Diadorim8-cad0.pmd 1 06/12/2011, 22:20 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor Carlos Antônio Levi da Conceição Decano do Centro de Letras e Artes Flora De Paoli Faria Diretor da Faculdade de Letras Eleonora Ziller Camenietzki Diretor Adjunto de Pós-Graduação Ângela Maria da Silva Corrêa Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Godofredo de Oliveira Neto Célia Regina dos Santos Lopes Comissão do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Silvia Figueiredo Brandão, Maria Aparecida Lino Pauliukonis, Maria Lúcia Leitão de Almeida (suplente), Alcmeno Bastos, Anélia Pietrani, Adauri Silva Bastos (suplente), Mônica do Nascimento Figueiredo, Teresa Cristina Cerdeira da Silva (suplente), Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco, Maria Teresa Salgado Guimarães da Silva (suplente) Representantes Discentes Leonardo Lennertz Marcotulio (Doutorando em Língua Portuguesa) Juliana Esposito Marins (Doutoranda em Língua Portuguesa) Secretária do Programa Maria Urânia Pacheco Marinho CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC D536 Diadorim : Revista de Estudos Linguísticos e Literários. – N. 8, (2011) –. Rio de Janeiro : UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011. v.: vi. Semestral ISSN 1980-2552 1. Língua portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 2. Literatura brasileira – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 3. Literatura portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 4. Literatura africana (Português) – Discursos, ensaios e conferências. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. CDU 811.134.3+821.134.3(051) Financiamento Programa de Apoio à Pós-Graduação da Diadorim8-cad0.pmd 2 06/12/2011, 22:20 REVISTA DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS Número 8 - 2011 Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Faculdade de Letras Universidade Federal do Rio de Janeiro Diadorim8-cad0.pmd 3 06/12/2011, 22:20 © 2011, Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Todos os direitos reservados Diadorim: revista de estudos linguísticos e literários Publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, que abrange as seguintes áreas de concentração: Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literaturas Portuguesa e Africanas. A proposta é divulgar investigações linguísticas e literárias vinculadas às linhas de pesquisa do programa, desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros. As edições de número ímpar se dedicam aos estudos literários e as de número par, aos estudos linguísticos. Faculdade de Letras da UFRJ – Sala F-319 Cidade Universitária – Ilha do Fundão 21941-590 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: 55 21 2598-9709 posverna@letras.ufrj.br www.letras.ufrj.br/posverna Conselho Editorial Alcir Pécora (Unicamp), Alfredo Bosi (USP), Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa), Ângela Paiva Dionísio (UFPE), Ataliba Teixeira de Castilho (USP), Benjamin Abdala Jr. (USP), Daniel Jacob (Universidade de Colônia, Alemanha), Eneida Maria de Souza (UFMG), Ferreira Gullar (poeta), Francisco Ferreira de Lima (UEFS), Francisco Noa (Universidade de Mondlane, Moçambique), Gilda Santos (UFRJ), Ida Maria Santos Ferreira Alves (UFF), Ivan Junqueira (Academia Brasileira de Letras), Ivo Barbieri (UERJ), Ivo Castro (Universidade de Lisboa), Johannes Kabatek (Universidade de Tübingen, Alemanha), Jorge Macedo (poeta, Moçambique), Konstanze Jungbluth (Universidade de Frankfurt, Alemanha), Laura Cavalcante Padilha (UFF), Lélia Maria Parreira Duarte (PUC-MG), Lucia Helena (UFF), Maria Antónia Coelho da Mota (Universidade de Lisboa), Maria Emília Barcellos da Silva (UERJ), Maria Fernanda Abreu (Universidade Nova de Lisboa), Maria Fernanda Bacelar do Nascimento (Universidade de Lisboa), Maria Lúcia dal Farra (UFS), Maria Theresa Abelha Alves (Faculdades Jorge Amado, Salvador), Marlene de Castro Correia (UFRJ), Paulo Motta Oliveira (USP), Roberto Acízelo (UERJ), Rosa Virgínia Mattos e Silva (UFBA), Silvana Maria Pessoa (UFMG), Silvio Renato Jorge (UFF), Sonia Maria Lazzarini Cyrino (Unicamp), Tania Celestino de Macêdo (UNESP), Tânia Conceição Freire Lobo (UFBA), Uli Reich (Universidade de Colônia, Alemanha), Walnice Nogueira Galvão (USP) Organizadoras desta edição Silvia Figueiredo Brandão Maria Eugênia Lamoglia Duarte Editoração R.N.R. Secretária do Programa Maria Urânia Pacheco Marinho Revisão Humberto Soares da Silva Capa Heloisa Fortes Diadorim8-cad0.pmd 4 06/12/2011, 22:20 Sumário Nota editorial ....................................................................................... 9 PESQUISADOR CONVIDADO Harmonização gradiente .......................................................................... 11 Leda Bisol ARTIGOS INÉDITOS A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista .................................................................... 27 Elisa Figueira de Souza Corrêa O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais .................... 43 Raquel Meister Ko. Freitag Aquisição e variação das vogais médias pretônicas .................................. 59 Ana Carla Vogeley, Dermeval da Hora e Marígia Ana de Moura Aguiar A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro ........................................................................ 81 Danielle Kely Gomes Variação, mudança fônica e identidade: a implementação da palatalização de /t/ e /d/ em um falar de português brasileiro ......... 103 Elisa Battisti Diadorim8-cad0.pmd 5 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: no Atlas Linguístico de Minas Gerais e nos dados do projeto do Atlas Linguístico do Brasil ......... 125 Vanderci de Andrade Aguilera e Helen Cristina da Silva A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: o que revelam os dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil ............... 143 Marcela Moura Torres Paim Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca ......... 161 Juanito Avelar O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração ......................................................................................... 181 Elaine M. Thomé Viegas Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir ........................................................ 203 Marcos Luiz Wiedemer Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem .................................................................................................... 223 Sanderléia Roberta Longhin-Thomaz Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: complementaridade sintático-semântica e discursiva ........................... 245 Maria da Conceição de Paiva Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? .......................... 271 Marilza de Oliveira, Priscilla Barbosa Ribeiro e Hélcius Batista Pereira “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: sobre a variação de preposições em complementos verbais ........................................................................... 287 Rosane de Andrade Berlinck 6 Diadorim8-cad0.pmd 6 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância .................................................... 307 Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott e Izete Lehmkuhl Coelho A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários ...................................................... 329 Gilce Almeida e Vivian Antonino Itinerário do uso e variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental da Rede Pública de Florianópolis ...... 351 Ana Kelly Borba da Silva Brustolin La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en las publicidades de Montevideo .............................................. 375 Bruno Rafael Costa Venâncio da Silva e Carlos Felipe da Conceição Pinto A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos .................................................................................. 397 Kellen Cozine Martins CURTAS RESENHAS MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. Língua e história: O 2º marquês do Lavradio e as estratégias linguísticas da escrita no Brasil Colonial. ...... 417 por Maria Cristina de Brito Rumeu CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro. .... 421 por Eliete Figueira Batista da Silveira KATO, Mary Aizawa; NASCIMENTO Milton do. Gramática do português falado culto no Brasil, vol. III, A construção da sentença. ........................... 425 por Juliana Marins RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino ...................................................................................................... 429 por Heloise Vasconcellos Gomes Thompson 7 Diadorim8-cad0.pmd 7 06/12/2011, 22:20 8 Diadorim8-cad0.pmd 8 06/12/2011, 22:20 Nota editorial O Volume 8 da Diadorim – Revista de Estudos Linguísticos e Literários – do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ é o primeiro dedicado exclusivamente a estudos de Variação e Mudança Linguística, uma importante e profícua Linha de Pesquisa da Área de Língua Portuguesa. Nada mais justo, portanto, que dedicá-la a quem introduziu a Sociolinguística Variacionista no Brasil – Anthony Julius Naro. É inegável sua importância não só para a formação de várias gerações de pesquisadores espalhados por todo o país que, por sua vez, têm formado novos pesquisadores, mas também para a visibilidade internacional dos estudos que descrevem o português brasileiro. Sua valiosa contribuição para o desenvolvimento da Linguística entre nós está resumida nas palavras de Dinah Callou, uma entre seus inúmeros discípulos e autora da “orelha” deste volume. Leda Bisol, da PUC-RS, outra renomada discípula, especialmente convidada a colaborar com este número, trata de harmonização gradiente no âmbito das vogais pretônicas. Os dezenove artigos que seguem, de autoria de pesquisadores de variadas instituições brasileiras, foram selecionados com a cooperação de um amplo corpo de pareceristas ad hoc, entre os mais destacados especialistas nas áreas focalizadas no grande número de trabalhos que nos foi enviado, um testemunho da grande representatividade dos estudos variacionistas no Brasil. Os artigos abarcam discussões teóricas que envolvem a Sociolinguística, análises fonéticofonológicas, morfossintáticas, lexicais e semânticas nas quais o tratamento da Teoria da Variação e Mudança, fundado em bases empíricas, aparece associado a diversas teorias da linguagem. 9 Diadorim8-cad0.pmd 9 06/12/2011, 22:20 O volume traz, ainda, quatro resenhas sobre trabalhos voltados para variação e mudança, seja em textos de sincronias passadas, seja na fala e escrita contemporâneas, bem como na primeira gramática sobre o português falado hoje no Brasil. Esperamos que o volume contribua para ilustrar a diversidade de temas de que se alimenta a pesquisa sobre variação e mudança no Brasil e que realimente novas investigações na área. As organizadoras Silvia Figueiredo Brandão Maria Eugênia Lamoglia Duarte 10 Diadorim8-cad0.pmd 10 06/12/2011, 22:20 PESQUISADOR CONVIDADO Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 11 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 12 06/12/2011, 22:20 Harmonização gradiente Leda Bisol1 Este texto tem por tema a harmonização com a vogal alta em duas variedades do português brasileiro, a do Sul/Sudeste e a do Norte/ Nordeste, detendo-se também na neutralização das médias. O estudo tem por base o sistema vocálico definido em graus de abertura, a partir dos quais se explicam neutralizações e assimilações. 1. A harmonização com a vogal alta em variedades do Sul/Sudeste Da proposta de Clements e Hume (1995) que substitui por abertura os traços tradicionais de altura, depreende-se uma escala que expõe em graus de abertura as sete vogais do sistema fonológico do português. (1) O sistema vocálico do português abertura aberto 1 aberto 2 aberto 3 escala i/u – – – 0 e/o – + – 1 ε/c – + + 2 a + + + 3 Embora toda vogal tenha algum grau de abertura, atribui-se (0) à vogal alta de abertura mínima, assinalada por (-) em todos os níveis, a partir do qual os valores relativos da escala se estabelecem. 1 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd PUCRS, CNPq. 13 06/12/2011, 22:20 Pesquisador Convidado Em silabas átonas de variedades do Sul/Sudeste, neutraliza-se a distinção entre as vogais médias, isto é, desassocia-se o traço [+aberto 3], que é substituído automaticamente por seu oposto, [-ab3], com claras evidências na pauta pretônica: lεve> leveza; mnle> moleza, constituindose um subsistema átono de cinco vogais: (2) /a, ε, e i, u, o, n / > / a, e, i, u, o/ Deixando-se de lado a neutralização que reduz o sistema das átonas a três vogais em final de palavra, fixemo-nos na pretônica, onde opera a harmonização vocálica, uma assimilação regressiva, cujo gatilho é a vogal alta e o alvo a média fechada, distinguindo-se uma da outra apenas por um grau de abertura, como se observa em (1). Representam-se em (3) as duas vogais plenamente especificadas e em (4) a assimilação referida. (3) a. Vogal média fechada (alvo) V (e) | [abertura] / | \ [-ab1] | \ [+ab2] \ [-ab3] b. Vogal alta (gatilho) V (i) | [abertura] / | \ [-ab1] | \ [-ab2] \ [-ab3] Trata-se de harmonia privativa, pois, no sistema em pauta, o único alvo disponível é a vogal média fechada como em feliz > filiz ou botim> butim, em que as vogais em pauta se distinguem por um grau de abertura. Não tem efeito algum sobre a vogal /a/, separada de /i/ por três graus de abertura, ainda que esteja a seu lado como em Saci. (4) Harmonização vocálica V V | | [abertura] [abertura] | ‡ [+ab2] [-ab2] O traço [-ab2] da vogal alta estende-se para esquerda, ocupando a posição de [+ab2] do segmento vizinho, que é desassociado, harmonizando-se as duas 14 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 14 06/12/2011, 22:20 C V CV | C V | | [abertura] [abertura ] | [+ab2] C V | [abertura] [ abertura][abertura] ‡ | [+ab2 [-ab2] [+ab2 [-ab 2] C ‡ V | [abertura] [abertura ] Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd [abertura] | C V | | [+ab2] | CV ‡ CV | CV [abertura] | | [+ab2 ] [-ab2] 15 10/12/2011, 22:09 Pesquisador Convidado Um fato a ser observado é que na pauta pretônica atuam duas regras de resultados semelhantes: a harmonização em foco (HV) e o alçamento sem motivação aparente (AL). Por vezes, as duas operam na mesma palavra, criandose um contexto de dupla interpretação. A primeira, no estilo neogramático, possui um condicionador fonético explícito, a vogal alta, e pode estender-se a mais de uma vogal; a segunda, sem condicionador explícito, é conduzida por analogia via grupos de palavras morfologicamente aparentadas, ou seja, por paradigmas derivacionais ou flexionais, a qual, se for considerada como efeito da consoante vizinha, o mais das vezes é uma assimilação progressiva e estritamente local. Exemplos em (7) e (8). HV e AL são, pois, regras diferentes com efeito similar. (7) Alçamento sem condicionador aparente boneca > buneca > embunecar, embunecado colégio > culégio, culegial, culegiado governo > guverno, guvernar, guvernado jogar > jugar, jugando, juguei, jugava moleque > muleque, mulecão, mulecagem Por vezes, as duas entram em ação na mesma palavra como regras conjuntivas: (8) acontecia > aconticia, acunticia (HV), acunteciria (AL, HV) acontece > acunteceu, acuntecia (AL) Se a distinção entre as duas regras mencionadas não for levada em consideração, casos do tipo acuntecia seriam tidos como harmonização vocálica, pois, segundo Bacovic (2007), assimilação regressiva à longa distancia pode não ser adjacente. Isso teria o custo de deixar (7) à deriva. Delineada a pauta pretônica e a harmonia que nela opera em variedades do Sul/Sudeste, passemos à pretônica do Norte/Nordeste. 2. A pretônica em variedades do Norte/Nordeste Ambas as vogais médias se fazem presentes na pauta pretônica de variedades do Norte/Nordeste, como vem sendo documentado em dissertações, teses e artigos. Neste texto, tomamos como referencial os estudos realizados sobre a pretônica de Belém, Pará (Rasky & Santos, 2009) e de Teresina, Piauí, (Nascimento Silva, 2009) que documentam a presença de três regras variáveis, interpretadas como assimilação, responsáveis pela presença das médias. Esse particular diferencia variedades do Norte/Nordeste de variedades do Sul/Sudeste. 16 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 16 06/12/2011, 22:20 Harmonização gradiente Tabela 1: Efeitos da vogal contígua em Belém (readaptação de Razky & Santos, 2009) [e] Vogal Contígua Total [] Peso relativo Total [i] Peso relativo Total Peso Relativo /i/ 56/144 .164 25/144 .093 63/144 .743 /u/ 12/34 .367 2/34 .027 20/34 .605 /e/ 112/196 .594 2/196 .013 82/196 .393 /o/ 79/114 .452 16/114 .347 19/114 .201 // 17/92 .062 74/92 .896 1/92 0.62 /n/ 7/42 .171 12/42 .521 23/42 .308 /a/ 31/180 .142 84/180 .668 65/180 .190 Os valores mais altos, em negrito, assinalam a vogal média aberta diante de /, a, n/, a vogal alta diante de /i, u/ e a fechada diante de /e, o/. Os dados revelam, como afirmam Razky & Santos (2009), três regras de assimilação de altura, como ocorre em d[e]fesa, p[]tca e p[i]rigo. Passemos aos dados de Teresina, Piauí. Para fins de comparação com a Tabela acima, apresentamos somente os resultados da análise da vogal [-post], todavia, as duas médias, em separado, em virtude da organização diferente dos dados. Tabela 2: A Vogal média aberta [-post] na pretônica em Teresina (readaptação de Nascimento Silva, 2009) Vogal contígua /a/ // /n/ /e/ /i/ /u/ Ocorrência 424/494 201/229 175/212 289/478 777/1376 146/233 Peso relativo 0,73 0,76 0,67 0,47 0,43 0,35 Exemplo mlancia mlancia rptitivo rptitivo mlhnr mlhnr dpende dpende dlito dlito prjuízo prjuízo 17 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 17 06/12/2011, 22:20 Pesquisador Convidado Tabela 3: A Vogal média fechada [-post] na pretônica Vogal contígua Vogal alta Ocorrência 309/1385 Peso relativo 0,45 Média fechada 263/722 0,72 Vogal baixa 102/912 0,41 Exemplo serviço secura agradecer reforço paletó semana Da mesma forma que nas Tabelas anteriores, os resultados mostram a vogal média aberta diante de vogais baixas com índices altos (2a), assim como a vogal média fechada se apresenta diante de médias fechadas (2a’), sugerindo que ambas as vogais são o resultado de assimilações, ideia defendida pela autora deste estudo. Por outro lado, Nascimento Silva, ao analisar a vogal média diante de alta, constata três variantes, apresentando uma lista de exemplos sob o rótulo de variação tripartida. Desses extraímos os seguintes para fins de discussão no item 3. (9) Variação tripartida algria ~ alegria ~ aligria fliz ~ feliz ~ filiz tcido ~ tecido ~ ticido mxido ~ mexido ~ mixido rcibo ~ recibo ~ ricibo vnlume ~ volume ~ vulume pnlido ~ polido ~ pulido fnrtuna ~ fortuna ~ furtuna nnvidade ~ novidade ~ nuvidade snfrimento ~ sofrimento ~ sufrimento 3. Suposições e análise Diante das Tabelas apresentadas, que denotam a presença de ambas as médias na pretônica, fechada e aberta, como produto de assimilações, portanto, não distintivas na pauta pretônica, no sentido tradicional, partimos do pressuposto de que tais vogais têm a mesma estrutura subjacente, isto é, são subespecificadas (Kiparsky, 1993) quanto a [aberto 3], o traço que as distinguiria (cf. 1). Ambas são [-ab1,+ab2]. Expondo-se, em função dos objetivos, somente o traço assimilador da vogal gatilho, temos a representação do processo de assimilação que produz as médias na pretônica em (10). (10) Assimilação da pretônica diante de média fechada (10a) e diante de média aberta ou vogal baixa (10b) 18 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 18 06/12/2011, 22:20 Harmonização gradiente a. V C [abertura] V.... ]Word [abertura] / \ | [-ab1] [+ab2] [-ab3] b. V C [abertura] V.... ]Wo rd [abertura] /\ [-ab1] [+ab2] | [+ab3] Trata-se de regra de formação de estrutura. Se a vogal seguinte for /e, o/, o traço [-ab3] da vogal seguinte preenche o vazio da média subjacente que se manisfesta como média fechada (10a). Da mesma forma, por assimilação que preenche o vazio, diante de /, n, a/, por espraiamento do traço [+ab3], emerge a média aberta como (10b) representa. Os exemplos em (11) mostram as vogais tônica e pretônica harmonizadas. (11) Exemplos de vogais médias produzidas por assimilação a. bl[e]za > beleza b. cEl[]ste > clste sr[e]no > sereno pEd[]stre > pdstre sOl[e]ne > solene sOl[a]co > snlaço Vale observar que essas vogais podem aparecer em contextos não harmônicos, como frmento, dncumentário, nnvena, fechamento, rfogar, a título de exemplos. Motivos contextuais podem ser identificados: a nasalidade a bloquear a média aberta, a relação da palavra derivada com a base de média fechada, a vizinhança com a fricativa palatal ou a preferência pela vogal default.2 O ponto a chamar atenção é que exemplos do tipo (11a), que são o resultado de assimilação em variedades do Norte/Nordeste, coincidem com o resultado da neutralização em variedades do Sul/Sudeste. Mas são dissimilares em (11b). Isso indica que, embora presentes na pretônica (11a,b), as médias perdem o valor contrastivo que as distingue, pois decorrem de assimilações. Enquanto no Sul/Sudeste, perde-se esse valor opositivo por neutralização, proibindo a média aberta; no Norte/Nordeste, perde-se esse valor por assimilação, permitindo a presença de ambas. Eis um caso de efeitos semelhantes no sistema interno com resultados externos diferentes em decorrência de processos distintos. Retomemos a harmonização vocálica. 2 Sobre variação especificada, ver Barbosa da Silva, (1989). 19 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 19 06/12/2011, 22:20 ι Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 20 11/12/2011, 22:39 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 21 11/12/2011, 22:39 Pesquisador Convidado Passo 2: Perda do traço de abertura que distingue e de i, por expansão do traço [-ab2] da vogal alta, o gatilho, harmonizando-se as vogais plenamente. b. V | [abertura ] ‡ [ + ab2] C V | [abertura] | [-ab2] feliz > filiz Como efeito do primeiro passo da harmonia, resulta a vogal média fechada. Desliga-se o traço [+ab3] da vogal média aberta, o alvo, para dar lugar ao traço [-ab3] da vogal alta vizinha, provocando a mudança de um grau de abertura. O processo pode parar aqui, aumentando o número das médias fechadas na pretônica. Mas pode prosseguir, quando, no segundo passo, se desassocia o traço [+ab2] da vogal alvo para dar lugar a [-ab2] da vogal alta, completando-se o processo de harmonização vocálica, novamente por mudança de um grau de abertura. Em suma, a partir de fliz, tomado para exemplo, realizam-se, gradativamante, feliz e filiz. Isso ocorre tanto com a média [-post] quanto com a média [+post], como (9) exemplifica. Portanto, o contexto da harmonização com a vogal alta, regra variável de origens remotas que o português brasileiro preserva, revela resultados gradientes em variedades que possuem a média aberta no sistema. Tudo indica que a variação tripartida, constatada com fartos dados por Nascimento Silva (2009), seja o efeito dessa harmonia gradiente. Não se afirma que as três variantes devam estar presentes na fala de cada individuo, mas conjectura-se que a vogal média fechada, fartamente documentada neste contexto, por certo perceptível ao falanteouvinte, seja no conjunto de dados a presença veiculadora da consecução plena da harmonização vocálica, quando se trata da média aberta diante de vogal alta, alvo e gatilho separados por mais de um grau de abertura. De outra forma, tornar-se-ia difícil explicar a presença de /e/ neste contexto em variedades cuja vogal default é a média aberta. Assim, encerra-se este pequeno texto que discutiu duas faces da harmonização vocálica, privativa e gradiente, e fez a distinção entre assimilação que preenche vazios em estruturas e assimilação que muda traços, ou seja, sons. 22 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 22 06/12/2011, 22:20 Harmonização gradiente 4. Conclusão A harmonização com a vogal alta que, como os demais processos asssimilatórios discutidos neste texto, tem o feito de tornar semelhantes os segmentos de seu domínio, minimizando o esforço articulatório ao reforçar o traço expandido, tem peculiaridades específicas. Opera como harmonia privativa em variedades em que a neutralização anula a vogal média aberta na pauta átona, privilegiando a média fechada, e como harmonia gradiente em variedades em que ambas as médias estão presentes na pretônica. A presença da média baixa na pretônica abre espaço para a harmonia gradiente cujos efeitos podem ser de duas ordens: a) cessar no primeiro passo, aumentando o número de vogais médias fechadas e b) chegar aos efeitos finais, harmonizando as vogais em favor da vogal alta. Por fim, vale observar que, independentemente dos mecanismos que venham a explicar a presença de ambas as médias na pretônica, em se tratando da harmonia com a vogal alta, que deve contar com vogais plenamente especificadas, o caminho fica aberto para a harmonia gradiente. Referências BARBOSA DA SILVA, Myrian. As pretônicas no falar baiano. Tese (Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1989. BACOVIC, “E. Local assimilation and constraint interaction”. In: LACY, Paul de. The Cambridge handbook of phonology. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, pp. 335-352. CLEMENTS, G; HUME, E. “The internal organization of speech sounds”. In: GOLDSMITH, John (org.). The handbook of phonological theory. London: Blackwell, 1995, pp. 245-306. NASCIMENTO SILVA, A. As pretônicas no falar teresinense. Tese (Doutorado) – PUCRS, Porto Alegre, 2009. KIPARSKY, P. “Bloking in non derived environments”. In: HARGUS, S; KAISSE, E. (orgs.). Phonetics and Phonology, vol. 4. Nova Iorque: Academic Press, 1993, pp. 277-210. RAZKY, A; SANTOS, E.G. dos. “O perfil geolinguístico da vogal /e/ no Estado do Pará”. In: RIBEIRO, S. et ali. (org.). Dos sons às palavras. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 17-40. TRUBETZKOY, N. S. Principes de Phonologie. Paris: Editions Klincksiek, 1967. 23 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 23 06/12/2011, 22:20 Pesquisador Convidado Resumo Este estudo diz respeito à harmonização gradiente com a vogal alta e à assimilação que produz vogais médias na pauta pretônica, em variedades do Norte/Nordeste, tomando como ponto inicial o sistema da pretônica no Sul/Sudeste. Palavras chave: harmonização, assimilação, sistema vocálico. Abstract This study concerns the gradient harmonization with the high vowel and the assimilation which produces mid vowels in the pretonic position, in varieties in the North/Northeast, taking as a starting point the pretonic system in the South/Southeast. Keywords: harmonization, assimilation, vocalic system. 24 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 24 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap1.pmd 25 11/12/2011, 22:43 Diadorim8-cap1.pmd 26 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista Elisa Figueira de Souza Corrêa1 A figura de Hermann Paul, embora não tenha sido esquecida, é muitas vezes diminuída ou vista como a de “mais um neogramático” atualmente. Visando reparar essa visão, este artigo procura analisar a postura teórica e alguns conceitos inovadores propostos por Paul, os quais foram cruciais para o desenvolvimento da Linguística no século XX. Em especial, comparam-se as posturas dele com as de gerativistas e sociolinguistas variacionistas no tocante à aquisição de L1, velocidade e propagação de mudança, analogia e mutação fonética e semântica, e previsibilidade das mudanças. 1. Os neogramáticos No século XIX, os estudiosos da linguagem se concentravam principalmente nas investigações comparativas entre as gramáticas de diversas línguas, em especial das pertencentes ao tronco indo-europeu. Todos sonhavam em reconstituir a “língua original”, da qual teriam vindo todas as outras. Pelo fim desse século, contudo, um grupo de pesquisadores surge com uma proposta um pouco diferente: focar-se não nas línguas do passado, mas nas do presente, não na escrita, mas na língua falada. Esses pesquisadores, em sua maioria alemães, ficaram conhecidos como neogramáticos. Engrossavam suas fileiras figuras como Brugman, Osthoff e Hermann Paul, cujas obras são referência ainda hoje. 1 Diadorim8-cap1.pmd Doutoranda PUC-Rio 27 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Osthoff e Brugman (apud Lagares, 2008), precursores do movimento, afirmavam que anteriormente, a reconstrução da língua ancestral indo-europeia foi sempre a finalidade principal e o foco de toda a linguística comparativa. A consequência foi que todas as pesquisas estavam direcionadas constantemente a esta língua original [...]. Os desenvolvimentos linguísticos mais recentes eram considerados como estágios de decadência, de declínio, e com certo desdém eram, na medida do possível, desconsiderados. Apesar de não desprezarem o trabalho de seus antecessores, os neogramáticos acreditavam que muito mais interessante que a reconstrução de uma suposta protolíngua seria a observação dos fenômenos que levaram à sua transformação, i.e., as infindáveis e consecutivas mudanças sofridas pelas línguas ao longo do tempo – e, ao invés de se trabalhar apenas com formas hipotéticas (por mais confiáveis que fossem), tanto melhor seria observar esses fenômenos in vivo nas línguas e dialetos à mão. Dessa forma, e aproveitando-se de tudo quanto já fora descoberto, os neogramáticos concentram seus trabalhos na sincronia (caminho que também seria seguido por Saussure, no século XX) e na mudança linguística. É claro que, em parte, essa escolha pela mudança estava também relacionada com a visão que se tinha de “fazer ciência” na época, uma vez que, apesar de os comparatistas já serem fortemente influenciados pela Biologia, a universalidade da aplicação das leis físicas só então foi proposta para as línguas. Em outras palavras, os neogramáticos postularam que as leis fonéticas, conhecidas já desde Grimm, eram absolutas e que quaisquer aparentes exceções eram, na verdade, casos que seriam, algum dia, explicados e re-encaixados em alguma lei – ou, em último caso, explicados através de uma mudança por analogia. 2. As ideias de Hermann Paul Dentre esses pesquisadores, Hermann Paul foi um dos que mais influenciou o pensamento linguístico pelos anos a fora. Seu trabalho procurava explicar como se dava, exatamente, a mudança no indivíduo, em especial, mas também na sociedade em geral, pelo que foi de grande importância para a identificação das regularidades da mudança linguística. Paul chama atenção inclusive para os fatores psíquicos dos falantes que influenciariam na língua, pois essa não era realmente um organismo vivo, 28 Diadorim8-cap1.pmd 28 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista acima dos indivíduos, mas sim um organismo psíquico, produto conjunto das alterações individuais e das forças centrípetas sociais. Na verdade, essa crença já estava presente no “manifesto”, de 1878, de Osthoff e Brugman (1967, p. 204), no qual se lê: “language is not a thing which leads a life of its own outside and above human beings, [...] it has its true existence only in the individual”; mas Paul irá se aplicar mais que seus pares para descrever esses fatos, inclusive seu caráter psíquico. Para melhor compreender como se dá o fenômeno da mudança fonética, ou, como chama, alteração fonética, Paul se propõe a analisar as partes que compõem o ato da fala, dividindo-o em três momentos: (a) os movimentos dos órgãos fonadores, (b) o sentido mecânico e (c) as sensações sonoras, com sua contraparte, as imagens da memória (Paul, 1983, p. 59). De suma importância para a compreensão das alterações fonéticas são as imagens que cada som enunciado deixa na memória do próprio falante e, obviamente, também do ouvinte, pois é a partir delas (e aqui Paul chama atenção para o fator psíquico das sensações provocadas pelo estímulo no ouvinte/falante) que o indivíduo tentará reproduzir novamente aquele som. Para essa reprodução, entretanto, não pode contar com mais do que o que sentiu ao produzir ou ouvir dado som, e é aí que nascem as pequenas discrepâncias que poderão, um dia, provocar uma alteração fonética na língua. Sobre a novidade do conceito de imagem da memória e seu valor psicológico, Lagares (2008) comenta: a introdução da noção de imagem da memória, como correspondente nunca totalmente exato da sensação sonora, também faz referência ao processo psíquico de percepção e compreensão sonora e permite explicar a mudança como produto de uma soma de pequenas modificações, acontecidas nesse espaço intermediário entre o físico e o psicológico, onde as equivalências nunca são exatas, que podem acabar produzindo diferenças notáveis. (Grifos do autor). Para Paul, parte do problema da mudança reside no fato de as palavras serem uma série sonora indivisível e de sua produção ser feita de forma inconsciente pelos falantes. Isto é, sendo sua produção e percepção um ato mecânico para os indivíduos, uma pequena alteração dificilmente seria levada em consideração – especialmente quando o indivíduo já possui uma imagem sonora prévia daquela palavra. Nesses casos, a nova sensação sonora se juntará à imagem anterior, formando uma espécie de “média” ou, mais ainda, se sobreporá às anteriores (Paul, 1983, p. 62-64). 29 Diadorim8-cap1.pmd 29 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Essa constatação não significaria, contudo, que os falantes não possuiriam um controle sobre sua fala. Pelo contrário, esse controle não apenas existe como funciona rechaçando produções que se afastem demais do padrão, isto é, da imagem da memória; mas, como “a possibilidade de graduação nos movimentos dos órgãos fonadores e naturalmente nos sons por eles produzidos é de facto ilimitada” (Paul, 1983, p. 63), se tornam compreensíveis a existência dessas alterações e a tolerância dos indivíduos. Na verdade, sentimos como “essencialmente idênticos” grupos de sons de fato diferentes – sendo esta uma das dificuldades para os que aprendem novas línguas e uma das vantagens ao nos comunicarmos com falantes de dialetos próximos. Esta variabilidade da pronúncia, que não se nota por causa dos estreitos limites em que se move, contém a chave para a compreensão do facto, de resto incompreensível, de que se realiza gradualmente uma modificação do uso no que respeita ao aspecto fonético da língua, sem que aqueles em quem se realiza esta modificação façam dela a mínima ideia. (Paul, 1983, p. 64, grifos do autor). Com essas postulações, Hermann Paul abria, então, caminho para as propostas gerativistas de tantos anos depois, uma vez que também Chomsky, Lightfoot e outros, incorporando a mudança como parte dos estudos linguísticos, pensam que a única forma de compreendê-la e estudála seria do ponto de vista do indivíduo. 3. O legado de Paul na linguística gerativa A posição dos gerativistas se explica por estes defenderem que não apenas a língua não poderia ser cientificamente abordada se encarada enquanto entidade social, coletiva – pois, a partir desse ponto de vista, ela não é homogênea –, como também porque seria mais proveitoso estudar diretamente o “sistema de conhecimento” que sustenta a capacidade humana da linguagem. Como se sabe, segundo os postulados chomskianos, a linguagem é específica aos seres humanos e, sendo assim, todo indivíduo já nasce com um conjunto de princípios linguísticos definidos e parâmetros a definir. Dessa forma, pesquisar quais são esses valores inatos e como funcionam é descobrir como podemos aprender a falar. E, dentro disso, pesquisar como a mudança linguística invariavelmente acontece é perceber ou alguma outra característica intrínseca ao mecanismo mental 30 Diadorim8-cap1.pmd 30 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista humano, ou o modo como essa mudança ocorre não no conjunto da sociedade, mas internamente a cada um. De fato, é patente que existem realmente diferenças no uso feito por cada falante de uma mesma língua – donde se criou o conceito de idioleto. Mas, se, para Paul, esse fato era um indicativo de dialetos diversos e da dificuldade de re-produção idêntica da imagem/sensação ou até indício de uma mudança em andamento, para os gerativistas, isso será prova da inexistência de uma “língua externa” propriamente dita, isto é, o que existe na verdade são diversas línguas individuais (línguas internas) formando áreas de interseção umas com as outras, as quais constituiriam os pontos de comunicação possível num conjunto altamente heterogêneo. Aqui se torna interessante fazer uma observação, porque, embora reconhecesse as diferenças na fala entre indivíduos, Hermann Paul também (como todos os neogramáticos) defendia a infalibilidade das leis fonéticas. Ora, conforme Lagares (2008): na realidade, a regularidade absoluta da mudança só pode ser pensada concebendo as línguas e dialetos como entidades homogêneas, desconsiderando, portanto, a heterogeneidade das línguas em sociedade, eliminando a variação, pois a introdução de variáveis sociais na análise põe em relevo as descontinuidades e a irregularidade na difusão da mudança. Apregoar “heterogeneidade no uso, mas homogeneidade no conjunto” poderia ser visto como uma contradição no pensamento do linguista alemão, porém esse é, talvez, um indício do fato, como percebido também por Chomsky2, de que as idealizações são indispensáveis para o trabalho investigativo, de modo que Paul precisava tratar como homogêneas as línguas, ainda que as soubesse diferentes em verdade: É claro que se subentende que comunidades linguísticas, no sentido de Bloomfield – isto é, como conjuntos de indivíduos com o mesmo comportamento linguístico –, não existem no mundo real. [Mas] também nós fazemos tal abstracção, tendo apenas em consideração o caso de uma pessoa confrontada com experiência uniforme numa comunidade linguística bloomfieldiana idealizada em que não há diversidade dialectal 2 Mais adiante, contudo, veremos opiniões diferentes para essa questão. 31 Diadorim8-cap1.pmd 31 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos nem variação entre os falantes. [...] A legitimidade destas idealizações tem sido por vezes questionadas, mas com bases duvidosas. Na verdade, elas parecem ser indispensáveis. (Chomsky, 1994, p. 36-37). 3.1 A aquisição de língua materna e as teorias de mudança: enfoques diferenciados Para, então, se focarem nesse estudo individual da mudança nas línguas, tanto Hermann Paul quanto os gerativistas concentram sua atenção no momento da aquisição. A interpretação dada a este momento, contudo, diferirá um pouco. Paul vê na primeira infância a mais clara evidência de sua hipótese sobre a sensação sonora e a imagem da memória de cada palavra, já que aquele momento é para cada um de nós uma fase de experimentação, na qual gradualmente aprendemos, através de variados esforços, a reproduzir o que se diz à nossa volta. E quando esta fase atinge a máxima perfeição possível, então inicia-se um período de relativa paralização (sic). [...] Começa a existir uma grande regularidade na pronúncia, caso não surjam perturbações causadas por forte influência dum dialecto estranho ou duma língua escrita (Paul, 1983, p. 63). 3 Mas o que para este autor é uma “relativa paralisação”, para Lightfoot e outros gerativistas será uma parada total. Segundo esses teóricos a gramática internalizada na primeira infância será a única e verdadeira língua-interna do indivíduo, não admitindo alterações posteriores. De fato, para os gerativistas o momento da aquisição da linguagem é o momento de ocorrerem as mudanças em uma “língua social” (isto é, de uma língua não individual, mas observada ao longe, de um modo genérico), pois, uma vez internalizada uma gramática, ela permanecerá a mesma para sempre. As alterações observáveis no discurso de uma mesma pessoa ao longo de sua vida são, então, atribuídas pelos gerativistas às mudanças de 3 Ainda que este não seja o foco do trabalho, vale notar que, por esse trecho, se vê a crença de Paul num processo de aprendizado por repetição (aparentemente bem à moda comportamentalista) por parte das crianças. Os gerativistas estão entre os maiores contestadores dessa teoria, justificando a rapidez e eficiência da aquisição de língua materna pelo mecanismo dos princípios e parâmetros preexistente na mente humana. 32 Diadorim8-cap1.pmd 32 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista estilo, variedades diafásicas, que um indivíduo incorpora no seu repertório para melhor se adequar ao ambiente. À medida que cresce ouvindo esses diferentes usos – e não só os usos da gramática internalizada de seus familiares – uma criança virá a incorporar, diferentemente dos adultos à sua volta, essas opções de estilo como sua própria língua-interna. E quanto mais crianças sofrerem esse mesmo processo (i.e. internalização do que antes era estilo), mais caminhará aquela língua como um todo na direção de uma mudança paramétrica. Naturalmente, além de simples inovações estilísticas, as crianças também estão expostas a outras construções inovadoras, geradas por motivos adversos, como migrações populacionais. 3.2 Velocidade e propagação da mudança A partir disso percebe-se que Paul e Lightfoot têm diferentes posições quanto a um ponto importante no tocante à natureza da mudança, a saber, se esta ocorre lenta ou rapidamente. Como já visto, o neogramático admitia não apenas a possibilidade de alguém modificar sua fala ao longo de sua vida, mas até a probabilidade disso ocorrer dada a inconsciência do ato da fala. Mais ainda, Hermann Paul ressalta conjuntamente, como fatores de mudança, tanto a facilidade de pronúncia dos sons pelos órgãos fonadores (também chamada Lei do Menor Esforço, extremamente criticada por diversas correntes linguísticas mais tarde), quanto a conformidade das tendências simplificadoras com o “sistema fonético” a que pertenciam, i.e., “a direcção em que o som é desviado tem de ser também condicionada pela direcção dos outros sons” (Paul, 1983, p. 66) – fatores esses que coloca como secundários à explicação relacionada ao sentido mecânico mas que, de qualquer forma, também agem num largo espaço de tempo sobre dada comunidade. Adiciona a esses dois, ainda, fatores de natureza psicológica, admitindo, contudo, que esses ainda carecem de pesquisa sistemática séria (Paul, 1983, p. 68). Naturalmente nem toda discrepância na reprodução resultará em mudança. Além desses fatores propiciadores de mudança, haveria concomitantemente a ação da imagem fonética, elemento que se forma ao longo da experiência de vida ouvinte do indivíduo e que servirá de freio, corrigindo discrepâncias extremas na fala. Eventualmente, além desses fatores inconscientes, também a própria comunidade linguística pode vir a interferir e rejeitar alterações por motivos vários – assunto este do qual trataremos mais adiante. Dado tudo isso, fica claro que, para Paul, a alteração implementavase paulatina e gradualmente nas línguas, pois, mesmo que ele identificasse na transmissão da língua para as crianças “a causa principal da mutação 33 Diadorim8-cap1.pmd 33 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos fonética” (Paul, 1983, p. 70), não havia ali uma modificação radical, e sim um sentido de continuidade com a fala da geração anterior, sendo quaisquer diferenças fonéticas sempre mínimas. Ou, em suas palavras: “uma modificação no sentido mecânico [...] nasce gradualmente, duma soma de modificações tão pequenas que dificilmente as podemos imaginar uma diferença notável” (Paul, 1983, p. 65) e, sendo a mutação no sentido mecânico o principal agente de mudança, também esta será gradual. O mesmo não se dá na perspectiva de Lightfoot. Como a gramática internalizada de um falante não suporta mudanças, essa só poderá ocorrer “catastroficamente”, i.e., de modo abrupto no momento da aquisição. O fato de uma pessoa, com o tempo, incrementar seu discurso com inovações não é visto normalmente como alteração naquela estrutura adquirida, mas como aprendizagem de outras gramáticas, opcionais e paralelas à sua. Um dos principais argumentos em defesa dessa hipótese é o fato de que, se uma simples divergência de parâmetro entre duas línguas pode provocar diferenças radicais (e.g. os padrões SVO ou SOV de sentenças), também as mudanças devem poder ser radicais. Além disso, a gradação percebida no tempo não seria uma característica da mudança, mas sim de sua difusão. A mudança em si não teria propriedades temporais, logo seria catastrófica: “the natural way for linguists to think of this is that different childhood experiences, different sets of primary linguistic data (PLD), sometimes cross thresholds, which entails that the system shifts, and that a new grammatical property results” (Lightfoot, 1999, p. 91, grifos nossos). A justificativa de Lightfoot para a ilusão de mudança, isto é, a existência de várias gramáticas internalizadas em um mesmo indivíduo, dá conta de algumas contestações teóricas feitas aos gerativistas. Basicamente, em situações de “variedade paramétrica”, como as percebidas nos registros de inglês arcaico, a hipótese de mudança gradual entraria em choque com a proposição de que, por exemplo, a ordem do discurso SVO ou SOV é uma escolha paramétrica4 nas línguas (já que, em inglês arcaico, ambas essas ordens são encontradas). Sendo assim, pela suposição de gramáticas concorrentes, Lightfoot não apenas garante a continuidade desse parâmetro (cada uma das gramáticas internalizadas atendia a um parâmetro diferente), como também reafirma sua teoria de difusão da mudança, a saber: quando há gramáticas concorrentes, há instabilidade; e, onde há instabilidade, há uma mudança em andamento. Em outras palavras, trata-se de um momento 4 Se parâmetros são termos binários para as línguas, não deveria ser possível dizer às vezes sim e às vezes não para um mesmo dado valor. 34 Diadorim8-cap1.pmd 34 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista de transição entre a predominância de certos valores paramétricos para outros5. Graças a essa hipótese também se torna possível entender por que existe uma continuidade comunicativa entre pessoas com gramáticas internalizadas parametricamente diferentes: cada uma possui secundariamente a gramática da outra. A defesa da mudança catastrófica é, de fato, uma exclusividade gerativista. O próprio Lightfoot explica que isso ocorre por uma questão de ponto de vista: enquanto ele e outros gerativistas olham para a língua interna, a maioria dos outros teóricos, defendendo uma visão coletivista de língua, olha para o todo e, por isso, vê como mudança o que para eles é apenas a sua difusão. Realmente, sociolinguistas variacionistas são categóricos ao afirmar que a mudança linguística envolve sucessivas gerações de uma comunidade e “não é uniforme nem instantânea; ela envolve a co-variação de mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo, e está refletida na difusão de isoglossas por áreas do espaço geográfico” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 126, grifos nossos). Outro ponto de interesse e marcante discordância entre gerativistas e neogramáticos é a maneira como a mudança se propagará. Apesar de Hermann Paul já começar a esboçar uma certa noção de língua como sistema (adiantando uma das grandes contribuições de Saussure no século XX) quando defende que ela possui um “sistema fonético harmonioso” e que há um direcionamento nas alterações fonéticas, teóricos percebem em Paul uma aceitação do acaso como um fator de mudança, já que esta se firmaria conforme a estabilidade dos usos individuais (Castilho, 2006, p. 227). Isto é, cada indivíduo tem sua tendência oscilatória própria refreada apenas pelo convívio social, e cada tendência da sociedade é reforçada e estabilizada pela sua frequência de uso. Os gerativistas, por sua vez, defendem não só um direcionamento na mudança linguística como até mesmo que a predição da mudança, dentro de certos limites, é possível. Em conferência no Brasil, Lightfoot (1993) explica que, através do estudo conjunto dos princípios e parâmetros das línguas humanas, do estudo do processo de aquisição da linguagem e do estudo da gramática internalizada dos indivíduos será possível compreender que as mudanças costumam ocorrer em grupos, motivadas por uma mudança paramétrica (como supramencionado) e que esta ocorre quando, na época da aquisição, há uma alteração na qualidade dos dados linguísticos primários disponíveis. 5 Lightfoot (1999, p. 95) também coloca que uma mudança paramétrica sempre acarreta alterações em todos os fenômenos ligados a ela, na superfície da língua. 35 Diadorim8-cap1.pmd 35 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Qualquer mudança num dado fenômeno é explicada se se mostrar primeiro que o ambiente linguístico mudou de tal forma que uma escolha teórica foi feita de modo diferente. [...] O que não podemos explicar é por que o ambiente linguístico deveria ter mudado inicialmente. As mudanças ambientais são frequentemente motivadas pelo que tenho chamado de fatores do “acaso”, efeitos de empréstimos, mudanças na frequência de formas, inovações estilísticas, que se espalham pela comunidade. (Lightfoot, 1993, p. 290) De qualquer forma, o autor supõe que, com avanços suficientes nas áreas supramencionadas, seria possível, a partir da percepção na alteração de um parâmetro, deduzir quais mudanças ocorreriam numa certa língua. Ou seja, para ele, há uma interação entre acaso (mudança inicial do ambiente) e necessidade/direcionamento linguístico (“reação” em forma de mudança). O próprio Lightfoot (1999, p. 105-106) chega a identificar seis características perceptíveis nas mudanças paramétricas, mas, ao que tudo indica, a previsibilidade pretendida ainda não pôde ser alcançada. 3.3 Mutação fonética, mutação semântica e analogia Sobre as mutações fonéticas, Hermann Paul ressalta ainda que nem todas teriam a ver com uma transformação do sentido mecânico, mas que com esta compartilham a característica de não estarem relacionadas à função da palavra, isto é, são estritamente mudanças sonoras, como, por exemplo, é o caso de metáteses, assimilações, dissimilações. Inversamente, há, então, toda uma classe de mudanças ligadas justamente à função exercida por cada palavra. Aí se encontram a mutação semântica e a analogia. A principal diferença da mutação semântica para a mutação fonética é que, enquanto nesta última há a substituição de um som por outro, na semântica o processo de substituição de uma palavra por outra, se total, é muito lento e, muitas vezes, pára pelo meio, gerando formas paralelas na língua. De fato, embora o surgimento da mutação semântica seja como o da fonética, i.e., por um desvio no emprego, Paul acredita que todas as palavras têm uma significação usual (mais geral) e outra ocasional (mais específica, compreensível apenas com a ajuda de outros fatores, alguns extralinguísticos, e.g. presença do objeto na cena, conhecimentos prévios etc.). “Em todos os desvios da significação ocasional em relação à usual há um começo de mutação semântica”, diz Paul (1983, p. 92-3), mas, como 36 Diadorim8-cap1.pmd 36 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista a linha que separa esses dois usos é tênue6, é possível encontrar diversos graus desse processo simultaneamente. No processo de mutação semântica, contudo, e talvez mais até que no de alteração fonética, a necessidade de uma corroboração social é premente. Como diz o autor, “faz parte da natureza deste processo que ele nasça dum emprego repetido e regular da significação originariamente só ocasional” (Paul, 1983, p. 92). O mesmo ocorre no caso das analogias: enquanto as formas inéditas serão aceitas com mais facilidade (preenchendo uma carência da língua), uma forma sinônima criada por analogia deverá contar – a fim de que substitua uma outra existente – com o apoio de vários indivíduos de um mesmo círculo, adotando o que, doutra forma, seria senão um erro/engano de construção (Paul, 1983, p. 125). 4. Hermann Paul e a sociolinguística variacionista Essa crença na importância da interação social como parte fundamental nos processos de mudança linguística é o principal ponto em comum entre o pensamento de Hermann Paul e o dos sociolinguistas variacionistas. Mesmo que Paul concentre sua análise linguística no indivíduo e seu idioleto homogêneo, o neogramático não dissociava nunca do processo de mutação o caráter social da linguagem. O mesmo farão os sociolinguistas, no estudo da mudança. Para eles, apenas o enfoque coletivo de uma língua faz sentido, pois, sendo a língua um objeto social cujas mutações são instigadas por causas sociais, nenhuma outra abordagem é razoável, i.e., fatores sociais e linguísticos estão intimamente interrelacionados e devem ser estudados e explicados em conjunto. Weinreich et alli (2006, p. 114) destacam uma fala de Meillet em que este admitia ser a língua uma instituição social e “disso decorre que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode apelar a fim de explicar a mudança linguística é a mudança social, da qual as variações linguísticas são somente as consequências”. Mais que isso, a heterogeneidade passa a ser um fator sine qua non para a ocorrência de mudanças, já que somente num ambiente em que há diferentes opções de uso é possível haver variação de um ponto a outro. A isso chamarão de sistema ordenadamente heterogêneo, um sistema no qual a escolha entre alternativas linguísticas acarreta diferentes funções sociais e estilísticas, de forma que esse sistema muda à medida que 6 “Entre esses dois pontos é possível uma gradação variadíssima” (Paul, 1983, p. 92). 37 Diadorim8-cap1.pmd 37 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos acompanha as mudanças na estrutura social (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 99). Esses autores ressaltam, por isso, o erro de tantos outros linguistas na adoção de modelos simplistas de análise, em que se considera apenas um idioleto individual homogêneo para se estudar a mudança, desconsiderando a interação social, a qual faz com que qualquer inovação seja adotada ou rejeitada, ou com que seja considerada de mais ou menos prestígio por uma comunidade, ou, ainda, seja apenas incorporada ao vasto leque de alternativas estilísticas de cada indivíduo. Ao contrário, os sociolinguistas variacionistas afirmam que para uma investigação frutífera o primeiro passo é abandonar a idealização de língua homogênea e, juntamente com esta, a de idioleto, no sentido redutor que vinha sendo empregado: A estrutura linguística em que os traços mutantes se localizam tem de ser ampliada para além do idioleto. O modelo de língua proposto aqui tem (1) estratos discretos, coexistentes [...] funcionalmente diferenciados e conjuntamente disponíveis para uma comunidade de fala; e (2) variáveis intrínsecas, definidas por co-variação com elementos linguísticos e extralinguísticos. (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 123, grifos nossos). A partir da valorização da comunidade circundante no processo de mudança, outro ponto de concórdia surge entre os sociolinguistas e Paul, a saber, a preferência pelo estudo das línguas atuais às do passado. Mas, ainda que os neogramáticos já tivessem notado a equivalência e melhor observação dos fenômenos in vivo, esse fato será ainda mais óbvio para os variacionistas, pois, uma vez desligados da obrigação de encontrarem, de fato, uma comunidade linguisticamente homogênea e pura de influências externas, e, sobretudo, admitindo a importância da interação social, o trabalho de campo ganhou um sentido ainda maior para esses pesquisadores. Imbuídos deste espírito, Labov, Weinreich e Herzog retomam as investigações neogramáticas, abandonadas com pessimismo por outros (como Bloomfield e Hockett)7, e realizam amplas pesquisas de campo, as quais permitem comprovar a regularidade das mudanças linguísticas. Através de sua longa investigação em comunidades estadunidenses, 7 Cf. LABOV, 1983, p. 213-4. 38 Diadorim8-cap1.pmd 38 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista Labov (1983) até mesmo cria um modelo com a proposta de responder algumas das questões clássicas sobre as mudanças, a saber, quais os mecanismos das mudanças, suas causas e funções adaptativas. A solução que encontra demonstra, principalmente, como a atribuição de juízos de valor – dando mais prestígio, ou estigmatizando, ou criando identificação com uma classe etc. – às realizações linguísticas de uma determinada comunidade são determinantes para a consolidação e difusão (ou eliminação) das mutações. Um dos mecanismos de mudança mais interessantes apontados por Labov é, provavelmente, o que seria identificado como mais caótico, verdadeiro entrave para as hipóteses de trabalho homogeneizadoras8: a entrada de subgrupos novos numa comunidade. Esses subgrupos, adotando as formas alteradas como formas velhas, inovam ainda mais sobre elas. A isto Labov chamou reciclagem, um dos motivos pelo qual a mudança linguística é contínua e irrefreável. Nem por isso, contudo, Labov e seus colegas veem a mudança como caótica ou aleatória. Pelo contrário, por suas pesquisas, acreditam que ela só ocorre quando “a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo da comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter de uma diferenciação ordenada” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 125, grifos nossos). Daí que acreditem também em uma certa capacidade de previsão, por parte da Linguística, do rumo que as mudanças de uma comunidade podem tomar. Por último, vale dizer que Paul irá reafirmar o papel da aquisição infantil de linguagem na transmissão das mutações semânticas e das analogias (das quais, aliás, as crianças serão férteis produtoras) – fato no qual, já vimos, tem o apoio dos gerativistas. Nesse tocante, contudo, é interessante notar que Weinreich et alli (2006, p. 122) refutaram qualquer preferência na preservação dos dialetos paternos pelos filhos, apontando que estes adquirem, na verdade, as características do “grupo de pares que dominam seus anos pré-adolescentes”. 5. Considerações finais Enfim, ainda que hoje os postulados dos neogramáticos e de Hermann Paul estejam em boa parte ultrapassados, eles foram, sem dúvida, essenciais enquanto base para os teóricos do século XX e, em certa 8 Vide a pergunta inicial de Weireinch, Labov e Herzog em sua obra conjunta: “se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como ela funciona enquanto a estrutura muda?” (2006, p. 87, grifos nossos). 39 Diadorim8-cap1.pmd 39 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos medida, vêm servindo como norte ainda no século XXI. O deslocamento do foco investigativo do passado para o presente e a crença na regularidade das mudanças abriram as portas para a estruturação da Linguística como uma Ciência9 (com os ares naturalistas da época, inclusive), tornando-a menos especulativa e teórica, e mais prática e voltada para o presente (e, quiçá, para o futuro também). Graças ao rigor da descrição pormenorizada dos mecanismos de alteração fonética, semântica e morfossintática que Paul fez em sua obra, pôde-se começar a pensar mais organizada e metodicamente nas estruturas linguísticas e em como a mudança age sobre cada uma delas – levandose em consideração, inclusive, fatores externos à língua, mas próprios aos falantes (psicológicos), agora vistos como parte essencial da equação. Essa linha de pensamento abriu passagem para correntes importantes da atualidade, dentre as quais gerativistas e variacionistas, ainda que adotassem perspectivas diferentes entre si. Mesmo que não se tenha chegado até agora a um consenso sobre o que é língua e qual seria a melhor abordagem para compreender seu mecanismo de aquisição e mudança ou, nem mesmo, se tal mecanismo é abrupto ou gradual; o fato é que a comunicação humana flui no tempo e as vozes do século XIX ecoam ainda hoje entre nós. Referências CASTILHO, Ataliba T. de. “Proposta funcionalista de mudança linguística: os processos de lexicalização...” In: LOBO, T. et al. (org.). Para a história do português brasileiro. Salvador: Edufba, 2006, v. 1, pp. 223-269. CHOMSKY, Noam. “Conceitos de língua”. In: ______. O conhecimento da língua: sua natureza, origem e uso. Porto: Caminho, 1994. cap. 2. LABOV. “El mecanismo del cambio linguístico”. In: ______. Modelos sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1983. cap. 7. LAGARES, Xoán Carlos. “O século XIX e a perspectiva histórica”. Inédito, rascunho de um capítulo do Manual de historiografia linguística, 2008. LIGHTFOOT, David. “Uma ciência da história?” DELTA, São Paulo, v. 9, n. 2, pp. 275-294, 1993. LIGHTFOOT, David. “Gradualism and catastrophes”. In: ______. The 9 Como admite Tarallo (1990, p. 51), “a busca de regularidades nos resultados parece ter garantido, tradicionalmente, o valor ‘científico’ dos modelos adotados”. 40 Diadorim8-cap1.pmd 40 06/12/2011, 22:20 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista development of language acquisition, change and evolution. Malden (MA), Oxford: Blackwell, 1999. cap. 4. OSTHOFF, Hermann; BRUGMANN, Karl. Preface to “Morphological investigations in the sphere of the indo-european languages I”. In: LEHMANN, Winfre (org.). A reader in nineteenth-century historical indoeuropean linguistics. Bloomington, London: Indiana University Press, 1967, cap. 14, pp. 197-209. PAUL, Hermann. Princípios fundamentais da história da língua. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 59-130. TARALLO, Fernando. “Regularizando formas”. In: ______. Itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990, cap. 3. WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin I. “A língua como um sistema diferenciado”. In: ______. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. São Paulo: Parábola, 2006, cap. 3. 41 Diadorim8-cap1.pmd 41 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Resumo Este artigo procura recuperar a importância do trabalho de Hermann Paul para as correntes linguísticas do século XX e XXI, mais especificamente para gerativistas e variacionistas. Parte-se de uma contextualização de Paul entre os neogramáticos e, então, esclarecem-se alguns dos conceitos inovadores de Paul, a saber: organismo psíquico, sua divisão dos momentos da alteração fonética e o conceito de imagem da memória. Analisam-se a concepção de língua e o enfoque dado à mudança e variação linguística pelo neogramático e por linguistas modernos e demonstra-se como diversas ideias e soluções de Paul foram importantes para a História dos estudos da linguagem. Os temas discutidos comparativamente nessas três correntes são: aquisição de L1, velocidade e propagação da mudança, mutação fonética e semântica e analogia, previsibilidade da mudança. Palavras-chave: Hermann Paul, neogramáticos, gerativismo, sociolinguística variacionista Abstract This paper tries to emphasize the importance of neogrammarian Hermann Paul’s work to the 20th and the 21st century Linguistics, namely to generativists and variationists. It begins looking at Paul’s work as a neogrammarian and, then, clarifying some of his innovative concepts: psychic organism, the division in three moments of phonetic alteration and the concept of image of memory. It analyzes the view of linguistic change and variation by Paul and modern linguists, and shows how several of his ideas were important to the History of linguistic thought. The themes comparatively reviewed here are: L1 acquisition, velocity and propagation of change, phonetic and semantic mutation, analogy, change previsibility. Key words: Hermann Paul, neogrammarians, generative linguistics, variationist sociolinguistics 42 Diadorim8-cap1.pmd 42 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais Raquel Meister Ko. Freitag1 1. Introdução A Sociolinguística Variacionista, impulsionada especialmente pelos projetos que desenvolveram bancos de dados, tem se mostrado um campo de estudos altamente produtivo no cenário nacional dos estudos linguísticos, contribuindo para uma ampla descrição do português brasileiro. O quanto esta descrição reflete de fato a realidade social do Brasil em termos linguísticos é uma questão que merece atenção, já que os bancos de dados sociolinguísticos nem sempre refletem a estratificação da sociedade. Assim é pertinente tecer reflexões sobre a forma de controle dos “fatores sociais clássicos” em fenômenos de variação e mudança, especialmente naqueles dos níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009), em que nem sempre os efeitos do controle dos fatores sociais são estatisticamente significativos nos estudos. Para ilustrar as reflexões, toma-se o banco de dados VARSUL, a partir do qual se centra em discutir a questão da homogeneização dos resultados em função da homogeneização da amostra; alertar para a sobreposição de papéis sociais agrupados no rótulo “faixa etária” (cf. Eckert, 1997; Freitag, 2005); e discutir um problema encontrado no banco de dados VARSUL no que se refere à escolaridade: o comportamento anômalo da faixa “ginasial”, com dados de trabalhos que focam a amostra de Florianópolis e fenômenos semântico-discursivos. 1 Diadorim8-cap2.pmd Professora da Universidade Federal de Sergipe (rkofreitag@uol.com.br) 43 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Não é objetivo discutir as influências do social (a noção de social de Durkheim, por exemplo), mas apenas as implicações deste “social” da metodologia da Sociolinguística Variacionista, e em que medida os resultados obtidos são relativizados. Para iniciar, são apresentados bancos de dados sociolinguísticos, com especial atenção ao VARSUL e aos aspectos sociais de sua constituição. 2. Banco de dados e homogeneização da amostra Para viabilizar os estudos sociolinguísticos em termos de prazos e otimização de recursos, ao invés de cada pesquisador realizar a sua própria coleta de dados para a sua investigação, tem se tornado prática a constituição de bancos de dados constituídos de acordo com uma metodologia de coleta muito específica (Labov, 1984). No Brasil, o método da entrevista sociolinguística é o mais difundido. O Programa de Estudos sobre o Uso da Língua – PEUL <http://www.letras.ufrj.br/peul/ index.html>, conhecido originalmente como Projeto Censo da Variação Línguística do Estado do Rio de Janeiro, foi pioneiro em adotar a metodologia da Sociolinguística Variacionista no Brasil, com o objetivo de estudar o português falado no Rio de Janeiro. Nos mesmos moldes, o banco de dados VARSUL <http://varsul.cce.ufsc.br> é resultado do projeto Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil, cujos objetivos são o armazenamento e a disponibilização de amostras de fala de habitantes característicos de áreas urbanas representativas de cada um dos três estados da região sul do Brasil. Nos bancos de dados elencados, a dimensão “sócio” da Sociolinguística é implementada por meio do controle de estratificações sociais que podem ser aferidas, como a faixa etária, a escolaridade, o sexo/gênero do informante. Porém, se os bancos de dados têm como objetivo subsidiar a descrição de uma dada variedade de língua, e esta descrição, por conta da orientação teórico-metodológica, contempla a dimensão social, será que a estratificação das amostras homogeneizadas, como nos bancos de dados do PEUL e do VARSUL, reflete a estrutura social do Brasil? A amostra sociolinguística deve ser representativa de um determinando grupo, denominado “comunidade de fala”; para Labov (2001, p. 38), uma amostra verdadeiramente representativa de uma comunidade de fala precisa tomar como base uma coleta aleatória em que cada um dos muitos falantes que a constituem tenha a mesma chance de ser selecionado. Nem sempre é possível controlar todos os fatores sociais, e, às vezes, o controle de um fator pode quebrar a ortogonalidade dos demais fatores, gerando células sociais impossíveis de serem 44 Diadorim8-cap2.pmd 44 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais preenchidas, como, por exemplo, a relação entre escolarização e faixa etária, em que certos níveis de escolarização geram células vazias quando cotejados à faixa etária: salvo raras exceções, não existem crianças e adolescentes que têm curso superior (Freitag, 2005). Ou, ainda, no atual cenário brasileiro, é provável que se encontrem mais adultos analfabetos do que jovens, ou que se encontrem mais analfabetos na região rural do que na região urbana. Apesar destes “buracos” na amostra, as análises sociolinguísticas costumam homogeneizar o tamanho da amostra e a distribuição por célula. Idealmente, seriam necessários entre quatro e cinco informantes por célula social (Oliveira e Silva, 2004; Guy e Zilles, 2007), entretanto, alguns bancos de dados, como o VARSUL, foram constituídos em sua fase inicial com apenas dois indivíduos por célula. A possibilidade de homogeneização da amostra, equiparando-se o número de indivíduos das células sociais independentemente da sua representatividade no conjunto real, é uma decorrência da assunção da premissa de que a natureza do sistema linguístico é probabilística (Labov, 2001). Embora os bancos de dados tenham apresentado resultados empíricos efetivos para a descrição do português, não se pode negar que existem problemas na sua constituição. No caso do VARSUL, a amostra básica de cada cidade é formada por um conjunto de 24 entrevistas, correspondentes a 12 perfis sociais (sexo masculino e feminino, três níveis de escolarização e duas faixas etárias) de duas entrevistas (exceto Florianópolis, que dispõe de uma amostra de informantes da faixa etária 15 a 21 anos), totalizando 288 entrevistas (96 em cada Estado). A meta inicial do projeto era contar com um número mínimo de cinco informantes por célula social, mas por conta de questões financeiras, a amostra ficou restrita a apenas dois informantes por célula. Este recorte fomenta questões tais como: A amostra é representativa? A homogeneização da amostra é pertinente? Ou seja, será que os mesmos dois informantes são suficientes para representar uma cidade como Porto Alegre, com aproximadamente 3.900.000 habitantes, e Panambi, com cerca de 36.000 habitantes? A homogeneização dos perfis sociais não distorceria os resultados? E se, por algum descuido, um dos dois informantes não atenda aos critérios? Um informante equivocadamente alocado no banco pode alterar os resultados. A falta de proporcionalidade entre a amostra do banco de dados e a população efetiva da cidade torna o resultado da análise destoante da realidade. As entrevistas que constituem o banco de dados estão estratificadas em três níveis de escolarização. Novamente, cabem questionamentos, motivados por constatações empíricas: será que a homogeneização dos 45 Diadorim8-cap2.pmd 45 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos três níveis de escolaridade reflete a realidade social de todas as cidades da amostra? Até que ponto a amostra do banco de dados VARSUL reflete a realidade socioeconômica da cidade considerada? Até que ponto os resultados de uma amostra homogeneizada podem ser generalizados para um grupo maior, heterogêneo? Calvet (2002) questiona se é válida a relação entre a heterogeneidade social e a homogeneização da amostra, o que pode vir a produzir efeitos de interação entre as variáveis sociais e linguísticas; Mollica e Roncarati (2001) também consideram esta questão ao tratar de uma agenda de trabalho para a área no Brasil. A homogeneização da amostra do VARSUL, especialmente no que se refere à estratificação por faixas de escolaridade, pode ser a responsável pelos resultados distorcidos e incongruentes, como tem acontecido em muitos dos trabalhos realizados com o banco de dados. Diante deste quadro, o que fazer com os resultados obtidos nas análises? Como interpretá-los? O que eles indicam? Em fenômenos variáveis nos níveis gramaticais mais altos, nem sempre os fatores sociais se mostram relevantes; e, quando se manifestam, faixa etária e tempo de escolarização costumam se mostrar mais frequentemente significativos. Nas seções a seguir, são discutidos os resultados associados aos fatores sociais faixa etária e escolarização em estudos nos domínios gramaticais mais altos, com base nos dados coletados na amostra do Banco de Dados VARSUL de Florianópolis. 3. Idade e mudança linguística A idade é uma das três supercategorias sociais nas sociedades industrializadas modernas, junto com a classe e o sexo, e seu atributo social é a correlação primária com a mudança linguística. Intuitivamente, percebemos a influência da idade nos processos de variação e mudança linguística: uso de uma expressão “fora de moda”, gírias desatualizadas, enfim, percebemos que o tempo passou e ainda guardamos traços daquela época em nosso repertório linguístico. Para operacionalizar essas intuições acerca da relação entre língua e faixa etária, Labov (1994) propõe uma metodologia que se resume à observação de dois estados de língua e a garantia de que haja continuidade entre eles. Em um dado momento, são coletados dados do fenômeno de uma amostra x. E, passado um período y, repete-se a coleta de dados, na mesma amostra x. A observação de um estado de uma língua é feita através de estudo quantitativo de uma amostra aleatória e representativa de todos os segmentos de uma comunidade de fala. Estudos desse tipo, chamados estudos em tempo real, se subdividem em estudo de tendência e estudo de painel. O estudo de tendência (trend study) é mais simples: requer uma 46 Diadorim8-cap2.pmd 46 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais amostra aleatória da mesma comunidade de fala em um período y, posterior ao da primeira coleta. Já o estudo de painel (panel study) é mais complexo, pois requer o recontato com os mesmos indivíduos informantes da primeira coleta, com a aplicação do mesmo instrumento. É possível estabelecer algumas correlações entre estudos de tempo real e de tempo aparente no que se refere à estabilidade/instabilidade da mudança e a relação entre comunidade e indivíduo. Se o comportamento linguístico dos indivíduos é estável durante toda a sua vida e o comportamento linguístico da comunidade também, não há variação a analisar. Já se os indivíduos mudam seu comportamento linguístico durante o decorrer da sua vida e a comunidade não mostra a mesma mudança, o padrão é caracterizado como gradação etária. Mudança geracional e mudança comunitária não são transparentes, requerem um controle mais refinado para serem identificados. A outra estratégia para identificar, descrever e analisar um dado fenômeno de variação ou de mudança linguística em um período de tempo reduzido proposta por Labov (1994) é que a mudança pode ser observada em tempo aparente. Essa saída metodológica pressupõe que a idade cronológica dos indivíduos represente uma “passagem no tempo”, e se apoia na hipótese clássica de que a língua de um indivíduo se constitui até cerca de seus quinze anos de idade. A análise em tempo aparente considera a distribuição das ocorrências do fenômeno em estudo em função das faixas etárias para caracterizar uma situação de estabilidade, mudança incipiente, mudança em progresso ou mudança completa. Eckert (1997), porém, vê problemas em estudos que consideram só tempo aparente: a estratificação etária pode refletir mudança em uma comunidade de fala em relação ao tempo (mudança histórica) e também a mudança na fala de um indivíduo em relação ao tempo de sua vida (gradação etária). Segundo a autora, considerar o tempo refletido na idade cronológica dos indivíduos pode levar a equívocos entre mudança em tempo aparente de fato e gradação etária. Isso porque o comportamento linguístico de todos os indivíduos muda no decorrer de sua vida e mudanças linguísticas individuais não são exclusivamente decorrentes de mudanças linguísticas históricas, são mudanças decorrentes da história do indivíduo: nascemos, crescemos, nos tornamos adultos, envelhecemos. A cada etapa do ciclo vital, mudanças de ordem biológica e social ocorrem e se refletem na língua do indivíduo: a aquisição da língua, a entrada na escola, a aplicação da rede de relações sociais, a entrada e a saída do mercado de trabalho são fatores que se refletem diretamente nas faixas etárias. Para Eckert (1997), a faixa etária 47 Diadorim8-cap2.pmd 47 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos é apenas um rótulo que agrupa vários fatores de ordem social e biológica do indivíduo. Para efeitos da constituição da amostra é preciso definir quantas e quais as faixas etárias que podem ser controladas e que fornecem pistas significativas para a compreensão real do fenômeno de variação e de mudança linguística. Labov (1994) propõe duas faixas extremas: a dos mais velhos e a dos mais jovens. Chambers (2003) propõe três: crianças, adolescentes e adultos. Eckert (1997), por sua vez, propõe que as faixas etárias representem o curso da vida linguística: infância, adolescência, vida adulta e velhice. Vejamos os efeitos do recorte das faixas etárias em um fenômeno variável do nível semântico-discursivo no português: a variação entre as formas de pretérito imperfeito e de passado progressivo na expressão do passado imperfectivo (Freitag, 2007). Do ponto de vista semântico-discursivo, o passado imperfectivo refere-se a uma situação anterior ao momento de fala e simultânea ao ponto de referência; em português, pode se realizar de duas formas: pretérito imperfeito do indicativo (IMP) e o passado progressivo (PPROG): (1) Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava (IMP) de um apoio, foi quando a minha mãe morreu. (SC FLP 03) (2) Aí também foi na época que a gente voltou, a gente estava precisando economizar pra começar nossa vida. (SC FLP 01) As formas são intercambiáveis quando assumem o valor semânticodiscursivo passado imperfectivo, funcionando como variantes de uma mesma variável linguística (Freitag, 2007). Na variação na expressão do passado imperfectivo na fala de Florianópolis, a variável faixa etária foi apontada como estatisticamente significativa, como podemos observar na Tabela 1. Tabela 1: Expressão do passado imperfectivo quanto à faixa etária em função de IMP (variante conservadora) Faixa etária 15 a 21 anos 25 a 49 anos Mais de 50 anos Peso relativo 0,34 0,57 0,48 % 42,7 70,1 61,5 Aplicação/total 91/213 356/508 99/161 48 Diadorim8-cap2.pmd 48 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais A distribuição dos dados da função está concentrada na faixa etária 25 a 49 anos. Quais as motivações para explicar esta distribuição centralizada? Há uma série de fatores que devem ser considerados. Primeiramente, a característica da constituição da amostra: entrevistas sociolinguísticas, que privilegiam narrativas. Indivíduos que, apesar das instruções do roteiro da entrevista, produziram poucas narrativas em suas entrevistas influenciam nesse resultado. Ter o que contar também tem relação com o papel social do indivíduo. Uma dona de casa pode ter menos fatos reportáveis do que um indivíduo que é ativo no mercado de trabalho. Já entre indivíduos ativos, aqueles que lidam diretamente com o público, como auxiliar de escritório, bancário ou professora primária, possivelmente são mais desinibidos do que aqueles colocados em funções que não exigem interação direta com o público, como cozinheira, ou auxiliar de serviços. A inibição/desinibição pode se refletir nas entrevistas: inibidos falariam menos do que os desinibidos, com a consequência de menor probabilidade de realizar o fenômeno analisado. Há que se considerar ainda que a extensão da faixa etária 25 a 49 anos é muito ampla, especialmente se comparada à faixa de 15 a 21 anos. Talvez se fosse desmembrada em duas faixas (25 a 35 anos e 36 a 49 anos) os resultados ficassem distribuídos de maneira mais equilibrada. Considerando o contexto mais específico de uso das formas – duratividade com pares mínimos –, o padrão de distribuição das frequências da expressão do passado imperfectivo na fala de Florianópolis é quase linear. Há uma forte correlação entre o uso de PPROG e a faixa etária mais jovem, em oposição às faixas mais velhas, que apresentam um comportamento estatisticamente mais próximo. Os resultados apontam para uma leve e incipiente tendência à polarização entre faixa etária mais jovem, implementando a variante inovadora, PPROG. Apesar das restrições consideradas, os jovens assumem papel de vetores na implementação de PPROG como forma de expressão de passado imperfectivo, configurando um quadro de mudança em tempo aparente. Evidentemente, estudos comparando outras sincronias são necessários para averiguar se de fato se trata de mudança histórica ou apenas efeitos da gradação etária, conforme Eckert (1997), ou se a mudança se dá na comunidade ou no indivíduo, por meio de gradação etária ou por mudança geracional, respectivamente, conforme o modelo de Labov (1994). 49 Diadorim8-cap2.pmd 49 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 4. A escolaridade O controle da variável escolaridade é bastante recorrente na sociolinguística brasileira. De acordo com Bortoni-Ricardo (2004, p. 48), “os anos de escolarização de um indivíduo e a qualidade das escolas que frequentou também têm influência em seu repertório sociolinguístico. Observe-se que esses fatores estão intimamente ligados ao estatuto socioeconômico, na sociedade brasileira”. Sobre os efeitos da escolaridade nas investigações do PEUL, no Rio de Janeiro, Paiva e Scherre ponderam: “É possível também que a influência da variável escolaridade reflita, na verdade, a ação da variável classe social. Se assim for, as consequências são ainda mais perversas: não se modificam variantes linguísticas, mas, sim, se excluem os indivíduos que não possuem determinadas variantes linguísticas.” (Paiva; Scherre, 1999, p. 217-218) A escolaridade, ou nível de escolarização, é um fator de estratificação social do banco de dados VARSUL que tem apresentado um comportamento irregular e pouco previsível em fenômenos de variação em níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009). Apesar do comportamento irregular, as pesquisas realizadas partem do pressuposto de que a escolarização afeta os fenômenos de variação. Tomem-se os casos da variação na expressão do passado imperfectivo (já apresentado na seção 3), variação do passado anterior, ordem do quantificador, expressão do futuro, variação entre presente do indicativo e subjuntivo, concordância com o pronome tu, que foram analisados no banco de dados VARSUL considerando a cidade de Florianópolis, com três faixas etárias e três faixas de escolarização. A expressão do passado anterior, analisada por Coan (1997), trata da variação no uso de formas do pretérito perfeito vs. pretérito mais-queperfeito composto para codificar uma situação passada em relação a outra, como em (3) e (4). (3) Aí eu peguei, telefonei pra Macarronada e descobri que aconteceu um acidente. (SC FLP FAB 03) (4) Aí eu peguei, telefonei pra Macarronada e descobri que tinha acontecido um acidente. Back (2000) analisa a variação da ordem do quantificador universal (QU) no sintagma nominal (SN) em contextos em que o fenômeno se realiza nas formas tudo, todo/toda e todos/todas, como em (5) e (6). 50 Diadorim8-cap2.pmd 50 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais (5)a. todos os meus tios ficaram muito chateados. (SC FLP FAC 20) b. os meus tios todos ficaram muito chateados. c. os meus tios ficaram todos muito chateados. (6)a. porque ela conhecia as famílias todas. (SC FLP FBC 24) b. porque ela conhecia todas as famílias. c. porque as famílias, ela conhecia todas. A expressão de futuro enquanto categoria linguística, de acordo com a análise de Gibbon (2000), tem, entre outras, três variantes: presente do indicativo, forma perifrástica, composta pelo auxiliar IR (presente do indicativo) + infinitivo, e o futuro do presente, como em (7), (8) e (9). (7) A seleção que vai ter em março, de repente, faço carreira. (SC FLP MAP 04) (8) Tu não vais ter matéria pra estudar e chega no dia da prova tu não consegues a média. (SC FLP MAG 10) (9) Eu acho que o dia que o povo der conta de que a educação é a base de tudo, acho que nós não teremos guerra, não teremos briga, não teremos nada, pelo contrário, o mundo vai viver em paz. (SC FLP MBG 13) Pimpão (1999) analisa o uso variável entre a forma de presente de subjuntivo e de presente do indicativo em contextos de subjuntivo (dúvida, incerteza, futuridade), como em (10). (10) Ela tem muitos que ela não prefere, né? Aí é. Professor de Física porque quer que ela vá de short curto: “Ah, mãe, não sei porque ele quer que eu vou de short curto”. Porque ela vai de short mais comprido, ele acha que tem que ser mais curto (SC FLP FAC 11). E Loregian (1996) analisa a variação na concordância verbal com o pronome tu, como ilustrado em (11) e (12). (11) Assim tu queres parecer igual aquelas pessoas (SC FLP MJG 21) (12) Tu descasca o camarão, depois tu bota tudo na fervura. (SC FLP FAP 02) 51 Diadorim8-cap2.pmd 51 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Para todos os fenômenos, foram postuladas hipóteses relativas ao fator escolaridade que previam uma distribuição escalar. Back (2000) correlaciona a ordem [QU SN], prevista na gramática normativa, com a faixa de maior escolaridade: “a hipótese que cerca esta variável entende que os informantes devem apresentar comportamento diferenciado conforme o grau de escolaridade de cada um, de modo que esperamos encontrar o uso da ordem [QU SN] na fala de pessoas de nível colegial, pois esse uso reflete aquele tido como ‘correto’, segundo os parâmetros da gramática normativa abordados nas escolas.” (Back, 2000, p. 93) Pimpão também prevê a associação entre o uso da forma de subjuntivo, prevista pela gramática normativa, aos níveis mais altos de escolaridade, pois “a escola concentra o domínio do padrão culto tentando preservar as imposições da tradição normativa para o uso linguístico nãoestigmatizado e de prestígio. O efeito da escolaridade a variáveis linguísticas prevê o uso mais próximo à norma gramatical para os níveis escolares mais elevados. A maior permanência na escola pressupõe o contato mais direto e intenso do ensino prescritivista sobre o idioleto do aluno.” (Pimpão, 1999, p. 90). Já Coan (1997) vê com mais cautela a correlação entre o uso de uma forma e a escolaridade dos informantes: Por se tratar de um fenômeno não claramente percebido, o uso da variante pretérito perfeito em lugar do mais-que-perfeito para codificar a função de anterioridade é bem pouco discriminado e corrigido nas escolas. [...] O nosso objeto de estudo não parece ser tão marcante em termos de “certo” ou “errado”. A todo o momento, encontramos indivíduos de todos os níveis de escolaridade e de todas as classes fazendo variação. A possibilidade de itens linguísticos variarem sem que lhes seja atribuído qualquer estigma pode facilitar uma mudança linguística (Coan, 1997, p. 12). Os resultados quanto à escolaridade, entretanto, não corroboraram as hipóteses levantadas, com exceção da variação na concordância com o pronome tu, que se mostra distribuída escalarmente em função da escolaridade. Na variação na ordem do quantificador, expressão do futuro, expressão do passado imperfectivo e expressão do passado anterior, a faixa de escolarização intermediária, “ginásio”, desvia a trajetória da linha formada pelas faixas etárias extremas, conforme aponta o Gráfico 1. 52 Diadorim8-cap2.pmd 52 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais Gráfico 1: Influência da variável escolaridade em fenômenos variáveis semântico-discursivos em função da variante considerada como conservadora (Florianópolis/VARSUL) Tomando apenas as faixas de escolarização extremas, com exceção do fenômeno de variação na concordância verbal com o pronome tu, os demais fenômenos não parecem ser sensíveis ao nível de escolarização do indivíduo. Como explicar a anomalia produzida pelos informantes pertencentes ao nível intermediário de escolaridade no projeto VARSUL? Não se trata de um comportamento específico da amostra de Florianópolis; para Porto Alegre, Loregian (1996, p. 13) encontra resultados na variação da concordância verbal com o pronome tu que são alterados por causa da faixa etária intermediária. Como lidar com a variável escolaridade no projeto VARSUL? O que a escolaridade indicia? Há duas hipóteses que podem ser exploradas: i) a possibilidade de interação entre escolaridade e faixa etária; e ii) como a variável se correlaciona com os mecanismos de promoção ou resistência à mudança linguística? Na primeira hipótese, é possível considerar que o comportamento incongruente do nível de escolarização seja decorrente da sua interação com as faixas etárias que compõem a amostra, principalmente por conta dos informantes que cursaram o antigo ginásio, que é diferente do nível 53 Diadorim8-cap2.pmd 53 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos de 8 a 9 anos de estudo (5ª a 8ª série do Ensino Fundamental). O antigo ginásio vigorou no período de 1931-1969 e exigia que o estudante prestasse um rigoroso exame de admissão, além de uma diversidade de disciplinas que hoje sequer são vistas no Ensino Médio, como latim, retórica e francês. Indivíduos que cursaram o antigo ginásio teriam, por hipótese, um comportamento muito diversificado do daqueles que cursaram o equivalente à 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Outra possibilidade, também relacionada com a interação de fatores, é que a homogeneização das faixas de escolaridade do banco de dados VARSUL pode estar interferindo na incongruência dos resultados. A amostra Censo, do PEUL, por exemplo, não preenche as células relativas à escolaridade com o mesmo número de informantes. Segundo Oliveira e Silva e Paiva (1996, p. 60), “como uma amostra deve refletir até certo ponto as características da população, e considerando que nesta última não há distribuição equilibrada entre os níveis de escolarização, havendo muito mais pessoas no 1º grau do que no 2º grau, optou-se por escolher 19 falantes do primário, 16 do ginásio e 13 do 2º grau.” Os resultados do PEUL que consideram a amostra Censo apresentam uma distribuição escalar para a escolaridade; talvez se o número de informantes por estrato fosse o mesmo, os resultados seriam diferentes. É necessário refletir sobre os aspectos que estão envolvidos na escolarização e como estes aspectos interagem com o ensino e a valoração social das formas que expressam passado imperfectivo no português. Votre (2004, p. 51-54) enumera quatro aspectos da escolarização que podem ser verificados na dinâmica social em que a escola interage e que podem estar associados à variação e mudança linguística: i) formas de prestígio e formas relativamente neutras; ii) fenômeno socialmente estigmatizado e fenômeno imune à estigmatização; iii) fenômenos objeto do ensino escolar e fenômenos que escapam à atenção normativa; e iv) fenômeno discursivo (ou no mais alto nível gramatical) ou fenômeno da gramática (níveis gramaticais intermediários entre o fonológico e o discursivo). Os três primeiros aspectos não parecem influenciar na variação em domínios gramaticais mais altos, cujas formas são relativamente neutras e os fenômenos parecem imunes à estigmatização. O fato de serem neutros socialmente torna-os pouco salientes ao ensino normativo. Porém, o último aspecto parece ser relevante, pois se relaciona com a opcionalidade (ou não obrigatoriedade) do fenômeno. As categorias verbais estão a serviço da intenção dos propósitos comunicativos do falante; são recursos estilísticos à disposição no repertório de estratégias comunicativas. A variação das categorias que expressam tempo e aspecto 54 Diadorim8-cap2.pmd 54 06/12/2011, 22:20 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais está relacionada com fatores internos e cognitivos, como a relação entre figura/fundo e valores inerentes ao item lexical, como aspecto (Coan, 1997) ou movimento (Gibbon, 2000). O controle da variável escolaridade na variação entre IMP e PPROG na expressão de passado imperfectivo, apesar de estatisticamente significativo, não mostrou um resultado pontual e clarificador da situação, mas motivou uma reflexão sobre a pertinência do fator na análise do fenômeno. Talvez a escolaridade não seja um fator influente na variação entre formas para a expressão de tempo e aspecto, e controlá-lo sobrecarregaria o modelo estatístico, além de frustrar expectativas. Ou a escolaridade é apenas a ponta do iceberg dos fatores não estratificados (como poder aquisitivo, rede de relações sociais, engajamento social etc.) e seus resultados devem ser avaliados com uma lente multifocal. Ou, ainda, a estratificação homogênea da escolaridade na amostra do VARSUL é a causa das incongruências nos resultados. 5 Considerações finais A adoção de bancos de dados sociolinguísticos é uma maneira mais otimizada de subsidiar estudos sociolinguísticos. As ponderações tecidas neste texto, tomando por base a atuação de “fatores sociais clássicos”, como a escolarização e a faixa etária, em fenômenos de variação e mudança nos níveis gramaticais mais altos, podem auxiliar a interpretação de resultados de outros estudos, nos mesmos moldes, assim como podem balizar a constituição de novos bancos de dados e a ampliação dos já existentes, na medida em que colaboram para que estes reflitam, de fato, a realidade social do Brasil. Referências BACK, Angela C. Di Palma. O uso variável do quantificador universal no sintagma nominal na língua falada de Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Linguística) — Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, 2000. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002. CHAMBERS, J. K. Sociolinguistics. 2. ed. 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São discutidos aspectos da constituição dos bancos de dados dos projetos PEUL e VARSUL, com atenção aos efeitos da homogeneização metodológica imposta à amostra, especialmente no que se refere à faixa etária e escolarização. Resultados de estudos de variação e mudança em domínios gramaticais mais altos são utilizados para respaldar a discussão. Palavras-chave: Banco de dados sociolinguístico. Homogeneização da amostra. Fatores sociais. Abstract In this paper aspects related to control of social factors “age” and “education” in variacionist sociolinguistic studies are discussed, focusing the social stratification of sociolinguistic Brazilian databases. Aspects of constitution of PEUL’s and VARSUL’s databases are discussed with special attention to methodological effects of homogenization that are imposed upon sample, especially in relation to age and education. Results of studies of variation and change in higher grammatical domains are used to support the discussion. Keywords: Sociolinguistic databank. Sample homogenization. Social factors. 58 Diadorim8-cap2.pmd 58 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas Ana Carla Vogeley1 Demerval da Hora1 Marígia Ana de Moura Aguiar 1. Introdução O sistema vocálico do português é alvo de diversos processos fonológicos, devido a fatores prosódicos, fonotáticos, ou, ainda, por questões de ordem morfológica. De acordo com Battisti e Vieira (2005), as vogais que mais sofrem a influência de processos fonológicos são as vogais médias. Daí a importância dos estudos voltados para os fenômenos de variação, bem como seus fatores condicionantes, envolvendo-as nas mais diversas posições, sem perder de vista sua tonicidade. Em relação a esses processos fonológicos, cujo alvo são as vogais médias em posição pretônica, destacam-se a neutralização, a harmonia vocálica e a redução. A neutralização é caracterizada pela perda de contrastes ou oposições no sistema, como no caso da pretônica na palavra ‘morango’, que, embora possa receber pronúncias com a média baixa ‘m[n]rango’ ou com a média alta, ‘m[o]rango’, não acarretam oposições em termos fonêmicos, por isso, é de natureza fonética. A harmonia vocálica é um processo pelo qual as vogais assumem traços de segmentos vizinhos, ou seja, assimilam a altura da vogal alta da sílaba seguinte, como ocorre em p[e]pino > p[i]pinu, c[o]ruja > c[u]ruja. A redução vocálica é uma 1 Os autores Ana Carla Vogeley e Dermeval da Hora fazem parte do Projeto Casadinho, financiado pelo CNPq, Proc. 620020/2008-3, parceria entre o Programa de PósGraduação em Linguística da UFPB e o Programa de Pós-Graduação em Linguística da USPB. Diadorim8-cap3.pmd 59 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos espécie de redução da diferença articulatória que ocorre entre a vogal alçada e a consoante adjacente. O estudos sobre as vogais médias, no Brasil, são mais voltados para o comportamento variável desses segmentos (Bisol, 1981, 1988, 2003; Viegas, 2003; Schwindt, 1995; Lee e Oliveira, 2003; Lee, 2008, 2009) do que para a aquisição do sistema (Rangel, 2002; Matzenauer, 2008, 2009); isso talvez se justifique pelo fato de a aquisição vocálica ser fácil e precoce. Assim, o estudo de aquisição das vogais, de uma maneira geral, tem se constituído um campo fecundo de investigações, devido à escassez de estudos nessa área. Embora não sejam abundantes as pesquisas sobre a aquisição vocálica em outras línguas, como o espanhol e o húngaro, maior é, ainda, a escassez de estudos sobre aquisição de vogais na língua portuguesa. Este estudo parte da hipótese de que o comportamento variável dos segmentos vocálicos adquiridos reflete a variação da comunidade adulta. Parte-se da ideia de que o ordenamento de aquisição vocálica, no dialeto investigado, não pode ser enquadrado, totalmente, na perspectiva dos universais linguísticos, visto que depende das variações dialetais, ou seja, das variantes adotadas na comunidade de fala com a qual a criança interage. Argumenta-se, assim, que a ordem de aquisição dos segmentos vocálicos em crianças recifenses é diferente daquela encontrada em crianças do Rio Grande do Sul — RS, por exemplo, visto que, no dialeto da região Nordeste, há predomínio das vogais médias abertas em contexto pretônico. Vale destacar a hipótese, de caráter mais teórico, que diz respeito a uma representação subjacente não unificada, mas diferenciada, baseada em critérios de ordem dialetal, para o português brasileiro (PB), cujo respaldo se encontra nas afirmações de Lee (2009). Essa hipótese está relacionada à ideia de que as vogais médias pretônicas do PB não são completamente especificadas na representação subjacente, sendo portanto, na fonologia, segmentos subespecificados. Esta hipóstese, entretanto, não será aqui verificada, visto que a proposta é mais de cunho variacionista. Com base na primeira hipótese, a análise será fundamentada nos seguintes pressupostos: (a) de que a variação das vogais médias pretônicas é inerente ao sistema linguístico, como postula o modelo variacionista laboviano (Weinreich; Labov; Herzog, 1968; Labov, 1972); (b) de que a variação também integra o processo de aquisição (Roberts, 2002). Poucos estudos (Rangel, 2002; Matzenauer, 2008, 2009) investigam como ocorre a variação vocálica no processo de aquisição do sistema fonológico, no sentido de observar se as crianças já adquirem as vogais 60 Diadorim8-cap3.pmd 60 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas médias conforme os membros de sua comunidade as articulam, sistematicamente, ou se ocorre algum padrão universal nessa aquisição, elegendo a forma variante do seu meio apenas quando há uma estabilidade em relação à aquisição do seu sistema, ou seja, quando este já está desenvolvido. Em geral, esses estudos reforçam, no Brasil, a ideia geral de que esses fonemas recebem uma pronúncia predominantemente fechada (média) nas regiões Sul-Sudeste, enquanto no Nordeste prevalece uma realização mais aberta (baixa), além de ser também um dos fatores de diferenciação entre as variedades linguísticas brasileira e portuguesa. Considerando que, no Brasil, o quadro das pretônicas não é fixo, quando se trata das vogais médias, constituem-se como questões norteadoras deste estudo: - Como as crianças adquirem padrões sonoros variáveis? - Que diferenças podem ser encontradas entre o dialeto recifense e os demais dialetos brasileiros? - Quais são os processos fonológicos que envolvem as vogais? A fala das crianças é afetada por processos comuns aos da fala do adulto, como a neutralização e a harmonia vocálica? - De que maneira a variação encontrada na fala do adulto se reflete na fase aquisitiva? Observar o fenômeno da variação na aquisição fonológica, assim como a variação fonológica na fala do adulto, pode trazer relevantes contribuições para o entendimento do funcionamento linguístico, tornando possível questionar e revisar os próprios modelos teóricos. Considerando, também, a hipótese de Fischer (1958) e Romaine (1978) de que a aquisição da variação social é realmente possível em crianças, o objetivo deste estudo é investigar o comportamento variável das vogais médias pretônicas, no processo de aquisição, em crianças da cidade do Recife-PE. É necessário investigar como se dá a aquisição das vogais médias pretônicas, quais estratégias de reparo são usadas e que fatores intervêm na produção e na aquisição do sistema. Ainda que as crianças não apresentem dificuldades na aquisição de vogais, é possível estabelecer níveis de desenvolvimento, especialmente observando como se dá a aquisição em crianças de situações dialetais distintas, no sentido de observar como ocorre o fenômeno de variação na aquisição do sistema fonológico, especialmente do vocálico. O estudo está assim estruturado: na seção 2, será apresentada a 61 Diadorim8-cap3.pmd 61 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos metodologia, com detalhamento de suas partes; na seção 3, análise e discussão dos resultados. Não há, pois, uma seção voltada para os aspectos estritamente teóricos; eles estarão insericos na própria análise. 2 Metodologia Trata-se de um estudo que teve origem em uma investigação de campo, de caráter transversal e longitudinal, submetida à análise do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. A pesquisa foi aprovada sob o nº 050/2009. 2.1 Caracterização das crianças A amostra total é constituída por dezesseis crianças, com idades entre 0:10; 19 e 4 anos, sendo quatro observadas de forma longitudinal e doze de forma transversal, como será detalhado em seguida. Para o estudo longitudinal, a amostra foi composta por dados de quatro crianças, extraídos do corpus de Cavalcante (1999). Houve o acompanhamento de duas meninas e dois meninos entre dez meses e um ano e dez meses de idade, aproximadamente, conforme está esquematizado no Quadro 1. Quadro 1. Faixa etária dos quatro informantes do corpus longitudinal Informante Idade em ano, meses e dias C1 (SF) C2 (SM) C3 (SM) C4 (SF) 0:10 — 1:4;10 0:10 — 1:4 1:0 — 1:3 1:6 – 1:10 A amostra transversal foi composta por doze crianças, de ambos os sexos, com idade entre 2 e 4 anos, nativas e residentes em Recife — PE. O controle da amostra, com base nos parâmetros variacionistas, ocorreu a partir da estratificação por idade e sexo. Sendo assim, participaram doze crianças, sendo seis do sexo feminino e seis do sexo masculino, estratificadas, ainda, em quatro grupos pela idade. 62 Diadorim8-cap3.pmd 62 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas Quadro 2. Estratificação da amostra transversal por sexo e faixa etária De 1:10 a 2:20 anos: 3 crianças 6 (feminino) 12 Crianças De 3:4 a 4:0 anos: 3 crianças De 2:1 a 3:0 anos: 3 crianças 6 (masculino) De 3:1 a 4:2 anos: 3 crianças Todas as crianças que participaram nasceram e residem em RecifePE. Nenhuma passou mais de seis meses fora da cidade ou teve contato intenso com pessoas de outra naturalidade. Vale salientar que todas as crianças possuem os pais naturais de Recife. 2.2 A coleta dos dados Com base nas hipóteses levantadas, que consideram não apenas fatores linguísticos, mas também questões de ordem social, a coleta de dados ocorreu em três etapas distintas: • Levantamento do perfil sócio-econômico e psicossocial das crianças: a partir de um questionário psicossocial, desenvolvido por Queiroga et al. (2008), para obter alguns dados relacionados aos critérios de inclusão e obter dados referentes ao contexto sociocultural das crianças, o que pode ter alguma relação com os aspectos linguísticos aqui encontrados. • Procedimento de eliciação de fala (dirigida): refere-se à coleta dos dados transversais a partir de uma atividade de nomeação, através de um instrumento com 86 vocábulos, devidamente balanceados, conforme as variáveis envolvidas no estudo, como contexto fonológico seguinte, contexto fonológico precedente e tonicidade da sílaba, que já foram destacadas pela literatura na área. Foram consideradas, ainda, na seleção das palavras, as possibilidades de neutralização, de elevação e de harmonia. • Fala espontânea: procedimento de coleta utilizado na construção do corpus longitudinal de Cavalcante (1999). Os dados foram gravados e transcritos foneticamente, a partir do Alfabeto Fonético Internacional (IPA), na Folha de Registro. Posteriormente, os dados foram analisados, tanto numa perspectiva descritiva e qualitativa, quanto estatisticamente, adotando os pressupostos da Teoria Quantitativa da Variação ou Sociolinguística Quantitativa, propostos por Labov. Assim, foram consideradas todas as variáveis linguísticas como as supracitadas e as extralinguísticas, como idade e sexo. 63 Diadorim8-cap3.pmd 63 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Optou-se por oferecer um tratamento variacionista dos dados, pelo fato de se propor a analisar as possibilidades de realização das vogais médias pretônicas num processo de aquisição. Tendo, portanto, uma base Sociolinguística, este estudo visa a determinar em que condições ocorrem as diversas realizações das médias pretônicas, estabelecendo os fatores linguísticos e sociais que determinam a ocorrência das variações desses segmentos no português brasileiro falado por crianças recifenses em período de aquisição fonológica. 2.3 As análises das variáveis Os dados foram submetidos a análises qualitativas e quantitativas. A parte quantitativa da análise diz respeito à análise variacionista. Dessa forma, os dados (tanto os linguísticos, obtidos na eliciação de fala, quanto os extralinguísticos, obtidos mediante o questionário) foram submetidos a um tratamento estatístico, utilizando-se o programa GOLDVARB (Robinson; Lawrence; Tagliamonte, 2001). Foram estabelecidas como variáveis dependente e independentes: Variável dependente Com base nas possibilidades de realização das vogais médias em posição pretônica, no dialeto em questão, a forma como a vogal média foi produzida corresponde à variável dependente. Assim, tem-se uma possibilidade de análise ternária, envolvendo as seguintes variantes: · Vogal média alta [e, o]; · Vogal média baixa [, n]; · Vogal alta [i, u]. Variáveis independentes As variáveis independentes controladas dizem respeito a, de um lado, variáveis linguísticas ou estruturais, como: (a) vogal da sílaba seguinte; (b) contexto fonológico seguinte; (c) contexto fonológico precedente; e (d) contiguidade da pretônica em relação à tônica (distanciamento da tônica), de outro lado, a variáveis extralinguísticas ou sociais, como: (a) idade; (b) sexo. O target Para estabelecer o target de aquisição, foi necessário recorrer aos dados de um estudo prévio desenvolvido por Vogeley e Hora (2008) sobre o emprego das vogais pretônicas no dialeto de Recife, cujos dados foram coletados utilizando o mesmo instrumento de eliciação de fala e 64 Diadorim8-cap3.pmd 64 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas foram também analisados na perspectiva da teoria variacionista laboviana. Esse estudo observou que, no dialeto recifense, as médias baixas são muito mais frequentes que as médias altas, em posição pretônica, independentemente da idade ou sexo. Em relação ao comportamento variável das médias, diante de fatores que favorecem ou não a realização de cada vogal, os resultados mostraram que as médias são realizadas, prioritariamente, como médias baixas, em casos de neutralização ou mesmo de harmonia, ou como altas, resultantes de um processo de elevação, nos casos de harmonia vocálica, o que significa dizer que as crianças optaram pelas variações: média alta ou média média baixa, mas, raramente, realizaram a média alta. As médias altas só foram realizadas em contextos super facilitadores, pois só ocorreu em casos diante de vogais médias fechadas, na sílaba seguinte, como no caso da palavra sorvete s[o]rv[e]te, cebola c[e]b[o]la. Esse estudo preliminar ajudou a traçar um perfil sociolinguístico, no que se refere ao comportamento variável das vogais médias pretônicas no dialeto investigado, e será utilizado como parâmetro comparativo, em termos de alvo de aquisição. Isso porque o período de aquisição de linguagem pode refletir o falar de toda uma região geográfica, obedecendo aos fatores internos que condicionam a variação, caracterizando a variante de toda a comunidade. 3. Análise e discussão dos resultados A análise dos dados tem como objetivo observar a variação das vogais médias pretônicas em crianças recifenses, no percurso de aquisição fonológica. Acredita-se que esses dados podem revelar de que forma a variação observada na comunidade adulta é possível em crianças. Do conjunto de fatores controlados, apenas foram selecionados como significativos para o estudo: vogal seguinte e contexto fonológico seguinte. É deles que a discussão a seguir dará conta. Vale destacar que os dois fatores sociais controlados (sexo e idade) não foram selecionados, mesmo com o controle de ambos em todas as células. 3.1 Vogal da sílaba seguinte Como pode ser observado, nas Tabelas 1 e 2, foi mais frequente o uso da variante média baixa [, n] e da variante alta [i, u], decorrente tanto de um processo de redução como de harmonia, havendo pouquíssimos casos da média alta [e, o], cuja ocorrência está condicionada à presença de uma vogal média alta na sílaba seguinte. 65 Diadorim8-cap3.pmd 65 06/12/2011, 22:20 VOGAL SEGUINTE Baixa N % Média Alta 15 6 Média Baixa 176 68 Alta 68 26 Total 259 % 24 Nasal N % 1 0 127 67 60 32 188 18 Média Alta N % 143 49 2 1 147 50 292 27 Média Baixa N % 1 1 115 73 42 26 158 15 Alta N % 42 26 1 1 118 73 161 15 Total N % 202 19 421 40 435 41 1058 *Resultado distribucional (No Recode) Emprego da média pretônica N % Alta 435 41 Média baixa 421 40 Média alta 202 19 Total 1058 100 Diadorim8-cap3.pmd 66 12/12/2011, 09:24 Diadorim8-cap3.pmd (1) [ ]l[ ]fante t[ ]l[ ]visão m[ ]ancia p[ ]fume v[ ]sario p[ ]sada s[ ]lula t[ ]cado (2) p[u]liça c[u]uja t[u]mate j[u]elho f[u]guete [i]spelho [i]scada p[i]queno m[i]nina [i]stea 67 s[ ]la j[ ]rnal s[ ]fá pic[ ]lé ch[ ]c[ ]late vi[ ]lã p[ ]p[ ]ta m[ ]lango 12/12/2011, 09:24 Artigos Inéditos O emprego das vogais médias pretônicas baixas [, n] foi mais produtivo quando havia a vogal baixa [a] na sílaba seguinte, com peso relativo .87. Isso quer dizer que das 421 ocorrências da vogal média pretônica baixa, 176 ocorrências foram diante de uma vogal baixa. Os outros dois contextos vocálicos seguintes mais favoráveis ao emprego da média baixa pretônica foi a vogal nasal seguinte, com peso relativo .86, e a vogal média baixa seguinte, com peso relativo .81. Ou seja, das 421 ocorrências da vogal média pretônica baixa, 127 foram seguidas de uma vogal nasal e 115 foram seguidas de uma média baixa. A nasalidade da vogal seguinte mostrou-se um contexto fonológico favorável ao emprego da média baixa e isso merece uma atenção em estudos futuros, no sentido de observar se apenas a baixa nasal interefere, caracterizando um processo de harmonia, ou se é mesmo o traço [+nasal] que engatilha a média baixa, como aparece em melancia ‘m[]lancia’, ‘p[]rfume’ e ‘pr[]sente’. De uma maneira geral, o emprego da média baixa foi determinado não só pela presença da nasal, mas pela presença da vogal baixa [a] ou de uma média baixa na sílaba seguinte, como já foi referido anteriormente na análise distribucional, a exemplo de palavras como ‘c[n]cada’, ‘b[n]lada’, ‘pic[n]lé’, ‘t[]l[]fone’ e ‘t[]clado’. Pode-se, com base nisso, afirmar que o emprego da vogal média baixa em posição pretônica é condicionado pela vogal baixa, média baixa e nasal seguinte, podendo estar relacionada, também, a um processo de harmonia vocálica. Houve pouquíssimos casos em que a variação se deu entre as médias baixas e as médias altas, ou uso exclusivo da média alta, como em (3). (3) v[e]rm[e]lha t[e]lh[a]do s[o]rv[e]te r[e]p[o]lho b[o]b[o]leta ~ b[n]rb[o]leta l[e]ão ~ l[]ão Embora as crianças usem, sistematicamente, as médias baixas e as vogais altas, caracterizando um processo de elevação em posição pretônica, poucos são os casos com a média alta. E os que ocorreram sempre foram como resultado de um processo fonológico, principalmente de harmonia vocálica. 68 Diadorim8-cap3.pmd 68 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas O emprego da vogal média alta em posição pretônica foi bem menos produtivo, com apenas 202 ocorrências, o que equivale a 19% das ocorrências totais das vogais médias pretônicas. O uso da média alta pretônica mostrou-se ser condicionado pela vogal média alta seguinte. Isso quer dizer que, do total de 202 ocorrências para a vogal média alta, 143 foram seguidas de vogal média alta. Poucos casos do emprego da média alta pretônica foram influenciados pela vogal alta seguinte. O cruzamento dos dados permitiu verificar a interferência da vogal da sílaba seguinte no processo relacionado à pretônica. O emprego da média alta foi condicionado sempre por um processo de harmonia com a vogal média alta na sílaba seguinte, com frequência de 49%, como no caso das palavras ‘s[o]rvete’, ‘r[e]polho’, ‘v[e]rmelho’ e ‘c[e]bola’, cujo comportamento foi categórico. Os únicos casos em que a vogal baixa [a] apareceu como fator condicionante da realização da média alta foi na palavra ‘t[e]lhado’, com resultado categórico. Em palavras como ‘teclado’ e ‘sofá’, a produção era sempre de uma média baixa. Isso pode ser justificado ou pela líquida palatal (Wetzels, 1992), ou pela etimologia da palavra ‘telhado’, que tem uma estrutura derivada morfologicamente da palavra ‘telha’, preservandose, assim, a vogal média fechada, ainda que diante de uma vogal baixa. De acordo com Schwindt (1995; 2002), o processo de harmonia vocálica, assim como outros processos vocálicos, pode ser motivado por questões de ordem morfológica. Considerando que a morfologia é o componente que trata da estrutura interna das palavras, não se pode deixar de defender sua estreita interface com a fonologia. E, assim, pode-se pensar em um caso de difusão lexical. No entanto, com base nos fatores escolhidos pelo programa como significativos, acredita-se que o emprego dessa vogal média alta pretônica, nesse contexto, se trata de um processo de ordem fonológica, a partir das ligações múltiplas da líquida palatal, provocando espraiamento, conforme a proposta de Wetzels (1992). Como foi dito anteriormente, as variantes mais empregadas, envolvendo o comportamento variável das vogais médias pretônicas, foram as médias baixas e as altas, resultados de processos de elevação, sendo quase equiparados, com uma pequena diferença de maior ocorrência para a elevação. É interessante observar que, como esperado, as produções das altas [i, u] em posição pretônica, no processo de elevação ou de harmonia, foram frequentes quando, na sílaba seguinte, estava presente uma vogal média alta (.98) ou uma vogal alta (.98), como ilustram os exemplos em (4). 69 Diadorim8-cap3.pmd 69 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (4) v[i]tido p[i]pino [i]pelho [i]cova c[u][u]ja c[u]zinha f[u]miga m[u]chila j[u]elho f[u]guete p[i]queno t[i]zoa Assim, a aplicação da regra de alteamento ou elevação foi condicionada, na maioria das vezes, pelo processo de harmonia vocálica, como ocorre em perigo > pirigu. Mas, além dos casos motivados pela vogal alta seguinte, caracterizando processos de harmonia vocálica, houve também casos de elevação, seguidos de vogal média alta e até mesmo de vogal baixa, como nos exemplos em (5). (5) t[u]mate f[u]gã b[u]neca c[u]lé b[u]lacha t[u]alha [i]scola [i]cova Esses casos podem ter motivações diferentes, considerando, por exemplo, a consoante seguinte e a consoante precedente, como será referido a seguir, na análise do contexto fonológico seguinte. Diferentes da harmonia vocálica, esses casos podem caracterizar um processo de redução vocálica, com outros condicionamentos de natureza fonética. Há, ainda, um caso interessante em que não houve elevação, ainda que o contexto fosse favorecedor para tal processo. A palavra “Recife”, pelo fato de ter, no contexto vocálico seguinte, uma vogal alta, deveria sofrer um processo de elevação na sua média pretônica. Onze das doze crianças, entretanto, apresentaram a forma ‘R[e]cife’, com média alta [e]. Isso pode dever-se à amostra ser pequena ou por ser composta apenas por crianças, uma vez que se observa, nessa comunidade, adultos realizarem a elevação da pretônica, cuja explicação encontraria respaldo na própria estrutura da palavra, cuja vogal tônica é uma alta. Resta, então, a sugestão de observar essas questões em uma amostra que contemple crianças, adultos e idosos, para perceber a variação e a possível mudança. Uma outra possibilidade de explicar a categoricidade voltada para esta palavra seria entender como um caso de difusão lexical. É importante destacar que, na palavra “borboleta”, houve o emprego da pretônica média baixa, bem como da média alta, havendo, 70 Diadorim8-cap3.pmd 70 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas assim, a possibilidade de aparecerem as duas formas concorrentes, com a média baixa e com a média alta. No entanto, vale salientar que sempre que a pretônica era realizada como média baixa, a pré-pretônica também o era, assim sempre funcionando em conjunto as pretônicas. Em casos como []l[]fante, t[]l[]fone e ch[n]k[n]late, não há ‘abaixamento’ enquanto processo fonológico, mas há o emprego da média baixa, sem aplicação de qualquer processo. A ideia é que ou a criança mantém a média baixa subjacente (sistema especificado para o dialeto recifense) ou aplica a regra de harmonia. Quando a regra de harmonia é aplicada, o fenômeno ocorre em cadeia, até a borda esquerda da palavra. Pode-se pensar ou que a criança revela a representação da pretônica como um chunk3, ao invés de duas sílabas pretônicas independentes, ou como duas sílabas, aplicando duas vezes a mesma regra, encadeada. Isso quer dizer que, se em uma palavra como ‘chocolate’ ou ‘televisão’, houver o emprego da média baixa pretônica contígua à tônica, haverá também o emprego da variante média baixa pretônica que antecede a pretônica mais próxima da tônica. Apresentada a análise para a vogal da sílaba seguinte, a seguir será tratado o contexto fonológico seguinte. 3.2 Contexto fonológico seguinte De acordo com as Tabelas 4 e 5, observa-se um forte condicionamento das líquidas no emprego da média baixa pretônica. Esse condicionamento também foi verificado em pesquisa com adultos, sobre a variante falada no Rio de Janeiro, como revelam os resultados do estudo de Callou e Leite (1986). 3 Unidades linguísticas, como unidades fonológicas, palavras e estruturas sintáticas cristalizadas, enquanto agrupamentos armazenados no léxico. 71 Diadorim8-cap3.pmd 71 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 4. Frequência das pretônicas de acordo com o contexto consoante seguinte4 CONSOANTE SEGUINTE Média Alta Média Baixa Elevada Total % Fricativa [+coronal] N % 39 19 39 19 128 62 206 19 Fricativa [-coronal] N % 36 22 88 55 36 22 160 15 Plosivas e nasais [-coronal] N % 33 47 14 20 23 33 70 7 Vogal N % 5 5 51 57 34 38 90 8 Plosiva [+dorsal] N % 3 3 38 44 46 53 87 8 Apagamento N % 43 21 71 35 88 43 202 19 Plosivas e nasais [+coronal] N % 16 21 15 20 44 59 75 7 Líquida N % 27 16 105 62 36 21 168 16 Total N % 202 19 421 40 435 41 1058 A outra classe de consoantes que foi favorável, enquanto contexto fonológico seguinte à realização da pretônica como média baixa, foi a das fricativas [-coronal]. 4 Nesta tabela, temos a frequência das três variantes pelo fato de o Programa não rodar com variável ternária o peso relativo, diferente da Tabela 5, em que temos apenas o peso relativo referente a duas variantes: alta e média baixa. A Tabela 4 indica que as variantes mais frequentes são: alta e média baixa, concorrendo entre si. 72 Diadorim8-cap3.pmd 72 06/12/2011, 22:20 (6) a. m[u ]ila t[iz]ora Diadorim8-cap3.pmd (6) b. [i ]tada ~ [i]tada [i ]cada ~ [i]cada 73 12/12/2011, 09:26 Artigos Inéditos a pretônica se encontra, embora não tenha sido estabelecido como variável neste estudo. No entanto, vale ressaltar que, de acordo com Marques (2006), o tipo de sílaba CVC, com a coda /R/ e /S/, é favorável ao abaixamento, ou seja, propicia a aplicação da variante pretônica baixa. Os dados desse estudo concordam em parte com esse achado, visto que a coda CVR demonstrou ser facilitadora do abaixamento, como nas palavras ‘j[n]rnal’ e ‘p[n]rfume’, mas a sílaba do tipo CVS não foi significante nesse processo. Isso porque a coda /S/, no dialeto recifense, recebeu uma pronúncia absolutamente [anterior], decorrente da palatalização comum deste dialeto. Além disso, notase, nas crianças, um constante processo de apagamento de coda, contribuindo para que os dados se relacionassem a uma estrutura CV, que constitui um padrão de estrutura silábica menos marcado e, logo, utilizado com mais facilidade pelas crianças no período aquisitivo estudado. Assim, em relação ao processo de elevação por redução, o tipo de sílaba mais favorecedor foi o CVS e o VS, como o esperado, uma vez que a coda realizada como palatal, na cidade do Recife, condiciona mais ainda a aplicação da regra de alteamento. Foi muito interessante esse dado da interferência das palatais (fonéticas) na aplicação da elevação, especialmente em termos de contribuição para a fonologia clínica, visto que, em terapias com crianças diagnosticadas com desvios fonológicos, na clínica fonoaudiológica, já se tem evidências empíricas acerca dessa relação. Crianças com problemas no traço posterior, presente nas palatais, ou seja, com processos de anteriorização (do tipo chocolate > socolate e janela > zanela) têm mais facilidade em conseguir a produção da palatal se essa estiver seguida de uma vogal alta e/ou precedida. No caso do vocábulo “muchila”, esse contexto é duplamente favorecedor, mostrando-se, assim, a co-interferência entre palatais e vogais altas (elevação), ou seja, tanto a vogal alta favorece a palatal, quanto a palatal condiciona a elevação da média, como se vê na representação na Figura 1. Esse fenômeno de elevação ou alçamento, com uma consoante palatal adjacente, é justificado pela geometria dos traços de Clements & Hume (1995), visto que, nesse processo, há um espraiamento do nó terminal de abertura dominado pelo nó vocálico da consoante palatal, interpretada como uma consoante com articulação secundária; regra, assim, idêntica à da tradicional harmonia vocálica (Bisol, 1989). A realização da média alta [e, o] teve relação com as fricativas na sílaba seguinte, sejam elas [+coronal] ou [-coronal] e, principalmente, com o processo de apagamento, embora este tenha sido mais favorecedor à elevação. Poucos foram, no entanto, os casos de realização da média alta, como em (7). 74 Diadorim8-cap3.pmd 74 06/12/2011, 22:20 Aquisição e variação das vogais médias pretônicas [-ab3] [-anterior] [-ab3] Figura 1 . Espraiamento e interferência das palatais na aplicação da elevação (7) r[e]vista s[o]vete j[e]sus Há, como se vê, algumas consoantes que favorecem mais a elevação das médias, como é o caso das nasais e palatais. Se a consoante seguinte favorece a presença da média alta é algo que precisa ser averiguado com mais cautela, pois em muitos casos ela pode estar condicionada muito mais pelo traço da vogal da sílaba seguinte, principalmente se essa for a tônica, como é o caso de ‘s[o]rvete’. Casos como ‘r[e]vista’ e ‘j[e]sus’, não raramente, podem ter as vogais pretônicas elevadas. 4. Considerações finais Em função do que se observou na análise, pode-se concluir que a criança recifense reflete em sua fala o mesmo processo de variação encontrado no adulto, exceto em alguns casos que poderiam refletir um processo de difusão lexical, a exemplo do uso recorrente da palavra ‘Recife’, 75 Diadorim8-cap3.pmd 75 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos em que a média alta é a mais utilizada. Independentemente disso, a variação encontrada entre crianças no processo de aquisição denota que o processo de transmissão é fundamental no delineamento do perfil linguístico em qualquer faixa etária. Com isso, a vogal média pretônica baixa, para muitos aberta, é ratificada como a variante mais produtiva entre os nordestinos. Outro aspecto interessante que este estudo revela diz respeito ao desencadeamento do processo de harmonia entre essas mesmas crianças. Enquanto, no sul do Brasil, a vogal alta é a grande responsável pela sua realização, no dados de Recife, qualquer vogal poderá desencadeá-lo. Esse estudo, portanto, traz mais esclarecimentos para a compreensão do comportamento das vogais médias pretônicas, segmentos tão analisados e discutidos na litetatura que trata do português brasileiro. Referências BATTISTI, E.; VIEIRA, M. J. B. “O sistema vocálico do português”. In: BISOL (org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. BISOL, L. Harmonização vocálica. Tese (Doutorado em Linguística) — Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro, 1981. ______. “A vogal pretônica e a diversidade dialetal”. Ilha do Deserto, Florianópolis, v. 20, pp. 9-18, 1988. ______.”Vowel Harmony: a variable rule in Brazilian Portuguese”. Language, variation and Change, v. 01. Cambridge University Press, pp. 185-198, 1989. ______. “A neutralização das átonas”. 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A amostra desta pesquisa foi constituída por dezesseis crianças, com idades entre 0:10;19 e 4 anos, sendo quatro observadas de forma longitudinal e doze, transversal. Para a eliciação da fala, foi feita atividade de nomeação, através de um instrumento com 86 vocábulos balanceados, considerando as possibilidades de neutralização, redução e harmonia. Os dados transversais foram analisados com a utilização do pacote estatístico Goldvarb. Quanto aos processos fonológicos, o mais comum foi o de assimilação, tanto no caso da harmonia, como de redução, este com menor ocorrência. A harmonia domina todos os outros processos, considerando que ocorre não apenas entre as vogais médias pretônicas e altas da sílaba tônica. Palavras-chave: aquisição, variação, vogais médias pretônicas. Abstract The portuguese pretonic vowel system is the target of some phonological processes such as neutralization, harmony and vowel reduction. Studies about pretonic vowels, in Brazil, are more focused on the variation than on the acquisition. Although children do not have difficulties in the acquisition of vowels, it is possible to note the acquisition in children from different dialectal situations, analyzing how the variation occurs in the acquisition. Assuming that the acquisition of social 79 Diadorim8-cap3.pmd 79 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos variability is possible in children, the aim of this study is to investigate the variable behavior of middle pretonic vowels in the phonological acquisition, in children of Recife–PE. The sample of this study consisted of sixteen children, aged 0:10; 0:19 to 4 years, four observed on a longitunal design and twelve on cross-sectional one. For the elicitation of speech, a test which requested the identification of objects including 86 balanced words was applied, considering the possibilities of neutralization, reduction and harmony. Data were recorded and transcribed. The cross-sectional data were analyzed using the statistical package Goldvarb. The most common phonological process was the assimilation, both in the case of harmony and reduction. Harmony dominates all other processes, considering that it occurs not only between the middle and high vowels of the stressed syllables. Keywords: acquisition, variation, middle unstressed vowels. 80 Diadorim8-cap3.pmd 80 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro Danielle Kely Gomes1 1. Introdução Apesar de, no âmbito do português do Brasil, haver um número bastante considerável de pesquisas sobre a variação no vocalismo átono, observa-se que há um predomínio considerável de investigações que tratam da análise do contexto pretônico e um volume menor de estudos que descrevem as vogais postônicas, sobretudo as átonas não-finais. Uma das razões para as vogais átonas não-finais serem a “primas-pobres” dos estudos do vocalismo português se deve ao seu contexto de realização: são as primeiras vogais átonas das palavras proparoxítonas, o padrão acentual menos produtivo da língua. O contexto postônico não-final é bastante particular, pois, além dos fenômenos de neutralização, nota-se a ocorrência do cancelamento da vogal. Este estudo procura contribuir para a descrição do contexto átono, focalizando a síncope da vogal postônica não-final, um fenômeno que leva à regularização de vocábulos proparoxítonos ao padrão acentual paroxítono (árvore > arvre, cócegas > cosca, pétala> petla, sábado > sabo), considerado na fala popular urbana do Estado do Rio de Janeiro. Assim, neste trabalho, propõe-se investigar a frequência do processo de apagamento da vogal átona não-final das proparoxítonas no PB e a correlação entre os fatores linguísticos e extralinguísticos atuantes 1 Aluna do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Área de concentração: Língua Portuguesa) e Bolsista da CAPES. Diadorim8-cap4.pmd 81 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos no fenômeno – a partir de uma análise com base nos princípios teóricometodológicos da Teoria da Variação e Mudança (Weinreich, Labov e Herzog, 1968; Labov, 1972, 1994, 2003; Mollica e Braga, 2003). O corpus em análise é composto por vinte e cinco inquéritos da Amostra Censo-80, do Programa de Estudos sobre os Usos da Língua (PEUL). Nas seções que seguem, serão apresentadas uma breve contextualização do fenômeno – que é produtivo desde períodos anteriores na história de nossa língua –, as especificidades das palavras com acento na antepenúltima sílaba, os objetivos e as hipóteses norteadores da pesquisa, a metodologia empregada e a análise dos resultados. 2. Uma contextualização do fenômeno A supressão da vogal postônica não-final é um fenômeno atuante desde o latim e ocorre, com bem assinala Nunes (1956, p. 66), graças a uma tendência geral da língua de “evitar os proparoxítonos”. Williams (1961, p. 64) chama a atenção ao fato de que o apagamento da vogal postônica não-final era fortemente influenciado pelo ambiente fonético adjacente à vogal, sendo que a presença das consoantes l, m, n e r favorecia a queda da vogal átona não-final. Coutinho (1976, p. 106-107) aponta, ainda, como contexto favorecedor para o apagamento da vogal átona medial, o fato de ela estar entre uma consoante oclusiva e uma lateral ou vibrante (oculus > oclus; socerus > socrus). No português arcaico (do século XII ao XIV), raras eram as palavras proparoxítonas, à exceção de vocábulos semieruditos pertencentes à liturgia, ao direito e à medicina. Foi o movimento renascentista o responsável pela reintrodução de alguns vocábulos proparoxítonos na língua portuguesa, sendo a maior parte deles empréstimos diretos do latim clássico e palavras emprestadas do vocabulário grego adaptadas ao latim. Hodiernamente, os vocábulos eruditos ainda constituem grande parte das palavras proparoxítonas. Em vocábulos de uso comum, como árvore, óculos e ônibus, se observa a queda de segmentos no interior dessas palavras, reduzindo-as a paroxítonas, o padrão acentual mais comum na língua portuguesa, resultando em formas como arvre (arve), oclus e ombus. Apesar de o fenômeno ser reconhecido por linguistas brasileiros, a verificação da sistematicidade da síncope em proparoxítonas foi e ainda é pouco investigada. O primeiro trabalho de cunho sociolinguístico, correlacionando a síncope a variáveis linguísticas e sociais, foi o de Head (1986), que verifica o comportamento das proparoxítonas em cartas do Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB). Caixeta (1989), a partir da recolha 82 Diadorim8-cap4.pmd 82 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro de palavras proparoxítonas em diversos corpora orais, propõe uma tentativa de descrição do comportamento desses vocábulos. Aguilera (1996) investiga as proparoxítonas em cartas do Atlas Linguístico do Paraná (ALPR). Aragão (1999) observa a realização das proparoxítonas na fala de Fortaleza; Amaral (2000, 2002), na fala de informantes da zona rural de São José do Norte (RS); Ximenes (2005) observa a produtividade do fenômeno na fala de Rio Verde (GO); Silva (2006), na comunidade de Sapé (Paraíba); Lima (2008), em variedades do sudoeste de Goiás e Ramos (2009), no noroeste paulista. Cardoso (2007) procura postular uma tipologia para o apagamento da vogal postônica não-final, a partir da análise dos vocábulos proparoxítonos catalogados nos atlas linguísticos que já foram publicados. Observa-se, a partir da lista fornecida acima, que ainda há muito que investigar sobre o comportamento das proparoxítonas. A síncope é resultado da supressão de segmentos no interior dos vocábulos. Tomam-se como ponto de partida os processos gerais de síncope que promovem a redução das palavras proparoxítonas a paroxítonas. Desta forma, duas possibilidades de síncope são consideradas: (a) perda da vogal postônica não-final - óculos > oclus, abóbora > abobra, mínimo > minmo, título > titlo, chácara > chacra. (b) perda da vogal postônica não-final e da consoante que a segue – fígado > figo, relâmpago > relampo, exército > exerso. Nos dois casos, uma vez suprimida a vogal postônica não-final, a estrutura silábica também sofre alterações: em (a), a perda da vogal resulta na formação Consoante – Consoante – Vogal: ó.cu.los > o.clos. Em (b), os vocábulos resultantes da queda da consoante postônica não-final sofreram outro processo de síncope, já que a queda da vogal produziu uma estrutura que viola as regras fonotáticas da língua portuguesa, gerando sílabas com estruturas não aceitas pelo Princípio de Sequenciamento de Soância2 (PSS): re.lâm.pa.go > *re.lam.p.go > re.lam.po . 3. Especificidades do acento proparoxítono A tradição gramatical reconhece que, com relação ao acento tônico, as palavras da língua portuguesa podem ser divididas em três grupos: as oxítonas, cujo acento recai na última sílaba (café, urubu etc.); as 2 Clements (1990) define tal princípio como uma escala de soância, de acordo com a qual os segmentos com a posição mais alta tendem a ocupar o núcleo da sílaba, e os segmentos com a posição mais baixa tendem às margens. A escala segue a seguinte ordem: Obstruintes > Nasais > Líquidas > Glides > Vogais, o que indica serem as obstruintes os sons menos soantes e as vogais, os mais soantes. 83 Diadorim8-cap4.pmd 83 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos paroxítonas, em maior número, cujo acento recai na penúltima sílaba (ônix, sorte etc) e as proparoxítonas, cujo acento recai na antepenúltima sílaba (psicólogo, horóscopo, âncora etc.). Uma particularidade gráfica marca as palavras proparoxítonas: todas recebem acentuação gráfica, enquanto a exigência ou não de acento para as outras duas classes obedece a uma série de convenções. As gramáticas da língua portuguesa só fazem menção ao fato de todas as proparoxítonas serem acentuadas graficamente. Não há referências ao fato de que, na modalidade oral, essas palavras podem perder o caráter proparoxítono, passando a paroxítonas. Somente Mira Mateus et. al. (2003, p. 1051), em nota, reconhecem a possibilidade de as proparoxítonas se igualarem às paroxítonas. De acordo com as autoras: A normalização destas formas, levando à acentuação da última vogal do radical, manifesta-se em certos registos de língua, com a alteração de algumas palavras excepcionais que passam a regulares (exs: árvores/arves; quilómetro/quilontro) e com a hesitação na pronúncia de outras (exs. rúbrica/ru’brica; oceania/ ocea’nia). Uma justificativa para o fenômeno da síncope em proparoxítonas não ser investigado por estudos gramaticais tradicionais deve-se à correlação muito comum feita entre o fenômeno da supressão e sua produtividade em dialetos populares, isto é, toma-se a síncope como um fator de diferenciação diastrática que separa, de um lado, as variedades de prestígio, não propensas à realização da supressão da vogal postônica não final, e, de outro, as variedades populares, que regularizam as proparoxítonas em paroxítonas por força do acesso restrito aos meios escolares. Outra questão que afeta os estudos acerca das proparoxítonas está ligada à produtividade lexical dos itens que se enquadram nesse perfil acentual: o acento na antepenúltima sílaba. As proparoxítonas constituem o conjunto que apresenta o padrão acentual menos usual da língua (desconsiderando-se as palavras biesdrúxulas3, consideradas não-prototípicas). Some-se a isso o fato de que a maior parte das proparoxítonas se restringe a termos técnicos e pouco produtivos, sendo raros os termos que persistem ainda hoje no vocabulário usual dos falantes. 3 Alguns estudos denominam as palavras biesdrúxulas de anteproparoxítonas, por apresentarem o acento na sílaba anterior à antepenútima. Temos exemplos de biesdrúxulos em português no âmbito do vocábulo fonológico, como em falávamos-te. 84 Diadorim8-cap4.pmd 84 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro Araújo et al. (2007, p. 37-38) realizaram um levantamento do vocabulário do português contabilizando todos os verbetes do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Os autores chegaram a um total de 150.875 palavras, das quais 18.413 são termos proparoxítonos, o que equivale a somente 12% do total4. A tabela a seguir aponta o percentual de vocábulos para cada vogal postônica não-final. Tabela 1: Distribuição das proparoxítonas considerando a natureza5 da vogal postônica não-final (Araújo et. al., 2007, p. 58) /i/ 65,5% /e/ 9,7% /a/ 10,9% /o/ 10,5% /u/ 3,6% Os autores ainda observam as probabilidades de apagamento das vogais postônicas não finais em função do contexto fonético, como aponta a tabela 2. Tabela 2: Distribuição das proparoxítonas considerando a possibilidade de apagamento da vogal postônica não-final (Araújo et. al., 2007, p. 58) /i/ 28% /e/ 70% /a/ 49% /o/ 38% /u/ 81% Pela configuração da tabela acima, observa-se que, apesar de os proparoxítonos com vogal postônica medial /i/ constituírem o maior número de itens lexicais com esse padrão acentual, somente em 28% deles a queda da vogal não causa prejuízos à estrutura silábica do vocábulo, uma vez que a consoante que acompanha essa vogal pode se anexar ou ao onset da sílaba átona, ou à coda da sílaba tônica. Através dessa pequena amostragem, observa-se o comportamento idiossincrático das palavras com acento na antepenúltima sílaba e justifica-se a investigação desse parâmetro acentual, tendo em vista contribuições para a descrição fonológica da língua portuguesa. 4 As paroxítonas, padrão acentual canônico do português, representam 63% desse conjunto e as oxítonas, 25%. 5 Os autores consideram a natureza gráfica da vogal postônica não-final, e não a realização desse segmento. 85 Diadorim8-cap4.pmd 85 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 4. Objetivos Com base na análise de inquéritos extraídos de um corpus que retrata a realidade da fala popular urbana do Rio de Janeiro, esta pesquisa investiga: (a) a produtividade do fenômeno de síncope da vogal postônica não-final e (b) a coatuação de condicionamentos linguísticos e sociais para a aplicação da regra de apagamento da vogal átona não-final e, consequentemente, a regularização das palavras proparoxítonas em paroxítonas. 5. Hipóteses Toma-se por hipótese que a síncope da vogal postônica não-final é um fenômeno bastante produtivo na fala popular urbana do Rio de Janeiro. Dessa forma, o propósito é verificar como os condicionamentos sociais e linguísticos atuam na realização do fenômeno. Dentre os condicionamentos linguísticos que atuam na aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não-final, são consideradas as seguintes hipóteses: I. os contextos adjacentes à vogal postônica não-final são decisivos para a ocorrência do fenômeno: são mais frequententemente elididas as vogais cujas consoantes que as acompanham possam ser ressilabificadas – seja na coda da sílaba tônica, seja no onset da sílaba átona final. A tendência à síncope de segmentos vocálicos átonos em proparoxítonos que sejam acompanhados de consoantes ressilabificáveis não é uma inovação do português. Alguns autores citados neste trabalho apontam que a queda da vogal postônica não-final já é um fenômeno produtivo desde o latim vulgar. A título de ilustração, Coutinho (1976, p. 107) destaca que no latim vulgar – apontado por alguns estudiosos como uma língua que evita ao máximo formas com acento na antepenúltima sílaba – sistematicamente ocorria a queda da vogal postônica não-final nos seguintes contextos: a. depois de uma consoante oclusiva e diante de uma consoante lateral ou vibrante: oc[u]lus > oclus; masc[u]lus > masclus; alt[e]ra > altra; b. entre uma labial e outra consoante: dom[i]nus > domnus; lamina > lamna; c. entre uma vibrante ou lateral e outra consoante: vir[i]dis > virdis; cal[i]dus> caldus; d. depois de -s e antes de outra consoante: pos[i]tus > postus. 86 Diadorim8-cap4.pmd 86 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro Em todos os casos citados, as palavras proparoxítonas se adequam ao padrão paroxítono a partir da síncope da vogal postônica não-final e a anexação da consoante que a acompanha, seja à coda da sílaba anterior (casos c e d), seja ao onset da sílaba átona final (casos a e b). A comprovação desta hipótese remete ao princípio do uniformitarismo, formulado por Labov (1972, 1994), que dá conta da relação existente entre processos de variação e mudança linguística no atual estágio de língua e em estágios anteriores: os mesmos condicionamentos linguísticos atuam em momentos diferentes de uma mesma língua. II. a estrutura da sílaba tônica condiciona o comportamento da sílaba átona não-final: sílabas tônicas abertas, constituídas por consoantevogal, favorecem o apagamento da vogal postônica e permitem a fixação da consoante que a precede na coda da sílaba anterior, resultando na estrutura consoante-vogal-consoante para a sílaba acentuada; III. vocábulos proparoxítonos polissilábicos reduzem-se mais do que os proparoxítonos trissilábicos; IV. nomes comuns apresentam um índice de apagamento maior do que os nomes próprios, adjetivos e verbos. Do ponto de vista da atuação dos parâmetros sociais, parte-se do princípio de que: I. a supressão da vogal postônica não-final é um fenômeno de baixo prestígio social. O comportamento dos informantes do gênero feminino comprovaria o estigma do processo, porque se espera que as mulheres tendam a aplicar menos a regra do que os falantes do gênero masculino; II. o apagamento da vogal postônica não-final é um fenômeno estável, isto é, não se está diante de um processo que encaminhe à mudança linguística. A estabilidade do processo seria comprovada a partir da atuação da variável faixa etária do informante: os falantes mais jovens tendem a aplicar menos a regra de síncope da vogal átona não-final, por estarem mais em contato com as formas padrão e por demonstrarem uma preocupação maior em adequar seus discursos às formas de prestígio. Em situações de mudança, espera-se que a análise da variável faixa etária aponte que a implementação da forma inovadora ocorre nos usos linguísticos dos falantes mais jovens, enquanto os indivíduos mais velhos utilizam formas linguísticas mais conservadoras. 87 Diadorim8-cap4.pmd 87 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 6. Amostra e metodologia O corpus utilizado nesta pesquisa provém da Amostra Censo. Constituída por pesquisadores do Programa de Estudos sobre os Usos da Língua (PEUL), a amostra é um banco de dados composto por entrevistas com 64 informantes residentes em diversos bairros da área metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Neste trabalho são investigados vinte e cinco informantes, doze homens e treze mulheres, distribuídos por três faixas etárias: 18 a 35 anos, 35 a 55 anos e mais de 56 anos. O grau de escolaridade dos informantes neste corpus varia entre quatro e onze anos de escolarização, o que compreende o primeiro e o segundo segmentos do ensino fundamental e o ensino médio. Nesta abordagem foram levantadas e codificadas 1317 ocorrências de palavras proparoxítonas, analisadas a partir de uma variável dependente que considerava três possibilidades: (i) perda da vogal postônica não-final: É meu circlu todo é aqui. (Seb09) (ii) perda da vogal postônica e da consoante seguinte: Devia de ter meus dez anos, sempre gostei de mexer com velocipi, bicicreta, certo? (Edu07) (iii) vocábulo em que não ocorre o apagamento: botaria fábricas(Sam01) Todavia, dado o pouco número de ocorrências de vocábulos que apresentassem dois processos de síncope – a da vogal postônica não-final e a da consoante seguinte, com 39 dados, em um total de 1317 –, optouse por amalgamar em uma só variável dependente as duas formas de apagamento de segmentos consideradas – exemplificadas em (i) e (ii). Com o apoio do instrumental teórico-metodológico oferecido pela Sociolinguística Variacionista (Weireinch, Labov e Herzog, 1968; Labov, 1972, 1994, 2004), os 1317 dados extraídos da amostra considerada foram submetidos a um tratamento estatístico – possível graças à ferramenta GOLDVARB 2001 – com o propósito de observar a atuação de condicionamentos linguísticos e sociais no apagamento da vogal postônica não-final. Foram estabelecidas doze variáveis – nove linguísticas e três sociais – para medir o efeito dos condicionamentos. 88 Diadorim8-cap4.pmd 88 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro Tabela 3: Variáveis Investigadas Variáveis Linguísticas Variáveis Soc iais ponto de articulação da vogal tônica; ponto de articulação da consoante precedente à vogal postônic a não-final; modo de articulação da consoante preced ente à vogal postônica não-final; ponto de articulação da consoante seguinte à vogal postônica não- final; modo de articulação da consoante seguinte à vogal postônica não-final; natureza da sílaba tônica; extensão do vocábulo; classe gramatical do voc ábulo ponto de articulação da vogal postônica não-final. faixa etária; gênero; escolaridade. 7. Resultados A tabela a seguir revela que condicionamentos foram estatisticamente relevantes para o apagamento da vogal postônica nãofinal na fala popular urbana. Tabela 4: Variáveis atuantes para o apagamento das vogais postônicas não-finais – Amostra Censo 80 PEUL Variáveis selec ionadas Aplicação Input da regra inicial: de seleç ão: Significância ponto de articulação da consoante seguinte a vogal postônica modo de articulação da consoante seguinte a vogal postônica ponto de articulaç ão da co nsoante precedente a vogal postônica ponto de articulaç ão da vogal postônica dimensão do vocábulo modo de articulação da consoante precedente a vogal postônica classe morfológica do vocábulo faixa etária gênero do informante 192/1317 = 14% .146 .048 .000 Pode-se observar pela tabela acima que condicionamentos relativos aos contextos fonéticos adjacentes à vogal postônica não-final – sobretudo o ponto e modo de articulação da consoante seguinte – são fatores preponderantes para a queda desse segmento. Nas linhas a seguir, será discutido como atua cada um desses contextos. A discussão dos resultados para a fala popular urbana levará em conta, primeiramente, os condicionamentos linguísticos e, em seguida, os fatores sociais. 89 Diadorim8-cap4.pmd 89 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 7.1 Variáveis linguísticas 7.1.1 Ponto de articulação da consoante seguinte à postônica não-final A hipótese que norteia a postulação desta variável é que as consoantes alveolares, principalmente [] e [l], favorecem o apagamento da vogal postônica não-final. Os contextos controlados e os resultados são expostos na tabela a seguir: Tabela 5: Ponto de articulação da consoante seguinte à postônica não-final labiais (ônibus, último) alveolares (círculo, pérola) velares (época, médico) Input: .048 APL/T 85/354 % 24% PR .85 86/342 25% .59 15/603 2% .25 Significância: 0,000 Os dados apontam como mais favorecedoras à queda da vogal postônica não final as consoantes labiais (.85), seguidas das alveolares (.59). Tal resultado contraria o que era esperado, já que consoantes labiais não podem figurar como segundo elemento de um ataque complexo, ao contrário das alveolares (sobretudo [] e [l]). Entretanto, um olhar mais cuidadoso sobre os dados revela que a maior parte dos vocábulos que apresentam uma consoante labial seguinte à vogal postônica corresponde ao item lexical ônibus, o que, sem dúvida alguma, contribuiu para o enviesamento dos resultados, acarretando a não comprovação da hipótese. As velares, no corpus, não apresentam um papel favorecedor (.22): única > unca. 7.1.2 Modo de articulação da consoante seguinte à vogal postônica nãofinal. Historicamente, o apagamento de segmentos antes de consoantes líquidas é uma tradição verificada em diversos pontos da história da língua portuguesa (cf., por exemplo, as considerações de Coutinho, 1976). Assim, parte-se do princípio de que a presença de consoantes líquidas no onset da sílaba átona final favoreceria a queda da vogal postônica, uma vez que tais consoantes podem se anexar tanto à coda da sílaba tônica, formando o padrão CVC nesse contexto, quanto podem figurar como o segundo elemento de um onset complexo, desde que haja no ataque da sílaba 90 Diadorim8-cap4.pmd 90 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro postônica não final uma consoante obstruinte (oclusivas e fricativas labiais). Os resultados para esse condicionamento estão expressos na tabela a seguir. Tabela 6: Modo de articulação da consoante seguinte à vogal postônica obstruintes (época) nasais (mínimo) laterais (óculos) vibrantes (abóbora) Input: .048 APL/T 74/865 % 8% PR .50 41/268 15% .31 54/95 56% .67 17/78 21% .80 Significância: 0,000 Os resultados parecem confirmar as expectativas em relação à variável modo de articulação da consoante seguinte: as consoantes líquidas (laterais e vibrantes) favorecem o apagamento da vogal postônica não final (.67 e .80, respectivamente) As obstruintes e nasais aparecem como contextos bloqueadores de aplicação da regra. Tais resultados vêm corroborar a tese de que o apagamento da vogal postônica não-final, culminando na regularização dos vocábulos proparoxítonos em paroxítonos, é fortemente condicionado por licenciamentos na estrutura fonotática da língua, sobretudo quando a queda do segmento vocálico átono não-final possibilita a ressilabificação da consoante que o acompanha. 7.1.3 Ponto de articulação da consoante precedente à vogal postônica não-final. Com essa variável, busca-se observar o comportamento da vogal postônica não final em função do segmento consonantal que a acompanha. Espera-se que nos contextos em que a queda da vogal postônica leva a consoante a se anexar ou à coda na sílaba tônica ou, ainda, ao onset da sílaba átona final, o apagamento da vogal seja favorecido. Já as consoantes que não podem se ressilabificar nas sílabas tônica ou átona final não favoreceriam a aplicação da regra. Os resultados são de vital importância para a compreensão do fenômeno da síncope em proparoxítonas, como se observa na tabela a seguir. 91 Diadorim8-cap4.pmd 91 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 7: Ponto de articulação da consoante precedente à vogal postônica não-final. labial (época) alveolar (título, pérola, cócegas) palatal (tínhamos, médico, último) velar (óculos, fígado) Input: .048 APL/T % P.R 62/392 15% .34 99/473 20% .73 11/323 3% .30 19/55 34% .63 Significância: 0,000 A tabela aponta algumas correlações importantes para a compreensão da importância do contexto fonético adjacente à vogal postônica na tendência ao apagamento desse segmento. As consoantes alveolares e velares se mostraram, como consoantes precedentes, mais favorecedoras ao apagamento da vogal postônica (.67 e .62, respectivamente). A hierarquia talvez possa se explicar pelo fato de que o ponto de articulação alveolar reúne consoantes que tanto podem se anexar à coda da sílaba tônica (/S/, /N/ e /l/) quanto ao onset da sílaba átona (/t/ e /d/), desde que haja nesse ambiente uma consoante líquida. As velares têm seus contextos de ressilabificação restritos ao ataque da sílaba átona final. Vale destacar que foram desconsiderados os contextos precedentes constituídos de ataques complexos (fá.bri.ca, lá.gri.ma). 7.1.4 Natureza da vogal postônica não-final Os trabalhos que investigam a relação entre aspectos linguísticos e sociais no apagamento da vogal postônica não-final demonstram que traços de articulação da vogal postônica medial são de vital importância para a compreensão do fenômeno. Entretanto, as investigações realizadas até aqui não indicam uma uniformidade na atuação desse parâmetro. O objetivo, então, é investigar que vogal postônica não-final está mais sujeita ao apagamento. As considerações estão representadas na tabela abaixo. 92 Diadorim8-cap4.pmd 92 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro Tabela 8: Ponto de articulação da vogal postônica não-final Dorsal (xícara) Labial (cúmulo) Coronal (tímido) Input: .048 APL/T 25/176 % 14% P.R .58 78/275 28% .80 89/866 10% .38 Significância: 0,000 Percebe-se, para os dados extraídos do corpus, que o maior peso relativo (.80) se refere à vogal [u], sendo esta, portanto, a mais propícia ao apagamento, seguida da vogal dorsal (.58). As coronais ainda se estabelecem como um contexto de resistência para a aplicação da regra (.38). A tendência verificada nos dados da Amostra Censo está de acordo com o levantamento estatístico realizado por Araújo et. al. (2007). Os autores, com base no levantamento das palavras proparoxítonas no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, indicam que o [u] é a vogal postônica não-final que apresenta o maior número de contextos favoráveis à supressão. 7.1.5 Dimensão do vocábulo A dimensão da palavra proparoxítona, medida em termos de número de sílabas, foi verificada como um dos condicionamentos atuantes no processo de apagamento da vogal postônica não-final. Parte-se do princípio de que quanto maior o número de sílabas da palavra, maior a probabilidade da síncope da vogal postônica. Os resultados para esse efeito estão expressos na tabela abaixo. Tabela 9: Número de sílabas da palavra três sílabas (óculos) mais de três sílabas (velo cípede) Input: .048 APL/T 112/859 % 13% P.R .41 80/458 17% .64 Significância: 0,000 93 Diadorim8-cap4.pmd 93 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos A tabela 9 mostra que as palavras com três sílabas tendem a manter seu padrão, sendo mais conservadoras e inibindo a aplicação da regra (.41). Os vocábulos polissílabos estão mais propensos ao apagamento da vogal (.64). Fica evidente que, no caso da redução de sílabas, fatores como ritmo e velocidade de fala interagem para o apagamento de segmentos no interior de palavras proparoxítonas. Tais fatores estão sendo investigados com base em análises acústicas, que fornecem indícios de como se dá a interação de parâmetros prosódicos na aplicação da regra. 7.1.6 Modo de articulação da consoante precedente à vogal postônica não-final Para complementar a investigação acerca da influência da consoante que acompanha a vogal postônica não final na sílaba, observase agora a pertinência da variável modo de articulação da consoante precedente. Espera-se que sejam favorecedoras do apagamento da vogal postônica não-final as consoantes que possam se ressilabificar. Os resultados estão na tabela abaixo. Tabela 10: Modo de articulação da consoante precedente à vogal postônica não-final APL/T % P.R Obstruintes (bêbado) 116/849 13% .52 Nasais (número) 73/296 24% .64 Laterais (cólica) 1/58 1% .06 Vibrantes (América) 1/40 2% .09 Input: 0.48 Significância:0,000 Mais uma vez, destaca-se a não uniformidade na atuação de uma variável, em função do contexto envolvido. Os dados apontam o modo de articulação da consoante anterior nasal como o contexto mais favorecedor para a aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não-final (.64), seguido do modo de articulação obstruinte (.52). 94 Diadorim8-cap4.pmd 94 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro Nota-se que a hierarquia respeita as regras de organização dos segmentos na sílaba, uma vez que tanto as obstruintes quanto as nasais podem se reestabelecer em sílabas quando ocorre a queda da vogal postônica não-final. Entretanto, deve-se considerar que, na amostra, a consoante precedente nasal foi selecionada como a mais relevante por conta das ocorrências da palavra ônibus. As laterais e vibrantes se mostraram, nesse contexto, inibidoras da regra (.06 e .09, respectivamente). 7.1.7 Classe morfológica A variável classe morfológica foi postulada para que fosse verificada influência da categoria morfológica do vocábulo na aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não-final. Contava-se que os nomes comuns, por pertencerem a uma categoria que contém um número maior de vocábulos proparoxítonos, exibissem taxas de apagamento maiores do que as verificadas para nomes próprios, adjetivos e verbos. Os resultados a seguir mostram que a hipótese não se confirma. Tabela 11: Classe morfológica APL/T % P.R Nomes comuns (árvore) 108/747 14% .47 Nomes próprios (Petrópolis) 38/91 41% .84 Verbos (tínhamos) 14/84 16% .44 Adjetivos (belíssima) Input: 0.48 32/395 8% .45 Significância: 0,000 Os resultados acima indicam que os nomes próprios tendem a apagar a vogal postônica não-final com mais recorrência do que os nomes comuns (.84 contra .47). Tal tendência é, de certa forma, inesperada, já que a expectativa era exatamente a oposta: esperava-se que os nomes próprios fossem mais resistentes à aplicação da regra, por conta de sua especificidade. Todavia, um olhar mais atento aos dados revela que as taxas altas de apagamento nos nomes próprios estão ligadas aos itens lexicais considerados, pois foram apagadas as vogais postônicas não-finais dos topônimos Petrópolis e Teresópolis. 95 Diadorim8-cap4.pmd 95 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 7.2 Variáveis sociais 7.2.1 Faixa etária A faixa etária é um dos parâmetros externos que podem ser considerados decisivos no estudo de um fenômeno em variação, além de se prestar como um indício para a depreensão da mudança linguística. Neste trabalho, utilizou-se a variável faixa etária com o intuito de observar se o fenômeno de síncope em proparoxítonas se configura como um fenômeno de mudança em andamento ou um processo de variação estável. É evidente que tais questões só são seguramente respondidas em um estudo que conjugue a verificação no tempo real e o comportamento das variáveis através dos níveis de diferenciação etária. Nesta pesquisa, foram consideradas três faixas de idade: 18 a 35 anos, 36 a 55 anos e mais de 56 anos. Os resultados estão expressos na tabela 12. Tabela 12: Faixa etária APL/T 18 a 35 anos 36 a 55 anos mais de 56 anos Input: .048 % P.R 20/304 6% 80/528 15% 92/485 18% Signific ância: 0,000 .27 .50 .64 Os resultados apontados acima mostram que os falantes mais velhos, com mais de 56 anos de idade, realizam muito mais formas sincopadas do que os falantes da faixa mais jovem. Os mais velhos apresentam um alto índice de apagamento (.64), se comparado ao uso dos falantes mais novos (.27). Pela tabela acima, é possível perceber que a faixa mais jovem está, pelo menos no corpus analisado, utilizando mais as formas padrão, não sincopadas, o que pode ser indício de que o processo de regularização dos vocábulos proparoxítonos em paroxítonos é uma variável sem prestígio social. Talvez o resultado delineado acima seja reflexo de outros condicionamentos que não são facilmente traduzíveis em variáveis independentes, como as redes sociais a que pertencem os falantes, o acesso aos meios de comunicação, o grau de integração com a sociedade, a inserção do indivíduo no mercado de trabalho e o contato com as formas padrão. 96 Diadorim8-cap4.pmd 96 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro 7.2.2 Gênero do informante A literatura sociolinguística documenta duas tendências distintas no que diz respeito a diferenças de gênero nos usos linguísticos. A primeira tendência (cf. Chambers e Trudgill, 1980) prevê que, em situações estáveis, os homens utilizam as formas não-padrão com maior frequência do que as mulheres; a segunda tendência (Labov, 1972) prevê que, em situações de mudança linguística, as mulheres têm papel inovador. Tais considerações têm de ser relativizadas, já que o papel do gênero do informante necessariamente interage com outras variáveis sociais. A tabela a seguir mostra a distribuição dos dados em função dessa variável. Tabela 13: Gênero do informante APL/T Homens Mulheres Input: .048 % P.R 113/658 17% .62 79/659 11% .37 Significância: 0,000 Se compararmos os resultados expressos acima com as tendências relativas ao papel da variável gênero do informante, podemos verificar que estamos diante de uma variável sem prestígio social, porque, quando a variação não é um indício de um fenômeno de mudança em progresso, como mostram os resultados na perspectiva do tempo aparente, as mulheres tendem a utilizar as formas de prestígio muito mais do que os homens. Os resultados comprovam a primeira tendência com relação ao papel da variável gênero, descrito acima: os homens tendem a favorecer as formas não-padrão, com .62 de peso relativo; em contrapartida, o gênero feminino tende a evitar as formas sincopadas, desprestigiadas socialmente, uma vez que apresentam como peso relativo (.37). Todavia, ainda que haja uma confluência entre os resultados verificados para as variáveis sociais investigadas, os índices devem ser relativizados tendo em vista que, principalmente na atuação do parâmetro gênero do informante, não estão muito claras as correlações entre o gênero e outras variáveis sociais e até discursivas, muito complexas para serem traduzidas em termos de variáveis independentes. 97 Diadorim8-cap4.pmd 97 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 8. Considerações finais A análise empreendida aqui, com o intuito de observar a relação entre condicionamentos linguísticos e sociais na aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não final na fala popular urbana do Rio de Janeiro, observou: (a) um alto grau de interação entre os condicionamentos linguísticos, já que foram relevantes para a aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não-final: · o contexto fonológico adjacente ao segmento – favorecem a aplicação da regra consoantes que podem ser ressilabificadas, seja ao criarem ataques complexos na sílaba átona final, seja ao se fixarem na coda da sílaba tônica; · o ponto de articulação da vogal postônica não-final – as vogais labiais [o, u] estão mais propensas ao apagamento do que as coronais [e, i] e a dorsal [a]; · a dimensão do vocábulo – proparoxítonas trissilábicas são mais resistentes ao processo de apagamento da vogal postônica não-final do que as proparoxítonas polissilábicas, o que demonstra a importância de considerar questões relacionadas ao ritmo e à velocidade de fala na ocorrência do apagamento de segmentos no interior dos vocábulos; · a classe morfológica do vocábulo – ainda que haja uma ressalva em relação aos resultados para esse condicionamento; apesar de uma tendência maior ao apagamento de segmentos em nomes próprios, há de se considerar que o grande número de ocorrências dos topônimos Petrópolis e Teresópolis obscurece a real importância da variável. (b) a atuação significativa de condicionamentos sociais, uma vez que: · as faixas etárias mais jovens, conforme o esperado, aplicam menos a regra de apagamento do que os informantes mais velhos; · os homens tendem a favorecer as formas com apagamento, enquanto as mulheres as evitam; tal comportamento sugere certo grau de desprestígio social do fenômeno; todavia, a influência do gênero do informante em fenômenos variáveis depende da atuação de outros condicionamentos (sobretudo de ordem discursiva), que não são facilmente traduzíveis em variáveis independentes. Através dos resultados, atesta-se a estabilidade do fenômeno: a supressão da vogal postônica não final sempre ocorreu na história da nossa língua – e os condicionamentos linguísticos mais fortemente atuantes se 98 Diadorim8-cap4.pmd 98 06/12/2011, 22:20 A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro mantêm os mesmos ao longo do tempo. Entretanto, o fenômeno nunca indicou um processo de mudança: ainda há proparoxítonas em nossa língua e, o mais importante, há itens lexicais proparoxítonos que, por força de sua constituição fonética, bloqueiam a aplicação da regra. Referências AMARAL, Marisa Porto do. As proparoxítonas: teoria e variação. Tese (Doutorado em Letras) - PUC-RS, Porto Alegre, 2000. ______. “A síncope em proparoxítonas: uma regra variável”. In: BISOL, Leda; BRESCANCINI, Cláudia. Fonologia e Variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, pp. 99-125. ARAGÃO. Maria do Socorro de. “Aspectos fonéticos das proparoxítonas no falar de Fortaleza”. Anais. II Congresso Internacional da ABRALIN. Florianópolis: UFSC, fev. 1999. ARAÚJO, Gabriel Antunes de et. al . “As proparoxítonas e o sistema acentual do português”. In: ______ (org.). O acento em português: abordagens fonológicas. São Paulo: Parábola, 2007, pp. 37-60. CAIXETA, Valmir. 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Essa concepção de fragmentação linguística, da dialetologia, fundamenta-se em uma ideia geográfica de lugar posteriormente assimilada pela sociolinguística na noção de comunidade de fala: o falante localiza-se socialmente em classe, gênero, entre outras categorias, e, geograficamente, na comunidade de fala, que define o falar e circunscreve a população sob estudo (Eckert, 2004). Mais recentemente, admite-se nos estudos sociolinguísticos que a proveniência regional está impressa no vernáculo, é indexada pela fala vernacular (Coupland, 2007). Na linha de investigação sobre variação e mudança linguística inaugurada por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), região e lugar estão implicados em um dos problemas referentes aos fundamentos empíricos da teoria, o problema da implementação, que pode ser resumido na seguinte pergunta: o que explica as diferenças na ativação de processos de variação e mudança numa mesma língua? Em outras palavras: guardados os mesmos condicionamentos estruturais, por que os 1 Diadorim8-cap5.pmd Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/CNPq 103 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos padrões de realização de um dado processo são distintos em diferentes comunidades de fala de uma mesma língua? A hipótese dos autores, embasada no pressuposto de que mudança linguística é mudança no comportamento social, é a de que a difusão de aspectos variáveis iniciase num subgrupo específico da comunidade, adquire significação social e generaliza-se. Essa generalização não se dá instantaneamente, uma vez que a comunidade em sua estrutura social não é estática: novos grupos ou estratos podem a ela ser incorporados, o que interfere na etapa de finalização da mudança, aquela em que a significação da alternância se perde e uma das variantes é selecionada. Essa questão, a da implementação da variação e mudança fônica, será abordada no presente artigo, acerca da palatalização das oclusivas alveolares /t/ e /d/ antes de vogal alta /i/ (tia~tia, dia~dia) ou de vogal elevada de /e/ átono (gente~genti, pode~podi) em um falar de português brasileiro. Para tanto, será necessário discutir a comunidade de fala que circunscreve a população investigada. Em comparação com o português europeu, a palatalização de /t/ e /d/ é traço inovador da variedade sul-americana, mas o processo variável está longe de aplicar-se homogeneamente nos diferentes falares de português brasileiro. Por exemplo, a palatalização é de 94% em Salvador, Bahia (Abaurre e Pagotto, 2002), como também em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Kamianecky, 2003); é de 62% em Alagoinhas, Bahia (Hora, 1990), e de 8% em Florianópolis, Santa Catarina (Kamianecky, 2003). No próprio estado do Rio Grande do Sul, território de interesse aqui, as taxas de aplicação são díspares. Battisti e Guzzo (2009) revisaram um conjunto de análises de regra variável da palatalização em comunidades do sul do Brasil e verificaram, em específico sobre o Rio Grande do Sul, que a palatalização se aplica com frequência muito alta apenas na capital gaúcha, Porto Alegre. Nas comunidades do interior do estado, as frequências totais são de moderadas a baixas, apesar de os condicionamentos estruturais serem os mesmos. E, em pelo menos uma das comunidades, há indícios de que a palatalização se estabilize em índices modestos. Vem daí a pergunta a ser respondida neste trabalho: em termos sociais, o que condiciona esse aparente refreio à generalização da regra no interior do estado? Para responder à pergunta, serão apresentados alguns resultados da análise sociolinguística (Labov, 1972, 1994, 2001) da palatalização de /t/ e /d/ no falar de português brasileiro de Flores da Cunha, Rio Grande do Sul, em comparação com os resultados obtidos em municípios gaúchos vizinhos. O objetivo é o de mostrar que, numa das regiões interioranas do Rio Grande do Sul, onde a origem étnica é predominantemente 104 Diadorim8-cap5.pmd 104 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... italiana, a regra vem sendo implementada, porém lentamente, em razão da percepção de lugar alimentada pela identidade étnica comum. É isso o que cria o contraste entre o alto índice de palatalização na capital do estado e os índices relativamente baixos nessa região do interior gaúcho. A análise toma como fundamentos a noção de variação linguística como prática social de Eckert (2000), de acordo com a qual o valor social das alternantes liga-se a identidades dos sujeitos construídas nas práticas diárias em diferentes comunidades; a concepção de comunidade de fala discutida por Eckert (2004), que propõe vê-la não como unidade geográfica, mas como entidade percebida e diferentemente construída nas práticas e falares de grupos e indivíduos distintos; a ideia de italianidade ou identidade étnica italiana de Zanini (2006), embasada na pertença a uma comunidade imaginada (Anderson, 1983) pelos descendentes de imigrantes italianos no Brasil meridional; e no pressuposto sobre globalização e variação linguística que vimos construindo, com base em Santos (2000) e Mufwene (2010), entre outros, de acordo com o qual os sujeitos utilizam variantes cada vez menos marcadas por traços locais ao libertarem sua identidade pessoal dos limites da comunidade. Ou, em sentido inverso, fortalecem tacitamente os laços socioculturais com o lugar e utilizam a língua como recurso para marcar pertença à comunidade de origem em sociedades que, por razões tecnológicas e econômicas, incluem eventos globais e distantes na percepção do que lhes seja significativo, mas cujas certezas e seguranças de vida, mesmo enfraquecidas, permanecem ligadas a locais particulares. O artigo inicia-se por uma breve caracterização do município de Flores da Cunha. A seguir, expõem-se os resultados da análise de regra variável dos dados de 48 informantes daquele município, e comparam-se os resultados da análise aos obtidos em Antônio Prado (Battisti et al., 2007) e Caxias do Sul (Matté, 2009), municípios situados na antiga região colonial italiana do Rio Grande do Sul (RCI-RS)2, para mostrar como o processo identitário de etnicização cultural orienta práticas sociais locais numa comunidade que, a um só tempo, se abre à variação e mudança fônica, mas refreia a difusão 2 Sabbatini e Franzina (1977), que empregam termo correspondente (Região de Colonização Italiana), explicam que a RCI corresponde especificamente às áreas das ex-colônias de natureza pública, fundadas entre 1875 e 1892, na Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul. Atualmente, 55 municípios localizam-se nesse território, entre eles Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibáldi, São Marcos, Veranópolis, Antônio Prado. De acordo com Frosi e Mioranza (1983) e Frosi (1989), o grupo de imigrantes era misto relativamente à província italiana de origem, sendo quatro as regiões da Itália setentrional de que veio a maioria deles: Lombardia, Vêneto, Fríuli Venezia-Giulia e Trentino-Alto Ádige. 105 Diadorim8-cap5.pmd 105 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos dos processos, o que se reflete em índices moderados ou baixos de aplicação da regra variável em questão, a da palatalização de /t/ e /d/. Por fim, com base em alguns elementos da história social da região e das práticas diárias de seus habitantes, aborda-se a RCI-RS no eixo ideológico local-global, ampliando-se a discussão dessa região como a comunidade de fala que Flores da Cunha e municípios vizinhos integram para o estudo de palatalização. 2. Flores da Cunha (RS) Flores da Cunha é um dos 55 municípios da RCI-RS, área geográfica a nordeste do Rio Grande do Sul onde foram assentados imigrantes italianos no final do século XIX. É município vizinho a Caxias do Sul, maior cidade do Rio Grande do Sul após a capital, Porto Alegre. A população de Flores da Cunha é pequena, em torno de 27.000 habitantes3, mas não está em redução. Na área de 272,66 km², a zona rural é relativamente grande e o pequeno centro urbano dá sinais de crescimento. Sua economia é diversificada, inclui indústria, comércio, serviços, agricultura. O município é um dos maiores produtores de vinho do Brasil e sua indústria moveleira exporta para a América Latina, Estados Unidos e Europa, entre outros. 3. Palatalização em Flores da Cunha e região As 48 entrevistas sociolinguísticas (BDSer-UCS)4 de Flores da Cunha de que foram levantados os contextos de palatalização foram realizadas entre 2008 e 2009, boa parte delas pela autora. Os informantes são dos dois gêneros, da zona urbana e rural e pertencem a quatro grupos etários: 18 a 30 anos de idade; 31 a 50 anos; 51 a 70 anos; 71 ou mais anos. Essas características configuram as três variáveis extralinguísticas controladas na análise: Gênero, Local de Residência e Idade. As variáveis linguísticas são Contexto Fonológico Precedente, Contexto Fonológico Seguinte, Status da Vogal Alta, Posição da Sílaba na Palavra, Tonicidade da Sílaba, Qualidade da Consoante-Alvo. Os 23.163 contextos levantados das entrevistas foram codificados e posteriormente submetidos aos programas computacionais do pacote VARBRUL, versão Goldvarb X5 para ambiente Windows, que realizam análise estatística de regressão logística. 3 Cf. dados do IBGE, censo 2010. Disponíveis em www.ibge.gov.br. Acesso em 13 de março de 2011. 4 Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, da Universidade de Caxias do Sul. 5 Disponível em: http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/goldvarb.htm. Acesso em 21 de dezembro de 2010. 106 Diadorim8-cap5.pmd 106 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... O total de aplicação da regra de palatalização em Flores da Cunha é de 29%, considerado baixo se comparado aos 94% de aplicação total na capital Porto Alegre (Kamianecky, 2003). Tal índice é o que revela a primeira rodada do pacote de programas VARBRUL, de que obtivemos os resultados aqui relatados. A análise estatística merecerá ainda refinamento, para controlar a distribuição de dados nos fatores de cada grupo, e lidar com a nãoortogonalidade dos grupos Posição da Sílaba na Palavra e Tonicidade da Sílaba. Por isso, surpreende que a análise tenha selecionado oito dos nove grupos de fatores controlados, na seguinte ordem: Status da Vogal Alta, Idade, Local de Residência, Qualidade da Consoante-Alvo, Gênero, Contexto Fonológico Precedente, Contexto Fonológico Seguinte, Tonicidade da Sílaba. Mais surpreendente é a ordem de seleção e os quatro primeiros grupos selecionados, que coincidem com o já verificado em Antônio Prado e Caxias do Sul: o condicionamento do processo é tanto linguístico quanto social. Por essa razão, serão os resultados de Status da Vogal Alta, Idade, Local de Residência, Qualidade da Consoante-Alvo o que será aqui apresentado, e nessa ordem, respeitando a indicação do programa. O grupo Status da Vogal Alta contém dois fatores, vogal alta fonológica (mentira) e vogal alta fonética (gente), isto é, vogal alta que pode ser elevada de /e/ átono. Esperava-se encontrar resultados similares aos de Battisti et al. (2007) e Matté (2009), que apontam a vogal alta fonológica como condicionadora da regra. A hipótese foi confirmada, como mostra a Tabela 1. Tabela 1: Status da vogal alta Fatores Aplic./ Total % Peso relativo 5053/ 8183 62 0,89 Alta fonétic a (gente) 1705/14980 11 0,23 TOTAL 6758/23163 29 Alta fono lógica (mentira) Input 0,174 Significância 0,000 O mais forte condicionador da regra é a própria vogal gatilho, /i/. Os contextos com vogal alta fonológica correspondem a um terço dos dados, e a frequência de palatalização neles é alta: 62%. Já nos contextos com vogal /e/ candidata a elevar-se a [i], que reúnem a maioria dos dados, a frequência é baixa, de apenas 11%. Isso explica a tendência atestada pelos valores de peso relativo obtidos: em Flores da Cunha, a regra tende a aplicar-se com /i/, e a ser inibida por /e/. Esse comportamento é verificado também em Antônio Prado (Battisti et al., 2007) e Caxias do Sul (Matté, 2009), como mostra o Gráfico 1. 107 Diadorim8-cap5.pmd 107 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Status da vogal alta 80 70 Pala tali za ção (%) 60 AP CXS FC 50 40 30 20 10 0 Alta f onológic a (ment ira) Alta fonética (gente) Gráfico 1: Proporção de palatalização para a variável Status da Vogal Alta em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha Confirma-se, na comparação entre os municípios, a tendência de a vogal alta fonológica condicionar a palatalização e de a vogal alta fonética inibir o processo. Na hipótese de Guy (2000), aplicável a condicionamentos linguísticos, o comportamento de Status da Vogal Alta seria similar nos diferentes municípios porque refletiria a unidade maior do português do Brasil. Isso é verdade apenas em parte para o caso em questão: a palatalização é desencadeada por vogal alta no português brasileiro; se a elevação de /e/ átono é baixa, não se alimenta a palatalização. E é essa baixa elevação de /e/ átono o que contribui com maior peso não para a unidade do português do Brasil, mas para sua fragmentação, já que em outras regiões do Brasil a aplicação dessa regra é praticamente categórica. A sugestão que se obtém da comparação dos resultados é, então, a de que a comunidade de fala relevante desfaça os limites geopolíticos particulares dos municípios em questão, e reúna-os numa região, cujo contorno seja desenhado de modo a distingui-la de outras comunidades do território brasileiro. Em seu estudo pioneiro, Bisol (1986, 1991) atribui a tendência de palatalização com vogal alta fonológica à interação do processo com a variável Etnia, não no que se refere aos aspectos sociais envolvidos, mas a motivações predominantemente internas da variação e mudança, 108 Diadorim8-cap5.pmd 108 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... decorrentes do contato do português com italiano, alemão e espanhol, no caso das comunidades por ela estudadas6. A autora afirma: Parece que o contato do dialeto gaúcho com línguas em que a palatalização da oclusiva não existe ou não segue os cânones da Língua Portuguesa [...] vem embargando o caminho de expansão da regra, reforçando-lhe a restrição peculiar nas comunidades monolíngues e acentuando-lhe o caráter de regra adquirida nas comunidades bilíngues. (Bisol, 1986, p. 170) O contato entre português e falares dialetais italianos se verifica ainda hoje em dia na RCI-RS, mesmo que na forma de bilinguismo não generalizado e, em muitos casos, passivo7. Africadas como as que resultam da palatalização das oclusivas alveolares em português existem nos falares italianos, como nos vocábulos ciao (olá) e oggi (hoje). Mas neles as africadas não são variantes. Além disso, as africadas opõem-se a /t/ e /d/. O que pode transferir-se dos falares italianos ao português é, sim, o reflexo da distinção gramatical veiculada pelas vogais /e/ e /i/ quando morfemas de plural específicos de gênero: -e é morfema feminino plural (donnadonne, mulher-mulheres), -i, morfema masculino plural (bambino-bambini, menino-meninos). Falantes bilíngues português-italiano, ou oriundos de comunidades onde ainda se verifica o bilinguismo, tendem a não elevar a média átona /e/, como reflexo de seus hábitos de fala em língua italiana, que requer a clara emissão e manutenção da vogal para garantir a veiculação de informação gramatical. Esse foi o raciocínio de Bisol (1981) no estudo de harmonia vocálica, em que a etnia italiana aparece como a que menos eleva as vogais médias átonas. Entendemos que tal raciocínio também se aplique ao estudo em questão: ainda há bilíngues na comunidade de descendentes de italianos que é Flores da Cunha. A elevação de /e/ átono tende a ser de baixa a moderada no município (Roveda, 1998; Guzzo, 2010), o que reduz o número de contextos com vogal alta fonética, que alimentariam a regra de palatalização. Esse raciocínio, no entanto, é apenas uma das motivações para o padrão de palatalização regional. Outra motivação, também ligada à etnia, 6 As etnias alemã, italiana e fronteiriça, contempladas pela autora, são representadas na amostra por informantes dos municípios gaúchos de Taquara, Veranópolis e Livramento, respectivamente. 7 Entende-se por bilinguismo passivo o de indivíduos que apenas compreendem uma das línguas, não falam, não escrevem, tampouco leem essa língua, que é não-dominante. 109 Diadorim8-cap5.pmd 109 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos mas em seus aspectos socioculturais, está, acreditamos, no que Zanini (2006) abordou em seu estudo sobre italianidade no município gaúcho de Silveira Martins e pode ser aplicado à compreensão da variação e mudança fônica em questão. Segundo ela, os descendentes de italianos lá residentes vivenciam a italianidade convertendo sua etnia de base num código revelador de diferenças quanto a estilo de vida, posições sociais, poder, e tomando-a como forma de auto-expressão. Assim fazendo, sentemse parte de uma comunidade imaginada (Anderson, 1983) – talvez a RCIRS, em nosso caso. A origem familiar e seus símbolos, entre eles os linguísticos, convertem-se em patrimônio, em capital cultural que compete no mercado de bens simbólicos locais, regionais e nacionais, e contribui para a distinção simbólica e visibilidade do grupo. Entendemos que tanto a baixa elevação de /e/ átono quanto o refreio à palatalização na região decorram da vivência de uma italianidade, resultem do empenho, tácito, de preservar práticas sociais tradicionais que, orientadas pelo habitus (Bourdieu, 1977), são simbolicamente compreendidas pelo grupo como um patrimônio. Esse patrimônio transforma os próprios lugares em mercado, como observa Coupland (2007) acerca de variação linguística, identidade e estilo. Conforme o autor, à medida que o turismo se torna fonte de renda, lugares são vendidos e comprados como destinos turísticos. Para tanto, necessitam ser estilizados para diferenciar-se, mas ainda assim serem acessíveis. Seus habitantes, suas práticas sociais, dentre elas a fala, são estilizados, em busca de autenticidade. Exemplo disso é o que ocorre em festas que celebram a cultura italiana em municípios da RCI-RS, como a Festa da Vindima, que ocorre a cada dois anos em Flores da Cunha. Vejase o que um jornal local publicou a respeito dessa festa: Flores da Cunha abre hoje a sua festa da vindima. Embora os moradores da Serra não percebam o valor dessas celebrações, os turistas ficam encantados com o aroma, a mesa farta, a autenticidade, a qualidade de nossos vinhos e espumantes [...] Não é preciso fazer um evento com a grandiosidade da Festa da Uva8 para celebrar a vindima. Pelo contrário: o que o turista quer é autenticidade, sabor, alegria e generosidade. (Pioneiro, 8 de fevereiro de 2011, p. 8) 8 A Festa da Uva é realizada em Caxias do Sul a cada dois anos para celebrar a fruta que lhe dá nome e é cultivada no município. 110 Diadorim8-cap5.pmd 110 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... Fica nítida a tese do jornal de que festas como a da Vindima se voltam a turistas e, portanto, devem oferecer a seu público o que ele busca experimentar, isto é, o que é entendido como genuinamente local, e que se poderia chamar, na atualidade, de ítalo-brasileiro. Elementos como esse, o mercadológico, levam os sujeitos a desenvolverem discursos sobre suas práticas e, assim, perceberem e tornarem certos traços salientes, estilizando-se. Acreditamos que, na RCI-RS, a baixa palatalização e elevação de /e/ átono sejam recursos estilísticos que permitem aos descendentes de italianos (e de outras etnias que porventura residam hoje na comunidade) vivenciarem italianidade, realizarem práticas sociais locais como forma de diferenciarem-se no cenário estadual e nacional e, assim, ganharem visibilidade, mesmo que elementos não-locais sejam também experimentados na comunidade. Neste ponto do trabalho, em que se apresentaram os resultados da variável Status da Vogal Alta na análise dos dados de Flores da Cunha e se fez a comparação desses resultados com os obtidos em outros municípios da RCI-RS, pensa-se que já esteja clara a ideia aqui proposta – de que se admita a RCI-RS, por motivações principalmente socioculturais e identitárias, como comunidade de fala relevante para o estudo de palatalização nessa área do interior do estado, não mais os municípios isoladamente. Pensa-se também já ter de alguma forma anunciado o que se pode esperar da comparação de resultados de Flores da Cunha e dos dois outros municípios para as variáveis Idade, Local de Residência e Qualidade da Consoante: as mesmas tendências foram verificadas. Por isso, a discussão dos resultados será um tanto mais breve. É social o segundo grupo de fatores selecionado pelo programa na análise dos dados de Flores da Cunha, e parece indicar mudança em progresso. Trata-se de Idade, controlado segundo a hipótese de que a palatalização, regra nova na comunidade, estaria em progresso, sendo introduzida pelos mais jovens e por esses difundida aos demais grupos etários. Essa hipótese também se confirmou. Veja-se a Tabela 2. 111 Diadorim8-cap5.pmd 111 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 2: Idade Fatores Aplic./Total % Peso relativo 18 a 30 anos 3114/6146 51 0,86 31 a 50 anos 1599/5766 28 0,50 51 a 70 anos 1530/6080 25 0,42 71 ou mais anos 515/5171 10 0,14 6758/23163 29 TOTAL Input 0,174 Significância 0,000 Os grupos etários mais jovens apresentam as maiores proporções de aplicação da regra. Seus pesos relativos indicam não só que os falantes mais jovens condicionam favoravelmente a palatalização, mas também que há a tendência de o processo se aplicar e progredir com eles. É o que Bisol (1991) verificou para os descendentes de italianos de Veranópolis, e Matté (2009), para os de Caxias do Sul, município em que a palatalização tem uma frequência total de aplicação um pouco mais alta, 35%. Mas não é o que Battisti et al. (2007) verificaram em Antônio Prado, onde a palatalização também se aplica numa taxa quase igual, de 30%, mas em que há sinais de estabilização do processo em índices modestos. Visualizese a comparação no Gráfico 2: Idade 80 70 Pala taliza ção (%) 60 AP CXS FC 50 40 30 20 10 0 18 a 30 anos 31 a 50 anos 51 a 70 anos 71 ou mais anos Gráfico 2: Proporção de palatalização para a variável Idade em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha 112 Diadorim8-cap5.pmd 112 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... Tanto a relação em rede dos informantes de Antônio Prado quanto a orientação positiva dos jovens pradenses explica o fato de a regra, inovadora, não estar progredindo no município, haja vista a estabilização nos grupos 18-30 anos e 31-50 anos. Já em Caxias do Sul e Flores da Cunha, em que o índice do grupo 18-30 anos aponta o avanço da palatalização, o que há de diferente parece ser uma maior mobilidade territorial dos indivíduos, maiores oportunidades de contato com pessoas de fora da comunidade, o que abriria a fala a inovações como a palatalização e poderia explicar a tendência ao progresso da regra, a despeito de sua moderada aplicação. O terceiro grupo selecionado é Local de Residência. Noll (2008), sobre o português brasileiro, afirma que a palatalização é um processo urbano. É o que verificaram Battisti et al. (2007) em Antônio Prado, e que se esperava verificar também em Flores da Cunha. A análise confirmou essa hipótese. Os resultados referentes a Flores da Cunha estão na Tabela 3, e a comparação com os resultados das duas outras comunidades, no Gráfico 3. Tabela 3: Local de Residência Fatores Aplic./Total % Peso relativo Zona Urbana 4336/11494 38 0,67 Zona Rural 2422/11669 21 0,33 TOTAL 6758/23163 29 Input 0,174 Significância 0,000 A frequência de palatalização, embora moderada na zona urbana (38%), é superior à verificada na zona rural (21%). Os pesos relativos obtidos indicam que o processo tende a aplicar-se na zona urbana de Flores da Cunha, favorecedora da regra, e é inibido na zona rural. Essa é a tendência também em Antônio Prado e Caxias do Sul, exibida no Gráfico 3. 113 Diadorim8-cap5.pmd 113 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Local de residência 80 70 Pala taliza ção (%) 60 AP CXS FC 50 40 30 20 10 0 Zona urbana Zona rural Gráfico 3: Proporção de palatalização para a variável Local de Residência em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha A razão para esse comportamento distinto e polarizado dos dois locais de residência pode ter relação, como já observaram Battisti et al. (2007) em Antônio Prado, com práticas sociais distintas realizadas pelos indivíduos, e com a rede social que integram. As zonas rurais de municípios da RCI-RS abrigam pequenas propriedades rurais produtivas, quase autossuficientes e geridas por um núcleo familiar que trabalha e vive na terra. Afora os integrantes mais jovens da família, que se deslocam diariamente a escolas próximas para estudar, os demais membros apresentam pequena mobilidade territorial e, assim, travam contato com poucos desconhecidos. Sendo a palatalização aspecto inovador na fala em língua portuguesa, mas cuja difusão depende de contato interpessoal e práticas compartilhadas, é de se esperar que a alternante palatalizada tenha pequeno emprego, pois os indivíduos da zona rural expõem-se pouco a indivíduos palatalizadores, a interação entre eles é quase nula. As redes sociais que formam são densas e multiplexas, prevenindo a palatalização de se propagar. Outro aspecto que merece destaque é o fato de o bilinguismo português-italiano persistir na zona rural. Pelas razões abordadas acima quando da apresentação dos resultados da variável Status da Vogal Alta, esse contato preserva da elevação a vogal média que desencadearia a palatalização, e que representa boa parte dos contextos analisados. 114 Diadorim8-cap5.pmd 114 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... Os habitantes da zona urbana realizam práticas sociais diferenciadas, o que contribui para a difusão da regra. Tanto o setor de comércio quanto o da indústria e serviços propicia interação com indivíduos de municípios vizinhos e, mais importante, de fora da RCI-RS. O próprio deslocamento para realizar curso superior leva, principalmente os jovens, a práticas compartilhadas com indivíduos diversos, flexibilizando laços que preveniriam mudanças de comportamento, inclusive do linguístico. No quarto grupo de fatores selecionado, Qualidade da ConsoanteAlvo, controlou-se a consoante candidata à palatalização, se a vozeada /d/ ou a desvozeada /t/. A hipótese era a de que em Flores da Cunha a consoante /t/ condicionaria a regra de palatalização, como visto em Battisti et al. (2007) e Mauri (2008) para Antônio Prado e Caxias do Sul, respectivamente. Novamente, a hipótese foi confirmada pela análise. Os resultados de Flores da Cunha estão na Tabela 4, e a comparação entre as comunidades, no Gráfico 4. Tabela 4: Qualidade da consoante-alvo Fatores Aplic./Total % Peso relativo T (tia) 3817/10573 36 0,60 D (dia) 2941/12588 23 0,40 TOTAL 6758/23163 29 Input 0,174 Significância 0,000 A frequência de palatalização de /t/ (36%) não é tão distinta da palatalização de /d/ (23%). No entanto, os pesos relativos são reveladores: contextos com /t/ tendem a ser palatalizados, e a consoante desvozeada favorece a aplicação da regra; já a consoante vozeada /d/ desfavorece o processo. A mesma tendência se verifica nos outros municípios, o que, retomando a hipótese de Guy (2000), se pode esperar de condicionamentos de natureza interna ou estrutural que reflitam a unidade maior do português do Brasil. 115 Diadorim8-cap5.pmd 115 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Qualidade da consoante-alvo 80 70 Pala tali za ção (%) 60 AP CXS FC 50 40 30 20 10 0 T (tia) D (dia) Gráfico 4: Proporção de palatalização para a variável Qualidade da Consoante-Alvo em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha A explicação para o fato pode ser a de Dutra (2007): ...durante a articulação de consoantes [-voz], a energia articulatória se concentra nos órgãos supraglóticos [...] o processo de palatalização leva a uma grande concentração de energia na parte anterior da cavidade bucal e é justamente a articulação das consoantes [-voz] que propicia tal configuração articulatória. (Dutra, 2007, p. 105-106) Há, portanto, uma semelhança na articulação da consoante desvozeada /t/ que a aproxima do processo de palatalização, explicando seu papel favorecedor, diferente de /d/. A apresentação dos resultados do estudo da palatalização em Flores da Cunha objetivou mostrar, por um lado, os condicionamentos linguísticos e sociais do processo naquele município. Por outro, pela comparação com os resultados obtidos em outros municípios da mesma região, buscou-se defender a necessidade de lidar com uma comunidade de fala maior que o município para responder à questão da implementação da palatalização em falares do Rio Grande do Sul. É preciso lidar com uma região, recortada (imaginada) a partir da origem étnica comum e pelas práticas sociais ligadas a ela, hoje simbolicamente tomadas 116 Diadorim8-cap5.pmd 116 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... como tradicionais, autênticas. É sobre essa região que se discute um pouco mais a seguir, desta vez no eixo local-global, abordando os efeitos ideológicos e identitários dos valores locais, de um lado, e dos valores não-locais ou globais, de outro, sobre o emprego das variantes palatalizada e não palatalizada. 4. RCI-RS e identidade: a palatalização entre o local e o global A variante palatalizada é inovadora em comunidades da RCI-RS como Flores da Cunha. Na realização de entrevistas sociolinguísticas nesse município e em atividades de observação participante, não se percebeu qualquer associação da variante palatalizada com valores positivos como bonito, moderno, correto. Tampouco negativos. O que se percebeu foi uma identificação dessa variante com o “de fora”, com o que não é local, isto é, com o não florense. Em interação com alguns informantes ou outros habitantes do município, era nítido o esforço de, num primeiro momento, produzir algumas formas palatalizadas, muitas das quais abandonadas ao longo da conversa. Outros, principalmente os mais velhos, não palatalizavam. Mas conseguiam sugerir, ou mesmo afirmar claramente, que “aqui não se fala assim”, mesmo que, inconscientemente, tivessem palatalizado vez ou outra. Isso mostra que a variante palatalizada, saliente aos membros da comunidade, pode ser usada como um recurso identitário, para aproximá-los dos forasteiros ou, fora dos limites da comunidade, no âmbito aqui denominado global, para encobrir sua identidade. Essa utilização das variantes como recursos linguísticos fora do local se dá se o fluxo de bens e capitais, de informação, entre outros, implicar mobilidade territorial. Os indivíduos, fora da comunidade, estão sujeitos à exposição a outros padrões de fala cujas características podem ser incorporadas à sua fala. Afirma Santos (2000): O global e o local são socialmente produzidos no interior dos processos de globalização (...) perante as condições do sistema mundial em transição não existe globalização genuína; aquilo a que chamamos globalização é sempre a globalização bem sucedida de determinado localismo. (...) não existe condição global para a qual não consigamos encontrar uma raiz local, real ou imaginada, uma inserção cultural específica. (Santos, 2000, p. 63). Como mostramos, no que se refere a Flores da Cunha e municípios vizinhos de mesma origem étnica, o global e o local necessitam ser 117 Diadorim8-cap5.pmd 117 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos entendidos relativamente à RCI-RS. Já no estudo de Antônio Prado se havia verificado não só a presença do fenômeno da globalização e de sua contraparte, a localização, mas o fato de o local demarcador da comunidade não ser o município em si, mas a própria RCI-RS. São três as razões principais para isso: primeiramente, porque as fronteiras de boa parte dos municípios dessa região são constantemente redesenhadas na rede de relações (econômico-culturais) que estabelecem com municípios vizinhos maiores, destacando-se aí Caxias do Sul, e com outras localidades. Essas repercutem diretamente nas práticas sociais individuais. Por exemplo, para estudar, os habitantes mais jovens deslocam-se diariamente a outras comunidades; no exercício econômico, as empresas exportam produtos, o que as coloca, e a seus colaboradores, em relação com outros sujeitos em localidades distantes. Por outro lado, mesmo com os setores do comércio e da indústria relativamente bem desenvolvidos, uma parcela da população dedica-se a práticas agropecuárias que mantêm os indivíduos na zona rural dos municípios. Esse conjunto de práticas socioeconômicas tem sido relacionado à vocação para o trabalho e ao empreendedorismo dos imigrantes italianos, traços celebrados em festas comunitárias como a Noite Italiana (Antônio Prado), a Festa da Vindima (Flores da Cunha) e a Festa da Uva (Caxias do Sul). Em segundo lugar, porque, embora o local venha sofrendo impacto dos processos globais, estruturas sociais tradicionais como a familiar ainda orientam as práticas individuais, o que se verifica na rede social. Embora os informantes estabeleçam relações supraterritoriais em algumas de suas práticas, convivem na comunidade conforme os velhos padrões da família patriarcal, o que denota, em termos de identidade, uma orientação para o local, e acaba produzindo apenas um efeito de incorporação de elementos globais, e não de sua expansão maciça sobre os traços locais. Em termos linguísticos, isso corresponde a uma situação de aparente transitoriedade: há variação, mas moderada. Em terceiro lugar, porque o ritmo e velocidade dos processos de globalização e localização não é o mesmo nesses municípios, o que se relaciona ao modo como a própria América Latina, Brasil e RCI-RS foram colonizados, e como todo o continente passou pelo processo de incorporação ao sistema capitalista de produção nos últimos séculos. De certa maneira, a América Latina, Brasil e RCI-RS já nasceram de processos históricos globalizadores (Menz, 2009; Kühn, 2007; Giron, 1992), razão pela qual a atual inserção dessas regiões no processo de globalização passa, necessariamente, por tendências já demarcadas nos fluxos internacionais e locais. Alguns elementos históricos da formação social 118 Diadorim8-cap5.pmd 118 06/12/2011, 22:20 Variação, mudança fônica e identidade: ... brasileira já atestam as dificuldades de criação de um sentimento e de uma ideologia que pudessem ser rotulados nacionais (Oliven, 1992; Seyferth, 2000), fazendo prevalecer no Brasil a matriz ideológica colonizada (Cardoso, 2003), o que acabou tendo impacto negativo na formação das classes sociais no país. A essas três razões soma-se outro aspecto relevante, que é o relativo atraso no desenvolvimento de certas regiões do Brasil, fruto de um modelo concentrador. Algumas delas, como a RCI-RS, passaram por um processo de desenvolvimento tardio se comparado ao do centro do país. Isso, porém, não levou ao atraso socioeconômico da região em relação ao centro nos dias atuais, apenas contribuiu para o desenvolvimento, nela, de uma fraca ideologia nacional, já existente no país quando do auge da colonização italiana na região nordeste do Rio Grande do Sul. Então, ideologicamente, quando a RCI-RS começou a apresentar índices significativos de crescimento e desenvolvimento, já na segunda metade do século XX, a antiga tradição italiana foi reconstruída (e em vários aspectos inventada). Como consequência, na RCI-RS, a incorporação globalizadora não tem sido tão rápida. O local é relativamente desenvolvido, apresentando contornos ideológicos e sentimentais de apego ao passado, às tradições da colonização e à condição (adversa) de colonização. Isso reforça valores ligados ao mundo do trabalho, da religião, da família e fornece recursos, dentre eles os linguísticos, para a afirmação da uma identidade local. É o que faz emergir padrões moderados de mudança nos comportamentos sociais e nos usos linguísticos na RCI-RS, refreando a expansão da palatalização variável da capital a essa região do interior. 5. Considerações finais A análise de regra variável da palatalização na comunidade gaúcha de Flores da Cunha repete e confirma os fatores condicionadores do processo já verificados em outros municípios pertencentes à mesma região, a RCI-RS: vogal alta fonológica /i/ e consoante-alvo desvozeada /t/ favorecem o processo, bem como os grupos etários jovens e a zona urbana do município. Os resultados autorizam, portanto, que se pense em uma região, e não em municípios específicos, quando de sua discussão e interpretação. Ao mesmo tempo, permitem refletir sobre a questão do refreio à implementação da palatalização no interior do estado, em contraste com os altos índices de palatalização na capital do estado. Viu-se que a economia forte e a percepção de pertença a uma comunidade de mesma origem étnica, a italiana, reforça laços identitários dos habitantes da RCI-RS com o local e impede a região de tornar-se tão 119 Diadorim8-cap5.pmd 119 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos porosa a mudanças. Inovações ocorrem na comunidade, mas lentamente. Tanto sua história quanto seu processo de estruturação social mostram que, globalizada desde o início, apega-se a valores e traços da cultura de base, de que a língua portuguesa sem palatalização faz parte. A implementação da palatalização variável na RCI-RS apresenta indícios de progresso, mas este e outros trabalhos confirmam que características sociais têm tornado lento o processo e motivado o contraste que ora se forma com os índices da capital do estado para a mesma regra. Referências ABAURRE, M. B. M.; PAGOTTO, E. G. “Palatalização das oclusivas dentais no português do Brasil”. In: ABAURRE, M. B. M.; RODRIGUES, A. C. S. (orgs.). Gramática do Português Falado Volume VIII: novos estudos descritivos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2002. ANDERSON, B. Imagined communities. London: Verso, 1983. BATTISTI, E. et al. “Palatalização das oclusivas alveolares e a rede social dos informantes”. 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Santa Maria: Editora UFSM, 2006. 123 Diadorim8-cap5.pmd 123 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Resumo Análise de regra variável da palatalização das oclusivas alveolares /t/ e /d/ no português falado em Flores da Cunha (RS) e sua comparação com os índices verificados em Antônio Prado (RS) e Caxias do Sul (RS). Discussão do contraste entre a frequência total de aplicação nos três municípios da antiga região colonial italiana do Rio Grande do Sul, em torno de 30%, e a frequência total da capital Porto Alegre, de 90%. Palavras-chave: português brasileiro; palatalização das oclusivas alveolares; análise de regra variável; implementação da variação e mudança fônica. Abstract Variable rule analysis of the palatalization of dental stops in Portuguese as it is spoken in the Brazilian city of Flores da Cunha, located in the state of Rio Grande do Sul (RS). Comparison of the results obtained in Flores da Cunha with the ones obtained in Antônio Prado (RS) and Caxias do Sul (RS) in previous analysis. Discussion of the contrast between the application rates of those three cities, around 30%, and the application rate of Porto Alegre, the capital city of the state, around 90%. Keywords: Brazilian Portuguese; palatalization of dental stops; variable rule analysis; implementation of phonological variation and change. 124 Diadorim8-cap5.pmd 124 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: no Atlas Linguístico de Minas Gerais e nos dados do projeto do Atlas Linguístico do Brasil Vanderci de Andrade Aguilera1 Helen Cristina da Silva2 I ntrodução Ao lado de fenômenos fonéticos que podem caracterizar uma proposta de divisão dialetal do Brasil, como a realização das vogais pretônicas ou a das consoantes fricativas surdas e sonoras [s] e [z] em coda silábica, o /r/ retroflexo vem ocupando, nos últimos 50 anos, seu espaço na discussão de pesquisadores, como Silva Neto (1960); Head (1973, 1978 e 1987); Brandão (1995, 1997, 2007); Monaretto (1995); Callou (1997); Almeida (2004); Cohen (2006) e Aguilera (2009). Verificamos que o /r/ retroflexo, embora seja registrado em diversos estados brasileiros, se concentra no interior do Paraná, de São Paulo, do Mato Grosso do Sul; no Sul de Goiás, do Mato Grosso e de Minas Gerais. Sabendose que há sempre uma pergunta no ar sobre a vitalidade ou debilidade desta variante rótica no território brasileiro, este artigo tem como objetivo verificar a atual situação do /r/ retroflexo em coda silábica no falar sulista de Minas Gerais, em particular na cidade de Lavras, comparando dados atuais coletados pelo projeto Atlas Linguístico do Brasil-ALiB com os registrados no Esboço de um atlas linguístico de Minas Gerais (Ribeiro et al., 1977). Até onde nos foi possível verificar, esta variedade de rótico não foi trazida pelos portugueses durante a ocupação da terra recém descoberta, nem constava do acervo fonético dos autóctones brasileiros. 1 2 Diadorim8-cap6.pmd CNPq-UEL CAPES-UEL 125 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos A hipótese mais viável, da qual comungamos, seria atribuir a origem do /r/ caipira no PB ao contato do português com o tupi, uma vez que o tupi seria uma língua desprovida dos fonemas /r/ e /l/, pelo menos em coda silábica. Se tomarmos como parâmetro topônimos, zoônimos e fitônimos herdados do tupi, constatamos que, realmente, tais fonemas não aparecem no contexto de coda nos nomes oriundos dessa língua indígena, como se pode observar em alguns exemplos: Tatuapé, Guaraci, Curitiba, Tietê, Paraná, Tibagi, tatu, guará, arara, jabuti, urubu, pitanga, jabuticaba, pacova, araçá, em que o padrão silábico é sistematicamente CV. Por outro lado, se pensarmos na realização lusitana alveolar e velar do /l/ em coda silábica, como em mal, sol, falta, calma, é fácil deduzir a dificuldade de nossos indígenas e dos mestiços na realização da lateral em contexto CVC. A tentativa de aproximar a lâmina da língua ao palato, na realização da lateral em coda, poderia ter, naturalmente, levado à realização de um /r/ retroflexo. Tal fone teria se formado entre os paulistas, mamelucos e indígenas e se irradiado pelos territórios conquistados e ocupados pelos bandeirantes nos séculos XVII e XVIII. Para comprovar esta hipótese, recorremos aos registros feitos em atlas linguísticos já publicados ou concluídos no Brasil. 1. O /r/ retroflexo nos atlas estaduais e no regional3 O Atlas prévio dos falares baianos – APFB (Rossi, 1963) – contém 24 cartas em que o /r/ retroflexo foi documentado. Dos 50 pontos, em 234 deles ocorre pelo menos um registro deste rótico, havendo informantes que apresentam sistematicamente esta variante, como o 20B com 10 registros e o 29A com 12 ocorrências. Dentre os itens lexicais que mais favorecem o [}], temos: a[}]co (íris, da velha, celeste), ca[}]canhar, te[}]çol, laga[}]tixa, la[}]gatixa, cabo ve[}]de, mestiço preto com cabelo liso, e tipo de boi branco: a[}]vação. Dos 100 informantes do APFB, 24 apresentam pelo menos um registro do retroflexo, e destes, 15 são mulheres e nove são homens. A faixa etária não parece condicionar a presença ou a ausência deste rótico uma vez que as 14 mulheres5 se distribuem equilibradamente pelas duas faixas (Faixa I entre 25 e 45 e 3 O único atlas brasileiro que contempla os estados de uma região e não apenas um estado é o ALERS – Atlas linguístico e etnográfico da região Sul (Koch et al., 2002). 4 O levantamento de todas as respostas mostrou a presença do retroflexo nos seguintes pontos e informantes: 1A (1), 5GL (2), 6A (2), 8B (2), 9A (1), 9B (2), 11A (1), 11B (1), 20 A (2), 20B (10), 21 A (1), 22 A (1), 22B(3), 23 A (1), 23B (2), 25 A (1), 29 A (12), 33 A (2), 34A (1), 35B (1), 42A (4), 43A (1), 43B (1), 50A (1). 5 Não consta a idade da informante 11A. 126 Diadorim8-cap6.pmd 126 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... Faixa II, entre 50 e 80 anos). Já entre os homens, sete deles estão na faixa II. Quanto à distribuição diatópica, considerando que a Bahia compreende sete mesorregiões (do Extremo Oeste, do Vale São Franciscano, do Centro Norte, do Centro Sul, do Sul, do Nordeste, e a Metropolitana de Salvador), o /r/ retroflexo é mais frequente na Mesorregião do Centro Norte e do Centro Sul e na do Vale São Franciscano, não tendo sido registrado, apenas, na Mesorregião do Extremo Oeste. No Esboço de um Atlas linguístico de Minas Gerais – EALMG – (Ribeiro et al., 1977), um dos corpora desta pesquisa, o [}] está registrado em 51 pontos dos 116 investigados, sobretudo nas localidades que compõem as zonas do Triângulo, Alto Paranaíba, Alto São Francisco, Campos das Vertentes e Sul. Está, pois, na rota dos bandeirantes do século XVIII, que iam à busca de ouro e de pedras preciosas pelos caminhos do atual território mineiro em direção a Cuiabá. Quanto aos registros em Lavras, ponto 89 do EALMG, nosso objeto de estudo neste artigo, a variante retroflexa foi registrada nas cartas 2 (arco-íris) e 3 (arco da velha). A carta 8 (mormaço) traz o /r/ vibrante velar sonoro e a de nº 29 (salto mortal) o mesmo informante realiza o rótico como vibrante alveolar sonoro. Esta oscilação no mesmo informante está documentada na carta 47, que trata da isófona do [}], na qual Lavras, ponto 89, se situa na área de intersecção da predominância do [}] e sua alternância com outras variedades de /r/. É importante lembrar que, para o EALMG, foi entrevistado um informante principal em cada localidade, havendo casos em que, além deste, puderam os pesquisadores contar com um ou dois informantes auxiliares cuja função era ratificar a fala do principal. No caso de Lavras, consta um único informante, nascido na localidade, com pais também naturais de Lavras, de 36 anos de idade e com primário incompleto. No Atlas linguístico de Sergipe – ALSE – (Ferreira et al., 1987) e no Atlas Linguístico de Sergipe II – ALSE II – (Cardoso, 2005), o /r/ retroflexo está sistematicamente documentado nos pontos 61 (Brejo Grande), 62 (Propriá), 64 (Gararu) e 65 (Curralinho), os dois primeiros na microrregião de Propriá e os dois últimos na microrregião do Sertão Sergipano do São Francisco. As cartas do ALSE, em que o /r/ está em coda e se realiza como [}] nessas localidades, são as de nº 3- arco-íris; carta 4- outras designações para arco-íris (a[}]co-da-velha e a[}]co-celeste); carta 13- ma[}]gem; carta 17- onda (ca[}]neiro e carneiro de ma[}]), 45- papa grossa de farinha de mandioca (esca[}]dado forma roticizada de escaldado), carta 50- cinza ainda quente (resca[}]do por rescaldo), 65- ca[}]canhar, 69soutien (po[}]ta-seio, co[}]pinho, co[}]pete), 79- olho esbugalhado 127 Diadorim8-cap6.pmd 127 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (esbu[}]gado), 84- tipo de mestiço de pele preta, cabelo liso (cabo ve[}]de), 94abo[}]to, (97- cisco que cai no olho (a[}]gueiro), 99- conjuntivite (do[}]dólho, do[}]dóio, do[}]dói), 113- cambalhota (sa[}]to mo[}]ta, 137- designações do boi conforme a idade – 2ª fase (ma[}]mote por mamote), 144- onde se põe o gado a pastar (so[}]ta por solta), 147- rabo do cavalo (ca[}]da por cauda). Alguns registros de [}], alternando com o velar, ocorrem ainda nos pontos 52 Tomar do Geru e 53 Estância, que integram as microrregiões do Sertão do Rio Real e do Litoral Sul Sergipano, nas cartas 65, 69, 94, 97 e 137, sempre na voz masculina, ou seja, a do informante B. Quanto ao ALSE II, com registros de /r/ retroflexo, temos os pontos já mencionados: 62, 64 e 65, sobretudo este último, conforme se comprova com as cartas de nº 33- bolha de queimadura (bo[}]bulha, ba[}]bulha), 40- calça de comprimento aquém do normal (sa[}]ta riacho), 47- corrente que se usa pendente no pescoço (vo[}]ta), 49- pirão preparado com água em que se cozinham ovos (esca[}]dado, esca[}]fado), 54- quarto de dormir (qua[}]to) e 91- cuíca (po[}]ca). Nessas cartas, o [}] distribui-se de forma equilibrada nas falas feminina e masculina. Quanto à variável externa, ponto linguístico, essas localidades se situam ao longo do curso do rio São Francisco, via usada para a passagem sul J norte dos bandeirantes e mineiros durante os séculos XVII e XVIII. O Atlas linguístico do Paraná – ALPR- (Aguilera, 2009) traz nove cartas mistas6 com o /r/ em coda silábica interna (terça, árvore, pernilongo, hortelã, borboleta, arco-íris, lagarto, parteira e tuberculose), cinco com /l/ em coda, interna ou externa, passível de roticização7 (alçapão, sol, girassol, anzol e calcanhar) e duas cartas com r em coda final (coador8 e flor). As nove cartas que trazem as variantes com o /r/ em coda silábica interna mostram que o [}] predomina em quase todas as mesorregiões9, exceto nos pontos 27 (Guaíra) e 32 (Marechal Cândido Rondon), na mesorregião Oeste; 48 (Capanema) e 56 (Barracão), na mesorregião Sudoeste; e 54 (Curitiba), na mesorregião Metropolitana de Curitiba, nos quais o tepe [R] é categórico. No ponto 49 (Dois Vizinhos), também na mesorregião Sudoeste, o [}] concorre com o [R]. A maior frequência do [R] foi observada nas palavras arco-íris, lagarto (largato), parteira e tuberculose. Do 6 O ALPR traz também uma carta sintética para a distribuição diatópica de parteira. É alta a frequência do rótico, nessas palavras, na modalidade retroflexa; no entanto deixamos de computar os casos por não se tratar de regra categórica no Paraná. 8 O zero fonético é o mais frequente na realização dessa variante. 9 O Paraná compreende dez mesorregiões geográficas: 1. Noroeste; 2. Centro-Ocidental; 3. Norte Central; 4. Norte Pioneiro; 5. Centro-Oriental; 6. Oeste; 7. Sudoeste; 8. Centro-Sul; 9. Sudeste; 10. Metropolitana de Curitiba (www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/ base_fisica/relacao_mun_micros_mesos_parana.pdf). Acesso em 05/03/2011. 7 128 Diadorim8-cap6.pmd 128 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... ponto de vista histórico, o Paraná passou por três grandes movimentos de ocupação e povoamento a partir do século XVII: o primeiro refere-se ao contato intenso entre os paulistas da Capitania de São Vicente e os indígenas do grupo tupi que habitavam onde hoje se acham, atualmente, as cidades que compõem as mesorregiões Metropolitana de Curitiba, Centro Oriental, Centro Sul e Sudeste Paranaense, desde as primeiras entradas até meados do século XIX; o segundo, com a chegada de mineiros e paulistas, no final do século XIX, à atual mesorregião do Norte Pioneiro; e o terceiro, com dois grandes movimentos: um de mineiros e paulistas em direção ao norte do estado e o outro, do sul para o oeste, pelos gaúchos e catarinenses, descendentes de imigrantes alemães, poloneses e italianos. Os dois primeiros grupos tinham como variante dialetal o [}] e o último o [R] ou [r] em coda silábica. O contato entre ambos propiciou a expansão da primeira variante para todas as regiões paranaenses. No Atlas linguístico do Mato Grosso do Sul – ALMS (Oliveira et al., 2008), o retroflexo é a norma em todos os pontos da rede. No Atlas linguístico e etnográfico da Região Sul – ALERS (Koch et al., 2002), cinco cartas oferecem o contexto de /r/ em coda: 49 (gordura), 50 (corta), 51 (corda), 52 (fervendo) e 53 (calor). No Paraná, foram investigados 100 pontos linguísticos; em Santa Catarina, 80; e, no Rio Grande do Sul, 95 pontos, totalizando 275 localidades e o mesmo número de informantes, uma vez que só foi inquirido um informante por localidade, no caso um homem. Altenhofen (2005, p. 188-189), com base nas cartas do ALERS, analisa a distribuição do /r/ retroflexo, talvez a marca linguística mais significativa na área, juntamente com outros traços fonéticos, que formam um grupo de isoglossas que avançam, em forma de cunha, na direção sul (de Santa Catarina), seguindo o Corredor de Lajes, por onde passavam as antigas rotas migratórias dos paulistas, no comércio de gado com o gaúcho rio-grandense. Continuando em sua análise sobre a influência de fatores históricoeconômicos na disseminação dos traços do falar paulista sobre a fala dos estados do Sul, Altenhofen (2005, p. 189) pondera: Embora nos falte uma visão mais clara que complemente os mapas do ALERS na área de São Paulo, parece evidente uma influência paulista nesse movimento, iniciado a partir das antigas rotas de tropeiros nos séculos XVII e XVIII. 129 Diadorim8-cap6.pmd 129 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos O Quadro 1 permite visualizar a produtividade da variante retroflexa em cada palavra investigada e em cada um dos três estados da região Sul, no ALERS: Quadro 1 Carta tema /Estado 49. gordura 50. corta 51. corda 52. fervendo 53. calor Paraná 35% 65% 65% 39% 46% Santa Catarina 2% 22,5% 30% 4% 2% Rio G. do Sul Região Sul 1% 15% 0,5% 22,5% 0,5% 20% 0% 15% 0% 18% No Paraná, o /r/ retroflexo está presente em todas as mesorregiões, principalmente no Norte Pioneiro e no Oeste. Dos 100 pontos paranaenses investigados pelo ALERS, 72 deles apresentam esse rótico. Os dados analisados, separadamente, demonstram que, na carta 49, a concentração do [}] se dá nas mesorregiões do Norte Pioneiro e Norte Central; na carta 50 (corta) e 51 (corda), a retroflexão é significativa no Oeste e Sudoeste; na carta 52 (fervendo), as áreas de maior ocorrência compreendem o Norte Central, o Noroeste, o Norte Pioneiro e a região Metropolitana de Curitiba; e, na carta 53 (calor), os resultados são quase os mesmos da anterior, excluindo a região Noroeste e acrescentando a Centro Sul. Das 80 localidades investigadas pelo ALERS, no estado de Santa Catarina, 23 apresentam a variante retroflexa. O ponto Chapecó, localizado na microrregião Colonial do Oeste Catarinense, é o único que apresenta o [}] nas cinco cartas; nas demais, este rótico ocorre com maior frequência nas microrregiões de Planalto de Canoinhas (cartas 49, 50, 51 e 52), Colonial Rio do Peixe (50, 51, 53) e Campo dos Curitibanos (carta 51). É importante ressaltar que a área de maior concentração, ou seja, a região do Planalto de Canoinhas, faz divisa com o sul do Paraná e as outras regiões citadas estão bem próximas do estado paranaense, fato que pode ter propiciado a expansão do [}]. No que se refere ao Rio Grande do Sul, apenas 5 localidades, espalhadas pelo estado, apresentam o /r/ retroflexo: Catuípe, São Luiz Gonzaga, Soledade, Santa Cruz do Sul e Barra do Ribeiro. 2. O que dizem os dados coletados para o ALiB, no Paraná, em São Paulo e em Lavras, no sul de Minas Gerais O primeiro estudo com dados do ALiB em localidades do interior foi feito por Aguilera (2009, p. 11-12), em 16 localidades paranaenses, além da capital. A autora expõe que: 130 Diadorim8-cap6.pmd 130 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... Os dados do ALiB – PR apontam as seguintes direções do /r/ em coda silábica: (i) o [}] se mantém resistente junto a falantes urbanos na mesma proporção registrada anteriormente, em coletas realizadas há cerca de duas décadas, em atlas de base rural, como o ALPR e o ALERS; (ii) em apenas três das dezessete localidades pesquisadas predomina o []: Barracão, Curitiba e Toledo – e nestes dois últimos concorre com o [}], principalmente na fala dos mais jovens; (iii) os casos de rótico em coda interna mostram que há contextos mais favoráveis ao [}] em detrimento de outros (...); (iv) a metátese, em encontros consonantais, é pouco produtiva em palavras de uso mais frequente, com produtividade mais acentuada na palavra braguilha>barguilha; (v) os róticos em coda externa ora se mantêm, ora sofrem apócope, principalmente nos verbos no infinitivo; os nomes mantêm, com mais freqüência o rótico que se realiza, em sua maioria, como [}] e, finalmente, (vi) os casos de roticização da líquida estão cada vez mais raros. Outro estudo sobre a distribuição dos róticos em coda, com dados coletados para o ALiB, foi realizado por Castro (2009) em 38 localidades do estado de São Paulo (capital e interior). A autora concluiu que, em coda interna, 27% dos informantes da capital realizaram o /r/ retroflexo e nas localidades do interior este percentual chegou a 93%. Em final de palavra, observou 17% de realizações com [] entre os falantes paulistanos e 92% entre os paulistas. No estado de Minas Gerais, além da capital, o ALiB selecionou 22 localidades do interior das quais 20 coincidem com as do EALMG (excetuam-se Pedra Azul e Ipatinga). Tomando como base a distribuição do [] na carta 47 de isófona do EALMG, que mostra o /r/ retroflexo presente em quatro mesorregiões: 1. Campo das Vertentes, 7. Oeste de Minas, 8. Sul e Sudoeste de Minas e 9. Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, verificamos que os pontos do ALiB que se localizam nessas mesorregiões são Lavras (Campo das Vertentes), Formiga (Oeste), Passos e Poços de Caldas, (Sul/Sudoeste), Campina Verde, Patos de Minas e Uberlândia (Triângulo Mineiro). 131 Diadorim8-cap6.pmd 131 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Figura 1: As mesorregiões do estado de Minas Gerais (material adaptado) Disponível em http: www.mapasparacolorir.via12.com/mapa/ estado/mg/estado-minas-gerais-mesorregioes-nomes.jpg. Acesso em 05/ 03/2011 Embora a recolha dos dados para o ALiB, em Minas Gerais, já esteja concluída em todas as localidades das quatro mesorregiões em que ocorre o [], compusemos, para este estudo, o 2º corpus somente com os dados obtidos em Lavras. O material sonoro foi recolhido em 2010 pela equipe do ALiB-Paraná e compõe-se das entrevistas realizadas junto a quatro informantes lavrenses, subdivididos por sexo, duas faixas etárias (I: 18 a 30 anos e Faixa II: 50 a 65 anos) e com o nível Fundamental de escolaridade. Quanto às perguntas selecionadas pelo Questionário FonéticoFonológico (QFF) dos Questionários do ALiB 2001 (Comitê 2001), para descrever o /r/ em coda silábica, temos: (i) quinze perguntas cujas respostas trazem o rótico em coda interna. São as questões 12 (torneira), 22 (gordura), 27 (fervendo), 39 (árvore), 46 (borboleta), 62 (tarde), 65 (catorze/quatorze), 92 (pernambucano), 105 (certo), 110 (perdão), 144 (perfume), 148 (dormindo), 150 (perdida), 152 (perguntar) e 158 (esquerdo); (ii) 13 questões com respostas em coda final, sendo nove verbos no infinitivo: questões 18 (varrer), 36 (botar), 43 (montar), 80 132 Diadorim8-cap6.pmd 132 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... (trabalhar), 88 (rasgar); 146 (beijar), 151 (encontrar), 152 (perguntar), 153 (sair); e quatro nomes: 25 (colher), 26 (liquidificador), 61 (calor), 129 (mulher); (iii) 11 questões com /l/ em coda, passível de roticização: 17 (pólvora), 19 (almoço), 28 (sal), 45 (mel), 58 (sol), 89 (azul), 90 (Brasil), 93 (soldado), 98 (calção), 134 (alta), 143 (anel); além dessas, há quatro questões cujas respostas trazem contextos com o encontro consonantal /pr/ passível de metátese, como 3 (prateleira), 83 (prefeito), 107 (procissão) e 142 (braguilha). No primeiro caso, isto é, dos róticos em coda silábica nas 15 variantes analisadas, os dados apontam que 48% dos informantes realizam o [] enquanto 52% realizam o glotal [h] ou [˙]. Embora o corpus se constitua de dados obtidos de um número reduzido de informantes e de palavras, verificamos que árvore, catorze, perguntar e esquerdo são as palavras que mais favorecem o [] e as que menos favorecem são gordura, fervendo, certo, perfume e perdão. Quanto às variáveis sociais, observamos que tanto os informantes da faixa I como os da faixa II alternam a realização de [] com [h/˙]. Entre os mais jovens, o [] representa 53% (16/30) e, entre os idosos, 43% (13/30). Quando consideramos a variável sexo, os homens realizam 60% (18/30) de [] e as mulheres 37% (11/30). O mais interessante é que as maiores porcentagens de [] concentram-se na fala do informante jovem com 100% (15/15) de realizações e na da informante da faixa II com 67% (10/5). No segundo caso, o rótico em final de palavra, na fala dos lavrenses investigados, tem dois comportamentos: (i) em verbos no infinitivo, a norma é a queda do /r/: 75% (27/36); (ii) nos nomes, a tendência é a realização da glotal (50%), seguida da retroflexa (25%) e da queda do /r/, também com 25%, que se dá apenas em liquidificador e mulher. No caso de /l/ em coda, cuja roticização é bastante frequente, sobretudo na linguagem rural, conforme enfatiza Amaral (1920, p. 52) e documentam alguns atlas já publicados (APFB, ALPB, ALSE I e II, ALPR I e II), em Lavras, neste contexto, a lateral se manteve nos registros dos quatro informantes. Finalmente, sobre as respostas com encontro consonantal, apenas a da questão 142 para braguilha deu origem à metátese na fala de três informantes: os informantes 2 e 3 que apresentaram a variante com a glotal e a informante 4 com a retroflexa. No caso de prateleira/parteleira, apenas o informante 1 apresentou a forma metatética e com o [}]. Nos registros de prefeito e procissão, permaneceu a forma padrão, isto é, sem metátese, na fala de todos os informantes. Computando todos os registros de /r/ em coda, verificamos a 133 Diadorim8-cap6.pmd 133 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos ocorrência de 83 róticos distribuídos entre as variantes retroflexa e glotal, esta última a mais recorrente, entre os lavrenses, seguida da retroflexa. No gráfico 1, podemos observar os resultados gerais, isto é, sem a interferência das variáveis linguísticas e extralinguísticas selecionadas para este estudo. Gráfico 1: Realização da retroflexa e da glotal nos dados do ALiB coletados em Lavras – MG. Esta oscilação entre a variante glotal e a retroflexa pode ser documentada também com as cartas do EALMG, conforme expusemos acima, do qual constam duas variantes de rótico em coda: a velar, que se distribui pelas localidades situadas ao norte e centro-norte do estado, e a retroflexa, que se concentra no sul e sudoeste mineiro. Nos dados do ALIB, esta oscilação entre retroflexa e consoante posterior, no caso a glotal, ainda permanece, uma vez que esta detém 54% dos registros e aquela 46%. Esses dados, para melhor visualização, agora tratados segundo as variáveis sexo e faixa etária, são apresentados nos gráficos 2 e 3. 134 Diadorim8-cap6.pmd 134 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... Gráfico 2: Produtividade dos róticos segundo a variável diassexual Os dados coletados para o ALiB, em Lavras, são favoráveis à glotal tanto na fala masculina como na feminina, as mulheres apresentando um percentual mais elevado dessa variante que os homens. A retroflexa se mostra, discretamente, mais produtiva na fala dos homens. Comparando a fala dos jovens (faixa I) com a dos menos jovens (faixa II), elaboramos o Gráfico 3: 100 Gráfico 3 80 60 55 63 Homens 44 37 40 Mulheres 20 0 Glotal Retroflexa Os dados agora mostram que os jovens, com uma diferença de 10% sobre a glotal (45%), são mais favoráveis à retroflexa (55%) que os da Faixa II, que registram a glotal em 62% dos dados contra 38% da retroflexa. Embora os dados sejam bastante reduzidos, submetemos os casos de /r/ em coda (interior e final de palavra) ao tratamento do Goldvarb para verificar se haveria alguma distorção se comparados com os dados 135 Diadorim8-cap6.pmd 135 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos percentuais. O programa indicou a variante do /r/ mais recorrente na localidade estudada e as variáveis linguísticas e extralinguísticas que propiciaram as ocorrências do [}], conforme expomos na sequência. As variáveis linguísticas que nortearam a análise foram o contexto interno e externo do rótico e a classe de palavras a que pertencia o vocábulo, isto é, nomes e verbos. Já as extralinguísticas referem-se à idade e ao sexo dos informantes. 2.1 Análise segundo as variáveis linguísticas O programa apontou que a significância das variáveis linguísticas não foi relevante para a recorrência do [}], pois, de acordo com as diretrizes do Goldvarb 2001, se o peso relativo for superior a 0,50, considera-se como favorável à aplicação da regra; se for inferior a 0,50, é pouco favorável; e se for exatamente 0,50, ou próximo dele, é neutro. Vejamos os números na Tabela 1. Tabela 1: Peso relativo das variáveis linguísticas na realização do [}] Variáveis Linguísticas Contexto Interno Contexto Externo Verbos Nomes/substantivos Peso relativo 0,530 0,327 0,504 0,499 Como podemos observar na tabela 1, o contexto interno tende a favorecer a ocorrência do /r/ retroflexo, embora se manifeste fracamente; o contexto externo, por sua vez, não se mostrou favorável ao [}]. Quanto à classe de palavras, tanto os verbos quanto os nomes estão muito próximos da neutralidade. 2.2 Análise segundo as variáveis extralinguísticas Quando os dados são submetidos às variáveis extralinguísticas, os resultados apontam influências diassexuais e diageracionais no uso do [}]. Tabela 2: Peso relativo das variáveis extralinguísticas Variáveis Extralinguísticas Sexo mas culino Sexo feminino Faixa etária 50- 65 Faixa etária 18- 30 P eso relativo 0,605 0,402 0,432 0,581 136 Diadorim8-cap6.pmd 136 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... Os pesos relativos retratados na tabela 2 indicam que os homens são mais sensíveis à utilização da variante retroflexa (PR=0,605), seguidos dos jovens (PR=0,581). Como o universo de nossa pesquisa é bastante restrito, uma pesquisa mais ampla poderá trazer resultados mais significativos para a análise. O que chama a atenção, porém, é que, isoladamente, conforme expusemos acima, o homem jovem e a mulher idosa são os que mantêm o /r/ retroflexo. Seria uma constatação contraditória se não considerássemos que a produtividade do [}] no sul mineiro, na década de 70, já estava em variação, pelo menos na fala daquele único informante (o jovem do EALMG). Hoje, decorridos mais de 30 anos, a informante de 56 anos (da faixa II do ALiB) ainda preserva a retroflexa na maior parte dos registros, sugerindo que a implementação da glotal nos diversos níveis sociais (escolaridade), nas várias faixas etárias e em ambos os sexos, se ocorrer, a mudança ainda se fará de forma lenta. A manutenção dessa alternância entre [}] e [h] fica muito evidente quando verificamos que o homem jovem realiza exclusivamente a variante retroflexa; na fala da mulher jovem é a glotal que prevalece, embora a retroflexa não esteja totalmente descartada em seus registros (15% no total de dados). Por um lado, se admitirmos, como López Morales (1993, p.126), que “la lengua refleja este hecho social: el habla de las mujeres no sólo es diferente al habla de los hombres sino que es mejor socialmente hablando”, teremos que propor pesos diferentes para descrever as variantes de ambas as mulheres (da faixa I e da faixa II) e igualmente para os homens de faixas etárias diferentes, já que ambos apresentaram tendências extremamente opostas na realização do rótico em coda: o 1º com 100% de retroflexo e o 2º com 82% de glotal. A pergunta que fazemos: ‘se essa variante, em posição de coda silábica, está perdendo espaço para outros registros de rótico no PB’ ainda deve permanecer sem resposta, uma vez que sobre a língua são múltiplos os fatores que podem direcionar para a mudança, para a variação ou para a manutenção de alguns aspectos, sejam eles fonéticos, lexicais ou morfossintáticos. Sobre este questionamento, é interessante verificar a resposta dada pela informante idosa sobre a questão 4 das perguntas metalinguísticas dos Questionários do ALiB (Comitê, 2001, p. 46). A entrevistadora indaga se em outros lugares do Brasil fala-se diferente de Lavras e a informante comenta que, em alguns lugares, falam. O diálogo prossegue da seguinte forma: 137 Diadorim8-cap6.pmd 137 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos INQ.: E aqui as pessoas falam [pç}ta]? INF.: Fala, algumas fala [pçhtå]. INQ.: Ah tá, não é todo mundo? INF.: Não. INQ.: E você, qual você acha mais bonito? Falar [pç}ta] ou falar [pçhtå]? INF.: Eu acho [pçhtå], [pç}ta] eu acho muito... [...] mais grosseiro né, a gente fala mais grosseiro né. INQ.: Você acha? INF.: Eu acho, [pçhtå] é mais delicado [...] agora, [pç}ta] é mais grosseiro né. Verificamos que existe uma atitude negativa diante da variante retroflexa por parte dessa informante, embora seja a variante que predomina em sua fala. Tal fenômeno se deve, muitas vezes, ao fato de as pessoas crerem que, se produzirem o [}], serão vistas com menos prestígio na sociedade ou, até mesmo, serão julgadas como “caipiras”. Trata-se, portanto, de atitudes baseadas em componentes subjetivos, baseados no falar feio ou bonito, falar delicado ou grosseiro. 3. Algumas considerações finais Como objetivo para este artigo, propusemos analisar a situação da variante retroflexa em Lavras-MG, a partir dos dados coletados para o ALiB, comparando-os com aqueles obtidos no final da década de 70 para o EALMG. Antes, porém, consideramos importante apresentar o grau de vitalidade e de distribuição diatópica de cada variante rótica em coda, em alguns atlas estaduais e no único atlas regional de que dispomos. Verificamos que, no EALMG, as cartas que traziam o /r/ em coda já apontavam, no mesmo e único informante, uma oscilação entre o /r/ retroflexo e outro realizado na porção posterior da cavidade bucal – o /r/ velar, variante que se irradiava para o norte, oeste e leste do Estado. Nos dados atuais, coletados para o ALiB em Lavras, permanece a mesma oscilação, agora entre o retroflexo e o glotal, com a ressalva de aquele ter sido mais produtivo na fala do homem jovem e na da mulher idosa. Esta, apesar de produzir, predominantemente, o [}], demonstra sua deslealdade linguística ao avaliar esta variante como feia e grosseira, portanto, estigmatizada na comunidade lavrense. Esta atitude de desprestígio em relação ao retroflexo pode ser um fator que vá desencadear a diminuição da força dessa variante, caso outros fatores mais relevantes não intervenham. Só o tempo, porém, e pesquisas mais verticais na localidade poderão dizer da caminhada futura do [}] pelas veredas de Minas Gerais. 138 Diadorim8-cap6.pmd 138 06/12/2011, 22:20 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ... Referências AGUILERA, Vanderci de Andrade. “A distribuição dos róticos em coda silábica nos dados do Atlas linguístico do Brasil PR: um estudo geosociolinguístico”. In: ARAGÃO, Maria do Socorro Silva de (org.). Estudos em Fonética e Fonologia no Brasil. Goiânia: GT de Fonética e Fonologia da ANPOLL, 2009, pp. 1-14. ALMEIDA, Manoel M. S. As consoantes do português falado no Vale do Cuiabá. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 7, n. 1, pp. 149-163, 2004. ALTENHOFEN, Cléo Vílson. “Áreas lingüísticas do português falado no sul do Brasil”. In: AGUILERA, Vanderci de Andrade (org.). 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Resumo O fato de sociolinguistas considerarem o /r/ retroflexo ou caipira como estereótipo, uma forma estigmatizada pelos falantes do Português Brasileiro (Tarallo, 1985), e esta variante de rótico estar distribuída, principalmente, pelo interior de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, parte dos estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, nos leva a indagar se essa variante, em posição de coda silábica, está perdendo espaço para outros registros de rótico no PB. Para responder a questão, propomos um estudo acerca da ocorrência do /r/ retroflexo na fala sul mineira, alicerçado em dois corpora: o primeiro constituído dos registros nas cartas do Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais – EALMG – (Ribeiro et al., 1977), em 51 municípios; e o segundo, com os dados coletados recentemente para o Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), em Lavras, no sul de Minas Gerais, localidade em que o /r/ retroflexo era bastante produtivo no atlas de 1977. Passados mais de 30 anos entre ambas as recolhas, propomos: (i) verificar, nas respostas dadas aos Questionários Fonético-Fonológico (QFF) do ALiB, nessa localidade, a manutenção e/ou mudanças que possam ter ocorrido em relação à frequência de uso do /r/ retroflexo; (ii) discutir, à luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista, as possíveis causas da manutenção ou da mudança no registro oral dos falantes atuais no que se refere ao /r/ retroflexo, tendo em conta variáveis linguísticas e extralinguísticas. Palavras Chave: /r/ retroflexo; Atlas Linguístico do Brasil; Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais Abstract The fact that sociolinguists stereotype the retroflex /r/, considered a stigmatized form by speakers of Brazilian Portuguese (Tarallo, 1985), and that this variant is distributed mainly through the interior of São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, parts of the states of Mato Grosso, Goiás and Minas Gerais, made us question whether this variation is losing ground to other 141 Diadorim8-cap6.pmd 141 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos recorded rotic in BP. In order to answer this question, we propose a study on the occurrence of the retroflex /r/ in the speech in southern Minas Gerais, based on two corpora: the first one consists in the the maps of the Outline of a Linguistic Atlas of Minas Gerais – EALMG – (Ribeiro et al., 1977), in 51 cities; and the second one is the data recently collected for the Linguistic Atlas of Brazil (ALiB), in Lavras, south of Minas Gerais, place where the retroflex /r/ proved to be very productive in the records of the 1977 Atlas. After more than 30 years between the two collections, the aim of this study is to: (i) analyze the replies to the ALiB’s Phonetic-Phonological Questionnaire (QFF) in this city to check if the occurences of the retroflex /r/ are maintained or if there has been changes in relation to its frequency; (ii) discuss, on the basis of the theoretical and methodological assumptions of Sociolinguistic Variation, the possible causes of the maintenance or change in the speech of the speakers with regard to the retroflex /r/, taking into account linguistic and extralinguistic variables. Keywords: retroflex /r/; Linguistic Atlas of Brazil; Outline of a Linguistic Atlas of Minas Gerais. 142 Diadorim8-cap6.pmd 142 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: o que revelam os dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil Marcela Moura Torres Paim1 1. Introdução É no léxico que se encontra uma grande variedade regional e sociocultural do português do Brasil. Assim, o léxico pode apresentar um papel importante em termos de variação e mudança de uma língua. Este artigo, inserido na esfera dos estudos lexicais realizados com base nos dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), tem como objetivo investigar como a linguagem de indivíduos apresenta marcas linguísticas específicas que constroem, mantêm e projetam a identidade de faixa etária a partir da utilização do léxico como fator diageracional dos indivíduos no grupo etário do qual fazem parte. Assim, serão analisados os itens do Questionário Semântico Lexical do Projeto ALiB referentes aos campos semânticos corpo humano (conjuntivite/dor d’olhos) e ciclos da vida (menstruação e entrar na menopausa), a partir do repertório linguístico de informantes da faixa I (18-30 anos) e faixa II (50-65 anos), com o intuito de verificar a seleção lexical realizada por distintas faixas etárias das diferentes capitais do país. Este trabalho se justifica pelo fato de o léxico possibilitar a observação da leitura que uma comunidade faz de seu contexto e a preservação de parte da memória sócio-histórica e linguístico-cultural da comunidade, além de permitir o registro e a documentação da diversidade 1 Diadorim8-cap7.pmd Professora e Pesquisadora da UFBA 143 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos lexical e geolinguística do português falado no Brasil. Realizar este trabalho também vem a contribuir para o objetivo mais amplo do Projeto ALiB: “descrever a realidade linguística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque prioritário na identificação das diferenças diatópicas (fônicas, morfossintáticas, léxico-semânticas e prosódicas) consideradas na perspectiva da geolinguística” (Cardoso, 2010, p. 169). 2. O léxico: espaço de interação entre o indivíduo e a sociedade Conforme assinala Marcuschi (2003), a língua é um fenômeno heterogêneo, variável, indeterminado sob o ponto de vista semântico e sintático e que está situado em contextos concretos tais como o texto e o discurso. Esse caráter dinâmico encontra um campo para aumentar as fronteiras do domínio do repertório linguístico de muitas sociedades no nível lexical. É justamente nesse nível de análise da língua que pode haver a construção, projeção e manutenção da maneira como os falantes concebem o mundo, no qual vivem, bem como a sua interação com todas as esferas da sociedade, adequando-se aos mais variados contextos das situações comunicativas. O conhecimento consciente de uma língua (por quem dela queira ser mais do que utilizador) implica o reconhecimento dessa dinâmica diversificante que torna qualquer língua resistente à normalização. De fato, as variantes normativas são, como as não normativas, eventualmente passageiras, mudando ao longo do tempo o modo como os falantes lidam com os mesmos fatos linguísticos. A primeira questão que se coloca ao estudar as variedades linguísticas é a de fixar o próprio conceito de variedade. Para Hudson (1981), uma variedade linguística é uma manifestação de um fenômeno chamado linguagem que se define como um conjunto de elementos linguísticos de similar distribuição social. Dentro desta definição, ficam incluídas as línguas de um falante ou de uma comunidade de fala, os dialetos e qualquer outra manifestação linguística na qual se possa observar um determinado uso ou valor social. Segundo o referido autor, as variedades linguísticas, assim definidas, revelam problemas consideráveis na hora de distinguir variedades da mesma classe (uma língua de outra, um dialeto de outro) e para a delimitação de diferentes tipos de variedades (língua de dialeto). Diferentemente de Hudson (1981), Ferguson (1971) propôs uma definição de variedade com um caráter mais concreto. Para este, uma variedade é um conjunto de padrões linguísticos suficientemente homogêneo para ser analisado mediante técnicas linguísticas de descrição sincrônica; tal conjunto estaria formado por um repertório de elementos 144 Diadorim8-cap7.pmd 144 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... e poderia operar em todos os contextos de comunicação. Assim, segundo essa definição, seriam variedades as línguas, os dialetos, mas talvez não o seriam os estilos, que poderiam interpretar-se, em todo caso, como manifestação de uma determinada variedade. Sobre o conceito de variedade, Moreno Fernández (1998) comenta que muitos estudiosos trabalham com definições amplas e outros com definições mais restritas, mas que ele prefere visualizar as variedades como conjunto de elementos ou de padrões linguísticos associados a fatores externos, sejam contextos situacionais, profissionais, sociais ou geográficos. Nesse sentido, Moreno Fernández (1998) explicita que, ao identificar um fenômeno de variação, as perguntas que surgem de modo imediato, em qualquer nível linguístico, são relacionadas ao porquê e à sua origem. Para responder a tais questões, estudiosos da língua requerem auxílio de disciplinas como a Dialetologia ou a Sociolinguística porque é habitual que haja fatores extralinguísticos implicados na variação: fatores como a geografia (variação geográfica), a história (variação histórica) ou a situação comunicativa, em seu sentido mais amplo (variação estilística). Todos esses fatores podem ser responsáveis ou explicar muitos casos de variação linguística. Diante desse quadro, é possível chegar à seguinte pergunta: o que é que se busca ao estudar a variação lexical? Sobre essa questão, Moreno Fernández (1998) expõe o fato de que a variação lexical objetiva explicar o uso alternante de certas formas léxicas em umas condições linguísticas e extralinguísticas determinadas, podendo-se buscar identificar o léxico característico dos diferentes grupos sociais como, por exemplo, o léxico de faixa etária, de profissão etc. Como mostra o referido autor, as dificuldades nas análises de variação lexical existem e isso é possível visualizar no momento de descobrir quais variáveis sociais ou estilísticas explicam o uso de certas variáveis lexicais, além da dificuldade de coletar dados válidos e suficientes do discurso falado e, por outro, de demonstrar que certas variantes léxicas são realmente formas alternantes de uma mesma variável. Para descobrir que tipo de léxico caracteriza os grupos sociais que formam uma comunidade, existem vários itinerários metodológicos. Um deles é o estudo de corte etnográfico, mediante a convivência continuada dentro de um grupo social ou a observação direta dos discursos. Este procedimento tem um enorme interesse, especialmente se a intenção é fazer uma análise qualitativa, isto é, determinar quais são os itens lexicais que aparecem de forma característica em cada grupo social. 145 Diadorim8-cap7.pmd 145 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Outra possibilidade metodológica, para o estudo da variação do léxico, é a entrevista, que pode servir para o pesquisador induzir ou provocar amostras da variação lexical em estudo. Esta forma de coleta de dados revelase a mais satisfatória para os estudos quantitativos por proporcionar o surgimento de certas unidades léxicas em uma quantidade determinada. Assim, considerando a linguagem enquanto um fenômeno heterôgeneo e uma atividade social, histórica e cognitiva, admite-se, como Marcuschi (2004), que ela seja passível de análise e observação. Dessa forma, entender é sempre buscar compreender no contexto de uma relação com o outro situado numa cultura e num tempo histórico e esta relação sempre se acha marcada por uma ação. Sobre essa questão, Biderman (1984) esclarece que o léxico de uma língua engloba o conjunto de signos linguísticos por meio dos quais o homem não só se expressa, se comunica, mas também cria novos conhecimentos e/ou assimila conhecimentos que outros homens criaram, não só na sua civilização mas também em outras civilizações. Por isso, as categorizações e suas denominações linguísticas com algum item lexical podem ser diversificadas, devendo, portanto, ser analisadas em seus contextos etnográficos, seus cenários, seus personagens e assim por diante. Segundo Fiorin (2000), o léxico de uma língua é constituído da totalidade das palavras que ela possui, o que permite verificar o grau de desenvolvimento social de um povo, a partir do momento em que mostra a quantidade e o tipo de conhecimentos que ele detém. Nessa perspectiva, ambos, emissor e receptor, são ativos a ponto de “ter de se admitir que a ‘chave’ (o código) que permite realizar as operações de codificação e decodificação, isto é, pôr em correspondência significantes e significados, é em parte construída no curso do desdobramento da interação” (KerbratOrecchioni, 1995). Não se nega, evidentemente, que as relações comunicativas venham presididas por regras relativamente estáveis, mas estas são constantemente reelaboradas, pois a produção de textos é um processo criativo, na medida em que são criadas novas entidades que anteriormente não existiam. Sobre esse aspecto, Coulon (1995) comenta que as palavras se mantêm, do ponto de vista semântico, abertas e com limites indefinidos; afinal, a cada novo contexto, os falantes se deparam com o desafio de redefinir o sentido de uma determinada palavra em uso. Na construção do texto falado, por exemplo, os falantes estão constante e conscientemente empenhados na mútua compreensão e nos objetivos da comunicação. É justamente esse esforço que instala procedimentos que explicitam o trabalho da seleção lexical na enunciação. 146 Diadorim8-cap7.pmd 146 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... Assim, com o objetivo de produzir os sentidos desejados, vai o enunciador explicitando – em função do conhecimento que ele tem do interlocutor e das reações e intervenções linguísticas e paralinguísticas deste – o processo de escolha lexical, na tentativa de construir com ele uma proposta de compreensão. Em síntese, diante do exposto, a seleção lexical não é uma tarefa unilateral do falante na procura da melhor formulação para transmitir a sua informação ao ouvinte. Ela consiste, portanto, no trabalho do falante, determinado pelo ouvinte, em construir o sentido dos enunciados. E os sentidos são construídos em função de um fazer interpretativo do ouvinte. Também, do lado desse, não se verifica uma atuação isolada por meio da qual lhe caberia inferir de maneira isolada um conteúdo remetido pelo falante. Assim, o processo da seleção lexical, particularmente na construção do texto falado, se explica e se estende neste fazer convergente de produzir sentidos e construir a compreensão. Mondada (1997) observa que a referência é parcialmente fixada pelo próprio contexto já que, para conhecer a significação de uma palavra, é preciso saber utilizá-la num discurso. Dessa forma, o conhecimento da língua é um conhecimento que deve ser público, no sentido de que deve circular socialmente, mas os fatos em si são outra questão. Acerca desse aspecto, a referida autora afirma que a significação é interacional, pois o entorno em si mesmo exerce um papel na determinação do que designam as palavras de um locutor ou de uma comunidade. A sugestão da autora permite dizer que a cultura, os artefatos, os instrumentos produzidos por uma comunidade formam um todo que se expressa no discurso e tem no sistema simbólico uma contraparte importante. Sendo assim, o conhecimento lexical se dá não na forma de uma lista de itens e sim na forma de uma rede de relações. E no interior dessa rede não há isolamento e sim distribuição do conhecimento, pois o léxico é um todo em que os elementos se integram com a cultura e as ações ali praticadas. Essa distribuição do conhecimento é essencial e fundamental, pois sem isso, não haveria entendimento intersubjetivo. Portanto, pode-se defender que o léxico em funcionamento na língua é uma questão de conhecimento distribuído. Como produtores ou intérpretes de discursos, os falantes são sempre confrontados com o que Williams (1976, p. 19) chama de “‘grupos’ de palavras e significados, ao contrário de palavras e significados isolados”. Afinal, a relação das palavras com os significados é de muitos para um e não de um para muitos, em ambas as direções. Isso significa que, como produtores de discurso, os falantes encontram-se diante de opções sobre como utilizar 147 Diadorim8-cap7.pmd 147 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos uma palavra e como expressar um significado através das palavras, e como intérpretes sempre se deparam com decisões sobre como interpretar as escolhas que os produtores fizeram (que valores atribuir a elas). Falar de uma multiplicidade de meios de expressar um significado, no entanto, conduz ao entendimento equivocado de que os significados são atribuídos antes de serem postos em palavras de várias maneiras, e de que eles são estáveis em várias palavras. Seria mais produtivo dizer que há sempre formas alternativas de significar – de atribuir sentido a – domínios particulares de experiência, o que implica ‘interpretar’ de uma forma particular, de uma perspectiva teórica, cultural ou ideológica particular. Perspectivas diferentes sobre os domínios da experiência implicam formas diferentes de expressar essas experiências. Dessa forma, é possível observar que a Geolinguística Pluridimensional vê na utilização do léxico um instrumento que lhe permite estabelecer estratificações diatópicas de acordo com os fatores sociais enfocados. Em especial, como enfatiza essa pesquisa, a variação diageracional, revelando a seleção lexical dos informantes de acordo com a faixa etária a que pertencem. 3. O que revelam os dados do Projeto ALiB Antes de apresentarmos os dados, faz-se necessário abordar os procedimentos metodológicos que direcionaram a pesquisa. O cenário da pesquisa é um recorte da rede de pontos do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB), um empreendimento de grande amplitude, de caráter nacional, em desenvolvimento, que tem por meta a realização de um atlas geral no Brasil no que diz respeito à língua portuguesa, desejo que permeia a atividade dialetal no Brasil desde o começo do século XX e ganha uma atenção especial nesse final/começo de milênio, a partir de iniciativa de um grupo de pesquisadores do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. A manifestação em favor da elaboração de um atlas linguístico brasileiro remonta a 1952, quando se estabeleceu, através do Decreto 30.643, de 20 de março, como principal finalidade da Comissão de Filologia da Casa de Rui Barbosa, a elaboração do atlas linguístico do Brasil. As dificuldades de variada ordem levaram os dialetólogos brasileiros a iniciarem o trabalho de mapeamento linguístico do Brasil pela realização de atlas regionais. A ideia do Atlas Linguístico do Brasil foi retomada por ocasião do Seminário Nacional Caminhos e Perspectivas para a Geolinguística no Brasil, realizado em Salvador, na Universidade Federal da Bahia, em 148 Diadorim8-cap7.pmd 148 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... novembro de 1996, com a participação de dialetólogos brasileiros e do Diretor do ALiR (Atlas Linguistique Roman), Prof. Michel Contini (Grenoble). Naquela ocasião foi criado um Comitê Nacional, integrado pelos autores dos cinco atlas linguísticos regionais já publicados e por um representante dos atlas em andamento. Atualmente, o Comitê Nacional é constituído por uma Diretora Presidente, Suzana Alice Marcelino da Silva Cardoso (UFBA), uma Diretora Executiva, Jacyra Andrade Mota (UFBA), sete Diretores Científicos, Abdelhak Razky (UFPA), Maria do Socorro Silva de Aragão (UFPB), Ana Paula Antunes Rocha (UFOP), Vanderci de Andrade Aguilera (UEL), Aparecida Negri Isquerdo (UFMS), Felício Wessling Margotti (UFSC) e Cléo Vilson Altenhofen (UFRS). O Projeto ALiB fundamenta-se nos princípios gerais da Geolinguística contemporânea, priorizando a variação espacial ou diatópica e atento às implicações de natureza social que não se pode, no estudo da língua, deixar de considerar. Assim, o projeto objetiva mapear o Brasil com base em dados coletados em 250 pontos, representativos de todas as regiões, e recolhidos, in loco, a 1.100 informantes, distribuídos equitativamente por duas faixas etárias — 18 a 30 anos e 50 a 65 anos —, pelos dois gêneros e, nas capitais de Estado, em número de 25 (as capitais Palmas, Estado de Tocantins, e Brasília, Distrito Federal, se excluem por questões metodológicas em virtude de serem cidades recém-criadas), por dois níveis de escolaridade — fundamental e universitário —, ficando os demais pontos da rede com apenas informantes do nível fundamental. Ao atingir, até o momento, a recolha de dados em 83,6% da rede programada, algumas considerações iniciais já podem ser feitas sobre áreas dialetais brasileiras. Nesse sentido, apresentam-se neste trabalho, de forma ilustrativa, resultados que mostram a diversidade de usos vinculada a áreas específicas, mas também relacionada a fatores sociais. Assim, nesta pesquisa, serão considerados fatos relacionados à diversidade diatópica e à diferenciação diageracional, não se incluindo, para este momento, a diferenciação diagenérica ou diastrática, embora, no levantamento e análise dos dados, essas variáveis sociais tenham sido controladas sistematicamente. Os resultados que se apresentam fundamentam-se em levantamentos no corpus do Projeto ALiB, especificamente nas capitais de Estados. Para as ilustrações da variação lexical nas capitais do Brasil, a carta linguística a seguir mostra os resultados obtidos. 149 Diadorim8-cap7.pmd 149 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Figura 1: Designações para conjuntivite/dor d’olhos A Figura 1 mostra um total de 10 designações referentes à questão 95 do questionário semântico-lexical (QSL), a saber: conjuntivite, dor d’olho, sapatão, gripe nas vistas, bonitinho, constipação, gripe na cabeça, inflamação, doença ocular e olho inflamado. Essas variantes possuem estruturas diferenciadas, algumas são lexias simples, como conjuntivite, sapatão ou bonitinho, e outras são compostas como gripe na cabeça ou olho inflamado. Dessas variantes lexicais, apenas conjuntivite é comum às capitais pesquisadas. As demais formas, assim como a ausência de resposta, encontram-se distribuídas entre as capitais. Como pode ser visualizado, sapatão está em duas áreas muito próximas, São Luís e Teresina, e a variante lexical dor d’olho está no Nordeste quase todo, em duas capitais do Centro Oeste e mais em Vitória, Curitiba e Florianópolis. Do ponto de vista diageracional, a variante lexical dor d’olho é sinalizada no discurso dos informantes como uma variante típica de informantes mais velhos, já conjuntivite é apontada nos exemplos como a maneira mais atual de falar, como demonstram os exemplos. 150 Diadorim8-cap7.pmd 150 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... Exemplo 1: (095) INQ.- Como se chama aquela inflamação no olho que faz com que o olho fique vermelho, amanheça grudado? INF.- Conjuntivite. INQ.- Mas o nome popular? INF.- Mas, antigo também, as pessoas chamam dor d’olhos. INQ.- Esse é o mais comum, não é? INF.- Não, conjuntivite é o mais comum. INQ.- Se eu perguntar pras pessoas mais da periferia? INF.- Olha, talvez não... eu acho que sim, eu acho que a ideia do dor d’olhos é uma ideia mais de um, de um, um traço de idade do que um traço de, de nível sócio-econômico... (Inq 190-08- Vitória) Exemplo 2: (095) INQ.- E aquela inflamação no olho que faz com que o olho fique vermelho, amanheça grudado? INF.- Aqui é chamado de dor d’olho... alguns fala conjuntivite por aí, né? Mas o pessoal... INQ.- ... mas aqui é... INF.- ... mas antigamente era dor d’olho, agora que tá mudando, chama conjuntivite. Conjuntivite, que o povo fala, né? INQ.- Ahã. INF.- Mas é dor d’olho. (Inq 108-05-Cuiabá) Esses exemplos evidenciam, por meio da seleção lexical diageracional, a noção de temporalidade em que o discurso foi produzido. O primeiro é o discurso de uma informante da segunda faixa etária e o segundo, da primeira faixa etária. Assim, os exemplos demonstram as designações lexicais do passado e do presente, revelando a consciência de que antigamente se falava de forma diferente. Também encontramos uma interessante variação lexical em relação à pergunta 121 do QSL, como demonstra a Figura 2. 151 Diadorim8-cap7.pmd 151 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Figura 2: Designações para menstruação A Figura 2 mostra um total de 26 designações referentes à questão 121 do questionário semântico-lexical (QSL), a saber: bandeira, boi, boiada, chegou a hora, chico, chiquinho, ciclo menstrual, dia da mulher, dias difíceis, dias especiais, escrever com tinta vermelha, fase menstrual, menstruação, paquete, regra, sangramento, semana da mulher, sinal vermelho, tá de bode, tá de chico, tá doente, tá incomodada, tá menstruada, tá moranguinho, tá naqueles dias e tá no dia. Algumas representadas por lexias simples, como bandeira ou boi, outras, lexias compostas, como sinal vermelho, e lexias complexas, como tá de bode ou tá naqueles dias. Dessas variantes lexicais, apenas menstruação é comum à maioria das capitais pesquisadas, só não aparece em Belém, onde ocorrem as formas regra, tá de bode e tá menstruada. As demais designações encontram-se distribuídas entre as capitais. Em relação a essa pergunta do QSL, também encontramos a variação lexical diageracional já que as variantes lexicais tá de chico e regra são sinalizadas no discurso dos informantes como uma variante típica de informantes mais velhos; já a variante menstruada e tá menstruada são apontadas nos exemplos de algumas capitais como variante lexical dos mais jovens, como demonstram os exemplos. 152 Diadorim8-cap7.pmd 152 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... Exemplo 3: (121) INF.- É menstruação, né? INQ.- Tem um mais comum? Pode falar. INF.- Não, ma, o nome de antigamente é muito feio. INQ.- Fala! INF.- Regras. (Inq. 138-03- Belo Horizonte) Exemplo 4: (121) INQ.- As mulheres perdem sangue todos os meses, né. Como é que se chama isso? INF.- Aqui pra nós é tudo menstruação né? INQ.- Isso. Tem algum nome mais folclórico, mais popular... Que a gente falava quando era mais mocinha... Hoje eu tô do quê? O que que veio pra mim...? INF.- (risos) Aí não..., antigamente a gente, quando tava menstruada lá muito, nos anos de guaraná de rolha, né (risos) INQ.- Guaraná de rolha é bom! INF.-A gente falava assim: “Ixe, eu tô de chico “ (risos) que eu achava o máximo, né! INQ.- É isso mesmo. No meu tempo também. INF.- Aí que horror né. Agora cê fala menstruação é mais assim delicado né! (risos). (Inq. 179-04-São Paulo) Através desses exemplos, pode ser percebido que as informantes da faixa etária mais avançada (as duas pertencem à faixa etária 2) lembram e dão expressão às suas lembranças. Os depoimentos apontam para o entendimento, por parte dos mais velhos, de que a vida mudou e junto com ela também os itens lexicais para se referir ao fato de as mulheres perderem sangue todos os meses. A pergunta 122 do QSL se apresenta diatopicamente da seguinte forma: 153 Diadorim8-cap7.pmd 153 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Figura 3: Designações para menopausa A Figura 3 mostra um total de 13 designações referentes à questão 122 do questionário semântico-lexical (QSL), a saber: acaba a menstruação, amarrou o facão, a mulher está/ficou falhada, a mulher amarrou o pacote, climatério, entra/(es)tá na/fase da menopausa, entrou na suspensão, já sou homem, não pega mais filho, na fase de aí meu deus do céu, na fase dela, tá idosa, tá meio mestrosa e tá menopausada. Como pode ser visto, algumas são representadas por lexias simples, como climatério, compostas, como na fase dela, e complexas, como na fase de aí meu Deus do céu. Dessas variantes lexicais, apenas entra/(es)tá na/fase da menopausa é comum a todas as capitais pesquisadas. As demais designações encontram-se distribuídas de forma descontínua entre as capitais. Para esta pergunta, as variantes ficou/está falhada e amarrou o facão chamam atenção pelo fato de estarem presentes no discurso de informantes de faixa etária mais avançada, como demonstram os exemplos. Exemplo 5: (122) INQ.- Depois de uma certa idade acaba o boi né. Quando isso acontece, diz que a mulher? 154 Diadorim8-cap7.pmd 154 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... INF.- É, a mulher ficou na menopausa né? Menopausa. INQ.- Não tem outro nome? INF.- Não. Iss’aí, iss’aí eu entendo de menopausa agora há poucos tempos aí que eu já, já, já conhecia já coisa, mas, antigamente dizia que ela, a mulher ficou falhada, o pessoal falava (risos), falhou a mulher (risos). Mulher ficou falhada. CIR.2.- É verdade. INF.- É, na menopausa é que não dá mais cria né, não dá pô (risos), é, falar o português claro, falando que num deu mais cria, então ele falava lá o pessoal: “Pô, a minha mulher está falhada, não dá mais nada.” (risos) (Inq. 203-03- Florianópolis) Exemplo 6: (122) INF. – (inint) chama amarrou o facão... ((risos)) INQ. – (inint) E esse amarrou o facão... sabe por que é que chama amarrou o facão? INF. – O facão? Porque, eh, suspendeu, num tem mais menstruação... INQ. – Ah... INF. – (inint) já amarrou o facão num engravida mais... (risos) (INQ. 093-04- Salvador) Nos exemplos, os informantes fazem escolhas lexicais que se relacionam com sua época. Assim, é precisamente essa preocupação simultânea com o “dizer” e com o “que dizer” que vai deixar evidente, no texto falado, uma série de marcas responsáveis pela caracterização específica de sua formulação, entre as quais as que sinalizam o trabalho de seleção lexical através de itens lexicais denunciadores da faixa etária do informante. 4. Considerações finais A análise do corpus possibilitou realizar o levantamento e a documentação da diversidade lexical do português falado no Brasil, seguindo os princípios da Geolinguística Pluridimensional, em que o registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos. Nesse sentido, no que diz respeito às denominações que recebem conjuntivite/dor d’olhos, menstruação e entrar na menopausa, podem-se fazer algumas considerações preliminares: a) as designações enfocadas apresentam uma grande variação, possibilitando a visualização da diversidade lexical e geolinguística do português falado no Brasil; 155 Diadorim8-cap7.pmd 155 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos b) as variantes lexicais analisadas possuem várias estruturas, que podem ser lexias simples, como boiada e paquete, compostas, como olho inflamado, e complexas, como na fase de aí meu Deus do céu; c) a temática da comparação passado X presente está presente na linguagem dos informantes de faixa etária mais avançada, evidenciado-se na seleção lexical desses informantes, como demonstram as estruturas: dor d’olho, tá de chico, Regra, ficou/está falhada e amarrou o facão. Assim, o trabalho procurou mostrar como as lexias trazem, na fala dos informantes, as marcas do contexto em que se encontram inseridas. Dessa forma, com esta pesquisa, pretendeu-se oferecer subsídios para o registro da diversidade da língua portuguesa. Referências BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. “A ciência da lexicografia”. ALFA, São Paulo, pp. 1-26, 1984. CARDOSO, Suzana Alice Marcelino da Silva. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. COMITÊ Nacional do Projeto ALiB. Atlas Linguístico do Brasil. Questionários. Londrina: UEL, 2001. COULON, Alain. Etnometodologia. Petrópolis: Vozes, 1995. FERGUSON, Charles. Language structure and language use. Stanford: Stanford University Press, 1971. FIORIN, José Luiz. “Política linguística no Brasil”. Gragoatá, nº 9, Niterói: EdUFF, pp. 221-231, 2000. HUDSON, Richard. La sociolingüística. Barcelona: Anagrama, 1981. KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Les interactions verbales (I). Paris: Armand Colin, 1995. 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Keywords: a vocabulary of culture and society. Londres: Fontana/Croom Helm, 1976. 157 Diadorim8-cap7.pmd 157 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Resumo Neste artigo se apresenta um dos aspectos de que se ocupa o Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB), o Léxico do português brasileiro. Dessa forma, este trabalho investiga como a linguagem de indivíduos apresenta marcas linguísticas específicas que constroem, mantêm e projetam a identidade de faixa etária em inquéritos do Projeto ALiB a partir da utilização do léxico como fator diageracional dos indivíduos no grupo etário do qual fazem parte. A metodologia empregada consistiu na realização das seguintes etapas: 1) leitura de textos teóricos referentes ao tema proposto; 2) escolha e formação do corpus, constituído de inquéritos das capitais do Projeto ALiB; 3) análise do corpus a fim de verificar marcas linguísticas transmissoras da construção, projeção e manutenção da identidade social de faixa etária. As análises dos inquéritos selecionados buscam estudar os itens lexicais presentes no campo semântico corpo humano (conjuntivite/dor d’olhos) e ciclos da vida (menstruação e entrar na menopausa), com o intuito de verificar a seleção lexical realizada por informantes de diferentes faixas etárias das diferentes capitais do país. A análise do corpus possibilitou realizar o registro e a documentação da diversidade lexical do português falado no Brasil, seguindo os princípios da Geolinguística moderna Pluridimensional em que o registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos. Palavras-chave: Geolinguística, Léxico, Variação. Abstract In this article, one of the aspects focused by the Linguistic Atlas of Brazil Project (ALiB Project), the Lexicon of the Brazilian Portuguese, is addressed. Therefore, this paper investigates how individuals language presents specific linguistic marks that construct, maintain and project the age-group identity in the questionnaire of the ALiB Project, based on the use of the lexicon as a generational factor of individuals within their age-group. The methodology used was 158 Diadorim8-cap7.pmd 158 06/12/2011, 22:20 A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ... based on the performance of the following stages: 1) reading of the theoretical texts related to the proposed theme; 2) choice and formation of the corpus, made up of inquests of the ALiB Project in different capitals; 3) analysis of the corpus in order to verify linguistic marks that transmit the construction, projection and maintenance of the age-group social identity. The analyses of the selected inquiries try to study the lexical items present in the semantic field of the human corpus (conjunctivitis/eye pain) and life cycles (menstruation and go into menopause), with the aim of verifying the lexical selection carried out by the informers from different age-groups in the different capitals of the country. The analysis of the corpus enabled the realization of the register and the documentation of lexical diversity of the Portuguese language spoken in Brazil, according to the principles of the modern Pluridimensional Geolinguistics in which the register follows specific parameters. Key-words: Geolinguistics, Lexicon, Variation. 159 Diadorim8-cap7.pmd 159 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap7.pmd 160 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca Juanito Avelar1 1. Introdução Dentre as construções do português brasileiro em que ter e haver podem se alternar, incluem-se as expressões de tempo decorrente (ETDs), destacadas em itálico nos exemplos em (1)-(2) a seguir. Essas expressões servem para indicar o tempo decorrido entre um estado de coisas e um determinado ponto (nem sempre explícito no enunciado) do eixo temporal. A ETD pode ser exata, indicando uma quantidade precisa de tempo (com em há cinco anos ou tem duas horas), ou difusa, quando essa quantidade é apresentada de modo inexato ou aproximado (como em há algum tempo ou tem cerca de dois anos).2, 3 (1) a. “já tem mais ou menos 25 a 30 anos que eu saí da família” (CENSO/00 13 Rec) b. “tem duas semanas que a gente nem se fala” (NURC-RJ/90 003) 1 Docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O estudo inicial que serviu de base a este trabalho foi feito em parceira com Sonia Cyrino (IEL/Unicamp) e apresentado no VIII Seminário do PHPB (Para a História do Português Brasileiro), sob o título Ter e Haver na história do português brasileiro: variação, conservação e mudança (Avelar e Cyrino, 2010). 3 Os dados extraídos das amostras de fala analisadas serão apresentados entre aspas e seguidos de sua fonte, com as seguintes informações: amostra (NURC-RJ ou CENSO) e década, número do inquérito e, se for o caso, indicação de que se trata de um indivíduo já entrevistado numa década anterior (Rec, de recontato). Os dados obtidos por meio de introspecção serão apresentados sem aspas. 2 Diadorim8-cap8.pmd 161 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos c. “o camarão chegou agora, tem duas hora que ele chegou aqui” (CENSO/80 03) d. “tem mais de quinze anos que [esse pulôver] tá lá na sala” (NURC-RJ/90 096 Rec) (2) a. “há muito tempo que eu não tenho tido contato com ela” (CENSO/80 04) b. “há doze anos que nós organizamos o natal dos velhinhos” (CENSO/80 48) c. “já é formada há bastante tempo” (CENSO/00 14 Rec) d. “há muitos anos que eu não participo [de festa junina]” (NURC-RJ/90 052 Rec) Analisando o comportamento das ETDs a partir de juízos de (a)gramaticalidade e do comportamento demonstrado por essas expressões na oralidade (em particular, na fala carioca), este trabalho irá propor que a referida alternância entre ter e haver é reflexo da variação entre dois padrões estruturais sintaticamente distintos – um de base oracional, construído com ter, e outro de base nominal, construído com haver. Nesse sentido, a alternância entre os dois itens é apenas superficial, tratando-se, na verdade, não do uso de um item pelo outro dentro de uma mesma estrutura sintática, mas da sobreposição de dois padrões sintáticos estruturalmente distintos que servem à expressão de tempo decorrente.4 O estudo também aborda um contraste relacionado ao grau de escolarização dos falantes, observando a frequência das ETDs com cada verbo nas três últimas décadas do século XX: entre os falantes com curso superior, os índices de frequência por grupos etários sugerem uma mudança em progresso, enquanto entre os falantes sem curso superior, os mesmos índices parecem refletir uma variação estável. Entre os indivíduos analisados, as ETDs com ter só ganham espaço entre os falantes com nível de instrução superior na década de 90, mas são frequentes entre os falantes com médio ou baixo nível de instrução ao longo de todo o período analisado. 4 Móia (1998) chama a atenção para o fato de que o complemento de haver em ETDs pode ser um predicado de quantidades de tempo (como em há muito tempo) ou um predicado temporal indicativo de intervalos (como em há cinco refeições). As ETDs com ter também admitem as duas possibilidades, que não parecem, pelo menos à primeira vista, ser um fator que influencie ou favoreça a ocorrência de um ou outro verbo. 162 Diadorim8-cap8.pmd 162 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca A análise segue a proposta de Tarallo & Kato (1989) no que tange à possibilidade de conciliar a metodologia dos estudos variacionistas de base laboviana com pressupostos da Teoria de Princípios e Parâmetros.5 Em linhas gerais, explora-se a ideia de que a formalização de fatos gramaticais à luz de pressupostos gerativistas pode se apoiar em resultados obtidos por meio dos mesmos procedimentos metodológicos aplicados em análises variacionistas de base quantitativa e qualitativa. Da mesma forma, abordagens de cunho variacionista podem explorar pressupostos de base formal como ponto de partida para a descrição e análise de dados, nos moldes sugeridos em Labov (1972). Antes de prosseguir, cabe chamar a atenção para o fato de que não apenas ter e haver servem a expressões indicativas de tempo decorrente em variedades do português brasileiro. Verbos como fazer, completar, passar e dar, em construções como as exemplificadas a seguir, também ocorrem nessas expressões. (3) a. Faz anos que eu não vou à Europa. b. Já completou cinco horas que o avião decolou. c. Se passaram dias até que as crianças fossem encontradas pelos pais. d. Ainda não deu trinta minutos que eu coloquei o bolo para assar. Este trabalho ficará circunscrito à análise de casos com ter e haver pelo fato de esses itens serem parte de um mesmo paradigma sintáticolexical na história do português, servindo tanto às expressões possessivoexistenciais quanto a locuções de auxiliaridade verbal. Os dois verbos já travaram outras “batalhas” no campo de vários padrões oracionais (construções possessivas, construções existenciais, construções participiais, construções para a expressão de futuridade e obrigatoriedade, entre outras) em diferentes estágios e variedades da língua (Mattos e Silva, 1989, 1997; Sampaio, 1978; Viotti, 1998; Callou e Avelar, 2003; Avelar, 2009a, 2009b; Silva, 2010). As ETDs são mais um campo de batalha entre os dois itens, podendo, em última instância, revelar aspectos importantes para o estudo das construções de base existencial na diacronia do português brasileiro. 5 Para a análise de expressões de tempo decorrente em português a partir de outras perspectivas teóricas, vejam-se os estudos de Móia (1998) e Paiva (2010), entre outros. 163 Diadorim8-cap8.pmd 163 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos O estudo se encontra dividido da seguinte forma: na seção 2, é apresentado um panorama dos dados que serviram de base à análise quantitativa; na seção 3, são abordadas algumas propriedades sintáticas das ETDs com ter e haver, depreendidas por meio de juízos de gramaticalidade; na seção 4, propõe-se que as ETDs com ter e as ETDs com haver se distinguem uma da outra quanto à categoria do item em variação (as primeiras são verbais, e as segundas, nominais); na seção 5, são analisadas as curvas de frequência da variação entre os dois tipos de ETD, levando-se em conta a faixa etária dos falantes e o recorte temporal; na seção 6, apresentam-se as conclusões do trabalho, com destaque para a ideia de que, no tocante às construções com ter e haver, os resultados obtidos indicam uma aproximação entre fala culta e fala popular na variedade carioca do português. 2. Os dados: levantamento e quantificação Foram analisadas 282 ETDs, extraídas de inquéritos realizados entre as décadas de 70 e 90, com indivíduos que nasceram e/ou residiram a maior parte de suas vidas na cidade do Rio de Janeiro. Os inquéritos pertencem a amostras dos projetos NURC-RJ (Norma Urbana Culta do Rio de Janeiro6), das quais foram obtidas 112 ocorrências, e CENSO/ PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua7), das quais foram obtidas 170 ocorrências. Os falantes foram divididos por faixa etária (1535 anos; 36-55 anos; 56 anos em diante) e escolaridade (com e sem nível superior, respectivamente do NURC e do PEUL). A abordagem quantitativa se fixou na análise estatística, restringindo-se à simples observação de frequências em estudo de tendência (ou seja, considerando o comportamento da comunidade, e não do indivíduo, no intervalo de tempo considerado). A abordagem probabilística (com base em resultados do Goldvarb) e o estudo de painel ficarão para uma etapa posterior, para a qual o total de ETDs será ampliado. Ainda que metodologicamente limitada para efetivar uma abordagem mais refinada, a observação de frequências foi capaz de atender aos objetivos 6 As amostras de fala do projeto NURC (Década de 70, Recontato de 90 e Amostra Complementar de 90) analisadas neste trabalho são do tipo “diálogo entre informante e documentador”. Os inquéritos estão disponíveis no seguinte endereço: http:// www.letras.ufrj.br/nurc-rj 7 As amostras de fala do PEUL (Censo 1980, Censo 2000 e Indivíduos Recontactados 2000) analisadas neste trabalho também são do tipo “diálogo entre informante e documentador”. Os inquéritos estão disponíveis no seguinte endereço: http:// www.letras.ufrj.br/peul 164 Diadorim8-cap8.pmd 164 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca imediatos deste trabalho, que se voltam, na etapa atual, ao estabelecimento de hipóteses sobre os possíveis fatores relevantes para a variação. Das 282 ETDs levantadas, 222 (79%) são expressões com haver, e 60 (21%) são expressões com ter. Esses números revelam um contraste quantitativo com os padrões frásicos existenciais do português brasileiro, nos quais a alternância entre ter e haver também é observada: entre as orações existenciais produzidas por falantes cultos cariocas, a frequência de ter é maior que a de haver em qualquer período (década de 70 ou 90) ou faixa etária considerada (Callou e Avelar, 2002), ao contrário do que se observa entre as ETDs, em que haver se mostra mais frequente que ter. Nesse sentido, os resultados sugerem que, pelo menos entre os cariocas, as ETDs são construções ainda resistentes à superposição de ter a haver, na contramão do que se observa em outros padrões sentenciais nos quais a alternância entre as duas formas é admitida. 3. Propriedades sintáticas das ETDs com ter e haver A seguir, são apresentadas algumas propriedades que permitem contrastar, no plano sintático, as ETDs com ter (doravante, ETD-ter) e as ETDs com haver (doravante, ETD-haver). 8 Como veremos, essas propriedades são indicativas de que não estamos diante de uma simples alternância entre ter e haver, mas da superposição de dois padrões estruturais distintos. 3.1 Clivagem Um dos contrastes de (a)gramaticalidade que mais chamam a atenção entre os casos com ter e haver diz respeito ao fato de que, quando a forma verbal da expressão se encontra flexionada no presente do indicativo, a ETD-haver pode ser clivada, mas não a ETD-ter. As construções a seguir ilustram esse contraste. (4) a. Foi há mais de duas horas que eu vi a Maria no banco. b. *Foi tem mais de duas horas que eu vi a Maria na banco. Quando a ETD ocorre no final da sentença, os casos com haver no presente do indicativo, ao contrário dos casos com ter, admitem um padrão de (pseudo)clivagem sem o conectivo que, como nos exemplos a seguir. 8 Os juízos de (a)gramaticalidade em torno das propriedades abordadas se apoiam em intuições do autor deste trabalho, nascido e criado na região metropolitana do Rio de Janeiro. 165 Diadorim8-cap8.pmd 165 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (5) a. Eu vi a Maria no banco foi há mais de duas horas. b. *Eu vi a Maria no banco foi tem mais de duas horas. Contudo, se o verbo da ETD for realizado em outro tempo que não o presente do indicativo, como nos exemplos em (6), os casos de clivagem com a ETD-haver segue o comportamento da ETD-ter, resultando em construções agramaticais. (6) a. *Foi havia/tinha dois dias que eu não almoçava. b. *Eu não almoçava foi havia/tinha dois dias. Entre os dados de fala extraídos das amostras analisadas, ter e haver apresentam a forma do presente indicativo em todas as 282 ETDs identificadas. Por esse motivo, a análise em torno das ETDs ficará, neste trabalho, circunscrita aos casos em que a expressão se realiza nesse tempo verbal. 3.2 O complementizador que Nas construções em que a ETD aparece no início da sentença, a ausência do complementizador que imediatamente após a expressão causa estranhamento nos casos com ter, mas não nos casos com haver, como exemplificado em (7)-(8) a seguir. (7) a. Há duas horas (que) eu vi a Maria no banco. b. Tem duas horas *(que) eu vi a Maria no banco. (8) a. Há mais de um mês (que) eu não vejo novela. b. Tem mais de um mês *(que) eu não vejo novela. Esse contraste de agramaticalidade se reflete entre ETDs identificadas nas amostras. Entre as ETDs-haver realizadas em posição inicial, exemplificadas em (9), o complementizador não aparece em todos os casos. Já entre as ETDs-ter, exemplificadas em (10), a ocorrência do complementizador é categórica quando a expressão aparece em posição inicial. (9) a. “há muitos anos que eu não participo” (NURC-RJ/90 52 Rec) b. “há dez anos que nós vamos pra Iriri” (CENSO/00 27) c. “há muito tempo [o vulcão] tava extinto” (CENSO/00 29) 166 Diadorim8-cap8.pmd 166 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca d. “há pouco tempo eu comecei a, a me preocupar...” (NURCRJ/70 96) e. “há uns três anos atrás nosso barraco ia caindo” (CENSO/ 80 10) (10) a. “já tem quarenta e sete anos que eu moro aqui” (CENSO/00 15 Rec) b. “tem muito tempo que eu não passo lá” (CENSO/00 27) c. “tem uns dois anos que a minha mãe não trabalha” (NURCRJ/90 03) d. “tem dois anos seguidos que eu prefiro ir pra Petrópolis” (CENSO/00 22) e. “tem tempo que eu não vô” (CENSO/00 15) 3.3 Ocorrência do advérbio atrás O advérbio atrás, que causa estranhamento quando em sequência às ETDs-ter, são bastante frequentes em posposição imediata às ETDshaver, como nos casos em (11)-(13) abaixo. Entre os dados extraídos das amostras, foi encontrada uma única ocorrência de atrás com a ETD-ter, apresentada em (14). (11) a. “...eu não tinha dinheiro, isso há cinco anos atrás...” (CENSO/ 80 26) b. ?? isso tem cinco anos atrás (12) a. “há uns três anos atrás nosso barraco ia caindo” (CENSO/ 80 10) b. ?? tem uns três anos atrás nosso barraco ia caindo (13) a. “quando o movimento começou, há doze anos atrás...” ( CENSO/80 48) b. ?? quando o movimento começou, tem doze anos atrás (14) “Ele não foi nem eleito não. Isso já tem tempo atrás” (CENSO/ 80 26) 3.4 Adjunção adnominal Outra propriedade relevante envolve a possibilidade de as ETDshaver ocorrerem no interior de sintagmas nominais, funcionando como um termo que, da perspectiva tradicional, pode ser analisado como adjunto 167 Diadorim8-cap8.pmd 167 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos adnominal. As construções em (15) a seguir exemplificam essa propriedade. Que se trata de um termo alocado no interior do sintagma nominal é confirmado pelas construções em (16), com o nome sendo clivado juntamente com a ETD, o que permite caracterizar a expressão como um constituinte do sintagma. (15) a. Aquela prova há duas semanas atrás desagradou os alunos. b. A conclusão da reunião há pouco mais de duas horas no auditório da empresa mostrou a divergência entre chefes e funcionários. c. A realização desse simpósio há apenas um ano nos impede de solicitar recursos para outro evento. (16) a. Foi aquela prova há duas semanas atrás que desagradou os alunos. b. Foi a conclusão da reunião há pouco mais de duas horas no auditório da empresa que mostrou a divergência entre chefes e funcionários. c. É a realização desse simpósio há apenas um ano que nos impede de solicitar recursos para outro evento. Em contraste, as ETDs-ter não podem funcionar como adjuntos adnominais, o que se confirma pela agramaticalidade das construções a seguir. (17) a. * Aquela prova tem duas semanas atrás desagradou os alunos. b. * A conclusão da reunião tem pouco mais de duas horas no auditório da empresa mostrou a divergência entre chefes e funcionários. c. * A realização desse simpósio tem apenas um ano nos impede de solicitar recursos para outro evento. 3.5 Preenchimento da posição de sujeito Entre as ETDs levantadas nos inquéritos, foram identificadas algumas expressões com ter em que um elemento pronominal (explícito ou fonologicamente nulo) desencadeia concordância com a flexão verbal, como nos exemplos em (18)-(20) a seguir. (18) “nós temos o quê? nós temos praticamente seis anos... nós temos praticamente seis anos que nós temos isso aqui” (Censo 80 – Fal. 10) 168 Diadorim8-cap8.pmd 168 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca (19) “eu tenho uns três anos... dois anos que eu viajo para o Espírito Santo” (Censo 00 – Fal. 23) (20) “tenho vinte e dois anos que eu frequento [a religião]” (Censo Rec – Fal. 35) Casos desse tipo, que são abordados em Duarte (2007), contrastam radicalmente com o comportamento das ETDs-haver, que não admitem constituintes em posição de sujeito. A esse respeito, cabe ressaltar que as orações existenciais com haver do português brasileiro também não admitem o preenchimento dessa posição. As existenciais com ter, ao contrário, aceitam a versão genérica do pronome você como sujeito (Duarte, 1999; Avelar, 2009c), como nas ocorrências destacadas a seguir. (21) “não sei definir a arquitetura da Tijuca, que aí confunde um pouco com o Rio Comprido. Rio Comprido de repente cê tinha, Catumbi e, aí você tinha de repente uns sobrados, umas casas mais antigas né. A Tijuca já tem bastante prédio, e assim a parte de altos, não sei, não consigo, diferenciar uma arquitetura, específica. Aliás, eu não vejo, com exceção da Barra, né, que você tem aqueles, em geral, prédios baixinhos” (NURC-RJ/90 12) 3.6 ETDs interrogativas Os dois tipos de ETDs também contrastam quanto ao comportamento de expressões interrogativas, como nos exemplos em (22)-(23) a seguir: tanto as ETDs-ter quanto as ETDs-haver admitem um termo interrogativo, como nas sentenças em (a), mas apenas os casos com ter licenciam o deslocamento desse termo para a posição pré-verbal, como em (b). (22) a. Tem/Há quantos anos que você não viaja? b. Quantos anos tem/*há que você não viaja? (23) a. Tem/Há quanto tempo que aquela criança não toma banho? b. Quanto tempo tem/*há que aquela criança não toma banho? 4. ETD-ter vs ETD-haver: estatutos diferenciados Os contrastes sintáticos entre os dois tipos de ETD abordados na seção anterior, reunidos em (24) a seguir, indicam que a expressão 169 Diadorim8-cap8.pmd 169 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos licenciadora de ter não é, em termos estruturais, idêntica à licenciadora de haver, pelo menos no que tange aos casos em que esses dois itens ocorrem na forma do presente indicativo. (24) ETD-ter ETD-haver a. Posposição do advérbio atrás ?? ok b. Modificação adnominal * ok c. Preenchimento de sujeito ok * d. Deslocamento de termos interrogativos ok * e. Clivagem * ok f. Dispensa de que quando em posição inicial * ok Antes de abordar os contrastes listados, cabe chamar a atenção para uma propriedade estrutural em comum entre a ETD-ter e a ETDhaver: no interior das sentenças em que ocorrem, ambas as expressões desempenham uma função não-argumental, o que nos leva a considerar, de uma perspectiva gerativista, que esses termos se concatenam à estrutura oracional em configuração de adjunção. Sob a ótica tradicional, portanto, as ETDs devem ser analisadas como termos adjuntos, seja em função adverbial (possível para os dois tipos de ETD), seja em função adnominal (possível apenas para a ETD-haver, como destacado em 3.4). Uma propriedade que corrobora a análise dessas expressões como adjuntos é o fato de serem ilhas para extração de termos interrogativos, o que pode ser atestado pelas construções em (25) a seguir: seguindo o comportamento dos adjuntos em geral, a ETD-ter/haver interrogativa em posição final não admite a extração do termo quanto tempo para a periferia esquerda da sentença, como observamos na estrutura em (b). O fronteamento do termo interrogativo requer o movimento da ETD inteira, como em (c). (25) a. a Maria toma aquele remédio [ tem/há quanto tempo ]? b. *[ quanto tempo ]i (que) a Maria toma aquele remédio [ tem/há ti ]? c. [ tem/há quanto tempo ]w (que) a Maria toma aquele remédio tw? Retornemos aos contrastes listados em (24), que são, como será argumentado a seguir, um ponto favorável à ideia de que as ETDs-ter são oracionais, enquanto as ETDs-haver (pelo menos aquelas em que haver apresenta a forma do presente indicativo) são nominais. Isso implica que 170 Diadorim8-cap8.pmd 170 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca a forma há nas ETDs não deve ser tratada como um verbo, mas como um item que compõe o sintagma nominal, equivalendo a uma categoria prepositiva especializada na expressão de tempo decorrente. Conforme destacado por Paiva (2010), essa ideia já aparece delineada em gramáticas tradicionais, que chegam a classificar explicitamente a forma há nas expressões relevantes como uma preposição. As ETDs-haver podem, dessa perspectiva, ser equiparadas a sintagmas nominais preposicionados, com há tendo sofrido um processo de gramaticalização por meio do qual perde o estatuto verbal e passa a ser um constituinte do sintagma nominal. Essa ideia converge para a proposta funcional de Paiva, para quem “a expressão composta por haver não se caracterizaria como uma oração” (p. 147). Vejamos como essa ideia permite explicar alguns dos contrastes listados em (24). Quanto ao contraste em (24a), o advérbio atrás é largamente empregado em sintagmas nominais não-preposicionados que servem à expressão de tempo decorrente, como nos exemplos a seguir. (26) a. Semanas atrás, ficamos sabendo que a Maria viajou. b. Duas horas atrás, os meninos chegaram da viagem. c. Dez anos atrás, eu ainda morava no Rio de Janeiro. Vale observar, nesse sentido, que itens adverbiais como atrás, antes, adentro, acima, abaixo etc. são largamente empregados no interior de sintagmas nominais com interpretação locativa temporal ou espacial, como nos constituintes em itálico dos exemplos seguintes. (27) a. Dias antes o suspeito tinha sido visto nas proximidades do bairro. b. Os policiais entraram casa adentro para tentar prender os bandidos. b. Os meninos correram morro acima sem mostrar qualquer sinal de cansaço. c. Desci rua abaixo procurando pelas crianças. Esses fatos sugerem que a inserção de haver nas ETDs com atrás destacadas em (26), como se pode observar em (28) a seguir, não altera o estatuto nominal das expressões. A inserção de ter nessas mesmas ETDs, ao contrário, resulta em agramaticalidade (ou, pelo menos, causa estranhamento, como destacado em 3.3) porque a ETD-ter apresenta um estatuto oracional, que não é compatível com o emprego do advérbio nas mesmas condições. 171 Diadorim8-cap8.pmd 171 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (28) a. (Há/*Tem ) semanas atrás, ficamos sabendo que a Maria viajou. b. (Há/*Tem ) duas horas atrás, os meninos chegaram da viagem. c. (Há/*Tem ) dez anos atrás, eu ainda morava no Rio. Quanto ao contraste destacado em (24b), a possibilidade de a ETD-haver funcionar como um modificador adnominal, em oposição à ETD-ter, também é um ponto em favor da ideia de que a primeira apresenta um caráter nominal: em português, não há qualquer restrição para que sintagmas nominais funcionem como adjuntos adnominais, desde que introduzidos por um conectivo. Se a forma de haver no presente indicativo em ETDs é preposicional, enquanto a de ter é verbal, o contraste pode ser facilmente explicado, uma vez que, ao contrário dos sintagmas nominais preposicionados, orações finitas não podem funcionar como modificadores adnominais, a não ser na situação em que são introduzidas, quando possível, por um pronome relativo. Sobre a possibilidade de preenchimento da posição de sujeito, referida em (24d), o contraste entre a ETD-ter e a ETD-haver não é nenhuma surpresa frente à oposição entre o caráter oracional da primeira e o caráter nominal da segunda: as orações, mas não os sintagmas nominais, dispõem de uma posição para a ocorrência do sujeito, o que explica a possibilidade de as ETDs-ter trazerem um elemento que desencadeia concordância com o verbo, mas não as ETDs-haver. Considerando essa propriedade relacionada à posição de sujeito, cabe chamar a atenção para o contraste observado em (29) a seguir: as ETDs-ter podem ocorrer como uma oração absoluta, tomando um sintagma nominal como sujeito, ao contrário das ETDs-haver. (29) a. O casamento da Maria (já) tem três anos. b. *O casamento da Maria (já) há três anos. A possibilidade de anteposição de termos interrogativos no interior da ETD, referida em (24d), também pode ser explicada frente à mesma distinção: orações dispõem de um lócus natural para receber elementos interrogativos (em termos gerativistas, a posição de especificador do complementizador, na periferia esquerda da oração), mas não os constituintes nominais. Daí a boa formação das ETDs-ter que apresentam um termo interrogativo anteposto (quanto tempo tem), em contraste com o estranhamento provocado pelas ETDs-haver quanto a esse aspecto. 172 Diadorim8-cap8.pmd 172 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca Quanto às propriedades referidas em (24e) e (24f), não é claro como os contrastes envolvendo as possibilidades de clivagem e de dispensa do complementizador que em sequência às ETDs em posição inicial se relacionam com a oposição entre o caráter oracional e o caráter nominal dos dois tipos de ETD. Tanto orações quanto sintagmas nominais são passíveis de clivagem, o que nos levaria a esperar que, no que tocante a essa propriedade, houvesse uma convergência entre os comportamentos demonstrados por cada tipo de ETD, o que não acontece. Ao mesmo tempo, não foi possível determinar até agora qual é a relação entre o caráter oracional da ETD-ter e a obrigatoriedade do que nos casos em que essa ETD ocorre no início da sentença. De qualquer forma, o contraste entre os dois tipos de ETD no que diz respeito a essas duas propriedades revela estarmos diante de padrões sintáticos diferenciados, e não de uma simples alternância entre dois itens no interior de um mesmo padrão estrutural. 5. Análise quantitativa A partir dos contrastes analisados nas seções anteriores, é possível afirmar que a alternância entre ter e haver em ETDs da fala carioca é, na verdade, resultado da sobreposição de dois padrões estruturais distintos – um com propriedades oracionais e outro com propriedades nominais. Cabe indagar se essa variação é estável ou se, ao contrário, é resultado de um processo de mudança em progresso. Como destacado na introdução, os resultados quantitativos sobre a distribuição de cada ETD entre os dois grupos de indivíduos não vão numa mesma direção: entre os falantes sem curso superior, os números apontam para uma variação estável, enquanto, entre os falantes com curso superior, os números sugerem, à primeira vista, um processo de mudança em progresso. Os gráficos a seguir ilustram os percentuais de ocorrência nos dois grupos. Entre os falantes com alto grau de instrução, conforme ilustrado na Figura 1, a frequência das ETDs-haver cai de 100% para 77% no intervalo de tempo considerado, enquanto as ETDs-ter, que não ocorriam na década 70, chegam a 23% do total de ocorrências na década de 90. Entre os falantes sem curso superior, conforme ilustrado na Figura 2, a frequência de cada ETD praticamente não se altera entre os dois períodos. 173 Diadorim8-cap8.pmd 173 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos HAVER 100% TER 100% 77% 80% 60% 40% 23% 20% 0% 0% DÉC. 70 DÉC. 90 Figura 1: Frequências das ETDs com ter e haver na fala carioca, entre indivíduos com curso superior, nas décadas de 70 e 90 HAVER TER 100% 80% 73% 72% 60% 40% 27% 28% 20% 0% DÉC. 80 DÉC. 90 Figura 2: Frequências das ETDs com ter e haver na fala carioca, entre indivíduos sem curso superior, nas décadas de 80 e 90 174 Diadorim8-cap8.pmd 174 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca Esses números indicam que a variação entre os dois tipos de ETD é estável entre os falantes sem curso superior, mas sugerem que, no grupo daqueles com curso superior, a emergência das ETDs-ter é recente, passível de ser caracterizada, pelo menos no intervalo de tempo considerado, como reflexo de alguma mudança em progresso. As frequências atestadas por faixa etária para os indivíduos com nível superior, apresentadas na figura 3 adiante, corroboram essa ideia: as curvas de frequência entre os três grupos etários com esses indivíduos mostram o percentual de haver mantendo-se em 100% para os falantes da terceira faixa (com mais de 56 anos) de uma década para outra, mas caindo para 77% entre aqueles da primeira faixa (com menos de 35 anos), e para 86% entre os da segunda (entre 36 e 55 anos). A curva da década de 90 é, dessa forma, sugestiva de um processo de mudança, o que só poderá ser confirmado (ou refutado) pelo acompanhamento da variação nos anos seguintes. 100% 100% 100% 100% 100% 86% 80% 77% 60% 40% 20% DÉC. 70 DÉC. 90 0% FX. 1 FX. 2 FX. 3 Figura 3: Frequências das ETDs com haver (contra as ETDs com ter) por faixa etária na fala carioca, entre indivíduos com curso superior, nas décadas de 70 e 90. Entre os falantes sem nível superior, a distribuição das ETDs por faixa etária não sugere mudança em progresso, conforme o ilustrado pela Figura 4: na primeira década, os falantes da faixa 2 apresentam um percentual (93%) de ocorrência das ETDs-haver bem maior que os falantes da faixa 1 (60%) e da faixa 3 (75%); na segunda década, os percentuais de frequência não mostram diferenças significativas entre as três faixas etárias, variando entre 67% na faixa 1 e 75% na faixa 3. 175 Diadorim8-cap8.pmd 175 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 100% 93% 75% 80% 67% 72% 75% 60% 60% 40% 20% DÉC. 80 DÉC. 90 0% FX. 1 FX. 2 FX. 3 Figura 4: Frequências das ETDs com haver (contra as ETDs com ter) por faixa etária na fala carioca, entre indivíduos sem curso superior, nas décadas de 80 e 90 Não é claro o porquê de a frequência das ETDs-haver terem caído de 93% para 72% entre os indivíduos sem curso superior da faixa 2. Essa queda, contudo, não foi significativa para o cômputo geral das frequências, que mostram percentuais praticamente idênticos nas duas décadas (ver Figura 2) para os dois tipos de ETD entre esses indivíduos. Cabe ressaltar que, mesmo não dispondo de amostras da década 70 com indivíduos sem curso superior, é plausível considerar, levando-se em conta as curvas da Figura 4, que esse grupo já produzia ETDs-ter nessa década. 6. Conclusões Os padrões de frequência apresentados na seção anterior indicam que as ETDs-ter não eram parte da fala culta carioca na década de 70, mas são produzidas pelos falantes com curso superior na década de 90. Esse fato indicia uma tendência na direção de reduzir a polarização entre fala culta e fala popular na cidade do Rio de Janeiro, pelo menos no que concerne às construções com ter e haver. O emprego de ter como o verbo canônico de orações existenciais, em substituição a haver, é uma inovação do português brasileiro que estava em processo de consolidação já no século XIX. A esse respeito, Júlio Ribeiro menciona, em sua Grammatica Portugueza, que o emprego de ter vinha “se tornando geral no Brasil, até mesmo entre as pessoas illustradas” (1914, p. 296). No século XX, a pressão normativa contra o valor existencial desse verbo aparece em gramáticas como as de Napoleão Mendes de Almeida, 176 Diadorim8-cap8.pmd 176 06/12/2011, 22:20 Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca para quem “constitui erro grave, e todo possível devemos fazer para evitálo, empregar o verbo ter com a significação de existir” (2005, p. 42). Essa pressão normativa parecia se refletir, de certa forma, na variação entre ter e haver em construções existenciais da fala culta carioca na década de 70, período em que haver, apesar de já ser menos frequente que ter, ainda ocorria em cerca de 37% dessas construções (Callou e Avelar, 2002). Na década de 90, esse percentual é reduzido para 2% entre os falantes cultos mais jovens, evidenciando que a pressão normativa não foi bem sucedida na tentativa de evitar o avanço de ter sobre haver. Os padrões de frequência atestados para as ETDs também podem estar relacionados ao insucesso da mesma pressão, com a fala culta se aproximando da fala popular no que tange à variação entre as expressões de tempo decorrente com os dois verbos. O perfil de mudança em tempo aparente relacionado à curva de frequências por faixa etária entre os falantes cultos da década de 90 (ver Figura 3) pode, dessa forma, ser apenas um processo de acomodação ao panorama da variação atestado para o grupo de falantes sem curso superior. A confirmação desse quadro só será possível com o levantamento de dados da fala carioca culta e popular no Rio de Janeiro do século XXI, trabalho que ainda está por ser feito. Cabe uma última palavra sobre o fato de as ETDs serem um contexto de resistência à supressão de haver, em contraste com o observado em outros contextos frásicos nos quais esse item pode variar com ter. Esse contraste pode estar relacionado à diferença entre a ETD-ter e a ETD-haver quanto ao caráter oracional ou nominal da expressão. Tanto nas construções existenciais quanto nas locuções verbais, haver preserva sua condição verbal. Em situações desse tipo, pode entrar em jogo o chamado efeito de bloqueio (do inglês blocking effect), que conduz à supressão de uma determinada forma linguística nos casos em que duas formas funcionalmente idênticas entram em competição, nos termos propostos em Kroch (1994) a partir da proposta de Aronoff (1976). Esse parece ter sido o caso da disputa entre ter e haver em construções existenciais e locuções verbais, nas quais as duas formas são funcionalmente idênticas (ambas são verbos que servem praticamente às mesmas funções gramaticais), o que resultou (ou vem resultando) na supressão progressiva de uma delas – o verbo haver. Em contraste, ter e haver não devem ser tratados como formas funcionalmente idênticas nas expressões de tempo decorrente, considerando que as ETDs-ter são oracionais, enquanto as ETDs-haver são nominais. Como discutido na seção 4, isso implica o tratamento de haver como um item preposicional, e não verbal, na constituição de tais expressões. Por extensão, o efeito de bloqueio não se aplica às ETDs, o 177 Diadorim8-cap8.pmd 177 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos que significa que, se nenhum outro fator entrar em jogo, nenhum dos dois padrões de ETD está sob risco de ser suprimido. Se esta análise estiver correta, pode-se prever que a variação entre a ETD-ter e a ETDhaver ficará estável, revelando que o aumento da frequência das ETDs-ter entre os falantes cultos não resulta de um processo de mudança em que uma forma é substituída por outra, mas de uma despolarização entre fala culta e fala popular no plano das construções com ter e haver. Referências Bibliográficas ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2005 (45ª ed.). ARONOFF, Mark. Word formation in generative grammar. Cambridge, MA: MIT Press, 1976. AVELAR, Juanito. “On the emergence of TER as an existential verb in Brazilian Portuguese”. In: CRISMA, Paola; LONGOBARDI, Giuseppe (orgs.). 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Os resultados mostram que, na passagem de um para outro recorte, os indivíduos com curso superior reduzem a frequência de haver, aproximandose do comportamento demonstrado pelos indivíduos do outro grupo. O estudo também sugere que, enquanto as expressões de tempo decorrente com ter são oracionais, aquelas com haver são nominais, o que permite explicar alguns contrastes sintáticos entre as estruturas com esses itens. Palavras-chave: variação, fala carioca, expressões de tempo decorrente Abstract This study focalizes expressions of elapsed time with ter ‘to have’ and haver ‘to exist’/’there to be’ in carioca dialect, comparing the frequencies of these items in the speech of individuals with and without university education in two different periods of time. The results show that, from one period to another, individuals with higher level of formal education reduced the frequency of haver, approaching the behavior demonstrated by the other. The study also suggests that, whereas the expressions of elapsed time with ter are propositional, those with haver are nominal, which allows to explain some syntactic contrasts between the structures with these items. Keywords: variation, carioca speech, expressions of elapsed time 180 Diadorim8-cap8.pmd 180 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração Elaine M. Thomé Viegas1 I ntrodução Neste artigo, analisa-se a possibilidade de ocorrência de um elemento adverbial locativo à esquerda do sintagma preposicional locativo (SPLOC). Diversas pesquisas (Paiva, 2002, 2003; Braga e Paiva, 2002; Martelotta e Leitão, 2002; Melo e Oliveira, 2003; Santos e Oliveira, 2004) têm como objeto de estudo as formas locativas aqui/cá, aí, ali, lá/acolá, embora não as focalizem em ocorrências de locativo anteposto ao sintagma preposicional, na perspectiva do tempo real de curta duração (Labov, 1994). Parte-se da discussão de que a presença de um elemento morfológico definido no interior do SPLOC favoreça o uso do locativo. São analisados dados de fala culta da cidade do Rio de Janeiro (www.letras.ufrj.br/nurc-rj), com base nos pressupostos da Teoria da Variação e Mudança Linguística (Weinreich, Labov e Herzog, 2006 [1968]). O objetivo é verificar a qual(is) restrição(ções) o fenômeno está submetido e como se comportam a comunidade e o indivíduo no lapso de tempo que separa as duas amostras. Os resultados indicam estabilidade naquela e ora estabilidade, ora instabilidade neste. A relação entre os diferentes padrões da comunidade e do indivíduo não permite afirmar se há estabilidade ou mudança geracional. Na primeira parte, há uma breve apresentação da hipótese. Na segunda, algumas considerações sobre o estudo em tempo real de curta 1 Diadorim8-cap9.pmd Doutoranda do Programa de Letras Vernáculas (UFRJ). 181 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos duração (Labov, 1994). Na terceira seção, são apresentados os corpora e a metodologia de trabalho. A seção seguinte é dedicada à análise dos resultados obtidos. Na última seção, são feitas as considerações finais. 1. Locativo e definitude A análise dos exemplos de (01) a (03) indica que a agramaticalidade das sentenças em (c) não ocorre devido à presença ou ausência do locativo à esquerda do SPLOC, mas devido à ausência de um determinante no sintagma preposicional2. (01) a. João está Ø/AQUI[no/neste parque]. b.João está Ø/AQUI [num parque]. c. *João está Ø/AQUI [em parque]. (02) a. Eu botei o computador Ø/AÍ [no/nesse quarto]. b. Eu botei o computador Ø/AÍ [num quarto]. c. *Eu botei o computador Ø/ AÍ [em quarto]. (03) a. O síndico colocou câmera Ø/LÁ [no/naquele prédio]. b. O síndico colocou câmera Ø/LÁ [num prédio]. c. *O síndico colocou câmera Ø/LÁ [em prédio]. O exame de SPLOCs sem determinantes e com determinantes definidos dá indícios de uma possível relação entre a anteposição dos locativos e a definitude. Nos exemplos em (04), observa-se que as construções ou são agramaticais (*) ou de gramaticalidade duvidosa ((*)). Em (05), a anteposição do locativo ao SPLOC não modifica tal condição. (04) a. *A Faculdade de Letras Ø [em universidade] fica no 3º andar. b. (*)O Pedro se machucou Ø [em parquinho]. c. *Os documentos Ø [em pasta] precisam de carimbo. d. (*)O maquinista fica Ø [em trem]. (05) a. *A Faculdade de Letras AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em universidade] fica no 3º andar b. (*)O Pedro se machucou AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em parquinho]. c. *Os documentos AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em pasta] precisam de carimbo. d. (*)O maquinista fica AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em trem]. 2 Embora seja possível discutir a aceitabilidade de algumas sentenças com SPLOCs introduzidos pelas preposições de, para e a com determinante definido, o trabalho concentra-se no uso da preposiçãoem devido a sua alta frequência como introdutora de SPLOC (Thomé Viegas, 2008). 182 Diadorim8-cap9.pmd 182 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração Nos exemplos em (06) e (07), o acréscimo de artigo definido ou de pronome demonstrativo à preposição em nos exemplos de (04) e (05) torna, indiscutivelmente, todos os exemplos gramaticais. Em (07), a gramaticalidade permanece independentemente da presença de locativo, quando respeitadas as correspondências entre este e o demonstrativo. (06) a. A Faculdade de Letras [na/nesta/nessa/naquela universidade] fica no 3º andar. b. O Pedro se machucou [no/neste/nesse/naquele parquinho]. c. Os documentos [na/nesta/nessa/naquela pasta] precisam de carimbo. d. O maquinista fica [no/neste/nesse/naquele trem]. (07) a. A Faculdade de Letras AQUI/AÍ/ALI/LÁ [na/nesta/nessa/ naquela universidade] fica no 3º andar. b. O Pedro se machucou AQUI/AÍ/ALI/LÁ [no/neste/nesse/naquele parquinho]. c. Os documentos AQUI/AÍ/ALI/LÁ [na/nesta/nessa/naquela pasta] precisam de carimbo. d. O maquinista fica AQUI/AÍ/ALI/LÁ [no/neste/nesse/naquele trem]. Quanto à questão gramaticalidade/agramaticalidade nos casos de preposições locativas diferentes de em, parece haver uma incompatibilidade entre algumas delas e os advérbios locativos, independentemente do determinante. Nos casos de anteposição do advérbio locativo e posposição dos determinantes em relação às preposições locativas, as únicas construções cuja gramaticalidade não é discutível parecem ser as estabelecidas com o auxílio das preposições de, em e para (pra), como se observa em (08) e (09). O comportamento da preposição de observado nos exemplos em (10), em que ela intermedeia determinante e locativo, não é semelhante aos casos das preposições em, para (pra) e a, exemplos em (11), em que as construções são agramaticais. (08) a. Tem que limpar o filtro aqui do/aí do/lá do ar. b. Vai ter festa junina aqui no/aí no/lá no pátio da igreja. c. Compraram brinquedos novos aqui pra/aí pra/lá pra casa de festas. d. Trouxeram um representante da administradora aqui ao prédio./Levaram um representante da administradora (*) aí ao/(*)lá ao prédio. 183 Diadorim8-cap9.pmd 183 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (09) a. Aqui desta/Aí dessa/Lá daquela janela dá pra ver a praça. b. Aqui neste/Aí nesse/Lá naquele shopping não tem elevador. c. O síndico vai contratar uma administradora aqui pra este/ aí pra esse/lá praquele prédio. d. Vamos com as crianças (*)aqui a este/(*)aí a esse/lá àquele cinema. (10) a. A (Aquela) de lá é mais nova que a (esta) daqui. b. O (Este) daqui é menos confortável que o (esse) daí. c. A (Essa) daí é mais vaidosa que a (aquela) de lá. (11) a1. *O (Este) naqui é menos confortável que o (esse) naí. b1. *O (Este) pra aqui é menos confortável que o (esse) pra aí. c1. *O (Este) a aqui é menos confortável que o (esse) a aí. a2. *A (Essa) naí é mais vaidosa que a (aquela) em lá. b2. *A (Essa) pra aí é mais vaidosa que a (aquela) pra lá. c2. *A (Essa) a aí é mais vaidosa que a (aquela) a lá. a3. *A (Aquela) em lá é mais nova que a (esta) naqui. b3. *A (Aquela) pra lá é mais nova que a (esta) pra aqui. c3. *A (Aquela) a lá é mais nova que a (esta) a aqui. A gramaticalidade das construções em que há preposição de, observada em (10), pode dever-se ao fato de ela possuir conteúdo semântico menos preciso, em relação às preposições em, para e a (Thomé, Andrade e Callou, 2005; Avelar, 2006; Thomé, 2006a, 2006b; Santos, Campos e Callou, 2006a/2006b; Thomé Viegas, 2008), não alterando a relação dos elementos, como se exemplifica em (12) e (13). (12) a. Este armário aqui é de madeira. b. Este armário daqui é de madeira. c. Este daqui é de madeira. (13) a. Esse chuveiro aí está com defeito. b. Esse chuveiro daí está com defeito. c. Esse daí está com defeito. Assim, após o desenvolvimento da hipótese de que elemento definido como determinante no SPLOC favoreceria o uso do locativo, na próxima seção serão apresentados os fundamentos teórico-metodológicos nos quais este estudo está baseado. 184 Diadorim8-cap9.pmd 184 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração 2. O estudo em tempo real de curta duração O estudo em tempo real de curta duração permite distinguir mudanças que ocorrem em toda a comunidade das mudanças que perpassam a trajetória linguística do indivíduo. Labov (1994) diferencia o Estudo de Painel, em que se compara a fala dos mesmos indivíduos em dois ou mais momentos discretos de tempo, do Estudo de Tendência, em que se comparam em distintos períodos de tempo da comunidade de fala. O primeiro tipo de estudo permite observar se e como o indivíduo muda seu comportamento no decorrer do tempo e o segundo tipo permite observar se e o que muda na comunidade no período de tempo observado. Para a realização do estudo em tempo real de curta duração, Labov (1994) considera conveniente comparar o comportamento do indivíduo e o da comunidade em um espaço de tempo de aproximadamente 20 anos, intervalo equivalente, em princípio, a uma geração. As amostras de fala devem manter os mesmos parâmetros sociais em cada época. Além disso, para o estudo da comunidade, cada amostra deve ser aleatória para que o falante represente a comunidade no momento do registro. A associação do que é observado em diferentes pontos do tempo em relação ao indivíduo e em relação à comunidade forma quatro padrões distintos. Quando indivíduo e comunidade são estáveis, há estabilidade. Quando o indivíduo muda seu comportamento linguístico e a comunidade não muda, há gradação etária. Quando o indivíduo “carrega” o comportamento de uma faixa etária para outra, há mudança geracional, indivíduo estável e comunidade instável. Quando são instáveis o indivíduo e a comunidade, há mudança na comunidade. 3. Corpora e metodologia Para a realização do Estudo de Tendência, são analisadas entrevistas de 22 informantes, distribuídos em três faixas etárias (de 25 a 35 anos, de 36 a 55 anos e de 56 anos em diante, respectivamente faixas 1, 2 e 3), pelos gêneros masculino e feminino e pelas décadas de 70 e de 90. Para a realização do Estudo de Painel, há 11 entrevistas com indivíduos recontatados em um intervalo de tempo de 20 anos. Todos os informantes possuem nível universitário. As amostras são do Projeto NURC-RJ e estão disponíveis em www.letras.ufrj.br/nurc-rj. Foram recolhidas todas as ocorrências de SPLOCs, independentemente da presença ou ausência do advérbio locativo. Quanto à possibilidade de inserção do locativo à esquerda do SPLOC, quando este não está 185 Diadorim8-cap9.pmd 185 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos efetivamente presente, observou-se que o locativo lá poderia ser inserido na maioria desses contextos, provavelmente devido a sua imprecisão semântica, característica também compartilhada por ali, segundo Paiva (2003): “as duas formas convergem para a indicação de um ponto distanciado dos interlocutores do evento de fala, anulando-se a oposição entre estático/dinâmico e a diferença no grau de distanciamento”. Assim, o que poderia variar, a depender do contexto, seria o grau de (im)precisão semântica do locativo. Faixas etárias 1 2 3 Estudo de Tendência Amostra 70 Amostra 90 Masculino Feminino Masculino Feminino 096 133 013 003 164 011 023 012 052 002 014 020 233 140 017 019 071 373 018 027 347 028 Tabela 01: Identificação dos falantes do Estudo de Tendência Idade Entrevistas Gênero 133 F 31 Década de 90 (Recontato) 50 011 F 26 46 096 M 25 45 164 M 34 53 002 F 44 65 140 F 55 74 052 M 39 59 233 M 41 59 373 F 58 76 347 F 57 79 071 M 56 80 Década de 70 Tabela 02: Distribuição dos informantes do Estudo de Painel 186 Diadorim8-cap9.pmd 186 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração Na análise variacionista, utiliza-se o programa Goldvarb X (Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005)3. A variável dependente analisada é a caracterização da margem esquerda do SPLOC (presença x ausência de locativo)4. São examinados oito grupos de fatores internos: a caracterização do lugar introduzido pela preposição, a função sintática do SPLOC, o tipo de verbo, otipo de locativo presente à esquerda do SPLOC, o tipo de definitude do SPLOC e do sintagma determinado pelo SPLOC, otipo de preposição que encabeça o SPLOC e o efeito de definitude e de especificidade do SPLOC5. 4. Análise dos resultados 4.1. Estudo de Tendência Foram coletados e codificados 1669 dados, distribuídos, na Tabela 03, segundo a década, tomando como valor de aplicação a presença de locativo6 . Nos 20 anos que separam as duas amostras, o percentual de uso do locativo quase dobrou. Presença de locativo Década de 70 Década de 90 Oco. 56/811 106/858 % 7% 12% Tabela 03: Distribuição da presença de locativo nas décadas de 70 e de 90 Na Tabela 04, observa-se a distribuição das ocorrências de locativos. Apresentam maior frequência os que representam os dois extremos em relação ao locutor e à distância, [-locutor/+distante] e [+locutor/-distante], respectivamente, lá e aqui. Embora lá possa ser inserido em variados 3 O Goldvarb X é uma ferramenta metodológica utilizada por sociolinguistas variacionistas em análises estatísticas de dados (Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005). 4 A variação linguística pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas, as variantes, que configuram um fenômeno variável chamado de variável dependente. O emprego do termo dependente deve-se ao fato de o uso das variantes não ser aleatório, mas induzido por grupos de fatores, ou variáveis independentes, de natureza social ou estrutural (Mollica, 2004). 5 Grupos de fatores ou variáveis independentes consistem nos parâmetros reguladores dos fenômenos variáveis, exercendo pressão positiva ou negativa sobre o emprego das formas variantes (Mollica, 2004). 6 Valor de aplicação é a variante escolhida pelo pesquisador (a depender dos objetivos do estudo e do modo como se concebe a relação entre variação e mudança) como aplicação da regra. O código de aplicação correspondente ao código dado a essa variante deve ser informado ao programa computacional. No caso de uma variável binária, por exemplo, é possível deduzir o valor da outra variante com a apresentação do valor de aplicação (Guy e Zilles, 2007). 187 Diadorim8-cap9.pmd 187 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos contextos, devido a sua maior imprecisão semântica em relação aos outros locativos, os resultados mostram que aqui é quase tão frequente quanto ele. Isso pode ter ocorrido não só por terem sido recolhidos dados de diferentes locutores, mas também pelo fato de aqui fazer referência à primeira pessoa do discurso. Oco % Lá 114 49% Aqui 98 42% Locativo Ali Aí 20 2 8% 1% Total 234 100% Tabela 04: Distribuição dos locativos nos inquéritos do Rio de Janeiro As amostras de 70 e de 90 foram examinadas separadamente para observar a atuação dos grupos de fatores em cada uma delas. Os grupos atuantes na primeira amostra, cujo valor do input é 0.069, são a caracterização do termo locativo contido no SPLOC, a (in)definitude morfológica do SPLOC e a preposição introdutora do SPLOC 7. Já na segunda amostra, input 0.124, os grupos relevantes para o fenômeno são a caracterização do termo locativo contido no SPLOC, afunção sintática do SPLOC, o tipo de verbo, a preposição introdutora do SPLOC e o efeito de definitude e de especificidade do termo contido no SPLOC. Esse resultado aponta que, embora o input, de uma década para outra, tenha aumentado, não houve mudança expressiva em relação ao uso do locativo anteposto ao SPLOC na fala da comunidade culta carioca. Porém, é importante notar que houve alteração tanto no número quanto no tipo de variável selecionada pelo programa. O maior número de grupos selecionados em 90 parece indicar que, de uma década para outra, houve uma ampliação do uso do locativo. A variável caracterização do termo locativo é a primeira a ser escolhida nas duas épocas, o que mostra sua importância para o fenômeno. 7 O input representa o nível geral de uso de uma das variáveis dependentes. Geralmente, a variável que se deseja focalizar é a que funciona como valor de aplicação. O valor do input deve se aproximar ao valor da variável focalizada. Quando isso não acontece, significa que a distribuição dos dados não está equilibrada (Guy e Zilles, 2007). Nota-se que os valores dos inputs de cada amostra aproximam-se aos valores da variável focalizada, expressos na Tabela 03. 188 Diadorim8-cap9.pmd 188 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração Quanto ao grupo caracterização do termo locativocontido no SPLOC, os fatores topônimo e espaço fechado 1 são os que demonstram os pesos relativos (PRs) mais altos nas duas décadas, o que reforça a importância dos dois contextos para o uso do locativo8. Fatores Topônimo Espaço fechado 1 Espaço fechado 2 Espaço Total Década de 70 Oco/Total % 39/326 12% 8/117 7% 4/124 3% 5/149 3% 56/716 8% PR .66 .52 .30 .30 - Década de 90 Oco/Total % 54/368 15% 32/93 34% 2/111 2% 18/203 9% 106/775 14% PR .59 .74 .15 .44 - Tabela 05: O locativo e a caracterização do termo locativo contido no SPLOC, nas duas épocas9 (14) LOC. [morei] no Rio sempre... salvo na infância que era AQUI [na Gávea] eh... quando pequenininha depois... já fui pra Lagoa e... e depois sempre Botafogo... até me casar em sessenta sessenta e um fui pra Espanha... [133/70/F1/F]10 – Topônimo. (15) LOC. é... a gente recebe amigos mas... DOC. com muita freqüência? LOC. não... não tanta freqüência não... normal... acho normal... é muito é parente né? porque tem muito parente fora e tá... vira e mexe tem muito parente LÁ [em casa]... [017/AC/F2/M] – Espaço fechado 1. 8 O programa Goldvarb X apresenta os resultados do cruzamento das variáveis linguísticas e extralinguísticas em peso relativo indicativo de maior ou de menor favorecimento em relação à aplicação da regra (Guy e Zilles, 2007). 9 São classificados como topônimos os nomes próprios de lugares, os nomes de ruas, de pontos turísticos e de estabelecimentos. Já espaço fechado 1 são termos que se referem a local de moradia como casa, apartamento, edifício, sobrado, dentre outros, ou de permanência, como hotel. Representam espaço fechado 2 termos que se referem a locais fechados como cinema, loja, hospital, supermercado, igreja. Representam espaço termos menos específicos como rua (sem o nome da mesma), chão, lugar, vila, bairro, país, cidade, parque. 10 As referências dos exemplos indicam, respectivamente, o número do inquérito, a amostra (70 ou Amostra Complementar (AC)), faixa etária (F1, F2 ou F3) e gênero do locutor (F ou M). 189 Diadorim8-cap9.pmd 189 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos A variável (in)definitude morfológica do SPLOC foi a segunda a ser selecionada na década de 70. O valor do peso relativo do determinante definido confirma a importância desse contexto para o uso do locativo e vai ao encontro da hipótese de que a presença de elemento definido como determinante no SPLOC seria relevante para o fenômeno. Fator Determinante definido Sem categoria alguma Determinante indefinido Total Década Oco/Total 43/496 12/248 1/69 56/813 de 70 % 9% 5% 1% 7% PR .59 .40 .24 - Tabela 06: O locativo e a (in)definitude do SPLOC na década de 70 Embora não se observe polarização entre os pesos relativos, há uma diferença de .35 entre as categorias determinante definido (PR .59) e determinante indefinido (PR .24). De acordo com a Tabela 06, o uso do locativo obedeceria a uma Escala de definitude, como se representa nada Figura 1, que varia do [+definido], passando pela ausência de categoria, chegando ao SPLOC [-definido]. Maior definição, maior probabilidade de uso do locativo. Menor definição, menor probabilidade de uso. [+definido] [-definido] determinante definido sem categoria alguma determinante indefinido Figura 1: Escala de definitude (16) e eu sempre morei por aqui... é muito engraçado isso... a L. minha mulher.. morava AQUI [nessa casinha] mesmo... quando solteira... eu a conheci aqui... nós formávamos uma turma... [233/70/F2/M] – Determinante definido. As ocorrências de preposição sem marca morfológica com locativo anteposto, exemplificadas em (17) e (18) a seguir, não surpreendem, 190 Diadorim8-cap9.pmd 190 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração uma vez que se trata de nomes de estados e cidades que não aceitam a determinação com artigo. O cruzamento dos grupos caracterização do termo locativo contido no SPLOC e (in)definitude morfológica do SPLOC mostra que a ocorrência de locativo é maior quando, no SPLOC, há determinante definido e topônimo, com 17% das ocorrências. Enquanto o determinante definido pode figurar com os quatro tipos de lugar, topônimos, espaço fechado 1, espaço fechado 2 e espaço, o determinante indefinido só ocorre quando o termo no SPLOC se refere aespaço fechado 1, conforme a Tabela 07. Determinante definido Sem categoria alguma Determinante indefinido Total Topônimo 17% 6% 12% E. Fec. 1 6% 8% 7% 7% E. Fec. 2 5% 3% Espaço 4% 3% Total 10% 5% 2% - Tabela 07: Cruzamento dos grupos caracterização do termo locativo contido no SPLOC e (in)definitude morfológica do SPLOC na década de 70 O tipo de preposição que encabeça o SPLOC foi o último grupo selecionado na década de 70 e o quarto na de 90. A preposição em mostrase importante para o fenômeno em análise, pois foi a que apresentou maior peso relativo nas duas épocas. Fator Em De Para Total Década de 70 Oco/Total % 49/552 9% 5/129 4% 1/59 2% 56/797 7% PR .60 .37 .25 - Década Oco/Total 100/623 3/86 2/73 105/782 de 90 % 16% 3% 3% 13% PR .57 .21 .31 - Tabela 08: O locativo e a preposição introdutora do SPLOC nas duas épocas11 11 Em 70, houve somente uma ocorrência de preposição a com locativo à esquerda: (01) Então eles vêm de lá pra cá, [...] Apesar de que já há muita casa boa na Tijuca agora, mas o pessoal prefere ainda vir AQUI [a Copacabana]. [140/70/F2/F] Em 90, devido à ausência de ocorrência da preposição a com locativo, resultado categórico, ela foi retirada da análise para a obtenção do peso relativo. 191 Diadorim8-cap9.pmd 191 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (17) [em Belo Horizonte] a comida tem mais legume... tem mais verdura... tem muito mais carne... que LÁ [no norte] a gente comia camarão... né... às vezes comia até lagosta... né... tinha um preço barato... né... peixe... peixe é uma delícia... né... já AQUI [em Minas] não... come a carne muito gostosa... lingüiça... [011/70/F1/F] – Preposição em. (18) saiu até agora há pouco no jornal... uma reportagem de Goianá que só tem gêmeos né... que é muito gêmeos que é muito gêmeos que tem LÁ [em Goianá]... e que... é a cidade dos quebra-mola... nunca vi... e vamos... ou então vamos por Rio/Pomba... que Rio/Pomba não tem... apesar de ser uma... estrada mais perigosa... mas não tem... quebra-mola [020/ AC/F2/F] – Preposição em. A análise prossegue com os grupos selecionados somente em 90. A variável interna função sintática do SPLOC foi a segunda a ser selecionada. Na Tabela 09, observa-se que as funções de adjunto são as que mais favorecem o uso do locativo, em especial a de adverbial locativo. Fator Adjunto adverbial locativo Adjunto adnominal locativo Complemento ve rbal Total Década Oco/Total 61/319 21/192 24/340 106/851 de 90 % 19% 11% 7% 12% PR .62 .53 .36 - Tabela 09: O locativo e a função sintática do SPLOC na década de 90 É provável que o SPLOC com função de adjunto favoreça a presença do locativo pelo fato de sua ligação com outros termos da oração ser mais “frouxa” em comparação com os complementos, o que possibilitaria a introdução de um elemento à esquerda da preposição. A não ocorrência, nos dados analisados, de SPLOC com função de complemento nominal reforça essa ideia, pois a ligação entre o nome modificado e o SP modificador seria mais “rígida”. (19) São Paulo é uma cidade, pelo menos a impressão que eu tenho né, mais esparramada, então, você, eu conheço bastante 192 Diadorim8-cap9.pmd 192 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração gente que mora em casa, aqui no Rio de Janeiro não, geralmente o pessoal mora em apartamento. LÁ [em São Paulo] a maioria dos meus amigos mora em casa [012/AC/ F1/F] – Adjunto adverbial locativo. O terceiro grupo selecionado na década de 90 é o tipo de verbo. A escolha dos estativos como favorecedores do uso do locativo pode deverse ao fato de esse tipo de verbo necessitar de SPLOCs para complementar a informação dada por eles12. A maioria dessas ocorrências são com os verbos ficar, estar, morar, ter e ser. Fator Estativo De processo culminado De culminação De processo Pontual Total Dé cada de 90 Oco/Total % 57/277 20% 3/24 12% 8/72 11% 16/268 6% 1/18 5% 85/659 13% PR .63 .58 .40 .40 .31 - Tabela 10: O locativo e o tipo de verbo na década de 90 (20) [churrascaria] da zona norte... eu sou suburbano... então tem que ficar na zona norte né? eh... essa churrascaria do Norte Shopping... é... essa Marios que tem AQUI [em Bonsucesso]... [014/AC/F2/M] – Verbo estativo. O quinto e último grupo selecionado na década de 90 é o efeito de definitude e de especificidade do termo contido no SPLOC. A classificação do nome como [+definido] [+específico], [-definido] [+específico] e [-definido] [específico] não se relaciona ao tipo ou à ausência de marca morfológica. Contudo, o maior peso relativo do fator [+definido] [+específico] também 12 A classificação dos verbos segue Mira Mateus et alii (2003): a. estativo, em que se incluem os verbos existenciais, os locativos, os epistêmicos, perceptivos e psicológicos e os verbos copulativos; b. verbos de processo, são os meteorológicos, os inergativos de atividade física e os de movimento; c. verbos de processo culminado, verbos de tipo causativo ou agentivo; d. de culminação, geralmente, verbos que expressam movimento, aparecimento e desaparecimento em cena e mudança de estado; e. pontuais, verbos com somente um argumento selecionado para sujeito. 193 Diadorim8-cap9.pmd 193 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos poderia ser relacionado à hipótese deste trabalho, assim como a não ocorrência de locativo com termo [-definido] [-específico]13. Fator [+definido] [+específico] [-definido] [+específico] Total Década de 90 Oco/Total % PR 100/724 14% .53 6/123 5% .34 106/856 12% - Tabela 11: O locativo e o efeito de definitude e de especificidade do termo contido no SPLOC na década de 90 (21) eu tinha horror àquele troço... sabe... negócio de ler diário oficial todo dia... e andar no fórum... um calor danado AQUI [no Rio de Janeiro] (topônimo) e a gente de paletó e gravata... suando em bicas... deixando o sapato marcado no asfalto... isso não... isso não... isso não é mentira não... às vezes fazia tanto calor que a gente ficava com o sapato marcado LÁ [no asfalto] (termo repetido)... [018/AC/F3/M] –[+definido] [+específico]. 4.1.1. A variável não selecionada Em nenhum dos dois períodos de tempo analisados, a variável (in)definitude morfológica do sintagma determinado pelo SPLOC mostra-se favorecedora do uso do locativo. O input do nível 1 para este grupo, nas décadas de 70 e de 90, é de, respectivamente, 0.049 e 0.10414. Quanto aos 13 Termo [+definido] é aquele que está previamente no domínio do discurso, tanto um nome repetido, quanto um subconjunto do referente. Assim, um termo [+definido] é, obrigatoriamente, [+específico], já que está incluso no conjunto de outro termo previamente dado (Lyons, 1999; Enç, 1991 apud Coelho, 2000). Neste trabalho, também são classificados como [+definido] [+específico] os topônimos, por se tratar de nomes de lugares definidos e específicos, os pontos cardeais e as partes do corpo, por se tratar de lugares determinados em relação a lugares mais amplos. Já o termo [-definido] é aquele introduzido no discurso. Pode estar ou não relacionado a referentes discursivos já estabelecidos, correspondendo, respectivamente, aos traços de [+especificidade] e de [-especificidade]. Um nome [-definido] [-específico] é absolutamente novo, pois é introduzido no discurso e não relacionado a referente já estabelecido. Um nome [definido][+específico] é introduzido no discurso, porém incluso em um conjunto já estabelecido contextualmente. Como a especificidade responde à condição de inclusão, não haveria, de acordo com Enç (apud Coelho, 2000), termo [+definido] [-específico], pois a definitude leva, obrigatoriamente, a inclusão. 14 No nível 1, o Goldvarb X apresenta os grupos de fatores analisados separadamente. O grupo relevante é escolhido em termos de significância, cujo valor é o menor (Guy e Zilles, 2007). 194 Diadorim8-cap9.pmd 194 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração percentuais, observa-se, em 70, um equilíbrio entre os três fatores. A análise dos pesos relativos mostra que, nessa década, o uso do locativo relacionase à presença de marca morfológica no sintagma determinado pelo SPLOC, independentemente de essa marcação ser definida ou indefinida. Na outra sincronia, há uma sutil preferência pelos fatores determinante indefinido e sem categoria, o que se confirma pelos valores dos pesos relativos, respectivamente, .56 e .55 em relação ao peso de .43 para o determinante definido. (In)definitude do sintagma determinado pelo SPLOC Determinante definido Determinante indefinido Sem categoria alguma Total Década de 70 Oco/Total % 8/109 7% 3/56 5% 1/54 2% 12/219 6% PR .61 .52 .27 - Década Oco/Total 7/88 7/54 7/55 21/197 de 90 % 8% 13% 13% 11% PR .43 .56 .55 - Tabela 12: O locativo e a (in)definitude morfológica do sintagma determinado pelo SPLOC,nas duas épocas (22) LOC. [...] vocês conhecem a COPPE? DOC. hum... hum... LOC. pra eu dar umas aulas lá de... de direito pra engenheiro... imagina só... aliás foram muito interessantes as aulas justamente por isso... mas eu num... nunca imaginei que o Fundão pudesse ser uma calamidade como é... eu tenho a impressão que deve andar até cobra naqueles jardins ALI [do Fundão]... vocês trabalham lá no Fundão? [233/70/F2/ M] – Determinante definido. (23) Friburgo eu fui... quando pequena... e fui uma vez... já moça... é... uma vez só... e agora... já casada... eu fui... numa excursão AQUI [na igreja]... fui aonde tem Nossa Senhora que... que sai óleo do... da imagem... as paredes todas hoje lá... ai Jesus o nome... Nossa Senhora... Monerá... Nossa Senhora de Monerá... [20/AC/F2/F] – Determinante indefinido. 4.1.2. As variáveis não estruturais O cruzamento entre gênero, amostra e faixa etária revelou que o comportamento dos homens (Gráfico 1) é estável na década de 70, 195 Diadorim8-cap9.pmd 195 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos mantendo-se nas três faixas etárias. Já em 90, o comportamento masculino é diferente. Na faixa 2, há um pico de uso do locativo, 32%, que decresce na faixa 3. Quanto às mulheres (Gráfico 2), o comportamento é semelhante nas duas décadas. Em 70, elas “carregam” seu comportamento da faixa 1 para a 2 e diminuem o uso do locativo na faixa 3. Em 90, observa-se um decréscimo no decorrer das faixas, com forte queda da 2 para a 3, em que o locativo não é mais usado por elas. De maneira geral, o uso do locativo, que aumenta ou se mantém entre os homens, decresce entre as mulheres. Gráfico 1: Os homens e o locativo Gráfico 2: As mulheres e o locativo No Gráfico 3, o cruzamento entre década e faixa etária evidencia que há um padrão curvilinear indicativo de variação estável em 70 e em 90. A distribuição na década de 70 é bastante equilibrada nas três faixas. Já em 90, é acentuada a diferença entre a faixa 3 – idêntica à de 70 – e as outras duas, com ápice na faixa 2. Gráfico 3: Distribuição faixa etária versus década 196 Diadorim8-cap9.pmd 196 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração 4.2. Estudo de Painel Nesta fase da pesquisa, considera-se o resultado obtido de dados de um mesmo falante distribuídos pelas décadas de 70 e de 90. A comparação do comportamento do indivíduo nas duas sincronias revela bastante estabilidade. Somente dois informantes mostram uma mudança em direção ao aumento do uso do locativo: o indivíduo 052 aumenta de forma expressiva o percentual desse uso, passando de 11% para 36%; a informante 347, por sua vez, passa de 1% para 10%. Faixa etária Gênero 1 Fem. Masc. 2 Fem. Masc. 3 Fem. Masc. Informante 133 011 096 164 002 140 052 233 373 347 071 Década de 70 Oco % 5 5% 10 9% 3 11% 1 3% 3 6% 8 11% 4 11% 11 9% 2 7% 2 1% 7 9% Recontato Oco % 5 5% 3 5% 3 7% 1 11% 16 15% 14 36% 8 7% 1 7% 8 10% 13 8% Tabela 13: Distribuição da presença de locativo por indivíduo nas décadas de 70 e 90 No Gráfico 4, é possível visualizar a distribuição percentual de ocorrências de cada informante por época. A análise mostra que, de maneira geral, há ou acréscimo ou decréscimo nos valores percentuais de uso do locativo de um período para outro, a depender do indivíduo: ele é ora instável, ora estável. 197 Diadorim8-cap9.pmd 197 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Gráfico 4: Uso do locativo por indivíduo nas duas épocas 5. Considerações finais As análises, referentes tanto ao Estudo de Tendência quanto ao Estudo de Painel, indicam que não há um quadro bem delineado na fala culta carioca quanto ao fenômeno observado. O estudo da comunidade aponta variação estável, indicada pela distribuição década/faixa etária. Porém, nota-se diferença em relação aos fatores selecionados nas duas épocas: do total de seis grupos escolhidos como relevantes, somente a caracterização do termo locativo contido no SPLOC e a preposição introdutora do SPLOC se repetem. Os resultados de 70 e de 90 apontam haver uma tendência, de uma época para outra, à ampliação do uso do locativo. Em 70, a seleção das variáveis caracterização do termo locativo contido no SPLOC, (in)definitude morfológica do SPLOC e preposição introdutora do SPLOC indica haver um tipo de SPLOC favorecedor do uso do locativo, resultando em uma construção locativa: locativo + [preposição em + determinante definido + topônimo]. Em 90, a restrição em relação ao fenômeno diminui, já que, além dos três grupos selecionados em 70, listados acima, os grupos função sintática do SPLOC, tipo de verbo e efeito de definitude e de especificidade do termo contido no SPLOC também se mostram relevantes para o fenômeno. Quanto ao Estudo de Painel, pode-se dizer que o indivíduo é ora estável, ora instável. A análise dos resultados não permite afirmar se se trata de um padrão de estabilidade, com a comunidade e o indivíduo estáveis, ou de mudança geracional, com a comunidade estável e indivíduo instável. 198 Diadorim8-cap9.pmd 198 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração Referências Bibliográficas AVELAR, J. Adjuntos Adnominais Preposicionados no Português Brasileiro. Tese (Doutorado em Linguística) — Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2006. BRAGA, M. L.; PAIVA, M. C. Dêixis locativa e categorias cognitivas. 5º Seminário do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo. Comunicação. São Paulo: USP, 2002. COELHO, I. L. A ordem V DP em construções monoargumentais: uma restrição sintático-semântica. Tese (Doutorado em Linguística) — UFSC, Florianópolis, 2000, pp. 89-106. GUY, G. R.; ZILLES, A. Sociolingüística quantitativa – instrumental de análise. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. LABOV, W. 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WEINREICH, U.; LABOV, W. e HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2006. Título original: “Empirical foundations for a theory of language change”. In.: Directions for historical linguistics: A symposium. University of Texas, pp. 95-199, 1968. 200 Diadorim8-cap9.pmd 200 06/12/2011, 22:20 O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração Resumo Este artigo trata do uso do advérbio locativo posicionado à esquerda do sintagma preposicional locativo. Sob a perspectiva do tempo real de curta duração, são realizados Estudos de Tendência e de Painel, com corpora representativos da falada cidade do Rio de Janeiro. A análise dos resultados mostra que o fenômeno é estável na comunidade. Em relação ao indivíduo, o fenômeno mostra-se ora estável, ora instável. A associação dos comportamentos da comunidade e do indivíduo não permite afirmar se se está diante de um padrão de estabilidade ou de mudança geracional. Palavras-chave: Advérbio locativo, Sintagma preposicional locativo, Rio de Janeiro, Estudo de Tendência, Estudo de Painel. Abstract This article analyzes the use of a locative adverb before a locative Preposicional Phrase. Following the methodological approach to the study of change in “short term real time”, we present a Trend Study and a Panel Study using samples with Rio de Janeiro speakers. The results show that the phenomenon in the community is stable. In relation to the individual, we attest stability and instability. The association of the patterns obtained does not allow any conclusions regarding stability or a generational change. Keywords: Locative adverb, Locative Preposicional Phrase, Rio de Janeiro, Trend Study, Panel Study. 201 Diadorim8-cap9.pmd 201 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap9.pmd 202 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir Marcos Luiz Wiedemer1 I ntrodução Diversos estudos sociolinguísticos (Mollica, 1996; Ribeiro, 1996, 2008; Vallo, 2004, Wiedemer, 2008, 2010a, 2010b; Vieira, 2009) sobre a regência variável do complemento locativo do verbo ir vêm demonstrando a pertinência de fatores extralinguísticos (idade, escolaridade, sexo/gênero, profissão) e de fatores linguísticos no condicionamento de seleção das preposições a/para/em. Sob uma perspectiva descritiva mais geral, fora do quadro da Sociolinguística, Travaglia (1985) sustenta que a preposição é regida pelo seu argumento ou adjunto e que a escolha da preposição se daria em dois níveis diferentes: no nível sintático, a preposição seria selecionada pelo verbo e, no nível semântico, ela se harmonizaria com o conteúdo semântico do adjunto ou do argumento do verbo. No presente trabalho2, pretendemos, a partir de uma abordagem sincrônica e numa perspectiva sociolinguística, discutir os resultados da análise de novos fatores linguísticos condicionantes na seleção das preposições que complementam o verbo ir e, com isso, aprofundar as justificativas e as hipóteses para os diferentes usos dessas preposições, alguns dos quais podem ser observados nos exemplos de (1) a (3) abaixo: 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em estudos Linguísticos da Universidade Estadual Paulista (UNESP-SJRP/FAPESP, Processo 09/50819-0). Email: wiedemer@sjrp.unesp.br 2 Este texto retoma alguns dos resultados da dissertação de Wiedemer (2008), que analisou a regência variável do verbo ir na fala catarinense. Diadorim8-cap10.pmd 203 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (1) Ir + a Em São Paulo não tem nada disso, né? Aí tem que ir a Santos, e Santos a gente conhece também muito bem. (SC BL 24).3 (2) Ir + para A gente vai pra praia, né? (SC BL 22). (3) Ir + em Ia conhecer era Pantanal e essa seria... um dos meus sonhos é ir no Pantanal. (SC FL 10). Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizamos amostras de fala de 72 entrevistas do banco de dados do Projeto Interinstitucional Variação Linguística Urbana da Região Sul do Brasil (VARSUL), do qual consideramos as localidades de Florianópolis, Blumenau e Chapecó. Cada cidade é representada por um conjunto de 24 entrevistas, correspondentes a 12 perfis sociais (masculino e feminino, três níveis de escolarização e duas faixas etárias), com dois informantes para cada perfil. Para a análise dos dados, utilizamos o pacote estatístico GoldVarbX (Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005), que fornece percentuais e peso relativos (PR), além dos grupos de fatores relevantes para cada uma das variáveis independentes testadas, de modo a permitir o estabelecimento de correlações entre elas, caracterizando-se, assim, os diferentes contextos de uso das variantes analisadas (a/para/em). O presente artigo divide-se em três seções. A primeira contempla um breve panorama das pesquisas de cunho sociolinguístico, bem como seus principais resultados. A segunda trata mais especificamente da análise e dos resultados referentes aos novos fatores linguísticos que condicionam a variação/mudança no uso das preposições que complementam o verbo ir. Por fim, na terceira seção, apresentamos as considerações finais. 1 Breve panorama dos estudos sociolinguísticos sobre a variação na regência do verbo ir Sobre a variação na regência do verbo ir, um trabalho de bastante repercussão no âmbito da pesquisa sociolinguística é o de Mollica (1996)4, que foi desenvolvido com base em dados extraídos da fala de 64 3 Códigos adotados pelo Projeto VARSUL para especificar entrevistas: estado (SC=Santa Catarina), cidade (BL=Blumenau; FL=Florianópolis), número da entrevista (22). 4 O trabalho de Mollica (1996) é apresentado em dois capítulos (capítulos 6 e 12) do livro Padrões sociolinguísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado do Rio de Janeiro (Silva e Scherre, 1996). 204 Diadorim8-cap10.pmd 204 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir informantes da Amostra Censo/UFRJ, considerando 710 dados (46% são da preposição em e 54% de a/para5) e buscando identificar quais fatores condicionam a escolha das preposições em e a/para. A autora verificou a pertinência das seguintes variáveis linguísticas: configuração do espaço, grau de definitude e traço de permanência. Em relação à variável configuração no espaço, os locativos são distribuídos por traços [+fechado] e [-fechado]. Para a Mollica (1996), a intenção quanto à postulação desses traços baseia-se na hipótese de que a preposição em, além da noção de movimento quando acompanha o verbo ir, conota o sentido de “estar dentro”, sendo o seu uso mais provável com locativos de traço [+ fechado], que identifica recinto cujo espaço seja mais demarcado. Os critérios utilizados pela autora para caracterizar essa variável foram os seguintes: a) como [+ fechado] entende-se “lugar cercado, com uma entrada definida, com ou sem teto” (cinema, clube, casa, colégio, Maracanã); b) como [-fechado] compreende-se “lugar indefinido e/ou abstrato e os considerados de difícil classificação” (porta, médico, esquina, praia, baile, mãe) (Mollica, 1996, p. 155-156). Os resultados para essa variável apoiam a hipótese da autora de que a preposição em se associa a determinado traço semântico do nome (N) do complemento locativo ao qual a preposição acrescenta valor significativo de “estar dentro”, além do valor previsto de “movimento”. Já no que tange à variável grau de definitude, o estudo da autora testa a hipótese de que quanto mais definido o referente, mais chance ele tem de ser regido por em, já que indica “lugar onde”, além da noção de “movimento” dada pelo verbo ir. Por outro lado, quanto mais indefinido, vago e/ou impreciso for o referente locativo, tanto maior a chance de ocorrer a/para, já que, nesses contextos, apenas a noção de movimento está presente. Assim, os traços controlados por Mollica (1996) foram a presença/ausência de determinante de N e os traços de natureza semântica definido/não definido. Os critérios usados para essa variável foram os seguintes: a) como [+ definido] entende-se “referente conhecido do falante e do ouvinte, facilmente identificável” (MEC, o sindicato, Copacabana); b) como [definido] entende-se “referente vago, impreciso, pouco identificável pelo falante e/ou ouvinte” (qualquer lugar, psiquiatras, teatro); c) para [+ determinado], presença de artigos e pronomes (a tia, uma festinha, qualquer lugar); e d) para [- determinante], ausência de artigos e pronomes 5 Mollica (1996) não separa as preposições a e para na análise. 205 Diadorim8-cap10.pmd 205 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (Mollica, 1996, p. 159-160). Dessa conjugação de traços, resultam graus de definitude dos referentes: o maior grau de definitude envolve referentes marcados positivamente quanto à definitude e à determinação; o grau intermediário corresponde a referentes com um traço positivo e outro negativo; e o menor grau de definitude envolve referentes marcados negativamente quanto à definitude e determinação. Observe-se que essa variável é complexa, envolvendo fatores de natureza diversa, a saber: fatores morfossintáticos e semântico-discursivos. Os resultados da pesquisa mostram que os referentes dos nomes de complemento locativo do verbo ir distribuem-se em graus de definitude hierarquicamente dispostos: quanto mais definido e acompanhado de determinante for o N locativo, menor a chance de ser antecedido pelas preposições a/para (PR=0,31); quanto menos definido e acompanhado de determinante for o N locativo, maior a tendência de vir antecedido pelas preposições a/para (PR=0,73). No que concerne à variável [± permanência], os resultados não apresentaram nenhuma ocorrência de [+ permanência] com em nos dados do Rio de Janeiro, o que levou a autora a analisar somente a vs. para. A autora não esclarece quais foram os critérios usados para identificar esses traços, apenas menciona que se associam à “ideia de fim ou permanência”. Entre os dados apresentados temos: a) para [+ permanência], como em: Ela vai ter que ir embora, ir pra terra dela; b) para [- permanência], como em: Só uma vez ela foi à praia conosco (Mollica, 1996, p. 163). A partir dos resultados, a autora conclui que a regra que estabelece que a preposição para deve acompanhar o verbo ir quando há ideia de fim ou permanência ainda está bastante presente na fala e, dessa forma, pode-se afirmar que os falantes cariocas continuam sensíveis a ela. Verifica-se que Mollica (1996) entende a diferença de uso entre a e para associada à ideia de ‘demora’, ‘permanência’, com base nos moldes das gramáticas tradicionais (Almeida, 1969; Dias, 1970; Bechara, 2009). Mas pensar que os falantes deveriam captar uma diferença de uso associada ao traço semântico [permanência] é algo discutível, principalmente porque os dados da pesquisa provêm de entrevistas gravadas e não temos como saber a intenção do falante ao usar a preposição a, para ou em. É evidente que podemos considerar algumas pistas contextuais que podem auxiliar a identificar a intenção do falante, mas essa inferência nem sempre é possível e nem sempre temos certeza de que essa inferência é verdadeira. Kewitz (2007, p. 24), analisando exemplos da gramática descritiva de Neves (2000), argumenta que “em alguns casos, a categoria baseia-se 206 Diadorim8-cap10.pmd 206 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir apenas no sentido do verbo, como no exemplo (4) abaixo, com a preposição para: a ideia de permanência se dá pelo verbo ficar, e o que para denota parece ser mais a ideia de localização ou direção”. (4) A metade do corpo ficou para fora da porta. (permanência)6 Distanciando-se da ideia de [± permanência], Fiorin (2002, p. 172177) propõe a seguinte categorização para as preposições ou locuções prepositivas temporais: concomitância e não concomitância (anterioridade vs. posterioridade). Outra categoria utilizada para a organização das preposições temporais é o aspecto. O autor organiza a categoria aspecto da seguinte forma: pontual vs. durativo (terminativo vs. incoativo). O aspecto incoativodurativo refere-se ao começo do processo em duração temporal, sendo indicado por desde, a partir de, a começar de. O aspecto terminativo-durativo marca o ponto final do processo em duração temporal, sendo indicado pela preposição até. As preposições a e em podem ser consideradas, dessa forma, pontuais e durativas, pois marcam um momento inscrito no enunciado. Em relação aos fatores sociais, Mollica (1996) mostra que a escolarização desempenha influência preponderante sobre a seleção das preposições a e para em detrimento da variante em. Ressalta, ainda, que a influência escolar estabelece uma oposição entre os falantes do Ensino Fundamental (séries iniciais e séries finais) e do Ensino Médio: estes favorecem as formas a/para e aqueles as desfavorecem. Já sobre a atuação da escolarização e sexo sobre a escolha das preposições, os dados indicam que as mulheres são mais sensíveis à escolarização, obedecendo, desde o início, à pressão escolar. No que tange ao fator idade, a escolha das variantes a/para também está correlacionada com esse fator, embora as crianças, em termos probabilísticos, evidenciem leve tendência a usar mais frequentemente as formas a/para do que os jovens de 15 a 25 anos. Já os adultos apresentam maior polarização das variantes. Em suma, Mollica (1996) mostra que os fatores escolaridade, sexo e idade foram relevantes em sua pesquisa, destacando-se o uso de a/para pelos informantes mais escolarizados, especialmente as mulheres. Com o objetivo de traçar um quadro complementar ao que Mollica (1996) esboçou em relação ao fenômeno estudado, Ribeiro (1996, 2008) analisa a regência do verbo ir de predicação incompleta na fala 6 Exemplo retirado do trabalho de Kewitz (2007, p. 24). 207 Diadorim8-cap10.pmd 207 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos culta carioca, tendo recolhido 734 ocorrências do corpus do Projeto NURC da cidade do Rio de Janeiro (114 inquéritos DID – diálogo entre informante e documentador, distribuídos igualmente entre homens e mulheres em três faixas etárias: de 15 a 25 anos, de 36 a 55 anos e acima de 56 anos de idade). Para tal finalidade, o autor testou as mesmas variáveis de Mollica (1996), quanto à caracterização do locativo alvo do movimento (configuração do espaço e grau de definitude), além das variáveis sociais clássicas. Assim como aquela autora, Ribeiro também trabalhou com a oposição para/a versus em, com base no critério padrão versus não-padrão, tendo obtido os seguintes resultados gerais: 86% de frequência para/a e 14% de frequência de em. Comparando os resultados dos dois trabalhos, notamos que o percentual de uso de para/a na fala culta carioca (amostra NURC) é 32 pontos percentuais mais elevado do que aquele observado na fala mais popular (amostra Censo) analisada por Mollica. Em contrapartida, os informantes do NURC utilizam apenas 14% de em, enquanto os falantes do Censo chegam a 46%, abonando o status não-padrão atribuído à preposição em. Os resultados de Ribeiro (1996, 2008) ratificam as tendências apresentadas por Mollica quanto aos fatores linguísticos: a preposição em tende a ocorrer com espaço [+fechado] (PR=0,60) e também com lugar [+definido] e [+determinado] (PR=0,80). Quando um dos fatores referentes ao grau de definitude era marcado positivamente e outro negativamente, os pesos relativos não revelaram diferença significativa (PR=0,48 e PR=0,59, respectivamente), da mesma maneira que se observa nos resultados de Mollica (1996). Dessa forma, pode-se dizer, então, que, na fala carioca, independentemente do grau de escolaridade dos informantes, as variantes linguísticas configuração do espaço e grau de definitude atuam da mesma maneira sobre o uso da preposição em. Vale lembrar aqui que, assim como Mollica (1996), Ribeiro adota critérios morfossintáticos e semântico-discursivos conjuntamente na avaliação dessa variável. Quanto às variáveis sociais, Ribeiro (1996, 2008) mostra que, enquanto o comportamento dos homens oferece indícios de implementação da mudança, com uma distribuição linear decrescente – os mais jovens usando mais a preposição em do que os mais velhos, o comportamento feminino apresenta um quadro de variação estável – as mulheres da faixa etária intermediária (36 a 55 anos) tendem a evitar o uso da variante em, enquanto as faixas etárias situadas nos extremos a utilizam mais. Esse comportamento feminino mais conservador, mais 208 Diadorim8-cap10.pmd 208 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir sensível ao prestígio social, é explicado pelo autor com base em pressões do mercado do trabalho. Vallo (2004) se detém na análise de questões similares em seu estudo realizado a partir da análise do uso das preposições vinculadas ao verbo ir na língua falada pessoense, com base em dados presentes no corpus VALPB – Variação Linguística no Estado da Paraíba (Hora, 1993). O autor encontrou 610 ocorrências, assim distribuídas: 82 casos de uso do a, 441 casos de para e 87 casos de em, correspondendo a uma porcentagem de 13%, 72% e 15%, respectivamente. Pode-se observar um comportamento bastante diferenciado entre os falantes cariocas (corpus Censo) e os pessoenses no uso das preposições: enquanto no Rio de Janeiro há 46% de uso da preposição em (Mollica, 1996), em João Pessoa esse percentual cai significativamente para 15%; enquanto 56% dos cariocas usam as preposições a/para (Mollica, 1996), os pessoenses preferem, de forma acentuada, a preposição para (72%) e utilizam menos a preposição a (13%). O estudo revela ainda que, a exemplo dos resultados encontrados por Mollica (1996), o uso de um nome locativo de conhecimento do falante e do ouvinte favorece o uso da forma em. No entanto, diferentemente de Mollica, a pesquisa de Vallo (2004) mostra que o referente que possui o traço [+fechado] favorece o uso das formas a/para. Ainda sobre os resultados, o estudo mostra que o discurso nãonarrativo favorece o uso das preposições a/para, ao passo que o discurso narrativo favorece o uso da preposição em. Sobre essa variável, o autor, com base em Tarallo (1985), reflete sobre a hipótese de que o informante, ao narrar suas experiências pessoais mais envolventes, desvencilha-se da preocupação com a forma do padrão gramatical. Em relação aos fatores sociais, o trabalho de Vallo (2004) também constata o papel dos anos de escolarização como variável social significativa, apresentando um resultado bastante polarizado: quanto maior o nível de educação formal, mais frequente é uso de a/para; quanto menor é esse nível, mais frequente é o uso de em. Outro estudo que analisa o português do sul do Brasil é o trabalho de Vieira (2009). A autora também considera entrevistas do Banco de Dados VARSUL, das capitais dos Estados da Região Sul do Brasil, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, envolvendo dados de 39 informantes, assim distribuídos: 12 de Curitiba, 12 de Florianópolis e 15 de Porto Alegre. Vieira (2009) procura identificar os fatores linguísticos e extralinguísticos que condicionam a escolha das preposições usadas com os verbos de movimento chegar, vir, levar e ir. 209 Diadorim8-cap10.pmd 209 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Utilizando a metodologia laboviana, Vieira (2009) obtém os seguintes resultados gerais para os verbos analisados: de um total de 530 ocorrências, 391 envolvem a presença do verbo ir, enquanto o verbo levar apresenta somente 25 ocorrências. Em segundo lugar, verifica-se o uso bastante frequente das preposições a/para associado aos verbos levar e vir, com a frequência de 88% e 83%, respectivamente. Nessas ocorrências, somente em três situações o verbo levar é acompanhado pela preposição em, o que se observa em nove situações relativamente ao verbo vir. Já no que se refere ao verbo chegar, das 58 ocorrências observadas, somente em dois contextos ele foi usado com a preposição para. Diferentemente do que ocorreu com os outros verbos, o verbo ir apresenta variação significativa, com preferência pelo uso das preposições a/para (PR=0,60). Em relação aos fatores linguísticos, a utilização da preposição para é condicionada pelo fator [+permanência]. Esses resultados se coadunam parcialmente com os achados de Mollica (1996), uma vez que, em sua pesquisa, Vieira (2009) não encontrou casos de utilização da preposição em associada ao traço [+permanência]. Por outro lado, vale lembrar que o estudo de Mollica se refere somente ao verbo ir, enquanto o de Vieira contempla um grupo maior de verbos de movimento. No quadro dos fatores linguísticos investigados por Vieira (2009), os resultados indicam que o traço semântico [-fechado] favorece a escolha das preposições a/para, e o traço [+fechado] favorece a escolha da preposição em. Esses resultados confirmam a tendência apontada por Mollica (1996) e Ribeiro (1996, 2008) para o verbo ir, mas diferem daqueles obtidos por Vallo (2004), que constatou o uso das formas a/para associadas ao traço [+fechado]. Outro resultado que se assemelha, parcialmente, àqueles de Mollica (1996) e de Ribeiro (1996, 2008) refere-se ao grau de definitude e determinante do locativo. Vieira (2009), na análise do comportamento das preposições que acompanham o verbo ir, obteve resultados que demonstram que quanto mais definido e mais conhecido for o referente do locativo, maior a possibilidade de se utilizar a preposição em, e que a indeterminação do locativo e o fato de seu referente não fazer parte do universo de conhecimento do falante favorecem as variantes a/para. Vallo (2004) também apontou que o uso de um nome locativo de conhecimento do falante e do ouvinte favoreceu o uso da forma em. No que concerne aos resultados para os fatores sociais desse estudo de Vieira (2009), o único fator que se mostrou relevante foi a variável geográfica, que indicou que os falantes de Porto Alegre são os que mais usam verbos de movimento com as preposições a/para, enquanto os 210 Diadorim8-cap10.pmd 210 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir falantes de Florianópolis são os que mais usam a preposição em. Já os dados de uso das preposições pelos falantes de Curitiba, nessa amostra, sinalizam que a cidade tem um papel praticamente neutro em relação aos índices gerais de preservação ou substituição da preposição que rege os verbos de movimento. 2 Ampliando os limites da atuação de fatores linguísticos sobre o uso variável de preposições com o verbo ir Retomando os resultados dos trabalhos resenhados na seção anterior, além da relevância do papel dos fatores sociais sobre a regência variável do complemento locativo do verbo ir, conforme demonstrado pelos trabalhos de Mollica (1996), Ribeiro (1996, 2008), Vallo (2004) e Vieira (2009), observa-se também a pertinência da análise de fatores linguísticos que condicionam a seleção das preposições a/para/em. Em relação a tais fatores, o estudo seguiu a seguinte trajetória de pesquisa. Primeiramente, surgiu o trabalho pioneiro de Mollica (1996), que propôs o controle da configuração do espaço, grau de definitude e traço de permanência, os quais são retomados por Ribeiro (1996, 2008). Já Vallo (2004) soma a isso o controle da narratividade, e, em Vieira (2009), observase o avanço da análise para um grupo de verbos de movimento. Ampliando ainda mais os limites dos fatores linguísticos reconhecidos como condicionantes das preposições a/para/em, conforme destacamos neste trabalho, que retoma alguns dos achados de Wiedemer (2008), lançamos mão dos seguintes fatores linguísticos: (i) configuração do locativo; (ii) pessoa do discurso; (iii) tempo-modo-verbal. Conforme comentaremos em seguida, os resultados apontados nesta pesquisa, além de confirmarem a evidência de que outros fatores linguísticos atuam no condicionamento do uso das preposições a/para/em, que complementam o verbo ir, fornecem fortes evidências em favor da intercorrelação de uma multiplicidade de fatores, sejam linguísticos ou extralinguísticos, que envolvem o fenômeno em pauta. 2.1 A relevância da configuração do locativo Como vimos em vários trabalhos, as características do locativo se mostraram relevantes para o uso alternado das preposições em estudo. Neste artigo, procuramos detalhar a configuração do espaço, tentando captar diferenças mais sutis e detectar eventuais condicionamentos. É pertinente destacar que o uso da preposição ad, que surge no latim clássico, já mostrava certa variação no passado, pois essa preposição podia ser usada tanto com objetos inanimados como animados, atribuindo 211 Diadorim8-cap10.pmd 211 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos certa proeminência ao objeto, indicando o ponto a que a ação se dirige. Assim, embora estejamos analisando um verbo que não requer objeto, mas um complemento circunstancial, em nossos dados a maioria dos locativos tem o traço [-animado]. Por esse motivo, preferimos refinar os fatores para diferenciarmos os tipos de locativos, controlando diferentes propriedades, que, conjuntamente, configuram os espaços que caracterizamas situações representadas nos enunciados que contêm o verbo ir. Essas propriedades são controladas a partir da identificação de traços semântico-discursivos, resultando nas seguintes codificações: (i) [lugar/objeto], termo que remete a lugares, objetos sem nomes definidos, tais como, casa; (ii) [lugar/instituição], que abrange nomes definidos de lugares, como, por exemplo, UFSC; (iii) [lugar/instituição personificada], que remete tanto a personificação de instituição (médico = consultório) como personificação de lugar (sogra = casa da sogra); (iv) [lugar/evento], que considera acontecimentos que se passam em certos lugares, como, por exemplo, missa, futebol, festa, e processos/acontecimentos; (v) [lugar/ espaço sócio-geográfico], relativo a lugares com referência geográfica, tais como comunidade, interior, centro e localidades específicas. Os resultados para a variável configuração do espaço encontram-se na Tabela 1, dada a seguir. Tabela 1: Influência da variável configuração do espaço sobre o uso de A, PARA e EM A PARA EM Apl./total % PR Apl./total % PR Apl./total % PR Lugar/inst.personificada 2 0/69 29 0,70 17/69 25 0,30 32/69 46 0,56 Espaço geográfico 57/257 22 0,69 148/257 58 0,54 52/257 20 0,35 Lugar/evento 17/118 14 0,65 45/118 38 0,45 56/118 47 0,47 Lugar/objeto 46/462 10 0,36 195/462 42 0,51 221/462 48 0,57 Lugar/instituição 4/51 8 0,22 25/51 49 0,56 22/51 43 0,59 144/957 15 430/957 45 383/957 40 TOTAL Input: .11 Sig.: .045 Input: .45 Sig.: .034 Input: .39 Sig.: .023 Significância 1º selecionado 7º selecionado 5º selecionado Prepos ições Config uração do Espaço Em relação à preposição a, observa-se que os três primeiros fatores dispostos na tabela favorecem seu uso, o primeiro do quais [lugar/ instituição personificada], com peso relativo de 0,70, também favorece, embora com menor peso, o uso da preposição em (PR=0,56), e o segundo fator [espaço geográfico], com peso relativo de 0,69, também favorece levemente o uso da preposição para (PR=0,54). Assim, pode-se dizer que o contexto preferencial da preposição a, ou seja, o contexto que, de fato, particulariza seu uso, é o fator [lugar/evento], cujo peso relativo associado 212 Diadorim8-cap10.pmd 212 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir é de 0,65 – fator que se mostra levemente inibidor para o uso das preposições para e em (PR=0,45 e PR=0,47, respectivamente). Por outro lado, os fatores [lugar/instituição] e [lugar/objeto] são fortes inibidores do uso da preposição a (PR=0,22 e PR=0,36, respectivamente). Embora com menor polarização, mas considerando a “relação” entre os pesos, três contextos se destacam no favorecimento ao uso da preposição em: [lugar/instituição], [lugar/objeto] e [lugar/inst. personificada], com pesos relativos de 0,59, 0,57 e 0,56, respectivamente. Entre esses fatores e [lugar/evento] e [espaço geográfico] há uma diferença superior a 0,10, o que confirma sua relevância. A preposição para, por outro lado, não apresenta nenhum contexto favorecedor ao seu uso. A tendência mais acentuada em relação a para é o nítido desfavorecimento de seu uso com o fator [lugar/instituição personificada], já que o peso relativo obtido é bastante baixo (PR=0,30) em relação aos demais, bastante próximos. Em resumo: (i) o contexto que está se delineando como particular da preposição a é [lugar/evento]; (ii) o contexto que está despontando como característico para a preposição em é [lugar/objeto]; (iii) a preposição para não apresenta nenhum contexto particularizado de uso; (iv) é evidente o comportamento distinto entre as preposições a/para versus em diante do fator [espaço geográfico], que desfavorece fortemente o uso de em; (v) pode-se dizer que as preposições para/em estão claramente em variação nos contextos [lugar/evento] e [lugar/instituição]. As ocorrências abaixo ilustram a tendência de uso da preposição a com [lugar/evento], da preposição em com [lugar/objeto] e das preposições a/para com [espaço geográfico]. (05) É, sou torcedor de rádio de pilha. Torço pelo Figueirense, mas não vou ao jogo. (FLP 10) [lugar/evento] (06) Eu lembro, eu era pequena ainda, não ia na ah! ia na escola, sim, já ia na escola, é. Só sei que minha mãe estava esperando neném, ela chorou muito, né? (BL 06) [lugar/objeto] (07) Eles vieram pra Florianópolis porque todo mundo dizia que Florianópolis era bom. Ilusão, né? Todo mundo dizia: “Ah, vai pra Florianópolis, Florianópolis é bom, é melhor, tem serviço, isso e aquilo.” Aí então eles vieram. Mas na época que eles vieram pra cá não tinha ônibus, não tinha nada. (FLP 08) [espaço geográfico] 213 Diadorim8-cap10.pmd 213 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (08) Lá eu trabalhei. Depois eu fui a Curitiba, trabalhava no balcão, vendia tecidos e aviamentos. (BL 05) [espaço geográfico] Verifica-se assim que o locativo identificado como espaço geográfico favorece a/para e desfavorece em; a preposição em é favorecida em contexto de lugar/instituição personificada (ou não), porém o fator lugar/objeto condiciona o uso de em e inibe o uso de a, mostrando-se indiferente ao uso de para. Além disso, considerando os dados, evidencia-se uma oposição entre as preposições a e para: lugar/instituição personificada e lugar/evento privilegiam o uso de a, ao passo que inibem o uso de para; por outro lado, lugar/instituição e lugar/objeto, principalmente o primeiro fator, desfavorecem a e favorecem para. Isso mostra que devemos ter certa cautela ao dizer, por exemplo, que a preposição a está cedendo terreno para a preposição para, que, por sua vez, estaria em competição com em; ou que a/ para devem ser reunidas em oposição a em, como considerou Mollica (1996), por exemplo. Pelo contrário, os resultados apontam que existem contextos claros de retenção do uso de a na fala de Santa Catarina. 2.2 O sujeito da oração e a configuração da expressão locativa Como vimos, em diversas pesquisas sociolinguísticas, a análise dos fatores linguísticos apontou a pertinência de grupos de fatores ligados ao locativo que complementa a preposição, como, por exemplo, “configuração do espaço”, “grau de definitude” do referente, ou a atribuição do traço permanência, bem como outros fatores, que acabam por desconsiderar a interação da expressão locativa com outros constituintes da sentença. Assim, a composicionalidade de uma sentença aponta para a importância de se considerar a presença de outros constituintes oracionais na configuração da expressão locativa. Com base nessa consideração, idealizamos o controle do “sujeito da oração” com o verbo ir, verificando sua associação com as pessoas do discurso. Essa variável implementa-se por meio do controle dos seguintes fatores: (Primeira pessoa [eu, nós]) (09) Eu viajava vinte quilômetros pra ir num baile, de bicicleta. (SC BLU 16) (Segunda pessoa [tu, você, vocês]) (10) É, para o lado da Joaquina, invés de tu ires pra Joaquina, pra Barra, tá? O Morro da Barra não era calçado, foi calçado há pouco tempo, se não me engano, até [no] quando o Esperidião era prefeito. (SC FLP 24) 214 Diadorim8-cap10.pmd 214 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir (Terceira pessoa [ele(s), ela(s), SN singular e plural]) (11) Eles gostavam muito de ir na casa dos avós deles assim. (SC BLU 04) (A gente como pronome) (12) A gente podia ir em bailes, coisas assim, sem muitas violências... (SC BLU 07) Após a classificação dos dados e sua análise, organizamos os resultados para tal grupo de fatores na Tabela 2, abaixo. Tabela 2: Influência da variável pessoa do discurso sobre o uso de A, PARA e EM Preposições Pesso a do Discurso A gente + P1 (eu, nós) A Apl./total % PR PARA Apl./total % PR EM Apl./total % PR 253/620 41 254/620 41 0,53 11 3/620 18 0,57 19/58 33 0,44 31/58 53 0,59 8/58 14 0,48 158/279 57 0,65 98/279 35 0,42 23/279 8 0,35 14 4/957 15 430/957 45 383/957 40 Input: .11 Sig.: .045 Input: .45 Sig.: .034 Input: .39 Sig.: .023 7º selecionado 3º selecionado 2º selecionado P2 P3 TOTAL Significância Como se observa, o sujeito a gente/nós/eu correlaciona-se mais ao uso da preposição a (PR = 0,57), enquanto tu/você relacionam-se mais fortemente à preposição em (PR = 0,59), e ele/eles, ao uso de para (PR = 0,65). Com base nesses resultados, pode-se afirmar que a variável pessoa do discurso mostrou exercer influência na seleção das preposições (a/para/em), e dessa forma, parece evidente que o falante demonstra uma inclinação para selecionar a preposição associada ao seu referente no discurso. Diante desses resultados, podemos traçar uma tendência de uso das preposições relacionada à pessoa do discurso, conforme quadro abaixo. Quadro 1: Tendências de uso das preposições relacionadas à pessoa do discurso P ESS OA DO D IS CU R SO Preposição A gen te+eu/nós (P1) P2 P3 A EM PARA Seguem dados ilustrativos da variável pessoa do discurso. 215 Diadorim8-cap10.pmd 215 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (13) [eu] olha, às vezes eu gostaria de ir mais longe assim, fazer um passeio, isso e aquilo, mas, eu não gosto de dirigir, e, às vezes que eu ando na Cento e Um pra mim não é um passeio, não é nada, isso é A última vez que eu fui a Florianópolis, realmente, quando eu vinha de volta, era umas quatro ou cinco horas da tarde, essa região de Florianópolis pra cá,... (SC FLP 24) [P1] (14) Isso aí foi só inventado só pra tirar o dinheiro [do] da classe operária porque classe operária é [que] que sofre com isso. Tu vais no mercado, hoje é um preço, tu vais amanhã no mesmo supermercado aí que está aumentando quarenta e poucos por cento acima [da] do permitido. (SC BL 12) [P2] (15) Foi uma luta tremenda pra nós dois e os filhos. Botava tudo dentro do Fusquinha, ela ia pra uma universidade, eu ia pra repartição e botava os filhos na escola. (SC FLP 13) [P3] Considerando os resultados, fica clara a atuação da variável pessoa do discurso na seleção das preposições (a/para/em). 2.3 Permanência ou tempo-modo-verbal Apesar de outros trabalhos (Mollica, 1996; Vallo, 2004; Vieira, 2009) terem controlado o grupo de fatores [+permanência]/[permanência], motivados pela tradição gramatical ou pela tradição linguística, que apresentam a diferença no uso das preposições a e para com base na oposição “estada provisória” e “estada permanente”, consideramos essa variável de difícil operacionalização nos dados. Como definir com certa segurança se o sujeito vai permanecer ou não no local, se não houver uma indicação explícita de tempo, por exemplo? Além disso, pistas contextuais nem sempre são esclarecedoras. Some-se a isso, ainda, o fato de que a inferência da noção de permanência, muitas vezes, decorre do significado do verbo e não da preposição. Em vista disso, em Wiedemer (2008), testamos três grupos de fatores concernentes ao verbo (frequência aspectual, perfectividade e tempomodo-verbal)7, tendo apenas o grupo de fatores tempo-modo-verbal se mostrado relevante no condicionamento do uso das preposições a/para/em, conforme exemplos destacados abaixo: 7 Apresentamos aqui apenas o grupo de fatores tempo-modo-verbal, pois foi o único selecionado pelo pacote estatístico. Ao leitor interessado na configuração dos outros grupos de fatores, ver Wiedemer (2008). 216 Diadorim8-cap10.pmd 216 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir (16) Na época [da] quando nós íamos para o colégio, na época caía geada ainda, hoje não cai muita geada aqui. (SC BLU 03) [Pretérito imperfeito] (17) E quando eu fui a São Paulo, eu trabalhei num escritório, uma firma que vendia aço, no atacado. (SC BLU 05) [Pretérito perfeito] (18) Não dá ânimo pra ir num campo de futebol ou clube que nós temos aqui em Blumenau (SC BLU 03) [Outros]8 Observando os resultados indicados na Tabela 3, o fator que motiva a seleção das preposições a e para é o tempo passado. Além disso, fica evidente uma distribuição complementar em relação às duas preposições, ou seja, pretérito perfeito atuando na seleção da preposição a, e pretérito imperfeito, na seleção da preposição para. Além disso, os percentuais mais baixos associados à preposição em são justamente os de tempo passado. Tabela 3: Influência da variável tempo-modo verbal sobre o uso de A, PARA e EM Preposições TMV Pretérito perfeito Outros Pretérito imperfeito Presente TOTAL Significância A PARA Apl./total % PR Apl./total % PR 60/271 22 0,63 119/271 44 0,36 15/153 10 0,38 65/153 42 0,49 39/292 13 0,47 148/292 52 0,60 30/241 12 0,47 98/241 41 0,54 144/957 15 430/957 45 Input: .16 Sig.: .15 Input: .45 Sig.: .47 5º selecionado 6 º selecionado EM Apl./total 92/271 73/153 105/292 113/241 383/957 % 34 48 36 47 40 PR - Não selecionado Além disso, considerávamos que essa variável estivesse relacionada com a narratividade do discurso, no sentido de que a forma inovadora em surgisse mais em sequências narrativas, já que o discurso narrativo propiciaria a emergência do vernáculo, e que fatos passados pudessem promover o uso da preposição em, baseados nos resultados de Vallo (2004), que demonstrou que o discurso narrativo favorece o uso da preposição em, e na hipótesede Tarallo (1985) de que o informante, ao narrar experiências pessoais mais envolventes, se desvencilha da preocupação com a forma gramatical. Como vimos, essa linha de pensamento não foi confirmada, pois os resultados apontam justamente para o caminho inverso, ou seja, tempos pretéritos condicionam o uso das preposições a/para. 8 Esse fator engloba outros tempos verbais, bem como formas nominais do verbo que não integram uma locução verbal. 217 Diadorim8-cap10.pmd 217 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Diante disso, uma hipótese alternativa poderia ser a seguinte: a flexão do verbo ir tem por base um fenômeno que é denominado supletivismo verbal, pois estão na base de sua constituição, em português, três radicais verbais latinos diferentes: ire (ia, irei, iria, indo, ido); vadere (vou, vais, vai, vamos, vão, vá, vás, vades); e fu-, radical do perfeito do verbo esse, “ser” (fui, fora, fosse etc), que foram reunidos em uma única forma verbal (Machado, 1995). Uma das confluências desse processo, por exemplo, é que os verbos ser e ir têm a mesma forma verbal no pretérito prefeito. E, por sua vez, as preposições estariam apresentado uma regularização de uso associadas aos verbos de origem, com o uso da preposição para com o tempo verbal pretérito imperfeito, e da preposição a com o tempo verbal pretérito perfeito, ou seja, pode-se pensar em uma abstratização do significado das raízes associadas ao verbo ir. Vejamos, por exemplo, a frase O sujeito foi na batalha. Nesse contexto, o verbo foi com o sentido original ser passou, hoje, para o significado de esteve. Assim, uma das causas da manutenção da preposição em pode estar associada ao verbo de origem. Porém, traçamos aqui apenas uma hipótese, que merece uma investigação mais aprofundada. Considerações finais Ao longo deste trabalho buscamos evidenciar novos grupos de fatores referentes à variação no uso das preposições a/para/em no complemento locativo do verbo ir a partir dos resultados alcançados por Wiedemer (2008), e apresentar outros fatores linguísticos que atuam na variação/mudança do fenômeno investigado, além dos já investigados por outros trabalhos (Mollica, 1996; Ribeiro, 1996, 2008; Vallo, 2004; Vieira, 2009). Para tanto, inicialmente, exemplificamos o fenômeno de variação/ mudança das preposições a/para/em com base em diversos estudos sociolinguísticos existentes, e também apresentamos os grupos de fatores controlados por tais trabalhos. Na sequência, apresentamos os resultados e análise de novos fatores linguísticos (configuração do locativo; pessoa do discurso; tempo-modoverbal) que atuam na seleção das preposições a/para/em, que complementam o verbo ir, e, com isso, sustentamos a multiplicidade de fatores que envolvem o fenômeno. Distanciamo-nos, aqui, da afirmação de Travaglia (1985), de que a escolha da preposição se daria em dois níveis diferentes: no sintático, 218 Diadorim8-cap10.pmd 218 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir pela regência do verbo e, no semântico, pela sua harmonização com o conteúdo semântico do adjunto ou do argumento do verbo. Conforme demonstrado neste trabalho, analisando as preposições do verbo ir no nível sintático, o verbo rege variavelmente três preposições (a/para/em). No nível semântico, o detalhamento semântico do locativo motiva o uso de uma ou de outra preposição. Além disso, evidenciamos a atuação da variável tempo-modo-verbal, cuja natureza é morfossemântica, além de fatores como pessoa do discurso, fator que está associado ao sujeito, mas que, de fato, é de natureza discursiva, assim como as variáveis narratividade e finalidade (Wiedemer, 2008). Assim, o fenômeno sob análise transita pelos níveis morfossintático e semântico-discursivo, além de ser sensível a fatores extralinguísticos (Wiedemer, 2010a, 2010b). Portanto, pode-se dizer que a escolha da preposição se dá em mais do que dois níveis, diferentemente do que sugere Travaglia (1985). Referências ALMEIDA, N. Gramática metódica da Língua Portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1969. BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. rev. e amplo. Rio de Janeiro: Lucerna, 2009 [1961]. DIAS, A. E. da S. Sintaxe histórica do Português. Lisboa: Clássica, 1970. FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 2002. HORA, D. Projeto variação linguística no Estado da Paraíba. João Pessoa: UFPB, 1993. KEWITZ, V. A gramaticalização e semanticização das preposições A e PARA no Português Brasileiro (séculos XIX e XX). Tese (Doutorado em Linguística) – USP, São Paulo, 2007. MACHADO, J. P. Dicionário da língua portuguesa etimológico. 7. ed. 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Revista Gatilho, Ano VI, v. 11, 2010b, pp. 1-16. 220 Diadorim8-cap10.pmd 220 06/12/2011, 22:20 Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir Resumo Neste artigo, apresentamos os resultados da análise de novos fatores linguísticos como condicionantes na variação/mudança das preposições a/para/em, que introduzem complemento locativo do verbo ir, com base em dados de amostras da fala de Santa Catarina (Florianópolis, Blumenau e Lages), no sul do Brasil, integrantes do Projeto VARSUL. Procuramos mostrar que outros fatores linguísticos atuam na variação/ mudança linguística que envolve esse fenômeno, além dos já apontados por trabalhos anteriores de cunho sociolinguístico. Palavras-chave: Verbo ir; preposições (a/para/em); VARSUL; Sociolinguística. Abstract This paper presents the results of the analysis of new linguistic factors which constrain the variation/change in the use of prepositions a/para/em introducing the locative complement of verb ir (to go), based on data from samples of speech from Santa Catarina (Florianópolis, Blumenau and Lages), in the south of Brazil, which integrate the Project VARSUL. We try to show that other linguistic factors act in the variation/ change that involves this phenomenon, besides those already pointed out by previous sociolinguistic researches. Keywords: Verb to go(ir); prepositions (a/para/em); VARSUL; Sociolinguistics. 221 Diadorim8-cap10.pmd 221 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap10.pmd 222 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi1 1. Apresentação O objeto de investigação deste trabalho são as construções de junção com que nem, que mostram alta produtividade em textos da modalidade de enunciação falada do português, onde atuam no estabelecimento de uma relação semântica de comparação de igualdade. No exemplar em (01), extraído de um inquérito da amostra IBORUNA, há uma associação, por comparação, entre propriedades do quiabo e o modo de nascimento do bebê, uma associação que é qualitativa por natureza: (01) ela teve o nenê em cima da cama lá... o nenê guspiu que nem quiabo pra fora... e num deu tempo de NADA… nem de levá(r) pra sala de parto… (AC:030) Nas línguas, a heterogênea classe dos juntores é propensa à constante renovação, revelando grande flutuação formal e semântica. Meillet (1948) já salientava a instabilidade inerente aos juntores e a procedência diversa desses itens, afirmando que “les origines des conjonctions sont d´une diversité infinie. Il n´y a pas d´espèce de mot qui ne puisse livrer des conjonctions”. Para ele, a formação de juntores é uma instância de gramaticalização, processo de mudança que alimenta a gramática da língua. No português, é nítida a 1 Diadorim8-cap11.pmd Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP-SJRP/CNPq). 223 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos instabilidade do sistema conjuncional no âmbito da comparação: além de que nem, o repertório dos juntores tem sido ampliado com a inclusão de tipo, igual e feito, palavras que funcionavam exclusivamente como formas livres. A formação de juntores baseados em que foi uma tendência do latim vernáculo, que se generalizou nas línguas românicas (Maurer, 1959), sendo hoje, em português, uma das estratégias mais férteis na produção de juntores. Dos vários canais de derivação de novas perífrases, destacamse, pela frequência de realização, os canais adverbial e verbal, de que só que e vai que são exemplos recentes (Longhin-Thomazi, 2003, 2010). Nesse respeito, que nem tem comportamento excepcional: enquanto as tantas perífrases conjuncionais são do tipo x que, a formação de que nem foi favorecida pela anteposição de que a nem, que passaram a codificar modocomparação, revelando um alto grau de opacidade frente aos sentidos das partes componentes. Por um lado, há evidências de tratar-se de um fenômeno de gramaticalização, já que palavras já pertencentes à gramática da língua, combinadas numa certa ordem, perderam e ganharam traços morfossintáticos e semânticos, passando a constituir uma construção ainda mais gramatical. Por outro, não há clareza acerca dos contextos que condicionaram essas alterações, nem acerca do funcionamento da construção complexa que que nem ajuda a formar, sobretudo quando consideramos as ocorrências de (02) a (04), que permitem vislumbrar diversos esquemas sintáticos e nuanças semânticas: (02) depois que você assô(u) o bo::lo você coloca essas três clara... batida com açúcar por cima que nem um suspiro... e volta lá no forno (AC:142) (03) (...) era tudo mais VE::lho assim... tudo rabiscado agora não... hoje já é bonito:: as carteiras são todas no::vas que nem eu te falei né? (AC:042) (04) Doc: cê lembra como é por dentro? Inf: ai lembro... tem bastante pintura... os vidros todos coloridos assim... mas ela é pequena assim... que nem vai ter a nossa missa da formatura da... da formatura num vai caber ninguém lá sabe? (AC:042) O dicionário Houaiss (2001) registra a locução que nem e atribui possíveis paráfrases com do mesmo modo que e como, sugerindo que a relação de sentido estabelecida é de “equivalência de modo” ou “comparação”. 224 Diadorim8-cap11.pmd 224 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem No entanto, as gramáticas normativas ainda hesitam em elencar que nem no conjunto das conjunções modo-comparativas. Aliás, o próprio domínio de modo não tem mais lugar na abordagem tradicional, desde que a NGB optou pela distribuição – não sem problemas – das orações modais pelas classes das conformativas e das comparativas (Azeredo, 1997). Em todo caso, é evidente, de acordo com (02)-(04), que o sentido de modo-comparação não é o único veiculado por que nem. Em (02), que nem descreve o modo de manifestação do conteúdo do predicado, mas, em (03), codifica conformidade por meio de um ato ilocucionário distinto e, em (04), acrescenta um modo de ilustrar, que é uma espécie de elaboração, a ser devidamente qualificada ao longo do trabalho. Há, portanto, diferentes padrões funcionais de que nem, que ainda aguardam por descrição2. À luz dessas considerações, este trabalho persegue dois objetivos principais: (i) descrever as construções com que nem a partir do pareamento entre forma e significado, com o intuito de identificar e caracterizar seus diferentes padrões de funcionamento; e (ii) avaliar até que ponto fontes sincrônicas do português ajudam a desvendar etapas do processo de constituição de que nem, tendo em vista as tendências diacrônicas sobre mudança de juntores nas línguas, tais como abordadas em Kortmann (1997). Para tanto, adoto um modelo de junção de base funcionalista, que pressupõe o cruzamento entre o sistema de taxe e o sistema semânticocognitivo. Assumo que qualquer relação semântica pode se resolver em diferentes ambientes sintáticos, com arranjos que são tipicamente paratáticos, hipotáticos ou que estão na fronteira indecisa entre parataxe e hipotaxe, o que desafia a dicotomia tradicional entre coordenação e subordinação. Além disso, da perspectiva morfossintática, elejo critérios para examinar o caráter conjuncional de que nem e para levantar hipóteses explicativas sobre a reanálise categorial e, da perspectiva semântica, investigo a rede polissêmica subjacente a que nem, defendendo que há relações de parentesco semântico entre as acepções do juntor e que essas relações se dão em um único domínio conceitual, com a especificação das relações modais. 2. Fundamentos teóricos 2.1 Tendências em gramaticalização de juntores Seguindo Heine (2003), entendo gramaticalização em dois sentidos: 2 Há casos em que, provavelmente pelo uso frequente, a construção com que nem assume uma feição cristalizada, conforme as ocorrências: (i) vai BÊbedo me(s)mo que nem ele só (AC:079); e (ii) comemos que nem... lou::cas... né? (AC:018). Dados desse tipo não serão considerados aqui. 225 Diadorim8-cap11.pmd 225 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos como um processo gradual e histórico de mudança linguística em que construções menos gramaticais são usadas, em contextos específicos, para codificar construções mais gramaticais (p.e, processo de constituição de que nem); e como uma teoria que fornece subsídios teórico-metodológicos para a reconstrução da gênese e desenvolvimento da linguagem humana. Os processos de gramaticalização desafiam o conceito de categorização discreta e os padrões de que nem, com suas fronteiras nem sempre precisas, são sintomas dessa não-discretude. Nos estudos em gramaticalização, a grande flutuação de forma e de função é capturada por meio de representações escalares do tipo cline, que têm consequências distintas, a depender da perspectiva sincrônica ou diacrônica (Hopper e Traugott, 1993): na sincrônica, o cline permite arranjar os diferentes padrões de um item ou construção em função do aumento de gramaticalidade, sem implicar relações de derivação entre eles. Já na diacrônica, o cline representa uma trajetória temporal de desenvolvimento, com relações de precedência entre os padrões. Como método científico de reconstrução linguística, a gramaticalização repousa em regularidades na evolução das construções gramaticais como, por exemplo, no princípio de reconstrução semântica, referido por Traugott (1986), pelo qual os sentidos que estão na fonte das derivações na sincronia da língua são justamente os mais primitivos na diacronia da língua, o que equivale a afirmar que significados adjacentes sincronicamente também o são diacronicamente. Outro aspecto da regularidade na evolução é a direcionalidade da mudança. A direcionalidade da gramaticalização está inscrita na própria definição do processo, que sinaliza ganho de informação gramatical, e não o contrário. Mas a direcionalidade também pode ser verificada em cada uma das alterações que caracterizam o processo de gramaticalização como um todo. Essas alterações são abordadas por Heine e Kuteva (2007) em termos de quatro mecanismos: extensão contextual, dessemantização, descategorização e erosão. A singularidade da gramaticalização é garantida, segundo os autores, pela interação entre esses mecanismos, que juntos compõem uma ferramenta para investigação de casos de mudança. Neste trabalho, em função dos objetivos e recortes estabelecidos, privilegio o exame das alterações semânticas e morfossintáticas. Quanto às alterações semânticas, dada a predisposição derivacional existente entre as relações de sentido, Kortmann (1997) propõe, em estudo tipológico sobre gramaticalização de juntores adverbiais nas línguas da Europa, um arranjo que reflete não só os canais derivacionais, mas também a produtividade inerente aos canais. Para isso, ordena as relações 226 Diadorim8-cap11.pmd 226 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem semânticas em quatro macrossistemas, dentro dos quais se desdobram conjuntos de relações com elos de parentesco, que explicam padrões de polissemia nas línguas: Modal (modo, similaridade, comparação, conformidade, proporção, instrumento), Espacial (lugar, espaço, adição, substituição, preferência, concomitância), Temporal (simultaneidade, anterioridade, posterioridade, contingência, concomitância) e CCCC (causa, razão, condição, concessão, contraste, resultado). Segundo Kortmann, nos desenvolvimentos históricos, a mudança semântica é direcional, os caminhos são condicionados pelas relações polissêmicas que se dão dentro e entre os sistemas semânticos, apontando um aumento de complexidade cognitiva, conforme indicado no Esquema 1, que mostra afinidades maiores e menores entre as relações: (i) todas as relações podem dar lugar a CCCC, mas não vice-versa; (ii) lugar e modo virtualmente não têm afinidades semânticas e alimentam os demais sistemas; e, (iii) tempo é o canal de derivação mais produtivo para as relações CCCC, o que é sinalizado pela espessura da seta. ESPAÇO CCCC TEMPO MODO Esquema 1: Macroestrutura do universo semântico das relações oracionais (Kortmann, 1997) Há pouca literatura sobre gramaticalização de juntores comparativos, e os trabalhos sobre o tema em geral se referem à comparação de desigualdade. Da perspectiva tipológica, segundo Stassen (1985), que se baseou numa amostra de 110 línguas, os juntores comparativos têm paralelo com uma série de construções, e esse paralelo fornece evidências para a recuperação do processo de derivação histórica que fez emergir os comparativos. Para Stassen, as classes que mais frequentemente nutrem o domínio das comparativas são as construções aditivas, disjuntivas, adversativas, negativas, consecutivas e, sobretudo, orações relativas. Haspelmath e Buchholz (1998), que investigaram as comparativas de igualdade em línguas da Europa, constataram que a fonte está principalmente nas orações relativas: 227 Diadorim8-cap11.pmd 227 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos It is often suggested in the literature that comparative constructions are synchronically derived by reduction from relative clauses (e.g. Lees (1961). This may be so in some cases, but in any event relative clauses are the diachronic sources of certain types of comparative constructions. (Haspelmath e Buchholz, 1998, p. 288) Na descrição de fatos da história do português brasileiro, Maurer (1967) aborda a emergência das comparativas. Ele afirma que as línguas românicas conservaram da língua latina duas alternativas para introduzir o segundo membro da comparação: a preposição de e a conjunção quam. A emergência da locução do que, para marcação de comparação de superioridade é, para ele, fruto de um conjunto de mudanças envolvendo o pronome pessoal neutro o e o pronome relativo que, cujas alterações categoriais levaram à perda das opções flexionais nominais. 2.2 Parâmetros da junção Nos termos de Halliday (1985) e Martin et al. (1997), analiso as construções com que nem a partir do encontro entre duas dimensões sistêmicas: o sistema de taxe, que diz respeito às relações de (in)dependência entre as orações (se estende também para unidades menores e maiores do que a oração); e o sistema semântico, às relações de sentido que legitimam a junção. As opções do sistema de taxe são parataxe e hipotaxe, cuja distinção repousa, em princípio, no estatuto gramatical das unidades envolvidas: se as orações têm mesmo estatuto, a construção é paratática; por outro lado, se os estatutos são desiguais, uma unidade é modificadora e dependente de outra que é nuclear, a construção é hipotática. As opções do eixo tático se articulam com as relações de sentido que se distribuem por outros dois eixos, expansão e projeção, cada um se desdobrando em conjuntos mais específicos de opções. O Quadro 1 representa apenas parte do modelo dos autores, mas é suficiente para dar conta das construções em estudo. Segundo Halliday, os recursos de expansão de orações são elaboração, extensão e realce, que se resolvem tanto de modo paratático como hipotático. As opções de elaboração consistem em especificar, descrever ou refinar conteúdos. Da combinação entre elaboração e parataxe decorrem construções de paráfrase, exemplificação e explicação e, da combinação com a hipotaxe, as construções relativas apositivas. As opções de extensão consistem em adicionar, alternar, substituir, contrastar e as opções de realce qualificam com traços circunstanciais de lugar, tempo, modo, causa, condição e concessão, ambas com seus respectivos esquemas paratático e hipotático. 228 Diadorim8-cap11.pmd 228 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem EXPANSÃO EIXO TÁTICO PARATAXE (estatuto igual) Elaboração Exposição: P isto é Q Exemplificação: P por exemplo Q Esclarecimento: P de fato Q Co-ordenação de orações: Extensão Adição (positiva e negativa): P e Q; não P nem Q Adversidade: não P mas Q Alternância: P ou Q Realce Co-ordenação de orações com traço circunstancial Tempo: P então Q; P e depois Q; primeiro P e Q Espaço: P e aqui/lá Q Modo: P e dessa maneira Q; P do mesmo modo Q Causa: P e por isso Q; P em vista disso Q Condição: P ou por outro lado Q; P caso contrário Q Concessão: P ainda Q; P assim mesmo Q HIPOTAXE (estatuto desigual) Orações relativas apositivas Hipotaxe de orações em: Adição: P além d e Q Adversidade: P apesar d e Q Alternância: se P não Q Orações circunstanciais Tempo: quando P, Q; antes que P, Q; logo que P, Q Espaço: P onde Q Modo: P assim como Q Causa: P porque Q Condição: Se P, Q Concessão: P embora Q Quadro 1: Modelo de combinação de orações, adaptado de Halliday (1985) 3. Decisões metodológicas O material de investigação compreende inquéritos do banco de dados IBORUNA, que abriga amostras do português falado no noroeste do estado de São Paulo. O material foi coletado sob os critérios da sociolinguística variacionista, e está dividido em amostras censo (AC) e amostras de interação (AI). Para este trabalho, selecionei aleatoriamente quarenta inquéritos da AC. A partir desse material, foram apuradas as frequências token e type, mostradas na Tabela 1. Frequência token 17 4 (100%) Frequência type 04 Padrão Valor 01 Mod o 02 Comparação 03 Confo rmidade 04 Elaboração Totais 20/1 74 50/1 74 26/1 74 78/1 74 (11%) (29%) (15%) (45%) Tabela 1: Frequências de que nem nos dados de enunciação falada A frequência token diz respeito ao número total de ocorrências de que nem no corpus (174, no total), e a type, ao número de padrões funcionais e suas respectivas frequências. Com base no cruzamento entre traços do eixo tático e traços do eixo semântico, foram identificados quatro padrões de que nem: modo, comparação, conformidade e elaboração. As maiores 229 Diadorim8-cap11.pmd 229 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos frequências são dos padrões de elaboração e comparação, respectivamente, 45% e 29% do total apurado. 4. Estatuto construcional de que nem 4.1 Padrão 1: que nem de modo No padrão que denomino modal, que nem escopa um predicado, acrescentando-lhe uma caracterização com respeito ao modo de manifestação do conteúdo. Nesse caso, as unidades articuladas por que nem têm estatutos diferenciados: a porção acrescida pelo juntor é a modificadora do predicado da oração nuclear antecedente, do que resulta uma configuração sintática tipicamente hipotática. (05) e (06) são ocorrências ilustrativas e respondem, respectivamente, às perguntas “ficar como?” e “cortar como?”. O padrão modal de que nem é similar às modais com como, ambas as construções têm ordenação rígida e, nesse aspecto, contrariam um traço comum à hipotaxe, que é a ordem variável das orações. As modais com que nem são invariáveis. (05) pra/por causa que o óleo só serve pra::... pra::... molhá(r) a pipoca... pra ela num ficá(r)... que nem um queimado por dentro... (AC:013) (06) (...) uma amiga minha ela tinha o cabelo mais ou menos no ombro... cortaram que nem da Giovana Antonelli assim... ficô(u) tudo arrepia::do (AC:042) 4.2 Padrão 2: que nem de comparação No padrão 2, que nem integra o paradigma das comparativas. Uma construção é comparativa quando dois objetos são comparados em uma escala mensurável. Na literatura específica, as construções comparativas têm sido investigadas principalmente do ponto de vista semântico-cognitivo, com preocupações tipológicas. Nessa linha de investigação, é a comparação de desigualdade que tem recebido mais atenção dos pesquisadores (Ultan, 1972; Andersen, 1983 e especialmente Stassen, 1985). As pesquisas sobre comparativas de igualdade são escassas, com exceção do já citado trabalho de Haspelmath e Buchholz (1998), sobre línguas da Europa. Segundo Haspelmath e Buchholz, no domínio das comparativas, é preciso considerar as construções equativas e as similativas que, apesar da proximidade de forma e de sentido, se distinguem por expressarem, respectivamente, comparação de igualdade e similaridade aproximada, como em (07) e (08), adaptados dos autores: 230 Diadorim8-cap11.pmd 230 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem (07) João é tão alto quanto Pedro (João e Pedro são igualmente altos) (08) João canta como um rouxinol (João canta de modo similar a um rouxinol) As equativas, exemplo (07), codificam identidade de extensão (altura, largura, tamanho, volume), uma noção que é dimensional. Portanto, elas são essencialmente quantitativas. Já as construções similativas, exemplo (08), codificam uma identidade de modo, noção que é multifacetada. Portanto, elas são essencialmente qualitativas. Em algumas línguas, equativas e similativas são expressas por meio dos mesmos recursos estruturais como, por exemplo, wie, do alemão; mas em outras, como no português (tão...como; como) e no francês (aussi... que; comme), os recursos são diferenciados. Em geral, nas equativas, mas não nas similativas, os marcadores são descontínuos. As construções com que nem são instâncias de similativas. Expressam, antes de tudo, modo similar, que é uma relação de realce, nos termos de Halliday. Com base na proposta de Haspelmath e Buchholz (1998), o esquema de descrição das similativas prevê uma estrutura cognitiva com quatro lacunas, a saber: 1. CMP: elemento comparado; 2. PAR: parâmetro da comparação; 3. MPDR: pivô ou marcador de comparação: introduz o padrão de comparação; 4. PDR: padrão de comparação. Aplicada essa estrutura à ocorrência em (09) com que nem, tem-se: (09) O Ronaldinho joga bem mas só que ele:: tá fazendo que nem uma criancinha tá querendo fazer graça né? (AC:009) O Ronaldinho 1 CMP tá fazendo 2 PAR que nem 3 MPDR uma criancinha 4 PDR O parâmetro (PAR), o elemento comparado (CMP) e o padrão da comparação (PDR) são elementos lexicais, respectivamente, Ronaldinho, fazer e criancinha, e o marcador de comparação (MPDR) é elemento gramatical, o juntor que nem. Nessa ocorrência, Ronaldinho e criancinha são equiparados em relação ao comportamento que ambos têm: não há 231 Diadorim8-cap11.pmd 231 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos uma identificação absoluta, mas sim uma aproximação qualitativa. Nos dados investigados, a classe gramatical que tipicamente atua como CMP e como PDR é a de substantivo, o que corrobora os trabalhos tipológicos de Stassen (1985). Já como PAR, nos dados em análise, atuam preferencialmente verbos de estado, verbos de ação e adjetivos, conforme as ocorrências de (10) a (12): (10) .. então:: pra mim ele se tornô(u) que nem um::... Darth Vader né? (AC:148) (11) ...depois de dobrá(r) o lençol tem que molhá(r) ele que nem as fronha (AC:016) (12) Inf.: forte que nem um... um to(u)ro ... (AC:100) A Tabela 2 apresenta as frequências para cada categoria: Classe gramatical do parâmetro (PAR) Verbos de estado (ser, ficar, tornar, virar) Verbos de ação (fazer, bater, dobrar, molhar, trabalhar, cuspir, cortar, correr, perder etc.) Adjetivos (forte, pequeno, bom, verdadeiro) Frequência 21/49 43% 19/49 39% 09/49 18% Tabela 2: Estatuto gramatical de PAR A estrutura em que dois substantivos são cotejados dispara leitura de contraste. Portanto, as similativas são, nesse sentido, construções de realce expressivo. Enquanto nas comparativas de desigualdade o contraste é mais saliente, fundado numa indicação explícita de preferência; nas similativas, ele é condicionado pelo paralelismo estrutural. Nessa orientação, Price (1990) e Narbona (1990) defendem que, na comparação de igualdade, o elemento comparado tem pragmaticamente uma função focal privilegiada. A ocorrência em (13), abaixo, também pode ser explicada pelo mesmo esquema cognitivo. Nesse caso, é estabelecida uma aproximação entre as formas de reprodução da capivara e do coelho. Novamente, tratase de instaurar uma relação de comparação por similaridade a partir da especificação da noção de modo. (13) Inf: capivara cada trinta dia cria três ou quatro é que nem coelho Doc: é reproduz bastante né? Inf: reproduz (AC:063) 232 Diadorim8-cap11.pmd 232 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem As similativas com que nem são realizadas, na grande maioria das ocorrências, como construções oracionais reduzidas3, em que parte do segundo membro fica elidido e é recuperável a partir de informações do primeiro. Trata-se de um indício do caráter hipotático da construção, um traço de maior dependência. Cuzzolin e Lehmann (2004) argumentam que (parte d)o padrão de comparação pode ser omitido por razões semânticas e pragmáticas. Segundo eles, a entidade que serve de padrão pode ser logicamente pressuposta ou pode ser implicada conversacionalmente. Na mesma direção, Neves e Ilari (2008) afirmam que: (...) a depender da dimensão do elemento elidido, a recuperação pode se tornar uma tarefa mais ou menos complexa, e a operação não se baseia só no primeiro membro da comparação, mas ainda no texto, na situação, ou no conhecimento partilhado entre falante e ouvinte. (Neves e Ilari, 2008, p. 992) À distinção entre similativas e equativas, Haspelmath e Buchholz (1998) acrescentam ainda um terceiro tipo, que denominam role phrases, em que o sintagma que codifica o PDR expressa um “papel” determinado histórica e socialmente. A forma de expressão de similativas e de role phrases é a mesma, a distinção, que é bastante sutil, é de base semântica. As ocorrências em (15) e (16) trazem exemplos adaptados dos autores, e (17) é a única ocorrência verificada no corpus. (15) Ele trabalha como um engenheiro (“à maneira de um engenheiro”) (16) Digo isso como sua mãe (“no papel de mãe”) (17) você tem que trabalhá(r) que nem o evangélico... (AC:023) (“à maneira de um evangélico”) Os autores sugerem uma relação de precedência em que, diacronicamente, role phrases derivam de marcadores de similativas, num processo de abstração crescente, cujo percurso seria a passagem de “do mesmo modo que” para “no papel de”. 3 A terminologia é de Price (1990), que propõe uma tipologia para as comparativas de igualdade, em que são reconhecidos três tipos de construções: (i) oracional reduzida (cf. a jovem é inteligente como seu irmão); (ii) oracional plena (cf. a jovem é inteligente como seu irmão parece ser); e (iii) frasal relativizada (cf. a jovem é inteligente como seus pais acreditam). 233 Diadorim8-cap11.pmd 233 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 4.3 Padrão 3: que nem de conformidade No padrão conformativo, que nem introduz uma oração que expressa o comentário do falante sobre o conteúdo da oração núcleo, e esse comentário representa uma forma de reforçar a veracidade e a pertinência do conteúdo. Mais especificamente, a oração modificadora introduzida por que nem, a depender do contexto, tanto pode identificar a fonte de informação no próprio falante, o que é muitas vezes o caso, como nos exemplos (18) e (19), como pode expressar concordância com a opinião do outro, como em (20) e (21). (18) Inf.: ah::... bonitinhas... antes não... éh::... num era NO::vo sabe?... era tudo mais VE::lho assim... tudo rabisca::do... agora não... hoje já é bonito::... as carte(i)ras são todas no::vas... que nem eu te falei né?... que reformaram tudo... (AC:042) (19) – “óh... fulano lá deu um tiro... lá... óh... fulano lá deu um tiro”– aí vem tudo mundo:: a polícia vem atrás – “ô senhor tem espingarda?”– – “tenho”– leva embora... chega... chega aí... uma hora uma certa hora da noite aí que nem aconteceu comigo num [sei] se ocê:: sabe onde é o sítio do L. (AC:063) (20) Inf.: mas é que nem você falô(u)... Sá::vio... Edmun::do... Romá::rio... tudo no Flamengo ali... quem era o técnico?... cê lembra? Doc.: num me lembro (AC:053) (21) Inf.: é... se você fô(r) analisá(r) tem MUIta coisa errada… porque tem:: vamo(s) supor que nem aí que você me disse... tem muito lugar assim com MUIto diNHE(i)ro... depositado MUIto dinhe(i)ro muitos bens (AC:066) As conformativas com que nem têm por característica um contorno entoacional próprio, que as aproxima do eixo da parataxe. Contudo, o estatuto desigual de oração núcleo e modificadora é critério decisivo para situar a construção conformativa mais no terreno da hipotaxe de realce do que no da parataxe. Podem vir antepostas, pospostas ou mesmo intercaladas, cumprindo seu papel de validar o conteúdo enunciado. Ainda que os três padrões de que nem discutidos até aqui – modal, similativo e conformativo – não apresentem fronteiras absolutamente nítidas, sendo até mesmo parafraseáveis um pelo outro, a análise mostrou que é possível reconhecer aspectos essenciais que garantem a distinção. 234 Diadorim8-cap11.pmd 234 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem Todos têm uma base semântica na noção genérica de modo, mas o confronto entre os padrões modal e o conformativo, por exemplo, revela que o primeiro é fortemente dependente do predicado, ao passo que o segundo, da enunciação. Já o confronto entre o similativo e o conformativo revela, por sua vez, que no conformativo não há especificação de similaridade entre dois elementos num padrão escalar, não há o traço qualidade, tão característico das similativas. 4.4 Padrão 4: que nem de elaboração No padrão que denomino elaboração, seguindo a terminologia de Halliday, que nem tem um comportamento que excede os arranjos da sintaxe oracional, atuando na articulação de porções discursivas. Mobiliza um esquema tipicamente paratático, fundado no binarismo e na ordem rígida, no qual encabeça segmentos textuais de dimensão variável, acrescentando uma informação que servirá de argumento para validar ou para reforçar um ponto de vista declarado previamente. Esse argumento aparece na forma de uma exemplificação, como mostram as ocorrências de (23) a (25): (23) que o América tem um BAITA d’um estádio... mas... num sabe usá(r)... posso citá(r) que nem:: o ano passado... teve (éh) teve/teve a final do Santos aqui... o que tinha de... santis::ta tam(b)ém... e... isso dá lucro só éh:: éh:: pra... pra::... pro time e e e tam(b)ém pra:: cidade. (AC:033) (24) mas eu acho que vai melhorá(r) sim acho que a tendência é melhorá(r)... que nem por exemplo o Hospital de Base tá equipado pa recebê(r) qualquer tipo de doente... (AC:105) (25) a gente ia sempre lá... tem uma sala enor::me acho que tem três ou quatro banhe::(i)ros... tem uns... é BEM distribuída BEM bonita mesmo... que já num adianta uma casa sê(r) grande que nem a minha casa ficô(u) meia grande mas foi mal distribuída (AC:050) Em (23), que nem introduz um fato que reforça a perspectiva do falante de que o América tem um imenso estádio subaproveitado. Em (24), introduz um fato exemplar que acentua a atitude positiva do falante acerca de um futuro melhor. Nos dois casos, o sentido é enfatizado pelas expressões “posso citar” e “por exemplo”, contíguas a que nem. Em (25), a exemplificação por meio de que nem traduz a crença do falante de que o tamanho da casa não é o mais fundamental. Enfim, todas as ocorrências 235 Diadorim8-cap11.pmd 235 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos partilham a elaboração de um modo de argumentar pautado em situações ou eventos exemplares. Assim, seja pela sintaxe mais paratática, seja pela relação argumentativa de elaboração, esse padrão de que nem é o que mais se distingue e se distancia dos demais. 5. A rede polissêmica de que nem Como discutido anteriormente, segundo Kortmann (1997), no universo das relações semânticas, o modal é um dos grandes domínios, juntamente com espaço, tempo e CCCC. O modal pressupõe uma série de relações, particularizadas no Esquema 2. Todas se referem a operações mentais primárias para o ser humano, ou seja, são operações que estão mais próximas da realidade sócio-física. Por essa razão, modo é um domínio fonte para expressão de relações de tempo e de CCCC, e nunca um domínio alvo. Isso equivale a dizer que, em termos de tendências, não há um trânsito que leve ao domínio de modo, o trânsito ocorre internamente ao domínio modal, por meio da especificação das relações modais que, como já argumentei, têm múltiplas faces. M OD O Modo Similaridade Conformidade Comparação Instrumento Proporção Esquema 2: rede polissêmica de modo (cf. Kortmann, 1997) Segundo Kortmann, dentre os quatro macro domínios, é no domínio das relações modais, particularmente entre as relações de modo, similaridade e conformidade, que se situam os mais altos graus de parentesco semântico. Considerando o Esquema acima, é possível afirmar que a multifuncionalidade semântica de que nem flutua entre os significados de modo, conformidade e comparação por similaridade. À maneira do que faz Kortmann, proponho que um possível mapa cognitivo das afinidades semânticas entre as relações modais codificadas por que nem teria o seguinte aspecto, com a relação de modo no centro e a elaboração em posição marginal: 236 Diadorim8-cap11.pmd 236 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem SIMILARIDADE MODO CONFORMIDADE ELABORAÇÃO Esquema 3: Mapa semântico-cognitivo das afinidades entre as relações modais 6. Estatuto conjuncional e reanálise de que nem Kortmann (1997) relaciona uma série de critérios que permitem avaliar o caráter mais e menos prototípico dos juntores. Segundo ele, juntores típicos são formas livres não-flexionáveis, que não cumprem função sintática, não têm posição flexível e não estão restritos a dialetos. Para os juntores perifrásticos, Kortmann sustenta os seguintes critérios: (a) devem exibir uma fusão mínima; (b) devem ter perdido pelo menos algumas de suas propriedades originais; e (c) devem ter pelo menos uma interpretação que não é totalmente recuperável a partir do significado das partes. O critério (c) não requer comentários, dada a explanação dos padrões, em seção anterior. Para avaliação do critério (a), considero, em termos morfológicos, a invariabilidade na ordem dos elementos da construção perifrástica e a impossibilidade de inserção de material interveniente entre que e nem. A aplicação desse critério aos dados de que nem revela que há fusão em 100% dos casos. Para avaliação do critério (b), que diz respeito à perda de traços da forma fonte, parto de informações etimológicas aliadas à consideração de três tipos de construções constantes no corpus, nas quais os elementos que e nem estão contíguos, mas não constituem perífrase. O propósito é recuperar indícios acerca do processo de emergência de que nem para então avaliar os aspectos de descategorização da forma fonte. A multifuncionalidade de que (complementizador, pronome relativo, conjunção causal, comparativa, consecutiva, concessiva) é, como explica Câmara Jr. (1975), consequência direta de sua etimologia. Segundo ele, que resultou de: 237 Diadorim8-cap11.pmd 237 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos “um esvaziamento da significação pronominal da forma neutra quid do pronome indefinido-interrogativo e sua coalescência com a outra forma neutra quod, reservada ao pronome relativo. Secundariamente, houve a convergência da evolução fonética da partícula de conexão comparativa quam e da conjunção causal quod. (...) De tudo isso, resultou uma partícula multifuncional que para os mais variados padrões frasais”. (Câmara Jr., 1975). Nessa perspectiva, a questão que se coloca é a de saber que valor de que está em jogo para a formação de que nem. Quanto à etimologia de nem, derivado do latino nec, a forma nasalada nem, no português medieval, apresentou os valores de inclusão, exclusão, e alternância: e, e também, não, tão pouco, ou (Magne, 1944), valores que se refletem nos usos contemporâneos adverbial (de negação) e conjuncional (adição e alternância). Esses fatos etimológicos são revelantes, uma vez que se compatibilizam com os resultados de Stassen, que apontam as aditivas, alternativas e negativas entre as possíveis fontes das construções modo-comparativas. A seguir, apresento as construções em que que nem não constitui perífrase: (26) (27) (28) (i) Complementizador + negação Falou que nem sabia dirigir (AC:006) Acho que nem sei se levou a carteira (AC:072) Acho que nem tinha assistência (AC:084) (ii) Relativo + negação (29) Tem um monte de coisa que nem dá pra ver (AC:014) (30) Cuida o meu filho que nem é filho dele (AC:062) (31) Ele tem nas mãos uma tecnologia que nem se sonhava que fosse existir (AC:148) (32) (33) (iii) Consecutivo + negação Foi tão mais forte que nem ela tava entendendo (AC:106) Era tão forte que eu nem percebi a luz (AC:152) A sintaxe de (i) não apresenta relações com as construções de que nem; nela o complementizador que encaixa orações e o advérbio de negação nem escopa os verbos. Contudo, são diferentes os cenários de (ii) e (iii), que apresentam paralelos interessantes com que nem. A construção relativa em (ii) permite levantar uma hipótese explicativa para a constituição de que nem, segundo a qual a contiguidade entre o relativo e o advérbio de negação teriam favorecido a 238 Diadorim8-cap11.pmd 238 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap11.pmd ESTRUTURA Fonte:[um monte de coisa]S N [que]P R [nem dá pra ver]OrN eg Reanálise: [um monte de coisa]SN [que nem dá pra ver]OrM odal INTERPRETAÇÃO Um monte de coisa não dá pra ver Um monte de coisa como dá pra ver Fonte: [o meu filho]S N [que]P R [nem é filho dele] OrNeg Reanálise:[o meu filho]S N [que nem (é) filho dele]OrM odal O meu filho não é filho dele O meu filho é como filho dele Fonte: [uma tecnologia]S N [que]P R [nem se sonhava existir]OrN eg Reanálise: [uma tecnologia] SN [que nem se sonhava existir]OrMo dal Uma tecnologia que não se sonhava Uma tecnologia como se sonhava 239 12/12/2011, 09:36 Artigos Inéditos (…) La ‘consecuencia’ derivaría de una comparación implícita con un elemento – ideal y no definido ni explícito – al que se le asignaría o atribuiría la base de la comparación como rasgo o característica propia. (…) “. (Narbona, 1990, p. 78) Para a derivação de que nem, estariam em jogo a conjunção consecutiva que, e nem na função de operador argumentativo, equivalente a tão pouco. Com base no Esquema 5, que ilustra a segunda hipótese explicativa, a reanálise da consecutiva implicaria a desvinculação da conjunção que de seu correlato intensificador tão, e a posterior vinculação com nem. A estrutura consecutiva fonte comporta uma comparação hipotética (“tão mais forte que/como”), que é evidência para sustentar o trânsito entre as duas construções. ESTRUTURA Fonte:[tão mais forte] [que] [nem ela tava entendendo]O rCo nsec Reanálise:[tão mais forte] [que nem ela tava entendendo] OrMod al INTERPRETAÇÃO Tão forte que nem ela entendeu Tão forte como ela entend eu Fonte: [tão forte] [que eu nem percebi a luz] O rC ons ec Reanálise:[tão forte] [que Ø nem percebi a luz]O rModal Tão forte que eu nem percebi a luz Tão forte conforme percebi a luz Esquema 5: Hipótese para reanálise de que nem a partir de oração consecutiva OrConsec: oração consecutiva OrModal: oração modal Ambas as hipóteses explicativas arroladas acima encontram plausibilidade no estudo tipológico de Stassen (1985), que enumera, entre outras, as construções negativas, consecutivas e relativas entre as fontes preferidas para a gramaticalização de construções modo-comparativas. Conclusão As construções com que nem têm um núcleo semântico-cognitivo comum que está nas relações modais. Em cada contexto sintático, a noção de modo se especializa e, só no domínio da hipotaxe, foram reconhecidos três padrões. No primeiro, que nem traduz o modo do conteúdo do predicado; no segundo, que nem traduz uma comparação por similaridade. Trata-se de uma construção essencialmente qualitativa, aproximativa e contrastiva, em que, mais do que propriamente comparar – como, por exemplo, quiabo e nascimento do bebê, exemplo (01), ou Ronaldinho e criancinha, exemplo (09) –, aponta, sobretudo, para as consequências que a comparação tem para a 240 Diadorim8-cap11.pmd 240 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem expressão das intenções comunicativas e, consequentemente, para a construção dos sentidos. Num terceiro, que nem introduz um ato ilocucionário de conformidade, que frequentemente identifica a fonte da informação no eu ou no outro. No domínio da parataxe, que nem faz parte de uma construção em que a noção de modo, já mais desbotada, se refere a um modo de argumentar, baseado num tipo de elaboração: a exemplificação. O trabalho mostrou um pouco da histórica de que nem pelo viés sincrônico. Parti de sentidos derivados, identificados no viés sincrônico atual, para buscar pistas para a reconstrução de etapas da gramaticalização de que nem. Referências bibliográficas ANDERSEN, Paul Kent. Word order typology and comparative constructions. Amsterdam: Benjamins, 1983. AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro, 1975. CUZZOLIN, Pierluigi; LEHMANN, Christian. “Comparison and gradation”. In: Morfology: an international handbook on inflexion and word-formation, vol. 2. Berlin: Mounton de Gruyter, 2004, pp. 1212-1220. HALLIDAY, Michael. An introduction to functional Grammar. 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ULTAN, Russel. “Some features of basic comparative constructions”. Working papers on language universals, Stanford, 9, pp. 117-162, 1972. 242 Diadorim8-cap11.pmd 242 06/12/2011, 22:20 Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem Resumo Neste trabalho, analiso aspectos da constituição e do uso do juntor que nem, em dados da modalidade de enunciação falada do português. A questão maior é mostrar que a inserção de que nem no paradigma dos juntores, por meio de processos de gramaticalização, resulta em quatro novos padrões funcionais, que refletem uma rede de parentesco semântico no domínio das relações modais. As construções com que nem são descritas a partir do pareamento entre forma e significado, com o propósito de defender que arquiteturas sintáticas diferenciadas contribuem para a interpretação da polifuncionalidade semântica de que nem; e que as fontes sincrônicas do português ajudam a desvendar etapas do processo de reanálise de que e nem, tendo em vista as tendências diacrônicas sobre mudança de juntores nas línguas (Kortmann, 1997). Palavras-chave: gramaticalização; junção; polissemia; relações modais Abstract This work analyzes aspects of the constitution and use of the juncture que nem, in data from Brazilian Portuguese spoken modality. The major issue is to show that the insertion of que nem into the paradigm of junctures, through grammaticalization processes, results in four new functional standards, which reflect a net of semantic ‘kinship’ in the dominion of modal relations. Constructions with que nem are described from the pairing between form and meaning with the purpose of advocating that differentiated syntactic architectures contribute to the interpretation of semantic polyfunctionality of que nem; and that synchronic sources of Brazilian Portuguese help unveil stages of the reanalysis process of que and nem, in view of the diachronic trends on juncture change in languages (Kortmann, 1997). Keywords: grammaticalization; junction; polysemy; modal relations 243 Diadorim8-cap11.pmd 243 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap11.pmd 244 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: complementaridade sintático-semântica e discursiva Maria da Conceição de Paiva1 1. Introdução Um fato do português brasileiro contemporâneo é a variação sintagmática dos circunstanciais temporais e locativos, que podem ocupar diferentes posições na oração (Neves, 1992; Ilari et alii, 1990; Martelotta, 1994; Macedo e Santanché, 1998; Rocha, 2001; Paiva, 2002, 2008a; Oliveira, 2004; Cezário et alii, 2004; Cezario, Ilogty de Sá e Costa, 2005; Cezario; Pacheco; Freitas, 2005; Brasil, 2005; Lessa, 2007; Andrade, 2005; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008a; Ilogti de Sá, 2009). É atestada, entretanto, uma tendência, paralela na fala e na escrita, de que esses constituintes, particularmente os Spreps, ocupem preferencialmente as margens da oração e evitem as posições internas, como mostram os exemplos de (1) a (4): (1) De sua janela no 10. andar, a moradora presencia uma troca de tiros. (Escrita, JB, 23-10-02) (2) Em pleno século 21, com os recursos de informática disponíveis para a organização de banco de dados, não há desculpas para falhas como esta. (Escrita, Jornal Extra, 9-01-04) (3) De manhã, eles improvisaram um pagode numa das celas. (Escrita, O Globo, 25-09-02) (4) Ele foi tirar o Serginho no final. (Fala, Amostra Censo, fal. 02) 1 Diadorim8-cap12.pmd Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/CNPq) 245 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos A escolha de uma ou outra periferia da oração é controlada por fatores/propriedades de domínios distintos – sintáticos, semânticos e discursivo-funcionais – e envolve ainda correlações com gênero textual, (Brasil, 2005; Andrade, 2005; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008a; Ilogti de Sá, 2009). No que se refere às restrições sintáticas, uma hipótese frequentemente aventada prevê maior recorrência de circunstanciais na margem esquerda em orações nas quais a posição do sujeito está livre, principalmente pela posposição do sujeito (Kato e Nascimento, 1995; Rocha, 2001; Brasil, 2005; Cezário et alii, 2004; Ilogti de Sá, 2009). Neste artigo, retomamos essa hipótese com um duplo objetivo: (a) fornecer evidências adicionais de que mais do que a forma de realização do sujeito é a sua posição que influencia o deslocamento de circunstanciais para a periferia esquerda da oração; (b) destacar algumas diferenças entre as operações discursivas realizadas pelas configurações XVS e XSV. Nos concentramos, portanto, nos circunstanciais situados na periferia esquerda da oração. As estruturas XVS e XSV são analisadas sob duas perspectivas: em primeiro lugar, destacamos algumas propriedades de XVS, ressaltando a importância da dependência sintático-semântica entre X e V no deslocamento de constituintes localizadores para a margem esquerda (ME, daqui em diante); em segundo lugar, apontamos algumas especificidades discursivas dessa configuração. Argumentamos que, embora se observe uma superposição funcional entre as duas configurações, o que permite que elas possam alternar em certos contextos, XVS e XSV cumprem objetivos discursivos distintos. Enquanto XVS está mais restrita ao estabelecimento de ligações com o discurso anterior (backward tie), XSV possui espectro funcional mais amplo, podendo realizar ligações com pontos do discurso anterior e com o discurso seguinte (forward tie), ao abrir enquadres temporais ou locativos nos quais se inserem diversos estados de coisas.2 Com o intuito de destacar a generalidade das restrições que operam sobre XVS, desenvolvemos uma análise comparativa das modalidades falada e escrita. A fala é representada por uma amostra de 2 As expressões backward-tie e forward-tie são emprestadas de Charolles (2003, 2005), para quem os SPreps adverbiais funcionam como elos de ligação do discurso em dois sentidos: remetem para informações já introduzidas no discuso ou remetem para o discurso subsequente, indexando um conjunto de estados de coisas (cf. também Paiva, 2008b). 246 Diadorim8-cap12.pmd 246 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... 15 entrevistas sociolinguísticas, gravadas com falantes cariocas no período de 1980 a 19843, e a escrita, por um total de 155 textos de diferentes gêneros (editoriais, artigos de opinião, reportagens, crônicas) extraídos de jornais de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro (JB, O Globo, Extra e Povo).4 Este artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2, retomamos algumas hipóteses explicativas da correlação entre posição de constituintes circunstanciais e posição do sujeito gramatical. Nas seções 3 e 4, discutimos os resultados obtidos na análise das duas amostras do português brasileiro contemporâneo sob a perspectiva de restrições sintáticas e semânticas, enfatizando a importância do traço [+ locativo] na instanciação de XVS. Na quinta seção, salientamos as especificidades de XVS em relação a XSV e os pontos de superposição entre as duas configurações. Nas conclusões, insistimos na importância de considerar as operações discursivas para dar conta de uma forma mais integrada dos contextos que favorecem a posição dos circunstanciais locativos e temporais na ME. 2. Posição de circunstanciais e forma de realização do sujeito Em diferentes línguas cuja ordem canônica é SVO atesta-se a recorrência da configuração XVS, ou seja, posposição do sujeito e presença de um sintagma preposicional ou sintagma adverbial que introduz uma coordenada de tempo ou de lugar (Naro e Votre, 1989, 1992; Spano, 2002, 2008; Santos e Duarte, 2006; Fuchs e Fournier, 2003; Cornish 2001, 2005; Carminati, 2001; Culicover e Levine, 2001). No português brasileiro contemporâneo, essa tendência, que segundo Mattos e Silva (1989) remonta ao português arcaico, se sujeita a condições sintáticas estritas. Embora possível com verbos transitivos, verbos apassivados e copulativos, é mais produtiva com verbos monoargumentais, em especial os inacusativos e os inergativos (Lira, 1986; Andrade Berlinck, 1989, 1995; Naro e Votre, 1992; Kato 2000; Coelho, 2000; Spano, 2002, 2008; Santos e Duarte, 2006; Nagase, 2007). Uma explicação corrente para essa correlação se traduz na hipótese da Inacusatividade (cf. Coopmans, 1989; Culicover e Levine, 2001), ou 3 Essas entrevistas integram o Corpus Censo 1980, um banco de dados com 64 entrevistas realizadas com homens e mulheres de diferentes faixas etárias (7-14 anos, 15-25 anos, 26-59 anos e + de 50 anos) e de três níveis de escolaridade (1 a 4 anos de escolaridade, 5 a 8 anos de escolaridade e ensino médio). 4 As duas amostras utilizadas neste estudo estão disponibilizadas no site www.letras.ufrj.br/peul 247 Diadorim8-cap12.pmd 247 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos seja, na previsão de que, em línguas com ordem canônica SVO, a configuração XVS é obrigatória, ou quase obrigatória, com os verbos inacusativos.5 No que se refere ao português brasileiro contemporâneo, essa recorrência de um constituinte X na periferia esquerda de orações com sujeito posposto requer considerar particularidades dessa variedade, no que tange às mudanças associadas ao Parâmetro do Sujeito Nulo. Assim, por exemplo, Coelho (2000), Kato (2003), Santos & Duarte (2006) e Spano (2002, 2008) sustentam uma quase cristalização da ordem VS com construções inacusativas como consequência de uma perda gradativa da opção do sujeito nulo. Na perspectiva de Kato e Duarte (2005), esse processo de mudança explicaria o surgimento de uma restrição fonológica que leva ao preenchimento da posição à esquerda do verbo, a fim de evitar estruturas do tipo V1. Nessa mesma direção, Coelho (2000) postula que, com verbos inacusativos, a posição mais à esquerda da oração deve, necessariamente, ser preenchida.6 A hipótese brevemente esquematizada acima vai ao encontro da de Carminati (2001) para o ordem VS em italiano. Para o autor, a estrutura VS com verbos inacusativos, diferentemente da estrutura SV, possui uma função tética, admitindo uma interpretação de “focus largo”. Trata-se, no caso, de orações cuja função discursiva é, mais do que a de introduzir uma predicação em relação a um referente, a de apresentar um evento completo (cf. também Cornish, 2008). Em outros termos, são orações desprovidas de uma porção pressuposicional, isso é, em que todos os constituintes, inclusive o sujeito, integram a asserção. Retomando Cornish (2008, p. 2), podemos dizer que, nessas orações, “en terme de sémantique référentielle, le terme sujet (s’il correspond à un argument) est traité comme dénotant une partie intégrante de la situation désignée par la proposition en son entier, et ne réfère pas de façon indépendante”. Essa função pode ser estendida tanto às orações com verbos copulativos, que, por definição, são incapazes de fornecer uma predicação, quanto às passivas impessoais e às orações com verbos impessoais/existenciais. Todas elas apresentam uma entidade, um evento ou um estado de coisas novo como uma unidade integral, ou seja, possuem uma função tética. 5 Essa correlação está, na origem da postulação de um processo de inversão locativa, corrente em línguas que não admitem sujeito nulo, como o inglês e o francês (cf. Santos e Duarte, 2006). 6 Numa perspectiva funcionalista, Naro e Votre (1989) interpretam a configuração XVS como resultado de um princípio de preservação, segundo o qual o deslocamento de um constituinte (complemento ou satélite) pós-verbal para a periferia esquerda da oração provoca a posposição do sujeito, numa forma de compensação sintagmática. 248 Diadorim8-cap12.pmd 248 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... Seguindo propostas anteriores, Carminati (2001) postula, para as orações téticas em geral, a existência de um argumento suplementar com o traço inerente [+ locativo] que pode ou não se realizar foneticamente. Nesse caso, a proposição constitui uma asserção sobre esse argumento dêitico (espacial ou temporal). Para o português, proposta semelhante é defendida por Barbosa (1989) nos casos de posposição do sujeito com a cópula estar que, nesses casos, possui um comportamento semelhante ao dos verbos inacusativos, contendo um argumento extra. A estrutura VS apresenta assimetrias em relação à ordem SV tanto no nível sintático como no nível semântico. Releva, por exemplo, a importância das características do argumento sujeito em cada uma das configurações: enquanto sujeitos definidos, animados e agentivos se associam mais frequentemente à ordem canônica SV, sujeitos indefinidos, não animados e menos agentivos favorecem VS (Fuchs, 2003; Cornish, 2001; Santos e Duarte, 2006; Spano, 2008). Associa-se a esses a influência da extensão do SN: sujeitos mais longos e mais complexos admitem mais facilmente a posposição do que sujeitos menores e menos complexos (cf Fuchs, 2003; Spano, 2008). As propriedades sumarizadas acima, que encontram evidências empíricas em diversas línguas, se refletem em especificidades discursivoinformacionais de cada uma das formas de ordenação. Seguindo Cornish (2001), podemos dizer que, de fato, a propriedade mais importante do SN sujeito pós-verbal é que ele codifica um referente novo e não tópico. Em outros termos, verifica-se o que Lambrecht & Polinsky (1994) denominam uma destopicalização do sujeito7. É essa propriedade que permite incluir diversas construções VS no rol mais amplo de orações téticas, nos termos de Carminati (2001), ou apresentativas, nos termos de Pilati (2002). Na estrutura VS, a rematização do sujeito8 tem como consequência reduzir sua familiaridade em relação à informação expressa pelo constituinte X em posição inicial. Daí decorre a possibilidade de que esse último possa funcionar como um elemento de ligação com o discurso anterior. É da categoria informacional do sujeito posposto que resultam algumas de suas outras características funcionais como a de constituir o 7 Outras particularidades morfossintáticas, como perda de flexão de nominativo, em algumas línguas, ou falta de concordância com o verbo, decorrem desse processo de destopicalização. 8 Rematização se refere aqui ao fato de que, nessas configurações, o sujeito introduz informação nova, ou seja, integra a asserção. 249 Diadorim8-cap12.pmd 249 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos foco de informação, ou mesmo o foco contrastivo, nas orações apresentativas (Quarezemim, 2006; Nagase, 2007). Na opinião de Fuchs (2003), essa propriedade focalizadora do sujeito posposto em oposição à função tópica do sujeito anteposto resulta nas diferentes operações discursivas realizadas através das configurações XSV e XVS. Enquanto em XSV o constituinte X constitui um enquadre para uma predicação em que S é um tema e V a porção remática, em XVS, o verbo constitui juntamente com X a porção temática à qual se segue um S remático. Naro e Votre (1989) consideram, no entanto, que o estatuto informacional do sujeito posposto, e consequentemente sua função apresentativa, mais do que uma propriedade inerente, é derivado das funções comunicativas da estrutura VS. Diferentemente dos sujeitos antepostos, os sujeitos pospostos se caracterizam por baixa relevância discursiva, introduzindo uma informação não polar ou secundária.9 Numa perspectiva bastante similar, Huffman (2002) propõe que a particularidade discursiva do sujeito posposto é a de situar uma entidade (um referente) fora do foco (hors focus), ou seja, sinalizar para o interlocutor (ouvinte ou leitor) que tal referente não merece uma atenção particular.10 3. Anteposição de SPreps circunstanciais e realização do sujeito em PB falado e escrito Como destacamos na seção anterior, a correlação entre constituintes circunstanciais na margem esquerda da oração e posição do sujeito no PB contemporâneo é atestada em diferentes estudos e conduz à postulação de uma certa implicação entre os dois fenômenos. O exame da correlação entre localizadores de tempo e de espaço e a forma de realização do sujeito permite trazer novas evidências para essa questão e, principalmente, discutir as propriedades discursivo-funcionais das configurações XVS e XSV. Para tanto, consideremos as possibilidades de realização do sujeito exemplificadas a seguir: 9 Na opinião dos autores, essa característica seria, inclusive, mais relevante do que o estatuto informacional do SN sujeito posposto, que pode, em alguns contextos, constituir uma informação dada ou inferível. 10 Como mostra Cornish (2005), tal proposta pode ser discutida. Considerando o contexto mais amplo, é possível constatar que, não raro, orações do tipo VS introduzem referentes que ganham relevância tópica no discurso subsequente. 250 Diadorim8-cap12.pmd 250 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... (a) sujeito pleno anteposto a V (5) Em meia nove, a gente ficamos um ano e meio sem perder para ninguém. (Fala, Amostra Censo, fal. 25) (b) sujeito nulo (6) Na estréia, (0) perdemos de quatro a um. (Fala, Amostra Censo, fal. 14) (c) sujeito pleno posposto a V (7) No final de 2001, estavam em funcionamento 26 milhões de aparelhos. (Escrita, JB, 01/11/02) (d) orações sem sujeito (8) Naquela época, não tinha divórcio ainda não. (Fala, Amostra Censo, fal. 10) Uma análise multivariacional, realizada através do Programa GoldVarb2001, permite depreender um efeito saliente da posposição do sujeito e dos verbos existenciais na ocorrência de circunstanciais locativos e temporais na ME, na modalidade falada do português contemporâneo, como se pode atestar na Tabela 1: Tabela 1: Presença (vs. ausência) de circunstanciais na ME de acordo com o tipo de sujeito na modalidade falada Tipo d e sujeito da oração Temporais Locativos Frequência PR Frequência PR Sujeito pleno anteposto a V 220/368 = 60% 0,51 42/420 = 10% 0,46 Sujeito nulo 101/222 = 45% 0,38 34/393 = 9% 0,46 Sujeito pleno posposto a V 24/27 = 89% 0,78 5/20 = 25% 0,72 Oração sem sujeito 31/47 = 66% 0,75 29/53 = 55% 0,87 886 Input = 0,06 Total 664 Input = 0, 56 Apesar da diferença no input para temporais e locativos, sinalizando maiores restrições ao deslocamento de locativos, circunstanciais na ME predominam em orações com sujeitos plenos pospostos e em orações com verbos impessoais/existenciais. Para os circunstanciais temporais, são similares os pesos relativos (PR) para sujeito 251 Diadorim8-cap12.pmd 251 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos pleno posposto a V (0,78) e orações sem sujeito (0,75) e, para os locativos, destaca-se o PR associado às orações sem sujeito (0,87), seguindo-se o peso relativo (PR) associado aos sujeitos pospostos (0,72). Ao que tudo indica, essa tendência é independente da modalidade, como mostram os resultados da Tabela 2, referentes à modalidade escrita: Tabela 2: Presença (vs. ausência) de circunstanciais na ME de acordo com o tipo de sujeito na modalidade escrita Tipo de sujeito da oração Temporais Locativos Frequência PR Frequência PR Sujeito pleno anteposto 231/ 424 = 54% 0,42 57/ 246 = 23% 0,58 Sujeito nulo 79/ 157 = 50% 0,48 17/ 173 = 10% 0,31 Sujeito pleno posposto ao verbo 29/ 34 = 85% 0,88 13 /14 = 93% 0,87 Oração sem sujeito 47/ 61 = 77% 0,75 16/ 42 = 38% 0,72 Total 676 Input = 0,53 475 Input = 0,10 Reitera-se, para temporais (0,88 e 0,75) e locativos (0,87 e 0,72), o efeito positivo das orações com sujeito posposto e das orações sem sujeito, ambas favorecendo a presença de circunstanciais na margem esquerda da oração. A particularidade desses dois contextos estruturais fica ainda mais evidente, se considerarmos as tendências atestadas para orações com sujeito nulo. Se generalizarmos uma hipótese de que a posição vazia do sujeito licenciaria a configuração XVS, poderíamos esperar maior frequência de circunstanciais temporais e locativos na margem esquerda também nos casos de sujeito nulo. Entretanto, de forma paralela nas duas modalidades, neutraliza-se ou inverte-se o efeito desse fator. Na modalidade falada, os pesos relativos associados a sujeito pleno anteposto ao verbo (0,51) e sujeito nulo (0,38) contrariam as expectativas, na medida em que indicam maior deslocamento de circunstanciais temporais em orações com sujeito pleno. Para os locativos, observa-se neutralização entre sujeito pleno anteposto e sujeito nulo. Na modalidade escrita, atesta-se distribuição similar com neutralização no caso dos temporais e inversão dos PRs para sujeito pleno (0,58) e sujeito nulo (0,31), no caso dos locativos. A tendência depreendida acima corrobora o que já foi contatado em outras análises sobre ordenação de locativos e temporais (Brasil, 2005) e, também, em estudos sobre o preenchimento do sujeito no português 252 Diadorim8-cap12.pmd 252 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... brasileiro que atestam maior recorrência de sujeitos explícitos em orações nas quais a periferia esquerda é ocupada por um constituinte adverbial (Duarte, 1993, 1995). Essa convergência permite discutir a hipótese assumida em Kato e Nascimento (1995) de que, em orações com sujeito nulo, pode-se prever o preenchimento da margem esquerda da oração com um constituinte adjunto, evitando, assim, uma posição vazia.11 Resumindo, depreendem-se duas configurações estruturais para a anteposição de sintagmas preposicionais locativos e temporais: as orações com sujeito posposto e as orações existenciais ou impessoais. Essa similaridade aponta a possibilidade de uma explicação integrada dos dois contextos, o que requer considerar as propriedades estruturais e semânticas por eles compartilhadas. 4. Propriedades semânticas da configuração XVS A tendência verificada acima se explica, em grande parte, em termos de fatores que controlam a ordem VS, destacando-se, dentre eles, o tipo sintático de verbo que participa dessas construções. Como já vimos na seção 1, no português brasileiro contemporâneo, tanto na sua modalidade falada como na modalidade escrita, a ordem VS fica, progressivamente, mais restrita a verbos monoargumentais, em especial os inacusativos (Andrade Berlinck, 1989, 1995; Spano, 2002, 2008; Santos e Duarte, 2006). Nessas estruturas, a presença de constituintes adverbiais, principalmente de tempo e de lugar, na margem esquerda da oração, se não obrigatória, é quase obrigatória tanto na fala culta (Spano, 2002) como na escrita padrão do PB (Santos & Duarte, 2006; Spano, 2008).12 A importância do tipo de verbo fica evidente igualmente numa análise concentrada nos dados de sujeitos pospostos, como mostra a Tabela 3:13 11 Estudos diacrônicos constatam, no entanto, a validade da hipótese acima em outros estágios do português. Assim, Cezário et alii (2004) mostram que, no português arcaico, a ocorrência de temporais em início de oração é nitidamente mais frequente em orações com sujeito nulo. Tendência similar é observada por Gomes (2006) no estudo da posição de circunstanciais locativos em documentos dos séculos XVIII e XIX. Segundo o estudo de Gomes (2006), as diferenças são significativamente maiores no século XVIII. 12 Destaquemos que, nesse último estudo, a proporção de constituintes adverbiais na periferia esquerda equivale à que atestamos neste estudo. 13 Na escrita, podem ser encontrados casos como “declarou ontem o atacante vascaíno”. 253 Diadorim8-cap12.pmd 253 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 3: Configuração XVS de acordo com o tipo de verbo Tipo de verbo Fala Escrita Copulativo 7 = 8% 3 = 4% Inacusativos 73 = 82% 68 = 89% Inergativos 4= Passiva sintética 4% - 1 = 1% 2 = 3% Passiva analítica 5= Total 89 6% 2 = 3% 76 É nítida nas duas modalidades a associação entre posposição do sujeito de verbos inacusativos e presença de um constituinte circunstancial na periferia esquerda da oração, com 82% na fala e 89% na escrita.14 Para os demais tipos de verbo, observam-se índices bastante baixos. Destacase, portanto, a recorrência de orações como: (9) Todo dia, às onze horas, chega uma moça aí com marmita. (Fala, Amostra Censo, fal. 10) (10) E não apenas por isso, pois às primeiras sinalizações de mudança no quadro de insolvência da seguridade pública, surgirá espaço no mercado financeiro para o refinanciamento da dívida externa. (Escrita, O Globo, 22-01-03) A função tética das orações acima, ou seja, o fato de que elas indicam o aparecimento de um referente, exige ela mesma a determinação de um local (espaço ou tempo) em que essa entidade ganha existência. Tal exigência, que resulta naturalmente da ausência de uma relação predicativa entre sujeito e verbo, explica a ocorrência quase categórica do circunstancial na posição mais à esquerda da oração. Evidentemente, a correlação destacada acima admite uma reinterpretação em termos dos traços semânticos inerentes ao verbo. Mais particularmente em relação aos circunstanciais locativos, Borillo (2000) destaca que as diferenças entre XVS e XSV refletem, em grande parte, o fato de que verbos de semantismo fraco, aqueles que indicam posição, 14 Destaque-se que a grande maioria dos dados é do verbo chegar. 254 Diadorim8-cap12.pmd 254 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... identidade, pertencimento ou localização, estão mais fortemente associados a VS do que verbos de semantismo forte, como os verbos psicológicos, verbos de sentimento ou verbos com o traço [+ dinâmico] (cf. também Fuchs e Fournier, 2003; Cornish, 2001). Ressalta, nesses casos, a importância do traço [+ locativo], ou [+ diretivo]: nas orações em que X é regido por um V que subcategoriza argumento com o traço [+ locativo], a ordem VS se correlaciona quase categoricamente com a presença de um sintagma adverbial ou preposicional na ME; nas orações em que V é [- locativo] a presença de SPrep locativo na ME é mais variável, como se constata na Tabela 4: Tipo de verbo Fala Escrita [+ locativo] 77 = 87% 69 = 91% [- locativo] 12 = 14% 7 = 9% Total 89 76 Tabela 4: Configuração XVS de acordo com o traço semântico do verbo A recorrência do traço [+ locativo] em configurações do tipo XVS explica naturalmente o efeito associado aos verbos inacusativos, caracterizados por maior dependência entre o verbo e o constituinte X: quanto maior a ligação entre X e V, maior possibilidade de posposição do sujeito e, consequentemente, maior possibilidade de constituintes na ME, como em (11)15: (11) Ao longo das horas surgirão elementos de maior controle sobre sua ansiedade. (Escrita, Horóscopo, JB, 04-03-04) O inacusativo surgir subcategoriza um argumento que localiza temporalmente o estado de coisas descrito, ou melhor, o ponto no tempo no qual se inscreve a entrada em cena do referente codificado pelo constituinte sujeito. Essa ligação entre V e X pode ser explicada, mais naturalmente, em termos de proximidade semântica, ou seja, de dependência entre os traços semânticos do verbo e do complemento, ambos com a especificação [+ locativo], exigindo, então, adjacência entre 15 Para muitos autores (cf. Fuchs e Fournier, 2003; Cornish, 2001, 2005), esses consistiriam nos verdadeiros casos de inversão locativa, distinguindo-se dos casos de inversão estilística. 255 Diadorim8-cap12.pmd 255 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos os dois constituintes. Pode-se admitir, inclusive, que essa restrição semântica possui maior poder explicativo, abrangendo não só os verbos inacusativos como também os verbos estativos e inergativos, como nos exemplos (12) e (13): (12) Aí no outro dia estava tudo bem. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 10) (13) Aqui na minha rua já sumiu carro. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 07) Com verbos [- locativo], um afrouxamento da dependência sintático-semântica abre o espaço para a interferência de outros parâmetros, tais como o tipo de sujeito da oração, a extensão desse argumento ou a presença de outros constituintes circunstanciais na oração. Diferentemente do que se poderia esperar, no entanto, não chega a haver uma correlação categórica entre inerência do traço [+ locativo], posposição do sujeito e presença de um constituinte adverbial na periferia esquerda da oração. Atesta-se, de fato, uma variabilidade significativa, levando a suspeitar que propriedades funcionais associadas à margem esquerda da oração estejam fortemente implicadas na configuração XVS, uma questão desenvolvida na próxima seção. 5- Propriedades discursivas de XVS e XSV A segmentação do discurso é a função discursiva mais frequentemente atribuída aos sintagmas preposicionais temporais e locativos situados na periferia esquerda da oração. Em outros termos, esses constituentes fornecem instruções acerca dos estados de coisas apresentados no discurso subsequente (Charolles, 1997, 2003, 2005; Charolles e Vigier, 2005; Bestgen, 2000; Le Drauoulec e Péry-Woodoley, 2003, 2005; Borillo, 2005; Hasselgard, 2004; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008b). Em outros termos, circunstanciais na ME permitem agrupar proposições que se incluem no mesmo critério semântico, no caso uma especificação locativa ou temporal. Diversos autores destacam ainda o papel de locativos e temporais situados na ME na ligação com o discurso anterior (backward tie), contribuindo, assim, para a coesão discursiva (cf. Shaer, 2004; Austin et alii, 2004; Borillo, 2005; Hasselgard 2004; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008b; Prévost, 2003). Como já discutido em Paiva (2008b), um mesmo constituinte circunstancial pode remeter ao discurso anterior (backward tie) e introduzir enquadres para o discurso subsequente (forward tie).16 16 Nessas funções os SPreps circunstanciais possuem comportamento similar ao de orações adverbiais, como destacado por Chafe (1984) e Haiman (1978). 256 Diadorim8-cap12.pmd 256 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... Considerando essa dupla função dos circunstanciais localizadores, podemos pressupor uma complementaridade entre os papéis discursivos desempenhados pelas configurações XSV e XVS. Na perspectiva de Fuchs e Fournier (2003), por exemplo, as estruturas XSV e XVS envolvem operações discursivas subjacentes distintas e complementares, o que reduz, ou mesmo impossibilita, sua intercambialidade em muitos contextos: nas orações com sujeito anteposto, configuração XSV, o constituinte X introduz um enquadre temporal ou locativo a partir do qual deve ser interpretada a predicação; nas orações com sujeito posposto, por outro lado, o constituinte X, que pode ser um complemento mais ou menos integrado, funciona, juntamente com o verbo, como um operador de tematização. Considerando o discurso mais amplo, em muitos casos o papel de ligação backward tie de X em XVS é bastante transparente, como no caso do temporal destacado em (14): (14) E- Mas, ó Evelyn, mudando um pouquinho de assunto, essa sua ida pra fazenda... Você vai morar na fazenda mesmo? F- Eu tenho muita vontade, porque isso, um- um sonho meu, vamos assim dizer, de voltar as minhas origens, não? Porque euquando eu morei aqui em Jacarepaguá pequenininha, isso aqui era uma [fazenda,] não? Minha mãe tinha vaca [as vacas]- eram porcos, galinhas, plantação de arroz, uma bela horta, cavalos, charrete, tudo isso, não? E eu vivi a minha infância toda assim. E eu sempre gostei muito da natureza. Então pouco a pouco, eu fui vendo tudo ser destruido a minha volta: as árvores- construíram prédios e as vacas terminaram, e tudo isso. Mas, tudo bem! Eu fui vivendo minha vida normalmente, aceitando todas as situações a minha volta. mas, sempre, com aquela vontade de algum dia poder ter uma vaquinha, um porquinho, um- uma plantaçãozinha, e sabendo que, enquanto elas fossem pequenas, eu não ia poder fazer isso. Porque a minha vida estava ligada à delas enquanto elas precisassem de mim, de minha pessoa, eu tinha que servir a elas. Eu tinha que deixar para depois as minhas coisa. Então eu acho que, agora, esta chegando o meu momento novamente. Ajá tenho duas filhas- quer dizer uma casada, uma separada, mas a separada é independente, trabalha, né? A Nique está nos Estados Unidos, Cocodi já é suficientemente adulta, a Sael talvez vá comigo. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 43) 257 Diadorim8-cap12.pmd 257 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos No trecho acima, o exemplo focalizado (agora está chegando o meu momento novamente) integra um discurso em que a falante afirma seu desejo de ir morar em uma fazenda e a razão pela qual tal sonho não pôde ser realizado até o momento. O constituinte X inicial, argumento do verbo (chegar + [+ localização]), funciona juntamente com V como um tema a partir do qual é introduzida uma informação nova, remática (o momento atual da vida da falante). A ligação do advérbio agora com o discurso precedente é reforçada pelo advérbio novamente, que remete à vida anterior da falante, e às antigas características rurais do bairro onde ela mora. Acompanhando Fuchs e Fournier (2003, p. 22), podemos dizer “que não há ruptura e, a seguir, abertura de um novo enquadre, mas que se continua a falar da mesma coisa, no interior de um enquadre estabilizado”17. O mesmo tipo de operação discursiva pode ser atribuído ao circunstancial locativo exemplificado em (15): (15) Mas fica lendo jornal, se distrai, não é? Ou então, vai à praia, não é? E- e nos fundos também tem outra varanda grande, que dá para os quarto, não é? Tem um varandão- varanda enorme! Nos fundo é mais até- ele gosta mais até de ficar lá no fundo porque nãoparece assim mais aconchegante, não é, por causa do- dá assim para os quartos e não- não tem vizinho, não tem nada. Então, ele fica mais tranqüilo ali, quietinho ali lendo seu- seu jornal. Adora ler um jornal, né? (Fala, Amostra Censo, fal. 47) O foco do trecho discursivo acima é o prazer do marido em ficar lendo jornal na varanda do apartamento. Na oração existencial/ apresentativa, é introduzido um referente (varanda grande), que ganha existência num espaço definido (nos fundos). A presença do inclusivo também e do determinante outra no interior do SN sinaliza a conexão da oração na estrutura XVS com o discurso anterior. Nesse caso, X garante a introdução de um referente novo em consonância com exigências de ligação discursiva máxima. A função exclusivamente tematizadora de X na configuração XVS parece se limitar aos casos em que X é um constituinte intrapredicativo. Em orações nas quais o constituinte X é extrapredicativo, ou seja, não integra a estrutura argumental do verbo, X pode introduzir um subenquadre no 17 Minha tradução do original “qu’il n’y a pas rupture puis ouverture d’un nouveau cadre, mais que l’on continue à parler de la même chose, au sein d’un cadre stabilisé.” (Fucks e Fournier, 2003, p. 22) 258 Diadorim8-cap12.pmd 258 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... interior de um quadro mais amplo, como no exemplo (16): (16) E- Tem muito assalto por aqui? F- Eu, por exemplo, tenho quarenta ano de Magalhães Bastos, nunca fui assaltado. Eu não posso ter queixa. Eu, por aqui, não tenho queixa. Eu, por exemplo, não tenho, agora, de vez em quando, eu vejo, aí, que roubaram isso, roubaram aquilo, mas eu nunca fui assaltado. E- Aqui nessa região, Magalhães... F- Que, assalto que eu considero é a pessoa chegar e render, isso é o assalto. Agora, roubo, eu já tive, inclusive na minha casa. Pularam o muro, levaram as samambaia da minha senhora, certo? Isso aí, de vez em quando tem. Um bujão de gás, inclusive carro. Aqui na minha rua já sumiu carro e depois apareceu sem o motor. Isso acontece. (Fala, Amostra Censo 1980, Falante 07) Em (16), a oração encabeçada pelo locativo aqui na minha rua integra um discurso centrado em fatos de violência no bairro onde mora o falante, acrescentando um exemplo de roubos que ocorrem nesse local. Nesse sentido, justifica a posição do falante sobre a necessidade de distinguir entre assalto e roubo, o que fica explicitado na presença do item contrastivo (agora). Através de uma reorientação argumentativa, o falante deriva um subenquadre (roubos na sua rua) no interior do quadro mais amplo (a violência no bairro). A relação todo-parte entre bairro e aqui na minha rua é, no entanto, uma evidência de que o locativo situado na margem esquerda não chega a provocar uma ruptura com o discurso anterior. Poderia ser considerado uma anáfora associativa, ancorada nas relações estabelecidas no discurso, que passa a constituir o pano de fundo para a introdução de um referente novo, de natureza remática. Um aspecto importante diz respeito à complementaridade no estatuto discursivo de X nas estruturas XVS e XSV. Diversos estudos já mostraram que XVS desempenha um subconjunto das funções que podem ser realizadas através da configuração XSV. Nessa última, o constituinte X, além de introduzir enquadres temporais ou locativos, pode, em muitos contextos, estabelecer pontos de conexão com o discurso anterior. A análise do texto seguinte, em que consideramos exemplos de XSV e de XVS, é favorável a essa interpretação. (17) Da tarde de anteontem até a tarde de ontem, choveu quase o volume registrado em todo o mês de setembro. Apesar de a 259 Diadorim8-cap12.pmd 259 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos chuva não ter sido torrencial, caiu o dia inteiro. A estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) do Alto da Boa Vista registrou das 15h de segunda-feira às 15h de ontem 18,2 milímetros de chuva, enquanto o total médio de setembro corresponde a 24,9 milímetros. A estação do Sumaré, da Geo-Rio, registrou nas últimas 24 horas até as 16h de ontem 48,2 milímetros de chuva. O volume acumulado do mês já chega a 191 milímetros de chuva. No ano passado, esse volume foi de 136 milímetros. (...) (18) Ontem, houve neblina o dia todo e o Aeroporto Tom Jobim teve que operar de manhã e à tarde com o auxílio de aparelhos. O Aeroporto Santos Dumont também funcionou com a ajuda de aparelhos até as 13h53m, quando fechou para decolagens. (19) Às 16h30m, o Santos Dumont fechou também para pousos. Segundo a Infraero, 17 vôos deixaram de decolar e outros 17 de pousar. (20) O guardião dos rios Marcelo Luiz, de 30 anos, morreu ontem, por volta das 15h, quando tentava desobstruir a passagem de água num canal da Rua 3, na Rocinha, em São Conrado. Ele foi derrubado por uma enxurrada para dentro de uma calha de drenagem que tentava limpar e morreu na hora. Marcelo trabalhava no Projeto Guardião dos Rios, ligado à Secretaria municipal de Meio Ambiente. Recebia R$ 500 e deixou mulher e três filhos. A secretaria vai pagar o enterro. Um assistente, Juscelino da Silva, de 22 anos, foi socorrido pelos bombeiros do quartel da Gávea e levado para o Hospital Miguel Couto. (Escrita, Reportagem, O Globo, 25/09/02) Nos dois primeiros exemplos, (17) e (18), ambos em orações téticas/ apresentativas, o circunstancial temporal situado na ME possui uma função coesiva, ligando-se com o discurso anterior. Em (17), o SPrep temporal (da tarde de anteontem até a tarde de ontem) delimita os pontos inicial e final de um evento (a chuva), limite temporal já compreendido no título da matéria (chuva de um dia), que apresenta o evento chuva de forma um pouco mais imprecisa. O SPrep temporal retoma essa dimensão temporal especificandoa e, ao mesmo tempo, criando um quadro de referência no qual se ancora um evento (o excesso de chuva) tomado na sua totalidade. No exemplo (18), o advérbio ontem que encabeça a oração introduz uma coordenada temporal que está compreendida no intervalo 260 Diadorim8-cap12.pmd 260 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... delimitado pelo SPrep do exemplo anterior (da tarde de anteontem até a tarde de ontem). É essa ligação que permite ao leitor saber que os dois eventos (chuva e neblina), embora se superponham, não se recobrem inteiramente na linha do tempo. O SPrep destacado em (19) (às 16h e 30 min), que encabeça uma oração de estrutura SV, sinaliza a progressão dos problemas no aeroporto Santos Dumont. O estado de coisas fechar o aeroporto para pousos integra uma sequência temporal, sucedendo um outro evento (o fechamento das pistas para decolagens), ocorrido às 13h53m. Pode-se falar, portanto, em uma relação parte-todo que assegura, inclusive, uma forma de desenvolvimento textual em que partes vão se encaixando de forma progressiva para compor o quadro mais amplo dos transtornos causados pela chuva, principalmente os ocasionados nos aeroportos. Considerando essa disposição gradativa dos eventos, através da configuração XSV, obtém-se, simultaneamente, a ligação com o discurso anterior e a progressão do discurso. O exemplo a seguir, com um circunstancial locativo, fornece outras evidências de que, na configuração XSV, X pode apontar para duas direções: (20) Real Madrid e Bayern de Munique decidem hoje, na principal partida da Liga dos Campeões, uma vaga nas quartas-de-final da competição. No clássico do Estádio Santiago Bernabeu, com transmissão da Rede TV (às 16h30 de Brasília), o Real Madrid não terá Ronaldinho (contundido) e Roberto Carlos (suspenso) contra o Bayern de Zé Roberto. Como no primeiro jogo, na Alemanha, houve empate em 1 a 1, ficará com a vaga quem vencer o jogo. Empate em 0 a 0 classifica o Real Madri; em 1 a 1 a decisão vai para a cobrança de pênaltis e empate por qualquer outro placar classifica o Bayern. Nas quatro últimas edições da Liga dos Campeões, o vencedor deste confronto conquistou o título mais importante do futebol europeu. No Real Madri, o técnico Carlos Queirós não divulgou quais serão os substitutos de Ronaldinho e Roberto Carlos. O mais provável é que Raúl Bravo seja deslocado para a lateralesquerda, enquanto Solari deverá jogar no ataque, ao lado de Raúl. No Bayern, que não deverá contar com os franceses Sagnol e Lizarazu, o goleiro Oliver Khan, que falhou grosseiramente no empate em 1 a 1 no jogo de Munique, no gol marcado por Roberto Carlos, e Zé Roberto estão confirmados. (Escrita, JB, Reportagem, 10/03/04) 261 Diadorim8-cap12.pmd 261 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Na reportagem acima, os dois referentes centrais (Real Madrid e Bayern) entram em cena logo na primeira linha do texto. Esses dois referentes constituem partes necessárias de um todo, no caso, o jogo de futebol. Ao longo do texto, a preparação dos dois times para o jogo seguinte, que será decisivo, é apresentada progressiva e, de certa forma, contrastivamente: no Real Madrid, o treinador não se pronunciou quanto aos substitutos a serem convocados; no Bayern, ao contrário, já está confirmada a participação do goleiro Oliver Khan. Esse efeito de contraste resulta, pelo menos em parte, do deslocamento do SPrep locativo para a periferia esquerda da oração. O SPrep locativo possui, ainda, uma função projetiva (forward tie), na medida em que estabelece um quadro de coordenadas locativas a partir das quais devem ser interpretados os fatos que o seguem, relacionados à composição do time. 6. Conclusões Ao longo deste artigo, procuramos destacar, através de uma análise empírica, as especificidades sintáticas, semânticas e discursivas da configuração XVS nas modalidades falada e escrita do português. Destacamos que o constituinte X nas orações com sujeito posposto reflete, sem dúvida, muitas das restricões que operam sobre a posposição do sujeito, dentre elas a restrição de monoargumentalidade, a natureza tética da oração, o estatuto de informação nova do sujeito. Nesse sentido, podemos dizer que a presença de um constituinte adverbial (locativo ou temporal) na margem esquerda da oração e a posposição do sujeito constituem, em muitos aspectos, duas faces do mesmo fenômeno, favorecendo, assim, a tese de que a posposição do sujeito é quase categoricamente acompanhada do preenchimento da posição mais à esquerda da oração por um constituinte de natureza adverbial. Do ponto de vista discursivo-funcional, apresentamos evidências de uma certa complementaridade entre as configurações XVS e XSV. Considerando o contexto mais amplo em que se inserem essas estruturas, mostramos que o constituinte X em orações com sujeito posposto (XVS) possui uma função discursiva mais restrita, funcionando como ponto de ligação com o discurso anterior. Dessa forma, X tematiza a entrada em cena de referentes novos. Confirma-se, assim, proposta já defendida por outros autores quanto à necessidade de que a introdução de referentes ou eventos/estados de coisas na sua integralidade requer um ponto de ancoragem locativa ou temporal no qual entidades ou eventos passam a existir. A configuração XSV, por sua vez, se caracteriza por maior amplitude funcional: além de introduzir quadros de referência locativa 262 Diadorim8-cap12.pmd 262 06/12/2011, 22:20 Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ... ou temporal que indexam um ou mais estados de coisas descritos no discurso seguinte, constitem pontos de ligação com o discurso anterior. Essa amplitude funcional de X em orações com sujeito anteposto encontra correspondência nos seus traços sintáticos e semânticos menos restritivos. Considerando os aspectos destacados ao longo da análise, podemos dizer que XVS atualiza apenas uma parte das funções discursivas dos circunstanciais locativos e temporais, referendando, inclusive, a afirmação de que as duas configurações não são intercambiáveis e não podem ser derivadas uma da outra. Em síntese, podemos dizer que, se a configuração XVS cristaliza certas propriedades morfossintáticas e semânticas, ela cristaliza igualmente uma determinada função discursiva nas línguas que exibem essa propriedade sintática. Referências bibliográficas ANDRADE, Queli. Ordenação das Locuções Adverbiais de Tempo em editoriais. Dissertação (Mestrado em Lingüística) — Faculdade de Letras, UFRJ, 2005. ANDRADE BERLINCK, Rosane de. “A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem”. In: TARALLO, Fernando (org.) Fotografias sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989, pp. 95-112. __________. 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Neste artigo, retomamos essa correlação sob a perspectiva da posição dos locativos e temporais nas modalidades falada e escrita do português contemporâneo. Através de uma análise multivariacional, mostramos que a configuração XVS reflete muitas das restrições sintático-semânticas e discursivas que operam sobre a posposição do sujeito: é mais recorrente com verbos inacusativos, principalmente os que subcategorizam um complemento [+ locativo]. Sustentamos, no entanto, que uma descrição mais adequada dessa estrutura requer considerar suas propriedades discursivas com relação à estrutura XSV. A análise indica uma certa complementaridade entre as configurações XVS e XSV. Enquanto a segunda permite operações discursivas do tipo backward tie e forward tie, a configuração XVS fica mais restrita à função tematizadora, em decorrência das suas propriedades téticas/apresentativas. Palavras-chave: periferia esquerda, circunstanciais, sujeito posposto, construções inacusativas Abstract: Several studies have shown the narrow correlation between the subject postposition and the presence of a place or a time adverbial in the left periphery of the sentence. In this article, we examine such a correlation based on spoken and written contemporary Portuguese. Through a multivariational analysis, we show that XVS configuration reflects many of the morphosyntactic and discoursive constraints which operate on the subject postposition: it frequently occurs with unaccusative structures, mainly those which subcategorize a complement with the feature [+ place]. However, we claim that a more adequate description of this structure should consider its discoursive properties in relation to the XSV structure. The analysis shows a certain 269 Diadorim8-cap12.pmd 269 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos complementarity between XVS and XSV configurations. Whereas the latter allows discoursive operations like backward tie and forward tie, the former is more constrained, due to its thetic/presentative properties. Keywords: left periphery, adverbials, postposed subject, unaccusative structures 270 Diadorim8-cap12.pmd 270 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? Marilza de Oliveira1 Priscilla Barbosa Ribeiro2 Hélcius Batista Pereira3 I ntrodução As gramáticas e os manuais da imprensa paulista contemporânea, assumindo a função normalizadora de regras linguísticas, são taxativos quanto ao emprego do elemento onde, reconhecendo-lhe o caráter invariável em termos de traços funcionais e a função de adjunto adverbial de lugar1, inclusive na articulação de orações, ou seja, na função relacional. Ignorando a variabilidade de usos de partículas como onde ou relegando o uso não-padrão à condição de erro ou desvio, tais gramáticas concebem a língua como um sistema homogêneo, esquivando-se das incoerências sugeridas pelos dados reais, as quais em uma perspectiva alternativa “... seriam explicáveis dentro de um modelo mais adequado de uma língua diferenciada aplicado à comunidade de fala em seu todo, modelo que inclui elementos variáveis dentro do próprio sistema” (Weinreich, Labov & Herzog, 2006:104 [1968]). A partir dessa perspectiva, propomo-nos a discutir as seguintes questões: 1 Professora Titular da área de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo. 2 Doutoranda em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. 3 Doutor em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. 4 Nesse sentido, os Manuais seguem as instruções da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) que, por sua vez, ignora os complementos circunstanciais (Rocha Lima, 1972). Diadorim8-cap13.pmd 271 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 1. Quais as funções semânticas e sintáticas que onde pode assumir na frase? 2. Como se explicam as diferentes funções? Quais são os fatores condicionantes da diversidade de funções de onde, conforme a perspectiva descritiva de Oliveira (1998)? 3. Essas funções são exclusivas do Português Brasileiro? Neste trabalho5, as questões que envolvem o emprego de onde serão analisadas em dois tempos: no Português Medieval (PM), mais precisamente em amostras de textos do final dos trezentos até meados dos quatrocentos, e no Português Brasileiro (PB). Do primeiro período, será analisado o texto de cunho religioso Orto do Esposo (doravante OE), de autor desconhecido, mas contemporâneo de Fernão Lopes. As outras duas amostras são formadas com os textos dos cronistas históricos ao tempo do rei D. Afonso V, Fernão Lopes e Eanes Zurara. O primeiro esteve a serviço do rei até o ano de 1454 e em 1443 finalizou a primeira parte da Crônica de D. João I (doravante CDJ), texto que tomamos como fonte de dados. O segundo, Zurara, iniciou a redação da Crônica do Conde D.Pedro de Meneses (doravante CDP) por volta de 1458, de que nos servimos para o estudo das estruturas relativas introduzidas pelo elemento onde. O lapso de tempo que separa os dois textos é de aproximadamente 15 anos. Para a análise do onde no PB, utilizamos material acadêmico (resumos de teses e dissertações) de diferentes áreas científicas, produzido entre 2001 e 2010 na Universidade de São Paulo, e disponível na internet. Optamos por essa composição, uma vez que espelha uma modalidade culta do português atual. Avaliando os usos nos séculos XIV e XV, tentaremos dar conta do problema da transição, tal qual proposto por Labov (2008) e Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), reconstruindo a trajetória dos usos de onde. Seguindo ainda o programa proposto por estes autores, buscaremos respostas ao problema da implementação das mudanças nesta partícula estudando suas razões e motivações, recorrendo a uma interpretação dos fatos linguísticos a partir do fenômeno da gramaticalização, descrito por Heine e Kuteva (2007) e Hopper e Traugott (1993). A partir desse mapeamento, teceremos algumas considerações sobre os usos de onde no PB. 5 O trabalho se inscreve no âmbito do Projeto Temático de Equipe “História do Português Paulista” (Fapesp/Proc. 06/55944-0). 272 Diadorim8-cap13.pmd 272 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? 1. Um panorama dos traços normativos de onde As gramáticas históricas apontam a existência de duas entradas lexicais no latim com a função de articulador sentencial em que se dá primazia ao traço locativo: a forma latina ubi que explicitava a ideia de localização estática e a forma unde que indicava o lugar de procedência. O português herdou esses dois itens atribuindo-lhes significados semelhantes, pois ambos passaram a ser usados na presença ou não de preposições, retirando assim o valor estativo de ubi, reduzido a hu/u, e o valor de proveniência de unde, que assume a forma onde6. Nesse passo, ambas as formas passam a co-ocorrer nas frases interrogativas e nas frases declarativas, inclusive em ambiente de articulação de orações. Dessa competição sai vencedora a forma onde sobre a qual passa a incidir o estatuto locativo físico, parafraseada por “em que lugar” ou “lugar em que”, como pregam as gramáticas codificadas e os manuais dos jornais O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo. Do ponto de vista da análise sintática, há certo entendimento consensual entre os gramáticos a respeito da função de adjunto desse item7. Entretanto, do ponto de vista morfológico o elemento onde assume leituras as mais diversas, variando conforme a perspectiva tomada. É possível identificar pelo menos três diferentes interpretações, com base em três diferentes recortes. Se o foco é a subcategorização do verbo e os traços semânticos, onde será tratado como um advérbio de lugar; se o foco é o tipo de frase em que está inserido, será tachado de pronome interrogativo8; se se dá atenção ao tipo de estrutura sentencial, onde passa a ser visto como pronome relativo9. Essa diversidade explica as designações propostas pelos gramáticos: advérbio interrogativo (Cunha & Cintra, 1985:531; Rocha Lima 1982:301); pronome relativo (Cunha & Cintra, 1985:342), pronome relativo indefinido (Rocha Lima 1982:104), advérbio relativo10 (Almeida 1978:317) e advérbio conjuntivo (Almeida 1978:318). 6 Essas funções de onde já se acham presentes nas Cantigas de Santa Maria, texto galegoportuguês do século XIII (Bittencourt, 2003). 7 Rocha Lima (1982) é um dos poucos gramáticos que reconhecem também a função argumental de onde. 8 Curiosamente, o socorro ao tipo de frase parece servir tão somente para classificar os pronomes interrogativos. Veja que a gramática normativa não menciona a existência de pronomes declarativos. 9 Quanto ao conteúdo semântico, um quarto recorte possível, onde é um elemento indefinido. Esta diversidade de leituras possíveis atinge todos os elementos q (“quem”, “quando”, “como”, etc.). 10 A designação ‘advérbio relativo’ é acolhida pela gramática portuguesa (Cunha & Cintra, 1985:532). 273 Diadorim8-cap13.pmd 273 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Essa miscelânea de designações se deve às propriedades do elemento onde, que, de um lado, exibe o caráter de forma invariável quanto a gênero, número e pessoa, e, de outro, manifesta a referência a um lugar, podendo exercer a função sintática de adjunto ou de argumento circunstancial. A sua natureza invariável e o tipo de função sintática assumido são responsáveis pela leitura adverbial que as gramáticas lhe conferem. Essa primeira divisão, que carrega a tradição latina, não contempla uma segunda divisão, a saber, a função gramatical de articulação de sentenças como elemento pronominal relativo e interrogativo. Neste trabalho, abriremos mão da leitura adverbial para concentrarmos a atenção no papel de articulação de orações. Procuraremos observar a variação no uso de hu e onde no português medieval e a mudança operada no século XV, assumindo que o contexto de relativa com antecedente propicia a abertura do processo de gramaticalização do item lexical onde, que passa a assumir diferentes interpretações. Na ausência de antecedente, as funções semânticas e sintáticas de onde se mantêm estáveis ao longo da história da língua. 2. A metaforização de onde Entende-se por gramaticalização a mudança gradual e contínua do estatuto categorial das palavras, no sentido de que itens lexicais podem atualizar conteúdo essencialmente gramatical. Nesse sentido, o processo de gramaticalização, fonte geradora de elementos gramaticais, é um artefato descritivo e explicativo de fenômenos linguísticos sincrônicos e diacrônicos de caráter nitidamente teleológico. A alteração dos padrões funcionais dos itens é resultante da interação de fatores pragmáticos e gramaticais (fonéticos, semânticos e morfossintáticos); as instâncias de gramaticalização são identificadas pelos seguintes parâmetros (Heine e Kuteva, 2007): reinterpretação contextual; perda de sílabas e propriedades suprassegmentais de um item linguístico; perda de traços do significado do item fonte e ganho de novos traços; perda de propriedades morfossintáticas do padrão-fonte e ganho de nova função. A mudança gradual e contínua evoca a previsibilidade do processo, ou seja, as alterações seguem estágios predeterminados, de que decorre o caráter unidirecional da mudança, no sentido de que, ultrapassada uma etapa do processo, o item não retorna ao estágio anterior. Esses estágios 274 Diadorim8-cap13.pmd 274 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? ou níveis de gramaticalização são apreendidos pelo seguinte ciclo (Hopper e Traugott, 1993): (i) item lexical > (ii) item gramatical > (iii) clítico > (iv) afixo Quanto mais à direita, maior é a desidratação semântica e a perda de substância fônica, ocasionando uma distribuição sintática diferente do item, que, em geral, passa a ocupar uma posição mais rígida. O verbo “ir”, por exemplo, usado como verbo pleno em “Vou ao cinema”, pode ser usado como auxiliar “Vou caminhar”. A perda de massa fonética pode gerar a leitura de clítico e, por fim, de afixo de tempo, número e pessoa alocado à esquerda do verbo “vôcaminhá”. A mudança de significado de um item lexical, responsável pela geração de novos padrões funcionais, se apoia nos mecanismos metafórico e metonímico (Heine, 2003). A metáfora incide na transferência de significados do domínio cognitivo mais concreto para o domínio mais abstrato, seguindo uma escala hierárquica de categorias cognitivas, em que os elementos à esquerda podem gerar os da direita: pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade Aplicando a escala acima à palavra “frente”, observamos que esse item, usado inicialmente em referência à testa da pessoa (na forma “fronte”), por similaridade, pode identificar a fachada de um objeto (“frontispício”), descrever uma atividade (“colocar-se frente a frente”, “enfrentar”), indicar espaço (“na frente da igreja”), referir tempo (“mais pra frente a gente vai discutir X”) e, por fim, indicar qualidade (“o cara é pra frente”). A operação da similaridade é um processo cognitivo, em que sentidos abstratos são derivados de sentidos concretos, instaurando-se novo domínio conceptual. Trata-se de uma operação que ocorre no eixo paradigmático. Diferente é o caso da metonímia, que atua não por raciocínio imagético, mas pela alteração da vinculação dos constituintes contíguos na sentença, sendo, portanto, estruturalmente motivada. A título de exemplificação, tomemos o item “logo” e a expressão “vai que” nas frases seguintes: (1) Ele não veio logo11. Fui embora. (2) Ele não veio. Logo fui embora. 11 O estágio inicial é lugar, uma vez que logo provém do nome latino locus (lugar). Por metáfora, adquiriu o valor temporal e o estatuto categorial de advérbio. 275 Diadorim8-cap13.pmd 275 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Em (1), “logo” explicita a noção temporal e tem, portanto, natureza adverbial; em (2) podem-se depreender duas leituras, uma temporal e uma conclusiva, a depender da pressão do contexto. A posição do item lexical, seguida de alteração prosódica, favorece a emergência de uma função conjuncional. O mesmo ocorre com a expressão “vai que”: (3) Vai no Iguatemi que está em liquidação! (4) Vai ____ que está em liquidação! Em (3), “vai” é um verbo pleno e “que” é uma conjunção explicativa; (4) propicia essa mesma leitura, a despeito do apagamento do complemento circunstancial, mas também enseja, pela contiguidade dos elementos e alteração prosódica, a leitura hipotética “e se estiver em liquidação!”, em que “vai” e “que” formam um construto único. Duas orações se transformam em uma só oração, com leitura marcada. Esses exemplos mostram que a metonímia ou reanálise (para vários autores) atua no eixo sintagmático. A operação metafórica responsável pela passagem espaço > tempo ocorre com os itens hu e onde. Entretanto, somente Zurara faz uso dessa operação para o 2º item: (5) No mês passado acerca deste, hu sse começava o novo âno em Castella (CDJ, 103) (6) ... caa hera jaa comtra a vella da menhã omde ho sono mais carrega aos homês (CDP, 346) Dessa forma, a gramática de Fernão Lopes é menos inovadora que a de Zurara, tanto que o primeiro usa onde apenas nos casos em que o antecedente é locativo espacial físico (7), ao passo que o segundo dá tratamento mais dúctil a esse elemento, permitindo que seu antecedente seja espacial físico (8), imaterial (9) ou imagético (10). Há, portanto, uma tendência à regularidade no emprego de onde por Fernão Lopes, a qual é interrompida por Zurara12, autor que dá ampla margem à variação no tipo de antecedente: 12 Oliveira (2001) observou a atitude reguladora de Fernão Lopes na questão da queda do /d/ intervocálico. Enquanto Zurara desfazia o hiato criado com a queda desse elemento seja pela ditongação seja pela crase, Fernão Lopes mantinha apenas o hiato. 276 Diadorim8-cap13.pmd 276 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? (7) ...e chegou a Lixboa homde já achou muitos que viinhã ao sahimento. (CDJ, 14) (8) ... este allcaide foy em Portugal, onde lhe foy feuta muyta homrra e gramd mercê (CDP, 1085) (9) ...como achareys no rregimemto dos prymçipes, que [...] ledes e ouvis, omde diz [...] (CDP, 206) (10) Demtro dos ymfernos, omde nõ he all senão trevas... (CDP, 207) Do ponto de vista metafórico, pode-se inferir que a gramática de Fernão Lopes manifesta apenas o uso locativo de onde, ao contrário da gramática de Zurara, que já permite diferentes interpretações. Em síntese, as propriedades semânticas de hu na gramática de Fernão Lopes se estendem para onde na gramática de Zurara, sinalizando uma grande mudança no uso desse item. 3. A reanálise de onde O processo de metaforização de hu e onde se restringe aos contextos com antecedente. Em paralelo, assiste-se à progressiva substituição do locativo hu pelo também locativo onde, entre o final dos trezentos e meados dos quatrocentos. A implementação da mudança de onde é facilmente observada quando se traça o perfil estatístico deste item em contraposição a hu no português medieval. OE CDJ CDP nº o c. % nº oc. % nº oc. % HU 93 65,49 30 13,22 01 0,30 ONDE 49 13 34,51 197 86,78 332 99,70 Total 142 227 100 333 100 100 Tabela 1: Total geral de hu e onde nos três textos analisados14 13 Na verdade, onde tem 356 ocorrências no Orto do Esposo, aparecendo em 296 casos como introdutor de referência na fórmula: “Onde diz”, “Onde conta”. Veja o exemplo: Onde diz o salmista: A alma deles auorreceo toda uiãda e chegarõ ata as portas da morte. (OE, 78) 14 Foram computadas apenas as ocorrências não preposicionadas. 277 Diadorim8-cap13.pmd 277 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos O locativo hu no Orto do Esposo (OE) não exibia funções discursivas, mas apenas sintáticas, atualizando diferentes funções morfológicas, como pronome interrogativo ou pronome relativo (com e sem antecedente): (11) Molher, hu te vaas? (OE, 4) (12) E leuou-o ao rrefortoyro, hu comê os frades (OE, 331) (13) ...e Sancto Ciriaco entrou hu estava a filha do enperador (OE, 11) (14) Ora veede hu som as rodas do curso da minha vida (OE, 148) O locativo onde com função sintática no mesmo texto tem baixa frequência e está limitado à sentença relativa com antecedente (15-16). Predomina a função discursiva, atuando como marcador discursivo e como operador lógico como então, bom, pois, portanto, por sua vez, de modo que (17-22): (15) E ella, quando ueo ao luguar onde auia de seer degolada, fez oraçõ a Deus (OE, 3) (16) ...foy leuado o spiritu delle a huu loguar de torm~etos, onde antre as outras cousas viu h~u~u clérigo ... (OE, 222) (17) Omde aconteceu que huu demo serua a huu homê rico ê semelhança dhuu domê. (OE, 317) (18) Omde aquelle grande doutor Gregorio Nazareno, trautando de fugir da cura de pastor das almas, diz assy:... (OE, 268) (19) Da parte [d]a alma somos ê este mûdo como ê Egipto de treevas, onde somos feridos cõ muytas chagas. (OE, 121) (20) E da parte das coussas que nos som sugeytas somos ê grande periigo e ê muytos males, ca todas as cousas som a nos laços, onde podemos dizer uerdadeyramête que comemos [e bevemos] e vestimos laços. (OE, 123) (21) Tomade a espada do spiritu, que he a palaura de Deus. Onde os sanctos homees e os monges antygos grande cuydado ouuerõ de teer liuros das Sanctas Scripturas, per que o poderio do diaboo he destroydo (OE, 42) (22) Outrossy, o surdo pode melhor ouuyr co o ouvydo de alma, onde muytas vezes aquelles que orã em silencio, querendo ~etender ssy meesmos, çarrõ as orelhas cõ suas mããos (OE, 159) Nos textos quatrocentistas, o locativo hu perde em frequência e passa a competir com onde na função de articulador de orações: 278 Diadorim8-cap13.pmd 278 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? (7) ...e chegou a Lixboa homde já achou muitos que viinhã ao sahimento. (CDJ,14) (23) ...nom podia hir homde ell pousava. (CDJ, 11) (24) ...e lhe pregumtou omde era seu irmãão (CDJ, 156) Na articulação de orações em que não há intercorrência de antecedente, onde se estabiliza com o valor semântico locativo [+ físico], (23-24). Entretanto, a presença de um antecedente nominal é forte condicionante da operação metafórica (6) e da operação metonímica observada nos exemplos a seguir: (25) ...e sobreveo Pero Rodriguez que acorreo aaquelles escudeiros, omde já estavom pera seerem mortos ou presos (CDJ, 172) (26) E vemdo dom Joahm como aquelles vinham trabalhados, volveo-se com hos mouros, omde matarã logo sete, e dos nossos morreo hu. (CDP, 500) (27) ordenou que dom Pedro me pedisse este emcarrego, omde pellos outros hera rrefusado. (CDP, 207) Nesses exemplos o antecedente não apresenta traço locativo, assinalando um estágio avançado no processo de gramaticalização, pois a partir daí onde perde o propalado caráter adverbial e passa a desempenhar a função de sujeito (25/27) e de complemento partitivo15 (26). Entretanto, a considerar o regular uso locativo de onde em Fernão Lopes, há que se revisitar o exemplo (25). Mais do que ter como antecedente o sintagma “aqueles escudeiros” e assumir função de sujeito, onde se vincula a um elemento locativo implícito, complemento do verbo “acorrer”, contexto que favorece a reanálise do item que relaxa o elo com um elemento locativo e passa a se associar inclusive com elementos de traço [+/- pessoa], acionando novas funções sintáticas. 4. Dialogando com o PB Os dados do português medieval apresentam uma diversidade de contextos de realização de onde também observada no português atual, com antecedentes de natureza semântica variada e assumindo diferentes 15 Na Demanda do Santo Graal encontram-se exemplos de onde como complemento do verbo falar: “[...] e fiz tanto de armas que o venci e assi é preitejado comigo que ja mais nom saia da minha prisaam ataa que me mostre aquel cavaleiro onde me tanto falou”. (DSG, 70). 279 Diadorim8-cap13.pmd 279 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos funções sintáticas. Apesar dessa diversidade, o uso locativo propriamente dito não perdeu seu espaço, sendo bastante produtivo no PB contemporâneo, como mostram os dados de resumos de teses e dissertações utilizados nesta análise. Isto é, não há uma substituição, mas a ampliação do uso do item linguístico: (28) Esse fator encaminha para a superação de parte das deficiências na infra-estrutura instalada na região Noroeste do Estado de Mato Grosso do Sul, onde reservas de minério de ferro e manganês são conhecidas desde a segunda metade do século XIX e onde estão localizadas duas empresas [...]. Além do sentido concreto, onde pode também associar-se a elemento não locativo, em uma relação abstrata de referência: (29) Após acreditar que o Messias viria do Brasil, depois de sua prisão nos cárceres do Santo Ofício da Inquisição, iniciou um processo psicológico, onde acabaria por declarar-se Messias [...]. Em textos escritos produzidos por indivíduos cultos há um uso intenso do item como locativo abstrato. Nessa função, muitas vezes tornase difícil a identificação do antecedente por haver mais de uma possibilidade de interpretação. Em (30), onde pode se referir a “televisão”, ao ato de “educar através da televisão”, ou ainda ter como antecedente a “construção simbólica e prática da cidadania”. Em (31), podem ser antecedentes tanto a “formação” quanto o “sistema fragmentado de ensino”: (30) Num momento de consolidação da democracia na América Latina, entende-se educar através da televisão como construção simbólica e prática da cidadania, onde produtores e receptores dialogam e se reconhecem como sujeitos do mesmo processo social. (31) Somado a isso, pode-se adicionar um outro fator que é a formação inicial precária do professor, formação esta calcada num sistema fragmentado de ensino, onde ainda prevalece o esquema tradicionalista de transmissão de conhecimentos. Nessas construções a referência se estabelece não de forma ambígua, mas radial. Assim como pode remeter a um ou outro de seus 280 Diadorim8-cap13.pmd 280 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? possíveis antecedentes, onde pode também referir-se a todos eles simultaneamente (31). Nesse tipo de contexto pode ser substituído por outro item linguístico, como ‘em que’, sem acarretar mudança de interpretação. Esse caráter radial não é, portanto, um ‘problema’ referencial do conectivo analisado, mas uma propriedade sua. O uso atual licencia também contextos em que onde pode alternar com locuções preposicionadas diferentes de ‘em que’. Exemplo disto é o dado em que aparece associado a conceitos diversos (como religião, culinária e música) representados em um esquema cuja legenda encontrase transcrita em (32). As formas correspondentes adequadas para substituição em (32) e (33) seriam “a que” e “com o qual”, respectivamente: (32) Figura I - Onde atribuímos a palavra cultura (33) Talvez a polícia brasileira deveria começar com esse procedimento, onde as cadeias seriam mais organizadas, sem esquecer que mais justas. O Português Medieval já registrava esse uso com antecedente abstrato. Além disso, exercia a função de sujeito sintático, como mostramos em (26) e (27), reanálise que também é observada no PB. Nesse uso, menos frequente, ocupa o lugar do relativo não preposicionado ‘que’: (34) Em uma entrevista com o sociólogo François Dubet (Dubet, 1997), onde após vários contatos com professores resolve verificar se as reclamações dos mesmos sobre seus alunos eram pertinentes lecionando em um colégio por um ano. (35) Verificou-se que o mestrado era visto como um espaço de legitimação do saber e de ser trabalho intelectual, para conquistar reconhecimento que não encontrava na assistência, onde era desprestigiada e o espaço acadêmico era idealizado como algo que traria prestígio e poder, sendo coping para lidar como trabalho. A amostra analisada revela que as construções com onde no PB guardam semelhança com as encontradas em Zurara, as quais apresentavam variação, e não apenas o onde locativo. Em ambas as variedades, identificamos o item em etapas mais gramaticalizadas, vinculado a antecedentes de semântica diversa, com múltiplas funções 281 Diadorim8-cap13.pmd 281 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos sintáticas, inclusive a de sujeito, confirmando a hipótese da hierarquia de funções relativizadas [SUJ > OD > OI > OB], segundo a qual a estratégia usada para relativizar a posição de funções mais baixas deve servir para relativizar posições superiores (Keenam & Comrie, 1977). Ressalta-se, portanto, duas principais características de onde presentes nas duas variedades do português: a estabilidade do valor locativo nas orações sem antecedente, e a hierarquia das funções enquanto pronome relativo com antecedente. Conclusões Ao longo do presente estudo buscamos descrever e analisar o comportamento de onde no português medieval e atual. A multiplicidade de usos desse elemento linguístico mostra que, do ponto de vista semântico, pode ocorrer associado a antecedentes de natureza variada, não apenas locativos, mas temporais, humanos, conceituais, etc. Consequentemente, suas funções sintáticas são também ampliadas, podendo assumir a função de objeto indireto, complemento nominal e sujeito, extrapolando, portanto, a função de adjunto adverbial postulada pela Gramática Normativa. A expansão do uso para além do valor locativo é decorrência do processo de gramaticalização, que permite ao elemento assumir traços semânticos menos concretos ou materiais, e, no caso de onde, associar-se a elementos mais abstratos, gerando a possibilidade de variação. O processo em questão é desencadeado pela existência de contextos em que o antecedente se atualiza em posição distante do relativo na sentença, ou se encontra implícito no texto. Esses fatores propiciam a associação com outros elementos da sentença, linearmente mais próximos ou explícitos. A leitura ambígua desses contextos gera novas interpretações indutoras da reanálise do item, que continua a existir, mas passa a operar de forma distinta – ou melhor, ampliada. A semelhança de funções semânticas e sintáticas de onde no PM e no PB não implica na equivalência plena entre as duas fases da língua, ainda que, nos dois períodos da análise, seja possível identificar usos de onde que se encaixam em todos os momentos da escala de gramaticalização. Também não se pode afirmar que o PB dê continuidade ao processo de gramaticalização iniciado no medieval, pois, se o processo é unidirecional, deveria induzir à mudança do item, o que não se verificou. A justificativa para a não-implementação de mudança parece residir na simultaneidade de variação e estabilidade do item (Cf. Tarallo, 2002, p. 83), exemplificadas por dois tipos de contexto, com (36) e sem antecedente (39): 282 Diadorim8-cap13.pmd 282 06/12/2011, 22:20 Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? (36) A gaveta onde coloquei os brincos. (37) Não lembro onde coloquei os brincos. (38) Onde estão os brincos? (39) Perguntei onde estão os brincos. (40) Onde quer que estejam os brincos, estão bem guardados. A presença de antecedente possibilita interpretações ambíguas condicionadoras de variação, as quais, por sua vez, induzem ao processo de gramaticalização. Contudo, o onde sem antecedente (37-40), essencialmente locativo, funciona como uma âncora, permitindo que o processo se retroalimente, não sendo propício nem a metaforização, nem a reanálise. A única mudança possível seria a substituição do item, como ocorreu com o hu medieval. Os dois contextos (com e sem antecedente) e o modo como se relacionam permitem a coexistência das forças operantes em dois tempos diferentes, passado e presente, confirmando o princípio de uniformidade proposto por Labov (1994). Deste modo, onde não apenas se gramaticalizou, mas se regramaticaliza constantemente, renovando-se e adaptando-se ao processo sintático-semântico a que está sujeito. Referências ALMEIDA, Napoleão. Gramática metódica da Língua Portuguesa. 27ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. 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Based on quantitative and qualitative analyses, we intend to check the contexts of use of onde and to describe its semantic characteristics and syntactic functions, comparing the results obtained for two far apart moments in the history of Portuguese. The analysis is based on the framework of the Gramaticalization Theory and the Labovian Sociolinguistic Variation Theory. Keywords: Locative, clauses, variation and change, grammaticalization 286 Diadorim8-cap13.pmd 286 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: sobre a variação de proposições em complementos verbais* Rosane de Andrade Berlinck** V árias pesquisas têm constatado que as preposições em português, e, em particular, na variedade brasileira do português, estão sujeitas a processos que podem chegar ao apagamento, à substituição de preposições ou à especialização de sentidos (Tarallo, 1983; Castilho et al, 2002; Gomes, 2003, entre outros). Dada a relevância estrutural das preposições, responsáveis, em grande parte, pelo estabelecimento de relações sintáticosemânticas no nível da sentença, a investigação de tais processos se reveste de grande significação para o estudo da história da língua. Os dois enunciados que compõem o título desse trabalho – colhidos entre os dados que analisamos no presente estudo – ilustram o processo de variação no uso de preposições que é o foco dessa investigação: a alternância de preposições introdutoras de complementos que denotam um sentido geral de “meta”, junto a predicadores verbais classificados, do ponto de vista sintático-semântico, segundo a tipologia proposta em Berlinck (1996). Os exemplos de (1) a (8) ilustram essas possibilidades: * O presente estudo está inserido no Projeto Mudança gramatical no português de São Paulo: expressão pronominal e preposicional de argumentos, que integra o Projeto Para a História do Português Paulista Paulista (PHPP) (FAPESP - Proc. no 06/559440). Colaboraram nessa pesquisa as bolsistas de Iniciação Científica Letícia Cordeiro de Oliveira Bueno (PIBIC/CNPq) e Lívia Henrique de Albuquerque (PIBIC/CNPq). ** Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara/CNPq-Processo no. 305837/2007-9). Diadorim8-cap14.pmd 287 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (i) direção — predicadores que expressam como sentido prototípico a ideia de que ‘N0 se move para N1’,como ir, vir: (1) Os comerciantes vieram á redacção relatar o fato. (2) Quando o padeiro se dirigia para o estabelecimento onde trabalha, foi estupidamente atacado. (ii) movimento com transferência – predicadores que expressam como sentido prototípico a ideia de que ‘N0 move N1 para N2’, como levar, trazer: (3) Os amigos querem levá-lo para o Rio. (4) Joana vai trazer seus amigos ao baile. (iii) transferência material – predicadores que expressam como sentido prototípico a ideia de que ‘N0 faz N1 ser possuído por N2’, como dar, enviar : (5) O polêmico projeto de lei foi mandado para o Senado. (6) João ofereceu um lauto jantar aos convidados. (iv) transferência verbal/perceptual – predicadores que expressam como sentido prototípico a ideia de que ‘N0 faz N2 possuir um certo conhecimento, uma certa ideia ou uma certa percepção’ como dizer, perguntar/mostrar: (7) Maria declarou aos colegas que iria pedir demissão. (8) Os produtores só vão mostrar documentários para o público do festival. O fenômeno de variação presente nos contextos mencionados não é uma característica que vamos encontrar apenas no estágio contemporâneo da língua. Um conjunto significativo de estudos já realizados permite estabelecer indícios de variação entre as preposições a, para e em, já em textos quinhentistas (Berlinck, 2006, 2007), que se intensifica em textos oitocentistas (Berlinck, 2000; Guedes & Berlinck, 2003), e que, na verdade, sugere uma fase de completamento no estágio atual da língua (Berlinck, 1996, 1997, 1998, 2000, 2001; Gomes, 2003; Mollica, 1996; Torres-Morais & Berlinck, 2006). Tais estudos revelam que há uma gradual diminuição no uso da preposição a nesses contextos, que vem sendo substituída pelas preposições para, em e até, com ênfase na primeira delas. Dado esse quadro, o objetivo do presente estudo é buscar caracterizar os contextos pelos quais a preposição para começa a ocupar o espaço antes dominado pela preposição a. Ou seja, pretende-se identificar 288 Diadorim8-cap14.pmd 288 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: em que construções o uso de para passa a constituir uma variante de a. Para isso, definimos um corpus de textos jornalísticos produzidos nas primeiras décadas do século XX, publicados na imprensa de São Paulo, que pertencem tanto à imprensa majoritária quanto à chamada “Imprensa Negra”. Denomina-se tradicionalmente “Imprensa Negra” o conjunto de uma produção que tem início no período pós-abolição, produzida “por negros e para negros” (Ferrara, 1986; Domingues, 2006). Os dados analisados provêm dos jornais: (i) O Estado de São Paulo - fundado ainda durante a Monarquia, em 1875, com o nome de A Província de São Paulo. É um dos jornais de maior longevidade no cenário jornalístico brasileiro e que sempre teve uma atuação muito importante no cenário político e social; (ii) O Combate, que circulou entre 1915 a 1930 e teve uma efetiva atuação no cenário social e político da cidade de São Paulo. Os exemplares que serviram de fonte para a análise correspondem às edições publicadas no ano de 1918; (iii) Getulino - jornal com periodicidade semanal, publicado em Campinas – SP, entre 1923 e 24 - faz parte do conjunto de periódicos que ficou conhecido como Imprensa Negra; e (iv) O Rio Claro - publicado na cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, onde circulou de 1900 a 1916. Os exemplares estudados, ilustrados pelas figuras 1 a 4 a seguir, foram obtidos junto ao Arquivo Público do Estado de São Paulo e ao Arquivo Edgard Leuenroth – AEL (IFCH/UNICAMP). Figura 1. O Estado de S. Paulo, exemplar de 3 de janeiro de 1910 289 Diadorim8-cap14.pmd 289 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Figura 2. O Combate, exemplar de 2 de fevereiro de 1918 Figura 3. Getulino, exemplar de 5 de agosto de 1923 290 Diadorim8-cap14.pmd 290 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: Figura 4. O Rio Claro, exemplar de 3 de janeiro de 1915 A definição do recorte temporal se justifica pela relativa ausência de informações sobre o processo em estudo nesse período de tempo, que se situa no intervalo entre um processo inicial de variação e o estágio atual de predomínio da antes variante inovadora. Quanto às fontes documentais, acreditamos que, sendo um texto público, o texto jornalístico tanto atua sobre os componentes da situação sócio-histórica ao qual está vinculado, quanto sofre influências dessa situação. Essa dualidade faz dele uma fonte muito rica para se avaliar a expressão da norma (lingüística) prescritiva - socialmente prestigiada - e, ao mesmo tempo, detectar características inovadoras da(s) norma(s) objetiva(s), que, de tão presentes no uso, começam a ser incorporadas à escrita. Além disso, o jornal constitui um hipergênero ou suporte textual, que comporta uma variedade de gêneros textuais (Bonini, 2003; Marcuschi, 2008). A concepção de gênero textual adotada é aquela estabelecida a partir de Bakhtin (1979), levando-se em conta seus desdobramentos e aplicações atuais (Bazerman, 2005; Fiorin, 2006; Marcuschi, 2008) – “gêneros são tipos de enunciados relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo” (Fiorin, 2006, p. 61). Tal concepção, somada às discussões sobre gêneros nos jornais, presentes no trabalho de Bonini e em estudos da área de Comunicação (Lage, 2006; Reis, Zucco e Ramos, 2007, entre outros), servirá de base para uma análise que assume a heterogeneidade dos textos por meio dos quais (inter)agimos nas diferentes esferas de atividade humana. 291 Diadorim8-cap14.pmd 291 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Investigando as preposições nos jornais... Tendo estabelecido o quadro deste estudo, passemos à análise dos dados. Partimos de duas questões principais: 1 – em que contextos o uso de para é, efetivamente, uma variante de a no período analisado? 2 – há diferenças detectáveis entre os vários gêneros textuais explorados? Assim, dois aspectos principais são levados em conta na investigação: (i) fatores de natureza semântica, associados ao verbo e ao complemento e (ii) o gênero textual em que a construção ocorre (editorial, anúncio, nota social, notícia). A análise de dados segue a metodologia variacionista, incluindo o levantamento de uma amostra representativa do fenômeno na tipologia de textos organizada, sua análise segundo os grupos de fatores definidos a partir das hipóteses, a quantificação dos dados analisados por meio de programas estatísticos (VARBRUL, GOLDVARB) e a interpretação dos resultados quantitativos à luz dos pressupostos teóricos que embasam o estudo (Weinreich, Labov, Herzog 1968; Labov 1972, 1994, 2001). Se os resultados obtidos até o momento não são suficientes para chegarmos a uma resposta conclusiva às questões elencadas acima, começam a delinear um quadro para esse período. Foram analisados 604 dados em que as preposições a e para eram alternativas possíveis, colhidos nos quatro jornais selecionados. Os resultados indicam uma clara predominância da preposição a relativamente a para, o que já era esperado, dado o caráter normativo da primeira. Nos quatro jornais, a freqüência da preposição a oscila entre 71% e 87%. O input geral de a, na análise multivariada, confirma a tendência: 0.782. A leitura “em negativo” desses índices, por outro lado, nos revela que existe uma margem de variação. Veremos que ela se diferencia, a depender das características semânticas do predicador e do complemento. A tabela 1, a seguir, apresenta os índices de emprego da preposição para (vs a) relativos ao tipo semântico do predicador verbal. 292 Diadorim8-cap14.pmd 292 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: Direção Mov./transf. Transf.Mat. Transf. Verbal Estado 31% (16/51) 64% (14/22) 30% (19/63) 0% (0/33) Combate 30% (19/64) 8% (2/24) 3% (2/65) 3% (1/39) Getulino 34% (25/73) 30% (8/27) 19% (10/54) 13% (3/23) Rio Claro 14% (1/7) 50% (1/2) 19% (5/26) 6% (1/17) Tabela 1. Frequência de uso da preposição para, segundo o tipo semântico do predicador verbal Embora constatemos uma oscilação nos índices, de um jornal a outro, é possível identificar uma tendência que associa a maior presença da preposição inovadora a construções com predicadores de direção, de movimento com transferência e de transferência material e, inversamente, a manutenção por vezes categórica da preposição a com os predicadores de transferência verbal/perceptual. Uma correlação mais clara emerge da análise da natureza semântica do complemento, tal como ilustra a figura 51. Figura 5. Frequência de uso da preposição para, segundo a natureza semântica do complemento 1 Os índices de peso relativo reafirmam esse contraste: (i) complemento lugar: 0.755 (Estado), 0.535 (Combate), 0.770 (Getulino); (ii) complemento humano: 0.198 (Estado), 0.0 (Combate) e 0.193 (Getulino). Não obtivemos dados de tipo lugar em número significativo nos exemplares d’ O Rio Claro. 293 Diadorim8-cap14.pmd 293 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Observamos que a preposição para tem seu espaço em construções que envolvem um complemento locativo. E que o uso dessa preposição junto a complementos com referente humano é, ainda, incipiente. Além desses dois tipos de complemento, também se vê resistência ao uso de para com complementos que veiculam uma noção abstrata, caso ilustrado em (9). Em construções com essas características, o emprego dessa preposição não ultrapassa 10% nos dados do Getulino e é inexistente n’O Estado e n’O Combate. (9) a. (...) por me haver guiado ao caminho acertadissimo de usar as Pilulas Antidyspepeticas do dr. O. Heinzelmann, para minha cura.)) (O Estado de São Paulo, 02/01/1920, Anúncio) b. (...) que optimos serviços tem prestado já á moralidade social de nossa terra. (Getulino, 30/12/1923, Nota) A conjugação dos resultados dos dois grupos de fatores — tipo semântico do predicador verbal e natureza semântica do complemento — nos permite identificar os contextos em que os redatores dos jornais estão empregando a preposição para e chegar a uma caracterização da variação nesse período. É o que podemos observar pelos índices apresentados na tabela 22. Locativo 39% (49/127) 41% (18/44) 62% (26/42) - Direção Mov./transf. Transf.Mat. Transf. Verbal Humano 10% (1/10) 0% (0/3) 3% (4/120) 5% (4/86) Tabela 2. Frequência de uso da preposição para, segundo o tipo semântico do predicador verbal e a natureza semântica do complemento Os resultados da análise quantitativa nos levam à identificação de duas configurações diferentes no emprego das preposições: 2 Os resultados referem-se ao conjunto dos dados dos quatro jornais analisados. O amálgama sintetiza uma correlação observada independentemente para cada um dos periódicos. 294 Diadorim8-cap14.pmd 294 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: (I) Convivência/concorrência das preposições em contexto de complemento [locativo] (o que poderíamos chamar de variação propriamente dita) (10 – 12): (10) a. Feitas as apresentações de estylo, foram as senhoras conduzidas em automoveis para a residência do snr. Brasilio Pereira. (Getulino 30/12/1923, Nota) b. Os cavalheiros tomando outros automoveis, foram conduzidos ao centro da cidade. (Getulino, 30/12/1923, Nota) (11) a. No dia seguinte, todos os operarios se dirigiram para a fabrica, ficando estupefatos ao depararem com um aviso [...]. (O Combate, 02/03/1918, Nota) b. Terminado que foi, a commisão campineira, acompanhada de senhorias, senhoras e cavalheiros, dirigiram-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade (Getulino, 06/01/1924, Nota) c. Acto continuo, dirigiu-se ao escritório do Crespi uma dessas victimas (...). (O Combate, 02/03/1918, Nota) (12) a. Chegados a São Paulo, em uma manhã, foram logo levados para um casarão em uma rua deserta (Getulino, 23/12/1923) b. [...] que quando na idade de sete annos, meu pae me levou á escola, eu já amava a minha Patria, respeitava a minha bandeira, sabia o nome dos meus gloriosos antepassados, [...] (Getulino, 9;9 1923 – editorial) Observe-se que as construções trazem, exatamente, as características sintático-semânticas que apontamos como as que se associam com o uso de para. Ou seja, é quando se expressa um movimento físico, concreto, em direção de uma meta que denota um lugar concreto que se dá a possibilidade de escolha entre a e para. Esse representa, do ponto de vista estrutural, o contexto de entrada da variação. (II) Predomínio da preposição a com complementos [animado/humano] (13) (13) a. O pleito de hontem deve trazer aos verdadeiros patriotas a convicção de que é preciso continuar a resistencia por todos os meios [...] (O Combate, p. 13, 02/03/1918 – Nota). b. O sr. Noé Juliao, residente actualmente em Socorro, onde gosa de geral estima, e que aqui esteve largos annos, como que querendo “matar” as saudades da “excelsa campinéa” onde seu nome de cidadão probo é recordado com affeição, enviou ao nosso chefe a seguinte 295 Diadorim8-cap14.pmd 295 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos carta: (Getulino, 26/8/1923 – editorial) c. Da casa do sapateiro, o expertalhão escreveu uma carta a Luciano Vicentino, residente á rua Monsenhor Andrade pedindo a este para entregar ao portador, o proprietario dos saccos, a importancia de 185 mil réis. (O Combate, 02/03/1918, Nota). d. Eu só pergunto ao collega sr. Dyonisio se a esomola resolve o problema do professorado bahiano [...]. (O Combate, 01/04/1918, Nota). e. (...) o declarante narrou taes segredos por escripto a differentes pessoas (...). (O Combate, 01/06/1918, Nota). Na situação descrita em (II), é preciso distinguir os contextos segundo o tipo de predicador: (i) os predicadores de movimento com transferência (13a) e transferência material (13b) também podem ocorrer com complemento locativo, que pode ser introduzido pela preposição para, como vimos em (I). Nesse caso, estabelece-se um certo tipo de ‘distribuição complementar’ no uso da preposição dependendo da natureza do complemento que acompanha o verbo; (ii) com os predicadores de transferência verbal/perceptual (13 c-e) não há a opção de um complemento locativo, e o emprego de a é quase categórico. No quadro acima esboçado, a natureza semântica do complemento desponta como o fator de mais peso na definição da variação. Isso fica patente no fato de ter sido o único grupo de fatores selecionado em todas as rodadas de análise multivariacional realizadas (ao contrário do tipo de predicador, que foi sistematicamente não-selecionado). Os índices obtidos falam por si: A 0.169 0.807 Locativo Humano PARA 0.831 0.193 Tabela 3. Indíces de peso relativo, segundo a natureza semântica do complemento Paralelamente a essas duas configurações bem definidas, identificamos alguns poucos casos em que se percebe o avanço do uso inovador. Trata-se do emprego de para em contexto de complemento humano (14) ou complemento que se refere a uma noção abstrata (15): 296 Diadorim8-cap14.pmd 296 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: (14 )a. [...] appareceu uma das mais graciosas vendedoras que se dirigindo para ele disse: ‘compre uma prenda para essa mocinha.’ (Getulino, 20/01/1924, Nota) b. Ahi está a razão dos ápodos que em conúbio de escribas nos são atirados, mas que felismente não nos attingem e tão pouco engraquessem a nossa Penna, que sempre prompta é para causticar os devassadores da classe mostrando para aquelles que innocentemente reincidem em erro, apezar de não serem passíveis de culpa, o verdadeiro cul [...inint...] (Getulino, 2/9/1923, Editorial) c. Enviamos para á distincta preceptora os nosso parabens pelo adiantamento de suas alumnas [...]. (O Estado de São Paulo, 03/01/ 1910 – Os Municípios – Nota) (15) a. Isso tanto os que se dedicam habitualmente á cultura algodoeira como os que para ella appellaram como um lenitivo á desgraça da geada” (Combate, 1918, Editorial)) b. E quantos descendentes dessa raça malsinada, levantando-se da condição miseravel em surtos sublimados, alaram-se aos cimos onde se reunem em choréa as musas e de lá troxeram para a nossa história laureas immarcessiveis”. (Getulino,1923 Editorial) Embora em número limitado, essas ocorrências apontam no sentido do caminho que o processo irá tomar, se levarmos em conta as conclusões dos estudos sobre estágios atuais do PB, já mencionados, particularmente em sua modalidade falada. No que se refere ao nosso segundo questionamento, relativo a uma possível correlação entre o gênero textual em que ocorreu a construção e a variação entre a e para, nossa análise conduziu a mais perguntas que respostas. Os dados investigados provieram de textos dos gêneros editorial, nota, anúncio e notícia. Em termos de índices gerais, não se desenhou uma hierarquia clara entre os gêneros: a preposição para está presente em 25% dos dados dos anúncios, em 20,5% dos dados dos editoriais, em 23% dos dados das notas e 15% dos dados das notícias. O grupo de fatores não foi selecionado como relevante para a explicação da variação, e os quatro jornais apresentaram quadros diferentes: enquanto no Getulino e n’O Rio Claro, os editoriais reúnem uma presença maior da preposição para que as notas, verifica-se o inverso n’O Estado, e n’O Combate há índices equivalentes nos dois gêneros. As notícias parecem constituir um gênero mais permeável à variante inovadora n’O Estado (29,5% de para), mas se mostram um contexto de resistência n’O Combate (17% de para). 297 Diadorim8-cap14.pmd 297 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Considerando, no caso em estudo, que a variação aparece fortemente associada a características de natureza linguística, restringimos a avaliação do papel dos gêneros ao contexto identificado como o mais favorável à presença da preposição para – as construções com complemento locativo. Apesar de tal recorte levar a células com um número por vezes pequeno de dados, emerge daí um indício de hierarquia que merece ser investigado com maior profundidade. É o que vemos na tabela 4. Anúncios 73% (24/33) 0.991 Editorial 41% (18/44) 0.771 Notas 40% (45/113) 0.771 Notícias 31% (8/26) 0.485 Tabela 4. Frequência e peso relativo — preposição para em construções com complementos locativos. O que esses dados sincrônicos permitem dizer sobre mudança... Tomamos como moldura do momento analisado, por um lado, a baixa freqüência ou quase ausência da preposição para nos contextos aqui considerados, tal como observada em estudos referentes aos séculos XVIII e XIX (Berlinck, 2000, 2001; Guedes e Berlinck, 2003)3 e, por outro, a predominância do emprego dessa preposição nos estágios atuais do PB (Berlinck, 1998; Gomes, 2003; Mollica, 1996; Torres-Morais, Berlinck, 2006). Os estudos de Berlinck (2000, 2001) mostram que, até o final do século XIX, o emprego geral de para não ultrapassava 10,5% nos contextos em análise. O locus desse uso estava nas construções com predicadores de direção e de transferência material (12% e 23% de para, respectivamente), em dados de anúncios de jornais. Por outro lado, as últimas décadas do século XX revelam o predomínio da preposição para. É o que constatam, por exemplo, Gomes (2003), para a fala carioca (88% com verbos do tipo de dar e 84% com verbos do tipo de falar) e Berlinck (2000) para a fala curitibana (93% de para com complementos dativos de 3ª pessoa). A partir disso e dos resultados obtidos no presente estudo, é possível considerar que o percurso do processo de substituição de a por 3 Os estudos referentes aos séculos XVIII e XIX analisaram dados provindos de relatos de viagem, peças de teatro e anúncios de jornais. Aqueles que focalizaram os estágios atuais do PB analisaram amostras de língua falada ou de língua escrita (anúncios e cartas de leitores/redatores). 298 Diadorim8-cap14.pmd 298 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: para atende a um dos princípios gerais dos processos de gramaticalização – de que a mudança se dá do concreto para o abstrato (Neves, 1997, p. 131). Ou seja, ela se inicia em contextos que exprimem situações concretas (predicadores que exprimem movimentos físicos, que têm como meta lugares concretos): (i) passa a situações em que se denota um movimento físico, mas em que a meta se transmuta num destinatário humano. Isso implicaria em um grau maior de abstração, porque associa ao movimento uma idéia de transmissão de posse; (ii) atinge contextos em que a combinação dos argumentos do predicador leva a uma interpretação abstrata de movimento, tendo um ‘objeto’ abstrato a ser transferido e/ou uma meta abstrata a ser alcançada. Quando investigamos o processo em um de seus estágios intermediários, como é o caso no presente estudo, verificamos que os usos inovadores estão proporcionalmente mais presentes nos contextos que envolvem predicadores de direção, de movimento com transferência e de transferência material, quando o complemento se refere a um lugar concreto, caso descrito em (i). Nesse sentido, concluímos que nem todas as distinções consideradas em termos de uma tipologia de predicadores verbais se mostraram relevantes para a caracterização da variação entre as preposições estudadas nesse período, o que fica patente pelo fato de esse grupo de fatores não ter sido selecionado na análise multivariacional. Complementarmente, identificamos alguns casos que correspondem aos estágios em (ii) e em (iii), indicando que já se manifestava, ainda que timidamente, uma tendência que vai se consolidar nos estágios atuais do PB. Estamos diante de um processo em que uma preposição já presente na língua (para) começa a assumir funções e a ocupar contextos de uso antes exclusivos da preposição a. Nesse sentido, consideramos ser possível descrever esse processo como um tipo de gramaticalização de para, na medida em que tem expandida a sua funcionalidade na língua. Por fim, considerando a segunda questão que guia este estudo, observou-se que o gênero textual não apresenta nesta amostra um papel decisivo nas escolhas dos falantes. Ressalte-se que uma grande dificuldade encontrada na aplicação dessa abordagem está ligada à própria identificação dos gêneros nos jornais da época. Berlinck e Bueno (2008) já advertem que “os textos nem sempre se deixam ‘classificar’ facilmente”, e isso se dá, em boa parte, porque, como afirma Bulhões (2007), o fim do XIX e o início do XX “não foi marcado por uma delimitação rigorosa 299 Diadorim8-cap14.pmd 299 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos entre os gêneros jornalísticos, algo que se vai desenvolver no Brasil a partir da década de 1950, (...)”. Embora consideremos imprescindível levar em conta a heterogeneidade dos gêneros e a possibilidade de que as variantes circulem de um modo diferente em cada um deles, admitimos que é preciso aprofundar a avaliação das características dos gêneros que são relevantes para o estabelecimento de uma escala pela qual possamos ordená-los – sejam aspectos do conteúdo temático ou do estilo seja uma combinação de aspectos dessas duas propriedades. Fica claro que tal escala precisa ser definida de modo independente em relação ao fenômeno estudado. Apesar do desafio que essa perspectiva representa, reiteramos a convicção de que é fundamental investir no estabelecimento de critérios e parâmetros consistentes para a distinção dos textos segundo os gêneros que materializam e a incorporação desses fatores na análise de fenômenos lingüísticos. Uma outra linha de interpretação que nos parece merecer investigação vem do tipo de fenômeno variável que está sendo investigado, do ponto de vista de sua avaliação social. Embora a norma gramatical apresente a preposição a como típica dos contextos estudados, não há uma cobrança explícita quanto ao seu emprego. O que queremos dizer é que, ao contrário de fenômenos como a marcação de número no sintagma nominal e no sintagma verbal, ou a expressão anafórica do objeto direto por um clítico acusativo, a variação de preposições não está sujeita a uma forte avaliação social. De modo que as alternâncias e a gradativa substituição da preposição a por para (em menor intensidade, também por em e até) nos contextos dos predicadores analisados não sofrem fortes pressões externas e têm, por isso, condições favoráveis para se expandir. As conclusões dos estudos sobre o estágio atual da variedade brasileira parecem confirmar esse percurso. Referências Bibliográficas BAKHTIN, M. 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O objetivo principal é caracterizar tal variação em um momento que se situa a meio caminho entre um estágio de predomínio quase absoluto da preposição a (primeira metade do século XIX) e um quadro em que se destaca a preposição para como a variante dominante (fim do século XX). Dois aspectos principais são levados em conta na análise: (i) fatores de natureza semântica, associados ao verbo e ao complemento e (ii) o gênero textual em que a construção ocorre (editorial, anúncio, nota social, notícia). A análise de dados segue a proposta teóricometodológica da Teoria da Variação e Mudança Linguísticas (Weinreich, Labov, Herzog, 1968; Labov, 1972, 1994, 2001) e adota a concepção de gênero textual, tal como estabelecida a partir de Bakhtin (1979) e outros desdobramentos e aplicações atuais (Bazerman, 2005; Fiorin, 2006; Marcuschi 2008), além das discussões sobre gêneros nos jornais, presentes no trabalho de Bonini (2003) e em estudos da área de Comunicação. Os resultados revelam um quadro heterogêneo que inclui contextos efetivamente variáveis (em que se expressa um movimento físico, concreto, em direção de uma meta que denota um lugar concreto) e contextos quase impermeáveis à variante inovadora (complementos que denotam um referente humano e predicadores de transferência verbal/perceptual). Palavras-chave: preposição, complementação verbal, gênero textual, variação linguística, português brasileiro Abstract This study analyses the variable use of prepositions (particularly a and para) as verb complement in newspaper articles published in the early decades of the 20th century in São Paulo newspapers. The purpose is to investigate such variation in a moment that lies 304 Diadorim8-cap14.pmd 304 06/12/2011, 22:20 “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: half way between a stage of almost complete dominance of the preposition a (the first half of the 19th century) and the appearance of preposition para, which would become the dominant variant in the end of the 20th century). Two main aspects are taken into account in the analysis: (i) semantic factors, associated with the verb and its complement and (ii) the genre in which the construction occurs (editorials, advertisements, social notes, news). Data analysis follows the theoreticalmethodological proposal of the Theory of Language Variation and Change (Weinreich, Labov, Herzog, 1918, Labov, 1972, 1994, 2001) and adopts the concept of genre, as established in Bakhtin (1979). Other developments and current applications (Bazerman, 2005; Fiorin, 2006; Marcuschi, 2008), as well as discussions on gender in newspapers, as present in the work of Bonini (2003) and studies in the area of Communication are also taken into account. The results show a mixed picture including contexts effectively variable (which express a physical concrete movement, towards a goal that denotes a specific place) and contexts almost impermeable to the innovative variant (complements that show a human referent, predicators of verbal or perceptual transfer). Keywords: preposition, verbal complementation, genre, linguistic variation, Brazilian Portuguese 305 Diadorim8-cap14.pmd 305 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap14.pmd 306 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott1 Izete Lehmkuhl Coelho2 1. Introdução Descrevemos e analisamos, neste trabalho, o processo de variação e mudança na concordância verbal de terceira pessoa do plural, correlacionandoo a três variáveis internas: posição do sujeito em relação ao verbo, traço [+/humano] do sujeito e tipo de verbo, que se mostraram importantes condicionadoras da não marcação de concordância (cf. Monguilhott, 2001, 2009 e Carrilho, 2003). Nossa análise terá como base empírica amostras de fala de quatro localidades de Florianópolis (PB) e de quatro localidades de Lisboa (PE)3 e amostras de escrita catarinense e lisboeta4. 1 Docente da Universidade Federal do Amazonas em exercício provisório na Universidade Federal de Santa Catarina. 2 Docente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/CNPq - Processo 305345/ 2008-6). 3 Nossa amostra de fala constitui-se de trinta e duas entrevistas de diferentes regiões: 16 sujeitos nascidos em Florianópolis e 16 em Lisboa. Desse total de 32 informantes, 16 cursaram até as séries finais do ensino fundamental e 16 cursaram o ensino superior. Os dados de fala da amostra Florianópolis foram coletados entre 2006 e 2007 e os dados da amostra Lisboa foram coletados durante estágio de doutorado no exterior realizado por Monguilhott, no período de agosto de 2007 a janeiro de 2008, na Universidade de Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ernestina Carrilho. O estágio foi realizado com bolsa Capes, processo 0773/07-7, por meio do Programa de Doutorado no País com Estágio no Exterior — PDEE. 4 Nosso corpus diacrônico inicia-se no século XIX, quando a imprensa é introduzida em SC pelo Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho com o Jornal “O Catharinense”, em 28/ 7/1831. Para manter a comparabilidade das amostras, as peças portuguesas também foram consideradas a partir do século XIX, embora, em Portugal, se encontrem, naturalmente, peças teatrais de épocas anteriores. Diadorim8-cap15.pmd 307 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Os objetivos específicos deste trabalho vão em três direções: (i) caracterizar e explicar as motivações internas que condicionam a variação na concordância verbal, buscando observar, a partir da descrição e análise das três variáveis internas, quais os contextos sintáticos de restrição à marcação de concordância verbal; (ii) comparar amostras empíricas do português falado e escrito em Portugal e no Brasil; (iii) buscar hipóteses teóricas para explicar a não marcação de concordância verbal. Neste trabalho, nosso interesse se volta especificamente às mudanças que podem ter ocorrido na gramática do PB. Para a descrição e análise da variação e mudança de nosso objeto de estudo, nos apoiamos nos pressupostos da teoria da variação e mudança (Weinreich; Labov; Herzog, 1968 e Labov, 1994). E para a discussão dos grupos de fatores internos: posição do sujeito em relação ao verbo, traço [+/humano] do sujeito e tipo de verbo nos apoiamos no quadro da teoria gerativa, mais especificamente no modelo de Princípios e Parâmetros (cf. Chomsky, 1981, 1986). Feita esta breve introdução, passamos à organização do trabalho. Na próxima seção, serão apresentados resultados estatísticos dos três condicionadores internos da variação na concordância verbal na fala de Florianópolis e de Lisboa. Na seção seguinte, serão discutidos alguns contextos de restrição à marcação de concordância verbal em amostras de peças de teatro de autores catarinenses e lisboetas. Faremos, então, algumas reflexões sobre o enfraquecimento da concordância verbal no PB. Na última seção, sistematizaremos os resultados da discussão aqui proposta. 2. Descrição e análise da variação na concordância verbal Ao controlarmos os condicionadores internos da não marcação de concordância verbal, neste trabalho, procuramos investigar particularmente a variável posição do sujeito em relação ao verbo por acreditarmos que a posposição do sujeito é um dos principais contextos sintáticos de restrição à marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural. Não podemos deixar de constatar, a partir do que a literatura já aponta para o PB (Berlinck, 1988, 1995; Coelho, 2000, 2006; Monguilhott, 2001, 2009; entre outros), a correlação que existe entre os fenômenos variáveis concordância verbal e ordem do sujeito no que se refere aos seus condicionadores sintáticos, a saber: (i) a não marcação de concordância verbal é condicionada pela posposição do sujeito (cada vez mais restrita) e a posposição do sujeito é marcada pela não concordância; 308 Diadorim8-cap15.pmd 308 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância (ii) a não marcação de concordância verbal é condicionada pelo verbo inacusativo e o verbo inacusativo aparece preferencialmente em contextos de posposição do sujeito em sentenças apresentativas; (iii) a não marcação de concordância verbal é condicionada pelos sintagmas nominais marcados com traço [-humano] e os sintagmas com traço [-humano] aparecem preferencialmente em contextos de posposição do sujeito. Para entender um pouco mais essas correlações foram feitas duas rodadas estatísticas utilizando-se o pacote Goldvarb2001 (Robinson; Lawrence; Tagliamonte, 2001), uma com a amostra de fala de Florianópolis e outra com a amostra de fala de Lisboa. Além disso, foram feitos alguns cruzamentos entre as variáveis estudadas. Do total de 697 dados investigados na primeira amostra, foram encontrados 138 sem marcação de concordância verbal (19%). Já na segunda amostra, das 607 ocorrências, apenas 24 exibiam ausência de marca de concordância (3%). Observemos a seguir resultados do controle das três variáveis linguísticas no não favorecimento da marcação de concordância nas duas variedades. 2.1 Posição do sujeito em relação ao verbo Resultados de trabalhos empíricos do PB (Lemle; Naro, 1977; Pontes, 1986; Scherre; Naro, 1998; Monguilhott, 2001, 2009; Silva, 2003; Cardoso, 2005) apontam que a probabilidade de concordância verbal com sintagmas nominais pós-verbais é muito menor do que com sintagmas pré-verbais, independendo do nível de escolaridade do falante. Monguilhott (2001), por exemplo, encontra cerca de 29% de não marcação de concordância de número entre verbo e sujeito (ordem VS), sem distinção de nível de escolaridade. Berlinck (1988), ao descrever a variação da ordem do sujeito, também apresenta resultados que apontam maior tendência aos sintagmas nominais pospostos desencadearem menor concordância. A autora considera que essa associação entre sintagma posposto e ausência de concordância tem servido de argumento favorável à tese do caráter menos ‘subjetivo’ do sujeito. Pontes (1986) discute o estatuto de sujeito do sintagma posposto evidenciando que este tipo de sujeito apresenta características de objeto (posição VS, [- concordância]). A autora ressalta, a partir de um teste feito com alguns estudantes da Faculdade de Letras da UFMG, que o sintagma posposto é considerado, muitas vezes, como objeto por uma parcela significativa de falantes que, por consequência, apresentam dificuldade na marcação de concordância com esses tipos de sintagmas. 309 Diadorim8-cap15.pmd 309 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Baseando-nos em resultados de trabalhos empíricos, controlamos a posição do sujeito em relação ao verbo como um dos condicionadores da não marcação de concordância verbal5, em amostras do PB e do PE, esperando encontrar enfraquecimento da concordância com o sintagma pós-verbal nas duas variedades. Acreditávamos que as construções com sujeito posposto apareceriam com uma tendência forte à variante zero de plural nos verbos. · Sujeito anteposto (1) As mulheres não tinham direito a voto (PERCFVF04)46 · Sujeito posposto (2) Veio pessoas doentes, idosas (PBRIMJS13) Nossos resultados para esse grupo de fatores atestam a nossa hipótese, apontando que, tanto na amostra de Florianópolis, quanto na de Lisboa, a frequência de não concordância é menor quando o sujeito está anteposto ao verbo, com 16% e 3%, distanciando-se significativamente da posposição do sujeito, com 73% e 37% de não marcação, como mostra a tabela 1. Posição do sujeito em relação ao verbo Sujeito anteposto Sujeito posposto Total Amostra Florianópolis Aplicação/Total = % 75/480 = 16% 35/48 = 73% 110/5287= 21% Amostra Lisboa Aplicação/Total = % 7/269 = 3% 16/43 = 37% 23/312 = 7% Tabela 1: Frequência de não concordância nas amostras investigadas, segundo a variável ‘posição do sujeito em relação ao verbo’. 5 A aplicação da regra neste trabalho refere-se à não-marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural. 6 A codificação refere-se à variedade do português (PB – Português Brasileiro, PE – Português Europeu); à localidade (PB: RI – Ribeirão da Ilha, IN – Ingleses, CL – Costa da Lagoa, RC – Região Central; PE: SI – Sintra, CA – Cascais, BE – Belém, RC – Região Central); ao sexo (M – masculino, F – feminino); à idade (J – de 15 a 36 anos, V – de 48 a 76 anos), à escolaridade (F – ensino fundamental, S – ensino superior) e ao número da entrevista. 7 Foram analisados todos os dados de construções que apresentavam variação na concordância verbal de terceira pessoa, extraídos de cada uma das trinta e duas entrevistas investigadas, obtendo um total de 697 dados para o PB e 607 dados para o PE. Para o grupo de fatores posição do sujeito em relação ao verbo, temos um total de 528 dados para o PB e 312 para o PE, pois os dados de sujeito nulo não puderam ser considerados. 310 Diadorim8-cap15.pmd 310 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância 2.2 Traço [+/-humano] do sujeito Controlamos, neste grupo de fatores, os traços semânticos das formas de representação do sujeito do tipo [+/-humano]: · Traço [+humano] (3) Todas as minhas amigas namoravam e Ø vinham às festas aqui (PBRIFVS05) · Traço [-humano] (4) Tem várias etnias que contribuíram pra formação dessa nossa ilha (PBRIMJS13) Em relação a esse grupo de fatores, esperávamos encontrar nas duas variedades do português uma tendência à marcação de concordância quando o traço semântico do sujeito fosse [+humano] e à não marcação de concordância quando fosse [-humano]. Essa hipótese está atrelada à idéia de que o traço [-humano] tenderia a desencadear menos marcas de concordância no verbo em função de, numa escala de “sujeitividade”, apresentar-se menos “sujeito”. Corroborando nossa hipótese e também outras pesquisas com amostras do PB, nossos resultados da amostra Florianópolis apontam, por um lado, que, quando a sentença possui um sujeito representado por um sintagma [+humano], a frequência de não concordância verbal é menor (17%), conforme observamos na tabela 2; por outro lado, sentenças com sintagma [-humano] apresentam frequência maior de não marcação de concordância (52%). Assim também acontece com os resultados da amostra Lisboa, quando a sentença apresenta um sintagma [+humano], a frequência de não concordância verbal é quase nula (2%), já em sentenças com sintagma [-humano] a frequência é bastante significativa: 21%. Traço humano no sujeito Traço [+humano] Traço [-humano] Total Amostra Florianópolis Aplicação/Total = % 107/637 = 17% 31/60 = 52% 138/697 = 20% Amostra Lisboa Aplicação/Total = % 11/542 = 2% 13/61 = 21% 24/607 = 4% Tabela 2: Frequência de não concordância nas amostras investigadas, segundo a variável ‘traço humano no sujeito’. 311 Diadorim8-cap15.pmd 311 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos 2.3 Tipo de verbo Para investigar o tipo de verbo, controlamos os monoargumentais distintamente, de acordo com a proposta de Burzio (1986)8, segundo a qual as estruturas, a que denominou ergativas (doravante inacusativas), diferem das intransitivas (ou não ergativas) em duas propriedades: (i) só exibem uma posição temática, a de argumento interno; (ii) o argumento interno não recebe Caso acusativo9. Segundo o autor, as estruturas inacusativas são derivadas de uma Estrutura-D (estrutura profunda) que apresenta a posição de especificador vazia, devido a uma operação no nível lexical que suspende o papel temático do sujeito. Decorrente de não ter recebido Caso em sua posição de base, em Estrutura-D, o sintagma nominal se movimenta para a posição de sujeito na qual recebe nominativo. Depois do movimento dos sintagmas, as construções manifestam a mesma estrutura superficial: Estrutura-S de verbos inacusativos: [IP SNi V [VP tv ti] ] Estrutura-S de verbos intransitivos: [IP SNi V [VP ti tv] ] Dentro dessa proposta, considera-se que o verbo de uma construção intransitiva seleciona apenas um argumento externo (cf. exemplo em (6)), enquanto o verbo de uma construção inacusativa seleciona um argumento interno, argumento que reflete a função temática de tema (como em (5)). Além desses verbos, controlamos também neste trabalho o verbo de uma construção transitiva, aquele que seleciona um argumento externo e um argumento interno necessariamente, como ilustrado em (7). Com relação ao verbo cópula, fizemos uma primeira rodada preliminar com ele e, em seguida, o excluímos da rodada, por apresentar um comportamento particular, o de permitir tanto concordância com o sujeito quanto concordância com o predicativo, principalmente quando um dos termos envolvidos fosse o pronome indefinido tudo, como ilustra o exemplo em (8). 8 A hipótese de Burzio dentro da Teoria Gerativa remonta às discussões de Perlmutter (1976), feitas no quadro teórico conhecido como Gramática Relacional. 9 Uma das evidências do não recebimento de Caso acusativo é o fato de o argumento interno selecionado por um verbo desse tipo não admitir um clítico acusativo, como no exemplo: (a) Faltou um aluno. (b) *Faltou-o. 312 Diadorim8-cap15.pmd 312 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância · Inacusativos (5) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13) · Intransitivos (6) Muitos escravos também trabalhavu nessa atividade (PBRIMJS13) · Transitivos (7) Os alunos dão importância também pra esse profissional (PBINFVS06) · Cópula (8) Como a maioria dos professores são catalães, é tudo em catalão, os textos é tudo em catalão (PERCFJS16)10 Excluídos os verbos copulativos da análise, nossa hipótese para as duas variedades do português era que iríamos encontrar verbos inacusativos desfavorecendo a marcação de concordância e verbos intransitivos tendendo a mais marcação de concordância, por conta de suas propriedades diferenciadas de seleção. Os verbos transitivos, que se caracterizam por selecionarem argumentos externos, deveriam se comportar como os intransitivos, apresentando maiores chances de marcas de concordância. Na tabela 3, a seguir, podemos observar os resultados para o tipo de verbo. Como evidências favoráveis à nossa hipótese, verbos inacusativos apresentam ambientes mais propícios à não marcação de concordância nas duas amostras, diferentemente dos verbos intransitivos e transitivos que se mostram mais favorecedores à marcação de concordância verbal. Nossos resultados ratificam resultados de outros estudos do PB que controlaram o grupo de fatores tipo de verbo levando em consideração os inacusativos (Monguilhott, 2001, 2009; Silva, 2003; Cardoso, 2005). Embora em algumas pesquisas esse grupo de fatores não tenha sido selecionado pelo programa Goldvarb/2001 como estatisticamente relevante, os percentuais sempre apontam para certa 10 Uma análise estatística preliminar mostrou que, na amostra de Lisboa, o verbo copulativo é favorecedor da não marcação de concordância do verbo com o sujeito (21%). Ao fazermos uma busca dos contextos sintáticos com verbos copulativos, entretanto, percebemos que eram comuns exemplos em que o verbo concordava com o predicativo. Nesse caso, em geral, os sintagmas nominais sujeitos eram marcados com traço [- humano] e pareciam estar em uma posição de tópico. É como se tivéssemos um pronome nulo neutro (como um isso) na posição do sujeito, como em: Os sonhos [isso] é assim umas bolinhas, ótimo, de massa que aquilo depois é frito e depois passa-se no açúcar e canela e as filhoses [isso] é assim compridas (PECAFJF11). Esse tipo de verbo merece, pois, uma discussão em separado, que será deixada para uma outra oportunidade. 313 Diadorim8-cap15.pmd 313 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos tendência à não marcação de concordância em contextos de inacusatividade. Tipo de verbo Verbo transitivo Verbo intransitivo Verbo inacusativo Amostra Florianópolis Aplicação/Total = % 60/363 = 16% 19/106 = 18% 59/229 = 26% Amostra Lisboa Aplicação/Total = % 5/324 = 1% 2/71 = 3% 17/212 = 8% Total 138/697 = 20% 24/607 = 4% Tabela 3: Frequência de não concordância nas amostras investigadas, segundo a variável tipo de verbo Observamos nos resultados da tabela um favorecimento à variação na concordância verbal com verbos inacusativos, tanto no português falado em Florianópolis (26%), quanto no português falado em Lisboa (8%). Esse é mais um contexto sintático favorável à não marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural. Vale lembrar, entretanto, que esses resultados não distinguem falantes escolarizados de não escolarizados11. 2.4 Algumas considerações sobre as variáveis internas no PB e no PE Nossos resultados gerais mostram um percentual de variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural distinto nas duas variedades do português analisadas. O PE apresenta apenas 4% de não marcação de concordância nos verbos (dos 607 dados, 24 não apresentaram marcas de plural). Os dados do PB mostram uma frequência mais robusta de não marcação de concordância, 20% (dos 697 dados, 138 não apresentaram marcas de concordância). Comparativamente aos resultados do PE, a frequência de marcação de concordância no PB é bem mais baixa. Em relação às variáveis independentes discutidas para as duas amostras analisadas, observamos os mesmos contextos sintáticos favorecedores de não marcação. Ambas as variedades do português apresentam a mesma curva. Temos os fatores sujeito posposto, traço [humano] e verbo inacusativo como contextos que se mostram menos 11 Uma importante discussão sobre o condicionamento da variável escolaridade sobre a marcação de concordância verbal pode ser encontrada em Monguilhott (2009). 314 Diadorim8-cap15.pmd 314 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância favorecedores da marcação de concordância verbal, tanto para o PB, quanto para o PE. Para dar mais visibilidade aos contextos sintáticos de não concordância – ilustrados de (9) a (14) – fizemos alguns cruzamentos entre as variáveis consideradas neste trabalho nas duas variedades. (9) Sempre existe aquelas conversas, né? (PBRIMJS13) (10) Então às vezes aqui acontece alguns casos (PBRIMJS13) (11) Aí começou os horário de cinco e meia (PBCLFVS07) (12) Já existe trilhas ecológicas (PECAFJS15) (13) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13) (14) Dia dois, eu acho, já começa as aulas (PECAFJF11) Os resultados desses cruzamentos são mostrados nas tabelas 4, 5 e 6, a seguir. Cruzamento entre ‘tipo de verbo’ e ‘posição do sujeito’ Verbo transitivo Ordem SV Ordem VS Verbo intransitivo Ordem SV 12 Ordem VS Verbo inacusativo Ordem SV Ordem VS Amostra Florianópolis Com CV Sem CV Amostra Lisboa Com CV Sem CV 85% 15% SEM DADOS 96% 4% SEM DADOS 83% 17% 17% 83% 94% 100% 6% 0% 84% 29% 16% 71% 100% 61% 0% 39% Tabela 4: Frequência de concordância nas amostras investigadas, segundo o cruzamento entre as variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘ordem do sujeito’ Como podemos observar na tabela 4, os contextos sintáticos favorecedores da não marcação de concordância verbal, nas duas variedades, são os mesmos: VS inacusativa. Esses casos de VS podem ser comparados às estruturas encontradas em línguas não pro-drop como o francês, em que o pronome expletivo é manifesto (il) e a sentença não 12 Poucos foram os dados de VS encontrados com verbos intransitivos: cinco dados de VS sem concordância, (5/6 = 83%) e apenas um dado de VS com concordância (1/ 6 = 17%). Por este motivo, o percentual alto de VS sem concordância (83%) deve ser relativizado. 315 Diadorim8-cap15.pmd 315 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos apresenta concordância com o sintagma posposto, como o exemplo (15) ilustra: (15) a. Il est arrivé trois hommes b.* Il sont arrivés trois hommes Segundo Kato e Tarallo (1988), na estrutura inacusativa, o “sujeito posposto” ocupa a posição sintática de objeto verbal e o verdadeiro sujeito gramatical da oração é um pronome expletivo realizado (como no francês) ou nulo (como no português). Parece que uma das explicações para as construções de (9) a (14) sem marcação de concordância poderia ir nessa mesma direção: em todas as sentenças com posposição do sujeito é possível supor que haja um expletivo nulo na posição do sujeito e que os sintagmas pospostos estejam ocupando a posição de objeto. Na inversão inacusativa haveria, portanto, uma tendência à não concordância entre a forma verbal e o sujeito posposto. Observemos, a seguir, os resultados do cruzamento entre as variáveis ‘traço humano no sujeito’ e ‘posição do sujeito’. Cruzamento entre ‘traço humano no sujeito’ e ‘posição do sujeito’ Traço [+humano] no sujeito Ordem SV Ordem VS Traço [-humano] no sujeito Ordem SV Ordem VS Amostra Florianópolis Com CV Sem CV Amostra Lisboa Com CV Sem CV 86% 37% 17% 63% 98% 79% 2% 21% 66% 11% 34% 89% 93% 42% 7% 58% Tabela 5: Frequência de concordância nas amostras investigadas, segundo o cruzamento entre as variáveis ‘traço humano no sujeito’ e ‘ordem do sujeito’ Os resultados estatísticos reforçam o favorecimento da posposição como um ambiente sintático de não marcação de concordância verbal nas duas variedades, com uma leve tendência à não concordância em contextos VS marcados com traço [-humano] nos dados de fala de Florianópolis (de 63% para 89%) e um acentuado aumento de não marcação nos dados de fala de Lisboa (de 21% para 58%). Vejamos a seguir, na tabela 6, resultados do comportamento das variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘traço humano no sujeito’. 316 Diadorim8-cap15.pmd 316 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância Cruzamento entre as variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘traço humano no sujeito’ Verbo transitivo Traço [+humano] no sujeito Traço [-humano] no sujeito Verbo intransitivo Traço [+humano] no sujeito Traço [-humano] no sujeito13 Verbo inacusativo Traço [+humano] no sujeito Traço [-humano] no sujeito Amostra Florianópolis Com CV Sem CV Amostra Lisboa Com CV Sem CV 84% 57% 16% 43% 99% 90% 1% 10% 83% 50% 17% 50% 97% 100% 3% 0% 82% 47% 18% 53% 97% 72% 3% 28% Tabela 6: Frequência de concordância nas amostras investigadas, segundo o cruzamento entre as variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘traço humano no sujeito’ Considerando em especial os verbos inacusativos, percebe-se que seu sujeito superficial possui características semânticas e gramaticais dos objetos verbais, entre as quais a de ter um papel temático não agentivo e a de ser marcado com traço [–humano]. É nesse ambiente sintático, o dos inacusativos, que se observa um favorecimento da não marcação de concordância nas duas variedades estudadas: de 18% para 53% em amostras do PB e de 3% para 28% em amostras do PE (cf. tabela 6). Segundo a hipótese da inacusatividade, argumentos internos selecionados por verbos inacusativos são de fato objetos na estrutura subjacente da sentença, sendo eventualmente promovidos a “sujeitos superficiais”, por meio de movimento, por exemplo. Nesse caso, em geral, o sintagma nominal vai para uma posição de especificador de IP, em que se dá a relação de concordância entre o especificador e o núcleo. Os exemplos em (16) e (17) ilustram as diferentes ordens e dão rosto aos resultados estatísticos da tabela 6. (16) As pessoas começaram a ir pra Lagoa (PBCLFVS07) (17) Aí começou os horário de cinco e meia (PBCLFVS07) 13 Três foram os dados encontrados em contextos de intransitividade com traço [humano], dois na amostra de Florianópolis e um na amostra de Lisboa. Todos eles foram encontrados em contextos de metonímia, em que uma entidade está representando uma pessoa: (i) Os estudos culturais não trabalham com essa produção (PBRCMJS16); (ii) Tem quarenta e seis barquinho que trabalha lá no verão (PBCLMVF03) e (iii) Onde as gôndolas andam (PERCFVF04). 317 Diadorim8-cap15.pmd 317 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Ainda quanto aos verbos inacusativos, o que se observa nos dados é que majoritariamente não há concordância entre verbo e sujeito posposto na terceira pessoa do plural. Além disso, eventualmente também encontramos variação entre sujeito anteposto e verbo, como em (18). Nesse caso, o verbo inacusativo é o fator condicionador da não marcação de concordância. (18) As pessoas não sai do Ribeirão todo dia pra vim no centro (PBRCMJS16) Retomando os resultados estatísticos das tabelas apresentadas anteriormente, podemos verificar que a não marcação de concordância com verbos não inacusativos é bem restrita, conforme exemplos de (19) a (21). (19) Mora três lá perto da minha casa (PBINFVF02) (20) Trabaia uns na pesca (PBCLMVF03) (21) Os neto dele chamava ele de tolo, Ø dizia: ah, o vô é tolo! (PBCLMVF03) Nos dois primeiros casos, verifica-se a força do fator posposição do sujeito atuando na não manifestação da concordância. E quanto à sentença (21) sem marcação de concordância? Note-se aí que o contexto sintático é favorecedor da marcação de concordância: ordem SV, sintagma [+humano] e verbo não inacusativo. Acreditamos que, nesse caso, outras variáveis poderiam explicar a não marcação de concordância verbal, como o paralelismo estrutural, a menor saliência fônica ou a escolaridade do falante, por exemplo.14 Enfim, nossos resultados estatísticos acenam especialmente para duas correlações: (i) entre tipo de verbo, ordem do sujeito e concordância verbal: inversão inacusativa favorece a não marcação de concordância verbal; (ii)entre inversão inacusativa, traço semântico do sujeito e concordância verbal: “sujeitos” de inversão inacusativa (VS), marcados com traço [humano], tendem a não marcação de concordância verbal. 3 Análise diacrônica do PB e do PE Apresentamos agora a análise diacrônica do português escrito nos séculos XIX e XX, com o intuito de observar o que acontece com algumas 14 Monguilhott (2009) traz resultados estatísticos sobre o condicionamento dessas variáveis na marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural. 318 Diadorim8-cap15.pmd 318 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância propriedades sintáticas do português ao longo dos séculos15. Nossa amostra diacrônica constitui-se de 14 peças de teatro de autores catarinenses (amostra 1) e de 14 peças de autores portugueses (amostra 2). Dessas 14 peças de cada variedade do português, cinco foram escritas no século XIX e nove no século XX. Selecionamos, em princípio, uma peça por década, entre 1859 e 1997. Nas 28 peças encontramos dados em variação na concordância verbal em cinco peças da amostra 1 (PB) e em apenas duas da amostra 2 (PE). Apresentamos os resultados das peças com dados de concordância variável nos quadros abaixo. Em relação aos resultados gerais da amostra 1, temos no século XIX um total de 197 dados, com 100% de marcação de concordância verbal. No século XX, temos um total de 351 dados, dos quais 10 sem marcas de plural nos verbos. Podemos observar o total de dados levantados em cada peça analisada no quadro 1, a seguir. Quadro 1 – Peças de teatro de SC (amostra 1) Ano Peça / Autor Dados to tais Dados sem CV 1867 1868 1880 1890 1898 TOTAL A Casa para Alugar de José C. Lacerda Coutinho [1842-1900] Raimundo de Álvaro Augusto de Carvalho [1829-1865] Os Ciúmes do Capitão de Arthur C. do Livramento [1854-1897] O Idiota de Horácio Nunes [1855-1919] Brinquedos de Cupido de Antero dos Reis Dutra [1855-1911] 05 peças 25 dados 70 dados 23 dados 35 dados 44 dados 197 dados - Século XX 1918 1920 1928 1939 1942 1954 1970 1982 1993 TOTAL Waltrudes, o nauta veneziano de Ildefonso Juvenal [1894-1965] Jardim Maravilhoso de Clementino de Britto [1879-1953] Ilha dos Casos Raros Nicolau Nagib Nahas (1890-1934) Reconciliação de João Anto nio Vecchione O Colar de Pérolas de Ildefonso Juvenal [1894-1965] A Morte de Damião de Ody Fraga [1927-1987] A Estória Ademir Rosa (1949-1997) O Dia do Javali Mário Júlio Amorim (1939) Stradivarius Augusto Miltom de Sousa (1944) 09 peças 02 dados 17 03 dados 02 dados 03 dados 10 dados TOTAL 14 peças 35 dados 23 dados 32 dados 29 dados 40 dados 27 dados 52 dados 48 dados 65 dados 351 dados 548 dados 16 Século XIX 10 dados 15 Não iremos controlar grupos de fatores condicionadores na nossa análise diacrônica, em função do pequeno número de dados de não concordância encontrado. Acreditamos que, se a nossa amostra fosse constituída de outros gêneros do discurso, talvez tivéssemos mais dados. Esperamos investir na ampliação da amostra em investigações futuras. 319 Diadorim8-cap15.pmd 319 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos No que se refere à amostra 2 (PE), também encontramos no século XIX, 100% de marcação de plural nos verbos. No século XX, dos 371 dados, apenas 02 apresentaram marcas zero de plural nos verbos. No quadro 2, abaixo, observamos o total de dados levantados nas peças. Quadro 2 – Peças de teatro de Lisboa (amostra 2) Ano Século XIX 1859 1865 1868 1879 1894 TOTAL Século XX 1918 1923 1928 1934 1945 1953 1977 1986 1997 TOTAL TOTAL P eça / Autor Dado s totais Dados sem CV O Último Acto de Camilo Castelo Branco [1825-1890] J.R. de Luís de Araújo [1833-1906] P ara as Eleições de Júlio César Machado [1835-1890] P aris em Lisboa de Carlos de Moura Cabral [1852-1922] O festim de Baltasar de Gervásio Lobato [1850-1895] 05 peças 34 dados 66 dados 23 dados 31 dados 55 dados 209 dado s - O Fim de Antônio Patrício [1878-1930] O Doido e a Morte de Raul Brandão [1867-1930] Lua-de-mel de Vitoriano Braga [1888-1940] A Prima Tança de Alice Ogando [1900-1981] B alada de outono de Carlos Selvagem [1890-1973] Casaco de Fogo de Romeu Correia [1917-] O homem da bicicleta de Jaime Gralheiro [1930-] D. João no jardim das delícias de Norberto Ávila [1936-] F umos de glória de António Faria [1942-] 09 peças 14 peças 57 dados 24 dados 26 dados 25 dados 40 dados 50 dados 58 dados 46 dados 45 dados 371 dado s 580 dado s 02 dados 02 dados 02dados A seguir, iremos analisar os dados diacrônicos que não apresentaram marcas de concordância nos verbos. Primeiramente, vale ressaltar que, no século XIX, podemos falar de um sistema de concordância obrigatória na 16 No século XIX, na amostra 1 (amostra do PB), encontramos dois dados sem concordância, que foram desconsiderados neste trabalho, por conta de sua especificidade. Vejamos: (i) João André: Eu te conheço; ficarias vermelho. Olha Raimundo, nós marinheiros, nós que nos criamos sobre o convés, não devemos abaixar a cabeça diante dessa súcia de biltres que não nos valem, nem no corpo, nem n’alma: não nos misturemos, Raimundo; sejamos, sempre, francos marujos, e bons camaradas. E com um milhão de diabos, quando alguém se engrilar mostra-se-lhe os dez mandamentos. (Peça: Raimundo, 1868, p.40) (ii) D. Manoel: É o que acontece sempre que se vive em contato imediato com o povo; toma-se amizades...relações, e esquece a gente o que deve ao seu nome (Peça: Raimundo, 1868, p.58). Os dois exemplos de não concordância são de construções de sujeito posposto marcadas com traço [- humano]; ambiente desfavorecedor da concordância também na nossa análise sincrônica. Cabe salientar, entretanto, que essas construções são do tipo [verbo+se+SN], não controladas na amostra sincrônica. 17 Os exemplos: São tanta as arruaça, os otomóve véve sempre a corrê que inté parece um raio. Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos Raros, 1928, p.40) são diferentes de todos os outros encontrados nas peças. Apresentam uma fala visivelmente caricatural de uma pessoa não escolarizada. Por esse motivo não serão considerados nesta análise. 320 Diadorim8-cap15.pmd 320 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância língua portuguesa (nas duas variedades) tanto com sujeito anteposto quanto com sujeito posposto. A possibilidade de posposição nesse período, com marca flexional distintiva no verbo, de certa forma, facilitaria o reconhecimento do sujeito invertido como sujeito da sentença pelos falantes. Por outro lado, no século XX, há indícios de um sistema com concordância variável, principalmente na amostra 1 (PB), como os exemplos de (22) a (28) atestam. (22) Paulo: Emquanto o homem possue dinheiro è considerado na Sociedade. Mil aduladores o cerca. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.62) (23) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgamse felizes no mundo. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67) (24) Mulher: É, os primeiros pingos de chuva começa a cair. Preciso ir. (Peça: A Estória, 1970, p.10) (25) Mulher: Minha religião e educação não permite. (Peça: A Estória, 1970, p.21) (26) Moambeiro: Eles pensam que é assim. Sai por aí atropelando a mãe dos outros e não dão a mínima satisfação. (Peça: Stradivarius, 1993, p.15) (27) Curió: E se o meu nome e a minha cara aparece no jornal, eles logo pensam que eu tenho grana. (Peça: Stradivarius, 1993, p.24) (28) Uma voz: Nisso aparece a cara do repórter e da fotógrafa na boca do senário. (Peça: Stradivarius, 1993, p. 30) Observamos, nos exemplos da amostra do século XX, que dois dados aparecem com falta de marca de concordância em contextos com verbos inacusativos e sujeito posposto (cf. ilustrado em (23) e (28)). Os dados em (24), (26) e (27) também apresentam ausência de concordância em ambiente inacusativo, no entanto, com sujeito anteposto ou nulo. Em (22) e (25), temos casos de verbos transitivos sem marcação de concordância. Note-se que são verbos que apresentam sujeito [-humano]. Tudo indica que fatores como verbo inacusativo, ordem posposta e traço [-humano] no sujeito estejam condicionando a não concordância verbal também na escrita catarinense. 321 Diadorim8-cap15.pmd 321 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos No PE (amostra 2), acreditamos que o sistema de concordância obrigatória na escrita continue atuando. No século XIX, temos 100% de concordância nos verbos. E, no século XX, temos apenas 02 dados sem marcas de concordância, em que o sujeito é composto e aparece posposto ao verbo, como em (29) e (30). Nesses casos, podemos imaginar que a concordância se estabeleça com o primeiro elemento do sintagma apenas18. (29) Mulher – Mas com este tempo aquilo não é um caminho! É um lodaçal. Já lá ficou afogado, na lama, um homem e um burro. (Peça: O homem da bicicleta, 1978, p. 08) (30) Camponês – Ai, então vocemecê quer saber p’ra que serve a Junta e o Grêmio? (Peça: O homem da bicicleta, 1978, p. 24) Nossa análise da amostra diacrônica indica, portanto, que o PE apresenta um sistema de concordância basicamente obrigatória, diferentemente do que se mostra no sistema do PB do século XX. As construções com não marcação de concordância verbal na escrita catarinense podem ser comparadas aos resultados da variação na concordância da amostra sincrônica (de fala) e correlacionadas aos resultados diacrônicos encontrados por Berlinck (1995) e Coelho, (2006), sobre a variação da ordem do sujeito. As autoras revelam que a ordem SVO fica enrijecida, principalmente no final do século XX (período em que as peças mostram uma frequência maior de variação na concordância verbal), e que construções VS se encontram condicionadas por verbos inacusativos, especialmente quando o sujeito é [-humano (ou [- animado]). 4. Sobre o enfraquecimento da concordância no PB Os resultados estatísticos do PB, provenientes de amostras diacrônicas, indicam uma espécie de enfraquecimento da marcação de concordância verbal do século XIX para o século XX. Esse enfraquecimento é confirmado pela amostra sincrônica. Existe uma correlação entre mecanismo sintático de colocação do sujeito, tipo de verbo, traço humano do sujeito e concordância verbal. A baixa frequência de concordância verbal nas construções VS poderia caracterizar a posição do sujeito à direita do verbo como a de não sujeito, fixando o eixo 18 A esse respeito, uma das regras de concordância verbal das gramáticas normativas diz que “Quando o sujeito composto se pospõe ao verbo, este pode concordar com o nome mais próximo”. 322 Diadorim8-cap15.pmd 322 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância esquerdo do verbo para o lugar prototípico do sujeito [+humano]. Essas considerações, no entanto, não são nada triviais. Para refletir um pouco mais sobre o enfraquecimento da concordância verbal encontrado nas amostras do PB, tomamos a discussão de Galves (1993) a respeito dos traços fortes e fracos de flexão verbal. Para a autora, é fraca a concordância que não contém o traço [+pessoa], ou contém pessoa como um traço puramente sintático. É o que acontece quando não se encontra mais na flexão verbal a oposição entre 1ª, 2ª e 3ª pessoas, mas somente uma oposição binária entre pessoa (1ª) e não pessoa (3ª), articulada a uma oposição singular/plural. Isso corresponde a uma concordância fraca morfologicamente. Se tomarmos a discussão sobre a crescente simplificação dos paradigmas flexionais feita por Duarte (1993, p. 109), atrelada ao crescente preenchimento do sujeito pronominal, com a entrada dos pronomes você e a gente que se combinam com formas de terceira pessoa, possivelmente podemos entender as modificações operadas na marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural. No século XIX, há evidências de que o português era uma língua de morfologia rica, em que era possível distinguir todas as pessoas flexionais do verbo. Essa morfologia rica possivelmente está atrelada à gramática do PE, com propriedades de sujeito nulo e de ordem variável do sujeito (cf. exemplos em (31)). Já no século XX, o sistema flexional do PB é defectivo (com morfologia fraca), em que a oposição é binária (singular/plural). A ordem SVO nesse caso fica enrijecida para evitar ambiguidade, conforme ilustram os exemplos em (32). Gramática do PE (31) a. Viram os meninos a Maria (VSO) b. Viram a Maria os meninos (VOS) c. Os meninos viram a Maria (SVO) Gramática do PB (32) a. ??Viram/Viu os menino(s) a Maria (VSO) b. ??Viram/Viu a Maria os menino(s) (VOS) c. Os menino(s) viu a Maria (SVO) A falta de concordância de número entre verbo e sujeito em (32a) e (32b) alteraria o estatuto do sintagma os menino(s), de sujeito para objeto, gerando ambiguidade. Com a não marcação de concordância, a ordem SVO se enrijece para recuperar os papéis temáticos do sujeito e do objeto, em contextos de transitividade, como em (32c). 323 Diadorim8-cap15.pmd 323 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Atrelados à flexão fraca, podemos observar, portanto, alguns parâmetros se modificando no português falado e escrito no Brasil, o do sujeito nulo para sujeito preenchido (cf. Duarte, 1995), o da ordem do sujeito em construções transitivas, de ordem variável (SVX/XVS) para ordem SVO enrijecida (cf. Berlinck, 1988, 1995 e Coelho, 2000, 2006). A ordem VS nos dias atuais passa a depender essencialmente da projeção de verbos inacusativos, cujo argumento é gerado na posição pós-verbal. Essas observações estão atreladas às discussões de Pontes (1986) sobre o estatuto de sujeito do sintagma posposto. Quando o sujeito permanece posposto em construções monoargumentais (VS) passa a ser “confundido” com o objeto da sentença. Com a flexão fraca as construções transitivas têm de permanecer na ordem SVO para garantir os papéis temáticos atribuídos às posições de sujeito e de objeto. Esse enrijecimento garante, por exemplo, que as configurações sintáticas não se tornem ambíguas, mesmo que a concordância variável seja reflexo de não escolarização, como em (33). (33) Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos Raros, 1928, p.40) No final do século XX, os resultados diacrônicos da escrita catarinense, apesar de em número reduzido, já apontam para variação na concordância entre o verbo – especificamente inacusativo – e o sujeito (10 dados de 351 aparecem sem marcação de concordância verbal, correspondendo a 3%). Se considerarmos os dados de fala sincrônicos da amostra do PB, a evidência é mais robusta: dos 697 dados, 138 aparecem sem marcação de concordância verbal, ou 20%. Desses, a grande maioria encontra-se com sujeito explícito, marcado com traço [-animado], na ordem VS, contrariamente aos percentuais de concordância, majoritariamente marcados com traço [+animado], encontrados na ordem SV(O). Parece que o enfraquecimento da concordância tem como efeito uma reanálise da oração em que o sujeito se encontra. Ao considerarmos as construções inacusativas na ordem VS sem marcação de concordância verbal, podemos dizer que, por extensão, o enfraquecimento da concordância verbal tem como efeito uma reorganização da oração, em que o sintagma nominal passa da categoria de sujeito para a de objeto, como no exemplo (34), retomado de (23). O fato de o argumento de um verbo inacusativo ser interno de certa forma explica esta nova interpretação. 324 Diadorim8-cap15.pmd 324 06/12/2011, 22:20 Sujeito: entre ordem e concordância (34) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgamse felizes no mundo. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67) As discussões que trazemos nos fazem pensar que as crianças, principalmente no Brasil, ao adquirirem a língua portuguesa com um paradigma flexional fraco, reanalisam as construções de inversão inacusativa, sem marcação de concordância, como de VO, em que o sintagma que está à direita do verbo é encarado como não sujeito. Nesse caso, o sujeito poderia ser considerado um expletivo nulo (nos termos de Kato e Tarallo (1988)). 5. Considerações finais A partir dos resultados de análises empíricas e das considerações teóricas levantadas neste trabalho, é possível dizer que: . Os resultados da amostra de fala florianopolitana atestam que a concordância verbal é preferencialmente não marcada em contextos em que o sujeito está posposto a um verbo inacusativo que seleciona principalmente sintagma [-humano]. Essa tendência de não marcação de concordância já se reflete na escrita catarinense. Nas amostras diacrônicas do século XIX, a marcação de concordância é categórica, enquanto, no século XX, se percebe enfraquecimento da concordância, em especial em contextos com sujeito marcado com traço [-humano], posposto a um verbo inacusativo – mesmos ambientes sintáticos favorecedores de não concordância na fala. . Nos resultados da amostra de fala lisboeta, apesar de a frequência de uso ser baixa, observa-se que a posposição do sujeito, o traço [-humano] do sujeito e o verbo inacusativo também são indicadores da não marcação de concordância verbal. O reflexo dessa variação ainda não aparece na escrita lisboeta. Nas amostras diacrônicas de peças lisboetas, tanto do século XIX quanto do século XX, percebe-se que a concordância de número é categórica nos diferentes contextos sintáticos. Isso provavelmente se deve ao fato de o sistema do PE (ainda) apresentar traço forte de flexão, que permite, por exemplo, distinguir todas as pessoas flexionais do verbo. · Acreditamos que o enfraquecimento da concordância verbal nas amostras do português falado e escrito no Brasil, no século XX, tem como efeito uma reorganização da oração, em que o sintagma nominal passa da categoria de sujeito para a de objeto. O sujeito posposto ao verbo, sem marcação de concordância verbal, é reanalisado como objeto direto. Essa reanálise está na base da gramática do PB. 325 Diadorim8-cap15.pmd 325 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Referências Bibliográficas BERLINCK, R. de A. A ordem V SN no português do Brasil: sincronia e diacronia. Dissertação (Mestrado) — UNICAMP, Campinas, 1988. BERLINCK, R. de A. La position du sujet en portugais: etude diachronique des variétés brésilienne et européene. Tese (Doutorado) — Paris, 1995. BURZIO, L. Italian syntax: a government-binding approach. 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Abstract This paper aims to investigate the role of internal constraints (subject position in relation to the verb, [human] feature of the subject, verb type) on the variation of third-person plural subject/verb agreement in Portuguese, based on spoken and written data from Brazilian and European Portuguese. We focus the contexts of non-agreement in order to offer theoretical reflections about a possible change in the syntax of Portuguese, especially Brazilian Portuguese, triggered by the weakening of the agreement system in its grammar. Keywords: subject/verb agreement; subject position; verb type; Brazilian and European Portuguese. 328 Diadorim8-cap15.pmd 328 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários Gilce Almeida Vivian Antonino1 1. Introdução De acordo com a abordagem tradicional, a concordância é o mecanismo segundo o qual certas expressões linguísticas se harmonizam quanto aos traços morfossintáticos. Tal concepção pode ser exemplificada pela definição apresentada por Almeida (1999, p. 441), para quem a concordância “é o processo sintático pelo qual uma palavra se acomoda, na sua flexão, com a flexão de outra palavra de que depende”. Este processo pode se dar entre o sujeito e o verbo da oração, a concordância verbal, ou entre os constituintes do sintagma nominal (SN), a concordância nominal. Na língua portuguesa, a marcação de concordância é considerada obrigatória pela prescrição normativa, de modo que, numa sentença com ideia de plural, todos os itens do SN devem trazer marcas explícitas de plural, assim como o verbo com que o SN sujeito se relaciona, que deve vir flexionado em pessoa e número, conforme se pode conferir no exemplo em (01). (01) Os seus professores interessados procuram informação. Como afirma Said Ali (1971), esse uso redundante da flexão não é fruto de regras lógicas, mas de uma longa tradição na língua. O latim, 1 Diadorim8-cap16.pmd Doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura – UFBA/ CNPq. 329 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos por exemplo, possuía uma morfologia bastante rica que marcava no nome o número, o gênero e o caso, este perdido na passagem para o português. Assim, considerando que o flexionismo “é simplesmente um recurso da língua, não uma imposição da lógica” (Melo, 1967: 168), torna-se dispensável a marcação explícita da concordância em todos os elementos, ocasionando a variação, tanto de número quanto de gênero. A concordância de número está mais sujeita à variação no PB e não se restringe a uma região ou classe social específica, atingindo, dessa forma, tanto a norma culta quanto a popular, mas com frequências de usos diferentes. Desde a década de 1970, esse fenômeno tem sido rigorosamente estudado sob a perspectiva da Sociolinguística Variacionista, observando-se que a variação é mais recorrente na fala popular e, por essa razão, estruturas em que não se percebe a concordância carregam consigo uma marca de estigma, que, no senso comum, remete à falta de escolarização. No que diz respeito à variação na marcação da concordância verbal de terceira pessoa, Naro (1981), investigando a fala de indivíduos semiescolarizados do Rio de Janeiro, observou um nível de aplicação da regra de 48%. O percentual aumenta consideravelmente quando se trata da fala de pessoas escolarizadas, como evidenciam os resultados obtidos nos trabalhos de Scherre e Naro (1997), no Rio de Janeiro, e Monguilhott e Coelho (2002), em Florianópolis, que registraram, respectivamente, 73% e 79% para a variante com marca explícita. No português culto falado no Rio de Janeiro, a frequência de uso da regra encontrada por Graciosa (1991) foi de 94%. Depreende-se desses resultados que, na escrita monitorada, dado o seu caráter conservador, não haveria espaço para os famigerados “erros de concordância”, e a frequência de uso de marcas de plural seria, então, maior do que a encontrada na fala, mesmo a culta. Em geral, os trabalhos sobre a concordância verbal de terceira pessoa focalizam a língua falada. Assim, com o objetivo de ampliar o universo de análise deste fenômeno morfossintático, propõe-se um estudo voltado para a modalidade escrita da língua, tomando para tanto produções escritas de estudantes universitários. A escolha deste corpus pautase também na crença de que, sendo a escola responsável por garantir ao aluno o acesso às formas socialmente privilegiadas, sua influência na aquisição da língua deve ser procurada nos estilos formais monitorados (Bortoni-Ricardo, 2005). Investiga-se, dessa forma, se os estudantes, mesmo produzindo textos que muitas vezes são objetos de avaliação, apresentam variação na aplicação da regra da concordância verbal de terceira pessoa. Para além disso, busca-se determinar a correlação entre fatores linguísticos e extralinguísticos e o fenômeno estudado. 330 Diadorim8-cap16.pmd 330 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários 2. Aporte teórico-metodológico O objetivo deste trabalho é determinar os padrões que regulam a opção do falante em relação à aplicação ou não da regra de concordância verbal de terceira pessoa no texto escrito e, para isso, recorre-se aos princípios teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista (Weinreich; Labov; Herzog, 2006 [1968]). A Sociolinguística defende a inquestionável ideia de que a variação e a mudança são inerentes às línguas humanas e não se dão ao acaso. Assim, quando o falante seleciona uma forma linguística, dentre as possíveis para a expressão de seu ato verbal, não o faz aleatoriamente, pois, como afirma Naro (2007: 15), “[...] existem condições ou regras mudáveis que funcionam para favorecer ou desfavorecer, variavelmente e com pesos específicos, o uso de uma ou outra das formas em cada contexto”. Tais regras podem ser de natureza interna ou externa ao sistema. Entende-se, assim, que o pressuposto básico da Teoria da Variação é que a heterogeneidade linguística é presidida por regras, o que garante a sistematicidade da variação e a funcionalidade do sistema em que esta acontece. Para o estudo em questão, foram utilizados 100 textos produzidos por alunos de três instituições de ensino superior, localizadas em Salvador, das quais duas são públicas (uma federal e uma estadual) e uma particular, de pequeno porte. As produções escritas analisadas foram fruto de atividades avaliativas realizadas em sala de aula, em que os estudantes deveriam escrever resenhas, resumos e artigos de opinião, a depender da proposta solicitada. Para manter alguma paridade nas avaliações, apenas alunos dos cursos da área de humanas fizeram parte da investigação. Não houve estratificação por sexo e por idade, porém essas variáveis foram controladas através de uma ficha, que solicitava informações sociais, tais como a existência ou não de outra formação acadêmica anterior, o tipo de programa a que o aluno assiste na TV e no rádio, a frequência de leitura, a frequência de uso da escrita na atividade profissional, além de idade, sexo e semestre em que se encontra no curso. No processo de elaboração do estudo, foram levantadas as ocorrências com sujeito na terceira pessoa do plural, considerando-se apenas os casos de concordância para os quais a gramática tradicional não prevê variação2. Além disso, excluíram-se, desta análise, as frases de estrutura passiva pronominal com sujeito no plural por terem aparecido 2 Verbos no infinitivo, por exemplo, não foram computados, visto que a Gramática Tradicional aceita, em um mesmo contexto, infinitivos com e sem flexão. 331 Diadorim8-cap16.pmd 331 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos em número muito reduzido no corpus e revelarem uso categórico de não aplicação da regra. Definiu-se como variável dependente a realização da concordância de terceira pessoa do plural, para a qual destacaram-se dois fatores: aplicação da regra e não aplicação da regra. As variáveis explanatórias utilizadas para identificar fatores da estrutura linguística que condicionam o fenômeno variável em estudo foram as seguintes: tipo de verbo, tipo de oração, realização, posição e distância do sujeito em relação ao verbo, concordância nominal no SN sujeito, caracterização semântica do sujeito, saliência fônica e paralelismo discursivo. Dentre as variáveis sociais, incluíram-se: sexo, idade, uso da escrita na atividade profissional e instituição onde estuda. Após o levantamento dos dados, procedeu-se a sua codificação e quantificação no programa Goldvarb, que faz o tratamento estatístico, comparando cada variável entre si, a fim de fornecer os pesos relativos que indiquem o efeito de cada fator para a variação estudada. Ao final do processamento, o programa fornece a seleção dos grupos estatisticamente relevantes para aplicação da regra variável. Foram feitas duas rodadas estatísticas. Na primeira – a que se chamou principal – incluíram-se todas as variáveis listadas, dentre as quais o Goldvarb selecionou como estatisticamente relevantes: realização, posição e distância do sujeito em relação ao verbo, paralelismo discursivo, concordância nominal no SN sujeito, instituição onde estuda, caracterização semântica do sujeito, tipo de verbo e uso da escrita na atividade profissional. Após a realização de testes para verificar a possível interferência de algum grupo de fatores sobre o outro, observou-se que, eliminando o grupo tipo de verbo, o programa selecionou, juntamente com os demais grupos já apresentados, a saliência fônica, que tem sido considerada em vários estudos sobre a concordância verbal. Dessa forma, na análise aqui apresentada, considerou-se também esta rodada complementar. Outras informações sobre os procedimentos e as modificações realizadas durante o processamento estatístico serão mencionadas ao longo da discussão e análise dos dados, na seção a seguir. 3. Análise dos dados Nos textos dos estudantes universitários, foram quantificadas 650 ocorrências de sentenças com sujeito no plural, como se pode conferir nos exemplos em (02) e (03). (02) Todos os brasileiros falam Português e nisso não há dúvidas. (03) É preciso que seja clara que todos conheça e entenda. 332 Diadorim8-cap16.pmd 332 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários Das ocorrências levantadas, 552 trazem a marca de plural nos verbos, totalizando um índice de concordância verbal de 84,9%, conforme se pode conferir na tabela abaixo. Tabela 01 – Distribuição total das ocorrências com sujeito plural Variantes Nº de ocorrências % Aplicação d a regra d e concordância 552 84,9 Não aplicação da regra de concordância 98 15,1 650 100 Total A frequência de uso da marca de plural nos verbos de terceira pessoa apresentada na Tabela 01 aproxima-se de resultados obtidos em estudos com amostras de fala culta, como o de Graciosa (1991), já mencionado. À primeira vista, o fato de a não marcação da concordância verbal ser bastante estigmatizada e a língua escrita revelar-se mais conservadora poderia fazer esperar maior índice de aplicação da regra do que o obtido para esta análise. Entretanto, é preciso considerar que os textos em questão pertencem a alunos que não concluíram o ensino superior e, a rigor, ainda não apresentam domínio pleno da norma culta escrita. A seguir, apresentam-se os resultados das variáveis selecionadas como estatisticamente relevantes. 3.1 Variáveis linguísticas A primeira variável selecionada foi realização, posição e distância entre o sujeito e o verbo. No que diz respeito à realização do sujeito, levou-se em conta a existência de sujeito explícito e oculto, este definido nas situações em que o SN não é foneticamente realizado, mas tem uma referência definida, recuperável na sentença. O sujeito explícito foi analisado quanto à posição, se anteposto ou posposto ao núcleo verbal. Considerando a possibilidade de a distância entre o sujeito e o verbo exercer influência na marcação do plural, controlou-se também este fator, assim especificado: anteposição ou posposição imediata ao sujeito e a existência de constituintes entre o núcleo do SN e o núcleo verbal. 333 Diadorim8-cap16.pmd 333 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos As ocorrências com pronome relativo retomando o sujeito foram agrupadas como um fator à parte, com base na ideia de que tal pronome poderia ter uma atuação diferenciada sobre a concordância. Nesse grupo de fatores, as ocorrências foram definidas da seguinte maneira: a) Sujeito imediatamente anteposto ao verbo (04) ... as palavras estão erradas e para eles estão corretas, isso varia. b) Sujeito anteposto com núcleo separado do verbo por duas ou mais sílabas (05) ...porque desta forma professores de português estariam ocupando o topo da pirâmide social... c) Sujeito imediatamente posposto ao verbo (06) ...tanto lá como aqui no Brasil existem variações... d) Sujeito posposto com núcleo separado do verbo por duas ou mais sílabas (07) Surgem também as justificativas, de que o indivíduo sendo analfabeto pode ser letrado... e) Sujeito retomado pelo pronome relativo (08) ...como romances que caem no concorrido vestibular f) Sujeito oculto (09) Seus poemas sempre florescem seja primavera, outono ou verão e no inverno lhe aquece a alma que desnuda uma ardente paixão. Foram consideradas entre as ocorrências com sujeito imediatamente anteposto/posposto as frases em que aparecem clíticos e advérbios como não e já, que não separam os constituintes da oração, pois, frequentemente, antecedem o verbo em português, formando com ele apenas um vocábulo fonológico (Rodrigues 1987: 161). Devido ao baixo número de ocorrências para o fator sujeito posposto com núcleo separado do verbo por duas ou mais sílabas e, também, por considerar que a posição VS (verbo-sujeito), por si só, já influencia na aplicação da regra de concordância verbal, amalgamaram-se esses fatores, redefinindo-os como sujeito posposto ao verbo. Para a definição da variável em questão, partiu-se da hipótese de que, quanto mais evidente é a relação entre o sujeito e o verbo, maior é a aplicação da concordância. Contrariamente, quanto maior a distância entre o sujeito e o verbo, maior a probabilidade de não aplicação da 334 Diadorim8-cap16.pmd 334 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários regra de concordância, já que a relação de adjacência estaria prejudicada. Assim, estruturas com o sujeito imediatamente anteposto, em que a relação com o verbo é mais evidente, favoreceriam a concordância, e aquelas com o sujeito posposto, interpretado como objeto por situar-se à direita do verbo, ocasionariam menor índice de concordância. Quanto ao sujeito representado por pronome relativo, considerouse, com base em Naro e Scherre (2003), que o pronome que mascara a relação entre o sujeito e o verbo, ocasionando, por isso, o uso de menos marcas de concordância. Nas frases com sujeito oculto, esperava-se encontrar favorecimento da marca explícita de plural. A definição dessa hipótese partiu da explicação de Rodrigues (1987: 169): se o sujeito “não se encontra na frase, a desinência verbal não é redundante, e as relações entre o verbo e o seu sujeito extra-sentencial só podem ser estabelecidas por meio da concordância.” Os resultados obtidos para a variável seguem expostos na Tabela 02: Tabela 02 – Atuação da variável presença, posição e distância entre o sujeito e o verbo na realização da concordância verbal de terceira pessoa Presença, posição e distância do sujeito em relação ao verbo Apl./Total % P.R. Sujeito imediatamente anteposto 236/257 91,8 0,66 Sujeito representado pelo pronome relativo 152/174 87,4 0,50 Sujeito posposto 39/51 76,5 0,48 Sujeito anteposto separado do verbo por mais de quatro sílabas 55/76 72,4 0,29 Sujeito oculto 70/92 76,1 0,24 552/650 84,9 _ Total A expectativa inicial quanto ao sujeito imediatamente anteposto foi confirmada: é este o fator que mais favorece a variante explícita, com peso relativo de 0,66. O falante reconhece o constituinte à esquerda do verbo como sujeito e por isso tem maior probabilidade de realizar a concordância verbal. Se, entretanto, o núcleo do sujeito anteposto estiver 335 Diadorim8-cap16.pmd 335 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos distante do verbo, a probabilidade de o indivíduo realizar a concordância decresce, conforme se verifica pelo peso relativo de 0,29. O sujeito representado pelo pronome relativo nos dados da amostra sob análise alcançou o peso relativo de 0,50, considerado o ponto neutro na análise estatística. Quando comparado com o fator favorecedor sujeito imediatamente anteposto, que teve peso relativo de 0,66, fica claro que há menor favorecimento da aplicação da regra quando o pronome relativo que retoma o sujeito. O sujeito posposto alcançou o peso relativo de 0,48. Embora tenha atingido um valor próximo ao ponto neutro, na comparação entre os pesos relativos, pode-se dizer que o indivíduo tende a usar menos marcas de plural quando o sujeito está após o verbo do que quando o antecede. Como a ordem canônica do português é SVO (sujeito-verbo-objeto), em frases em que o sujeito aparece posposto, o falante interpreta-o como paciente/objeto da oração, podendo, então, prescindir da concordância. Os casos de sujeito posposto acontecem, em grande parte, com verbos inacusativos e intransitivos. No primeiro caso, por não possuir o papel temático de agente, o sujeito não é interpretado como sujeito da oração, o que favorece a construção de sentenças sem concordância verbal. No segundo, como os verbos intransitivos não apresentaram complemento, a relação entre o verbo e o sujeito fica menos evidente e o falante interpreta este último, que aparece em posição invertida, como objeto, diminuindo, assim, as chances de se realizar a concordância. Nas sentenças com sujeito oculto, a probabilidade de uso da variante explícita nos dados investigados mostrou-se reduzida, como visto no peso relativo de 0,24. Esse resultado contraria a hipótese de que nas frases com sujeito oculto, em que o referente se encontra distante, o indivíduo tenderia a marcar mais a concordância, já que ela não se apresentaria de forma redundante. Por outra via, pode-se justificar tal desfavorecimento com o fato de, por não encontrar explícito o sujeito da oração, o falante “perder” a ideia de pluralidade, mantendo o verbo, dessa forma, no singular. A segunda variável selecionada pelo Goldvarb foi o paralelismo discursivo. Na literatura sociolinguística, o princípio do paralelismo referese à tendência demonstrada pelo falante de repetir suas escolhas ao longo de uma sequência discursiva. Tal repetição pode ocorrer entre palavras ou em seu interior, no interior do sintagma, no interior da oração ou entre orações. Em relação ao fenômeno da concordância, Poplack (1980), ao estudar o apagamento do morfema plural [-s] no espanhol de Porto Rico 336 Diadorim8-cap16.pmd 336 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários e de porto-riquenhos na Filadélfia, constatou que o falante tendia a repetir a marca de plural no contexto subsequente se já a tivesse usado anteriormente na mesma sequência discursiva; em contrapartida, se as marcas estivessem ausentes na primeira ocorrência da série, assim também se manifestariam no contexto seguinte. Scherre e Naro (1993), em seu estudo sobre a concordância verbal do português, também testaram a atuação da variável paralelismo discursivo e verificaram que o falante tende a repetir as variantes explícitas de plural e as variantes zero de plural. Os autores estabeleceram alguns critérios para a seleção dos dados dessa variável: a) a construção analisada deveria se referir ao mesmo sujeito da construção anterior; (2) deveria ocorrer a uma distância de até dez orações e 3) a mudança de turno seria considerada ruptura da série. Neste trabalho, procurou-se seguir apenas os dois primeiros critérios, tendo em vista que a mudança de turno não se aplica ao texto escrito. Salienta-se, ainda, que foram codificadas apenas as ocorrências em série. As formas isoladas e a primeira ocorrência da série foram desconsideradas, já que, não estando precedidas de outras formas, não recebem influência do princípio do paralelismo. Partindo de resultados obtidos em estudos sobre a concordância verbal em corpora de língua oral, como os relatados anteriormente, esperava-se, neste trabalho, uma atuação igualmente relevante da variável paralelismo para o texto escrito. Para a investigação da variável, fez-se a seguinte divisão: a) Verbo antecedente com marca de plural (10) [...] até que as letras, as frases, a “novidade” como um todo, de certa forma, objetivaram minha leitura e trouxeram às estórias um tom mais compreensível e normal, acredito eu. b) Verbo antecedente sem marca de plural (11) [...] algumas pessoas ao lerem uma frase gramaticamente errada pode até achar errada, mas não saberá bem o que está errado. A tabela a seguir mostra as constatações obtidas para a variável em questão: 337 Diadorim8-cap16.pmd 337 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 03 – Atuação da variável paralelismo discursivo na realização da concordância verbal de terceira pessoa Paralelismo formal Apl./Total % P.R. Verbo antecedente com marca de plural 113/130 86,9 0,55 Verbo antecedente sem marca de plural 15/25 60 0,23 128/155 82,6 _ Total O peso relativo de 0,55, obtido para o fator verbo antecedente com marca de plural, aponta para o fato de que o aluno tende a repetir a marca de concordância quando esta já foi utilizada anteriormente, confirmando, assim, a atuação do paralelismo sobre a realização da concordância verbal no texto escrito. Quando o verbo antecedente é empregado sem marca de plural, a probabilidade de se usar na sequência um verbo no plural é pouco expressiva, tendo este fator alcançado o peso relativo de 0,23. É conveniente assinalar que, embora o peso relativo do fator favorecedor esteja próximo ao valor neutro, o que denotaria um favorecimento discreto da regra de concordância, leva-se em consideração também a expressiva diferença entre os pesos relativos obtidos para os dois fatores em questão, que é de 0,32. Nesse sentido, tanto os números das frequências brutas quanto os pesos relativos confirmam a hipótese de que, numa série discursiva, a presença de um verbo antecedente com marca de plural aumenta significativamente as possibilidades de ocorrer em orações subsequentes na mesma sequência discursiva o emprego do verbo também no plural. A terceira variável linguística selecionada pelo Goldvarb foi concordância nominal de número no SN sujeito, que foi agrupada em dois fatores: a) SN sujeito com concordância (12) Nem tudo está perdido pois as pessoas sem instrução não falam tudo errado. b) SN sujeito sem concordância (13) Esse mito não tem fundamento, devido a influência que os 338 Diadorim8-cap16.pmd 338 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários maranhesse tinham de portugueses eles usam o pronome tu de maneira correta. A referida variável foi proposta tomando por base o princípio da coesão estrutural, definido por Lucchesi (1998), que afirma ser maior a possibilidade de aplicação da regra de concordância verbal quando há aplicação da regra de concordância nominal de número no SN sujeito. Outros estudos também investigaram a influência da marcação de concordância no interior do SN sujeito na realização da concordância verbal, mas sob o rótulo de paralelismo. Como hipótese, considerou-se que o uso de marcas explícitas de plural no verbo de terceira pessoa apareceriam com maior frequência quando tais marcas aparecessem também no interior do sintagma nominal. Para a análise, naturalmente, só se pode levar em consideração as sentenças com sintagmas nominais formados por mais de um constituinte, nos quais há a possibilidade de concordância entre os elementos. Ficaram de fora do cômputo das ocorrências os casos de sujeito oculto, sujeito representado apenas pelo núcleo e os casos de sujeito retomado pelo pronome relativo. Os resultados obtidos seguem expostos na Tabela 04: Tabela 04 – Atuação da variável concordância nominal no SN sujeito na realização da concordância verbal de terceira pessoa Concordância no SN sujeito Apl./Total % P.R. SN com concordância 238/279 85,3 0,51 SN sem concordância 2/5 40 0,09 240/284 84,5 _ Total Os resultados corroboram a hipótese inicial. Considerando a diferença entre os pesos relativos dos dois fatores, que é de 0,42, o SN com concordância mostra-se um fator importante para aplicação da regra. O peso relativo de 0,09 para o SN sem concordância deixa claro o desfavorecimento do emprego da marca de concordância verbal neste contexto. 339 Diadorim8-cap16.pmd 339 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos A variável caracterização semântica do sujeito, quinta selecionada, foi, inicialmente, subdividida em três fatores: [+humano +animado], [–humano –animado] e [–humano +animado], respectivamente exemplificados em (14), (15) e (16). (14) Meus pais sempre compravam revistinhas em quadrinho da Turma da Mônica pra me incentivar (15) Algumas obras memoráveis tornaram-se referências de momentos importantes e cruciais. (16) [...] a cozinha ligada à sala tinha uma porta que dava no quintal, onde moravam meus amigos bichos Como houve apenas uma ocorrência de sujeito [–humano +animado], optou-se pela eliminação deste fator. De acordo com Scherre e Naro (1998), o traço [+humano] atua significativamente sobre a concordância verbal. Segundo os autores, “Na língua falada, o sujeito [+humano] controla a concordância explícita de plural de forma mais acentuada do que sujeito com o traço [–humano]” (Scherre; Naro, 1998, p. 48). Assim, neste estudo, também se partiu dessa expectativa, considerando que, por ser o traço [+humano] interpretado pelo falante como sujeito prototípico (Monguilhott, 2010), haveria maior probabilidade de se marcar a concordância no verbo. O resultado obtido para a variável caracterização semântica do sujeito confirma a hipótese inicial, conforme dados apresentados na Tabela 05 a seguir. Tabela 05 – Atuação da variável caracterização semântica do sujeito na realização da concordância verbal de terceira pessoa Caracterização semântica do sujeito Apl./Total % P.R. [+humano +animado] 282/342 82,5 0,60 [-humano –animado] 269/307 87,6 0,40 Total 551/649 84,9 _ 340 Diadorim8-cap16.pmd 340 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários Das 342 ocorrências com o traço semântico [+ humano], 282 receberam a marca formal de número, 82,5% delas, com peso relativo 0,60, o que confirma o contexto favorecedor à concordância verbal. Nas 307 sentenças com sujeito com marca [–humano], 269 apareceram sem marcas de plural, exibindo um peso relativo de 0,40, que indica o desfavorecimento da concordância verbal. O resultado acima pode encontrar justificativa no fato de que o falante, comumente, tende a identificar o sujeito como o “ser que pratica a ação”, em outras palavras, aquele que tem o traço semântico [+humano]. Nesse sentido, o traço [– humano], que, “numa escala de ‘sujeitividade’, se apresenta menos ‘sujeito’” (Monguilhott, 2010, p. 11), teria menor influência na aplicação da regra de concordância. A sexta variável selecionada foi tipo de verbo, proposta com o objetivo de se verificar se a carga semântico-funcional do verbo pode influenciar na marcação ou não do plural (Graciosa, 1991). Para tanto, as ocorrências foram distribuídas em: a) Verbo transitivo (17) Todos os brasileiros falam Português e nisso não há dúvidas. b) Verbo intransitivo (18) Além disto, língua e poder andam de mãos dadas. c) Verbo de ligação (19) ...os erros da elite são comuns e perdoáveis, já os erros do “povão” são ridículos... d) Verbo inacusativo (20) ... não quer dizer que não exista grandes diferenças nesta mesma língua. Os verbos auxiliares não foram incluídos no grupo uma vez que, aparecendo junto aos outros verbos, não seria possível precisar sua atuação, já que estaria em jogo também a atuação do verbo principal. Os resultados obtidos podem ser vistos na Tabela 06: 341 Diadorim8-cap16.pmd 341 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 06 – Atuação da variável tipo de verbo na realização da concordância verbal de terceira pessoa Tipo de verbo Apl./Total % P.R. 103/112 92 0,70 Intransitivo 16/19 84,2 0,55 Transitivo 334/392 85,2 0,46 Inacusativo 39/53 73,6 0,32 492/576 85,4 _ Ligação Total Os verbos inacusativos, de acordo com Mateus et al. (2003), são aqueles que, como indica o próprio nome, não atribuem caso acusativo ao seu argumento interno: “[...] o sujeito de um verbo inacusativo comporta-se como um argumento interno directo” (Mateus et al., 2003, p. 510). Dessa forma, o sujeito de construções com verbos inacusativos não tem um papel temático de agente, e isso faz com que o falante não o veja como sujeito de fato da oração, ocasionando a construção de sentenças sem concordância verbal. Isso pode ser comprovado com o resultado obtido na variável tipo de verbo, em que os verbos inacusativos desfavorecem a concordância verbal com um peso relativo de 0,32. De acordo com Mateus et al. (2003), o verbo de ligação, ou copulativo, é um verbo que seleciona semanticamente apenas um argumento interno, uma oração pequena, como se pode conferir no exemplo em (21): (21) A menina é bonita. (21’) É [a menina bonita]. Ainda de acordo com a autora,”o sujeito da oração pequena ocorre com a relação gramatical de sujeito da frase copulativa e o núcleo da oração pequena tem relação gramatical de predicativo do sujeito” (Mateus et al., 2003, p. 303). Isso ocorre porque os verbos copulativos não são 342 Diadorim8-cap16.pmd 342 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários atribuidores de Caso acusativo, fato que faz com que o sujeito da oração pequena se mova em busca de Caso. Segundo Mateus et al. (2003), a relação entre o sujeito e o predicativo de frases copulativas é tão forte, que alguns gramáticos chegaram a afirmar que o verbo copulativo parece não ter as propriedades de um predicador e, por essa razão, são chamados de verbos de ligação. Ainda conforme afirma a mesma autora, não se faz necessário retirar dos verbos copulativos o estatuto de itens lexicais plenos, basta que se considere a hipótese, já lançada acima, da existência de uma pequena oração, em que o predicativo do sujeito é o predicador da oração. “A existência de concordância entre o predicativo do sujeito e o constituinte com relação de sujeito da frase constitui um argumento a favor da estrutura sintática acima proposta [oração pequena]” (Mateus et al., 2003, p. 541). A intensa relação existente entre o sujeito e o predicativo pode ser a justificativa para o favorecimento da concordância verbal de terceira pessoa, que se apresentou com o peso relativo de 0,70 e uma alta frequência de 92%; porém, apesar da possibilidade já lançada, cogitou-se a hipótese de a concordância verbal ter sido favorecida nos verbos de ligação também por conta da saliência fônica, já que formas verbais como é/são, está/estão se mostram significativamente salientes. Por essa razão, realizou-se uma rodada complementar dos dados, excluindo a variável tipo de verbo, e, como esperado, a variável saliência fônica foi selecionada. O princípio da saliência fônica, proposto por Naro e Lemle (1976), postula que, quanto maior for a diferença entre a forma verbal flexionada e a forma verbal não flexionada, maior será a possibilidade de marcação de número e pessoa no verbo. Assim, formas verbais como é/são, cuja diferença no material fônico é bastante acentuada, seriam mais propensas à flexão do que formas como bebe/bebem, em que se nota uma diferença mínina entre a forma singular e a plural. Para a investigação da variável saliência fônica, seguiu-se uma escala (Naro, 1981), que parte dos verbos menos salientes, como bebe/bebem, passando por verbos em que há acréscimo de segmento silábico na forma flexionada, até chegar a um último nível, mais saliente, em que, além de acréscimo silábico, ocorre mudança na raiz verbal, como em veio/vieram. 343 Diadorim8-cap16.pmd 343 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (1) Nasalização sem envolver qualidade da vogal na forma plural (conhece/conhecem, consegue/conseguem, sabe/sabem) 3ª pessoa do singular termina em “e” (2) Nasalização com mudança de qualidade da vogal na forma plural (ganha/ganham, era/eram, gosta/gostam) 3ª pessoa do singular termina em “a” (3) Acréscimo de segmento no plural (diz/dizem, quer/querem) acréscimo silábico (4) Ditongação e/ou mudança na quali dade da vogal na forma plural (tá/tão,vai/vão) (5) Acréscimo de segmento com supressão da semivogal do singular ou mudança de t onicidade (bateu/bateram, viu/viram, foi/foram, disse/disseram) (6) Envolve acréscimo e mudança de raiz, que pode ser completa (veio/vieram, é/são) Para melhor visualização da variável, os verbos foram agrupados em [+ saliente] e [- saliente], com os fatores 1, 2 e 3 três, de um lado, e 4, 5 e 6, de outro. Os resultados podem ser conferidos na tabela abaixo: Tabela 07 – Atuação da variável saliência fônica na realização da concordância verbal de terceira pessoa Saliência fônica Apl./Total % P.R. [+ saliente] 390/470 83 0,60 [–saliente] 162/180 90 0,45 Total 552/650 84,9 _ Os resultados expostos na Tabela 07 estão de acordo com o princípio segundo o qual os níveis mais altos da hierarquia da saliência fônica exerceriam maior influência sobre o uso da marca explícita de concordância, como se comprova pelo peso relativo de 0,60. Consequentemente, os níveis mais baixos favorecem a não concordância, como atesta o peso relativo de 0,45. 3.2 Variáveis extralinguísticas Dentre as variáveis sociais sugeridas como possíveis condicionadoras da aplicação da regra, instituição onde estuda foi considerada estatisticamente relevante, tendo sido a quarta a ser escolhida pelo programa, na escala 344 Diadorim8-cap16.pmd 344 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários geral. Como os dados coletados para este estudo foram provenientes de três diferentes instituições de ensino superior, os fatores considerados para a variável foram os seguintes: Instituição 1 (pública estadual), Instituição 2 (pública federal) e Instituição 3 (particular). Os resultados são apresentados na Tabela 08 a seguir: Tabela 08 – Atuação da variável instituição onde estuda na realização da concordância verbal de terceira pessoa Instituição onde estuda Apl./Total % P.R. Instituição 1 70/75 93,3 0,67 Instituição 2 403/469 85,9 0,51 Instituição 3 79/106 74,5 0,32 Total 552/650 84,9 _ Essa variável foi proposta com o objetivo de se observar se há diferenças entre alunos de instituições de ensino superior diferentes com relação à concordância verbal. Observando as frequências brutas e os pesos relativos obtidos para cada um dos fatores, é visível o favorecimento da aplicação da regra na Instituição 1, enquanto o desfavorecimento da concordância verbal é marcante na Instituição 3. Como a ficha social preenchida pelos estudantes não focou a obtenção de informações mais específicas, como a qualidade do ensino básico a que estes alunos tiveram acesso ou o tempo em que estiveram sem estudar até entrarem na universidade, qualquer afirmação mais contundente sobre estes resultados pode ser levada pelo senso comum. Por isso, a variável demanda um pouco mais de investigação para que se possam justificar os resultados encontrados. A última variável selecionada foi uso da escrita na atividade profissional. Por essa variável, buscou-se investigar se o maior contato com a escrita na atividade profissional exercida pelo aluno teria alguma influência no emprego da marca de concordância. Os fatores foram assim agrupados: uso frequente da escrita e não uso da escrita. Os resultados obtidos seguem expostos na Tabela 09 abaixo: 345 Diadorim8-cap16.pmd 345 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 09 – Atuação da variável uso da escrita na atividade profissional na realização da concordância verbal de terceira pessoa Uso da escrita na atividade profissional Apl./Total % P.R. Uso frequente da escrita 201/225 89,3 0,58 351/425 82,6 0,45 552/650 84,9 _ Não uso da escrita Total Os dados mostram que o uso frequente da escrita é um fator relevante para a marcação da concordância nos textos. Assim, aqueles alunos que têm contato frequente com a escrita em suas atividades profissionais mostram maior probabilidade de usar as marcas de concordância no verbo de terceira pessoa. 4. Considerações finais A despeito do conservadorismo da modalidade escrita, o que a torna mais refratária às mudanças que ocorrem na oralidade, e de a variação na concordância verbal ser tipicamente mais observada na fala, este fenômeno alcançou um índice expressivo de variação na escrita de estudantes universitários, atingindo 15,1% de não utilização da regra. Como já ressaltado, na avaliação desse resultado é preciso levar em conta que os estudantes ainda não são considerados usuários plenos da norma culta escrita da língua. As variáveis selecionadas pelo Goldvarb como relevantes para a atuação do fenômeno morfossintático em estudo foram as que aparecem recorrentemente também no estudo da fala. A realização, posição e distância entre o sujeito e o verbo ratificou a ideia de que, quanto mais evidente for a relação entre o sujeito e o verbo, maior será a aplicação da concordância. As estruturas com o sujeito imediatamente anteposto revelaram maior probabilidade de receberem a marca de plural, ao passo que aquelas em que o sujeito está posposto tem probabilidade menor. Também para o fenômeno em análise, o paralelismo discursivo se mostrou significativo, partindo do conhecido princípio de que “marcas levam a marcas, e zeros levam a zeros”. A concordância nominal no SN sujeito atua com base no princícpio da coesão estrutural, que indica que é maior a possibilidade de aplicação da regra de concordância verbal quando há aplicação da concordância nominal no sujeito. A carcaterização semântica do sujeito mostrou que há 346 Diadorim8-cap16.pmd 346 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários favorecimento à utilização da regra quando o sujeito traz a marca de [+ humano], fato que o caracteriza como “aquele que pratica a ação”. Quanto ao tipo de verbo, ficou demonstrado que são os de ligação os que maior influência exercem na aplicação da regra. Supõe-se que esteja interferindo aí a saliência fônica, visto que a maioria dos verbos dessa categoria era o verbo ser/são, que, na escala de saliência, representa os mais salientes. Quando considerado o grupo de fatores saliência fônica, o resultado apontou para um maior emprego de marca de concordância nos verbos que estão na posição mais alta da hierarquia de saliência fônica. A variável social instituição de ensino revelou que os alunos das instituições 1 e 2, universidades públicas localizadas em Salvador, são os que mais aplicam a regra de concordância. É preciso relembrar que não se podem fazer grandes considerações sobre esse resultado, visto que se acredita estarem aí envolvidos outros fatores de natureza social que não foram controlados na pesquisa. Por fim, observou-se que os alunos que têm maior contato com a escrita na atividade profissional realizaram mais concordância verbal nos textos analisados. Referências ALMEIDA, N. M. de. Gramática metódica da língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora?: sociolingüística e educação. São Paulo: Parábola, 2005. GRACIOSA, D. Concordância verbal na fala culta carioca. 1991. Dissertação (Mestrado em Linguística) — UFRJ, Rio de Janeiro, 1991. 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Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2006[1968]. 348 Diadorim8-cap16.pmd 348 06/12/2011, 22:20 A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários Resumo O objetivo deste estudo é investigar a variação na aplicação da regra da concordância verbal de terceira pessoa em textos de estudantes universitários. Com base no modelo teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista, procura-se determinar os fatores linguísticos e extralinguísticos que condicionam a escolha do falante por uma das formas disponíveis. A amostra analisada consta de cem textos de diversos gêneros produzidos por alunos de diferentes cursos de graduação, de duas faculdades públicas e uma particular de Salvador. Para a análise dos dados, recorreu-se ao programa estatístico GoldVarbX, que fornece os cálculos da frequência e do peso relativo necessários à discussão dos fatores que condicionam o uso das variantes sob análise. Como fatores linguísticos, o estudo apontou: realização, posição e distância do sujeito em relação ao verbo, paralelismo discursivo, concordância nominal no SN sujeito, caracterização semântica do sujeito, tipo de verbo e saliência fônica; e entre os sociais: instituição onde estuda e uso da escrita na atividade profissional. Palavras-chave: Concordância verbal. Língua escrita. Sociolinguística Variacionista. Abstract The aim of this study is to investigate the variation in the application of the rule of third-person verb agreement in texts of college students. Basing on the Variacionist Sociolinguistic theoretical-methodological model, it looks determine the conditioning of linguistic and social factors on the option of the speaker by an available form. The corpus consists of one hundred texts from various genres produced by students of different courses from public and private colleges in Salvador. For data analysis, it was used statistical GoldVarbX program that provides calculations of the frequency and relative weight needed for discussion of factors that influence the use of variants. Among linguistic factors, the study pointed out: realization, position and distance between the subject and the verb, formal parallelism, nominal 349 Diadorim8-cap16.pmd 349 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos agreement in the NP/subject, semantic characterization of the subject, type of verb and phonetic salience; among social ones: college where study and use of writing in professional activity. Keywords: Verb agreement. Written language. Variacionist Sociolinguistic 350 Diadorim8-cap16.pmd 350 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental e da Rede Pública de Florianópolis Ana Kelly Borba da Silva Brustolin1 1. Introdução Atualmente, no português do Brasil (doravante PB), observamos uma alternância entre nós e a gente para representar a 1ª pessoa do plural, como podemos ratificar em inúmeros estudos realizados nesta área: Albán e Freitas (1991), Freitas (1991), Albán et al. (1991), Freitas (1997), Lopes (1993, 1998, 2007), Machado (1995), Naro et. al. (1999), Omena (1998, 2003), Seara (2000), Zilles, Maya e Silva (2000), Zilles (2005, 2006, 2007), Menon, Lambach & Landarin (2003), Borges (2004), Fernandes (2004), Silva (2004), Vianna (2006) e outros. Discutiremos2, neste estudo, o uso e a variação de nós e a gente com o intuito de averiguar se o pronome a gente já está, de fato, inserido na língua escrita e falada dos alunos do ensino fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) em quatro escolas da rede pública de ensino de Florianópolis. 2. Questões, objetivos e hipóteses A introdução da forma inovadora a gente no quadro dos pronomes pessoais, como uma variante do pronome de 1ª pessoa no plural, está se 1 Professora efetiva da Educação Básica pelo município de Florianópolis/SC e tutora da EAD/UFSC – Polo de Chapecó. Contato: anakellyborba@gmail.com. 2 Este estudo é resultado de minha dissertação de mestrado defendida em 5 de maio de 2009, pela UFSC e com apoio da CAPES, sob orientação da Profª Drª Izete L. Coelho. Há, na dissertação, com mais vagar, abordagem sobre tratamentos dispensados às formas pronominais nós e a gente em gramáticas tradicionais (GT) e em estudos sociolinguísticos – revisão de literatura. Diadorim8-cap17.pmd 351 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos efetivando na língua, tanto na modalidade falada quanto na escrita dos alunos de ensino fundamental? Elegemos, a seguir, três objetivos gerais para este estudo: (i) Verificar e analisar a alternância dos pronomes nós e a gente, observando, no ambiente escolar, os fatores linguísticos, sociais e estilísticos que condicionam seu uso efetivo na modalidade escrita e falada de alunos do ensino fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) de quatro escolas da rede pública de ensino na cidade de Florianópolis; (ii) propor uma análise (socio)linguística sincrônica das construções com nós e a gente na função de sujeito e seu reflexo na variação da concordância verbal, em especial, e na variação do preenchimento do sujeito pronominal; e (iii) discutir alguns pressupostos, mais especificamente a concepção de norma linguística e o problema empírico de avaliação, da teoria da variação e mudança (Cf. Bagno, 2004; Weinreich, Labov & Herzog, 1968 e Labov, 1972, 1982, 2003), a fim de suscitar reflexões acerca de nosso objeto de estudo. Esquadrinhando caminhos para deslindar tais objetivos, estaremos acompanhados de algumas hipóteses gerais: (i’) A variação de nós e a gente é motivada linguisticamente: a) está associada ao preenchimento ou não do sujeito: quanto mais preenchido, há mais ocorrência de a gente, quanto menos preenchido, há mais ocorrência do nós (Cf. Duarte, 1993, 1995); b) está associada à marca morfêmica do verbo que acompanha o pronome: a combinação de a gente com a marca morfêmica - ∅ e de nós com marca morfêmica -mos, possivelmente, é majoritária nos dados, até mesmo por causa da influência da escola, uma vez que a pesquisa foi realizada nesse ambiente; c) está associada à saliência fônica – os níveis de saliência fônica mais baixos favorecem o emprego de a gente, enquanto os níveis mais altos de saliência propiciam o uso de nós (Omena, 1998 [1986]; Lopes, 1993; Machado, 1995; entre outros). (ii’) A variação de nós e a gente é motivada socialmente: (i) está associada ao sexo do informante – mulheres utilizam mais a forma a gente (Lopes, 1999); e, (ii) está associada à idade do informante – a faixa etária compreendida entre 10 a 14 anos tende a usar mais o pronome a gente na escrita do que a faixa etária compreendida entre 15 a 19 anos. (iii’) A variação de nós e a gente é motivada pela oposição da modalidade (fala x escrita). As formas pronominais nós e a gente aparecem tanto na escrita quanto na fala dos alunos do ensino fundamental das quatro escolas integrantes desta pesquisa. Entretanto, acreditamos que o pronome a gente apareça predominantemente na fala e o nós 352 Diadorim8-cap17.pmd 352 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... predominantemente na escrita. Acreditamos, igualmente, que as formas pronominais nós e a gente, tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita, estão sujeitas à marcação estilística: nós tende a aparecer mais em linguagem monitorada (escrita), enquanto a gente em linguagem espontânea (fala) (isto é, no vernáculo). Para testar esta hipótese de avaliação do uso de nós e a gente, realizamos testes de atitude subjetiva com os alunos. 2.1. Justificativa e apresentação do estudo Esta pesquisa se justifica na medida em que vai diagnosticar o uso das formas nós e a gente em variação nas escolas, em diferentes estilos, bem como o reflexo desse uso a outros fenômenos com os quais ele está correlacionado, como a concordância verbal e o preenchimento do sujeito. Além do mais, se justifica por propor uma reflexão em torno desse uso, suscitando questionamentos a respeito do ensino de língua nas escolas e proporcionando condições para que esse ensino seja o resultado de futuras situações reais de interação em sala de aula, sem que o professor e/ou o aluno adotem uma postura preconceituosa em relação aos usos variáveis da língua. 2.2. A amostra utilizada A Sociolinguística Variacionista foi inicialmente proposta pelo linguista norte-americano William Labov. Considerando a língua como sistema heterogêneo, a Sociolinguística Variacionista estuda a língua em comunidades de fala, levando em conta o contexto social, como por exemplo, escolaridade e faixa etária dos indivíduos. Língua, para Labov (1972, p. 183), “é uma forma de comportamento social, (...) usada por indivíduos em um contexto social para comunicar suas necessidades, idéias, emoções.” As expressões de sujeito nós e a gente, por exemplo, são formas alternativas de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade (Labov, 1972). A designação flexional do verbo tem sido bastante valorizada nas salas de aula, sendo que a não-utilização (nós vai) da marca explícita de concordância (ou o contrário, no caso de a gente fomos) representa, em geral, um traço de diferenciação social, de modo geral acompanhada de estigma. Com o avanço de estudos sociolinguísticos, pensar o ensino da língua, atualmente, envolve antes uma reflexão essencial a respeito da dinâmica da língua, sobre os condicionadores sociais que levam a variações e mudanças linguísticas. 353 Diadorim8-cap17.pmd 353 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Analisaremos todas as produções de texto referentes à escrita dos alunos nas escolas pesquisadas e apenas as narrativas orais3 dos alunos de uma das quatro escolas. Partimos de uma proposta de produção textual (narrativa pessoal) – solicitada aos alunos de 5ª, 6ª, 7ª e 8ª série, em que estes deveriam relatar a respeito de um momento marcante da vida deles, vivenciado juntamente com outras pessoas – para se resgatar, preferencialmente, a primeira pessoa do plural. De acordo com Labov (1972), os relatos sobre experiências vividas, sobretudo perigo de morte, fazem com que o falante não se preocupe com como falar e sim com o que falar, aproximando-se do vernáculo. Realizamos a coleta de dados do texto escrito na primeira quinzena de julho e a coleta de dados de fala a partir da segunda quinzena de agosto até outubro de 2008 e acreditamos que um aspecto favorável a esta pesquisa foi o fato de a entrevistadora/ pesquisadora já ter trabalhado nas escolas selecionadas, pois tem familiaridade e bom relacionamento com os alunos. A coleta de dados de fala consistiu na gravação das mesmas histórias que os alunos já tinham escrito na primeira etapa, objetivando um olhar atento às formas pronominais e seu uso efetivo na narrativa escrita e oral – acreditamos que haja mais a gente em narrativas orais, uma vez que a atividade de escrita já exige um maior monitoramento por parte dos alunos na escola. Falamos, nas duas coletas, aos alunos-informantes que estávamos na escola para desenvolver um trabalho para a UFSC, visando à coleta de depoimentos de história de vida deles, ou seja, nada referido à língua foi mencionado aos alunos. 3. Resultados, análises e discussão 3.1. Análise geral A amostra analisada apresentou 1.667 ocorrências de nós e a gente nos dados de escrita e fala4 dos alunos do ensino fundamental de Florianópolis. Dentre estas, houve a presença do pronome a gente, com 424 ocorrências, correspondendo a 25% do total. As ocorrências com o pronome nós, 1.243, correspondem a 75% do total. Considerando o pronome a gente como aplicação da regra, os grupos de fatores selecionados como significativos pelo programa VARBRUL, por ordem de relevância, foram: 1º Marca morfêmica; 2º 3 Não houve tempo hábil para analisarmos todas as narrativas orais dos alunos das quatro escolas; em virtude de greves, horários delimitados pelos professores para fazer a pesquisa e outros, nossa coleta se alargou por um período maior do que o planejado. 4 Note que utilizamos os dados de escrita das quatro escolas, porém em relação aos dados de fala, foram usados apenas os dados de fala da escola 3. 354 Diadorim8-cap17.pmd 354 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... Preenchimento do sujeito; 3º Fala/escrita; 4º Paralelismo formal (sujeitosujeito); 5º Saliência fônica; 6º Sexo; 7º Série (5ª, 6ª, 7ª, 8ª) e 8º Paralelismo formal (sujeito-objeto). Além dessas variáveis linguísticas, ainda temos as variáveis extralinguísticas: (i) sexo, (ii) série e (iii) fala e (iv) escrita, indicando que também estão em jogo na variação dos pronomes nós/a gente as determinações socioculturais dos alunos-informantes. 3.2 Resultados e discussão da oposição entre a modalidade fala x escrita Analisamos a variação estilística dos pronomes nós e a gente com base nas modalidades fala e escrita que apresentaram no total 1.667 ocorrências. (Cf. tabela 1) Tabela 1: Frequência e probabilidade total de a gente, segundo as variáveis escrita e fala Aplicação/Total 174/1.284 250/383 424/1.667 Escrita Fala TOTAL (%) 14% 65% 25% PR .37 .86 Verificamos que 174 ocorrências (14%) foram para o pronome a gente na escrita dos alunos-informantes integrantes das quatro escolas e 250 ocorrências (65%) foram para o pronome a gente na fala dos alunos do ensino fundamental de Florianópolis na escola 3 selecionada. Essa grande diferença entre escrita e fala parece sugerir que os alunos evitam a gente no texto produzido na escola, o que poderia ser relacionado com estigmatização desse uso nesse contexto. Ao mesmo tempo, pode-se associar essa diferença com o fato de as mudanças ocorrerem antes na fala e só depois na escrita, especialmente quando não há estigma impedindo esse uso. Ainda que falte uma maior reflexão em termos da língua em uso nas salas de aula, o pronome a gente já ocorre efetivamente na escrita (14%) e na fala dos alunos, de todas as séries analisadas (65%), suplantando o nós na fala. 3.3. Resultados e discussão das variáveis linguísticas 3.3.1. Marca morfêmica O primeiro grupo de fatores selecionado pelo programa estatístico VARBRUL diz respeito à marca morfêmica5 do verbo que acompanha o 5 Este grupo de fatores marca morfêmica foi selecionado como o mais significativo em todas as rodadas realizadas: (i) todos os dados de fala e escrita coletados, (ii) apenas os dados de fala coletados na escola 3; (iii) apenas os dados de escrita das quatros escolas, e, (iv) rodadas apenas com o tempo verbal, excluindo-se a saliência fônica. 355 Diadorim8-cap17.pmd 355 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos pronome de primeira pessoa do plural nós ou a gente. Foram controladas as estratégias de concordância morfema -mos e morfema ∅ (zero) de nós e a gente. Os resultados dos estudos de Menon (1995), Lopes (1999), Naro et al. (1999), Menon, Lambach e Landarin (2003), Borges (2004) e Vianna (2006) serviram de base para estabelecermos a nossa hipótese já citada anteriormente. Constatamos, em nossos dados, a possibilidade de quatro maneiras diferentes de realizar a concordância verbal referente aos pronomes nós e a gente (nós + -mos, nós + ∅, a gente + ∅, a gente + -mos), apesar de haver predominância, de maneira geral, da combinação de a gente com ∅ (verbo em P3) e de nós com –mos (verbo em P4). A seguir, apresentamos a tabela 2 com os resultados obtidos. Tabela 2: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável marca morfêmica do verbo que o acompanha Marca morfêmica morfema -mos morfema ∅ (zero) TOTAL Aplicação/Total 56/1.216 368/395 424/1.667 % 4% 92% 25% PR .21 .99 Embora tenham sido encontradas as duas possibilidades de concordância verbal com as formas nós e a gente, observamos maior produtividade dos verbos com morfema ∅ (zero) ou em P3 combinandose com o pronome a gente, em um total de 92% e PR .99 contra 4% e PR .21 de a gente com morfema -mos. Os exemplos a seguir ilustram as estratégias usadas pelos alunos do ensino fundamental encontradas em nossa amostra: · DADOS DE ESCRITA (1) Nós + P3 “[...] Daí quando nos tava passando” (54M1e) (2) Nós + P4 “[...] nós perdemos de 14 a 0 e no segundo jogo.” (54M1e) (3) A gente + P3 “[...] enquanto a gente andava veio um menino....” (74F1e) (4) A gente + P4 “[...] depois a gente saímos do shopping.” (50F3e) · DADOS DE FALA (5) Nós + P3 “[...] nós tinha bastante comida pra comê...” (62M3f) (6) Nós + P4 356 Diadorim8-cap17.pmd 356 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... “[...] bateu o recreio nós fomos pro recreio e depois nóis demo a mochila pra ele.” (74M3f) (7) A gente + P3 “Quase sempre a gente vai um monte [...] no shoppi” (50M3f) (8) A gente + P4 “[...] a gente ficamo um pouco [...] e depois voltamo pra casa”. (50F3f) Como observamos na tabela 2, em um total de 395 dados de marca morfêmica zero, foram encontradas 368 ocorrências do pronome a gente ∅. Tais resultados parecem mostrar que a gente – embora possa integrar o sistema pronominal com verbo que apresente a marca morfêmica –mos, mantém o traço formal e original de 3ª pessoa, sendo mais empregado com morfema ∅ (zero), concernente ao nome coletivo gente. Segundo Lopes (1999), durante a passagem de nome para pronome, nem todas as propriedades formais nominais são perdidas, assim como não são assumidas todas as propriedades inerentes aos pronomes pessoais. O peso relativo .99 associado à combinação de a gente com verbo acompanhado de marca morfêmica ∅ (zero) sustenta essa hipótese. De acordo com nossos resultados, apesar de observarmos presença de a gente -mos, o traço de pessoa em a gente ∅ (zero) favorece – muito – a forma pronominal a gente. Há que se considerar que outro aspecto evidenciado no PB se refere ao fato de o pronome a gente estar associado semanticamente com o referente no plural, ou seja, podemos encontrar na língua, como mostram os trabalhos de Omena 1998 [1986], Menon (1995) e Naro et al. (1999), exemplos de fala como: a gente dançamos, a gente fomos, entre outros, que, segundo Borges (2004), colaboram para assinalar o pronome a gente como um pronome pessoal, visto que o falante os emprega associando-os ao “eu”(pessoa que fala) e mais outra(s) pessoas. Assim, embora a diferença seja grande em relação ao outro caso, os resultados na tabela acima vêm confirmar esse fato, visto que em um total de 1.216 dados de marca morfêmica -mos foram encontradas 56 ocorrências do pronome a gente -mos, com 4% de frequência e peso relativo .21. Nossos resultados se assemelham muito aos resultados a que chegou Vianna (2006) em seu estudo. Nas palavras dela (2006, p. 78), ao que parece, “esse valor semântico coletivo, herdado do nome gente, seria o responsável por conservar a concordância formal com formas verbais em P3, cuja marca é representada pelo morfema ∅ ”. 357 Diadorim8-cap17.pmd 357 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Com base em nossos dados de fala e escrita, comprovamos, deste modo, a existência de a gente com marca morfêmica –mos (verbo em P4), o que, talvez, se deva ao fato de na estrutura conceitual dessa forma gramaticalizada estar inserido, fundamentalmente, “o falante + alguém” ou o traço semântico [+EU] (Cf. Vianna, 2006). Entre falantes cultos, Lopes (1999) destaca que, embora não seja possível averiguar a concordância direta com a gente na fala, formas verbais com desinência em P4 aparecem em estruturas paralelas. Diante dos resultados, optamos por realizar um cruzamento entre as variáveis fala/ escrita e a marca morfêmica do verbo que acompanha o pronome a gente com o intuito de verificar qual o percentual de a gente na escrita e na fala acompanhado da marca morfêmica –mos e da marca morfêmica ∅ (zero). Na análise de dados de escrita, o pronome a gente com marca morfêmica ∅ (verbo em P3) possui mais ocorrências do que com a marca morfêmica –mos, tendo 17% de ocorrências deste caso contra 83% daquele. Fazendo esta mesma análise com os dados da fala, percebemos a elevação para 89% de ocorrências do pronome a gente com a marca morfêmica ∅ (verbo em P3) contra 11% com a marca morfêmica –mos. Será que esse fato se caracterizaria em uma “hipercorreção”? Os alunos estariam tentando preencher o sujeito na escrita e fazendo a concordância com morfema -mos para nós e a gente? Por fim, também podemos constatar que o pronome nós é, ainda, mais utilizado na escrita dos alunos do que o pronome a gente, visto que das 1.284 ocorrências de dados de escrita somente 174 dizem respeito ao a gente; entretanto, este número já é um indício de que este pronome está sendo inserido na escrita dos alunos do segundo segmento do ensino fundamental. 3.3.2. Preenchimento do sujeito Temos o objetivo de averiguar se os pronomes nós e a gente na escrita formal presente nas produções de textos dos alunos, bem como na fala deles, já está se direcionando para o preenchimento do sujeito, uma vez que alguns estudos sociolinguísticos têm indicado que a língua portuguesa falada no Brasil apresenta, cada vez mais, sentenças de sujeito pronominal preenchido (cf. Duarte, 1993, 1995; Costa, 2003; Paredes da Silva, 2003; Nunes de Souza et al., 2010, entre outros). Assim, elegemos duas formas que o falante usa para referir-se à primeira pessoa do plural: 358 Diadorim8-cap17.pmd 358 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... · SUJEITO PREENCHIDO (9) Nós explícito + mos (verbo em P4) (10) Nós explícito + O (verbo em P3) (11) A gente explícito + O (verbo em P3) (12) A gente explícito + mos (verbo em P4) · SUJEITO NULO (13) Nós implícito + mos (verbo em P4) (14) Nós implícito + O (verbo em P3) (15) A gente implícito + O (verbo em P3) – n/d em nossos dados. (16) A gente implícito + mos (verbo em P4) Os resultados da tabela 3, a seguir, mostram que, em relação ao uso dessa variável, há predominância de a gente no que se refere ao sujeito preenchido e não ao sujeito nulo. Os nossos resultados confirmam os resultados de Lopes (1993), em que a autora obteve um total de 972 dados, sendo 375 de nós (39%), 333 de a gente (34%). Na sua análise geral, a autora encontrou 562 dados de sujeito nós, explícito ou não, contra 410 de sujeito a gente, explícito ou não. Tabela 3: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável preenchimento do sujeito Preenchimen to do sujeito sujeito preenchido sujeito nulo (ø) TOTAL Aplicação/Total 415/818 9/849 424/1.667 % 51% 1% 25% PR .89 .12 A porcentagem geral para o emprego de a gente, segundo a variável sujeito preenchido, quando comparada ao emprego de nós, é de 51% contra 49%, com peso relativo de .89, ou seja, um índice bem alto que corrobora a hipótese da mudança do parâmetro do sujeito. Observando os dados em separado, verificamos que há mais sujeito nulo com nós (99%) do que com a gente (1%), confirmando nossa hipótese de que, se a marca está colocada no morfema do verbo, o sujeito pode ser nulo. Portanto, os resultados da tabela 4 mostram que há mais predominância de sujeito preenchido com o pronome a gente (pois este pronome acompanha o verbo na 3ª pessoa do singular – P3) totalizando PR .89 do que com o pronome nós. E provavelmente o pronome nós apresentou-se acompanhado de sujeito nulo, pelo fato de ele vir acompanhado do verbo na 1ª pessoa do plural – P4, perfazendo o total de 99%. Duarte (1995, p. 124) disse que “sujeitos nulos vêm sendo cada 359 Diadorim8-cap17.pmd 359 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos vez menos utilizados, em especial pela faixa etária dos mais jovens”. Possivelmente, isto ocorre porque os mais jovens têm feito mais uso de a gente do que os mais velhos e este pronome acompanha o verbo na 3ª pessoa do singular – P3, ou seja, a marca não está colocada no morfema do verbo e, em geral, ele é predominantemente empregado com sujeito preenchido. No entanto, resta-nos saber se a mudança que vem se estabelecendo na fala do PB já está, igualmente, aplicada à escrita formal. A partir de resultados da frequência de a gente, segundo realização de cruzamento entre as variáveis fala/escrita e preenchimento do sujeito, os índices de preenchimento de a gente são praticamente iguais na fala e na escrita, 98% e 97%, respectivamente, em contraposição ao nós, com apenas 15% e 35%. Como fala Duarte (1993, 1995), o sujeito preenchido vem sendo cada vez mais usado, pois ocorreram apenas 2% de uso de sujeito nulo com a gente na fala e 3% na escrita. Por outro lado, o pronome nós vem preferencialmente nulo nas duas modalidades: 85% na fala e 65% na escrita. Em outras palavras, nossos resultados mostram que há uma discrepância maior entre sujeito preenchido e sujeito nulo quando se utiliza o pronome a gente do que quando se utiliza o pronome nós, tanto na fala quanto na escrita. 3.3.3. Paralelismo Formal (sujeito-sujeito) Acreditamos que é o princípio de paralelismo formal que atua intimamente na eleição das variáveis em estudo. Partimos da hipótese de que a primeira ocorrência de um pronome condicione com as seguintes, desencadeando, portanto, uma série de repetições da mesma forma pronominal. Para análise desta variável valemo-nos de três tipos de paralelismo, como observamos a seguir (já com os amálgamas): (i) paralelismo formal: paralelismo 1 (sujeito-sujeito): a gente/ nós... 0; a gente/nós... a gente; a gente/nós... – mos; a gente/nós... nós); (ii) paralelismo 2 (com clíticos: sujeito-objeto): a gente... nos/se; a gente/nós... (d) a gente (com a gente); a gente/nós... nós (de nós, com nós, para nós, conosco); e, (iii) paralelismo 3 (com possessivos: sujeito-adjunto adnominal): a gente/nós... nosso (s); a gente/nós... (d) a gente.6 6 O paralelismo formal 1 (sujeito-sujeito) foi o que se mostrou significativo no resultado das rodadas. 360 Diadorim8-cap17.pmd 360 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... Os principais critérios estabelecidos para considerarmos a existência de uma série discursiva do paralelismo 1 foram, então, os de sujeitos nós e a gente – explícitos ou implícitos – ocorrerem dentro de um limite aproximado de dez orações sem a intervenção do entrevistador. (Cf. Lopes, 1993). A seguir atentemos para a tabela 4. Tabela 4: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável paralelismo formal Paralelismo formal a gente... ø a gente... a gente a gen te... -mos a gente... nós TOTAL Aplicação/Total 10/12 267/386 102/876 45/393 424/1667 % 83% 69% 12% 11% 25% PR .96 .72 .49 .28 A tabela supracitada mostra que, quando o pronome a gente inicia uma série, a tendência é que talvez a escolha influencie no uso de verbo + O nas formas subsequentes (PR 0,96). Porém, referente a este caso, obtivemos apenas 10 ocorrências, dentre as 12 totais encontradas, um número pequeno se comparado às duzentas e sessenta e sete (267) ocorrências de percentual 69%, em que observamos o peso relativo .72, e, deste modo, percebemos que, quando o pronome a gente inicia uma série, uma forte tendência é que a escolha influencie no uso de a gente + a gente nas formas subsequentes. Nas palavras de Omena (2003), a opção da forma para a primeira referência é influenciada pela forma predominantemente empregada pelo indivíduo. Segundo a autora (2003, p. 72), o que ocorre, com pouquíssimas exceções, é que o falante em cujo desempenho predomina o uso de a gente tem mais formas iniciais com a gente. O mesmo se dá com os que usam predominantemente o nós. Desta forma, uma vez eleita a forma, o falante tende a repeti-la, sobretudo se o referente não se alterar. Outra ocorrência diz respeito a a gente...-mos que totalizou, dos 876 casos, 102 episódios e PR .49. O que os estudos têm mostrado e Omena (2003) já comenta é que os casos de a gente com –mos ocorrem sempre depois da pausa, talvez o falante use a desinência para recuperar o referente7. Destarte, a atuação do paralelismo se verifica também em determinados contextos em que os pronomes nós e a gente não são realizados formalmente, ou seja, com a marca morfêmica esperada. 7 Pretendemos continuar investigando o fenômeno relacionado ao paralelismo, mas precisamos, ainda, dispor de uma metodologia mais adequada e definida para tal estudo. 361 Diadorim8-cap17.pmd 361 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Lopes (1993) observou em seus dados, em relação ao paralelismo, uma maior frequência (i) com o sujeito não explícito com verbo na 1ª pessoa do plural – (93% dos casos, .86), e (ii) com a forma nós precedida de uma oração introduzida por nós (87%, .79). Isto, de acordo com a autora, indica que a probabilidade de usar o pronome nós, no lugar do a gente, é significativamente maior quando o falante emprega também nós em oração antecedente. Comparando seus resultados com os nossos, percebemos semelhança, pois a ocorrência do paralelismo nós... nós favoreceu a utilização do pronome nós, alcançando um percentual alto de 89%. Com base nos nossos resultados, podemos observar que o uso do a gente na escrita está mais acentuado quando o paralelismo formal sujeitosujeito ocorre da seguinte maneira: a gente... ∅ e a gente... a gente, totalizando 83% e 49%, respectivamente. Além disso, nos casos de paralelismo formal sujeito-sujeito em que a segunda oração é formada por sujeito nulo e acompanhada de marca morfêmica -mos ou ∅ , ocorreram mais casos da primeira concordância verbal do que da segunda (57 contra 10, em números absolutos). Em relação à segunda oração, de sujeito nulo, é possível aventar duas hipóteses distintas: a) caso o sujeito nulo se refira ao pronome nós, pode-se concluir que existe, na escrita, alternância entre os pronomes nós e a gente; ou b) caso o sujeito nulo se refira ao pronome a gente, pode-se concluir que existe, na escrita, alternância entre a concordância verbal ∅ e –mos para o mesmo pronome (a gente). Em relação aos dados obtidos na fala, constatamos a inexistência de a gente ... ∅, apenas a presença de a gente... –mos. Considerando que houve, mesmo na fala, casos de a gente –mos, não é possível concluir que há apenas alternância de pronomes, de modo que as hipóteses aventadas anteriormente para a escrita terão de ser abordadas também nos estudos referentes à fala. Mesmo não tendo condições de apurar, no momento, o que ocorre nesses casos de paralelismo formal sujeito-sujeito (alternância de pronomes a gente e nós ou manutenção do pronome a gente e variabilidade de concordância verbal ∅ e -mos), pressupomos que, caso se trate de alternância de concordância verbal, esta não tende a predominar, pois a utilização de a gente –mos presente nos dados obtidos nesse estudo ocorre, em geral, em classes desfavorecidas, de pessoas menos escolarizadas, havendo alto índice de estigmatização entre as classes mais favorecidas e escolarizadas da sociedade (Cf. Silva, 2004). Entretanto, Omena (1998) aponta a existência considerável da alternância de pronomes em adultos (84%) e crianças (91%) para a gente ref. dif. e a 362 Diadorim8-cap17.pmd 362 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... intercambialidade de nós ref. dif. em adultos (49%) e crianças (28%), de modo que pressupomos que a ocorrência de a gente... –mos, para que seja uma construção prestigiada, deva se referir à alternância de pronomes e não à alternância de concordância verbal. Levando em consideração, ainda, o paralelismo formal sujeitosujeito a gente... a gente na fala, os números indicam que a frequência de utilização de a gente, no lugar de nós, é maior quando o antecedente formal for a gente (82%), sendo que escolhida determinada forma, a pessoa tende a repeti-la. O mesmo ocorreu nos dados de Omena (1998: 196), em que a autora encontrou 93% de a gente ref. igual para adultos e 94% de a gente ref. igual para crianças. Estes resultados, de modo geral, confirmam a tendência linguística do paralelismo formal, atestando, desta maneira, que uma vez selecionada a forma, a pessoa tende a repeti-la, especialmente, se o referente não mudar. 3.3.4. Saliência fônica Conforme já mencionado por Zilles e Batista (2006, p. 105), o papel da saliência fônica se define como o de uma “hierarquia das formas verbais em função do contraste entre a forma com a desinência e a 3ª pessoa do singular”. A escala sobre a variação entre nós e a gente utiliza, em especial, as propostas de Omena (1998), Lopes (1993) e Naro et. al (1999) e subdivide-se em seis níveis de diferenciação fônica8. O pronome de primeira pessoa do plural nós/ a gente pode harmonizar-se com o núcleo verbal que possua forma mais ou menos saliente. Nas palavras de Omena (1998, p. 69), há menos distância fonética entre a gente fica X nós ficamos do que entre nós somos X a gente é. A diferença entre fica e ficamos é somente o acrescentamento de uma sílaba, o que, segundo Omena (1998) favorece maior substituição de nós por a gente. Já é e somos são formas completamente distintas, tornando menos provável a ocorrência de a gente, conforme a autora (1998, 2003). Para exemplificar tal colocação, Omena (2003) apresenta seus resultados de análise de tempo real de curta duração com base na saliência fônica e uso de a gente vs. nós, sendo que os resultados vão das formas menos salientes para as mais salientes. Considerando os resultados apresentados por alguns autores, postulamos as nossas hipóteses e apresentamos os resultados na tabela 5, a seguir. 8 Todavia, ao realizarmos a primeira rodada, alguns fatores apresentaram KNOCKOUT e, então, amalgamamos alguns graus, o que resultou nos graus 1 e 2. (Brustolin, 2009). 363 Diadorim8-cap17.pmd 363 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Tabela 5: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável saliência fônica Saliência fônica Aplicação/Total % grau 1: falava/falávamos; fosse/fôssemos; ir/irmos; cantar/cantarmos. grau 2: fala/falamos; conversa/conversamos; pôde/pudemos. 85/247 34% grau 3: está/estamos; faz/fazemos; vê/vemos. grau 4: vai/vamos; partiu/partimos; comeu/comemos; foi/fomos; pediu/pedimos. grau 5: falou/falamos; passou/passamos; brincou/brincamos; 339/1420 24% voltou/voltamos. grau 6: é/somos; veio/viemos; teve/tivemos TOTAL 424/1667 25% Como os resultados9 apontam, a nossa hipótese inicial se confirma. O pronome a gente, mesmo sendo menos utilizado do que o pronome nós em ambos os graus de saliência fônica, é empregado com mais frequência nos níveis de menor saliência fônica (34%) do que nos níveis de maior saliência fônica (24%). Do mesmo modo que em Omena (1998, 2003), o infinitivo impessoal aparece favorecendo o uso de a gente; também, percebemos o infinitivo no grau 1 favorecendo o uso de a gente em nossos dados. Ao que parece podemos notar que os índices maiores da forma nós nos graus 4, 5 e 6 podem aludir também à prevalência do pretérito perfeito do indicativo e o pronome a gente pode estar aparecendo mais com os graus 2 e 3, correspondendo quase exclusivamente ao tempo presente; entretanto, se faz interessante observarmos, ainda, que no grau 1 há formas verbais do pretérito imperfeito e, no cruzamento das variáveis tempo verbal e saliência fônica, podemos constatar melhor em que tempo verbal cada uma das formas é mais utilizada e se há uma tendência maior ao uso de nós com tempos mais marcados (pretérito perfeito e futuro) e de a gente com as formas menos marcadas (formas nominais, presente e pretérito imperfeito) (Omena, 1998 [1986]; Lopes, 1993; Naro et al., 1999; Vianna, 2006; entre outros). A análise realizada por Naro et al. (1999) foi submetida à relação das variáveis saliência fônica e tempo verbal. Os autores evidenciaram, no estudo, que o pretérito perfeito apresentou as formas mais salientes, centrando-se nos graus 4 e 5, mais altos da escala. Nos outros tempos, a diferenciação entre o singular e o plural foi menor: são os graus mais baixos – grau 1, fundamentalmente do pretérito imperfeito, e graus 2 e 3, do 9 A tabela 5 ficou mais difícil de ser analisada devido aos amálgamas que fizemos, mas confirma, de certa forma, a nossa hipótese inicial. 364 Diadorim8-cap17.pmd 364 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... presente. Naro et al. (1999) sugerem que, pelo fato de o tempo presente e o tempo pretérito terem a mesma forma na 1ª pessoa do plural, o falante tem se valido, cada vez mais, da desinência -mos para assinalar o tempo pretérito, em oposição à ausência de marca no presente. Os nossos resultados ficaram muito próximos, e, embora em Omena 1998 [1986] e Naro et al. (1999) o pretérito imperfeito seja mais empregado com a gente, em nossos resultados, o índice deste para o pronome a gente foi o mais baixo, corroborando os resultados de Lopes (1993) uma vez que, nos dados da autora, houve um ligeiro favorecimento para o pronome nós (66%) nesses contextos. Pensamos ser indispensável citar que, em nosso estudo, a variável tempo verbal não foi selecionada como significativa, porém a interdependência dos fatores saliência fônica e tempo verbal nos parece evidente, visto que os alunos, ao narrarem um acontecimento da vida deles, referem-se a eventos passados, marcando-os temporal e cronologicamente10. 3.3.5. Paralelismo formal (sujeito-objeto) Realizamos uma separação entre os paralelismos sujeito-sujeito, sujeito-objeto e sujeito-possessivo a fim de verificar minuciosamente cada tipo de paralelismo e suas relevâncias. Segue tabela 6 com os resultados. Tabela 6: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável paralelismo formal sujeito-objeto a gente...(d)a gente, com a gente a gente... nós, de nós, com nós, para nós, conosco a gente... nos, se TOTAL Aplicação/Total 4/12 (%) 33% PR .82 10/43 23% .43 13/82 27/137 16% 20% .47 O paralelismo formal (com clíticos: sujeito-objeto) que mais se mostrou significativo no estudo foi o a gente...(d)a gente, com a gente, ou seja, este resultado (33% e PR .82) indica também que, quando o pronome sujeito a gente inicia uma série, a tendência é de que o objeto também prefira a forma (d)a gente. O mesmo ocorre com o pronome nós, quando 10 Realizamos também, rodada estatística sem a variável saliência fônica a fim de verificar se os resultados se diferenciariam muito, porém, retirando a saliência fônica do verbo, o resultado para a variável tempo verbal se apresentou o mesmo (Brustolin, 2009). 365 Diadorim8-cap17.pmd 365 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos inicia uma sentença, em geral, é retomado no objeto, como os resultados confirmam, com 77% de frequência nessa relação. 3.4. Resultados e discussão das variáveis extralinguísticas Das quatro variáveis extralinguísticas analisadas, duas se mostraram relevantes para a variação de nós e a gente em nosso estudo, a saber: sexo e série. Este resultado é importante, visto que fica evidente a determinação social do indivíduo na variação dos pronomes pessoais de primeira pessoa. 3.4.1. Sexo Segundo Labov (1972, 2003), percebe-se que as mulheres tendem a empregar as formas de maior prestígio, evitando formas estigmatizadas. Todavia, o autor também menciona que, nos processos de mudança linguística, as mulheres mostram-se mais inovadoras, introduzindo as variantes “não-padrão”, quando essa forma não estiver marcada. Com base em estudos da área, nossa expectativa se aproxima da dos resultados alcançados por Zilles (2007) e também por Seara (2000) e é de que as alunas tendam a utilizar o pronome a gente, tendo em vista que ele não carrega muito estigma e como as pesquisas variacionistas, em geral, têm demonstrado, as formas “bem aceitas” na sociedade geralmente já estão na fala das mulheres. Tabela 7: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável social sexo dos informantes Sexo masculino feminino TOTAL Aplicação/Total 144/708 280/959 424/1667 % 20% 29% 25% PR .32 .64 Os resultados da tabela 7 corroboram nossa hipótese de que as mulheres tenderiam a utilizar mais o pronome a gente do que os homens. As mulheres utilizaram este pronome em 29% das ocorrências, e PR de .64. Esse resultado aproxima-se do encontrado por Zilles (2007) e por Seara (2000), em que as mulheres, de modo geral, também tendem a utilizar o pronome pessoal a gente. 3.4.2. Série Para a análise dessa variável, realizamos a distribuição pelas quatro séries integrantes do segundo segmento do ensino fundamental: 5ª, 6ª, 7ª e 8ª. 366 Diadorim8-cap17.pmd 366 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... Segundo Votre (2004), a escola age como preservadora da forma de prestígio. Todavia, nos pronomes pessoais de primeira pessoa nós/a gente, não há, atualmente, muito estigma11. Mas, embora o pronome a gente seja “bem aceito”, a sua possibilidade de ocorrência com o mesmo valor referencial do pronome nós, essencialmente na escrita, não costuma ser objeto do ensino formal, apesar de o pronome a gente ser usado no discurso dos professores e profissionais da escola. Nossa hipótese quanto à série é encontrar mais ocorrências do pronome a gente na escrita dos informantes de 5ª e 6ª séries que estão passando pelo processo de aprender o conteúdo pronominal, utilizando, ainda, uma escrita menos formal, tendendo a empregar mais a escrita 1. E acreditamos encontrar mais ocorrências do pronome nós na escrita dos alunos de 7ª e 8ª série, pelo fato de estes estarem usando com maior frequência o pronome nós e estarem vivenciando uma fase em que a monitoração escrita, em geral, é mais recorrente, caminhando, então, para uma quase escrita 2. Quanto à fala, por ser mais espontânea, acreditamos que o pronome a gente será mais empregado pelos alunos em geral do que o pronome nós, independentemente da série. Os resultados podem ser visualizados na tabela 8 a seguir. Tabela 8: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável série (5ª, 6ª, 7ª, 8ª) Série 5ª série 6ª série 7ª série 8ª série TOTAL Aplicação/Total 143/369 126/503 65/330 90/465 424/1667 % 39% 25% 20% 19% 25% PR .70 .51 .49 .33 A partir destes resultados, podemos perceber que os alunos que mais utilizam o pronome a gente são das séries: 5ª e 6ª, com 39% e 25% das ocorrências e acompanhadas de PR de .70 e .51, respectivamente, o que as aponta como favorecedoras do uso de a gente corroborando nossa hipótese. Em contrapartida, os alunos pertencentes às últimas séries do ensino fundamental (7ª e 8ª) mostram PR .49 e .33, respectivamente, embora também façam uso deste pronome. 11 Em geral, baseadas nos resultados de pesquisas já mencionadas, podemos perceber que existe pouco estigma em relação ao pronome a gente no PB. O que é condenado, na maioria dos casos em Florianópolis, é o uso da concordância não canônica com os pronomes nós/a gente, ou seja, a gente acompanhado da marca morfêmica –mos e nós acompanhado da marca morfêmica ∅. 367 Diadorim8-cap17.pmd 367 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Destacamos que o pronome a gente, independente de sexo, é menos utilizado pelos alunos das duas últimas séries do ensino fundamental, confirmando o que alinhavamos em nossa hipótese. 4. Reflexões finais Podemos dizer que o pronome a gente é mais utilizado pelos alunos do ensino fundamental na fala e o pronome nós é mais utilizado por estes alunos na escrita. Os resultados obtidos corroboraram algumas das hipóteses que nortearam este estudo. Com base nos dados coletados, podemos dizer que a variação dos pronomes nós e a gente é linguistica e socialmente motivada. Obtivemos como resultado para a oposição de modalidade (fala x escrita) um maior emprego do pronome nós na escrita do que do pronome a gente na escrita, porém para fala o uso de a gente suplantou o de nós. A leitura dos resultados nos permite inferir que nas escolas da rede pública de Florianópolis pesquisadas: (i) o pronome nós é mais utilizado na escrita em detrimento do a gente, apesar de este já aparecer na escrita; (ii) o pronome a gente é mais usado na oralidade (narrativas de cunho pessoal) em detrimento do pronome nós; e (iii) apesar de a gente já ter um grande espaço, o emprego do nós na escrita é proporcionalmente maior do que o emprego do a gente na fala. Ressaltamos, ainda, que o uso do pronome a gente, em geral, não apresenta muito estigma e está correlacionado a variáveis extralinguísticas, por exemplo, nível de formalidade, escrita versus fala e sexo dos falantes. Contudo, acreditamos que o estigma no uso do pronome nós e a gente, na maioria das vezes, está relacionado à realização da desinência verbal: –mos (a gente cantamos) ou zero (nó(i)s canta ∅ ), e não à utilização dos pronomes nós e a gente, acompanhados de verbos nas formas P4 e P3, respectivamente. A partir dos resultados encontrados neste estudo, salientamos, ainda, que a marca morfêmica foi a variável linguística selecionada como a mais significativa em todas as rodadas e cruzamentos; deste modo, podemos afirmar que um dos fatores que está regendo a variação dos pronomes de primeira pessoa do plural nós e a gente são as determinações no uso da desinência verbal, além de determinações socioculturais do indivíduo. Por fim, observamos que atualmente uma nova concepção de língua orienta uma nova forma de pensar o ensino desta. Portanto, um dos primeiros objetivos e uma das primeiras atitudes do educador deve ser o reconhecimento da realidade sociolinguística presente na sala de aula e na comunidade em que está atuando. 368 Diadorim8-cap17.pmd 368 06/12/2011, 22:20 Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do... Referências ALBÁN, Maria Del Rosário Suárez. et alii. “Uma sondagem na norma culta brasileira”. Estudos lingüísticos e literários. nº 5, Salvador, UFBA. Agosto, 1991. pp. 103-116. ALBÁN, Maria Del Rosário Suárez e FREITAS, Judith. “Nós ou A gente?” In: Estudos lingüísticos e literários. nº 5, Salvador, UFBA. Agosto, 1991. pp. 75-89. BAGNO, Marcos (org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004. BORGES, Paulo R. S. A gramaticalização de “a gente” no português brasileiro. Tese (Doutorado em Letras) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. BRUSTOLIN, Ana Kelly Borba da Silva. 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Resumo O objetivo deste trabalho é descrever e analisar a variação de nós e a gente (e suas possíveis realizações na desinência verbal -mos e zero) na fala e escrita de alunos do ensino fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) em quatro escolas da rede pública de ensino de Florianópolis – região leste de Santa Catarina. A análise está apoiada na Teoria da Variação e Mudança Linguística delineada por Weinreich, Labov e Herzog (1968) e Labov (1972, 2001, 2003) e leva em conta a influência de fatores linguísticos e extralinguísticos no condicionamento das formas em variação. Esta pesquisa consistiu na observação do uso “real” desses pronomes e se efetivou partindo de uma proposta de narração solicitada aos alunos, que deveriam relatar a respeito de um momento marcante da vida deles, em conjunto, com outras pessoas – para se resgatar, preferencialmente, a primeira pessoa do plural. As amostras da pesquisa foram constituídas por produções textuais e entrevistas orais, no período de maio a outubro de 2008. Os resultados gerais já apontam para um uso efetivo da forma a gente na fala e na escrita dos alunos, com base nas rodadas que foram realizadas com a ajuda do pacote estatístico VARBRUL. Verificamos os seguintes contextos linguísticos e extralinguísticos favorecedores para o uso de a gente na escrita e na fala, respectivamente: (i) marca morfêmica do verbo que o acompanha (zero e –mos), (ii) sujeito preenchido e nulo, (iii) modalidade: fala e escrita, (iv) saliência fônica, (v) paralelismo formal, (vi) sexo dos informantes e (vii) série (5ª, 6ª, 7ª e 8ª). Esse quadro aponta para o ensino de língua em que um dos primeiros objetivos e uma das primeiras atitudes do educador deve ser o reconhecimento da realidade sociolinguística presente na sala de aula. Palavras-chave: variação/mudança linguística e ensino, pronome, fala e escrita. Abstract The aim of this work is to describe and analyze the change of nós and a gente (and their respective realizations in the verbal ending –mos and null) in the 373 Diadorim8-cap17.pmd 373 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos spoken and written language of the students in the middle school (5th , 6th , 7th and 8th grades) through four schools in the public system of education in Florianópolis – east region of Santa Catarina state. The analysis is supported by the theory of Linguistic Variation and Change, delineated by Weinreich, Herzog and Labov (1968) and Labov (1972, 2001, 2003) and it considers the influence of linguistic, and extralinguistic factors at the conditioning of forms in variation. This survey has consisted by the observation of “real” use of these pronouns and it was effected from a proposal of a narrative, solicited to the students, to report an impressing moment of their lives with other people, to get, preferentially, the first person of plural. The samples of the survey were constituted by textual productions and oral interviews, at the period from May to October 2008. The general results attest an effective use of the form a gente in the spoken and written language of the students, as we can verify through the results obtained by the rounds of the VARBRUL statistical packet. We have verified the following linguistic and extralinguistic favorer contexts for the use of a gente in the oral and written modalities, respectively: (i) morphemic mark of the verb, (ii) null or full subject, (iii) spoken and written languages, (iv) phonic salience, (v) formal parallelism, (vi) sex of the informants and (vii) school grades (5th, 6th, 7th e 8th). This scenery indicates a teaching of languages, which has as first aims and first educator’s attitudes the recognizability of the sociolinguistic reality present in the classroom. Keywords: linguistic variation/change and teaching; pronouns; oral and written modalities. 374 Diadorim8-cap17.pmd 374 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en publicidades de Montevideo Bruno Rafael Costa Venâncio da Silva1 Carlos Felipe da Conceição Pinto2 1. Introducción La discusión sobre la variación del español no es algo reciente. Mucho se ha debatido en el siglo XX respecto de los orígenes y las características del español americano y sus principales rasgos distintivos. En este sentido, Fontanella de Weinberg (1993) comenta que es inadecuado dividir el español en dos bloques distintos, opuestos el uno al otro e internamente homogéneos como se suele hacer al hablar de “español de España” y “español de América”3. En la propuesta de Fontanella de Weinberg (1993), el español americano es un conjunto de variedades lingüísticas habladas en América definidas geográfica e históricamente sin olvidar el complejo y variado carácter del proceso de colonización ni sus implicaciones lingüísticas. Fontanella de Weinberg (1993) comenta que, a excepción del uso del pronombre vos en América y del pronombre vosotros en España, no hay una forma lingüística que sea exclusiva de una zona geográfica4. 1 Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. 2 Doutorando da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). 3 Es cierto que los estudios léxicos vienen desarrollándose y muchas investigaciones sobre el léxico de cada país/región surgieron a lo largo del siglo XX dando origen a diccionarios de argentinismos, cubanismos, peruanismos, mexicanismos etc. Sin embargo, nos parece bastante prudente tener las observaciones de Fontanella de Weinberg (1993) en mente al analizar otros niveles de la lengua. 4 Para una discusión muy interesante de este tema, ver Fanjul (2004). Diadorim8-cap18.pmd 375 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos En el español, la segunda persona tiene pronombres específicos cuyo uso depende del nivel de cortesía y/o familiaridad que hay entre los hablantes5. En términos gramaticales generales y, principalmente, normativos, para la segunda persona del singular, si el tratamiento es informal, se usa el pronombre tú y sus formas verbales equivalentes, si el tratamiento es formal, se usa el pronombre usted y sus equivalentes verbales. En el caso de la segunda persona del plural, se usan las formas pronominales vosotros y ustedes y sus formas verbales respectivamente. Sin embargo, diversos estudios (Lapesa, 1968; Fontanella de Weinberg, 1979, 1993; Hotta; 1997; Carricaburo, 1997; Bertolotti, 2006, 2011 etc.) vienen señalando que hay gran variación en la realización pronominal y verbal de la segunda persona del singular informal en el mundo hispánico, especialmente en América, donde la forma pronominal tú y sus equivalentes pronominales y verbales (el tuteo) alternan en diferentes contextos socio-pragmáticos y gramaticales con la forma pronominal vos (el voseo) y sus equivalentes verbales. Aunque esa variación gramatical esté presente en toda Hispanoamérica, la región en la que ha ganado más terreno es la región del Río de la Plata, donde, inclusive, se usa en la norma culta y, en el caso de la Argentina, está reconocido por la Academia Argentina de Letras. Considerando las principales ciudades, en el caso de Buenos Aires, el vos es la única forma pronominal existente para la segunda persona de confianza. En el caso de Montevideo, la formas voseantes alternan con las formas tuteantes. A partir del somero panorama presentado arriba, esta investigación, de carácter esencialmente empírico6, tiene el objetivo de hacer una presentación de los pronombres de tratamiento de segunda persona del singular en publicidades de la ciudad de Montevideo. Nuestras hipótesis son: a) el pronombre de tratamiento vos no está restringido a la lengua oral en Uruguay, como propone Fontanella de Weinberg (1994); b) las formas verbales encontradas en las publicidades y anuncios son 5 El sistema de las fórmulas de tratamiento no depende simplemente del hecho de que si la situación es formal o informal en el sentido de que si los hablantes se conocen y tienen intimidad o no. Muchos otros factores juegan papel importante en ese sistema, como discutido en Carricaburo (1997). Un ejemplo de esta complejidad, que pasa por las relaciones de poder, es el caso en que un jefe de una empresa tiene una secretaria mucho mayor que él. El jefe tiene los rasgos [+poder; -edad] y la secretaria tiene los rasgos [-poder; +edad], hecho que genera un conflicto a la hora de usar las fórmulas de tratamiento. 6 En este trabajo nos detenemos fundamentalmente en aspectos empíricos/descriptivos de la cuestión. Es decir, presentamos datos. En trabajos futuros, se podrá utilizar los datos presentados y los que añadan para reflexiones teóricas sobre variación y cambio lingüístico además de las investigaciones pragmáticas y discursivas. 376 Diadorim8-cap18.pmd 376 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... idénticas a las formas típicas del voseo bonaerense dado el influjo de Buenos Aires sobre Montevideo, como señala Carricaburo (1997). El trabajo se divide de la siguiente manera: en la primera parte, hacemos una breve presentación de la definición, el origen y la extensión del voseo en América y específicamente en Uruguay. En la segunda, trataremos la presentación de los datos, la metodología empleada y los análisis cualitativo y cuantitativo de los datos. Al final, se harán algunas consideraciones sobre el trabajo. 2. Definición, origen y extensión del “voseo”7 El voseo es el uso del pronombre vos y/o sus formas verbales y pronominales para segunda persona singular. En términos pronominales, el pronombre vos aparece en lugar del pronombre tú en las funciones de sujeto y complemento de preposición (los posesivos, los reflexivos y los clíticos no se distinguen); en términos verbales, el voseo más extendido, que es el voseo del Rio de la Plata, tiene desinencias específicas en el presente de indicativo y en el imperativo afirmativo8. Compárense los ejemplos en (1), del tuteo, y en (2), del voseo: (1) a. Tú no me dices la verdad. b. Compré este libro para ti. c. ¿Qué quieres tú? d. Tú nunca hablas de tu vida. e. Tú cantabas mucho más antes. (2) a. Vos no me decís la verdad. b. Compré este libro para vos. c. ¿Qué querés vos? d. Vos nunca hablás de tu vida. e. Vos cantabas mucho más antes 7 Para una exposición más detallada de este tema, ver Pinto (2007). El voseo en otras regiones presenta diferentes desinencias en otros tiempos verbales como señala Bertolotti (2011). No nos detendremos en la variación desinencial del voseo en este trabajo pero un comentario es relevante para el caso del presente del subjuntivo y sus funciones pragmáticas (entre ellas las de imperativo negativo): hay variación entre la morfología verbal típica del voseo y la del tuteo dependiendo de la función del subjuntivo. Fontanella de Weinberg (1979) muestra que en imperativo menos tajante, como una sugerencia, se usan las formas del tuteo; por otro lado, en un orden incisivo, se usan las formas propias del voseo. 8 377 Diadorim8-cap18.pmd 377 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Mucha gente piensa equivocadamente que el voseo es una innovación americana, especialmente de la región del Río de la Plata. Sin embargo, muchos estudios muestran que el origen del voseo es el propio latín. Inicialmente, el latín solamente tenía las formas tu y vos para el tratamiento singular y plural respectivamente. En el latín tardío, se empezó a usar la forma vos para referir a la segunda persona singular de respeto. En el castellano medieval, para distinguir el vos singular del vos plural se añadió el sufijo –otros a la forma plural (vosotros). Con las crisis sociales, el surgimiento de la burguesía en la Edad Media y el surgimiento de vuestra+puesto (majestad, excelencia, santidad etc. siendo que merced era la forma genérica, cuando no se usaba el puesto, y al final se gramaticalizó: vuestra merced > usted), las formas de tratamiento tuvieron un desgaste que resultó en la eliminación de la forma pronominal vos del paradigma europeo entre los siglos XVI y XVII9. En el caso de América, con la llegada de los colonizadores en plena ebullición del conflicto pragmático, ambas formas, tú y vos, fueron empleadas. Y la pervivencia de una u otra está determinada por factores extralingüísticos. Por ejemplo, el mapa del voseo/tuteo actual es una evidencia a la propuesta que Fontanella de Weinberg (1993) hace para la estandarización del español americano: las regiones más estandarizadas y las que tuvieron más contacto con la metrópoli son las que perdieron el uso del vos (como gran parte de México, Perú y el Caribe); las regiones menos estandarizadas y las que tuvieron menos contacto con la metrópoli son las que siguen usando el voseo (como el caso del Río de la Plata en general)10. Actualmente el voseo está extendido en la mayoría aplastante de los territorios de Argentina, Uruguay, Paraguay, Costa Rica, Honduras, El Salvador, Nicaragua y Guatemala, así como en minorías significativas en países como Chile, Bolivia, Colombia, Venezuela, Perú y México (cf. Lipski, 1994; Carricaburo, 1997). En lo tocante a la variación gramatical del voseo, el voseo puede ser de tres tipos: pronominal, verbal y mixto como ilustran respectivamente los ejemplos en (3) a continuación: 9 Como señala Carricaburo (2003), el desgaste se debe al doble uso del vos: inferiores se dirigían a superiores por vos como señal de respeto; superiores se dirigían a inferiores por vos como señal de alejamiento. 10 Aquí caben dos comentarios. 1) El voseo en Chile es sentido como algo estigmatizado, rural, no culto debido a la fuerte política de Andrés Bello en el siglo XIX para exterminar el voseo; 2) Aunque la Región del Río de la Plata, en especial el Paraguay, estuvo al borde del Imperio mucho tiempo, un caso diferente se encuentra en Buenos Aires, que tuvo gran desarrollo a partir del siglo XVIII. Sin embargo, como señala Alonso (1942), con el movimiento de “las lenguas nacionales”, parece que el voseo en esa región ganó terreno como expresión de independencia lingüística. 378 Diadorim8-cap18.pmd 378 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... (3) a. vos tienes b. tú tenés c. vos tenés El voseo pronominal es aquel en el que sólo el pronombre tiene la forma voseante como en (3a); el voseo verbal es aquel en que sólo el verbo tiene la forma voseante como en (3b); el voseo mixto (que a lo mejor debería clasificarse como “puro” ya que híbridos son los tipos anteriores) es aquel en que ambos, pronombre y verbo, tienen la forma voseante como en (3c). La morfología verbal también presenta variación. Rona (1967, apud Carricaburo, 1997) clasifica las formas verbales del voseo en tres tipos: I -ais/-eis 11 -eis/-ais -is/-ais II -as/-es -es/-as -is/-as III -ais/-is -is/-ais -is/-ais Cuadro 1: Tipos de voseo Fuente: Rona (1967, p. 69-73) La clasificación del cuadro 1 nos parece poco adecuada considerando la alternancia del voseo del tipo II como muestran los ejemplos en (4) y (5): (4) a. vos sabés b. vos cantás (5) a. vos sabes b. vos cantas A primera vista, parece que la alternancia se refiere a una cuestión de acentuación, en que las formas en (4) son agudas y las formas en (5) son graves. Sin embargo, si se consideran los ejemplos en (6) y (7), se verá que el problema no es de acentuación simplemente: (6) a. vos querés b. vos podés 11 La forma a la izquierda es la forma del presente de indicativo y la forma a la derecha es la forma del presente de subjuntivo. 379 Diadorim8-cap18.pmd 379 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (7) a. vos quieres b. vos puedes Si el problema fuera simplemente de acentuación, se esperaría encontrar la forma vos queres. Sin embargo, la forma queres, con acentuación grave, es inexistente. La forma aguda tiene origen en la forma de la segunda persona del plural (cantais > cantás, cf Lapesa, 1968; Carricaburo, 1997), mientras que la forma grave es homófona a la forma de la segunda persona del singular del tuteo (si es que no es la misma forma). Por esa razón, proponemos, como ya apuntado en Pinto (2007), cuatro tipos de morfología para el voseo12: I -ais/-eis -eis/-ais -is/-ais II -ás/-es13 -és/-as -ís/-as III -as/-es -es/-as -is/-as IV -ais/-is -is/-ais -is/-ais Cuadro 2: tipos de voseo revisados El voseo de tipo I es característico de zonas andinas y son formas diptongadas. Según Carricaburo (1997), este tipo de voseo persiste solamente en algunas zonas aisladas, como por ejemplo en la ciudad colombiana de San Juan de Micay o en otras zonas andinas. El tipo II es el llamado voseo rioplatense o argentino. Es el voseo más extendido no sólo en la región del Río de la Plata, sino también en Centroamérica y en algunas zonas de Ecuador, Venezuela, Colombia y Bolivia. El voseo de tipo III se escucha en la provincia de Santiago del Estero (Argentina), parte de Ecuador y sudoeste de Bolivia. El voseo de tipo IV es conocido por voseo chileno, pero también se extiende por las Sierras Ecuador, parte de Bolivia y Perú. 2.1. El voseo en Uruguay La variedad lingüística de Montevideo se parece mucho a la de Buenos Aires. Este hecho inclusive hace que muchos no distingan un montevideano de un bonaerense. Aunque pertenezcan al grupo de los 12 Quizás, el problema de la clasificación de Rona (1967) en tres tipos de voseo se deba a que no pone el acento gráfico en las desinencias del voseo de tipo II destacando que son formas agudas. Estamos de acuerdo en que solamente hay tres desinencias exclusivas del voseo. La cuarta desinencia es la desinencia del tuteo, empleada en el voseo pronominal. 13 Aquí entra el problema de la variación en el presente de subjuntivo como discutido en Fontanella de Weinberg (1979). 380 Diadorim8-cap18.pmd 380 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... países rioplatenses según su geografía y por su semejanza dialectal, en lo tocante a los pronombres de tratamiento parece haber diferencias importantes. Carricaburo (1997) afirma que el paradigma voseante en Uruguay es más complicado que en el resto de los países rioplatenses, existiendo tres posibilidades: - Voseo pronominal y verbal (el verbal de tipo II), sobre la ribera derecha del río Uruguay, que está en contacto con el litoral argentino. - Tuteo pronominal y voseo verbal (tú tenés), que corresponde a la norma culta montevideana y que allí irradia prestigio de lo capitalino. - Dos zonas de tuteo exclusivo (tú tienes). (Carricaburo, 1997, p. 30) La autora justifica que las zonas de tuteo exclusivo son así debido al contacto con el portugués del sur de Brasil, que también es tuteante, y por una cuestión histórica de inmigración de colonos del noroeste de la península ibérica. Bertolotti (2006) intenta explicar la evolución de las fórmulas de tratamiento en el español uruguayo. Según la autora, entre los siglos XVIII y XIX, el Uruguay tenía las formas tú, para el tratamiento informal, y vuestra merced/usted, para el tratamiento formal. Sin embargo, a fines del siglo XX y comienzos del siglo XXI, las formas de tratamiento informal presentan variación entre las formas vos y tú. La explicación gramatical de Bertolotti (2006) para la variación es la de que el voseo entra por el sistema pronominal, ya que en el siglo XIX registra casos de voseo pronominal — como ilustrado en (3a). Dado el carácter pro-drop del español uruguayo, tales ocurrencias son escasas14. Los uruguayos han avanzado hacia el voseo y, hoy día, los jóvenes son los que más se han volcado hacia el voseo pronominal, que, en la sociedad montevideana, suena como una cuestión de “argentinización” por el turismo de argentinos y los programas de televisión que son emitidos en Uruguay (Carricaburo, 1997, p. 31-32). En un estudio que se refiere a los mecanismos conversacionales en el español uruguayo, Gabianni (2006) encontró en su corpus que los 14 La explicación pragmática que da Bertolotti (2006) para el incremento del voseo es que fue usado como un mecanismo de cortesía que atenuaba el carácter grosero de las formas tuteantes. 381 Diadorim8-cap18.pmd 381 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos operadores de servicio de atención al cliente o reclamos casi nunca tutean a los usuarios y aclara que la elección de tú/vos o usted señala un posicionamiento frente a la situación y el interlocutor. Fontanella de Weinberg (1994) hace una comparación entre la incorporación del voseo en la lengua escrita de Buenos Aires y de Uruguay, afirmando que: [...] el español bonaerense y el usado en territorio uruguayo pueden considerarse como constituyentes de una misma variedad regional amplia, dentro del conjunto de dialectos hispánicos, el punto en que se nota una diferenciación más marcada es precisamente el de los usos de segunda persona singular familiar, ya que en la región bonaerense hay una generalización prácticamente total del voseo, mientras que en Uruguay en la lengua oral se da una compleja distribución de usos de voseo y tuteo, mientras que en la lengua escrita hay un marcado predominio del tuteo. (Fontanella de Weinberg, 1994, p. 5-6) El uso del voseo en los medios de comunicación argentinos es generalizado, tanto en las modalidades orales y escritos, sean los más cuidados o los menos, incluyendo los avisos dirigidos a la población por el Ministerio de Educación de la Nación (Fontanella de Weinberg, 1994, p. 8). Por otro lado, Lipski (1994) refuerza la idea de que el tú en Uruguay no está totalmente, “en absoluto”, ausente. El autor afirma que muchos uruguayos consideran la forma pronominal vos como plebeya y que los hablantes cultos deberían elegir el tú, que sobrevive gracias al dogma escolar y las aspiraciones sociales de la población. En el presente de subjuntivo, las formas verbales correspondientes al voseo alternan con las que pertenecen al tuteo. Esta última afirmación es negada por Carricaburo (1997), quien afirma que la forma verbal del presente de subjuntivo del voseo, es decir, las formas agudas, han sido registradas en situaciones muy espontáneas y solamente en algunos usos. Frente a esos hechos, consideramos de suma importancia analizar cómo se da la variación de la formas de tratamiento en el español uruguayo en diferentes ámbitos y de forma cuantitativa. En este primer trabajo, ofreceremos una descripción de la situación a partir de anuncios publicitarios encontrados en la ciudad de Montevideo. 382 Diadorim8-cap18.pmd 382 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... 3. La metodología de la investigación Nuestro corpus está compuesto por 60 publicidades y anuncios colectados en la ciudad de Montevideo, capital de la República Oriental de Uruguay, entre el 15 y el 18 de febrero de 2010. La intención de la investigación fue la de verificar cuáles son las formas de tratamiento utilizadas en la publicidad de esta ciudad y cómo está dispuesto el voseo en este ámbito. Para ello, entraremos en la parte del análisis cualitativo donde analizamos algunos casos específicos y discutimos las posibles elecciones del pronombre de acuerdo con la situación. Después, presentaremos un análisis cuantitativo para descubrir el número de publicidades y anuncios que presentan el voseo y también las otras formas (tú y usted), además de los anuncios que presentan las dos formas y paradigmas dudosos. Esta investigación se detiene a la lengua escrita, específicamente el género textual “publicidad”. No investigamos fenómenos del habla y tampoco se está afirmando que los anuncios y publicidades colectados en Montevideo hayan sido producidos en esta ciudad o por hablantes nativos de esta región (lo que sería imposible, además), sino mostraremos datos recogido allí, lo que indirectamente puede reflejar algo. Las publicidades y anuncios fueron recogidos a través de una cámara digital en las calles de Montevideo y guardados en una tarjeta de memoria para que fueran analizados en una computadora. Los anuncios fueron clasificados en 5 carpetas de acuerdo a la forma de tratamiento utilizada: (a) publicidades voseantes; (b) publicidades tuteantes; (c) publicidades de usted; (d) publicidades mixtas (para los casos en que aparecían las formas tuteantes y voseantes en la misma publicidad); (e) publicidades dudosas (los casos en que no eran posibles distinguir la forma verbal) Por tratarse de publicidades, no entramos en la discusión pragmática. Simplemente nos detuvimos en cuestiones formales/ gramaticales de las fórmulas de tratamiento. 4. Análisis de los dados Como ya mencionado anteriormente, el análisis está dividido en dos tipos: cualitativo y cuantitativo. Para evitar dudas a la hora de analizar 383 Diadorim8-cap18.pmd 383 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap18.pmd 384 12/12/2011, 09:37 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... Figura 2: Publicidad de Pronto – Voseo Fuente: Venâncio da Silva (2010 ) Como se puede ver, la marca “Pronto” hizo dos publicidades, cada una con una forma tratamiento informal. Por otro lado, como se verá a continuación, la marca “TIC” utilizó las dos formas para la informalidad dentro de la misma publicidad, siendo cambia para el imperativo de tú y cambiá para el imperativo del vos: Figura 3: Publicidad de TIC – Tuteo y voseo16 Fuente: Venâncio da Silva (2010) 16 En la frase grande en destaque, el verbo aparece en forma tuteante cambia. Por otro lado, en la frase pequeña en el rincón izquierdo, el verbo aparece en la forma voseante cambiá. 385 Diadorim8-cap18.pmd 385 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Las figuras 1, 2 y 3 muestran que el tuteo y el voseo alternan en los mismos contextos (inclusive puede ser una evidencia de que los mismos hablantes usan las dos formas indistintamente) ya que se supone que dichas publicidades hayan sido producidas por el mismo hablante, especialmente la publicidad de la figura 3. Otro caso de publicidad mixta es encontrado en la publicidad de la tarjeta de crédito “Visa”, en el shopping “Punta Carretas”, como muestra la figura 4: Figura 4: Publicidad Visa y Punta Carretas Shopping – Tuteo y voseo Fuente: Venâncio da Silva (2010) Este caso muestra el verbo iluminá con el paradigma verbal de imperativo del vos y abajo el verbo visita con el paradigma verbal de imperativo de tú. Se nota claramente que esta publicidad específicamente fue elaborada desde dos partes: la primera responsable por el “Punta Carretas Shopping”, y la segunda por “Visa”. Como podemos contemplar, en la parte del “Punta Carretas Shopping”, de Uruguay, se prefirió la forma verbal del voseo, mientras que la marca “Visa”, internacional, prefirió la forma tuteante. Posiblemente, personas (¿de orígenes?) diferentes hicieron las dos partes de esta publicidad. Además, es importante hacer hincapié en el “descuido” dentro de esa publicidad, lo 386 Diadorim8-cap18.pmd 386 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... que nos hace inferir que este fenómeno es común en Montevideo, ya que no hubo una preocupación en adaptar la parte del Visa a las formas típicamente voseantes, que sería visitá. Los casos en que formas de tratamiento diferentes aparecen en la misma publicidad no se restringen a las segundas personas informales, sino que hay mezcla con las formas del pronombre usted, que se usa para casos de formalidad, como se muestra en la figura 5 a continuación: Figura 5: Publicidad Suat – Tuteo y “usted” Fuente: Venâncio da Silva (2010) Al mismo tiempo que esta publicidad (figura 5) usa elementos lingüísticos relacionados a la informalidad, podemos ver claramente el uso del adjetivo posesivo de segunda persona formal su. El verbo en imperativo parece estar en la segunda persona vos17, pero arriba aparece la forma contigo que es la forma tuteante (la forma voseante es con vos). Sin 17 Esto queda evidente por las reglas de acentuación gráfica. La acentuación tónica de la forma tuteante es esdrújula, lo que implicaría en el uso de la tilde: infórmate. La acentuación tónica de la forma voseante es grave, lo que excluye el uso de la tilde: informate. Vale destacar que muchas publicidades no usan la acentuación gráfica, lo que mantendría en duda si la forma verbal en discusión es tuteante o voseante. Sin embargo, como hay acentuación gráfica en esta publicidad (véase la palabra afiliación), queda claro que la forma es voseante. 387 Diadorim8-cap18.pmd 387 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos embargo, el uso de contigo parece ser más difundido que el uso de con vos en el español de Uruguay como complemento de preposición (Carricaburo, 1997, p. 32). Muchas de las propagandas y anuncios recogidos no fueron elaborados necesariamente por uruguayos, sino que pueden haber venido de otros países que poseen paradigmas diferentes al de la norma uruguaya, o más específicamente, montevideana. Este trabajo tiene como objeto de estudio, como descrito anteriormente, las publicidades encontradas en Montevideo y no las propiamente producidas en esta ciudad, lo que supondría un conocimiento más preciso de las empresas de publicidad y traducción e inclusive de los empleados que han redactado los anuncios. Sin embargo, podemos inferir que algunas de las publicidades fueron realmente elaboradas en Uruguay, como es el caso de la del Teatro Solís: Figura 6: Teatro Solís – Voseo Fuente: Venâncio da Silva (2010) 388 Diadorim8-cap18.pmd 388 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... El “Teatro Solís” es, sin duda, el teatro más importante de Uruguay cuyo estatus es innegable en este país. Por eso, no sería impensable la idea de que sus publicidades seguramente hayan sido elaboradas en Uruguay. Como se percibe, la forma verbal de imperativo del pronombre de tratamiento vos es utilizada en el verbo vivir, dada la terminación en –í y acentuación aguda. Otras publicidades de origen uruguaya también utilizan el pronombre de tratamiento vos como es el caso de la de del “Canal 10” de este país. Hubo casos en que no fue posible identificar si el verbo estaba conjugado en el tuteo o el voseo puesto que estos pronombres comparten la mayor parte de los tiempos verbales como se ve en las figuras 7 y 8: Figura 7: Paradigma dudoso 389 Diadorim8-cap18.pmd 389 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Figura 8: Paradigma dudoso La conclusión que se puede obtener a partir de los datos que presentamos arriba es la de que, en las publicidades de Montevideo, el tuteo y el voseo conviven, inclusive hay mezcla entre formas de tratamiento informal y formas de tratamiento formal. La ausencia de datos de voseo pronominal en la posición de sujeto (expresión de la forma pronominal vos) se debe al hecho de que, como ya comentado por Bertolotti (2006), el español uruguayo es una lengua de sujeto nulo. En lo tocante a las formas pronominales en posición de complemento de preposición, también registramos casos de preposición+vos, como ilustra la figura 9 a continuación: Figura 9: Voseo en sintagma preposicionado 390 Diadorim8-cap18.pmd 390 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... La alternancia entre voseo y tuteo en las publicidades de Montevideo sugiere que, de hecho, el voseo no es un fenómeno estigmatizado ni excluido de la norma culta/escrita. 4.2. Análisis cuantitativo Antes de comenzar el análisis cuantitativo precisamente, vale una observación: el análisis que presentaremos se refiere a la cantidad de publicidades que usan una forma u otra y no a la cantidad de ocurrencia individual de cada forma. Quisiéramos averiguar cuántos anuncios utilizan formas voseantes y cuántos utilizan formas tuteantes y no la frecuenta individual de cada forma. Entre los 60 anuncios y publicidades recogidos, la mayoría utiliza las formas voseantes. Fue un total de 38 de las publicidades recogidas, es decir, un 63,33% del corpus analizado. En esos casos, se utiliza en voseo en los tiempos verbales de presente de indicativo e imperativo, como pronombre personal y como complemento de preposición18. Diferente de lo que sucede con las formas voseantes, las formas tuteantes se ven limitadas a solamente 5 publicidades, es decir, un 8,33% del corpus analizado. En lo tocante a las formas equivalentes al pronombre usted, encontramos un total de 8 publicidades, es decir, un 13,33% del corpus analizado. Además de los elementos lingüísticos ya mencionados, agregamos a la identificación de las formas equivalentes a usted la posibilidad de que esta forma sea identificada a través del posesivo y el clítico, que son distintos a los utilizados en las formas tuteantes y voseantes, que comparten los mismos elementos y no permiten distinción entre las formas tuteantes y las voseantes. Algunos de los anuncios presentaron un paradigma que puede ser tanto tuteante como voseante, puesto que ambos comparten la mayor parte de los tiempos verbales además de casi todos los elementos pronominales. Éstos representan un 10% del corpus analizado, es decir, 6 publicidades y anuncios. Dentro de una misma publicidad fue posible encontrar variación en las formas utilizadas, que representan los casos con más de una forma de tratamiento. Tanto hay mezclas en las formas de tratamiento formal e informal, con un caso de tú y usted, como dentro de los dos pronombres para la informalidad, con dos casos para tú y vos. Éstos representan un 5% del corpus analizado, es decir, 3 publicidades. 18 Cf. Venâncio da Silva (2010) para una exposición más detallada. 391 Diadorim8-cap18.pmd 391 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Otro punto que merece destaque es el voseo en sintagmas preposicionados. De 5 publicidades que contienen la estructura preposición+pronombre, 4 publicidades contienen la forma voseante. Tan sólo 1 publicidad contiene la forma tuteante. Lo más interesante es que esta única forma tuteante es contigo, posiblemente por ser una forma gramaticalizada. Como pudimos comprobar, las publicidades que utilizan el voseo son una mayoría aplastante dentro nuestro corpus. Si analizamos aisladamente el número de casos según su porcentaje solamente para las formas de tratamiento de segundas personas informales, es decir, los casos de tú y vos, el porcentaje sube para un 88,37% para los casos de formas voseantes frente a un 11,63% de casos para las formas tuteantes. Los cuadros 3 y 4 a continuación sintetizan los resultados encontrados: Paradigma voseante 63,33% Paradigma tuteante 8,33% Formas de usted 13,33% Paradigma mixto 10% Paradigma dudoso 5% Cuadro 3: Porcentaje de las formas de tratamiento Paradigma voseante 88,37 Paradigma tuteante 11,63 Cuadro 4: Porcentaje del tuteo frente al voseo Los datos presentados arriba nos llevan a concluir que las formas voseantes son las más usadas y preferidas en las propagandas encontradas en la ciudad de Montevideo. Inclusive, dada la diferencia grande entre publicidades con formas voseantes y publicidades con formas tuteantes, se puede pensar que, si se analizan ocurrencias individuales de cada forma, las formas voseantes seguirán siendo preferidas. 5. Consideraciones finales La preferencia por las formas voseantes en las publicidades colectadas en Montevideo es innegable. En el análisis cuantitativo, la mayor parte de las publicidades muestra que el voseo es más extendido que el tuteo y las formas de usted. Cuando este análisis se restringe a las 392 Diadorim8-cap18.pmd 392 06/12/2011, 22:20 La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ... publicidades que presentan las formas de informalidad, la diferencia entre voseo y tuteo crece más aún. Es importante resaltar que las publicidades19 que aparentemente son producidas en Uruguay tienden a utilizar las formas voseantes, lo que nos muestra que, en este país, el voseo está vigente en los medios de comunicación. Sin embargo, el tuteo sigue presente, aunque en menor proporción. Los casos en que aparecen las formas de usted también son pocos frente a los que usan el voseo. Además, estas formas no están en competencia con el voseo, puesto que las formas del voseo y las formas de usted son usadas en contextos pragmáticos diferentes, siendo el usted para las situaciones formales y el voseo para las situaciones informales. Lo que sí podemos afirmar es que las publicidades en Montevideo no suelen ser elaboradas con las formas de usted ya que aparecen en un número bastante inferior a los demás tratamientos informales de segunda persona. Los trabajos publicados sobre el voseo uruguayo todavía consideran que en Montevideo hay un voseo verbal con la forma pronominal tuteante, el cual no fue encontrado dentro de las publicidades colectadas20. Tal ausencia puede ser atribuida al carácter de sujeto nulo del español uruguayo. Como hemos visto a lo largo de este trabajo, el voseo es un rasgo más amplio de lo que se piensa. No se limita solamente a Argentina, sino que está presente en muchas regiones de Hispanoamérica, en algunas como un rasgo de prestigio, en otras como una forma estigmatizada. Sin embargo, hacen falta más estudios recientes, basados en corpora, con cuantificación de datos y en diferentes géneros textuales que nos muestren la real situación del voseo en el mundo hispánico. Referencias ALONSO, Amado. Castellano, Español, Idioma nacional: historia espiritual de tres nombres. 2. ed. Buenos Aires: Losada S.A., 1942. BERTOLOTTI, VIRGINIA. Tú, vos y usted en América: sincronía y diacronía. Mini-curso ministrado no XVI Congresso Internacional da ALFAL. Alcalá de Henares. 2011. 19 Estamos concientes de que nuestro corpus es un corpus reducido derivado de un trabajo inicial. Trabajos con corpus más robusto deben realizarse para confirmar o rechazar estas afirmaciones. 20 Hemos consultado a hablantes nativos de Uruguay, quienes confirmaron este hecho. 393 Diadorim8-cap18.pmd 393 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos ______. “Tuteo y voseo en el Uruguay durante el siglo XIX”. In: BARROS, Luizete; COSTA, Maria José D.; AQUINO VIEIRA, Vera Regina (orgs.). Hispanismo 2004, 2006, pp. 493-504. CARRICABURO, Norma. El voseo en la historia y en la lengua de hoy. Las fórmulas de tratamiento en el español actual. Fundación Litterae, 2003. CARRICABURO, Norma. Las fórmulas de tratamiento en el español actual. Madrid: Arco/Libros, 1997. FANJUL, Adrián. “Português Brasileiro, Espanhol de... onde? Analogias incertas”. Letras & Letras, v. 20, pp. 165-183, 2004. FONTANELLA DE WEINBERG, M. B. “La incorporación del voseo en la lengua escrita bonaerense”. In: HIPOGROSSO, C; PEDRETTI, A (orgs.). La escritura del español. 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Na primeira parte do texto, introduzimos o tema da variação do espanhol (americano); na segunda parte, apresentamos o fenômeno do voseo e falamos da situação do voseo no espanhol uruguaio; na terceira parte apresentamos a metodologia empregada, uma análise qualitativa e uma análise quantitativa para os dados coletados; por fim tecemos algumas considerações sobre a questão. O trabalho é essencialmente de cunho descritivo e tem o objetivo de trazer novos dados para o tema em questão. Palavras-chave: Diversidade lingüística; Espanhol uruguaio; Formas de tratamento; Voseo. Abstract: This paper discusses the variation in the system of address forms in the singular in Uruguayan Spanish. The research is based on the analysis of advertising texts gathered in the city of Montevideo. The results show that in this textual gender voseo (use of vos form) predominates over tuteo (tú form). In the first part of the paper, we present the facts about the variation in (Latin-American) Spanish; in the second part, we present the phenomenon of voseo and discuss its extension in Uruguayan Spanish; in the third part, we present the methodology used in the research and a quantitative and qualitative analysis of the collected data, as well as some considerations about the phenomenon. The present article is essentially a descriptive research and it aims to capture new data for the topic in question. Keywords: Linguistic diversity; Uruguayan Spanish; Forms of address; Voseo. 395 Diadorim8-cap18.pmd 395 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap18.pmd 396 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos Kellen Cozine Martins1 I ntrodução No sistema verbal do português, a expressão de anterioridade a um ponto de referência passado está, canonicamente, associada às formas verbais pretérito maisque-perfeito simples (PMQPS, correspondendo à desinência -ra) e pretérito mais-que-perfeito composto (PMQPC, correspondendo às perífrases ter ou haver + particípio passado). Segundo Corôa (2005: 50), sentenças como Eu tinha escrito a carta quando ele me telefonou e Eu (já) escrevera a carta quando ele me telefonou são equivalentes, visto que “ambas relatam um evento ocorrido antes de outro evento também já ocorrido quando do momento da fala”. Investigações anteriores (cf. Coan, 1997; 2003) constatam a ausência da variante simples de PMQP na fala informal, indicando um estado-de-coisas (EsC) em momento temporal anterior à ocorrência de um outro EsC também passado. Segundo Coan (op. cit.), na fala, a variação se estabelece entre a variante PMQPC e a variante pretérito perfeito simples (PPS), que entra em competição com a variante composta na expressão de passado do passado. No entanto, a variação entre a forma simples e a perífrase de pretérito-mais-que-perfeito pode ser atestada na modalidade escrita do português brasileiro contemporâneo, principalmente nos seus registros mais formais. Essa variação é focalizada, neste artigo, sob o prisma dos pressuspostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista. Segundo essa perspectiva, a língua é inerentemente variável, ou seja, dispõe 1 Diadorim8-cap19.pmd Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 397 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos de duas ou mais formas alternantes (variantes) para expressar o mesmo “significado referencial”. Acrescenta-se que o caráter ordenado e sistemático da variação pode ser depreendido a partir do exame de grupos de fatores de natureza interna (isto é, de ordem fonológica, morfossintática ou semânticodiscursiva) e externa, sejam aqueles relacionados ao falante, sejam os oriundos do uso concreto da língua em situações reais de comunicação. O nosso objetivo é discutir a sistematicidade da variação entre as duas formas canônicas de expressão de EsC passado anterior a outro, focalizando os contextos que tendem a conservar a variante PMQPS em oposição àqueles considerados propulsores da expansão da variante PMQPC na escrita midiática, representada por diferentes gêneros discursivos veiculados em jornais e revistas de grande circulação no estado do Rio de Janeiro. Partimos da hipótese de que a variante PMQPS é mais restrita a gêneros discursivos mais formais e/ou monitorados, isto é, que exijam maior grau de atenção e de planejamento linguístico. O artigo está organizado da seguinte forma: em primeiro lugar, apresentamos nosso objeto de investigação e caracterizamos a amostra de escrita utilizada; em segundo lugar, examinamos os resultados do tratamento estatístico das variantes em análise, focalizando os contextos de resistência da variante PMQPS. Em seguida, encontram-se a conclusão e as referências. 1. Fenômeno variável em estudo Na modalidade falada, Coan (1997; 2003) constata, a partir da análise da comunidade de fala de Florianópolis, a ausência da variante PMQPS, expressando EsC passado anterior à outro. No entanto, diferentemente do que se poderia esperar, o espaço deixado pela variante PMQPS não é ocupado inteiramente pela variante composta. Paralelamente à progressiva implementação da variante PMQPC, a autora destaca a incidência significativa da variante PPS expressando a mesma função. Evidências fornecidas por um estudo da mudança em tempo aparente2 e em tempo real3 (cf. Coan, 1997; 2003) atestam que a variação entre as formas verbais PMQPS, PMQPC e PPS constitui um processo de 2 O estudo da mudança em tempo aparente toma como base a distribuição de variantes linguísticas em diferentes faixas etárias. Pesquisas sociolinguísticas mostram que grupos etários mais jovens tendem a liderar mudanças, que podem, gradativamente, se espalhar na comunidade através de sucessivas gerações. 3 O estudo da mudança em tempo real pode ser de longa duração (comparando estágios passados da língua) ou de curta duração. Para esse último caso, Labov (op. cit.) propõe a conjugação de dois tipos de estudo que permitem a observação de dois estados da língua em uma mesma comunidade de fala (estudo de tendência) ou no próprio indivíduo (estudo de painel). 398 Diadorim8-cap19.pmd 398 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos mudança em que a forma PMQPS vai decrescendo e cedendo lugar às variantes PMQPC e PPS. Em sua análise diacrônica, Coan (2003) aponta que a forma verbal PMQPS, originária do latim (amaveram), era a forma preferencial para codificar anterioridade a um EsC passado. No entanto, entre os séculos XVI e XVII, há uma redução acentuada dessa variante, que se acelera entre os séculos XVII a XX. Paralelamente à redução progressiva da variante PMQPS, há aumento gradual da variante PMQPC e comportamento estável da variante PPS. Essa mudança atinge um estágio avançado no português brasileiro contemporâneo, em que a variação fica, praticamente, restrita às variantes PMQPC e PPS. De acordo com Coan (op. cit.), fatores de ordem estrutural e social intervêm no controle da variação entre PMQPC e PPS na modalidade falada. No que tange aos aspectos linguísticos, os advérbios já, não e nunca, forma verbal de imperfeito ou forma verbal não-flexionada no ponto de referência, bem como ponto de referência pressuposto e casos de complementação e encadeamento discursivo levam ao emprego da variante PMQPC. Dentre as variáveis externas, destaca-se a idade do falante: a variante composta tende a ocorrer na fala de indivíduos de 25 a 49 anos (.70) e de mais de 50 anos (.59), indicando aumento da variante PPS em grupos etários mais jovens (05 e 06 anos e de 07 a 14 anos). Não obstante, na escrita contemporânea, é atestada a ocorrência da variante PMQPS, alternando não apenas com a variante PMQPC, mas também com a variante PPS, em gêneros discursivos caracterizados pelo maior grau de formalidade e planejamento linguístico (cf. Martins, 2010), como mostram os exemplos a seguir: (1) Há dois anos, sua ex mulher Tatum O’Neil declarou que o jogador usara esteróides no final de sua carreira desportiva (Extra, 13/01/04). (2) Pessoas ligadas ao traficante garantiram que ele não tinha dado ordens para o fechamento do comércio no Complexo do Jacarezinho e do Complexo do Alemão, onde ele era chefe do tráfico de drogas (O Povo, 07/01/04). (3) (...) funcionários do Desipe, entre eles 21 agentes penitenciários, apontaram Marcus como o guarda que facilitou a entrada de três armas em Bangu I (...) (O Globo, 25/09/02). Este artigo restringe-se à alternância entre as variantes canônicas de localização de um EsC passado anterior a outro, ou seja, a alternância 399 Diadorim8-cap19.pmd 399 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos entre as variantes PMQPS e PMQPC, com o propósito de identificar os contextos de resistência da variante sintética de mais-que-perfeito na modalidade escrita. Os dados submetidos à análise nesta pesquisa fazem parte de duas amostras da modalidade escrita. A primeira amostra compõe o “Corpus de Discurso Jornalístico” que integra o Banco de Dados do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL). Essa amostra é constituída de textos representativos dos gêneros crônicas, reportagens, cartas de leitores e editoriais, extraídos dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Extra e Povo de edições publicadas entre agosto de 2002 e fevereiro de 2004. A segunda amostra é constituída de textos coletados do acervo online composto por edições anteriores das revistas Época e Caros Amigos. Dada a maior extensão do acervo das revistas, foi necessário limitá-lo, de forma a compatibilizá-lo com o número de textos jornalísticos selecionados. Assim, optou-se por restringir o corpus de revista, selecionando aleatoriamente, um conjunto de textos publicados no ano de 20094, representativos dos gêneros entrevistas e reportagens. A escolha por trabalhar com a linguagem de jornais direcionados a um público-alvo diferenciado se justifica pelo fato de que textos jornalísticos são mais formais, requerem maior grau de monitoramento, o que pode favorecer a ocorrência da variante PMQPS. A composição de um corpus variado que inclui diferentes gêneros e tipos de jornais e revistas nos permite abranger de forma mais satisfatória o fenômeno linguístico em foco, à medida que esse procedimento nos permite comparar diversos contextos, a fim de verificar se as formas variantes (PMQPS e PMQPC) também se comportam de modo diferenciado de acordo com as peculiaridades dos diferentes gêneros discursivos analisados e conforme o público-alvo dos jornais e revistas considerados. De acordo com os pressupostos da Sociolinguística (Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1972; 1994), procedemos à investigação das variantes, considerando tanto os aspectos morfossintáticos como semântico-discursivos que podem explicar a persistência da variante PMQPS na escrita. No plano morfossintático, investigamos o efeito das variáveis tipo sintático da oração, pessoa verbal e tipo morfológico do verbo principal e do ponto de referência. No conjunto de variáveis semântico-discursivas, encontram-se: tipo e tempo verbal do ponto de referência, advérbio da situação e tipo de verbo principal e do ponto de referência. Além das variáveis linguísticas 4 Vale esclarecer que a pequena diferença na data das duas amostras não compromete a análise, visto que essa pesquisa não está interessada em depreender a trajetória das variantes em estudo. 400 Diadorim8-cap19.pmd 400 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos apontadas, levamos em conta, também, a influência das variáveis gênero discursivo e tipo de jornal ou revista. Uma vez que buscamos identificar os contextos que conservam a variante sintética de PMQP na escrita, tomamos esta variante como valor de aplicação (em oposição à variante perifrástica) para expressar tempo passado anterior a outro. 2. As motivações da variação entre PMQPS e PMQPC na escrita jornalística A análise dos dados corrobora a nossa hipótese inicial de que a variante PMQPS ocorre em contextos mais circunscritos, caracterizados por maior grau de monitoramento e/ou formalidade. Ainda assim, a baixa frequência dessa variante, como mostra o Gráfico 1, indica que, se, por um lado, a escrita apresenta uma tendência mais conservadora, retendo formas em desuso na fala, por outro lado, incorpora mudanças que se manifestam na língua. A análise multivariacional permitiu identificar a relevância dos seguintes grupos de fatores para a ocorrência da variante PMQPS na escrita midiática: pessoa verbal, advérbio da situação, tipo sintático da oração e correlação gênero e veículo. Consideremos, primeiramente, o grupo pessoa verbal, para o qual foram arrolados os seguintes fatores: (4) 1ª pessoa do singular: Eu nunca tivera sapatos, mas com Allende no governo, tive (Caros Amigos, setembro de 2009). 401 Diadorim8-cap19.pmd 401 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos (5) 3ª pessoa do singular: Há dois anos, sua ex-mulher Tatum O’Neill declarou que o jogador usara esteróides no final de sua carreira desportiva (Extra, 13/01/ 04). (6) 1ª pessoa do plural: Quando mostramos Henrique com apenas uma irmã na série, alguns historiadores disseram que nós ‘estupidamente havíamos nos esquecido de que ele tinha duas’ (Época, 17/10/2009, edição nº 596). (7) 3ª pessoa do plural: O diretor do Sintusp (sindicato dos Trabalhadores da USP), Claudionor Brandão, um dos detidos, recebeu a informação de que dois diretores do sindicato haviam sido presos (Caros Amigos, junho de 2009). A hipótese referente a esse grupo é a de que a variante PMQPS ocorra mais frequentemente com a 1ª pessoa ou com a 3ª pessoa do singular e seja desfavorecida na 3ª pessoa do plural, em decorrência da convergência entre as desinências de pretérito-mais-que perfeito simples e pretérito perfeito simples. Nesse sentido, o emprego da variante PMQPC na 3ª pessoa do plural permitiria desfazer a ambiguidade entre as duas referências temporais. No entanto, os resultados aferidos na análise estatística contradizem essa hipótese, como mostra a tabela 1: Fatores 3ª pessoa do plural 3ª pessoa do singular 1ª pessoa do singular 5 Total Aplic. / Total 31 /61 58/202 1/42 90/305 % 51 29 2 29 Peso .72 .54 .09 Input: 0,16 Significância: 0,010 Tabela 01: Pessoa verbal e o uso do PMQPS em oposição ao PMQPC em textos jornalísticos 5 Não foram encontradas ocorrências da variante PMQPS na primeira pessoa do plural. Nesse contexto, observaram-se apenas 6 ocorrências da variante PMQPC. 402 Diadorim8-cap19.pmd 402 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos Os resultados da tabela 1 apontam o favorecimento da variante PMQPS na 3ª pessoa, principalmente do plural (.72) e, a seguir, do singular (.53). O presente estudo evidencia, portanto, que os usuários não levam em conta a interpretação menos transparente da desinência de 3ª pessoa de plural, contradizendo, assim, uma explicação funcional da variação, ou seja, o fato de que a necessidade de preservação do significado poderia favorecer o emprego de uma dada variante linguística (Scherre, 1988). Nesse sentido, a tendência aqui verificada se alinha à que já foi depreendida em outros estudos, como exemplo, Koshal ((1979) apud Labov (1994)); Guy (1991); Scherre (1988). Dentre as diversas evidências contrárias à hipótese funcionalista, cita-se o estudo de Scherre (1988) sobre a concordância nominal no português brasileiro. A autora mostra que marcas de plural tendem a ocorrer mais significativamente em contextos onde outra marca de plural já está presente do que quando há ausência de marcas prévias de plural. Esse resultado contradiz a hipótese funcionalista de que “quando há uma informação adicional de plural presente no discurso, uma dada marca de plural é mais provável de ser omitida do que quando não há tal informação adicional” (Guy, 1981:190 apud Scherre, 1988:291). O grupo advérbio da situação considera os fatores a seguir: (8) Advérbio já: O Chelsea eliminou o Sttugart com empate em 0 a 0, os ingleses já haviam vencido por 1 a 0 (O Globo, 10/03/04). (9) Advérbio nunca: O grupo inicial havia dobrado: agora eram cerca de 200 famintos debaixo de um sol inclemente de quase meio-dia. Eu nunca tinha visto tantas pessoas juntas com fome (O Globo, 02/11/02). (10) Advérbio não: Os médicos e as enfermeiras que não tinham adoecido estavam exaustos (Época, 12/06/2009, edição nº 578). (11) Sintagma preposicional de tempo: À tarde, no entanto, os camelôs voltaram a ocupar as calçadas da Rua da Glória: Já na Praça Luiz de Camões, por volta de 17h30m, um grupo fumava maconha no mesmo local onde pela manhã fora preso Ricardo de Oliveira Sousa dos Santos, de 19 anos (O Globo, 23/10/02). 403 Diadorim8-cap19.pmd 403 06/12/2011, 22:20 Fa tores Sintagma preposicional de tempo Nunca Não Já Total Diadorim8-cap19.pmd 404 Aplic. / Total 9/24 3/15 2/17 2/45 16/101 % 37 20 12 4 16 Peso .84 .66 .51 .24 Input: 0,096 Significância: 0,006 12/12/2011, 09:42 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos Um outro aspecto que explica a resistência da forma PMQPS na modalidade escrita é a natureza sintático-semântica da oração. Considerando o tipo sintático da oração em que se encontra a forma de pretérito-mais-que-perfeito, temos as seguintes possibilidades: (13) Oração coordenada: O Santana usado pelos bandidos era roubado e já tinha sido usado em vários assaltos no bairro (JB, 23/10/02). (14) Oração absoluta/período simples: Com um gol de perna esquerda aos 32 minutos do segundo tempo de jogo sobre o Real Sociedad, o brasileiro sacramentou a classificação, do Lyon, pela primeira vez, para as quartas-de-final da competição. No primeiro jogo, na Espanha8, o time francês vencera por 1 a 0 (O Globo, 10/03/04). (15) Oração principal: Temendo a violência do Rio, alguns parentes da corretora de imóveis Juçara Dias Menez já tinham decidido se mudar para Cabo Frio (...) (Extra, 04/06/03). (16) Oração relativa: O músico recebeu ÉPOCA para falar do assalto que sofrera na semana passada, na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro onde mora. (Época, 07/ 03/2009, edição nº 564). (17) Oração adverbial: O holandês fora preterido porque se recusara a fazer fotos promocionais (O Globo, 05/03/04) (18) Oração completiva de verbo: Pessoas ligadas ao traficante garantiram que ele não tinha dado ordens para o fechamento do comércio no Complexo do Jacarezinho e do 8 O jogo em questão entre o time espanhol Real Sociedad e o time francês Lyon ocorrera na Espanha em 25/02/04. O segundo jogo entre esses times ocorreu em 09/03/04 na cidade de Lyon, na França. Em ambos os jogos o time francês vencera por 1 a 0. No entanto, não há no texto informação explícita de que esses times se enfrentaram em um segundo jogo e que este ocorreu na França. Segundo Coan (2000, p. 06), denomina-se conhecimento pragmático esse “conjunto de informações (conhecimento de mundo e da situação, crenças) não verbalizadas, mas partilhadas por falante e ouvinte, e inferidas no ato da comunicação”. 405 Diadorim8-cap19.pmd 405 06/12/2011, 22:20 Fatores Oração relativa Oração adverbial Oração coordenada Oração principal Oração absoluta Oração completiva Total Diadorim8-cap19.pmd Aplic./ Total 34/57 9/32 17/55 10/39 9/48 11/74 90/305 406 % 60 28 31 26 19 15 29 Peso .83 .53 .49 .41 .34 .33 Input: 0,16 Significância: 0,010 12/12/2011, 09:43 Fatores Crônicas do Jornal do Brasil Crônicas do jornal O Globo Reportagens do jornal O Glo bo Cartas do Jornal do Brasil Reportagens da revista Época Cartas do jornal O Globo Reportagens da revista Caros Amigos Editoriais do Jornal Extra Entrevistas da revista Época Reportagens do Jornal Extra Reportagens do Jornal do Brasil Entrevistas da revista Caros Amigos Reportagens do jornal O P ovo Editoriais do jornal O Globo Editoriais do jornal O P ovo Total Diadorim8-cap19.pmd 407 Aplic. / Total 3/3 1 6/27 5/9 1/3 3 6/72 4/15 8/36 2/6 1 1/80 1/8 1/6 2/32 0/4 0/3 0/1 90/305 % 100 59 55 33 50 27 22 33 14 12 17 6 0 0 0 29 Peso .89 .86 .84 .70 .55 .50 .46 .33 .21 .19 .10 Input: 0 ,16 Significância: 0,01 0 12/12/2011, 09:43 Artigos Inéditos conclusão pode ser precipitada, já que os textos representativos desse gênero estão restritos aos jornais JB e O Globo. Além disso, no caso das crônicas d’O Globo, a maioria das formas de PMQPS ocorre em textos de um autor em particular, o que dificulta excluir a interferência de um fator individual, estilístico12. Os resultados relativos às cartas de leitores devem ser considerados com cautela, por duas razões: a) o escasso número de dados associado ao peso relativo mais alto e b) a concentração das ocorrências em apenas dois dos jornais analisados (JB e O Globo). Podemos suspeitar, porém, que a maior incidência da variante PMQPS em cartas de leitores seja um reflexo da representação do próprio leitor sobre a necessidade de monitoramento da linguagem em textos públicos. No entanto, não há evidências suficientes para atestar essa tendência, visto que tais cartas são geralmente modificadas pela edição para se adequarem ao uso padrão. Nas notícias/reportagens, verifica-se interferência do tipo de jornal ou revista no emprego das variantes de codificação de PMQP. Notícias/ reportagens d’O Globo (.86) e da Época (.70) favorecem significativamente a variante PMQPS, o que pode estar fortemente relacionado à tendência conservadora do jornal e da revista em questão, tendo em vista seu o público alvo. Há variabilidade no uso da variante PMQPS nas reportagens da Caros Amigos (.50) e desfavorecimento nas reportagens do Extra (.21) e nas do Jornal do Brasil (.19). Particularizam-se os textos do jornal O Povo pela ausência da variante PMQPS em todos os gêneros discursivos analisados. Essa tendência pode estar associada ao fato de que o jornal supracitado se destina a um público-alvo mais popular, estando, por essa razão, mais propício à incorporação de variantes linguísticas mais recorrentes na fala e, provavelmente, mais próximas da linguagem utilizada pelos seus leitores. Conclusão A análise aqui apresentada focalizou a variação linguística entre as formas verbais canônicas de expressar anterioridade a um EsC passado, com o propósito de identificar, no âmbito da escrita, os contextos de manutenção da variante pretérito mais-que-perfeito simples. Os resultados 12 Na oposição entre variantes canônicas, do total de 16 ocorrências da variante PMQPS codificando anterioridade a um ponto de referência passado em crônicas d’O Globo, 12 casos foram encontrados, particularmente, nas crônicas escritas por Luis Fernando Veríssimo. Vale mencionar ainda que, das 12 ocorrências da variante PMQPS encontradas nas crônicas de Veríssimo, 8 casos se encontram em uma crônica, em particular, intitulada “A russa do Maneco”. 408 Diadorim8-cap19.pmd 408 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos mostram que essa variante, em desuso na modalidade falada, perde, significativamente, espaço para a variante pretérito mais-que-perfeito composto, mesmo em registros escritos caracterizados pelo maior grau de monitoramento, como os discursos jornalísticos. Isso implica dizer que se, por um lado, a escrita formal tende a ser mais susceptível a prescrições gramaticais e a conservar formas linguísticas em vias de desaparecimento, por outro lado, também implementa a mudança linguística. Salienta-se que os contextos linguísticos de resistência da variante PMQPS na escrita jornalística parecem estar associados à presença de circunstanciadores temporais (advérbios, sintagmas preposicionais ou orações adverbiais de referência temporal). Essa tendência pode estar relacionada à necessidade de reforçar, através do auxílio desses circunstanciadores, a referência temporal de passado do passado, uma vez atestado o caráter pouco usual da variante no sistema linguístico do português brasileiro. Ressalta-se, também, a relevância das variáveis gênero discursivo e tipo de jornal e revista. É no gênero crônica do Jornal do Brasil (100%) e d’O Globo (.89) que a variante PMQPS tende a ocorrer mais significativamente. Observou-se que a variante PMQPS tende a ser empregada em reportagens veiculadas em suportes de mídia impressa mais elitizada (jornal O Globo e as revistas Época e Caros Amigos), direcionados a um público-alvo que, pressupostamente, domina o cânone gramatical. Mantendo cautela em razão do pequeno número de dados, menciona-se, ainda, a inclinação ao uso da variante em questão nas cartas de leitores do Jornal do Brasil e d’O Globo (.55), o que pode estar relacionado à tentativa por parte do leitor de aproximar sua escrita a modelos pressupostamente mais adequados ao meio jornalístico. Mencione-se, finalmente, que não foram encontradas ocorrências da variante PMQPS nos gêneros discursivos do jornal O Povo, de modo que o referido jornal parece ser o que mais se aproxima dos padrões da modalidade falada. Referências BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais tipificação e Interação. Ângela Paiva Dionísio, Judith Chamblis Hoffnagel (orgs.). Revisão técnica Ana Regina Vieira et al. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. 409 Diadorim8-cap19.pmd 409 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos CARVALHO, Gisele. “Gênero como ação social em Miller e Bazerman: o conceito, uma sugestão metodológica e um exemplo de aplicação”. In: MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Desiree (orgs.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005, pp. 130-149. CHAMBERS, F. K. Sociolinguistic theory: linguistic variation and its social significance. Oxford UK & Cambridge USA: Blackwell, 1995. COAN, Márluce. Anterioridade a um ponto de referência passado: pretérito (maisque-) perfeito. 177f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1997. . As categorias tempo, aspecto, modalidade e referência na significação dos pretéritos mais-que-perfeito e perfeito: correlações entre função (ões)-forma(s) em tempo real e aparente. 231f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. COMRIE, Bernard. Aspect. Cambridge: Textbooks in linguistics, Cambridge University Press, [1976] (1985). CORÔA, Maria Luiza Monteiro Sales. O tempo nos verbos do português. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. GUY, Gregory; ZILLES, Ana. Sociolinguística quantitativa: instrumental de análise. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ILARI, Rodolfo. A expressão do tempo em português. São Paulo: Contexto, 1997. LABOV, William. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972. . Padrões sociolinguísticos. [tradução: BAGNO, Marcos; SCHERRE, Maria Marta Pereira; CARDOSO, Caroline Rodrigues]. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972]. . Principles of Linguistics Change: internal factors. 2. ed. Oxford: Blackwell, 1994. . “Language Structure and Social Structure”. In: LINDENBERG, Siegwart; COLEMAN, James S.; NOWAK, Stefan. Approaches to Social Theory. 410 Diadorim8-cap19.pmd 410 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos New York: Russell Sage Foundation, 1986, pp. 265-287. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MARTINS, Kellen Cozine. A expressão variável de anterioridade a um ponto de referência passado na escrita midiática. 131f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luíza (orgs.). Introdução à sociolinguística: O tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003. PAIVA, Maria da Conceição A. de; DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. “Quarenta anos depois: a herança de um programa na sociolinguística brasileira”. In: WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERGOZ, Marvin I. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. [tradução: BAGNO, Marcos; revisão técnica: FARACO, Carlos Alberto; posfácio: PAIVA, Maria da Conceição A. de; DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia]. São Paulo: Parábola editorial, 2006 [1968]. . (orgs.). Mudança linguística em tempo real. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2003a. . “Mudança linguística: observações no tempo real”. In: MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luíza (orgs.). Introdução à sociolinguística. Rio de Janeiro, Contexto, 2003b, pp. 179-190. Revista Linguística, Rio de Janeiro: UFRJ, v. 3, n. 1, jun. 2007. RODRIGUES, Rosângela Hammes. “Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin”. In: MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005, pp. 130-149. SCHERRE, Maria Marta Pereira. “Sobre a atuação do princípio de saliência fônica na concordância nominal”. In: TARALLO, Fernando (org.). Fotografias sociolinguísticas. Campinas, São Paulo: Pontes/Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1989. pp. 301-332. SUÁREZ, Anxo M. Lorenzo. “Sociolinguística”. In: RAMALLO, Fernando; REI-DOVAL, Gabriel; YÁÑEZ, Xoán Paulo Rodríguez. Manual de Ciência da Linguaxe. Galícia: Edicións Xerais de Galícia, 2000. TARALLO, Fernando; DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. “Processo de mudança linguística em processo: a saliência vs não saliência de variantes”. 411 Diadorim8-cap19.pmd 411 06/12/2011, 22:20 Artigos Inéditos Revista Ilha do Desterro, nº 20, pp. 44-58, 1988. WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERGOZ, Marvin I. “Empirical foundations for a theory of language change”. In: LEHMANN, W. P.; MALKIEL, Yakov (orgs.). Directions for historical linguistics. Austin: University of Texas Press, 1968, pp. 97-195. . Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. [tradução: BAGNO, Marcos; revisão técnica: FARACO, Carlos Alberto; posfácio: PAIVA, Maria da Conceição A. de; DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia]. São Paulo: Parábola editorial, 2006 [1968]. 412 Diadorim8-cap19.pmd 412 06/12/2011, 22:20 A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos Resumo Este artigo focaliza a variação entre as formas verbais de pretérito mais-que-perfeito simples e composto na expressão de um estado-de-coisas passado anterior a outro, sob a perspectiva teórica da Sociolinguística Variacionista. Nosso objetivo é investigar, na modalidade escrita do português contemporâneo, representada por diferentes textos jornalísticos, os contextos gerais de resistência da variante pretérito mais-que-perfeito simples, em desuso na modalidade falada. Mostramos que o uso dessa variante tende a estar significativamente relacionado à presença de circunstanciadores temporais. Demonstramos, também, a relevância das variáveis gênero discursivo e veículo. Palavras-chave: Variação; pretérito mais-que-perfeito; escrita; gênero discursivo. Abstract This article focuses on the variation between simple and compound pluperfect tenses, used to express action completed prior to a specific or implied past time, based on the theoretical-methodological presuppositions of Sociolinguistics. We aim to investigate, in written language, the general contexts of resistance of the simple variant, which is out of use in spoken language. We show that the use this variant is related to the presence of adverbs, prepositional phrases or subordinate clauses which express time. We also demonstrate the relevance of the discoursive genres and types of newspapers and magazines. Keywords: Variation; pluperfect tense; written language; discoursive genres. 413 Diadorim8-cap19.pmd 413 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap19.pmd 414 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 415 12/12/2011, 09:44 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 416 06/12/2011, 22:20 MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. Língua e história: O 2º marquês do Lavradio e as estratégias linguísticas da escrita no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Ítaca, 2010, 215 p. por Márcia Cristina de Brito Rumeu1 Ter acesso a um estudo linguístico com base em um conjunto de missivas de circulação pública e de circulação privada produzidas no terceiro quartel do século XVIII, por um escrevente português, culto, Vice-rei do Brasil, cujo perfil sociolinguístico e genealógico foi reconstituído e reinterpretado, é, indubitavelmente, um deleite para o linguista-pesquisador envolvido com a construção de uma sociolinguística histórica do português no Brasil. Marcotulio, ao repensar a dinâmica das relações sociais tecidas no Brasil colonial, o fez a partir da representação social construída pelo Vice-rei do Estado do Brasil, o Marquês do Lavradio, e corporificada em sua produção escrita, nas esferas pública e privada. Teoricamente, os governadores e os capitães-generais das capitanias brasileiras estão hierarquicamente subordinados ao Vice-rei do Brasil, que, por sua vez, está submetido ao Rei português. Na prática, o Rei português obscurecia os reais limites do poder conferido ao vice-rei do Brasil, de modo a restringir o seu domínio ao âmbito do Rio de Janeiro, por essa ser a nova sede da Colônia a partir de 1763, mas não a toda a extensão da colônia portuguesa. A não concentração do poder unicamente sob o domínio de 1 Márcia Cristina de Brito Rumeu, Professor Adjunto da UFMG. Doutora em Língua Portuguesa. E-mail: marciarumeu@uol.com.br Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 417 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas Lavradio, com o intuito de manter todas as esferas administrativas da colônia, governadores e capitães-generais, subservientes à figura do rei português, funcionava como uma estratégia de concentração do poder nas mãos da coroa lusitana. Com base nesse panorama de obscurecimento na delegação de poderes na esfera administrativa da colônia portuguesa, em terras d’aquém-mar, que colocava Lavradio numa condição desconfortável, Marcotulio delineia a questão norteadora do seu trabalho: como entender a articulação entre a produtividade das formas tratamentais e as relações sociais por elas subsidiadas na produção escrita de uma figura pública, no contexto sócio-histórico do Brasil colonial? As setenta cartas, produzidas no Rio de Janeiro, entre os anos de 1769 e 1779, servem de corpus, ao autor, para descrever, através do exame das formas de tratamento, a imagem social engendrada por Lavradio nas correspondências trocadas por ele, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada. Um dos principais objetivos de Marcotulio é o de entender se o homem público Marquês do Lavradio também está em evidência na esfera privada, observando, a partir da análise das estratégias de tratamento, se o jogo de máscara, tão produtivo em domínio público (cf. Charaudeau, 2006), também se dá na esfera privada. São apresentadas ao leitor, através de uma cuidadosa edição facsimilar semidiplomática, em versão digital, as quarenta cartas da esfera pública destinadas ao Secretário do Estado, ao Ministro da Marinha e dos Negócios Ultramarinos e aos governadores. No âmbito da esfera privada, Lavradio manteve correspondências, nas cartas em análise, com o tio, com a sogra, com o primo, com o cunhado, com os sogros da primeira e da segunda filha, com o sobrinho-neto da bisavó paterna, com o marido da sobrinha-neta de seu avô paterno e com os genros. O autor constatou que as relações de parentesco indicadas pelos rótulos empregados por remetentes e destinatários, em alguns casos, não obedeciam à verdade histórica dos fatos, visto que eram ampliados os laços familiares, tal como se assume atualmente em relação ao hábito de tratar os ‘genros’ por ‘filhos’ e as ‘sogras’ por ‘mãe’. Assim sendo, foi feita uma releitura da noção de ‘família’ de modo a ampliá-la e a entendê-la não só a partir dos laços de casamento, consanguinidade e coabitação, mas também a partir de laços de amizade, como sugere Moraes e Silva (1789) apud Marcotulio (2010, p. 47). O autor assumiu como pertencentes à esfera privada somente aqueles destinatários que guardassem algum tipo de ligação familiar com Lavradio, direta ou indiretamente, consistindo em relação movida por vínculos de consanguinidade (reconstruídos por Marcotulio a partir da 418 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 418 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas confecção da genealogia dos destinatários, cf. Anexo 1) ou por laços de afetividade. O referencial teórico que sustenta o estudo em questão é o da sócio-pragmática. Foi apresentado um panorama geral das frequências de uso das estratégias de tratamento produtivas nas cartas setecentistas em análise, interpretadas, à luz da Teoria da Polidez, de Brown e Levinson (1987), e da Teoria do Poder e da Solidariedade, de Brown e Gilman (1960), como estratégias sócio-interacionais que tendem a suavizar a imposição do ato, harmonizando o processo comunicativo. Marcotulio buscou entender se os atos em que as formas de tratamento estão consubstanciadas podem conduzir a alguma espécie de ameaça à face do interlocutor, assumindo a perspectiva da Teoria da Elaboração da face proposta por Goffman (1980). O autor dirige a sua pesquisa a partir das seguintes hipóteses: 1) prevê que, na esfera privada, o tratamento seja mais marcado em virtude de a hierarquização ser mais bem determinada; 2) postula que as estratégias Vossa Excelência e Vossa Senhoria sejam as preferidas, na esfera pública, com o objetivo de marcar o apartamento social, em consonância com os preceitos de tratados epistolares e legislações régias; 3) conjectura que as relações sociais engendradas em torno de Lavradio estejam assinaladas pela semântica do Poder (cf. Brown e Gilman, 1960), visto que, também nas relações privadas, havia a preocupação com a preservação da imagem pública de homem da Casa Lavradio a representar os interesses da Coroa Portuguesa em terras brasileiras; 4) acredita que o tratamento mais condizente ao papel social do destinatário da missiva seja apreendido no núcleo da carta, uma vez que os espaços de contato inicial e despedida, reservados à captação da benevolência, são mais vulneráveis a alterações motivadas pelo intuito comunicativo do destinatário da missiva. Marcotulio, em linhas gerais, chega às seguintes constatações: 1) comprova um maior índice de instabilidade de produtividade das formas de tratamento nas cartas da esfera pública, corroborando a situação de desconforto vivenciada por Lavradio, ao não ter clareza em relação à real dimensão do alcance do seu poder no Vice-reinado do Brasil; 2) detecta que as relações sociais, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada, se mostraram regidas pela Semântica do Poder (cf. Brown e Gilman, 1960). Foi confirmada a intenção de Lavradio legitimar, também no círculo privado das suas relações pessoais, a imponência imposta pela sua imagem social como o representante político de Portugal em solo brasileiro; 3) no que diz respeito à seção da carta em que as formas de tratamento condizem com o papel social do destinatário, o autor confirmou ser o 419 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 419 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas núcleo da carta o espaço reservado a tal expressão; 4) não foi comprovada a hipótese de as normas de tratados epistolares serem responsáveis por impulsionar a produtividade das formas de tratamento em cartas da esfera pública. O desconforto vivenciado pelo Marquês do Lavradio, na posição de vice-rei do Brasil Colônia, produziu um comportamento instável em relação às suas escolhas tratamentais no discurso político. Nos termos de Goffman (1980), Marcotulio constatou que Lavradio ora se mostrou com uma atitude linguística defensiva, salvando a sua própria face, ora se expôs com uma atitude linguística protetora, salvaguardando a face do seu interlocutor, no contexto sócio-histórico da América Portuguesa setecentista. 420 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 420 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. 768p. por Eliete Figueira Batista da Silveira1 A Nova Gramatica do Português Brasileiro, de Ataliba de Castilho, é uma obra coletiva, uma vez que é fruto de anos de pesquisa realizada nos diferentes projetos dos quais Castilho foi idealizador-pesquisador e rompe com o que se pressupõe ser uma gramática: conjunto de prescrições e descrições de sincronias passadas que, frequentemente, não se relacionam com o presente, com a língua falada(e escrita) no dia a dia. Trata-se do mais atualizado registro da norma falada no território nacional e revela a interrelação entre categorias gramaticais e categorias cognitivas. A sua preocupação em nada se relaciona à visão maniqueísta de certo versus errado presente em uma gramática tradicional, mas objetiva “acrescentar um elo a mais na longa tradição das gramáticas de referência” (p. 33), com base em suportes teórico-metodológicos mais precisos. Para tanto, inicia sua obra com um verdadeiro manual de instruções de como consultar sua gramática, não privando o leitor do entendimento do texto pelo desconhecimento de quaisquer termos técnicos elucidados num glossário (p. 663-696). Em seu capítulo inicial, apresenta a discussão acerca do conceito de língua e gramática, a fim de que se entenda a perspectiva adotada para confecção de uma gramática descritiva da língua falada. 1 Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Língua Portuguesa. 421 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 421 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas Discutindo o conceito de língua como um multissistema (cap. 2, p. 107-168), Castilho propõe que sua função não se limita a estabelecer comunicação, provando isso por demonstrar que o léxico, a semântica, o discurso e a gramática passam por um dispositivo sociocognitivo, transformando a língua em instrumento de “construção do pensamento”. É assim que estão facultadas ao sistema linguístico as possibilidades de lexicalização, semantização, discursivização e gramaticalização, resultantes de processos cognitivos pelas quais as formas se modificam, se atualizam, desaparecem. Ainda com a preocupação em realizar uma obra que forneça verdadeiramente subsídios para a reflexão sobre a língua como entidade dinâmica e plural, Castilho apresenta a história da Língua Portuguesa, estabelecendo uma relação entre aspectos sociais e mudança linguística. Discorre acerca das línguas que determinaram o “português brasileiro”, bem como menciona as diferentes direções da discussão ainda premente acerca de suas origens: o Português do Brasil (PB) como resultado (a) da evolução biológica do Português Europeu (PE); (b) das influências indígenas e africanas; (c) da continuação natural do PE, ou seja, PE do século XV. Em seu quarto capítulo, Castilho apresenta alguns dos pressupostos básicos da Sociolinguística: “as línguas são constitutivamente heterogêneas”, “variação e mudança são propriedades linguísticas que não impedem a intercompreensão”. Em seguida, explica que a diversidade está relacionada a aspectos regionais, sociais, individuais, ao canal e ao tema em que a língua se manifesta. O autor descreve características linguísticas das normas culta e popular, esquecendo-se de que, sendo a língua um diassistema, é dificil estabelecer o que se produz numa e noutra norma. Se há um continuum fala-escrita, é perfeitamente concebível que os usos mesclem diferentes normas (cf. p. 197-223). Porque sua obra analisa o português falado, Castilho se detém na apresentação dos aspectos relevantes da conversação e do texto. Habilita os interessados a procederem a uma transcrição conversacional, bem como a entenderem as diferentes estruturas que surgem numa interação comunicativa (cap. 5). E, somente depois de fornecer todas as bases à compreensão do estudo da modalidade falada, Castilho parte para as análises e descrições linguísticas, não as fazendo nos mesmos moldes e parâmetros da tradição, mas alicerçado em sólida teoria científica, nos mais atualizados estudos linguísticos e, o mais inovador, começando pela sentença (cap. 6). Nos capítulos subsequentes (cap. 7, 8 e 9), é ainda a sentença o 422 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 422 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas foco da descrição e análise, descrevendo a sua estrutura argumental e a colocação dos argumentos no enunciado, ambas manifestações do Princípio de Projeção, bem como as propriedades sintáticas, discursivas e semânticas das sentenças e de seus elementos constitutivos. Castilho passa ao estudo da minissentença e da sentença simples, identificando as respectivas tipologias, chegando à sentença complexa, à combinação e integração de sentenças, à gramaticalização das conjunções. Ao discutir o estatuto da “oração principal”, revela a própria dificuldade em designá-la de forma única. Castilho opta, então, por nomeá-la de acordo com o seu estatuto: será primeira coordenada, em se tratando de coordenação; será primeira correlata, na correlação, e matriz na subordinação. Feitas as considerações acerca das sentenças, Castilho apresenta amplo estudo dos sintagmas verbal, nominal, adjetival, adverbial e preposicional, discutindo não apenas aspectos estruturais, mas descrevendo os seus elementos constitutivos, a sintaxe das construções, sua semântica e funções discursivas (cap. 10, 11, 12. 13 e 14). Sobre o núcleo verbal, p.e., além de ampliar as discussões contempladas na tradição sobre suas categorias (pessoa, modo e tempo), incorpora os estudos de gramaticalização, envolvendo a passagem de verbos plenos a auxiliares, assim como à categoria de verbo-suporte. Em relação ao nome, inclui as discussões advindas da Teoria dos Espaços Mentais, bem como a propriedade dessa categoria de estabelecer a referência no texto. Quanto aos adjetivos e advérbios, além das diferenciações entre substantivos e adjetivos, destaca aspectos semânticos dessas categorias que podem atuar como modalizadores, qualificadores, quantificadores e classificadores. Soma-se a isso a relação do adjetivo e do advérbio com os modos de organização do discurso e gêneros textuais, respectivamente. Por último, amplia os conhecimentos acerca das preposições, descrevendo aspectos da gramaticalização por que passaram e/ou passam e apresentando as características semânticas espaciais. Finalizando sua gramática, Castilho propõe um percurso contrário ao que conduziu toda a sua obra: parte “das categorias cognitivas para as estruturas que as representam” (p. 611), para mostrar que “muitas representações linguísticas (...) relacionam-se na verdade a poucas categorias cognitivas” (p. 611). Unindo informações de gramáticos pretéritos às dos mais atualizados pesquisadores, Castilho articula os saberes de maneira magistral, conduzindo o leitor à pesquisa, à reflexão científica, convidandoo a fazer parte desse universo onde há muito a descobrir. Além disso, o último capítulo apresenta um manual de como ser pesquisador, incluindo sugestões de pesquisa. 423 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 423 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas Resta concluir que a obra é imprescindível ao cotidiano de alunos e professores, de graduação ou pós-graduação, que pretendam ser profissionais qualificados e/ou pesquisadores. Importa também àqueles que desejam ter uma obra de referência, um guia de estudos, uma fonte de consulta, escrita numa linguagem clara e simples. 424 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 424 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas KATO, Mary Aizawa; NASCIMENTO Milton do. Gramática do português falado culto no Brasil, vol. III, A construção da sentença. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. 340 p. por Juliana Marins1 O terceiro volume da Gramática do português culto falado no Brasil é o resultado dos estudos linguísticos do Subprojeto “Relações gramaticais no português brasileiro falado” (RGPBF), inicialmente coordenado pelos Profs. Drs. Fernando Tarallo e Mary Kato (UNICAMP) e continuado após a morte do Prof. Tarallo pela Profa. Mary Kato e uma grande equipe, que inclui professores e alunos de pós-graduação e graduação de diversas universidades do país. O volume, que descreve a estrutura da frase do português brasileiro (PB) a partir de dados coletados do corpus compartilhado do Projeto NURC (Norma Urbana Culta), contempla a língua culta falada nas cinco capitais brasileiras mais populosas na ocasião da coleta, nos anos 70 – Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Foi organizado por uma parte dos pesquisadores do RGPBF com a colaboração de outros, que se juntaram ao projeto na fase de consolidação dos resultados. A priori, a publicação destina-se a um leitor “não-especialista em linguística formal, mas aberto a inovações conceituais, terminológicas e técnicas, que fogem aos usos convencionais da gramática tradicional.” (p. 2). Assim, o livro, em que se encontra um elenco dos usos que compõem o inventário da variedade culta do PB, não apresenta caráter normativo, mas descritivo. 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (UFRJ) 425 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 425 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas Os organizadores deixam claro que partem de dados produzidos pelos falantes (ou seja, dados da Língua-E) para propor generalizações sobre os mecanismos subjacentes a esses enunciados: a Língua-I (Chomsky, 1986). O volume está organizado em seis capítulos: no primeiro, A arquitetura da gramática, Kato & Mioto mostram como se desenvolveram os conceitos gramaticais da antiguidade aos dias atuais, apontando importantes pontos de ligação entre concepções aristotélicas e inovações e ganhos advindos das contribuições do Estruturalismo e da Teoria Gerativa. É nesse capítulo que os autores introduzem a nova arquitetura da sentença a partir da lógica de Frege, perspectiva diversa da lógica das proposições aristotélicas, e apresentam uma prévia do conteúdo dos capítulos subsequentes, que tratam da complementação, da predicação, da adjunção, das construções-Q. Cyrino, Nunes & Pagotto, autores do capítulo Complementação, iniciam a discussão a partir das considerações tradicionais sobre a diferença entre sujeito e complementos e apontam as fragilidades dos conceitos apresentados nessas abordagens. É, então, apresentada a noção de complementação adotada no volume, com a tipologia dos verbos em função da sua grade argumental. O ponto tratado a seguir é a forma que os complementos podem assumir. Aqui, dedicam-se a fazer uma detalhada descrição do comportamento dos complementos no português brasileiro, sobretudo no tocante à representação do objeto anafórico. Por fim, os autores fazem uma sistematização formal das estruturas de complementação. Destaque-se, nesse ponto, a generalização dos verbos leves (também referidos como verbos-suporte em outros quadros teóricos) nas estruturas com verbos transitivos. O terceiro capítulo, escrito por Berlinck, Duarte & Oliveira, trata das relações de Predicação. Seguindo o formato já mencionado, as autoras tratam da noção de sujeito segundo as gramáticas tradicionais, apontando algumas inconsistências na conceituação de sujeito e predicado. Em seguida, explicitam a noção de sujeito adotada – de cunho estrutural –, e apresentam a relação entre a concordância verbal e a ordem dos constituintes na sentença. Já na seção que trata das realizações do sujeito pronominal, as autoras fazem uma descrição cuidadosa sobre o atual estágio do PB, mostrando as consequências da remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN) encontradas nos dados, que revelam a preferência pelo preenchimento da posição à esquerda do verbo. O capítulo trata, ainda, das estruturas de tópico marcado, indicando as características das diferentes possibilidades de construções desse tipo. Por fim, as autoras ainda apontam a relevância de estudos no âmbito da GPFCB, como o de 426 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 426 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas Callou (1993), no que se refere tanto à distribuição tipológica das estruturas de tópico, quanto às questões prosódicas a elas relacionadas. Outro aspecto que merece destaque é o confronto entre estruturas de sujeito/predicado e tópico/comentário. O capítulo se encerra com a sistematização formal de todas as estruturas descritas ao longo do seu desenvolvimento. No capítulo relativo à Adjunção, Rocha & Lopes definem as propriedades que caracterizam os adjuntos, levando em conta o fato de não serem selecionados por um predicador: ao contrário, “escolhem” e expandem o elemento a que se adjungem, sem alterar seu estatuto categorial. As autoras descrevem a forma, a função e a posição dos adjuntos na amostra analisada, o que é indispensável para uma melhor compreensão dessa classe tão carente de um tratamento refinado. Na última seção, as autoras fazem uma sistematização formal dos adjuntos descritos no capítulo, discutindo dois aspectos interessantes: primeiro, quanto ao comportamento da negação, que apresenta posição fixa, inverte o valor de verdade da sentença e pode ainda se cliticizar, sofrendo perdas fonológicas e se apoiando em outro elemento; depois, quanto à necessidade de se ter uma nova categoria funcional que contemple o sintagma aspectual, dado que as línguas naturais dividem os eventos em perfectivos e imperfectivos. Finalmente, as autoras mostram de que maneira os adjuntos constituem um ambiente sintático do qual não se podem extrair elementos – razão pela qual são chamados “ilhas” sintáticas. No quinto capítulo, As construções-Q no português brasileiro falado, os autores – Braga, Kato & Mioto – tratam das sentenças encabeçadas por elementos Q- localizados na periferia esquerda da sentença, como é o caso das relativas, das estruturas clivadas e das interrogativas parciais. Na primeira seção, mostram como se comportam as relativas, dividindo-as em relativas com núcleo nominal e relativas livres. A seguir, os autores descrevem as estruturas clivadas, pouco exploradas pelas gramáticas tradicionais, e, na seção seguinte, as interrogativas-Q, mostrando diferenças entre as interrogativas com o pronome-Q in situ e deslocado, as interrogativas clivadas e as clivadas reduzidas. Na última seção do capítulo, os autores procedem à sistematização formal dos tipos de construções-Q descritas ao longo do texto. Note-se o fato de que os autores preferem usar, diferentemente daquilo que ocorre nos demais capítulos, representações lineares em vez de representações arbóreas. Braga & Nascimento, no último capítulo da Gramática, têm por objetivo mostrar como se dá A interação entre adjuntos e elementos discursivos, buscando localizar as fronteiras que abrigam tais elementos, que tanto 427 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 427 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas podem ser certos adjuntos, entre os quais se encontram os operadores de foco descritos no quarto capítulo, como outros elementos, entre os quais as chamadas “palavras denotativas”, um desafio dentro da tradição gramatical. Os autores defendem que, se por um lado os fatores categóricos – relações de complementação e predicação – são indispensáveis para a realização das palavras na sintaxe, os fatores não-categóricos, os adjuntos e discursivos, são indispensáveis para fazer dos enunciados partes do discurso. Quanto à distinção entre adjuntos e discursivos, os autores atestam que: (a) as fronteiras mais internas da sentença são escassamente ocupadas pelos discursivos, enquanto há adjuntos que ocorrem regularmente nas mais variadas fronteiras, de acordo com sua forma/função; (b) discursivos tendem a estar nas posições marginais; (c) as fronteiras não atribuidoras de caso são igualmente resistentes à presença de discursivos e adjuntos; (d) na distribuição de ambos, há uma correlação biunívoca entre forma e função. Na conclusão do capítulo, dá-se atenção à necessidade de incluir uma apreciação do papel dos elementos discursivos numa análise sintática que compreende a integração dos procedimentos de Adjunção aos de Complementação e Predicação. Percebe-se, desse modo, que o volume traz uma contribuição importante à descrição das propriedades sintáticas do PB e da variação linguística atestada nas amostras analisadas, constituindo-se num excelente material para cursos de sintaxe em nível de graduação e de pós-graduação. Além disso, trata-se de uma obra acessível a todos os que se interessam por estudos gramaticais e pela sintaxe do português: cada capítulo está estruturado de tal forma que o leitor não especialista em teorias mais formais pode usufruir das discussões em torno da tradição gramatical e da tentativa de elucidar questões mal resolvidas, através da análise de dados ilustrativos dos fenômenos apresentados, sem que tenha de se aventurar pelas seções de sistematização formal que fecham cada capítulo. Os interessados em aprofundar seus conhecimentos, terão nessas seções uma preciosa descrição da construção da sentença do PB. 428 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 428 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. 182 p. por Heloise Vasconcellos Gomes Thompson1 O livro Articulação de orações: pesquisa e ensino reúne dez artigos, que têm como foco a descrição de fenômenos sintáticos no português em uso. Tal obra foi organizada pela Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues e é resultado de seus estudos juntamente com seus orientandos no projeto Uso(s) de conjunções e combinação hipotática de cláusulas, vinculado à linha de pesquisa Língua e sociedade: variação e mudança do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os textos apresentam artigos escritos pela organizadora em coautoria com seus orientandos, além de textos escritos por estes e aquela individualmente. Todos os artigos trazem resultados das pesquisas realizadas pelo grupo acerca do real uso da Língua Portuguesa, explicitando, assim, as mudanças e variações nela recorrentes no âmbito da sintaxe. O interesse pelas diferenças existentes entre o que é prescrito nas gramáticas normativas e o que é efetivamente utilizado pelos falantes em contextos reais dos usos linguísticos surgiu especialmente quando a autora, em projeto anterior, constatou uma redução no quadro das conjunções utilizadas pelos usuários da língua em relação àquelas listadas nas gramáticas normativas. Nesse sentido, o livro em questão mostra-se 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (UFRJ) 429 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 429 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas como numa tentativa de descrever uso(s) de conectivos e/ou procedimentos sintáticos que se dão na combinação das cláusulas a partir de um confronto com a descrição oferecida pelas gramáticas normativas. Mais ainda, a presente obra pretende, também, colaborar para um ensino de língua materna mais eficaz e coerente, diminuindo a distância ainda existente entre as pesquisas universitárias e a prática pedagógica nas escolas. Na apresentação do livro, a autora faz breve relato das motivações que a levaram a estudar as conjunções e seus usos, as orações e suas combinações. Apresenta, também, breve histórico sobre a teoria funcionalista e sua relevância para os presentes estudos em sintaxe, além de resumir o assunto tratado em cada artigo e explicitar sua influência no ensino de Língua Portuguesa. O primeiro artigo, de autoria de Maria de Lourdes Vaz Sppezapria Dias, intitulado Justaposição: processo sintático distinto da coordenação e da subordinação?, faz uma revisão do tratamento dado à justaposição nas gramáticas tradicionais, defendendo a tese de que se trata de mais um procedimento sintático, além da coordenação e da subordinação. O segundo artigo, Correlação na perspectiva funcionalista, de autoria de Ivo Costa do Rosário em parceria com Violeta Virginia Rodrigues, apresenta, da mesma forma que o anterior, a correlação como outro procedimento de estruturação do período composto em Língua Portuguesa, não cabendo mais simplesmente a dicotomia coordenação/subordinação na análise da articulação das orações; mostra, ainda, algumas diferentes interpretações para tal mecanismo sintático. No terceiro artigo, que tem como título Subordinação adverbial ou hipotaxe circunstancial?, a autora, Violeta Virginia Rodrigues, apresenta um questionamento à nomenclatura “subordinação adverbial”, que se restringe, no âmbito tradicional, apenas à análise em nível sentencial, deixando de lado as relações e influências do co-texto e do contexto em que as estruturas se dão. Nessa linha de pensamento, o quarto artigo, A hipotaxe por justaposição em construções proverbiais, escrito por Maria de Lourdes Vaz Sppezapria Dias, apresenta análises de estruturas proverbiais como casos de hipotaxe circunstancial, levando em consideração a relação entre as estruturas e o discurso. O quinto artigo, de autoria de Vanessa Pernas Ferreira e Violeta Virginia Rodrigues, intitula-se Uso(s) das orações condicionais e versa sobre as diferentes formas de expressar a relação de condicionalidade na Língua Portuguesa. No sexto artigo, Por uma classificação a partir das relações entre as orações: o caso da conjunção “quando”, Vanessa Pernas Ferreira discorre sobre o caráter multifuncional da conjunção quando, explicitando variadas interpretações desse conector a 430 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 430 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas depender de seu contexto de uso. Seguindo essa mesma visão, no sétimo artigo, intitulado Multifuncionalidade da partícula “como” no português contemporâneo, Ivo da Costa do Rosário trata do caráter multifuncional do item como, dadas as diversas funções que pode assumir em diferentes situações comunicativas. O oitavo artigo, Articulação e tipos semânticos de verbo das orações subordinadas adverbiais modais em português, de autoria de Anderson Godinho Silva, apresenta uma descrição das orações modais e estabelece um paralelo entre os tipos semânticos de verbo e o grau de integração semântico-pragmática dessas orações. No nono artigo, que se intitula Um enfoque funcional para a integração das cláusulas consecutivas, a autora Evelyn Cristina Marques dos Santos propõe uma caracterização das orações que veiculam noção de consequência na língua materna, dando um enfoque funcional para tais estruturas. Finalmente, no décimo artigo, intitulado Como os livros didáticos abordam as cláusulas relativas?, a autora Elenice Santos de Assis Costa de Souza apresenta uma análise de três livros didáticos, em que verifica como as orações relativas e as noções de língua e gramática são abordadas em tais livros, estabelecendo cotejo com as diretrizes presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Maria Beatriz do Nascimento Decat, estudiosa renomada na área de sintaxe, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi responsável por escrever a “orelha” do livro. A professora reconhece a insuficiência ainda existente no que diz respeito às descrições dos processos de articulação de cláusulas para uma melhor organização textual e ressalta a relevância do livro em questão para o preenchimento de lacunas existentes no que tange à descrição da Língua Portuguesa e seus procedimentos sintáticos. O livro Articulação de orações: pesquisa e ensino, sem dúvida, é de grande contribuição para um melhor entendimento da articulação de cláusulas dentro da perspectiva funcional. Além de apresentar uma descrição dos procedimentos sintáticos de articulação das orações nos períodos e de contemplar novos usos presentes na língua, estabelece ponte direta com o ensino. Nesse sentido, interessa a um público variado - estudantes de graduação, professores do ensino fundamental e médio, professores universitários e pesquisadores envolvidos com os usos linguísticos. Os estudos realizados na área de articulação de cláusulas por parte da organizadora da obra, juntamente com seu grupo de pesquisa, continuam em andamento e certamente contribuirão com outros frutos para uma melhor descrição e um melhor entendimento do funcionamento da sintaxe da Língua Portuguesa. 431 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 431 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 432 06/12/2011, 22:20 Instruções para envio de trabalhos Diadorim: revista de estudos linguísticos e literários aceita textos inéditos, em Língua Portuguesa, elaborados por docentes e estudantes de pósgraduação. Os trabalhos que se enquadram no perfil da publicação são submetidos ao conselho editorial e analisados por dois pareceristas ad hoc. O envio do artigo implica automaticamente a cessão dos direitos autorais ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, para veiculação impressa e eletrônica. Temática As edições de número ímpar se dedicam aos estudos literários e as de número par se atêm aos estudos linguísticos. No tocante aos estudos literários, aceitam-se colaborações concernentes a: Literatura Brasileira: poesia, narrativa, abordagens interdisciplinares; Literaturas Portuguesa e Africanas: poesia, narrativa, relação entre cultura e arte, relação entre memória, história e literatura. Quanto aos estudos linguísticos, os trabalhos podem versar sobre: Variação e mudança da Língua Portuguesa nos planos sincrônico e diacrônico; Ensino de Português; Relação entre gramática e discurso. Normas* 1. O trabalho deve ter extensão máxima de quinze laudas (ou 31.500 caracteres com espaços) e vir acompanhado de resumo (de até 830 caracteres com espaços), e três a cinco palavras-chave, seguidos de abstract e keywords em inglês. * Adaptação das normas da ABNT realizada por Mônica Maria Rio Nobre e Violeta Virginia Rodrigues, Docentes de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizadoras da Revista Diadorim - 6. Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 433 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas 2. Formatação: papel A4, margens de 3 cm, fonte Times New Roman, corpo 12, parágrafos justificados, primeira linha com recuo de 1 cm, espaçamento 1,5. 3. Estrutura: título do artigo e informações sobre o autor. Título: centralizado, na primeira linha, apenas primeira letra maiúscula, em negrito. Nome do autor: corpo 12, completo, em ordem direta, alinhado à esquerda, com asterisco para pé de página. Informações no asterisco: corpo 10, adentramento de 1 cm; titulação e instituição do autor. Formatação de parágrafos: adentramento de 1 cm no início de cada parágrafo. Títulos e subtítulos dentro do texto: corpo 12, em negrito, sem adentramento e sem numeração. Entre uma seção e outra, dar um espaçamento. Iniciar, sempre, imediatamente, abaixo do título ou subtítulo, sem dar espaço. Citações: até três linhas - texto citado entre aspas. Com mais de três linhas - corpo 10 (Times New Roman), adentramento 2 cm. Notas de pé de página: adentramento de 1,5 cm; espaçamento simples; corpo de letra 10 (Times New Roman). Exemplos: numeração corrida em arábico e entre parênteses. Corpo 10, adentramento 2 cm. Destaques: em itálico, mantendo o corpo do texto. Duplo destaque deverá ser feito em itálico e em negrito. Latinismos e estrangeirismos em geral: em itálico. Quadros, tabelas e figuras: com muitas células – seguir margens direita e esquerda do texto. Quadros, tabelas e figuras com poucas células – centralizados. Legendas e/ou títulos: abaixo do quadro, tabela ou figura, alinhados sempre à esquerda. Especificação só a primeira letra maiúscula, numeração em arábico, sem negrito, corpo 10 (Times New Roman). Ex.: Figura 1, Quadro 1, Tabela 1. Texto do quadro, tabela ou figura: só a primeira letra maiúscula, sem negrito, corpo 10 (Times New Roman). Referências dentro do texto Referência simples: Sobrenome do autor com inicial em maiúscula, data entre parênteses. Exemplo: Carvalho (2003) Referência com indicação de página: Sobrenome do autor com inicial 434 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 434 06/12/2011, 22:20 Curtas Resenhas em maiúscula, data entre parênteses, seguida de vírgula, indicação numérica da página. Exemplo: Carvalho (2003, p. 17) Referência com cf.: parênteses seguido de cf. sobrenome do autor, vírgula e ano da publicação. Exemplo: (cf. Carvalho, 2003) Referências bibliográficas Alinhadas à margem esquerda do texto em espaço simples e separadas entre si por espaço duplo. Na translineação, manter a margem esquerda. Observações quanto à autoria AUTOR: sobrenome do autor em letras maiúsculas seguido do(s) prenome(s) descrito(s) com as letras abreviadas ou não. Exemplo: SILVA, J. ou SILVA, José. AUTORES cujo sobrenome são acompanhados por JÚNIOR, FILHO, NETO e SOBRINHO: a indicação deve ser feita pelo sobrenome seguido dos distintivos. Exemplo: SILVA NETO, Paulo. Dois AUTORES: indica-se segundo a ordem em que aparecem na publicação, separando-os pelo sinal de ponto-e-vírgula. Exemplo: RED, William Frederick; SCALCO, John. Mais de três AUTORES: indica-se apenas o primeiro, seguido da expressão et al. Exemplo: CORREA, Celso Pires et al. Observações quanto ao Título da obra: é reproduzido tal como aparece na obra, devendo aparecer em itálico. Observações quanto à Localização da obra consultada: indica-se primeiro o nome do local seguido de dois pontos, depois, indica-se a editora seguida de vírgula e, por último, o ano de publicação. Exemplo: São Paulo: Atlas, 1998. Atenção: casos mais específicos, favor consultar as normas da ABNT. Resumo: adentramento de 2 cm, espaçamento de 1,5 cm, corpo de Letra 12 (Times New Roman). Observação 1: A palavra Resumo vem com a primeira letra Maiúscula, em negrito, alinhada à esquerda (2 cm) seguindo o espaçamento 1,5 cm. Observação 2: O título Palavras-chave – com a primeira letra Maiúscula, em negrito, alinhado à esquerda (2 cm) seguindo o espaçamento 1,5 cm e seguido de dois pontos. As palavras-chave também ficarão em negrito, separadas por ponto-e-vírgula e ponto ao final da enumeração. Exemplo: Palavras-chave: sintaxe; período composto; conjunções. 435 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 435 06/12/2011, 22:20 Observação 3: entre a palavra Resumo e o texto do resumo propriamente dito, não usar espaçamento. Observação 4: entre o texto do Resumo e a indicação das palavraschave também não usar espaçamento. Abstract: o que foi indicado para a feitura do Resumo, vale para o Abstract. Atenção: entre o Resumo e o Abstract dar um espaço. Os itens Resumo e Abstract constituem, juntos, uma nova página Envie seu texto por e-mail, em dois arquivos diferentes: o primeiro sem identificação de autoria e o segundo acompanhado de nome, função e instituição. posverna@letras.ufrj.br Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 436 06/12/2011, 22:20 Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 437 06/12/2011, 22:20 Formato 16 x 23 Tipologia: Nebraska (texto e títulos) Papel: offset 90g/m2 (miolo) Supremo 250 g/m2 (capa) CTP, impressão e acabamento: Imprinta Diadorim8-cap20-Resenhas.pmd 438 06/12/2011, 22:20