Uploaded by bapeh77518

269268813-LEACH-Natureza-cultura-in-Encilopedia-Einaudi

advertisement
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
1/49
NATUREZA/CULTURA
Edmund Leach
in: Enciclopédia Einaudi, Lisboa, IN-CM, 1989, vol.5 - Anthropos
— Homem, p.67-101.
Índice do ensaio:
1. A ideia de natureza na Grécia antiga e no Renascimento
2. Abordagens subjectivas e objectivas da distinção natureza/cultura
3. Cultura concebida como roupagem da natureza nua
4. A cultura como parte da natureza
5. Polaridades conceptuais: nós/outros, cultura/culturas
6. Natural, não-natural, sobrenatural
7. A natureza concebida como modelo da cultura humana
8. Tempo social e tempo natural
9. Mapas e outros modelos
10. Ciência natural/ciência social
11. A dicotomia natureza/cultura na psicanálise e seus derivados
12. A visão marxista do homem e da natureza
13. A natureza entendida como cultura
Bibliografia
Neste artigo propomo-nos elucidar as relações entre os conceitos de natureza e
de cultura, tal como são actualmente empregues pelos investigadores e, em
particular, pelos que abordam estas questões do ponto de vista da antropologia
profissional. Diferentes aspectos do problema são examinados noutros artigos
desta mesma Enciclopédia: «Anthropos», que se ocupa do desenvolvimento
contrastado da ideia segundo a qual a «espécie humana» constitui algo de unitário,
e «Cultura/culturas», que se ocupa do uso que os antropólogos profissionais têm
feito do conceito de «cultura», desde que este termo começou a ser considerado
sinónimo de «civilização», em meados do século XIX.
Ao longo dos séculos, o significado do termo ‘natureza* tem sofrido uma série
de transformações. As ideias actuais acerca do tema têm origem a) na noção grega
de physis (de onde physiké ‘física', o ‘conhecimento da natureza'), e b) na
modificação, num sentido dualista, que esta concepção unitária da Idade Clássica
sofreu no período do Renascimento tardio. Uma excelente análise deste ramo da
história das ideias é a traçada por Collingwood no seu ensaio The ldea of Nature.
[1915].
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
2/49
1. A ideia de natureza na Grécia antiga e no Renascimento
No pensamento grego, a natureza representava, de facto, um princípio
tautológico, uma causa final. Pensava-se que o mundo exterior, dotado de
existência independente do pensamento e da acção humana, estava impregnado
de uma ordem — ou de um espírito — metafísica. O futuro, por conseguinte, estava
imanente no presente. e a natureza de uma substância, implícita no seu
desenvolvimento teleológico: é próprio da água correr pela colina, é da natureza de
um feto desenvolver-se num animal completo. O mundo da natureza surgia como
um mundo de corpos em movimento, uma totalidade em devir, cuja mola era a
vitalidade ou a «alma». Mas o mundo da natureza não se revela simplesmente
«vivo» nesta acepção; é ainda dotado de ordem própria, de uma inteligência:
comporta-se como um grande animal racional, com um espírito próprio.
Uma vez que os Gregos tinham como axioma que nada era cognoscível pelo
homem a menos que fosse imutável, poderia parecer que uma ciência da natureza
seria, para eles, uma impossibilidade, dado que viam a natureza como um mundo
em perpétuo devir.
O mundo é aquilo que é, e não é possível explicá-lo senão como um
pensamento do espírito de 1)eus. Mas esta concepção metafísica conduz apenas a
uma regressio ad infinitum. Com efeito, se se considerar Deus como a causa final
da natureza, a consequência será que Deus é a natureza da natureza, e a pergunta
«O que é a natureza?» continua sem resposta.
Os Gregos enfrentaram esta dificuldade seguindo duas direcções: o estudo da
«substância» ou da «matéria» — na qual se manifestam os processos naturais—e
as «leis» que governam a acção dos processos de mudança. Estes dois elementos,
a matéria por um lado, e a lei natural por outro, eram considerados
(axiomaticamente) imutáveis e, por isso, cognoscíveis. A acreditarmos em
Aristóteles, foram os jónicos que transformaram a pergunta «O que é a natureza?»
numa outra, de sentido materialista: «De que é feita a natureza?» Em seguida, os
pitagóricos, utilizando a linguagem do idealismo, puseram, pelo contrário, a
seguinte questão: «O que é que significa a proposição que diz que A é feito de B ?»
ou, noutros termos, «Que formas fazem com que a matéria seja aquilo que é?»
A este propósito cabe lembrar que — pelo menos para Platão — as «formas»
eram mais «reais» (alèthès) que a substância visível que constitui os objectos. A
substância visível, com efeito, tal como é percebida pelos homens, é algo que se
esconde por trás das aparências, enquanto que, relativamente às formas
matemáticas, não se corre o risco de desilusões. Se se coloca a questão nestes
termos, o homem torna-se potencialmente capaz de compreender a natureza, uma
vez que as suas múltiplas aparências passam a poder ser interpretadas como uma
série de transformações sucessivas da sua forma matemática última. Mas, deste
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
3/49
modo, também as «leis» que governam os processos de mutação transformacional
ficavam para além das possibilidades de análise. Estabelecia-se que eram causas
finais, verdadeiras em si próprias, mas sem explicação.
No Renascimento, a ciência subverte esta teleologia aristotélica, «a teoria das
causas finais, a tentativa de explicar a natureza como se esta se encontrasse
animada por uma tensão, por um “esforço" no sentido de realizar formas ainda não
existentes»: «a nova teoria da natureza insistia na importância das explicações por
meio das causas eficientes, o que significava explicar qualquer modificação ou
processo por meio da acção de entidades materiais já existentes no início dessa
modificação ou processo» [Collingwood 1945, pp. 93, 94].
Esta nova posição dos termos do problema continha implicações profundas. No
sistema de ideias anterior, não se punham os problemas da relação entre matéria
inerte e matéria viva, entre matéria e espírito, uma vez que se assentara em que
havia um princípio imanente único, capaz de explicar os movimentos dos corpos
celestes, o crescimento e a decomposição sazonais das plantas, o ciclo da vida do
indivíduo ou o destino das nações. «Não havia mundo material desprovido de
espírito, nem mundo espiritual sem materialidade» [ibid., p. 111]. Mas, a partir do
século XVII, o «espírito» e a «matéria» tinham-se tornado entidades separadas, e o
mundo mecânico, objectivo, físico, é identificado com a natureza, em oposição
potencial com o universo das construções do espírito humano, consideradas estas
mais tarde, em termos genéricos, como fazendo parte do «mundo da cultura».
Posição, como se vê, inversa da formulada pelos Gregos, para os quais a
«natureza» (physis) representava o princípio espiritual do desenvolvimento, da
organização e do movimento «interno» das coisas, contrapondo-se às
«qualidades», em si objectivas e não naturais, que o engenho humano lograva
atribuir-lhes.
Paradoxalmente, as concepções actualmente em voga, segundo as quais o
significado dos fenómenos culturais poderá ser descoberto através de uma análise
transformacional das estruturas permanentes, revelam estreitas analogias com os
procedimentos utilizados pelos Gregos para a resolução dos enigmas da natureza.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
4/49
2. Abordagens subjectivas e objectivas da distinção
natureza/cultura
As ambiguidades do moderno conceito de cultura são debatidas noutro lugar
(cf. o artigo «Cultura/culturas» neste volume da Enciclopédia). Para certos
antropólogos, o traço essencial que caracteriza a cultura é a sua transmissão de
geração em geração através da aprendizagem. Deste modo, a cultura torna-se um
fenómeno inteiramente subjectivo, um processo de modelagem das ideias no
interior do espírito humano. Mas há também antropólogos (e arqueólogos) que
consideram a cultura um dado objectivo, consistindo num conjunto de artefactos
humanos e em comportamentos e costumes directamente observáveis, que se
encontram (ou, noutro tempo, se encontraram) associados a esses artefactos. A
relação entre natureza e cultura será representada de maneira muito diferente
segundo se adopte uma ou outra destas duas orientações fundamentais. Os que
sublinham os aspectos subjectivos da cultura referem-se muitas vezes à analogia
entre a actividade cultural e a linguagem, à fórmula «a cultura é comunicação». Os
defensores desta tese ocupam-se sobretudo das construções claramente
metafísicas do espírito humano, indicadas por meio do recurso às «categorias»
vagas e multiformes da «religião», da «magia», do «mito», da «filosofia», da «arte».
Assim, os que fazem sua esta atitude anti-empírica consideram a documentação
etnográfica mais uma ilustração do que a fonte do problema, e concordam em que o
espírito humano é imutável e idêntico em toda a parte: estão, por conseguinte,
convencidos de que a análise comparativa se pode alargar percorrendo todo o arco
descrito pela história humana, com todos os seus cambiantes. The Golden Bough
[1911-15] de Frazer e Mythologiques [1964-71] de Lévi-Strauss são exemplos deste
posicionamento metodológico, embora se singularizem pela consumada destreza
com que manejam o método comparativo. Com a notável diferença de que Frazer
considerava o pensamento dos selvagens infantil e subdesenvolvido, enquanto
Lévi-Strauss vê na Pensée sauvage o fundamento e o protótipo de qualquer forma
de pensamento humano.
Como seria de esperar, os antropólogos que utilizam o conceito de cultura de
modo tão abstracto, geral e racionalista, tratam a «natureza» do mesmo modo. A
natureza, como a cultura, é uma ideia, habitualmente definida de modo
extremamente vago, e muito raramente posta em relação com um conjunto bem
determinado de factos empíricos. A passagem que se segue constitui um excelente
exemplo deste tipo de perspectiva analítica: «[O desenvolvimento] implica de facto
uma prioridade incondicionalmente reconhecida da cultura em relação à natureza,
prioridade que quase nunca vemos admitida fora da área da civilização industrial.
Indubitavelmente, a descontinuidade entre os dois remos é reconhecida de modo
universal, e não existe sociedade, por mais humilde que seja, que não atribua um
valor privilegiado às artes da civilização, cuja descoberta e utilização fazem com
que a humanidade se separe da animalidade. No entanto, entre os povos ditos
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
5/49
“primitivos”, a noção de natureza manifesta sempre um carácter ambíguo: a
natureza é pró-cultura e é também subcultura; mas é sobretudo o terreno sobre o
qual o homem pode esperar entrar em contacto com os antepassados, os espíritos
e os deuses. Na noção de natureza há, portanto, uma componente “sobrenatural”, e
esta “sobre-natureza” é tão incontestavelmente uma supra-cultura, quanto a própria
natureza é subcultura» [Lévi-Strauss, 1961, trad. it., p. 362].
Voltaremos mais adiante a esta questão da relação «ambígua» entre o mundo
natural e o sobrenatural. Mas é necessário dizer desde já, com toda a clareza
possível, que se é fácil encontrarem-se casos de documentação etnográfica que
confirmam as teses gerais de Lévi-Strauss, é também possível citar um grande
número de casos em que a concordância entre a sua teoria e os factos empíricos
se revela muito escassa.
Os antropólogos que buscam a objectividade são, em contrapartida, muito
cépticos perante as generalizações alargadas deste tipo. A sua investigação visa
desde o início concretizar os pormenores mais minuciosos de uma organização
sócio-cultural bem determinada. As generalizações que estes investigadores depois
propõem limitam-se a estabelecer nexos comparativos entre elementos bem
definidos no campo da tecnologia, da economia, do direito e da organização
política. A perspectiva da análise atende sobretudo aos dados empíricos: as
interpretações apresentam-se como resultado dos inquéritos etnográficos, a partir
da rejeição explícita de quaisquer teses a priori.
As duas posições antropológicas acima descritas, e definidas respectiva-mente
como subjectivista e objectivista, são representadas nas suas formulações mais
radicais, por um lado, pelo estruturalismo de Lévi-Strauss e, por outro lado, pelo
funcionalismo de Malinowski e Raymond Firth. A distinção torna-se nítida na
oposição dos modos que uma e outra têm de conceber e analisar os sistemas de
parentesco.
O ponto de partida das análises dos subjectivistas foi resumido por Lévi-Strauss
numa passagem em que este procura esclarecer melhor a posição que formulara
em 1945: «Que visava o meu artigo de 1945? Tratava-se de mostrar, contra
Radcliffe-Brown e a maior parte dos etnólogos da sua geração, que uma estrutura
de parentesco não poderá nunca, por simples que seja, ser construída a partir da
família biológica composta pelo pai, pela mãe e pelos seus filhos, implicando
sempre, pelo contrário, o estabelecimento à partida de uma relação de aliança.
Esta última resulta de um facto praticamente universal nas sociedades humanas:
para um homem poder obter uma esposa, é necessário que esta .última lhe seja
cedida, directa ou indirectamente, por um outro homem, o qual, nos casos mais
simples, está na posição de pai ou de irmão da mulher» [1973, trad. it., pp.121-22].
Deste ponto de vista, conforme se pode observar, o fundamento do parentesco
é o matrimónio entendido como aliança, como um fenómeno cultural contraposto ao
incesto entre pai e filha e entre irmão e irmã, sendo este último considerado um
fenómeno natural. Por esta razão, a linguagem dos sistemas de parentesco é
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
6/49
elaborada independentemente das relações biológicas. Na prática, os subjectivistas
discutem o parentesco como se este fosse um sistema de classificação quase
arbitrário, articulado por regras de descendência, de residência e de matrimónio, de
molde a revelar a matriz através da qual corre a comunicação cultural. Na sua obra
célebre, Les structures élèmentaires de la parenté [1947] Lévi-Strauss adiantou a
tese de que as regras matrimoniais e a classificação dos termos de parentesco
mais difundidos nas diversas culturas apresentam uma «forma» particular (no
sentido platónico), caracterizada por uma tendência interna para a transformação.
No seu entender, os antropólogos poderão descobrir os mecanismos fundamentais
do parentesco através da comparação de uma variedade de formas deste género,
entendidas como sucessivas transformações estruturais de uma na outra. A causa
final destes processos de transformação cultural é o «espírito humano» (l*esprit
humain). Alguns dos críticos de Lévi-Strauss fizeram notar que, embora essa
misteriosa força seja designada por ele como «humana», revela todos os atributos
característicos de uma lei natural!
Os objectivistas defendem ideias opostas e concebem o parentesco como um
conjunto de comportamentos empíricos, que gravitam em torno dos mecanismos
naturais da relação sexual e da reprodução biológica. Neste contexto, o parentesco
é o quadro cultural no interior do qual uma sociedade se reproduz, através da
procriação e educação da descendência. Segundo esta perspectiva, o parentesco
apresenta-se como um tecido resultante da interacção dos indivíduos em todos os
campos das actividades sociais instituídas, campo económico, político, jurídico ou
religioso. O elemento característico do parentesco no quadro destas actividades é
representado pelo interesse que os membros de um dado agregado familiar têm em
comum; é esse elemento o que explica as relações de parentesco estabelecidas.
Aqui, por conseguinte, o parentesco torna-se um problema de biologia. A matriz
social é o mecanismo fundamental da perpetuação da espécie. As duas
monografias clássicas que melhor ilustram esta corrente de pensamento são The
Sexual Life of Savages in North-Western Melanesia [1929] de Malinowski e We, the
Tikopia [1936] de Firth.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
7/49
3. Cultura concebida como roupagem da natureza nua
Na prática, muitos dos antropólogos contemporâneos adoptaram uma posição
intermediária entre o radicalismo subjectivista e o radicalismo objectivista, ou seja,
oscilam entre uma e outra posição. Em parte por consequência dessa labilidade, a
distinção entre natureza e cultura é muitas vezes concebida de modo simplista. Foi
repetido, por exemplo, por gerações de antropólogos, que «o homem entendido
como ser humano» (isto é, o homem dotado de cultura) deveria ser concebido como
um «homem-animal (isto é, como um homem natural) revestido de cultura». Sendo
assim, pouca importância tem que a cultura sobreposta à base animal seja
concebida como uma matriz de ideias, subjectiva e interiorizada, ou como um
conjunto de artefactos materiais e de comportamentos manifestos e directamente
observáveis. A «definição» de cultura de Tylor [1871], tornada entretanto clássica, é
uma espécie de passe-partout igualmente adequado à posição subjectivista como à
objectivista. Mas, se se inverter o raciocínio acima referido, então o homem natural
torna-se um «ser humano ao qual tenha sido subtraída a cultura». Um homem
natural desse tipo não é susceptível de observação directa, mas imagina-se com
facilidade. Basta postularmos a condição de um membro hipotético da espécie
Homo que viva no estado natural, isolado de todos os outros membros da sua
espécie. Essa criatura seria dotada de todas as capacidades e de todos os
atributos derivados da sua hereditariedade genética, mas privada dos caracteres
que os verdadeiros homens possuem graças ao facto de viverem em sociedade.
Assim, o nosso Homo selvagem e isolado, o nosso protótipo de «homem natural»,
seria destituído de linguagem, de costumes e de todos aqueles requintes materiais
de que se rodeiam significativamente os mais simples dos homens reais. Seguindose esta via, é possível elaborar um conceito de «cultura» baseado na observação
do homem em sociedade, tal como é realmente, e eliminando as características do
nosso homem natural imaginário, em estado selvagem. A convicção de que através
de um método deste género seja possível distinguir a animalidade do homem (que
é natural) da sua humanidade (que é cultural) tem uma longa história, feita de
repetidas experiências nas quais crianças, que cresceram, ao que parece, em
completo isolamento, ou apenas com a companhia de animais selvagens, foram
atentamente estudadas com o objectivo de se apurarem os seus atributos
«naturais», uma vez despidos de todo o elemento cultural, e particularmente
visando definir a sua linguagem natural. Acontece que mesmo os filósofos que mais
perspicazmente se deram conta de que a linguagem é uma característica cultural
criada pelo homem, não souberam resistir até às últimas consequências à
tendência para discutir o problema como se, em termos gerais, a cultura fosse
semelhante a uma roupagem habilmente confeccionada para cobrir o corpo nu do
homem natural, embora se mostrassem em desacordo entre si acerca do problema
dos traços naturais fundamentais que deveriam atribuir-se a esse homem natural.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
8/49
Hobbes, escrevendo em meados do século XVII, sustenta que o homem natural
deixado no estado selvagem é como uma fera, presa da luta de todos contra todos.
Pufendorf, pelo contrário, escrevendo na mesma época, sustenta que o homem é
por natureza uma criatura social, e que a tendência para a cooperação e para a
amizade faz parte da natureza humana. Para Locke, embora o espírito do homem
seja uma tabula rasa, «uma folha de papel em branco», no momento do
nascimento, ele é, todavia, dotado de racionalidade, em virtude da sua própria
natureza. Vico e Rousseau estavam convencidos de que a poesia acontecia
naturalmente no homem, pensando que ela é a expressão imediata das emoções,
enquanto o discurso racional, segundo a mesma perspectiva, representaria uma
invenção cultural elaborada pelo homem, paralelamente ao desenvolvimento da
linguagem. Ainda nos últimos trinta anos, o antropólogo americano Leslie A. White
pretendeu que a «simbolização» é um dote natural único, próprio da espécie Homo
sapiens, constituindo o fundamento de toda actividade cultural humana. Mais tarde,
Noam Chomsky afirmou que, ao nível das «estruturas profundas», as gramáticas de
todas as línguas humanas são semelhantes, e que a nossa capacidade de
aprender a usar de modo transformacional esta gramática fundamental, em vista da
manipulação de conceitos e da formação de enunciados verbais, é um dom natural
inato.
Estas análises partem de uma multiplicidade de pressupostos incorrectos. O
primeiro está em supor que é possível pôr inteiramente a nu a natureza do homem
por via experimental, examinando as características de algumas crianças que se
desenvolveram em condições de isolamento artificial. O nosso modelo experimental
do animal-homem natural que vive isolado é incompleto: uma criatura desse género
não poderia também existir na natureza. Se se formar a hipótese de um animal
desprovido de cultura, e se se lhe chamar animal natural, será preciso fornecer-lhe
ainda um parceiro sexual, uma mulher natural, urna Eva, uma companheira do
nosso Adão experimental. Mas, se estas criaturas imaginárias fossem membros
autênticos da espécie a que nós pertencemos, o Homo sapiens, mostrar-se-iam
capazes não só de «codificarem» o pensamento numa linguagem, como também de
«descodificarem» o comportamento linguístico de outrem. Ainda que na nossa
situação puramente hipotética o par reprodutivo inicial começasse a experiência
sem dispor nem de cultura nem de linguagem, deveríamos supor que, em virtude
dos seus atributos naturais, instituiria imediatamente, entre eles, um sistema de
transmissão cultural, embora este não tomasse necessariamente a forma da
linguagem verbal.
O erro do tipo de postulado de Vico e de Rousseau é de um género bastante
mais subtil, e resulta talvez de uma certa ambiguidade. As suas teses admitem uma
progressão evolutiva do homem, a partir do estado natural, sem artefactos nem
linguagem, até ao estado cultural, com artefactos e linguagem, mas situam a causa
eficiente deste progresso na própria força inventiva humana. Isso equivale, porém,
a dizer que a actividade intrinsecamente racional da previsão imaginativa abstracta
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
9/49
pode ser atributo de uma criatura que não possui ainda o instrumento privilegiado
das operações espirituais humanas desse tipo, ou seja, a linguagem.
Talvez alguns postulados deste género sejam inevitáveis, mas o certo é que os
pensadores do século XVIII não se deram plenamente conta da complexidade do
problema.
É razoável supor que há muitos milhões de anos tenha existido uma espécie de
Proto-hominídeos, na origem tanto do homem actual como dos símios actuais, e
que essa espécie possuísse já uma capacidade rudimentar de formar e manipular
categorias, análoga àquela descoberta, nos Estados Unidos, em chimpanzés
criados de modo semelhante às crianças humanas. Mas o processo de evolução
dessa capacidade limitada até à plena capacidade, característica do homem actual,
de coordenação e elaboração linguística, implica toda uma série de mutações que,
de início, devem ter tido lugar casualmente, mas que depois se tornaram de algum
modo uma característica geneticamente determinada, compartilhada por todos os
membros da espécie humana, na sequência de uma adaptação selectiva. Um
desenvolvimento evolutivo deste género é um processo histórico completamente
diferente da invenção consciente.
Por fim, há o argumento do tipo adiantado por Locke, por Leslie A. White e por
Chomsky, segundo o qual, embora o homem nasça destituído de cultura, é dotado
naturalmente de razão. E exactamente esta capacidade particular que distingue o
homem natural dos macacos. Chomsky precisou as implicações desta tese, muito
mais cuidadosamente que os seus predecessores. Uma das dificuldades mais
graves deste tipo de posição é a de conciliar a descontinuidade entre o homem e o
não-homem com o esquema darwiniano da evolução. No sistema de Chomsky, o
homem natural é dotado por natureza de um «conhecimento» inato da estrutura
lógica interna que (segundo Chomsky) é uma característica de todas as línguas
humanas. A criança, quando começa a falar, possui já este «conhecimento», e é
capaz de organizar, desde o início, o vocabulário verbal que vai adquirindo
segundo encadeamentos transformáveis, mas significativos, de um género —
sempre de acordo com Chomsky — totalmente diferente do dos encadeamentos de
sinais que os animais adestrados conseguem aprender a usar.
Se Chomsky, ou até Locke, tiveram razão, estaremos então perante uma
fractura dramática entre o pré-homem e o homem, uma cesura de tipo quase
metafísico no esquema da evolução. Semelhante possibilidade poderá fazer os
teólogos sentirem-se felizes, mas coloca enormes dificuldades à maior parte dos
investigadores no campo das ciências naturais.
No entanto, é preciso reconhecer que continuam a existir numerosas
interrogações a este respeito, embora o nó central do problema se revele afinal
bastante claro. Não tem sentido sustentar que a característica primária do homem
natural é ser destituído de cultura, porque se pode demonstrar que faz parte da
natureza biológica do homem a capacidade particular da espécie para utilizar a
cultura, quer como meio de comunicação, quer como instrumento de pensamento.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
10/49
Quando nos interrogamos acerca desta característica específica do comportamento
humano, damo-nos conta de que natureza e cultura não são separáveis.
Devemos notar que, coerentemente com a perspectiva de análise que lhes é
própria, os antropólogos subjectivistas, reclamando-se de Rousseau, sustentam
que a característica específica do homem é a posse de uma linguagem, enquanto
os antropólogos objectivistas e os arqueólogos pensam habitualmente que a
especificidade do homem reside na sua capacidade de construir instrumentos. Mas
todo o «homem» capaz ou de comunicar ideias aos outros ou de inventar um novo
instrumento tem que ser igualmente capaz de formular conceitos «no seu espírito»,
de tal modo que, a este nível, as intuições subjectivistas e objectivistas acabem
necessariamente por coincidir; as características mentais do homem fazem parte do
seu desenvolvimento evolutivo.
É preciso não esquecer que as diferentes peripécias da oposição destas
correntes de ideias se desenrolam num contexto político, e não apenas no quadro
da história das ideias. Por exemplo, durante a fase expansionista do imperialismo
europeu, os missionários, os administradores e os investigadores mostravam-se
predispostos a dar crédito à versão hobbesiana do homem natural. Se os selvagens
em nada eram mais que feras, não seria então necessário reconhecer os seus
direitos territoriais ou políticos. Esta atitude revela-se claramente na descrição, que
a seguir transcrevemos, dos caçadores-recolectores nómadas de Bornéu Central,
conhecidos pelos etnógrafos actuais pelo nome de Penan. A descrição é extraída
de um artigo publicado pela «Singapore Chronicle» na Primavera de 1831, e citada
por Charles Pickering em The Races of Man, a título de exemplo de «homens que
vivem em estado natural ou desprovidos de qualquer forma de transmissão de
conhecimentos».
«Mais adiante, em direcção ao norte, podem encontrar-se homens que vivem
num estado natural absoluto, que não cultivam a terra nem habitam em cabanas;
que não comem arroz nem usam sal e que, embora não se matem uns aos outros
no interior da sua comunidade, andam pelas florestas como animais selvagens.
Homens e mulheres encontram-se na floresta, ou então o homem leva a mulher por
meio de qualquer campong. Quando os filhos têm idade suficiente para se
arranjarem sozinhos, os pais separam-se e a partir de então nenhum deles volta a
pensar no Outro. À noite, dormem debaixo de qualquer grande árvore de ramadas
baixas, onde prendem as crianças a uma espécie de balouço. Em volta da árvore
acendem fogos para manterem à distância os animais selvagens e as serpentes.
Estas criaturas cobrem-se com pedaços de peles e nessas peles envolvem
igualmente as crianças. A pele é macia e quente, mas não protege da chuva. Estes
pobres grupos são considerados e tratados pelos Dajaks como animais selvagens:
grupos de 25-30 pessoas saem e divertem-se a atirar sobre as crianças com as
suas zarabatanas, como fazem com os símios, dos quais não é fácil distinguí-las.
Os homens capturados nestas expedições são invariavelmente mortos, as
mulheres, se forem jovens, são poupadas. E, em todo o caso, digno de nota que os
filhos destes selvagens não são domesticáveis, de modo a ser possível entregá-los
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
11/49
depois livremente a si próprios. Selgie disse-me não ter ouvido falar de um só caso
em que a criança deixada em liberdade não tivesse fugido para a selva na primeira
ocasião, apesar de muitas delas serem tratadas amigavelmente pelos que as
rodeavam durante anos. A consequência é que todos os chefes que se dizem
civilizados, mal capturam uma destas criaturas, cortam-lhe um dos pés e metem-lhe
o coto num bambu cheio de resina derretida. A possibilidade da fuga fica assim
anulada e é possível mais tarde fazer com que o prisioneiro sirva aos remos de
uma canoa. Os velhos Dajaks gostam de contar os seus triunfos nestas expedições
e o terror das mulheres e das crianças atacadas constitui um tema fértil de
divertimento em todas as suas reuniões» (citado in Pickering 1848, ed. 1851 p.
306).
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
12/49
4. A cultura como parte da natureza
Os investigadores mais sérios encontram-se hoje convencidos de que a
linguagem constitui o atributo humano distintivo por excelência. A língua não é
apenas um instrumento de comunicação intersubjectiva extraordinariamente
sensível, mas permite também o plasmar das ideias no espírito. Por meio destas
duas operações, é possível elaboraram-se, acerca de um futuro imaginário,
hipóteses capazes de se tornarem depois um ponto de referência para actos de
criação, como a construção de um instrumento ou a elaboração de um ritual.
Além disso, a linguagem talvez seja o único atributo dos seres humanos
adultos, simultaneamente natural e cultural. Um indivíduo aprende a sua língua com
os membros mais velhos do grupo a que pertence e, neste sentido, qualquer
elemento particular de uma dada língua é um facto cultural, ao mesmo tempo que a
nossa capacidade de formarmos enunciados verbais e de começarmos a fazer uso
de uma dada linguagem é algo de natural. A nossa capacidade de codificarmos e
descodificarmos os elementos da cultura (os gestos, os artefactos, os sons), de
modo a veicular significações, é um aspecto da natureza humana, da mesma
maneira que o canto do pássaro é um aspecto da natureza das aves.
Em todas as espécies animais superiores, a capacidade por parte do indivíduo
de reagrupar em categorias distintas o meio ambiente assim como os outros
animais, acha-se em relação directa e funcional com a sobrevivência. Todo o
organismo que se locomove tem que saber distinguir o que é comestível do que o
não é, reconhecer os seres que pertencem à mesma espécie e distinguí-Ios
sexualmente entre si. A maior parte dos animais é capaz de reconhecer os seus
predadores potenciais, e certas espécies animais com elevado grau de integração
social (por exemplo, diversos tipos de insectos, as aves, os roedores, os babuínos)
são capazes de distinguir os membros da sua comunidade social daqueles que não
lhe pertencem, muito embora sejam membros da mesma espécie.
Não é claro se devemos considerar inatas estas capacidades, enquanto parte
do património genético do animal (e, por conseguinte, naturais), ou se, pelo
contrário, elas pertencem a uma hereditariedade transmitida pelos progenitores à
sua descendência por meio da aprendizagem, sendo por isso de ordem cultural.
Não é fácil determinar o ponto preciso onde se deve traçar a linha de demarcação
entre o que é inato e o que é aprendido. Todos os animais domésticos são
capazes, sob a orientação do homem, de adquirir, por meio do hábito, certos actos
de comunicação extremamente complexos, cuja posse lhes é transmitida pelos seus
donos. Mas no estado selvagem, a relação de dependência da prole para com os
progenitores é de tipo completamente diferente e torna-se extremamente difícil para
o investigador determinar exactamente o momento em que se passa do instinto à
imitação. Em qualquer caso, o fenómeno do imprinting, que foi objecto de
cuidadosos estudos por parte dos etólogos (por exemplo, Lorenz, Tinbergen, e
outros), indica com toda a clareza que é completamente insustentável a
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
13/49
interpretação, muito difundida durante algum tempo, da cultura (no sentido limitado
de comunicação de conhecimento) como característica exclusivamente humana.
Um grande número de espécies adquire a capacidade de lidar com o seu
ambiente através da aprendizagem. A «hereditariedade cultural» está, por assim
dizer, pré-estabelecida no contexto do processo de adaptação entre o pool genético
da espécie e o quadro ecológico de que ela depende. A este nível, tanto a
«cultura» como a «natureza» geneticamente determinada se encontram sujeitas em
medida igual às «pressões» contínuas da selecção natural.
Por outro lado, embora seja claro que, no homem, tanto a formação de
conceitos como a capacidade de comunicar têm ambas uma relação retroactiva de
interdependência com a utilização da linguagem e o desenvolvimento de uma
tecnologia, parece indubitável que essas características especifica-mente humanas
se desenvolveram muito para além das exigências funcionais da sobrevivência.
Devemos admitir como certo que o desenvolvimento da capacidade linguística no
homem lhe concedeu uma vantagem imediata, no que se refere ao conjunto do
processo evolutivo da espécie. No entanto, não é possível explicar toda a enorme
variedade das culturas humanas mediante a tese de que todas as variações são
simplesmente consequência de uma adaptação a ambientes diferentes, quer
naturais, quer criados pela actividade humana. Nas subespécies (traças») humanas
não existe qualquer característica peculiar de tipo genético que, a qualquer título,
corresponda às diferenças culturais.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
14/49
5. Polaridades conceptuais: nós/outros, cultura/culturas
No homem, a capacidade de separar os elementos pertencentes a uma classe,
daqueles pertencentes a outra classe, e o desenvolvimento de um Eu
autoconsciente que se define por contraposição ao Outro, encontram-se em estreita
conexão com a formação de conceitos verbais. A estrutura da linguagem, que é
linear e segmentada, induz-nos a representarmos o ambiente circundante como se
este tosse feito de «entidades» separáveis (ou «categorias»), e a estabelecermos
que a cada uma delas se possa atribuir um nome. De entre estas distinções, uma
das polaridades universais é a que se estabelece entre o «homem» (no sentido de
«criaturas semelhantes a nós») e «todos os outros seres».
Como observou Lévi-Strauss (cf. 2), esta dicotomia é habitualmente
interpretada num sentido absoluto: a humanidade contrapõe-se à animalidade, e o
homem à natureza. A dicotomia assenta aqui num conjunto de axiomas diferentes
das distinções examinadas no § 3, onde o homem inserido na sociedade era visto
como um homem natural que tivesse confeccionado para seu uso a «roupagem» da
cultura. No artigo «Anthropos» são examinadas as modificações do campo
semântico da categoria «homem», no sentido de «criatura semelhante a nós». Uma
distinção correlativa é a que existe entre, por um lado, a «cultura manifesta» (que
inclui o modelo pelo qual o mundo é modificado pelo homem: isto é, cultivado,
domesticado, civilizado e construído pelo homem) e, por outro lado, todas as outras
coisas, que, ao invés, são «natureza selvagem». Considerada nesta perspectiva, a
natureza representa uma categoria residual, omni-englobante ou, por outras
palavras, é aquilo que restaria se fosse possível descontar a entrada em cena dos
homens que visam modificá-la e dividi-la em segmentos.
Na prática, é extremamente difícil aplicar este tipo de distinção conceptual ao
mundo que conhecemos. A estrutura da topografia terrestre, por exemplo, é tal
como é em virtude, sobretudo, das acções históricas dos homens. Ao nível das
ideias, uma polaridade deste tipo, que distingue o humano do não-humano, a
cultura da natureza, parece ser uma consequência necessária do modo pelo qual
nos concebemos a «nós próprios» como distintos dos «outros». Esta reflexão
reporta-nos à tríade de Vico e de Rousseau: isolamento sem linguagem,
comunicação feita de emoções, e comunicação através do discurso racional.
Tem sido muitas vezes observado que os elementos do discurso, e os
conceitos que estes visam representar, se encontram organizados no interior de
sistemas de verbalização e de conceptualização mais vastos, ligando-se a dois
tipos opostos de associação. Por um lado, distinguem-se entidades contíguas como
as polaridades: como quando, por exemplo, se divide o continuum do espectro das
cores em diferentes cores, a que são atribuídas nomes determinados. Neste caso, a
operação consistirá num simples processo de segmentação — do tipo «O vermelho
é diferente do amarelo» —, ou de hierarquização—do tipo «O conceito de cor
estende-se tanto ao vermelho como ao amarelo». Em todos estes casos, as
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
15/49
categorias assim determinadas e catalogadas por meio de um nome encontram-se
ligadas através de uma metonímia. Por outro lado, é possível raciocinarmos
também através da analogia, ou de uma metáfora. Em lugar de distinguirmos,
aproximamos. Uma ideia elementar ou uma unidade sonora podem ser sobrepostas
uma à outra: neste caso, a associação estabelece-se na base de um critério de
semelhança, e não de contiguidade.
O contraste entre o metonímico e o metafórico corresponde à distinção que se
faz em música entre a melodia e a harmonia. O metonímico é sequencial e
diacrónico; o metafórico é integrado e sincrónico. O discurso racional de tipo
analítico e académico é fundamentalmente metonímico, como o discurso
matemático. O discurso poético e de imaginação é, pelo contrário, metafórico. Estes
dois modos de processarmos as operações do espírito não são nunca
completamente opostos: o autêntico processo de criação caracteriza-se por uma
oscilação contínua entre os dois extremos.
A distinção de Vico e de Rousseau entre comunicação através de emoções e
comunicação através do discurso racional é já um exemplo do contraste entre
metáfora e metonímia, mas o facto de ambos estarem convenci-dos de que o
pensamento metafórico (emocional) precedia o pensamento metonímico (racional),
e de que, portanto, o pólo metafórico seria natural e o metonímico cultural, revela
não só a interdependência dos dois modos de pensamento, mas ainda, em última
análise, a impossibilidade de separar os conceitos de natureza e de cultura.
Enquanto a metonímia é necessária à formulação das distinções entre o Eu e o
Outro, entre nós e eles, o homem e o animal, o domesticado e o selvagem, o
cultivado e o natural, a metáfora estabelece relações analógicas entre estes pares
de termos e chama a atenção para os elementos que eles possuem em comum.
Acontece assim que «nós» seja um termo ligado à noção de «homem consciente e
culto» e que «eles» se refira aos «animais naturais e selvagens». Mas trata-se de
uma distinção conceptual mais do que de uma diferença efectiva. A ideia de
natureza como pólo oposto à cultura é, com efeito, em si mesma, um produto
cultural. O conteúdo efectivo da «ideia de natureza» muda à medida que se
percorre o mapa geográfico, na mesma proporção em que muda a própria natureza.
Os critérios por meio dos quais se definem as oposições são em grande medida
arbitrários, mas os que estabelecem as associações analógicas são-no então
totalmente. No conjunto, o modo de representarmos o ambiente em que vivemos
não é uma simples «cópia» da «realidade», mas contém em si próprio a
possibilidade de articularmos livremente essa representação. Através da utilização
da linguagem, somos capazes de transformar os input sensoriais (as «percepções»)
em «representações do espírito», com as quais se podem elaborar diferentes jogos
imaginários, independentemente das operações que se verificam no mundo
exterior. A partir daqui, torna-se possível especificarmos um pouco melhor a
dicotomia natureza/cultura. O mesmo mecanismo que determina a distinção entre a
natureza (independente do homem) e a cultura (que é característica específica do
homem) permite também definir o «nível» do «sobrenatural» (conforme a fantasia o
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
16/49
imagina) em contraposição ao mundo da natureza (que é observável empiricamente
no meio ambiente). É necessário, então, voltarmos agora às amplas generalizações
de Lévi-Strauss acerca deste problema (cf. § 2).
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
17/49
6. Natural, não-natural, sobrenatural
Uma vez elucidado o esquema da oposição metonímia/metáfora, a análise de
Lévi-Strauss da dicotomia natural/sobrenatural pode receber uma outra formulação.
Dado o respeito da nossa época pela verificação científica dos factos, tanto o
mundo natural da zoologia «real» como a matéria em bruto são catalogados, sem
distinção, na mesma categoria de mundo da cultura material criada pelo homem e
constituem, conjuntamente, o pólo oposto ao mundo sobrenatural dos animais
fantásticos, dos seres sobre-humanos e dos acontecimentos miraculosos. Uma
posição deste tipo exprime tanto a veneração, reforçada ainda mais nos últimos
anos, pelo pólo metonímico e analítico do pensamento, como a tendência para
menosprezar o pólo «não-científico», sintético, imaginativo e metafórico do
pensamento humano. No passado, quando a poesia e a ciência não se
encontravam tão nitidamente separadas como hoje, o «humano», o «cultural», era
contraposto ao pólo não-humano (natural), enquanto o «natural» e o
«sobrenatural» não se distinguiam com nitidez. Com efeito, Deus surge-nos muitas
vezes representado como a Natureza personificada. Mas, apesar disso, procedeuse sempre a uma distinção entre as duas esferas de «alteridade»; que
correspondem aos polos do pensamento metonímico e metafórico.
O natural e o sobrenatural são invenções do espírito humano. O natural é
constituído por objectos empiricamente observáveis, que o homem cria,
fraccionando o continuum da experiência em entidades e acontecimentos
separados, que são depois interligados de novo na base de critérios de
contiguidade ou de hierarquia. O sobrenatural é construído pela combinação na
imaginação de elementos díspares, extraídos do mundo da experiência empírica.
Nos mosaicos de grande número de pavimentos romanos, podemos ver que no
mundo submarino de Neptuno habitavam carneiros, cabras e leopardos,
exactamente como no mundo terrestre mais familiar (ainda que os animais do
mundo de Neptuno tivessem, todos eles, cauda de peixe!).
Chegados a este ponto, torna-se talvez claro que, apesar da aparente solidez
do modelo da oposição humanidade/animalidade, a ideia de natureza, tal como a
entendemos quando a aplicamos às matérias humanas, comporta na realidade uma
valorização relativa. A natureza humana é uma qualidade mais do que uma coisa,
mas não uma qualidade absoluta. Nunca é possível dizer que dada coisa é «boa»
ou «pura» ou «má» em sentido absoluto, mas dadas duas entidades A e B
estaremos em condições de dizer que A é, por exemplo, melhor que B, e vice-versa.
Analogamente, se estabelecermos uma comparação entre duas coisas ou dois
comportamentos, poderemos dizer que um é mais (ou menos) natural que o outro,
mas, pelo menos nos casos em que nos ocupamos dos fenómenos terrestres,
raramente é possível dizer mais. As acções humanas realizadas no passado
alteraram todo o conjunto do ecossistema do mundo, a tal ponto que se torna
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
18/49
possível afirmar que o ambiente natural que habitamos é substancialmente uma
criação do homem.
Segue-se que, se nos interrogarmos acerca da relação existente entre o natural
e o cultural, será necessário esclarecer o que deveremos entender por não-natural.
A este propósito, basta um mínimo de reflexão para nos darmos conta de que o par
natureza/cultura não é tanto uma díade binária do tipo não-natureza = cultura, nãocultura = natureza, mas que implica antes uma tríade de ideias («natural»,
«cultural» e «sobrenatural») que podem ser consideradas pontos de valorização
relativa, correspondendo assim aos vértices de um triângulo ideal. A figura 1 não
pretende ser tanto a utilização de um esquema exemplificador de uma tese
antropológica, como a expressão sintética de uma grande multiplicidade de ideias
cosmológicas.
Se considerarmos a estrutura interna de um sistema religioso, como a que se
encontra no Génesis, vemos que o homem é aí apresentado como uma criatura
feita «à imagem de Deus» e colocada no ponto de encontro entre o mundo natural
dos animais e o mundo sobrenatural dos espíritos, enquanto à natureza selvagem
(o deserto bíblico) é confiado em igual medida um papel de mediação entre o
homem mortal, que vive em sociedade, e o Deus imortal, que se encontra no outro
mundo. Quando apreciamos do exterior uma dada religião, chegamos, porém, à
tese oposta: Deus foi criado à imagem do homem para desempenhar um papel de
mediação e proteger o homem dos acidentes incontroláveis desencadeados pela
acção de uma natureza cruel.
A «ambiguidade» referida por Lévi-Strauss liga-se à posição da esfera do
sobrenatural, que é de domínio sobre o homem, e à posição do mundo natural, que,
pelo contrário, o homem domina. Ambos os mundos têm em comum uma
característica negativa, a de serem «não-culturais». No entanto, como é lógico, a
esfera do sobrenatural e a esfera do cultural têm em comum a característica de
serem ambas «não-naturais». Este último conceito, a qualidade de não-natural ou
inatural, merece um pouco mais de atenção.
A ideia de que um objecto ou uma acção é «não-natural» contém um elemento
moral. Na língua inglesa, por exemplo, certos tipos de comportamento sexual
considerados particularmente execráveis são chamados innatural vice 'vício contranatura*. De igual modo, o celibato imposto a pessoas consideradas modelos de
virtude (por exemplo, os padres e monges) é habitualmente considerado «nãonatural». Embora o objectivo das proibições do incesto possa variar muito de uma
para outra sociedade, a prática do incesto continua a ser considerada não apenas
um crime (quer dizer: uma violação das leis do homem), mas um pecado (uma
ofensa às leis divinas). De resto, o incesto é considerado também com muita
frequência uma ofensa à lei da natureza, ou seja: «não-natural».
É óbvio que, de um ponto de vista objectivo, «externo», toda a actividade
cultural é «não-natural», e só os homens podem realizar actos não-naturais. Mas a
categorização interna dos acontecimentos é profundamente diferente. As
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
19/49
calamidades naturais, como os terremotos, as tempestades, as pestes, são muitas
vezes consideradas pelas suas vítimas consequências não-naturais da intervenção
divina que, por sua vez, poderá ser a consequência, ou seja a punição, dos
pecados cometidos (quer dizer, de actos não-naturais realizados pelos homens). E
extremamente difícil tentar generalizar acerca daquilo que, num dado contexto,
pode ou não ser considerado pecaminoso e, por isso, não-natural.
Figura 1.
Esquema das relações entre
natural, cultural, sobrenatural.
Em todas as listas de pecados de que temos exemplos concretos, as
transgressões sexuais ocupam quase sempre um lugar de primeiro plano, mas o
comportamento não-natural não se encontra de maneira nenhuma ligado
exclusivamente ao sexo. Por exemplo, segundo o conceito geomântico chinês de
feng shui, transgressões gravíssimas contra a natureza podem consistir
simplesmente em abater uma árvore que não devia ser cortada ou em orientar o
traçado de uma casa numa direcção errada.
A ideia de que acontecimentos reais, objectivos (naturais), catastróficos,
possam dever-se à intervenção não-natural de uma divindade, corresponde a ideia
de que a intervenção benéfica de uma divindade nos assuntos humanos se associa
sempre a acontecimentos irreais objectivamente impossíveis (e por isso nãonaturais). Num grande número de religiões, a divindade incarnada é concebida por
uma mãe virgem ou por uma mãe que já ultrapassou a idade natural de ter filhos.
Na base de uma lógica análoga, os auspícios de um sacrifício são considerados
favoráveis quando os órgãos internos da vítima sacrificial se revelam
extraordinários e, por isso, não-naturais. Os deuses endereçam aos homens os
seus avisos, introduzindo no mundo um elemento não-natural. É um traço
característico dos acontecimentos ligados à divindade (tanto de bom como de mau
agouro) serem considerados manifestações de um modo ou de outro fora do
habitual, e justamente não-naturais.
De um ponto de vista interno, subjectivo, a dicotomia natural/não-natural é, sem
dúvida, de tipo cultural. Mas será possível estabelecer uma distinção externa e
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
20/49
objectiva do mesmo género? Admitindo que é possível, aos observadores
objectivos, descobrirem um ponto de acordo acerca do modo de distinguir o natural
empírico do sobrenatural imaginário, fica ainda por esclarecer em que medida a
nossa categorização das coisas naturais é, ela própria, inteiramente determinada
pelos factos — e, por isso, «natural» — e em que medida, pelo contrário, poderá
ser determinada por razões arbitrárias e convencionais — tornando-se, por isso,
«cultural». Certas distinções — é evidente — são convencionais. E-o, por exemplo,
o modo pelo qual segmentamos o espectro das cores. E distinguir um arbusto de
uma árvore é uma questão ligada às preferências individuais do observador.
Todavia, os elementos da flora e da fauna, distinguidos pelas taxonomias locais dos
povos sem escrita, revelaram-se muitas vezes inesperadamente próximos das
categorias elaboradas pela botânica e pela zoologia actuais. Inclusivamente, as
categorias referentes às cores parecem revelar-se muito mais padronizadas do que
se pensou durante algum tempo. Os processos de transformação histórica, tanto de
evolução como de involução, criaram descontinuidades empíricas reais na natureza
(pense-se na distinção entre os vertebrados e os invertebrados, que é um dado de
facto, e não o simples resultado de uma apreciação valorativa), e embora não seja
absolutamente necessário que as nossas categorias linguísticas, culturalmente
determinadas, reflictam essas descontinuidades naturais, é muito provável que na
realidade o façam.
Estas observações são úteis para pôr em destaque a seguinte reflexão: se a
imagem que temos do mundo em que vivemos é criada pelo homem — e, portanto,
cultural—, as distinções categoriais do mundo humano são em grande medida
plasmadas a partir de distinções de facto existentes no mundo real.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
21/49
7. A natureza concebida como modelo da cultura humana
É quase impossível elaborar uma lista completa dos princípios de classificação
a que os homens recorrem para criar os seus modelos próprios de natureza, mas
alguns desses princípios parecem ser mais ou menos universais. O senso comum e
a etnografia comparada parecem sugerir que, seja qual for a concepção da
natureza transmitida por uma dada tradição cultural, esta terá necessariamente que
se elaborar a partir de dicotomias como macho/fêmea, luminoso/escuro, grande!
pequeno, velho/jovem, húmido/seco, quente/frio, alto/baixo, duro! macio, próximo!
longínquo, comprido/curto, antes/depois, vivo/não-vivo, móvel/imóvel,
seguro/perigoso, etc.
O aspecto interessante destas distinções está em que se referem mais a
qualidades abstractas do que a «coisas». Ainda que as «qualidades» sejam
aspectos da natureza, continua a ser indispensável um juízo humano, isto é
cultural, para distinguir entre as possibilidades que constituem a díade dicotómica.
Com que idade se é velho? Quando se pode dizer que uma coisa está ou é seca? A
morte equivale à não-vida? Um macho castrado é ainda um macho? Uma mulher
estéril continua a ser uma mulher? E assim por diante.
Mas igualmente importante neste contexto é o facto de, no interior da
categorização da esfera cultural, se estabelecerem distinções do mesmo tipo,
referentes não só a coisas e acontecimentos, como também às relações sociais. As
metáforas que nos apresentam os indivíduos dotados de influência política como
big men ‘mais velhos*, ‘indivíduos de posição elevada*, ‘líderes*, ‘iluminados*, não
pertencem a esta ou aquela tradição cultural particular, encontrando-se antes por
toda a parte do mundo.
No entanto, precisamos de ser cautelosos quando nos movemos neste terreno.
O que a metáfora representa nunca é inteiramente claro. A criança é socializada na
cultura onde é criada, e enquanto adquire os seus hábitos linguísticos, aprende
simultaneamente a categorizar os papéis, as relações e as coisas que pertencem
ao mundo humano, e, segundo critérios de semelhança e de contraste, a
categorizar também as relações e as coisas que pertencem ao mundo da natureza.
A construção de modelos processa-se segundo duas direcções: os homens são
levados a interpretar a natureza como uma elaboração cultural e a ver a cultura
como uma transformação da natureza.
Uma exposição sumária e muito sintética de um exemplo etnográfico concreto,
algo exótico, pode servir-nos de ilustração para este princípio importante, embora
de ordem muito geral. Os Barasana são uma comunidade índia da América
meridional, que habita perto dos principais cursos de água da Amazónia, na região
que serve de fronteira entre a Colômbia e o Brasil. O espaço interior das casas
colectivas divide-se numa área masculina na secção anterior, voltada para o rio,
numa área feminina que dá para trás, orientando-se em direcção oposta
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
22/49
relativamente ao rio e, por fim, numa terceira área comum. A casa e a distribuição
do espaço correspondem a um mapa da natureza a dois níveis:
a) A casa é um mapa do território. O centro da casa, parte comum, corresponde
à confluência dos rios que correm perto do lugar onde a casa se situa. A área
masculina, a porta na frente e o caminho que leva ao rio correspondem à corrente
do rio principal. As divisões das mulheres, dispostas em semicírculo na parte
posterior da casa, correspondem aos rios afluentes, subsidiários do principal, que
definem a região de onde vieram as mulheres que ali habitam, e à floresta
selvagem, que se encontra para além dos limites do território cultivado pelos
Barasana.
b) A casa é um mapa dos órgãos internos do corpo humano. E neste ponto, a
metáfora desenvolve-se em duas direcções distintas. Deste modo, a casa no seu
conjunto é vista como um corpo humano: a porta principal «masculina» da casa
representa a boca onde se introduzem os alimentos e de onde saem os enunciados
verbais. O centro comum é o lugar da digestão. A porta «feminina» por trás é o
ânus, e através dela são deitados fora também os refugos da cozinha. Além disso,
a casa é vista ainda como um ventre: a porta principal masculina é a vagina através
da qual os homens transmitem o sémen; as divisões femininas, dispostas em
semicírculo atrás, representam os alimentos e o sangue que as mulheres dão ao
feto; o centro comum da casa representa, pelo contrário, o ventre no sentido do
lugar de procriação (tanto cultural como biológica) dos novos membros do grupo
familiar [cf. Hugh-Jones 1976].
Mas todas estas metáforas podem ser invertidas. Não violentaríamos a
documentação etnográfica se disséssemos que os Barasana percepcionam a
conformação física do seu território e a organização biológica do corpo da mulher
como modelados segundo a realidade cultural apresentada por uma casa barasana.
Este caso concreto proporciona-nos um exemplo excepcionalmente claro do
princípio, muito geral, segundo o qual os artefactos humanos são vistos pelos que
os constroem como modelos da natureza, e vice-versa. Do mesmo modo, usos
culturais que nos são mais familiares referem-se também, ainda que
indirectamente, ao mesmo princípio. A casa de um Inglês «olha» para a rua, e a
porta de entrada, encimada por um pórtico, e tratada com especial cuidado, é vista
como uma boca. No interior da casa, muitas das divisões tomam o nome dos
artefactos que contêm — por exemplo, a casa de banho, o quarto de cama — ou da
função cultural que desempenham — por exemplo, a cozinha, a sala de jantar. A
repartição efectuada de acordo com estes critérios corresponde a funções
biológicas naturais do corpo humano: a ingestão e a digestão dos alimentos, a
evacuação, a actividade sexual e o sono. No entanto, através das modificações
necessárias, o mesmo modelo «natural» fornece os critérios de distinção das
funções culturais dos diversos sectores e das próprias construções de conjunto, no
quadro mais amplo da comunidade da aldeia.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
23/49
Por exemplo, a divisão onde se dorme na casa colectiva, que é o lugar do sono
e da relação sexual, encontra a sua correspondente na igreja da aldeia que é o
lugar da morte (representada esta como sono) e da comunhão com o sobrenatural.
Mas pode inverter-se também esta cadeia associativa: Raglan [1964] sustentou que
o quarto de cama é como uma igreja.
No caso do cristianismo, a comunhão com o sobrenatural é vista mais a uma luz
dessexualizada do que em termos sexuais. Mas ainda assim a associação
metafórica com uma função natural (a comunhão dos sexos) não deixa de estar
presente no nexo que liga entre si dois tipos de actividade cultural: o leito
matrimonial, por um lado, e a balaustrada do altar, por outro. A Igreja é, de resto,
concebida como a «esposa de Cristo».
Com efeito, em todas as religiões, os símbolos mais poderosos encontram-se
em associação metafórica mais ou menos directa com os processos biológicos
(naturais), sobretudo de ordem sexual. O culto fálico (de um ou de outro tipo) é
quase universal. Pode ser explícito como no caso do lMga e da yoni do hinduísmo
xivaísta ou, no Egipto antigo, do ankh (um falo transformado que simboliza a vida),
ou ter sido cuidadosamente mascarado (como nos vários tipos de cruz cristã, que
conservam uma semelhança estreita com o ankh e simbolizam a vida reconquistada
através da morte). Mas as oposições binárias subjacentes, morte! vida,
impotência/omnipotência, homem/Deus, sexualidade das criaturas mortais /
divindade dos seres imortais encontram-se sempre latentes em profundidade.
Certos costumes do cristianismo primitivo ilustram de modo diferente, mais
complexo e talvez ainda mais interessante, a interpretação dos três valores:
cultural, natural, sobrenatural. No cristianismo primitivo, os símbolos visíveis de
Cristo mais frequentes eram o peixe, um objecto natural mas igualmente fálico e o
monograma ¥.
O símbolo do peixe foi muitas vezes explicado como um anagrama do termo
grego ichthys ‘peixe*, substituindo a expressão ‘Jesus Cristo Filho de Deus,
Salvador*. Note-se que neste jogo verbal a equação Cristo = peixe = falo é
metafórica, ligando o sobrenatural ao natural. Mas a decifração da expressão peixe
= ichthys = Cristo é metonímica. Associa o sobrenatural com um fenómeno
meramente cultural: a arte da escrita.
As associações do monograma são igualmente complexas. A um primeiro nível,
o «significado» é cultural e metonímico, e ¥ está em vez de Cristo (na forma
escrita); mas não é tudo. Nos capítulos iniciais do Golden Bough, Frazer faz notar
que o Santo Hipólito cristão é uma transformação da divindade romana Verbius,
cujo templo se encontrava em Nemi, e que Frazer utilizara como protótipo de todos
os «deuses moribundos» (incluindo o próprio Jesus Cristo). Mas Santo Hipólito,
como o seu correspondente mitológico grego, sofreu o martírio: foi de facto
desmembrado por quatro cavalos amarrados aos seus braços e às suas pernas.
Nesta versão particular da crucificação, ilustrada com muita frequência pela
iconografia medieval, acaba por simbolizar a totalidade do corpo humano-divino
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
24/49
pendurado de uma cruz com os braços abertos. A este nível, a associação
estabelecida liga o sobrenatural ao natural, e a mensagem é metafórica.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
25/49
8. Tempo social e tempo natural
Não é apenas na construção e na segmentação dos objectos materiais que a
cultura se modela a partir da natureza, e vice-versa. O mesmo princípio vale
também para a percepção que temos do tempo. Em ligação com os objectivos
práticos da vida de todos os dias, o tempo é experienciado por nós como um
continuum unidireccional. A entropia não pára de aumentar. Admite-se, de um modo
geral, a existência de um nível cósmico-galáctico no qual as observações
radioastronómicas das pulsar, interpretadas à luz da mecânica quântica, não
excluem a existência de eventuais descontinuidades no tempo natural. Mas trata-se
de um género de fenómenos que se encontram para além da experiência humana
normal. Ao nível terrestre, o tempo continua a correr. Tornamo-nos conscientes do
fluir do tempo vendo que os organismos biológicos sofrem um processo contínuo de
envelhecimento e que a nossa experiência se encontra sujeita a contínuas
flutuações cíclicas, como a alternância do dia e da noite, as fases da Lua, a
sucessão das estações, e assim por diante. Mas para se utilizar o tempo como
unidade de medida, é necessário considerá-lo descontínuo e fragmentado. As
cesuras por meio das quais se distingue um segmento de outro são convenções
arbitrárias da linguagem, uma espécie de grelha organizadora imposta pela cultura
à natureza. Os segundos e os minutos, as horas e os dias, os meses e os anos são
fenómenos sociais mais que naturais, como o demonstra o facto de, para algumas
populações, o dia civil começar ao escurecer, para outras com a madrugada e para
outras ainda à meia-noite. Uma vez mais, o cultural e o natural se encontram
intimamente ligados.
O mesmo princípio de descontinuidade ordenada se aplica ao estatuto social.
Embora existam momentos do desenvolvimento individual— por exemplo, a perda
do primeiro dente de leite, a primeira menstruação, a menopausa — que se
manifestam como sinais evidentes de segmentação temporal, o processo real de
envelhecimento biológico é contínuo. Mas, em termos culturais, o indivíduo é
sempre obrigado a progredir ao longo de uma sequência de graus descontínuos —
bebé, criança, adolescente, adulto, velho. Os rituais que servem de ponto de
referência às diversas fases desta progressão podem imitar a natureza (impondo,
por exemplo, a extracção de um dente ou o derramamento de sangue através dos
órgãos sexuais por meio de circuncisão ou da clitoridectomia), ou podem, pelo
contrário, utilizar um signo natural (a primeira menstruação) como ocasião imediata
que indica a mudança de estatuto social. Mas não existe qualquer correlação
necessária, ponto por ponto, entre a maturação biológica e o processo de
maturação social. O fluir do tempo biológico é apenas um modelo para a
representação do fluxo do tempo social.
Na determinação do tempo social, a cultura imita a natureza num sentido ainda
mais amplo. Os fenómenos naturais do nascimento e da morte proporcionam
metáforas evidentes que assinalam o início e o fim de qualquer período temporal. A
etnografia e os hábitos verbais correntes fornecem-nos inúmeros exemplos da
validade desta proposição. Foi repetidamente comprovado que os «ritos de
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
26/49
passagem» do indivíduo de um estatuto social para o seguinte têm uma estrutura
tripartida fundamental: a) um «rito de separação», em que o indivíduo é separado
do seu papel anterior, b) uma fase marginal (rite de marge), em que o indivíduo é
considerado numa condição fora do tempo e da sociedade; c) um «rito de
agregação», em que o indivíduo é ligado ao seu novo papel. Uma vez mais, os
rituais associados com a fase a) incluem símbolos explícitos da morte, enquanto os
associados com a fase c) incluem símbolos explícitos do nascimento. O iniciado
«morre» para o antigo papel na fase a) e «renasce» ligado ao novo papel na fase
c).
Em todos estes casos, o aspecto biológico do fluxo do tempo é usado como
modelo cultural. Mas há um outro tipo de tempo natural que pode ser utilizado na
construção de modelos culturais; trata-se do tempo ligado às fases cíclicas dos
corpos celestes: o Sol, a Lua, os planetas, e certas constelações particularmente
importantes.
Enquanto muitos povos mais simples definem o ciclo do seu ano por meio de
um calendário lunar rudimentar, uma observação mais rigorosa dos movimentos
interdependentes do Sol, da Lua e das estrelas constitui património de apenas
algumas sociedades particularmente complexas. A maior parte das civilizações
mais antigas, tanto no Velho como no Novo Mundo, parece ter construído os seus
calendários a partir de uma prolongada e precisa observação astronómica. Muitas
das maiores construções arquitectónicas dos tempos pré-históricos — por exemplo,
Stonehenge em Inglaterra e o templo de Kalasasaya em Tiahuanaco, na Bolívia —,
parecem ter desempenhado originalmente a dupla função de observatórios
astronómicos e de templos religiosos. Esta associação entre o natural e o
sobrenatural é da maior importância. A história do desenvolvimento da astronomia
científica acha-se por toda a parte estreitamente ligada à astrologia. O objectivo
imediato da astronomia consiste na investigação das leis do tempo natural que
governam os movimentos interdependentes dos principais corpos celestes. Mas o
seu objectivo último residia em decifrar a causa final desses movimentos de
conjunção, de modo a poder ler no espírito de Deus e descobrir assim o destino do
homem antecipadamente inscrito no calendário do céu.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
27/49
9. Mapas e outros modelos
Nos parágrafos anteriores, afirmámos repetidamente que os fenómenos
culturais tendem a ser «modelados» a partir da natureza, mas igualmente que, viceversa, a ideia humana de natureza se encontra frequentemente «modelada» a partir
da cultura. Trata-se de uma característica geral do processo de criação de
modelos, que convém considerarmos neste contexto. Quando engenheiros,
arquitectos ou artistas criam modelos de desenho prospectivo, a vantagem dessa
operação é proporcionar, através do modelo, uma imagem radicalmente
simplificada do potencial produto acabado. Este processo de simplificação aplica-se
também ao modo pelo qual a natureza é modelada a partir da cultura, e vice-versa,
a cultura a partir da ideia de natureza. Ao nível a que se tornam perceptíveis para o
olhar humano, quase todas as formas da natureza se apresentam sob o aspecto de
curvas irregulares, como o curso de um rio, ou sob a forma de modelos geométricos
regulares altamente complexos. como as estruturas das folhas e das conchas do
mar. As formas realmente simples, como as linhas rectas e os arcos de círculo, são
muito raras. Pelo contrário, os artefactos humanos (por exemplo, as casas, os
utensílios, os caminhos, os campos) são quase sempre construídos de acordo com
uma geometria extremamente simples de linhas rectas, rectângulos e círculos. As
formas mais complexas são usadas somente com fins decorativos ou para resolver
determinados problemas técnicos. O mesmo pode dizer-se em relação à simetria.
Na natureza, existem múltiplas simetrias aproximativas, mas muito poucos casos de
simetria perfeita. Habitualmente as imperfeições resultam de acontecimentos
acidentais. Pelo contrário, nos artefactos humanos a simetria é quase sempre a
norma e, nos casos em que a assimetria se manifesta, é quase sempre introduzida
intencionalmente, por motivos estéticos.
Existem duas explicações plausíveis para o facto de a cultura ser nesta matéria
muito mais «simples» que a natureza. A cultura tem que ser transmitida de uma
geração para outra através de um processo de aprendizagem, e pode adiantar-se a
hipótese de a «simplicidade» e a «simetria» dos fenómenos culturais corresponder
de algum modo aos processos estruturais próprios das operações mentais do
cérebro humano. Por exemplo, as polaridades binárias do tipo ou/ou, sim/não, que
caracterizam os aspectos metonímicos racionais do pensamento, sugerem a
hipótese da existência, quanto a certos aspectos, de uma homologia mecânica
entre os cérebros humanos e os computadores digitais. Em segundo lugar, a
relação entre natureza e cultura é, em parte, directamente funcional. A cultura gera
um mapa simplificado da natureza que auxilia o indivíduo a encontrar o seu
caminho, a saber quem é e onde se encontra, tanto no espaço como no tempo,
quer como ser físico quer como pessoa social. A construção de mapas deste
género é uma actividade cultural ao serviço de fins naturais de adaptação.
Neste contexto, constitui um dado etnográfico de certo relevo e interesse o
facto de que, enquanto a escrita—quer dizer, a operação intelectual complexa que
traduz a sequência de símbolos sonoros do discurso numa sequência de símbolos
lineares traçados numa superfície determinada — permaneceu património de um
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
28/49
pequeno número de sociedades humanas muito complexas, a construção de mapas
topográficos a duas dimensões, que comporta associações metafóricas além das
metonímicas, parece ser, pelo contrário, um fenómeno cultural difundido por todo o
mundo, desempenhando uma posição central em certas culturas consideradas
muito «primitivas», como a dos aborígenes australianos antes de terem entrado em
contacto com o mundo ocidental, e a dos Índios das planícies da América do Norte.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
29/49
10. Ciência natural/ciência social
A determinado nível, todo o problema da relação entre natureza e cultura se
apresenta como uma questão ligada à categorização do conhecimento. Quem quer
que se interesse por estes problemas deve ter em conta o facto de, no decorrer do
processo de especialização institucional da aprendizagem, os limites das
categorias se irem tornando, com a passagem do tempo, cada vez mais precisos, e
as disputas em torno das competências académicas correspondentes, cada vez
mais acesas.
Em Inglaterra, no século XVI, todo o conjunto dos conhecimentos se achava
incluído virtualmente nas grandes categorias representadas pela teologia, pela
filosofia, pela matemática, pelo direito e pela medicina. Hoje, a teologia e a
matemática, o direito e a medicina continuam a ser claramente as mesmas
categorias que eram há quatrocentos anos, mas a filosofia sofreu um processo de
fragmentação que a dividiu numa série de subclassificações. A história deste
processo é muito complexa. Mas já anteriormente existia uma distinção fundamental
entre a filosofia moral — que era considerada uma abordagem racional e subjectiva
da consciência — e a filosofia natural — que se encontra na origem das ciências
experimentais e objectivas actuais. Como a matemática, enquanto lógica ou
enquanto geometria, era parte integrante tanto da filosofia moral como da natural, a
divisão entre os dois territórios académicos foi sempre mais teórica que efectiva.
Apesar disso, a partir das duas vertentes da divisão subjectivo/objectivo
desenvolveram-se duas tradições muito diferentes no que se refere aos critérios da
verdade científica. Esta distinção não é, no entanto, uma característica exclusiva
dos utentes da língua inglesa: a oposição, na cultura alemã, entre
Geisteswissenschaft e Naturwissenschaft é semelhante; mas o desenvolvimento
destas dicotomias fez com que o elemento em comum a ambos os termos (o
«conhecimento», a «ciência», Wissenschaft) se tenha tornado ambíguo e polémico.
La Scienza nuova de Vico é uma teoria especulativa acerca do
desenvolvimento social da humanidade, e muitas das obras escritas no nosso
século, nos departamentos universitários de sociologia ou antropologia, têm sido
apresentadas pelos seus autores como contribuições para a «ciência social».
Epígonos contemporâneos de homens como Robert Boyle e lsaac Newton, que se
atribuíam o título de «filósofos naturais», sustentam que o termo “ciência” é uma
definição que só pode ser atribuída, exclusivamente, a formas de saber nas quais o
conhecimento se obtém ou através de experimentações rigorosamente objectivas
ou através de rigorosos cálculos matemáticos. Os defensores mais rigorosos da
«ciência natural» contemporânea tendem a excluir do âmbito desta tudo o que
possa ser, ainda que em medida muito reduzida, contaminado pela influência
humana (isto é, pela «cultura»).
Existem campos importantes da ciência natural contemporânea onde, a uma
atitude de purismo doutrinário deste género, pode corresponder uma prática
experimental efectiva. A traços largos, podemos dizer que a astronomia, a física, a
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
30/49
química, a geologia, a bioquímica são efectivamente «objectivas». Nestas ciências,
a validação da teoria depende de uma comprovação experimental da qual são
rigorosamente excluídas as intuições pessoais do experimentador. Mas existem
outros campos do conhecimento onde os limites são muito menos precisos. A maior
parte daqueles que dispõem de uma posição académica graças ao seu
conhecimento da medicina, da psicologia ou da zoologia desejam ser considerados
«cientistas naturais» e, para além disso, fazem questão de exibir em força os
métodos e os procedimentos experimentais e objectivos por meio dos quais, dizem,
validam as suas descobertas científicas. Mas é por demais evidente que grande
parte do campo intelectual que se considera próprio destas disciplinas se encontra
impregnado de cultura, e é pouco realista pensar que as componentes subjectivas
do ambiente sócio-cultural não são relevantes quanto aos factos submetidos à
observação. Não se trata apenas de pôr em dúvida a justificação das pretensões de
objectividade dos psicólogos behavouristas (e dos médicos e zoólogos seus
simpatizantes). E também duvidoso que tenha sentido pretender que a
objectividade, em sentido estrito, esteja ao alcance de uma investigação que se
proponha estudar os comportamentos individuais dos animais sociais (incluindo o
homem). A metodologia behavourista pressupõe que é realmente possível observar
o comportamento humano independentemente da influência cultural e que todos os
comportamentos que são geralmente explicados como expressões de um «hábito»
— ou seja, os comportamentos que consideramos terem como causa eficiente uma
convenção cultural— podem ser explicados mais correctamente se, pelo contrário,
os considerarmos como naturais. Mas continua a ser difícil compreender a validade
de pressupostos deste género.
As conclusões a que chegámos acerca das pretensas ciências naturais, como a
medicina, a psicologia e a zoologia, valem igualmente para os exercícios
estatísticos que representam a prática predilecta da maioria de quantos se ocupam
da disciplina que pretende ser uma sociologia objectiva, experimental e científica.
As idiossincrasias do homem socializado nos termos de uma cultura nunca poderão
ser reduzidas mediante o recurso à estatística, e, aliás, a própria convicção de que
existem leis naturais objectivas que governam os factos humanos e sociais parece
ter origem numa metáfora distorcida. O raciocínio em questão parece ser o
seguinte: a ciência é conhecimento; a ciência social é conhecimento do homem em
sociedade; mas a única metodologia correcta da ciência é a aplicada pelos
autênticos cientistas naturais (isto é, os físicos e os químicos). Por isso, a
metodologia dos cientistas sociais tem a obrigação de imitar a dos cientistas
naturais. Claro que semelhante inferência é completamente falsa. É necessário
darmo-nos conta de que é muito mais simples e mais correcto, mesmo do ponto de
vista académico, reconhecer que as categorias de natureza e de cultura podem
distinguir-se ao nível dos factos objectivos do que rejeitar esta tese, a menos que
não se queira abandonar o pressuposto de que o investigador terá que seguir
sempre a via da análise e da dissecação, começando por desmontar as coisas e
examinando-as depois pedaço a pedaço. É fácil encontrarem-se elementos de
confirmação da veracidade desta proposição em todo o campo do saber. Mas há
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
31/49
um exemplo particularmente claro: a escassa consideração em que são tidos os
psicólogos que ignoraram explicitamente a divisão entre natureza e cultura. No
interior da medicina oficial, a maior parte dos psicólogos deste tipo são chamados
«psiquiatras». Nas margens da zona franca da medicina, têm tendência a fazer-se
chamar «psicanalistas» ou «psicólogos analíticos». As suas teorias têm um lugar,
ainda que não muito importante, no conjunto das concepções que estamos a
examinar neste ensaio, e serão analisadas no próximo parágrafo. Um outro tipo de
desvio psicológico em relação à ortodoxia behavourista será brevemente
apresentado no parágrafo 13. [ Para uma resenha pormenorizada e de fôlego da
história das relações entre as diversas escolas de antropologia e as escolas de
psicologia, de biologia e de zoologia contemporâneas, cf. Haliowell 1954 e 1963].
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
32/49
11. A dicotomia natureza/cultura na psicanálise e seus
derivados
Até agora temos tentado encontrar um ponto de equilíbrio entre as perspectivas
subjectivistas do estruturalismo antropológico e o objectivismo dos funcionalistas.
Nesta análise, o estruturalismo foi caracterizado como uma espécie de
neoplatonismo, modernizado pela incorporação da ideia de feedback. Segundo os
estruturalistas, as percepções que um indivíduo tem do mundo exterior são
preformadas pelas suas expectativas, que se baseiam em formas estruturadas já
antecipadamente presentes no seu espírito, na sequência da experiência anterior.
As percepções predeterminadas são assim interpretadas à luz das qualidades
formais estruturadas que se lhes atribuem, Estas interpretações estruturadas
encontram-se, portanto, ligadas ao património das experiências que permitem a um
indivíduo dar forma às próprias percepções, na base da informação sensorial que o
seu cérebro recebe do mundo externo.
Por outras palavras, não só se começa pela experiência, como não é
rigorosamente possível começar sem ela. E muito provável que esta formulação
geral seja válida para um grande número de animais além do homem.
Este modo de representar a relação entre as coisas do mundo, as imagens
sensoriais mentais, e os conceitos tem origem na posição inovadora que Ferdinand
de Saussure introduziu na linguística estrutural. Há algum tempo também LéviStrauss reconheceu que a teoria psicanalítica de Freud tivera grande influência no
desenvolvimento das suas teses a respeito das estruturas do espírito e das suas
transformações. Por outro lado, as estruturas mitológicas universais e gerais que
Lévi-Strauss atribui ao «espírito humano» têm algo mais que uma semelhança
ocasional com os «arquétipos» junguianos. É significativo que nos últimos vinte
anos se tenha formado em Paris, sob a orientação de Jacques Lacan e André
Green, uma escola estruturalista de psicanálise que defende explicitamente que os
escritos de Freud devem ser interpretados à luz das novas intuições dos
investigadores estruturalistas, como Saussure e Lévi-Strauss.
Não é aqui possível esboçar qualquer tentativa de investigar os mistérios desta
evolução particular da herança freudiana, mas é claro que a teoria psicanalítica, em
todas as suas variedades e combinações, pressupõe uma intricada rede de
relações de retroacção entre a «pessoa» interior do indivíduo em desenvolvimento
e a matriz social em que este se forma. A teoria estruturalista contemporânea não
poderia ter-se desenvolvido do modo como o fez sem os fundamentos lançados
pelo conceito freudiano de inconsciente e as proposições transformacionais
implícitas contidas na teoria da análise dos sonhos proposta por Freud.
Desgraçadamente a psicanálise, na sua forma «ortodoxa» original, adiantou um
grande número de pretensões claramente insustentáveis à luz das descobertas
científicas subsequentes. A adesão dogmática a esses erros teve um grave efeito
de inibição sobre o desenvolvimento posterior da teoria psicanalítica. Nos primeiros
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
33/49
vinte anos deste século, a psicanálise constituiu um estímulo de renovação para
todas as discussões acerca da relação entre a natureza e a formação do homem,
mas, hoje, a influência muito reduzida que a psicanálise ainda exerce é meramente
retrógada.
Tanto a ideia junguiana de «arquétipo», como a afirmação categórica de Freud
que o complexo de Édipo é um elemento universal da natureza humana, com
origem num acto primitivo de canibalismo parricida [cf. 1912-13], implicam crer que
seja possível herdar por via genética, isto é, natural, as características adquiridas,
isto é, culturais. Os progressos realizados pela investigação científica dos
mecanismos de reprodução genética e do desenvolvimento da espécie através de
um processo de mutação e selecção natural, confirmaram que uma evolução
lamarckiana desse tipo é impossível.
Sabemos hoje que as categorias interiorizadas (os conceitos), formados através
das operações mentais que classificam as imagens sensoriais segundo grupos de
entidades do mesmo género, são um produto da cultura (ou seja, da experiência), e
não subprodutos do instinto ou da natureza, quer as imagens sensoriais em
questão derivem de uma experiência perceptiva (por exemplo, ver um gato), quer
resultem de uma experiência emocional (por exemplo, sentir medo) ou de
invenções espontâneas. As experiências realizadas mostraram que este processo
de generalização não vale apenas para o homem, mas também para um grande
número de animais domésticos, observados em situação de laboratório. Por estas
razões, são profundamente erradas todas as versões anteriores da tese
psicanalítica que afirmava a existência de formas simbólicas primárias
biologicamente determinadas.
Os psicanalistas ortodoxos viram-se diante da alternativa de se manterem fiéis
a teorias hoje cientificamente insustentáveis ou de elaborarem versões de
compromisso da teoria original, muito distantes das que Freud teria alguma vez
podido admitir. Grande parte dos ensaios reunidos por Muensterberger [1969],
alguns dos quais escritos enquanto Freud ainda estava vivo, procuram, por um
lado, salvar ainda o dogma que o complexo de Édipo é um universal humano, como
parte integrante da natureza humana, enquanto admitem, pelo contrário, que a
teoria freudiana da horda primitiva deve ser considerada uma representação
puramente imaginária.
Derek Freeman, por exemplo, que é também antropólogo, sustenta que «os
elementos essenciais da situação edipiana—o desejo sexual de dominação, a
agressividade e o medo— são filogeneticamente determinados e constituem um
elemento fundamental da natureza do animal humano em todos os tipos conhecidos
de família e grupos de procriação» [1969, ed. 1970 pp. 77-78]. Mas Anne Parson,
seguindo uma linha traçada por Malinowski há mais de cinquenta anos, sustenta
que a situação edipiana descrita por Freud é só um dos numerosos complexos
possíveis. «Toda a cultura se caracteriza por um complexo determinado que a
distingue e cujas raízes mergulham na estrutura familiar» [1969, ed. 1970 p. 366].
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
34/49
Só que um compromisso deste género não faz mais que reduzir o complexo
freudiano — que era em Freud o elemento humano fundamental da humanidade do
homem— a um elemento arbitrário e quase ocasional da cultura humana.
O problema que os autores enfrentam é uma questão bem conhecida: trata-se
de determinar se a humanidade contemporânea, no seu conjunto, constituirá uma
espécie biológica única. Ora ela é, na realidade, uma espécie altamente polimorfa;
e o pool genético da espécie no seu conjunto contém genes muito mais
diferenciados entre si do que aqueles que se podem encontrar em cada membro
singular da espécie. Todavia, as variedades do género humano assemelham-se
todas umas às outras. As chamadas «raças» (subespécies) não passam de um
conjunto de subgrupos convencionais, resultantes de preconceitos culturais e não
de uma análise estatística.
No contexto desta diversidade na unidade, é certamente legítimo afirmar que a
espécie humana tem uma natureza filogenética própria que inclui certas
«tendências» biológicas fundamentais, como as que se reflectem na excitação
sexual, na fome, na sede, etc. Quando, porém, a lista das tendências fundamentais
se estende à área das emoções instintivas — como as definidas por Freeman (a
agressividade, o medo) — entramos então num território eivado das mais graves
dificuldades. Comer, beber, ter relações sexuais são comportamentos objectivos
acerca dos quais os observadores podem pôr-se facilmente de acordo. Mas
nenhum acordo deste género será possível, pelo contrário, quanto a observações
relativas a um «comportamento de dominação», à agressividade e ao medo. É
possível que os comportamentos assim referidos sejam respostas filogeneticamente
determinadas a tendências instintivas que se encontram mais ou menos
uniformemente distribuídas por toda a espécie humana, mas é extremamente difícil
demonstrar tal hipótese.
Além disso, as variações observáveis da cultura humana são profundas e
desenvolvem-se constantemente. Na aparência, não se ligam de maneira alguma
às diferenciações contíguas em subespécies que se manifestam nas diversas
zonas do mundo. Como deverá ser conceptualizada a relação de retroacção entre
uma espécie acentuadamente polimorfa, mas unitária, como o homem na natureza,
e uma população humana imensamente polimorfa, como o homem na cultura? O
leitor deverá neste ponto reconsiderar o artigo «Cultura/culturas» desta mesma
Enciclopédia. Os antropólogos têm uma longa tradição, que os psicanalistas
parecem compartilhar, de acordo com a qual a cultura está no plural, entendida
como um facto objectivo, situado no mundo externo. Os antropólogos analisaram
muitas vezes as culturas deste ponto de vista, como se elas fossem objectos com
uma superfície dura e impermeável, capazes de chocarem umas com as outras
como bolas de bilhar, ou houvesse entre elas diferenças de espécie que as
situariam umas contra as outras, como leões contra elefantes. Todavia, deveria ser
óbvio que as fronteiras que o antropólogo logra definir quando distingue uma
comunidade étnica da outra são completamente arbitrárias, convencionais, criadas
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
35/49
ad hoc. Não deveriam ser nunca consideradas como equivalentes das superfícies
de tegumento que separam os organismos vivos na natureza.
Também neste caso o recurso a uma metáfora distorcida levou aos mais graves
erros no plano da teoria. Dentro de certos limites, a noção freudiana de
inconsciente continua a ser aceitável, embora a sua natureza e o seu conteúdo
permaneçam indemonstráveis. Tudo o que os cientistas experimentais conseguiram
entretanto descobrir acerca da relação entre a bioquímica do cérebro humano e o
processo mental, é perfeitamente compatível com a hipótese de que só uma
pequena parte da operação global através da qual utilizamos as nossas
experiências passadas, armazenadas pela memória, se manifesta ao nível da
consciência.
A posição freudiana ortodoxa afirma que o inconsciente contém, por um lado,
algo que nunca foi consciente (a representação psíquica dos instintos) e, por outro
lado, algo que foi outrora consciente e a seguir reprimido (os traços mnésicos de
experiências, emoções, fantasias, estados corporais, defesas e grande parte do
Superego).
Mas Devereux [1969] foi muito mais longe e afirmou que, do ponto de vista
cultural, o material reprimido pode ser dividido a) no segmento inconsciente da
personalidade étnica, e b) no inconsciente individual. Aqui o «inconsciente étnico»
é definido como a parte do inconsciente individual compartilhada pela maior parte
dos membros do grupo e que cada geração é ensinada pela anterior a negar. Toda
a cultura consente que certos impulsos, etc., se tornem e permaneçam conscientes,
mas exige que outros sejam reprimidos. Por essa razão todos os membros de um
dado grupo compartilham certos problemas inconscientes.
A tese de Devereux implica que, embora de um ponto de vista estritamente
genético, a distinção da humanidade em raças seja uma ficção (e o homem seja,
portanto, concebido como um ser dotado de uma natureza única), se, por outro
lado, se aceita a ideia de que existem culturas (no plural) diferentes, então a
etnopsiquiatria é levada a gerar toda uma galáxia de raças sintéticas («grupos
étnicos»), onde a natureza unitária do homem é modificada segundo naturezas
«étnicas» separadas, atribuindo-se depois um valor retroactivo às diversas culturas.
Este modo de colocar a questão remete-nos para a obra muito citada Patterns of
Culture [1934], de Ruth Benedict, onde tiveram origem um estilo de investigação e
uma teoria antropológica, durante algum tempo com grande voga, conhecidos pelo
nome de «cultura e personalidade». Mais tarde, a escola perdeu a sua
popularidade por razões empíricas.
Não é, com efeito, surpreendente que tenham sido sem êxito todas as
tentativas de demonstrar a existência de «personalidades de base» características
de culturas étnicas definidas (grupos étnicos) [cf. Kaplan 1961]. A fraqueza de
fundo de semelhante interpretação do problema da relação entre natureza e cultura
está no seguinte: por um lado, os seus representantes utilizam um universo de
discurso que poderia ser apropriado a uma ciência empírica objectiva; por outro
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
36/49
lado, o material concreto que pretendem apreciar por meio das suas análises é de
ordem subjectiva. Os críticos empiristas, hostis a esta escola, sentem-se assim
levados a reagir frente aos trabalhos sobre a «cultura e personalidade» do mesmo
modo que reagiram perante a psicanálise. «O sucesso terapêutico da psicanálise é
duvidoso. A sua base empírica continua a ser fraca; a sua verificabilidade é quase
nula; a sua possibilidade de quantificação... é nem mais nem menos a de um
recipiente fechado» [Gass, 1975, p.4].
Isto faz-nos voltar ao ponto de partida e extrair de quanto fica dito algumas
conclusões críticas: a) É de todo insustentável a tese freudiana segundo a qual
existem características da natureza do homem actual (isto é, de toda a humanidade
contemporânea) herdadas (à maneira de Lamarck) como parte do património
genético colectivo da espécie, mas tendo origem num ou mais acontecimentos
culturais sucedidos num momento não determinado do passado remoto. b) Parece
lícito pensar que toda a humanidade possa manifestar propensão para desenvolver
ao nível da personalidade complexos relativos ao núcleo familiar do tipo geral que
Freud distinguiu pela primeira vez, do mesmo modo que toda a humanidade parece
dotada por natureza de uma capacidade específica para a utilização da linguagem,
capacidade que entra em acção quando a criança individual aprende uma língua
concreta ouvindo e imitando os adultos do seu grupo. Mas se as coisas forem
postas nestes termos, a documentação empírica parece sugerir que a forma que um
complexo deste tipo assume dependerá das circunstâncias que caracterizam o
ambiente no qual o indivíduo vive a sua infância mais precoce. O clássico complexo
de Édipo que Freud diagnosticou não se encontra tal qual em toda a humanidade.
c) A despeito das imensas pretensões dos etnopsiquiatras e dos cultores das
teorias de «cultura e personalidade», não há boas razões para supormos que as
variações da cultura humana sejam de um tipo tal que todos os membros de uma
comunidade determinada X, dotada de um fundo cultural particular A, se
diferenciem de modo significativo e demonstrável das personalidades de base de
todos os membros de qualquer outra cultura Y, dotada de um fundo cultural B.
Quando Freud escreveu Totem e tabu, cerca de 1913, adoptou dos
evolucionistas sociais do século XIX — autores como Tylor e Frazer — a ideia
sumariamente imperialista de que «os selvagens primitivos» conservavam, em
adultos, uma mentalidade de crianças. Uma espécie de racismo paternalista tornouse, por isso, parte dos dogmas da teoria freudiana. Freud escreveu: «O período de
latência é um fenómeno fisiológico. No entanto, só é capaz de produzir uma
interrupção completa da vida sexual nas organizações da civilização humana que
decidiram assumir a repressão da sexualidade infantil. Isso não se verifica na maior
parte dos povos primitivos» [1924, trad. it. p. 105 nota]. Para os freudianos, os
primitivos são diferentes porque continuam a ser crianças. Não crescem e por isso
não se tornam «recalcados», como acontece normalmente aos civilizados.
Não há absolutamente nada que justifique este sentimentalismo paternalista.
Não obstante, ele exerceu até aos nossos dias uma influência desastrosa sobre
todos os escritos psicanalíticos dedicados a temas antropológicos. A tese pode
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
37/49
também ser apresentada de forma oposta, afirmando-se então que a capacidade de
possuir funções mentais mais elevadas depende do grau em que as actividades do
Ego se tornam autónomas e que a tendência para uma maior autonomia do Ego
tem aumentado no decurso da história do homem ocidental {cf. Hartmann, Kris e
Loevenstein 1951]: esta versão é mais enfática e respira mais uma certa gíria
académica, mas a tese continua a ser a mesma: os homens brancos são superiores
porque são mais crescidos!
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
38/49
12. A visão marxista do homem e da natureza
O aspecto da teoria freudiana acima destacado põe em evidência o facto —
aliás evidente por si — de que toda a tese que o investigador queira desenvolver
acerca dos nexos existentes entre a cultura e a natureza humanas será sempre
condicionada pelas posições políticas que marcam as demais esferas da vida
social.
Em primeiro lugar, se se aceitar a tese da existência de um mundo objectivo,
natural, fora de nós, exterior à consciência do homem, mas sujeito à análise através
dos sentidos humanos, poderá então pretender-se que o homem é parte dessa
natureza, que ele é um animal natural como qualquer outro e que a causa eficiente
das acções humanas está na resposta dirigida pelo homem aos outros elementos
que se inserem no mesmo mundo natural. É esta, em grandes linhas, a visão
adoptada pelos psicólogos behavouristas e por numerosos etólogos. Neste quadro
geral, conceitos subjectivos como «intenção» e «consciência» podem ser
ignorados, e o estudo do comportamento humano, tanto a nível individual como a
nível da organização social, deverá ser conduzido segundo os critérios
habitualmente seguidos por todas as outras ciências experimentais empíricas
ortodoxas, como a física ou a bioquímica.
A lógica política desta posição é muito conservadora. O mundo social, tal como
o mundo físico, é o que é porque foi desse modo que a evolução se verificou na
natureza. O homem ilude-se se imagina poder comportar-se como um deus, criando
sociedades que sejam desta ou daquela maneira melhores do que as já existentes.
Nem todos os investigadores behavouristas/funcionalistas do comportamento
humano e animal foram sempre declarada-mente de direita em termos políticos,
mas resta o facto de subsistir uma incompatibilidade manifesta entre uma
interpretação que afirma a existência de leis naturais que garantem
automaticamente a integração funcional de uma sociedade, quer animal quer
humana, e uma posição política radical a favor da revolução social. Com efeito,
todas as vezes que os investigadores dos problemas do homem e das suas
actividades tentaram combinar as ideias radicais com as funcionalistas, acabaram
por abandonar ou o radicalismo ou o funcionalismo.
A posição adoptada pelos psicólogos analíticos (cf. §11) é uma espécie de
compromisso. Reconhece-se que as formas subjectivas da cultura humana têm um
modo de existência diferente das da natureza material, mas com a introdução do
conceito de inconsciente — assaz elástico mas indefinido — esquivam-se todas as
implicações decorrentes dessa distinção. O objectivo da terapia freudiana é trazer o
paciente neurótico à «normalidade». Quer dizer que se quer permitir-lhe inserir-se
na sociedade em que se encontra. Os revolucionários são por isso considerados
psicóticos e a lógica política resultante é, uma vez mais, muito conservadora.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
39/49
Por outro lado, os que entendem a cultura e a natureza como categorias
completamente separáveis, inclinam-se com toda a probabilidade para a esquerda
em termos políticos. White, por exemplo, que afirmava que «a cultura move-se
segundo os seus próprios princípios e as suas próprias leis» [1949, p. 374], sendo
«uma entidade sui generis», e que «o modo mais eficaz para estudar
cientificamente uma cultura é o de proceder como se a raça humana não existisse»
[1947, p.296]. Embora nunca se tenha declarado abertamente marxista, White
empenhou-se profundamente em fazer do seu departamento de Ann Arbor, no
Michigan, o ponto de encontro de todos os antropólogos americanos de esquerda.
Mesmo admitindo que a cultura tem uma existência independente da natureza e
que, em certa medida, é governada por «leis» próprias, ela permanece, no entanto,
uma entidade criada pelo homem, e não por qualquer misteriosa força sobrenatural
ou natural externa a este. Mas então, para de novo regressarmos a Vico, o que foi
uma vez feito pelo homem é potencialmente compreensível e susceptível de ser de
novo feito pelo homem: «Este mundo civil foi certamente feito pelos homens, por
isso os seus princípios devem ser procurados e descobertos nas transformações do
nosso próprio espírito humano» [1744, ed. 1967 p.115].
Alguns teóricos marxistas actuais levaram esta tese ao ponto de afirmarem que
«o homem não tem natureza» [cf. Malson 1964], entendendo com isso que a cultura
é infinitamente flexível, não sendo de modo algum determinada pelas limitações da
constituição genética do homem. Trata-se, é claro, de uma afirmação
grosseiramente exagerada, mas hoje que os homens chegaram à superfície da Lua,
é extremamente difícil indicar com um mínimo de segurança quais sejam
precisamente os derradeiros limites da capacidade técnica humana. Deste ponto de
vista, é deveras singular que as teorias behavouristas/funcionalistas, segundo as
quais o homem em sociedade é escravo da sua natureza biológica, se tenham
desenvolvido num período ao longo do qual a capacidade técnica do homem
demonstrava em todos os campos exactamente o contrário.
Embora as ortodoxias e as heterodoxias do marxismo sejam tão variadas e
numerosas que se torna difícil dizer se esta ou aquela posição é especificamente
marxista, as observações seguintes talvez sejam aceitáveis para um certo número
de doutrinadores autorizados.
O mundo material fora de nós, externo em relação ao homem, existe tal como o
percepcionamos. A história humana é a história do crescimento da capacidade
tecnológica do homem. Através da tecnologia, o homem tornou-se senhor da
natureza, quando originalmente era dela escravo. Um sistema tecnológico deve,
porém, ser considerado como uma totalidade social: não é constituído apenas por
um sistema de instrumentos e pela utilização dos instrumentos como meio de
reprodução primária, mas também por um sistema de distribuição da actividade
produtiva entre os membros da população que gozam dos benefícios da tecnologia
e por um mecanismo através do qual a população se reproduz enquanto
organização produtiva real. Até aqui a análise marxista da integração dos
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
40/49
elementos sociais e técnicos que se encontram em qualquer sistema de produção e
de reprodução socioeconómico em nada diverge da análise funcionalista. No
entanto, os marxistas desenvolvem a seguir esta tese, distinguindo entre estrutura e
super-estrutura. A ‘estrutura* refere-se à ordem total do sistema socioeconómico de
reprodução; em princípio, esta ordem é determinada pela lógica interna às
exigências do sistema tecnológico enquanto tal, às «forças produtivas».
Pelo termo ‘super-estrutura* referem-se as instituições de tipo religioso, jurídico
e político, que não se ligam de modo imediato e directo ao sistema produtivo, mas
constituem uma espécie de «florescência secundária», cuja origem está mais na
ideologia do que na necessidade económica.
Também aqui não subsiste à partida qualquer divergência fundamental entre as
concepções marxista e funcionalista. Por exemplo, a versão malinowskiana do
funcionalismo antropológico distingue as instituições ligadas a necessidades
«primárias» das que reflectem necessidades «secundárias», mais ou menos do
mesmo modo como os marxistas distinguem a estrutura da super-estrutura.
A partir deste ponto, manifesta-se, todavia, uma nítida divergência de
perspectivas. Para o funcionalista, o sistema social na sua totalidade é, por
definição, auto-suficiente e integrado. Toda a rede do sistema de reciprocidade no
interior do sistema social global deve ser mantida em equilíbrio, e por isso toda a
renda ou tributo pagos pelos produtores aos seus «patrões» políticos e religiosos
prevê, em troca, os «serviços» políticos e religiosos que os «patrões» por sua vez
prestam à comunidade. Do ponto de vista marxista, estes «serviços» existem
apenas como ideologia; a renda/tributo é considerada como exploração e o
sistema, no seu conjunto, não se encontra em equilíbrio. Por consequência, todos
os sistemas socioeconómicos têm uma tendência intrínseca para a revolução
interna, em virtude do desequilíbrio fundamental existente na distribuição dos
produtos entre produtores e não-produtores.
Mas os marxistas adiantam ainda outra ordem de razões, que os funcionalistas
não levam de maneira alguma em conta na sua análise. Segundo o marxismo, os
sistemas tecnológicos apresentam uma tendência específica a sofrer processos de
transformação na sequência das inovações tecnológicas. As transformações
tecnológicas, a este nível fundamental, comportam também transformações na
organização do trabalho e das organizações que reproduzem a força de trabalho.
Estas transformações, por sua vez, condicionam as relações de exploração entre a
estrutura e a super-estrutura. Aqueles que controlam os meios de produção, os
homens que ocupam o topo das posições de dominação, graças à ideologia, verão
ameaçada a sua posição sempre que se registam transformações nas relações de
dependência da força de trabalho, e oporão uma dura resistência às adaptações
sociais tornadas necessárias pela lógica da inovação tecnológica. Analogamente,
os sistemas sociais representam um elemento de conservação que gera
contradições no contexto do desenvolvimento tecnológico. A transformação
revolucionária não ocorre por isso apenas em razão das imperfeições do sistema
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
41/49
interno de reciprocidade, mas também porque as inovações técnicas «de base»
criam «contradições» entre a ideologia e a realidade socioeconómica.
Em última análise, os pressupostos do marxismo são diametralmente opostos
aos dos funcionalistas. Enquanto os funcionalistas consideram axiomático que a
integração social é parte da própria natureza da sociedade, entendida esta como
uma espécie animal que se autoperpetua, os marxistas, pelo contrário, em lugar da
ideia de desenvolvimento através de um progresso contínuo no sentido de uma
maturidade mais complexa, adiantam a ideia de um desenvolvimento descontínuo.
Cada nova sociedade se constrói a si própria, por oposição dialéctica, sobre as
ruínas das que a precederam. Os funcionalistas consideram que as sociedades
humanas têm uma relação ecossistémica de adaptação à esfera ecológica no
interior da qual se desenvolvem, enquanto os marxistas atribuem um maior peso à
capacidade do homem para dominar o ambiente natural em que vive, implicando
essa capacidade o direito e, na realidade, o dever de o fazer.
Neste ponto, a exploração exercida pela empresa capitalista privada e os
objectivos do sistema colectivista do marxismo soviético possuem numerosos
elementos comuns.
Os críticos podem fazer notar que a exploração tecnológica da natureza em
proveito da humanidade pode acarretar a destruição da natureza e que esta, uma
vez destruída, não poderá ser recriada. A menos que a humanidade no seu
conjunto desenvolva uma ideologia que consiga travar as capacidades de
exploração do homem, as gerações futuras herdarão um mundo no qual a cultura
humana se encontrará numa posição de domínio completo sobre o que restar da
natureza. Mas o mundo ter-se-á tornado um lugar muito mais pobre.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
42/49
13. A natureza entendida como cultura
No início deste ensaio, fizemos notar que, enquanto os Gregos pensavam que
a essência da natureza fosse a mudança permanente, a partir do Renascimento,
pelo contrário, a natureza passou a ser entendida precisamente como um elemento
imutável. Embora as modernas concepções da natureza reconheçam que, numa
perspectiva a muito longo prazo, todas as entidades do universo se encontram
submetidas a processos evolutivos em parte governados pelo acaso, e por isso
imprevisíveis, continua a ser globalmente verdadeiro que o actual investigador em
ciências naturais defende a tese que qualquer acontecimento da natureza é
governado por «leis» (sobretudo de tipo estatístico) que o homem tem a
possibilidade de investigar e compreender. Como vimos, são numerosos os
cientistas que gostariam de incluir igualmente o homem neste reino da natureza
imutável, determinada por leis precisas e omni-englobantes.
Há muito bom senso na afirmação de que só um sentimento de vaidade
humana, apoiando-se num misticismo de tipo religioso, pode ter levado alguns a
suporem que, no processo geral da evolução animal, uma única espécie, a nossa,
podia diferenciar-se de um modo tão radical que a subtraíria ao condicionamento
das leis naturais que governam todas as outras coisas. Mas serão os seres
humanos, realmente, um caso particular? Os nossos processos mentais parecem
dar-nos uma «compreensão» da natureza do mundo muito diferente da que
parecem possuir todas as outras criaturas vivas, e é através desta capacidade de
compreender, através do tipo muito particular da interpretação humana da
experiência que nos tornamos capazes de construir os modelos da natureza que se
agrupam dentro da categoria da cultura, e de renovar continuamente esses
modelos. Sem dúvida que isto é verdade: mas será suficiente para dizermos que
somos realmente casos completamente à parte? Esta interrogação levanta um
intrincado problema, e no momento actual não existe acordo entre cientistas,
psicólogos e antropólogos quanto ao modo de o abordarmos.
É muito possível que tenhamos interpretado de modo errado os processos
mentais das criaturas vivas diferentes do homem. Em particular, não conseguimos
talvez entender que provavelmente é válido para todas as criaturas vivas, e não só
para o homem, o princípio de que a compreensão do ambiente se obtém somente
através da experiência, ou seja, passando pela cultura, em vez de ser algo implícito
na natureza biológica do animal. Experiências recentes, realizadas com animais,
sugeriram a hipótese de que mesmo uma sensação tão primária, na aparência,
como a dor tem que ser «aprendida» antes de poder ser sentida. Assim, símios
adultos criados em condições de «ausência de dor» parecem ser absolutamente
incapazes de experimentar essa sensação. As conclusões que se podem extrair
destas observações são singularmente insólitas. Nalgumas espécies, por exemplo,
os progenitores podem ser adaptados de modo a comportarem-se com «crueldade»
para com a descendência, a fim de esta última poder adaptar-se melhor, quando
adulta, às vicissitudes imprevisíveis da experiência quotidiana.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
43/49
É verdade que animais destituídos de uma linguagem verbal não podem formar
conceitos verbais, e que o processo de «criação dos símbolos», através do qual os
animais diferentes do homem podem elaborar associações de categorias segundo
operações analógicas, é muito diferente daquele que intervém na maior parte dos
seres humanos. Parece óbvio que o pólo racional, analítico e metonímico do
pensamento, tão proeminente no discurso verbalizado dos seres humanos, deve
estar ou completamente ausente ou, no melhor dos casos, presente apenas de uma
forma muito rudimentar nas operações mentais dos outros animais. E muito
possível, porém, que se trate mais de uma diferença de grau que de uma
descontinuidade. O homem é um animal que possui uma herança cultural
extremamente complexa e fortemente diferenciada. No entanto, só hoje se começa
a compreender que é preciso recuar muito na evolução biológica para
encontrarmos animais para os quais a herança da aprendizagem, incorporada em
símbolos, seja desprovida de qualquer importância. A distinção categoria! entre
natureza e cultura, para utilizarmos estes termos no seu sentido actual, é
significativa, mas é um erro supor que se trata de uma distinção aplicável apenas à
humanidade.
Para os que abordam o estudo do comportamento humano e animal com os
preconceitos da ciência objectiva experimental ortodoxa, a simples discussão em
torno de conceitos metafísicos como «espírito», «consciência» ou «intenção» é
uma heresia, e quem quiser alargar o campo de aplicação desses atributos aos
animais para além do homem arrisca-se a ser considerado um antropomorfizante
blasfemo, um infractor dos primeiros princípios da análise científica séria. Porém,
não é possível negar que, muito frequentemente, o modo mais simples de se
compreender o comportamento de um animal é supor que ele está «a pensar como
um ser humano». Por exemplo, foi recentemente demonstrado que, quando se
mostra a um animal doméstico na televisão uma cena semelhante a outra que ele
tenha visto na vida real, o animal chegará a partir daí ao mesmo tipo de juízo
interpretativo que um observador humano poderia formular, Analogamente foi
demonstrado que os macacos de laboratório não só são capazes de distinguir
diversas espécies animais, mas também — coisa muitíssimo surpreendente — de
as classificar de acordo com os mesmos processos utilizados pelos homens: todos
os cães, por exemplo, são agrupados numa única categoria sem que se atenda à
sua forma, às suas dimensões e à sua cor. As fotografias dos membros da mesma
espécie a que estes macacos pertencem provocam uma resposta muito diferente:
cada macaco é considerado à parte, como se pertencesse a uma espécie diferente.
Os écrans de televisão e as fotografias não existem «na natureza» e qualquer
psicólogo behaviourista de convicções inabaláveis será sempre capaz de fabricar
raciocínios tortuosos, complicados e viciosos, que lhe permitam interpretar todos os
testemunhos deste tipo como outros tantos casos de um processo mecânico do tipo
estímulo-resposta, sem necessidade de recorrer a mistificações como «processos
de formação de conceitos», «simbolização», «abstracção», «classificação», e assim
por diante. Mas podemos contrapor a esses raciocínios uma tese subjectivista muito
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
44/49
mais simples: os actos realizados pelos animais domésticos, nas condições de um
laboratório, dependem necessariamente das suas capacidades «naturais». Aqui a
dedução mais evidente que podemos extrair de experiências como as referidas
acima é que os processos mentais dos animais em estado selvagem devem ser
mais próximos do que se julga habitualmente dos dos seres humanos culturalmente condicionados.
Talvez devamos voltar ao conceito grego original de physis e reconhecer que
as capacidades de realização de uma mudança «intencional» e «calculada»,
considerada habitualmente uma característica peculiar dos seres humanos que se
movimentam no interior da esfera da cultura, podem ser uma qualidade que
permeia a natureza em todo o seu conjunto. O autor destas linhas resumiu noutro
lugar a posição que retoma agora na passagem seguinte, e que será talvez uma
conclusão apropriada para a discussão até aqui empreendida: «O universo físico,
químico e biológico que os cientistas hoje tentam compreender não é uma
perspectiva imutável da Grande Cadeia do Ser, governada por leis imutáveis,
fixadas pela natureza desde o início dos tempos. É um sistema evolutivo onde as
relações entre os elementos constituintes, em movimento contínuo, se combinam
constantemente segundo novos modelos. Num universo deste tipo, os
acontecimentos mais interessantes, susceptíveis de darem lugar a transformações,
revelam-se aqueles que estatisticamente são improváveis.
«Os acontecimentos improváveis, geradores de transformação, ocorrem
casualmente contra um fundo de ordem incompleta. Sabemos que em geral os
sistemas biológicos se reproduzem com uma extraordinária precisão, e saber como
isso acontece é por certo muito interessante. Mas sabemos igualmente que, às
vezes, esta precisão falha, e isso é ainda mais interessante.
«Através de uma maior atenção à incerteza, os investigadores das ciências
naturais acabaram por reconhecer que as analogias mecânicas são absolutamente
inadequadas. As máquinas comuns não cometem erros. Por isso, sendo a teoria
matemática geral dos sistemas discutida na linguagem da engenharia da
comunicação, diversos especialistas sérios se interrogam especulativamente
acerca dos atributos que deveriam ser os de um computador ideal dotado de
“inteligência artificial”.
«Esta visão matemática e racionalista do universo das entidades
intercomunicantes, que possuem a característica essencialmente humana da
inteligência, começa a ter um efeito de retroacção sobre a percepção do cientista
relativamente às entidades empíricas. Na biologia molecular, a relação da réplica
geradora de erro é descrita como “RNA mensageiro”. Será esta linguagem deveras
significativa? O modelo que serve de protótipo, para cada um de nós, à entidade
geradora de mensagens é o espírito humano. Deste modo, em vez de assistirmos à
transformação da antropologia social numa ciência natural e teórica da sociedade,
é a biologia que parece ter-se tornado uma ciência social e teórica da natureza»
[1976, pp. 175-76].
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
45/49
[E. L.].
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
46/49
Bibliografia
Benedict, R.
1934
Patterns of Culture, Houghton Mifflin, Boston - New York (trad.
port. Livros do Brasil, Lisboa, 1983).
Collingwood, R. G.
1945
The Idea of Nature, Clarendon Press, Oxford.
Devereux, G.
1969 Normal and Abnormal: the Key Concepts of Ethnopsychiatry, in:
Muensterberger 1969, pp.113-36.
Firth, R
1936 We, the Tikopia, AlIen and Unwin, London.
Frazer, J. G.
1911-15
Tbe Golden Bough. A Study in Magic and Religion, Macmillan,
London, 1911, 153 pp.
Freeman, D.
1969 Totem and Taboo: a Reappraisal, in: Muensterberger 1969, pp.53-78.
Freud, S.
1912-13
Totem und Tabu, Heiler, Leipzig-Wien, 1913.
[1924]
Selbstdarstellung, in L. R. Grote (org.), Die Medizin der
Gegenwart in Selbstdarstellungen, vol. IV, Meiner, Leipzig
1925, pp. 1-52 (trad. it. III Opere. vol. X, Boringhieri, Torino
1978, pp. 69-141).
Gass, W.
1975 The anatomy of mind, in «New York Review of Books», XXII, pp.3-6.
Hallowell, A. 1.
1954 Psychology and Anthropology, in J. GilIen (org), For a Science of
Social Man, Macmillan, New York, pp.160-226.
1963 Personality, Culture and Society in Behavioral Evolution, in S. Koch
org.). Psychology. A Study of Science, McGraw-Hill, New York,
pp.420-500.
Hartmann, H.; Kris, E.; Loevenstein, R. M.
1951 Some Psychoanalytic Comments ou “Culture and Personality” in G. B.
Wilbur e W. Muensterberger (org.), Psychoanalysis and Culture:
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
47/49
Essays in Honor of Géza Róbeim, Internacional Univ. Press, New
York, pp.32.
Hugh-Jones, C.
1976 Skin and Soai: the Round and the Straight, in Social Time and Social
Space in Lowland South American Societies, Cooper, New York.
Kaplan. B.
1961 Studying Personality Cross-Culturally, Row and Peterson, Evanston
III.
Leach, E.
1976 Social anthropology: a natural science of society, in «Proceedings of
the British Academy», LXII, pp.157-80.
Lévi-Strauss, C.
1947 Les structures élèmentaires de la parenté, Presses Universitaires de
France, Paris.
[1961]
Les discontinuités culturelles e! le développement économique
et social, in «Information dans les sciences sociales», 11(1963),
2, pp. 7-15; actualmente também in Anthropologie structurale
deux, Plon, Paris 1973 (trad. it. II Saggiatore, Milano, 1978)
1964-71
Mythologiques, 4 vols., Plon, Paris.
1973
Réflexions sur latome de parenté, in «L'Homme», XIII. 3, pp. 530; actualmente também in Anthropologie structurale deux,
Plon, Paris, 1973 (trad. it. Il Saggiatore, Milano, 1978)
Malinowsky, B.
1929
The Sexual Life of Savages in North. Western Melanesia,
Harcourc Brace and World, New YorkRoutledge, London.
Malson, I.
1964
Les enfants sauvages, Union générale d*éditions, Paris (trad.
port. Civilização, Porto, 1967).
Muensrerberger, W.
1969
org. Man and his Culture: Psychoanalytic Anthropology after
“Totem and Taboo ", Rapp and Whiting, London; ed. Taplinger,
New York, 1970.
Parsons, A.
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
1969
48/49
Is the Oedipus Complex Universal? The Jones - Malinowski
Debate Revisited and a Southitalian Nuclear Complex, in:
Muensterberger, 1969, pp.331-84.
Pickering, Ch.
1848
The Races of Mais: and their Geographical Distribution, Little
and Brown, Boston Murray, London; ed. rev. Bohn, London
1851.
Raglan, F. S.
1964
The Temple and the House, Routledge and Kegan Paul,
London.
Tylor, E. O.
1871
Primitive Culture, Murray, London.
Vico
1744
La Scienza amova giesta l*edizione deI 1744, Laterza, Bari
1967.
White, L A.
1947
The locas of mathematical reality: ais anthropological footnote,
in «Philosophy and Science», XIV, 4, pp. 289-303.
1949
Ethnological Theory, in R. W. Sellars, V. J. McGill e M. Farber
(org.), Philosophy for Me Fiacre. Tbe Quest of Modern
Materialism, Macmillan, New York.
G No interior das diversas culturas as relações natureza/cultura são
concebidas, em particular, na forma da oposição entre nós e os outros (cf.
cultura/culturas), sendo estes últimos assimilados por vezes a seres naturais (cf.
etnocentrismos, selvagem/bárbaro/civilizado). Mas em certos casos, presume-se
igualmente que a natureza forneça um modelo à cultura. Assim os ritmos naturais
escandem o tempo social (cf. calendário, ciclo, ritmo, tempo/temporalidade), assim
as artes foram forçadas, numa certa época, a imitar a beleza da natureza (cf.
Imitação). Assim, ainda, se tenta fundar o direito sobre uma referência ao estado
natural, contraposto ao estado social, ou posto como seu modelo (cf. sociedade,
socialização, e também instituições). Mas a natureza não se contrapõe apenas à
cultura; o sobrenatural constitui um terceiro termo, diferente dos dois primeiros (cf.
deuses, diabo). As diversas correntes da antropologia (cf. anthropos) definem-se
segundo as soluções que propõem para o problema das relações entre a natureza
e a cultura; o mesmo acontece em filosofia (cf. filosofia/filosofias). Análoga
problemática se reencontra no debate sobre as relações entre ciências sociais e
Voltar ao índice
Índice
Natureza/cultura — Enciclopédia Einaudi, vol.5
49/49
ciências naturais (cf. ciência, leis), na psicanálise (cf. castração e complexo,
incesto), no marxismo (cf. modo de produção).
***
Voltar ao índice
Download