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Conceitos de Física Quântica – Osvaldo Pessoa Jr

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Livraria
~6° Prêmio Jabuti
nhador da Categoria
ias Exatas, Tecnologia
e Informática
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· Conceitos de Física Quântica
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Editora Livraria da Física
Osvaldo Pessoa Jr.
Conceitos de Física Quântica
Editora Livraria da Física
São Paulo - 2005 - 2ª. Edição
Copyright 2003 : Editora Livraria da Física
Editor : José Roberto Marinho
Capa: Arte Ativa
Revisão : Osvaldo Pessoa Jr.
Impressão : Gráfica Paym
Dados de catalogação na ·Publicação (CIP )Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Pessoa Junior, Osvaldo
Conceitos de Física Quântica / Osvaldo Pessoa Jr. - -1. ed. - - São Paulo: Editora
Livraria da Física, 2003 .
Bibliografia.
1 . Física 2 . Teoria quântica 1 . Título.
CDD- 539
03 - 3759
Índices para catálogo sistemático:
o
1
Editora Livraria da Física
Telefone: Oxxll - 3816 7599
Fax: Oxxll - 3815 8688
e-mail: livraria@if.usp.br
Página na internet: www.livrariadafisica.com.br
SUMÁRIO
* Indica seções que
podem ser puladas sem
perda de continuidade
Volume 1: SISTEMAS DE UM QUANTUM
APRESENTAÇÃO
XV
Cap . I: DUALIDADE ONDA-PARTÍCULA
1. A Essência da Física Quântica
2. A Contradição entre Onda e Partícula
3. Dualidade Onda-Partícula: versão fraca
4. Quatro Interpretações Básicas
5. Regime Quântico: Ondas de Baixa Intensidade
6. Soma e Divisão de Ondas
7
Cap. II: lNTERFERÔMETRO DE MACH-ZEHNDER
1. Interferômetro de Mach-Zehnder Clássico
2. Interferometria para Um Fóton
3. Por Qual Caminho Rumou o Fóton?
4. Variando a Fase de um Componente
9
11
13
14
Cap. III: COMPLEMENTARIDADE DE ARRANJOS EXPERIMENTAIS
1. "Fenómeno" Corpuscular
2. Dualidade Onda-Partícula: versão forte
3. Experimento da Escolha Demorada
4. Atualização do Passado no Presente
15
17
18
21
Cap. IV: ESTADOS QUÂNTICOS E O PRINCÍPIO DE SUPERPOSIÇÃO
1. Auto-Estado e Estados Ortogonais
2. Princípio Quântico de Superposição
3. Interpretações do Estado Quântico
4. Espaço de Hilbert: Abordagem Intuitiva
5. Observáveis
23
23
24
26
27
Cap. V: MEDIÇÕES DE TRAJETÓRIA
1. Medições de Trajetória no Interferômetro
* 2. Fases Aleatórias e o Princípio de Incerteza
3. O Algoritmo Estatístico
4. O Postulado da Projeção
29
31
34
35
1
2
3
4
6
Conceitos de Física Quântica
Cap. VI: COLAPSO DA ONDA OU REDUÇÃO DE ESTADO
1. Origens da Noção de Colapso e o Papel do Observador
2. A Não-Localidade no Colapso
3. O Experimento de Stern-Gerlach
4. Colapso no Experimento de Stern-Gerlach
5. A Redução de Estado segundo as Diferentes Interpretações
37
38
39
41
42
Cap. VII: EVOLUÇÃO UNITÁRIA
1. Evolução Unitária e Equação de Schrodinger
2. Reversibilidade Temporal
3. Recombinação dos Feixes de Stern-Gerlach
45
46
48
Cap. VIII: MEDIÇÕES EM FÍSICA QUÂNTICA
1. "Medição" enquanto Termo Primitivo
2. Medições Diretas na Física Quântica
3. Interpretações sobre as Medições em Física Quântica
4. Experimento de Resultado Nulo
51
52
53
54
Cap. IX: 0 PROBLEMA DA MEDIÇÃO
1. O Primeiro Problema da Medição: Caracterização
2. Criptodeterminismo e o Segundo Problema da Medição:
Completeza
3. O Paradoxo do Laboratório Fechado
4. O Gato de Schrodinger
59
60
61
Cap. X: BASE MATEMÁTICA DA TEORIA
1. Estrutura Geral da Teoria Quântica
2. Revisão dos Postulados da Mecânica Quântica
3. Projetores e o Teorema Espectral
* 4. Operadores de Momento e Posição
* 5. Relações de Incerteza para Operadores
63
65
68
69
71
Cap. XI: 0 PRINCÍPIO DE INCERTEZA
1. Princípio de Indeterminação na Física Clássica de Ondas
2. O Princípio Quântico de Incerteza segundo as
Diferentes Interpretações
3. Origens do Princípio de Incerteza
4. O Microscópio de Raios y
5. Concepção do Distúrbio Interacional
6. Observáveis de Não-Demolição
7. Retrodição
57
73
73
76
77
78
79
80
Sumário
Cap. XII: EXPLORANDO OS PRINCÍPIOS DE INCERTEZA
1. Medições Conjuntas
* 2. A Inexistência de um Operador Auto-Adjunto de Tempo
* 3. O Princípio de Incerteza para Tempo e Energia
* 4. Relação para Momento Angular e Ângulo
* 5. Microscópio de von Weizsacker
83
84
85
88
88
Cap. XIII: A INTERPRETAÇÃO DA COMPLEMENTARIDADE
1. Origens da Complementaridade
2. Linguagem Clássica e a Questão do Macrorealismo
3. Descontinuidade e Distúrbio Interacional
4. Os Três Tipos de Complementaridade
5. Totalidade do Fenômeno
6. Outras Posições Ortodoxas
7. Principais Teses da Interpretação Ortodoxa
91
92
93
93
95
96
97
Cap. XIV: REALISMO E POSITIVISMO
1. Realismo em Geral
2. Os Problemas do Conhecimento
3. O Realismo Científico
4. Anti-Realismo na Física Quântica
99
100
102
104
Cap. XV: EXPLORANDO A COMPLEMENTARIDADE
1. Experimentos com Pá Giratória
2. Interferometria com Polarizadores
3. Fenômenos Intermediários entre Onda e Partícula
4. Interferômetro com Feixes Divergentes
5. Visibilidade em Fenômenos Intermediários
107
108
112
114
115
Cap. XVI: O ÁTOMO
1. Modelo Ondulatótio do Átomo
2. A Energia do Átomo é sempre Discreta?
3. O Átomo segundo as Diferentes Interpretações
4. É Possível Ver um Átomo?
5. Efeito Zenão Quântico
117
121
124
126
127
Cap. XVII: EXPLORANDO ÁTOMOS E CAMPOS
1. Férmions e Bósons
2. Indistinguibilidade
3. Teoria Quântica de Campo
4. Ondas de Luz vs . Ondas de Elétrons
5. O Vácuo
6. Pacote de Incerteza Mínima: Estados Coerentes
131
132
133
135
136
137
Conceitos de Física Quântica
Cap. XVIII: MISTURAS E O OPERADOR DE DENSIDADE
1. Estados Puros e Misturas
2. Postulados para Operadores de Densidade
3. A Questão da Interpretação de Misturas
4. Flutuações em Misturas
141
143
Cap. XIX: SPIN E A INTERFEROMETRIA DE NÊUTRONS
1. O que é o Spin?
2. Simetria 4n dos Spins Semi-inteiros
3. Montagem do Interferômetro de Nêutrons
4. Recombinação de Feixes Polarizados
5. Uma Espira Inversora não provoca um Colapso?
145
146
148
149
151
139
1'40
Cap. XX: REVENDO O EXPERIMENTO DAS DUAS FENDAS
1. Explicar e Compreender
2. Revendo o Experimento das Duas Fendas
3. Relação entre Padrões com e sem Interferência
4. Interferometria com Elétrons
5. O Valor do Momento ao Passar pelas Duas Fendas
EXERCÍCIOS
APÊNDICE: Questionário Lúdico "Qual é seu Grau de Realismo?"
Volume II: SISTEMAS DE QUANTA CORRELACIONADOS
153
154
156
159
160
163
181
Apresentação
1'
Este livro foi elaborado ao longo de uma década de cursos de
Fundamentos Conceituais da Física Quântica, ministrados nos
Institutos de Física da Universidade de São Paulo e da Universidade
Federal da Bahia. A finalidade de tais cursos foi complementar as
disciplinas usuais de Mecânica Quântica com uma abordagem mais
intuitiva e menos matemática. Os problemas conceituais e filosóficos,
normalmente evitados em tais cursos, são enfrentados con gusto no
presente livro. A principal chave para destrinchar tais problemas é
reconhecer desde o início que há diferentes interpretações plausíveis
para a Teoria Quântica, todas com seus méritos e anomalias. Munidos
de tais visões de mundo, o aluno pode compreender a sua maneira
diferentes experimentos que são conceitualmente simples, mas que só
foram realizados recentemente, devido às dificuldades técnicas. O
formalismo matemático é apresentado da maneira mais simples
possível, visando fornecer instrumentos para o entendimento dos
problemas.
A Parte I do livro é uma introdução bastante suave à Física
Quântica, e pode ser aproveitada mesmo por aqueles que nunca
cursaram uma disciplina de Mecânica Quântica, como alunos de
Filosofia, Ensino de Ciências e História da Ciência. A Parte II exige
um pouco mais de atenção matemática, e enfoca os problemas que
surgem com dois quanta interagentes. O ponto alto deste assunto são as
desigualdades de Bell e a discussão sobre realismo e localidade. Ao
invés de apresentar um resumo dos tópicos cobertos, convido o leitor
interessado a espiar o sumário do livro. Bastantes exercícios são
apresentados no final do volume.
Este livro não teria surgido sem o interesse dos alunos que
participaram das disciplinas ministradas. Muitas das idéias aqui contidas
surgiram de suas indagações, e a todos eles eu devo profundos agradecimentos. Várias colegas professores também contribuíram indiretamente na
confecção deste livro, discutindo e ensinando-me aspectos do mundo
quântico: Linda Wesscls, Harvey Brown, Carlos Escobar, Olival Freire Jr. ,
Luiz Carlos Ryff, Vincent Buonomano, Klaus Tausk, Sílvio Chlbeni,
Michel Paty, Newton da Costa, Décio Krause, Amélia Império
Hamburger, Alberto da Rocha Barros, Roberto Baginski, Roberto
Montenegro, Maria Beatriz Fagundes e José Luís Silva. Agradeço também
o apoio do editor do livro, José Roberto Marinho, e acima de tudo o
incentivo da família, Ciça, Tô, Lipe, Nana, Beth e Frota.
Nesta 2ª edição, foram feitas algumas pequenas modificações,
sendo que a única importante refere-se à coITeção de um erro na
Fig.V.4, além da inclusão de um novo exercício (Ex. IV.3).
Capítulo I
DUALIDADE Ü NDA-PARTÍCULA
1. A Essência da Física Quântica
Qual é a essência da Física Quântica? Se você tivesse que
resumir em duas linhas qual é sua maior diferença em relação à
Física Clássica, o que você diria? Há várias respostas possíveis:
a) O nome "quântico" sugere que o essencial é a presença de
quantidades discretas, como os "pacotes" de energia, ou de ,
processos descontínuos.
b) Pode-se também argumentar que a maior novidade da
Teoria Quântica é o papel que a probabilidade nela desempenha,
descrevendo um mundo essencialmente "indeterminista".
P i
c) Alguns autores consideram que a essência da Física
Quântica é o princípio de incerteza, segundo o qual a posição e o
momento de uma partícula não podem mais ser determinadas
simultaneamente.
d) Outros, com espírito mais filosófico, salientam que o que
esta teoria tem de fundamental é que o observador não pode ser
./
separado do objeto que está sendo observado.
e) O famoso paradoxo do "gato de Schrõdinger" parece
sugerir que o traço mais importante é o princípio quântico de
superposição.
f) Aqueles com viés mais matemático afirmam que o essencial
na Mecânica Quântica é o uso de grandezas que não comutam, ou o
papel insubstituível desempenhado pelos números complexos.
g) Mais recentemente, o teorema de Bell fez muitos
concluírem que a grande novidade da Teoria Quântica é sua peculiar ::,
não-localidade.
;1
h) Alguns acham que o mais marcante é que a constante de
Planck h fixa uma "escala" na natureza, separando o mundo,,...., 0
microscópico do macroscópico.
i) Todas essas afirmações são pertinentes. No . entanto,
adotaremos como nosso ponto de partida a dualidade ondapartícula.
Em poucas palavras, o que caracteriza a Teoria Quântica de
maneira essencial é que ela é a teoria que atribui, para qualquer
partícula individual, aspectos ondulatórios,e para qualquer forma
de radiação, aspectos corpusculares. Esta é uma versão "geral" da
dualidade onda-partícula, que refinaremos nas seções seguintes.
À
2
Conceitos de Física Quântica
2. A Contradição entre Onda e Partícula
Para a Física Clássica, uma partícula pode ser imaginada
como uma bolinha bem pequena que se locomove pelo espaço, e que
em condições normais não se divide. Além dessa indivisibilidade,
uma partícula clássica também se caracteriza por estar sempre em
uma posição bem definida, e com uma velocidade precisa. Com o
passar do tempo, a partícula descreve uma trajetória bem definida,
que pode ser concebida como uma curva no espaço.
Uma onda, por outro lado, é concebida pela Física Clássica
como uma excitação que se propaga em um meio, como a superfície
da água, e que tem a característica de se espalhar no espaço. O que
se propaga com a onda é energia, que se identifica com o movimento
oscilatório das partículas do meio. Como esse movimento das
pqrtículas pode ser tão tênue quanto se queira, podemos dizer que as
ondas não possuem a característica de serem indivisíveis , mas que
são contínuas, pelo menos em teoria. Além disso, as ondas circulares
na superfície d'água claramente não descrevem uma "trajetória", do
tipo definido para partículas. Elas são espalhadas no espaço, sem se
localizarem em um ponto bem definido. Além de serem contínuas e
espalhadas, as ondas exibem uma série de fenô menos típicos, como
a interferência.
Dizer simplesmente que "uma coisa (sem partes) é (ao mesmo
tempo) partícula e onda" é uma contradição lógica . Pois isso
implicaria que essa coisa é indivisível e divisível (contínua), que ela
segue uma trajetória e não segue (é espalhada). Não podemos
admitir uma contradição nos fundamentos de uma teoria física
(apesar de este ponto ser passível de discussão) .
E a dualidade onda-partícula, que mencionamos na seção
anterior? Ela não parece enunciar uma contradição lógica, dizendo
que partículas são ondas? Parece, mas não pode! A Teoria Quântica
é obrigada a conciliar de alguma maneira "onda" e "partícula" sem
cair numa contradição lógica. Como fazer isso?
Veremos que existem dois tipos de enunciados diferentes para
a dualidade onda-partícula. O que iremos chamar de "versão fraca"
(seção I.3) tenta conciliar interferência (típico de uma onda) com a
detecção pontual de um quantum (a indivisibilidade típica de um
corpúsculo).
Já a "versão forte" desenvolvida por Niels Bohr (seção III.2)
concerne a existência de interferência e de trajetórias.
Capítulo!: Dualidade Onda-Partícula
3. Dualidade Onda-Partícula: versão fraca
A maneira mais completa de entender a indivisibilidade dos
quanta, no caso da luz( é examinar o efeito fotoemissivo
(fotoelétrico). Aqui, porém, iremos nos restringir a um experimento
mais simples, feito com a luz pela primeira vez por Geoffrey Taylor
em 1909, e também com elétrons a partir da década de 1950 1• O
experimento é simplesmente o das duas fendas (no caso da luz), no
qual a fonte de luz é bastante tênue (Fig. I.l). Se acompanhássemos
a formação do padrão de interferência em telas fosforescentes,
veríamos pontos aparecendo um após o outro, correspondendo a
cada fóton sendo detectado de maneira localizada. Tais pontos,
porém, se agrupariam em bandas, acompanhando o padrão de
intensidade típico da interferência. Existem filmes mostrando a
formação de tal padrão, ponto por ponto, no caso de elétrons CF;ig.
I.2).
\
Figura 1.1. Experimento
de duas fendas para a luz.
Por mais fra co que for o
feixe de luz, após tempo
suficiente o padrão de
interferência se forma.
1
"f-
1
i'
1
'
'
/
!
'
1 Para uma resenha his , desses experi mentos com luz_
ver as pp. 294-301 de PIP~.
F.M. (1978), "Atomic Ph_ sics Tests of the Basic Concepts in Quantum Mechanics", Advances in Atomic
and Molecular Physics 14,
281-340. Para um resumo
dos experimentos com elétrons, ver: HASSELBACH, F.
( 1992), "Recent Contributions of Electron Interferometry to Wave-Particle Duality", in SELLERI, F. (org.),
Wave-Particle Duality, Plenum, Nova Iorque, pp. 10925.
----·
/
É importante frisar que essa formação ponto a ponto do
padrão de interferência ocorre mesmo que apenas um fóton ou
elétron incida por vez, por exemplo a cada segundo. Conforme
ressaltou Paul Dirac em 1930: "Cada fóton portanto só interfere
consigo mesmo . Interferência entre dois fótons diferentes nunca
ocorre" (a segunda asserção não é sempre correta)2.
Enunciemos então esta versão fraca da dualidade
onda-partícula:
Para qualquer objeto microscopico, pode-se realizar um
experimento tipicamente ondulatório (como um de interferência), mas a detecção sempre se dá através de uma troca
pontual de um pacote mínimo de energia.
2 DIRAC, P.A.M. (1947), The
Principies of Quantum Mechanics, 3ª ed., Oxford University Press (orig. 1930), ·p.
9. Com relação à falsidade da
segunda afirmação, ver PAUL,
H. (1986), "Interference between Independent Photons",
Reviews of Modem Physics
58, 209-31.
4
Conceitos de Física Quântica
Figura I.2. Forrnàção paulatina do padrão de interferência. No caso da figura anterior, o que ocorre é que as
ionizações na placa detectora
ocorrem urna a urna .
Notemos que nesta versão fraca, não afirmamos que os fótons
ou elétrons sempre são indivisíveis ou pontuais em sua propagação,
antes de atingir a tela detectora; apenas afirmamos que quando eles
são detectados eles aparecem de maneira indivisível e pontual. Se
quisermos nos referir a estes pontos sem nos comprometermos com
a existência de partículas, podemos chamá-los de "quanta", ou nos
referirmos à ocorrência de um "evento".
Por outro lado, também não dizemos que um objeto quântico
sempre se comporta como uma onda, mas sim que ele sempre pode
exibir interferência; ou seja, é sempre possível definir uma
montagem experimental (se esta for factível na prática) na qual o
objeto exibe um padrão de interferência.
Temos então conjuntamente uma característica ondulatória, a
interferência, e uma característica corpuscular, a detecção pontual
("bem localizada") dos quanta. Como é possível que um mesmo
experimento apresente ambas as características, ondulatória e
corpuscular?
4. Quatro Interpretações Básicas
Como interpretar a versão fraca da dualidade onda-partícula?
Como é possível que um objeto quântico exiba propriedades
contraditórias? O que está acontecendo na realidade, se é que
podemos falar em "realidade"?
É uma característica notável da Teoria Quântica que ela pode
ser interpretada de diferentes maneiras, sendo que cada uma dessas
interpretações é internamente consistente e, de modo : geral,
consistente com experimentos quânticos. Usamos a noção de
interpretação como significando um conjunto de teses que se agrega
Capítulo!: Dualidade Onda-Partícula
ao formalismo mínimo de uma teoria científica, e que em nada afeta
as previsões observacionais da teoria. (Se houver previsões novas,
deveríamos falar de uma "teoria diferente", mas se o desacordo com
a Teoria Quântica for tão pequeno que não se possa fazer um
experimento crucial para escolher entre elas, é costume considerar
que a teoria diferente também é uma interpretação.) As teses
agregadas pela interpretação fazem afirmações sobre a realidade
existente por trás dos fenômenos observados, ou ditam normas sobre
a inadequação de se fazerem tais afirmações.
Existem dezenas de interpretações diferentes da Teoria
Quântica, que podem ser agrupadas em quatro ou cinco grandes
grupos 3 . Apresentaremos agora como quatro interpretações básicas,
aqui simplificadas, explicam a versão fraca da dualidade
onda-partícula ou o experimento das duas fendas para um único
fó ton ou elétron.
(1) Interpretação Ondulatória (consideraremos aqui a idéia de
Erwin Schrõdinger de que os objetos quânticos são na realidade
ondas, aproximando-a da visão de John von Neumann que introduz
colapsos de onda). Antes da detecção, o objeto quântico propaga-se
como onda, mas durante a detecção ele torna-se mais ou menos bem
localizado, parecendo uma partícula. Não há mais contradição
porque durante um certo tempo temos uma onda espalhada, e depois
temos uma partícula (ou melhor, um pacote de onda bem estreito),
sem que ambos coexistam simultaneamente.
(2) Interpretação Corpuscular (defendida por exemplo por
Alfred Landé, e mais recentemente por Leslie Ballentine). O fóton e
o elétron seriam na realidade uma partícula, o que é manifesto
quando o detectamos. Não existe uma onda associada: o padrão de
interferência deve ser explicado a partir da interação da partícula
com o anteparo que contém as duas fendas. Landé sugeriu que um
anteparo cristalino daria "saquinhos" discretos na partícula,
resultando no padrão de interferência com bandas discretas.
(3) Interpretação Dualista Realista (formulada originalmente
por Louis de Broglie, e redescoberta por David Bohm). O objeto
quântico se divide em duas partes: uma partícula com trajetória bem
definida (mas desconhecida), e uma onda associada. A probabilidade
da partícula se propagar em uma certa direção depende da amplitude
da onda associada, de forma que em regiões onde as ondas se
cancelam, não há partícula. Não há mais contradição porque o
objeto se divide em duas partes, uma sendo só partícula, e a outra só
onda
(4) Interpretação da Complementaridade (elaborada por Niels
Bohr). Neste caso, o "fenômeno" em questão é ondulatório, e não
:rpuscular, pois não podemos inferir a trajetória passada do quantum
5
3 Uma apresentação histórica
dessas interpretações é dada
por JAMMER, M. (1 974), The
Philosophy of Quantum Mechanics, Wiley, Nova Iorque.
A interpretação da complementaridade (que chamaremos de "dualismo positivista") é apresentada no capítulo
4 e nas seções 6.1 , 6.5 e 6.8
do livro de Jammer. As teorias de variáveis ocultas (que
incluem o "dualismo realista") na seção 2.5 e no capítulo 7. As interpretações ondulatórias estão espalhadas pelas seções 2.2, 2.3, 2.6, 11.2,
11 .3 e 11.6. As visões corpusculares incluem a interpretação dos coletivos estatísticos,
capítulo 10, e a estocástica,
capítulo 9.
Conceitos de Física Quântica
6
detectado (a partir da seção III.2 apresentaremos essa visão com
maiores detalhes). O aspecto corpuscular que observamos na detecção
se deve ao "postulado quântico" descoberto por Max Planck, e que
para Bohr é o fundamento da Teoria Quântica. Este postulado afirma
que existe uma descontinuidade essencial em qualquer processo
atôrnico, como por exemplo na ionização de átomos de prata na chapa
fotográfica devido à ação da luz.
5. Regime Quântico: Ondas de Baixa Intensidade
Vimos um fenômeno tipicamente quântico, que foi obtido
tomando-se um fenômeno descrito pela Física Clássica Ondulatória
(interferência de luz), e reduzindo a intensidade do feixe de luz até o
ponto em que se podem detectar pacotes individuais de energia. De
maneira análoga, muitos dos mistérios da Física Quântica, como o
princípio de incerteza e o efeito túnel, são fenômenos descritos na
Física Ondulatória Clássica, e que passarri a ser fenômenos quânticos
quando se reduz a intensidade do feixe e se melhora a sensibilidade
dos detectores. Podemos resumir essa abordagem dizendo que o
regime quântico é a Física das Ondas para baixas intensidades,
quando propriedades corpusculares passam a aparecer.
Para entender o comportam.ento da luz no regime quântico, é
preciso considerar que a energia de cada fóton detectado é dada por
E= hv, onde v é a freqüência da luz. O momento associado a este
fóton é dado por p = h/À, onde À é o comprimento de onda. A
primeira destas leis é devida a Albert Einstein (1905), baseando-se
no trabalho pioneiro de Max Planck (1900), que definiu a constante
h. A segunda foi generalizada para todas as partículas por Louis de
Btoglie (1923), lembrando que para partículas com massa m não
nula, p = m V, onde V é a velocidade da partícula. Para a luz, assim
como para qualquer forma de onda, V·À = V. Em suma:
(I. l)
E=hV
e
p=h/À.
Pela abordagem descrita acima, muitas características
essenciais da Física Quântica já se encontram na Física Ondulatória
Clássica. Um exemplo disso é a diferença que existe, para as ondas
clássicas, entre amplitude e intensidade . Numa onda transversal em
uma dimensão (como a gerada em uma corda)· a amplitude mede o
deslocamento transversal da onda que se propaga, mas esta
amplitude não é propor"cional à energia que se propaga. A intensidade 1 da onda (energia por unidade de tempo e de área, para ondas
em três dimensões) é proporcional ao quadrado da amplitude 1f!:
1
Capítulo/: Dualidade Onda-Partícula
J oc lf/2.
7
(I.2)
No regime quântico, a intensidade corresponde ao número de
quanta detectados . Assim, em ,uma região delimitada do espaço, o
número de quanta detectados será proporcional ao quadrado da
amplitude da onda associada àquela região. Se tivermos preparado
experimentalmente apenas um quantum (um fóton, um elétron), a
probabilidade de detectá-lo em uma certa região será proporcional
ao quadrado da amplitude lf! da onda associada àquela região :
(I.3)
Prob. oc / lf! /2 .
Esta é a regra proposta por Max Bom, em 1926.
6. Soma e Divisão de Ondas
Quando dois pulsos de onda se cruzam em uma corda clássica,
o pulso resultante tem uma amplitude que é a soma das amplitudes
dos pulsos originais. Este é o princípio de superposição da Física
Ondulatória Clássica: quando várias ondas passam por um ponto, a
amplitude resultante é a soma das amplitudes componentes. Para
duas ondas contínuas de mesmo À propagando-se na mesma direção
e sentido, a superposição pode ser construtiva (ondas em fase) ou
destrutiva (ondas deslocadas entre si por À/2) (Fig. I.3).
+
+
Figura 1.3. Superposições:
(a) construtiva (ondas em
fase); (b) destrutiva (ondas
fora de fase).
(a)
(b)
8
Conceitos de Física Quântica
Se uma onda de intensidade 10 for dividida em duas partes de
igual intensidade I', por exemplo a luz se dividindo em um espelho
semi-refletor S (Fig. I.4), qual é a amplitude final de cada onda?
Como I'= 10 12, é só usar a eq.(I.2) para ver que a amplitude final lfl'
de cada componente não é a metade da amplitude lf/o da onda
original, mas que lfl' = lf/ol Ji .
Figura 1.4. Divisão de
uma onda em duas componentes A e B de igual
amplitude.
1
s
LASER~
A
~
~
B
Pois bem, não poderíamos pegar as componentes A e B da Fig.
I.4, acertar suas fases relativas, de forma a recombiná-las com
superposição construtiva? Neste caso, a amplitude da onda resultante
seria lf/o / Ji + lf/o / Ji = Ji ·lflo, donde a intensidade final do feixe
seria 210 , maior que a do feixe inicial! Isso não é possível! Não
podemos recombinar dois feixes dessa maneira simples para obter
superposição construtiva. No capítulo seguinte veremos como se faz
para recombinar amplitudes de onda.
Capítulo II
1. Interferômetro de Mach-Zehnder Clássico
Vamos agora apresentar uma arranjo experimental,
envolvendo interferência de ondas, parecido com o experimento das
duas fendas, porém mais simples. O aparelho em questão chama-se
interferômetro de Mach-Zehnder4 .
Para entender o funcionamento deste interferômetro, iremos
considerar um feixe de luz como consistindo de ondas em uma
dimensão. Um modelo ondulatório razoável para um feixe de luz,
gerado por exemplo por uma lanterna, é de que ele consiste de um
monte de "trens de onda". Vamos considerar apenas um destes trens
de onda.
O primeiro componente do interferômetro é um "espelho
semi-refletor", que divide o feixe de luz em duas partes, uma
transmitida e uma refletida, de igual amplitude (conforme vimos na
Fig. I.4). Já vimos que neste caso de divisão de ondas, se a amplitude
do feixe inicial é l/fo, a do feixe transmitido é !fio/ ..fi. , assim como a
do refletido.
Além disso, o trem de onda refletido sofre um deslocamento
de fase em relação ao trem transmitido através do espelho.
Adotaremos a regra de que a cada reflexão ocorre um avanço de 114
de comprimento de onda (À/4) em relação à onda transmitida. Isso é
válido para espelhos semi-refletores que não absorvem luz e que são
simétricos 5 .
O esquema do interferômetro de Mach-Zehnder está na Fig.
II. l. O feixe inicial passa por um espelho semi-refletor Si, que divide
o feixe em um componente transmitido (A) e um refletido (B). Cada
componente reflete então dos espelhos E 1 e E 2, e voltam a se cruzar
no espelho semi-refletor S2, rumando então para os detectores
(potenciômetros) D 1 e D 2• O que acontece?
Como cada componente se divide em duas partes em S2 ,
poderíamos esperar que cada detector mediria 50% do feixe. Mas
não é isso que acontece! Observa-se, quando a distância percorrida
pelos dois componentes forem exatamente iguais e o alinhamento
dos espelhos for perfeito, que 100% do feixe original incide em D 1, e
0% emD2!
9
4 Este aparelho foi desenvolvido em torno de 1892 independentemente pelo alemão
Zehnder e pelo anstríaco
Ludwig Mach, filho de Ernst
5 Ver ZEILINGER, A. (1981), .
"General Properties of Lossless Beam Splitters in Interferometry", American Journal of Physics 49, 882-3 . Em
classe, montamos um interferômetro no qual os espelhos
semi-refletores são feitos
através da deposição de uma
fina camada metálica em uma
das faces de um vidro transparente. Se a camada estivesse "sanduichada" no meio do
vidro, o espelho seria simétrico, mas esse não foi o caso.
Além disso, a camada metálica absorve uma pequena
parcela da luz incidente.
Assim, o avanço do feixe
refletido em relação ao transmitido, no experimento montado em classe, não é de À/4.
Mencionaremos outras propriedades do interferômentro
didático na seção XVII.4.
,/'".
10
Problemas Conceituais da FíSica Quântica
Fig. II.l. Interferômetro de
Mach-Zehnder.
Isso acontece devido à superposição construtiva em D 1 e à superposição destrutiva em D2 (ver
Fig. 11.1). O feixe A se aproxima de S2 com uma amplitude l/fo / J2 e com um deslocamento de fase
relativo de À/4 (por convenção, estamos considerando que a reflexão em E 1 também introduz esta
defasagem); o feixe B se aproxima com mesma amplitude e uma defasagem de À/2 ciclo, pois sofreu
reflexões em S 1 e E 2 . No espelho semi-refletor S2 , metade do feixe A é transmitido e metade é
refletido, sendo que a mesma coisa ocorre para o feixe B. Consideremos as partes de A e de B que
rumam para D 2 . O componente que percorreu o caminho A passa direto sem reflexão, permanecendo
defasado em À/4, e passando a ter uma amplitude l/fo 12 após a divisão da onda; enquanto isso, o
componente vindo de B sofre uma reflexão adicional (em S2), ficando deslocado em 3À/4, com
amplitude l/fo/2. Temos assim uma diferença de À/2 entre os componentes de mesma amplitude, o que
corresponde a uma superposição destrutiva. Ou seja, as amplitudes que atingiriam D2 se anulam, e
nada é detectado neste potenciômetro. No caso das partes que rumam para Di, o componente que vem
por A sofre no total duas reflexões (em Ei, S2), enquanto que o que veio por B também sofre duas (em
S 1, E 2 ). Cada qual tem um deslocamento de fase de À/2, e assim não têm nenhuma diferença de fase
entre si, resultando em uma superposição construtiva. Como cada um destes componentes que atingem
D, tem amplitude l/fo/2, eles se somam resultando numa amplitude l/fo, igual à do feixe incidente!
Podemos agora dissolver o paradoxo mencionado no final da seção anterior notando que só é
possível superpor construtivamente dois componentes de onda que rumam em diferentes direções
(como os componentes A e B) se os dividirmos e ocasionarmos uma superposição destrutiva de parte
dos componentes resultantes.
Capítulo II: Interferômetro de Mach-7.ehnder
11
2. Interferometria para Um Fóton
Para transformar o arranjo precedente em um experimento
quântico 6, no qual a dualidade onda-partícula seja relevante, é
preciso diminuir a intensidade do feixe até que apenas poucos fótons
incidam em S 1 por vez. Além disso , é preciso utilizar detectores
sensíveis à presença de um único fóton , como é o caso de uma
"fotomultiplicadora'', que possui uma eficiência de 30% (ou sej a,
cerca de um terço dos fótons que nela incidem geram um sinal
amplificado) .
Mencionamos que experimentos ópticos com feixes
fraquíssimos, de forma que apenas um fóton se encontre por vez
dentro do interferômetro, têm sido feitos desde o começo do século.
No entanto, em tais experimentos nunca sabemos quando o fóton
está chegando no interferômetro. A partir de 1985, porém, tornou- se
viável a preparação do que é chamado "estado monofotônico", ou
seja, um pacote de onda que carrega exatamente um quantum de
energia e que atinge o interferômetro em um instante bem preciso
(dentro dos limites impostos pelo princípio de incerteza).
Uma das maneiras de se fazer isso 7 (Fig. II.2) é direcionando
um feixe de laser em um cristal não-linear (como o KDP,
dihidrogênio fosfato de potássio) que tem a propriedade de
transformar cada fóton incidente em dois fótons (cada qual com
aproximadamente metade da energia do incidente) gerados
simultaneamente e rumando em direções correlacionadas (processo
conhecido como "conversão paramétrica descendente"). Quando um
dos fótons do par for registrado em um detector D (uma
fotomultiplic adora), sabe-se com certeza que o outro fóton está se
aproximando de uma porta óptica P, que se abre durante um pequeno
intervalo de tempo, deixando o fóton passar. Prepara-se assim um
pacote de ondas com exatamente um fóton, cujo tempo de chegada
no interferômetro é conhecido.
O interferômetro de Mach-Zehnder para fóton s únicos tem o
mesmo comportamento que o caso clássico: todos os fóton s incidem
em D1 , e nenhum em D 2 ! Tal experimento foi realizado em 1986 em
Orsay, na França, por Grangier, Roger & Aspect8. Ele exemplifica
mais uma vez que cada fóton só interfere consigo mesmo.
6 O primeiro a descrever este
experimento para explorar os
fundamentos da Física Quântica parece ter sido Al bert
Einstein, citado por BOHR, N.
([1 949) 1995), " O Debate
com Ein stein sobre Pro blemas Epistemológicos na Física Atômica'', ili Física Atô-
mica e Conhecimento Humano , Contraponto, Rio de
Janeiro, pp. 62-3. Quem o
explorou mais a fund o, como
um ex perimento de escolh a
demorada foi WHEELER, J. A.
(1983), "Law without Law",
in WHEELER, J.A . & ZUREK,
W .H. (orgs.). Quantum Theory and Measurement, Prin ceton U. Press, pp. 182-21 3.
7 HONG , C. K. & M ANDEL, L.
(1986), "E xperimental Realization of a Localized OnePhoton State", Physical Review Letters 56, 58-60, baseado na proposta de D. Klyshko
(1977). Ver também BRAGINSKY, V.B . & KH ALILI, F.Y.
(1992), Quantum Measurement, Cambridge U . Press,
1992, p. 5.
8 ÜRANG IER, P. ; ROGER, G.
& ASPECT, A. (19 86), "Experimental Evidence fo r a
Photon Anti correlation Effect
on a Beam Splitter: A ew
Light on Single-Photon Interferences" , Europhysics Letters !, 173-9.
12
Problemas Conceituais da Física Quântica
[~
:
[
Figura Il.2. Preparação de
estado monofotônico.
KD P
:
:
p
h~~.--· · ...... · / , ......... ............ 11\~"-
.
1LASER uvpuhv;+ < f I
hv;·-.. _
3. Por Qual Caminho Rumou o Fóton?
A questão a ser colocada agora é a seguinte. No interferômetro
da Fig. II.1, depois que o fóton passou por S,, mas antes de incidir
em S2, em qual caminho ele se encontra, em A ou em B?
Vamos supor que o fóton se encontra em A, e não em B. Isso
pode ser realizado experimentalmente retirando-se o espelho
semi-refletor S1 de seu lugar (Fig. II.3a). Nesse caso, o fóton incide
em S2 , e pode ser detectado ou em D 1 (50% de probabilidade) ou em
D2 (50%), não ocorrendo nenhuma interferência de componentes.
Se supusermos que o fóton inicialmente rumou por B, e não por A
(realizado pela substituição de S 1 por um espelho de reflexão total,
Fig. II.3b), também teríamos 50% de chance de detectá-lo em D 2 .
Agora, se o fóton estivesse ou em A ou em B, continuaríamos
a ter uma probabilidade de 50% de detectar o fóton em D 2 . Isso
segue da própria definição do conectivo lógico "ou": se em A é 50%
e em B é 50%, então em "A ou B" tem que ser 50%. No entanto,
vimos que no experimento da Fig. II.1, para um único fóton, a
probabilidade de o fóton atingir D2 não é 50%, é 0% ! Logo, é falsa
a afirmação de que o fóton está ou em A ou em B!
Isso é incrível! Vimos na seção I.3 que a luz é detectada na
forma de partículas, e esperaríamos que tais partículas existissem
durante a propagação da luz, seguindo trajetórias bem definidas
(mesmo que desconhecidas). No entanto, parec'e que chegamos à
conclusão de que os fótons não seguem trajetórias bem definidas.
Como sair desse impasse?
Capítulo II: lnterferômetro de Mach-Zehruler
ILASER~- ---- --- --- ~ ------ -- ·~E 1
13
ILASER~--}.Eº
'
'
a:
l'
S2
'
(a)
'
'
.__,
ll-
------ ---...
'
S2
E;x-----------------~--- - -- ::
'
'
01
~D2
~02
(b)
Há um punhado de saídas poss1ve1s. Consideremos quatro
delas, que seguem as interpretações simplificadas apresentadas
anteriormente:
(1) Interpretação Ondulatória. Talvez o fóton possa se dividir
simetricamente em dois "meio-fótons" no primeiro espelho
semi-refletor S 1• Em outras palavras, teríamos um pacote de onda
que se dividiria em duas partes em S1, e estes se recombinariam em
S2 , conforme prevê a Física Ondulatória Clássica. O problema seria
explicar por que em outros experimentos nunca detectamos meio
fótons (voltaremos a isso na seção III.1).
(2) Interpretação Corpuscular. Conforme vimos acima, não
dá para supor que o fóton segue um dos caminhos e nada vai pelo
outro. Qualquer visão corpuscular tem extrema dificuldade em
explicar fenômenos ondulatórios. Uma saída possível, porém, seria
argumentar que a lógica ao nível quântico é de tipo "não-clássica".
Se o conectivo "ou" fosse definido de maneira diferente, o raciocínio
poderia ser invalidado (voltaremos a falar da lógica quântica no final
do curso).
(3) Interpretação Dualista Realista. Talvez o objeto quântico
se divida em duas partes: o fóton e a sua onda associada. Assim, o
fó ton de fato seguiria uma trajetória, por A ou por B, mas simultaneamente a sua onda associada se dividiria em duas partes iguais,
uma rumando por A e outra por B. A partícula seria um "surfista"
que só pode navegar onde há ondas. Como as ondas se cancelam
próximas ao detector D2 , o fóton é obrigado a surfar para D 1.
(4) Interpretação da Complementaridade. Um fenômeno pode
ser ondulatório ou corpuscular, nunca os dois ao mesmo tempo. O
experimento examinado é um fenômeno ondulatório, e portanto não
tem sentido perguntar onde está o fóton.
Figura 11.3. Versões do
interferômetro nos quais
os fótons rumam por um
caminho conhecido: (a)
Espelho semi-refletor S1 é
removido; (b) S 1 é substituído por um espelho de
reflexão total.
14
Problemas Conceituais da Física Quântica
4. Variando a Fase de um Componente
Considerando o interferômetro de Mach-Zehnder, se um
pedaço fino de vidro H fosse inserido no caminho A (ver Fig. II.1), o
componente que o atravessa sofreria um deslocamento de fase. Isso
ocorre porque no vidro a luz viaja a uma velocidade mais baixa,
resultando em um comprimento de onda menor (a freqüência da luz
não muda: V·À. = V) . A espessura e orientação deste vidro pode ser
escolhida de forma que o deslocamento de fase seja, por exemplo, de
-M4. O que aconteceria neste caso? Considerando as ondas da Fig.
II. l, só que agora com o feixe A chegando em S2 com uma fase
relativa de - M4, vê-se que a superposição construtiva passa a
acontecer nos componentes rumando para D2 , e a destrutiva nos
componentes indo para D 1 (basta imaginar que o trem de onda mais
grosso que aparece na figura é deslocado em V2 comprimento de
onda).
De fato, se a defasagem introduzida no componente A variar
continuamente, obteremos uma variação na intensidade (número de
fótons) detectada em cada detector que varia entre zero e um
máximo, de acordo com cos2 </J (ou sen2 </J), onde cp é o deslocamento
de fase introduzido no caminho A. Foi exatamente isso que Grangier,
Roger & Aspect observaram no experimento em que os fótons
entravam um de cada vez no interferômetro (Fig. IL4).
Detector D1
N (cont./15 s )
Figura II.4. Resultados de
Grangier et al. ( ref 8)
para o número de fótons
contados em cada detector
a cada 15 segundos, em
função da defasagem </J no
caminho A.
..
300 t200
.......~·.....·
100
1:-
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N (cont.115 s )
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~ (rad)
Detector D 2
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....
·:
..
_l_ ......
4rr
Srr
~ (rad)
Capítulo III
COMPLEMENTARIDADE
DE ARRANJOS EXPERIMENTAIS
1. "Fenômeno" Corpuscular
Examinando o efeito fotoelétrico, é possível concluir que
nunca se detectam "meio fóton s" . Esta conclusão pode também ser
obtida por meio de um experimento de "anti-correlação". Primeiro
prepara-se um estado monofotônico de energia hv 0 (Fig. II.2), e
lança-se este fóton contra um espelho semi-refletor S 1• Dois
detectores D 1 e D 2 sensíveis a um largo espectro de energia
(incluindo hvo/2, para a eventualidade de se detectar meio fóton) são
inseridos em cada um dos caminhos possíveis (Fig. III.1).
Observa-se então que sempre que o fóton é detectado em Di, nada é
detectado em D 2 (e vice-versa). Isso indica de maneira direta que o
quantum de luz não se divide em duas partes que possam ser
simultaneamente detectadas.
S1
A
....
~~ --~-------------~
-~
~
1
Fig. III. l. Experimento de
anti-correlação, realizado
por Grangier et al. (nota
8).
Na verdade, às vezes ocorrem contagens em coincidência
(dentro de uma janela de 1 segundo, por exemplo), mas isso é devido
à presença ocasional de dois fótons no pacote de onda incidente. Tal
coincidência ocorre em taxas bastante baixas 9 . Também este
experimento foi realizado por Grangier, Roger & Aspect, em 1986.
A dificuldade em realizá-lo se deve à preparação do estado
monofotônico.
15
9 Na prática, o problema é
comparar as taxas de contagem p, e P2 ·nos detectores
com a taxa de detecção em
coincidência p, 2 • Se as coincidências fossem acidentais,
P12 = p, + P2 (luz de laser, caso
poissoniano). No caso ondulatório clássico, P 12 > p, + p,
(luz caótica, com efeitos de
condensação). Neste experimento de anti-correlação,
verifica-se que P 12 < p , + p,,
ou seja, a detecção de um
fóton em um detector diminui
as chances de medir outro no
outro detector.
16
Problemas Conceituais da Física Quântica
O experimento visto acima é um exemplo do que Niels Bohr
chamava de "fenômeno" corpuscular. Pomos aspas na palavra
fenômeno porque para Bohr ela tinha um significado diferente do
convencional. Normalmente, fenômeno designa qualquer coisa que
aparece para a nossa percepção. Para Bohr, a partir de 1935, ele
designa a "totalidade" que inclui o objeto quântico e a aparelhagem
experimental. Além disso, um "fenômeno" só se completa quando o
experimento termina, quando um resultado experimental é registrado
em nível macroscópico.
Agora, porque o "fenômeno" descrito acima é corpuscular?
Não é porque o fóton é detectado como uma quantidade discreta e
bem localizada de energia, pois isto ocorre também em fenômenos
ondulatórias. O fenômeno é chamado "corpuscular" porque, após
detectarmos um fóton, podemos dizer com segurança qual trajetória
ele seguiu.
Vejamos uma outra versão do experimento acima, obtido a
partir do interferômetro de Mach-Zehnder. Considere a aparelhagem
representada na Fig. II.1, mas com o espelho semi-refletor S2
retirado. O arranjo resultante (Fig. III.2) é quase idêntico ao que
vimos acima. Se registramos um "clic" em D 1, podemos inferir que
o fóton veio pelo caminho B; se o "clic" for registrado em D2, a
trajetória inferida é A. Eis um fenômeno corpuscular!
A
ILASER~ _,
_- - - - - - - -- - - - - - --~
,
Figura /II.2. Fenômeno
corpuscular
obtido
a
partir do interferômetro de
Mach-Zehnder.
S1
,
1
B:
1
1
1
1
1
1
~
'--------- -- -------~-------w-1
Capítulo III: Complementaridade de Arranjos Experimentais
Vejamos como as diferentes interpretações analisam este
experimento simples.
(1) Interpretação Ondulatória. Após atravessar S 1, o pacote de
onda associado ao fóton se divide em dois, o que pode ser expresso
por uma função de onda do tipo lflélf/8 . Porém, ao detectar-se o
fóton em Di, por exemplo, a probabilidade de detecção em D 2 tornase nula instantaneamente! O estado inicial é reduzido, neste caso,
para lf/8 . Como, nesta interpretação, o estado corresponde a uma
onda de probabilidade "real", conclui-se que ocorreu um processo de
colapso do pacote de onda.
(2) Interpretação Corpuscular. Neste caso a explicação é
direta: a partícula simplesmente seguiu uma das trajetórias possíveis,
indo parar em D 1 ou D 2 • Não é preciso falar em "colapso".
(3) Interpretação Dualista Realista. Esta visão também
considera que, após S 1, a partícula seguiu uma das trajetórias A ou B,
incidindo então no detector correspondente. Mas existiria também
uma onda associada, que se dividiu em duas partes. A parte não
detectada constituiria uma "onda vazia" que não carrega energia e
não pode ser detectada. Há quem critique esta proliferação de
entidades (as ondas vazias), mas em experimentos simples isso não
leva a nenhuma conseqüência observacional indesejável.
(4) Interpretação da Complementaridade. Completada a
medição, essa interpretação considera o fenômeno como sendo
corpuscular. O fóton pode assim ser considerado uma partícula que
seguiu uma trajetória bem definida. Tal inferência com relação à
trajetória passada do quantum detectado é conhecida como
"retrodição" (voltaremos a ela na seção Xl.7) .
2. Dualidade Onda-Partícula: versão forte
Um fenômeno é corpuscular quando podemos inferir, após
completada a medição, qual foi a trajetória do quantum detectado . O
fenômeno descrito na seção II.2 (interferometria para um único
fóton) não é corpuscular, pois um fóton detectado em D 1 poderia ter
seguido tanto pelo caminho A quanto por B (usando uma linguagem
corpuscular).
Um fenômeno ondulatório, como o da seção II.2, é aquele que
só pode ser explicado através de um modelo ondulatório (no caso, as
superposições construtiva e destrutiva após S2) . Um critério
alternativo (de tipo "operacional") é que apareça um padrão de
interferência espacial (como no experimento da dupla fenda, Fig. I.1)
ou temporal (variando-se continuamente o deslocamento de fase em
um dos caminhos, Fig. II.4) .
17
18
Problemas Conceituais da Física Quântica
É um fato empírico notável que um experimento não pode ser
ao mesmo tempo corpuscular e ondulatório. Eis então a versão que
Bohr deu para a dualidade onda-partícula, que chamaremos de
"versão forte" (ou "complementaridade de arranjos experimentais"):
Um sistema quântico ou exibe aspectos corpusculares (s eguindo
trajetórias bem definidas), ou aspectos ondulatórias (como a
formação de um padrão de interferência), dependendo do
arranjo experimental, mas nunca ambos ao mesmo tempo.
Essas palavras não são as de Bohr, mas exprimem a sua noção
de que onda e partícula são aspectos mutuamente excludentes, mas
complementares, da natureza. Ou seja, para representar um objeto
quântico como um elétron, ou um fóton, podemos encará-lo ou como
partícula, para certas situações experimentais, ou como onda, para
outras situações. Segundo Bohr, é impossível montar um arranjo
experimental que exiba simultaneamente esses dois aspectos da
natureza (porisso é que são mutuamente excludentes). Porém, só
podemos compreender um objeto quântico de maneira completa,
segundo ele, quando levamos em conta esses dois aspectos
complementares.
Para Bohr, essa situação exprime uma limitação fundamental
que existe em noss a linguagem, e em nossa capacidade de
representar pictoricamente o mundo. Nossa linguagem é adequada
para descrever objetos macroscópicos, como um aparelho de
medição, e serve para nos comunicarmos com outros homens, por
exemplo informando que obtivemos um determinado resultado
experimental. Porém, através de nossa linguagem não conseguimos
representar um objeto quântico em um "quadro único" : precisamos
de descrições complementares.
Mas o "fenômeno" que chamamos ondulatório não envolve a
detecção de fótons individuais, evidenciando a existência de
corpúsculos indivisíveis? Sim, mas vimos (seção I.4) que, para
Bohr, a detecção de fótons individuais é consequencia da
"indivisibilidade dos processos atômicos", e não do princípio de
complementaridade.
3. Experimento da Escolha Demorada
Ao estudarmos o interferômetro de Mach-Zehnder, vimos que
a única diferença entre os fenômenos ondulatório e corpuscular que
descrevemos (Figs. II.1 e III.2) é a presença ou não do espelho
Capítulo III: Complementaridade de Arranjos Experimentais
9
semi-refletor S2 . Até que instante o cientista pode escolher entre
deixar ou retirar S2, de forma a fazer o fenômeno ser ondulatório ou
corpuscular? Pode ele esperar o fóton passar pelo primeiro espelho
semi-refletor (S 1) para daí então escolher qual fenômeno vai
acontecer? Sim! Tal escolha pode ser feita até o instante logo antes
de o pacote de onda associado ao fóton chegar a S2.
Este experimento de escolha demorada usando o
interferômetro de Mach-Zehnder foi estudado pelo físico norteamericano John Wheeler, a partir de 1978. Já em 1931 , porém, o
alemão Carl von Weizsacker havia descrito um experimento deste
tipo (que veremos na seção XII.5), usando a idéia do microscópio de
raios gama de Werner Heisenberg.
Para examinarmos este experimento, consideremos alguns
instantes temporais ao longo do percurso do fóton, na montagem da
Fig. III.3. No instante t 1, o fóton incide em S,; em tz, ele se encontra
dentro do interferômetro; em t 3 ele passa pela posição do espelho
semi-refletor S2 ; em t4 ele se aproxima do detector; em t 5 ele gera um
sinal macroscópico no osciloscópio.
B
1
t3
s2
~/
/
li/
ºº
1
~----- -- -------- --~------
00
00
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00000
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Figura Ill.3. Desenho do interferômetro, indicando-se diférentes instantes temporais.
(Neste arranjo, nenhuma luz é detectada em D2,, e o correspondente osciloscópio é ignorado.)
20
10 HELLMUTH, T.; W ALTHER,
H.; ZAJONC, A. & SCHLEICH,
W. (1987), "Delayed-Choice
Experiments in Quantum
Interference", Physical Review A 35, 2532-41.
Problemas Conceituais da Física Quântica
O que diz a interpretação da complementaridade no instante t2,
quando o fóton está dentro do interferômetro? Nada! Não se pode
dizer nem que o objeto quântico é onda, nem que ele é partícula. Só
no instante t 3 , dependendo se o espelho S2 ; estiver colocado ou não, é
que ocorrerá interferência ou não. A rigor, só quando o "fenômeno"
se completa, e um registro macroscópico é obtido no aparelho de
medição, no instante t5 , é que se pode dizer qual é o fenômeno (onda
ou partícula), e que se pode dizer o que estava acontecendo no
passado, no instante t 2 !
Este experimento exemplifica bem a aplicação da
interpretação da complementaridade. Só se pode falar algo sobre o
objeto quântico após se obter um resultado experimental. Mesmo
que em t 3 o espelho não esteja presente, o fenômeno (em !4) ainda
não se constituiu como corpuscular. Pois é possível que em t4
alguém (um demônio veloz) coloque espelhos de forma a
recombinar as componentes, resultando em um fenômeno
ondulatório. Só com o registro macroscópico é que esta
possibilidade pode ser excluída.
O experimento da escolha demorada no interferômetro de
Mach-Zehnder foi realizado em 1986 por dois grupos, Alley et al. e
Hellmuth et al. 10 A montagem experimental deste segundo grupo está
representada na Fig. IIl.4. Nela, o segundo espelho semi-refletor
permanece imóvel, e uma célula de Pockels é introduzida em um dos
caminhos, seguida de um polarizador. Utilizando um pulso de laser
polarizado, a célula de Pockels é capaz de girar em 90º a polarização
linear do pulso.
Assim, quando este dispositivo de óptica não-linear é acionado por uma tensão elétrica (o que demora apenas 4 nanosegundos), o
pulso de luz é girado e subseqüentemente bloqueado pelo
polarizador que se segue à célula. Ou seja, com a célula ligada, o
caminho A é bloqueado, e temos um comportamento corpuscular;
com a célula desligada, ocorre a interferência típica do comportamento ondulatório. No experimento em questão, fibras ópticas foram
usadas para aumentar cada um dos caminhos, de forma que a escolha
de se ligar ou não a célula de Pockels pôde ser feita 5 nanosegundos
depois que o pulso passou pelo primeiro espelho semi-refletor.
Nesse mesmo trabalho, o grupo de Hellmuth et al. também
realizou um interessante experimento de escolha demorada
envolvendo "batimentos quânticos", que veremos na seção XIII.2.
Capítulo III: Complementaridade de Arranjos Experimentais
,;; - ---,'
Célula de
Pockels
\
1
',
LASER ps
Polarizado
.______.
i
/
1
-~+~:::.---.:-~~~--0--0--,
s
./
1
Pnsma
Polarizador
Figura III.4. Realização
prática do experimento de
escolha demorada, por
Hellmuth et al. ( 1987).
A
B
Objetivas de
Microscópio
52
-----o<-->& ----------~1'-------~
~'~,'
//
1
1
...
----...
',
1
1
,'
1
Fibra
Óptica
~
01
o2
.
4. Atualização do Passado no Presente
Na seção anterior, vimos como a interpretação da
complementaridade descreve o experimento de escolha demorada,
proibindo que se fale algo sobre o fenômeno no instante t 2 . Isto
porém não ocorre com as interpretações realistas.
De acordo com a interpretação ondulatória, em t 2 o pacote de
onda se divide entre duas posições (no caminho A e no B); o que
ocorre no futuro (em t3 ) em nada afeta a realidade em t2 • O mesmo
ocorre com a interpretação dualista realista. A Tabela III. l resume
como cada uma dessas três interpretações descreve esse experimento
de escolha demorada.
No positivismo sóbrio de Bohr, os atributos "onda" e
"corpúsculo" referem-se a quadros clássicos que utilizamos para
representar um fenômeno experimental, e não a alguma espécie de
realidade (trata-se de uma visão "epistêmica"). Ao explorar o
experimento de escolha demorada, porém, Wheeler injetou uma dose
de realismo na interpretação da complementaridade, pois passou a
considerar que "onda" ou "corpúsculo" descrevem diretamente
diferentes realidades (uma visão mais "ontológica"). Ao fazer isso,
Wheeler chegou a uma conclusão que chamou a atenção da imprensa
de divulgação científica mundial: apenas quando o "observador
participante" decide se o fenômeno será corpuscular ou ondulatório é
que a realidade passuda adquire uma existência "atualizada"; antes
disto, é como se o passado não existisse!
Problemas Conceituais da Física Quântica
22
11 WHEELER (1983), op. cit.
(nota 6), p. 194. O artigo
01iginal e mais extenso é:
WHEELER,
J.A. (1978), "The
'Past' and the 'DelayedChoice' Double-Slit Experiment", in MARLOW, A.R.
(org.), Mathematical Founda-
tions
of Quantum
Theory,
Academic, Nova Iorque, pp. 948.
Em suas palavras: "É errado pensar naquele_passado como 'já
existindo' em todos os detalhes. O 'passado' é teoria. O passado não
tem existência enquanto ele não é registrado no presente. Ao
decidirmos quais perguntas o nosso equipamentó quântico de
registro irá fazer no presente, temos uma escolha inegável sobre o
11
que temos o direito de perguntar sobre o passado."
Que estranho! No mundo da Física Quântica, pode acontecer
de o passado se atualizar apenas no presente! (Ao menos segundo
esta versão mais realista da interpretação da complementaridade.)
Encontramos com isso uma "anomalia" conceitual da
interpretação da complementaridade: às vezes ela se cala sobre o
presente (em t2 , por exemplo), para posteriormente (em t5 ) se referir
ao passado (em t2 ) de maneira definida. Na versão de Wheeler, a
anomalia é ainda mais radical: o passado pode passar a existir apenas
no presente. Essas propriedades estranhas não surgem nas
interpretações realistas, conforme já vimos . As anomalias destas
visões são de outra ordem. A interpretação ondulatória necessita de
colapsos não-locais; a dualista realista introduz ondas vazias; e a
interpretação corpuscular só consegue explicar fenômenos
ondulatórios através de estranhos mecanismos ou apelando para uma
lógica não-clássica.
DI
COMPLEMENTARIDADE
t1
Fóton está em O.
t2
------------
t3
ts
ts
(nadapode-se dizer)
Escolhemos
Qfu ou retirar S2.
j,
j,
ONDA
Detecção
emD1.
Em t2 havia
uma onda.
PARTÍCULA
Detecção em
D1 ou Dz.
Em t2 havia
uma partícula
em B ou A.
1
DUALISMO REALISTA
1
ONDULATÓRIA
Partícula e pacote da onda
_Qiloto estão em O.
Onda piloto se divide em
duas , e partícula escolhe um
caminho, A ou B.
Escolhemos
pôr ou retirar S2 .
Pacote de onda
está em O.
Pacote de onda se divide em
dois componentes,
AeB.
Escolhemos
pôr ou retirar S2 .
Detecção de partícula.
No caso sem S2 , sobra uma
onda vazia.
Detecção.
No caso sem S2 , ocorre um
colapso não-local.
Passado não muda!
Passado não muda!
Tabela III. 1. O experimento de escolha demorada segundo as diferentes interpretações.
Para simplificar, a situação em t4 foi omitida.
1
Capítulo IV
ESTADOS QUÂNTICOS E
O PRINCÍPIO DE SUPERPOSIÇÃO
1. Auto-Estado e Estados Ortogonais
Vamos agora dar uma olhada superficial na maneira como o
formalismo da Teoria Quântica descreve o experimento de MachZehnder para um fóton único. Aos poucos, veremos que as
diferentes interpretações são consistentes com este formalismo, que
fornece as regras para se calcularem valores possíveis de medições e
as respectivas probabilidades.
Se o espelho semi-refletor S, estiver removido (Fig. II.3a),
todos concordam que o fóton ou o pacote de onda ruma pelo
caminho A. Por exemplo, se inserirmos um detector neste caminho,
ele sempre registrará a presença do fóton (supondo que o detector é
100% eficiente). Podemos assim atribuir um estado ao nosso
sistema quântico, em um certo instante, que denotaremos por llf!A) 11 ª.
Esse estado diz que o fóton será detectado com certeza no
caminho A; devido a esta certeza, tal estado costuma ser chamado de
auto-estado associado ao valor A para a posição do fóton 12 •
Analogamente, podemos definir o auto-estado llf/8 ). Se o sistema
estiver neste estado, um detector no caminho B certamente registrará
um fóton. Cada um destes estados é análogo a uma amplitude de
onda clássica.
Esses dois estados têm uma propriedade interessante. Se o
estado for ll/IA), um detector no caminho B não registrará nenhum
fóton; se o estado for ll/fs), nada poderá ser detectado no caminho A.
Dizemos nesse caso que esses estados são ortogonais.
2. Princípio Quântico de Superposição
Agora vamos enunciar um dos princípios fundamentais da
Mecânica Quântica, o chamado Princípio de Superposição:
Dados dois estados admissíveis de um sistema quântico, então a
soma desses dois estados também é um estado admissível do
sistema.
23
l la Esta notação curiosa para
estados quânticos foi introduzida por Dirac em 1926. Um
vetor de estado l lf/A) é
apelidado de "ket'', enquanto
que seu dual (lf/8 1 é o "bra",
de forma que juntos formam
um "bracket" (um tipo de
parêntese):
(lf/sllf!A),
que
representa o produto escalar
dos vetores de estado (ver
seção V.3).
12 Esta não é a definição
rigorosa de "auto-estado", e a
afirmação que foi feita só
vale para uma classe restrita
de medições
Conceitos da Física Quântica
24
Como conseqüência deste princípio, o seguinte estado também
descreve uma situação possível:
(IV.l)
Notamos que a "soma" mencionada envolve certos
coeficientes, necessários para manter os estados "normalizados", que
podem assumir valores "complexos" (env~lvendo i=r-l ). De fato,
a eq.(IV.1) é justamente o estado assumido pelo pulso de luz no
experimento de Mach-Zehnder para um fóton!
Mas o que diz esse estado? O fóton está em dois lugares ao
mesmo tempo? O formalismo da Teoria Quântica não trata dessas
questões, ele não se preocupa em descrever a realidade que existe
além de nossas observações, mas apenas em fornecer previsões sobre
os resultados de medições realizadas em diferentes situações experimentais. Mas qual o significado do "estado" em Física Quântica? A
esta questão, cada interpretação responde de maneira própria.
3. Interpretações do Estado Quântico
Vejamos agora diferentes maneiras de interpretar um estado
11/1).
1) Interpretação Ondulatória . Interpreta 11/1) de maneira
"literal", atribuindo realidade ao estado ou à função de onda, e sem
postular que exista nada além do que descreve o formalismo
quântico. Mas que espécie de realidade é essa? Não é uma realidade
"atualizada", que possamos observar diretamente. É uma realidade
intermediária, uma potencialidade, que estabelece apenas probabilidades, mas que mesmo assim evolui no tempo como uma onda.
(Essa noção de potencialidade também é usada por proponentes das
visões 2 e 4, a seguir.) O maior problema desta interpretação de
estado é que, para N objetos quânticos, a função de onda é definida
em um espaço de configurações de 3N dimensões! O que significaria
uma realidade com 3N dimensões?
2) Interpretação Corpuscular. A abordagem corpuscular que
apresentamos até aqui tem tido extrema dificuldade em dar conta dos
aspectos ondulatórias de partículas únicas . Apresentaremos agora
uma v1sao corpuscular mais sofisticada, que chamamos
interpretação dos coletivos estatísticos (em inglês: "ensemble
Capítulo IV: Estados Quânticos e o Princípio de Superposição
interpretation"). Ela procura escapar dos problemas vistos
salientando que o estado ll/f) utilizado no formalismo da Mecânica
Quântica é uma descrição essencialmente estatística, que representa
a média sobre todas as posições possíveis da partícula. Em
linguagem técnica, o estado representa um coletivo ou ensemble
estatístico, associado a um procedimento de preparação experimental. Assim, esta visão considera que o estado quântico representa uma descrição incompleta de um objeto individual (tese esta
que era defendida por Einstein) . A rigor, esta interpretação não entra
em detalhes sobre como seria possível completar a Mecânica
Quântica, mas na prática ela costuma ser simpática a um modelo
exclusivamente corpuscular da natureza 13 •
3) Interpretação Dualista Realista. Considera que existam
"variáveis ocultas" por trás da descrição em termos de estados,
variáveis essas que são partículas com posições e velocidades bem
determinadas. O estado l l/f) exprimiria um campo real que "guia" as
partículas. Essa "onda piloto", porém, não carregaria energia, que se
concentraria na partícula. A descrição através do estado quântico
seria incompleta, só se completando com a introdução dos
parâmetros ocultos.
4) Interpretação da Complementaridade. Considera que o
estado l l/f) é meramente uma instrumento matemático para realizar
cálculos e obter previsões (esta visão chama-se instrumentalismo) .
Heisenberg exprimiu isso de maneira radical ao escrever que a
mudança descontínua da função de probabilidade é "uma mudança
descontínua em nosso conhecimento" 14 , o que constitui uma visão
epistêmica do estado quântico. A interpretação dos coletivos
estatísticos (item 2 acima) também compartilha desta visão; a
diferença, porém, está em que a interpretação da complementaridade
considera que o estado quântico seja a descrição mais "completa" de
um objeto quântico individual. Em comum com a visão 1, não
postula nada além do formalismo.
As interpretações 1 e 3 são visões basicamente realistas, pois
consideram que as entidades dadas pela Teoria Quântica (como o
estado quântico) correspondem a algo real na natureza,
independentemente de serem observadas ou não. A visão 4 é
positivista, pois considera que a teoria só consegue descrever aquilo
que é observável (existiria uma realidade independente do sujeito,
mas ela não seria descritível pela Teoria Quântica). Como não
podemos medir o estado de uma partícula (se não soubermos como
foi preparada, nunca saberemos seu estado quântico), então tal
estado não corresponderia a algo real. Quanto à visão 2, há uma
tendência de seus defensores serem realistas.
13 Formulada inicialmente
por Slater ( 1929) e defendida
por gente ilustre como
Kemble, Margenau, Blokhintsev, Popper e Landé, esta
visão tem sido adotada em
vários
livros-texto
de
Mecânica Quântica, especialmente após o artigo de
BALLENTINE, L.E. ( 1970),
"The Statistical Interpretation
of Quantum Mechanics ",
Reviews of Modem Physics
42, 358-81.
14 HEISENBERG, W . (1981 ),
Física e Filosofia, Editora da
UnB, Brasília, p. 25 (22º
parágrafo do cap. III) . Original: Physics and Philosophy,
Allen & Unwin, Londres,
1958.
26
Conceitos da Física Quântica
É possível diferenciar a pos1çao das quatro interpretações
mencionadas considerando suas respostas a duas questões : (i) O
estado quântico corresponde a uma realidade ou deve ser
interpretado de maneira epistêmica? (ii) O estado quântico fornece
uma descrição completa ou incompleta? A Tabela IV .1 resume tais
respostas.
Interpretação
1. Ondulatória
2. Coletivos Estatísticos
3. Dualista Realista
4. Complementaridade
/lf/) é real ou deve ser
interpretado de modo
epistêmico?
/lf/) fornece uma
descrição completa
ou incompleta?
Real
Epistêmico
Completa
Incompleta
Real
Epistêmico
Incompleta
Completa
Tabela IV. J. Quatro interp retações da natureza do estado quântico l lf/) .
4. Espaço de Hilbert: abordagem intuitiva
Consideremos um sistema quântico individual, como por
exemplo um átomo isolado. A Mecânica Quântica representa este
sistema através de um "espaço de Hilbert", que nada mais é do que
um espaço vetorial linear complexo, ou seja, um espaço vetorial no
qual os vetores são expressos por números complexos (com um
módulo e uma fase). Uma maneira de intuir um espaço vetorial
complexo de N dimensões é imaginar um espaço euclidiano de
dimensão N no qual cada vetor tem N-1 fases associadas, onde
cada fase pode variar entre O e 2n. (Fig. IV . l) .
A cada instante, o estado de um sistema quântico "fechado"
pode ser representado por um único vetor no espaço de Hilbert
correspondente. Conforme já vimos, o princípio de superposição
afirma que dados dois estados possíveis para um sistema quântico,
então qualquer combinação linear deles também é um estado
possível.
Por exemplo, imaginemos que um átomo com um elétron no
nível P se encontra em um campo magnético externo fraco . Este
elétron tem acesso (na camada P) a 3 níveis discretos de energia.
Portanto, seu estado pode ser representado em um espaço de Hilbert
de 3 dimensões, como o da Fig. IV .1. Cada um desses valores de
Capítulo IV: Estados Quânticos e o Princípio de Superposição
energia está associado a um estado, chamado autoestado de
energia. Cada um destes autoestados é representado por vetores
ortogonais l<M no espaço de Hilbert, com i=l,2,3. Pois bem, pelo
princípio de superposição, qualquer combinação linear I</>) déstes
vetores representa um estado admissível :
(N.2)
onde os coeficientes a; são números complexos que satisfazem
uma condição de normalização:
1.
/<PJ)
I ~>
..· .·
-······------- -- -----· ·· ·······-·:··
_.··
(N.3)
Figura IV. I. Vetor de estado em
um espaço de Hilbert de 3
dimensões. Dada uma base I</>;),
qualquer vetor I</>) pode ser
caracterizado por suas componentes complexas em relação a
esta base. O desenho deve ser
visto como um espaço euclidiano,
onde associam-se 2 fases ao vetor
de estado ( <X21 =7ll2, entre 11/>z) e
l</>1), e <X31=n, entre l</>3) e l</>1)). O
vetor representado no desenho é:
l<t>) = 1·i<A)+if·l<t>i)-t·I ~).
5. Observáveis
De acordo com o formalismo quântico, toda grandeza
física mensurável Q, chamada observável, é descrita no espaço
de Hilbert por um "operador auto-adjunto" Q .
Um "operador" é uma entidade matemática que agindo em
qualquer vetor do espaço de Hilbert o transforma em outro vetor
do mesmo espaço. Para entendermos o que significa "autoadjunto", podemos representar um vetor por uma matriz coluna
om N elementos. Por exemplo, o vetor da eq.(N.2) seria escrito
da seguinte forma, na representação {1</>;)}, com N=3:
Conceitos da Física Quântica
28
(IV.2a)
!~) = [::]
Segundo esta notação, qualquer operador pode ser expresso por uma
matriz N x N, que representamos por [Qij], com coeficientes Qij
complexos. Um operador auto-adjunto Q é aquele que é igual ao seu
"adjunto" Qt, onde este é representado pela matriz [Qj/] (complexo
conjugado Cla matriz transposta).
Como exemplo de operadores auto-adjuntos, tomemos quatro
que agem em um espaço de Hilbert de 2 dimensões (N=2):
(IV.4)
É fácil verificar que estas matrizes são auto-adjuntas. As três
primeiras representam os operadores de spin (matrizes de Pauli) e a
última é a matriz unidade, correspondente ao operador que leva
qualquer vetor em si mesmo.
A estipulação de que todo observável corresponde a um
operador auto-adjunto garante que no cálculo de valores médios
(seção X.2) obteremos sempre números reais (e não complexos).
Dado um observável Q, os resultados possíveis da medição são
os autovalores Y; do operador Q, que podem ser encontrados
resolvendo-se a equ~ção de autovalores:
(IV.5)
Os estados 1 </>;) são os autoestados de Q a que nos referimos
na seção (IV. l). O cálculo dos autoestados e autovalores da eq.(IV.5)
é tópico de cursos de Álgebra Linear.
Capítulo V
MEDIÇÕES DE TRAJETÓRIA
1. Medições de Trajetória no lnterferômetro
Por que, em um fenômeno ondu!atório como o da Fig. II.1
(interferômetro de Mach-Zehnder), não. tentamos medir por onde
passa o fóton por meio de um detector super-sensível, que não
provoque distúrbio apreciável no fóton 15 ?
Essa situação está representada na Fig. V .1. A cada fóton que
entra no interferômetro, podemos determinar se ele incide ou não no
detector D 3 . Se o medirmos ali, vemos que ele tomou o caminho A;
senão, inferimos que ele foi por B. Temos assim conhecimento sobre
a trajetória do fóton, e o fenômeno é corpuscular. Mas se o detector
fosse tão tênue que não provocasse distúrbio algum nos fótons, então
talvez todos eles continuassem rumando para Di, o que só poderia
ser explicado através de um modelo ondulatório. Teríamos assim
violado a versão forte da dualidade onda-partícula!?
A
B
,
1
S2
~. - - - -- - - ---- - - ---- - ~
--- - - - - ~
· •.'.:
.
-~
·'·.··:
15 Tal detector de "não-demolição" para medir número
de fótons foi desen volvido
usando uma "célula de Kerr".
Este dispositivo não-linear é
inserido em um dos braços do
interferômetro, e seu índice
de refração varia com a
intensidade do feixe luminoso. Um outro feixe, de prova,
passa pelo mesma célula de
Kerr, e tem um deslocamento
de fase que depende do índice
de refração . Ver SANDERS,
B.C. & MILBURN, G.J.
(1990), "Quantum Nondemolition
Measurements and
Tests of Complementarity",
in BARUT, A.O. (org.), Ne w
Frontiers in Quantum Electrodynamics and Quantum
Optics, Plenum, Nova Iorque,
pp. 541-54
1
1
1
1
Figura V.l. Medição nãodestrutiva do caminho pelo
qual ruma o fóton
Não! O que acontece é que mesmo com a presença do mais
delicado detector possível no caminho A, a interferência deixa de
ocorrer após S2! Com a determinação do caminho dos fótons, eles
deixam de interferir como ondas coerentes, e passam a ser
29
30
Conceitos da Física Quântica
detectados tanto em D 1 (50%) quanto em D2 (50%)! Como as
diferentes interpretações que já introduzimos explicariam este
acontecimento? Por que a interferência desaparece quando se medem
trajetórias?
(1) Interpretação Ondulatória. Uma maneira simples de se
explicar o que acontece nesta situação é fazer uso da noção de
"colapso'', que mencionamos na seção III.1 e exploraremos no capítulo seguinte. Sempre que uma medição é realizada, e um resultado
obtido, a onda !f!, previamente espalhada, sofre uma redução súbita,
passando a se localizar próximo de onde ela foi detectada (formando
um "pacote de onda" semelhante a uma partícula). Assim, se o
detector D3 registrar um fó ton, a onda some no caminho B; se D3 não
registrar nada, a onda some em A e passa a existir só em B. Em
ambos os casos, recai-se nas situações da Fig. II.3, e a probabilidade
de detecção em cada detector passa a ser 50%. Schrõdinger não
gostava deste tipo de explicação envolvendo colapsos, e neste caso
poderia usar a explicação envolvendo a "perda de coerência" dada
pelas interpretações dualistas, que veremos a seguir. (No entanto, a
noção de colapso continua sendo necessária, nesta interpretação,
para o fen ômeno corpuscular da Fig. III. 1.)
(2) Interpretação Corpuscular. Esta visão já tem dificuldades
em explicar a interferência para um elétron ou fóton único, quanto
mais para explicar o presente problema! Os detectores simplesmente
revelam as posições pré-existentes das partículas. Mas por que a
interferência desaparece? ão basta supor que o detector D 3 provoca
uma alteração no movimento do fóton, pois mesmo quando o fóton
ruma por B a interferência desaparece (veremos mais sobre este
"experimento de resultado nulo" na seção VIII.4).
(3) Interpretação Dualista Realista. Uma possível explicação
dentro desta visão é a seguinte. A presença do detector D 3 , ligado em
A, provocaria um distúrbio nafase do trem de onda que ruma por A.
O valor deste deslocamento de fase seria imprevisível , mas dependeria do estado microscópico do detector D 3 no instante da passagem
da partícula (esta visão é "criptodeterminista", conforme definiremos
na seção IX.2) . Como a onda contínua que ruma por A passa a ter
uma fase diferente, desconhecida (a onda por B permanece com a
mesma fase) , as superposições que ocorrem após S2 podem tanto ser
construtivas na direção de D 1, quanto destrutivas, como podem
também ser de tipo intermediário, conforme representada na Fig. II.4
(com a diferença que a defasagem não varia continuamente, mas
Capítulo V: Medições de Trajetória
aleatoriamente). Assim, para cada caso individual, a probabilidade
do fóton terminar em D 1 varia entre O e 1 (dependendo do valor da
defasagem introduzida por D 3 ), mas na média, para vários fótons, a
probabilidade de incidência em D 1 é 0,5, igual ao caso em que um
dos caminhos é bloqueado (o fenômeno corpuscular da Fig. Il.3). O
~
. 16
detector, em suma, provoca uma perd a d e coerencza entre os
componentes A e B.
(4) Interpretação da Complementaridade . Um fenômeno não
pode ser ao mesmo tempo ondulatório e corpuscular. Quando
medimos a posição do fóton, o fenômeno registrado é corpuscular, e
assim não pode mais haver interferência. Para justificar estas
afirmações, em 1927, Bohr desenvolveu uma explicação baseada no
princípio da incerteza, que em essência é igual à explicação dada no
parágrafo anterior, envolvendo fases aleatórias 17 • Na seção seguinte
ilustraremos a conexão entre o princípio da incerteza e as fases
aleatórias.
Para resumir, o que essas explicações têm em comum é que
uma medição (em D 3 ) provoca um distúrbio incontrolável no objeto
quântico. Tal distúrbio pode ser de dois tipos: colapso (visão 1) ou
perda de coerência (visões 1, 3 e 4), resultando em uma perda de
coerência das ondas envolvidas, impedindo a existência de um
padrão estável de interferência. Notemos que tal perda de coerência
poderia ocorrer sem que a medição em D 3 se completasse: bastaria
existir um processo de interação com o objeto quântico (por
exemplo, espalhamento por outras partículas) que introduzisse um
distúrbio para que surgissem fases aleatórias, provocando perda de
coerência.
31
16 O termo "decoerência"
poderia ser usado para este
processo. No entanto, este
termo é normalmente aplicado para o caso em que a
perda de coerência surge de
um acoplamento do sistema
com o ambiente (conforme
examinaremos em um capítulo posterior). Está claro que
o detector pode ser considerado o "ambiente", mas para
não misturarmos as questões,
usaremos simplesmente a expressão "perda de coerência''. .
17 A expl icação baseada em
fases aleatórias foi bastante
usada por David Bohm, em
seu período ortodoxo, e
também
por
Richard
Feynman, conforme menciona o primeiro. Ver: BOHM, D.
(1951), Quantum Theory,
Prentice-Hall ,
Englewood
Cliffs, pp. 120-4, 600-2.
2. Fases Aleatórias e o Princípio de Incerteza*
Vamos agora mostrar como a noção de fases aleatórias está
intimamente ligada ao princípio de incerteza. Para tanto, seguiremos
a discussão travada entre Einstein e Bohr no Congresso de Solvay de
192i 8, mas nos restringiremos ao interferômetro de Mach-Zehnder,
ao invés de considerar o experimento das duas fendas.
De forma sucinta, o princípio de incerteza (que examinaremos
mais a fundo no cap. XI) diz que uma determinação exata do valor
de um observável, como a posição x de um elétron, implica numa
fal ta de exatidão na definição do valor da grandeza conjugada, no
caso do momento Px do elétron (e vice-versa). Representando essas
"inexatidões" por ôx e Ôpx , a relação de incerteza afirma que seu
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
18 Ver BOHR (1949) , op. cit.
(nota 6), pp. 56-9; JAMMER
(197 4 ), op. cit. (nota 3 ), pp.
126-30.
Conceitos da Física Quântica
32
produto tem um limite inferior da ordem da constante de Planck h:
(V.1)
Voltemos agora ao experimento-de-pensamento que visa
determinar a trajetória de um fóton sem destruir a interferência no
espelho S2 do interferômetro de Mach-Zehnder. A idéia é tentar
determinar o caminho pelo qual o fóton rumou, por meio de uma
medição do momento transferido para o espelho semi-refletor S1,
supondo que este espelho possa se deslocar. Para facilitar nossa
linguagem, nesta seção, visualizaremos a luz de acordo com a
interpretação dualista realista (seção II.3, item 3), e chamaremos de
fóton o corpúsculo associado.
A luz incidente consiste de um feixe largo (representado por
uma onda plana), obtida, através de lentes, a partir de um estreito
feixe de laser (Fig. V.2). Estamos interessados na interferência que
irá ocorrer no ponto Q de S2 , e, desta forma, concentramos nossa
atenção na linha B que leva até Q.
Acoplamos ao semi-espelho S 1 um medidor M de momento na
direção x (paralela ao feixe refletido) (veremos na seção VIII.2 um
exemplo de tal medidor). O semi-espelho está inicialmente em
repouso. Se o fóton de momento p = h/Â. for transmitido através de
S 1, nenhum momento é transferido para o semi-espelho, e ele
permanecerá com Px = O. Se o fóton desviar para B, o momento
transferido para o espelho é .fihl Â. na direção 6.P indicada na Fig.
V.2, o que corresponde ao momento Px = -h!íl na direção x . .
Queremos discernir a situação em que há reflexão daquela em
que há transmissão do fóton. Assim, queremos discernir uma
diferença de momento 6.Px = h!íl. Ora, o semi-espelho deve obedecer
ao princípio de incerteza 8X.8Px ~ h/2. Para podermos discernir a
transferência de momento 6.P.n é preciso que este 6.Px seja maior do
que a incerteza intrínseca do espelho, certo? Queremos assim que
6.Px ~ 8P.n ou seja, 6.Px ~ h/(2·8X} Temos assim: 8X ~ h/(2·6.Px)
= h/(2· h/íl) = íl.12.
Em suma, 8X ~ íl.12 é a incerteza na posição do semi-espelho
na direção x (de tal forma a permitir um discernimento da
transferência de momento do fóton). Isso significa que a luz que
chega em Q percorre uma trajetória cujo comprimento fJ. tem uma
incerteza 8fl. ~ íl.12. (Iremos ignorar a incerteza do componente Y,
cuja consideração só aumentaria o efeito.) Ou seja, a onda que ruma
Capítulo V: Medições de Trajetória
por B tem um deslocamento de fase D..({J que se encontra
(aleatoriamente)em algum ponto entre - À/2 e +À/2. Às vezes isso
resulta numa interferência construtiva em direção de D 1, às vezes em
direção de D 2 , e em geral numa situação intermediária Uá
descrevemos esta situação na seção V.1, item 3) . Em outras palavras,
à medida que os fótons forem entrando no interferômetro, devido a
essas fases aleatórias, metade deles será detectado em D 1 e metade
em D 2 : qualquer efeito observável da interferência desaparece!
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. -
-·- S1
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- r· -1-
B-i-.
-.
'''''' f
A tentativa de medir o caminho dos fótons por meio do
medidor de momento M acoplado a S 1 destrói o fenômeno ondulatório, resultando em um fenômeno corpuscular, de acordo com o
princípio de complementaridade. Notemos que a idéia fundamental
(de Bohr) que nos permitiu chegar a esta conclusão foi a de que um
componente macroscópico (o semi-espelho S 1) também é limitado
pela relação de incerteza (eq. V.1). Percebemos também como esta
aplicação do princípio de incerteza se traduz em fases aleatórias
(perda de coerência) entre os componentes A e B da onda luminosa,
fazendo com que metade dos fótons terminassem sendo detectados
em D 2 . Esta situação é igual à que vimos na seção V.1.
Figura V.2. Versão na
qual mede-se o caminho
pela transferência de
momento para o espelho
semi-refletor S1.
Conceitos da Física Quântica
34
3. O Algoritmo Estatístico
Considere
o
estado
descrito
pela
eq.(IV.1),
lIJI) = )21 IJI A) + )2-1IJI 8) , que pode ser associado a um estado
monofotônico logo após a passagem por um espelho semi-refletor
(Fig. III.1). A fase i nos informa que o componente rumando pelo
caminho B sofreu um avanço de À/4 em relação ao componente
transmitido por A, em acordo com a regra para divisão de feixes
apresentada na seção II.1.
Qual a probabilidade de detectar o fóton no caminho A (em
D 1), e de detectá-lo no caminho B (em D1)? Olhando para a
eq.(IV.1), vemos que tais probabilidades são iguais a
É só pegar
1·
o coeficiente
)2 que multiplica l JI A) e elevá-lo ao quadrado; e
pegar o coeficiente )2 multiplicando
19 Lembremos que um
número complexo r consiste
de uma parte real a e de uma
imaginária b:
r = a + ib.
O módulo quadrado de r é
lrl 2 = r·r', ou seja, la+ibl 2 =
(a+ib )(a-ib) :::: a 2 + b 2 .
llfl
8 ), e calcular seu "módulo
quadrado" (referente a números complexos
19
)
IJl-1
2
Para um estado genérico I</>) como o da eq.(IV.2), procede-se
da seguinte maneira. Qual é a probabilidade de medir um observável
e obter o autovalor Y; associado ao auto-estado !</>;)? Será o módulo
quadrado do coeficiente multiplicando o autoestado:
(V.2)
E no caso em que o observável sendo medido não tem os
estados l<f>;) como seus auto-estados?
Neste caso, podemos
reescrever I</>) em função da nova base de auto-estados, e então
aplicar o método exposto acima.
Por
exemplo,
suponha
que
o
estado
seja
1 </>) = a, 1 </> 1) + a 2 I </> 2 ), e que estejamos medindo o observável Q que
possui como auto-estados os dois vetores
1</>±) = )21 </>1) ± )2-1 </>2 ) .
Qual é a probabilidade de obter o autovalor Y+ correspondente ao
auto-estado l<P+)? Uma maneira de resolver isso é escrevendo I</>) em
função de l<P+) e j<tJ_), o que exige algumas manipulações simples, e
resulta em:
Capítulo V: Medições de Trajetó ria
Agora é só aplicar as eqs. (V.2) e (IV.3) para obter Problqi) CY+) =
1- .
Uma maneira matematicamente elegante de exprimir este
procedimento para qualquer observável Q envolve a noção de
"produto escalar" de vetores. Se l</J;) for o auto-estado associado ao
autovalor y; obtido na medição de Q (recordar a eq. IV.4), então a
probabilidade de obter Y; é dada pelo módulo quadrado do produto
escalar do auto-estado l</J;) e do estado l<P) em que se encontra o
sistema:
(V .3)
Na Fig. V.3 podemos intuir o que é o produto escalar (cp;icp) (que
é o coeficiente a;, quando o estado está expresso de acordo com a eq.
IV.2). Ele é a projeção de l<P) em l<P;) (ou vice-versa). Pela própria
definição de produto escalar, ( <Pd <P) pode também ser visto como o
cosseno do ângulo entre l<P) em l<P;) no espaço de Hilbert.
Figura V.3. A pro1eçao
(<P21 <P) está indicada pela
área cinza.
4. O Postulado da Projeção
Considere a situação em que um detector D 3 de nãodemolição (seção V.1) é colocado no caminho A, e outro D 4 no
caminho B do interferômetro. O que acontece com o estado do fóton
após a medição? Ora, se arrumarmos o experimento de acordo com
a Fig. V.4, observaremos uma correlação entre contagens em D 3 e
D 2 , e entre contagens em D 4 e D 1• Ou seja, sempre que D 3 disparar,
D2 também o fará (supondo 100% de eficiência dos detectores). Isso
é facilmente explicável considerando que o fenômeno é corpuscular.
Conceitos da Física Quântica
36
Para a interpretação ondulatória, por outro lado, é preciso
recorrer à noção de "colapso", que ocorreria após a primeira
medição. No nível do formalismo, isto é expresso pela noção de
"redução de estado". O estado antes da medição em um dos
detectores, D 3 ou D4, é uma superposição dos auto-estados l lJ!A) e
llJ!8 ), dada pela eq.(IV.1). No caso de uma detecção em D 3 , que
indica que a posição do fóton é A, o estado subseqüente tem que ser
l lJ!A), já que o fóton acaba caindo no detector D 2• A regra que
descreve esta redução de estado é conhecida como postulado da
projeção, que neste caso resumimos da seguinte maneira:
P.P.
(V.4)
LASER~ ~
1
Figura
V.4.
Arranjo
experimental para justificar o postulado
da
projeção.
-
-e
- ---
: S1
1
rn-----~
03
:
1
04
, A
1
:
S2
~--- --------------~------~
B
,
....
1
20 VON NEUMANN, J. ([1932]
1955), Mathematical Foundations of Quantum Mechanics,
Princeton U. Press, p. 439.
LüDERS, G. (1951), "Über die
Zustandsanderung durch den
Messprozess", Annalen der
Physik 8, 322-8. MARGENAU,
H.
(1959), "Philosophical
concerning
the
Problems
Meaning of Measurement in
Physics", in CHURCHMAN,
C.W. & RATOOSH, P. (orgs.),
Measurement - Definitions and
Theories, Wiley, Nova Iorque,
pp. 163-76. (verp. 170).
~o,
Este postulado foi formulado por Dirac, e de maneira mais
completa por John von Neumann (1932). Este exprimiu o postulado
de maneira errônea para o "caso degenerado", o que foi corrigido por
Gunther Lüders em 1951. O nome ."postulado da projeção" foi
introduzido apenas no final dos anos 50 por Henry Margenau 20 , que
criticava sua validade, pois muitas vezes a partícula sendo medida é
destruída (absorvida) durante a detecção, não tendo muito sentido,
nestes casos, falar em estado do sistema após a medição.
Capítulo VI
COLAPSO DA ÜNDA
OU REDUÇÃO DE ESTADO
Neste capítulo, examinaremos um pouco mais a fundo a noção
de "colapso de onda" (seções ill.1, V.1), própria da interpretação
ondulatória, ou, de maneira mais geral (aceitável para todas as
. interpretações), a noção de "redução de estado" (seção V.4), que
ocorre no nível do formalismo quântico, e que cada corrente
interpreta à sua maneira. Existem diversas tentativas de explicar o
colapso a partir de outros princípios, mas deixaremos este assunto
para um capítulo posterior.
1. Origens da Noção de Colapso e o Papel do Observador
As origens da noção de "colapso de onda" se encontram no
chamado "paradoxo da quantidade" encontrado por J.J. Thomson
21
(1897) e por W.H. Bragg (1906) em suas pesquisas com raio X . A
idéia de "saltos quânticos" associada ao trabalho de Max Planck
(1900) e Niels Bohr (1913) envolve uma questão semelhante, só que
de um ponto de vista corpuscular.
Ao desenvolver sua Mecânica Ondulatória, Schrõdinger não
precisou considerar as mudanças da função de onda decorrentes de
uma medição. Quem fez isso pela primeira vez foi Heisenberg, ao
analisar a medição de posição de um elétron, no famoso artigo de
192722 . Introduziu . a noção de que "cada determinação de posição
reduz o pacote de onda de volta a sua extensão original".
Esta seria a chave para descrever as trajetórias lineares da
radiação em uma câmara de nuvem de Wilson (Fig. VI.l), conforme
discutido no 5º Congresso de Solvay, daquele mesmo ano. Nesta
conferência, Max Bom considerou uma formulação dada por
Einstein ao "paradoxo da quantidade", associado à dualidade ondapartícula: "Uma preparação radioativa emite em todas as direções
partículas a.; faz-se com que estas fiquem visíveis através do método
da nuvem de Wilson. Ora, se se associar a cada processo de emissão
uma onda esférica, como se pode compreender que o rastro de cada
partícula a. se mostra como uma linha (mais ou menos) reta?"
37
21 WHEATON, B.R. (1983),
The Tiger and the Shark:
Empírica[ Roots of WaveParticle Dualism, Cambridge
University Press, pp. 76, 86.
22 HEISENBERG, W. (1927),
"Über den anschaulichen
Inhalt der quantentheoretischen Kinematik und Mechanik", Zeitschrift für Physik
43, 172-198. Tradução em
inglês: "The Physical Content
of Quantum Kinematics and
Mechanics", in WHEELER &
ZUREK (1983), op. cit. (nota
6), pp. 62-84. Citação da p.
74.
38
Conceitos de Física Quântica
Figura VI. l. Colapso em
uma câmara de nuvem de
Wilson.
CÂMARA DE NUVEM
23 lNSTITUT lNTERNATIONAL
DE
PHYSIQUE
SOLVAY
(1928), Electrons et Photons
-Rapports et Discussions du
Cinquieme Cansei! de Physique tenu a Bruxelles de 24 au
29 Octobre 1927, GauthierVillars, Paris. Tradução em
português
do
capítulo
"Discussão Geral das Novas
Formuladas",
in
Idéias
PESSOA JR., O. (org.) (2001),
Fundamentos da Física 2 Simpósio
David
Bohm,
Livraria da Física, São Paulo,
pp. 139-72. Citação da pp.
250-1 do original.
Bom em seguida explicou "como o caráter corpuscular .do
fenômeno pode ser conciliado aqui com a representação por ondas",
fazendo uso da "noção de 'redução do pacote de probabilidade'
desenvolvida por Heisenberg", que não ocorre "durante o tempo em
que não se observa ionização alguma". Para descrever o que ocorre
após a observação, deve-se "'reduzir' o pacote de ondas para a
vizinhança imediata dessas gotículas" .23
Neste mesmo congresso, Paul Dirac considerou o problema do
colapso enfocando a perda da capacidade das componentes da função
de onda de interferir entre si. "Pode-se dizer que a natureza escolhe
aquele dentre os lfl,, que convém [... ] A escolha, uma vez feita, é
irrevogável e afetará todo o estado futuro do mundo" (p. 262).
Heisenberg criticou esta idéia de que "a natureza faz uma
escolha". "Eu diria, preferencialmente, conforme fiz em meu último
artigo, que o próprio observador faz a escolha, pois é só no
momento em que a observação é feita que a 'escolha' se torna uma
realidade física e que a relação das fases nas ondas, o poder de
interferência, é destruída" (pp. 264-5).
Esta ênfase no papel do observador teria seu auge nos anos 30,
com a "abordagem subjetivista" de Fritz London & Edmond Bauer,
segundo a qual a consciência humana seria responsável pelo colapso.
2. A Não-Localidade no Colapso
Em sua intervenção neste 52 Congresso de Solvay, Einstein
apresentou o seguinte experimento-de-pensamento (Fig. Vl.2). Um
pacote de onda incide em uma fenda e é difratado, passando a ser
representado por uma onda esférica. Esta onda se propaga então em
direção a um detector circular (uma tela fosforescente).
Capítulo VI: Colapso da Onda ou Redução de Estaà.o
39
p
o
s
111
"Se l lf/ 12 fosse simplesmente encarada como a probabilidade
de que em um certo lugar uma partícula determinada se encontre em
um instante determinado, poderia acontecer que um mesmo processo
elementar produzisse uma ação em dois ou mais lugares do anteparo.
Porém, a interpretação, segundo a qual l lf/ 12 exprime a probabilidade
de que esta partícula se encontre em um lugar determinado, supõe
um mecanismo de ação à distância muito particular, que impede que
a onda continuamente repartida no espaço produza uma ação em dois
lugares da tela" (p. 255).
Esta constatação se aplica especialmente à interpretação
ondulatória, que atribui uma realidade a lfl. A redução do pacote de
onda por si só já estaria associada a uma ação à distância ou efeito
não-local. Esta incômoda situação pode ser considerada uma
"anomalia" da interpretação ondulatória, assim como a atualização
do passado no presente (seção III.4) seria uma anomalia da
interpretação da complementaridade, e as ondas vazias (seção III.1)
de certas interpretações dualistas realistas. Veremos no capítulo
XXVIII (quando estudarmos a desigualdade de Bell), porém, que a
não-localidade que está associada ao colapso também está presente
em qualquer interpretação realista da Teoria Quântica, mesmo as
dualistas .
3. O Experimento de Stern-Gerlach
Vimos como a noção de colapso era tratada em 1927, e como
ela passou a ser associada à observação. Consideremos agora um
experimento bem conhecido para fortalecermos nossa intuição sobre
o princípio de superposição e o colapso do pacote de ondas.
Figura VI.2. Não -localidade no colapso da onda,
segundo Einstein.
40
Conceitos de Física Quântica
Trata-se do famoso experimento idealizado por Otto Stern, e
realizado no final de 1921 em parceria com Walter Gerlach na
Universidade de Frankfurt. Um fino feixe de átomos de prata foi
produzido por evaporação em um forno e colimado por duas fendas em
série, passando então (em alto vácuo) entre os pólos de um eletro-imã
que gera um campo magnético não-homogêneo. Os átomos foram
coletados em uma placa de vidro. Constatou-se a formação de duas
manchas bem separadas, ao invés de uma mancha contínua. Este
experimento exemplifica o que é chamado quantização espacial,
associada ao momento angular \/2 h do átomo de prata, onde h h/2n.
Na Fig. VI.3 apresentamos um esquema desta experimento
paradigmático. Aproximadamente 50% dos átomos incidem na
região "em cima", e a tais átomos é atribuído o componente de
momento angular de valor lz = +\/2 h, enquanto que aos que chegam
na região "em baixo" é atribuído l z = -Vi h. Não tentaremos explicar
a origem do efeito a partir da interação do átomo com o campo, o
que é feito na maioria dos livros-texto de Mecânica Quântica, mas
nos concentraremos na descrição do estado do átomo.
Se os átomos que incidem no aparelho forem preparados no
auto-estado IO'+d ou seja, com momento angular bem definido de
valor lz = +Vi h, então todos rumarão para a região "em cima". O
análogo acontece para átomos preparados com lz = - \/2 n. o que
acontece, porém, quando os átomos estão em um estado que é uma
superposição quântica de 1O'+) e 1O'_z)?
=
"~ rn Gim<i"
·e-m}Jàixo"
FORNO
COUMADÓRES
TELA
Figura VI.3. Experimento de Stern-Gerlach.
Iremos argumentar que depois que o átomo passou pelo imã,
mas antes de ser detectado, ele ainda não tem um momento angular
bem definido. Vamos supor que o átomo é preparado no estado
41
Capítulo VI: Colapso da Onda ou Redução de Estado
IO-+x), um auto-estado de ix, através de filtros apropriados. Se ele
for detectado em um dos canais sem ser destruído, podemos dizer
que seu estado final é IO-+z) (se for detectado no canal superior) ou
lo--z) (se for detectado em D 2). Para calcularmos as probabilidades
de cada um destes resultados, basta escrever o estado inicial como
uma superposição dos auto-estados correspondentes ao observável
sendo medido:
(VI.1)
Após a separação das componentes no imã, ocorre um
acoplamento entre as variáveis de momento angular e de posição.
Na eq.(VI.l) ignoramos o estado de posição do átomo incidente:
deveríamos tê-lo escrito como 1o-+x)®1 fii) , onde r0 é a posição do
átomo no eixo z=O. Após a separação, o estado torna-se:
(VI.2)
Os vetores 1r+) e j r_) indicam posições "em cima" e "em
baixo" do eixo z. A tela fosforescente é um detector de posição, não
de momento angular. Porém, como os estados de momento angular
estão correlacionados com os de posição (eq. VI.2), é possível fazer
uma medição "indireta" da componente de momento angular .
.4. Colapso no Experimento de Stern-Gerlach
Substituamos a tela detectora usada por Stern & Gerlach por
detectores de não-demolição D 1 e D 2 , que não absorvem os átomos
de prata, mas que são sensíveis à sua passagem (Fig. VI.4).
z
k::y
·x
01
~:::::::::::::::~-----­
----~---------·~---_::--;-~--~~~
6 Figura VI.4. Experimento de Stern-Gerlach com detectores
que não absorvem os
átomos.
Conceitos de Física Quântica
42
Vamos supor que o átomo é detectado na posição superior.
(Pela eq.VI.2 vemos que a probabilidade disto ocorrer é 1h, seguindo
o algoritmo estatístico da seção V.3). Então, após completada a
medição, o estado fin al é:
(VI.3 )
llj/)fin .
A transição da eq.(VI.2) para a eq.(VI.3) descreve a redução de
estado. Sabemos que este último é realmente o estado final porque
podemos repetir o experimento de Stern-Gerlach para este estado
final . a Fig. VI.5 (análoga à Fig. V.4), apenas átomos no estado
l<J+) rumam para um segundo aparelho SG2, após serem redirecionados por um campo magnético estático M. Após atravessarem SG2 ,
todos os átomos são detectados em D 11 , e nenhum em D 12 •
+z
Figura Vl.5. Arranjo para mostrar que os átomos rumando para o canal de cima possuem uma
propriedade bem definida, que exprimimos pelo autovalor l z = +l/2n.
5. A Redução de Estado segundo as Diferentes Interpretações
Na seção III. l , vimos como as diferentes interpretações
explicam um fenômeno corpuscular. A visão ondulatória, nesse caso,
precisa invocar um colapso súbito e não-local para explicar o
fenômeno, que é facilmente explicável pelas outras interpretações
através da noção simples de partícula. Apesar dessas outras
interpretações não invocarem um colapso de onda, mesmo assim elas
aceitam o formalismo quântico, e em geral aceitam que haja uma
redução de estado (ao nível do formalismo) do tipo descrito pela
eq.(V.3). Como é, então, que cada visão interpreta a redução de
Capítulo VI: Colapso da Onda ou Redução de Estado
estado? Que alteração ocorre no objeto quântico, devido ao processo
de medição, que é descrito pela redução de estado? Para responder a
essas perguntas, levaremos em consideração as interpretações do
estado quântico apresentadas na seção IV.3.
(1) Interpretação Ondulatória. Como esta visão atribui uma
realidade ao estado quântico que se reduz, então este processo
corresponde a um colapso real da onda de probabilidade, conforme já
vimos. Um problema com esta concepção é que tal colapso instantâneo
é não-local (seção VI.2): uma medição feita na Lua pode
instantaneamente afetar uma realidade - um estado quântico - na Terra.
(2) Interpretação Corpuscular. A interpretação dos coletivos
estatísticos (seção IV.3) oferece uma explicação interessante para a
redução de estado24 . Consideremos o experimento de Stern-Gerlach
examinado anteriormente, e o estado inicial dado pela eq.(Vl.l). Este
estado, segundo esta interpretação, representaria na verdade uma
grande coleção de microestados diferentes, sendo que cada um
destes microestados teria o mesmo valor f x = +Y:z ti para o componente de momento angular na direção x, já que o estado quântico foi
preparado no auto-estado ICY+x). Deste coletivo de microestados,
metade teria o valor .e, = +Yz n para o componente na direção z, e
metade .e, = -Y:z n. Cada átomo sendo medido estaria num microestado bem definido deste coletivo (com fx e .e, exatos), só que
ignoramos qual. Ao realizarmos a medição e obtermos o estado final
da eq.(VI.3), revela-se o valor f, = +Yz n para o componente na
direção z. Assim, aumentou nosso conhecimento a respeito do
microestado inicial, o coletivo inicial sendo reduzido para um de
seus sub-coletivos. Na realidade, porém, nada teria mudado com
relação às propriedades do átomo: o que muda com a redução de
estado seria apenas nosso conhecimento a seu respeito.
Apesar da elegância desta explicação, é preciso tomar cuidado
para dar conta do experimento da Fig. VI.6, em que o átomo no
estado inicial ICY+x) passa por dois imãs de Stern-Gerlach, um
orientado na direção +z e o outro na direção +x, antes de ser
detectado. Neste caso, o átomo que entra em SG2 tem uma probabilidade Yz de terminar com componente de spin f x = -Yz ti (em D 11 ), diferente do inicial (antes de SG1). Isso mostra (usando a terminologia
desta interpretação) que o processo de medição (em SG1 e Dz) não
meramente "seleciona um sub-coletivo do coletivo inicial", mas, ao
fazer essa seleção, transforma as propriedades dos átomos do subcoletivo (que a interpretação postula existir inicialmente), compondo
assim um novo coletivo com propriedades não contidas no subcoletivo inicial (devido, poderíamos dizer, a um distúrbio provocado
pelo aparelho no objeto quântico, como na seção V.l).
43
24 O físico norte-americano
Edwin Kemble defendeu esta
visão, aparentemente sem
levar em conta a complicação
que mencionamos no parágrafo seguinte: KEMBLE, E.e.
(1937), The Fundamental
Principies of Quantum Me chanics, Mc-Graw-Hill, Nova
Iorque, pp. 326-9. Já o
filósofo da ciência Karl
Popper distinguiu a "seleção"
de uma medição real, que
provoca um distúrbio no
objeto: POPPE;R, K. ([1934]
1989), "Algumas Objeções a
respeito da Teoria Quântica",
in A Lógica da Pesquisa
São
Científica,
Cultrix,
Paulo, cap. IX, pp. 237-74.
Ver também os Novos
Apêndices XI, XII, pp. 50427. A posição de Popper é
retomada por BALLENTINE
(1970), op. cit. (nota 13).
44
Conceitos de Física Quântica
Figura VI.6. Arranjo para mostrar que uma propriedade bem definida fx = +Vi 'li do estado inicial é
perdida após separação dos auto-estados de Lz em SG 1 e absorção em D2.
25BOHM, D. (1952), "A
Suggested lnterpretation of
the Quantum Theory in terms
of 'Hidden' Variables, 1 and
II", Physical Review 85, 16693, reproduzido in WHEELER
& ZUREK (1983), op. cit.
(nota 6), pp. 369-96. Ver p.
181.
(3) Interpretação Dualista Realista. Considerando que toda
medição acaba envolvendo uma determinação da posição do objeto
quântico, as reduções de estado resultariam sempre num auto-estado
de posição (como a eq. VI.3), de forma que estas reduções podem
ser interpretadas como a mera detecção da partícula presente em
algum lugar da onda piloto. David Bohm25 n:;ssaltava que o
"potencial quântico", que corresponde às ondas em seu modelo
dualista, sofre "flutuações violentas e extremamente complicadas"
durante a interação do objeto quântico com o aparelho de medição,
afetando o momento da partícula e conseqüentemente sua posição
final. Vale ressaltar porém, que o colapso resultante segue de
maneira determinista do estado inicial do objeto e do aparelho, não
sendo assim um processo essencialmente aleatório.
(4) Inte rpretação da Complementaridade. Para esta visão, a
redução brusca_ e impreyisível do estado quântico durante uma
medição apenas reflete o distúrbio incontrolável que o aparelho de
medição exerce sobre o objeto. Para um fenômeno ondulatório,
como o experimento das duas fendas para um fóton único (seção
I. 3), a interpretação da complementaridade explica o surgimento de
ionizações individuais no detector apelando para o postulado
quântico (seção I.4), que preencheria assim o papel explicativo que a
noção de colapso tem na interpretação ondulatória. Isso também
seria válido para um fenômeno corpuscular (seção III. 1), apesar de
neste caso haver menos problema ainda, pois o objeto quântico se
comporta como partícula.
Capítulo VII
EVOLUÇÃO U NITÁRIA
1. Evolução Unitária e Equação de Schrõdinger
Na seção VI.3, descrevemos uma evolução do estado da
átomo, que passou do estado inicial 1a +x) ® 1 f=o ) para o estado
separado da eq.(VI.2). Esta evolução pode ser descrita pela equação
de Schrodinger:
in ~ 1lfl<t))
dt
=
J! (t) 1lfl<t)) ,
onde o hamiltoniano B (t) é o operador auto-adjunto associado à
energia total do sistema, tendo que ser escolhido adequadamente.
Uma maneira alternativa de descrever esta mesma mudança de
estado é através de um operador de evolução Ú que é linear e
"unitário". Um operador unitário é tal que seu inverso é igual ao seu
adjunto (comparar com a seção IV.5), ou seja, rJ - I = rJ t , o que
t
equivale a escrever U U = 1. .
A equação de Schrõdinger torna-se26 :
A
onde
A
U(t,t 0 )
(VII. l)
'
i - !__J' H(t ' ) U(t' ) dt'.
h
26 Ver, por exemplo, COHENTANNOUDJI, C.; DIU, B. &
LALOE, F. ( 1977), Quantum
Mechanics, Wiley, Nova
Iorque,pp. 308-11
(VII.2)
lo
f é o operador identidade. Para um operador hamiltoniano H
independente do tempo, a evolução temporal assume a seguinte
forma simplificada (com to= 0):
Ú(t)
= exp(- iHt/1i)
(VII.3)
A evolução unitária é caracterizada por ser contínua, linear,
determinista e reversível, ao passo que a transição descrita pelo
postulado da projeção (seções V.4 e VI.4) é (praticamente)
instantânea, não-linear, indeterminista e irreversível. Vimos na Fig.
V.3 que este último pode ser imaginado em um espaço de Hilbert
45
46
27ver por exemplo BLUM, K.
(1981),
Density
Matrix
Theory and Applications, Plenum, Nova Iorque, pp. 67-9.
Conceitos de Física Quântica
como uma redução a um dos auto-estados do observável sendo
medido. Já a evolução unitária pode ser imaginada como uma
"rotação" contínua do vetor de estado no espaço de Hilbert (Fig.
VII.1), podendo incluir inversões de vetor. Desta maneira, fica fácil
intuir que o "ângulo" entre dois vetores no espaço de Hilbert (e
portanto seu produto escalar) permanece constante se ambos fore.m
submetidos à mesma evolução linear. Como corolário disto,
podemos dizer que uma evolução unitária leva estados ortogonais a
estados ortogonais.
Por determinismo, entende-se que se um estado inicial for
dado, j untamente com as condições de contorno, então o estado
evoluído em qualquer instante do tempo pode ser determinado.
Quando ocorre cada tipo de evolução? A evolução unitária
(equação de Schrõdinger) é usada para descrever sistemas fechados.
Isto engloba duas situações:
(1) Sistemas que estão isolados de campos externos (donde
sua energia é conservada), de forma que o hamiltoniano é independente do tempo.
(2) Sistemas que estão sujeitos a campos externos bem
determinados, mas que não reagem nas entidades físicas que criam
os campos, caso para o qual o hamiltoniano é dependente do
tempo 27 •
Figura VIU. Evolução
unitária de vetores no
espaço de Hilbert.
2. Reversibilidade Temporal
Quanto à reversibilidade, uma maneira de intuí-la é "inverter o
filme" e checar se as leis continuam sendo obedecidas. Por exemplo,
um filme de bolas de bilhar se chocando (sem atrito) parece tão real
quanto o mesmo filme rodando de trás para frente: assim, as leis de
Capítulo VII: Evolução Unitária
choque são revers1ve1s. Já um filme de um copo caindo e se
quebrando fica estranho quando se roda de trás para frente: é que as
leis da Física macroscópica (como a Termodinâmica) são
irreversíveis.
Será que se invertêssemos a flecha do tempo após um átomo
passar pelo aparelho de Stern-Gerlach (antes de ele ser detectado), o
estado final seria igual ao estado inicial? Para examinarmos
intuitivamente esta situação, consideremos o caso análogo fornecido
por um divisor de feixe óptico.
Um feixe de luz partindo de O é dividido em um espelho
semi-refletor S 1• O que aconteceria se invertêssemos a flecha do
tempo? O componente voltando por A se dividiria em dois, assim
como o componente voltando por B (Fig. VII.2) . Haveria
superposição destrutiva no caminho P, de forma que o feixe final
rumaria por O, em sentido oposto ao feixe inicial.
Figura VIl.2 . Reversão
temporal de uma divisão
de feixes leva ao feixe
inicial
(com
sentido
invertido).
Se qmsessemos calcular o que acabamos de descrever,
teríamos que tomar um certo cuidado. O operador de evolução que
descreve reversão temporal não é o U (t 1 ,t0 ) da eq. (VII.2), mas o
seu inverso
rJ-1 ( t 1 , t0 ) .
Neste caso, a regra que descreve o
deslocamento de fase de ondas refletidas (em relação à amplitude
transmitida, seção II.1) não envolve um avanço de À/4 (fator de fase
i), mas um atraso de À/4 (fator de fase -i). É aplicando este
operador ao estado da eq. (IV .1) que se obtém o estado inicial.
Conceitos de Física Quântica
48
3. Recombinação dos Feixes de Stern-Gerlach
28BoHM (1951), op. cit. (nota
16), pp. 604-8
A reversão . temporal é um exercício teórico, não uma
realidade prática. Há, no entanto, uma maneira de investigar se um
processo é reversível ou não, fazendo uma recombinação de feixes,
como foi feito no interferômetro de Mach-Zehnder.
No caso do experimento de Stem-Gerlach, o arranjo de
recombinação (Fig. VII.3) foi sugerido por David Bohm (1951) 28 , e
mais tarde por Gunther Ludwig (1954) e Eugene Wigner (1963). Os
componentes divergentes são recombinados utilizando-se campos
magnéticos estáticos apropriados (M+.n M_x), e a colimação final é
feita por meio de um outro imã de Stem-Gerlach (SG2 ) . Este último
deveria ser invertido (por reflexão no plano xz), mas como o imã é
simétrico nessa direção, o segundo imã pode ser colocado de
maneira idêntica ao primeiro.
+z
z
l:y
X
Figura Vll.3. Experimento de Stern-Gerlach revertido.
Qual será o estado final do átomo? Consideremos dois casos
possíveis:
[1] Se após a separação pelo imã o estado for a superposição
descrita pela eq.'(VI.2), então ao serem recombinadas, as duas
componentes terão mantido uma diferença de . fase constante, e
formarão um estado final "puro'', que pela simetria do arranjo
experimental (e supondo que nenhuma fase relativa é introduzida
entre as componentes) é igual ao estado inicial IO'+x). Para um
coletivo de átomos, todos estarão no mesmo estado IO'+x).
[2] Se após a separação pelo imã o átomo tiver escolhido um
auto-estado de Lz (ou seja, escolhido o caminho percorrido), após
incidir no imã invertido de Stern-Gerlach ele permanecerá no estado
Capítulo VII: Evolução Unitária
escolhido, ou IO"+z), ou IO"-z)· Esta conclusão é obtida também a partir
de argumentos de simetria, imaginando-se uma reversão temporal
do experimento de Stern-Gerlach usual para um estado inicial que
seja um auto-estado de Lz. Para um coletivo de átomos, obtém-se
não um caso puro, mas uma "mistura" (metade no estado 1O"+z),
metade em JO"_z)).
Pois bem, os casos [1] e [2] podem ser distinguidos para um
coletivo de átomos (apenas um átomo não seria suficiente). Basta,
para isso, colocar uma imã de Stern-Gerlach apontado na direção x
na saída do arranjo experimental revertido (Fig. VII.4). No caso [1],
todos os átomos serão detectados em D 3 ; no caso [2], mais ou menos
metade cairá em D 3 e metade em D 4 . Este caso exemplifica a regra
de que em geral é sempre possível distinguir um caso puro de uma
mistura.
Figura VII.4. Arranjo para comprovar que o estado inicial puro IO"+x) é mantido
após a recombinação dos feixes de Stern-Gerlach.
Apesar do experimento de Stern-Gerlach revertido nunca ter
sido realizado, supunha-se que o caso [1] seria o correto. Note que a
reversão não envolve nenhum colapso irreversível (pois não houve
medições) e nem distúrbios. Na seção XIX.4 examinaremos um
experimento recente de interferometria de nêutrons que tem precisão
suficiente para conseguir a reversão.
Concluímos assim que, antes de qualquer detecção, o vetor de
estado representando o momento angular do sistema está em uma
"superposição de estados com fz bem definído" (eq. VI.2). É
incorreto afirmar que o átomo está em um dos canais (só que nós não
sabemos qual deles) e que não há nada no outro canal (o que
corresponderia ao caso [2]).
so
Conceitos de Física Quântica
Agora, se um par de detectores que não destruísse os átomos
fosse inserido após a primeira separação das componentes (Fig.
VII.5), obteríamos informação sobre qual caminho foi percorrido
pelo átomo, e isso provocaria um colapso para um estado do tipo da
eq.(VI.3). Cairíamos então no caso [2].
Figura VII.5. Se a trajetória inicial for medida, a perda de coerência resultante leva
a uma mistura final, com detecções tanto em D 3 quanto em D4.
29Esta é a conclusão, obtida
em outro contexto, por:
H.C.
(1986),
ÜHANIAN,
"What is Spin?", American
Journal of Physics 54, 500-S.
Para finalizar, consideremos a questão de como a
interpretação da onda piloto (dualismo realista) interpreta o
experimento de Stern-Gerlach com recombinação (Fig. VII.4) .
Como no caso do interferômetro, ela postula que a onda se divide em
dois componentes e a partícula segue por um deles. Mas e o spin, ou
momento angular? Ele estaria associado à partícula ou à onda? Ora,
como o estado de spin inicial pode ser restaurado através da
recombinação ou interferência de feixes (em outras palavras, quando
a partícula decide por qual caminho ela irá percorrer, o spin não
pode tomar semelhante decisão), parece que o spin deve ser
associado ao campo ondulatório29 , ou pelo menos, a uma
propriedade da relação entre o campo ondulatório e a partícula.
Capítulo VIII
MEDIÇÕES EM FÍSICA QUÂNTICA
1. "Medição" enquanto Termo Primitivo
O pouco que vimos das regras da Mecânica Quântica indica
pelo menos duas inovações em relação à Física Clássica: os papéis
fundamentais adquiridos pela probabilidade e pelo indeterminismo,
e o estatuto especial atribuído ao ato de medição.
No que se refere ao processo de medição, os princípios da
Física teórica do século XIX podiam ser enunciados sem se fazer
qualquer referência ao observador ou ao instrumento de medição. O
processo de medição podia em princípio ser explicado de maneira
completa na linguagem da Física, e podia-se corrigir teoricamente o
distúrbio provocado pelo instrumento no objeto.
INICIAL
FINAL
8'
a
80
Fig. Vlll.l. Corrigibilidade de medições em
Física Clássica.
80'
______I
Como exemplo disto 30 , considere a medição da temperatura 80
de um volume pequeno de água de capacidade térmica C0 , por meio
de um termômetro cujo bulbo tem tamanho e capacidade térmica e,
comparáveis ao volume d' água, e temperatura inicial 8a (Fig.
VIII. l). A temperatura final 8a' do termômetro não indica a temperatura inicial da água, pois a água perdeu calor para o termômetro. O
medidor alterou assim o estado da água, como no caso quântico. Mas
há no caso clássico uma diferença fundamental: é possível calcular a
correção a ser introduzida na leitura do termômetro, usando as leis
da Termologia, de forma a computar o valor inicial da temperatura
da água: 80 = 80 ' + (Ca1Co)·(8a'- 8a).
51
300 exemplo que se segue
foi sugerido por ZILSEL, E.
(1935), "P. Jordans Yersuch,
den
Yitalismus
quantenmechani schen zu retten",
Erkenntnis 5, 56-64. Ver
discussão in J AMMER (1974),
op. cit. (nota 3), pp. 160- 1.
52
31 Em português, o ato de
medir pode ser denotado por
três substantivos: "medida",
"medição" e "mensuração".
Não utilizamos o primeiro
termo
para
não
fazer
confusão com a "medida" de
um conjunto de pontos em
Análise Matemática. Utilizamos, portanto, o termo
"medição" no contexto da
Física.
Conceitos de Física Quântica
Com a Mecânica Quântica, a medição 31 tornou-se um conceito
primitivo que foi integrado aos fundamentos da teoria. Este "papel
primitivo" da medição em MQ tem desagradado a vários autores que
desejam um retorno ao ideal clássico, no qual o comportamento dos
aparelhos de medição pode ser reduzido aos princípios da teoria
física fundamental. A maioria dos físicos , porém, não se incomoda
com esta questão, já que em sua visão o papel primitivo da medição
exprime somente o caráter inevitavelmente "instrumentalista" da
Física Quântica, que deve descrever "experimentos" e não "propriedades intrínsecas dos objetos". Tal papel primitivo atribuído à
operação de medição está também ligado à concepção ortodoxa de
que o instrumento de medição tem comportamento fundamentalmente "clássico" (voltaremos a este ponto na seção XIII.2).
2. Medições Diretas na Física Quântica
32HEISENBERG, W. (1930),
The Physical Principies of
Quantum Theory, University
of Chicago Press, pp. 25-28.
Nas seções VI.3 e 4, vimos -que a medição de um componente
do spin de um átomo é feita de maneira indireta, pois o que medimos
diretamente é a posição na qual o átomo é detectado na tela. Se
pensarmos como outros observáveis são medidos, veremos que em
geral eles são determinados de maneira indireta a partir de uma
medição direta de posição.
Como exemplo adicional, consideremos como a velocidade de
uma partícula é determinada. Heisenberg (1930) apresentou três
maneiras de se medir a velocidade Vx (ou o momento Px = mVx) de
uma partícula, dentre as quais mencionaremos a que se utiliza do
efeito Doppler 32 . Irradia-se a partícula com luz de freqüência
conhecida v; pelo efeito Doppler (ou equivalentemente, neste caso,
pelo efeito Compton), haverá uma mudança na freqüência da luz
espalhada, que passa a ser v' = v (1 - 2Vxfc) para um espalhamento
de 180º (Fig. VIII.2). Como é que se determina a freqüência final
v'? Ora, é só passar a luz por um prisma (ou fazê-la incidir numa
grade de difração de um espectrômetro) e ver em qual posição ela
incide em uma escala. Obtém-se assim, indiretamente, a velocidade
Vx da partícula a partir de uma determinação direta da posição de um
fóton.
A tese de que todas as medições quânticas são em última
instância determinações de posição foi salientada por Henry
Margenau (a partir dos anos 30) e Louis de Broglie (anos 50). Ela
está implícita também na interpretação da complementaridade, à
medida que o postulado quântico afirma que as trocas de energia se
dão em pacotes bem localizados. No entanto, não é só a medição
direta de posição que fornece informação sobre um sistema quântico:
Capítulo VIII: Medições em Física Quântica
53
em medições de intensidade de um campo, faz-se uma contagem de
número de eventos quânticos. Tal contagem de quanta, cada qual
com uma energia discretizada, pode ser vista como uma medição de
energia. Enfim, pode-se defender a tese de que todas as medições
diretas na Física Quântica e também na Clássica são determinações
de posição e contagem de eventos. Mesmo a determinação de um
intervalo de tempo pode ser reduzida a uma contagem de ciclos
regulares.
O
j
t \\\\\ ,
\fx
V
i11111111111111111r111111111111111111111111w11r10 --+
\\\\\ \ 1\11\\\11111111111111\\\1,11 ll\1 \ \ \ \ \ \
V
.
~
3. Interpretações sobre as Medições em Física Quântica
Reconhecendo que o observável posição parece ter um
estatuto privilegiado na Mecânica Quântica, vejamos nesta seção
como as diferentes interpretações encaram a medição de uma
posição. Se um experimento fornecer uma posição x para uma
partícula, o que se pode dizer sobre a existência prévia desse valor
medido de posição?
(1) Interpretação Ondulatória. No caso em que um objeto
quântico encontra-se em uma superposição de auto-estados de
posição (ou seja, a função de onda l/f(x) não é fortemente centrada
em torno de um valor de x), não se pode atribuir um valor bem
definido para a posição. Após a medição, supondo-se que o valor x 0
foi obtido, ocorre um colapso da onda espalhada para uma onda
fortemente centrada em torno de x0 (segundo o postulado da
projeção). Após a medição, então, pode-se. atribuir um valor bem
definido para a posição, mas não antes.
(2) Interpretação Corpuscular. Nesta interpretação, é usual
aceitar-se que as medições de posição são fidedignas: elas revelam o
valor da posição possuído pela partícula antes do processo de
medição. Além disso, logo após a medição a posição da partícula
permanece a mesma. No entanto, para explicar adequadamente
experimentos em que observáveis incompatíveis são medidos em
sucessão (Fig. VI.6), é preciso admitir que a medição de posição
provoca um distúrbio incontrolável e imprevisível no momento da
Figura VIJJ.2. Velocímetro
baseado no efeito Doppler.
54
33JORDAN,
(1934),
P.
"Quantenphysikalische Bernerkungen zur Biologie und
Psychologie", Erkenntnis 4,
215-252. Citação da p. 228 é
reproduzida
in
JAMMER
(1974), op. cit. (nota 3), p.
161.
Conceitos de Física Quântica
partícula (da mesma forma suposta por Heisenberg em sua derivação
semi-clássica do princípio de incerteza, que veremos na seção XI.4).
(3) Interpretação Dualista Realista . Segundo esta visão,
medições de posição são fidedignas, revelando o valor possuído antes
da medição. Tal medição provoca uma alteração rapidíssima na onda
associada, o que afeta o momento de maneira imprevisível (a alteração
na onda dependeria do estado microscópico do aparelho de medição, o
que nunca é conhecido pelo cientista).
(4) Interpretação da Complementaridade . Para uma
interpretação que tende a atribuir realidade apenas para o que é
observado, a rigor não faz sentido perguntar qual era a posição de um
objeto quântico antes da medição. Tal objeto só passaria a ter um valor
bem definido de posição (ou de outro observável) após ele ter
interagido com o aparelho de medição e o resultado x ter sido obtido .
Pascual Jordan (1934) exprimiu isso de maneira bastante radical: "nós
mesmos produzimos os resultados da medição" 33 . Niels Bohr, no
entanto, após 1935, acabou adotando implicitamente a retrodição, que
mencionamos na seção III.l. Neste caso, então, é plausível dizer, após
a detecção de um quanta em uma certa posição x 0 (tanto para
fenômenos corpusculares quanto ondulatórios), que a posição do
objeto quântico logo antes da medição era x 0 (mas antes da medição é
incorreto dizer que "ele tem uma posição bem definida, mas
desconhecida", pelas razões expostas na seção III.3) .
4. Experimento de Resultado Nulo
Consideremos de novo a situação na qual um único átomo
incide no aparelho de Stem-Gerlach, e na qual sabemos o instante t
no qual o átomo atingirá um dos detectores. Suponha porém que o
detector D 2 (da Fig. VI.4) tenha sido removido (Fig. VIII.3), e que
após o tempo t nenhu m sinal seja detectado em D 1 •
1
1
DETECTOR 0 1
Figura
VIJI.3.
Experimento de resultado nulo.
ÁTOMO
ÚNICO
----~-- - -
~:::::::::::::::~----------- -------
Capítulo VIII: Medições em Física Quântica
Podemos inferir com certeza que o átomo se encontra no canal
inferior, com momento angular bem definido fz = - 1h n. O vetor de
estado representando o estado do átomo sofreu uma redução,
sabemos agora qual é o valor do observável medido, mas nenhum
sinal foi detectado ! Este experimento de resultado nulo mostra
assim que é possível haver uma medição e uma redução de estado
(um "colapso", segundo a interpretação ondulatória) sem que um
detector dispare e sem que se produza um registro macroscópico do
sinal.
O aspecto peculiar deste tipo de medição foi apontado por
Mauritius Renninger 34 (1960). Segundo ele, um experimento de
resultado nulo seria um exemplo de medição na qual não ocorre
distúrbio no objeto, o que iria contra a tese do "distúrbio
interacional" da interpretação da complementaridade. Contra esta
conclusão, Heisenberg defendeu a posição ortodoxa apelando para a
"totalidade" do fenômeno , de maneira semelhante a que Bohr
respondera a EPR (conforme veremos adiante).
A visão de
Renninger é consistente com uma interpretação corpuscular. Por
outro lado, segundo a interpretação ondulatória, ocorre um tipo de
acoplamento entre objeto e detector (ou seja, haveria um tipo de
interação), apesar de o detector não disparar.
Mais recentemente, R.H. Dicke (1981) examinou em detalhes
outro exemplo de experimento de resultado nulo, envolvendo um
átomo dentro de uma caixa que está dividida em dois
compartimentos. Seu estado inicial é uma superposição de estados
bem localizados em cada um dos compartimentos. Irradia-se o
compartimento esquerdo com fótons; se nenhum espalhamento for
observado, ocorre um colapso do estado de posição do átomo para o
compartimento da direita, sem haver detecção de fótons! Um fato
paradoxal aqui é que este estado final (átomo mais fóton) tem mais
energia do que o estado inicial! Dicke mostra, contudo, que este
aumento é compensado pela diminuição de energia que ocorre
quando o fóton é espalhado, de forma que a energia média é
conservada.
Outro ponto importante salientado por Dicke envolve a
afirmação de Renninger de que "nenhuma interação" ocorre em um
experimento de resultado nulo. "Mostra-se em teoria de perturbação
da mais baixa ordem que esta redução da probabilidade de que o
átomo se encontre no lado esquerdo da caixa está associada a um
processo de espalhamento de segunda ordem. [... ] O processo de
espalhamento de segunda ordem é um no qual um fóton é primeiro
absorvido pelo átomo e depois emitido de volta no pacote de onda,
55
34RENNINGER, M. (1960),
"Messungen ohne Stõrung
des Messobjekts", Zeitschrift
für Physik 158, 417-21.
Experimentos de resultado
nulo já haviam sido concebidos antes de Renninger: ver
JAMMER, M. (1974), op.cit.
(nota 3), pp. 495-6.
56
35DICKE,
R.H.
(1981),
"Interaction-Free
Quantum
Measurements: A Paradox?",
American Journal of Physics
49, 925-30. DICKE, R.H.
(1986) , "On Observing the
Absence of an Atom",
Foundations of Physics 16,
107-113. Citação das pp. 10910.
Conceitos de Física Quântica
deixando o campo de fótons no estado original. [... ] A ausência de
um fóton espalhado não implica que uma 'interação' entre o pacote
de onda do fóton e o átomo não tenha ocorrido, pois o processo de
espalhamento ·de segunda ordem pode ser considerado uma
'interação' ." 35
Capítulo IX
0 PROBLEMA DA MEDIÇÃO
No Cap. VI examinamos a redução de estado descrita pelo
postulado da projeção, e sua interpretação enquanto "colapso" feita
por uma corrente da interpretação ondulatória. Porém, vários
defensores de uma interpretação ondulatória não aceitam a idéia de
que ocorram colapsos instantâneos, aleatórios e não-locais em
conseqüência de uma medição. O exemplo mais famoso destes foi o
próprio Schrõdinger. A saída para estes autores é tentar descrever o
colapso como um processo físico contínuo que envolveria objeto e
aparelho. Os problemas desta abordagem recebem o nome genérico
de problema da medição.
1. O Primeiro Problema da Medição: Caracterização
A sugestão de Heisenberg (seção VI.l) de que um colapso
ou redução de estado ocorreria com uma observação ou medição foi
amplamente aceita, mas o que constituiria exatamente essa medição?
A questão de como ocorre o colapso associado a uma medição pode
ser chamado o "problema geral da medição".
Ele pode ser reenunciado como a questão de como, durante
uma: medição, uma "superposição quântica" pode ser transformada
em estados que se comportam "classicamente", ou seja, não se
superpõem. A resposta que John von Neumann daria em 1932 é de
que esta perda de coerência é descrita pelo postulado da projeção,
que acompanha qualquer ato de observação.
Dois problemas se desdobram desta solução ao problema
geral da medição. O primeiro pode ser chamado de problema da
"caracterização". Sob que condições deve ser aplicado o postulado
da projeção, e se ele sempre acompanha uma medição, o que então
caracterizaria uma observação ou medição? É a presença de um
observador consciente? É a obtenção de um registro macroscópico?
É a amplificação? A interação do objeto com uma placa metálica? O
acoplamento com o ambiente? Qual etapa do processo de medição é
responsável pelo colapso? Pode ocorrer colapso sem medição? (Fig.
IX.1.)
Sabemos que o colapso não ocorre no estágio da a;iálise
(separação) de um feixe, pois é sempre possível recombinar o feixe e
observar interferência (seção VI.2). Será que a amplificação é
condição necessária para o colapso? Alguns autores sugeriram isso
nos anos 60, mas a possibilidade de se fazer um experimento de
57
Conceitos de Física Quântica
58
36Este
argumento
foi
formu lado por TAUSK, K.
(1966), "Relation of Measurement with Ergodicity,
Macroscopic Systems, Information and Conservation
Laws", lnternational Atomic
Energy
Agency
Interna!
Report 1411966, Trieste (ver
pp. 22-23), e também por
JAUCH, J.M.; WIGNER, E.P. &
YANASE,
M.M.
(1967),
"Some Comments concerning
Measurements in Quantum
Mechanics", 1l Nuovo Cimento 48 B, 144-51 (ver p . 150).
37LUDWIG,
G.
(1961) ,
"Gekiste
und
Ungekiste
Probleme des Messprozesses
in der Quantenmechanik, in
BOPP, F.
(org.), Werner
Heisenberg und die Physik
unserer
Zeit,
Vieweg,
Braunschweig, pp. 150-81. A
associação do colapso com as
placas detectoras é feita por:
MACHIDA, S. & NAMIKI, M.
(1980), "Theory of Measurement in Quantum Mechanics.
resultado nulo (seção VIII.4) inviabiliza esta proposta, pois neste
caso ocorre colapso sem amplificação de um sinal3 . A amplificação
poderia ser uma causa suficiente para o colapso, mas não é uma
causa necessária.
Talvez o colapso ocorra quando o objeto quântico interage
com um grande número de partículas, presentes por exemplo na
placa metálica durante uma detecção, ou talvez devido a uma
interação com o meio ambiente. Existem algumas propostas nesses
sentidos, mas nenhuma é ainda convincente. Ludwig (1961) sugeriu
que pequenas não-linearidades na equação de Schrbdinger poderiam
se tornar significativas durante a interação com os octilhões de
partículas do aparelho de medição 37 .
Uma das primeiras explicações para o colapso, conhecida
como abordagem subjetivista, afirma que o colapso seria causado
apenas quando o sistema quântico interagisse com a consciência do
observador38 . Apesar desta tese parecer exagerada, até hoje ninguém
conseguiu refutá-la com algum experimento-de-pensamento. Assim,
esta tese subjetivista é defensável, apesar de não ser muito plausível.
Outra explicação radical é a tese dos "estados relativos" de
Everett (1957) 39 , que postulou que o universo como um todo seria
descrito por uma uruca função de onda, que evoluiria
deterministicamente de acordo com a equação de Schrbdinger.
Quando um observador examina o resultado de um experimento de
Stern-Gerlach, por exemplo, sua consciência também entraria em
uma superposição, com um ramo associado ao resultado "spin para
cima", e o outro a "spin para baixo". Não ocorreria colapso! Haveria
uma ilusão de colapso apenas porque as memórias associadas a "spin
OBSERVAÇÃO
AMPLIFICAÇÃO
&F.'i• o o
;;...o"".""-...J o o
00
o
~
y--
y
~
DETECÇÃO
REGISTRO
Figura IX.!. Problema da Caracterização: em que estágio da medição ocorre o colapso? Na
detecção? Na amplificação (envolvendo uma fotomultiplicadora FM e um pré-ampl{ficador A)? No
registro no osciloscópio? Na observação consciente?
Capítulo IX: O Problema da Medição
para cima", por exemplo, não teriam acesso às memórias associadas
a "spin para baixo", apesar de coexistirem simultaneamente em
"mundos diferentes".
2. Criptodeterminismo e o Segundo Problema da Medição:
Completeza
O segundo problema que surge a partir de von Neumann tem
sido chamado de problema da "completeza " 40 . Poderia o postulado
da projeção ser explicado pelos outros princípios da Mecânica
Quântica e algum modelo físico apropriado para o processo de
medição? Esses "outros princípios" se resumiriam essencialmente à
equação de Schrõdinger, que descreve uma evolução determinista de
estados (seção VII.1), que se aplicaria para o sistema composto
consistindo do objeto quântico e do aparelho de medição (e qualquer
outro componente que fosse necessário, como o próprio ambiente).
Von Neumann 41 iniciou a última seção de seu famoso livro
considerando "uma possível explicação freqüentemente proposta
para o caráter estatístico do processo" de redução, que pode ser
chamado de tese do conhecimento limitado. De acordo com esta
tese, "o resultado de uma medição é indeterminado porque o estado
do observador antes da medição não é conhecido de maneira exata.
É concebível que tal mecanismo poderia funcionar, porque o estado
de informação do observador em relação ao seu próprio estado
poderia ter limitações absolutas , pelas leis da natureza."
Esta tese consistiria numa alternativa criptodeterminista para
a formulação usual da Mecânica Quântica. "Criptodeterminismo"
significa etimologicamente "determinismo escondido"42 . Segundo
este ponto de vista, as leis da natureza seriam deterministas. A
imprevisibilidade dos res?ltados de medições individuais seria fruto
do conhecimento incompleto que temos a respeito do estado inicial
de sistemas em interação com o objeto.
Se uma explicação criptodeterminista fosse possível, as leis da
Mecânica Quântica seriam "completas" sem a necessidade do
postulado da projeção. Após argumentar que a "tese do
conhecimento limitado" é plausível, von Neumann forneceu uma
prova de insolubilidade para o problema da completeza, ou seja,
mostrou que tal explicação não seria capaz de satisfazer uma certa
exigência de consistência para medições quânticas . Tal prova seria
retomada na década de 60 (Wigner, Fine etc.) sem considerar tal
exigência, como veremos mais tarde 43 .
59
I. II.", Prog ress in Theoretical Physics 63 , 1457-473,
1833-47. A associação com o
ambiente fo i sugerida por
ZUREK, W. H . (1982), "Emvironment-Induced
Superselection Rules'', Physical
Review D 26, 1862-80.
38LONDON, F. & BAUER, E.
La Théorie de
(1939),
l'Observation em Mécanique
Quantique, Hermann , Paris.
(Tradução para o inglês em
WHEELER & ZUREK, op. cit.,
nota 6 , pp. 217-59.) Outros
que
em
algum
autores
momento defenderam esta
posição incluem Wigner,
Jeans, Heitler, Eddington e o
biólogo Haldane.
39EVEREIT III, H. (1957),
"Relative State Formulation
of Quantum Mech anics",
Reviews of Modem Physics
29, 454-62, reimpresso em
WHEELER & ZUREK, op. cit. ,
nota 6, pp. 315 -23 .
Ver
discussão in JAMMER (1974) ,
op. cit. (nota 3 ), pp. 507-16, e
o influente artigo de DEWIIT,
B .S. (1970), "Quantum Mechanics and Reality", Physics
Today 23 (setembro) , 30-5 ,
de onde os gatos da Fig. IX.3
foram copiados. Os artigos de
Everett e DeWitt, assim como
a tese de doutorado de
Everett, estão na coletânea
DEWIIT, B. & GRAHAM,
(orgs .) (1973 ), The Many-
Worlds
lnterpretation of
Quantum Mechanics, Princeton University Press.
Conceitos de Física Quântica
60
40Este termo foi introduzido
por A. Fine. A "completeza"
neste caso é diferente do caso
do argumento de EPR (que
veremos na seção XXII.2).
Einstein, Podolsky & Rosen
argumentaram que a Mecânica Quântica seria incompleta
como um todo , o que incluiria
os seis postulados que resumimos na seção X.2, inclusive o postulado da projeção.
No contexto da presente
seção, a completeza se refere
aos cinco primeiros postulados da Mecânica Quântica,
excluindo-se o postulado da
projeção.
4l voN NEUMANN (1932), op.
cit. (nota 18), p. 438.
42Termo introduzido por
WHITTAKER, E.T. (1943),
"Chance,
Freewill
and
Necessity in the Scientific
Conception of the Universe",
Proceedings of the Physical
Society 55, 459-71.
43ver
JAMMER
(1974),
op.cit. (nota 3), pp. 476-7.
Duas provas de insolubilidade importantes foram dadas
por: WIGNER, E.P (1963),
"The Problem of Measurement", American Journal of
Physics 31 , 6-15 , reproduzido
em WHEELER & ZUREK
(1983), op. cit. (nota 6), pp.
324-41. FINE, A.I. (1970),
"Insolubility of the Quantum
Problem",
Measurement
Physical Review D 2, 2783-7.
Figura IX.2: Paradoxo do
laboratório fechado.
O estatuto dos dois problemas da medição apresentados é
diferente. O problema da caracterização requer uma resposta ·
positiva, enquanto que o problema da completeza pode bem ser
respondido com uma negação ou ser mostrado ser "insolúvel". As
questões porém não são independentes: se o problema da completeza
obtiver uma resposta positiva, então o problema da caracterização
também terá sido resolvido.
3. O Paradoxo do Laboratório Fechado
Vimos na seção VII.1 que um sistema "fechado " evolui de
maneira linear, contínua, reversível e determinista, de acordo com a
equação de Schrõdinger. Porém, durante uma medição, o sistema
em questão deixa de estar fechado, já que informação é passada para
o aparelho de medição. O colapso que acompanha a medição é
descrita pelo po tulado da projeção de von Neumann, que descreve
uma evolução de estados que se dá de maneira não-linear,
praticamente instantânea e descontínua, irreversível e não determinista. Esses dois tipos de evolução temporal são opostos, e
em certas situações parecem contraditórios.
Imagine um si tema fechado composto pelo objeto
microscópico, pelo aparelho de medição, pelo cientista e pelo
laboratório que os cerca (Fig. IX.2). Sendo um sistema fechado, ele
deve evoluir como um todo de maneira determinista e co ntínua. No
entanto, o cientista está fazendo medições, e portanto estão
ocorrendo colapsos e tran ições indetermi nistas . Como é possível
que um sistema evoluindo determinista e continuamente também
tenha transições abruptas e aleatórias? Esta situação aparentemente
contraditória é uma formulação possível do problema da medição.
Capítulo IX: O Problema da Medição
A contradição que acabamos de exibir se baseia em duas
suposições: (1) um estado quântico pode ser atribuído ao aparelho
de medição macroscópico; (2) o sistema quântico composto (objeto e
aparelho) pode ser considerado fechado em relação ao meio
ambiente, evoluindo assim de maneira "unitária" (ou seja, linear,
contínua etc.). Sob essas condições, o problema da medição é a
questão de como conciliar a transição indeterminista de estados do
objeto, que ocorre durante uma medição, com a evolução
determinista do estado composto pelo objeto e aparelho de medição.
A primeira suposição viola o que chamaremos a tese da
"linguagem clássica" da interpretação da complementaridade (seção
XIIl.2), segundo a qual o aparelho de medição tem que ser tratado de
maneira clássica, e não quântica. Assim, esse enunciado do problema
da medição não se coloca nesta interpretação. Quanto à segunda
suposição, ela não é satisfeita na prática, e talvez não seja nem em
princípio: argumenta-se que um corpo macroscópico nunca pode ser
completamente isolado do ambiente (por exemplo, da radiação de
fundo do universo). A rejeição da suposição (2) constitui a base de
uma das "soluções" propostas ao problema da medição, como
veremos no final do livro.
4. O Gato de Schrõdinger
Em um estudo do argumento de Einstein, Podolsky & Rosen
(cap. XXII) em favor da incompleteza da teoria quântica, Schrõdinger44 apresentou seu experimento-de-pensamento do "paradoxo
do gato", que é a formulação mais famosa do que chamamos
problema da caracterização. Um gato é fechado dentro de uma
câmara de aço junto com um pouquinho de uma substância
radioativa, que tem uma probabilidade Y2 de acionar um detector,
dentro de um certo intervalo de tempo (Fig. IX.3). Ligado a este
detector há um "dispositivo diabólico" que funcionava de tal
maneira que se o detector fosse disparado, o gato seria morto,
enquanto que ele permaneceria vivo se nenhuma radiação fosse
detectada no intervalo de tempo. A Mecânica Quântica descreve o
estado do átomo radioativo como uma superposição de estados de
emissão e de não-emissão 45 . Qual seria o estado do sistema macroscópico como um todo ao final do intervalo de tempo?
Nos anos 30 a visão "subjetivista" (mencionada na seção
IX. l), que defende que o colapso só ocorre quando um ser
consciente observa o objeto quântico, era bastante difundida. De
acordo com esta visão, o estado final no experimento-de-pensamento
de Schrõdinger seria uma superposição de gato vivo e morto,
61
44srnRôoINGER, E. (1935),
"Die gegenwartige Situation
in der Quantenmechanik",
Die Naturwissenschaften 23,
807-812, 823-828, 844-849.
Tradução em inglês: "The
Present Situation in Quantum
Mechanics. A Translation of
Schrodinger's 'Cat Paradox'
Paper", in WHEELER &
ZUREK (1983), op.cit. (nota
6), pp. 152-167. Ver pp. 1567.
45voltaremos a falar de
superpos1çoes deste tipo ao
estudarmos o efeito Zenão
quântico, na seção XIII.4. O
exemplo dado por Schrodinger poderia ser simplificado considerando-se probabilidades que não dependam
da escolha de um intervalo de
tempo, o que facilitaria a
compreensão do paradoxo do
gato.
62
Conceitos de Física Quântica
Figura IX.3. Paradoxo do
gato de Schrodinger.
enquanto nenhuma ob ervação fosse feita. Somente quando um ser
consciente abrisse a caixa e observasse o gato é que ocorreria um
colapso do estado, ou para garo vivo ou para gato morto. Esta
solução porém soa absurda, já que nossa noção intuitiva de um
objeto clássico é que ele não existe em tais superposições e que seu
estado macroscópico não é afetado pelo ato de observação .
Schrodinger elaborou eu experimento-de-pensamento como
um argumento para a incompleteza da Mecânica Quântica.
Schrodinger tinha a esperança de que tais "antinomias de
emaranhamento" poderiam ser resolvidas definindo-se de maneira
apropriada um operador de tempo (que estudaremos na seção XII.2).
Capítulo X
BASE FORMAL DA TEORIA QUÂNTICA
1. Estrutura Geral da Teoria Quântica
Neste capítulo faremos um resumo do formalismo da Teoria
Quântica.
Para começar, apresentamos nesta seção um esboço da
estrutura geral da teoria, representado na Fig. X.1. A primeira coisa
a ser notada é que esta estrutura exibe uma interessante simetria
entre sistema quântico (representado pelo estado l lf!), no lado
esquerdo) e observável quântico (representado pelo operador Q , no
lado direito). Note que ambos são necessários para que as
probabilidades de resultados experimentais possam ser calculadas.
Mais à direita, na figura, representam-se diferentes níveis
"epistemológicos"46 . A divisão básica aqui é entre teoria e realidade,
que também apresentam uma simetria (a teoria procura espelhar a
realidade). Mais em baixo no diagrama representa-se a realidade
física, que em um experimento envolve: (i) a preparação do objeto
quântico (por exemplo, a preparação de elétrons em um forno) e de
seu estado (seleção da energia, do estado de spin etc.); (ii) o arranjo
do aparelho de medição (que determina o observável sendo
medido). Em um experimento tipicamente quântico, podem-se obter
resultados individuais para cada objeto quântico, resultados estes que
fazem parte de uma classe de resultados possíveis, e que podem ser
coligidos para que se determinem freqüências relativas. Estes
resultados experimentais formam a chamada "base empírica" a ser
explicada pela teoria.
Acima da realidade paira a teoria (pelo menos é assim no
diagrama). Os conceitos da teoria que correspondem mais
diretamente à base empmca são chamados de "conceitos
observacionais". Os conceitos mais abstratos são chamados de
"conceitos teóricos". Na parte de cima da figura temos dois deles:
sistema quântico e observável quântico. Escolhe-se uma
representação matemática, como o espaço vetorial complexo (o
espaço de Hilbert), e nela se definem os conceitos de estado e
operador.
A ponte entre teoria e realidade é feita através das chamadas
"regras de correspondência'', que ligam conceitos observacionais e a
base empírica. De maneira simplista e figurada, podemos dizer o
seguinte: a filosofia-da-ciência empirista (ou positivista) considera
que essas regras de correspondência são os únicos pontos de contato
63
46 A estrutura de teoria científica exibida na Fig. X. l é o
chamado " modelo do bolo de
camadas", proposto pelos
herdeiros
do
pos1t1v1smo
lógico na década de 50. Ver
FEIGL, H. (1970), "The
'orthodox' view of theories:
remarks in defense as well as
critique", in RADNER, M . &
WINOKUR, S. (orgs.), Analyses of Theories and Methods
of Physics and Psychology
(Minnesota Studies in the
Philosophy of Science IV),
University
of Minnesota
Press, Minneapolis, pp. 3-16.
Uma limitação desta abordagem é que pouco foi feito
para explicar como as estruturas de teorias científicas se
desenvolvem com o passar do
tempo.
Conceitos de Física Quântica
64
entre teoria e realidade. Já uma filosofia-da-ciência realista
considera que os conceitos teóricos também estão ligados
diretamente ("referem-se") à realidade (ou seja, a uma parte não
observável da realidade). É justamente esta ligação entre conceitos
teóricos e realidade que chamamos a interpretação da teoria. As
regras de correspondência seriam uma forma básica de interpretação
com a qual todos concordam, e estaria incorporada ao formalismo
mínimo da teoria. Já as "interpretações" propriamente ditas seriam
adicionadas por diferentes cientistas, podendo variar de cientista
para cientista, sem com isso modificar as previsões da teoria.
Sistema
Quântico
Observável
Quântico
Espaço Vetorial
Complexo
Leis Gerais
Conceitos
Teóricos
Mod. Quad.
do Prod. Esc.
1 (1JI
Autovalores
l11r>Iº
Conceitos
Observacionais
q,
TEORIA
REALIDADE
Freqüências
Relativas
'
~---~\
\
Base Empírica
Resultados
Individuais
Preparação do
Objeto Quântico
e do Estado
Arranjo do
Aparelho
de Medição
Figura X.l: Esquema da estrutura da Teoria Quântica.
Capítulo X: Base Formal da Teoria Quântica
Os conceitos observacionais são relacionados através de "leis
empíricas''. Já os princípios da Teoria Quântica envolvem "leis
gerais" que relacionam conceitos teóricos ou leis empíricas. Há dois
tipos de leis que regem a transformação de um sistema quântico. A
lei de evolução temporal é a equação dinâmica que rege um sistema
"fechado" (seção VII. l), enquanto nenhuma medição esteja sendo
feita. O exemplo mais famoso desta lei é a equação de Schrõdinger,
que rege a evolução temporal de estados (flecha ondulada para a
esquerda), enquanto que os operadores não se alteram. Porém, é
possível considerar que os operadores evoluem no tempo, enquanto
que o estado não se altera (enquanto não ocorra uma medição): é a
chamada "representação de Heisenberg" (flecha ondulada para a
direita).
A outra lei que descreve a transformação do sistema é o
postulado da projeção (seção V.4), que se aplica apenas para o ato da
medição. Após uma medição, conforme o resultado individual
obtido (resultado este que em geral é imprevisível), calcula-se com
este postulado o novo estado do sistema (não há versão da Mecânica
Quântica para a qual os operadores se alterem com o postulado da
projeção).
Terminando nossa análise da Fig. X. l, mencionemos apenas
que a partir do operador podem-se calcular autovalores e
autoestados. Os primeiros correspondem aos resultados possíveis de
2
uma medição, ao passo que l(l/fll/1;)1 (o modulo quadrado do produto
escalar de cada autoestado com o estado do sistema) corresponde às
freqüências relativas obtidas no laboratório, para cada resultado
possível. Ao identificarmos 1( l/f l l/f; )12 com a probabilidade de cada
resultado (a regra de Dom), podemos estar adicionando sutilmente
uma interpretação à Teoria Quântica, dependendo de como
47
definimos o termo "probabilidade".
2. Revisão dos Postulados da Mecânica Quântica
Vamos agora rever os postulados ou regras básicas da
Mecânica Quântica não-relativística48 , que já apareceram no cap. IV
e nas seções V.3, V.4 e VII.1. Limitaremo-nos a espaços de Hilbert
de dimensão finita (com exceção da seção X.4 ), sendo que maiores
detalhes podem ser obtidos a partir da axiomatização original de von ·
Neumann ou em algum texto mais moderno como Jauch ou Isham49 .
Além dos seis postulados seguintes, introduziremos um sétimo na
seção XIV.2, para partículas indistinguíveis.
47 O estudo das diferentes
interpretações de "probabilidade" é um tema importante
da filosofia da ciência. Uma
introdução
sucinta,
com
referências adicionais, se
encontra nas pgs. 228-42 do
artigo de HOME, D. &
WHITAKER, M.A.B. (1992),
"Ensemble Interpretations of
Quantum
Mechanics:
A
Modem Perspective", Physics
Reports 210, 224-317.
48 A primeira axiomatização
foi feita por VON NEUMANN
(1932), op.cit. (nota 20).
Aqui, seguimos D'ESPAGNAT,
B . (1976), Conceptual Foun-
dations of Quantum Mechanics, 2g edição, Benjamin,
Reading (EUA), pp. 14-20; e
COHEN-TANNOUDJI et al.
( 1977), op. cit. (nota 26), pp.
162-3, 2 13-25.
49JAUCH,
J.M .
(1968),
Foundations of Quantum
Mechanics, Addison-Wesley,
Reading (EUA). lSHAM, C.J.
(1995), Lectures on Quantum
Theory, Imperial College
Press, Londres.
Conceitos de Física Quântica
66
Postulados de Definição:
POSTULADO Pl: Em um instante fixo t0 , o estado de um sistema
físico fechado é definido por um vetor de estado
normalizado llJ!Cto)) em um espaço de Hilbert H.
COROLÁRIO Pl.1 (Princípio de Superposição): Uma combinação
linear de vetores de estado é um vetor de estado (já que H
é um espaço vetorial).
POSTULADO Pl.2:
Dois sistemas não-idênticos e nãointeragentes, descritos individualmente por l IJI 1 ) e l IJI 2 ),
podem ser representados por um vetor de estado composto
l lJI 1) ® l IJI 2) definido em H1 ® H2.
POSTULADO P2:
Toda grandeza física mensurável
("observável") Q é descrita por um operador autoadjunto Q agindo em H.
Os postulados acima fornecem uma interpretação física para
as entidades matemáticas da teoria. O postulado Pl se aplica tanto
para um sistema individual, como uma partícula, quanto para uma
coleção de sistemas que estão no mesmo estado puro. Para a
definição de "auto-adjunto", ver seção IV.5.
Evolução Linear:
POSTULADO P3: A evolução temporal do vetor de estado llJl(t0 ))
é linear e determinista, sendo regida pela equação de
Schrõdinger dependente do tempo:
(X.l)
d
~
in- llJl(t)) = H (t) llJl(t) ) ,
dt
onde o hamiltoniano H (t)
é o operador auto-adjunto
associado à energia total do sistema.
Algoritmo Estatístico:
POSTULADO P4: O único resultado possível para a medição de
um observável Q é um dos autovalores q; do operador
correspondente Q .
Capítulo X: Base Formal da Teoria Quântica
Muitas vezes, por economia de notação, falaremos em
"medição de um operador Q", o que ~ignificará "medição do
observável Q correspondente ao operador Q ".
POSTULADO PS (Decomposição Espectral): Quando o
observável Q é medido em um sistema no estado
normalizado llJI ), a probabilidade Prob(q;) de se obter o
autovalor de ~espectro discreto qi do operador
correspondente Q é:
(X.2)
onde é llJ!i) é o auto-estado associado ao autovalor q; de Q.
O caso "degenerado" ocorre quando há estados llJI u) que são
auto-estados de dois operadores Q e S que comutam: [ Q,S] = O,
onde [ Q, S] Q S - S Q . Tal estado degenerado pode sempre ser
reescrito como um produto tensorial 11/J;) @ IÇj ), onde os 11/J;) são os
auto-estados de Q, e IÇj) os auto-estados de S, com autovalores si.
Neste caso, Prob(q;) é obtido somando-se Prob(qi, si) para todos os
valores de j:
=
(X.2a)
= L l(l/fu /l/f)i- .
j
Prob(q;)
'
J=I
O valor médio de um operador Q para um estado
normalizado 11/f) é a média estatística dos autovalores resultantes, e é
dado por:
(X.3)
2
(6) = (1J1 IQ11/f/ = L 1(l/f;11/f/ 1 = L Prob (q; ) ·q;
I
50COHEN-T ANNOUDJI
A evolução do valor médio
!!___
dt
(6)(tl segue de P3
(6) = ~
( [Q, H(t l] ) + ( JQ \ .
zn
01 j
50
:
et al.
(1977), op. cit. (nota 26), pp.
240-1, 247.
(X.4)
68
Conceitos de Física Quântica
Uma "grandeza conservada" ou constante de movimento é defi nida
como um operador que não depende explicitamente do tempo,
JQ/J t = O, equecomutacomohamiltoniano: [Q ,H(t) ] = O.
Postulado da Projeção:
POSTULADO P6: Se a medição de um observável Q em um
sistema no estado llf/) fornece o resultado q;, então o
estado do sistema imediatamente após a medição é a
projeção normalizada de llf/) no autosubespaço associado
a q;.
3. Projetores e o Teorema Espectral
Considere que um sistema quântico se encontre no seguinte
estado:
(X.5)
onde os vetores normalizados lef>;) são os autoestados de um operador
Q associados a autovalores '}'; (ver eq.IV.5):
(X.6)
Qual é a probabilidade de medir o observável associado a Q e obter
o autovalor Y; ? Pelo algoritmo estatístico (eq. X.2), sabemos que é
Ja;l2• Seria possível obter este mesmo resultado calculando-se o
valor médio (eq. X.3) de algum operador?
A resposta é sim. O operador cujo valor médio é uma
probabilidade chama-se projetor, e ele se escreve da seguinte forma:
(X.7)
A ação do projetor P[<A ] sobre o vetor de estado llf/) é projetá-lo
sobre
l<M (ver Fig. V.3). Em notação matemática, temos:
P[<A] j lf!) = a; · </J;) . Assim, é possível verificar que:
J
Capítulo X: Base Formal da Teoria Quântica
69
(X.8)
Um projetor P[<f>; J é um observável (ver postulado P2), cujos
autoestados associados são os 14>1), com autovalores 8u (ou seja, 1 se
i=j, e O se i7:j).
Uma comparação entre as eqs.(X.3) e (X.8) sugere que é
possível escrever qualquer operador Q em termos de projetores.
Este resultado, o qual voo Neumann trabalhou muito para provar no
caso de espectros contínuos, chama-se teorema espectral:
(X.9)
Com isso, fica fácil escrever qual é o operador que tem { 14>;)} como
autoestados e y; como autovalores.
4. Operadores de Momento e Posição*
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
Os postulados vistos também se aplicam a grandezas contínuas
como posição e momento. Considere o espaço de Hilbert de dimensão
infinita Hr contendo todos os vetores de estado possíveis l'P(r))
para uma partícula. Tomemos a base de autovetores de posição
{ 1 r') }, d~finidos para cada autovalor de posição r
por meio do
operador R :
I
r · 1r-') .
-1
(X. 10)
Um vetor genérico l'P( r) ) pode então ser escrito como uma
superposição de 1 r ') , que no caso de variáveis contínuas se faz por
meio de uma integral (ao invés da somatória):
l'P(r)) =
f dr' 'P(r) Ir')
Os coeficientes desta superposição contínua são expressos pela função
'P(r) , e constituem a "função de onda" introduzida por Schrodinger.
(X.11)
Conceitos de Física Quântica
70
Tal função tem que ser "quadrado integrável", ou seja, deve ser tal que
a seguinte integral converge:
J l'I'( r) 2 dr .
1
Se quisermos répresentar o autovetor 1r) na base { 1 r')} ,
podemos usar a eq.(X.11) substituindo 'I'(r') pela função delta de
Dirac Ô(r - r' ). Tal função, porém, não é quadrado integrável, o que
significa que os vetores jr') não pertencem a HI A abordagem usual
Slver JAUCH (1968), op.cit.
(nota 48), pp. 62-3.
é pois a de "estender o domínio de definição" dos operadores de H1
51
de forma a incluir tais "autofunções" .
É possível estender o domínio de definição de H1 de forma a
construir a base { 1 p') } de auto vetores do operador momento P , de
maneira que:
(X.12)
O vetor genérico expresso na eq.(X.11) pode então ser escrito
como:
l'I'(r)) = fdiJ''I'(,õ')liJ'),
(X.13)
onde os coeficientes 'I'( p) são a transformada de Fourier de 'I'( r) .
Se quiséssemos representar 1,õ) na base {I ,õ')} , obteríamos
novamente uma função delta de Dirac 8 ( p - p') . Mais interessante,
porém, seria representar 1 P) na base { 1r')}. Neste caso obteríamos:
liJ) =
(X.14)
onde
f dr'(r'liJ)lr') ,
(r'j ,õ)
é a função de onda representando uma onda plana de momento p .
Comparando as eqs. (X.11) e (X.14), notamos que uma função de
onda genérica 'I'( r) pode também ser escrita como o produto escalar
(rl'I'(r'l).
Capítulo X: Base Formal da Teoria Quântica
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
5. Relações de Incerteza para Operadores*
Os operadores de posição
Restringindo-nos ao eixo x, temos:
e momento
71
não comutam.
(X. 15)
O desvio padrão i1Q de um operador genérico Q é definido da
seguinte maneira (onde o valor médio é dado pela eq. X.3):
(X.16)
,0.Q
A partir das duas equações precedentes e da desigualdade
triangular, deriva-se a relação de incerteza para operadores
(Kennard, julho, 1927):
tz
2'. -
(X.17)
2
Para generalizar esta relação para outros observáveis, como
componentes de spin, Robertson (1929) obteve a seguinte expressão:
(X.1 8)
Esta relação é sempre verdadeira e é aceita por muitos como
definitiva, mas ela tem problemas porque o lado direito depende
explicitamente do estado l ltf ). Por exemplo, se tal estado for um
autoestado do operador A , os dois lados da relação (X.18) se
anulam ( M =O ), e a desigualdade deixa de dar um limite inferior
para Af3 .s2
52UFFINK, J.B .M. (1990),
Measures of Uncertainty and
the Uncertainty Principie,
Rijksuniversiteit,
Utrecht
(Holanda) [cópia no CLEUnicamp], p . 108.
Capítulo XI
PRINCÍPIO DE INCERTEZA
1. Princípio de Indeterminação na Física Clássica de Ondas
Na seção I.5 mencionamos que muitos fenômenos
tipicamente quânticos podem ser entendidos como efeitos da Física
Ondulatória Clássica no regime de baixas intensidades, quando
aspectos corpusculares tornam-se importantes . O "princípio de
53
incerteza" é um exemplo disto. Na Física Clássica de Ondas, podese definir uma onda contínua de comprimento de onda À bem
definido - ou, para facilitar, número de onda k' = l!À bem definido-,
mas neste caso não se pode associar nenhuma posição x à onda (Fig.
XI.2a). Por outro lado, é possível descrever um pulso mais ou
menos bem localizado superpondo-se ondas contínuas de números
de onda próximos, formando um "pacote de onda" no espaço de
posições x (Fig. XI.2b). Nota-se que o pulso exibe ao mesmo tempo
54
uma resolução espacial 8x e uma largura de banda ok' apreciáveis.
Enfim, é possível tornar o pulso cada vez mais bem localizado em
torno de um valor bem definido de x, superpondo-se ondas contínuas
de uma faixa cada vez mais larga de valores de k' (Fig. XI.2c).
Essas considerações sugerem que quanto menor for a
resolução espacial 8.x, maior será a largura de banda ok' do pacote de
onda. De fato , mostra-se que essas indeterminações obedecem a
relação 8x·8k' "" l/(4n). · Analogamente, para o instante t em que um
pulso clássico passa por um ponto e para sua freqüência v, temos
Ot·Õv "" l/(4n). Como quaisquer ruídos adicionais (ondas com fases
aleatórias) só aumentam os produtos 8x·ok' e 8t·8v, podemos
escrever desigualdades:
8x·8k' ?'. l/(4n) ,
Ôf·ÔV ?'. l/(4n) .
53 A disti nção entre indeterminação e incerteza fi cará
clara na seção seguinte.
Indeterminação refere-se a
uma indefinição intrínseca do
objeto, ao passo que incerteza
refere-se a uma ignorância do
observador com relação a
uma propriedade bem definida do objeto.
54 Adotamos a distinção que é
usualmente feita entre resolução, precisão e acurácia. A
precisão é definida, para
várias repetições da mesma
medição, como a proximidade média dos vários resul-
(XI.l)
2. O Princípio Quântico de Incerteza segundo as Diferentes
Interpretações
A extensão dessas relações (XI.l) para o regime quântico
pode ser feita simplesmente usando as eqs.(I.1), E = hv e p = h/À
h·k' . As seguintes relações de incerteza, derivadas pela primeira vez
por Heisenberg em março de 1927, colocam um limite inferior para
o produto das indeterminações:
=
73
RESO LUÇÃO
Figura Xl.l: Fatores de
qualidade
de
medições,
exemplificados num jogo de
tiro ao alvo.
74
tados a um valor médio,
sendo expresso formalmente
como o inverso do desvio
padrão. A acurácia é a proximidade do valor médio dos
vários resultados a um valor
tido como verdadeiro. A
resolução corresponde ao
menor intervalo da grandeza
sendo medida que pode ser
discernido pelo aparelho de
medição. Dois fatores limitam a resolução: a indeterminação intrínseca do sinal, e
o espaçamento mínimo dos
detectores (por exemplo, o
espaçamento entre os cristais
de prata em uma emulsão
fotográfica).
Ver
por
exemplo: STERN, J. (1976):
"Measurement,
Principies
and Instruments of', in The
New Encyclopcedia Britannica, Macropcedia, vol. 11,
15ª ed., Chicago, 728-33.
Conceitos de Física Quântica
(XI.2)
8t-8E ~ h/2.
(XI.3)
Pares de grandezas como posição x e (componente x do) momento
P.n ou como tempo te energia E, são ditos incompatíveis.
O que significam estas relações? Concentremo-nos na relação
envolvendo posição e momento, que para partículas com massa,
como o elétron (para as quais p = m V), envolve as grandezas posição
e velocidade. ovamente temos que considerar cada interpretação
separadamente.
(1) Interpretação Ondulatória. A tribuindo uma realidade
apenas para o pacote de onda (sem postular a existência de partículas
pontuais), 8x mede a extensão do pacote, indicando que a posição x
do objeto quântico é indeterminada ou mal definida por uma
quantidade 8x. As eqs.(XI.2 e 3) exprimem assim um princípio de
indeterminação: se x for bem definido, Px é mal definido, e viceversa.
(a)
0°(\(\
\JV\/
Figura XI.2. A amplitude
de qualquer onda pode ser
descrita no espaço dos x
ou no espaço dos k '.
Nota-se porém que quanto
maior 8x, menor o 8k', e
vice-versa.
ox
(b)
X
r---~----
k'
8k'
~~-~-k'
1
(c)
F
,____
- k'
(2) Interpretação Dualista Realista. Segundo esta visão, a
partícula tem sempre x e Px bem definidos simultaneamente, só que
tais valores são desconhecidos. Se medirmos x com boa resolução,
temos necessariamente uma incerteza ou desconhecimento grande
para Px• pois a medição de x por um aparelho macroscópico provoca
um distúrbio incontrolável no valor de Px·
Capítulo XI: Princípio de Incerteza
75
(3) Interpretação Dualista Positivista. Vimos que é impossível um fenômeno ser (100%) corpuscular e (100%) ondulatório ao
mesmo tempo. De maneira Análoga, é impossível Medir
simultaneamente x e Px com resoluções menores do que 8x e Ôpx
dados pela eq.(XI.2).
Esta tese parece correta, . conforme
examinaremos nas seções seguintes, apesar de a interpretação 4 (a
seguir) negá-la.
(4) Interpretação Corpuscular. Alguns proponentes da
interpretação dos coletivos estatísticos, apresentada nas seções IV .3
e VI.5, afirmam que é possível medir simultaneamente x e Px, com
boa resolução. O que ocorreria é que se prepararmos o mesmo estado
quântico llf/ ) várias vezes, e medirmos x e Px para cada preparação,
obteremos valores que variam de uma medição para outra. Ao
colocar estes valores em um histograma de x e Px, obter-se-ão os
desvios padrões Lli e l:J.px (Fig. XI.3). Assim, o princípio de
incerteza seria exclusivamente uma tese estatística, ao contrário do
que afirmam as outras interpretações, que também aplicam este
princípio para casos individuais. A eq.(XI.2) não seria válida, mas
sim a eq.(X.17).
!J.Px
1--1
X
Px
O argumento original de Heisenberg para justificar as relações
de incerteza, por meio de um microscópio de raios gama, pode ser
enquadrado na interpretação 2 (sendo porisso às vezes chamado de
argumento "semi-clássico"), já que ele supõe que um elétron tem
posição e momento bem definidos, só que um deles é desconhecido.
No entanto, veremos na seção XI.4 como seu argumento se encaixa
na interpretação 3 ao fazer uso de um "postulado positivista".
Figura XI.3. Freqüências
relativas (n!!. de contagens)
de uma coleção de medições simultâneas de x e Px·
cujos
desvios
padrão
satisfazem o princípio de
incerteza.
76
Conceitos de Física Quântica
3. Origens do Princípio de Incerteza
55Dirac,
citado
dezembro
por
JAMMER,
1926,
M.
(1966):
The
Conceptual
Development of Quantum
McGraw-Hill,
Mechanics,
Nova Iorque, p. 326. Ver
também a citação de Jordan.
56citado em HENDRY, J.
(1984): The Creation of
Quantum Mechanics and the
Bohr-Pauli Dialogue, Reide!,
Dordrecht, p. 111.
57HEISENBERG (1927), op.cit.
(nota 22), p. 64.
Com o estabelecimento da "teoria da transformação", no final
de 1926, Dirac pôde perceber que "não se pode responder a qualquer
pergunta da teoria quântica que se refira aos valores numéricos para
ambos os q e os p"55 •
Heisenberg e Pauli também chegaram a semelhante conclusão
em outubro de 1926. Em carta daquele para Pauli: "Eu gostaria de
acreditar que tuas ondas-p possuem tanta realidade física quanto as
ondas-q; apenas, naturalmente, não tanto significado prático. Mas
tenho muita simpatia pela equivalência em princípio entre p e q.
Assim, a equação pq - qp = hi sempre conesponde na apresentação
ondulatória ao fato de que é impossível falar de uma onda
monocromática em um ponto fixo do tempo (ou em um intervalo
muito curto de tempo). Mas se a linha for feita menos aguda, o
intervalo de tempo menos curto, então na verdade aquilo tem
sentido. Analogamente, não tem sentido falar na posição de uma
partícula com velocidade fixa. Mas se uma posição e velocidade
menos acuradas forem aceitas, então aquilo de fato tem sentido."56
Em fevereiro de 1927 Heisenberg, que estava agora em
Copenhague, aproveitou uma viagem de Bohr para a Noruega para
retornar ao problema, refletindo sobre como dar conta das trajetórias
lineares de partículas em uma câmara de nuvem de Wilson, o que
não era explicado nem pela mecânica matricial nem pela ondulatória.
Adotou então novamente uma postura operacionalista, para a qual
"se alguém quiser e clarecer o que significa 'a posição de um
objeto', como por exemplo de um elétron, então ele tem que
descrever um experimento no qual a 'posição do elétron' pode ser
medida; caso contrário, este termo não tem sentido algum" 57 . Ao
final de março terminou o seu artigo, após consultas a Pauli e Bohr,
no qual apresentou suas "relações de incerteza".
Partindo de urna função de onda 'f'(x) com uma forma
gaussiana, que exprime uma incerteza nas coordenadas da ordem de
8x, Heisenberg aplicou a transformada de Fourier (ver eq.X.13) e
obteve a função de onda 'I'( p) no espaço dos momentos, que resulta
ser também uma gaussiana com incerteza 8p. Obteve então a relação:
8x·8p - n. Este resultado foi visto como "uma interpretação física
direta da equação pq - qp = -ih." Mas o que significam na prática as
indeterminações 8x e 8p, para Heisenberg? Esclareceremos esta
questão examinando o microscópio de raios y, na próxima seção.
Capítulo XI: Princípio de Incerteza
77
Antes, porém, devemos distinguir entre o "princípio" de
incerteza e as "relações" de incerteza. O princípio, que se aplica a
grandezas não compatíveis entre si (representados por operadores
que não comutam, como posição e momento), exprime o fato de que
uma maior previsibilidade nos resultados da medição de um dos
observáveis implica uma diminuição na previsibilidade do outro.
Uma relação de incerteza é qualquer relação matemática que
exprima quantitativamente o princ1p10. Já vimos, na seção X.5,
algumas das várias relações possíveis para um par de observáveis
incompatíveis.
4. O Microscópio de Raios y
Para esclarecer o significado operacional da relação de
indeterminação para posição e momento, Heisenberg apresentou um
experimento-de-pensamento, o microscópio de raios y (gama), para
mostrar que o produto das indeterminações de medições de posição e
momento em uma situação experimental possui de fato o limite inferior
de h. Consideremos sua discussão apresentada nas palestras de Chicago
58
de 1930 , que incorpora algumas sugestões de Bohr, e que ilustramos
na Fig. XI.4.
O microscópio é utilizado para medir a posição x de um
elétron, e supõe-se que ele está inicialmente com momento Px = O. A
medição é feita iluminando-se o elétron com uma frente de ondas
planas que incide paralelamente ao plano do objeto. Finalmente, um
fóton é espalhado pelo elétron, atravessa a lente do microscópio e
incide no plano de imagem na posição x' . A partir da observação
macroscópica de x' , infere-se x. No entanto, pela teoria de difração
óptica clássica, mesmo que a luz espalhada venha de um ponto bem
definido, a sua imagem será levemente borrada. Inversamente, se um
ponto bem definido se formar em x', no plano de imagem, pode-se
inferir x apenas dentro do "poder de resolução" da lente, que é dado
por õx = À/(2 sen E) , onde À é o comprimento de onda da luz
espalhada e 2E é o ângulo subentendido pela lente a partir do objeto.
Neste caso, a indeterminação õx é a resolução da medição de x.
A resolução ÕX pode ser diminuída o quanto se quiser
diminuindo-se o comprimento de onda, o que ocorreria no limite de
raios y. No entanto, o que ocorreria com o momento do elétron, que
inicialmente era zero? Como o raio y ricocheteia no elétron, este teria
uma alteração em seu momento (dado pelo efeito Compton, regido
pela conservação de momento linear). Porém, não sabemos qual é o
valor dessa alteração, porque não sabemos exatamente qual é o
momento do fóton espalhado. Sabemos que o fóton foi espalhado
58Publicadas em: HEISENBERG, w. (1930), op. cit.
(nota 32). Nossa apresentação segue JAMMER (1974),
op.cit. (nota 3), pp. 64-65.
Uma versão mais moderna,
que vale a pena ser
consultada, é apresentada por
BRAGINSKY
&
KHALILI
(1992), op. cit. (nota 7), pp.
8-10.
78
Conceitos de Física Quântica
no ângulo 2E, e supondo que a alteração na energia do fóton é
desprezível, temos uma incerteza da ordem de 2(h/À)sen E no
momento do fóton na direção x, que é então a incerteza (ou
imprevisibilidade) Ôpx do momento final do elétron. O produto
ÔX·Ôpx satisfaz a eq.(XI.2).
Lente
Fina
Figura Xl.4. Microscópio
de raio y de Heisenberg.
Plano
Focal
Plano de
Imagem
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
---------:-:-~:+===~==::::::::~::::~:~:::cc~~,~J X '
59Este argumento foi apresentado na década de 50 por
alguns autores; ver JAMMER
(1974), op. cit. (nota 3), pp.
73, 165.
60HEISENBERG (1930), op.cit.
(nota 32), p. 3. Afirmação
semelhante fora feita por
BOHR, N. (1928) : "The Quantum Postulate and the Recent
Development of Atomic
Theory", Nature 121, 580-90.
Reimpresso em N. BOHR:
Atomic Theory and the
Description of Nature, Cambridge U. Press, 1934, pp. 5291, e em WHEELER & ZUREK
(1983), op.cit. (nota 6), pp.
87-126. Tradução para o português: "O Postulado Quântico e o Recente Desenvolvimento da Teoria Atômica", in
PESSOA JR., 0. (org.) (2000):
Fundamentos da Física 1 Simpósio David Bohm, Ed.
Livraria da Física, São Paulo,
pp. 135-59. Ver p. 54.
Um problema com essa explicação dada por Heisenberg é
que ela supõe que, após a interação com o fóton, o elétron tem
posição e momento simultaneamente bem definidos, só que
59
desconhecidos . Esta é uma hipótese própria da Física Clássica, o
que tornaria a explicação "semi-clássica" . Porém, ele efetua um
passo curioso, pois após mostrar que há uma impossibilidade de se
poder medir com exatidão as duas grandezas conjugadas, ele conclui
que um objeto nunca possui, simultaneamente, valores exatos para as
duas grandezas. Esta conclusão, que passa de uma tese
epistemológica (relativa ao conhecimento: "não posso conhecer")
para uma tese ontológica (relativa ao ser, à essência das coisas: "não
é"), só é possível se for adotado um postulado positivista
(operacionista), segundo o qual só aquilo que é observado tem
realidade (falaremos mais sobre esses assuntos no cap. XIV).
5. Concepção do Distúrbio Interacional
Outro ponto importante na explicação do princ1p10 de
incerteza dada por Heisenberg é o que se pode chamar de concepção
do distúrbio interacional: no domínio da Física Quântica, o
observador sempre provoca um distúrbio no objeto durante o ato de
medição. Nas palavras de Heisenberg60 : "a interação entre observador
Capítulo XI: Princípio de Incerteza
e objeto causa alterações incontroláveis e grandes no sistema sendo
observado, por causa das alterações descontínuas características dos
processos atômicos".
É importante distinguir entre61 : (i) a indetenninação
intrínseca a um estado quântico puro (expressa por urna relação
envolvendo indeterminações, eq. XI.2, ou desvios padrão de
observáveis, eq. X.13); e (ii) as incertezas introduzidas pela
interação com o aparelho de medição, ou seja, o distúrbio
interacional. Diversos autores têm apontado que, em geral, as
derivações de (i) são na verdade dependentes de (ii), o que não
deveria acontecer. 62
Recentemente, Scully et al. geraram uma discussão na
literatura que acabou lançando novas luzes sobre o distúrbio
interacional. Estudaremos este episódio no cap. XXI, mas
adiantamos que uma consequência desta discussão é o reconhecimento de que o distúrbio interacional pode se dar não só de maneira
"clássica" (que inclui os exemplos das nas seções V.2 e XI.4), mas
também de uma maneira tipicamente quântica, chamada por alguns
de "distúrbio não-local". 63
6. Observáveis de Não-Demolição
Medições de pos1çao são consideradas "repetíveis"
(medições do l Qtipo), pois se imediatamente após uma determinação
de posição uma outra medição for efetuada, obter-se-á o mesmo
resultado.
No entanto, se um intervalo de tempo finito transcorrer entre
as medições de posição, o resultado da medição subsequente estará
sujeito a uma flutuação imprevisível. Para entender isso, considere o
seguinte argumento semi-clássico64 . Após a primeira medição de
posição, x(O), a subsequente posição x(t) de uma partícula livre
de massa m depende do seu momento Px, através da relação
x(t) = x(O) + (p,Jm)t. Ora, uma medição com alta resolução de x(O)
introduz uma grande indeterminação no momento Px· o que resulta
em uma indeterminação razoável em x(t). Este fato pode ser
expresso através da relação de comutação na representação de
Heisenberg: [X(t),X(t+r)] = ilir!m .
Por outro lado, para uma partícula livre, o momento é uma
constante do movimento (seção X.2). Assim, uma medição com alta
resolução de Px(O), apesar de introduzir uma indeterminação
razoável em x, não irá provocar um distúrbio em Px(t):
79
61 BRAGINSKY & KHALILI
(1992), op.cit. (nota 7), p. 10.
62ver por exemplo: BROWN,
H.R. & REDHEAD, M.L.G.
(1981): "A Critique of the
Disturbance
Theory
of
Indeterminacy in Quantum
Mechanics", Foundations of
Physics 11, 1-20.
63 A discussão se iniciou
com:
SCULLY,
M .0.;
ENGLERT, B .G. & WALTHER,
H. (1991): "Quantum Optical
Tests of Complementarity",
Nature 35I, 111-6. O reconhecimento de que o que está
envolvido aqui é um distúrbio
"não-local" se encontra em:
WISEMAN, H . & HARRISON,
F . (1995): "Uncertainty over
complementarity?",
Nature
377, 584.
64BRAGINSKY, V .B.;
VüRONTSOY, Y.I. & THORNE,
K.S. (1980): "Quantum Nondemolition Measurements",
Science 209, 547-57. Reimpresso em WHEELER &
ZUREK (1983), op.cit. (nota
6), pp. 749-68. Ver pp. 751-
5.
Conceitos de Física Quântica
80
[P(t), P(t +r)] =O.
65 A energia de localização é
bastante
destacada
na
proposta didática de se
ensinar a Física Quâtica do
chamado grupo de Berlim. As
deficiências desta proposta
estão relacionadas à excessiva ênfase numa interpretação corpuscular. FISCHLER,
H. & L!CHTFELDT, M. (1992):
"Modem
Physics
and
Students' Conceptions", lnternational Journal of Science Education 14, 181-90.
Neste caso, diz-se que o momento é um
observável quântico de não-demolição, ao contrário da posição.
Vemos assim que na Mecânica Quântica existe uma assimetria entre
as grandezas posição e momento.
Uma conseqüência do princípio de incerteza envolvendo
posição e momento é às vezes chamada energia de localização.
65
Adotemos momentaneamente uma interpretação corpuscular . Se
uma partícula for confinada a uma região espacial muito pequena (&
pequeno), a incerteza no momento flpx será grande, o que corresponde
a urna flutuação grande de energia. Assim, para impedir que a
partícula escape do confinamento, quanto menor a região de
confinamento, maior os potenciais que precisam ser aplicados. Esta
propriedade está intimamente ligada à "energia de ponto zero", ou
seja, mesmo que nos aproximemos da temperatura de zero graus
absoluto, haverá uma energia remanescente associada à partícula.
Outra propriedade que pode ser relacionada à energia de localização é
a estabilidade da matéria.
7. Retrodição
Suponha que a posição y 1 de uma partícula livre de massa m
seja medida com boa resolução no instante ti, resultando em um
pacote de onda com grande indeterminação no momento P yt· Tal
medição pode ser efetuada simplesmente selecionando uma partícula
que passa por uma fenda localizada em Yi num instante conhecido.
Posteriormente, num instante t 2, mede-se novamente a posição y2 da
partícula (Fig. XI.5). Ora, levando em consideração que a partícula
está livre de forças entre as duas medições, é plausível supor que ela
descreve um movimento retilíneo uniforme entre os instantes t 1 e ti,
com momento dado por:
(XI.4)
P.v
Este é o valor que se infere para o momento py1 logo após o instante
ti, quando a partícula estava localizada na posição y 1• Teríamos
assim uma determinação simultânea exata de posição e momento
logo após o instante ti, o que violaria o enunciado da eq.(XI.2) !
O que está acontecendo? Antes de mais nada, notemos que
fizemos uma inferência em relação a uma situação passada,
procedimento com o qual já nos deparamos nas seções III.l, VIII.3,
Capítulo XI: Princípio de Incerteza
e que chamamos de retrodição. Quem cunhou este termo foi Niels
Bohr66 , que salientou que a retrodição é uma "abstração, a partir da
qual nenhuma informação sem ambigüidades concernente ao
comportamento prévio ou futuro do indivíduo pode ser obtida."
ílti p
ll
1 =?
--- -- -y - _·________
81
66BOHR, N. (1928), op. cit.
(nota 60), p. 66.
-------' Y2
f2
------------~
lY1
Heisenberg também discutiu este problema nas suas
palestras de Chicago 67 , notando que "a relação de incerteza não se
refere ao passado [... ] Este conhecimento do passado é de caráter
meramente especulativo [... ] É uma questão de crença pessoal se a
tal cálculo referente à história passada do elétron pode ser atribuído
qualquer realidade física ou não". Em suma, se aceitarmos a
retrodição, podemos concluir que o princípio de incerteza não se
aplica para o passado. Quais as conseqüências desta constatação para
cada interpretação? (A discussão seguinte é muito próxima daq uela
da seção VIII.3).
(1) Interpretação Ondulatória. Esta visão não aceita a
retrodição. Após a primeira medição de momento, o estado do
sistema l l/f ) corresponde a uma superposição de autoestados de
pos1çao. A medição subseqüente de posição, porém, não altera
estados no passado. Após medir-se x2 , o uso da eq. (XI.4) não
fornece o valor real de x 1 no passado, mas apenas um valor que
classicamente seria consistente com a medição de x2 •
(2) Interpretação Corpuscular. A interpretação dos coletivos
estatísticos aceita a retrodição, e aceita que os valores de x 1 e P x i
atribuídos à partícula no passado tenham realidade simultânea.
Assumindo um princípio realista de que a realidade passada e futura
têm a mesma natureza, ou seja, que o observador não atualiza o
passado (no sentido de Wheeler, seção III.3), autores como
Ballentine concluem que partículas também têm valores simultaneamente bem definidos para x e Px no presente, e os terão no futuro ,
Figura XI.5. Medindo Y1 e
Y2 , e aceitando-se a retrodição, pode-se inferir o
valor de py1 no passado.
67HEISENBERG (1930), op. cif.
(nota 32), pp. 20, 25.
82
68ver
GRIFFITHS,
R.B.
(1986): "Making Consistent
Inferences from Quantum
Measurements", in GREENBERGER, D.M. (org.): New
Techniques and ldeas in
Quantum Measurement Theory, Annals of the New York
Academy of Sciences 480,
1986, pp. 512-517. A apresentação mais completa de
seu ponto de vista encontra-se
em: GRIFFITHS, R.B. (1984):
"Consistent Histories and the
Interpretation of Quantum
Mechanics",
Joumal
of
Statistical Physics 36, 21972. Para uma crítica de sua
lógica
não-clássica,
ver
o'ESPAGNAT, B . (1989): "Are
there Realisticall y Interpretable Local Theories?", Journal of Statistical Physics 56,
747-66.
Conceitos de Física Quântica
mesmo que nós sejamos incapazes (por causa das limitações no
processo de preparação e de medição) de prever quais são estes
valores (seção XI.2).
(3) Interpretação Dualista Realista. Esta visão aceita uma
espécie de retrodição, mas as partículas não seguem sempre
trajetórias retilíneas uniformes como suposto na eq.(XI.4), mas
seguem trajetórias complicadas que estudaremos no cap. XXV.
(4) Interpretação Dualista Positivista. Apesar de Bohr ter
salientado em 1928 que a retrodição é uma "abstração", ele passou a
adotá-la implicitamente após 1935 para definir "fenômenos"
corpuscular e ondulatório. Num fenômeno corpuscular, é possível
retrodizer qual foi a trajetória do quantum detectado. A idéia de
Wheeler (seção III.4) de "atualização do passado no presente"
levaria à conclusão de que partículas podem ter posição e momento
bem definidos apenas no passado.
A "interpretação das histórias consistentes", um elegante
dualismo positivista inaugurado por Robert Griffiths e bastante
explorado nos últimos anos, adota explicitamente a retrodição. No
experimento que estamos examinando, ele diria que a frase "logo
após t 1 a partícula tem posição Y1 " é verdadeira, e que a frase "logo
após ti a partícula tem momento pyi" é verdadeira, mas propõe uma
nova lógica não-clássica para impedir que se possa afirmar que "logo
após t1 a partícula tem posição y 1 e momento py1". 68
Capítulo XII
EXPLORANDO OS PRINCÍPIOS DE INCERTEZA
1. Medições Conjuntas
É possível medir conjuntamente (simultaneamente)
observáveis incompatíveis como posição e momento? Ora, considere
a detecção de uma partícula em uma câmara de nuvem de Wilson
(Fig. VI.l). Após a partícula deixar várias ionizações na câmara,
sabemos não só sua posição com uma resolução razoável, mas
também sabemos seu momento dentro de limites mais grosseiros . O
mesmo aconteceu com o microscópio de raios y de Heisenberg
(seção XI.4). Em suma, é possível efetuar medições conjuntas de
observáveis incompatíveis, e atribuir valores simultâneos a essas
grandezas; o que não é possível, segundo a maior parte das
interpretações, é atribuir valores com resoluções menores do que as
estipuladas pelas relações de incerteza.
Contrariando esta conclusão, conforme vimos no capítulo
anterior, Margenau, Ballentine, e outros proponentes da
interpretação dos coletivos estatísticos defenderam que é possível
realizar medições conjuntas com ótima resolução (o princípio de
incerteza limitaria apenas a reprodutibilidade destes valores
simultâneos, afetando o desvio padrão ou "precisão" do coletivo de
medições conjuntas). Isso inspirou diversos autores a desenvolveram
uma extensão do formalismo de medições quânticas, de forma a
definir medições conjuntas "não-nítidas" (un sharp joint measurements). Apesar deste resultado formal ser importante, ele
aparentemente não lança luz sobre medições de quanta individuais,
trazendo novidade apenas para a descrição (estatística) de um
coletivo de medições. Em suma, ele não fornece uma receita para
que se efetue uma medição conjunta de observáveis incompatíveis
com ótima resolução para um único quantum 69 .
Alguns experimentos de medição conjunta (com ótima
resolução) de posição e momento têm sido propostos por
proponentes da interpretação dos coletivos estatísticos, mas nenhum
deles estabelece valores simultaneamente exatos de maneira
satisfatória. Eles podem ser divididos em três classes: (i) Um
primeiro tipo supõe que a retrodição é válida (seção XI.7), de forma
que os valores conjuntos só se aplicam para o passado. (ii) Uma
segunda classe é exemplificada pela proposta de se medir a posição
de uma partícula usando-se raios y, e seu momento usando luz de
baixa freqüência. Neste caso, a primeira medição provoca um
colapso antes da segunda ser realizada, sendo que os valores médios
83
69um
dos
primeiros
trabalhos sobre o formalismo
de medições conjuntas foi:
PARK, J.L. & M ARGENAU, H.
( I 968): "Simultaneous Measurability in Quantum Mechanics" , lntemational Jour-
nal of Theoretical Physics 1,
211-283. Para uma avliação
recente da irrelevância deste
tipo de fo rmalismo, ver
UFFINK, J. (1994): "The Joint
Measurement
Proble m",
lnternational Journal of
Theoretical Physics 33, 199212. Ver mais sobre esta
generalização na nota 72.
Conceitos de Física Quântica
84
obtidos dependerão de qual medição foi realizada primeiro. (iii) O
único caso em que de fato se pode falar em "medição simultânea de
observáveis incompatíveis" envolve duas partículas correlacionadas, que examinaremos com o paradoxo de EPR (seção XXIII.4).
Neste caso, a ordem em que as medições são feitas não gera médias
estatísticas diferentes.
2. A Inexistência de um Operador Auto-Adjunto de Tempo*
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
7ÜSCHRÓDINGER
(1935), op.
cit. (nota 44), p. 166. Citação
do parágrafo seguinte é de
VON NEUMANN (1932), op.
cir. (nota 20), p. 354.
W. (1933): "Die
allgemeinen Prinzipien der
Wellenmechanik", in GEIGER, H. &
SCHEEL, K.
(orgs.), Handbuch der Physik,
2ª ed., v. 24, Springer,
Berlim.
Tradução para o
inglês da edição alemã de
1959: General Principies of
Quantum
Mechanics,
Springer, Berlim, 1980. Ver
p. 63 da tradução.
7lpAULI,
Devido à simetria entre coordenadas espaciais e temporais
na teoria da relatividade restrita, Schrõdinger (1931 ) tentou
descrever um operador de tempo análogo ao operador de posição,
mas não conseguiu. Em 1935, ele manifestou seu descontentamento
da seguinte maneira70 :
"A previsão feita pela mecânica quântica contemporânea de
que o tempo tem valores bem-definidos é provavelmente um erro. O
valor numérico do tempo é como qualquer outro o resultado de uma
observação [... ]
ão deveria ele pertencer a uma variável que em
geral não tem um valor preciso? [.. .] Na mecânica quântica
contemporânea, considera-se de maneira a priori que o tempo é
conhecido precisamante, apesar de se ter que admitir que qualquer
olhada para um relógio provoca um distúrbio incontrolável no
movimento do relógio [... ] '
John von Neumann (1932) também manifestou seu
desagrado com essa que seria "a principal fraqueza da Mecânica
Quântica".
Porque não é possível definir um operador correspondente
ao observável tempo? A questão foi tratada explicitamente por
71
Wolfgang Pauli em 1933 em uma nota de rodapé . Ele mostrou que
a existência de um operador de tempo que fosse auto-adjunto
implicaria autovalores contínuos para o operador de energia, entre oo e +=. Mas o espectro de energia para sistemas ligados é discreto,
e mesmo no caso de uma partícula livre o espectro tem um limite
inferior (senão, haveria um problema de estabilidade do sistema),
não se admitindo assim valores negativos de energia. Portanto, não
seria possível haver um operador de tempo auto-adjunto. Tendo em
vista este resultado, o tempo se limita a ser um parâmetro numérico
na equação de Schrõdinger (ou em equação equivalente).
A discussão sobre a possibilidade de um operador de tempo
foi então encerrada, sendo que nas décadas seguintes a preocupação
com respeito ao tempo se concentrou na interpretação correta da
relação de incerteza envolvendo tempo e energia, como veremos na
seção seguinte.
Capítulo XII: Explorando os Princípios de Incerteza
Em 1959, porém, Engelman & Fick reabriram a discussão sobre a
possibilidade de se definir um operador de tempo na Mecânica
Quântica. Diversos autores atacaram o problema, e passaram a
definir operadores de tempo que, devido às limitações impostas pelo
argumento de Pauli, não são a rigor auto-adjuntos. Harry Paul
(1962), por exemplo, explorou, para uma partícula livre de massa m,
o operador
(XII.l)
que na vizinhança de Px = O não é auto-adjunto. Tal singularidade,
porém, não intimidou Aharonov & Bohm (1961), que a
consideraram "sem importância" em face dos altos valores dos
momentos das partículas envolvidas nas medições de tempo por eles
estudada. Ou seja, no limite de altas energias um operador autoadjunto de tempo poderia ser definido para partículas livres,
conforme a eq.(XII. l).
Uma das conseqüências desses estudos é a sugestão de que o
formalismo de medições da Mecânica Quântica deveria ser
estendido, de forma a permitir a definição de observáveis que
correspondessem a operadores não auto-adjuntos. De fato, uma
extensão do formalismo de medições seria realizado na década de
72
70 . No entanto, o fato do operador de tempo não ser auto-adjunto
deve ser analisado com cuidado, dado que isto tem uma
conseqüência significativa: os autoestados correspondentes a este
operador não são ortogonais. Veremos outro exemplo disso na
seção XIV.6.
3. O Princípio de Incerteza para Tempo e Energia*
72Estes
avanços
foram
introduzidos por E.T. Davies
& J.T. Lewis (1970) e Holevo
(1972), e adotados por muitos
outros autores. Em poucas
uma "medição
palavras,
generalizada" não pode ser
caracterizada por um único
operador, definido a partir de
um conjunto de projetores
ortogonais (que comutam),
conjunto este que é "completo" (soma dos projetores é
igual a l); os observáveis das
medições generalizadas são
caracterizados por um comj unto completo de projetores,
mas estes não são necessariamente ortogonais (podem
não comutar). Ver HOLEVO,
A.S . (1982), Probabilistic
and Statistical Aspects of
Quantum Theory, NorthHolland, Amsterdã, pp. 2733. Ver também a última
referência da nota 69, que
trata da mesma abordagem.
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
Já mencionamos que Heisenberg também derivou, em 1927,
uma relação de incerteza para energia e tempo, que escrevemos
como:
Ôt·ÔE
~!!._
2
Na seção X.5, vimos a relação de incerteza que Kennard
obteve para os desvios padrão dos operadores de posição e momento
(eq. X.17). Isso sugere uma relação envolvendo operadores de
energia e de tempo:
85
(XII.2)
Conceitos de Física Quântica
86
n.
(XII.3)
73ALLCOCK, G.R. (1969):
''The Time of Arrival in
Quantum Mechanics", Annals
of Physics 53, 253-348. Ver
pp. 256-61 , 334-7. Ver
também JAMMER (1974),
op.cit. (nota 3), pp. 132-56, e
AHARONOV, Y. & BOHM, D.
(1961):
"Time
m
the
Quantum Theory and the
Uncertainty Relation for
Time and Energy", Physical
Review
122,
1649-58
(reimpresso em WHEELER &
ZUREK, 1983, op. cit., nota 6,
pp. 7 15-24).
Af' · Af;::::: 2
o entanto, como não é possível definir um operador autoadjunto de tempo, a eq.(XII.3) careceria de sentido. Como interpretar
então as relações de incerteza para energia e tempo? Podemos dividir
essas interpretações em cinco grupos, seguindo a análise de G.R.
3
Allcock (1969) .
1) Relação envolvendo a indeterminação no tempo de
chegada. Allcock aponta a interpretação original de Niels Bohr
(1928) como sendo uma "relação de incerteza genuína", apesar de
fundada em argumentos qualitativos. Conforme fizemos na seção
XI.2, Bohr considerou um pacote de onda de luz limitado pela
relação 8v·8t 2: 1, válida na Física Ondulatória Clássica, e utilizando
a relação quântica E=hv obteve: 8E-8t 2: h. A indeterminação no
tempo corresponde ao tempo de transcurso do pacote através de um
ponto, donde Allcock argumenta que a variável tempo pode ser
interpretada como o ' tempo de chegada" de uma partícula em um
ponto. Bohr não se deteve na questão de como medir este tempo de
chegada, questão esta que é um dos problemas atacados por Allcock
em seu longo artigo.
"O problema da complementaridade da energia e tempo em
Mecânica Quântica dá bastante ensejo a mal-entendidos e confusão,
devido ao fortuito aparecimento conjunto de uma variável energia e
um parâmetro tempo em situações que nada implicam com respeito à
determinação simultânea de uma variável dinâmica de tempo e uma
energia. A literatura contém de fato várias relações tempo-energia
que não [a de Bohr e a de Mandelstam & Tamm] [... ], todas as quais
têm falhas ou induzem de alguma maneira em erro." (ALLCOCK,
1969, p. 259.)
2) Relação envolvendo o tempo de interação com um
analisador estático. a derivação original de Heisenberg (1927), 8t
corresponde ao tempo que um átomo permanece entre os imãs de um
aparelho de Stern-Gerlach, e não a uma medição do instante de
ocorrência de um evento. A indeterminação 8t poderia neste caso ser
interpretada como o intervalo de tempo em que o átomo interage
com o aparelho de medição, ou mais precisamante, com o
" analisador" (o imã neste caso, uma grade de difração em um
experimento óptico etc.). Allcock chamou tal arranjo experimental
de "estático", sendo que os componentes do pacote com diferenças
de freqüência maiores do que 8E!h são separados espacialmente.
Neste caso, 8t estabelece um limite inferior para a duração de uma
medição capaz de medir a energia com uma precisão igual a 8E.
Capítulo XII: Explorando os Princípios de Incerteza
3) Relação envolvendo a diferença de energia de uma
partícula-sonda. Contrastando com o arranjo estático de
aparelhagem, Landau & Peierls (1931) propuseram um arranjo
"dinâmico" no qual uma partícula-sonda interage por impulsão com
a partícula-objeto, interação esta que dura um intervalo 8t
controlável pelo experimentador. Argumentaram então que a energia
da sonda pode ser medida com precisão arbitrária em qualquer
instante. O termo 8E da eq.(XII.2) não corresponderia assim à
precisão da medição, mas à diferença Ei-Ei , onde E1 é a energia da
sonda antes da interação, e Ez a energia após a interação impulsiva.
Mais tarde, Fock & Krylov (1947) concordariam que 8E deve ser
interpretado como a transferência de energia entre objeto e aparelho
(sonda), mas definiram 8t mais precisamente como uma
indeterminação no tempo de chegada. Aharonov & Bohm (1961),
porém, forneceram um convincente contra-exemplo à tese desses
autores de que toda medição com duração 8t provoca uma
transferência de energia 8E satisfazendo a eq.(XII.2).
4) Relação envolvendo o valor médio de um operador não
constante. A abordagem de Mandelstam & Tamm (1945) define as
indeterminações como desvios padrões de um coletivo de medições,
conforme a eq.(XII.3). Mas como não há um operador auto-adjunto
de tempo do qual se possa derivar f:..T , eles definiram este desvio
padrão indiretamente, da seguinte maneira:
(XII.4)
a partir de um operador auto-adjunto R que não é uma constante de
movimento (por exemplo, a posição de uma partícula em movimento). A crítica que se faz a esta abordagem é que ela não se aplica
a medições indi viduais, crítica que Fock & Krylov estenderam
também à interpretação de 8E como a largura de linha espectral, que
havia sido sugerida por Weisskopf & Wigner (1930). Além disso, se
o sistema (fechado) em questão estiver em um estado estacionário
(um autoestado de energia), a relação de indeterminação (eq. XII.3)
de Mandelstam & Tamm não se aplica.
5) Relação envolvendo os desvios padrões dos operadores
de energia e tempo. Apesar das limitações impostas pelo resultado
de Pauli, vários autores passaram a interpretar a eq.(XII.3) de
maneira canônica, dentro de um formalismo de medições estendido,
conforme mencionado na seção XII.2.
87
Conceitos de Física Quântica
88
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
4. Relação para Momento Angular e Ângulo*
Um exemplo especialmente problemático para a abordagem
padrão envolve os operadores de momento angular L, e de ângulo
<I>. A suposição de que tais operadores seguem a relação canônica
""' ,,.,,
"" ""'
.....
de comutação <I> L, - L: <I> = il parece levar à relação de incerteza
~<i> ·l:l( ~ f, mas esta última está claramente errada, já que o
74CARRUTHERS,
P.
&
NIETIO, M.M. (1968): "Phase
and Angle Variables in
Quantum Mechanics", Reviews of Modem Physics 40,
411-440. LÉVY-LEBLOND, J.M. (1976): "Who is afraid of
Non-Hermitian Operators? A
Quantum Description of
Angle and Phase", Annals of
Physics 101, 319-341.
75citação de UFFINK (1990),
op. cit. (nota 52), pp. 144-5.
Ver discussão nas páginas
subseqüentes.
* Esta seção pode ser pulada
sem perda de continuidade.
76voN WEIZSÀCKER, K.F.
(1931):
"Ortsbestimmung
eines Elektrons durch ein
Mikroscop", Zeitschrift für
Physik 70, 114-130.
Ver
em
também
a
análise
BüCHEL, W. (1965): Philosophische Probleme der Physik,
Herder, Freiburg.
ângulo <I> está limitado entre O e 2n (um autoestado de L, violaria a
relação).
Dentre as várias abordagens ao problema, pode-se destacar
as de Carruthers & Nietto (1968) e de Lévy-Leblond (1976) 74 . Os
primeiros alteraram a relação de comutação introduzindo novos
operadores, sen <I> e cos <I> , enquanto que o segundo foi mais longe
A
A
A
A
e introduziu o operador U <1> = ex p [i <I>] , que não é auto-adjunto, mas
unitário (seção VII.1 ).
"A proposta de que este operador 'represente' o observável de
ângulo está pois em conflito com o postulado usual da Teoria
Quântica segundo o qual observáveis devem ser representados por
operadores auto-adjuntos. Conforme veremos, no entanto, esta
proposta é de fato muito mais natural do que o querido postulado da
Mecânica Quântica." O fato do operador não ser auto-adjunto
implica em que seus autovalores são números complexos. Isso
porém não é um problema, se aceitarmos que os autovalores são
meras "etiquetas" caracterizando o resultado de medições. "Para
uma variável angular parece ser muito mais natural escolher
etiquetas que estão ordenadas em um círculo ao invés de uma reta
real, pois isso reflete a topologia física da variável". 75
5. Microscópio de von Weizsacker':'
Voltemos agora para o ano de 1931, em Leipzig, na
Alemanha, onde o precoce Karl von Weizsacker de 19 anos trabalhava em sua tese de doutorado com Heisenberg. Este pediu ao
jovem um estudo rigoroso, dentro da eletrodinâmica quântica de
Heisenberg & Pauli, sobre a determinação da posição de um elétron
por meio do microscópio de raio y. Antes de introduzir o
formalismo, von Weizsacker apresentou de maneira simplificada o
experimento-de-pensamento do microscópio (ver Figs. XL4 e XII. l).
Uma onda plana incide no objeto paralelamente ao plano da lente, e
Capítulo XII: Explorando os Princípios de Incerteza
espalha em direção ao microscópio. Consideremos o que ocorre de
acordo com a Óptica Clássica.
Para um objeto pontual (Fig. Xl.4), se uma tela fosforescente
ou uma chapa fotográfica for colocada no plano de imagem do
microscop10, ocorre uma magnificação da posição do elétron, e
determina-se com boa resolução esta posição. Se a tela fosse
colocada no plano focal definido pela lente, observar-se-ia um
borrão razoavelmente espalhado.
Consideremos agora um outro caso, no qual uma onda plana
incide na lente (equivalente ao caso no qual o objeto está no infinito)
(Fig. XII.1). Se a tela estiver no plano focal, sabemos que tal frente
de onda irá se focalizar em um ponto bem definido da tela. A
posição deste ponto indicará a direção de incidência da onda plana,
ou seja, medirá a direção de seu momento. Neste segundo caso, se a
tela fosse colocada no plano de imagem, observaria-se um borrão
espalhado na tela.
No caso quântico, cada fóton espalhado forma um ponto
bem definido em qualquer tela no qual ele incidir. Consideremos,
para simplificar, que o objeto está inicialmente em repouso. Se a tela
estiver no plano de imagem (Fig. Xl.4), a posição inicial do elétron
será medida com boa resolução. O estado do elétron será reduzido a
um autoestado de posição, que simplificadamente pode ser
considerado uma onda esférica.
Por outro lado, se a tela estiver no plano focal (Fig. XII.1), o
que é medido é o momento. O estado da luz espalhada será pois
reduzido a um autoestado de momento, ou seja, a uma onda plana.
Como o raio y inicial também tinha momento bem definido, a
diferença entre o momento inicial e final da luz fornece uma
medição do momento transferido ao elétron (que supusemos estar
inicialmente em repouso), e determina que o estado final do objeto
seja também uma onda plana.
O importante no argumento de von Weizsacker é que
conforme a posição na qual a tela for colocada, medir-se-á não só
observáveis diferentes e incompatíveis, como também o estado final
do objeto será diferente. Ora, mas em princípio nada impede que a
escolha de onde inserir a tela seja feita depois do fóton ser espalhado
e atravessar a lente do microscópio! Esse experimento de escolha
demorada (ver seção III.3) mostra assim o papel que o sujeito pode
ter em determinar o estado final do objeto, mesmo que este esteja a
uma distância considerável do observador. Jammer77 considerou tal
experimento-de-pensamento uma antecipação do análise de Einstein,
Podolsky & Rosen, sem que von Weizsacker estivesse preocupado
em mostrar a incompleteza da Mecânica Quântica.
77JAMMER
89
(1974), op. cit.
(nota 3), pp. 178-80.
90
Conceitos de Física Quântica
Este experimento fez com que von Weizsacker passasse a
atribuir um papel importante para a vontade do suj eito humano na
Mecânica Quântica. O observador tem a capacidade de escolher, no
instante em que ele insere a tela em um dos planos, se o estado final
do elétron será uma onda plana ou esférica, mesmo que este elétron
esteja a uma grande distância. Poderia este efeito ser usado para
enviar sinais mais rápidos do que a luz?
Lente
Fina
Plano
Focal
Plano de
Imagem
Figura XII.!. Medição de
momento usando o microscópio de raio y, segundo
von Weizsacker. A correspondente medição de posição está na Fig. XI.4.
1
1
1
-----1
··.................
::
...................
Capítulo XIII
A INTERPRETAÇÃO DA
COMPLEMENTARIDADE
1. Origens da Complementaridade
Nos últimos meses de 1926, o problema da interpretação da
Mecânica Quântica era o tema central das discussões entre Bohr e
Heisenberg. Este morava então no último andar do Instituto Niels
Bohr, e freqüentemente era visitado por Bohr a altas horas da noite,
"e nós construíamos todo tipo de experimentos imaginários para ver
se realmente entendíamos a teoria. Ao fazer isso, percebemos que
nós dois estávamos tentando resolver as dificuldades de maneiras um
tanto diferentes. Bohr procurava permitir a existência simultânea dos
conceitos de partícula e onda, defendendo que ambas, apesar de
mutuamente exclusivas, eram juntamente necessárias para uma
descrição completa dos processos atômicos. Eu não gostava desta
abordagem. Queria partir do fato de que a Mecânica Quântica, como
a conhecíamos então, já impunha uma interpretação física única para
algumas grandezas que nela ocorriam."78
Um pouco mais tarde, a posição de Heisenberg seria de que
tanto a linguagem corpuscular quanto a linguagem ondulatória
seriam satisfatórias para descrever os objetos quânticos, enquanto
que Bohr insistia que ambas eram necessárias. Heisenberg ficaria
assim satisfeito com o desenvolvimento da abordagem da 2ª
quantização por parte do sueco Oskar Klein, de Pascual Jordan e do
húngaro Eugene Wigner (1927-8), que mostrava para ele "que a
representação corpuscular e a ondulatória são meramente dois
aspectos diferentes de uma mesma realidade física." 79
Em fevereiro de 1927 Bohr foi esquiar na Noruega, e esta
separação permitiu que cada qual desenvolvesse sua interpretação.
Heisenberg chegou no princípio de incerteza e Bohr ao conceito de
"complementaridade" . Conforme salientado por Jammer, Heisenberg
basearia a definibilidade de grandezas físicas em sua mensurabilidade (o que chamamos de "postulado positivista" na seção Xl.4),
enquanto que .Bohr tomaria a definibilidade como ponto de partida,
argumentando que grandezas complementares não podem ser
definidas de maneira simultânea. Em setembro, Bohr apresentou
publicamente suas idéias no Congresso Internacional em homenagem ao centenário da morte de Alessandro Volta, realizado na
cidade natal deste em Como, na Itália. A seguir, em outubro de
1927, no 5º Congresso de Solvay, Bohr reapresentou suas idéias,
91
78HEISENBERG, W . (197 1):
"Reminiscences from 1926
and 1927", in FRENCH, A.P.
& KENNEDY, P.J. (1985):
Niels Bohr: A Centenary
Volume, Harvard University
Press, Cambridge (EUA), pp.
163-171. Verp. 166.
79JAMMER (1974), op. cit.
(nota 3), p. 68. Não consegui
confirmar esta afirmação de
Jammer a respeito das
opiniões de Heisenberg.
92
Conceitos de Física Quântica
sendo que desta vez Einstein estava presente.
publicou sua palestra na revista Nature.
Em 1928, Bohr
2. Linguagem Clássica e a Questão do Macrorealismo
80Esta tese da linguagem
clássica foi chamada de
"buffer
postulate"
por
SCHEIBE, E. (1973): The
Logical Analysis of Quantum
Mechanics, Pergamon, Ox-
ford, p. 24.
81 Vimos um exemplo disto
na seção V.2. Ver JAMMER
(1974), op. cit. (nota 3), pp.
473-4.
82BOHR (1928), op. cit. (nota
60), p. 54: "é uma questão de
conveniência em que ponto
introduzir o conceito de
observação ,, . VON NEUMANN
( 1932), op. cit. (nota 20), pp.
418-9.
83FocK, V.A. (1957), "On
the Interpretation of Quantum
Mechanics",
Czechoslovak
lournal of Physics 7, 643-56.
Ver discussão sobre Landau
& Lifshitz em BELL, J.S.
( 1990), "Against 'Measurement" ', in MILLER, A.I.
(org.), Sixty-Two Years of
Uncertainty, Plenum, Nova
Iorque, pp. 17-31 (ver seção
6), republicado em Physics
World (agosto 1990), 33-40
(ver pp. 34-5).
Bohr iniciou a primeira seção de seu artigo se referindo às
idéias e aos conceitos da Física Clássica, que têm que ser usados
para interpretar os resultados experimentais, mas que ao mesmo
tempo são limitados para descrever os fenómenos atómicos. Esta
afirmação envolve o que chamaremos a tese da linguagem clássica80 :
a descrição da aparelhagem experimental e dos resultados das
medições só pode ser feita na linguagem da Física Clássica.
Esta tese implica que conceitos próprios da Mecânica
Quântica (como a "descontinuidade'', ou fugindo do vocabulário
bohriano, a "superposição de auto-estados associados a observáveis") não podem ser aplicados aos aparelhos macroscópicos
enquanto eles são usados na medição. Note, porém, que Bohr
admite que conceitos quânticos possam se aplicar a partes do
aparelho de medição 1• • o entanto, entre o sujeito e o objeto,
sempre é preciso fazer um corte entre clássico e quântico. Tal corte,
porém, não é algo "objetivo··, mas pode ser imposto em qualquer
ponto entre o sujeito e objeto conforme von Neumann exprimiria
matematicamente (no contexto da seção IX.2) e chamaria de
"paralelismo psico-físico '. 82
A tese da linguagem clássica não proíbe que corpos macroscópicos possam ser descritos pela Mecânica Quântica. Tal descrição é
possível, desde que os corpos sejam obj etos da medição. Se tal corpo
for parte integrante do aparelho de medição, então ele deve ser tratado
classicamente (levando em conta os comentários do parágrafo
anterior). Notamos assim na concepção de Bohr e von Neumann, um
certo elemento de "subjetivismo", pois o sujeito epistemológico nunca
pode ser eliminado.
Esta situação levou os partidários russos da interpretação
ortodoxa (Fock, e de certa forma Landau 83 ) a desenvolverem um
critério mais claro e simples para separar o mundo quântico do
clássico. Todo corpo de dimensões macroscópicas seria descrito pela
Física Clássica. Este critério se adaptava bem à abordagem
"objetivista" ao problema da medição (seção IX.1), que
examinaremos no final do livro. Mais recentemente, esta posição
recebeu o nome de macrorealismo, associado ao nome de Anthony
Leggett (ver final do livro). O macrorealismo proíbe a existência de
superposições macroscópicas (como a do gato de Schrõdinger, seção
IX.4). Será que esta é uma tese correta?
Capítulo XIII: A Interpretação da Complementaridade
93
3. Descontinuidade e Distúrbio Interacional
Desafiando nossa linguagem clássica está o postulado
quântico (que já encontramos na seção I.4), "que atribui a qualquer
processo atômico uma descontinuidade essencial, ou melhor, urna
individualidade, completamente estranha às teorias clássicas e
simbolizada pelo quantum de ação de Planck" (BOHR, 1928, p. 53).
Segundo Bohr, a conseqüência desta descontinuidade é que
"qualquer observação de fenômenos atômicos envolverá uma
interação com o agente da observação que não deve ser desprezada".
Esta é uma versão do que chamamos de concepção do distúrbio
interacional: a impossibilidade de controlar os distúrbios provocados
no objeto pela interação com o aparelho de medição (ver seção
XI.5).
Descontinuidade implicaria distúrbio. É curioso que se
adotarmos um ponto de vista próximo à interpretação ondulatória,
somos levados a uma inversão desta implicação: seria o distúrbio
provocado pela interação com o aparelho que causaria a
descontinuidade quântica. Bohr, porém, partiu do postulado quântico
como um fato fundamental, e, assim, é esta descontinuidade que
explica o distúrbio interacional. Mais tarde, a partir de 1935, Bohr
passaria a dar menos importância ao distúrbio e mais à "totalidade"
(seção XIIl.5).
Devido à interação entre sujeito e objeto, "uma realidade
independente no sentido físico ordinário não pode ser atribuída nem
aos fenômenos, nem aos agentes da observação" (BOHR, 1928, p.
54). Esta frase exibe uma posição "anti-realista" (ou "positivista"),
pois parece negar que o mundo físico tenha uma existência independente do observador.
4. Os Três Tipos de Complementaridade
Na obra de Bohr é possível distinguir três tipos diferentes de
complementaridade84 , no contexto da Física.
(1 º tipo) Complementaridade entre coordenação espaçotemporal e asserção da causalidade. Este foi o primeiro tipo de
complementaridade citado por Bohr, mas, curiosamente, ele seria
abandonado.
Em seu artigo de 1928, Bohr nota que só se pode definir o
estado de um sistema físico quando todos os distúrbios externos são
eliminados. De fato, vimos na seção VII.1 que um operador
hamiltoniano auto-adjunto só pode ser associado a um sistema
isolado ou a um sistema que não reage na fonte dos campos
84Esta divisão em três tipos é
também apresentada por VON
WEIZSÀCKER, C.F. (1955):
"Komplementaritat
und
Logik", Naturwissenschaften
42, 521-29, 545-55, cuja
pos1çao é resumida por
JAMMER (1974), op. cit. (nota
3), pp. 102-4.
Conceitos de Física Quântica
94
85MACKINNON, E. (1985):
"Bohr on the Foundations of
Quantum
Theory",
in
FRENCH & KENNEDY' op. cit.
(nota 78), pp. 101-20. Ver p.
112.
externos. No entanto, um sistema mantido sob tais condições de
isolamento não pode ser observado! Por outro lado, se ocorrer uma
observação, com o distúrbio acompanhante, "então uma definição
sem ambigüidades do estado do sistema naturalmente não é mais
possível" (p. 54). Temos assim uma complementaridade entre
observação e definição.
Um sistema isolado conserva energia e momento, e portanto
pode-se dizer que satisfaz a causalidade. Como, porém, ele não
pode ser observado, não é possível associar uma posição espacial e
um instante temporal a ele. Por outro lado, ao ser observado, um
sistema passa a ter uma coordenação espaço-temporal (dada pelo
resultado da medição), mas seu estado (após a redução) não evoluiu
a partir do estado anterior de acordo com a lei da causalidade (ou
seja, de maneira determinista).
"A própria natureza da teoria quântica nos força assim a
considerar a coordenação espaço-temporal e a asserção da
causalidade, cuja união caracteriza as teorias clássicas, como
aspectos complementares mas exclusivos da descrição, simbolizando
a idealização da observação e da definição, respectivamente" (pp.
54-5). Este foi o primeiro enunciado do princípio de
complementaridade.
Esse par envolve características que são consistentes na
Física Clássica: nesta, temos coordenação espaço-temporal e
causalidade.
Porém, após 1928, Bohr passou-se a incomodar pelo fato de
que _este tipo de complementaridade feria princípios positivistas.
Fazia-se uma distinção entre um átomo enquanto existente e o
85
mesmo átomo enquanto conhecido , o que não fazia sentido para o
positivismo, que identifica o existente e o conhecido. Como
distinguir entre observação e definição, se o positivismo estipula que
só o que é observado é definível? Apenas de um ponto de vista
realista é possível dar sentido a este 1Q tipo de complementaridade
(veremos mais sobre positivismo e realismo no capítulo XIV).
(2Q tipo) Complementaridade entre partícula e onda. Após a
pequena crise conceituai pela qual Bohr passou em 1929, na qual
reteve apenas o domínio da "observação" (rejeitando a pura
"definição"), ele passou, especialmente a partir de 1935, a priorizar a
complementaridade entre onda e partícula.
Já apresentamos este tipo de complementaridade na seção
III.2, como "dualidade onda-partícula forte", e notamos que ela
envolve aspectos que são excludentes na Física Clássica (onde temos
ou partícula, ou onda). No cap. XV examinaremos este tipo mais a
fundo .
Capítulo XIII: A Interpretação da Complementaridade
Os aspectos ondulatório e corpuscular de um objeto quântico
são revelados por arranjos experimentais mutuamente excludentes,
mas, segundo Bohr, este par constitui uma descrição "exaustiva" do
objeto quântico.
(3º- tipo) Complementaridade entre observáveis incompatíveis, como posição e momento. Aqui temos dois aspectos que
são consistentes na Física Clássica de Partículas: posição e
momento. Isto distingue este tipo da complementaridade ondapartícula. Podemos igualar este tipo ao lº- tipo?
Alguns
comentaristas fazem isso, o que significa identificar a asserção da
86
causalidade com as leis de conservação . Mas o 1º-tipo envolve uma
oposição entre o observado e o não-observado, o que está
naturalmente ausente no 3º- tipo.
É interessante notar que o par posição-momento se restringe
a partículas. Por simetria, somos levados a nos perguntar sobre pares
complementares que ocorram só na representação ondulatória.
Heisenberg pensou nesta possibilidade, e sugeriu um princípio de
incerteza entre campos elétrico e magnético. Com a "segunda
quantização" (seção XVII.3), podemos pensar na relação de
incerteza envolvendo número-de-quanta e fase, o que pode ser
interpretado como uma complementaridade entre amplitude da onda
e a fase da onda, aspectos que são consistentes na Física Clássica de
Ondas, mas que seriam mutuamente excludentes na Mecânica
Quântica.
95
86MURDOCH, D.
(1987):
Niels Bohr's Philosophy of
Physics, Cambridge U. Press.
Este
autor define uma
complementaridade cinematica-dinâmica (englobando os
nossos lº- e 3º- tipos), em
oposição à complementaridade onda-partícula (p. 58).
Ver também a estranha
opinião de Léon Rosenfeld, p.
66.
5. Totalidade do Fenômeno
A partir do desafio lançado por Einstein, Podolsky & Rosen
em 1935 (que veremos no cap. XXII), Bohr foi obrigado a refinar
sua interpretação, tornando mais explicita a complementaridade de
arranjos experimentais. A novidade foi a ênfase que Bohr passou a
dar para o "todo" do arranjo experimental, ao se definir o
"fenómeno" quântico (comparar com o uso do termo na citação de
1928 apresentada na seção XIII.3): "A lição essencial da análise de
medições na teoria quântica é pois a ênfase na necessidade, para dar
conta do fenómeno, de levar em consideração o arranjo experimental
como um todo, em completa conformidade com o fato de que toda
interpretação não ambígua do formalismo quântico envolve a fixação
das condições externas."87 Chamaremos esta característica do
fenómeno de totalidade ou inteireza ("wholeness").
Uma versão um pouco diferente da noção de totalidade foi
88
ressaltada por David Bohm
(1951), ainda no contexto da
interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica. "Parece necessário,
portanto, desistir da idéia de que o mundo pode ser corretamente
87BOHR (1939), citado . em
SCHEIBE (1973), op.cit. (nota
80), p. 21.
88BOHM, D. ( 1951), op.cit.
(nota 16), p. 140.
96
89JAMMER (1974), op.cit.
(nota 3), pp. 160-6, 197-211.
Conceitos de Física Quântica
analisado em partes distintas, e substituí-la pela suposição de que o
universo inteiro é basicamente uma unidade única, indivisível."
(Falaremos mais sobre a concepção de Bohm sobre o universo
indiviso na seção XXV.8.)
Max Jammer89 salienta que a concepção de totalidade de
Bohr traz consigo uma concepção "relacionista" do estado de um
sistema, ou seja, que o estado quântico passou a ser definido pela
relação do objeto microscópico com o aparelho de medição inteiro
(ver seção X. l).
Ele contrasta esta posição com a concepção anterior (pré1935) que chama de "interacionalista". Já examinamos um aspecto
desta concepção com a noção de "distúrbio interacional" (seção
XIII.3). Outra instância desta concepção interacionalista seria a
famosa afirmação idealista de Jordan, segundo a qual "nós mesmos
produzimos os resultados da medição" (ver nota 33, na seção
VIII.3).
6. Outras Posições Ortodoxas
90HEISENBERG (1958), op.
cit. (nota 14), cap. III (pp. 2426 da edição brasileira de
1981). No contexto
da
interpretação da complementaridade,
a
noção
de
potencialidade foi também
utilizada por BOHM ( 1951 ),
op. cit. (nota 16).
A chamada ' interpretação de Copenhague" desenvolvida por
Bohr, Heisenberg e Pauli é usualmente tomada como sendo uma
posição monolítica, defendida por todos os fundadores da Mecânica
Quântica, com exceção de realistas como Planck, Einstein, de
Broglie (pré-1927 e pós-1952) e Schrõdinger. Um exame mais
atento, porém, mostra nuanças nas posições ortodoxas.
Heisenberg desenvolveu, nos anos 50, uma interpretação que
enfatizava alguns pontos não desenvolvidos por Bohr. Sem
abandonar a noção de complementaridade, Heisenberg passou a
salientar que a função de onda l.fl (no caso puro) exprime uma potencialidade, no sentido aristotélico, relacionada a uma probabilidade
"objetiva" que independe do estado de conhecimento do observador.
Esta posição se aproxima da interpretação ondulatória (seção IV.3),
sem, talvez, interpretar l.fl de maneira tão literal 90 . A respeito dos
"saltos quânticos" (colapsos), da "transição do 'possível' ao 'real'
[que] ocorre durante o ato de observação", Heisenberg (p. 25)
enfatizou que ela "toma lugar tão logo a interação do objeto com o
instrumento de medida (e, portanto, com o resto do mundo) tenha se
realizado; ele nada tem a ver com o ato de registrar o resultado por
parte da mente do observador". Ele assim ataca a solução subjetivista ao problema da caracterização (von Neumann, London &
Bauer, etc.) (seção IX. l), oferecendo uma descrição consistente com
o criptodeterminismo (seção IX.2), já que é a interação com o resto
do mundo que provocaria o colapso.
Capítulo XIII: A Interpretação da Complementaridade
A frase que se segue a esta citação, porém, interpreta l/f de
maneira claramente epistêmica, nos deixando em dúvida se as
91
potencialidades são objetivas ou não : " A mudança descontínua na
função de probabilidade, no entanto, tem lugar com o ato de registro,
pois é essa mudança descontínua do nosso conhecimento, no instante
do registro, que tem por imagem a mudança descontínua da função
de probabilidade."
Tem-se explorado pouco, na literatura, as posrçoes
filosóficas dos outros físicos próximos à corrente ortodoxa. Pauli se
mantinha bastante próximo a Bohr, ao contrário de Max Born, que a
exemplo de Heisenberg parece ter flertado com a idéia de uma
"realidade intermediária" : " A questão de se as ondas são algo 'real'
ou uma ficção para descrever e prever fenômenos de maneira
conveniente é uma questão de gosto. Eu pessoalmente gosto de
considerar uma onda de probabilidade, mesmo no espaço 3Ndimensional, como uma coisa real, como certamente mais do que um
instrumento para cálculos matemáticos. Pois ela tem a característica
- " 92
.
.
de o bservaçao.
de um mvanante
Heisenberg parecia concordar com isso, porém preferia
considerar a onda l/f como algo "objetivo" mas não "real". 93
7. Principais Teses da Interpretação Ortodoxa
Para fechar o capítulo, apresentaremos as teses principais da
interpretação de Copenhague, que consiste basicamente de uma
síntese das visões de Bohr, Heisenberg, Pauli, Born, Dirac,
Rosenfeld, etc. Esta visão ortodoxa deve ser distinguida da chamada
interpretação de Princeton, representada por von Neumann, Wigner,
etc., que atribui maior importância à função de onda l/f e ao seu
colapso (uma visão ondulatória positivista).
1) Postulado Quântico. Há uma descontinuidade essencial
na absorção e emissão de radiação pela matéria, incluindo no
processo de medição. Tais processos se dão em quanta de energia
discretizados e de localização bem definida.
2) Linguagem Clássica. Só temos acesso ao mundo
microscópico através de aparelhos macroscópicos, e a descrição da
aparelhagem experimental e dos resultados das medições só pode ser
feita na linguagem da Física Clássica.
3) Distúrbio lnteracional. Como conseqüência do postulado
quântico, é impossível controlar os distúrbios provocados no objeto
microscópico pela interação com o aparelho de medição.
4) Positivismo. A teoria quântica só trata das observações
(ou medições) de objetos microscópicos, de forma que não faz
97
9 1Ver a análise feita por:
STAPP, H .P. (1985), "Bell's
Theorem and the Foundations
of
Quantum
Physics",
American Joumal of Physics
53, 306-1 7, especificamente
nas pp. 311 (seção X) e 312
(2il coluna).
92BORN, M. (1949): Natural
Philosophy of Cause and
Chance, Oxford U. Press,
Londres.
105-6.
Citação das pgs.
93HE!SENBERG (1958), op.
cit. (nota 14), cap. VIII (p. 78
da edição brasileira de 1981 ).
Em geral, porém, ele não
fazia esta distinção, como na
p. 145 de HEISENBERG, W .
([1969] 1996): A Parte e o
Rio
de Janeiro:
Todo.
Contraponto. Edições anterio-
res: Der Teil und das Ganze
(1969),
Munique:
Piper;
Physics and Beyond (1971 ),
Nova Iorque: Harper & Row;
Diálogos
Atómica
Verbo.
sobre
Física
(197 5),
Lisboa:
98
Conceitos de Física Quântica
sentido referir-nos a uma realidade independente do sujeito
(observador).
5) Totalidade. Para dar conta do fenómeno quântico, é
preciso considerar não só o objeto quântico, mas também todo o
aparelho experimental, incluindo partes localizadas à distância.
6) Complementaridade (Dualidade Onda-Partícula). Um
experimento pode ser compreendido em um quadro corpuscular, ou
em um quadro ondulatório, mas nunca nos dois ao mesmo tempo.
Ou seja, se houver padrões de interferência, não pode haver
inferência sobre trajetórias, e vice-versa. Além desta "exclusão
mútua", essas duas descrições "exaurem" a descrição do objeto.
7) Grandezas Incompatíveis. Não é possível medir
simultaneamente grandezas incompatíveis como posição e momento.
Não faz sentido atribuir simultaneamente valores bem definidos para
grandezas incompatíveis.
8) Quebra do determinismo. Não faz sentido defender o
determinismo no mundo microscop1co. A imprevisibilidade
observada em experimentos quânticos é expressa no formalismo
pelo fato de que apenas podemos calcular probabilidades. As
probabilidades são inelirnináveis, não devendo ser interpretadas de
maneira meramente epi têmica. Levando em consideração a tese
positivista, o mundo é efetivamente" (para todos os efeitos)
indeterminista.
9) Completeza. A descrição quântica, mesmo para objetos
individuais, é completa ão faz sentido postular variáveis ocultas,
dado que sua postulação não traz nenhuma previsão nova.
10) Simetria de Representação. É igualmente aceitável
representar um sistema nas representações de posição ou de
momento. Nenhum observável tem privilégio ontológico, ao
contrário do que ocorre na teoria da onda piloto, que privilegia a
representação espacial.
Capítulo XIV
REALISMO E POSITIVISMO
1. Realismo em Geral
Você é um realista? Distingamos primeiramente um sentido
"ontológico" (relativo às essências das coisas, ao "ser" das coisas) e
um sentido "epistemológico" (relativo ao conhecimento). O realismo
ontológico é a tese de que existe uma realidade lá fora que é
independente de nossa mente (ou de qualquer mente), de nossa
observação. A negação desta tese é chamada de idealismo, que pode
assumir vanas formas, conforme veremos. O realismo
epistemológico afirma que é possível conhecer esta realidade, ou
seja, que nossa teoria científica também se aplica para a realidade
94
não observada. Exploraremos inicialmente essas teses no nível do
conhecimento individual, para depois analisarmos a forma que o
realismo epistemológico assume quando consideramos o conhecimento científico - o chamado de realismo científico.
Para começar, devemos salientar que o termo "realismo" tem
mudado de significado ao longo da história. Na filosofia medieval, o
realismo era a tese de que os universais ("a árvore", "a cadeira", "o
homem") existem antes das coisas particulares, tese esta que estava
associada à filosofia de Platão. A esta posição se opunha o
nominalismo, segundo o qual os universais são meros nomes, e a
realidade só se refere ao particular do mundo físico atual (Guilherme
de Occam, século XIV).
No século XIX o termo "realismo" surgiu principalmente
nas artes como reação ao romantismo. Este último apresentava uma
atitude holística, orgânica, intuitiva, idealizadora, que em ciência
influenciou a Naturphilosophie (início do século: Goethe, Schelling,
Oersted). A reação realista nas artes realçava o cotidiano e o social,
tendendo a ser politicamente mais progressista.
Na ciência, o realismo estava associado ao mecanicismo e ao
atomismo, com uma valorização da quantificação e do método
hipotético-dedutivo95 . Ele se contrapunha ao positivismo, originado
com A. Comte e defendido por E. Mach e energeticistas como W.
Ostwald. Para o positivismo, qualquer especulação sobre mecanismos ocultos deve ser evitado. Só tem sentido tecer afirmações sobre
o que é observável, verificável. Uma sentença "sem sentido" é
aquela para a qual não há um método para verificar se ela é verdadeira ou falsa. Por exemplo, a frase "a realidade física existiria mesmo que não existisse nenhum observador" seria sem sentido. Para o
realista, porém, tal frase não só tem sentido como é verdadeira.
99
94Na literatura mais recente
de filosofia da física de
língua inglesa, é costume
fazer uma distinção entre
"realismo de entidade", que
seria sinônimo de realismo
ontológico, e "realismo de
propriedade'', que atribui
existência às propriedades
(autovalores associados a
observáveis) mesmo antes de
qualquer medição.
95BRUSH, S. (1980): "The
Chimerical Cat: Philosophy
of Quantum Mechanics in
Historical
Perspective",
Social Studies of Science 1O,
393-447.
Conceitos de Física Quântica
100
96uma história da influência
do positivismo de Mach tanto
na
Física
quanto
na
Psicologia é apresentada por
HOLTON, G. (1993), "Ernst
Mach and the Fortunes of
Positivism", in Science and
Anti-Science, Harvard U.
Press, Cambridge, pp. 1-55.
No século XX, a questão de como fundamentar o uso da
matemática na ciência levou ao "positivismo lógico" (Viena: M.
Schlick, R. Camap) e "empirismo lógico" (Berlim: H. Reichenbach).
Formas abrandadas dessas correntes tiveram bastante força até o
início da década de 1960, na filosofia da ciência. Na década de 50,
iniciou-se uma reação contra o positivismo lógico, centrando-se fogo
especialmente no seu "empirismo", a tese de que as observações são
bases seguras para se construir a ciência (K. Popper, W. Quine). Por
um lado, autores "relativistas" (M. Polanyi, N.R. Hanson, P. Feyerabend, T. Kuhn) atacaram a ênfase excessiva na descrição lógica da
ciência, salientando que o conhecimento tem um componente
intuitivo, e que ele está sujeito às circunstâncias históricas e sociais.
De outro lado, a corrente do "realismo científico" (G. Maxwell, H.
Putnam) foi elaborada, e tentaremos esboçá-la adiante.
Em outros campos, fora da filosofia da ciência, o
"positivismo" foi também bastante atacado, tendo-se tornando até
um termo depreciativo. Este sentido negativo parece ter surgido
com as teorias positivistas em Ciências Humanas (inclusive na
Educação), como o "behaviorismo" em Psicologia, que simplifica ao
máximo a representação que se tem do ser humano, focalizando seu
estudo apenas na relação entre estímulo e resposta (os dados
"positivos"). 96 Tal abordagem pode ser usada para se justificar a
manipulação e dominação de homens por outros homens, tendo sido
bastante criticada, como por exemplo pela Escola de Frankfurt (T.
Adorno, J. Habermas etc.). Salientemos então o seguinte: no
presente estudo, iremos nos concentrar na discussão entre formas de
realismo e anti-realismo nas Ciências Naturais, onde "positivismo"
não é necessariamente um termo depreciativo.
2. Os Problemas do Conhecimento
97HESSEN, J. (1999), Teoria
do Conhecimento, Martins
Fontes, São Paulo. Original:
Erkenntnistheorie,
Düm-
mlers, Colônia, 1926. NIINILUOTO, I. (1987), "Varieties
of Realism", in LAHTI, P. &
MITTELSTAEDT, P. (orgs.),
Symposium on the Foundations of Modern Physics
World
Scientific,
1987,
Cingapura, pp. 459-83.
Um ponto crucial para entender as diferentes formas do antirealismo, ou o que significam os diferentes "ismos" filosóficos, é
considerar o tipo de pergunta que cada um responde. Adaptaremos
aqui as análises feitas pelo filósofo alemão Johannes Hessen e pelo
filósofo da ciência finlandês Ilkka Niiniluoto97 .
Consideremos primeiramente o problema ontológico da
existência de uma realidade independente do sujeito ou de uma
mente. Já mencionamos que o realismo ontológico afirma a
existência desta realidade; a negação desta tese recairia em um
"idealismo ontológico", que é mais conhecido como idealismo
subjetivista. A forma mais radical desta é o "solpsismo", segundo o
Capítulo XIV: Realismo e Positivismo
qual a realidade se resume ao conteúdo do meu pensamento: a
realidade seria uma espécie de sonho em minha mente. Uma forma
menos radical é a doutrina do "esse est percipi" (Berkeley, séc.
XVIII), segundo a qual só existe aquilo que é percebido por alguém.
Berkeley termina por defender um idealismo objetivo, porque a
realidade externa existiria enquanto atividade mental de Deus. Tal
idealismo é consistente com o realismo ontológico. Vemos assim
que o idealismo não surge apenas como negação do realismo
ontológico. Um idealismo epistemológico98 (que negaria o realismo
epistemológico) defenderia a impossibilidade de se conhecer
entidades independentes de qualquer sujeito cognoscente.
Podemos aceitar a existência de uma realidade exterior e
colocar o problema epistemológico que Hessen chama de problema
da "essência do conhecimento": é o objeto que determina o sujeito
(realismo), ou é o sujeito que determina o objeto do conhecimento
(idealismo)? O idealismo transcendental daquele que é considerado
o mais importante filósofo moderno, o alemão Immanuel Kant (séc.
XVIII), adota uma posição intermediária: aceita a existência de
coisas-em-si ("noumeno"), mas considera que a ciência só tem
acesso às coisas-para-nós, os "fenómenos". Tais fenómenos, porém,
seriam organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo,
sendo assim em parte dependentes do sujeito (isso também é
defendido pelo idealismo conceitua[ de N. Rescher, 1973). A
causalidade, por exemplo, não existiria na realidade, mas seria uma
"categoria do entendimento", uma estrutura cognitiva sem ·a qual a
própria compreensão do mundo seria impossível.
No outro extremo, um tipo importante de realismo é o
materialismo, para o qual apenas a matéria (e energia) existe ou é
real: processos mentais seriam "epifenómenos" causados por
processos materiais. O marxismo, uma forma de materialismo,
considera que as ações humanas são determinadas pelos aspectos
económicos.
Consideremos agora um outro problema epistemológico, que
é o da "possibilidade do conhecimento": pode o sujeito apreender o
objeto, pode ele conhecer verdades a respeito do mundo? Diferentes
formas de realismo afirmam que sim, enquanto que a negação desta
tese se chama ceticismo. Dentre as atitudes intermediárias podemos
mencionar o pragmatismo (séc. XIX: C.S. Peirce, W. James), que
leva em conta apenas as conseqüências práticas das idéias, e que é
uma forma de relativismo. O relativismo considera que nosso
conhecimento e as verdades dependem do contexto psicológico e
social no qual nos encontramos.
Por fim, consideremos o problema da "origem do conhecimento": é a razão ou é a experiência a fonte e a base do
101
H. ( 1980),
"Philosophical Interpretations
of Quantum Physics", in
Mehlberg, Time, Causality,
and the Quantum Theory, vol.
2 (Boston Studies in the
Philosophy of Science 19),
Reide!, Dordrecht, pp. 3-74.
98MEHLBERG,
Ver p. 8.
102
98a OLDROYD, D. (1986),
The Arch of Knowledge - An
lntroductory Study of the
History of the Philosophy and
Methodology of Science, Methuen, Londres, p. 169. Este
autor se baseia em KOLAKOWSKI, L. (1968), Alienation of Reason: A History of
Positivist Thought, Doubleday, Garden City (original em
polonês: 1966).
Conceitos de Física Quântica
conhecimento humano? O empirismo considera que a única fonte de
conhecimento é a experiência. Conhecimento sobre o que existe não
pode ser obtido de maneira "a priori". Os significados das idéias
seriam redutíveis aos dados da experiência (séc. XVII-XVIII: F.
Bacon, J. Locke, D. Hume). O sensacionismo (em inglês: "sensationalism") ou "empirismo radical" enfatiza que as idéias são
redutíveis às sensações (sense data), e no final do séc. XIX esta
posição foi defendida pelo "empirio-criticismo" de Ernst Mach. A
posição de Mach também é considerada uma forma de idealismo
subjetivista, devido à tese de que "o mundo consiste apenas de
sensações". Uma forma mais pragmática de empirismo é o
fisicalismo, para o qual os termos descritivos da linguagem se
referem a objetos físicos (não sensações) e suas propriedades, e são
definidos "operacionalmente''. Para o operacionismo (década de
1920: P. Bridgman) todo conceito científico é sinônimo do conjunto
de operações físicas associados ao processo de medi-lo.
O ponto de vista oposto ao empirismo é o racionalismo (ou
melhor, intelectualismo), que defende que o critério de verdade não é
sensorial mas intelectual e dedutivo (R. Descartes, séc. XVII).
Verdades básicas são evidentes para a razão, e outras verdades são
dedutíveis destas. A posição de Kant pode ser considerada
intermediária entre o empirismo e o racionalismo.
Para finalizar, salientemos que o positivismo não envolve uma
tese única, mas consiste de quatro afirmações principais98ª: (i)
Descritivismo: só faz sentido atribuir realidade ao que for possível
descrever, observar. (ií) Demarcação: teses científicas são
claramente distinguidas de teses metafísicas e religiosas, por se
basearem em "dados positivos" (são verificáveis). (iii) Neutralidade:
o conhecimento científico deve ser separado de questões de
aplicação e de valores. (iv) Unidade da ciência: todas as ciências têm
um método único, baseado no empirismo e na indução.
3. O Realismo Científico
Agora nos concentraremos na interpretação realista de uma
teoria física , que inclui três afirmações básicas: 1) Realismo
ontológico: existe uma realidade física que independe do conhecimento e da percepção humana. 2) Realismo científico: As
proposições de uma teoria têm "valor de verdade", isto é, são ou
verdadeiras ou falsas, de acordo com a teoria da verdade por
correspondência. Assim, uma teoria física serve para "explicar"
fenômenos em termos da realidade física subjacente, e não apenas
Capítulo XIV: Realismo e Positivismo
para prevê-los. 3) Realidade dos termos teóricos: a teoria pode
conter "termos teóricos" que se referem a entidades físicas que não
são diretamente observadas.
Além dessas características, costuma-se adicionar mais três
afirmações para uma interpretação realista99 : 4) Realismo metodológico: atingir a verdade é a meta principal da ciência. 5) Realismo
convergente (K. Popper): as teorias físicas se aproximam cada vez
mais da verdade, sem talvez nunca atingi-la de maneira completa. 6)
Inferência para a melhor explicação: a melhor explicação para o
sucesso prático da ciência é a suposição de que as teorias científicas
são de fato aproximadamente verdadeiras.
A negação de uma ou outra das teses expostas acima constitui
formas de anti-realismo, no contexto de teorias científicas. O
relativismo nega que existam verdades únicas a serem descobertas
pela ciência (anarquismo epistemológico de P. Feyerabend), sendo
tudo fruto de uma negociação no âmbito das comunidades científicas
(T. Kuhn, nova sociologia da ciência). Esta concepção está por trás
da "verdade pragmática" que se opõe à verdade por correspondência. 100
Uma negação do realismo científico é também feita pelo
instrumentalismo, que pode ser "forte" ou "fraco". O instrumentalismo forte nega que as teorias científicas tenham valores de
verdade, e que elas expliquem uma realidade subjacente aos dados
experimentais. Teorias seriam meramente esquemas lingüísticos que
permitem fazer previsões sobre observações, e que organizam estas
de maneira econômica.
Já um instrumentalismo fraco não nega que sentenças teóricas
(relativas a entidades não-observáveis) tenham valores de verdade,
mas nega que isto tenha qualquer importância na ciência (negando a
teste 4 ). O que seria importante seria a solução de problemas (L.
Laudan) ou a adequação empírica (B. van Fraassen).
A negação da tese 3 recai no descritivismo, que está associada
ao positivismo. Uma maneira de negar o realismo convergente (tese
5) é o convencionalismo, defendido na passagem do século por H.
Poincaré, segundo o qual a forma particular da teoria adotada tem
diversos elementos convencionais, já que outras · teorias
empiricamente equivalentes são possíveis.
103
99ver NIINILUOTO, op. cit.
(nota 97), p. 467. Ver
também MURDOCH (1987),
op. cit. (nota 86), pp. 200-7.
Para mais sobre o realismo,
consultar: LEPLIN, J. (org.)
(1984), Scientific Realism, U.
of California Press, Berkeley;
TOULMIN, S. (org.) (1970),
Physical Reality, Harper &
Row, Nova Iorque.
1OOPara uma excelente introdução à problemática da
verdade, ver HAACK, S.
(1998), Filosofias das Lógicas, Ed. Unesp, São Paulo,
cap. 7; original: Philosophy
of Logics, Cambridge U.
Press, 1978. Em português,
ver também: DA COSTA,
N.C.A. (1997) , O Conhecimento Científico, Discurso
Editorial, São Paulo, cap. III.
4. Anti-Realismo na Física Quântica1 1
O anti-realismo que
está associado à Mecânica Quântica envolve pelo menos três níveis
epistemológicos: i) no nível de teoria cientifica, o instrumentalismo
afirma que a Mecânica Quântica não
passa de um instrumento para fazer previsões experimentais; ii) no
nível da essência do conhecimento. o idealismo afirma aue a
Conceitos de Física Quântica
104
101 Dentre os que enfatizaram
o realismo de Bohr estão
Hooker (1972), Folse (1985),
Honner (1987) e Murdoch
(1987). Dentre os que
enfatizam seu não-realismo,
encontramos Fine (1986),
Krips (1987) e Faye (1991).
Estas referências, uma introdução ao problema, e vários
artigos sobre Bohr podem ser
encontrados em: FAYE, J. &
FOLSE, H.J. (orgs.) (1994):
Niels Bohr and Contemporary Philosophy, (Boston
Studies in the Philosophy of
Science
153),
Kluwer,
Dordrecht (Holanda).
nível da essência do conhecimento, o idealismo afirma que a
consciência humana tem um papel importante na determinação do
estado do objeto; iii) no nível do significado ou da origem do
conhecimento, o positivismo nega que faça sentido afirmar a
existência de entidades não observáveis ou afirmar proposições não
verificáveis.
Na discussão sobre o realismo científico, tem-se declarado que
"o realismo morreu, quem o matou foi a Física Quântica" (A. Fine,
1982). Não examinaremos em detalhes, aqui, a viabilidade das
interpretações realistas da Mecânica Quântica, mas queremos apenas
sublinhar que quem morreu nos anos 70 não foi o realismo em geral,
mas um certo tipo que chamaremos de realismo classicista, a tese de
que a realidade tem uma estrutura próxima às nossas concepções e
intuições clássicas a respeito do mundo.
Relembremos três capítulos do anti-realismo na história da
física quântica.
(I) O primeiro capítulo está associado à noção de
complementaridade: "uma realidade independente no sentido físico
ordinário não pode ser atribuída nem aos fenômenos, nem aos
agentes da observação" (Bohr, 1928). Defendia-se que a teoria só
trata do observável: uma realidade não-observada pode até existir
mas ela não é descritível pela linguagem humana. A posição de Bohr
modificou-se . em 1935 (ver seção XIII.5), e há uma controvérsia
sobre o grau de positivismo ou instrumentalismo da visão de Bohr'º'.
Mas mesmo após esta época manteve-se o chamado "relacionismo",
segundo a qual a realidade observada é fruto da relação entre sujeito
e objeto, sendo dependente das escolhas ou vontade do observador
("voluntarismo" de von Weizsacker).
(II) O segundo capítulo é uma forma de idealismo subjetivista
associada a uma consciência legisladora. Ela surge da tese de que o
colapso associado a medições só é causado pela observação humana:
"a transformação irreversível no estado do objeto medido" seria
devida à "faculdade de introspecção" ou ao "conhecimento
imanente" que o observador consciente tem de seu próprio estado
(London & Bauer, 1939). Filósofos adoram explorar os paradoxos
trazidos por esta posição, como no exemplo do gato de Schródinger,
mas o consenso parece ser que tal posição radical é desnecessária
(apesar de consistente). A interpretação dos estados relativos de
Everett (seção IX. l) resolve problemas semelhantes sem atribuir um
papel legislador à consciência, mas supondo que esta possa entrar
em superposições quânticas.
(III) O terceiro capítulo do anti-realismo está associado ao
Capítulo XIV: Realismo e Positivismo
trabalho de John S. Bell, que mostrou que qualquer teoria realista
que satisfaça a propriedade de "localidade" (salvo algumas
exceções) é inconsistente com a Teoria Quântica. Quem morreu com
este resultado não foram as teorias realistas não-locais (como a de
David Bohm), mas sim boa parte do realismo local, uma variedade
de realismo classicista que defende que, na realidade, os sinais
sempre se propagam com uma velocidade menor ou igual à da luz
(ver cap. XXVII).
Alguns outros exemplos de suposições classicistas que são
violadas por alguma interpretação da Teoria Quântica (além da
localidade) são: determinismo, corpuscularismo (a matéria é
composta de partículas), a tese de que o mundo existe em quatro
dimensões, de que eventos presentes não afetam o passado, de que
emissões de partículas oc01Tem em instantes bem determinados, etc.
Apesar do classicismo estar em geral associado ao realismo,
notamos que o classicismo pode ser em ·boa parte adotado por
abordagens positivistas, como é o caso da interpretação da
complementaridade de Niels Bohr.
105
Capítulo XV
EXPLORANDO A COMPLEMENTARIDADE
1. Experimentos com Pá Giratória
Às vezes raciocinamos da seguinte forma: "se não sabemos
qual é a trajetória, então o fenómeno é ondulatório e haverá
interferência" . Este raciocínio nem sempre funciona, mas ele pode
ser substituído por outro correto: "se em princípio for impossível
distinguir as trajetórias, então o fenómeno será ondulatório e haverá
interferência".
Ilustremos isso, no interferómentro de Mach-Zehnder, por
meio de uma pá giratória (chopper) que é colocada após S 1 (Fig.
XV.1). Essa pá é preparada de forma que quando o componente A se
propaga, o componente B é bloqueado, e vice-versa. Poderíamos
supor também que as escolhas de qual fenda bloquear e de quanto
tempo manter o bloqueio fossem aleatórias.
Qual seria o
comportamento dos fótons?
É mais ou menos fácil de intuir que cada pulso chegará em S2
ou por A, ou por B, e que portanto não haverá interferência; 50% das
contagens serão registradas em cada detector. No entanto, neste caso
não sabemos por qual caminho a partícula veio. Costuma-se afirmar,
porém, que em princípio poderíamos descobrir o caminho. Como
fazer sentido desta afirmação, no contexto positivista da
interpretação da complementaridade?
Uma saída é considerar que é possível fazer uma "medição
clássica" da posição da pá, no instante que quisermos. Tal medição
clássica seria caracterizada pelo fato de a medição não provocar
nenhum distúrbio no estado quântico da luz. Poder-se-ia determinar
a posição da pá através de um tênue feixe de luz iluminado em
algum ponto da pá (longe do feixe do interferómetro).
Outra versão com bloqueador envolve o experimento de duas
fendas. O que ocorre neste caso com o padrão de interferência? Para o
ponto central na tela de detecção (situado à mesma distância das duas
fendas), a situação é análoga ao do interferómetro de Mach-Zehnder.
Para outras regiões da tela, porém, as franjas de interferência podem
se manter, dependendo (para cada região) da velocidade de rotação da
pá (Mandel, 1959). Para entender isso, é só lembrar que o tempo que a
luz demora para ir de cada fenda para estas regiões é diferente. As
franjas aparecem quando cada componente consegue passar sem ser
bloqueado pelas pás, um num instante t 1 e o outro em outro instante,
t2 . Tal experimento óptico foi realizado em 1972 por Sillitto &
102
Wykes •
107
102 No caso óptico, é preciso
supor também que o intervalo
de tempo tF entre o fechamento de uma fenda e a
abertura da outra é menor do
que o "tempo de coerência" te
do feixe de luz. M ANDEL, L.
(1959): "On the Possibility of
Observing Interference Effects
with Light Beams Divided by
a Shutter", Journal of the
Optical Society of America 49,
SII..LIITO, R.M. &
K. (1972): "An
Interference Experiment with
Light Beams Modulated in
Anti-Phase by an ElectroOptic Shutter", Physics Letters A 39, 333. Uma versão
para nêutrons foi proposta por:
BROWN, H.R.; SUMMHAMMER, J. ; CALLAGHAN, R .E. &
KALOYEROU, P. (1992) : "Neutron
Interferometry
with
Antiphase Modulation", Physics Letters A 163, 21 -25.
931-33.
WYKES,
Conceitos de Física Quântica
108
Figura XV. J. Interferômetro de Mach-Zehnder
com pá giratória.
2. Interferometria com Polarizadores
Uma onda em uma corda pode o cilar rransversalmente na
vertical ou na horizontal: estas são duas direções ortogonais de
polarização. Dizemos que elas são ·'ortogonais porque qualquer
alteração na amplitude em uma das direções de oscilação não levará
a alteração alguma na outra direção. Elas são independentes.
(Comparar com a definição de ortogonalidade apresentada na seção
IV.l.)
Pode-se produzir um feixe de luz polarizado usando um
filtro polarizador. Este consiste de um filme cheio de moléculas
compridas, orientadas paralelamente, nas quais os elétrons oscilam
facilmente ao longo da direção de comprimento. Quando a luz incide
no polarizador, os elétrons absorvem o componente de luz oscilando
ao longo do comprimento da molécula, e deixam passar o
componente ortogonal. Um feixe de luz inicialmente não-polarizado
que passa por um polarizador tem ua intensidade reduzida à metade.
Considere um feixe de luz que já passou por um polarizador,
estando assim preparado com polarização linear numa direção que
chamaremos de 0°, e tendo uma intensidade 10 . Ao passar por um
outro filtro orientado a um ângulo 8, a intensidade final do feixe será
(lei de Malus):
(XV.1)
Capítulo XV: Explorando a Complementaridade
109
Para um ângulo de e = 90º, a intensidade transmitida será
nula: dois polarizadores ortogonais colocados em sucessão não
deixarão passar nenhuma luz.
Curiosamente, se um terceiro polarizador, orientado em uma
direção diferente de Oº e 90º (como 45º), for colocado entre os dois
polarizadores ortogonais (Fig. XV.2), alguma luz passará pelos
Se pensarmos que cada polarizador "mede" a
polarizadores!
polarização de um fóton sem afetar seu estado, a situação seria realmente paradoxal. Mas sabemos que na Mecânica Quântica as
medições alteram o estado do objeto: ao ' medir" a polarização a 45º
de um feixe inicialmente polarizado a Oº, altera-se brutalmente o
estado de polarização dos fótons.
(a)
LUZ
(b)
LUZ
Figura XV.2. (a) A luz não
passa por polarizadores
ortogonais (O º e 90º).
(b) Mas 114 do feixe passa
quando um filtro a 45º for
inserido.
Existem prismas especiais que dividem um feixe luminoso
em dois componentes de polarização ortogonais, sem absorver parte
do feixe, como faz o filtro polarizador. Tais cristais
"birrefringentes", como a calcita, desempenham um papel análogo
ao imã de Stern-Gerlach para spins (Fig. XV.3).
O que acontece quando dois feixes polarizados em direções
ortogonais se superpõem? Suponha que eles tenham o mesmo
comprimento de onda e uma defasagem de 77. Podemos escrever o
estado quântico (normalizado) do feixe, após a superposição, da
seguinte forma:
(XV.2)
Digamos que cada um dos componentes tem uma amplitude
lfl. Se os componentes estiverem em fase ( 77 = 0), a onda resultante
oscilará na direção 45° com amplitude ..Ji l/f. Se estiverem fora de
fase (77 = n), a onda terá polarização linear na direção 135º. Se elas
estiverem defasadas em 1A ou % de comprimento de onda (77 = n/2
110
Conceitos de Física Quântica
ou 3n/2), a resultante será circularmente polarizada para direita ou
para esquerda, com a mesma amplitude .J2 lfl obtida anteriormente.
Neste caso, ver-se-ia o vetor polarização descrever um movimento
circular. Para outras defasagens, a polarização resultante é chamada
de "elíptica".
oº
(a)
Figura XV.3. (a) Prisma
birrefringente (como o de
· Wollaston) divide um feixe
de luz em componentes
ortogonais. (b) É possível
recombinar o feixe e obter
a
polarização
inicial
(Jamin, 1868).
PRISMA DE
WOLLASTON
90°
(b)
--~~~---~::::::_:
__ _
45°
LENTE FINA
Em todos os casos, a intensidade do feixe superposto é a
mesma, sendo o dobro das intensidades dos componentes. Não há,
portanto, superposição construtiva e destrutiva, no caso de ondas
ortogonalmente polarizadas. Assim, não ocorrem f enômenos de
interferência com componentes ortogonalmente polarizados!
Ilustremos o que acabou de ser dito considerando um
interferômetro de Mach-Zehnder no qual um filtro polarizador F 1,
orientado a Oº, é colocado no caminho A e um F 2 , a 90º, em B (Fig.
XV.4a). Neste caso, deixará de haver superposições construtiva e
destrutiva. Se o feixe inicial não for polarizado, ou, para simplificar
nosso raciocínio, estiver preparado com uma polarização linear a
45º, então 50% do feixe cairão no detector D1, 50% em D2•
111
Podemos neste caso considerar o fenômeno corpuscular?
Bem, é verdade que com a montagem da Fig. XV.4a não podemos
determinar trajetórias, mas poderíamos determiná-las, em princípio.
Por exemplo, se substituíssemos cada detector por um prisma
birrefringente (P 1, P 2) seguido de dois detectores (um para cada
componente ortogonalmente polarizado saindo do prisma),
poderíamos estabelecer as trajetórias (Fig. XV.4b). Este fenômeno é
claramente corpuscular. Por analogia, o da Fig. XV.4a poderia
também ser chamado de corpuscular: é assim que a interpretação da
complementaridade o considera.
LASER
Figura XV.4.
Duas
versões de f enômeno corpuscular com polarizadores.
45"
112
Conceitos de Física Quântica
Porém, lembremos que um fenômeno só se estabelece
quando a medição se completa. Por exemplo, se, antes dos feixes
polarizados passarem por S2, filtros polarizados F3 e F4 orientados a
45° forem inseridos nos caminhos dos componentes A e B (uma
"escolha demorada", como o da seção III.3), as superposições
construtiva e destrutiva voltam a ocorrer (Fig. XV .5a) ! Todos os
fótons transmitidos erão detectados em D 1, nenhum em D2 !
Um experimento de escolha demorada mais radical pode ser
feito inserindo-se os polarizadores não antes de S2 , mas depois (Fig.
XV.5b)! Neste caso se F 3 e F 4 estiverem orientados a 45º, o
fenômeno será ondulatório, de acordo com a interpretação da
complementaridade. Cada fóton atingirá D1, nenhum D2! Se o
componente A tiver um defasador que modifica progressivamente a
fase relativa 1') , obteremo um padrão de interferência em cos2 77
(como o da Fig. II.4).
É instrutivo analisar o experimentos das Figs. XV.5a e 5b
usando a interpretação ondulatória. o primeiro, ocorre de fato
superposições construtiva e destrutiva em S2 ; no segundo, não ocorre
superposição destrutiva, mas o feixe orientado a 135º que ruma para
D 2 acaba sendo totalmente bloqueado por F 4 (que está orientado a
45°).
Pequenas variações ne: as montagens esclarecem diversos
aspectos da complementaridade de arranjos experimentais. Por
exemplo, considere a Fig. XV.5b, com F3 mantendo-se orientado a
45°, mas F4 posicionado a Oº. Um fóton que é detectado corresponde
a um fenômeno ondulatório ou corpuscular? Isso depende de qual
detector é acionado. Se o fóton em questão for detectado em D 1,
teremos um fenômeno ondulatório; se for detectado em D2 ,
saberemos que ele veio pelo caminho A, e portanto o fenômeno é
corpuscular! Assim, o que determina o tipo de fenômeno registrado
não é somente o arranjo experimental macroscópico, mas também o
comportamento do quantum detectado.
3. Fenômenos Intermediários entre Onda e Partícula
Examinemos agora outra situação interessante. Se F 3 e F 4
estiverem orientados a 45°, o fenômeno é claramente ondulatório.
Se F 3 estiver orientado a Oº, e F 4 a 90°, o fenômeno é claramente
corpuscular. E se os polarizadores estiverem orientados em uma
direção intermediária? Se F 3 estiver orientado a 22,5°, e F 4 a 112,5º
(Fig. XV.6), o fenômeno é corpuscular ou ondulatório? Ora, ele é
um f enômeno intermediário entre corpuscular e ondulatório!
Podemos dizer que ele é 50% corpuscular e 50% ondulatório.
Capítulo XV: Explorando a Complementaridade
113
LASER
(a)
Figura XV.5. Duas montagens de fen ômeno ondulatório com polarizadores.
À primeira vista, a existência de fenômenos intermediários
parece ser um problema para a interpretação de complementaridade,
para a qual onda e partícula são "aspectos complementares, mas
mutuamente excludentes, da descrição". Porém, mostra-se que para
cada fenômeno intermediário existe um outro que lhe é complementar.
Enfim, o fato de um fenômeno nunca exibir simultaneamente os dois
aspectos de maneira total não implica que tais fenômenos não possam
aparecer simultaneamente de maneira "parcial".
114
103 WOOTERS, W.K. &
ZUREK, W.H. (1979): "Complementarity in the DoubleSlit Experiment: Quantum
Non-Separability and a Quantitative Statement of Bohr's
Principie", Physical Review D
19, 473-84. Reproduzido in
WHEELER & ZUREK (1983),
op. cit. (nota 6), pp. 443-54.
Sobre fenômenos intermediários no interferômetro de
Mach-Zehnder, ver: MITTELSTAEDT, P.; PRIEUR, A. &
SCHIEDER,
R.
(1987):
"Unsharp
Particle-Wave
Duality in a Photon SplitBeam Experiment", Foundations of Physics 17, 891 -903.
Conceitos de Física Quântica
Os primeiros a mostrar que há fenômenos intermediários
foram Wootters & Zurek, mas somente em 1979! Eles consideraram
um experimento de duas fendas com detectores especiais. No
interferômetro de Mach-Zehnder para um fóton, sem polarizadores,
também é possível obter fenômenos intermediários variando-se a
• fl etor s2. 103
translllltancia do espelh o sellll-re
•
A
•
LASER
Figura XV.6. Fenómeno
intermediário entre onda e
partícula.
4. Interferômetro com Feixes Divergentes
Os experimentos descritos neste capítulo para o
interferômetro de Mach-Zehnder puderam ser realizados em sala de
aula, no regime clássico (ou seja, sem podermos discernir fótons
individuais). Neste interferômetro didático, porém, o feixe é
levemente divergente, e o alinhamento do interferômetro é bastante
inexato. O resultado disto é que se observam padrões de interferência
espacial (do tipo da Fig. I.1) na parede, colocada no lugar dos
detectores D 1 e D2 da Fig. II.1. Isto difere da explicação dada na seção
II.1, onde toda a luz rumava para D 1 e nenhuma para D 2 .
Para entender a formação deste padrão, basta examinar a Fig.
XV.7, na qual a luz é representada por feixes levemente divergentes e
desalinhados de ondas circulares. Nas regiões indicadas por. setas
ocorre superposição construtiva; entre elas, superposição destrutiva.
Disto resulta um padrão espacial de franjas.
Capítulo XV: Explorando a Complementaridade
1li
Ililillillill)11)ll)l))))))))))
-----
Fig. XV. 7. No inteiferômetro de Mach-Zehnder
com espelhos desalinhados,
surgem padrões de interferência espaciais. Ignorou-se o componente que
passa pelo último espelho e
ruma para baixo. As setas
indicam
superposição
destrutiva.
5. Visibilidade em Fenômenos Intermediários
Os padrões de interferência que temos considerado até aqui
envolvem regiões de escuridão total entre picos luminosos. Isto
caracteriza uma situação de "visibilidade" máxima. Se Im for a
intensidade de luz na região de luminosidade mínima de um padrão de
interferência, e IM a intensidade da região de máximo, então define-se a
visibilidade V do padrão da seguinte maneira:
V
Padrões com regiões totalmente escuras (Fig. XV.8a) têm visibilidade
V= 1. Padrões sem contraste algum, como ocorre tipicamente em
fenômenos corpusculares, têm visibilidade V=O (Fig. XV.8b).
Qual é o tipo de padrão gerado em fenômenos intermediários?
Justamente padrões com visibilidade entre O e 1, como o da Fig. XV.Se,
para o qual V= Yz . Tal padrão pode ser imaginado como a soma de um
padrão com V=O e de outro com V=l.
115
(XV.3)
Conceitos de Física Quântica
116
lvW Íi----V=O- , ~
1
)
X
(a)
X
(b)
X
(e)
Figura XV.8. Padrões de inteiferência com diferentes visibilidades V.
Tomemos outro exemplo. Se dizemos que um fenômeno é
33% corpuscular, isto ignifica que seu padrão de interferência pode
ser formado pela soma de um padrão com V=O, de intensidade 1/3, e
de um padrão com V= l, de intensidade média 2/3. Para um fóton
registrado em um certo detector, se tentarmos inferir sua trajetória por
retrodição, teríamos que dizer algo do seguinte tipo: "Este fóton tem
uma probabilidade de 33% de ter vindo pelo caminho A, e uma
probabilidade de 67% de não ter vindo por um caminho bem
definido". (Para o outro detector, diríamos algo semelhante com
referência ao caminho B). O fenômeno complementar a este fenômeno
seria um que fosse 6 % corpuscular e 33% ondulatório.
· Capítulo XVI
~
OATOMO
1. Modelo Ondulatório do Átomo
A imagem que temos de um átomo costuma ser bastante
influenciada pelo modelo semi-clássico de Niels Bohr (1913). De
acordo com este modelo, o elétron de um átomo pode se encontrar
em diferentes níveis de energia, e a transição entre estes níveis é
feita através de "saltos" abruptos e objetivos, independentemente da
presença de um observador (Fig. XVI.1).
. no curso d e M ecamca Quant1ca 104 , aprend emos que os
Depms,
níveis discretos de energia correspondem a autoestados sem posição
bem definida (Fig. XVI.2). Como devemos pensar nos elétrons neste
caso? Como uma nuvem homogênea, como se fosse um fluido
A
•
A
•
n
E( e V)
.
00
. :--:m:r-, . - fftf! r· -
~ -:~11
2
104As figuras XVI.l a 3
foram adaptadas a partir de
EISBERG, R. & RESNICK, R.
([1974] 1979): Física Quântica, Campus, Rio de Janeiro,
pp. 144, 155, 324.
o
-0,85
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1 --'"'"''"' '-- -----"----·--····
Lyman
100
130
Balmer
200
300
500
Paschen
1000
'
2000 l»( nm)
Figura XVI. l. (Em cima: ) Diagrama com os níveis de energia do átomo de hidrogênio, conforme
obtido por Bohr. (Embaixo:) Três séries de linhas espectrais do hidrogênio, obtidas através de
medições espectroscópicas. A energia do fóton emitido e detectado (que aparece no espectro) é a
diferença entre as energias dos níveis entre os quais pulou o elétron.
117
118
Conceitos de Física Quântica
eletromagnético? Ou como partículas que ocupam a cada instante
diferentes posições da nuvem de probabilidade? Veremos diferentes
interpretações para isso na seção seguinte.
1
n=1 ,R=O,m,=O
Figura XVl.2. Representação das ondas de probabilidade de um átomo de
hidrogênio, cada qual correspondendo a um estado
possível. O número quântico n designa auto-estados de energia; l designa
auto-estados de momento
angular total; me de
componentes de momento
angular na direção z.
Cada um destes autoestados pode ser populado
por dois elétrons, cada
qual com um número
quântico m, de spin diferente. Note que para um
dado n e f,, a soma dos
autoestados (para diferentes me) é esfericamente
simétrica.
n=2/ =1,mt=±1
n=3. C=O,m 1=0
n=3,f =2,m 1=0
Apesar de sabermos que os elétrons não se encontram em
órbitas de raio bem definido, mantemos a idéia de que um átomo
está sempre em um autoestado com energia bem definida, também
chamados de "estados estacionários". O nome estado estacionário se
justifica porque se um átomo isolado estiver neste estado, ele
permanecerá no mesmo estado com o passar do tempo. Ora, como os
fótons emitidos são detectados com energia bem definida, nada mais
natural do que supor que o átomo, antes da medição, j á se encontrava
Capítulo XVI: O Átomo
119
com energia bem definida. Certo? Errado! Na seção seguinte iremos
mostrar que um átomo pode estar numa superposição de autoestados
de energia.
Em 1924, Louis de Broglie forneceu uma explicação para as
órbitas discretizadas do modelo de Bohr, baseado na dualidade ondapartícula · (versão geral, seção I.1) que o próprio de Broglie
estabelecera. O elétron no átomo de hidrogênio teria uma onda
associada, e esta onda teria um comprimento de onda dado pela
eq.(I.1): À = h/p. Tal comprimento de onda variaria com a raiz
quadrada do raio da órbita do elétron: A oc J;. Pois bem, de Broglie
mostrou que as órbitas para o átomo de hidrogênio são aquelas cujas
circunferências correspondem a um número inteiro do comprimento
de onda À do elétron. As órbitas corresponderiam assim às "ondas
estacionárias" (no sentido usado na Física Ondulatória Clássica) em
torno do núcleo (Fig. XVI.3). Para estes raios, o que ocorreria é que
a onda associada ao elétron se move circularmente em torno do
núcleo, e quando ele dá uma volta completa, os máximos se
encontram em fase, de forma que há superposição construtiva. Nas
regiões fora destas órbitas estacionárias, as ondas se superporiam em
cada ponto às vezes construtivamente, às vezes destrutivamente, de
maneira que, na média, elas se cancelariam.
--- -- ---,
'
'
1
1
1
1
,'
''
,' n=2
I
'
'
'1
'1
,
I
n=3
,'
Eis então, grosso modo, a explicação ondulatória para os
níveis discretos de energia do átomo, adotada pelas interpretações
ondulatória e dualista realista. É possível construir um modelo
mecânico para o que ocorre na eletrosfera do átomo de hidrogênio, a
partir de uma série de aros metálicos concêntricos encostados uns
nos outros, conforme a Fig. XVI.4. Neste caso, uma haste radial
encostada nos aros vibraria verticalmente a uma freqüência
Figura XVJ.3. Modelo
ondulatório fo rnecido por
L. de Broglie para o átomo
de Bohr.
Conceitos de Física Quântica
120
constante. O que se observaria é que apenas alguns aros vibrariam
em ressonância com a haste, exibindo ondas estacionárias de
amplitude razoável, enquanto que os outros aros vibrariam
complicadamente de maneira não estacionária e sem uma amplitude
apreciável.
Figura XVl.4. Modelo mecânico da idéia de de Broglie.
Podemos escrever um autoestado associado à energia E e ao
momento angular m da seguinte forma:
(XVI.1)
A expressão exata para o vetor 11/1E.,, ( r)) é obtida resolvendo-se a
equação de Schrõdinger para o potencial coulombiano do átomo de
hidrogênio, acrescido do potencial do campo magnético externo (ver
Fig. XVI.2). A dependência temporal pôde ser fatorada ao resolver a
equação de Schrõdinger porque o potencial é independente do
tempo. O termo temporal pode ser interpretado como uma oscilação
ondulatória de freqüência (angular) m=Eltz, associado ao
comprimento de onda de de Broglie (Fig. XVI.3). De acordo com a
interpretação dualista realista, que se desenvolveu a partir dessas
idéias, podemos retratar uma partícula como sempre tendo uma
oscilação associada a ela.
Capítulo XVI: O Átomo
LI
2. A Energia do Átomo é sempre Discreta?
Como é que se mede a energia de um átomo?
Ora, pega-se um gás, excitam-se suas moléculas com um laser
sintonizado na energia desejada e, quando eles decaírem, os fótons
emitidos indicarão em qual estado excitado os átomos se
encontravam. Mas este experimento é meio bobo, pois a energia que
medimos nos fótons é igual à do laser!
Consideremos então a seguinte situação mais interessante. Um
campo magnético é colocado em torno de átomos de bário emitidos
em um feixe. O estado fundamental dos átomos é 6s (n = 6, JJ, = O,
me= O). Devido ao campo, o próximo nível, 6p (com JJ, = 1), passa a
ser dividido em três linhas de energia levemente diferentes, cada
qual associada a um momento angular diferente (nz =me= -1, O, 1).
Este é o efeito Zeeman, descoberto em 1896. O pulso de laser tem
uma duração muito curta (10- 12 s), de forma que sua energia é
"mal definida" (devido ao princípio de incerteza para energia e
tempo, que veremos em capítulo posterior), correspondendo a uma
largura de banda mil vezes maior do que a diferença de energia entre
os níveis atômicos 6p. Desta forma, o pulso de laser linearmente
polarizado acaba populando dois dos níveis excitados, correspondentes a m = -1 em=+ 1 (Fig. XVI.5). O átomo encontra-se então
em uma superposição de estados com energia bem definida:
(XVI.2)
(=1
}
L\E"" 4.1 o-s e V
::,.E = 0,36 e V
C=O
m,= O
Ba
Figura XVI.5. Níveis excitados do átomo de bário por um pulso curto de laser.
Conceitos de Física Quântica
122
Mas, mas .... Se medirmos a energia de um átomo, o que
observamos? Bem, em primeiro lugar, vamos explicar como é que se
mede a energia do átomo. Se o átomo está em um estado com
momento angular m = + 1, e ele decair para um estado fundamental
com m = O, o fóton emitido terá polarização circular em um certo
sentido (digamos, anti-horário). Se estiver com m = -1 , resultará
num fóton com polarização circular no sentido horário:
Emite fóton circularmente polarizado no sentido antihorário:
Estado inicial llf/E1 ,111 =-I )
1<fJ+)
Emite fóton circularmente polari- l<fJ-)
zado no sentido horário:
constante. O que se observaria é que apenas alguns aros vibrariam
em ressonância com a haste, exibindo ondas estacionárias de
amplitude razoável, enquanto que os outros aros vibrariam
complicadamente de maneira não estacionária e sem uma amplitude
apreciável.
Pela linearidade das evoluções unitárias, o estado da
eq.(XVI.2) resulta em um fóton no seguinte estado:
(XVI.3)
Medimos agora o observável polarização circular, utilizando um
analisador apropriado que separa os componentes l<P+) e lcp_), sendo
que cada componente incide em um detector. A probabilidade de
obter o autovalor correspondente ao primeiro termo é lad 2 , e do
2
segundo, la2 1. Ou seja, medindo as intensidades da luz que incidem
em cada detector, obtemos informação sobre o estado excitado
atômico (eq. XVI.1 ). ote que não conseguimos determinar por
completo este estado, pois a 1 e a 2 são coeficientes complexos (falta
determinar a fase relativa).
Para um único fóton detectado, se obtivermos o autovalor
correspondente a l<P+), podemos fazer uma inferência para o passado
(a retrodição que examinamos na seção XI.7) e concluir que o átomo
tinha energia bem definida E1; se o fóton cair no detector
correspondente a lcp_), concluímos que a energia era E 2 .
Vemos então em que sentido podemos dizer que um átomo
está sempre com energia bem definida. De acordo com a
interpretação da complementaridade (e também a interpretação
corpuscular), que aceita a retrodição, faz sentido dizer que o átomo
tem energia bem definida, após medimos sua energia. Para a
interpretação ondulatória não faz sentido dizer isso, pois ele estava
123
Capítulo XVI: O Átomo
no estado superposto, sem energia bem definida, descrito pela
eq.(XVI.2), e nenhuma escolha do observador vai mudar esta
realidade passada.
Muito bem. Vimos então que se medirmos a energia do
átomo, de acordo com a interpretação da complementaridade,
podemos dizer, após completada a medição, que o átomo tinha
energia bem definida antes da medição. Mas não poderíamos
medirum outro observável, um que não fosse "compatível" com a
energia? Sim, podemos! Basta substituir o analisador de polarizações
circulares por um analisador de polarização linear, que separe
componentes 1<fJo) e 1cp90 ) , linearmente polarizados a Oº e a 90º. A
relação entre esses estados é a seguinte:
lcp+) = }i-l<JJo) + Jzl(/)90),
1cp_) = Ji-1 (/)o) - Jz 1(/)90) ·
(XVI.4)
É só fazer as contas, e mostrar que o estado da luz emitida
(eq.XVI.3) é:
(XVI.5)
Agora aplicamos o algoritmo estatístico (seções V.3 e X.2), e
vemos que a probabilidade de um fóton ser detectado com
polarização Oº (o módulo quadrado do primeiro coeficiente da
equação acima) oscila com o tempo:
(XVI.6)
onde </J12 é a fase de a 1 a2 • • Esta oscilação é conhecida como
batimento quântico' 05 (Fig. XVI.6).
É plausível chamar este fenômeno de ondulatório (devido aos
batimentos), enquanto que o anterior é análogo a um corpuscular,
podendo talvez ser chamado de "fenômeno energético", pois nele
sabemos de qual nível veio o fóton . O que é certo, enfim (nomes a
parte), é que esses dois fenômenos são complementares: no primeiro,
não há como obter batimentos; no segundo, não podemos dizer que o
fóton foi emitido do nível E 1, nem de E2 . Hellmuth et al. (1987)
realizaram um experimento de escolha demorada entre estes dois
arranjos.
105uma introdução aos
batimentos quânticos é dada
por BLUM (1981), op. cit.
(nota 27), pp. 46-7, 133-8. Os
dados experimentais mencionados foram retirados de
HELLMUTH et al. (1987), op.
cit. (nota 11 ), enquanto que a
fi gura é da p. 649 de D ODD,
J.N. & SERIES, G.W. (c.
1976), "Time-Resolved Fluo-
rescence Spectroscopy'', pp.
639-77.
Conceitos de Física Quântica
124
6000
.
:\
3000···
2000 ..
1000··
\
Número de Contagens
por janela temporal de
aprox. 0,04 µs.
/ \
\.,{
~· Exper.imental
'
~~
Figura XVI.6. Batimentos quânticos (modulação de fluorescência) do estado 5p do cádmio. Os pontos fornecem as contagens medidas após um pulso de 200 ns, em um campo magnético de 34,5 µT.
Por fim, a última pergunta desta seção: se um fóton detectado
corresponder a Oº, qual é o estado inferido por retrodição?
Certamente não é um autoestado de energia, mas a segunte superposição destes: .Jz (llJ!E, ,m=+tJ + llJ!E 1 ,m=-tJ )· Será que o observável
correspondente a este autoestado (observável este que é incompatível
com a energia) tem nome?
3. O Átomo segundo as Diferentes Interpretações
A discussão que travamos na seção anterior é qualitativamente
igual à que tivemos para o interferômetro de Mach-Zehnder e para o
aparelho de Stern-Gerlach. Mesmo assim, nossa intuição a respeito
das propriedades quânticas tende a mudar neste caso. Imagine que o
estado da eq.(XVI.2) corresponda a um átomo na estrela Sírio. Será
possível que a escolha do observador possa determinar se aquele
átomo longínquo tinha energia bem definida ou não? Vejamos a
opinião de Mário Bunge, que se alia a uma visão que chamamos de
interpretação corpuscular:
"As medições espectroscópicas que nos permitem comprovar
a fórmula para os níveis discretos de energia do átomo de hidrogênio
não exercem a menor influência sobre os átomos que emitem a luz
que se está analisando. Por exemplo, os átomos de hidrogênio
irradiam no sol sem o nosso consentimento e sem serem afetados
pelos espectrógrafos terrestres. O observador se limita a analisar essa
Capítulo XVI: O Átomo
luz e, portanto, suas operações não influem nos processos de
emissão." 106
Ele está certo? Ora, sabemos que isto depende da
interpretação adotada. Vejamos o que cada uma diz sobre: (i) se o
átomo está sempre num nível discreto de energia; (ii) se o
observador pode afetar átomos à distância.
(1) Interpretação Ondulatória. Se o estado do átomo for um
autoestado de energia, como a eq.(XVI.1), então ele obviamente tem
energia bem definida, mas se o estado for uma superposição do tipo
da eq.(XVl.2), então ele não tem energia bem definida, mesmo que
façamos uma medição desta energia. Segundo a versão ingênua desta
interpretação, que estamos adotando no curso, a decisão do cientista
com relação ao que medir determina qual o estado final que se segue
ao colapso instantâneo no estado do átomo em Sírio. Porém, o
passado não muda com as ações no presente.
(2) Interpretação Corpuscular. Há uma tendência, nesta visão,
de conceber que o átomo está sempre em um nível discreto de
energia. Esta visão, porém, tem dificuldade de explicar os
batimentos quânticos. Autores como Popper, Bunge e Ballentine
(ver citação acima) se esforçam para mostrar que o observador não
influencia de maneira essencial os objetos quânticos, ao contrário do
que dizem, de uma maneira ou de outra, as outras interpretações.
(3) Interpretação Dualista Realista. Mesmo para o estado
superposto da eq.(XVl.2), o corpúsculo associado à onda tem a cada
instante uma energia bem definida, só que seu valor oscila com o
passar do tempo. Não há dificuldades em explicar os batimentos
quânticos, ou o experimento de escolha demorada. A decisão do
observador pode alterar instantaneamente a onda associada de um
átomo na estrela Sírio, mas, conforme veremos com o teorema de
Bell, isto não permite que se transmitam sinais instantâneos. Um
fato curioso: na teoria de David Bohm, para níveis atômicos de tipo
s, o elétron ficaria parado em relação ao núcleo, sem girar em torno
dele. Isto é contra-intuitivo, sendo considerado por muitos como um
defeito da interpretação.
(4) Interpretação da Complementaridade. Conforme mencionamos na seção anterior, se medirmos a energia do átomo (qualquer
que seja seu estado excitado), podemos sempre dizer, após a
medição, que o átomo se encontrava desde o início com energia bem
definida. Isto se enquadra bem com a visão (2). Porém, se medirmos
o observável cujo autoestado é a superposição da eq.(Xl.6), não
podemos dizer que o átomo se encontrava ou se encontra em um
nível de energia bem definido.
125
106BUNGE,
(1 983):
M.
Controversias en Fisica,
Tecnos, Madri, p. 164.
126
l07Tal afirmação, porém, é
feita dentro de um certo
contexto
filosófico. , Ver
HEISENBERG ([1958] 1981),
op. cit. (nota 14), p. 113 (final
do cap. X); e HEISENBERG
([1969] 1996), op. cit. (nota
93), pp. 22, 145.
107a CASTILHO, C.M.C. (2003),
"Quando e como o Homem
'viu' o Átomo", Ciência Hoje
33 (196), 30-7. A Fig. XVI.7 foi
tirada deste artigo.
Conceitos de Física Quântica
4. É Possível Ver um Átomo?
Para finalizar esta discussão sobre como interpretar o átomo,
consideremos a questão de se é possível "ver" ou "fotografar" um
átomo. Há uma afirmação associada a Heisenberg 107 segundo a qual
um átomo não seria diretamente observável.
No entanto, em 1955, o alemão Erwin Müller, em colaboração
com seu aluno indiano Kanwar Bahadur, na Pennsylvania State
College, conseguiram fotografar átomos individuais de níquel e
zircônio, usando um "microscópio iônico de campo" (Fig. XVI.7).
Depois disso, só se obtiveram outras fotografias em 1980, com a
"microscopia eletrônica de alta resolução", e em 1984, com a
"microscopia de tunelamento e varredura". 'º7ª
Figura XVI. 7. Fotografia
final obtida por Müller após
remoção
sucessiva
de
átomos individuais numa
amostra de níquel-zircônio.
O ponto central corresponde a um único átomo.
l08DEHMELT, H. (1990): "Experiments with an Isolated
Subatomic Partiele at Rest",
Reviews of Modem Physics
62, 525-30.
Figura XV!.8. Um "curral
quântico", obtido usando-se
um microscópio de tunelamento e varredura. O curral
consiste de 48 átomos de
ferro adsorvidos numa superfície de cobre de alta
qualidade. As ondas estacionárias no interior do
curral correspondem à densidade de estados eletrônicos
na superfície do cobre, onde
se forma um gás de elétrons
bi-dimensional.
Em 1990, Hans Dehmelt isolou um único íon de bário em uma
armadilha magnética (dando inclusive o nome de Astrid para este
átomo!), iluminando-o com laser de tal forma que um ponto de luz
pode ser visto claramente a olho nu (correspondendo a milhões de
excitações e decaimentos de um mesmo nível eletrônico). 108
Capítulo XVI: O Átomo
Mais recentemente, a técnica de microscopia de tunelamento e
varredura permitiu construir imagens de átomos adsorvidos em uma
superfície (Fig. XVI.8), na qual se identificam ondas estacionárias
correspondentes à densidade de estados eletrônicos na superfície de
um metal. 109
Podemos mencionar também a afirmação de que os orbitais
eletrônicos de átomos em um cristal de óxido de cobre teriam sido
"diretamente observados", a partir de técnicas simultâneas de
difração de elétrons e de raio X (Fig. XVI.9). 110 Esta afirmação foi
criticada por diversos autores, pois o que se estaria observando, de
forma bastante indireta, seria a densidade eletrônica e não os orbitais
(funções de onda).
127
109CROMMIE, M.F.; L UTZ,
C.P. & EIGLER, D.M. ( 1993):
"Confinement of Electrons to
Quantum C01rnls on a Metal
Surface", Science 262, 21820. Ver também: COLLINS,
G.P. (1993): "STM Rounds
Up Electron Waves at the
QM Corra!", Physics Today
46(ll), 17-19. A Fig. XVl.8
foi fornecida pela Almaden
Research
Center,
IBM,
Califórnia.
Figura XVl.9. Mapa de
densidade de carga eletrónica em cuprita (Cu20),
mostrando a ligação covalente entre átomos de cobre
e oxigênio (hibridização de
orbitais s-d/). Nota-se uma
região maior (em forma de
halteres) rodeada por três
pares de pétalas, em tomo
do núcleo de cobre. A
imagem foi formada a partir
de dados de difração de elétrons (sensíveis às ligações
eletrónicas do cristal) em
ângulos pequenos e de raios
X (que difratam dos núcleos) em ângulos maiores.
5. Efeito Zenão Quântico
Mencionamos na seção XVI.1 que se um sistema estiver
isolado do ambiente, e se ele se encontrar em um auto-estado de
energia, então ele permanecerá indefinidamente neste estado
(justificando o uso do termo "estado estacionário"). Porém, vimos na
seção VII. l que a equação de Schrõdinger também se aplica para um
sistema que está fechado , ou seja, um sistema que sofre influência do
ambiente, através de campos externos, mas cujo estado não afeta as
fontes deste campo externo (não afeta a forma da função que
descreve esse campo).
llOHUMPHREYS, C.J. (1999),
Nature 401 , 21 -22. O artigo
original é: Zuo, J.M.; KIM,
M.; O'KEEFFE, M. & SPENCE,
J.C.H.
(1999):
"Direct
Observation of d Roles and
Cu-Cu Bonding in Cu20",
Nature 401, 49-52. Uma forte
crítica a esta afirmação está
Conceitos de Física Quântica
128
em: SCERRI, E. (2000): "Have
Orbitais
Really
Been
Observed?",
Journal
of
Chemical
Education
77,
1492-4. A Fig. XVl.9 foi
fornecida pela Arizona State
University, Tempe.
Um exemplo de um sistema fechado (mas não isolado) é um
átomo no qual incide um campo eletromagnético (um feixe de luz ou
de radio-freqüência). Neste caso, um auto-estado de energia do
átomo não é mais estacionário, pois sabemos (usando uma
terminologia corpuscular simplista) que o átomo pode absorver um
fóton e saltar para outro nível energético. Isso pode ser expresso de
maneira mais precisa dizendo que, sob o efeito de um campo externo
ligado no instante t=O, um certo auto-estado de energia llflr ) no
instante t=O passa a ser descrito pelo seguinte vetor de estado:
(XVI.7)
onde a é um coeficiente bem pequeno (a rigor, deveríamos introduzir
um coeficiente levemente menor do que 1 multiplicando llflr) para
deixar o estado devidamente normaliz.ado).
Como interpretar o estado da eq.(XVI.7)? Uma coisa que esta
equação diz é que se nós fizermos uma medição de energia do átomo
no instante t, a probabilidade de encontramos o átomo com o
autovalor E2 correspondente a llfl2 ) é:
Probi'l'Cl))(E 2 )
= (a t 2 ) 2 •
Esta probabilidade aumenta com o tempo, indicando que quanto
mais tempo deixarmos o sistema isoladinho antes de o observarmos,
maior será a probabilidade de o encontrarmos com energia E2 •
Digamos então que, após 1 segundo, a probabilidade de
medirmos uma transição para llfl2 ) seja a 2 . O que aconteceria com
esta probabilidade (no instante t=ls) se, a cada intervalo de 0,1
segundos antes desta medição final, tivéssemos feito uma
observação da energia do átomo? Bem, no instante t = 0,1 s, a
probabilidade de medirmos E2 é de apenas 0,0 l ·a2 , segundo a
eq.(XVI.7). Após esta medição, qual é o estado do sistema?
Supondo que o resultado da medição foi E 1 (cuja probabilidade foi
bem próxima de 1), aplicamos o postulado da projeção (seções V.4 e
X.2) e concluímos que o estado final é llflr). A eq.(XVI.7) volta a
vàler a partir deste instante, e após mais um intervalo de 0,1 s, a
probabilidade de medirmos E2 é novamente 0,0 l ·a2 • Após termos
feito dez medições de energia em intervalos de O, 1 s, qual é a
probabilidade de observarmos pelo menos uma transição para llfl2 ) ?
Ele será aproximadamente 10 · O,Ol ·a 2 = O,l·a2 . Ora, esta
probabilidade é dez vezes menor do que se tivéssemos deixado
Capítulo XVI: O Átomo
o sistema fechadinho, sem ser observado, por 1 segundo inteiro, e só
então medido sua energia!
Este é o paradoxo de Zenão quântico. O mero ato da
observação afeta a probabilidade de transição de um átomo. No
limite de uma observação contínua, a transição seria completamente
inibida! Em outras palavras: se eu deixar o átomo fechadinho, ele
tem uma probabilidade razoável de fazer uma transição, mas se eu o
olhar continuamente, ele não faz a transição! Os átomos no mundo
~
.
.
, .d 111
quant1co senam tlrm os.1
Aqueles defensores da interpretação dos coletivos estatísticos
que não admitem que o observador possa afetar o estado do objeto
observado (Bunge, Popper, Ballentine) atacaram a veracidade do
efeito Zenão quântico, mas ele acabou sendo observado em
laboratório por Itano et al., em 1990. A chave para entender este
aparente paradoxo é que a "observação" requerida perturba
consideravelmente o sistema. Isto está ilustrado na Fig. XVI.10,
relativa ao experimento mencionado. Um campo externo de radiofrequência introduz uma probabilidade de transição hiperfina
llfli) ---7 llflz) em um íon de berílio, preso em uma armadilha óptica e
resfriado a 0,3 K através de "laser cooling". A "observação" da
energia do átomo, neste caso, consistiu na emissão de um pulso de
laser sintonizado de tal forma que se o sistema estiver no estado
llfli) , ele absorve um fóton e sofre uma transição para um terceiro
estado, llfl3 ) , sendo que em seguida ocorre um decaimento com a
emissão de um fóton (em qualquer direção) que pode ser detectado.
Porém, se o sistema já tiver feito a transição para jlf!1 ), então o
pulso de laser não é absorvido, nenhum fóton é emitido, e temos
assim uma medição de resultado nulo (seção VIII.4) da energia do
sistema. Neste experimento, verificou-se que a taxa de transição de
fato diminui com o número de pulsos de laser ("observações")
emitidos por unidade de tempo, confirmando o efeito Zenão
quântico.
129
11 lo nome do efeito é uma
homenagem ao filósofo présocrático Zenão da Eléia, que
formulou vários paradoxos do
movimento.
O
nome
"watched-pot effect" (efeito
da panela observada) também
foi sugerido, pois às vezes
uma panela fechada está
fervendo,
mas
quando
tiramos a tampa para observála, ela pára de ferver (pois
diminuiu a pressão do vapor) .
Existe também o efeito do
cão de guarda ("watch-dog
effect"), mas este se aplica a
uma inibição que ocorre na
interação (unitária) entre
objeto e aparelho, sem a
aplicação do postulado da
projeção. O efeito Zenão
quântico foi previsto na
década de 60, mas ele só foi
explorado a partir do trabalho
de MISRA, B. & SUDARS HAN,
E.C.G. (1976), "The Zeno's
Paradox
in
Quantum
Theory", Journal of Mathematical Physics 18, 756-63.
130
Conceitos de Física Quântica
Figura XVI.10. Níveis de
energia envolvidos no
experimento do
efeito
Zenão quântico.
TRANSIÇÃO
INIBIDA
ESTADO INSTÁVEL
Capítulo XVII
,,
EXPLORANDO ÁTOMOS E CAMPOS
1. Férmions e Bósons
Até aqui investigamos diversas propriedades de objetos
quânticos que se aplicam igualmente para fótons, elétrons, nêutrons
etc. No entanto, existe uma distinção fundamental entre dois tipos de
objetos: férmions e bósons.
A propriedade quântica que os distingue é seu momento
angular intrínseco, ou spin. Desde a Teoria Quântica Velha, sabe-se
que o momento angular de partículas girando em torno de outras só
pode assumir valores que são múltiplos inteiros da constante de
Planck h. No entanto, mesmo um elétron parado possui um momento
angular (o spin, que o faz se comportar como um minúsculo imã), só
que, no caso do elétron, este spin é quantizado em múltiplos semiinteiros de h: +1i, h , fh, 2h ... Férmions (como elétrons, nêutrons, e
mesmo os quarks que compõem nêutrons, prótons e mésons) são
caracterizados por spin semi-inteiro, ao passo que bósons (como o
fóton e outras partículas responsáveis por interações, como o glúon
que é responsável pela interação entre quarks) são caracterizados por
spin inteiro (ou seja, múltiplos inteiros de h).
Outra diferença entre férmions e bósons está em suas
propriedades estatísticas. Férmions seguem o princípio de exclusão
de Pauli (1924), que diz que dois férmions não podem ocupar
simultaneamente o mesmo estado quântico. Em um átomo, isto
resLringe o número de elétrons que pode ocupar cada auto-estado de
energia, levando às propriedades periódicas dos elementos químicos.
Já os bósons não seguem esta restrição, de forma que um grande
número de fótons pode ocupar um mesmo estado quântico. Há
teoremas que estabelecem a conexão entre spin e estatística, o
primeiro sendo formulado por Pauli (1940).
Os termos "férmion" e "bóson" são uma homenagem aos
cientistas que estabeleceram pela primeira vez as leis de distribuição
estatística de partículas quânticas. Na Mecânica Estatística Clássica,
Boltzmann havia derivado uma função descrevendo a distribuição de
energia de um grande número de partículas em um sistema fechado e
em equilíbrio térmico a uma temperatura T, distribuição esta
resultante das trocas de energia por colisão entre as partículas. O
número médio de partículas com energia E descresce
exponencialmente com o aumento do valor da energia:
n Boliz (E) = 1 I [A ·ex p(E 1 k 8 T)], onde kB é a constante de Boltzmann
131
Conceitos de Física Quântica
132
e a constante A depende do número total de partículas. Na Mecânica
Quântica, a fórmula equivalente é:
(XVII.1)
l 12Há diversos livros-texto
que trazem uma introdução à
estatística quântica, como
EISBERG & RESNICK (1979),
op. cit. (nota 104), cap. 11. A
Fig. XIV.l é baseada na
figura da pg. 273 de
LEGGETI, A. (1989): "Low
Temperature Physics, Superconductivity and Superfluidity", em DAVIES, P.: The New
Physics, Cambridge U. Press,
pp. 268-88.
1
BE
nrn ( E ) = - - - - - - A ·exp ( E / k 1J ) ±l
onde a estatística de Bo e-Einstein é dada pelo sinal "+" e a de
Fermi-Dirac pelo inal "- "(ver Fig. XVII.1). 112
2-
-k8 T
>-------;
clássico
o
TI
2(/)
1-·· - (a)
Q)
oa.
(/)
2-
C'il
férmions
3
~
t
C'il
Fig. XVII. l. Número médio
de partículas por estado
para diferentes estatísticas. Note que para férmions há no máximo uma
partícula por estado, e que
para bósons há mais
partículas nos estados de
energia mais baixa do que
no caso clássico (o que
permitirá o fenômeno de
condensação de Base).
l 13citação e comentários
tirados de KASTLER, A.
(1983), "On the Historical
Development of the lndistinguishability
Concept
for
Microparticles", in v AN DER
MERWE, A. (org.): Old and
New Questions in Physics,
Cosmology, Philosophy and
Theoretical Biology, Plenum,
Nova Iorque, pp. 607-23. %
a.
{b)
Q)
<J
o
'õ
·Q)
E
2-
º'z 1 -
bósons
(e)
Energia do estado
2. Indistinguibilidade
Em 1926, Dirac fundamentou as estatísticas quânticas na
propriedade de indistinguibilidade das partículas quânticas.
Analisando um sistema de dois elétrons, um dos quais está no estado
m e o outro no estado n, ele escreveu:
"Surge a questão de se os dois estados (m n) e (n m), que são
fisicamente indistinguíveis pois diferem apenas pela troca dos dois
elétrons, devem ser contados como dois estados diferentes ou apenas
como um estado [... ] As duas transições mn ----7 m 'n' e mn ----7 n 'm'
são fisicamente indistinguíveis [... ]
Portanto, para manter a
característica essencial da teoria, de que ela nos permita calcular
apenas grandezas observáveis, devemos adotar a segunda alternativa,
de acordo com a qual (m n) e (n m) são um único estado." 113
Capítulo XVII: Explorando Átomos e Campos
Ele então mostrou como satisfazer isso
"simetrização" da função de onda das duas partículas:
através
lf/,,,,, = _ff (lfl,, (1) lf/,, (2) ± lf/,, (1) lf/,,, (2)) ,
da
(XVII.2)
onde novamente o sinal"+" se refere a bósons (simetrização) o sinal
"-" a férmions (anti-simetrização). No primeiro caso a troca das
duas partículas não altera o valor de lf/111,,, ao passo que no segundo
caso ela altera o sinal de lfl,,11,, o que não gera conseqüências
observacionais, já que o que é observável é o módulo quadrado da
função de onda.
A afirmação de que partículas idênticas (ou seja, tendo mesma
massa, carga etc.) devem ser descritas por estados simétricos (no
caso de bósons) ou anti-simétricos (no caos de férmions) constitui
um postulado adicional P7, a ser adicionado à lista da seção X.2.114
133
~ O artigo original é DIRAC,
P.A.M. (1926), "On the
Theory of Quantum Mechanics", Proceedings of the
Royal Society (London) 112,
661-77.
comentários
de
l 14ver
D'ESPAGNAT (1976), op. cit.
(nota 48), pp. 27-8.
3. Teoria Quântica de Campo
Para continuar a comparação entre bósons e férmions, é
interessante apresentar sucintamente a descrição quântica de campos.
Na Mecânica Clássica, as leis de um sistema contínuo como uma
corda vibrante ou uma membrana podem ser derivadas supondo que
o sistema consiste de um grande número de osciladores harmônicos
(molinhas) acoplados. Quando Dirac, em 1927, atacou o problema
de como a Mecânica Quântica descreveria um campo contínuo, o
que ele precisou fazer foi considerar que os osciladores harmônicos
que constituem o campo são quantizados 11 5 •
No caso de um campo eletromagnético, é preciso considerar
todas as freqüências v de vibração possíveis. Para cada um destes
"modos" com freqüência bem definida associa-se um oscilador
quantizado (cada modo está assim associado a uma onda plana com
momento bem definido mas sem uma localização espacial bem
definida). Para um certo modo k = 2nvlc, um auto-estado de energia
do oscilador harmônico com autovalor E11 = V2 (n+l)hv é associado
à existência de n quanta do campo.
Suponhamos que numa certa região do espaço existam
exatamente n fótons no modo k. Tal estado (chamado de "estado de
. Se definirmos um
Fock") pode ser escrito da seguinte forma:
1
ln)
operador de número de fótons N k , naturalmente teremos a equação
de autovalores:
seguinte forma:
Nk n) k = n· n) k •
1
I
É possível exprimir
Nk da
l 15ver
por
exemplo
MESSIAH, A. (1965), Quantum Mechanics. Amsterdã:
North-Holland, vol. 2, pp.
959-79, 1029-37. Os primeiros a quantizar os osciladores
do campo parecem ter sido
Ehrenfest (1906) e Debye
(1910), ver MILLER, A.I.
(1994),
Early
Quantum
Electrodynamics: A Source
Book, Cambridge University
Press, p. 5.
Conceitos de Física Quântica
134
(XVII.3)
onde
âk
é
chamado
operador
de
destruição,
dado
que
âk ln )k = F; ·ln - l)k, ou seja, sua aplicação resulta na retirada de
um fóton do campo, enquanto âk' é o operador de criação, pois
âkt ln)k
=~ · l n +l)k .
No entanto, da mesma maneira que é possível colocar um
oscilador harmónico em uma superposição de auto-estados de
energia (de N k ), assim também é possível que o campo
eletromagnético não tenha um número bem definido de fótons, mas
que esteja em uma superposição de estados de Fock:
(XVII.4)
Notemos que o estado da eq.(XVII.4) é diferente dos estados
vistos até aqui. Usualmente, associamos um "ket" a cada partícula,
indicando sua posição: j IJl(r )). Se quisermos representar três
116ver, por exemplo, JAUCH
(1968), op. cit. (nota 49), pp.
278-87.
partículas, introduzimos um espaço de Hilbert para cada partícula
(conforme o postulado P l.2 da seção X.2), e escrevemos o estado
como um produto tensorial: j IJI, ( r;)) ® l1J12 ( r; ))® l1J13 ( ~ )) , que deve
ser ainda simetrizado (eq. XVII.2) no caso de partículas idênticas.
Para elétrons, conforme veremos, esta representação é
bastante adequada, mas para fótons o número de quanta pode ser
indefinido. Assim, introduz-se 116 a chamada "2ª quantização",
"quantização do campo" ou "representação de número de ocupação",
exemplificada pelo estado 1 <t>)k da eq.(XVII.4) . Se considerássemos
três
modos
diferentes,
o
estado
sena
escrito
como:
l<t>1)k, ®l<t>2\, ®l<t>3)k, .
l 17ver MILLER (1994), op.
cit. (nota 115), p. 47.
(XVII.5)
Notemos que para n = O o oscilador harmónico tem uma
"energia de ponto zero" igual a 1h h v. No caso do campo, tal estado
sem quanta é chamado de vácuo, e iremos examiná-lo brevemente na
seção XVII.5.
Já em 1932, Pauli percebeu que uma determinação precisa do
número de fótons impede uma determinação precisa da fase do
campo eletromagnético. 117 Isso pode ser expresso através de uma
relação de incerteza envolvendo o número nk de quanta e a fase (/Jk do
campo associado:
Capítulo XVII: Explorando Átomos e Campos
Em termos de operadores, é possível escrever uma equação
análoga a esta utilizando a eq.(XVII.3) e uma definição para o
operador de fase. Há certos problemas para se definir um tal
operador auto-adjunto (algo semelhante ao que foi visto na seção
XII.4), mas um bom candidato é o operador proposto por Susskind
112
118
&Glogower(1964): rJ<p, =exp[iq\J= (âkâ/ t âk .
Esta relação de incerteza é bastante significativa, pois ela
indica que a concepção clássica de onda não se aplica no caso
quântico. Classicamente, uma onda monocromática é concebida
como tendo uma fase e uma amplitude conjuntamente bem definidas.
No entanto, a eq.(XVII.5) indica que se um campo tiver uma
amplitude bem definida, ou seja, n bem definido (pois n exprime a
intensidade do campo, que é o módulo quadrado da amplitude), ele
necessariamente terá uma fase mal definida, c vice-versa!
Voltaremos a este ponto na seção XVII.6.
4. Ondas de Luz vs. Ondas de Elétrons
Ligado às propriedades vistas nas seções anteriores, há uma
distinção adicional a ser feita entre bósons e férrnions, que
exemplificaremos como uma distinção entre fótons e elétrons.
Um sistema fechado contendo um certo número n de elétrons
tende a conservar este número. Isto pode ser entendido como uma
conservação de carga do sistema, ou como conservação no "número
fermiônico". Com bastante energia eletromagnética, seria possível
criar pares elétrons-pósitrons (o que não violaria os princípios de
conservação mencionados), mas se desprezarmos este limite
relativístico, o número de elétrons se conserva em um sistema
fechado. Desta forma, de acordo com a relação de incerteza da
eq.(XVIl.5), como o campo tem um número bem definido de quanta
(8n = 0), a fase do campo material de elétrons é totalmente
indeterminada.
Já para fótons a situação é diferente, como mencionamos
acima. Um sistema fechado de fótons é freqüentemente descrito
como tendo um número indefinido de fótons (eq. XVII.4).
Podemos agora considerar uma quarta diferença entre fótons e
elétrons 119 • Um campo fotônico envolvendo muitos quanta pode ter
uma incerteza f:..cp pequena na fase, acarretando um f:..n
razoavelmente grande (de acordo com a eq. XVII.5). Porém, como
há muitos fótons, a flutuação f:..n/n é pequena, o que significa que a
flutuação na intensidade do campo é pequena. Assim, tal campo
pode ser representado em boa aproximação como uma onda
clássica, que possui fase e amplitude (cujo quadrado é a intensidade)
ll8WALLS,
D.F.
&
MILBURN, G.J. (1994), Quantum Optics. Berlim: Springer,
pp. 23-6. Para uma discussão
dos problemas filosóficos
envolvidos na Teoria Quântica de Campo, ver REDHEAD,
M. (1988), "A Philosopher
Looks at Quantum Field
Theory", in BROWN, H.R. &
HARRÉ, R. (orgs.), Philosophical Foundations of Quantum Field Theory. Oxford
University Press, pp. 9-23. O
volume todo vale ser
consultado.
119pEIERLS, R.E. (1955):
"Final Remarks. The New
Particles", pp. 470-7, in
PEIERLS, R.E.; SALAM, A.;
MATTHEWS, ·
P.T.
&
FELDMAN, G., "A Survey of
Field Theory", Reports on
Progress in Physics 18, 42377.
136
Conceitos de Física Quântica
bem definidas.
Para elétrons, porém, não há um limite no qual o sistema
possa ser descrito por uma onda clássica. Isso ocorre porque a
estatística de Fermi-Dirac só permite que n=l elétron ocupe cada
modo k (eq. XVII.4) (modo este que também inclui a componente de
spin). Para ter uma fase bem definida, l!in/n seria grande,
impossibilitando a representação por uma onda de amplitude bem
definida.
5. O Vácuo
120Para
uma
história
detalhada deste episódio, ver
SCHWEBER, S.S. (1994), QED
and the Men who made it:
Dyson, Feynman, Schwinger,
and Tomonaga. Princeton U.
Press.
121CASIMIR, H.B.G. (1948),
"On the Attraction between
Two Perfectly Conducting
Plates", Proceedings, Koninklijke Nederlandse Akademie
van Wetenschappen 51, 7935. Uma verificação recente do
efeito está em: LAMOREAUX,
S.K. (1997), "Demonstration
of the Casimir Force in the
0_6 to 6 µm Range", Physical
Review Letters 78, 5-8.
Mencionamos na seção XVI.1 que se um sistema isolado
estiver em um estado estacionário, ele irá permanecer neste estado
até que uma interação com outro sistema o retire do estado original.
O exemplo que examinamos de estado estacionário é um estado
atômico com energia bem definida (número quântico n fixo). No
entanto, sabemos que átomos em estados excitados decaem,
emitindo fótons. O que significa isso?
O fato de átomos emitirem fótons espontaneamente indica que
eles não estão completamente isolados! Mas então, eles estão
interagindo com que sistema? Com o vácuo!
O "vácuo eletromagnético" pode ser pensado como um campo
sem fótons, mas que mesmo assim "existe", afetando de maneira
indireta outros fenômenos. A Teoria Quântica associa a este campo
vazio uma "energia de ponto zero", conceito este que foi descoberto
por Planck já em 1911. A noção de que este vácuo flutuante é um
componente essencial na Física ganhou força após a 2ª Guerra
Mundial, quando Tomonaga, Feynman, Schwinger e Dyson
desenvolveram a "Eletrodinâmica Quântica", uma teoria relativística
de campos quânticos 120.
Um efeito anômalo que esta teoria conseguiu explicar era o
chamado "deslocamento de Lamb" em raias espectrais. Outro efeito,
que mostrava mais claramente o efeito do vácuo eletromagnético, foi
descrito por Hendrik Casimir 12 1 em 1948. Quando duas placas
perfeitamente condutoras são colocadas próximas e paralelas, ocorre
uma atração entre elas! Uma explicação qualitativa é que a cavidade
criada pelas placas suprime certos modos k de oscilação do vácuo, de
forma que a pressão que o vácuo externo exerce sobre as placas se
torna maior do que a pressão interna. Outro fenômeno conhecido
cuja explicação requer o vácuo eletromagnético é a força
intermolecular de van der Waals.
Para explicar diversos efeitos em espectroscopia atômica, é
necessário descrever não somente os estados do átomo, mas também
Capítulo XVII: Explorando Átomos e Campos
o estado do campo eletromagnético (que descreve os fótons
emitidos, absorvidos, ou nenhum dos dois). O formalismo para tratar
de campos quânticos vai além do escopo de nosso curso, mas vale
dizer que na descrição deste "átomo vestido" (ou seja, átomo mais
campo eletromagnético), muitas vezes é essencial levar em
consideração o estado do vácuo. Em particular, existe um efeito
conhecido como "telégrafo quântico", semelhante ao Zenão
quântico, cuja explicação envolve um experimento de resultado nulo
que provoca um colapso do sistema para um certo estado do átomo
acoplado ao estado do vácuo 122 .
6. Pacote de Incerteza Mínima: Estados Coerentes
Um "estado de incerteza mínima" é aquele que minimiza o
produto das incertezas de duas observáveis correspondentes a
operadores incompatíveis. Tal estado é chamado de "estado
coerente", pois tem sido usado na descrição da luz de laser. Tal
estado foi introduzido por Schrõclinger em julho de 1926 123 , dentro
do projeto de sua interpretação ondulatória de definir um "pacote de
onda" que se comportasse como uma partícula clássica, oscilando
harmonicamante sem sofrer alteração em sua forma. No seu artigo
de 1927, Heisenberg mostraria que tais pacotes só mantêm .a forma
com o passar do tempo no caso em que os autovalores de energia
têm separação constante.
Na abordagem mais moderna, que se iniciou na teoria do
laser com Glauber (1963), define-se um estado coerente para
qualquer número complexo v da seguinte forma 124 :
137
122v er: PORRATI, M . &
PUTTERMAN,
S.
(1987):
"Wave-Function
Collapse
due to Null Measurements:
The Origin of Intermittent
Atomic Fluorescence", Physical Review A 36 (1 987) 92932.
Uma discussão mais
crítica
encontra-se
em:
SHIMONY, A . (199 1): "Desiderata
for
a
Modified
Quantum
D ynamics",
in
FINE, A.; FORBES, M . &
WESSELS, L. (orgs.): PSA
1990, vol. 2, Philosophy of
Science Association, East
Lansing, pp . 49-59.
123scHRóDINGER, E. (1926),
"Der stetige Übergang von der
Mikro- zur Makromechanik",
Die Naturwissenschaften 14,
664-6. Tradução para o inglês
em Collected Papers on Wave
Mechanics, Blackie, Londres,
1928, pp. 41-44. Um pequeno
estudo deste trabalho é feito
por STEINER, F. (1988):
"Schréidinger' s Discovery of
Coherent States", Physica B
151, 323-6.
(XVII.6)
Tal estado não tem número n de fótons bem definido, nem tem uma
da
fase bem definida, mas ele minimiza o produto Ôn·Ô<p
eq.(XVII.5).
Os estados coerentes são auto-estados do operador de
destruição â, que introduzimos na seção XVII.3. Como este operador
não é auto-adjunto, seus autovalores v são números complexos:
124v er
por
exemplo
NUSSENZVEIG, H .M . (1973):
Introduction to Quantum
Optics, Gordon & Breach,
Nova Iorque, p. 43. Ou então
WALLS & M ILBURN (1994),
op. cit. (nota 118), pp. 12-8.
(XVIl.7)
Esta equação pode ser interpretada dizendo-se que a retirada de um
fóton de um estado coerente não altera este estado ! Voltaremos a
Conceitos de Física Quântica
138
125GLAUBER, R.J. (1964): ·
"Optical
Coherence
and
Statistics",
in
Photon
DEWITI, C.; BLANDIN, A. &
COHEN-TANNOUDJI,
e.
(orgs.): Quantum Optics and
Electronics,
Gordon
&
Breach, Nova Iorque, pp. 63185. Citação da p. 110.
esta propriedade quando examinarmos o interessante comportamento
de uma espira inversora de spin, em interferometria de nêutrons.
Algumas propriedades adicionais dos estados coerentes
podem ser citadas diretamente de Glauber 125 :
"Como eles não possuem a interessante propriedade de
formar um conjunto ortonormal, muito pouca atenção tem sido
dedicada a eles enquanto um conjunto de estados básicos para a
descrição de campos. Mostraremos que, ·apesar de não serem
ortogonais, esses estados formam um conjunto completo, e que
qualquer estado do campo pode ser representado de maneira simples
e única por eles [... ] Em particular, é conveniente exprimir o
operador de densidade para o campo por meio de uma expansão
desse tipo. Tais expansões têm a propriedade de que sempre que o
campo possui um limite clássico, elas tomam evidente este limite, ao
mesmo tempo em que preservam uma descrição intrinsecamente
quântica do campo."
Capítulo XVIII
MISTURAS E OPERADOR DE DENSIDADE
1. Estados Puros e Misturas
Desde os primórdios da Mecânica Quântica, a partir do
experimento de Bothe & Geiger (1924), desenvolveram-se técnicas
experimentais para selecionar eventos individuais. Mesmo assim, em
boa parte das vezes as medições quânticas são feitas em um número
muito grande de indivíduos preparados de maneira semelhante,
formando um conjunto que usualmente se chama de "ensemble" ou
coletivo estatístico (já mencionado na seção IV.3, item 2).
A iigor, um coletivo é o conjunto imaginário de todos os
sistemas possíveis que possuem as mesmas propriedades
macroscópicas ou mensuráveis do sistema em questão. Por um leve
abuso de linguagem, chama-se um feixe de elétrons preparados de
maneira semelhante de "coletivo", pois tal feixe pode ser representado
por um coletivo estatístico, desde que não haja interação entre as
partículas (o que é aproximado por um feixe de baixa intensidade).
Há também quem distinga entre ensemble (ou coletivo) e assembléia.
O primeiro se refere ao conjunto imaginário, enquanto que o segundo
se refere ao conjunto das partículas não-interagentes de um feixe real.
Se a preparação de um conjunto de indivíduos for tal que cada
um deles puder ser representado pelo mesmo vetor de estado em um
espaço de Hilbert H, então o coletivo está em um estado puro. Porém,
se diferentes indivíduos estiverem em diferentes estados em H, então
o coletivo se encontra em uma mistura estatística.
É possível representar cada coletivo por uma matriz densidade
[ w;;·] a partir da qual prevêem-se os valores médios de quaisquer
operadores sendo medidos. Os valores dos elementos de tal matriz
dependem da "representação" sendo usada, uma base ortonormal
</>;) } do espaço de Hilbert H. Dada esta base, e os elementos de
{
J
matriz W;;· resultantes, constrói-se o operador de densidade W
definido em H, que pode ser escrito como 126:
w
126operadores de densidade
foram
introduzidos
na
Mecânica Quântica em 1927
por Landau e por von
O artigo que
Neumann.
redespertou o interesse neste
formalismo,
sugerindo
a
interpretação instrumentalista
que veremos a seguir, foi:
FANO, U. (1957): "Description
of
States
in
Quantum
Mechanics by Density Matrix
and Operator Techniques",
Reviews of Modem Physics
29(1 ), 74-93.
(XVIII.1)
j'
É sempre possível diagonalizar a matriz densidade, escolhendo-se
uma base ortonormal apropriada.
139
Conceitos de Física Quântica
140
O "traço" de uma matriz é a soma de seus elementos diagonais:
Tr (W)
= L,(<AIWl <A ) . O traço é invariante ante mudança na base
i
de representação. O operador de densidade W é usualmente
normalizado de forma a que o traço da matriz associada seja 1:
Tr (W) = 1 .
O projetor P [ lf!] = llfl)(lfll, que já vimos na seção X.3, é o
operador que projeta qualquer vetor de estado no subespaço
unidimensional coberto pelo vetor · llfl) , e neste formalismo ele
representa o estado puro llfl) . Os autovalores de projetores são Oe 1.
O projetor é um operador de densidade W que satisfaz a
propriedade de "idempotência", W2 = W, o que tem como conseqüencia Tr( W2 ) = 1. Esta propriedade distingue os ·estados puros
(representados por projetores) de outras misturas, para as quais
2
W :t W , e Tr(W - ) < 1. Por causa disso, é sempre possível
distinguir experimentalmente um estado puro de uma mistura (como
já foi mencionado na seção VII.2).
A
A
A
2. Postulados para Operadores de Densidade
127ver BLUM (1981), op.cit.
(nota 27), pp. 37-55.
As regras da Mecânica Quântica podem ser reformuladas no
formalismo de operadores de densidade 127 . A equação análoga à
equação de Schrõdinger (X.1) para a evolução temporal do operador
de densidade W (t) é escrita a paitir do operador de evolução Ú
definido na eq.(VII.2):
W (t )
(XVIII.2)
= Ú( t ) W (O) U (t) -
1
•
O valor médio (eq. X.3) de um operador sobre o estado é dado
por:
\6) = rr(dw) = L,r;·w;;.
(XVIII.3)
;
A expressão da probabilidade de um resultado específico (eq.
X.2) é dada pelo valor médio do operador de projeção sobre o
autosubespaço associado. No e.aso não-degenerado teríamos:
(XVIII.4)
Capítulo XVIII: Misturas e Operador de Densidade
3. A Questão da Interpretação de Misturas
Dada uma mistura que não é um estado puro, não existe um
procedimento operacional para decidir quais são os estados puros dos
subsistemas individuais que compõem o coletivo. Tudo o que se pode
determinar a respeito de uma mistura é sua matriz densidade.
Uma maneira de preparar misturas é combinando dois ou mais
feixes independentes de partículas, cada qual em um estado puro. É
possível utilizar diferentes combinações de feixes puros para preparar
misturas "equivalentes", ou seja, expressas pela mesma matriz
densidade 128 . Um exemplo simples é um feixe não-polarizado de luz.
Tal feixe pode ser preparado combinando-se dois feixes puros
polarizados respectivamente a 0° e a 90º (mistura A), ou a 45° e a
135º (mistura B) (ver Fig. XVIII.1). Os operadores de densidade WA
128BLUM (1981), op.cit. (nota
27), p. 15.
e W8 que representam tais misturas são os seguintes:
(XVIII.Sa)
(XVIII.Sb)
onde CfJe) é o estado que representa a luz linearmente polarizada a 8
1
graus. Mas os estados j q>45 ) e j q>135 ) podem ser expressos em termos
de 1<Po ) e 1%o ) :
(XVIII.6)
Agora, quando representamos W8
na base { 1<Po), j <p90 ) } ,
obtemos exatamente o lado direito da eq.(XVIII.Sa). As misturas A e
B são assim equivalentes, sendo ambas representadas pela seguinte
matriz de densidade:
[t ~]
Conceitos de Física Quântica
142
(a)
l<r90)
--~------------El:)--
FEIXE NÃO
POLARIZADO
MEDIÇÃO
---- --- -->-----
l<ro)
--~--------- ---------- - -- --- -->
PRISMA DE
WOLLASTON
FEIXE PURO
PREPARADO
LENTE
FINA
(b)
l<ro>
- - - - - - - - - - - - -J:!'- - - -
l<r90)
-------------~----
Figura XVIll.I. (a) Preparação de umfeixe de luz em estado puro, polarizado a O°. (b) Preparação de uma mistura, combinando feixes independentes a 0° e a 90° (comparar com Fig.XV!I.3 ).
129Por exemplo: PARK, J.L.
(1968): "Quantum Theoretical
Concepts of Measurement:
Part I", Philosophy of Science
35, 205-231.
Neste caso de feixe não-polarizado, a matriz densidade é a
mesma em qualquer representação. Esta "equivalência" significa
que qualquer tentativa de distinguir os dois feixes mistos por meio de
filtros de polarização irá fracassar.
A questão filosófica que se coloca é a seguinte: dado um feixe
não-polarizado, podemos dizer que cada partícula individual está em
um estado puro bem definido? A interpretação instrumentalista de
misturas afirma que misturas equivalentes mas preparadas
diferentemente estão no "mesmo estado quântico", já que elas são
operacionalmente indistinguíveis. Uma visão mais realista, chamada
interpretação da ignorância, sustenta que apesar de serem
indistinguíveis, duas misturas como A e B correspondem a diferentes
estados quânticos (apenas "ignoramos" quais sejam os estados puros
componentes).
A interpretação instrumentalista de misturas é em geral
defendida pela ala gositivista dos partidários da interpretação dos
coletivos estatísticos 29, enquanto que a interpretação da ignorância é
próxima à interpretação ondulatória. Apesar de a interpretação da
Capítulo XVIII: Misturas e Operador de Densidade
complementaridade ser prox1ma da primeira, muitos teóricos que
trabalhavam com a Mecânica Quântica Estatística nos anos 50
130
adotavam a visão da ignorância, por analogia ao caso clássico .
130ver comentários em FA.:-o
(1957), op.cit. (nota 126), p.
76; e em PARK (1968), op.cit.
(nota 129), pp. 215-6.
4. Flutuações em Misturas
Em 1976, Bernard d'Espagnat 131 defendeu ser possível
distinguir feixes representados por misturas equivalentes através da
medição de flutuações. Considere a preparação das misturas A e B
para feixes de luz (Fig. XVIII.l), supondo que cada uma foi preparada
com proporções exatamente iguais de suas componentes. Inserindo
um prisma birefringente de Wollaston no caminho do feixe, faz-se
uma separação de componentes linearmente polarizados a 0° e a 90º
(Fig. XVIII.2).
PRISMAS DE
PREPARAÇÃO
icpo)
- - - - - - - - -.t-?- - - -
13ln'ESPAGNAT (1976), op.
cit. (nota 48), pp. 100-102.
PRISMAS DE
ANÁLISE
-- ---~ ----~
------------~Oº
·/ :'11 ------------
---.-lliillt----------------)-------- !~ li ----111
icp90)
---------$----
icp45)
---------,J----
MISTURA A
------
-
- dJ~)íf' ----------------->--------~;,i,i~l
- - - - ............
icp 135)
---------~----
00
----
------
-
1
/: ' · -·
.
45°
t
MISTURA B
·, _·: ••
------
_ ................. ..
-
------$-----~
--
---~-. ~-~--~
. \..l__/
-. ___
00
------
-
'-t.º~
---.!,--v--~---u_,---
Figura XVIII.2. Medição das polarizações a 0° e a 90 ° nas misturas A e B.
Para o feixe A, como exatamente metade dos fótons está no
estado 1<Po) , e metade no estado 1cp90 ) , então após N detecções de
fótons não haverá flutuação em tomo do número N/2 de contagens em
cada detector: aA = O. Para o feixe B, no entanto, cada fóton
tem uma probabilidade de 50% de ser detectado em cada canal,
e tais eventos aleatórios estão sujeitos a flutuações da ordem de
as = t JN (distribuição binomial, como aquela que afeta as jogadas
144
Conceitos de Física Quântica
de uma moeda). As misturas A e B poderiam assim ser distinguidas
por suas flutuações de partículas.
O problema com esta tentativa é que a geração de luz também
esta sujeita a flutuações. Com efeito, se as misturas A e B forem
preparadas de acordo com o procedimento da Fig. XVIII.1, e se
considerarmos que as fontes de luz iniciais têm uma flutuação
poissoniana de .JN (para um feixe com N fótons), então pode-se
mostrar que as medições para distinguir os feixes A e B fornecerão a
mesma flutuação CJA = CJa = t./N.
Capítulo XIX
SPIN E A INTERFEROMETRIA DE NÊ
1. O que é o Spin?
Desde a Teoria Quântica Velha, explica-se a existência de
linhas espectrais discretas através da quantização da energia e do
momento angular (seção XVI.1) . Stern & Gerlach (1921)
comprovaram que a medição do momento angular de átomos resulta
em componentes espacialmente quantizados (seção Vl.3). No
entanto, para explicar certos dupletos espectrosópicos, Uhlenbeck &
Goudsmit (1925) introduziram a idéia de que os elétrons teriam um
momento angular intrínseco (e não somente devido à sua revolução
em torno do núcleo), que chamaram de spin. Isso exprime a idéia
intuitiva de que os elétrons seriam minúsculos imãs . Pauli (1926)
incorporou a idéia do spin ao formalismo da Mecânica Quântica,
representando os operadores associados ao spin através de matrizes.
Se Ô-; são os operadores de Pauli (eqs. IV.4), com autovalores O e 1,
os operadores de spin (de autovalores "fi/2) são definidos como:
s. =-2n
A
1
A
(3.
1
para i= x,y,z .
(XIX.l)
Em 1928, Dirac derivou o spin em sua equação de onda
relativística, levando à noção de que o spin seria uma propriedade
essencialmente relativística. Esta conclusão foi questionada a partir
da década de 60, quando o spin foi derivado também para a
relatividade galileana (por contraste à relatividade einsteiniana). 132
Como as diferentes interpretações encaram o spin?
(1) Interpretação Ondulatória. Na Teoria Eletromagnética
Clássica, ao se calcular o momento magnético de uma distribuição
de cargas no vácuo, obtém-se um termo antissimétrico que
independe da presença de cargas e pode ser interpretado como o spin
do campo 133 . Isso seria a base para uma interpretação puramente
ondulatória do spin em sistemas quânticos.
(2) Interpretação Corpuscular. Uhlenbeck & Goudsmit
mostraram que o spin não poderia ser pensado como surgindo da
rotação de um elétron esférico em torno de seu eixo. No entanto,
existem diversos modelos corpusculares alternativos que conseguem
derivar o spin, como aquele que postula que o elétron se propaga
descrevendo uma trajetória helicoidal. 134
145
132ver LÉVY-LEBLOND, J.M. (1974): "The Pedagogical
Role and Epistemological
Significance of Group Theory
in Quantum Mechanics",
Rivista del Nuovo Cimento 4,
99-143.
133ÜHANIAN (1986), op. cit.
(nota 29).
134BARUT, A.O. & ZAN6 Hr,
N. (1984): "Classical Model
of the Dirac Electron",
Physical Review Letters 52,
2009-12.
146
135BOHM, D. & HILEY, B.J.
(1983), in VAN DER MERWE,
op. cit. (nota 113).
Conceitos de Física Quântica
(3) Interpretação Dualista Realista. Na seção VII.3
concluímos que, nesta visão, o spin não deveria ser considerado uma
propriedade interna do corpúsculo, mas sim da onda (do campo), ou
da relação entre onda e partícula. Bohm & Hiley também atribuíram
o spin ao campo. 135
(4) Interpretação Dualista Positivista. Os fundadores da
interpretação ortodoxa estavam satisfeitos em não atribuir uma
contrapartida ontológica aos operadores de spin.
Vale mencionar também que muita atenção tem sido dada a
uma representação algébrica do spin. Mário Schbnberg (1940) foi
um dos precursores desta abordagem. O spin seria descrito a partir
de uma "álgebra de Clifford", tendo a propriedade de antissimetria.
A questão da ontologia - ou seja, a questão sobre que entidade seria
antissimétrica: a matéria, o espaço? - é em geral deixada aberta. No
entanto, Bohm & Hiley, citados acima, chegaram a postular que esta
antissimetria estaria em um "pré-espaço", uma ordem que estaria
"por trás" do espaço-tempo!
2. Simetria 4n dos Spins Semi-inteiros
É costume representar o estado de uma partícula com spin 1h
(ou seja, lí/2) através de uma flechinha, da mesma maneira que se faz
com o momento angular (ver por exemplo a Fig. VI.4). Esta
• representação é aceitável para partículas de spin V2, mas não para
valores maiores (1, 3/2, 2, etc.). Esta correspondência biunívoca entre
os estados de spin V2 e as direções no espaço tridimensional pode, no
entanto, enganar nossa intuição.
O que acontece se pegarmos uma partícula de spin V2 e a
girarmos em 360º (2n radianos) em tomo de um eixo passando por
seu centro e perpendicular à direção do spin? Ora, esperaríamos que
ela retornasse a seu estado inicial, como faria qualquer objeto
macroscópico. No entanto, não é bem isto que acontece!
Examinemos o que acontece a um estado ª+z) sujeito a essas
rotações no espaço físico, acompanhando as transformações descritas
no espaço de Hilbert (Fig. XIX.l). Após uma primeira rotação de n
radianos no espaço fís ico, jª+z) passa para o estado a_ 1 ) , o que
J
J
corresponde a uma rotação de n/2 no espaço de Hilbert. Após mais
uma rotação de n no espaço físico, vê-se na figura que a_,) passa
J
para o estado
-J a+z) , um estado que difere do inicial por uma sinal
- 1. A rotação de 2n leva assim de volta ao estado inicial, mas com
uma mudança de fase (de sinal) no estado. É necessário mais uma
Capítulo XIX: Spin e a Interferometria de, 'êrarons
rotação completa de 2n para retomar exatamente ao estado inicial.
Como a rotação total no espaço físico corresponde a 4n radianos
(720º), esta simetria de sistemas de spin 1h (ou meio-inteiros em
geral) é chamada de simetria 4n.
ROTAÇÃO DE n
NO ESPAÇO FÍSICO
Figura XV. l. Rotação de
spin Vi no espaço de
Hilbert de 2 dimensões.
lcr+z)
Um comentarista assim colocou a situação: "Esta característica
da Mecânica Quântica pode parecer à primeira vista paradoxal.
Quando um objeto ordinário faz uma rotação completa no espaço, ele
retoma ao mesmo estado do qual partiu. [...] Este fato está tão
profundamente enraizado em nossa experiência cotidiana que, apesar
da teoria de spins de nêutrons ter agora em tomo de 50 anos, antes de
1967 até a maioria dos físicos pensava que uma rotação de 360 graus
não poderia ter conseqüências diretamente mensuráveis." 136 Veremos
tais conseqüências na seção seguinte.
Para finalizar esta seção, citemos Feynman com relação à
conexão íntima entre a simetria 4n de partículas de spin V2 e a
propriedade de antissimetria na troca de dois férrnions A e B (seção
XVII.2).
"O efeito na função de onda de uma troca de duas partículas é
o mesmo que o efeito da rotação do referencial de uma delas por
360º relativa ao referencial da outra. E por que isso deveria ser
verdade? Ora, simplesmente porque tal troca implica exatamente tal
rotação relativa de referencial!
Nós já notamos que se A e B são trocados (por caminhos sem
intersecção exata), A acha B indo em sua volta numa rotação de
180º, e B vê A indo em sua volta também por 180º no mesmo
sentido; uma rotação mútua de 360º . [... ]
136BERNSTEIN,
H.J.
&
PHILLIPS, A.V. (1985): "Fiber
Bundles
and
Quantum
Theory", Scientific American
245(1), 95-109. Citação da p.
99.
148
137FEYNMAN, R.P. (1987) :
'The Reason for Antiparticles", in FEYNMAN, R.P. &
WEINBERG, S.: Elementary
Particles and the Laws of
Physics, Cambridge U. Press,
pp. 1-59. Ver pp. 56-9.
138 Alguns textos introdutórios a assunto são: GREENBERGER, D.M. (1986): "The
Neutron Interferometer and
the Quantum Mechanical
Superposition Principie", in
ROTH, L.M. & INOMATA, A.
(orgs.): Fundamental Questions in Quantum Mechanics,
Gordon & Breach, Nova
Iorque, pp. l17-130. BADUREK, G.; RAUCH, H. &
TuPPINGER, D. (1986): "Polarized Neutron Interferometer", in GREENBERGER (1986),
op.cit. (nota 68), pp. 133-146.
WERNER, S.A. (1980): "Neutron Interferometry", Physics
Today 33( 12), 24-30.
Conceitos de Física Quântica
Já que troca implica tal rotação de um objeto em relação a
outro, há tõdos os motivos para esperar o fator de fase (-1)
ocasionado por tal rotação para a troca de objetos de spin semiinteiro."137
3. Montagem do Interferômetro de Nêutrons
A propriedade de simetria 4n dos spins V2 pode ser observada
experimentalmente. Vimos até aqui a utilidade da interferometria
óptica para se explorar os princípios da Mecânica Quântica. O fóton,
porém, tem massa de repouso nula, e até a década de 80 era difícil
precisar sua localização no interferômetro. Um grande avanço para
testar o princípio da superposição e outras leis fundamentais foi o
desenvolvimento da interferometria de nêutrons na década de 70. 138
O avanço técnico que permitiu este tipo de interferometria foi o
desenvolvimento de cristais perfeitos de silício de até 15 cm de
comprimento, usados por Bonse & Hart em 1965 para realizar
interferometria de raios X. Em 1974, Rauch, Treimer & Bonse, em
Viena, conseguiram adaptar tais técnicas para o caso de nêutrons
"térmicos" ou "frios" (energias da ordem de 0,025 eV). Um outro
grupo importante nesta área surgiu na Universidade de Missouri, com
Colella, Overhauser & Werner. Os experimentos mais precisos são
realizados em um reator de alto fluxo em Grenoble, reunindo
pesquisadores de Dortmund, Grenoble e Viena.
A Fig. XIX.2 é um esquema simplificado do interferômetro.
Nêutrons de energia e spin bem definidos são preparados e incidem no
monocristal de silício, que se encontra em uma região com um campo
magnético constante. O feixe de nêutrons polarizado, digamos com
spin +z, é difratado (espalhamento de Bragg) ao incidir na primeira
"orelha" do monocristal (em S1) , se separando em dois componentes
no mesmo estado de spin, e com uma defasagem relativa entre o feixe
difratado e o transmitido. Para simplificar, vamos supor que esta
defasagem seja i (em analogia com a seção III.l), sendo que um ajuste
de fase pode sempre ser feito por meio do um defasador, que consiste
de uma placa de alumínio.
Cada um dos componentes que saem de S1 incide então na
segunda orelha do monocristal (S2 e S3), sofrendo uma nova difração.
Dos quatro componentes resultantes, dois são perdidos, e dois são
recombinados, se cruzando na terceira orelha do cristal (em S4).
O que acontece após a recombinação (em S4 )? O caso é
análogo ao interferôr'netro de Mach-Zehnder: idealmente, todo feixe
segue um caminho paralelo ao feixe original, o caminho H, ocorrendo
interferência destrutiva em O.
Capítulo XIX: Spin e a Interferometria de Nêutrons
Com este interferômetro, os grupos mencionados na seção
anterior puderam, a partir de 1975, verificar a simetria 4n associada ao
spin 1/2. Foram utilízados feixes não-polarizados (ou seja, com o spin
apontando em direções aleatórias), mas, apesar disso, cada nêutron
pôde ser considerado como tendo um spin bem definido (comparar
com a discussão da seção XVIII.3). Ao girar o spin de um dos
componentes por 360º (no espaço físico), por meio de um campo
magnético estático (ao invés de uma espira de corrente alternada,
como a da Fig. XIX.2), observou-se que praticamente todo o feixe,
que inicialmente rumava na direção H, passou a rumar na direção O.
Somente quando uma rotação total de 720° foi feita é que a situação
voltou à inicial.
DEFASADOR
\
ESPIRA R.F.
SISTEMA
ANALISADOR
Figura XIX.2. Esquema do monocristal de silício em um inteiferômetro de nêutrons.
4. Recombinação de Feixes Polarizados
Na seção VII.3 examinamos a proposta de um experimento de
Stern-Gerlach revertido, feita nos anos 50. A interferometria de
nêutrons permite pôr em prática aquela proposta, e isso foi feito após o
desenvolvimento em 1980 da técnica de polarização de nêutrons,
envolvendo um "prisma magnético". Pode-se obter assim um
componente com spin na direção + z.
O experimento está representado na Fig. XIX.2. No ponto S 1, o
feixe de nêutrons frios se separa em dois componentes, ambos no
estado de spin 1 ª+z). Para obter estados de spin ortogonais, utiliza-se
uma espira inversora de spin para alterar o estado 1 ª+z ) provindo de
149
Conceitos de Física Quântica
150
S3 para o estado ja_J . Se isto for feito sem defasagens adicionais,
podemos concluir que o estado final em H é
-1 a
+x ) , e o estado em O
é i 1 a_,) . Para concluir isto, devemos lembrar que (comparar com as
eqs. XVIII.6 para a luz):
(XIX.2)
la_J = - }i- ·la+J + }i- ·la_J
O componente em O envolve um termo com componente de
spin +z que seguiu o caminho S1-Sz-S4 com fator de fase - 1 (duas
reflexões), e outro com spin - z que seguiu S1-S3-S4 com o mesmo fator
de fase. Adicionamos também uma defasagem variável <p no primeiro
caminho. O componente em H é computado de maneira análoga.
Obtemos:
(XIX.3a)
(XIX.3b)
O que acontece se variarmos a fase <p ? Vamos supor que
estamos fazendo uma medição em O. Para medir o componente de
spin na direção x, colocamos um filtro que seleciona apenas o autoestado 1
Ora, comparando as eqs. (XIX.2) e (XIX.3), vemos que,
a+,) .
para <p = O, a taxa de contagem é máxima, ao passo que, pàra <p = n ,
ela é nula, pois o estado em O toma-se 1 a_, ) (e nada passa pelo
filtro). Obtemos um típico padrão de interferência proporcional a
cos2 (<p/2).
O que acontece agora se medirmos em O o componente de spin
na direção z, selecionando com o filtro apenas o auto-estado 1
a+,)?
Ora, examinando a eq.(XIX.3a), vemos que a variação da fase não
afeta a taxa de contagem (ou seja, a probabilidade, que permanece l/2).
Estas conclusões foram observadas experimentalmente por
Badurek et al., em 1983, e estão representadas na Fig. XIX.3.
Capítulo XIX: Spin e a Interferometria de Nêutrons
I
Direção x
I
151
Direção z
-•e••.•
••
.·.+.".••..·•·•,•.....
Figura XIX.3. Resultados do experimento de superposição de spins, envolvendo uma espira inversora
de spin. Selecionando-se um estado final com spin na direção +x, observa-se um padrão temporal de
inteiferência, ao passo que na direção +z não há padrão (BADUREK et al., 1983, nota 139).
5. Uma Espira Inversora não provoca um Colapso?
Existem dois tipos de inversores de spin usados em
interferometria de nêutrons. A versão DC (corrente direta) consiste
meramente de um campo magnético estático orientado em uma
direção não paralela ao campo que permeia o interferômetro. A
orientação do spin em um campo magnético altera sua energia, mas
um inversor DC não pode alterar a energia do nêutron. O que ocorre é
que a energia ganha (ou perdida) com a inversão de spin é
compensada por uma variação na energia cinética do nêutron.
Na versão AC (corrente alternada), o inversor consiste de uma
espira que gera um campo de rádio-freqüência (RF) que gira a direção
de spin (ressonância de Rabi), sem alteração de momento, e com
transferência de energia. Neste caso surge um problema interessante,
levantado em discussões entre o grupo de Vigier e Rauch 139 .
A transferência de energia entre a espira e o nêutron não poderia ser
detectada examinando-se a energia final do nêutron ou da espira?
Desta maneira, não se poderia determinar a trajetória do nêutron, ao
mesmo tempo que a interferência seria observada, violando-se o
princípio de complementaridade?
O grupo de Rauch mostrou que nenhuma dessas duas
possibilidade é factível devido às relações de incerteza (entre fase e
número de partículas, eq. XVII.5, no caso da espira; e entre energia e
o intervalo de tempo, eq. XII.2, usado na detecção "estroboscópica"
dos nêutrons, necessária no caso AC). A energia transferida é muito
menor do que a incerteza inicial na energia do campo. Uma outra
maneira de entender isso, no caso em que a alteração de energia da
139DEWDNEY, C.; GUERET,
P.; KYPRYANIDIS, A. &
VIGIER, J.P. (1984): "Energy
Conservation and Complementarity in Neutron Single
Crystal Interferometry", Physics Letters A 102, 291.
BADUREK, G.; RAUCH, H. &
SUMMHAMMER, J. (1983):
'Time-Dependent Superpositions of Spinors", Physical
Review Letters 51, 1015-1 8.
Ver também GREENBERGER
(1986), op.cit. (nota 138).
152
140LEGGETI, A.J. (1986):
"Quantum Mechanics at the
Macroscopic Levei", in DE
BOER,
J.; DAL, E. &
ULFBECK, 0. (orgs.): The
Lesson of Quantum Theory,
Elsevier, Amsterdam, pp. 3557. Ver pp. 40-1.
Conceitos de Física Quântica
espira é examinada, é considerar 140 que o campo eletromagnético de
rádio-freqüência da espira está em um estado coerente. Ora, vimos na
seção XVII.6 que, para tal estado, a retirada de um fóton (que
corresponde à transferência de energia para o nêutron) não altera o
estado.
Em suma, vemos que é possível alterar a energia de um dos
componentes de um interferômetro sem destruir a coerência. Se o
nêutron fosse um corpúsculo que passasse pelo caminho contendo a
espira, ele absorveria um fóton; se ele passasse pelo outro caminho,
ele não absorveria o fóton; porém, essas duas situações são
indistinguíveis, não só na prática como também em princípio. Assim,
tal processo não pode fornecer informação sobre a trajetória do
nêutron, o que é consistente (segundo o princípio de complementaridade) com o fato de que a interferência é observada.
Por outro lado, se o aparelho acoplado à espira fosse
modificado de tal forma que a transferência de energia para o nêutron
levasse o aparelho para um estado macroscopicamente distinto,
recairíamos é claro no caso em que uma medição de trajetória é
realizada (seção V .1).
Capítulo XX
REVENDO O
EXPERIMENTO DAS DUAS FENDAS
1. Explicar e Compreender
Como "entender" a Física Quântica? De acordo com Richard
Feynman 141 , "o comportamento atôrnico [... ] parece peculiar e
misterioso para todo mundo - tanto iniciante quanto especialista [... ]
Mesmo os especialistas não o entendem da maneira como eles
gostariam [...]
Nós não podemos nos desfazer do mistério
'explicando' como ele funciona".
O que significa "entender" ou "compreender" um fenómeno
físico? Quando uma explicação é dada, não passamos necessáriamente a compreender? O que é "explicar"?
Uma caracterização geral é que "explicações são respostas à
pergunta 'Por quê?"'. Mais especificamente, de acordo com a "visão
recebida" na Filosofia da Ciência 142, uma tese é explicada se ela
puder ser deduzida logicamente de outras premissas. Este é o
chamado modelo "dedutivo-nomológico" da explicação. Esta
abordagem tende a separar a "explicação" da "compreensão".
Explicar alguma coisa para alguém seria antes de tudo fornecer um
argumento lógico a partir de premissas mais gerais cuja verdade se
aceita. Se as premissas forem misteriosas, pode-se não ter o
sentimento de que se entendeu o estado de coisas, mas a explicação
estaria dada.
Já a noção de "compreensão" está ligada a um estado
psicológico de quem conhece uma explicação cujas premissas são
aceitas intuitivamente. Se as premissas ou os fundamentos da teoria
não são intuitivos, a explicação pode não trazer compreensão.
Alguns críticos da visão recebida 143 , por sua vez, procuram
fu ndamentar a noção de explicação justamente na compreensão.
Qualquer informação que traz compreensão, mesmo que não envolva
uma lei ou uma teoria, forneceria uma explicação adequada.
Podemos concluir que a Mecânica Quântica fornece uma
explicação cujas premissas vão contra a intuição ligada ao senso
comum. Para "compreender" a Mecânica Quântica, portanto, é
necessário mergulhar em seus princípios e conceitos fundamentais, e
trabalhá-los de maneira que se tornem mais intuitivos, que fiquemos
mais familiarizados com eles. O fato de existirem diferentes
interpretações talvez facilite este processo, permitindo que o aluno
153
141 FEYNMAN, R.P. ; LEIGHR.B. & SA DS, M.
(1965): The Feynman Lectures on Physics, vol. III:
Quantum Mechanics, Addison-Wesley, Reading (EUA).
Ver p. 1-1. Omitimos trechos
da citação para torná-la mais
enigmática.
TON,
142A chamada "visão recebida" foi a corrente ortodoxa
da Filosofia da Ciência nos
vinte anos que se seguiram à
2• Guerra, especialmente nos
Estados Unidos. Esta corrente
tem suas raízes no "positivismo lógico" dos anos 20 e
30 (ver seção XVI.l). A
preocupação desta corrente se
centra mais no "contexto da
justificativa" do que no
"contexto da descoberta", ou
seja, se preocupa em analisar
a estrutura lógica de uma
ciência ideal (ver nota 45),
desprezando as circunstâncias
psicológicas e sociais cercando a atividade científica.
Dentro desta visão, considera-se que haja quatro
padrões de explicação: dedutivo, probabilístico, funcional
e histórico; ver NAGEL, E.
(1961): The Structure of
Science,
Harcourt, Nova
Iorque, pp. 15-28.
Conceitos de Física Quântica
154
143Destaca-se M. Scriven
( 1962). O leitor interessado
deve consultar: SALMON,
W .C.
(1992):
"Scientific
Explanation" , in SALMON,
M .H.
et
al.
(orgs.):
lntroduction
to
the
Philosophy
of
Science,
Prentice Hall, Englewood
Cliffs (NJ), pp. 7-41.
144FEYNMAN et al. (1985),
op. cit. (nota 140), pp. 1-1 a 19.
escolha aqueles princípios interpretativos que mais se aproximem de
suas concepções espontâneas.
2. Revendo o Experimento das Duas Fendas
Para explorar nossa intuição a respeito dos fenômenos
quânticos, consideramos novamente o clássico experimento-depensaruento das duas fendas (que vimos na seção I.3), conforme
apresentado por Feynrnan 144 . Imaginemos uma fonte de elétrons,
todos com aproximadamente a mesma energia, que incidem (ao
longo do eixo x) em um anteparo com dois furos apropriadamente
separados. A uma certa distância atrás do anteparo se encontra uma
parede na qual existe um detector móvel. A fonte de elétrons é bem
fraca, de modo que o detector dispara apenas de vez em quando,
indicando a chegada de apenas um elétron (ver Fig. XX.1).
O experimento consiste em colocar o detector em posições
sucessivas ao longo do eixo y e contar, em um intervalo de tempo
constante, o número de disparos do contador. Ao final, constrói-se
um gráfico cuja curva exprime a freqüência relativa com que os
elétrons são detectados nas diferentes posições, o que indica as
probabilidades de detecção. Se tal experimento fosse realizado,
observar-se-ia uma curva de interferência típica de comportamento
ondulatório, indicado por llf/A(y) + 1f18 (y)l 2 na Fig. XX.1.
DETECTOR MÓVEL
A
~
y
:
: :: ::
: : ::::
X
B
CANHÃO DE
ELÉTRONS
ANTEPARO
PAREDE
Figura XX.1 : Experimento das duas fendas para elétrons, segundo Feynman.
Capítulo XX: Revendo o Experimento das Duas Fendas
Se o elétron se comportasse como uma bala de revólver
incidindo em um anteparo resistente com dois furos, então as
detecções em nosso experimento não exibiriam um padrão de
interferência, mas formariam uma cun·a uave que seria a soma das
2
2
obtidas quando cada um dos furos
curvas ll/fA(y)l e ll/fn{y)l
estivesse aberto sozinho ( er as curvas da Fig. XX.2). Como o
elétron exibe um padrão de interferência, ele não se comporta como
as balas de revólver.
Mesmo assim, cada elétron é absorvido "inteiro" pelo detector
(isto é, transmite uma carga e uma massa mínima), nunca em partes,
e assim ele é considerado uma partícula. O caso da luz desafia mais a
nossa intuição, mas ela também é absorvida em pacotes mínimos, de
energia hv. Como a luz é sempre detectada como fótons individuais,
temos a tendência de inferir que estes fótons mantêm sua
individualidade enquanto não são observados. Tal intuição tende a
ser ainda mais forte no caso de elétrons, o que se justifica por eles
satisfazerem a conservação de número fermiônico (seção XIV.4).
Mas se seguirmos esta intuição, teremos que admitir que o elétron
passa ou pela fenda A ou pela B. Temos alguma maneira de verificar
isso?
Einstein sugeriu, no 5º Congresso de Solvay em 1927, que a
fenda pela qual a partícula passa poderia ser determinada usando um
anteparo (no qual estão as fendas) móvel, medindo-se o sentido da
velocidade final do anteparo. Considerando que o anteparo está sujeito
à relação de incerteza, Bohr mostrou que a incerteza na posição das
fendas "borraria" o padrão de interferência (ver seção V.2).
Feynman propôs que tentássemos medir a posição do
elétron, quando ele passasse pelas fendas, por meio de uma fonte de
luz colocada entre as fendas (Fig. XX.2). Um detector de luz DA é
colocado no outro lado da fenda A, e um detector adicional D 8 é
simetricamente disposto do outro lado da fenda B. Se um fóton é
detectado em DA, isto indica que ele passou pela fenda A (e
analogamente com B ). Constrói-se então um histograma indicando,
para cada posição do detector de elétrons e para um mesmo intervalo
de tempo, quantas contagens em coincidência foram registradas com
o detector DA. E, analogamente, constrói-se outro histograma para
detecções em coincidência com D 8 . O que se observa então é que o
padrão de interferência desaparece tanto para as contagens em A
quanto para em B (ver gráfico na Fig. XX.2). Somando-se estas
contribuições, obtém-se um padrão geral sem franjas (Fig. XX.3a).
Em conclusão: quando medimos por qual fenda os elétrons passam,
eles se comportam como balas de revólver.
155
Conceitos de Física Quântica
156
A explicação dada por Feynman para isso é que cada fóton
espalhado provoca um distúrbio no movimento do elétron,
introduzindo uma incerteza em sua posição y que acaba borrando o
padrão de interferência. 145
1450 cálculo é apresentado
também em GASIOROWICZ, S.
(1974), Quantum Physics,
Wiley, Nova Iorque, p. 35.
y
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/
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A
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FONTE
DE LUZ
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B
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CANHÃO DE
ELÉTRONS
:
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',
'
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',
~ ..
~Da
Figura XX.2: Proposta de Feynman para se determinarem as trajetórias dos elétrons.
3. Relação entre Padrões com e sem Interferência
146Note que aqui uma visibilidade V menor do 1 indica
falta de coerência (uma mistura), enquanto que para
fenômenos
intermediários
(seção XV .5) a coerência é
máxima (um estado puro)
qualquer que seja o valor de
V.
No experimento-de-pensamento da Fig. XX.2, selecionamos
(por meio de contagens em coincidência) um subcoletivo dentre os
elétrons que chegam à parede, justamente o subcoletivo dos elétrons
cujas posições foram detectadas nas fendas. Se tal seleção de
subcoletivo não fosse feita, o que se observaria no anteparo? Boa
parte dos elétrons não interagiria com os fótons e, assim, eles
manteriam sua coerência e exibiriam interferência. O efeito global
seria uma diminuição de visibilidade do padrão de interferência.
Já apresentamos a definição de "visibilidade" na seção
XVII.5. Visibilidade V= l corresponde a um padrão de interferência
perfeito, ao passo q~e V=O corresponde à completa ausência de
padrão de interferência. Na prática, em um experimento como o da
Fig. XX.2, observam-se valores intermediários de visibilidade,
dependendo da porcentagem de partículas que mantém sua coerência
ao passar pelo diafragma com as fendas. 146
Capítulo XX: Revendo o Experimento das Duas Fendas
157
Representemos agora a distribuição de probabilidades no
anteparo de detecção para V=O. Para o caso em que a fenda B está
fechada, o estado do elétron quando este atinge o anteparo é dado
pela eq.(X.11):
(XX.l)
A função de onda l/f A (T) pode ser representada simplificadamente
por uma onda esférica monocromática (somente uma freqüência w) e
isotrópica (igual em todas as direções):
e{~-· ( r-"1) - ax)
(XX.2)
lr - "11
Uma equação análoga para lf/8 ( r) vale para o caso em que a fenda
A está fechada.
Supondo que as probabilidades do elétron passar por cada
fenda são iguais, a distribuição de probabilidade, neste caso (Fig.
XX.3a) de mistura incoerente de estados jlJIA(r )) e jlf!8(r)), é
dada por:
(XX.3)
No caso em que as duas fendas estão abertas e a coerência é
mantida, o estado no anteparo é a superposição:
(XX.4)
Podemos calcular a probabilidade de encontrar o elétron no estado
2
jr") através da eq.(X.2): Probv=1T(r'1 = 1(r"l l/fv=1+(r))1 • Isso
fornece (após eliminar as "):
(XX.5)
Conceitos de Física Quântica
Poderíamos, é claro, ter obtido este resultado mais diretamente sem
trabalhar com vetores de estado, mas com funções de onda, através
2
da regra de Born:
Pro b (r) = l lf/v =I + (r) 1
Usando a eq.(XX.2) para l lflA) e o análogo para l lfls),
obtemos a seguinte expressão aproximada para a eq.(XX.5), supondo
f >> (y + d/2), onde f é a distância do anteparo à tela detectora, y é a
posição na tela e d é a separação entre as fendas:
(XX.6)
Os termos de interferência lflA (T) * lf/8 (T) + lf/ 8 (r)' lflA (T) resultam
no cosseno no último fator, e corresponde à parte oscilante da Fig.
XX.3b.
Pois bem, agora comparemos a eq.(XX.3) (Fig. XX.3a) com a
eq.(XX.5) (Fig. XX.3b). Em regiões onde Probv= 0 (r) = O, temos
necessariamente que Probv= 1+(r) = O
vale).
A curva
Pro b v =O ( r)
(o inverso, é claro, não
é como uma curva média de
Pro b v =l + ( r) , sendo que os picos de interferência de Pro b v =l + ( T)
têm o dobro da altura da curva Pro b v =O ( r) para o mesmo ponto.
Essas relações geométricas implicam uma curiosa
propriedade. Considere um estado igual ao da eq.(XX.4) a menos de
uma fase relativa (tomada agora como -1), resultando no seguinte
estado antissimétrico:
(XX.7)
A "anti-franja" de interferência Pro bV =1- ( r) é igual ao da
eq.(XX.5), só que com sinais "menos" nos termos de interferência
(Fig. XX.3c). A propriedade curiosa é que:
(XX.8)
Capítulo XX: Revendo o Experimento das Duas Fendas
O padrão de visibilidade O, correspondendo à ausência de coerência
nos elétrons, pode se formar através da soma de dois coletivos de
elétrons com coerência, o coletivo simétrico (representado pelo
estado puro da eq.(XX.4) e o antissimétrico (eq.XX.7). Situações
análogas já foram vistas na seção XVIII.3.
(a)
(e)
(b)
,,
,,
....
/
....
'
/
/
Figura XIX.3: Distribuição de probabilidades no experimento das duas fendas. (a) Medindo-se a
fenda por onde passa cada quantum, obtém-se uma distribuição de contagens sem franjas. (b) Sem
medirem-se as trajetórias, obtêm-se as franjas de interferência do caso simétrico. (c) No caso
antissimétrico, com uma defasagem relativa de À/2, obtêm-se "anti-franjas".
4. Interferometria com Elétrons
Apesar de a experiência descrita por Feynman requerer um
aparelho construído "em uma escala impossivelmente pequena", é
possível observar um padrão de interferência para elétrons
utilizando, ao invés de duas fendas, um arranjo conhecido como
"biprisma eletrostático de elétrons". Desenvolvido por Mollenstedt
& Düker em 1954, este equipamento consiste simplesmente de um
filamento fino com carga elétrica positiva disposto entre duas placas
aterradas (Fig. XX.4 ). Uma onda plana que incide no biprisma ao
longo da direção +z é dividida em duas partes, adquirindo
componentes de movimento na direção ±x. Estas componentes então
interferem em um anteparo.
160
147ver:
TONOMURA, A.;
ENDO, J,; MATSUDA, T.;
KAWASAKI, T.; EZAWA, H.
(1989): "Demonstration of
Single-Electron Buildup of an
ln terference
Pattern",
American Journal of Physics
57, 117-120. Uma resenha
da área, inclusive com
referência ao interferômetro
de
Mach-Zehnder
para
elétrons desenvolvido em
1952 por L. Marton, é feita
por HASSELBACH (1992), op.
cit. (nota 1).
Conceitos de Física Quântica
A detecção de elétrons individuais e a lenta formação de um
padrão de interferência foram filmadas por dois grupos experimentais em torno de 1983, sendo que mais recentemente o
experimento foi aperfeiçoado usando um engenhoso sistema de
147
contagem de elétrons sensível à posição .
Nenhum desses
pesquisadores considerou a possibilidade de medir por qual lado do
filamento passam os elétrons individuais (o que, como vimos ,
destruiria o padrão).
o
~
R
Figura XX.4: Interferência de
elétrons usando um biprisma.
5. O Valor do Momento ao Passar pelas Duas Fendas
148Tanto que um filosofo da
física do calibre de Michael
Redhead chegou a considerar
este fenômeno ondulatório!
Ver p. 78 de REDHEAD,
M.L.G. (1983): "Quantum
Field Theory for Philosophers", in ASQUITH, P.D. &
NICKLES, T. (orgs.):
PSA
1982, vol. 2, Philosophy of
Science Association, East
Lansing, pp. 57-99.
Foi dado um exercício em que um quanta passa por uma única
fenda fina, sofrendo difração (como na Fig.VI.2), sendo
posteriormente medido em uma tela detectora. A pergunta era se o
fenômeno seria ondulatório ou corpuscular. Já que é possível
determinar a trajetória do quantum, o fenômeno é corpuscular,
apesar de associarmos o termo "difração" a um fenômeno
148
ondulatório . De fato, Heisenberg explicou como dar uma
interpretação corpuscular para este efeito, lembrando que ao passar
pela fenda, a partícula tem posição x bem definida, e portanto, pelo
princípio de incerteza, tem uma incerteza grande no momento Px·
Ora, como o momento é mal definido, a partícula pode rumar
praticamente em qualquer direção após passar pela fenda.
Capítulo XX: Revendo o Experimento das Duas Fendas
161
Qual é o momento da partícula após passar pela fenda dupla?
Ora, existe uma maneira fácil de descobrir. É só colocar uma tela
detectora a uma distância razoavelmente grande e observar o padrão
2
de interferência! Este padrão reflete j lffv =J + ( p) j na fenda, ou seja,
o módulo quadrado da função de onda na representação de momento
(ver eq. X.13 ), que nos dá a distribuição de probabilidade do
momento Px logo após as duas fendas. Isso é intuitivo, pois o
momento exprime como varia a posição: conhecendo-se Px e Pz
(onde z é a direção perpendicular ao anteparo), sabe-se a direção de
movimento de uma partícula. O fato de o padrão de interferência ter
regiões em que não caem partículas significa que há valores de
momento que são proibidos após a passagem pelas duas fendas.
Qual é a origem deste peculiar distribuição de probabilidades
na fenda? A explicação dada pela maior parte das interpretações é
que este é um efeito ondulatório. Apenas a interpretação corpuscular
tem que dar conta disto de outra maneira. Na seção I.4 mencionamos
a hipótese de Landé, baseada em uma antiga proposta de W. Duane
(1923), segundo a qual ocorreria uma transferência discreta de
momento da rede cristalina (que constitui o anteparo difratar) para a
partícula (que é difratada), transferência esta que depende da
presença de fendas no anteparo. No entanto, tal explicação não
funciona para experimentos sem anteparos rígidos 149 , como o do
biprisma eletrônico visto na seção XX.4.
149rsso foi apontado por
ROSA, R. (1979), "Electron
Interference : Landé's Approach Upset by a Recent
Elegant Experiment", Lettere
al Nuovo Cimento 24, 54950. Ver também HOME &
WHITAKER (1992), op. cit.
(nota 47) . Com relação ao
trabalho de Landé, ver
JAMMER (1974), op. cit. (nota
3), pp. 453-65.
EXERCÍCIOS
Boa parte dos exercícios que se seguem foram dados em "róis
de calistenia" para os alunos .
Cap. 1: DUALIDADE ONDA-PARTÍCULA
(1) Considere a interpretação dualista realista da seção I.4. Como
ela explica o experimento das duas fendas no regime quântico
(Figs. I.1. e I.2)? Você acha esta explicação satisfatória?
(2) A dualidade onda-partícula (versão forte) afirma que um
fenômeno ou é ondulatório, ou corpuscular, mas nunca ambos
simultaneamente. Porém, vimos na Fig. I.2 que as franjas de
interferência (característica ondulatória) aparecem juntamente
com detecções pontuais (característica corpuscular). Isso viola a
dualidade onda-partícula?
(3) Na Fig. I.3 ilustramos a superposição de ondas contínuas
unidimensionais (de iguais amplitude lfl e comprimento de onda
À) rumando no mesmo sentido. O que acontece quando duas
dessas ondas rumando em sentidos opostos se superpõem?
(4) O experimento de duas fendas para a luz foi explicado por Young
(1802) e Fresnel (1819) por meio da superposição construtiva e
destrutiva de ondas (Fig. I.1). Um século depois, percebeu-se
que a formação das franjas de interferência se dá ponto a ponto
(Fig. I.2). Explique um pouco mais a fundo o que está
acontecendo, inspirando-se em uma ou mais das interpretações
da seção I.4.
Cap. II: INTERFERÔMETRO DE MACH-ZEHNDER
(1) (a) Descreva o experimento do interferômetro de Mach-Zehnder
para um fóton único.
(b) Adote uma das interpretações da seção II.3 e responda: por
qual caminho rumou o fóton?
163
164
Conceitos de Física Quântica
(2) Na seção II.1, mencionamos que quando um feixe de luz incide
em um espelho semi-refletor, o componente refletido tem um
avanço de 1A de comprimento de onda em relação ao componente
transmitido.
(a) Se um professor de laboratório de óptica lhe pedisse para
elaborar um dispositivo que gerasse componentes refletido e
transmitido em fase (ou seja, sem avanços ou atrasos
relativos), o que você sugeriria? (Dica: ler a seção II.4.)
(b) Se estes dispositivos substituíssem os semi-espelhos S 1 e S2
da Fig. II.1, o que aconteceria com as taxas de detecção em
D1 e D2?
(3) Observe o resultado do experimento de Grangier et al., na Fig.
II.4. Como são fixados ou determinados experimentalmente os
valores da abcissa <jJ e da ordenada N? Descreva o que acontece
no ponto 4n da abcissa.
(4) Considere o arranjo experimental para preparar um estado
monofotônico. (Respostas curtas.)
(a) Qual é a relação entre as freqüências v 0 , V1 e v2 ?
(b) O que aconteceria se o laser utilizado não emitisse luz
ultravioleta, mas sim luz verde.
(e) Para que serve a lente no arranjo?
(d) Para que servem os quatro espelhos no arranjo?
(e) Se o detector D tivesse uma eficiência baixa, por exemplo
detectando apenas um em cada dez fótons, isso inviabilizaria
a geração de pulsos monofotônicos?
Cap. Ili: COMPLEMENTARIDADE DE ARRANJOS EXPERIMENTAIS
(1) Considere o experimento de difração da luz através de uma única
fenda pontual, de forma que o padrão observado na tela
fosforescente não apresenta franjas, mas apenas uma mancha
circular cuja intensidade diminui constantemente até suas bordas.
(a) O que se observa quando a intensidade do feixe de luz é
diminuída até se atingir o regime quântico (ver seção I.3)?
(b) Este "fenómeno" (no sentido usado por Bohr) é ondulatório,
corpuscular ou os dois (ver seção III.2) ?
Exercícios (vol. !)
165
(2) (a) Escolha uma interpretação que lhe agrade e explique
sucintamente o experimento de escolha demorada (seção
III.3).
(b) Com base em sua resposta, analise criticamente a afirmação
de Wheeler (p. 22) de que o "o passado não tem existência
enquanto ele não é registrado no presente". Você concorda
com ele?
(3) Considere um feixe de intensidade I que incide no interferômetro
de Mach-Zehnder, conforme a Fig. II.1. Se o espelho E1 for
substituído por um espelho semi-refletor (semelhante a S1), quais
serão as intensidades medidas nos detectores D1 e D2? (Lembre
das regras para soma e divisão de amplitudes, seções I.6 e II. l.)
Cap. IV: ESTADOS QUÂNTICOS E O PRINCÍPIO DE SUPERPOSIÇÃO
(1) Como interpretar o vetor de estado llf!) ? Este estado se refere a
uma entidade real ou não? Ele fornece uma descrição completa
do objeto quântico? (Pode-se escolher uma única interpretação.)
(2) Verifique se a matriz â Y da eq. (IV.4) é de fato auto-adjunta.
(Ou seja, escreva a matriz adjunta â Y t e verifique se ela é igual
a â Y .)
(3) Considere o estado representado graficamente na figura abaixo
e escreva o vetor li/>) em função dos vetores ortogonais li/>;),
seguindo a notação das eqs. (IV.2) e (IV.2a) .
ª21
CX.31
rr.12
rr./2
f' ~. G)o nE)o
3n/2 ~
3nl2
I~>
Figura EX.O
Conceitos de Física Quântica
166
Cap. V: MEDIÇÕES DE TRAJETÓRIA
(1) Considere o interferômetro de Mach-Zehnder (Fig. II.l), no qual
todos os fótons rumam para o detector D1.
(a) O que acontece com as taxas de contagem de fótons quando o
detector D 3 é inserido no caminho A (Fig. V.1)?
(b) Como você explicaria (para um colega) este comportamento?
(2) Um único átomo de hidrogênio é preparado no estado
Jf lIJ! 200) + t lIJ! 210 )
,
onde os índices dos auto-estados
correspondem respectivamente aos números quânticos n=2, C,
me=O.
Note que a única diferença entre os auto-estados
corresponde ao valor do número e.
(a) Se medirmos o observável cujo autovalor é C, qual é a
probabilidade de obtermos o valor C=O? (Dica: ver seção
V.3)
(b) Suponha que dé fato fizemos a medição e obtivemos o
autovalor C=O. Agora, se medíssemos novamente o mesmo
observável, qual seria a probabilidade de obter o valor C=O?
(Dica: ver seção V .4)
(3) Considere o experimento óptico clássico da figura abaixo, onde
S1, S2, S3 são espelhos semi-refletores, e E 1 e E2 espelhos de
reflexão total.
~
A
S1
'- -~ --- ----- ~o
Figura EX.1.
:
:
''
'
'
'
'
'
''
'
E1 ;
S2
E
------"----·
---------------------------------------CLJ- DE
:
03
:
.''
'
'
'
'
'
..
, _ _ _ _ -- - - - '\,----- --- - - --- - - - --cuS3 ;
F
DF
Exercícios (vol. /)
Nossa primeira tarefa é calcular a amplitude e a fase que chega
em cada detector. Como referência, tomamos o feixe inicial, de
amplitude l/fo. Adotemos as seguintes regras para nosso cálculo:
(i) quando um feixe de amplitude l/fo passa por um espelho
semi-refletor, a parte transmitida tem a mesma fase e amplitude
l/fo, enquanto que a parte refletida se escreve .)2 · l/fo, onde o
Jz ·
i indica um deslocamento de fase de 14 de comprimento de onda;
(ii) em um espelho de reflexão total, a amplitude permanece a
mesma, e introduzimos uma defasagem de i (isso é uma
convenção arbitrária); (iii) quando dois componentes vindos de
direções diferentes acabam se superpondo em uma direção, basta
somar as amplitudes correspondentes.
(a) Calcule as amplitudes e fases que chegam nos três detectores,
usando a notação de amplitudes complexas (tipo: .)2 · l/fo ).
(A resposta e~tá nos coeficientes da equação do item b.)
(b) Passemos agora para o regime quântico, reduzindo a
intensidade do feixe até um único fóton entrar de cada vez, e
colocando detectores fotomultiplicadores. O estado quântico
logo antes da detecção pode ser escrito como:
ll/fo) = t·I E) - '2+ff ·IF) + -~+;f ·IG)
Qual é a probabilidade de o fóton ser medido em cada
detector?
(e) Suponha agora que um medidor de não-demolição seja
inserido em A. Quais são as probabilidades de o fóton ser
medido em cada detector subseqüente?
Cap. VI: COLAPSO DA O NDA OU REDUÇÃO DE ESTADO
(1)
Considere um feixe de átomos de prata que atravessa um
aparelho de Stem-Oerlach SG1 orientado a um ângulo e em
relação ao eixo +z (ver figura abaixo). O componente que ruma
para o caminho A se encontra, por definição, em um estado
1 cr +
fJ). Suponhamos que este componente +e incida em outro
aparelho SG2, orientado ao longo de +z. Nosso objetivo é
determinar qual fração dos átomos que entram em SG2 são
detectados em D .
Para resolver este problema, podemos primeiro escrever o
cr +fJ) em função dos aut~stados 1cr +z ) e cr -z) do
componente de spin nas direções +z e - z.
t!>
estado
J
J
167
Conceitos de Física Quântica
168
Figura EX.2.
+z
(a) Considere o caso particular 8 =0º. Preencha os componentes
da igualdade abaixo:
jao·)
=
+
1 (}
-z)
e =90º,
ou seja, o aparelho SG 1 está apontando na direção +x (Dica:
veja a eq. VI.l).
(b) Considere agora outro caso simples, aquele no qual
1 (}
+z)
+
1 (}
-z)
(e) Considere agora o caso e =180º, ou seja, SG 1 está
apontando na direção -z. (Este caso é igual ao caso (a) com
os componentes trocados.)
+
1 (}
-z )
(d) A partir do casos especiais acima, infira qual é a expressão
para o estado geral
1
a +e ) , supondo que tal expressão
envolva senas e cossenos.
=
+
(e) A partir desta expressão para o estado
1 (}
1a
6)
-z)
em A, calcule
qual fração do feixe (em A) chega no detector D.
(2) Como foi que Kemble explicou a redução de estado, dentro de
sua versão inicial da interpretação dos coletivos estatísticos
(seção VI.5, item 2). O que é preciso levar em consideração para
explicar o experimento da Fig. VI.6?
Exercícios (vol. 1)
169
(3) Leia os trechos marcados por ill, V, VI, XIII e XVI do texto
"Discussão Geral das Novas Idéias Formuladas", realizada no
Congresso de Solvay de 1927 (ver referência na nota 23). Faça
um resumo de uma a duas páginas sobre as discussões travadas.
Cap. VII: EVOLUÇÃO U:\TIÁRIA
(1) (ver seção VII.l)
(a) Sob que condições se pode definir um operador
hamiltoniano auto-adjunto (hermitiano) para um sistema, de
forma que este seja regido pela equação de Schrõdinger?
(b) Explique a diferença entre o caso em que o hamiltoniano não
depende do tempo do caso em que ele depende.
(e) (Desafio.) Para se descrever a emissão radioativa de um
núcleo atômico, utiliza-se um hamiltoniano que não é autoadjunto. O que se pode dizer sobre este núcleo?
(2) Um feixe de luz que incide em um prisma birrefringente de
Wollaston, mostrado na figura, se divide em dois componentes,
um com polarização linear a Oº, outro com polarização a 90º .
•... ·····
...--····
>
····-····--... _
(a) Faça um desenho cuidadoso de um experimento que
comprove que, em geral, os fótons que saem do prisma ainda
não "escolheram" seu estado de polarização, permanecendo
em uma superposição de estados com polarização a Oº e a
90º (análoga à eq. VI.2).
(b) Você considera este experimento factível? (Lembre-se que o
interferômetro de Mach-Zehnder é factível, mas o aparelho
de Stern-Gerlach revertido não é).
Cap. VIII: MEDIÇÕES EM FÍSICA QUÂNTICA
(1) Considere o experimento da Fig. Vill.3, com um detector 100%
eficiente. Se o átomo incidisse no detector, ele o faria no instante
ti, mas, após este tempo, nada foi detectado.
~
Figura EX.3.
170
Conceitos de Física Quântica
(a) Indique na tabela o que ocorreu:
SIM
NÃO
d ~en de
am~ific~ão
COl'!QSO
detec_ç_ão
med!ç_ão
redl!_Ç_ão
(b) Após t i. alguém lhe pergunta: "o que se pode dizer sobre a
existência prévia do valor medido de posição?" (ver seção
Vill.3). O que você lhe responderia? Esta resposta se
aproxima de qual interpretação da teoria quântica?
Cap. IX: 0 PROBLEMA DA MEDIÇÃO
(1) Considere o experimento de Stern-Gerlach com detectores que
não absorvem o átomo (Fig. VI.4 ), e coloque-se na interpretação
ondulatória. A questão é saber em que ponto do experimento
ocorre o colapso (é o que chamamos o "problema da
caracterização", seção IX. l).
(a) Podemos dizer que o colapso ocorre durante a interação do
átomo com os imãs do aparelho de Stern-Gerlach (ou seja,
com os analisadores)? Por quê? (Consulte a seção VIl.2.)
(b) Podemos dizer que o colapso é causado pela amplificação
que ocorre na formação de gotículas em um dos detectores
(supondo que sejam câmaras de Wilson)? Por quê? (Consulte
a seção VIII.4.)
(e) Podemos dizer que o colapso é causado apenas quando ocorre
uma observação consciente por parte de um ser humano? É
possível refutar esta posição? (Ver referência à visão
subjetivista, seção IX. l.)
(2) (a) O que é criptodeterminismo? (Ver seção IX.2).
(b) A Mecânica Quântica é criptodeterminista ou indeterminista?
(e) A Mecânica Clássica é determinista. Ela é também
criptodeterminista? Justifique sua resposta.
(d) (Desafio filosófico!) Se as leis da natureza fossem
deterministas, e se aplicassem ao nosso cérebro, poderíamos
tomar decisões no presente que não são determinadas pelos
nossos estados cerebrais em um instante passado? Haveria
"livre arbítrio"?
171
Exercícios
Cap. X: BASE MATEMÁTIC DA TEORIA
(1) Queremos medir um observável Q cujo operador correspondente
Q satisfaz a seguinte equação de autovalores para os
autoestados 1</),) e o auto valores Y; :
Q1'Á) = Y; i<P;)
Para o instante em que formos fazer a medição, sabemos o
estado do sistema e o representamos na base de interesse da
seguinte forma:
Calcule o valor médio
(lffl Qilff)
deste observável para este
estado.
Para quem não tiver muita prática com este tipo de cálculo,
eis algumas regrinhas úteis:
onde
ôiJ = O se
= 1
(b)
i=j .
Se a for um escalar, com complexo conjugado a*, então:
ia<P) = al9) ;
(c)
se
i -:t j
(a<Pl = a*(<PI
Dica: cada vez que for substituir jlf!) por uma soma,
usar índices i,j, k, l ... diferentes.
(2) (Ver seção X.3) .
(a) Considere um sistema no estado llff) =
La; 1</>;). Calcule o
valor médio do operador de projeção
P[<P;].
Como
interpretar este resultado?
(b) Use o teorema espectral para exprimir o operador Q , que
tem como autoestados l<A) e como autovalores Y; .
Conceitos de Física Quântica
172
(e) Na notação de operadores de densidade, o estado
llfl) se
escreve como o operador de projeção W= P[lfl].
Calcule
então o valor médio de Q para esse estado, usando a
fórmula para operadores de densidade: (
o
traço
de
um
operador
A
é
Q) = tr (QW) , onde
definido
como:
tr(Ã) = L(<AIÃI~;)
;
Cap. XI: 0 PRINCÍPIO DE INCERTEZA
(1) Na sua opinião, o princípio de incerteza exprime um aspecto
ontológico do objeto quântico, ou apenas um aspecto
epistemológico? (Tais termos filosóficos são caracterizados no
final da seção XI.4.)
(2) O argumento dado por Heisenberg por meio do microscópico de
raios y é correto? Explique. (Ver seções XI.2, item 4, e XI.4.)
(3) Considere o movimento de uina partícula livre de massa m ao
longo de 1 dimensão (o eixo x) , ilustrado na figura. No instante
t 1, o momento Px1 da partícula é medido com boa resolução. No
instante t2 , mede-se com boa resolução a posição x 2 da partícula.
P x1
Figura EX.4.
111111111111J1111111111 {1
~
Hlllllllli!lllll\111 1 1
\ ' '\
0
j
~
'* \
~
.,.__ ___________________ * X2
f1
Com base nestas medições, é possível inferir a posição x 1 da
partícula logo após o instante t 1 , procedimento conhecido como
"retrodição" (seção XI.7).
(a) Escreva a equação que fornece o valor de x 1•
(b) Qual é a sua opinião sobre este valor calculado? Ele
corresponde de fato à posição do objeto quântico em t 1?
173
feios
aceitando-se _ -~- da retrodição, há
-,.-,,.,-=-.r;>·nte que o invalida
roblema?
(4)
o que é um
(1)
É ~frel realizar mec!:~s
incompaúveis ? (Seção XII.:
r·ável de não-der.:.
um medilk
não-demolição
demoliçãosendo usado
ambas as ~-,.....,...:......_-ÃN?
(2) Considere o operador de
uma partícula livre
adequada para o ope
comutação
(3)
seção XI.6)? O que é
-.1)? O termo "nãosignificado em
njuntas
de
observáveis
AJA)
AAJ
=tm ( XP,-P,- x
para
1.
Usando uma expressão
E , calcule a relação de
[i,Ê] , u
Considere o eXJ>õ:I<::l~.3 _.e escolha demorada de von
Weizsacker (seção
_ ;:smo após o fóton passar pela lente,
o cientista (chame
ainda pode escolher colocar a tela
detectora no plano
~ ou no plano focal.
(a) Com a tela
imagem, qual é o estado final do
elétron?
ro;~S;_lCi,;:;
-.Ge a um fenómeno corpuscular ou
ondulatório:
(b) Com are
-ocal, qual é o estado final do elétron?
um fenómeno corpuscular ou
Is o
ondulatório?
(e) Suponha que
5egunda cientista (chamada Grete), que
não sabe qual zoi
colha de Carl, resolva descobrir qual foi
a escolha do amigo. Para isso, ela utiliza um outro
microscópio para descobrir o estado final do elétron. Ela
conseguirá descobrir qual foi a escolha de Carl? Explique.
Cap. XII: A INTERPRETAÇÃO DA COMPLEMENTARIDADE
(1) A posição de Bohr (seção XII.2) pode ser chamada de
macrorealismo? Por quê?
Conceitos de Física Quântica
174
(2) (Seção XII.4) No efeito Compton, um fóton de ra10 y com
momento bem definido se choca com um elétron
aproximadamente parado. O elétron é ejetado do átomo e
detectado a um certo ângulo (em relação à direção de incidência
do raio y), enquanto que o fó ton espalhado é detectado em um
outro ângulo. Neste processo, verifica-se a conservação de
energia e de momento.
(a) Considere o 1º tipo de complementaridade. O efeito Compton
satisfaz a "asserção da causalidade" . Ocorre uma
"coordenação espaço-temporal"?
(b) Considere o 2º tipo de complementaridade. Este experimento
corresponde a um fenômeno "corpuscular" ou "ondulatório" ?
(e) Considere o 3º tipo de complementaridade. Durante o choque
do fóton e do elétron, as partículas têm posições bem
definida? Têm momentos bem definidos?
(3) Leia a seção 1 do texto de
iels Bohr (1928), "O Postulado
Quântico e o Recente Desenvolvimento da Teoria Atômica" (ver
referência na nota 60), e faça um resumo de uma a duas páginas .
Cap. XIV: REALISMO E P OSITIVISMO
(1) Você é realista ou anti-realista com relação à Teoria Quântica?
Você concorda com as três afirmações básicas da interpretação
realista de teori as (seção XIV.3)? Qual a sua opinião sobre o
realismo convergente?
(2)
Caracterize
as
seguintes
posições
anti -realistas:
instrumentalismo, relativismo, convencionalismo, idealismo,
positivismo. Com relação à Física Quântica, qual delas você
considera mais plausível? Por quê?
(3) Responda ao questionário sobre seu Grau de Realismo, no final
desta lista de exercícios, e use o "gabarito" para estimar seu grau
de realismo. Se quiser, teça comentários sobre o questionário.
Cap. XV: EXPLORANDO A COMPLEMENTARIDADE
(1) Explique a complementaridade de arranjos experimentais (seção
III.2). Você considera que ela é violada em experimentos que
exibem aspectos intermediários entre onda e partícula (seção
XV.3)?
Exercícios
175
(2) Considere o arranjo experimental da figura abaixo, onde F1, F2,
são filtros polarizadores (orientados a 0° e a 90º) e P1, P2,
prismas birefringentes (o primeiro separando componentes a 0° e
90°, o segundo a . - o e 135°). O detector de não-demolição D 5
pode ser ligado ou desligado. Supomos detectores 100%
eficientes.
49'
rb
ILASER ~-- ~ ----i:.i_J -- - -- - -~
05
'
B
Figura EX. 5.
(a) Supondo que D- esteja desligado (ou ausente), calcule a
porcentagem do eixe inicial que incide em cada um dos
detectores finais Di. D 2 , D 3 , D4 . Para isto pode-se usar a
Teoria Ondulaffiria Clássica. (Dica: use as polarizações de
luz indicadas na Fig. XV.4a).
(b) Supondo D 5 ligado, calcule as porcentagens em Di. D 2, D 3 , e
D 4 . Aqui é bastante útil utilizar o princípio de
complementaridade.
(e) No caso em que D- está ligado, considere apenas os fótons
que são detectado neste medidor de não-demolição. Destes
fótons, qual porcentagem é detectada em cada um dos outros
detectores D1, D2, D 3 , D~?
Conceitos de Física Quântica
176
(3) Considere a montagem da figura abaixo.
(a) Um fóton que incide em D 1 corresponde a um fenómeno
corpuscular ou ondulatório? Explique.
(b) Um fóton que incide em D 2 corresponde a um fenómeno
corpuscular ou ondulatório? Explique.
(e) (Desafio!) É possível alterar o tipo de fenómeno (de
corpuscular para ondulatório, e vice-versa), fazendo
alterações nos componentes da aparelhagem, sem mudar o
estado do objeto quântico (sua função de onda) em parte
alguma do aparelho?
45"
'LASER~-- ~ ---~----- -- -----~
'
'
1
'
Figura EX.6.
B'
9~
D1
, __ -----i--------\ -4?~ ------{LJF2
135°:
F3 •
t35"
1
1
~D2
(4) Leia o texto jornalístico da página seguinte.
(a) Explique o experimento de Chiao, Kwiat e Steinberg, fazendo
uma figura.
(b) Que interpretação da Teoria Quântica o autor está utilizando?
Somos obrigados a concordar com sua conclusão de que "o
experimento parece desafiar as leis da causalidade"?
Exercícios
177
Precisas iluminar a questão?
Nigel Hawkes
O experimento que para o ganhador do prêmio Nobel Richard Feynman era o mistério central da
Física Quântica tomou-se ainda mais misterioso. Apesar de ser fácil de descrever, ele desafia
explicação.
Todo estudante de F'isica já viu franjas de interferência, causadas por dois feixes de luz que se
sobrepõem um ao outro. Neste experimento, inventado pelo físico inglês Thomas Young no início do
século XIX, ilmninam-se duas fendas ou buracos finos em uma tela.
Do outro lado da tela. a luz se espalha a partir dos buracos e os dois feixes interferem entre si.
Onde os picos das ondas luminosas coincidem, há brilho; mas onde um pico coincide com um vale,
há escuridão. Uma segunda tela colocada no lugar certo exibe o padrão. O experimento fornece uma
prova marcante de que a luz é uma onda.
Mas outra evidência insiste que a luz também consiste de partículas individuais, chamadas fótons.
De fato, as partículas podem ser produzidas uma a uma. Muito tempo depois da época de Young, os
físicos mostraram que se fótons individuais são lançados nos buracos um por um, e os pontos de luz
somados do outro lado por uma célula fotoelétrica, a interferência ainda ocorre.
Temos aqui fótons individuais, que imaginaríamos que devessem passar por um buraco ou pelo
outro. No entanto, de alguma maneira eles interferem consigo mesmos. Como isso é possível?
Teóricos quânticos argumentariam que a interferência surge porque não é possível, nem em
princípio, determinar por qual buraco o fóton passou. Em um certo sentido, portanto, eles passam por
ambos, apesar de serem indivisíveis. Vocês ainda estão me acompanhando? A coisa fica pior. Se
você colocar filtros de polarização entre os buracos e a segunda tela, o padrão de interferência
desaparece. Colocando-se um tipo de filtro após um buraco, e outro tipo após o outro, é possível
efetivamente "etiquetar'"' os fótons, identificando por qual buraco eles passam. Neste caso, o padrão
de interferência desaparece, conforme teóricos quânticos preveriam.
Três físicos adicionaram agora um refinamento adicional. Os doutores Raymond Chiao da
Universidade da Califomia em Berkeley, Paul Kwiat da Universidade de Innsbruck e Aephraim
Steinberg do US ational Institute of Standards and Technology em Maryland, adicionaram um
terceiro filtro polarizador, que eles chamam de apagador, perto da segunda tela. Isso cancela a
etiquetagem dos fótons, e um padrão devidamente reaparece.
Este resultado parece indicar que o fóton pode dizer de antemão - antes mesmo de atingi-lo - que
há um filtro apagador à sua espera do outro lado da tela. Se ocorre interferência, os fótons precisam
estar passando pelos dois buracos: quando não há interferência, eles precisam estar passando por um
ou pelo outro.
Como é que um fóton que se aproxima dos buracos sabe como ele deve se comportar antes
mesmo de encontrar filtros? O experimento parece desafiar as leis da causalidade, que insistem que
resultados devem se seguir às causas, e não precedê-las.
John Gribbin, relatando os experimentos no New Scientist, cita Feynman, que teria dito:
"Ninguém entende a Física Quântica". Não há nenhuma surpresa nisto, visto que ela oferece enigmas
como esse.
(HAWKES, N., "Need a Li ht on the Sub'ect?'', The Times, Londres, 13 de mar o de 1995, . 16.)
178
Conceitos de Física Quântica
Cap. XVI: O ÁTOMO
(1) Com um poderoso telescópio,
você está encarregado de
fotografar a estrela Sírio, mas resolve aproveitar a oportunidade
para fazer umas medições quânticas . Vamos supor que os fótons
que você vai analisar são provenientes de átomos em uma
superposição de estados de energia (E 1 e E 2 ), como o da eq.
(XVI.2).
(a) Você resolve medir a energia de um único átomo, e obtém o
resultado E 1• Neste caso, o que você diria sobre a existência
prévia deste valor medido? (Ver seção XVI.3 e, talvez, para
ajudar, a seção VIII.3.)
(b) Qual é o estado final do sistema, após a medição? O
postulado da projeção (seções V.4 e X.2) é válido neste
caso?
(e) Ao invés da medição do caso (a), você resolve medir um
observável cujo operador não comuta com o operador de
energia. Neste caso, você diria que antes da medição o átomo
tinha um valor bem definido de energia?
(d) Existe algum problema de não-localidade (ação instantânea à
distância) neste experimento?
(2) É possível ver um átomo? Dê sua opinião com base no último
parágrafo da seção XVI.3 .
(3) O que é o efeito Zenão quântico? Você o considera paradoxal?
(Seção XVI.4.)
Cap. XVII: EXPLORANDO ÁTOMOS E CAMPOS
(1) Aponte quatro diferenças entre bósons (como fótons) e férmions
(como elétrons). (Seções XVII.1 a 4.)
(2) O que é o vácuo? Ele é completamente vazio?
(3) O estado 1<P v) de um feixe de laser é descrito pelos peculiares
"estados coerentes", discutidos na seção XVII.6.
(a) A este estado corresponde um Mmero de fótons bem
definido? Uma fase bem definida?
(b) O que acontece com este estado se retirarmos um fóton do
feixe?
Exercícios
(e) Se repetirmos esta operação (de retirada de um fóton) octilhões
de vezes, o feixe acabará sumindo. Isto contradiz a resposta do
item (b)?
Cap. XVIII: M.IsrQus E O OPERADOR DE DENSIDADE
(1) O que é a interpretação da ignorância (seção XVIII.3)? Ela é uma
visão reali ta? Por quê? Você simpatiza mais com esta
interpretação ou com a visão rival?
(2)
Sejam ja_J
e a_J auto-estados do componente de spin na
direção z e "ja.m la=.i ) = }i-JCY+z) ± }i-JCY_
Considere o
1 ).
estado representado pelo seguinte operador de densidade (apud
B LUM, nota
Obtenha a matriz de densidade correspondente, na representação
{CY+, , cr_,} e verifique a polarização do estado nas direções x e
z, calculando o 'talor médio (eq. XVIII.3) das matrizes de Pauli:
Ô" = [I O] .
z
o -1
(3) (a) O que são duas misturas equivalentes?
(b) É possível distinguir feixes representadôs por misturas
equivalentes através da medição de flutuações? (Seção
XVIII.4.)
Cap. XIX: SPIN E A INTERFEROMETRIA DE NÊUTRONS
(1) O spin é uma propriedade relativística?
(2) Calcule a probabilidade de se detectar um nêutron com spin +x
no caminho O, em função da defasagem <p . Utilize para isso as
eqs. (XIX.2) e (XIX.3).
179
180
Conceitos de Física Quântica
(3) Ao apresentarmos a noção de colapso, consideramos um exemplo
(Fig. VI.l) no qual o colapso se dá de maneira concomitante à
transferência de um quantum de energia do objeto quântico para o
aparelho de medição.
(a) Todo colapso implica uma transferência de quantum de
energia?
(b) Toda transferência de um quantum de energia implica um
colapso? (Seção XIX.5)
Cap. XX: REVENDO O EXPERIME.l'\TO DAS D UAS FENDAS
(1) Considere as seguintes variações do experimento das duas
fendas.
(a) Se colocarmos em uma das fendas um medidor de nãodemolição que registra a passagem de um fóton sem absorvêlo, o padrão de interferência permanece ou desaparece?
Explique brevemente por quê. (Ver seção V .1.)
(b) Se colocarmos em uma das fendas uma "placa de meia
onda", que introduz uma defasagem de meio comprimento
de onda nas ondas que a atravessam, o que acontece com o
padrão de interferência? Permanece ou desaparece? (Ver
seção II.4.)
(e) Se colocarmos em ambas as fendas filtros polarizadores, um
orientado a Oº e o outro a 90º, o padrão de interferência
permanece ou desaparece? Explique brevemente por quê.
(Ver seção XVII.2.)
(2) Como uma interpretação corpuscular explica a interferência de
elétrons em um biprisma eletrostático? (Ver seções XX.4 e 5.)
Exercícios
APÊNDICE: Questionário Lúdico:
Qual é seu Grau de Realismo?
1) Uma árvore grande que caiu em um bosque desabitado emitiu um
som ao cair?
D a) Sim.
D b) ão.
D c) Esta pergunta não faz sentido.
D d) Esta pergunta faz sentido mas não tem resposta.
D e) ão sei.
2) "Partículas virtuais são necessárias para explicar fenômenos em
eletrodinâmica quântica, mas elas são rapidamente emitidas e
absorvidas, e nunca podem ser observadas. Elas existem?
D a) Supondo que a teoria está correta, sim.
D b) Mesmo supondo que a teoria é correta, não.
D c) Esta pergunta não faz sentido.
D d) ão sei.
3) Considere uma teoria física que consegue prever corretamente os
resultados de medições, em um certo domínio experimental (por
exemplo através de fórmulas empíricas descobertas por tentativa
e erro) . Porém. esta teoria não fornece nenhum modelo ou
explicação de como a realidade funciona (neste domínio). Esta é
uma boa teoria?
D a) Sim.
D b) Não.
D c) Não sei.
4) A verdade, com relação ao mundo da física, muda de época para
época, ou ela é sempre a mesma, mesmo que a desconheçamos?
D a) Muda de época para época.
D b) Ela é sempre a mesma.
D c) Esta pergunta não faz sentido.
D d) Não sei.
181
182
Conceitos de Física Quântica
5) Existe Deus?
D a) Sim.
D b) Não.
D c) Esta pergunta não faz sentido.
O d) Esta pergunta faz sentido, mas nunca saberemos a
resposta.
·
6) Existe "a árvore" enquanto termo universal, sendo que só existem
árvores individuais ?
D a) Sim, "a árvore" existe.
O b) Não, "a árvore" é só um nome; só existem árvores
individuais.
D c) Esta pergunta não faz sentido.
D d) Não sei.
7) No contexto da física, você concorda com a seguinte afirmação:
"Só é válido definir uma grandeza se ao mesmo tempo
fornecermos o procedimento experimental para medí-la" ?
D a) Sim.
D b) ão.
D c) Esta pergunta não faz sentido.
D d) ão sei.
8) É aceitável que a teoria quântica não descreva uma realidade
independente do observador, mas apenas a realidade enquanto
ela é observada?
O a) Sim. De fato este é um traço que deve ser benvindo !
O b) Sim. Se não houver outra saída, paciência...
D e)
D d)
ão é aceitável. Devemos tentar sanar esta situação.
ão sei.
9) Um objeto físico (por exemplo, este papel) é um conjunto de
sensações, ou é a causa externa de um conjunto de sensações?
D a) Um conjunto de sensações .
D b) A causa externa de um conjunto de sensações.
D e) Esta pergunta não faz sentido.
D d) Não sei.
Exercícios
10) Podemos obter verdades sobre o mundo externo apenas a partir
do pensamento (de maneira "a priori"), sem levar em
consideração nenhuma observação empírica relevante?
O a) Sim. De fato, este é o método mais seguro e
adequado.
O b) Sim. Apesar da observação ser importante, há
verdades que podem ser obtidas desta maneira a
priori.
O c) Não. Toda informação sobre o mundo externo é obtida
através da observação.
D d) Esta pergunta não tem sentido.
O e) ão ei.
11) Depois que você morrer (se você morrer), o mundo continuará
existindo?
O a) Sim.
D b) ão.
D e) Esta pergunta não faz sentido.
D d) ão sei.
'
"
'
12) Se toda a humanidade morresse (ou todos os seres pensantes do
universo), e não houvesse tempo de uma nova civilização
pensante evoluir, o mundo continuaria existindo?
D a) Sim.
.
D b) Não .
D e) Esta pergunta não faz sentido.
D d) Não sei.
183
184
Conceitos de Física Quântica
13)
Suponha que toda a humanidade morreu (nas condições da
questão anterior), e um núcleo transurânico teoricamente
possível (por exemplo, de número atômico 135) nunca tivesse
sido fabricado. Este núcleo tem realidade?
O a) Sim.
O b) Mais ou menos. Digamos que tem uma realidade
"potencial".
O c) Mais ou menos. Digamos que tinha uma realidade
"potencial' enquanto havia homens, mas depois
deixou de ter.
O d) Não. ão tem realidade, e nunca teve.
O e) Esta pergunta não faz sentido.
O f) Não sei.
14) Isto que você está vendo agora está em sua retina, ou está no
mundo exterior?
O a) Apenas em minha retina. A partir desta imagem, infiro
fatos externo .
O b) Nos dois. Em minha retina e no mundo externo.
O c) Apenas no mundo exterior.
O d) Esta pergunta não faz entido.
O e) Não sei.
15) A Mecânica ewtoniana é verdadeira?
O a) Não, ela é falsa.
O b) Ela é verdadeira em certos domínios , mas em outros
não.
O c) Ela era verdadeira no século XVIII, mas hoje é falsa.
O d) Ela era absolutamente verdadeira no século XVIII,
mas hoje só é verdadeira em certos domínios.
O e) ão sei .
"
Exercícios
16) A Mecânica Relativística (Restrita e Geral) é verdadeira?
D a) Não, ela é falsa. (Não dá pra falar em proximidade
com a verdade.)
D b) Ela é falsa, mas está mais próxima da verdade do que
a mecânica newtoniana.
D c) Ela é verdadeira hoje, mas no futuro provavelmente
não será mais.
D d) Parece que ela é verdadeira, sim. Ela conseguiu
atingir a verdade.
D e) Ião tenho opinião.
17) Qual é o objetivo pri meiro da ciência?
D a) Atingir a verdade.
'-D b) Dar conta das observações
de maneira económica.
D c) Resolver problemas.
D d) Gerar tecnologia.
D e) ~ ão há um único objetivo principal.
18) Existe um espírito, ou uma consciência (ou talvez uma "alma")
que sej a independente da matéria?
D a) Sim. O espírito sobrevive fora do corpo.
D b) Sim, o espírito é livre. Porém, com a morte, o espírito
de aparece.
D c) ão. O espírito é causado pela matéria.
D d) Esta pergunta não faz sentido.
D e) ão quero opinar.
É possível ob ervar uma coisa de maneira desinteressada,
nêutra, sem alterar de nenhum modo a percepção devido a opiniões e
conhecimentos teóricos?
D a) Sim.
19)
D b) Não . Toda observação está impregnada de suposições
teóricas.
D e) Esta pergunta está mal formulada.
D d) Não sei .
185
Conceitos de Física Quântica
20) Como você gosta de interpretar a Física Quântica?
O a) Existem ondas, pacotes de onda, colapsos etc.
O b) Existem partículas, com ondas associadas, que
interagem à distância.
O c) Há um dualismo complementar entre onda e partícula:
ora observamos um, ora outro, conforme o
experimento.
O d) A teoria é incompleta.
O e) Não sei.
\
187
Exercícios
"Gabarito" do Questionário Lúdico:
Qual é seu Grau de Realismo?
Para cada pergunta, apresentamos o tema sendo sendo
questionado, e o nome da posição associada a cada resposta. Para a
estimativa do "grau de realismo", deve-se somar S pontos para as
respostas correspondentes à letra R (realismo), 2,5 pontos para as
respostas indicadas por llzR-V2P (nêutra) e O pontos para as respostas
P (positivismo). A soma das vinte perguntas equivale a uma
porcentagem que mede o "grau de realismo". Este é um questionário
lúdico, que apenas auxilia a discussão do Cap. XIV.
1) REALISMO O NTOLÓGICO.
(a) Realismo ontológico. R
(b) Idealismo subjetivista. P
(c) Positivismo lógico. P
(d) Cético. P
(e) Um "perfeccionismo", oposto ao falibi lismo. llzR-Vtl'
2) TERMOS TEÓRICOS.
(a) Realismo científico. R
(b) Positivismo 'negador". P
(c) Positivismo lógico. P
(d) llzR- 1hP
3) INSTRUME TALISMO .
(a) Instrumentalismo. P
(b) Realismo Científico. R
(c) 1/2R-V2P
4) VERDADE.
(a) Verdade pragmática: relativismo. P
(b) Verdade por correspondência: realismo
científico. R
(c) Alguma forma de positivismo. P
(d) llzR-V2P
5) DEUS.
(a) Teísmo . R
(b) Ateísmo. Realismo o/1tológico ou um positivismo "negador". V2R-V2P
(c) Positivismo lógico. P
(d) Agnosticismo. V2R-llzP
6) NOMINALISMO.
(a) Realismo de uni versais, uma forma das
quais é o realismo platônico. R
(b) Nominalismo. P
(c) Positivismo lógico. P
(d) 1hR-llzP
7) ÜPERACIONALISMO .
(a) Operacionalismo. P
(b) Realismo científico. R
(c) Algum positivismo. P
(d) llzR-llzP
8) IDEALISMO NA FÍSICA QUÂNTICA.
(a) Um positivismo "eufórico". P
(b) Um positivismo "moderado". P
(c) Realismo epistemológico. R
(d) V2R-llzP
188
Conceitos de Física Quântica
9) SENSACIONISMO.
(a) Sensacionismo ou empirismo radical. P
(b) Realismo, mesmo um fisicalismo. R
(c) Positivismo lógico. P
(d) 1/zR-1/zP
10) RACIONALISMO.
(a) Racionalismo cartesiano. R
(b) Apriorismo kantiano. R
(c) Empirismo clássico. P
(d) Alguma forma de positivismo. P
(e) Y2R-1/zP
11) SOLIPSISMO.
(a) Realismo ontológico, consistente com
formas moderadas de positivismo. R
(b) Idealismo solipsista. P
(c) Positivismo lógico. P
(d) Alguma forma de ceticismo. P
12) IDEALISMO SUBJETIVISTA.
(a) Realismo ontológico. R
(b) Idealismo subjetivista. P
(c) Positivismo lógico. P
(d) Alguma forma de positivismo. P
13) 0 POSSÍVEL.
(a) Realismo "de potencialidades". R
(b) Idem. R
(c) Um positivismo "de potencialidades". P
(d) "Atualismo". Y2-Y2.
(e) Positivismo lógico. P
( f) Y2R-1/zP
15) VERDADE.
(a) Realismo com verdade por correspondência, podendo ser um realismo
convergente. R
(b) Atitude que pode incorporar uma noção
de verdade aproximada. P
(c) Verdade por convenção (pragmática). P
(d) Itens b e c. P
(e) Yill.-1/iP
16) REALISMO CONVERGENTE.
(a) Um ceticismo. P
(b) Realismo convergente. R
(e) erdade por convenção (pragmática). P
(d) Realismo talvez ingênuo. R
(e) ~-YzP
17) OBJETIVO DA CIÊNCIA.
(a) Realismo científico. R
(b) Instrumentalismo (forte e fraco). P
(c) Pragmatismo (tipo Laudan). P
(d) Pragmatismo. P
(e) Pluralismo e/ou anarquismo epistemológico. P
18) MATERIALISMO.
(a) Espiritismo, dualismo mente-cérebro. R
(b) Um dualismo mais materialista. R
(c) Materialismo. R
(d) ma forma de positivismo. P
(e) Yill.-YzP
19) L\llPREG AÇÃO TEÓRICA (theory ladenness)
DA OBSERVAÇÃO.
14) SENSACIONISMO.
(a) Sensacionismo, com realismo ontológico. P
(b) Realismo. R
(c) Um realismo ingênuo. R
(d) Alguma forma de positivismo. P
(e) 1/zR-1/zP
(a) Empirismo puro, "ingênuo". P
(b) Negação do empirismo puro. R
(c) 1/zR-1/zP
(d) Y2R-Y2P
Exercícios
189
20) INTERPRETAÇÃO DA FÍSICA QUÂNTICA.
(a) Realismo da interpretação ondulatória. R
(b) Realismo da interpretação da dupla
solução. R
(c) Positivismo da interpretação da
complementaridade. P
(d) Realismo da interpretação dos coletivos
estatísticos. R
(e) V2R-1hP
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realismo e positivismo,
fenómenos intermediários,
átomos e campos, misturas e
operador de densidade, spin,
interferometria de nêutrons e
experimento das duas fendas.
Sobre oautor:
'-.
Osvaldo Pessoa Jr. é formado
em Física (1982) e Rlosofia
(1984) pela Universidade de
São Paulo (USP). Na
Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp)
completou seu mestrado em
Física (1985) e cursou um ano
do Mestrado em Lógica e
Filosofia da Ciência. Estudou
no Departamento de História e
Filosofia da Ciência da Indiana
University, EUA, onde obteve
seu doutorado em 1990, com
uma tese sobre o problema da
medição na mecânica
quântica. Trabalhou como
bolsista no Centro de Lógica,
Epistemologia e História da
Ciência (CLE) da Unicamp
(1991-3) e no Instituto de
Física da USP (1994-6), e foi
professor convidado no
Instituto de Estudos Avançados
da USP (1997-8). Entre 1999
e 2002 permaneceu na Bahia,
onde foi professor na
Universidade de Feira de
Santana e no Instituto de
Física da Universidade Federal
da Bahia, ligado ao Mestrado
de Ensino, Filosofia e História
das Ciências. Atualmente é
professor no Depto. de
Filosofia da FFLCH USP.
Editora Livraria da Física
www.livrariadafisica.com.br
livraria@if.usp.br
Este volume é uma introdução bastante suave à Física
Quântica, que dá ênfase aos conceitos, às interpretações
e às questões filosóficas da teoria. Uma das finalidades do
livro é complementar as disciplinas usuais de Mecânica
Quântica com uma abordagem mais intuitiva e menos
matemática. Ele pode ser aproveitado mesmo por
· aqueles que nunca cursaram uma disciplina de Mecânica
· ·· Quântica, como alunos de Filosofia, Ensino de Ciências,
História da Ciência e outras áreas científicas.
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Editora Livraria da Física
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