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Gamificação na Psicologia Brasileira: Revisão Bibliográfica

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Há gamificação na Psicologia brasileira?
Article in Perspectivas em Psicologia · October 2019
DOI: 10.14393/PPv23n1a2019-51040
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Adriano Furtado Holanda
Universidade Federal do Paraná
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Volume 23, N. 1, pp. 112 - 138, Jan/Jun, 2019.
HÁ GAMIFICAÇÃO NA PSICOLOGIA BRASILEIRA? - UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA SISTEMÁTICA
Rafael Goulart Lodi
Adriano Furtado Holanda
(Universidade Federal do Paraná – UFPR – Curitiba – PR)
Resumo
Este artigo é uma revisão bibliográfica sistemática sobre estudos acerca do fenômeno da
gamificação em periódicos brasileiros de Psicologia. Gamificação pode ser definida como “o
uso de elementos de design de jogos em contextos que não são de jogos”, e tem como
propósito propiciar o engajamento ou desempenho dos indivíduos em alguma atividade. Não
foram encontrados artigos que abordassem explicitamente esse tema. Decidiu-se expandir a
pesquisa para fenômenos relacionados, como jogos educativos. Foram encontrados e
analisados 24 artigos. Os resultados apresentam grande diversidade de abordagens teóricas,
amostras, métodos e contextos de intervenção. As conclusões sugerem a eficácia do uso de
recursos lúdicos em atividades não lúdicas. Mais pesquisas são recomendadas para se
esclarecer os impactos da gamificação.
Palavras-chave: Gamificação, Revisão Bibliográfica Sistemática; Jogo; Lúdico; Ludificação.
Abstract
Is There Gamification in Brazilian Psychology? - A Systematic Bibliographic Review
This paper is a systematic literature review about studies concerning gamification in Brazilian
Psychology journals. Gamification can be defined as “the use of game design elements in
non-game contexts”, and its purpose is the affordance of individuals´ engagement or
performance in some task. No papers that dealt explicitly with this theme were found. It was
decided to expand the research to related phenomena, such as educational games. 24 papers
were found and analyzed. The results present great diversity of theoretical approaches,
samples, methods and contexts of intervention. The conclusions suggest the efficacy of the
use of ludic resources in non-ludic activities. More research is recommended to identify
gamification´s impact.
Keywords: Gamification, Systematic Literature Review, Game, Ludic, Ludification.
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Perspectivas em Psicologia, Uberlândia, vol. 23, n. 1, pp. 112 - 138, Jan/Jun, 2019 – ISSN 2237-6917
HÁ GAMIFICAÇÃO NA PSICOLOGIA BRASILEIRA? - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SISTEMÁTICA
Deterding et. al. (2011) apresentam
Introdução
os
O
fenômeno
chamado
de
debates
acompanharam
terminológicos
que
o
da
surgimento
gamificação ainda é recente no meio
gamificação e propõem uma definição que
acadêmico, e um nicho de pesquisa que
a
não apenas se beneficia, como requer a
semelhantes, como os “jogos sérios”; que
realização de investigações de maneira a
se caracterizam por serem jogos completos
propiciar um entendimento mais preciso de
projetados com objetivos primários que
sua extensão e repercussões. Deterding,
não o entretenimento (como educação ou
Dixon, Khaled e Nacke (2011) definem
marketing,
gamificação como “o uso de elementos de
gamificação visa tornar outros contextos e
design de jogos em contextos que não são
atividades mais motivadoras através da
de jogos”1. Já Hamari, Koivisto e Sarsa
implementação de elementos do design de
(2014) a definem como “um processo de
jogos, dos traços característicos e comuns
aprimorar
de
aos jogos, ainda que não necessariamente
motivacionais2”
exclusivos destes. Para isso, sugerem o uso
(motivacional affordances) de maneira a
dos termos “joguidade” ou “gamidade”
promover
“experiências
gamificantes”
(gamefulness)
(gameful
experiences)
“desenvolver
(gameful design). O primeiro termo se
serviços
“propiciadores
através
e
distinga
de
p.
outros
ex.).
e
Ao
“design
fenômenos
contrário,
a
gamificante”
respostas
comportamentais”
(further
refere à característica de algo que se
behavioral
outcomes)”
A
principal
aproxima e se parece com um jogo,
proposta por trás desta abordagem é
enquanto o segundo se refere a uma
aproveitar o potencial de promoção de
perspectiva de design que concede essa
engajamento e motivação latente nos
aparência de jogo sobre o projeto em que é
jogos, e aplicá-lo a outros contextos nos
aplicada.
quais estas duas características estejam
defasadas.
Considerando a importância de
definições claras acerca dos objetos que se
pretende estudar, faz-se também necessário
definir o que se entende por “jogo”.
1
Todas as traduções são feitas dos originais em
inglês, pelos autores.
2
O termo foi utilizado originalmente em inglês.
Como não há tradução oficial, optamos por utilizar
uma tradução livre própria. Ao longo deste artigo,
outros termos entre aspas seguidos de um termo em
inglês, em itálico entre parênteses, seguem o
mesmo padrão.
Decidiu-se
orientar
este
artigo
pela
definição de Huizinga (2008):
113
Perspectivas em Psicologia, Uberlândia, vol. 23, n. 1, pp. 112 - 138, Jan/Jun, 2019 – ISSN 2237-6917
RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
Numa
tentativa
de
resumir
as
padrão de indícios positivos acerca da
características
formais
do
jogo,
eficácia da gamificação, porém ressalvam
poderíamos
considerá-lo
uma
que alguns estudos relatam uma eficácia
conscientemente
apenas marginal, e que há ainda a
tomada como "não-séria" e exterior à
necessidade de explorar a repercussão em
vida habitual, mas ao mesmo tempo
diversos contextos diferentes. Também
capaz de absorver o jogador de
apontam que não foi possível realizar uma
maneira intensa e total. É uma
metanálise
atividade desligada de todo e qualquer
metodologias e variáveis, apontando ainda
interesse material, com a qual não se
que
pode obter qualquer lucro, praticada
claramente recorrentes na literatura.
atividade
livre,
devido
também
à
não
há
variedade
de
metodologias
dentro de limites espaciais e temporais
Nesta mesma revisão, Hamari et.
próprios, segundo uma certa ordem e
al. (2014) também identificam que a
certas regras. (p.16)
gamificação
é
um
fenômeno
multidisciplinar. Por um lado, deriva de
Se reconhece que esta definição
não é a única existente, nem exaure o
conjunto variado de fenômenos que podem
ser reunidos sob o termo “jogo”. Dito isto,
optou-se por ela tanto por sua importância
histórica, quanto por ser compatível com a
maneira que o termo “jogo” é utilizado nas
definições de gamificação.
acadêmica existente, Hamari et. al. (2014)
uma
revisão
bibliográfica
sistemática acerca de estudos quantitativos
e qualitativos sobre o tema gamificação, e
refinam sua análise a artigos que abordam
respostas comportamentais e psicológicas,
elementos
de
jogo
Computação, no que tange a teoria do
desenvolvimento de jogos, usabilidade e
confecção de jogos eletrônicos. Por outro,
ela se ocupa, essencialmente, da análise e
aplicação de elementos motivadores do
comportamento
humano.
Considerando
esta perspectiva, a Psicologia se constitui
Buscando reconhecer a produção
realizam
conhecimentos do Design e da Ciência da
utilizados
como
“gamificantes”, e áreas de implementação
da gamificação. Eles concluem que há um
como
um
dos
gamificação
e,
pilares
teóricos
portanto,
da
torna-se
responsável em parte (em conjunto com as
outras áreas citadas) por investigar a
validade
das
respectivas
hipóteses
propostas.
A pertinência à Psicologia do
estudo da gamificação decorre não apenas
do fato de os fenômenos acerca do
comportamento humano serem próprios
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HÁ GAMIFICAÇÃO NA PSICOLOGIA BRASILEIRA? - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SISTEMÁTICA
desta área, como também pelas evidências
comportamentos
que indicam que ela pode se constituir
(como o aprendizado de certos temas ou
como um recurso precioso em áreas de
habilidades, por exemplo). Nesse esquema,
atuação da própria Psicologia, como a
o design do jogo é entendido como um
educação. No contexto da Psicologia
processo de modelagem do comportamento
nacional, Panosso, Souza e Haydu (2015)
do próprio designer que, a partir do
realizam uma revisão de literatura sobre
feedback advindo das partidas testes, pode
pesquisas empíricas com jogos educativos
gradativamente
e analisam os artigos sob a ótica da Análise
comportamentos de decisão do design, e
do
um
assim conseguir determinar que elementos
potencial promissor dos jogos como
do jogo eliciam que tipos de respostas
ferramenta
de
comportamentais nos jogadores; e por fim
contingências que contribuam para o
identificar os elementos pertinentes para a
aprendizado; e apontam que o jogo pode
modelagem visada. Perkoski et. al. (2016)
ser entendido como uma ferramenta que
também
cria um contexto propício para modelagem
processo do design iterativo para a
de comportamentos, uma vez que suas
observação
regras
estabelecem
jogadores enquanto estão jogando, pois
contingências claras de reforçamento e
segundo a Análise do Comportamento, esta
punição
é a forma mais fidedigna de perceber as
Comportamento,
de
e
sugerindo
estabelecimento
objetivos
para
determinados
comportamentos.
de
antemão
refinar
ressaltam
do
contingências
Benevides, Gris, Perkoski e Souza
visados
a
seus
importância
comportamento
de
controle
de
do
dos
um
comportamento; uma vez que o relato
(2016) examinam, a partir da perspectiva
verbal
dos
jogadores
pode
analítico-comportamental, o processo do
correspondente com elas.
não
ser
design iterativo3 de jogos. Esta abordagem
Desurvire, Caplan e Toth (2004)
visa realizar um protótipo de jogo o quanto
em seu artigo sobre o uso da heurística na
antes durante o processo de design e, a
avaliação da jogabilidade, chegam a
partir de repetidas partidas testes, ir
conclusão
aprimorando gradualmente o jogo de
investigar se é possível identificar noções
maneira
gerais do design de jogos que antecipem
que
ele
elicie
certos
certas
“Iterativo” se difere de “interativo” e se refere a
um processo de repetição, no qual cada resultado
parcial serve de fundamento para aprimorar o
resultado final.
3
semelhante.
experiências
Eles
pelos
buscam
jogadores.
Percebem que, ainda que se possam
derivar orientações para o design do jogo a
115
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RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
partir
de
relatos
e
experiência dos indivíduos engajados na
pesquisadores, o sucesso da eliciação de
atividade. Defende que o sucesso na
certas
e
abordagem da gamificação consiste em
afetivas só pode ser avaliado com base na
identificar quais elementos de jogos se
observação dos jogadores enquanto jogam.
relacionam com que tipos de motivação, e
Porém, concluem que o método heurístico
como implementar estes elementos a um
de fazer suposições acerca de relatos é útil
contexto que não é de jogo. Também
nas etapas iniciais do design, pois colabora
propõe que existem quatro fases de
para a criação de hipóteses a serem
envolvimento do jogador, cada uma se
testadas no processo do design iterativo.
beneficiando
de
tipos
diferentes,
que
também
respostas
de
jogadores
comportamentais
Em relação às formas de avaliar a
de
motivação
pode
ser
experiência de jogo, Nacke, Drachen e
reproduzida em outros contextos. Assim,
Göbel (2010) propõe alguns métodos:
afirma
testagem psicofisiológica (que inclui o uso
gamificação bem-sucedida deve ter em
de aparelhos como eletroencefalograma e
vista que os tipos de motivação dos
eletromiograma);
usuários
rastreamento
ocular;
que
uma
implementação
provavelmente
se
de
alterarão
análise de dados comportamentais baseado
durante momentos diferentes da atividade,
no registro dos comportamentos emitidos
e que é importante identificar que tipo de
ao longo do jogo e entrevistas quantitativas
motivação rege cada momento.
e qualitativas. É importante ressaltar que
estes
autores
estão
considerando
Por fim, é interessante citar alguns
casos de gamificação, de maneira a
metodologias de análise voltadas para
propiciar
jogos digitais e, portanto, algumas destas
desdobramentos práticos. Hamari (2013)
propostas podem não ser tão pertinentes na
realizou um experimento de gamificação
análise de jogos analógicos.
em um site de vendas e trocas online. Sua
Outro
modelo
de
análise
no
abordagem
uma
se
ideia
deu
por
de
meio
seus
da
contexto da gamificação é o Octalysis,
implementação de um sistema de insígnias,
desenvolvida por Chou (2016) que propõe
que eram liberadas à medida que os
que a motivação gerada por ela pode ser
usuários realizavam certas ações, como
resumida
de
completar certo número de transações ou
“motivadores fundamentais” (core drives);
avaliar certo número de usuários e
sendo que cada tipo de motivador traz
produtos. Além de uma figurinha em seu
consequências
perfil, as insígnias não resultavam em
em
oito
categorias
diferentes
para
a
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SISTEMÁTICA
nenhum ganho aos usuários. Os usuários
moléculas
que se registraram no site após o início do
algoritmos de previsão tem dificuldade de
experimento
distribuídos
produzir modelos pertinentes. Frente a esse
aleatoriamente em quatro grupos distintos:
problema, foi criado o programa “Foldit”;
um tinha acesso tanto ao critério de
que permite a qualquer usuário de internet
liberação
à
(ainda que leigo em biologia e química)
visualização das insígnias liberadas por
mexer com modelos virtuais de proteínas e
outros usuários, outro tinha apenas acesso
os desafia a apresentar a forma mais
aos critérios de liberação (não sabendo as
eficiente
insígnias de outros usuários), outro apenas
assemelhando-se a um quebra-cabeça 3D.
podia visualizar as insígnias dos outros
A
usuários (além das suas próprias) mas não
voluntários
sabia os critérios de liberação, e o último
modelo
grupo não tinha acesso a nenhuma das
avançar uma pesquisa sobre o vírus da
duas
AIDS.
foram
das
insígnias
informações
quanto
(podendo
apenas
de
proteína
de
partir
se
dobramento
deste
programa,
conseguiram
que
enrolam,
ajudou
desta,
jogadores
produzir
um
pesquisadores
a
visualizar suas próprias insígnias, mas sem
Em vista desta breve revisão, se
saber como liberá-las). Os resultados
percebe que a gamificação é um fenômeno
demonstraram um aumento na atividade no
novo, complexo e rico em possibilidades
site por parte dos usuários que tinham
de
algum tipo de informação sobre as
Psicologia. Assim, se tratando de uma
insígnias
grupos).
nova área de estudo, é pertinente que se
Porém, este aumento foi extremamente
estabeleça um cenário da produção atual
marginal, e não houve uma grande
sobre este tema, a fim de esclarecer o que
diferença entre os três primeiros grupos. O
já foi investigado, e expor métodos
estudo conclui que o tema precisa ser mais
utilizados
e
bem explorado e, considerando a lógica
(Conforto,
Amaral
utilitária e clara por trás de um site de
Considerando que a maioria dos artigos
vendas, sugere que o contexto na qual a
citados por Deterding et. al. (2011) e
gamificação se dá pode ser determinante
Hamari et. al. (2014) são de origem
para sua viabilidade e sucesso.
estrangeira, e que não há um destaque
(os
três
primeiros
pesquisa,
especialmente
conclusões
e
para
a
alcançadas
Silva,
2011).
Khatib et. al. (2011) apresentam
claro de artigos em Psicologia, este
um caso de gamificação bem-sucedido. No
trabalho tem o objetivo de levantar a
ramo de pesquisa sobre a forma como
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RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
produção científica acerca da gamificação
forma, decidimos extrapolar a noção de
com recorte na Psicologia brasileira.
“elementos de design de jogos”; e tanto
jogos completos, quanto atividades lúdicas
sem
Método
regras
bem
definidas,
foram
considerados válidos na busca de artigos
Realizou-se busca por artigos em
pertinentes à proposta da pesquisa. A título
duas bases de dados: Scielo e Pepsic. A
de síntese de linguagem, ao longo deste
escolha dessas bases foi feita em função do
artigo nos referiremos a esse conjunto de
escopo da revisão ser limitado a artigos
fenômenos como “recursos lúdicos”.
brasileiros e em português. As buscas
Então,
realizadas na plataforma Scielo, foram
subsequentes
refinadas pelas seguintes áreas temáticas:
Game AND Design; Design AND Jogos;
Ciências
Sociais
“Design de Jogos”; Ludificação; Jogo e
Aplicadas e Multidisciplinar (segundo a
“Ludic”. Por fim, logo no início da
categorização Scielo); e Ciências sociais,
pesquisa de artigos pela palavra-chave
interdisciplinar;
Humanidades,
“jogo” na plataforma Pepsic, encontramos
multidisciplinar;
Psicologia,
uma quantidade significativa de artigos
multidisciplinar; Psicologia; Psicologia,
que usavam o termo no referencial teórico
aplicada; Psicologia, biológica; Psicologia,
de Winnicott (1989). Esses artigos foram
clínica;
educacional;
excluídos da procura, pois nesses casos o
Psicologia, psicanálise e Psicologia, social
conceito de jogo implicava um fenômeno
(segundo à categorização Web of Science).
consideravelmente
Humanas;
Psicologia,
Ciências
realizamos
com
as
buscas
palavras-chave:
distinto
daquele
A busca foi feita através de
definido por Huizinga (2008). Assim, foi
palavras-chave no título ou resumo dos
adotada a palavra-chave modificada “Jogo
artigos. As palavras-chave inicialmente
AND NOT Winnicott”, ao invés de apenas
foram: Gamification e Gamificação. Não
jogo.
foram encontrados resultados para esses
termos. Percebendo-se a ausência de
Os resultados dessa primeira busca
são apresentados na Tabela 1.
artigos que tratavam explicitamente do
fenômeno da gamificação, optamos por
expandir a busca para palavras-chaves
relacionadas, visando identificar artigos
que se aproximassem do tema. Dessa
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SISTEMÁTICA
Palavra-chave (Scielo)
Número
Palavra-chave (Pepsic)
Número
Gamification
Gamificação.
Game AND Design
Design AND Jogos
“Design de Jogos”
Ludificação
Jogo
0
0
0
2
0
0
156
0
0
4
3
0
0
239
“Ludic”
14
Gamification
Gamificação.
Game AND Design
Design AND Jogos
“Design de Jogos”
Ludificação
Jogo
AND
NOT
Winnicott
“Ludic”
35
Tabela 1 - Resultados da 1a busca
A
partir
desses
resultados,
ou
uma
brincadeira,
no
sentido
de
realizamos a leitura dos resumos dos
atividade lúdica; mas à uma forma
artigos e excluímos aqueles que: 1) não
figurativa (ex. “Jogo de Poder”; “Jogo de
usavam o recurso lúdico como um
Palavras”; “estar em jogo”). Após essa
instrumento de intervenção (Por exemplo,
seleção, e retirando-se os artigos repetidos,
artigos de relato e análise de brincadeiras
chegamos a 82 artigos; discriminados por
infantis espontâneas, não inseridas e/ou
suas palavras-chaves, apresentados na
mediadas pelos autores); 2) o termo “jogo”
Tabela 2:
não se refere a um jogo digital, analógico
Palavra-chave (Scielo)
Gamification
Gamificação.
Game AND Design
Design AND Jogos
“Design de Jogos”
Ludificação
Jogo
Número
0
0
0
0
0
0
35
“Ludic”
Tabela 2 - Resultados da 2a busca
3
Esses 82 artigos foram lidos na
Palavra-chave (Pepsic)
Gamification
Gamificação.
Game AND Design
Design AND Jogos
“Design de Jogos”
Ludificação
Jogo
AND
NOT
Winnicott
“Ludic”
explicitamente;
Número
0
0
3
1
0
0
36
4
2)
examinavam
íntegra e então realizamos uma terceira
intervenções experimentais com recursos
seleção; apenas com os artigos que se
lúdicos.
enquadravam nos seguintes critérios: 1)
Artigos que apenas citavam ou
investigavam os recursos lúdicos como
relatavam pontualmente o uso de recursos
variáveis independentes, ainda que não
lúdicos para algum fim, sem elaborar uma
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SISTEMÁTICA
investigação metódica dos efeitos da
teóricos foram excluídos.
intervenção ou artigos exclusivamente
Resultados
Os artigos analisados foram lidos
resultados; e elementos motivadores. Cada
na íntegra e os dados extraídos para
categoria, incluindo suas subcategorias,
comparação foram organizados em 12
será apresentada a seguir.
categorias: ano de publicação; referencial
teórico; contexto da intervenção; tipo de
pesquisa;
número
de
Ano de Publicação
participantes;
variável dependente; natureza do recurso
Essa categoria se refere ao ano de
lúdico; mediação da intervenção; método
publicação do artigo. Os resultados são
de análise; existência de grupo controle;
apresentados no Gráfico 1.
Gráfico 1 - Ano de Publicação
Agrupamos
esses
artigos
em
intervalos de cinco anos e calculamos sua
porcentagem cumulativa. Os resultados são
apresentados na Tabela 3.
113
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SISTEMÁTICA
Período
Quantidade de Artigos
Porcentagem Cumulativa
Últimos 5 Anos
8
33,3%
Últimos 10 Anos
21
87,5%
Últimos 15 Anos
23
95,6%
Últimos 20 Anos
Tabela 3 - Período de Publicação
24
100%
Referencial Teórico
Essa categoria se refere a que
declarou se orientar para realizar a
abordagem teórica da Psicologia o estudo
Referencial Teórico
Análise
Experimental
do
Comportamento
Epistemologia Genética
Não Especificado
Psicologia Analítica
Terapia
CognitivaComportamental
Ecologia e Política Cognitiva
Psicologia Cognitiva
Psicodrama
Psicologia Histórico-Cultural
Psico-Oncologia
Teoria dos Sistemas Ecológicos
Sociodrama-Pedagógico
Tabela 4 - Referencial Teórico
investigação e a análise dos resultados.
Quantidade de Artigos
Porcentagem
5
20,8%
4
4
2
16,7%
16,7%
8,2%
2
8,2%
1
1
1
1
1
1
1
4,2%
4,2%
4,2%
4,2%
4,2%
4,2%
4,2%
Contexto de Intervenção
a promoção do aprendizado de novos
conhecimentos
Essa
refere
dos
participantes da intervenção. Os artigos
ambiente de intervenção da pesquisa; tanto
agrupados nesta categoria tinham como
o ambiente físico na qual ela ocorreu,
objeto de estudo o impacto do recurso
quanto
experimental
lúdico em algum aspecto da promoção de
relacionada. A partir da leitura dos artigos,
aprendizados. O contexto de saúde se
identificamos dois contextos distintos:
refere
educação e saúde.
designados para o tratamento de condições
orientação
se
habilidades
ao
à
categoria
e
a
ambientes
principalmente
O contexto de educação se refere a
que prejudiquem o bem-estar físico ou
ambientes principalmente designados para
subjetivo dos participantes da intervenção.
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SISTEMÁTICA
Os artigos agrupados nesta categoria
desenvolvimento de habilidades para o
tinham como objeto de estudo o impacto
tratamento de condições prejudiciais ao
do recurso lúdico em algum aspecto do
bem-estar dos sujeitos da pesquisa. Esses
tratamento ou promoção de bem-estar.
artigos foram agrupados em uma terceira
Alguns artigos apresentaram uma
categoria educação e saúde, e não foram
interseção significativa dessas áreas, por
contabilizados
nas
investigarem o impacto dos recursos
anteriores (Tabela 5).
duas
categorias
lúdicos no aprendizado de conteúdos e
Contexto
Educação
Saúde
Educação e Saúde
Tabela 5 - Contexto da Intervenção
Quantidade de Artigos
17
4
3
Porcentagem
70,8%
16,7%
12,5%
Além disso identificamos, em cada contexto, subcategorias dos ambientes específicos
de intervenção. Digno de nota, no contexto educação, foi a maioria de estudos realizados no
ensino fundamental (9 de 17 artigos).
Tipo de Pesquisa
qualitativa-quantitativa. Os resultados se
encontram na Tabela 6.
Essa
categoria
distingue
as
pesquisas em qualitativa, quantitativa e
Tipo de Pesquisa
Qualitativa
Quantitativa
Qualitativa-Quantitativa
Tabela 6 - Tipos de Pesquisa
Quantidade de Artigos
13
6
5
Número e Idade dos Participantes
Porcentagem
54,2%
25%
20,8%
que houvesse um padrão claro. Em função
disso, decidimos não criar categorias.
Houve
grande
variedade
de
tamanhos de amostra e faixas etárias, sem
Variável Dependente
Essa categoria se refere à variável
dependente da qual a intervenção com o
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recurso lúdico era variável independente.
inclui as pesquisas que analisaram o
A partir dos dados analisados, traçamos
impacto da intervenção sobre o aquisição e
três
de
desenvolvimento de habilidades cognitivas
específicos;
ou comportamentais, que não se limitam a
desenvolvimento de habilidades; e efeitos
conteúdos específicos (como capacidade
terapêuticos
de
categorias:
aprendizado
conhecimentos
(Os
resultados
são
leitura
e
escrita,
habilidades
de
apresentados na Tabela 7): (a) A categoria
interação interpessoal, e de reflexão e
aprendizado de conhecimentos específicos
escolha de hábitos alimentares); (c) A
inclui as pesquisas que buscaram analisar o
categoria efeitos terapêuticos inclui as
impacto
a
pesquisas que buscaram analisar o impacto
memorização e compreensão de conteúdos
da intervenção sobre o bem-estar físico ou
objetivos; tais como regras de acentuação
subjetivo dos participantes (como redução
gramatical e fatos sobre DNA; (b) A
de ansiedade e superação de dificuldades
categoria desenvolvimento de habilidades
neuromotoras).
da
intervenção
sobre
Variável Dependente
Aprendizado
de
conteúdos
específicos
Desenvolvimento de Habilidades
Efeitos Terapêuticos
Tabela 7 - Variável Dependente
Quantidade de Artigos
Porcentagem
5
20,8%
15
4
62,5%
16,7%
Natureza do Recurso Lúdico
encerramento do jogo; (c) Brincadeiras
A partir dos artigos analisados,
analógicas
são
requerem
o
atividades
uso
de
que
não
equipamentos
decidimos agrupar os resultados nas
eletrônicos; e que se assemelham a jogos
seguintes categorias: (a) Jogos analógicos
contendo
se referem a jogos que não necessitam de
comportamentos
equipamentos
serem
atividade, porém, ao contrário dos jogos,
jogados, e possuem regras que estipulam
não possuem condições pré-estabelecidas
claramente uma condição de vitória e
de vitória ou encerramento; (d) A categoria
encerramento do jogo; (b) Jogos digitais se
outros abarca casos particulares como
referem a jogos que requerem o uso de
jogos
equipamentos
serem
elementos analógicos quanto digitais), e
jogados, e possuem regras que estipulam
recursos lúdicos como uso de filmes para
claramente uma condição de vitória e
promover debates.
eletrônicos
eletrônicos
para
para
regras
híbridos
que
dos
(que
orientam
os
participantes
na
utilizam
tanto
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É importante ressaltar que, por
conterem
mais
de
uma
forma
de
intervenção, alguns artigos foram incluídos
em mais de uma categoria (Tabela 8).
Natureza do Recurso Lúdico
Quantidade de Artigos
15
Jogos analógicos
2
Jogos digitais
7
Brincadeiras analógicas
3
Outros
Tabela 8 - Natureza do Recurso Lúdico
Mediação da Intervenção
Essa categoria se refere à presença
Porcentagem
62,5%
8,3%
29,2%
12,5%
desafios
específicos
na
realizada.
Intervenções
não
foram
aquelas nas
quais
apenas
intervenção
participantes,
esclarecendo
seu
entendida como o acompanhamento dos
funcionamento,
mas
eles
pesquisadores
interagirem
ou
recurso
outros
lúdico,
supervisores
sem
lúdico
se
apresentou
o
recurso
mediadas
ou ausência de mediação durante a
com
o
intervenção
aos
deixando
qualquer
tipo
de
treinados previamente por eles (como pais
assistência ou ajuste na atividade. Os
e professores), durante a atividade, de
resultados estão na Tabela 9.
maneira a conduzir, orientar ou propor
Mediação da Intervenção
Mediada
Não Mediada
Tabela 9 - Mediação da Intervenção
Quantidade de Artigos
19
5
Método de Análise
Porcentagem
79,2%
20,8%
intervenção.
Esses
registros
foram
gravações audiovisuais das atividades ou
Essa
categoria
refere
aos
diários de campo, e são de natureza
instrumentos e métodos utilizados para
qualitativa;
(b)
avaliar os resultados das intervenções. A
qualitativos
inclui
partir
resultados foram obtidos de relatos dos
da
análise
dos
artigos
ou
Análise
artigos
outros
de
relatos
nos
quais
desenvolvemos quatro categorias para
participantes
classificá-los. (a) Observação qualitativa:
pertinentes (como pais e professores).
os resultados foram parcialmente obtidos
Esses relatos incluem entrevistas gravadas
da análise dos registros de observação dos
e escritas, questionários qualitativos e
participantes antes, durante, e depois da
relatos
espontâneos
observadores
dirigidos
aos
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pesquisadores ao longo da pesquisa; (c)
quantitativos
Análise de testes, nos quais os resultados
diferentes partidas), mas não representa o
foram integral ou parcialmente obtidos de
uso de testes consolidados. Essa categoria
testes psicométricos ou de proficiência em
só inclui artigos nos quais o recurso lúdico
alguma habilidade ou conhecimento; (d)
utilizado foi um jogo de regras, pois a
Análise de desempenho em jogo inclui
análise foi realizada em função das
artigos nos quais os resultados foram
condições de vitória, não presente nas
parcialmente
da
brincadeiras e outros recursos lúdicos.
variação de desempenho dos participantes
Além disso, ressalta-se que os artigos
ao longo de múltiplas partidas do jogo de
poderiam ser enquadrados em mais de uma
regras. Essa categoria se diferencia de
categoria.
obtidos
da
análise
(como
pontuação
em
observação qualitativa e análise de testes,
pois se pauta em dados objetivos e
Método de Análise
Observação qualitativa
Análise de relatos qualitativos
Análise de testes
Análise de desempenho em jogo
Tabela 10 - Método de Análise
Quantidade de Artigos
18
17
9
8
Existência de Grupo Controle
Porcentagem
75%
70,8%
37,5%
33,3%
comparado com o grupo experimental no
qual se realizou a intervenção com o
Essa categoria se refere à existência
ou não de um grupo controle a ser
recurso lúdico. Os resultados se encontram
na Tabela 11
.
Existência de Grupo Controle
Quantidade de Artigos
3
Sim
21
Não
Tabela 11 - Existência de Grupo Controle
Resultados
Porcentagem
12,5%
87,5%
questão. Dois padrões foram observados e
organizados nas seguintes categorias:
Essa categoria se refere aos
resultados concluídos pelos estudos acerca
da eficiência da intervenção com recurso
lúdico sobre a variável dependente em
melhora significativa; e melhora marginal
ou relação inconclusiva.
Melhora significativa se refere a
artigos que sugerem que houve uma
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melhora notável na variável dependente
intervenção com recursos lúdicos.
estudada, e que pode ser atribuída à
Também inclui artigos nos quais se
intervenção com recursos lúdicos. Já a
observou alguma melhora na variável
categoria melhora marginal ou relação
dependente, porém não ficou clara a
inconclusiva se refere a artigos que
relação entre ela e a intervenção com
registram melhorias insignificantes na
recursos lúdicos. Os dados se encontram
variável dependente estudada em relação à
na tabela 12.
Resultados
Melhora significativa
Melhora marginal ou relação
inconclusiva
Tabela 12 - Resultados
Quantidade de Artigos
18
Porcentagem
75%
6
25%
Motivadores Fundamentais
Desenvolvimento
e
Conquista
são
classificados os recursos lúdicos que
Essa categoria buscou identificar os
propiciam aos participantes a sensação de
“motivadores
aquisição e aprimoramento de habilidades
principais
elementos
fundamentais” (core drives) que atuavam
e/ou
em cada intervenção, baseado no modelo
Empoderamento
Octalysis
Foram
Feedback são classificados os recursos
observados cinco dos oito motivadores
lúdicos que permitem os participantes
fundamentais: Sentido Épico e Chamado;
descobrir e utilizar formas diversas de se
Desenvolvimento
alcançar
de
Chou
Empoderamento
(2016).
e
Conquista;
a
conquista
um
de
da
mesmo
prêmios.
Em
Criatividade
e
objetivo,
ou
da
Criatividade
e
apresentam aos participantes, respostas
Influência
Social
e
claras de seu desempenho na atividade e
Relacionamento; e Imprevisibilidade e
do impacto de suas ações. Em Influência
Curiosidade.
Social e Relacionamento são classificados
Feedback;
Em Sentido Épico e Chamado são
os recursos lúdicos que promovem a
classificados os recursos lúdicos que
interação
e
criação
lançam os participantes em uma imersão
interpessoais.
narrativa, não necessariamente fantástica,
Curiosidade são classificados os recursos
mas que produz um sentido à atividade
lúdicos que promovem uma sensação de
sobre a qual ocorreu a intervenção, que
incerteza e/ou confrontam os participantes
estava ausente antes de sua inserção. Em
com algo desconhecido que pode ser
Em
de
vínculos
Imprevisibilidade
e
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explorado. Ressalta-se que as intervenções
motivador fundamental. Os resultados são
de cada artigo podiam conter mais de um
apresentados na tabela 13.
Motivador Fundamental
Quantidade de Artigos
12
Sentido Épico e Chamado
15
Desenvolvimento e Conquista
Empoderamento da
19
Criatividade e Feedback
Influência Social e
5
Relacionamento
Imprevisibilidade e
3
Curiosidade
Tabela 13 - Motivadores Fundamentais
Porcentagem
50%
62,5%
79,2%
20,8%
12,5%
aumento ocorreu ao longo do mesmo
Discussão
período. Inclusive, poderíamos especular
O primeiro fato digno de nota é a
que o pico de produção nacional em 2014
total ausência de artigos que utilizassem os
seria uma repercussão da visibilidade que o
termos
ou
assunto ganhou no exterior. Todavia, a
mesmo ludificação. Este já é um forte
redução na produção nacional nos anos
indicativo da novidade do fenômeno no
seguintes vai na contramão da tendência
contexto da Psicologia brasileira. Outro
internacional.
fato que suporta a emergência do tema são
apontamentos, visto que há poucos dados
as datas de publicação. Embora o artigo
para
mais antigo seja de 1998, é notável que
afirmação mais formal. Vale lembrar que
87,5% da bibliografia tenha sido produzida
nenhum dos artigos trata exatamente de
nos últimos 10 anos.
gamificação, porém podemos perceber que
gamificação,
gamification
Segundo Deterding et. al. (2011), o
houve
Esses
realizarmos
crescimento
são
qualquer
na
apenas
tipo
produção
de
de
primeiro uso do termo gamification remete
pesquisas com jogos educativos; o que
ao ano de 2008, porém ele só alcançou
pode ser interpretado como um reflexo da
maior visibilidade por volta de 2010. Na
difusão gradual do tema, ainda que de
revisão de Hamari et. al. (2014), só se
maneira implícita e incipiente.
encontrou artigos a partir de 2010, e o ano
Em relação às abordagens teóricas
de maior incidência foi 2013. Embora não
sobre as quais os estudos se pautam,
possamos
o
observamos uma considerável variedade,
surgimento do termo e a produção
sendo identificadas 11 abordagens. Duas
brasileira, é interessante notar que seu
dessas se destacaram em produção: a
traçar
correlações
entre
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Análise Experimental do Comportamento e
propriamente
a
recurso utilizado com certa frequência por
Epistemologia
novamente,
haja
Genética.
um
ser associado à idade infanto-juvenil.
traçarmos afirmações, podemos considerar
Similarmente, poderíamos supor que a
que essas abordagens se sobressaíram pois
ausência
costumam ter um viés mais pragmático e
organizacionais ocorre porque, se há
experimental,
maior
intervenções implicitamente gamificadas
proximidade com o contexto de educação,
ou próximas disso, elas provavelmente se
onde observamos o maior número de
pautam por elementos mais sutis e de
intervenções. Talvez seja apenas questão
menor
de
relacionados a jogos, que por serem
além
até
de
que
dados
representam
para
tempo
poucos
Embora,
ditas,
terem
estudos
sobre
de
estudos
probabilidade
contextos
de
serem
gamificação sejam apropriados de maneira
associados
mais homogênea pelas diversas abordagens
incompatíveis com um ambiente adulto
da Psicologia. Por fim, notamos a ausência
“sério”.
de pesquisas orientadas pela Psicanálise; o
utilizadas na procura podem ter sido
que pode estar relacionado à eliminação
impróprias
explícita de Winnicott, durante a busca por
propostas de gamificação incipientes em
artigos.
contextos organizacionais.
Quanto ao contexto de intervenção,
sobressaiu-se
educação,
significativamente
em
especial
o
à
em
infância,
Assim,
para
as
seriam
palavras-chaves
identificar
possíveis
Em relação ao tipo das pesquisas,
a
observamos aproximadamente que metade
ensino
era exclusivamente qualitativa; e os demais
fundamental. Também é notável a ausência
divididos
de
quantitativa
e
organizacionais e de comportamento de
Quanto
amostras,
consumo. Esta mesma ausência é notada
variedade de número e faixa etária.
por Hamari et. al. (2014), que em sua
Consideramos que isso se deve à variedade
revisão,
que
de abordagens teóricas e de métodos de
investiguem gamificação em contextos
análise dos resultados, o que também
explícitos de marketing. Em relação à
aponta para uma variedade de parâmetros
predominância de estudos em educação,
distintos que impossibilitam uma meta-
podemos supor que está relacionada ao uso
análise dos artigos, e dificultam fazer
de jogos educativos que, embora, não
generalizações que contemplem todos eles.
estudos
constituam
não
voltados
encontra
intervenções
a
contextos
artigos
de
às
maneira
similar
entre
qualitativa-quantitativa.
houve
grande
gamificadas
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RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
Quanto às variáveis dependentes
orientam as ações (como ter que lançar
identificadas, observamos um predomínio
uma bola de volta ao companheiro após ele
da
categoria
desenvolvimento
de
tê-la lançado a você), mas sem envolvê-las
menor
da
em uma rede de consequências pré-
categoria efeitos terapêuticos, parece estar
estipuladas que conduzem a um final com
relacionada
de
um vencedor (se a bola não for devolvida,
intervenções em contexto de saúde. Em
não existe nenhuma sanção ou resposta
relação à natureza dos recursos lúdicos,
pré-definida), pode ser entendida como um
destacaram-se os jogos analógicos. Por um
conjunto de elementos de design de jogo.
lado, supomos a popularidade de seu uso
Assim, pensar o processo de gamificação
por serem mais acessíveis que jogos
como a transformação de alguma atividade
digitais, e por suas regras propiciarem um
cotidiana
ambiente no qual os comportamentos
facilitar a compreensão deste fenômeno e
esperados e as respectivas recompensas
suas possibilidades de intervenção.
habilidades.
A
à
menor
incidência
frequência
são claras; o que Panosso et. al. (2015)
em
uma
Notamos
brincadeira,
uma
pode
considerável
apontam como sendo uma das vantagens
predominância em relação à mediação
do uso de jogos. Por outro, a quantidade de
junto ao recurso lúdico. Essa mediação,
intervenções
que constituía no acompanhamento e
realizadas
com
jogos
completos, e tendo em vista a ausência de
auxílio
estudos explícitos sobre gamificação, pode
intervenção, indica o reconhecimento dos
ser interpretada como um indício do
pesquisadores de que o recurso lúdico
desconhecimento
de
estático não seria tão eficiente. Seria mais
gamificação. Assim, parece ainda haver
eficaz a mediação, no sentido de ajustar os
alguma confusão entre esse conceito e
desafios ao longo da atividade para
jogos educativos e pedagógicos.
corresponderem
Nesta
dos
às
durante
habilidades
a
do
participante. Esse reconhecimento pode ser
interessante apontar que as brincadeiras
interpretado como uma aproximação da
analógicas representam o recurso lúdico
compreensão adequada sobre gamificação,
que mais se aproxima de uma abordagem
uma vez que não é um jogo ou brincadeira
genuinamente gamificada, pois trata-se da
em
inserção de um recurso que é quase um
resultados,
jogo
Uma
elementos pertinentes e sua integração sob
brincadeira, por poder conter “regras” que
medida no contexto de não-jogo, para
regras,
mas
também
participantes
é
de
categoria
métodos
dos
não
é.
si
que
implicaria
em
melhores
mas a extração de seus
114
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eliciar as reações específicas desejadas
estudada, eles não apresentaram evidências
(Chou, 2016).
objetivas criteriosas o suficiente para poder
Sobre os métodos de análise de
resultados,
houve
predominância
abordagens
parcial
ou
de
integralmente
fazer afirmações firmes em relação a essa
influência, ou mesmo se esses resultados
eram causados pelas intervenções.
qualitativas. É interessante apontar que
Há também que se problematizar o
todos os estudos que se pautaram sobre a
método de análise de desempenho em
análise de relatos, também se pautaram em
jogo.
observação qualitativa. Por um lado, essa
instrumento de intervenção também seria o
análise qualitativa é pertinente por dois
instrumento de medição. Dessa forma,
motivos. Primeiro, como apontado por
poderia se dizer que seus resultados seriam
Perkoski et. al. (2016), a observação dos
enviesados pelo fato de que, ao longo de
comportamentos durante a intervenção
diversas partidas, o participante estaria
com o recurso lúdico, é mais precisa que a
“treinando” seu desempenho sobre o
análise de relatos na identificação de
próprio instrumento de medição. Ainda
comportamentos emitidos, pois registra os
assim, a melhora do desempenho do jogo
acontecimentos em primeira mão. Ao
pode ser tomada como um indicativo do
contrário da análise dos comportamentos
potencial de intervenções gamificadas,
relatados, que pode não ser exatamente
senão por outro motivo que a capacidade
correspondente
aos
de engajar os indivíduos em tarefas
apresentados.
Segundo;
comportamentos
a
análise
Ele
repetitivas,
implica
que
que
o
próprio
propiciam
o
qualitativa pode propiciar uma melhor
desenvolvimento de habilidades. Todavia,
identificação e compreensão de elementos
defendemos que a testagem antes e depois
motivadores relacionados em maior parte à
da
experiência subjetiva dos participantes, no
instrumento propriamente desenvolvido
referencial de Chou (2016); como as
para esse fim, é um método mais adequado
categorias de Sentido Épico e Chamado;
de avaliação dos resultados.
intervenção
Desenvolvimento; e Empoderamento da
Criatividade.
os
meio
de
um
Ainda em relação aos métodos,
observamos que a amostra de alguns dos
Por outro lado, apesar de em sua
maioria
por
quantitativos
foi
pequena,
exclusivamente
contendo menos de 30, e em outros casos,
a
influência
menos de 10 participantes. Assim, apesar
positiva dos recursos lúdicos na variável
dos métodos de análise de dados serem
qualitativos
artigos
estudos
apontarem
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Perspectivas em Psicologia, Uberlândia, vol. 23, n. 1, pp. 112 - 138, Jan/Jun, 2019 – ISSN 2237-6917
RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
mais criteriosos nestes estudos, o tamanho
amostras
de amostra pode limitar a capacidade de
participantes, respectivamente), com grupo
generalização dos resultados. Por fim,
controle
apontamos que nenhum estudo utilizou
resultados, que apontam com convicção
instrumentos de medição psicofisiológica,
para um incremento significativo nas
como sugeridos por Nacke et. al. (2010).
variáveis investigadas em função dos
Embora sua pertinência dependa do tipo de
recursos lúdicos. Apesar disso, alguns dos
variável que se pretende estudar, sendo que
outros artigos que observaram resultados
nenhum
artigo
necessidade
chegou
desses
a
consideráveis
e
validação
(93
e
estatística
96
dos
apontar
a
positivos se basearam somente em uma
instrumentos,
é
análise
qualitativa
que
não
permite
interessante notar esta ausência, nem que
sustentar firmemente suas conclusões. Em
seja para apontar mais um nicho de
relação aos 25% dos artigos que não
pesquisa que ainda pode ser explorada.
mostraram resultados conclusivos, metade
Um outro dado a destacar foi a
deles (Pellizzetti e Souza, 2014; Panosso e
baixa quantidade de artigos que utilizaram
Souza, 2014; Souza e Hübner, 2010) eram
um grupo controle em suas intervenções:
estudos quantitativos, sem grupo controle e
apenas três. Desses, dois tratavam de
com amostras pequenas (três, dois e nove
estudos quantitativos e um de qualitativo-
participantes, respectivamente). Estes três
quantitativo. Isso implica uma fragilização
estudos observaram incrementos apenas
das conclusões dos outros estudos, já que
marginais nas variáveis estudadas, e sem
eles apenas compararam as variações
relações claras com os recursos lúdicos
dentro do próprio grupo. A partir desse
utilizados. Apesar de serem criteriosos em
dado, recomendamos que estudos futuros,
suas análises, pode-se apontar que tanto a
mesmo qualitativos, incluam um grupo
ausência de grupos controle quanto o
controle.
tamanho da amostra, sugerem que esses
Em
relação
aos
resultados
resultados não podem ser generalizados
observados, 75% dos artigos afirmaram ter
como uma ineficácia da intervenção com
havido melhoras significativas na variável
recursos lúdicos. Justamente, as autoras
investigada, fruto da intervenção com
apontam que mais pesquisas devem ser
recursos lúdicos. De notável menção são
realizadas antes de se chegar a alguma
os estudos de Costa, Soares e Lima (2007)
conclusão sólida.
e Oliva e Moura (1998), sendo ambos
Os
estudos exclusivamente quantitativos, com
qualitativo
outros
e
artigos,
de
caráter
qualitativo-quantitativo,
116
Perspectivas em Psicologia, Uberlândia, vol. 23, n. 1, pp. 112 - 138, Jan/Jun, 2019 – ISSN 2237-6917
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SISTEMÁTICA
também
apresentam
resultados
apontado por Panosso et. al. (2015) e
inconclusivos e afirmam a necessidade de
Perkoski et. al. (2016). Ele se manifestou
mais pesquisas. Ao todo, os artigos
principalmente através das regras de jogos
apontam, com maior ou menor grau de
que tornavam evidentes aos participantes
significância, para a eficiência dos recursos
tanto as consequências das jogadas, quanto
lúdicos na promoção de aprendizados e
seu progresso em direção à vitória.
efeitos terapêuticos. Há que ressalvarmos
Este motivador foi seguido de perto
que o rol de contextos de intervenção,
por Desenvolvimento e Conquista; e
variáveis dependentes e natureza dos
Sentido Épico e Chamado. O segundo
recursos lúdicos é diverso, de forma que
motivador se manifestou principalmente
não se pode ainda afirmar absolutamente
pela
que a intervenção com recursos lúdicos é
aprimoramento produzida por partidas
eficaz em todos os casos, pois cada um tem
consecutivas de um mesmo jogo. Sua
suas particularidades, como afirma Chou
relação com o motivador Feedback é
(2016). Dito isso, as perspectivas de
evidente, pois o reconhecimento de suas
pesquisa sobre gamificação são ricas e
ações e progresso no jogo, induz no
abundantes, e ainda há muito para ser
jogador a sensação de desenvolvimento. O
explorado.
motivador Sentido Épico e Chamado se
sensação
de
progresso
e
O último dado analisado foram os
manifestou pela imersão narrativa que
motivadores fundamentais de Chou (2016),
alguns recursos lúdicos promoveram, tais
presentes nos recursos lúdicos utilizados
como RPGs (Role Playing Games), que
nos estudos. Observamos que o motivador
são jogos nos quais o jogador representa
mais frequente foi Empoderamento da
um papel de um personagem dentro de
Criatividade
uma
e
Feedback;
mais
narrativa
compartilhada.
A
especificamente em função do feedback.
justificativa de sua motivação se baseia no
Esse
fácil
sentido pessoal que a atividade assume
reconhecimento do usuário do recurso
para o usuário do recurso lúdico. Assim,
lúdico
das
uma atividade que seria apenas uma tarefa
consequências de suas ações, justifica a
a ser cumprida por obrigação, ao ser
promoção da motivação pela discriminação
dotada de algum significado pessoal para o
clara das contingências que regem o
usuário, se torna algo mais prazeroso, ou
comportamento
naquele
no mínimo, menos aversivo. É interessante
contexto. O que vai ao encontro ao
destacar que, apesar do adjetivo “épico”,
traço,
de
que
seu
do
implica
progresso
indivíduo
o
e
117
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RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
esse sentido pode ser algo relativamente
Este fato é interessante, pois,
trivial, como é o caso do estudo de Oliva e
apesar de Chou (2016) afirmar que
Moura (1998); no qual o engajamento dos
nenhum
participantes em uma aplicação de teste
“bom” ou “ruim”, e que se pode produzir
psicométrico é incrementado por ele
experiências engajadoras e agradáveis a
aparentar na superfície ser uma preparação
partir de
para um jogo de dominó.
“chapéus brancos” são os motivadores
Dentro de seu modelo, Chou (2016)
mais
motivador
é
quaisquer
frequentemente
intrinsecamente
combinações;
associados
a
traça algumas categorias nas quais os
experiências
motivadores fundamentais são inseridos.
categorização de Chou (2016) guarda
Uma
três
semelhanças
com
os
brancos”
fundamentais
da
Análise
(white hat), três como “chapéus pretos”
Comportamento,
de
(black hat) e dois como ambivalentes. Os
reforço negativo e punição propostos por
motivadores
são
Skinner (1953), segundo os quais haveriam
aqueles que mobilizam os sujeitos a partir
estímulos que aumentam ou diminuem a
de recompensas e indução de sensações de
probabilidade
poder,
Os
comportamentos no futuro, e podem gerar
motivadores “chapéus pretos” são aqueles
comportamentos respondentes agradáveis
que mobilizam os sujeitos a partir de
ou aversivos.
dessas
motivadores
categorias
como
“chapéus
“chapéus
crescimento
define
brancos”
e
bem-estar.
prazerosas.
os
da
reforço
Essa
conceitos
do
positivo,
emissão
de
ameaças e remoção de estímulos aversivos.
Assim, a predominância desses
Os motivadores ambivalentes são aqueles
motivadores “chapéus brancos”, ao serem
que dependendo do contexto podem se
entendidos como reforçadores positivos,
comportar de uma forma ou de outra. É
contribuem para o ambiente ideal de
interessante notar que os três motivadores
modelagem
mais presentes são os classificados como
aprendizagem apontado por Panosso et. al.
“chapéus
brancos”.
Os
de
comportamentos
e
outros
dois
(2015). Aliás, é interessante apontar que o
menor
potencial dos recursos lúdicos pode ser
motivadores
identificados
em
frequência;
Interação
Social
e
reconhecido e justificado não só a partir
Relacionamento; e Imprevisibilidade e
dos
Curiosidade,
Comportamento, mas também de outras
são
respectivamente
ambivalentes e “chapéu preto”.
conceitos
da
Análise
do
abordagens teóricas.
Do ponto de vista da teoria do
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HÁ GAMIFICAÇÃO NA PSICOLOGIA BRASILEIRA? - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SISTEMÁTICA
fluxo (Csikszentmihalyi, 1990), o uso dos
elementos pertinentes de design de jogos
Considerações Finais
poderia conceder a uma atividade, a
característica de adequar sua dificuldade
Após a realização do presente
correspondente à habilidade dos sujeitos
exame,
envolvidos, produzindo a sensação de
limitações. Notavelmente, assume-se que
fluxo que manteria a atividade motivadora.
esta revisão não analisou artigos tratando
Do ponto de vista de Vygotsky (1978),
de
pode-se entender os recursos lúdicos como
previamente por Deterding et. al. (2011) e
instrumentos de mediação nas atividades
Hamari et. al. (2014). Esta questão foi
que possibilitam a aquisição de funções
explicitada
psicológicas superiores, bem como o
exposição do método. Como apontado, não
desenvolvimento de novas habilidades. Do
encontramos artigos que contivessem o uso
ponto de vista da Epistemologia Genética,
explícito do termo gamificação. Com o
se pode entender os recursos lúdicos como
intuito de levantar estudos próximos ao
propiciadores de um ambiente de reflexão
fenômeno e quem sabe até encontrar algum
e repetição de habilidades já aprendidas, o
artigo que tratasse exatamente sobre
que contribuiria para sua consolidação
gamificação, ainda que não intitulada
(Piaget, 1962).
como tal, optou-se pela procura de certas
Essas demonstrações de diferentes
há
que
gamificação,
se
tal
reconhecer
como
brevemente
palavras-chaves
que
definido
durante
se
suas
a
imaginou
perspectivas foram feitas de maneira
representar elementos prováveis de uma
extremamente breve, e não pretendeu ser
pesquisa sobre este tema.
uma lista absoluta de teorias ou trazer uma
A decisão pelas palavras-chaves
explicação exaustiva de seus conceitos;
escolhidas foi orientada pelos fenômenos e
apenas
da
objetos que remetiam mais claramente à
Psicologia os fenômenos dos jogos e do
noção de gamificação, a saber: o jogo e
brincar já foram considerados por diversos
seu adjetivo “lúdico”. Além disso, optou-
autores, e não se restringem a alguma
se por uma definição específica de jogo,
abordagem específica. Com essa exposição
dentre tantas possíveis, o que também
pretendemos
que
implica um viés na pesquisa. Em função
independentemente do referencial teórico
dessas escolhas, não foram investigadas
que se adote, há a possibilidade de se
produções que se pautassem em conceitos
trabalhar com jogos e com gamificação.
de
demonstrar
que,
apontar
dentro
jogo
explicitamente
distintos
do
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Perspectivas em Psicologia, Uberlândia, vol. 23, n. 1, pp. 112 - 138, Jan/Jun, 2019 – ISSN 2237-6917
RAFAEL GOULART LODI, ADRIANO FURTADO HOLANDA
adotado; e também não foi possível
estudos
que
abordassem,
explorar elementos motivacionais sutis dos
tangencialmente o tema. Para tanto se
jogos, que não tivessem uma relação tão
optou por agrupar jogos, e fenômenos
evidente com o conceito de jogo. Aliás,
semelhantes de lazer, como brincadeiras,
grande parte das dificuldades encontradas
sob o termo “recurso lúdico”. Em um
e das limitações consequentes derivaram
primeiro momento, essa decisão permitiu
da complicada tarefa de definir um
prosseguir com trabalho de maneira que os
fenômeno tão multifacetado quanto o jogo.
fenômenos
Isso implicou no uso de certos termos
evidentes, ainda que a definição possa ser
heurísticos, como “recursos lúdicos”, que
questionada.
embora possa não constituir uma boa
limitações, crê-se que essa decisão foi
definição epistemológica, teve um intuito
pertinente e não chegou a prejudicar o
pragmático de sumarização. Da mesma
estudo.
considerados
E,
ainda
que
ficassem
reconhecendo
estas
forma, não é difícil encontrar entre as
Dito isso, cabe aqui adereçar a
definições de gamificação de Deterding et.
pergunta no título deste artigo. A partir dos
al. (2011) e dos motivadores fundamentais
resultados levantados não foi possível
de Chou (2016) termos que possam parecer
encontrar instâncias de trabalho sobre
ambíguos ou projetar uma considerável
gamificação na literatura brasileira de
zona cinzenta no campo das categorias. Os
Psicologia. Todavia, os estudos sobre o
próprios autores comentam em seu artigo
impacto de recursos lúdicos em outros
que a definição que utilizam de “elementos
contextos apontam para uma exploração
característicos de jogo” é explicitamente
tangente à gamificação, o que pode ser
heurística e tem um grande espaço para
visto como um estágio incipiente de
debate (Deterding et. al. 2011).
interesse sobre ela.
A
proposta
de
Chou
(2016)
Por fim, em relação aos artigos
também alarga tanto o conceito do que
examinados, observou-se uma variedade
pode ser um caso de gamificação, que
de
poderia se perguntar o que não pode ser
tamanho
um exemplo de gamificação. Embora
participantes,
definições claras sejam importantes no
abordagens teóricas. Tudo isso sugere a
âmbito de pesquisas científicas; o intuito
abrangência da gamificação e aponta a
deste artigo não foi consolidar uma
vasta gama de possibilidades de atuação
definição de gamificação, mas identificar
para o profissional, tanto em pesquisa
contextos,
de
variáveis
dependentes,
amostra,
idade
métodos
de
análise
dos
e
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HÁ GAMIFICAÇÃO NA PSICOLOGIA BRASILEIRA? - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SISTEMÁTICA
quanto em intervenção.
amostras suficientemente grandes, e com
Em relação aos resultados, há boa
tratamentos
comparados
com
grupos
sugestão do potencial de recursos lúdicos
controle. Assim espera-se que este trabalho
como
diversas
contribua para o início da sistematização
intervenções. Porém, é notável a ausência
da produção acerca da gamificação no
de pesquisas com grupo controle, bem
contexto da Psicologia brasileira, e sirva de
como
ponto de partida para que novas pesquisas
incrementadores
abundância
de
de
pesquisas
qualitativas, e pesquisas quantitativas com
possam
desbravar
amostras pequenas. Recomenda-se então
promissor fenômeno.
este
que estudos futuros sejam realizados,
incluindo
análises
quantitativas
complexo
e
Alea iacta est.
com
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Os autores:
Rafael Goulart Lodi, graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná. E-mail:
lodiuni@gmail.com
Adriano Furtado Holanda, graduado em Psicologia (1987), mestrado em Psicologia Clínica pela Universidade
de Brasília (1993) e doutorado em Psicologia pela PUC-Campinas (2002). Professor Associado e
Orientador de Mestrado da Universidade Federal do Paraná. E-mail: aholanda@yahoo.com
Recebido em: 28/01/2019.
Aprovado em: 25/06/2019.
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