivo. Na entrevista realizada, o coordenador afirmou que as próprias
escolas realizam esse processo, a partir de critérios que julgarem válidos; na maioria das
vezes se leva em consideração maiores condições de vulnerabilidade social. A
frequência escolar não é exigida nem acompanhada, uma vez que basta que o aluno
esteja matriculado.
Discussão
O presente estudo buscou descrever iniciativas governamentais vigentes voltadas
para a promoção do esporte para, assim, identificar potenciais relações condicionais
com intuito de aumentar a frequência escolar de jovens. Os resultados encontrados
com a análise das normativas do Programa Segundo Tempo mostraram que a
contingência descrita pelo gestor é incompleta. As normativas não apontam com
clareza quais são as consequências da participação no programa. Mesmo que exista a
101
Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
crença de que consequências intrínsecas da prática esportiva controlem a manutenção
do comportamento, sugere-se que se apresente, na legislação, a descrição completa da
contingência prevista para o jovem, uma vez que é possível que, em alguns casos,
consequências arbitrárias sejam necessárias para a instalação/manutenção do
comportamento de praticar esporte.
A partir do que se observou entre a legislação do PST e a implementação de uma
de suas vertentes, pode-se discutir certos pontos. A proposta do PST é a promoção das
atividades esportivas em regiões de alta vulnerabilidade, promovendo o acesso a quem
não comumente o possui. Uma vez que o núcleo é implementado na base do Profesp, o
projeto não consegue abarcar as regiões com essa característica, já que as regiões
participantes são as com mais proximidade e facilidade de locomoção. As bases
também não possuem infraestrutura suficiente para todos os alunos das escolas
selecionadas, limitando o número de jovens beneficiados. Se considerarmos que o
Profesp é a única forma de implementação do PST no Distrito Federal, é possível que
os objetivos originalmente previstos pelo PST sejam apenas parcialmente cumpridos,
uma vez que a seleção do público não parece seguir as diretrizes.
Sabe-se que jovens que residem em áreas de vulnerabilidade social tem menos
acesso a serviços públicos, de um modo geral. Vianna e Lovisolo (2011) apontam o
esporte como um eficaz instrumento para redução das diferenças de oportunidades
sociais. Nesse sentido, sugere-se que as práticas de seleção de jovens para o Profesp
sejam revisitadas para garantir a oferta para o público alvo do programa.
Quanto às atividades ofertadas pelo Profesp, foi verificado que extrapolam a
prática esportiva, com oferta de outras atividades, como reforço escolar, por exemplo.
Sugere-se que se avalie o efeito da obrigação da participação nessas atividades na
adesão dos jovens ao programa. Por exemplo, o jovem que já teve aula em um turno, se
interessaria por reforço escolar no outro?
Ainda que a frequência escolar não seja critério direto para a participação dos
jovens nas atividades fornecidas pela escola, o monitoramento da frequência pode ser
feito indiretamente, uma vez que as atividades são realizadas no contraturno escolar. O
jovem vai para a escola em um turno e lá permanece para as atividades do PST. No caso
do Profesp, o aluno pode se dirigir diretamente ao núcleo para as atividades ofertadas,
102
Vitória dos Santos Ferreira et al.
independentemente de ter ido à aula, dificultando qualquer monitoramento do
comportamento de ir à escola. De todo modo, em ambos os casos, não há previsão
expressa de monitoramento da frequência escolar. A inclusão da frequência escolar do
estudante como condição para o acesso à prática esportiva, pode ser fator contribuinte
para a diminuição dos níveis de evasão e abandono. Sugere-se, então, o controle da
frequência escolar como requisito para permanência no Programa Segundo Tempo.
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Programas esportivos governamentais como ferramenta para aumentar a frequência escolar de jovens
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104
7
Identificação de relações condicionais complementares
nos Programas de Capacitação Profissional como
estratégia para aumentar a frequência escolar de
adolescentes de famílias beneficiárias do Programa
Bolsa Família
Isabella Righi Bernardes
Vitória dos Santos Ferreira
Roberta Freitas Lemos
João Cláudio Todorov
Resumo
A preocupação com trabalho e renda são motivos
apontados para baixa frequência escolar de jovens.
Inter venções governamentais tentam implementar
contingências de reforçamento para manter o jovem na
escola. Um exemplo é o Programa Bolsa Família que torna
condicional a relação entre ir à escola e um benefício
financeiro. Outros programas têm potencial para contribuir
com essa questão. Este estudo buscou identificar relações
condicionais em um programa de Capacitação Profissional
que possam ajudar a aumentar a frequência escolar. O
método foi dividido em três etapas. A primeira consistiu em
(a) escolher um programa governamental para análise,
considerando-se os seguintes critérios: ser um programa de
Capacitação Profissional já implementado pelo governo, ser
destinado a jovens em idade escolar e exigir que o jovem
esteja regularmente matriculado em uma instituição de
ensino. A segunda etapa envolveu (b) identificar e
sistematizar os problemas sociais e a macrocontingência que
o governo pretende alterar com a implementação do
programa (c) identificar e sistematizar as contingências
previstas para os jovens em suas regulamentações e (d)
identificar as metacontingências de suporte dos atores
responsáveis pela sua implementação, por meio da análise do
arcabouço normativo do programa. A terceira etapa
105
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
envolveu: (e) conhecer a implementação do programa em âmbito nacional e local, por meio do
acesso ao Serviço de Informação ao Cidadão do Governo Federal e do Distrito Federal e da
realização de entrevistas e visitas in loco. O Mediotec foi escolhido por ser direcionado a jovens
que cursam o ensino médio, oferecendo a oportunidade de fazerem um curso técnico de forma
concomitante. Verificou-se que a matrícula e frequência escolar no ensino médio são condições
para ter acesso ao programa. No entanto, não foram encontradas as diretrizes para registro e
verificação dessa condição pelos atores governamentais responsáveis e na implementação
observou-se que o acompanhamento da frequência escolar não é realizado. O Mediotec pode ser
um mecanismo eficaz para controlar o comportamento de ir à escola. Para isso, algumas sugestões
são feitas para melhorar a fiscalização das condições de acesso ao programa.
Palavras-Chave: prática cultural, macrocontingência, metacontingências de apoio, capacitação
profissional, frequência escolar.
Abstract
The concern with work and income are reasons for low school attendance of young people.
Governmental interventions attempt to implement contingencies to keep the youth in school. An
example is the Bolsa Familia program that makes conditional the relationship between going to
school and a financial benefit. Other programs have the potential to contribute to this issue. This
study aimed to identify conditional relationships in a professional training program that can help
increase school attendance. The method was divided into three stages. The first consisted of (a)
choosing a governmental program for analysis, considering the following criteria: to be a professional
training program already implemented by the Government, to be aimed at school-age youths and to
demand that the young person be regularly enrolled in a teaching institution. The second stage
involved (b) identifying and systegulating the social problems and macrocontingency that the
government intends to change with the implementation of the program (c) to identify and systate the
contingencies foreseen for young people in their regulations and (d ) to identify the support
metacontingencies of the actors responsible for their implementation, through the analysis of the
normative framework of the program. The third stage involved: (e) to know the implementation of the
program at national and local level, through access to the information service to the citizen of the
Federal government and the Federal District and the realization of interviews and on-site visits.
Mediotec was chosen because it is directed to young people who attend high school, offering the
opportunity to take a technical course in a concomitant manner. It was found that enrollment and
school attendance in high school are conditions for access to the program. However, the guidelines for
registering and verifying this condition were not found by the responsible governmental actors and in
the implementation it was observed that the attendance of the school frequency is not performed.
Mediotec can be an effective mechanism to control the behaviour of going to school. For this, some
suggestions are made to improve the supervision of the conditions of access to the program.
106
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
Key words: Cultural practice, macrocontingency, support metacontingencies, professional training,
school attendance.
Skinner (1953; 1966) propõe que o comportamento humano pode ser estabelecido
e mantido por um arranjo eficaz de contingências. As relações condicionais existentes
entre eventos ambientais ou entre comportamento de um organismo e seu ambiente
são denominadas contingências (Todorov, 1991, 2007, 2012).
O governo, por meio do estabelecimento de contingências e pela liberação de
consequências reforçadoras ou punitivas, exerce o papel de agência de controle. Assim,
quando uma prática cultural deve ser instalada, cabe a ele manejar as contingências que
regulam a relação entre pessoas e ambiente (Skinner 1953/2003). Lemos (2018)
demonstrou como a Análise do Comportamento pode contribuir para modificar
práticas culturais já instaladas, para de promover o acesso de jovens que vivem em
situação de vulnerabilidade à educação e à aprendizagem profissional.
A baixa escolaridade é um exemplo de efeito social acumulado que ocorre devido
a repetição de padrões comportamentais (Lemos, 2018). Uma das estratégias do
governo para diminuir as taxas de baixa frequência e evasão escolar foi impor a
obrigatoriedade do comportamento de ir à escola por meio da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996 (Brasil, 1996). Contudo, os
indicadores sociais apontam que a contingência não prevalece em toda população,
principalmente de baixa renda e no período em que se atinge o ensino médio (Neri,
2009).
Assim, programas governamentais, como é o caso do Programa Bolsa Família,
podem ser utilizados como estratégias para amenizar esse efeito social. No âmbito da
educação, o programa tornou condicional a relação entre o comportamento de ir à
escola pelos jovens, cujas famílias são beneficiárias, e o recebimento de um benefício
adicional – Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ). Dessa forma, é
concedido às famílias um auxílio financeiro se os adolescentes cumprirem a
condicionalidade que prevê a frequência escolar mínima de 75%, conforme o inciso III
do artigo 2O da Lei nO 10.836, de 2004 (Brasil, 2004a).
107
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
Para implementar as contingências previstas no programa, é imprescindível a
articulação de agentes governamentais de diferentes áreas e níveis federativos, o que
ocorre na forma do entrelaçamento de seus comportamentos que produzem diferentes
efeitos (Lemos, 2018). A relação entre o conjunto de contingências comportamentais
entrelaçadas e seu efeito causado no ambiente selecionador é definida por Glenn et al.
(2016) como metacontingência. No Programa Bolsa Família, as metacontingências de
suporte garantem a aplicação das consequências de forma contingente ao
comportamento dos membros das famílias (Lemos, 2018).
No contexto de jovens cujas famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família,
receber o benefício adicional não é sempre suficiente para manter o comportamento de
frequentar a escola. No último período registrado pelo Relatório de Informações
Sociais do Bolsa Família e Cadastro Único, aproximadamente 7% (126.350) dos jovens
de 16 e 17 anos descumpriram a condicionalidade relacionada à frequência escolar
(Brasil, 2019). Os estudos de Lemos (2018) sugerem que em alguns casos há
comportamentos concorrentes mais efetivamente controlados pelas suas consequências
do que o comportamento de ir à escola.
Dessa forma, buscar outras contingências que possam ser reforçadoras para a
manutenção de jovens no ambiente escolar é uma estratégia necessária para contribuir
com a alteração da baixa frequência e da alta evasão de jovens. Segundo estatísticas da
Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2017), caso
seja mantido o comportamento de ir à escola, aumenta-se a probabilidade do trabalho
ter consequências de maior magnitude no futuro uma vez que após concluir a trajetória
escolar é possível alcançar melhores oportunidades de trabalho e renda. Nesse sentido,
programas de Capacitação Profissional que visam promover uma formação técnica
para jovens ainda no período escolar, facilitando sua entrada futura no mercado de
trabalho, podem ser explorados. A participação de jovens em programas de
Capacitação Profissional pode ser uma estratégia eficaz para aumentar a frequência
escolar, facilitar a entrada no mercado de trabalho e contribuir para renda familiar.
Em vista disso, os objetivos do presente estudo são: (1) identificar relações
condicionais potenciais em um Programa de Capacitação Profissional que possa
contribuir para aumentar a frequência escolar de jovens, (2) verificar os
108
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
entrelaçamentos comportamentais necessários dos atores responsáveis para a sua
implementação e (3) sugerir possíveis alterações que possam ser aplicadas em âmbito
local.
Método
Amostra
Arcabouço normativo e outros documentos oficiais do Mediotec:
a) Lei nº 9.394, de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da educação nacional
(Brasil, 1996);
b) Lei nº 12.513, de 2011. Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec) (Brasil, 2011b);
c) Lei nº 12.816, de 2013. Altera a Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011, para
ampliar o rol de beneficiários e ofertantes da Bolsa-Formação Estudante, no
âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego Pronatec (Brasil, 2013);
d) Portaria nº 817, de 2015. Dispõe sobre a oferta da Bolsa-Formação no âmbito
do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec, de
que trata a Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011, e dá outras providências
(Brasil, 2015);
e) Decreto nº 5.154, de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da
educação nacional, e dá outras providências (Brasil, 2004b);
f) Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível
Médio (Brasil, 2017b);
g) Guia Mediotec (Brasil, 2017b);
h) Manual do Bolsa Formação (Brasil, 2017c);
i) Documento de Referência de Execução Mediotec (Brasil, 2017a);
109
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
j) Respostas oficiais dos Governo Federal e do Governo do Distrito Federal a
pedidos de informação com base na Lei 12.527, de 2011, que assegura o direito
de acesso à informação; e
k) Informações fornecidas por agentes públicos operadores do programa no
Distrito Federal.
Fonte de dados
Sítios eletrônicos oficiais do Governo Federal, informações obtidas pelo Sistema
de Informação ao Cidadão do Governo Federal e do Governo do Distrito Federal e
relatos de profissionais do programa Mediotec durante visitas in loco.
Procedimento
1) Escolha de um programa para análise
a) escolha do programa, em sítios eletrônicos do Governo Federal, enquadrado
nos seguintes critérios: ser um programas de Capacitação Profissional já
implementado; ser destinado a jovens em idade escolar; exigir que o jovem esteja
regularmente matriculado em uma instituição de ensino.
2) Identificação e sistematização
a) dos problemas sociais e da macrocontingência que o governo deseja alterar;
b) das contingências previstas para os jovens nas regulamentações do programa,
por meio da replicação sistemática do procedimento analítico-comportamental
desenvolvido por Todorov, Moreira, Prudêncio e Pereira (2005);
c) do produto agregado principal que o governo espera alcançar com a
implementação do programa;
d) e dos comportamentos entrelaçados dos atores responsáveis pela sua
implementação, por meio do procedimento desenvolvido por Carvalho e Todorov
(2016).
110
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
3) Pedidos de informação
a) questionamentos ao Serviço de Informação ao Cidadão do Governo Federal
para sanar dúvidas sobre a implementação do programa em âmbito nacional;
b) questionamentos ao Serviço de Informação ao Cidadão do Governo do Distrito
Federal para sanar dúvidas sobre a implementação do programa em âmbito
distrital;
4) Entrevistas e visitas in loco
a) entrevista semiestruturada com profissional do Ministério da Educação
experiente no programa para conhecer a sua operacionalização;
b) visita em escola de ensino médio na qual é ofertado curso técnico de Artes
Circenses do Mediotec e entrevista com a coordenadora do programa na escola;
c) visita em escola técnica na qual são ofertados os cursos técnicos de
Enfermagem, Moda e Informática do Mediotec e entrevista com a coordenadora
do programa na escola.
Resultados
Análise da formulação do Programa Mediotec
Após o levantamento de quatro programas de capacitação profissional,
escolheu-se o Mediotec para análise detalhada seguindo os critérios pré-estabelecidos.
O programa Mediotec é direcionado a jovens que cursam o ensino médio e oferece a
oportunidade desses fazerem um curso técnico de forma concomitante, sendo a
matrícula e a frequência escolar condições para se ter acesso ao programa (Brasil,
2017a). A Figura 1 ilustra a macrocontingência que configura o problema, a
contingência a ser implementada para os jovens e as metacontingências de suporte
necessárias para que as etapas do Mediotec sejam cumpridas, o que garante que os
estudantes tenham acesso ao programa e sejam devidamente acompanhados.
111
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
Figura 1
Macrocontingência
O Ministério da Educação (MEC) relata dificuldades em encontrar profissionais
com alta capacitação técnica no mercado de trabalho. Como efeito social acumulado da
repetição de padrões comportamentais, sugere-se baixos índices de capacitação técnica
de jovens, em situação de vulnerabilidade social, após a conclusão do ensino médio
(Brasil, 2017a). Na tentativa de alterar tais padrões comportamentais e aumentar os
níveis de capacitação profissional desses jovens, o Governo Federal instituiu o
Programa Mediotec, possibilitando que esse público esteja apto a se inserir no mercado
de trabalho e renda, logo após concluir o ensino médio.
112
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
Contingência
Para participar do programa, o jovem deve estar matriculado e frequentar o
ensino médio na rede pública. A frequência no ensino médio e a realização do curso
técnico no contraturno do período escolar possibilitam ao jovem receber a certificação
do curso técnico e o diploma do ensino médio. A realização de cursos técnicos
compatíveis com a demanda do seu município, possibilita ao jovem o ingresso no
mercado de trabalho mais rapidamente (Brasil, 2017a).
A frequência do jovem no curso técnico e sua confirmação no Sistema Nacional
de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec) possibilita o
recebimento de um benefício financeiro, denominado Bolsa Formação Estudante, para
auxílio em alimentação e transporte, disponibilizado mensalmente de acordo com o
número de dias e horas que o jovem esteve presente no curso (Brasil, 2017a).
Além disso, existem ainda regulamentações em âmbito local que adicionam
regras ao programa, como é o caso do Governo do Distrito Federal. A Portaria
Sedec/DF n° 127 (GDF, 2017) estabelece que jovens que obtiverem pontuação a partir
de 9,5 na média semestral, em todas as disciplinas, recebem um benefício financeiro
adicional no valor de R$ 500,00 ao final do semestre.
Metacontingências de suporte
A implementação e manutenção do programa exigem o entrelaçamento dos
comportamentos de atores governamentais que produzem, de forma encadeada, uma
série de produtos agregados. Conforme descrito na Figura 1, as ações dos agentes
governamentais foram divididas em quatro etapas principais: construção da oferta de
vagas, oferta de vagas, acompanhamento dos estudantes e acompanhamento dos
egressos por 12 meses. O produto agregado final previsto para o programa é a oferta de
cursos técnicos compatíveis com a demanda de cada município para jovens em
situação de vulnerabilidade social, que cursam ensino médio na rede pública de ensino.
O apoio da população é a consequência cultural que deveria selecionar o
comportamentos dos agentes governamentais e seus produtos agregados.
113
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
Análise da implementação do Programa Mediotec
As entrevistas e as visitas in loco apontaram que há diferenças entre o que está
previsto na legislação do Programa Mediotec e o que é implementado. Cinco pontos
principais foram observados e estão detalhados a seguir:
1) Acompanhamento pedagógico. Apesar das regulamentações preverem que os
jovens participantes do programa Mediotec sejam frequentemente acompanhados por
uma equipe pedagógica (Brasil, 2017c), observou-se que a assistência estudantil ocorre
de forma pontual e não preventiva. Segundo relatos das coordenadoras do programa,
em ambas as entrevistas e unidades ofertantes visitadas, elas procuram os jovens,
geralmente, após ter ocorrido a evasão do curso técnico pelos estudantes;
2) Bolsa Formação. Em relação ao benefício financeiro recebido pelos
participantes do Mediotec, como auxílio para alimentação e transporte, ambas as
coordenadoras entrevistadas relataram que não há qualquer acompanhamento que
permita a identificação da finalidade com que o jovem utilizou o auxílio, diferente do
que é previsto no Decreto Federal nº 7.507/2011 (Brasil, 2011a). Ademais, foi apontado
que os estudantes, além do Bolsa Formação, recebem o passe estudantil para atender as
necessidades de transporte.
3) Frequência no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e
Tecnológica (Sistec). As normativas do Mediotec preveem que os estudantes
confirmem sua frequência no Sistec mensalmente. Contudo, as coordenadoras
ressaltaram que a maioria dos estudantes das escolas visitadas não seguem a
regulamentação prevista e, diante disso, a confirmação é feita pela coordenação do
programa na unidade ofertante.
4) Frequência escolar no Ensino Médio. As diretrizes do programa exigem que os
jovens estejam inseridos, regularmente, no ensino médio. Todavia, tanto as
coordenadoras entrevistadas quanto o Governo Federal e o Governo do Distrito
Federal em resposta ao Serviço de Informação ao Cidadão, informaram que a
frequência do ensino médio não é condição para permanência dos jovens no Mediotec,
apenas a matrícula no ensino médio e a frequência a do curso técnico. Contudo, vale
ressaltar que o recebimento do certificado de conclusão do curso técnico é
114
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
condicionado à obtenção do diploma de ensino médio. Dessa forma, se o aluno
reprovar o ano letivo do ensino médio e concluir o curso técnico ele deverá,
primeiramente, concluir o ensino médio para depois poder retirar seu diploma do
curso técnico.
5) Acompanhamento e absorção dos estudantes e egressos. A legislação do
programa descreve a realização de parcerias para absorção dos estudantes e egressos
durante e após o período do curso, por meio de estágios, contratos de aprendizagem.
No entanto, não foram verificadas diretrizes que apresentem com clareza como esse
processo é realizado. Os questionamentos realizados aos Serviços de Informação ao
Cidadão do Governo do Distrito Federal e do Governo Federal sobre dados da
absorção dos egressos não foram disponibilizados, os serviços alegaram que os “dados
ainda estão em construção”. Nas visitas in loco as coordenadoras não souberam
informar como e com que frequência ocorre a entrada dos egressos no mercado de
trabalho e, a respeito dos estágios, informaram que em alguns cursos nos quais é
exigido um conhecimento prático, os estágios equivalem à parte prática do curso.
Discussão
O Mediotec pode ser um mecanismo eficaz para controlar o comportamento dos
jovens de ir à escola, contribuindo para o aumento da frequência escolar. Todavia,
algumas sugestões podem ser feitas para melhorar a implementação e fiscalização das
condições de acesso e permanência no programa.
As normativas descrevem detalhadamente as contingências para a frequência no
curso técnico. Em relação ao ensino médio, verificou-se que a matrícula e frequência
escolar dos estudantes são condições necessárias para se ter acesso ao programa. No
entanto, as diretrizes para registro e verificação dessa condição pelos atores
governamentais responsáveis durante a realização do curso técnico não foram
encontradas.
As visitas in loco permitiram confirmar que o acompanhamento da frequência
escolar dos jovens participantes do programa não é realizado, apenas a frequência do
curso técnico. Para que o Mediotec seja uma estratégia eficaz para aumentar a
115
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
frequência escolar, sugere-se que a legislação requeira a verificação e o registro
sistemático do comportamento de ir à escola de acordo com a frequência mínima de
75% prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, deve descrever as
consequências em caso de descumprimento.
O ingresso no mercado de trabalho durante a realização do curso pode funcionar
como um reforçador imediato para a permanência do jovem no curso técnico. No
entanto, pode gerar sobrecarga ao jovem que já estuda em dois períodos do dia
prejudicando, possivelmente, a frequência no ensino médio. Sugere-se que o governo
descreva melhor a viabilidade dessa proposta. Já o ingresso no mercado de trabalho
após o período do curso apresenta-se como uma possível consequência atrasada para
permanência dele no curso técnico. Sugere-se que o governo crie estratégias para
aumentar essa probabilidade e garantir que os jovens recém formados sejam absorvidos
no mercado de trabalho. Uma possibilidade é que o próprio governo desenvolva
programas que absorvam os jovens egressos para uma primeira experiência de
trabalho. Dados agregados sobre o ingresso no mercado de trabalho de jovens que
participaram do Mediotec pode ser divulgados para incentivar a participação e
permanência no programa.
Em relação ao benefício financeiro recebido pelos jovens, Bolsa Formação
Estudante, nota-se que essa é uma consequência contingente à frequência do aluno, que
visa garantir a exposição do aluno às contingências presentes no curso. No entanto, não
garante que o repertório comportamental relacionado às habilidades técnicas e à
aprendizagem seja instalado. Assim, é importante que o governo invista em estabelecer
contingências que possam ser efetivas não só para a permanência do jovem mas
também para sua evolução e aproveitamento no curso técnico. Como a entrada no
mercado de trabalho é uma consequência atrasada, é fundamental que os jovens
conheçam suas vantagens e sejam estimulados a alcançá-la.
Portanto, nota-se que há potencialidades no programa Mediotec que podem ser
exploradas para que ele, além de alterar a macrocontingência configurada por baixos
índices de de capacitação técnica de jovens em situação de vulnerabilidade social,
contribua para alterar também os altos índices de baixa frequência e evasão escolar de
jovens no ensino médio. Para isso é necessário o redirecionamento das
116
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
regulamentações e dos entrelaçamentos comportamentais dos atores responsáveis para
que alcancem também essa finalidade.
Referências
Brasil (1996). Lei n° 9.394. (1996, 20 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação nacional.
Brasil (2004a). Lei n° 10.836. (2004, 09 de janeiro). Cria o Programa Bolsa Família e dá
outras providências.
Brasil (2004b). Decreto n° 5.154 (2004, 23 de julho). Regulamenta o § 2º do art. 36 e os
arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.
Brasil (2011a). Decreto n° 7.507 (2011, 27 de junho). Dispõe sobre a movimentação de
recursos federais transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, em
decorrência das leis citadas.
Brasil (2011b). Lei n° 12.513 (2011, 26 de outubro). Institui o Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); altera a Lei nº 11.129, de 30 de
junho de 2005, que institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem);
e dá outras providências.
Brasil (2011c). Lei 12.527 (2011, 18 de novembro). Regula o acesso a informações
previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art.
216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990;
revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de
janeiro de 1991; e dá outras providências.
Brasil (2012). Ministério da Educação. Resolução n° 6 (2012, 20 de setembro). Define
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio.
117
Isabella Righi Bernardes, Vitória dos Santos Ferreira, Roberta Freitas Lemos e João Claudio Todorov
Brasil (2013). Lei n° 12.816 (2013, 05 de junho). Altera as Leis nºs 12.513, de 26 de
outubro de 2011, para ampliar o rol de beneficiários e ofertantes da
Bolsa-Formação Estudante, no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego - Pronatec; e dá outras providências.
Brasil (2015). Portaria n° 817 (2015, 13 de agosto). Dispõe sobre a oferta da
Bolsa-Formação no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego - Pronatec, de que trata a Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011, e dá
outras providências.
Brasil (2017a). Ministério da Educação (MEC). Documento de Referência de Execução
MedioTec.
Brasil (2017b). Ministério da Educação (MEC). Guia MedioTec.
Brasil (2017c). Ministério da Educação (MEC). Manual de Gestão do Bolsa Formação.
Brasil (2019). Ministério da Cidadania (MC). Relatório de Informações Sociais do Bolsa
Família e Cadastro Único.
Carvalho, I. C. V., & Todorov, J. C. (2016). Metacontingências e produtos agregados na
lei de diretrizes e bases da educação: primeiro o objetivo, depois como chegar lá.
Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 12(2).
Glenn, S. S., Malott, M. E., Andery, M. A. P. A., Benvenuti, M., Houmanfar, R. A.,
Sandaker, I., Todorov, J. C., Tourinho, E. Z., & Vasconcelos, L. A. (2016). Toward
consistent terminology in a behaviorist approach to cultural analysis. Behavior and
Social Issues, 25, 11-27.
Governo do Distrito Federal - GDF (2012). Resolução n° 6 (2012, 20 de setembro).
Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de
Nível Médio.
Governo do Distrito Federal - GDF (2015). Portaria n° 817 (13 de agosto de 2015).
Dispõe sobre a oferta da Bolsa-Formação no âmbito do Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec, de que trata a Lei nº 12.513, de 26
de outubro de 2011, e dá outras providências.
118
Relações condicionais complementares em PCP como estratégia para aumentar a frequência escolar
Governo do Distrito Federal - GDF (2017). Portaria n° 127 (30 de março de 2017).
Regulamenta, no âmbito da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal SEE/DF, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec.
Lemos, R. F. (2018). A atuação do Analista do Comportamento em Políticas Públicas:
ação intersetorial em âmbito local para aumentar a frequência escolar de adolescentes
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Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade (pp. 45-54). Santo André,
SP: Esetec.
119
8
Contingências e metacontingências no processo
legislativo da lei sobre a remição da pena pelo estudo
Artigo baseado na
dissertação de mestrado
de Mariza Cabral,
Programa de
Pós-graduação em
Ciências do
Comportamento do
Instituto de Psicologia,
Universidade de Brasília.
Os autores agradecem
Marcelo Benvenuti,
Christian Vichi e
pareceristas da RBAC.
Publicado originalmente
na Revista Brasileira de
Análise do
Comportamento/Brazilian
Journal of Behavior
Analysis, 2015, Vol. 11, nº
2, 195-202, e aqui
republicado por João
Claudio Todorov, com
autorização da revista.
120
Mariza Domiciano Carneiro Cabral
João Claudio Todorov
Resumo
O artigo resultou de uma análise das contingências e
metacontingências envolvidas no processo legislativo da Lei
12.433/2011, que dispõe sobre a remição de parte do tempo
de execução da pena por estudo. Primeiramente foram
identificadas, nos dispositivos da lei e das principais
proposições que a antecedem, as contingências de três termos
e os atores participantes. Em seguida foram identificadas as
metacontingências envolvidas no processo de elaboração da
lei, seus entrelaçamentos e produtos agregados. As
metacontingências foram classificadas, de acordo com o papel
que desempenhavam dentro do processo legislativo, em:
Geral, Original e Processual. A Metacontingência Geral
envolve todo o processo, que foi entendido como um sistema
composto de subsistemas (comissões e Plenário da Câmara
dos Deputados e Senado Federal), onde ocorrem as
Metacontingências Processuais. Já as Metacontingências
Originais envolvem o processo de elaboração dos projetos de
lei, os seus entrelaçamentos são desconhecidos, só se tendo
acesso ao produto agregado. Com a análise verificou-se que
parte das contingências comportamentais entrelaçadas, tais
como acordos e lobbys, não se tornam públicas, ocorrendo
nos bastidores do Legislativo. Foi identificado o
encadeamento e a fusão de metacontingências. As
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
proposições previam contingências que contribuem para o aumento na frequência do
comportamento de estudar e contingências que diminuem a frequência deste comportamento. O
trabalho mostra a utilidade do conceito de metacontingência para a realização de análises
complexas, e como a participação de analistas do comportamento no processo de elaboração de
leis pode contribuir para um melhor planejamento cultural e controle social da lei.
Palavras-chave: contingência, metacontingência, controle social, processo legislativo, remição.
Abstract
This work is a result of an analysis of contingencies and metacontingencies involved in the
process of approval of Brazilian Law No. 12,433/2011, which provides for the reduction of part of
detention period (remission) conditioned on time dedicated to studying in prison. Metacontingencies
involved in legislative process of such law, its interlocking contingencies and its aggregate products
were identified. The metacontingencies were classified in accordance to the role they played in the
legislative process, as follows: General, Original and Procedural. The General Metacontingency covers
the entire process, which was understood as a system composed by subsystems (commissions and the
plenary of both, House of Representatives and Senate), in charge of Procedural Metacontingencies.
Original Metacontingencies involve the drafting process of the bills, their interlocking contingencies
are unknown and only the aggregate products were accessible. With the analysis, it was found that
part of the interlocking behavioral contingencies, such as agreements and lobbies, do not become
public, occurring on backstage of the legislative entities. It was also identified the chaining and
merging of metacontingencies. The propositions exposed contingencies that contributed to increase the
frequency of study behavior and others that reduced the frequency of such behavior. At the end, it was
demonstrated not only the utility of the concept of metacontingency to perform complex analysis but
also how the participation of behavior analysts in the law-making process can contribute to a better
cultural planning and social control of the law.
Key words: contingency, metacontingency, social control, legislative process, remission.
121
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
Todos os anos, dezenas de leis são incorporadas ao ordenamento jurídico
brasileiro. No ano de 2015, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, foram publicadas 163 leis
ordinárias, cinco leis complementares e seis emendas à Constituição. A produção
legislativa é um fenômeno que interessa às ciências sociais, aí se incluindo a Análise do
Comportamento, pois reflete no controle social.
Mecanismos de controle social, tais como as leis, fazem uso de técnicas de reforçar
e de punir, em busca da manutenção ou promoção da ordem social. Black (1976) define
o controle social como o aspecto normativo da vida em sociedade, aquilo que define o
que é certo e o que errado, o que é permitido e o que é proibido. Assim como Skinner
(1953/2007), o autor explica que esse controle pode ser exercido de diversas maneiras
pela família, religião, lei etc.
A lei é composta por dispositivos (artigos, incisos, alíneas e parágrafos) que
descrevem contingências comportamentais. Porém, segundo Todorov (1987), no
ambiente social, onde há comportamento de pessoas interagindo umas com as outras, a
contingência tríplice serve somente como ponto de partida, fazendo-se necessário uma
ferramenta distinta para análise da complexidade envolvida no comportamento social.
Para tanto, tem-se o conceito de metacontingência, que foi proposto por Glenn em
1986 e sofreu diversos aprimoramentos posteriores (Glenn, 1988, 1991, 2004; Glenn &
Malott, 2004; Houmanfar & Rodrigues, 2006; Malott & Glenn, 2006).
Os conceitos de contingência e metacontingência têm sido utilizados como
ferramenta na análise de leis e códigos de lei (Almeida-Verdu, Cabral, Carrara &
Bolsoni-Silva, 2009; Araújo, Melo & Haydu, 2015; Carvalho, 2013; Forero, García, Silva,
& López-López, 2012; Lourencetti, 2015; Martins, 2009; Pereira, 2006; Prudêncio, 2006;
Todorov, 2005; Todorov, 1987; Todorov, Moreira, Prudêncio & Pereira, 2004).
A lei, assim como o próprio sistema judiciário, é produto do comportamento.
Sendo assim, ela está em constante transformação, leis novas revogam leis anteriores. E
a elaboração destas novas leis se dá por meio do processo legislativo.
Segundo Sampaio (1996), há dois sentidos para o termo “processo legislativo”, um
jurídico e outro sociológico. Em sentido jurídico, o processo legislativo é sociológico.
Em sentido jurídico, o processo legislativo é regulamentar a criação das normas. Já o
122
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
sentido sociológico abrange os fatores que controlam o comportamento dos
legisladores no exercício da função legislativa, como acordos partidários, opinião
pública, crises sociais, pressão de grupos organizados, lobbying, troca de votos entre os
parlamentares, dentre outros.
Normalmente o processo legislativo se inicia quando um parlamentar dá entrada
em uma proposição (projeto de lei, proposta de emenda à Constituição etc.). No
Congresso Nacional, os projetos de lei (PL) devem tramitar pelas duas casas: Câmara
dos Deputados e Senado Federal. Nelas a matéria é discutida, modificada e votada.
Quando apresentado, o PL é despachado às comissões, que têm competência para
examiná-lo. Em cada comissão é designado um relator que emite parecer pela
aprovação ou rejeição do projeto, o qual é votado pelos membros da comissão. Parte
dos projetos de lei não vai à votação no Plenário, sendo remetido, após ser aprovado na
última comissão, à outra casa legislativa, que funciona como casa revisora. Após
tramitar na casa revisora, se sofrer alguma modificação o projeto retorna à casa
iniciadora, onde as alterações feitas pela casa revisora podem ou não ser acatadas. Por
fim, o PL é encaminhado à Presidência da República para ser sancionado, no todo ou
em parte, podendo ainda ser vetado integralmente (Bernardi, 2009; Cavalcante 2012;
Pacheco, 2013).
Resumidamente, esse é o trâmite legislativo percorrido por um projeto de lei até se
tornar efetivamente uma lei. Porém, apesar de toda a complexidade do processo
legislativo na democracia atual, o poder é objeto de uma disputa institucionalizada. As
discussões entre diferentes partidos podem conduzir a leis que representam interesses
restritos a alguns grupos em detrimento do interesse social (Ferreira, 2012).
Interesses partidários e lobbies podem controlar o comportamento do legislador. O
processo legislativo foi concebido para que o Estado declarasse um direito, mas acaba
por fazer com que o Estado crie um direito atendendo a interesses particulares.
Quando isso ocorre, a lei perde a sua função, podendo se tornar, inclusive, um
instrumento de opressão (Ferreira, 2012; Rizek, 2009; Skinner, 1987).
Diante dessa problemática bastante atual, em 2014 foi realizado o presente estudo,
que consistiu na análise do processo de elaboração de uma lei. Todos os outros
trabalhos realizados no estudo de contingências e metacontingências de leis foram
123
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
análises de normas já sancionadas. Diferentemente, esta pesquisa teve como foco o
processo de elaboração da Lei 12.433/2011, que alterou a Lei de Execução Penal.
Sancionada em 1984, a Lei de Execução Penal trouxe inúmeros avanços para a
legislação penal ao prever regras que tornavam viáveis a reeducação e a reintegração do
condenado à sociedade. Ela foi elaborada para “proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado” (Art. 1º).
Foi a Lei de Execução Penal que acabou definitivamente com a noção de que
prisão é instrumento de violência e ociosidade. Seus 204 artigos preveem os direitos e
deveres do preso. Há a garantia de direitos fundamentais e a obrigatoriedade de o
Estado prestar assistência material, social e jurídica ao preso.
Ao longo de seus 32 anos, a Lei de Execução Penal passou por diversas mudanças,
tendo sido alterada por 18 leis. A Lei 12.433/2011 é uma delas: dispõe sobre a remição
de parte do tempo de execução da pena por estudo.
A questão da remição da pena pelo estudo ainda não estava pacificada na
jurisprudência, por isso carecia de previsão legal para ser genericamente aplicada.
Nesse sentido, o senador Cristovam Buarque deu entrada no projeto de lei no Senado,
que culminou com a sanção da Lei 12.433/2011.
Método
Material analisado
Foi analisado o texto da Lei 12.433, de 29 de junho de 2011, que altera a Lei de
Execução Penal, e os projetos de lei que antecederam sua sanção, que são: PLS
265/2006, PLS 164/2007, PLS 230/2008 e PL 7.824/2010. Também foram apreciados os
pareceres, emendas e substitutivos apresentados ao longo da tramitação no Congresso
Nacional, bem como o histórico de tramitação legislativa.
Procedimento
Os dados foram obtidos seguindo-se a ordem de tramitação dos projetos. Por ser o
projeto originário um Projeto de Lei do Senado, o PLS 265/2006, as primeiras
124
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
proposições analisadas foram produzidas no Senado Federal, a casa iniciadora. Em
seguida, foram analisadas as proposições produzidas na Câmara dos Deputados, a casa
revisora. Por fim, foram analisadas as proposições elaboradas quando do retorno do
processo ao Senado Federal e o próprio texto da lei sancionado pela Presidência da
República.
O procedimento dividiu-se em duas fases: 1) análise das contingências; e 2) análise
das metacontingências. No levantamento das contingências, foram analisados os
documentos que apresentavam dispositivos de lei: projetos de lei, substitutivos e a
própria lei sancionada. Seguiu-se a seguinte ordem: 1) PLS 265/2006; 2) PLS 164/2007;
3) PLS 230/2008; 4) substitutivo aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte
do Senado Federal ao PLS 265/2006 e apensados; 5) substitutivo aprovado na Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal ao PLS 265/2006 e apensados;
6) emenda substitutiva global da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado da Câmara dos Deputados ao PL 7.824/2010 e apensados; 7) substitutivo
da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados ao PL
7.824/2010 e apensados; 8) texto final da Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania do Senado Federal; e, 9) Lei 12.433, de 29 de junho de 2011.
Na análise das contingências, foi utilizada a metodologia elaborada por Todorov et
al. (2004) com as seguintes adaptações: a) inicialmente foram identificados os trechos
dos dispositivos que poderiam ser classificados como comportamento operante e, em
seguida, foram identificados os trechos que constituíam os antecedentes e os
consequentes de cada comportamento, agrupando-os de maneira a formarem análises
contingenciais; b) nem todos os artigos foram classificados, apenas alguns dispositivos
foram considerados como antecedente, comportamento ou consequência. Após a
classificação dos dispositivos que compõem as contingências, foram identificados os
atores participantes de cada contingência encontrada.
Na segunda fase foi realizada a análise das metacontingências envolvidas no
processo legislativo. Primeiramente foi analisado o parecer com emenda apresentado
na Comissão de Educação do Senado Federal ao PLS 265/2006 (relatoria do senador
Wilson Matos). Em seguida, foram analisados os três pareceres com substitutivos
apresentados na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal ao PLS
125
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
265/2006 e apensados: o primeiro de relatoria do senador Expedito Júnior e os dois
últimos de relatoria do senador Roberto Cavalcanti. Também foi analisada a emenda
do senador Flávio Arns e o expediente do senador Osmar Dias, com correspondência
da Juíza da Vara de Execuções Penais de Guarapuava – PR. Ainda referente ao Senado
Federal, foi analisado o parecer com substitutivo apresentado na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania ao PLS 265/2006 e apensados, cujo relator foi o
senador Antônio Carlos Valadares.
Na sequência, referente à tramitação na Câmara dos Deputados, foram analisadas
as três emendas de Plenário ao PL 7.824/2010 e apensados, bem como o parecer com
subemenda substitutiva global da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado. Posteriormente, o parecer com substitutivo ao PL 7.824/2010 e apensados,
da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.
Por fim, com o retorno do projeto ao Senado Federal, foram analisados os dois
pareceres com textos finais da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do
Senado Federal, ambos de relatoria do senador Antônio Carlos Valadares.
As metacontingências foram observadas por meio da produção legislativa.
Relatórios, análises e votos dos pareceres dados nas comissões, bem como emendas e
substitutivos apresentados foram considerados. Nessa segunda fase, foram identificadas
as contingências comportamentais entrelaçadas e os produtos agregados envolvidos em
cada etapa do processo legislativo.
As metacontingências encontradas foram, ainda, classificadas de acordo com o
papel que desempenhavam dentro do processo legislativo: a) Metacontingência Geral,
aquela que abrange todo o processo legislativo, desde a apresentação do projeto de lei à
sanção presidencial, cujo produto agregado é a lei sancionada; b) Metacontingência
Original, aquela que abrange o processo de elaboração do projeto de lei, cujo produto
agregado é o próprio projeto de lei; e, c) Metacontingência Processual, aquela que
abrange uma etapa do processo legislativo, cujo produto agregado pode ser um
substitutivo, uma emenda ou o texto final de um projeto de lei.
126
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
Resultados e discussão
A Figura 1 descreve resumidamente os principais pontos da tramitação legislativa,
partindo da iniciativa – que seu deu em outubro de 2006 – com o PLS 265/2006 e chegando
à sanção presidencial, em 29 de junho de 2011, quando o projeto foi convertido em lei.
Figura 1
Fluxograma da tramitação legislativa do PLS 265/2006 em 16 ocorrências em
diferentes setores do Senado Federal, Câmara dos Deputados e Presidência da
República. Identificação dos locais onde ocorreram os principais entrelaçamentos
das Metacontingências Processuais (M2, M5, M6, M7, M8, M10, M11, M12, M13 e
M14) e Produtos Agregados (PA1, PA2, PA3, PA4, PA5, PA6, PA7, PA8, PA9, PA10,
PA11, PA12, PA13 e PA14) encontrados.
127
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
Ao longo do processo legislativo foram encontradas 15 metacontingências, sendo
uma Metacontingência Geral (MG), que abrangeu todo o processo legislativo, quatro
Metacontingências Originais (M1, M3, M4 e M9) e dez Metacontingências Processuais
(M2, M5, M6, M7, M8, M10, M11, M12, M13 e M14).
Foi verificada a ocorrência de metacontingências dentro de metacontingências. As
Metacontingências Processuais estavam encadeadas, uma servindo de ocasião para
outra, e formavam subsistemas da Metacontingência Geral, ilustrando bem a
linearidade da tramitação legislativa, na qual o projeto percorre uma comissão por vez,
etapa por etapa. A observância dessa relação corrobora a teoria de Glenn e Malott
(2004) de que metacontingências em organizações ocorrem em sistemas, estando
também em consonância com Aguiar (2013), quando afirma que o sistema judiciário é
um sistema cultural composto de subsistemas. Neste caso, o sistema legislativo é
também um sistema cultural composto de subsistemas.
Não se teve acesso aos entrelaçamentos de todas as metacontingências
encontradas. Ficaram desconhecidos os entrelaçamentos envolvidos nas
Metacontingências Originais, uma vez que o processo legislativo se inicia com a
apresentação do projeto de lei já elaborado (PA1, PA3, PA4 e PA9), não sendo possível
definir o que motivou o comportamento do legislador de elaborar o projeto. Também
não se teve acesso a todos os entrelaçamentos produzidos nas Metacontingências
Processuais, que explicam as mudanças ocorridas ao longo da tramitação do projeto.
Apesar de se ter acesso aos pareceres e substitutivos elaborados nas comissões, nem
todos os entrelaçamentos se tornaram públicos.
A produção de um parecer ou de um substitutivo não é resultado de uma
contingência comportamental individual. O processo legislativo não é composto de
macrocomportamentos – conjunto de comportamentos individuais e independentes,
que, somados, produzem efeito social (Glenn, 2004). Lobbys e acordos ocorrem com
frequência, mas não são transcritos nos relatórios. A análise das metacontingências
deixou clara essa obscuridade: apenas um dos nove pareceres analisados cita a
participação de um ator externo, o Ministério da Justiça. Um dos documentos
analisados apresentava sugestão feita por uma juíza das Varas de Execução Penal de
Guarapuava, no Paraná. Sugestão esta que, embora tenha sido acatada, não foi citada
128
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
no parecer. Quanto aos acordos, só puderam ser observados os que decorreram da
aprovação de emendas, os demais aconteceram nos bastidores.
Os entrelaçamentos não identificados podem envolver vieses de risco para a
legislação do país, caso representem apenas interesses específicos de determinados
grupos sobre o legislar (Ferreira, 2012; Rizek, 2009). Seria necessário conhecer as fontes
de controle das escolhas dos dispositivos, por parte dos parlamentares, para se evitar o
controle exclusivo de determinados grupos.
No decorrer do processo legislativo nem todos os entrelaçamentos ocorridos
geraram efeito no produto agregado, apenas uma parte das sugestões feitas pelos
parlamentares e atores externos foi acatada, passando a compor o Produto Agregado
Processual. As mudanças ocorridas na Metacontingência Geral também não foram
lineares, apesar da tramitação o ser. Ao longo do processo de tramitação observou-se
um vai e vem de dispositivos, que eram alterados, excluídos e acrescentados
novamente. Um parecer privilegiava um projeto, acatando mais dispositivos dele, já o
seguinte privilegiava outro. Um parecer defendia mais rigor na remição para certos
crimes, outro considerava essa medida inconstitucional. Essas inúmeras mudanças no
texto do projeto demonstram claramente que o processo de criação de uma lei se dá
por meio da seleção pelas consequências (Skinner, 1981/2007).
Em determinado momento, o processo foi encaminhado para uma comissão
temporária que analisava a reforma do Código Penal. Entretanto, ele foi devolvido, pois
a matéria não tinha relação com o Código Penal e, sim, com a Lei de Execução Penal. A
possibilidade de discussão do projeto em uma comissão temporária, ou mesmo a
realização de audiências públicas, aprofundariam o debate sobre o tema (Bernardi,
2009; Casseb 2008). Mais entrelaçamentos seriam gerados, o que poderia resultar em
um produto agregado final melhor sintonizado com o ambiente social.
A participação de especialistas na área, como representantes da Ordem dos
Advogados do Brasil, do Conselho Nacional de Justiça, do Ministério da Educação,
diretores de presídios, educadores e psicólogos que trabalham no sistema prisional,
dentre outros, contribuiriam muito para a elaboração de uma lei que se adequasse
melhor à realidade prisional brasileira. Como exemplo, tem-se a sugestão enviada pela
juíza da Vara de Execuções Penais alertando para a necessidade de mudança do critério
129
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
de remição da pena pelo estudo adotado no projeto, que tinha um custo
comportamental muito elevado: 20 horas de estudo por um dia de pena.
Quando o PLS 165/2006 estava tramitando, novos projetos de lei foram a ele
apensados: PLS 164/2007 e PLS 230/2008, no Senado Federal; e PL 4.230/2004, na
Câmara dos Deputados. Essa é uma prática comum no processo legislativo, projetos
com teor similar são apensados ao projeto mais antigo sobre o tema, passando a
tramitar em conjunto.
Cada projeto configurava uma Metacontingência Geral em andamento. Os quatro
processos legislativos gerariam, cada um, um produto agregado. Ao final, quatro leis
diferentes que tratam da remição da pena pelo estudo poderiam ser geradas. Os
projetos, tramitando conjuntamente, enquanto Metacontingências Originais (M1, M3,
M4 e M9), passaram a gerar um produto agregado comum: uma lei que versa sobre a
remição da pena pelo estudo. Houve, então, com os apensamentos, a fusão de
metacontingências.
No Senado Federal, onde se deu a primeira fusão, a Metacontingência 5 (M5)
ocorreu em decorrência da fusão das metacontingências M1, M3 e M4, uma vez que o
projeto precisou ser reanalisado pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE)
após o apensamento de outros projetos de lei. Os produtos agregados tornaram-se
encadeados, um antecedendo o outro, um servindo de análise para o outro. Assim, o
PA1 esteve encadeado ao PA2 na M2 (antes da fusão) e os PA1, PA2, PA3 e PA4
antecedem o PA5 (após a fusão), sendo utilizados na composição do parecer e
substitutivo na M5.
A Figura 2 ilustra a Metacontingência 5, os entrelaçamentos e os produtos
agregados que a antecedem. A M5 se fez imprescindível após a aprovação dos
requerimentos que solicitaram a tramitação conjunta dos projetos de lei. O
apensamento (fusão das metacontingências) gerou uma necessidade de reexame da
matéria, agora composta também por outros projetos de lei. Com a fusão de
Metacontingências Originais, ocorridas no Senado Federal e na Câmara dos
Deputados, obteve-se uma economia processual. Quatro projetos passaram a tramitar
em apenas um processo.
130
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
Figura 2
Metacontingência 5 e os Produtos Agregados que a antecedem
A fusão permitiu um melhor aprimoramento e conferiu maior complexidade ao
texto final (PA14), que passou a contar com a previsão de outros dispositivos, outras
contingências, além das que estavam previstas no PLS 265/2006. Como exemplo,
cita-se o dispositivo que prevê um aumento do tempo a remir no caso de conclusão do
ensino fundamental, médio ou superior, originalmente previsto apenas no PLS
164/2007 (PA3). Com mais reforçadores, a chance de se evitar a evasão escolar
aumenta. No mais, cada um desses diplomas de ensino aumenta a possibilidade de o
preso conseguir emprego quando estiver livre.
Outro ponto que resultou em um produto agregado mais complexo foi o aumento
no número de atores alcançados pela lei. A remição da pena pelo estudo era uma
contingência prevista no PA1 apenas para os condenados que cumpriam pena em
regime fechado ou semiaberto. Ao final do processo legislativo, o alcance da lei foi
ampliado, sendo ela sancionada com a possibilidade de remição estendida para os
condenados que cumprem pena em qualquer dos três regimes (aberto, semiaberto ou
fechado) e, ainda, para os que dispõem de liberdade provisória ou que estejam em
prisão cautelar. Os tipos de atores que podiam ser beneficiados pelo instituto de
131
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
remição da pena pelo estudo foram ampliados à medida que o processo legislativo
avançou. Quando se tem um número maior de presos possibilitados a remir parte da
pena pelo estudo, aumenta-se a probabilidade de que seja alcançada a consequência
cultural esperada e a eficácia da lei (Aguiar, 2006).
Alguns entrelaçamentos, entretanto, resultaram em um produto agregado
processual menos ressocializador (PA7, PA10 e PA11). Foi sugerido um critério de
remição mais rígido e, até mesmo, a impossibilidade de remição, para os condenados
por crimes hediondos ou equiparados e crimes cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa. O endurecimento do critério de remição (com maior custo
comportamental e uma consequência menos reforçadora), caso tivesse sido adotado no
texto sancionado, tornaria o benefício menos atrativo para uma ampla parcela da
população carcerária do Brasil. O levantamento mais recente feito pelo Sistema
Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) aponta que a população carcerária
no país era de 622.202 presos em dezembro de 2014; destes, mais de 60% cumpriam
pena por crime hediondo ou equiparado e por roubo, sem contar os demais tipos
penais que são cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa que também teriam
uma remição diferenciada (Departamento Penitenciário Nacional [Depen], 2014).
No texto da lei sancionada ao final do processo legislativo, foram identificadas
nove contingências comportamentais. Destas, apenas duas estavam previstas no PLS
265/2006 (PA1). As demais foram acrescidas com os apensamentos e os substitutivos
apresentados nas comissões. À medida que o projeto avançava, dispositivos que
agregavam contingências comportamentais eram excluídos e dispositivos que traziam
novas contingências eram incluídos. A Tabela 1 ilustra esse processo de transformação,
demonstrando em que etapa as contingências passaram a integrar o projeto e que
produtos agregados mantiveram ou suprimiram cada uma das nove contingências.
132
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
Tabela 1
Cronologia das contingências finais (que compõem a Lei 12.433/2011) ao longo do
processo legislativo
Contingências Comportamentais
1
2
3
4
5
6
7
8
9
A
X
B
X
X
X
X
X
Peças processuais legislativas
C
D
E
F
G
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
H
X
X
X
X
X
X
X
X
X
I
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Notas. A = PLS 265/2006 (PA1); B = PLS 164/2007 (PA3); C = PLS 230/2008 (PA4); D = Substitutivo CE do
Senado (PA7); E = Substitutivo CCJ do Senado (PA8); F = Substitutivo CSPCCO da Câmara (PA10); G =
Substitutivo CCJC da Câmara (PA11); H = Texto Final CCJ do Senado (PA13); I = Lei 12.433/2011 (PA14). 1 =
remição da pena pelo trabalho; 2 = remição da pena pelo estudo; 3 = incremento de tempo remido em função
da conclusão de níveis de ensino; 4 = dever de o juiz declarar a remição, ouvindo o Ministério Público e a defesa;
5 = perda de até 1/3 do tempo remido no caso de cometimento de falta grave; 6 = possibilidade de o juiz revogar
até 1/3 do tempo remido em caso de falta grave; 7 = dever de a autoridade administrativa encaminhar
mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou
estudando; 8 = dever de o condenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal comprovar
mensalmente a frequência e o aproveitamento escolar por meio de declaração da respectiva unidade de ensino; 9
= dever de a autoridade administrativa dar ao condenado a relação de seus dias remidos.
Outra contingência comportamental identificada, que pode contribuir para
diminuir a frequência do comportamento do preso de estudar, é a punição com perda
de até 1/3 do tempo remido, em caso de cometimento de falta grave. Esta contingência
não estava prevista no PA1, mas, sim, nos PA3 e PA4. Com a fusão das
metacontingências, o dispositivo foi acatado nas comissões seguintes, passando a
integrar os substitutivos (PA8, PA10, PA11, PA12, PA13) e a Lei 12.433/2011 (PA14). A
falta grave está definida na Lei de Execuções Penais (art. 50, 51 e 52), e os
comportamentos descritos não estão relacionados à atividade educacional. O instituto
da remição da pena busca estabelecer o comportamento de estudar nos presídios. Punir
133
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
este comportamento com a perda de parte do benefício, em virtude de comportamento
não vinculado ao ato de estudar, desvirtua a finalidade da remição (Silva, 2011).
Quanto à clareza da lei, a definição do comportamento de estudar foi refinada ao
longo da tramitação. Nos produtos agregados, têm-se definições como “estudar dias”,
“estudar horas” ou “cumprir horas-aula”. Apesar de todos terem a mesma função, são
definições muito genéricas. Estudar o quê? Estudar como? O que seria estudar? A
utilização de termos genéricos em leis dá margem a interpretações, pois pode abranger
vários tipos de comportamento (Todorov et al., 2004).
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), do Senado Federal, trouxe uma
melhor definição do comportamento que se espera para que haja a remição da pena
pelo estudo: cumprir horas de frequência escolar em atividade de ensino fundamental,
médio, profissionalizante, superior ou de requalificação profissional. Esta foi a definição
adotada no texto final (PA14). A contingência comportamental para a remição do
estudo ficou descrita da seguinte maneira na lei sancionada: se cumprir 12 horas de
frequência escolar (em “atividade de ensino fundamental, médio, inclusive
profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional”) em, pelo
menos, três dias, então terá a remição da pena.
Os entrelaçamentos ocorridos nas comissões temáticas por onde o processo
tramitou foram fundamentais para aprimorar o texto do projeto. Porém, mesmo com a
ocorrência de diferentes Metacontingências Processuais (M2, M5, M6, M7, M8, M10,
M11, M12, M13 e M14), as possíveis consequências culturais permaneceram
inalteradas: aumento nos índices de ressocialização e alfabetização e diminuição nos
índices de reincidência e baixa escolaridade entre detentos. Já a consequência social a
médio e longo prazo depende de macrocontingências: se os presos não estudam, as
consequências culturais não ocorrem.
Que medidas poderiam aumentar a probabilidade de mais detentos serem
afetados pela lei? A elaboração de políticas públicas adequadas, como a criação e o
acompanhamento de programas voltados para a educação no sistema prisional (a
exemplo do Peesp – Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional);
elaboração de planos de incentivo ao estudo; mais investimento na infraestrutura do
134
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
sistema prisional, tais como salas de aula e bibliotecas; dotação nas unidades prisionais
de docentes qualificados; dentre outras.
Analisando as estatísticas (Depen, 2014), 41% da população carcerária não
concluiu sequer o ensino fundamental. Sendo assim, os presos possuem um repertório
comportamental pobre em relação ao estudo, e pouca motivação. Além disso, a
comunidade prisional tem suas próprias leis e reforçadores sociais que não contribuem
para uma adesão ao estudo (Julião, 2012).
Considerações finais
O estudo propôs que o uso do conceito de metacontingência é útil para a
realização de análises complexas, como a do processo legislativo (elaboração de leis).
Sem o aporte do conceito seria difícil observar a influência que as contingências
comportamentais entrelaçadas exercem sobre as proposições (produtos agregados).
O foco do trabalho foi o exame das mudanças que o projeto de lei sofreu ao longo
do processo legislativo até tornar-se lei. Para tanto foram analisadas as proposições que
compõem o processo legislativo. Porém, a realização de uma análise para investigar os
entrelaçamentos que não estavam redigidos, como a apreciação das falas em plenário e
nas comissões, bem como a realização de entrevistas com os autores dos projetos de lei
e relatores poderia trazer mais informações quanto aos fatores que possivelmente
controlam o comportamento dos legisladores.
Ficou claro que resulta em melhor controle social pensar, ainda na fase de
elaboração da lei: 1) na criação de repertórios comportamentais para que a eficácia da
lei seja atingida; 2) no tipo de intervenção cultural que pode ser feito. Sendo assim,
analistas do comportamento podem contribuir nesse processo, participando do
planejamento cultural na elaboração das leis (Skinner, 1953/2007).
No processo legislativo é preciso que se pense na eficácia da norma jurídica, na
“relação causal entre a imposição de uma contingência social normativa e a obtenção
de meta social vinculada a esta, implícita ou explicitamente” (Aguiar, 2006, p.97). Em
outras palavras, as consequências culturais projetadas. Esse é o planejamento cultural
135
Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre remição de pena pelo estudo
que o Poder Legislativo deveria exercer, pois uma lei sancionada, por si só, não é
garantia de controle social. Uma regra aliada ao rearranjo de contingências é muito
mais eficaz. Desta forma, tal planejamento não deve ser lançado à sorte de um reajuste
posterior improvisado, que nem sempre acontece, ele deve ocorrer durante o processo
de elaboração da lei.
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136
Mariza Domiciano Carneiro Cabral e João Claudio Todorov
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139
9
Metacontingências e a Análise Comportamental da
Lei Maria da Penha
Metacontingencies and the Behavioral Analysis of the Maria da
Penha Law
João Casalecchi
Thatielle Marinho Tomm
João Cláudio Todorov
Resumo
E s t a p e s q u i s a a n a l i s o u a s c o nt i n g ê n c i a s e
metacontingências presentes na Lei 11.340/2006, a Lei Maria
da Penha, a qual objetiva coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher. Os artigos presentes na
lei foram analisados nos termos das contingências
comportamentais (os antecedentes e seus respectivos
comportamentos e consequências) e metacontingências
(contingências comportamentais entrelaçadas, produto
agregado, e consequências programadas pelo ambiente
cultural selecionador). A Lei Maria da Penha representa um
avanço em relação à celeridade dos processos jurídicos, bem
como aos objetivos de coibir comportamentos e fornecer
assistência e proteção à mulher em situação de violência
doméstica. No entanto, apresenta limitações nos aspectos de
prevenção da violência, não especifica o papel da família e da
sociedade no combate à violência de gênero, além de
apresentar artigos inócuos sujeitos à interpretação pessoal de
juízes e agentes da lei. O trabalho mostra que a Lei Maria da
Penha é um produto agregado produzido pelo Estado
Brasileiro a partir da condenação do Brasil na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Além disso, discute-se
a influência da Lei no aumento dos registros de casos de
140
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
violência e as respostas que podem ser dadas para essas novas estatísticas.
Palavras-chave: políticas públicas, metacontingência, contingência, violência contra a mulher, Lei
Maria da Penha.
Abstract
This research analyzed the contingencies and metacontingencies present in Law 11.340/2006,
the Maria da Penha Law, which aims to curb and prevent domestic and family violence against
women. The articles present in the law were analyzed in terms of behavioral contingencies (the
antecedents and their respective behaviors and consequences) and metacontingencies (interlocked
behavioral contingencies, aggregate product, and consequences programmed by the cultural selection
environment). The Maria da Penha Law represents an advance in relation to the speed of legal
processes, as well as the objectives of curbing aggressive behavior and providing assistance and
protection to women in situations of domestic violence. However, it presents limitations in the aspects
of violence prevention, does not specify the role of the family and society in combating gender
violence, besides presenting innocuous articles subject to the personal interpretation of judges and law
enforcement officers. The work shows that the Maria da Penha Law is an aggregate product in a
metacontingency, resulting from Brazil's condemnation by the Inter-American Commission on
Human Rights. In addition, we discuss the influence of the Law on the increase in the records of cases
of violence and the answers that can be given to these new statistics.
Keywords: public policies, metacontingency, contingency, violence against women, Maria da Penha
Law.
A Lei Maria da Penha surge no Brasil em um contexto de violência contra a
mulher muito difundido e agravado na sociedade brasileira. Seu nome deriva do Caso
Maria da Penha, que se inicia em 1983 a partir de duas tentativas de homicídio sofridas
por Maria da Penha Maia. Seu marido, o agressor, foi condenado por duas vezes, em
1991 e 1996, mas só foi preso em 2003. Devido à notável ineficiência do Estado em
punir o agressor em questão, o Brasil foi denunciado e, em 2001, condenado na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos por negligência e omissão em relação à
violência doméstica, o que consistia em uma violação a acordos internacionais. Na
ocasião, o Brasil foi condenado e recomendado a indenizar Maria da Penha em 60 mil
reais e a fazer reformas na sua legislação para coibir a violência doméstica. Com essa
141
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
condenação foram elaborados os projetos de lei que resultaram na Lei 11.340, de 7 de
Agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Correa & Carneiro, 2010; Vicentim, 2011).
As leis são enunciados feitos pelo governo ou pela sociedade, a partir da
representação no Parlamento, para controlar o comportamento da população, de
organizações e do próprio governo. São mecanismos de controle social, que fazem uso
de técnicas para reforçar ou punir, com o objetivo de promover uma determinada
ordem social ou mantê-la (Cabral & Todorov, 2015). Se as leis são feitas para controlar
o comportamento, é válido questionar como exatamente as leis exercem esse controle e
se elas estão sendo bem-sucedidas nessa tarefa. Para isso, a Análise do Comportamento
oferece um arcabouço teórico extremamente útil, uma vez que o controle
comportamental é tema central nessa perspectiva. Dessa forma, têm sido utilizados os
conceitos de contingência e metacontingência como ferramenta de análise de leis e
códigos de leis (Almeida-Verdu, Cabral, Carrara, & Bolsoni-Silva, 2009; Araújo, Melo,
& Haydu, 2015; Cabral & Todorov, 2015; Carvalho & Todorov, 2016; Forero, García,
Silva, & López-López, 2012; Lourencetti, 2015; Martins, 2009; Pereira, 2006; Prudêncio,
2006; Silva, 2008; Todorov, 1987; Todorov, Moreira, Prudêncio & Pereira, 2004;
Todorov, 2005).
Os textos dos artigos presentes na Lei Maria da Penha foram analisados nos
termos das contingências comportamentais (os antecedentes e seus respectivos
comportamentos, e consequências) e metacontingências (contingências
comportamentais entrelaçadas, produto agregado, e consequências programadas pelo
ambiente cultural selecionador). Contingências e metacontingências são enunciados do
tipo “se…, então...” que descrevem relação de dependência entre eventos ambientais ou
entre eventos comportamentais e ambientais (Todorov, 2012). Contingências de
reforçamento referem-se ao nível comportamental de análise, enquanto que
metacontingências são voltadas para interações no nível cultural (Glenn, 1986; Todorov
et al., 2004). Uma metacontingência consiste em contingências comportamentais
entrelaçadas que, juntas, resultam em um produto agregado e uma consequência
externa provida pelo ambiente cultural selecionador (Glenn, 2004; Glenn et al., 2016;
Todorov et al., 2004).
142
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
Nos termos da Análise do Comportamento, controle não é sinônimo de coerção,
mas com frequência pensamos nas leis como uma forma de controle aversivo, sendo
que as leis também podem descrever consequências positivas para um comportamento
desejável (Todorov, 2005). A exemplo disso, a Lei Maria da Penha, no artigo 9º,
parágrafo 7º, define uma política pública em que:
A mulher em situação de violência doméstica e familiar tem prioridade para
matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de
seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição, mediante a apresentação dos
documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial ou do processo de
violência doméstica e familiar em curso. (Brasil, 2006, p. 4)
O comportamento desejável seria a apresentação dos documentos comprobatórios
citados, no contexto do pedido de matrícula, e a consequência positiva, a prioridade
em efetuá-la.
A Lei Maria da Penha foi o resultado de uma metacontingência imposta ao Estado
brasileiro. Afinal, se um produto agregado como a Lei Maria da Penha não fosse
elaborado, novas punições poderiam ser impostas ao Brasil, que recebeu forte pressão
internacional (Vicentim, 2011). Tendo em vista essa condenação, é notável que a Lei
Maria da Penha não seja uma lei que apenas descreve consequências para o agressor,
essas consequências já estavam descritas em leis anteriores. A importância da Lei Maria
da Penha está em garantir que as consequências descritas sejam de fato cumpridas com
celeridade pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei Maria da Penha é, assim, um conjunto de enunciados que estabelecem
contingências para: a) promover comportamentos desejáveis de indivíduos para a
melhora das relações domésticas; b) promover comportamentos de agentes e órgãos
públicos para a prevenção da violência doméstica; c) promover comportamentos de
agentes e órgãos públicos para garantir proteção e assistência à mulher em situação de
violência; d) promover comportamentos de agentes e órgãos públicos para garantir a
celeridade de processos jurídicos sobre a violência doméstica; e e) coibir
comportamentos individuais de violência contra a mulher.
143
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
Este artigo objetiva analisar a Lei Maria da Penha nos termos de contingências e
metacontingências de modo a identificar se elas são escritas de maneira efetiva em
termos de relações condicionais entre comportamento e consequência. Como objetivo
específico, analisa quais os principais agentes citados pela lei e como as contingências
são especificadas para cada um deles.
Método
Material analisado
A presente pesquisa teve como objeto de estudo a Lei 11.340/2006, Lei Maria da
Penha, a qual entrou em vigor em 22 de setembro de 2006. Composta por 46 artigos,
organizados em sete Títulos, nove Capítulos e quatro Seções. Trata-se de uma lei que,
segundo a descrição do artigo 1º, “cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher . . . e estabelece medidas de assistência e proteção
às mulheres em situação de violência doméstica e familiar” (Brasil, 2006, p. 1).
Foi utilizada, como material complementar, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, ou Constituição de 1988, atualizada até a Emenda
Constitucional nº 105/2019. É a atual Carta Magna do Brasil, elaborada por uma
Assembleia Constituinte de 559 parlamentares e com participação popular (Brasil,
1988).
Procedimento
Trata-se de um estudo voltado para a sistematização das contingências e
metacontingências presentes na Lei Maria da Penha. Inicialmente, identificou-se, nos
termos das contingências, os antecedentes e seus respectivos comportamentos e
consequências, conforme os seguintes critérios:
● Antecedente: o enunciado descreve contextos, condições e circunstâncias para a
ocorrência do comportamento;
● Comportamento: o enunciado especifica a ação de um sujeito, a qual pode ser
definida implícita ou explicitamente;
144
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
● Consequência: são alterações no ambiente, posteriores ao comportamento, que
podem modificar a probabilidade de ocorrência desse comportamento.
Na análise das contingências, foi utilizada a metodologia usada na pesquisa de
Todorov et al. (2004) e Todorov (2005) em que foram analisados, em ordem numérica,
todos os artigos presentes na Lei, para identificar os termos das contingências aos quais
eles se referem. Em seguida, na organização das contingências e metacontingências essa
ordem foi desconsiderada, e os artigos foram organizados de acordo com os termos de
suas contingências.
Utilizou-se também a Constituição de 1988, principalmente no que diz respeito a
antecedentes, por vezes ausentes na Lei Maria da Penha, contudo presentes na
Constituição.
Um achado importante nos estudos com metacontingências é o de que, em leis
nas quais as contingências tríplices estão demasiadamente vagas ou incompletas, há
uma maior margem para má interpretação da lei e uma menor chance de aquela lei ser
cumprida (Todorov, 2005). Dessa forma, buscou-se como critério a composição das
contingências e metacontingências, se estas estavam completas ou não, e a objetividade
com a qual as contingências e metacontingências eram descritas, por exemplo, se é
descrita uma condição para que uma determinada consequência seja dada, quão mais
clara essa condição for e quanto menos ela depender do repertório comportamental e
da interpretação do juiz, melhor elaborado foi o enunciado daquela lei.
Buscou-se também descrever as principais medidas da Lei Maria da Penha para
coibir a violência contra a mulher, para entender de que formas a lei cumpre, de acordo
com seu Artigo 1º, o que é o objetivo de sua criação.
Resultados
Os objetivos da Lei são três, especificados no Caput do Artigo 1º: a) Coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher; b) Prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher; e c) Estabelecer medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
145
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
Tabela 1
Antecedente
Art. 12. Em todos os casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher,
feito o registro da ocorrência, deverá a
autoridade policial adotar, de imediato, os
seguintes procedimentos, sem prejuízo
daqueles previstos no Código de Processo
Penal
Boletim de ocorrência lavrado
Boletim de ocorrência com esclarecimento
do fato e circunstâncias
Boletim de ocorrência com esclarecimento
do fato e circunstância
Boletim de ocorrência com os resultados do
exame de corpo de delito e outros exames
periciais.
Comportamento
Consequência
I - ouvir a ofendida,
lavrar o boletim de
ocorrência e tomar a
representação a termo,
se apresentada;
Boletim de ocorrência
lavrado
II - colher todas as
provas que servirem
para o esclarecimento
do fato e de suas
circunstâncias
III - remeter, no prazo de
48 (quarenta e oito)
horas, expediente
apartado ao juiz com o
pedido da ofendida,
para a concessão de
medidas protetivas de
urgência
IV - determinar que se
proceda ao exame de
corpo de delito da
ofendida e requisitar
outros exames
periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as
testemunhas
Boletim de ocorrência
com esclarecimento
do fato e
circunstâncias
Boletim de ocorrência
enviado ao juiz
Boletim de ocorrência
com os resultados do
exame de corpo de
delito e outros
exames periciais.
Boletim de ocorrência
com o relato do
agressor e das
testemunhas
Contingências Comportamentais Entrelaçadas de Procedimentos de Relevância para a
Celeridade do Processo Jurídico
146
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
Entendendo coibir como "fazer com que seja reprimido", pode-se dizer que a Lei
avança em relação a esse objetivo na medida em que: a) Define de forma objetiva, em
seu Artigo 7º, o que é violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo de
forma clara os conceitos de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral; b)
Especifica e esclarece procedimentos de relevância para a celeridade do processo
jurídico, como o de elaboração do boletim de ocorrência, mostrado na Tabela 1,
aumentando a chance de que tais processos sejam, de fato, cumpridos pelas
autoridades; c) Estabelece novas punições para agressores, como a retratada na Tabela
2, em que o agressor deve ressarcir o SUS; agrava punições já existentes, como nos
Artigos 41, 42, 43 e 44, no que diz respeito à inaplicabilidade do Juizado Especial, à
aplicação de prisão preventiva e à definição da violência doméstica como circunstância
para agravamento de pena.
Tabela 2
Contingência Comportamental de Punição aos Agressores
Antecedente
§ 6º O ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º
deste artigo não poderá importar ônus de
qualquer natureza ao patrimônio da mulher e
dos seus dependentes, nem configurar
atenuante ou ensejar possibilidade de
substituição da pena aplicada
Comportamento
Por ação ou omissão,
causar lesão, violência
f ís i c a , s e x u a l o u
psicológica e dano
moral ou patrimonial a
mulher
Consequência
Obrigação de ressarcir
todos os danos
causados, inclusive
ressarcir ao Sistema
Único de Saúde (SUS)
Já em relação ao objetivo referente à prevenção, a Lei o cumpre parcialmente, pois
é pouco clara e trata apenas de prevenção a longo prazo, apesar de ter um capítulo
específico referente a esse objetivo. Ademais, é interessante notar que alguns artigos
desse capítulo nem tratam de prevenção, como o inciso VII do Art. 8º, que trata da
capacitação permanente das polícias civil e militar, da Guarda Municipal, do Corpo de
Bombeiros e de outros profissionais quanto a questões de gênero, raça ou etnia. Esse
inciso representa uma medida para melhorar o atendimento à vítima de violência, e
não uma medida de prevenção à violência doméstica e familiar.
147
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
Tabela 3
Incongruências na Lei Maria da Penha
Lei Maria da Penha
(Art. 8º) inciso III da Lei Maria da Penha: O respeito, nos
meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais
da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis
estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência
doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no
inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV
do art. 221 da Constituição Federal;
Constituição de 1988
(Art. 221.) inciso IV da Constituição de 1988:
A produção e a programação das emissoras
de rádio e televisão atenderão aos seguintes
princípios: IV - respeito aos valores éticos e
sociais da pessoa e da família.
Há ainda, nesse capítulo e em outras partes da Lei, artigos inócuos. Como nos
enunciados da Tabela 3, nos quais não há descrição, em toda a extensão do documento
ou na Constituição Federal, de quais seriam os valores éticos e sociais da pessoa e da
família. Ainda que seja utilizado um critério flexível que seja baseado na realidade
cultural brasileira, o documento utiliza a falsa premissa de que existiria uma
homogeneidade nos "valores éticos e sociais da pessoa e da família". Por esse motivo, os
enunciados são inócuos e estão sujeitos à interpretação pessoal dos juízes e agentes da
lei (Todorov, 2005).
Sobre as medidas que de fato tratam de prevenção, estão elas agrupadas no Artigo
8º: a) “II- a promoção de estudos e pesquisas ... concernentes às causas, às
consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher ... e a
avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas"; b) “V- a promoção e a
realização de campanhas educativas ... e a difusão desta Lei e dos instrumentos de
proteção aos direitos humanos das mulheres"; c) “VIII- a promoção de programas
educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa
humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia”; d) “IX- o destaque, nos
currículos escolares ... para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de
gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a
mulher”.
148
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
Essas medidas representam um avanço pois, de fato, tratam de prevenção, o que
não estava previsto de forma clara em leis anteriores. Assim, elas podem servir como
base para políticas públicas e iniciativas do poder público e da iniciativa privada.
Entretanto, elas apresentam limitações: são muito gerais, como a referente à promoção
de estudos e pesquisas, que não citam nenhum possível agente concreto que possa
realizar esse estudo; não estabelecem nenhuma consequência para caso não aconteçam,
o que diminui a chance de que sejam de fato seguidas (Todorov, 2005); estabelecem
apenas medidas de longo prazo.
Por fim, a Lei traz avanços importantes com relação ao terceiro objetivo, sobre
assistência e medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e
familiar. Ela descreve de forma detalhada o comportamento de juízes, policiais, outros
agentes da lei, de agressores e da própria vítima para que essas medidas sejam
cumpridas. Isso pode ser observado na Tabela 4, que mostra contingências para o
comportamento de juízes, ou na Tabela 5, que apresenta uma contingência a partir da
qual a vítima pode obter assistência. A Lei estabelece até mesmo punições para o
descumprimento de várias medidas, como no caso do Art. 22 § 2º, o qual estabelece
que, caso um agressor possua porte de armas, seu superior deve garantir que a
suspensão do mesmo seja cumprida, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação
ou desobediência.
149
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
Tabela 4
Contingências Comportamentais para o Comportamento de Juízes, Policiais e Outros
Agentes da Lei
Antecedente
Comportamento
Consequência
Art. 9º A assistência à mulher em
situação de violência doméstica
e familiar será prestada de forma
ar t ic u lada e confor me os
pr incípios e as diret r izes
previstos na Lei Orgânica da
Assistência Social, no Sistema
Único de Saúde, no Sistema
Único de Segurança Pública,
entre outras normas e políticas
públicas de proteção, e
emergencialmente quando for o
caso.
O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da
mulher em situação de violência doméstica e
familiar no cadastro de programas assistenciais
do governo federal, estadual e municipal.
Inclusão da mulher
em situação de
violência no
cadastro de
programas
assistenciais.
Mulher em situação de violência
doméstica e familiar
O juiz assegurará acesso prioritário à remoção
quando servidora pública, integrante da
administração direta ou indireta;
O juiz assegurará manutenção do vínculo
trabalhista, quando necessário o afastamento
do local de trabalho, por até seis meses.
O juiz assegurará encaminhamento à assistência
judiciária, quando for o caso, inclusive para
eventual ajuizamento da ação de separação
judicial, de divórcio, de anulação de casamento
ou de dissolução de união estável perante o
juízo competente.
Condições de ser
removida
prioritariamente
Mulher em situação de violência
doméstica e familiar
Mulher em situação de violência
doméstica e familiar
Manute n ç ã o d o
vínculo
trabalhista
Acesso da vítima a
assistência
judiciária
Tabela 5
Contingência Comportamental de Assistência à Vítimas de Agressão
Antecedente
Mulher em situação de violência
150
Comportamento
Apresentação de documentos
comprobatórios do registro de
ocorrência
Consequência
Prioridade para matricular
dependentes em instituição de
ensino básica.
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
Discussão
A Lei Maria da Penha representa um avanço no combate à violência contra a
mulher. Estabelece definições objetivas de violência. A legislação anterior deixava o juiz
interpretar de forma subjetiva o que seria uma situação de violência. Além disso, ela
estabelece objetivamente comportamentos desejáveis de agentes e órgãos públicos com
o objetivo de garantir a proteção da mulher em situação de violência. Promove também
medidas de prevenção a longo prazo que visam a mudança de práticas culturais
complexas e reconhece a violência doméstica como um crime grave e de alta
complexidade, com penalidades que não podem ser atenuadas com prestação de
serviços à comunidade, oferecimento de cesta básica ou pagamento de fiança.
A nova Lei ainda possui limitações, principalmente quanto à questão da
prevenção da violência contra a mulher e do papel da família e da sociedade no
combate a esse tipo de violência. A respeito da prevenção, a lei estabelece apenas
medidas de longo prazo. Essas medidas são insuficientes pois, com exceção do Art. 8º II, tratam apenas de medidas educativas, não contemplando os múltiplos fatores
culturais, sociais e políticos que definem as contingências envolvidas nesse tipo de
comportamento (Heise, 1993; Michau, Horn, Bank, Dutt & Zimmerman, 2015). Com
relação à família e à sociedade, a lei define de forma vaga que esses agentes deveriam
ter algum papel no combate à violência contra a mulher, mas não estabelece nenhuma
ação concreta a ser desempenhada por eles, o que torna o texto inócuo e com pouco
efeito real de mudança de prática cultural.
O papel reduzido da prevenção e desses outros agentes é explicado pela natureza
da condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Essa
condenação não se baseou na falta de medidas de prevenção e nem na omissão da
sociedade e da família brasileira (Correa & Carneiro, 2010; Vicentim, 2011). Ela teve
como objetivo punir uma omissão e uma ineficiência do Estado Brasileiro
especificamente. A partir disso, analisando-se a condenação como um antecedente em
uma metacontingência (Tabela 6), é previsível que o produto agregado seria uma lei
que trata das medidas de proteção imediatas à mulher em situação de violência e da
celeridade dos processos jurídicos relativos a esse crime.
151
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
Tabela 6
Metacontingência no Processo Legislativo
Antecedente
Condenação do Brasil
em indenizar a Maria
da Penha
Comportamento
Contingências
comportamentais
entrelaçadas no
processo legislativo
Produto Agregado
Lei Maria da Penha
Consequência
Evitar novas punições
A ideia de prevenção à violência contra a mulher é algo relativamente novo.
Historicamente, esse problema foi visto ou como um fenômeno inevitável, ou como
simplesmente um problema de natureza individual que afeta apenas determinadas
mulheres. Entretanto, com os esforços de grupos feministas e com a ampliação dos
conhecimentos acerca da violência doméstica, esse problema passou a ser visto como
uma questão endêmica e global, afetando uma em cada três mulheres ao redor do
mundo, bem como um fenômeno a ser objeto de estudo. A partir dessa mudança de
perspectiva, foi visto um aumento no número de programas visando a prevenção desse
tipo de violência (Michau et al., 2015).
A violência de gênero ocorre dentro de uma estrutura ecológica, o equilíbrio
delicado dos contextos institucionais, sociais, culturais e políticos em interação na vida
das pessoas. Essa estrutura é composta por vários níveis: individual, interpessoal,
comunitário e da sociedade. Para prevenir a violência contra a mulher é preciso adaptar
essa estrutura, enfatizando, em cada nível, o contexto predominante que perpetua a
violência contra as mulheres, promovendo o envolvimento de homens e mulheres da
comunidade, da sociedade e agentes da lei, por meio de processos participativos que
facilitem o pensamento crítico e reflexivo, para oferecer estratégias de prevenção e
mudanças de normas sociais (Michau et al., 2015).
É no nível individual que as mulheres experienciam as consequências diretas da
violência. Comportamentos individuais, como a reprodução de papéis tradicionais de
gênero, indiferença a situações de violência e o medo de intervenções são exemplos de
aspectos do nível individual que perpetuam e sustentam a violência no nível
interpessoal. Nesse contexto, meninos desenvolvem um repertório comportamental
voltado à dominância social, a uma sexualidade agressiva e à perpetração da violência.
152
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
Enquanto meninas desenvolvem um repertório voltado à submissão. Assim, mulheres
são levadas a aceitar comportamentos violentos e até mesmo a se culpar pela violência
que viveram. É preciso que sejam desenvolvidos repertórios comportamentais
alternativos aos tradicionais (Michau et al., 2015).
Programas que estimulam desejo de melhorar relações podem ser promissores em
oferecer exemplos alternativos de repertórios comportamentais tanto para homens
quanto para mulheres. A própria natureza da violência interpessoal implica que, para
enfrentá-la, é preciso criar nos membros da díade um repertório que possibilite
relações de respeito e confiança. Além disso, os programas precisam introduzir
contingências que permitam que as pessoas deixem de ser observadoras passivas da
violência e tenham ferramentas para interferir, como é o caso do “Ligue 180” no
contexto brasileiro (Bonetti, Pinheiro & Ferreira, 2016). Aos homens, é necessário que
se mudem as contingências sociais para permitir o desenvolvimento de um repertório
masculino menos tóxico. A criação de campanhas que ofereçam exemplos alternativos
de masculinidade e a criação de grupos de conversa sobre esse tópico podem ser
medidas frutíferas para o desenvolvimento desse novo repertório. Esses grupos, além
de possibilitarem espaços seguros de diálogo e desenvolvimento, são um espaço em que
os homens podem responsabilizar a si mesmos e uns aos outros, passo importante para
a mudança das contingências sociais. É importante também que se desenvolvam
programas que inspirem as mulheres ao ativismo e a questionar esse repertório
tradicional de submissão, mas não só isso, é preciso que se mudem as condições
materiais de acesso das mulheres a oportunidades, para que assim as contingências às
quais elas são submetidas possam mudar e esse repertório comportamental voltado
para o empoderamento possa ser realmente desenvolvido e mantido (Michau et al.,
2015).
A violência contra a mulher normalmente ocorre na interação de nível
interpessoal entre duas pessoas. Porém, repertórios individuais que sustentam a
violência interpessoal são, por muitas vezes, moldados no ambiente familiar. É nesse
ambiente que os indivíduos são expostos às contingências sociais pela primeira vez. E
mesmo que famílias e culturas diferentes tenham normas sociais diferentes, é
consistente em pesquisas com populações ao redor do mundo a percepção de que, em
153
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
algumas circunstâncias, a violência contra a mulher é justificável. Da mesma forma, as
pessoas próximas à vítima podem puni-la por se posicionar através de seu
silenciamento, ao impor a ela um estigma ou ao culpá-la pela violência sofrida. Além
disso, outro dado importante é o de que muitas vezes as vítimas de violência
comunicam o crime primeiro à família antes de comunicar às autoridades. Por esse
motivo, a reação da família tende a influenciar fortemente a percepção da vítima e seus
próximos passos (Michau et al., 2015).
Novamente, grupos de apoio e de conversa podem ser úteis. Entretanto, no nível
interpessoal, as pesquisas indicam que trabalhar com homens ou mulheres de forma
isolada não é o caminho. O que é indicado é que se trabalhe com grupos de gêneros
específicos ou mistos a depender do tópico a ser tratado. Ademais, medidas que vão
além de pequenos grupos também tendem a ser efetivas, como a iniciativa “We Can”,
da Oxfam (William & Aldred, 2011), que consistia, entre outras abordagens, em um
modelo no qual homens e mulheres participantes deveriam procurar dez pessoas de
seu convívio social para tratar de assuntos relativos à violência doméstica e gênero. O
esperado dessa iniciativa é o ganho de confiança entre os membros da família e os pares
para tratar de assuntos como esses. A principal conclusão quanto a esse nível é que a
mudança favorável à prevenção no nível interpessoal ocorre quando aqueles próximos
ao indivíduo entendem e apoiam a mudança. (Michau et al., 2015).
No nível da comunidade, a presença e resposta à violência doméstica é formada
nas normas sociais de gênero e poder que podem apoiar ou desencorajar a violência. O
objetivo, nesse nível, é promover um ambiente propício para a igualdade de gênero e a
não violência. (Michau et al., 2015). No nível social, a violência contra mulheres é
moldada pelas leis, políticas e infraestrutura de serviços, onde o foco das intervenções
na área da saúde, visto que mulheres agredidas utilizam mais esse serviço; nas leis que
estabelecem a inaceitabilidade da violência contra a mulher; e em políticas que
promovem a autonomia das mulheres (Michau et al., 2015).
Faz-se necessário a participação da sociedade na promoção e criação de políticas
públicas que visam mudanças nas atitudes, normas sociais e comportamentos que
ajudam a sustentar a violência contra a mulher. Essa participação pode ser feita a partir
do diálogo com os movimentos feministas, já que as pesquisas informam que a força
154
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
desses movimentos dentro da comunidade são um forte preditor para a existência de
legislação e de políticas públicas voltadas para o combate à violência contra a mulher
(Michau et al., 2015). Um exemplo disso foi a criação do Plano Estadual de Políticas
para as Mulheres do Espírito Santo (Pepmes) (2019), o qual contou com a participação
da sociedade, por meio do diálogo com mulheres de todas as regiões do Espírito Santo,
de modo que suas necessidades e diversidades fossem atendidas e, com participação
dos órgãos governamentais responsáveis pela implementação do Plano, objetivando a
redução das desigualdades sociais.
O Pepmes (2019) oferece inúmeras ações envolvendo fatores culturais, sociais e
políticos que podem contribuir para esse objetivo. Dentre elas: 1) ampliação do acesso
e permanência de mulheres em todos os níveis de educação; 2) ampliação das ações de
atenção à saúde das mulheres na rede básica de atendimento e em todos os serviços de
urgência e emergência pública e privada; 3) fortalecer a participação e mobilização
social em defesa da política nacional de atenção integral à saúde da mulher ―
mulheres agredidas são 4-5 vezes mais prováveis de procurar atendimento psiquiátrico
e cinco vezes mais provável de tentar suicídio (Heise, 1993); 4) ampliação e
fortalecimento (lei trata apenas da implementação do atendimento policial
especializado) da rede de serviços especializados de atendimento às mulheres em
situação de violência; 5) divulgar, realizar campanhas, mobilizações e ações educativas
sobre a implementação da Lei Maria da Penha ― apesar da maioria da população,
entre 92% e 99%, declarar reconhecer a existência da Lei Maria da Penha, ainda
desconhecem os detalhes de seu conteúdo (Dossiê, n/a); 6) promover a formação de
profissionais da educação básica nas temáticas de gênero; 7) fortalecer as políticas de
enfrentamento da discriminação contra as mulheres, monitorando a mídia para
denúncia de abordagens discriminatórias de gênero; 8) ampliação e fortalecimento da
institucionalização das políticas de gênero.
Em relação à família, a Lei Maria da Penha deveria estabelecer ações claras de
participação desse grupo no que tange o combate à violência contra a mulher, tendo
em vista que esse tipo de violência também é perpetuada por membros da família, por
meio de abuso psicológico; estupro/assédio ― incluindo crianças ― por homens da
família; violência física; diferenciação no acesso a comida e cuidados médicos;
155
Metacontingências e a Análise Comportamental da Lei Maria da Penha
violência na gravidez (Watts & Zimmerman, 2002). Há ainda, ao redor do mundo,
outras formas graves de violência contra a mulher perpetuada pela família, como
mutilação genital feminina (majoritariamente na África); infanticídio feminino e
aborto seletivo por sexo (mais comum na China e Índia) (Watts & Zimmerman, 2002).
Nascer mulher em uma sociedade patriarcal já a torna vulnerável à violência, pois
esse tipo de sociedade concede mais valor, recursos materiais, simbólicos e relacionais a
homens em comparação às mulheres, além de usar a violência como uma mecanismo
de subordinação feminina; como quando um homem estupra uma mulher por julgar
que ela está sexualmente provocativa, foi desobediente, falhou como esposa ou por
infidelidade, usando como justificativa ser uma punição adequada por ela transgredir
as normas sociais aplicadas ao comportamento das mulheres (Watts & Zimmerman,
2002; Michau et al., 2015).
Em pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi constatado que, no período de
2007 a 2017, houve um aumento de 30,7% no número de homicídios de mulheres no
Brasil. Do total de homicídios contra a mulher, 39,2% ocorreram dentro da residência,
o que serve como indicador de violência doméstica. Ademais, em 2017 foi computado
o maior crescimento em relação à década pesquisada, registrando aumento de 6,3% em
relação ao ano anterior, com cerca de 13 assassinatos por dia. (Atlas da Violência,
2019).
Essa pesquisa levanta uma série de questionamentos: esse aumento nos casos de
homicídios femininos é real ou dos registros? Essas estatísticas são, de fato,
representações fidedignas do número de casos de violências contra a mulher? A criação
da Lei Maria da Penha é uma resposta adequada aos casos de feminicídio?
Há que se considerar a hipótese de que a criação da lei e suas definições do que se
configura como violência doméstica e familiar contra a mulher podem ser a causa do
aumento dos registros, porque a violência sempre foi cometida, mas antes da lei não era
registrada nem considerada como violência contra a mulher. Além disso, os avanços na
Lei podem ajudar a aumentar o número de denúncias, contribuindo para estatísticas
mais representativas. Contudo, ainda é necessária a elaboração de respostas para o
156
João Casalecchi, Thatielle Marinho Tomm e João Claudio Todorov
aumento dessas estatísticas. Para isso, é preciso investir em medidas de prevenção e em
mais pesquisas na área.
Dessa forma, agora que é possível ter estatísticas mais representativas acerca da
violência doméstica contra a mulher, é imperativa a elaboração de novas políticas
públicas – locais e nacionais – que tratem de forma mais completa a prevenção desse
tipo de violência. Assim, com participação popular e diálogo entre os diversos setores
da sociedade, será possível dar uma resposta à altura dos problemas que essa lei nos
permitiu enxergar.
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160
10
Metacontingências e produtos agregados na lei de
diretrizes e bases da educação: primeiro o objetivo,
depois como chegar lá
Trabalho baseado na
dissertação de mestrado
de Izabel Carvalho no
Programa de
Pós-Graduação em
Ciências do
Comportamento do
Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília.
Os autores agradecem a
Lincoln da Silva Gimenes,
Christian Vichi e Laércia
Abreu Vasconcelos por
suas contribuições.
Publicado originalmente
na Revista Brasileira de
Análise do
Comportamento/Brazilian
Journal of Behavior
Analysis, 2016, Vol. 12, nº
2, 75-85, e aqui
republicado por João
Claudio Todorov, com
autorização da revista.
161
Izabel Cristina Vale de Carvalho
João Claudio Todorov
Resumo
Esta pesquisa investigou as relações de contingências e
metacontingências contidas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB. Foram encontradas quatro
contingências de reforço, sendo três incompletas e uma
completa, que correspondem aos deveres do Estado e da
família com a educação, principalmente com o ensino
fundamental. Quanto às análises de metacontingências, a
LDB define um produto agregado (pleno desenvolvimento do
educando) que depende dos outros (preparação para o
exercício da cidadania e qualificação o para trabalho),
encontrados na educação básica. A Lei é caracterizada
principalmente como uma cadeia de produtos agregados.
Palavras-chave: LDB, contingências, metacontingências,
produto agregado, educação.
Abstract
Thi s res earch investigated contingencies and
metacontingencies described by the Brazilian Law of Education.
Four behavioral contingencies and several metacontingencies,
were detected in the text. The law defines an aggregate product
(full development of the learner) that depends on other
products (preparation for citizenship and qualification for
work), found in basic education. The importance of the
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
fundamental school as the basis of education is stressed. The law is characterized as mainly a chain of
aggregate products.
Keywords: LDB, contingencies, metacontingencies, aggregrated product, education.
Práticas culturais são padrões de comportamento similares, regidos por
contingências sociais de uma determinada cultura, que se reproduzem entre indivíduos
e ao longo de gerações de indivíduos (Glenn, 1991, 2004, 2010; Todorov, 2012a, 2012b,
2013). Um conjunto particular de práticas culturais pode ser controlado por grupos
bem organizados, por possuírem o poder de manipular variáveis que afetam o
comportamento de seus membros. Skinner (1953) discute algumas agências de
controle, grupos que manipulam conjuntos específicos de variáveis, como religião,
governo, psicoterapia, educação e economia (Dietrich, Todorov, Martone &
Sénéchal-Machado, 2013). Dentre estas se destaca o governo, cujo controle torna-se
mais refinado com a criação de agências legais, como o Poder Legislativo, e cuja função
é codificar as práticas de controle das agências governamentais, o Poder Executivo, por
meio da elaboração de leis.
A lei consiste em uma norma, elaborada pela autoridade de governo e tornada
obrigatória para regular a convivência em uma comunidade. Na perspectiva da Análise
do Comportamento, as leis são codificações de procedimentos de controle, enunciados
de contingências de reforço e metacontingências, mantidas por uma agência
governamental (Todorov, 1991, 2005, 2009). No dizer de B. F. Skinner: “Uma lei é uma
regra de conduta, no sentido de que especifica as consequências de certas ações que,
por seu turno, regem o comportamento.” (Skinner, 1953/2000, p. 370).
Leis são descrições de tríplices contingências (Skinner, 1953/2000; Todorov, 1991,
2005, 2012b): cada um de seus artigos pode descrever antecedentes, comportamentos,
ou consequências mantidas por uma agência governamental. Além de especificar o
comportamento esperado, a lei descreve também consequências para seu cumprimento
ou descumprimento, além de especificar as circunstancias nas quais a contingência está
em vigor (Skinner, 1953/2000; Todorov, 2005). Leis também podem ter redação menos
pormenorizada, especificando apenas metas e objetivos, deixando para outras agências
de controle (Dietrich et al., 2013) decisões sobre como alcançar tais objetivos.
162
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
A lei pode ser curta, tratar de poucos assuntos, e especificar contingências
comportamentais, como a lei da remição de pena para detentos, recentemente
aprovada. Outras podem ser mais abrangentes e menos pormenorizadas, especificando
produtos agregados, sem especificar as respectivas contingências comportamentais
entrelaçadas necessárias para que ocorra o produto agregado. A LDB, Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº. 9.394/96), publicada no Diário Oficial da
União em 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), parece se enquadrar no segundo tipo.
Metacontingência
Most known human cultures include many complex organizations such as schools,
unions, companies, non-profits, laboratories, restaurants, etc. The function of these
organizations is to provide a product that satisfies requirements of its recipients. The
recipients may be external individuals or other organizations, or they may be the
members of the organization itself. The product is an aggregate product that is the
result of recurring interrelated operants of multiple individuals. (Malott & Glenn,
2006, pp. 37-38)
Uma metacontingência descreve relações entre contingências comportamentais
entrelaçadas (CCEs, que caracterizam colaboração entre pessoas), o efeito comum no
ambiente (um produto agregado, PA) e uma consequência programada pelo ambiente
cultural selecionador, contingente à ocorrência do produto agregado. Da mesma
maneira que as contingências respondentes e operantes descrevem relações entre
eventos (entre eventos do ambiente no comportamento respondente, e entre
comportamento e ambiente no operante), de acordo com o enunciado “se... então”, a
metacontingência descreve a relação “se PA, então consequência cultural”. Se um
determinado produto agregado ocorre, produzido por CCEs, então haverá uma
consequência cultural. Um produto agregado é o resultado de contingências tríplices
entrelaçadas que envolvem pelo menos duas pessoas. Pode ser um jantar preparado em
conjunto por um casal, a música tocada por um conjunto, o dinheiro obtido por um
assalto a banco realizado por uma quadrilha (Todorov, 2010).
163
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
Metacontingência e leis
Todorov, Moreira, Prudência e Pereira (2004) analisaram o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) em termos de metacontingências e de contingências. Esta lei
descreve contingências entrelaçadas de diversos segmentos da sociedade, cuja
consequência cultural, em longo prazo, é a proteção integral de crianças e adolescentes.
Os autores identificaram as contingências tríplices entrelaçadas representadas nos
artigos do ECA, agrupando-os em antecedentes, comportamentos e consequências de
uma mesma contingência.
O procedimento consistiu, primeiramente, na localização de um artigo do ECA
que descrevesse um comportamento (ação esperada). Em seguida, procurou-se outros
artigos que se apresentassem como antecedentes ou consequências contingentes a esse
comportamento. Com a formação das contingências, estas foram classificadas em
completas: aquelas que possuíam os três termos da contingência ou que possuíam
apenas comportamento e consequência; ou em incompletas: aquelas que possuíam
apenas um ou dois termos da contingência. Como resultado da análise, observou-se no
ECA o percentual de 47,2% de contingências completas e de 52,8% de contingências
incompletas. Os autores também identificaram 29 grupos de metacontingências
secundárias, além da metacontingência primária, entre elas: Saúde, Família, Liberdade,
Educação, Guarda, Tutela, Pátrio Poder, e outros.
Outras pesquisas utilizaram esse procedimento para analisar outras leis, como as
Leis Orgânicas da Saúde (Martins, 2008), o Regimento Interno e Estatuto de uma
cooperativa de produção de lixo reciclável (Silva, 2008).
O presente trabalho usou esse procedimento desenvolvido por Todorov et al.
(2004) para analisar a Lei e Diretrizes de Base da Educação Nacional - LDB enquanto
possível descrição de contingências e metacontingências.
Entre os objetivos específicos estão:
★ Identificar tríplices contingências, a partir dos artigos contidos na lei;
★ Classificar as contingências em completas e incompletas;
164
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
★ Completar as contingências incompletas com outros artigos da LDB ou com
artigos de leis correlatas;
★ Identificar os PAs a partir da metacontingência principal, que rege toda a
LDB;
★ Definir os PAs de cada metacontingência em PAs primários, e estes definirem
em secundários, estes em terciários, e assim por diante.
Método
Objeto do estudo
A presente pesquisa teve como objeto de estudo os artigos presentes na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996). Esta lei é constituída por 92
artigos, organizados em nove Títulos, cinco Capítulos, e cinco Seções. Ela define e
regulariza o sistema de educação do Brasil, com base nos princípios presentes na
Constituição brasileira, e no princípio do direito universal à educação para todos.
Conforme a LDB, a educação brasileira é composta por dois níveis, a educação
básica e o ensino superior. A educação básica é constituída por educação infantil,
gratuita e não obrigatória; ensino fundamental, gratuito e obrigatório; e ensino médio,
de universalização progressiva, podendo ser técnico profissionalizante ou não. A LDB
ainda apresenta as seguintes modalidades: Educação Especial, Educação a distância,
Educação Profissional e Tecnológica, Educação de Jovens e Adultos, e Educação
Indígena.
Procedimento
A metodologia deste estudo é descritiva, voltada à sistematização das
contingências e metacontingências presentes na Lei e Diretrizes de Base da Educação
Nacional – LDB. O procedimento conta com duas etapas, sendo a primeira uma
replicação sistemática do procedimento de Todorov et al. (2004).
165
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
Na identificação dos termos das contingências, cada artigo poderia se referir a um
antecedente, um comportamento ou uma consequência, conforme os seguintes
critérios:
★ Antecedente: o artigo descreve contextos, condições e circunstâncias para a
ocorrência do comportamento.
★ Comportamento: o artigo estabelece a ação esperada de um sujeito, a qual
pode ser definida implícita ou explicitamente.
★ Consequência: são consequências diretas de comportamentos definidos nas
contingências.
Com a formação das contingências, estas foram classificadas em completas ou
incompletas. Diferente das outras pesquisas que utilizaram este procedimento, nesta
pesquisa quando uma contingência foi classificada como incompleta, procurou-se em
outros códigos de lei que também abordam o tema de direito à educação (Constituição
Federal e no Estatuto da Criança e Adolescente), artigos que possam completar tais
contingências incompletas.
A segunda etapa refere-se à identificação e sistematização de produtos agregados
(PAs) contidos nas metacontingências presentes na LDB. A partir da metacontingência
principal, que rege toda a lei, buscou-se identificar os PAs, que chamaremos de PAs
Principais. Em seguida, estes PAs primários foram definidos em PAs secundários e
terciários, por meio da seguinte pergunta: “Que outros PAs são necessários serem
produzidos para alcançar este PA?”.
Resultados
A primeira parte dos resultados refere-se à identificação e descrição de tríplices
contingências, de acordo com os artigos dispostos na LDB, e sua classificação em
completas e incompletas. Na segunda parte foram feitas a identificação de produtos
agregados (PA) e sua categorização em primários, secundários, e assim por diante, a
partir dos artigos da lei.
166
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
Tríplices Contingências
Segundo o Art. 2° da LDB, a educação é dever do Estado e da família. A partir
deste artigo foram procurados quais comportamentos descreveriam exatamente esses
deveres, em que circunstâncias eles deveriam ocorrer, e as consequências contingentes
a esses comportamentos.
Dever implica comportamento quando se trata de garantia dos direitos sociais,
pois estes são obrigações que ditam o que o Estado tem que fazer para a população
(Moraes, 2001). Partindo disso, os deveres com a educação são comportamentos a
serem emitidos pelo Estado e pela família.
Foram encontradas quatro contingências de reforço, sendo três incompletas, e a
outra, além de ser completa, é também dividida em três contingências completas,
conforme a Tabela 1.
Tabela 1
Tríplices contingências completas e incompletas identificadas a partir dos deveres do
Estado e da família
Tríplices contingências
completas
Tríplices contingências
incompletas
Estado – Oferta do ensino
fundamental
Dever do Estado – Garantir o
Município – Oferta do ensino
ensino fundamental
fundamental
União – Assistência técnica e
financeira
Demais deveres do Estado
Dever da família – Efetuar a matrícula dos menores no ensino
fundamental
Ação da família – Acompanhar a frequência escolar no ensino
fundamental
De acordo com o Art. 4° da LDB, o dever do Estado corresponde à garantia de
oferta e acesso gratuito a todos os níveis de ensino, inclusive educação especial e
educação para jovens e adultos, além de padrões mínimos de qualidade. Porém,
conforme Inciso I do Art. 4° e § 2º do Art. 5°, apenas o ensino fundamental é tido
como obrigatório e prioridade inicial do poder público.
167
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
Os deveres do Estado, descritos no Art. 4°, têm como antecedentes o Art. 2° da
LDB e o Art. 205 da Constituição (para tornar mais claro o artigo da LDB). Para o
comportamento “garantir o ensino obrigatório” (ensino fundamental) foi identificado,
no § 4º do Art. 5° da LDB, consequência contingente ao seu não cumprimento pelas
autoridades competentes, que corresponde a crime por responsabilidade (ver Tabela 2).
Tabela 2
Tríplice contingência completa referente ao comportamento “garantir o ensino
fundamental”, dever do Estado
Antecedente
Art. 2º. A educação, dever da
família e do Estado, inspirada
nos princípios da liberdade e
nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 5º. O acesso ao ensino
fundamental é direito público
subjetivo, (...)
Comportamento
Garantia do ensino obrigatório
(ensino fundamental)
Art. 4º. O dever do Estado
com a educação escolar
pública será efetivado
mediante a garantia de:
I – Ensino fundamental,
obr ig atór i o e g rat uito * ,
inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade
própria.
(Art. 5º) §2º. Em todas as
esferas administrativas, o
poder público assegurará em
primeiro lugar o acesso ao
ensino obrigatório, (...)
Consequência
(Art. 5º) §4º. Comprovada a
negligência da autoridade
competente para garantir o
ofere cimento do ensino
obrigatório, poderá ela ser
imputad a p or cr ime de
responsabilidade.
*- grifo acrescentado
Os demais deveres do Estado para com a educação dizem respeito ao atendimento
gratuito da educação infantil, ensino médio, educação de jovens e adultos, acesso aos
níveis mais elevados de ensino e pesquisa, e padrões mínimos de qualidade. Para estes
não foram encontradas, nem na LDB e nem na Constituição ou no ECA, consequências
contingentes ao seu cumprimento pelos agentes competentes. Por conter apenas
antecedente e comportamento, tal contingência é incompleta, conforme mostrado na
Tabela 3.
E n q u a n t o p a r a o d e v e r ( c o m p o r t a m e n t o ) “g a r a n t i r o e n s i n o
obrigatório/fundamental”, o antecedente continua sendo o Art. 205 da Constituição e
168
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
Art. 2 da LDB, acrescido o Art. 5 desta que especifica a prioridade deste ensino, a não
ocorrência deste comportamento tem como consequência as penalidades por crime de
responsabilidade, descritas no Parágrafo 4º do Art. 5 da LDB. Esta é a tríplice
contingência completa, por conter antecedente, comportamento e consequência.
A única consequência contingente aos deveres do Estado encontrada na LDB diz
respeito à garantia de oferta do ensino fundamental. Os agentes diretamente
responsáveis pela oferta são os estados, os municípios e o Distrito Federal, conforme
Capítulo VI do Art. 10, Capítulo V do Art. 11, e Parágrafo único de Art. 10 da LDB,
respectivamente. Enquanto isso, a União é responsável por prestar assistência técnica e
financeira a estes agentes para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, dando
prioridade ao ensino fundamental, de acordo com Capítulo III do Art. 9.
Tabela 3
Tríplice contingência incompleta referente ao comportamento “garantia dos demais
níveis de ensino e padrões mínimos de qualidade”, dever do Estado
Antecedente
LDB
Art. 2º. A educação, dever da família e
do Estado, inspirada nos princípios da
liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Constituição
Art. 205. A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
169
Comportamento
Garantia dos demais
níveis de ensino e padrões
mínimos de qualidade.
Art. 4º. O dever do
Estado com a educação
e s c o l a r pú b l i c a s e r á
efetivado mediante a
garantia de:
Capítulos II a X
Consequência
Não encontrado na
Constituição nem no
ECA.
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
A partir desta contingência foram encontradas outras três contingências contendo
o mesmo antecedente, e os comportamentos correspondentes a “oferta do ensino
fundamental” cujos responsáveis são os agentes que representam os municípios
(prefeitos e vereadores), os estados (governadores e secretários de Estado) e o Distrito
Federal (governador e secretários), e cujas consequências por crime de
responsabilidade são descritas, respectivamente, no Inciso § 2º do Art. 1º do Decreto de
Lei n°201/67, Art. 78 da Lei nº 1.079/50 e Art. 4º da Lei nº 7.106/83, que se resumem à
perda de cargo e inabilitação para exercício de qualquer função pública por até cinco
anos, caso seja comprovada tal negligência. A União tem como comportamento a
“assistência técnica e financeira” para o desenvolvimento dos sistemas de ensino,
priorizando o ensino fundamental, e tem as mesmas consequências por crime de
responsabilidades, descrito no Art. 2º da Lei nº 1.079/50.
Assim, temos uma tríplice contingência completa e, a partir desta, foram descritas
outras quatro tríplices contingências, cujo comportamento de cada agente é a oferta do
ensino fundamental, tendo o mesmo antecedente da principal, porém suas
consequências, apesar de serem descrições da consequência da primeira tríplice
contingência, foram encontradas em outras leis, por serem mais específicas e
contingentes ao comportamento de cada agente.
O dever da família, por sua vez, foi encontrado no Art. 6º, no qual o
comportamento exigido é apenas a efetuação da matrícula dos menores no ensino
obrigatório (fundamental), a partir dos seis anos de idade. O antecedente deste
comportamento é o Art. 2° e Art. 5º da LDB; entretanto, não foi encontrada na referida
lei qualquer consequência contingente a este comportamento. Por isso recorreu-se a
outras leis para completar essa contingência; assim a consequência para o
descumprimento deste artigo foi encontrada no Art. 24 e Art. 249 do Estatuto da
Criança e Adolescente (ECA).
Observa-se que o dever da família se restringe apenas à efetuação da matrícula de
seus filhos no ensino fundamental. Entretanto foi encontrada na LDB outra atividade
da família, que diz respeito ao acompanhamento da frequência escolar dos mesmos,
mas esta ação não é vista como dever explícito, conforme o Capítulo II do Inciso § 1º
do Art. 5º, e Capítulo VII do Art. 12. Entretanto, no ECA “acompanhar frequência
170
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
escolar” é tida como obrigação da família (V do Art. 129) e tem como consequência
pelo seu descumprimento, de dever inerente ao pátrio poder, a pena correspondente ao
Art. 249.
A partir dessas análises, observa-se que a família tem duas ações referentes à
educação, matricular os filhos no ensino fundamental, este sendo um dever, e
acompanhar a frequência escolar dos mesmos, não visto como dever explícito. A
consequência de ambos foi encontrada em outras leis: o ECA e a Lei no 10.836/04,
respectivamente. Por recorrer a outras leis para identificar consequências contingentes
às ações da família, as contingências são incompletas, tendo apenas o antecedente e
comportamento identificados na LDB, conforme ilustrado na Figura 2.
Figura 1
Tríplice contingência completa e sua subdivisões referentes a ações do Estado, com
especificações de comportamentos e suas consequências
Tríplice contingência
completa
Antecedente
Acesso ao ensino
fundamental é direito
público
(Art. 2º e Art. 5º)
Comportamento
Garantir em primeiro
lugar o ensino
fundamental
(Art. 4º e § 2º do Art. 5º)
Subdivisão da Tríplice contingência
completa
Ofertar ensino fundamental
Comportamento
Consequência
Distrito Federal
Parágrafo único
Art. 10
Art. 4º da Lei nº
7.106/83
Estados
Art. 10 (cap.II e
cap. VI)
Municípios
Art. 11 (cap.V)
Art. 78 da Lei nº
1.079/50
§2º do Decr-Lei
nº 201/67
Consequência
Crime de
responsabilidade
(§4º do Art. 5º)
171
Prestar assistência
técnica e financeira
Comportamento
Consequência
União
Art. 9º (cap. III)
Art. 78 da Lei
nº 1.079/50
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
Tabela 4
Tríplice contingência incompleta do dever da família, completada com consequências
encontradas no ECA
Antecedente
Art. 2º. A educação, dever da
família e do Estado, inspirada
nos princípios da liberdade e
nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 5º. O acesso ao ensino
fundamental é direito público
subjetivo, (...)
Comportamento
“Efetuar matrícula”
Art. 6º. É dever dos pais ou
responsáveis efetuar a
matrícula dos menores1, a
partir dos seis anos de idade,
no ensino fundamental.
ECA
Art. 22. Aos pais incumbe o
dever de sustento, guarda e
educação dos filhos menores,
c ab en d o - l h e s ai n d a , n o
interesse destes, a obrigação
de cumprir e fazer cumprir as
determinações judiciais.
Art. 129. São medidas
aplicáveis aos pais ou
responsável:
V – Obrigação de matricular
o fil h o o u p u p i l o e
acompanhar sua frequência e
aproveitamento escolar;
Consequência
ECA
Art. 24. A perda e a
suspensão do poder familiar
serão decretadas
judicialmente, em
procedimento contraditório,
n o s c a s o s pr e v i s t o s n a
legislação civil, bem como na
hipótese de descumprimeto
injustificado dos deveres e
obrigações a que alude o Art.
22.
Art. 249. Descumprir, dolosa
ou culposamente, os deveres
inerentes ao poder familiar
ou decorrente de tutela ou
guarda, bem assim
determinação da autoridade
ju d i c i á r i a o u C on s e l h o
Tutelar:
Pena: multa de três a vinte
salários de referência,
aplicando-se o dobro em caso
de reincidência.
1- grifo acrescentado
Metacontingências
No Art. 2º é descrita a metacontingência principal que rege toda a LDB, e que
abarca metacontingências secundárias, conforme os PAs especificados.
Art. 2° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
172
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Figura 2
Tríplices contingências incompletas referentes a ações da família, sendo completadas
com outras leis
Antecedente
Educação é direito de
todos e dever da
família e do Estado
(Art. 2º e Art. 5º da
LDB e Art. 205 da
Constituição
Comportamento
Não efetuar a
matrícula no ensino
fundamental
Consequência
Perda do poder familiar ou
multa (Art. 24 e Art. 249)
Comportamento
Não acompanhar a
frequência escolar
Consequência
Art. 249
Pena: multa de três a 20
salários
Como objetivos da educação, encontramos aqui os seguintes PAs: pleno
desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania, e qualificação para o trabalho.
A partir deste, para a definição de outros possíveis PAs, foi utilizada a seguinte
pergunta norteadora: “Que outros PAs são necessários serem produzidos para alcançar
este PA?” Como resultado, para cada PA da metacontingência principal foram
definidos outros PAs, conforme será discutido a seguir.
No PA “pleno desenvolvimento”, ao tentar responder a pergunta norteadora, “Que
outros PAs são necessários serem produzidos para alcançar esse PA?”, podemos
compreender sua definição como produto de outros PAs definidos na
metacontingência principal, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho, em termos da função da educação. Ou seja, para que haja um pleno
desenvolvimento do educando, é necessário que este esteja preparado para exercer sua
cidadania e que esteja qualificado para executar alguma atividade profissional.
Assim, na metacontingência descrita no Art. 2º observamos o PA primário “pleno
desenvolvimento do educando” sendo definido pelos PAs secundários “preparo para o
exercício da cidadania” e “qualificação para o trabalho”. Cada PA secundário
corresponde a uma metacontingência secundária, por ele definido. Ou seja, a
173
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
metacontingência principal contém duas metacontingências secundárias, oriundas da
definição de cada PA.
Figura 3
Definição de produtos agregados primários e secundários a partir da
metacontingência principal.
Art. 2º. A educação,
dever da família e do Estado,
inspirada nos princípios da
liberdade e nos ideais da
solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno
desenvolvimento do
educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e
sua qualificação para o
trabalho*
Pleno
desenvolvimento do
educando
Preparo para o exercício
da cidadania
Qualificação para o
trabalho
* grifo acrescentado
De acordo com a LDB, a educação básica, formada por ensino infantil,
fundamental e médio, é responsável pelos dois PAs secundários, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Logo, pressupõe-se que as
definições destes serão encontradas nestes níveis de ensino.
Segundo o dicionário Aurélio, “cidadania” significa “condição de cidadão”, e
“cidadão” é “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado.” Assim,
podemos compreender que exercer cidadania significa exercer os direitos e deveres
civis e políticos, sendo estes descritos na Constituição brasileira. Para o exercício destes
é necessário conhecê-los, mas como tais conhecimentos podem ser adquiridos? Nem
na educação formal nem informal eles são diretamente ensinados, mesmo sendo eles
especificados como uma das diretrizes para os conteúdos curriculares da educação
básica.
174
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
Por outro lado, o conhecimento da história social, política e cultural da sociedade,
além dos valores da sociedade, também constituem preparo para exercício da
cidadania. Diante disso, ao responder a pergunta "Que outros PAs são necessários serem
produzidos para alcançar este PA?" para a definição do PA secundário "exercício da
cidadania" foram encontrados os repertórios do educando no conhecimento da história
política e social, e da cultura do Brasil. Eles são descritos nos currículos comuns do
ensino fundamental e médio (Art. 26 e Art. 26 A da LDB).
Desta forma, o PA secundário "preparo para o exercício da cidadania" é definido
por dois grupos de PA terciários, porém apenas o segundo grupo consiste em
repertórios que o educando deve apresentar ao final do ensino médio, iniciado no
ensino fundamental, como é sintetizado na Tabela 5.
E por último, temos o PA secundário "qualificação para o trabalho". Para este, ao
tentar responder a pergunta "Que outros PA são necessários serem produzidos para
alcançar este PA secundário?", não foram encontradas habilidades do educando
referentes ao trabalho, assim como fora encontrado para o PA "exercício da cidadania",
e nem outro tipo de produto agregado.
Entretanto, ao se questionar como chegar a esse PA secundário (qualificação para
o trabalho) foram identificados dois níveis de ensino (ensino médio e superior) e três
modalidades (Educação Profissional e Tecnológica, Educação de jovens e adultos,
Educação Especial) de ensino, estes se integrando em diferentes níveis de ensino
regular.
Tabela 5
Definição do PA Secundário “Preparo para o "Exercício de Cidadania em PA's
Terciários
PA Secundário
“Preparo para o exercício da cidadania”
175
PA Terciário
a. Conhecimento dos direitos civis e políticos
b. Conhecimento da história social e política, da
cultura do Brasil, e valores da sociedade
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
O ensino médio tem como objetivo, dentre outros, a preparação básica para o
trabalho e compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos (Parágrafo II e IV do Art. 35). O ensino superior, por sua vez, objetiva
formar “diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em
setores profissionais” (Parágrafo II do Art. 43).
A Educação Profissional e Tecnológica, por sua vez, abrange três cursos, cada um
ocorrendo paralelo, ou ao final, de um nível de ensino regular, conforme a Tabela 6, e
garantindo, ao final, uma certificação de qualificação para trabalho (Art. 39, 40 e 41).
Tabela 6
Cursos da Educação Profissional e Tecnológica que ocorrem com respectivos níveis do
ensino regular
Cursos da Educação Profissional e Tecnológica
De formação inicial e continuada ou qualificação
profissional
De educação profissional técnica de nível médio
De educação profissional técnica de graduação e
pós-graduação
Níveis do Ensino Regular
Ensino fundamental
Ensino médio
Ensino superior
A Educação Especial é direcionada para educandos portadores de necessidades
especiais, sendo oferecida, preferencialmente, no ensino regular, e deve assegurar uma
educação voltada para trabalho, visando à inclusão social destes educandos (Art. 58 e
59). A Educação de Jovens e Adultos, que é destinada aos indivíduos que não tiveram
acesso ou não concluíram o ensino fundamental e médio na idade própria, deve se
articular com a educação profissional (Art.37).
Dentre estas formas de atingir o PA secundário qualificação para o trabalho,
apenas no ensino superior e na Educação Profissional e Tecnológica o educando obtém
um diploma ou certificado, respectivamente, que comprove a sua qualificação para o
mercado de trabalho.
176
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
Discussão
A presente pesquisa buscou investigar as contingências e metacontingências
contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Em termos gerais,
observou-se que o Art. 2º foi central, tanto para a análise funcional (a partir dos
deveres do Estado e da família), como para a análise de metacontingência (com as
finalidades da educação).
A partir dos artigos da referida lei, foi encontrada uma tríplice contingência
completa e três tríplices contingências incompletas; apenas duas destas foram
completadas, em suas consequências, com artigos da Constituição Federal e do Estatuto
da Criança e Adolescente (Tabela 1).
Com os resultados das análises, observa-se que apenas para os comportamentos
“garantir oferta e permanência no ensino fundamental” (que incluem acesso, matrícula
e frequência) há previsão de consequências contingentes ao descumprimento, tanto por
parte do Estado quanto da família.
A tríplice contingência completa encontrada diz respeito ao dever do Estado em
garantir o ensino obrigatório (ensino fundamental), cuja consequência pelo
descumprimento é a penalidade por crime de responsabilidade. Como Estado é
composto pela União, estados-membros, Distrito Federal, municípios, o
comportamento “garantir o ensino fundamental” foi dividido conforme estes entes
federados: comportamento de “oferecer do ensino fundamental” pelos estados, Distrito
Federal e municípios (sendo prioridade deste), e comportamento de “prestar assistência
técnica e financeira” para atendimento prioritário do ensino pela União (Figura 1).
As consequências contingentes a esses comportamentos correspondem ao melhor
detalhamento do crime de responsabilidade, que se resumem à perda de cargo e
inabilitação para o exercício de qualquer função pública, por até cinco anos. Tais
consequências são contingentes ao não cumprimento da garantia ao ensino
fundamental pelos agentes responsáveis em cada ente federado. Quanto à ausência de
oferta ou oferta irregular, Konzen (1999) apresenta também outra penalidade, a
improbidade administrativa, na hipótese de desvio de recursos públicos, que seria
destinado à educação, para outras finalidades.
177
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
A lei de improbidade administrativa (Lei n° 8.429/92) descreve sanções aplicáveis
aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito ou danos ao Tesouro público
durante a administração pública. As penalizações são: perda de bens obtidos
ilicitamente, perda da função pública, ressarcimento dos danos materiais, suspensão
dos direitos políticos por um determinado período, e multa.
Não foram encontrados na Constituição e no ECA artigos que indiquem
consequências contingentes aos demais deveres do Estado (garantia dos demais níveis
de ensino e padrões mínimos de qualidade de ensino). Porém, como se tratam de
deveres jurídicos, os agentes responsáveis por eles também podem ser penalizados por
crimes de responsabilidade pelo descumprimento de tais deveres, ou se enquadrando
na lei de improbabilidade administrativa, na hipótese de desvio de recursos públicos
(Konzen, 1999). Como a relação comportamento-consequência não é muito clara nos
textos legais, assim como a diversidade de consequências, a decisão depende de
interpretações judiciais, conforme as características do processo envolvido.
Além do Estado, a família também tem deveres com a educação. No Art. 6° da
LDB observamos que é dever da família matricular seus filhos a partir dos seis anos de
idade no ensino fundamental. As consequências para o descumprimento desse dever
foram encontradas no ECA: perda do poder familiar ou multa (Tabela 4).
Konzen (1999) ainda acrescenta que a falta do cumprimento deste dever por parte
dos pais ou responsáveis também “pode significar a prática do delito de abandono
intelectual” (p. 12), cuja consequência (pena) é detenção de quinze dias a um mês, ou
multa (Art. 246 do Código Penal). Dessa forma, o comportamento de “não matricular”
os filhos menores pode ter três consequências possíveis para os pais ou responsáveis
(Art. 24 e Art. 248 do ECA, e Art. 246 do Código Penal), que se resumem a perda de
poder familiar, detenção e multa, cujo julgamento depende de interpretações do Poder
Judiciário.
Ao longo da LDB foi encontrada outra função da família na educação: juntamente
com a escola e professores, os pais ou responsáveis têm a obrigação de acompanhar a
frequência escolar do educando. Porém, na referida lei não há previsão de
consequências contingentes a esse comportamento. Na LDB “acompanhar frequência
escolar” não é tido como dever, enquanto no ECA ela consta como dever inerente ao
178
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
pátrio poder (Art. 129), e tem como consequência pelo descumprimento a pena de
multa de três a vinte salários, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (Art. 249
do ECA).
Observa-se, então, que as tríplices contingências completas, e aquelas que foram
completadas com artigos de outras leis, referem-se ao ensino fundamental, envolvendo
consequências que controlam a garantia de sua oferta, acesso, matrícula e permanência.
As consequências encontradas são contingentes ao “descumprimento” de uma
ação, ou seja, o Estado e a família têm deveres com a educação, mas não estão descritas
consequências para “cumprimento” de tais deveres, e sim consequências aversivas para
seu “descumprimento”, reforçando, assim, o caráter punitivo do governo. Por outro
lado, as contingências incompletas, por não esclarecerem as consequências para a ação
(ou falta dela), abrem precedente para várias interpretações, que podem ser
manipuladas, articulando-se com diferentes artigos de leis semelhantes. Diante disso,
Todorov (2004) aponta a necessidade de análises que façam inter-relações com outras
leis correlatas, ou seja, recorrer a artigos de outras leis para especificar consequências
que faltam nas contingências incompletas da lei em estudo.
Desta forma, o controle legal envolve um emaranhado de leis, exercendo maior
controle do comportamento do cidadão pela agência governamental (Skinner, 1953),
uma vez que as leis que abordam o mesmo tema se inter-relacionam, por meio de
repetição de artigos ou fornecendo elementos da contingência uma para outra.
Como segunda parte de análises, a LDB é, também, um enunciado de
metacontingências, pois descreve diversas contingências de vários segmentos da
sociedade (União, Estado, Distrito Federal, Municípios, escola, educadores, família)
que agem em regime de colaboração por uma educação universal e de qualidade,
visando à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Na metacontingência principal, descrita no Art. 2º, foram identificados um
produto agregado (PA) principal e dois PA secundários (Figura 3); destes últimos,
apenas um foi definido em PA terciário (Tabela 5); para o outro apenas foram
identificados meios para alcançá-lo. Desta forma, a LDB define um PA (pleno
179
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
desenvolvimento do educando) que depende dos outros (preparação para o exercício
da cidadania e qualificação para o trabalho).
O PA secundário “preparo para exercício da cidadania” é definido, na LDB, em
dois grupos de PA terciários (Tabela 5). A preparação para o exercício da cidadania é
um dos objetivos da educação, já que ninguém nasce sabendo exercer todos os
privilégios e obrigações inerentes à condição de cidadão. Por meio da educação, o
cidadão passa a conhecer suas liberdades, formas de exercer seus direitos e a
importância de cumprir seus deveres (Braatz, 2008; Machado, 1999; Pereira & Teixeira,
2008).
Esse PA secundário é atingindo por meio do ensino fundamental (formação do
cidadão) e do ensino médio (continuação de formação do cidadão e qualificação para
trabalho), com predomínio no primeiro.
O PA secundário “qualificação para o trabalho” não pode ser definido em outros
PA terciários. Tal dificuldade pode estar relacionada à grande variedade de
modalidades de trabalho e profissões. Por isso, foram identificados meios de atingir
esse PA secundário, que são: ensino médio, educação profissional e tecnológica, ensino
superior e educação especial.
O ensino médio e superior tem funções formativa e profissional, com ênfase na
primeira, enquanto a educação profissional tem como objetivos a formação técnica, a
qualificação, a profissionalização e a atualização tecnológica, sendo desenvolvida em
diferentes níveis de escolaridade, ou seja, sendo articulada à educação básica (Tabela 6),
promovendo uma interação entre objetivo e conteúdos, principalmente com o ensino
médio (Messeder, 2012; Pereira & Teixeira, 2008).
A educação de jovens e adultos e a educação especial, que são modalidades de
ensino, agem com o objetivo de cumprir de maneira satisfatória, conforme suas
particularidades, sua função de preparar os educandos para exercício da cidadania e
para o mundo do trabalho (Messeder, 2012; Pereira & Teixeira, 2008). Para desenvolver
um bom desempenho no preparo para o trabalho é necessário que o educando tenha
adquirido habilidades/repertórios básicos, tais como aprendizagem de leitura, escrita e
matemática, entre outras que são desenvolvidas no ensino fundamental.
180
Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação
Conclusões
Diante o exposto, conclui-se que a LDB, enquanto enunciado de contingências,
apresenta consequências contingentes ao descumprimento de garantir acesso e
permanência no ensino fundamental, ao passo que, enquanto enunciado de
metacontingências, especifica o que tem que ser feito na educação nacional, que PAs
devem ser atingidos, porém não expõe como fazer para alcançá-los, nem o que pode
acontecer se nada disso ocorrer.
Além do mais, a LDB elenca deveres de cada agente responsável pela educação,
enfatizando que devem agir em regime de colaboração, porém não está claro como
deve ser essa colaboração, nem como tais deveres devem ser executados. E nela nem é
apresentada explicitamente qualquer consequência cultural contingente ao PA “pleno
desenvolvimento do educando”, e nem às suas definições em PAs secundários (preparo
para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho). Porém, conforme a
Constituição, a educação faz parte dos direitos sociais, direitos fundamentais inerentes
da sociedade, e como tal ela visa à melhoria de condição de vida do detentor desses
direitos (Braatz, 2008; Pereira & Teixeira, 2008), ou seja, a consequência cultural que
controla os PAs da LDB é a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos.
O direito à educação abrange direito à vaga, ao ingresso, à permanência, à
qualidade de ensino e ao sucesso escolar. Tais características são abordadas, bem
similarmente, na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e na
LDB, sendo que esta se concentra na oferta e regulação dos sistemas de ensino. E todos
apresentam a obrigatoriedade do ensino fundamental (Konzen, 1999).
181
Izabel Cristina Vale de Carvalho e João Claudio Todorov
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184
11
Effect of relative reinforcement duration in
concurrent schedules with different reinforcement
densities: a replication of Davison (1988)1
Efeito da duração relativa dos estímulos reforçadores em
esquemas concorrentes com diferentes densidades de reforços:
uma replicação sistemática de Davison (1988)1
João Claudio Todorov
Elenice S. Hanna
Cristiano Coelho
Ana Flávia Borges Moreira
Thaís Andreozzi
Patrícia Finageiv
Luciana Bayeh
Publicado originalmente
na Revista Brasileira de
Análise do
Comportamento /
Brazilian Journal of
Behavior Analysis, 2017,
Vol. 13, No.1, 78-84.
Abstract
Previous studies have challenged the prediction of the
Generalized Matching Law about the effect of relative, but not
absolute, value of reinforcement parameters on relative choice
measures. Six pigeons were run in an experiment involving
concurrent variable-interval schedules with unequal
reinforcer durations associated with the response alternatives
(10 s versus 3s), a systematic replication of Davison (1988).
Programmed reinforcement frequency was kept equal for the
competing responses while their absolute value was varied.
Measures of both response ratios and time ratios showed
preference for the larger duration alternative and that
preference did not change systematically with changes in
absolute reinforcer frequency. Present results support the
relativity assumption of the Matching Law. It is suggested that
Davison’s results were due to uncontrolled variations in
obtained reinforcement frequency.
Keywords: choice, preference, overall reinforcer frequency,
reinforcer magnitude, pigeons.
1. Carolina M. Leite, Atila Rua, Karina Alvarenga and Carlos Augusto de Medeiros (Pibic/CNPq, Brazil) helped in data
collection. Part of this experiment was presented in meetings of the Sociedade Brasileira de Psicologia (Resende,
Finageiv, Andreozzi, & Todorov, 2003). João Claudio Todorov is Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D, CNPq
(Brazil). Elenice Hanna is a researher of the Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição
e Ensino, CNPq (Processos #573972/2008-7 and 465686/2014-1) and Fapesp (Processos # 2008/57705-8 and
2014/50909-8). Mail should be sent to J. C. Todorov, SHIN QI 01 Conj. 09 Casa 11, CEP 71505-090 Brasília, DF, Brasil.
185
João Claudio Todorov et al.
Resumo
Estudos anteriores têm questionado a predição da Lei Generalizada da Igualação sobre o
efeito do valor relativo, e não absoluto, de parâmetros de reforçamento sobre medidas relativas de
escolha. O presente estudo utilizou seis pombos em um experimento em que esquemas
concorrentes de intervalo variável foram programados com diferentes durações do estímulo
reforçador associadas a cada alternativa (10 s versus 3 s de acesso). A frequência programada de
reforços foi mantida constante para as respostas alternativas, enquanto o valor absoluto foi
manipulado. Medidas de distribuição de respostas e de tempo alocado aos esquemas mostraram
preferência pela alternativa com maior duração do reforço, e essa preferência não foi
sistematicamente afetada por mudanças na frequência absoluta de reforços. Os resultados apoiam
a formulação da Lei da Igualação em termos de medidas relativas. Sugere-se que os resultados de
Davison foram afetados por variações assistemáticas na frequência de reforços obtidos.
Palavras-chave: escolha, preferência, frequência de reforços, magnitude de reforços, pombos.
Responding in concurrent variable-interval schedules of reinforcement (VI) where
the components of the concurrent pair differ in frequency and magnitude of
reinforcement is described by the Generalized Matching equation
log (B1/B2) = log k + a log (R1/R2) + b log (A1/A2)
(1)
where B is a measure of response or time, R and A denote reinforcer frequency
and magnitude, respectively. Subscripts indicate the two schedules, a and b are
empirical parameters indicating sensitivity to reinforcement frequency and magnitude,
and k is bias, a possible constant proportional preference for one schedule due to
variables other than those being manipulated (Baum, 1974; Lobb & Davison, 1975).
The independence of ratios of rate and magnitude of reinforcement in choice situations
was suggested by Baum and Rachlin (1969). Independent changes in the reinforcement
frequency and magnitude parameters of Equation 1 were demonstrated by Schneider
(1973), Todorov (1973), Todorov, Hanna and Sá (1984), and Davison and Baum (2003),
among others, but not replicated by Keller and Gollub (1977), Elliffe, Davison and
Landon (2008) and Aparicio, Baum, Hughes and Pitts (2016).
186
Effect of relative reinforcement duration in concurrent schedules
Equation 1 considers only relative values of reinforcer frequency and reinforcer
magnitude, implying that the equality holds for any absolute values of those
parameters, with the value of the sensitivity parameter depending on the type of the
independent variable being manipulated (cf., de Villiers, 1977; Herrnstein, 1970;
Rachlin & Laibson, 1997; Staddon & Cerutti, 2002; Williams, 1988). Davison (1988),
however, pointed out some data that would challenge that assumption: Davison &
Hogsden (1984) and Logue & Chavarro (1987) presented data showing that the
sensitivity to reinforcer magnitude was not constant but rather depended on the
absolute values of the durations. Davison (1988) kept constant, but different, reinforcer
durations, along changes in the absolute reinforcement frequency of equal
variable-interval concurrent schedules, and reported systematic changes in the
sensitivity to reinforcement magnitude. He concluded that the Generalized Matching
Law has serious problems in describing changes in preference for an independent
variable when that variable is changed: “... concurrent-schedule preference between
different reinforcer durations may not be independent of the overall frequency with
which the reinforcers are produced” (Davison, 1988, p. 345).
However, the experiments reported by Logue and Chavarro (1987) and by
Davison (1988) had in common deviations from programmed equal reinforcer
frequencies resulting in unscheduled obtained unequal relative reinforcement rates
(Todorov, 1991; Todorov, Coelho & Beckert, 1993). The present experiment replicated
Davison’s procedure, correcting the programming of dependent concurrent
variable-interval schedules (Stubbs & Pliskoff, 1969), following Davison’s suggestion
that “rather than speculation about models, what is required now is a considerable
amount of empirical research to chart in a more detailed fashion the effects of relative
and overall reinforcer durations, and the interactions between these in their effects on
choice” (Davison, 1988, p. 347). The present experiment was a replication of Davison
(1988) with one change. In order to avoid systematic deviations between scheduled and
obtained relative reinforcement rates, the order and number of reinforcers associated
with each schedule was predetermined by a computer program.
187
João Claudio Todorov et al.
Method
Subjects
Six male adult pigeons, of an uncontrolled derivation of the species Columba Livia,
experimentally naive, were maintained at 85% of their free-feeding body weights by
feeding varying amounts
Apparatus
Three sound attenuated experimental chambers (Grason Stadler Model
E315AA-3), in which noise was masked by exhaust fans, were situated in a sound
attenuated room, adjacent to the location of controlling equipment. Two response keys
9 cm apart, 2 cm in diameter, 21 cm from the grid floor, requiring about 0.1 N for their
operation, were situated in one wall of the chamber. The left response key was
transilluminated by a red light, the right key by a green light. A white light was located
on the ceiling, and was turned off during reinforcements, when the feeder was then
illuminated by red or green light. A food hopper was situated midway between the keys
and 10 cm from the floor. Reinforcements were periods of access to mixed grain.
During reinforcements, the hopper light was on, all other lights were off, and
programming and recording devices stopped. A BBC Master computer scheduled and
recorded events.
Procedure
Subjects were submitted to dependent concurrent variable interval, variable
interval (conc VI VI) schedules (Stubbs & Pliskoff, 1969) in which the absolute
frequency of reinforcements was varied while relative reinforcement frequency was
kept constant, with equal VI schedules associated with each alternative. This aspect of
the procedure was the fundamental difference from that used by Davison (1988).
Dependent concurrent schedules was a procedure devised by Stubbs & Pliskoff (1969)
to avoid uncontrolled deviations of obtained from programmed reinforcement
distributions (cf., Shull & Pliskoff, 1967). The order and number of reinforcements to be
obtained in each schedule was controlled beforehand by a computer program
considering the programmed session duration. A 3-s changeover delay (COD;
Herrnstein, 1961) was in effect after changeovers. Experimental sessions run seven days
188
Effect of relative reinforcement duration in concurrent schedules
a week. Daily sessions ended after 60 reinforcers had been obtained or after 45 min
had elapsed, whichever event occurred first. Each experimental condition (see Table 1)
was in effect until a stability criterion had been met, at which point the condition was
changed for that subject. The initial criterion was that the median relative response rate
on the left key over five sessions was not more than .05 different from the median over
the immediately preceding five sessions, given a minimum of 14 sessions per condition.
Table 1
Sequence of Experimental Conditions, VI Schedules, and Reinforcer Durations
Experimental Condition
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
VI Schedules (s)
120
30
60
120
180
240
240
30
16
16
Reinforcer Duration (s)
Left
Right
10
10
10
10
10
10
3
3
3
10
3
3
3
3
3
3
10
10
10
3
Note: Equal VI VI schedules on both components of the concurrent schedules
Results
Figure 1 shows the logarithm of response ratios (left response/right response) and
time ratios as a function of total obtained reinforcer frequency in the last five sessions
of experimental conditions for each bird. Conditions with 10 s reinforcement duration
programmed on the left are presented on the left panels and conditions with 10 s
reinforcement duration on the right are shown on the right panels. Data are
summarized in the Appendix.
189
João Claudio Todorov et al.
Figure 1
Response ratios and time allocation ratios (log) as a function of overall obtained
reinforcer frequency of each condition
Visual inspection shows that response and time allocation ratios did not change
systematically with changes in overall frequency of reinforcement for all subjects. Table
2 shows R2 and slope of regression analysis for individual data relating response ratio
or time ratio to overall frequency of reinforcement. Ratios of all conditions were
calculated with 10 s reinforcer duration as numerator and 3 s as denominator.
Variations of choice behavior measures were not explained by changes in overall
frequency of reinforcement and increases in one behavior were not followed by
systematic decreases in absolute reinforcement rate. Coefficient of determination (R2)
for response and time of all subjects were, in general, below 0.2, except for T11 and
T15. In addition, slopes of regression analysis were 0.00, indicating no trend for all 12
functions between choice behavior and absolute reinforcement rate. Group analysis
(Figure 2) with average data showed also slopes close to 0.00.
190
Effect of relative reinforcement duration in concurrent schedules
Table 2
R2 and Slope of Regression Analysis for Individual Data
Bird
T10
T11
T12
T15
T16
T17
Response
Time
R2
Slope (a)
R2
Slope (a)
0.1279
0.3317
0.0613
0.2271
0.1472
0.0175
-0.0016
-0.0018
0.0009
-0.0011
-0.0012
0.0004
0.1281
0.2630
0.0506
0.1361
0.0864
0.0156
-0.0013
-0.0017
-0.0007
-0.0012
-0.0008
4
Note. Equation log(B10s/B3s) or log(T10s/T3s) = a.(Rtotal) + b
B=response; T=time allocation; Rtotal= total obtained reinforcer frequency
Figure 2
Response ratios and time allocation ratios (average data of all subjects) as a function of
overall obtained reinforcement frequency
191
João Claudio Todorov et al.
Discussion
Results of the present experiment showed that changes in choice behavior
(response and time ratios) varied with changes in reinforcement duration, but not in
overall reinforcement frequency of reinforcement, both for individual and group data.
These results are inconsistent with Davison’s conclusion (1988) regarding the effect of
absolute reinforcement frequency on response and time distributions controlled by
unequal reinforcer amounts scheduled for the alternative schedules of a concurrent
pair.
The present data suggest that the uncontrolled variations on relative reinforcement
frequency observed on Davison’s (1988) data may be responsible for the differences
observed in his study (Todorov, 1991). When scheduling of reinforcers between choice
alternatives depends on probability generators, the obtained relative frequency may
vary from the prediction based on a fixed probability, especially when the sample is
small. When a sample is made of 60 events, for example, a generator that is accurate for
samples of at least 1000 events may result in distortions as those observed in Davison’s
experiment.
A replication of Davison’s (1988) experiment was important because of its
implications for the theory behind the Matching Law (Herrnstein, 1961, 1970). The
matching equation predicts the relation between relative measures, without mention to
absolute values. The conditions under which the relativity assumption holds are still a
topic for research (e.g., Aparicio et al., 2016). The present results suggest that two other
related experiments should be replicated, Davison and Hogsden (1984) and Logue and
Chavarro (1987.
192
Effect of relative reinforcement duration in concurrent schedules
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João Claudio Todorov et al.
Appendix
Sum of data from the last five sessions of each experimental condition showing
number of responses on the left response key, responses on the right key, time
associated with the left key and with the right key, and reinforcers delivered
after responses in each key
Bird
196
Condition
Responses
Left
Right
Time (s)
Left
Right
Reinforcers
Left
Right
T10
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
8830
7531
8866
7716
10381
5100
1606
3383
4568
9834
8235
5253
7748
4207
4337
1632
7838
4178
1990
643
6792
7717
7731
9729
10006
9580
5694
4500
5284
10439
6033
3739
4550
3121
3037
3609
7458
6918
5705
1279
49
153
91
47
34
22
25
122
186
133
50
152
91
50
30
25
25
122
189
135
T1 1
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
9631
5110
13151
11291
15474
4101
5657
1923
3935
7516
1367
2138
3234
3203
2431
578
9635
4852
6661
4127
10761
8328
10470
11047
11607
5017
7166
4382
6016
7440
2354
4422
2076
1865
1494
8367
5977
7952
4946
3503
29
56
69
44
30
7
25
86
188
192
27
56
73
41
26
12
25
87
191
194
T12
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
1736
2302
2410
2846
2277
4619
809
1060
391
1651
999
1408
2361
1034
1766
1543
3461
3282
2490
1720
9563
8963
8099
10316
9254
10304
3838
3019
2706
7463
3500
3262
4312
2586
3825
2867
9318
8831
9110
3763
33
95
81
45
31
24
25
125
124
180
30
97
81
42
31
25
25
123
128
182
Effect of relative reinforcement duration in concurrent schedules
197
Bird
Condition
Responses
Left
Right
Time (s)
Left
Right
Reinforcers
Left
Right
T15
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
12215
8156
8771
8913
4915
6570
4121
4701
3296
10556
3881
4330
2600
6345
2688
3249
5963
6347
3672
3016
10661
8794
10528
9293
9679
8209
4478
5910
3749
8689
2189
2676
1713
3522
3366
4941
8675
5558
7457
1919
47
154
94
50
34
25
25
154
172
210
47
151
93
50
30
25
25
153
172
210
T1 6
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
15369
10922
12223
15266
15774
12235
4310
6894
4345
9781
5450
6358
2607
3604
3223
1633
13608
12866
10624
3431
8918
7005
9837
10064
10915
11156
3235
3617
3174
6967
3893
4392
2649
2797
2154
2053
9914
7781
7717
3870
50
156
75
46
31
20
25
155
193
200
50
157
75
47
30
24
25
159
197
200
T17
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11581
7176
13822
12997
12991
8415
1586
2793
5483
9727
2305
2193
4131
8230
4781
6127
12362
15823
12696
7231
11413
10211
9913
8168
9259
6896
1601
1596
3082
6362
1507
1586
2493
4659
3821
6256
11632
10208
7537
4164
43
126
81
49
32
25
17
125
214
226
41
132
81
50
30
25
23
128
216
230
12
Variabilidade na especificação do produto agregado
em metacontingência
Artigo baseado em
Dissertação apresentada
pelo primeiro autor ao
Programa de
Pós-Graduação em
Ciências do
Comportamento,
Departamento de
Processos Psicológicos
Básicos, Instituto de
Psicologia, Universidade
de Brasília, como parte
dos requisitos parcial
para obtenção do grau
de Mestre em Ciências do
Comportamento.
198
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira
João Claudio Todorov
Resumo
Uma metacontingência é composta por contingências
comportamentais entrelaçadas que produzem um produto
agregado mantido por suas consequências. Como em
contingências individuais, é possível estabelecer para o
trabalho experimental diferentes esquemas de seleção
cultural. O presente estudo teve como objetivo verificar o
desenvolvimento de variabilidade nos produtos agregados.
Para tanto, foram realizados três experimentos com um total
de 16 participantes. A atividade consistiu em um jogo onde os
participantes eram organizados em duplas e deveriam
movimentar suas peças a fim de se encontrarem em um
tabuleiro virtual. No Experimento I, havia quatro fases:
“Linha de Base”, “Lag 1”, “Lag 2” e “Extinção”. No
Experimento II, havia cinco fases: “Linha de Base”, “Lag 1”,
“Lag 2”, “Extinção” e “Retorno à Linha de Base”. E no
Experimento III, havia seis fases: “Linha de Base”, “Lag 1”,
“Lag 2”, “Lag 3”, “Extinção” e “Retorno à Linha de Base”. Na
metacontingência lag n, era necessário que o produto
agregado produzido pela dupla fosse diferente do produto
produzido em n tentativas anteriores para que a consequência
programada fosse apresentada. O produto agregado era
considerado variado quando ele ocorria em células diferentes
dos produtos agregados de tentativas anteriores. As medidas
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
analisadas foram: a quantidade de partidas realizadas, a quantidade de movimentos e os valores do
índice estatístico U em cada fase dos experimentos para verificar a variabilidade na localização do
produto agregado. Os experimentos realizados mostraram que é possível aumentar a variabilidade
de propriedades do produto agregado de uma metacontingência manipulando relações
condicionais entre diferentes definições de PA e consequências.
Palavras-chave: Contingência. Metacontingência. Variabilidade. Esquemas de seleção cultural.
Abstract
The metacontingency consists in a behavioral analytic tool used to study cultural practices. It is
composed of interlocked behavioral contingencies that produce an aggregate product maintained by
its consequences. To provide further contributions to the study of variability in cultural practices, this
study aimed to verify whether it is possible to produce varying patterns in the aggregate product of a
metacontingency maintained by social consequences. Three experiments were conducted with a total
of 16 participants. The activity consisted of a game which the participants were organized into pairs
and should move their icons to meet in a virtual board. In the first experiment, there were four
phases: "Baseline", "Lag 1", "Lag 2" and "Extinction". In Experiment II, there were five phases:
"Baseline", "Lag 1", "Lag 2", "Extinction" and "Return to Baseline". In Experiment III, there were six
phases: "Baseline", "Lag 1", "Lag 2", "Lag 3", "Extinction" and "Return to Baseline". In
metacontingency lag n, it was necessary that the aggregate product produced by the pair of
participants was different from the product produced in n previous attempts for the planned
consequence be presented. The aggregated product was considered variable when it occurred in
different cells of the previous game. The measurements analyzed were: the number of matches held,
the amount of movements and the values of the U statistic for each phase of all experiments, to verify
the variability in the location of the aggregate product. The experiments showed that it is possible to
increase the variability of properties of aggregate product in a metacontingency establishing
consequences for different patterns of variability.
Keywords: Contingency. Metacontingency. Variability. Schedules of cultural selection.
199
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
O comportamento humano é modelado por processos de variação e seleção
organizados em três níveis diferentes que interagem (Skinner, 1981). O nível
filogenético, referente a história evolutiva da espécie, influencia, por exemplo, no grau
de suscetibilidade à aprendizagem dos seres humanos e no estabelecimento de
comportamentos reflexos que possuem um valor de sobrevivência para a espécie.
Foram os processos de variação e seleção no nível filogenético que possibilitaram a
evolução e o desenvolvimento de um aparato vocal que viabilizou a formação de
ambientes sociais e culturais (Skinner, 1981).
O nível ontogenético se refere ao aprendizado do indivíduo durante sua vida. É
neste nível que ocorre a seleção, manutenção e extinção do comportamento pelas
consequências que este produz no ambiente. A este tipo de comportamento,
selecionado por suas consequências, Skinner deu o nome de operante (Skinner, 1981,
2003).
O terceiro nível de seleção é a cultura. Como nos outros dois níveis, a cultura
também está inserida no modelo selecionista proposto por Skinner, ou seja, há
variações de determinadas práticas culturais que terão sua ocorrência alterada pelas
consequências produzidas (Melo, 2004). Segundo Skinner (1981), a maneira como uma
comunidade cria suas crianças, como elas se divertem, se comunicam, se vestem, etc.,
são as práticas de uma cultura. Segundo Todorov (2012a), práticas culturais são
mantidas por contingências socialmente determinadas que prevaleçam em uma
sociedade, um grupo ou em uma organização. Praticamente todo comportamento
operante humano poderia ser classificado como prática cultural, até mesmo
comportamentos simples como comer, já que estes dependem de contingências que
determinam o que comer e de que forma comer.
Para Skinner (1953/2003), uma contingência que se refere às interações entre um
organismo e o seu ambiente, para ser adequada, deve especificar três coisas: a) a
ocasião em que determinada resposta ocorreu; b) a própria resposta e, c) as
consequências que ocorreram. O conceito de metacontingência amplia o âmbito da
análise para instâncias de cooperação entre no mínimo duas pessoas: uma
metacontingência descreve a relação entre um conjunto de contingências
comportamentais entrelaçadas (CCE’s) necessárias para a formação de um produto
200
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
agregado (PA) e de consequências providas por um ambiente cultural selecionador
(Glenn & Malott, 2004; Malott & Glenn, 2006; Gleen et al., 2016). Todorov (2006)
destaca que uma grande contribuição do conceito para o estudo das práticas culturais
está na forma inovadora de tratar o comportamento de grupos sem a dicotomia
indivíduo versus sociedade, encontrada nas ciências sociais. Isso torna possível abordar
questões culturais sem precisarmos recorrer a outros níveis de linguagem. O conceito,
por sua originalidade, permite o avanço nos estudos do terceiro nível de seleção do
comportamento, sem desconsiderar o conhecimento produzido sobre o
comportamento em grupos desenvolvido pelas ciências sociais (Todorov, 2012b).
O cientista Darwin (2004), ao trazer à tona suas teorias sobre seleção natural,
abordou a importância da variação nos seres-vivos para a manutenção de sua espécie,
destacando que todo o ser que varia, de maneira que esta variação lhe seja útil, tem
maior probabilidade de sobreviver. De forma análoga, Skinner (1981) propõe um
modelo selecionista para o estudo do comportamento humano, em que o
comportamento é selecionado por suas consequências. Uma variação do
comportamento pode produzir consequências que alteram a probabilidade deste
comportamento ocorrer novamente.
Em ambos os modelos científicos, a seleção depende de aspectos ambientais para
sua ocorrência, incluindo um substrato variável (Abreu-Rodrigues, 2005; Skinner,
1966, 1981).
A variabilidade comportamental modelada e influenciada por consequências é
chamada de variabilidade operante. Comportar-se de forma não usual, variável ou
imprevisível pode, algumas vezes, ser funcional. Entender este tipo de variabilidade nos
ajuda a explicar aspectos importantes relativos ao comportamento humano. O
reforçamento de variações no comportamento humano pode facilitar a aquisição de
novas respostas pelo indivíduo,
Buscando responder questões relativas ao terceiro nível de seleção, alguns
trabalhos experimentais que utilizam como recurso o conceito de metacontingência,
analisaram a variabilidade de determinados aspectos das metacontingências
programadas nos experimentos, sem que esta estivesse sendo programada pela
contingência (Azevedo, 2015; Bullerjhann, 2009; Caldas, 2009; Dos Santos, 2011;
201
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
Vasconcelos, 2014). Vasconcelos (2014), realizou dois experimentos com o programa “2
Cavalos”, que envolviam cinco condições experimentais divididas em 10 fases: a) linha
de base; b) modelagem; c) extinção sinalizada e d) remodelagem. A metacontingência
em questão era composta por contingências comportamentais entrelaçadas (o
comportamento de cada participante era condição para o comportamento do outro e
para a formação do produto agregado), produto agregado (o encontro de duas peças
que se moviam em “L” em um tabuleiro virtual) e consequência (o feedback emitido
pelo programa na tela do computador). Dos Santos (2011), utilizando o programa de
computador “Meta”, desenvolvido por Thomas Woelz (2008), investigou os fenômenos
envolvidos na seleção, recorrência e transmissão, de práticas culturais que poderiam ser
responsáveis por produzir variação ou estereotipia nas contingências comportamentais
entrelaçadas necessárias para a formação do produto agregado requerido pelo
procedimento utilizado. A variabilidade foi medida a partir da frequência na produção
de bônus pelos participantes. Seguindo a mesma linha dos estudos que utilizam o
programa Meta (Bullerjhann, 2009; Caldas, 2009; Pereira, 2008), Kracker (2013)
realizou três experimentos para investigar os efeitos de esquemas de reforçamento
diferencial de variabilidade lag n e crf (reforçamento contínuo) em relação à
variabilidade comportamental em processos de seleção cultural e de averiguar de que
maneira uma maior ou menor variabilidade ao longo desses processos afetariam a
seleção de uma nova metacontingência diante de uma mudança no critério de
apresentação das consequências culturais.
Os resultados destes experimentos apontam dificuldades em conseguir estabelecer
e manter o padrão de variação das contingências comportamentais entrelaçadas, porém
o padrão de variação foi estabelecido sistematicamente durante as últimas gerações
quando houve a produção de bônus em todos os ciclos das gerações, mostrando que a
variabilidade estava sendo mantida pela contingência em vigor, e não induzida por
outros aspectos da condição experimental.
Kracker (2013) sugere que a dificuldade em alcançar os padrões de variação em
seus experimentos esteja relacionada à complexidade das contingências
comportamentais entrelaçadas necessárias para a produção de bônus (produto
agregado), já que havia critérios sobrepostos: a combinação específica da soma dos
202
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
números digitados pelos três participantes de cada geração e a necessidade apresentar
somas individuais diferentes às somas do ciclo anterior, de acordo com a contingência
lag vigente.
A fim de trazer novas contribuições sobre a variabilidade de práticas culturais,
tendo em vista a importância da área e a pequena quantidade de material publicado
sobre o assunto, o presente estudo tem como objetivo investigar o estabelecimento de
padrões de variabilidade em uma metacontingência lag n.
Buscou-se verificar se é possível produzir padrões variáveis nos produtos
agregados de uma metacontingência, mantidos por consequências sociais, seguindo o
mesmo procedimento dos experimentos realizados por Vasconcelos (2014) e Azevedo
(2015).
A partir do programa de computador “Xadrez”, desenvolvido por Todorov e
Vianney (2013), versão 7.3, foram realizados três experimentos que variaram conforme
o número de fases e o critério para a mudança de uma fase para outra. A
metacontingência do experimento pode ser descrita nos seguintes termos: 1)
Contingências Comportamentais Entrelaçadas: o comportamento de cada participante
é condição essencial para o comportamento do outro e para a formação do produto
agregado, tal como numa situação de colaboração; 2) Produto Agregado: o encontro
das duas peças no tabuleiro virtual do programa e 3) Consequência: o feedback emitido
pelo programa para cada produto agregado satisfatório.
Neste trabalho, foi considerada a variabilidade da localização do produto agregado
(encontro das peças) dentro do tabuleiro virtual. Uma localização diferente ocorria
quando ao menos um dos participantes estava localizado em uma célula diferente do
encontro anterior, conforme o critério de variação estabelecido (lag 1, lag 2 ou lag 3).
Para verificar se houve diferenças significativas, foram analisadas a quantidade de
partidas realizadas pelas duplas em cada fase dos experimentos, a quantidade de
movimentos realizados pelas duplas em cada fase dos experimentos e os valores do
índice estatístico U referentes a variabilidade da localização dos produtos agregados no
tabuleiro.
203
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 16 estudantes universitários do curso de Psicologia de
uma universidade particular de Brasília – DF que não tinham tido contato anterior
com pesquisas que utilizassem o mesmo procedimento do trabalho em questão. A
amostra foi formada por conveniência e os participantes foram convidados diretamente
em sala de aula. Aqueles que aceitaram participar, assinaram uma lista com o nome,
contato e os horários disponíveis. Os participantes formaram oito duplas, sendo que
quatro participaram do Experimento I, duas participaram do Experimento II e duas
duplas participaram do Experimento III. Cada dupla participou somente de um
experimento. As duplas foram formadas pelo pesquisador a partir da disponibilidade
de data e horário dos participantes, e foram contatadas por telefone para que a
realização do experimento fosse agendada.
Antes do início do experimento os participantes foram solicitados a assinarem o
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A) entregue pelo experimentador e uma
ficha de identificação (Anexo B) caso desejassem receber o texto final do estudo.
O projeto foi aprovado pelo CEP/IH Brasil.
Materiais e instrumentos
A coleta de dados foi realizada em uma sala de aula ampla do Instituto Brasiliense
de Análise do Comportamento (IBAC), equipada com mesa e carteiras dispostas lado a
lado. O computador onde a tarefa foi realizada ficou posicionado em uma mesa com
duas cadeiras para os membros da dupla, e no lado oposto aos participantes havia uma
cadeira para o pesquisador.
Para a realização da atividade, foi utilizado um notebook Dell com processador
Intel Core i7, 8GB de RAM, sistema operacional Microsoft Windows 8 Home Basic. O
notebook foi equipado com o programa “Xadrez”, versão 7.3, desenvolvido por Todorov
e Vianney (2013), que permite a movimentação dos participantes em “L” (como a peça
“cavalo” em um jogo de xadrez tradicional) por um tabuleiro virtual de tamanho 8x8,
com 64 células (Figura 1). Em virtude do número de células, é possível um total de 840
204
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
encontros diferentes no tabuleiro. Há somente duas peças no jogo, uma para cada
participante, e o objetivo é promover o encontro destas peças no tabuleiro virtual
seguindo um parâmetro específico. São necessários no mínimo quatro movimentos por
dupla para que as peças se encontrem e não há limite de movimentos por partida. A
partida tinha início com as peças localizados no canto superior esquerdo e inferior
direito do tabuleiro e se encerrava quando os participantes as peças se encontravam
lado a lado ou em diagonal. O programa utilizado previa paramentos diferentes para
cada fase dos experimentos.
Figura 1
Tabuleiro do software “Xadrez” visível aos participantes
Para o trabalho em questão foram programadas uma fase de linha de base, fases
em que uma contingência lag poderia ser inserida, uma fase de extinção e uma fase de
retorno à linha de base. A utilização e configuração destas fases variaram conforme o
experimento realizado.
Os resultados foram gerados em um output no próprio programa, mostrando o
número de partidas em cada fase, a quantidade de partidas em que houve reforço, a
205
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
quantidade de movimentos em cada partida, o tempo gasto cada fase e a localização
das peças no tabuleiro durante os movimentos e encontros.
Procedimento
Cada dupla participou de apenas um experimento realizado no estudo e apenas
uma vez. Ao entrarem na sala de coleta, os participantes foram orientados sobre a
pesquisa, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os que
tinham interesse em receber informações posteriores sobre o estudo preencheram uma
ficha de identificação. Após a dupla ser posicionada em frente ao computador, foram
entregues uma folha de papel para cada participante com as seguintes instruções:
Olá!
A partir de agora, vocês realizarão uma atividade juntos. Este jogo tem um caráter
cooperativo, portanto, vocês estão jogando juntos e não um contra o outro. Cada
jogador terá uma “carinha” no tabuleiro e deverá movimentá-la através de clicks
no mouse. Para movê-la, basta dar um toque em cima da célula que deverá receber
a peça. Cada “carinha” move-se fazendo um ‘L’ em qualquer direção. O
movimento em ‘L’ move a peça por 3 casas em cada jogada (por exemplo, uma
casa para frente e duas para o lado). Uma rodada começa com a peça de cada
jogador localizada nos extremos do tabuleiro. O jogador que ficar com a peça do
extremo superior esquerdo sempre começa as rodadas. Os jogadores movem suas
peças alternadamente. O objetivo do jogo é que as peças se encontrem no
tabuleiro virtual de acordo com um padrão específico. As peças não ocupam a
mesma célula e o encontro pode ocorrer em qualquer posição (horizontal, vertical
ou diagonal). Ao final de cada partida, caso ela tenha sido bem sucedida, vocês
receberão a mensagem: “PARABÉNS! O objetivo foi alcançado!”. Clique na
mensagem para começar uma nova rodada.
A duração do experimento dependerá do desempenho de vocês. O programa
informará quando o jogo chegar ao fim. Mas, vocês podem encerrar o
experimento a qualquer momento, caso desejem.
Em caso de dúvidas, releiam as instruções! Vocês podem consulta-las em qualquer
momento durante a atividade. É permitido conversar durante as rodadas do jogo.
206
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
Mas se mantenham atentos à tarefa e evitem conversar sobre assuntos não
relacionados à atividade.
Decidam quem ficará com cada peça do tabuleiro. Cada jogador deve continuar
com a mesma peça até o fim do jogo.
Quando estiverem prontos, cliquem na tela para começar.
Não houve instruções verbais adicionais e em caso de dúvidas os participantes
foram instruídos a folha com as instruções novamente.
Considerando as dificuldades encontradas por Kracker (2013) optou-se por
aumentar gradativamente o valor do “n” das fases em que vigorou uma contingência
lag. Para melhorar as condições de análises do trabalho, houve um aumento no número
fixo de partidas da fase “Linha de Base” nos Experimentos II e III, além do acréscimo
da fase “Retorno à Linha de Base. No Experimento III foi acrescentada uma fase a
mais com a contingência lag, a fim de aumentar a complexidade do experimento.
A consequência programada pelo pesquisador consistia na apresentação da
mensagem “PARABÉNS! O objetivo foi alcançado!” (Figura 2) quando havia a
produção do produto agregado de acordo com os critérios da fase. Nas fases com uma
contingência lag, como previsto nos experimentos com variabilidade operante, os
primeiros encontros eram reforçados.
As duplas foram identificadas por números, em que o número anterior ao “.” se
refere ao experimento pelo qual a dupla passou, e o número posterior ao “.” identifica a
dupla em questão (01.1, 01.2, 01.3...).
No Experimento I, houve quatro fases: Linha de Base, Lag 1, Lag 2 e Extinção,
descritas abaixo.
Linha de base: Nesta primeira fase o encontro das peças poderia ocorrer em
qualquer ponto do tabuleiro virtual e todos os encontram foram consequenciados. O
critério para que uma nova fase fosse iniciada eram dez partidas.
207
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
Figura 2
Parabéns! objetivo alcançado
Lag 1: Em uma metacontingência lag n é necessário que o produto agregado
produzido pela dupla seja diferente do produto produzido em n partidas anteriores
para que ele seja reforçado. No experimento em questão, um produto agregado era
considerado variado quando ele ocorria em células diferentes dos produtos agregados
de n partidas anteriores. Nesta fase, como previsto em um esquema lag 1, a
consequência programa (mensagem “PARABÉNS! O objetivo foi alcançado!”) só
aparecia na tela do programa quando o produto agregado fosse diferente do produto
agregado da partida anterior. Caso os participantes não cumprissem o critério de
variação estabelecido, a mensagem: “Fim da Partida” era apresentada e as peças dos
jogadores retornavam as suas posições iniciais, sinalizando uma nova partida. A fase se
encerrava quando os produtos agregados atingiam o critério de variação (lag 1) durante
sete partidas consecutivas.
Lag 2: Nesta fase, como previsto em um esquema lag 2, a consequência
programada era emitida quando o produto agregado fosse diferente dos produtos
agregados das duas partidas anteriores. Ou seja, a mensagem “PARABÉNS! O objetivo
208
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
foi alcançado!” só era apresentada na tela do programa quando a localização do
produto agregado era diferente das duas partidas anteriores. Assim como na fase “lag
1”, caso os participantes não cumprissem o critério de variação estabelecido em casa
partida, a mensagem: “Fim da Partida” era apresentada e as peças dos jogadores
retornavam as suas posições iniciais, sinalizando uma nova partida. A fase se encerrava
quando os produtos agregados atingiam o critério de variação (lag 2) durante sete
partidas consecutivas.
Extinção: Nesta fase havia um número fixo de 20 partidas sem que houvesse
consequência para o produto agregado. Ao final das 20 partidas a mensagem: “Fim!”,
aparecia na tela do computador.
O Experimento II foi similar ao experimento I, exceto pelo aumento de partidas
da fase “Linha de Base”, que passou de dez para 20, e o acréscimo da fase “Retorno à
Linha de Base” após a fase “Extinção”. A fase “Retorno à Linha de Base” teve um
número fixo de 20 partidas. O encontro das peças poderia ocorrer em qualquer ponto
do tabuleiro virtual e todos os encontros foram seguidos pela consequência
programada. Ao final desta fase, a mensagem: “Fim!”, aparecia na tela do computador,
como acontecia anteriormente na fase “Extinção”.
O Experimento III foi similar ao Experimento II, com apenas uma alteração. Foi
acrescentada a fase “lag 3” após a fase “lag 2” e antes da fase “extinção”. Como previsto
em um esquema lag 3, a consequência programada era emitida quando o produto
agregado fosse diferente dos produtos agregados das três partidas anteriores. Os outros
critérios se mantiveram. Um resumo da descrição das fases em cada experimento pode
ser encontrado no Quadro 1.
209
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
Quadro 1
Descrição das fases dos experimentos
Linha de base
Lag 1
Lag 2
Extinção
Linha de Base
Lag 1
Lag 2
Extinção
Retorno à Linha de Base
Linha de Base
Lag 1
Lag 2
Lag 3
Extinção
Retorno à Linha de Base
210
Experimento I
Dez partidas (número fixo), sendo todos os encontros reforçados.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 1 durante sete partidas seguidas.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 2 durante sete partidas seguidas.
20 partidas (número fixo) sem que houvesse consequência para o produto
agregado. Ao final da vigésima partida, a mensagem: “Fim!” aparecia na tela
do computador indicando o fim do experimento.
Experimento II
20 partidas (número fixo), sendo todos os encontros reforçados.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 1 durante sete partidas seguidas.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 2 durante sete partidas seguidas.
20 partidas (número fixo) sem que houvesse consequência para o produto
agregado.
20 partidas (número fixo), sendo todos os encontros reforçados. Ao final da
vigésima partida, a mensagem: “Fim!” aparecia na tela do computador
indicando o fim do experimento.
Experimento III
20 partidas (número fixo), sendo todos os encontros reforçados.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 1 durante sete partidas seguidas.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 2 durante sete partidas seguidas.
A consequência programada era emitida quando o produto agregado fosse
diferente do produto agregado anterior. A fase se encerrava após o produto
agregado variar conforme o esquema LAG 3 durante sete partidas seguidas.
20 partidas (número fixo) sem que houvesse consequência para o produto
agregado.
20 partidas (número fixo), sendo todos os encontros reforçados.
Ao final da vigésima partida, a mensagem: “Fim!” aparecia na tela do
computador indicando o fim do experimento.
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
Análise dos dados
No trabalho em questão, o pesquisador estava interessado em estabelecer padrões
de variação mantidos por consequências em um experimento com metacontingência.
A unidade utilizada no estudo foi o encontro de duas peças (produto agregado) em um
tabuleiro virtual de 64 células (8x8). Para a análise, foram consideradas a quantidade de
partidas jogadas por cada dupla em cada fase dos experimentos, a quantidade de
movimentos realizados pelas duplas em cada fase dos experimentos e os valores do
índice U, que indicaram a variabilidade da localização do produto agregado em cada
fase dos experimentos. Os dados referentes a duração das partidas, fases e
experimentos não serão discutidos, considerando que durante o experimento vários
participantes fizeram pausas para beberem água e irem ao banheiro.
Esperava-se certa estereotipia na localização dos produtos agregados durante as
fases de linha de base e retorno à linha de base, um aumento progressivo da
variabilidade da localização dos produtos agregados nas fases com um esquema lag
conforme os critérios de variabilidade previamente estabelecidos e um aumento da
variabilidade na fase de extinção.
Resultados
As fases “Linha de Base”, “Extinção” e “Retorno à Linha de Base” tiveram um
número fixo de partidas. Em função do critério de estabilidade (sete partidas seguidas
em que o critério de variabilidade da fase era atingido), a quantidade mínima de
partidas necessárias para que as duplas finalizassem as fases “Lag 1”, “Lag 2” e “Lag 3”
era, respectivamente, 8, 9 e 10.
A partir do Quadro 2, é possível observar que todas as duplas do experimento,
com exceção da dupla 01.4, apresentaram um aumento progressivo no número de
partidas. As duplas 01.2, 01.3, 02.1, 02.2 e 03.2 apresentaram a quantidade mínima de
partidas durante a fase “Lag 1”, indicando que todas estas duplas atingiram o critério de
variabilidade em todas as partidas da fase. A quantidade de partidas na fase “Lag 2”
variou consideravelmente para cada dupla, ainda assim as duplas 02.2 e 03.2
apresentaram a quantidade mínima de partidas desta fase. Apenas as duplas 03.1 e 03.2
211
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
passaram pela fase “Lag 3” e a diferença da quantidade de partidas para cada dupla foi
grande.
Quadro 2
Quantidade de partida por dupla em cada fase dos experimentos
Quantidade de partidas
Experimento I
01.1
01.2
Linha de
Base
10
10
01.3
10
8
01.4
10
43
Dupla
Dupla
02.1
02.2
Dupla
03.1
03.2
Linha de
Base
20
20
Linha de
Base
20
20
Lag 1
Lag 2
Extinção
11
8
48
49
20
20
12
20
Lag 1
8
8
18
Experimento II
Lag 2
42
9
Experimento III
20
20
20
Ret. à Linha
de Base
20
20
Extinção
Lag 1
Lag 2
Lag 3
Extinção
16
8
68
9
144
25
20
20
Ret. à Linha
de Base
20
20
O Quadro 3 apresenta o número de partidas necessárias para que cada dupla
atingisse o critério de estabilidade para as fases onde vigorava um esquema lag. As
duplas 01.2, 01.3, 02.1, 02.2 e 03.2 cumpriram com o critério de variabilidade da fase
“Lag 1” desde o início. As duplas 02.2 e 03.2, além de cumprirem com o critério de
variabilidade da fase “Lag 1” desde o início da fase, também cumpriram o critério de
variabilidade da fase “Lag 2” desde o seu início.
212
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
Quadro 3
Quantidade de partidas necessárias, por dupla, até atingirem o critério de estabilidade
de cada fase dos experimentos
Partidas necessárias para atingir o critério de estabilidade
Experimento I
Dupla
Lag 1
Lag 2
01.1
3
41
01.2
0
42
01.3
0
5
01.4
36
11
Dupla
02.1
02.2
Dupla
03.1
03.2
Experimento II
Lag 1
Lag 2
0
35
0
0
Experimento III
Lag 1
Lag 2
9
61
0
0
Lag 3
137
18
Eram necessários no mínimo quatro movimentos por partida para a ocorrência do
produto agregado. O Quadro 4 mostra a quantidade de movimentos realizados por
cada dupla até o fim das fases dos experimentos. Em virtude do aumento do número
fixo de partidas da “Linha de Base”, houve um aumento natural de movimentos nos
experimentos I e II. A quantidade de movimentos da fase “Lag 1” variou de 47 (dupla
03.2) à 234 (dupla 01.4). Na fase “Lag 2” a quantidade de movimentos variou de 47
(dupla 02.2) à 324 (dupla 03.1). Na fase “Lag 3” a dupla 03.1 realizou 701 movimentos,
uma quantidade mais de três vezes superior à da dupla 03.2, que realizou 213. Na fase
“Extinção” a quantidade de movimentos variou de 99 (dupla 03.1) à 269 (dupla 01.3).
Na fase “Retorno à Linha de Base” a quantidade de movimentos variou de 93 (dupla
03.2) à 121 (02.2). As duplas 01.4 e 02.2 foram as únicas que apresentaram uma
quantidade de movimentos na fase “Lag 2” inferior à fase “Lag 1”.
213
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
Quadro 4
Quantidade de movimentos realizados, por dupla, até o fim dos experimentos
Quantidade de movimentos, por dupla, em cada fase dos experimentos
Experimento I
Linha de
Dupla
Lag 1
Lag 2
Extinção
Base
01.1
67
57
271
187
01.2
67
47
292
160
01.3
57
109
01.4
90
234
Dupla
02.1
02.2
Dupla
03.1
03.2
Linha de
Base
131
95
Linha de
Base
126
128
Lag 1
57
54
130
130
Experimento II
Lag 2
228
47
Experimento III
269
154
129
123
Ret. à Linha
de Base
104
121
Extinção
Lag 1
Lag 2
Lag 3
Extinção
80
47
324
80
701
213
99
180
Ret. à Linha
de Base
99
93
A Figura 3 apresenta a média da quantidade de movimentos por fase em cada
experimento. A fase “Lag 3” se destaca em função da grande quantidade de
movimentos nesta fase realizados pela dupla 03.2.
214
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
Figura 3
Média da quantidade de movimentos por fase, em cada experimento
Dentre as possibilidades estatísticas para mensurar a variabilidade do produto
agregado, foi utilizado o índice estatístico U em função de seu uso recorrente em
trabalhos da área de variabilidade comportamental (Barba & Hunziker, 2003; Cohen et
al., 1990; Hunziker et al., 1996; Hunziker et al., 1998; Morgan & Neuringer, 1990;
Neuringer, 1991; Neuringer, 1992; Neuringer & Huntley, 1992). O índice U mede a
previsibilidade de eventos. O comportamento mais variável corresponde, nessa
perspectiva, a comportamento menos previsível. Quanto maior o valor de U maior será
a variabilidade dos dados em estudo. No trabalho em questão, quanto maior o valor de
U (Quadro 5), maior foi a variabilidade na localização do produto agregado durante
determinada fase dos experimentos.
No Experimento I, podemos observar um aumento progressivo dos valores do
índice U para todas as duplas durante as fases “Linha de Base”, “Lag 1” e “Lag 2”. Na
fase “Extinção” o índice U apontou indicou que houve uma variabilidade considerável
com relação à fase “Linha de Base”.
215
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
No Experimento II os dados se mostram mais irregulares. A dupla 02.1 apresentou
um índice U maior na “Linha de Base” com relação à fase “Lag 1”. O valor da fase “Lag
2” foi maior que os valores das fases “Linha de Base”, “Lag 1” e “Retorno à Linha de
Base”. Na fase “Extinção” o índice U apontou indicou que houve uma variabilidade
maior com relação às outras fases. Os valores do índice U da dupla 02.2 indicam uma
maior variabilidade na localização do produto agregado durante a “Linha de Base” com
relação às fases “Lag 1” e “Lag 2”. A fase “Lag 1” apresentou um índice levemente
superior ao da fase “Lag 2”. A fase de extinção manteve uma variabilidade maior com
relação as outras fases. Durante a fase “Retorno à Linha de Base” houve uma
variabilidade menor com relação a fase “Extinção”, porém os índices continuaram
maiores que nas fases onde havia um esquema lag.
No Experimento III as duas duplas apresentaram um aumento progressivo nos
valores do índice U durante as fases “Lag 1” “Lag 2” e “Lag 3”. A dupla 03.1 apresentou
um valor do índice U na fase “Linha de Base”, superior aos valores de todas as outras
fases pelas quais passaram. O valor do índice U na fase “Retorno à Linha de Base”
apresenta uma baixa variabilidade com relação as outras fases da dupla. O valor do
índice apresentado na “Linha de Base” pela dupla 03.2 foi superior aos índices das fases
“Lag 1” e “Lag 2”, idêntico ao da fase “Extinção” e superior ao índice da fase “Retorno à
Linha de Base. Na fase “Retorno à Linha de Base” o valor do índice indica uma
diminuição na variabilidade com relação as fases “Lag 2”, “Lag 3” e “Extinção”.
216
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
Quadro 5
Valores do índice estatístico U de cada dupla por fase dos experimentos
Valores do Índice U
Experimento I
01.1
01.2
Linha de
Base
0,301
0,133
01.3
0,301
0,309
01.4
0,223
0,324
Dupla
Dupla
02.1
02.2
Dupla
03.1
03.2
Linha de
Base
0,241
0,310
Linha de
Base
0,386
0,410
Lag 1
Lag 2
Extinção
0,312
0,283
0,428
0,402
0,424
0,404
0,369
0,445
Lag 1
0,145
0,283
0,391
Experimento II
Lag 2
0,365
0,281
Experimento III
0,424
0,414
0,424
Ret. à Linha
de Base
0,293
0,390
Extinção
Lag 1
Lag 2
Lag 3
Extinção
0,2690
0,0283
0,327
0,326
0,367
0,442
0,344
0,410
Ret. à Linha
de Base
0,187
0,299
Discussão
O presente trabalho buscou verificar se é possível produzir padrões variáveis nos
produtos agregados de uma metacontingência, mantidos por consequências sociais,
seguindo o mesmo procedimento dos experimentos realizados por Vasconcelos (2014)
e Azevedo (2015). Neste trabalho, foi considerada a variabilidade da localização do
produto agregado (encontro das peças) dentro do tabuleiro virtual como a propriedade
a ser manipulada. Para a localização do produto agregado fosse considerada diferente, a
peça de ao menos um dos dois participantes deveria estar em uma célula diferente do
encontro anterior. A consequência programada foi apresentada conforme o critério de
variação estabelecido para cada fase onde vigorou uma contingência lag (“Lag 1”, “Lag
2” ou “Lag 3”).
217
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
Sobre a quantidade de partidas realizadas por cada dupla, nota-se que, com
exceção de uma, todas apresentaram um aumento progressivo durante as fases em que
havia um esquema lag. Somente a dupla 01.4 reduziu a quantidade de partidas na fase
“Lag 2”. Esperava-se que em função da complexidade de cada fase, houvesse um
aumento progressivo. Vale salientar que a quantidade de partidas realizadas pela dupla
01.4 durante a fase “Lag 1” foi a mais alta dos experimentos, o que pode ter relação com
alguma regra inacurada formulada pelos participantes. A quantidade de partidas da
dupla em questão caiu pela metade na fase “Lag 2”, o que poderia estar relacionado
com a discriminação da contingência vigente. Como não houve um registro sistemático
das conversas entre as duplas, a hipótese da regra inacurada não pôde ser verificada.
Cinco duplas cumpriram o critério de estabilidade da fase “Lag 1” desde o seu
início. O mesmo ocorreu com duas duplas durante a fase “Lag 2”. Considerando a
quantidade de possibilidade de encontros possíveis no tabuleiro, os esquemas
planejados para estas fases poderiam ser demasiadamente simples. A dupla 03.2, que
atingiu o critério de estabilidade desde o início das fases “Lag 1” e “Lag 2”, precisou de
18 partidas para atingir o critério de estabilidade da fase “Lag 3”. Estes dados indicam
que em experimentos futuros os participantes poderiam começar o experimento com
um mais alto valor para o “n”, dos esquemas lag.
Apesar de a quantidade dos movimentos realizados pelas duplas em cada fase ter
sido assistemática, podemos observar algumas regularidades nas médias da quantidade
de movimentos por fase de cada experimento. A média da quantidade de movimentos
aumentou progressivamente durante as fases em que um esquema lag vigorou. Houve
um aumento na média da quantidade de movimentos realizados na fase “Extinção”
com relação à fase “Linha de Base”. Nos experimentos II e III, onde havia a fase
“Retorno à Linha de Base”, foi possível observar uma queda na média da quantidade de
movimentos realizados pelas duplas com relação à fase “Lag 2” no Experimento II, e às
fases “Lag 2” e “Lag 3” no Experimento III. Os dados em questão indicam que há uma
relação entre o aumento dos critérios de variabilidade para cada fase e o aumento do
número médio de movimentos realizados em cada experimento.
Os dados referentes à quantidade de partidas e à média de movimentos na fase
“Linha de Base” dos experimentos I, II e III, e da fase “Retorno à Linha de Base”, dos
218
Rodrigo Marquez Martins de Oliveira e João Claudio Todorov
experimentos II e III, quando comparados com a fase “Extinção”, podem ser
equiparados aos dados produzidos na literatura sobre extinção em contingências
individuais (Millenson, 1975; Bravin & Gimenes, 2013), na medida em que houve
alteração na taxa de produtos agregados produzidas a partir do entrelaçamento do
comportamento dos participantes. Millenson (1975) destaca que a sequência de
respostas estabelecida a partir do reforçamento de comportamentos individuais se
degenera na extinção, o que poderia explicar uma quantidade maior na média de
movimentos na fase “Extinção” dos experimentos.
Os valores do índice U encontrados mostram que, com exceção da dupla 02.2,
houve um aumento progressivo na variabilidade da localização dos produtos agregados
em todas as duplas que participaram dos experimentos. Os valores referentes às fases
“Lag 1” e “Lag 2” da dupla 02.2 estão bem próximos e vale ressaltar que a dupla em
questão atingiu o critério de estabilidade das fases com um esquema lag desde o início,
sugerindo que provavelmente estivessem sob o controle de variáveis estranhas. Os
valores de U também foram altos na fase “Extinção” dos experimentos, o que corrobora
com a literatura sobre variabilidade induzida por contingências (Antonitis, 1951).
Os experimentos realizados mostram que é possível aumentar a variabilidade de
propriedades do produto agregado de uma metacontingência especificando relações
condicionais que exigem diferentes padrões de variabilidade. Assim como nos
trabalhos de Azevedo (2015) e Vasconcelos (2014), os dados mostram que a
manipulação de metacontingências estão sujeitas a parâmetros e procedimentos
utilizados de forma equivalente para o estudo de contingências individuais.
219
Variabilidade na especificação do produto agregado em metacontingência
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