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A variacao entre o preterito mais que pe

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Carlos Antônio Levi da Conceição
Decano do Centro de Letras e Artes
Flora De Paoli Faria
Diretor da Faculdade de Letras
Eleonora Ziller Camenietzki
Diretor Adjunto de Pós-Graduação
Ângela Maria da Silva Corrêa
Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
Godofredo de Oliveira Neto
Célia Regina dos Santos Lopes
Comissão do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
Silvia Figueiredo Brandão, Maria Aparecida Lino Pauliukonis,
Maria Lúcia Leitão de Almeida (suplente), Alcmeno Bastos, Anélia Pietrani,
Adauri Silva Bastos (suplente), Mônica do Nascimento Figueiredo,
Teresa Cristina Cerdeira da Silva (suplente), Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco,
Maria Teresa Salgado Guimarães da Silva (suplente)
Representantes Discentes
Leonardo Lennertz Marcotulio (Doutorando em Língua Portuguesa)
Juliana Esposito Marins (Doutoranda em Língua Portuguesa)
Secretária do Programa
Maria Urânia Pacheco Marinho
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
D536
Diadorim : Revista de Estudos Linguísticos e Literários. – N. 8, (2011) –. Rio
de Janeiro : UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011.
v.: vi.
Semestral
ISSN 1980-2552
1. Língua portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos.
2. Literatura brasileira – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 3. Literatura
portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 4. Literatura africana
(Português) – Discursos, ensaios e conferências. I. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas.
CDU 811.134.3+821.134.3(051)
Financiamento
Programa de Apoio à Pós-Graduação da
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REVISTA DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS
Número 8 - 2011
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
Faculdade de Letras
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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© 2011, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
Todos os direitos reservados
Diadorim: revista de estudos linguísticos e literários
Publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, que abrange
as seguintes áreas de concentração: Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literaturas Portuguesa
e Africanas.
A proposta é divulgar investigações linguísticas e literárias vinculadas às linhas de pesquisa do
programa, desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
As edições de número ímpar se dedicam aos estudos literários e as de número par, aos estudos
linguísticos.
Faculdade de Letras da UFRJ – Sala F-319
Cidade Universitária – Ilha do Fundão
21941-590 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: 55 21 2598-9709
posverna@letras.ufrj.br
www.letras.ufrj.br/posverna
Conselho Editorial
Alcir Pécora (Unicamp), Alfredo Bosi (USP),
Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa),
Ângela Paiva Dionísio (UFPE), Ataliba
Teixeira de Castilho (USP), Benjamin Abdala
Jr. (USP), Daniel Jacob (Universidade de
Colônia, Alemanha), Eneida Maria de Souza
(UFMG), Ferreira Gullar (poeta), Francisco
Ferreira de Lima (UEFS), Francisco Noa
(Universidade de Mondlane, Moçambique),
Gilda Santos (UFRJ), Ida Maria Santos Ferreira
Alves (UFF), Ivan Junqueira (Academia
Brasileira de Letras), Ivo Barbieri (UERJ), Ivo
Castro (Universidade de Lisboa), Johannes
Kabatek (Universidade de Tübingen,
Alemanha), Jorge Macedo (poeta,
Moçambique), Konstanze Jungbluth
(Universidade de Frankfurt, Alemanha),
Laura Cavalcante Padilha (UFF), Lélia Maria
Parreira Duarte (PUC-MG), Lucia Helena
(UFF), Maria Antónia Coelho da Mota
(Universidade de Lisboa), Maria Emília
Barcellos da Silva (UERJ), Maria Fernanda
Abreu (Universidade Nova de Lisboa), Maria
Fernanda Bacelar do Nascimento
(Universidade de Lisboa), Maria Lúcia dal
Farra (UFS), Maria Theresa Abelha Alves
(Faculdades Jorge Amado, Salvador), Marlene
de Castro Correia (UFRJ), Paulo Motta Oliveira
(USP), Roberto Acízelo (UERJ), Rosa Virgínia
Mattos e Silva (UFBA), Silvana Maria Pessoa
(UFMG), Silvio Renato Jorge (UFF), Sonia
Maria Lazzarini Cyrino (Unicamp), Tania
Celestino de Macêdo (UNESP), Tânia
Conceição Freire Lobo (UFBA), Uli Reich
(Universidade de Colônia, Alemanha),
Walnice Nogueira Galvão (USP)
Organizadoras desta edição
Silvia Figueiredo Brandão
Maria Eugênia Lamoglia Duarte
Editoração
R.N.R.
Secretária do Programa
Maria Urânia Pacheco Marinho
Revisão
Humberto Soares da Silva
Capa
Heloisa Fortes
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Sumário
Nota editorial ....................................................................................... 9
PESQUISADOR CONVIDADO
Harmonização gradiente .......................................................................... 11
Leda Bisol
ARTIGOS INÉDITOS
A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na
sociolinguística variacionista .................................................................... 27
Elisa Figueira de Souza Corrêa
O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais .................... 43
Raquel Meister Ko. Freitag
Aquisição e variação das vogais médias pretônicas .................................. 59
Ana Carla Vogeley, Dermeval da Hora e Marígia Ana de Moura Aguiar
A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular
urbana do Rio de Janeiro ........................................................................ 81
Danielle Kely Gomes
Variação, mudança fônica e identidade: a implementação da
palatalização de /t/ e /d/ em um falar de português brasileiro ......... 103
Elisa Battisti
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Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: no Atlas Linguístico de
Minas Gerais e nos dados do projeto do Atlas Linguístico do Brasil ......... 125
Vanderci de Andrade Aguilera e Helen Cristina da Silva
A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: o
que revelam os dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil ............... 143
Marcela Moura Torres Paim
Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca ......... 161
Juanito Avelar
O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de
curta duração ......................................................................................... 181
Elaine M. Thomé Viegas
Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de
complemento locativo do verbo ir ........................................................ 203
Marcos Luiz Wiedemer
Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de
que nem .................................................................................................... 223
Sanderléia Roberta Longhin-Thomaz
Configurações XSV e XVS no português contemporâneo:
complementaridade sintático-semântica e discursiva ........................... 245
Maria da Conceição de Paiva
Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? .......................... 271
Marilza de Oliveira, Priscilla Barbosa Ribeiro e Hélcius Batista Pereira
“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um
banquete aos visitantes”: sobre a variação de preposições em
complementos verbais ........................................................................... 287
Rosane de Andrade Berlinck
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Sujeito: entre ordem e concordância .................................................... 307
Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott e Izete Lehmkuhl Coelho
A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções
escritas de estudantes universitários ...................................................... 329
Gilce Almeida e Vivian Antonino
Itinerário do uso e variação de nós e a gente em textos escritos e orais de
alunos do Ensino Fundamental da Rede Pública de Florianópolis ...... 351
Ana Kelly Borba da Silva Brustolin
La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en las publicidades de Montevideo .............................................. 375
Bruno Rafael Costa Venâncio da Silva e Carlos Felipe da Conceição Pinto
A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em
textos jornalísticos .................................................................................. 397
Kellen Cozine Martins
CURTAS RESENHAS
MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. Língua e história: O 2º marquês do
Lavradio e as estratégias linguísticas da escrita no Brasil Colonial. ...... 417
por Maria Cristina de Brito Rumeu
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro. .... 421
por Eliete Figueira Batista da Silveira
KATO, Mary Aizawa; NASCIMENTO Milton do. Gramática do português
falado culto no Brasil, vol. III, A construção da sentença. ........................... 425
por Juliana Marins
RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e
ensino ...................................................................................................... 429
por Heloise Vasconcellos Gomes Thompson
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Nota editorial
O Volume 8 da Diadorim – Revista de Estudos Linguísticos e Literários
– do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade de
Letras da UFRJ é o primeiro dedicado exclusivamente a estudos de
Variação e Mudança Linguística, uma importante e profícua Linha de
Pesquisa da Área de Língua Portuguesa. Nada mais justo, portanto, que
dedicá-la a quem introduziu a Sociolinguística Variacionista no Brasil –
Anthony Julius Naro. É inegável sua importância não só para a formação
de várias gerações de pesquisadores espalhados por todo o país que, por
sua vez, têm formado novos pesquisadores, mas também para a visibilidade
internacional dos estudos que descrevem o português brasileiro. Sua
valiosa contribuição para o desenvolvimento da Linguística entre nós está
resumida nas palavras de Dinah Callou, uma entre seus inúmeros discípulos
e autora da “orelha” deste volume.
Leda Bisol, da PUC-RS, outra renomada discípula, especialmente
convidada a colaborar com este número, trata de harmonização gradiente
no âmbito das vogais pretônicas. Os dezenove artigos que seguem, de
autoria de pesquisadores de variadas instituições brasileiras, foram
selecionados com a cooperação de um amplo corpo de pareceristas ad
hoc, entre os mais destacados especialistas nas áreas focalizadas no grande
número de trabalhos que nos foi enviado, um testemunho da grande
representatividade dos estudos variacionistas no Brasil. Os artigos abarcam
discussões teóricas que envolvem a Sociolinguística, análises fonéticofonológicas, morfossintáticas, lexicais e semânticas nas quais o tratamento
da Teoria da Variação e Mudança, fundado em bases empíricas, aparece
associado a diversas teorias da linguagem.
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O volume traz, ainda, quatro resenhas sobre trabalhos voltados
para variação e mudança, seja em textos de sincronias passadas, seja na
fala e escrita contemporâneas, bem como na primeira gramática sobre o
português falado hoje no Brasil.
Esperamos que o volume contribua para ilustrar a diversidade de
temas de que se alimenta a pesquisa sobre variação e mudança no Brasil
e que realimente novas investigações na área.
As organizadoras
Silvia Figueiredo Brandão
Maria Eugênia Lamoglia Duarte
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PESQUISADOR
CONVIDADO
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Harmonização gradiente
Leda Bisol1
Este texto tem por tema a harmonização com a vogal alta em duas
variedades do português brasileiro, a do Sul/Sudeste e a do Norte/
Nordeste, detendo-se também na neutralização das médias. O estudo tem
por base o sistema vocálico definido em graus de abertura, a partir dos
quais se explicam neutralizações e assimilações.
1. A harmonização com a vogal alta em variedades do Sul/Sudeste
Da proposta de Clements e Hume (1995) que substitui por
abertura os traços tradicionais de altura, depreende-se uma escala que
expõe em graus de abertura as sete vogais do sistema fonológico do
português.
(1) O sistema vocálico do português
abertura
aberto 1
aberto 2
aberto 3
escala
i/u
–
–
–
0
e/o
–
+
–
1
ε/c
–
+
+
2
a
+
+
+
3
Embora toda vogal tenha algum grau de abertura, atribui-se (0) à
vogal alta de abertura mínima, assinalada por (-) em todos os níveis, a
partir do qual os valores relativos da escala se estabelecem.
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PUCRS, CNPq.
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Pesquisador Convidado
Em silabas átonas de variedades do Sul/Sudeste, neutraliza-se a
distinção entre as vogais médias, isto é, desassocia-se o traço [+aberto 3],
que é substituído automaticamente por seu oposto, [-ab3], com claras
evidências na pauta pretônica: lεve> leveza; mnle> moleza, constituindose um subsistema átono de cinco vogais:
(2) /a, ε, e i, u, o, n / > / a, e, i, u, o/
Deixando-se de lado a neutralização que reduz o sistema das átonas
a três vogais em final de palavra, fixemo-nos na pretônica, onde opera a
harmonização vocálica, uma assimilação regressiva, cujo gatilho é a vogal
alta e o alvo a média fechada, distinguindo-se uma da outra apenas por
um grau de abertura, como se observa em (1). Representam-se em (3) as
duas vogais plenamente especificadas e em (4) a assimilação referida.
(3) a. Vogal média fechada (alvo)
V (e)
|
[abertura]
/
| \
[-ab1]
|
\
[+ab2]
\
[-ab3]
b. Vogal alta (gatilho)
V (i)
|
[abertura]
/ | \
[-ab1] |
\
[-ab2]
\
[-ab3]
Trata-se de harmonia privativa, pois, no sistema em pauta, o único
alvo disponível é a vogal média fechada como em feliz > filiz ou botim>
butim, em que as vogais em pauta se distinguem por um grau de abertura.
Não tem efeito algum sobre a vogal /a/, separada de /i/ por três graus
de abertura, ainda que esteja a seu lado como em Saci.
(4) Harmonização vocálica
V
V
|
|
[abertura]
[abertura]
|
‡
[+ab2]
[-ab2]
O traço [-ab2] da vogal alta estende-se para esquerda, ocupando a posição
de [+ab2] do segmento vizinho, que é desassociado, harmonizando-se as duas
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C V
CV
|
C V
|
|
[abertura] [abertura ]
|
[+ab2]
C V
|
[abertura] [ abertura][abertura]
‡
|
[+ab2
[-ab2]
[+ab2
[-ab 2]
C
‡
V
|
[abertura] [abertura ]
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[abertura]
|
C V
|
|
[+ab2]
|
CV
‡
CV
|
CV
[abertura]
|
|
[+ab2 ]
[-ab2]
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10/12/2011, 22:09
Pesquisador Convidado
Um fato a ser observado é que na pauta pretônica atuam duas regras de
resultados semelhantes: a harmonização em foco (HV) e o alçamento sem
motivação aparente (AL). Por vezes, as duas operam na mesma palavra, criandose um contexto de dupla interpretação. A primeira, no estilo neogramático, possui
um condicionador fonético explícito, a vogal alta, e pode estender-se a mais de
uma vogal; a segunda, sem condicionador explícito, é conduzida por analogia via
grupos de palavras morfologicamente aparentadas, ou seja, por paradigmas
derivacionais ou flexionais, a qual, se for considerada como efeito da consoante
vizinha, o mais das vezes é uma assimilação progressiva e estritamente local.
Exemplos em (7) e (8). HV e AL são, pois, regras diferentes com efeito similar.
(7) Alçamento sem condicionador aparente
boneca > buneca > embunecar, embunecado
colégio > culégio, culegial, culegiado
governo > guverno, guvernar, guvernado
jogar > jugar, jugando, juguei, jugava
moleque > muleque, mulecão, mulecagem
Por vezes, as duas entram em ação na mesma palavra como regras
conjuntivas:
(8) acontecia > aconticia, acunticia (HV), acunteciria (AL, HV)
acontece > acunteceu, acuntecia (AL)
Se a distinção entre as duas regras mencionadas não for levada
em consideração, casos do tipo acuntecia seriam tidos como harmonização
vocálica, pois, segundo Bacovic (2007), assimilação regressiva à longa
distancia pode não ser adjacente. Isso teria o custo de deixar (7) à deriva.
Delineada a pauta pretônica e a harmonia que nela opera em
variedades do Sul/Sudeste, passemos à pretônica do Norte/Nordeste.
2. A pretônica em variedades do Norte/Nordeste
Ambas as vogais médias se fazem presentes na pauta pretônica de
variedades do Norte/Nordeste, como vem sendo documentado em
dissertações, teses e artigos. Neste texto, tomamos como referencial os
estudos realizados sobre a pretônica de Belém, Pará (Rasky & Santos,
2009) e de Teresina, Piauí, (Nascimento Silva, 2009) que documentam a
presença de três regras variáveis, interpretadas como assimilação,
responsáveis pela presença das médias. Esse particular diferencia
variedades do Norte/Nordeste de variedades do Sul/Sudeste.
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Harmonização gradiente
Tabela 1: Efeitos da vogal contígua em Belém (readaptação de
Razky & Santos, 2009)
[e]
Vogal Contígua Total
[]
Peso relativo
Total
[i]
Peso relativo Total Peso Relativo
/i/
56/144
.164
25/144
.093
63/144
.743
/u/
12/34
.367
2/34
.027
20/34
.605
/e/
112/196
.594
2/196
.013
82/196
.393
/o/
79/114
.452
16/114
.347
19/114
.201
//
17/92
.062
74/92
.896
1/92
0.62
/n/
7/42
.171
12/42
.521
23/42
.308
/a/
31/180
.142
84/180
.668
65/180
.190
Os valores mais altos, em negrito, assinalam a vogal média aberta
diante de /, a, n/, a vogal alta diante de /i, u/ e a fechada diante de
/e, o/. Os dados revelam, como afirmam Razky & Santos (2009), três
regras de assimilação de altura, como ocorre em d[e]fesa, p[]tca e p[i]rigo.
Passemos aos dados de Teresina, Piauí. Para fins de comparação
com a Tabela acima, apresentamos somente os resultados da análise da
vogal [-post], todavia, as duas médias, em separado, em virtude da
organização diferente dos dados.
Tabela 2: A Vogal média aberta [-post] na pretônica em Teresina
(readaptação de Nascimento Silva, 2009)
Vogal contígua
/a/
//
/n/
/e/
/i/
/u/
Ocorrência
424/494
201/229
175/212
289/478
777/1376
146/233
Peso relativo
0,73
0,76
0,67
0,47
0,43
0,35
Exemplo
mlancia
mlancia
rptitivo
rptitivo
mlhnr
mlhnr
dpende
dpende
dlito
dlito
prjuízo
prjuízo
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Pesquisador Convidado
Tabela 3: A Vogal média fechada [-post] na pretônica
Vogal contígua
Vogal alta
Ocorrência
309/1385
Peso relativo
0,45
Média fechada
263/722
0,72
Vogal baixa
102/912
0,41
Exemplo
serviço
secura
agradecer
reforço
paletó
semana
Da mesma forma que nas Tabelas anteriores, os resultados
mostram a vogal média aberta diante de vogais baixas com índices altos
(2a), assim como a vogal média fechada se apresenta diante de médias
fechadas (2a’), sugerindo que ambas as vogais são o resultado de
assimilações, ideia defendida pela autora deste estudo.
Por outro lado, Nascimento Silva, ao analisar a vogal média diante
de alta, constata três variantes, apresentando uma lista de exemplos sob o
rótulo de variação tripartida. Desses extraímos os seguintes para fins de
discussão no item 3.
(9) Variação tripartida
algria ~ alegria ~ aligria
fliz ~ feliz ~ filiz
tcido ~ tecido ~ ticido
mxido ~ mexido ~ mixido
rcibo ~ recibo ~ ricibo
vnlume ~ volume ~ vulume
pnlido ~ polido ~ pulido
fnrtuna ~ fortuna ~ furtuna
nnvidade ~ novidade ~ nuvidade
snfrimento ~ sofrimento ~ sufrimento
3. Suposições e análise
Diante das Tabelas apresentadas, que denotam a presença de ambas
as médias na pretônica, fechada e aberta, como produto de assimilações,
portanto, não distintivas na pauta pretônica, no sentido tradicional, partimos
do pressuposto de que tais vogais têm a mesma estrutura subjacente, isto é,
são subespecificadas (Kiparsky, 1993) quanto a [aberto 3], o traço que as
distinguiria (cf. 1). Ambas são [-ab1,+ab2]. Expondo-se, em função dos
objetivos, somente o traço assimilador da vogal gatilho, temos a representação
do processo de assimilação que produz as médias na pretônica em (10).
(10) Assimilação da pretônica diante de média fechada (10a) e
diante de média aberta ou vogal baixa (10b)
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Harmonização gradiente
a.
V
C
[abertura]
V.... ]Word
[abertura]
/ \
|
[-ab1] [+ab2]
[-ab3]
b.
V
C
[abertura]
V.... ]Wo rd
[abertura]
/\
[-ab1] [+ab2]
|
[+ab3]
Trata-se de regra de formação de estrutura. Se a vogal seguinte
for /e, o/, o traço [-ab3] da vogal seguinte preenche o vazio da média
subjacente que se manisfesta como média fechada (10a). Da mesma forma,
por assimilação que preenche o vazio, diante de /, n, a/, por espraiamento
do traço [+ab3], emerge a média aberta como (10b) representa. Os
exemplos em (11) mostram as vogais tônica e pretônica harmonizadas.
(11) Exemplos de vogais médias produzidas por assimilação
a. bl[e]za > beleza
b. cEl[]ste > clste
sr[e]no > sereno
pEd[]stre > pdstre
sOl[e]ne > solene
sOl[a]co > snlaço
Vale observar que essas vogais podem aparecer em contextos não
harmônicos, como frmento, dncumentário, nnvena, fechamento, rfogar, a
título de exemplos. Motivos contextuais podem ser identificados: a
nasalidade a bloquear a média aberta, a relação da palavra derivada com
a base de média fechada, a vizinhança com a fricativa palatal ou a
preferência pela vogal default.2
O ponto a chamar atenção é que exemplos do tipo (11a), que são
o resultado de assimilação em variedades do Norte/Nordeste, coincidem
com o resultado da neutralização em variedades do Sul/Sudeste. Mas são
dissimilares em (11b). Isso indica que, embora presentes na pretônica
(11a,b), as médias perdem o valor contrastivo que as distingue, pois
decorrem de assimilações. Enquanto no Sul/Sudeste, perde-se esse valor
opositivo por neutralização, proibindo a média aberta; no Norte/Nordeste,
perde-se esse valor por assimilação, permitindo a presença de ambas. Eis
um caso de efeitos semelhantes no sistema interno com resultados externos
diferentes em decorrência de processos distintos. Retomemos a
harmonização vocálica.
2
Sobre variação especificada, ver Barbosa da Silva, (1989).
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Pesquisador Convidado
Passo 2: Perda do traço de abertura que distingue e de i, por
expansão do traço [-ab2] da vogal alta, o gatilho, harmonizando-se as
vogais plenamente.
b.
V
|
[abertura ]
‡
[ + ab2]
C
V
|
[abertura]
|
[-ab2]
feliz > filiz
Como efeito do primeiro passo da harmonia, resulta a vogal média
fechada. Desliga-se o traço [+ab3] da vogal média aberta, o alvo, para dar
lugar ao traço [-ab3] da vogal alta vizinha, provocando a mudança de um
grau de abertura. O processo pode parar aqui, aumentando o número
das médias fechadas na pretônica. Mas pode prosseguir, quando, no
segundo passo, se desassocia o traço [+ab2] da vogal alvo para dar lugar
a [-ab2] da vogal alta, completando-se o processo de harmonização vocálica,
novamente por mudança de um grau de abertura. Em suma, a partir de
fliz, tomado para exemplo, realizam-se, gradativamante, feliz e filiz. Isso
ocorre tanto com a média [-post] quanto com a média [+post], como (9)
exemplifica. Portanto, o contexto da harmonização com a vogal alta, regra
variável de origens remotas que o português brasileiro preserva, revela
resultados gradientes em variedades que possuem a média aberta no
sistema. Tudo indica que a variação tripartida, constatada com fartos dados
por Nascimento Silva (2009), seja o efeito dessa harmonia gradiente.
Não se afirma que as três variantes devam estar presentes na fala
de cada individuo, mas conjectura-se que a vogal média fechada,
fartamente documentada neste contexto, por certo perceptível ao falanteouvinte, seja no conjunto de dados a presença veiculadora da consecução
plena da harmonização vocálica, quando se trata da média aberta diante
de vogal alta, alvo e gatilho separados por mais de um grau de abertura.
De outra forma, tornar-se-ia difícil explicar a presença de /e/ neste
contexto em variedades cuja vogal default é a média aberta.
Assim, encerra-se este pequeno texto que discutiu duas faces da
harmonização vocálica, privativa e gradiente, e fez a distinção entre
assimilação que preenche vazios em estruturas e assimilação que muda
traços, ou seja, sons.
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Harmonização gradiente
4. Conclusão
A harmonização com a vogal alta que, como os demais processos
asssimilatórios discutidos neste texto, tem o feito de tornar semelhantes
os segmentos de seu domínio, minimizando o esforço articulatório ao
reforçar o traço expandido, tem peculiaridades específicas.
Opera como harmonia privativa em variedades em que a
neutralização anula a vogal média aberta na pauta átona, privilegiando a
média fechada, e como harmonia gradiente em variedades em que ambas
as médias estão presentes na pretônica. A presença da média baixa na
pretônica abre espaço para a harmonia gradiente cujos efeitos podem ser
de duas ordens: a) cessar no primeiro passo, aumentando o número de
vogais médias fechadas e b) chegar aos efeitos finais, harmonizando as
vogais em favor da vogal alta.
Por fim, vale observar que, independentemente dos mecanismos
que venham a explicar a presença de ambas as médias na pretônica, em se
tratando da harmonia com a vogal alta, que deve contar com vogais
plenamente especificadas, o caminho fica aberto para a harmonia gradiente.
Referências
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(Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1989.
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TRUBETZKOY, N. S. Principes de Phonologie. Paris: Editions Klincksiek, 1967.
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Pesquisador Convidado
Resumo
Este estudo diz respeito à harmonização gradiente com
a vogal alta e à assimilação que produz vogais médias
na pauta pretônica, em variedades do Norte/Nordeste,
tomando como ponto inicial o sistema da pretônica no
Sul/Sudeste.
Palavras chave: harmonização, assimilação, sistema
vocálico.
Abstract
This study concerns the gradient harmonization with
the high vowel and the assimilation which produces
mid vowels in the pretonic position, in varieties in the
North/Northeast, taking as a starting point the pretonic
system in the South/Southeast.
Keywords: harmonization, assimilation, vocalic system.
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A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no
gerativismo e na sociolinguística variacionista
Elisa Figueira de Souza Corrêa1
A
figura de Hermann Paul, embora não tenha sido
esquecida, é muitas vezes diminuída ou vista como a
de “mais um neogramático” atualmente. Visando reparar
essa visão, este artigo procura analisar a postura teórica e
alguns conceitos inovadores propostos por Paul, os quais foram cruciais para
o desenvolvimento da Linguística no século XX. Em especial, comparam-se
as posturas dele com as de gerativistas e sociolinguistas variacionistas no
tocante à aquisição de L1, velocidade e propagação de mudança, analogia e
mutação fonética e semântica, e previsibilidade das mudanças.
1. Os neogramáticos
No século XIX, os estudiosos da linguagem se concentravam
principalmente nas investigações comparativas entre as gramáticas de
diversas línguas, em especial das pertencentes ao tronco indo-europeu.
Todos sonhavam em reconstituir a “língua original”, da qual teriam vindo
todas as outras.
Pelo fim desse século, contudo, um grupo de pesquisadores surge
com uma proposta um pouco diferente: focar-se não nas línguas do
passado, mas nas do presente, não na escrita, mas na língua falada. Esses
pesquisadores, em sua maioria alemães, ficaram conhecidos como
neogramáticos. Engrossavam suas fileiras figuras como Brugman, Osthoff e
Hermann Paul, cujas obras são referência ainda hoje.
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Doutoranda PUC-Rio
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Artigos Inéditos
Osthoff e Brugman (apud Lagares, 2008), precursores do
movimento, afirmavam que
anteriormente, a reconstrução da língua ancestral indo-europeia
foi sempre a finalidade principal e o foco de toda a linguística
comparativa. A consequência foi que todas as pesquisas estavam
direcionadas constantemente a esta língua original [...]. Os
desenvolvimentos linguísticos mais recentes eram considerados
como estágios de decadência, de declínio, e com certo desdém
eram, na medida do possível, desconsiderados.
Apesar de não desprezarem o trabalho de seus antecessores, os
neogramáticos acreditavam que muito mais interessante que a
reconstrução de uma suposta protolíngua seria a observação dos
fenômenos que levaram à sua transformação, i.e., as infindáveis e
consecutivas mudanças sofridas pelas línguas ao longo do tempo – e, ao
invés de se trabalhar apenas com formas hipotéticas (por mais confiáveis
que fossem), tanto melhor seria observar esses fenômenos in vivo nas
línguas e dialetos à mão.
Dessa forma, e aproveitando-se de tudo quanto já fora descoberto,
os neogramáticos concentram seus trabalhos na sincronia (caminho que
também seria seguido por Saussure, no século XX) e na mudança
linguística. É claro que, em parte, essa escolha pela mudança estava também
relacionada com a visão que se tinha de “fazer ciência” na época, uma vez
que, apesar de os comparatistas já serem fortemente influenciados pela
Biologia, a universalidade da aplicação das leis físicas só então foi proposta
para as línguas. Em outras palavras, os neogramáticos postularam que as
leis fonéticas, conhecidas já desde Grimm, eram absolutas e que quaisquer
aparentes exceções eram, na verdade, casos que seriam, algum dia,
explicados e re-encaixados em alguma lei – ou, em último caso, explicados
através de uma mudança por analogia.
2. As ideias de Hermann Paul
Dentre esses pesquisadores, Hermann Paul foi um dos que mais
influenciou o pensamento linguístico pelos anos a fora. Seu trabalho
procurava explicar como se dava, exatamente, a mudança no indivíduo,
em especial, mas também na sociedade em geral, pelo que foi de grande
importância para a identificação das regularidades da mudança linguística.
Paul chama atenção inclusive para os fatores psíquicos dos falantes que
influenciariam na língua, pois essa não era realmente um organismo vivo,
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A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista
acima dos indivíduos, mas sim um organismo psíquico, produto conjunto
das alterações individuais e das forças centrípetas sociais.
Na verdade, essa crença já estava presente no “manifesto”, de 1878,
de Osthoff e Brugman (1967, p. 204), no qual se lê: “language is not a
thing which leads a life of its own outside and above human beings, [...]
it has its true existence only in the individual”; mas Paul irá se aplicar mais
que seus pares para descrever esses fatos, inclusive seu caráter psíquico.
Para melhor compreender como se dá o fenômeno da mudança
fonética, ou, como chama, alteração fonética, Paul se propõe a analisar as
partes que compõem o ato da fala, dividindo-o em três momentos: (a) os
movimentos dos órgãos fonadores, (b) o sentido mecânico e (c) as sensações
sonoras, com sua contraparte, as imagens da memória (Paul, 1983, p. 59). De
suma importância para a compreensão das alterações fonéticas são as
imagens que cada som enunciado deixa na memória do próprio falante e,
obviamente, também do ouvinte, pois é a partir delas (e aqui Paul chama
atenção para o fator psíquico das sensações provocadas pelo estímulo no
ouvinte/falante) que o indivíduo tentará reproduzir novamente aquele
som. Para essa reprodução, entretanto, não pode contar com mais do que
o que sentiu ao produzir ou ouvir dado som, e é aí que nascem as pequenas
discrepâncias que poderão, um dia, provocar uma alteração fonética na
língua.
Sobre a novidade do conceito de imagem da memória e seu valor
psicológico, Lagares (2008) comenta:
a introdução da noção de imagem da memória, como correspondente
nunca totalmente exato da sensação sonora, também faz referência
ao processo psíquico de percepção e compreensão sonora e permite
explicar a mudança como produto de uma soma de pequenas
modificações, acontecidas nesse espaço intermediário entre o físico
e o psicológico, onde as equivalências nunca são exatas, que podem
acabar produzindo diferenças notáveis. (Grifos do autor).
Para Paul, parte do problema da mudança reside no fato de as
palavras serem uma série sonora indivisível e de sua produção ser feita de
forma inconsciente pelos falantes. Isto é, sendo sua produção e percepção
um ato mecânico para os indivíduos, uma pequena alteração dificilmente
seria levada em consideração – especialmente quando o indivíduo já possui
uma imagem sonora prévia daquela palavra. Nesses casos, a nova sensação
sonora se juntará à imagem anterior, formando uma espécie de “média”
ou, mais ainda, se sobreporá às anteriores (Paul, 1983, p. 62-64).
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Artigos Inéditos
Essa constatação não significaria, contudo, que os falantes não
possuiriam um controle sobre sua fala. Pelo contrário, esse controle não
apenas existe como funciona rechaçando produções que se afastem demais
do padrão, isto é, da imagem da memória; mas, como “a possibilidade de
graduação nos movimentos dos órgãos fonadores e naturalmente nos sons
por eles produzidos é de facto ilimitada” (Paul, 1983, p. 63), se tornam
compreensíveis a existência dessas alterações e a tolerância dos indivíduos.
Na verdade, sentimos como “essencialmente idênticos” grupos de sons
de fato diferentes – sendo esta uma das dificuldades para os que aprendem
novas línguas e uma das vantagens ao nos comunicarmos com falantes de
dialetos próximos.
Esta variabilidade da pronúncia, que não se nota por causa dos
estreitos limites em que se move, contém a chave para a
compreensão do facto, de resto incompreensível, de que se realiza
gradualmente uma modificação do uso no que respeita ao aspecto
fonético da língua, sem que aqueles em quem se realiza esta
modificação façam dela a mínima ideia. (Paul, 1983, p. 64, grifos
do autor).
Com essas postulações, Hermann Paul abria, então, caminho para
as propostas gerativistas de tantos anos depois, uma vez que também
Chomsky, Lightfoot e outros, incorporando a mudança como parte dos
estudos linguísticos, pensam que a única forma de compreendê-la e estudála seria do ponto de vista do indivíduo.
3. O legado de Paul na linguística gerativa
A posição dos gerativistas se explica por estes defenderem que
não apenas a língua não poderia ser cientificamente abordada se encarada
enquanto entidade social, coletiva – pois, a partir desse ponto de vista, ela
não é homogênea –, como também porque seria mais proveitoso estudar
diretamente o “sistema de conhecimento” que sustenta a capacidade
humana da linguagem.
Como se sabe, segundo os postulados chomskianos, a linguagem
é específica aos seres humanos e, sendo assim, todo indivíduo já nasce
com um conjunto de princípios linguísticos definidos e parâmetros a
definir. Dessa forma, pesquisar quais são esses valores inatos e como
funcionam é descobrir como podemos aprender a falar. E, dentro disso,
pesquisar como a mudança linguística invariavelmente acontece é
perceber ou alguma outra característica intrínseca ao mecanismo mental
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humano, ou o modo como essa mudança ocorre não no conjunto da
sociedade, mas internamente a cada um.
De fato, é patente que existem realmente diferenças no uso feito
por cada falante de uma mesma língua – donde se criou o conceito de
idioleto. Mas, se, para Paul, esse fato era um indicativo de dialetos diversos
e da dificuldade de re-produção idêntica da imagem/sensação ou até
indício de uma mudança em andamento, para os gerativistas, isso será
prova da inexistência de uma “língua externa” propriamente dita, isto é,
o que existe na verdade são diversas línguas individuais (línguas internas)
formando áreas de interseção umas com as outras, as quais constituiriam
os pontos de comunicação possível num conjunto altamente heterogêneo.
Aqui se torna interessante fazer uma observação, porque, embora
reconhecesse as diferenças na fala entre indivíduos, Hermann Paul
também (como todos os neogramáticos) defendia a infalibilidade das leis
fonéticas. Ora, conforme Lagares (2008):
na realidade, a regularidade absoluta da mudança só pode ser
pensada concebendo as línguas e dialetos como entidades
homogêneas, desconsiderando, portanto, a heterogeneidade das
línguas em sociedade, eliminando a variação, pois a introdução
de variáveis sociais na análise põe em relevo as descontinuidades
e a irregularidade na difusão da mudança.
Apregoar “heterogeneidade no uso, mas homogeneidade no
conjunto” poderia ser visto como uma contradição no pensamento do
linguista alemão, porém esse é, talvez, um indício do fato, como percebido
também por Chomsky2, de que as idealizações são indispensáveis para o
trabalho investigativo, de modo que Paul precisava tratar como
homogêneas as línguas, ainda que as soubesse diferentes em verdade:
É claro que se subentende que comunidades linguísticas, no
sentido de Bloomfield – isto é, como conjuntos de indivíduos
com o mesmo comportamento linguístico –, não existem no
mundo real. [Mas] também nós fazemos tal abstracção, tendo
apenas em consideração o caso de uma pessoa confrontada com
experiência uniforme numa comunidade linguística
bloomfieldiana idealizada em que não há diversidade dialectal
2
Mais adiante, contudo, veremos opiniões diferentes para essa questão.
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nem variação entre os falantes. [...] A legitimidade destas
idealizações tem sido por vezes questionadas, mas com bases
duvidosas. Na verdade, elas parecem ser indispensáveis. (Chomsky,
1994, p. 36-37).
3.1 A aquisição de língua materna e as teorias de mudança: enfoques
diferenciados
Para, então, se focarem nesse estudo individual da mudança nas
línguas, tanto Hermann Paul quanto os gerativistas concentram sua atenção
no momento da aquisição. A interpretação dada a este momento, contudo,
diferirá um pouco. Paul vê na primeira infância a mais clara evidência de
sua hipótese sobre a sensação sonora e a imagem da memória de cada palavra,
já que aquele momento
é para cada um de nós uma fase de experimentação, na qual
gradualmente aprendemos, através de variados esforços, a
reproduzir o que se diz à nossa volta. E quando esta fase atinge
a máxima perfeição possível, então inicia-se um período de relativa
paralização (sic). [...] Começa a existir uma grande regularidade
na pronúncia, caso não surjam perturbações causadas por forte
influência dum dialecto estranho ou duma língua escrita (Paul,
1983, p. 63). 3
Mas o que para este autor é uma “relativa paralisação”, para
Lightfoot e outros gerativistas será uma parada total. Segundo esses teóricos
a gramática internalizada na primeira infância será a única e verdadeira
língua-interna do indivíduo, não admitindo alterações posteriores.
De fato, para os gerativistas o momento da aquisição da linguagem
é o momento de ocorrerem as mudanças em uma “língua social” (isto é,
de uma língua não individual, mas observada ao longe, de um modo
genérico), pois, uma vez internalizada uma gramática, ela permanecerá a
mesma para sempre.
As alterações observáveis no discurso de uma mesma pessoa ao
longo de sua vida são, então, atribuídas pelos gerativistas às mudanças de
3
Ainda que este não seja o foco do trabalho, vale notar que, por esse trecho, se vê
a crença de Paul num processo de aprendizado por repetição (aparentemente bem
à moda comportamentalista) por parte das crianças. Os gerativistas estão entre os
maiores contestadores dessa teoria, justificando a rapidez e eficiência da aquisição de
língua materna pelo mecanismo dos princípios e parâmetros preexistente na mente
humana.
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estilo, variedades diafásicas, que um indivíduo incorpora no seu repertório
para melhor se adequar ao ambiente. À medida que cresce ouvindo esses
diferentes usos – e não só os usos da gramática internalizada de seus
familiares – uma criança virá a incorporar, diferentemente dos adultos à
sua volta, essas opções de estilo como sua própria língua-interna. E quanto
mais crianças sofrerem esse mesmo processo (i.e. internalização do que
antes era estilo), mais caminhará aquela língua como um todo na direção
de uma mudança paramétrica. Naturalmente, além de simples inovações
estilísticas, as crianças também estão expostas a outras construções
inovadoras, geradas por motivos adversos, como migrações populacionais.
3.2 Velocidade e propagação da mudança
A partir disso percebe-se que Paul e Lightfoot têm diferentes
posições quanto a um ponto importante no tocante à natureza da
mudança, a saber, se esta ocorre lenta ou rapidamente. Como já visto, o
neogramático admitia não apenas a possibilidade de alguém modificar
sua fala ao longo de sua vida, mas até a probabilidade disso ocorrer dada
a inconsciência do ato da fala. Mais ainda, Hermann Paul ressalta
conjuntamente, como fatores de mudança, tanto a facilidade de pronúncia
dos sons pelos órgãos fonadores (também chamada Lei do Menor Esforço,
extremamente criticada por diversas correntes linguísticas mais tarde),
quanto a conformidade das tendências simplificadoras com o “sistema
fonético” a que pertenciam, i.e., “a direcção em que o som é desviado
tem de ser também condicionada pela direcção dos outros sons” (Paul,
1983, p. 66) – fatores esses que coloca como secundários à explicação
relacionada ao sentido mecânico mas que, de qualquer forma, também
agem num largo espaço de tempo sobre dada comunidade. Adiciona a
esses dois, ainda, fatores de natureza psicológica, admitindo, contudo,
que esses ainda carecem de pesquisa sistemática séria (Paul, 1983, p. 68).
Naturalmente nem toda discrepância na reprodução resultará em
mudança. Além desses fatores propiciadores de mudança, haveria
concomitantemente a ação da imagem fonética, elemento que se forma ao
longo da experiência de vida ouvinte do indivíduo e que servirá de freio,
corrigindo discrepâncias extremas na fala. Eventualmente, além desses
fatores inconscientes, também a própria comunidade linguística pode vir
a interferir e rejeitar alterações por motivos vários – assunto este do qual
trataremos mais adiante.
Dado tudo isso, fica claro que, para Paul, a alteração implementavase paulatina e gradualmente nas línguas, pois, mesmo que ele identificasse
na transmissão da língua para as crianças “a causa principal da mutação
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fonética” (Paul, 1983, p. 70), não havia ali uma modificação radical, e sim
um sentido de continuidade com a fala da geração anterior, sendo
quaisquer diferenças fonéticas sempre mínimas. Ou, em suas palavras:
“uma modificação no sentido mecânico [...] nasce gradualmente, duma
soma de modificações tão pequenas que dificilmente as podemos imaginar
uma diferença notável” (Paul, 1983, p. 65) e, sendo a mutação no sentido
mecânico o principal agente de mudança, também esta será gradual.
O mesmo não se dá na perspectiva de Lightfoot. Como a gramática
internalizada de um falante não suporta mudanças, essa só poderá ocorrer
“catastroficamente”, i.e., de modo abrupto no momento da aquisição. O
fato de uma pessoa, com o tempo, incrementar seu discurso com inovações
não é visto normalmente como alteração naquela estrutura adquirida,
mas como aprendizagem de outras gramáticas, opcionais e paralelas à sua.
Um dos principais argumentos em defesa dessa hipótese é o fato
de que, se uma simples divergência de parâmetro entre duas línguas pode
provocar diferenças radicais (e.g. os padrões SVO ou SOV de sentenças),
também as mudanças devem poder ser radicais. Além disso, a gradação
percebida no tempo não seria uma característica da mudança, mas sim de
sua difusão. A mudança em si não teria propriedades temporais, logo
seria catastrófica: “the natural way for linguists to think of this is that
different childhood experiences, different sets of primary linguistic data
(PLD), sometimes cross thresholds, which entails that the system shifts, and
that a new grammatical property results” (Lightfoot, 1999, p. 91, grifos nossos).
A justificativa de Lightfoot para a ilusão de mudança, isto é, a
existência de várias gramáticas internalizadas em um mesmo indivíduo,
dá conta de algumas contestações teóricas feitas aos gerativistas.
Basicamente, em situações de “variedade paramétrica”, como as
percebidas nos registros de inglês arcaico, a hipótese de mudança gradual
entraria em choque com a proposição de que, por exemplo, a ordem do
discurso SVO ou SOV é uma escolha paramétrica4 nas línguas (já que, em
inglês arcaico, ambas essas ordens são encontradas).
Sendo assim, pela suposição de gramáticas concorrentes, Lightfoot
não apenas garante a continuidade desse parâmetro (cada uma das
gramáticas internalizadas atendia a um parâmetro diferente), como
também reafirma sua teoria de difusão da mudança, a saber: quando há
gramáticas concorrentes, há instabilidade; e, onde há instabilidade, há
uma mudança em andamento. Em outras palavras, trata-se de um momento
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Se parâmetros são termos binários para as línguas, não deveria ser possível dizer às
vezes sim e às vezes não para um mesmo dado valor.
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de transição entre a predominância de certos valores paramétricos para
outros5. Graças a essa hipótese também se torna possível entender por
que existe uma continuidade comunicativa entre pessoas com gramáticas
internalizadas parametricamente diferentes: cada uma possui
secundariamente a gramática da outra.
A defesa da mudança catastrófica é, de fato, uma exclusividade
gerativista. O próprio Lightfoot explica que isso ocorre por uma questão
de ponto de vista: enquanto ele e outros gerativistas olham para a língua
interna, a maioria dos outros teóricos, defendendo uma visão coletivista
de língua, olha para o todo e, por isso, vê como mudança o que para eles
é apenas a sua difusão. Realmente, sociolinguistas variacionistas são
categóricos ao afirmar que a mudança linguística envolve sucessivas
gerações de uma comunidade e “não é uniforme nem instantânea; ela
envolve a co-variação de mudanças associadas durante substanciais períodos
de tempo, e está refletida na difusão de isoglossas por áreas do espaço
geográfico” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 126, grifos nossos).
Outro ponto de interesse e marcante discordância entre gerativistas
e neogramáticos é a maneira como a mudança se propagará. Apesar de
Hermann Paul já começar a esboçar uma certa noção de língua como
sistema (adiantando uma das grandes contribuições de Saussure no século
XX) quando defende que ela possui um “sistema fonético harmonioso”
e que há um direcionamento nas alterações fonéticas, teóricos percebem
em Paul uma aceitação do acaso como um fator de mudança, já que esta
se firmaria conforme a estabilidade dos usos individuais (Castilho, 2006,
p. 227). Isto é, cada indivíduo tem sua tendência oscilatória própria
refreada apenas pelo convívio social, e cada tendência da sociedade é
reforçada e estabilizada pela sua frequência de uso.
Os gerativistas, por sua vez, defendem não só um direcionamento
na mudança linguística como até mesmo que a predição da mudança,
dentro de certos limites, é possível. Em conferência no Brasil, Lightfoot
(1993) explica que, através do estudo conjunto dos princípios e parâmetros
das línguas humanas, do estudo do processo de aquisição da linguagem
e do estudo da gramática internalizada dos indivíduos será possível
compreender que as mudanças costumam ocorrer em grupos, motivadas
por uma mudança paramétrica (como supramencionado) e que esta
ocorre quando, na época da aquisição, há uma alteração na qualidade
dos dados linguísticos primários disponíveis.
5
Lightfoot (1999, p. 95) também coloca que uma mudança paramétrica sempre
acarreta alterações em todos os fenômenos ligados a ela, na superfície da língua.
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Artigos Inéditos
Qualquer mudança num dado fenômeno é explicada se se mostrar
primeiro que o ambiente linguístico mudou de tal forma que
uma escolha teórica foi feita de modo diferente. [...] O que não
podemos explicar é por que o ambiente linguístico deveria ter
mudado inicialmente. As mudanças ambientais são
frequentemente motivadas pelo que tenho chamado de fatores
do “acaso”, efeitos de empréstimos, mudanças na frequência de
formas, inovações estilísticas, que se espalham pela comunidade.
(Lightfoot, 1993, p. 290)
De qualquer forma, o autor supõe que, com avanços suficientes
nas áreas supramencionadas, seria possível, a partir da percepção na
alteração de um parâmetro, deduzir quais mudanças ocorreriam numa
certa língua. Ou seja, para ele, há uma interação entre acaso (mudança
inicial do ambiente) e necessidade/direcionamento linguístico (“reação”
em forma de mudança). O próprio Lightfoot (1999, p. 105-106) chega a
identificar seis características perceptíveis nas mudanças paramétricas, mas,
ao que tudo indica, a previsibilidade pretendida ainda não pôde ser
alcançada.
3.3 Mutação fonética, mutação semântica e analogia
Sobre as mutações fonéticas, Hermann Paul ressalta ainda que
nem todas teriam a ver com uma transformação do sentido mecânico,
mas que com esta compartilham a característica de não estarem
relacionadas à função da palavra, isto é, são estritamente mudanças sonoras,
como, por exemplo, é o caso de metáteses, assimilações, dissimilações.
Inversamente, há, então, toda uma classe de mudanças ligadas
justamente à função exercida por cada palavra. Aí se encontram a mutação
semântica e a analogia. A principal diferença da mutação semântica para
a mutação fonética é que, enquanto nesta última há a substituição de um
som por outro, na semântica o processo de substituição de uma palavra
por outra, se total, é muito lento e, muitas vezes, pára pelo meio, gerando
formas paralelas na língua.
De fato, embora o surgimento da mutação semântica seja como o
da fonética, i.e., por um desvio no emprego, Paul acredita que todas as
palavras têm uma significação usual (mais geral) e outra ocasional (mais
específica, compreensível apenas com a ajuda de outros fatores, alguns
extralinguísticos, e.g. presença do objeto na cena, conhecimentos prévios
etc.). “Em todos os desvios da significação ocasional em relação à usual há
um começo de mutação semântica”, diz Paul (1983, p. 92-3), mas, como
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a linha que separa esses dois usos é tênue6, é possível encontrar diversos
graus desse processo simultaneamente.
No processo de mutação semântica, contudo, e talvez mais até
que no de alteração fonética, a necessidade de uma corroboração social
é premente. Como diz o autor, “faz parte da natureza deste processo que
ele nasça dum emprego repetido e regular da significação originariamente
só ocasional” (Paul, 1983, p. 92).
O mesmo ocorre no caso das analogias: enquanto as formas
inéditas serão aceitas com mais facilidade (preenchendo uma carência da
língua), uma forma sinônima criada por analogia deverá contar – a fim
de que substitua uma outra existente – com o apoio de vários indivíduos
de um mesmo círculo, adotando o que, doutra forma, seria senão um
erro/engano de construção (Paul, 1983, p. 125).
4. Hermann Paul e a sociolinguística variacionista
Essa crença na importância da interação social como parte
fundamental nos processos de mudança linguística é o principal ponto
em comum entre o pensamento de Hermann Paul e o dos sociolinguistas
variacionistas. Mesmo que Paul concentre sua análise linguística no
indivíduo e seu idioleto homogêneo, o neogramático não dissociava nunca
do processo de mutação o caráter social da linguagem.
O mesmo farão os sociolinguistas, no estudo da mudança. Para
eles, apenas o enfoque coletivo de uma língua faz sentido, pois, sendo a
língua um objeto social cujas mutações são instigadas por causas sociais,
nenhuma outra abordagem é razoável, i.e., fatores sociais e linguísticos
estão intimamente interrelacionados e devem ser estudados e explicados
em conjunto. Weinreich et alli (2006, p. 114) destacam uma fala de Meillet
em que este admitia ser a língua uma instituição social e “disso decorre
que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual
se pode apelar a fim de explicar a mudança linguística é a mudança
social, da qual as variações linguísticas são somente as consequências”.
Mais que isso, a heterogeneidade passa a ser um fator sine qua non
para a ocorrência de mudanças, já que somente num ambiente em que
há diferentes opções de uso é possível haver variação de um ponto a
outro. A isso chamarão de sistema ordenadamente heterogêneo, um sistema
no qual a escolha entre alternativas linguísticas acarreta diferentes funções
sociais e estilísticas, de forma que esse sistema muda à medida que
6
“Entre esses dois pontos é possível uma gradação variadíssima” (Paul, 1983, p. 92).
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acompanha as mudanças na estrutura social (Weinreich; Labov; Herzog,
2006, p. 99).
Esses autores ressaltam, por isso, o erro de tantos outros linguistas
na adoção de modelos simplistas de análise, em que se considera apenas
um idioleto individual homogêneo para se estudar a mudança,
desconsiderando a interação social, a qual faz com que qualquer inovação
seja adotada ou rejeitada, ou com que seja considerada de mais ou menos
prestígio por uma comunidade, ou, ainda, seja apenas incorporada ao
vasto leque de alternativas estilísticas de cada indivíduo. Ao contrário, os
sociolinguistas variacionistas afirmam que para uma investigação frutífera
o primeiro passo é abandonar a idealização de língua homogênea e,
juntamente com esta, a de idioleto, no sentido redutor que vinha sendo
empregado:
A estrutura linguística em que os traços mutantes se localizam tem de ser
ampliada para além do idioleto. O modelo de língua proposto aqui
tem (1) estratos discretos, coexistentes [...] funcionalmente
diferenciados e conjuntamente disponíveis para uma comunidade
de fala; e (2) variáveis intrínsecas, definidas por co-variação com
elementos linguísticos e extralinguísticos. (Weinreich; Labov;
Herzog, 2006, p. 123, grifos nossos).
A partir da valorização da comunidade circundante no processo
de mudança, outro ponto de concórdia surge entre os sociolinguistas e
Paul, a saber, a preferência pelo estudo das línguas atuais às do passado.
Mas, ainda que os neogramáticos já tivessem notado a equivalência e
melhor observação dos fenômenos in vivo, esse fato será ainda mais óbvio
para os variacionistas, pois, uma vez desligados da obrigação de
encontrarem, de fato, uma comunidade linguisticamente homogênea e
pura de influências externas, e, sobretudo, admitindo a importância da
interação social, o trabalho de campo ganhou um sentido ainda maior
para esses pesquisadores.
Imbuídos deste espírito, Labov, Weinreich e Herzog retomam as
investigações neogramáticas, abandonadas com pessimismo por outros
(como Bloomfield e Hockett)7, e realizam amplas pesquisas de campo, as
quais permitem comprovar a regularidade das mudanças linguísticas.
Através de sua longa investigação em comunidades estadunidenses,
7
Cf. LABOV, 1983, p. 213-4.
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A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista
Labov (1983) até mesmo cria um modelo com a proposta de responder
algumas das questões clássicas sobre as mudanças, a saber, quais os
mecanismos das mudanças, suas causas e funções adaptativas. A solução
que encontra demonstra, principalmente, como a atribuição de juízos de
valor – dando mais prestígio, ou estigmatizando, ou criando identificação
com uma classe etc. – às realizações linguísticas de uma determinada
comunidade são determinantes para a consolidação e difusão (ou
eliminação) das mutações.
Um dos mecanismos de mudança mais interessantes apontados
por Labov é, provavelmente, o que seria identificado como mais caótico,
verdadeiro entrave para as hipóteses de trabalho homogeneizadoras8: a
entrada de subgrupos novos numa comunidade. Esses subgrupos,
adotando as formas alteradas como formas velhas, inovam ainda mais sobre
elas. A isto Labov chamou reciclagem, um dos motivos pelo qual a mudança
linguística é contínua e irrefreável.
Nem por isso, contudo, Labov e seus colegas veem a mudança
como caótica ou aleatória. Pelo contrário, por suas pesquisas, acreditam
que ela só ocorre quando “a generalização de uma alternância particular
num dado subgrupo da comunidade de fala toma uma direção e assume o
caráter de uma diferenciação ordenada” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006,
p. 125, grifos nossos). Daí que acreditem também em uma certa
capacidade de previsão, por parte da Linguística, do rumo que as
mudanças de uma comunidade podem tomar.
Por último, vale dizer que Paul irá reafirmar o papel da aquisição
infantil de linguagem na transmissão das mutações semânticas e das
analogias (das quais, aliás, as crianças serão férteis produtoras) – fato no
qual, já vimos, tem o apoio dos gerativistas. Nesse tocante, contudo, é
interessante notar que Weinreich et alli (2006, p. 122) refutaram qualquer
preferência na preservação dos dialetos paternos pelos filhos, apontando
que estes adquirem, na verdade, as características do “grupo de pares que
dominam seus anos pré-adolescentes”.
5. Considerações finais
Enfim, ainda que hoje os postulados dos neogramáticos e de
Hermann Paul estejam em boa parte ultrapassados, eles foram, sem dúvida,
essenciais enquanto base para os teóricos do século XX e, em certa
8
Vide a pergunta inicial de Weireinch, Labov e Herzog em sua obra conjunta: “se uma
língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como ela funciona
enquanto a estrutura muda?” (2006, p. 87, grifos nossos).
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Artigos Inéditos
medida, vêm servindo como norte ainda no século XXI. O deslocamento
do foco investigativo do passado para o presente e a crença na
regularidade das mudanças abriram as portas para a estruturação da
Linguística como uma Ciência9 (com os ares naturalistas da época,
inclusive), tornando-a menos especulativa e teórica, e mais prática e voltada
para o presente (e, quiçá, para o futuro também).
Graças ao rigor da descrição pormenorizada dos mecanismos de
alteração fonética, semântica e morfossintática que Paul fez em sua obra,
pôde-se começar a pensar mais organizada e metodicamente nas estruturas
linguísticas e em como a mudança age sobre cada uma delas – levandose em consideração, inclusive, fatores externos à língua, mas próprios aos
falantes (psicológicos), agora vistos como parte essencial da equação. Essa
linha de pensamento abriu passagem para correntes importantes da
atualidade, dentre as quais gerativistas e variacionistas, ainda que adotassem
perspectivas diferentes entre si.
Mesmo que não se tenha chegado até agora a um consenso sobre
o que é língua e qual seria a melhor abordagem para compreender seu
mecanismo de aquisição e mudança ou, nem mesmo, se tal mecanismo
é abrupto ou gradual; o fato é que a comunicação humana flui no tempo
e as vozes do século XIX ecoam ainda hoje entre nós.
Referências
CASTILHO, Ataliba T. de. “Proposta funcionalista de mudança linguística:
os processos de lexicalização...” In: LOBO, T. et al. (org.). Para a história
do português brasileiro. Salvador: Edufba, 2006, v. 1, pp. 223-269.
CHOMSKY, Noam. “Conceitos de língua”. In: ______. O conhecimento da
língua: sua natureza, origem e uso. Porto: Caminho, 1994. cap. 2.
LABOV. “El mecanismo del cambio linguístico”. In: ______. Modelos
sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1983. cap. 7.
LAGARES, Xoán Carlos. “O século XIX e a perspectiva histórica”. Inédito,
rascunho de um capítulo do Manual de historiografia linguística, 2008.
LIGHTFOOT, David. “Uma ciência da história?” DELTA, São Paulo, v. 9,
n. 2, pp. 275-294, 1993.
LIGHTFOOT, David. “Gradualism and catastrophes”. In: ______. The
9
Como admite Tarallo (1990, p. 51), “a busca de regularidades nos resultados parece
ter garantido, tradicionalmente, o valor ‘científico’ dos modelos adotados”.
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A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista
development of language acquisition, change and evolution. Malden (MA),
Oxford: Blackwell, 1999. cap. 4.
OSTHOFF, Hermann; BRUGMANN, Karl. Preface to “Morphological
investigations in the sphere of the indo-european languages I”. In:
LEHMANN, Winfre (org.). A reader in nineteenth-century historical indoeuropean linguistics. Bloomington, London: Indiana University Press, 1967,
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PAUL, Hermann. Princípios fundamentais da história da língua. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 59-130.
TARALLO, Fernando. “Regularizando formas”. In: ______. Itinerário
histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990, cap. 3.
WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin I. “A língua como
um sistema diferenciado”. In: ______. Fundamentos empíricos para uma teoria
da mudança linguística. São Paulo: Parábola, 2006, cap. 3.
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Artigos Inéditos
Resumo
Este artigo procura recuperar a importância do
trabalho de Hermann Paul para as correntes linguísticas
do século XX e XXI, mais especificamente para
gerativistas e variacionistas. Parte-se de uma
contextualização de Paul entre os neogramáticos e,
então, esclarecem-se alguns dos conceitos inovadores
de Paul, a saber: organismo psíquico, sua divisão dos
momentos da alteração fonética e o conceito de
imagem da memória. Analisam-se a concepção de
língua e o enfoque dado à mudança e variação
linguística pelo neogramático e por linguistas
modernos e demonstra-se como diversas ideias e
soluções de Paul foram importantes para a História dos
estudos da linguagem. Os temas discutidos
comparativamente nessas três correntes são: aquisição
de L1, velocidade e propagação da mudança, mutação
fonética e semântica e analogia, previsibilidade da
mudança.
Palavras-chave: Hermann Paul, neogramáticos,
gerativismo, sociolinguística variacionista
Abstract
This paper tries to emphasize the importance of
neogrammarian Hermann Paul’s work to the 20th and
the 21st century Linguistics, namely to generativists and
variationists. It begins looking at Paul’s work as a
neogrammarian and, then, clarifying some of his
innovative concepts: psychic organism, the division in
three moments of phonetic alteration and the concept
of image of memory. It analyzes the view of linguistic
change and variation by Paul and modern linguists, and
shows how several of his ideas were important to the
History of linguistic thought. The themes comparatively
reviewed here are: L1 acquisition, velocity and
propagation of change, phonetic and semantic
mutation, analogy, change previsibility.
Key words: Hermann Paul, neogrammarians, generative
linguistics, variationist sociolinguistics
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores
sociais
Raquel Meister Ko. Freitag1
1.
Introdução
A Sociolinguística Variacionista, impulsionada
especialmente pelos projetos que desenvolveram
bancos de dados, tem se mostrado um campo de
estudos altamente produtivo no cenário nacional dos estudos linguísticos,
contribuindo para uma ampla descrição do português brasileiro. O
quanto esta descrição reflete de fato a realidade social do Brasil em termos
linguísticos é uma questão que merece atenção, já que os bancos de
dados sociolinguísticos nem sempre refletem a estratificação da sociedade.
Assim é pertinente tecer reflexões sobre a forma de controle dos “fatores
sociais clássicos” em fenômenos de variação e mudança, especialmente
naqueles dos níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009), em que nem
sempre os efeitos do controle dos fatores sociais são estatisticamente
significativos nos estudos. Para ilustrar as reflexões, toma-se o banco de
dados VARSUL, a partir do qual se centra em discutir a questão da
homogeneização dos resultados em função da homogeneização da
amostra; alertar para a sobreposição de papéis sociais agrupados no rótulo
“faixa etária” (cf. Eckert, 1997; Freitag, 2005); e discutir um problema
encontrado no banco de dados VARSUL no que se refere à escolaridade:
o comportamento anômalo da faixa “ginasial”, com dados de trabalhos
que focam a amostra de Florianópolis e fenômenos semântico-discursivos.
1
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Professora da Universidade Federal de Sergipe (rkofreitag@uol.com.br)
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Artigos Inéditos
Não é objetivo discutir as influências do social (a noção de social
de Durkheim, por exemplo), mas apenas as implicações deste “social” da
metodologia da Sociolinguística Variacionista, e em que medida os
resultados obtidos são relativizados. Para iniciar, são apresentados bancos
de dados sociolinguísticos, com especial atenção ao VARSUL e aos aspectos
sociais de sua constituição.
2. Banco de dados e homogeneização da amostra
Para viabilizar os estudos sociolinguísticos em termos de prazos e
otimização de recursos, ao invés de cada pesquisador realizar a sua própria
coleta de dados para a sua investigação, tem se tornado prática a
constituição de bancos de dados constituídos de acordo com uma
metodologia de coleta muito específica (Labov, 1984). No Brasil, o método
da entrevista sociolinguística é o mais difundido. O Programa de Estudos
sobre o Uso da Língua – PEUL <http://www.letras.ufrj.br/peul/
index.html>, conhecido originalmente como Projeto Censo da Variação
Línguística do Estado do Rio de Janeiro, foi pioneiro em adotar a
metodologia da Sociolinguística Variacionista no Brasil, com o objetivo
de estudar o português falado no Rio de Janeiro. Nos mesmos moldes, o
banco de dados VARSUL <http://varsul.cce.ufsc.br> é resultado do projeto
Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil, cujos objetivos são
o armazenamento e a disponibilização de amostras de fala de habitantes
característicos de áreas urbanas representativas de cada um dos três estados
da região sul do Brasil. Nos bancos de dados elencados, a dimensão “sócio”
da Sociolinguística é implementada por meio do controle de estratificações
sociais que podem ser aferidas, como a faixa etária, a escolaridade, o
sexo/gênero do informante. Porém, se os bancos de dados têm como
objetivo subsidiar a descrição de uma dada variedade de língua, e esta
descrição, por conta da orientação teórico-metodológica, contempla a
dimensão social, será que a estratificação das amostras homogeneizadas,
como nos bancos de dados do PEUL e do VARSUL, reflete a estrutura
social do Brasil?
A amostra sociolinguística deve ser representativa de um
determinando grupo, denominado “comunidade de fala”; para Labov
(2001, p. 38), uma amostra verdadeiramente representativa de uma
comunidade de fala precisa tomar como base uma coleta aleatória em
que cada um dos muitos falantes que a constituem tenha a mesma chance
de ser selecionado. Nem sempre é possível controlar todos os fatores
sociais, e, às vezes, o controle de um fator pode quebrar a ortogonalidade
dos demais fatores, gerando células sociais impossíveis de serem
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
preenchidas, como, por exemplo, a relação entre escolarização e faixa
etária, em que certos níveis de escolarização geram células vazias quando
cotejados à faixa etária: salvo raras exceções, não existem crianças e
adolescentes que têm curso superior (Freitag, 2005). Ou, ainda, no atual
cenário brasileiro, é provável que se encontrem mais adultos analfabetos
do que jovens, ou que se encontrem mais analfabetos na região rural do
que na região urbana. Apesar destes “buracos” na amostra, as análises
sociolinguísticas costumam homogeneizar o tamanho da amostra e a
distribuição por célula. Idealmente, seriam necessários entre quatro e
cinco informantes por célula social (Oliveira e Silva, 2004; Guy e Zilles,
2007), entretanto, alguns bancos de dados, como o VARSUL, foram
constituídos em sua fase inicial com apenas dois indivíduos por célula.
A possibilidade de homogeneização da amostra, equiparando-se
o número de indivíduos das células sociais independentemente da sua
representatividade no conjunto real, é uma decorrência da assunção da
premissa de que a natureza do sistema linguístico é probabilística (Labov,
2001). Embora os bancos de dados tenham apresentado resultados
empíricos efetivos para a descrição do português, não se pode negar que
existem problemas na sua constituição. No caso do VARSUL, a amostra
básica de cada cidade é formada por um conjunto de 24 entrevistas,
correspondentes a 12 perfis sociais (sexo masculino e feminino, três níveis
de escolarização e duas faixas etárias) de duas entrevistas (exceto
Florianópolis, que dispõe de uma amostra de informantes da faixa etária
15 a 21 anos), totalizando 288 entrevistas (96 em cada Estado). A meta
inicial do projeto era contar com um número mínimo de cinco
informantes por célula social, mas por conta de questões financeiras, a
amostra ficou restrita a apenas dois informantes por célula. Este recorte
fomenta questões tais como: A amostra é representativa? A
homogeneização da amostra é pertinente? Ou seja, será que os mesmos
dois informantes são suficientes para representar uma cidade como Porto
Alegre, com aproximadamente 3.900.000 habitantes, e Panambi, com
cerca de 36.000 habitantes? A homogeneização dos perfis sociais não
distorceria os resultados? E se, por algum descuido, um dos dois
informantes não atenda aos critérios? Um informante equivocadamente
alocado no banco pode alterar os resultados. A falta de proporcionalidade
entre a amostra do banco de dados e a população efetiva da cidade torna
o resultado da análise destoante da realidade.
As entrevistas que constituem o banco de dados estão estratificadas
em três níveis de escolarização. Novamente, cabem questionamentos,
motivados por constatações empíricas: será que a homogeneização dos
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Artigos Inéditos
três níveis de escolaridade reflete a realidade social de todas as cidades da
amostra? Até que ponto a amostra do banco de dados VARSUL reflete a
realidade socioeconômica da cidade considerada? Até que ponto os
resultados de uma amostra homogeneizada podem ser generalizados para
um grupo maior, heterogêneo? Calvet (2002) questiona se é válida a
relação entre a heterogeneidade social e a homogeneização da amostra,
o que pode vir a produzir efeitos de interação entre as variáveis sociais e
linguísticas; Mollica e Roncarati (2001) também consideram esta questão
ao tratar de uma agenda de trabalho para a área no Brasil. A
homogeneização da amostra do VARSUL, especialmente no que se refere
à estratificação por faixas de escolaridade, pode ser a responsável pelos
resultados distorcidos e incongruentes, como tem acontecido em muitos
dos trabalhos realizados com o banco de dados. Diante deste quadro, o
que fazer com os resultados obtidos nas análises? Como interpretá-los? O
que eles indicam? Em fenômenos variáveis nos níveis gramaticais mais
altos, nem sempre os fatores sociais se mostram relevantes; e, quando se
manifestam, faixa etária e tempo de escolarização costumam se mostrar
mais frequentemente significativos. Nas seções a seguir, são discutidos os
resultados associados aos fatores sociais faixa etária e escolarização em
estudos nos domínios gramaticais mais altos, com base nos dados coletados
na amostra do Banco de Dados VARSUL de Florianópolis.
3. Idade e mudança linguística
A idade é uma das três supercategorias sociais nas sociedades
industrializadas modernas, junto com a classe e o sexo, e seu atributo
social é a correlação primária com a mudança linguística. Intuitivamente,
percebemos a influência da idade nos processos de variação e mudança
linguística: uso de uma expressão “fora de moda”, gírias desatualizadas,
enfim, percebemos que o tempo passou e ainda guardamos traços daquela
época em nosso repertório linguístico.
Para operacionalizar essas intuições acerca da relação entre língua
e faixa etária, Labov (1994) propõe uma metodologia que se resume à
observação de dois estados de língua e a garantia de que haja continuidade
entre eles. Em um dado momento, são coletados dados do fenômeno de
uma amostra x. E, passado um período y, repete-se a coleta de dados, na
mesma amostra x. A observação de um estado de uma língua é feita através
de estudo quantitativo de uma amostra aleatória e representativa de todos
os segmentos de uma comunidade de fala. Estudos desse tipo, chamados
estudos em tempo real, se subdividem em estudo de tendência e estudo de
painel. O estudo de tendência (trend study) é mais simples: requer uma
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
amostra aleatória da mesma comunidade de fala em um período y,
posterior ao da primeira coleta. Já o estudo de painel (panel study) é mais
complexo, pois requer o recontato com os mesmos indivíduos informantes
da primeira coleta, com a aplicação do mesmo instrumento. É possível
estabelecer algumas correlações entre estudos de tempo real e de tempo
aparente no que se refere à estabilidade/instabilidade da mudança e a
relação entre comunidade e indivíduo. Se o comportamento linguístico
dos indivíduos é estável durante toda a sua vida e o comportamento
linguístico da comunidade também, não há variação a analisar. Já se os
indivíduos mudam seu comportamento linguístico durante o decorrer da
sua vida e a comunidade não mostra a mesma mudança, o padrão é
caracterizado como gradação etária. Mudança geracional e mudança
comunitária não são transparentes, requerem um controle mais refinado
para serem identificados.
A outra estratégia para identificar, descrever e analisar um dado
fenômeno de variação ou de mudança linguística em um período de
tempo reduzido proposta por Labov (1994) é que a mudança pode ser
observada em tempo aparente. Essa saída metodológica pressupõe que a
idade cronológica dos indivíduos represente uma “passagem no tempo”,
e se apoia na hipótese clássica de que a língua de um indivíduo se constitui
até cerca de seus quinze anos de idade.
A análise em tempo aparente considera a distribuição das
ocorrências do fenômeno em estudo em função das faixas etárias para
caracterizar uma situação de estabilidade, mudança incipiente, mudança
em progresso ou mudança completa. Eckert (1997), porém, vê problemas
em estudos que consideram só tempo aparente: a estratificação etária
pode refletir mudança em uma comunidade de fala em relação ao tempo
(mudança histórica) e também a mudança na fala de um indivíduo em
relação ao tempo de sua vida (gradação etária). Segundo a autora,
considerar o tempo refletido na idade cronológica dos indivíduos pode
levar a equívocos entre mudança em tempo aparente de fato e gradação
etária. Isso porque o comportamento linguístico de todos os indivíduos
muda no decorrer de sua vida e mudanças linguísticas individuais não são
exclusivamente decorrentes de mudanças linguísticas históricas, são
mudanças decorrentes da história do indivíduo: nascemos, crescemos,
nos tornamos adultos, envelhecemos. A cada etapa do ciclo vital, mudanças
de ordem biológica e social ocorrem e se refletem na língua do indivíduo:
a aquisição da língua, a entrada na escola, a aplicação da rede de relações
sociais, a entrada e a saída do mercado de trabalho são fatores que se
refletem diretamente nas faixas etárias. Para Eckert (1997), a faixa etária
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Artigos Inéditos
é apenas um rótulo que agrupa vários fatores de ordem social e biológica
do indivíduo.
Para efeitos da constituição da amostra é preciso definir quantas
e quais as faixas etárias que podem ser controladas e que fornecem pistas
significativas para a compreensão real do fenômeno de variação e de
mudança linguística. Labov (1994) propõe duas faixas extremas: a dos
mais velhos e a dos mais jovens. Chambers (2003) propõe três: crianças,
adolescentes e adultos. Eckert (1997), por sua vez, propõe que as faixas
etárias representem o curso da vida linguística: infância, adolescência,
vida adulta e velhice. Vejamos os efeitos do recorte das faixas etárias em
um fenômeno variável do nível semântico-discursivo no português: a
variação entre as formas de pretérito imperfeito e de passado progressivo
na expressão do passado imperfectivo (Freitag, 2007). Do ponto de vista
semântico-discursivo, o passado imperfectivo refere-se a uma situação
anterior ao momento de fala e simultânea ao ponto de referência; em
português, pode se realizar de duas formas: pretérito imperfeito do
indicativo (IMP) e o passado progressivo (PPROG):
(1) Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava
(IMP) de um apoio, foi quando a minha mãe morreu. (SC FLP 03)
(2) Aí também foi na época que a gente voltou, a gente estava
precisando economizar pra começar nossa vida. (SC FLP 01)
As formas são intercambiáveis quando assumem o valor semânticodiscursivo passado imperfectivo, funcionando como variantes de uma
mesma variável linguística (Freitag, 2007). Na variação na expressão do
passado imperfectivo na fala de Florianópolis, a variável faixa etária foi
apontada como estatisticamente significativa, como podemos observar na
Tabela 1.
Tabela 1: Expressão do passado imperfectivo quanto à faixa etária
em função de IMP (variante conservadora)
Faixa etária
15 a 21 anos
25 a 49 anos
Mais de 50 anos
Peso relativo
0,34
0,57
0,48
%
42,7
70,1
61,5
Aplicação/total
91/213
356/508
99/161
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
A distribuição dos dados da função está concentrada na faixa etária
25 a 49 anos. Quais as motivações para explicar esta distribuição
centralizada? Há uma série de fatores que devem ser considerados.
Primeiramente, a característica da constituição da amostra: entrevistas
sociolinguísticas, que privilegiam narrativas. Indivíduos que, apesar das
instruções do roteiro da entrevista, produziram poucas narrativas em suas
entrevistas influenciam nesse resultado. Ter o que contar também tem
relação com o papel social do indivíduo. Uma dona de casa pode ter
menos fatos reportáveis do que um indivíduo que é ativo no mercado de
trabalho. Já entre indivíduos ativos, aqueles que lidam diretamente com
o público, como auxiliar de escritório, bancário ou professora primária,
possivelmente são mais desinibidos do que aqueles colocados em funções
que não exigem interação direta com o público, como cozinheira, ou
auxiliar de serviços. A inibição/desinibição pode se refletir nas entrevistas:
inibidos falariam menos do que os desinibidos, com a consequência de
menor probabilidade de realizar o fenômeno analisado. Há que se
considerar ainda que a extensão da faixa etária 25 a 49 anos é muito
ampla, especialmente se comparada à faixa de 15 a 21 anos. Talvez se
fosse desmembrada em duas faixas (25 a 35 anos e 36 a 49 anos) os
resultados ficassem distribuídos de maneira mais equilibrada.
Considerando o contexto mais específico de uso das formas –
duratividade com pares mínimos –, o padrão de distribuição das
frequências da expressão do passado imperfectivo na fala de Florianópolis
é quase linear. Há uma forte correlação entre o uso de PPROG e a faixa
etária mais jovem, em oposição às faixas mais velhas, que apresentam um
comportamento estatisticamente mais próximo.
Os resultados apontam para uma leve e incipiente tendência à
polarização entre faixa etária mais jovem, implementando a variante
inovadora, PPROG. Apesar das restrições consideradas, os jovens assumem
papel de vetores na implementação de PPROG como forma de expressão
de passado imperfectivo, configurando um quadro de mudança em tempo
aparente. Evidentemente, estudos comparando outras sincronias são
necessários para averiguar se de fato se trata de mudança histórica ou
apenas efeitos da gradação etária, conforme Eckert (1997), ou se a
mudança se dá na comunidade ou no indivíduo, por meio de gradação
etária ou por mudança geracional, respectivamente, conforme o modelo
de Labov (1994).
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Artigos Inéditos
4. A escolaridade
O controle da variável escolaridade é bastante recorrente na
sociolinguística brasileira. De acordo com Bortoni-Ricardo (2004, p. 48),
“os anos de escolarização de um indivíduo e a qualidade das escolas que
frequentou também têm influência em seu repertório sociolinguístico.
Observe-se que esses fatores estão intimamente ligados ao estatuto
socioeconômico, na sociedade brasileira”.
Sobre os efeitos da escolaridade nas investigações do PEUL, no
Rio de Janeiro, Paiva e Scherre ponderam: “É possível também que a
influência da variável escolaridade reflita, na verdade, a ação da variável
classe social. Se assim for, as consequências são ainda mais perversas: não
se modificam variantes linguísticas, mas, sim, se excluem os indivíduos
que não possuem determinadas variantes linguísticas.” (Paiva; Scherre,
1999, p. 217-218)
A escolaridade, ou nível de escolarização, é um fator de
estratificação social do banco de dados VARSUL que tem apresentado
um comportamento irregular e pouco previsível em fenômenos de
variação em níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009). Apesar do
comportamento irregular, as pesquisas realizadas partem do pressuposto
de que a escolarização afeta os fenômenos de variação. Tomem-se os
casos da variação na expressão do passado imperfectivo (já apresentado
na seção 3), variação do passado anterior, ordem do quantificador,
expressão do futuro, variação entre presente do indicativo e subjuntivo,
concordância com o pronome tu, que foram analisados no banco de
dados VARSUL considerando a cidade de Florianópolis, com três faixas
etárias e três faixas de escolarização.
A expressão do passado anterior, analisada por Coan (1997), trata
da variação no uso de formas do pretérito perfeito vs. pretérito mais-queperfeito composto para codificar uma situação passada em relação a outra,
como em (3) e (4).
(3) Aí eu peguei, telefonei pra Macarronada e descobri que
aconteceu um acidente. (SC FLP FAB 03)
(4) Aí eu peguei, telefonei pra Macarronada e descobri que tinha
acontecido um acidente.
Back (2000) analisa a variação da ordem do quantificador universal
(QU) no sintagma nominal (SN) em contextos em que o fenômeno se
realiza nas formas tudo, todo/toda e todos/todas, como em (5) e (6).
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
(5)a. todos os meus tios ficaram muito chateados. (SC FLP FAC 20)
b. os meus tios todos ficaram muito chateados.
c. os meus tios ficaram todos muito chateados.
(6)a. porque ela conhecia as famílias todas. (SC FLP FBC 24)
b. porque ela conhecia todas as famílias.
c. porque as famílias, ela conhecia todas.
A expressão de futuro enquanto categoria linguística, de acordo
com a análise de Gibbon (2000), tem, entre outras, três variantes: presente
do indicativo, forma perifrástica, composta pelo auxiliar IR (presente do
indicativo) + infinitivo, e o futuro do presente, como em (7), (8) e (9).
(7) A seleção que vai ter em março, de repente, faço carreira. (SC
FLP MAP 04)
(8) Tu não vais ter matéria pra estudar e chega no dia da prova tu
não consegues a média. (SC FLP MAG 10)
(9) Eu acho que o dia que o povo der conta de que a educação
é a base de tudo, acho que nós não teremos guerra, não teremos briga, não
teremos nada, pelo contrário, o mundo vai viver em paz. (SC FLP MBG 13)
Pimpão (1999) analisa o uso variável entre a forma de presente
de subjuntivo e de presente do indicativo em contextos de subjuntivo
(dúvida, incerteza, futuridade), como em (10).
(10) Ela tem muitos que ela não prefere, né? Aí é. Professor de
Física porque quer que ela vá de short curto: “Ah, mãe, não sei porque
ele quer que eu vou de short curto”. Porque ela vai de short mais comprido,
ele acha que tem que ser mais curto (SC FLP FAC 11).
E Loregian (1996) analisa a variação na concordância verbal com
o pronome tu, como ilustrado em (11) e (12).
(11) Assim tu queres parecer igual aquelas pessoas (SC FLP MJG 21)
(12) Tu descasca o camarão, depois tu bota tudo na fervura. (SC
FLP FAP 02)
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Artigos Inéditos
Para todos os fenômenos, foram postuladas hipóteses relativas ao
fator escolaridade que previam uma distribuição escalar. Back (2000)
correlaciona a ordem [QU SN], prevista na gramática normativa, com a
faixa de maior escolaridade: “a hipótese que cerca esta variável entende
que os informantes devem apresentar comportamento diferenciado
conforme o grau de escolaridade de cada um, de modo que esperamos
encontrar o uso da ordem [QU SN] na fala de pessoas de nível colegial,
pois esse uso reflete aquele tido como ‘correto’, segundo os parâmetros
da gramática normativa abordados nas escolas.” (Back, 2000, p. 93)
Pimpão também prevê a associação entre o uso da forma de
subjuntivo, prevista pela gramática normativa, aos níveis mais altos de
escolaridade, pois “a escola concentra o domínio do padrão culto tentando
preservar as imposições da tradição normativa para o uso linguístico nãoestigmatizado e de prestígio. O efeito da escolaridade a variáveis linguísticas
prevê o uso mais próximo à norma gramatical para os níveis escolares
mais elevados. A maior permanência na escola pressupõe o contato mais
direto e intenso do ensino prescritivista sobre o idioleto do aluno.”
(Pimpão, 1999, p. 90). Já Coan (1997) vê com mais cautela a correlação
entre o uso de uma forma e a escolaridade dos informantes:
Por se tratar de um fenômeno não claramente percebido, o uso
da variante pretérito perfeito em lugar do mais-que-perfeito para
codificar a função de anterioridade é bem pouco discriminado e
corrigido nas escolas. [...] O nosso objeto de estudo não parece
ser tão marcante em termos de “certo” ou “errado”. A todo o
momento, encontramos indivíduos de todos os níveis de
escolaridade e de todas as classes fazendo variação. A possibilidade
de itens linguísticos variarem sem que lhes seja atribuído qualquer
estigma pode facilitar uma mudança linguística (Coan, 1997, p. 12).
Os resultados quanto à escolaridade, entretanto, não corroboraram
as hipóteses levantadas, com exceção da variação na concordância com o
pronome tu, que se mostra distribuída escalarmente em função da
escolaridade. Na variação na ordem do quantificador, expressão do futuro,
expressão do passado imperfectivo e expressão do passado anterior, a
faixa de escolarização intermediária, “ginásio”, desvia a trajetória da linha
formada pelas faixas etárias extremas, conforme aponta o Gráfico 1.
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
Gráfico 1: Influência da variável escolaridade em fenômenos
variáveis semântico-discursivos em função da variante considerada como
conservadora (Florianópolis/VARSUL)
Tomando apenas as faixas de escolarização extremas, com exceção
do fenômeno de variação na concordância verbal com o pronome tu, os
demais fenômenos não parecem ser sensíveis ao nível de escolarização
do indivíduo. Como explicar a anomalia produzida pelos informantes
pertencentes ao nível intermediário de escolaridade no projeto VARSUL?
Não se trata de um comportamento específico da amostra de Florianópolis;
para Porto Alegre, Loregian (1996, p. 13) encontra resultados na variação
da concordância verbal com o pronome tu que são alterados por causa
da faixa etária intermediária. Como lidar com a variável escolaridade no
projeto VARSUL? O que a escolaridade indicia? Há duas hipóteses que
podem ser exploradas: i) a possibilidade de interação entre escolaridade
e faixa etária; e ii) como a variável se correlaciona com os mecanismos de
promoção ou resistência à mudança linguística?
Na primeira hipótese, é possível considerar que o comportamento
incongruente do nível de escolarização seja decorrente da sua interação
com as faixas etárias que compõem a amostra, principalmente por conta
dos informantes que cursaram o antigo ginásio, que é diferente do nível
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Artigos Inéditos
de 8 a 9 anos de estudo (5ª a 8ª série do Ensino Fundamental). O antigo
ginásio vigorou no período de 1931-1969 e exigia que o estudante prestasse
um rigoroso exame de admissão, além de uma diversidade de disciplinas
que hoje sequer são vistas no Ensino Médio, como latim, retórica e francês.
Indivíduos que cursaram o antigo ginásio teriam, por hipótese, um
comportamento muito diversificado do daqueles que cursaram o
equivalente à 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental.
Outra possibilidade, também relacionada com a interação de
fatores, é que a homogeneização das faixas de escolaridade do banco de
dados VARSUL pode estar interferindo na incongruência dos resultados.
A amostra Censo, do PEUL, por exemplo, não preenche as células relativas
à escolaridade com o mesmo número de informantes. Segundo Oliveira
e Silva e Paiva (1996, p. 60), “como uma amostra deve refletir até certo
ponto as características da população, e considerando que nesta última
não há distribuição equilibrada entre os níveis de escolarização, havendo
muito mais pessoas no 1º grau do que no 2º grau, optou-se por escolher
19 falantes do primário, 16 do ginásio e 13 do 2º grau.” Os resultados do
PEUL que consideram a amostra Censo apresentam uma distribuição
escalar para a escolaridade; talvez se o número de informantes por estrato
fosse o mesmo, os resultados seriam diferentes.
É necessário refletir sobre os aspectos que estão envolvidos na
escolarização e como estes aspectos interagem com o ensino e a valoração
social das formas que expressam passado imperfectivo no português. Votre
(2004, p. 51-54) enumera quatro aspectos da escolarização que podem
ser verificados na dinâmica social em que a escola interage e que podem
estar associados à variação e mudança linguística: i) formas de prestígio e
formas relativamente neutras; ii) fenômeno socialmente estigmatizado e
fenômeno imune à estigmatização; iii) fenômenos objeto do ensino
escolar e fenômenos que escapam à atenção normativa; e iv) fenômeno
discursivo (ou no mais alto nível gramatical) ou fenômeno da gramática
(níveis gramaticais intermediários entre o fonológico e o discursivo).
Os três primeiros aspectos não parecem influenciar na variação
em domínios gramaticais mais altos, cujas formas são relativamente neutras
e os fenômenos parecem imunes à estigmatização. O fato de serem
neutros socialmente torna-os pouco salientes ao ensino normativo. Porém,
o último aspecto parece ser relevante, pois se relaciona com a
opcionalidade (ou não obrigatoriedade) do fenômeno. As categorias
verbais estão a serviço da intenção dos propósitos comunicativos do falante;
são recursos estilísticos à disposição no repertório de estratégias
comunicativas. A variação das categorias que expressam tempo e aspecto
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
está relacionada com fatores internos e cognitivos, como a relação entre
figura/fundo e valores inerentes ao item lexical, como aspecto (Coan,
1997) ou movimento (Gibbon, 2000). O controle da variável escolaridade
na variação entre IMP e PPROG na expressão de passado imperfectivo,
apesar de estatisticamente significativo, não mostrou um resultado pontual
e clarificador da situação, mas motivou uma reflexão sobre a pertinência
do fator na análise do fenômeno. Talvez a escolaridade não seja um fator
influente na variação entre formas para a expressão de tempo e aspecto,
e controlá-lo sobrecarregaria o modelo estatístico, além de frustrar
expectativas. Ou a escolaridade é apenas a ponta do iceberg dos fatores não
estratificados (como poder aquisitivo, rede de relações sociais,
engajamento social etc.) e seus resultados devem ser avaliados com uma
lente multifocal. Ou, ainda, a estratificação homogênea da escolaridade
na amostra do VARSUL é a causa das incongruências nos resultados.
5 Considerações finais
A adoção de bancos de dados sociolinguísticos é uma maneira
mais otimizada de subsidiar estudos sociolinguísticos. As ponderações
tecidas neste texto, tomando por base a atuação de “fatores sociais
clássicos”, como a escolarização e a faixa etária, em fenômenos de variação
e mudança nos níveis gramaticais mais altos, podem auxiliar a
interpretação de resultados de outros estudos, nos mesmos moldes, assim
como podem balizar a constituição de novos bancos de dados e a
ampliação dos já existentes, na medida em que colaboram para que estes
reflitam, de fato, a realidade social do Brasil.
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sintagma nominal na língua falada de Florianópolis. Dissertação (Mestrado
em Linguística) — Programa de Pós-Graduação em Linguística,
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COAN, Márluce. Anterioridade a um ponto de referência passado: pretérito (mais
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Artigos Inéditos
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O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais
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MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luíza (orgs.). Introdução à
sociolinguística: o tratamento da variação. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2004,
pp. 51-57.
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Artigos Inéditos
Resumo
Neste texto, são discutidos aspectos relacionados ao
controle dos fatores sociais “faixa etária” e
“escolarização” em estudos sociolinguísticos de cunho
variacionista, focando a estratificação social de bancos
de dados sociolinguísticos brasileiros. São discutidos
aspectos da constituição dos bancos de dados dos
projetos PEUL e VARSUL, com atenção aos efeitos da
homogeneização metodológica imposta à amostra,
especialmente no que se refere à faixa etária e
escolarização. Resultados de estudos de variação e
mudança em domínios gramaticais mais altos são
utilizados para respaldar a discussão.
Palavras-chave: Banco de dados sociolinguístico.
Homogeneização da amostra. Fatores sociais.
Abstract
In this paper aspects related to control of social factors
“age” and “education” in variacionist sociolinguistic
studies are discussed, focusing the social stratification
of sociolinguistic Brazilian databases. Aspects of
constitution of PEUL’s and VARSUL’s databases are
discussed with special attention to methodological
effects of homogenization that are imposed upon
sample, especially in relation to age and education.
Results of studies of variation and change in higher
grammatical domains are used to support the discussion.
Keywords: Sociolinguistic databank. Sample
homogenization. Social factors.
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
Ana Carla Vogeley1
Demerval da Hora1
Marígia Ana de Moura Aguiar
1.
Introdução
O sistema vocálico do português é alvo de
diversos processos fonológicos, devido a fatores
prosódicos, fonotáticos, ou, ainda, por questões de
ordem morfológica. De acordo com Battisti e Vieira (2005), as vogais que
mais sofrem a influência de processos fonológicos são as vogais médias.
Daí a importância dos estudos voltados para os fenômenos de variação,
bem como seus fatores condicionantes, envolvendo-as nas mais diversas
posições, sem perder de vista sua tonicidade.
Em relação a esses processos fonológicos, cujo alvo são as vogais
médias em posição pretônica, destacam-se a neutralização, a harmonia
vocálica e a redução. A neutralização é caracterizada pela perda de
contrastes ou oposições no sistema, como no caso da pretônica na palavra
‘morango’, que, embora possa receber pronúncias com a média baixa
‘m[n]rango’ ou com a média alta, ‘m[o]rango’, não acarretam oposições
em termos fonêmicos, por isso, é de natureza fonética. A harmonia vocálica
é um processo pelo qual as vogais assumem traços de segmentos vizinhos,
ou seja, assimilam a altura da vogal alta da sílaba seguinte, como ocorre
em p[e]pino > p[i]pinu, c[o]ruja > c[u]ruja. A redução vocálica é uma
1
Os autores Ana Carla Vogeley e Dermeval da Hora fazem parte do Projeto Casadinho,
financiado pelo CNPq, Proc. 620020/2008-3, parceria entre o Programa de PósGraduação em Linguística da UFPB e o Programa de Pós-Graduação em Linguística
da USPB.
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Artigos Inéditos
espécie de redução da diferença articulatória que ocorre entre a vogal
alçada e a consoante adjacente.
O estudos sobre as vogais médias, no Brasil, são mais voltados
para o comportamento variável desses segmentos (Bisol, 1981, 1988, 2003;
Viegas, 2003; Schwindt, 1995; Lee e Oliveira, 2003; Lee, 2008, 2009) do
que para a aquisição do sistema (Rangel, 2002; Matzenauer, 2008, 2009);
isso talvez se justifique pelo fato de a aquisição vocálica ser fácil e precoce.
Assim, o estudo de aquisição das vogais, de uma maneira geral, tem se
constituído um campo fecundo de investigações, devido à escassez de
estudos nessa área. Embora não sejam abundantes as pesquisas sobre a
aquisição vocálica em outras línguas, como o espanhol e o húngaro, maior
é, ainda, a escassez de estudos sobre aquisição de vogais na língua
portuguesa.
Este estudo parte da hipótese de que o comportamento variável
dos segmentos vocálicos adquiridos reflete a variação da comunidade
adulta. Parte-se da ideia de que o ordenamento de aquisição vocálica, no
dialeto investigado, não pode ser enquadrado, totalmente, na perspectiva
dos universais linguísticos, visto que depende das variações dialetais, ou
seja, das variantes adotadas na comunidade de fala com a qual a criança
interage. Argumenta-se, assim, que a ordem de aquisição dos segmentos
vocálicos em crianças recifenses é diferente daquela encontrada em
crianças do Rio Grande do Sul — RS, por exemplo, visto que, no dialeto
da região Nordeste, há predomínio das vogais médias abertas em contexto
pretônico.
Vale destacar a hipótese, de caráter mais teórico, que diz respeito
a uma representação subjacente não unificada, mas diferenciada, baseada
em critérios de ordem dialetal, para o português brasileiro (PB), cujo
respaldo se encontra nas afirmações de Lee (2009). Essa hipótese está
relacionada à ideia de que as vogais médias pretônicas do PB não são
completamente especificadas na representação subjacente, sendo portanto,
na fonologia, segmentos subespecificados. Esta hipóstese, entretanto, não
será aqui verificada, visto que a proposta é mais de cunho variacionista.
Com base na primeira hipótese, a análise será fundamentada nos
seguintes pressupostos: (a) de que a variação das vogais médias pretônicas
é inerente ao sistema linguístico, como postula o modelo variacionista
laboviano (Weinreich; Labov; Herzog, 1968; Labov, 1972); (b) de que a
variação também integra o processo de aquisição (Roberts, 2002).
Poucos estudos (Rangel, 2002; Matzenauer, 2008, 2009) investigam
como ocorre a variação vocálica no processo de aquisição do sistema
fonológico, no sentido de observar se as crianças já adquirem as vogais
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
médias conforme os membros de sua comunidade as articulam,
sistematicamente, ou se ocorre algum padrão universal nessa aquisição,
elegendo a forma variante do seu meio apenas quando há uma estabilidade
em relação à aquisição do seu sistema, ou seja, quando este já está
desenvolvido. Em geral, esses estudos reforçam, no Brasil, a ideia geral de
que esses fonemas recebem uma pronúncia predominantemente fechada
(média) nas regiões Sul-Sudeste, enquanto no Nordeste prevalece uma
realização mais aberta (baixa), além de ser também um dos fatores de
diferenciação entre as variedades linguísticas brasileira e portuguesa.
Considerando que, no Brasil, o quadro das pretônicas não é fixo,
quando se trata das vogais médias, constituem-se como questões
norteadoras deste estudo:
- Como as crianças adquirem padrões sonoros variáveis?
- Que diferenças podem ser encontradas entre o dialeto recifense
e os demais dialetos brasileiros?
- Quais são os processos fonológicos que envolvem as vogais? A
fala das crianças é afetada por processos comuns aos da fala do adulto,
como a neutralização e a harmonia vocálica?
- De que maneira a variação encontrada na fala do adulto se reflete
na fase aquisitiva?
Observar o fenômeno da variação na aquisição fonológica, assim
como a variação fonológica na fala do adulto, pode trazer relevantes
contribuições para o entendimento do funcionamento linguístico,
tornando possível questionar e revisar os próprios modelos teóricos.
Considerando, também, a hipótese de Fischer (1958) e Romaine (1978)
de que a aquisição da variação social é realmente possível em crianças, o
objetivo deste estudo é investigar o comportamento variável das vogais
médias pretônicas, no processo de aquisição, em crianças da cidade do
Recife-PE.
É necessário investigar como se dá a aquisição das vogais médias
pretônicas, quais estratégias de reparo são usadas e que fatores intervêm
na produção e na aquisição do sistema. Ainda que as crianças não
apresentem dificuldades na aquisição de vogais, é possível estabelecer
níveis de desenvolvimento, especialmente observando como se dá a
aquisição em crianças de situações dialetais distintas, no sentido de observar
como ocorre o fenômeno de variação na aquisição do sistema fonológico,
especialmente do vocálico.
O estudo está assim estruturado: na seção 2, será apresentada a
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Artigos Inéditos
metodologia, com detalhamento de suas partes; na seção 3, análise e
discussão dos resultados. Não há, pois, uma seção voltada para os aspectos
estritamente teóricos; eles estarão insericos na própria análise.
2 Metodologia
Trata-se de um estudo que teve origem em uma investigação de
campo, de caráter transversal e longitudinal, submetida à análise do
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Católica
de Pernambuco – UNICAP. A pesquisa foi aprovada sob o nº 050/2009.
2.1 Caracterização das crianças
A amostra total é constituída por dezesseis crianças, com idades
entre 0:10; 19 e 4 anos, sendo quatro observadas de forma longitudinal e
doze de forma transversal, como será detalhado em seguida.
Para o estudo longitudinal, a amostra foi composta por dados de
quatro crianças, extraídos do corpus de Cavalcante (1999). Houve o
acompanhamento de duas meninas e dois meninos entre dez meses e um
ano e dez meses de idade, aproximadamente, conforme está
esquematizado no Quadro 1.
Quadro 1. Faixa etária dos quatro informantes do corpus
longitudinal
Informante
Idade em ano, meses e dias
C1 (SF)
C2 (SM)
C3 (SM)
C4 (SF)
0:10 — 1:4;10
0:10 — 1:4
1:0 — 1:3
1:6 – 1:10
A amostra transversal foi composta por doze crianças, de ambos
os sexos, com idade entre 2 e 4 anos, nativas e residentes em Recife — PE.
O controle da amostra, com base nos parâmetros variacionistas, ocorreu
a partir da estratificação por idade e sexo. Sendo assim, participaram
doze crianças, sendo seis do sexo feminino e seis do sexo masculino,
estratificadas, ainda, em quatro grupos pela idade.
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
Quadro 2. Estratificação da amostra transversal por sexo e faixa
etária
De 1:10 a 2:20 anos: 3 crianças
6 (feminino)
12
Crianças
De 3:4 a 4:0 anos: 3 crianças
De 2:1 a 3:0 anos: 3 crianças
6 (masculino)
De 3:1 a 4:2 anos: 3 crianças
Todas as crianças que participaram nasceram e residem em RecifePE. Nenhuma passou mais de seis meses fora da cidade ou teve contato
intenso com pessoas de outra naturalidade. Vale salientar que todas as
crianças possuem os pais naturais de Recife.
2.2 A coleta dos dados
Com base nas hipóteses levantadas, que consideram não apenas
fatores linguísticos, mas também questões de ordem social, a coleta de
dados ocorreu em três etapas distintas:
• Levantamento do perfil sócio-econômico e psicossocial das crianças:
a partir de um questionário psicossocial, desenvolvido por Queiroga et al.
(2008), para obter alguns dados relacionados aos critérios de inclusão e
obter dados referentes ao contexto sociocultural das crianças, o que pode ter
alguma relação com os aspectos linguísticos aqui encontrados.
• Procedimento de eliciação de fala (dirigida): refere-se à coleta
dos dados transversais a partir de uma atividade de nomeação, através de
um instrumento com 86 vocábulos, devidamente balanceados, conforme
as variáveis envolvidas no estudo, como contexto fonológico seguinte,
contexto fonológico precedente e tonicidade da sílaba, que já foram
destacadas pela literatura na área. Foram consideradas, ainda, na seleção
das palavras, as possibilidades de neutralização, de elevação e de harmonia.
• Fala espontânea: procedimento de coleta utilizado na construção
do corpus longitudinal de Cavalcante (1999).
Os dados foram gravados e transcritos foneticamente, a partir do
Alfabeto Fonético Internacional (IPA), na Folha de Registro.
Posteriormente, os dados foram analisados, tanto numa perspectiva
descritiva e qualitativa, quanto estatisticamente, adotando os pressupostos
da Teoria Quantitativa da Variação ou Sociolinguística Quantitativa,
propostos por Labov. Assim, foram consideradas todas as variáveis
linguísticas como as supracitadas e as extralinguísticas, como idade e sexo.
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Artigos Inéditos
Optou-se por oferecer um tratamento variacionista dos dados, pelo
fato de se propor a analisar as possibilidades de realização das vogais
médias pretônicas num processo de aquisição. Tendo, portanto, uma
base Sociolinguística, este estudo visa a determinar em que condições
ocorrem as diversas realizações das médias pretônicas, estabelecendo os
fatores linguísticos e sociais que determinam a ocorrência das variações
desses segmentos no português brasileiro falado por crianças recifenses
em período de aquisição fonológica.
2.3 As análises das variáveis
Os dados foram submetidos a análises qualitativas e quantitativas.
A parte quantitativa da análise diz respeito à análise variacionista. Dessa
forma, os dados (tanto os linguísticos, obtidos na eliciação de fala, quanto
os extralinguísticos, obtidos mediante o questionário) foram submetidos
a um tratamento estatístico, utilizando-se o programa GOLDVARB
(Robinson; Lawrence; Tagliamonte, 2001).
Foram estabelecidas como variáveis dependente e independentes:
Variável dependente
Com base nas possibilidades de realização das vogais médias em
posição pretônica, no dialeto em questão, a forma como a vogal média
foi produzida corresponde à variável dependente. Assim, tem-se uma
possibilidade de análise ternária, envolvendo as seguintes variantes:
· Vogal média alta [e, o];
· Vogal média baixa [, n];
· Vogal alta [i, u].
Variáveis independentes
As variáveis independentes controladas dizem respeito a, de um
lado, variáveis linguísticas ou estruturais, como: (a) vogal da sílaba seguinte;
(b) contexto fonológico seguinte; (c) contexto fonológico precedente; e
(d) contiguidade da pretônica em relação à tônica (distanciamento da
tônica), de outro lado, a variáveis extralinguísticas ou sociais, como: (a)
idade; (b) sexo.
O target
Para estabelecer o target de aquisição, foi necessário recorrer aos
dados de um estudo prévio desenvolvido por Vogeley e Hora (2008)
sobre o emprego das vogais pretônicas no dialeto de Recife, cujos dados
foram coletados utilizando o mesmo instrumento de eliciação de fala e
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
foram também analisados na perspectiva da teoria variacionista laboviana.
Esse estudo observou que, no dialeto recifense, as médias baixas
são muito mais frequentes que as médias altas, em posição pretônica,
independentemente da idade ou sexo. Em relação ao comportamento
variável das médias, diante de fatores que favorecem ou não a realização
de cada vogal, os resultados mostraram que as médias são realizadas,
prioritariamente, como médias baixas, em casos de neutralização ou
mesmo de harmonia, ou como altas, resultantes de um processo de
elevação, nos casos de harmonia vocálica, o que significa dizer que as
crianças optaram pelas variações: média
alta ou média
média baixa,
mas, raramente, realizaram a média alta. As médias altas só foram realizadas
em contextos super facilitadores, pois só ocorreu em casos diante de
vogais médias fechadas, na sílaba seguinte, como no caso da palavra sorvete
s[o]rv[e]te, cebola
c[e]b[o]la.
Esse estudo preliminar ajudou a traçar um perfil sociolinguístico,
no que se refere ao comportamento variável das vogais médias pretônicas
no dialeto investigado, e será utilizado como parâmetro comparativo, em
termos de alvo de aquisição. Isso porque o período de aquisição de
linguagem pode refletir o falar de toda uma região geográfica,
obedecendo aos fatores internos que condicionam a variação,
caracterizando a variante de toda a comunidade.
3. Análise e discussão dos resultados
A análise dos dados tem como objetivo observar a variação das
vogais médias pretônicas em crianças recifenses, no percurso de aquisição
fonológica. Acredita-se que esses dados podem revelar de que forma a
variação observada na comunidade adulta é possível em crianças.
Do conjunto de fatores controlados, apenas foram selecionados
como significativos para o estudo: vogal seguinte e contexto fonológico
seguinte. É deles que a discussão a seguir dará conta. Vale destacar que
os dois fatores sociais controlados (sexo e idade) não foram selecionados,
mesmo com o controle de ambos em todas as células.
3.1 Vogal da sílaba seguinte
Como pode ser observado, nas Tabelas 1 e 2, foi mais frequente
o uso da variante média baixa [, n] e da variante alta [i, u], decorrente
tanto de um processo de redução como de harmonia, havendo
pouquíssimos casos da média alta [e, o], cuja ocorrência está condicionada
à presença de uma vogal média alta na sílaba seguinte.
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VOGAL SEGUINTE
Baixa
N
%
Média Alta
15
6
Média Baixa
176
68
Alta
68
26
Total
259
%
24
Nasal
N
%
1
0
127
67
60
32
188
18
Média Alta
N
%
143
49
2
1
147
50
292
27
Média Baixa
N
%
1
1
115
73
42
26
158
15
Alta
N
%
42
26
1
1
118
73
161
15
Total
N
%
202
19
421
40
435
41
1058
*Resultado distribucional (No Recode)
Emprego da média pretônica
N
%
Alta
435
41
Média baixa
421
40
Média alta
202
19
Total
1058
100
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(1)
[ ]l[ ]fante
t[ ]l[ ]visão
m[ ]ancia
p[ ]fume
v[ ]sario
p[ ]sada
s[ ]lula
t[ ]cado
(2)
p[u]liça
c[u]uja
t[u]mate
j[u]elho
f[u]guete
[i]spelho
[i]scada
p[i]queno
m[i]nina
[i]stea
67
s[ ]la
j[ ]rnal
s[ ]fá
pic[ ]lé
ch[ ]c[ ]late
vi[ ]lã
p[ ]p[ ]ta
m[ ]lango
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Artigos Inéditos
O emprego das vogais médias pretônicas baixas [, n] foi mais
produtivo quando havia a vogal baixa [a] na sílaba seguinte, com peso
relativo .87. Isso quer dizer que das 421 ocorrências da vogal média
pretônica baixa, 176 ocorrências foram diante de uma vogal baixa. Os
outros dois contextos vocálicos seguintes mais favoráveis ao emprego da
média baixa pretônica foi a vogal nasal seguinte, com peso relativo .86, e
a vogal média baixa seguinte, com peso relativo .81. Ou seja, das 421
ocorrências da vogal média pretônica baixa, 127 foram seguidas de uma
vogal nasal e 115 foram seguidas de uma média baixa.
A nasalidade da vogal seguinte mostrou-se um contexto fonológico
favorável ao emprego da média baixa e isso merece uma atenção em
estudos futuros, no sentido de observar se apenas a baixa nasal interefere,
caracterizando um processo de harmonia, ou se é mesmo o traço [+nasal]
que engatilha a média baixa, como aparece em melancia ‘m[]lancia’,
‘p[]rfume’ e ‘pr[]sente’.
De uma maneira geral, o emprego da média baixa foi determinado
não só pela presença da nasal, mas pela presença da vogal baixa [a] ou de
uma média baixa na sílaba seguinte, como já foi referido anteriormente
na análise distribucional, a exemplo de palavras como ‘c[n]cada’,
‘b[n]lada’, ‘pic[n]lé’, ‘t[]l[]fone’ e ‘t[]clado’.
Pode-se, com base nisso, afirmar que o emprego da vogal média
baixa em posição pretônica é condicionado pela vogal baixa, média baixa
e nasal seguinte, podendo estar relacionada, também, a um processo de
harmonia vocálica.
Houve pouquíssimos casos em que a variação se deu entre as médias
baixas e as médias altas, ou uso exclusivo da média alta, como em (3).
(3)
v[e]rm[e]lha
t[e]lh[a]do
s[o]rv[e]te
r[e]p[o]lho
b[o]b[o]leta ~ b[n]rb[o]leta
l[e]ão ~ l[]ão
Embora as crianças usem, sistematicamente, as médias baixas e as
vogais altas, caracterizando um processo de elevação em posição pretônica,
poucos são os casos com a média alta. E os que ocorreram sempre foram
como resultado de um processo fonológico, principalmente de harmonia
vocálica.
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
O emprego da vogal média alta em posição pretônica foi bem
menos produtivo, com apenas 202 ocorrências, o que equivale a 19% das
ocorrências totais das vogais médias pretônicas. O uso da média alta
pretônica mostrou-se ser condicionado pela vogal média alta seguinte.
Isso quer dizer que, do total de 202 ocorrências para a vogal média alta,
143 foram seguidas de vogal média alta. Poucos casos do emprego da
média alta pretônica foram influenciados pela vogal alta seguinte.
O cruzamento dos dados permitiu verificar a interferência da vogal
da sílaba seguinte no processo relacionado à pretônica. O emprego da
média alta foi condicionado sempre por um processo de harmonia com
a vogal média alta na sílaba seguinte, com frequência de 49%, como no
caso das palavras ‘s[o]rvete’, ‘r[e]polho’, ‘v[e]rmelho’ e ‘c[e]bola’, cujo
comportamento foi categórico.
Os únicos casos em que a vogal baixa [a] apareceu como fator
condicionante da realização da média alta foi na palavra ‘t[e]lhado’, com
resultado categórico. Em palavras como ‘teclado’ e ‘sofá’, a produção era
sempre de uma média baixa. Isso pode ser justificado ou pela líquida
palatal (Wetzels, 1992), ou pela etimologia da palavra ‘telhado’, que tem
uma estrutura derivada morfologicamente da palavra ‘telha’, preservandose, assim, a vogal média fechada, ainda que diante de uma vogal baixa.
De acordo com Schwindt (1995; 2002), o processo de harmonia
vocálica, assim como outros processos vocálicos, pode ser motivado por
questões de ordem morfológica. Considerando que a morfologia é o
componente que trata da estrutura interna das palavras, não se pode deixar
de defender sua estreita interface com a fonologia. E, assim, pode-se pensar
em um caso de difusão lexical.
No entanto, com base nos fatores escolhidos pelo programa como
significativos, acredita-se que o emprego dessa vogal média alta pretônica,
nesse contexto, se trata de um processo de ordem fonológica, a partir das
ligações múltiplas da líquida palatal, provocando espraiamento, conforme
a proposta de Wetzels (1992).
Como foi dito anteriormente, as variantes mais empregadas,
envolvendo o comportamento variável das vogais médias pretônicas, foram
as médias baixas e as altas, resultados de processos de elevação, sendo
quase equiparados, com uma pequena diferença de maior ocorrência
para a elevação.
É interessante observar que, como esperado, as produções das altas
[i, u] em posição pretônica, no processo de elevação ou de harmonia, foram
frequentes quando, na sílaba seguinte, estava presente uma vogal média alta
(.98) ou uma vogal alta (.98), como ilustram os exemplos em (4).
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Artigos Inéditos
(4)
v[i]tido
p[i]pino
[i]pelho
[i]cova
c[u][u]ja
c[u]zinha
f[u]miga
m[u]chila
j[u]elho
f[u]guete
p[i]queno
t[i]zoa
Assim, a aplicação da regra de alteamento ou elevação foi
condicionada, na maioria das vezes, pelo processo de harmonia vocálica,
como ocorre em perigo > pirigu. Mas, além dos casos motivados pela vogal
alta seguinte, caracterizando processos de harmonia vocálica, houve
também casos de elevação, seguidos de vogal média alta e até mesmo de
vogal baixa, como nos exemplos em (5).
(5)
t[u]mate
f[u]gã
b[u]neca
c[u]lé
b[u]lacha
t[u]alha
[i]scola
[i]cova
Esses casos podem ter motivações diferentes, considerando, por
exemplo, a consoante seguinte e a consoante precedente, como será
referido a seguir, na análise do contexto fonológico seguinte. Diferentes
da harmonia vocálica, esses casos podem caracterizar um processo de
redução vocálica, com outros condicionamentos de natureza fonética.
Há, ainda, um caso interessante em que não houve elevação, ainda
que o contexto fosse favorecedor para tal processo. A palavra “Recife”,
pelo fato de ter, no contexto vocálico seguinte, uma vogal alta, deveria
sofrer um processo de elevação na sua média pretônica. Onze das doze
crianças, entretanto, apresentaram a forma ‘R[e]cife’, com média alta
[e].
Isso pode dever-se à amostra ser pequena ou por ser composta
apenas por crianças, uma vez que se observa, nessa comunidade, adultos
realizarem a elevação da pretônica, cuja explicação encontraria respaldo
na própria estrutura da palavra, cuja vogal tônica é uma alta. Resta, então,
a sugestão de observar essas questões em uma amostra que contemple
crianças, adultos e idosos, para perceber a variação e a possível mudança.
Uma outra possibilidade de explicar a categoricidade voltada para esta
palavra seria entender como um caso de difusão lexical.
É importante destacar que, na palavra “borboleta”, houve o
emprego da pretônica média baixa, bem como da média alta, havendo,
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
assim, a possibilidade de aparecerem as duas formas concorrentes, com
a média baixa e com a média alta. No entanto, vale salientar que sempre
que a pretônica era realizada como média baixa, a pré-pretônica também
o era, assim sempre funcionando em conjunto as pretônicas.
Em casos como []l[]fante, t[]l[]fone e ch[n]k[n]late, não há
‘abaixamento’ enquanto processo fonológico, mas há o emprego da média
baixa, sem aplicação de qualquer processo. A ideia é que ou a criança
mantém a média baixa subjacente (sistema especificado para o dialeto
recifense) ou aplica a regra de harmonia. Quando a regra de harmonia
é aplicada, o fenômeno ocorre em cadeia, até a borda esquerda da palavra.
Pode-se pensar ou que a criança revela a representação da pretônica como
um chunk3, ao invés de duas sílabas pretônicas independentes, ou como
duas sílabas, aplicando duas vezes a mesma regra, encadeada. Isso quer
dizer que, se em uma palavra como ‘chocolate’ ou ‘televisão’, houver o
emprego da média baixa pretônica contígua à tônica, haverá também o
emprego da variante média baixa pretônica que antecede a pretônica
mais próxima da tônica.
Apresentada a análise para a vogal da sílaba seguinte, a seguir será
tratado o contexto fonológico seguinte.
3.2 Contexto fonológico seguinte
De acordo com as Tabelas 4 e 5, observa-se um forte
condicionamento das líquidas no emprego da média baixa pretônica.
Esse condicionamento também foi verificado em pesquisa com adultos,
sobre a variante falada no Rio de Janeiro, como revelam os resultados do
estudo de Callou e Leite (1986).
3
Unidades linguísticas, como unidades fonológicas, palavras e estruturas sintáticas
cristalizadas, enquanto agrupamentos armazenados no léxico.
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Artigos Inéditos
Tabela 4. Frequência das pretônicas de acordo com o contexto
consoante seguinte4
CONSOANTE SEGUINTE
Média Alta
Média Baixa
Elevada
Total %
Fricativa [+coronal]
N
%
39
19
39
19
128
62
206 19
Fricativa [-coronal]
N
%
36
22
88
55
36
22
160 15
Plosivas e nasais [-coronal]
N
%
33
47
14
20
23
33
70 7
Vogal
N
%
5
5
51
57
34
38
90 8
Plosiva [+dorsal]
N
%
3
3
38
44
46
53
87 8
Apagamento
N
%
43
21
71
35
88
43
202 19
Plosivas e nasais [+coronal]
N
%
16
21
15
20
44
59
75 7
Líquida
N
%
27
16
105
62
36
21
168 16
Total
N
%
202
19
421
40
435
41
1058
A outra classe de consoantes que foi favorável, enquanto contexto
fonológico seguinte à realização da pretônica como média baixa, foi a
das fricativas [-coronal].
4
Nesta tabela, temos a frequência das três variantes pelo fato de o Programa não rodar
com variável ternária o peso relativo, diferente da Tabela 5, em que temos apenas o
peso relativo referente a duas variantes: alta e média baixa. A Tabela 4 indica que as
variantes mais frequentes são: alta e média baixa, concorrendo entre si.
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(6) a.
m[u ]ila
t[iz]ora
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(6) b.
[i ]tada ~ [i]tada
[i ]cada ~ [i]cada
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Artigos Inéditos
a pretônica se encontra, embora não tenha sido estabelecido como variável
neste estudo. No entanto, vale ressaltar que, de acordo com Marques (2006),
o tipo de sílaba CVC, com a coda /R/ e /S/, é favorável ao abaixamento, ou
seja, propicia a aplicação da variante pretônica baixa. Os dados desse estudo
concordam em parte com esse achado, visto que a coda CVR demonstrou
ser facilitadora do abaixamento, como nas palavras ‘j[n]rnal’ e ‘p[n]rfume’,
mas a sílaba do tipo CVS não foi significante nesse processo. Isso porque a
coda /S/, no dialeto recifense, recebeu uma pronúncia absolutamente [anterior], decorrente da palatalização comum deste dialeto. Além disso, notase, nas crianças, um constante processo de apagamento de coda, contribuindo
para que os dados se relacionassem a uma estrutura CV, que constitui um
padrão de estrutura silábica menos marcado e, logo, utilizado com mais
facilidade pelas crianças no período aquisitivo estudado.
Assim, em relação ao processo de elevação por redução, o tipo de
sílaba mais favorecedor foi o CVS e o VS, como o esperado, uma vez que
a coda realizada como palatal, na cidade do Recife, condiciona mais ainda
a aplicação da regra de alteamento.
Foi muito interessante esse dado da interferência das palatais
(fonéticas) na aplicação da elevação, especialmente em termos de
contribuição para a fonologia clínica, visto que, em terapias com crianças
diagnosticadas com desvios fonológicos, na clínica fonoaudiológica, já se tem
evidências empíricas acerca dessa relação. Crianças com problemas no traço
posterior, presente nas palatais, ou seja, com processos de anteriorização (do
tipo chocolate > socolate e janela > zanela) têm mais facilidade em conseguir
a produção da palatal se essa estiver seguida de uma vogal alta e/ou precedida.
No caso do vocábulo “muchila”, esse contexto é duplamente favorecedor,
mostrando-se, assim, a co-interferência entre palatais e vogais altas (elevação),
ou seja, tanto a vogal alta favorece a palatal, quanto a palatal condiciona a
elevação da média, como se vê na representação na Figura 1.
Esse fenômeno de elevação ou alçamento, com uma consoante
palatal adjacente, é justificado pela geometria dos traços de Clements &
Hume (1995), visto que, nesse processo, há um espraiamento do nó
terminal de abertura dominado pelo nó vocálico da consoante palatal,
interpretada como uma consoante com articulação secundária; regra,
assim, idêntica à da tradicional harmonia vocálica (Bisol, 1989).
A realização da média alta [e, o] teve relação com as fricativas na
sílaba seguinte, sejam elas [+coronal] ou [-coronal] e, principalmente,
com o processo de apagamento, embora este tenha sido mais favorecedor
à elevação. Poucos foram, no entanto, os casos de realização da média
alta, como em (7).
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
[-ab3]
[-anterior]
[-ab3]
Figura 1 . Espraiamento e interferência das palatais na aplicação
da elevação
(7)
r[e]vista
s[o]vete
j[e]sus
Há, como se vê, algumas consoantes que favorecem mais a elevação
das médias, como é o caso das nasais e palatais. Se a consoante seguinte
favorece a presença da média alta é algo que precisa ser averiguado com
mais cautela, pois em muitos casos ela pode estar condicionada muito
mais pelo traço da vogal da sílaba seguinte, principalmente se essa for a
tônica, como é o caso de ‘s[o]rvete’. Casos como ‘r[e]vista’ e ‘j[e]sus’,
não raramente, podem ter as vogais pretônicas elevadas.
4. Considerações finais
Em função do que se observou na análise, pode-se concluir que a
criança recifense reflete em sua fala o mesmo processo de variação
encontrado no adulto, exceto em alguns casos que poderiam refletir um
processo de difusão lexical, a exemplo do uso recorrente da palavra ‘Recife’,
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Artigos Inéditos
em que a média alta é a mais utilizada. Independentemente disso, a variação
encontrada entre crianças no processo de aquisição denota que o processo
de transmissão é fundamental no delineamento do perfil linguístico em
qualquer faixa etária. Com isso, a vogal média pretônica baixa, para muitos
aberta, é ratificada como a variante mais produtiva entre os nordestinos.
Outro aspecto interessante que este estudo revela diz respeito ao
desencadeamento do processo de harmonia entre essas mesmas crianças.
Enquanto, no sul do Brasil, a vogal alta é a grande responsável pela sua
realização, no dados de Recife, qualquer vogal poderá desencadeá-lo.
Esse estudo, portanto, traz mais esclarecimentos para a
compreensão do comportamento das vogais médias pretônicas, segmentos
tão analisados e discutidos na litetatura que trata do português brasileiro.
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Aquisição e variação das vogais médias pretônicas
Resumo
O sistema vocálico pretônico do português é alvo de
processos fonológicos, como neutralização, harmonia
vocálica e redução. Os estudos sobre as pretônicas, no
Brasil, são mais voltados para a variação, que para a
aquisição. No entanto, é necessário observar a aquisição
desses segmentos em crianças de situações dialetais
distintas, analisando como ocorre a variação na
aquisição. Considerando a hipótese de que a aquisição
da variação social é possível em crianças, o objetivo
deste estudo é investigar o comportamento variável das
vogais médias pretônicas, no processo de aquisição, em
crianças da cidade do Recife–PE. A amostra desta
pesquisa foi constituída por dezesseis crianças, com
idades entre 0:10;19 e 4 anos, sendo quatro observadas
de forma longitudinal e doze, transversal. Para a
eliciação da fala, foi feita atividade de nomeação, através
de um instrumento com 86 vocábulos balanceados,
considerando as possibilidades de neutralização,
redução e harmonia. Os dados transversais foram
analisados com a utilização do pacote estatístico
Goldvarb. Quanto aos processos fonológicos, o mais
comum foi o de assimilação, tanto no caso da harmonia,
como de redução, este com menor ocorrência. A
harmonia domina todos os outros processos,
considerando que ocorre não apenas entre as vogais
médias pretônicas e altas da sílaba tônica.
Palavras-chave: aquisição, variação, vogais médias
pretônicas.
Abstract
The portuguese pretonic vowel system is the target of
some phonological processes such as neutralization,
harmony and vowel reduction. Studies about pretonic
vowels, in Brazil, are more focused on the variation
than on the acquisition. Although children do not have
difficulties in the acquisition of vowels, it is possible to
note the acquisition in children from different dialectal
situations, analyzing how the variation occurs in the
acquisition. Assuming that the acquisition of social
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Artigos Inéditos
variability is possible in children, the aim of this study
is to investigate the variable behavior of middle
pretonic vowels in the phonological acquisition, in
children of Recife–PE. The sample of this study
consisted of sixteen children, aged 0:10; 0:19 to 4 years,
four observed on a longitunal design and twelve on
cross-sectional one. For the elicitation of speech, a test
which requested the identification of objects including
86 balanced words was applied, considering the
possibilities of neutralization, reduction and harmony.
Data were recorded and transcribed. The cross-sectional
data were analyzed using the statistical package Goldvarb.
The most common phonological process was the
assimilation, both in the case of harmony and reduction.
Harmony dominates all other processes, considering
that it occurs not only between the middle and high
vowels of the stressed syllables.
Keywords: acquisition, variation, middle unstressed
vowels.
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na
fala popular urbana do Rio de Janeiro
Danielle Kely Gomes1
1.
Introdução
Apesar de, no âmbito do português do Brasil,
haver um número bastante considerável de pesquisas
sobre a variação no vocalismo átono, observa-se que
há um predomínio considerável de investigações que tratam da análise
do contexto pretônico e um volume menor de estudos que descrevem as
vogais postônicas, sobretudo as átonas não-finais. Uma das razões para as
vogais átonas não-finais serem a “primas-pobres” dos estudos do vocalismo
português se deve ao seu contexto de realização: são as primeiras vogais
átonas das palavras proparoxítonas, o padrão acentual menos produtivo
da língua. O contexto postônico não-final é bastante particular, pois, além
dos fenômenos de neutralização, nota-se a ocorrência do cancelamento
da vogal.
Este estudo procura contribuir para a descrição do contexto átono,
focalizando a síncope da vogal postônica não-final, um fenômeno que
leva à regularização de vocábulos proparoxítonos ao padrão acentual
paroxítono (árvore > arvre, cócegas > cosca, pétala> petla, sábado > sabo),
considerado na fala popular urbana do Estado do Rio de Janeiro.
Assim, neste trabalho, propõe-se investigar a frequência do
processo de apagamento da vogal átona não-final das proparoxítonas no
PB e a correlação entre os fatores linguísticos e extralinguísticos atuantes
1
Aluna do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
(Área de concentração: Língua Portuguesa) e Bolsista da CAPES.
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Artigos Inéditos
no fenômeno – a partir de uma análise com base nos princípios teóricometodológicos da Teoria da Variação e Mudança (Weinreich, Labov e
Herzog, 1968; Labov, 1972, 1994, 2003; Mollica e Braga, 2003). O corpus
em análise é composto por vinte e cinco inquéritos da Amostra Censo-80,
do Programa de Estudos sobre os Usos da Língua (PEUL). Nas seções
que seguem, serão apresentadas uma breve contextualização do fenômeno
– que é produtivo desde períodos anteriores na história de nossa língua
–, as especificidades das palavras com acento na antepenúltima sílaba, os
objetivos e as hipóteses norteadores da pesquisa, a metodologia empregada
e a análise dos resultados.
2. Uma contextualização do fenômeno
A supressão da vogal postônica não-final é um fenômeno atuante
desde o latim e ocorre, com bem assinala Nunes (1956, p. 66), graças a
uma tendência geral da língua de “evitar os proparoxítonos”. Williams
(1961, p. 64) chama a atenção ao fato de que o apagamento da vogal
postônica não-final era fortemente influenciado pelo ambiente fonético
adjacente à vogal, sendo que a presença das consoantes l, m, n e r favorecia
a queda da vogal átona não-final. Coutinho (1976, p. 106-107) aponta,
ainda, como contexto favorecedor para o apagamento da vogal átona
medial, o fato de ela estar entre uma consoante oclusiva e uma lateral ou
vibrante (oculus > oclus; socerus > socrus).
No português arcaico (do século XII ao XIV), raras eram as
palavras proparoxítonas, à exceção de vocábulos semieruditos
pertencentes à liturgia, ao direito e à medicina. Foi o movimento
renascentista o responsável pela reintrodução de alguns vocábulos
proparoxítonos na língua portuguesa, sendo a maior parte deles
empréstimos diretos do latim clássico e palavras emprestadas do
vocabulário grego adaptadas ao latim.
Hodiernamente, os vocábulos eruditos ainda constituem grande
parte das palavras proparoxítonas. Em vocábulos de uso comum, como
árvore, óculos e ônibus, se observa a queda de segmentos no interior dessas
palavras, reduzindo-as a paroxítonas, o padrão acentual mais comum na
língua portuguesa, resultando em formas como arvre (arve), oclus e ombus.
Apesar de o fenômeno ser reconhecido por linguistas brasileiros,
a verificação da sistematicidade da síncope em proparoxítonas foi e ainda
é pouco investigada. O primeiro trabalho de cunho sociolinguístico,
correlacionando a síncope a variáveis linguísticas e sociais, foi o de Head
(1986), que verifica o comportamento das proparoxítonas em cartas do
Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB). Caixeta (1989), a partir da recolha
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
de palavras proparoxítonas em diversos corpora orais, propõe uma tentativa
de descrição do comportamento desses vocábulos. Aguilera (1996)
investiga as proparoxítonas em cartas do Atlas Linguístico do Paraná
(ALPR). Aragão (1999) observa a realização das proparoxítonas na fala de
Fortaleza; Amaral (2000, 2002), na fala de informantes da zona rural de
São José do Norte (RS); Ximenes (2005) observa a produtividade do
fenômeno na fala de Rio Verde (GO); Silva (2006), na comunidade de
Sapé (Paraíba); Lima (2008), em variedades do sudoeste de Goiás e Ramos
(2009), no noroeste paulista. Cardoso (2007) procura postular uma
tipologia para o apagamento da vogal postônica não-final, a partir da
análise dos vocábulos proparoxítonos catalogados nos atlas linguísticos
que já foram publicados. Observa-se, a partir da lista fornecida acima, que
ainda há muito que investigar sobre o comportamento das proparoxítonas.
A síncope é resultado da supressão de segmentos no interior dos
vocábulos. Tomam-se como ponto de partida os processos gerais de
síncope que promovem a redução das palavras proparoxítonas a
paroxítonas. Desta forma, duas possibilidades de síncope são consideradas:
(a) perda da vogal postônica não-final - óculos > oclus, abóbora >
abobra, mínimo > minmo, título > titlo, chácara > chacra.
(b) perda da vogal postônica não-final e da consoante que a segue
– fígado > figo, relâmpago > relampo, exército > exerso.
Nos dois casos, uma vez suprimida a vogal postônica não-final, a
estrutura silábica também sofre alterações: em (a), a perda da vogal resulta
na formação Consoante – Consoante – Vogal: ó.cu.los > o.clos. Em (b), os
vocábulos resultantes da queda da consoante postônica não-final sofreram
outro processo de síncope, já que a queda da vogal produziu uma estrutura
que viola as regras fonotáticas da língua portuguesa, gerando sílabas com
estruturas não aceitas pelo Princípio de Sequenciamento de Soância2
(PSS): re.lâm.pa.go > *re.lam.p.go > re.lam.po .
3. Especificidades do acento proparoxítono
A tradição gramatical reconhece que, com relação ao acento
tônico, as palavras da língua portuguesa podem ser divididas em três
grupos: as oxítonas, cujo acento recai na última sílaba (café, urubu etc.); as
2
Clements (1990) define tal princípio como uma escala de soância, de acordo com
a qual os segmentos com a posição mais alta tendem a ocupar o núcleo da sílaba, e
os segmentos com a posição mais baixa tendem às margens. A escala segue a seguinte
ordem: Obstruintes > Nasais > Líquidas > Glides > Vogais, o que indica serem as
obstruintes os sons menos soantes e as vogais, os mais soantes.
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Artigos Inéditos
paroxítonas, em maior número, cujo acento recai na penúltima sílaba
(ônix, sorte etc) e as proparoxítonas, cujo acento recai na antepenúltima
sílaba (psicólogo, horóscopo, âncora etc.). Uma particularidade gráfica marca
as palavras proparoxítonas: todas recebem acentuação gráfica, enquanto
a exigência ou não de acento para as outras duas classes obedece a uma
série de convenções.
As gramáticas da língua portuguesa só fazem menção ao fato de
todas as proparoxítonas serem acentuadas graficamente. Não há referências
ao fato de que, na modalidade oral, essas palavras podem perder o caráter
proparoxítono, passando a paroxítonas. Somente Mira Mateus et. al. (2003,
p. 1051), em nota, reconhecem a possibilidade de as proparoxítonas se
igualarem às paroxítonas. De acordo com as autoras:
A normalização destas formas, levando à acentuação da última
vogal do radical, manifesta-se em certos registos de língua, com
a alteração de algumas palavras excepcionais que passam a
regulares (exs: árvores/arves; quilómetro/quilontro) e com a
hesitação na pronúncia de outras (exs. rúbrica/ru’brica; oceania/
ocea’nia).
Uma justificativa para o fenômeno da síncope em proparoxítonas
não ser investigado por estudos gramaticais tradicionais deve-se à correlação
muito comum feita entre o fenômeno da supressão e sua produtividade em
dialetos populares, isto é, toma-se a síncope como um fator de diferenciação
diastrática que separa, de um lado, as variedades de prestígio, não propensas
à realização da supressão da vogal postônica não final, e, de outro, as variedades
populares, que regularizam as proparoxítonas em paroxítonas por força do
acesso restrito aos meios escolares.
Outra questão que afeta os estudos acerca das proparoxítonas está
ligada à produtividade lexical dos itens que se enquadram nesse perfil
acentual: o acento na antepenúltima sílaba. As proparoxítonas constituem
o conjunto que apresenta o padrão acentual menos usual da língua
(desconsiderando-se as palavras biesdrúxulas3, consideradas não-prototípicas).
Some-se a isso o fato de que a maior parte das proparoxítonas se restringe
a termos técnicos e pouco produtivos, sendo raros os termos que persistem
ainda hoje no vocabulário usual dos falantes.
3
Alguns estudos denominam as palavras biesdrúxulas de anteproparoxítonas, por
apresentarem o acento na sílaba anterior à antepenútima. Temos exemplos de
biesdrúxulos em português no âmbito do vocábulo fonológico, como em falávamos-te.
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
Araújo et al. (2007, p. 37-38) realizaram um levantamento do
vocabulário do português contabilizando todos os verbetes do Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa. Os autores chegaram a um total de 150.875
palavras, das quais 18.413 são termos proparoxítonos, o que equivale a
somente 12% do total4. A tabela a seguir aponta o percentual de vocábulos
para cada vogal postônica não-final.
Tabela 1: Distribuição das proparoxítonas considerando a
natureza5 da vogal postônica não-final (Araújo et. al., 2007, p. 58)
/i/
65,5%
/e/
9,7%
/a/
10,9%
/o/
10,5%
/u/
3,6%
Os autores ainda observam as probabilidades de apagamento das
vogais postônicas não finais em função do contexto fonético, como aponta
a tabela 2.
Tabela 2: Distribuição das proparoxítonas considerando a
possibilidade de apagamento da vogal postônica não-final (Araújo et. al.,
2007, p. 58)
/i/
28%
/e/
70%
/a/
49%
/o/
38%
/u/
81%
Pela configuração da tabela acima, observa-se que, apesar de os
proparoxítonos com vogal postônica medial /i/ constituírem o maior
número de itens lexicais com esse padrão acentual, somente em 28%
deles a queda da vogal não causa prejuízos à estrutura silábica do vocábulo,
uma vez que a consoante que acompanha essa vogal pode se anexar ou
ao onset da sílaba átona, ou à coda da sílaba tônica. Através dessa pequena
amostragem, observa-se o comportamento idiossincrático das palavras com
acento na antepenúltima sílaba e justifica-se a investigação desse parâmetro
acentual, tendo em vista contribuições para a descrição fonológica da
língua portuguesa.
4
As paroxítonas, padrão acentual canônico do português, representam 63% desse
conjunto e as oxítonas, 25%.
5
Os autores consideram a natureza gráfica da vogal postônica não-final, e não a
realização desse segmento.
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Artigos Inéditos
4. Objetivos
Com base na análise de inquéritos extraídos de um corpus que
retrata a realidade da fala popular urbana do Rio de Janeiro, esta pesquisa
investiga:
(a) a produtividade do fenômeno de síncope da vogal postônica
não-final e
(b) a coatuação de condicionamentos linguísticos e sociais para a
aplicação da regra de apagamento da vogal átona não-final e,
consequentemente, a regularização das palavras proparoxítonas em
paroxítonas.
5. Hipóteses
Toma-se por hipótese que a síncope da vogal postônica não-final
é um fenômeno bastante produtivo na fala popular urbana do Rio de
Janeiro. Dessa forma, o propósito é verificar como os condicionamentos
sociais e linguísticos atuam na realização do fenômeno.
Dentre os condicionamentos linguísticos que atuam na aplicação
da regra de apagamento da vogal postônica não-final, são consideradas as
seguintes hipóteses:
I. os contextos adjacentes à vogal postônica não-final são decisivos
para a ocorrência do fenômeno: são mais frequententemente elididas as
vogais cujas consoantes que as acompanham possam ser ressilabificadas –
seja na coda da sílaba tônica, seja no onset da sílaba átona final.
A tendência à síncope de segmentos vocálicos átonos em
proparoxítonos que sejam acompanhados de consoantes ressilabificáveis
não é uma inovação do português. Alguns autores citados neste trabalho
apontam que a queda da vogal postônica não-final já é um fenômeno
produtivo desde o latim vulgar. A título de ilustração, Coutinho (1976, p.
107) destaca que no latim vulgar – apontado por alguns estudiosos como
uma língua que evita ao máximo formas com acento na antepenúltima
sílaba – sistematicamente ocorria a queda da vogal postônica não-final
nos seguintes contextos:
a. depois de uma consoante oclusiva e diante de uma consoante
lateral ou vibrante: oc[u]lus > oclus; masc[u]lus > masclus; alt[e]ra > altra;
b. entre uma labial e outra consoante: dom[i]nus > domnus; lamina
> lamna;
c. entre uma vibrante ou lateral e outra consoante: vir[i]dis > virdis;
cal[i]dus> caldus;
d. depois de -s e antes de outra consoante: pos[i]tus > postus.
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
Em todos os casos citados, as palavras proparoxítonas se adequam
ao padrão paroxítono a partir da síncope da vogal postônica não-final e
a anexação da consoante que a acompanha, seja à coda da sílaba anterior
(casos c e d), seja ao onset da sílaba átona final (casos a e b). A comprovação
desta hipótese remete ao princípio do uniformitarismo, formulado por
Labov (1972, 1994), que dá conta da relação existente entre processos de
variação e mudança linguística no atual estágio de língua e em estágios
anteriores: os mesmos condicionamentos linguísticos atuam em momentos
diferentes de uma mesma língua.
II. a estrutura da sílaba tônica condiciona o comportamento da
sílaba átona não-final: sílabas tônicas abertas, constituídas por consoantevogal, favorecem o apagamento da vogal postônica e permitem a fixação
da consoante que a precede na coda da sílaba anterior, resultando na
estrutura consoante-vogal-consoante para a sílaba acentuada;
III. vocábulos proparoxítonos polissilábicos reduzem-se mais do
que os proparoxítonos trissilábicos;
IV. nomes comuns apresentam um índice de apagamento maior
do que os nomes próprios, adjetivos e verbos.
Do ponto de vista da atuação dos parâmetros sociais, parte-se do
princípio de que:
I. a supressão da vogal postônica não-final é um fenômeno de
baixo prestígio social. O comportamento dos informantes do gênero
feminino comprovaria o estigma do processo, porque se espera que as
mulheres tendam a aplicar menos a regra do que os falantes do gênero
masculino;
II. o apagamento da vogal postônica não-final é um fenômeno
estável, isto é, não se está diante de um processo que encaminhe à mudança
linguística. A estabilidade do processo seria comprovada a partir da atuação
da variável faixa etária do informante: os falantes mais jovens tendem a
aplicar menos a regra de síncope da vogal átona não-final, por estarem
mais em contato com as formas padrão e por demonstrarem uma
preocupação maior em adequar seus discursos às formas de prestígio.
Em situações de mudança, espera-se que a análise da variável faixa etária
aponte que a implementação da forma inovadora ocorre nos usos
linguísticos dos falantes mais jovens, enquanto os indivíduos mais velhos
utilizam formas linguísticas mais conservadoras.
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Artigos Inéditos
6. Amostra e metodologia
O corpus utilizado nesta pesquisa provém da Amostra Censo.
Constituída por pesquisadores do Programa de Estudos sobre os Usos da
Língua (PEUL), a amostra é um banco de dados composto por entrevistas
com 64 informantes residentes em diversos bairros da área metropolitana
da cidade do Rio de Janeiro.
Neste trabalho são investigados vinte e cinco informantes, doze
homens e treze mulheres, distribuídos por três faixas etárias: 18 a 35 anos,
35 a 55 anos e mais de 56 anos. O grau de escolaridade dos informantes
neste corpus varia entre quatro e onze anos de escolarização, o que
compreende o primeiro e o segundo segmentos do ensino fundamental
e o ensino médio.
Nesta abordagem foram levantadas e codificadas 1317 ocorrências
de palavras proparoxítonas, analisadas a partir de uma variável dependente
que considerava três possibilidades:
(i) perda da vogal postônica não-final: É meu circlu todo é aqui.
(Seb09)
(ii) perda da vogal postônica e da consoante seguinte: Devia de ter
meus dez anos, sempre gostei de mexer com velocipi, bicicreta, certo? (Edu07)
(iii) vocábulo em que não ocorre o apagamento: botaria fábricas(Sam01)
Todavia, dado o pouco número de ocorrências de vocábulos que
apresentassem dois processos de síncope – a da vogal postônica não-final
e a da consoante seguinte, com 39 dados, em um total de 1317 –, optouse por amalgamar em uma só variável dependente as duas formas de
apagamento de segmentos consideradas – exemplificadas em (i) e (ii).
Com o apoio do instrumental teórico-metodológico oferecido
pela Sociolinguística Variacionista (Weireinch, Labov e Herzog, 1968;
Labov, 1972, 1994, 2004), os 1317 dados extraídos da amostra considerada
foram submetidos a um tratamento estatístico – possível graças à
ferramenta GOLDVARB 2001 – com o propósito de observar a atuação
de condicionamentos linguísticos e sociais no apagamento da vogal
postônica não-final. Foram estabelecidas doze variáveis – nove linguísticas
e três sociais – para medir o efeito dos condicionamentos.
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
Tabela 3: Variáveis Investigadas
Variáveis Linguísticas
Variáveis Soc iais
ponto de articulação da vogal tônica;
ponto de articulação da consoante precedente à vogal postônic a não-final;
modo de articulação da consoante preced ente à vogal postônica não-final;
ponto de articulação da consoante seguinte à vogal postônica não- final;
modo de articulação da consoante seguinte à vogal postônica não-final;
natureza da sílaba tônica;
extensão do vocábulo;
classe gramatical do voc ábulo
ponto de articulação da vogal postônica não-final.
faixa etária;
gênero;
escolaridade.
7. Resultados
A tabela a seguir revela que condicionamentos foram
estatisticamente relevantes para o apagamento da vogal postônica nãofinal na fala popular urbana.
Tabela 4: Variáveis atuantes para o apagamento das vogais
postônicas não-finais – Amostra Censo 80 PEUL
Variáveis selec ionadas
Aplicação
Input da
regra
inicial:
de
seleç ão:
Significância
ponto de articulação da consoante seguinte a vogal postônica
modo de articulação da consoante seguinte a vogal postônica
ponto de articulaç ão da co nsoante precedente a vogal postônica
ponto de articulaç ão da vogal postônica
dimensão do vocábulo
modo de articulação da consoante precedente a vogal postônica
classe morfológica do vocábulo
faixa etária
gênero do informante
192/1317 = 14%
.146
.048
.000
Pode-se observar pela tabela acima que condicionamentos relativos
aos contextos fonéticos adjacentes à vogal postônica não-final – sobretudo
o ponto e modo de articulação da consoante seguinte – são fatores
preponderantes para a queda desse segmento. Nas linhas a seguir, será
discutido como atua cada um desses contextos. A discussão dos resultados
para a fala popular urbana levará em conta, primeiramente, os
condicionamentos linguísticos e, em seguida, os fatores sociais.
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Artigos Inéditos
7.1 Variáveis linguísticas
7.1.1 Ponto de articulação da consoante seguinte à postônica não-final
A hipótese que norteia a postulação desta variável é que as
consoantes alveolares, principalmente [] e [l], favorecem o apagamento
da vogal postônica não-final. Os contextos controlados e os resultados são
expostos na tabela a seguir:
Tabela 5: Ponto de articulação da consoante seguinte à postônica
não-final
labiais
(ônibus, último)
alveolares
(círculo, pérola)
velares
(época, médico)
Input: .048
APL/T
85/354
%
24%
PR
.85
86/342
25%
.59
15/603
2%
.25
Significância: 0,000
Os dados apontam como mais favorecedoras à queda da vogal
postônica não final as consoantes labiais (.85), seguidas das alveolares
(.59). Tal resultado contraria o que era esperado, já que consoantes labiais
não podem figurar como segundo elemento de um ataque complexo, ao
contrário das alveolares (sobretudo [] e [l]).
Entretanto, um olhar mais cuidadoso sobre os dados revela que
a maior parte dos vocábulos que apresentam uma consoante labial
seguinte à vogal postônica corresponde ao item lexical ônibus, o que, sem
dúvida alguma, contribuiu para o enviesamento dos resultados,
acarretando a não comprovação da hipótese. As velares, no corpus, não
apresentam um papel favorecedor (.22): única > unca.
7.1.2 Modo de articulação da consoante seguinte à vogal postônica nãofinal.
Historicamente, o apagamento de segmentos antes de consoantes
líquidas é uma tradição verificada em diversos pontos da história da língua
portuguesa (cf., por exemplo, as considerações de Coutinho, 1976). Assim,
parte-se do princípio de que a presença de consoantes líquidas no onset
da sílaba átona final favoreceria a queda da vogal postônica, uma vez que
tais consoantes podem se anexar tanto à coda da sílaba tônica, formando
o padrão CVC nesse contexto, quanto podem figurar como o segundo
elemento de um onset complexo, desde que haja no ataque da sílaba
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
postônica não final uma consoante obstruinte (oclusivas e fricativas labiais).
Os resultados para esse condicionamento estão expressos na tabela a seguir.
Tabela 6: Modo de articulação da consoante seguinte à vogal
postônica
obstruintes
(época)
nasais
(mínimo)
laterais
(óculos)
vibrantes
(abóbora)
Input: .048
APL/T
74/865
%
8%
PR
.50
41/268
15%
.31
54/95
56%
.67
17/78
21%
.80
Significância: 0,000
Os resultados parecem confirmar as expectativas em relação à
variável modo de articulação da consoante seguinte: as consoantes líquidas
(laterais e vibrantes) favorecem o apagamento da vogal postônica não
final (.67 e .80, respectivamente) As obstruintes e nasais aparecem como
contextos bloqueadores de aplicação da regra. Tais resultados vêm
corroborar a tese de que o apagamento da vogal postônica não-final,
culminando na regularização dos vocábulos proparoxítonos em
paroxítonos, é fortemente condicionado por licenciamentos na estrutura
fonotática da língua, sobretudo quando a queda do segmento vocálico
átono não-final possibilita a ressilabificação da consoante que o
acompanha.
7.1.3 Ponto de articulação da consoante precedente à vogal postônica
não-final.
Com essa variável, busca-se observar o comportamento da vogal
postônica não final em função do segmento consonantal que a acompanha.
Espera-se que nos contextos em que a queda da vogal postônica leva a
consoante a se anexar ou à coda na sílaba tônica ou, ainda, ao onset da
sílaba átona final, o apagamento da vogal seja favorecido. Já as consoantes
que não podem se ressilabificar nas sílabas tônica ou átona final não
favoreceriam a aplicação da regra. Os resultados são de vital importância
para a compreensão do fenômeno da síncope em proparoxítonas, como
se observa na tabela a seguir.
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Artigos Inéditos
Tabela 7: Ponto de articulação da consoante precedente à vogal
postônica não-final.
labial
(época)
alveolar
(título, pérola, cócegas)
palatal
(tínhamos, médico, último)
velar
(óculos, fígado)
Input: .048
APL/T
%
P.R
62/392
15%
.34
99/473
20%
.73
11/323
3%
.30
19/55
34%
.63
Significância: 0,000
A tabela aponta algumas correlações importantes para a
compreensão da importância do contexto fonético adjacente à vogal
postônica na tendência ao apagamento desse segmento. As consoantes
alveolares e velares se mostraram, como consoantes precedentes, mais
favorecedoras ao apagamento da vogal postônica (.67 e .62,
respectivamente).
A hierarquia talvez possa se explicar pelo fato de que o ponto de
articulação alveolar reúne consoantes que tanto podem se anexar à coda
da sílaba tônica (/S/, /N/ e /l/) quanto ao onset da sílaba átona (/t/ e
/d/), desde que haja nesse ambiente uma consoante líquida. As velares
têm seus contextos de ressilabificação restritos ao ataque da sílaba átona
final. Vale destacar que foram desconsiderados os contextos precedentes
constituídos de ataques complexos (fá.bri.ca, lá.gri.ma).
7.1.4 Natureza da vogal postônica não-final
Os trabalhos que investigam a relação entre aspectos linguísticos
e sociais no apagamento da vogal postônica não-final demonstram que
traços de articulação da vogal postônica medial são de vital importância
para a compreensão do fenômeno. Entretanto, as investigações realizadas
até aqui não indicam uma uniformidade na atuação desse parâmetro. O
objetivo, então, é investigar que vogal postônica não-final está mais sujeita
ao apagamento. As considerações estão representadas na tabela abaixo.
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
Tabela 8: Ponto de articulação da vogal postônica não-final
Dorsal
(xícara)
Labial
(cúmulo)
Coronal
(tímido)
Input: .048
APL/T
25/176
%
14%
P.R
.58
78/275
28%
.80
89/866
10%
.38
Significância: 0,000
Percebe-se, para os dados extraídos do corpus, que o maior peso
relativo (.80) se refere à vogal [u], sendo esta, portanto, a mais propícia
ao apagamento, seguida da vogal dorsal (.58). As coronais ainda se
estabelecem como um contexto de resistência para a aplicação da regra
(.38). A tendência verificada nos dados da Amostra Censo está de acordo
com o levantamento estatístico realizado por Araújo et. al. (2007). Os
autores, com base no levantamento das palavras proparoxítonas no
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, indicam que o [u] é a vogal
postônica não-final que apresenta o maior número de contextos favoráveis
à supressão.
7.1.5 Dimensão do vocábulo
A dimensão da palavra proparoxítona, medida em termos de
número de sílabas, foi verificada como um dos condicionamentos atuantes
no processo de apagamento da vogal postônica não-final. Parte-se do
princípio de que quanto maior o número de sílabas da palavra, maior a
probabilidade da síncope da vogal postônica. Os resultados para esse efeito
estão expressos na tabela abaixo.
Tabela 9: Número de sílabas da palavra
três sílabas
(óculos)
mais de três sílabas
(velo cípede)
Input: .048
APL/T
112/859
%
13%
P.R
.41
80/458
17%
.64
Significância: 0,000
93
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Artigos Inéditos
A tabela 9 mostra que as palavras com três sílabas tendem a manter
seu padrão, sendo mais conservadoras e inibindo a aplicação da regra
(.41). Os vocábulos polissílabos estão mais propensos ao apagamento da
vogal (.64).
Fica evidente que, no caso da redução de sílabas, fatores como
ritmo e velocidade de fala interagem para o apagamento de segmentos
no interior de palavras proparoxítonas. Tais fatores estão sendo
investigados com base em análises acústicas, que fornecem indícios de
como se dá a interação de parâmetros prosódicos na aplicação da regra.
7.1.6 Modo de articulação da consoante precedente à vogal postônica
não-final
Para complementar a investigação acerca da influência da
consoante que acompanha a vogal postônica não final na sílaba, observase agora a pertinência da variável modo de articulação da consoante
precedente. Espera-se que sejam favorecedoras do apagamento da vogal
postônica não-final as consoantes que possam se ressilabificar. Os
resultados estão na tabela abaixo.
Tabela 10: Modo de articulação da consoante precedente à vogal
postônica não-final
APL/T
%
P.R
Obstruintes
(bêbado)
116/849
13%
.52
Nasais
(número)
73/296
24%
.64
Laterais
(cólica)
1/58
1%
.06
Vibrantes
(América)
1/40
2%
.09
Input: 0.48
Significância:0,000
Mais uma vez, destaca-se a não uniformidade na atuação de uma
variável, em função do contexto envolvido. Os dados apontam o modo de
articulação da consoante anterior nasal como o contexto mais favorecedor
para a aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não-final
(.64), seguido do modo de articulação obstruinte (.52).
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
Nota-se que a hierarquia respeita as regras de organização dos
segmentos na sílaba, uma vez que tanto as obstruintes quanto as nasais
podem se reestabelecer em sílabas quando ocorre a queda da vogal
postônica não-final. Entretanto, deve-se considerar que, na amostra, a
consoante precedente nasal foi selecionada como a mais relevante por
conta das ocorrências da palavra ônibus. As laterais e vibrantes se mostraram,
nesse contexto, inibidoras da regra (.06 e .09, respectivamente).
7.1.7 Classe morfológica
A variável classe morfológica foi postulada para que fosse verificada
influência da categoria morfológica do vocábulo na aplicação da regra de
apagamento da vogal postônica não-final. Contava-se que os nomes comuns,
por pertencerem a uma categoria que contém um número maior de
vocábulos proparoxítonos, exibissem taxas de apagamento maiores do
que as verificadas para nomes próprios, adjetivos e verbos. Os resultados
a seguir mostram que a hipótese não se confirma.
Tabela 11: Classe morfológica
APL/T
%
P.R
Nomes comuns
(árvore)
108/747
14%
.47
Nomes próprios
(Petrópolis)
38/91
41%
.84
Verbos
(tínhamos)
14/84
16%
.44
Adjetivos
(belíssima)
Input: 0.48
32/395
8%
.45
Significância: 0,000
Os resultados acima indicam que os nomes próprios tendem a
apagar a vogal postônica não-final com mais recorrência do que os nomes
comuns (.84 contra .47). Tal tendência é, de certa forma, inesperada, já
que a expectativa era exatamente a oposta: esperava-se que os nomes
próprios fossem mais resistentes à aplicação da regra, por conta de sua
especificidade. Todavia, um olhar mais atento aos dados revela que as
taxas altas de apagamento nos nomes próprios estão ligadas aos itens
lexicais considerados, pois foram apagadas as vogais postônicas não-finais
dos topônimos Petrópolis e Teresópolis.
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Artigos Inéditos
7.2 Variáveis sociais
7.2.1 Faixa etária
A faixa etária é um dos parâmetros externos que podem ser
considerados decisivos no estudo de um fenômeno em variação, além de
se prestar como um indício para a depreensão da mudança linguística.
Neste trabalho, utilizou-se a variável faixa etária com o intuito de observar
se o fenômeno de síncope em proparoxítonas se configura como um
fenômeno de mudança em andamento ou um processo de variação estável.
É evidente que tais questões só são seguramente respondidas em um
estudo que conjugue a verificação no tempo real e o comportamento das
variáveis através dos níveis de diferenciação etária.
Nesta pesquisa, foram consideradas três faixas de idade: 18 a 35
anos, 36 a 55 anos e mais de 56 anos. Os resultados estão expressos na
tabela 12.
Tabela 12: Faixa etária
APL/T
18 a 35 anos
36 a 55 anos
mais de 56 anos
Input: .048
%
P.R
20/304
6%
80/528
15%
92/485
18%
Signific ância: 0,000
.27
.50
.64
Os resultados apontados acima mostram que os falantes mais
velhos, com mais de 56 anos de idade, realizam muito mais formas
sincopadas do que os falantes da faixa mais jovem. Os mais velhos
apresentam um alto índice de apagamento (.64), se comparado ao uso
dos falantes mais novos (.27).
Pela tabela acima, é possível perceber que a faixa mais jovem está,
pelo menos no corpus analisado, utilizando mais as formas padrão, não
sincopadas, o que pode ser indício de que o processo de regularização
dos vocábulos proparoxítonos em paroxítonos é uma variável sem prestígio
social. Talvez o resultado delineado acima seja reflexo de outros
condicionamentos que não são facilmente traduzíveis em variáveis
independentes, como as redes sociais a que pertencem os falantes, o acesso
aos meios de comunicação, o grau de integração com a sociedade, a
inserção do indivíduo no mercado de trabalho e o contato com as formas
padrão.
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
7.2.2 Gênero do informante
A literatura sociolinguística documenta duas tendências distintas
no que diz respeito a diferenças de gênero nos usos linguísticos. A
primeira tendência (cf. Chambers e Trudgill, 1980) prevê que, em
situações estáveis, os homens utilizam as formas não-padrão com maior
frequência do que as mulheres; a segunda tendência (Labov, 1972) prevê
que, em situações de mudança linguística, as mulheres têm papel inovador.
Tais considerações têm de ser relativizadas, já que o papel do gênero do
informante necessariamente interage com outras variáveis sociais. A tabela
a seguir mostra a distribuição dos dados em função dessa variável.
Tabela 13: Gênero do informante
APL/T
Homens
Mulheres
Input: .048
%
P.R
113/658
17%
.62
79/659
11%
.37
Significância: 0,000
Se compararmos os resultados expressos acima com as tendências
relativas ao papel da variável gênero do informante, podemos verificar
que estamos diante de uma variável sem prestígio social, porque, quando
a variação não é um indício de um fenômeno de mudança em progresso,
como mostram os resultados na perspectiva do tempo aparente, as
mulheres tendem a utilizar as formas de prestígio muito mais do que os
homens.
Os resultados comprovam a primeira tendência com relação ao
papel da variável gênero, descrito acima: os homens tendem a favorecer
as formas não-padrão, com .62 de peso relativo; em contrapartida, o
gênero feminino tende a evitar as formas sincopadas, desprestigiadas
socialmente, uma vez que apresentam como peso relativo (.37).
Todavia, ainda que haja uma confluência entre os resultados
verificados para as variáveis sociais investigadas, os índices devem ser
relativizados tendo em vista que, principalmente na atuação do parâmetro
gênero do informante, não estão muito claras as correlações entre o
gênero e outras variáveis sociais e até discursivas, muito complexas para
serem traduzidas em termos de variáveis independentes.
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Artigos Inéditos
8. Considerações finais
A análise empreendida aqui, com o intuito de observar a relação
entre condicionamentos linguísticos e sociais na aplicação da regra de
apagamento da vogal postônica não final na fala popular urbana do Rio
de Janeiro, observou:
(a) um alto grau de interação entre os condicionamentos linguísticos, já
que foram relevantes para a aplicação da regra de apagamento da vogal
postônica não-final:
· o contexto fonológico adjacente ao segmento – favorecem a
aplicação da regra consoantes que podem ser ressilabificadas, seja ao
criarem ataques complexos na sílaba átona final, seja ao se fixarem na
coda da sílaba tônica;
· o ponto de articulação da vogal postônica não-final – as vogais
labiais [o, u] estão mais propensas ao apagamento do que as coronais [e,
i] e a dorsal [a];
· a dimensão do vocábulo – proparoxítonas trissilábicas são mais
resistentes ao processo de apagamento da vogal postônica não-final do
que as proparoxítonas polissilábicas, o que demonstra a importância de
considerar questões relacionadas ao ritmo e à velocidade de fala na
ocorrência do apagamento de segmentos no interior dos vocábulos;
· a classe morfológica do vocábulo – ainda que haja uma ressalva
em relação aos resultados para esse condicionamento; apesar de uma
tendência maior ao apagamento de segmentos em nomes próprios, há de
se considerar que o grande número de ocorrências dos topônimos
Petrópolis e Teresópolis obscurece a real importância da variável.
(b) a atuação significativa de condicionamentos sociais, uma vez que:
· as faixas etárias mais jovens, conforme o esperado, aplicam menos
a regra de apagamento do que os informantes mais velhos;
· os homens tendem a favorecer as formas com apagamento,
enquanto as mulheres as evitam; tal comportamento sugere certo grau de
desprestígio social do fenômeno; todavia, a influência do gênero do
informante em fenômenos variáveis depende da atuação de outros
condicionamentos (sobretudo de ordem discursiva), que não são
facilmente traduzíveis em variáveis independentes.
Através dos resultados, atesta-se a estabilidade do fenômeno: a
supressão da vogal postônica não final sempre ocorreu na história da nossa
língua – e os condicionamentos linguísticos mais fortemente atuantes se
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A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro
mantêm os mesmos ao longo do tempo. Entretanto, o fenômeno nunca
indicou um processo de mudança: ainda há proparoxítonas em nossa língua
e, o mais importante, há itens lexicais proparoxítonos que, por força de sua
constituição fonética, bloqueiam a aplicação da regra.
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Variação, mudança fônica e identidade: a implementação
da palatalização de /t/ e /d/ no português falado na
antiga região colonial italiana do Rio Grande do Sul
Elisa Battisti1
1.
Introdução
Línguas faladas em qualquer área territorial
significativa sofrem fragmentação regional: mudanças
gramaticais, de vocabulário ou fônicas que emergem
em um lugar não necessariamente se difundem a todos os demais, o que
faz surgir dialetos regionais, as chamadas variedades diatópicas. Essa
concepção de fragmentação linguística, da dialetologia, fundamenta-se
em uma ideia geográfica de lugar posteriormente assimilada pela
sociolinguística na noção de comunidade de fala: o falante localiza-se
socialmente em classe, gênero, entre outras categorias, e, geograficamente,
na comunidade de fala, que define o falar e circunscreve a população sob
estudo (Eckert, 2004). Mais recentemente, admite-se nos estudos
sociolinguísticos que a proveniência regional está impressa no vernáculo,
é indexada pela fala vernacular (Coupland, 2007).
Na linha de investigação sobre variação e mudança linguística
inaugurada por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), região e lugar
estão implicados em um dos problemas referentes aos fundamentos
empíricos da teoria, o problema da implementação, que pode ser
resumido na seguinte pergunta: o que explica as diferenças na ativação
de processos de variação e mudança numa mesma língua? Em outras
palavras: guardados os mesmos condicionamentos estruturais, por que os
1
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/CNPq
103
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Artigos Inéditos
padrões de realização de um dado processo são distintos em diferentes
comunidades de fala de uma mesma língua? A hipótese dos autores,
embasada no pressuposto de que mudança linguística é mudança no
comportamento social, é a de que a difusão de aspectos variáveis iniciase num subgrupo específico da comunidade, adquire significação social
e generaliza-se. Essa generalização não se dá instantaneamente, uma vez
que a comunidade em sua estrutura social não é estática: novos grupos ou
estratos podem a ela ser incorporados, o que interfere na etapa de
finalização da mudança, aquela em que a significação da alternância se
perde e uma das variantes é selecionada.
Essa questão, a da implementação da variação e mudança fônica,
será abordada no presente artigo, acerca da palatalização das oclusivas
alveolares /t/ e /d/ antes de vogal alta /i/ (tia~tia, dia~dia) ou de
vogal elevada de /e/ átono (gente~genti, pode~podi) em um falar de
português brasileiro. Para tanto, será necessário discutir a comunidade
de fala que circunscreve a população investigada.
Em comparação com o português europeu, a palatalização de /t/ e
/d/ é traço inovador da variedade sul-americana, mas o processo variável
está longe de aplicar-se homogeneamente nos diferentes falares de português
brasileiro. Por exemplo, a palatalização é de 94% em Salvador, Bahia (Abaurre
e Pagotto, 2002), como também em Porto Alegre, Rio Grande do Sul
(Kamianecky, 2003); é de 62% em Alagoinhas, Bahia (Hora, 1990), e de 8%
em Florianópolis, Santa Catarina (Kamianecky, 2003). No próprio estado do
Rio Grande do Sul, território de interesse aqui, as taxas de aplicação são
díspares. Battisti e Guzzo (2009) revisaram um conjunto de análises de regra
variável da palatalização em comunidades do sul do Brasil e verificaram, em
específico sobre o Rio Grande do Sul, que a palatalização se aplica com
frequência muito alta apenas na capital gaúcha, Porto Alegre. Nas
comunidades do interior do estado, as frequências totais são de moderadas
a baixas, apesar de os condicionamentos estruturais serem os mesmos. E, em
pelo menos uma das comunidades, há indícios de que a palatalização se
estabilize em índices modestos. Vem daí a pergunta a ser respondida neste
trabalho: em termos sociais, o que condiciona esse aparente refreio à
generalização da regra no interior do estado?
Para responder à pergunta, serão apresentados alguns resultados
da análise sociolinguística (Labov, 1972, 1994, 2001) da palatalização de
/t/ e /d/ no falar de português brasileiro de Flores da Cunha, Rio Grande
do Sul, em comparação com os resultados obtidos em municípios gaúchos
vizinhos. O objetivo é o de mostrar que, numa das regiões interioranas
do Rio Grande do Sul, onde a origem étnica é predominantemente
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italiana, a regra vem sendo implementada, porém lentamente, em razão
da percepção de lugar alimentada pela identidade étnica comum. É isso
o que cria o contraste entre o alto índice de palatalização na capital do
estado e os índices relativamente baixos nessa região do interior gaúcho.
A análise toma como fundamentos a noção de variação linguística
como prática social de Eckert (2000), de acordo com a qual o valor social
das alternantes liga-se a identidades dos sujeitos construídas nas práticas
diárias em diferentes comunidades; a concepção de comunidade de fala
discutida por Eckert (2004), que propõe vê-la não como unidade
geográfica, mas como entidade percebida e diferentemente construída
nas práticas e falares de grupos e indivíduos distintos; a ideia de
italianidade ou identidade étnica italiana de Zanini (2006), embasada na
pertença a uma comunidade imaginada (Anderson, 1983) pelos
descendentes de imigrantes italianos no Brasil meridional; e no
pressuposto sobre globalização e variação linguística que vimos
construindo, com base em Santos (2000) e Mufwene (2010), entre outros,
de acordo com o qual os sujeitos utilizam variantes cada vez menos
marcadas por traços locais ao libertarem sua identidade pessoal dos limites
da comunidade. Ou, em sentido inverso, fortalecem tacitamente os laços
socioculturais com o lugar e utilizam a língua como recurso para marcar
pertença à comunidade de origem em sociedades que, por razões
tecnológicas e econômicas, incluem eventos globais e distantes na
percepção do que lhes seja significativo, mas cujas certezas e seguranças
de vida, mesmo enfraquecidas, permanecem ligadas a locais particulares.
O artigo inicia-se por uma breve caracterização do município de
Flores da Cunha. A seguir, expõem-se os resultados da análise de regra variável
dos dados de 48 informantes daquele município, e comparam-se os resultados
da análise aos obtidos em Antônio Prado (Battisti et al., 2007) e Caxias do Sul
(Matté, 2009), municípios situados na antiga região colonial italiana do Rio
Grande do Sul (RCI-RS)2, para mostrar como o processo identitário de
etnicização cultural orienta práticas sociais locais numa comunidade que, a
um só tempo, se abre à variação e mudança fônica, mas refreia a difusão
2
Sabbatini e Franzina (1977), que empregam termo correspondente (Região de
Colonização Italiana), explicam que a RCI corresponde especificamente às áreas das
ex-colônias de natureza pública, fundadas entre 1875 e 1892, na Encosta Superior do
Nordeste do Rio Grande do Sul. Atualmente, 55 municípios localizam-se nesse
território, entre eles Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha,
Garibáldi, São Marcos, Veranópolis, Antônio Prado. De acordo com Frosi e Mioranza
(1983) e Frosi (1989), o grupo de imigrantes era misto relativamente à província
italiana de origem, sendo quatro as regiões da Itália setentrional de que veio a maioria
deles: Lombardia, Vêneto, Fríuli Venezia-Giulia e Trentino-Alto Ádige.
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Artigos Inéditos
dos processos, o que se reflete em índices moderados ou baixos de aplicação
da regra variável em questão, a da palatalização de /t/ e /d/. Por fim, com
base em alguns elementos da história social da região e das práticas diárias
de seus habitantes, aborda-se a RCI-RS no eixo ideológico local-global,
ampliando-se a discussão dessa região como a comunidade de fala que Flores
da Cunha e municípios vizinhos integram para o estudo de palatalização.
2. Flores da Cunha (RS)
Flores da Cunha é um dos 55 municípios da RCI-RS, área
geográfica a nordeste do Rio Grande do Sul onde foram assentados
imigrantes italianos no final do século XIX. É município vizinho a Caxias
do Sul, maior cidade do Rio Grande do Sul após a capital, Porto Alegre.
A população de Flores da Cunha é pequena, em torno de 27.000
habitantes3, mas não está em redução. Na área de 272,66 km², a zona
rural é relativamente grande e o pequeno centro urbano dá sinais de
crescimento. Sua economia é diversificada, inclui indústria, comércio,
serviços, agricultura. O município é um dos maiores produtores de vinho
do Brasil e sua indústria moveleira exporta para a América Latina, Estados
Unidos e Europa, entre outros.
3. Palatalização em Flores da Cunha e região
As 48 entrevistas sociolinguísticas (BDSer-UCS)4 de Flores da
Cunha de que foram levantados os contextos de palatalização foram
realizadas entre 2008 e 2009, boa parte delas pela autora. Os informantes
são dos dois gêneros, da zona urbana e rural e pertencem a quatro grupos
etários: 18 a 30 anos de idade; 31 a 50 anos; 51 a 70 anos; 71 ou mais anos.
Essas características configuram as três variáveis extralinguísticas
controladas na análise: Gênero, Local de Residência e Idade. As variáveis
linguísticas são Contexto Fonológico Precedente, Contexto Fonológico
Seguinte, Status da Vogal Alta, Posição da Sílaba na Palavra, Tonicidade
da Sílaba, Qualidade da Consoante-Alvo. Os 23.163 contextos levantados
das entrevistas foram codificados e posteriormente submetidos aos
programas computacionais do pacote VARBRUL, versão Goldvarb X5 para
ambiente Windows, que realizam análise estatística de regressão logística.
3
Cf. dados do IBGE, censo 2010. Disponíveis em www.ibge.gov.br. Acesso em 13 de
março de 2011.
4
Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, da Universidade de Caxias do Sul.
5
Disponível em: http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/goldvarb.htm. Acesso em
21 de dezembro de 2010.
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O total de aplicação da regra de palatalização em Flores da Cunha
é de 29%, considerado baixo se comparado aos 94% de aplicação total na
capital Porto Alegre (Kamianecky, 2003). Tal índice é o que revela a primeira
rodada do pacote de programas VARBRUL, de que obtivemos os resultados
aqui relatados. A análise estatística merecerá ainda refinamento, para controlar
a distribuição de dados nos fatores de cada grupo, e lidar com a nãoortogonalidade dos grupos Posição da Sílaba na Palavra e Tonicidade da
Sílaba. Por isso, surpreende que a análise tenha selecionado oito dos nove
grupos de fatores controlados, na seguinte ordem: Status da Vogal Alta, Idade,
Local de Residência, Qualidade da Consoante-Alvo, Gênero, Contexto
Fonológico Precedente, Contexto Fonológico Seguinte, Tonicidade da Sílaba.
Mais surpreendente é a ordem de seleção e os quatro primeiros grupos
selecionados, que coincidem com o já verificado em Antônio Prado e Caxias
do Sul: o condicionamento do processo é tanto linguístico quanto social. Por
essa razão, serão os resultados de Status da Vogal Alta, Idade, Local de
Residência, Qualidade da Consoante-Alvo o que será aqui apresentado, e
nessa ordem, respeitando a indicação do programa.
O grupo Status da Vogal Alta contém dois fatores, vogal alta fonológica
(mentira) e vogal alta fonética (gente), isto é, vogal alta que pode ser elevada
de /e/ átono. Esperava-se encontrar resultados similares aos de Battisti et al.
(2007) e Matté (2009), que apontam a vogal alta fonológica como
condicionadora da regra. A hipótese foi confirmada, como mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Status da vogal alta
Fatores
Aplic./ Total
%
Peso relativo
5053/ 8183
62
0,89
Alta fonétic a (gente)
1705/14980
11
0,23
TOTAL
6758/23163
29
Alta fono lógica (mentira)
Input 0,174
Significância 0,000
O mais forte condicionador da regra é a própria vogal gatilho, /i/.
Os contextos com vogal alta fonológica correspondem a um terço dos dados,
e a frequência de palatalização neles é alta: 62%. Já nos contextos com vogal
/e/ candidata a elevar-se a [i], que reúnem a maioria dos dados, a frequência
é baixa, de apenas 11%. Isso explica a tendência atestada pelos valores de
peso relativo obtidos: em Flores da Cunha, a regra tende a aplicar-se com
/i/, e a ser inibida por /e/. Esse comportamento é verificado também em
Antônio Prado (Battisti et al., 2007) e Caxias do Sul (Matté, 2009), como
mostra o Gráfico 1.
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Artigos Inéditos
Status da vogal alta
80
70
Pala tali za ção (%)
60
AP
CXS
FC
50
40
30
20
10
0
Alta f onológic a (ment ira)
Alta fonética (gente)
Gráfico 1: Proporção de palatalização para a variável Status da
Vogal Alta em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha
Confirma-se, na comparação entre os municípios, a tendência de
a vogal alta fonológica condicionar a palatalização e de a vogal alta fonética
inibir o processo. Na hipótese de Guy (2000), aplicável a condicionamentos
linguísticos, o comportamento de Status da Vogal Alta seria similar nos
diferentes municípios porque refletiria a unidade maior do português do
Brasil. Isso é verdade apenas em parte para o caso em questão: a
palatalização é desencadeada por vogal alta no português brasileiro; se a
elevação de /e/ átono é baixa, não se alimenta a palatalização. E é essa
baixa elevação de /e/ átono o que contribui com maior peso não para
a unidade do português do Brasil, mas para sua fragmentação, já que em
outras regiões do Brasil a aplicação dessa regra é praticamente categórica.
A sugestão que se obtém da comparação dos resultados é, então, a de que
a comunidade de fala relevante desfaça os limites geopolíticos particulares
dos municípios em questão, e reúna-os numa região, cujo contorno seja
desenhado de modo a distingui-la de outras comunidades do território
brasileiro.
Em seu estudo pioneiro, Bisol (1986, 1991) atribui a tendência de
palatalização com vogal alta fonológica à interação do processo com a
variável Etnia, não no que se refere aos aspectos sociais envolvidos, mas
a motivações predominantemente internas da variação e mudança,
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decorrentes do contato do português com italiano, alemão e espanhol,
no caso das comunidades por ela estudadas6. A autora afirma:
Parece que o contato do dialeto gaúcho com línguas em que a
palatalização da oclusiva não existe ou não segue os cânones da
Língua Portuguesa [...] vem embargando o caminho de expansão
da regra, reforçando-lhe a restrição peculiar nas comunidades
monolíngues e acentuando-lhe o caráter de regra adquirida nas
comunidades bilíngues. (Bisol, 1986, p. 170)
O contato entre português e falares dialetais italianos se verifica
ainda hoje em dia na RCI-RS, mesmo que na forma de bilinguismo não
generalizado e, em muitos casos, passivo7. Africadas como as que resultam
da palatalização das oclusivas alveolares em português existem nos falares
italianos, como nos vocábulos ciao (olá) e oggi (hoje). Mas neles as africadas
não são variantes. Além disso, as africadas opõem-se a /t/ e /d/. O que
pode transferir-se dos falares italianos ao português é, sim, o reflexo da
distinção gramatical veiculada pelas vogais /e/ e /i/ quando morfemas
de plural específicos de gênero: -e é morfema feminino plural (donnadonne, mulher-mulheres), -i, morfema masculino plural (bambino-bambini,
menino-meninos). Falantes bilíngues português-italiano, ou oriundos de
comunidades onde ainda se verifica o bilinguismo, tendem a não elevar
a média átona /e/, como reflexo de seus hábitos de fala em língua italiana,
que requer a clara emissão e manutenção da vogal para garantir a
veiculação de informação gramatical. Esse foi o raciocínio de Bisol (1981)
no estudo de harmonia vocálica, em que a etnia italiana aparece como a
que menos eleva as vogais médias átonas. Entendemos que tal raciocínio
também se aplique ao estudo em questão: ainda há bilíngues na
comunidade de descendentes de italianos que é Flores da Cunha. A
elevação de /e/ átono tende a ser de baixa a moderada no município
(Roveda, 1998; Guzzo, 2010), o que reduz o número de contextos com
vogal alta fonética, que alimentariam a regra de palatalização.
Esse raciocínio, no entanto, é apenas uma das motivações para o
padrão de palatalização regional. Outra motivação, também ligada à etnia,
6
As etnias alemã, italiana e fronteiriça, contempladas pela autora, são representadas
na amostra por informantes dos municípios gaúchos de Taquara, Veranópolis e
Livramento, respectivamente.
7
Entende-se por bilinguismo passivo o de indivíduos que apenas compreendem uma
das línguas, não falam, não escrevem, tampouco leem essa língua, que é não-dominante.
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Artigos Inéditos
mas em seus aspectos socioculturais, está, acreditamos, no que Zanini
(2006) abordou em seu estudo sobre italianidade no município gaúcho
de Silveira Martins e pode ser aplicado à compreensão da variação e
mudança fônica em questão. Segundo ela, os descendentes de italianos lá
residentes vivenciam a italianidade convertendo sua etnia de base num
código revelador de diferenças quanto a estilo de vida, posições sociais,
poder, e tomando-a como forma de auto-expressão. Assim fazendo, sentemse parte de uma comunidade imaginada (Anderson, 1983) – talvez a RCIRS, em nosso caso. A origem familiar e seus símbolos, entre eles os
linguísticos, convertem-se em patrimônio, em capital cultural que compete
no mercado de bens simbólicos locais, regionais e nacionais, e contribui
para a distinção simbólica e visibilidade do grupo. Entendemos que tanto
a baixa elevação de /e/ átono quanto o refreio à palatalização na região
decorram da vivência de uma italianidade, resultem do empenho, tácito,
de preservar práticas sociais tradicionais que, orientadas pelo habitus
(Bourdieu, 1977), são simbolicamente compreendidas pelo grupo como
um patrimônio.
Esse patrimônio transforma os próprios lugares em mercado, como
observa Coupland (2007) acerca de variação linguística, identidade e estilo.
Conforme o autor, à medida que o turismo se torna fonte de renda,
lugares são vendidos e comprados como destinos turísticos. Para tanto,
necessitam ser estilizados para diferenciar-se, mas ainda assim serem
acessíveis. Seus habitantes, suas práticas sociais, dentre elas a fala, são
estilizados, em busca de autenticidade. Exemplo disso é o que ocorre em
festas que celebram a cultura italiana em municípios da RCI-RS, como a
Festa da Vindima, que ocorre a cada dois anos em Flores da Cunha. Vejase o que um jornal local publicou a respeito dessa festa:
Flores da Cunha abre hoje a sua festa da vindima. Embora os
moradores da Serra não percebam o valor dessas celebrações, os
turistas ficam encantados com o aroma, a mesa farta, a
autenticidade, a qualidade de nossos vinhos e espumantes [...]
Não é preciso fazer um evento com a grandiosidade da Festa da
Uva8 para celebrar a vindima. Pelo contrário: o que o turista quer
é autenticidade, sabor, alegria e generosidade.
(Pioneiro, 8 de fevereiro de 2011, p. 8)
8
A Festa da Uva é realizada em Caxias do Sul a cada dois anos para celebrar a fruta
que lhe dá nome e é cultivada no município.
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Fica nítida a tese do jornal de que festas como a da Vindima se
voltam a turistas e, portanto, devem oferecer a seu público o que ele
busca experimentar, isto é, o que é entendido como genuinamente
local, e que se poderia chamar, na atualidade, de ítalo-brasileiro.
Elementos como esse, o mercadológico, levam os sujeitos a
desenvolverem discursos sobre suas práticas e, assim, perceberem e
tornarem certos traços salientes, estilizando-se. Acreditamos que, na
RCI-RS, a baixa palatalização e elevação de /e/ átono sejam recursos
estilísticos que permitem aos descendentes de italianos (e de outras
etnias que porventura residam hoje na comunidade) vivenciarem
italianidade, realizarem práticas sociais locais como forma de
diferenciarem-se no cenário estadual e nacional e, assim, ganharem
visibilidade, mesmo que elementos não-locais sejam também
experimentados na comunidade.
Neste ponto do trabalho, em que se apresentaram os resultados
da variável Status da Vogal Alta na análise dos dados de Flores da Cunha
e se fez a comparação desses resultados com os obtidos em outros
municípios da RCI-RS, pensa-se que já esteja clara a ideia aqui proposta
– de que se admita a RCI-RS, por motivações principalmente
socioculturais e identitárias, como comunidade de fala relevante para
o estudo de palatalização nessa área do interior do estado, não mais os
municípios isoladamente. Pensa-se também já ter de alguma forma
anunciado o que se pode esperar da comparação de resultados de
Flores da Cunha e dos dois outros municípios para as variáveis Idade,
Local de Residência e Qualidade da Consoante: as mesmas tendências
foram verificadas. Por isso, a discussão dos resultados será um tanto
mais breve.
É social o segundo grupo de fatores selecionado pelo programa
na análise dos dados de Flores da Cunha, e parece indicar mudança em
progresso. Trata-se de Idade, controlado segundo a hipótese de que a
palatalização, regra nova na comunidade, estaria em progresso, sendo
introduzida pelos mais jovens e por esses difundida aos demais grupos
etários. Essa hipótese também se confirmou. Veja-se a Tabela 2.
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Artigos Inéditos
Tabela 2: Idade
Fatores
Aplic./Total
%
Peso relativo
18 a 30 anos
3114/6146
51
0,86
31 a 50 anos
1599/5766
28
0,50
51 a 70 anos
1530/6080
25
0,42
71 ou mais anos
515/5171
10
0,14
6758/23163
29
TOTAL
Input 0,174
Significância 0,000
Os grupos etários mais jovens apresentam as maiores proporções
de aplicação da regra. Seus pesos relativos indicam não só que os falantes
mais jovens condicionam favoravelmente a palatalização, mas também que
há a tendência de o processo se aplicar e progredir com eles. É o que
Bisol (1991) verificou para os descendentes de italianos de Veranópolis,
e Matté (2009), para os de Caxias do Sul, município em que a palatalização
tem uma frequência total de aplicação um pouco mais alta, 35%. Mas não
é o que Battisti et al. (2007) verificaram em Antônio Prado, onde a
palatalização também se aplica numa taxa quase igual, de 30%, mas em
que há sinais de estabilização do processo em índices modestos. Visualizese a comparação no Gráfico 2:
Idade
80
70
Pala taliza ção (%)
60
AP
CXS
FC
50
40
30
20
10
0
18 a 30 anos
31 a 50 anos
51 a 70 anos 71 ou mais anos
Gráfico 2: Proporção de palatalização para a variável Idade em
Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha
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Variação, mudança fônica e identidade: ...
Tanto a relação em rede dos informantes de Antônio Prado quanto
a orientação positiva dos jovens pradenses explica o fato de a regra,
inovadora, não estar progredindo no município, haja vista a estabilização
nos grupos 18-30 anos e 31-50 anos. Já em Caxias do Sul e Flores da
Cunha, em que o índice do grupo 18-30 anos aponta o avanço da
palatalização, o que há de diferente parece ser uma maior mobilidade
territorial dos indivíduos, maiores oportunidades de contato com pessoas
de fora da comunidade, o que abriria a fala a inovações como a
palatalização e poderia explicar a tendência ao progresso da regra, a
despeito de sua moderada aplicação.
O terceiro grupo selecionado é Local de Residência. Noll (2008),
sobre o português brasileiro, afirma que a palatalização é um processo
urbano. É o que verificaram Battisti et al. (2007) em Antônio Prado, e
que se esperava verificar também em Flores da Cunha. A análise
confirmou essa hipótese. Os resultados referentes a Flores da Cunha estão
na Tabela 3, e a comparação com os resultados das duas outras
comunidades, no Gráfico 3.
Tabela 3: Local de Residência
Fatores
Aplic./Total
%
Peso relativo
Zona Urbana
4336/11494
38
0,67
Zona Rural
2422/11669
21
0,33
TOTAL
6758/23163
29
Input 0,174
Significância 0,000
A frequência de palatalização, embora moderada na zona urbana
(38%), é superior à verificada na zona rural (21%). Os pesos relativos
obtidos indicam que o processo tende a aplicar-se na zona urbana de
Flores da Cunha, favorecedora da regra, e é inibido na zona rural. Essa
é a tendência também em Antônio Prado e Caxias do Sul, exibida no
Gráfico 3.
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Artigos Inéditos
Local de residência
80
70
Pala taliza ção (%)
60
AP
CXS
FC
50
40
30
20
10
0
Zona urbana
Zona rural
Gráfico 3: Proporção de palatalização para a variável Local de
Residência em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha
A razão para esse comportamento distinto e polarizado dos dois
locais de residência pode ter relação, como já observaram Battisti et al.
(2007) em Antônio Prado, com práticas sociais distintas realizadas pelos
indivíduos, e com a rede social que integram. As zonas rurais de municípios
da RCI-RS abrigam pequenas propriedades rurais produtivas, quase
autossuficientes e geridas por um núcleo familiar que trabalha e vive na
terra. Afora os integrantes mais jovens da família, que se deslocam
diariamente a escolas próximas para estudar, os demais membros
apresentam pequena mobilidade territorial e, assim, travam contato com
poucos desconhecidos. Sendo a palatalização aspecto inovador na fala em
língua portuguesa, mas cuja difusão depende de contato interpessoal e
práticas compartilhadas, é de se esperar que a alternante palatalizada tenha
pequeno emprego, pois os indivíduos da zona rural expõem-se pouco a
indivíduos palatalizadores, a interação entre eles é quase nula. As redes
sociais que formam são densas e multiplexas, prevenindo a palatalização
de se propagar.
Outro aspecto que merece destaque é o fato de o bilinguismo
português-italiano persistir na zona rural. Pelas razões abordadas acima
quando da apresentação dos resultados da variável Status da Vogal Alta,
esse contato preserva da elevação a vogal média que desencadearia a
palatalização, e que representa boa parte dos contextos analisados.
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Variação, mudança fônica e identidade: ...
Os habitantes da zona urbana realizam práticas sociais
diferenciadas, o que contribui para a difusão da regra. Tanto o setor de
comércio quanto o da indústria e serviços propicia interação com
indivíduos de municípios vizinhos e, mais importante, de fora da RCI-RS.
O próprio deslocamento para realizar curso superior leva, principalmente
os jovens, a práticas compartilhadas com indivíduos diversos, flexibilizando
laços que preveniriam mudanças de comportamento, inclusive do
linguístico.
No quarto grupo de fatores selecionado, Qualidade da ConsoanteAlvo, controlou-se a consoante candidata à palatalização, se a vozeada /d/
ou a desvozeada /t/. A hipótese era a de que em Flores da Cunha a
consoante /t/ condicionaria a regra de palatalização, como visto em Battisti
et al. (2007) e Mauri (2008) para Antônio Prado e Caxias do Sul,
respectivamente. Novamente, a hipótese foi confirmada pela análise. Os
resultados de Flores da Cunha estão na Tabela 4, e a comparação entre
as comunidades, no Gráfico 4.
Tabela 4: Qualidade da consoante-alvo
Fatores
Aplic./Total
%
Peso relativo
T (tia)
3817/10573
36
0,60
D (dia)
2941/12588
23
0,40
TOTAL
6758/23163
29
Input 0,174
Significância 0,000
A frequência de palatalização de /t/ (36%) não é tão distinta da
palatalização de /d/ (23%). No entanto, os pesos relativos são reveladores:
contextos com /t/ tendem a ser palatalizados, e a consoante desvozeada
favorece a aplicação da regra; já a consoante vozeada /d/ desfavorece o
processo. A mesma tendência se verifica nos outros municípios, o que,
retomando a hipótese de Guy (2000), se pode esperar de
condicionamentos de natureza interna ou estrutural que reflitam a unidade
maior do português do Brasil.
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Artigos Inéditos
Qualidade da consoante-alvo
80
70
Pala tali za ção (%)
60
AP
CXS
FC
50
40
30
20
10
0
T (tia)
D (dia)
Gráfico 4: Proporção de palatalização para a variável Qualidade
da Consoante-Alvo em Antônio Prado, Caxias do Sul e Flores da Cunha
A explicação para o fato pode ser a de Dutra (2007):
...durante a articulação de consoantes [-voz], a energia articulatória
se concentra nos órgãos supraglóticos [...] o processo de
palatalização leva a uma grande concentração de energia na parte
anterior da cavidade bucal e é justamente a articulação das
consoantes [-voz] que propicia tal configuração articulatória.
(Dutra, 2007, p. 105-106)
Há, portanto, uma semelhança na articulação da consoante
desvozeada /t/ que a aproxima do processo de palatalização, explicando
seu papel favorecedor, diferente de /d/.
A apresentação dos resultados do estudo da palatalização em Flores
da Cunha objetivou mostrar, por um lado, os condicionamentos
linguísticos e sociais do processo naquele município. Por outro, pela
comparação com os resultados obtidos em outros municípios da mesma
região, buscou-se defender a necessidade de lidar com uma comunidade
de fala maior que o município para responder à questão da
implementação da palatalização em falares do Rio Grande do Sul. É preciso
lidar com uma região, recortada (imaginada) a partir da origem étnica
comum e pelas práticas sociais ligadas a ela, hoje simbolicamente tomadas
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Variação, mudança fônica e identidade: ...
como tradicionais, autênticas. É sobre essa região que se discute um pouco
mais a seguir, desta vez no eixo local-global, abordando os efeitos
ideológicos e identitários dos valores locais, de um lado, e dos valores
não-locais ou globais, de outro, sobre o emprego das variantes palatalizada
e não palatalizada.
4. RCI-RS e identidade: a palatalização entre o local e o global
A variante palatalizada é inovadora em comunidades da RCI-RS
como Flores da Cunha. Na realização de entrevistas sociolinguísticas nesse
município e em atividades de observação participante, não se percebeu
qualquer associação da variante palatalizada com valores positivos como
bonito, moderno, correto. Tampouco negativos. O que se percebeu foi
uma identificação dessa variante com o “de fora”, com o que não é local,
isto é, com o não florense. Em interação com alguns informantes ou
outros habitantes do município, era nítido o esforço de, num primeiro
momento, produzir algumas formas palatalizadas, muitas das quais
abandonadas ao longo da conversa. Outros, principalmente os mais velhos,
não palatalizavam. Mas conseguiam sugerir, ou mesmo afirmar claramente,
que “aqui não se fala assim”, mesmo que, inconscientemente, tivessem
palatalizado vez ou outra. Isso mostra que a variante palatalizada, saliente
aos membros da comunidade, pode ser usada como um recurso
identitário, para aproximá-los dos forasteiros ou, fora dos limites da
comunidade, no âmbito aqui denominado global, para encobrir sua
identidade.
Essa utilização das variantes como recursos linguísticos fora do
local se dá se o fluxo de bens e capitais, de informação, entre outros,
implicar mobilidade territorial. Os indivíduos, fora da comunidade, estão
sujeitos à exposição a outros padrões de fala cujas características podem
ser incorporadas à sua fala. Afirma Santos (2000):
O global e o local são socialmente produzidos no interior dos
processos de globalização (...) perante as condições do sistema
mundial em transição não existe globalização genuína; aquilo a
que chamamos globalização é sempre a globalização bem sucedida
de determinado localismo. (...) não existe condição global para a
qual não consigamos encontrar uma raiz local, real ou imaginada,
uma inserção cultural específica. (Santos, 2000, p. 63).
Como mostramos, no que se refere a Flores da Cunha e municípios
vizinhos de mesma origem étnica, o global e o local necessitam ser
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Artigos Inéditos
entendidos relativamente à RCI-RS. Já no estudo de Antônio Prado se
havia verificado não só a presença do fenômeno da globalização e de sua
contraparte, a localização, mas o fato de o local demarcador da
comunidade não ser o município em si, mas a própria RCI-RS. São três
as razões principais para isso: primeiramente, porque as fronteiras de boa
parte dos municípios dessa região são constantemente redesenhadas na
rede de relações (econômico-culturais) que estabelecem com municípios
vizinhos maiores, destacando-se aí Caxias do Sul, e com outras localidades.
Essas repercutem diretamente nas práticas sociais individuais. Por
exemplo, para estudar, os habitantes mais jovens deslocam-se diariamente
a outras comunidades; no exercício econômico, as empresas exportam
produtos, o que as coloca, e a seus colaboradores, em relação com outros
sujeitos em localidades distantes. Por outro lado, mesmo com os setores
do comércio e da indústria relativamente bem desenvolvidos, uma parcela
da população dedica-se a práticas agropecuárias que mantêm os indivíduos
na zona rural dos municípios. Esse conjunto de práticas socioeconômicas
tem sido relacionado à vocação para o trabalho e ao empreendedorismo
dos imigrantes italianos, traços celebrados em festas comunitárias como
a Noite Italiana (Antônio Prado), a Festa da Vindima (Flores da Cunha)
e a Festa da Uva (Caxias do Sul).
Em segundo lugar, porque, embora o local venha sofrendo
impacto dos processos globais, estruturas sociais tradicionais como a
familiar ainda orientam as práticas individuais, o que se verifica na rede
social. Embora os informantes estabeleçam relações supraterritoriais em
algumas de suas práticas, convivem na comunidade conforme os velhos
padrões da família patriarcal, o que denota, em termos de identidade,
uma orientação para o local, e acaba produzindo apenas um efeito de
incorporação de elementos globais, e não de sua expansão maciça sobre
os traços locais. Em termos linguísticos, isso corresponde a uma situação
de aparente transitoriedade: há variação, mas moderada.
Em terceiro lugar, porque o ritmo e velocidade dos processos de
globalização e localização não é o mesmo nesses municípios, o que se
relaciona ao modo como a própria América Latina, Brasil e RCI-RS foram
colonizados, e como todo o continente passou pelo processo de
incorporação ao sistema capitalista de produção nos últimos séculos. De
certa maneira, a América Latina, Brasil e RCI-RS já nasceram de processos
históricos globalizadores (Menz, 2009; Kühn, 2007; Giron, 1992), razão
pela qual a atual inserção dessas regiões no processo de globalização
passa, necessariamente, por tendências já demarcadas nos fluxos
internacionais e locais. Alguns elementos históricos da formação social
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Variação, mudança fônica e identidade: ...
brasileira já atestam as dificuldades de criação de um sentimento e de
uma ideologia que pudessem ser rotulados nacionais (Oliven, 1992;
Seyferth, 2000), fazendo prevalecer no Brasil a matriz ideológica
colonizada (Cardoso, 2003), o que acabou tendo impacto negativo na
formação das classes sociais no país.
A essas três razões soma-se outro aspecto relevante, que é o relativo
atraso no desenvolvimento de certas regiões do Brasil, fruto de um modelo
concentrador. Algumas delas, como a RCI-RS, passaram por um processo
de desenvolvimento tardio se comparado ao do centro do país. Isso, porém,
não levou ao atraso socioeconômico da região em relação ao centro nos
dias atuais, apenas contribuiu para o desenvolvimento, nela, de uma fraca
ideologia nacional, já existente no país quando do auge da colonização
italiana na região nordeste do Rio Grande do Sul. Então, ideologicamente,
quando a RCI-RS começou a apresentar índices significativos de
crescimento e desenvolvimento, já na segunda metade do século XX, a
antiga tradição italiana foi reconstruída (e em vários aspectos inventada).
Como consequência, na RCI-RS, a incorporação globalizadora não tem
sido tão rápida. O local é relativamente desenvolvido, apresentando
contornos ideológicos e sentimentais de apego ao passado, às tradições
da colonização e à condição (adversa) de colonização. Isso reforça valores
ligados ao mundo do trabalho, da religião, da família e fornece recursos,
dentre eles os linguísticos, para a afirmação da uma identidade local. É
o que faz emergir padrões moderados de mudança nos comportamentos
sociais e nos usos linguísticos na RCI-RS, refreando a expansão da
palatalização variável da capital a essa região do interior.
5. Considerações finais
A análise de regra variável da palatalização na comunidade gaúcha
de Flores da Cunha repete e confirma os fatores condicionadores do
processo já verificados em outros municípios pertencentes à mesma região,
a RCI-RS: vogal alta fonológica /i/ e consoante-alvo desvozeada /t/
favorecem o processo, bem como os grupos etários jovens e a zona urbana
do município. Os resultados autorizam, portanto, que se pense em uma
região, e não em municípios específicos, quando de sua discussão e
interpretação. Ao mesmo tempo, permitem refletir sobre a questão do
refreio à implementação da palatalização no interior do estado, em
contraste com os altos índices de palatalização na capital do estado.
Viu-se que a economia forte e a percepção de pertença a uma
comunidade de mesma origem étnica, a italiana, reforça laços identitários
dos habitantes da RCI-RS com o local e impede a região de tornar-se tão
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porosa a mudanças. Inovações ocorrem na comunidade, mas lentamente.
Tanto sua história quanto seu processo de estruturação social mostram que,
globalizada desde o início, apega-se a valores e traços da cultura de base, de
que a língua portuguesa sem palatalização faz parte. A implementação da
palatalização variável na RCI-RS apresenta indícios de progresso, mas este e
outros trabalhos confirmam que características sociais têm tornado lento o
processo e motivado o contraste que ora se forma com os índices da capital
do estado para a mesma regra.
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Artigos Inéditos
Resumo
Análise de regra variável da palatalização das oclusivas
alveolares /t/ e /d/ no português falado em Flores da
Cunha (RS) e sua comparação com os índices
verificados em Antônio Prado (RS) e Caxias do Sul
(RS). Discussão do contraste entre a frequência total
de aplicação nos três municípios da antiga região
colonial italiana do Rio Grande do Sul, em torno de
30%, e a frequência total da capital Porto Alegre, de
90%.
Palavras-chave: português brasileiro; palatalização das
oclusivas alveolares; análise de regra variável;
implementação da variação e mudança fônica.
Abstract
Variable rule analysis of the palatalization of dental stops
in Portuguese as it is spoken in the Brazilian city of
Flores da Cunha, located in the state of Rio Grande do
Sul (RS). Comparison of the results obtained in Flores
da Cunha with the ones obtained in Antônio Prado
(RS) and Caxias do Sul (RS) in previous analysis.
Discussion of the contrast between the application rates
of those three cities, around 30%, and the application
rate of Porto Alegre, the capital city of the state, around
90%.
Keywords: Brazilian Portuguese; palatalization of
dental stops; variable rule analysis; implementation of
phonological variation and change.
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Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: no
Atlas Linguístico de Minas Gerais e nos dados do projeto
do Atlas Linguístico do Brasil
Vanderci de Andrade Aguilera1
Helen Cristina da Silva2
I
ntrodução
Ao lado de fenômenos fonéticos que podem
caracterizar uma proposta de divisão dialetal do Brasil,
como a realização das vogais pretônicas ou a das
consoantes fricativas surdas e sonoras [s] e [z] em coda silábica, o /r/
retroflexo vem ocupando, nos últimos 50 anos, seu espaço na discussão
de pesquisadores, como Silva Neto (1960); Head (1973, 1978 e 1987);
Brandão (1995, 1997, 2007); Monaretto (1995); Callou (1997); Almeida
(2004); Cohen (2006) e Aguilera (2009).
Verificamos que o /r/ retroflexo, embora seja registrado em diversos
estados brasileiros, se concentra no interior do Paraná, de São Paulo, do Mato
Grosso do Sul; no Sul de Goiás, do Mato Grosso e de Minas Gerais. Sabendose que há sempre uma pergunta no ar sobre a vitalidade ou debilidade desta
variante rótica no território brasileiro, este artigo tem como objetivo verificar
a atual situação do /r/ retroflexo em coda silábica no falar sulista de Minas
Gerais, em particular na cidade de Lavras, comparando dados atuais coletados
pelo projeto Atlas Linguístico do Brasil-ALiB com os registrados no Esboço de
um atlas linguístico de Minas Gerais (Ribeiro et al., 1977).
Até onde nos foi possível verificar, esta variedade de rótico não
foi trazida pelos portugueses durante a ocupação da terra recém
descoberta, nem constava do acervo fonético dos autóctones brasileiros.
1
2
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CNPq-UEL
CAPES-UEL
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Artigos Inéditos
A hipótese mais viável, da qual comungamos, seria atribuir a origem do
/r/ caipira no PB ao contato do português com o tupi, uma vez que o
tupi seria uma língua desprovida dos fonemas /r/ e /l/, pelo menos em
coda silábica. Se tomarmos como parâmetro topônimos, zoônimos e
fitônimos herdados do tupi, constatamos que, realmente, tais fonemas
não aparecem no contexto de coda nos nomes oriundos dessa língua
indígena, como se pode observar em alguns exemplos: Tatuapé, Guaraci,
Curitiba, Tietê, Paraná, Tibagi, tatu, guará, arara, jabuti, urubu, pitanga,
jabuticaba, pacova, araçá, em que o padrão silábico é sistematicamente CV.
Por outro lado, se pensarmos na realização lusitana alveolar e
velar do /l/ em coda silábica, como em mal, sol, falta, calma, é fácil deduzir
a dificuldade de nossos indígenas e dos mestiços na realização da lateral
em contexto CVC. A tentativa de aproximar a lâmina da língua ao palato,
na realização da lateral em coda, poderia ter, naturalmente, levado à
realização de um /r/ retroflexo. Tal fone teria se formado entre os
paulistas, mamelucos e indígenas e se irradiado pelos territórios
conquistados e ocupados pelos bandeirantes nos séculos XVII e XVIII.
Para comprovar esta hipótese, recorremos aos registros feitos em
atlas linguísticos já publicados ou concluídos no Brasil.
1. O /r/ retroflexo nos atlas estaduais e no regional3
O Atlas prévio dos falares baianos – APFB (Rossi, 1963) – contém 24
cartas em que o /r/ retroflexo foi documentado. Dos 50 pontos, em 234
deles ocorre pelo menos um registro deste rótico, havendo informantes
que apresentam sistematicamente esta variante, como o 20B com 10
registros e o 29A com 12 ocorrências. Dentre os itens lexicais que mais
favorecem o [}], temos: a[}]co (íris, da velha, celeste), ca[}]canhar, te[}]çol,
laga[}]tixa, la[}]gatixa, cabo ve[}]de, mestiço preto com cabelo liso, e
tipo de boi branco: a[}]vação. Dos 100 informantes do APFB, 24
apresentam pelo menos um registro do retroflexo, e destes, 15 são
mulheres e nove são homens. A faixa etária não parece condicionar a
presença ou a ausência deste rótico uma vez que as 14 mulheres5 se
distribuem equilibradamente pelas duas faixas (Faixa I entre 25 e 45 e
3
O único atlas brasileiro que contempla os estados de uma região e não apenas um
estado é o ALERS – Atlas linguístico e etnográfico da região Sul (Koch et al., 2002).
4
O levantamento de todas as respostas mostrou a presença do retroflexo nos seguintes
pontos e informantes: 1A (1), 5GL (2), 6A (2), 8B (2), 9A (1), 9B (2), 11A (1), 11B
(1), 20 A (2), 20B (10), 21 A (1), 22 A (1), 22B(3), 23 A (1), 23B (2), 25 A (1), 29
A (12), 33 A (2), 34A (1), 35B (1), 42A (4), 43A (1), 43B (1), 50A (1).
5
Não consta a idade da informante 11A.
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Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ...
Faixa II, entre 50 e 80 anos). Já entre os homens, sete deles estão na faixa
II. Quanto à distribuição diatópica, considerando que a Bahia compreende
sete mesorregiões (do Extremo Oeste, do Vale São Franciscano, do Centro
Norte, do Centro Sul, do Sul, do Nordeste, e a Metropolitana de Salvador),
o /r/ retroflexo é mais frequente na Mesorregião do Centro Norte e do
Centro Sul e na do Vale São Franciscano, não tendo sido registrado,
apenas, na Mesorregião do Extremo Oeste.
No Esboço de um Atlas linguístico de Minas Gerais – EALMG –
(Ribeiro et al., 1977), um dos corpora desta pesquisa, o [}] está registrado
em 51 pontos dos 116 investigados, sobretudo nas localidades que
compõem as zonas do Triângulo, Alto Paranaíba, Alto São Francisco,
Campos das Vertentes e Sul. Está, pois, na rota dos bandeirantes do século
XVIII, que iam à busca de ouro e de pedras preciosas pelos caminhos do
atual território mineiro em direção a Cuiabá.
Quanto aos registros em Lavras, ponto 89 do EALMG, nosso objeto
de estudo neste artigo, a variante retroflexa foi registrada nas cartas 2
(arco-íris) e 3 (arco da velha). A carta 8 (mormaço) traz o /r/ vibrante velar
sonoro e a de nº 29 (salto mortal) o mesmo informante realiza o rótico
como vibrante alveolar sonoro. Esta oscilação no mesmo informante está
documentada na carta 47, que trata da isófona do [}], na qual Lavras,
ponto 89, se situa na área de intersecção da predominância do [}] e sua
alternância com outras variedades de /r/. É importante lembrar que,
para o EALMG, foi entrevistado um informante principal em cada
localidade, havendo casos em que, além deste, puderam os pesquisadores
contar com um ou dois informantes auxiliares cuja função era ratificar a
fala do principal. No caso de Lavras, consta um único informante, nascido
na localidade, com pais também naturais de Lavras, de 36 anos de idade
e com primário incompleto.
No Atlas linguístico de Sergipe – ALSE – (Ferreira et al., 1987) e no
Atlas Linguístico de Sergipe II – ALSE II – (Cardoso, 2005), o /r/ retroflexo
está sistematicamente documentado nos pontos 61 (Brejo Grande), 62
(Propriá), 64 (Gararu) e 65 (Curralinho), os dois primeiros na
microrregião de Propriá e os dois últimos na microrregião do Sertão
Sergipano do São Francisco. As cartas do ALSE, em que o /r/ está em
coda e se realiza como [}] nessas localidades, são as de nº 3- arco-íris; carta
4- outras designações para arco-íris (a[}]co-da-velha e a[}]co-celeste); carta
13- ma[}]gem; carta 17- onda (ca[}]neiro e carneiro de ma[}]), 45- papa
grossa de farinha de mandioca (esca[}]dado forma roticizada de escaldado),
carta 50- cinza ainda quente (resca[}]do por rescaldo), 65- ca[}]canhar, 69soutien (po[}]ta-seio, co[}]pinho, co[}]pete), 79- olho esbugalhado
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Artigos Inéditos
(esbu[}]gado), 84- tipo de mestiço de pele preta, cabelo liso (cabo ve[}]de), 94abo[}]to, (97- cisco que cai no olho (a[}]gueiro), 99- conjuntivite (do[}]dólho,
do[}]dóio, do[}]dói), 113- cambalhota (sa[}]to mo[}]ta, 137- designações
do boi conforme a idade – 2ª fase (ma[}]mote por mamote), 144- onde se põe
o gado a pastar (so[}]ta por solta), 147- rabo do cavalo (ca[}]da por cauda).
Alguns registros de [}], alternando com o velar, ocorrem ainda nos pontos
52 Tomar do Geru e 53 Estância, que integram as microrregiões do Sertão
do Rio Real e do Litoral Sul Sergipano, nas cartas 65, 69, 94, 97 e 137,
sempre na voz masculina, ou seja, a do informante B. Quanto ao ALSE II,
com registros de /r/ retroflexo, temos os pontos já mencionados: 62, 64
e 65, sobretudo este último, conforme se comprova com as cartas de nº
33- bolha de queimadura (bo[}]bulha, ba[}]bulha), 40- calça de comprimento
aquém do normal (sa[}]ta riacho), 47- corrente que se usa pendente no pescoço
(vo[}]ta), 49- pirão preparado com água em que se cozinham ovos (esca[}]dado,
esca[}]fado), 54- quarto de dormir (qua[}]to) e 91- cuíca (po[}]ca). Nessas
cartas, o [}] distribui-se de forma equilibrada nas falas feminina e
masculina. Quanto à variável externa, ponto linguístico, essas localidades
se situam ao longo do curso do rio São Francisco, via usada para a passagem
sul J norte dos bandeirantes e mineiros durante os séculos XVII e XVIII.
O Atlas linguístico do Paraná – ALPR- (Aguilera, 2009) traz nove
cartas mistas6 com o /r/ em coda silábica interna (terça, árvore, pernilongo,
hortelã, borboleta, arco-íris, lagarto, parteira e tuberculose), cinco com /l/ em
coda, interna ou externa, passível de roticização7 (alçapão, sol, girassol,
anzol e calcanhar) e duas cartas com r em coda final (coador8 e flor). As
nove cartas que trazem as variantes com o /r/ em coda silábica interna
mostram que o [}] predomina em quase todas as mesorregiões9, exceto
nos pontos 27 (Guaíra) e 32 (Marechal Cândido Rondon), na mesorregião
Oeste; 48 (Capanema) e 56 (Barracão), na mesorregião Sudoeste; e 54
(Curitiba), na mesorregião Metropolitana de Curitiba, nos quais o tepe
[R] é categórico. No ponto 49 (Dois Vizinhos), também na mesorregião
Sudoeste, o [}] concorre com o [R]. A maior frequência do [R] foi
observada nas palavras arco-íris, lagarto (largato), parteira e tuberculose. Do
6
O ALPR traz também uma carta sintética para a distribuição diatópica de parteira.
É alta a frequência do rótico, nessas palavras, na modalidade retroflexa; no entanto
deixamos de computar os casos por não se tratar de regra categórica no Paraná.
8
O zero fonético é o mais frequente na realização dessa variante.
9
O Paraná compreende dez mesorregiões geográficas: 1. Noroeste; 2. Centro-Ocidental;
3. Norte Central; 4. Norte Pioneiro; 5. Centro-Oriental; 6. Oeste; 7. Sudoeste; 8.
Centro-Sul; 9. Sudeste; 10. Metropolitana de Curitiba (www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/
base_fisica/relacao_mun_micros_mesos_parana.pdf). Acesso em 05/03/2011.
7
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ponto de vista histórico, o Paraná passou por três grandes movimentos de
ocupação e povoamento a partir do século XVII: o primeiro refere-se ao
contato intenso entre os paulistas da Capitania de São Vicente e os
indígenas do grupo tupi que habitavam onde hoje se acham, atualmente, as
cidades que compõem as mesorregiões Metropolitana de Curitiba, Centro
Oriental, Centro Sul e Sudeste Paranaense, desde as primeiras entradas até
meados do século XIX; o segundo, com a chegada de mineiros e paulistas,
no final do século XIX, à atual mesorregião do Norte Pioneiro; e o terceiro,
com dois grandes movimentos: um de mineiros e paulistas em direção ao
norte do estado e o outro, do sul para o oeste, pelos gaúchos e catarinenses,
descendentes de imigrantes alemães, poloneses e italianos. Os dois primeiros
grupos tinham como variante dialetal o [}] e o último o [R] ou [r] em coda
silábica. O contato entre ambos propiciou a expansão da primeira variante
para todas as regiões paranaenses.
No Atlas linguístico do Mato Grosso do Sul – ALMS (Oliveira et al.,
2008), o retroflexo é a norma em todos os pontos da rede.
No Atlas linguístico e etnográfico da Região Sul – ALERS (Koch et al.,
2002), cinco cartas oferecem o contexto de /r/ em coda: 49 (gordura), 50
(corta), 51 (corda), 52 (fervendo) e 53 (calor). No Paraná, foram investigados
100 pontos linguísticos; em Santa Catarina, 80; e, no Rio Grande do Sul,
95 pontos, totalizando 275 localidades e o mesmo número de informantes,
uma vez que só foi inquirido um informante por localidade, no caso um
homem.
Altenhofen (2005, p. 188-189), com base nas cartas do ALERS,
analisa a distribuição do /r/ retroflexo, talvez a marca linguística mais
significativa na área, juntamente com outros traços fonéticos,
que formam um grupo de isoglossas que avançam, em forma de
cunha, na direção sul (de Santa Catarina), seguindo o Corredor
de Lajes, por onde passavam as antigas rotas migratórias dos
paulistas, no comércio de gado com o gaúcho rio-grandense.
Continuando em sua análise sobre a influência de fatores históricoeconômicos na disseminação dos traços do falar paulista sobre a fala dos
estados do Sul, Altenhofen (2005, p. 189) pondera:
Embora nos falte uma visão mais clara que complemente os mapas
do ALERS na área de São Paulo, parece evidente uma influência
paulista nesse movimento, iniciado a partir das antigas rotas de
tropeiros nos séculos XVII e XVIII.
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Artigos Inéditos
O Quadro 1 permite visualizar a produtividade da variante
retroflexa em cada palavra investigada e em cada um dos três estados da
região Sul, no ALERS:
Quadro 1
Carta tema /Estado
49. gordura
50. corta
51. corda
52. fervendo
53. calor
Paraná
35%
65%
65%
39%
46%
Santa Catarina
2%
22,5%
30%
4%
2%
Rio G. do Sul Região Sul
1%
15%
0,5%
22,5%
0,5%
20%
0%
15%
0%
18%
No Paraná, o /r/ retroflexo está presente em todas as mesorregiões,
principalmente no Norte Pioneiro e no Oeste. Dos 100 pontos paranaenses
investigados pelo ALERS, 72 deles apresentam esse rótico. Os dados
analisados, separadamente, demonstram que, na carta 49, a concentração do
[}] se dá nas mesorregiões do Norte Pioneiro e Norte Central; na carta 50
(corta) e 51 (corda), a retroflexão é significativa no Oeste e Sudoeste; na carta
52 (fervendo), as áreas de maior ocorrência compreendem o Norte Central,
o Noroeste, o Norte Pioneiro e a região Metropolitana de Curitiba; e, na
carta 53 (calor), os resultados são quase os mesmos da anterior, excluindo a
região Noroeste e acrescentando a Centro Sul.
Das 80 localidades investigadas pelo ALERS, no estado de Santa
Catarina, 23 apresentam a variante retroflexa. O ponto Chapecó, localizado
na microrregião Colonial do Oeste Catarinense, é o único que apresenta o
[}] nas cinco cartas; nas demais, este rótico ocorre com maior frequência nas
microrregiões de Planalto de Canoinhas (cartas 49, 50, 51 e 52), Colonial Rio
do Peixe (50, 51, 53) e Campo dos Curitibanos (carta 51). É importante ressaltar
que a área de maior concentração, ou seja, a região do Planalto de Canoinhas,
faz divisa com o sul do Paraná e as outras regiões citadas estão bem próximas
do estado paranaense, fato que pode ter propiciado a expansão do [}].
No que se refere ao Rio Grande do Sul, apenas 5 localidades,
espalhadas pelo estado, apresentam o /r/ retroflexo: Catuípe, São Luiz
Gonzaga, Soledade, Santa Cruz do Sul e Barra do Ribeiro.
2. O que dizem os dados coletados para o ALiB, no Paraná, em São
Paulo e em Lavras, no sul de Minas Gerais
O primeiro estudo com dados do ALiB em localidades do interior
foi feito por Aguilera (2009, p. 11-12), em 16 localidades paranaenses,
além da capital. A autora expõe que:
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Os dados do ALiB – PR apontam as seguintes direções do /r/ em
coda silábica: (i) o [}] se mantém resistente junto a falantes
urbanos na mesma proporção registrada anteriormente, em
coletas realizadas há cerca de duas décadas, em atlas de base
rural, como o ALPR e o ALERS; (ii) em apenas três das dezessete
localidades pesquisadas predomina o []: Barracão, Curitiba e
Toledo – e nestes dois últimos concorre com o [}], principalmente
na fala dos mais jovens; (iii) os casos de rótico em coda interna
mostram que há contextos mais favoráveis ao [}] em detrimento
de outros (...); (iv) a metátese, em encontros consonantais, é
pouco produtiva em palavras de uso mais frequente, com
produtividade mais acentuada na palavra braguilha>barguilha; (v)
os róticos em coda externa ora se mantêm, ora sofrem apócope,
principalmente nos verbos no infinitivo; os nomes mantêm, com
mais freqüência o rótico que se realiza, em sua maioria, como [}]
e, finalmente, (vi) os casos de roticização da líquida estão cada
vez mais raros.
Outro estudo sobre a distribuição dos róticos em coda, com dados
coletados para o ALiB, foi realizado por Castro (2009) em 38 localidades
do estado de São Paulo (capital e interior). A autora concluiu que, em
coda interna, 27% dos informantes da capital realizaram o /r/ retroflexo
e nas localidades do interior este percentual chegou a 93%. Em final de
palavra, observou 17% de realizações com [] entre os falantes paulistanos
e 92% entre os paulistas.
No estado de Minas Gerais, além da capital, o ALiB selecionou 22
localidades do interior das quais 20 coincidem com as do EALMG
(excetuam-se Pedra Azul e Ipatinga). Tomando como base a distribuição
do [] na carta 47 de isófona do EALMG, que mostra o /r/ retroflexo
presente em quatro mesorregiões: 1. Campo das Vertentes, 7. Oeste de
Minas, 8. Sul e Sudoeste de Minas e 9. Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba,
verificamos que os pontos do ALiB que se localizam nessas mesorregiões
são Lavras (Campo das Vertentes), Formiga (Oeste), Passos e Poços de
Caldas, (Sul/Sudoeste), Campina Verde, Patos de Minas e Uberlândia
(Triângulo Mineiro).
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Artigos Inéditos
Figura 1: As mesorregiões do estado de Minas Gerais (material
adaptado) Disponível em http: www.mapasparacolorir.via12.com/mapa/
estado/mg/estado-minas-gerais-mesorregioes-nomes.jpg. Acesso em 05/
03/2011
Embora a recolha dos dados para o ALiB, em Minas Gerais, já
esteja concluída em todas as localidades das quatro mesorregiões em que
ocorre o [], compusemos, para este estudo, o 2º corpus somente com os
dados obtidos em Lavras. O material sonoro foi recolhido em 2010 pela
equipe do ALiB-Paraná e compõe-se das entrevistas realizadas junto a
quatro informantes lavrenses, subdivididos por sexo, duas faixas etárias (I:
18 a 30 anos e Faixa II: 50 a 65 anos) e com o nível Fundamental de
escolaridade.
Quanto às perguntas selecionadas pelo Questionário FonéticoFonológico (QFF) dos Questionários do ALiB 2001 (Comitê 2001), para
descrever o /r/ em coda silábica, temos: (i) quinze perguntas cujas
respostas trazem o rótico em coda interna. São as questões 12 (torneira),
22 (gordura), 27 (fervendo), 39 (árvore), 46 (borboleta), 62 (tarde), 65
(catorze/quatorze), 92 (pernambucano), 105 (certo), 110 (perdão), 144
(perfume), 148 (dormindo), 150 (perdida), 152 (perguntar) e 158
(esquerdo); (ii) 13 questões com respostas em coda final, sendo nove
verbos no infinitivo: questões 18 (varrer), 36 (botar), 43 (montar), 80
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(trabalhar), 88 (rasgar); 146 (beijar), 151 (encontrar), 152 (perguntar),
153 (sair); e quatro nomes: 25 (colher), 26 (liquidificador), 61 (calor),
129 (mulher); (iii) 11 questões com /l/ em coda, passível de roticização:
17 (pólvora), 19 (almoço), 28 (sal), 45 (mel), 58 (sol), 89 (azul), 90
(Brasil), 93 (soldado), 98 (calção), 134 (alta), 143 (anel); além dessas, há
quatro questões cujas respostas trazem contextos com o encontro
consonantal /pr/ passível de metátese, como 3 (prateleira), 83 (prefeito),
107 (procissão) e 142 (braguilha).
No primeiro caso, isto é, dos róticos em coda silábica nas 15
variantes analisadas, os dados apontam que 48% dos informantes realizam
o [] enquanto 52% realizam o glotal [h] ou [˙]. Embora o corpus se
constitua de dados obtidos de um número reduzido de informantes e de
palavras, verificamos que árvore, catorze, perguntar e esquerdo são as palavras
que mais favorecem o [] e as que menos favorecem são gordura, fervendo,
certo, perfume e perdão. Quanto às variáveis sociais, observamos que tanto os
informantes da faixa I como os da faixa II alternam a realização de []
com [h/˙]. Entre os mais jovens, o [] representa 53% (16/30) e, entre
os idosos, 43% (13/30). Quando consideramos a variável sexo, os homens
realizam 60% (18/30) de [] e as mulheres 37% (11/30). O mais
interessante é que as maiores porcentagens de [] concentram-se na fala
do informante jovem com 100% (15/15) de realizações e na da informante
da faixa II com 67% (10/5).
No segundo caso, o rótico em final de palavra, na fala dos lavrenses
investigados, tem dois comportamentos: (i) em verbos no infinitivo, a
norma é a queda do /r/: 75% (27/36); (ii) nos nomes, a tendência é a
realização da glotal (50%), seguida da retroflexa (25%) e da queda do
/r/, também com 25%, que se dá apenas em liquidificador e mulher.
No caso de /l/ em coda, cuja roticização é bastante frequente,
sobretudo na linguagem rural, conforme enfatiza Amaral (1920, p. 52) e
documentam alguns atlas já publicados (APFB, ALPB, ALSE I e II, ALPR
I e II), em Lavras, neste contexto, a lateral se manteve nos registros dos
quatro informantes.
Finalmente, sobre as respostas com encontro consonantal, apenas
a da questão 142 para braguilha deu origem à metátese na fala de três
informantes: os informantes 2 e 3 que apresentaram a variante com a
glotal e a informante 4 com a retroflexa. No caso de prateleira/parteleira,
apenas o informante 1 apresentou a forma metatética e com o [}]. Nos
registros de prefeito e procissão, permaneceu a forma padrão, isto é, sem
metátese, na fala de todos os informantes.
Computando todos os registros de /r/ em coda, verificamos a
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Artigos Inéditos
ocorrência de 83 róticos distribuídos entre as variantes retroflexa e glotal,
esta última a mais recorrente, entre os lavrenses, seguida da retroflexa.
No gráfico 1, podemos observar os resultados gerais, isto é, sem a
interferência das variáveis linguísticas e extralinguísticas selecionadas para
este estudo.
Gráfico 1: Realização da retroflexa e da glotal nos dados do ALiB
coletados em Lavras – MG.
Esta oscilação entre a variante glotal e a retroflexa pode ser
documentada também com as cartas do EALMG, conforme expusemos
acima, do qual constam duas variantes de rótico em coda: a velar, que se
distribui pelas localidades situadas ao norte e centro-norte do estado, e a
retroflexa, que se concentra no sul e sudoeste mineiro. Nos dados do
ALIB, esta oscilação entre retroflexa e consoante posterior, no caso a
glotal, ainda permanece, uma vez que esta detém 54% dos registros e
aquela 46%.
Esses dados, para melhor visualização, agora tratados segundo as
variáveis sexo e faixa etária, são apresentados nos gráficos 2 e 3.
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Gráfico 2: Produtividade dos róticos segundo a variável diassexual
Os dados coletados para o ALiB, em Lavras, são favoráveis à glotal
tanto na fala masculina como na feminina, as mulheres apresentando um
percentual mais elevado dessa variante que os homens. A retroflexa se
mostra, discretamente, mais produtiva na fala dos homens.
Comparando a fala dos jovens (faixa I) com a dos menos jovens
(faixa II), elaboramos o Gráfico 3:
100
Gráfico 3
80
60
55
63
Homens
44
37
40
Mulheres
20
0
Glotal
Retroflexa
Os dados agora mostram que os jovens, com uma diferença de 10%
sobre a glotal (45%), são mais favoráveis à retroflexa (55%) que os da Faixa
II, que registram a glotal em 62% dos dados contra 38% da retroflexa.
Embora os dados sejam bastante reduzidos, submetemos os casos
de /r/ em coda (interior e final de palavra) ao tratamento do Goldvarb
para verificar se haveria alguma distorção se comparados com os dados
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Artigos Inéditos
percentuais. O programa indicou a variante do /r/ mais recorrente na
localidade estudada e as variáveis linguísticas e extralinguísticas que
propiciaram as ocorrências do [}], conforme expomos na sequência.
As variáveis linguísticas que nortearam a análise foram o contexto
interno e externo do rótico e a classe de palavras a que pertencia o
vocábulo, isto é, nomes e verbos. Já as extralinguísticas referem-se à idade
e ao sexo dos informantes.
2.1 Análise segundo as variáveis linguísticas
O programa apontou que a significância das variáveis linguísticas
não foi relevante para a recorrência do [}], pois, de acordo com as
diretrizes do Goldvarb 2001, se o peso relativo for superior a 0,50,
considera-se como favorável à aplicação da regra; se for inferior a 0,50, é
pouco favorável; e se for exatamente 0,50, ou próximo dele, é neutro.
Vejamos os números na Tabela 1.
Tabela 1: Peso relativo das variáveis linguísticas na realização do [}]
Variáveis Linguísticas
Contexto Interno
Contexto Externo
Verbos
Nomes/substantivos
Peso relativo
0,530
0,327
0,504
0,499
Como podemos observar na tabela 1, o contexto interno tende a
favorecer a ocorrência do /r/ retroflexo, embora se manifeste fracamente;
o contexto externo, por sua vez, não se mostrou favorável ao [}]. Quanto
à classe de palavras, tanto os verbos quanto os nomes estão muito próximos
da neutralidade.
2.2 Análise segundo as variáveis extralinguísticas
Quando os dados são submetidos às variáveis extralinguísticas, os
resultados apontam influências diassexuais e diageracionais no uso do [}].
Tabela 2: Peso relativo das variáveis extralinguísticas
Variáveis Extralinguísticas
Sexo mas culino
Sexo feminino
Faixa etária 50- 65
Faixa etária 18- 30
P eso relativo
0,605
0,402
0,432
0,581
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Os pesos relativos retratados na tabela 2 indicam que os homens
são mais sensíveis à utilização da variante retroflexa (PR=0,605), seguidos
dos jovens (PR=0,581).
Como o universo de nossa pesquisa é bastante restrito, uma
pesquisa mais ampla poderá trazer resultados mais significativos para a
análise. O que chama a atenção, porém, é que, isoladamente, conforme
expusemos acima, o homem jovem e a mulher idosa são os que mantêm
o /r/ retroflexo. Seria uma constatação contraditória se não
considerássemos que a produtividade do [}] no sul mineiro, na década
de 70, já estava em variação, pelo menos na fala daquele único informante
(o jovem do EALMG). Hoje, decorridos mais de 30 anos, a informante de
56 anos (da faixa II do ALiB) ainda preserva a retroflexa na maior parte
dos registros, sugerindo que a implementação da glotal nos diversos níveis
sociais (escolaridade), nas várias faixas etárias e em ambos os sexos, se
ocorrer, a mudança ainda se fará de forma lenta.
A manutenção dessa alternância entre [}] e [h] fica muito evidente
quando verificamos que o homem jovem realiza exclusivamente a variante
retroflexa; na fala da mulher jovem é a glotal que prevalece, embora a
retroflexa não esteja totalmente descartada em seus registros (15% no
total de dados).
Por um lado, se admitirmos, como López Morales (1993, p.126),
que “la lengua refleja este hecho social: el habla de las mujeres no sólo
es diferente al habla de los hombres sino que es mejor socialmente
hablando”, teremos que propor pesos diferentes para descrever as variantes
de ambas as mulheres (da faixa I e da faixa II) e igualmente para os
homens de faixas etárias diferentes, já que ambos apresentaram tendências
extremamente opostas na realização do rótico em coda: o 1º com 100%
de retroflexo e o 2º com 82% de glotal.
A pergunta que fazemos: ‘se essa variante, em posição de coda
silábica, está perdendo espaço para outros registros de rótico no PB’
ainda deve permanecer sem resposta, uma vez que sobre a língua são
múltiplos os fatores que podem direcionar para a mudança, para a variação
ou para a manutenção de alguns aspectos, sejam eles fonéticos, lexicais
ou morfossintáticos.
Sobre este questionamento, é interessante verificar a resposta dada
pela informante idosa sobre a questão 4 das perguntas metalinguísticas
dos Questionários do ALiB (Comitê, 2001, p. 46). A entrevistadora indaga
se em outros lugares do Brasil fala-se diferente de Lavras e a informante
comenta que, em alguns lugares, falam. O diálogo prossegue da seguinte
forma:
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INQ.: E aqui as pessoas falam [pç}ta]?
INF.: Fala, algumas fala [pçhtå].
INQ.: Ah tá, não é todo mundo?
INF.: Não.
INQ.: E você, qual você acha mais bonito? Falar [pç}ta] ou falar [pçhtå]?
INF.: Eu acho [pçhtå], [pç}ta] eu acho muito... [...] mais grosseiro né, a
gente fala mais grosseiro né.
INQ.: Você acha?
INF.: Eu acho, [pçhtå] é mais delicado [...] agora, [pç}ta] é mais grosseiro né.
Verificamos que existe uma atitude negativa diante da variante
retroflexa por parte dessa informante, embora seja a variante que
predomina em sua fala. Tal fenômeno se deve, muitas vezes, ao fato de as
pessoas crerem que, se produzirem o [}], serão vistas com menos prestígio
na sociedade ou, até mesmo, serão julgadas como “caipiras”. Trata-se,
portanto, de atitudes baseadas em componentes subjetivos, baseados no
falar feio ou bonito, falar delicado ou grosseiro.
3. Algumas considerações finais
Como objetivo para este artigo, propusemos analisar a situação da
variante retroflexa em Lavras-MG, a partir dos dados coletados para o
ALiB, comparando-os com aqueles obtidos no final da década de 70 para
o EALMG. Antes, porém, consideramos importante apresentar o grau de
vitalidade e de distribuição diatópica de cada variante rótica em coda, em
alguns atlas estaduais e no único atlas regional de que dispomos.
Verificamos que, no EALMG, as cartas que traziam o /r/ em coda já
apontavam, no mesmo e único informante, uma oscilação entre o /r/
retroflexo e outro realizado na porção posterior da cavidade bucal – o /r/
velar, variante que se irradiava para o norte, oeste e leste do Estado.
Nos dados atuais, coletados para o ALiB em Lavras, permanece a
mesma oscilação, agora entre o retroflexo e o glotal, com a ressalva de aquele
ter sido mais produtivo na fala do homem jovem e na da mulher idosa. Esta,
apesar de produzir, predominantemente, o [}], demonstra sua deslealdade
linguística ao avaliar esta variante como feia e grosseira, portanto, estigmatizada
na comunidade lavrense. Esta atitude de desprestígio em relação ao retroflexo
pode ser um fator que vá desencadear a diminuição da força dessa variante,
caso outros fatores mais relevantes não intervenham. Só o tempo, porém, e
pesquisas mais verticais na localidade poderão dizer da caminhada futura do
[}] pelas veredas de Minas Gerais.
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Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: ...
Resumo
O fato de sociolinguistas considerarem o /r/ retroflexo
ou caipira como estereótipo, uma forma estigmatizada
pelos falantes do Português Brasileiro (Tarallo, 1985), e
esta variante de rótico estar distribuída, principalmente,
pelo interior de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do
Sul, parte dos estados do Mato Grosso, Goiás e Minas
Gerais, nos leva a indagar se essa variante, em posição
de coda silábica, está perdendo espaço para outros
registros de rótico no PB. Para responder a questão,
propomos um estudo acerca da ocorrência do /r/
retroflexo na fala sul mineira, alicerçado em dois
corpora: o primeiro constituído dos registros nas cartas
do Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais –
EALMG – (Ribeiro et al., 1977), em 51 municípios; e
o segundo, com os dados coletados recentemente para
o Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), em Lavras, no sul
de Minas Gerais, localidade em que o /r/ retroflexo
era bastante produtivo no atlas de 1977. Passados mais
de 30 anos entre ambas as recolhas, propomos: (i)
verificar, nas respostas dadas aos Questionários
Fonético-Fonológico (QFF) do ALiB, nessa localidade,
a manutenção e/ou mudanças que possam ter ocorrido
em relação à frequência de uso do /r/ retroflexo; (ii)
discutir, à luz dos pressupostos teórico-metodológicos
da Sociolinguística Variacionista, as possíveis causas da
manutenção ou da mudança no registro oral dos
falantes atuais no que se refere ao /r/ retroflexo, tendo
em conta variáveis linguísticas e extralinguísticas.
Palavras Chave: /r/ retroflexo; Atlas Linguístico do
Brasil; Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais
Abstract
The fact that sociolinguists stereotype the retroflex /r/,
considered a stigmatized form by speakers of Brazilian
Portuguese (Tarallo, 1985), and that this variant is
distributed mainly through the interior of São Paulo,
Paraná, Mato Grosso do Sul, parts of the states of Mato
Grosso, Goiás and Minas Gerais, made us question
whether this variation is losing ground to other
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recorded rotic in BP. In order to answer this question,
we propose a study on the occurrence of the retroflex
/r/ in the speech in southern Minas Gerais, based on
two corpora: the first one consists in the the maps of
the Outline of a Linguistic Atlas of Minas Gerais –
EALMG – (Ribeiro et al., 1977), in 51 cities; and the
second one is the data recently collected for the
Linguistic Atlas of Brazil (ALiB), in Lavras, south of
Minas Gerais, place where the retroflex /r/ proved to
be very productive in the records of the 1977 Atlas.
After more than 30 years between the two collections,
the aim of this study is to: (i) analyze the replies to the
ALiB’s Phonetic-Phonological Questionnaire (QFF) in
this city to check if the occurences of the retroflex /r/
are maintained or if there has been changes in relation
to its frequency; (ii) discuss, on the basis of the
theoretical and methodological assumptions of
Sociolinguistic Variation, the possible causes of the
maintenance or change in the speech of the speakers
with regard to the retroflex /r/, taking into account
linguistic and extralinguistic variables.
Keywords: retroflex /r/; Linguistic Atlas of Brazil;
Outline of a Linguistic Atlas of Minas Gerais.
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A variação lexical nos campos semânticos corpo humano
e ciclos da vida: o que revelam os dados do Projeto
Atlas Linguístico do Brasil
Marcela Moura Torres Paim1
1.
Introdução
É no léxico que se encontra uma grande
variedade regional e sociocultural do português do
Brasil. Assim, o léxico pode apresentar um papel
importante em termos de variação e mudança de uma língua.
Este artigo, inserido na esfera dos estudos lexicais realizados com
base nos dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), tem como
objetivo investigar como a linguagem de indivíduos apresenta marcas
linguísticas específicas que constroem, mantêm e projetam a identidade
de faixa etária a partir da utilização do léxico como fator diageracional
dos indivíduos no grupo etário do qual fazem parte. Assim, serão analisados
os itens do Questionário Semântico Lexical do Projeto ALiB referentes
aos campos semânticos corpo humano (conjuntivite/dor d’olhos) e ciclos
da vida (menstruação e entrar na menopausa), a partir do repertório
linguístico de informantes da faixa I (18-30 anos) e faixa II (50-65 anos),
com o intuito de verificar a seleção lexical realizada por distintas faixas
etárias das diferentes capitais do país.
Este trabalho se justifica pelo fato de o léxico possibilitar a
observação da leitura que uma comunidade faz de seu contexto e a
preservação de parte da memória sócio-histórica e linguístico-cultural da
comunidade, além de permitir o registro e a documentação da diversidade
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Professora e Pesquisadora da UFBA
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Artigos Inéditos
lexical e geolinguística do português falado no Brasil. Realizar este
trabalho também vem a contribuir para o objetivo mais amplo do Projeto
ALiB: “descrever a realidade linguística do Brasil, no que tange à língua
portuguesa, com enfoque prioritário na identificação das diferenças
diatópicas (fônicas, morfossintáticas, léxico-semânticas e prosódicas)
consideradas na perspectiva da geolinguística” (Cardoso, 2010, p. 169).
2. O léxico: espaço de interação entre o indivíduo e a sociedade
Conforme assinala Marcuschi (2003), a língua é um fenômeno
heterogêneo, variável, indeterminado sob o ponto de vista semântico e
sintático e que está situado em contextos concretos tais como o texto e o
discurso. Esse caráter dinâmico encontra um campo para aumentar as
fronteiras do domínio do repertório linguístico de muitas sociedades no
nível lexical. É justamente nesse nível de análise da língua que pode
haver a construção, projeção e manutenção da maneira como os falantes
concebem o mundo, no qual vivem, bem como a sua interação com todas
as esferas da sociedade, adequando-se aos mais variados contextos das
situações comunicativas.
O conhecimento consciente de uma língua (por quem dela queira
ser mais do que utilizador) implica o reconhecimento dessa dinâmica
diversificante que torna qualquer língua resistente à normalização. De
fato, as variantes normativas são, como as não normativas, eventualmente
passageiras, mudando ao longo do tempo o modo como os falantes lidam
com os mesmos fatos linguísticos.
A primeira questão que se coloca ao estudar as variedades linguísticas
é a de fixar o próprio conceito de variedade. Para Hudson (1981), uma
variedade linguística é uma manifestação de um fenômeno chamado
linguagem que se define como um conjunto de elementos linguísticos de
similar distribuição social. Dentro desta definição, ficam incluídas as línguas
de um falante ou de uma comunidade de fala, os dialetos e qualquer outra
manifestação linguística na qual se possa observar um determinado uso ou
valor social. Segundo o referido autor, as variedades linguísticas, assim
definidas, revelam problemas consideráveis na hora de distinguir variedades
da mesma classe (uma língua de outra, um dialeto de outro) e para a
delimitação de diferentes tipos de variedades (língua de dialeto).
Diferentemente de Hudson (1981), Ferguson (1971) propôs uma
definição de variedade com um caráter mais concreto. Para este, uma
variedade é um conjunto de padrões linguísticos suficientemente
homogêneo para ser analisado mediante técnicas linguísticas de descrição
sincrônica; tal conjunto estaria formado por um repertório de elementos
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e poderia operar em todos os contextos de comunicação. Assim, segundo
essa definição, seriam variedades as línguas, os dialetos, mas talvez não o
seriam os estilos, que poderiam interpretar-se, em todo caso, como
manifestação de uma determinada variedade.
Sobre o conceito de variedade, Moreno Fernández (1998) comenta
que muitos estudiosos trabalham com definições amplas e outros com
definições mais restritas, mas que ele prefere visualizar as variedades como
conjunto de elementos ou de padrões linguísticos associados a fatores
externos, sejam contextos situacionais, profissionais, sociais ou geográficos.
Nesse sentido, Moreno Fernández (1998) explicita que, ao
identificar um fenômeno de variação, as perguntas que surgem de modo
imediato, em qualquer nível linguístico, são relacionadas ao porquê e à
sua origem. Para responder a tais questões, estudiosos da língua requerem
auxílio de disciplinas como a Dialetologia ou a Sociolinguística porque
é habitual que haja fatores extralinguísticos implicados na variação: fatores
como a geografia (variação geográfica), a história (variação histórica) ou
a situação comunicativa, em seu sentido mais amplo (variação estilística).
Todos esses fatores podem ser responsáveis ou explicar muitos casos de
variação linguística.
Diante desse quadro, é possível chegar à seguinte pergunta: o que
é que se busca ao estudar a variação lexical? Sobre essa questão, Moreno
Fernández (1998) expõe o fato de que a variação lexical objetiva explicar
o uso alternante de certas formas léxicas em umas condições linguísticas
e extralinguísticas determinadas, podendo-se buscar identificar o léxico
característico dos diferentes grupos sociais como, por exemplo, o léxico
de faixa etária, de profissão etc.
Como mostra o referido autor, as dificuldades nas análises de
variação lexical existem e isso é possível visualizar no momento de
descobrir quais variáveis sociais ou estilísticas explicam o uso de certas
variáveis lexicais, além da dificuldade de coletar dados válidos e suficientes
do discurso falado e, por outro, de demonstrar que certas variantes léxicas
são realmente formas alternantes de uma mesma variável.
Para descobrir que tipo de léxico caracteriza os grupos sociais
que formam uma comunidade, existem vários itinerários metodológicos.
Um deles é o estudo de corte etnográfico, mediante a convivência
continuada dentro de um grupo social ou a observação direta dos
discursos. Este procedimento tem um enorme interesse, especialmente
se a intenção é fazer uma análise qualitativa, isto é, determinar quais são
os itens lexicais que aparecem de forma característica em cada grupo
social.
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Outra possibilidade metodológica, para o estudo da variação do
léxico, é a entrevista, que pode servir para o pesquisador induzir ou provocar
amostras da variação lexical em estudo. Esta forma de coleta de dados revelase a mais satisfatória para os estudos quantitativos por proporcionar o
surgimento de certas unidades léxicas em uma quantidade determinada.
Assim, considerando a linguagem enquanto um fenômeno
heterôgeneo e uma atividade social, histórica e cognitiva, admite-se, como
Marcuschi (2004), que ela seja passível de análise e observação. Dessa
forma, entender é sempre buscar compreender no contexto de uma
relação com o outro situado numa cultura e num tempo histórico e esta
relação sempre se acha marcada por uma ação.
Sobre essa questão, Biderman (1984) esclarece que o léxico de
uma língua engloba o conjunto de signos linguísticos por meio dos quais
o homem não só se expressa, se comunica, mas também cria novos
conhecimentos e/ou assimila conhecimentos que outros homens criaram,
não só na sua civilização mas também em outras civilizações. Por isso, as
categorizações e suas denominações linguísticas com algum item lexical
podem ser diversificadas, devendo, portanto, ser analisadas em seus
contextos etnográficos, seus cenários, seus personagens e assim por diante.
Segundo Fiorin (2000), o léxico de uma língua é constituído da
totalidade das palavras que ela possui, o que permite verificar o grau de
desenvolvimento social de um povo, a partir do momento em que mostra
a quantidade e o tipo de conhecimentos que ele detém. Nessa perspectiva,
ambos, emissor e receptor, são ativos a ponto de “ter de se admitir que
a ‘chave’ (o código) que permite realizar as operações de codificação e
decodificação, isto é, pôr em correspondência significantes e significados,
é em parte construída no curso do desdobramento da interação” (KerbratOrecchioni, 1995). Não se nega, evidentemente, que as relações
comunicativas venham presididas por regras relativamente estáveis, mas
estas são constantemente reelaboradas, pois a produção de textos é um
processo criativo, na medida em que são criadas novas entidades que
anteriormente não existiam.
Sobre esse aspecto, Coulon (1995) comenta que as palavras se
mantêm, do ponto de vista semântico, abertas e com limites indefinidos;
afinal, a cada novo contexto, os falantes se deparam com o desafio de
redefinir o sentido de uma determinada palavra em uso. Na construção
do texto falado, por exemplo, os falantes estão constante e
conscientemente empenhados na mútua compreensão e nos objetivos da
comunicação. É justamente esse esforço que instala procedimentos que
explicitam o trabalho da seleção lexical na enunciação.
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Assim, com o objetivo de produzir os sentidos desejados, vai o
enunciador explicitando – em função do conhecimento que ele tem do
interlocutor e das reações e intervenções linguísticas e paralinguísticas
deste – o processo de escolha lexical, na tentativa de construir com ele
uma proposta de compreensão.
Em síntese, diante do exposto, a seleção lexical não é uma tarefa
unilateral do falante na procura da melhor formulação para transmitir a
sua informação ao ouvinte. Ela consiste, portanto, no trabalho do falante,
determinado pelo ouvinte, em construir o sentido dos enunciados. E os
sentidos são construídos em função de um fazer interpretativo do ouvinte.
Também, do lado desse, não se verifica uma atuação isolada por meio da
qual lhe caberia inferir de maneira isolada um conteúdo remetido pelo
falante. Assim, o processo da seleção lexical, particularmente na construção
do texto falado, se explica e se estende neste fazer convergente de
produzir sentidos e construir a compreensão.
Mondada (1997) observa que a referência é parcialmente fixada
pelo próprio contexto já que, para conhecer a significação de uma palavra,
é preciso saber utilizá-la num discurso. Dessa forma, o conhecimento da
língua é um conhecimento que deve ser público, no sentido de que deve
circular socialmente, mas os fatos em si são outra questão. Acerca desse
aspecto, a referida autora afirma que a significação é interacional, pois o
entorno em si mesmo exerce um papel na determinação do que designam
as palavras de um locutor ou de uma comunidade.
A sugestão da autora permite dizer que a cultura, os artefatos, os
instrumentos produzidos por uma comunidade formam um todo que se
expressa no discurso e tem no sistema simbólico uma contraparte
importante. Sendo assim, o conhecimento lexical se dá não na forma de
uma lista de itens e sim na forma de uma rede de relações. E no interior
dessa rede não há isolamento e sim distribuição do conhecimento, pois
o léxico é um todo em que os elementos se integram com a cultura e as
ações ali praticadas. Essa distribuição do conhecimento é essencial e
fundamental, pois sem isso, não haveria entendimento intersubjetivo.
Portanto, pode-se defender que o léxico em funcionamento na língua é
uma questão de conhecimento distribuído.
Como produtores ou intérpretes de discursos, os falantes são
sempre confrontados com o que Williams (1976, p. 19) chama de “‘grupos’
de palavras e significados, ao contrário de palavras e significados isolados”.
Afinal, a relação das palavras com os significados é de muitos para um e não
de um para muitos, em ambas as direções. Isso significa que, como produtores
de discurso, os falantes encontram-se diante de opções sobre como utilizar
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uma palavra e como expressar um significado através das palavras, e como
intérpretes sempre se deparam com decisões sobre como interpretar as
escolhas que os produtores fizeram (que valores atribuir a elas).
Falar de uma multiplicidade de meios de expressar um significado,
no entanto, conduz ao entendimento equivocado de que os significados
são atribuídos antes de serem postos em palavras de várias maneiras, e de
que eles são estáveis em várias palavras. Seria mais produtivo dizer que há
sempre formas alternativas de significar – de atribuir sentido a – domínios
particulares de experiência, o que implica ‘interpretar’ de uma forma
particular, de uma perspectiva teórica, cultural ou ideológica particular.
Perspectivas diferentes sobre os domínios da experiência implicam formas
diferentes de expressar essas experiências.
Dessa forma, é possível observar que a Geolinguística
Pluridimensional vê na utilização do léxico um instrumento que lhe
permite estabelecer estratificações diatópicas de acordo com os fatores
sociais enfocados. Em especial, como enfatiza essa pesquisa, a variação
diageracional, revelando a seleção lexical dos informantes de acordo com
a faixa etária a que pertencem.
3. O que revelam os dados do Projeto ALiB
Antes de apresentarmos os dados, faz-se necessário abordar os
procedimentos metodológicos que direcionaram a pesquisa.
O cenário da pesquisa é um recorte da rede de pontos do Projeto
Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB), um empreendimento de grande
amplitude, de caráter nacional, em desenvolvimento, que tem por meta
a realização de um atlas geral no Brasil no que diz respeito à língua
portuguesa, desejo que permeia a atividade dialetal no Brasil desde o
começo do século XX e ganha uma atenção especial nesse final/começo
de milênio, a partir de iniciativa de um grupo de pesquisadores do Instituto
de Letras da Universidade Federal da Bahia.
A manifestação em favor da elaboração de um atlas linguístico
brasileiro remonta a 1952, quando se estabeleceu, através do Decreto
30.643, de 20 de março, como principal finalidade da Comissão de
Filologia da Casa de Rui Barbosa, a elaboração do atlas linguístico do
Brasil. As dificuldades de variada ordem levaram os dialetólogos brasileiros
a iniciarem o trabalho de mapeamento linguístico do Brasil pela realização
de atlas regionais.
A ideia do Atlas Linguístico do Brasil foi retomada por ocasião do
Seminário Nacional Caminhos e Perspectivas para a Geolinguística no
Brasil, realizado em Salvador, na Universidade Federal da Bahia, em
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novembro de 1996, com a participação de dialetólogos brasileiros e do
Diretor do ALiR (Atlas Linguistique Roman), Prof. Michel Contini
(Grenoble). Naquela ocasião foi criado um Comitê Nacional, integrado
pelos autores dos cinco atlas linguísticos regionais já publicados e por um
representante dos atlas em andamento. Atualmente, o Comitê Nacional é
constituído por uma Diretora Presidente, Suzana Alice Marcelino da Silva
Cardoso (UFBA), uma Diretora Executiva, Jacyra Andrade Mota (UFBA),
sete Diretores Científicos, Abdelhak Razky (UFPA), Maria do Socorro Silva
de Aragão (UFPB), Ana Paula Antunes Rocha (UFOP), Vanderci de
Andrade Aguilera (UEL), Aparecida Negri Isquerdo (UFMS), Felício
Wessling Margotti (UFSC) e Cléo Vilson Altenhofen (UFRS).
O Projeto ALiB fundamenta-se nos princípios gerais da
Geolinguística contemporânea, priorizando a variação espacial ou
diatópica e atento às implicações de natureza social que não se pode, no
estudo da língua, deixar de considerar. Assim, o projeto objetiva mapear
o Brasil com base em dados coletados em 250 pontos, representativos de
todas as regiões, e recolhidos, in loco, a 1.100 informantes, distribuídos
equitativamente por duas faixas etárias — 18 a 30 anos e 50 a 65 anos —,
pelos dois gêneros e, nas capitais de Estado, em número de 25 (as capitais
Palmas, Estado de Tocantins, e Brasília, Distrito Federal, se excluem por
questões metodológicas em virtude de serem cidades recém-criadas), por
dois níveis de escolaridade — fundamental e universitário —, ficando os
demais pontos da rede com apenas informantes do nível fundamental.
Ao atingir, até o momento, a recolha de dados em 83,6% da rede
programada, algumas considerações iniciais já podem ser feitas sobre áreas
dialetais brasileiras. Nesse sentido, apresentam-se neste trabalho, de forma
ilustrativa, resultados que mostram a diversidade de usos vinculada a áreas
específicas, mas também relacionada a fatores sociais.
Assim, nesta pesquisa, serão considerados fatos relacionados à
diversidade diatópica e à diferenciação diageracional, não se incluindo,
para este momento, a diferenciação diagenérica ou diastrática, embora,
no levantamento e análise dos dados, essas variáveis sociais tenham sido
controladas sistematicamente.
Os resultados que se apresentam fundamentam-se em levantamentos
no corpus do Projeto ALiB, especificamente nas capitais de Estados.
Para as ilustrações da variação lexical nas capitais do Brasil, a carta
linguística a seguir mostra os resultados obtidos.
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Figura 1: Designações para conjuntivite/dor d’olhos
A Figura 1 mostra um total de 10 designações referentes à questão
95 do questionário semântico-lexical (QSL), a saber: conjuntivite, dor d’olho,
sapatão, gripe nas vistas, bonitinho, constipação, gripe na cabeça, inflamação,
doença ocular e olho inflamado. Essas variantes possuem estruturas
diferenciadas, algumas são lexias simples, como conjuntivite, sapatão ou
bonitinho, e outras são compostas como gripe na cabeça ou olho inflamado.
Dessas variantes lexicais, apenas conjuntivite é comum às capitais
pesquisadas. As demais formas, assim como a ausência de resposta,
encontram-se distribuídas entre as capitais. Como pode ser visualizado,
sapatão está em duas áreas muito próximas, São Luís e Teresina, e a variante
lexical dor d’olho está no Nordeste quase todo, em duas capitais do Centro
Oeste e mais em Vitória, Curitiba e Florianópolis.
Do ponto de vista diageracional, a variante lexical dor d’olho é
sinalizada no discurso dos informantes como uma variante típica de
informantes mais velhos, já conjuntivite é apontada nos exemplos como a
maneira mais atual de falar, como demonstram os exemplos.
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A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ...
Exemplo 1:
(095)
INQ.- Como se chama aquela inflamação no olho que faz com
que o olho fique vermelho, amanheça grudado?
INF.- Conjuntivite.
INQ.- Mas o nome popular?
INF.- Mas, antigo também, as pessoas chamam dor d’olhos.
INQ.- Esse é o mais comum, não é?
INF.- Não, conjuntivite é o mais comum.
INQ.- Se eu perguntar pras pessoas mais da periferia?
INF.- Olha, talvez não... eu acho que sim, eu acho que a ideia do
dor d’olhos é uma ideia mais de um, de um, um traço de idade do que um
traço de, de nível sócio-econômico... (Inq 190-08- Vitória)
Exemplo 2:
(095)
INQ.- E aquela inflamação no olho que faz com que o olho fique
vermelho, amanheça grudado?
INF.- Aqui é chamado de dor d’olho... alguns fala conjuntivite por aí,
né? Mas o pessoal...
INQ.- ... mas aqui é...
INF.- ... mas antigamente era dor d’olho, agora que tá mudando,
chama conjuntivite. Conjuntivite, que o povo fala, né?
INQ.- Ahã.
INF.- Mas é dor d’olho. (Inq 108-05-Cuiabá)
Esses exemplos evidenciam, por meio da seleção lexical
diageracional, a noção de temporalidade em que o discurso foi produzido.
O primeiro é o discurso de uma informante da segunda faixa etária e o
segundo, da primeira faixa etária. Assim, os exemplos demonstram as
designações lexicais do passado e do presente, revelando a consciência
de que antigamente se falava de forma diferente.
Também encontramos uma interessante variação lexical em
relação à pergunta 121 do QSL, como demonstra a Figura 2.
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Figura 2: Designações para menstruação
A Figura 2 mostra um total de 26 designações referentes à questão
121 do questionário semântico-lexical (QSL), a saber: bandeira, boi, boiada,
chegou a hora, chico, chiquinho, ciclo menstrual, dia da mulher, dias difíceis,
dias especiais, escrever com tinta vermelha, fase menstrual, menstruação, paquete,
regra, sangramento, semana da mulher, sinal vermelho, tá de bode, tá de chico,
tá doente, tá incomodada, tá menstruada, tá moranguinho, tá naqueles dias e
tá no dia. Algumas representadas por lexias simples, como bandeira ou
boi, outras, lexias compostas, como sinal vermelho, e lexias complexas, como
tá de bode ou tá naqueles dias. Dessas variantes lexicais, apenas menstruação
é comum à maioria das capitais pesquisadas, só não aparece em Belém,
onde ocorrem as formas regra, tá de bode e tá menstruada. As demais
designações encontram-se distribuídas entre as capitais.
Em relação a essa pergunta do QSL, também encontramos a
variação lexical diageracional já que as variantes lexicais tá de chico e regra
são sinalizadas no discurso dos informantes como uma variante típica de
informantes mais velhos; já a variante menstruada e tá menstruada são
apontadas nos exemplos de algumas capitais como variante lexical dos
mais jovens, como demonstram os exemplos.
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A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ...
Exemplo 3:
(121)
INF.- É menstruação, né?
INQ.- Tem um mais comum? Pode falar.
INF.- Não, ma, o nome de antigamente é muito feio.
INQ.- Fala!
INF.- Regras. (Inq. 138-03- Belo Horizonte)
Exemplo 4:
(121)
INQ.- As mulheres perdem sangue todos os meses, né. Como é
que se chama isso?
INF.- Aqui pra nós é tudo menstruação né?
INQ.- Isso. Tem algum nome mais folclórico, mais popular... Que
a gente falava quando era mais mocinha... Hoje eu tô do quê? O que que
veio pra mim...?
INF.- (risos) Aí não..., antigamente a gente, quando tava menstruada
lá muito, nos anos de guaraná de rolha, né (risos)
INQ.- Guaraná de rolha é bom!
INF.-A gente falava assim: “Ixe, eu tô de chico “ (risos) que eu achava
o máximo, né!
INQ.- É isso mesmo. No meu tempo também.
INF.- Aí que horror né. Agora cê fala menstruação é mais assim
delicado né! (risos). (Inq. 179-04-São Paulo)
Através desses exemplos, pode ser percebido que as informantes
da faixa etária mais avançada (as duas pertencem à faixa etária 2) lembram
e dão expressão às suas lembranças. Os depoimentos apontam para o
entendimento, por parte dos mais velhos, de que a vida mudou e junto
com ela também os itens lexicais para se referir ao fato de as mulheres
perderem sangue todos os meses.
A pergunta 122 do QSL se apresenta diatopicamente da seguinte
forma:
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Artigos Inéditos
Figura 3: Designações para menopausa
A Figura 3 mostra um total de 13 designações referentes à questão
122 do questionário semântico-lexical (QSL), a saber: acaba a menstruação,
amarrou o facão, a mulher está/ficou falhada, a mulher amarrou o pacote,
climatério, entra/(es)tá na/fase da menopausa, entrou na suspensão, já sou
homem, não pega mais filho, na fase de aí meu deus do céu, na fase dela, tá
idosa, tá meio mestrosa e tá menopausada. Como pode ser visto, algumas são
representadas por lexias simples, como climatério, compostas, como na
fase dela, e complexas, como na fase de aí meu Deus do céu. Dessas variantes
lexicais, apenas entra/(es)tá na/fase da menopausa é comum a todas as
capitais pesquisadas. As demais designações encontram-se distribuídas de
forma descontínua entre as capitais.
Para esta pergunta, as variantes ficou/está falhada e amarrou o facão
chamam atenção pelo fato de estarem presentes no discurso de
informantes de faixa etária mais avançada, como demonstram os
exemplos.
Exemplo 5:
(122)
INQ.- Depois de uma certa idade acaba o boi né. Quando isso
acontece, diz que a mulher?
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A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ...
INF.- É, a mulher ficou na menopausa né? Menopausa.
INQ.- Não tem outro nome?
INF.- Não. Iss’aí, iss’aí eu entendo de menopausa agora há poucos
tempos aí que eu já, já, já conhecia já coisa, mas, antigamente dizia que
ela, a mulher ficou falhada, o pessoal falava (risos), falhou a mulher (risos).
Mulher ficou falhada.
CIR.2.- É verdade.
INF.- É, na menopausa é que não dá mais cria né, não dá pô
(risos), é, falar o português claro, falando que num deu mais cria, então
ele falava lá o pessoal: “Pô, a minha mulher está falhada, não dá mais
nada.” (risos) (Inq. 203-03- Florianópolis)
Exemplo 6:
(122)
INF. – (inint) chama amarrou o facão... ((risos))
INQ. – (inint) E esse amarrou o facão... sabe por que é que chama
amarrou o facão?
INF. – O facão? Porque, eh, suspendeu, num tem mais
menstruação...
INQ. – Ah...
INF. – (inint) já amarrou o facão num engravida mais... (risos) (INQ.
093-04- Salvador)
Nos exemplos, os informantes fazem escolhas lexicais que se
relacionam com sua época. Assim, é precisamente essa preocupação
simultânea com o “dizer” e com o “que dizer” que vai deixar evidente, no
texto falado, uma série de marcas responsáveis pela caracterização específica
de sua formulação, entre as quais as que sinalizam o trabalho de seleção
lexical através de itens lexicais denunciadores da faixa etária do informante.
4. Considerações finais
A análise do corpus possibilitou realizar o levantamento e a
documentação da diversidade lexical do português falado no Brasil,
seguindo os princípios da Geolinguística Pluridimensional, em que o
registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos. Nesse sentido, no
que diz respeito às denominações que recebem conjuntivite/dor d’olhos,
menstruação e entrar na menopausa, podem-se fazer algumas considerações
preliminares:
a) as designações enfocadas apresentam uma grande variação,
possibilitando a visualização da diversidade lexical e geolinguística do
português falado no Brasil;
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Artigos Inéditos
b) as variantes lexicais analisadas possuem várias estruturas, que
podem ser lexias simples, como boiada e paquete, compostas, como olho
inflamado, e complexas, como na fase de aí meu Deus do céu;
c) a temática da comparação passado X presente está presente na
linguagem dos informantes de faixa etária mais avançada, evidenciado-se
na seleção lexical desses informantes, como demonstram as estruturas:
dor d’olho, tá de chico, Regra, ficou/está falhada e amarrou o facão.
Assim, o trabalho procurou mostrar como as lexias trazem, na fala
dos informantes, as marcas do contexto em que se encontram inseridas.
Dessa forma, com esta pesquisa, pretendeu-se oferecer subsídios para o
registro da diversidade da língua portuguesa.
Referências
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São Paulo, pp. 1-26, 1984.
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A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ...
MORENO FERNÁNDEZ, Francisco. Principios de sociolingüística y sociología
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WILLIAMS, Raymond. Keywords: a vocabulary of culture and society. Londres:
Fontana/Croom Helm, 1976.
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Artigos Inéditos
Resumo
Neste artigo se apresenta um dos aspectos de que se
ocupa o Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto
ALiB), o Léxico do português brasileiro. Dessa forma,
este trabalho investiga como a linguagem de indivíduos
apresenta marcas linguísticas específicas que constroem,
mantêm e projetam a identidade de faixa etária em
inquéritos do Projeto ALiB a partir da utilização do
léxico como fator diageracional dos indivíduos no
grupo etário do qual fazem parte. A metodologia
empregada consistiu na realização das seguintes etapas:
1) leitura de textos teóricos referentes ao tema
proposto; 2) escolha e formação do corpus, constituído
de inquéritos das capitais do Projeto ALiB; 3) análise
do corpus a fim de verificar marcas linguísticas
transmissoras da construção, projeção e manutenção
da identidade social de faixa etária. As análises dos
inquéritos selecionados buscam estudar os itens lexicais
presentes no campo semântico corpo humano
(conjuntivite/dor d’olhos) e ciclos da vida (menstruação
e entrar na menopausa), com o intuito de verificar a
seleção lexical realizada por informantes de diferentes
faixas etárias das diferentes capitais do país. A análise
do corpus possibilitou realizar o registro e a
documentação da diversidade lexical do português
falado no Brasil, seguindo os princípios da
Geolinguística moderna Pluridimensional em que o
registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos.
Palavras-chave: Geolinguística, Léxico, Variação.
Abstract
In this article, one of the aspects focused by the
Linguistic Atlas of Brazil Project (ALiB Project), the
Lexicon of the Brazilian Portuguese, is addressed.
Therefore, this paper investigates how individuals
language presents specific linguistic marks that
construct, maintain and project the age-group identity
in the questionnaire of the ALiB Project, based on the
use of the lexicon as a generational factor of individuals
within their age-group. The methodology used was
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A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: ...
based on the performance of the following stages: 1)
reading of the theoretical texts related to the proposed
theme; 2) choice and formation of the corpus, made up
of inquests of the ALiB Project in different capitals; 3)
analysis of the corpus in order to verify linguistic marks
that transmit the construction, projection and
maintenance of the age-group social identity. The
analyses of the selected inquiries try to study the lexical
items present in the semantic field of the human corpus
(conjunctivitis/eye pain) and life cycles (menstruation
and go into menopause), with the aim of verifying the
lexical selection carried out by the informers from
different age-groups in the different capitals of the
country. The analysis of the corpus enabled the
realization of the register and the documentation of
lexical diversity of the Portuguese language spoken in
Brazil, according to the principles of the modern
Pluridimensional Geolinguistics in which the register
follows specific parameters.
Key-words: Geolinguistics, Lexicon, Variation.
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Expressões de tempo decorrente com ter e haver na
fala carioca
Juanito Avelar1
1.
Introdução
Dentre as construções do português brasileiro
em que ter e haver podem se alternar, incluem-se as
expressões de tempo decorrente (ETDs), destacadas
em itálico nos exemplos em (1)-(2) a seguir. Essas expressões servem
para indicar o tempo decorrido entre um estado de coisas e um
determinado ponto (nem sempre explícito no enunciado) do eixo
temporal. A ETD pode ser exata, indicando uma quantidade precisa de
tempo (com em há cinco anos ou tem duas horas), ou difusa, quando essa
quantidade é apresentada de modo inexato ou aproximado (como em há
algum tempo ou tem cerca de dois anos).2, 3
(1) a. “já tem mais ou menos 25 a 30 anos que eu saí da família”
(CENSO/00 13 Rec)
b. “tem duas semanas que a gente nem se fala” (NURC-RJ/90
003)
1
Docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
O estudo inicial que serviu de base a este trabalho foi feito em parceira com Sonia
Cyrino (IEL/Unicamp) e apresentado no VIII Seminário do PHPB (Para a História
do Português Brasileiro), sob o título Ter e Haver na história do português brasileiro:
variação, conservação e mudança (Avelar e Cyrino, 2010).
3
Os dados extraídos das amostras de fala analisadas serão apresentados entre aspas
e seguidos de sua fonte, com as seguintes informações: amostra (NURC-RJ ou CENSO)
e década, número do inquérito e, se for o caso, indicação de que se trata de um
indivíduo já entrevistado numa década anterior (Rec, de recontato). Os dados obtidos
por meio de introspecção serão apresentados sem aspas.
2
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Artigos Inéditos
c. “o camarão chegou agora, tem duas hora que ele chegou
aqui” (CENSO/80 03)
d. “tem mais de quinze anos que [esse pulôver] tá lá na sala”
(NURC-RJ/90 096 Rec)
(2) a. “há muito tempo que eu não tenho tido contato com ela”
(CENSO/80 04)
b. “há doze anos que nós organizamos o natal dos velhinhos”
(CENSO/80 48)
c. “já é formada há bastante tempo” (CENSO/00 14 Rec)
d. “há muitos anos que eu não participo [de festa junina]”
(NURC-RJ/90 052 Rec)
Analisando o comportamento das ETDs a partir de juízos de
(a)gramaticalidade e do comportamento demonstrado por essas
expressões na oralidade (em particular, na fala carioca), este trabalho irá
propor que a referida alternância entre ter e haver é reflexo da variação
entre dois padrões estruturais sintaticamente distintos – um de base
oracional, construído com ter, e outro de base nominal, construído com
haver. Nesse sentido, a alternância entre os dois itens é apenas superficial,
tratando-se, na verdade, não do uso de um item pelo outro dentro de
uma mesma estrutura sintática, mas da sobreposição de dois padrões
sintáticos estruturalmente distintos que servem à expressão de tempo
decorrente.4
O estudo também aborda um contraste relacionado ao grau de
escolarização dos falantes, observando a frequência das ETDs com cada
verbo nas três últimas décadas do século XX: entre os falantes com curso
superior, os índices de frequência por grupos etários sugerem uma
mudança em progresso, enquanto entre os falantes sem curso superior,
os mesmos índices parecem refletir uma variação estável. Entre os
indivíduos analisados, as ETDs com ter só ganham espaço entre os falantes
com nível de instrução superior na década de 90, mas são frequentes
entre os falantes com médio ou baixo nível de instrução ao longo de
todo o período analisado.
4
Móia (1998) chama a atenção para o fato de que o complemento de haver em ETDs
pode ser um predicado de quantidades de tempo (como em há muito tempo) ou um
predicado temporal indicativo de intervalos (como em há cinco refeições). As ETDs com
ter também admitem as duas possibilidades, que não parecem, pelo menos à primeira
vista, ser um fator que influencie ou favoreça a ocorrência de um ou outro verbo.
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Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca
A análise segue a proposta de Tarallo & Kato (1989) no que tange
à possibilidade de conciliar a metodologia dos estudos variacionistas de
base laboviana com pressupostos da Teoria de Princípios e Parâmetros.5
Em linhas gerais, explora-se a ideia de que a formalização de fatos
gramaticais à luz de pressupostos gerativistas pode se apoiar em resultados
obtidos por meio dos mesmos procedimentos metodológicos aplicados
em análises variacionistas de base quantitativa e qualitativa. Da mesma
forma, abordagens de cunho variacionista podem explorar pressupostos
de base formal como ponto de partida para a descrição e análise de
dados, nos moldes sugeridos em Labov (1972).
Antes de prosseguir, cabe chamar a atenção para o fato de que
não apenas ter e haver servem a expressões indicativas de tempo decorrente
em variedades do português brasileiro. Verbos como fazer, completar, passar
e dar, em construções como as exemplificadas a seguir, também ocorrem
nessas expressões.
(3) a. Faz anos que eu não vou à Europa.
b. Já completou cinco horas que o avião decolou.
c. Se passaram dias até que as crianças fossem encontradas
pelos pais.
d. Ainda não deu trinta minutos que eu coloquei o bolo para
assar.
Este trabalho ficará circunscrito à análise de casos com ter e haver
pelo fato de esses itens serem parte de um mesmo paradigma sintáticolexical na história do português, servindo tanto às expressões possessivoexistenciais quanto a locuções de auxiliaridade verbal. Os dois verbos já
travaram outras “batalhas” no campo de vários padrões oracionais
(construções possessivas, construções existenciais, construções participiais,
construções para a expressão de futuridade e obrigatoriedade, entre
outras) em diferentes estágios e variedades da língua (Mattos e Silva, 1989,
1997; Sampaio, 1978; Viotti, 1998; Callou e Avelar, 2003; Avelar, 2009a,
2009b; Silva, 2010). As ETDs são mais um campo de batalha entre os dois
itens, podendo, em última instância, revelar aspectos importantes para o
estudo das construções de base existencial na diacronia do português
brasileiro.
5
Para a análise de expressões de tempo decorrente em português a partir de outras
perspectivas teóricas, vejam-se os estudos de Móia (1998) e Paiva (2010), entre outros.
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O estudo se encontra dividido da seguinte forma: na seção 2, é
apresentado um panorama dos dados que serviram de base à análise
quantitativa; na seção 3, são abordadas algumas propriedades sintáticas
das ETDs com ter e haver, depreendidas por meio de juízos de
gramaticalidade; na seção 4, propõe-se que as ETDs com ter e as ETDs
com haver se distinguem uma da outra quanto à categoria do item em
variação (as primeiras são verbais, e as segundas, nominais); na seção 5,
são analisadas as curvas de frequência da variação entre os dois tipos de
ETD, levando-se em conta a faixa etária dos falantes e o recorte temporal;
na seção 6, apresentam-se as conclusões do trabalho, com destaque para
a ideia de que, no tocante às construções com ter e haver, os resultados
obtidos indicam uma aproximação entre fala culta e fala popular na
variedade carioca do português.
2. Os dados: levantamento e quantificação
Foram analisadas 282 ETDs, extraídas de inquéritos realizados
entre as décadas de 70 e 90, com indivíduos que nasceram e/ou residiram
a maior parte de suas vidas na cidade do Rio de Janeiro. Os inquéritos
pertencem a amostras dos projetos NURC-RJ (Norma Urbana Culta do
Rio de Janeiro6), das quais foram obtidas 112 ocorrências, e CENSO/
PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua7), das quais foram
obtidas 170 ocorrências. Os falantes foram divididos por faixa etária (1535 anos; 36-55 anos; 56 anos em diante) e escolaridade (com e sem nível
superior, respectivamente do NURC e do PEUL).
A abordagem quantitativa se fixou na análise estatística,
restringindo-se à simples observação de frequências em estudo de tendência
(ou seja, considerando o comportamento da comunidade, e não do
indivíduo, no intervalo de tempo considerado). A abordagem probabilística
(com base em resultados do Goldvarb) e o estudo de painel ficarão para
uma etapa posterior, para a qual o total de ETDs será ampliado. Ainda
que metodologicamente limitada para efetivar uma abordagem mais
refinada, a observação de frequências foi capaz de atender aos objetivos
6
As amostras de fala do projeto NURC (Década de 70, Recontato de 90 e Amostra
Complementar de 90) analisadas neste trabalho são do tipo “diálogo entre informante
e documentador”. Os inquéritos estão disponíveis no seguinte endereço: http://
www.letras.ufrj.br/nurc-rj
7
As amostras de fala do PEUL (Censo 1980, Censo 2000 e Indivíduos Recontactados
2000) analisadas neste trabalho também são do tipo “diálogo entre informante e
documentador”. Os inquéritos estão disponíveis no seguinte endereço: http://
www.letras.ufrj.br/peul
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imediatos deste trabalho, que se voltam, na etapa atual, ao estabelecimento
de hipóteses sobre os possíveis fatores relevantes para a variação.
Das 282 ETDs levantadas, 222 (79%) são expressões com haver, e
60 (21%) são expressões com ter. Esses números revelam um contraste
quantitativo com os padrões frásicos existenciais do português brasileiro,
nos quais a alternância entre ter e haver também é observada: entre as
orações existenciais produzidas por falantes cultos cariocas, a frequência
de ter é maior que a de haver em qualquer período (década de 70 ou 90)
ou faixa etária considerada (Callou e Avelar, 2002), ao contrário do que
se observa entre as ETDs, em que haver se mostra mais frequente que ter.
Nesse sentido, os resultados sugerem que, pelo menos entre os cariocas,
as ETDs são construções ainda resistentes à superposição de ter a haver, na
contramão do que se observa em outros padrões sentenciais nos quais a
alternância entre as duas formas é admitida.
3. Propriedades sintáticas das ETDs com ter e haver
A seguir, são apresentadas algumas propriedades que permitem
contrastar, no plano sintático, as ETDs com ter (doravante, ETD-ter) e as
ETDs com haver (doravante, ETD-haver). 8 Como veremos, essas
propriedades são indicativas de que não estamos diante de uma simples
alternância entre ter e haver, mas da superposição de dois padrões
estruturais distintos.
3.1 Clivagem
Um dos contrastes de (a)gramaticalidade que mais chamam a
atenção entre os casos com ter e haver diz respeito ao fato de que, quando
a forma verbal da expressão se encontra flexionada no presente do
indicativo, a ETD-haver pode ser clivada, mas não a ETD-ter. As construções
a seguir ilustram esse contraste.
(4) a. Foi há mais de duas horas que eu vi a Maria no banco.
b. *Foi tem mais de duas horas que eu vi a Maria na banco.
Quando a ETD ocorre no final da sentença, os casos com haver no
presente do indicativo, ao contrário dos casos com ter, admitem um padrão
de (pseudo)clivagem sem o conectivo que, como nos exemplos a seguir.
8
Os juízos de (a)gramaticalidade em torno das propriedades abordadas se apoiam em
intuições do autor deste trabalho, nascido e criado na região metropolitana do Rio de
Janeiro.
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(5) a. Eu vi a Maria no banco foi há mais de duas horas.
b. *Eu vi a Maria no banco foi tem mais de duas horas.
Contudo, se o verbo da ETD for realizado em outro tempo que
não o presente do indicativo, como nos exemplos em (6), os casos de
clivagem com a ETD-haver segue o comportamento da ETD-ter, resultando
em construções agramaticais.
(6) a. *Foi havia/tinha dois dias que eu não almoçava.
b. *Eu não almoçava foi havia/tinha dois dias.
Entre os dados de fala extraídos das amostras analisadas, ter e
haver apresentam a forma do presente indicativo em todas as 282 ETDs
identificadas. Por esse motivo, a análise em torno das ETDs ficará, neste
trabalho, circunscrita aos casos em que a expressão se realiza nesse tempo
verbal.
3.2 O complementizador que
Nas construções em que a ETD aparece no início da sentença, a
ausência do complementizador que imediatamente após a expressão causa
estranhamento nos casos com ter, mas não nos casos com haver, como
exemplificado em (7)-(8) a seguir.
(7) a. Há duas horas (que) eu vi a Maria no banco.
b. Tem duas horas *(que) eu vi a Maria no banco.
(8) a. Há mais de um mês (que) eu não vejo novela.
b. Tem mais de um mês *(que) eu não vejo novela.
Esse contraste de agramaticalidade se reflete entre ETDs
identificadas nas amostras. Entre as ETDs-haver realizadas em posição
inicial, exemplificadas em (9), o complementizador não aparece em todos
os casos. Já entre as ETDs-ter, exemplificadas em (10), a ocorrência do
complementizador é categórica quando a expressão aparece em posição
inicial.
(9) a. “há muitos anos que eu não participo” (NURC-RJ/90 52
Rec)
b. “há dez anos que nós vamos pra Iriri” (CENSO/00 27)
c. “há muito tempo [o vulcão] tava extinto” (CENSO/00 29)
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d. “há pouco tempo eu comecei a, a me preocupar...” (NURCRJ/70 96)
e. “há uns três anos atrás nosso barraco ia caindo” (CENSO/
80 10)
(10) a. “já tem quarenta e sete anos que eu moro aqui” (CENSO/00
15 Rec)
b. “tem muito tempo que eu não passo lá” (CENSO/00 27)
c. “tem uns dois anos que a minha mãe não trabalha” (NURCRJ/90 03)
d. “tem dois anos seguidos que eu prefiro ir pra Petrópolis”
(CENSO/00 22)
e. “tem tempo que eu não vô” (CENSO/00 15)
3.3 Ocorrência do advérbio atrás
O advérbio atrás, que causa estranhamento quando em sequência
às ETDs-ter, são bastante frequentes em posposição imediata às ETDshaver, como nos casos em (11)-(13) abaixo. Entre os dados extraídos das
amostras, foi encontrada uma única ocorrência de atrás com a ETD-ter,
apresentada em (14).
(11) a. “...eu não tinha dinheiro, isso há cinco anos atrás...” (CENSO/
80 26)
b. ?? isso tem cinco anos atrás
(12) a. “há uns três anos atrás nosso barraco ia caindo” (CENSO/
80 10)
b. ?? tem uns três anos atrás nosso barraco ia caindo
(13) a. “quando o movimento começou, há doze anos atrás...” (
CENSO/80 48)
b. ?? quando o movimento começou, tem doze anos atrás
(14) “Ele não foi nem eleito não. Isso já tem tempo atrás” (CENSO/
80 26)
3.4 Adjunção adnominal
Outra propriedade relevante envolve a possibilidade de as ETDshaver ocorrerem no interior de sintagmas nominais, funcionando como
um termo que, da perspectiva tradicional, pode ser analisado como adjunto
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Artigos Inéditos
adnominal. As construções em (15) a seguir exemplificam essa
propriedade. Que se trata de um termo alocado no interior do sintagma
nominal é confirmado pelas construções em (16), com o nome sendo
clivado juntamente com a ETD, o que permite caracterizar a expressão
como um constituinte do sintagma.
(15) a. Aquela prova há duas semanas atrás desagradou os alunos.
b. A conclusão da reunião há pouco mais de duas horas no auditório
da empresa mostrou a divergência entre chefes e funcionários.
c. A realização desse simpósio há apenas um ano nos impede de
solicitar recursos para outro evento.
(16) a. Foi aquela prova há duas semanas atrás que desagradou os
alunos.
b. Foi a conclusão da reunião há pouco mais de duas horas no
auditório da empresa que mostrou a divergência entre chefes
e funcionários.
c. É a realização desse simpósio há apenas um ano que nos impede
de solicitar recursos para outro evento.
Em contraste, as ETDs-ter não podem funcionar como adjuntos
adnominais, o que se confirma pela agramaticalidade das construções a
seguir.
(17) a. * Aquela prova tem duas semanas atrás desagradou os alunos.
b. * A conclusão da reunião tem pouco mais de duas horas no
auditório da empresa mostrou a divergência entre chefes e
funcionários.
c. * A realização desse simpósio tem apenas um ano nos impede
de solicitar recursos para outro evento.
3.5 Preenchimento da posição de sujeito
Entre as ETDs levantadas nos inquéritos, foram identificadas
algumas expressões com ter em que um elemento pronominal (explícito
ou fonologicamente nulo) desencadeia concordância com a flexão verbal,
como nos exemplos em (18)-(20) a seguir.
(18) “nós temos o quê? nós temos praticamente seis anos... nós temos
praticamente seis anos que nós temos isso aqui” (Censo 80 –
Fal. 10)
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Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca
(19) “eu tenho uns três anos... dois anos que eu viajo para o Espírito
Santo” (Censo 00 – Fal. 23)
(20) “tenho vinte e dois anos que eu frequento [a religião]” (Censo
Rec – Fal. 35)
Casos desse tipo, que são abordados em Duarte (2007), contrastam
radicalmente com o comportamento das ETDs-haver, que não admitem
constituintes em posição de sujeito. A esse respeito, cabe ressaltar que as
orações existenciais com haver do português brasileiro também não
admitem o preenchimento dessa posição. As existenciais com ter, ao
contrário, aceitam a versão genérica do pronome você como sujeito
(Duarte, 1999; Avelar, 2009c), como nas ocorrências destacadas a seguir.
(21) “não sei definir a arquitetura da Tijuca, que aí confunde um
pouco com o Rio Comprido. Rio Comprido de repente cê
tinha, Catumbi e, aí você tinha de repente uns sobrados, umas
casas mais antigas né. A Tijuca já tem bastante prédio, e assim
a parte de altos, não sei, não consigo, diferenciar uma
arquitetura, específica. Aliás, eu não vejo, com exceção da
Barra, né, que você tem aqueles, em geral, prédios baixinhos”
(NURC-RJ/90 12)
3.6 ETDs interrogativas
Os dois tipos de ETDs também contrastam quanto ao
comportamento de expressões interrogativas, como nos exemplos em
(22)-(23) a seguir: tanto as ETDs-ter quanto as ETDs-haver admitem um
termo interrogativo, como nas sentenças em (a), mas apenas os casos com
ter licenciam o deslocamento desse termo para a posição pré-verbal, como
em (b).
(22) a. Tem/Há quantos anos que você não viaja?
b. Quantos anos tem/*há que você não viaja?
(23) a. Tem/Há quanto tempo que aquela criança não toma banho?
b. Quanto tempo tem/*há que aquela criança não toma banho?
4. ETD-ter vs ETD-haver: estatutos diferenciados
Os contrastes sintáticos entre os dois tipos de ETD abordados na
seção anterior, reunidos em (24) a seguir, indicam que a expressão
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licenciadora de ter não é, em termos estruturais, idêntica à licenciadora
de haver, pelo menos no que tange aos casos em que esses dois itens
ocorrem na forma do presente indicativo.
(24)
ETD-ter ETD-haver
a. Posposição do advérbio atrás
??
ok
b. Modificação adnominal
*
ok
c. Preenchimento de sujeito
ok
*
d. Deslocamento de termos interrogativos
ok
*
e. Clivagem
*
ok
f. Dispensa de que quando em posição inicial
*
ok
Antes de abordar os contrastes listados, cabe chamar a atenção
para uma propriedade estrutural em comum entre a ETD-ter e a ETDhaver: no interior das sentenças em que ocorrem, ambas as expressões
desempenham uma função não-argumental, o que nos leva a considerar,
de uma perspectiva gerativista, que esses termos se concatenam à estrutura
oracional em configuração de adjunção. Sob a ótica tradicional, portanto,
as ETDs devem ser analisadas como termos adjuntos, seja em função
adverbial (possível para os dois tipos de ETD), seja em função adnominal
(possível apenas para a ETD-haver, como destacado em 3.4).
Uma propriedade que corrobora a análise dessas expressões como
adjuntos é o fato de serem ilhas para extração de termos interrogativos,
o que pode ser atestado pelas construções em (25) a seguir: seguindo o
comportamento dos adjuntos em geral, a ETD-ter/haver interrogativa em
posição final não admite a extração do termo quanto tempo para a periferia
esquerda da sentença, como observamos na estrutura em (b). O
fronteamento do termo interrogativo requer o movimento da ETD inteira,
como em (c).
(25) a. a Maria toma aquele remédio [ tem/há quanto tempo ]?
b. *[ quanto tempo ]i (que) a Maria toma aquele remédio
[ tem/há ti ]?
c. [ tem/há quanto tempo ]w (que) a Maria toma aquele
remédio tw?
Retornemos aos contrastes listados em (24), que são, como será
argumentado a seguir, um ponto favorável à ideia de que as ETDs-ter são
oracionais, enquanto as ETDs-haver (pelo menos aquelas em que haver
apresenta a forma do presente indicativo) são nominais. Isso implica que
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a forma há nas ETDs não deve ser tratada como um verbo, mas como um
item que compõe o sintagma nominal, equivalendo a uma categoria
prepositiva especializada na expressão de tempo decorrente. Conforme
destacado por Paiva (2010), essa ideia já aparece delineada em gramáticas
tradicionais, que chegam a classificar explicitamente a forma há nas
expressões relevantes como uma preposição. As ETDs-haver podem, dessa
perspectiva, ser equiparadas a sintagmas nominais preposicionados, com
há tendo sofrido um processo de gramaticalização por meio do qual perde
o estatuto verbal e passa a ser um constituinte do sintagma nominal. Essa
ideia converge para a proposta funcional de Paiva, para quem “a expressão
composta por haver não se caracterizaria como uma oração” (p. 147).
Vejamos como essa ideia permite explicar alguns dos contrastes
listados em (24).
Quanto ao contraste em (24a), o advérbio atrás é largamente
empregado em sintagmas nominais não-preposicionados que servem à
expressão de tempo decorrente, como nos exemplos a seguir.
(26) a. Semanas atrás, ficamos sabendo que a Maria viajou.
b. Duas horas atrás, os meninos chegaram da viagem.
c. Dez anos atrás, eu ainda morava no Rio de Janeiro.
Vale observar, nesse sentido, que itens adverbiais como atrás, antes,
adentro, acima, abaixo etc. são largamente empregados no interior de
sintagmas nominais com interpretação locativa temporal ou espacial, como
nos constituintes em itálico dos exemplos seguintes.
(27) a. Dias antes o suspeito tinha sido visto nas proximidades do
bairro.
b. Os policiais entraram casa adentro para tentar prender os
bandidos.
b. Os meninos correram morro acima sem mostrar qualquer
sinal de cansaço.
c. Desci rua abaixo procurando pelas crianças.
Esses fatos sugerem que a inserção de haver nas ETDs com atrás
destacadas em (26), como se pode observar em (28) a seguir, não altera o
estatuto nominal das expressões. A inserção de ter nessas mesmas ETDs, ao
contrário, resulta em agramaticalidade (ou, pelo menos, causa estranhamento,
como destacado em 3.3) porque a ETD-ter apresenta um estatuto oracional,
que não é compatível com o emprego do advérbio nas mesmas condições.
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Artigos Inéditos
(28) a. (Há/*Tem ) semanas atrás, ficamos sabendo que a Maria
viajou.
b. (Há/*Tem ) duas horas atrás, os meninos chegaram da
viagem.
c. (Há/*Tem ) dez anos atrás, eu ainda morava no Rio.
Quanto ao contraste destacado em (24b), a possibilidade de a
ETD-haver funcionar como um modificador adnominal, em oposição à
ETD-ter, também é um ponto em favor da ideia de que a primeira apresenta
um caráter nominal: em português, não há qualquer restrição para que
sintagmas nominais funcionem como adjuntos adnominais, desde que
introduzidos por um conectivo. Se a forma de haver no presente indicativo
em ETDs é preposicional, enquanto a de ter é verbal, o contraste pode ser
facilmente explicado, uma vez que, ao contrário dos sintagmas nominais
preposicionados, orações finitas não podem funcionar como
modificadores adnominais, a não ser na situação em que são introduzidas,
quando possível, por um pronome relativo.
Sobre a possibilidade de preenchimento da posição de sujeito,
referida em (24d), o contraste entre a ETD-ter e a ETD-haver não é
nenhuma surpresa frente à oposição entre o caráter oracional da primeira
e o caráter nominal da segunda: as orações, mas não os sintagmas nominais,
dispõem de uma posição para a ocorrência do sujeito, o que explica a
possibilidade de as ETDs-ter trazerem um elemento que desencadeia
concordância com o verbo, mas não as ETDs-haver.
Considerando essa propriedade relacionada à posição de sujeito,
cabe chamar a atenção para o contraste observado em (29) a seguir: as
ETDs-ter podem ocorrer como uma oração absoluta, tomando um sintagma
nominal como sujeito, ao contrário das ETDs-haver.
(29) a. O casamento da Maria (já) tem três anos.
b. *O casamento da Maria (já) há três anos.
A possibilidade de anteposição de termos interrogativos no interior
da ETD, referida em (24d), também pode ser explicada frente à mesma
distinção: orações dispõem de um lócus natural para receber elementos
interrogativos (em termos gerativistas, a posição de especificador do
complementizador, na periferia esquerda da oração), mas não os
constituintes nominais. Daí a boa formação das ETDs-ter que apresentam
um termo interrogativo anteposto (quanto tempo tem), em contraste com o
estranhamento provocado pelas ETDs-haver quanto a esse aspecto.
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Quanto às propriedades referidas em (24e) e (24f), não é claro
como os contrastes envolvendo as possibilidades de clivagem e de dispensa
do complementizador que em sequência às ETDs em posição inicial se
relacionam com a oposição entre o caráter oracional e o caráter nominal
dos dois tipos de ETD. Tanto orações quanto sintagmas nominais são
passíveis de clivagem, o que nos levaria a esperar que, no que tocante a
essa propriedade, houvesse uma convergência entre os comportamentos
demonstrados por cada tipo de ETD, o que não acontece. Ao mesmo
tempo, não foi possível determinar até agora qual é a relação entre o
caráter oracional da ETD-ter e a obrigatoriedade do que nos casos em que
essa ETD ocorre no início da sentença. De qualquer forma, o contraste
entre os dois tipos de ETD no que diz respeito a essas duas propriedades
revela estarmos diante de padrões sintáticos diferenciados, e não de uma
simples alternância entre dois itens no interior de um mesmo padrão
estrutural.
5. Análise quantitativa
A partir dos contrastes analisados nas seções anteriores, é possível
afirmar que a alternância entre ter e haver em ETDs da fala carioca é, na
verdade, resultado da sobreposição de dois padrões estruturais distintos
– um com propriedades oracionais e outro com propriedades nominais.
Cabe indagar se essa variação é estável ou se, ao contrário, é resultado de
um processo de mudança em progresso. Como destacado na introdução,
os resultados quantitativos sobre a distribuição de cada ETD entre os dois
grupos de indivíduos não vão numa mesma direção: entre os falantes sem
curso superior, os números apontam para uma variação estável, enquanto,
entre os falantes com curso superior, os números sugerem, à primeira
vista, um processo de mudança em progresso.
Os gráficos a seguir ilustram os percentuais de ocorrência nos
dois grupos. Entre os falantes com alto grau de instrução, conforme
ilustrado na Figura 1, a frequência das ETDs-haver cai de 100% para 77%
no intervalo de tempo considerado, enquanto as ETDs-ter, que não
ocorriam na década 70, chegam a 23% do total de ocorrências na década
de 90. Entre os falantes sem curso superior, conforme ilustrado na Figura
2, a frequência de cada ETD praticamente não se altera entre os dois
períodos.
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Artigos Inéditos
HAVER
100%
TER
100%
77%
80%
60%
40%
23%
20%
0%
0%
DÉC. 70
DÉC. 90
Figura 1: Frequências das ETDs com ter e haver na fala carioca, entre
indivíduos com curso superior, nas décadas de 70 e 90
HAVER
TER
100%
80%
73%
72%
60%
40%
27%
28%
20%
0%
DÉC. 80
DÉC. 90
Figura 2: Frequências das ETDs com ter e haver na fala carioca, entre
indivíduos sem curso superior, nas décadas de 80 e 90
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Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca
Esses números indicam que a variação entre os dois tipos de ETD
é estável entre os falantes sem curso superior, mas sugerem que, no grupo
daqueles com curso superior, a emergência das ETDs-ter é recente, passível
de ser caracterizada, pelo menos no intervalo de tempo considerado,
como reflexo de alguma mudança em progresso. As frequências atestadas
por faixa etária para os indivíduos com nível superior, apresentadas na
figura 3 adiante, corroboram essa ideia: as curvas de frequência entre os
três grupos etários com esses indivíduos mostram o percentual de haver
mantendo-se em 100% para os falantes da terceira faixa (com mais de 56
anos) de uma década para outra, mas caindo para 77% entre aqueles da
primeira faixa (com menos de 35 anos), e para 86% entre os da segunda
(entre 36 e 55 anos). A curva da década de 90 é, dessa forma, sugestiva de
um processo de mudança, o que só poderá ser confirmado (ou refutado)
pelo acompanhamento da variação nos anos seguintes.
100%
100%
100%
100%
100%
86%
80%
77%
60%
40%
20%
DÉC. 70
DÉC. 90
0%
FX. 1
FX. 2
FX. 3
Figura 3: Frequências das ETDs com haver (contra as ETDs com ter) por
faixa etária na fala carioca, entre indivíduos com curso superior, nas
décadas de 70 e 90.
Entre os falantes sem nível superior, a distribuição das ETDs por
faixa etária não sugere mudança em progresso, conforme o ilustrado pela
Figura 4: na primeira década, os falantes da faixa 2 apresentam um
percentual (93%) de ocorrência das ETDs-haver bem maior que os falantes
da faixa 1 (60%) e da faixa 3 (75%); na segunda década, os percentuais de
frequência não mostram diferenças significativas entre as três faixas etárias,
variando entre 67% na faixa 1 e 75% na faixa 3.
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100%
93%
75%
80%
67%
72%
75%
60%
60%
40%
20%
DÉC. 80
DÉC. 90
0%
FX. 1
FX. 2
FX. 3
Figura 4: Frequências das ETDs com haver (contra as ETDs com ter)
por faixa etária na fala carioca, entre indivíduos sem curso superior, nas
décadas de 80 e 90
Não é claro o porquê de a frequência das ETDs-haver terem caído
de 93% para 72% entre os indivíduos sem curso superior da faixa 2. Essa
queda, contudo, não foi significativa para o cômputo geral das frequências,
que mostram percentuais praticamente idênticos nas duas décadas (ver
Figura 2) para os dois tipos de ETD entre esses indivíduos. Cabe ressaltar
que, mesmo não dispondo de amostras da década 70 com indivíduos sem
curso superior, é plausível considerar, levando-se em conta as curvas da
Figura 4, que esse grupo já produzia ETDs-ter nessa década.
6. Conclusões
Os padrões de frequência apresentados na seção anterior indicam
que as ETDs-ter não eram parte da fala culta carioca na década de 70, mas
são produzidas pelos falantes com curso superior na década de 90. Esse
fato indicia uma tendência na direção de reduzir a polarização entre fala
culta e fala popular na cidade do Rio de Janeiro, pelo menos no que
concerne às construções com ter e haver.
O emprego de ter como o verbo canônico de orações existenciais,
em substituição a haver, é uma inovação do português brasileiro que estava
em processo de consolidação já no século XIX. A esse respeito, Júlio
Ribeiro menciona, em sua Grammatica Portugueza, que o emprego de ter
vinha “se tornando geral no Brasil, até mesmo entre as pessoas illustradas”
(1914, p. 296). No século XX, a pressão normativa contra o valor existencial
desse verbo aparece em gramáticas como as de Napoleão Mendes de Almeida,
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Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca
para quem “constitui erro grave, e todo possível devemos fazer para evitálo, empregar o verbo ter com a significação de existir” (2005, p. 42).
Essa pressão normativa parecia se refletir, de certa forma, na
variação entre ter e haver em construções existenciais da fala culta carioca
na década de 70, período em que haver, apesar de já ser menos frequente
que ter, ainda ocorria em cerca de 37% dessas construções (Callou e
Avelar, 2002). Na década de 90, esse percentual é reduzido para 2% entre
os falantes cultos mais jovens, evidenciando que a pressão normativa não
foi bem sucedida na tentativa de evitar o avanço de ter sobre haver.
Os padrões de frequência atestados para as ETDs também podem
estar relacionados ao insucesso da mesma pressão, com a fala culta se
aproximando da fala popular no que tange à variação entre as expressões
de tempo decorrente com os dois verbos. O perfil de mudança em tempo
aparente relacionado à curva de frequências por faixa etária entre os falantes
cultos da década de 90 (ver Figura 3) pode, dessa forma, ser apenas um
processo de acomodação ao panorama da variação atestado para o grupo de
falantes sem curso superior. A confirmação desse quadro só será possível
com o levantamento de dados da fala carioca culta e popular no Rio de
Janeiro do século XXI, trabalho que ainda está por ser feito.
Cabe uma última palavra sobre o fato de as ETDs serem um contexto
de resistência à supressão de haver, em contraste com o observado em outros
contextos frásicos nos quais esse item pode variar com ter. Esse contraste
pode estar relacionado à diferença entre a ETD-ter e a ETD-haver quanto ao
caráter oracional ou nominal da expressão. Tanto nas construções existenciais
quanto nas locuções verbais, haver preserva sua condição verbal. Em situações
desse tipo, pode entrar em jogo o chamado efeito de bloqueio (do inglês blocking
effect), que conduz à supressão de uma determinada forma linguística nos
casos em que duas formas funcionalmente idênticas entram em competição,
nos termos propostos em Kroch (1994) a partir da proposta de Aronoff
(1976). Esse parece ter sido o caso da disputa entre ter e haver em construções
existenciais e locuções verbais, nas quais as duas formas são funcionalmente
idênticas (ambas são verbos que servem praticamente às mesmas funções
gramaticais), o que resultou (ou vem resultando) na supressão progressiva
de uma delas – o verbo haver.
Em contraste, ter e haver não devem ser tratados como formas
funcionalmente idênticas nas expressões de tempo decorrente,
considerando que as ETDs-ter são oracionais, enquanto as ETDs-haver são
nominais. Como discutido na seção 4, isso implica o tratamento de haver
como um item preposicional, e não verbal, na constituição de tais
expressões. Por extensão, o efeito de bloqueio não se aplica às ETDs, o
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Artigos Inéditos
que significa que, se nenhum outro fator entrar em jogo, nenhum dos
dois padrões de ETD está sob risco de ser suprimido. Se esta análise
estiver correta, pode-se prever que a variação entre a ETD-ter e a ETDhaver ficará estável, revelando que o aumento da frequência das ETDs-ter
entre os falantes cultos não resulta de um processo de mudança em que
uma forma é substituída por outra, mas de uma despolarização entre fala
culta e fala popular no plano das construções com ter e haver.
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DUARTE, Maria Eugênia L. “Sociolinguística paramétrica: perspectivas”.
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Artigos Inéditos
Resumo
Este estudo focaliza expressões indicativas de tempo
decorrente com ter e haver na fala carioca, comparando
os padrões de frequência desses itens entre indivíduos
com e sem curso superior em dois recortes temporais
distintos. Os resultados mostram que, na passagem de
um para outro recorte, os indivíduos com curso
superior reduzem a frequência de haver, aproximandose do comportamento demonstrado pelos indivíduos
do outro grupo. O estudo também sugere que,
enquanto as expressões de tempo decorrente com ter
são oracionais, aquelas com haver são nominais, o que
permite explicar alguns contrastes sintáticos entre as
estruturas com esses itens.
Palavras-chave: variação, fala carioca, expressões de tempo
decorrente
Abstract
This study focalizes expressions of elapsed time with ter
‘to have’ and haver ‘to exist’/’there to be’ in carioca
dialect, comparing the frequencies of these items in
the speech of individuals with and without university
education in two different periods of time. The results
show that, from one period to another, individuals with
higher level of formal education reduced the frequency
of haver, approaching the behavior demonstrated by
the other. The study also suggests that, whereas the
expressions of elapsed time with ter are propositional,
those with haver are nominal, which allows to explain
some syntactic contrasts between the structures with
these items.
Keywords: variation, carioca speech, expressions of elapsed
time
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo
em tempo real de curta duração
Elaine M. Thomé Viegas1
I
ntrodução
Neste artigo, analisa-se a possibilidade de
ocorrência de um elemento adverbial locativo à esquerda
do sintagma preposicional locativo (SPLOC). Diversas
pesquisas (Paiva, 2002, 2003; Braga e Paiva, 2002; Martelotta e Leitão, 2002;
Melo e Oliveira, 2003; Santos e Oliveira, 2004) têm como objeto de estudo
as formas locativas aqui/cá, aí, ali, lá/acolá, embora não as focalizem em
ocorrências de locativo anteposto ao sintagma preposicional, na perspectiva
do tempo real de curta duração (Labov, 1994). Parte-se da discussão de que
a presença de um elemento morfológico definido no interior do SPLOC
favoreça o uso do locativo. São analisados dados de fala culta da cidade do
Rio de Janeiro (www.letras.ufrj.br/nurc-rj), com base nos pressupostos da
Teoria da Variação e Mudança Linguística (Weinreich, Labov e Herzog, 2006
[1968]). O objetivo é verificar a qual(is) restrição(ções) o fenômeno está
submetido e como se comportam a comunidade e o indivíduo no lapso de
tempo que separa as duas amostras. Os resultados indicam estabilidade
naquela e ora estabilidade, ora instabilidade neste. A relação entre os
diferentes padrões da comunidade e do indivíduo não permite afirmar se há
estabilidade ou mudança geracional.
Na primeira parte, há uma breve apresentação da hipótese. Na
segunda, algumas considerações sobre o estudo em tempo real de curta
1
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Doutoranda do Programa de Letras Vernáculas (UFRJ).
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Artigos Inéditos
duração (Labov, 1994). Na terceira seção, são apresentados os corpora e a
metodologia de trabalho. A seção seguinte é dedicada à análise dos
resultados obtidos. Na última seção, são feitas as considerações finais.
1. Locativo e definitude
A análise dos exemplos de (01) a (03) indica que a agramaticalidade
das sentenças em (c) não ocorre devido à presença ou ausência do locativo
à esquerda do SPLOC, mas devido à ausência de um determinante no
sintagma preposicional2.
(01) a. João está Ø/AQUI[no/neste parque].
b.João está Ø/AQUI [num parque].
c. *João está Ø/AQUI [em parque].
(02) a. Eu botei o computador Ø/AÍ [no/nesse quarto].
b. Eu botei o computador Ø/AÍ [num quarto].
c. *Eu botei o computador Ø/ AÍ [em quarto].
(03) a. O síndico colocou câmera Ø/LÁ [no/naquele prédio].
b. O síndico colocou câmera Ø/LÁ [num prédio].
c. *O síndico colocou câmera Ø/LÁ [em prédio].
O exame de SPLOCs sem determinantes e com determinantes
definidos dá indícios de uma possível relação entre a anteposição dos
locativos e a definitude. Nos exemplos em (04), observa-se que as
construções ou são agramaticais (*) ou de gramaticalidade duvidosa ((*)).
Em (05), a anteposição do locativo ao SPLOC não modifica tal condição.
(04) a. *A Faculdade de Letras Ø [em universidade] fica no 3º andar.
b. (*)O Pedro se machucou Ø [em parquinho].
c. *Os documentos Ø [em pasta] precisam de carimbo.
d. (*)O maquinista fica Ø [em trem].
(05) a. *A Faculdade de Letras AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em universidade]
fica no 3º andar
b. (*)O Pedro se machucou AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em parquinho].
c. *Os documentos AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em pasta] precisam de
carimbo.
d. (*)O maquinista fica AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em trem].
2
Embora seja possível discutir a aceitabilidade de algumas sentenças com SPLOCs
introduzidos pelas preposições de, para e a com determinante definido, o trabalho
concentra-se no uso da preposiçãoem devido a sua alta frequência como introdutora
de SPLOC (Thomé Viegas, 2008).
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
Nos exemplos em (06) e (07), o acréscimo de artigo definido ou
de pronome demonstrativo à preposição em nos exemplos de (04) e (05)
torna, indiscutivelmente, todos os exemplos gramaticais. Em (07), a
gramaticalidade permanece independentemente da presença de locativo,
quando respeitadas as correspondências entre este e o demonstrativo.
(06) a. A Faculdade de Letras [na/nesta/nessa/naquela universidade]
fica no 3º andar.
b. O Pedro se machucou [no/neste/nesse/naquele parquinho].
c. Os documentos [na/nesta/nessa/naquela pasta] precisam de
carimbo.
d. O maquinista fica [no/neste/nesse/naquele trem].
(07) a. A Faculdade de Letras AQUI/AÍ/ALI/LÁ [na/nesta/nessa/
naquela universidade] fica no 3º andar.
b. O Pedro se machucou AQUI/AÍ/ALI/LÁ [no/neste/nesse/naquele
parquinho].
c. Os documentos AQUI/AÍ/ALI/LÁ [na/nesta/nessa/naquela
pasta] precisam de carimbo.
d. O maquinista fica AQUI/AÍ/ALI/LÁ [no/neste/nesse/naquele
trem].
Quanto à questão gramaticalidade/agramaticalidade nos casos de
preposições locativas diferentes de em, parece haver uma incompatibilidade
entre algumas delas e os advérbios locativos, independentemente do
determinante. Nos casos de anteposição do advérbio locativo e posposição
dos determinantes em relação às preposições locativas, as únicas
construções cuja gramaticalidade não é discutível parecem ser as
estabelecidas com o auxílio das preposições de, em e para (pra), como se
observa em (08) e (09). O comportamento da preposição de observado
nos exemplos em (10), em que ela intermedeia determinante e locativo,
não é semelhante aos casos das preposições em, para (pra) e a, exemplos
em (11), em que as construções são agramaticais.
(08) a. Tem que limpar o filtro aqui do/aí do/lá do ar.
b. Vai ter festa junina aqui no/aí no/lá no pátio da igreja.
c. Compraram brinquedos novos aqui pra/aí pra/lá pra casa
de festas.
d. Trouxeram um representante da administradora aqui ao
prédio./Levaram um representante da administradora
(*)
aí ao/(*)lá ao prédio.
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Artigos Inéditos
(09) a. Aqui desta/Aí dessa/Lá daquela janela dá pra ver a praça.
b. Aqui neste/Aí nesse/Lá naquele shopping não tem elevador.
c. O síndico vai contratar uma administradora aqui pra este/
aí pra esse/lá praquele prédio.
d. Vamos com as crianças (*)aqui a este/(*)aí a esse/lá àquele
cinema.
(10) a. A (Aquela) de lá é mais nova que a (esta) daqui.
b. O (Este) daqui é menos confortável que o (esse) daí.
c. A (Essa) daí é mais vaidosa que a (aquela) de lá.
(11) a1. *O (Este) naqui é menos confortável que o (esse) naí.
b1. *O (Este) pra aqui é menos confortável que o (esse) pra aí.
c1. *O (Este) a aqui é menos confortável que o (esse) a aí.
a2. *A (Essa) naí é mais vaidosa que a (aquela) em lá.
b2. *A (Essa) pra aí é mais vaidosa que a (aquela) pra lá.
c2. *A (Essa) a aí é mais vaidosa que a (aquela) a lá.
a3. *A (Aquela) em lá é mais nova que a (esta) naqui.
b3. *A (Aquela) pra lá é mais nova que a (esta) pra aqui.
c3. *A (Aquela) a lá é mais nova que a (esta) a aqui.
A gramaticalidade das construções em que há preposição de,
observada em (10), pode dever-se ao fato de ela possuir conteúdo
semântico menos preciso, em relação às preposições em, para e a (Thomé,
Andrade e Callou, 2005; Avelar, 2006; Thomé, 2006a, 2006b; Santos,
Campos e Callou, 2006a/2006b; Thomé Viegas, 2008), não alterando a
relação dos elementos, como se exemplifica em (12) e (13).
(12) a. Este armário aqui é de madeira.
b. Este armário daqui é de madeira.
c. Este daqui é de madeira.
(13) a. Esse chuveiro aí está com defeito.
b. Esse chuveiro daí está com defeito.
c. Esse daí está com defeito.
Assim, após o desenvolvimento da hipótese de que elemento
definido como determinante no SPLOC favoreceria o uso do locativo, na
próxima seção serão apresentados os fundamentos teórico-metodológicos
nos quais este estudo está baseado.
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
2. O estudo em tempo real de curta duração
O estudo em tempo real de curta duração permite distinguir
mudanças que ocorrem em toda a comunidade das mudanças que
perpassam a trajetória linguística do indivíduo. Labov (1994) diferencia o
Estudo de Painel, em que se compara a fala dos mesmos indivíduos em
dois ou mais momentos discretos de tempo, do Estudo de Tendência, em
que se comparam em distintos períodos de tempo da comunidade de
fala. O primeiro tipo de estudo permite observar se e como o indivíduo
muda seu comportamento no decorrer do tempo e o segundo tipo
permite observar se e o que muda na comunidade no período de tempo
observado.
Para a realização do estudo em tempo real de curta duração,
Labov (1994) considera conveniente comparar o comportamento do
indivíduo e o da comunidade em um espaço de tempo de
aproximadamente 20 anos, intervalo equivalente, em princípio, a uma
geração. As amostras de fala devem manter os mesmos parâmetros sociais
em cada época. Além disso, para o estudo da comunidade, cada amostra
deve ser aleatória para que o falante represente a comunidade no
momento do registro.
A associação do que é observado em diferentes pontos do tempo
em relação ao indivíduo e em relação à comunidade forma quatro padrões
distintos. Quando indivíduo e comunidade são estáveis, há estabilidade.
Quando o indivíduo muda seu comportamento linguístico e a comunidade
não muda, há gradação etária. Quando o indivíduo “carrega” o
comportamento de uma faixa etária para outra, há mudança geracional,
indivíduo estável e comunidade instável. Quando são instáveis o indivíduo
e a comunidade, há mudança na comunidade.
3. Corpora e metodologia
Para a realização do Estudo de Tendência, são analisadas
entrevistas de 22 informantes, distribuídos em três faixas etárias (de 25 a
35 anos, de 36 a 55 anos e de 56 anos em diante, respectivamente faixas
1, 2 e 3), pelos gêneros masculino e feminino e pelas décadas de 70 e de
90. Para a realização do Estudo de Painel, há 11 entrevistas com indivíduos
recontatados em um intervalo de tempo de 20 anos. Todos os informantes
possuem nível universitário. As amostras são do Projeto NURC-RJ e estão
disponíveis em www.letras.ufrj.br/nurc-rj.
Foram recolhidas todas as ocorrências de SPLOCs, independentemente
da presença ou ausência do advérbio locativo. Quanto à possibilidade de
inserção do locativo à esquerda do SPLOC, quando este não está
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Artigos Inéditos
efetivamente presente, observou-se que o locativo lá poderia ser inserido
na maioria desses contextos, provavelmente devido a sua imprecisão
semântica, característica também compartilhada por ali, segundo Paiva
(2003): “as duas formas convergem para a indicação de um ponto
distanciado dos interlocutores do evento de fala, anulando-se a oposição
entre estático/dinâmico e a diferença no grau de distanciamento”. Assim,
o que poderia variar, a depender do contexto, seria o grau de (im)precisão
semântica do locativo.
Faixas
etárias
1
2
3
Estudo de Tendência
Amostra 70
Amostra 90
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
096
133
013
003
164
011
023
012
052
002
014
020
233
140
017
019
071
373
018
027
347
028
Tabela 01: Identificação dos falantes do Estudo de Tendência
Idade
Entrevistas
Gênero
133
F
31
Década de 90
(Recontato)
50
011
F
26
46
096
M
25
45
164
M
34
53
002
F
44
65
140
F
55
74
052
M
39
59
233
M
41
59
373
F
58
76
347
F
57
79
071
M
56
80
Década de 70
Tabela 02: Distribuição dos informantes do Estudo de Painel
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
Na análise variacionista, utiliza-se o programa Goldvarb X (Sankoff,
Tagliamonte e Smith, 2005)3. A variável dependente analisada é a
caracterização da margem esquerda do SPLOC (presença x ausência de locativo)4.
São examinados oito grupos de fatores internos: a caracterização do lugar
introduzido pela preposição, a função sintática do SPLOC, o tipo de verbo, otipo
de locativo presente à esquerda do SPLOC, o tipo de definitude do SPLOC e do
sintagma determinado pelo SPLOC, otipo de preposição que encabeça o SPLOC e
o efeito de definitude e de especificidade do SPLOC5.
4. Análise dos resultados
4.1. Estudo de Tendência
Foram coletados e codificados 1669 dados, distribuídos, na Tabela
03, segundo a década, tomando como valor de aplicação a presença de
locativo6 . Nos 20 anos que separam as duas amostras, o percentual de uso
do locativo quase dobrou.
Presença de locativo
Década de 70
Década de 90
Oco.
56/811
106/858
%
7%
12%
Tabela 03: Distribuição da presença de locativo nas décadas de 70 e de 90
Na Tabela 04, observa-se a distribuição das ocorrências de locativos.
Apresentam maior frequência os que representam os dois extremos em
relação ao locutor e à distância, [-locutor/+distante] e [+locutor/-distante],
respectivamente, lá e aqui. Embora lá possa ser inserido em variados
3
O Goldvarb X é uma ferramenta metodológica utilizada por sociolinguistas
variacionistas em análises estatísticas de dados (Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005).
4
A variação linguística pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas, as
variantes, que configuram um fenômeno variável chamado de variável dependente. O
emprego do termo dependente deve-se ao fato de o uso das variantes não ser aleatório,
mas induzido por grupos de fatores, ou variáveis independentes, de natureza social
ou estrutural (Mollica, 2004).
5
Grupos de fatores ou variáveis independentes consistem nos parâmetros reguladores dos
fenômenos variáveis, exercendo pressão positiva ou negativa sobre o emprego das
formas variantes (Mollica, 2004).
6
Valor de aplicação é a variante escolhida pelo pesquisador (a depender dos objetivos
do estudo e do modo como se concebe a relação entre variação e mudança) como
aplicação da regra. O código de aplicação correspondente ao código dado a essa variante
deve ser informado ao programa computacional. No caso de uma variável binária, por
exemplo, é possível deduzir o valor da outra variante com a apresentação do valor de
aplicação (Guy e Zilles, 2007).
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Artigos Inéditos
contextos, devido a sua maior imprecisão semântica em relação aos outros
locativos, os resultados mostram que aqui é quase tão frequente quanto
ele. Isso pode ter ocorrido não só por terem sido recolhidos dados de
diferentes locutores, mas também pelo fato de aqui fazer referência à
primeira pessoa do discurso.
Oco
%
Lá
114
49%
Aqui
98
42%
Locativo
Ali
Aí
20
2
8%
1%
Total
234
100%
Tabela 04: Distribuição dos locativos nos inquéritos do Rio de Janeiro
As amostras de 70 e de 90 foram examinadas separadamente para
observar a atuação dos grupos de fatores em cada uma delas. Os grupos
atuantes na primeira amostra, cujo valor do input é 0.069, são a caracterização
do termo locativo contido no SPLOC, a (in)definitude morfológica do SPLOC e a
preposição introdutora do SPLOC 7. Já na segunda amostra, input 0.124, os
grupos relevantes para o fenômeno são a caracterização do termo locativo
contido no SPLOC, afunção sintática do SPLOC, o tipo de verbo, a preposição
introdutora do SPLOC e o efeito de definitude e de especificidade do termo contido
no SPLOC. Esse resultado aponta que, embora o input, de uma década
para outra, tenha aumentado, não houve mudança expressiva em relação
ao uso do locativo anteposto ao SPLOC na fala da comunidade culta
carioca. Porém, é importante notar que houve alteração tanto no número
quanto no tipo de variável selecionada pelo programa. O maior número
de grupos selecionados em 90 parece indicar que, de uma década para
outra, houve uma ampliação do uso do locativo. A variável caracterização
do termo locativo é a primeira a ser escolhida nas duas épocas, o que mostra
sua importância para o fenômeno.
7
O input representa o nível geral de uso de uma das variáveis dependentes.
Geralmente, a variável que se deseja focalizar é a que funciona como valor de aplicação.
O valor do input deve se aproximar ao valor da variável focalizada. Quando isso não
acontece, significa que a distribuição dos dados não está equilibrada (Guy e Zilles,
2007). Nota-se que os valores dos inputs de cada amostra aproximam-se aos valores da
variável focalizada, expressos na Tabela 03.
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
Quanto ao grupo caracterização do termo locativocontido no SPLOC,
os fatores topônimo e espaço fechado 1 são os que demonstram os pesos
relativos (PRs) mais altos nas duas décadas, o que reforça a importância
dos dois contextos para o uso do locativo8.
Fatores
Topônimo
Espaço fechado 1
Espaço fechado 2
Espaço
Total
Década de 70
Oco/Total
%
39/326
12%
8/117
7%
4/124
3%
5/149
3%
56/716
8%
PR
.66
.52
.30
.30
-
Década de 90
Oco/Total
%
54/368
15%
32/93
34%
2/111
2%
18/203
9%
106/775
14%
PR
.59
.74
.15
.44
-
Tabela 05: O locativo e a caracterização do termo locativo
contido no SPLOC, nas duas épocas9
(14) LOC. [morei] no Rio sempre... salvo na infância que era AQUI
[na Gávea] eh... quando pequenininha depois... já fui pra
Lagoa e... e depois sempre Botafogo... até me casar em
sessenta sessenta e um fui pra Espanha... [133/70/F1/F]10 –
Topônimo.
(15) LOC. é... a gente recebe amigos mas...
DOC. com muita freqüência?
LOC. não... não tanta freqüência não... normal... acho
normal... é muito é parente né? porque tem muito parente
fora e tá... vira e mexe tem muito parente LÁ [em casa]...
[017/AC/F2/M] – Espaço fechado 1.
8
O programa Goldvarb X apresenta os resultados do cruzamento das variáveis
linguísticas e extralinguísticas em peso relativo indicativo de maior ou de menor
favorecimento em relação à aplicação da regra (Guy e Zilles, 2007).
9
São classificados como topônimos os nomes próprios de lugares, os nomes de ruas, de
pontos turísticos e de estabelecimentos. Já espaço fechado 1 são termos que se referem
a local de moradia como casa, apartamento, edifício, sobrado, dentre outros, ou de
permanência, como hotel. Representam espaço fechado 2 termos que se referem a locais
fechados como cinema, loja, hospital, supermercado, igreja. Representam espaço termos
menos específicos como rua (sem o nome da mesma), chão, lugar, vila, bairro, país,
cidade, parque.
10
As referências dos exemplos indicam, respectivamente, o número do inquérito, a
amostra (70 ou Amostra Complementar (AC)), faixa etária (F1, F2 ou F3) e gênero
do locutor (F ou M).
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Artigos Inéditos
A variável (in)definitude morfológica do SPLOC foi a segunda a ser
selecionada na década de 70. O valor do peso relativo do determinante
definido confirma a importância desse contexto para o uso do locativo e
vai ao encontro da hipótese de que a presença de elemento definido
como determinante no SPLOC seria relevante para o fenômeno.
Fator
Determinante definido
Sem categoria alguma
Determinante indefinido
Total
Década
Oco/Total
43/496
12/248
1/69
56/813
de 70
%
9%
5%
1%
7%
PR
.59
.40
.24
-
Tabela 06: O locativo e a (in)definitude do SPLOC na década de 70
Embora não se observe polarização entre os pesos relativos, há
uma diferença de .35 entre as categorias determinante definido (PR .59) e
determinante indefinido (PR .24). De acordo com a Tabela 06, o uso do
locativo obedeceria a uma Escala de definitude, como se representa nada
Figura 1, que varia do [+definido], passando pela ausência de categoria,
chegando ao SPLOC [-definido]. Maior definição, maior probabilidade
de uso do locativo. Menor definição, menor probabilidade de uso.
[+definido]
[-definido]
determinante
definido
sem categoria alguma
determinante
indefinido
Figura 1: Escala de definitude
(16) e eu sempre morei por aqui... é muito engraçado isso... a L.
minha mulher.. morava AQUI [nessa casinha] mesmo... quando
solteira... eu a conheci aqui... nós formávamos uma turma...
[233/70/F2/M] – Determinante definido.
As ocorrências de preposição sem marca morfológica com locativo
anteposto, exemplificadas em (17) e (18) a seguir, não surpreendem,
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
uma vez que se trata de nomes de estados e cidades que não aceitam a
determinação com artigo.
O cruzamento dos grupos caracterização do termo locativo contido no
SPLOC e (in)definitude morfológica do SPLOC mostra que a ocorrência de
locativo é maior quando, no SPLOC, há determinante definido e topônimo,
com 17% das ocorrências. Enquanto o determinante definido pode figurar
com os quatro tipos de lugar, topônimos, espaço fechado 1, espaço fechado 2
e espaço, o determinante indefinido só ocorre quando o termo no SPLOC se
refere aespaço fechado 1, conforme a Tabela 07.
Determinante definido
Sem categoria alguma
Determinante indefinido
Total
Topônimo
17%
6%
12%
E. Fec. 1
6%
8%
7%
7%
E. Fec. 2
5%
3%
Espaço
4%
3%
Total
10%
5%
2%
-
Tabela 07: Cruzamento dos grupos caracterização do termo locativo contido
no SPLOC e (in)definitude morfológica do SPLOC na década de 70
O tipo de preposição que encabeça o SPLOC foi o último grupo
selecionado na década de 70 e o quarto na de 90. A preposição em mostrase importante para o fenômeno em análise, pois foi a que apresentou
maior peso relativo nas duas épocas.
Fator
Em
De
Para
Total
Década de 70
Oco/Total
%
49/552
9%
5/129
4%
1/59
2%
56/797
7%
PR
.60
.37
.25
-
Década
Oco/Total
100/623
3/86
2/73
105/782
de 90
%
16%
3%
3%
13%
PR
.57
.21
.31
-
Tabela 08: O locativo e a preposição introdutora do
SPLOC nas duas épocas11
11
Em 70, houve somente uma ocorrência de preposição a com locativo à esquerda:
(01) Então eles vêm de lá pra cá, [...] Apesar de que já há muita casa boa na Tijuca
agora, mas o pessoal prefere ainda vir AQUI [a Copacabana]. [140/70/F2/F]
Em 90, devido à ausência de ocorrência da preposição a com locativo, resultado
categórico, ela foi retirada da análise para a obtenção do peso relativo.
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Artigos Inéditos
(17) [em Belo Horizonte] a comida tem mais legume... tem mais
verdura... tem muito mais carne... que LÁ [no norte] a gente
comia camarão... né... às vezes comia até lagosta... né... tinha
um preço barato... né... peixe... peixe é uma delícia... né... já
AQUI [em Minas] não... come a carne muito gostosa... lingüiça...
[011/70/F1/F] – Preposição em.
(18) saiu até agora há pouco no jornal... uma reportagem de
Goianá que só tem gêmeos né... que é muito gêmeos que é
muito gêmeos que tem LÁ [em Goianá]... e que... é a cidade
dos quebra-mola... nunca vi... e vamos... ou então vamos por
Rio/Pomba... que Rio/Pomba não tem... apesar de ser uma...
estrada mais perigosa... mas não tem... quebra-mola [020/
AC/F2/F] – Preposição em.
A análise prossegue com os grupos selecionados somente em 90.
A variável interna função sintática do SPLOC foi a segunda a ser selecionada.
Na Tabela 09, observa-se que as funções de adjunto são as que mais
favorecem o uso do locativo, em especial a de adverbial locativo.
Fator
Adjunto adverbial locativo
Adjunto adnominal locativo
Complemento ve rbal
Total
Década
Oco/Total
61/319
21/192
24/340
106/851
de 90
%
19%
11%
7%
12%
PR
.62
.53
.36
-
Tabela 09: O locativo e a função sintática do SPLOC na década de 90
É provável que o SPLOC com função de adjunto favoreça a
presença do locativo pelo fato de sua ligação com outros termos da oração
ser mais “frouxa” em comparação com os complementos, o que
possibilitaria a introdução de um elemento à esquerda da preposição. A
não ocorrência, nos dados analisados, de SPLOC com função de
complemento nominal reforça essa ideia, pois a ligação entre o nome
modificado e o SP modificador seria mais “rígida”.
(19) São Paulo é uma cidade, pelo menos a impressão que eu
tenho né, mais esparramada, então, você, eu conheço bastante
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
gente que mora em casa, aqui no Rio de Janeiro não,
geralmente o pessoal mora em apartamento. LÁ [em São
Paulo] a maioria dos meus amigos mora em casa [012/AC/
F1/F] – Adjunto adverbial locativo.
O terceiro grupo selecionado na década de 90 é o tipo de verbo. A
escolha dos estativos como favorecedores do uso do locativo pode deverse ao fato de esse tipo de verbo necessitar de SPLOCs para complementar
a informação dada por eles12. A maioria dessas ocorrências são com os
verbos ficar, estar, morar, ter e ser.
Fator
Estativo
De processo culminado
De culminação
De processo
Pontual
Total
Dé cada de 90
Oco/Total
%
57/277
20%
3/24
12%
8/72
11%
16/268
6%
1/18
5%
85/659
13%
PR
.63
.58
.40
.40
.31
-
Tabela 10: O locativo e o tipo de verbo na década de 90
(20) [churrascaria] da zona norte... eu sou suburbano... então tem
que ficar na zona norte né? eh... essa churrascaria do Norte
Shopping... é... essa Marios que tem AQUI [em Bonsucesso]...
[014/AC/F2/M] – Verbo estativo.
O quinto e último grupo selecionado na década de 90 é o efeito
de definitude e de especificidade do termo contido no SPLOC. A classificação do
nome como [+definido] [+específico], [-definido] [+específico] e [-definido] [específico] não se relaciona ao tipo ou à ausência de marca morfológica.
Contudo, o maior peso relativo do fator [+definido] [+específico] também
12
A classificação dos verbos segue Mira Mateus et alii (2003): a. estativo, em que se
incluem os verbos existenciais, os locativos, os epistêmicos, perceptivos e psicológicos
e os verbos copulativos; b. verbos de processo, são os meteorológicos, os inergativos de
atividade física e os de movimento; c. verbos de processo culminado, verbos de tipo
causativo ou agentivo; d. de culminação, geralmente, verbos que expressam movimento,
aparecimento e desaparecimento em cena e mudança de estado; e. pontuais, verbos
com somente um argumento selecionado para sujeito.
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Artigos Inéditos
poderia ser relacionado à hipótese deste trabalho, assim como a não
ocorrência de locativo com termo [-definido] [-específico]13.
Fator
[+definido] [+específico]
[-definido] [+específico]
Total
Década de 90
Oco/Total
%
PR
100/724
14% .53
6/123
5%
.34
106/856
12%
-
Tabela 11: O locativo e o efeito de definitude e de especificidade
do termo contido no SPLOC na década de 90
(21) eu tinha horror àquele troço... sabe... negócio de ler diário
oficial todo dia... e andar no fórum... um calor danado AQUI
[no Rio de Janeiro] (topônimo) e a gente de paletó e gravata...
suando em bicas... deixando o sapato marcado no asfalto...
isso não... isso não... isso não é mentira não... às vezes fazia
tanto calor que a gente ficava com o sapato marcado LÁ [no
asfalto] (termo repetido)... [018/AC/F3/M] –[+definido]
[+específico].
4.1.1. A variável não selecionada
Em nenhum dos dois períodos de tempo analisados, a variável
(in)definitude morfológica do sintagma determinado pelo SPLOC mostra-se
favorecedora do uso do locativo. O input do nível 1 para este grupo, nas
décadas de 70 e de 90, é de, respectivamente, 0.049 e 0.10414. Quanto aos
13
Termo [+definido] é aquele que está previamente no domínio do discurso, tanto um
nome repetido, quanto um subconjunto do referente. Assim, um termo [+definido] é,
obrigatoriamente, [+específico], já que está incluso no conjunto de outro termo
previamente dado (Lyons, 1999; Enç, 1991 apud Coelho, 2000). Neste trabalho, também
são classificados como [+definido] [+específico] os topônimos, por se tratar de nomes de
lugares definidos e específicos, os pontos cardeais e as partes do corpo, por se tratar de
lugares determinados em relação a lugares mais amplos. Já o termo [-definido] é aquele
introduzido no discurso. Pode estar ou não relacionado a referentes discursivos já
estabelecidos, correspondendo, respectivamente, aos traços de [+especificidade] e de
[-especificidade]. Um nome [-definido] [-específico] é absolutamente novo, pois é
introduzido no discurso e não relacionado a referente já estabelecido. Um nome [definido][+específico] é introduzido no discurso, porém incluso em um conjunto já
estabelecido contextualmente. Como a especificidade responde à condição de inclusão,
não haveria, de acordo com Enç (apud Coelho, 2000), termo [+definido] [-específico],
pois a definitude leva, obrigatoriamente, a inclusão.
14
No nível 1, o Goldvarb X apresenta os grupos de fatores analisados separadamente. O
grupo relevante é escolhido em termos de significância, cujo valor é o menor (Guy e
Zilles, 2007).
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
percentuais, observa-se, em 70, um equilíbrio entre os três fatores. A análise
dos pesos relativos mostra que, nessa década, o uso do locativo relacionase à presença de marca morfológica no sintagma determinado pelo
SPLOC, independentemente de essa marcação ser definida ou indefinida.
Na outra sincronia, há uma sutil preferência pelos fatores determinante
indefinido e sem categoria, o que se confirma pelos valores dos pesos relativos,
respectivamente, .56 e .55 em relação ao peso de .43 para o determinante
definido.
(In)definitude do sintagma
determinado pelo SPLOC
Determinante definido
Determinante indefinido
Sem categoria alguma
Total
Década de 70
Oco/Total
%
8/109
7%
3/56
5%
1/54
2%
12/219
6%
PR
.61
.52
.27
-
Década
Oco/Total
7/88
7/54
7/55
21/197
de 90
%
8%
13%
13%
11%
PR
.43
.56
.55
-
Tabela 12: O locativo e a (in)definitude morfológica do sintagma
determinado pelo SPLOC,nas duas épocas
(22) LOC. [...] vocês conhecem a COPPE?
DOC. hum... hum...
LOC. pra eu dar umas aulas lá de... de direito pra
engenheiro... imagina só... aliás foram muito interessantes as
aulas justamente por isso... mas eu num... nunca imaginei
que o Fundão pudesse ser uma calamidade como é... eu tenho
a impressão que deve andar até cobra naqueles jardins ALI
[do Fundão]... vocês trabalham lá no Fundão? [233/70/F2/
M] – Determinante definido.
(23) Friburgo eu fui... quando pequena... e fui uma vez... já moça...
é... uma vez só... e agora... já casada... eu fui... numa
excursão AQUI [na igreja]... fui aonde tem Nossa Senhora
que... que sai óleo do... da imagem... as paredes todas hoje
lá... ai Jesus o nome... Nossa Senhora... Monerá... Nossa
Senhora de Monerá... [20/AC/F2/F] – Determinante
indefinido.
4.1.2. As variáveis não estruturais
O cruzamento entre gênero, amostra e faixa etária revelou que o
comportamento dos homens (Gráfico 1) é estável na década de 70,
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Artigos Inéditos
mantendo-se nas três faixas etárias. Já em 90, o comportamento masculino é
diferente. Na faixa 2, há um pico de uso do locativo, 32%, que decresce na
faixa 3. Quanto às mulheres (Gráfico 2), o comportamento é semelhante nas
duas décadas. Em 70, elas “carregam” seu comportamento da faixa 1 para a
2 e diminuem o uso do locativo na faixa 3. Em 90, observa-se um decréscimo
no decorrer das faixas, com forte queda da 2 para a 3, em que o locativo não
é mais usado por elas. De maneira geral, o uso do locativo, que aumenta ou
se mantém entre os homens, decresce entre as mulheres.
Gráfico 1: Os homens e o locativo
Gráfico 2: As mulheres e o locativo
No Gráfico 3, o cruzamento entre década e faixa etária evidencia
que há um padrão curvilinear indicativo de variação estável em 70 e em
90. A distribuição na década de 70 é bastante equilibrada nas três faixas.
Já em 90, é acentuada a diferença entre a faixa 3 – idêntica à de 70 – e
as outras duas, com ápice na faixa 2.
Gráfico 3: Distribuição faixa etária versus década
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
4.2. Estudo de Painel
Nesta fase da pesquisa, considera-se o resultado obtido de dados
de um mesmo falante distribuídos pelas décadas de 70 e de 90. A
comparação do comportamento do indivíduo nas duas sincronias revela
bastante estabilidade. Somente dois informantes mostram uma mudança
em direção ao aumento do uso do locativo: o indivíduo 052 aumenta de
forma expressiva o percentual desse uso, passando de 11% para 36%; a
informante 347, por sua vez, passa de 1% para 10%.
Faixa etária
Gênero
1
Fem.
Masc.
2
Fem.
Masc.
3
Fem.
Masc.
Informante
133
011
096
164
002
140
052
233
373
347
071
Década de 70
Oco
%
5
5%
10
9%
3
11%
1
3%
3
6%
8
11%
4
11%
11
9%
2
7%
2
1%
7
9%
Recontato
Oco
%
5
5%
3
5%
3
7%
1
11%
16
15%
14
36%
8
7%
1
7%
8
10%
13
8%
Tabela 13: Distribuição da presença de locativo por indivíduo
nas décadas de 70 e 90
No Gráfico 4, é possível visualizar a distribuição percentual de
ocorrências de cada informante por época. A análise mostra que, de
maneira geral, há ou acréscimo ou decréscimo nos valores percentuais
de uso do locativo de um período para outro, a depender do indivíduo:
ele é ora instável, ora estável.
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Artigos Inéditos
Gráfico 4: Uso do locativo por indivíduo nas duas épocas
5. Considerações finais
As análises, referentes tanto ao Estudo de Tendência quanto ao
Estudo de Painel, indicam que não há um quadro bem delineado na fala
culta carioca quanto ao fenômeno observado.
O estudo da comunidade aponta variação estável, indicada pela
distribuição década/faixa etária. Porém, nota-se diferença em relação aos
fatores selecionados nas duas épocas: do total de seis grupos escolhidos
como relevantes, somente a caracterização do termo locativo contido no SPLOC
e a preposição introdutora do SPLOC se repetem.
Os resultados de 70 e de 90 apontam haver uma tendência, de
uma época para outra, à ampliação do uso do locativo. Em 70, a seleção
das variáveis caracterização do termo locativo contido no SPLOC, (in)definitude
morfológica do SPLOC e preposição introdutora do SPLOC indica haver um
tipo de SPLOC favorecedor do uso do locativo, resultando em uma
construção locativa: locativo + [preposição em + determinante definido +
topônimo]. Em 90, a restrição em relação ao fenômeno diminui, já que,
além dos três grupos selecionados em 70, listados acima, os grupos função
sintática do SPLOC, tipo de verbo e efeito de definitude e de especificidade do
termo contido no SPLOC também se mostram relevantes para o fenômeno.
Quanto ao Estudo de Painel, pode-se dizer que o indivíduo é ora
estável, ora instável.
A análise dos resultados não permite afirmar se se trata de um
padrão de estabilidade, com a comunidade e o indivíduo estáveis, ou de
mudança geracional, com a comunidade estável e indivíduo instável.
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
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200
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O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração
Resumo
Este artigo trata do uso do advérbio locativo posicionado
à esquerda do sintagma preposicional locativo. Sob a
perspectiva do tempo real de curta duração, são
realizados Estudos de Tendência e de Painel, com
corpora representativos da falada cidade do Rio de
Janeiro. A análise dos resultados mostra que o
fenômeno é estável na comunidade. Em relação ao
indivíduo, o fenômeno mostra-se ora estável, ora
instável. A associação dos comportamentos da
comunidade e do indivíduo não permite afirmar se se
está diante de um padrão de estabilidade ou de
mudança geracional.
Palavras-chave: Advérbio locativo, Sintagma preposicional
locativo, Rio de Janeiro, Estudo de Tendência, Estudo
de Painel.
Abstract
This article analyzes the use of a locative adverb before
a locative Preposicional Phrase. Following the
methodological approach to the study of change in
“short term real time”, we present a Trend Study and
a Panel Study using samples with Rio de Janeiro
speakers. The results show that the phenomenon in
the community is stable. In relation to the individual,
we attest stability and instability. The association of the
patterns obtained does not allow any conclusions
regarding stability or a generational change.
Keywords: Locative adverb, Locative Preposicional
Phrase, Rio de Janeiro, Trend Study, Panel Study.
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de
preposições de complemento locativo do verbo ir
Marcos Luiz Wiedemer1
I
ntrodução
Diversos estudos sociolinguísticos (Mollica,
1996; Ribeiro, 1996, 2008; Vallo, 2004, Wiedemer, 2008,
2010a, 2010b; Vieira, 2009) sobre a regência variável
do complemento locativo do verbo ir vêm demonstrando a pertinência
de fatores extralinguísticos (idade, escolaridade, sexo/gênero, profissão)
e de fatores linguísticos no condicionamento de seleção das preposições
a/para/em. Sob uma perspectiva descritiva mais geral, fora do quadro da
Sociolinguística, Travaglia (1985) sustenta que a preposição é regida pelo
seu argumento ou adjunto e que a escolha da preposição se daria em
dois níveis diferentes: no nível sintático, a preposição seria selecionada
pelo verbo e, no nível semântico, ela se harmonizaria com o conteúdo
semântico do adjunto ou do argumento do verbo.
No presente trabalho2, pretendemos, a partir de uma abordagem
sincrônica e numa perspectiva sociolinguística, discutir os resultados da
análise de novos fatores linguísticos condicionantes na seleção das
preposições que complementam o verbo ir e, com isso, aprofundar as
justificativas e as hipóteses para os diferentes usos dessas preposições, alguns
dos quais podem ser observados nos exemplos de (1) a (3) abaixo:
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em estudos Linguísticos da Universidade
Estadual Paulista (UNESP-SJRP/FAPESP, Processo 09/50819-0). Email:
wiedemer@sjrp.unesp.br
2
Este texto retoma alguns dos resultados da dissertação de Wiedemer (2008), que
analisou a regência variável do verbo ir na fala catarinense.
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Artigos Inéditos
(1)
Ir + a
Em São Paulo não tem nada disso, né? Aí tem que ir a Santos, e Santos a gente
conhece também muito bem. (SC BL 24).3
(2)
Ir + para
A gente vai pra praia, né? (SC BL 22).
(3)
Ir + em
Ia conhecer era Pantanal e essa seria... um dos meus sonhos é ir no Pantanal.
(SC FL 10).
Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizamos amostras de fala
de 72 entrevistas do banco de dados do Projeto Interinstitucional Variação
Linguística Urbana da Região Sul do Brasil (VARSUL), do qual
consideramos as localidades de Florianópolis, Blumenau e Chapecó. Cada
cidade é representada por um conjunto de 24 entrevistas, correspondentes
a 12 perfis sociais (masculino e feminino, três níveis de escolarização e
duas faixas etárias), com dois informantes para cada perfil.
Para a análise dos dados, utilizamos o pacote estatístico GoldVarbX
(Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005), que fornece percentuais e peso
relativos (PR), além dos grupos de fatores relevantes para cada uma das
variáveis independentes testadas, de modo a permitir o estabelecimento
de correlações entre elas, caracterizando-se, assim, os diferentes contextos
de uso das variantes analisadas (a/para/em).
O presente artigo divide-se em três seções. A primeira contempla
um breve panorama das pesquisas de cunho sociolinguístico, bem como
seus principais resultados. A segunda trata mais especificamente da análise
e dos resultados referentes aos novos fatores linguísticos que condicionam
a variação/mudança no uso das preposições que complementam o verbo
ir. Por fim, na terceira seção, apresentamos as considerações finais.
1 Breve panorama dos estudos sociolinguísticos sobre a variação na
regência do verbo ir
Sobre a variação na regência do verbo ir, um trabalho de bastante
repercussão no âmbito da pesquisa sociolinguística é o de Mollica (1996)4,
que foi desenvolvido com base em dados extraídos da fala de 64
3
Códigos adotados pelo Projeto VARSUL para especificar entrevistas: estado (SC=Santa
Catarina), cidade (BL=Blumenau; FL=Florianópolis), número da entrevista (22).
4
O trabalho de Mollica (1996) é apresentado em dois capítulos (capítulos 6 e 12)
do livro Padrões sociolinguísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado do
Rio de Janeiro (Silva e Scherre, 1996).
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
informantes da Amostra Censo/UFRJ, considerando 710 dados (46% são
da preposição em e 54% de a/para5) e buscando identificar quais fatores
condicionam a escolha das preposições em e a/para. A autora verificou a
pertinência das seguintes variáveis linguísticas: configuração do espaço, grau
de definitude e traço de permanência.
Em relação à variável configuração no espaço, os locativos são
distribuídos por traços [+fechado] e [-fechado]. Para a Mollica (1996), a
intenção quanto à postulação desses traços baseia-se na hipótese de que
a preposição em, além da noção de movimento quando acompanha o
verbo ir, conota o sentido de “estar dentro”, sendo o seu uso mais provável
com locativos de traço [+ fechado], que identifica recinto cujo espaço
seja mais demarcado. Os critérios utilizados pela autora para caracterizar
essa variável foram os seguintes: a) como [+ fechado] entende-se “lugar
cercado, com uma entrada definida, com ou sem teto” (cinema, clube, casa,
colégio, Maracanã); b) como [-fechado] compreende-se “lugar indefinido
e/ou abstrato e os considerados de difícil classificação” (porta, médico,
esquina, praia, baile, mãe) (Mollica, 1996, p. 155-156).
Os resultados para essa variável apoiam a hipótese da autora de
que a preposição em se associa a determinado traço semântico do nome
(N) do complemento locativo ao qual a preposição acrescenta valor
significativo de “estar dentro”, além do valor previsto de “movimento”.
Já no que tange à variável grau de definitude, o estudo da autora
testa a hipótese de que quanto mais definido o referente, mais chance ele
tem de ser regido por em, já que indica “lugar onde”, além da noção de
“movimento” dada pelo verbo ir. Por outro lado, quanto mais indefinido,
vago e/ou impreciso for o referente locativo, tanto maior a chance de
ocorrer a/para, já que, nesses contextos, apenas a noção de movimento
está presente. Assim, os traços controlados por Mollica (1996) foram a
presença/ausência de determinante de N e os traços de natureza semântica
definido/não definido.
Os critérios usados para essa variável foram os seguintes: a) como
[+ definido] entende-se “referente conhecido do falante e do ouvinte,
facilmente identificável” (MEC, o sindicato, Copacabana); b) como [definido] entende-se “referente vago, impreciso, pouco identificável pelo
falante e/ou ouvinte” (qualquer lugar, psiquiatras, teatro); c) para [+
determinado], presença de artigos e pronomes (a tia, uma festinha, qualquer
lugar); e d) para [- determinante], ausência de artigos e pronomes
5
Mollica (1996) não separa as preposições a e para na análise.
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Artigos Inéditos
(Mollica, 1996, p. 159-160). Dessa conjugação de traços, resultam graus de
definitude dos referentes: o maior grau de definitude envolve referentes
marcados positivamente quanto à definitude e à determinação; o grau
intermediário corresponde a referentes com um traço positivo e outro
negativo; e o menor grau de definitude envolve referentes marcados
negativamente quanto à definitude e determinação. Observe-se que essa
variável é complexa, envolvendo fatores de natureza diversa, a saber: fatores
morfossintáticos e semântico-discursivos.
Os resultados da pesquisa mostram que os referentes dos nomes
de complemento locativo do verbo ir distribuem-se em graus de definitude
hierarquicamente dispostos: quanto mais definido e acompanhado de
determinante for o N locativo, menor a chance de ser antecedido pelas
preposições a/para (PR=0,31); quanto menos definido e acompanhado
de determinante for o N locativo, maior a tendência de vir antecedido
pelas preposições a/para (PR=0,73).
No que concerne à variável [± permanência], os resultados não
apresentaram nenhuma ocorrência de [+ permanência] com em nos dados
do Rio de Janeiro, o que levou a autora a analisar somente a vs. para. A
autora não esclarece quais foram os critérios usados para identificar esses
traços, apenas menciona que se associam à “ideia de fim ou permanência”.
Entre os dados apresentados temos: a) para [+ permanência], como em:
Ela vai ter que ir embora, ir pra terra dela; b) para [- permanência], como
em: Só uma vez ela foi à praia conosco (Mollica, 1996, p. 163).
A partir dos resultados, a autora conclui que a regra que estabelece
que a preposição para deve acompanhar o verbo ir quando há ideia de
fim ou permanência ainda está bastante presente na fala e, dessa forma,
pode-se afirmar que os falantes cariocas continuam sensíveis a ela.
Verifica-se que Mollica (1996) entende a diferença de uso entre
a e para associada à ideia de ‘demora’, ‘permanência’, com base nos
moldes das gramáticas tradicionais (Almeida, 1969; Dias, 1970; Bechara,
2009). Mas pensar que os falantes deveriam captar uma diferença de uso
associada ao traço semântico [permanência] é algo discutível,
principalmente porque os dados da pesquisa provêm de entrevistas
gravadas e não temos como saber a intenção do falante ao usar a preposição
a, para ou em. É evidente que podemos considerar algumas pistas
contextuais que podem auxiliar a identificar a intenção do falante, mas
essa inferência nem sempre é possível e nem sempre temos certeza de
que essa inferência é verdadeira.
Kewitz (2007, p. 24), analisando exemplos da gramática descritiva
de Neves (2000), argumenta que “em alguns casos, a categoria baseia-se
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
apenas no sentido do verbo, como no exemplo (4) abaixo, com a
preposição para: a ideia de permanência se dá pelo verbo ficar, e o que
para denota parece ser mais a ideia de localização ou direção”.
(4)
A metade do corpo ficou para fora da porta. (permanência)6
Distanciando-se da ideia de [± permanência], Fiorin (2002, p. 172177) propõe a seguinte categorização para as preposições ou locuções
prepositivas temporais: concomitância e não concomitância (anterioridade vs.
posterioridade). Outra categoria utilizada para a organização das preposições
temporais é o aspecto. O autor organiza a categoria aspecto da seguinte
forma: pontual vs. durativo (terminativo vs. incoativo). O aspecto incoativodurativo refere-se ao começo do processo em duração temporal, sendo
indicado por desde, a partir de, a começar de. O aspecto terminativo-durativo
marca o ponto final do processo em duração temporal, sendo indicado
pela preposição até. As preposições a e em podem ser consideradas, dessa
forma, pontuais e durativas, pois marcam um momento inscrito no
enunciado.
Em relação aos fatores sociais, Mollica (1996) mostra que a
escolarização desempenha influência preponderante sobre a seleção das
preposições a e para em detrimento da variante em. Ressalta, ainda, que
a influência escolar estabelece uma oposição entre os falantes do Ensino
Fundamental (séries iniciais e séries finais) e do Ensino Médio: estes
favorecem as formas a/para e aqueles as desfavorecem. Já sobre a atuação
da escolarização e sexo sobre a escolha das preposições, os dados indicam
que as mulheres são mais sensíveis à escolarização, obedecendo, desde o
início, à pressão escolar. No que tange ao fator idade, a escolha das
variantes a/para também está correlacionada com esse fator, embora as
crianças, em termos probabilísticos, evidenciem leve tendência a usar
mais frequentemente as formas a/para do que os jovens de 15 a 25 anos.
Já os adultos apresentam maior polarização das variantes. Em suma, Mollica
(1996) mostra que os fatores escolaridade, sexo e idade foram relevantes em
sua pesquisa, destacando-se o uso de a/para pelos informantes mais
escolarizados, especialmente as mulheres.
Com o objetivo de traçar um quadro complementar ao que
Mollica (1996) esboçou em relação ao fenômeno estudado, Ribeiro (1996,
2008) analisa a regência do verbo ir de predicação incompleta na fala
6
Exemplo retirado do trabalho de Kewitz (2007, p. 24).
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Artigos Inéditos
culta carioca, tendo recolhido 734 ocorrências do corpus do Projeto NURC
da cidade do Rio de Janeiro (114 inquéritos DID – diálogo entre
informante e documentador, distribuídos igualmente entre homens e
mulheres em três faixas etárias: de 15 a 25 anos, de 36 a 55 anos e acima
de 56 anos de idade). Para tal finalidade, o autor testou as mesmas variáveis
de Mollica (1996), quanto à caracterização do locativo alvo do movimento
(configuração do espaço e grau de definitude), além das variáveis sociais
clássicas. Assim como aquela autora, Ribeiro também trabalhou com a
oposição para/a versus em, com base no critério padrão versus não-padrão,
tendo obtido os seguintes resultados gerais: 86% de frequência para/a e
14% de frequência de em.
Comparando os resultados dos dois trabalhos, notamos que o
percentual de uso de para/a na fala culta carioca (amostra NURC) é 32
pontos percentuais mais elevado do que aquele observado na fala mais
popular (amostra Censo) analisada por Mollica. Em contrapartida, os
informantes do NURC utilizam apenas 14% de em, enquanto os falantes
do Censo chegam a 46%, abonando o status não-padrão atribuído à
preposição em.
Os resultados de Ribeiro (1996, 2008) ratificam as tendências
apresentadas por Mollica quanto aos fatores linguísticos: a preposição em
tende a ocorrer com espaço [+fechado] (PR=0,60) e também com lugar
[+definido] e [+determinado] (PR=0,80). Quando um dos fatores
referentes ao grau de definitude era marcado positivamente e outro
negativamente, os pesos relativos não revelaram diferença significativa
(PR=0,48 e PR=0,59, respectivamente), da mesma maneira que se observa
nos resultados de Mollica (1996). Dessa forma, pode-se dizer, então, que,
na fala carioca, independentemente do grau de escolaridade dos
informantes, as variantes linguísticas configuração do espaço e grau de
definitude atuam da mesma maneira sobre o uso da preposição em. Vale
lembrar aqui que, assim como Mollica (1996), Ribeiro adota critérios
morfossintáticos e semântico-discursivos conjuntamente na avaliação dessa
variável.
Quanto às variáveis sociais, Ribeiro (1996, 2008) mostra que,
enquanto o comportamento dos homens oferece indícios de
implementação da mudança, com uma distribuição linear decrescente –
os mais jovens usando mais a preposição em do que os mais velhos, o
comportamento feminino apresenta um quadro de variação estável – as
mulheres da faixa etária intermediária (36 a 55 anos) tendem a evitar o
uso da variante em, enquanto as faixas etárias situadas nos extremos a
utilizam mais. Esse comportamento feminino mais conservador, mais
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
sensível ao prestígio social, é explicado pelo autor com base em pressões
do mercado do trabalho.
Vallo (2004) se detém na análise de questões similares em seu
estudo realizado a partir da análise do uso das preposições vinculadas ao
verbo ir na língua falada pessoense, com base em dados presentes no
corpus VALPB – Variação Linguística no Estado da Paraíba (Hora, 1993).
O autor encontrou 610 ocorrências, assim distribuídas: 82 casos de uso
do a, 441 casos de para e 87 casos de em, correspondendo a uma
porcentagem de 13%, 72% e 15%, respectivamente. Pode-se observar um
comportamento bastante diferenciado entre os falantes cariocas (corpus
Censo) e os pessoenses no uso das preposições: enquanto no Rio de
Janeiro há 46% de uso da preposição em (Mollica, 1996), em João Pessoa
esse percentual cai significativamente para 15%; enquanto 56% dos cariocas
usam as preposições a/para (Mollica, 1996), os pessoenses preferem, de
forma acentuada, a preposição para (72%) e utilizam menos a preposição
a (13%).
O estudo revela ainda que, a exemplo dos resultados encontrados
por Mollica (1996), o uso de um nome locativo de conhecimento do
falante e do ouvinte favorece o uso da forma em. No entanto,
diferentemente de Mollica, a pesquisa de Vallo (2004) mostra que o
referente que possui o traço [+fechado] favorece o uso das formas a/para.
Ainda sobre os resultados, o estudo mostra que o discurso nãonarrativo favorece o uso das preposições a/para, ao passo que o discurso
narrativo favorece o uso da preposição em. Sobre essa variável, o autor,
com base em Tarallo (1985), reflete sobre a hipótese de que o informante,
ao narrar suas experiências pessoais mais envolventes, desvencilha-se da
preocupação com a forma do padrão gramatical.
Em relação aos fatores sociais, o trabalho de Vallo (2004) também
constata o papel dos anos de escolarização como variável social significativa,
apresentando um resultado bastante polarizado: quanto maior o nível de
educação formal, mais frequente é uso de a/para; quanto menor é esse
nível, mais frequente é o uso de em.
Outro estudo que analisa o português do sul do Brasil é o trabalho
de Vieira (2009). A autora também considera entrevistas do Banco de
Dados VARSUL, das capitais dos Estados da Região Sul do Brasil, Porto
Alegre, Florianópolis e Curitiba, envolvendo dados de 39 informantes,
assim distribuídos: 12 de Curitiba, 12 de Florianópolis e 15 de Porto
Alegre. Vieira (2009) procura identificar os fatores linguísticos e
extralinguísticos que condicionam a escolha das preposições usadas com
os verbos de movimento chegar, vir, levar e ir.
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Artigos Inéditos
Utilizando a metodologia laboviana, Vieira (2009) obtém os
seguintes resultados gerais para os verbos analisados: de um total de 530
ocorrências, 391 envolvem a presença do verbo ir, enquanto o verbo levar
apresenta somente 25 ocorrências. Em segundo lugar, verifica-se o uso
bastante frequente das preposições a/para associado aos verbos levar e vir,
com a frequência de 88% e 83%, respectivamente. Nessas ocorrências,
somente em três situações o verbo levar é acompanhado pela preposição
em, o que se observa em nove situações relativamente ao verbo vir. Já no
que se refere ao verbo chegar, das 58 ocorrências observadas, somente em
dois contextos ele foi usado com a preposição para. Diferentemente do
que ocorreu com os outros verbos, o verbo ir apresenta variação
significativa, com preferência pelo uso das preposições a/para (PR=0,60).
Em relação aos fatores linguísticos, a utilização da preposição para
é condicionada pelo fator [+permanência]. Esses resultados se coadunam
parcialmente com os achados de Mollica (1996), uma vez que, em sua
pesquisa, Vieira (2009) não encontrou casos de utilização da preposição
em associada ao traço [+permanência]. Por outro lado, vale lembrar que
o estudo de Mollica se refere somente ao verbo ir, enquanto o de Vieira
contempla um grupo maior de verbos de movimento.
No quadro dos fatores linguísticos investigados por Vieira (2009),
os resultados indicam que o traço semântico [-fechado] favorece a escolha
das preposições a/para, e o traço [+fechado] favorece a escolha da
preposição em. Esses resultados confirmam a tendência apontada por
Mollica (1996) e Ribeiro (1996, 2008) para o verbo ir, mas diferem
daqueles obtidos por Vallo (2004), que constatou o uso das formas a/para
associadas ao traço [+fechado].
Outro resultado que se assemelha, parcialmente, àqueles de
Mollica (1996) e de Ribeiro (1996, 2008) refere-se ao grau de definitude e
determinante do locativo. Vieira (2009), na análise do comportamento das
preposições que acompanham o verbo ir, obteve resultados que
demonstram que quanto mais definido e mais conhecido for o referente
do locativo, maior a possibilidade de se utilizar a preposição em, e que a
indeterminação do locativo e o fato de seu referente não fazer parte do
universo de conhecimento do falante favorecem as variantes a/para. Vallo
(2004) também apontou que o uso de um nome locativo de conhecimento
do falante e do ouvinte favoreceu o uso da forma em.
No que concerne aos resultados para os fatores sociais desse estudo
de Vieira (2009), o único fator que se mostrou relevante foi a variável
geográfica, que indicou que os falantes de Porto Alegre são os que mais
usam verbos de movimento com as preposições a/para, enquanto os
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
falantes de Florianópolis são os que mais usam a preposição em. Já os
dados de uso das preposições pelos falantes de Curitiba, nessa amostra,
sinalizam que a cidade tem um papel praticamente neutro em relação
aos índices gerais de preservação ou substituição da preposição que rege
os verbos de movimento.
2 Ampliando os limites da atuação de fatores linguísticos sobre o uso
variável de preposições com o verbo ir
Retomando os resultados dos trabalhos resenhados na seção
anterior, além da relevância do papel dos fatores sociais sobre a regência
variável do complemento locativo do verbo ir, conforme demonstrado
pelos trabalhos de Mollica (1996), Ribeiro (1996, 2008), Vallo (2004) e
Vieira (2009), observa-se também a pertinência da análise de fatores
linguísticos que condicionam a seleção das preposições a/para/em.
Em relação a tais fatores, o estudo seguiu a seguinte trajetória de
pesquisa. Primeiramente, surgiu o trabalho pioneiro de Mollica (1996),
que propôs o controle da configuração do espaço, grau de definitude e traço
de permanência, os quais são retomados por Ribeiro (1996, 2008). Já Vallo
(2004) soma a isso o controle da narratividade, e, em Vieira (2009), observase o avanço da análise para um grupo de verbos de movimento.
Ampliando ainda mais os limites dos fatores linguísticos
reconhecidos como condicionantes das preposições a/para/em, conforme
destacamos neste trabalho, que retoma alguns dos achados de Wiedemer
(2008), lançamos mão dos seguintes fatores linguísticos: (i) configuração
do locativo; (ii) pessoa do discurso; (iii) tempo-modo-verbal. Conforme
comentaremos em seguida, os resultados apontados nesta pesquisa, além
de confirmarem a evidência de que outros fatores linguísticos atuam no
condicionamento do uso das preposições a/para/em, que complementam
o verbo ir, fornecem fortes evidências em favor da intercorrelação de
uma multiplicidade de fatores, sejam linguísticos ou extralinguísticos, que
envolvem o fenômeno em pauta.
2.1 A relevância da configuração do locativo
Como vimos em vários trabalhos, as características do locativo se
mostraram relevantes para o uso alternado das preposições em estudo.
Neste artigo, procuramos detalhar a configuração do espaço, tentando
captar diferenças mais sutis e detectar eventuais condicionamentos.
É pertinente destacar que o uso da preposição ad, que surge no
latim clássico, já mostrava certa variação no passado, pois essa preposição
podia ser usada tanto com objetos inanimados como animados, atribuindo
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Artigos Inéditos
certa proeminência ao objeto, indicando o ponto a que a ação se dirige.
Assim, embora estejamos analisando um verbo que não requer objeto,
mas um complemento circunstancial, em nossos dados a maioria dos
locativos tem o traço [-animado]. Por esse motivo, preferimos refinar os
fatores para diferenciarmos os tipos de locativos, controlando diferentes
propriedades, que, conjuntamente, configuram os espaços que
caracterizamas situações representadas nos enunciados que contêm o
verbo ir. Essas propriedades são controladas a partir da identificação de
traços semântico-discursivos, resultando nas seguintes codificações: (i)
[lugar/objeto], termo que remete a lugares, objetos sem nomes definidos,
tais como, casa; (ii) [lugar/instituição], que abrange nomes definidos de
lugares, como, por exemplo, UFSC; (iii) [lugar/instituição personificada],
que remete tanto a personificação de instituição (médico = consultório)
como personificação de lugar (sogra = casa da sogra); (iv) [lugar/evento],
que considera acontecimentos que se passam em certos lugares, como,
por exemplo, missa, futebol, festa, e processos/acontecimentos; (v) [lugar/
espaço sócio-geográfico], relativo a lugares com referência geográfica, tais
como comunidade, interior, centro e localidades específicas.
Os resultados para a variável configuração do espaço encontram-se
na Tabela 1, dada a seguir.
Tabela 1: Influência da variável configuração do espaço
sobre o uso de A, PARA e EM
A
PARA
EM
Apl./total
% PR
Apl./total
% PR
Apl./total
% PR
Lugar/inst.personificada
2 0/69
29 0,70
17/69
25 0,30
32/69
46 0,56
Espaço geográfico
57/257
22 0,69
148/257
58 0,54
52/257
20 0,35
Lugar/evento
17/118
14 0,65
45/118
38 0,45
56/118
47 0,47
Lugar/objeto
46/462
10 0,36
195/462
42 0,51
221/462
48 0,57
Lugar/instituição
4/51
8 0,22
25/51
49 0,56
22/51
43 0,59
144/957
15
430/957
45
383/957
40
TOTAL
Input: .11
Sig.: .045 Input: .45
Sig.: .034 Input: .39
Sig.: .023
Significância
1º selecionado
7º selecionado
5º selecionado
Prepos ições
Config uração do Espaço
Em relação à preposição a, observa-se que os três primeiros fatores
dispostos na tabela favorecem seu uso, o primeiro do quais [lugar/
instituição personificada], com peso relativo de 0,70, também favorece,
embora com menor peso, o uso da preposição em (PR=0,56), e o segundo
fator [espaço geográfico], com peso relativo de 0,69, também favorece
levemente o uso da preposição para (PR=0,54). Assim, pode-se dizer que
o contexto preferencial da preposição a, ou seja, o contexto que, de fato,
particulariza seu uso, é o fator [lugar/evento], cujo peso relativo associado
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
é de 0,65 – fator que se mostra levemente inibidor para o uso das
preposições para e em (PR=0,45 e PR=0,47, respectivamente). Por outro
lado, os fatores [lugar/instituição] e [lugar/objeto] são fortes inibidores
do uso da preposição a (PR=0,22 e PR=0,36, respectivamente).
Embora com menor polarização, mas considerando a “relação”
entre os pesos, três contextos se destacam no favorecimento ao uso da
preposição em: [lugar/instituição], [lugar/objeto] e [lugar/inst.
personificada], com pesos relativos de 0,59, 0,57 e 0,56, respectivamente.
Entre esses fatores e [lugar/evento] e [espaço geográfico] há uma
diferença superior a 0,10, o que confirma sua relevância. A preposição
para, por outro lado, não apresenta nenhum contexto favorecedor ao seu
uso. A tendência mais acentuada em relação a para é o nítido
desfavorecimento de seu uso com o fator [lugar/instituição personificada],
já que o peso relativo obtido é bastante baixo (PR=0,30) em relação aos
demais, bastante próximos.
Em resumo: (i) o contexto que está se delineando como particular
da preposição a é [lugar/evento]; (ii) o contexto que está despontando
como característico para a preposição em é [lugar/objeto]; (iii) a
preposição para não apresenta nenhum contexto particularizado de uso;
(iv) é evidente o comportamento distinto entre as preposições a/para
versus em diante do fator [espaço geográfico], que desfavorece fortemente
o uso de em; (v) pode-se dizer que as preposições para/em estão claramente
em variação nos contextos [lugar/evento] e [lugar/instituição].
As ocorrências abaixo ilustram a tendência de uso da preposição
a com [lugar/evento], da preposição em com [lugar/objeto] e das
preposições a/para com [espaço geográfico].
(05)
É, sou torcedor de rádio de pilha. Torço pelo Figueirense, mas
não vou ao jogo. (FLP 10) [lugar/evento]
(06)
Eu lembro, eu era pequena ainda, não ia na ah! ia na escola, sim,
já ia na escola, é. Só sei que minha mãe estava esperando neném, ela
chorou muito, né? (BL 06) [lugar/objeto]
(07)
Eles vieram pra Florianópolis porque todo mundo dizia que
Florianópolis era bom. Ilusão, né? Todo mundo dizia: “Ah, vai pra
Florianópolis, Florianópolis é bom, é melhor, tem serviço, isso e aquilo.”
Aí então eles vieram. Mas na época que eles vieram pra cá não tinha
ônibus, não tinha nada. (FLP 08) [espaço geográfico]
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Artigos Inéditos
(08)
Lá eu trabalhei. Depois eu fui a Curitiba, trabalhava no balcão,
vendia tecidos e aviamentos. (BL 05) [espaço geográfico]
Verifica-se assim que o locativo identificado como espaço
geográfico favorece a/para e desfavorece em; a preposição em é favorecida
em contexto de lugar/instituição personificada (ou não), porém o fator
lugar/objeto condiciona o uso de em e inibe o uso de a, mostrando-se
indiferente ao uso de para.
Além disso, considerando os dados, evidencia-se uma oposição entre
as preposições a e para: lugar/instituição personificada e lugar/evento
privilegiam o uso de a, ao passo que inibem o uso de para; por outro lado,
lugar/instituição e lugar/objeto, principalmente o primeiro fator,
desfavorecem a e favorecem para. Isso mostra que devemos ter certa cautela
ao dizer, por exemplo, que a preposição a está cedendo terreno para a
preposição para, que, por sua vez, estaria em competição com em; ou que a/
para devem ser reunidas em oposição a em, como considerou Mollica (1996),
por exemplo. Pelo contrário, os resultados apontam que existem contextos
claros de retenção do uso de a na fala de Santa Catarina.
2.2 O sujeito da oração e a configuração da expressão locativa
Como vimos, em diversas pesquisas sociolinguísticas, a análise dos
fatores linguísticos apontou a pertinência de grupos de fatores ligados ao
locativo que complementa a preposição, como, por exemplo, “configuração
do espaço”, “grau de definitude” do referente, ou a atribuição do traço
permanência, bem como outros fatores, que acabam por desconsiderar a
interação da expressão locativa com outros constituintes da sentença.
Assim, a composicionalidade de uma sentença aponta para a importância
de se considerar a presença de outros constituintes oracionais na
configuração da expressão locativa.
Com base nessa consideração, idealizamos o controle do “sujeito da
oração” com o verbo ir, verificando sua associação com as pessoas do discurso.
Essa variável implementa-se por meio do controle dos seguintes fatores:
(Primeira pessoa [eu, nós])
(09) Eu viajava vinte quilômetros pra ir num baile, de bicicleta. (SC BLU 16)
(Segunda pessoa [tu, você, vocês])
(10) É, para o lado da Joaquina, invés de tu ires pra Joaquina, pra Barra,
tá? O Morro da Barra não era calçado, foi calçado há pouco tempo, se
não me engano, até [no] quando o Esperidião era prefeito. (SC FLP 24)
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
(Terceira pessoa [ele(s), ela(s), SN singular e plural])
(11) Eles gostavam muito de ir na casa dos avós deles assim. (SC BLU 04)
(A gente como pronome)
(12) A gente podia ir em bailes, coisas assim, sem muitas violências... (SC
BLU 07)
Após a classificação dos dados e sua análise, organizamos os
resultados para tal grupo de fatores na Tabela 2, abaixo.
Tabela 2: Influência da variável pessoa do discurso
sobre o uso de A, PARA e EM
Preposições
Pesso a do
Discurso
A gente + P1 (eu, nós)
A
Apl./total
%
PR
PARA
Apl./total
%
PR
EM
Apl./total
%
PR
253/620
41
254/620
41 0,53
11 3/620
18 0,57
19/58
33 0,44
31/58
53 0,59
8/58
14 0,48
158/279
57 0,65
98/279
35 0,42
23/279
8 0,35
14 4/957
15
430/957
45
383/957
40
Input: .11
Sig.: .045 Input: .45
Sig.: .034 Input: .39
Sig.: .023
7º selecionado
3º selecionado
2º selecionado
P2
P3
TOTAL
Significância
Como se observa, o sujeito a gente/nós/eu correlaciona-se mais ao uso
da preposição a (PR = 0,57), enquanto tu/você relacionam-se mais fortemente
à preposição em (PR = 0,59), e ele/eles, ao uso de para (PR = 0,65). Com base
nesses resultados, pode-se afirmar que a variável pessoa do discurso mostrou
exercer influência na seleção das preposições (a/para/em), e dessa forma,
parece evidente que o falante demonstra uma inclinação para selecionar a
preposição associada ao seu referente no discurso. Diante desses resultados,
podemos traçar uma tendência de uso das preposições relacionada à pessoa
do discurso, conforme quadro abaixo.
Quadro 1: Tendências de uso das preposições
relacionadas à pessoa do discurso
P ESS OA
DO
D IS CU R SO
Preposição
A gen te+eu/nós (P1)
P2
P3
A
EM
PARA
Seguem dados ilustrativos da variável pessoa do discurso.
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Artigos Inéditos
(13)
[eu] olha, às vezes eu gostaria de ir mais longe assim, fazer um passeio,
isso e aquilo, mas, eu não gosto de dirigir, e, às vezes que eu ando na Cento
e Um pra mim não é um passeio, não é nada, isso é A última vez que eu fui
a Florianópolis, realmente, quando eu vinha de volta, era umas quatro ou
cinco horas da tarde, essa região de Florianópolis pra cá,... (SC FLP 24) [P1]
(14)
Isso aí foi só inventado só pra tirar o dinheiro [do] da classe
operária porque classe operária é [que] que sofre com isso. Tu vais no
mercado, hoje é um preço, tu vais amanhã no mesmo supermercado aí
que está aumentando quarenta e poucos por cento acima [da] do
permitido. (SC BL 12) [P2]
(15)
Foi uma luta tremenda pra nós dois e os filhos. Botava tudo dentro
do Fusquinha, ela ia pra uma universidade, eu ia pra repartição e botava
os filhos na escola. (SC FLP 13) [P3]
Considerando os resultados, fica clara a atuação da variável pessoa
do discurso na seleção das preposições (a/para/em).
2.3 Permanência ou tempo-modo-verbal
Apesar de outros trabalhos (Mollica, 1996; Vallo, 2004; Vieira,
2009) terem controlado o grupo de fatores [+permanência]/[permanência], motivados pela tradição gramatical ou pela tradição
linguística, que apresentam a diferença no uso das preposições a e para
com base na oposição “estada provisória” e “estada permanente”,
consideramos essa variável de difícil operacionalização nos dados. Como
definir com certa segurança se o sujeito vai permanecer ou não no local,
se não houver uma indicação explícita de tempo, por exemplo? Além
disso, pistas contextuais nem sempre são esclarecedoras. Some-se a isso,
ainda, o fato de que a inferência da noção de permanência, muitas vezes,
decorre do significado do verbo e não da preposição.
Em vista disso, em Wiedemer (2008), testamos três grupos de
fatores concernentes ao verbo (frequência aspectual, perfectividade e tempomodo-verbal)7, tendo apenas o grupo de fatores tempo-modo-verbal se mostrado
relevante no condicionamento do uso das preposições a/para/em,
conforme exemplos destacados abaixo:
7
Apresentamos aqui apenas o grupo de fatores tempo-modo-verbal, pois foi o único
selecionado pelo pacote estatístico. Ao leitor interessado na configuração dos outros
grupos de fatores, ver Wiedemer (2008).
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
(16)
Na época [da] quando nós íamos para o colégio, na época caía geada
ainda, hoje não cai muita geada aqui. (SC BLU 03) [Pretérito imperfeito]
(17)
E quando eu fui a São Paulo, eu trabalhei num escritório, uma firma
que vendia aço, no atacado. (SC BLU 05) [Pretérito perfeito]
(18)
Não dá ânimo pra ir num campo de futebol ou clube que nós temos aqui
em Blumenau (SC BLU 03) [Outros]8
Observando os resultados indicados na Tabela 3, o fator que motiva
a seleção das preposições a e para é o tempo passado. Além disso, fica
evidente uma distribuição complementar em relação às duas preposições,
ou seja, pretérito perfeito atuando na seleção da preposição a, e pretérito
imperfeito, na seleção da preposição para. Além disso, os percentuais mais
baixos associados à preposição em são justamente os de tempo passado.
Tabela 3: Influência da variável tempo-modo verbal
sobre o uso de A, PARA e EM
Preposições
TMV
Pretérito perfeito
Outros
Pretérito imperfeito
Presente
TOTAL
Significância
A
PARA
Apl./total
% PR
Apl./total
% PR
60/271
22 0,63
119/271
44 0,36
15/153
10 0,38
65/153
42 0,49
39/292
13 0,47
148/292
52 0,60
30/241
12 0,47
98/241
41 0,54
144/957
15
430/957
45
Input: .16
Sig.: .15 Input: .45
Sig.: .47
5º selecionado
6 º selecionado
EM
Apl./total
92/271
73/153
105/292
113/241
383/957
%
34
48
36
47
40
PR
-
Não selecionado
Além disso, considerávamos que essa variável estivesse relacionada
com a narratividade do discurso, no sentido de que a forma inovadora em
surgisse mais em sequências narrativas, já que o discurso narrativo
propiciaria a emergência do vernáculo, e que fatos passados pudessem
promover o uso da preposição em, baseados nos resultados de Vallo (2004),
que demonstrou que o discurso narrativo favorece o uso da preposição
em, e na hipótesede Tarallo (1985) de que o informante, ao narrar
experiências pessoais mais envolventes, se desvencilha da preocupação
com a forma gramatical.
Como vimos, essa linha de pensamento não foi confirmada, pois
os resultados apontam justamente para o caminho inverso, ou seja, tempos
pretéritos condicionam o uso das preposições a/para.
8
Esse fator engloba outros tempos verbais, bem como formas nominais do verbo que
não integram uma locução verbal.
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Artigos Inéditos
Diante disso, uma hipótese alternativa poderia ser a seguinte: a
flexão do verbo ir tem por base um fenômeno que é denominado
supletivismo verbal, pois estão na base de sua constituição, em português,
três radicais verbais latinos diferentes: ire (ia, irei, iria, indo, ido); vadere
(vou, vais, vai, vamos, vão, vá, vás, vades); e fu-, radical do perfeito do
verbo esse, “ser” (fui, fora, fosse etc), que foram reunidos em uma única
forma verbal (Machado, 1995). Uma das confluências desse processo, por
exemplo, é que os verbos ser e ir têm a mesma forma verbal no pretérito
prefeito.
E, por sua vez, as preposições estariam apresentado uma
regularização de uso associadas aos verbos de origem, com o uso da
preposição para com o tempo verbal pretérito imperfeito, e da preposição a
com o tempo verbal pretérito perfeito, ou seja, pode-se pensar em uma
abstratização do significado das raízes associadas ao verbo ir.
Vejamos, por exemplo, a frase O sujeito foi na batalha. Nesse
contexto, o verbo foi com o sentido original ser passou, hoje, para o
significado de esteve. Assim, uma das causas da manutenção da preposição
em pode estar associada ao verbo de origem. Porém, traçamos aqui apenas
uma hipótese, que merece uma investigação mais aprofundada.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho buscamos evidenciar novos grupos de
fatores referentes à variação no uso das preposições a/para/em no
complemento locativo do verbo ir a partir dos resultados alcançados por
Wiedemer (2008), e apresentar outros fatores linguísticos que atuam na
variação/mudança do fenômeno investigado, além dos já investigados por
outros trabalhos (Mollica, 1996; Ribeiro, 1996, 2008; Vallo, 2004; Vieira,
2009).
Para tanto, inicialmente, exemplificamos o fenômeno de variação/
mudança das preposições a/para/em com base em diversos estudos
sociolinguísticos existentes, e também apresentamos os grupos de fatores
controlados por tais trabalhos.
Na sequência, apresentamos os resultados e análise de novos
fatores linguísticos (configuração do locativo; pessoa do discurso; tempo-modoverbal) que atuam na seleção das preposições a/para/em, que
complementam o verbo ir, e, com isso, sustentamos a multiplicidade de
fatores que envolvem o fenômeno.
Distanciamo-nos, aqui, da afirmação de Travaglia (1985), de que
a escolha da preposição se daria em dois níveis diferentes: no sintático,
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
pela regência do verbo e, no semântico, pela sua harmonização com o
conteúdo semântico do adjunto ou do argumento do verbo. Conforme
demonstrado neste trabalho, analisando as preposições do verbo ir no
nível sintático, o verbo rege variavelmente três preposições (a/para/em).
No nível semântico, o detalhamento semântico do locativo motiva o uso
de uma ou de outra preposição. Além disso, evidenciamos a atuação da
variável tempo-modo-verbal, cuja natureza é morfossemântica, além de fatores
como pessoa do discurso, fator que está associado ao sujeito, mas que, de
fato, é de natureza discursiva, assim como as variáveis narratividade e
finalidade (Wiedemer, 2008). Assim, o fenômeno sob análise transita pelos
níveis morfossintático e semântico-discursivo, além de ser sensível a fatores
extralinguísticos (Wiedemer, 2010a, 2010b). Portanto, pode-se dizer que
a escolha da preposição se dá em mais do que dois níveis, diferentemente
do que sugere Travaglia (1985).
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Artigos Inéditos
ir de movimento”. In.: ______. (org.). Padrões sociolinguísticos: análise de
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Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir
Resumo
Neste artigo, apresentamos os resultados da análise de
novos fatores linguísticos como condicionantes na
variação/mudança das preposições a/para/em, que
introduzem complemento locativo do verbo ir, com
base em dados de amostras da fala de Santa Catarina
(Florianópolis, Blumenau e Lages), no sul do Brasil,
integrantes do Projeto VARSUL. Procuramos mostrar
que outros fatores linguísticos atuam na variação/
mudança linguística que envolve esse fenômeno, além
dos já apontados por trabalhos anteriores de cunho
sociolinguístico.
Palavras-chave: Verbo ir; preposições (a/para/em);
VARSUL; Sociolinguística.
Abstract
This paper presents the results of the analysis of new
linguistic factors which constrain the variation/change
in the use of prepositions a/para/em introducing the
locative complement of verb ir (to go), based on data
from samples of speech from Santa Catarina
(Florianópolis, Blumenau and Lages), in the south of
Brazil, which integrate the Project VARSUL. We try to
show that other linguistic factors act in the variation/
change that involves this phenomenon, besides those
already pointed out by previous sociolinguistic
researches.
Keywords: Verb to go(ir); prepositions (a/para/em);
VARSUL; Sociolinguistics.
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes
polissêmicas de que nem
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi1
1.
Apresentação
O objeto de investigação deste trabalho são as
construções de junção com que nem, que mostram alta
produtividade em textos da modalidade de enunciação
falada do português, onde atuam no estabelecimento de uma relação
semântica de comparação de igualdade. No exemplar em (01), extraído
de um inquérito da amostra IBORUNA, há uma associação, por
comparação, entre propriedades do quiabo e o modo de nascimento do
bebê, uma associação que é qualitativa por natureza:
(01)
ela teve o nenê em cima da cama lá... o nenê guspiu que nem
quiabo pra fora... e num deu tempo de NADA… nem de levá(r) pra sala
de parto… (AC:030)
Nas línguas, a heterogênea classe dos juntores é propensa à constante
renovação, revelando grande flutuação formal e semântica. Meillet (1948) já
salientava a instabilidade inerente aos juntores e a procedência diversa desses
itens, afirmando que “les origines des conjonctions sont d´une diversité infinie.
Il n´y a pas d´espèce de mot qui ne puisse livrer des conjonctions”. Para ele,
a formação de juntores é uma instância de gramaticalização, processo de
mudança que alimenta a gramática da língua. No português, é nítida a
1
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Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP-SJRP/CNPq).
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Artigos Inéditos
instabilidade do sistema conjuncional no âmbito da comparação: além de
que nem, o repertório dos juntores tem sido ampliado com a inclusão de
tipo, igual e feito, palavras que funcionavam exclusivamente como formas
livres.
A formação de juntores baseados em que foi uma tendência do
latim vernáculo, que se generalizou nas línguas românicas (Maurer, 1959),
sendo hoje, em português, uma das estratégias mais férteis na produção
de juntores. Dos vários canais de derivação de novas perífrases, destacamse, pela frequência de realização, os canais adverbial e verbal, de que só
que e vai que são exemplos recentes (Longhin-Thomazi, 2003, 2010). Nesse
respeito, que nem tem comportamento excepcional: enquanto as tantas
perífrases conjuncionais são do tipo x que, a formação de que nem foi
favorecida pela anteposição de que a nem, que passaram a codificar modocomparação, revelando um alto grau de opacidade frente aos sentidos
das partes componentes.
Por um lado, há evidências de tratar-se de um fenômeno de
gramaticalização, já que palavras já pertencentes à gramática da língua,
combinadas numa certa ordem, perderam e ganharam traços
morfossintáticos e semânticos, passando a constituir uma construção ainda
mais gramatical. Por outro, não há clareza acerca dos contextos que
condicionaram essas alterações, nem acerca do funcionamento da
construção complexa que que nem ajuda a formar, sobretudo quando
consideramos as ocorrências de (02) a (04), que permitem vislumbrar
diversos esquemas sintáticos e nuanças semânticas:
(02)
depois que você assô(u) o bo::lo você coloca essas três clara...
batida com açúcar por cima que nem um suspiro... e volta lá no forno
(AC:142)
(03)
(...) era tudo mais VE::lho assim... tudo rabiscado agora não... hoje
já é bonito:: as carteiras são todas no::vas que nem eu te falei né? (AC:042)
(04)
Doc: cê lembra como é por dentro?
Inf: ai lembro... tem bastante pintura... os vidros todos coloridos
assim... mas ela é pequena assim... que nem vai ter a nossa missa da
formatura da... da formatura num vai caber ninguém lá sabe? (AC:042)
O dicionário Houaiss (2001) registra a locução que nem e atribui
possíveis paráfrases com do mesmo modo que e como, sugerindo que a relação
de sentido estabelecida é de “equivalência de modo” ou “comparação”.
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
No entanto, as gramáticas normativas ainda hesitam em elencar que nem no
conjunto das conjunções modo-comparativas. Aliás, o próprio domínio de
modo não tem mais lugar na abordagem tradicional, desde que a NGB
optou pela distribuição – não sem problemas – das orações modais pelas
classes das conformativas e das comparativas (Azeredo, 1997). Em todo caso,
é evidente, de acordo com (02)-(04), que o sentido de modo-comparação
não é o único veiculado por que nem. Em (02), que nem descreve o modo de
manifestação do conteúdo do predicado, mas, em (03), codifica conformidade
por meio de um ato ilocucionário distinto e, em (04), acrescenta um modo
de ilustrar, que é uma espécie de elaboração, a ser devidamente qualificada
ao longo do trabalho. Há, portanto, diferentes padrões funcionais de que
nem, que ainda aguardam por descrição2.
À luz dessas considerações, este trabalho persegue dois objetivos
principais: (i) descrever as construções com que nem a partir do pareamento
entre forma e significado, com o intuito de identificar e caracterizar seus
diferentes padrões de funcionamento; e (ii) avaliar até que ponto fontes
sincrônicas do português ajudam a desvendar etapas do processo de
constituição de que nem, tendo em vista as tendências diacrônicas sobre
mudança de juntores nas línguas, tais como abordadas em Kortmann (1997).
Para tanto, adoto um modelo de junção de base funcionalista, que
pressupõe o cruzamento entre o sistema de taxe e o sistema semânticocognitivo. Assumo que qualquer relação semântica pode se resolver em
diferentes ambientes sintáticos, com arranjos que são tipicamente paratáticos,
hipotáticos ou que estão na fronteira indecisa entre parataxe e hipotaxe, o
que desafia a dicotomia tradicional entre coordenação e subordinação. Além
disso, da perspectiva morfossintática, elejo critérios para examinar o caráter
conjuncional de que nem e para levantar hipóteses explicativas sobre a reanálise
categorial e, da perspectiva semântica, investigo a rede polissêmica subjacente
a que nem, defendendo que há relações de parentesco semântico entre as
acepções do juntor e que essas relações se dão em um único domínio
conceitual, com a especificação das relações modais.
2. Fundamentos teóricos
2.1 Tendências em gramaticalização de juntores
Seguindo Heine (2003), entendo gramaticalização em dois sentidos:
2
Há casos em que, provavelmente pelo uso frequente, a construção com que nem
assume uma feição cristalizada, conforme as ocorrências: (i) vai BÊbedo me(s)mo que
nem ele só (AC:079); e (ii) comemos que nem... lou::cas... né? (AC:018). Dados desse
tipo não serão considerados aqui.
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Artigos Inéditos
como um processo gradual e histórico de mudança linguística em que
construções menos gramaticais são usadas, em contextos específicos, para
codificar construções mais gramaticais (p.e, processo de constituição de
que nem); e como uma teoria que fornece subsídios teórico-metodológicos
para a reconstrução da gênese e desenvolvimento da linguagem humana.
Os processos de gramaticalização desafiam o conceito de
categorização discreta e os padrões de que nem, com suas fronteiras nem
sempre precisas, são sintomas dessa não-discretude. Nos estudos em
gramaticalização, a grande flutuação de forma e de função é capturada
por meio de representações escalares do tipo cline, que têm consequências
distintas, a depender da perspectiva sincrônica ou diacrônica (Hopper e
Traugott, 1993): na sincrônica, o cline permite arranjar os diferentes
padrões de um item ou construção em função do aumento de
gramaticalidade, sem implicar relações de derivação entre eles. Já na
diacrônica, o cline representa uma trajetória temporal de desenvolvimento,
com relações de precedência entre os padrões.
Como método científico de reconstrução linguística, a
gramaticalização repousa em regularidades na evolução das construções
gramaticais como, por exemplo, no princípio de reconstrução semântica,
referido por Traugott (1986), pelo qual os sentidos que estão na fonte
das derivações na sincronia da língua são justamente os mais primitivos
na diacronia da língua, o que equivale a afirmar que significados adjacentes
sincronicamente também o são diacronicamente.
Outro aspecto da regularidade na evolução é a direcionalidade
da mudança. A direcionalidade da gramaticalização está inscrita na própria
definição do processo, que sinaliza ganho de informação gramatical, e
não o contrário. Mas a direcionalidade também pode ser verificada em
cada uma das alterações que caracterizam o processo de gramaticalização
como um todo. Essas alterações são abordadas por Heine e Kuteva (2007)
em termos de quatro mecanismos: extensão contextual, dessemantização,
descategorização e erosão. A singularidade da gramaticalização é garantida,
segundo os autores, pela interação entre esses mecanismos, que juntos
compõem uma ferramenta para investigação de casos de mudança. Neste
trabalho, em função dos objetivos e recortes estabelecidos, privilegio o
exame das alterações semânticas e morfossintáticas.
Quanto às alterações semânticas, dada a predisposição derivacional
existente entre as relações de sentido, Kortmann (1997) propõe, em estudo
tipológico sobre gramaticalização de juntores adverbiais nas línguas da
Europa, um arranjo que reflete não só os canais derivacionais, mas
também a produtividade inerente aos canais. Para isso, ordena as relações
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
semânticas em quatro macrossistemas, dentro dos quais se desdobram
conjuntos de relações com elos de parentesco, que explicam padrões de
polissemia nas línguas: Modal (modo, similaridade, comparação,
conformidade, proporção, instrumento), Espacial (lugar, espaço, adição,
substituição, preferência, concomitância), Temporal (simultaneidade,
anterioridade, posterioridade, contingência, concomitância) e CCCC
(causa, razão, condição, concessão, contraste, resultado).
Segundo Kortmann, nos desenvolvimentos históricos, a mudança
semântica é direcional, os caminhos são condicionados pelas relações
polissêmicas que se dão dentro e entre os sistemas semânticos, apontando
um aumento de complexidade cognitiva, conforme indicado no Esquema
1, que mostra afinidades maiores e menores entre as relações: (i) todas
as relações podem dar lugar a CCCC, mas não vice-versa; (ii) lugar e
modo virtualmente não têm afinidades semânticas e alimentam os demais
sistemas; e, (iii) tempo é o canal de derivação mais produtivo para as
relações CCCC, o que é sinalizado pela espessura da seta.
ESPAÇO
CCCC
TEMPO
MODO
Esquema 1: Macroestrutura do universo semântico das
relações oracionais (Kortmann, 1997)
Há pouca literatura sobre gramaticalização de juntores comparativos,
e os trabalhos sobre o tema em geral se referem à comparação de
desigualdade. Da perspectiva tipológica, segundo Stassen (1985), que se baseou
numa amostra de 110 línguas, os juntores comparativos têm paralelo com
uma série de construções, e esse paralelo fornece evidências para a
recuperação do processo de derivação histórica que fez emergir os
comparativos. Para Stassen, as classes que mais frequentemente nutrem o
domínio das comparativas são as construções aditivas, disjuntivas, adversativas,
negativas, consecutivas e, sobretudo, orações relativas. Haspelmath e Buchholz
(1998), que investigaram as comparativas de igualdade em línguas da Europa,
constataram que a fonte está principalmente nas orações relativas:
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Artigos Inéditos
It is often suggested in the literature that comparative constructions
are synchronically derived by reduction from relative clauses (e.g.
Lees (1961). This may be so in some cases, but in any event
relative clauses are the diachronic sources of certain types of
comparative constructions. (Haspelmath e Buchholz, 1998, p. 288)
Na descrição de fatos da história do português brasileiro, Maurer
(1967) aborda a emergência das comparativas. Ele afirma que as línguas
românicas conservaram da língua latina duas alternativas para introduzir
o segundo membro da comparação: a preposição de e a conjunção quam.
A emergência da locução do que, para marcação de comparação de
superioridade é, para ele, fruto de um conjunto de mudanças envolvendo
o pronome pessoal neutro o e o pronome relativo que, cujas alterações
categoriais levaram à perda das opções flexionais nominais.
2.2 Parâmetros da junção
Nos termos de Halliday (1985) e Martin et al. (1997), analiso as
construções com que nem a partir do encontro entre duas dimensões
sistêmicas: o sistema de taxe, que diz respeito às relações de
(in)dependência entre as orações (se estende também para unidades
menores e maiores do que a oração); e o sistema semântico, às relações de
sentido que legitimam a junção. As opções do sistema de taxe são parataxe
e hipotaxe, cuja distinção repousa, em princípio, no estatuto gramatical
das unidades envolvidas: se as orações têm mesmo estatuto, a construção
é paratática; por outro lado, se os estatutos são desiguais, uma unidade é
modificadora e dependente de outra que é nuclear, a construção é
hipotática. As opções do eixo tático se articulam com as relações de sentido
que se distribuem por outros dois eixos, expansão e projeção, cada um
se desdobrando em conjuntos mais específicos de opções. O Quadro 1
representa apenas parte do modelo dos autores, mas é suficiente para dar
conta das construções em estudo.
Segundo Halliday, os recursos de expansão de orações são elaboração,
extensão e realce, que se resolvem tanto de modo paratático como hipotático.
As opções de elaboração consistem em especificar, descrever ou refinar
conteúdos. Da combinação entre elaboração e parataxe decorrem construções
de paráfrase, exemplificação e explicação e, da combinação com a hipotaxe,
as construções relativas apositivas. As opções de extensão consistem em
adicionar, alternar, substituir, contrastar e as opções de realce qualificam
com traços circunstanciais de lugar, tempo, modo, causa, condição e
concessão, ambas com seus respectivos esquemas paratático e hipotático.
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
EXPANSÃO
EIXO TÁTICO
PARATAXE
(estatuto igual)
Elaboração Exposição: P isto é Q
Exemplificação: P por exemplo Q
Esclarecimento: P de fato Q
Co-ordenação de orações:
Extensão
Adição (positiva e negativa): P e Q; não P nem Q
Adversidade: não P mas Q
Alternância: P ou Q
Realce
Co-ordenação de orações com traço circunstancial
Tempo: P então Q; P e depois Q; primeiro P e Q
Espaço: P e aqui/lá Q
Modo: P e dessa maneira Q; P do mesmo modo Q
Causa: P e por isso Q; P em vista disso Q
Condição: P ou por outro lado Q; P caso contrário Q
Concessão: P ainda Q; P assim mesmo Q
HIPOTAXE
(estatuto desigual)
Orações relativas
apositivas
Hipotaxe de orações em:
Adição: P além d e Q
Adversidade: P apesar d e Q
Alternância: se P não Q
Orações circunstanciais
Tempo: quando P, Q; antes
que P, Q; logo que P, Q
Espaço: P onde Q
Modo: P assim como Q
Causa: P porque Q
Condição: Se P, Q
Concessão: P embora Q
Quadro 1: Modelo de combinação de orações,
adaptado de Halliday (1985)
3. Decisões metodológicas
O material de investigação compreende inquéritos do banco de
dados IBORUNA, que abriga amostras do português falado no noroeste
do estado de São Paulo. O material foi coletado sob os critérios da
sociolinguística variacionista, e está dividido em amostras censo (AC) e
amostras de interação (AI). Para este trabalho, selecionei aleatoriamente
quarenta inquéritos da AC. A partir desse material, foram apuradas as
frequências token e type, mostradas na Tabela 1.
Frequência token
17 4 (100%)
Frequência type
04
Padrão Valor
01
Mod o
02
Comparação
03
Confo rmidade
04
Elaboração
Totais
20/1 74
50/1 74
26/1 74
78/1 74
(11%)
(29%)
(15%)
(45%)
Tabela 1: Frequências de que nem nos dados de enunciação falada
A frequência token diz respeito ao número total de ocorrências de
que nem no corpus (174, no total), e a type, ao número de padrões funcionais
e suas respectivas frequências. Com base no cruzamento entre traços do
eixo tático e traços do eixo semântico, foram identificados quatro padrões
de que nem: modo, comparação, conformidade e elaboração. As maiores
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Artigos Inéditos
frequências são dos padrões de elaboração e comparação, respectivamente,
45% e 29% do total apurado.
4. Estatuto construcional de que nem
4.1 Padrão 1: que nem de modo
No padrão que denomino modal, que nem escopa um predicado,
acrescentando-lhe uma caracterização com respeito ao modo de
manifestação do conteúdo. Nesse caso, as unidades articuladas por que
nem têm estatutos diferenciados: a porção acrescida pelo juntor é a
modificadora do predicado da oração nuclear antecedente, do que resulta
uma configuração sintática tipicamente hipotática. (05) e (06) são
ocorrências ilustrativas e respondem, respectivamente, às perguntas “ficar
como?” e “cortar como?”. O padrão modal de que nem é similar às modais
com como, ambas as construções têm ordenação rígida e, nesse aspecto,
contrariam um traço comum à hipotaxe, que é a ordem variável das
orações. As modais com que nem são invariáveis.
(05)
pra/por causa que o óleo só serve pra::... pra::... molhá(r) a
pipoca... pra ela num ficá(r)... que nem um queimado por dentro...
(AC:013)
(06)
(...) uma amiga minha ela tinha o cabelo mais ou menos no
ombro... cortaram que nem da Giovana Antonelli assim... ficô(u) tudo
arrepia::do (AC:042)
4.2 Padrão 2: que nem de comparação
No padrão 2, que nem integra o paradigma das comparativas. Uma
construção é comparativa quando dois objetos são comparados em uma
escala mensurável. Na literatura específica, as construções comparativas
têm sido investigadas principalmente do ponto de vista semântico-cognitivo,
com preocupações tipológicas. Nessa linha de investigação, é a comparação
de desigualdade que tem recebido mais atenção dos pesquisadores (Ultan,
1972; Andersen, 1983 e especialmente Stassen, 1985). As pesquisas sobre
comparativas de igualdade são escassas, com exceção do já citado trabalho
de Haspelmath e Buchholz (1998), sobre línguas da Europa.
Segundo Haspelmath e Buchholz, no domínio das comparativas,
é preciso considerar as construções equativas e as similativas que, apesar
da proximidade de forma e de sentido, se distinguem por expressarem,
respectivamente, comparação de igualdade e similaridade aproximada,
como em (07) e (08), adaptados dos autores:
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
(07)
João é tão alto quanto Pedro (João e Pedro são igualmente altos)
(08)
João canta como um rouxinol (João canta de modo similar a um
rouxinol)
As equativas, exemplo (07), codificam identidade de extensão
(altura, largura, tamanho, volume), uma noção que é dimensional.
Portanto, elas são essencialmente quantitativas. Já as construções similativas,
exemplo (08), codificam uma identidade de modo, noção que é
multifacetada. Portanto, elas são essencialmente qualitativas. Em algumas
línguas, equativas e similativas são expressas por meio dos mesmos recursos
estruturais como, por exemplo, wie, do alemão; mas em outras, como no
português (tão...como; como) e no francês (aussi... que; comme), os recursos
são diferenciados. Em geral, nas equativas, mas não nas similativas, os
marcadores são descontínuos.
As construções com que nem são instâncias de similativas.
Expressam, antes de tudo, modo similar, que é uma relação de realce, nos
termos de Halliday. Com base na proposta de Haspelmath e Buchholz
(1998), o esquema de descrição das similativas prevê uma estrutura
cognitiva com quatro lacunas, a saber:
1. CMP: elemento comparado;
2. PAR: parâmetro da comparação;
3. MPDR: pivô ou marcador de comparação: introduz o padrão de
comparação;
4. PDR: padrão de comparação.
Aplicada essa estrutura à ocorrência em (09) com que nem, tem-se:
(09)
O Ronaldinho joga bem mas só que ele:: tá fazendo que nem uma
criancinha tá querendo fazer graça né? (AC:009)
O Ronaldinho
1 CMP
tá fazendo
2 PAR
que nem
3 MPDR
uma criancinha
4 PDR
O parâmetro (PAR), o elemento comparado (CMP) e o padrão
da comparação (PDR) são elementos lexicais, respectivamente, Ronaldinho,
fazer e criancinha, e o marcador de comparação (MPDR) é elemento
gramatical, o juntor que nem. Nessa ocorrência, Ronaldinho e criancinha
são equiparados em relação ao comportamento que ambos têm: não há
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Artigos Inéditos
uma identificação absoluta, mas sim uma aproximação qualitativa. Nos
dados investigados, a classe gramatical que tipicamente atua como CMP
e como PDR é a de substantivo, o que corrobora os trabalhos tipológicos
de Stassen (1985). Já como PAR, nos dados em análise, atuam
preferencialmente verbos de estado, verbos de ação e adjetivos, conforme
as ocorrências de (10) a (12):
(10)
.. então:: pra mim ele se tornô(u) que nem um::... Darth Vader né?
(AC:148)
(11)
...depois de dobrá(r) o lençol tem que molhá(r) ele que nem as
fronha (AC:016)
(12)
Inf.: forte que nem um... um to(u)ro ... (AC:100)
A Tabela 2 apresenta as frequências para cada categoria:
Classe gramatical do parâmetro (PAR)
Verbos de estado (ser, ficar, tornar, virar)
Verbos de ação (fazer, bater, dobrar, molhar,
trabalhar, cuspir, cortar, correr, perder etc.)
Adjetivos (forte, pequeno, bom, verdadeiro)
Frequência
21/49 43%
19/49 39%
09/49 18%
Tabela 2: Estatuto gramatical de PAR
A estrutura em que dois substantivos são cotejados dispara leitura
de contraste. Portanto, as similativas são, nesse sentido, construções de
realce expressivo. Enquanto nas comparativas de desigualdade o contraste
é mais saliente, fundado numa indicação explícita de preferência; nas
similativas, ele é condicionado pelo paralelismo estrutural. Nessa
orientação, Price (1990) e Narbona (1990) defendem que, na comparação
de igualdade, o elemento comparado tem pragmaticamente uma função
focal privilegiada.
A ocorrência em (13), abaixo, também pode ser explicada pelo
mesmo esquema cognitivo. Nesse caso, é estabelecida uma aproximação
entre as formas de reprodução da capivara e do coelho. Novamente, tratase de instaurar uma relação de comparação por similaridade a partir da
especificação da noção de modo.
(13)
Inf: capivara cada trinta dia cria três ou quatro é que nem coelho
Doc: é reproduz bastante né?
Inf: reproduz (AC:063)
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
As similativas com que nem são realizadas, na grande maioria das
ocorrências, como construções oracionais reduzidas3, em que parte do
segundo membro fica elidido e é recuperável a partir de informações do
primeiro. Trata-se de um indício do caráter hipotático da construção, um
traço de maior dependência. Cuzzolin e Lehmann (2004) argumentam
que (parte d)o padrão de comparação pode ser omitido por razões
semânticas e pragmáticas. Segundo eles, a entidade que serve de padrão
pode ser logicamente pressuposta ou pode ser implicada
conversacionalmente. Na mesma direção, Neves e Ilari (2008) afirmam
que:
(...) a depender da dimensão do elemento elidido, a recuperação
pode se tornar uma tarefa mais ou menos complexa, e a operação
não se baseia só no primeiro membro da comparação, mas ainda
no texto, na situação, ou no conhecimento partilhado entre
falante e ouvinte. (Neves e Ilari, 2008, p. 992)
À distinção entre similativas e equativas, Haspelmath e Buchholz
(1998) acrescentam ainda um terceiro tipo, que denominam role phrases,
em que o sintagma que codifica o PDR expressa um “papel” determinado
histórica e socialmente. A forma de expressão de similativas e de role
phrases é a mesma, a distinção, que é bastante sutil, é de base semântica.
As ocorrências em (15) e (16) trazem exemplos adaptados dos autores, e
(17) é a única ocorrência verificada no corpus.
(15)
Ele trabalha como um engenheiro
(“à maneira de um
engenheiro”)
(16)
Digo isso como sua mãe
(“no papel de mãe”)
(17)
você tem que trabalhá(r) que nem o evangélico... (AC:023)
(“à maneira de um evangélico”)
Os autores sugerem uma relação de precedência em que,
diacronicamente, role phrases derivam de marcadores de similativas, num
processo de abstração crescente, cujo percurso seria a passagem de “do
mesmo modo que” para “no papel de”.
3
A terminologia é de Price (1990), que propõe uma tipologia para as comparativas
de igualdade, em que são reconhecidos três tipos de construções: (i) oracional reduzida
(cf. a jovem é inteligente como seu irmão); (ii) oracional plena (cf. a jovem é inteligente como
seu irmão parece ser); e (iii) frasal relativizada (cf. a jovem é inteligente como seus pais
acreditam).
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Artigos Inéditos
4.3 Padrão 3: que nem de conformidade
No padrão conformativo, que nem introduz uma oração que
expressa o comentário do falante sobre o conteúdo da oração núcleo, e
esse comentário representa uma forma de reforçar a veracidade e a
pertinência do conteúdo. Mais especificamente, a oração modificadora
introduzida por que nem, a depender do contexto, tanto pode identificar
a fonte de informação no próprio falante, o que é muitas vezes o caso,
como nos exemplos (18) e (19), como pode expressar concordância com
a opinião do outro, como em (20) e (21).
(18)
Inf.: ah::... bonitinhas... antes não... éh::... num era NO::vo sabe?...
era tudo mais VE::lho assim... tudo rabisca::do... agora não... hoje já é
bonito::... as carte(i)ras são todas no::vas... que nem eu te falei né?... que
reformaram tudo... (AC:042)
(19)
– “óh... fulano lá deu um tiro... lá... óh... fulano lá deu um tiro”–
aí vem tudo mundo:: a polícia vem atrás – “ô senhor tem espingarda?”–
– “tenho”– leva embora... chega... chega aí... uma hora uma certa hora da
noite aí que nem aconteceu comigo num [sei] se ocê:: sabe onde é o sítio
do L. (AC:063)
(20)
Inf.: mas é que nem você falô(u)... Sá::vio... Edmun::do...
Romá::rio... tudo no Flamengo ali... quem era o técnico?... cê lembra?
Doc.: num me lembro (AC:053)
(21)
Inf.: é... se você fô(r) analisá(r) tem MUIta coisa errada… porque
tem:: vamo(s) supor que nem aí que você me disse... tem muito lugar
assim com MUIto diNHE(i)ro... depositado MUIto dinhe(i)ro muitos bens
(AC:066)
As conformativas com que nem têm por característica um contorno
entoacional próprio, que as aproxima do eixo da parataxe. Contudo, o
estatuto desigual de oração núcleo e modificadora é critério decisivo
para situar a construção conformativa mais no terreno da hipotaxe de
realce do que no da parataxe. Podem vir antepostas, pospostas ou mesmo
intercaladas, cumprindo seu papel de validar o conteúdo enunciado.
Ainda que os três padrões de que nem discutidos até aqui – modal,
similativo e conformativo – não apresentem fronteiras absolutamente
nítidas, sendo até mesmo parafraseáveis um pelo outro, a análise mostrou
que é possível reconhecer aspectos essenciais que garantem a distinção.
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
Todos têm uma base semântica na noção genérica de modo, mas o
confronto entre os padrões modal e o conformativo, por exemplo, revela
que o primeiro é fortemente dependente do predicado, ao passo que o
segundo, da enunciação. Já o confronto entre o similativo e o conformativo
revela, por sua vez, que no conformativo não há especificação de
similaridade entre dois elementos num padrão escalar, não há o traço
qualidade, tão característico das similativas.
4.4 Padrão 4: que nem de elaboração
No padrão que denomino elaboração, seguindo a terminologia
de Halliday, que nem tem um comportamento que excede os arranjos da
sintaxe oracional, atuando na articulação de porções discursivas. Mobiliza
um esquema tipicamente paratático, fundado no binarismo e na ordem
rígida, no qual encabeça segmentos textuais de dimensão variável,
acrescentando uma informação que servirá de argumento para validar ou
para reforçar um ponto de vista declarado previamente. Esse argumento
aparece na forma de uma exemplificação, como mostram as ocorrências de
(23) a (25):
(23)
que o América tem um BAITA d’um estádio... mas... num sabe
usá(r)... posso citá(r) que nem:: o ano passado... teve (éh) teve/teve a final
do Santos aqui... o que tinha de... santis::ta tam(b)ém... e... isso dá lucro
só éh:: éh:: pra... pra::... pro time e e e tam(b)ém pra:: cidade. (AC:033)
(24)
mas eu acho que vai melhorá(r) sim acho que a tendência é
melhorá(r)... que nem por exemplo o Hospital de Base tá equipado pa
recebê(r) qualquer tipo de doente... (AC:105)
(25)
a gente ia sempre lá... tem uma sala enor::me acho que tem três
ou quatro banhe::(i)ros... tem uns... é BEM distribuída BEM bonita
mesmo... que já num adianta uma casa sê(r) grande que nem a minha
casa ficô(u) meia grande mas foi mal distribuída (AC:050)
Em (23), que nem introduz um fato que reforça a perspectiva do
falante de que o América tem um imenso estádio subaproveitado. Em
(24), introduz um fato exemplar que acentua a atitude positiva do falante
acerca de um futuro melhor. Nos dois casos, o sentido é enfatizado pelas
expressões “posso citar” e “por exemplo”, contíguas a que nem. Em (25),
a exemplificação por meio de que nem traduz a crença do falante de que
o tamanho da casa não é o mais fundamental. Enfim, todas as ocorrências
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Artigos Inéditos
partilham a elaboração de um modo de argumentar pautado em situações
ou eventos exemplares. Assim, seja pela sintaxe mais paratática, seja pela
relação argumentativa de elaboração, esse padrão de que nem é o que
mais se distingue e se distancia dos demais.
5. A rede polissêmica de que nem
Como discutido anteriormente, segundo Kortmann (1997), no
universo das relações semânticas, o modal é um dos grandes domínios,
juntamente com espaço, tempo e CCCC. O modal pressupõe uma série
de relações, particularizadas no Esquema 2. Todas se referem a operações
mentais primárias para o ser humano, ou seja, são operações que estão
mais próximas da realidade sócio-física. Por essa razão, modo é um
domínio fonte para expressão de relações de tempo e de CCCC, e nunca
um domínio alvo. Isso equivale a dizer que, em termos de tendências,
não há um trânsito que leve ao domínio de modo, o trânsito ocorre
internamente ao domínio modal, por meio da especificação das relações
modais que, como já argumentei, têm múltiplas faces.
M OD O
Modo
Similaridade Conformidade Comparação
Instrumento
Proporção
Esquema 2: rede polissêmica de modo (cf. Kortmann, 1997)
Segundo Kortmann, dentre os quatro macro domínios, é no
domínio das relações modais, particularmente entre as relações de modo,
similaridade e conformidade, que se situam os mais altos graus de
parentesco semântico. Considerando o Esquema acima, é possível afirmar
que a multifuncionalidade semântica de que nem flutua entre os significados
de modo, conformidade e comparação por similaridade. À maneira do
que faz Kortmann, proponho que um possível mapa cognitivo das
afinidades semânticas entre as relações modais codificadas por que nem
teria o seguinte aspecto, com a relação de modo no centro e a elaboração
em posição marginal:
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
SIMILARIDADE
MODO
CONFORMIDADE
ELABORAÇÃO
Esquema 3: Mapa semântico-cognitivo das afinidades
entre as relações modais
6. Estatuto conjuncional e reanálise de que nem
Kortmann (1997) relaciona uma série de critérios que permitem
avaliar o caráter mais e menos prototípico dos juntores. Segundo ele,
juntores típicos são formas livres não-flexionáveis, que não cumprem
função sintática, não têm posição flexível e não estão restritos a dialetos.
Para os juntores perifrásticos, Kortmann sustenta os seguintes critérios:
(a) devem exibir uma fusão mínima; (b) devem ter perdido pelo menos
algumas de suas propriedades originais; e (c) devem ter pelo menos uma
interpretação que não é totalmente recuperável a partir do significado
das partes.
O critério (c) não requer comentários, dada a explanação dos
padrões, em seção anterior. Para avaliação do critério (a), considero, em
termos morfológicos, a invariabilidade na ordem dos elementos da
construção perifrástica e a impossibilidade de inserção de material
interveniente entre que e nem. A aplicação desse critério aos dados de que
nem revela que há fusão em 100% dos casos. Para avaliação do critério
(b), que diz respeito à perda de traços da forma fonte, parto de
informações etimológicas aliadas à consideração de três tipos de
construções constantes no corpus, nas quais os elementos que e nem estão
contíguos, mas não constituem perífrase. O propósito é recuperar indícios
acerca do processo de emergência de que nem para então avaliar os aspectos
de descategorização da forma fonte.
A multifuncionalidade de que (complementizador, pronome
relativo, conjunção causal, comparativa, consecutiva, concessiva) é, como
explica Câmara Jr. (1975), consequência direta de sua etimologia. Segundo
ele, que resultou de:
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Artigos Inéditos
“um esvaziamento da significação pronominal da forma neutra
quid do pronome indefinido-interrogativo e sua coalescência com
a outra forma neutra quod, reservada ao pronome relativo.
Secundariamente, houve a convergência da evolução fonética da
partícula de conexão comparativa quam e da conjunção causal
quod. (...) De tudo isso, resultou uma partícula multifuncional que
para os mais variados padrões frasais”. (Câmara Jr., 1975).
Nessa perspectiva, a questão que se coloca é a de saber que valor de
que está em jogo para a formação de que nem. Quanto à etimologia de nem,
derivado do latino nec, a forma nasalada nem, no português medieval,
apresentou os valores de inclusão, exclusão, e alternância: e, e também, não,
tão pouco, ou (Magne, 1944), valores que se refletem nos usos contemporâneos
adverbial (de negação) e conjuncional (adição e alternância). Esses fatos
etimológicos são revelantes, uma vez que se compatibilizam com os resultados
de Stassen, que apontam as aditivas, alternativas e negativas entre as possíveis
fontes das construções modo-comparativas. A seguir, apresento as construções
em que que nem não constitui perífrase:
(26)
(27)
(28)
(i) Complementizador + negação
Falou que nem sabia dirigir (AC:006)
Acho que nem sei se levou a carteira (AC:072)
Acho que nem tinha assistência (AC:084)
(ii) Relativo + negação
(29)
Tem um monte de coisa que nem dá pra ver (AC:014)
(30)
Cuida o meu filho que nem é filho dele (AC:062)
(31)
Ele tem nas mãos uma tecnologia que nem se sonhava que fosse
existir (AC:148)
(32)
(33)
(iii) Consecutivo + negação
Foi tão mais forte que nem ela tava entendendo (AC:106)
Era tão forte que eu nem percebi a luz (AC:152)
A sintaxe de (i) não apresenta relações com as construções de que nem;
nela o complementizador que encaixa orações e o advérbio de negação nem
escopa os verbos. Contudo, são diferentes os cenários de (ii) e (iii), que apresentam
paralelos interessantes com que nem. A construção relativa em (ii) permite levantar
uma hipótese explicativa para a constituição de que nem, segundo a qual a
contiguidade entre o relativo e o advérbio de negação teriam favorecido a
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ESTRUTURA
Fonte:[um monte de coisa]S N [que]P R [nem dá pra ver]OrN eg
Reanálise: [um monte de coisa]SN [que nem dá pra ver]OrM odal
INTERPRETAÇÃO
Um monte de coisa não dá pra ver
Um monte de coisa como dá pra ver
Fonte: [o meu filho]S N [que]P R [nem é filho dele] OrNeg
Reanálise:[o meu filho]S N [que nem (é) filho dele]OrM odal
O meu filho não é filho dele
O meu filho é como filho dele
Fonte: [uma tecnologia]S N [que]P R [nem se sonhava existir]OrN eg
Reanálise: [uma tecnologia] SN [que nem se sonhava existir]OrMo dal
Uma tecnologia que não se sonhava
Uma tecnologia como se sonhava
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Artigos Inéditos
(…) La ‘consecuencia’ derivaría de una comparación implícita
con un elemento – ideal y no definido ni explícito – al que se le
asignaría o atribuiría la base de la comparación como rasgo o
característica propia. (…) “. (Narbona, 1990, p. 78)
Para a derivação de que nem, estariam em jogo a conjunção consecutiva
que, e nem na função de operador argumentativo, equivalente a tão pouco.
Com base no Esquema 5, que ilustra a segunda hipótese explicativa, a reanálise
da consecutiva implicaria a desvinculação da conjunção que de seu correlato
intensificador tão, e a posterior vinculação com nem. A estrutura consecutiva
fonte comporta uma comparação hipotética (“tão mais forte que/como”),
que é evidência para sustentar o trânsito entre as duas construções.
ESTRUTURA
Fonte:[tão mais forte] [que] [nem ela tava entendendo]O rCo nsec
Reanálise:[tão mais forte] [que nem ela tava entendendo] OrMod al
INTERPRETAÇÃO
Tão forte que nem ela entendeu
Tão forte como ela entend eu
Fonte: [tão forte] [que eu nem percebi a luz] O rC ons ec
Reanálise:[tão forte] [que Ø nem percebi a luz]O rModal
Tão forte que eu nem percebi a luz
Tão forte conforme percebi a luz
Esquema 5: Hipótese para reanálise de que nem
a partir de oração consecutiva
OrConsec: oração consecutiva
OrModal: oração modal
Ambas as hipóteses explicativas arroladas acima encontram
plausibilidade no estudo tipológico de Stassen (1985), que enumera, entre
outras, as construções negativas, consecutivas e relativas entre as fontes
preferidas para a gramaticalização de construções modo-comparativas.
Conclusão
As construções com que nem têm um núcleo semântico-cognitivo
comum que está nas relações modais. Em cada contexto sintático, a noção de
modo se especializa e, só no domínio da hipotaxe, foram reconhecidos três
padrões. No primeiro, que nem traduz o modo do conteúdo do predicado;
no segundo, que nem traduz uma comparação por similaridade. Trata-se de
uma construção essencialmente qualitativa, aproximativa e contrastiva, em
que, mais do que propriamente comparar – como, por exemplo, quiabo e
nascimento do bebê, exemplo (01), ou Ronaldinho e criancinha, exemplo (09) –,
aponta, sobretudo, para as consequências que a comparação tem para a
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
expressão das intenções comunicativas e, consequentemente, para a
construção dos sentidos. Num terceiro, que nem introduz um ato ilocucionário
de conformidade, que frequentemente identifica a fonte da informação no
eu ou no outro. No domínio da parataxe, que nem faz parte de uma construção
em que a noção de modo, já mais desbotada, se refere a um modo de
argumentar, baseado num tipo de elaboração: a exemplificação.
O trabalho mostrou um pouco da histórica de que nem pelo viés sincrônico.
Parti de sentidos derivados, identificados no viés sincrônico atual, para buscar
pistas para a reconstrução de etapas da gramaticalização de que nem.
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Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem
Resumo
Neste trabalho, analiso aspectos da constituição e do
uso do juntor que nem, em dados da modalidade de
enunciação falada do português. A questão maior é
mostrar que a inserção de que nem no paradigma dos
juntores, por meio de processos de gramaticalização,
resulta em quatro novos padrões funcionais, que
refletem uma rede de parentesco semântico no
domínio das relações modais. As construções com que
nem são descritas a partir do pareamento entre forma
e significado, com o propósito de defender que
arquiteturas sintáticas diferenciadas contribuem para a
interpretação da polifuncionalidade semântica de que
nem; e que as fontes sincrônicas do português ajudam
a desvendar etapas do processo de reanálise de que e
nem, tendo em vista as tendências diacrônicas sobre
mudança de juntores nas línguas (Kortmann, 1997).
Palavras-chave: gramaticalização; junção; polissemia;
relações modais
Abstract
This work analyzes aspects of the constitution and use
of the juncture que nem, in data from Brazilian
Portuguese spoken modality. The major issue is to show
that the insertion of que nem into the paradigm of
junctures, through grammaticalization processes, results
in four new functional standards, which reflect a net of
semantic ‘kinship’ in the dominion of modal relations.
Constructions with que nem are described from the
pairing between form and meaning with the purpose
of advocating that differentiated syntactic architectures
contribute to the interpretation of semantic
polyfunctionality of que nem; and that synchronic sources
of Brazilian Portuguese help unveil stages of the
reanalysis process of que and nem, in view of the
diachronic trends on juncture change in languages
(Kortmann, 1997).
Keywords: grammaticalization; junction; polysemy;
modal relations
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Configurações XSV e XVS no português contemporâneo:
complementaridade sintático-semântica e discursiva
Maria da Conceição de Paiva1
1.
Introdução
Um fato do português brasileiro contemporâneo
é a variação sintagmática dos circunstanciais temporais
e locativos, que podem ocupar diferentes posições na
oração (Neves, 1992; Ilari et alii, 1990; Martelotta, 1994; Macedo e
Santanché, 1998; Rocha, 2001; Paiva, 2002, 2008a; Oliveira, 2004; Cezário
et alii, 2004; Cezario, Ilogty de Sá e Costa, 2005; Cezario; Pacheco; Freitas,
2005; Brasil, 2005; Lessa, 2007; Andrade, 2005; Paiva et alii, 2007; Paiva,
2008a; Ilogti de Sá, 2009). É atestada, entretanto, uma tendência, paralela
na fala e na escrita, de que esses constituintes, particularmente os Spreps,
ocupem preferencialmente as margens da oração e evitem as posições
internas, como mostram os exemplos de (1) a (4):
(1) De sua janela no 10. andar, a moradora presencia uma troca de tiros.
(Escrita, JB, 23-10-02)
(2) Em pleno século 21, com os recursos de informática disponíveis para
a organização de banco de dados, não há desculpas para falhas como
esta. (Escrita, Jornal Extra, 9-01-04)
(3) De manhã, eles improvisaram um pagode numa das celas. (Escrita, O
Globo, 25-09-02)
(4) Ele foi tirar o Serginho no final. (Fala, Amostra Censo, fal. 02)
1
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Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/CNPq)
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Artigos Inéditos
A escolha de uma ou outra periferia da oração é controlada por
fatores/propriedades de domínios distintos – sintáticos, semânticos e
discursivo-funcionais – e envolve ainda correlações com gênero textual,
(Brasil, 2005; Andrade, 2005; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008a; Ilogti de Sá,
2009).
No que se refere às restrições sintáticas, uma hipótese
frequentemente aventada prevê maior recorrência de circunstanciais na
margem esquerda em orações nas quais a posição do sujeito está livre,
principalmente pela posposição do sujeito (Kato e Nascimento, 1995;
Rocha, 2001; Brasil, 2005; Cezário et alii, 2004; Ilogti de Sá, 2009). Neste
artigo, retomamos essa hipótese com um duplo objetivo: (a) fornecer
evidências adicionais de que mais do que a forma de realização do sujeito
é a sua posição que influencia o deslocamento de circunstanciais para a
periferia esquerda da oração; (b) destacar algumas diferenças entre as
operações discursivas realizadas pelas configurações XVS e XSV. Nos
concentramos, portanto, nos circunstanciais situados na periferia esquerda
da oração.
As estruturas XVS e XSV são analisadas sob duas perspectivas: em
primeiro lugar, destacamos algumas propriedades de XVS, ressaltando a
importância da dependência sintático-semântica entre X e V no
deslocamento de constituintes localizadores para a margem esquerda (ME,
daqui em diante); em segundo lugar, apontamos algumas especificidades
discursivas dessa configuração. Argumentamos que, embora se observe
uma superposição funcional entre as duas configurações, o que permite
que elas possam alternar em certos contextos, XVS e XSV cumprem
objetivos discursivos distintos. Enquanto XVS está mais restrita ao
estabelecimento de ligações com o discurso anterior (backward tie), XSV
possui espectro funcional mais amplo, podendo realizar ligações com
pontos do discurso anterior e com o discurso seguinte (forward tie), ao
abrir enquadres temporais ou locativos nos quais se inserem diversos
estados de coisas.2
Com o intuito de destacar a generalidade das restrições que
operam sobre XVS, desenvolvemos uma análise comparativa das
modalidades falada e escrita. A fala é representada por uma amostra de
2
As expressões backward-tie e forward-tie são emprestadas de Charolles (2003, 2005),
para quem os SPreps adverbiais funcionam como elos de ligação do discurso em dois
sentidos: remetem para informações já introduzidas no discuso ou remetem para o
discurso subsequente, indexando um conjunto de estados de coisas (cf. também Paiva,
2008b).
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Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ...
15 entrevistas sociolinguísticas, gravadas com falantes cariocas no período
de 1980 a 19843, e a escrita, por um total de 155 textos de diferentes
gêneros (editoriais, artigos de opinião, reportagens, crônicas) extraídos
de jornais de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro (JB, O Globo,
Extra e Povo).4
Este artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2,
retomamos algumas hipóteses explicativas da correlação entre posição de
constituintes circunstanciais e posição do sujeito gramatical. Nas seções 3
e 4, discutimos os resultados obtidos na análise das duas amostras do
português brasileiro contemporâneo sob a perspectiva de restrições
sintáticas e semânticas, enfatizando a importância do traço [+ locativo] na
instanciação de XVS. Na quinta seção, salientamos as especificidades de
XVS em relação a XSV e os pontos de superposição entre as duas
configurações. Nas conclusões, insistimos na importância de considerar
as operações discursivas para dar conta de uma forma mais integrada dos
contextos que favorecem a posição dos circunstanciais locativos e temporais
na ME.
2. Posição de circunstanciais e forma de realização do sujeito
Em diferentes línguas cuja ordem canônica é SVO atesta-se a
recorrência da configuração XVS, ou seja, posposição do sujeito e presença
de um sintagma preposicional ou sintagma adverbial que introduz uma
coordenada de tempo ou de lugar (Naro e Votre, 1989, 1992; Spano,
2002, 2008; Santos e Duarte, 2006; Fuchs e Fournier, 2003; Cornish 2001,
2005; Carminati, 2001; Culicover e Levine, 2001). No português brasileiro
contemporâneo, essa tendência, que segundo Mattos e Silva (1989)
remonta ao português arcaico, se sujeita a condições sintáticas estritas.
Embora possível com verbos transitivos, verbos apassivados e copulativos,
é mais produtiva com verbos monoargumentais, em especial os
inacusativos e os inergativos (Lira, 1986; Andrade Berlinck, 1989, 1995;
Naro e Votre, 1992; Kato 2000; Coelho, 2000; Spano, 2002, 2008; Santos
e Duarte, 2006; Nagase, 2007).
Uma explicação corrente para essa correlação se traduz na hipótese
da Inacusatividade (cf. Coopmans, 1989; Culicover e Levine, 2001), ou
3
Essas entrevistas integram o Corpus Censo 1980, um banco de dados com 64 entrevistas
realizadas com homens e mulheres de diferentes faixas etárias (7-14 anos, 15-25 anos,
26-59 anos e + de 50 anos) e de três níveis de escolaridade (1 a 4 anos de escolaridade,
5 a 8 anos de escolaridade e ensino médio).
4
As duas amostras utilizadas neste estudo estão disponibilizadas no site
www.letras.ufrj.br/peul
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Artigos Inéditos
seja, na previsão de que, em línguas com ordem canônica SVO, a
configuração XVS é obrigatória, ou quase obrigatória, com os verbos
inacusativos.5 No que se refere ao português brasileiro contemporâneo,
essa recorrência de um constituinte X na periferia esquerda de orações
com sujeito posposto requer considerar particularidades dessa variedade,
no que tange às mudanças associadas ao Parâmetro do Sujeito Nulo.
Assim, por exemplo, Coelho (2000), Kato (2003), Santos & Duarte (2006)
e Spano (2002, 2008) sustentam uma quase cristalização da ordem VS
com construções inacusativas como consequência de uma perda gradativa
da opção do sujeito nulo. Na perspectiva de Kato e Duarte (2005), esse
processo de mudança explicaria o surgimento de uma restrição fonológica
que leva ao preenchimento da posição à esquerda do verbo, a fim de
evitar estruturas do tipo V1. Nessa mesma direção, Coelho (2000) postula
que, com verbos inacusativos, a posição mais à esquerda da oração deve,
necessariamente, ser preenchida.6
A hipótese brevemente esquematizada acima vai ao encontro da
de Carminati (2001) para o ordem VS em italiano. Para o autor, a estrutura
VS com verbos inacusativos, diferentemente da estrutura SV, possui uma
função tética, admitindo uma interpretação de “focus largo”. Trata-se, no
caso, de orações cuja função discursiva é, mais do que a de introduzir
uma predicação em relação a um referente, a de apresentar um evento
completo (cf. também Cornish, 2008). Em outros termos, são orações
desprovidas de uma porção pressuposicional, isso é, em que todos os
constituintes, inclusive o sujeito, integram a asserção. Retomando Cornish
(2008, p. 2), podemos dizer que, nessas orações, “en terme de sémantique
référentielle, le terme sujet (s’il correspond à un argument) est traité
comme dénotant une partie intégrante de la situation désignée par la
proposition en son entier, et ne réfère pas de façon indépendante”.
Essa função pode ser estendida tanto às orações com verbos
copulativos, que, por definição, são incapazes de fornecer uma predicação,
quanto às passivas impessoais e às orações com verbos impessoais/existenciais.
Todas elas apresentam uma entidade, um evento ou um estado de coisas
novo como uma unidade integral, ou seja, possuem uma função tética.
5
Essa correlação está, na origem da postulação de um processo de inversão locativa,
corrente em línguas que não admitem sujeito nulo, como o inglês e o francês (cf.
Santos e Duarte, 2006).
6
Numa perspectiva funcionalista, Naro e Votre (1989) interpretam a configuração
XVS como resultado de um princípio de preservação, segundo o qual o deslocamento
de um constituinte (complemento ou satélite) pós-verbal para a periferia esquerda da
oração provoca a posposição do sujeito, numa forma de compensação sintagmática.
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Seguindo propostas anteriores, Carminati (2001) postula, para as
orações téticas em geral, a existência de um argumento suplementar com
o traço inerente [+ locativo] que pode ou não se realizar foneticamente.
Nesse caso, a proposição constitui uma asserção sobre esse argumento
dêitico (espacial ou temporal). Para o português, proposta semelhante é
defendida por Barbosa (1989) nos casos de posposição do sujeito com a
cópula estar que, nesses casos, possui um comportamento semelhante ao
dos verbos inacusativos, contendo um argumento extra.
A estrutura VS apresenta assimetrias em relação à ordem SV tanto
no nível sintático como no nível semântico. Releva, por exemplo, a
importância das características do argumento sujeito em cada uma das
configurações: enquanto sujeitos definidos, animados e agentivos se
associam mais frequentemente à ordem canônica SV, sujeitos indefinidos,
não animados e menos agentivos favorecem VS (Fuchs, 2003; Cornish,
2001; Santos e Duarte, 2006; Spano, 2008). Associa-se a esses a influência
da extensão do SN: sujeitos mais longos e mais complexos admitem mais
facilmente a posposição do que sujeitos menores e menos complexos (cf
Fuchs, 2003; Spano, 2008).
As propriedades sumarizadas acima, que encontram evidências
empíricas em diversas línguas, se refletem em especificidades discursivoinformacionais de cada uma das formas de ordenação. Seguindo Cornish
(2001), podemos dizer que, de fato, a propriedade mais importante do
SN sujeito pós-verbal é que ele codifica um referente novo e não tópico.
Em outros termos, verifica-se o que Lambrecht & Polinsky (1994)
denominam uma destopicalização do sujeito7. É essa propriedade que
permite incluir diversas construções VS no rol mais amplo de orações
téticas, nos termos de Carminati (2001), ou apresentativas, nos termos de
Pilati (2002).
Na estrutura VS, a rematização do sujeito8 tem como consequência
reduzir sua familiaridade em relação à informação expressa pelo
constituinte X em posição inicial. Daí decorre a possibilidade de que esse
último possa funcionar como um elemento de ligação com o discurso
anterior. É da categoria informacional do sujeito posposto que resultam
algumas de suas outras características funcionais como a de constituir o
7
Outras particularidades morfossintáticas, como perda de flexão de nominativo, em
algumas línguas, ou falta de concordância com o verbo, decorrem desse processo de
destopicalização.
8
Rematização se refere aqui ao fato de que, nessas configurações, o sujeito introduz
informação nova, ou seja, integra a asserção.
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foco de informação, ou mesmo o foco contrastivo, nas orações
apresentativas (Quarezemim, 2006; Nagase, 2007). Na opinião de Fuchs
(2003), essa propriedade focalizadora do sujeito posposto em oposição à
função tópica do sujeito anteposto resulta nas diferentes operações
discursivas realizadas através das configurações XSV e XVS. Enquanto em
XSV o constituinte X constitui um enquadre para uma predicação em
que S é um tema e V a porção remática, em XVS, o verbo constitui
juntamente com X a porção temática à qual se segue um S remático.
Naro e Votre (1989) consideram, no entanto, que o estatuto
informacional do sujeito posposto, e consequentemente sua função
apresentativa, mais do que uma propriedade inerente, é derivado das
funções comunicativas da estrutura VS. Diferentemente dos sujeitos
antepostos, os sujeitos pospostos se caracterizam por baixa relevância
discursiva, introduzindo uma informação não polar ou secundária.9
Numa perspectiva bastante similar, Huffman (2002) propõe que
a particularidade discursiva do sujeito posposto é a de situar uma entidade
(um referente) fora do foco (hors focus), ou seja, sinalizar para o
interlocutor (ouvinte ou leitor) que tal referente não merece uma atenção
particular.10
3. Anteposição de SPreps circunstanciais e realização do sujeito em PB
falado e escrito
Como destacamos na seção anterior, a correlação entre
constituintes circunstanciais na margem esquerda da oração e posição do
sujeito no PB contemporâneo é atestada em diferentes estudos e conduz
à postulação de uma certa implicação entre os dois fenômenos. O exame
da correlação entre localizadores de tempo e de espaço e a forma de
realização do sujeito permite trazer novas evidências para essa questão e,
principalmente, discutir as propriedades discursivo-funcionais das
configurações XVS e XSV. Para tanto, consideremos as possibilidades de
realização do sujeito exemplificadas a seguir:
9
Na opinião dos autores, essa característica seria, inclusive, mais relevante do que o
estatuto informacional do SN sujeito posposto, que pode, em alguns contextos, constituir
uma informação dada ou inferível.
10
Como mostra Cornish (2005), tal proposta pode ser discutida. Considerando o
contexto mais amplo, é possível constatar que, não raro, orações do tipo VS introduzem
referentes que ganham relevância tópica no discurso subsequente.
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(a) sujeito pleno anteposto a V
(5) Em meia nove, a gente ficamos um ano e meio sem perder para
ninguém. (Fala, Amostra Censo, fal. 25)
(b) sujeito nulo
(6) Na estréia, (0) perdemos de quatro a um. (Fala, Amostra Censo,
fal. 14)
(c) sujeito pleno posposto a V
(7) No final de 2001, estavam em funcionamento 26 milhões de
aparelhos. (Escrita, JB, 01/11/02)
(d) orações sem sujeito
(8) Naquela época, não tinha divórcio ainda não. (Fala, Amostra Censo,
fal. 10)
Uma análise multivariacional, realizada através do Programa
GoldVarb2001, permite depreender um efeito saliente da posposição do
sujeito e dos verbos existenciais na ocorrência de circunstanciais locativos
e temporais na ME, na modalidade falada do português contemporâneo,
como se pode atestar na Tabela 1:
Tabela 1: Presença (vs. ausência) de circunstanciais na ME de
acordo com o tipo de sujeito na modalidade falada
Tipo d e sujeito da oração
Temporais
Locativos
Frequência
PR
Frequência
PR
Sujeito pleno anteposto a V
220/368 = 60%
0,51
42/420 = 10%
0,46
Sujeito nulo
101/222 = 45%
0,38
34/393 =
9%
0,46
Sujeito pleno posposto a V
24/27 = 89%
0,78
5/20 =
25%
0,72
Oração sem sujeito
31/47 = 66%
0,75
29/53 =
55%
0,87
886
Input = 0,06
Total
664
Input = 0, 56
Apesar da diferença no input para temporais e locativos,
sinalizando maiores restrições ao deslocamento de locativos,
circunstanciais na ME predominam em orações com sujeitos plenos
pospostos e em orações com verbos impessoais/existenciais. Para os
circunstanciais temporais, são similares os pesos relativos (PR) para sujeito
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Artigos Inéditos
pleno posposto a V (0,78) e orações sem sujeito (0,75) e, para os locativos,
destaca-se o PR associado às orações sem sujeito (0,87), seguindo-se o
peso relativo (PR) associado aos sujeitos pospostos (0,72).
Ao que tudo indica, essa tendência é independente da
modalidade, como mostram os resultados da Tabela 2, referentes à
modalidade escrita:
Tabela 2: Presença (vs. ausência) de circunstanciais na ME de
acordo com o tipo de sujeito na modalidade escrita
Tipo de sujeito da oração
Temporais
Locativos
Frequência
PR
Frequência
PR
Sujeito pleno anteposto
231/ 424 = 54%
0,42
57/ 246 =
23%
0,58
Sujeito nulo
79/ 157 = 50%
0,48
17/ 173 = 10%
0,31
Sujeito pleno posposto ao verbo
29/ 34 = 85%
0,88
13 /14 = 93%
0,87
Oração sem sujeito
47/ 61 = 77%
0,75
16/ 42 = 38%
0,72
Total
676
Input = 0,53
475
Input = 0,10
Reitera-se, para temporais (0,88 e 0,75) e locativos (0,87 e 0,72),
o efeito positivo das orações com sujeito posposto e das orações sem
sujeito, ambas favorecendo a presença de circunstanciais na margem
esquerda da oração.
A particularidade desses dois contextos estruturais fica ainda mais
evidente, se considerarmos as tendências atestadas para orações com
sujeito nulo. Se generalizarmos uma hipótese de que a posição vazia do
sujeito licenciaria a configuração XVS, poderíamos esperar maior
frequência de circunstanciais temporais e locativos na margem esquerda
também nos casos de sujeito nulo. Entretanto, de forma paralela nas duas
modalidades, neutraliza-se ou inverte-se o efeito desse fator. Na
modalidade falada, os pesos relativos associados a sujeito pleno anteposto
ao verbo (0,51) e sujeito nulo (0,38) contrariam as expectativas, na medida
em que indicam maior deslocamento de circunstanciais temporais em
orações com sujeito pleno. Para os locativos, observa-se neutralização entre
sujeito pleno anteposto e sujeito nulo. Na modalidade escrita, atesta-se
distribuição similar com neutralização no caso dos temporais e inversão
dos PRs para sujeito pleno (0,58) e sujeito nulo (0,31), no caso dos locativos.
A tendência depreendida acima corrobora o que já foi contatado
em outras análises sobre ordenação de locativos e temporais (Brasil, 2005)
e, também, em estudos sobre o preenchimento do sujeito no português
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Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ...
brasileiro que atestam maior recorrência de sujeitos explícitos em orações
nas quais a periferia esquerda é ocupada por um constituinte adverbial
(Duarte, 1993, 1995). Essa convergência permite discutir a hipótese
assumida em Kato e Nascimento (1995) de que, em orações com sujeito
nulo, pode-se prever o preenchimento da margem esquerda da oração
com um constituinte adjunto, evitando, assim, uma posição vazia.11
Resumindo, depreendem-se duas configurações estruturais para a
anteposição de sintagmas preposicionais locativos e temporais: as orações
com sujeito posposto e as orações existenciais ou impessoais. Essa
similaridade aponta a possibilidade de uma explicação integrada dos dois
contextos, o que requer considerar as propriedades estruturais e
semânticas por eles compartilhadas.
4. Propriedades semânticas da configuração XVS
A tendência verificada acima se explica, em grande parte, em
termos de fatores que controlam a ordem VS, destacando-se, dentre eles,
o tipo sintático de verbo que participa dessas construções. Como já vimos
na seção 1, no português brasileiro contemporâneo, tanto na sua
modalidade falada como na modalidade escrita, a ordem VS fica,
progressivamente, mais restrita a verbos monoargumentais, em especial
os inacusativos (Andrade Berlinck, 1989, 1995; Spano, 2002, 2008; Santos
e Duarte, 2006). Nessas estruturas, a presença de constituintes adverbiais,
principalmente de tempo e de lugar, na margem esquerda da oração, se
não obrigatória, é quase obrigatória tanto na fala culta (Spano, 2002)
como na escrita padrão do PB (Santos & Duarte, 2006; Spano, 2008).12
A importância do tipo de verbo fica evidente igualmente numa análise
concentrada nos dados de sujeitos pospostos, como mostra a Tabela 3:13
11
Estudos diacrônicos constatam, no entanto, a validade da hipótese acima em outros
estágios do português. Assim, Cezário et alii (2004) mostram que, no português
arcaico, a ocorrência de temporais em início de oração é nitidamente mais frequente
em orações com sujeito nulo. Tendência similar é observada por Gomes (2006) no
estudo da posição de circunstanciais locativos em documentos dos séculos XVIII e
XIX. Segundo o estudo de Gomes (2006), as diferenças são significativamente maiores
no século XVIII.
12
Destaquemos que, nesse último estudo, a proporção de constituintes adverbiais na
periferia esquerda equivale à que atestamos neste estudo.
13
Na escrita, podem ser encontrados casos como “declarou ontem o atacante vascaíno”.
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Artigos Inéditos
Tabela 3: Configuração XVS de acordo com o tipo de verbo
Tipo de verbo
Fala
Escrita
Copulativo
7 = 8%
3 = 4%
Inacusativos
73 = 82%
68 = 89%
Inergativos
4=
Passiva sintética
4%
-
1 = 1%
2 = 3%
Passiva analítica
5=
Total
89
6%
2 = 3%
76
É nítida nas duas modalidades a associação entre posposição do
sujeito de verbos inacusativos e presença de um constituinte circunstancial
na periferia esquerda da oração, com 82% na fala e 89% na escrita.14 Para
os demais tipos de verbo, observam-se índices bastante baixos. Destacase, portanto, a recorrência de orações como:
(9) Todo dia, às onze horas, chega uma moça aí com marmita. (Fala,
Amostra Censo, fal. 10)
(10) E não apenas por isso, pois às primeiras sinalizações de mudança no
quadro de insolvência da seguridade pública, surgirá espaço no
mercado financeiro para o refinanciamento da dívida externa. (Escrita,
O Globo, 22-01-03)
A função tética das orações acima, ou seja, o fato de que elas
indicam o aparecimento de um referente, exige ela mesma a
determinação de um local (espaço ou tempo) em que essa entidade ganha
existência. Tal exigência, que resulta naturalmente da ausência de uma
relação predicativa entre sujeito e verbo, explica a ocorrência quase
categórica do circunstancial na posição mais à esquerda da oração.
Evidentemente, a correlação destacada acima admite uma
reinterpretação em termos dos traços semânticos inerentes ao verbo. Mais
particularmente em relação aos circunstanciais locativos, Borillo (2000)
destaca que as diferenças entre XVS e XSV refletem, em grande parte, o
fato de que verbos de semantismo fraco, aqueles que indicam posição,
14
Destaque-se que a grande maioria dos dados é do verbo chegar.
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identidade, pertencimento ou localização, estão mais fortemente
associados a VS do que verbos de semantismo forte, como os verbos
psicológicos, verbos de sentimento ou verbos com o traço [+ dinâmico]
(cf. também Fuchs e Fournier, 2003; Cornish, 2001). Ressalta, nesses casos,
a importância do traço [+ locativo], ou [+ diretivo]: nas orações em que
X é regido por um V que subcategoriza argumento com o traço [+
locativo], a ordem VS se correlaciona quase categoricamente com a
presença de um sintagma adverbial ou preposicional na ME; nas orações
em que V é [- locativo] a presença de SPrep locativo na ME é mais variável,
como se constata na Tabela 4:
Tipo de verbo
Fala
Escrita
[+ locativo]
77 = 87%
69 = 91%
[- locativo]
12 = 14%
7 = 9%
Total
89
76
Tabela 4: Configuração XVS de acordo com o traço semântico do verbo
A recorrência do traço [+ locativo] em configurações do tipo
XVS explica naturalmente o efeito associado aos verbos inacusativos,
caracterizados por maior dependência entre o verbo e o constituinte X:
quanto maior a ligação entre X e V, maior possibilidade de posposição
do sujeito e, consequentemente, maior possibilidade de constituintes na
ME, como em (11)15:
(11) Ao longo das horas surgirão elementos de maior controle sobre sua
ansiedade. (Escrita, Horóscopo, JB, 04-03-04)
O inacusativo surgir subcategoriza um argumento que localiza
temporalmente o estado de coisas descrito, ou melhor, o ponto no tempo
no qual se inscreve a entrada em cena do referente codificado pelo
constituinte sujeito. Essa ligação entre V e X pode ser explicada, mais
naturalmente, em termos de proximidade semântica, ou seja, de
dependência entre os traços semânticos do verbo e do complemento,
ambos com a especificação [+ locativo], exigindo, então, adjacência entre
15
Para muitos autores (cf. Fuchs e Fournier, 2003; Cornish, 2001, 2005), esses
consistiriam nos verdadeiros casos de inversão locativa, distinguindo-se dos casos de
inversão estilística.
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os dois constituintes. Pode-se admitir, inclusive, que essa restrição
semântica possui maior poder explicativo, abrangendo não só os verbos
inacusativos como também os verbos estativos e inergativos, como nos
exemplos (12) e (13):
(12) Aí no outro dia estava tudo bem. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 10)
(13) Aqui na minha rua já sumiu carro. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 07)
Com verbos [- locativo], um afrouxamento da dependência
sintático-semântica abre o espaço para a interferência de outros
parâmetros, tais como o tipo de sujeito da oração, a extensão desse
argumento ou a presença de outros constituintes circunstanciais na oração.
Diferentemente do que se poderia esperar, no entanto, não chega
a haver uma correlação categórica entre inerência do traço [+ locativo],
posposição do sujeito e presença de um constituinte adverbial na periferia
esquerda da oração. Atesta-se, de fato, uma variabilidade significativa,
levando a suspeitar que propriedades funcionais associadas à margem
esquerda da oração estejam fortemente implicadas na configuração XVS,
uma questão desenvolvida na próxima seção.
5- Propriedades discursivas de XVS e XSV
A segmentação do discurso é a função discursiva mais
frequentemente atribuída aos sintagmas preposicionais temporais e locativos
situados na periferia esquerda da oração. Em outros termos, esses constituentes
fornecem instruções acerca dos estados de coisas apresentados no discurso
subsequente (Charolles, 1997, 2003, 2005; Charolles e Vigier, 2005; Bestgen,
2000; Le Drauoulec e Péry-Woodoley, 2003, 2005; Borillo, 2005; Hasselgard,
2004; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008b). Em outros termos, circunstanciais na
ME permitem agrupar proposições que se incluem no mesmo critério
semântico, no caso uma especificação locativa ou temporal.
Diversos autores destacam ainda o papel de locativos e temporais
situados na ME na ligação com o discurso anterior (backward tie),
contribuindo, assim, para a coesão discursiva (cf. Shaer, 2004; Austin et
alii, 2004; Borillo, 2005; Hasselgard 2004; Paiva et alii, 2007; Paiva, 2008b;
Prévost, 2003). Como já discutido em Paiva (2008b), um mesmo
constituinte circunstancial pode remeter ao discurso anterior (backward
tie) e introduzir enquadres para o discurso subsequente (forward tie).16
16
Nessas funções os SPreps circunstanciais possuem comportamento similar ao de
orações adverbiais, como destacado por Chafe (1984) e Haiman (1978).
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Considerando essa dupla função dos circunstanciais localizadores,
podemos pressupor uma complementaridade entre os papéis discursivos
desempenhados pelas configurações XSV e XVS. Na perspectiva de Fuchs
e Fournier (2003), por exemplo, as estruturas XSV e XVS envolvem
operações discursivas subjacentes distintas e complementares, o que reduz,
ou mesmo impossibilita, sua intercambialidade em muitos contextos: nas
orações com sujeito anteposto, configuração XSV, o constituinte X introduz
um enquadre temporal ou locativo a partir do qual deve ser interpretada
a predicação; nas orações com sujeito posposto, por outro lado, o
constituinte X, que pode ser um complemento mais ou menos integrado,
funciona, juntamente com o verbo, como um operador de tematização.
Considerando o discurso mais amplo, em muitos casos o papel de
ligação backward tie de X em XVS é bastante transparente, como no caso
do temporal destacado em (14):
(14) E- Mas, ó Evelyn, mudando um pouquinho de assunto, essa
sua ida pra fazenda... Você vai morar na fazenda mesmo?
F- Eu tenho muita vontade, porque isso, um- um sonho meu,
vamos assim dizer, de voltar as minhas origens, não? Porque euquando eu morei aqui em Jacarepaguá pequenininha, isso aqui
era uma [fazenda,] não? Minha mãe tinha vaca [as vacas]- eram
porcos, galinhas, plantação de arroz, uma bela horta, cavalos,
charrete, tudo isso, não? E eu vivi a minha infância toda assim.
E eu sempre gostei muito da natureza. Então pouco a pouco, eu
fui vendo tudo ser destruido a minha volta: as árvores- construíram
prédios e as vacas terminaram, e tudo isso. Mas, tudo bem! Eu fui
vivendo minha vida normalmente, aceitando todas as situações a
minha volta. mas, sempre, com aquela vontade de algum dia
poder ter uma vaquinha, um porquinho, um- uma plantaçãozinha,
e sabendo que, enquanto elas fossem pequenas, eu não ia poder
fazer isso. Porque a minha vida estava ligada à delas enquanto
elas precisassem de mim, de minha pessoa, eu tinha que servir a
elas. Eu tinha que deixar para depois as minhas coisa. Então eu
acho que, agora, esta chegando o meu momento novamente. Ajá tenho duas filhas- quer dizer uma casada, uma separada, mas
a separada é independente, trabalha, né? A Nique está nos
Estados Unidos, Cocodi já é suficientemente adulta, a Sael talvez
vá comigo. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 43)
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No trecho acima, o exemplo focalizado (agora está chegando o meu
momento novamente) integra um discurso em que a falante afirma seu desejo
de ir morar em uma fazenda e a razão pela qual tal sonho não pôde ser
realizado até o momento. O constituinte X inicial, argumento do verbo
(chegar + [+ localização]), funciona juntamente com V como um tema a
partir do qual é introduzida uma informação nova, remática (o momento
atual da vida da falante). A ligação do advérbio agora com o discurso
precedente é reforçada pelo advérbio novamente, que remete à vida
anterior da falante, e às antigas características rurais do bairro onde ela
mora. Acompanhando Fuchs e Fournier (2003, p. 22), podemos dizer
“que não há ruptura e, a seguir, abertura de um novo enquadre, mas que
se continua a falar da mesma coisa, no interior de um enquadre
estabilizado”17. O mesmo tipo de operação discursiva pode ser atribuído
ao circunstancial locativo exemplificado em (15):
(15) Mas fica lendo jornal, se distrai, não é? Ou então, vai à praia,
não é? E- e nos fundos também tem outra varanda grande, que dá
para os quarto, não é? Tem um varandão- varanda enorme! Nos
fundo é mais até- ele gosta mais até de ficar lá no fundo porque nãoparece assim mais aconchegante, não é, por causa do- dá assim
para os quartos e não- não tem vizinho, não tem nada. Então, ele
fica mais tranqüilo ali, quietinho ali lendo seu- seu jornal. Adora ler
um jornal, né? (Fala, Amostra Censo, fal. 47)
O foco do trecho discursivo acima é o prazer do marido em ficar
lendo jornal na varanda do apartamento. Na oração existencial/
apresentativa, é introduzido um referente (varanda grande), que ganha
existência num espaço definido (nos fundos). A presença do inclusivo
também e do determinante outra no interior do SN sinaliza a conexão da
oração na estrutura XVS com o discurso anterior. Nesse caso, X garante
a introdução de um referente novo em consonância com exigências de
ligação discursiva máxima.
A função exclusivamente tematizadora de X na configuração XVS
parece se limitar aos casos em que X é um constituinte intrapredicativo. Em
orações nas quais o constituinte X é extrapredicativo, ou seja, não integra a
estrutura argumental do verbo, X pode introduzir um subenquadre no
17
Minha tradução do original “qu’il n’y a pas rupture puis ouverture d’un nouveau
cadre, mais que l’on continue à parler de la même chose, au sein d’un cadre stabilisé.”
(Fucks e Fournier, 2003, p. 22)
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interior de um quadro mais amplo, como no exemplo (16):
(16) E- Tem muito assalto por aqui?
F- Eu, por exemplo, tenho quarenta ano de Magalhães Bastos,
nunca fui assaltado. Eu não posso ter queixa. Eu, por aqui, não
tenho queixa. Eu, por exemplo, não tenho, agora, de vez em
quando, eu vejo, aí, que roubaram isso, roubaram aquilo, mas eu
nunca fui assaltado.
E- Aqui nessa região, Magalhães...
F- Que, assalto que eu considero é a pessoa chegar e render, isso
é o assalto. Agora, roubo, eu já tive, inclusive na minha casa.
Pularam o muro, levaram as samambaia da minha senhora, certo?
Isso aí, de vez em quando tem. Um bujão de gás, inclusive carro.
Aqui na minha rua já sumiu carro e depois apareceu sem o motor.
Isso acontece. (Fala, Amostra Censo 1980, Falante 07)
Em (16), a oração encabeçada pelo locativo aqui na minha rua
integra um discurso centrado em fatos de violência no bairro onde mora
o falante, acrescentando um exemplo de roubos que ocorrem nesse local.
Nesse sentido, justifica a posição do falante sobre a necessidade de
distinguir entre assalto e roubo, o que fica explicitado na presença do item
contrastivo (agora). Através de uma reorientação argumentativa, o falante
deriva um subenquadre (roubos na sua rua) no interior do quadro mais
amplo (a violência no bairro). A relação todo-parte entre bairro e aqui na
minha rua é, no entanto, uma evidência de que o locativo situado na
margem esquerda não chega a provocar uma ruptura com o discurso
anterior. Poderia ser considerado uma anáfora associativa, ancorada nas
relações estabelecidas no discurso, que passa a constituir o pano de fundo
para a introdução de um referente novo, de natureza remática.
Um aspecto importante diz respeito à complementaridade no
estatuto discursivo de X nas estruturas XVS e XSV. Diversos estudos já
mostraram que XVS desempenha um subconjunto das funções que podem
ser realizadas através da configuração XSV. Nessa última, o constituinte X,
além de introduzir enquadres temporais ou locativos, pode, em muitos
contextos, estabelecer pontos de conexão com o discurso anterior. A
análise do texto seguinte, em que consideramos exemplos de XSV e de
XVS, é favorável a essa interpretação.
(17) Da tarde de anteontem até a tarde de ontem, choveu quase
o volume registrado em todo o mês de setembro. Apesar de a
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chuva não ter sido torrencial, caiu o dia inteiro. A estação
meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) do
Alto da Boa Vista registrou das 15h de segunda-feira às 15h de
ontem 18,2 milímetros de chuva, enquanto o total médio de
setembro corresponde a 24,9 milímetros. A estação do Sumaré,
da Geo-Rio, registrou nas últimas 24 horas até as 16h de ontem
48,2 milímetros de chuva. O volume acumulado do mês já chega
a 191 milímetros de chuva. No ano passado, esse volume foi de
136 milímetros.
(...)
(18) Ontem, houve neblina o dia todo e o Aeroporto Tom Jobim
teve que operar de manhã e à tarde com o auxílio de aparelhos.
O Aeroporto Santos Dumont também funcionou com a ajuda de
aparelhos até as 13h53m, quando fechou para decolagens.
(19) Às 16h30m, o Santos Dumont fechou também para pousos.
Segundo a Infraero, 17 vôos deixaram de decolar e outros 17 de
pousar.
(20) O guardião dos rios Marcelo Luiz, de 30 anos, morreu ontem,
por volta das 15h, quando tentava desobstruir a passagem de
água num canal da Rua 3, na Rocinha, em São Conrado. Ele foi
derrubado por uma enxurrada para dentro de uma calha de
drenagem que tentava limpar e morreu na hora. Marcelo
trabalhava no Projeto Guardião dos Rios, ligado à Secretaria
municipal de Meio Ambiente. Recebia R$ 500 e deixou mulher e
três filhos. A secretaria vai pagar o enterro. Um assistente,
Juscelino da Silva, de 22 anos, foi socorrido pelos bombeiros do
quartel da Gávea e levado para o Hospital Miguel Couto. (Escrita,
Reportagem, O Globo, 25/09/02)
Nos dois primeiros exemplos, (17) e (18), ambos em orações téticas/
apresentativas, o circunstancial temporal situado na ME possui uma função
coesiva, ligando-se com o discurso anterior. Em (17), o SPrep temporal (da
tarde de anteontem até a tarde de ontem) delimita os pontos inicial e final de um
evento (a chuva), limite temporal já compreendido no título da matéria
(chuva de um dia), que apresenta o evento chuva de forma um pouco mais
imprecisa. O SPrep temporal retoma essa dimensão temporal especificandoa e, ao mesmo tempo, criando um quadro de referência no qual se ancora
um evento (o excesso de chuva) tomado na sua totalidade.
No exemplo (18), o advérbio ontem que encabeça a oração
introduz uma coordenada temporal que está compreendida no intervalo
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delimitado pelo SPrep do exemplo anterior (da tarde de anteontem até a
tarde de ontem). É essa ligação que permite ao leitor saber que os dois
eventos (chuva e neblina), embora se superponham, não se recobrem
inteiramente na linha do tempo.
O SPrep destacado em (19) (às 16h e 30 min), que encabeça uma
oração de estrutura SV, sinaliza a progressão dos problemas no aeroporto
Santos Dumont. O estado de coisas fechar o aeroporto para pousos integra uma
sequência temporal, sucedendo um outro evento (o fechamento das pistas
para decolagens), ocorrido às 13h53m. Pode-se falar, portanto, em uma
relação parte-todo que assegura, inclusive, uma forma de desenvolvimento
textual em que partes vão se encaixando de forma progressiva para compor
o quadro mais amplo dos transtornos causados pela chuva, principalmente
os ocasionados nos aeroportos. Considerando essa disposição gradativa dos
eventos, através da configuração XSV, obtém-se, simultaneamente, a ligação
com o discurso anterior e a progressão do discurso.
O exemplo a seguir, com um circunstancial locativo, fornece outras
evidências de que, na configuração XSV, X pode apontar para duas direções:
(20) Real Madrid e Bayern de Munique decidem hoje, na principal
partida da Liga dos Campeões, uma vaga nas quartas-de-final da
competição. No clássico do Estádio Santiago Bernabeu, com
transmissão da Rede TV (às 16h30 de Brasília), o Real Madrid
não terá Ronaldinho (contundido) e Roberto Carlos (suspenso)
contra o Bayern de Zé Roberto.
Como no primeiro jogo, na Alemanha, houve empate em 1 a 1,
ficará com a vaga quem vencer o jogo. Empate em 0 a 0 classifica
o Real Madri; em 1 a 1 a decisão vai para a cobrança de pênaltis
e empate por qualquer outro placar classifica o Bayern.
Nas quatro últimas edições da Liga dos Campeões, o vencedor
deste confronto conquistou o título mais importante do futebol
europeu. No Real Madri, o técnico Carlos Queirós não divulgou
quais serão os substitutos de Ronaldinho e Roberto Carlos. O
mais provável é que Raúl Bravo seja deslocado para a lateralesquerda, enquanto Solari deverá jogar no ataque, ao lado de
Raúl.
No Bayern, que não deverá contar com os franceses Sagnol e
Lizarazu, o goleiro Oliver Khan, que falhou grosseiramente no
empate em 1 a 1 no jogo de Munique, no gol marcado por Roberto
Carlos, e Zé Roberto estão confirmados. (Escrita, JB, Reportagem,
10/03/04)
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Na reportagem acima, os dois referentes centrais (Real Madrid e
Bayern) entram em cena logo na primeira linha do texto. Esses dois
referentes constituem partes necessárias de um todo, no caso, o jogo de
futebol. Ao longo do texto, a preparação dos dois times para o jogo
seguinte, que será decisivo, é apresentada progressiva e, de certa forma,
contrastivamente: no Real Madrid, o treinador não se pronunciou quanto
aos substitutos a serem convocados; no Bayern, ao contrário, já está
confirmada a participação do goleiro Oliver Khan. Esse efeito de contraste
resulta, pelo menos em parte, do deslocamento do SPrep locativo para a
periferia esquerda da oração. O SPrep locativo possui, ainda, uma função
projetiva (forward tie), na medida em que estabelece um quadro de
coordenadas locativas a partir das quais devem ser interpretados os fatos
que o seguem, relacionados à composição do time.
6. Conclusões
Ao longo deste artigo, procuramos destacar, através de uma análise
empírica, as especificidades sintáticas, semânticas e discursivas da
configuração XVS nas modalidades falada e escrita do português.
Destacamos que o constituinte X nas orações com sujeito posposto reflete,
sem dúvida, muitas das restricões que operam sobre a posposição do
sujeito, dentre elas a restrição de monoargumentalidade, a natureza tética
da oração, o estatuto de informação nova do sujeito. Nesse sentido,
podemos dizer que a presença de um constituinte adverbial (locativo ou
temporal) na margem esquerda da oração e a posposição do sujeito
constituem, em muitos aspectos, duas faces do mesmo fenômeno,
favorecendo, assim, a tese de que a posposição do sujeito é quase
categoricamente acompanhada do preenchimento da posição mais à
esquerda da oração por um constituinte de natureza adverbial.
Do ponto de vista discursivo-funcional, apresentamos evidências de
uma certa complementaridade entre as configurações XVS e XSV.
Considerando o contexto mais amplo em que se inserem essas estruturas,
mostramos que o constituinte X em orações com sujeito posposto (XVS)
possui uma função discursiva mais restrita, funcionando como ponto de ligação
com o discurso anterior. Dessa forma, X tematiza a entrada em cena de
referentes novos. Confirma-se, assim, proposta já defendida por outros autores
quanto à necessidade de que a introdução de referentes ou eventos/estados
de coisas na sua integralidade requer um ponto de ancoragem locativa ou
temporal no qual entidades ou eventos passam a existir.
A configuração XSV, por sua vez, se caracteriza por maior
amplitude funcional: além de introduzir quadros de referência locativa
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Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ...
ou temporal que indexam um ou mais estados de coisas descritos no
discurso seguinte, constitem pontos de ligação com o discurso anterior.
Essa amplitude funcional de X em orações com sujeito anteposto encontra
correspondência nos seus traços sintáticos e semânticos menos restritivos.
Considerando os aspectos destacados ao longo da análise,
podemos dizer que XVS atualiza apenas uma parte das funções discursivas
dos circunstanciais locativos e temporais, referendando, inclusive, a
afirmação de que as duas configurações não são intercambiáveis e não
podem ser derivadas uma da outra. Em síntese, podemos dizer que, se a
configuração XVS cristaliza certas propriedades morfossintáticas e
semânticas, ela cristaliza igualmente uma determinada função discursiva
nas línguas que exibem essa propriedade sintática.
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Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: ...
Resumo:
Diversos estudos já atestaram a estreita correlação entre
posposição do sujeito e presença de um constituinte
circunstancial locativo ou temporal na posição mais à
esquerda da oração. Neste artigo, retomamos essa
correlação sob a perspectiva da posição dos locativos e
temporais nas modalidades falada e escrita do
português contemporâneo. Através de uma análise
multivariacional, mostramos que a configuração XVS
reflete muitas das restrições sintático-semânticas e
discursivas que operam sobre a posposição do sujeito: é
mais recorrente com verbos inacusativos, principalmente
os que subcategorizam um complemento [+ locativo].
Sustentamos, no entanto, que uma descrição mais
adequada dessa estrutura requer considerar suas
propriedades discursivas com relação à estrutura XSV.
A análise indica uma certa complementaridade entre
as configurações XVS e XSV. Enquanto a segunda
permite operações discursivas do tipo backward tie e
forward tie, a configuração XVS fica mais restrita à função
tematizadora, em decorrência das suas propriedades
téticas/apresentativas.
Palavras-chave: periferia esquerda, circunstanciais,
sujeito posposto, construções inacusativas
Abstract:
Several studies have shown the narrow correlation
between the subject postposition and the presence of a
place or a time adverbial in the left periphery of the
sentence. In this article, we examine such a correlation
based on spoken and written contemporary Portuguese.
Through a multivariational analysis, we show that XVS
configuration reflects many of the morphosyntactic and
discoursive constraints which operate on the subject
postposition: it frequently occurs with unaccusative
structures, mainly those which subcategorize a
complement with the feature [+ place]. However, we
claim that a more adequate description of this structure
should consider its discoursive properties in relation
to the XSV structure. The analysis shows a certain
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Artigos Inéditos
complementarity between XVS and XSV configurations.
Whereas the latter allows discoursive operations like
backward tie and forward tie, the former is more
constrained, due to its thetic/presentative properties.
Keywords: left periphery, adverbials, postposed
subject, unaccusative structures
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Conectando orações de hu a onde. E para onde mais?
Marilza de Oliveira1
Priscilla Barbosa Ribeiro2
Hélcius Batista Pereira3
I
ntrodução
As gramáticas e os manuais da imprensa paulista
contemporânea, assumindo a função normalizadora de
regras linguísticas, são taxativos quanto ao emprego
do elemento onde, reconhecendo-lhe o caráter invariável em termos de
traços funcionais e a função de adjunto adverbial de lugar1, inclusive na
articulação de orações, ou seja, na função relacional.
Ignorando a variabilidade de usos de partículas como onde ou
relegando o uso não-padrão à condição de erro ou desvio, tais gramáticas
concebem a língua como um sistema homogêneo, esquivando-se das
incoerências sugeridas pelos dados reais, as quais em uma perspectiva
alternativa “... seriam explicáveis dentro de um modelo mais adequado
de uma língua diferenciada aplicado à comunidade de fala em seu todo,
modelo que inclui elementos variáveis dentro do próprio sistema”
(Weinreich, Labov & Herzog, 2006:104 [1968]).
A partir dessa perspectiva, propomo-nos a discutir as seguintes
questões:
1
Professora Titular da área de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de
São Paulo.
2
Doutoranda em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.
3
Doutor em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.
4
Nesse sentido, os Manuais seguem as instruções da Nomenclatura Gramatical Brasileira
(NGB) que, por sua vez, ignora os complementos circunstanciais (Rocha Lima, 1972).
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Artigos Inéditos
1. Quais as funções semânticas e sintáticas que onde pode assumir na frase?
2. Como se explicam as diferentes funções? Quais são os fatores
condicionantes da diversidade de funções de onde, conforme a
perspectiva descritiva de Oliveira (1998)?
3. Essas funções são exclusivas do Português Brasileiro?
Neste trabalho5, as questões que envolvem o emprego de onde
serão analisadas em dois tempos: no Português Medieval (PM), mais
precisamente em amostras de textos do final dos trezentos até meados
dos quatrocentos, e no Português Brasileiro (PB). Do primeiro período,
será analisado o texto de cunho religioso Orto do Esposo (doravante OE),
de autor desconhecido, mas contemporâneo de Fernão Lopes. As outras
duas amostras são formadas com os textos dos cronistas históricos ao tempo
do rei D. Afonso V, Fernão Lopes e Eanes Zurara. O primeiro esteve a
serviço do rei até o ano de 1454 e em 1443 finalizou a primeira parte da
Crônica de D. João I (doravante CDJ), texto que tomamos como fonte de
dados. O segundo, Zurara, iniciou a redação da Crônica do Conde D.Pedro
de Meneses (doravante CDP) por volta de 1458, de que nos servimos para
o estudo das estruturas relativas introduzidas pelo elemento onde. O lapso
de tempo que separa os dois textos é de aproximadamente 15 anos. Para
a análise do onde no PB, utilizamos material acadêmico (resumos de teses
e dissertações) de diferentes áreas científicas, produzido entre 2001 e
2010 na Universidade de São Paulo, e disponível na internet. Optamos
por essa composição, uma vez que espelha uma modalidade culta do
português atual.
Avaliando os usos nos séculos XIV e XV, tentaremos dar conta do
problema da transição, tal qual proposto por Labov (2008) e Weinreich,
Labov e Herzog (2006 [1968]), reconstruindo a trajetória dos usos de
onde. Seguindo ainda o programa proposto por estes autores, buscaremos
respostas ao problema da implementação das mudanças nesta partícula estudando suas razões e motivações, recorrendo a uma interpretação dos
fatos linguísticos a partir do fenômeno da gramaticalização, descrito por
Heine e Kuteva (2007) e Hopper e Traugott (1993). A partir desse
mapeamento, teceremos algumas considerações sobre os usos de onde no
PB.
5
O trabalho se inscreve no âmbito do Projeto Temático de Equipe “História do
Português Paulista” (Fapesp/Proc. 06/55944-0).
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Conectando orações de hu a onde. E para onde mais?
1. Um panorama dos traços normativos de onde
As gramáticas históricas apontam a existência de duas entradas
lexicais no latim com a função de articulador sentencial em que se dá
primazia ao traço locativo: a forma latina ubi que explicitava a ideia de
localização estática e a forma unde que indicava o lugar de procedência.
O português herdou esses dois itens atribuindo-lhes significados
semelhantes, pois ambos passaram a ser usados na presença ou não de
preposições, retirando assim o valor estativo de ubi, reduzido a hu/u, e o
valor de proveniência de unde, que assume a forma onde6. Nesse passo,
ambas as formas passam a co-ocorrer nas frases interrogativas e nas frases
declarativas, inclusive em ambiente de articulação de orações. Dessa
competição sai vencedora a forma onde sobre a qual passa a incidir o
estatuto locativo físico, parafraseada por “em que lugar” ou “lugar em
que”, como pregam as gramáticas codificadas e os manuais dos jornais O
Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo.
Do ponto de vista da análise sintática, há certo entendimento
consensual entre os gramáticos a respeito da função de adjunto desse
item7. Entretanto, do ponto de vista morfológico o elemento onde assume
leituras as mais diversas, variando conforme a perspectiva tomada. É possível
identificar pelo menos três diferentes interpretações, com base em três
diferentes recortes. Se o foco é a subcategorização do verbo e os traços
semânticos, onde será tratado como um advérbio de lugar; se o foco é o
tipo de frase em que está inserido, será tachado de pronome interrogativo8;
se se dá atenção ao tipo de estrutura sentencial, onde passa a ser visto
como pronome relativo9. Essa diversidade explica as designações propostas
pelos gramáticos: advérbio interrogativo (Cunha & Cintra, 1985:531;
Rocha Lima 1982:301); pronome relativo (Cunha & Cintra, 1985:342),
pronome relativo indefinido (Rocha Lima 1982:104), advérbio relativo10
(Almeida 1978:317) e advérbio conjuntivo (Almeida 1978:318).
6
Essas funções de onde já se acham presentes nas Cantigas de Santa Maria, texto galegoportuguês do século XIII (Bittencourt, 2003).
7
Rocha Lima (1982) é um dos poucos gramáticos que reconhecem também a função
argumental de onde.
8
Curiosamente, o socorro ao tipo de frase parece servir tão somente para classificar
os pronomes interrogativos. Veja que a gramática normativa não menciona a existência
de pronomes declarativos.
9
Quanto ao conteúdo semântico, um quarto recorte possível, onde é um elemento
indefinido. Esta diversidade de leituras possíveis atinge todos os elementos q (“quem”,
“quando”, “como”, etc.).
10
A designação ‘advérbio relativo’ é acolhida pela gramática portuguesa (Cunha &
Cintra, 1985:532).
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Artigos Inéditos
Essa miscelânea de designações se deve às propriedades do
elemento onde, que, de um lado, exibe o caráter de forma invariável
quanto a gênero, número e pessoa, e, de outro, manifesta a referência a
um lugar, podendo exercer a função sintática de adjunto ou de argumento
circunstancial. A sua natureza invariável e o tipo de função sintática
assumido são responsáveis pela leitura adverbial que as gramáticas lhe
conferem. Essa primeira divisão, que carrega a tradição latina, não
contempla uma segunda divisão, a saber, a função gramatical de articulação
de sentenças como elemento pronominal relativo e interrogativo.
Neste trabalho, abriremos mão da leitura adverbial para
concentrarmos a atenção no papel de articulação de orações.
Procuraremos observar a variação no uso de hu e onde no português
medieval e a mudança operada no século XV, assumindo que o contexto
de relativa com antecedente propicia a abertura do processo de
gramaticalização do item lexical onde, que passa a assumir diferentes
interpretações. Na ausência de antecedente, as funções semânticas e
sintáticas de onde se mantêm estáveis ao longo da história da língua.
2. A metaforização de onde
Entende-se por gramaticalização a mudança gradual e contínua
do estatuto categorial das palavras, no sentido de que itens lexicais podem
atualizar conteúdo essencialmente gramatical. Nesse sentido, o processo
de gramaticalização, fonte geradora de elementos gramaticais, é um
artefato descritivo e explicativo de fenômenos linguísticos sincrônicos e
diacrônicos de caráter nitidamente teleológico.
A alteração dos padrões funcionais dos itens é resultante da
interação de fatores pragmáticos e gramaticais (fonéticos, semânticos e
morfossintáticos); as instâncias de gramaticalização são identificadas pelos
seguintes parâmetros (Heine e Kuteva, 2007):
reinterpretação contextual;
perda de sílabas e propriedades suprassegmentais de um item
linguístico;
perda de traços do significado do item fonte e ganho de novos traços;
perda de propriedades morfossintáticas do padrão-fonte e ganho de
nova função.
A mudança gradual e contínua evoca a previsibilidade do processo,
ou seja, as alterações seguem estágios predeterminados, de que decorre
o caráter unidirecional da mudança, no sentido de que, ultrapassada uma
etapa do processo, o item não retorna ao estágio anterior. Esses estágios
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Conectando orações de hu a onde. E para onde mais?
ou níveis de gramaticalização são apreendidos pelo seguinte ciclo (Hopper
e Traugott, 1993):
(i) item lexical > (ii) item gramatical > (iii) clítico > (iv) afixo
Quanto mais à direita, maior é a desidratação semântica e a perda
de substância fônica, ocasionando uma distribuição sintática diferente do
item, que, em geral, passa a ocupar uma posição mais rígida. O verbo “ir”,
por exemplo, usado como verbo pleno em “Vou ao cinema”, pode ser
usado como auxiliar “Vou caminhar”. A perda de massa fonética pode
gerar a leitura de clítico e, por fim, de afixo de tempo, número e pessoa
alocado à esquerda do verbo “vôcaminhá”.
A mudança de significado de um item lexical, responsável pela
geração de novos padrões funcionais, se apoia nos mecanismos metafórico
e metonímico (Heine, 2003). A metáfora incide na transferência de
significados do domínio cognitivo mais concreto para o domínio mais
abstrato, seguindo uma escala hierárquica de categorias cognitivas, em
que os elementos à esquerda podem gerar os da direita:
pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade
Aplicando a escala acima à palavra “frente”, observamos que esse
item, usado inicialmente em referência à testa da pessoa (na forma “fronte”),
por similaridade, pode identificar a fachada de um objeto (“frontispício”),
descrever uma atividade (“colocar-se frente a frente”, “enfrentar”), indicar
espaço (“na frente da igreja”), referir tempo (“mais pra frente a gente vai
discutir X”) e, por fim, indicar qualidade (“o cara é pra frente”). A operação
da similaridade é um processo cognitivo, em que sentidos abstratos são
derivados de sentidos concretos, instaurando-se novo domínio conceptual.
Trata-se de uma operação que ocorre no eixo paradigmático.
Diferente é o caso da metonímia, que atua não por raciocínio
imagético, mas pela alteração da vinculação dos constituintes contíguos
na sentença, sendo, portanto, estruturalmente motivada. A título de
exemplificação, tomemos o item “logo” e a expressão “vai que” nas frases
seguintes:
(1) Ele não veio logo11. Fui embora.
(2) Ele não veio. Logo fui embora.
11
O estágio inicial é lugar, uma vez que logo provém do nome latino locus (lugar). Por
metáfora, adquiriu o valor temporal e o estatuto categorial de advérbio.
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Artigos Inéditos
Em (1), “logo” explicita a noção temporal e tem, portanto,
natureza adverbial; em (2) podem-se depreender duas leituras, uma
temporal e uma conclusiva, a depender da pressão do contexto. A posição
do item lexical, seguida de alteração prosódica, favorece a emergência
de uma função conjuncional. O mesmo ocorre com a expressão “vai que”:
(3) Vai no Iguatemi que está em liquidação!
(4) Vai ____ que está em liquidação!
Em (3), “vai” é um verbo pleno e “que” é uma conjunção
explicativa; (4) propicia essa mesma leitura, a despeito do apagamento
do complemento circunstancial, mas também enseja, pela contiguidade
dos elementos e alteração prosódica, a leitura hipotética “e se estiver em
liquidação!”, em que “vai” e “que” formam um construto único. Duas
orações se transformam em uma só oração, com leitura marcada. Esses
exemplos mostram que a metonímia ou reanálise (para vários autores)
atua no eixo sintagmático.
A operação metafórica responsável pela passagem espaço > tempo
ocorre com os itens hu e onde. Entretanto, somente Zurara faz uso dessa
operação para o 2º item:
(5) No mês passado acerca deste, hu sse começava o novo âno em Castella
(CDJ, 103)
(6) ... caa hera jaa comtra a vella da menhã omde ho sono mais carrega
aos homês (CDP, 346)
Dessa forma, a gramática de Fernão Lopes é menos inovadora
que a de Zurara, tanto que o primeiro usa onde apenas nos casos em que
o antecedente é locativo espacial físico (7), ao passo que o segundo dá
tratamento mais dúctil a esse elemento, permitindo que seu antecedente
seja espacial físico (8), imaterial (9) ou imagético (10). Há, portanto, uma
tendência à regularidade no emprego de onde por Fernão Lopes, a qual
é interrompida por Zurara12, autor que dá ampla margem à variação no
tipo de antecedente:
12
Oliveira (2001) observou a atitude reguladora de Fernão Lopes na questão da queda
do /d/ intervocálico. Enquanto Zurara desfazia o hiato criado com a queda desse
elemento seja pela ditongação seja pela crase, Fernão Lopes mantinha apenas o hiato.
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Conectando orações de hu a onde. E para onde mais?
(7) ...e chegou a Lixboa homde já achou muitos que viinhã ao sahimento.
(CDJ, 14)
(8) ... este allcaide foy em Portugal, onde lhe foy feuta muyta homrra e
gramd mercê (CDP, 1085)
(9) ...como achareys no rregimemto dos prymçipes, que [...] ledes e
ouvis, omde diz [...] (CDP, 206)
(10) Demtro dos ymfernos, omde nõ he all senão trevas... (CDP, 207)
Do ponto de vista metafórico, pode-se inferir que a gramática de
Fernão Lopes manifesta apenas o uso locativo de onde, ao contrário da
gramática de Zurara, que já permite diferentes interpretações. Em síntese,
as propriedades semânticas de hu na gramática de Fernão Lopes se
estendem para onde na gramática de Zurara, sinalizando uma grande
mudança no uso desse item.
3. A reanálise de onde
O processo de metaforização de hu e onde se restringe aos
contextos com antecedente. Em paralelo, assiste-se à progressiva
substituição do locativo hu pelo também locativo onde, entre o final dos
trezentos e meados dos quatrocentos. A implementação da mudança de
onde é facilmente observada quando se traça o perfil estatístico deste item
em contraposição a hu no português medieval.
OE
CDJ
CDP
nº o c.
%
nº oc.
%
nº oc.
%
HU
93
65,49
30
13,22
01
0,30
ONDE
49 13 34,51
197
86,78
332
99,70
Total
142
227
100
333
100
100
Tabela 1: Total geral de hu e onde nos três textos analisados14
13
Na verdade, onde tem 356 ocorrências no Orto do Esposo, aparecendo em 296 casos
como introdutor de referência na fórmula: “Onde diz”, “Onde conta”. Veja o exemplo:
Onde diz o salmista: A alma deles auorreceo toda uiãda e chegarõ ata as portas da
morte. (OE, 78)
14
Foram computadas apenas as ocorrências não preposicionadas.
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Artigos Inéditos
O locativo hu no Orto do Esposo (OE) não exibia funções
discursivas, mas apenas sintáticas, atualizando diferentes funções
morfológicas, como pronome interrogativo ou pronome relativo (com e
sem antecedente):
(11) Molher, hu te vaas? (OE, 4)
(12) E leuou-o ao rrefortoyro, hu comê os frades (OE, 331)
(13) ...e Sancto Ciriaco entrou hu estava a filha do enperador (OE, 11)
(14) Ora veede hu som as rodas do curso da minha vida (OE, 148)
O locativo onde com função sintática no mesmo texto tem baixa
frequência e está limitado à sentença relativa com antecedente (15-16).
Predomina a função discursiva, atuando como marcador discursivo e como
operador lógico como então, bom, pois, portanto, por sua vez, de modo que (17-22):
(15) E ella, quando ueo ao luguar onde auia de seer degolada, fez oraçõ
a Deus (OE, 3)
(16) ...foy leuado o spiritu delle a huu loguar de torm~etos, onde antre
as outras cousas viu h~u~u clérigo ... (OE, 222)
(17) Omde aconteceu que huu demo serua a huu homê rico ê semelhança
dhuu domê. (OE, 317)
(18) Omde aquelle grande doutor Gregorio Nazareno, trautando de fugir
da cura de pastor das almas, diz assy:... (OE, 268)
(19) Da parte [d]a alma somos ê este mûdo como ê Egipto de treevas,
onde somos feridos cõ muytas chagas. (OE, 121)
(20) E da parte das coussas que nos som sugeytas somos ê grande periigo
e ê muytos males, ca todas as cousas som a nos laços, onde podemos
dizer uerdadeyramête que comemos [e bevemos] e vestimos laços.
(OE, 123)
(21) Tomade a espada do spiritu, que he a palaura de Deus. Onde os
sanctos homees e os monges antygos grande cuydado ouuerõ de
teer liuros das Sanctas Scripturas, per que o poderio do diaboo he
destroydo (OE, 42)
(22) Outrossy, o surdo pode melhor ouuyr co o ouvydo de alma, onde
muytas vezes aquelles que orã em silencio, querendo ~etender ssy
meesmos, çarrõ as orelhas cõ suas mããos (OE, 159)
Nos textos quatrocentistas, o locativo hu perde em frequência e
passa a competir com onde na função de articulador de orações:
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Conectando orações de hu a onde. E para onde mais?
(7) ...e chegou a Lixboa homde já achou muitos que viinhã ao sahimento.
(CDJ,14)
(23) ...nom podia hir homde ell pousava. (CDJ, 11)
(24) ...e lhe pregumtou omde era seu irmãão (CDJ, 156)
Na articulação de orações em que não há intercorrência de
antecedente, onde se estabiliza com o valor semântico locativo [+ físico],
(23-24). Entretanto, a presença de um antecedente nominal é forte
condicionante da operação metafórica (6) e da operação metonímica
observada nos exemplos a seguir:
(25) ...e sobreveo Pero Rodriguez que acorreo aaquelles escudeiros, omde
já estavom pera seerem mortos ou presos (CDJ, 172)
(26) E vemdo dom Joahm como aquelles vinham trabalhados, volveo-se
com hos mouros, omde matarã logo sete, e dos nossos morreo hu.
(CDP, 500)
(27) ordenou que dom Pedro me pedisse este emcarrego, omde pellos
outros hera rrefusado. (CDP, 207)
Nesses exemplos o antecedente não apresenta traço locativo,
assinalando um estágio avançado no processo de gramaticalização, pois a
partir daí onde perde o propalado caráter adverbial e passa a desempenhar
a função de sujeito (25/27) e de complemento partitivo15 (26). Entretanto,
a considerar o regular uso locativo de onde em Fernão Lopes, há que se
revisitar o exemplo (25). Mais do que ter como antecedente o sintagma
“aqueles escudeiros” e assumir função de sujeito, onde se vincula a um
elemento locativo implícito, complemento do verbo “acorrer”, contexto
que favorece a reanálise do item que relaxa o elo com um elemento
locativo e passa a se associar inclusive com elementos de traço [+/- pessoa],
acionando novas funções sintáticas.
4. Dialogando com o PB
Os dados do português medieval apresentam uma diversidade de
contextos de realização de onde também observada no português atual,
com antecedentes de natureza semântica variada e assumindo diferentes
15
Na Demanda do Santo Graal encontram-se exemplos de onde como complemento do
verbo falar: “[...] e fiz tanto de armas que o venci e assi é preitejado comigo que ja mais
nom saia da minha prisaam ataa que me mostre aquel cavaleiro onde me tanto falou”.
(DSG, 70).
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funções sintáticas. Apesar dessa diversidade, o uso locativo propriamente
dito não perdeu seu espaço, sendo bastante produtivo no PB
contemporâneo, como mostram os dados de resumos de teses e
dissertações utilizados nesta análise. Isto é, não há uma substituição, mas
a ampliação do uso do item linguístico:
(28) Esse fator encaminha para a superação de parte das deficiências na
infra-estrutura instalada na região Noroeste do Estado de Mato Grosso
do Sul, onde reservas de minério de ferro e manganês são conhecidas
desde a segunda metade do século XIX e onde estão localizadas
duas empresas [...].
Além do sentido concreto, onde pode também associar-se a
elemento não locativo, em uma relação abstrata de referência:
(29) Após acreditar que o Messias viria do Brasil, depois de sua prisão nos
cárceres do Santo Ofício da Inquisição, iniciou um processo
psicológico, onde acabaria por declarar-se Messias [...].
Em textos escritos produzidos por indivíduos cultos há um uso
intenso do item como locativo abstrato. Nessa função, muitas vezes tornase difícil a identificação do antecedente por haver mais de uma
possibilidade de interpretação. Em (30), onde pode se referir a “televisão”,
ao ato de “educar através da televisão”, ou ainda ter como antecedente a
“construção simbólica e prática da cidadania”. Em (31), podem ser
antecedentes tanto a “formação” quanto o “sistema fragmentado de
ensino”:
(30) Num momento de consolidação da democracia na América Latina,
entende-se educar através da televisão como construção simbólica e
prática da cidadania, onde produtores e receptores dialogam e se
reconhecem como sujeitos do mesmo processo social.
(31) Somado a isso, pode-se adicionar um outro fator que é a formação
inicial precária do professor, formação esta calcada num sistema
fragmentado de ensino, onde ainda prevalece o esquema
tradicionalista de transmissão de conhecimentos.
Nessas construções a referência se estabelece não de forma
ambígua, mas radial. Assim como pode remeter a um ou outro de seus
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possíveis antecedentes, onde pode também referir-se a todos eles
simultaneamente (31). Nesse tipo de contexto pode ser substituído por
outro item linguístico, como ‘em que’, sem acarretar mudança de
interpretação. Esse caráter radial não é, portanto, um ‘problema’
referencial do conectivo analisado, mas uma propriedade sua.
O uso atual licencia também contextos em que onde pode alternar
com locuções preposicionadas diferentes de ‘em que’. Exemplo disto é
o dado em que aparece associado a conceitos diversos (como religião,
culinária e música) representados em um esquema cuja legenda encontrase transcrita em (32). As formas correspondentes adequadas para
substituição em (32) e (33) seriam “a que” e “com o qual”,
respectivamente:
(32) Figura I - Onde atribuímos a palavra cultura
(33) Talvez a polícia brasileira deveria começar com esse procedimento,
onde as cadeias seriam mais organizadas, sem esquecer que mais
justas.
O Português Medieval já registrava esse uso com antecedente
abstrato. Além disso, exercia a função de sujeito sintático, como mostramos
em (26) e (27), reanálise que também é observada no PB. Nesse uso,
menos frequente, ocupa o lugar do relativo não preposicionado ‘que’:
(34) Em uma entrevista com o sociólogo François Dubet (Dubet, 1997),
onde após vários contatos com professores resolve verificar se as
reclamações dos mesmos sobre seus alunos eram pertinentes
lecionando em um colégio por um ano.
(35) Verificou-se que o mestrado era visto como um espaço de legitimação
do saber e de ser trabalho intelectual, para conquistar
reconhecimento que não encontrava na assistência, onde era
desprestigiada e o espaço acadêmico era idealizado como algo que
traria prestígio e poder, sendo coping para lidar como trabalho.
A amostra analisada revela que as construções com onde no PB
guardam semelhança com as encontradas em Zurara, as quais
apresentavam variação, e não apenas o onde locativo. Em ambas as
variedades, identificamos o item em etapas mais gramaticalizadas,
vinculado a antecedentes de semântica diversa, com múltiplas funções
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sintáticas, inclusive a de sujeito, confirmando a hipótese da hierarquia de
funções relativizadas [SUJ > OD > OI > OB], segundo a qual a estratégia
usada para relativizar a posição de funções mais baixas deve servir para
relativizar posições superiores (Keenam & Comrie, 1977). Ressalta-se,
portanto, duas principais características de onde presentes nas duas
variedades do português: a estabilidade do valor locativo nas orações sem
antecedente, e a hierarquia das funções enquanto pronome relativo com
antecedente.
Conclusões
Ao longo do presente estudo buscamos descrever e analisar o
comportamento de onde no português medieval e atual. A multiplicidade
de usos desse elemento linguístico mostra que, do ponto de vista
semântico, pode ocorrer associado a antecedentes de natureza variada,
não apenas locativos, mas temporais, humanos, conceituais, etc.
Consequentemente, suas funções sintáticas são também ampliadas,
podendo assumir a função de objeto indireto, complemento nominal e
sujeito, extrapolando, portanto, a função de adjunto adverbial postulada
pela Gramática Normativa.
A expansão do uso para além do valor locativo é decorrência do
processo de gramaticalização, que permite ao elemento assumir traços
semânticos menos concretos ou materiais, e, no caso de onde, associar-se
a elementos mais abstratos, gerando a possibilidade de variação. O
processo em questão é desencadeado pela existência de contextos em
que o antecedente se atualiza em posição distante do relativo na sentença,
ou se encontra implícito no texto. Esses fatores propiciam a associação
com outros elementos da sentença, linearmente mais próximos ou
explícitos. A leitura ambígua desses contextos gera novas interpretações
indutoras da reanálise do item, que continua a existir, mas passa a operar
de forma distinta – ou melhor, ampliada.
A semelhança de funções semânticas e sintáticas de onde no PM e
no PB não implica na equivalência plena entre as duas fases da língua,
ainda que, nos dois períodos da análise, seja possível identificar usos de
onde que se encaixam em todos os momentos da escala de gramaticalização.
Também não se pode afirmar que o PB dê continuidade ao processo de
gramaticalização iniciado no medieval, pois, se o processo é unidirecional,
deveria induzir à mudança do item, o que não se verificou. A justificativa para
a não-implementação de mudança parece residir na simultaneidade de
variação e estabilidade do item (Cf. Tarallo, 2002, p. 83), exemplificadas por
dois tipos de contexto, com (36) e sem antecedente (39):
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(36) A gaveta onde coloquei os brincos.
(37) Não lembro onde coloquei os brincos.
(38) Onde estão os brincos?
(39) Perguntei onde estão os brincos.
(40) Onde quer que estejam os brincos, estão bem guardados.
A presença de antecedente possibilita interpretações ambíguas
condicionadoras de variação, as quais, por sua vez, induzem ao processo
de gramaticalização. Contudo, o onde sem antecedente (37-40),
essencialmente locativo, funciona como uma âncora, permitindo que o
processo se retroalimente, não sendo propício nem a metaforização, nem
a reanálise. A única mudança possível seria a substituição do item, como
ocorreu com o hu medieval.
Os dois contextos (com e sem antecedente) e o modo como se
relacionam permitem a coexistência das forças operantes em dois tempos
diferentes, passado e presente, confirmando o princípio de uniformidade
proposto por Labov (1994). Deste modo, onde não apenas se
gramaticalizou, mas se regramaticaliza constantemente, renovando-se e
adaptando-se ao processo sintático-semântico a que está sujeito.
Referências
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Conectando orações de hu a onde. E para onde mais?
TAIT, Breno; PEREIRA, Daniel; NOTARI, Isaldo e PEN, Jaqueline. Endeo vocábulo no texto A Demanda do Santo Graal. Trabalho de graduação no
curso de Filologia Portuguesa. FFLCH/USP, 2006, ms.
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ZURARA, Gomes Eanes. Crônica do Conde D. Pedro de Meneses. Edição de
Maria Teresa Brocardo. Braga: Fundação Calouste Gulbenkian/JNICT,
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Artigos Inéditos
Resumo
O presente estudo tem como objeto o onde como
conector de orações em textos produzidos no
Português Medieval e no Português Brasileiro. A partir
de uma análise quantitativa e qualitativa, buscaremos
verificar os contextos de realização do item e descrever
suas características semânticas e funções sintáticas,
comparando os resultados obtidos para os dois
momentos da história da língua portuguesa. Para tanto,
aliamos os pressupostos teóricos da gramaticalização e
da sociolinguística variacionista laboviana.
Palavras-chave: locativo, orações, variação e mudança,
gramaticalização
Abstract
The present research analyzes the use of onde (where) as
a clause connector in Medieval Portuguese texts and
contemporary written Brazilian Portuguese. Based on
quantitative and qualitative analyses, we intend to check
the contexts of use of onde and to describe its semantic
characteristics and syntactic functions, comparing the
results obtained for two far apart moments in the history
of Portuguese. The analysis is based on the framework
of the Gramaticalization Theory and the Labovian
Sociolinguistic Variation Theory.
Keywords: Locative, clauses, variation and change,
grammaticalization
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade”
e “ofereceu um banquete aos visitantes”: sobre a variação
de proposições em complementos verbais*
Rosane de Andrade Berlinck**
V
árias pesquisas têm constatado que as preposições em
português, e, em particular, na variedade brasileira do
português, estão sujeitas a processos que podem chegar
ao apagamento, à substituição de preposições ou à
especialização de sentidos (Tarallo, 1983; Castilho et al, 2002; Gomes,
2003, entre outros). Dada a relevância estrutural das preposições,
responsáveis, em grande parte, pelo estabelecimento de relações sintáticosemânticas no nível da sentença, a investigação de tais processos se reveste
de grande significação para o estudo da história da língua.
Os dois enunciados que compõem o título desse trabalho –
colhidos entre os dados que analisamos no presente estudo – ilustram o
processo de variação no uso de preposições que é o foco dessa investigação:
a alternância de preposições introdutoras de complementos que denotam
um sentido geral de “meta”, junto a predicadores verbais classificados, do
ponto de vista sintático-semântico, segundo a tipologia proposta em
Berlinck (1996). Os exemplos de (1) a (8) ilustram essas possibilidades:
*
O presente estudo está inserido no Projeto Mudança gramatical no português de São
Paulo: expressão pronominal e preposicional de argumentos, que integra o Projeto
Para a História do Português Paulista Paulista (PHPP) (FAPESP - Proc. no 06/559440). Colaboraram nessa pesquisa as bolsistas de Iniciação Científica Letícia Cordeiro de
Oliveira Bueno (PIBIC/CNPq) e Lívia Henrique de Albuquerque (PIBIC/CNPq).
**
Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara/CNPq-Processo no.
305837/2007-9).
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Artigos Inéditos
(i) direção — predicadores que expressam como sentido prototípico a
ideia de que ‘N0 se move para N1’,como ir, vir:
(1) Os comerciantes vieram á redacção relatar o fato.
(2) Quando o padeiro se dirigia para o estabelecimento onde
trabalha, foi estupidamente atacado.
(ii) movimento com transferência – predicadores que expressam como sentido
prototípico a ideia de que ‘N0 move N1 para N2’, como levar, trazer:
(3) Os amigos querem levá-lo para o Rio.
(4) Joana vai trazer seus amigos ao baile.
(iii) transferência material – predicadores que expressam como sentido
prototípico a ideia de que ‘N0 faz N1 ser possuído por N2’, como dar,
enviar :
(5) O polêmico projeto de lei foi mandado para o Senado.
(6) João ofereceu um lauto jantar aos convidados.
(iv) transferência verbal/perceptual – predicadores que expressam como
sentido prototípico a ideia de que ‘N0 faz N2 possuir um certo
conhecimento, uma certa ideia ou uma certa percepção’ como dizer,
perguntar/mostrar:
(7) Maria declarou aos colegas que iria pedir demissão.
(8) Os produtores só vão mostrar documentários para o público do
festival.
O fenômeno de variação presente nos contextos mencionados
não é uma característica que vamos encontrar apenas no estágio
contemporâneo da língua. Um conjunto significativo de estudos já
realizados permite estabelecer indícios de variação entre as preposições
a, para e em, já em textos quinhentistas (Berlinck, 2006, 2007), que se
intensifica em textos oitocentistas (Berlinck, 2000; Guedes & Berlinck,
2003), e que, na verdade, sugere uma fase de completamento no estágio
atual da língua (Berlinck, 1996, 1997, 1998, 2000, 2001; Gomes, 2003;
Mollica, 1996; Torres-Morais & Berlinck, 2006). Tais estudos revelam que
há uma gradual diminuição no uso da preposição a nesses contextos, que
vem sendo substituída pelas preposições para, em e até, com ênfase na
primeira delas.
Dado esse quadro, o objetivo do presente estudo é buscar
caracterizar os contextos pelos quais a preposição para começa a ocupar
o espaço antes dominado pela preposição a. Ou seja, pretende-se identificar
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
em que construções o uso de para passa a constituir uma variante de a.
Para isso, definimos um corpus de textos jornalísticos produzidos nas
primeiras décadas do século XX, publicados na imprensa de São Paulo,
que pertencem tanto à imprensa majoritária quanto à chamada “Imprensa
Negra”. Denomina-se tradicionalmente “Imprensa Negra” o conjunto de
uma produção que tem início no período pós-abolição, produzida “por
negros e para negros” (Ferrara, 1986; Domingues, 2006).
Os dados analisados provêm dos jornais: (i) O Estado de São Paulo
- fundado ainda durante a Monarquia, em 1875, com o nome de A
Província de São Paulo. É um dos jornais de maior longevidade no cenário
jornalístico brasileiro e que sempre teve uma atuação muito importante
no cenário político e social; (ii) O Combate, que circulou entre 1915 a
1930 e teve uma efetiva atuação no cenário social e político da cidade de
São Paulo. Os exemplares que serviram de fonte para a análise
correspondem às edições publicadas no ano de 1918; (iii) Getulino - jornal
com periodicidade semanal, publicado em Campinas – SP, entre 1923 e
24 - faz parte do conjunto de periódicos que ficou conhecido como
Imprensa Negra; e (iv) O Rio Claro - publicado na cidade de Rio Claro,
interior de São Paulo, onde circulou de 1900 a 1916. Os exemplares
estudados, ilustrados pelas figuras 1 a 4 a seguir, foram obtidos junto ao
Arquivo Público do Estado de São Paulo e ao Arquivo Edgard Leuenroth
– AEL (IFCH/UNICAMP).
Figura 1. O Estado de S. Paulo, exemplar de 3 de janeiro de 1910
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Artigos Inéditos
Figura 2. O Combate, exemplar de 2 de fevereiro de 1918
Figura 3. Getulino, exemplar de 5 de agosto de 1923
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
Figura 4. O Rio Claro, exemplar de 3 de janeiro de 1915
A definição do recorte temporal se justifica pela relativa ausência
de informações sobre o processo em estudo nesse período de tempo,
que se situa no intervalo entre um processo inicial de variação e o estágio
atual de predomínio da antes variante inovadora. Quanto às fontes
documentais, acreditamos que, sendo um texto público, o texto jornalístico
tanto atua sobre os componentes da situação sócio-histórica ao qual está
vinculado, quanto sofre influências dessa situação. Essa dualidade faz dele
uma fonte muito rica para se avaliar a expressão da norma (lingüística)
prescritiva - socialmente prestigiada - e, ao mesmo tempo, detectar
características inovadoras da(s) norma(s) objetiva(s), que, de tão presentes
no uso, começam a ser incorporadas à escrita.
Além disso, o jornal constitui um hipergênero ou suporte textual,
que comporta uma variedade de gêneros textuais (Bonini, 2003;
Marcuschi, 2008). A concepção de gênero textual adotada é aquela
estabelecida a partir de Bakhtin (1979), levando-se em conta seus
desdobramentos e aplicações atuais (Bazerman, 2005; Fiorin, 2006;
Marcuschi, 2008) – “gêneros são tipos de enunciados relativamente
estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção
composicional e um estilo” (Fiorin, 2006, p. 61). Tal concepção, somada
às discussões sobre gêneros nos jornais, presentes no trabalho de Bonini
e em estudos da área de Comunicação (Lage, 2006; Reis, Zucco e Ramos,
2007, entre outros), servirá de base para uma análise que assume a
heterogeneidade dos textos por meio dos quais (inter)agimos nas
diferentes esferas de atividade humana.
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Artigos Inéditos
Investigando as preposições nos jornais...
Tendo estabelecido o quadro deste estudo, passemos à análise
dos dados.
Partimos de duas questões principais:
1 – em que contextos o uso de para é, efetivamente, uma variante de a no
período analisado?
2 – há diferenças detectáveis entre os vários gêneros textuais explorados?
Assim, dois aspectos principais são levados em conta na
investigação: (i) fatores de natureza semântica, associados ao verbo e ao
complemento e (ii) o gênero textual em que a construção ocorre (editorial,
anúncio, nota social, notícia).
A análise de dados segue a metodologia variacionista, incluindo
o levantamento de uma amostra representativa do fenômeno na
tipologia de textos organizada, sua análise segundo os grupos de fatores
definidos a partir das hipóteses, a quantificação dos dados analisados
por meio de programas estatísticos (VARBRUL, GOLDVARB) e a
interpretação dos resultados quantitativos à luz dos pressupostos
teóricos que embasam o estudo (Weinreich, Labov, Herzog 1968; Labov
1972, 1994, 2001).
Se os resultados obtidos até o momento não são suficientes para
chegarmos a uma resposta conclusiva às questões elencadas acima,
começam a delinear um quadro para esse período. Foram analisados 604
dados em que as preposições a e para eram alternativas possíveis, colhidos
nos quatro jornais selecionados. Os resultados indicam uma clara
predominância da preposição a relativamente a para, o que já era
esperado, dado o caráter normativo da primeira. Nos quatro jornais, a
freqüência da preposição a oscila entre 71% e 87%. O input geral de a,
na análise multivariada, confirma a tendência: 0.782.
A leitura “em negativo” desses índices, por outro lado, nos revela
que existe uma margem de variação. Veremos que ela se diferencia, a
depender das características semânticas do predicador e do complemento.
A tabela 1, a seguir, apresenta os índices de emprego da preposição para
(vs a) relativos ao tipo semântico do predicador verbal.
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
Direção
Mov./transf.
Transf.Mat.
Transf.
Verbal
Estado
31%
(16/51)
64%
(14/22)
30%
(19/63)
0%
(0/33)
Combate
30%
(19/64)
8%
(2/24)
3%
(2/65)
3%
(1/39)
Getulino
34%
(25/73)
30%
(8/27)
19%
(10/54)
13%
(3/23)
Rio Claro
14%
(1/7)
50%
(1/2)
19%
(5/26)
6%
(1/17)
Tabela 1. Frequência de uso da preposição para, segundo o tipo
semântico do predicador verbal
Embora constatemos uma oscilação nos índices, de um jornal a
outro, é possível identificar uma tendência que associa a maior presença
da preposição inovadora a construções com predicadores de direção, de
movimento com transferência e de transferência material e, inversamente, a
manutenção por vezes categórica da preposição a com os predicadores
de transferência verbal/perceptual.
Uma correlação mais clara emerge da análise da natureza semântica
do complemento, tal como ilustra a figura 51.
Figura 5. Frequência de uso da preposição para, segundo a
natureza semântica do complemento
1
Os índices de peso relativo reafirmam esse contraste: (i) complemento lugar: 0.755
(Estado), 0.535 (Combate), 0.770 (Getulino); (ii) complemento humano: 0.198 (Estado),
0.0 (Combate) e 0.193 (Getulino). Não obtivemos dados de tipo lugar em número
significativo nos exemplares d’ O Rio Claro.
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Artigos Inéditos
Observamos que a preposição para tem seu espaço em construções
que envolvem um complemento locativo. E que o uso dessa preposição
junto a complementos com referente humano é, ainda, incipiente.
Além desses dois tipos de complemento, também se vê resistência
ao uso de para com complementos que veiculam uma noção abstrata, caso
ilustrado em (9). Em construções com essas características, o emprego
dessa preposição não ultrapassa 10% nos dados do Getulino e é inexistente
n’O Estado e n’O Combate.
(9) a. (...) por me haver guiado ao caminho acertadissimo de usar as
Pilulas Antidyspepeticas do dr. O. Heinzelmann, para minha cura.))
(O Estado de São Paulo, 02/01/1920, Anúncio)
b. (...) que optimos serviços tem prestado já á moralidade social de
nossa terra. (Getulino, 30/12/1923, Nota)
A conjugação dos resultados dos dois grupos de fatores — tipo
semântico do predicador verbal e natureza semântica do complemento — nos permite
identificar os contextos em que os redatores dos jornais estão empregando
a preposição para e chegar a uma caracterização da variação nesse período.
É o que podemos observar pelos índices apresentados na tabela 22.
Locativo
39%
(49/127)
41%
(18/44)
62%
(26/42)
-
Direção
Mov./transf.
Transf.Mat.
Transf. Verbal
Humano
10%
(1/10)
0%
(0/3)
3%
(4/120)
5%
(4/86)
Tabela 2. Frequência de uso da preposição para, segundo o tipo
semântico do predicador verbal e a natureza semântica do complemento
Os resultados da análise quantitativa nos levam à identificação de
duas configurações diferentes no emprego das preposições:
2
Os resultados referem-se ao conjunto dos dados dos quatro jornais analisados. O
amálgama sintetiza uma correlação observada independentemente para cada um dos
periódicos.
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
(I)
Convivência/concorrência das preposições em contexto de
complemento [locativo] (o que poderíamos chamar de variação
propriamente dita) (10 – 12):
(10) a. Feitas as apresentações de estylo, foram as senhoras conduzidas
em automoveis para a residência do snr. Brasilio Pereira. (Getulino
30/12/1923, Nota)
b. Os cavalheiros tomando outros automoveis, foram conduzidos ao
centro da cidade. (Getulino, 30/12/1923, Nota)
(11) a. No dia seguinte, todos os operarios se dirigiram para a fabrica,
ficando estupefatos ao depararem com um aviso [...]. (O Combate,
02/03/1918, Nota)
b. Terminado que foi, a commisão campineira, acompanhada de
senhorias, senhoras e cavalheiros, dirigiram-se para a sede social da
Elite Flor da Liberdade (Getulino, 06/01/1924, Nota)
c. Acto continuo, dirigiu-se ao escritório do Crespi uma dessas
victimas (...). (O Combate, 02/03/1918, Nota)
(12) a. Chegados a São Paulo, em uma manhã, foram logo levados para
um casarão em uma rua deserta (Getulino, 23/12/1923)
b. [...] que quando na idade de sete annos, meu pae me levou á
escola, eu já amava a minha Patria, respeitava a minha bandeira,
sabia o nome dos meus gloriosos antepassados, [...] (Getulino, 9;9
1923 – editorial)
Observe-se que as construções trazem, exatamente, as
características sintático-semânticas que apontamos como as que se associam
com o uso de para. Ou seja, é quando se expressa um movimento físico,
concreto, em direção de uma meta que denota um lugar concreto que se
dá a possibilidade de escolha entre a e para. Esse representa, do ponto de
vista estrutural, o contexto de entrada da variação.
(II) Predomínio da preposição a com complementos [animado/humano]
(13)
(13) a. O pleito de hontem deve trazer aos verdadeiros patriotas a
convicção de que é preciso continuar a resistencia por todos os meios
[...] (O Combate, p. 13, 02/03/1918 – Nota).
b. O sr. Noé Juliao, residente actualmente em Socorro, onde gosa de
geral estima, e que aqui esteve largos annos, como que querendo
“matar” as saudades da “excelsa campinéa” onde seu nome de cidadão
probo é recordado com affeição, enviou ao nosso chefe a seguinte
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Artigos Inéditos
carta: (Getulino, 26/8/1923 – editorial)
c. Da casa do sapateiro, o expertalhão escreveu uma carta a Luciano
Vicentino, residente á rua Monsenhor Andrade pedindo a este para
entregar ao portador, o proprietario dos saccos, a importancia de
185 mil réis. (O Combate, 02/03/1918, Nota).
d. Eu só pergunto ao collega sr. Dyonisio se a esomola resolve o
problema do professorado bahiano [...]. (O Combate, 01/04/1918,
Nota).
e. (...) o declarante narrou taes segredos por escripto a differentes
pessoas (...). (O Combate, 01/06/1918, Nota).
Na situação descrita em (II), é preciso distinguir os contextos
segundo o tipo de predicador: (i) os predicadores de movimento com
transferência (13a) e transferência material (13b) também podem ocorrer
com complemento locativo, que pode ser introduzido pela preposição
para, como vimos em (I). Nesse caso, estabelece-se um certo tipo de
‘distribuição complementar’ no uso da preposição dependendo da
natureza do complemento que acompanha o verbo; (ii) com os
predicadores de transferência verbal/perceptual (13 c-e) não há a opção de
um complemento locativo, e o emprego de a é quase categórico.
No quadro acima esboçado, a natureza semântica do complemento
desponta como o fator de mais peso na definição da variação. Isso fica
patente no fato de ter sido o único grupo de fatores selecionado em
todas as rodadas de análise multivariacional realizadas (ao contrário do
tipo de predicador, que foi sistematicamente não-selecionado). Os índices
obtidos falam por si:
A
0.169
0.807
Locativo
Humano
PARA
0.831
0.193
Tabela 3. Indíces de peso relativo, segundo a natureza semântica do
complemento
Paralelamente a essas duas configurações bem definidas,
identificamos alguns poucos casos em que se percebe o avanço do uso
inovador. Trata-se do emprego de para em contexto de complemento
humano (14) ou complemento que se refere a uma noção abstrata (15):
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
(14 )a. [...] appareceu uma das mais graciosas vendedoras que se dirigindo
para ele disse: ‘compre uma prenda para essa mocinha.’
(Getulino, 20/01/1924, Nota)
b. Ahi está a razão dos ápodos que em conúbio de escribas nos são
atirados, mas que felismente não nos attingem e tão pouco
engraquessem a nossa Penna, que sempre prompta é para causticar
os devassadores da classe mostrando para aquelles que
innocentemente reincidem em erro, apezar de não serem passíveis
de culpa, o verdadeiro cul [...inint...] (Getulino, 2/9/1923, Editorial)
c. Enviamos para á distincta preceptora os nosso parabens pelo
adiantamento de suas alumnas [...]. (O Estado de São Paulo, 03/01/
1910 – Os Municípios – Nota)
(15) a. Isso tanto os que se dedicam habitualmente á cultura algodoeira
como os que para ella appellaram como um lenitivo á desgraça da
geada” (Combate, 1918, Editorial))
b. E quantos descendentes dessa raça malsinada, levantando-se da
condição miseravel em surtos sublimados, alaram-se aos cimos onde
se reunem em choréa as musas e de lá troxeram para a nossa história
laureas immarcessiveis”. (Getulino,1923 Editorial)
Embora em número limitado, essas ocorrências apontam no
sentido do caminho que o processo irá tomar, se levarmos em conta as
conclusões dos estudos sobre estágios atuais do PB, já mencionados,
particularmente em sua modalidade falada.
No que se refere ao nosso segundo questionamento, relativo a
uma possível correlação entre o gênero textual em que ocorreu a
construção e a variação entre a e para, nossa análise conduziu a mais
perguntas que respostas. Os dados investigados provieram de textos dos
gêneros editorial, nota, anúncio e notícia. Em termos de índices gerais, não se
desenhou uma hierarquia clara entre os gêneros: a preposição para está
presente em 25% dos dados dos anúncios, em 20,5% dos dados dos editoriais,
em 23% dos dados das notas e 15% dos dados das notícias. O grupo de fatores
não foi selecionado como relevante para a explicação da variação, e os quatro
jornais apresentaram quadros diferentes: enquanto no Getulino e n’O Rio
Claro, os editoriais reúnem uma presença maior da preposição para que as
notas, verifica-se o inverso n’O Estado, e n’O Combate há índices equivalentes
nos dois gêneros. As notícias parecem constituir um gênero mais permeável
à variante inovadora n’O Estado (29,5% de para), mas se mostram um
contexto de resistência n’O Combate (17% de para).
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Artigos Inéditos
Considerando, no caso em estudo, que a variação aparece
fortemente associada a características de natureza linguística, restringimos
a avaliação do papel dos gêneros ao contexto identificado como o mais
favorável à presença da preposição para – as construções com
complemento locativo. Apesar de tal recorte levar a células com um
número por vezes pequeno de dados, emerge daí um indício de
hierarquia que merece ser investigado com maior profundidade. É o que
vemos na tabela 4.
Anúncios
73%
(24/33)
0.991
Editorial
41%
(18/44)
0.771
Notas
40%
(45/113)
0.771
Notícias
31%
(8/26)
0.485
Tabela 4. Frequência e peso relativo — preposição para em
construções com complementos locativos.
O que esses dados sincrônicos permitem dizer sobre mudança...
Tomamos como moldura do momento analisado, por um lado, a
baixa freqüência ou quase ausência da preposição para nos contextos
aqui considerados, tal como observada em estudos referentes aos séculos
XVIII e XIX (Berlinck, 2000, 2001; Guedes e Berlinck, 2003)3 e, por outro,
a predominância do emprego dessa preposição nos estágios atuais do PB
(Berlinck, 1998; Gomes, 2003; Mollica, 1996; Torres-Morais, Berlinck, 2006).
Os estudos de Berlinck (2000, 2001) mostram que, até o final do
século XIX, o emprego geral de para não ultrapassava 10,5% nos contextos
em análise. O locus desse uso estava nas construções com predicadores de
direção e de transferência material (12% e 23% de para, respectivamente),
em dados de anúncios de jornais. Por outro lado, as últimas décadas do
século XX revelam o predomínio da preposição para. É o que constatam,
por exemplo, Gomes (2003), para a fala carioca (88% com verbos do tipo
de dar e 84% com verbos do tipo de falar) e Berlinck (2000) para a fala
curitibana (93% de para com complementos dativos de 3ª pessoa).
A partir disso e dos resultados obtidos no presente estudo, é
possível considerar que o percurso do processo de substituição de a por
3
Os estudos referentes aos séculos XVIII e XIX analisaram dados provindos de relatos
de viagem, peças de teatro e anúncios de jornais. Aqueles que focalizaram os estágios
atuais do PB analisaram amostras de língua falada ou de língua escrita (anúncios e
cartas de leitores/redatores).
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
para atende a um dos princípios gerais dos processos de gramaticalização
– de que a mudança se dá do concreto para o abstrato (Neves, 1997, p. 131).
Ou seja, ela se inicia em contextos que exprimem situações concretas
(predicadores que exprimem movimentos físicos, que têm como meta
lugares concretos):
(i) passa a situações em que se denota um movimento físico, mas em que
a meta se transmuta num destinatário humano. Isso implicaria em
um grau maior de abstração, porque associa ao movimento uma idéia
de transmissão de posse;
(ii) atinge contextos em que a combinação dos argumentos do predicador
leva a uma interpretação abstrata de movimento, tendo um ‘objeto’
abstrato a ser transferido e/ou uma meta abstrata a ser alcançada.
Quando investigamos o processo em um de seus estágios
intermediários, como é o caso no presente estudo, verificamos que os
usos inovadores estão proporcionalmente mais presentes nos contextos
que envolvem predicadores de direção, de movimento com transferência e de
transferência material, quando o complemento se refere a um lugar concreto,
caso descrito em (i). Nesse sentido, concluímos que nem todas as
distinções consideradas em termos de uma tipologia de predicadores
verbais se mostraram relevantes para a caracterização da variação entre as
preposições estudadas nesse período, o que fica patente pelo fato de esse
grupo de fatores não ter sido selecionado na análise multivariacional.
Complementarmente, identificamos alguns casos que
correspondem aos estágios em (ii) e em (iii), indicando que já se
manifestava, ainda que timidamente, uma tendência que vai se consolidar
nos estágios atuais do PB.
Estamos diante de um processo em que uma preposição já
presente na língua (para) começa a assumir funções e a ocupar contextos
de uso antes exclusivos da preposição a. Nesse sentido, consideramos ser
possível descrever esse processo como um tipo de gramaticalização de
para, na medida em que tem expandida a sua funcionalidade na língua.
Por fim, considerando a segunda questão que guia este estudo,
observou-se que o gênero textual não apresenta nesta amostra um papel
decisivo nas escolhas dos falantes. Ressalte-se que uma grande dificuldade
encontrada na aplicação dessa abordagem está ligada à própria
identificação dos gêneros nos jornais da época. Berlinck e Bueno (2008)
já advertem que “os textos nem sempre se deixam ‘classificar’ facilmente”,
e isso se dá, em boa parte, porque, como afirma Bulhões (2007), o fim do
XIX e o início do XX “não foi marcado por uma delimitação rigorosa
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Artigos Inéditos
entre os gêneros jornalísticos, algo que se vai desenvolver no Brasil a
partir da década de 1950, (...)”.
Embora consideremos imprescindível levar em conta a
heterogeneidade dos gêneros e a possibilidade de que as variantes
circulem de um modo diferente em cada um deles, admitimos que é
preciso aprofundar a avaliação das características dos gêneros que são
relevantes para o estabelecimento de uma escala pela qual possamos
ordená-los – sejam aspectos do conteúdo temático ou do estilo seja uma
combinação de aspectos dessas duas propriedades. Fica claro que tal escala
precisa ser definida de modo independente em relação ao fenômeno
estudado.
Apesar do desafio que essa perspectiva representa, reiteramos a
convicção de que é fundamental investir no estabelecimento de critérios
e parâmetros consistentes para a distinção dos textos segundo os gêneros
que materializam e a incorporação desses fatores na análise de fenômenos
lingüísticos.
Uma outra linha de interpretação que nos parece merecer
investigação vem do tipo de fenômeno variável que está sendo investigado,
do ponto de vista de sua avaliação social. Embora a norma gramatical
apresente a preposição a como típica dos contextos estudados, não há
uma cobrança explícita quanto ao seu emprego. O que queremos dizer
é que, ao contrário de fenômenos como a marcação de número no
sintagma nominal e no sintagma verbal, ou a expressão anafórica do objeto
direto por um clítico acusativo, a variação de preposições não está sujeita
a uma forte avaliação social. De modo que as alternâncias e a gradativa
substituição da preposição a por para (em menor intensidade, também
por em e até) nos contextos dos predicadores analisados não sofrem
fortes pressões externas e têm, por isso, condições favoráveis para se
expandir. As conclusões dos estudos sobre o estágio atual da variedade
brasileira parecem confirmar esse percurso.
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Artigos Inéditos
Resumo
O presente estudo focaliza a variação no uso de
preposições em contextos de complementação verbal
em textos jornalísticos publicados nas primeiras décadas
do século XX em jornais paulistas. O objetivo principal
é caracterizar tal variação em um momento que se situa
a meio caminho entre um estágio de predomínio quase
absoluto da preposição a (primeira metade do século
XIX) e um quadro em que se destaca a preposição
para como a variante dominante (fim do século XX).
Dois aspectos principais são levados em conta na análise:
(i) fatores de natureza semântica, associados ao verbo
e ao complemento e (ii) o gênero textual em que a
construção ocorre (editorial, anúncio, nota social,
notícia). A análise de dados segue a proposta teóricometodológica da Teoria da Variação e Mudança
Linguísticas (Weinreich, Labov, Herzog, 1968; Labov,
1972, 1994, 2001) e adota a concepção de gênero textual,
tal como estabelecida a partir de Bakhtin (1979) e outros
desdobramentos e aplicações atuais (Bazerman, 2005;
Fiorin, 2006; Marcuschi 2008), além das discussões
sobre gêneros nos jornais, presentes no trabalho de
Bonini (2003) e em estudos da área de Comunicação.
Os resultados revelam um quadro heterogêneo que
inclui contextos efetivamente variáveis (em que se
expressa um movimento físico, concreto, em direção
de uma meta que denota um lugar concreto) e
contextos quase impermeáveis à variante inovadora
(complementos que denotam um referente humano e
predicadores de transferência verbal/perceptual).
Palavras-chave: preposição, complementação verbal,
gênero textual, variação linguística, português
brasileiro
Abstract
This study analyses the variable use of prepositions
(particularly a and para) as verb complement in
newspaper articles published in the early decades of
the 20th century in São Paulo newspapers. The purpose
is to investigate such variation in a moment that lies
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“Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”:
half way between a stage of almost complete dominance
of the preposition a (the first half of the 19th century)
and the appearance of preposition para, which would
become the dominant variant in the end of the 20th
century). Two main aspects are taken into account in
the analysis: (i) semantic factors, associated with the verb
and its complement and (ii) the genre in which the
construction occurs (editorials, advertisements, social notes,
news). Data analysis follows the theoreticalmethodological proposal of the Theory of Language
Variation and Change (Weinreich, Labov, Herzog,
1918, Labov, 1972, 1994, 2001) and adopts the concept
of genre, as established in Bakhtin (1979). Other
developments and current applications (Bazerman,
2005; Fiorin, 2006; Marcuschi, 2008), as well as
discussions on gender in newspapers, as present in the
work of Bonini (2003) and studies in the area of
Communication are also taken into account. The results
show a mixed picture including contexts effectively
variable (which express a physical concrete movement,
towards a goal that denotes a specific place) and
contexts almost impermeable to the innovative variant
(complements that show a human referent, predicators
of verbal or perceptual transfer).
Keywords: preposition, verbal complementation,
genre, linguistic variation, Brazilian Portuguese
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Sujeito: entre ordem e concordância
Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott1
Izete Lehmkuhl Coelho2
1.
Introdução
Descrevemos e analisamos, neste trabalho, o
processo de variação e mudança na concordância
verbal de terceira pessoa do plural, correlacionandoo a três variáveis internas: posição do sujeito em relação ao verbo, traço [+/humano] do sujeito e tipo de verbo, que se mostraram importantes
condicionadoras da não marcação de concordância (cf. Monguilhott, 2001,
2009 e Carrilho, 2003). Nossa análise terá como base empírica amostras
de fala de quatro localidades de Florianópolis (PB) e de quatro localidades
de Lisboa (PE)3 e amostras de escrita catarinense e lisboeta4.
1
Docente da Universidade Federal do Amazonas em exercício provisório na
Universidade Federal de Santa Catarina.
2
Docente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/CNPq - Processo 305345/
2008-6).
3
Nossa amostra de fala constitui-se de trinta e duas entrevistas de diferentes regiões:
16 sujeitos nascidos em Florianópolis e 16 em Lisboa. Desse total de 32 informantes,
16 cursaram até as séries finais do ensino fundamental e 16 cursaram o ensino
superior. Os dados de fala da amostra Florianópolis foram coletados entre 2006 e 2007
e os dados da amostra Lisboa foram coletados durante estágio de doutorado no exterior
realizado por Monguilhott, no período de agosto de 2007 a janeiro de 2008, na
Universidade de Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ernestina Carrilho. O
estágio foi realizado com bolsa Capes, processo 0773/07-7, por meio do Programa de
Doutorado no País com Estágio no Exterior — PDEE.
4
Nosso corpus diacrônico inicia-se no século XIX, quando a imprensa é introduzida em
SC pelo Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho com o Jornal “O Catharinense”, em 28/
7/1831. Para manter a comparabilidade das amostras, as peças portuguesas também
foram consideradas a partir do século XIX, embora, em Portugal, se encontrem,
naturalmente, peças teatrais de épocas anteriores.
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Artigos Inéditos
Os objetivos específicos deste trabalho vão em três direções: (i)
caracterizar e explicar as motivações internas que condicionam a variação
na concordância verbal, buscando observar, a partir da descrição e análise
das três variáveis internas, quais os contextos sintáticos de restrição à
marcação de concordância verbal; (ii) comparar amostras empíricas do
português falado e escrito em Portugal e no Brasil; (iii) buscar hipóteses
teóricas para explicar a não marcação de concordância verbal. Neste
trabalho, nosso interesse se volta especificamente às mudanças que podem
ter ocorrido na gramática do PB.
Para a descrição e análise da variação e mudança de nosso objeto
de estudo, nos apoiamos nos pressupostos da teoria da variação e mudança
(Weinreich; Labov; Herzog, 1968 e Labov, 1994). E para a discussão dos
grupos de fatores internos: posição do sujeito em relação ao verbo, traço [+/humano] do sujeito e tipo de verbo nos apoiamos no quadro da teoria gerativa,
mais especificamente no modelo de Princípios e Parâmetros (cf. Chomsky,
1981, 1986).
Feita esta breve introdução, passamos à organização do trabalho. Na
próxima seção, serão apresentados resultados estatísticos dos três
condicionadores internos da variação na concordância verbal na fala de
Florianópolis e de Lisboa. Na seção seguinte, serão discutidos alguns contextos
de restrição à marcação de concordância verbal em amostras de peças de
teatro de autores catarinenses e lisboetas. Faremos, então, algumas reflexões
sobre o enfraquecimento da concordância verbal no PB. Na última seção,
sistematizaremos os resultados da discussão aqui proposta.
2. Descrição e análise da variação na concordância verbal
Ao controlarmos os condicionadores internos da não marcação
de concordância verbal, neste trabalho, procuramos investigar
particularmente a variável posição do sujeito em relação ao verbo por
acreditarmos que a posposição do sujeito é um dos principais contextos
sintáticos de restrição à marcação de concordância verbal de terceira
pessoa do plural. Não podemos deixar de constatar, a partir do que a
literatura já aponta para o PB (Berlinck, 1988, 1995; Coelho, 2000, 2006;
Monguilhott, 2001, 2009; entre outros), a correlação que existe entre os
fenômenos variáveis concordância verbal e ordem do sujeito no que se
refere aos seus condicionadores sintáticos, a saber:
(i) a não marcação de concordância verbal é condicionada pela posposição
do sujeito (cada vez mais restrita) e a posposição do sujeito é marcada
pela não concordância;
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Sujeito: entre ordem e concordância
(ii) a não marcação de concordância verbal é condicionada pelo verbo
inacusativo e o verbo inacusativo aparece preferencialmente em
contextos de posposição do sujeito em sentenças apresentativas;
(iii) a não marcação de concordância verbal é condicionada pelos
sintagmas nominais marcados com traço [-humano] e os sintagmas
com traço [-humano] aparecem preferencialmente em contextos de
posposição do sujeito.
Para entender um pouco mais essas correlações foram feitas duas
rodadas estatísticas utilizando-se o pacote Goldvarb2001 (Robinson;
Lawrence; Tagliamonte, 2001), uma com a amostra de fala de Florianópolis
e outra com a amostra de fala de Lisboa. Além disso, foram feitos alguns
cruzamentos entre as variáveis estudadas. Do total de 697 dados
investigados na primeira amostra, foram encontrados 138 sem marcação
de concordância verbal (19%). Já na segunda amostra, das 607 ocorrências,
apenas 24 exibiam ausência de marca de concordância (3%). Observemos
a seguir resultados do controle das três variáveis linguísticas no não
favorecimento da marcação de concordância nas duas variedades.
2.1 Posição do sujeito em relação ao verbo
Resultados de trabalhos empíricos do PB (Lemle; Naro, 1977;
Pontes, 1986; Scherre; Naro, 1998; Monguilhott, 2001, 2009; Silva, 2003;
Cardoso, 2005) apontam que a probabilidade de concordância verbal
com sintagmas nominais pós-verbais é muito menor do que com sintagmas
pré-verbais, independendo do nível de escolaridade do falante.
Monguilhott (2001), por exemplo, encontra cerca de 29% de não
marcação de concordância de número entre verbo e sujeito (ordem VS),
sem distinção de nível de escolaridade.
Berlinck (1988), ao descrever a variação da ordem do sujeito,
também apresenta resultados que apontam maior tendência aos sintagmas
nominais pospostos desencadearem menor concordância. A autora
considera que essa associação entre sintagma posposto e ausência de
concordância tem servido de argumento favorável à tese do caráter menos
‘subjetivo’ do sujeito. Pontes (1986) discute o estatuto de sujeito do
sintagma posposto evidenciando que este tipo de sujeito apresenta
características de objeto (posição VS, [- concordância]). A autora ressalta,
a partir de um teste feito com alguns estudantes da Faculdade de Letras
da UFMG, que o sintagma posposto é considerado, muitas vezes, como
objeto por uma parcela significativa de falantes que, por consequência,
apresentam dificuldade na marcação de concordância com esses tipos de
sintagmas.
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Artigos Inéditos
Baseando-nos em resultados de trabalhos empíricos, controlamos
a posição do sujeito em relação ao verbo como um dos condicionadores
da não marcação de concordância verbal5, em amostras do PB e do PE,
esperando encontrar enfraquecimento da concordância com o sintagma
pós-verbal nas duas variedades. Acreditávamos que as construções com
sujeito posposto apareceriam com uma tendência forte à variante zero de
plural nos verbos.
· Sujeito anteposto
(1) As mulheres não tinham direito a voto (PERCFVF04)46
· Sujeito posposto
(2) Veio pessoas doentes, idosas (PBRIMJS13)
Nossos resultados para esse grupo de fatores atestam a nossa
hipótese, apontando que, tanto na amostra de Florianópolis, quanto na
de Lisboa, a frequência de não concordância é menor quando o sujeito
está anteposto ao verbo, com 16% e 3%, distanciando-se significativamente
da posposição do sujeito, com 73% e 37% de não marcação, como mostra
a tabela 1.
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Sujeito anteposto
Sujeito posposto
Total
Amostra Florianópolis
Aplicação/Total = %
75/480 = 16%
35/48 = 73%
110/5287= 21%
Amostra Lisboa
Aplicação/Total = %
7/269 = 3%
16/43 = 37%
23/312 = 7%
Tabela 1: Frequência de não concordância nas amostras
investigadas, segundo a variável ‘posição do sujeito em relação ao verbo’.
5
A aplicação da regra neste trabalho refere-se à não-marcação de concordância verbal
de terceira pessoa do plural.
6
A codificação refere-se à variedade do português (PB – Português Brasileiro, PE –
Português Europeu); à localidade (PB: RI – Ribeirão da Ilha, IN – Ingleses, CL –
Costa da Lagoa, RC – Região Central; PE: SI – Sintra, CA – Cascais, BE – Belém, RC
– Região Central); ao sexo (M – masculino, F – feminino); à idade (J – de 15 a 36
anos, V – de 48 a 76 anos), à escolaridade (F – ensino fundamental, S – ensino
superior) e ao número da entrevista.
7
Foram analisados todos os dados de construções que apresentavam variação na
concordância verbal de terceira pessoa, extraídos de cada uma das trinta e duas entrevistas
investigadas, obtendo um total de 697 dados para o PB e 607 dados para o PE. Para o
grupo de fatores posição do sujeito em relação ao verbo, temos um total de 528 dados para
o PB e 312 para o PE, pois os dados de sujeito nulo não puderam ser considerados.
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Sujeito: entre ordem e concordância
2.2 Traço [+/-humano] do sujeito
Controlamos, neste grupo de fatores, os traços semânticos das
formas de representação do sujeito do tipo [+/-humano]:
· Traço [+humano]
(3) Todas as minhas amigas namoravam e Ø vinham às festas aqui
(PBRIFVS05)
· Traço [-humano]
(4) Tem várias etnias que contribuíram pra formação dessa nossa
ilha (PBRIMJS13)
Em relação a esse grupo de fatores, esperávamos encontrar nas
duas variedades do português uma tendência à marcação de concordância
quando o traço semântico do sujeito fosse [+humano] e à não marcação
de concordância quando fosse [-humano]. Essa hipótese está atrelada à
idéia de que o traço [-humano] tenderia a desencadear menos marcas de
concordância no verbo em função de, numa escala de “sujeitividade”,
apresentar-se menos “sujeito”.
Corroborando nossa hipótese e também outras pesquisas com
amostras do PB, nossos resultados da amostra Florianópolis apontam,
por um lado, que, quando a sentença possui um sujeito representado
por um sintagma [+humano], a frequência de não concordância verbal
é menor (17%), conforme observamos na tabela 2; por outro lado,
sentenças com sintagma [-humano] apresentam frequência maior de
não marcação de concordância (52%). Assim também acontece com
os resultados da amostra Lisboa, quando a sentença apresenta um
sintagma [+humano], a frequência de não concordância verbal é quase
nula (2%), já em sentenças com sintagma [-humano] a frequência é
bastante significativa: 21%.
Traço humano no sujeito
Traço [+humano]
Traço [-humano]
Total
Amostra Florianópolis
Aplicação/Total = %
107/637 = 17%
31/60 = 52%
138/697 = 20%
Amostra Lisboa
Aplicação/Total = %
11/542 = 2%
13/61 = 21%
24/607 = 4%
Tabela 2: Frequência de não concordância nas amostras
investigadas, segundo a variável ‘traço humano no sujeito’.
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Artigos Inéditos
2.3 Tipo de verbo
Para investigar o tipo de verbo, controlamos os monoargumentais
distintamente, de acordo com a proposta de Burzio (1986)8, segundo a
qual as estruturas, a que denominou ergativas (doravante inacusativas),
diferem das intransitivas (ou não ergativas) em duas propriedades: (i) só
exibem uma posição temática, a de argumento interno; (ii) o argumento
interno não recebe Caso acusativo9.
Segundo o autor, as estruturas inacusativas são derivadas de uma
Estrutura-D (estrutura profunda) que apresenta a posição de especificador
vazia, devido a uma operação no nível lexical que suspende o papel
temático do sujeito. Decorrente de não ter recebido Caso em sua posição
de base, em Estrutura-D, o sintagma nominal se movimenta para a posição
de sujeito na qual recebe nominativo. Depois do movimento dos
sintagmas, as construções manifestam a mesma estrutura superficial:
Estrutura-S de verbos inacusativos:
[IP SNi V [VP tv ti] ]
Estrutura-S de verbos intransitivos:
[IP SNi V [VP ti tv] ]
Dentro dessa proposta, considera-se que o verbo de uma
construção intransitiva seleciona apenas um argumento externo (cf.
exemplo em (6)), enquanto o verbo de uma construção inacusativa
seleciona um argumento interno, argumento que reflete a função temática
de tema (como em (5)). Além desses verbos, controlamos também neste
trabalho o verbo de uma construção transitiva, aquele que seleciona um
argumento externo e um argumento interno necessariamente, como
ilustrado em (7). Com relação ao verbo cópula, fizemos uma primeira
rodada preliminar com ele e, em seguida, o excluímos da rodada, por
apresentar um comportamento particular, o de permitir tanto
concordância com o sujeito quanto concordância com o predicativo,
principalmente quando um dos termos envolvidos fosse o pronome
indefinido tudo, como ilustra o exemplo em (8).
8
A hipótese de Burzio dentro da Teoria Gerativa remonta às discussões de Perlmutter
(1976), feitas no quadro teórico conhecido como Gramática Relacional.
9
Uma das evidências do não recebimento de Caso acusativo é o fato de o argumento
interno selecionado por um verbo desse tipo não admitir um clítico acusativo, como
no exemplo: (a) Faltou um aluno. (b) *Faltou-o.
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Sujeito: entre ordem e concordância
· Inacusativos
(5) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13)
· Intransitivos
(6) Muitos escravos também trabalhavu nessa atividade
(PBRIMJS13)
· Transitivos
(7) Os alunos dão importância também pra esse profissional
(PBINFVS06)
· Cópula
(8) Como a maioria dos professores são catalães, é tudo em catalão,
os textos é tudo em catalão (PERCFJS16)10
Excluídos os verbos copulativos da análise, nossa hipótese para as
duas variedades do português era que iríamos encontrar verbos
inacusativos desfavorecendo a marcação de concordância e verbos
intransitivos tendendo a mais marcação de concordância, por conta de
suas propriedades diferenciadas de seleção. Os verbos transitivos, que se
caracterizam por selecionarem argumentos externos, deveriam se
comportar como os intransitivos, apresentando maiores chances de marcas
de concordância.
Na tabela 3, a seguir, podemos observar os resultados para o tipo
de verbo. Como evidências favoráveis à nossa hipótese, verbos inacusativos
apresentam ambientes mais propícios à não marcação de concordância
nas duas amostras, diferentemente dos verbos intransitivos e transitivos
que se mostram mais favorecedores à marcação de concordância verbal.
Nossos resultados ratificam resultados de outros estudos do PB
que controlaram o grupo de fatores tipo de verbo levando em
consideração os inacusativos (Monguilhott, 2001, 2009; Silva, 2003;
Cardoso, 2005). Embora em algumas pesquisas esse grupo de fatores não
tenha sido selecionado pelo programa Goldvarb/2001 como
estatisticamente relevante, os percentuais sempre apontam para certa
10
Uma análise estatística preliminar mostrou que, na amostra de Lisboa, o verbo
copulativo é favorecedor da não marcação de concordância do verbo com o sujeito
(21%). Ao fazermos uma busca dos contextos sintáticos com verbos copulativos,
entretanto, percebemos que eram comuns exemplos em que o verbo concordava com
o predicativo. Nesse caso, em geral, os sintagmas nominais sujeitos eram marcados
com traço [- humano] e pareciam estar em uma posição de tópico. É como se tivéssemos
um pronome nulo neutro (como um isso) na posição do sujeito, como em: Os sonhos
[isso] é assim umas bolinhas, ótimo, de massa que aquilo depois é frito e depois passa-se no açúcar
e canela e as filhoses [isso] é assim compridas (PECAFJF11). Esse tipo de verbo merece, pois,
uma discussão em separado, que será deixada para uma outra oportunidade.
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Artigos Inéditos
tendência à não marcação de concordância em contextos de
inacusatividade.
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo
Verbo inacusativo
Amostra Florianópolis
Aplicação/Total = %
60/363 = 16%
19/106 = 18%
59/229 = 26%
Amostra Lisboa
Aplicação/Total = %
5/324 = 1%
2/71 = 3%
17/212 = 8%
Total
138/697 = 20%
24/607 = 4%
Tabela 3: Frequência de não concordância nas amostras
investigadas, segundo a variável tipo de verbo
Observamos nos resultados da tabela um favorecimento à variação
na concordância verbal com verbos inacusativos, tanto no português falado
em Florianópolis (26%), quanto no português falado em Lisboa (8%).
Esse é mais um contexto sintático favorável à não marcação de
concordância verbal de terceira pessoa do plural. Vale lembrar, entretanto,
que esses resultados não distinguem falantes escolarizados de não
escolarizados11.
2.4 Algumas considerações sobre as variáveis internas no PB e no PE
Nossos resultados gerais mostram um percentual de variação na
concordância verbal de terceira pessoa do plural distinto nas duas
variedades do português analisadas. O PE apresenta apenas 4% de não
marcação de concordância nos verbos (dos 607 dados, 24 não
apresentaram marcas de plural). Os dados do PB mostram uma frequência
mais robusta de não marcação de concordância, 20% (dos 697 dados,
138 não apresentaram marcas de concordância). Comparativamente aos
resultados do PE, a frequência de marcação de concordância no PB é
bem mais baixa.
Em relação às variáveis independentes discutidas para as duas
amostras analisadas, observamos os mesmos contextos sintáticos
favorecedores de não marcação. Ambas as variedades do português
apresentam a mesma curva. Temos os fatores sujeito posposto, traço [humano] e verbo inacusativo como contextos que se mostram menos
11
Uma importante discussão sobre o condicionamento da variável escolaridade sobre
a marcação de concordância verbal pode ser encontrada em Monguilhott (2009).
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Sujeito: entre ordem e concordância
favorecedores da marcação de concordância verbal, tanto para o PB,
quanto para o PE.
Para dar mais visibilidade aos contextos sintáticos de não
concordância – ilustrados de (9) a (14) – fizemos alguns cruzamentos
entre as variáveis consideradas neste trabalho nas duas variedades.
(9) Sempre existe aquelas conversas, né? (PBRIMJS13)
(10) Então às vezes aqui acontece alguns casos (PBRIMJS13)
(11) Aí começou os horário de cinco e meia (PBCLFVS07)
(12) Já existe trilhas ecológicas (PECAFJS15)
(13) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13)
(14) Dia dois, eu acho, já começa as aulas (PECAFJF11)
Os resultados desses cruzamentos são mostrados nas tabelas 4, 5 e
6, a seguir.
Cruzamento entre ‘tipo de
verbo’ e ‘posição do sujeito’
Verbo transitivo
Ordem SV
Ordem VS
Verbo intransitivo
Ordem SV
12
Ordem VS
Verbo inacusativo
Ordem SV
Ordem VS
Amostra Florianópolis
Com CV Sem CV
Amostra Lisboa
Com CV Sem CV
85%
15%
SEM DADOS
96%
4%
SEM DADOS
83%
17%
17%
83%
94%
100%
6%
0%
84%
29%
16%
71%
100%
61%
0%
39%
Tabela 4: Frequência de concordância nas amostras investigadas,
segundo o cruzamento entre as variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘ordem do sujeito’
Como podemos observar na tabela 4, os contextos sintáticos
favorecedores da não marcação de concordância verbal, nas duas
variedades, são os mesmos: VS inacusativa. Esses casos de VS podem ser
comparados às estruturas encontradas em línguas não pro-drop como o
francês, em que o pronome expletivo é manifesto (il) e a sentença não
12
Poucos foram os dados de VS encontrados com verbos intransitivos: cinco dados de
VS sem concordância, (5/6 = 83%) e apenas um dado de VS com concordância (1/
6 = 17%). Por este motivo, o percentual alto de VS sem concordância (83%) deve ser
relativizado.
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Artigos Inéditos
apresenta concordância com o sintagma posposto, como o exemplo (15)
ilustra:
(15) a. Il est arrivé trois hommes
b.* Il sont arrivés trois hommes
Segundo Kato e Tarallo (1988), na estrutura inacusativa, o “sujeito
posposto” ocupa a posição sintática de objeto verbal e o verdadeiro sujeito
gramatical da oração é um pronome expletivo realizado (como no francês)
ou nulo (como no português). Parece que uma das explicações para as
construções de (9) a (14) sem marcação de concordância poderia ir nessa
mesma direção: em todas as sentenças com posposição do sujeito é possível
supor que haja um expletivo nulo na posição do sujeito e que os sintagmas
pospostos estejam ocupando a posição de objeto. Na inversão inacusativa
haveria, portanto, uma tendência à não concordância entre a forma verbal
e o sujeito posposto.
Observemos, a seguir, os resultados do cruzamento entre as
variáveis ‘traço humano no sujeito’ e ‘posição do sujeito’.
Cruzamento entre ‘traço
humano no sujeito’ e
‘posição do sujeito’
Traço [+humano] no sujeito
Ordem SV
Ordem VS
Traço [-humano] no sujeito
Ordem SV
Ordem VS
Amostra Florianópolis
Com CV Sem CV
Amostra Lisboa
Com CV Sem CV
86%
37%
17%
63%
98%
79%
2%
21%
66%
11%
34%
89%
93%
42%
7%
58%
Tabela 5: Frequência de concordância nas amostras investigadas,
segundo o cruzamento entre as variáveis ‘traço humano no sujeito’ e
‘ordem do sujeito’
Os resultados estatísticos reforçam o favorecimento da posposição
como um ambiente sintático de não marcação de concordância verbal
nas duas variedades, com uma leve tendência à não concordância em
contextos VS marcados com traço [-humano] nos dados de fala de
Florianópolis (de 63% para 89%) e um acentuado aumento de não
marcação nos dados de fala de Lisboa (de 21% para 58%).
Vejamos a seguir, na tabela 6, resultados do comportamento das
variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘traço humano no sujeito’.
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Sujeito: entre ordem e concordância
Cruzamento entre as
variáveis ‘tipo de verbo’ e
‘traço humano no sujeito’
Verbo transitivo
Traço [+humano] no sujeito
Traço [-humano] no sujeito
Verbo intransitivo
Traço [+humano] no sujeito
Traço [-humano] no sujeito13
Verbo inacusativo
Traço [+humano] no sujeito
Traço [-humano] no sujeito
Amostra Florianópolis
Com CV Sem CV
Amostra Lisboa
Com CV Sem CV
84%
57%
16%
43%
99%
90%
1%
10%
83%
50%
17%
50%
97%
100%
3%
0%
82%
47%
18%
53%
97%
72%
3%
28%
Tabela 6: Frequência de concordância nas amostras investigadas,
segundo o cruzamento entre as variáveis ‘tipo de verbo’ e ‘traço humano
no sujeito’
Considerando em especial os verbos inacusativos, percebe-se que
seu sujeito superficial possui características semânticas e gramaticais dos
objetos verbais, entre as quais a de ter um papel temático não agentivo e
a de ser marcado com traço [–humano]. É nesse ambiente sintático, o dos
inacusativos, que se observa um favorecimento da não marcação de
concordância nas duas variedades estudadas: de 18% para 53% em amostras
do PB e de 3% para 28% em amostras do PE (cf. tabela 6).
Segundo a hipótese da inacusatividade, argumentos internos
selecionados por verbos inacusativos são de fato objetos na estrutura
subjacente da sentença, sendo eventualmente promovidos a “sujeitos
superficiais”, por meio de movimento, por exemplo. Nesse caso, em geral,
o sintagma nominal vai para uma posição de especificador de IP, em que
se dá a relação de concordância entre o especificador e o núcleo. Os
exemplos em (16) e (17) ilustram as diferentes ordens e dão rosto aos
resultados estatísticos da tabela 6.
(16) As pessoas começaram a ir pra Lagoa (PBCLFVS07)
(17) Aí começou os horário de cinco e meia (PBCLFVS07)
13
Três foram os dados encontrados em contextos de intransitividade com traço [humano], dois na amostra de Florianópolis e um na amostra de Lisboa. Todos eles
foram encontrados em contextos de metonímia, em que uma entidade está
representando uma pessoa: (i) Os estudos culturais não trabalham com essa produção
(PBRCMJS16); (ii) Tem quarenta e seis barquinho que trabalha lá no verão (PBCLMVF03)
e (iii) Onde as gôndolas andam (PERCFVF04).
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Artigos Inéditos
Ainda quanto aos verbos inacusativos, o que se observa nos dados é
que majoritariamente não há concordância entre verbo e sujeito posposto
na terceira pessoa do plural. Além disso, eventualmente também encontramos
variação entre sujeito anteposto e verbo, como em (18). Nesse caso, o verbo
inacusativo é o fator condicionador da não marcação de concordância.
(18) As pessoas não sai do Ribeirão todo dia pra vim no centro
(PBRCMJS16)
Retomando os resultados estatísticos das tabelas apresentadas
anteriormente, podemos verificar que a não marcação de concordância com
verbos não inacusativos é bem restrita, conforme exemplos de (19) a (21).
(19) Mora três lá perto da minha casa (PBINFVF02)
(20) Trabaia uns na pesca (PBCLMVF03)
(21) Os neto dele chamava ele de tolo, Ø dizia: ah, o vô é tolo!
(PBCLMVF03)
Nos dois primeiros casos, verifica-se a força do fator posposição
do sujeito atuando na não manifestação da concordância. E quanto à
sentença (21) sem marcação de concordância? Note-se aí que o contexto
sintático é favorecedor da marcação de concordância: ordem SV, sintagma
[+humano] e verbo não inacusativo. Acreditamos que, nesse caso, outras
variáveis poderiam explicar a não marcação de concordância verbal, como
o paralelismo estrutural, a menor saliência fônica ou a escolaridade do
falante, por exemplo.14
Enfim, nossos resultados estatísticos acenam especialmente para
duas correlações:
(i) entre tipo de verbo, ordem do sujeito e concordância verbal: inversão
inacusativa favorece a não marcação de concordância verbal;
(ii)entre inversão inacusativa, traço semântico do sujeito e concordância
verbal: “sujeitos” de inversão inacusativa (VS), marcados com traço [humano], tendem a não marcação de concordância verbal.
3 Análise diacrônica do PB e do PE
Apresentamos agora a análise diacrônica do português escrito nos
séculos XIX e XX, com o intuito de observar o que acontece com algumas
14
Monguilhott (2009) traz resultados estatísticos sobre o condicionamento dessas
variáveis na marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural.
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Sujeito: entre ordem e concordância
propriedades sintáticas do português ao longo dos séculos15. Nossa amostra
diacrônica constitui-se de 14 peças de teatro de autores catarinenses
(amostra 1) e de 14 peças de autores portugueses (amostra 2). Dessas 14
peças de cada variedade do português, cinco foram escritas no século
XIX e nove no século XX. Selecionamos, em princípio, uma peça por
década, entre 1859 e 1997.
Nas 28 peças encontramos dados em variação na concordância
verbal em cinco peças da amostra 1 (PB) e em apenas duas da amostra 2
(PE). Apresentamos os resultados das peças com dados de concordância
variável nos quadros abaixo.
Em relação aos resultados gerais da amostra 1, temos no século
XIX um total de 197 dados, com 100% de marcação de concordância
verbal. No século XX, temos um total de 351 dados, dos quais 10 sem
marcas de plural nos verbos. Podemos observar o total de dados levantados
em cada peça analisada no quadro 1, a seguir.
Quadro 1 – Peças de teatro de SC (amostra 1)
Ano
Peça / Autor
Dados
to tais
Dados sem
CV
1867
1868
1880
1890
1898
TOTAL
A Casa para Alugar de José C. Lacerda Coutinho [1842-1900]
Raimundo de Álvaro Augusto de Carvalho [1829-1865]
Os Ciúmes do Capitão de Arthur C. do Livramento [1854-1897]
O Idiota de Horácio Nunes [1855-1919]
Brinquedos de Cupido de Antero dos Reis Dutra [1855-1911]
05 peças
25 dados
70 dados
23 dados
35 dados
44 dados
197
dados
-
Século
XX
1918
1920
1928
1939
1942
1954
1970
1982
1993
TOTAL
Waltrudes, o nauta veneziano de Ildefonso Juvenal [1894-1965]
Jardim Maravilhoso de Clementino de Britto [1879-1953]
Ilha dos Casos Raros Nicolau Nagib Nahas (1890-1934)
Reconciliação de João Anto nio Vecchione
O Colar de Pérolas de Ildefonso Juvenal [1894-1965]
A Morte de Damião de Ody Fraga [1927-1987]
A Estória Ademir Rosa (1949-1997)
O Dia do Javali Mário Júlio Amorim (1939)
Stradivarius Augusto Miltom de Sousa (1944)
09 peças
02 dados 17
03 dados
02 dados
03 dados
10 dados
TOTAL
14 peças
35 dados
23 dados
32 dados
29 dados
40 dados
27 dados
52 dados
48 dados
65 dados
351
dados
548
dados
16
Século
XIX
10 dados
15
Não iremos controlar grupos de fatores condicionadores na nossa análise diacrônica,
em função do pequeno número de dados de não concordância encontrado.
Acreditamos que, se a nossa amostra fosse constituída de outros gêneros do discurso,
talvez tivéssemos mais dados. Esperamos investir na ampliação da amostra em
investigações futuras.
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Artigos Inéditos
No que se refere à amostra 2 (PE), também encontramos no século
XIX, 100% de marcação de plural nos verbos. No século XX, dos 371
dados, apenas 02 apresentaram marcas zero de plural nos verbos. No
quadro 2, abaixo, observamos o total de dados levantados nas peças.
Quadro 2 – Peças de teatro de Lisboa (amostra 2)
Ano
Século
XIX
1859
1865
1868
1879
1894
TOTAL
Século
XX
1918
1923
1928
1934
1945
1953
1977
1986
1997
TOTAL
TOTAL
P eça / Autor
Dado s totais
Dados sem
CV
O Último Acto de Camilo Castelo Branco [1825-1890]
J.R. de Luís de Araújo [1833-1906]
P ara as Eleições de Júlio César Machado [1835-1890]
P aris em Lisboa de Carlos de Moura Cabral [1852-1922]
O festim de Baltasar de Gervásio Lobato [1850-1895]
05 peças
34 dados
66 dados
23 dados
31 dados
55 dados
209 dado s
-
O Fim de Antônio Patrício [1878-1930]
O Doido e a Morte de Raul Brandão [1867-1930]
Lua-de-mel de Vitoriano Braga [1888-1940]
A Prima Tança de Alice Ogando [1900-1981]
B alada de outono de Carlos Selvagem [1890-1973]
Casaco de Fogo de Romeu Correia [1917-]
O homem da bicicleta de Jaime Gralheiro [1930-]
D. João no jardim das delícias de Norberto Ávila [1936-]
F umos de glória de António Faria [1942-]
09 peças
14 peças
57 dados
24 dados
26 dados
25 dados
40 dados
50 dados
58 dados
46 dados
45 dados
371 dado s
580 dado s
02 dados
02 dados
02dados
A seguir, iremos analisar os dados diacrônicos que não apresentaram
marcas de concordância nos verbos. Primeiramente, vale ressaltar que, no
século XIX, podemos falar de um sistema de concordância obrigatória na
16
No século XIX, na amostra 1 (amostra do PB), encontramos dois dados sem
concordância, que foram desconsiderados neste trabalho, por conta de sua
especificidade. Vejamos: (i) João André: Eu te conheço; ficarias vermelho. Olha
Raimundo, nós marinheiros, nós que nos criamos sobre o convés, não devemos abaixar
a cabeça diante dessa súcia de biltres que não nos valem, nem no corpo, nem n’alma:
não nos misturemos, Raimundo; sejamos, sempre, francos marujos, e bons camaradas.
E com um milhão de diabos, quando alguém se engrilar mostra-se-lhe os dez
mandamentos. (Peça: Raimundo, 1868, p.40) (ii) D. Manoel: É o que acontece sempre
que se vive em contato imediato com o povo; toma-se amizades...relações, e esquece a
gente o que deve ao seu nome (Peça: Raimundo, 1868, p.58). Os dois exemplos de não
concordância são de construções de sujeito posposto marcadas com traço [- humano];
ambiente desfavorecedor da concordância também na nossa análise sincrônica. Cabe
salientar, entretanto, que essas construções são do tipo [verbo+se+SN], não controladas
na amostra sincrônica.
17
Os exemplos: São tanta as arruaça, os otomóve véve sempre a corrê que inté parece um raio.
Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos Raros, 1928, p.40) são diferentes
de todos os outros encontrados nas peças. Apresentam uma fala visivelmente caricatural
de uma pessoa não escolarizada. Por esse motivo não serão considerados nesta análise.
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Sujeito: entre ordem e concordância
língua portuguesa (nas duas variedades) tanto com sujeito anteposto quanto
com sujeito posposto. A possibilidade de posposição nesse período, com
marca flexional distintiva no verbo, de certa forma, facilitaria o
reconhecimento do sujeito invertido como sujeito da sentença pelos falantes.
Por outro lado, no século XX, há indícios de um sistema com
concordância variável, principalmente na amostra 1 (PB), como os
exemplos de (22) a (28) atestam.
(22) Paulo: Emquanto o homem possue dinheiro è considerado
na Sociedade. Mil aduladores o cerca. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano,
1918, p.62)
(23) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgamse felizes no mundo. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67)
(24) Mulher: É, os primeiros pingos de chuva começa a cair. Preciso
ir. (Peça: A Estória, 1970, p.10)
(25) Mulher: Minha religião e educação não permite. (Peça: A
Estória, 1970, p.21)
(26) Moambeiro: Eles pensam que é assim. Sai por aí atropelando a mãe
dos outros e não dão a mínima satisfação. (Peça: Stradivarius, 1993, p.15)
(27) Curió: E se o meu nome e a minha cara aparece no jornal,
eles logo pensam que eu tenho grana. (Peça: Stradivarius, 1993, p.24)
(28) Uma voz: Nisso aparece a cara do repórter e da fotógrafa na
boca do senário. (Peça: Stradivarius, 1993, p. 30)
Observamos, nos exemplos da amostra do século XX, que dois
dados aparecem com falta de marca de concordância em contextos com
verbos inacusativos e sujeito posposto (cf. ilustrado em (23) e (28)). Os
dados em (24), (26) e (27) também apresentam ausência de concordância
em ambiente inacusativo, no entanto, com sujeito anteposto ou nulo. Em
(22) e (25), temos casos de verbos transitivos sem marcação de
concordância. Note-se que são verbos que apresentam sujeito [-humano].
Tudo indica que fatores como verbo inacusativo, ordem posposta e traço
[-humano] no sujeito estejam condicionando a não concordância verbal
também na escrita catarinense.
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Artigos Inéditos
No PE (amostra 2), acreditamos que o sistema de concordância
obrigatória na escrita continue atuando. No século XIX, temos 100% de
concordância nos verbos. E, no século XX, temos apenas 02 dados sem marcas
de concordância, em que o sujeito é composto e aparece posposto ao verbo,
como em (29) e (30). Nesses casos, podemos imaginar que a concordância
se estabeleça com o primeiro elemento do sintagma apenas18.
(29) Mulher – Mas com este tempo aquilo não é um caminho! É
um lodaçal. Já lá ficou afogado, na lama, um homem e um burro. (Peça: O
homem da bicicleta, 1978, p. 08)
(30) Camponês – Ai, então vocemecê quer saber p’ra que serve a
Junta e o Grêmio? (Peça: O homem da bicicleta, 1978, p. 24)
Nossa análise da amostra diacrônica indica, portanto, que o PE
apresenta um sistema de concordância basicamente obrigatória,
diferentemente do que se mostra no sistema do PB do século XX.
As construções com não marcação de concordância verbal na
escrita catarinense podem ser comparadas aos resultados da variação na
concordância da amostra sincrônica (de fala) e correlacionadas aos
resultados diacrônicos encontrados por Berlinck (1995) e Coelho, (2006),
sobre a variação da ordem do sujeito. As autoras revelam que a ordem
SVO fica enrijecida, principalmente no final do século XX (período em
que as peças mostram uma frequência maior de variação na concordância
verbal), e que construções VS se encontram condicionadas por verbos
inacusativos, especialmente quando o sujeito é [-humano (ou [- animado]).
4. Sobre o enfraquecimento da concordância no PB
Os resultados estatísticos do PB, provenientes de amostras
diacrônicas, indicam uma espécie de enfraquecimento da marcação de
concordância verbal do século XIX para o século XX. Esse
enfraquecimento é confirmado pela amostra sincrônica. Existe uma
correlação entre mecanismo sintático de colocação do sujeito, tipo de
verbo, traço humano do sujeito e concordância verbal. A baixa frequência
de concordância verbal nas construções VS poderia caracterizar a posição
do sujeito à direita do verbo como a de não sujeito, fixando o eixo
18
A esse respeito, uma das regras de concordância verbal das gramáticas normativas
diz que “Quando o sujeito composto se pospõe ao verbo, este pode concordar com o
nome mais próximo”.
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Sujeito: entre ordem e concordância
esquerdo do verbo para o lugar prototípico do sujeito [+humano]. Essas
considerações, no entanto, não são nada triviais.
Para refletir um pouco mais sobre o enfraquecimento da
concordância verbal encontrado nas amostras do PB, tomamos a discussão
de Galves (1993) a respeito dos traços fortes e fracos de flexão verbal.
Para a autora, é fraca a concordância que não contém o traço [+pessoa],
ou contém pessoa como um traço puramente sintático. É o que acontece
quando não se encontra mais na flexão verbal a oposição entre 1ª, 2ª e
3ª pessoas, mas somente uma oposição binária entre pessoa (1ª) e não
pessoa (3ª), articulada a uma oposição singular/plural. Isso corresponde
a uma concordância fraca morfologicamente.
Se tomarmos a discussão sobre a crescente simplificação dos
paradigmas flexionais feita por Duarte (1993, p. 109), atrelada ao crescente
preenchimento do sujeito pronominal, com a entrada dos pronomes você e
a gente que se combinam com formas de terceira pessoa, possivelmente
podemos entender as modificações operadas na marcação de concordância
verbal de terceira pessoa do plural. No século XIX, há evidências de que o
português era uma língua de morfologia rica, em que era possível distinguir
todas as pessoas flexionais do verbo. Essa morfologia rica possivelmente está
atrelada à gramática do PE, com propriedades de sujeito nulo e de ordem
variável do sujeito (cf. exemplos em (31)). Já no século XX, o sistema flexional
do PB é defectivo (com morfologia fraca), em que a oposição é binária
(singular/plural). A ordem SVO nesse caso fica enrijecida para evitar
ambiguidade, conforme ilustram os exemplos em (32).
Gramática do PE
(31) a. Viram os meninos a Maria (VSO)
b. Viram a Maria os meninos (VOS)
c. Os meninos viram a Maria (SVO)
Gramática do PB
(32) a. ??Viram/Viu os menino(s) a Maria (VSO)
b. ??Viram/Viu a Maria os menino(s) (VOS)
c. Os menino(s) viu a Maria (SVO)
A falta de concordância de número entre verbo e sujeito em (32a)
e (32b) alteraria o estatuto do sintagma os menino(s), de sujeito para objeto,
gerando ambiguidade. Com a não marcação de concordância, a ordem
SVO se enrijece para recuperar os papéis temáticos do sujeito e do objeto,
em contextos de transitividade, como em (32c).
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Artigos Inéditos
Atrelados à flexão fraca, podemos observar, portanto, alguns
parâmetros se modificando no português falado e escrito no Brasil, o do
sujeito nulo para sujeito preenchido (cf. Duarte, 1995), o da ordem do
sujeito em construções transitivas, de ordem variável (SVX/XVS) para
ordem SVO enrijecida (cf. Berlinck, 1988, 1995 e Coelho, 2000, 2006). A
ordem VS nos dias atuais passa a depender essencialmente da projeção
de verbos inacusativos, cujo argumento é gerado na posição pós-verbal.
Essas observações estão atreladas às discussões de Pontes (1986) sobre o
estatuto de sujeito do sintagma posposto. Quando o sujeito permanece
posposto em construções monoargumentais (VS) passa a ser “confundido”
com o objeto da sentença.
Com a flexão fraca as construções transitivas têm de permanecer
na ordem SVO para garantir os papéis temáticos atribuídos às posições de
sujeito e de objeto. Esse enrijecimento garante, por exemplo, que as
configurações sintáticas não se tornem ambíguas, mesmo que a
concordância variável seja reflexo de não escolarização, como em (33).
(33) Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos
Raros, 1928, p.40)
No final do século XX, os resultados diacrônicos da escrita
catarinense, apesar de em número reduzido, já apontam para variação na
concordância entre o verbo – especificamente inacusativo – e o sujeito
(10 dados de 351 aparecem sem marcação de concordância verbal,
correspondendo a 3%). Se considerarmos os dados de fala sincrônicos da
amostra do PB, a evidência é mais robusta: dos 697 dados, 138 aparecem
sem marcação de concordância verbal, ou 20%. Desses, a grande maioria
encontra-se com sujeito explícito, marcado com traço [-animado], na
ordem VS, contrariamente aos percentuais de concordância,
majoritariamente marcados com traço [+animado], encontrados na ordem
SV(O). Parece que o enfraquecimento da concordância tem como efeito
uma reanálise da oração em que o sujeito se encontra.
Ao considerarmos as construções inacusativas na ordem VS sem
marcação de concordância verbal, podemos dizer que, por extensão, o
enfraquecimento da concordância verbal tem como efeito uma
reorganização da oração, em que o sintagma nominal passa da categoria
de sujeito para a de objeto, como no exemplo (34), retomado de (23). O
fato de o argumento de um verbo inacusativo ser interno de certa forma
explica esta nova interpretação.
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Sujeito: entre ordem e concordância
(34) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgamse felizes no mundo. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67)
As discussões que trazemos nos fazem pensar que as crianças,
principalmente no Brasil, ao adquirirem a língua portuguesa com um
paradigma flexional fraco, reanalisam as construções de inversão
inacusativa, sem marcação de concordância, como de VO, em que o
sintagma que está à direita do verbo é encarado como não sujeito. Nesse
caso, o sujeito poderia ser considerado um expletivo nulo (nos termos de
Kato e Tarallo (1988)).
5. Considerações finais
A partir dos resultados de análises empíricas e das considerações
teóricas levantadas neste trabalho, é possível dizer que:
. Os resultados da amostra de fala florianopolitana atestam que a
concordância verbal é preferencialmente não marcada em contextos em
que o sujeito está posposto a um verbo inacusativo que seleciona
principalmente sintagma [-humano]. Essa tendência de não marcação de
concordância já se reflete na escrita catarinense. Nas amostras diacrônicas
do século XIX, a marcação de concordância é categórica, enquanto, no
século XX, se percebe enfraquecimento da concordância, em especial
em contextos com sujeito marcado com traço [-humano], posposto a um
verbo inacusativo – mesmos ambientes sintáticos favorecedores de não
concordância na fala.
. Nos resultados da amostra de fala lisboeta, apesar de a frequência
de uso ser baixa, observa-se que a posposição do sujeito, o traço [-humano]
do sujeito e o verbo inacusativo também são indicadores da não marcação de
concordância verbal. O reflexo dessa variação ainda não aparece na escrita
lisboeta. Nas amostras diacrônicas de peças lisboetas, tanto do século XIX
quanto do século XX, percebe-se que a concordância de número é categórica
nos diferentes contextos sintáticos. Isso provavelmente se deve ao fato de o
sistema do PE (ainda) apresentar traço forte de flexão, que permite, por
exemplo, distinguir todas as pessoas flexionais do verbo.
· Acreditamos que o enfraquecimento da concordância verbal
nas amostras do português falado e escrito no Brasil, no século XX, tem
como efeito uma reorganização da oração, em que o sintagma nominal
passa da categoria de sujeito para a de objeto. O sujeito posposto ao
verbo, sem marcação de concordância verbal, é reanalisado como objeto
direto. Essa reanálise está na base da gramática do PB.
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Artigos Inéditos
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327
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Artigos Inéditos
Resumo
Este trabalho tem como propósito investigar algumas
variáveis internas como possíveis fatores condicionadores
da variação na concordância verbal de terceira pessoa
do plural: posição do sujeito em relação ao verbo, traço
humano do sujeito e tipo de verbo, em dados de fala
e de escrita do Português do Brasil (PB) e do Português
Europeu (PE). Focalizamos os contextos de não
concordância no sentido de trazer algumas reflexões
teóricas sobre uma possível mudança na sintaxe do
português, principalmente do PB, desencadeada pelo
enfraquecimento da concordância verbal.
Palavras-chave: concordância verbal; posição do
sujeito; tipo de verbo; PB e PE.
Abstract
This paper aims to investigate the role of internal
constraints (subject position in relation to the verb,
[human] feature of the subject, verb type) on the
variation of third-person plural subject/verb agreement
in Portuguese, based on spoken and written data from
Brazilian and European Portuguese. We focus the
contexts of non-agreement in order to offer theoretical
reflections about a possible change in the syntax of
Portuguese, especially Brazilian Portuguese, triggered
by the weakening of the agreement system in its
grammar.
Keywords: subject/verb agreement; subject position;
verb type; Brazilian and European Portuguese.
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em
produções escritas de estudantes universitários
Gilce Almeida
Vivian Antonino1
1.
Introdução
De acordo com a abordagem tradicional, a
concordância é o mecanismo segundo o qual certas
expressões linguísticas se harmonizam quanto aos
traços morfossintáticos. Tal concepção pode ser exemplificada pela
definição apresentada por Almeida (1999, p. 441), para quem a
concordância “é o processo sintático pelo qual uma palavra se acomoda,
na sua flexão, com a flexão de outra palavra de que depende”. Este
processo pode se dar entre o sujeito e o verbo da oração, a concordância
verbal, ou entre os constituintes do sintagma nominal (SN), a concordância
nominal.
Na língua portuguesa, a marcação de concordância é considerada
obrigatória pela prescrição normativa, de modo que, numa sentença com
ideia de plural, todos os itens do SN devem trazer marcas explícitas de
plural, assim como o verbo com que o SN sujeito se relaciona, que deve
vir flexionado em pessoa e número, conforme se pode conferir no
exemplo em (01).
(01) Os seus professores interessados procuram informação.
Como afirma Said Ali (1971), esse uso redundante da flexão não
é fruto de regras lógicas, mas de uma longa tradição na língua. O latim,
1
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Doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura – UFBA/ CNPq.
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Artigos Inéditos
por exemplo, possuía uma morfologia bastante rica que marcava no nome
o número, o gênero e o caso, este perdido na passagem para o português.
Assim, considerando que o flexionismo “é simplesmente um recurso da
língua, não uma imposição da lógica” (Melo, 1967: 168), torna-se
dispensável a marcação explícita da concordância em todos os elementos,
ocasionando a variação, tanto de número quanto de gênero.
A concordância de número está mais sujeita à variação no PB e não
se restringe a uma região ou classe social específica, atingindo, dessa forma,
tanto a norma culta quanto a popular, mas com frequências de usos diferentes.
Desde a década de 1970, esse fenômeno tem sido rigorosamente estudado
sob a perspectiva da Sociolinguística Variacionista, observando-se que a
variação é mais recorrente na fala popular e, por essa razão, estruturas em
que não se percebe a concordância carregam consigo uma marca de estigma,
que, no senso comum, remete à falta de escolarização.
No que diz respeito à variação na marcação da concordância verbal
de terceira pessoa, Naro (1981), investigando a fala de indivíduos
semiescolarizados do Rio de Janeiro, observou um nível de aplicação da
regra de 48%. O percentual aumenta consideravelmente quando se trata
da fala de pessoas escolarizadas, como evidenciam os resultados obtidos
nos trabalhos de Scherre e Naro (1997), no Rio de Janeiro, e Monguilhott
e Coelho (2002), em Florianópolis, que registraram, respectivamente,
73% e 79% para a variante com marca explícita. No português culto falado
no Rio de Janeiro, a frequência de uso da regra encontrada por Graciosa
(1991) foi de 94%. Depreende-se desses resultados que, na escrita
monitorada, dado o seu caráter conservador, não haveria espaço para os
famigerados “erros de concordância”, e a frequência de uso de marcas de
plural seria, então, maior do que a encontrada na fala, mesmo a culta.
Em geral, os trabalhos sobre a concordância verbal de terceira
pessoa focalizam a língua falada. Assim, com o objetivo de ampliar o
universo de análise deste fenômeno morfossintático, propõe-se um estudo
voltado para a modalidade escrita da língua, tomando para tanto
produções escritas de estudantes universitários. A escolha deste corpus pautase também na crença de que, sendo a escola responsável por garantir ao
aluno o acesso às formas socialmente privilegiadas, sua influência na
aquisição da língua deve ser procurada nos estilos formais monitorados
(Bortoni-Ricardo, 2005). Investiga-se, dessa forma, se os estudantes, mesmo
produzindo textos que muitas vezes são objetos de avaliação, apresentam
variação na aplicação da regra da concordância verbal de terceira pessoa.
Para além disso, busca-se determinar a correlação entre fatores linguísticos
e extralinguísticos e o fenômeno estudado.
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
2. Aporte teórico-metodológico
O objetivo deste trabalho é determinar os padrões que regulam
a opção do falante em relação à aplicação ou não da regra de concordância
verbal de terceira pessoa no texto escrito e, para isso, recorre-se aos
princípios teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista
(Weinreich; Labov; Herzog, 2006 [1968]).
A Sociolinguística defende a inquestionável ideia de que a variação
e a mudança são inerentes às línguas humanas e não se dão ao acaso. Assim,
quando o falante seleciona uma forma linguística, dentre as possíveis para a
expressão de seu ato verbal, não o faz aleatoriamente, pois, como afirma
Naro (2007: 15), “[...] existem condições ou regras mudáveis que funcionam
para favorecer ou desfavorecer, variavelmente e com pesos específicos, o uso
de uma ou outra das formas em cada contexto”. Tais regras podem ser de
natureza interna ou externa ao sistema. Entende-se, assim, que o pressuposto
básico da Teoria da Variação é que a heterogeneidade linguística é presidida
por regras, o que garante a sistematicidade da variação e a funcionalidade do
sistema em que esta acontece.
Para o estudo em questão, foram utilizados 100 textos produzidos
por alunos de três instituições de ensino superior, localizadas em Salvador,
das quais duas são públicas (uma federal e uma estadual) e uma particular,
de pequeno porte. As produções escritas analisadas foram fruto de
atividades avaliativas realizadas em sala de aula, em que os estudantes
deveriam escrever resenhas, resumos e artigos de opinião, a depender da
proposta solicitada. Para manter alguma paridade nas avaliações, apenas
alunos dos cursos da área de humanas fizeram parte da investigação. Não
houve estratificação por sexo e por idade, porém essas variáveis foram
controladas através de uma ficha, que solicitava informações sociais, tais
como a existência ou não de outra formação acadêmica anterior, o tipo
de programa a que o aluno assiste na TV e no rádio, a frequência de
leitura, a frequência de uso da escrita na atividade profissional, além de
idade, sexo e semestre em que se encontra no curso.
No processo de elaboração do estudo, foram levantadas as
ocorrências com sujeito na terceira pessoa do plural, considerando-se
apenas os casos de concordância para os quais a gramática tradicional
não prevê variação2. Além disso, excluíram-se, desta análise, as frases de
estrutura passiva pronominal com sujeito no plural por terem aparecido
2
Verbos no infinitivo, por exemplo, não foram computados, visto que a Gramática
Tradicional aceita, em um mesmo contexto, infinitivos com e sem flexão.
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Artigos Inéditos
em número muito reduzido no corpus e revelarem uso categórico de não
aplicação da regra.
Definiu-se como variável dependente a realização da concordância
de terceira pessoa do plural, para a qual destacaram-se dois fatores: aplicação
da regra e não aplicação da regra. As variáveis explanatórias utilizadas para
identificar fatores da estrutura linguística que condicionam o fenômeno
variável em estudo foram as seguintes: tipo de verbo, tipo de oração, realização,
posição e distância do sujeito em relação ao verbo, concordância nominal no SN
sujeito, caracterização semântica do sujeito, saliência fônica e paralelismo
discursivo. Dentre as variáveis sociais, incluíram-se: sexo, idade, uso da escrita
na atividade profissional e instituição onde estuda.
Após o levantamento dos dados, procedeu-se a sua codificação e
quantificação no programa Goldvarb, que faz o tratamento estatístico,
comparando cada variável entre si, a fim de fornecer os pesos relativos
que indiquem o efeito de cada fator para a variação estudada. Ao final do
processamento, o programa fornece a seleção dos grupos estatisticamente
relevantes para aplicação da regra variável.
Foram feitas duas rodadas estatísticas. Na primeira – a que se
chamou principal – incluíram-se todas as variáveis listadas, dentre as quais
o Goldvarb selecionou como estatisticamente relevantes: realização, posição
e distância do sujeito em relação ao verbo, paralelismo discursivo, concordância
nominal no SN sujeito, instituição onde estuda, caracterização semântica do sujeito,
tipo de verbo e uso da escrita na atividade profissional.
Após a realização de testes para verificar a possível interferência
de algum grupo de fatores sobre o outro, observou-se que, eliminando o
grupo tipo de verbo, o programa selecionou, juntamente com os demais
grupos já apresentados, a saliência fônica, que tem sido considerada em
vários estudos sobre a concordância verbal. Dessa forma, na análise aqui
apresentada, considerou-se também esta rodada complementar.
Outras informações sobre os procedimentos e as modificações
realizadas durante o processamento estatístico serão mencionadas ao longo
da discussão e análise dos dados, na seção a seguir.
3. Análise dos dados
Nos textos dos estudantes universitários, foram quantificadas 650
ocorrências de sentenças com sujeito no plural, como se pode conferir
nos exemplos em (02) e (03).
(02) Todos os brasileiros falam Português e nisso não há dúvidas.
(03) É preciso que seja clara que todos conheça e entenda.
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
Das ocorrências levantadas, 552 trazem a marca de plural nos
verbos, totalizando um índice de concordância verbal de 84,9%, conforme
se pode conferir na tabela abaixo.
Tabela 01 – Distribuição total das ocorrências com sujeito plural
Variantes
Nº de ocorrências
%
Aplicação d a regra d e
concordância
552
84,9
Não aplicação da regra de
concordância
98
15,1
650
100
Total
A frequência de uso da marca de plural nos verbos de terceira
pessoa apresentada na Tabela 01 aproxima-se de resultados obtidos em
estudos com amostras de fala culta, como o de Graciosa (1991), já
mencionado.
À primeira vista, o fato de a não marcação da concordância verbal
ser bastante estigmatizada e a língua escrita revelar-se mais conservadora
poderia fazer esperar maior índice de aplicação da regra do que o obtido
para esta análise. Entretanto, é preciso considerar que os textos em questão
pertencem a alunos que não concluíram o ensino superior e, a rigor,
ainda não apresentam domínio pleno da norma culta escrita.
A seguir, apresentam-se os resultados das variáveis selecionadas
como estatisticamente relevantes.
3.1 Variáveis linguísticas
A primeira variável selecionada foi realização, posição e distância
entre o sujeito e o verbo.
No que diz respeito à realização do sujeito, levou-se em conta a
existência de sujeito explícito e oculto, este definido nas situações em
que o SN não é foneticamente realizado, mas tem uma referência definida,
recuperável na sentença. O sujeito explícito foi analisado quanto à posição,
se anteposto ou posposto ao núcleo verbal. Considerando a possibilidade
de a distância entre o sujeito e o verbo exercer influência na marcação
do plural, controlou-se também este fator, assim especificado: anteposição
ou posposição imediata ao sujeito e a existência de constituintes entre o
núcleo do SN e o núcleo verbal.
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Artigos Inéditos
As ocorrências com pronome relativo retomando o sujeito foram
agrupadas como um fator à parte, com base na ideia de que tal pronome
poderia ter uma atuação diferenciada sobre a concordância.
Nesse grupo de fatores, as ocorrências foram definidas da seguinte
maneira:
a) Sujeito imediatamente anteposto ao verbo
(04) ... as palavras estão erradas e para eles estão corretas, isso
varia.
b) Sujeito anteposto com núcleo separado do verbo por duas ou
mais sílabas
(05) ...porque desta forma professores de português estariam
ocupando o topo da pirâmide social...
c) Sujeito imediatamente posposto ao verbo
(06) ...tanto lá como aqui no Brasil existem variações...
d) Sujeito posposto com núcleo separado do verbo por duas ou
mais sílabas
(07) Surgem também as justificativas, de que o indivíduo sendo
analfabeto pode ser letrado...
e) Sujeito retomado pelo pronome relativo
(08) ...como romances que caem no concorrido vestibular
f) Sujeito oculto
(09) Seus poemas sempre florescem seja primavera, outono ou
verão e no inverno lhe aquece a alma que desnuda uma ardente
paixão.
Foram consideradas entre as ocorrências com sujeito
imediatamente anteposto/posposto as frases em que aparecem clíticos e
advérbios como não e já, que não separam os constituintes da oração,
pois, frequentemente, antecedem o verbo em português, formando com
ele apenas um vocábulo fonológico (Rodrigues 1987: 161).
Devido ao baixo número de ocorrências para o fator sujeito posposto
com núcleo separado do verbo por duas ou mais sílabas e, também, por
considerar que a posição VS (verbo-sujeito), por si só, já influencia na
aplicação da regra de concordância verbal, amalgamaram-se esses fatores,
redefinindo-os como sujeito posposto ao verbo.
Para a definição da variável em questão, partiu-se da hipótese de
que, quanto mais evidente é a relação entre o sujeito e o verbo, maior é
a aplicação da concordância. Contrariamente, quanto maior a distância
entre o sujeito e o verbo, maior a probabilidade de não aplicação da
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
regra de concordância, já que a relação de adjacência estaria prejudicada.
Assim, estruturas com o sujeito imediatamente anteposto, em que a relação
com o verbo é mais evidente, favoreceriam a concordância, e aquelas
com o sujeito posposto, interpretado como objeto por situar-se à direita
do verbo, ocasionariam menor índice de concordância.
Quanto ao sujeito representado por pronome relativo, considerouse, com base em Naro e Scherre (2003), que o pronome que mascara a
relação entre o sujeito e o verbo, ocasionando, por isso, o uso de menos
marcas de concordância. Nas frases com sujeito oculto, esperava-se
encontrar favorecimento da marca explícita de plural. A definição dessa
hipótese partiu da explicação de Rodrigues (1987: 169): se o sujeito “não
se encontra na frase, a desinência verbal não é redundante, e as relações
entre o verbo e o seu sujeito extra-sentencial só podem ser estabelecidas
por meio da concordância.”
Os resultados obtidos para a variável seguem expostos na Tabela 02:
Tabela 02 – Atuação da variável presença, posição e distância entre o
sujeito e o verbo na realização da concordância verbal de terceira pessoa
Presença, posição e distância do
sujeito em relação ao verbo
Apl./Total
%
P.R.
Sujeito imediatamente anteposto
236/257
91,8
0,66
Sujeito representado pelo
pronome relativo
152/174
87,4
0,50
Sujeito posposto
39/51
76,5
0,48
Sujeito anteposto separado do
verbo por mais de quatro sílabas
55/76
72,4
0,29
Sujeito oculto
70/92
76,1
0,24
552/650
84,9
_
Total
A expectativa inicial quanto ao sujeito imediatamente anteposto
foi confirmada: é este o fator que mais favorece a variante explícita, com
peso relativo de 0,66. O falante reconhece o constituinte à esquerda do
verbo como sujeito e por isso tem maior probabilidade de realizar a
concordância verbal. Se, entretanto, o núcleo do sujeito anteposto estiver
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Artigos Inéditos
distante do verbo, a probabilidade de o indivíduo realizar a concordância
decresce, conforme se verifica pelo peso relativo de 0,29.
O sujeito representado pelo pronome relativo nos dados da
amostra sob análise alcançou o peso relativo de 0,50, considerado o ponto
neutro na análise estatística. Quando comparado com o fator favorecedor
sujeito imediatamente anteposto, que teve peso relativo de 0,66, fica claro
que há menor favorecimento da aplicação da regra quando o pronome
relativo que retoma o sujeito.
O sujeito posposto alcançou o peso relativo de 0,48. Embora tenha
atingido um valor próximo ao ponto neutro, na comparação entre os
pesos relativos, pode-se dizer que o indivíduo tende a usar menos marcas
de plural quando o sujeito está após o verbo do que quando o antecede.
Como a ordem canônica do português é SVO (sujeito-verbo-objeto), em
frases em que o sujeito aparece posposto, o falante interpreta-o como
paciente/objeto da oração, podendo, então, prescindir da concordância.
Os casos de sujeito posposto acontecem, em grande parte, com
verbos inacusativos e intransitivos. No primeiro caso, por não possuir o
papel temático de agente, o sujeito não é interpretado como sujeito da
oração, o que favorece a construção de sentenças sem concordância verbal.
No segundo, como os verbos intransitivos não apresentaram
complemento, a relação entre o verbo e o sujeito fica menos evidente e
o falante interpreta este último, que aparece em posição invertida, como
objeto, diminuindo, assim, as chances de se realizar a concordância.
Nas sentenças com sujeito oculto, a probabilidade de uso da
variante explícita nos dados investigados mostrou-se reduzida, como visto
no peso relativo de 0,24. Esse resultado contraria a hipótese de que nas
frases com sujeito oculto, em que o referente se encontra distante, o
indivíduo tenderia a marcar mais a concordância, já que ela não se
apresentaria de forma redundante. Por outra via, pode-se justificar tal
desfavorecimento com o fato de, por não encontrar explícito o sujeito da
oração, o falante “perder” a ideia de pluralidade, mantendo o verbo,
dessa forma, no singular.
A segunda variável selecionada pelo Goldvarb foi o paralelismo
discursivo. Na literatura sociolinguística, o princípio do paralelismo referese à tendência demonstrada pelo falante de repetir suas escolhas ao longo
de uma sequência discursiva. Tal repetição pode ocorrer entre palavras
ou em seu interior, no interior do sintagma, no interior da oração ou
entre orações.
Em relação ao fenômeno da concordância, Poplack (1980), ao
estudar o apagamento do morfema plural [-s] no espanhol de Porto Rico
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
e de porto-riquenhos na Filadélfia, constatou que o falante tendia a repetir
a marca de plural no contexto subsequente se já a tivesse usado
anteriormente na mesma sequência discursiva; em contrapartida, se as
marcas estivessem ausentes na primeira ocorrência da série, assim também
se manifestariam no contexto seguinte.
Scherre e Naro (1993), em seu estudo sobre a concordância verbal
do português, também testaram a atuação da variável paralelismo discursivo
e verificaram que o falante tende a repetir as variantes explícitas de plural
e as variantes zero de plural. Os autores estabeleceram alguns critérios
para a seleção dos dados dessa variável: a) a construção analisada deveria
se referir ao mesmo sujeito da construção anterior; (2) deveria ocorrer a
uma distância de até dez orações e 3) a mudança de turno seria
considerada ruptura da série. Neste trabalho, procurou-se seguir apenas
os dois primeiros critérios, tendo em vista que a mudança de turno não
se aplica ao texto escrito. Salienta-se, ainda, que foram codificadas apenas
as ocorrências em série. As formas isoladas e a primeira ocorrência da
série foram desconsideradas, já que, não estando precedidas de outras
formas, não recebem influência do princípio do paralelismo.
Partindo de resultados obtidos em estudos sobre a concordância
verbal em corpora de língua oral, como os relatados anteriormente,
esperava-se, neste trabalho, uma atuação igualmente relevante da variável
paralelismo para o texto escrito.
Para a investigação da variável, fez-se a seguinte divisão:
a) Verbo antecedente com marca de plural
(10) [...] até que as letras, as frases, a “novidade” como um todo,
de certa forma, objetivaram minha leitura e trouxeram às estórias
um tom mais compreensível e normal, acredito eu.
b) Verbo antecedente sem marca de plural
(11) [...] algumas pessoas ao lerem uma frase gramaticamente
errada pode até achar errada, mas não saberá bem o que está errado.
A tabela a seguir mostra as constatações obtidas para a variável em
questão:
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Artigos Inéditos
Tabela 03 – Atuação da variável paralelismo discursivo na realização
da concordância verbal de terceira pessoa
Paralelismo formal
Apl./Total
%
P.R.
Verbo antecedente com marca
de plural
113/130
86,9
0,55
Verbo antecedente sem marca
de plural
15/25
60
0,23
128/155
82,6
_
Total
O peso relativo de 0,55, obtido para o fator verbo antecedente com
marca de plural, aponta para o fato de que o aluno tende a repetir a marca
de concordância quando esta já foi utilizada anteriormente, confirmando,
assim, a atuação do paralelismo sobre a realização da concordância verbal
no texto escrito. Quando o verbo antecedente é empregado sem marca
de plural, a probabilidade de se usar na sequência um verbo no plural
é pouco expressiva, tendo este fator alcançado o peso relativo de 0,23.
É conveniente assinalar que, embora o peso relativo do fator
favorecedor esteja próximo ao valor neutro, o que denotaria um
favorecimento discreto da regra de concordância, leva-se em consideração
também a expressiva diferença entre os pesos relativos obtidos para os
dois fatores em questão, que é de 0,32.
Nesse sentido, tanto os números das frequências brutas quanto os
pesos relativos confirmam a hipótese de que, numa série discursiva, a
presença de um verbo antecedente com marca de plural aumenta
significativamente as possibilidades de ocorrer em orações subsequentes
na mesma sequência discursiva o emprego do verbo também no plural.
A terceira variável linguística selecionada pelo Goldvarb foi
concordância nominal de número no SN sujeito, que foi agrupada em dois
fatores:
a) SN sujeito com concordância
(12) Nem tudo está perdido pois as pessoas sem instrução não
falam tudo errado.
b) SN sujeito sem concordância
(13) Esse mito não tem fundamento, devido a influência que os
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
maranhesse tinham de portugueses eles usam o pronome tu de
maneira correta.
A referida variável foi proposta tomando por base o princípio da
coesão estrutural, definido por Lucchesi (1998), que afirma ser maior a
possibilidade de aplicação da regra de concordância verbal quando há
aplicação da regra de concordância nominal de número no SN sujeito.
Outros estudos também investigaram a influência da marcação de
concordância no interior do SN sujeito na realização da concordância
verbal, mas sob o rótulo de paralelismo.
Como hipótese, considerou-se que o uso de marcas explícitas de
plural no verbo de terceira pessoa apareceriam com maior frequência
quando tais marcas aparecessem também no interior do sintagma nominal.
Para a análise, naturalmente, só se pode levar em consideração as
sentenças com sintagmas nominais formados por mais de um constituinte,
nos quais há a possibilidade de concordância entre os elementos. Ficaram
de fora do cômputo das ocorrências os casos de sujeito oculto, sujeito
representado apenas pelo núcleo e os casos de sujeito retomado pelo
pronome relativo.
Os resultados obtidos seguem expostos na Tabela 04:
Tabela 04 – Atuação da variável concordância nominal no SN sujeito
na realização da concordância verbal de terceira pessoa
Concordância no SN sujeito
Apl./Total
%
P.R.
SN com concordância
238/279
85,3
0,51
SN sem concordância
2/5
40
0,09
240/284
84,5
_
Total
Os resultados corroboram a hipótese inicial. Considerando a
diferença entre os pesos relativos dos dois fatores, que é de 0,42, o SN com
concordância mostra-se um fator importante para aplicação da regra. O
peso relativo de 0,09 para o SN sem concordância deixa claro o
desfavorecimento do emprego da marca de concordância verbal neste
contexto.
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Artigos Inéditos
A variável caracterização semântica do sujeito, quinta selecionada, foi,
inicialmente, subdividida em três fatores: [+humano +animado], [–humano
–animado] e [–humano +animado], respectivamente exemplificados em
(14), (15) e (16).
(14) Meus pais sempre compravam revistinhas em quadrinho da
Turma da Mônica pra me incentivar
(15) Algumas obras memoráveis tornaram-se referências de
momentos importantes e cruciais.
(16) [...] a cozinha ligada à sala tinha uma porta que dava no
quintal, onde moravam meus amigos bichos
Como houve apenas uma ocorrência de sujeito [–humano
+animado], optou-se pela eliminação deste fator.
De acordo com Scherre e Naro (1998), o traço [+humano] atua
significativamente sobre a concordância verbal. Segundo os autores, “Na
língua falada, o sujeito [+humano] controla a concordância explícita de
plural de forma mais acentuada do que sujeito com o traço [–humano]”
(Scherre; Naro, 1998, p. 48). Assim, neste estudo, também se partiu dessa
expectativa, considerando que, por ser o traço [+humano] interpretado
pelo falante como sujeito prototípico (Monguilhott, 2010), haveria maior
probabilidade de se marcar a concordância no verbo.
O resultado obtido para a variável caracterização semântica do sujeito
confirma a hipótese inicial, conforme dados apresentados na Tabela 05 a
seguir.
Tabela 05 – Atuação da variável caracterização semântica do sujeito
na realização da concordância verbal de terceira pessoa
Caracterização semântica do
sujeito
Apl./Total
%
P.R.
[+humano +animado]
282/342
82,5
0,60
[-humano –animado]
269/307
87,6
0,40
Total
551/649
84,9
_
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
Das 342 ocorrências com o traço semântico [+ humano], 282
receberam a marca formal de número, 82,5% delas, com peso relativo
0,60, o que confirma o contexto favorecedor à concordância verbal. Nas
307 sentenças com sujeito com marca [–humano], 269 apareceram sem
marcas de plural, exibindo um peso relativo de 0,40, que indica o
desfavorecimento da concordância verbal.
O resultado acima pode encontrar justificativa no fato de que o
falante, comumente, tende a identificar o sujeito como o “ser que pratica
a ação”, em outras palavras, aquele que tem o traço semântico [+humano].
Nesse sentido, o traço [– humano], que, “numa escala de ‘sujeitividade’,
se apresenta menos ‘sujeito’” (Monguilhott, 2010, p. 11), teria menor
influência na aplicação da regra de concordância.
A sexta variável selecionada foi tipo de verbo, proposta com o
objetivo de se verificar se a carga semântico-funcional do verbo pode
influenciar na marcação ou não do plural (Graciosa, 1991). Para tanto, as
ocorrências foram distribuídas em:
a) Verbo transitivo
(17) Todos os brasileiros falam Português e nisso não há dúvidas.
b) Verbo intransitivo
(18) Além disto, língua e poder andam de mãos dadas.
c) Verbo de ligação
(19) ...os erros da elite são comuns e perdoáveis, já os erros do
“povão” são ridículos...
d) Verbo inacusativo
(20) ... não quer dizer que não exista grandes diferenças nesta
mesma língua.
Os verbos auxiliares não foram incluídos no grupo uma vez que,
aparecendo junto aos outros verbos, não seria possível precisar sua atuação,
já que estaria em jogo também a atuação do verbo principal.
Os resultados obtidos podem ser vistos na Tabela 06:
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Artigos Inéditos
Tabela 06 – Atuação da variável tipo de verbo na realização da
concordância verbal de terceira pessoa
Tipo de verbo
Apl./Total
%
P.R.
103/112
92
0,70
Intransitivo
16/19
84,2
0,55
Transitivo
334/392
85,2
0,46
Inacusativo
39/53
73,6
0,32
492/576
85,4
_
Ligação
Total
Os verbos inacusativos, de acordo com Mateus et al. (2003), são
aqueles que, como indica o próprio nome, não atribuem caso acusativo
ao seu argumento interno: “[...] o sujeito de um verbo inacusativo
comporta-se como um argumento interno directo” (Mateus et al., 2003,
p. 510). Dessa forma, o sujeito de construções com verbos inacusativos
não tem um papel temático de agente, e isso faz com que o falante não
o veja como sujeito de fato da oração, ocasionando a construção de
sentenças sem concordância verbal. Isso pode ser comprovado com o
resultado obtido na variável tipo de verbo, em que os verbos inacusativos
desfavorecem a concordância verbal com um peso relativo de 0,32.
De acordo com Mateus et al. (2003), o verbo de ligação, ou
copulativo, é um verbo que seleciona semanticamente apenas um
argumento interno, uma oração pequena, como se pode conferir no
exemplo em (21):
(21) A menina é bonita.
(21’) É [a menina bonita].
Ainda de acordo com a autora,”o sujeito da oração pequena ocorre
com a relação gramatical de sujeito da frase copulativa e o núcleo da
oração pequena tem relação gramatical de predicativo do sujeito” (Mateus
et al., 2003, p. 303). Isso ocorre porque os verbos copulativos não são
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
atribuidores de Caso acusativo, fato que faz com que o sujeito da oração
pequena se mova em busca de Caso.
Segundo Mateus et al. (2003), a relação entre o sujeito e o
predicativo de frases copulativas é tão forte, que alguns gramáticos
chegaram a afirmar que o verbo copulativo parece não ter as propriedades
de um predicador e, por essa razão, são chamados de verbos de ligação.
Ainda conforme afirma a mesma autora, não se faz necessário retirar dos
verbos copulativos o estatuto de itens lexicais plenos, basta que se considere
a hipótese, já lançada acima, da existência de uma pequena oração, em
que o predicativo do sujeito é o predicador da oração. “A existência de
concordância entre o predicativo do sujeito e o constituinte com relação
de sujeito da frase constitui um argumento a favor da estrutura sintática
acima proposta [oração pequena]” (Mateus et al., 2003, p. 541).
A intensa relação existente entre o sujeito e o predicativo pode
ser a justificativa para o favorecimento da concordância verbal de terceira
pessoa, que se apresentou com o peso relativo de 0,70 e uma alta
frequência de 92%; porém, apesar da possibilidade já lançada, cogitou-se
a hipótese de a concordância verbal ter sido favorecida nos verbos de
ligação também por conta da saliência fônica, já que formas verbais como
é/são, está/estão se mostram significativamente salientes. Por essa razão,
realizou-se uma rodada complementar dos dados, excluindo a variável
tipo de verbo, e, como esperado, a variável saliência fônica foi selecionada.
O princípio da saliência fônica, proposto por Naro e Lemle (1976),
postula que, quanto maior for a diferença entre a forma verbal flexionada
e a forma verbal não flexionada, maior será a possibilidade de marcação
de número e pessoa no verbo. Assim, formas verbais como é/são, cuja
diferença no material fônico é bastante acentuada, seriam mais propensas
à flexão do que formas como bebe/bebem, em que se nota uma diferença
mínina entre a forma singular e a plural.
Para a investigação da variável saliência fônica, seguiu-se uma escala
(Naro, 1981), que parte dos verbos menos salientes, como bebe/bebem,
passando por verbos em que há acréscimo de segmento silábico na forma
flexionada, até chegar a um último nível, mais saliente, em que, além de
acréscimo silábico, ocorre mudança na raiz verbal, como em veio/vieram.
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Artigos Inéditos
(1) Nasalização sem envolver qualidade da vogal na forma plural
(conhece/conhecem, consegue/conseguem, sabe/sabem)
3ª pessoa do singular termina em “e”
(2) Nasalização com mudança de qualidade da vogal na forma plural
(ganha/ganham, era/eram, gosta/gostam)
3ª pessoa do singular termina em “a”
(3) Acréscimo de segmento no plural
(diz/dizem, quer/querem)
acréscimo silábico
(4) Ditongação e/ou mudança na quali dade da vogal na forma plural
(tá/tão,vai/vão)
(5) Acréscimo de segmento com supressão da semivogal do singular ou mudança
de t onicidade
(bateu/bateram, viu/viram, foi/foram, disse/disseram)
(6) Envolve acréscimo e mudança de raiz, que pode ser completa
(veio/vieram, é/são)
Para melhor visualização da variável, os verbos foram agrupados
em [+ saliente] e [- saliente], com os fatores 1, 2 e 3 três, de um lado, e
4, 5 e 6, de outro. Os resultados podem ser conferidos na tabela abaixo:
Tabela 07 – Atuação da variável saliência fônica na realização da
concordância verbal de terceira pessoa
Saliência fônica
Apl./Total
%
P.R.
[+ saliente]
390/470
83
0,60
[–saliente]
162/180
90
0,45
Total
552/650
84,9
_
Os resultados expostos na Tabela 07 estão de acordo com o
princípio segundo o qual os níveis mais altos da hierarquia da saliência
fônica exerceriam maior influência sobre o uso da marca explícita de
concordância, como se comprova pelo peso relativo de 0,60.
Consequentemente, os níveis mais baixos favorecem a não concordância,
como atesta o peso relativo de 0,45.
3.2 Variáveis extralinguísticas
Dentre as variáveis sociais sugeridas como possíveis condicionadoras
da aplicação da regra, instituição onde estuda foi considerada estatisticamente
relevante, tendo sido a quarta a ser escolhida pelo programa, na escala
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
geral. Como os dados coletados para este estudo foram provenientes de
três diferentes instituições de ensino superior, os fatores considerados
para a variável foram os seguintes: Instituição 1 (pública estadual),
Instituição 2 (pública federal) e Instituição 3 (particular).
Os resultados são apresentados na Tabela 08 a seguir:
Tabela 08 – Atuação da variável instituição onde estuda na realização
da concordância verbal de terceira pessoa
Instituição onde estuda
Apl./Total
%
P.R.
Instituição 1
70/75
93,3
0,67
Instituição 2
403/469
85,9
0,51
Instituição 3
79/106
74,5
0,32
Total
552/650
84,9
_
Essa variável foi proposta com o objetivo de se observar se há
diferenças entre alunos de instituições de ensino superior diferentes com
relação à concordância verbal. Observando as frequências brutas e os
pesos relativos obtidos para cada um dos fatores, é visível o favorecimento
da aplicação da regra na Instituição 1, enquanto o desfavorecimento da
concordância verbal é marcante na Instituição 3.
Como a ficha social preenchida pelos estudantes não focou a
obtenção de informações mais específicas, como a qualidade do ensino
básico a que estes alunos tiveram acesso ou o tempo em que estiveram
sem estudar até entrarem na universidade, qualquer afirmação mais
contundente sobre estes resultados pode ser levada pelo senso comum.
Por isso, a variável demanda um pouco mais de investigação para que se
possam justificar os resultados encontrados.
A última variável selecionada foi uso da escrita na atividade
profissional. Por essa variável, buscou-se investigar se o maior contato com
a escrita na atividade profissional exercida pelo aluno teria alguma
influência no emprego da marca de concordância. Os fatores foram assim
agrupados: uso frequente da escrita e não uso da escrita.
Os resultados obtidos seguem expostos na Tabela 09 abaixo:
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Artigos Inéditos
Tabela 09 – Atuação da variável uso da escrita na atividade
profissional na realização da concordância verbal de terceira pessoa
Uso da escrita na atividade
profissional
Apl./Total
%
P.R.
Uso frequente da escrita
201/225
89,3
0,58
351/425
82,6
0,45
552/650
84,9
_
Não uso da escrita
Total
Os dados mostram que o uso frequente da escrita é um fator
relevante para a marcação da concordância nos textos. Assim, aqueles
alunos que têm contato frequente com a escrita em suas atividades
profissionais mostram maior probabilidade de usar as marcas de
concordância no verbo de terceira pessoa.
4. Considerações finais
A despeito do conservadorismo da modalidade escrita, o que a torna
mais refratária às mudanças que ocorrem na oralidade, e de a variação na
concordância verbal ser tipicamente mais observada na fala, este fenômeno
alcançou um índice expressivo de variação na escrita de estudantes
universitários, atingindo 15,1% de não utilização da regra. Como já ressaltado,
na avaliação desse resultado é preciso levar em conta que os estudantes ainda
não são considerados usuários plenos da norma culta escrita da língua.
As variáveis selecionadas pelo Goldvarb como relevantes para a
atuação do fenômeno morfossintático em estudo foram as que aparecem
recorrentemente também no estudo da fala. A realização, posição e distância
entre o sujeito e o verbo ratificou a ideia de que, quanto mais evidente for a
relação entre o sujeito e o verbo, maior será a aplicação da concordância. As
estruturas com o sujeito imediatamente anteposto revelaram maior
probabilidade de receberem a marca de plural, ao passo que aquelas em
que o sujeito está posposto tem probabilidade menor. Também para o
fenômeno em análise, o paralelismo discursivo se mostrou significativo,
partindo do conhecido princípio de que “marcas levam a marcas, e zeros
levam a zeros”. A concordância nominal no SN sujeito atua com base no princícpio
da coesão estrutural, que indica que é maior a possibilidade de aplicação
da regra de concordância verbal quando há aplicação da concordância
nominal no sujeito. A carcaterização semântica do sujeito mostrou que há
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
favorecimento à utilização da regra quando o sujeito traz a marca de [+
humano], fato que o caracteriza como “aquele que pratica a ação”.
Quanto ao tipo de verbo, ficou demonstrado que são os de ligação
os que maior influência exercem na aplicação da regra. Supõe-se que
esteja interferindo aí a saliência fônica, visto que a maioria dos verbos
dessa categoria era o verbo ser/são, que, na escala de saliência, representa
os mais salientes. Quando considerado o grupo de fatores saliência fônica,
o resultado apontou para um maior emprego de marca de concordância
nos verbos que estão na posição mais alta da hierarquia de saliência fônica.
A variável social instituição de ensino revelou que os alunos das
instituições 1 e 2, universidades públicas localizadas em Salvador, são os
que mais aplicam a regra de concordância. É preciso relembrar que não
se podem fazer grandes considerações sobre esse resultado, visto que se
acredita estarem aí envolvidos outros fatores de natureza social que não
foram controlados na pesquisa. Por fim, observou-se que os alunos que
têm maior contato com a escrita na atividade profissional realizaram mais
concordância verbal nos textos analisados.
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Artigos Inéditos
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A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários
Resumo
O objetivo deste estudo é investigar a variação na
aplicação da regra da concordância verbal de terceira
pessoa em textos de estudantes universitários. Com base
no modelo teórico-metodológico da Sociolinguística
Variacionista, procura-se determinar os fatores
linguísticos e extralinguísticos que condicionam a
escolha do falante por uma das formas disponíveis. A
amostra analisada consta de cem textos de diversos
gêneros produzidos por alunos de diferentes cursos
de graduação, de duas faculdades públicas e uma
particular de Salvador. Para a análise dos dados,
recorreu-se ao programa estatístico GoldVarbX, que
fornece os cálculos da frequência e do peso relativo
necessários à discussão dos fatores que condicionam o
uso das variantes sob análise. Como fatores linguísticos,
o estudo apontou: realização, posição e distância do sujeito
em relação ao verbo, paralelismo discursivo, concordância
nominal no SN sujeito, caracterização semântica do sujeito,
tipo de verbo e saliência fônica; e entre os sociais: instituição
onde estuda e uso da escrita na atividade profissional.
Palavras-chave: Concordância verbal. Língua escrita.
Sociolinguística Variacionista.
Abstract
The aim of this study is to investigate the variation in
the application of the rule of third-person verb
agreement in texts of college students. Basing on the
Variacionist Sociolinguistic theoretical-methodological
model, it looks determine the conditioning of linguistic
and social factors on the option of the speaker by an
available form. The corpus consists of one hundred texts
from various genres produced by students of different
courses from public and private colleges in Salvador.
For data analysis, it was used statistical GoldVarbX
program that provides calculations of the frequency
and relative weight needed for discussion of factors that
influence the use of variants. Among linguistic factors,
the study pointed out: realization, position and distance
between the subject and the verb, formal parallelism, nominal
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Artigos Inéditos
agreement in the NP/subject, semantic characterization of the
subject, type of verb and phonetic salience; among social
ones: college where study and use of writing in professional
activity.
Keywords: Verb agreement. Written language.
Variacionist Sociolinguistic
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Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos
escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental e da
Rede Pública de Florianópolis
Ana Kelly Borba da Silva Brustolin1
1.
Introdução
Atualmente, no português do Brasil (doravante
PB), observamos uma alternância entre nós e a gente
para representar a 1ª pessoa do plural, como podemos
ratificar em inúmeros estudos realizados nesta área: Albán e Freitas (1991),
Freitas (1991), Albán et al. (1991), Freitas (1997), Lopes (1993, 1998,
2007), Machado (1995), Naro et. al. (1999), Omena (1998, 2003), Seara
(2000), Zilles, Maya e Silva (2000), Zilles (2005, 2006, 2007), Menon,
Lambach & Landarin (2003), Borges (2004), Fernandes (2004), Silva
(2004), Vianna (2006) e outros. Discutiremos2, neste estudo, o uso e a
variação de nós e a gente com o intuito de averiguar se o pronome a
gente já está, de fato, inserido na língua escrita e falada dos alunos do
ensino fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) em quatro escolas da rede pública
de ensino de Florianópolis.
2. Questões, objetivos e hipóteses
A introdução da forma inovadora a gente no quadro dos pronomes
pessoais, como uma variante do pronome de 1ª pessoa no plural, está se
1
Professora efetiva da Educação Básica pelo município de Florianópolis/SC e tutora
da EAD/UFSC – Polo de Chapecó. Contato: anakellyborba@gmail.com.
2
Este estudo é resultado de minha dissertação de mestrado defendida em 5 de maio
de 2009, pela UFSC e com apoio da CAPES, sob orientação da Profª Drª Izete L.
Coelho. Há, na dissertação, com mais vagar, abordagem sobre tratamentos dispensados
às formas pronominais nós e a gente em gramáticas tradicionais (GT) e em estudos
sociolinguísticos – revisão de literatura.
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Artigos Inéditos
efetivando na língua, tanto na modalidade falada quanto na escrita dos
alunos de ensino fundamental?
Elegemos, a seguir, três objetivos gerais para este estudo:
(i) Verificar e analisar a alternância dos pronomes nós e a gente,
observando, no ambiente escolar, os fatores linguísticos, sociais e estilísticos
que condicionam seu uso efetivo na modalidade escrita e falada de alunos
do ensino fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) de quatro escolas da rede
pública de ensino na cidade de Florianópolis; (ii) propor uma análise
(socio)linguística sincrônica das construções com nós e a gente na função
de sujeito e seu reflexo na variação da concordância verbal, em especial,
e na variação do preenchimento do sujeito pronominal; e (iii) discutir
alguns pressupostos, mais especificamente a concepção de norma
linguística e o problema empírico de avaliação, da teoria da variação e
mudança (Cf. Bagno, 2004; Weinreich, Labov & Herzog, 1968 e Labov,
1972, 1982, 2003), a fim de suscitar reflexões acerca de nosso objeto de
estudo.
Esquadrinhando caminhos para deslindar tais objetivos, estaremos
acompanhados de algumas hipóteses gerais:
(i’) A variação de nós e a gente é motivada linguisticamente: a)
está associada ao preenchimento ou não do sujeito: quanto mais
preenchido, há mais ocorrência de a gente, quanto menos preenchido,
há mais ocorrência do nós (Cf. Duarte, 1993, 1995); b) está associada à
marca morfêmica do verbo que acompanha o pronome: a combinação
de a gente com a marca morfêmica - ∅ e de nós com marca morfêmica
-mos, possivelmente, é majoritária nos dados, até mesmo por causa da
influência da escola, uma vez que a pesquisa foi realizada nesse ambiente;
c) está associada à saliência fônica – os níveis de saliência fônica mais
baixos favorecem o emprego de a gente, enquanto os níveis mais altos de
saliência propiciam o uso de nós (Omena, 1998 [1986]; Lopes, 1993;
Machado, 1995; entre outros).
(ii’) A variação de nós e a gente é motivada socialmente: (i) está
associada ao sexo do informante – mulheres utilizam mais a forma a gente
(Lopes, 1999); e, (ii) está associada à idade do informante – a faixa etária
compreendida entre 10 a 14 anos tende a usar mais o pronome a gente
na escrita do que a faixa etária compreendida entre 15 a 19 anos.
(iii’) A variação de nós e a gente é motivada pela oposição da
modalidade (fala x escrita). As formas pronominais nós e a gente aparecem
tanto na escrita quanto na fala dos alunos do ensino fundamental das
quatro escolas integrantes desta pesquisa. Entretanto, acreditamos que o
pronome a gente apareça predominantemente na fala e o nós
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Itinerário do uso e da variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do...
predominantemente na escrita. Acreditamos, igualmente, que as formas
pronominais nós e a gente, tanto na modalidade oral quanto na
modalidade escrita, estão sujeitas à marcação estilística: nós tende a
aparecer mais em linguagem monitorada (escrita), enquanto a gente em
linguagem espontânea (fala) (isto é, no vernáculo). Para testar esta hipótese
de avaliação do uso de nós e a gente, realizamos testes de atitude subjetiva
com os alunos.
2.1. Justificativa e apresentação do estudo
Esta pesquisa se justifica na medida em que vai diagnosticar o uso
das formas nós e a gente em variação nas escolas, em diferentes estilos,
bem como o reflexo desse uso a outros fenômenos com os quais ele está
correlacionado, como a concordância verbal e o preenchimento do
sujeito. Além do mais, se justifica por propor uma reflexão em torno
desse uso, suscitando questionamentos a respeito do ensino de língua nas
escolas e proporcionando condições para que esse ensino seja o resultado
de futuras situações reais de interação em sala de aula, sem que o professor
e/ou o aluno adotem uma postura preconceituosa em relação aos usos
variáveis da língua.
2.2. A amostra utilizada
A Sociolinguística Variacionista foi inicialmente proposta pelo
linguista norte-americano William Labov. Considerando a língua como
sistema heterogêneo, a Sociolinguística Variacionista estuda a língua em
comunidades de fala, levando em conta o contexto social, como por
exemplo, escolaridade e faixa etária dos indivíduos. Língua, para Labov
(1972, p. 183), “é uma forma de comportamento social, (...) usada por
indivíduos em um contexto social para comunicar suas necessidades,
idéias, emoções.”
As expressões de sujeito nós e a gente, por exemplo, são formas
alternativas de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor
de verdade (Labov, 1972). A designação flexional do verbo tem sido
bastante valorizada nas salas de aula, sendo que a não-utilização (nós vai)
da marca explícita de concordância (ou o contrário, no caso de a gente
fomos) representa, em geral, um traço de diferenciação social, de modo
geral acompanhada de estigma. Com o avanço de estudos sociolinguísticos,
pensar o ensino da língua, atualmente, envolve antes uma reflexão essencial
a respeito da dinâmica da língua, sobre os condicionadores sociais que
levam a variações e mudanças linguísticas.
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Artigos Inéditos
Analisaremos todas as produções de texto referentes à escrita dos
alunos nas escolas pesquisadas e apenas as narrativas orais3 dos alunos de
uma das quatro escolas. Partimos de uma proposta de produção textual
(narrativa pessoal) – solicitada aos alunos de 5ª, 6ª, 7ª e 8ª série, em que
estes deveriam relatar a respeito de um momento marcante da vida deles,
vivenciado juntamente com outras pessoas – para se resgatar,
preferencialmente, a primeira pessoa do plural. De acordo com Labov
(1972), os relatos sobre experiências vividas, sobretudo perigo de morte,
fazem com que o falante não se preocupe com como falar e sim com o que
falar, aproximando-se do vernáculo. Realizamos a coleta de dados do texto
escrito na primeira quinzena de julho e a coleta de dados de fala a partir
da segunda quinzena de agosto até outubro de 2008 e acreditamos que
um aspecto favorável a esta pesquisa foi o fato de a entrevistadora/
pesquisadora já ter trabalhado nas escolas selecionadas, pois tem
familiaridade e bom relacionamento com os alunos. A coleta de dados de
fala consistiu na gravação das mesmas histórias que os alunos já tinham
escrito na primeira etapa, objetivando um olhar atento às formas
pronominais e seu uso efetivo na narrativa escrita e oral – acreditamos
que haja mais a gente em narrativas orais, uma vez que a atividade de
escrita já exige um maior monitoramento por parte dos alunos na escola.
Falamos, nas duas coletas, aos alunos-informantes que estávamos
na escola para desenvolver um trabalho para a UFSC, visando à coleta de
depoimentos de história de vida deles, ou seja, nada referido à língua foi
mencionado aos alunos.
3. Resultados, análises e discussão
3.1. Análise geral
A amostra analisada apresentou 1.667 ocorrências de nós e a gente
nos dados de escrita e fala4 dos alunos do ensino fundamental de
Florianópolis. Dentre estas, houve a presença do pronome a gente, com
424 ocorrências, correspondendo a 25% do total. As ocorrências com o
pronome nós, 1.243, correspondem a 75% do total.
Considerando o pronome a gente como aplicação da regra, os
grupos de fatores selecionados como significativos pelo programa
VARBRUL, por ordem de relevância, foram: 1º Marca morfêmica; 2º
3
Não houve tempo hábil para analisarmos todas as narrativas orais dos alunos das
quatro escolas; em virtude de greves, horários delimitados pelos professores para fazer
a pesquisa e outros, nossa coleta se alargou por um período maior do que o planejado.
4
Note que utilizamos os dados de escrita das quatro escolas, porém em relação aos
dados de fala, foram usados apenas os dados de fala da escola 3.
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Preenchimento do sujeito; 3º Fala/escrita; 4º Paralelismo formal (sujeitosujeito); 5º Saliência fônica; 6º Sexo; 7º Série (5ª, 6ª, 7ª, 8ª) e 8º Paralelismo
formal (sujeito-objeto). Além dessas variáveis linguísticas, ainda temos as
variáveis extralinguísticas: (i) sexo, (ii) série e (iii) fala e (iv) escrita,
indicando que também estão em jogo na variação dos pronomes nós/a
gente as determinações socioculturais dos alunos-informantes.
3.2 Resultados e discussão da oposição entre a modalidade fala x escrita
Analisamos a variação estilística dos pronomes nós e a gente com
base nas modalidades fala e escrita que apresentaram no total 1.667
ocorrências. (Cf. tabela 1)
Tabela 1: Frequência e probabilidade total de a gente, segundo as
variáveis escrita e fala
Aplicação/Total
174/1.284
250/383
424/1.667
Escrita
Fala
TOTAL
(%)
14%
65%
25%
PR
.37
.86
Verificamos que 174 ocorrências (14%) foram para o pronome a
gente na escrita dos alunos-informantes integrantes das quatro escolas e 250
ocorrências (65%) foram para o pronome a gente na fala dos alunos do
ensino fundamental de Florianópolis na escola 3 selecionada. Essa grande
diferença entre escrita e fala parece sugerir que os alunos evitam a gente no
texto produzido na escola, o que poderia ser relacionado com estigmatização
desse uso nesse contexto. Ao mesmo tempo, pode-se associar essa diferença
com o fato de as mudanças ocorrerem antes na fala e só depois na escrita,
especialmente quando não há estigma impedindo esse uso. Ainda que falte
uma maior reflexão em termos da língua em uso nas salas de aula, o pronome
a gente já ocorre efetivamente na escrita (14%) e na fala dos alunos, de todas
as séries analisadas (65%), suplantando o nós na fala.
3.3. Resultados e discussão das variáveis linguísticas
3.3.1. Marca morfêmica
O primeiro grupo de fatores selecionado pelo programa estatístico
VARBRUL diz respeito à marca morfêmica5 do verbo que acompanha o
5
Este grupo de fatores marca morfêmica foi selecionado como o mais significativo em
todas as rodadas realizadas: (i) todos os dados de fala e escrita coletados, (ii) apenas
os dados de fala coletados na escola 3; (iii) apenas os dados de escrita das quatros
escolas, e, (iv) rodadas apenas com o tempo verbal, excluindo-se a saliência fônica.
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pronome de primeira pessoa do plural nós ou a gente. Foram controladas
as estratégias de concordância morfema -mos e morfema ∅ (zero) de nós
e a gente. Os resultados dos estudos de Menon (1995), Lopes (1999),
Naro et al. (1999), Menon, Lambach e Landarin (2003), Borges (2004) e
Vianna (2006) serviram de base para estabelecermos a nossa hipótese já
citada anteriormente.
Constatamos, em nossos dados, a possibilidade de quatro maneiras
diferentes de realizar a concordância verbal referente aos pronomes nós
e a gente (nós + -mos, nós + ∅, a gente + ∅, a gente + -mos), apesar de haver
predominância, de maneira geral, da combinação de a gente com ∅
(verbo em P3) e de nós com –mos (verbo em P4).
A seguir, apresentamos a tabela 2 com os resultados obtidos.
Tabela 2: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
marca morfêmica do verbo que o acompanha
Marca morfêmica
morfema -mos
morfema ∅ (zero)
TOTAL
Aplicação/Total
56/1.216
368/395
424/1.667
%
4%
92%
25%
PR
.21
.99
Embora tenham sido encontradas as duas possibilidades de
concordância verbal com as formas nós e a gente, observamos maior
produtividade dos verbos com morfema ∅ (zero) ou em P3 combinandose com o pronome a gente, em um total de 92% e PR .99 contra 4% e PR
.21 de a gente com morfema -mos. Os exemplos a seguir ilustram as
estratégias usadas pelos alunos do ensino fundamental encontradas em
nossa amostra:
· DADOS DE ESCRITA
(1) Nós + P3
“[...] Daí quando nos tava passando” (54M1e)
(2) Nós + P4
“[...] nós perdemos de 14 a 0 e no segundo jogo.” (54M1e)
(3) A gente + P3
“[...] enquanto a gente andava veio um menino....” (74F1e)
(4) A gente + P4
“[...] depois a gente saímos do shopping.” (50F3e)
· DADOS DE FALA
(5) Nós + P3
“[...] nós tinha bastante comida pra comê...” (62M3f)
(6) Nós + P4
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“[...] bateu o recreio nós fomos pro recreio e depois nóis demo
a mochila pra ele.” (74M3f)
(7) A gente + P3
“Quase sempre a gente vai um monte [...] no shoppi” (50M3f)
(8) A gente + P4
“[...] a gente ficamo um pouco [...] e depois voltamo pra casa”.
(50F3f)
Como observamos na tabela 2, em um total de 395 dados de
marca morfêmica zero, foram encontradas 368 ocorrências do pronome
a gente ∅. Tais resultados parecem mostrar que a gente – embora possa
integrar o sistema pronominal com verbo que apresente a marca
morfêmica –mos, mantém o traço formal e original de 3ª pessoa, sendo
mais empregado com morfema ∅ (zero), concernente ao nome coletivo
gente. Segundo Lopes (1999), durante a passagem de nome para pronome,
nem todas as propriedades formais nominais são perdidas, assim como
não são assumidas todas as propriedades inerentes aos pronomes pessoais.
O peso relativo .99 associado à combinação de a gente com verbo
acompanhado de marca morfêmica ∅ (zero) sustenta essa hipótese. De
acordo com nossos resultados, apesar de observarmos presença de a gente
-mos, o traço de pessoa em a gente ∅ (zero) favorece – muito – a forma
pronominal a gente.
Há que se considerar que outro aspecto evidenciado no PB se
refere ao fato de o pronome a gente estar associado semanticamente com
o referente no plural, ou seja, podemos encontrar na língua, como
mostram os trabalhos de Omena 1998 [1986], Menon (1995) e Naro et al.
(1999), exemplos de fala como: a gente dançamos, a gente fomos, entre
outros, que, segundo Borges (2004), colaboram para assinalar o pronome
a gente como um pronome pessoal, visto que o falante os emprega
associando-os ao “eu”(pessoa que fala) e mais outra(s) pessoas. Assim,
embora a diferença seja grande em relação ao outro caso, os resultados
na tabela acima vêm confirmar esse fato, visto que em um total de 1.216
dados de marca morfêmica -mos foram encontradas 56 ocorrências do
pronome a gente -mos, com 4% de frequência e peso relativo .21.
Nossos resultados se assemelham muito aos resultados a que
chegou Vianna (2006) em seu estudo. Nas palavras dela (2006, p. 78), ao
que parece, “esse valor semântico coletivo, herdado do nome gente, seria
o responsável por conservar a concordância formal com formas verbais
em P3, cuja marca é representada pelo morfema ∅ ”.
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Com base em nossos dados de fala e escrita, comprovamos, deste
modo, a existência de a gente com marca morfêmica –mos (verbo em P4),
o que, talvez, se deva ao fato de na estrutura conceitual dessa forma
gramaticalizada estar inserido, fundamentalmente, “o falante + alguém”
ou o traço semântico [+EU] (Cf. Vianna, 2006).
Entre falantes cultos, Lopes (1999) destaca que, embora não seja
possível averiguar a concordância direta com a gente na fala, formas verbais
com desinência em P4 aparecem em estruturas paralelas. Diante dos
resultados, optamos por realizar um cruzamento entre as variáveis fala/
escrita e a marca morfêmica do verbo que acompanha o pronome a
gente com o intuito de verificar qual o percentual de a gente na escrita
e na fala acompanhado da marca morfêmica –mos e da marca morfêmica
∅ (zero). Na análise de dados de escrita, o pronome a gente com marca
morfêmica ∅ (verbo em P3) possui mais ocorrências do que com a marca
morfêmica –mos, tendo 17% de ocorrências deste caso contra 83%
daquele. Fazendo esta mesma análise com os dados da fala, percebemos
a elevação para 89% de ocorrências do pronome a gente com a marca
morfêmica ∅ (verbo em P3) contra 11% com a marca morfêmica –mos.
Será que esse fato se caracterizaria em uma “hipercorreção”? Os alunos
estariam tentando preencher o sujeito na escrita e fazendo a concordância
com morfema -mos para nós e a gente?
Por fim, também podemos constatar que o pronome nós é, ainda,
mais utilizado na escrita dos alunos do que o pronome a gente, visto que
das 1.284 ocorrências de dados de escrita somente 174 dizem respeito ao
a gente; entretanto, este número já é um indício de que este pronome
está sendo inserido na escrita dos alunos do segundo segmento do ensino
fundamental.
3.3.2. Preenchimento do sujeito
Temos o objetivo de averiguar se os pronomes nós e a gente na
escrita formal presente nas produções de textos dos alunos, bem como
na fala deles, já está se direcionando para o preenchimento do sujeito,
uma vez que alguns estudos sociolinguísticos têm indicado que a língua
portuguesa falada no Brasil apresenta, cada vez mais, sentenças de sujeito
pronominal preenchido (cf. Duarte, 1993, 1995; Costa, 2003; Paredes da
Silva, 2003; Nunes de Souza et al., 2010, entre outros). Assim, elegemos
duas formas que o falante usa para referir-se à primeira pessoa do plural:
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· SUJEITO PREENCHIDO
(9) Nós explícito + mos (verbo em P4)
(10) Nós explícito + O (verbo em P3)
(11) A gente explícito + O (verbo em P3)
(12) A gente explícito + mos (verbo em P4)
· SUJEITO NULO
(13) Nós implícito + mos (verbo em P4)
(14) Nós implícito + O (verbo em P3)
(15) A gente implícito + O (verbo em P3) – n/d em nossos dados.
(16) A gente implícito + mos (verbo em P4)
Os resultados da tabela 3, a seguir, mostram que, em relação ao
uso dessa variável, há predominância de a gente no que se refere ao
sujeito preenchido e não ao sujeito nulo. Os nossos resultados confirmam
os resultados de Lopes (1993), em que a autora obteve um total de 972
dados, sendo 375 de nós (39%), 333 de a gente (34%). Na sua análise
geral, a autora encontrou 562 dados de sujeito nós, explícito ou não,
contra 410 de sujeito a gente, explícito ou não.
Tabela 3: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
preenchimento do sujeito
Preenchimen to do sujeito
sujeito preenchido
sujeito nulo (ø)
TOTAL
Aplicação/Total
415/818
9/849
424/1.667
%
51%
1%
25%
PR
.89
.12
A porcentagem geral para o emprego de a gente, segundo a
variável sujeito preenchido, quando comparada ao emprego de nós, é de
51% contra 49%, com peso relativo de .89, ou seja, um índice bem alto
que corrobora a hipótese da mudança do parâmetro do sujeito.
Observando os dados em separado, verificamos que há mais sujeito nulo
com nós (99%) do que com a gente (1%), confirmando nossa hipótese
de que, se a marca está colocada no morfema do verbo, o sujeito pode
ser nulo. Portanto, os resultados da tabela 4 mostram que há mais
predominância de sujeito preenchido com o pronome a gente (pois este
pronome acompanha o verbo na 3ª pessoa do singular – P3) totalizando
PR .89 do que com o pronome nós. E provavelmente o pronome nós
apresentou-se acompanhado de sujeito nulo, pelo fato de ele vir
acompanhado do verbo na 1ª pessoa do plural – P4, perfazendo o total
de 99%. Duarte (1995, p. 124) disse que “sujeitos nulos vêm sendo cada
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vez menos utilizados, em especial pela faixa etária dos mais jovens”.
Possivelmente, isto ocorre porque os mais jovens têm feito mais uso de a
gente do que os mais velhos e este pronome acompanha o verbo na 3ª
pessoa do singular – P3, ou seja, a marca não está colocada no morfema
do verbo e, em geral, ele é predominantemente empregado com sujeito
preenchido.
No entanto, resta-nos saber se a mudança que vem se
estabelecendo na fala do PB já está, igualmente, aplicada à escrita formal.
A partir de resultados da frequência de a gente, segundo realização de
cruzamento entre as variáveis fala/escrita e preenchimento do sujeito, os
índices de preenchimento de a gente são praticamente iguais na fala e na
escrita, 98% e 97%, respectivamente, em contraposição ao nós, com apenas
15% e 35%. Como fala Duarte (1993, 1995), o sujeito preenchido vem
sendo cada vez mais usado, pois ocorreram apenas 2% de uso de sujeito
nulo com a gente na fala e 3% na escrita. Por outro lado, o pronome nós
vem preferencialmente nulo nas duas modalidades: 85% na fala e 65% na
escrita. Em outras palavras, nossos resultados mostram que há uma
discrepância maior entre sujeito preenchido e sujeito nulo quando se
utiliza o pronome a gente do que quando se utiliza o pronome nós, tanto
na fala quanto na escrita.
3.3.3. Paralelismo Formal (sujeito-sujeito)
Acreditamos que é o princípio de paralelismo formal que atua
intimamente na eleição das variáveis em estudo. Partimos da hipótese de
que a primeira ocorrência de um pronome condicione com as seguintes,
desencadeando, portanto, uma série de repetições da mesma forma
pronominal. Para análise desta variável valemo-nos de três tipos de
paralelismo, como observamos a seguir (já com os amálgamas):
(i) paralelismo formal: paralelismo 1 (sujeito-sujeito): a gente/
nós... 0; a gente/nós... a gente; a gente/nós... – mos; a gente/nós...
nós); (ii) paralelismo 2 (com clíticos: sujeito-objeto): a gente...
nos/se; a gente/nós... (d) a gente (com a gente); a gente/nós...
nós (de nós, com nós, para nós, conosco); e, (iii) paralelismo 3
(com possessivos: sujeito-adjunto adnominal): a gente/nós... nosso
(s); a gente/nós... (d) a gente.6
6
O paralelismo formal 1 (sujeito-sujeito) foi o que se mostrou significativo no resultado
das rodadas.
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Os principais critérios estabelecidos para considerarmos a
existência de uma série discursiva do paralelismo 1 foram, então, os de
sujeitos nós e a gente – explícitos ou implícitos – ocorrerem dentro de
um limite aproximado de dez orações sem a intervenção do entrevistador.
(Cf. Lopes, 1993). A seguir atentemos para a tabela 4.
Tabela 4: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
paralelismo formal
Paralelismo formal
a gente... ø
a gente... a gente
a gen te... -mos
a gente... nós
TOTAL
Aplicação/Total
10/12
267/386
102/876
45/393
424/1667
%
83%
69%
12%
11%
25%
PR
.96
.72
.49
.28
A tabela supracitada mostra que, quando o pronome a gente inicia
uma série, a tendência é que talvez a escolha influencie no uso de verbo +
O nas formas subsequentes (PR 0,96). Porém, referente a este caso, obtivemos
apenas 10 ocorrências, dentre as 12 totais encontradas, um número pequeno
se comparado às duzentas e sessenta e sete (267) ocorrências de percentual
69%, em que observamos o peso relativo .72, e, deste modo, percebemos
que, quando o pronome a gente inicia uma série, uma forte tendência é que
a escolha influencie no uso de a gente + a gente nas formas subsequentes.
Nas palavras de Omena (2003), a opção da forma para a primeira
referência é influenciada pela forma predominantemente empregada pelo
indivíduo. Segundo a autora (2003, p. 72), o que ocorre, com pouquíssimas
exceções, é que o falante em cujo desempenho predomina o uso de a
gente tem mais formas iniciais com a gente. O mesmo se dá com os que
usam predominantemente o nós. Desta forma, uma vez eleita a forma, o
falante tende a repeti-la, sobretudo se o referente não se alterar.
Outra ocorrência diz respeito a a gente...-mos que totalizou, dos
876 casos, 102 episódios e PR .49. O que os estudos têm mostrado e
Omena (2003) já comenta é que os casos de a gente com –mos ocorrem
sempre depois da pausa, talvez o falante use a desinência para recuperar
o referente7. Destarte, a atuação do paralelismo se verifica também em
determinados contextos em que os pronomes nós e a gente não são
realizados formalmente, ou seja, com a marca morfêmica esperada.
7
Pretendemos continuar investigando o fenômeno relacionado ao paralelismo, mas
precisamos, ainda, dispor de uma metodologia mais adequada e definida para tal
estudo.
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Lopes (1993) observou em seus dados, em relação ao paralelismo,
uma maior frequência (i) com o sujeito não explícito com verbo na 1ª
pessoa do plural – (93% dos casos, .86), e (ii) com a forma nós precedida
de uma oração introduzida por nós (87%, .79). Isto, de acordo com a
autora, indica que a probabilidade de usar o pronome nós, no lugar do
a gente, é significativamente maior quando o falante emprega também
nós em oração antecedente. Comparando seus resultados com os nossos,
percebemos semelhança, pois a ocorrência do paralelismo nós... nós
favoreceu a utilização do pronome nós, alcançando um percentual alto
de 89%.
Com base nos nossos resultados, podemos observar que o uso do
a gente na escrita está mais acentuado quando o paralelismo formal sujeitosujeito ocorre da seguinte maneira: a gente... ∅ e a gente... a gente,
totalizando 83% e 49%, respectivamente. Além disso, nos casos de
paralelismo formal sujeito-sujeito em que a segunda oração é formada
por sujeito nulo e acompanhada de marca morfêmica -mos ou ∅ ,
ocorreram mais casos da primeira concordância verbal do que da segunda
(57 contra 10, em números absolutos). Em relação à segunda oração, de
sujeito nulo, é possível aventar duas hipóteses distintas: a) caso o sujeito
nulo se refira ao pronome nós, pode-se concluir que existe, na escrita,
alternância entre os pronomes nós e a gente; ou b) caso o sujeito nulo se
refira ao pronome a gente, pode-se concluir que existe, na escrita,
alternância entre a concordância verbal ∅ e –mos para o mesmo pronome
(a gente). Em relação aos dados obtidos na fala, constatamos a inexistência
de a gente ... ∅, apenas a presença de a gente... –mos. Considerando que
houve, mesmo na fala, casos de a gente –mos, não é possível concluir que
há apenas alternância de pronomes, de modo que as hipóteses aventadas
anteriormente para a escrita terão de ser abordadas também nos estudos
referentes à fala.
Mesmo não tendo condições de apurar, no momento, o que
ocorre nesses casos de paralelismo formal sujeito-sujeito (alternância de
pronomes a gente e nós ou manutenção do pronome a gente e
variabilidade de concordância verbal ∅ e -mos), pressupomos que, caso
se trate de alternância de concordância verbal, esta não tende a
predominar, pois a utilização de a gente –mos presente nos dados obtidos
nesse estudo ocorre, em geral, em classes desfavorecidas, de pessoas menos
escolarizadas, havendo alto índice de estigmatização entre as classes mais
favorecidas e escolarizadas da sociedade (Cf. Silva, 2004). Entretanto,
Omena (1998) aponta a existência considerável da alternância de
pronomes em adultos (84%) e crianças (91%) para a gente ref. dif. e a
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intercambialidade de nós ref. dif. em adultos (49%) e crianças (28%), de
modo que pressupomos que a ocorrência de a gente... –mos, para que
seja uma construção prestigiada, deva se referir à alternância de pronomes
e não à alternância de concordância verbal.
Levando em consideração, ainda, o paralelismo formal sujeitosujeito a gente... a gente na fala, os números indicam que a frequência de
utilização de a gente, no lugar de nós, é maior quando o antecedente
formal for a gente (82%), sendo que escolhida determinada forma, a
pessoa tende a repeti-la. O mesmo ocorreu nos dados de Omena (1998:
196), em que a autora encontrou 93% de a gente ref. igual para adultos
e 94% de a gente ref. igual para crianças.
Estes resultados, de modo geral, confirmam a tendência linguística
do paralelismo formal, atestando, desta maneira, que uma vez selecionada
a forma, a pessoa tende a repeti-la, especialmente, se o referente não
mudar.
3.3.4. Saliência fônica
Conforme já mencionado por Zilles e Batista (2006, p. 105), o
papel da saliência fônica se define como o de uma “hierarquia das formas
verbais em função do contraste entre a forma com a desinência e a 3ª
pessoa do singular”. A escala sobre a variação entre nós e a gente utiliza,
em especial, as propostas de Omena (1998), Lopes (1993) e Naro et. al
(1999) e subdivide-se em seis níveis de diferenciação fônica8.
O pronome de primeira pessoa do plural nós/ a gente pode
harmonizar-se com o núcleo verbal que possua forma mais ou menos
saliente. Nas palavras de Omena (1998, p. 69), há menos distância fonética
entre a gente fica X nós ficamos do que entre nós somos X a gente é. A
diferença entre fica e ficamos é somente o acrescentamento de uma sílaba,
o que, segundo Omena (1998) favorece maior substituição de nós por a
gente. Já é e somos são formas completamente distintas, tornando menos
provável a ocorrência de a gente, conforme a autora (1998, 2003). Para
exemplificar tal colocação, Omena (2003) apresenta seus resultados de
análise de tempo real de curta duração com base na saliência fônica e uso
de a gente vs. nós, sendo que os resultados vão das formas menos salientes
para as mais salientes. Considerando os resultados apresentados por alguns
autores, postulamos as nossas hipóteses e apresentamos os resultados na
tabela 5, a seguir.
8
Todavia, ao realizarmos a primeira rodada, alguns fatores apresentaram KNOCKOUT
e, então, amalgamamos alguns graus, o que resultou nos graus 1 e 2. (Brustolin, 2009).
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Tabela 5: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
saliência fônica
Saliência fônica
Aplicação/Total %
grau 1: falava/falávamos; fosse/fôssemos; ir/irmos; cantar/cantarmos.
grau 2: fala/falamos; conversa/conversamos; pôde/pudemos.
85/247
34%
grau 3: está/estamos; faz/fazemos; vê/vemos.
grau 4: vai/vamos; partiu/partimos; comeu/comemos; foi/fomos;
pediu/pedimos.
grau 5: falou/falamos; passou/passamos; brincou/brincamos;
339/1420
24%
voltou/voltamos.
grau 6: é/somos; veio/viemos; teve/tivemos
TOTAL
424/1667
25%
Como os resultados9 apontam, a nossa hipótese inicial se confirma.
O pronome a gente, mesmo sendo menos utilizado do que o pronome
nós em ambos os graus de saliência fônica, é empregado com mais
frequência nos níveis de menor saliência fônica (34%) do que nos níveis
de maior saliência fônica (24%).
Do mesmo modo que em Omena (1998, 2003), o infinitivo
impessoal aparece favorecendo o uso de a gente; também, percebemos o
infinitivo no grau 1 favorecendo o uso de a gente em nossos dados. Ao
que parece podemos notar que os índices maiores da forma nós nos
graus 4, 5 e 6 podem aludir também à prevalência do pretérito perfeito
do indicativo e o pronome a gente pode estar aparecendo mais com os
graus 2 e 3, correspondendo quase exclusivamente ao tempo presente;
entretanto, se faz interessante observarmos, ainda, que no grau 1 há formas
verbais do pretérito imperfeito e, no cruzamento das variáveis tempo
verbal e saliência fônica, podemos constatar melhor em que tempo verbal
cada uma das formas é mais utilizada e se há uma tendência maior ao uso
de nós com tempos mais marcados (pretérito perfeito e futuro) e de a
gente com as formas menos marcadas (formas nominais, presente e
pretérito imperfeito) (Omena, 1998 [1986]; Lopes, 1993; Naro et al., 1999;
Vianna, 2006; entre outros).
A análise realizada por Naro et al. (1999) foi submetida à relação
das variáveis saliência fônica e tempo verbal. Os autores evidenciaram, no
estudo, que o pretérito perfeito apresentou as formas mais salientes,
centrando-se nos graus 4 e 5, mais altos da escala. Nos outros tempos, a
diferenciação entre o singular e o plural foi menor: são os graus mais
baixos – grau 1, fundamentalmente do pretérito imperfeito, e graus 2 e 3, do
9
A tabela 5 ficou mais difícil de ser analisada devido aos amálgamas que fizemos, mas
confirma, de certa forma, a nossa hipótese inicial.
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presente. Naro et al. (1999) sugerem que, pelo fato de o tempo presente
e o tempo pretérito terem a mesma forma na 1ª pessoa do plural, o
falante tem se valido, cada vez mais, da desinência -mos para assinalar o
tempo pretérito, em oposição à ausência de marca no presente.
Os nossos resultados ficaram muito próximos, e, embora em
Omena 1998 [1986] e Naro et al. (1999) o pretérito imperfeito seja mais
empregado com a gente, em nossos resultados, o índice deste para o
pronome a gente foi o mais baixo, corroborando os resultados de Lopes
(1993) uma vez que, nos dados da autora, houve um ligeiro favorecimento
para o pronome nós (66%) nesses contextos. Pensamos ser indispensável
citar que, em nosso estudo, a variável tempo verbal não foi selecionada
como significativa, porém a interdependência dos fatores saliência fônica
e tempo verbal nos parece evidente, visto que os alunos, ao narrarem um
acontecimento da vida deles, referem-se a eventos passados, marcando-os
temporal e cronologicamente10.
3.3.5. Paralelismo formal (sujeito-objeto)
Realizamos uma separação entre os paralelismos sujeito-sujeito,
sujeito-objeto e sujeito-possessivo a fim de verificar minuciosamente cada
tipo de paralelismo e suas relevâncias. Segue tabela 6 com os resultados.
Tabela 6: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
paralelismo formal sujeito-objeto
a gente...(d)a gente,
com a gente
a gente... nós, de nós,
com nós, para nós,
conosco
a gente... nos, se
TOTAL
Aplicação/Total
4/12
(%)
33%
PR
.82
10/43
23%
.43
13/82
27/137
16%
20%
.47
O paralelismo formal (com clíticos: sujeito-objeto) que mais se
mostrou significativo no estudo foi o a gente...(d)a gente, com a gente, ou
seja, este resultado (33% e PR .82) indica também que, quando o pronome
sujeito a gente inicia uma série, a tendência é de que o objeto também
prefira a forma (d)a gente. O mesmo ocorre com o pronome nós, quando
10
Realizamos também, rodada estatística sem a variável saliência fônica a fim de
verificar se os resultados se diferenciariam muito, porém, retirando a saliência fônica
do verbo, o resultado para a variável tempo verbal se apresentou o mesmo (Brustolin,
2009).
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inicia uma sentença, em geral, é retomado no objeto, como os resultados
confirmam, com 77% de frequência nessa relação.
3.4. Resultados e discussão das variáveis extralinguísticas
Das quatro variáveis extralinguísticas analisadas, duas se mostraram
relevantes para a variação de nós e a gente em nosso estudo, a saber: sexo
e série. Este resultado é importante, visto que fica evidente a determinação
social do indivíduo na variação dos pronomes pessoais de primeira pessoa.
3.4.1. Sexo
Segundo Labov (1972, 2003), percebe-se que as mulheres tendem
a empregar as formas de maior prestígio, evitando formas estigmatizadas.
Todavia, o autor também menciona que, nos processos de mudança
linguística, as mulheres mostram-se mais inovadoras, introduzindo as
variantes “não-padrão”, quando essa forma não estiver marcada.
Com base em estudos da área, nossa expectativa se aproxima da
dos resultados alcançados por Zilles (2007) e também por Seara (2000)
e é de que as alunas tendam a utilizar o pronome a gente, tendo em vista
que ele não carrega muito estigma e como as pesquisas variacionistas, em
geral, têm demonstrado, as formas “bem aceitas” na sociedade geralmente
já estão na fala das mulheres.
Tabela 7: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
social sexo dos informantes
Sexo
masculino
feminino
TOTAL
Aplicação/Total
144/708
280/959
424/1667
%
20%
29%
25%
PR
.32
.64
Os resultados da tabela 7 corroboram nossa hipótese de que as
mulheres tenderiam a utilizar mais o pronome a gente do que os homens.
As mulheres utilizaram este pronome em 29% das ocorrências, e PR de
.64. Esse resultado aproxima-se do encontrado por Zilles (2007) e por
Seara (2000), em que as mulheres, de modo geral, também tendem a
utilizar o pronome pessoal a gente.
3.4.2. Série
Para a análise dessa variável, realizamos a distribuição pelas quatro
séries integrantes do segundo segmento do ensino fundamental: 5ª, 6ª, 7ª
e 8ª.
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Segundo Votre (2004), a escola age como preservadora da forma
de prestígio. Todavia, nos pronomes pessoais de primeira pessoa nós/a
gente, não há, atualmente, muito estigma11. Mas, embora o pronome a
gente seja “bem aceito”, a sua possibilidade de ocorrência com o mesmo
valor referencial do pronome nós, essencialmente na escrita, não costuma
ser objeto do ensino formal, apesar de o pronome a gente ser usado no
discurso dos professores e profissionais da escola.
Nossa hipótese quanto à série é encontrar mais ocorrências do
pronome a gente na escrita dos informantes de 5ª e 6ª séries que estão
passando pelo processo de aprender o conteúdo pronominal, utilizando,
ainda, uma escrita menos formal, tendendo a empregar mais a escrita 1.
E acreditamos encontrar mais ocorrências do pronome nós na escrita
dos alunos de 7ª e 8ª série, pelo fato de estes estarem usando com maior
frequência o pronome nós e estarem vivenciando uma fase em que a
monitoração escrita, em geral, é mais recorrente, caminhando, então,
para uma quase escrita 2. Quanto à fala, por ser mais espontânea,
acreditamos que o pronome a gente será mais empregado pelos alunos
em geral do que o pronome nós, independentemente da série.
Os resultados podem ser visualizados na tabela 8 a seguir.
Tabela 8: Frequência e probabilidade de a gente, segundo a variável
série (5ª, 6ª, 7ª, 8ª)
Série
5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
TOTAL
Aplicação/Total
143/369
126/503
65/330
90/465
424/1667
%
39%
25%
20%
19%
25%
PR
.70
.51
.49
.33
A partir destes resultados, podemos perceber que os alunos que
mais utilizam o pronome a gente são das séries: 5ª e 6ª, com 39% e 25%
das ocorrências e acompanhadas de PR de .70 e .51, respectivamente, o
que as aponta como favorecedoras do uso de a gente corroborando nossa
hipótese. Em contrapartida, os alunos pertencentes às últimas séries do
ensino fundamental (7ª e 8ª) mostram PR .49 e .33, respectivamente,
embora também façam uso deste pronome.
11
Em geral, baseadas nos resultados de pesquisas já mencionadas, podemos perceber
que existe pouco estigma em relação ao pronome a gente no PB. O que é condenado,
na maioria dos casos em Florianópolis, é o uso da concordância não canônica com os
pronomes nós/a gente, ou seja, a gente acompanhado da marca morfêmica –mos e nós
acompanhado da marca morfêmica ∅.
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Destacamos que o pronome a gente, independente de sexo, é
menos utilizado pelos alunos das duas últimas séries do ensino
fundamental, confirmando o que alinhavamos em nossa hipótese.
4. Reflexões finais
Podemos dizer que o pronome a gente é mais utilizado pelos
alunos do ensino fundamental na fala e o pronome nós é mais utilizado
por estes alunos na escrita. Os resultados obtidos corroboraram algumas
das hipóteses que nortearam este estudo. Com base nos dados coletados,
podemos dizer que a variação dos pronomes nós e a gente é linguistica
e socialmente motivada.
Obtivemos como resultado para a oposição de modalidade (fala
x escrita) um maior emprego do pronome nós na escrita do que do
pronome a gente na escrita, porém para fala o uso de a gente suplantou
o de nós. A leitura dos resultados nos permite inferir que nas escolas da
rede pública de Florianópolis pesquisadas: (i) o pronome nós é mais
utilizado na escrita em detrimento do a gente, apesar de este já aparecer
na escrita; (ii) o pronome a gente é mais usado na oralidade (narrativas
de cunho pessoal) em detrimento do pronome nós; e (iii) apesar de a
gente já ter um grande espaço, o emprego do nós na escrita é
proporcionalmente maior do que o emprego do a gente na fala.
Ressaltamos, ainda, que o uso do pronome a gente, em geral, não
apresenta muito estigma e está correlacionado a variáveis extralinguísticas,
por exemplo, nível de formalidade, escrita versus fala e sexo dos falantes.
Contudo, acreditamos que o estigma no uso do pronome nós e a gente,
na maioria das vezes, está relacionado à realização da desinência verbal:
–mos (a gente cantamos) ou zero (nó(i)s canta ∅ ), e não à utilização dos
pronomes nós e a gente, acompanhados de verbos nas formas P4 e P3,
respectivamente. A partir dos resultados encontrados neste estudo,
salientamos, ainda, que a marca morfêmica foi a variável linguística
selecionada como a mais significativa em todas as rodadas e cruzamentos;
deste modo, podemos afirmar que um dos fatores que está regendo a
variação dos pronomes de primeira pessoa do plural nós e a gente são as
determinações no uso da desinência verbal, além de determinações
socioculturais do indivíduo.
Por fim, observamos que atualmente uma nova concepção de língua
orienta uma nova forma de pensar o ensino desta. Portanto, um dos
primeiros objetivos e uma das primeiras atitudes do educador deve ser o
reconhecimento da realidade sociolinguística presente na sala de aula e
na comunidade em que está atuando.
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Resumo
O objetivo deste trabalho é descrever e analisar a variação
de nós e a gente (e suas possíveis realizações na desinência
verbal -mos e zero) na fala e escrita de alunos do ensino
fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) em quatro escolas da
rede pública de ensino de Florianópolis – região leste de
Santa Catarina. A análise está apoiada na Teoria da
Variação e Mudança Linguística delineada por Weinreich,
Labov e Herzog (1968) e Labov (1972, 2001, 2003) e leva
em conta a influência de fatores linguísticos e
extralinguísticos no condicionamento das formas em
variação. Esta pesquisa consistiu na observação do uso
“real” desses pronomes e se efetivou partindo de uma
proposta de narração solicitada aos alunos, que deveriam
relatar a respeito de um momento marcante da vida deles,
em conjunto, com outras pessoas – para se resgatar,
preferencialmente, a primeira pessoa do plural. As
amostras da pesquisa foram constituídas por produções
textuais e entrevistas orais, no período de maio a outubro
de 2008. Os resultados gerais já apontam para um uso
efetivo da forma a gente na fala e na escrita dos alunos,
com base nas rodadas que foram realizadas com a ajuda
do pacote estatístico VARBRUL. Verificamos os seguintes
contextos linguísticos e extralinguísticos favorecedores
para o uso de a gente na escrita e na fala, respectivamente:
(i) marca morfêmica do verbo que o acompanha (zero e
–mos), (ii) sujeito preenchido e nulo, (iii) modalidade:
fala e escrita, (iv) saliência fônica, (v) paralelismo formal,
(vi) sexo dos informantes e (vii) série (5ª, 6ª, 7ª e 8ª). Esse
quadro aponta para o ensino de língua em que um dos
primeiros objetivos e uma das primeiras atitudes do
educador deve ser o reconhecimento da realidade
sociolinguística presente na sala de aula.
Palavras-chave: variação/mudança linguística e ensino,
pronome, fala e escrita.
Abstract
The aim of this work is to describe and analyze the
change of nós and a gente (and their respective
realizations in the verbal ending –mos and null) in the
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spoken and written language of the students in the
middle school (5th , 6th , 7th and 8th grades) through
four schools in the public system of education in
Florianópolis – east region of Santa Catarina state. The
analysis is supported by the theory of Linguistic Variation
and Change, delineated by Weinreich, Herzog and
Labov (1968) and Labov (1972, 2001, 2003) and it
considers the influence of linguistic, and extralinguistic
factors at the conditioning of forms in variation. This
survey has consisted by the observation of “real” use of
these pronouns and it was effected from a proposal of
a narrative, solicited to the students, to report an
impressing moment of their lives with other people, to
get, preferentially, the first person of plural. The
samples of the survey were constituted by textual
productions and oral interviews, at the period from May
to October 2008. The general results attest an effective
use of the form a gente in the spoken and written
language of the students, as we can verify through the
results obtained by the rounds of the VARBRUL
statistical packet. We have verified the following
linguistic and extralinguistic favorer contexts for the
use of a gente in the oral and written modalities,
respectively: (i) morphemic mark of the verb, (ii) null
or full subject, (iii) spoken and written languages, (iv)
phonic salience, (v) formal parallelism, (vi) sex of the
informants and (vii) school grades (5th, 6th, 7th e 8th).
This scenery indicates a teaching of languages, which
has as first aims and first educator’s attitudes the
recognizability of the sociolinguistic reality present in
the classroom.
Keywords: linguistic variation/change and teaching;
pronouns; oral and written modalities.
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La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda
persona del singular en publicidades de Montevideo
Bruno Rafael Costa Venâncio da Silva1
Carlos Felipe da Conceição Pinto2
1.
Introducción
La discusión sobre la variación del español no
es algo reciente. Mucho se ha debatido en el siglo XX
respecto de los orígenes y las características del español
americano y sus principales rasgos distintivos. En este sentido, Fontanella
de Weinberg (1993) comenta que es inadecuado dividir el español en
dos bloques distintos, opuestos el uno al otro e internamente homogéneos
como se suele hacer al hablar de “español de España” y “español de
América”3. En la propuesta de Fontanella de Weinberg (1993), el español
americano es un conjunto de variedades lingüísticas habladas en América
definidas geográfica e históricamente sin olvidar el complejo y variado
carácter del proceso de colonización ni sus implicaciones lingüísticas.
Fontanella de Weinberg (1993) comenta que, a excepción del
uso del pronombre vos en América y del pronombre vosotros en España,
no hay una forma lingüística que sea exclusiva de una zona geográfica4.
1
Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte.
2
Doutorando da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
3
Es cierto que los estudios léxicos vienen desarrollándose y muchas investigaciones
sobre el léxico de cada país/región surgieron a lo largo del siglo XX dando origen
a diccionarios de argentinismos, cubanismos, peruanismos, mexicanismos etc. Sin
embargo, nos parece bastante prudente tener las observaciones de Fontanella de
Weinberg (1993) en mente al analizar otros niveles de la lengua.
4
Para una discusión muy interesante de este tema, ver Fanjul (2004).
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Artigos Inéditos
En el español, la segunda persona tiene pronombres específicos
cuyo uso depende del nivel de cortesía y/o familiaridad que hay entre los
hablantes5. En términos gramaticales generales y, principalmente,
normativos, para la segunda persona del singular, si el tratamiento es
informal, se usa el pronombre tú y sus formas verbales equivalentes, si el
tratamiento es formal, se usa el pronombre usted y sus equivalentes
verbales. En el caso de la segunda persona del plural, se usan las formas
pronominales vosotros y ustedes y sus formas verbales respectivamente.
Sin embargo, diversos estudios (Lapesa, 1968; Fontanella de
Weinberg, 1979, 1993; Hotta; 1997; Carricaburo, 1997; Bertolotti, 2006,
2011 etc.) vienen señalando que hay gran variación en la realización
pronominal y verbal de la segunda persona del singular informal en el
mundo hispánico, especialmente en América, donde la forma pronominal
tú y sus equivalentes pronominales y verbales (el tuteo) alternan en
diferentes contextos socio-pragmáticos y gramaticales con la forma
pronominal vos (el voseo) y sus equivalentes verbales. Aunque esa variación
gramatical esté presente en toda Hispanoamérica, la región en la que ha
ganado más terreno es la región del Río de la Plata, donde, inclusive, se
usa en la norma culta y, en el caso de la Argentina, está reconocido por
la Academia Argentina de Letras. Considerando las principales ciudades,
en el caso de Buenos Aires, el vos es la única forma pronominal existente
para la segunda persona de confianza. En el caso de Montevideo, la formas
voseantes alternan con las formas tuteantes.
A partir del somero panorama presentado arriba, esta
investigación, de carácter esencialmente empírico6, tiene el objetivo de
hacer una presentación de los pronombres de tratamiento de segunda
persona del singular en publicidades de la ciudad de Montevideo. Nuestras
hipótesis son: a) el pronombre de tratamiento vos no está restringido a la
lengua oral en Uruguay, como propone Fontanella de Weinberg (1994);
b) las formas verbales encontradas en las publicidades y anuncios son
5
El sistema de las fórmulas de tratamiento no depende simplemente del hecho de
que si la situación es formal o informal en el sentido de que si los hablantes se
conocen y tienen intimidad o no. Muchos otros factores juegan papel importante en
ese sistema, como discutido en Carricaburo (1997). Un ejemplo de esta complejidad,
que pasa por las relaciones de poder, es el caso en que un jefe de una empresa tiene
una secretaria mucho mayor que él. El jefe tiene los rasgos [+poder; -edad] y la
secretaria tiene los rasgos [-poder; +edad], hecho que genera un conflicto a la hora
de usar las fórmulas de tratamiento.
6
En este trabajo nos detenemos fundamentalmente en aspectos empíricos/descriptivos
de la cuestión. Es decir, presentamos datos. En trabajos futuros, se podrá utilizar los
datos presentados y los que añadan para reflexiones teóricas sobre variación y cambio
lingüístico además de las investigaciones pragmáticas y discursivas.
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idénticas a las formas típicas del voseo bonaerense dado el influjo de
Buenos Aires sobre Montevideo, como señala Carricaburo (1997).
El trabajo se divide de la siguiente manera: en la primera parte,
hacemos una breve presentación de la definición, el origen y la extensión
del voseo en América y específicamente en Uruguay. En la segunda,
trataremos la presentación de los datos, la metodología empleada y los
análisis cualitativo y cuantitativo de los datos. Al final, se harán algunas
consideraciones sobre el trabajo.
2. Definición, origen y extensión del “voseo”7
El voseo es el uso del pronombre vos y/o sus formas verbales y
pronominales para segunda persona singular. En términos pronominales,
el pronombre vos aparece en lugar del pronombre tú en las funciones de
sujeto y complemento de preposición (los posesivos, los reflexivos y los
clíticos no se distinguen); en términos verbales, el voseo más extendido,
que es el voseo del Rio de la Plata, tiene desinencias específicas en el
presente de indicativo y en el imperativo afirmativo8. Compárense los
ejemplos en (1), del tuteo, y en (2), del voseo:
(1)
a. Tú no me dices la verdad.
b. Compré este libro para ti.
c. ¿Qué quieres tú?
d. Tú nunca hablas de tu vida.
e. Tú cantabas mucho más antes.
(2)
a. Vos no me decís la verdad.
b. Compré este libro para vos.
c. ¿Qué querés vos?
d. Vos nunca hablás de tu vida.
e. Vos cantabas mucho más antes
7
Para una exposición más detallada de este tema, ver Pinto (2007).
El voseo en otras regiones presenta diferentes desinencias en otros tiempos verbales
como señala Bertolotti (2011). No nos detendremos en la variación desinencial del
voseo en este trabajo pero un comentario es relevante para el caso del presente del
subjuntivo y sus funciones pragmáticas (entre ellas las de imperativo negativo): hay
variación entre la morfología verbal típica del voseo y la del tuteo dependiendo de
la función del subjuntivo. Fontanella de Weinberg (1979) muestra que en imperativo
menos tajante, como una sugerencia, se usan las formas del tuteo; por otro lado, en
un orden incisivo, se usan las formas propias del voseo.
8
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Artigos Inéditos
Mucha gente piensa equivocadamente que el voseo es una innovación
americana, especialmente de la región del Río de la Plata. Sin embargo,
muchos estudios muestran que el origen del voseo es el propio latín.
Inicialmente, el latín solamente tenía las formas tu y vos para el tratamiento
singular y plural respectivamente. En el latín tardío, se empezó a usar la
forma vos para referir a la segunda persona singular de respeto. En el castellano
medieval, para distinguir el vos singular del vos plural se añadió el sufijo –otros
a la forma plural (vosotros). Con las crisis sociales, el surgimiento de la
burguesía en la Edad Media y el surgimiento de vuestra+puesto (majestad,
excelencia, santidad etc. siendo que merced era la forma genérica, cuando no
se usaba el puesto, y al final se gramaticalizó: vuestra merced > usted), las formas
de tratamiento tuvieron un desgaste que resultó en la eliminación de la
forma pronominal vos del paradigma europeo entre los siglos XVI y XVII9.
En el caso de América, con la llegada de los colonizadores en plena
ebullición del conflicto pragmático, ambas formas, tú y vos, fueron empleadas.
Y la pervivencia de una u otra está determinada por factores extralingüísticos.
Por ejemplo, el mapa del voseo/tuteo actual es una evidencia a la propuesta
que Fontanella de Weinberg (1993) hace para la estandarización del español
americano: las regiones más estandarizadas y las que tuvieron más contacto
con la metrópoli son las que perdieron el uso del vos (como gran parte de
México, Perú y el Caribe); las regiones menos estandarizadas y las que
tuvieron menos contacto con la metrópoli son las que siguen usando el
voseo (como el caso del Río de la Plata en general)10.
Actualmente el voseo está extendido en la mayoría aplastante de
los territorios de Argentina, Uruguay, Paraguay, Costa Rica, Honduras, El
Salvador, Nicaragua y Guatemala, así como en minorías significativas en
países como Chile, Bolivia, Colombia, Venezuela, Perú y México (cf. Lipski,
1994; Carricaburo, 1997).
En lo tocante a la variación gramatical del voseo, el voseo puede
ser de tres tipos: pronominal, verbal y mixto como ilustran respectivamente
los ejemplos en (3) a continuación:
9
Como señala Carricaburo (2003), el desgaste se debe al doble uso del vos: inferiores
se dirigían a superiores por vos como señal de respeto; superiores se dirigían a
inferiores por vos como señal de alejamiento.
10
Aquí caben dos comentarios. 1) El voseo en Chile es sentido como algo estigmatizado,
rural, no culto debido a la fuerte política de Andrés Bello en el siglo XIX para
exterminar el voseo; 2) Aunque la Región del Río de la Plata, en especial el Paraguay,
estuvo al borde del Imperio mucho tiempo, un caso diferente se encuentra en Buenos
Aires, que tuvo gran desarrollo a partir del siglo XVIII. Sin embargo, como señala
Alonso (1942), con el movimiento de “las lenguas nacionales”, parece que el voseo
en esa región ganó terreno como expresión de independencia lingüística.
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(3)
a. vos tienes
b. tú tenés
c. vos tenés
El voseo pronominal es aquel en el que sólo el pronombre tiene
la forma voseante como en (3a); el voseo verbal es aquel en que sólo el
verbo tiene la forma voseante como en (3b); el voseo mixto (que a lo
mejor debería clasificarse como “puro” ya que híbridos son los tipos
anteriores) es aquel en que ambos, pronombre y verbo, tienen la forma
voseante como en (3c).
La morfología verbal también presenta variación. Rona (1967, apud
Carricaburo, 1997) clasifica las formas verbales del voseo en tres tipos:
I
-ais/-eis 11
-eis/-ais
-is/-ais
II
-as/-es
-es/-as
-is/-as
III
-ais/-is
-is/-ais
-is/-ais
Cuadro 1: Tipos de voseo
Fuente: Rona (1967, p. 69-73)
La clasificación del cuadro 1 nos parece poco adecuada
considerando la alternancia del voseo del tipo II como muestran los
ejemplos en (4) y (5):
(4)
a. vos sabés
b. vos cantás
(5)
a. vos sabes
b. vos cantas
A primera vista, parece que la alternancia se refiere a una cuestión
de acentuación, en que las formas en (4) son agudas y las formas en (5)
son graves. Sin embargo, si se consideran los ejemplos en (6) y (7), se
verá que el problema no es de acentuación simplemente:
(6)
a. vos querés
b. vos podés
11
La forma a la izquierda es la forma del presente de indicativo y la forma a la derecha
es la forma del presente de subjuntivo.
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(7)
a. vos quieres
b. vos puedes
Si el problema fuera simplemente de acentuación, se esperaría
encontrar la forma vos queres. Sin embargo, la forma queres, con acentuación
grave, es inexistente. La forma aguda tiene origen en la forma de la
segunda persona del plural (cantais > cantás, cf Lapesa, 1968; Carricaburo,
1997), mientras que la forma grave es homófona a la forma de la segunda
persona del singular del tuteo (si es que no es la misma forma). Por esa
razón, proponemos, como ya apuntado en Pinto (2007), cuatro tipos de
morfología para el voseo12:
I
-ais/-eis
-eis/-ais
-is/-ais
II
-ás/-es13
-és/-as
-ís/-as
III
-as/-es
-es/-as
-is/-as
IV
-ais/-is
-is/-ais
-is/-ais
Cuadro 2: tipos de voseo revisados
El voseo de tipo I es característico de zonas andinas y son formas
diptongadas. Según Carricaburo (1997), este tipo de voseo persiste
solamente en algunas zonas aisladas, como por ejemplo en la ciudad
colombiana de San Juan de Micay o en otras zonas andinas. El tipo II es
el llamado voseo rioplatense o argentino. Es el voseo más extendido no
sólo en la región del Río de la Plata, sino también en Centroamérica y en
algunas zonas de Ecuador, Venezuela, Colombia y Bolivia. El voseo de
tipo III se escucha en la provincia de Santiago del Estero (Argentina),
parte de Ecuador y sudoeste de Bolivia. El voseo de tipo IV es conocido
por voseo chileno, pero también se extiende por las Sierras Ecuador,
parte de Bolivia y Perú.
2.1. El voseo en Uruguay
La variedad lingüística de Montevideo se parece mucho a la de
Buenos Aires. Este hecho inclusive hace que muchos no distingan un
montevideano de un bonaerense. Aunque pertenezcan al grupo de los
12
Quizás, el problema de la clasificación de Rona (1967) en tres tipos de voseo se
deba a que no pone el acento gráfico en las desinencias del voseo de tipo II destacando
que son formas agudas. Estamos de acuerdo en que solamente hay tres desinencias
exclusivas del voseo. La cuarta desinencia es la desinencia del tuteo, empleada en el
voseo pronominal.
13
Aquí entra el problema de la variación en el presente de subjuntivo como discutido
en Fontanella de Weinberg (1979).
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países rioplatenses según su geografía y por su semejanza dialectal, en lo
tocante a los pronombres de tratamiento parece haber diferencias
importantes. Carricaburo (1997) afirma que el paradigma voseante en
Uruguay es más complicado que en el resto de los países rioplatenses,
existiendo tres posibilidades:
- Voseo pronominal y verbal (el verbal de tipo II), sobre la ribera
derecha del río Uruguay, que está en contacto con el litoral
argentino.
- Tuteo pronominal y voseo verbal (tú tenés), que corresponde a
la norma culta montevideana y que allí irradia prestigio de lo
capitalino.
- Dos zonas de tuteo exclusivo (tú tienes).
(Carricaburo, 1997, p. 30)
La autora justifica que las zonas de tuteo exclusivo son así debido
al contacto con el portugués del sur de Brasil, que también es tuteante,
y por una cuestión histórica de inmigración de colonos del noroeste de
la península ibérica.
Bertolotti (2006) intenta explicar la evolución de las fórmulas de
tratamiento en el español uruguayo. Según la autora, entre los siglos XVIII
y XIX, el Uruguay tenía las formas tú, para el tratamiento informal, y
vuestra merced/usted, para el tratamiento formal. Sin embargo, a fines del
siglo XX y comienzos del siglo XXI, las formas de tratamiento informal
presentan variación entre las formas vos y tú. La explicación gramatical de
Bertolotti (2006) para la variación es la de que el voseo entra por el
sistema pronominal, ya que en el siglo XIX registra casos de voseo
pronominal — como ilustrado en (3a). Dado el carácter pro-drop del
español uruguayo, tales ocurrencias son escasas14.
Los uruguayos han avanzado hacia el voseo y, hoy día, los jóvenes
son los que más se han volcado hacia el voseo pronominal, que, en la
sociedad montevideana, suena como una cuestión de “argentinización”
por el turismo de argentinos y los programas de televisión que son
emitidos en Uruguay (Carricaburo, 1997, p. 31-32).
En un estudio que se refiere a los mecanismos conversacionales
en el español uruguayo, Gabianni (2006) encontró en su corpus que los
14
La explicación pragmática que da Bertolotti (2006) para el incremento del voseo
es que fue usado como un mecanismo de cortesía que atenuaba el carácter grosero
de las formas tuteantes.
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operadores de servicio de atención al cliente o reclamos casi nunca tutean
a los usuarios y aclara que la elección de tú/vos o usted señala un
posicionamiento frente a la situación y el interlocutor.
Fontanella de Weinberg (1994) hace una comparación entre la
incorporación del voseo en la lengua escrita de Buenos Aires y de Uruguay,
afirmando que:
[...] el español bonaerense y el usado en territorio uruguayo
pueden considerarse como constituyentes de una misma variedad
regional amplia, dentro del conjunto de dialectos hispánicos, el
punto en que se nota una diferenciación más marcada es
precisamente el de los usos de segunda persona singular familiar,
ya que en la región bonaerense hay una generalización
prácticamente total del voseo, mientras que en Uruguay en la
lengua oral se da una compleja distribución de usos de voseo y
tuteo, mientras que en la lengua escrita hay un marcado
predominio del tuteo.
(Fontanella de Weinberg, 1994, p. 5-6)
El uso del voseo en los medios de comunicación argentinos es
generalizado, tanto en las modalidades orales y escritos, sean los más
cuidados o los menos, incluyendo los avisos dirigidos a la población por
el Ministerio de Educación de la Nación (Fontanella de Weinberg, 1994,
p. 8).
Por otro lado, Lipski (1994) refuerza la idea de que el tú en
Uruguay no está totalmente, “en absoluto”, ausente. El autor afirma que
muchos uruguayos consideran la forma pronominal vos como plebeya y
que los hablantes cultos deberían elegir el tú, que sobrevive gracias al
dogma escolar y las aspiraciones sociales de la población. En el presente
de subjuntivo, las formas verbales correspondientes al voseo alternan con
las que pertenecen al tuteo. Esta última afirmación es negada por
Carricaburo (1997), quien afirma que la forma verbal del presente de
subjuntivo del voseo, es decir, las formas agudas, han sido registradas en
situaciones muy espontáneas y solamente en algunos usos.
Frente a esos hechos, consideramos de suma importancia analizar
cómo se da la variación de la formas de tratamiento en el español uruguayo
en diferentes ámbitos y de forma cuantitativa. En este primer trabajo,
ofreceremos una descripción de la situación a partir de anuncios
publicitarios encontrados en la ciudad de Montevideo.
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3. La metodología de la investigación
Nuestro corpus está compuesto por 60 publicidades y anuncios
colectados en la ciudad de Montevideo, capital de la República Oriental
de Uruguay, entre el 15 y el 18 de febrero de 2010. La intención de la
investigación fue la de verificar cuáles son las formas de tratamiento
utilizadas en la publicidad de esta ciudad y cómo está dispuesto el voseo
en este ámbito.
Para ello, entraremos en la parte del análisis cualitativo donde
analizamos algunos casos específicos y discutimos las posibles elecciones
del pronombre de acuerdo con la situación. Después, presentaremos un
análisis cuantitativo para descubrir el número de publicidades y anuncios
que presentan el voseo y también las otras formas (tú y usted), además de
los anuncios que presentan las dos formas y paradigmas dudosos.
Esta investigación se detiene a la lengua escrita, específicamente
el género textual “publicidad”. No investigamos fenómenos del habla y
tampoco se está afirmando que los anuncios y publicidades colectados en
Montevideo hayan sido producidos en esta ciudad o por hablantes nativos
de esta región (lo que sería imposible, además), sino mostraremos datos
recogido allí, lo que indirectamente puede reflejar algo.
Las publicidades y anuncios fueron recogidos a través de una
cámara digital en las calles de Montevideo y guardados en una tarjeta de
memoria para que fueran analizados en una computadora. Los anuncios
fueron clasificados en 5 carpetas de acuerdo a la forma de tratamiento
utilizada:
(a) publicidades voseantes;
(b) publicidades tuteantes;
(c) publicidades de usted;
(d) publicidades mixtas (para los casos en que aparecían las formas
tuteantes y voseantes en la misma publicidad);
(e) publicidades dudosas (los casos en que no eran posibles distinguir la
forma verbal)
Por tratarse de publicidades, no entramos en la discusión
pragmática. Simplemente nos detuvimos en cuestiones formales/
gramaticales de las fórmulas de tratamiento.
4. Análisis de los dados
Como ya mencionado anteriormente, el análisis está dividido en
dos tipos: cualitativo y cuantitativo. Para evitar dudas a la hora de analizar
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Figura 2: Publicidad de Pronto – Voseo
Fuente: Venâncio da Silva (2010 )
Como se puede ver, la marca “Pronto” hizo dos publicidades,
cada una con una forma tratamiento informal. Por otro lado, como se
verá a continuación, la marca “TIC” utilizó las dos formas para la
informalidad dentro de la misma publicidad, siendo cambia para el
imperativo de tú y cambiá para el imperativo del vos:
Figura 3: Publicidad de TIC – Tuteo y voseo16
Fuente: Venâncio da Silva (2010)
16
En la frase grande en destaque, el verbo aparece en forma tuteante cambia. Por
otro lado, en la frase pequeña en el rincón izquierdo, el verbo aparece en la forma
voseante cambiá.
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Las figuras 1, 2 y 3 muestran que el tuteo y el voseo alternan en
los mismos contextos (inclusive puede ser una evidencia de que los mismos
hablantes usan las dos formas indistintamente) ya que se supone que dichas
publicidades hayan sido producidas por el mismo hablante, especialmente
la publicidad de la figura 3.
Otro caso de publicidad mixta es encontrado en la publicidad de
la tarjeta de crédito “Visa”, en el shopping “Punta Carretas”, como muestra
la figura 4:
Figura 4: Publicidad Visa y Punta Carretas Shopping – Tuteo y voseo
Fuente: Venâncio da Silva (2010)
Este caso muestra el verbo iluminá con el paradigma verbal de
imperativo del vos y abajo el verbo visita con el paradigma verbal de
imperativo de tú. Se nota claramente que esta publicidad específicamente
fue elaborada desde dos partes: la primera responsable por el “Punta
Carretas Shopping”, y la segunda por “Visa”. Como podemos contemplar,
en la parte del “Punta Carretas Shopping”, de Uruguay, se prefirió la
forma verbal del voseo, mientras que la marca “Visa”, internacional,
prefirió la forma tuteante. Posiblemente, personas (¿de orígenes?)
diferentes hicieron las dos partes de esta publicidad. Además, es
importante hacer hincapié en el “descuido” dentro de esa publicidad, lo
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que nos hace inferir que este fenómeno es común en Montevideo, ya que
no hubo una preocupación en adaptar la parte del Visa a las formas
típicamente voseantes, que sería visitá.
Los casos en que formas de tratamiento diferentes aparecen en la
misma publicidad no se restringen a las segundas personas informales,
sino que hay mezcla con las formas del pronombre usted, que se usa para
casos de formalidad, como se muestra en la figura 5 a continuación:
Figura 5: Publicidad Suat – Tuteo y “usted”
Fuente: Venâncio da Silva (2010)
Al mismo tiempo que esta publicidad (figura 5) usa elementos
lingüísticos relacionados a la informalidad, podemos ver claramente el
uso del adjetivo posesivo de segunda persona formal su. El verbo en
imperativo parece estar en la segunda persona vos17, pero arriba aparece
la forma contigo que es la forma tuteante (la forma voseante es con vos). Sin
17
Esto queda evidente por las reglas de acentuación gráfica. La acentuación tónica de
la forma tuteante es esdrújula, lo que implicaría en el uso de la tilde: infórmate. La
acentuación tónica de la forma voseante es grave, lo que excluye el uso de la tilde:
informate. Vale destacar que muchas publicidades no usan la acentuación gráfica, lo
que mantendría en duda si la forma verbal en discusión es tuteante o voseante. Sin
embargo, como hay acentuación gráfica en esta publicidad (véase la palabra afiliación),
queda claro que la forma es voseante.
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embargo, el uso de contigo parece ser más difundido que el uso de con vos
en el español de Uruguay como complemento de preposición
(Carricaburo, 1997, p. 32).
Muchas de las propagandas y anuncios recogidos no fueron
elaborados necesariamente por uruguayos, sino que pueden haber venido
de otros países que poseen paradigmas diferentes al de la norma uruguaya,
o más específicamente, montevideana. Este trabajo tiene como objeto de
estudio, como descrito anteriormente, las publicidades encontradas en
Montevideo y no las propiamente producidas en esta ciudad, lo que
supondría un conocimiento más preciso de las empresas de publicidad y
traducción e inclusive de los empleados que han redactado los anuncios.
Sin embargo, podemos inferir que algunas de las publicidades fueron
realmente elaboradas en Uruguay, como es el caso de la del Teatro Solís:
Figura 6: Teatro Solís – Voseo
Fuente: Venâncio da Silva (2010)
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El “Teatro Solís” es, sin duda, el teatro más importante de Uruguay
cuyo estatus es innegable en este país. Por eso, no sería impensable la
idea de que sus publicidades seguramente hayan sido elaboradas en
Uruguay. Como se percibe, la forma verbal de imperativo del pronombre
de tratamiento vos es utilizada en el verbo vivir, dada la terminación en
–í y acentuación aguda. Otras publicidades de origen uruguaya también
utilizan el pronombre de tratamiento vos como es el caso de la de del
“Canal 10” de este país.
Hubo casos en que no fue posible identificar si el verbo estaba
conjugado en el tuteo o el voseo puesto que estos pronombres comparten
la mayor parte de los tiempos verbales como se ve en las figuras 7 y 8:
Figura 7: Paradigma dudoso
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Artigos Inéditos
Figura 8: Paradigma dudoso
La conclusión que se puede obtener a partir de los datos que
presentamos arriba es la de que, en las publicidades de Montevideo, el
tuteo y el voseo conviven, inclusive hay mezcla entre formas de tratamiento
informal y formas de tratamiento formal. La ausencia de datos de voseo
pronominal en la posición de sujeto (expresión de la forma pronominal
vos) se debe al hecho de que, como ya comentado por Bertolotti (2006),
el español uruguayo es una lengua de sujeto nulo. En lo tocante a las
formas pronominales en posición de complemento de preposición,
también registramos casos de preposición+vos, como ilustra la figura 9 a
continuación:
Figura 9: Voseo en sintagma preposicionado
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La alternancia entre voseo y tuteo en las publicidades de
Montevideo sugiere que, de hecho, el voseo no es un fenómeno
estigmatizado ni excluido de la norma culta/escrita.
4.2. Análisis cuantitativo
Antes de comenzar el análisis cuantitativo precisamente, vale una
observación: el análisis que presentaremos se refiere a la cantidad de
publicidades que usan una forma u otra y no a la cantidad de ocurrencia
individual de cada forma. Quisiéramos averiguar cuántos anuncios utilizan
formas voseantes y cuántos utilizan formas tuteantes y no la frecuenta
individual de cada forma.
Entre los 60 anuncios y publicidades recogidos, la mayoría utiliza
las formas voseantes. Fue un total de 38 de las publicidades recogidas, es
decir, un 63,33% del corpus analizado. En esos casos, se utiliza en voseo en
los tiempos verbales de presente de indicativo e imperativo, como
pronombre personal y como complemento de preposición18.
Diferente de lo que sucede con las formas voseantes, las formas
tuteantes se ven limitadas a solamente 5 publicidades, es decir, un 8,33%
del corpus analizado.
En lo tocante a las formas equivalentes al pronombre usted,
encontramos un total de 8 publicidades, es decir, un 13,33% del corpus
analizado. Además de los elementos lingüísticos ya mencionados,
agregamos a la identificación de las formas equivalentes a usted la
posibilidad de que esta forma sea identificada a través del posesivo y el
clítico, que son distintos a los utilizados en las formas tuteantes y voseantes,
que comparten los mismos elementos y no permiten distinción entre las
formas tuteantes y las voseantes.
Algunos de los anuncios presentaron un paradigma que puede
ser tanto tuteante como voseante, puesto que ambos comparten la mayor
parte de los tiempos verbales además de casi todos los elementos
pronominales. Éstos representan un 10% del corpus analizado, es decir, 6
publicidades y anuncios.
Dentro de una misma publicidad fue posible encontrar variación
en las formas utilizadas, que representan los casos con más de una forma
de tratamiento. Tanto hay mezclas en las formas de tratamiento formal e
informal, con un caso de tú y usted, como dentro de los dos pronombres
para la informalidad, con dos casos para tú y vos. Éstos representan un 5%
del corpus analizado, es decir, 3 publicidades.
18
Cf. Venâncio da Silva (2010) para una exposición más detallada.
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Otro punto que merece destaque es el voseo en sintagmas
preposicionados. De 5 publicidades que contienen la estructura
preposición+pronombre, 4 publicidades contienen la forma voseante. Tan sólo
1 publicidad contiene la forma tuteante. Lo más interesante es que esta
única forma tuteante es contigo, posiblemente por ser una forma
gramaticalizada.
Como pudimos comprobar, las publicidades que utilizan el voseo
son una mayoría aplastante dentro nuestro corpus. Si analizamos
aisladamente el número de casos según su porcentaje solamente para las
formas de tratamiento de segundas personas informales, es decir, los casos
de tú y vos, el porcentaje sube para un 88,37% para los casos de formas
voseantes frente a un 11,63% de casos para las formas tuteantes.
Los cuadros 3 y 4 a continuación sintetizan los resultados
encontrados:
Paradigma
voseante
63,33%
Paradigma
tuteante
8,33%
Formas de
usted
13,33%
Paradigma
mixto
10%
Paradigma
dudoso
5%
Cuadro 3: Porcentaje de las formas de tratamiento
Paradigma
voseante
88,37
Paradigma
tuteante
11,63
Cuadro 4: Porcentaje del tuteo frente al voseo
Los datos presentados arriba nos llevan a concluir que las formas
voseantes son las más usadas y preferidas en las propagandas encontradas
en la ciudad de Montevideo. Inclusive, dada la diferencia grande entre
publicidades con formas voseantes y publicidades con formas tuteantes,
se puede pensar que, si se analizan ocurrencias individuales de cada forma,
las formas voseantes seguirán siendo preferidas.
5. Consideraciones finales
La preferencia por las formas voseantes en las publicidades
colectadas en Montevideo es innegable. En el análisis cuantitativo, la mayor
parte de las publicidades muestra que el voseo es más extendido que el
tuteo y las formas de usted. Cuando este análisis se restringe a las
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publicidades que presentan las formas de informalidad, la diferencia entre
voseo y tuteo crece más aún.
Es importante resaltar que las publicidades19 que aparentemente
son producidas en Uruguay tienden a utilizar las formas voseantes, lo que
nos muestra que, en este país, el voseo está vigente en los medios de
comunicación. Sin embargo, el tuteo sigue presente, aunque en menor
proporción. Los casos en que aparecen las formas de usted también son
pocos frente a los que usan el voseo. Además, estas formas no están en
competencia con el voseo, puesto que las formas del voseo y las formas
de usted son usadas en contextos pragmáticos diferentes, siendo el usted
para las situaciones formales y el voseo para las situaciones informales. Lo
que sí podemos afirmar es que las publicidades en Montevideo no suelen
ser elaboradas con las formas de usted ya que aparecen en un número
bastante inferior a los demás tratamientos informales de segunda persona.
Los trabajos publicados sobre el voseo uruguayo todavía
consideran que en Montevideo hay un voseo verbal con la forma
pronominal tuteante, el cual no fue encontrado dentro de las publicidades
colectadas20. Tal ausencia puede ser atribuida al carácter de sujeto nulo
del español uruguayo.
Como hemos visto a lo largo de este trabajo, el voseo es un rasgo
más amplio de lo que se piensa. No se limita solamente a Argentina, sino
que está presente en muchas regiones de Hispanoamérica, en algunas
como un rasgo de prestigio, en otras como una forma estigmatizada. Sin
embargo, hacen falta más estudios recientes, basados en corpora, con
cuantificación de datos y en diferentes géneros textuales que nos muestren
la real situación del voseo en el mundo hispánico.
Referencias
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tres nombres. 2. ed. Buenos Aires: Losada S.A., 1942.
BERTOLOTTI, VIRGINIA. Tú, vos y usted en América: sincronía y diacronía.
Mini-curso ministrado no XVI Congresso Internacional da ALFAL. Alcalá
de Henares. 2011.
19
Estamos concientes de que nuestro corpus es un corpus reducido derivado de un
trabajo inicial. Trabajos con corpus más robusto deben realizarse para confirmar o
rechazar estas afirmaciones.
20
Hemos consultado a hablantes nativos de Uruguay, quienes confirmaron este hecho.
393
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Artigos Inéditos
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La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del singular en ...
Resumo:
Este texto apresenta a variação das formas de
tratamento de segunda pessoa do singular no espanhol
uruguaio. Nossa pesquisa se baseia na análise de
propagandas coletadas na cidade de Montevidéu e
mostra que, nesse gênero textual, o voseo é
predominante sobre o tuteo. Na primeira parte do texto,
introduzimos o tema da variação do espanhol
(americano); na segunda parte, apresentamos o
fenômeno do voseo e falamos da situação do voseo no
espanhol uruguaio; na terceira parte apresentamos a
metodologia empregada, uma análise qualitativa e uma
análise quantitativa para os dados coletados; por fim
tecemos algumas considerações sobre a questão. O
trabalho é essencialmente de cunho descritivo e tem o
objetivo de trazer novos dados para o tema em questão.
Palavras-chave: Diversidade lingüística; Espanhol
uruguaio; Formas de tratamento; Voseo.
Abstract:
This paper discusses the variation in the system of
address forms in the singular in Uruguayan Spanish.
The research is based on the analysis of advertising texts
gathered in the city of Montevideo. The results show
that in this textual gender voseo (use of vos form)
predominates over tuteo (tú form). In the first part of
the paper, we present the facts about the variation in
(Latin-American) Spanish; in the second part, we
present the phenomenon of voseo and discuss its
extension in Uruguayan Spanish; in the third part, we
present the methodology used in the research and a
quantitative and qualitative analysis of the collected data,
as well as some considerations about the phenomenon.
The present article is essentially a descriptive research
and it aims to capture new data for the topic in question.
Keywords: Linguistic diversity; Uruguayan Spanish;
Forms of address; Voseo.
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e
composto em textos jornalísticos
Kellen Cozine Martins1
I
ntrodução
No sistema verbal do português, a expressão de
anterioridade a um ponto de referência passado está,
canonicamente, associada às formas verbais pretérito maisque-perfeito simples (PMQPS, correspondendo à desinência -ra) e pretérito
mais-que-perfeito composto (PMQPC, correspondendo às perífrases ter ou
haver + particípio passado). Segundo Corôa (2005: 50), sentenças como Eu
tinha escrito a carta quando ele me telefonou e Eu (já) escrevera a carta quando ele
me telefonou são equivalentes, visto que “ambas relatam um evento ocorrido
antes de outro evento também já ocorrido quando do momento da fala”.
Investigações anteriores (cf. Coan, 1997; 2003) constatam a ausência da variante
simples de PMQP na fala informal, indicando um estado-de-coisas (EsC) em
momento temporal anterior à ocorrência de um outro EsC também passado.
Segundo Coan (op. cit.), na fala, a variação se estabelece entre a variante
PMQPC e a variante pretérito perfeito simples (PPS), que entra em
competição com a variante composta na expressão de passado do passado.
No entanto, a variação entre a forma simples e a perífrase de
pretérito-mais-que-perfeito pode ser atestada na modalidade escrita do
português brasileiro contemporâneo, principalmente nos seus registros
mais formais. Essa variação é focalizada, neste artigo, sob o prisma dos
pressuspostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista.
Segundo essa perspectiva, a língua é inerentemente variável, ou seja, dispõe
1
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Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Artigos Inéditos
de duas ou mais formas alternantes (variantes) para expressar o mesmo
“significado referencial”. Acrescenta-se que o caráter ordenado e sistemático
da variação pode ser depreendido a partir do exame de grupos de fatores de
natureza interna (isto é, de ordem fonológica, morfossintática ou semânticodiscursiva) e externa, sejam aqueles relacionados ao falante, sejam os oriundos
do uso concreto da língua em situações reais de comunicação.
O nosso objetivo é discutir a sistematicidade da variação entre as
duas formas canônicas de expressão de EsC passado anterior a outro,
focalizando os contextos que tendem a conservar a variante PMQPS em
oposição àqueles considerados propulsores da expansão da variante
PMQPC na escrita midiática, representada por diferentes gêneros
discursivos veiculados em jornais e revistas de grande circulação no estado
do Rio de Janeiro. Partimos da hipótese de que a variante PMQPS é mais
restrita a gêneros discursivos mais formais e/ou monitorados, isto é, que
exijam maior grau de atenção e de planejamento linguístico.
O artigo está organizado da seguinte forma: em primeiro lugar,
apresentamos nosso objeto de investigação e caracterizamos a amostra de
escrita utilizada; em segundo lugar, examinamos os resultados do tratamento
estatístico das variantes em análise, focalizando os contextos de resistência da
variante PMQPS. Em seguida, encontram-se a conclusão e as referências.
1. Fenômeno variável em estudo
Na modalidade falada, Coan (1997; 2003) constata, a partir da análise
da comunidade de fala de Florianópolis, a ausência da variante PMQPS,
expressando EsC passado anterior à outro. No entanto, diferentemente do
que se poderia esperar, o espaço deixado pela variante PMQPS não é ocupado
inteiramente pela variante composta. Paralelamente à progressiva
implementação da variante PMQPC, a autora destaca a incidência significativa
da variante PPS expressando a mesma função.
Evidências fornecidas por um estudo da mudança em tempo
aparente2 e em tempo real3 (cf. Coan, 1997; 2003) atestam que a variação
entre as formas verbais PMQPS, PMQPC e PPS constitui um processo de
2
O estudo da mudança em tempo aparente toma como base a distribuição de variantes
linguísticas em diferentes faixas etárias. Pesquisas sociolinguísticas mostram que grupos
etários mais jovens tendem a liderar mudanças, que podem, gradativamente, se espalhar
na comunidade através de sucessivas gerações.
3
O estudo da mudança em tempo real pode ser de longa duração (comparando
estágios passados da língua) ou de curta duração. Para esse último caso, Labov (op.
cit.) propõe a conjugação de dois tipos de estudo que permitem a observação de dois
estados da língua em uma mesma comunidade de fala (estudo de tendência) ou no
próprio indivíduo (estudo de painel).
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos
mudança em que a forma PMQPS vai decrescendo e cedendo lugar às
variantes PMQPC e PPS. Em sua análise diacrônica, Coan (2003) aponta
que a forma verbal PMQPS, originária do latim (amaveram), era a forma
preferencial para codificar anterioridade a um EsC passado. No entanto,
entre os séculos XVI e XVII, há uma redução acentuada dessa variante,
que se acelera entre os séculos XVII a XX. Paralelamente à redução
progressiva da variante PMQPS, há aumento gradual da variante PMQPC
e comportamento estável da variante PPS. Essa mudança atinge um estágio
avançado no português brasileiro contemporâneo, em que a variação fica,
praticamente, restrita às variantes PMQPC e PPS.
De acordo com Coan (op. cit.), fatores de ordem estrutural e
social intervêm no controle da variação entre PMQPC e PPS na
modalidade falada. No que tange aos aspectos linguísticos, os advérbios
já, não e nunca, forma verbal de imperfeito ou forma verbal não-flexionada no
ponto de referência, bem como ponto de referência pressuposto e casos de
complementação e encadeamento discursivo levam ao emprego da variante
PMQPC. Dentre as variáveis externas, destaca-se a idade do falante: a
variante composta tende a ocorrer na fala de indivíduos de 25 a 49 anos
(.70) e de mais de 50 anos (.59), indicando aumento da variante PPS em
grupos etários mais jovens (05 e 06 anos e de 07 a 14 anos).
Não obstante, na escrita contemporânea, é atestada a ocorrência
da variante PMQPS, alternando não apenas com a variante PMQPC, mas
também com a variante PPS, em gêneros discursivos caracterizados pelo
maior grau de formalidade e planejamento linguístico (cf. Martins, 2010),
como mostram os exemplos a seguir:
(1) Há dois anos, sua ex mulher Tatum O’Neil declarou que o jogador usara
esteróides no final de sua carreira desportiva (Extra, 13/01/04).
(2) Pessoas ligadas ao traficante garantiram que ele não tinha dado ordens
para o fechamento do comércio no Complexo do Jacarezinho e do
Complexo do Alemão, onde ele era chefe do tráfico de drogas (O
Povo, 07/01/04).
(3) (...) funcionários do Desipe, entre eles 21 agentes penitenciários,
apontaram Marcus como o guarda que facilitou a entrada de três
armas em Bangu I (...) (O Globo, 25/09/02).
Este artigo restringe-se à alternância entre as variantes canônicas
de localização de um EsC passado anterior a outro, ou seja, a alternância
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Artigos Inéditos
entre as variantes PMQPS e PMQPC, com o propósito de identificar os
contextos de resistência da variante sintética de mais-que-perfeito na
modalidade escrita. Os dados submetidos à análise nesta pesquisa fazem
parte de duas amostras da modalidade escrita. A primeira amostra compõe
o “Corpus de Discurso Jornalístico” que integra o Banco de Dados do
Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL). Essa amostra é
constituída de textos representativos dos gêneros crônicas, reportagens,
cartas de leitores e editoriais, extraídos dos jornais O Globo, Jornal do Brasil,
Extra e Povo de edições publicadas entre agosto de 2002 e fevereiro de
2004. A segunda amostra é constituída de textos coletados do acervo
online composto por edições anteriores das revistas Época e Caros Amigos.
Dada a maior extensão do acervo das revistas, foi necessário limitá-lo, de
forma a compatibilizá-lo com o número de textos jornalísticos
selecionados. Assim, optou-se por restringir o corpus de revista,
selecionando aleatoriamente, um conjunto de textos publicados no ano
de 20094, representativos dos gêneros entrevistas e reportagens.
A escolha por trabalhar com a linguagem de jornais direcionados
a um público-alvo diferenciado se justifica pelo fato de que textos
jornalísticos são mais formais, requerem maior grau de monitoramento,
o que pode favorecer a ocorrência da variante PMQPS. A composição de
um corpus variado que inclui diferentes gêneros e tipos de jornais e revistas
nos permite abranger de forma mais satisfatória o fenômeno linguístico
em foco, à medida que esse procedimento nos permite comparar diversos
contextos, a fim de verificar se as formas variantes (PMQPS e PMQPC)
também se comportam de modo diferenciado de acordo com as
peculiaridades dos diferentes gêneros discursivos analisados e conforme
o público-alvo dos jornais e revistas considerados.
De acordo com os pressupostos da Sociolinguística (Weinreich,
Labov & Herzog, 1968; Labov, 1972; 1994), procedemos à investigação
das variantes, considerando tanto os aspectos morfossintáticos como
semântico-discursivos que podem explicar a persistência da variante
PMQPS na escrita. No plano morfossintático, investigamos o efeito das
variáveis tipo sintático da oração, pessoa verbal e tipo morfológico do verbo principal
e do ponto de referência. No conjunto de variáveis semântico-discursivas,
encontram-se: tipo e tempo verbal do ponto de referência, advérbio da situação
e tipo de verbo principal e do ponto de referência. Além das variáveis linguísticas
4
Vale esclarecer que a pequena diferença na data das duas amostras não compromete
a análise, visto que essa pesquisa não está interessada em depreender a trajetória das
variantes em estudo.
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos
apontadas, levamos em conta, também, a influência das variáveis gênero
discursivo e tipo de jornal ou revista. Uma vez que buscamos identificar os
contextos que conservam a variante sintética de PMQP na escrita, tomamos
esta variante como valor de aplicação (em oposição à variante perifrástica)
para expressar tempo passado anterior a outro.
2. As motivações da variação entre PMQPS e PMQPC na escrita
jornalística
A análise dos dados corrobora a nossa hipótese inicial de que a
variante PMQPS ocorre em contextos mais circunscritos, caracterizados
por maior grau de monitoramento e/ou formalidade. Ainda assim, a baixa
frequência dessa variante, como mostra o Gráfico 1, indica que, se, por
um lado, a escrita apresenta uma tendência mais conservadora, retendo
formas em desuso na fala, por outro lado, incorpora mudanças que se
manifestam na língua.
A análise multivariacional permitiu identificar a relevância dos
seguintes grupos de fatores para a ocorrência da variante PMQPS na escrita
midiática: pessoa verbal, advérbio da situação, tipo sintático da oração e correlação
gênero e veículo.
Consideremos, primeiramente, o grupo pessoa verbal, para o qual
foram arrolados os seguintes fatores:
(4) 1ª pessoa do singular:
Eu nunca tivera sapatos, mas com Allende no governo, tive (Caros
Amigos, setembro de 2009).
401
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Artigos Inéditos
(5) 3ª pessoa do singular:
Há dois anos, sua ex-mulher Tatum O’Neill declarou que o jogador
usara esteróides no final de sua carreira desportiva (Extra, 13/01/
04).
(6) 1ª pessoa do plural:
Quando mostramos Henrique com apenas uma irmã na série, alguns
historiadores disseram que nós ‘estupidamente havíamos nos
esquecido de que ele tinha duas’ (Época, 17/10/2009, edição nº
596).
(7) 3ª pessoa do plural:
O diretor do Sintusp (sindicato dos Trabalhadores da USP),
Claudionor Brandão, um dos detidos, recebeu a informação de que
dois diretores do sindicato haviam sido presos (Caros Amigos, junho
de 2009).
A hipótese referente a esse grupo é a de que a variante PMQPS
ocorra mais frequentemente com a 1ª pessoa ou com a 3ª pessoa do
singular e seja desfavorecida na 3ª pessoa do plural, em decorrência da
convergência entre as desinências de pretérito-mais-que perfeito simples
e pretérito perfeito simples. Nesse sentido, o emprego da variante PMQPC
na 3ª pessoa do plural permitiria desfazer a ambiguidade entre as duas
referências temporais.
No entanto, os resultados aferidos na análise estatística
contradizem essa hipótese, como mostra a tabela 1:
Fatores
3ª pessoa do plural
3ª pessoa do singular
1ª pessoa do singular 5
Total
Aplic. / Total
31 /61
58/202
1/42
90/305
%
51
29
2
29
Peso
.72
.54
.09
Input: 0,16
Significância: 0,010
Tabela 01: Pessoa verbal e o uso do PMQPS em oposição ao
PMQPC em textos jornalísticos
5
Não foram encontradas ocorrências da variante PMQPS na primeira pessoa do plural.
Nesse contexto, observaram-se apenas 6 ocorrências da variante PMQPC.
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos
Os resultados da tabela 1 apontam o favorecimento da variante
PMQPS na 3ª pessoa, principalmente do plural (.72) e, a seguir, do singular
(.53). O presente estudo evidencia, portanto, que os usuários não levam
em conta a interpretação menos transparente da desinência de 3ª pessoa
de plural, contradizendo, assim, uma explicação funcional da variação,
ou seja, o fato de que a necessidade de preservação do significado poderia
favorecer o emprego de uma dada variante linguística (Scherre, 1988).
Nesse sentido, a tendência aqui verificada se alinha à que já foi
depreendida em outros estudos, como exemplo, Koshal ((1979) apud
Labov (1994)); Guy (1991); Scherre (1988).
Dentre as diversas evidências contrárias à hipótese funcionalista,
cita-se o estudo de Scherre (1988) sobre a concordância nominal no
português brasileiro. A autora mostra que marcas de plural tendem a
ocorrer mais significativamente em contextos onde outra marca de plural
já está presente do que quando há ausência de marcas prévias de plural.
Esse resultado contradiz a hipótese funcionalista de que “quando há uma
informação adicional de plural presente no discurso, uma dada marca de
plural é mais provável de ser omitida do que quando não há tal informação
adicional” (Guy, 1981:190 apud Scherre, 1988:291).
O grupo advérbio da situação considera os fatores a seguir:
(8) Advérbio já:
O Chelsea eliminou o Sttugart com empate em 0 a 0, os ingleses já
haviam vencido por 1 a 0 (O Globo, 10/03/04).
(9) Advérbio nunca:
O grupo inicial havia dobrado: agora eram cerca de 200 famintos
debaixo de um sol inclemente de quase meio-dia. Eu nunca tinha
visto tantas pessoas juntas com fome (O Globo, 02/11/02).
(10) Advérbio não:
Os médicos e as enfermeiras que não tinham adoecido estavam
exaustos (Época, 12/06/2009, edição nº 578).
(11) Sintagma preposicional de tempo:
À tarde, no entanto, os camelôs voltaram a ocupar as calçadas da Rua da
Glória: Já na Praça Luiz de Camões, por volta de 17h30m, um grupo
fumava maconha no mesmo local onde pela manhã fora preso Ricardo
de Oliveira Sousa dos Santos, de 19 anos (O Globo, 23/10/02).
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Fa tores
Sintagma preposicional de tempo
Nunca
Não
Já
Total
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Aplic. / Total
9/24
3/15
2/17
2/45
16/101
%
37
20
12
4
16
Peso
.84
.66
.51
.24
Input: 0,096
Significância: 0,006
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos
Um outro aspecto que explica a resistência da forma PMQPS na
modalidade escrita é a natureza sintático-semântica da oração.
Considerando o tipo sintático da oração em que se encontra a forma de
pretérito-mais-que-perfeito, temos as seguintes possibilidades:
(13) Oração coordenada:
O Santana usado pelos bandidos era roubado e já tinha sido usado
em vários assaltos no bairro (JB, 23/10/02).
(14) Oração absoluta/período simples:
Com um gol de perna esquerda aos 32 minutos do segundo tempo
de jogo sobre o Real Sociedad, o brasileiro sacramentou a classificação,
do Lyon, pela primeira vez, para as quartas-de-final da competição.
No primeiro jogo, na Espanha8, o time francês vencera por 1 a 0 (O
Globo, 10/03/04).
(15) Oração principal:
Temendo a violência do Rio, alguns parentes da corretora de imóveis
Juçara Dias Menez já tinham decidido se mudar para Cabo Frio (...)
(Extra, 04/06/03).
(16) Oração relativa:
O músico recebeu ÉPOCA para falar do assalto que sofrera na semana
passada, na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro onde mora. (Época, 07/
03/2009, edição nº 564).
(17) Oração adverbial:
O holandês fora preterido porque se recusara a fazer fotos
promocionais (O Globo, 05/03/04)
(18) Oração completiva de verbo:
Pessoas ligadas ao traficante garantiram que ele não tinha dado ordens
para o fechamento do comércio no Complexo do Jacarezinho e do
8
O jogo em questão entre o time espanhol Real Sociedad e o time francês Lyon ocorrera
na Espanha em 25/02/04. O segundo jogo entre esses times ocorreu em 09/03/04
na cidade de Lyon, na França. Em ambos os jogos o time francês vencera por 1 a 0.
No entanto, não há no texto informação explícita de que esses times se enfrentaram
em um segundo jogo e que este ocorreu na França. Segundo Coan (2000, p. 06),
denomina-se conhecimento pragmático esse “conjunto de informações (conhecimento
de mundo e da situação, crenças) não verbalizadas, mas partilhadas por falante e
ouvinte, e inferidas no ato da comunicação”.
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Fatores
Oração relativa
Oração adverbial
Oração coordenada
Oração principal
Oração absoluta
Oração completiva
Total
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Aplic./ Total
34/57
9/32
17/55
10/39
9/48
11/74
90/305
406
%
60
28
31
26
19
15
29
Peso
.83
.53
.49
.41
.34
.33
Input: 0,16
Significância: 0,010
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Fatores
Crônicas do Jornal do Brasil
Crônicas do jornal O Globo
Reportagens do jornal O Glo bo
Cartas do Jornal do Brasil
Reportagens da revista Época
Cartas do jornal O Globo
Reportagens da revista Caros Amigos
Editoriais do Jornal Extra
Entrevistas da revista Época
Reportagens do Jornal Extra
Reportagens do Jornal do Brasil
Entrevistas da revista Caros Amigos
Reportagens do jornal O P ovo
Editoriais do jornal O Globo
Editoriais do jornal O P ovo
Total
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407
Aplic. / Total
3/3
1 6/27
5/9
1/3
3 6/72
4/15
8/36
2/6
1 1/80
1/8
1/6
2/32
0/4
0/3
0/1
90/305
%
100
59
55
33
50
27
22
33
14
12
17
6
0
0
0
29
Peso
.89
.86
.84
.70
.55
.50
.46
.33
.21
.19
.10
Input: 0 ,16
Significância: 0,01 0
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Artigos Inéditos
conclusão pode ser precipitada, já que os textos representativos desse
gênero estão restritos aos jornais JB e O Globo. Além disso, no caso das
crônicas d’O Globo, a maioria das formas de PMQPS ocorre em textos de
um autor em particular, o que dificulta excluir a interferência de um
fator individual, estilístico12.
Os resultados relativos às cartas de leitores devem ser considerados
com cautela, por duas razões: a) o escasso número de dados associado ao
peso relativo mais alto e b) a concentração das ocorrências em apenas
dois dos jornais analisados (JB e O Globo). Podemos suspeitar, porém,
que a maior incidência da variante PMQPS em cartas de leitores seja um
reflexo da representação do próprio leitor sobre a necessidade de
monitoramento da linguagem em textos públicos. No entanto, não há
evidências suficientes para atestar essa tendência, visto que tais cartas são
geralmente modificadas pela edição para se adequarem ao uso padrão.
Nas notícias/reportagens, verifica-se interferência do tipo de jornal
ou revista no emprego das variantes de codificação de PMQP. Notícias/
reportagens d’O Globo (.86) e da Época (.70) favorecem significativamente
a variante PMQPS, o que pode estar fortemente relacionado à tendência
conservadora do jornal e da revista em questão, tendo em vista seu o
público alvo. Há variabilidade no uso da variante PMQPS nas reportagens
da Caros Amigos (.50) e desfavorecimento nas reportagens do Extra (.21)
e nas do Jornal do Brasil (.19).
Particularizam-se os textos do jornal O Povo pela ausência da
variante PMQPS em todos os gêneros discursivos analisados. Essa tendência
pode estar associada ao fato de que o jornal supracitado se destina a um
público-alvo mais popular, estando, por essa razão, mais propício à
incorporação de variantes linguísticas mais recorrentes na fala e,
provavelmente, mais próximas da linguagem utilizada pelos seus leitores.
Conclusão
A análise aqui apresentada focalizou a variação linguística entre as
formas verbais canônicas de expressar anterioridade a um EsC passado,
com o propósito de identificar, no âmbito da escrita, os contextos de
manutenção da variante pretérito mais-que-perfeito simples. Os resultados
12
Na oposição entre variantes canônicas, do total de 16 ocorrências da variante PMQPS
codificando anterioridade a um ponto de referência passado em crônicas d’O Globo,
12 casos foram encontrados, particularmente, nas crônicas escritas por Luis Fernando
Veríssimo. Vale mencionar ainda que, das 12 ocorrências da variante PMQPS
encontradas nas crônicas de Veríssimo, 8 casos se encontram em uma crônica, em
particular, intitulada “A russa do Maneco”.
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos
mostram que essa variante, em desuso na modalidade falada, perde,
significativamente, espaço para a variante pretérito mais-que-perfeito
composto, mesmo em registros escritos caracterizados pelo maior grau de
monitoramento, como os discursos jornalísticos. Isso implica dizer que se,
por um lado, a escrita formal tende a ser mais susceptível a prescrições
gramaticais e a conservar formas linguísticas em vias de desaparecimento,
por outro lado, também implementa a mudança linguística.
Salienta-se que os contextos linguísticos de resistência da variante
PMQPS na escrita jornalística parecem estar associados à presença de
circunstanciadores temporais (advérbios, sintagmas preposicionais ou
orações adverbiais de referência temporal). Essa tendência pode estar
relacionada à necessidade de reforçar, através do auxílio desses
circunstanciadores, a referência temporal de passado do passado, uma
vez atestado o caráter pouco usual da variante no sistema linguístico do
português brasileiro.
Ressalta-se, também, a relevância das variáveis gênero discursivo e
tipo de jornal e revista. É no gênero crônica do Jornal do Brasil (100%) e d’O
Globo (.89) que a variante PMQPS tende a ocorrer mais significativamente.
Observou-se que a variante PMQPS tende a ser empregada em reportagens
veiculadas em suportes de mídia impressa mais elitizada (jornal O Globo e
as revistas Época e Caros Amigos), direcionados a um público-alvo que,
pressupostamente, domina o cânone gramatical.
Mantendo cautela em razão do pequeno número de dados,
menciona-se, ainda, a inclinação ao uso da variante em questão nas cartas
de leitores do Jornal do Brasil e d’O Globo (.55), o que pode estar
relacionado à tentativa por parte do leitor de aproximar sua escrita a
modelos pressupostamente mais adequados ao meio jornalístico.
Mencione-se, finalmente, que não foram encontradas ocorrências
da variante PMQPS nos gêneros discursivos do jornal O Povo, de modo
que o referido jornal parece ser o que mais se aproxima dos padrões da
modalidade falada.
Referências
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A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos
Resumo
Este artigo focaliza a variação entre as formas verbais
de pretérito mais-que-perfeito simples e composto na
expressão de um estado-de-coisas passado anterior a
outro, sob a perspectiva teórica da Sociolinguística
Variacionista. Nosso objetivo é investigar, na
modalidade escrita do português contemporâneo,
representada por diferentes textos jornalísticos, os
contextos gerais de resistência da variante pretérito
mais-que-perfeito simples, em desuso na modalidade
falada. Mostramos que o uso dessa variante tende a
estar significativamente relacionado à presença de
circunstanciadores temporais. Demonstramos, também,
a relevância das variáveis gênero discursivo e veículo.
Palavras-chave: Variação; pretérito mais-que-perfeito;
escrita; gênero discursivo.
Abstract
This article focuses on the variation between simple
and compound pluperfect tenses, used to express
action completed prior to a specific or implied past
time, based on the theoretical-methodological
presuppositions of Sociolinguistics. We aim to
investigate, in written language, the general contexts
of resistance of the simple variant, which is out of use
in spoken language. We show that the use this variant
is related to the presence of adverbs, prepositional
phrases or subordinate clauses which express time. We
also demonstrate the relevance of the discoursive
genres and types of newspapers and magazines.
Keywords: Variation; pluperfect tense; written
language; discoursive genres.
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MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. Língua e história: O 2º marquês do
Lavradio e as estratégias linguísticas da escrita no Brasil Colonial. Rio de
Janeiro: Ítaca, 2010, 215 p.
por Márcia Cristina de Brito Rumeu1
Ter acesso a um estudo linguístico com base em um conjunto de
missivas de circulação pública e de circulação privada produzidas no
terceiro quartel do século XVIII, por um escrevente português, culto,
Vice-rei do Brasil, cujo perfil sociolinguístico e genealógico foi
reconstituído e reinterpretado, é, indubitavelmente, um deleite para o
linguista-pesquisador envolvido com a construção de uma sociolinguística
histórica do português no Brasil.
Marcotulio, ao repensar a dinâmica das relações sociais tecidas
no Brasil colonial, o fez a partir da representação social construída pelo
Vice-rei do Estado do Brasil, o Marquês do Lavradio, e corporificada em
sua produção escrita, nas esferas pública e privada. Teoricamente, os
governadores e os capitães-generais das capitanias brasileiras estão
hierarquicamente subordinados ao Vice-rei do Brasil, que, por sua vez,
está submetido ao Rei português. Na prática, o Rei português obscurecia
os reais limites do poder conferido ao vice-rei do Brasil, de modo a
restringir o seu domínio ao âmbito do Rio de Janeiro, por essa ser a nova
sede da Colônia a partir de 1763, mas não a toda a extensão da colônia
portuguesa. A não concentração do poder unicamente sob o domínio de
1
Márcia Cristina de Brito Rumeu, Professor Adjunto da UFMG. Doutora em Língua
Portuguesa. E-mail: marciarumeu@uol.com.br
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Curtas Resenhas
Lavradio, com o intuito de manter todas as esferas administrativas da
colônia, governadores e capitães-generais, subservientes à figura do rei
português, funcionava como uma estratégia de concentração do poder
nas mãos da coroa lusitana.
Com base nesse panorama de obscurecimento na delegação de
poderes na esfera administrativa da colônia portuguesa, em terras
d’aquém-mar, que colocava Lavradio numa condição desconfortável,
Marcotulio delineia a questão norteadora do seu trabalho: como entender
a articulação entre a produtividade das formas tratamentais e as relações
sociais por elas subsidiadas na produção escrita de uma figura pública, no
contexto sócio-histórico do Brasil colonial? As setenta cartas, produzidas
no Rio de Janeiro, entre os anos de 1769 e 1779, servem de corpus, ao
autor, para descrever, através do exame das formas de tratamento, a
imagem social engendrada por Lavradio nas correspondências trocadas
por ele, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada. Um dos principais
objetivos de Marcotulio é o de entender se o homem público Marquês
do Lavradio também está em evidência na esfera privada, observando, a
partir da análise das estratégias de tratamento, se o jogo de máscara, tão
produtivo em domínio público (cf. Charaudeau, 2006), também se dá na
esfera privada.
São apresentadas ao leitor, através de uma cuidadosa edição facsimilar semidiplomática, em versão digital, as quarenta cartas da esfera
pública destinadas ao Secretário do Estado, ao Ministro da Marinha e dos
Negócios Ultramarinos e aos governadores. No âmbito da esfera privada,
Lavradio manteve correspondências, nas cartas em análise, com o tio,
com a sogra, com o primo, com o cunhado, com os sogros da primeira
e da segunda filha, com o sobrinho-neto da bisavó paterna, com o marido
da sobrinha-neta de seu avô paterno e com os genros. O autor constatou
que as relações de parentesco indicadas pelos rótulos empregados por
remetentes e destinatários, em alguns casos, não obedeciam à verdade
histórica dos fatos, visto que eram ampliados os laços familiares, tal como
se assume atualmente em relação ao hábito de tratar os ‘genros’ por
‘filhos’ e as ‘sogras’ por ‘mãe’. Assim sendo, foi feita uma releitura da
noção de ‘família’ de modo a ampliá-la e a entendê-la não só a partir dos
laços de casamento, consanguinidade e coabitação, mas também a partir
de laços de amizade, como sugere Moraes e Silva (1789) apud Marcotulio
(2010, p. 47). O autor assumiu como pertencentes à esfera privada somente
aqueles destinatários que guardassem algum tipo de ligação familiar com
Lavradio, direta ou indiretamente, consistindo em relação movida por
vínculos de consanguinidade (reconstruídos por Marcotulio a partir da
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confecção da genealogia dos destinatários, cf. Anexo 1) ou por laços de
afetividade.
O referencial teórico que sustenta o estudo em questão é o da
sócio-pragmática. Foi apresentado um panorama geral das frequências de
uso das estratégias de tratamento produtivas nas cartas setecentistas em
análise, interpretadas, à luz da Teoria da Polidez, de Brown e Levinson
(1987), e da Teoria do Poder e da Solidariedade, de Brown e Gilman
(1960), como estratégias sócio-interacionais que tendem a suavizar a
imposição do ato, harmonizando o processo comunicativo.
Marcotulio buscou entender se os atos em que as formas de
tratamento estão consubstanciadas podem conduzir a alguma espécie de
ameaça à face do interlocutor, assumindo a perspectiva da Teoria da
Elaboração da face proposta por Goffman (1980). O autor dirige a sua
pesquisa a partir das seguintes hipóteses: 1) prevê que, na esfera privada,
o tratamento seja mais marcado em virtude de a hierarquização ser mais
bem determinada; 2) postula que as estratégias Vossa Excelência e Vossa
Senhoria sejam as preferidas, na esfera pública, com o objetivo de marcar
o apartamento social, em consonância com os preceitos de tratados
epistolares e legislações régias; 3) conjectura que as relações sociais
engendradas em torno de Lavradio estejam assinaladas pela semântica do
Poder (cf. Brown e Gilman, 1960), visto que, também nas relações privadas,
havia a preocupação com a preservação da imagem pública de homem
da Casa Lavradio a representar os interesses da Coroa Portuguesa em
terras brasileiras; 4) acredita que o tratamento mais condizente ao papel
social do destinatário da missiva seja apreendido no núcleo da carta, uma
vez que os espaços de contato inicial e despedida, reservados à captação
da benevolência, são mais vulneráveis a alterações motivadas pelo intuito
comunicativo do destinatário da missiva.
Marcotulio, em linhas gerais, chega às seguintes constatações: 1)
comprova um maior índice de instabilidade de produtividade das formas
de tratamento nas cartas da esfera pública, corroborando a situação de
desconforto vivenciada por Lavradio, ao não ter clareza em relação à real
dimensão do alcance do seu poder no Vice-reinado do Brasil; 2) detecta
que as relações sociais, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada,
se mostraram regidas pela Semântica do Poder (cf. Brown e Gilman, 1960).
Foi confirmada a intenção de Lavradio legitimar, também no círculo
privado das suas relações pessoais, a imponência imposta pela sua imagem
social como o representante político de Portugal em solo brasileiro; 3)
no que diz respeito à seção da carta em que as formas de tratamento
condizem com o papel social do destinatário, o autor confirmou ser o
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núcleo da carta o espaço reservado a tal expressão; 4) não foi comprovada
a hipótese de as normas de tratados epistolares serem responsáveis por
impulsionar a produtividade das formas de tratamento em cartas da esfera
pública. O desconforto vivenciado pelo Marquês do Lavradio, na posição
de vice-rei do Brasil Colônia, produziu um comportamento instável em
relação às suas escolhas tratamentais no discurso político. Nos termos de
Goffman (1980), Marcotulio constatou que Lavradio ora se mostrou com
uma atitude linguística defensiva, salvando a sua própria face, ora se expôs
com uma atitude linguística protetora, salvaguardando a face do seu
interlocutor, no contexto sócio-histórico da América Portuguesa
setecentista.
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CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro.
São Paulo: Contexto, 2010. 768p.
por Eliete Figueira Batista da Silveira1
A Nova Gramatica do Português Brasileiro, de Ataliba de Castilho, é
uma obra coletiva, uma vez que é fruto de anos de pesquisa realizada nos
diferentes projetos dos quais Castilho foi idealizador-pesquisador e rompe
com o que se pressupõe ser uma gramática: conjunto de prescrições e
descrições de sincronias passadas que, frequentemente, não se relacionam
com o presente, com a língua falada(e escrita) no dia a dia. Trata-se do
mais atualizado registro da norma falada no território nacional e revela
a interrelação entre categorias gramaticais e categorias cognitivas.
A sua preocupação em nada se relaciona à visão maniqueísta de
certo versus errado presente em uma gramática tradicional, mas objetiva
“acrescentar um elo a mais na longa tradição das gramáticas de referência”
(p. 33), com base em suportes teórico-metodológicos mais precisos. Para
tanto, inicia sua obra com um verdadeiro manual de instruções de como
consultar sua gramática, não privando o leitor do entendimento do texto
pelo desconhecimento de quaisquer termos técnicos elucidados num
glossário (p. 663-696). Em seu capítulo inicial, apresenta a discussão acerca
do conceito de língua e gramática, a fim de que se entenda a perspectiva
adotada para confecção de uma gramática descritiva da língua falada.
1
Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Língua Portuguesa.
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Discutindo o conceito de língua como um multissistema (cap. 2,
p. 107-168), Castilho propõe que sua função não se limita a estabelecer
comunicação, provando isso por demonstrar que o léxico, a semântica, o
discurso e a gramática passam por um dispositivo sociocognitivo,
transformando a língua em instrumento de “construção do pensamento”.
É assim que estão facultadas ao sistema linguístico as possibilidades de
lexicalização, semantização, discursivização e gramaticalização, resultantes de
processos cognitivos pelas quais as formas se modificam, se atualizam,
desaparecem.
Ainda com a preocupação em realizar uma obra que forneça
verdadeiramente subsídios para a reflexão sobre a língua como entidade
dinâmica e plural, Castilho apresenta a história da Língua Portuguesa,
estabelecendo uma relação entre aspectos sociais e mudança linguística.
Discorre acerca das línguas que determinaram o “português brasileiro”,
bem como menciona as diferentes direções da discussão ainda premente
acerca de suas origens: o Português do Brasil (PB) como resultado (a) da
evolução biológica do Português Europeu (PE); (b) das influências
indígenas e africanas; (c) da continuação natural do PE, ou seja, PE do
século XV.
Em seu quarto capítulo, Castilho apresenta alguns dos pressupostos
básicos da Sociolinguística: “as línguas são constitutivamente
heterogêneas”, “variação e mudança são propriedades linguísticas que
não impedem a intercompreensão”. Em seguida, explica que a diversidade
está relacionada a aspectos regionais, sociais, individuais, ao canal e ao
tema em que a língua se manifesta. O autor descreve características
linguísticas das normas culta e popular, esquecendo-se de que, sendo a
língua um diassistema, é dificil estabelecer o que se produz numa e noutra
norma. Se há um continuum fala-escrita, é perfeitamente concebível que
os usos mesclem diferentes normas (cf. p. 197-223).
Porque sua obra analisa o português falado, Castilho se detém na
apresentação dos aspectos relevantes da conversação e do texto. Habilita
os interessados a procederem a uma transcrição conversacional, bem
como a entenderem as diferentes estruturas que surgem numa interação
comunicativa (cap. 5). E, somente depois de fornecer todas as bases à
compreensão do estudo da modalidade falada, Castilho parte para as
análises e descrições linguísticas, não as fazendo nos mesmos moldes e
parâmetros da tradição, mas alicerçado em sólida teoria científica, nos
mais atualizados estudos linguísticos e, o mais inovador, começando pela
sentença (cap. 6).
Nos capítulos subsequentes (cap. 7, 8 e 9), é ainda a sentença o
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foco da descrição e análise, descrevendo a sua estrutura argumental e a
colocação dos argumentos no enunciado, ambas manifestações do Princípio
de Projeção, bem como as propriedades sintáticas, discursivas e semânticas
das sentenças e de seus elementos constitutivos. Castilho passa ao estudo
da minissentença e da sentença simples, identificando as respectivas
tipologias, chegando à sentença complexa, à combinação e integração de
sentenças, à gramaticalização das conjunções. Ao discutir o estatuto da
“oração principal”, revela a própria dificuldade em designá-la de forma
única. Castilho opta, então, por nomeá-la de acordo com o seu estatuto:
será primeira coordenada, em se tratando de coordenação; será primeira
correlata, na correlação, e matriz na subordinação.
Feitas as considerações acerca das sentenças, Castilho apresenta
amplo estudo dos sintagmas verbal, nominal, adjetival, adverbial e
preposicional, discutindo não apenas aspectos estruturais, mas descrevendo
os seus elementos constitutivos, a sintaxe das construções, sua semântica
e funções discursivas (cap. 10, 11, 12. 13 e 14). Sobre o núcleo verbal,
p.e., além de ampliar as discussões contempladas na tradição sobre suas
categorias (pessoa, modo e tempo), incorpora os estudos de
gramaticalização, envolvendo a passagem de verbos plenos a auxiliares,
assim como à categoria de verbo-suporte. Em relação ao nome, inclui as
discussões advindas da Teoria dos Espaços Mentais, bem como a propriedade
dessa categoria de estabelecer a referência no texto. Quanto aos adjetivos
e advérbios, além das diferenciações entre substantivos e adjetivos, destaca
aspectos semânticos dessas categorias que podem atuar como
modalizadores, qualificadores, quantificadores e classificadores. Soma-se
a isso a relação do adjetivo e do advérbio com os modos de organização
do discurso e gêneros textuais, respectivamente. Por último, amplia os
conhecimentos acerca das preposições, descrevendo aspectos da
gramaticalização por que passaram e/ou passam e apresentando as
características semânticas espaciais.
Finalizando sua gramática, Castilho propõe um percurso contrário
ao que conduziu toda a sua obra: parte “das categorias cognitivas para as
estruturas que as representam” (p. 611), para mostrar que “muitas
representações linguísticas (...) relacionam-se na verdade a poucas categorias
cognitivas” (p. 611). Unindo informações de gramáticos pretéritos às dos
mais atualizados pesquisadores, Castilho articula os saberes de maneira
magistral, conduzindo o leitor à pesquisa, à reflexão científica, convidandoo a fazer parte desse universo onde há muito a descobrir. Além disso, o
último capítulo apresenta um manual de como ser pesquisador, incluindo
sugestões de pesquisa.
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Resta concluir que a obra é imprescindível ao cotidiano de alunos
e professores, de graduação ou pós-graduação, que pretendam ser
profissionais qualificados e/ou pesquisadores. Importa também àqueles
que desejam ter uma obra de referência, um guia de estudos, uma fonte
de consulta, escrita numa linguagem clara e simples.
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Curtas Resenhas
KATO, Mary Aizawa; NASCIMENTO Milton do. Gramática do português
falado culto no Brasil, vol. III, A construção da sentença. Campinas: Editora
da Unicamp, 2009. 340 p.
por Juliana Marins1
O terceiro volume da Gramática do português culto falado no Brasil
é o resultado dos estudos linguísticos do Subprojeto “Relações gramaticais
no português brasileiro falado” (RGPBF), inicialmente coordenado pelos
Profs. Drs. Fernando Tarallo e Mary Kato (UNICAMP) e continuado após
a morte do Prof. Tarallo pela Profa. Mary Kato e uma grande equipe, que
inclui professores e alunos de pós-graduação e graduação de diversas
universidades do país. O volume, que descreve a estrutura da frase do
português brasileiro (PB) a partir de dados coletados do corpus
compartilhado do Projeto NURC (Norma Urbana Culta), contempla a
língua culta falada nas cinco capitais brasileiras mais populosas na ocasião
da coleta, nos anos 70 – Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre. Foi organizado por uma parte dos pesquisadores do RGPBF
com a colaboração de outros, que se juntaram ao projeto na fase de
consolidação dos resultados.
A priori, a publicação destina-se a um leitor “não-especialista em
linguística formal, mas aberto a inovações conceituais, terminológicas e técnicas,
que fogem aos usos convencionais da gramática tradicional.” (p. 2). Assim, o
livro, em que se encontra um elenco dos usos que compõem o inventário
da variedade culta do PB, não apresenta caráter normativo, mas descritivo.
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Os organizadores deixam claro que partem de dados produzidos pelos
falantes (ou seja, dados da Língua-E) para propor generalizações sobre os
mecanismos subjacentes a esses enunciados: a Língua-I (Chomsky, 1986).
O volume está organizado em seis capítulos: no primeiro, A
arquitetura da gramática, Kato & Mioto mostram como se desenvolveram
os conceitos gramaticais da antiguidade aos dias atuais, apontando
importantes pontos de ligação entre concepções aristotélicas e inovações
e ganhos advindos das contribuições do Estruturalismo e da Teoria
Gerativa. É nesse capítulo que os autores introduzem a nova arquitetura
da sentença a partir da lógica de Frege, perspectiva diversa da lógica das
proposições aristotélicas, e apresentam uma prévia do conteúdo dos
capítulos subsequentes, que tratam da complementação, da predicação,
da adjunção, das construções-Q.
Cyrino, Nunes & Pagotto, autores do capítulo Complementação,
iniciam a discussão a partir das considerações tradicionais sobre a
diferença entre sujeito e complementos e apontam as fragilidades dos
conceitos apresentados nessas abordagens. É, então, apresentada a noção
de complementação adotada no volume, com a tipologia dos verbos em
função da sua grade argumental. O ponto tratado a seguir é a forma que
os complementos podem assumir. Aqui, dedicam-se a fazer uma detalhada
descrição do comportamento dos complementos no português brasileiro,
sobretudo no tocante à representação do objeto anafórico. Por fim, os
autores fazem uma sistematização formal das estruturas de
complementação. Destaque-se, nesse ponto, a generalização dos verbos
leves (também referidos como verbos-suporte em outros quadros teóricos)
nas estruturas com verbos transitivos.
O terceiro capítulo, escrito por Berlinck, Duarte & Oliveira, trata
das relações de Predicação. Seguindo o formato já mencionado, as autoras
tratam da noção de sujeito segundo as gramáticas tradicionais, apontando
algumas inconsistências na conceituação de sujeito e predicado. Em
seguida, explicitam a noção de sujeito adotada – de cunho estrutural –,
e apresentam a relação entre a concordância verbal e a ordem dos
constituintes na sentença. Já na seção que trata das realizações do sujeito
pronominal, as autoras fazem uma descrição cuidadosa sobre o atual
estágio do PB, mostrando as consequências da remarcação do Parâmetro
do Sujeito Nulo (PSN) encontradas nos dados, que revelam a preferência
pelo preenchimento da posição à esquerda do verbo. O capítulo trata,
ainda, das estruturas de tópico marcado, indicando as características das
diferentes possibilidades de construções desse tipo. Por fim, as autoras
ainda apontam a relevância de estudos no âmbito da GPFCB, como o de
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Callou (1993), no que se refere tanto à distribuição tipológica das
estruturas de tópico, quanto às questões prosódicas a elas relacionadas.
Outro aspecto que merece destaque é o confronto entre estruturas de
sujeito/predicado e tópico/comentário. O capítulo se encerra com a
sistematização formal de todas as estruturas descritas ao longo do seu
desenvolvimento.
No capítulo relativo à Adjunção, Rocha & Lopes definem as
propriedades que caracterizam os adjuntos, levando em conta o fato de
não serem selecionados por um predicador: ao contrário, “escolhem” e
expandem o elemento a que se adjungem, sem alterar seu estatuto
categorial. As autoras descrevem a forma, a função e a posição dos adjuntos
na amostra analisada, o que é indispensável para uma melhor compreensão
dessa classe tão carente de um tratamento refinado. Na última seção, as
autoras fazem uma sistematização formal dos adjuntos descritos no
capítulo, discutindo dois aspectos interessantes: primeiro, quanto ao
comportamento da negação, que apresenta posição fixa, inverte o valor
de verdade da sentença e pode ainda se cliticizar, sofrendo perdas
fonológicas e se apoiando em outro elemento; depois, quanto à
necessidade de se ter uma nova categoria funcional que contemple o
sintagma aspectual, dado que as línguas naturais dividem os eventos em
perfectivos e imperfectivos. Finalmente, as autoras mostram de que maneira
os adjuntos constituem um ambiente sintático do qual não se podem
extrair elementos – razão pela qual são chamados “ilhas” sintáticas.
No quinto capítulo, As construções-Q no português brasileiro falado, os
autores – Braga, Kato & Mioto – tratam das sentenças encabeçadas por
elementos Q- localizados na periferia esquerda da sentença, como é o
caso das relativas, das estruturas clivadas e das interrogativas parciais. Na
primeira seção, mostram como se comportam as relativas, dividindo-as
em relativas com núcleo nominal e relativas livres. A seguir, os autores
descrevem as estruturas clivadas, pouco exploradas pelas gramáticas
tradicionais, e, na seção seguinte, as interrogativas-Q, mostrando diferenças
entre as interrogativas com o pronome-Q in situ e deslocado, as
interrogativas clivadas e as clivadas reduzidas. Na última seção do capítulo,
os autores procedem à sistematização formal dos tipos de construções-Q
descritas ao longo do texto. Note-se o fato de que os autores preferem
usar, diferentemente daquilo que ocorre nos demais capítulos,
representações lineares em vez de representações arbóreas.
Braga & Nascimento, no último capítulo da Gramática, têm por
objetivo mostrar como se dá A interação entre adjuntos e elementos discursivos,
buscando localizar as fronteiras que abrigam tais elementos, que tanto
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podem ser certos adjuntos, entre os quais se encontram os operadores de
foco descritos no quarto capítulo, como outros elementos, entre os quais
as chamadas “palavras denotativas”, um desafio dentro da tradição
gramatical. Os autores defendem que, se por um lado os fatores categóricos
– relações de complementação e predicação – são indispensáveis para a
realização das palavras na sintaxe, os fatores não-categóricos, os adjuntos e
discursivos, são indispensáveis para fazer dos enunciados partes do
discurso. Quanto à distinção entre adjuntos e discursivos, os autores atestam
que: (a) as fronteiras mais internas da sentença são escassamente ocupadas
pelos discursivos, enquanto há adjuntos que ocorrem regularmente nas
mais variadas fronteiras, de acordo com sua forma/função; (b) discursivos
tendem a estar nas posições marginais; (c) as fronteiras não atribuidoras
de caso são igualmente resistentes à presença de discursivos e adjuntos;
(d) na distribuição de ambos, há uma correlação biunívoca entre forma
e função. Na conclusão do capítulo, dá-se atenção à necessidade de incluir
uma apreciação do papel dos elementos discursivos numa análise sintática
que compreende a integração dos procedimentos de Adjunção aos de
Complementação e Predicação.
Percebe-se, desse modo, que o volume traz uma contribuição
importante à descrição das propriedades sintáticas do PB e da variação
linguística atestada nas amostras analisadas, constituindo-se num excelente
material para cursos de sintaxe em nível de graduação e de pós-graduação.
Além disso, trata-se de uma obra acessível a todos os que se interessam
por estudos gramaticais e pela sintaxe do português: cada capítulo está
estruturado de tal forma que o leitor não especialista em teorias mais
formais pode usufruir das discussões em torno da tradição gramatical e
da tentativa de elucidar questões mal resolvidas, através da análise de
dados ilustrativos dos fenômenos apresentados, sem que tenha de se
aventurar pelas seções de sistematização formal que fecham cada capítulo.
Os interessados em aprofundar seus conhecimentos, terão nessas seções
uma preciosa descrição da construção da sentença do PB.
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RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e
ensino. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. 182 p.
por Heloise Vasconcellos Gomes Thompson1
O livro Articulação de orações: pesquisa e ensino reúne dez artigos, que
têm como foco a descrição de fenômenos sintáticos no português em uso.
Tal obra foi organizada pela Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues
e é resultado de seus estudos juntamente com seus orientandos no projeto
Uso(s) de conjunções e combinação hipotática de cláusulas, vinculado à linha de
pesquisa Língua e sociedade: variação e mudança do Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os textos apresentam artigos escritos pela organizadora em coautoria com seus orientandos, além de textos escritos por estes e aquela
individualmente. Todos os artigos trazem resultados das pesquisas
realizadas pelo grupo acerca do real uso da Língua Portuguesa,
explicitando, assim, as mudanças e variações nela recorrentes no âmbito
da sintaxe. O interesse pelas diferenças existentes entre o que é prescrito
nas gramáticas normativas e o que é efetivamente utilizado pelos falantes
em contextos reais dos usos linguísticos surgiu especialmente quando a
autora, em projeto anterior, constatou uma redução no quadro das
conjunções utilizadas pelos usuários da língua em relação àquelas listadas
nas gramáticas normativas. Nesse sentido, o livro em questão mostra-se
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como numa tentativa de descrever uso(s) de conectivos e/ou
procedimentos sintáticos que se dão na combinação das cláusulas a partir
de um confronto com a descrição oferecida pelas gramáticas normativas.
Mais ainda, a presente obra pretende, também, colaborar para um ensino
de língua materna mais eficaz e coerente, diminuindo a distância ainda
existente entre as pesquisas universitárias e a prática pedagógica nas escolas.
Na apresentação do livro, a autora faz breve relato das motivações
que a levaram a estudar as conjunções e seus usos, as orações e suas
combinações. Apresenta, também, breve histórico sobre a teoria
funcionalista e sua relevância para os presentes estudos em sintaxe, além
de resumir o assunto tratado em cada artigo e explicitar sua influência no
ensino de Língua Portuguesa.
O primeiro artigo, de autoria de Maria de Lourdes Vaz Sppezapria
Dias, intitulado Justaposição: processo sintático distinto da coordenação e da
subordinação?, faz uma revisão do tratamento dado à justaposição nas
gramáticas tradicionais, defendendo a tese de que se trata de mais um
procedimento sintático, além da coordenação e da subordinação. O
segundo artigo, Correlação na perspectiva funcionalista, de autoria de Ivo
Costa do Rosário em parceria com Violeta Virginia Rodrigues, apresenta,
da mesma forma que o anterior, a correlação como outro procedimento
de estruturação do período composto em Língua Portuguesa, não cabendo
mais simplesmente a dicotomia coordenação/subordinação na análise da
articulação das orações; mostra, ainda, algumas diferentes interpretações
para tal mecanismo sintático.
No terceiro artigo, que tem como título Subordinação adverbial ou
hipotaxe circunstancial?, a autora, Violeta Virginia Rodrigues, apresenta um
questionamento à nomenclatura “subordinação adverbial”, que se
restringe, no âmbito tradicional, apenas à análise em nível sentencial,
deixando de lado as relações e influências do co-texto e do contexto em
que as estruturas se dão. Nessa linha de pensamento, o quarto artigo, A
hipotaxe por justaposição em construções proverbiais, escrito por Maria de
Lourdes Vaz Sppezapria Dias, apresenta análises de estruturas proverbiais
como casos de hipotaxe circunstancial, levando em consideração a relação
entre as estruturas e o discurso. O quinto artigo, de autoria de Vanessa
Pernas Ferreira e Violeta Virginia Rodrigues, intitula-se Uso(s) das orações
condicionais e versa sobre as diferentes formas de expressar a relação de
condicionalidade na Língua Portuguesa. No sexto artigo, Por uma
classificação a partir das relações entre as orações: o caso da conjunção “quando”,
Vanessa Pernas Ferreira discorre sobre o caráter multifuncional da
conjunção quando, explicitando variadas interpretações desse conector a
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depender de seu contexto de uso. Seguindo essa mesma visão, no sétimo
artigo, intitulado Multifuncionalidade da partícula “como” no português
contemporâneo, Ivo da Costa do Rosário trata do caráter multifuncional do
item como, dadas as diversas funções que pode assumir em diferentes
situações comunicativas. O oitavo artigo, Articulação e tipos semânticos de
verbo das orações subordinadas adverbiais modais em português, de autoria de
Anderson Godinho Silva, apresenta uma descrição das orações modais e
estabelece um paralelo entre os tipos semânticos de verbo e o grau de
integração semântico-pragmática dessas orações. No nono artigo, que se
intitula Um enfoque funcional para a integração das cláusulas consecutivas, a
autora Evelyn Cristina Marques dos Santos propõe uma caracterização
das orações que veiculam noção de consequência na língua materna,
dando um enfoque funcional para tais estruturas.
Finalmente, no décimo artigo, intitulado Como os livros didáticos
abordam as cláusulas relativas?, a autora Elenice Santos de Assis Costa de
Souza apresenta uma análise de três livros didáticos, em que verifica como
as orações relativas e as noções de língua e gramática são abordadas em
tais livros, estabelecendo cotejo com as diretrizes presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
Maria Beatriz do Nascimento Decat, estudiosa renomada na área
de sintaxe, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi
responsável por escrever a “orelha” do livro. A professora reconhece a
insuficiência ainda existente no que diz respeito às descrições dos
processos de articulação de cláusulas para uma melhor organização textual
e ressalta a relevância do livro em questão para o preenchimento de
lacunas existentes no que tange à descrição da Língua Portuguesa e seus
procedimentos sintáticos.
O livro Articulação de orações: pesquisa e ensino, sem dúvida, é de grande
contribuição para um melhor entendimento da articulação de cláusulas
dentro da perspectiva funcional. Além de apresentar uma descrição dos
procedimentos sintáticos de articulação das orações nos períodos e de
contemplar novos usos presentes na língua, estabelece ponte direta com o
ensino. Nesse sentido, interessa a um público variado - estudantes de
graduação, professores do ensino fundamental e médio, professores
universitários e pesquisadores envolvidos com os usos linguísticos.
Os estudos realizados na área de articulação de cláusulas por parte
da organizadora da obra, juntamente com seu grupo de pesquisa,
continuam em andamento e certamente contribuirão com outros frutos
para uma melhor descrição e um melhor entendimento do funcionamento
da sintaxe da Língua Portuguesa.
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Instruções para envio de trabalhos
Diadorim: revista de estudos linguísticos e literários aceita textos inéditos,
em Língua Portuguesa, elaborados por docentes e estudantes de pósgraduação.
Os trabalhos que se enquadram no perfil da publicação são
submetidos ao conselho editorial e analisados por dois pareceristas ad hoc.
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autorais ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ,
para veiculação impressa e eletrônica.
Temática
As edições de número ímpar se dedicam aos estudos literários e
as de número par se atêm aos estudos linguísticos.
No tocante aos estudos literários, aceitam-se colaborações
concernentes a:
Literatura Brasileira: poesia, narrativa, abordagens interdisciplinares;
Literaturas Portuguesa e Africanas: poesia, narrativa, relação entre
cultura e arte, relação entre memória, história e literatura.
Quanto aos estudos linguísticos, os trabalhos podem versar sobre:
Variação e mudança da Língua Portuguesa nos planos sincrônico e
diacrônico;
Ensino de Português;
Relação entre gramática e discurso.
Normas*
1. O trabalho deve ter extensão máxima de quinze laudas (ou 31.500
caracteres com espaços) e vir acompanhado de resumo (de até 830
caracteres com espaços), e três a cinco palavras-chave, seguidos de
abstract e keywords em inglês.
*
Adaptação das normas da ABNT realizada por Mônica Maria Rio Nobre e Violeta
Virginia Rodrigues, Docentes de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizadoras da Revista Diadorim - 6.
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2. Formatação: papel A4, margens de 3 cm, fonte Times New Roman,
corpo 12, parágrafos justificados, primeira linha com recuo de 1 cm,
espaçamento 1,5.
3. Estrutura: título do artigo e informações sobre o autor.
Título: centralizado, na primeira linha, apenas primeira letra maiúscula,
em negrito.
Nome do autor: corpo 12, completo, em ordem direta, alinhado à
esquerda, com asterisco para pé de página.
Informações no asterisco: corpo 10, adentramento de 1 cm; titulação
e instituição do autor.
Formatação de parágrafos: adentramento de 1 cm no início de cada
parágrafo.
Títulos e subtítulos dentro do texto: corpo 12, em negrito, sem
adentramento e sem numeração. Entre uma seção e outra, dar um
espaçamento. Iniciar, sempre, imediatamente, abaixo do título ou
subtítulo, sem dar espaço.
Citações: até três linhas - texto citado entre aspas. Com mais de três
linhas - corpo 10 (Times New Roman), adentramento 2 cm.
Notas de pé de página: adentramento de 1,5 cm; espaçamento simples;
corpo de letra 10 (Times New Roman).
Exemplos: numeração corrida em arábico e entre parênteses. Corpo
10, adentramento 2 cm.
Destaques: em itálico, mantendo o corpo do texto. Duplo destaque
deverá ser feito em itálico e em negrito. Latinismos e estrangeirismos
em geral: em itálico.
Quadros, tabelas e figuras: com muitas células – seguir margens direita
e esquerda do texto. Quadros, tabelas e figuras com poucas células –
centralizados.
Legendas e/ou títulos: abaixo do quadro, tabela ou figura, alinhados
sempre à esquerda. Especificação só a primeira letra maiúscula,
numeração em arábico, sem negrito, corpo 10 (Times New Roman).
Ex.: Figura 1, Quadro 1, Tabela 1.
Texto do quadro, tabela ou figura: só a primeira letra maiúscula, sem
negrito, corpo 10 (Times New Roman).
Referências dentro do texto
Referência simples: Sobrenome do autor com inicial em maiúscula,
data entre parênteses. Exemplo: Carvalho (2003)
Referência com indicação de página: Sobrenome do autor com inicial
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em maiúscula, data entre parênteses, seguida de vírgula, indicação
numérica da página.
Exemplo: Carvalho (2003, p. 17)
Referência com cf.: parênteses seguido de cf. sobrenome do autor,
vírgula e ano da publicação. Exemplo: (cf. Carvalho, 2003)
Referências bibliográficas
Alinhadas à margem esquerda do texto em espaço simples e separadas
entre si por espaço duplo. Na translineação, manter a margem
esquerda.
Observações quanto à autoria
AUTOR: sobrenome do autor em letras maiúsculas seguido do(s)
prenome(s) descrito(s) com as letras abreviadas ou não. Exemplo: SILVA,
J. ou SILVA, José.
AUTORES cujo sobrenome são acompanhados por JÚNIOR,
FILHO, NETO e SOBRINHO: a indicação deve ser feita pelo sobrenome
seguido dos distintivos. Exemplo: SILVA NETO, Paulo.
Dois AUTORES: indica-se segundo a ordem em que aparecem na
publicação, separando-os pelo sinal de ponto-e-vírgula. Exemplo: RED,
William Frederick; SCALCO, John.
Mais de três AUTORES: indica-se apenas o primeiro, seguido da
expressão et al. Exemplo: CORREA, Celso Pires et al.
Observações quanto ao Título da obra: é reproduzido tal como
aparece na obra, devendo aparecer em itálico.
Observações quanto à Localização da obra consultada: indica-se
primeiro o nome do local seguido de dois pontos, depois, indica-se a
editora seguida de vírgula e, por último, o ano de publicação. Exemplo:
São Paulo: Atlas, 1998.
Atenção: casos mais específicos, favor consultar as normas da ABNT.
Resumo: adentramento de 2 cm, espaçamento de 1,5 cm, corpo
de Letra 12 (Times New Roman).
Observação 1: A palavra Resumo vem com a primeira letra
Maiúscula, em negrito, alinhada à esquerda (2 cm) seguindo o
espaçamento 1,5 cm.
Observação 2: O título Palavras-chave – com a primeira letra
Maiúscula, em negrito, alinhado à esquerda (2 cm) seguindo o
espaçamento 1,5 cm e seguido de dois pontos. As palavras-chave também
ficarão em negrito, separadas por ponto-e-vírgula e ponto ao final da
enumeração. Exemplo: Palavras-chave: sintaxe; período composto;
conjunções.
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Observação 3: entre a palavra Resumo e o texto do resumo
propriamente dito, não usar espaçamento.
Observação 4: entre o texto do Resumo e a indicação das palavraschave também não usar espaçamento.
Abstract: o que foi indicado para a feitura do Resumo, vale para
o Abstract. Atenção: entre o Resumo e o Abstract dar um espaço. Os itens
Resumo e Abstract constituem, juntos, uma nova página
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diferentes: o primeiro sem identificação de autoria
e o segundo acompanhado de nome, função e
instituição.
posverna@letras.ufrj.br
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Formato 16 x 23
Tipologia: Nebraska (texto e títulos)
Papel: offset 90g/m2 (miolo)
Supremo 250 g/m2 (capa)
CTP, impressão e acabamento: Imprinta
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