Legião de Mamon BIOSOFIA Para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do Homem. O SOM E O NÚMERO O Som Criador Todas as Escrituras Sagradas, de Oriente a Ocidente, se referem a um Som inicial, fazedor de Mundos. No Ocidente, a versão bíblica nos diz que “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele” (João, 1:1-3). Igualmente nas Cosmogonias mais orientais, o som (sabda, em sânscrito) é o construtor da Manifestação (Sabda Brahman). No sistema Vedantino, esse Som criador ou Palavra é Vâch. E mais a Ocidente, os Gregos antigos tinham o designativo Logos para este mesmo conceito. Contudo, Verbo, vocábulo de etimologia latina, é um termo sumamente feliz para significar, precisamente, esse acto da Criação. Gramaticalmente, Verbo é uma palavra com a qual afirmamos a existência de uma acção, de um estado ou de uma qualidade que atribuímos ao sujeito. É, pois, algo como uma extensão (activa) do (de um) sujeito. Infere-se, daí, que o sujeito permanece abstracto e imanifestado sem essa acção, que então o representa e torna manifesto. Assim, de facto, o Verbo é a primeira expressão da Manifestação e o que permite que ela se desenvolva. O Verbo, neste sentido místico, metafísico, veio a antropomorfizar-se e a integrar a tríade de figuras deíficas da Tradição Cristã – as três “Pessoas” da Trindade (ou Unidade trina, de três aspectos) “Pai, Filho e Espírito Santo” – fazendo-se corresponder ao “Filho” ou “Cristo”. O mesmo sucedera nas outras culturas e, assim, segundo a alegoria do Padma Purâna: “No princípio, Mahâ-Vishnu (o Grande Vishnu)(1), desejoso de criar o mundo, converteu-se em três: criador, conservador e destruidor. A fim de produzir este mundo, o Espírito supremo fez emanar Brahmâ do lado direito do seu corpo; em seguida, a fim de conservar o universo, produziu do seu lado esquerdo o deus Vishnu; e, por fim, para destruir o mundo, do meio do seu corpo produziu o eterno Shiva”(2), (3). O equivalente deste Verbo, em sânscrito, é Vâch, que já mencionámos. Vâch é a expressão concreta da Ideação Divina e, por conseguinte, a “Palavra”. Figurativamente é também Sarasvatî, a consorte ou aspecto feminino de Brahmâ, a deusa da Sabedoria e da eloquência. Nesta conformidade, por sua vez, Sarasvatî é idêntica à Sophia dos Gnósticos (é ela, nas diversas acepções, o Logos feminino, a Sabedoria Divina personificada, a Virgem Celestial…). Diz o Mahâbhârata: “Vâch é a celestial Sarasvatî produzida dos céus”, “uma palavra derivada do Brahmâ sem fala”. No sistema vedantino, o Som que origina, permeia e sustenta todo o Universo desdobra-se em 4 níveis, do mais subtil ao mais grosseiro e material: 1º - Parâ ou Parasabda [parâ = transcendente, supremo, e sabda = som], o Som Causal e insonoro; de Parabrahman, além do Númeno e de todos os Númenos; 2º - Pasyantî, o próprio Logos; 3º - Madhyamâ, a luz de Isvara (a luz do Logos)(4); a Duração, a Permanência, a Eternidade; 4º - Vaikharî, a linguagem pronunciada ou articulada; o som material e o Cosmos que conhecemos; o último estado de densificação do Som causal. O termo grego Lógos reveste o significado de “palavra”, “razão”, e os antigos filósofos usaram-no no sentido de “Razão divina organizadora do Mundo”. O seu equivalente latino é, pois, ratio (razão), oratio, verbum – palavra, linguagem, expressão do pensamento. Por seu turno, os semitas usaram o termo que lhes corresponde na sua respectiva língua – “memra” –, neste caso como referente a Jeová, ou revelador da sua presença. Nos Targums (as versões aramaicas do Velho Testamento), a Memra (’imrah ou ’emrah) figura constantemente como a manifestação do Poder divino, ou como Mensageiro divino em lugar do próprio Deus. Nos Targums da Caldeia, esta Palavra de Jeová representa-o, falando e actuando: “E eles ouviram a Palavra [Memra] de Deus caminhando no Jardim [do Éden] na brisa da tarde e Adão e sua mulher esconderam-se da presença da Palavra [Memra] de Deus, por entre as árvores do Jardim…”. A Memra partilha a natureza de Deus e, ao mesmo tempo, é o seu mensageiro.(5) S. João aplicou o termo Logos a Cristo, o revelador do Pai, a imagem visível do Deus invisível (posto que a Palavra é a exteriorização do Pensamento – Divino e Universal, como também o individual). O Som insonoro, o Som potencial No Princípio, foi o Som que dividiu a Unidade, que produziu o dois ou dualidade (6). E foi a dualidade que deu início à Consciência reflexa ou de relação. A consciência (assim entendida) só existe no mundo fenoménico, porquanto a consciência é uma efusão produzida por fricção. O Um é designado “Nada” ou “Parâ” porque, não tendo onde se refletir (onde se confrontar), não é essa consciência – de modo inapreensível para nós, transcende-a, e simplesmente É, sem apêndices nem atributos (7). Todo o Universo manifestado e todos os fenómenos são cadeias e “arranjos peculiares” de vibrações. E é o Universo que é Consciência – consciência precisamente originada pela efusão, pelo atrito, pela estimulação da infinidade de vibrações. Tais vibrações são os Filhos monádicos desse Um, seus desdobramentos incessantes… o Um desdobra-se nos múltiplos. A Sinfonia do Universo O termo ‘logos’ igualmente “tomou o seu lugar na linguagem musical grega, referindo a medida da cítara ou da lira (i.e., os trastos ou travessões) onde a corda deveria ser pisada de modo a produzir uma nota definida’(8)”. Este parece-nos um facto muito sugestivo. Os sons puros (as 7 notas musicais, ou o que elas representam), que integram a escala diatónica, são, na sua matriz, contenções de arquétipos que no curso da Manifestação se desprendem e combinam infinitamente. E esse Grande Septenário harmónico (matemático) é o que sustenta e viabiliza a Manifestação dos mundos, a Lei do Ritmo operando por detrás. É dito que a escala musical hindu terá evoluído de 3 notas apenas (9) para a escala de 7. Essas 3 notas detinham a chave da vocalização do AUM, sendo que este Mantra, o mais sagrado de todos os mantras, sintetiza e representa o poder da Trindade. As três letras do AUM correspondem ao “Fogo Triplo”, respectivamente Agni ou Abhimânim (Fogo ígneo) – ‘A’; Varuna ou Vishnu (Fogo aquoso, Águas do Espaço ou Akasha) – ‘U’; Marut (Fogo aéreo, Espírito de Vida) – ‘M’. Sendo o AUM o emblema da Trindade na Unidade, as 3 letras de que se compõe representam ainda os três aspectos do Ser Supremo – Brahman -, ou seja, o de Criador (Brahmâ – ‘A’), o de Conservador (Vishnu – ‘U’), e o de Destruidor/Renovador (Shiva – ‘M’). E assim, também, naturalmente, Âtma, Buddhi e Manas. Depois, as três evoluíram para sete, Sa – Ra – Ga – Ma – Pa – Dha – Na (ou Ni-sa) (10), a escala sendo dividida em 22 intervalos ou srutis. O sruti, ou intervalo microtonal, é a mais pequena diferença tonal entre dois sons que pode ser distinguida pelo ouvido humano. Cada uma das 7 notas musicais representa cada um dos 7 Rishis (os 7 Filhos Nascidos da Mente de Brahmâ) que transmitiram o conhecimento sagrado à Humanidade. Diz a lenda que são os animadores (os espíritos) das 7 estrelas da Ursa Maior, os quais, descendo à terra em forma de cisnes, ancoraram no lago Mânasa-Sarovara (nos Himalaias) e aí comunicaram o conteúdo dos Vedas aos mais merecedores entre os humanos. As notas musicais, no seu substracto, são pois, cada uma delas, uma potência – um som – subtil e sintético que, desdobrando-se infinitamente, e concretizando-se em linguagem, constitui os Vedas e todo o escol de conhecimento superior e sagrado. A Revelação – As Escrituras Sagradas Tomemos, de novo, o termo Sruti (literalmente em sânscrito, “o que é ouvido”). Sruti (11) é um cânon de textos sagrados hindus. Não data de um período estrito mas atravessa a história inteira do Hinduísmo, começando com alguns dos textos sagrados mais antigos conhecidos, estendendo-se aos mais recentes Upanishads. É dito que o Sruti não tem autor humano; que é um registo divino dos “sons cósmicos da Verdade”, ouvidos pelos santos Rishis em profunda meditação. Considera-se que o Sruti é composto pelos 4 Vedas: o Rig-Veda (o Cântico da Sabedoria), o mais antigo dos Vedas e o mais importante conjuntamente com o Sâma-Veda (dele se diz que surgiu da boca do próprio Brahmâ); o Yajur-Veda (Sabedoria do Sacrifício), o segundo em antiguidade; o Sâma-Veda (a Escritura ou Shâstra da Paz), o Veda do canto (no mais alto sentido da potência da música); e o mais recente, o Atharva-Veda (Sabedoria dos Mantrams ou Fórmulas Mágicas). Segundo reza o Ocultismo, os Vedas foram ensinados oralmente pelo espaço de milhares de anos e, só depois, copiados nas margens do lago Mânasa-Sarovara. O Som e o Número O Som e o Número caminham enlaçados. Com efeito, os Antigos postulavam que o Universo fora feito segundo os preceitos de razão e medida. Acreditavam que uma Trindade Divina fora a matriz e o motor que criara o Mundo. Essa Trindade, pressuposto comum e fundamental de todas ou quase as religiões, era mais precisamente uma Unidade-trina, a Unidade sob três aspectos distintos – criação/expansão; sustentação/equilíbrio; destruição/interiorização/recolhimento. Naturalmente, essa mesma matriz estava simbolizada na figura geométrica do triângulo. Para os antigos hindus, a matriz trinitária original cunhou e impregna tudo o que existe, sendo o seu padrão director. Para os gregos, e designadamente para Platão, três eram os triângulos que estariam na base constitutiva dos arquétipos dos 4 Elementos, sendo estes quatro os tijolos arquitectónicos de que fez uso o Grande Arqueu (o Demiurgo) na Obra da Criação. É sabido, mas mal compreendido, que na Antiguidade todos estes conhecimentos matemáticos e muitos outros se regiam pela regra do segredo. Refira-se que a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia eram precisamente as ciências obrigatórias dos pitagóricos (designadas Quadrivium) e consideradas os “quatro últimos Caminhos das Sabedoria”. Na verdade, a regra do segredo tinha como fundamento a percepção de que a Matemática sagrada veiculava um imenso Poder, revelando as Leis Ocultas da Natureza e da Psique individual e colectiva, sendo por isso imperativo preservá-la da posse dos profanos…(12). É assim que as CidadesEstado da Caldeia tiveram à frente dos seus governos Reis-Sacerdotes (ou ReisMagos) detentores desses arcanos, bem como a linhagem “divina” dos primitivos faraós os utilizou para fundar o seu reino. Muitos desses conhecimentos dos antigos, com efeito, parecem ter sido verdadeiramente extraordinários. É o caso do Schem Hamaphoras. Schem era uma fórmula de poder que insuflava vida ou o “pleroma”. Jesus foi acusado pelos judeus de ter roubado este nome do Templo, valendo-se de artes mágicas, e de empregá-lo para a produção dos seus milagres. Assim, o Tratado da Sinceridade do Rabino Moisés Takko (séc. XIII) diz: “… E todos estes magos do Egipto, que haviam criado esses seres [‘artificiais’], estudavam junto dos dáimones [génios] (13) ou por meio de uma espécie de arte mágica, a Ordem das Esferas… e criavam o que queriam. Pois bem, os Rabinos, que deles aprenderam e conheciam os Mistérios, podiam criar um homem ou um bezerro: pegavam em terra… pronunciavam sobre ela o ‘Schem’, e o ser era criado. (…) Já no século X, corre a lenda da criação de homúnculos com recurso à Séphèr Iétzirah mediante “grandezas geométricas” expressas em letras retiradas dos Schem Hamaphoras (os nomes divinos do triângulo sefirótico(14))”(15). Homúnculos são pequenos seres, réplicas ou projecções da anatomia e psiquismo humanos, criados pelo homem por meio de métodos espagíricos. Estes seres receberam também o nome de Golem, herdado das lendas cabalísticas. Golem é uma derivação da palavra “gelem”, que significa “matéria prima”. Na Bíblia, é empreque no sentido de “embrião”, “pré-homem”, “substância incompleta”. O salmo 139:16 usa a palavra “gal’mi”, significando “a minha substância ainda informe”. “(…) Da fase babilónica data, aliás, a obra “Schim Koma” (Medida da estatura de Deus, tratando sobre medidas, formas precisas do corpo e do rosto divinos…), mas o livro mais notável desta época é o Séphèr Iétzirah (Livro da Criação), escrito em hebraico (na Síria, provavelmente) cerca do século VI ou VII. (…) A influência gnóstica e neopitagórica é patente: Deus criou o mundo por intermédio das dez Potências ou Verbos chamadas Séphiroths e as vinte e duas letras do alfabeto hebraico”(16). A imitação da obra de Deus – a Criação O poder do uso da Palavra é um facto incontornável. A Palavra (o som) sabiamente direccionada (alicerçada e dirigida pelo Conhecimento Oculto) é um extraordinário veículo de poder, inclusive o poder de animação, tanto a seres naturais quanto a seres artificiais. Segundo a crença judaica, do mesmo modo que Deus criou o universo e o homem a partir do substrato (da alma) das vinte e duas letras hebraicas, os homens podem replicar o acto criador se conhecerem as combinações adequadas. Nas palavras do filósofo e cabalista Augustín Izquierdo, citadas na obra O Ritmo do Tempo, de Patrick Mimran: “… ao princípio, a criação do Golem parece que apenas tinha um carácter ritualista: acontecia como a coroação do estudo da Séphèr Iétzirah empreendido por um grupo de pessoas. O ser artificial assim criado não tinha nenhum objectivo prático. A sua realização destinava-se a pôr em evidência o poder das palavras sagradas; o ser criado, a partir do barro, era imediatamente destruído. Só mais tarde surge o Golem como um ser independente, a que se atribuem funções utilitárias, e que pode representar um perigo para os que o rodeiam. Da lenda à ficção literaria, designadamente ao Romantismo alemão, foi um passo…”. Lê-se na Doutrina Secreta, de Helena Blavatsky: “Os homúnculos de Paracelso são um facto na Alquimia e, muito provavelmente, sê-lo-ão na Química”. E, em Ísis sem Véu, escreveu a mesma autora: “Existem relatos circunstanciados da produção de alguns homúnculos, entre outros os do famoso conde Kueffstein, camareiro da imperatriz Maria Tereza, da Áustria. Este conde e o abade Geloni fecharam-se num laboratório de convento na Calábria e, durante cinco semanas, dia e noite, estiveram trabalhando com fornos acesos. Ao fim desse tempo, conseguiram criar nada menos que dez homúnculos. O modus operandi é descrito por Paracelso no seu tratado De Natura Rerum.” O Espaço Vivente Efetivamente, a Natureza é o grande Laboratório da Vida manifestada. Nele fervilha a Consciência. O homem é um aprendiz de feiticeiro, mesmo nos seus mais ínfimos empreendimentos. Tateamos no aparente invisível para sorvermos, gota a gota, algo da grande Sabedoria, porque sabemos que ela ali se encontra. A evolução é uma imitação progressiva de Deus. Nesse aparente vazio, o Akasha, a Alma Universal, encontramos o alimento espiritual que dá o ser a tudo o que é – do mais ínfimo grão de pó ao deva mais grandioso, da pequena flor campestre ao sábio mais elevado, das estrelas às galáxias… Nele estão ou rudimentos (os princípios) de todas as coisas que são, que foram e que hão-de vir. Nele estão os números de tudo o que é. Como dizia Platão, no Timeu, “a Alma do Mundo é a matriz a partir da qual a composição de todas as proporções matemáticas é repercutida no Mundo Sensível por acção da inefável providência de Deus”. Esta mesma realidade os Pitagóricos reverenciaram e simbolizaram na figura fundamental da Tetraktys. “O diagrama de pontos da Tetraktis foi para os membros da Confraria Pitgórica um símbolo esotérico tão importante como o pentagrama, que era a sua ‘contra-senha’ secreta. Evocando a Tetraktis, os membros prestavam juramento solene de não divulgar nunca os seus segredos matemáticos. Jâmblico reproduziu a fórmula do juramento: ‘Não, juro por Aquele que transmitiu a Tetraktys à nossa alma, em Quem se encontra a fonte e a raiz da eterna Natureza’. E estes são os termos da oração pitagórica dirigida à Tetraktys: ‘Abençoa-nos, Número Divino, tu que engendraste os deuses e os homens! Oh, santa, santa Tetraktys, tu que encerras a raiz e a fonte do fluxo eterno da criação! Pois o número divino se inicia pela unidade pura e profunda, e alcança em seguida o Quatro sagrado; depois engendra a mãe de tudo, que une tudo, o primogénito, o que não se desvia jamais, que não se cansa jamais, o Dez sagrado que detém a chave de todas as coisas.” (17) “Os resultados do estudo dos intervalos musicais foram as matemáticas pitagóricas, especialmente a teoria das proporções, posteriormente desenvolvida por Platão. Com efeito, os gregos não comparavam as frequências vibratórias das cordas, que eles não haviam medido, e sim os seus comprimentos, o que equivalia ao mesmo (frequências e comprimentos são inversamente proporcionais); a teoria resultante dos intervalos musicais e das suas proporções podia depois transferir-se directamente ao estudo de proporções entre quaisquer magnitudes lineares. Voltamos a encontrar aqui a Tetraktys e uma das razões da sua importância no facto de que a progressão 1, 2, 3, 4 traduz as principais relações dos intervalos da gama diatónica: o de 4 a 2 ou de 2 a 1 a oitava, o de 3 a 2 a quinta, e a presença do número 5 = 3 + 2 ou Pêntada, sublinhando a importância da quinta da qual deriva a gama diatónica pitagórica. Cabe, pois, dizer, com Delatte que: ‘A Tetraktys é o conjunto dos quatro números cujas relações representam os acordes musicais essenciais’”(18). Por outro lado, a Tetraktys encontra uma curiosa equivalência com o esquema da Árvore da Vida (o Ootz Chim hebraico) ou Árvore das dez Sephiroth (de sephira = número) uma vez que esta evoca o desdobramento da Década, do Um do Absoluto ao 10 da Manifestação. Segundo o já referido Séphèr Iétzirah (Livro da Criação): “Dez são os números saídos do Nada, e não o número nove; dez e não o número onze. Compreende esta grande sabedoria, entende este conhecimento, investiga-o, reflecte sobre ele, torna-o evidente, e reconduz o Criador ao seu Trono”. Assim se desdobra em Quatro Planos ou Mundos a Trindade ou Tríade superior. A Tetraktys, compreende, ainda, três triângulos menores, simbolizando os níveis do Ser, 1+2, 1+3, 1+4, nestas cifras se contendo a chave do triângulo da Criação, o famoso Triângulo Perfeito (ou Triângulo Áureo), dito “de Pitágoras”, de proporção 3, 4, 5. Contudo, os Egipcios, já anteriormente o haviam eleito como o triângulo da perfeição. Conta-nos Plutarco, na sua De Iside et Osiride: … os Egípcios representavam a natureza do Todo Universal como o mais belo triângulo. (…) Esse triângulo apresenta a parte vertical, como tendo três comprimentos, uma parte de base de quatro comprimentos e uma hipotenusa de cinco comprimentos (…). Poderá comparar-se a linha vertical ao elemento masculino, a linha de base ao feminino, e a hipotenusa ao que deles nasceu, e assim, ter-se Osíris como a origem, Ísis como a concepção, e Hórus como o nascimento [ou o Filho]”. Com efeito, também para os Pitagóricos, os números 3, 4 e 5 – cuja soma é 12 (o número das Hierarquias Criadoras) – teriam presidido à formação do Cosmos e da Criação (19). Newton, um pontífice da Sabedoria dos Antigos A despeito do seu grande e incontestável valor, Isaac Newton pouco mais fez do que (meritoriamente, sublinhamos) ressuscitar e interpretar a Ciência dos Antigos. Todo o seu trabalho foi fundado no estudo minucioso do legado daquyeles sábios. No Manuscrito de Portsmouth, conservado pela Royal Society de Londres, diz ele: “‘Que a matéria consiste de átomos era uma muito antiga crença. Este era o ensinamento de uma multidão de filósofos que precederam Aristóteles, nomeadamente Epicuro, Demócrito, Ecfanto, Empédocles, Xenócrates, Asclépidos, Diodoro, Metrodoro de Quios, Pitágoras e, previamente a estes, Moschus o Fenício, de quem Estrabão declara ser mais velho do que a guerra de Tróia. Pelo que eu penso do mesmo modo, fundado nessa mística filosofia que chegou aos gregos do Egipto e da Fenícia, porquanto átomos são por vezes designados mónadas, pelos místicos. Porque os mistérios dos números. bem como do restante dos hieroglifos se inserem na mística filosofia” Newton prossegue dizendo que são estas ‘sementes imutáveis’ que asseguram que ‘as espécies e os objectos estejam conservados na perpetuidade’. (…) Por que proporção a gravidade decresce por distanciamento dos Planetas, os antigos não deixaram suficientes indicações. Contudo, a ela parecem ter aludido através da música das esferas celestes, designadamente o Sol mais os seis Planetas, Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, relacionando-a com Apolo e a sua Lira de sete cordas (20) e medindo o intervalo das esferas em função do intervalo dos tons musicais. Assim, eles alegavam que ‘sete tons’ foram trazidos à existência, a cujo conjunto chamaram o diapasão da harmonia, e que Saturno foi movido pelo som [phthong] Dório (21), ou seja, o grave (-pesaroso), e os restantes planetas por mais agudos [como Plínio relata, de acordo com Pitágoras], e que o Sol vibra, faz soar, as cordas (22). Por esta razão, Macróbio diz: ‘a Lira de sete cordas de Apolo provê o entendimento dos movimentos de todas as esferas celestes acima das quais a Natureza colocou o Sol como regente’. E Proclo, [no seu Memorandum] sobre o Timeu de Platão: ‘… O número sete, eles dedicaram a Apolo como aquele que abarca todas as sinfonias e, assim, eles costumavam chamá-lo Deus o Hebdoma’getes, o que significava Príncipe do número Sete. Semelhantemente, na Preparação do Evangelho, de Eusébio, o Sol é chamado pelo oráculo de Apolo, o rei da harmonia dos sete sons. Mas, por meio deste símbolo, eles indicavam que o Sol, pela sua própria força de tensão, age sobre os Planetas naquela proporção harmónica das distâncias, segundo a qual a força de tensão actua sobre cordas de diferentes comprimentos, ou seja, inversamente na razão dobrada das distâncias. Pois a força pela qual uma mesma tensão actua numa mesma corda de diferentes comprimentos é a recíproca do quadrado do comprimento da corda. (…) já que Pitágoras, como Macróbio admite, esticou intestinos de carneiros e tendões de bois, neles pendurando variados pesos e, a partir daqui, estabeleceu as proporções da Celeste Harmonia”. De forma muito clara, num testemunho de Conduitt, seu amigo e biógrafo, Newton confirma a sua plena rendição à sabedoria de Pitágoras e revela, inequivocamente, a fonte das suas inspirações: “‘… e eu pensei que a música das esferas de Pitágoras tinha a intenção de tipificar a gravidade e que, assim como ele faz os sons e as notas dependerem da medida das cordas, assim a gravidade depende da densidade da matéria…’”(23). Janelas para o infinito… Também a Ciência moderna tende a regressar ao Pitagorismo. Com efeito, em múltiplas áreas vem ela debruçando-se, com nova atenção e respeito, para elementos e factos, legados pelos Antigos, que antes desprezava como sendo parte de uma mística inconsistente, própria da “infância” da humanidade. No âmbito da Geometria, uma exploração recém encetada são os fractais, complexos modelos gráficos “com implicações inestimáveis em domínios tão diversos como a compressão de imagens, a arte visual, a música, até aplicações financeiras…(24)”. Tais modelos, frequentemente de uma estética belíssima, constituem poderosas janelas que nos revelam um mundo de possibilidades arrebatadoras, orientando-nos para universos insondados cujas fronteiras, à semelhança das velhas mandalas, apenas místicos e ioguis haviam logrado transpor e contemplar. Para o vulgo, é hoje mais acessível perspectivar a coerência de um Universo em que o Infinitamente Pequeno (25) é réplica perfeita do Infinitamente Grande… e verificar o alcance do velho axioma “Como Em cima, assim Abaixo”. Na actualidade, deleitamo-nos com estes maravilhosos fractais, que nos acenam com sugestivas promessas… No entanto, os seus protótipos pitagóricos e platónicos ainda permanecem como os mais reveladores, designadamente o assim chamado “Triângulo Sublime”, tão caro a Pitágoras, de que aqui nos socorremos. Neste triângulo, o factor 1,618 – dito “Número de Ouro” ou “Divina Proporção” (26) – é o elemento director (Ver Diagrama 4). O Triângulo Isósceles dito “Sublime” e a sua espiral logarítmica de pulsação radial 1,618. Entre os primitivos hindus, figurativamente, o 3 [através de Brahmâ, o Construtor] projecta-se nas 4 direcções do Espaço [plasmando o Septenário cósmico] e dá origem às 12 Hierarquias Criadoras (27). Na figura podemos apreciar como, tendo como ponto de partida um minúsculo triângulo, desabrocham e se foram construindo mais triângulos, idênticos ao primeiro – mantendo sempre a “razão áurea” entre os seus lados (já que a base do primeiro se converte na base do seguinte, e assim sucessivamente…). Podemos entrever a espiral – que cresce e se delineia, por entre os vértices dos triângulos sucessivos (28). Esta é a famosa espiral de Fibonacci, que se verifica ser uma chave ordenadora e multiconstrutora na arquitectura da Natureza. Sobre ela, já nos detivemos em anteriores ocasiões em artigos de edições anteriores desta Revista (29). Este triângulo é o instrumento-modular que integra o “Pentagrama Estrelado” ou Estrela de 5 Pontas pitagórica. Por outro lado, a sua base é o lado de um decágono (D) inscrito num círculo que, por seu turno, tem por raio (E) o seu lado maior, o que compreende e revela, de novo, a “Divina Proporção”, E/D=1,618. Para os pitagóricos, o “Número de Ouro” rege a chamada “Harmonia das Esferas”, em cujos fundamentos a ciência renascentista, em especial Johannes Kepler, ancorou, reabilitando a antiga ciência da mecânica celeste. O Triângulo Sublime é o símbolo da Evolução humana – do homem para Deus, do homem rumo à sua condição divina. A espiral A espiral assenta numa estrutura trinitária (no início da Manifestação, o primeiro impulso terá gerado o triângulo). Na alegoria do Rig-Veda, Vishnu é descrito cruzando aos saltos as sete regiões do Universo em três passadas [configurando o primeiro impulso trinitário] e permeando todas as coisas com a essência dos seus raios de luz. Vishnu (o símbolo do curso da Manifestação) é a personificação da qualidade Sattva (30) (Sattva tem numerosas acepções: estabilidade, duração, equilíbrio, ritmo…). Nesta conformidade, outra imagem iconográfica representa-o descansando sobre a serpente Ananta (“sem fim”), símbolo da eternidade (31). Deve-se notar que a serpente é também a espiral – do tempo e do espaço infinitos. No que a este último concerne, a Física admite e reconhece, hoje, a propriedade ondulatória do espaço. Assim, o próprio som se propaga em sentido espiralado: a sua viagem é “ondulatória”. De novo, Vishnu [a Voz do Pai, Brahmâ] é representado exibindo numa das mãos uma concha; a concha – a espiral – que contém a potência (e esquema virtual) do Manvantara. Diz-se em A Doutrina Secreta que “o Akasha é o Espaço Universal em que está imanente a Ideação eterna (…) e do qual procede o Logos, ou seja, o ‘Verbo’ ou ‘linguagem’ no seu sentido místico” (32). O Akasha é o upadhi (i.e., o veículo, a forma externa, manifestada) da Mente Divina e é, sob outro aspecto, Kundalinî – assim, de novo, a imagem serpentina… Curiosa, no mínimo sugestiva, é a própria constituição do sistema auditivo. No ouvido interno, a cóclea é uma espiral (muito semlhante a uma concha de caracol ou do náutilo) constituída por um tubo ósseo enrolado sobre si próprio. Este tubo é, por sua vez, estrutural e funcionalmente trino (tri-seccionado e trifásico). A própria anatomia externa do aparelho auditivo humano conforma uma estrutura espiralada, o pavilhão (as orelhas). No Universo físico, as formas – quaisquer formas – não são aleatórias. A sua configuração obedece a padrões internos de ressonância (relembremos que o Akasha é o continente dos arquétipos de todas as coisas e de todas as possibilidades). A Geometria não é mais do que a forma visível do alinhamento de números… No incomensurável universo dos números, cada função, cada propósito, na Natureza, configura uma série restrita, específica, de números. Um ser organizado (uma pedra, um animal, um homem…) é, pois, um aglomerado vastíssimo de complexos desses números. Na imensa variedade de espécies animais existentes, por muito que aparentemente divirjam entre si, não é decerto fortuito que (por exemplo) praticamente todos tenham os olhos, o nariz, a boca, os ouvidos, na mesma disposição relativa; a cabeça num extremo do corpo; os órgãos respiratórios, de nutrição, de reprodução, dispostos equivalentemente, etc.. Na vida orgânica, tudo o que tenha um ou mais elos comuns, propósitos similares, percursos evolutivos partilhados, parece ser regido por definidas leis estruturantes (morfológicas, psicológicas, funcionais, etc) igualmente comuns. Entretanto, a dissemelhança existe – é absolutamente necessária – neste universo em que os contrastes geram consciência; mas estas assimetrias vivem dentro de grandes Simetrias, cujo acorde, lenta mas inexoravelmente, as conduz, as afina, as eleva a patamares superiores de consciência comungante, a novas identidades comuns. O ritmo está para o tempo assim como a simetria está para o espaço, e nesta grande Sinfonia Cósmica tudo converge para o UM. Passo por passo, as Grandes Simetrias percorrem um caminho de progressiva descristalização, porquanto, acreditamos, a verdadeira Harmonia não tem forma… Isabel Nunes Governo Vice-Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural ————————— 1) Em alguns dos Purânas, como este, Vishnu é o Supremo Deus. 2) Nos Vedas, inicialmente, essa trindade era composta por Vâyu, Sûrya ou Savitri, e Agni, que mais tarde se fizeram correrponder, respectivamente, a Brahmâ, Vishnu e Shiva. E no Pancavimsa Brahmana é dito, numa sugestiva exposição do acto divino da Criação, muito semelhante, aliás, à versão Judaico-Cristã: “… Quando as Águas ficaram maduras [na sua sazão] para a concepção, Vâyu pôs-se em movimento sobre a sua superfície. E eis que nelas surgiu uma coisa belíssima: Mitra-Varuna contemplou-se a si próprio, e nelas viu-se a si mesmo, reflectido [paryapasyat]”. 3) Podemos ler no Glossário Teosófico, de Helena Blavatsky: … Vishnu é o Prajâpati (criador) e supremo deus. Como tal, reúne em si três condições: 1ª, a de Brahmâ, o Criador activo; 2ª, a do próprio Vishnu, o Conservador, e 3ª, a de Shiva ou Rudra, o poder destruidor. 4) Segundo Megasthenes, “os Brachmanes da Índia (precursores dos Brahmanes) afirmavam que Deus é luz, mas não aquela luz que vemos com os olhos, não aquela que o sol esplende, mas que era a [energia da] Palavra; porém, que por este termo não queriam significar a linguagem articulada mas sim a linguagem da Razão, pela qual os mistérios ocultos do Conhecimento são entendíveis ao homem sábio”. Diz a Tradição esotérica que os Brachmanes foram os primeiros filósofos, teólogos e legisladores desta nossa civilização ária. Deles, e dos seus Conhecimentos Ocultos, os gregos derivaram o Orfismo e respectivos Mistérios – não sendo Orpheu outro senão Arjuna. Todos os preceitos de inofensividade e vida puríssima predicados por Orfeu eram os mesmos abraçados pelos Brachmanes. Igualmente de acordo com Megasthenes, estes santos homens “abstinham-se em absoluto dos sacrifícios animais e de comer qualquer carne animal, subsistindo apenas de frutos, que não retiravam das árvores mas esperavam que caíssem no solo; e que unicamente da água do rio Tagabena [hipoteticamente o Tungabahadra]. Andavam com muito pouca roupa e diziam que o corpo físico havia sido dado por Deus para revestir a alma…”. 5) Os targumistas foram ainda mais longe e estenderam o significado deste termo referindo-o ao Messias que havia de chegar. 6) “Vâch é a personificação mística da linguagem e o Logos feminino, sendo uno com Brahmâ, que a criou de uma metade do seu corpo, que dividiu em duas partes” (Glossário Teosófico). 7) Cusiosamente, dizia Clemente de Alexandria: “o Filho [ Verbo] é a Consciência de Deus. O Pai só vê o mundo conforme este é reflectido no Filho”. 8 ) Josephus Lusitanus, in “Sophia e as Musas”, Biosofia nº 4. 9) Originalmente o Sâma-Veda era cantado em padrões musicais bem definidos, sendo que, nos seus hinos, eram utilizadas apenas 3 notas. 10) Esta antiquíssima notação passou dos brâmanes da Índia para os persas, e destes para os árabes e para algumas tribos nómadas, como a dos ciganos. Na Grécia Antiga, Pitágoras, considerado o Pai da Escala Diatónica de 7 tons no Ocidente, terá colhido esse ensinamento nos Mistérios dos Brachmanes da Índia, Mistérios esses que tendiam, sobretudo, à instrução da classe sacerdotal. Sustenta a Maçonaria que foram os Brachmanes quem legou aos egípcios o conteúdo dos seus Ritos e Mistérios. Na Índia, Pitágoras ficou a ser chamado Yavanâchâria, “o Mestre Jónio”. Por volta do ano 1000 da nossa era, Guido Darezzo, um monge italiano, recuperou e rebaptizou aquela notação septenária (a partir das iniciais de uma litania cantada em latim pelas crianças do coro da Igreja) na forma que nós conhecemos: Ut (depois Dó) – Ré – Mi – Fá – Sol – Lá – San (depois Si). 11) A designação Sruti distinguiu os Hinos Védicos e, posteriormente, também os Brahmanas, de todos as outras obras que, sendo embora consideradas sagradas e fazendo autoridade para o pensamento hindu, se admite terem sido concebidas por autores humanos. As Leis de Manu, por exemplo, não são Revelação; não são Sruti, mas apenas Smriti, Recolecção ou Tradição. Os Brahamanas foram escritos em sânscrito védico e o período da sua composição é geralmente chamado de idade ou período Brahmânico. Eles são essencialmente comentários dos Vedas, explicitando o ritual védico. Cada Brahmana é associado com um dos quatro Vedas e, na tradição desse Veda, com uma shakha ou escola particular. 12) “O último dos faraós indígenas, Nectanebo (360-350 A.C.) foi, segundo a tradição grega, o mais versado em ciências ocultas e o mago mais poderoso entre todos os soberanos do Egipto. Os malefícios mediante figuras de cera, a criação de seres vivos artificiais, desempenharam um importante papel nos ensaios mágicos do seu círculo íntimo. O emprego das figurinhas Ushabti, duplos do morto, etc, está (mas, aqui, como magia benéfica) aparentado com estas práticas; a técnica da criação de homunculi pela insuflação de pneuma e inserção de uma palavra mágica escrita no boneco de argila passou tal e qual à Cabala hebraica por meio do Séphèr Iétzirah ou Livro da Criação, e constituiu a origem das lendas de criação de homúnculos na Idade Média, especialmente de todo o ciclo do Golem de Praga” (El Número de Oro, I-II, de Matila C. Ghika, Editorial Poseidon). 13) No passado, por vezes esta designação “Dáimones” tinha mesmo o sentido de os Chitkala ou Pitris do esoterismo hindu, noutras o de Devas ou da Essência elemental superior. O “génio” (ou dáimon) de Sócrates era tido como o seu “Eusuperior”. No Banquete, Platão assim se expressa: “Prenchendo o intervalo que separa o homem de Deus, os Dáimones unem-no ao grande Todo. É deles que procede toda a ciência divinatória, toda a arte sacerdotal dos sacrifícios, das iniciações, dos encantamentos, de toda a alta Magia e de toda a Goécia”. 14) O Triângulo sefirótico é uma década triangular, em escala ascendente, composta de 10 nomes divinos. É a decomposição mágica do Tetragrama inexpressável, o Schem Hamaphoras (ou Schem ha mephorasch, literalmente, “o nome divino inexpressável”), IHVH, condensação da força oculta divina, que os profanos pronunciam Ia Hvé H ou Ié Ho Va H. 15) El Número de Oro, de Matila C. Ghyka, Editorial Poseidon, Buenos Aires, 1968. 16) Idem. 17) Philosophie et mystique du nombre, de Matila C. Ghyka, Editions Payot & Rivages, 1952. 18) Idem. 19) Relativamente a esta trilogia, “3, 4 e 5”, também Vitruvius, o mais célebre arquitecto da Roma antiga, defendia que a arquitectura dos templos deveria tomar por base a analogia com um corpo humano perfeitamente proporcionado, o qual é harmónico em todas as suas partes. Nesses termos, ele considerava que o comprimento de um templo deveria ser o dobro da sua largura, e as proporções do vestíbulo aberto e da câmara fechada interna deveriam guardar a relação 3 – 4 – 5, sendo 3 a profundidade do vestíbulo, 4 a largura, e 5 a profundidade da câmara. 20) A Lira da alegoria de Apolo não é outra que a de Orfeu, a célebre Phorminx, a qual, depois da sua morte, foi levada para o grande Templo da Apolo, onde permaneceu por largo tempo universalmente admirada. Diz a fábula que um certo dia foi roubada por Neanthus, com a cumplicidade de um sacerdote. Quando este quis tocá-la para obter os mesmos maravilhosos prodígios que Orfeu, dela só conseguiu extrair sons horrorosamente dissonantes. Foi, então, atacado e despedaçado por cães selvagens que ficaram enraivecidos pelo efeito de tais sons de pesadelo. Com este episódio os fabulistas quiseram significar que quando o Conhecimento sagrado cai nas mãos dos profanos e é prevertido, o mal destrói-se a si próprio e àqueles que o perpetraram. Sobre a phorminx, disse Helena Blavatsky ser o “Mistério séptulo da iniciação”. 21) Muito sugestivamente é este termo aqui empregue: phthong (som, palavra verbalizada), de phthalein, pronunciar, criar som pela palavra. O mesmo acontece com o termo Dório, na acepção de “o dom de Deus” (da raiz grega doron, que significa “dom”). 22) Ver a alusão, acima, à origem do termo “logos”, para os trastos das cordas dos instrumentos musicais. 23) In “The Pipes of Pan”, de J. E. McGuire e P. M. Ratta 24) “… Enquanto a geometria euclidiana trabalha com objectos que existem num número inteiro de dimensões (a linha, numa dimensão; a elipse, em duas dimensões; a esfera, em três dimensões, etc.), a geometria fractal está relacionada com objectos (fractais) que existem em dimensões fraccionárias. Um fractal é uma figura geométrica irregular, gerada por um algoritmo matemático simples e que, para além de ter dimensão fraccionária, tem outra importante propriedade: as imagens muito ampliadas dos fractais são essencialmente indistinguíveis da versão não ampliada. Ou seja, o fractal é invariante relativamente à escala, propriedade conhecida por auto-semelhança. Como se conclui, essa propriedade da invariância de escala permite conhecer a estrutura do todo pela ampliação da parte e mesmo tomar essa parte como unidade de construção do objecto global, embora, à primeira vista, parecesse que não, pelo facto de a unidade de construção ser muito mais simples do que a figura final. A geometria fractal põe, assim, em interacção, numa harmonia que era difícil de adivinhar, o carácter imprevisível e aleatório de um resultado, e a ordem e simplicidade do algoritmo que o gera! Além disso, mostra que o simples pode, afinal, gerar o complexo!” (Liliana Ferreira, “Enigmas da Ciência”, Biosofia nº 20). 25) No âmbito do infinitamente pequeno, novos ramos da ciência, novas tecnologias revolucionárias, despontam agora. É o caso das Nanociências, nas quais se estima que para cima de 20 000 cientistas estejam hoje directamente envolvidos em projectos de pesquisa, e um número igualmente significativo em diversificados empreendimentos, cujo denominador comum é produzir e controlar, à escala atómica, novos materiais artificiais sintéticos. Foram já desenvolvidos dispositivos tão minúsculos como uniões magnéticas, caixas e sistemas de convexidade quânticos, transístores nos quais se pode controlar o movimento de electrões um a um… No campo da Biologia, as promessas são infindáveis, como, aliás, se poderá inferir pelas conquistas já realizadas em torno do ADN. Novas espécies começam agora a ser produzidas (o que inicia, paralelamente, o levantamento de novas questões bioétcas), como, no Japão, um sapo totalmente transparente, com a finalidade de facilitar o estudo e a observação do crescimento de tumores.nsi (Notes and Records of the Royal Society of London, Vol. 21, Nº 2). 26) Leonardo Da Vinci baptizou-a por “Secção Áurea”, e dela fez uso sistemático na sua arte. Kepler, no seu escrito Mysterium Cosmographicum, chamou-a “a Jóia da Geometria”… Trata-se de uma constante real algébrica irracional com o valor arredondado a três casas decimais de 1,618. Este número está intimamente envolvido com os processos do crescimento. Phi (e não Pi [π], quociente da divisão do comprimento de uma circunferência pela medida do seu respectivo diâmetro), como é designado o “número de ouro”, está presente na arquitectura estrutural de múltiplos organismos marinhos (conchas, por exemplo, do nautilus, da architectonia nobilis, do hippopus hippopus), dos seres humanos (o tamanho e a proporção entre si de determinados ossos do esqueleto), do mundo vegetal (na disposição das folhas e talos de numerosas plantas, bem como na configuração de corolas de flores…), etc, etc. No âmbito da Astronomia, para além de se patentear no posicionamento relativo dos corpos do sistema solar, estamos convictos de que igualmente determina o tipo de espiral descrita pelo sol no seu movimento sideral. 27) Neste passo, a figura do Dodecaedro – o mais sagrado de todos os poliedros e que integra todos os outros 4 – é o paradigma da Quinta-Essência (o Akasha), mãe dos arquétipos dos 4 Elementos. Considerado por Platão como o símbolo da Harmonia Universal, representa a amplificação, a três dimensões, da simetria pentagonal e da potência da “Secção Dourada”. Para ele, o 12 é o número radical do Espaço; o Dodecaedro é o número estrutural do Universo. Entre os Pitagóricos, a alusão e mesmo a pronúncia do nome do Dodecaedro fora do seu círculo interno, eram rigorosamente interditos. Muito se poderia acrescentar sobre esta figura extraordinária. Não caberia, porém, no âmbito restrito deste artigo. 28) Registe-se que os comprimentos dos lados de cada dois triângulos sucessivos se dispõem sempre na razão áurea. 29) Nomeadamente, os nºs 7, 9 e 10. 30) No equilíbrio da Manifestação, constituído pelos três Gunas (Rajas, Sattva e Tamas), Brahmâ simboliza a qualidade Rajas (actividade, o arranque, o que espoleta a Manifestação), e Shiva a qualidade Tamas (contra’acção, recolhimento). 31) Ananta, exotericamente também um epíteto de Vishnu, representa, do ponto de vista esotérico, o upadhi de Vishnu (seu veículo). 32) Com efeito, a propriedade característica do Akasha é o Som. para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do Homem. COMO SOMOS FEITOS… COMO SOMOS FEITOS… “A alma humana é como um lago que se comunica com o mar por meio de um canal submerso; embora aparentemente o lago esteja cercado por terra, o seu nível de água baixa ou se eleva com as marés, por obra dessa conexão oculta. Ocorre o mesmo com a consciência humana: existe uma conexão subterrânea entre as almas individuais e a alma do mundo, e essa comunicação se processa profundamente, confinada nos escaninhos mais primitivos da consciência…” (Dion Fortune) As palavras de Dion Fortune acima citadas constituem uma narrativa pictórica sumamente feliz para retratar a nossa ligação com o Divino, em termos não só essenciais e de identidade mas, também, funcionais. Somos feitos à imagem e semelhança do Divino – Carne da Sua Carne [Substância] e Sangue do Seu Sangue [Vida]. Temos potencialmente em nós todo o Organismo Cósmico (1) – tal como é figurado na simbologia fundamental das diversas filosofias e cosmogonias de todas as latitudes e de todas as eras. —————————— 1) Por muito assombro que esta noção possa provocar, temos impresso em nós o Propósito ou Plano Divino, de que somos co-obreiros (ou construtores-maçons…). Temos impressas em nós a Rota e a Missão cosmológicas, o Funcionamento e as Leis que governam os Mundos, todos os Mundos que existem uns nos seios de outros… Natureza Holística do Universo Tudo se repercute, tudo se comunica no Universo. Num grupo, o avanço evolutivo (uma habilidade) conquistado por uma unidade de vida é uma conquista patrimonial efectiva do Todo e transfere-se geneticamente para esse mesmo Todo. Esta, por incrível que possa parecer, é uma evidência cada vez mais assumida por grande números de investigadores. Num trabalho do biólogo Rupert Sheldrake sobre o que chamou de “ressonâncias mórficas”, citado por Sylvia Cranston (2), podemos ler o seguinte: “… Foi solicitado a diferentes grupos de pessoas na América do Norte e na Inglaterra que aprendessem três canções de embalar japonesas, de curta extensão, uma delas bem conhecida há várias gerações por crianças japonesas. As outras duas canções foram compostas de modo que se parecessem com a primeira, mas eram desconhecidas no Japão. A canção tradicional resultou mais fácil de aprender. Outros testes usando palavras estrangeiras, metade reais e metade alteradas, foram dadas a pessoas que não conheciam a língua. Novamente, as palavras reais foram mais fáceis de aprender. Foram feitas experiências semelhantes com o código Morse e no teclado de uma máquina de escrever, dois padrões aceites e estabelecidos de modo generalizado há mais de uma centena de anos. Em ambos os casos, as correlações e sequências já estabelecidas foram mais fáceis de aprender do que as outras que haviam sido criadas…”. De igual modo, verifica-se, sem margem para dúvidas, e de modo generalizado, que as novas gerações – inclusive as crianças pequenas, que ainda não sabem ler “instruções” – têm claramente uma maior aptidão (em relação à anterior) para tudo o que diga respeito à informática, a jogos de computadores, ao funcionamento de telemóveis e quaisquer maquinarias electrónicas. Tal se deve, presumivelmente, à recente conquista gradual, mas efectiva e massiva, destas tecnologias, dos seus funcionamentos e dos seus conceitos. Uma aprendizagem inovadora de muitos é incorporada subjectivamente pela constituição genética da vaga dos que lhes seguem temporalmente. ———————– 2) … no seu livro “Helena Blavatsky - A Vida e a Influência Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno”, Editora Teosófica, Brasília, 1997. Rupert Sheldrake foi o descobridor dos campos morfogenéticos. Estas exposições, se bem que representativas e de enorme relevância, referem apenas aspectos que se processam horizontalmente, num mesmo Plano de existência. No Cosmo, não obstante, essas transferências de energia e de significados percutem-se entre o Macro (o Universo) e o Microcosmo (o Homem), bem como entre diferentes Planos. “O Todo contém a parte e a Parte contém o todo”, diz uma consagrada fórmula ocultista. O homem – o Microcosmo – é o reflexo e a réplica do Macrocosmo, com os seus Planos (e subplanos) septenários. Também o homem possui sete princípios ou corpos, cada um deles focalizado e da mesma substância-vida de cada um dos Planos do septenário cósmico. Os três superiores constituem a “contraparte divina” no homem, a Trindade imperecível, dita espiritual, Âtman (Espírito), Buddhi (Sabedoria Intuitiva) e Manas (Mente; neste caso, a natureza superior de Manas, a Mente Abstracta). Os outros quatro, que conformam o chamado “Quaternário inferior”, são de natureza (mais) material e corruptíveis (3). Este Quaternário constitui a nossa, assim chamada, “Personalidade”, e é composto dos princípios Sthûla-sharîra (o corpo físico); Linga-sharîra (duplo-etérico ou duplo-astral, o corpo das causas formativas, que modela, energiza e sustém o corpo físico. Configura uma espécie de estrutura reticular electromagnética que vivifica e provê coesão às partículas físicas constituintes) e o Prâna, que ele veicula; Kâma-rûpa (corpo dos desejos, instintos e paixões animais); Manas inferior (veículo da mente intelectiva, concreta). —————– 3) Em todas as culturas (e no inconsciente colectivo da humanidade), o quaternário (o 4) é o símbolo, por excelência, da matéria. No homem encarnado, esse quaternário está replicado, sintetizado e representado no 7º (a contar de cima; 1º a contar de baixo) dos chakras, o Mûladhâra (chakra Fundamental, ou da Raiz). Os chakras são centros de força que afloram no duploetérico/astral e proporcionam a ponte entre o veículo físico do homem e os seus veículos (e respectivos Planos) superiores. O nome sânscrito “chakra”, que significa “roda” ou “disco”, é por vezes substituído por “lótus”, pois, na verdade, eles se assemelham a corolas de flores, com diferente número de pétalas conforme o chakra, e com um pedúnculo que radica no tronco ou eixo espiritual: o Sushumnâ. O Sushumnâ é o eixo vivificante de todo o ser encarnado e compreende e percorre o conduto espinal (que lhe corresponde no Plano Físico). É ladeado, à direita, pelo nadî (conduto) de energia positiva Pingalâ, e, à esquerda, pelo conduto de energia negativa Idâ. Cada chakra tem correspondência com cada um dos Princípios do Septenário. Para os estritos efeitos que nos ocupam neste estudo, falaremos, em particular, e somente, do chakra Fundamental. Este, como já dissemos, representa e sintetiza as qualidades e atributos (bem como as conquistas evolutivas do Homem-colectivo, a Humanidade) da personalidade reencarnante – o Quaternário inferior. É por isso que possui 4 pétalas, que mais não são do que (cada uma delas) uma concentração energética provinda de cada um dos Planos do Quaternário inferior, com a sua peculiar “nota-chave”. Essas “notas-chave” são os modos como a energia “vibra” e “ressoa” na passagem da energia Kundalinî,, quando esta percorre ascendentemente o Sushumnâ (disto, falaremos adiante) e, nessa conformidade, encontram representação em determinadas letras (sons) que, na língua sânscrita, se dizem Vam, Sham, Sham e Sam. No Universo Manifestado a Consciência Divina assume dois pólos ou aspectos: Shiva, o aspecto positivo, e Shakti, o aspecto negativo (4). Shakti, o pólo negativo e dinâmico, é a Grande Mãe do Universo, por ela tudo vindo à existência. Nos seres humanos, essa Energia universal particularizada recebe o nome de Kundalinî; no entanto, este vocábulo tem frequentemente o sentido cósmico (da Shakti). Kundalinî, a fonte da geração e da regeneração, pode também, numa certa perspectiva, ser identificada com a Mente Universal. Com efeito, é a Mente que está na raiz da Forma. Assim, no centro do chakra Fundamental radica, adormecida, a serpente cósmica Kundalinî. Através de práticas adequadas (de que são depositários Grandes Sábios, que as preservam da leviandade de simples curiosos incautos) e/ou da natural e consequente expansão da consciência que se produz no homem virtuoso e “espiritualizado” –, essa expansão pressiona para cima e corresponde ao despertar da serpente adormecida, que irrompe e se ergue pelo eixo espiritual Sushumnâ até alcançar o “lótus das mil pétalas”. Desde a mais remota ancestralidade, nas representações pictóricas do chakra Mûladhâra, figura, então, o Svayambhû, o lingam de Shiva, com a serpente em seu redor, enroscada três vezes e meia, numa alusão à segunda metade, ou metade evolutiva da Manifestação Septenária (composta de Involução, ou descida do Espírito na Matéria, e Evolução, ou subida da Matéria ao Espírito) (5). Mûladhâra reúne todas as potências recolhidas dos Planos superiores, que se constituem em impulso para a grande Ascensão espiritual. É, deste modo, o centro que possibilita a regeneração ou 2º nascimento. ————————- 4) Shiva e a sua Shakti, a Luz e a sua própria sombra (anverso ou contra-imagem, abhâsa), que Aquela reabsorve, no final dos tempos, promovendo-se a Grande Unidade. 5) Svayambhû é o Espírito Universal. É um termo que significa o auto-gerado. É também um epíteto de Brahmâ, bem como um símbolo de todo o Deus ou Potência Criadora. Assim, Sarasvati é a shakti de Brahmâ (de onde proveio o nome patronímico de Abraão, com sua esposa Sara). Sarasvati é a energia, emanada de Brahmâ, que criou os mundos. Kundalinî fez-se corresponder, em muitos mitos e deambulações imagéticas das religiões exotéricas, como tentadora (portadora do fruto proibido da Sabedoria), no mito hebraico-cristão do livro do Genesis; como a redentora, na concepção gnóstica (a serpente com as “7 vogais” sobre a sua cabeça…); como as numerosas ctónicasfertilizadadoras, celtas, escandinavas, eslavas, mediterrâneas, ameríndias, orientais… (em simbiose e indistinção, por vezes, com as celestes-fecundantes: na China, por exemplo, profundamente enraizada na mitologia popular, a energia da vida é figurada na baba do dragão-serpente (6) que fecunda as mulheres). No mito hebraico, ela eleva-se, sinuosa, percorrendo (em espiral) o tronco da árvore [o tronco da árvore humana, i.e., o Sushumnâ] até chegar à cabeça do homem para lhe segredar promessas de “Sabedoria” e “Vida Eterna” [ascendendo ao Sahasrâra, o chakra coronal, o radioso lótus das mil pétalas, como promessa viva de “Consciência e Vida Eterna”]. O chakra Fundamental (símbolo do corpo terrestre e da “personalidade, quádrupla”) reflecte o estado de harmonização de todos os componentes da “personalidade” encarnante – e apenas quando este “chão” se torna digno, a semente do Espírito pode brotar e elevar-se nos céus (ao Sahasrâra). A terra do filósofo, regada pelo alento solar (de Pingalâ) e pelo alento lunar (de Idâ) tornou-se um terreno fértil, onde os elementos (Terra, Água, Ar e Fogo) se volveram harmónicos, e em que a árvore Bo (7) deu os seus frutos iluminados. —————— 6) A palavra dragão foi herdada do grego “drako”, que significa serpente. 7) A Árvore Bo foi a árvore sob a qual, segundo a tradição, Buda atingiu a iluminação. Os Tijolos da Matéria Física No lótus Mûladhâra está indelevel e latentemente registada, impressa, a memória do percurso da Humanidade (não nos esqueçamos que o homem não é apenas o seu corpo físico, o corpo que se vê…). Entretanto, esta realidade subjectiva transfere-se e coagula-se na componente física do ser humano. Todo o património de aquisições biológicas – morfológicas, funcionais, psicológicas e mentais – da Humanidade está registado no seu “Código Genético”. A estrutura fundamental desse registo, no Plano Físico, é o ADN – a molécula básica da vida biológica – com os seus quatro pilares de construção: Guanina, Citosina, Timina e Adenina.(8). Cada um destes pilares constituintes traz consigo uma semente subjectiva e uma missão impulsionadora que produz definidos e específicos efeitos no Plano Físico. Cada um é portador de prolíficos códigos – como se fossem finíssimos e multicoloridos fios que, de forma exímia e combinada, conformarão o grande Painel animado que representa cada existência física, pleno de imagens e significados. De forma integrada, eles dotarão cada ser que nasce de específicas habilidades e qualidades potenciais. Cada um deles e o seu conjunto propenderão o seu psiquismo, o seu temperamento, a sua natureza intelectual, as suas características físicas (9). ———————Estas, são bases nitrogenadas que se aliam, cada uma delas, a uma molécula de desoxirribose (açúcar) e a um ácido fosfórico para formar um nucleotídeo, principal base das cadeias polinucleotídeas que, por sua vez, formam o ADN (ácido desoxirribonucléico). É a ordenação dessas bases nitrogenadas que define a informação genética de que o ADN é portador. Os maiores dos genes possuem 100.000 pares de letras mas, em média, eles agrupam cerca de 40.000 pares. 9) Com efeito, cada célula do homem (e dos demais seres vivos) transporta dentro de si uma incomensurável “biblioteca” – o ADN. Esta biblioteca possui cerca de 30.000 “livros” – os genes –, cada um deles replicando as informações necessárias para a preservação das características da espécie e para a definição das características individuais, bem como para o pleno funcionamento biológico. O ser humano comporta no seu organismo biológico cerca de100 trilhões de células. Na verdade, as letras Vam, Sham, Sham e Sam são apenas símbolos, as formas grosseiras de uma realidade mais subtil a que se denomina Mâtrikâ. Sob essa conformação grosseira, elas são o som positivo, Shabda, detentor de potencialidade criadora (10). Elas encontram ainda correspondência com os 4 elementos filosóficos: Fogo, Ar, Água e Terra. ——————10) É dito, ainda, que as letras Vam, Sham, Sham e Sam são a essência e as sementes espirituais dos 4 Vedas - Vam, do Rig-Veda; Sham, do Yajus-Veda; Sham, do Sâma-Veda, e Sam, do Atharva-Veda -, bem como das 4 Yugas: Satya, Tretâ, Dvapâra e Kali. “Veda”, no seu sentido original, é a ideação divina no tocante à criação dos mundos, cujos conteúdos foram parcialmente revelados aos Grandes Rishis do passado e incarnados nos 4 Vedas. Por outro lado, e agora no sistema Cabalístico hebraico, todas as atribuições místicas quádruplas fazem-se corresponder às 4 letras do Tetragrammaton, Yod, Hé, Vau, Hé, o Nome Sagrado que usualmente se traduz por Jeová, e, ainda, aos “Quatro Mundos Cabalísticos” (Atziluth, Briah, Yetzirah, Assiah), com toda a inerente riqueza de correlação de significados e qualidades potenciais. Como já dissemos, outra síntese representativa que se configura no chakra Mûladhâra (ao qual corresponde a Sephirah Malkuth) é a do “Quaternário inferior” (a que correspondem as 4 Sephiroth inferiores: Yesod, Netzach, Hod e Malkuth), e dele constitui o ponto focal. E, no Islão, a Palavra Criadora (a equação cósmica divina) é Kalimat Allah. As quatro consoantes deste mantra – K, L, M, T – simbolizam a manifestação quaternária da Unidade primeira, sendo esta expressa na tríade de vogais A, I, A (em que se oculta o nome inefável de ALLAH). No Plano Físico, estas unidades primárias constituintes (funcionando como pontos focais de energias específicas) devem, necessariamente, estar imbuídas dos impulsos fundamentais, geradores e multiplicadores de definidas qualidades. Certas qualidades agrupam-se formando “pares complementares” ou “pares funcionais”, cujas unidades são essencialmente representativas de: Energia-Força (Função) / Forma (Morfologia); Anabolismo/Catabolismo. Deste modo, se combinam e fazem corresponder: Vam – Sham = Guanina – Citosina; Sham – Sam = Timina –Adenina. Subindo a Escada Espiralada – o Movimento Ondulatório do Espaço O modo de movimento que subjaz a toda a Manifestação é espiralado. Não existem rectas no Universo – apenas curvas, que integram espirais. Esse Movimento Subjectivo Cósmico, Impulso radical ou Alento Divino (o Espírito Santo, da teologia judaico-cristã), que é a matriz de toda a evolução tanto nos seus aspectos subjectivos como objectivos, marca e define a orgânica cosmológica (astronómica), as rotas espirais de todos os astros e galáxias. No Microcosmo, no homem (designadamente), a expressão básica de vida confirma e alinha-se nesta predisposição espiral – a matriz da vida biológica é a celebrizada “escada helicoidal”, o ADN. Com efeito, a molécula do ADN apresenta-se como uma escada torcida sobre si mesma. Os degraus desta escada são os pares de bases nitrogenadas guanina + citosina, timina + adenina. O ADN, na sua estrutura, afigura-se a um andaime objectivo, que se desenvolve e se escora progressivamente na estrutura íntima da Substância subjectiva (da Vida/Consciência Universal). No correr deste prodigioso andaime biológico, nós encontramos, pontilhados, os mesmos marcos simbólicos, veículos da mesma vitalidade e prenhes dos mesmos e profundos significados. Afigura-se-nos que o Propósito da Vida não pode deixar de nele estar implícito e progressivamente assinalável, à medida que nos elevamos nos degraus da Vida/Consciência. O universo é holístico, por natureza. Os seus fios invisíveis vão, de facto, tornando-se paulatinamente aparentes, à medida que vamos cumprindo e concretizando na Forma esse Macro Propósito Divino – como num decalque. “Oculto numa bolota, existe um carvalho com suas bolotas, e, oculto em cada uma destas, existe um carvalho com as suas bolotas”, afirmava o cabalista MacGregor Mathers. Numa Maré ascendente, o Oceano da Vida, Divina e Universal (por obra dos seus actores, as miríades de seres que povoam a Manifestação Objectiva dos Mundos) é iluminado progressivamente (evolutivamente) pela Consciência, nela se subsumindo. Em termos espirituais, a subida da Kundalinî, desde o chakra Mûladhâra até ao chakra Sahasrâra (no topo da cabeça), replica no Microcosmo (o homem) o que a Evolução Colectiva (dos Mundos e da Humanidade) consubstancia na Caminhada peregrina desde este Plano mais inferior (o Universo Físico), percorrendo todo o Septenário em sentido ascendente até à Reassunção final na Luz do Uno, no termo do Manvantara. Na aura, ladeando o Sushumnâ (o eixo ou conduto espiritual por onde se eleva a Kundalinî), de um e outro lado, correm paralelamente dois outros circuitos. Por eles passam respectivamente as correntes positiva (à direita), e negativa (à esquerda), as correntes magnéticas designadas “do Sol” e “da Lua”(11). Na verdade, de forma mais precisa, é todo um hemicilindro (um semitubo) direito que é carregado positivamente, e todo um hemicilindro esquerdo que é carregado negativamente. Este factor, importantíssimo, é transferido para a sua correspondência material: existe uma espécie de tubo virtual por dentro do qual corre a “dupla espiral” do ADN. Também este campo tubular é carregado positivamente num dos lados, e negativamente no outro. Nesta conformidade, os diferentes centros de energia (que as bases ‘G’, ‘C’, ‘T’, ‘A’ representam) situados no correr de cada extremidade da “dupla hélice” são ciclicamente actuados positiva e negativamente. Disto deriva que uma dada “potência” essencialmente negativa, quando se encontra na contraparte negativa do tubo, está, por assim dizer, “potenciada” nos seus efeitos e consequências; e que, quando se encontra na contraparte positiva, está “deprimida” – e vice-versa. Por outro lado, na definição das codificações e instruções genéticas, o seu posicionamento (das unidades de cada par), ora numa dada orientação, ora na outra (invertidas), ao longo dos dois “corrimãos” da escada, também as faz assumir uma actuação, ora positiva, ora negativa, das suas qualidades, no cômputo integrado da leitura global. ———————————— 11) Sushumnâ, e as correntes solar, Pingalâ (à direita) e lunar, Idâ (à esquerda) das filosofias da Índia correspondem, respectivamente, ao Pilar do Equilíbrio, ao Pilar da Misericórdia (ou da Compaixão) e ao Pilar da Severidade (ou da Justiça) da Árvore da Vida (ou Árvore Sephirótica), da Cabala hebraica. A filosofia chinesa igualmente representa esta tríade fundamental: Yin e Yang são, respectivamente, os princípios negativo e positivo do Universo e das unidades que o constituem, e Tao (ou Caminho) é o centro de equilíbrio entre eles. É precisamente o carácter eléctrico dual e alterno do Universo e da Manifestação que produz o movimento espiral e efusivo, bem como os movimentos de contracção e expansão.(12) Sem dualidade não haveria Evolução. Sem dualidade não haveria Manifestação. ———————12) À imagem de um eterno Pêndulo Cósmico, a energia de fundo (o Akasha) vibra e traça diferentes direcções, tornando-se ora positiva ora negativa e determinando a grande Lei da atracção e repulsão. Esse facto cria as linhas de força da própria substância (Prakriti). É o grande dinamizador cósmico que anima e faz crescer tanto uma pedra como um ser humano, e que está na origem misteriosa dos movimentos de sístole e diástole do coração na vida física animal. Na verdade, o Akasha é Kundalinî, visto por outro aspecto. Como assumirmos a nossa Divindade? No decurso das Idades, diversas foram as metodologias formuladas pela Humanidade a fim de facilitar e guiar o destemido buscador no desbravamento desse Caminho. Nos Antigos Mistérios das diversas civilizações – Hindu, Egípcia, Hebraica, Grega… –, os candidatos à Iniciação no “Conhecimento Sagrado” eram guiados para conquistar “passo por passo”, “degrau por degrau”, os Altares (o septenário Altar) do Espírito. Para a Civilização ocidental, porém, um dos métodos mais habilitados e poderosos, e que se mantém vivo até aos nossos dias, é o método cabalístico hebreu. Quando entendido e devidamente vivenciado, ele constitui um Guia rigoroso, de transcendente iluminação nos Caminhos insondados entre os Véus da Grande Mãe. A “Árvore da Vida” é um símbolo eloquente, animado e impregnado de Vida (perdoe-se-nos a propositada redundância). Nele estão representados o Macro e o Microcosmo, e por seu intermédio é-nos fornecida a possibilidade de realizarmos as devidas pontes entre ambos – o que, na prática, corresponde à transferência de fluxos definidos de energia cognitiva –, por um processo efectivo de mapeamento dos abstractos (e aparentemente vazios) Caminhos, para lá das fronteiras do Mundo Físico. A Meditação pelos Caminhos da Árvore Para o místico investigador, este empreendimento não é uma aventura inconsequente, sem regras nem condições: implica disciplina, despojamento material (purificação, purgação) e uma empenhada canalização de esforço e energia numa direcção aparentemente árida, e não isenta de perigos. É um caminho solitário – não é necessário dizê-lo. E é nessa solitude que o caminhante peregrino congrega energia, progressivamente mais e mais energia qualificada e inteligente (que ele próprio assimila e torna individualizada – cunhada pelo seu próprio diapasão). Essa é a sua bagagem espiritual, que o legitima e lhe abre sucessivamente as portas de cada etapa do Caminho Ascendente. É ela a sua palavra-chave, a sua “palavra-de-ouro”, que leva os Guardiões a franquearem-lhe cada Secreto Portal. Isabel Nunes Governo Vice-Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural O caminho para Felicidade Para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do Homem O CAMINHO DA FELICIDADE “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo” Sócrates (470 a.C. – 399 a. C.) Auto-Conhecimento, Auto-Identificação, Auto-Realização e Auto-Ajuda Desde o primeiro momento em que o assunto do presente artigo ficou definido, e, em particular, à medida que reflectíamos sobre ele e sobre o modo como deveria ser abordado, mais e mais foi ficando óbvia a necessidade de esclarecer, logo à partida, os conceitos de auto-conhecimento e auto-identificação por um lado e de autorealização e auto-ajuda por outro, destrinçando-os claramente uns dos outros. Porque neles, na sua investigação aprofundada, na correcta compreensão daquilo que, de facto, significam e das suas diferenças, se encontra uma achega importante para um melhor entendimento daquilo em que consiste o Caminho da Felicidade, onde pode ser encontrado e, como e quando, começar a ser percorrido. Comecemos pelo primeiro par: auto-conhecimento e auto-identificação. O Que Pensamos Ser … Que Afinal Não Somos No nível humano, na esmagadora maioria dos casos, aquilo que cada indivíduo pensa de si próprio, a que vamos chamar auto-identificação – pois que é mesmo disso, e somente disso, afinal, do que se trata –, tem pouco, ou nada, a ver com o tal auto-conhecimento (do ser) de que falava Sócrates, aquele que dá acesso à ciência dos “deuses e do universo”. O que uma pessoa acha que é, a maneira como se percebe, aquilo com que se auto identifica – apesar dos denominadores comuns que se constatam –, difere muito de caso para caso, de acordo com o nível de consciência, cultura, sociedade e convicções da mente de cada um (1). A diversidade é total. Uns consideram-se mais de acordo com o género (homem ou mulher); outros sobretudo pela sua cor, nacionalidade, crença, continente ou região de origem (branco, preto, português, porto-riquenho, cristão, islâmico, agnóstico, europeu, asiático, nortenho ou latino); alguns “honram” pai e mãe, uma profissão, uma dada moral, um qualquer padrão social mais ou menos volátil no espaço e no tempo ou mesmo uma certa ética mais fraternal e universalista (filho de e de, médico, engenheiro, bom ou mau, poderoso ou fraco, organizado ou não, perfeito ou inadequado). Isto ou aquilo, conforme se sintam mais identificados, seguros ou engrandecidos. A juntar a isto, todas estas disparidades são, ainda, amplamente multiplicadas pelo facto de que mesmo a ideia que cada um tem de si próprio pode mudar ao longo da vida (e muda constantemente, tantas vezes quando menos se espera), à mercê das transformações que vão ocorrendo. Como disse um grande instrutor dos nossos tempos: “um desgosto, a perda do trabalho, um insulto, e a sua própria imagem, aquilo a que você chama uma pessoa, muda profundamente” (2). E essas coisas, tão diferentes, tão impermanentes e, quase sempre, tão antagónicas não podem, evidentemente, dar acesso ao tal conhecimento/sabedoria que desvela os segredos das divindades e dos cosmos, a que se referia o filósofo. Não podem, pelas mesmas razões, conter nenhuma veracidade plausível. De facto, as concepções que cada um tem acerca de si próprio, consequência de ideias puramente pessoais e ilusórias, não correspondem minimamente à realidade: • São, apenas, fruto de padrões sócio-culturais adquiridos, mentalmente estruturantes, “impostos” à pessoa de maneira, regra geral, subtil e inconsciente, que ficam visceralmente entranhadas e, por isso, assumidas pela esmagadora maioria como verdades óbvias, ou mesmo absolutas – que, na verdade, não são. • São, além disso, transitórias, mutáveis, meramente subjectivas, reflectindo aquilo que é a mente da personalidade em cada momento, nomeadamente os seus conceitos e as suas memórias (3). Sobre tal, testemunham, lapidarmente, as palavras do Senhor Buda ao afirmar que: “Todas as coisas são precedidas pela mente, guiadas pela mente e criadas pela mente. Tudo o que somos hoje é o resultado do que temos pensado. O que pensamos hoje é o que seremos amanhã; a nossa vida é uma criação da nossa mente” (4). Quem somos Nós Diz a Filosofia Perene que não somos nenhuma das coisas do eu inferior com que nos identificamos e que, na medida dessa identificação, nos controlam na íntegra, sobretudo através da mente, impedindo-nos de perceber a nossa verdadeira natureza. O ser ilimitado que é cada um de nós, a nossa verdadeira identidade, aquele que nunca nasce e nunca morre, não pode ser percebido no nível mental. E porque as palavras são da mente e não vão além dela, esse ser (superior) só pode ser descrito em termos negativos, ou seja, através daquilo que não é (e que, geralmente, julga que é) (5). É através do entendimento daquilo que não somos, e com que, geralmente, nos identificamos (e a que nos apegamos): o corpo, a mente e seus objectos – percepções, conceitos, memórias, pensamentos, desejos, emoções, medos, associações mentais – e da desidentificação com eles, que despertaremos e chegaremos ao conhecimento dessa verdadeira natureza que levará à efectiva compreensão dos “deuses e do universo” (6). Neste sentido atente-se ao que nos diz, embora de forma algo velada, Helena Blavatsky, quase logo a abrir o seu livro A Voz do Silêncio: “Aquele que quiser ouvir a voz do Nada, o Som sem som, e compreendê-la, terá de aprender a natureza do Dharana. Tendo-se tornado indiferente aos objectos da percepção, deve o aluno procurar o Raja dos sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que acorda a ilusão. A Mente é a grande assassina do Real. Que o discípulo mate o assassino” (7). E, sublinhe-se, é mesmo somente através da investigação da pessoa que não somos, “dos seus motivos e do resultado das suas acções” (2) e da desidentificação com ela, que é possível chegar à libertação dos desejos e dos medos, ao auto-conhecimento, à auto-realização, à paz, à alegria e à felicidade que buscamos incessantemente fora de nós, nos piores sítios, quando, na verdade, só no ser real ela pode ser encontrada: aqui, dentro de nós, onde, afinal, sempre esteve à nossa disposição. Em mais nenhum sítio e de nenhum outro modo pode ser descoberta! Sobre isto, assinala Helena Blavatsky, na sequência do texto acima referido: “Porque quando para si mesmo a sua forma parece irreal, como o parecem, ao acordar, todas as formas que ele vê em sonhos; quando deixar de ouvir os muitos, poderá divisar o Um – o som interior que mata o exterior. Então, e só então, abandonará ele a região de Asat, o falso, para chegar ao reino de Sat, o verdadeiro” (7). Auto realização e Auto Ajuda Quanto às chamadas técnicas de auto-ajuda, ou mesmo as técnicas de ajuda psicológica assistidas por terapeutas ou afins, não proporcionam, nem nunca poderão proporcionar, ao contrário do que algumas vezes se julga, nada de minimamente semelhante. Sem embargo de poderem mitigar problemas de “inadequação” ou situações de stress mais agudas, essas técnicas não têm coisa nenhuma a ver com autorealização. São (ainda) outro ponto de vista completamente diferente. Limitam-se a operar no âmbito da personalidade e dos seus assuntos – onde a consciência que se vai tendo da realidade é previamente filtrada, medida e pesada pelas nossas memórias e padrões que, assim, se constituem no factor determinante do valor e da coloração que damos aos factos (bom ou mau, certo ou errado, feio ou bonito, etc., etc., etc.). Aqui, neste fervilhar de ideias e conceitos, não se pode ouvir “a voz do Nada”. Aquilo que estas práticas de ajuda procuram (e podem) fazer (e estamos a pensar no seu melhor), é alguma “harmonização” das tensões mais insuportáveis que se estabeleçam entre os vários conceitos, condicionamentos, desejos intensos, tendências e modelos que se antagonizam ou incompatibilizam no seio de uma mesma personalidade que a eles, de uma maneira ou doutra, foi afiliada, e que tornam difícil, ou mesmo muito angustiante, a vida corrente do sujeito em que o conflito se instala. Nessa “harmonização”, no máximo, o que se pode encontrar (e não negamos que possa ser muito), é a diminuição das ansiedades constituídas e alguma estabilização da pessoa através do seu encontro com uma nova “verdade” (mental e sóciocultural) que a “reprograme” de forma mais “coerente” e a preserve, dentro de limites que lhe sejam psicologicamente aceitáveis, das contradições, das dúvidas e das incertezas. Só que estas “novas verdades”, mesmo que de um patamar superior, são ainda do nível da personalidade (embora muitas vezes, lamentavelmente, rotuladas de “esotéricas” ou mesmo “espirituais”) e não pode haver estabilização permanente neste plano, onde a “felicidade” se procura através do “prazer” do encontro com as “coisas” de que se “gosta” e do evitar da “dor” do defrontar as “outras coisas” de que se “não gosta” – incapazes que somos de, serenamente, “deixar que chegue o que vem, e deixar ir o que se vai” (2). A este tipo de “felicidade/prazer” sempre estiveram, estão e estarão ligados os medos e os desejos que trazem consigo, inevitavelmente, o sofrimento. Prazer e dor são uma parelha que jamais pode ser separada, e a felicidade (que é espiritual) não pode ser encontrada nos assuntos da personalidade. O Caminho da Felicidade. Onde, Como e Quando Onde Procurar a felicidade no nível da pessoa, faz lembrar a anedota do homem embriagado que procurava a moeda perdida debaixo do candeeiro de iluminação pública: não fora ali que a tinha perdido, mas só ali dispunha da luz que, julgava ele, lhe permitiria encontrá-la. Esta estratégia não leva, evidentemente, a lado nenhum. Não é possível encontrar a moeda no sítio onde ela não está. Não é possível encontrar a felicidade na personalidade, nem através dos seus padrões mentais, nem na satisfação dos seus desejos, nem em coisa nenhuma do seu campo de acção. Só pode ser achada onde foi perdida, no nosso ser real, que é paz e que é amor. E para se encontrar esse ser, que é também consciência pura, eterna, imutável e vazia de pressupostos, tem de se ir além da pessoa e “além da mente que divide e cria os opostos [Kama-Manas], permitindo que apareça uma `outra mente´ [Buddhi-Manas – a mente superior ao serviço da Intuição] que una e harmonize” (2). Como E a maneira como se vai além da personalidade e do seu mundo, dizem todos os Mestres e toda a Tradição, é através da desidentificação com ela. Este é o único caminho para a evolução espiritual. Ouçamos o grande instrutor que foi Sri Nisargadatta Maharaj, o que ele diz e aconselha: - “ O mundo real está além do alcance da mente; nós vemo-lo através da rede dos nossos desejos, divididos entre dor e prazer, bom e mau, interno e externo. Para ver o Universo como ele é, você precisa de ir além da rede…Olhe a rede e as suas muitas contradições. Você faz e desfaz a cada passo. Você quer paz, amor, felicidade, e não pára de criar dor, ódio e guerra. Você quer longevidade e abusa da alimentação, quer amizade e explora os outros. Veja a sua rede feita de tais contradições e elimine-as; o fato de vê-las, fá-las-á desaparecer.” - “Veja como funciona, observe os motivos e os resultados das suas ações. Estude a prisão que construiu em seu redor, por inadvertência. Ao conhecer o que você não é, chegará ao conhecimento de si próprio” (2). O que é essencial é aquela meia dúzia de práticas que se recomendam e vemos sempre repetidas pelos mais sábios: Investigar-se, incessantemente, a si próprio; observar os fatos, o como e o porquê das emoções e dos pensamentos que com eles vêm e vão – e a artificialidade das suas verdadeiras origens; ser, o mais possível, consciente e desapegado; ser sério e persistente na busca; e ir, crescentemente, inserindo os princípios na prática do dia a dia. O resto é com cada um e tem que ir sendo descoberto pelo próprio. Escreveu Helena Blavatsky que “O caminho é um para todos os meio de chegar à meta deve variar de peregrino para peregrino” (8). Não se esqueça de se investigar Todo dia terá coisas para melhorar Se você se acha sábio demais Bom demais Cheio de beleza, de certeza que esta sempre certo, que muita sua fé, então está vazio, por que não pode ser, se estivesse realmente cheio, não teria problema em evoluir. Quando No que respeita ao quando começar, estou convicto de que um processo de desidentificação com a personalidade pode ser iniciado mais cedo do que, geralmente, se imagina. Pois se é verdade que a capacidade de desencadear um tal procedimento depende, pelo menos em larguíssima medida, de uma consciência mental bastante evoluída – onde se perceba, minimamente, que, no nível da subjectividade em que vivemos, não há senão verdades possíveis, que “a realidade” é uma construção mental, que “os significados” dependem dos contextos, e que a cognição não deve privilegiar excessivamente uma perspectiva única –, é também verdade que, a partir do momento em que este tipo de consciência esteja disponível, se tornará inútil e redundante procurar reforçar o grau de compreensão mental das coisas, havendo que enveredar, em vez disso, o mais rapidamente possível, pela desidentificação com a pessoa que não se é – a tal única saída do plano da mente, em direcção ao estrato superior do ser – e nesta tarefa concentrar todos os esforços. Nesse sentido vai o alvitre que Helena Blavatsky nos faz: “E tendo aprendido a tua Ajnana, abandona a Sala da Aprendizagem” (7) . Consideremos seguir a sugestão! Vítor Martins ———————————————————– (1) – No texto, a palavra “mente” e suas derivadas são utilizadas no sentido da expressão sânscrita “Kama-Manas”, que designa o conjunto da mente e das emoções influenciando-se mutuamente. Este conjunto, em que a Humanidade, em geral, está focalizada é, usualmente, dirigido pela vertente emocional. (2) – Sri Nisargadatta Maharaj (1897-1981) – Transcrito do livro “Eu Sou Aquilo – Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj” – Editora Advaita, Brasil. (3) – O mundo das pessoas é mental. É, como dissemos, falso, limitado, relativo, mutável e tem, apenas, a realidade que a mente de cada um lhe “emprestar”. Mas, apesar disso, em cada plano de consciência esse mundo de ilusão acaba por se constituir, para todos os efeitos práticos, numa verdadeira “realidade” para as pessoas que a ele pertencem e dele partilham: a única “realidade” a que têm acesso enquanto se mantiverem nesse nível de compreensão. (4) – “Dhammapada (caminho da lei) ” – I-1 Este tratado de doutrina budista, atribuído ao próprio Senhor Buda, está editado em língua portuguesa (do Brasil) pela Editora Pensamento, em tradução e adaptação do Dr. Georges da Silva. (5) – Fique, no entanto, claro que não podendo a nossa verdadeira individualidade ser experienciada, percebida ou conceptualizada, sem ela, por outro lado, não pode haver nem experiências, nem percepções, nem conceitos. (6) – Sendo que, o entendimento daquilo que se não é, vai acabar por ser efectuado, ainda, no nível mental. É a mente que nos prende, é a mente que nos liberta! (7) – “A Voz do Silêncio” – Editora Assírio e Alvim, Lisboa (Primeiro Fragmento). (8) – Obra citada (Terceiro Fragmento).