Uploaded by cesar.augusto

364340439-MANZINI-Design-Para-a-Inovacao-Social-e-Sustentabilidade

advertisement
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Cadernos do Grupo de Altos Estudos | VOLUME I
Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ
Design para a inovação social e
sustentabilidade | Comunidades criativas,
organizações colaborativas e novas redes projetuais
Ezio Manzini
Rio de Janeiro, 2008
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
© Ezio Manzini / E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2008.
Todos os direitos reservados a Ezio Manzini / E-papers Serviços Editoriais
Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por
qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.
Impresso no Brasil.
ISBN 979-85-7650-170-1
Coordenação de tradução
Carla Cipolla
Equipe
Elisa Spampinato, Aline Lys Silva
Diagramação
Livia Krykhtine
Revisão de textos
Gustavo Paape
Esta publicação encontra-se à venda no site da
E-papers Serviços Editoriais.
http://www.e-papers.com.br
E-papers Serviços Editoriais Ltda.
Rua Mariz e Barros, 72, sala 202
Praça da Bandeira – Rio de Janeiro
CEP: 20.270-006
Rio de Janeiro – Brasil
CIP-Brasil. Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
M252d
Manzini, Ezio
Design para a inovação social e sustentabilidade: comunidades
criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais /
Ezio Manzini; [coordenação de tradução Carla Cipolla; equipe Elisa
Spampinato, Aline Lys Silva]. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. (Cadernos
do Grupo de Altos Estudos ; v.1)
104p.
“O presente livro é resultado do curso denominado Design.ISDS
1- Design, Inovação Social e Desenvolvimento Sustentável - realizado
de 27 a 31 de agosto de 2007, tendo sido financiado pelo programa
Escola de Altos Estudos da CAPES e promovido pelo Programa de
Engenharia de Produção da COPPE-UFRJ”
Acompanha DVD
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-170-1
1. Desenho (Projetos) - Aspectos sociais. 2. Designers. 3. Criatividade.
4. Cooperação. 5. Desenvolvimento social. 6. Desenvolvimento
sustentável. I. Título. II. Série.
08-3715.
CDD: 745.4
CDU: 745
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Sumário
5
Apresentação
9
Prefácio
10
Metodologia do curso
11
Passado, presente e futuro
13
Origens e possibilidades
15
Introdução
19
1. Sustentabilidade | Descontinuidades sistêmicas e
processos de aprendizagem social
39
20
1.1 Os limites do Planeta
25
1.2 Descontinuidade sistêmica
27
1.3 Design e sustentabilidade
31
1.4 Orientações e diretrizes
2. Modos de vida | Bem-estar sustentável, bens
comuns e capacidades
40
2.1 Bem-estar baseado no produto
47
2.2. Bem-estar e bens comuns
52
2.3 Bem-estar e capacidades
56
2.4 Design e bem-estar
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
61
83
99
3. Inovação Social | Comunidades criativas e
organizações colaborativas
61
3.1 Comunidades criativas
70
3.2 Organizações colaborativas
73
3.3 Processos em andamento
78
3.4 Design e inovação social
4. Redes Projetuais | Interações “de baixo para cima”
(bottom-up), “de cima para baixo” (top-down) e
“entre pares” (peer-to-peer)
84
4.1 Soluções e plataformas
87
4.2 Aumentando a escala
93
4.3 Conectando-se
96
4.4 Design e redes projetuais
Bibliografia
103 Ezio Manzini
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Apresentação|
As inovações sociais abrangem um campo muito amplo de possibilidades. As inovações sociais em geral referem-se a novas
estratégias, conceitos e métodos para atender necessidades sociais dos mais diversos tipos (seus campos de aplicação são os
mais variados, condições de trabalho, lazer, educação, saúde,
etc.). As inovações sociais referem-se tanto a processos sociais
de inovação como a inovações de interesse social, como também ao empreendedorismo de interesse social como suporte
da ação inovadora.
O presente livro dá atenção a inovações sociais de um tipo
específico. Do lado positivo, ou seja, desde a perspectiva daquilo que se pretende ver afirmado com elas, elas são comprometidas com a ampliação e o aprofundamento de nosso senso de
comunidade. Do lado negativo, ou seja, desde a perspectiva daquilo que não se pretende ver afirmado com elas, elas são comprometidas com evitar a crueldade, “a pior coisa que fazemos”,
como expressa Judith Shklar em Ordinary Vices (1984). Evitar
a crueldade é o limite tanto com relação aos fins quanto aos
meios de efetivação de inovações sociais solidárias.
No livro de Ezio Manzini tem destaque a questão ambiental
como quesito da desejada sustentabilidade de produtos e processos. Mas não se trata de uma perspectiva absolutizante. O
empenho por modos de vida sustentáveis diz respeito as mais
variadas dimensões relacionais da condição humana.
Este livro teve como catalizador de sua feitura o curso que
Ezio Manzini ofereceu no Programa de Engenharia de Produção
da Coppe/UFRJ com apoio da Escola de Altos Estudos da Capes
para uma ampla rede de cursos de pós-graduação brasileiros. O
curso foi denominado DESIGN.ISDS 1 – Design, Inovação Social
e Desenvolvimento Sustentável.
Apresentação | 5
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Elemento fundamental da mensagem de Manzini é a proposição de plataformas habilitantes como ferramentas para
“mudarmos a mudança” em meio à qual vivemos.
Implica mais do que o mero exercício de habilidades técnicas. O código de acesso para nossa possibilidade de “mudarmos
a mudança” não é um artefato técnico, mas sim nossas atitudes,
palavras e atos, nossa capacidade de afirmar valores e compromissos. “Dar certo” não é critério para proposições que querem
ser eticamente fundadas. O artefato técnico é uma ferramenta a serviço das relações interpessoais. Não um dispositivo de
formatação das identidades, num mundo onde nossas liberdades se confundem com as pré-programações de possibilidades
enumeradas segundo regras de videogames. Dizer isso significa
reconhecer que as imposições da racionalidade instrumental (e
da produtividade) precisam ter limites. E que desses limites se
tece o lugar próprio para espaços de experiência e horizontes
de expectativa da convivencialidade. Espaços e horizontes que
Martin Buber designaria como dialogais.
O presente volume abre a coleção Cadernos do Grupo de
Altos Estudos do Programa de Engenharia de Produção (http://
www.producao.ufrj.br).
É significativo que o primeiro volume da coleção seja dedicado ao campo temático da interface entre Engenharia de
Produção e Design. O Programa de Produção tem uma história de atuação significativa nessa interface. Sempre buscamos
uma coerência na atitude de ver na Universidade um lugar de
encontro e diálogo. Em nossa perspectiva a Engenharia de Produção é um lugar privilegiado para a interface da técnica com
dimensões metatécnicas.
O programa de Engenharia de Produção da Coppe foi, no
passado, lugar de formação em nível de mestrado e doutorado
de muitos colegas hoje professores de diversos cursos brasileiros de Design. Faço dessa apresentação também ocasião para
homenagear um colega recentemente falecido, o professor
Estevão Neiva de Medeiros, que tanto contribui para essa presença do Design na Engenharia de Produção. O lançamento do
livro de Manzini, tão próximo da data falecimento de Estevão,
6 | Apresentação
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
mistura tristeza e alegria. Mas é essa a matéria de nossas vidas
humanas.
Finalizo com um convite. Para mim todo prefácio é um
convite. No passado recente vi um belo filme alemão (“A vida
dos outros”). Dele retiro uma referência final para o convite que
hoje faço. Se naquele filme há referência a uma peça musical
com o título “Sonata para um homem bom”, quero como coordenador do Programa de Engenharia de Produção da Coppe
convidar a todas as pessoas boas – mulheres e homens – a lerem o livro de meu amigo Ezio. Não é um livro especializado
para designers ou engenheiros de produção. É uma obra para
pessoas boas.
Que a alegria de vocês em lê-la seja grande e fecunda. A
minha foi.
Roberto Bartholo
Apresentação | 7
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Prefácio|
Este livro é uma fotografia, ou seja, um instantâneo da mente
de um pesquisador sempre inquieto. O conteúdo das próximas
páginas, a este momento, provavelmente já se transformou na
mente do autor. Se isso é verdade para todos nós, visto que o
devir é uma condição essencial de nossa humanidade, a convivência nos faz intuir que para ele o seja ainda mais. Fundamentalmente devido ao seu próprio caráter, que faz de si mesmo
uma “antena”, captando e interpretando as mudanças em ato,
incessantemente reelaborando-as em contribuições à disciplina de design, de maneira a compor uma contribuição acadêmica tão relevante quanto amplamente reconhecida no setor.1
Entre tais movimentos foi recompensador conseguir “aferrar” nosso pluripremiado autor e trazê-lo ao Brasil para que, em
uma seqüência de aulas, nos contasse suas idéias. O curso2 denominado DESIGN.ISDS 1 – Design, Inovação Social e Desenvolvimento Sustentável foi realizado de 27 a 31 de agosto de 2007,
tendo sido financiado pelo programa Escola de Altos Estudos
da Capes e promovido pelo Programa de Engenharia de Produção da Coppe-UFRJ em uma iniciativa coordenada pelo professor Roberto Bartholo.
O presente livro é o resultado dessas aulas. Tem o valor de
oferecer um panorama seqüencial das idéias do professor, sintetizando em uma concisa publicação conceitos distribuídos
em diferentes artigos ao longo dos últimos anos. Inclui também
material que é fruto de suas mais recentes atividades de pesquisa. Este constituiu o caráter particularmente dinâmico do presente texto que, em relação ao original (fornecido como mate1. É possível acessar os mais recentes textos de Ezio Manzini em seu blog:
http://www.sustainable-everyday.net/manzini/ (em língua inglesa).
2. Site do curso: http://www.producao.ufrj.br/design.isds/.
Prefácio | 9
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
rial didático durante as aulas há um ano), sofreu modificações
de modo a precisar alguns de seus conceitos-chave. A tradução
dos conceitos desta obra, a partir da versão original em língua
inglesa, foi detalhadamente discutida com o autor.
Em sua pesquisa, Manzini se preocupa em imediatamente
comunicar o que constata, elabora e faz, tal qual os dois trilhos
paralelos e constantes nas metodologias dos projetos que desenvolve. Por isso, é também aberto ao incessante diálogo, que
é a outra face de sua contínua busca. É a “busca com”, feita da
exposição aos outros de suas idéias, sempre aberto a quem as
possa validamente questionar e/ou reelaborar. Nesse sentido,
o curso foi complementado por um seminário, desenvolvido
nos dias 5 e 6 de setembro de 2007, onde os participantes foram
convidados a estabelecer uma interlocução com o professor
sobre os conceitos apresentados, bem como discutir as especificidades e o potencial do trabalho em design para a inovação
social e sustentabilidade no contexto brasileiro.
Metodologia do curso
O curso operou em uma estrutura de rede através da adesão
formal de dezoito cursos3 de pós-graduação por todo o Brasil.
Os professores representantes de cada uma dessas unidades,
além de ter acesso privilegiado ao curso, foram convidados a
3. Rede multidisciplinar do curso (adesão formal): UFRJ/Coppe – Programa
de Pós-graduação em Engenharia de Produção; UFRJ/EBA – Programa de
Pós-graduação em Artes Visuais; Uerj/Esdi – Programa de Pós-graduação em
Design; PUC-Rio – Programa de Pós-graduação em Design; USP – Programa de
Pós-graduação em Engenharia de Produção; USP – Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo; USP-S.Carlos – Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo; UNB/CDS – Centro de Desenvolvimento Sustentável; UFPE – Programa de Pós-graduação em Design; UFBA – Programa
de Pós-graduação em Gerenciamento e Tecnologias Ambientais no Processo
Produtivo; UFBA – Programa de Pós-graduação em Engenharia Industrial;
UFMG – Programa de Pós-graduação em Engenharia da Produção; UFMG –
Programa de Pós-graduação Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável;
UFPR – Programa de Pós-graduação em Design; UFSC – Programa de Pósgraduação em Design e Expressão Gráfica; FAM (Universidade Anhembi Morumbi) – Programa de Pós-graduação em Design; Senac (Centro Universitário
Senac) – Programa Estudos Pós-graduados em Design; e Unisinos – Programa
de Pós-graduação em Ciências da Comunicação.
10 | Prefácio
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
agir como multiplicadores, inserindo as aulas do prof. Manzini
em seus respectivos programas didáticos e elaborando-as com
seus alunos localmente. Foram, portanto, estimulados, desde
o início, a articular os conteúdos apresentados pelo professor
com seu próprio quadro conceitual.
As aulas foram transmitidas ao vivo, via internet, e durante todas as atividades foi aberta a possibilidade de interação à
distância via chat com o prof. Manzini, tendo esta sido exclusivamente dirigida aos professores locais, dando-lhes a possibilidade de contactar diretamente o prof. Manzini, bem como de
apresentar eventuais questionamentos de seus alunos.
Ainda que a proposta do programa Escola de Altos Estudos
da Capes seja especificamente dirigida aos cursos de pós-graduação, foi possibilitado o acesso informal a diversos professores e estudantes de graduação, os quais puderam seguir as aulas
nos modos on-line e presencial, intensificando ainda mais a difusão dos conteúdos didáticos disponibilizados.
A gravação das aulas em vídeo, devidamente editadas, é
fornecida no DVD que integra o presente volume.
Passado, presente e futuro
Este livro é a segunda obra de Manzini publicada no nosso país.
Em Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis,4 o autor tratou
da relação entre design e ambiente dando particular atenção ao
desenvolvimento de produtos com baixo impacto ambiental,
tendo concentrado-se nas estratégias de projeto que, considerando o ciclo de vida dos produtos, permitem obter produtos
ecoeficientes.
Agora, em Design para a Inovação Social e Sustentabilidade, o autor se focaliza na contribuição que a inovação social poderia dar ao tema do design para a sustentabilidade, em termos
de design estratégico e, sobretudo, de design de serviços. Segundo Manzini, “a presente obra é complementar à anterior. O fato
que meus interesses estejam hoje prevalentemente orientados
4. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis: os
Requisitos Ambientais dos Produtos Industriais. São Paulo: EdUSP, 2002. (Original: Lo sviluppo di prodotti sostenibili. Rimini: Maggioli Editore, 1998.)
Prefácio | 11
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
nesta segunda direção, não invalida a precedente. Significa somente que, enquanto a primeira é relativamente consolidada,
a linha de pesquisa em design para a inovação social e sustentabilidade se apresenta ainda como um terreno muito novo e
promissor (para o design e em geral). Os dois livros, colocando
em evidência aspectos diversos, indicam a mesma direção: o
design para a sustentabilidade requer mudanças sistêmicas”.5
Sobre o papel do design em tais mudanças, Manzini afirma:
“hoje em dia, a sustentabilidade deveria ser o meta-objetivo de
todas as possíveis pesquisas em design (e não, como foi visto
nos últimos anos, como um tipo de setor especializado, que
corre paralelo a outros setores especializados). Provavelmente, ninguém discordaria dessa afirmação (quem poderia declarar a vontade de projetar ou pesquisar de modo a produzir
insustentabilidade?)”.6 O termo “deveria ser” indica que tal objetivo não foi atingido, sendo, portanto, ainda necessário considerar o design “para a sustentabilidade” como um setor específico, englobando todos os passos concretos que os designers
podem conscientemente dar rumo a um futuro sustentável.
Manzini indica que esses passos devem ter um caráter sistêmico e o design, para colocá-los em prática, deve possuir um forte componente estratégico. Assim sendo, em síntese, o design
para a sustentabilidade é o design estratégico capaz de colocar
em ato descontinuidades locais promissoras, contribuindo
para efetivas mudanças sistêmicas.
Importante ressaltar que, no presente livro, Manzini propõe diretrizes capazes de contribuir para a definição de uma
agenda de pesquisa brasileira tanto em design para a inovação
social, quanto em design para a sustentabilidade. A preocupação do autor com a elaboração de uma agenda compartilhada,
bem como com a articulação internacional dos pesquisadores do setor, confluiu posteriormente na elaboração (por meio
de um processo participativo) de um documento entitulado
5. Depoimento em 30/08/2008.
6. MANZINI, E. New Design Knowledge. Versão em inglês disponível em <http://
www. sustainable-everyday. net/manzini/>. Agosto/2008.
12 | Prefácio
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Design Research Agenda for Sustainability (DRAS), durante a
conferência internacional “Changing the Change”.7
Origens e possibilidades
O design para a inovação social é atualmente um dos propulsores da pesquisa em design para a sustentabilidade, sendo
Manzini um de seus maiores promotores. A pesquisa Emude
(Emerging User Demands for Sustainable Solutions), da qual foi
coordenador científico, merece particular destaque por constituir o pano de fundo deste livro, tendo estimulado a elaboração
de muitas das idéias expostas aqui. O projeto, financiado pelo 6o
Programa-Quadro da União Européia, objetivou explorar o potencial da inovação social como mola propulsora da inovação
tecnológica e produtiva, particularmente sob o ponto de vista
da sustentabilidade. Foi desenvolvido por um consórcio de institutos de pesquisa europeus (TNO, IPTS), Unep/Pnuma, atores
do setor privado como Philips Design e envolveu também oito
escolas de Design distribuídas por diversos países europeus.
A continuidade dos temas propostos por Emude estão hoje
sendo desenvolvidos pelo autor em dois outros projetos. Um
desses é denominado Looking for Likely Alternatives (Lola),
promovido pela Consumer Citizenship Network (CCN) e financiado pela União Européia. Seu tema é a educação para a sustentabilidade, tendo desenvolvido um instrumento pedagógico
baseado na identificação de casos de inovação social. O outro
projeto é denominado Creative Communities for Sustainable
Lifestyles (CCSL) e objetiva verificar a validade, fora do contexto europeu, dos resultados obtidos pelo projeto Emude. É um
programa apoiado pela Sustainable Lifestyle Task Force das Nações Unidas e financiado pelo governo da Suécia com o patrocínio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Foi desenvolvido primeiramente em três paises – Brasil, China
7. A última versão da Design Research Agenda for Sustainability (DRAS)
pode ser acessada neste endereço: http://www.changingthechange.org/
blog/2008/07/28/design-research-agenda-for-sustainability/. Maiores informações e os atos da Conferência “Changing the Change. Design Visions,
Proposals and Tools”, realizada no quadro da Torino World Design Capital –
ICSID, 2008, podem ser acessados em www.changingthechange.org.
Prefácio | 13
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
e Índia – tendo, a partir deste ano, estendido suas atividades
também ao continente africano.
Os objetivos principais da linha de pesquisa, expressa por
meio desses projetos e cujos resultados são sintetizados na presente obra, é tanto desenvolver a capacidade de reconhecer
o valor de um caso de inovação social sustentável quanto fomentar a habilidade dos designers em projetar um conjunto de
soluções capaz de aperfeiçoá-lo e de reproduzi-lo em diversos
contextos. Isso incluindo o destaque dado pelo autor ao fato de
que a redução do peso de nossas atividades no ambiente passa
por uma regeneração do tecido social e por uma redescoberta
do valor da convivencialidade, como os termos “comunidades
criativas” e “organizações colaborativas” nos indicam. Esse enfoque dado à convivencialidade propõe aos designers, e demais
pesquisadores, desafios projetuais e conceituais inéditos.
Os casos de inovação aos quais este livro faz referência revelam uma capacidade projetual difusa: pessoas que, sem nenhuma especialização formal em disciplinas projetuais, elaboram por si mesmas e de modo colaborativo soluções para seus
próprios problemas. Além de analisar e reconhecer o caráter e
o potencial promissor de tais fenômenos na transição rumo à
sustentabilidade, Manzini convida os designers a repensarem
seu próprio papel nesse quadro, não somente no momento histórico atual mas também em relação ao futuro, ou seja, a contribuírem ativamente para o advento da sociedade do conhecimento e da sustentabilidade, como ele mesmo diz.
Nesse sentido, esperamos que a presente obra possa ser
considerada também como uma contribuição à comunidade
acadêmica brasileira, em seus diversos setores, no sentido de
uma interlocução, não somente com o tema “design” no sentido especializado da disciplina, ou seja, com a prática de projeto
tal qual exercida pelos designers profissionais e estudada pelos
seus especialistas, mas também sobre as práticas por meio das
quais tantos inovadores sociais enfrentam os desafios da vida
cotidiana, dando evidentes sinais de que um futuro alternativo
aos insustentáveis padrões de produção e consumo é possível.
Carla Cipolla
14 | Prefácio
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Introdução |
1. Contrariamente aos mais comuns clichés em termos sociais
e políticos, caminhar rumo à sustentabilidade é o contrário da
conservação. Em outras palavras, a preservação e a regeneração de nosso capital ambiental e social significará justamente
romper com as tendências dominantes em termos de estilo de
vida, produção e consumo, criando e experimentando novas
possibilidades. Se assim não o fizermos, se não adquirirmos experiências diferentes e se formos incapazes de aprender a partir
delas, então assistiremos à verdadeira conservação, que resultará na continuação dos atuais e catastróficos estilos de vida,
produção e consumo.
O paradoxo é que, na realidade, sob a influência de certos
fenômenos, nossos modelos de vida, produção e consumo estão neste exato momento modificando-se profundamente. Se
nada acontecer, porém, essa transformação continuará, infelizmente, se dirigindo rumo à insustentabilidade. O que se torna
obrigatório, portanto, é “mudar a mudança” (change the change), sem desativar os mecanismos que sustentam o avião, em
pleno vôo, no qual todos nós embarcamos.
2. Considerando as condições atuais de nosso planeta e a natureza catastrófica das transformações em andamento, podemos
nos perguntar: qual foi o papel efetivo dos designers até agora?
Infelizmente a resposta é clara demais. Falando em termos gerais, os designers têm sido, e ainda são, “parte do problema”.
Todavia, pensamos que este não seja um destino inevitável. Designers podem e devem ter outro papel, tornando-se,
portanto, “parte da solução”. Isto é possível porque no “código
genético” do design está registrada a idéia de que sua razão de
ser é melhorar a qualidade do mundo. E é a partir deste pon-
Introdução | 15
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
to que devemos recomeçar, repensando qual é a qualidade do
mundo que o design, seguindo sua profunda missão ética, deveria promover.
Nessa perspectiva, os designers podem ser parte da solução, justamente por serem os atores sociais que, mais do que
quaisquer outros, lidam com as interações cotidianas dos seres
humanos com seus artefatos. São precisamente tais interações,
junto com as expectativas de bem-estar a elas associadas, que
devem necessariamente mudar durante a transição rumo à
sustentabilidade.
Neste sentido, os designers podem ter um papel muito especial e, esperamos, importante: mesmo não tendo meios para
impor sua própria visão aos outros, possuem, porém, os instrumentos para operar sobre a qualidade das coisas e sua aceitabilidade e, portanto, sobre a atração que novos cenários de
bem-estar possam porventura exercer. Seu papel específico na
transição que nos aguarda é oferecer novas soluções a problemas, sejam velhos ou novos, e propor seus cenários como tema
em processos de discussão social, colaborando na construção
de visões compartilhadas sobre futuros possíveis e sustentáveis.
3. Neste livro, consideraremos a criatividade e as habilidades de
design como elementos efetivamente necessários para mover
um processo de inovação social e tecnológica de tal magnitude
como requer a transição rumo à sustentablidade. Em particular, focalizaremos nossa atenção sobre um fenômeno que é, em
si mesmo, contraditório: sociedades em rápida transformação
(isto é, as sociedades ocidentais, mas também, e sobretudo,
todas aquelas que passaram por uma recente e turbulenta industrialização) criam particulares condições através das quais
sujeitos, individuais ou coletivos, devem aprender a agir criativamente, desenvolvendo habilidades de design.
Neste novo contexto, ainda que estas habilidades difusas de
design e seu potencial sejam largamente desperdiçados (ou melhor dizendo, sejam direcionadas à uma procura individualista
de idéias insustentáveis de bem-estar), alguns sinais positivos
estão aparecendo. São casos de inovação social, em particular
16 | Introdução
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
as inovações sociais de base na vida cotidiana (as comunidades criativas), que indicam como, às vezes, as habilidades difusas de design são capazes de criar modos de ser e de fazer ao
mesmo tempo criativos e colaborativos, considerados também
como passos promissores rumo à sustentabilidade.
Estes modos não convencionais de pensar e agir são o ponto de partida da estratégia rumo à sustentabilidade que proporemos aqui. Uma estratégia que é certamente apenas uma das
muitas a serem implementadas. Mas esta, em nossa visão, é
mais diretamente relacionada ao que as pessoas podem fazer
no seu próprio dia-a-dia. E também, e é o que mais nos interessa aqui, ao que os designers poderão fazer em suas próprias
atividades profissionais e de pesquisa.
4. O livro está articuldado em quatro capítulos.
Sustentabilidade | Descontinuidades sistêmicas e processos
de aprendizagem social. A transição rumo à sustentabilidade
será um processo de aprendizagem social graças ao qual
os seres humanos aprenderão a viver bem, consumindo
(bem) menos recursos ambientais e regenerando a qualidade dos contextos onde vivem. Para fazer isto, é necessário que uma transformação sistêmica aconteça, movendose do nível local ao global.
Modos de vida | Bem-estar sustentável, bens comuns e capacidades. A idéia de bem-estar tradicional, insustentável e
baseada no produto, está mudando. Uma nova idéia, definida como bem-estar baseado no acesso, está emergindo.
Infelizmente, essa nova visão de bem-estar é, como se revela agora, ainda mais insustentável do que a anterior. Esta
tendência deve ser revertida e reorientada na direção de
um bem-estar baseado na qualidade do contexto de vida
como um todo, fortalecendo as capacidades pessoais.
Inovação social | Comunidades criativas e organizações colaborativas. A sociedade contemporânea emite diferentes
e contraditórios sinais. Dentre eles, um verdadeiramente
promissor é representado por grupos de pessoas que estão
inventando espontaneamente novos modos de vida sustentáveis. Algumas das idéias desenvolvidas por estas co-
Introdução | 17
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
munidades criativas consolidam-se e sobrevivem. Outras
são reproduzidas em contextos diferentes. Todas devem
ser levadas em consideração como experimentações de futuros possíveis.
Redes projetuais |Interações “de baixo para cima” (bottomup), “de cima para baixo” (top-down) e “entre pares” (peerto-peer). Comunidades criativas e emprendimentos sociais
difusos são organizações socias complexas e delicadas.
Por essa razão, sua origem e sua existência não podem ser
planejadas. Porém, algo pode ser feito para torná-las mais
prováveis. Um ambiente favorável pode ser gerado. Serviços, produtos, espaços e ferramentas comunicativas de suporte podem ser projetadas.
18 | Introdução
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
1. Sustentabilidade | Descontinuidades
sistêmicas e processos de aprendizagem social
A sustentabilidade requer uma descontinuidade sistêmica: de uma
sociedade que considera o crescimento contínuo de seus níveis de
produção e consumo material como uma condição normal e salutar, devemos nos mover na direção de uma sociedade capaz de
se desenvolver a partir da redução destes níveis, simultaneamente
melhorando a qualidade de todo o ambiente social e físico. É difícil prever hoje como isto poderá acontecer. De qualquer forma,
alguns pontos já estão suficientemente claros.
Em primeiro lugar, é óbvio que esta descontinuidade ocorrerá, que se realizará mediante um longo período de transição
e que tal mudança se dará por meio de um processo de aprendizagem social largamente difuso. É claro também que esta profunda transformação atingirá todas as dimensões do sistema
sociotécnico no qual vivemos: a física (fluxos materiais e energéticos), a econômica e institucional (a relação entre os atores
sociais) e a ética, estética e cultural (os valores e juízos de qualidade que lhe darão legitimidade social). Atingirá também as várias escalas do tempo (o que pode ser feito brevemente e o que
requererá um período de tempo maior) e do espaço (da “microescala” de um único produto e serviço à “macroescala” dos sistemas sociotécnicos globais). Finalmente, na perspectiva que
veio à luz a partir da teoria da evolução dos sistemas complexos, é altamente provável que esta descontinuidade sistêmica
em escala macro seja precedida por muitas descontinuidades
locais, isto é, mudanças radicais em escala local.
1. Sustentabilidade | 19
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
1.1 Os limites do Planeta
Hoje, um profundo e poderoso fator de transformação é o fato
de que os limites de nosso planeta tornaram-se evidentes. Na
percepção desses limites deve-se olhar não apenas para o que,
em geral, é designado com o termo “problemas ambientais”. Na
realidade, o foco exclusivo no tema ambiental tem dependido
de fatores contingentes: do espaço dedicado pela mídia (algum
novo problema que vem à tona ou alguma séria catástrofe que
aconteça) e da competição com outros assuntos que pesam na
consciência pública (por essa razão, se há uma crise econômica
ou política em curso não se discute o meio ambiente, pois outros assuntos parecem ser de interesse mais imediato).
Todavia, o problema continua a existir mesmo quando
não é enunciado de modo explícito na agenda política ou midiática. A deterioração ambiental avança mesmo quando não a
discutimos e se manifesta em muitas outras formas: saturação
do mercado (demanda limitada), desemprego (oportunidades
de trabalho limitadas), proliferação de guerras regionais para o
controle dos recursos naturais (recursos limitados), emigração
e conseqüentes problemas raciais (limites demográficos e sociais), dificuldade de imaginar o futuro (porque a consciência
do limite impede de ver o futuro simplesmente como a continuação do passado, ou seja, como a reproposição de um modelo de desenvolvimento baseado em um crescente consumo
material).
Portanto, o tema dos limites não está relacionado simplesmente à “questão ambiental” da forma como esse tema foi tratado no passado (isto é, como uma série de problemas que tentamos resolver separadamente). Se considerarmos o sistema
cultural e operacional da sociedade industrial como um todo,
até o momento, estaremos diante de questões enormes como,
por exemplo, o que a expressão “bem-estar” significa atualmente. Mais explicitamente: que forma de desenvolvimento
não comprometeria o bem-estar, ou todas as vidas, das futuras
gerações no nosso planeta? É nessa perspectiva que o tema dos
limites está relacionado com o tema do desenvolvimento sustentável e das sociedades sustentáveis. Objetivando justificar
20 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
tais afirmações, traçaremos certos aspectos da sustentabilidade
ambiental de acordo com os mais recentes estudos no setor.
Desenvolvimento sustentável. A expressão “desenvolvimento
sustentável” foi introduzida no debate internacional pela primeira vez em um documento da Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento chamado “Nosso futuro comum”
(Our Common Future), coordenado por Gro Harlem Brundland.
A partir de então, a expressão foi cada vez mais usada, até tornar-se a palavra-chave em uma conferência fundamental sobre
o tema, a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro.
O que torna a Conferência e os documentos elaborados
naquela ocasião tão importantes é que, pela primeira vez, foi
oficialmente reconhecido o que por muito tempo fora evidente
para alguns – mas, com certeza, não esteve em nenhuma agenda política internacional, programa de intervenção ou mesmo
nos pensamentos da maioria dos cidadãos deste planeta –, ou
seja, que o “desenvolvimento”, como entendido até então, representava uma perspectiva objetivamente impraticável.
A introdução do termo “desenvolvimento sustentável” evidenciou que a promessa de um bem-estar baseado na continuidade do modelo de desenvolvimento dos países ricos (chamados “desenvolvidos”) e na emulação desse modelo para os
países menos ricos (chamados “subdesenvolvidos”, ou mais
otimisticamente, “em desenvolvimento”) não poderia mais ser
mantida, pois o funcionamento desse modelo extrapolava a
capacidade de recuperação dos ecossistemas e estava rapidamente consumindo o capital natural.
O uso insensato dos recursos renováveis (superexploração
de alguns, como, por exemplo, os recursos da pesca, e subemprego de outros, como a energia solar); um igualmente insensato
uso dos recursos não renováveis (com rápida diminuição das reservas de alguns deles e a correspondente acumulação de lixo);
a emissão de um número crescente de novas e potencialmente
nocivas substâncias sintéticas no meio ambiente (substâncias
estranhas à natureza e que, conseqüentemente, não são mais
1. Sustentabilidade | 21
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
possíveis renaturalizar) – apenas para mencionar alguns dos
problemas mais evidentes –, tudo mostrou sem equívocos que a
estrada que estávamos percorrendo, com a perspectiva de uma
população quase duplicada nas próximas poucas décadas, não
conduziria de forma alguma ao desenvolvimento com o qual sonhávamos.
De outro lado, o conceito de “desenvolvimento sustentável” não fornecia nenhuma indicação a respeito de como esse
novo modelo de desenvolvimento deveria ser. Apenas afirmava
que o modelo como foi inicialmente proposto (que, em poucas
palavras, dizia “faça como nós ocidentais fizemos”) não era uma
proposta praticável. Outro modelo deveria ser fundado, coerente com alguns princípios básicos (os princípios físicos e éticos
da sustentabilidade): uma definição ainda muito vaga, que, sem
dúvida, abriu espaço para inúmeras interpretações, as quais, todavia, foram suficientes para mudar o curso da história.
Sustentabilidade ambiental (e social). A expressão “sustentabilidade ambiental” refere-se às condições sistêmicas a partir das
quais as atividades humanas, em escala mundial ou em escala
local, não perturbem os ciclos naturais além dos limites de resiliência dos ecossistemas nos quais são baseados e, ao mesmo
tempo, não empobreçam o capital natural que será herdado
pelas gerações futuras.
Nossa sociedade, e, conseqüentemente, nossas vidas e as
das gerações futuras, dependem em longo prazo do funcionamento daquele “mix” de ecossistemas que, por simplicidade,
chamamos de natureza; dependem de suas várias qualidades
(principalmente, mas não somente, biofísicas) e de sua capacidade produtiva (sua capacidade de produzir alimento, insumos
e energia).
Neste quadro, as pesquisas rumo a sustentabilidade ambiental devem se referir a dois conceitos fundamentais: resiliência e capital natural. A resiliência de um ecossistema é sua capacidade de tolerar uma atividade que o perturba sem perder
irreversivelmente seu equilíbrio. Quando estendido ao planeta
inteiro esse conceito introduz a idéia de que o sistema natural,
22 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
sobre o qual a atividade humana está baseada, tem limites de
capacidade e recuperação além dos quais um fenômeno irreversível de deterioração terá início. Por outro lado, capital natural são os recursos não renováveis, que conjuntamente com
a capacidade sistêmica do ambiente de reproduzir recursos
renováveis, devem ser levados em conta como um todo. O termo refere-se também à riqueza genética, ou seja, à variedade
de espécies habitantes no planeta. Estes preceitos fundamentais, baseados principalmente em considerações físicas, devem
ser complementados por outros, de natureza social e ética, aos
quais nos referimos através do termo sustentabilidade social.
A expressão sustentabilidade social refere-se às condições
sistêmicas através das quais, seja em escala mundial ou regional,
as atividades humanas não contradizem os princípios da justiça
e da responsabilidade em relação ao futuro, considerando a atual
distribuição e a futura disponibilidade de “espaço ambiental”. O
conceito de espaço ambiental e os princípios de justiça e responsabilidade em relação ao futuro, sobre o qual essa definição está
baseada, requerem uma concisa definição: o espaço ambiental
é a extensão territorial necessária para manter um sistema sociotécnico neste mesmo espaço de uma forma sustentável, isto
é, indica quanto “ambiente” uma pessoa, cidade ou nação deve
dispor para viver, produzir e consumir sem desencadear fenômenos irreversíveis de deterioração.
Dada a definição acima, o princípio de justiça declara que
cada pessoa tem direito ao mesmo espaço ambiental. O princípio de responsabilidade em relação ao futuro declara que devemos garantir às gerações futuras pelo menos o mesmo espaço
ambiental – ou seja, a mesma quantidade e qualidade de recursos ambientais – que temos atualmente à nossa disposição.
A dimensão da mudança. Sucintamente: para ser sustentável,
um sistema de produção, uso e consumo tem que ir ao encontro das demandas da sociedade por produtos e serviços sem
perturbar os ciclos naturais e sem empobrecer o capital natural. Isto significa em primeiro lugar reduzir drasticamente o uso
dos recursos ambientais (deve ser fundamentalmente baseado
1. Sustentabilidade | 23
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
em recursos renováveis, minimizando a utilização daqueles
não renováveis – inclusive o ar, a água e a terra – e evitando a
acumulação de lixo e resíduos).
Porém, é necessário quantificar a expressão “reduzir drasticamente”: qual o tamanho da redução necessária? Obviamente
tal questão não pode ser respondida de maneira simples. Entretanto, uma avaliação muito geral e aproximada nos permite
dizer, tomando como referência o atual metabolismo de uma
sociedade industrial adulta, que as condições para sua sustentabilidade somente podem ser alcançadas através do aumento
de sua ecoeficiência em pelo menos 10 vezes. Em outras palavras: somente aqueles sistemas de produção e consumo que
utilizam menos de 90% de recursos ambientais por unidade
de serviço fornecido em relação ao que é atualmente utilizado
numa sociedade industrial adulta pode ser considerado sustentável (Ehelich, Erlich, 1991, Meadows et al., 1992).
Essa impressionante afirmação requer algumas explicações. Seu pano de fundo é baseado na seguinte consideração: o
impacto das atividades humanas sobre o ambiente depende de
três variáveis fundamentais, interligadas por uma relação que
pode ser expressa dessa forma:
Impacto ambiental = população x demanda por bem-estar x
ecoeficiência do sistema sociotécnico
Onde: a população é o numero de pessoas que pesa sobre
um dado ecossistema e a demanda por bem-estar corresponde às expectativas, em termos de produtos, serviços e bens comuns, que as pessoas expressam em um dado contexto social
(e que consideram como uma dotação necessária para considerar satisfatória a qualidade do seu contexto de vida e o acesso
potencial que ele oferece). Por fim, a ecoeficiência do sistema
sociotécnico é um indicador da eficiência do metabolismo de
um sistema de produção. Em outras palavras: como esse sistema é capaz de transformar recursos ambientais no bem-estar
almejado.
Levando em conta as previsões de aumento da população
e considerando um crescimento justo na demanda por bemestar nos países atualmente menos desenvolvidos, parece evi-
24 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
dente que as condições para a sustentabilidade somente podem ser alcançadas, como já dissemos, através de um aumento
na eficiência do sistema sociotécnico de, pelo menos, “fator 10”
– isto é, aumentando-a pelo menos 10 vezes (Schmidt-Bleek,
1993; WBCSD, 1993, 1995). Essa é uma estimativa aproximada;
é válida, apesar de tudo, para indicar a medida da mudança
necessária. É o quadro de uma sociedade onde será necessário
viver – e, esperamos, viver bem – utilizando 10% dos recursos
consumidos hoje em uma sociedade industrializada.
1.2 Descontinuidade sistêmica
Está claro que o sistema de produção e consumo de uma sociedade sustentável será profundamente diferente daquele que conhecemos até hoje. Tão diferente que nenhuma alteração parcial, nenhum melhoramento na tecnologia atualmente em uso
e nenhuma operação de redesign será suficiente (Hawken,1994;
Pauli, 1997; Sthael, 1977; Vezzoli, Manzini, 2007).
Partindo da quantificação do aumento necessário na ecoeficiência, geramos uma consideração qualitativa: o desenvolvimento sustentável necessita de todos nós – das sociedades
mais industrializadas àquelas de mais recente industrialização
ou ainda não industrializadas – para focalizar e gerar idéias de
desenvolvimento tão diferentes daquelas que dominaram a
cena até hoje, que não podemos imaginá-las sem questionar
o inteiro complexo econômico e sociocultural sobre o qual o
sistema existente de produção, uso e consumo está baseado.
O que tem de acontecer, e, na prática, já está acontecendo,
é uma descontinuidade sistêmica: uma forma de mudança em
cujo final o sistema em questão – em nosso caso, o complexo
sistema sociotécnico no qual as sociedades industriais estão
baseadas – será diferente, estruturalmente diferente, daquilo
que tivemos conhecimento até hoje.
Um processo de aprendizagem social. A transição rumo à sustentabilidade requer uma descontinuidade: de uma sociedade
onde o crescimento contínuo dos níveis de produção e de con-
1. Sustentabilidade | 25
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
sumo material é considerada uma condição normal e salutar,
devemos nos mover para uma sociedade capaz de desenvolver-se a partir de uma redução destes níveis, incrementando a
qualidade do ambiente global. É difícil prever hoje como isso
poderá acontecer. De qualquer forma, é certo que essa descontinuidade acontecerá e que será baseada em um longo período
de transição.
Diante desta necessidade, o quadro que emerge é contraditório: de um lado, a gravidade do problema ambiental é, a
esta altura, universalmente reconhecido, e as devidas medidas
começam a ser adotadas. De outro lado, considerando a enormidade das transformações que devem acontecer, todas essas
medidas são ainda insuficientes e, na realidade, o consumo de
recursos ambientais e o nível de deterioração do planeta estão
ainda (em média) crescendo.
O problema é que o que foi feito até agora, na realidade,
não colocou em discussão os atuais paradigmas econômicos e
sociais. Conseqüentemente, as linhas básicas da economia política e social ainda direcionam o sistema na direção oposta à
sustentabilidade.
Uma nova idéia de bem-estar. Enquanto esse direcionamento
não é invertido, em outras palavras, até que a descontinuidade
seja reconhecida como inevitável, levando-nos a lidar amplamente com o processo de transição, a pressão do problema ambiental continuará a se manifestar em múltiplas e incontroláveis direções (tensão social e confrontos abertos, guerras, crises
econômicas). Na realidade, pensar e promover a descontinuidade não é uma questão somente de política ambiental, mas
sim a única maneira de imaginar um futuro que seja, na medida
do possível, pacífico, tolerante e democrático.
Ainda que a transição seja longa, pelas razões antes mencionadas, ela já teve início. Portanto, de agora em diante, será
uma questão de direcionamento, ou seja, manejá-la enquanto se procura minimizar os riscos e incrementar oportunidades em um amplo, longo, inevitável e contraditório processo de
aprendizagem social. Nesse processo, uma das questões funda-
26 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
mentais a serem discutidas é relativa à qualidade do bem-estar
desejado e percebido pelas pessoas: as idéias de bem-estar que
a sociedade formula e socializa constituem um formidável guia
de ação. São idéias que operam como atrativos sociais capazes de estimular e direcionar ações tanto do lado da demanda
quanto da oferta de produtos e serviços. A fim de minimizar riscos e incrementar oportunidades intrínsecas à transição para a
sustentabilidade, devemos considerar e mudar profundamente
as idéias dominantes nesse campo.
1.3 Design e sustentabilidade
A transição rumo à sustentabilidade será um processo de
aprendizagem social no qual os seres humanos aprenderão
gradualmente, através de erros e contradições – como sempre
acontece em qualquer processo de aprendizagem –, a viver melhor consumindo (muito) menos e regenerando a qualidade do
ambiente, ou seja, do ecossistema global e dos contextos locais
ondem vivem.
Essa afirmação, que resume experiências – e erros – adquiridos ao longo de décadas, contém, em sua aparente simplicidade, um número considerável de importantes implicações
estratégicas.
Em primeiro lugar, declara a necessidade de diminuir o
consumo de recursos ambientais e de regenerar o ambiente físico e social. Entretanto, diz também que essa mudança deve
acontecer como resultado de uma escolha positiva, e não como
reação a eventos desastrosos ou imposições autoritárias. Em
outras palavras, deve basear-se em uma transformação capaz
de ser entendida por aqueles que a vivem como uma melhoria
nas condições de vida (seja individual ou coletiva).
É claro também que, mesmo que a afirmação acima não
o diga explicitamente, à luz das idéias e das práticas atuais, a
possibilidade de uma drástica redução no consumo deve ser
entendida como uma melhoria na qualidade de vida pelos indivíduos e pelas comunidades, o que não se caracteriza de forma alguma como uma possibilidade óbvia segundo as atuais
referências culturais e comportamentais. É evidente que tal
1. Sustentabilidade | 27
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
possibilidade requer, sobretudo, uma completa redefinição do
significado que cada indivíduo ou grupo atribui ao conceito de
qualidade de vida e, em última análise, à idéia de bem-estar.
Isso posto, enquanto para os cientistas da ecologia o problema é focalizar sobre aqueles aspectos físicos do metabolismo da sociedade que evitam uma catástrofe ambiental, para
todos os outros atores sociais o problema é como facilitar uma
transição que consiga este mesmo resultado sem provocar uma
catástrofe social (e, portanto, cultural, política e econômica).
Mais especificamente, se o papel dos políticos e das instituições é criar um ambiente favorável a orientação da inovação
rumo à sustentabilidade, para os designers, empresas e também
para os cidadãos comuns em suas comunidades e organizações,
a possibilidade de ação recai na sua capacidade de dar uma
orientação estratégica às próprias atividades, em outras palavras,
na sua habilidade em definir objetivos que combinem suas próprias necessidades e exigências com os critérios da sustentabilidade que estão gradualmente vindo à tona.
Colocar juntas estas diferentes exigências, como já dissemos, implica uma considerável habilidade de design: a habilidade de gerar visões de um sistema sociotécnico sustentável;
organizá-las num sistema coerente de produtos e serviços regenerativos, as soluções sustentáveis; e comunicar tais visões e
sistemas adequadamente para que sejam reconhecidos e avaliados por um público suficientemente amplo, capaz de aplicálas efetivamente.
Começando pelos resultados. Já sugerimos que, a fim de conduzir à sustentabilidade, uma descontinuidade sistêmica deve
acontecer. Dada a “microescala” discutida aqui, esta descontinuidade aparecerá como uma descontinuidade local: uma mudança radical tanto nos resultados requeridos como nos meios
para alcançá-los. Ou seja, novas (e sustentáveis) soluções devem
ser concebidas e desenvolvidas (Mont, 2002).
O sentido dessa afirmação pode ser entendido melhor se
considerarmos brevemente os passos a serem realizados no
projeto (design) de uma nova solução. São eles:
28 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Mudar a perspectiva – mudar o centro de interesse das coisas (por exemplo, geladeiras e fogões, carros e máquinas de
lavar roupa) para os resultados, focalizando o processo de
projeto nas atividades a serem realizadas (preparar a comida, mover-se pela cidade, lavar roupa).
Imaginar soluções alternativas – planejar diferentes combinações possíveis de produtos, serviços, conhecimento,
habilidades organizativas e papéis desempenhados pelos
atores envolvidos de forma que esses resultados possam,
em princípio, ser obtidos.
Avaliar e comparar várias soluções alternativas – utilizar
um conjunto apropriado de critérios para avaliar a efetiva
conveniência econômica, social e ambiental das alternativas identificadas.
Desenvolver as soluções mais adequadas – planejar um processo que contenha dois movimentos: promover convergência entre as empresas e os atores sociais envolvidos na
realização da solução escolhida e conectá-los aos produtos,
serviços e conhecimento que irão compor a solução.
A partir desses pontos, podemos afirmar que pensar em
termos de soluções é uma precondição para conceber e realizar
sistemas sustentáveis. De fato:
Pensar em termos de soluções promove uma abordagem
sistêmica, ou seja, encoraja os designers e, de forma geral,
o grupo de atores envolvidos no planejamento, produção,
execução, uso e descarte final (dos componentes materiais) da solução a pensarem em termos de sistema, o que,
potencialmente, traz numerosas vantagens do ponto de
vista social e ambiental.
Pensar em termos de soluções abre a discussão sobre o atual
sistema de produtos e serviços, ou seja, considera possíveis
alternativas às soluções atualmente difusas (que são amplamente insustentáveis). Fazer isso oferece a possibilidade de introduzir critérios e diretrizes coerentes com os
requisitos da sustentabilidade.
De outro lado, a radical transformação de produtos em soluções (ou seja, dos atuais sistemas orientados ao produto aos
novos sistemas orientados às soluções) é apenas uma precon-
1. Sustentabilidade | 29
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
dição (e não uma garantia) para a sustentabilidade. Isto porque novas soluções podem ser ainda mais insustentáveis que
as anteriores. Muito depende das escolhas de design que são
efetivamente adotadas.
Critérios para a sustentabilidade. Uma solução sustentável é o
processo por meio do qual produtos, serviços e conhecimento
são articulados em um sistema que objetiva facilitar ao usuário a obtenção de um resultado coerente com os critérios da
sustentabilidade. Sendo mais claro: um resultado que tenha
também o efeito de transformar um sistema dado e gerar um
novo que seja coerente com os fundamentais princípios da sustentabilidade. Significa que é caracterizado pela coerência com
os princípios fundamentais da sustentabilidade através de uma
baixa intensidade de energia e material e de um alto potencial
regenerativo.
Consistência com os princípios fundamentais. Refere-se aos
princípios éticos relacionados às pessoas e à sociedade (tais
como justiça entre as gerações e justiça internacional), bem
como princípios relacionados à nossa relação com a natureza e o meio ambiente (conservação da biodiversidade,
resíduos não perigosos etc.). Estão também associados a
questões sociais e econômicas tais como o tema da justa
distribuição da riqueza e do poder, do envolvimento individual e coletivo, do empoderamento comunitário, em síntese, do fortalecimento da democracia.
Baixa intensidade de energia e material. Metaforicamente
falando, se refere à “leveza” da solução e de seus efeitos.
É avaliada em termos de ecoeficiência sistêmica, isto é, se
baseia na qualidade e quantidade de recursos utilizados
para obter um resultado. Expressa portanto as dimensões
técnicas de uma solução e a sua capacidade de obter um
determinado resultado da melhor maneira possível. Constitui o mais tradicional conjunto de critérios e permanece
fundamental: qualquer sistema, para ser definido como
“sustentável”, tem que ser altamente ecoeficiente, levando
30 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
em consideração o completo ciclo de vida dos artefatos relacionados.
Alto potencial regenerativo. Refere-se à capacidade da solução em obter uma integração com seu contexto de uso,
aumentando os recursos ambientais e sociais disponíveis.
Expressa a dimensão positiva de uma solução, sua capacidade de melhorar o estado de coisas. Esse terceiro critério
resume uma série de considerações a respeito da qualidade
dos contextos de vida e é avaliado através de uma série de
parâmetros sociais, culturais e econômicos. Em contrapartida, estes parâmetros são a expressão do conhecimento e das
expectativas sociais em relação ao bem-estar sustentável.
Ainda que os critérios para a avaliação da qualidade contextual, a partir de uma perspectiva sustentável, estejam ainda
hoje em discussão, certamente alguns aspectos já são bastante claros e aceitos. Em particular, a opinião largamente
compartilhada é que o sistema deve ser altamente integrado
com seu contexto a fim de ser definido como sustentável e
que deve aumentar e, onde necessário, regenerar o ambiente local e os recursos sociais disponíveis.
1.4 Orientações e diretrizes
O critério para a sustentabilidade proposto aqui fornece indicadores úteis por meio dos quais é possível mensurar a qualidade
dos resultados. Em outras palavras, para avaliar se, e com que
extensão, o sistema que emerge da integração da nova solução
com o estado de coisas existentes (ou seja, suas implicações
ambientais, sociais, econômicas e culturais como um todo) é
sustentável. Todavia, os parâmetros de avaliação que provêm
diretamente destes critérios nos permitem avaliar as escolhas
feitas, mas não guiá-las, quando ainda não foram concebidas.
(Braungart, McDonough, 1998; Brezet, Hemel, 1997; Charter,
Tischner, 2001; Manzini, Jegou, 2003; Vezzoli, Manzini, 2007). A
elaboração da resposta a essa questão deve começar por esses
mesmos critérios e contar com as experiências concretas para
desenvolver orientações e diretrizes de design: indicações gerais e sugestões específicas capazes de guiar escolhas de design
1. Sustentabilidade | 31
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
rumo a soluções que, com base no conhecimento e na experiência obtidos até agora, pareçam ter maior chance de sucesso,
ou seja, que muito provavelmente revelar-se-ão soluções sustentáveis. Assim, estas orientações e diretrizes são uma expressão do estado da arte desses assuntos e deveriam ser consideradas como diretrizes dinâmicas, em contínua evolução.
Princípios gerais. Numa perspectiva de sustentabilidade, certas
considerações fundamentais devem ser feitas antes de começar
um adequado processo de design. São alguns princípios gerais
aos quais se deve dar atenção antes de iniciar um projeto:
Pensar antes de fazer. Considerar os objetivos. Visto que algumas propostas de design são, em si, eticamente inaceitáveis, antes de começar um projeto pense sobre suas implicações gerais. Não use, por exemplo, produtos que foram
declarados prejudiciais ou organismos geneticamente modificados. Não projete armas. Não colabore com empresas
que utilizam trabalho infantil.
Promover a variedade. Proteger e desenvolver a diversidade
biológica, sociocultural e tecnológica. Visto que sustentabilidade é praticamente sinônimo de diversidade, planeje respeitando a diversidade existente (biológica, cultural, organizacional e tecnológica) e, se possível, gere novas formas:
dê maior importância aos produtos artesanais locais, desenvolva sistemas de energia baseados em diferentes recursos,
estimule a utilização de múltiplos meios de transporte etc.
Usar o que já existe. Reduzir a necessidade do novo. Visto
que nós necessitamos minimizar a intervenção no que
já existe, antes de pensar algo novo, melhore o existente.
Recupere infra-estrutura, prédios e produtos não usados;
aperfeiçoe o uso do que foi pouco utilizado; proteja e/ou
atualize o conhecimento e as formas existentes de organização.
Qualidade dos contextos. Com isso, explicamos a tendência
rumo ao desenvolvimento de soluções que promovam uma
qualidade global dos contextos. Em particular, tendências rumo
32 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
às soluções que implicam a requalificação dos bens comuns e a
promoção de uma ecologia do tempo. Isto nos leva a enfrentar
questões complexas, tais como nossa relação com a natureza e
a comida em contextos urbanos altamente artificiais, ou a organização do espaço nas atividades cotidianas e o uso compartilhado e flexível dos bens comuns e a infra-estrutura de serviço.
Dar espaço à natureza. Proteger o ambiente natural e promover a “natureza simbiótica”. Um ambiente densamente
povoado e altamente artificial requer o planejamento de
“espaços naturais”. Devemos planejar sistemas que respeitem as áreas naturais restantes e que integrem, de forma
inovadora, componentes naturais no tecido urbano, por
exemplo, parques naturais, parques urbanos e jardins, mas
também hortas e fazendas urbanas. Telhados e fachadas
verdes ajudam, também, a manter uma temperatura estável dentro dos edifícios.
Renaturalizar a comida. Cultivar naturalmente. Desenvolver avançados sistemas de produção de comida orgânica
capazes de reduzir a artificialidade de nosso sistema de alimentação; criar sistemas de distribuição diretos e transparentes e sistemas de rastreamento do produto.
Aproximar pessoas e coisas. Reduzir a demanda por transporte. Desenvolver sistemas de transportes de baixa intensidade, para reduzir o impacto da mobilidade e fortalecer o
tecido social local, por exemplo, serviços descentralizados.
Ponto-de-venda de produção e/ou consumo. Escritórios
de bairro ao invés de lugares de trabalho longe.
Instrumentos e equipamentos compartilhados. Reduzir
a demanda de produtos. Desenvolver sistemas que otimizem a utilização de produtos e sistemas, e ao mesmo
tempo, estimulem novas formas de socialização como, por
exemplo, a carona solidária, as lavanderias condominiais,
a jardinagem compartilhada e as ferramentas “faça-vocêmesmo”.
Inteligência de sistema. Esta orientação tende a um gerenciamento inteligente e sensível dos recursos renováveis, dos flu-
1. Sustentabilidade | 33
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
xos de energia, materiais, de produtos e de pessoas. Além disso,
na estrutura da transição rumo à sustentabilidade, entendida
como um processo de aprendizagem social, esta orientação fortalece a busca de uma melhor ecoeficiência sistêmica por meio
do desenvolvimento de uma capacidade de aprender a partir
da experiência e corrigir qualquer erro que porventura seja percebido. De fato, essa capacidade de aprendizagem é o aspecto
mais característico dessa particular forma de inteligência.
Fortalecer pessoas. Incrementar a participação. Desenvolva
sistemas habilitantes e de socialização para estimular as
capacidades pessoais e reforçar o tecido social. Exemplo:
sistemas de “faça-você-mesmo”; sistemas para o intercâmbio de bens, tempo e habilidades; sistemas de informação
interativa; promoção de grupos de compra inteligentes.
Desenvolver redes. Promover formas de organização descentralizadas e flexíveis. Desenvolva sistemas capazes de aprender a partir da experiência, ampliando as possibilidades de
feedback (avaliação e comentários), bem como desenvolvendo soluções “reorientáveis”. Exemplos: sistemas baseados em formas de organização “de baixo para cima” (bottomup); produção e pontos-de-venda descentralizados.
Use o sol, o vento e a biomassa. Reduza a dependência da
gasolina. Desenvolva sistemas de energia alternativa, minimizando a produção de CO2. Exemplo: arquitetura bioclimática; uso sustentável de biomassa e geradores de vento;
sistemas fotovoltaicos integrados; células combustíveis.
Produza com resíduo zero. Promova formas de ecologia industrial. Desenvolva ecossistemas industriais que tendam
a “fechar o círculo dos materiais” e a energia em cascata.
Exemplo: sistemas industriais simbióticos; total emprego
do resíduo e recorte; co-produção de calor e eletricidade;
redes descentralizadas de energia.
Soluções promissoras. Uma solução que siga tais orientações e
que tenha sido desenvolvida adotando uma ou mais das diretrizes correspondentes pode ser chamada de solução promissora:
34 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
aquela que, baseando-se em prévias experiências no setor, tem
uma boa probabilidade de ser sustentável.
O conceito de solução promissora requer uma explicação
mais detalhada, porque é um conceito freqüentemente enunciado quando se fala a respeito de propostas para uma vida
cotidiana sustentável. Começaremos com três considerações
básicas:
Consistência com uma ou mais diretrizes não garante, por
si só, a efetiva sustentabilidade da proposta, a qual só pode
ser realmente verificada adotando-se adequadas metodologias de avaliação.
Se todos os artefatos que constituem a solução são levados
em consideração e seus inteiros ciclos de vida são analisados, metodologias de avaliação só podem ser rigorosamente aplicadas quando o projeto tenha tomado forma e todos
seus componentes tenham sido desenvolvidos.
Metodologias de avaliação são tão complexas que sua aplicação é impensável enquanto existirem muitas alternativas diferentes em discussão.
Frente à complexidade das rigorosas metodologias de avaliação quantitativa (e, conseqüentemente, do tempo e do compromisso financeiro requeridos para sua aplicação), vêm sendo desenvolvidas metodologias simplificadas e diretrizes que,
como dito anteriormente, permitem que soluções promissoras
sejam concebidas e desenvolvidas.
Devemos deixar claro que estas metodologias e as soluções promissoras que elas originam são relativamente incertas,
o que não deve, porém, nos causar excessiva preocupação. A
experiência nos ensina que cada ação humana, na realidade,
origina conseqüências inesperadas. Isto é verdadeiro também
no caso das soluções promissoras. Algumas vezes, no momento
de teste, essas soluções mostraram-se consideravelmente menos promissoras do que o esperado, ou provaram ser definitivamente escolhas errôneas. Apesar disso, a partir dessas escolhas
erradas, foi possível aprender algo: se nada tivesse sido feito,
não teríamos aprendido. De fato, é justamente a partir destes
erros que nos tornamos hábeis em desenvolver novas diretrizes
capazes de levá-los em conta.
1. Sustentabilidade | 35
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Em outras palavras: frente aos problemas de grande complexidade, é melhor realizar testes detalhados e observar os
resultados (e assim sermos capazes de aprender com a experiência) do que não fazer nada. É por isso que o conceito de
solução promissora é tão importante. Porque tenta utilizar o
melhor do que conhecemos, mas, ao mesmo tempo, aceita explicitamente a possibilidade de cometer um erro (e, assim, a
necessidade de aprender com a experiência).
Design estratégico para a sustentabilidade. Concluindo, projetar soluções sustentáveis significa definir um resultado e conceber e desenvolver os sistemas de artefatos necessários para
atingi-lo. Significa concebê-los e desenvolvê-los de tal forma
que o consumo dos recursos ambientais seja reduzido e que
as qualidades dos contextos de vida sejam regeneradas. Além
disso, como foi apresentado anteriormente, cada passo rumo
à sustentabilidade exige uma mudança radical. Os casos que
são mais interessantes para nós aqui requerem uma mudança
radical a nível local, ou seja, descontinuidades locais ou, mais
precisamente, descontinuidades locais coerentes com a perspectiva da sustentabilidade.
Resulta, portanto, que para nos movermos da concepção
de design largamente dominante em direção ao design para a
sustentabilidade, dois passos principais têm que ser tomados:
em primeiro lugar, buscar uma abordagem estratégica do design; em segundo lugar, levar seriamente em consideração os
critérios da sustentabilidade.
A partir dessas afirmações, a expressão Design para a Sustentabilidade (Design for Sustainability, DfS) deve ser interpretada como uma atividade de design cujo objetivo é encorajar a
inovação radical orientada para a sustentabilidade, ou seja, conduzir o desenvolvimento dos sistemas sociotécnicos em direção
ao baixo uso dos materiais e da energia e a um alto potencial
regenerativo. Efetivamente, para tomar esse rumo, precisamos
usar uma abordagem de design estratégico (e ferramentas de design estratégico). Dessa forma, a fim de chegar ao design para a
sustentabilidade, entendido como design estratégico para a sus-
36 | 1. Sustentabilidade
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
tentabilidade, é necessário trabalhar através do design estratégico e de suas características, objetivos e modos de operação. Ou
seja: conceber e desenvolver novas (e sustentáveis) soluções e, a
fim de implementá-las, colaborar na construção das apropriadas
parcerias (ou seja, criar as condições para a reunião dos vários
atores necessários para a obtenção dos resultados desejados)
(Manzini, Collina, Evans, 2004).
1. Sustentabilidade | 37
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
2. Modos de vida | Bem-estar sustentável,
bens comuns e capacidades
A idéia de bem-estar é uma construção social que se forma ao
longo do tempo, de acordo com uma variedade de fatores. A
idéia de bem-estar hoje dominante no ocidente e amplamente
difundida por todo o mundo nasceu com a revolução industrial. Sofreu progressivas mudanças, acompanhando a evolução da sociedade, e agora se revela como um conjunto dinâmico e articulado de visões, expectativas e critérios de avaliação
que compartilham uma persistente característica: associar a
percepção e a expectativa de bem-estar à uma disponibilidade
sempre maior de produtos e serviços.
Hoje sabemos que tal idéia de bem-estar conduz a um
consumo intrinsecamente insustentável dos recursos ambientais. Sabemos que, por causa disso, e considerando os limites
de nosso planeta, essa maneira de pensar e, conseqüentemente, de se comportar, deve mudar nos próximos anos. De fato,
essa mudança já se manifesta hoje de muitas formas e outras
idéias de bem-estar estão progressivamente emergindo. Porém,
o momento e o modo nos quais um efetivo processo de transformação virá à luz é ainda uma questão completamente aberta. Frente a esse desafio, nosso problema comum – portanto de
toda a comunidade mundial – é o de facilitar uma mudança que
possa acontecer da maneira menos dramática possível. Nossa
aspiração comum para o design é, ou deveria ser, criar as condições para que isso possa acontecer não como uma necessidade,
mas como uma escolha. Em outras palavras: que aconteça pela
força de atração exercida pelas novas oportunidades e idéias de
bem-estar, e não sob a pressão de eventos catastróficos.
2. Modos de vida | 39
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
2.1 Bem-estar baseado no produto
No desabrochar da sociedade industrial, o desenvolvimento
combinado de ciência e tecnologia ofereceu a um número crescente de pessoas uma possibilidade até então desconhecida:
a de ter a seu alcance produtos que eram a materialização de
serviços complexos – máquinas que realizavam, a baixo custo,
serviços que anteriormente estavam acessíveis apenas a poucos privilegiados, como ter a roupa lavada em lavanderias ou
jantar ao som de uma orquestra de câmara.
Além disso, pelo fato de tornar esses produtos disponíveis
em crescente quantidade com preços sempre em queda, a aplicação de sistemas industriais cada vez mais eficientes democratizou o acesso, delineando uma visão de futuro em termos
de um contínuo crescimento de bem-estar ou, para ser mais
explícito, do bem-estar que estes produtos seriam capazes de
trazer.
A força original da idéia de bem-estar produzida pela sociedade industrial repousa exatamente nesta promessa de democratização do acesso a produtos que reduzem o esforço, aumentam o tempo livre e estendem as oportunidades de escolha
individual, ou seja, aumentam a liberdade individual.
Promessas descumpridas e impraticáveis. A crise do bem-estar
baseado no produto começa com uma questão muito concreta
e possivelmente devastadora: a promessa de liberdade individual e democracia de consumo sobre a qual esta se baseia não
foi mantida e, mais significativamente, estamos descobrindo
que não pode ser mantida nem agora e nem no futuro.
De um lado, a promoção da liberdade individual trazida
pelas novas gerações de produtos parece sempre mais discutível (por exemplo, a chegada das máquinas de lavar roupa nas
casas é muito diferente do impacto do último modelo de telefone celular, que apenas substitui os da geração precedente).
De qualquer forma, o que é consideravelmente menos discutível é o fracasso da segunda promessa, aquela que diz respeito à difusão do bem-estar baseado no produto. Na realidade,
é principalmente nesse campo que podemos observar, inclu40 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
sive em termos de quantidade, o quanto tal promessa não foi
mantida e, tampouco, o poderá ser no futuro. A questão que
se revela muito claramente é a seguinte: o bem-estar baseado
no produto, estendido em escala mundial, é intrinsecamente
um modelo de bem-estar insustentável. Mais precisamente:
é intrinsecamente insustentável para um planeta pequeno e
densamente povoado, no qual se deseje respeitar alguns princípios elementares de justiça. De fato, se todos os habitantes do
planeta realmente procurassem este tipo de bem-estar da mesma maneira (como é seu sacrossanto direito, visto que tantos
outros efetivamente fazem o que lhes é cotidianamente prometido), teríamos de lidar com uma imensa catástrofe:
Uma catástrofe ecológica, caso tivessem sucesso: o planeta
seria incapaz de suportar o peso de seis a oito bilhões de
pessoas que se aproximam aos padrões de consumo ocidentais. Efetivamente, o modelo de bem-estar baseado no
produto nos leva a uma situação ambientalmente catastrófica: o planeta não pode sustentar estes bilhões de consumidores de bens e serviços do tipo que são delineados pela
propaganda.
Uma catástrofe social, caso fracassassem: seis a oito bilhões de pessoas aspirando aos mesmos padrões de bemestar, mas somente poucos conseguindo alcançá-lo. Neste
segundo caso, teríamos uma catástrofe porque uma sociedade altamente interconectada e globalizada não poderia
lidar durante muito tempo com uma situação onde 20%
(ou menos) da população dispõem do prometido bemestar, enquanto os 80% restantes são forçados a observar,
sem nenhuma possibilidade real de inclusão. É de conhecimento geral que cerca de 20% da população mundial vive,
hoje, segundo o modelo de bem-estar baseado no produto e que, sozinha, consome 80% dos recursos ambientais
disponíveis. Os 80% restantes da população, se nada mudar, simplesmente não terão à disposição suficiente espaço ambiental capaz de sustentar um padrão de consumo
similar (Wuppertal Institute, 1996; Chambers, Simmons,
Wackernagel, 2000).
2. Modos de vida | 41
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Entretanto, existe ainda uma outra perspectiva, um meio
termo entre tais catástrofes: em um mundo marcado pela crise
social e ambiental, o aumento no número de consumidores de
“grande impacto” corresponde a um aumento simultâneo no
número daqueles que são excluídos. Esta é a perspectiva que
nos parece a mais provável.
Primeira lição. Mesmo que suas dimensões e implicações não
sejam ainda totalmente evidentes, os riscos ambientais relacionados à difusão do bem-estar baseado no produto apareceram
nitidamente, desde o emergir da consciência ambiental há 40
anos. Nosso caminho durante esses anos pode ser visto, em seu
conjunto, como um amplo processo de aprendizagem, cujo desafio tem sido evitar esses riscos ou, ao menos, reduzi-los.
O primeiro passo baseou-se em uma interpretação básica.
Naquele tempo, bem-estar, produtos e impacto ambiental apareciam ligados numa dupla correlação que, em síntese, pode
ser colocada como: “bem-estar” = “mais produtos”; e “mais produtos” = “maior consumo de recursos naturais”. Sendo assim, o
aumento do bem-estar que cada pessoa aspira está diretamente ligado ao consumo de recursos naturais. Chegamos inevitavelmente à conclusão que quanto maior o nível de bem-estar
desejado e quanto mais pessoas almejarem este específico tipo
de bem-estar, mais o meio ambiente será danificado.
Na primeira metade do século passado, em um contexto
econômico e cultural onde o conceito de limites parecia ter sido
esquecido, a relação direta entre crescimento do bem-estar e
consumo de recursos naturais não era considerada um problema real, ou era vista como um preço a ser pago pelo aumento
do bem-estar geral. Esta situação começou a mudar nos últimos 30 anos do século passado, quando começamos a entender (ou melhor dizendo, fomos forçados a entender) que este
modelo traz todos os problemas descritos anteriormente (isto
é, não apenas os problemas ambientais mas também os sociais,
os políticos e, por fim, os econômicos). Conseqüentemente, o
assunto ambiental foi sendo progressivamente inserido em um
número crescente de agendas políticas e econômicas.
42 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
O primeiro efeito da “descoberta” do problema ambiental
(e de suas implicações) foi a necessidade de nos confrontarmos
com a “dupla correlação” mencionada anteriormente. Fizemos
isso considerando o primeiro ponto (ou seja, a correlação entre
bem-estar e disponibilidade do produto) como dado, e concentrando toda a ação no segundo (o vínculo entre produtos
e consumo de recursos ambientais). Assim, os esforços foram
focalizados na possibilidade técnica de romper a ligação entre
os produtos e o consumo de recursos ambientais, separando o
crescimento do primeiro (o produto) do crescimento do segundo (o impacto ambiental), deste modo aumentando a eficiência
ambiental dos produtos (definida como ecoeficiência do produto). Em síntese, o objetivo era fazer produtos empregando
menor consumo de recursos.
A proliferação dos produtos light. O esforço alcançou um parcial sucesso: muitos produtos foram reprojetados, sua ecoeficiência, melhorada, e, no conjunto, os produtos industriais
tornaram-se mais light (no sentido que seu peso ambiental, ou
seja, a sua pegada ecológica foi reduzida).
Infelizmente, porém, as estatísticas demonstram que o consumo total dos recursos ambientais continuou crescendo, visto
que, enquanto o peso ambiental de cada unidade de produto
diminuía, o consumo aumentava mais que proporcionalmente,
conseqüentemente aumentando a utilização de recursos.
Essa contradição entre expectativas e resultados é um dos
desconcertantes aspectos com os quais nos confrontamos no
processo de aprendizagem em curso e que foi denominado
efeito boomerang (rebound effect)
O efeito boomerang (rebound effect). As últimas décadas de
experiência no planejamento e desenvolvimento de produtos
e serviços ecoeficientes revelaram uma grande e, em muitos casos, trágica descoberta. É o efeito boomerang (rebound effect),
isto é, o fenômeno através do qual, devido a uma intricada trama de eventos, as escolhas consideradas positivas para o ambiente, demonstram gerar novos problemas quando colocadas
2. Modos de vida | 43
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
em prática. De fato, observamos que cada melhoria tecnológica introduzida com a intenção de aumentar a ecoeficiência de
produtos e serviços – por motivos enraizados na complexidade do sistema sociotecnológico como um todo – se transforma
“naturalmente” em uma nova oportunidade de consumo, conseqüentemente aumentando a insustentabilidade dos sistemas
nos quais foi introduzida.
No passado recente, quando observávamos a progressiva diminuição do peso ambiental de cada um dos artefatos à
disposição, considerávamos ingenuamente que o sistema de
produção e consumo como um todo estivesse se desenvolvendo na direção certa, ou seja, rumo à sustentabilidade. Todavia,
ampliando o alcance desta análise e focalizando não somente
nos produtos unitários, mas no sistema como um todo, foi possível tomar consciência de que a situação era assaz diferente.
Demos-nos conta de que os produtos, quando se tornam leves,
menores, eficientes e econômicos, tendem a mudar seu status e
proliferar, promovendo formas de consumo mais difusas e aceleradas, sendo atraídos para dentro dos ciclos da moda (como
acontece com os relógios) ou do mundo instantâneo dos bens
descartáveis (como no caso das câmeras fotográficas).
Da mesma forma, vimos que o desenvolvimento dos sistemas eletrônicos, magnéticos e das memórias ópticas (e suas interfaces amigáveis) tornaram fáceis atividades que antes eram
difíceis e tediosas, promovendo a sua proliferação. Este processo também incrementou enormemente o consumo de recursos.
Por exemplo, a síndrome do “clica e imprime” é bem conhecida.
Com a ampla disponibilidade de computadores, impressoras e
processadores de texto, a atualização e impressão de documentos tornou-se tão simples que eles passaram a ser impressos em
excessivas versões, provocando um crescimento exponencial
no consumo de papel.
Quebrando a correlação entre bem-estar e produtos. O efeito
boomerang é, portanto, o resultado de uma desordem econômica, social, cultural e tecnológica que invade todas as esferas
da vida social e individual. O fato de que ninguém o tenha pre-
44 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
visto tem relação, principalmente, com os hábitos mentais dominantes entre os observadores, que os levaram a não considerar o caráter sistêmico dos fenômenos observados e, sobretudo,
a ignorar sua complexidade. Em outras palavras, levou-os a não
considerar a imprevisibilidade (e o potencial caráter contraditório) dos fenômenos socioculturais que cada inovação tecnológica traz consigo.
Seja como for, o resultado é que a relativa desmaterialização dos produtos não trouxe consigo nenhuma redução no
consumo geral. A esperada cisão de produtos e consumo (considerado como um todo) não aconteceu. O sistema ainda caminha rumo à uma crise real.
A principal lição extraída desta experiência e da descoberta
do efeito boomerang é que devemos aprender com a própria
prática. Nesse caso, relembrando mais uma vez a complexidade
dos sistemas com os quais lidamos, a prática nos indica que é
hora de operar na conexão entre “bem-estar” e “produto”. Lembrando a dupla correlação com a qual começamos, mostra-se
evidente que concentrar-se somente na segunda – “mais produtos” = “mais consumo de recursos ambientais” – não conduz
à direção certa. Para ser mais explícito, aprendemos que esse
tipo de intervenção é importante, mas não suficiente: cada produto unitário pode se tornar mais leve, porém sua difusão pode
crescer em proporção maior. Por esse motivo, agora, devemos
nos concentrar na primeira correlação – “mais produtos” =
“mais bem-estar” – e encontrar a maneira de quebrá-la.
Bem-estar baseado no acesso. Na última década, as idéias dominantes de bem-estar começaram a mudar, pelo menos nas
sociedades industriais adultas. Mais precisamente: as partes
mais urbanizadas e globalizadas das sociedades onde quer que
elas se encontrem no planeta.
Essa mudança, que deve ser relacionada a transformações
em andamento rumo a uma economia baseada nos serviços e
no conhecimento, pode ser resumida nos slogans “do consumo à experiência” (Pine, Gimore, 1999) e “da posse ao acesso”
(Rifkin, 2000). Inicialmente, esta perspectiva é considerada
2. Modos de vida | 45
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
positiva: o acesso a serviços e experiências que satisfazem necessidades intangíveis parece ser um conceito promissor, uma
idéia sobre a qual construir um estilo de vida sustentável. Infelizmente, como veremos, a realidade nos mostra um quadro
completamente diferente.
No quadro desta nova economia, a posição central do “produto material” na definição de bem-estar torna-se obsoleta: o
bem-estar não aparece mais ligado à aquisição de um determinado “pacote” de produtos materiais, mas sim à disponibilidade
de acesso a uma série de serviços, experiências e produtos intangíveis. Mais especificamente: em uma sociedade saturada de
bens materiais, focalizar no imaterial parece mais interessante.
E, ao mesmo tempo, quando estilos de vida são caracterizados
pela rapidez e flexibilidade, a posse de produtos materiais aparece como uma solução demasiado pesada e rígida, algo que
aumenta a inércia do sistema (que, ao contrário, é concebido
para ser o mais leve e flexível possível) (Rifkin, 2000).
De fato, coerentemente com essa visão, que podemos definir como o bem-estar baseado no acesso, a qualidade de vida
está relacionada à quantidade e à qualidade dos serviços e experiências aos quais podemos ter acesso. E, conseqüentemente, a idéia de liberdade tende a ser coincidente com a liberdade
de acesso (metaforicamente, os contextos que melhor ilustram
esta visão são os parques temáticos: lugares onde, para seu prazer, você pode escolher suas emoções entre várias ofertas, e
onde cada elemento foi cuidadosamente planejado para oferecer-lhe uma “experiência emocionante” – sempre se você tiver
o dinheiro para comprar o bilhete de entrada).
O efeito boomerang (rebound effect) na era do acesso. O problema desta visão emergente de bem-estar é que, embora quebre
a ligação entre bem-estar e consumo dos recursos ambientais,
ao se desenvolver no atual contexto cultural e econômico, pode
tornar-se na prática ainda mais insustentável do que o bemestar baseado unicamente no produto (Manzini 2001, Vezzoli,
Manzini, 2007). E isto ocorre por uma série de razões interligadas:
46 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
As novas “necessidades intangíveis” tendem a ser adicionadas às antigas “necessidades materiais”, e não a substituilas.
A velocidade e a flexibilidade dos novos estilos de vida implicam a mesma velocidade e flexibilidade no acesso aos
serviços que, por essa mesma razão, proliferaram.
Serviços e experiências, por si só, podem ser imateriais,
mas seu fornecimento pode se basear em um alto nível de
consumo material.
Em conclusão, a idéia de bem-estar baseado no acesso, aplicada da maneira como ocorre hoje, traz resultados insignificantes ou até mesmo negativos. Portanto devemos enfrentar a
seguinte questão: por que isso acontece? Ou seja, por que, não
importa o que façamos, o resultado final acaba sendo um ulterior aumento no consumo de recursos ambientais?
2.2. Bem-estar e bens comuns
As razões pelas quais o bem-estar baseado no produto não é
sustentável, em termos ambientais e sociais, foram amplamente discutidas. Entretanto, não podemos dizer o mesmo sobre a
questão da sustentabilidade (ou insustentabilidade) do bemestar baseado no acesso. Nos parágrafos seguintes serão formuladas algumas hipóteses que visam formar os fundamentos
de uma nova abordagem à questão do bem-estar: o bem-estar
ativo e relacionado ao contexto. Para fazer isso, partiremos de
algumas hipóteses de trabalho específicas.
A crise dos bens-comuns. Nossa primeira hipótese de trabalho
está relacionada à existência de uma forte relação entre o efeito
boomerang e a crise dos bens comuns, especialmente dos bens
comuns locais.
A expressão bens comuns locais, que é o pilar sobre o qual a
primeira hipótese é construída, designa entidades que pertencem a todos e a ninguém em particular. E, enquanto permanecerem “comuns”, não podem ser reduzidas a produtos comercializáveis e não podem ser, portanto, compradas ou vendidas.
2. Modos de vida | 47
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Exemplos de bens comuns locais abrangem desde os recursos físicos básicos tais como o ar e a água, passando por recursos sociais tais como a comunidade de bairro ou o senso cívico
de seus cidadãos, até incluir recursos complexos tais como a
paisagem, o espaço público urbano ou a “segurança percebida”
entre os habitantes de uma determinada cidade.
Está claro que estes bens comuns constituem uma parte
fundamental na construção de nossos contextos de vida, isto
é, na definição da qualidade dos contextos físicos e sociais em
que vivemos e nos quais os próprios produtos assumem significados.
No entanto, a posição central mantida pelos bens adquiríveis individualmente (sejam produtos ou, mais recentemente,
serviços) na definição dos modelos de bem-estar dominantes
nas sociedades industriais causou, como um efeito colateral altamente tangível, a subestimação do papel que os bens comuns
poderiam assumir na definição atual do estado de bem-estar.
As conseqüências se manifestam nos seguintes fenômenos,
complementares entre si:
Desertificação: a negligência para com os bens comuns,
considerados insignificantes, e sua conseqüente degeneração, entendida como algo inevitável (e assumida como
uma espécie de multa a pagar pelo progresso e pela busca
do bem-estar).
Mercantilização: a transformação em bens de mercado de
alguns componentes do tradicional habitat humano que
previamente haviam sido comuns (isto é, água engarrafada
no lugar da água natural, o shopping no lugar da praça pública, um serviço de segurança particular no lugar da vigilância informal dos vizinhos de casa, e assim por diante).
O desaparecimento do tempo lento e contemplativo. A segunda
hipótese de trabalho trata da relação entre o efeito boomerang
e as crises do tempo lento e contemplativo.
A expressão tempo contemplativo designa o tempo usado
para “não fazer nada”, o que não significa que seja vazio ou sem
significado. Exemplos de tempo contemplativo abrangem, sem
48 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
dúvida, desde olhar um pôr-do-sol até fazer alguns exercícios
espirituais. É possível, porém, admitir a existência de uma parcela de tempo contemplativo em algumas ações (como passear,
comer, conversar com as pessoas...) quando estas são realizadas em um ritmo lento. Essa última observação nos conduz diretamente ao significado do que chamamos de tempo lento.
O tempo lento não é apenas o tempo no qual fazemos algo
lentamente, mas também aquele no qual produzimos e/ou
apreciamos (profundas) qualidades. De fato, sabemos agora,
ou melhor, um número maior de pessoas compreende agora
que produzir e apreciar qualidades proporciona uma diferente
idéia de eficiência, seja porque reduz a velocidade, nos permitindo usar todo o tempo necessário para fazer as coisas segundo as melhores “regras da arte”, seja porque nos permite apreciá-las, tendo desenvolvido o conhecimento e a sensibilidade
requeridos a fim de compreender seu alto grau de qualidade.
Por exemplo: considere, por um lado, todo o tempo necessário para produzir um excelente vinho e adicione, por outro, o
tempo necessário para desenvolver e refinar nossas habilidades
em reconhecê-lo e, finalmente, tomá-lo sendo capaz de perceber todas as suas qualidades. Estas considerações nos indicam,
portanto, que a lentidão e o tempo lento não são valores em si,
mas conseqüências da busca por algo que estamos perdendo
na atual época do tempo veloz e que podemos denominar de
qualidades profundas.
Tradicionalmente, o tempo lento e contemplativo era uma
importante parte da vida cotidiana. Hoje, porém, o tempo lento
e contemplativo está desaparecendo devido a dois fenômenos
complementares:
Saturação: a tendência a saturar cada momento com algo
para fazer, sempre e mais freqüentemente, de modo a enchê-lo com várias coisas a fazer ao mesmo tempo.
Aceleração: a tendência a fazer cada coisa em um ritmo acelerado para ter a possibilidade (ou a ilusão) de fazer mais.
Deve ser acrescentado que, apesar de o desaparecimento
do tempo lento e contemplativo ser ainda a condição dominante, algo novo e interessante está aparecendo, a partir de inicia-
2. Modos de vida | 49
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
tivas como o Slow Food e o Slow Tourism, por exemplo. Voltaremos a esse ponto mais adiante.
A difusão dos bens remediadores. Se considerarmos o século
passado, podemos observar empiricamente como a difusão de
bens e serviços para uso e consumo privados ocorreu paralelamente à deterioração dos bens comuns e o desaparecimento do
tempo lento e contemplativo.
Ao fazer essa observação, nossa terceira hipótese de trabalho pode ser articulada dessa forma:
Há uma relação entre a difusão de bens de mercado (mesmo que mais sofisticados e eficientes) e a crise dos bens
comuns e do tempo contemplativo;
Há uma segunda relação entre a crise dos bens comuns,
do tempo contemplativo e a proliferação de novos bens remediadores, isto é, produtos e serviços que tentam tornar
aceitável um contexto de vida que é, por si mesmo, altamente deteriorado.
O crescimento no consumo de bens remediadores por sua
vez causa ainda maior consumo geral e uma ulterior crise
tanto dos bens comuns quanto do tempo contemplativo,
num contínuo e negativo ciclo vicioso.
O conceito de bens remediadores é obviamente o assunto
central nessa hipótese. O caráter comum desses bens é que seu
uso ou consumo não melhora a qualidade de vida ou abre novas
possibilidades para seus usuários (como poderia ser o caso de
uma nova máquina de lavar roupa para uma pessoa que, até
então, lavava suas roupas à mão). O que eles fazem é simplesmente restaurar (ou tentar restaurar) a aceitabilidade de um
contexto de vida que está sendo degradado.
O significado desta definição se revela imediatamente ao
consideramos a crise de alguns bens comuns básicos: compramos “água purificada engarrafada” porque a água natural está
poluída, nos deslocamos para distantes “paraísos turísticos”
porque a beleza local foi destruída, compramos sistemas domésticos de segurança eletrônicos e telemáticos porque os vi-
50 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
zinhos não mais vigiam, discretamente e sem custo, as casas da
vizinhança e assim por diante
Ainda que seja menos evidente, o mesmo conceito de bens
remediadores pode ser usado em relação ao desaparecimento
do tempo lento e contemplativo: compramos e consumimos
um crescente número de produtos e serviços “para preencher
o tempo”, para matar a sensação de vazio deixada pela nossa
incapacidade de aproveitar o tempo contemplativo ou, simplesmente, para fazer algo a um ritmo mais lento, gozando do
tempo necessário para apreciar suas qualidades profundas. No
caso da relação entre consumo e desaparecimento do tempo
contemplativo, não é fácil estabelecer com rígida precisão quais
bens são corretivos e quais não são. Mas poderíamos dizer facilmente que muitos deles, da televisão aos telefones celulares ou
ao junk food, têm um forte componente consolador.
Sustentabilidade e contextos de vida. Como conclusão deste
item, podemos assumir que a não sustentabilidade, em escala
local, é um processo de deterioração dos contextos de vida causado pela crise dos bens comuns e pelo desaparecimento do
tempo contemplativo.
A expressão contexto de vida denota o ambiente físico e social (o habitat) de uma pessoa e as possibilidades, oferecidas à
esta mesma pessoa, de fazer suas escolhas. Sua qualidade está
relacionada ao modo pelo qual diferentes sistemas (natural
e artificial, físico e sociocultural, bens de mercado e bens comuns) se inter-relacionam.
Na verdade, no atual sistema socioeconômico, estamos
testemunhando um duplo processo de crise: dos bens comuns
e do desaparecimento do tempo lento e contemplativo; mas
também da saturação do tempo e do espaço com bens e serviços remediadores e de “entretenimento”.
Esse duplo fenômeno é particularmente perigoso porque,
como vimos, seus dois diferentes aspectos se fortalecem mutuamente, num processo negativo e vicioso: mais consumo, mais
2. Modos de vida | 51
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
degradação do contexto, mais consumo (de bens remediadores)
e assim por diante.
Se essas hipóteses estão corretas, o resultado é que cada
idéia de bem-estar, para ser sustentável (ou pelo menos, para
ter alguma possibilidade de ser sustentável), deve considerar
as qualidades totais dos contextos de vida. Mais precisamente:
deve se basear no acesso a uma variedade de produtos e serviços mas também, ou ainda mais, na qualidade e quantidade
dos bens comuns disponíveis e na possibilidade de praticar uma
ecologia do tempo, onde o tempo rápido, tanto quanto o tempo
lento e contemplativo, sejam apropriadamente equilibrados.
2.3 Bem-estar e capacidades
Qualquer tentativa que objetive superar tanto o tradicional modelo de bem-estar (baseado no produto) quanto o novo modelo
(baseado no acesso), deverá concentrar-se em um estudo minucioso do papel do usuário neste processo. É o que faremos
nos parágrafos seguintes.
Sistemas desabilitantes e insustentáveis. “Dê um peixe a um
homem e o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar e o alimentará por toda a sua vida” (Lao Tzu, 400 a.C.). Esta antiga
sabedoria nos mostra, hoje mais do que nunca, a luz no fim
do túnel no qual fomos aprisionados por uma errônea idéia de
conforto e de crescimento econômico.
No último século, a idéia dominante, gerada e difundida
no mundo inteiro pelo ocidente foi: “se alguém estiver com
fome dê-lhe um fast food ou uma lata de alimento pronto para
o consumo (ou, se tiverem condições, leve-o a um restaurante luxuoso)”. Faça o que fizer, dê-lhe algo que não requeira esforço, pensamento ou conhecimento sobre como preparar seu
alimento; dê-lhe algo que aumente as atividades econômicas
em torno da preparação do alimento. Para ser mais explícito,
dê algo que leve à redução da economia informal, da autopreparação e da troca não-monetária, aumentando deste modo a
economia formal, na qual outras entidades (empresas privadas
52 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
ou redes públicas) possam produzir e distribuir os serviços e
produtos necessários.
Esse caso é obviamente emblemático de um movimento
bem mais amplo e que tende a invadir cada aspecto de nossas vidas cotidianas, do sistema de saúde à educação de nossas crianças, da manutenção de bens móveis à de bens imóveis
(nossas casas e lugares nos quais vivemos), da habilidade básica de nos entretermos (estarmos sós sem ficarmos aborrecidos)
àquela de nos socializarmos (engajar-se em diferentes formas
de conversação com os outros). Dessa forma, a saúde requer
médicos, hospitais e medicamentos. A educação de nossos filhos requer escola, academias, televisões e aparelhos eletrônicos. A manutenção de nossas coisas é substituída por objetos
descartáveis. A vivência do espaço público se desdobra em visitas a shoppings e parques temáticos. Nossa capacidade de nos
entretermos e aos outros é abolida pela onda dos reality shows.
E tudo isso, como foi dito, gira as engrenagens da economia e
produz riqueza para todos.
Frente a essas considerações, a pergunta que devemos fazer é: podemos realmente considerar sustentável uma sociedade onde cada necessidade, mesmo a mais básica e mundana, é
satisfeita através de um custoso e complexo sistema de produtos e serviços? A idéia de conforto como minimização do envolvimento pessoal poderia ser estendida a todas as experiências
da vida, dando-nos a possibilidade de cuidar do contexto físico
e social onde vivemos e de garantir sua permanência, ou melhor, sua melhora? A resposta é não. A qualidade de um determinado contexto é o resultado do cuidado de todas as pessoas
que ali vivem. Mas não somente: a quantidade de produtos e
serviços comerciais que necessitamos é proporcional à difusão
da idéia segundo a qual o conforto aumenta com a redução do
envolvimento requerido ao usuário/consumidor. De maneira
geral, pensamos que cada um de nós, se estivesse na posição de
fazê-lo, gostaria de tentar reduzir o cansaço, o tempo e o estresse psicológico empregado em resolver as pesadas e/ou irritantes tarefas da vida cotidiana. Esta é uma afirmação difícil de ser
contradita. No entanto, a questão é mais complexa e a realidade
apresenta outras interessantes possibilidades.
2. Modos de vida | 53
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Voltemos rapidamente ao início de nossas considerações.
A atual idéia de bem-estar surgiu no século passado e por quase uma centena de anos permaneceu intocada, sem encontrar qualquer rival capaz de representar uma ameaça real ao
seu predomínio (na realidade, deve ser dito que era uma idéia
igualmente absorvida pela prática dos regimes comunistas).
Esta é uma longa história. Aqui, observaremos apenas que esta
idéia teve início com a difusão da produção em massa de bens
de consumo. Em particular, nasceu com a entusiástica descoberta de que artefatos poderiam ser criados para trabalhar por
nós, como modernos escravos mecânicos. A lembrança ainda
viva do pesado fardo cotidiano de uma vida pré-mecanizada
gerou a idéia de bem-estar como minimização do envolvimento
pessoal: diante de um resultado a ser alcançado, a melhor estratégia será sempre a que requer o menor esforço físico, atenção e
tempo, e, conseqüentemente, o mínimo de habilidade e capacidade para colocá-lo efetivamente em funcionamento.
A natureza contraditória dos seres humanos. Felizmente, porém, a natureza humana não é tão simples e monológica. O
legítimo desejo de evitar o peso de muitos aspectos da vida
pré-industrial e sua tediosa repetitividade não é uma aspiração
totalmente inclusiva, isto é, não pode ser estendida da mesma
forma a todas as pessoas e atividades. Os seres humanos podem tender à ociosidade e à passividade, ao legítimo prazer em
serem servidos, mas podem também comportar-se de modo
completamente oposto. Podem encontrar satisfação, e até mesmo entusiasmo, em um trabalho bem feito. Ou podem avaliar
diferentes “estratégias de ação” e, encontrando a mais oportuna, descobrir que vale a pena fazer alguma coisa por si mesmo
(porque é a solução mais econômica ou porque é a que oferece
maior liberdade).
Certamente, este caráter potencialmente ativo e participativo da natureza humana não deve ser considerado como o
único modo de ser (sempre e somente assim), ou como o único
eticamente aceitável (proposto como “valor” na retórica do trabalho de alguns governos tristemente lembrados). A natureza
54 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
humana é contraditória. Ela oferece a possibilidade de operar
segundo diversas lógicas e diferentes aspirações. Essa é sua riqueza. E é a partir deste ponto que nasce a proposta de um novo
tipo de bem-estar, que poderíamos chamar de bem-estar ativo.
Uma idéia que, com certeza, não elimina as outras, mas as integra, com uma nova condição: a condição na qual somos ativos
e cuidamos de nós mesmos, da nossa família, da vizinhança e
do ambiente, pois gostamos deles.
A abordagem das capacidades. A evolução da demanda e da
oferta de bem-estar, que apresentamos acima, é acompanhada por uma evolução análoga em sua dimensão teórica: são
abandonadas as teorias que buscam uma (presumida) objetividade e uma hierarquia de necessidades em favor daquelas
que invocam a máxima subjetividade de julgamento, apelando
a uma total subjetividade na definição do que seja efetivamente
considerado “útil”. Adotaremos aqui uma posição intermediária, seguindo a linha de pensamento traçada pelo economista
anglo-indiano e prêmio Nobel de economia Amartya Sen em
seus estudos sobre os padrões de vida e bem-estar individual.
Segundo Sen, o que determina o bem-estar não são nem
os bens nem suas características, mas “a possibilidade de fazer
várias coisas utilizando aqueles bens ou suas características”
(Nussbaum, Sen, 1993). É exatamente esta possibilidade que,
na melhor das hipóteses, possibilita a um sujeito desenvolver
sua idéia de bem-estar, dando-lhe maior possibilidade de “ser”
(o que ele quer ser) e de “fazer” (o que ele quer fazer). No desenvolvimento desta idéia, Sen introduz dois diferentes conceitos:
o de funcionamento (functionings) e o de capacidade (capability).
Escreve Sen: “viver consiste numa série de functionings relativas ao fazer e ao ser, tais como ser adequadamente alimentado, abrigado e vestido(...), ser capaz de mover-se livremente,
ser capaz de encontrar os amigos e de relacionar-se com eles,
ser capaz de aparecer publicamente sem envergonhar-se, ser
capaz de comunicar e participar, ser capaz de dar vazão aos
2. Modos de vida | 55
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
próprios instintos criativos, e assim por diante” (Nussbaum,
Sen, 1993).
De outro lado, a quantidade e qualidade dos funcionamentos que uma pessoa pode colocar em jogo depende da integração de dois componentes fundamentais: as soluções as quais
ela tem potencialmente acesso e os recursos pessoais disponíveis. É precisamente na integração desses dois componentes
que o conceito de “capacidade”, sobre o qual Sen fundamenta
sua definição de bem-estar, emerge. Para Sen, e também para
nós, a condição de bem-estar emerge da relação dinâmica entre funcionamentos e capacidades, entre o que uma pessoa poderia ser e fazer, e o que ela efetivamente sabe, faz e é. Desse
modo, articulando as soluções disponíveis num dado contexto com os recursos pessoais de alguém que age nesse mesmo
contexto, o conceito de capacidade nos fornece uma referência
sobre a qual basear uma avaliação do padrão de vida real dessa
pessoa.
Podemos acrescentar que essa proposta não é apenas teórica. Ainda que a busca por um bem-estar realmente passivo
esteja, hoje, mais disseminado que nunca, não possui o mesmo poder de convencimento. Sobretudo, seu predominío não
permanece incontestado. Atualmente, outras idéias e propostas estão circulando, onde o papel dos envolvidos é muito mais
ativo, tal como na difusão da abordagem “faça-você-mesmo”
praticada em diversas funções da vida cotidiana. Entretanto, as
propostas que mais nos interessam aqui são especificamente
aquelas onde a participação ativa se traduz em novas formas de
comunidade e de serviço colaborativo. Tais idéias e propostas
serão delineadas nos Capítulos 3 e 4.
2.4 Design e bem-estar
O grande tema de design com o qual a sociedade deve se confrontar hoje é o seguinte: como podemos nos encaminhar rumo
a uma sociedade onde as expectativas de bem-estar não sejam
mais associadas à aquisição de novos artefatos? Como podemos colocar as pessoas em condições de viver bem consumin-
56 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
do (muito) menos e regenerando a qualidade de seus contextos
de vida?
Para responder a essas perguntas, devemos imaginar um
sistema cultural e de produção onde uma redução no consumo
de produtos e serviços materiais seja (ainda mais) compensada
por um crescimento em outras formas de qualidade: as qualidades intangíveis da cultura e do espírito, mas também – e isso é
do nosso maior interesse – a qualidade de nosso contexto de
vida, onde o bem-estar é criado levando-se em consideração o
quadro geral onde se desenvolve a vida de uma pessoa.
Em outras palavras, qualquer idéia de bem-estar, para ser
sustentável, deve (re)descobrir a qualidade do contexto e, portanto, o valor dos bens comuns e do tempo lento e contemplativo. Deve fazê-lo por duas razões: primeiro, porque, desse modo,
o consumo total de produtos materiais e dos serviços baseados
nestes produtos pode ser reduzido. Segundo, porque, para ser
aceitável, a redução no consumo individual deve ser compensada por um aumento na qualidade dos bens comuns.
Essa observação coloca os designers numa posição paradoxal: é necessário que cada sociedade e seus profissionais contribuam para a construção de um mundo onde as expectativas
de bem-estar sejam menos associadas à existência de novos artefatos. Por outro lado, naquilo que diz respeito aos designers, a
única contribuiçao que aparentemente podem dar é justamente projetar e produzir artefatos.
A boa notícia é que esse paradoxo pode ser superado: é
possível imaginar uma nova geração de artefatos (tangíveis e
intangíveis) que colaborem na definição de novas, e mais sustentáveis, demandas sociais. Quer dizer, artefatos que sejam ao
mesmo tempo apreciados pelos potenciais usuários e capazes
de regenerar a qualidade do contexto onde se encontram. A notícia ruim é que conceber e desenvolver estes novos artefatos
não é simples. E, certamente, não se caracteriza como a tradição consolidada daquilo que os designers, até agora, foram capazes de fazer.
2. Modos de vida | 57
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Pesquisas em design para um bem-estar baseado no contexto.
Vimos no primeiro capítulo que as principais características do
design para a sustentabilidade são: promover mudanças direcionadas no sistema local – isto é, estimular, facilitar e participar de uma ruptura com o modo de fazer dominante –, e, ao
mesmo tempo, ser coerente com os critérios fundamentais da
sustentabilidade. Algumas diretrizes foram propostas para satisfazer esses requisitos.
Neste segundo capítulo, as hipóteses de uma nova idéia de
bem-estar são propostas como o resultado de três componentes principais: alta qualidade dos bens comuns, produtos duradouros, eficazes, ecoeficientes e uma nova geração de serviços,
chamados serviços colaborativos (definiremos este conceito
nos capítulos 3 e 4). Estes componentes (e sua combinação)
devem ser considerados caso a caso e podem ser promovidos
através do emprego de diferentes ferramentas de design (estratégico, de serviços, da comunicação e de produto). Nesse sentido, temos duas linhas principais de pesquisa em design a serem
desenvolvidas. São elas:
Como regenerar os bens comuns locais? O título dessa linha
de pesquisa poderia ser “bens comuns versus bens remediadores”. Alguns exemplos: como promover a água potável
da bica ao em vez da água engarrafada? Como promover
uma vizinhança aberta e segura ao invés de dispositivos de
segurança? Como promover o bem-estar e a prevenção de
doenças ao invés da assistência médica e dos remédios?
Como promover o tempo lento? Neste caso, o título poderia
ser “ecologia do tempo versus tempo veloz”. Supondo que
o tempo veloz é muito bem desenvolvido na cultura e na
economia dominantes, esta linha de pesquisa tem como
objetivo principal promover “ilhas de lentidão”. Por exemplo, promover uma idéia de qualidade (na comunidade, no
turismo, em alguns produtos materiais, mesmo em serviços sociais) que, para ser produzida e apreciada, requeira
“investimento do próprio tempo”.
58 | 2. Modos de vida
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Pesquisas em design para um bem-estar ativo. Afirmamos anteriormente que é necessário olhar criticamente para a idéia
monológica de conforto como passividade e não envolvimento.
Agora, é possível acrescentar que essa idéia nos conduziu progressivamente à incorporação de conhecimentos e habilidades
anteriormente difusos e de conhecimento público em aparatos
técnicos e sistemas organizativos especificamente projetados.
Esse processo progressivamente retirou dos indivíduos e das
comunidades as ferramentas e competências que no passado
lhes permitiam lidar de maneira autônoma com os mais diferentes aspectos da vida cotidiana.
É claro que os designers tiveram um papel importante na
promoção e prática dessa idéia. Agora, frente à evidência dos
problemas a ela relacionados, os designers deverão discutir “se”
e “como” mudar de postura. Ou melhor, “se” e “como” seria possível imaginar um novo tipo de bem-estar: um bem-estar ativo,
onde as capacidades das pessoas em termos de sensibilidade,
competência e espírito de iniciativa terão também um importante papel.
Focalizando essa proposta do ponto de vista do designer,
devemos estabelecer uma nova idéia de produtos e serviços
paralela à idéia atualmente dominante de produtos e serviços
como sistemas desabilitantes. Se hoje a idéia mais amplamente
difundida é a de que produtos e serviços são projetados considerando o usuário apenas como uma expressão de problemas
(problemas que, para serem resolvidos, requerem uma mínima
participação de sua parte), esta nova idéia deve, ao contrário,
partir do que o usuário sabe, pode e deseja fazer. Em outras palavras, produtos e serviços devem ser concebidos como sistemas habilitantes, que colaboram na obtenção do resultado desejado pelo usuário, oferecendo a ele os meios para empregar
suas próprias capacidades neste processo e, se necessário, estimulando seu desejo de fazer parte do jogo (voltaremos à este
tema dos sistemas habilitantes no capítulo 4).
2. Modos de vida | 59
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
3. Inovação Social | Comunidades criativas e
organizações colaborativas
A transição rumo à sustentabilidade, especificamente a modos
de vida sustentáveis, será um processo de aprendizagem social
largamente difuso no qual as mais diversificadas formas de
criatividade, conhecimento e capacidades organizacionais deverão ser valorizadas do modo mais aberto e flexível possível.
Um papel particular será desempenhado por uma série de iniciativas locais que, por diversos motivos, serão cada vez mais
capazes de romper os padrões consolidados e nos guiar rumo a
novos comportamentos e modos de pensar. São por este motivo denominadas de descontinuidades locais.
Esses casos promissores expressam principalmente a atividade de minorias sociais e, quando confrontados com os modos de pensar e comportamentos dominantes, tendem a desaparecer. São, mesmo assim, iniciativas cruciais para promover
e orientar o processo de transição rumo à sustentabilidade. Podem ser vistos como experimentos sociais de futuros possíveis:
laboratórios multilocalizados e difusos, onde diferentes movimentos rumo à sustentabilidade são ensaiados. Como ocorre
em qualquer laboratório, ninguém pode dizer, a priori, qual
experimento terá realmente sucesso. Não obstante, é possível
aprender algo por meio de cada uma dessas tentativas, se formos capazes de reconhecer seu valor.
3.1 Comunidades criativas
O termo inovação social refere-se a mudanças no modo como
indivíduos ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar novas oportunidades. Tais inovações são guiadas
mais por mudanças de comportamento do que por mudanças
3. Inovação Social | 61
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
tecnológicas ou de mercado, geralmente emergindo através de
processos organizacionais “de baixo para cima” em vez daqueles “de cima para baixo”.
A experiência nos indica que períodos particularmente intensos de inovação social tendem a ocorrer quando novas tecnologias penetram nas sociedades ou quando problemas particularmente urgentes ou difusos devem ser enfrentados. Ao
longo das últimas décadas, várias novas tecnologias foram introduzidas em nossas sociedades, gerando possibilidades ainda amplamente inexploradas. Por outro lado, a gravidade dos
problemas sociais e ambientais a serem enfrentados na nossa
vida cotidiana se tornou evidente. Portanto, considerando a
combinação desses dois fenômenos, é fácil prever a manifestação de uma nova e imensa onda de inovação social (Young
Foundation, 2006). Nossa principal hipotése aqui é que esta
emergente onda pode ser um poderoso guia na transição rumo
à sustentabilidade.
O conjunto da sociedade contemporânea, em sua complexidade e contraditoriedade, pode ser visto como um imenso laboratório de idéias para a vida cotidiana, onde modos de ser e
de fazer se desdobram em novas questões e respostas inéditas.
Isso corresponde exatamente ao que acabamos de definir com
o termo inovação social: mudanças no modo como indivíduos
ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar
novas oportunidades (Laundry, 2006; Emude, 2006).
Existem muitos casos em que essa criatividade socialmente difusa se expressa no design de atividades que podemos denominar “colaborativas”. São exemplos: modos de vida em comum nos quais espaços e serviços são compartilhados (como o
co-housing); atividades de produção baseadas nas habilidades
e recursos de uma localidade específica, mas que se articulam
com as mais amplas redes globais (como acontece com alguns
produtos típicos locais); uma variedade de iniciativas relativas à
alimentação natural e saudável (desde o movimento internacional do Slow Food até a difusão, em muitas cidades, de uma nova
geração de farmers market, ou seja, “mercados de produtores”);
serviços auto-organizados, como microberçários ou microcreches (espaços de recreação e cuidados infantis que funcionam
62 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
por iniciativa dos próprios pais) e lares compartilhados (onde
jovens e idosos moram juntos, ajudando-se mutuamente); novas formas de socialização e intercâmbio (tais como o Local
Exchange Trading System – Lets – e os time banks); sistemas de
transporte alternativos (do car sharing e do carpooling à redescoberta da bicicleta); redes que unem de modo direto e ético
produtores e consumidores (como as atividades do comércio
justo), entre outros (SEP, 2008).
Podemos observar que, embora apresentem características
e modos de operar diversos, esses casos possuem um significativo denominador comum: são sempre a expressão de mudanças radicais na escala local. Em outras palavras: representam
descontinuidades em seus contextos por desafiar os modos
tradicionais de fazer, introduzindo outros, muito diferentes e
intrinsecamente mais sustentáveis. Isto é verdadeiro tanto no
caso da organização de sistemas para o compartilhamento de
objetos ou espaços em lugares onde a utilização individual normalmente prevalece quanto nas iniciativas dedicadas à recuperação da qualidade dos alimentos saudáveis e biológicos em
lugares onde é considerado normal ingerir outros tipos de produto; ou ainda quando temos o desenvolvimento de serviços
participativos em localidades onde esses mesmos serviços se
baseiam em uma absoluta passividade da parte dos usuários, e
assim por diante (Meroni, 2007).
Casos promissores de inovação social. Todos esses casos precisariam ser analisados em detalhe de modo a avaliar precisamente
a sua efetiva contribuição à sustentabilidade ambiental e social. Entretanto, mesmo à primeira vista, é possível reconhecer
sua coerência com algumas das diretrizes fundamentais para
a sustentabilidade. Mais precisamente, os exemplos aos quais
nos referimos aqui, possuem uma capacidade inaudita de articular interesses individuais com interesses sociais e ambientais.
De fato, são casos que, em sua busca por soluções concretas,
acabam por reforçar o tecido social, gerando e colocando em
prática idéias novas e mais sustentáveis de bem-estar. Especificamente, constituem idéias que dão grande valor à qualidade
3. Inovação Social | 63
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
de nossos “bens comuns”, a uma atitude respeitosa e atenta, à
busca por um ritmo mais lento de vida, à ação colaborativa, a
novas formas de comunidade e a novos conceitos de “localidade” (Manzini, Jegou, 2003; Manzini, Meroni, 2007). Além disso,
esse bem-estar parece ser coerente com a maior diretriz para a
sustentabilidade ambiental, qual seja: atitudes positivas rumo a
espaços e bens compartilhados; uma preferência por alimentos
biológicos, regionais e de estação; uma tendência a regenerar
redes locais; e, finalmente e mais importante, coerência com
um modelo de economia distribuída, que procura ser menos
baseado em serviços de transporte e mais capaz de integrar sistemas eficientes de energia renovável (Vezzoli, Manzini, 2007).
Justamente pelo fato de que esses casos sugerem soluções
que combinam interesses pessoais com interesses sociais e
ambientais, acreditamos que deveriam ser considerados como
casos promissores: iniciativas nas quais, de maneiras diferentes,
pessoas foram capazes de orientar suas expectativas e seu comportamento individual em uma ação coerente com uma perspectiva sustentável.
Pessoas criativas e colaborativas. Cada um desses casos promissores se baseia em grupos de pessoas que foram capazes de dar
vida a estas soluções inovadoras. E fizeram isso recombinando
o que já existe, sem esperar por uma mudança geral de sistema (na economia, nas instituições, nas vastas infra-estruturas).
Por essa razão, considerando que a capacidade de reorganizar
elementos já existentes em novas e significativas combinações é
uma das possíveis definições de criatividade, tais grupos podem
ser definidos como comunidades criativas: pessoas que, de forma colaborativa, inventam, aprimoram e gerenciam soluções
inovadoras para novos modos de vida (Meroni, 2007).
Uma segunda característica, comum a esses casos promissores, é que eles nascem a partir de problemas colocados pela
vida cotidiana contemporânea: de que forma podemos superar o isolamento trazido por um individualismo radical? Como
organizar funções cotidianas se a família e a vizinhança não se
ocupam mais em fornecer o suporte que tradicionalmente ofe-
64 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
reciam? Como podemos responder à demanda por alimentos
naturais e condições de vida saudáveis quando vivemos em
metrópoles globais? Como podemos encorajar a produção local sem sermos esmagados pelo poder dos mecanismos de comércio global?
Comunidades criativas geram soluções capazes de responder a todas essas perguntas. Perguntas que são tão corriqueiras
quanto radicais. Perguntas que o sistema de produção e consumo dominante, apesar de sua oferta impressionante de produtos e serviços, é incapaz de responder e, sobretudo, de responder adequadamente do ponto de vista da sustentabilidade.
Podemos dizer, enfim, que as comunidades criativas aplicam sua criatividade para quebrar os modelos dominantes de
pensar e fazer e, com isso, conscientemente ou não, geram as
descontinuidades locais que mencionamos antes.
Um terceiro denominador comum é que as comunidades
criativas resultam de uma original combinação de demandas e
oportunidades. As demandas, como vimos, são sempre criadas
por problemas da vida cotidiana contemporânea. As oportunidades se manifestam a partir de diferentes combinações de três
elementos básicos: a existência (ou ao menos a memória) das
tradições; a possibilidade de utilizar (de uma forma apropriada)
uma série de produtos, serviços e infra-estruturas; a existência de
condições sociais e políticas favoráveis (ou pelo menos capazes
de aceitar) o desenvolvimento de uma criatividade difusa.
Tradições como recursos sociais. Ao responder as questões colocadas pela vida contemporânea, as comunidades criativas
estabeleceram ligações, mais ou menos fortes e explícitas, com
modos de fazer e pensar próprios das culturas pré-industriais:
o velho mercado, as hortas de seus avós, crianças indo para escola como nos “bons e velhos tempos”, o compartilhamento de
ferramentas e equipamentos, como era norma antes do advento de nossa atual sociedade orientada ao consumo, e assim por
diante. A existência dessas evidentes ligações com os modos
tradicionais de fazer e pensar levou alguns observadores a afirmar que tais casos não representavam uma efetiva novidade,
3. Inovação Social | 65
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
sendo apenas manifestações de saudosismo por uma “vida de
aldeia” a qual nunca poderemos retornar.
Olhando para esses casos e suas motivações com mais cuidado, é possível constatar claramente que nada poderia ser mais
falso: o “passado” que emerge nestes casos é um recurso social
e cultural extraordinário, absolutamente atualizado. É o valor
da socialidade de vizinhança que nos torna capazes de trazer
novamente vida e segurança aos nossos bairros e cidades. É o
respeito pelas estações climáticas e a produção local de alimentos que pode reorganizar a insustentável rede de fornecimento
e distribuição atual. É o compartilhamento que nos torna capazes de reduzir o peso da aquisição individual de equipamentos, sem renunciar às funcionalidades que desejamos. Por fim,
cada um desses casos representa a herança de conhecimento,
padrões de comportamento e formas de organização que, à luz
das atuais condições de existência e dos atuais problemas, podem representar um valioso material de construção para o futuro (CCSL, 2007).
Tecnologias reinterpretadas. A maioria dos casos promissores
que destacamos utiliza tecnologias “comuns” (ou o que é considerado “comum” hoje em muitos países). Freqüentemente,
porém, tais tecnologias são utlizadas de uma maneira original,
ou seja, geram um novo tipo de sistema a partir de produtos e
serviços comumente disponíveis no mercado. Por exemplo: geralmente utilizam o telefone, o computador e a internet como
qualquer membro da sociedade pode fazer (claramente membros de sociedades onde os telefones, computadores e internet
sejam atualmente disponíveis). Entretanto, devemos enfatizar
o quanto são importantes essas “tecnologias comuns”. Alguns
poucos casos fazem uso de serviços e produtos sofisticados,
porém nenhum deles poderia existir sem um telefone. E muito
poucos sem um computador e acesso à internet.
Dito isso, podemos acrescentar que essas tecnologias, por
mais modestas que sejam, por mais comuns que possam ser
consideradas, ainda têm potencialidades amplamente não utilizadas (e também não imaginadas): os telefones celulares – to-
66 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
mando como exemplo o aparelho de comunicação mais comumente usado mundialmente – foram utilizados até hoje
principalmente como instrumentos de comunicação. Todavia,
apresentam também um grande potencial para a organização
de sistemas. O mesmo potencial pode ser atribuído ao uso (inteligente) de computadores e da internet. Só para citar alguns
exemplos: sistemas inovadores de compartilhamento de carros (carpooling), grupos de compras, “bancos de tempo” (time
banks). Esses e outros tantos serviços não poderiam existir sem
o telefone e seriam muito difíceis de gerenciar sem o (normal,
mas inteligente) uso de computadores e da internet.
Essas hipóteses são corroboradas pela observação direta
dos processos de inovação social: considerando o quadro geral,
composto de casos que empregam tecnologias comuns, começam a despontar exemplos onde uma específica tecnologia –
tecnologias de informação e comunicação, em particular – foi
desenvolvida e está atualmente em uso. Esses casos nos dão
uma idéia de como a situação poderia evoluir se apropriadas
tecnologias habilitantes fossem desenvolvidas. A evolução do
car sharing é uma dessas idéias: há vinte anos, trabalhava-se
com o telefone, papel e caneta; hoje em dia, tornou-se campo
de aplicação para uma variedade de pacotes tecnológicos específicos, tais como sistemas de reserva, gerenciamento de frotas
de carros e customização de veículos segundo as exigências individuais dos usuários.
Em conclusão, embora seja verdade que o uso das tecnologias de informação e de comunicação como facilitadores de
novas formas de organização esteja ainda apenas no começo,
algumas invenções desenvolvidas pelas comunidades criativas são já muito avançadas. Em outras palavras, situam-se na
vanguarda dos processos de inovação sistêmica socialmente
conduzidos, onde tecnologias comuns existentes são utilizadas
para criar sistemas e organizações totalmente novos.
Empreendimentos sociais difusos. Comunidades criativas são
entidades que evoluem ao longo do tempo. Uma observação
mais detalhada nos mostra que os casos promissores que elas
3. Inovação Social | 67
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
geram podem ser vistos como idéias de serviço e de negócios
posicionadas em diferentes estágios de seus específicos processos de inovação. Voltaremos a esse ponto mais adiante.
Neste momento, é suficiente observar que, prosseguindo em
seus processos de inovação, as comunidades criativas evoluem
rumo a um novo tipo de empreendimento, os empreendimentos sociais difusos. Essa observação é muito importante para entender o potencial das comunidades criativas e, especialmente,
as possibilidades de sua permanência ao longo do tempo e de
sua propagação a diferentes contextos.
Quando se consolida como uma forma de organização madura, uma comunidade criativa torna-se um empreendimento
social difuso, produzindo tanto resultados específicos quanto
qualidade social. O termo “empreendimento difuso” indica grupos de pessoas que se auto-organizam, em sua vida cotidiana,
para obter os resultados nos quais estão diretamente interessados. A expressão “produzindo resultados específicos e qualidade social” refere-se ao processo pelo qual, através de uma
procura ativa para resolver os próprios problemas, esses grupos
reforçam o tecido social e melhoram a qualidade do ambiente.
Em síntese, produzem sociabilidade (Leadbeater, 2006; Emude
2006).
Estabelecida essa definição de trabalho, devemos enfatizar
que os empreendimentos sociais difusos são um tipo especial
de empreendimento social, diferentes dos mais tradicionais.
De fato, se concentram em problemas comuns do cotidiano:
obtenção de comida mais saudável, assistência à própria família (infância e terceira idade), mobilidade urbana... Em outras
palavras, embora alguns empreendimentos sociais se ocupem
de problemas sociais críticos (tais como interação com grupos
sociais marginalizados ou assistência a doenças graves) a especificidade dos empreendimentos sociais difusos repousa em
estender o conceito de “social” a uma ampla arena onde os indivíduos se encontram para enfrentarem juntos as dificuldades
comuns da vida cotidiana, bem como as novas demandas de
bem-estar que destas emergem
Outra diferença em relação ao conceito usual de empresa
social é que nos empreendimentos sociais difusos as pessoas
68 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
atuam para ajudarem “a si mesmas” e (ao menos em parte) “por
si mesmas”. Isto significa que, diferentemente da visão de empreendimento social, onde muitas vezes a figura predominante é a de alguém que presta um serviço para outras pessoas, o
aspecto característico aqui é que todos os participantes colaboram de modo direto e ativo na obtenção do resultado que o
empreendimento pretende alcançar.
Incubadoras de iniciativas baseadas no conhecimento. As comunidades criativas podem ser reconhecidas, e ter seu papel
debatido, no quadro da emergente economia do conhecimento
(e, esperamos, de uma possível sociedade do conhecimento e
da sustentabilidade): uma economia (e uma sociedade) da qual
tais comunidades são ao mesmo tempo resultado e (possíveis)
promotoras.
De fato, pesquisas realizadas até agora mostram que as comunidades criativas emergem principalmente em contextos
de rápida mudança, caracterizados pelo conhecimento difuso,
com um alto nível de conectividade (o que significa a possibilidade de interagir com outras pessoas, associações, firmas e
instituições) e certo grau de tolerância (em relação aos modos
não convencionais de ser e fazer). Em outras palavras, tendem
a emergir em contextos onde a economia do conhecimento é
mais desenvolvida.
Devemos acrescentar a essa óbvia observação uma outra
complementar (que pode ser muito menos óbvia para algumas
pessoas): as comunidades criativas e os empreendimentos sociais difusos podem ser um campo muito fértil para o desenvolvimento de uma economia do conhecimento. Foi observado
que, para uma economia do conhecimento florescer, é necessária uma ampla sociedade do conhecimento (firmas orientadas ao conhecimento necessitam empregar trabalhadores do
conhecimento bem treinados e de contextos sociais dinâmicos
e estimulantes): as comunidades criativas e os empreendimentos sociais difusos podem gerar este cenário favorável. Neste
quadro, vamos considerar, por exemplo, empreendedores que
estão promovendo e gerenciando algumas destas iniciativas:
3. Inovação Social | 69
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
querendo ou não, com ou sem suporte, eles têm que aprender
como fazê-lo, ou seja, como lidar com organizações complexas
e baseadas em modelos econômicos particulares. O resultado
é que as comunidades criativas e os empreendimentos sociais
difusos podem tornar-se não apenas as sementes para novos
negócios baseados no conhecimento, mas também incubadoras para a formação de um grande número de trabalhadores do
conhecimento. Ao mesmo tempo, comunidades criativas podem ajudar a gerar contextos dinâmicos e tolerantes que são
requeridos para iniciar e manter uma vigorosa economia do
conhecimento (Florida, 2002, 2005).
Finalmente, e mais importante, as comunidades criativas
podem contribuir para a expansão do conceito de economia do
conhecimento, de seu restrito significado atual (uma economia
de mercado onde o produto é o “conhecimento”) a um outro
muito mais profundo: uma economia que é parte de um sistema onde o conhecimento e a criatividade devem ser encontrados de maneira difusa por toda a sociedade, e não limitados
ao conhecimento “formal” e às firmas criativas. Uma sociedade
baseada no conhecimento pode tornar-se a espinha dorsal de
uma futura sociedade sustentável baseada no conhecimento.
3.2 Organizações colaborativas
Como vimos acima, as comunidades criativas (o conjunto das
pessoas direta e ativamente envolvidas) geram casos promissores (resultados inovadores). “Quando” e “se” tais comunidades
evoluem, tornam-se empreendimentos sociais difusos e, por sua
vez, os casos promissores que elas geraram tornam-se organizaçoes colaborativas. Essas últimas podem ser classificadas da seguinte forma: novos tipos de serviço social (serviços colaborativos), microempreendimentos (empreendimentos colaborativos)
e redes de pessoas ativas (cidadãos colaborativos).
Serviços colaborativos são serviços sociais onde os usuários
finais estão ativamente envolvidos, assumindo o papel de codesigners e co-produtores do serviço. Alguns exemplos são: uma
casa onde idosos de diferentes idades vivem em comunidade
compartilhando recursos e adaptando-os a suas diferentes ne-
70 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
cessidades e estilos de vida; um serviço que facilita a co-divisão
de casas entre idosos e jovens estudantes, propiciando a esses
últimos um abrigo barato e familiar e aos primeiros companhia,
ajuda e suporte financeiro; uma oficina onde pessoas desempregadas, deficientes físicos e imigrantes encontram trabalho no reparo e na melhoria de produtos usados.
Empreendimentos colaborativos são empreendimentos de
produção ou iniciativas de serviço que fomentam novos modelos de atividades locais, por estabelecer relações diretas com
usuários e consumidores que tornam-se, também, co-produtores. Muitos dos casos observados entram nessa categoria.
Exemplos: uma firma composta por jovens que reforma casas
para esses mesmos jovens, ou outros que estejam em busca
de um modo de viver comunitário; uma fazenda que ajuda os
clientes a vivenciar em primeira pessoa o valor da biodiversidade na cadeia alimentar; um empreendimento local que ensina
as pessoas como reutilizar materiais velhos e usados; uma loja
onde pessoas trocam bens esportivos usados.
Cidadãos colaborativos são grupos de pessoas que colaborativamente resolvem problemas ou abrem novas possibilidades (e que, novamente, tornam-se co-produtores dos resultados obtidos). Alguns exemplos dessas categorias são: grupos
de residentes que transformam um terreno abandonado num
jardim compartilhado pelos vizinhos; grupos de pessoas que
gostam de cozinhar e que utilizam suas habilidades em favor
de um grupo maior, organizando jantares nas casas dos membros; grupo de pessoas que trocam ajuda mútua em termos de
tempo e habilidades.
Organizações colaborativas e qualidade relacional. Embora tais
organizações possuam diversificados objetivos e atores, apresentam um traço comum fundamental: todas são constituídas
por grupos de indivíduos que colaboram entre si na co-criação
de valores comumente reconhecidos e compartilhados. Por essa
razão, as chamamos, em seu conjunto, de organizações colaborativas: iniciativas de produção e serviço baseadas em relações
colaborativas entre pares e, conseqüentemente, num alto grau
3. Inovação Social | 71
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
de confiança mútua. Produção e serviços onde os valores produzidos emergem das qualidades relacionais que possuem, isto
é, da existência de relações interpessoais verdadeiras entre os
envolvidos. (Cipolla, 2004).
Este último ponto deve ser enfatizado. De fato, enquanto
todas as organizações humanas tendem a possuir algum grau
de qualidade relacional, para as organizações colaborativas isso
não é uma opção, mas uma precondição para sua existência. A
colaboração entre pares requer confiança, que por sua vez requer qualidades relacionais: a ausência de qualidades relacionais significa a ausência de confiança e colaboração e, conseqüentemente, a ausência de uma organização colaborativa, tal
qual a definimos aqui.
Esta evidente característica das organizações colaborativas
depende diretamente de suas origens. Afirma-se progressivamente de acordo com o amadurecimento das comunidades
criativas, as quais exigem ação direta das pessoas envolvidas
e são baseadas na sua capacidade/vontade de agir. Ou seja, as
pessoas buscam principalmente resolver juntas e ativamente
os próprios problemas, reforçando, como efeito colateral, o tecido social.
Modelos organizativos complexos. Outro aspecto característico
das organizações colaborativas é que seu modelo organizacional desafia os modos tradicionais de pensar, indo além das convencionais polaridades sobre as quais os modernos modelos
organizacionais dominantes foram construídos: privado/público; consumidor/produtor; local/global; necessidade/desejo.
As organizações colaborativas, de fato, propõem soluções onde
os interesses privados, sociais e ambientais podem convergir
em um intricado jogo de necessidades e aspirações. São iniciativas profundamente enraizadas localmente mas, ao mesmo
tempo, fortemente conectadas com outras semelhantes em escala internacional. Finalmente, e mais importante, são formas
de organização em que, por serem todos participantes ativos,
as distinções entre os papéis de produtor e de usuário/consumidor se diluem.
72 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
O mesmo tipo de desafio se estende ao modelo econômico. De fato, as organizações colaborativas são baseadas em uma
mistura de diversos “modelos econômicos”: diferentes combinações de auto-ajuda e ajuda mútua, sistemas de trocas ou de
dons, economias de mercado e de não-mercado.
3.3 Processos em andamento
As comunidades criativas podem ser consideradas como protótipos de trabalho de modos de vida sustentáveis. Elas mostram
que, mesmo nas condições atuais, é possível comportar-se de
forma colaborativa, alcançando resultados sustentáveis. Vimos
acima que tais experimentos são, às vezes, bem-sucedidos,
e se consolidam em novas formas de empreendimentos, os
empreendimentos sociais difusos, capazes de produzir cooperativamente organizações colaborativas.
É possível observar, porém, que esses processos de inovação são ainda hoje a expressão de minorias. Essa afirmação nos
leva às seguintes questões: é possível fazer mais do que simplesmente observar o que a espontaneidade e o empreendedorismo das pessoas foram capazes de fazer? É possível consolidar e
replicar esses casos promissores? Em outras palavras: é possível
facilitar a existência destas comunidades criativas e sua evolução rumo a duradouros empreendimentos sociais? Podem estas
iniciativas serem amplamente replicadas em diferentes contextos? Podem, considerando seu potencial de consolidação e de
difusão, lidar com a dimensão dos problemas que são (e que
serão) levantados pela transição rumo à sustentabilidade?
Um primeiro passo, visando responder a tais perguntas, é
observar os casos promissores existentes e examinar minuciosamente quando e como eles tiveram sucesso, isto é, quando e
como foram capazes de permanecer ao longo do tempo e replicar-se em outros contextos.
Boas idéias que giram o mundo. O que foi dito, introduzindo
as comunidades criativas e os empreendimentos sociais difusos, poderia nos induzir a pensar que toda a argumentação de-
3. Inovação Social | 73
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
senvolvida até aqui refere-se apenas às economias industriais
mais desenvolvidas, isto é, aquelas que alcançaram um estágio
avançado no processo de consolidação de uma economia do
conhecimento.
Tal afirmação está ao mesmo tempo certa e errada. Está
certa quanto ao fato de que, até agora, as comunidades criativas e os empreendimentos sociais difusos foram observados
principalmente naquelas regiões do mundo onde a economia
do conhecimento é bastante desenvolvida. Todavia, não devese daí deduzir que comunidades criativas só podem ser encontradas nesses países. Embora as comunidades criativas se
manifestem principalmente em contextos de rápida mudança
– caracterizados pelo conhecimento difuso, com um alto nível
de conectividade e certo grau de tolerância – podemos observar também que, pelo menos nas “economias emergentes”, há
vastas áreas urbanas (ou quase-urbana) que podem ser descritas nos mesmos termos (se concordarmos em adaptar seus
significados a novas circunstâncias). São contextos que estão
mudando rapidamente (muitas pessoas estão se transferindo
do interior para as cidades), com certo grau de tolerância (pois
ninguém pode exercer um estrito controle numa sociedade em
tamanha transformação). E no que se refere ao conhecimento
difuso e à criatividade, podemos encontrar muitas hibridizações entre a cultura tradicional, novos comportamentos e tecnologias avançadas.
Observando atentamente países como o Brasil, a Índia e
a China, podemos encontrar interessantes casos de grupos de
compras, agricultura de base comunitária e carpooling, só para
citarmos alguns exemplos (CCSL, 2007). E, mesmo que seu significado e motivações sejam diferentes das que encontramos
na Europa (os diferentes papéis da tradição e das redes sociais
existentes levaram a diferentes significados dos termos “comunidade” e “criatividade” e, similarmente, o diferente peso das
necessidades econômicas sobre as demais necessidades sociais
e ambientais criaram motivações diversas), as idéias sobre as
quais eles se baseiam são mais ou menos idênticas.
De fato, considerando que a mudança das condições de
vida (dos vilarejos e da economia de subsistência para as ci-
74 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
dades e a economia de mercado) estão afetando crescentes
proporções de população nos países emergentes, algumas experiências ocidentais (de como viver em uma cidade) podem
estimular a adoção (e adaptação) de idéias análogas no novo
ambiente urbano emergente. Por outro lado, pode ser que a
persistência dos modos tradicionais de pensar e de fazer nestas
novas metrópoles se tornem uma vasta reserva de recursos sociais e culturais gerando novas idéias de modos de vida sustentável que, em contrapartida, poderiam ser adotadas (e adaptadas) nas sociedades ocidentais.
Em conclusão, podemos dizer que o lugar onde essas
inovações acontecem não é uma questão relativa ao fato de
estarmos diante de uma sociedade industrial mais ou menos
desenvolvida, de ser rica ou pobre, de ser no Norte, Sul, Leste
ou Oeste. É simplesmente uma questão relativa à velocidade da
mudança: onde quer que as mudanças sejam rápidas e profundas, comunidades criativas aparecerão e, uma vez que tenham
sido geradas, elas se movem e se adaptam à especificidade dos
diferentes contextos: um movimento de idéias e experiências
que pode caminhar em todas as direções, do Norte para o Sul,
do Oeste para o Leste e vice-versa.
Interações “de baixo para cima” (bottom-up), “de cima para
baixo” (top-down) e “entre pares” (peer-to-peer). As comunidades criativas foram descritas até agora como iniciativas “de
baixo para cima” (bottom-up), ou seja, ações “a partir das bases” que dão origem a casos promissores de inovação social.
Porém, uma observação mais acurada de sua evolução – partindo de uma idéia inicial até formas organizativas mais maduras – indica que sua possibilidade de existência à longo prazo
– e, freqüentemente, até mesmo de nascimento – depende de
mecanismos complexos. Assim sendo, a participação direta e
ativa das pessoas interessadas (interações “de baixo para cima”)
é freqüentemente sustentada por trocas de informações com
outras organizações similares (interações “entre pares”) e pela
intervenção de instituições, organizações cívicas ou empresas
(interações “de cima para baixo”).
3. Inovação Social | 75
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Por exemplo, um microberçário ou creche começa a operar graças à participação ativa dos pais envolvidos. Estes pais
podem ter sido motivados a promover tal iniciativa através da
observação de experiências similares (eventualmente interagindo com algumas delas). Podem ter recebido um instrumento habilitante de algum ente de governo ou instituição, tal como
um livro que os orientou, passo a passo, no procedimento a ser
seguido na fase inicial e no gerenciamento da iniciativa. Talvez
possam contar com o suporte de uma autoridade local na avaliação do serviço, de modo a garantir sua conformidade com
padrões de saúde, segurança e higiene, ou ainda com o suporte
de um serviço central, no caso de problemas educationais ou
cuidados médicos que não possam ser resolvidos na própria
creche.
Estes exemplos, como muitos outros que poderiam ser
apresentados aqui, indicam que as comunidades criativas e
os empreendimentos sociais difusos devem ser considerados
como iniciativas “de baixo para cima” não porque tudo acontece através do envolvimento ativo das pessoas diretamente
interessadas, mas sim porque esta é uma precondição de existência. Cada uma destas iniciativas tem início, se desenvolve
cotidianamente e se aprimora através de um intrincado jogo de
interações “de baixo para cima”, “de cima para baixo” e “entre
pares” (que difere caso a caso). É exatamente esta característica
que nos leva a reconhecer que as ações criativas e colaborativas – matéria básica na construção das comunidades criativas e
dos empreendimentos sociais difusos – não podem ser diretamente planejadas. Porém, algo pode ser feito para tornar estas
soluções mais prováveis, duradouras e reproduzíveis.
Contextos favoráveis. Os contextos onde existem tanto as comunidades criativas e seus casos promissores quanto os empreendimentos sociais difusos e suas organizações colaborativas são
sistemas sociotécnicos altamente complexos que não podem
ser “projetados”. Todavia, alguns de seus elementos podem ser
imaginados e efetivamente realizados.
76 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
É possível identificar e cultivar elementos materiais e imateriais que possam trabalhar juntos em um dado contexto de
modo a torná-lo um terreno fértil para iniciativas criativas e “de
baixo para cima”. Em outras palavras, é possível melhorar a capacidade desse contexto em sustentar comunidades criativas,
promover casos promissores e possibilitar a um amplo número de cidadãos potencialmente inovadores moverem-se nessa
mesma direção (Laundry, 2000, 2006; Leadbeater 2006).
Para isso, é necessário desenvolver instrumentos de governança inovadores e um ambiente tolerante: ferramentas de governança especificamente voltadas para facilitar a existência de
comunidades criativas, e um quadro legal e cultural capaz de
lidar com a “área cinza” (não ilegal) que freqüentemente emerge quando assistimos o nascimento de iniciativas radicalmente
novas. Esse último ponto é crucial e será detalhado a seguir.
Ambientes tolerantes. O ambiente mais favorável para as comunidades criativas e seus casos promissores é caracterizado
por um alto grau de tolerância (Florida, 2002, 2005). Visto que
os casos promissores considerados aqui são, por definição, formas de organização que diferem radicalmente das soluções
usuais, promovê-los significa aceitar algo que provavelmente
não se encaixará nas normas e regras existentes. Portanto, a tolerância requerida para o desenvolvimento desses casos deve
se expressar em termos sociais, políticos e administrativos, pois
se é verdade que uma comunidade criativa nascente pode ser
destruída pela incompreensão e hostilidade política, é igualmente possível que seja vítima (e isto é o que de fato freqüentemente ocorre) da incapacidade administrativa em aceitar tal
inovação.
De um ponto de vista prático, as iniciativas “de baixo para
cima” requerem uma variedade de novas regulamentações que
viabilizem a condução de atividades que são difíceis de classificar em termos convencionais (tais como o uso inovador dos
espaços públicos; o trabalho em casa; as empresas familiares;
novos modos de vida coletiva). Novos sistemas fiscais devem ser
desenvolvidos para lidar com modelos econômicos onde a troca
3. Inovação Social | 77
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
de trabalho e a permuta possam substituir as transações convencionais baseadas no dinheiro. Ao mesmo tempo, a natureza
legal e econômica destas iniciativas inovadoras deve ser considerada muito cuidadosamente, já que a tolerância que estas requerem pode ser explorada também por atores “ilegítimos”.
Governança participativa. Empreendimentos sociais difusos e
organizações colaborativas reforçam o tecido social por criarem novos espaços sociais e físicos. Conseqüentemente, poderiam ser parceiros relevantes em iniciativas governamentais
que objetivem alcançar esses mesmos resultados. Novos instrumentos de governança podem aumentar tal possibilidade
se facilitarem a regeneração de contextos tradicionais específicos, promoverem uma infra-estrutura tecnológica apropriada,
cultivarem novos talentos (novas competências e habilidades)
e, sobretudo, considerando o que vimos anteriormente, gerarem um ambiente favorável do ponto de vista social, político e
administrativo.
Como tudo isso pode ser feito? Obviamente, não existe
uma resposta única e simples para esta questão. Entretanto,
existe uma possibilidade particular, de potencial tão significativo que merece ser devidamente mencionada aqui. São os
modelos organizativos que emergem das redes sociais (ou web
2.0). Voltaremos a esse ponto mais tarde. No momento, diremos
apenas que, na nossa opinião, os modelos das redes sociais podem ser a tecnologia habilitante capaz de promover a transição
dos atuais instrumentos de governança, rígidos e hierárquicos,
rumo a outros, flexíveis, abertos e horizontais, necessários para
promover o florescimento de empreendimentos sociais difusos
e de organizações colaborativas
3.4 Design e inovação social
As inovações sociais, assim como todos os processos de inovação, emergem, amadurecem e se difundem em uma “curva S”:
de idéias novas em folha passam a soluções maduras e, finalmente, a solucões implementadas (Young Foundation 2006).
78 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Essas três fases de evolução, também, são visíveis na inovação
social de base produzida pelas comunidades criativas.
Protótipos de solução. Alguns dos casos observados são verdadeiros protótipos de soluções: eles mostram que uma idéia
de serviço é viável e que alguém, em algum lugar, foi capaz de
colocá-la em prática. A cafeteria para as crianças e as famílias
é um exemplo desse tipo de protótipo. Ela oferece uma área
de recreação para famílias, cursos de arte e exposições, auxílio
para pais e crianças estrangeiras, uma biblioteca de informação,
tudo baseado na participação dos “clientes” e em processos de
troca. Outro exemplo é o workshop para a reparação de utensílios, em que pessoas levam antigos utensílios para serem renovados e doados a novos proprietários. Tais iniciativas abrem
inúmeras possibilidades, ainda que pareçam, a princípio, muito ligadas aos seus contextos específicos. De qualquer forma,
é muito cedo para saber se tais invenções poderão funcionar
e continuar operando ao longo do tempo, independentemente
das pessoas “especiais” que delas participam e/ou dos diferentes contextos nos quais foram criadas.
Soluções maduras. Outros casos apresentam-se como soluções
maduras relativamente consolidadas: indicam que algumas
idéias foram capazes de continuar ao longo do tempo e, às vezes, de inspirar outros grupos de pessoas, em outros lugares,
a fazerem algo similar. Bons exemplos desta categoria são os
purchasing groups (grupos colaborativos que compram comida
orgânica e eticamente produzida diretamente dos produtores,
apoiando-os economicamente); iniciativas de encomenda de
vegetais (onde vegetais frescos, produzidos organicamente e
a preços razoáveis são entregues na porta de casa, com receitas culinárias e a possibilidade de realizar visitas à fazenda) e
os Lets (cujos participantes trocam ajuda mutuamente em um
tipo de “banco de tempo”). Todas essas idéias foram propostas
há alguns anos e se difundiram internacionalmente.
Considerando o sucesso conquistado, tais casos podem ser
encarados como inovações sociais que foram capazes de passar
3. Inovação Social | 79
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
de um estágio inicial de protótipo a um estágio mais maduro.
Todavia, é evidente que estas soluções ainda requerem um investimento muito alto em termos de tempo e atenção da parte
dos atores envolvidos. Pessoas menos empreendedoras e motivadas podem considerar demasiado difícil iniciar experiências
similares ou até mesmo participar daquelas já em operação.
Soluções implementadas. Finalmente, alguns dos casos podem
ser considerados como soluções implementadas: organizações
colaborativas que são sustentadas por “soluções habilitantes”, isto é, sistemas de produtos, serviços e programas de comunicação especificamente projetados. Alguns exemplos são
bastante conhecidos como, por exemplo, o car sharing (um
grupo de residentes, numa dada área, compartilham uma frota de carros a fim de serem utilizados e pagos apenas quando
requeridos). Esta proposta se tornou muito acessível, eficaz e
reproduzível em diversos contextos baseando-se em um conjunto apropriado de produtos e serviços, na adoção de modelos
organizacionais inovativos e, algumas vezes, a partir de intervenções institucionais. Portanto, organizações de car sharing
podem ser adotadas (e foram, de fato) por pessoas não particularmente motivadas. O mesmo é válido para empreendedores
que consideram essa atividade como uma nova oportunidade
de negócio.
Outro exemplo são os projetos de co-housing, que podem ser
sustentados através da internet (divulgando os projetos e atraindo potenciais participantes) por uma equipe de especialistas
(que ajudem a identificar os terrenos adequados para edificação
e a superar dificuldades administrativas e financeiras).
Esses exemplos, como outros similares, demonstram que
as idéias de algumas comunidades criativas já estão sendo desenvolvidas por designers, engenheiros, empresas e instituições
locais de modo a consolidar e aumentar a difusão destas iniciativas, melhorando seus contextos (isto é, o ambiente onde os
empreendimentos sociais difusos e suas organizaçoes colaborativas podem florescer) e desenvolvendo soluções habilitantes
específicas (ou seja, soluções que criam as condições favoráveis
80 | 3. Inovação Social
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
para que pessoas criativas expressem suas idéias, encontrem
parceiros e comecem projetos e/ou soluções, a fim de ajudar
empreendedores a desenvolver e gerenciar organizações colaborativas ao longo do tempo).
3. Inovação Social | 81
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
4. Redes Projetuais | Interações “de baixo
para cima” (bottom-up), “de cima para baixo”
(top-down) e “entre pares” (peer-to-peer)
A criatividade e as atitudes colaborativas não podem, por definição, ser impostas. As comunidades criativas são organizações
sociais muito delicadas e cada intervenção externa coloca seu
equilíbrio em risco. Os empreendimentos sociais difusos que
elas geram são profundamente enraizados em lugares e comunidades específicas e a idéia de reproduzi-los em diferentes contextos parece muito difícil. Todavia, olhando com mais
atenção para estes casos de inovação de base, parece que algo
pode ser feito para consolidá-los, torná-los mais acessíveis e
capacitá-los a serem apropriadamente difundidos, isto é, serem
replicados sem perder suas qualidades originais.
De fato, podemos observar que algumas das “idéias de
serviço” geradas pelas comunidades criativas realmente se difundiram. Também é possível ver que decisões “de cima para
baixo” (top-down) e interações “entre pares” (peer-to-peer) são
freqüentemente necessárias para ajudá-las a nascer e a permanecer e que, implícita ou até mesmo explicitamente, elas exigem diferentes tipos de suporte. Em outras palavras, mesmo
que as comunidades criativas e as inovações sociais difusas não
sejam totalmente planejáveis, nos parece ser efetivamente possível ajudá-las a nascer, bem como facilitar sua existência. Isto
significa que intervenções de suporte, ou soluções habilitantes,
podem ser concebidas em diferentes escalas e envolvendo diversos grupos de atores.
4. Redes Projetuais | 83
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
4.1 Soluções e plataformas
Solução habilitante é uma expressão que já foi utilizada ao longo deste texto, porém não recebeu uma definição precisa. Agora
é o momento de fazê-lo. Uma solução habilitante é um sistema
de produtos, serviços, comunicação e o que mais for necessário
para implementar a acessibilidade, a eficácia e a replicabilidade
de uma organização colaborativa.
Devemos imediatamente enfatizar que conceber e desenvolver soluções habilitantes não é uma tarefa simples: a qualidade das relações interpessoais, que são uma precondição para
as organizações colaborativas, são muito delicadas e cada intervenção externa coloca seu equilíbrio em risco. Todavia, algo
pode ser feito para facilitar tais relações e, na realidade, observando os casos existentes de soluções maduras e implementadas, podemos encontrar exemplos bem-sucedidos de soluções
habilitantes com tais características positivas.
Acessibilidade e eficácia. Gerar uma nova idéia, adaptar e gerenciar criativamente uma existente, ou mesmo simplesmente
participar ativamente de uma iniciativa em andamento, exige
um grande comprometimento em termos de tempo e de dedicação pessoal. Ainda que esse aspecto quase heróico seja exatamente uma das características mais atraentes destas iniciativas,
é também um limite objetivo para sua existência a longo prazo
e para sua possibilidade de ser replicada e adotada por muitos.
Portanto, este parece ser o maior limite para a difusão das organizações colaborativas: o limitado número de pessoas capazes
e desejosas de atravessar o limiar do comprometimento requerido para tornar-se um de seus promotores ou apenas um de
seus participantes ativos. Efetivamente, foi verificado que tais
iniciativas, com seu conjunto de resultados práticos e de efeitos socializantes, parecem atraentes para muitas pessoas; para
a maioria dos indivíduos, no entanto, requerem simplesmente
dedicação e tempo demais, ou seja, exigem um investimento
demasiado intenso de dois recursos que são (ou são percebidos
como) os mais escassos hoje em dia.
84 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Para superar tais problemas, é necessário que as organizações colaborativas se tornem mais acessíveis (superando os
limites mencionados anteriormente), mais eficazes (incrementando a relação entre resultados e esforços individuais e sociais
necessários) e mais atraentes (elevando a motivação das pessoas em serem ativas). É exatamente nisso que as soluções habilitantes poderiam ajudá-las.
Em termos práticos, as organizações colaborativas podem
tornar-se mais acessíveis e eficazes através da aplicação de um
processo de design em três etapas. A primeira etapa é analisar
e detectar suas forças e suas fraquezas. A segunda é conceber
e desenvolver soluções (para aumentar suas forças e diminuir
suas fraquezas) utilizando produtos, serviços e comunicação
de uma forma original. A terceira etapa é desenvolver soluções
utilizando tecnologias novas e especificamente concebidas.
Cada caso requererá soluções específicas, mas algumas
diretrizes muito gerais podem ser traçadas. Por exemplo, será
necessário promover estratégias de comunicação motivantes e
capazes de fornecer os conhecimentos necessários; considerar
e dar suporte às capacidades individuais de modo a tornar a
solução acessível a um maior número de pessoas; desenvolver modelos de serviço e negócios estimulantes e que sejam
compatíveis com os interesses econômicos e/ou culturais dos
potenciais participantes; reduzir o total de tempo e espaço
requeridos e aumentar a flexibilidade; facilitar o processo de
constituição de comunidades.
Em termos mais gerais, podemos dizer que as soluções
habilitantes devem pôr em ação uma inteligência específica: a
inteligência necessária para estimular, desenvolver e regenerar
a habilidade e a competência daqueles que as utilizam. Obviamente, quanto mais habilidoso e motivado for o usuário, mais
simples poderá ser a solução requerida. Por outro lado, quanto
menos habilidoso o usuário, mais o sistema deve ser capaz de
compensar sua carência de habilidades, fornecendo o que ele
não sabe ou não pode fazer. Além disso, quanto menos motivado for o usuário, mais o sistema deve ser não apenas amigável,
mas também atraente, ou seja, participar ativamente de uma
organização colaborativa deve ser considerado estimulante.
4. Redes Projetuais | 85
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Plataformas habilitantes. Diferentes organizações colaborativas
podem, às vezes, expressar necessidades similares, tais como:
incubadoras para a fase inicial; serviços de transporte para redes produtor-consumidor; assistência específica quando novos
procedimentos e/ou novas tecnologias forem incorporadas, e
assim por adiante.
Partindo dessa observação, é possível conceber e desenvolver um número de iniciativas habilitantes capazes de suportar
uma variedade de organizações colaborativas. Nós as chamaremos de plataformas habilitantes. Alguns exemplos são:
Agências para a inovação social que operem como catalisadores de novas iniciativas e como facilitadores daquelas
existentes (de modo a permitir seu reforço, crescimento e
multiplicação).
Espaços flexíveis que possam ser utilizados por comunidades em um “mix” de funções públicas e privadas, respondendo de modo inovador a demandas por espaço e abrigo.
Sistemas de conexão capazes de interligar melhor pessoas,
pessoas e produtos/serviços e até mesmo produtos/serviços entre si.
Produtos multi-usuário especificamente concebidos para
utilização compartilhada e capazes de serem sincronizados, personalizados, rastreados e localizados.
Equipamentos semiprofissionais que possam ser usados
também por amadores (não-profissionais) e em espaços
não especializados, aumentando o número de pessoas que
podem desfrutar do grau de eficiência e qualidade que estes equipamentos oferecem.
Espaços experimentais que funcionem como incubadores
de novas empresas sociais mas, principalmente, e em um
sentido amplo, se prestem à realização dos mais diversos
experimentos sociotécnicos.
Sistemas avançados de produtos/serviços especificamente
projetados para tornar mais fácil e fluido o funcionamento
das organizações colaborativas, tais como serviços de mobilidade flexível; sistemas fluidos de pagamentos; sistemas
de reserva e realização de pedidos; tecnologias de localização e de rastreamento.
86 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
4.2 Aumentando a escala
Não estamos focalizando nas comunidades criativas e seus
casos promissores ou nos empreendimentos sociais difusos e
suas organizações colaborativas apenas porque são sociologicamente interessantes (embora reflitam realmente um significativo aspecto das sociedades contemporâneas). Tampouco o
estamos fazendo porque podem gerar nichos de mercado potencialmente lucrativos para novos negócios (mesmo que essa
oportunidade também possa e deva ser explorada). Estamos interessados neles porque pensamos que podem ser aumentados
em escala, promovendo a adoção de estilos de vida sustentáveis
entre um grande número de pessoas. Possuem, de fato, o potencial para tornarem-se dominantes, de modo a reorientar as
mudanças sociais e econômicas em andamento numa direção
sustentável. Até porque são passos reais rumo a modos de vida
sustentáveis, podendo já ser implementados como soluções viáveis para problemas contemporâneos urgentes (de habitação,
mobilidade, comida, assistência à criança e aos idosos, saúde,
regeneração urbana).
Falando sobre o aumento de escala das organizações colaborativas, não estamos certamente propondo “industrializálas”, o que significaria considerá-las produtos que podem ser
mecanicamente reproduzidos em larga escala. Nossa discussão
aqui é sobre “se” e “como” pode ser possível aplicar-lhes um
conjunto de criatividade, design, capacidades empreendedoras
e conhecimento tecnológico (que podemos chamar de industriosidade humana) para torná-las mais acessíveis e eficazes,
facilitando, assim, a sua disseminação em larga escala. Sabemos muito bem que no século passado um conjunto similar de
habilidades geraram, para o bem e para o mal, o que agora conhecemos como o sistema industrial orientado ao consumidor.
Nossa idéia é que hoje, confrontando-se com diferentes restrições e oportunidades, e olhando para diferentes objetivos, a industriosidade humana pode nos conduzir a outras direções, de
modo a promover estilos de vida sustentáveis entre os bilhões
de pessoas deste planeta.
4. Redes Projetuais | 87
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Replicação versus crescimento. A tradicional cultura industrial
considera escalabilidade como crescimento: para ter sucesso
e expandir, um pequeno negócio ou um pequeno empreendimento social deve se tornar “maior”. Podemos ainda considerar
verdadeira tal interpretação? Na perspectiva da sustentabilidade e no contexto de uma sociedade de rede, o crescimento
em tamanho é ainda o melhor indicador de uma nova idéia de
sucesso, mas será assim no futuro? E, para o que mais nos interessa aqui, como pode a noção de escalabilidade ser aplicada às
organizações colaborativas?
O problema que devemos enfrentar é muito grande. Como
dissemos, a viabilidade de uma organização colaborativa é baseada em uma forte precondição: a existência de relações interpessoais profundas e dinâmicas entre seus membros (Cipolla,
2004). Em outras palavras: aumentar em escala as organizações
colaborativas exige o desenvolvimento de sistemas com um
alto grau de qualidades relacionais.
Isso é possível? Podemos planejar a difusão de qualidades
relacionais (como a precondição necessária para aumentar em
escala as organizações colaborativas)? A resposta está longe do
óbvio. Já havíamos notado que tais organizações, com certeza,
não podem ser planejadas. Mas dissemos também que algo poderia ser feito para torná-las mais prováveis. Agora, podemos
acrescentar outra consideração: qualidades relacionais parecem ser possíveis apenas quando a interação entre os atores
envolvidos é suficientemente direta e quando as organizações
que eles estabelecem são suficientemente compreensíveis e gerenciáveis; em resumo, quando são suficientemente pequenas.
Neste ponto, nos confrontamos com uma situação contraditória: para enfrentar a transição rumo à sustentabilidade,
precisamos aumentar a escala das comunidades criativas e dos
empreendimentos sociais difusos. Ao mesmo tempo, sabemos
que devemos manter suas qualidades sociais originais e que
tais qualidades são amplamente relacionadas à pequena escala
de cada iniciativa singular. Esta contradição é a maior dificuldade a ser superada na consolidação e difusão das organizações colaborativas.
88 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Experiências passadas não nos ajudam a resolver este intricado problema. No último século, uma série de pequenas
iniciativas, criativas e colaborativas, surgiu. Entretanto, quando
ampliadas em escala, tais iniciativas tornaram-se grandes organizações, em geral perdendo seu significado social original. Um
caso bem conhecido é o movimento das cooperativas na Europa. No começo, foi, em muitos aspectos, parecido com as nossas
atuais comunidades criativas. Mais tarde, porém, sua evolução,
e em muitos casos seu sucesso, levou-as a mudar. Tornaram-se
grandes organizações institucionalizadas, ganhando em termos
de eficiência, porém perdendo (ou reduzindo amplamente) o
“senso de comunidade” que originalmente era um importante
subproduto desse tipo de organização.
Podemos nos perguntar por que a evolução de comunidades criativas deveria ser diferente. Por que deveriam evoluir
em direção aos empreendimentos sociais difusos e não seguir o
mesmo caminho percorrido pelo movimento das cooperativas
no século passado? A pergunta é justa, mas não temos ainda
uma sólida evidência para provar que, hoje, um caminho diferente possa ser realmente percorrido. No entanto, há pelo menos um argumento de suporte a essa possibilidade (pelo menos em termos de sua afirmação geral): enquanto no passado o
crescimento dimensional das organizações parecia ser a única
forma viável de dar mais força a uma idéia original, hoje, novas
e diferentes estratégias de “crescimento” são possíveis.
Idéias de serviço e de negócios versus produção e serviços localizados. Antes de continuar a nossa discussão sobre o aumento
de escala das organizações colaborativas, devemos introduzir
um conceito útil: a idéia de serviço ou de negócio indica o modelo organizacional e econômico que explica como cada uma
destas organizações funciona, como é sua arquitetura sistêmica, quem são os atores envolvidos e quais são suas motivações,
relações e trocas econômicas e não econômicas.
A noção de idéia de serviço ou de negócio é importante
porque, quando discutimos a possibilidade da difusão das organizações colaborativas, devemos levar em consideração que,
4. Redes Projetuais | 89
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
na realidade, o que está sendo replicado não é esses casos altamente localizados com todas suas características, nem as comunidades criativas que os geraram, visto que são compostas
obviamente por grupos de pessoas não replicáveis, mas sim as
idéias de serviço que esses grupos de pessoas inventaram (ou
adaptaram à especificidade de um novo contexto). Em outras
palavras, quando falamos de aumento de escala, o que podemos planejar é não como replicar alguns casos promissores,
mas como gerar condições para tornar a replicação de suas
idéias de serviço mais provável.
Em termos práticos, é verdade que cada caso de organização colaborativa que encontramos pelo mundo (tais como
a co-habitação, o car sharing, os mercados de produtores, ou
comunidades baseadas na agricultura) é uma iniciativa não reproduzível, visto que é tão profundamente enraizada num contexto específico e tão amplamente forjada pelas características
específicas de seus promotores. Todavia, esses casos altamente
localizados são baseados em idéias específicas de serviços ou
de negócios. São justamente essas idéias que podem encontrar
novos contextos onde serão adotadas, adaptadas e relocalizadas. Até agora, a difusão de organizações colaborativas aconteceu espontaneamente e com um ritmo relativamente lento.
Aqui discutiremos se e como esse movimento pode ser acelerado mediante ações apropriadas.
Estratégias de replicação. Nosso problema é como aumentar a
escala das organizações colaborativas, mantendo, porém, as pequenas dimensões e as qualidades relacionais de cada iniciativa
concreta. Podemos agora, então, afirmar o seguinte: aumentar
o impacto social e econômico destas organizações não significa
aumentar as dimensões de cada uma, mas sim multiplicá-las e
conectá-las de modo a criar amplas redes. Essa forma de agir
pode ser definida como uma estratégia de replicação.
Olhando para outros campos de atividade, podemos facilmente reconhecer que esse conceito não é novo e que diferentes estratégias de replicação foram propostas e desenvolvidas
para ampliar a escala de serviços, negócios ou mesmo empre-
90 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
endimentos sociais. Mesmo operando em diferentes contextos
e movidos por motivações distintas daquelas às quais nos referimos aqui, as estratégias de replicação existentes apresentam
interessantes similaridades e oferecem experiências úteis. Em
particular, consideraremos três delas: franquia, usada principalmente em atividades comerciais; format, com referência à
indústria do entretenimento e toolkit, que é usada em diferentes campos de aplicação onde a abordagem “faça-você-mesmo”
foi adotada.
Franquia. É um conjunto de procedimentos e ferramentas
de comunicação para habilitar empreendedores locais a
começarem suas atividades comerciais como franquias de
uma empresa maior, que fornece aos franqueados um exclusivo conjunto de instrumentos e exige deles o respeito
a uma série de procedimentos e de padrões de qualidade.
Em outras palavras, um programa de franquia permite a
uma série de pequenos empreendedores iniciar um negócio baseado na reputação da “empresa-mãe”, comprometendo-se, entretanto, a seguir as regras que tal empresa
estabelece.
Format. Consiste em um modelo e uma lista de procedimentos, isto é, o modelo de um show existente (principalmente televisivo) e indicações passo a passo do que fazer
para replicá-lo em diferentes contextos. No format, o produtor dá aos compradores os direitos de reproduzir o programa original, adaptando-o às especificidades locais. Em
outras palavras: um format é uma idéia de programa que,
“extraída” de uma experiência particular, pode ser realizada em outros contextos. O resultado é uma multiplicidade
de programas que são, ao mesmo tempo, globais (a idéia é
proposta globalmente) e locais (nos contextos específicos
onde são efetivamente produzidos e apresentados).
Toolkit. É um conjunto de instrumentos tangíveis e intangíveis concebidos e produzidos para simplificar uma tarefa
específica. Esses instrumentos podem ser específicos (exclusivamente dedicados à uma função específica do kit) ou
mais genéricos (de modo a encontrarem utilização também fora do kit). Diferentemente das estratégias anterior-
4. Redes Projetuais | 91
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
mente mencionadas, quem quer que adote o toolkit pode
utilizar seus diferentes instrumentos de uma forma mais
livre e, por outro lado, quem o produz não assume nenhuma responsabilidade sobre os resultados finais de seu uso.
O crescente número de toolkits está ligado à difusão, nos
mais diversos campos de aplicação, de uma abordagem
“faça-você-mesmo”.
Dadas estas três estratégias de replicação, podemos imediatamente constatar que as duas primeiras, pelas suas características, distam de nossos interesses específicos. Não apenas
porque são fortemente comerciais, mas também porque os modelos que propõem são fechados demais para dar o necessário
espaço à criatividade dos grupos de pessoas que se propõem
a sustentar. Ao mesmo tempo, são centralizados demais para
permitir que as qualidades relacionais emerjam. Todavia, tais
estratégias oferecem também alguns elementos interessantes
para a reflexão: o caso da franquia por promover pequenos empreendimentos e o caso do format por promover um processo
de replicação baseado na atualização local de uma idéia. Com
certeza, um programa de televisão está muito longe de uma organização colaborativa, e um negócio baseado em uma grande
marca ainda mais. No entanto, essas experiências indicam que
a discussão sobre como viabilizar um amplo número de pequenos empreendimentos através de programas efetivamente operativos e replicáveis não começa do zero.
Finalmente, consideremos a estratégia de replicação
baseada em toolkits. É claro que a noção de toolkit é bastante próxima à de solução habilitante: os toolkits são oferecidos
para a realização de atividades específicas, mas podem ser interpretados de diversas maneiras e utilizados para atingir diversos objetivos. Graças à esta flexibilidade, o desenvolvimento de
um apropriado toolkit habilitante é compatível com a natureza
dos empreendimentos sociais difusos e suas correspondentes
organizações colaborativas. Ao mesmo tempo, pensamos que
a noção de solução habilitante é mais útil que a de toolkit para
nossos propósitos. Um toolkit normalmente se refere à um preciso conjunto de instrumentos para a auto-ajuda individual.
Esta noção não nos parece capaz de definir o que é necessá-
92 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
rio para promover o amadurecimento das comunidades criativas em empreendimentos sociais difusos, ou a replicação de
suas respectivas organizações colaborativas. De modo diverso,
como vimos, uma solução habilitante é concebida para pessoas
colaborativas e indica um sistema de artefatos tangíveis e intangíveis muito diverso. É um sistema articulado em diferentes
fases para suportar a concepção, o desenvolvimento e a gestão
das organizações colaborativas. Por outro lado, é também um
sistema cujas fronteiras se confundem com os mais amplos
sistemas sociotécnicos onde estarão inseridas as organizações
colaborativas que pretendem promover e sustentar.
4.3 Conectando-se
As três estratégias discutidas acima foram concebidas e desenvolvidas no século passado. Mas agora, como todos dizem, com
o novo século, estamos entrando na sociedade em rede: uma
sociedade onde muitas idéias tradicionais estão sendo questionadas, até mesmo a idéia do que é pequeno ou grande. De fato,
nas redes, “o pequeno” não é mais necessariamente pequeno
(dado que o impacto de um evento não está necessariamente
ligado a suas dimensões físicas, mas à qualidade e quantidade
de suas conexões).
Neste contexto sem precedentes, é possível conceber que
uma multiplicidade de organizações colaborativas, pequenas e
interconectadas, possa tornar-se um poderoso suporte para a
vida cotidiana de um grande número de pessoas e comunidades. Objetivando explorar essa possibilidade, consideraremos a
seguir as implicações de duas tendências sociotécnicas em andamento: os sistemas distribuídos e as redes sociais.
Sistemas distribuídos. Algo muito interessante teve início no
campo da arquitetura de sistema. Sua palavra-chave é o adjetivo distribuído. De fato, nos últimos 20 anos, esse adjetivo
foi sendo cada vez mais associado aos diversos tipos de sistemas sociotécnicos e econômicos: tecnologias da informação
e a computação distribuída; sistemas de energia e a geração
4. Redes Projetuais | 93
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
distribuída; produção e as possibilidades de uma produção
distribuída. Algumas destas possibilidades tornaram-se dominantes duas décadas depois (como a “clássica” computação distribuída). Algumas conquistaram uma forte posição na arena
internacional (tais como os conceitos de geração distribuída e
produção distribuída). Outras emergiram e estão emergindo, ao
longo dos últimos anos, e podem contar com uma ampla e crescente audiência (inovação distribuída, criatividade distribuída,
inteligência distribuída e economia distribuída).
Em todos esses casos, o que o adjetivo distribuído adiciona
ao nome ao qual está ligado, é a idéia de uma teia de elementos autônomos interconectados, isto é, computadores pessoais,
geradores de potência e/ou de energia renovável, produção e
serviços em pequena escala, todos capazes de funcionar autonomamente mesmo estando altamente conectados com os
outros elementos do sistema. Em outras palavras: o que o adjetivo “distribuído” indica é a existência de uma arquitetura horizontal de sistema onde atividades complexas são realizadas em
paralelo por um grande número de elementos conectados (artefatos tecnológicos e/ou seres humanos). A implicação dessa
abordagem distribuída é uma mudança radical nas arquiteturas de sistema. Mas não somente: implica também a possibilidade de uma nova relação entre comunidades e seus recursos
tecnológicos e, possivelmente, um modo mais democrático de
gerenciá-los.
Tais afirmações sobre os sistemas distribuídos não são
apenas um modelo teórico. São genuínas possibilidades baseadas em histórias reais de sucesso, como nos casos da inteligência distribuída e da geração de energia distribuída. A
integração da inteligência distribuída e da geração distribuída pode ser vista como o pilar de uma nova infra-estrutura: a
infra-estrutura distribuída de uma sociedade sustentável, viável, onde novas e tradicionais formas de produção e serviços
distribuídos podem acontecer, conectar-se horizontalmente e
difundir-se. Ou seja, seria uma base verdadeiramente favorável para sustentar os processos de promoção e replicação das
organizações colaborativas.
94 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Redes sociais. Algo muito interessante está acontecendo também no campo das organizações e na maneira pela qual as pessoas participam de projetos colaborativos. Partindo do opensource e de abordagens peer-to-peer, hoje podemos observar um
impressionante aumento nas aplicações end-user. Redes orientadas ao serviço, onde os usuários são co-produtores dos serviços fornecidos (isto é, blogs, podcasts, wikis, sites de redes sociais,
motores de pesquisa, sites de leilão). Referimos-nos agora a essas
iniciativas, no seu conjunto, com o termo redes sociais (computação social/social computing ou web 2.0) (Pascu, 2007).
As redes sociais geram organizações não-hierárquicas
baseadas na rede (Cottam, Leadbeater, 2004; Bauwens, 2004),
bem como modelos organizacionais e econômicos que, há alguns anos, eram totalmente inimagináveis. Agora, demonstram
ser não apenas possíveis, mas também capazes de catalisar um
grande número de pessoas, de organizá-las de um modo peerto-peer e de construir entre elas uma visão comum (Weber,
2004; Tapscott, Williams, 2007). Entretanto, o que é realmente
interessante para nós aqui é que estas redes sociais propõem
também aplicações internet que, ao contrário de outras que
virtualizam e “deslocalizam” as pessoas, podem ajudá-las a se
encontrar e a se auto-organizar no “mundo real”. De fato, diversos casos mostram que, ao associar o mundo virtual com o real,
essas tecnologias podem também sustentar os esforços dos
usuários para resolver problemas (reais) no mundo (real). E, ao
fazê-lo, podem também promover e manter tanto as comunidades criativas e seus casos promissores quanto os empreendimentos sociais difusos e suas organizações colaborativas.
Uma possível convergência. Organizações colaborativas, sistemas distribuídos e redes sociais, até agora, foram considerados
e tratados como fenômenos diferentes e separados. De fato,
exceto por alguma sobreposição menor, têm sido gerados por
pessoas diferentes com diferentes motivações. Todavia, como
antecipamos na introdução, é mais do que provável que no futuro próximo tais fenômenos convirjam em uma única, complexa e dinâmica mudança social. Em particular, é altamente
4. Redes Projetuais | 95
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
provável que as fortes tendências rumo à formação e difusão de
sistemas em rede e peer-to-peer liderem essa convergência. Se
isso acontecer, essas diferentes linhas de inovação reforçarão
umas às outras: as comunidades criativas trarão toda a riqueza das pessoas envolvidas em problemas reais e cotidianos; as
redes sociais trarão as oportunidades sem precedentes abertas
por seus modelos organizacionais inéditos; e, finalmente, o desenvolvimento de sistemas distribuídos fornecerá a infra-estrutura técnica para esta emergente sociedade distribuída sustentável (Manzini, 2007a).
4.4 Design e redes projetuais
O que os designers podem fazer para promover e orientar processos de inovação social? Como podem conceber e desenvolver contextos favoráveis e soluções habilitantes? Como podem
facilitar a convergência entre organizações colaborativas, sistemas distribuídos e redes sociais?
Vamos voltar atrás e considerar tais perguntas em um contexto maior. Vivemos em uma sociedade onde “todos projetam”,
onde as capacidades de design são, por necessidade, particularmente difusas (Giddens 1990, 2000). De fato, gostando ou não,
todos os dias as pessoas devem projetar e reprojetar seus negócios, sua vizinhança, suas associações e seus modos de vida.
O resultado é uma sociedade que se mostra como uma trama
de redes projetuais: um complexo e entrelaçado sistema de processos de design que envolve indivíduos, empreendimentos,
organizações não lucrativas, instituições locais e globais que
imaginam e colocam em prática soluções para uma variedade
de problemas sociais e individuais (Tuomi, 2003; von Hippel,
2004).
Duas modalidades de design. Operando nesse novo contexto,
os designers são chamados a colaborar com uma variedade de
interlocutores, procedendo como especialistas (especialistas de
design) e interagindo com os mais diversos atores que planejam
sem possuir esta mesma especialização (designers amadores).
96 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Como algumas experiências práticas começaram a demonstrar
(Emude e CCSL,1 DOTT07,2 SEP,3 ver referências adicionais no
final desse livro), tal interação pode acontecer através da combinação de duas modalidades principais de atuação: projetando em (designing in) e projetando para (designing for) as comunidades criativas.
Projetando nas comunidades criativas: significa participar
de modo paritário (peer-to-peer) com os outros atores envolvidos na construção de empreendimentos sociais difusos e no co-design de organizações colaborativas. Nesta
modalidade, os designers têm a missão de facilitar a convergência dos diferentes parceiros em torno de idéias compartilhadas e potenciais soluções. Este tipo de atividade requer uma série de novas habilidades de design: promover a
colaboração entre diferentes atores sociais (comunidades
locais e firmas, instituições e centros de pesquisas); participar na construção de visões e cenários compartilhados; e
combinar produtos e serviços já existentes para suportar a
específica comunidade criativa com a qual colaboram.
Projetando para comunidades criativas: significa analisar
tipologias específicas de casos promissores e, após observar suas forças e fraquezas, intervir em seus contextos para
torná-los mais favoráveis, desenvolvendo soluções a fim de
aumentar sua acessibilidade, eficácia e, conseqüentemente, sua replicabilidade. Isto significa conceber e desenvolver soluções habilitantes para organizações colaborativas
específicas e/ou outras iniciativas facilitadoras tais como
plataformas, cenários e eventos catalisadores (como por
exemplo, exposições, festivais e outros eventos culturais).
1. As iniciativas Emude e CCSL são descritas no prefácio da presente obra.
2. DOTT 07 (Designs of the time 2007) foi um projeto desenvolvido na Inglaterra
que procurou esclarecer e explorar, através de projetos comunitários, eventos
e exibições, como seria a vida cotidiana em uma região sustentável, refletindo
particularmente no papel do design neste processo.
3. SEP (Sustainable Everyday Project) é uma plataforma colaborativa on-line
que procura promover um processo de conversação social orientado à construção de um futuro sustentável. Nesse sentido, hospeda diversas atividades
de pesquisa (tais como Emude e CCSL) e workshops didáticos, promovendo
também a coleta e classificação contínua de casos de inovação social.
4. Redes Projetuais | 97
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Design para a inovação social. Os designers sempre criaram
pontes entre a sociedade e a tecnologia. Até agora, mantiveram seu foco principalmente na inovação técnica e, a partir das
novas oportunidades que ela oferece, desenvolveram artefatos
com algum significado social. Esse modo de fazer, isto é, esse
modo de cruzar essas pontes, permanece válido. Mas, agora, a
mesma ponte deve ser cruzada em outra direção: é necessário
olhar para a inovação social, identificar casos promissores, utilizar sensibilidades, capacidades e habilidades de design para
projetar novos artefatos e indicar novas direções para a inovação técnica. Para tanto, os designers devem repensar seu papel
e seu modo de operar (Margolin, 2003; Thackara, 2005, 2007;
Manzini, 2007b).
Em conclusão, uma nova atividade de design está emergindo, convidando os designers a exercerem um novo e fascinante
papel. Aceitá-lo significa reconhecer positivamente que não é
mais possível manter um monopólio sobre o design.
Se bem compreendida, esta mudança no papel dos designers na sociedade não significa uma redução mas, pelo contrário, uma valorização. Exatamente porque o conjunto da sociedade contemporânea pode ser descrito como uma trama de
redes projetuais, os designers têm a responsabilidade crescente
de participar ativamente dessas redes, alimentando-as com seu
conhecimento específico em design: habilidades, capacidades e
sensibilidades de design que, em parte, se originam na sua cultura e experiência tradicionais e, em parte, são totalmente novos. Um conhecimento em design que para ser definido e testado requer uma nova onda de pesquisa em design. Na verdade,
falarmos de design para a inovação social é, mais ou menos,
equivalente a falarmos de pesquisa em design para a inovação
social.
98 | 4. Redes Projetuais
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Bibliografia |
BAUWENS, M. Peer to Peer and Human Evolution. Foundation for P2P
Alternatives, 2007. Disponível em: http://www.p2pfoundation.net.
BRAUNGART, M.; MCDONOUGH, A. “The Next Industrial Revolution”.
Atlantic Monthly, October 1998.
BREZET, H.; VAN HEMEL, C. Ecodesign: a promising approach to sustainable production and consumption. Paris: Unep, 1997.
BRUNS, C.; COTTAM, H.; VANSTONE, C.; WINHALL, J. “Transformation Design”. RED Paper 02. London: Design Council, 2006.
CASTELLS, M. The Rise of the Network Society. Oxford: Blackwell, 1996.
(The Information Age: Economy, Society and Culture, vol. 1.) (Trad. it.
La nascita della società in rete. Milano: EGEA, 2002.)
CHAMBERS, R.; SIMMONS, R.; WACKERNAGEL, M. Sharing natures´s
interest. Ecological Footprints as an indicator of sustainability. London
and Sterling VA: Earthscan Publications Ltd., 2000. (Trad. it. Manuale
delle impronte ecologiche. Principi, applicazioni, esempi. Milano: Edizioni Ambiente, 2002.)
CHARTER, M.; TISCHNER, U. (ed.). Sustainable Solutions – Developing products and services for the future. Sheffield, UK: Greenleaf Publishing, 2001.
CIPOLLA, C. “Tourist or Guest – Designing Tourism Experiences or
Hospitality Relations?”. In: WILLIS, Anne-Marie (ed.). Design Philosophy Papers: Collection Two. Ravensbourne, Australia: Team D/E/S Publications, 2004.
COTTAM, H.; LEADBEATER, C. Open Welfare: designs on the public
good. London: Design Council, 2004.
CREATIVE COMMUNITIES FOR SUSTAINABLE LIFESTYLES (CCSL) –
Task Force on Sustainable Consumption and Production, Swedish Ministry of Environment and Unep. Internal document, 2007.
DE LEONARDIS, O. “Approccio alle capacità fondamentali”. In: BALBO, Laura (ed.). Friendly. Milano: Anabasi, 1994.
Bibliografia | 99
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
EMERGING USER DEMANDS FOR SUSTAINABLE SOLUTIONS (Emude) – 6th Framework Programme (priority 3-NMP), European Community. Internal document, 2006.
FLORIDA, R. The Rise of the Creative Class. And How it is transforming
work, leisure, community and everyday life. New York: Basic Books,
2002.
—. Cities and the Creative Class. Routledge, 2005.
GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press,
1990. (Trad. it. Le conseguenze della modernità. Bologna: Il Mulino,
1994.)
—. Runaway World. How Globalization is Reshaping Our Lives. London:
Profile Books, 2000. (Trad. it. Il mondo che cambia. Come la globalizzazione ridisegna la nostra vita. Bologna: Il Mulino, 2000.)
LANDRY, C. The Creative city. A toolkit for Urban Innovators. London:
Earthscan Publications LTD, 2000.
—. The art of city making. London: Earthscan Publications LTD, 2006.
LEADBEATER, C. The rise of the social entreprenur. London: Demos,
2007.
LÉVY, P. L’Intelligence Collective: pour une anthropologie du cyberspace.
Paris: La Découverte, 1994.
MANZINI, E. “The Scenario of a Multi-local Society: Creative Communities, Active Networks and Enabling Solutions”. In: CHAPMAN,
J.; GANT, N. (ed.). Designers, Visonaries and Other Stories. London:
Earthscan, 2007a.
—. “Design research for sustainable social innovation”. In: MICHEL,
R. (ed.). Design Research Now: Essays and Selected Projects. Birkhäuser
Basel, 2007b.
—.; JEGOU, F. Sustainable everyday. Scenarios of Urban Life. Milano:
Edizioni Ambiente, 2003.
—.; COLLINA, L.; EVANS, E. (ed.). Solution oriented partnership. How
to design industrialized. Cranfield University (UK), 2004.
—.; MERONI, A. “Emerging User Demands for Sustainable Solutions,
Emude”. In: MICHEL, R. (ed.). Design Research Now: Essays and Selected
Projects. Birkhäuser Basel, 2007.
MARGOLIN, V.; MARGOLIN, S. “A ‘Social Model’ of Design: Issues of
Practice and Research”, Design Issues, v. 18, n. 4, 2002.
MERONI, A. Creative communities. People inventing sustainable ways
of living. Milano: Polidesign, 2007.
100 | Bibliografia
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
MONT, O. Functional thinking. The role of functional sales and product
service systems for a functional based society. Lund: IIIEE Lund University, 2002. (Research report for the Swedish EPA.)
MOSCOVICI, S. Psycologie des minorites actives. Paris: PUF, 1979.
NUSSBAUM, M.; SEN, A. The Quality of Life. Oxford: Oxford University
Press, 1993.
PAULI, G. Breakthroughs – What Business Can Offer Society. Halesmere:
Epsilon Press, 1997.
PASCU, C.; OSIMO, D.; TURLEA, G.; BURGELMAN, J.-C. “The potiential disruptive impact of Internt ebased technologies”, First Monday,
v. 12, n. 3, 2007.
PINE, B. J.; Gimore, J. H. The Experience Economy. Work is Theatre and
Every Business a Stage. Boston: Harvard Business School Press, 1999.
RAY, P. H.; ANDERSON, S. R. The Cultural Creatives. How 50 Million
People Are Changing the World. New York: Three Rivers Press, 2000.
RIFKIN, J. The Age of Access. New York: Punam, 2000.
SACHS, W. (ed.). Dizionario dello sviluppo. Torino: Gruppo Abele, 1998.
SCHMIDT-BLEEK, F. “MIPS Re-visited”. Fresenius Environmental Bulletin, v. 2, n. 8, Birkhauser Werlag, Basel, August 1993.
SUSTAINABLE EVERYDAY PROJECT (SEP), 2008. http://www.
sustainable-everyday.net/cases.
STALDER, F.; HIRSH, J. “Open Source Intelligence”, First Monday, v. 7,
n. 6, 2002.
THACKARA, J. In the bubble. Designing in a complex world. London:
The MIT Press, 2005.
—. “Wouldn’t be great if …”. Dott07. London: Design Council, 2007.
TAPSCOTT, D.; WILLIAMS, A. D. Wikinomics. How Mass Collaborations
Changes Everything. New York: Portfolio, 2007.
TUOMI, I. Networks of Innovation. Oxford: Oxford University Press,
2003.
VEZZOLI, C.; MANZINI, E. Design per la sostenibilità ambientale. Bologna: Zanichelli editore, 2007.
VON HIPPEL, E. The Democratization of Innovation. Cambridge: MIT
Press, 2004.
WBCSD. Getting Eco-Efficient. Report of the World Business Council
For Sustainable Development, First Antwerp Eco-Efficiency Workshop,
November 1993.
Bibliografia | 101
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
WBCSD. Achieving Eco-efficiency in Business. Report of the World
Business Council For Sustainable Development, Second Antwerp EcoEfficiency Workshop, March 1995.
WEBER, S. The Success of Open Source, Cambridge: Harvard University
Press, 2004.
WUPPERTAL INSTITUTE. Zukunftsfahiges Deutschland. Berlino-Basilea:
Birkhauser, 1996. (Trad. it. Futuro sostenibile. Bologna: EMI,1997).
YOUNG FOUNDATION. Social Silicon Valleys. A Manifesto for Social
Innovation. 2006. http://www.discoversocialinnovation.org
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Ezio Manzini |
Professor titular de Design no Politécnico de Milão, onde é Diretor
da Unidade de Pesquisa Design e
Inovação para a Sustentabilidade
e coordenador do Doutorado em
Design. Vencedor de dois Compasso d’oro (1987 e 2000) pelas
suas atividades de pesquisa, foi
diretor (1983-1995) da histórica
Domus Academy. Suas atividades
se focalizam em temas como o
design estratégico, design de serviços, design para a sustentabilidade e para a inovação social na vida cotidiana, os quais ajudou
a fundar. Possui livros traduzidos em diversas línguas, sendo
atualmente professor visitante ou consultor em universidades
na China, Japão, Holanda, Austrália e Brasil (UFRJ-Coppe – Programa de Engenharia de Produção). Teve seu trabalho reconhecido por meio de dois títulos de Doutor Honoris Causa: um pela
The New School of New York (2006) e outro pela Goldsmiths College, University of London (2008). Presença constante como
orador nos maiores eventos de Design, foi recentemente coordenador científico da conferência internacional Changing the
Change. Design Visions, Proposals and Tools no âmbito da Torino World Design Capital 2008 (ICSID).
Blog: http://www.sustainable-everyday.net/manzini/
Ezio Manzini | 103
Este exemplar esta registrado para uso exclusivo de ESTÉFANO PIETRAGALLA - 1766931
Download