ÉTICA DA INFORMAÇÃO CONCEITOS | ABORDAGENS | APLICAÇÕES Gustavo Henrique de Araújo Freire (Org.) Ideia João Pessoa 2010 Apoio: NORMALIZAÇÃO Ediane Toscano Galdino de Carvalho (UFPB/DCI) Edilene Toscano Galdino dos Santos (UFPB/DCI) Simpósio Brasileiro de Ética da Informação (1. : 2010 : João Pessoa, PB). Ética da Informação: conceitos, aboragens, aplicações / Organização, Gustavo Henrique de Araujo Freire, 18 a 19 de março de 2010. - João Pessoa: Ideia, 2010. CD-ROM E-book do I Simpósio Brasileiro de Ética da Informação. ISBN 978-85-7539-524-0 1. Ciência da Informação – Ética. 2. Ética da informação. 3. Informação. I. Título. II. Freire, Gustavo Henrique de Araújo. CDU 02:17 Editoração Eletrônica/Capa Magno Nicolau EDITORA LTDA. (83) 3222-5986 ideiaeditora@terra.com.br SUMÁRIO Apresentação Sobre a Ética da Informação, 5 1 Rafael Capurro Desafíos téoricos y prácticos de la ética intercultural de la información, 11 2 Miguel Angel Pérez Alvarez Teaching information ethics, 52 3 Lena Vania Ribeiro Pinheiro Ética e os dilemas e impasses da informação: reflexão sobre a divulgação científica ou popularização da ciência, 58 4 Isa Maria Freire A consciência possível para uma ética da informação na sociedade em rede, 78 5 Armando Malheiro da Silva A pesquisa e suas aplicações em ciência da informação: implicações éticas 106 6 Joana Coeli Ribeiro Garcia Por uma ética da informação, 126 7 Maria Nélida González de Gómez Perspectivas em ética da informação: acerca das premissas, das questões normativas e dos contextos da reflexão, 147 8 Gustavo Henrique de Araujo Freire Ética e políticas de informação: uma ação de informação no programa de cooperação acadêmica - novas fronteiras da CAPES, 164 9 Plácida L. V. Amorim da Costa Santos Catalogação e ética no ambiente colaborativo e de empoderamento das redes Informacionais, 184 10 Guilherme Ataíde Dias Isa Maria Freire Ciberespaço, redes sociais, agentes...: aspectos éticos para reflexão, 208 11 Júlio Afonso Sá de Pinho Neto Ética, responsabilidade social e gestão da informação nas organizações, 217 Apresentação SOBRE A ÉTICA DA INFORMAÇÃO É consensual que as competências comunicativas nunca foram tão fundamentais e diversificadas e, do ponto de visa das novas mídias, tão igualmente básico o domínio das tecnologias digitais. A informação, noção em si mesma difusa, está no centro da mudança mental e comportamental que ora vivemos. Encontramo-nos em uma transformação comunicacional que alcança o cerne da vida comunitária, da vida familiar, da educação, das carreiras profissionais, da liberdade, da democracia. Até recentemente, a realidade computacional, fenômeno básico ou comum aos processos históricos atuais, era objeto apenas de disciplinas como a informática, a cibernética, a semiótica, a mediologia e a ciência da informação; entretanto, “atualmente, quase toda disciplina científica usa o conceito de informação dentro de seu próprio contexto e com relação a fenômenos específicos” 1. O conceito de informação é interdisciplinar e indica o fenômeno fundamental da nossa era tecnológica descrito por Capurro2 como o trânsito do logos falado e escrito ao número, ou arithmos, digital. Isso suscita questões 1 CAPURRO, Rafael, HJǾRLAND, Birger. O Conceito de Informação. Trad. Cardoso, A., Ferreira, M. G., Azevedo, M. A. Perspectivas em Ciência da Informação, v.12, n.1, p.148207, jan./abr., 2007. 2 CAPURRO, R. La Hermeneutica frente al Desafio de la Técnica Digital. Conferencia en el Centro de Estudos em Tecnologia, Artes e Comuni. Porto, 2007. Disponível em: http://www.capurro.de/hermeneutica_porto.html. como as das “da natureza do agente artificial e das realidades digitais, os fenômenos da interação homem-computador, da comunicação mediada por computadores, das comunidades eletrônicas”3, ou da “realidade da Internet, como comunicação horizontalmente estruturada, [que] produz um feito histórico único: a técnica de comunicação interativa do one to one, one to many, many to one and many to many”4. Vivemos em uma época que exige uma flexão ou uma plasticidade interativa da racionalidade a partir da qual possamos enfrentar o universo das novas questões éticas, políticas e legais que se acumulam diariamente nas práticas científicas, empresariais, sociais e governamentais, na vida pública e na vida privada. Como se isso não bastasse, há de considerar também que, vista de perto, mesmo a transferência da inovação é fomentada na inter-relação de diversos agentes sociais, representantes de não apenas valores e interesses particulares, mas, sobretudo, provenientes de culturas discursivas distintas. Assim, não haveria, em uma cultura progressivamente digital, um conceito eficaz de gestão da inovação – ou de gestão tout court – sem uma ética que Rafael Capurro chama ética intercultural da informação5. Nesse contexto, para Capurro o surgimento dos “sistemas de compreensão autônomos, ou robótica, dos sistemas híbridos biológicos, ou biônica, [ou] da 3 FLORIDI, Luciano. What is the Philosophy of Information? In: The Blackwell Guide to the Philosophy of Computing and Information. UK: Blackwell. 2004. Disponível em: http://www.philosophyofinformation.net/blackwell/chapters/introduction.pdf. 4 TAKENOUCHI, Tadashi. “Capurro’s Hermeneutic Approach do Information Ethics; Ethos in the Inforrmation Society and the Development of ‘angeletics’”. International Journal of Information Ethics (IJIE), v.1, jun. 2004. Disponível em: http://www.i-r-i-e.net/inhalt/001/ijie_001_06_takenouchi.pdf. 5 O conceito de “ética intercultural da informação” pertence ao quadro geral da ética da informação, da qual Rafael Capurro é um dos pioneiros através do artigo, de 1988, Informationsethos und Informationsethik e com a fundação, em 1999, do International Center of Information Ethics (ICIE). Artigos e conferências do Prof. Dr. Rafael Capurro estão disponíveis em sua homepage: www.capurro.de/. manipulação digital da matéria em nível nano”6, não significa a emergência de meros tópicos interdisciplinares da objetivação digital ou informacional. Esses sistemas representam desafios que evidenciam a superação de modelos de pesquisa e ensino tradicionais, requerendo uma profunda tomada de consciência. Nesse sentido, impõe-se uma forma nova de capacitar os pesquisadores a fim de atender à construção da autonomia e da cidadania planetárias em uma cultura regida pela diversidade, na qual a “criação, dinâmica, administração e utilização de fontes informacionais e computacionais tornaram-se vitais”7. Podemos, aqui, avaliar preliminarmente as mais conhecidas implicações éticas geradas pelo ato de informar, quer dizer, considerar os meios que nos permitam situar, num primeiro momento reflexivo, a informação no contexto da vida prática dos indivíduos avaliando os problemas morais, deônticos ou axiológicos próprios ao ato de informar. Sabemos que os sistemas e tecnologia da informação são fontes de novos problemas morais. Uma ética da informação diz respeito aos dilemas deônticos ou conflitos morais que surgem na interação entre os seres humanos e as tecnologias e sistemas de comunicação e de informação a fim de refletir e, sobretudo, disciplinar a criação, a organização e o uso das informações. A primeira questão que salta aos olhos é aquela que consiste em saber se uma sociedade da informação exige que se discuta a proposição de uma nova ética, ou se podemos lançar mão das instâncias axiológicas e deontológicas já existentes, apenas adequando-as aos novos desafios. Dito de outra forma: essa morada que os gregos chamavam de ethos precisa de novos alicerces, ou o que já dispomos se afiguram suficientes? 6 CAPURRO, 2007. 7 FLORIDI, 2004. O fato é que não tem sido fácil encontrar respostas morais para os novos e vertiginosos desafios impostos pelos sistemas e tecnologias da informação. A privacidade da informação, a confidencialidade de dados, a segurança das informações, a prática do spamming, o controle da Internet por parte de governos em nome dos seus interesses políticos ou da “segurança nacional”, a exclusão digital, a desumanização do usuário em razão da impessoalidade ou despersonalização das práticas informacionais virtuais, a divulgação de informações que podem antecipadamente criminalizar um indivíduo suspeito de praticar um delito, interdisciplinaridade são e problemas éticos transdisciplinaridade cujas em um soluções solo envolvem comum de estabelecimento extremamente complexo. Pode-se perguntar, em segundo lugar, se um homem melhor informado é necessariamente um homem moralmente melhor. Ou então se uma sociedade melhor informada é, com efeito, uma sociedade mais justa, ainda que seja duvidoso que estejamos em condições de decidir sobre se é possível, e a que preço, optar entre nos lançarmos nesse mundo como um Prometeu pós-moderno conduzindo célere o fogo do progresso, ou, a exemplo de Ulisses, resistirmos ao canto sedutor das sereias, ignorando o barulho tonitruante dos seus apelos. Ora, a tradição do Esclarecimento nos fez acreditar que os homens mais instruídos seriam necessariamente mais virtuosos e mais felizes. A partir disso devemos concluir que a sociedade da informação torna o nosso agir mais virtuoso e a virtude é o melhor caminho para a vida boa? Entretanto, parece-nos inequívoco que devemos formar sujeitos não apenas para assimilar ou consumir informação, mas também para produzi-la e saber bem usá-la. Por isso, uma ética da informação deve significar uma ética para a informação. Ou seja, trata-se de formar (moralmente) o agente ou o sujeito da informação. A sociedade da informação, com seus avanços e conquistas, ainda não nos oferece respostas às perguntas: como transformar a informação em conhecimento válido, seguro, verdadeiro? Que tipo de conhecimento é passível de ser transmitido, e, o mais importante, compreendido? E, em sendo compreendido, como torná-lo útil? Em que medida é possível, no contexto societário em que vivemos, regular ou disciplinar a informação? E ao fazê-lo, estaríamos limitando-a, cerceando-a? Parece evidente que uma informação adequadamente assimilada produz conhecimento e isso, claro, pode gerar desenvolvimento individual e bem-estar social. O desafio consiste em espalhar e distribuir socialmente os engenhos, avanços e conquistas das chamadas tecnologias da informação, ou seja, realizar a chamada socialização da informação. Pode a globalização informacional ser capaz de gerar um cosmopolitismo aberto e tolerante? Um mundo em que nos transformamos em consumidores antes de sermos cidadão pode transformar consumidores fascinados em cidadãos esclarecidos, vigilantes e críticos? Nas últimas décadas vimos surgir a proliferação de éticas profissionais, o surgimento da Bioética, da Ética Empresarial ou das Organizações, da Ética das Relações Internacionais, da Ética Jornalística, etc. Este estado de coisas reflete certamente o volume de dilemas morais produzidos pela civilização técnica nas culturas que ora assumem o conhecimento como meio de coordenação social, de produção de bens e desenvolvimento sustentado. As soluções e os caminhos a serem perseguidos podem apenas ser solidamente estabelecidos mediante o diálogo intercultural que requer, por sua vez, o direito à comunicação e do direito à identidade cultural ou autonomia. As práticas possíveis por tais direitos se dão “no horizonte de diferentes culturas e de tradições morais que devem ser criticamente observadas pela ética intercultural da informação”8. Atualmente nos encontramos em um processo acelerado de hibridização cultural decorrente da globalização digital, cuja formulação é ensaiada no neologismo ‘glocal’ (uma mistura de global com local). Deste modo, a proposta de uma ética intercultural da 8 CAPURRO, Intercultural Information Ethics, 2008, passim. informação por um lado ancora-se em um caráter elementar da razão, a sua pluralidade: “constituímos um mundo comum sobre as bases de intercâmbio de práticas”9 . Por outro, sua fundamentação “não pode ser oferecida por meras regras metodológicas ou meta-culturais, i.e., por princípios lógico-formais ou as chamadas constantes antropológicas”10. E o momento para discussão desses temas e problemas não pode esperar melhor oportunidade do que esta que se criou para viabilizar o debate e a socialização do pensamento científico sobre ética da informação, no campo da Ciência da Informação no Brasil. 9 CAPURRO, Intercultural Information Ethics, 2008, passim. 10 CAPURRO, Intercultural Information Ethics, 2008, passim. DESAFÍOS TÉORICOS Y PRÁCTICOS DE LA ÉTICA INTERCULTURAL DE LA INFORMACIÓN1 Rafael Capurro* 1 INTRODUCCIÓN Las tecnologías de la información y la comunicación (TIC) son actualmente un fundamento de la vida diaria, los métodos científicos, los procesos industriales, las estructuras políticas y económicas y la cultura. Si bien esta transformación de las sociedades industriales del siglo XIX y XX en sociedades informatizadas se va dando a pasos acelerados esto no sucede igual en todos los sitios ni con los mismos objetivos y prioridades. Como todo gran invento tecnológico-cultural – pensemos en la escritura o la imprenta – la revolución digital tiene también una profunda influencia en las normas, principios y valores que subyacen a la vida social las cuales constituyen la moral o ethos cultural de toda sociedad humana. Cuando tienen lugar cambios tecnológico-culturales que atañen en particular a las estructuras, sistemas, instituciones y normas de información y comunicación de una sociedad se producen diversos tipos de crisis y cuestionamientos en el ethos que sustenta las relaciones sociales, cuyo motor es justamente la comunicación. Dicho ethos comunicacional se encuentra en parte codificado en forma de leyes nacionales así como de acuerdos y declaraciones internacionales con distinto tipo de obligatoriedad, ratificación legal y fundamentación teórica. Una crisis de las morales locales y globales como la que estamos viviendo desde hace unos años a raíz del desarrollo de las TIC lleva a corto o largo plazo a un cuestionamiento de dichas leyes así como de las estructuras políticas y sus fundamentos de legitimación. Dicho cuestionamiento abre expectativas en vistas a cambios en las relaciones de poder, en especial con respecto a las exigencias y esperanzas de sociedades o grupos sociales oprimidos o marginados, y a nuevas formas de creatividad y de concebir y practicar mejores condiciones de vida común teniendo en cuenta singularidades históricas y culturales así como también interacciones menos violentas y destructoras del medio ambiente que las generadas por la sociedad industrial. Después de los horrores de las dos guerras mundiales – sin olvidar las guerras y los conflictos subsiguientes y los actuales – así como de los avances tecnológicos con impacto global como la energía atómica, la biotecnología, la nanotecnología y las TIC, la humanidad representada por las Naciones Unidas y otros organismos internacionales como el Consejo de Europa se ha puesto a la búsqueda de principios y valores morales comunes como fue el caso, tempranamente, de la Declaración Universal de los Derechos Humanos y otras declaraciones subsiguientes especialmente en el campo de la biotecnología (OVIEDO 1997, UNESCO 1997) y hace pocos años también en el ámbito de las TIC con la Declaración de Principios de la Cumbre Mundial de la Sociedad de la Información (WSIS 2003/2005). Con el título de ética intercultural de la información (EII) me refiero a la relación entre normas morales universalizables o universalizadas y tradiciones morales locales. Un ejemplo de moral universalizada es la Declaración Universal de los Derechos Humanos que surge como respuesta a la catástrofe de la Segunda Guerra Mundial, pero que tiene raíces en el pensamiento del iluminismo, la Revolución Francesa, las constituciones republicanas etc. La reflexión ética se mueve entre los polos de la universalización y la concreción en una situación singular. Discutir sobre, por ejemplo, el tema de la privacidad no es igual en una cultura que en otra y con un trasfondo histórico y cultural determinado, como lo expondré mas adelante. Esto me parece evidente tanto a nivel individual como social. La EII surge en el momento en que el cuestionamiento teórico de la(s) moral(es) se vuelve cada vez más urgente dado el profundo impacto práctico de las TIC en la sociedad. Los conflictos que antes se daban a nivel local, se transforman ahora rápidamente en conflictos globales y viceversa. La ética es un síntoma de que normas y jerarquías de valores que se daban por descontado entran en crisis. Ortega y Gasset decía que “las ideas se tienen” mientras que “en las creencias se está” (ORTEGA, 1986, 17). Las morales son las creencias en las que “estamos”. La ética es lo que “tenemos” cuando nos encontramos “sin creencia firme” (ORTEGA, 1986, 41) a raíz, por ejemplo, de cambios tecnológico-culturales de gran envergadura como lo fue, por ejemplo, la invención de la imprenta en el siglo XV y actualmente la técnica digital. En estas reflexiones quiero exponer los desafíos teóricos y prácticos de la ética intercultural de la información. Los desafíos téoricos se refieren a las discusiones en torno a una fundamentación del discurso ético que oscilan entre posturas universalistas y relativistas. Los desafíos prácticos tienen que ver con la búsqueda de un código global para la sociedad de la información promovida por la Cumbre Mundial de la Sociedad de la Información (WSIS) y por la UNESCO. El eje de mis reflexiones es la diferencia entre moral y ética es decir entre las tradiciones morales vigentes – la moral vivida pero también su codificación en forma de leyes y normas como expresión de un ideal – y una reflexión abierta y problematizante de dichas tradiciones y codificaciones con sus respectivos valores y principios, teniendo en cuenta los contextos culturales y las estructuras de poder que los sustentan. La via regia metodológica que propongo es la de una reflexión crítica comparada intercultural que presupone que existen diferencias tanto en las tradiciones morales como en las fundamentaciones y problematizaciones éticas. Esta reflexión comparada ha de llevarse a cabo en forma paciente sin perder de vista el sentido crítico de dichos análisis en cuanto se trata no sólo de describir diversidades culturales sino también de problematizar las normas subyacents a los intereses y poderes locales o globales así como también de buscar valores y principios comunes. Una reflexión ética tiene que pensar lo universal sin dejar de lado la singularidad de formas de vida y las facticidades históricas y geográficas. En tanto reflexión crítica tiene que problematizar, por ejemplo, aspectos de justicia, participación política y social así como de protección del medio ambiente. El problema de la ‘basura digital’ tiene una dimensión ética de primer orden (FEILHAUER; ZEHLE 2009). Los intereses de la ética se entrecruzan con los de la sociología, la ciencia política, las ciencias del medio ambiente etc. diferenciándose de ellas por su capacidad de abrir una brecha crítica en el ámbito moral normativo implícito o explícito vigente. La tarea más noble de la ética consiste no sólo en fundamentar normas de vida dadas – en este caso las que se refieren en especial al ámbito de la comunicación humana pero sin restringrise a ellas, como lo veremos más adelante – sino sobre todo en problematizarlas, abriendo nuevas perspectivas de vida y pensamiento. Analicemos en primer lugar esta problemática a nivel teórico y luego a nivel práctico. 2 DESAFÍOS TEÓRICOS DE LA ÉTICA INTERCULTURAL DE LA INFORMACIÓN El cuestionamiento del ethos comunicacional e informacional – o sea de las normas, principios y valores que fundamentan la comunicación y la información en una determinada sociedad – gira actualmente en torno a temas tan variados como la privacidad, la propiedad intelectual, el acceso libre al conocimiento, el derecho a la expresión en las redes digitales, la censura, nuevas definiciones de género, la identidad digital, las comunidades digitales, el plagiarismo digital, la sobrecarga informacional, la brecha digital y el control social digital (Himma y Tavani 2008; Van den Hoven y Weckert 2008). Algunos de estos temas constituyen el meollo de la ética de la información como se viene desarrollando desde principios de 1980 (Froehlich 2004) pero es recién con el advenimiento de internet a mediados de la década del 90 cuando la ética de la información se transforma en un tema político de gran envergadura así como en una disciplina académica. Si bien la diversidad de las posiciones éticas y los correspondientes supuestos culturales ha dado siempre que pensar, el estudio de esta problemática intercultural en relación a la ética de la información es muy reciente. Fue en un simposio organizado por el International Center for Information Ethics (ICIE) y promocionado por la Fundación Volkswagen que tuvo lugar en Karlsruhe (Alemania) en el 2004 donde se tematizó por primera vez la problemática de una ética intercultural de la información bajo el título “Localizing the Internet. Ethical Issues in Intercultural Perspective”. Unos años más tarde, en 2007, se publicaron las primeras monografías sobre EII, una editada por Soraj Hongladarom (Tailandia) y Charles Ess (USA) con el título “Information Technology Ethics: Cultural Perspectives” (HONGLADAROM; ESS 2007) y otra con una selección de los artículos presentados en el simposio del ICIE (CAPURRO et al. 2007). Pasemos revista a algunas posiciones teóricas de este debate que recién ha comenzado (Carbo y Smith 2008; Capurro 2008) 2.1 Charles Ess Uno de los autores más destacados en la EII es sin duda el teólogo norteamericano Charles Ess quien aborda la tensión entre la universalidad de los principios morales y la pluralidad de las culturas con un enfoque en las tradiciones de pensamiento del Extremo Oriente, en particular el confucianismo, relacionándolas con corrientes y problemas de la ética de la información contemporáneas en Occidente (Ess 2008, 2006). Su punto de partida es el pluralismo ético que refleja un pluralismo moral, es decir, que las fundamentaciones a nivel reflexivo surgen a partir de tradiciones morales tanto en el Extremo Oriente como en el “Extremo Occidente”, usando el término del sinólogo francés François Jullien (Jullien 2001), uno de los intérpretes más profundos en la comparación del pensamiento chino clásico con la filosofía occidental. De acuerdo a Ess, ambas tradiciones, la china, en especial el confucianismo, y la occidental, se basan en nociones como las de ‘resonancia’ y ‘armonía’ que permiten articular incluso otras posiciones éticas aparentemente irreductibles. Ess sostiene que es posible pensar un pluralismo ético que no sea ni un relativismo ni un dogmatismo. Ambas posiciones tienen como consecuencia el que se impongan normas por la fuerza ya sea porque no hay normas y principios comunes o porque una perspectiva considerada como universal es impuesta a las otras. De acuerdo a Ess hay diversas formas de pensar el concepto de pluralismo. Una de ellas consiste en concebirlo como un estilo de vida que debe aceptarse sin más. Pero esto lleva en la práctica a conflictos permanentes y tensiones insolubles. Otra forma de pensar el pluralismo es buscar principios éticos comunes. Pero este tipo de pluralismo tiene a su vez la desventaja que dichos principios pueden ser interpretados desde ángulos culturales muy diversos, con lo que pierden su pretendida condición de ser comunes. Ess prefiere una tercera forma de pluralismo que conserva las diferencias unificándolas desde la perspectiva de su posible complementaridad o coherencia, o, en términos preferidos por las culturas orientales, en vistas a su resonancia y armonía. Estas no se basan en una aparente identidad de valores y principios sino en una variedad de interpretaciones que a pesar de sus diferencias pueden ser conectadas unas con otras. Ess utiliza el término aristotélico pros hen es decir “hacia la unidad” para mostrar un camino intermedio, analógico diría Aristóteles, entre una identidad que homogeneice y una equivocidad que impida toda comprensión y comparación. Ess ve a este “pluralismo interpretativo” enraizado tanto en la tradición occidental socrática como en la tradición confuciana de la armonía y resonancia. Al mismo tiempo es muy consciente de que este tipo de comparaciones ignora muchas veces la complejidad y las dificultades que surgen cuando se consideran complementarias, por ejemplo, la ética de las virtudes de Aristóteles y la noción ética confuciana de ren que abarca la persona en su totalidad física, mental y social (ESS, 2008, 209). El mismo problema surge, a mi modo de ver, cuando Ess relaciona la phronesis aristotélica y el concepto platónico de cybernetes con la armonía confuciana (ESS, 2008, 219). Esta última no está basada en principios abstractos sino en ritos y relaciones sociales (FROESE, 2006, 2). Ess considera que la tarea de la “global information ethics” es la de preservar distintas culturas y tradiciones articulándolas entre sí (ESS, 2006), teniendo en cuenta que nuestras identidades offline, es decir nuestros valores, comunidades, historias y experiencias, tienen una profunda influencia en la manera cómo nos relacionamos online (ESS, 2008, 218). El pensamiento de Ess ha sido criticado en cuanto a que la tendencia hacia la unidad (pros hen) parece contradecir al concepto mismo de pluralidad en cualquiera de sus interpretaciones (HIRUTA, 2006). Ess parece además oponerse rotundamente a ciertas posibilidades éticamente intolerables como, por ejemplo, la pornografía infantil en internet, trabajando en base a un diálogo socrático con vistas a posibles posiciones teóricas y prácticas comunes, un diálogo que no es fácil ni a nivel académico ni, mucho menos, a nivel político. Para Ess dicho diálogo se basa en el espíritu de la parrhesía griega, es decir en un tipo de comunicación y problematización directa y abierta que es muy propia de la tradición filosófica y política occidental (CAPURRO, 2010). 2.2 Luciano Floridi El filósofo italiano Luciano Floridi distingue entre una “ética de la comunicación global” (“ethics of global communication”), y una “ética de la información global” (“global-information ethics”) (FLORIDI, 2009). La primera se refiere al diálogo y prácticas consensuales en la interacción entre diversas culturas y generaciones. Pero tratándose de una postura meramente pragmática deja de lado, según Floridi, preguntas más básicas como por ejemplo: ¿cuáles son en este caso los principios éticos que se toman como base de dicho diálogo y en qué se fundamenta dicha elección? ¿existe una ‘macro ética’ en el sentido de un cierto tipo de consecuencialismo o deontologismo o contractualismo? (Floridi 2009, 222). Estas preguntas son las que Floridi intenta responder con lo que él llama “ética de la información global”. Un término clave de la teoría de Floridi es el de “ontología compartida” (“shared ontology”). Haciendo referencia al dicho de Wittgenstein de que “si un león pudiera hablar, no lo entenderíamos” (WITTGENSTEIN, 1984, 568, mi traducción), Floridi considera el concepto de ‘ontología’ como un problema de comprensión (o no comprensión) entre lenguajes y visiones del mundo locales que se vuelven incapaces de resolver “el problema del león”. Este problema sólo se puede resolver, afirma Floridi, presuponiendo una ontología básica “de vida y muerte, comida y abrigo, angustia y protección” (FLORIDI, 2009, 224, mi traducción) es decir de todo aquello que soporta la vida y que trata de evitar el sufrimiento así como toda forma de destrucción de los entes puesto que todo ente, por el hecho mismo de ser, tiene derecho a una forma específica de respeto. Ens et bonum convertuntur afirmaba el adagio escolástico. Floridi llama a esta ontología mínima “ontocéntrica” siendo aparentemente más radical que, por ejemplo, la “biocéntrica” y la “antropocéntrica”. La ontología ontocéntrica coloca en su centro no al agente sino al paciente de la acción incluyendo los entes no vivientes extensión que constituye una tesis muy loable y de gran relevancia ecológica actual. Floridi se opone tanto a una teoría metafísica que afirme algo respecto al ser de los entes – lo que sería una forma de “imperialismo ontológico” – como a un mero relativismo que es incapaz de promover una interacción eficaz a nivel global en vistas a problemas que afectan a todas las culturas. Esta “ética de la información global” no quiere imponer una jerarquía de valores comunes, sino permitir que estos se expresen en situaciones concretas con toda su situacionalidad (“embededdness”) y materialidad (“embodiement”). En otras palabras, Floridi opta por una ontología ligera y horizontal (“lite, horizontal ontology”) como condición de posibilidad de interacción pragmática entre culturas las cuales vistas en su densidad vertical o gruesa (“thick cultures”) son a menudo irreconciliables. La diferencia entre culturas ligeras y gruesas puede relacionarse a la distinción del filósofo estadounidense Michael Walzer entre argumentos éticos finos (“thin”) y gruesos (“thick”) según se los analice o no en su profundidad cultural (WALZER, 1994). A mi modo de ver, esta posición de Floridi es muy atractiva y útil a nivel pragmático pero tiene el peligro de ignorar la necesidad de un análisis intercultural grueso o vertical. No queda claro tampoco quiénes van a proponer y a aceptar políticamente esta “minimal ontology” con el correspondiente vocabulario. Floridi dice expresamente que la ética de la información, como él la concibe, “no es la declaración de los derechos humanos” (FLORIDI, 2009, 229), lo que debe interpretarse no como un rechazo de los mismos sino como una base que resulta demasiado estrecha para poder resolver globalmente “el problema del león”. Si todos los entes tienen una cierta dignidad esta no es sólo un principio pragmático sino también ontológico en el sentido que está afirmando algo sobre el ser de los entes. La ontología de Floridi ‘resuena’, diría Ess, con otras ontologías occidentales como por ejemplo, con las ideas platónicas, cuando se concibe al concepto de información como el medio común a todos los entes, es decir como in-FORMA-ción (CAPURRO, 1978). Floridi entiende al ser desde los entes. Él escribe: “Hay algo más elemental que la vida, es decir el ser – que es la existencia y florecer de todos los entes en su ambiente global – y algo más fundamental que el sufrimiento, es decir la entropía.” (Floridi 2008, 47, mi traducción). ¿En qué sentido es la entropía “algo más fundamental” que el sufrimiento? ¿No es éticamente ineludible hacer una diferencia entre sufrimiento y entropía si se quiere evitar una metáfora poco plausible? La “ética de la información global” quiere solucionar un problema grueso eludiéndolo y presuponiendo una solución ligera que es, en realidad, gruesa. El argumento es circular. 2.3 Philip Brey y Ken Himma Según el ético holandés Philip Brey, un diálogo ético intercultural tiene que tomar en serio las diferencias interculturales (BREY, 2007). Brey usa el concepto de ética de la información en el sentido ordinario de cuestiones éticas relacionadas a las TIC pero incluyendo también la ética de la computación (“computer ethics”) así como los medios de comunicación de masas (“media ethics”) y el periodismo. Brey distingue entre un relativismo moral descriptivo y uno normativo llamado también metaético. Este último aplicado a la ética de la información encara la pregunta de si existen conceptos y principios con validez universal o bien si la ética de la información es culturalmente relativa. Brey defiende la necesidad de un relativismo descriptivo en la ética de la información dado que si estas diferencias no existen la discusión en torno el relativismo metaético no tiene sentido. Philip Brey analiza este relativismo en temas como la privacidad, los derechos de propiedad intelectual, la libertad de información y la diferencia entre una moral centrada en los derechos humanos como es el caso de las sociedades occidentales modernas, de una centrada en las virtudes propia de las culturas del “Extremo Oriente” influenciadas por el budismo así como también por otros sistemas morales provenientes del confucianismo, el taoismo y el maoismo que sobreponen a los derechos del individuo el bienestar y la armonía de la sociedad. En conclusión, el relativismo descriptivo moral no es un invento. Los valores en los sistemas morales de Occidente no son los mismos que en Oriente (WONG, 2009). Brey limita la tarea central de la EII al estudio comparado de sistemas morales dejando de lado otros efectos que las TIC puedan tener en la sociedad, como por ejemplo que puedan ser utilizadas como instrumentos de opresión o liberación, lo que es objeto de estudio de las ciencias sociales. A mi modo de ver, esta separación entre ética y ciencias sociales le quita a la ética su articulación crítica y a las ciencias sociales su articulación normativa. Si, como dice Brey, la EII tiene que comprometerse en estudios críticos (“critical studies”) comparados de sistemas morales relacionados con las TIC, estos a su vez no pueden separarse de análisis sociológicos y viceversa. Brey delimita también los estudios comparados (“interrelational studies”) en vistas a las normas que permiten una interacción de modelos normativos entre diversas culturas manteniendo sus diferencias. Una posición opuesta a la de Philip Brey es la del filósofo estadounidense Ken Himma quien defiende una moral objetivista (HIMMA, 2008). Para Himma la EII comparativa forma parte de las ciencias sociales, a diferencia de lo que afirma Brey. Además, según Himma, la comparación de éticas a nivel normativo tiene como único objetivo el llegar a un acuerdo (“agreement”) y no, como lo propone Brey, el proponer formas de interacción. Himma elabora buenos argumentos para defender el objetivismo pero no desarrolla a partir de ellos un sistema de normas objetivas de ética de la información. 2.4 Rafael Capurro La oposición entre relativismo y objetivismo o universalismo en la ética, como la he venido analizando anteriormente, tiene su origen en la idea que el conocimiento y la emoción son dos fuentes supuestamente independientes de la verdad de los juicios morales. Esta oposición es problemática a nivel de la ciencia empírica como lo demuestra por ejemplo la obra del neurobiólogo Antonio Damasio (1995). La fenomenología ha analizado cómo el ser-en-elmundo (Heidegger 1976) se nos hace explícito en diversos sentidos dependiendo de afectos fundamentales. Pensemos en la tranquilidad, el odio, la alegría o la tristeza, como los analiza, por ejemplo, el fenomenólogo Karl Baier (BAIER, 2006) y el psiquiatra suizo Medard Boss, fundador de la escuela del análisis existencial (“Daseinsanalyse”) inspirada en un largo contacto académico y personal con Heidegger (BOSS, 1975, 288-299). Es bien conocido el análisis heideggeriano de la angustia (“Angst”) como un afecto (“Stimmung”) que nos abre el mundo y al mundo desde la facticidad de la existencia, es decir desde el mero hecho de ser-en-el-mundo sin poder dar una razón suficiente ni de este hecho ni de la existencia del mundo mismo, a diferencia del temor (“Furcht”) que tiene un objeto de referencia concreto. Otro ejemplo de este análisis de la relación entre afectos y conocimiento es aquella “experiencia clave” (“mein Erlebnis par excellence”) descrita por Wittgenstein en su “Conferencia sobre ética” con las siguientes palabras: Esta experiencia, en el caso que la tenga, puede ser descrita, creo, con palabras como: ‘estoy maravillado por la existencia del mundo’. Pero luego tiendo a usar expresiones como: ‘qué extraño que el mundo exista. (WITTGENSTEIN, 1989, 14, mi traducción). Wittgenstein cree que sólo la existencia del lenguaje mismo es la expresión apropiada de esta experiencia. El 30 de diciembre de 1929 anota Wittgenstein: Creo que puedo imaginarme lo que Heidegger quiere decir con ser y angustia. Los seres humanos tienen la tendencia a correr contra los límites del lenguaje. Piensa, por ejemplo, en el asombro de que exista algo (...) La ética es este correr contra los límites del lenguaje. (WITTGENTEIN, 1984a, 68, mi traducción). Wittgenstein estaría muy asombrado al leer la solución Floridiana del “problema del león” reductible a una ontología con distintos “niveles de abstracción”. Lo que mueve al agente y paciente humano es la “condición de arrojado” (“Geworfenheit”) del existir. Y esta se abre a través de afectos que fundamentan la llamada (“Ruf”) a tomar cuidado del ser-en-el-mundo en su inabarcable, inagotable e inexpresable totalidad y contingencia. (Heidegger 1975, 274ss). Llamo angelética – del griego angelía, es decir mensaje – una teoría filosófica que tematiza esta llamada, es decir que concibe al ser como mensaje y que sirve de base a una ciencia empírica. (CAPURRO, 2003). Somos, en verdad, originariamente pacientes, es decir receptores de la llamada del ser-en-el-mundo. Es esta experiencia universal de facticidad la que caracteriza la existencia humana dando lugar a respuestas desde ‘afectos fundamentales’ (“Grundstimmungen”) diferentes. Baier muestra cómo en el budismo se expresa una experiencia de la transitoriedad del mundo en forma de afectos de tristeza y alegría movidos profundamente por el sufrimiento. Estos afectos nos abren el mundo y al mundo de forma distinta al admirar griego (thaumazein) al que aludía Wittgenstein. Baier indica que hay que tener cuidado en no caer en estereotipos cuando se comparan, por ejemplo, culturas en Oriente y Occidente. No existen diferencias absolutas ente las culturas ni tampoco existen afectos fundamentales exclusivos de una u otra cultura. Esto muestra que el “problema del león”, visto desde esta perspectiva, es un falso problema. Pero sería también muy fácil sostener la premisa contraria, es decir que en el fondo no existen diferencias culturales, postulando que estas son solamente ónticas, para utilizar la terminología heideggeriana. Esta es una posición que Philip Brey llama “absolutismo moral descriptivista” (BREY, 2007, 2) y que va, como afirma Brey, contra la experiencia. Baier sugiere hacer un análisis profundo de textos y objetos literarios, religiosos, artísticos y de la cultura diaria a fin de ver lo más claramente posible la complejidad de los fenómenos, sus interacciones, contradicciones, exclusiones etc. así como sus expresiones en diversas formas de comprensión del ser-en-el-mundo no menos que en las instituciones y materialidades en las que se fijan y fundamentan estructuras de poder individuales y colectivas, locales y globales, sociales y ecológicas. Desde esta perspectiva podemos pensar la búsqueda de un fundamento común pero no homogenizante para responder a la llamada ontológica del siglo que recién ha comenzado, como originándose no sólo desde una finalidad (pros hen), sino también desde un ‘desde donde’ (hothen) común, el ser-en-el-mundo, como un origen que se refleja en forma diversa de acuerdo a afectos fundamentales en distintos contextos culturales e históricos. Este origen puede interpretarse también como una llamada del otro a la que alude, por ejemplo, Emmanuel Lévinas mostrando cómo la experiencia de gratuidad y contingencia se da en forma ejemplar en el rostro del otro (LEVINAS, 1968). Universalidad y singularidad se condicionan mutuamente, puesto que el otro es siempre un otro concreto, histórico, situado con todo su bagaje cultural y sus diversos afectos fundamentales. Si mi análisis del fenómeno actual de la globalización digital es correcto, esta no se reduce al ámbito de la comunicación social sino que abarca también todos los fenómenos en su posibilidad de ser digitalizados a lo que llamo ontología digital. No es esta ni una posición metafísica que afirme que el ser de los entes esta constitutído por bits, ni tampoco es una tesis epistemológica dogmática que afirme que dicha perspectiva es la única posible y verdadera. La respuesta a la pregunta por el ser, es decir al mensaje del ser y al ser como mensaje, es siempre histórica y contingente. En nuestra época una respuesta es la dada por la ontología digital siempre y cuando se la entienda en su carácter de perspectiva posible de interpretar el ser de los entes y no como un reduccionismo metafísico que afirmara que los entes son bits o que sólo tiene sentido interpretarlos como bits, lo que sería un reduccionismo epistemológico (CAPURRO, 2006). Si este diagnóstico de nuestra época es correcto, el desafío ético de las tecnologías globales, como es el caso de las TIC, es justamente de carácter intercultural. ¿Cómo responden otras aperturas originarias del y al mundo basadas desde otros “afectos fundamentales” al desafío cultural de las TIC? Este desafío va, en efecto, más allá del campo de la comunicación y por tanto más allá de la “ética de la comunicación global”. Yo hablo de una ética digital así como también de una ética de la información digital en sentido amplio en la que los entes son vistos como digitalizables, diferenciándola de la ética de la información en sentido restringido al ámbito de la comunicación digital (CAPURRO, 2009). Ambas pueden ser objeto de un análisis crítico intercultural. La ética de la información digital en sentido amplio es a su vez más restringida que la ética informacional de Floridi. A diferencia de esta última, ella se plantea actualmente las consecuencias prácticas del horizonte global de la digitabilidad de todos los fenómenos en el marco del actuar humano. No pretende ser ni una metafísica digital – lo que Floridi llama “ontología digital” – ni una ontología o, mejor, una metafísica universal a un máximo nivel de abstracción. La EII en sentido restringido, es decir relacionado a la comunicación humana puede a su vez restringirse, como lo propone Philip Brey, al análisis normativo de sistemas éticos de interpretación de morales dadas en vistas a su validez y legitimidad. En este caso es necesario tomar como punto de partida al ser-en-el-mundo compartido, pero percibido desde distintos “afectos fundamentales”, buscando formas de pasaje, en el sentido de traducción, transmisión y traslación, de una a otra perspectiva. Esto sólo es posible si no se parte de la premisa de culturas cerradas sino de experiencias basadas en una realidad común, que se expresa de diferentes maneras. Vista así, la red digital comunicacional es una respuesta global a la llamada de concebirnos como humanidad. En las respuestas a esta llamada se entrecruzan evidentemente singularidades históricas, geográficas, sociales y culturales. Pero es importante recordar que hay otras llamadas universales como son la crisis ecológica, la lucha contra la miseria, las enfermedades como el SIDA, la malaria, el hambre y la desocupación. Me estoy refieriendo con esto a los Objetivos de Desarrollo del Milenio de las Naciones Unidas. 3 DESAFÍOS PRÁCTICOS DE LA ÉTICA INTERCULTURAL DE LA INFORMACIÓN Analicemos ahora los desafíos prácticos de la ética intercultural de la información a dos niveles. En primer lugar en torno a un tema concreto. Tomo a modo de ejemplo la privacidad que es uno de los problemas éticos y legales más acuciantes de las sociedades informatizadas. En segundo lugar voy a analizar las actividades de los últimos años en torno de lo que se acostumbra a llamar ‘ética global de la información’ un término que se usa para designar varios objetivos entre otros el proyecto de la UNESCO referido a una declaración universal de valores y principios para la sociedad de la información siguiendo la ruta abierta en la Cumbre de la Sociedad de la Información. 3.1 La privacidad como tema intercultural Charles Ess analiza interculturalmente la privacidad que es considerada en general en Occidente como un valor instrínseco mientras que en las tradiciones budistas y confucianas el sujeto es visto como algo negativo tanto en sí mismo como en relación a la primacía de la comunidad sobre el individuo. Sin embargo esta diferencia no quita que también en las culturas del “Extremo Oriente”, como por ejemplo en Tailandia, la privacidad sea considerada como algo que se ha de respetar legalmente a pesar de estar enmarcada en un contexto cultural diferente como es el de la tradición budista. Vista así, la privacidad es un valor moral importado de Occidente que no podría ser considerado seriamente dentro del contexto cultural budista aunque se lo respete legalmente en particular en el ámbito de la sociedad de la información, es decir, de la comunicación digital (KITIYADISAI, 2005). Sin embargo, el filósofo tailandés Soraj Hongladarom ha mostrado que más allá de esta equivalencia legal entre Oriente y Occidente, se puede pensar una fundamentación teórica de la privacidad basada en el budismo pero no, como es el caso de Occidente, considerando la identidad de un ‘yo’ y su autonomía como un valor intrínseco, sino desde el punto de vista de la ética budista de la compasión que ve a todos los seres, y por tanto también al ‘yo’, en su aparecer ‘fenomenal’ como objeto de cuidado y compasión (HONGLADAROM, 2007; CAPURRO, 2008, 654-666). Más que de resonancia creo que se debería hablar aquí de disonancia ética intercultural puesto que la armonía se da sólo a nivel legal. Algo semejante se produce con la hibridación de los conceptos de privacidad y de autonomía en el Japón donde, como lo muestran Makoto Nakada y Takanori Tamura (NAKADA; TAMURA, 2005), la dicotomía occidental entre lo privado y lo público no resuena armónicamente con la diferencia entre el concepto japonés de Ohyake (público) y Watakushi (privado). Ohyake significa ‘casa grande’ y se refiere a la corte imperial y al gobierno, mientras que Watakushi significa ‘no Ohyake’ en el sentido de algo moralmente malo, secreto y egoísta. La noción de privacidad es, como en el caso de Tailandia, una noción occidental importada que pertenece a un substrato de moral occidental de la sociedad japonesa designado con el término de Shakai, el cual es diferente de la moral tradicional japonesa denominada Seken (CAPURRO, 2005). El ético chino Lü Yao-Huai ha mostrado que el concepto de privacidad ha cambiado paulatina- pero radicalmente en China a partir de las reformas económicas y políticas que comenzaron en 1980. Mientras que anteriormente la privacidad era vista como algo moralmente negativo en el sentido de alguien que busca sus intereses individuales egoístas, esto cambia de la forma siguiente: 1) la libertad individual no es ya mas en la vida diaria un tema tabú o, en otras palabras, no es mal visto si alguien dice: ‘esto es privado’; 2) hay una tendencia a no interferir con la privacidad de otras personas; 3) el concepto chino de privacidad (Yinshi = secreto vergonzoso) ha sido expandido, incluyendo ahora todo tipo de información personal, sea ‘vergonzosa’ o no (LÜ, 2005, CAPURRO, 2008, 654). Si consideramos tanto la política oficial del gobierno chino con respecto a disidentes en internet así como las recientes tensiones justamente relacionadas con la privacidad en relación a usuarios chinos de Google, podemos ver que el confucianismo oficial es visto menos como algo semejante a la moral occidental que como un esfuerzo de oponer una identidad china frente a los valores occidentales. Estos desequilibrios y disonancias a nivel político muestran, una vez más, la importancia de un paciente análisis ético intercultural que no esté influenciado por posiciones preestablecidas ni tampoco por una visión que no tome en serio las profundas diferencias en los contextos culturales e históricos entre el “Extremo Oriente” y el “Extremo Occidente”. Todo esto no quita la necesidad y urgencia de soluciones pragmáticas que pueden ser aclaradas en sus fundamentos a través de un análisis intercultural “grueso”. En otras palabras, se puede llegar a un acuerdo “fino” pero las razones subyacentes pueden ser muy diferentes e incluso contradictorias. Siempre es bueno tenerlas claras para evitar falsas conclusiones e interpretaciones. Finalmente quisiera referirme a la problemática de la privacidad en el contexto africano. Tomo como ejemplo la relación entre privacidad y ubuntu que es un concepto o, mejor dicho, una visión del mundo vigente en muchas culturas africanas, que expresa el comunitarismo africano. Ubunto es un palabra Zulú que quiere decir “humanidad” en el sentido de que “una persona es una persona a través de otras personas” (OLINGER; BRITZ; OLIVIER 2005, 293). Los éticos sudafricanos Olinger, Britz y Olivier han indicado que es muy común que los sudafricanos vivan y practiquen dos culturas diferentes, siendo una la cultura Ubuntu como es vivida en los contextos rurales y otra la cultura de los valores occidentales como se la vive en los grandes centros urbanos. Ubuntu como lo dice el filósofo sudafricano Johann Broodryk – quien fue el primero en escribir una tesis de doctorado sobre la filosofía Ubuntu – es una visión del mundo africana “basada en valores de un humanismo intenso, de cuidado, respeto, compasión y valores afines en vistas a asegurar una vida comunitaria feliz y cualitativamente humana en espíritu de familia” ( “based on values of intense humanness, caring, respect, compassion, and associated values ensuring a happy and qualitative human community life in a spirit of family”, Broodryk 2002, mi traducción). Es evidente que desarrollar una ética de la privacidad con este presupuesto es algo diferente a los planteamientos occidentales que parten generalmente del individuo y su autonomía. 3.2 Ética global de la información en la UNESCO El término ‘ética global de la información’ se refiere en primer lugar al objetivo de una serie de instituciones destinadas a promover la investigación y la acción en el campo de la ética de la información a nivel global en base tanto a un diálogo intercultural como a la búsqueda de normas morales universales transculturales relacionadas con las TIC (VANDEKERCKHOVE et al. 2008). Entre ellas se cuentan instituciones como la International Society of Ethics and Information Technology (INSEIT) y el International Center for Information Ethics (ICIE). Algunas instituciones están dedicadas a la globalización de la ética en general tales como la International Global Ethics Association (IGEA), la Global Ethics Foundation del teólogo Hans Küng, así como la plataforma Globethics.net. Dejo de lado en este análisis los institutos de ética universitarios en los que se promueve la investigación en ética de la información, así como también las revistas especializadas en este campo y un sinnúmero de publicaciones especialmente en los últimos diez años (Visitar al respecto el sitio del ICIE). En lo que sigue, el término ‘ética global de la información’ tiene que ver con las declaraciones de principios y el plan de acción de la Cumbre Mundial de la Sociedad de la Información (WSIS) así como con las actividades desarrolladas por la UNESCO en este campo. Estas datan desde los primeros congresos sobre “infoética” que tuvieron lugar desde fines de la década del noventa del siglo pasado hasta las actividades más recientes siguiendo las directivas de la Cumbre Mundial y en particular la Línea de Acción (C10) sobre las “Dimensiones éticas de la sociedad de la información” a cargo de la UNESCO. En 2003 la Conferencia General de la UNESCO adoptó una recomendación concerniente a la “promoción del multilingüismo y el acceso universal al cyberespacio” estableciéndose que los estados miembros se comprometen en apoyar el acceso universal a internet como instrumento para la promoción de los derechos humanos (UNESCO 2003). Un objetivo importante de la UNESCO en este respecto es la elaboración y adopción de un código global de ética para la sociedad de la información basado en discusiones y acuerdos regionales. Con esta finalidad han tenido lugar una serie de encuentros regionales organizados por la UNESCO. La primera conferencia regional tuvo lugar en Santo Domingo (República Dominicana) del 6 al 9 de diciembre de 2006 (UNESCO 2006, FUNGLODE 2008). Participaron en ella expertos de unos diez países latinoamericanos. Se discutieron temas como la accesibilidad, la confidencialidad, los derechos de propiedad intelectual, la promoción del respeto de los valores y principios fundamentales y la protección de la privacidad. Los participantes produjeron la “Declaración de Santo Domingo” en la que se recomienda entre otras cosas la protección de la privacidad y los datos personales, ampliar el dominio público de la información, dar acceso equitativo a la información y a los conocimientos, mejorar el acceso a la educación y capacitar a los jóvenes en TIC. La primera conferencia africana de ética de la información tuvo lugar del 5 al 7 de febrero de 2007 en Pretoria, Sudáfrica con el apoyo del Department of Communications de Sudáfrica y bajo los auspicios de la UNESCO. Los organizadores fueron la Universidad de Pretoria, la Universidad de WisconsinMilwaukee, la Universidad de Pittsburgh y la Universidad de los Medios de Stuttgart representada por el International Center for Information Ethics. Participaron unos 100 académicos, entre ellos colegas de más de 20 países africanos. El slogan de la conferencia fue “La alegría de compartir el conocimiento”. Las actas de la conferencia fueron publicadas en la revista International Review of Information Ethics (IRIE). Además se creó un portal africano de ética de la información (ANIE) y en breve será publicado el “Africa Reader on Information Ethics” (CAPURRO, et al. 2010). En esta conferencia fue promulgada una declaración sobre ética de la información en Africa, como un eslabón más en vistas a la creación del código global de ética de la información de la UNESCO (UNESCO 2007). La “Declaración de Tshwane” – Tshwane es el nombre autóctono de Pretoria – afirmó el derecho de las sociedades africanas para desarrollar una sociedad de la información basada en la Declaración Universal de los Derechos Humanos así como en un diálogo africano sobre normas y valores en vistas a hacer realidad los Objetivos de Desarrollo del Milenio de las Naciones Unidas que son: erradicar la pobreza extrema y el hambre, promover la educación universal y la igualdad entre los géneros, reducir la mortalidad de los niños, combatir el VIH/SIDA, conseguir la sostenibilildad del medio ambiente y fomentar una asociación mundial. En esta declaración, inspirada por la visión de la Cumbre Mundial de una “sociedad de la información centrada en la persona, integradora y orientada al desarrollo” se recalcó también la importancia de la investigación en el campo de la ética de la información para un desarrollo sostenible social, económico, técnico, cultural y político en África. Del 13 al 14 de setiembre de 2007 la UNESCO, la Comisión Francesa para la UNESCO y el Consejo de Europa organizaron un encuentro regional sobre “Ética y derechos humanos en la sociedad de la información” que tuvo lugar en Estrasburgo (UNESCO 2007d). En la declaración final se recalcó la necesidad de proclamar principios éticos universales en vistas al respeto de los derechos humanos en el cyberespacio. Se indicó también la necesidad de la evaluación ética del impacto social de las TIC y la creación de un foro europeo de gobernabilidad de internet. Se hizo hincapié especial en los principios éticos de dignidad y autonomía sobre todo en lo relacionado a la protección de los datos personales y la vida privada, asegurando al mismo tiempo la libertad de expresión en internet y la lucha contra la criminalidad. Por último se nombraron los principios éticos de solidaridad y justicia social en relación a una política de acceso universal, de incremento de la información en el dominio público, de la promoción del conocimiento compartido, de la necesidad de buscar un balance de intereses con respecto a la protección de la propiedad intelectual y la promoción de expresión de todas las culturas y lenguas en internet (UNESCO 2007d). Finalmente, la UNESCO, la Comisión nacional vietnamesa para la UNESCO y otras organizaciones organizaron la Primera Conferencia Regional para Asia y la región del Pacífico sobre dimensiones éticas de la sociedad de la información” en la que participaron 70 delegados oficiales así como miembros de la sociedad civil y del sector privado. La conferencia tuvo lugar del 12 al 14 de marzo de 2008 en Hanoi (Vietnam). De acuerdo a la UNESCO, esta conferencia fue un paso importante para identificar temas éticos como accesibilidad, confidencialidad, privacidad, diversidad y respeto fundamental de los valores humano (UNESCO 2008). El “Hanoi Statement” sobre dimensiones éticas de la sociedad de la información está estructurado en tres temas, a saber: el acceso universal a la información, la libertad de expresión y la protección de la privacidad. En el tema del acceso universal se indica la necesidad de tener en cuenta las condiciones de multilingüismo de la región, promoviendo la expansión en calidad y cantidad del dominio público. En segundo lugar se recalca la importancia de promover mayor libertad de acceso multiplicando los canales existentes y trabajando en base a cooperaciones internacionales. En tercer lugar se señala que existen diferentes concepciones de privacidad en los diversos países y culturas de la región pero que se reconoce también que la protección de la privacidad y seguridad individual es un valor universal por lo que se sugiere introducir este tema en la educación y en la legislación. Finalmente se rechaza toda forma de cyber criminalidad así como de pornografía infantil, SPAM y otras formas de “conducta desviada“ (“deviant behavior” (UNESCO 2007b). Estas declaraciones revelan, a primera vista, una gran coincidencia con respecto a ciertos principios y valores éticos sobre todo en relación a los establecidos en la Declaración Universal de los Derechos Humanos. Pero si se la analiza más detenidamente, ellas dejan ver puntos de posible disonancia intercultural como en el caso de la privacidad. Las declaraciones afirman además la necesidad de que los principios y valores éticos surjan de las sociedades y culturas concretas, con sus lenguas, sus saberes autóctonos, sus condicionamiento económicos y sociales, sus tradiciones religiosas, su entorno ecológico etc. Los principios de solidaridad y justicia social tienen una relevancia especial en las declaraciones de Africa y Latinoamérica. Lo que puede entenderse, por ejemplo, como “conducta deviada” en la declaración de Hanoi, será seguramente objeto de interpretaciones y aplicaciones diferentes. Lo mismo se puede afirmar respecto al tema de la universalidad del acceso, del multilingüismo. Principios como la autonomía y la dignidad del individuo, si bien se encuentran en la mayoría de las declaraciones, están en el centro de la declaración de Estrasburgo. Ellos también requieren un análisis intercultural a fin de evitar conflictos subyacentes que aflorarán en casos concretos, faltando entonces los fundamentos para un pasaje de una cultura a otra (Braidotti 2006). Una declaración universal de ética para la sociedad de la información que aspire a tener un impacto real en la vida, es decir en el ethos cultural de las sociedades, necesita de forma imprenscindible un análisis intercultural ético-informacional crítico y sostenible. 4 EII EN LATINOAMÉRICA Y EL CARIBE 4.1 Mistica Uno de los pioneros en el campo EII en Latinoamérica, si bien no utilizando este concepto que fue acuñado en la conferencia de Karlsruhe en 2004 (CAPURRO, 2007 et al.), fue la comunidad virtual MISTICA (Metodología e Impacto Social de las Tecnologías de Información y Comunicación en América) creada y coordinada por Daniel Pimienta. El contexto cultural latinoamericano se manifiesta especialmente en el documento final “Trabajando la internet con una visión social” (MISTICA, 2002; PIMIENTA, 2007). En este documento la red es vista no sólo como un asunto técnico o comercial sino primariamente social. Los autores enfatizan la apropiación de la internet con la finalidad de la transformación de las sociedades latinoamericanas “guiadas por valores comunes como relaciones más equitativas, menos discriminatorias y que promuevan la igualdad de oportunidades.” El tan discutido concepto de “brecha digital” es visto como un asunto que debe abordarse colectivamente y que concierno no sólo la estructura técnica sino la capacidad para usar internet con vistas a mejorar las condiciones de vida y las relaciones de apoyo mutuo. Se trata entonces de transformar las “brechas sociales” que se reflejan de diversas maneras en la “brecha digital”. Se enfatiza además el rol de la internet para generar conocimientos relevantes en contextos concretos y en su poder para una transformación social de los mismos. Esta visión nace desde el suelo histórico y social latinoamericano. Pimienta es autor de numerosas publicaciones sobre ética de la información entre las cuales quisiera resaltar la Coordinación del libro colectivo: “Palabras en Juego: Enfoques multiculturales sobre las sociedades de la información” (PIMIENTA, 2005) un libro de acceso libre en el que se encara una amplitud de temas como el gobierno de internet, la diversidad cultural, el acceso universal, expresión ciudadana, comunidades virtuales, bibliotecas digitales, gestión de saberes, educación, derechos humanos, delito informático, derechos de la comunicación, piratería, software libre y los desafíos del multilingüismo (UNESCO 2003). Si bien en este libro el tema de la interculturalidad es casi omnipresente, no se trata el problema de la ética de la información desde un enfoque intercultural. 4.2 Santo Domingo y Redes Latinoamericanas de EI Entre las valiosas contribuciones a la conferencia regional de Santo Domingo en 2006 quisiera destacar la de Ernesto Rodríguez sobre “Jóvenes, ética y sociedad de la información en América Latina y el Caribe. La experiencia del proyecto “Infoética en el Portal de la Juventud” (Rodríguez 2008). El “Portal de Juventud de América Latina y el Caribe” es una experiencia piloto que merece ser tomada como ejemplo para otras regiones del mundo. Este portal incluye un proyecto “Infoética y Prevención del VIH-SIDA” cuyo impacto es admirable y digno de ser tomado como ejemplo para otras regiones. Rodríguez escribe: La ética importa mucho a todos los sectores poblacionales, pero los jóvenes y las mujeres tienen – en este sentido – sensibilidades muy particulares. Las mujeres son más consecuentes que los hombres entre lo que se dice desde la teoría y lo que se hace desde la práctica, mientras que los jóvenes actúan mucho más radicalmente desde la ética que los adultos. En ambos casos, el vínculo con la práctica del voluntariado social es – históricamente – tan evidente como relevante. Estamos – en todo caso – ante una práctica sumamente relevante para la difusión de posturas éticas ante la vida, y América Latina tiene una larga y fecunda tradición de trabajo en estos dominios. El Encuentro Internacional “Movilizando el Capital Social y el Voluntariado en América Latina”, celebrado en Santiago de Chile en mayo de 2003 (reuniendo a miles de delegados de todo el continente) mostró una buena parte de dichas experiencias. (RODRÍGUEZ, 2008, 207-208) Es claro que estas reflexiones en las que se habla de ‘ética’ pero que se refieren a una moral o ethos, se hacen desde un contexto socio-cultural específico como es el de Latino América y el Caribe. Una EII tiene que analizar estos presupuestos en forma detallada y diferenciada y conectarlos al impacto de las TIC. Un aporte en este sentido es el de Francisco Mannuzza “Las culturas indígenas venezolanas en el ciberespacio: reflexiones éticas” que parte de un “reconocimiento del otro” en el sentido de atender “no la brecha digital, sino la diferencia cultural” en relación a una población de unos 500 mil indígenas en Venezuela (Mannuzza 2008, 231). Es claro que estos proyectos políticos necesitan de un análisis ético-intercultural sólido. En su aporte a esta conferencia, Anabella Giracca indica que … la mayoría de países de América Latina son producto de una historia que ha puesto obstáculos en el camino a la comprensión de una realidad plural, basándose en propuestas que varían desde el mestizaje, la homogeneización, la asimilación y la integración de los diversos pueblos a una visión “occidental” o “modernizada”. (GIRACCA, 2008, 82) Y se pregunta además: ¿Cómo hablar de ética de la información en América Latina sin evaluar interculturalmente el lenguaje digital con sus códigos y símbolos “con los que no cuentan todas las culturas (sobre todo indígenas)”? (GIRACCA, 2008, 86). La conferencia de Santo Domingo tuvo como resultado la creación de la “Red universitaria de ética en el ciberespacio” que se creó casi simultáneamente a la “Red Latinoamericana de ética de la información” (RELEI). Ambas redes se complementan y constituyen una base excelente para la comunicación y la investigación en este campo. 4.3 EII en Brasil Tal vez la primera publicación latinoamericana dedicada a la EII es el artículo de Ana Thereza Dürmaier “Ética Intercultural da Informação e Sustentabilidade” (DÜRMAIER 2008). Dürmaier introduce la idea de sostenibilidad de sociedades post-industriales que exigen … una plasticidad interactiva de racionalidades a fin de poder enfrentar el universo de nuevas preguntas éticas, políticas y legales que se acumulan diariamente en las prácticas científicas, empresariales, sociales y gubernamentales, en la vida pública y en la vida privada. (DÜRMAIER, 2008, 115, mi traducción). La EII tiene que tener como objetivo esta “plasticidad” en el plano ético. Hay valiosos aportes interdisciplinarios brasileros sobre la cultural digital como por ejemplo el libro editado por Henriette Ferreira Gomes, Aldinar Martins Bottentuit y Maria Odaisa Espinheiro de Olivera: “A ética na sociedade, na área da informação e da atuação profissional” (FERREIRA GOMES et al. 2009) así como el de Rodrigo Savazoni “CulturaDigital.BR” (Savazoni 2009). Ambas publicaciones contienen ricos análisis bibliotecológicos, sociológicos, políticos, económicos, culturales, artísticos y antropológicos que reflexionan el estado actual de la cultura digital brasilera. Esta es una excelente base para un diálogo con la EII. 5 PERSPECTIVAS En un artículo del filósofo estadounidense John Ladd publicado en 1985 con el título “La búsqueda de un código de ética profesional. Una confusión intelectual y moral” (“The Quest for a Code of Professional Ethics. An Intellectual and Moral Confusion”) escribe Ladd que la idea de un “código de ética” (“code of ethics”) es una contradicción puesto que la ética es esencialmente problemática (LADD, 1985). Lo que se puede codificar son principios éticos entendidos como resultado temporario de una argumentación y no establecidos por un mero consenso o “decision-making”. Para evitar malentendidos es mejor usar el término de “códigos de práctica” (“codes of practice”) lo cuales tienen sus pros y contras como es el caso, por ejemplo, de códigos profesionales que pueden ser utlilizados tanto para promover una nueva conducta como para provocar estado de autocomplacencia que incluso ayude a ocultas conductas irresponsables. En algunos casos pueden servir incluso para desviar la atención de los problemas realmente serios para concentrarla en problemas de menor importancia. Lo contrario se podría pensar con respecto a códigos universales que puedan también ser utilizados para provocar un estado social de autocomplacencia así como para desviar la atención de los problemas concretos y de mayor importancia. El desafío ético no se restringe a crear un código sino a promover la reflexión a nivel global y local sobre temas cuya complejidad no puede reducirse a principios generales sino que requiere una interpretación constante de los mismos cuando se trata de ponerlos en práctica (SCHWARZ, 1979). En otras palabras, los principios aparentemente claros y objetivos se vuelven dogmáticos si no son insertados en una reflexión ética prudencial. La prudencia es el horizonte de alguien que es consciente de sus límites. Ella delimita el anticriterio ‘todo está permitido’ haciéndonos conscientes de situaciones ambivalentes y evita que busquemos soluciones simplistas así como de pensar que dos alternativas contradictorias pueden unificarse sin más. Una reflexión ética prudencial tiene también como función la de despertar y preservar la sensibilidad ética, algo que es bueno promover a nivel local y global. Tal es la tarea práctica más noble de la EII. Necesitamos más que nunca un espacio abierto para compartir no sólo local- sino también globalmente este tipo de reflexión. Es este el sentido más profundo del término ‘ética global de la información’ entendida no como la globalización de una moral y su codificación, sino como un espacio y un tiempo que se puede crear en diversos contextos como el político, el académico, en las escuelas, en de los medios de comunicación de masas y naturalmente en internet. Esto presupone una concepción de la reflexión ética no limitada a la fundamentación de normas morales dadas sino también a su problematización, abierta a la interacción de las mismas con otras dimensiones de la vida social. Se trata también de buscar no sólo normas sino formas de vida común que nos permitan promover la variedad y la riqueza de las respuestas humanas a la llamada del ser-en-el-mundo desde diferentes afectos fundamentales expresados particularmente en la música, el arte y la literatura. La EII tiene que asumir la responsabilidad de abrir una reflexión sobre visiones y opciones de vida partiendo de los desafíos de un mundo que se une y se separa cada día más intensamente en base a la comunicación digital. Pero esta reflexión perdería su carácter propio de reflexión si se la identifica a la política y la acción social. Su vínculo con la acción es el consejo prudencial no el ‘decision-making’. Me permito terminar mencionando el libro “A Urgência da Teoria”, una compilación de textos editados por la Fundação Calouste Gulbenkian y el Fórum Cultural “O Estado do Mundo” que se abre con una conferencia de Homi Bhabha, director del Centro de Humanidades de la Universidad de Harvard y renombrado especialista en interculturalidad. Esta conferencia titulada “Ética e Estética do Globalismo: Uma Perspectiva Pós-Colonial” (BHABHA, 2007) hace eco al espíritu de “insatisfacción” y de “duda global” de la poetisa Adrienne Rich (RICH, 1991). Bhabha propone “una ética global de extensión de la “hospitalidad” a aquellos que perdieron su lugar de pertenencia debido a un trauma histórico, a la injusticia, al genocidio y a la muerte” (“uma ética global de extensão da “hospitalidade” àqueles que perderam o seu lugar de pertença devido ao trauma histórico, à injustiça, ao genocídio e à morte” Bhabha 2007, 44, mi traducción). La ética intercultural de la información debe ser una ética hospitalaria no sólo con respecto a las culturas con sus normas y principios morales sino también con respecto a quienes han perdido pie en una cultura, quedando marginados, olvidados, en medio de una sociedad globalizada por la tecnología digital. La EII toma una posición crítica respecto a todas las formas de destrucción del habitar, y el ‘habitat’, humano tanto de las que usan para ello a las TIC como a las que excluyen a otros de su uso. La EII es una disciplina humanística. “Las humanidades “ escribe Bhabha, “contribuyen en forma singular a establecer – por medio del diálogo y la interpretación – comunidades de intereses y climas de opinión.” (Bhabha 2010). Resumiendo podemos decir que los desafíos téoricos y prácticos de la ética intercultural de la información son de gran envergadura. Ellos necesitan un amplio apoyo en las instituciones de educación e investigación con un esfuerzo particular en crear redes locales y globales que permitan el intercambio abierto de ideas y resultados. Es imprescindible también que los códigos internacionales de ética de la información sean objeto de un constante análisis téorico y práctico. La búsqueda de principios comunes no debe perder de vista la complejidad y variedad de las culturas. Y éstas deben ser conscientes de su interdependencia la cual les permite una transformación de sus identidadades. Lo esencial es aquello que está entre las culturas. Los fenómenos, a menudo violentos, de exclusión cultural son un indicio de que un ethos cultural ha perdido el contacto con la fuente común, cerrándose en sí mismo, incapaz de redefinir sus fronteras tomando nuevos elementos ajenos en base a procesos comunicacionales e informacionales abiertos. Es fácil ver que la unidad que supone dicha apertura y la variedad reclamada por las diversas culturas están en permanente fluctuación. La ética intercultural de la información tiene como objetivo primordial hacer que dicha fluctuación sea sostenible tanto en la teoría como en la práctica. Agradecimiento El autor agradece a Oscar Krütli (Prov. de Córdoba, Argentina) y a José María Díaz Nafría (Universidad de León, España) por sus invalorables críticas a este texto. REFERÊNCIAS ANIE (Africa Network for Information Ethics). Disponível em <http://www.africainfoethics.org/index.html>. BHABHA, Homi K. Humanities Center at Harvard: Director’s Letter. 2010. 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Más allá de la visión corta o larga de los profesores, los estudiantes colaboran y trabajan en línea sin importar si sus maestros aprueban esas formas de intercambio y trabajo en grupo. Ello trae como consecuencia dos niveles de reflexión: aquel que corresponde a las implicaciones para el ambiente de aprendizaje y aquellas que tienen que ver con el ejercicio del control y del poder dentro del aula por parte del maestro )y el corresponidente impacto en el primer nivel, el del apreindizaje). 2 COMUNIDADES EPISTÉMICAS Este paper busca esclarecer la forma en la que las comunidades epistémicas entrenan a los nuevos miembros en la adopción de un paradigma, entendido en una de sus acepciones como la adopción de un marco axiológico de una práctica científica. Tal adopción implica una forma práctica de la ética y el establecimiento de un marco de valores que evidencia una preferencia de una ética específica, la ética científica específica de cada comunidad epistémica. El ambiente de aprendizaje en línea o en el ciberespacio es más que un ecosistema. Es en términos metafóricos, es un entorno distinto del natural pues las leyes que regulan su entropia o su equilibrio distan de parecerse a aquellas que los biólogos y ecologos identifican como propios de un sistema medioambiental. Por esta razón la organización, gestión e higiene de las relaciones que se gestan administran, construyen y evalúan en un ambiente de aprendizaje en línea o ciberambiente de aprendizaje requieren de un nuevo modelado, concepción, legalidad, categorización. Más allá de ser concebidos exclusivamente como repositorios de información, los ciberambientes de aprendizaje exigen ser concebidos como un refectorio de experiencias significativas pues quienes se acercan a través de Internet a una experiencia de aprendizaje experimentarán en la soledad de su habitación u oficina (o cualquiera que sea el espacio físico en el que se ubique la computadora con la cuál acceden a un determinado ciberambiente de aprendizaje) la sensación es similar a la de un monje que en silencio absoluto come en la compañía de otros monjes. Como en los refectorios de los monasterios benedictinos aparenterá a cualquier testigo que lo observe una actitud hipnótica frente a una oferta variada de sabores y olores. El actual estudiante que se adentra en una educación basada en ciberespacios de aprendizaje se muestra frente al testigo imparcial como un ser hipnotizado frente a una pantalla. (TURKLE, 1995). La vida en la pantalla de S. Turkle nos recuerda que este proceso constituye una revolución cultural. Para mi es solamente la parte externa de una experiencia infinitamente trascendente y similar a las de aquellos que se enfrentaron por primea vez a un texto escrito y leyeron en silencio, sin mover los labios y sin pasar el dedo por el renglón. Los primeros testimonios refieren a este espectáculo como el de un ser hipnotizado. Pero los procesos intelectuales más trascendentes son en apariencia (para un testigo) un simple acto de hipnósis, mientras que para el protagonista son en realidad un rico y variado conjunto de experiencias intelectuales en la que los procesos vividos al leer y realizar una actividad desplegada mediante una computadora puede transformar su visión del mundo, su habilidad para representar la realidad en su mente y las aptitudes que este actor desarrolla en todo proceso intelectual. El acto personalísimo de interacción con las actividades intelectuales que se realizan con ayuda de una computadora conectada a la red de redes, implica también un nivel de interacción social que aparentemente desaparece cuándo la relación está mediada por una pantalla y un teclado. Quienes desarrollan actividades en red colaboran de manera silenciosa. En ocasiones están frente a frente físicamente, pero el correo electrónico, el chat o el acto de colaboración instantáneo (como el Google Wave) los hace aparecer como distantes o incomunicados. La experiencia de colaboración en redes informáticas que vivimos desde mediados de los noventa nos ha permitido analizar el papel que juegan los valores compartidos (la “ética” en sentido lato) para este tipo de comunidades que surgen alrededor de un interés común en Internet. 3 EL CASO DE MISTICA El caso prototípico en América Latina lo representa MISTICA, una red de especialistas e interesados en la medición del impacto de las nuevas tecnologías en la sociedad latinoamericana y caribeña. Durante más de diez años (19982008) se desarrollaron en línea discusiones y proyectos que buscaban dotar a la región de una visión pertinente sobre como gestionar el impacto de las nuevas tecnologías en temas tan relevantes como el desarrollo sustentable, la salud, la educación y las relaciones sociales. Con el patrocinio de organismos internacionales y aganecias para el desarrollo, MISTICA produjo diversas aplicaciones y enfoques relevantes para el desarrollo de una metodología de análisis y gestión del impacto tecnológico. Sin embargo uno de los efectos más relevantes y, por su naturaleza intangible, menos estudiados de esta comunidad virtual es el papel que cumplió como escaparate para identificar el código de ética no escrito que sirvió de base para su construcción, funcionamiento, consolidación y desaparición como comunidad epistémica. Thomas S. Kuhn, el filósofo de la ciencia inglés, describió en sus obras, especialmente en la Estructura de las Revoluciones Científicas (KUHN,207), el papel que tiene en la construcción de un paradigma científico el código de ética de una comunidad epistémica. Este, el paradigma, establece que porblemas es pertinente plantear a la comunidad como dificultades a resolver y qué prácticas epistémicas es pertinente realizar, desde que se genera o expresa una teoría hasta que se dispone o despliega un experimento mental para confirmarla. En el caso de MISTICA (cuyos debates y discusiones son asequibles en línea: http://funredes.org ) es interesante revisar cómo las discusiones sobre temas metodológicos y tecnológicos llevan implícita una discusión ética que tiene que ver sobre la pertinencia de las intervenciones, preguntas, soluciones y consultas a la comunidad. El papel del moderador se transforma así en la de un responsable de la observancia de ese código no escrito y contribuye a que la propia comunidad epistémica se transforme en garante de la operación y éxito de la comunidad. Es curioso que a lo largo de los años, las discusiones celebradas por los miembros de esta comunidad tenían en ocasiones referencias explicitas a la pertinencia de las participaciones y al papel del moderador, más allá del contenido mismo de esas participaciones. Una suerte de metaparticipaciones que subyacía a la acción concreta de la discusión sobre los temas de la comunidad. El último esfuerzo que realizó MISTICA cara a su autosustentabilidad fue la de convertirse en una comunidad virtual de aprendizaje que sirviera como modelo para la creación y gestión de una comunidad eìsteémica. Y se dieron pasos relevantes como la ceración del Centro Virtual de Aprendizaje. La carencia de financiamiento acabó por destruir ese esfuerzo, pero la intención marca una camino por desarollar en la región. 4 CONCLUSIONES La relevancia de contar con una comunidad virtual de aprendizaje al interior de uma comunidad epistémica virtual es que garantiza y, al mismo tiempo, posibilita un espacio para el desarrollo del criterio moral propio de toda comunidad epistémica y que cad miembro adscrito debe desarrollar como condición sine qua non. Sin un nivel ético es imposible que ninguna comunidad epistémica sobreviva pues toda práctica científica se desarrolla a través y a partir de ese elemento fundamental de un paradigma científico. Ello implica también a las comunidades epistémicas (en sentido lato y no estricto) que se construyen, interactúan y desarrollan su tarea académica en línea, de manera virtual o de manera no presencial. REFERÊNCIAS Kuhn, Thomas, S. La Estructura de las Revoluciones Científicas. México, Fondo de Cultura Económica, 2007. Turkle, Sherry. La vida en la pantalla. Barcelona. Paidos transiciones, 1995. ÉTICA E OS DILEMAS E IMPASSES DA INFORMAÇÃO: reflexão sobre a divulgação científica ou popularização da ciência Lena Vania Ribeiro Pinheiro* 1 INTRODUÇÃO Quando somos chamados a discutir temas muito amplos, ao mesmo tempo em que dispomos de uma miríade de abordagens que se entrecruzam e perpassam a questão, a dúvida é, entre tantas perspectivas, qual trilhar? Claro está que a opção sempre se relaciona com os nossos estudos desde sempre e se apresenta como uma faceta ainda não explorada de assuntos que se arrastam pela nossa vida afora, agora revestidos de novos componentes e cenários transformados e transformadores. Assim, a abordagem desta comunicação é um prolongamento de algumas idéias sobre a responsabilidade social na Ciência da Informação (PINHEIRO, 2009), por sua vez profundamente vinculadas à relação entre ciência e sociedade, saber e poder, em seus desdobramentos na informação em Ciência e Tecnologia, tomando para exercício teórico a divulgação científica ou popularização da ciência. Na coletânea “Ética e cultura”, Renato Janine Ribeiro (2004) reflete sobre a palavra poder e sua dupla representação gramatical como substantivo e verbo, ressaltando alguns de seus aspectos. No primeiro caso poder é “coisa” ou dado apreendido pelos sentidos, parado e tangível. No segundo, que importa diretamente a esta comunicação, poder “é uma possibilidade, voltada para o futuro, de ir-se além do que se é ou se está...”, no sentido de criação. Nessa direção, as ações de informação, mais do que a informação por si só estão impregnadas, ao mesmo tempo, de poder e dessa possibilidade, desse futuro, portanto, são ações políticas e a ética da política é a da responsabilidade, como pensa Ribeiro (2004). Além de tratar das ações de informação e suas fronteiras tecnológicas, Gonzalez de Gómez (2004), inclui nesse contexto as transformações ocasionadas por novas relações entre linguagem, tecnologias e informação. A autora introduz o conceito de “dispositivo de informação” e o define como, “ um modo de configuração do espaço-tempo ou do tempo que age como uma matriz organizadora das operações concretas de geração, transmissão e uso de informação”. Nas ações de informação o poder, a responsabilidade e a ética são interdependentes, e uma dessas ações particularmente se afina com o temática desta comunicação, a divulgação científica. Esta disciplina, por estar fortemente marcada e demarcada pelas relações entre ciência e sociedade, por sua vez vinculadas ao poder, ao saber e à responsabilidade, se molda ao exercício teórico pretendido. A divulgação científica tem por objetivo transmitir à sociedade, ao público não-especializado (BUENO, 1995), conhecimentos gerados no âmbito da ciência e tecnologia. Independente das discussões conceituais existentes e enfocadas anteriormente por Pinheiro, Valério e Silva (2009), principalmente entre jornalismo científico e divulgação científica, assumimos nesta comunicação as características que Kreinz (1998), atribui ao primeiro, por considerarmos válidas também para a divulgação cientifica: política, ideológica, educativa, econômica, comunicativa, social e cultural, às quais acrescentamos a informativa. É pois, neste conjunto de atributos que forjam a natureza da divulgação científica, que pretendemos analisar a ética da informação, interrelacionada à responsabilidade, predominantemente a social. A temática revelação deste Simpósio, de atualidade inquestionável, é mais uma das preocupações que invadem a Ciência da Informação, universalmente, presentes tanto na fundação do International Center for Information Ethics- ICIE, por Rafael Capurro, em 1999, quanto por seus desdobramentos em diferentes países e campos do conhecimento, aos quais se junta este Simpósio. Por outro lado, pode ainda traduzir as mudanças de paradigmas na Ciência da Informação, tal como traçadas por Capurro (2003).Embora este pesquisador alerte para o que chamou de “simplificação extrema” frente à “complexidade das proposições” que podem levar a interpretações equivocadas, a passagem pelos paradigmas físico, cognitivo e social reflete uma tendência cada vez mais acentuada de “... uma integração da perspectiva individualista e isolacionista do paradigma cognitivo dentro de um contexto social no qual diferentes comunidades desenvolvem seus critérios de seleção e relevância”. 2 O SABER E O PODER E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE No prólogo da segunda edição de seu livro “Ética y ciencia”, Mario Bunge (1983) comenta sobre a juventude da época que questionava “a moralidade da ciência” e atacava as máquinas em geral, particularmente os computadores. As críticas chegavam ao “extremo de uma franca revolta contra o método científico e, em geral, contra a cultura e a civilização centradas na ciência”. Passados quase cinqüenta anos, novas gerações, agora vítimas do desemprego, das drogas, da exclusão social, dos desastres ecológicos e tantas outras mazelas do mundo contemporâneo, continuam bradando contra a ciência. Algumas perguntas presentes nesse texto introdutório de Bunge (1976) não perderam a atualidade: “O que é certo na crítica à ciência do ponto de vista ético? O que é justificado na reação contra o modo científico de pensar e produzir? As inquietações de Bunge retomam hoje até com mais intensidade e um pesquisador brasileiro, Gilberto Dupas (2001), escreve sobre ética e poder na sociedade da informação, com o objetivo de buscar “uma ética para os novos tempos, necessária e possível, que possa introduzir o dever onde tudo é poder”. O autor situa as questões no capitalismo global e alerta para o “estado de inquietação” do início do século 21, em decorrência sobretudo da autonomização da técnica, apesar do progresso e triunfo da ciência e assim explica este sentimento: as consequências dessa autonomização da técnica com relação aos valores éticos e normas morais foram, dentre outras, o aumento da concentração de renda e da exclusão social, o perigo da destruição do habitat humano por contaminação e de manipulação genética ameaçando o patrimônio comum da humanidade. O que Dupas escreve em 2001, Japiassu (1977) já alertava há mais de 30 anos atrás, em artigo intitulado “as máscaras da ciência”, três segundo este filósofo: ciência-que-conduz-necessariamente-ao-progresso; ciência-pura-e- imaculada e a ciência sem deontologia. A primeira diz respeito ao julgamento da ciência pelo valor social de seus resultados; na segunda a ciência é seu próprio fim, “não tendo que prestar contas a nenhuma instância exterior”; e a terceira tem relação com o saber gerado na ciência, no qual os fins não têm relação com os cientistas, que não teriam responsabilidade social, seriam neutros. Japiassu (1977) também aborda a temível relação saber e poder, ao admitir o “vínculo indissolúvel entre ciência e poder”, cujo resultado seria a tanatocracia da ciência e da técnica: Não tenhamos ilusão: a ciência hoje possui dois pólos: o saber e o poder. O saber pelo saber está na base do desenvolvimento da ciência. Mas hoje em dia a ciência desempenha um papel tão importante no desenvolvimento das forças produtivas, que há uma predominância incontestável do saber para poder. A pesquisa científica e técnica comanda diretamente o desenvolvimento econômico. (JAPIASSU, 1977) Se analisarmos algumas questões de hoje identificamos certos alvos desse questionamento como a biotecnologia, a agroindústria, os transgênicos, a reprodução humana, entre tantas outros. Ao refletir sobre o conceito de responsabilidade podemos constatar que sua elaboração se dá no campo da ética e está fortemente vinculada à liberdade. Este elo significa que o estudo da responsabilidade implica necessariamente falar de ética, e como nesta comunicação ciência e tecnologia são o contexto do debate, por sua vez associadas ao poder, a ética da responsabilidade não pode ficar à parte num questionamento desta natureza. O já mencionado Renato Janine Ribeiro (2004) traz uma contribuição muito oportuna e o título do capítulo que escreve, no livro mencionado, por si só traduz a sua pertinência aos propósitos desta comunicação – “Ética, ação política e conflitos na modernidade”. Se o foco deste tema são a ciência e a tecnologia, inerente ao seu aparato está a política, especialmente a científica e tecnológica. No centro da discussão encetada por Ribeiro (2004) está o pensamento de Maquiavel (ética da responsabilidade, o social como resultante do político), em contraposição ao de Mandeville (ética dos princípios). A ética da responsabilidade é “aquela que se aplica à política”, a que tem valor para quem “age politicamente”, ou mais explicitamente, “levando em conta as relações de poder, pensando na construção do futuro”, ou “ética da ação política”. Para Ribeiro (2004), a “política tem a ver com a construção do tempo”, no qual pesam a duração, a continuidade, ou o efeito e resultados de seus atos que, por sua vez “compartilham um sentido político”. Segundo o autor, o pensamento de Maquiavel é atual e sua atualidade foi ampliada no século XX pelo “caráter imprevisto, e o criativo, de uma atividade que não tem como se pautar em normas prévias”. Porque “a política não é mais essencial ou exclusivamente a que se refere ao poder... exige uma ação criativa” e “não se confina mais no político em sentido estrito, o das instituições”. Este autor (RIBEIRO, 2004), em todo o seu texto correlaciona as questões ao Brasil e faz oportunas observações como a dificuldade, em nosso País, em associar liberdade e responsabilidade, pelo pensamento da economia desconectada da política, embora exista a disciplina economia política, como lembra. Da mesma forma ele afirma que “há enorme dificuldade, na cultura brasileira, em compreender – ou em aceitar - uma ética da responsabilidade”, isto é, a ética que “assume a perspectiva do poder”. Esta dificuldade tem algumas origens, entre as quais uma de caráter mais profundo, que é a de “entender a ação política”. Para Ribeiro (2004), o desafio é “articular o pessoal e o social, o ético e o político, o privado e o público). 3 ÉTICA E AÇÃO POLÍTICA No seu denso livro sobre “O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”, publicado na Alemanha em 1976 e traduzido no Brasil em 2006, Hans Jonas (2006) percorre uma extensa argumentação para a sustentação teórica da responsabilidade, fundamentado em questões ontológicas, especialmente as idéias de Kant, Marx e Hegel. Numa longa e inicialmente histórica abordagem do tema, ao enfocar a significação da ética, o autor afirma que “toda ética tradicional é antropocêntrica”. Como não poderia deixar de ser num estudo sobre essa temática, o caráter político está presente no questionamento de Jonas (2006) e a projeção no tempo, traduzido no capítulo “a responsabilidade do estadista com o futuro”, quando também inclui o legislador, na “preocupação previdente” de ambos com o “bem futuro da comunidade”. Este dever para com o futuro trata da reivindicação que “só surge daquilo que reivindica – daquilo que antes de tudo é”, expresso pela seguinte declaração: “toda vida reivindica vida” (Jonas, 2006). Do ponto de vista legal, “o agente deve responder por seus atos: ele é responsável por suas consequências e responderá por elas, se for o caso”. Ainda sob esta mesma visão, Jonas (2006) trata da responsabilidade política e sua extensão para o futuro, estabelecendo uma diferença com a responsabilidade paterna, para a qual há um tempo de término. A primeira, considerando o caráter de seu objeto, está “sobrecarregada pelo excesso de resultados, todos causais em detrimento do conhecimento prévio” e responde, carrega as conseqüências. A extensão do tempo é vinculada ao imediato, à necessidade de urgência na resposta Para o autor, “uma das responsabilidades do homem público é garantir que a arte de governar continue possível no futuro”, pois o princípio é que “toda responsabilidade integral, com seu conjunto de tarefas particulares, é responsável não apenas por cumprir-se, mas por garantir a possibilidade do agir responsável no futuro”, o que abrange a política econômica, ecológica, tecnológica, biológica, psicológica, às quais eu acrescentaria a política de informação. Esta responsabilidade pelo futuro, para Dupas (2001) se traduz num “olhar à frente e planejar”, ações das quais são capazes apenas os seres humanos. Quanto ao futuro progresso técnico-científico, Jonas (2006) reconhece uma “zona de penumbra”, daí a dificuldade em vislumbrar as fronteiras da responsabilidade. Ainda nessa linha de pensamento aponta para o potencial de destruição da civilização técnica, por ter se tornado “toda -poderosa”. Assim, o futuro da humanidade teria como condição “sine qua non”, o futuro da natureza, e para o autor, o perigo decorre da “dimensão excessiva da civilização técno industrial, baseada nas ciências naturais...” Nessa mesma linha Dupas (2001) reflete sobre a associação de ciência e técnica, que vem revolucionando e surpreendendo, no entanto, a própria “ciência vencedora começa a admitir que seus efeitos possam ser perversos”, como se o ato do saber estivesse se tornando cada vez mais obscuro, pensamento próximo da “zona de penumbra” de Jonas. Há uma “ambivalência ética” no progresso técnico, ao atribuir à técnica a capacidade de transformação do mundo, de determinar as “condições reais e o modo de vida humano”. Para Jonas (2006), as condições naturais estão relacionadas ao advento e com “o conteúdo projetado de uma utopia”. Dupas (2001) evoca ainda o “saber-poder”, que ele denomina “utopia da potência integral,” que leva todos nós à exigência de “um poder sobre o poder”, por exigir também uma resposta plena “pelo ser da humanidade futura”. E naturalmente vem a pergunta que ele se faz a partir de novos referenciais éticos: quais os papéis da sociedade civil e do Estado, nas sociedades pós-modernas? Este autor destaca como problema o fato de o Estado, indutor e regulador, continuar em fase de desmonte nessas sociedades, e questiona se cabe a ele ou à sociedade civil, por meio dele “definir padrões éticos que condicionem a aplicação das técnicas e o exercício da hegemonia delas decorrentes”. Diante desse impasse, como deve agir o cientista? Para Dupas (2001), os cientistas só devem aceitar uma política de Estado justa, se assim a considerarem, e como membros da sociedade civil podem em seu nome recusar – este seria o caminho, segundo ele, para reencontrar a função crítica do saber. Jonas (2006) não nega o progresso da civilização em todos os campos do saber humano, acumulado, armazenado pela sociedade e parte do patrimônio coletivo, não somente da ciência e da técnica, mas de toda a sociedade, aplicado em diferentes instâncias – social, econômica, política e transmitidos para o bem da sociedade e qualidade de vida. Entretanto, nas sociedades pós-modernas há um paradoxo apontado por Dupas (2001) porque, “ao mesmo tempo que elas se libertam das amarras dos valores de referência, a demanda por ética e preceitos morais parece crescer indefinidamente. A cada momento um novo setor da vida se abre à questão do dever”. E dando continuidade à suas reflexões Dupas (2001) reconhece que toda essa discussão remete ao “princípio da responsabilidade”, quando evoca desde os filósofos clássicos a pensadores contemporâneos como o próprio Jonas. 4 FRAGMENTAÇÃO DO SABER E DA VIDA A fragmentação do saber conduz à discussão da especialização e, em contraponto, da inter e transdisciplinaridade, naturalmente com repercussões na sociedade. Neste tópico são mencionadas ou expostas e analisadas, de forma sintética, idéias de alguns autores que são mais pertinentes à temática desta comunicação. A começar por Jonas ( 2006), muito presente no tópico anterior, para quem a especialização seria como um prolongamento do progresso, o “preço” pago pelo aumento do conhecimento e suas “subdivisões e seus métodos especiais”, chegando à “fragmentação extrema do conhecimento total”. No ano do lançamento da versão original do livro de Jonas, 1976, a especialização começava a ser foco de críticas que já vinham a partir da década anterior. Estudos e pesquisas em torno da questão, como de Piaget (1960) Gusdorf (1967), Bastide ( 1968), Roqueplo (1970) e Jantsch (1972) Não constam na lista de referências, foram crescendo em número e intensidade, apoiados por órgãos internacionais como UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura e OCDE- Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Na obra de Morin (2007) sobre o método, dos seis volumes um é dedicado à ética e neste, no tópico intitulado “O problema de uma democracia cognitiva”, ele critica a associação ciência e técnica, transformada em tecnociência, bem como a disciplinaridade das ciências, que “não trouxeram somente as vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da hiperespecialização, do fechamento e da fragmentação do saber”, além do domínio do conhecimento técnico pelos especialistas. Este movimento contrário à especialização pode ser exemplificado, no Brasil, com Japiassu (1976) e seu famoso livro “Interdisciplinaridade e patologia do saber”. É bem verdade que para estes esforços teóricos contribuiu a Epistemologia, disciplina nascente cuja concepção e estatuto são sustentados pela crítica à ciência. Mais de 30 anos depois Japiassu (2006) lança outro livro, desta vez sobre transdisciplinaridade, cujo título, “O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia”, expressa o seu pensamento e bases teóricas. Comparado à sua obra de 1976 sobre interdisciplinaridade, fundamentada e orientada pela Epistemologia, o conceito de transdisciplinaridade se abre mais para o mundo da vida. O sentido de saber adotado pelo autor é “mais amplo que o de ciência, não é um conhecimento objetivo, neutro e universal, mas implica um processo de apropriação e dominação de objetos” e, para tal, afirma: não podemos confiar no conhecimento fragmentado nem na simples apreensão holística. Porque o conhecimento deve efetuar, não só um movimento dialético entre o nível local e o global, mas o de retroação do global ao particular. Japiassu (2006) reconhece que com o desenvolvimento do pensamento complexo a transdisciplinaridade se tornou mais valorizada e “susceptível de instaurar um rico e fecundo diálogo entre as ciências naturais, as humanas e a filosofia”, e destaca dois desafios contemporâneos, o da globalidade e do “crescimento ininterrupto e galopante dos saberes tornando cada vez mais difícil a organização de nossos conhecimentos em torno dos problemas fundamentais da existência”. 5 A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E NOVAS CONFIGURAÇÕES DA RELAÇÃO PODER E SABER: A POLITIZAÇÃO E OS USOS SOCIAIS DA INFORMAÇÃO Alguns autores e dois em particular, Capurro e Bourdieu, orientam a transposição das questões até agora expostas e discutidas, para a divulgação científica, particularmente duas indagações. A primeira pergunta, de Rafael Capurro, traduz bem os impasses da Ciência da Informação, que se acentuam na divulgação científica: A Ciência da Informação se situa entre a utopia de uma linguagem universal e a loucura de uma linguagem privada. Sua pergunta chave é: informação para quem? Em uma sociedade globalizada, na qual aparentemente todos nos comunicamos com todos, esta pergunta vem a ser crucial (CAPURRO, 2007). Às duas linguagens, a universal e a privada, se junta outra linguagem, a não- especializada, no caso da divulgação científica, que para alguns autores seria um segundo discurso e, para outros um novo discurso. Esta discussão vem ocorrendo na área de Lingüística, às vezes sustentada pela análise do discurso (PINHEIRO; VALERIO; SILVA, 2009) O segundo questionamento, de Bourdieu (2004), consta de um livro seu sobre os usos sociais da ciência, no qual lança sobre a concepção de ciência e tecnologia as mesmas indagações de muitos pensadores, alguns citados nesta comunicação, e faz uma pergunta crucial: “é possível fazer uma ciência da ciência, uma ciência social da produção da ciência capaz de descrever e orientar os usos sociais da ciência?” Para ele o conteúdo textual e o contexto social da ciência estão muito distanciados e “é preciso escapar à alternativa de ‘ciência pura’ totalmente livre de qualquer necessidade social, e da ‘ciência escrava’, sujeita a todas as demandas político-econômicas”. Como fruto das novas relações de ciência e sociedade, poder e saber, e por suas injunções políticas, a divulgação científica pode ser questionada e, inversamente, estimulada a enveredar, aprofundar ou intensificar algumas perspectivas que lhe são abertas. Ao levar até ao público em geral, amplo, informações e conhecimentos científicos oriundos de pesquisas, numa decodificação do discurso da ciência para uma linguagem comum e facilmente inteligível, a divulgação científica cumpre um dever e responsabilidade social perante o cidadão, que pode ser um aluno do ensino fundamental, médio ou técnico, um jornalista ou professor, um indivíduo de uma determinada comunidade. Este objetivo reflete a aproximação entre ciência e sociedade, construída ao longo dos anos e para a qual concorreu a queda de alguns mitos como a neutralidade científica, além de representar uma possível contribuição aos alicerces da cidadania, ao tentar direcionar ao cidadão comum informações sobre os resultados de pesquisas que podem afetar direta ou indiretamente a sua vida, possibilitando uma reação coletiva na tentativa de reverter atividades e política científicas. Naturalmente, algumas questões polêmicas da ciência e tecnologia como os transgênicos, por exemplo, ou os níveis de intoxicação e doenças originados dos agrotóxicos e poluição, além de tantas outras “criações” da ciência, bem como a hegemonia e invasão das máquinas até a vida privada, particularmente computadores, colocam em xeque a crença no progresso e na ciência a serviço da sociedade, do bem estar e a qualidade de vida do cidadão, numa visão acrítica, conforme abordado no decorrer deste texto. No novo panorama da Sociedade da Informação e do Conhecimento, impulsionado pela globalização e as tecnologias da informação e da comunicação (TICs), ao mesmo tempo em que as distâncias são encurtadas e até deixam de existir, no ciberespaço, pela desterritorialização, e o acesso à informação é facilitado, agilizado e ampliado, uma avalanche de informações deve ser organizada, processada, disseminada e acessada, o que torna o processo mais complexo. Sobre essas tecnologias como recurso da divulgação científica, Noruzi (2008) vislumbra uma relação entre a comunicação científica (do cientista para o cientista) e a divulgação científica, na Internet, porque esta: “aumenta a acessibilidade, a visibilidade e a popularidade da ciência e da pesquisa científica, como conseqüência, também aumenta as citações e impactos da pesquisa ou impactos educacionais de um periódico de divulgação ou um artigo científico”. De forma mais ampla, Massarani, Turney e Moreira ( 2005), estudiosos da divulgação científica, estendem as repercussões das tecnologias ao papel da ciência na sociedade: a ciência, que hoje exibe também a face de tecnociência, é o grande empreendimento do mundo moderno. Ela e sua parceira, agora inseparável, a tecnologia, habitam nosso mundo material e intelectual, presidem boa parte das relações econômicas e de poder entre os povos e adentram nossas vidas individuais. A partir daí, uma questão se impõe: até onde chegam as informações da divulgação científica? Atingirão todo e qualquer cidadão? Ou ainda precisam de mecanismos e procedimentos que viabilizem a concretização de sua função social? Nesse sentido, o caráter educativo da divulgação científica é uma dimensão a ser amplificada. Essa função é muito semelhante ao conceito de alfabetização científica (“scientific literacy”), cujo significado está próximo de “cultura científica” e “compreensão pública da ciência”, expressão em moda nos círculos educacionais dos Estados Unidos e Inglaterra, segundo Durant (2005). No Brasil, o papel educacional da divulgação científica é reconhecido por diferentes autores, e há alguns anos atrás já era enfocado por aquele que é considerado o pai da divulgação científica no Brasil, José Reis (apud Gonçalves e Reis, 1999, p. 59), que identifica duas funções que se completam, uma de ensinar, “suprindo ou ampliando a função da própria escola”, e outra de fomentar o ensino, que se desdobraria no “...despertar o interesse público pela ciência...”, no elevar o nível didático das escolas, e “despertar vocações e orientá-las...”. Do ponto de vista político, das decisões do poder, das políticas públicas, podemos asseverar que a divulgação científica, inicialmente impulsionada no Brasil pelos próprios cientistas, como José Reis, e com tímidas iniciativas nas instituições de ensino e pesquisa, passou a ser incorporada nos planos governamentais a partir da criação de um Departamento de Popularização e Difusão da Ciência, na Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social SECIS, no Ministério da Ciência e Tecnologia-MCT, criado por decreto sancionado em 9/6/2004. Sob a coordenação desse Departamento e promoção dos institutos de pesquisa do MCT e instituições de pesquisa e ensino é realizada a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, com atividades para o público em geral, por todo o território nacional, muitas em ambientes abertos. Não pode deixar de ser mencionado que a primeira cátedra em Divulgação Científica no mundo, aprovada pela UNESCO, em janeiro de 2005, tem por sede o Núcleo José Reis de Divulgação Científica (NJR), (VALERIO, 2005) Outros fatos evidenciam a institucionalização da divulgação cientifica no Brasil e até a inserção do nosso País na agenda internacional da questão, o que pode ser exemplificado com a realização no Rio de Janeiro, em 2004, do Workshop para a Popularização da Ciência e Tecnologia, promovido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em parceria com o MCT e tendo o Museu de Astronomia (MAST) e Ciências afins como executor do evento. (VALERIO, 2005, p.68). Algumas Instituições, como o citado MAST, se anteciparam na promoção sistemática de ações para divulgação científica, o que gradativamente foi sendo incorporado por outras entidades de pesquisa e ensino. Sem contar cursos, associações, e o número cada vez maior de periódicos e páginas de jornal, programas de rádio e televisão e portais sobre divulgação científica. O Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), atualmente muito voltado à responsabilidade social da informação, no âmbito dos projetos para inclusão tecnológica, informacional e social, também se engajou nos compromissos da divulgação científica e lançou, em 2003, um portal com esse propósito, o CanalCiência. Esta iniciativa se junta a muitas outras de instituições de ensino e pesquisa, cada vez mais preocupadas e desenvolvendo ações visando a divulgação científica. Este Portal representa um dos novos serviços do mundo contemporâneo que surgiram com a Sociedade da Informação e do Conhecimento, conforme expresso por Noruzi (2008): A popularização da ciência na sua forma eletrônica está estreitamente relacionada ao surgimento e ao desenvolvimento da Web nos anos 1990 [...] a popularização da ciência foi cada vez mais envolvida com a sociedade baseada na Web. Consequentemente, a Web se tornou um importante suporte técnico para a popularização da ciência. Mas a divulgação científica está muito além, transcende as tecnologias, recursos poderosos em termos das possibilidades e vastidão de acesso, e de condições mais ricas, como a multimídia, para criar produtos e serviços de informações motivadores e estimulantes da aprendizagem. Nesse sentido, a noção de complexidade é fundamental. Quando Morin (2007) fala sobre ética e política, faz oportunas observações, nas quais inclui este conceito que lhe é tão caro e sobre o qual tanto tem produzido. Este pensador contrapõe a não aceitação da dissolução da ética na política à política serva da ética. Nesta relação, de complementaridade dialógica, há dificuldades, incertezas e às vezes contradições: Quanto mais a política atua no que a sociedade tem de complexo, mais são imperiosos os imperativos éticos da liberdade e direitos: quanto mais se degradam as solidariedades e comunidades, mas elas são necessárias. Nesse sentido, uma política da complexidade carrega permanente aporia. Mais do que a complexidade, para a responsabilidade social e ética da divulgação científica, a antropoética de Morin (2007) pode desvendar ou revelar o cerne de sua função ou o seu papel essencial .A antropoética “é mediada pela decisão individual consciente, pela auto-ética” Para tal , deve ser esclarecida pela antropologia complexa ou “o modo ético de assumir o destino humano”. Entre os pressupostos formulados, alguns são mais estreitamente ligados à teoria e prática da divulgação científica, em relação à filosofia de sua concepção e ações , ao pensar o público a que se dirige: - “assumir uma razão dialógica entre a nossa razão e nossas paixões”; - “civilizar nossa relação com as idéias mestras, que permanecem monstros possessivos, autoritários, violentos”; - “reconhecer no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade”; - manter contra ventos e marés a consciência que nos permite, simultaneamente, a autocrítica, a crítica e a compreensão”; e - saber que não existe piloto automático em ética, a qual sempre enfrentará escolha e aposta e sempre necessitará de uma estratégia”. Como exemplo podemos ressaltar que em 2008 começou a ser pensada, no CanalCiência, uma dupla ação de mútuo reforço educacional, reunindo a divulgação científica com a competência em informação (“information literacy”) ou alfabetização informacional, o que pode ser considerado inovador em termos de informação. A competência em informação “requer uma série de novas habilidades, incluindo como localizar e usar a informação necessária para a solução de um problema e para a tomada de decisão eficiente e efetivamente” ou pode ser representada pela busca de informação como “um processo de construção que envolve a experiência de vida, os sentimentos, bem como os pensamentos e as atitudes de uma pessoa” (HASTSCHBACH, 2002 apud PINHEIRO et alii, 2009). Como instrumento desta nova ação foi elaborado no CanalCiência um Guia informacional”, no qual para cada pesquisa divulgada, sinteticamente, foram relacionadas questões visando a competência em informação, principalmente na Web. O Guia está disponível na Internet e é apresentado também em versão impressa e CD-Rom. Esta dupla atividade vem sendo testada em Oficinas abertas a educadores e alunos, que ocorrem especialmente durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Seu alcance pode ser constatado por um exemplo muito significativo na fala de um aluno: Fiquei muito feliz pela oportunidade de participar daquela Oficina, ela tem sido muito importante pra mim, pra minha família e até pros meus amigos que tem aproveitado com mais propriedade o acesso às informações na Internet; - Nunca tinha pensado de verdade na responsabilidade do uso da informação na Internet!; Aprendi muito, porque não sabia usar a informação! Esta manifestação, uma no meio de muitas, vêm orientando e podem sinalizar que ações de informação têm potencial para além da transmissão de informação e conhecimento e podem interferir no futuro e ser transformadoras da vida e do destino do cidadão. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. 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Trabalho apresentado no evento EDULEARN09-International Conference on Education and New Lerarning Technologies, Barcelona, Spain, 6th -8th July 2009. Available: CD-ROM e em: <http://www.iated.org/concrete2/paper_detail.php?paper_id=6346> PINHEIRO, Lena V. R.; VALERIO, Palmira M.; SILVA, Márcia R. Marcos históricos e políticos da divulgação científica no Brasil. In: BRAGA, Gilda Maria; PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro (Orgs.). Desafios do impresso ao digital: questões contemporâneas de informação e conhecimento. Brasília: IBICT; Unesco, 2009. p. 259- 289 REIS, José, GONÇALVES, Nair Lemos. Veículos de divulgação científica. In: KREINZ, Glória, PAVAN, Crodowaldo (orgs.). Os donos da paisagem. São Paulo: Publicações NJR, 2000. p. 7-69. (Divulgação científica, 3). RIBEIRO, Renato Janine. Ética, ação política e conflitos na modernidade. In: MIRANDA, Danilo Santos de (org.). Ética e cultura. São Paulo: Perspectiva: SESC São Paulo, 2004. p.65-88 ( Debates, 299) VALERIO, Palmira Maria Caminha Moriconi. Periódicos científicos eletrônicos e novas perspectivas de comunicação e divulgação para a ciência. 2005. Tese (Doutorado Ciência da Informação)- CNPq/IBICT-ECO/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005. Orientadora: Lena Vania Ribeiro Pinheiro A CONSCIÊNCIA POSSÍVEL PARA UMA ÉTICA DA INFORMAÇÃO NA SOCIEDADE EM REDE Isa Maria Freire* 1 INTRODUÇÃO Nosso propósito, neste trabalho, é seguir o fio das reflexões já realizadas em trabalhos anteriores a propósito da responsabilidade social dos profissionais da informação, de modo a tecer uma rede conceitual onde se entrelacem as idéias de ética da informação, inteligência coletiva e utopias planetárias, no contexto do regime de informação da sociedade em rede. Nessa abordagem, o padrão que une a trama desses fios é a possibilidade de inclusão social mediante a difusão das tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs), especialmente para comunidades economicamente carentes. Os construtos e procedimentos que usamos para construir a tessitura do texto estão disponíveis em Araújo (1994; 2001), Araujo; Freire, 1999, Assmann (2000), Castells (1999; 2003), Freire (1996; 2001; 2004; 2005; 2006; 2008), Ginzburg (1989), Goldmann (1970; 1979), González de Gómez (1999; 2003; 2004), Lazarte (2000), Lévy (1999; 2000), Mattelart (2002), Pinheiro (2009), Quéau (2001), Rondelli (2003), Wersig (1993) e Wersig e Neveling (1975). Os indícios da relevância das tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs), na economia e no cotidiano da população brasileira, são revelados nas estatísticas do Comitê Gestor da Internet (2007) e da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (2006), bem como no mapa da inclusão digital do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (2008), e estão disponíveis para consulta na Internet1. O tema da inclusão digital, por sua vez, já adentrou no imaginário popular brasileiro, como se pode observar na letra do samba enredo da Portela para 2010, onde as ideias e os vocabulários da informática e das utopias planetárias se fazem presente ― destacando-se a metáfora da ‘ciência como luz’ ― e se entrelaçam num discurso apoteótico, como mostramos no quadro a seguir: 1 Portela segue os passos da Povos, raças, em comunhão evolução... Vai meu verso ao mundo Liberdade! ensinar Num clique derruba barreiras É preciso navegar! Deleta fronteiras da realidade Brilhou no céu mais um Desperta o bem social sinal Acessa o amor digital Cruzando o espaço sideral Faz da criança inspiração Portela... Portal cultural de Pro futuro da nação um país Na rede nossas vidas vão se Um link com a nossa raiz transformar Rainha da Passarela Do ventre mais um ser nascerá Revela um Rio de paz pra O Dia de Graça que o mestre viver cantou A senha de um amanhecer Já raiou! Mais feliz O meu pavilhão é minha paixão! Minha águia guerreira Ver endereços em Referências. A luz da ciência é ela... Vai voar... Viajar! É samba, é jaqueira que não vai Pousar no sonho de ganhar tombar o carnaval Sou Portela! E conquistar o mundo Mãos unidas pela inclusão virtual! Quadro 1 – NOGUEIRA et al. 2010.Negrito e itálico nossos. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=w4XiVoIe69k> Esperamos que o contexto criado em nosso tear interdisciplinar, possa contribuir para revelar os indícios de uma consciência possível para a utopia planetária sobre uma ética da informação, na sociedade contemporânea. 2 A TECNOLOGIA DA SOCIEDADE EM REDE A teia mundial da informação é o objeto das reflexões do sociólogo Manuel Castells (2003, p.8), que refraseia MacLuhan para expressar as possibilidades de comunicação na Galáxia da Internet: “a rede é a mensagem”. A relevância da Internet para a sociedade contemporânea seria tal que ele a define como “o tecido de nossas vidas”, especialmente por constituir a urdidura tecnológica para “a forma organizacional da Era da Informação: a rede”. Nesse processo, a diferenciação entre os que têm e os que não têm acesso à Internet, acrescentou uma nova forma de desigualdade e exclusão social às já existentes, a exclusão digital. Em janeiro de 2003 (p.3), a Revista Inteligência Empresarial abordou o problema da inclusão digital com uma mensagem de alerta: “a distância entre os providos e os desprovidos digitais está se alargando”, entre e intra países. Essa distância, denominada por Sorj (2003, p.13) de “brecha digital”, resultaria da “distribuição desigual [..] dos recursos associados às tecnologias da informação e da comunicação”. E embora essas tecnologias não representem uma “solução mágica” para o complexo problema da desigualdade, sem dúvida “constituem [atualmente] uma das condições fundamentais da integração na vida social” (SORJ, 2003, p.15). Em estudo pioneiro, Néri et al. (2003, p.5), relacionaram as políticas de inclusão digital e a lei de Moore2 com o objetivo de “subsidiar o entendimento de campanhas de doação de computadores”, definidas pelos autores como ações que buscam difundir o sucesso obtido pela tecnologia de ponta em grupos economicamente desfavorecidos, na premissa de que o “analfabetismo digital, ao afetar a capacidade de aprendizado, a conectividade e a disseminação de informações, gera conseqüências virtualmente em todos os campos da vida do indivíduo”. Para Rondelli (2003), entretanto, a alfabetização digital é apenas uma parte do processo de inclusão digital, constituindo “a aprendizagem necessária ao indivíduo para circular e interagir no mundo das mídias digitais como consumidor e como produtor de seus conteúdos e processos”. Também para Lazarte (2000, p.51), os elementos necessários para inclusão não devem contemplar apenas o acesso físico à infra-estrutura e a conexão em rede e computadores, mas, especialmente, a capacitação das pessoas para utilizar estes meios de comunicação da informação e, principalmente, para criar a “possibilidade de uma incorporação ativa no processo todo de produção, compartilhamento e criação cultural”, os chamados conteúdos. Nesse contexto, Castells (2003, p.18) aponta que A questão crítica é mudar [...] para o aprendizado-de-aprender, uma vez que a maior parte da informação [estará] on-line e o que realmente 2 Segundo essa lei, nos últimos 30 anos a unidade de potência dos computadores tem dobrado a cada 18 meses. Nesse cenário, a alta obsolescência tecnológica dos computadores levaria à possibilidade de doação de equipamentos computacionais em bom estado a grupos sociais economicamente carentes. (NÉRI et all., 2003) [será] necessário é a habilidade para decidir o que procurar, como obter isso, como processá-lo e como usá-lo para a tarefa específica que provocou a busca de informação. Em outras palavras, o novo aprendizado é orientado para o desenvolvimento da capacidade educacional de transformar informação e conhecimento em ação (DUTTON, 1999)3. Pois na medida em que permitem que se estabeleçam relações descentralizadas e verticalizadas entre produtores e consumidores de informação e conhecimento, as mídias digitais possibilitam que ambos possam permutar suas funções e papéis sociais, ora como produtores, ora como consumidores dos processos e conteúdos que circulam na mídia digital. Por isso mesmo, Rondelli (2003) entende que “processos de inclusão só ocorrem se a ampliação do acesso à qualquer uma das mídias existentes for acompanhada da inserção dos indivíduos em um universo cultural e intelectual mais rico que os motivem a utilizá-las [...]”. Ademais que, como coloca Morin (1991, p.75), [..]. a cultura constitui um sistema generativo de alta complexidade [...] Neste sentido, a cultura deve ser transmitida, ensinada, aprendida, quer dizer, reproduzida em cada novo indivíduo no seu período de aprendizagem, para poder se autoperpetuar e para perpetuar a alta complexidade social. É nesse sentido que Assmann (2000, p.15) destaca que “as políticas públicas podem fazer a diferença”, de modo a favorecer o crescimento de uma sociedade da informação onde todos tenham “acesso a uma quota parte mínima dos novos serviços e aplicações” das tecnologias digitais de informação e comunicação. Isto se torna necessário e urgente, porque 3 Sobre o conceito de informação como “conhecimento em ação” no campo da Ciência da Informação, ver: ARAUJO; FREIRE, 1999. As novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades ativas. São algo tecnologicamente novo e diferente. As tecnologias tradicionais serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos (braço, visão, movimento etc.). As novas tecnologias ampliam o potencial cognitivo do ser humano (seu cérebro/mente) e possibilitam mixagens cognitivas complexas e cooperativas. (ASSMANN, 2000, p.15) Desse modo, uma parceria cognitiva se estabelece entre o ser humano e as máquinas inteligentes, uma vez que o papel das tecnologias de informação e comunicação [...] já não se limita à simples configuração e formatação, ou, se quiserem, ao enquadramento de conjuntos complexos de informação. Elas participam ativamente do passo da informação para o conhecimento. Está acontecendo um ingresso ativo do fenômeno técnico na construção cognitiva da realidade. Doravante, nossas formas de saber terão um ingrediente [...] derivado da nossa parceria cognitiva com as máquinas que possibilitam modos de conhecer anteriormente inexistentes. Em resumo, as novas tecnologias têm um papel ativo e coestruturante das formas do aprender e do conhecer. Há nisso, por um lado, uma incrível multiplicação de chances cognitivas, que convém não desperdiçar, mas aproveitar ao máximo. (ASSMANN, 2000, p.11) Por isso mesmo, a democratização do acesso às tecnologias digitais de informação e comunicação deveria ser vista como elemento fundamental nas políticas inclusão social. Nesse sentido, Assmann (2000, p.6) aponta para a necessidade de formulação de políticas públicas que possam ajudar as populações economicamente carentes a se beneficiarem das vantagens do progresso tecnológico, promovendo “o acesso universal à info-alfabetização e à info-competência” de modo a reforçar o caráter democrático da sociedade da informação e difundir a cultura emergente. Contudo, Dürmaier (2009, p.142) aponta que, [..] passada uma década da aprovação da Declaração do Milênio, no transcurso da qual foram estabelecidos os diversos pactos mundiais da Sociedade da Informação, a controvérsia sobre o papel das TICs na promoção da democracia, da justiça e do bem comum [...] permanece como desafio para países em desenvolvimento substanciar conceitualmente e prover quantitativamente políticas de inclusão plenas4. Sendo este um problema socialmente significativo, Néri et al. (2003, p.5) assinalam que “é preciso desenvolver tecnologias para o uso da tecnologia da informação no combate à pobreza e à desigualdade”, uma vez que [...] o acesso à informação torna-se um fator-chave na luta contra a pobreza, a ignorância e a exclusão social [e por essa razão] não se pode deixar apenas nas mãos das forças do mercado o cuidado de regular o acesso aos conteúdos das ‘autovias da informação’. Pois são esses conteúdos que vão tornar-se o desafio fundamental do desenvolvimento humano nos âmbitos da sociedade da informação. (QUÉAU, 2001, p.476) Com relação a esse desafio, lembramos as sugestões de Araújo (2001, p.12) no que diz respeito à atuação dos cientistas e profissionais da informação, na sociedade em rede: 4 Pereira (2009) identificou que as ações derivadas de políticas públicas de inclusão, em geral, não ultrapassam o nível de simples acesso à Internet. [...] criar tecnologias, construir ferramentas [intelectuais] e sistemas mais eficazes, não só para gerenciar informação, mas, também para facilitar ao ser humano a transformação da informação em conhecimento e, conseqüentemente, em ação na sociedade. Entretanto, como fazê-lo de forma distributiva e democrática? A nosso ver, a tarefa depende menos da nossa ação no mundo, como sujeitos individuais ou coletivos, e muito mais da nossa conscientização sobre o poder transformador da informação, [Pois] se a informação é a mais poderosa força de transformação do homem [o] poder da informação, aliado aos modernos meios de comunicação de massa, tem capacidade ilimitada de transformar culturalmente o homem, a sociedade e a própria humanidade como um todo. (ARAUJO, 1994. p.84) E aqui se revela um pressuposto na nossa abordagem: a responsabilidade dos profissionais da informação na sociedade contemporânea, muito menos no que diz respeito à competência no uso das tecnologias e muito mais no que representa como uma visão de mundo5. Essa visão nos remete à aposta de Pascal retomada por Lucien Goldmann (1954) como fundamento da filosofia dialética: [...] A aposta é fundamentalmente a expressão do paradoxo do homem e sua condição. Para que o homem viva como homem, ele deve engajar sua vida sem reservas, na esperança de um valor autêntico cujo sinal mais claro é que ela é realidade. É o paradoxo fundamental 5 Conforme Goldmann (1979, p.99 citado por FREIRE, 2001, p.72), as visões do mundo são fatos sociais e as obras filosóficas e artísticas configuram “expressões coerentes e adequadas dessas visões do mundo”. São expressões individuais e sociais ao mesmo tempo. (GOLDMANN, 1979, p.140 citado por FREIRE, 2001, p.73) Uma visão de mundo também pode ser abordada como expressão da “consciência possível” de um grupo ou sujeito coletivo da sociedade (GOLDMANN, 1970; FREIRE, 1996). da condição humana: a união dos contrários, a união do espírito e da matéria, [...] porque essa realidade dupla é encarnação. [...] [Em Georg Lukàcs,] reaparece essa idéia de que ser homem significa engajar sem reservas sua existência na afirmação eternamente improvável de uma relação possível entre o dado sensível e o sentido, entre deus e a realidade empírica atrás da qual ele se esconde, relação [...] que não se pode demonstrar e na qual, entretanto, é necessário engajar toda sua existência. (GOLDMANN, 1979, p.194-196. Em itálico, no original)6 Goldmann (1979) aposta na capacidade dos indivíduos construírem uma verdadeira comunidade humana no futuro e fundamenta nossa reflexão sobre o papel dos profissionais da informação, o qual, a nosso ver, seria o de contribuir, de um lado, para ampliar a teia mundial de comunicação da informação e, de outro, para diminuir a exclusão digital, aumentando as possibilidades de livre acesso aos estoques de informação. Isso porque, a partir do século XXI, O acesso à informação torna-se um fator-chave na luta contra a pobreza, a ignorância e a exclusão social. Por essa razão não se pode deixar apenas nas mãos das forças do mercado o cuidado de regular o acesso aos conteúdos das “autovias da informação”. Pois são esses conteúdos que vão tornar-se o desafio fundamental do desenvolvimento humano nos âmbitos da sociedade da informação. (QUÉAU, 2001, p.479) Neste modelo, “o futuro é agora” (FREIRE, 2003), pois não estamos mais no espaço territorial, mas no ciberespaço7, cenário construído a partir das 6 O texto original é datado de 1954. Sobre a “aposta” de Goldmann no campo da Ciência da Informação, ver FREIRE, 2001. 7 “[...] palavra de origem americana, empregada pela primeira vez pelo autor de ficção científica William Gibson, em 1984 no romance Neuromancien. [...] designa ali o universo das redes digitais, como lugar de encontros e de aventuras, [...] nova fronteira econômica e tecnologias digitais de informação e comunicação em rede criadas no início dos anos 1980 e que se tornaram um fenômeno econômico e cultural: redes mundiais de universitários e pesquisadores, redes empresariais, correios eletrônicos, comunidades virtuais e outras. Nesse contexto, [...] tendências fundamentais, já atuantes há mais de 25 anos, farão sentir cada vez mais seus efeitos [...]. O atual curso dos acontecimentos converge para a constituição de um novo meio de comunicação, de pensamento e de trabalho para as sociedades humanas. (LÉVY, 2000, p.11. Em itálico, no original.) Na visão de Wertheim (2001, p.32), [...] o ciberespaço está vindo à luz numa explosão ante nossos próprios olhos [...] Estamos testemunhando o nascimento de um novo domínio, um novo espaço que simplesmente não existia antes. [...] temos aqui uma versão digital da expansão cósmica de Hubble, um processo de criação de espaço. [...] Em meados de 1998, cem milhões de pessoas estavam se conectando regularmente com a Internet e estima-se que na próxima década haverá perto de um bilhão de pessoas on-line. Já com trezentos milhões de páginas, a World Wide Web está crescendo em um milhão de páginas por dia. Esse espaço formou-se, a partir do nada, em pouco mais de um quarto de século, o que faz dele o ‘território’ de mais rápido crescimento da história. Nesse processo, a cibercultura [...] acompanha o desenvolvimento da Internet, do ciberespaço, mas também de novas técnicas de representação (imagens numéricas, cultural. [Hoje,] designa menos os novos suportes de informação do que os modos originais de criação, de navegação no conhecimento e de relação social, por eles propiciados” (LÉVY, 1999. p.104. Em itálico, no original). realidade virtual, televirtualidade, comunidades virtuais...). Ela é fundamentalmente ligada à mundialização em curso e às mudanças culturais, sociais e políticas, [e] apóia-se sobre esquemas mentais, modos de apropriação social, práticas estatísticas muito diferentes das que conhecíamos até agora [criando] uma enorme quantidade de comportamentos inovadores cujas conseqüências sociais e culturais ainda não puderam ser suficientemente estudadas. (QUÉAU, 2001, p.478) Assim, a nosso ver, mais do que criar tecnologias intelectuais inovadoras o verdadeiro desafio do campo da informação seria contribuir para criar, na sociedade em rede, uma consciência da imensa riqueza coletiva, em escala mundial, que o acesso gratuito ao domínio público mundial da informação representa. É nesse sentido que No centro da cibercultura se tece um desafio profundamente ético. Bem mais do que definir um código de conduta para a Internet ou uma regulação para o comércio eletrônico, trata-se de um debate necessariamente democrático sobre o futuro da sociedade mundial, com a participação mais ampla possível dos interessados, isto é, dos seis bilhões de cidadãos planetários. (QUÉAU, 2001, p.479) E, com essas colocações, nos aproximamos do padrão que [re]une nossa rede conceitual nesta comunicação sobre uma ética da informação para a sociedade presente e futura, cujos indícios logramos encontrar n’A inteligência coletiva de Pierre Lévy (2000) e na História da utopia planetária de Armand Mattelart (2002). 3 A UTOPIA PLANETÁRIA DE PIERRE LÉVY Embora não seja citado nas 432 páginas do livro, a proposta da inteligência coletiva8 de Pierre Lévy apresenta muitas das características de utopias planetárias citadas por Mattelart (2002) e identificadas ao longo da história humana registrada. Para Lévy (2000, p.60) podemos estar vivendo “um desses momentos extremamente raros em que uma civilização inventa a si própria, deliberadamente [de modo que] em pouco tempo, teremos passado [...] de uma humanidade a outra”. Nesse processo, “escolhas políticas e culturais fundamentais abrem-se diante dos governos, dos grandes atores econômicos, dos cidadãos. Não se trata apenas de raciocinar em termos de impacto [...] mas também em termos de projeto” (LÉVY, 2000, p.13. Em itálico, no original). Esse projeto seria coletivo, representando a oportunidade para o exercício de um novo humanismo, que inclui e amplia o ‘conhece-te a ti mesmo’ (do Oráculo de Delfos, adotado por Sócrates) para um ‘aprendamos a nos conhecer para pensarmos juntos’, generalizando o ‘penso, logo existo’ (de Descartes) para um ‘existimos eminentemente como comunidade’ (que, por sua vez, reflete a visão de Kant), sugerindo, para Lévy (2000), a hipótese da emergência de um novo espaço antropológico9. Nesse modelo, Lévy (2000, p.22) assinala que ao longo do tempo histórico as sociedades humanas desenvolveram espaços antropológicos a partir da possibilidade do primeiro grande espaço (a Terra) aberto à nossa espécie: “só os seres humanos vivem sobre a Terra; os animais habitam em nichos ecológicos”. Os modos de conhecimento específicos desse primeiro espaço são os mitos e os ritos: a identidade “se inscreve ao mesmo tempo no vínculo com o 8 Publicada originalmente em 1994. Definido como “um sistema de proximidade (espaço) próprio do mundo humano (antropológico) e, portanto, dependente de técnicas, de significações e das emoções humanas” (LÉVY, 2000, p.23). 9 cosmo e na relação de filiação ou de aliança com outros homens” (LÉVY, 2000, p.23). O segundo espaço, o Território, teria emergido com o neolítico e suas inovações sócio-culturais: a agricultura, a cidade, o estado e a escrita. Neste espaço os modos de conhecimento dominantes já se baseiam na escrita: “começa a história e o desenvolvimento dos saberes de tipo sistemático, teórico ou hermenêutico” e surgem as instituições orientadas por lógicas de pertencimento ou de exclusão. O terceiro espaço, das Mercadorias, tem o fluxo como princípio organizador: fluxo de energias, de matérias-primas, mercadorias, capitais, mãode-obra, informações. Este espaço não elimina os anteriores, contudo, [...] supera-os em velocidade. É o novo motor da evolução. A riqueza não provém do domínio das fronteiras, mas do controle dos fluxos. Daí por diante reina a indústria, no sentido amplo de tratamento da matéria e da informação. A ciência experimental moderna é um modo de conhecimento típico do novo espaço [...] Desde o fim da Segunda Guerra Mundial ela passa a dar lugar a uma ‘tecnociência’, movida por uma dinâmica permanente da pesquisa e da inovação econômica. (LÉVY, 2000, p.24) É nesse contexto que emerge, na sociedade contemporânea, o espaço caracterizado pela “inteligência e [...] saber coletivos, cujo advento definitivo não está em absoluto garantido por certas ‘leis da história’” (LÉVY, 2000, p.24) e que teria a vocação de comandar os demais espaços. Nesse espaço do saber, as tecnologias digitais de informação e comunicação nos permitem criar e percorrer mundos virtuais, colocando sobre novas bases os problemas do laço social e abrindo possibilidade não somente para pensarmos coletivamente a aventura humana, mas, principalmente, para influenciá-la “mediante invenção de formas de pensar e se relacionar que contribuam para fazer emergir inteligências coletivas na humanidade” (LÉVY, 2000, p.33). Na sociedade contemporânea, que conjuga o futuro no presente, isto se tornaria inadiável porque “o saber tornou-se a nova infra-estrutura” (LÉVY, 2000, p.19). Para Lévy (2000, p.18), a nova dimensão da comunicação humana no espaço do saber deveria nos permitir “compartilhar nossos conhecimentos e apontá-los uns para os outros, o que é a condição elementar da inteligência coletiva”. O problema da inteligência coletiva, nesse contexto, seria inventar uma linguagem “para além da escrita”, ou um processo de comunicação “para além da própria linguagem”, de tal modo que o “tratamento da informação pudesse ser distribuído e coordenado por toda parte” (LÉVY, 2000, p.18). Por sua vez, no espaço do saber seria necessário “engajar a singularidade, a própria identidade pessoal na vida profissional”, numa dupla mobilização subjetiva, “bastante individual, de um lado, mas ética e cooperativa, de outro” (LÉVY, 2000, p.23. Em itálico, no original).10 Nesse contexto, a inteligência coletiva representaria a possibilidade de uma sociedade humana mundialmente conectada em rede e fundada no “reconhecimento e enriquecimento mútuo das pessoas” (LÉVY, 2000, p.27). Contudo, o autor esclarece que [...] a inteligência coletiva não é um conceito exclusivamente cognitivo. Inteligência deve ser compreendida aqui como na expressão ‘trabalhar em comum acordo’ [...] Trata-se de uma abordagem de caráter bem geral da vida em sociedade e de seu possível futuro. [...] Essa visão de futuro organiza-se em torno de dois eixos complementares: o da renovação do laço social por intermédio do conhecimento e o da inteligência coletiva propriamente dita. (LÉVY, 2000, p.26. Em itálico, no original) Uma inteligência distribuída por toda parte: eis o axioma proposto por Lévy. Para ele, a inteligência coletiva tem início com a cultura e cresce com ela, 10 Nesse ponto, e a nosso ver, encontramos na utopia de Lévy (2000), indícios da filosofia de Pascal, conforme descrita por Lucien Goldmann (1979). pois pensamos “com idéias, línguas, tecnologias cognitivas recebidas de uma comunidade” que nos antecedeu (LÉVY, 2000, p.29). Em um coletivo inteligente, a comunidade assumiria como objetivo a “negociação permanente da ordem estabelecida, de sua linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a definição de seus objetos, a reinterpretação de sua memória” (LÉVY, 2000, p.31). Desse modo, o projeto da inteligência coletiva coloca-se como um “processo de crescimento, de diferenciação e de retomada recíproca das singularidades”, e nele uma engenharia do laço social torna-se extremamente relevante podendo ser vista como “a arte de suscitar coletivos inteligentes e valorizar ao máximo a diversidade das qualidades humanas” (LÉVY, 2000, p.32. Em itálico, no original). O núcleo da engenharia do laço social é a economia das qualidades humanas e sua ação implica uma ética da inteligência coletiva, encarnada num grupo da humanidade que Lévy chama de justos (LÉVY, 2000, p.33). Para exemplificar essa ética e seus praticantes, Lévy (2000, p.35) usa uma história bíblica bem presente no imaginário ocidental, como segue: [...] Gênesis, capítulos 18 e 19. Um grande clamor se ergue contra Sodoma e Gomorra devido a seus pecados. Tendo Deus resolvido destruir essas cidades, nas quais se cometiam muitas injustiças, decide falar primeiro a Abraão. [...] o patriarca enceta com o Eterno uma extraordinária sessão de negociação: “Talvez haja cinqüenta justos na cidade! [...]) Sucederia ao justo o mesmo que ao culpado?” [Na negociação,] Deus concede a Abraão a salvação da cidade, caso ali se encontrassem [...] dez justos apenas. Ao cair da noite, dois anjos chegam às portas de Sodoma. Nada, em sua aparência, indica que sejam enviados de Deus. Para todos, são pessoas de passagem [...] Lot, que estava sentado à entrada da cidade, convida esses estrangeiros à sua casa [...] segundo as regras da hospitalidade. Eles ainda não haviam se deitado quando a população de Sodoma se reúne em torno da casa de Lot e pede para ver os estrangeiros, ‘para deles abusar’. Lot se recusa a entregar seus hóspedes [...] A demonstração permitiu contar o número de justos em Sodoma: apenas um. [...]” Na interpretação de Lévy (2000, p.36 a 39 passim. Em itálico, no original), o texto mostra [...] a força de pessoas vivas e ativas, os ‘justos’, capazes de trabalhar para a existência do mundo humano. Qual o crime de Sodoma? A recusa à hospitalidade. [...] Ora, a hospitalidade representa eminentemente o sustentáculo do laço social, concebido segundo a forma da reciprocidade: o hóspede é tanto aquele que recebe como o que é recebido. E cada um deles pode se tornar estrangeiro. [...] A hospitalidade consiste em atar o indivíduo a um coletivo. Contrapõe-se inteiramente ao ato de exclusão. O justo inclui, “insere”, reconstitui o tecido social. Em uma sociedade de justos, e segundo a forma de reciprocidade, cada um trabalha para incluir os outros. [No mundo contemporâneo] onde tudo se move, onde todos são levados a mudar, a hospitalidade, moral dos nômades e migrantes, torna-se moral por excelência. Por que é preciso ao menos dez justos para que a cidade seja poupada? [...] Porque é preciso uma força coletiva para manter um coletivo. [...] Dez é o início do anonimato. São necessários pelo menos dez, pois os justos devem ter passado pela prova da sociedade dos justos. [...] Os justos só são eficazes, só conseguem manter a existência de uma comunidade constituindo uma inteligência coletiva. Abraão é o justo por excelência.[(...] Ao negociar com Deus [...] ele valoriza e desdobra ao máximo o potencial do bem; chama atenção para a bondade dos outros. [E] inventa a engenharia do laço social. Assim, a negociação de Abraão com Deus representaria a primeira tecnologia de otimização dos efeitos das menores qualidades positivas presentes em um coletivo humano: seja em nível das empresas, das administrações, ou ainda das regiões ou nações, na sociedade em rede as necessidades econômicas deverão se associar à exigência ética, pois “na economia do futuro, o capital será o homem total” (LÉVY, 2000, p.42). Nesse contexto, “a transmissão, a educação, a integração, a reorganização do laço social deverão deixar de ser atividades separadas. Devem realizar-se do todo da sociedade para si mesma, e potencialmente de qualquer ponto que seja de um social móvel a qualquer outro” (LÉVY, 2000, p.45. Em itálico, no original)11. Essa visão humanista do futuro nos leva de volta à História da utopia planetária de Mattelart (2002, p.230), que reconhece Paul Otlet e Henri La Fontaine como “visionários da universalidade do conhecimento humano”.12 O autor assinala que o texto de Otlet e La Fontaine sobre o ‘conhecimento universal’ é ao mesmo tempo um programa de ação e uma síntese do espírito das realidades do ‘internacionalismo’, um termo que nesta perspectiva não seria mais exclusivo do socialismo (MATTELART, 2002, p.232). Na sua História, Mattelart (2002, p.233) descreve o campo privilegiado de ação de Otlet e La Fontaine como ‘documentação’, e esclarece que 11 Aqui, novos indícios da visão de Pascal, considerado por Goldmann como criador do pensamento dialético: “[...] as partes do mundo têm todas tal relação e tal encadeamento entre si que acho impossível conhecer uma sem conhecer outra e sem conhecer o todo... Portanto, sendo todas as coisas causadas e causadoras, auxiliadas e auxiliadoras, mediatamente e imediatamente, e todas se intersustentando por um vínculo natural e insensível que une as mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, do mesmo modo que conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes” (PASCAL, Fragmento 72, citado por GOLDMANN, 1979, p.177). 12 Mattelart (2002, p.47-48) considera Otlet e La Fontaine como fundadores de uma “nova ciência da organização sistemática da documentação”, iniciativa que, a seu ver, “é produto de um espírito visionário”, característica que Figueiredo (1996, p.15) já havia ressaltado, em texto sobre Otlet e o Centenário da Federação Internacional de Informação e Documentação. [...] apesar de não ter cunhado o termo, eles fazem dele a base de uma nova ciência, tendo criado, em 1895, o Instituto Internacional de Bibliografia, com o objetivo de estudar ‘as questões concernantes ao Livro e à organização sistemática da Documentação em bases internacionais e universais’. Esse Instituto promoveu, em 1910, o primeiro congresso mundial das associações internacionais, onde se decidiu o lançamento da revista La Vie internacionale, que seria porta-voz de uma recém criada União das Associações Internacionais, à qual aderiram de imediato 32 organizações. A perspectiva social da União era indicada no programa: “Contribuir para desenvolver as relações além das fronteiras, para crescer a solidariedade humana e para assegurar a paz entre as nações” (MATTELART, 2002, p.233 e 234); sua “expressão lírica” foi transcrita como: “Fazer do mundo uma só cidade e de todos os povos uma só família”. A proposta de Otlet e La Fontaine tinha como objetivo não somente a universalização do conhecimento, mas, especialmente, que todos tivessem acesso à informação, a qual representaria a possibilidade de realização do conhecimento no indivíduo, no seu grupo e na sociedade. Nesse sentido, é possível entender como visionária “a idéia de bibliografia como registro, memória do conhecimento científico, desvinculada dos organismos, como arquivos e bibliotecas, e de acervos” (PINHEIRO, 1997, p.28), assim como identificar nas atividades do Instituto a origem da Ciência da Informação no contexto da emergência do espaço do saber. E aqui, relacionamos a utopia planetária de Otlet e La Fontaine ao conceito de inteligência coletiva de Lévy e ambos ao contexto da Internet13, a qual engendra um mundo virtual que propicia possibilidades reais para criação de novas formas de universalização do conhecimento humano. Nesse sentido, temendo que o ciberespaço seja reservado à elite, Lévy (2000, p.65) destaca a 13 Ver FREIRE, 2005. necessidade e urgência de democratizar o acesso às tecnologias digitais de informação e comunicação, de modo a oferecer “a uma coletividade o meio de proferir um discurso plural, sem passar por representantes”. Suas previsões são de que [...] a capacidade mínima para navegar no ciberespaço se adquirirá provavelmente em tempo muito menor que o necessário para aprender a ler e, como a alfabetização, será associada a muitos outros benefícios sociais, econômicos e culturais além do acesso à cidadania. [...] A democracia em tempo real visa a constituição do ‘nós’ mais rico.14 (LÉVY, 2000, p.63 e 67) Como acredita que as redes de comunicação e as memórias digitais serão, em breve, suporte para a maioria das representações e mensagens em circulação no planeta, Lévy (2000) defende a hipótese de que é possível, e até desejável, produzir dispositivos que encarnem ou materializem efetivamente a inteligência coletiva: [...] temos em mente vastas redes digitais, memórias, informáticas, interfaces multimodais interativas, rápidas e nômades das quais os indivíduos poderão se apropriar facilmente. Imaginamos, sobretudo, uma relação com o saber diferente da que hoje prevalece, a instauração de um espaço de comunicação não-midiático, uma profunda renovação das relações humanas [...] uma reinvenção da democracia. (LÉVY, 2000, p.94). 14 A propósito do sujeito coletivo (‘Nós’), observem o que diz Goldmann: “[...] Quase nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado. O sujeito da ação é um grupo, um ‘Nós’, mesmo se a estrutura atual da sociedade, pelo fenômeno da reificação, tende a encobrir esse ‘Nós’ e a transformá-lo numa soma de várias individualidades distintas e fechadas umas às outras. Há entre os homens uma outra relação possível além da relação de sujeito a objeto ou da de Eu e Tu: é uma relação de comunidade que chamaremos o ‘Nós’, expressão de uma ação comum sobre um objeto físico ou social” (GOLDMANN, 1979, p.1819. Em itálico, no original). Desse modo, Lévy (2000, p.208 e 147) termina por afirmar sua inteligência coletiva como “uma utopia do instável e do múltiplo”, que responderia “a uma ética do melhor, mais que a uma moral do Bem”, definindo os coletivos intelectuais como “meios humanos que encorajam as subjetividades a se singularizar continuamente”. Para ele, “o projeto da inteligência coletiva não adia a [possibilidade da] felicidade para mais tarde [dando] seqüência à proposta de emancipação da filosofia das Luzes” (LÉVY, 2000, p.209). É esse quadro referencial que nos permite situar a inteligência coletiva de Lévy (2000) no âmbito das utopias planetárias e, como corolário, indício de uma consciência possível para uma ética na sociedade em rede. Na Figura 1, a seguir, desenhamos a rede do texto, tendo como atrator conceitual (WERSIG, 1993) o construto inteligência coletiva: Campo científico da informação: Construtos teóricos e metodológicos Sociedade em rede Regime de informação [possibilidade de acesso à informação e de [contexto, González de Gómez, 1999; comunicação, Araujo, 1994; Araujo e Freire, 1999; 2003; 2004; Unger; Freire, 2008] Tecnologia da informação Inteligência coletiva [feixes de propriedades ativas na [uma inteligência distribuída por Paradigma indiciário cognição, Araujo, 2001; Assmann, 2000; [procedimentos, Freire, 2001; Lazarte, 2000; Wersig, 1993] 2008; Ginzburg, 1989] Inclusão digital Utopia planetária [possibilidade de inclusão social, Freire, 2005, [o padrão que une, Freire, 2001; 2005; 2006a; Néri et al., 2003; Rondelli, 2003; Ginzburg, 1989; Mattelart, 2002] Sorj, 2003] Consciência possível Responsabilidade Social CI [visão de mundo, Freire, 1996; 2001; 2004; [facilitar a transmissão do conhecimento, Goldmann, 1970] Freire,1995; 2001; 2006b; Wersig e Neveling, 1975] Ética da informação [Freire, 2004, 2005; Goldmann, 1979; Lévy, 2000; Quéau, 2001] Figura 1 – Rede conceitual do texto. FREIRE, 2010. Adaptado de WERSIG, 1993; FREIRE, 2001. Legenda: Linha contínua = a urdidura da rede; Linha pontilhada = os fios da trama 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse cenário de transformações reais, cresce a responsabilidade social dos profissionais da informação, tanto como produtores de conhecimento no campo científico quanto como facilitadores na comunicação da informação para usuários que dela necessitem, na sociedade, independentemente dos espaços sociais onde vivem e dos papéis que desempenham no sistema produtivo. Crescem, também, as possibilidades de serem criados instrumentos para efetiva comunicação da informação e do conhecimento, de modo a apoiar atividades que fazem parte do próprio núcleo de transformação da sociedade: “Pois embora a informação sempre tenha sido uma poderosa força de transformação, o capital, a tecnologia, a multiplicação dos meios de comunicação de massa e sua influência na socialização dos indivíduos deram uma nova dimensão a esse potencial” (ARAUJO, 2001, p.15). Essa visão pode significar um novo olhar sobre a prática, os conceitos e tecnologias disponíveis no campo da Ciência da Informação. Um olhar que contemple verdadeiramente o nosso ‘outro’, o usuário, e possa se traduzir no desenvolvimento de uma práxis1 que nos aproxime, o mais possível, das pessoas e grupos nos quais a informação que produzimos poderá se manifestar como possibilidade de conhecimento. Pois atualmente estamos presenciando a ‘nova relevância de um fenômeno antigo’, a informação, cuja área de ação e atuação, ao longo do século XX, cresceu de tal modo a identificar-se com a sociedade contemporânea, 1 Conforme Konder (1992, p.97-115 passim), no grego antigo a palavra “designava a ação que se realizava no âmbito das relações entre as pessoas, a ação intersubjetiva, a ação moral, a ação dos cidadãos. [No pensamento marxista,] é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, [nesse processo,] transformando-se a si mesmos. É a ação que [...] precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática”. qualificada como ‘sociedade da informação’. Neste contexto, acrescentamos a contribuição de Quéau (2001, p.480) ao quadro das utopias planetárias, quando coloca que “o mundo precisa de uma visão, de um projeto que possa levar em conta [todos os indivíduos], especialmente os mais pobres e mais deserdados”. Como Lévy (2000), ele elege o estrangeiro o símbolo da diferença por ser a imagem do ‘outro’, lembrando que existem muitos ‘outros’: “o desempregado, o pobre ou o iletrado. [Estes,] quase por natureza, são excluídos da sociedade da informação” (QUÉAU, 1998, p.270). Enfim, encerrando essas breves reflexões, podemos considerar que no caso de uma ética para a sociedade da informação não há um manual de procedimentos a ser consultado, nem tampouco um mapa do caminho a seguir. O que, de certo modo, representa uma oportunidade histórica para a discussão e o posicionamento dos cientistas e profissionais da informação sobre formas de atuação como inteligência coletiva, no sentido de pensar e desenvolver modos e meios para inclusão digital de populações social e economicamente carentes, pari passu com ações pela cidadania e inclusão social. Como a vivência de uma ética pessoal e coletiva que considere a possibilidade de contribuir para o acesso livre à informação pelos mais diferentes grupos sociais. Transportar, nas asas da informação2, o conhecimento para todos aqueles que dele necessitem: esta seria, a nosso ver, a parte que nos cabe na tarefa coletiva de construir uma sociedade em rede democrática e justa. Porém, este é um trabalho que as utopias planetárias podem até inspirar, e um sujeito coletivo como a Ciência da Informação pode até tomar como mote. Mas que caberá aos sujeitos individuais realizarem no anonimato existencial de cada vida, desde que vivida para apostar na unidade do gênero humano e numa filosofia de mútua reciprocidade e solidariedade. Para não esquecer que o ‘outro’ sou eu, na dupla hélice do DNA. 2 Uma metáfora que criamos para o conceito de informação como “representação do conhecimento” proposto por Farradane (1980), e que usamos para ilustrar a proposta de Wersig e Neveling (1975) sobre a responsabilidade social da Ciência da Informação. REFERÊNCIAS ARAUJO, V.M.R.H. de. Miséria informacional. O paradoxo da subinformação e superinformação. Revista Inteligência Empresarial, n.7, abril 2001. ARAUJO, V.M.R.H. de. Sistemas de recuperação da informação: nova abordagem teóricoconceitual. Rio de Janeiro, 1994. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura). Escola de Comunicação da UFRJ, 1994. ARAUJO, V.M.R.H. de; FREIRE, I.M. Conhecimento para o desenvolvimento: reflexões para o profissional da informação. 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A PESQUISA E SUAS APLICAÇÕES EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: Implicações éticas Armando Malheiro da Silva* 1 Da Epistemologia à Ètica O desafio, lançado através do convite a participar no I Simpósio Brasileiro de Ética da Informação, teve como consequência imediata sentirmos, claramente, a necessidade de reflectir sobre a concepção epistemológica, que de há uns anos vimos traçando para a Ciência da Informação, ensinada e debatida no âmbito das iniciativas científico-pedagógicas (Licenciatura e Mestrado), levadas a cabo, em parceria, pelas Faculdades de Engenharia e de Letras da Universidade do Porto. Convém frisar que esta comunicação marca quer o início de uma trajectória que, certamente, será retomada e prosseguida, quer a pertinência de se dotar um projecto epistemológico, como o que foi esboçado no livro Das “Ciências” Documentais à Ciência da Informação (SILVA; RIBEIRO, 2002) e tem sido desenvolvido e aperfeiçoado desde então, de uma análise de cariz ético. Análise essa que tem de permitir evidenciar as implicações de ordem ética, patentes tanto no plano da pesquisa, elaborada pela C.I., como no dos efeitos e das consequências provocados pelas aplicações que uma ciência social aplicada, categoria em que é incluída a C.I., naturalmente tende a gerar e a estimular nos mais diversos sectores de actividade e em articulação operacional com outros domínios científicos e tecnológicos. Esse plano dos efeitos concretos das aplicações revela-se no campo profissional e aí temos o imperativo dos códigos deontológicos, que regulam e balizam as attitudes e práticas comportamentais dos agentes e colaboradores. Até agora, temo-nos focado e preocupado com a reflexão e a indagação sobre as condições internas e externas do conhecimento científico, produzido e acumulado no decurso da “existência útil” da C.I. Em sentido amplo, epistemologia é definida como um ramo da Filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados com a crença e o conhecimento: investiga a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento. Nesta acepção radical e ampla, a epistemologia é equivalente a outros termos e expressões como filosofia do conhecimento, teoria do conhecimento ou ainda gnoseologia, inscrevendo-se, aí, algumas questões axiais ou “clássicas”: será que o ser humano conseguirá algum dia atingir realmente o conhecimento total e genuíno, fazendo-nos oscilar entre uma resposta dogmática ou empirista? Haverá realmente a distinção entre o mundo cognoscível e o mundo incognoscível? Por quais faculdades atingimos o conhecimento? Haverá conhecimento certo e seguro em alguma concepção a priori? A busca de respostas adequadas a estas e outras questões correlatas processa-se, há milénios, no interior da Filosofia, enquanto mais recentemente, a partir de meados do séc XIX, a fulgurante ascensão da Ciência Moderna e a sua crise, posta a nu, muito especialmente, pelos dois conflitos ocorridos na Europa e com ramificações noutras latitudes do planeta (a Grande Guerra, 1914-1918 e a II Guerra Mundial, 1939-1945), tornou inevitável uma especificação da espistemologia, isto é, a sua ressignificação em sentido restrito: a reflexão crítica sobre a origem, a natureza, a evolução e os limites do conhecimento produzido por cada ciência. Usando uma metáfora, que nos parece sugestiva, esta epistemologia localizada e instrumental é uma espécie de dispositivo de controlo, que instalado num carro, faz o monitoramento do motor e de todos os componentes do veículo, indicando de imediato algum problema ou avaria, sua localização precisa, e possibilitando, assim, que a mesma seja resolvida e superada. Não se deve, pois, estranhar, tendo em conta esta metáfora, que os epistemólogos da Física tenham sido e sejam físicos, ou que os teóricos da história sejam historiadores, embora esta tendência não exclua, antes coexiste com o interesse dos filósofos pelos problemas epistémicos “particulares” das diversas ciências. E é, óbviamente, este o tipo de epistemologia em foco na presente intervenção… Quanto à Ética, partamos já da ideia básica de que se trata de outro ramo ou disciplina filosófica, cujo sentido nuclear podemos entreabrir pela via etimológica: a palavra vem do grego ethos, que significa modo de ser, carácter; no latim, mos ou mores (plural) significa costumes e daí derivou o termo moral. Ética e moral confundem-se em nível semântico, mas também não tem faltado quem as ouse distinguir. E entre várias distinções possíveis trazemos, pela sua razoabilidade, uma à colação: a Ética trata/estuda o que é bom para o indíviduo e para a sociedade, tendo em vista qual a natureza dos deveres na interacção pessoa e sociedade; a Moral é o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes e valores que guiam a conduta do indivíduo dentro do seu grupo social. A Moral é normativa, enquanto a Ética é teórica, procurando explicar e justificar os costumes de uma sociedade, bem como ajudar na resolução dos seus dilemas mais comuns. E, se é possível distinguir Ética de Moral, mais fácil e necessário se torna distingui-la da lei, embora esta tenha por base, natural e frequentemente, princípios éticos. Decorre, desta distinção, outra, que é subsequente: Ética não é deontologia e muito menos código deontológico, mas este será tanto melhor e oportuno, quanto mais e fundas raízes tiver na Ética. Fernando Savater, na sua Ética para um jovem (Ética para Amador, na versão espanhola e original), quase a finalizar o capítulo cinco, sintetiza bem o que, aqui, importa deixar claro: Creio que a primeira e indispensável condição ética é a de estarmos decididos a não viver de qualquer maneira: estarmos convencidos de que nem tudo vem a dar no mesmo, embora, mais tarde ou mais cedo, tenhamos que morrer. Quando se fala de “moral” pensa-se habitualmente nas ordens e costumes que é hábito respeitar, pelo menos na aparência e muitas vezes sem que se saiba bem porquê. Mas talvez o busílis da questão não esteja em submetermo-nos a um código ou em contrariar o estabelecido (o que é também submetermo-nos a um código, só que às avessas) mas em tentar compreender. Compreender porque é que certos comportamentos nos convém e outros não, compreender o que é a vida e o que é que pode fazê-la “boa” para nós, seres humanos (SAVATER, 1998, p. 68). O popular filósofo e especialista espanhol em Ética, através deste extracto, ajuda-nos a esclarecer que não nos preocupa discutir a deontologia do profissional da informação, assunto, sem dúvida, importante, tanto mais que um código deontológico pode e deve ser uma extensão bem conseguida de um sério debate ético, mas como estamos a abrir caminho por terreno que até agora não ousaramos explorar, o que realmente nos interessa é compreender as implicações éticas do processo de pesquisa e dos modos como as aplicações práticas são percebidas e assimiladas nos contextos a que se destinam. Neste sentido, torna-se necessário subdividir a Ética da Informação, que centraliza o título deste primeiro Simpósio, em um tópico específico reservado à Ética implicada no estudo científico do processo info-comunicacional. Para bem se perceber a diferença, que estamos a introduzir, valerá a pena destacar o esclarecimento com que Adam D. Moore e Kristene Unsworth decidiram abrir a introdução da obra colectiva Information Ethics: privacy, property and power: Information ethics is a relatively new area of study comprised of several distinct yet interrelated disciplines including applied ethics, intellectual property, privacy, free speech, and societal control of information. The various issues addressed within these disciplines, along with the rise of technology-based information control, have lead many to understand these domains as interconnected. For example, when a photographer captures the image of a nude girl running from a napalm attack, questions arise that are related to each of these areas. Does the photographer own the picture in question? Does the girl have a privacy right that overrides the photographer’s ownership claims? Given that important information might be contained in the photograph, do free speech concerns play a role in deciding the moral issues surrounding the publication of the picture? Finally, if there were some reason to suppress the publication of the photograph, independent of privacy – perhaps publication would turn public sentiment against some governamental interest, for example – would such interests provide a compelling justification for suppression? Obviously, the justifications and answers we give in one area of study will impact the arguments and policy decisions in other areas. (MOORE, 2005, p. 11). Seguindo, pois, pelo caminho escolhido, temos que explicar qual a concepção de C.I. que defendemos e rematamos este prazeiroso, mas árduo exercício, com as mais importantes questões e tópicos implicados na agenda de pesquisa teórico-prática da C.I. – um desiderato que iniciativas como a do livro A Ética na Sociedade, na área da Informação e da atuação profissional, organizado por Henriette Ferreira Gomes, Aldinar Martins Bottentuit e Maria Odaísa Espinheiro de Oliveira (GOMES, BOTTENTUIT; OLIVEIRA, 2009), visam atingir, embora haja nesse livro apenas um texto – Sociologia e valores, os valores da Sociologia, por Bernardo Sorj – que mais de perto se assemelha ao propósito da nossa comunicação. 2 De que Ciência da Informação falamos? Há critérios seguros para definir a CI como ciência? Como se manifesta o objecto desta ciência e que métodos usam os seus cientistas? Quem são? Onde estão? Há um método próprio da CI? Ou ela é parasita dos métodos das Ciências Sociais? A CI é uma ciência social? Questões tão fundamentais, quanto difíceis de serem respondidas, porquanto a eventual ausência de resposta seria, por si só, a assunção da impossibilidade científica deste campo disciplinar. Justifica-se, assim, todo o empenho em traçar rumos e perspectivas de cientificidade, e é importante assumir posicionamentos claros, ainda que controversos e sujeitos a análises críticas construtivas. A concepção de CI, que vimos tecendo e consolidando, é diversa da que continua a ser propalada, por exemplo, no Brasil, e que tem a ver com uma disciplina surgida nos EUA, em plena “sociedade pós-industrial”, e centrada no processamento automatizado da informação científica e técnica (LINARES COLUMBLÉ, 2005, p. 3-32). Esta CI norte-americana seria paralela à Documentação, à Biblioteconomia e à Arquivística. Paralela e autónoma. A nossa concepção, por seu turno, constrói-se como resposta, necessária e possível, a um conjunto de questões fundamentais que permanecem em aberto e alimentam um inesgotável debate: inspirada na citadíssima, ainda que pouco seguida, definição do artigo de Harold Borko (1968) e na proposta unitária e interdisciplinar de Yves Le Coadic (1994; 1997), a nossa concepção de CI é transdisciplinar, ou seja, constitui um estádio epistemológico evolutivo, resultante da interacção e integração das disciplinas práticas supracitadas. Mantém, naturalmente, a sua vocação interdisciplinar, que ocorre por níveis de proximidade, acontecendo, em primeiro lugar, no campo emergente das Ciências da Informação e Comunicação e, em seguida, no campo mais vasto das Ciências Sociais Aplicadas. Convoca um Método típico da investigação social, qualitativa e anti-positivista - trata-se do Método Quadripolar (SILVA; RIBEIRO, 2002, p. 84-121; SILVA, 2006, p. 15-31) formulado, em 1974, por Paul De Bruyne, Jacques Herman e Marc De Schoutheete, todos da Universidade de Louvain, Bélgica. E precisa, ainda, de uma metateoria explicativa, baseada em dois paradigmas essenciais: o custodial, patrimonialista, historicista e tecnicista, que surge a partir do séc. XVIII até à Era da Informação em que vivemos; e o póscustodial, informacional e científico, que tenderá a formatar o modo de ver, de pensar e de agir de gerações de cientistas e profissionais da informação, ao longo do séc. XXI (SILVA, 2006, p. 158-159). A transição de um paradigma para outro não ocorre por ruptura, é gradual, tensa e está em curso. O paradigma custodial e patrimonialista desenvolveu-se, sobretudo, a partir de uma formação localizada e centrada no locus profissional (Arquivos, Bibliotecas e Museus), com suas tarefas e exigências práticas que se sobrepunham a eventuais preocupações teóricas e reflexivas. Estabelecimentos de ensino modelares, dentro deste paradigma, como a École National des Chartes (1821), junto da Sorbonne, em Paris, ou, para o caso português, o Curso Superior de Letras, em Lisboa primeiro e, depois, a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde ficou fixado, de 1935 a 1982, o Curso de Bibliotecário-Arquivista, curso de especialização pós-graduada, com duração de dois anos, não escuraram os conhecimentos teóricos, mas estes emanavam directamente da Filologia, das Línguas Clássicas, da Literatura e da História, com os seus ramos auxiliares, como a Arqueologia, a Paleografia, a Diplomática, a Numismática, a Epigrafia, etc., gerando-se um imparável défice de base teórica, para indagações e interpretações, na dimensão especificamente arquivística e biblioteconómica. Os documentos eram objectos físicos e, ao mesmo tempo, fontes indispensáveis à produção de ciência e à valorização da cultura de um povo. Guardar os documentos antigos e raros tornou-se a missão primeira e última dos profissionais, colocados nas instituições culturais, criadas e assumidas pelo Estado-Nação após a Revolução Francesa, o que, naturalmente, permitiu associações fáceis e imediatas, como a de cultura com património, e separações perversas, como o fosso cavado entre cultura “erudita” e “popular” – legado paradigmático reproduzido por gerações. Por outro lado, a consciência do acesso aos conteúdos, que decorria da função original consignada, para Arquivos e Bibliotecas, nas leis revolucionárias de setecentos, era contraditória (os documentos deviam estar acessíveis a todos, mas nem todos os mereciam...) e esbarrou em obstáculos de diversa ordem, nomeadamente sócio-culturais (taxas elevadíssimas de analfabetismo), tecnológicos (as limitações físicas da impressão em papel e a degenerescência das fotocópias e de outros produtos reprografados), sócio-económicos (desigualdade econômica no acesso a níveis superiores de ensino) e administrativos (a imposição de limites de idade e de regras aos utilizadores, francamente desestimuladores da consulta), que a atrofiaram até ao surgimento da Era da Informação em que já estamos em pleno. Tendo em conta estas características gerais do paradigma custodial, fica mais fácil perceber que ele se ajusta à génese e evolução do Estado-Nação liberal e capitalista que desembocará, graças aos contributos diversos e convergentes do comunismo e do fascismo/nazismo, no Estado Cultural, que teve, em França, com a dupla De Gaulle-Malraux, a sua consagração democrática e “cultualista” (SILVA, 2007, p. 219-228; SILVA, 2009, p. 637662; FUMAROLI, 1999). Arquivos, Bibliotecas e Museus surgiram e evoluíram como lugares da memória (Pierre Nora), intrínsecos à estratégia de um nacionalismo identitário essencial à assimilação dos efeitos vários das 1ª e 2ª vagas de industrialização, na dinâmica social e nas condutas individuais. Lugares da memória úteis ao Poder liberal e capitalista, que se afirma na Europa Ocidental e no Novo Mundo, mas, também, paradoxalmente, em ruptura com algumas necessidades vitais do novo Poder – o seu centralismo burocrático (Max Weber) exigia cada vez mais uma atenção ao fluxo documental administrativo e técnico (SILVA, 2009a: 654-658). Daí o aparecimento, bastante nítido no espaço anglo-americano, de Archives (Arquivos Públicos) e de Records (Arquivos Administrativos), ou a oposição entre Bibliotecas eruditas e Bibliotecas Especializadas/Centros de Documentação, voltados para publicações actuais e específicas, tratadas e ordenadas segundo novas técnicas bibliográficas e pela CDU. A transição do Estado-Nação (liberal, burguês e capitalista), para o “Estado Cultural” intervencionista do pós-II Guerra Mundial, foi acompanhada pela co-existência dos Arquivos Públicos ou Históricos e dos Administrativos (ínsitos às mais diversas Organizações). O Estado Cultural, no espaço da Europa democrática e social-democrata, confunde-se com o Estado Providência, promotor e utilizador dos equipamentos culturais para massificarem e democratizarem a fruição do património material e imaterial; implica “políticas públicas”, entendidas como decisões conformadoras de cariz inovador, que são acompanhadas das medidas necessárias para a sua continuidade e execução; e preservou o paradigma custodial e patrimonialista, mas ao mesmo tempo, foi propiciando a substituição da tutela da História e de outras Ciências Humanas e Sociais pela Técnica Documental, materializada num conjunto de normas, procedimentos e orientações práticas centradas na descrição dos documentos (objectos físicos) e na indicação de pontos de acesso controlados ao conteúdo desses objectos. E, deste modo, foi sendo gerado um novo paradigma – o póscustodial, informacional e científico – que só pôde “nascer” na segunda metade de novecentos, em consequência da génese e expansão da “Sociedade da Informação” ou da “Sociedade em Rede” (Manuel Castells), expressões que podem ficar subsumidas numa outra, mais apropriada do ponto de vista do longo prazo ou estrutural, a Era da Informação (CASTELLS, 2002-2003). No paradigma pós-custodial, não se pode proclamar a “morte do documento”, porque não é sequer pensável a equivocada desmaterialização da informação (JEANNERET, 2000, p. 68-79), na medida em que quando alguém externaliza o que pensa, o que sente, o que precisa ou o que quer tende a buscar um suporte material que veicule e registe/preserve as suas palavras, números, desenhos ou imagens. Mas, se é verdade que o documento, entendido como informação (conjunto estruturado de representações mentais e emocionais codificadas... – SILVA, 2006, p. 150) mais suporte (seja qual este for, tem sempre um sentido intrínseco e suscita possíveis e diversas leituras), é e continuará sendo incontornável, também é evidente que o aparecimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (as TIC) introduziu uma dinâmica inteiramente nova na reprodução e na comunicabilidade dos conteúdos/informação, contribuindo para que esta coexista, sem alterações estruturais internas, em dois ou mais suportes diferentes. Perante esta multiplicação de documentos, com idêntico conteúdo, a informação sobressai como a “substância” a “destacar” e, a seguir, porquanto continuará sendo reproduzida e posta, sem limites, a “circular”. E isto é, obviamente, o oposto de custodiar ou guardar, de fechar, de esconder... O conceito de informação convoca, deste modo, o de comunicação e ambos se reportam a um fenómeno humano e social que tem a ver com a capacidade simbólica de cada pessoa e com a necessidade de uma interagir com outra ou outras. Esta conceituação abre, também, espaço para que se instaure não mais abordagens práticas e instrumentais voltadas para o primado de descrever os documentos (objectos culturais e patrimoniais conservados em instituições custodiadoras, como são os Arquivos e as Bibliotecas), mas um esforço de cientificidade que compreenda e explique os modos e os contextos de produção informacional, os imperativos e as formas de mediação plasmadas nas estratégias de organização e representação de conteúdos, em especial, nas bases de dados e diversas plataformas digitais e os múltiplos aspectos e nuances do comportamento individual e colectivo, em face à busca e uso da informação. O paradigma pós-custodial, informacional e científico implica, também, uma mudança de postura epistemológica fundamental: da ênfase nas abordagens instrumentais, práticas, normativas e prevalecentemente descritivas dos documentos-artefactos tem de se passar para a compreensão e a explicação do fenómeno info-comunicacional, patente num conjunto sequencial de etapas/momentos intrínsecos à capacidade simbólico-relacional dos seres humanos - origem, colecta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação. Trata-se, claramente, do imperativo da cientificidade diante dos desafios imensos e incertos que se erguem na actual Era da Informação, que se está estruturando de forma diversificada e complexa, e em que a internet assume a função de ferramenta de construção de projectos individuais desenvolvidos a partir de diferentes dimensões (...) a Internet é na sua constituição e apropriação flexível, interactiva, dotada de ubiquidade, global, acessível e não depende dos poderes passados ou existentes (CARDOSO, 2006, p. 37). A CI que brota deste novo paradigma é um projecto emergente, com fragilidades e com potencialidades, sintonizado com o universo dinâmico das Ciências Sociais e centrado na compreensão do social e do cultural, com influência directa no processo formativo dos futuros profissionais da informação. Assim sendo, convém enfatizar o dispositivo teóricometodológico, desta ciência emergente, preparado para atender às exigências de um enfoque que só, subsequentemente, é que é comunicacional, ou seja, o foco incide, antes de tudo, na produção informacional (em situações, contexto(s) e meio ambiente), seguindo-se ou não a dinâmica da partilha, da interacção ou da acção comunicante. Não se pode, por isso, negar a presença, no objecto construído sobre o fenómeno infocomunicacional, de uma problemática do sentido que implica o recurso à hermenêutica, ainda que esta se empregue apenas para tecer a interpretação do “processo” da infocomunicação e não dos discursos e seus interstícios. 1. O “olho” da Ética na actividade científica Baseamo-nos na sinopse exposta para formularmos as questões e os tópicos de Ética que é possível ir identificando no processo de pesquisa e de aplicações práticas. E, para tanto, parece-nos adequado usar o Método Quadripolar (esquema abaixo), concebido para as Ciências Sociais (“puras” e aplicadas) e que vimos propondo, desde 1999 (SILVA et al., 1999), como próprio da CI, na concretização do objectivo traçado. Consideremos, pois, o plano geral da pesquisa, activando o Método Quadripolar, no primeiro e mais fundamental pólo que é o epistemológico, em que se inscreve o paradigma Método quadripolar de investigação: interacções entre os pólos (ou modo de ver, pensar e abordar o objecto próprio da respectiva disciplina cientifica) que condiciona o sujeito-pesquisador e o obriga a assumir essa influência paradigmática, operando, na medida do possível, a adequada vigilância crítica. No que concerne, especificamente, à CI, o paradigma custodial, patrimonialista, historicista e tecnicista, sumariado no ponto anterior e surgido no séc. XVIII, está em crise e tende a ser substituído, a prazo, pelo paradigma emergente – pós-custodial, informacional e científico, também sumariado atrás. O sujeito-pesquisador começa por se posicionar perante um destes dois paradigmas, assumindo os valores que lhe são inerentes. O paradigma custodial enfatiza a memória documental como traço essencial à afirmação da identidade de um grupo, comunidade ou povo/nação. Guardar é a condição sine qua non para que o Bem Comum seja satisfeito, considerando que este depende da salvaguarda da memória e da identidade colectivas. A defesa do património converte-se num valor ético evidente até que a sua prática degenere num desvio ou perversão nociva a terceiros. Sobre esta eventual possibilidade temos a eloquentíssima caricatura de Umberto Eco no seu precioso opúsculo A Biblioteca: No início, no tempo de Assurbanípal ou de Polícrates, talvez fosse uma função de recolha, para não deixar dispersos os rolos ou volumes. Mais tarde, creio que a sua função tenha sido de entesourar: eram valiosos, os rolos. Depois, na época beneditina, de transcrever: a biblioteca quase como uma zona de passagem, o livro chega, é transcrito e o original ou a cópia voltam a partir. Penso que em determinada época, talvez já entre Augusto e Constantino, a função de uma biblioteca seria também a de fazer com que as pessoas lessem, e portanto, mais ou menos, de respeitar as deliberações da UNESCO que pude encontrar no volume que chegou hoje às minhas mãos, e onde se diz que uma das finalidades da biblioteca consiste em permitir que o público leia os livros. Mas depois creio que nasceram bibliotecas cuja função era de não deixar ler, de esconder, de ocultar o livro. É claro que essas bibliotecas também eram feitas para permitir que se encontrasse. Surpreende-nos sempre a habilidade dos humanistas do século XV em encontrarem manuscritos perdidos. Onde é que os encontram? Encontramnos na biblioteca. Em bibliotecas que em parte serviam para esconder, mas que também serviam para se achar (ECO, 1998, p. 15-16). Nessas instituições e serviços feitos para esconder, para ocultar, para dificultar ao máximo a vida ao leitor surge gigantesca e medonha a má biblioteca, com seus requintes de malvadez e de irritação capaz de “virar do avesso” o mais paciente e fleumático utilizador. Nessa má biblioteca, os catálogos devem estar divididos ao máximo, separando-se com cuidado o catálogo dos livros do das revistas e levando o capricho ao extremo de manter ortografias antigas e estranhas; os temas devem ser escolhidos pelo bibliotecário; as cotas devem ser intranscritíveis e de tal modo concebidas que o leitor que preencher a ficha [de requisição da obra] nunca tenha espaço para escrever a última denominação e a considere irrelevante (ECO, 1998, p. 18); a demora na entrega do livro deve ser muito prolongada; só pode ser entregue um livro de cada vez; deve ser desencorajada a leitura cruzada de vários livros porque causa estrabismo; a ausência de máquinas fotocopiadoras deve ser total, mas se por algum acaso existir uma, o acesso a ela deve ser muito demorado e cansativo, os preços superiores aos da livraria e os limites de cópias reduzidos a não mais de duas ou três cópias (ECO, 1998: 19); o leitor deve ser considerado pelo bibliotecário como um inimigo, um vadio (senão estaria a trabalhar), um ladrão potencial (ECO, 1998, p. 19); quase todo o pessoal deve ser afectado por limitações de ordem física (ECO, 1998, p. 19); não deve ser facilitado o empréstimo de livros; o empréstimo inter-bibliotecas deve ser impossível ou, então, demorar meses; em contrapartida, o furto deve ser facilitado; os horários de funcionamento têm de coincidir com os de trabalho, porque o maior inimigo da biblioteca é o estudante-trabalhador e o seu melhor amigo é Don Ferrante, alguém que tem a sua biblioteca pessoal, que não precisa, portanto, de ir à biblioteca e que, quando morre, a deixa em herança (ECO, 1998: 22); deve ser proibido restaurar as energias na biblioteca e nem fora dela, pelo menos, enquanto não forem devolvidos todos os livros requisitados; tem de ser impossível encontrar o mesmo livro no dia seguinte; tem de ser impossível saber quem levou emprestado o livro em falta; de preferência, há que abolir os sanitários; e, um último quesito, e talvez o mais cabal que dispensaria todos os outros, tem a ver com a proibição do utente entrar na biblioteca, mas admitindo, no usufruto caprichoso e antipático de um direito que lhe foi concedido com base nos princípios de oitenta e nove [referência ao ano de 1789 e à Revolução Francesa, que aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão] mas que, todavia, não foi ainda assimilado pela sensibilidade colectiva, em todo o caso não deve, nem deverá nunca, à excepção das rápidas travessias da sala de leitura, ter acesso aos penetrais das estantes (ECO, 1998, p. 22-23). A iluminista e oitocentista biblioteca custodial e patrimonialista virou, em pleno séc. XX, a má biblioteca, denunciada com fulminante e humorado realismo por Umberto Eco, e o paradigma custodial e patrimonialista, que formou gerações de bibliotecários e de arquivistas, sob a tutela científica da História, convertidos em mediadores-profissionais e zeladores da Memória Nacional, foi alvo de um movimento corrector, em que pontificaram, entre outros, Paul Otlet e Ranganathan. Através da normalização bibliográfica e catalográfica e de “técnicas” de classificação e de indexação, capazes de uma recuperação fina e rápida dos conteúdos dos documentos, operou-se uma inversão valorativa: o primado do acesso sobrepôs-se ao da guarda ou custódia. Mas se esta inversão foi imposta, sobretudo no pósguerra (1945) e plasmada como programa no Manifesto da UNESCO para as bibliotecas públicas, nos Arquivos públicos e nos serviços de Arquivo de instituições da Administração central e local e de organizações, as mais diversas, o direito à confidencialidade e à propriedade das “informações” continuou e permanece, dentro da legitimidade ética, porquanto esses quesitos são essenciais ao Bem da instituição ou da empresa. E, no entanto, há sempre uma fronteira tênue que separa a boa conduta da acção perversa e negativa: a confidencialidade pode, por exemplo, ser evocada para garantir a opacidade de órgãos públicos que têm de estar ao serviço de todos os cidadãos e da comunidade que os institui e não dos agentes que neles trabalham... No paradigma custodial e patrimonialista, o sujeito-pesquisador não se assume ainda como cientista e tende, quando muito, a estabelecer um equilíbrio entre a valorização da Memória colectiva, materializada ou documentada, e o acesso possível. Mas, no paradigma pós-custodial emergente, há, forçosamente, uma mudança de postura axiológica: o sujeitopesquisador identifica-se com o princípio de que a informação produzida deve ser comunicada e difundida, sendo, assim, garantido um direito básico de todo e qualquer cidadão e respeitada uma elementar condição de cidadania – a liberdade de busca e de uso, o mais amplo que possa ser, das representações (sígnicas e simbólicas) individuais e colectivas. Reconhece-se, pois, essa identificação e assunção ética que tem de ser “gerida” através do dispositivo metodológico da “vigilância crítica” e pela dinâmica própria da cientificidade: o sujeito-pesquisador não julga e muito menos condena situações de custódia e, também, o seu propósito não deve ser o de fazer a apologia do acesso, mas, muito naturalmente, compreender e explicar as condições contextuais em que ele se processa, limites e efeitos positivos e/ou negativos. O posicionamento do cientista da informação só pode, pois, ser este, embora não possamos negar que ele, ao assumir-se dentro do paradigma emergente e póscustodial, é ensinado a valorizar a liberdade do acesso em detrimento da posse/propriedade dos documentos e a enfatizar a comunicação, o mais possível gratuita, em vez da aceitação do valor mercadológico da bibliofilia ou do coleccionismo. É ainda ensinado a perceber que tem de haver limites claros à “segurança do Estado” ou “aos segredos de Estado” e que a informação administrativa, custodiada no Serviço de Arquivo, pode ser sujeita a um período de “reserva” ou à “interdição do acesso público”, mas que a perpetuação aleatória ou indefinida desse período significa opacidade, ocultação e sonegação da informação ao legítimo conhecimento de todos. Em última instância, só o pleno acesso é ético, salvaguardado, claro está, o direito ao respeito e ao bom nome de qualquer cidadão. Na gênese da internet, nos seus textos fundadores (FLICHY, 2001), o princípio ético da liberdade aparece como o alpha e ômega de uma revolução tecnológica que visa o utópico desiderato de possibilitar que todos, independentemente do local de nascimento, sexo, cor de pele, grau de escolaridade, condição econômica e social, usufruam da informação/conhecimento qualquer que ele seja. Imperioso é reconhecer, sem prejuízo do esforço de objectividade e de rigor que a actividade científica pressupõe, o cientista da informação, modelado no paradigma póscustodial, é um nativo da Era Digital em que já estamos, e partilha, consequentemente, os valores éticos próprios deste novo ciclo estrutural. Entremos, agora, na operacionalização dos dois pólos cruciais da actividade científica: o teórico e o técnico. O sujeito-psquisador tanto pode estudar problemas, como optar por uma abordagem de “investigação-acção” ou de estudo de caso. Em conformidade com a abordagem escolhida tem de optar pelas “técnicas” ou operações metódicas mais adequadas, impondo-se deveres éticos elementares: na concepção e na aplicação de questionários assegura o anonimato dos inquiridos e das respostas, como nas entrevistas e na observação participante, por exemplo, não deve divulgar a identidade nem da instituição/organização, sem omitir o tipo de actividade ou do negócio respectivo, nem dos agentes entrevistados e analisados. Esta conduta assegura o respeito que o sujeito-pesquisador exibe pelo objecto estudado, mas comportarse, assim, não significa que deva, no pólo morfológico (publicação dos resultados), omitir ou alterar os resultados, faltando à verdade epistémica, que se impõe a si mesmo, atingir. A busca da verdade ou, dito de outro modo, a descrição e a interpretação do que foi possível observar e descobrir constitui a ponte natural entre a Epistemologia e a Ética: a busca de um conhecimento verdadeiro é, em simultâneo, um desiderato epistemológico e ético, mesmo assumindo-se a impossibilidade de uma verdade absoluta. E, se agora entrarmos num domínio mais concreto, perspectivando-se a conduta do sujeito-pesquisador no campo das aplicações ou da implementação dos modelos teóricopráticos que lhe compete desenvolver, disponibilizando-os a todos os que, em cada contexto específico, assumem a obrigação profissional de lhes conferirem utilidade, percebemos que entramos numa zona de mudança de éticas: passamos da científica para a profissional. O uso e integração, numa organização, de um modelo sistémico de organização e de recuperação da informação é sujeito aos fins de rentabilidade econômica e de auto-proteção dessa entidade, devendo os implementadores e profissionais da informação regerem-se por um código que concilie princípios éticos universais e valores conformes com o sucesso e sobrevivência organizacionais. Quando passamos do plano da pesquisa para o da aplicação contextual, entramos nos meandros da mediação (SILVA, 2009b; SILVA; RIBEIRO, 2010): o “bom” bibliotecário terá de ser aquele que se distancia da má biblioteca de Umberto Eco e assume a sua função disseminadora num registo de mediação claramente pós-custodial, assim como o bom arquivista terá de ser, não obstante o cumprimento de prescrições e restrições temporárias ao acesso a certos “conteúdos”, o que facilita o fluxo info-comunicacional, não o obstruindo e facilitando, deste modo, que ele seja a “seiva” que garante o bom e pleno funcionamento da instituição/organização. Radica, então, neste plano a pertinência do código deontológico que pode ter ajustamentos e justaposições aos chamados “código do servidor público” ou ao “código da empresa x ou y”. Tratam-se de especificações éticas que não podem, porém, entrar em contradição com os fundamentos gerais. Nesta intervenção, o foco não se centrou nessas éticas específicas, sendo certo que a atenção dispensada ao comportamento ético dos profissionais da informação tem sido bem maior do que a que merece o desenvolvimento da pesquisa em CI, Ora, entre os dois planos, podendo haver algumas diferenças operacionais e éticas, não há, certamente, rupturas ou hiatos essenciais. Há, sim, uma estreita continuidade. ABSTRACT Housed in a panel headed by Information Ethics, this text addresses the issue in focus from the nature and dynamics of research developed in the field of information science, as is taught and practiced at the University of Porto. A transdisciplinary Information Science and, at the same time, working within a interdisciplinary space, as is the Sciences of Information and Communication (CIC) field, has a complex subject and permeated by a variety of issues, problems and cases. Their mode of approach is predicated significant ethical issues and the results and the consequent implementation of solutions implemented or applicational again raise doubts and care from ethical nature. It starts, as here, the scientific practice to reflections of more philosophical touch, though deeply in a register "pragmatic" and not speculative. Keywords: Information Science Research; Ethics Referências CARDOSO, Gustavo. Os Media na sociedade em rede. Prefácio de Manuel Castells. Lisboa: Serviço de Educação e Bolsas; Fundação Calouste Gulbenkian. 2006. ISBN 972-311155-1. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. v. 1. ISBN 972-31-0984-0 __________. O Poder da identidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. v. 2. ISBN 972-31-1008-3. __________. O Fim do milênio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. v. 3. ISBN 972-31-1055-5. ECO, Umberto. A Biblioteca. 4ª ed. Lisboa: Difel, 1998. ISBN 972-29-0174-5. FLICHY, Patrice. 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POR UMA ÉTICA DA INFORMAÇÃO Joana Coeli Ribeiro Garcia Professora Associada da Universidade Federal da Paraíba e-mail: nacoeli@gmail.com 1 INTRODUÇÃO Ética da informação, formalmente, é uma disciplina recente na Ciência da Informação, praticada na Universidade Federal da Paraíba, especificamente, nos cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia, e no Programa de Pósgraduação em Ciência da Informação (PPGCI), em linha de pesquisa e disciplina com igual denominação: Ética, gestão e políticas de informação. Nas graduações, a disciplina tem menos de dois anos, e na Pós-graduação, surge com a aprovação do PPGCI em 14 de julho de 2006, portanto com pouco mais de três anos de existência. Anteriormente, estudava-se o código de ética do profissional bibliotecário, que era ministrado em disciplina introdutória na graduação, inexistindo referências à ética na pós-graduação. Por isso, é importante e necessário “refletirmos sobre as oportunidades e problemas ocasionados pelas tecnologias para realizar uma boa vida, seja em nível global ou local”, ou sobre ética da informação, de acordo com CAPURRO (2009, p.44, citando a Declaração de Princípios da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação). A despeito dessa contextualização, a ética ocupou e permanece ocupando nossos estudos e reflexões acadêmicas, o que nos levou a incluí-la nos cursos e em programa especificados. E não poderia ser de maneira diversa, pois, nos tempos atuais, a sociedade, cotidianamente, refere-se à ética. Ela está cada vez mais presente no dia a dia e ocupa o lugar de destaque nas mídias impressa, televisiva e eletrônica e encontra justificativa na economia globalizada, com preocupação decorrente de princípios éticos e valores morais em instituições, empresas e na sociedade, devido à necessidade da empresa manter uma boa imagem perante o público e esse, esperar atuação em concordância com o perfil proposto. Princípios éticos e valores morais culminam com o estabelecimento de atividades, obedecem a critérios sociais e éticos e surgem como atribuições de categorias profissionais, em comportamentos adotados por empresas e por indivíduos, é o que nos faz entender Veloso (2006). Tanto é assim que, para oferecer elementos à sociedade brasileira e aos profissionais da informação, o Conselho Federal de Biblioteconomia, em 2009, por intermédio da Comissão de Ética Profissional, publicou uma coletânea sobre ética na sociedade, na perspectiva da Filosofia, da Sociologia e da Ciência da Informação, com capítulos que abordam a ética da informação, a deontologia e os comportamentos éticos no desempenho profissional. Sem explanações conceituais sobre ética nem sobre as razões que nos conduzem a agir desse ou de outro modo, propomos uma reflexão sobre a ética da informação, tomando como base três pressupostos. O primeiro se refere aos aspectos que perpassam o fluxo da informação, desde a geração da ideia, até a disseminação quer em mídia impressa, eletrônica ou digitalizada, disponível para ser utilizada desde que acessível a todos. Esse ciclo, Wilson (2006) denomina de ciclo de vida estendido, pois compreende a geração de conhecimento, o fluxo de gestão da informação e o seu uso. Embora ele considere que uso e geração não se inserem na etapa de gestão, admite que o uso da informação tem competência para gerar nova criação e uso e, assim, o ciclo recomeça. Em segundo lugar, mesmo sem considerar as questões deontológicas, baseamo-nos nas ideias de Fourez (1995), ao considerar a inexistência de normas de condutas éticas eternas ou indicativas de situações indistintas e gerais, porque elas são históricas, culturais, evolutivas, atendem a determinada comunidade, em um determinado contexto, em um tempo também definido. Assim, o espaço brasileiro é escolhido, mesmo que, em determinadas situações, invoquemos autores de maior amplitude geográfica exatamente para justificar ações dos que usam a informação, atuam nela e lidam com ela. Por último, reforçamos as ideias de Morin (2005) e como ele percebe a autoética e a ética com o outro, como princípio altruísta de inclusão, como apelo de solidariedade em relação aos seus e à comunidade. Para o autor, a autoética impõe-se na perda da certeza absoluta; no enfraquecimento da voz interior, que aponta para o bem ou para o mal; na impossibilidade de decidir sobre os fins, visto que não os conhecemos para além da vida; nas contradições e nas incertezas éticas; na consciência de que ciência, economia, política e artes têm finalidades não intrinsecamente morais. A autoética forma-se no nível da autonomia individual, e esta autonomiza a ética. A tomada de decisão e de reflexão próprias à autoética só é possível se o indivíduo experimenta a exigência moral; a autoética alimenta-se de fontes vivas - psicoafetivas, antropológicas, sociológicas, culturais etc. Paradoxalmente, a autonomia ética é frágil e difícil a partir do momento em que o indivíduo experimenta a angústia das incertezas éticas mais do que a plenitude da responsabilidade. Nas orientações de Morin, há aspectos que nos interessam para lidar com a informação e desenvolver práticas sociais em consonância com autonomia e liberdade de espírito, pois é na prática e em seus invólucros, nos dilemas existentes, nas etapas que formam o ciclo, anteriormente denominado e descrito, que necessitamos assumir atitudes para que, como profissionais da informação, possamos organizá-las e disponibilizá-las nos sistemas, de forma a possibilitar acesso a todos, porque acreditamos que essas discussões interessam sobremaneira a quantos se envolvem com a informação. Passemos então às questões que interferem nas etapas do ciclo de vida estendido, com o objetivo de nos encontrarmos a refletir sobre ou por uma ética da informação, o que, de certa forma, constitui os aspectos desenvolvidos nas disciplinas ministradas na graduação e na pós-graduação e que têm a ver com o que Capurro (2001) apropriadamente denomina de gerenciamento empresarial da informação. Integram sua proposta, publicada no Brasil, os planos micro, meso e macrodimensional da segunda unidade de sua disciplina obrigatória e também a terceira unidade, quando se refere aos aspectos da pesquisa. Como chamamos a atenção, a discussão focaliza autores brasileiros, paradoxalmente, utilizando os aspectos difundidos por Wilson (2006). 2 ÉTICA NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO É voz comum que a produção do conhecimento, no Brasil, ocorre em cerca de 90% das instituições de ensino superior, isto é, os pesquisadores das universidades, principalmente os envolvidos nos programas de pós-graduação, são os responsáveis pelo desenvolvimento da ciência. Ainda que com base na sua autonomia, o pesquisador possa tomar decisões sobre o que estudar, como e por que, utilizando, para o alcance dos objetivos, uma teoria e metodologia que se coadunem ao problema estudado, algumas vezes, ele depende dos que respondem aos questionários e aceitam partilhar seus conhecimentos por meio de entrevistas. Isso significa que as escolhas são inerentes à subjetividade dos indivíduos e da familiaridade que possam ter com autores e métodos e que a ciência se desenvolve pelo movimento de aprovação/refutação das teses, sem que haja uma única verdade científica, o que combina com a ideia de Fourez (1995) sobre ética universal. Questionários respondidos geram resultados quantitativos, e entrevistas concedidas, estudos qualitativos, cujas análises e conclusões revelam novidades. Assim, o pesquisador/ cientista/autor inclui outras vozes e outros textos em sua criação, mas devem tomar precauções éticas ao fazê-lo. Garcia e Targino (2008) sintetizam os cuidados do autor a aspectos como: respeito à autoria das fontes utilizadas; autenticidade dos dados relatados; texto esteticamente cuidado e fidedigno ao pensamento dos demais especialistas; fidelidade às informações recebidas e divulgadas; atendimento aos comitês de ética e comprometimento com o depósito dos resultados na(s) instituição(ões) às quais se vinculam os pesquisados. Consideremos, portanto, que, quando o cientista exercita a ética com a informação, ele pratica a autoética e a ética para com os semelhantes e se torna, por via de conseqüência, responsável pela Ciência. Atendida a etapa da pesquisa em si, segue-se a da divulgação dos conhecimentos produzidos que, no sentido lato do termo, refere-se à publicação do conhecimento gerado, sem o qual o ciclo não se completa e não se formam os estoques de informação. Invocando Rousseau (2006) e seu contrato social, os pesquisadores tacitamente se comprometem a divulgar os conhecimentos resultantes de suas pesquisas, pois são frutos de financiamento concedido pelo Estado. Assim, eticamente, permitem que a sociedade, de um lado, avalie a adequação da utilização dos recursos e, de outro, usufrua, em seu próprio benefício, da ciência produzida. Para divulgar seu trabalho, o pesquisador, na condição de autor, relacionase com editores e avaliadores das editoras comerciais e/ou científicas, para dar visibilidade ao conhecimento que acaba de produzir. A publicação é uma das características imprescindíveis da Ciência e conduz à respeitabilidade do veículo de divulgação, do autor e da instituição à qual o veiculo pertence (PACKER; MENEGHINI, 2006). Definida essa relação, tratemos da ética do editor, pessoa que realiza a editoração, mecânica ou eletrônica, concebida como um conjunto organizado de atividades, com o objetivo de registrar e, por conseguinte, armazenar e/ou perpetuar informações e conhecimentos, mediante a preparação técnica de originais para publicação. Ele é o responsável pela supervisão e preparação de textos em distintas publicações, pelo ato de publicar textos de qualquer natureza - estampas, partituras, discos etc. Em qualquer acepção, seja o editor de arte (projeto gráfico-visual das publicações) ou o editor de som e/ou de videotape (VT, edição de materiais sonoros na produção de filmes, programas televisivos ou radiofônicos, peças teatrais, textos eletrônicos e outros produtos), o editor de imagem (inserção de ilustrações nas obras), o editor literário (organização e publicação de textos de um ou diferentes autores) ou o editor crítico (edição crítica de textos, de forma a atrair o interesse dos leitores), o fato é que, não obstante as diferentes denominações e os diferentes contextos, o editor é, essencialmente, quem concretiza atividades de editoração, mais ou menos complexas (TARGINO; GARCIA, 2008). Como é responsável pelo avanço tecnológico e da mercantilização crescente da produção intelectual e cultural, científica e tecnológica, ele assume novas feições, entre elas, a de lidar com a comercialização dos produtos, sem perder de vista sua qualidade, e de enfrentar as questões éticas que permeiam as relações entre os atores sociais presentes na editoração. Na maioria dos casos, como relatado por Garcia e Targino (1999), os editores são docentes que, com frequência, extrapolam as funções intrínsecas ao cargo de editor e assumem a intermediação entre editor e livreiro, além da distribuição dos exemplares, por doação, permuta ou venda. Nesse mix de papéis, o editor deve estar atento à busca de excelência e à manutenção de padrões éticos e justos, ao exercer ações de criador e gestor de políticas e de projetos editoriais; autor e incentivador da produção intelectual e científica dos públicos que integram o veículo; árbitro justo e transparente, conselheiro e defensor da liberdade editorial. Para desempenhar suas atividades com ética e a contento, o editor recebe ajuda dos avaliadores, que para Davyt e Velho (2000), compara-se à função dos juízes (em inglês referee) encarregados de analisar e manter o desempenho dos sistemas sociais. Julgar é uma ação inerente ao ser humano, e o que define a excelência, a mediocridade ou a má qualidade dos títulos de periódicos é exatamente a forma mais ou menos rígida, mais ou menos criteriosa, mais ou menos científica como os artigos são analisados. Como natural, o julgamento por pares apresenta pontos positivos e negativos, como admitem clássicos da editoração de periódicos científicos, que têm na publicação de C. T. Bishop, How to edit a scientific journal, 1984, referência máxima e atual. De início, é possível questionar a confiabilidade, o valor e a necessidade do processo como um todo, alegando que a decisão de poucos sobre a produção de muitos é perigosa, porque acarreta efeitos que afetam a vida dos iniciantes, o status quo das especialidades e os rumos do saber. Por sua vez, pensar em divulgar todos os trabalhos à espera da aceitação ou do repúdio da comunidade científica é comprometer a literatura científica e, por extensão, a ciência. O processo avaliativo nunca é tranquilo. A ingerência de editores e a adoção de critérios implícitos e camuflados influenciam o julgamento, com rebatimento na área do conhecimento, época e lugar, o que tem a ver com o argumento de autoridade em ciência. Editores e avaliadores tendem a acatar, sem tanto rigor, contribuições advindas dos “medalhões”, enquanto os artigos oriundos de pesquisadores iniciantes ou vinculados a instituições de pequeno porte são metricamente analisados e dissecados. Meadows (1999, p. 60) afirma que os “editores estão sempre ansiosos para garantir que os artigos sejam aceitos por seu mérito, e não, porque seu autor tem renome.” Em outras palavras, se há queixas de autores e editores em relação aos avaliadores, o inverso também é visível. Os atores envolvidos com a produção científica, em geral, reconhecem a responsabilidade ética e social do avaliador frente ao avanço da área a que pertence e à credibilidade das revistas. Estão em suas mãos os rumos de sua disciplina ou de campos afins, o que pressupõe mais conhecimentos e/ou mais experiência do que os avaliados, além de ser capaz de exercitar, no cotidiano, os preceitos éticos intrínsecos à C&T. Portanto, ao longo do processo de produção e divulgação do conhecimento, cabe a autores, editores e avaliadores adotarem, acima de tudo, a prática da autoética, de forma a atingir a ética para com o outro. Todos devem estar conscientes da utopia de julgamentos uníssonos, tal como ocorre com fatos do cotidiano, com maior ou menor repercussão midiática. 3 ÉTICA NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO Ao refletir sobre o fluxo da gestão da informação, com as funções indicadas por Wilson (2006), é forçoso entender que, nessa etapa, estão aquelas que dizem respeito à prática do profissional da informação, mais especificamente, do bibliotecário. Choo (2003) nos apresenta as atividades de gestão da informação nas organizações, sustentadas por três grandes pilares: constituir significado, retirar a ambiguidade da informação e tomar decisões. No fluxo da gestão e nos pilares, surgem os momentos em que o profissional da informação é questionado ou se questiona sobre a ética de suas ações. Como mediador entre os estoques de informação e o cliente que a usa para gerar conhecimento, nas atividades de aquisição, armazenagem, organização, acesso, recuperação e empréstimo surgem dilemas em que, nas tomadas de decisões, a angústia das incertezas parece, no mais das vezes, ser a única certeza. 3.1 Aquisição Para atender à tríplice função (compra, doação e permuta) a contento, o lema, Bibliotecário: informar tudo a todos, é um elemento de reflexão. Senão vejamos: só posso informar se souber onde localizar a informação. Só localizo se ela houver sido adquirida e existir num estoque, mesmo contando com buscadores eletrônicos. Isso significa informações selecionadas, adquiridas, organizadas e armazenadas para serem recuperadas. Em qual organização/sistema é possível encontrar tudo o que o cliente deseja? A informação que se constitua em significado, ou seja, a desejada? A que atende à necessidade do cliente, portanto, sem ambiguidade? Para tomar decisões sobre o assunto e a forma que ele tem em mente satisfaça a sua necessidade? São questões com as quais lidamos e para as quais não temos apenas uma resposta ética. Mas também é hora de perguntar se a seleção não constitui, ainda que de forma velada, pelos critérios adotados, um ato de censura. E, em assim sendo, onde se estabelece o direito do cliente de conhecer tudo? Em que bases legais a aquisição é feita? Guardadas as exceções, tem uma vida boa ou uma boa vida quem participa dos processos licitatórios e realiza a aquisição por compra? São dilemas éticos que nos cercam, como autonomia ética que, ao mesmo tempo em que nos autonomiza nos oferta dificuldades, relativas às incertezas éticas comentadas por Morin (2005). 3.2 Armazenagem A armazenagem nos conduz a refletir sobre o espaço e tem uma relação muito estreita com critérios de seleção relativos a ele, à área do conhecimento, à atualidade das informações, entre outras questões. Esses critérios são adotados tanto para os materiais que ocupam espaços físicos quanto para os que constituem os bites dos bancos e das bases de dados, das bibliotecas eletrônicas, virtuais, digitais que se não armazenam tudo ao menos se conectam uns aos outros possibilitando disponibilização abundante. Diante do volume crescente de informações produzidas, não há como negar que os meios eletrônicos conseguem reunir, armazenar e disseminar com a mesma rapidez com que são geradas. A tecnologia dos computadores e suas memórias inverteram a situação tradicional de espaço, com máquinas cada vez menores, com capacidade real de armazenar volume de informação cada vez maior. O sonho de Tim Berners-Lee cria a web, e a teia que conecta o mundo permite que internautas naveguem com apenas um toque no mouse. Abundância e excesso são termos que indicam a quantidade de informações que se encontram armazenadas nas memórias eletrônicas. Se o que existe é transformado em bites e pode entrar na memória dos computadores, é possível armazenar todo o conhecimento e eliminar a intermediação dos bibliotecários com a seleção e a aquisição do material. São os autores, produtores de conhecimento, que incluem suas obras diretamente na rede e as disponibilizam por meio de bases de dados, sites, portais, blogs, open archives, bibliotecas digitais, virtuais, eletrônicas etc. A rapidez tanto é causa quanto consequência da produção e, certamente, só os meios eletrônicos armazenam quantidades abundantes de informação em espaços diminutos. Porém, excesso de informação significa realmente informação, ambiguidade ou nenhuma informação? Excesso aumenta o fosso entre países ricos e os pobres de informação. Situando-nos na segunda condição, não temos soluções para apresentar, pois ainda nem resolvemos outra questão mais premente - o direito dos brasileiros a uma alimentação diária! 3.3 Organização Refletir sobre a organização da informação passa, necessariamente, pela representação dos materiais que vão constituir os estoques de informação. Repetindo, abundância e excesso indicam quantidade de informações armazenadas nas memórias eletrônicas. Sobre essa temática, os textos de Guimarães e colaboradores (1994, 2006, 2008) nos esclarecem, cada vez mais, sobre a ética da representação. Eles afirmam que a representação é o cerne da organização, porquanto dela dependem a recuperação e o uso das informações ou, em outras palavras, a localização ou não do que o cliente solicita, busca, deseja, necessita. Para organizar, baseamo-nos em sistemas concebidos por pessoas que neles deixam transparecer sua ideologia, suas verdades, aquilo em que acreditam, em detrimento daquelas que são seus opostos e, por isso, negados. Admitamos, com os autores que estudam ética em organização e representação do conhecimento, que o que realizamos é fruto de nossa arbitrariedade, revestida de boa vontade e/ou maquiavelicamente travestida de bem para a sociedade. Assim, questionemos se somos éticos quando privilegiamos uma área do conhecimento, uma religião, uma raça, uma cor da pele, uma profissão, uma preferência sexual, um gênero, etc. com maior número de itens nos códigos ou nos sistemas de classificação, em detrimento de nenhuma indicação ou de indicações mínimas. Batles (2003) toca em outro aspecto que também nos afeta e se refere à descrição dos conteúdos dos documentos. Enfatiza que não descrevemos realmente o conteúdo das obras e que, ao atendermos às questões de produtividade que são exigidas em algumas organizações, não amiúde, apenas escondemos os livros nas estantes. E complementa que, perdidos nas estantes, podem ser as obras ou os clientes que não as encontram. Isso nos conduziria a aceitar o conceito dicionarizado e admitir que recuperar seria exatamente encontrar algo perdido. A metáfora utilizada por Matthew Batles indica que, ao não descrevermos os documentos com especificidade, amplia-se a ambiguidade da informação, razão pela qual, na maioria das vezes, a informação fica mesmo tão diversamente codificada e escondida que nós e nossos clientes desistimos de buscá-la ou a substituímos por outra. Batles (2003) toca em outro aspecto que também nos afeta e se refere a descrição dos conteúdos dos documentos. Enfatiza que não descrevemos realmente o conteúdo das obras, e que ao atendermos as questões de produtividade que, exigidas em algumas organizações, não amiúde, apenas escondemos os livros nas estantes. E, complementa que perdidos nas estantes podem ser as obras ou os clientes que não as encontram. Isso nos conduziria a aceitar o conceito dicionarizado e admitir que recuperar seria exatamente encontrar algo perdido. A metáfora utilizada por Matthew Batles indica que, ao não descrevermos os documentos com especificidade, amplia-se a ambigüidade da informação, razão pela qual na maioria das vezes, a informação fica mesmo tão diversamente codificada e escondida que, nós e nossos clientes, desistimos de buscá-la ou a substituímos por outra. Ainda é Batles (2003) quem afirma, ainda, que, desde os tempos de Melvil Dewey, e hoje não é diferente, por deficiências na classificação, o leitor não é conduzido, com eficiência, à fonte correta da informação. Ao contrário disso, o cliente é alienado, confundido por classificações, que enfatizam o conhecimento do profissional que criou o sistema e que o adotou. E vai mais além na sua crítica, comparando bibliotecários e escribas da Idade Média, quando não se limitam a armazenar e classificar, mas criam seus próprios textos, na forma de sites de buscas, concordâncias em CD-ROM, outros textos eletrônicos e guias de estudo e bibliografias impressas. (BATTLES, 2003) E o fazemos com a melhor das intenções, “colocando o usuário como o foco de nossas atividades” é assim que fomos convencidos pelos mestres que nos antecederam, por outro lado, de que assim agindo facilitamos a vida dos usuários ou lhes oferecemos uma vida boa. Aprendemos que os fins justificam os meios, embora os meios, nem sempre, sejam éticos e resolvam todas as situações que se nos apresentam. 3.4 Acesso, recuperação e empréstimo Chegamos à etapa do ciclo que trata do acesso à recuperação da informação e ao empréstimo. Necessário aclarar que empréstimo, recuperação e acesso não podem ser confundidos com uso. No caso dos serviços tradicionais, essa fase padece as consequências dos métodos de organização que não são apreendidos com facilidade pelo usuário e da armazenagem que, ao ocupar grandes espaços físicos, dificulta a localização e, por via de consequência, a recuperação da informação, comentados anteriormente. Recuperar informação é uma preocupação do belga Paul Otlet, desde o Século XIX, que idealizou o “mundaneum”. Objetivando tornar acessível o conhecimento disponível àqueles que dele necessitam, utiliza-se do conceito expandido de documentação e da tecnologia disponível para abordar os principais problemas bibliográficos, por entender que registros bibliográficos não se resumem a livros. Dedica sua vida a desenvolver métodos que registrem o máximo de informações para tornar o conhecimento disponível e para que se possa facilmente encontrar o que se busca. A recuperação da informação é, entre as funções profissionais, a que Du Mont (1991), estudando o continuum da responsabilidade social do profissional da informação, categoriza como de segundo, terceiro e quarto estágios. Ela concebe que, para recuperar, convém que, em primeiro lugar, desenvolvam-se e se mantenham os estoques/acervos. A partir de então, os profissionais se ocupam do atendimento às necessidades de informação dos recursos humanos da corporação onde a unidade de informação está inserida, mas também com a sociedade, incluindo usuários e não usuários - inclusão social. Para os profissionais da informação, é difícil admitir, mas é imprescindível. Nós, bibliotecários, profissionais da informação, devemos refletir a respeito do conceito de recuperação. E o começo pode estar na autocrítica, na autoanálise para desenvolver a solidariedade ética com o outro, refletindo e ajudando os que constroem e usam sistemas, os que estabelecem e usam as classes e, ao final, oferecem possibilidades conflitantes para os mortais que desejam a informação. Embora esses sistemas se anunciem como democráticos, deve-se entender democracia, quase que tão somente, quanto à facilidade de uso, proporcionada pelos argumentos visuais, visto que, tanto quanto os sistemas tradicionais, eles podem ser elitistas, porquanto sabemos que, nas sociedades modernas, as informações não são totalmente compartilhadas (todas as informações são para todos?), ao contrário, são distribuídas por agências de produção, organização e disseminação, no mais das vezes, cobrando altos preços pelo seu acesso e empréstimo. Recentemente, Santos e Carvalho (2009) reúnem e comentam sobre os vários projetos brasileiros dedicados à inclusão digital e expõem sobre a preocupação governamental com acesso apenas à tecnologia e não aos conteúdos o que levaria ao uso da informação. Como visto, a gestão do fluxo de informação preocupa profissionais que se dedicam à formação dos estoques, à armazenagem, ao tratamento da informação, ao atendimento de quantos necessitam da informação e ao uso que dela fazem. Nos tempos atuais, o meio eletrônico nos apresenta soluções e nos socorre, na maioria das vezes, pelas coes dos motores de busca com quase sucesso total. O desenvolvimento de ontologias é uma expectativa de solução dos problemas relativos à representação, facilitando, portanto, a recuperação. 4 ÉTICA NO USO DA INFORMAÇÃO O texto de um professor pernambucano, apresentado no Segundo Simpósio sobre hipertexto e tecnologias na Educação, intitulado: O que fazer quando eu recebo um trabalho crtl c + ctrl v?, Abranches (2008), seu autor, discute uma situação vivida pelos professores em relação aos desafios que lhes são postos e que consideramos sob o ponto de vista da ética no uso da informação. Situações como a do título acima são entendidas, no contexto da cibercultura, como resultado da popularização das tecnologias e do acesso a elas. Fazem parte da cibercultura elementos tais como: a facilidade com que os textos estão disponíveis; a necessidade de conhecimento dos processos de navegação na internet; a certeza inegável de que jovens e adolescentes nasceram em época dominada pela tecnologia; a prática cotidiana no trânsito por caminhos virtuais; as opções no mundo virtual, que geram dispersão, dificultam o acompanhamento do que está sendo feito, favorecem a ideia de algo pronto e de qualidade. E Abranches (2008) continua sua análise sob o ângulo da tecnologia: o mundo digital é mutável, manipulável; um texto é transformado, modificado, iludindo o leitor quanto à autoria; a geração copy‐cola é uma realidade. Ela toma forma, ocupa espaço nas práticas pedagógicas, por isso não se pode ignorá-la, mas também não se pode atribuir responsabilidade somente aos alunos e às tecnologias, desconsiderando o contexto pedagógico. Sob esse aspecto, Targino (2005) é enfática, quando se refere ao âmbito nacional, afirmando que a banalização e o desrespeito à autoria têm origem no ensino fundamental e no médio e prossegue na educação superior. São os célebres trabalhos de equipe, em que constam nomes alheios à sua construção. São as denúncias frequentes de plágio em monografias de final de curso de graduação. Exemplos contabilizados, que mostram o risco dos jovens alcançarem a pós-graduação ou conquistarem o status de pesquisadores ou autores sem discernir os limites éticos. É verdade que isso não ocorre somente com os jovens ou com autores científicos, tampouco apenas na geração copy-cola. A prática é a mesma de quando se faziam cópias das antigas enciclopédias juvenis, continua Abranches (2008). E se as gerações não são as mesmas, as diferenças situam-se na forma e na dinâmica, mais do que no conteúdo ou na aprendizagem. Ao receber tal trabalho, o professor deve se perguntar sobre o que foi proposto ao aluno e o modo como foi solicitado. Sem dúvida, os motivos estarão relacionados à proposta e, portanto, a questão não se resume a uma atividade e a um trabalho acadêmico. Na realidade, o citado autor não busca culpa nem culpados, até porque a legislação já se ocupa de tais casos, tão somente procura alternativas para entender a questão pelo aspecto da pedagogia, mas poderia ser entendida pela vertente ética do desrespeito com os autores. Afirma, ainda, que a proposta pedagógica orienta a prática pedagógica. Assim, o processo de produção do conhecimento por parte do aluno é elemento central para a consecução de uma proposta que vise valorizar o aluno como autor, usando a informação de maneira a dar voz aos autores que o antecederam, adotando, em sua criação, os cuidados sintetizados por Garcia e Targino (2008). Por outro lado, a troca e a reflexão conjunta se constituem em elemento privilegiado de uma prática que suscita a participação, a cooperação e a colaboração. Como se percebe, são proposições para uma vida boa, reflexões sobre ética da informação, como prefere Capurro (2009). Abranches (2008) encerra sua reflexão, considerando a prática atual dos professores, particularmente daqueles da educação básica, que enfrentam parcas condições do seu trabalho, com enorme quantidade de atividades e ritmo, em oposição a uma remuneração muito baixa. Sem dúvida, esse fato dificulta qualquer mudança que exija maior dedicação e uma atenção mais particularizada aos alunos. Por outro lado, à medida que o processo de compreensão do papel da educação, no contexto da cibercultura, toma forma objetiva em projetos didáticos próprios, o professor vai assumindo outra posição, descobrindo novas formas para o seu fazer pedagógico, o que já é uma exigência que a nova configuração social nos apresenta. Especialmente, por estarmos numa academia, é importante que nossa proposta pedagógica tenha relação direta com nossa prática pedagógica, em outras palavras, devemos ser éticos. Mas, sem ilusões nem enganos, adultos também praticam o copy-cola, adultos também plagiam, adultos, assim como jovens, usam as vozes dos autores como se fossem a sua própria e assumem trabalhos de outros como se fossem seus. Felizmente, as tecnologias de informação e comunicação nos forneceram os meios para descobrir o engodo, com mais rapidez e velocidade, que, anteriormente, com apenas uma “googada”. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Afirmamos que o exercício recém-findo foi, em si mesmo, revestido de ética, mas, certamente, podemos avançar em seu conteúdo e práticas, tornando-o sistemático no contexto acadêmico, principalmente na Ciência da Informação, em que estão as disciplinas referidas inicialmente. Sua inserção nos cursos e programas demonstra que estamos vigilantes para os problemas que a tecnologia desenvolveu, e a globalização visivelmente ampliou. Eles nos impulsionam a buscar soluções ou explicações na ética da informação. Como as colocações de Gerard Fourez, Edgar Morin e Letícia Veloso deixam antever, as questões éticas alcançam todos os setores da vida em sociedade, incluindo a política, a religião, a indústria, a informação etc., mesmo que essa discussão se restrinja aos polos microdimensionais, ou seja, os que se referem a nossa responsabilidade diante dos clientes, como definido por Capurro (2009). A articulação entre política e ciência é fundamental, de forma que a difusão da ciência e a produção científica assumem relevância vital. Em se tratando da produção científica, há facetas complexas, distintas e diversificadas, envolvendo, sobretudo, autores, editores e avaliadores como discutido. São nuanças “ricas” e questionáveis do ponto de vista da ética e da responsabilidade. Autor, editor e avaliador, junto com os demais partícipes da produção, assumem responsabilidade ética perante o avanço da ciência, porque a publicação é uma espécie de prestação de contas à sociedade, no que concerne aos insumos recebidos. Numa sociedade marcada pelo predomínio da C&T, a divulgação científica tem nítidas repercussões sociopolíticas, como Fourez (1995) reitera. A articulação entre política e ciência é fundamental, de forma que a difusão da Ciência e a produção científica assumem relevância vital. Em se tratando da produção científica, há facetas complexas, distintas e diversificadas que envolvem, sobretudo, autores, editores e avaliadores, como já discutimos. São nuanças “ricas” e questionáveis, do ponto de vista da ética e da responsabilidade. Autor, editor e avaliador, junto com os demais partícipes da produção, assumem responsabilidade ética perante o avanço da Ciência, porque a publicação é uma espécie de prestação de contas à sociedade, no que concerne aos insumos recebidos. Numa sociedade marcada pelo predomínio da C&T, a divulgação científica tem nítidas repercussões sociopolíticas, como Fourez (1995) reitera. Consideramos, neste texto, a criação do autor; a editoração impressa, eletrônica, ou qualquer outro meio de registro que divulgue as ideias aos leitores; a seleção e a consequente formação de estoques; a organização e a representação da informação; o acesso, a recuperação e o empréstimo; por fim, a utilização da informação, com os objetivos citados inicialmente, focando a ética em cada uma das ações aqui resgatadas. Na verdade, essa divisão é tão somente para efeitos didáticos, pois, como se percebe pelos questionamentos expressos, eles perpassam várias ações, sem que haja uma única possibilidade de resposta ou solução. Isso é compreensível, porquanto assumir decisões, em qualquer nível, não é tarefa fácil e existe sempre o risco de acerto e/ou de erro, de atendimento a uns e de desagrado a outros. No entanto, qualquer ser humano obriga-se a elas e, mais ainda, quem assume atividades de gestão da informação. Há exemplos maravilhosos vividos e contados. Há histórias sofridas vividas e contadas. Há de tudo, na tentativa de se vencerem os dilemas que perpassam o ciclo estendido da gestão. Afinal, o mundo da Ciência é constituído por seres humanos e, assim, permeado por informações, por contradições e por incertezas. No momento da recuperação, há uma tendência a se valorizar o ator que a possibilitou – o profissional da informação – mais do que o autor e os parceiros envolvidos em todas as etapas. E isso porque o sucesso da busca permite a satisfação do usuário. Em outras palavras, a recuperação para empréstimo e uso da informação, se tudo conspirar a favor! Nesse território “movediço”, é necessário caminhar entre produtores, gestores e usuários da informação, adotando uma postura humana suscetível de ser qualificada como ética, e primar por regras de conduta impregnadas de respeito, dentro da ética da cordialidade estimulada por Morin (2005). E isso não significa estabelecer-se na boa vida, vez que a ética, como luta do dia a dia, está permanentemente se renovando. Surgem novos dilemas e novas responsabilidades, cada um a exigir decisões específicas. É a confirmação das premissas de Fourez (1995), que insiste em afirmar que não existem códigos de ética que comportem todas as situações presumíveis ou das incertezas éticas de que fala Morin (2005). Seres humanos assumem atitudes ambíguas: a vaidade de uns se contrapõe à humildade de outros; a prepotência de alguns destoa da gentileza de pessoas sociáveis. No Brasil, boa vida é muito diferente de vida boa. No Brasil, vivemos entre dois traços culturais enraizados: de um lado, um que valoriza a idoneidade das relações sociais, a vida boa (CAPURRO, 2009); do outro, a lógica do “jeitinho brasileiro” que tudo consegue - a boa vida. No Brasil, a cultura organizacional nacional está sofrendo mutações. Por sua vez, a responsabilidade, apoiada na ética, sofre interveniências da globalização e da revolução digital e iniciam-se discussões ampliadas. Tendo em vista as injunções impostas pela globalização da maior visibilidade dos princípios éticos e dos valores morais, da complexidade crescente dos contextos culturais, dos dilemas e das incertezas que circundam o ciclo estendido da vida, não há como desmerecer o trabalho exercido por quantos têm na informação seu objeto de trabalho. REFERÊNCIAS ABRANCHES, S.P. O que fazer quando eu recebo um trabalho ctrl c + ctrl v? autoria, pirataria e plágio na era digital: desafios para a prática docente. In Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação: Multimodalidade e ensino. Anais eletrônicos... Recife: Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologia Educacional, 2008. BATTLES, Matthew. A conturbada história das bibliotecas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2003. 239p. CAPURRO, R. Ética para provedores e usuários da informação. In: KOLB, Anton; ESTERBAUER, Reinhold; RUCKENBAUER, Hans Walter (Orgs.). Ciberética – responsabilidade em um mundo interligado pela rede digital. São Paulo: Loyola, 2001. CAPURRO, R. Ética intercultural de la informacion. In: GOMES, H.F.; BOTTENTUIT, A. M.; OLIVEIRA, M.O.E. de (Orgs.) A ética na sociedade, na área da informação e da atuação profissional: o olhar da Filosofia, da Sociologia, da Ciência da Informação e da formação e do exercício profissional do bibliotecário no Brasil. 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PERSPECTIVAS EM ÉTICA DA INFORMAÇÃO: acerca das premissas, das questões normativas e dos contextos da reflexão Maria Nélida González de Gómez⃰ 1 INTRODUÇÃO Para pensar nas perspectivas de um desenvolvimento indagativo de uma Ética da informação, encontramos o que poderíamos considerar três momentos: Num primeiro, seria importante a reflexão sobre as premissas metateóricas, do ponto de vista da Ética, acerca do que se entende por informação, suas dimensões epistemológicas, as pressuposições ontológicas dessa acepção. Num segundo momento, estabelecer alguma forma de discriminação acerca de quais práticas e ações de informação implicariam critérios ou demandas éticas e morais. Num terceiro momento, indicar algumas zonas de tensão em que conflitos de valorização, assimetrias de distribuição ou reconhecimento, as fariam merecedoras de pesquisa teórica e aplicada para o desenvolvimento de uma ética da informação situada, crítica e apta para incoprorar suas reflexões nos fóruns deliberativos da acadêmica e da sociedade em geral. ⃰ Ministério da Ciência e Tecnologia/Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). E-mail: Nélida@ibict.br 2 AS PREMISSAS Entender quais as normas, motivações ou efeitos de caráter moral, no domínio da informação, requer, no ponto de partida, lidar com questões que precedem e condicionam a indagação ética, e dizem respeito às pressuposições ontológicas e epistemológicas acerca do que concebemos como informação e como comportamentos ou ações de informação. Exemplos desses plurais pontos de partida, os encontraríamos na ética ontocêntrica de Floridi (2008) e na ética intercultural de Capurro (2004). Algumas premissas meta-teóricas acerca da informação serão constitutivas das reflexões éticas, seja de modo implícito ou reflexivo. Entre essas premissas, destacaríamos aquelas que respondem à questão da agência, não só do ponto de vista dos indivíduos ou dos atores sociais que poderiam assumir preferências, avaliações, julgamentos ou compromissos morais, em torno da informação, mas também considerando agenciamentos heterogêneos1, de modo que efeitos morais de ou sobre a informação podem resultar da intervenção de agentes não-humanos, como em certos usos da robótica, ou ainda, podem ser atribuídos a manifestação de estruturas ontológicas primárias,sua preservação ou destruição ― como parece ser a proposta de Floridi (2008). Outras questões, preliminares à abordagem ética, resultam da consideração da informação como insumo ou produto do conhecimento; associada a um principio epistêmico, seria da ordem exclusiva da razão e ficaria 1 Nos remetemos neste ponto ao conceito de “assemblage”, retomada, com mudanças de interpretação, do conceito de “gestell” de Heidegger. Conforme Frohmann (2008), “Deleuze and Latour directly addresses the idea of assemblages, Deleuze in his concept of agencement, translated either as ‘‘assemblage’’ or ‘‘arrangement’’, which provides a useful lens for focussing on the intensities, capacities, or powers of bodies in their arrangements with other bodies…, and Latour in his concept of ‘‘reassembling the social’’,which refers to systems of associations between heterogeneous elements—including documents and documentation— that build ways of living together (Latour, 2005)”. sujeita a avaliações veritativas, mas não a motivações, preferências, escolhas ou avaliações morais. Finalmente, deveria considerar-se, no ponto de partida, um certo paradoxo entre as condições que definem certas normas como morais, tal como a aspiração a serem incondicionadas e universais (tal como no imperativo categórico kantiano e, em geral, na ética deontológica), sendo que a informação, enquanto remita à produção de sentido, estaria ancorada nos contextos narrativos de tradições culturais e comunidades de interpretação. Conforme as éticas deontológicas, tal como a de Kant2, o princípio formal de universalidade seria o critério central para estabelecer a eticidade de ações ou normas. Alguns princípios éticos substantivos, como os direitos humanos, demandam também legitimidade universal. Do ponto de vista reflexivo, a questão da extensão de uma moldura normativa em que se sustentam avaliações e escolhas informacionais, em torno da justiça e da vida boa seria já uma questão prioritária. Nas sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo, são vivenciados problemas de cunho informacional que as interpelam e demandam ações e processos avaliativos e de tomada de decisão, de diversa ordem, mas numa escala e extensão renovada, tal como aqueles que resultam da convergência e expansão das tecnologias digitais (ver CAPURRO, FLORIDI, BRAMAN, entre outros). As novas junções da informática e das telecomunicações e sua configuração em redes interativas de comunicação computadorizadas e à distancia, estão hoje imbricadas em todos os processos sociais de produção de sentido e em seus efeitos narrativos, operacionais e materiais. A digitalização subsume uma série de fenômenos de convergência entre a comunicação, processos sociais e componentes materiais, tais como aconteceria com a escrita, 2 “El imperativo categórico es, pues, sólo uno y es este: obra solo según aquella máxima de la cual al mismo tiempo puedas querer que se convierta en norma Universal”. (KANT, 1961, p.112) o rádio, o cinema, a televisão, a telefonia móvel, a Internet e, finalmente, a convergência entre tecnologias digitais e o mundo orgânico, incluindo o corpo humano (BRAMAN, 2005, p.3). As tecnologias digitais seriam justamente denominadas meta-tecnologias por seu modo de operar com e sobre a dimensão simbólica de qualquer outra operação, processo ou função, podendo aplicar-se assim a todo outro dispositivo tecnológico que, a sua vez, vai a intervir sobre a matéria, a vida, o conhecimento, a comunicação. Ficaria constituído assim um novo paradoxo a ser esclarecido pela reflexão ética, agora entre as proposições de universalidade do digital e as mais exigentes condições de universalidade dos princípios morais, que se definem como incondicionadas, ainda que sejam de frágil força de aplicação. 3 QUESTÕES NORMATIVAS Após estabelecidas premissas e pontos de partida, a reflexão ética acerca da informação encontrará algumas tradições que oferecem suas molduras teóricas para conduzir as investigações, algo assim como o “cañamazo” que conduz a mão das bordadeiras. Escolhemos neste trabalho acompanhar a Habermas3, quando trata de esclarecer as plurais modalidades de uso da razão prática que darão resposta à pergunta sobre “Que devo fazer”, em diferentes situações. Antes de tudo, gostaria de diferençar o uso da razão prática tendo como fio condutor os modos pragmático, ético e moral de pôr a questão. Sob os aspectos daquilo que é adequado a fins (Zwechnässiges), do bom e do justo, espera-se, respectivamente, 3 Trata-se, porém, de um uso metodológico de suas estruturas argumentativas, sem pretensão de apresentar ou debater, agora, sua Teoria da Ética Discursiva. desempenhos diferentes da razão prática. De acordo com eles, alterase a constelação entre razão e vontade nos discursos pragmáticos, éticos e morais. A formação da vontade individual encontra, por fim, seus limites no fato de abstrair da realidade da vontade alheia. HABERMAS, 1989,p.4 Habermas vai diferenciar assim três grandes tipos de resposta à pergunta "Que devo fazer?": a) Os problemas práticos, que requerem as competências de uma razão orientada a fins, o apoio de informações empíricas, e que exigem ações instrumentais eficientes, para encontrar “técnicas, estratégias ou programas adequados” (HABERMAS, 1989,p.6). Neste contexto, a informação entraria como recurso e deveria atender as demandas de confiabilidade e objetividade: a dimensão cognitiva pareceria predominar sobre preferências e valores morais. b) Em outros casos, porém, as decisões a serem tomadas implicam “valorizações fortes”, como quando trata-se de escolher uma profissão (Habermas pensa em, por exemplo, decidir ser um editor científico); são decisões que se inserem num contexto de auto-compreensão, cujo “núcleo valorativo” tem duas fases: uma, descritiva, que seria a re-apresentação genealógica da biografia dos implicados; outra, normativa, a idealização daquilo que se quer ser. Implica assim “apropriar-se” da biografia, das tradições e dos contextos culturais de formação de identidade (HABERMAS, 1999). Neste caso, a questão de que devo (devemos) fazer, é uma questão ética; porque dessa decisão autêntica ou ilusória dependerá ter uma vida boa. E essa exigência de auto-compreensão fica ancorada nas redes de escolhas e possibilidades que constituem uma forma de vida, o horizonte sócio-cultural onde se processam ao mesmo tempo a individuação e a socialização. Nesta modalidade da pergunta sobre “que devo fazer”, as questões de informação teriam que manter as escolhas nas redes nutrientes das memórias locais e os contextos biográficos, memórias incompletas e perdidas, os futuros ilusórios, as preferências que excluem ou precarizam identidades e vivências, retaliando reconhecimento e estima. c) Ao estabelecer metas para uma vida boa, no que Habermas chama agora uma numa ética de bens (HABERMAS, 2000), ainda predominariam condicionamentos de cunho egocêntrico ou etnocêntrico, dado que as valorizações estariam ancoradas nos contextos locais, nas interpretações compartilhadas de uma tradição cultural.O que denomina “normas morais” deveriam ter o caráter universal e incondicionado de um imperativo categórico4. Esta seria a instância em que a moralidade vai alem da definição do que seja “a vida boa”, para estabelecer princípios de justiça. Neste ponto, cabe destacar duas propostas diferenciais habermasianas. Uma, a transformação do imperativo kantiano num princípio intersubjetivo, ancorado nas mesmas pressuposições pragmáticas de validade que para ele são pressuposições inevitáveis da cão social como do agir comunicativo. Outra, o papel que tem “o outro” como princípio definidor da universalidade, já que antes que por uma extensão formal o ideal de um sujeito moral, a universalidade remete à presença e participação de todos os envolvidos, na formulação e aceitação de uma norma moral. 4 O imperativo categórico, segundo o qual uma máxima é justa apenas se todos podem querer que ela seja seguida por cada um em situações comparáveis, é o primeiro a romper com o egocentrismo da "regra de ouro" ("Não faças a ninguém aquilo que não queres que te façam"). Cada um "tem de" (muss) poder querer que a máxima de nossa ação se torne uma lei universal. Apenas uma máxima capaz de universalização a partir da perspectiva de todos os envolvidos vale como uma norma que pode encontrar assentimento universal e, nesta medida, merece reconhecimento, ou seja, é moralmente impositiva. HABERMAS, 1989, p.11 Seria possível pensar com tal vigor e extensão as normas próprias a uma justiça da informação? 4 CONTEXTOS DA REFLEXÃO E TAREFAS Para pensar nos cenários contemporâneos que contextualizam nossa reflexão sobre uma ética da informação, recorremos de novo a Habermas. No desenvolvimento de sua teoria social, concebida como teoria da ação comunicativa, oferece outras linhas de reflexão, que podem ser ilustrativas dos contextos em que devemos formular e responder as perguntas sobre “que devo fazer”. Referimo-nos agora a sua concepção das formações sócio-culturais, as que o autor descreve numa matriz de dupla entrada, constituída assim por processos formativos ou de reprodução: reprodução cultural, integração social, socialização; e componentes estruturantes: cultura, sociedade, personalidade (quadro1). Nesse quadro, categorizamos modalidades das ações comunicativas que buscam estabelecer planos coordenados de ação coletiva, através da busca do entendimento mútuo dos participantes. Componentes CULTURA SOCIEDADE PERSONALI Estruturantes DADE Processos de reprodução Reprodução Cultural Tradição, Renovação do Reprodução crítica, saber efetivo para do aquisição do a legitimação conhecimento eficaz nos saber cultural processos de formação Coordenação das Integração Social Imunização de ações através de Reprodução de um núcleo de demandas de padrões de orientações validade pertencimento valorativas intersubjetivame societário nte reconhecidas Socialização Enculturação; Internalização de Formação da Realizações valores identidade interpretativas Quadro 1. Funções das ações orientadas ao entendimento mútuo. Fonte: Jurgen Habermas, 2004, p. 204 Nas sociedades em que a integração por meios (poder, dinheiro) predomina sobre as formas de interação que mantêm como pressupostos as condições de validação e reciprocidade das ações comunicativas, aconteceriam distúrbios que afetam aos atores sociais em todas as dimensões de realização de suas vidas individuais e sociais. Nos processos de transmissão cultural, geram-se efeitos de perda de sentido e desativação de formas de validação dos conhecimentos; nos processos de integração social, efeitos de anomia e fragilização da solidariedade entre os membros da comunidade; nos processos de individuação e socialização, a desestruturação da personalidade e de suas motivações para agir conforme as normas sociais. Componentes CULTURA SOCIEDADE PERSONALIDA DIMENSÕES DE DE estruturais AVALIAÇÃO Processos orientados à sua reprodução Reprodução Perda de Retrocessos da Crises na Racionalidade Cultural sentido Legitimação educação do conhecimento Anomia Integração Instabilidade da Objetificação Solidariedade Social identidade dos sujeitos entre os colectiva conforme a membros das relações comunidades coordenadas por meios administrativos e de poder Socialização Ruptura com a tradição Distúrbios Enfraqueciment psicopatológico Responsabilidad o das s e individual motivações para agir conforme as normas Quadro 2. A crises nos processos de reprodução cultural: manifestações dos disturbios (a partir de Habermas, 1985, p. 143) Ora, nas sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo em que as tecnologias digitais e nomâdicas oferecem possibilidades inúmeras de desenvolvimento econômico e social, enquanto as inovações tecnológicas ficarem sujeitas ao predomínio dos mecanismos de mercado e de formas de valorização capitalista, a produção, circulação e apropriação de informações ignoraria as metas do bem estar social e da justiça social. Questões referentes à confidencialidade, privacidade, propriedade intelectual, segurança, censura, movimentos de código aberto, liberdade de expressão, referem-se a procedimentos seletivos de informação e desinformação e à operação de mecanismos exteriorizados de regulamentação e de controle acerca da geração, circulação e acesso/uso de informação. Consideramos, assim, que a investigação de uma ética da informação teria como tarefa indagar as possíveis distorções comunicativo- informacionais que afetam tanto a realização de metas de uma vida boa, como de justiça social, a partir de nossas comunidades e de sua inserção nas formas globais da cultura, a economia e a política. Acompanhando a modelização habermaseana dos distúrbios normativos das sociedades contemporânea, consideramos que existiriam três grandes zonas de tensão que involucram condições ético-informacionais para sua superação. Eixo das estruturações CULTURA SOCIEDADE PERSONALIDADE Eixo dos processos formativos REPRODUÇÃO CRISES CULTURAL VALIDAÇÃO E CREDENCIAME NTO INTEGRAÇÃO EXCLUSÃO SOCIAL SOCIAL E INFORMACIONA L SOCIALIZAÇÃO FRAGILIZAÇÃO MECANISMOS DE IDENTIFICAÇÃO E DE RECONHECIMEN TO Quadro 3. Zonas de tensão normativa informacional A crise das modalidades de validação e credenciamento dos conhecimentos teria como uma de suas principais manifestações a crescente preocupação com questões normativas e critérios avaliativos que encontramos nos discursos, saberes e organizações que lidam com a produção em uso de conhecimentos nas mais diversas áreas: saúde, produção intelectual, ciência e tecnologia em geral, direito. A afirmação do caráter performático dos enunciados científicos é outro lado das novas experimentações em torno da validade dos conhecimentos. A poli-nomia das mensagens em redes digitais leva a explorar novas formas de construção de legitimidade ou a reformular procedimentos prévios, como as Wiki’s. A pertinência e relevância da questão para uma ética da informação é abordada em ângulos diferentes, seja pelos que consideram que se trata de um problema de qualidade e de verificabilidade, a nível epistêmico, aos que aderem às éticas cognitivas como caminho de uma ética da informação. Trata-se de uma responsabilidade de reflexão que agregaria, entre outros, especialistas; das organizações que atuam em educação, ciência e tecnologia; das agências de fomento e avaliação da pesquisa A fragilização dos mecanismos de identificação e de reconhecimento, que afetam tanto os processos de individuação como de socialização, tem nas redes sociais tanto o locus de superação como o locus de sua manifestação. As redes digitais, frágeis, leves, possibilitadas e ordenadas pelas disponibilidades de software e de hardware, são o espaço vicariante das praças, das várzeas, das tradições. A pergunta, quiçá, seria, neste ponto, o que podemos fazer com o que temos à disposição. Caberia a todos e a cada um a responsabilidade moral de construção e renovação de vínculos. A integração por meios, em lugar da inclusão disciplinar de que nos falam pensadores como Foucault (a produção homogeneizada de sujeitos institucionalizados), gera instabilidade das relações sociais e das posições dos sujeitos nas configurações do poder. A exclusão, o que Agambem chama a “vida nua”, sem as redes protetoras ainda que imperfeitas da cidadania plena, acompanhou a expansão dos modelos neoliberais e das figuras mercadológicas da revolução informacional. Caberia aqui uma reunião produtiva da ética, do direito e da política. A ética, porque coloca a dignidade humana como crivo de valorização do valor; a política, porque constrói um “nós” de compromissos abrangentes, o direito, porque da uma forma positiva as proposições solidárias mas sem força de aplicação das normas éticas e morais. REFERÊNCIAS BRAMAN, Sandra. The emergent global information policy regime, pp. 12-37. 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ÉTICA E POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO: uma ação de informação no Programa de Cooperação Acadêmica - Novas Fronteiras da CAPES Gustavo Henrique de Araujo Freire Professor e pesquisador do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação Universidade Federal da Paraíba E-mail: ghafreire@gmail.com 1 INTRODUÇÃO Este trabalho é o ponto de partida de nossa pesquisa a ser desenvolvida nos próximos quatro anos no âmbito do PROCAD1, qual seja construir uma rede de cooperação e aprendizagem entre os PPGCIs da UFPB e da UNESP/Marília. A construção desta rede traz a necessidade de se refletir acerca da ética que envolve as ações de informação relacionadas a políticas públicas. No nosso escopo, trata-se de promover o “conhecimento em ação” (WERSIG, 1993) na Ciência da Informação de modo a intervir sobre o regime de informação dos programas envolvidos no PROCAD. Nesse sentido, estaremos, também, colaborando para implementar um dos objetivos específicos daquele projeto, qual seja o de “Contextualizar e discutir com a comunidade propostas para políticas públicas locais de informação, nas áreas de Educação e 1 Proposto à CAPES, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em associação com a Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Marília, no âmbito do Programa de Cooperação Acadêmica - Novas Fronteiras, o projeto Rede de Cooperação e Aprendizagem na Ciência da Informação. O projeto representa uma oportunidade histórica para realizar uma atividade conjunta de pesquisa, de aprendizagem e de formação na área de Ciência da Informação. Cultura”. E, neste trabalho, agregando a discussão sobre a aplicação da ética às ações de informação. A ética é um conceito eminentemente humano, pois envolve atitudes, pensamentos e ações construídas em um dado contexto cultural, social e moral. A informação que interessa à Ciência da Informação é uma informação criada e comunicada em relações de trocas comunicacionais que envolvem indivíduos, em nossa pesquisa específica, a saber: professores dos programas de PósGraduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade Estadual de São Paulo, campus de Marília, que fazem parte do PROCAD. É assim que a Ciência da Informação, enquanto ciência que estuda a informação como padrão que une (FREIRE, 2001), incorpora à sua definição a noção de uma ação que remete seus atores sociais aos contextos onde ocorrem (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002). A abordagem metodológica se pauta na construção participativa de um instrumento com diretrizes para uma política pública de gestão de recursos de informação, em âmbito local, que será o eixo motivacional e operatório da pesquisa. 2 SOBRE GESTÃO E POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO Nossa premissa básica é que a construção de uma rede de cooperação e aprendizagem nos leva a pensar sobre os aspectos éticos que permeiam as relações entre os atores que participam desta rede. Nesse sentido, a pesquisa irá trabalhar no sentido de construir um ambiente virtual que propicie aos atores uma comunicação interativa e a disponibilização de acervos de informação relevantes para os temas abordados nos projetos a serem desenvolvidos por cada pesquisador. Para González de Gómez (1999, p. 69), a gestão da informação envolve “o planejamento, instrumentalização, atribuição de recursos e competências, acompanhamento e avaliação das ações de informação e seus desdobramentos em sistemas, serviços e produtos”. Nesta perspectiva, a gestão estabelece a mediação entre as políticas de informação de um setor e a ação informada dos atores sociais envolvidos, sejam eles “o Estado, o Governo, ou comunidades usuárias de bens e serviços de informação ou atingidas em seus processos cognitivos e deliberativos pela disponibilização ou omissão de informações” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999, p. 69). Para Japiassu e Marcondes (1996, p. 215), o termo política refere-se a “tudo aquilo que diz respeito ao cidadão, aos governos e aos negócios públicos”. A natureza normativa da política estabelece “os critérios da justiça e do bom governo, e examinado as condições sob as quais o homem pode atingir a felicidade (o bem-estar) na sociedade, em sua existência coletiva” (JAPIASSU e MARCONDES, 1996, p. 215). Pode-se perceber que tanto o conceito de informação quanto o de política possuem o mesmo sentido de ordem e regulação que, reunidos, formam o conceito de “políticas de informação”: conjunto de leis, regulamentos e políticas que estimulam ou regulam a geração, o uso, o armazenamento e a comunicação de informação. Como política pública, a política de informação assenta-se sobre “interesses e metas políticas e burocráticas, não necessariamente congruentes, manifestando-se para além do aparato governamental” (BRANCO, 2001, p. 87). Nesse sentido, a expressão de uma política de informação ultrapassa o campo formal das leis e regulamentos, pois também engloba as práticas e ações informais de um determinado contexto “em que se misturam pessoas, instituições e interesses, cujas manifestações nem sempre se revelam por mecanismos formais” (BRANCO, 2001, p. 89). Dessa forma, a política de informação deve ser um instrumento regulador entre a sociedade e os avanços científicos e tecnológicos, e deve atuar de forma participativa. Assim praticada, segundo Silva (1991), ela contribuirá para a melhoria do nível educacional, cultural e político, elementos básicos para o exercício pleno da cidadania. 3 A PERSPECTIVA DO REGIME DE INFORMAÇÃO Para González de Gómez (2002, p. 35), o “escopo e a abrangência dos estudos em torno da política de informação se multiplicam e se fragmentam” em todas as abordagens da Ciência da Informação. Neste enfoque, definir políticas de informação implica em ultrapassar esse contexto interdisciplinar da Ciência. Por isso, a autora propõe-se utilizar um conceito de política de informação que “tratará de resgatar a amplidão e complexidade do campo, permitindo a consideração das macro e micro-políticas, bem como das políticas locais, regionais, nacionais e globais” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p. 67). Nossa abordagem de políticas de informação utiliza como base o conceito de regime de informação, o qual é definido por González de Gómez (2002, p. 34) como ...conjunto mais ou menos estável de redes sociocomunicacionais formais e informais nas quais informações podem ser geradas, organizadas e transferidas de diferentes produtores, através de muitos e diversos meios, canais e organizações, a diferentes destinatários ou receptores, sejam estes usuários específicos ou públicos amplos. ... [o qual] está configurado, em cada caso, por plexos de relações plurais e diversas: intermediáticas; interorganizacionais e intersociais. [Sendo constituído, assim,] pela figura combinatória de uma relação de forças, definindo uma direção e arranjo de mediações comunicacionais e informacionais dentro de um domínio funcional (saúde, educação, previdência, etc.), territorial (município, região, grupo de países) ou de sua combinação. No conceito de regime de informação, a relação entre a política e a informação ficaria em observação, permitindo incluir tanto as políticas tácitas e indiretas quanto as explícitas e públicas, micro e macropolíticas, assim como permitiria articular, “em um plexo de relações por vezes indiscerníveis, as políticas de comunicação, cultura e informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p. 70). No âmbito da Ciência da Informação no Brasil, a temática das políticas de informação encontra-se fundamentada, principalmente, nos estudos de González de Gómez. A autora define a Ciência da Informação como uma “disciplina que estuda fenômenos, processos, construções, sistemas, redes e artefatos de informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2004, p. 60) . Nesta perspectiva, a informação é definida como “ações de informação, que remetem seus atores aos contextos onde estas ocorrem” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2004, p. 61). A informação enquanto Ação de Informação refere-se a um conjunto de estratos heterogêneos e articulados, que se manifestam através de três modalidades: a) ação de mediação: a ação fica atrelada aos fins e orientação de uma outra ação; b) ação formativa: a ação está orientada à informação não como um meio, mas como sua finalização; c) ação relacional: a ação busca intervir em uma outra ação para obter direção e fins (GONZALEZ DE GOMEZ, 2004). Nesse contexto, as ações de pesquisa e as ações de informação integrarão um mesmo domínio de orientações estratégicas e, em conseqüência, a política e a gestão da informação formarão parte do mesmo plano decisional e prospectivo ao qual pertence a política e a gestão da ciência e da tecnologia (C&T). Como política pública, a política de informação assenta-se sobre “interesses e metas políticas e burocráticas, não necessariamente congruentes, manifestando-se para além do aparato governamental” (WEINGARTEN citado por BRANCO, 2001). Nesse sentido, a expressão de uma política de informação ultrapassa o campo formal das leis e regulamentos, pois também engloba as práticas e ações informais de um determinado contexto “em que se misturam pessoas, instituições e interesses, cujas manifestações nem sempre se revelam por mecanismos formais” (WEINGARTEN citado por BRANCO, 2001). A política de informação deve ser um instrumento regulador entre a sociedade e os avanços científicos e tecnológicos, e deve atuar de forma participativa. Assim praticada, segundo Silva (1991), ela contribuirá para a melhoria do nível educacional, cultural e político, elementos básicos para o exercício pleno da cidadania. González de Gómez (1999, p.63) propõe quatro definições de políticas de informação no contexto do regime de informação, definindo-a primeiramente como “um conjunto de ações e decisões orientadas a preservar e a reproduzir, ou a mudar e substituir um Regime de Informação, e podem ser tanto políticas tácitas ou explícitas, micro ou macropolíticas”. A segunda definição de política de informação é direcionada para diferenciar gestão de política de informação: Falamos de Políticas de Informação quando, tratando-se de uma questão colocada num domínio coletivo de ação, existem conflitos entre as diferentes formulações de objetivos, planos, atores e recursos atribuídos às ações do domínio e em conseqüência, com respeito ao alcance, às prioridades e às metas das ações de informação, de modo que aqueles conflitos não poderiam ser equacionados ou resolvidos por meios técnicos ou instrumentais e requerem a reformulação deliberativa de princípios, fins e regras para a concretização de planos coletivos e coordenados de ação, ou a mudança das relações de força dos atores envolvidos. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999, p.71) Na terceira definição, as políticas são abordadas como orientações com relação a fins, valores e objetivos das políticas de Informação, designando “as figuras decisionais e normativas do que seja desejável e prioritário para um sujeito coletivo (organização e, regiões, Estado Nacional, etc.) acerca da geração, circulação, tratamento e uso da informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999, p.71). Na quarta e última definição, as políticas atuam como uma “ação dirigida a consolidar a autonomia informacional dos sujeitos coletivos”, considerando que A constituição dos universos de informação parte sempre do ‘nós’ de um sujeito situado, localizado, territorializado, para o qual algo faz ou não faz sentido como informação. Em cada contexto histórico, em cada espaço de ação coletiva, existe um saber local, um sentimento territorializado ou um desejo do que seja um bem coletivo, que formam parte das razões bem fundadas para priorizar, justificar, gerar ou aderir a um valor de informação. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999, p.71) Implica dizer aqui que, embora a Sociedade da Informação seja um fenômeno mundial, uma política de informação deve privilegiar, antes de tudo, a estrutura informacional do local visando a sua inserção no global, pois ... a partir do potencial integrativo do novo padrão tecnológico, o local redefine-se, ganhando em densidade comunicacional, informacional e técnica no âmbito das redes informacionais que se estabelecem em escala planetária. ... a dimensão cultural do local atua na globalidade como um fio invisível que vincula os indivíduos ao espaço, marcando uma certa idéia de diferença ou de distinção entre comunidades. Assim, o local constitui-se em suporte e condição para as relações globais. É nele que a globalização se expressa concretamente e assume especificidades. (ALBAGLI, 1999, p.186-187). Assim, qualquer que seja a forma de proporcionar o acesso a redes de informação global, como a Internet, por exemplo, esta deverá estar integrada às condições locais existentes, tanto em termos de suas organizações quanto em seus referenciais culturais, e a produção cultural deve estar centrada nos valores significativos locais. No contexcto atual, para González de Gómez (2003), ... a sociedade da informação poderia ser entendida como aquela em que o regime de informação caracteriza e condiciona todos os outros regimes sociais, econômicos, culturais, das comunidades e do Estado. Nesse sentido, a centralidade da comunicação e da informação produziria a maior dispersão das questões políticas da informação, perpassada e interceptada por todas as outras políticas: as públicas e as informais, as tácitas e as explícitas, as diretas ou indiretas. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003, p. 61). A informação seria, então, o elemento que unificaria a “dispersão” das questões relacionadas às políticas da informação presentes em cada um dos regimes de informação, independente de serem políticas “públicas, informais, tácitas, explícitas, diretas ou indiretas” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003, p. 61). Uma política de informação pode ser elaborada sob duas abordagens: a básica e a específica. A primeira refere-se aos aspectos gerais da produção de informação, como aqueles ligados à tecnologia de informação, às telecomunicações e à política internacional, dentre outros. Já a política específica de informação, conforme Branco (2001), diz respeito aos aspectos característicos de determinado setor de atividade como, por exemplo, uma política para gestão da informação que contemple a produção de conteúdos de identidade cultural e o acesso livre a fontes de informação relevantes na Internet. Neste caso, a política de informação estará voltada para objetivos e metas específicos, que lhe darão contornos próprios e inerentes ao respectivo espaço ou regime de informação. A nosso ver, nesse contexto cabe à Ciência da Informação dar o embasamento teórico para proposição e discussão de ações de informação que contribuam para promover políticas de informação que possam ser utilizadas como instrumentos de gestão de recursos de informação. De acordo com o exposto, a gestão de recursos de informação contidas em uma rede de cooperação e compartilhamento de informações no ciberespaço pode facilitar a construção de um conhecimento coletivo por parte dos membros dos dois programas de Pós-Graduação envolvidos no PROCAD. Na perspectiva de nossa pesquisa, isto pode ser visto como instrumento de uma política de informação local que pode orientar as ações necessárias para o aumento da produção científica na área da Ciência da Informação . Neste sentido, defendemos a tese de que a criação desse instrumento de comunicação da informação em ambiente virtual (a rede de cooperação e compartilhamento de informações e conhecimentos científicos) pode ser vista como uma política de informação localizada, já que irá intervir no regime de informação dos programas de Pós-Graduação envolvidos. Nesse processo, estão envolvidos os produtores de informação por excelência, tais como professores; os receptores e produtores em potencial de informação, como, por exemplo, os alunos; e os canais que são utilizados para a comunicação das pesquisas, tais como congressos, anais, periódicos, livros, sites entres outros elementos que compõem o regime de informação dessa comunidade. E é nosso propósito, neste projeto, construir essa rede de cooperação e compartilhamento com a participação daqueles que serão seus maiores beneficiários ― no caso, a comunidade científica a qual faz os PPGCIS envolvidos no PROCAD. 4 PESQUISA-AÇÃO PARA CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DE UMA POLÍTICA DE INFORMAÇÃO A escolha da pesquisa-ação traduz a tentativa de abordar a comunicação da informação como ação transformadora, no sentido que lhe atribui Araújo (1994), criando espaço para intervenção empírica em uma dada situação. A pesquisa-ação supõe uma participação e uma forma de ação planejada que atinja os vários elementos das atividades humanas, estando diretamente relacionada à presente proposta, na medida em que viabiliza a ação coletiva pautada pela resolução de problemas e por objetivos de transformação. Segundo Thiollent (1997), a pesquisa-ação “consiste essencialmente em acoplar pesquisa e ação em um processo no qual os atores implicados participam, junto com os pesquisadores, para chegarem interativamente a elucidar a realidade em que estão inseridos” (THIOLLENT, 1997, p. 15). Nessa perspectiva, entende-se por “ator” qualquer grupo de pessoas dispondo de certa capacidade de ação coletiva consciente em um contexto social delimitado, podendo designar tanto os grupos informantes no meio de uma organização quanto os grupos formalmente constituídos, e “participação” é encarada como propriedade emergente do processo e não como a priori. Este será o caminho com os participantes do PROCAD entre os PPGCIs da UFPB e da UNESP/Marília. Buscando uma visão sintética, Dubost (1987) examinou várias concepções de pesquisa-ação vinculadas à tradições norte-americanas e européias, formulando sua própria definição como “ação deliberada visando a uma mudança no mundo real, realizada em escala restrita, inserida em um projeto mais geral e submetida a certas disciplinas para obter efeitos de conhecimento e de sentido”. (DUBOST, 1987 citado por THIOLLENT, 1997, p. 35). No presente projeto integramos à abordagem de Dubost a visão cooperativa de Desroche (1990), que define a pesquisa-ação como uma pesquisa ... na qual os autores de pesquisa e os atores sociais se encontram reciprocamente implicados: os atores na pesquisa e os autores na ação. No limite, esses dois papéis tendem a identificar-se em uma só instância de operação. ... na pesquisa-ação os atores deixam de ser simplesmente objeto de observação, de explicação ou de interpretação. Eles tornam-se sujeitos e parte integrante da pesquisa, de sua concepção, de seu desenrolar, de sua redação e de seu acompanhamento. (DESROCHE, 1990 citado por THIOLLENT, 1997, p.36) Utilizaremos, também, a metodologia da pesquisa-participante, utilizada por Freire (1998) e Espírito Santo (2003), em suas respectivas dissertações de Mestrado em Ciência da Informação, e por Freire (2006) em sua pesquisa sobre inclusão digital. O termo “pesquisa-participante” foi criado por pesquisadores norte-americanos e europeus envolvidos com projetos de intercâmbio com países de terceiro mundo, na área de Ciências Sociais. A pesquisa-participante combina: ...técnicas de pesquisa, processos de ensino-aprendizagem e programas de ação educativa que ... apontam para [a promoção]: a) da produção coletiva de conhecimentos, rompendo o monopólio do saber e da informação, permitindo que ambos se transformem em patrimônio dos grupos marginalizados; b) da análise coletiva na ordenação da informação e no uso que dela se possa fazer; c) da análise crítica, utilizando a informação ordenadas e classificada, a fim de determinar as raízes e as causas dos problemas e as vias de solução para os mesmos; [e o] d) estabelecimento de relações entre problemas individuais e coletivos, funcionais e estruturais, como parte da busca de soluções para os problemas enfrentado (FREIRE,1998, p. 16).2 A construção participativa de um instrumento com diretrizes para uma política de gestão de recursos de informação digitais, no âmbito do PROCAD UFPB – UNESP/Marília, será o eixo motivacional e operatório da pesquisa. Para construção desse instrumento com a comunidade de pesquisadoresdocentes e alunos no Mestrado em Ciência da Informação dos respectivos Programas, optamos, também, por incluir o uso da metodologia da pesquisaparticipante, que envolve contato permanente entre os participantes da pesquisa (docentes e discentes dos PPPGCIs), sendo que o primeiro momento é dedicado ao conhecimento preliminar da realidade, de modo a identificar o que Goldmann (1970) denomina “informação prévia”. Desta ação, resulta a formação de um grupo de trabalho que, no segundo momento, identifica, na comunidade, os “temas geradores” do conteúdo do instrumento. Nesse sentido, a pesquisaparticipante oferece oportunidade para que a comunidade científica envolvida no PROCAD possa participar da análise da sua própria realidade. Assim, a pesquisa-participante pode ser vista como uma abordagem “que poderia resolver a tensão contínua entre o processo de geração de conhecimento e o uso deste conhecimento, entre o mundo acadêmico e o irreal, entre intelectuais e trabalhadores, entre ciência e vida” (DEMO, 1986, p. 126). Nesse processo, o objeto de estudo se torna sujeito da ação e partícipe da discussão do seu próprio destino, no caso suas necessidades de informação e os recursos possíveis para seu atendimento. 2 O resultado do trabalho http://ghafreire.sites.uol.com.br. de Freire (1998) pode ser visto no sítio A nosso ver, nesse contexto cabe à Ciência da Informação desenvolver o embasamento teórico para proposição e discussão de ações de informação que contribuam para promover políticas de informação a serem utilizadas como instrumentos de gestão de recursos de informação. 4.2 A construção da rede de cooperação e aprendizagem Os processos de aprendizagem e o trabalho cooperativo sempre fizeram parte da história humana, como temos chamado à atenção. A partir do momento em que a nossa espécie passa a viver em grupos para depois se transformar em sociedades culturalmente mais organizadas, a experiência de trocas entre os participantes de um determinado grupo social e a união entre os participantes deste em torno de um objetivo comum são atitudes que, com certeza, possibilitaram avançarmos até os nossos dias. A aprendizagem está estreitamente ligada à evolução humana, à transmissão de conhecimentos, em princípio em linguagem oral, pois não havia ainda o registro das informações, permitindo o distanciamento, no tempo e no espaço, das partes envolvidas no processo de comunicação da informação. No paradigma tecno-econômico atual, em que a informação é considerada um fator de suma importância para o desenvolvimento social, o capital humano está se valorizando cada vez mais, principalmente nos espaços de produção e comunicação de informação que levam ao desenvolvimento científico e tecnológico, em nosso caso específico os Programas de Pós-Graduação que fazem parte do PROCAD. Nesse sentido, a construção de uma rede de cooperação e aprendizagem (RECAP) pode ser vista como uma estratégia para que se possa desenvolver uma inteligência coletiva entre os atores participantes desses programas. Segundo Lévy, no processo de construção de uma inteligência coletiva no ciberespaço se destacam dois elementos (que Levy chama dispositivos). O primeiro é o · Informacional, que “qualifica a estrutura da mensagem ou o modo de relação dos elementos de informação”. (LEVY, 1999, p. 62) Este elemento se refere ao modo como os repositórios de informação se estruturam e como podem se relacionar com outros estoques, ou seja, diz respeito ao fato da informação estar disponibilizada, organizada de várias maneiras (resumos, tesauros, catálogos...) e relacionada com outras informações de forma específica. O segundo dispositivo é o · comunicacional, que “designa a relação entre os participantes da comunicação”. As categorias de dispositivos comunicacionais são três: um-todos; um-um; todos-todos. (LEVY, 1999, p. 63) A emergência do ciberespaço vai possibilitar o surgimento de dois dispositivos informacionais originais: o mundo virtual (que dispõe a informação em um espaço contínuo) e a informação em fluxo (dados em estado contínuo de modificação), e isto nos leva à idéia de infinito (espaço que nunca será completamente preenchido e que se encontra em um estado permanente de mudança). Assim, o ciberespaço apresenta a possibilidade de penetrarmos em uma nova realidade, que nos abre possibilidades de experimentar ações de informação que contribuam para facilitar a construção de um conhecimento coletivo criado entre os participantes da RECAP no âmbito dessa nova realidade, a realidade virtual. Sob esse prisma, a elaboração de uma rede de cooperação e aprendizagem em ambiente virtual precisa levar em consideração algumas características da “sociedade informacional” que já estão presentes em nosso convívio social, quais sejam: · A velocidade de criação e de renovação dos conhecimentos, através do uso intensivo de informação. Esse processo leva a um aumento potencial de conhecimento, tendo como conseqüência novas aplicações e acumulação de informações e conhecimentos na sociedade. Os processos de aprendizagens são fundamentais para que a comunicação se concretize e a informação continue a possibilitar a criação de novos conhecimentos. · A nova natureza do trabalho, cada vez mais ligado ao conhecimento. Nos países capitalistas centrais, crescem os segmentos do PIB ligadas à produção do conhecimento e às atividades de informação3. No Brasil, ainda não chegamos a esse estágio, por causa de diversas barreiras políticas, econômicas e sociais, no entanto se pode reconhecer que estamos caminhando nessa direção, inclusive o governo apresenta políticas nesse sentido. · A capacidade do ciberespaço4 lidar com as tecnologias intelectuais5 que “amplificam, exteriorizam e modificam funções cognitivas 3 Segundo Rifkin (2001), “as novas indústrias baseadas na informação ― finanças, entretenimento, comunicação, serviços e educação ― já formam mais de 25% da economia norte-americana. Grande parte de seu valor está empatado em ativos intangíveis e, portanto, não é apresentado com exatidão em sua contabilidade”. 4 Segundo Levy (1999), “o ciberespaço (que também chamarei de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo”. (LEVY, 1999. Sublinhado, no original) 5 Seguindo o modelo de Levy (1993), consideramos “tecnologias intelectuais tanto as formas de expressão simbólica (que, p.ex., evoluíram das narrativas míticas às equações quânticas) humanas” (LEVY, 1993). Isso se concretiza através da possibilidade de agregar novas informações através de links que permitem comentários, da participação em chats e listas de discussão, do trabalho cooperativo à distância, da transferência de dados, texto e imagens. · A emergência histórica e cultural do ciberespaço possibilita o surgimento de dois dispositivos informacionais originais: o mundo virtual6, que dispõe a informação em um espaço-tempo contínuo, e a informação em fluxo7, dados em estado contínuo de modificação. Esse contexto nos leva à idéia de infinito, espaço que nunca será completamente preenchido e que se encontra em um estado permanente de mudança e, à idéia de rede. A informação é um fenômeno que ocorre no campo social e pressupõe, para a sua existência, algumas condições básicas, tais como: quanto as tecnologias de informação em si mesmas (p.ex., a escrita em tabuinhas de barro, as iluminuras medievais, a imprensa e os computadores). Podemos chamá-las, também, de tecnologias soft em contraponto às tecnologias de produção material (que evoluíram, p.ex., desde o machado de pedra até os satélites de comunicação)”. Segundo o autor, essas tecnologias intelectuais “situam-se fora dos sujeitos cognitivos, como este computador sobre minha mesa ou este livro em suas mãos. Mas elas também estão entre os sujeitos como códigos compartilhados, textos que circulam, programas que copiamos, imagens que imprimimos e transmitimos por via hertziana. As tecnologias intelectuais estão ainda nos sujeitos, através da imaginação e da aprendizagem”. (Grifo nosso. Esta última parte é a que nos interessa, para fins deste trabalho.) 6 Segundo Levy (1999), “o mundo virtual dispõe as informações em um espaço contínuo, e não em uma rede, e o faz em função da posição do explorador ou de seu representante dentro deste mundo”. 7 “A informação em fluxo designa dados em estado contínuo de modificação, disperso entre memórias e canais interconectados que podem ser percorridos, filtrados e apresentados ao cibernauta de acordo com suas instruções, graças a programas, sistemas de cartografia dinâmica de dados ou outra ferramentas de auxílio à navegação”. (LEVY, 1993) · Ambiente social - Contexto que possibilita a comunicação de informação. Esse ambiente se caracteriza sempre pela existência de uma possibilidade de comunicação. Ele decorre do impulso primeiro, arquetípico que nos levou como espécie à necessidade de materializar o pensamento em uma mensagem dirigida a um semelhante, um movimento primordial de transmissão da informação; · Agentes - No processo de comunicação, os agentes são o emissor, aquele que produz a informação, e o receptor, o que recebe a informação. Os agentes emissores são responsáveis pela existência dos estoques de informação, em um processo contínuo em que as funções produção e transferência se alternam, ou seja, o receptor de hoje poderá ser um produtor da informação amanhã; · Canais - Os canais estão relacionados aos meios por onde as informações circulam. Os agentes produtores de informação escolhem os canais mais adequados para circulação da sua informação, que podem utilizar-se de meios impressos, como jornais, revistas, periódicos científicos, livros, além de rádio, televisão, Internet, congressos, feiras e outros tipos de eventos científicos e comerciais; Essas são as condições que tornam possível o processo de comunicação entre emissor e receptor da informação se estabelecer. O ambiente humano é fundamental, sem ele não seria possível a existência e atuação dos agentes de informação e no qual princípios éticos estão presentes. Em nossa pesquisa o ambiente são os PPGCIS da UFPB e da UNESP/Marília, e as relações sociais e institucionais que envolvem os dois programas – relações essas que serão mediadas pelo ciberespaço. Os agentes são os professores dos dois Programas, assim como os alunos. Os canais envolvem os espaços de comunicação por onde circulam a produção docente e discente, quais sejam, a participação em congressos, os trabalhos publicados em anais desses congressos, artigos em periódicos, livros e capítulos de livros... Assim, a construção da RECAP deve levar em consideração a informação contida em repositórios estáticos (artigos, livros...), recuperáveis através de tecnologias intelectuais e digitais; e o conhecimento que ainda não foi transformado em informação, recuperável apenas através de contato pessoal direto, ou presencial, e indireto. Neste último, se faz necessário a criação de elementos interativos que possibilite a comunicação entre os participantes da RECAP, como, por exemplo, lista de discussão. Nesse âmbito, torna-se fundamental pensar em redes digitais de comunicação como redes de cooperação e aprendizagem de informações para o processo de construção de uma inteligência coletiva no contexto dos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação participantes da rede de cooperação e aprendizagem. E é desse modo, a ética deve tornar-se uma prática que permeie as relações e trocas entre os indivíduos participantes da rede e possa estabelecer as bases para o desenvolvimento de atitudes em prol de um conhecimento compartilhado. REFERÊNCIAS ALBAGLI, S. Globalização e espacialidade. O novo do local. In: Globalização & Inovação localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul. Brasília: IBICT/MCT, 1999. ARAUJO, V.M.R.H. Sistemas de recuperação da informação: nova abordagem teórico conceitual. Tese. (Dout. Com. Cult.). Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 1994. BARRETO, A. A. A Oferta e a demanda de informação: condições técnicas, ecônomicas e políticas. 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Amorim da Costa Santos* 1 INTRODUÇÃO Nos processos de transformação da informação em um mundo regido pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ocorrem rearticulações das relações sociais e de produção em torno destas que têm papel significativo nas transformações econômicas e sociais da segunda metade do século XX e dos primeiros anos do século XXI, anos de globalização. Nesse contexto, a sociedade contemporânea tem que buscar soluções para a real consolidação da propagada sociedade da informação, considerando principalmente políticas públicas de educação a serem desenvolvidas em seu interior para o reconhecimento e a apropriação dessa nova situação. O investimento em modelos de transferência de informação baseados nas novas tecnologias só se justifica pela idéia de que a apropriação de novos conhecimentos e de ferramentas possa desenvolver consciência histórica, política e ética, associada a ações cidadãs para transformação social. A configuração rizomática da Internet tem potencial como lócus e veículo de expressão da diversidade cultural e de desenvolvimento de práticas capacitadoras inclusivas que utilizem recursos da Web 2.0 e se projetem na arquitetura do ciberespaço como um imenso tecido heterogêneo de redes. O acesso e o uso da informação geram o poder de organização e impulsionam o desenvolvimento e ações criadoras, promovendo o empoderamento individual e coletivo das pessoas envolvidas na vida comunitária, a partir de premissa de que o desenvolvimento deve relacionar-se com o crescimento da qualidade de vida das pessoas e não com objetos, pois as necessidades básicas do homem não mudam; o que muda são as coisas que as sociedades geram para satisfazer tais necessidades ou para incrementar a sensação de novas necessidades. Novas formas sociais determinam estruturas mentais distintas com matrizes de inteligência e comportamento, que tornam importante a investigação sobre as estratégias do empoderamento como ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões e de consciência dos direitos sociais. Fundamental é a articulação entre a ideia de rede e os processos de produção, de tratamento, de difusão, de recuperação e de (re)uso da informação para o empoderamento, o que torna imprescindível a percepção de redes informacionais estruturadas como modelos de ambientes colaborativos de inteligência coletiva como favorecedoras do fortalecimento das competências, da confiança e da capacidade humana. A possibilidade de construção de um saber colaborativo é caracterizada pela potencialização de uma inteligência e de uma consciência coletivas em ações sociais de transferência de informação, com as redes sociais como ambiente antropológico de possibilidades. A transferência de informação presume a existência de um valor da informação partilhado pelos participantes, e requisita a utilização de procedimentos técnicos, expressivos ou normativos de dimensões cognitivas e comunicacionais no contexto de formação e preservação de memórias e na socialização do conhecimento. A tríplice convergência entre as tecnologias do pequeno (ou nanotecnologia), do vivo (ou biotecnologia), e do conhecimento (ou neurociências, ciências da cognição e ciência da informação) é impulsionada por novas visões do próprio conceito de tecnologia que irá regular progressivamente a informação entre os variados setores. A difusão das idéias, a existência das coisas, a criação de opiniões, o sentido que o homem dá a sua existência são os construtores da realidade social. As relações que se estabelecem na sociedade são as relações de poder exercido em diversas esferas por meio da capacidade de agir e de interagir para alcançar objetivos e interesses que dão sentido à existência humana. Nessa perspectiva, o poder se caracteriza como um fenômeno social estabelecido tanto por instituições quanto pelas relações entre indivíduos em seu cotidiano. Nesse cenário, e considerando que a Ciência da Informação (CI) se consolida e se legitima no contexto da sociedade contemporânea, que se encontra em processo acelerado de transformações e rupturas, sob o signo do acesso à informação e da detenção da mesma, as transformações exigem definições e redefinições dos métodos que valorizem e destaquem os aspectos importantes da relação de disseminação, recuperação e compartilhamento de conhecimentos e informações. O conhecimento do fluxo da informação, a percepção do ambiente informacional, a destreza no manuseio e no uso de recursos tecnológicos que favoreçam o acesso, o tratamento, a recuperação, o uso, o reuso e a preservação de informações facilita a geração de novos conhecimentos. Assim, cabe destacar que as redes, como sistemas organizacionais, são capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de objetivos comuns, por meio de estruturas flexíveis e cadenciadas. Elas se estabelecem por relações horizontais, interconexas e em dinâmicas que supõem o trabalho colaborativo e participativo e constituem um local em que, das relações, emergem questões de responsabilidade, de direitos e deveres, nas quais deve prevalecer à ética1. Na prática, redes são comunidades virtual ou presencialmente constituídas a partir de uma estrutura social estabelecida de forma orgânica, na qual a convivência entre os integrantes e o estabelecimento de laços de afinidade serão definidos a partir de pactos sociais ou padrões de relacionamento. Cada nó da rede representa uma unidade, e cada fio um canal por onde essas unidades se articulam por meio de diversos fluxos. Um princípio básico dessa noção de rede é a possibilidade de funcionamento com um sistema aberto que se multiplica como reação de ações externas, que realiza suas próprias necessidades na mesma medida em que gera um novo ciclo de demandas. Podemos recorrer ao exemplo das citações em um documento, que geram uma demanda e nos levam a outros documentos, aos 1 O termo ética deriva do grego ethos (caráter, modo de ser de uma pessoa). Ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade e permite um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não possa ser confundida com as leis, está relacionada com o sentimento de justiça social. A ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. Do ponto de vista da Filosofia, a Ética é uma ciência que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos. Cada sociedade e cada grupo possuem seus próprios códigos de ética. catálogos coletivos e à catalogação cooperativa como produto e processo resultantes de ações cooperativas e de compartilhamento. O desenvolvimento da cooperação na coletividade necessita de ambientes de compartilhamento que permitam a colaboração entre múltiplos sujeitos dispersos geograficamente, e que por meio de suas ações interagem no ambiente, o que requer uma nova dimensão do sentido ético devido às novas concepções e implicações. Uma estrutura em rede tem seus integrantes ligados horizontalmente a todos os demais, diretamente ou por meio dos que os cercam, resultando em uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos nós seja considerado principal ou central, nem representante dos demais. Nessa estrutura há uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo (WITHAKER, 1998), o que resulta em uma inteligência coletiva decorrente da sinergia existente entre competências, os recursos e projetos, a constituição e manutenção de dinâmicas de memórias em comum, e a ativação de modos de cooperação flexíveis e transversais, pautados na assimilação ética dos integrantes de uma rede, como enfatiza Pierre Lévy (2000), pois a aprendizagem e o serviço colaborativo e cooperativo pressupõem o envolvimento e o comprometimento com responsabilidade do fortalecimento de uma inteligência coletiva. O fortalecimento das redes colaborativas e cooperativas de informação, marcado pelo uso intensivo de recursos tecnológicos, entretanto, consolida o movimento de multiplicação sob os princípios da intensividade, extensividade, diversidade, integralidade e agregação, pois terão poder suficiente para promover uma revolução sociocultural a partir: da socialização e produção de conhecimento científico e tecnológico; da difusão de políticas de disponibilização e acesso à informação; da difusão do conhecimento pelas mais diversas linguagens promovendo a livre expressão, e da utilização dos mais variados mecanismos de comunicação, possibilitando a cada pessoa exercer um papel ativo no processo de geração, emissão, recepção e uso de informações. As unidades de informação, como espaços documentais e informacionais e agentes catalisadores da cultura das comunidades nas quais estão inseridas, precisam ser efetivamente reconhecidas e utilizadas como instrumentos para a construção coletiva e para o empoderamento, atuando constritamente como um nó em uma rede que possibilita a formação, a interação e a integração social, cultural, política, tecnológica e mesmo individual, contribuindo assim para o desenvolvimento de um amplo plano social. Em redes, cada integrante é um nó de interação, e a diversidade existente, quando manifesta, leva à criatividade para soluções por vezes simples, outras mais elaboradas, e os integrantes alocados em distintas regiões podem de forma síncrona ou assíncrona, trocar informações e conhecimentos, ato que faz surgir naturalmente a inovação do conhecimento. No ambiente multidisciplinar em que hoje se desenvolvem as tarefas de informação, o catalogador tem a vantagem intelectual de ser o conhecedor da essência dos processos de análise e tratamento do conhecimento registrado. Mas tem, entretanto, de estar apto para apropriar-se das ferramentas tecnológicas disponíveis para aperfeiçoamento e agilização de processos decisivos para o estabelecimento da organização e do tratamento da informação. Como já indicavam, no final do século XX, Mercier, Plassard e Scardigli (1985, p.20), Os chips eletrônicos estão invadindo nossa vida cotidiana, e sua fecundidade se anuncia fulminante. Nestes momentos só nos surpreendem ou irritam. Porque estão vazios, porque carecem de sentido. O único problema consiste em saber que...<alma> lhes estamos dando. (tradução livre) O que os autores denominam de “alma” pode ser aqui considerado “projeto ético-político-pedagógico”. De qualquer forma, trata-se de uma realidade exterior aos princípios do mero aplicativo da técnica, o que exige uma discussão da própria tecnologia a partir dos aspectos a priori político e ético, uma constante em toda relação humana, seja ela com outros homens, seja com algum equipamento. As redes de informação formais ou informais digitais são potencialmente um bom recurso a ser utilizado pela comunidade no seu caminho de empoderamento social. Neste momento histórico, temos como características o desenvolvimento de novas formas de tecnologia e informação, a ampliação da difusão da informação e uma mudança nos paradigmas da produção do conhecimento. As transformações com as quais estamos convivendo na realidade contemporânea são evidentes. As atividades e serviços oferecidos mediante o mercado de informações são como alavancas propulsoras da competência e do incentivo para a ampliação do acesso à informação, nos mais diversos formatos de apresentação, como sons, imagens, textos e metodologias multimídia, o que facilita a construção e a aplicação do conhecimento nos mais diversos setores sociais e culturais. Nesse ambiente se inserem as tecnologias que podem ser usadas para instigar as habilidades cognitivas dos sujeitos, auxiliando-os a desenvolver seu conhecimento e a transferi-los para a resolução de novos problemas. As Tecnologias de Informação e Comunicação oferecem diversas possibilidades para o desenvolvimento de estratégias de ações de trabalho e de disseminação da informação. As informações podem ser examinadas de modo não linear e a utilização de uma variedade de recursos informacionais envolve signos de diferentes categorias, que exercem efeitos distintos sobre o receptor de uma mensagem, possibilitando explorar não só os aspectos intelectivos e racionais da aprendizagem como também os aspectos afetivos e motivacionais, e tal diversidade possibilita também compreender os recursos tecnológicos como uma interface que favorece a exploração ativa dos múltiplos aspectos a partir da intersemiose. Nesse aspecto, retomam-se as questões sobre ética e empoderamento a partir das redes de informação, pois estas favorecem a inclusão dos sujeitos em comunidades por pressuporem a participação e o envolvimento significativo, crítico e ativo nas decisões abrangendo tanto componentes individuais quanto coletivos em um processo que contempla quatro níveis: cognitivo, psicológico, econômico e político, para o desenvolvimento de habilidades necessárias para que se participe e se obtenham reais transformações sociais. Do ponto de vista social, o empoderamento se refere ao acesso dos mais desamparados aos meios de produção, à sua participação efetiva nas mais variadas instâncias políticas e ao incremento de suas capacidades individuais. Do ponto de vista empresarial, o empoderamento é a ação que possibilita a potencialização da capacidade individual para maior autonomia e autossuficiência nas tomadas de decisão e participação. Tais situações nos levam a postular que o acesso e o uso de recursos informacionais, como unidades básicas na formação e no desenvolvimento de bases de conhecimento, são fundamentais para o crescimento individual na participação coletiva em ambientes em que se destacam a colaboração e cooperação. No ambiente cooperativo, o que se espera é aumentar o potencial do grupo, fazendo com que o resultado seja maior que a soma das contribuições individuais de cada membro do grupo. Todavia, chegar a este estado sinérgico no grupo não consiste em uma tarefa fácil. A cooperação surge quando todos se comprometem com um objetivo concreto comum, e nessa proposta um trabalho envolvendo várias pessoas não se caracteriza necessariamente como um trabalho cooperativo. O que se espera é a interação harmônica e realmente cooperativa entre os membros, fazendo com que cada serviço e/ou produto revele as idéias do grupo como um todo. O entendimento entre os participantes necessita de quatro elementos determinantes: a comunicação entre os envolvidos - reside na existência de ligações entre eles, realizada por meio de canais de comunicação direta, como troca de mensagens e reuniões, e por canal indireto, por meio da memória de grupo, quando a construção e o compartilhamento do conhecimento comum podem ser considerados interfaces de comunicação; a coordenação das atividades - refere-se ao gerenciamento e ao acompanhamento das atividades realizadas pelo grupo e individualmente por cada participante; a memória do grupo - registra todo o processo de interação do grupo, como a própria comunicação realizada e os passos desencadeados, bem como todos os produtos gerados por esta cooperação, que é a documentação da história, das orientações e das decisões do grupo; e a percepção do grupo no que diz respeito ao contexto do trabalho – atividades individuais contextualizadas pela compreensão das atividades realizadas pelos demais. (DIETRICH, 1996; HOLLINSWORTH ; WHARTON, 1994) A colaboração e a cooperação efetivas exigem que as pessoas compartilhem informações, e envolvem ações éticas nos processos de negociação, de correalização e de compartilhamento. Nesse contexto, apresentam-se as redes bibliográficas estruturadas no trabalho de construção de metadados para implementação e alimentação de bancos de dados bibliográficos desenvolvidos e aplicados aos ambientes informacionais digitais em formato de catálogos públicos on-line como ferramentas indispensáveis nos processos de localização, acesso, uso e reuso dos recursos informacionais, unidades primárias no processo de empoderamento. 2 CATALOGAÇÃO E ÉTICA A Catalogação, nesse momento histórico, passa por um período importante de reflexão, de (re)dimensionamento de sua identidade, e conta com a colaboração de profissionais de áreas afins, num processo de discussão inter e transdisciplinar. Como disciplina e prática profissional, ela tem como missão construir formas de representação para alimentação de catálogos a partir da descrição padronizada de recursos informacionais, contemplando sua forma, seu conteúdo e o seu arranjo em acervos, de modo a tornar a unidade informacional única e multiplicar os pontos de acesso para a sua identificação, localização e recuperação; faz uso das tecnologias disponíveis nos mais diversos momentos históricos, na tentativa de descobrir caminhos para o aperfeiçoamento e otimização do trabalho cooperante e colaborativo. A catalogação cooperativa suportada por computador pode ser descrita como um processo multidisciplinar que envolve várias tecnologias e conceitos que contribuem para satisfazer os seus objetivos, como interação homemcomputador, hipertexto, inteligência artificial, sistemas distribuídos e redes de computadores. Ela serve como mecanismo de comunicação e produtividade usando computadores voltados à construção e à alimentação de bases de dados bibliográficos. Analisando a função do catalogador como facilitador da aprendizagem e da troca de dados e informações interagindo com os indivíduos em diversos ambientes, visualizamos a sua ação propulsora para a adequação e a estimulação no processo de recuperação de informações, que permite uma interação efetiva do usuário com o ambiente, do usuário com o usuário e grupos de usuários com outros grupos e com o ambiente. O catalogador é um dos responsáveis, mesmo que não visível, por unir as pessoas e colocar à disposição delas recursos de comunicação, de informação e de produção de conhecimento, por meio do processo de construção das representações das informações esquematizadas e estruturadas em formatos legíveis por máquinas que permitem a identificação, a localização e a recuperação automática das informações e propiciam, por meio dos padrões, a interoperabilidade entre sistemas de informação. Entretanto, o processo, os esquemas, as estruturas e os modelos de tratamento descritivo da informação (TDI) não são neutros, uma vez que trazem no seu interior a visão de seus idealizadores e refletem posições ideológicas e políticas; além de, no processo de construção de formas de representação de informações, os recortes e as segmentações serem uma constante e uma característica na representação. São as representações que garantem a visibilidade do recurso informacional no momento da busca e da recuperação, acarretando mediação entre a informação registrada (documento ou recursos informacionais) e o usuário. Quanto mais específicas, completas e detalhadas forem essas representações, mais pontos de acesso ao recurso elas fornecerão, e melhor será a sua recuperação. Uma representação mais detalhada do recurso proporcionará sua maior identificação, individualizando-o, tornando-o único entre muitos, multiplicando as formas de acesso a ele e possibilitando, assim, uma recuperação mais precisa. Cada comunidade determinará o tipo de padrão de metadado a ser utilizado; entretanto, não basta garantir somente a representação dos recursos informacionais, pois diante da variedade de padrões de metadados que está sendo utilizada por comunidades distintas, é preciso garantir também a interoperabilidade dos dados para a troca de informações. A interoperabilidade se constitui como um fator de ordem a ser tratado em ambientes informacionais digitais e pode ser definida como a capacidade de interação, de operação em conjunto, de compartilhamento de informações entre softwares, independente da estrutura de armazenamento dos dados usada em seu banco de dados. O compartilhamento de informações é uma necessidade que tem desafiado profissionais de várias áreas, principalmente em ambientes altamente distribuídos e heterogêneos como a Web, onde estão ambientadas as redes bibliográficas e informacionais digitais. A promoção da interoperabilidade esbarra em questões de integração de recursos, no uso de ferramentas que auxiliem a troca de informações, tais como o uso de padrões de metadados, linguagens de marcação mais adequadas e principalmente as arquiteturas de metadados. O papel desempenhado pela Catalogação, nesses ambientes, é estratégico, considerando-se o desenvolvimento do conhecimento coletivo, e do aprendizado contínuo, tornando mais fácil o compartilhamento de problemas, perspectivas, idéias e soluções. Entretanto, para atingir esse objetivo, dois aspectos essenciais necessitam de destaque: · As estratégias para desenvolvimento do conhecimento devem ser focadas na criação de mecanismos que permitam a interação e a manutenção de contatos, a facilitação de troca de experiências, de trabalho em conjunto, e de mapeamento e acompanhamento da participação de cada um, e não apenas a captura e a disseminação centralizada de informação; · As ferramentas tecnológicas de suporte ao conhecimento devem ser flexíveis e fáceis de usar, dando a maior autonomia possível aos membros das comunidades de trabalho, com um mínimo de interferência, pois as tecnologias úteis para a gestão do conhecimento são aquelas que propiciam a integração das pessoas, que facilitam a superação das fronteiras, que ajudam a prevenir a fragmentação das informações e permitem criar redes globais para o compartilhamento do conhecimento. Isso é fundamental para a criação de bases de dados e para o entendimento do comportamento do usuário. Em suma, as Tecnologias da Informação e Comunicação devem ser utilizadas para facilitar as atividades essenciais do trabalho de gestão do profissional da informação e para a evolução da unidade de informação, tais como a solução de problemas e a inovação, com o uso de ferramentas e métodos flexíveis e de fácil entendimento. Nesse sentido, é interessante retomar os apontamentos do escritor ítalocubano Ítalo Calvino, “Seis propostas para o próximo milênio” (1990), que elegeu alguns valores literários a serem preservados neste século. As propostas de Calvino transcendem as questões da literatura e oferecem apontamentos instigantes sobre o desenvolvimento e a cultura mundiais. As qualidades apresentadas por ele permeiam a forma como devemos lidar com a informação no seu tratamento, organização, armazenamento, disponibilização e acesso, como criamos métodos e como nos propomos transformar a informação em conhecimento. É nessa concepção que as considerações de Calvino sobre Leveza se encaixam com perfeição na Ciência da Informação, e especificamente no processo de Catalogação, pois no cenário estratégico de um mundo competitivo onde a informação é vital, o jogo pela sobrevivência nunca foi tão pesado. O peso também é uma característica de muitas das soluções da organização da informação às quais as unidades de informação recorrem; o peso da complexidade está presente na formação e na estrutura dos acervos e estoques informacionais, nas estruturas de hardware e software e nas redes de informação e comunicação. Os processos de representação da informação e os sistemas de alimentação de catálogos e bases de dados não são soluções leves, envolvem técnicos, especialistas, investimentos, treinamentos, implantações, adaptações e replanejamentos. O problema da importação de dados bibliográficos e catalográficos em ambientes cooperativos e colaborativos, que sugeria um ambiente de processos mais leves, para muitas unidades de informação, transformou-se em um grande peso, resultando em projetos de prazos e custos indefinidos. O desafio da leveza está na sensibilização das pessoas, em tirar o peso dos ombros dos que se consideram ou estão desatualizados, no envolvimento e na participação dos que conhecem o funcionamento do sistema. A Rapidez, o segundo valor apontado pelo autor, é muitas vezes deturpada no atendimento das necessidades informacionais, porque a rapidez e a velocidade dos fatos precisam ser vivenciadas à luz de tempos diferentes; não deve existir a velocidade pela velocidade. Faz-se necessária uma priorização e definição de estratégias de curto, médio e longo prazos, faz-se necessário conhecer a riqueza de recursos existentes, e de modo adequado tratar absurdos como prazos impossíveis de serem cumpridos, pois o tempo é o tipo de recurso que não se pode comprar, talvez o único recurso verdadeiramente não renovável. Na maioria das áreas, e a CI não fica fora, vive-se o presente; o futuro está pautado nas metas de curto prazo e o passado é, muitas vezes, esquecido. Nesse círculo, ficamos condenados a repetir erros, pois abandona-se a memória, a história das iniciativas anteriores é esquecida, e a queima de etapas e a simplificação do caminho acabam inexistindo, pela ausência de uma memória ativa, estruturada e acessível a partir da qual seria possível uma velocidade de maior ação futura, com menos tempo de planejamento. É na CI que encontramos respaldo metodológico para transformar dados em informações, de modo a permitir e facilitar a construção do conhecimento, por meio do desenvolvimento de ferramentas e estruturas metodológicas que vasculhem, organizem, representem e disponibilizem informações, a partir do agrupamento, da identificação de padrões, da utilização e desenvolvimento de formas de representação e de cálculos para trabalhar com a informação, de modo a atender qualitativamente às necessidades informacionais. Entretanto, é necessário considerar que, para transformar informação em conhecimento, precisamos de tempo, pois a reflexão, que leva à compreensão, exige tempo de maturação. Hoje, as TICs expõem as pessoas, por diversas mídias, a uma avalanche de dados e informações. Somos inundados por fatos novos todos os dias, e poucos conseguem articular relações inteligentes de causa-efeito durante o curto espaço de tempo entre uma informação e outra. Ao falar da Exatidão, Calvino (1990) apresenta como objeto de discussão a busca da expressão adequada dos fatos. O autor (p.88) diz: [...] busca da exatidão se bifurcava em duas direções. De um lado, a redução dos acontecimentos contingentes a esquemas abstratos que permitissem o cálculo e a demonstração de teoremas; de outro, o esforço das palavras para dar conta, com maior precisão possível, do aspecto sensível das coisas. (...) São duas pulsões distintas no sentido da exatidão que jamais alcançam a satisfação absoluta: em primeiro lugar porque as línguas naturais dizem sempre algo mais em relação às linguagens formalizadas, comportam sempre uma quantidade de rumor que perturba a essencialidade da informação; em segundo, porque ao se dar conta da densidade e da continuidade do mundo que nos rodeia, a linguagem se revela lacunosa, fragmentária, diz sempre algo menos com respeito à totalidade do experimentável. A busca do profissional da informação também se dá em dois sentidos, o de revelar os problemas de informação relacionados aos interesses do usuário e o de traduzir essas demandas em estruturas e informações que sejam passíveis de tratamento e formas de representações documentárias, tanto no sentido descritivo como temático, o que significa estar constantemente trabalhando com a linguagem natural e com a linguagem formalizada representativa da área, em uma atuação constante no sentido de manter um relacionamento entre pessoas e sistemas. Trata-se de um ambiente de constantes agitações e iniciativas imprevisíveis, em contraponto com as estruturas dos estoques informacionais, um mundo em que tudo se baseia em ordem, padrões, estruturas e relações definidas por códigos, tabelas e formatos, e que ao ser apresentado às pessoas, torna necessárias considerações como estas: [...] as margens de um livro jamais são nítidas nem rigorosamente cortadas: além do título, das primeiras linhas e do ponto final, além de sua configuração interna e da forma que lhe dá autonomia, ele está preso em um sistema de remissões a outros livros, outros textos, outras frases: um nó em uma rede. (FOUCAULT, 1995, p.26) O valor de Visibilidade apontado por Calvino remete à questão de como pode o profissional da informação construir formas de representação para os estoques documentais de modo que as informações e os documentos disponíveis sejam acessíveis, dando ao usuário a possibilidade de confrontar seus marcadores de memória com os atributos definidos para representar um recurso informacional. Essa é uma atividade cotidiana nas unidades de informação, no processo de tratamento das informações e que acaba, muitas vezes, comprometendo a interação entre os profissionais, as informações disponíveis e os usuários. O ponto fundamental da visibilidade está na capacidade de tornar visível aquilo que parece impossível, inviável, inalcançável. Pensar por imagens e comunicar-se por meio delas, em um mundo dominado por elas, tem se tornado uma competência fundamental. A capacidade de construir imagens com significado, nítidas e mobilizadoras, permitirá novas combinações, conexões não tradicionais que levarão à ruptura de fronteiras e ao deslocamento de sentidos. Assim, um desafio importante para a Ciência da Informação é dar visibilidade ao conhecimento e favorecer a transformação do conhecimento tácito em conhecimento explícito. (NONAKA; TAKEUCHI, 1997) Os documentos e as informações descritos por meio das formas de representação desenvolvidas e adotadas pela CI se constituem em imagens para a disseminação, a recuperação e o uso de informações, proporcionando a geração de novos conhecimentos. Os caracteres alfanuméricos, pontos, vírgulas, traços, parênteses, sinais de alinhamento e separação, descrevendo e representando a multiplicidade discursiva dos estoques documentais, estarão em uma estrutura sempre igual e ao mesmo tempo sempre diversa, como um nó em uma rede que remete para outro nó, que ao mesmo tempo individualiza um documento e multidimensiona as possibilidades de acesso a ele, permitindo sua relação com outros textos. Isso nos conduz ao valor da Multiplicidade apontado por Ítalo Calvino, pois as configurações sociais e organizacionais hoje são marcadas por uma variedade imensa de vínculos, conexões, saberes e perspectivas. É em meio a essas conexões que se realizam as trajetórias profissionais, em especial, no que diz respeito ao acesso e ao uso de informações. O valor da multiplicidade exige uma consideração efetiva da necessidade de multiplicar as formas de acesso às informações disponíveis e a disponibilização de diversas formas de representação, com o objetivo de considerar pontos de vista diferentes e, principalmente, o trabalho em equipe, a cooperação e o compartilhamento de recursos materiais e humanos, implicando a tolerância com as diversas visões do mundo. A Consistência como valor que Calvino pretendia apresentar é facilmente transposta para o processo de Catalogação, pois em qualquer tomada de decisão sabe-se o preço da inconsistência das informações. A consistência nos remete à integridade, ao aperfeiçoamento e à completude das informações. Nas unidades de informação, esses são valores essenciais. Nesse sentido, a capacidade organizacional e pessoal é ampliada com a utilização das tecnologias para o gerenciamento das informações em três pontos: na comunicação entre os sujeitos institucionais e usuários na troca fácil e rápida de mensagens; na economia, com a possibilidade de partilhar recursos e de expansão econômica do sistema informático da organização, com a compra e a ligação em rede de computadores econômicos; e na organização, pois as tecnologias de informação contribuem para a criação de grupos de trabalho, rompendo as barreiras de tempo e espaço, e facilitam a gestão de recursos da organização, tanto humanos como materiais, com consistência, exatidão, visibilidade e rapidez, favorecendo a multiplicidade e a leveza no processo de geração e uso de informações. Pode-se concluir que o desafio maior está em perceber, conforme aponta Moran (2001, p. 18), que O conhecimento não é fragmentado mas interdependente, interligado, intersensorial. Conhecer significa compreender todas as dimensões da realidade, captar e expressar essa totalidade de forma cada vez mais ampla e integral. Conhecemos mais e melhor conectando, juntando, relacionando, acessando o nosso objeto de todos os pontos de vista, por todos os caminhos, integrando-os da forma mais rica possível. Essa percepção se faz necessária na tentativa de aumentar a capacidade operacional da Ciência da Informação de “saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos em uma visão pluralística e multifacetada do mundo” (CALVINO, p.127), considerando as atribuições e as responsabilidades relacionadas com os dados, as informações e o conhecimento em um cenário de incerteza tecnológica, ritmo acelerado de mudanças, gap de desenvolvimento da infraestrutura, preços desfavoráveis de equipamentos e software, integrações complexas e mudanças na força de trabalho, gerando uma atuação profissional que privilegie a consonância discursiva dos profissionais e dos usuários, demonstrando uma harmonia visível e consistente entre a prática discursiva e a prática não discursiva de todo o processo de gestão da informação, conforme procura demonstrar o diagrama a seguir. Discurso das Prática Instituições não discursiva RECURSOS INFORMACIONAIS Discurso do Usuário SUJEITOS INSTITUCIONAIS (gestor da informação) TECNOLOGIAS da INFORMAÇÃO e COMUNICAÇÃO Multidiversidade discursiva elaboração de pontes metafóricas entre o acervo e sujeitos psicossociais “findability” – acesso aos registros do conhecimento humano Figura 1: Práticas discursivas institucionais Completando essa reflexão, observa-se que o perfil necessário para o profissional da CI é variado. O conhecimento específico sobre metodologias e técnicas para a gestão da informação e do conhecimento é fundamental, mas espera-se uma capacidade de gerenciamento que combine o conhecimento teórico com o conhecimento técnico, o conhecimento profundo na área de atuação aliado a uma ampla visão, a competência abrangente na especialidade em interação com uma ampla cultura geral, confiabilidade, criatividade, ética e honestidade, como forma de garantir uma sintonia com a moderna prática discursiva da Ciência da Informação. A construção das redes de informação tem no processo de catalogação um grande aliado, pois este contempla uma arquitetura bem definida no uso de tecnologias, linguagens de marcação e agentes de software, que potencializam a identificação, a unicidade, o armazenamento, a busca, o acesso, a recuperação, a preservação, o uso e o reuso de recursos informacionais. As redes informacionais, em sua estrutura e aplicação, estão pautadas nos conceitos fundamentais da Ciência da Informação, indo além das questões de uso da tecnologia, principalmente na adoção de metodologias advindas da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, da fundamentação teórica e técnica de tratamento, da representação e de recuperação de unidades informacionais, da inclusão e do empoderamento social. Nesse sentido, a Catalogação é peça importante no repasse de sua experiência de construção de formas de representação e descrição dos recursos informacionais, estruturados de acordo com métodos, normas e padrões biblioteconômicos para a recuperação de informação, como um modelo consolidado de tratamento e recuperação de informação, em uma estrutura organizacional cooperativa e colaborativa. O uso de formas de representação e descrição dos recursos informacionais disponíveis nas redes informacionais garante a existência de ambientes informacionais interoperáveis, pautados em uma filosofia de cooperação, colaboração, compartilhamento e intercâmbio de informações, permitindo o acesso a uma variedade de recursos informacionais e ampliando, consequentemente, as possibilidades de compartilhamento de conhecimentos e recursos informacionais em comunidades de interesses específicos. A Web se constitui como ambiente adequado para a persistência de redes informacionais, pois segundo Bernes-Lee (2007), o idealizador da Web, a habilidade da rede em permitir que as pessoas construam links a transforma em um espaço abstrato de informação digital sobre todos os aspectos da vida, continuamente recriada hipertextualmente. Destaca, entretanto, que a Web é sustentada por protocolos tecnológicos e convenções sociais. Os protocolos tecnológicos determinam como os computadores interagem e as convenções sociais determinam as regras de engajamento, e como as pessoas gostam e estão possibilitadas a interagir. Isso nos leva a concluir que os métodos e as técnicas de Catalogação proporcionam uma metodologia para a construção de formas de representação com uma lógica de descrição representativa que oferece maiores possibilidades de busca, localização, recuperação e amplitude no acesso, no uso e no reuso dos recursos informacionais, o que favorece a interoperabilidade entre ambientes informacionais distintos, minorando ações de retrabalho no tratamento documentário, atuando assim nos protocolos de descrição da Web. E, por fim, que o tratamento dos recursos informacionais que se caracterizam como unidades básicas fundamentais na formação e ampliação de bases de conhecimento individuais e coletivas e que representam importante papel no processo de desenvolvimento sustentável, é imprescindível para a idéia de empoderamento: o acesso efetivo à informação representa grande significação na mobilização dos sujeitos em comunidades nas quais ações de inclusão e de capacitação individual estão presentes nas agendas tanto do setor público como do privado, e se caracterizam pela participação, respeito, colaboração e cooperação, definidas pelas convenções sociais. REFERÊNCIAS BERNES-LEE, Timothy. Testimony of sir Timothy Berners-Lee. In: Digital future of the United States: Part I - The future of the world wide web. Massachusetts Institute of Technology. Disponível em: <http://dig.csail.mit.edu/2007/03/01-ushouse-future-of-theweb> Acesso em: 10 ago. 2007. CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. 2.ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1990. DIETRICH, Elton. Projeto de um sistema de suporte à autoria cooperativa de hiperdocumentos. Porto Alegre: CPGCC/UFRGS, 1996. Dissertação de mestrado. FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. HOLLINSWORTH, David; WHARTON, Peter. An architeture for developing CSCW. In: SPURR, Kathy; LAYZELL, Paul; JENNISON, Leslie; RICHARDS, Neil. Computer support for co-operative work. Chichester, EUA: John Wiley, 1994. LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2000. MERCIER, P. A., PLASSARD, F., SCARDIGLI, V. La sociedad digital. Barcelona: Ariel, 1985. MORAN, José Manuel. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, José Manuel (org.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. 3.ed. Campinas: Papirus, 2001. NONAKA, I.; TAKEUCHI H. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997. WITHAKER, Francisco (1998). Redes: Uma estrutura Alternativa de Organização. Disponível em: <http://www.rits.org.br/redes_teste/rd_estrutalternativa.cfm>. Acesso em: 28/07/2007. CIBERESPAÇO, REDES SOCIAIS, AGENTES...: aspectos éticos para reflexão Guilherme Ataíde Dias⃰ Isa Maria Freire** Tiger, Tiger, burning bright In the forests of the night, What immortal hand or eye Could frame thy fearful symmetry? (William Blake) 1 INTRODUÇÃO Relembrar que as Tecnologias Digitais da Comunicação e Informação (TDICs) alteraram ou estão alterando o modo de pensar e agir de nossa sociedade contemporânea pode parecer lugar comum. Contudo, por mais que estejam internalizadas em nossa consciência, estas mudanças, o impacto das mesmas resulta em mudança de paradigmas que nos obrigam a refletir de forma contínua sobre a natureza das transformações e desafios que nos aguardam. ⃰ Professor do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador do CNPq. ** Professora do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisadora do CNPq. Dentre as TDICs que mais causaram impactos, indicamos especificamente as tecnologias que possibilitaram o desenvolvimento da Internet e das tecnologias a elas associadas. A revolução causada pela universalização da Internet ainda não está completa, nem podemos precisar com certeza quais serão os novos serviços que surgirão nos próximos anos, pois exercícios de futurologia são meras especulações. A única máxima a que podemos nos apegar é a certeza da constante incerteza. Dos desafios apresentados pelas TDICs podemos destacar, como oportunidade de estudo, os fenômenos comportamentais relacionados à ética dos usuários perante a interação com as aplicações que possibilitam interação no ciberespaço. Este texto não tem a ousadia de apontar soluções para algumas situações apresentadas, mas apenas materializar determinados contextos que nos levem a refletir sobre possíveis abordagens teóricas conceituais sobre o espaço em rede, ou ciberespaço. 2 REDES NO CIBERESPAÇO O conceito de ciberespaço que adotamos é baseado no próprio criador do termo, William Gibson na obra Semimal Neuromancer. Conforme Gibson (1984, p. 51): Ciberespaço. Uma alucinação consensual experimentada diariamente por bilhões de usuários legítimos, em cada nação, por crianças a quem são ensinadas conceitos matemáticos[...]. Uma representação gráfica de dados abstraída dos repositórios de cada computador do sistema humano. Complexidade inimaginável. Linhas de luz alinhadas no não espaço da mente, agregados e constelações de dados. Como as luzes da cidade esvaindo-se [...]1 A definição de ciberespaço apresentada por Gibson (1984, p. 51) é deveras subjetiva e carece de formalismo, mas entendemos que a mesma é suficiente para construirmos a idéia de ciberespaço, especialmente se utilizarmos como alicerce o período “[...] uma representação gráfica de dados abstraída dos repositórios de cada computador do sistema humano [...]”. Dentro do contexto apresentado por Gibson (1984), entendemos que as redes sociais tornadas acessíveis através de desktops, notebooks, netbooks, celulares e outros dispositivos – que podemos considerar como aparelhos provedores de interfaces2 para o ciberespaço – são instâncias do mesmo, ou seja, que podemos construir a proposição de que redes sociais mediadas pelos dispositivos mencionados sejam um subconjunto possível do ciberespaço. Tomaél e Marteleto (2006, p. 75) entendem que as redes sociais “expressam o mundo em movimento” e as definem como “conjunto de pessoas (ou organizações ou outras entidades) conectadas por relacionamentos sociais, motivados pela amizade e por relações de trabalho ou compartilhamento de informações”, que constroem e reconstroem a estrutura social através dessas relações. As autoras defendem a análise de redes sociais como “recurso que respalda a gestão organizacional, identificando os atores mais influentes na rede”, que estaria “se tornando cada vez mais um recurso estratégico na 1 Tradução nossa. Johnson (2001, p.17) conceitua interface como “[...] softwares que dão forma à interação entre usuário e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível para a outra. Em outras, a relação governada pela interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força física”. 2 estruturação e criação de ligações importantes” (TOMAÉL; MARTELETO, 2006, p. 77). Para Marteleto (2001, p. 73), “estudar a informação através das redes sociais significa considerar as relações de poder que advêm de uma organização não-hierárquica e espontânea e procurar entender até que ponto a dinâmica do conhecimento e da informação interfere nesse processo”. O conceito de rede social apresentado por Tomaél e Marteleto (2006, p. 75) pode ser instanciado para as relações existentes no mundo virtual, e a mesma definição sugerida adequa-se às redes sociais encontradas no ciberespaço, das quais, dentre as mais populares atualmente, podemos elencar, sem atribuir ordem de importância, as seguintes: Facebook3, Orkut4, MySpace5, Twitter6, entre outras. Algumas situações de cunho ético desabrocham a partir da imersão dos usuários nas redes sociais disponibilizadas no ciberespaço. Dentre algumas possíveis situações faremos a devida contextualização e apresentaremos alguns questionamentos. Ploug (2009, p. 5) apresenta um experimento realizado nos Estados Unidos em que emergem diferenças no comportamento ético das pessoas quanto ao proceder no mundo real e no ciberespaço. Nesse experimento (Legal Tender Experiment), pessoas ao acessarem uma determinada página da Web eram presenteadas com um par de notas de cem dólares supostamente reais e passíveis de serem acessadas através de tecnologia robótica. Depois de devidamente 3 Disponível a partir da URL: http://pt-br.facebook.com/ Disponível a partir da URL: http://www.orkut.com.br 5 Disponível a partir da URL: http://br.myspace.com/ 6 Disponívek a partir da URL: http://twitter.com/ 4 cadastradas, eram dadas às pessoas a possibilidade de furar ou queimar as notas remotamente. Ao aceitar o experimento os participantes eram informados de que a lei americana considera crime atos que por ventura venham danificar o papel moeda, incorrendo em penalidades pecuniárias ou de privação de liberdade. Explicados da ilegalidade os participantes tinham a opção de clicar em um botão no qual aceitavam a responsabilidade pela mutilação das notas e podiam continuar com o experimento. Após a condução do experimento, os envolvidos eram consultados sobre a veracidade do teste onde a maioria discordava que o teste fosse real. Ploug (2009, p. 6) esclarece que este simples teste parece evidenciar que o comportamento ético das pessoas no mundo físico muda quando a interação ocorre no ciberespaço. Uma premissa proposta por Ploug (2009, p. 7) infere que “a interação no ciberespaço difere eticamente da interação ocorrida fora do ciberespaço por força dos agentes eventualmente procedendo de forma pelas quais eles não teriam agido tivesse a interação ocorrida em ambiente diverso do ciberespaço”.7 Baseado no apresentado, pode-se questionar se a interação “face a face” no mundo físico é diferente da interação no ciberespaço e quais os motivos que eventualmente levam o indivíduo agir de forma ética diversa nos dois meios. ] Nesse sentido, qual a razão que levam os usuários a assumir outras personalidades no Ciberespaço? Um caminho para tais questionamentos é apontado ainda por Plough (2009, p. 4) ao indicar que o trabalho do filósofo Frances, Emmanuel Levinas pode contribuir para esclarecer as dinâmicas entre a interação física “face a face” e dinâmicas emergentes da interação originada no ciberespaço. 7 Tradução nossa. Um segundo aspecto que questionamos é o da interação de usuários com entidades que mimetizem o comportamento humano, interação esta realizada em uma rede social ou qualquer outra instância do ciberespaço. De forma a apresentar a questão faz-se necessário fazermos algumas explicações. Apresentaremos a seguir um teste conhecido como o Teste de Turing, definindo a seguir o conceito de agentes e chatterbots. O matemático britânico Alan Mathison Turing (1950) propôs um teste para determinar a capacidade de uma máquina em demonstrar inteligência, este teste é conhecido como Teste de Turing e pode ser explanado da seguinte forma: O teste é realizado com dois humanos, um deles o juiz do experimento, e uma máquina, prosseguindo com uma conversação em linguagem natural entre o juiz, o outro humano e a máquina. Tanto os humanos como as máquinas estão remotamente separados e a conversação está limitada ao texto digitado em um teclado e apresentado em um terminal. No caso do juiz não conseguir distinguir quem é o humano e quem é a máquina, considera-se que a máquina passou no teste. Até o momento máquinas não passaram no Teste de Turing, mas muitas conseguem interagir com o juiz humano de maneira bastante fidedigna. A partir da explanação da idéia do Teste de Turing prosseguimos com mais definições antes de apresentarmos outro questionamento ético. Introduzimos agora o conceito de agente. Segundo Johnson (2000, p. 135) “Como o nome sugere, os agentes são delegados, representantes. Fazem coisas para nós”, entendemos um agente como sendo uma entidade que age como um procurador realizando tarefas em nome de outra entidade. Nosso interesse recai sobre os agentes de software, que segundo Jennings e Wooldridge (1996) pode ser entendido informalmente “como um programa autônomo capaz de controlar sua própria tomada de decisão e agir com base na percepção de seu ambiente na busca de um ou mais objetivos”8. Entendemos que o conceito de agente no mundo não virtual pode ser transplantado para o ciberespaço sem grandes problemas conceituais, mas o que muda é apenas o espaço de atuação da entidade. Chatterbots são programas de computador que tentam simular conversações com os usuários, com o objetivo de, pelo menos temporariamente, levar um ser humano a pensar que está conversando com outra pessoa (LAVEN, 2003). Essa possibilidade de se dar a uma máquina habilidade para interagir com o ser humano, através da compreensão e simulação do seu comportamento, tem sido, há muito tempo, alvo de pesquisas na área de inteligência artificial (LEONHARDT, 2005). Dias, Henn e Silva (2007, p. 5) esclarecem que as aplicações mais comuns de chatterbots na web são para entretenimento (manter o usuário durante mais tempo no site), ajudar o (tirar dúvidas do usuário quanto ao site ou empresa), comércio (auxiliar o usuário em compras, inclusive sugerindo produtos) e o ensino a distância (esclarecer dúvidas, orientar exercícios propostos, efetuar demonstrações, etc.). Um chatterbot é um tipo de agente, sendo encontrado em diversas instâncias do ciberespaço. Um questionamento que nos intriga seria de que chatterbots estão disseminados como auxiliares de usuários nas mais diversas instâncias do ciberespaço prestando auxílio em diversas atividades conforme explicitado. Uma vez que muitos destes chatterbots possuem condições de mimetizar a conversação com um ser humano, não descartando a possibilidade de algumas dessas entidades vir a passar no Teste de Turing em um futuro ainda indeterminado, mas possivelmente a médio prazo, indagamos: Qual seria o 8 Tradução nossa. direito do usuário saber que estão relacionando como uma entidade não humana? Quais seriam os aspectos éticos emergentes desta relação, uma vez que diversas ações podem ser tomadas pelo usuário a partir da interação com o chatterbot? 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como dito na introdução, estas e outras questões não são respondidas no presente texto, mas se colocam como aspectos de uma agenda para discussão sobre a responsabilidade ética e social dos profissionais da informação. Pois pertencemos ao domínio dos profissionais que criam e disponibilizam as tecnologias da informação que revelam ou escondem o humano nos meandros das máquinas. Onde e quando os “auxiliares” podem vir a assumir os papéis dos seres humanos, são questões a serem respondidas a partir de um posicionamento dos criadores sobre o verdadeiro caráter de suas criaturas. É nosso dever ético e nossa responsabilidade profissional, perante a sociedade contemporânea que se denominada “da informação”, estarmos atentos para essas e outras questões decorrentes da nossa ação sobre o mundo. De modo a vivermos no ciberespaço a verdadeira aventura humana, qual seja a de construir redes de relações que conduzam ao crescimento das possibilidades de diálogo e interação entre humanos. REFERÊNCIAS DIAS, Guilherme Ataíde; HENN, Gustavo; SILVA, José Wendell de Morais. Tecnologia da informação e serviços de referência eletrônicos: uma proposta de aplicação baseada em chatterbots e ontologias. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, v.12 n.23, p.47-61, 2007. GIBSON, William. Neuromancer. New York, Ace Books, 1984. JENNINGS, Nick e WOOLDRDIGE, Michael. Software Agents. IEE Review, p.17-20, 1996. JOHNSON, Steven. Cultura da Interface: como o computador transforma a nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 2001. LAVEN, S. What is a chatterbot? The Simon Laven Page. Disponível em: <http:// http://www.simonlaven.com/ >. Acesso em: 09 de mar. 2010. LEONHARDT, M. D. Um estudo sobre Chatterbots. 2005. Trabalho individual – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2005. MARTELETO, R. M. Análise de redes sociais – aplicação nos estudos de transferência da informação. Ciência da Informação, Brasília, v.30, n.1, p.71-81, jan./abr. 2001. PLOUG, Thomas. Ethics in Cyberspace: How Cyberspace May Influence Interpersonal Interaction. Springer, 2009. TOMAÉL, M. I; MARTELETO, R. M. Redes sociais: posições dos atores no fluxo da informação. Encontros Bibli, Santa Catarina, especial, 1o semestre, p.75-91, 2006. TURING, Alan Mathison. Computing Machinery and Intelligence. Mind, Oxford, v.LIX, n.236, p.433-460, 1950. ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL E GESTÃO DA INFORMAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES Júlio Afonso Sá de Pinho Neto1 1 INTRODUÇÃO Nossa contemporaneidade possui uma grande demanda por critérios éticos, capazes de orientar políticas de informação com o objetivo de promover a inclusão social, priorizando aquelas informações realmente capazes de educar para a cidadania, para a melhoria da qualidade de vida e maioridade política de grandes parcelas da população que vivem diferentes situações de exclusão social. Vivemos em meio a um excesso de informações que paradoxalmente representa um grande obstáculo à informação. Essa aposta no excesso investe contra a qualidade e legitimidade dos conteúdos, que muitas vezes defendem apenas interesses privados e beneficiam – de forma dissimulada – os objetivos dos grandes mercados e monopólios. Este fenômeno faz parte também de um processo de estetização e espetacularização (DEBORD, 1997; BAUDRILLARD, 1992) de diversos domínios da vida humana. Surge a tendência de não buscarmos mais a informação nos meios de comunicação disponíveis, mas torná-la um espelho de nós mesmos: “a internet torna-se um 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: sadepinho@uol.com.br espelho de nós mesmos. Em vez de usá-la para buscar notícias, informação ou cultura, nos a usamos para SERMOS de fato, a notícia, a informação, a cultura” (KEEN, 2009, p. 12). Torna-se, mais do que nunca, necessária a intervenção dos profissionais da ciência da informação, que, orientados sob uma perspectiva ética, sejam capazes de gerenciar tais excessos, privilegiando as informações que reafirmem a prática da reflexão, da crítica e da democracia. Devem garantir espaço para múltiplas vozes, com o escopo de salvaguardar os direitos inalienáveis do homem e das sociedades com base nos valores da informação, reafirmando sua dimensão social e humana (SARACEVIC, 1996). Resta a pergunta, tão bem formulada por Wersig e Nevelling (1975): Que exigências sociais devem ser atendidas pela ciência da informação? Certamente aqui vêm em relevo os critérios e fundamentos éticos, pois percebese hoje, de forma majoritária, uma aposta na pura performance e obtenção de resultados, revelando um flagrante distanciamento das práticas dialógicas que devem questionar e orientar as atividades dos profissionais da informação. Tal perigo apresenta-se a partir de uma tendência em suprimir a crítica por considerá-la contrária à eficiência e também um obstáculo à produtividade. Dá-se, então, um crescente vazio no que diz respeito ao pensamento e à reflexão, o que nos expõe a uma cultura onde grassa a estetização, o amadorismo, a banalidade e a desinformação. Por outro lado, há a possibilidade de defender a perspectiva da gestão da informação como um recurso capaz de fornecer o conhecimento necessário para suprir demandas de informação de grupos sociais diversos. Tal entendimento nos faz crer que a responsabilidade social é o grande objetivo da ciência da informação (WERSIG; NEVELLING, 1975). Tal discernimento nos esclarece que no âmbito de qualquer organização haverá sempre a necessidade de conhecer as necessidades de informação dos seus diversos públicos2, atendendo assim seus interesses. Este processo requer o estabelecimento de um intercambio de informações a partir de relações bilaterais. É preciso auscultar o que os públicos têm a dizer sobre a organização para em seguida levar tais informações à administração superior que analisará a possibilidade de corrigir condutas ou mudar comportamentos e procedimentos. As críticas, sugestões, dúvidas e esclarecimentos, oriundos da opinião dos públicos, viabilizam um profícuo trabalho preventivo com o objetivo de evitar conflitos. E todas as disputas representam a possibilidade do surgimento de futuras crises, caso sejam negligenciadas pelo trabalho de gerenciamento da informação. Assim, dentre as atividades do profissional de Ciência da Informação (CI), ressaltamos a gestão dos recursos informacionais das organizações com o objetivo de fortalecer a democracia e a organização da sociedade através da análise das suas necessidades de informação (MARCHIORI, 2002). Não há, destarte, como falar de gestão da informação sem um embasamento ético. A ética deve principalmente garantir que os grupos sociais, ou públicos de uma organização, sejam agentes participativos nesse processo de gestão, fazendo com que eles possam contribuir para definir as políticas de informação através da manifestação de suas opiniões, críticas, anseios e demais contribuições. 2 Público é aqui entendido como um grupo social organizado e afetado pelo desempenho de uma empresa ou organização. Conforme os diferentes graus de interesse, dependência e relações econômicas, estes públicos podem ser classificados como internos, mistos e externos (Cf. FRANÇA, 2004). 2 PÚBLICO INTERNO, ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO Diante de um mercado bastante competitivo, as organizações se veem obrigadas a seguir novos modelos de administração que possuam as estratégias necessárias para garantir a sua própria sobrevivência. Esses modelos, necessariamente, exigem um planejamento estratégico do processo de informação que deve atender a interesses muito bem explicitados na missão e visão de uma instituição, sem, contudo, deixar de considerar as demandas da sociedade como uma das prioridades da administração. As instituições sofrem variadas pressões de grupos sociais organizados que reclamam seus direitos e exigem um compromisso e envolvimento destas nos problemas sociais contemporâneos. Num cenário de profunda exclusão e desigualdade social, pesa, sobre cada empresa e organização uma hipoteca social, como bem nos explicita João Paulo II na Carta Encíclica “Laborem Exercens” (1981), que aborda questões referentes aos meios de produção: Estes não podem ser possuídos contra o trabalho, como não podem ser possuídos para possuir, porque o único título legítimo para a sua posse — e isto tanto sob a forma da propriedade privada como sob a forma da propriedade pública ou coletiva — é que eles sirvam ao trabalho; e que, consequentemente, servindo ao trabalho, tornem possível a realização do primeiro princípio desta ordem, que é a destinação universal dos bens e o direito ao seu uso comum. Sob essa perspectiva, a propriedade é entendida a partir de um princípio de responsabilidade social e não como um direito particular excludente. Se a própria existência de uma empresa passa a ser entendida como responsabilidade social, todo o resto, tal como projetos, ações, investimentos, filosofia administrativa, etc., devem ser concebidos a partir desse compromisso com o desenvolvimento social. Têm-se, aqui, uma visão macro da responsabilidade social que não se limita a ações ou estratégias pontuais, mas orienta e justifica a própria razão de ser de uma instituição. “Neste contexto, tanto os processos administrativos [...] são mecanismos facilitadores para a otimização de processos que levam, idealmente à comunicação efetiva da informação entre indivíduos e grupos” (MARCHIORI, 2002, p. 75). Assim, a responsabilidade social e a forma pela qual a organização a entende e põe em pratica, constitui-se em um elemento estratégico no que diz respeito aos fluxos de informação que se estabelecem no ambiente organizacional. Todos os processos administrativos devem ser entendidos mecanismos facilitadores que têm como objetivo maior proporcionar uma efetiva comunicação da informação entre indivíduos e grupos (MARCHIORI, 2002). A partir de tais premissas, surgem importantes questões: Que filosofia de responsabilidade social uma instituição deve adotar, uma vez que suas ações nesse campo contribuirão de forma decisiva na construção do conceito que essa quer possuir diante da sociedade? Em que medida deve-se dar publicidade a tais projetos e iniciativas? Qual o objetivo ético maior que fundamenta tais práticas? Essas são questões éticas que envolvem o profissional de Ciência da Informação (CI) e que demandam um diagnóstico preciso, sob pena de interferirem de maneira negativa no conceito que a organização possui diante da opinião pública. Quando falamos da construção de um conceito é necessário lembrar que o mesmo não pode significar a mera criação de uma imagem institucional; ele deve corresponder verdadeiramente às escolhas e opções valorativas que orientam determinada filosofia administrativa. Para tanto, é necessário desenvolver inicialmente um trabalho voltado para os públicos internos de uma organização. Este servirá como prova de que os valores que orientam as políticas de responsabilidade social foram verdadeiramente internalizados e adotados como princípios e não como instrumentos de marketing, capazes apenas de fabricar imagens com forte impacto e visibilidade na mídia. O público interno representa um importante termômetro das instituições em matéria de ética, responsabilidade social e mesmo qualidade dos produtos e/ou serviços oferecidos por uma empresa ou organização; é através do trabalho desenvolvido junto a esse público que o gestor da informação vai colher dados essenciais para o planejamento da sua atividade. Através de diferentes métodos de pesquisa de opinião serão obtidos os dados necessários para propor e sugerir mudanças em todas as políticas elaboradas por uma instituição. Sem deixar de mencionar que os dados obtidos internamente às organizações são valiosíssimos, pois para muitos públicos externos – tais como clientes, imprensa, acionistas, fornecedores, governo, dentre outros – as manifestações, opiniões e depoimentos dos funcionários constituem-se em fonte de informação decisiva no momento de conhecer o desempenho administrativo e mercadológico de uma organização. No Brasil, infelizmente, por questões culturais, são negados ao público interno o investimento e as políticas necessárias para firmá-lo como peça-chave da administração organizacional. Tal negligência acaba por obstruir o importante e necessário trabalho de gestão da informação e comunicação interna. Tal equívoco acaba por privilegiar apenas ações voltadas para a área de marketing (com todas suas estratégias de persuasão), já que no imaginário do empresariado brasileiro esta atividade desponta muitas vezes como a única forma de se obter um retorno financeiro fácil e rápido no que diz respeito aos investimentos em matéria de responsabilidade social. Um exemplo bastante eloquente desse panorama em que vivemos no Brasil é a pesquisa realizada por Govatto (2007) com 131 anúncios publicitários, veiculados na mídia impressa e eletrônica, pertencentes a 59 empresas filiadas ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; o resultado demonstrou que a maior parte dos anúncios contrariava as regras prescritas pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) e pelo Código de Defesa do Consumidor. Segundo o trabalho de Govatto, 39% dos anúncios possuíam informações incorretas sobre a oferta de serviços ou o uso de produtos; 36% foram classificados como propaganda abusiva ou enganosa e 10% apresentavam informações que chegavam a por em risco a segurança ou a saúde dos consumidores. 3 A GESTÃO DA INFORMAÇÃO INTERNA COMO PONTO DE PARTIDA PARA AS TRANSFORMAÇÕES DA CULTURA ORGANIZACIONAL E ADOÇÃO DE NOVOS PARADIGMAS ÉTICOS Cumpre ao profissional da ciência da informação, “analisar os processos de produção, comunicação e uso das informações” (LE CODIAC, 2002, p. 25) no âmbito organizacional. Desta forma, quando as organizações se mobilizam para adotar políticas e projetos de responsabilidade como diferencial competitivo, devem fazê-lo a partir de referenciais éticos. Vantagem competitiva não pode dissociar-se da ética, principalmente quando se deseja, a partir de um compromisso social, alcançar o status de organização socialmente responsável. O caminho a seguir é internalizar verdadeiramente esses valores, princípios e comportamentos, além de conclamar todos da instituição – a começar pelos colaboradores – para a construção de um projeto coletivo nessa área. Dentro dessa perspectiva de uma empresa cidadã, capaz de entender a responsabilidade social como resultado de uma construção coletiva, a gestão da informação em nível interno torna-se fundamental devido ao seu papel de promover o envolvimento de todos seus colaboradores no processo administrativo. Esse é um tipo de trabalho que necessariamente deve provocar mudanças, ou seja, deve ir muito além do mero discurso propagandístico que visa apenas alardear as benesses e o compromisso ético da empresa para com a sociedade. Não basta, contudo, apenas conhecer o público interno, levantando suas insatisfações e reivindicações, mas deve-se ir além, com o objetivo de torná-lo agente desse processo de administração organizacional. Este é um trabalho que não pode ser feito sem operar mudanças estruturais que envolvem a transformação de antigos modelos administrativos. Sob esta perspectiva deve-se valorizar o capital humano como o bem maior da organização, evitando-se a subordinação do bem-estar ou das necessidades humanas a qualquer objetivo meramente lucrativo. Assim, o lucro, ainda que essencial para a sobrevivência de uma organização, só deve ser considerado como satisfatório se o compromisso com a ética for aceito e assimilado como um valor inalienável. O gestor da informação, atuando junto ao público interno deverá, destarte, comprometer-se com a criação de uma política que seja capaz de ocupar-se prioritariamente com a melhoria da qualidade de vida dos seus colaboradores. Paralelamente a isto, a divulgação de informações relacionadas à atuação da organização junto a projetos de responsabilidade social nunca pode vir dissociada de um compromisso genuinamente ético; jamais deve servir como mera oportunidade de exibição ou exposição midiática visando – de forma oportunista – obter maior visibilidade junto aos seus clientes ou usuários. Esse trabalho é importante e prioritário justamente por demonstrar o interesse real da administração em produzir resultados a partir do diálogo com o público interno; ele demonstra, antes de tudo, uma concepção da gestão da informação como instrumento capaz de produzir resultados a médio e longo prazos, justamente porque envolve algo que requer tempo e maturação: uma interação dialógica com essa parcela de público. Assim, um compromisso com ética deve se iniciar com a revisão e transformação de modelos administrativos equivocados que ferem direitos e limitam oportunidades daqueles que atuam no interior das organizações. Devemos lembrar que do ponto de vista ético é um contrassenso alardear qualidade, responsabilidade social, preservação ambiental ou apoio cultural sem antes promover, de fato e através de ações, o público interno como elemento prioritário de uma organização. O que queremos ressaltar é que não basta conceber a gestão apenas como um conjunto de processos que envolvem a organização, distribuição e controle da informação tendo em vista provocar ganhos na produtividade e no desempenho financeiro das organizações. É necessário, antes de tudo, promover mudanças de ordem cultural, pois a gestão da informação está atrelada a toda uma cultura organizacional, que por sua vez é perpassada por valores, princípios, hábitos, visões de mundo e ideologias. Há a necessidade, assim, de realizar pesquisas voltadas para a cultura organizacional (CURVELLO, 2002) como condição para que sejam propostas mudanças do ponto de vista ético. Sem essas transformações no ambiente macro – aquele dos princípios, valores e modelos administrativos – torna-se inócuo exasperar-se no planejamento e na execução de políticas de informação visando a “participação” dos funcionários. Deve-se entender que a cultura organizacional pressupõe uma leitura da organização como um todo inter-relacionado (MARCHIORI, 2006), o que faz vir em relevo a interdisciplinaridade da ciência da informação. Até mesmo o status de “público”, aplicado aos funcionários, exige como condição básica para sua existência que tal coletivo de pessoas interaja de forma dialógica, debatendo assuntos de interesse comum a partir das controvérsias existentes. Esse comportamento exige uma maioridade política e o profissional de CI deve atuar como elemento fomentador desse comportamento dialético. Trata-se de um trabalho que antecede a aplicação de todo o instrumental de gestão da informação; antes trabalha questões culturais, pedagógicas e sociais. A cultura organizacional revelará o perfil político e o grau de cidadania dos seus públicos internos ao mesmo tempo em que permitirá conhecer os valores e normas que orientam a instituição desde a sua fundação até o estabelecimento de suas metas mais arrojadas. É este o trabalho de consultor que deve ser exercido pelo profissional de CI, o qual irá exigir-lhe uma gama de conhecimentos em áreas afins, capazes de torná-lo apto a interpretar o ambiente macro no qual a organização está inserida. Esta revisão ética, que brota do conhecimento aprofundado da cultura organizacional, pode e deve ser considerada a melhor forma de se elaborar uma política de informação eficaz, ou, melhor dizendo, uma verdadeira política de informação. Muitas vezes a inexistência desse norte capaz de rever valores, hábitos, princípios, comportamentos e visões de mundo, relega a gestão da informação à mera execução de atividades que, ainda que planejadas, são concebidas de forma meramente funcional, desconsiderando os vícios e práticas estruturais presentes nas esferas administrativas que permanecerão impedindo o êxito na consecução das metas e objetivos tão bem traçados nos planos e programas ligados à gestão da informação. Por outro lado, é importante ressaltar que esta atividade não pode limitar-se a trabalhar de forma restrita, pois o processo de planejamento, gestão e distribuição da informação exige do profissional o exercício da sua função de consultoria junto à cúpula administrativa, o que deve levá-lo a atuar de forma onipresente em todos os setores da organização, com a finalidade de detectar necessidades e demandas de informação por parte dos diferentes públicos. Negligenciar essa realidade é deixar a porta aberta para situações de conflitos ou crises que certamente repercutirão negativamente no processo de gerenciamento da informação, trazendo danos ao conceito que a organização possui na sociedade. 4 O PÚBLICO INTERNO COMO FATOR PRIMORDIAL PARA A LEGITIMAÇÃO DOS PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL É inegável que cada vez mais a garantia de existência das organizações passa por um processo de aprovação da sociedade civil organizada. Ela deve apresentar uma contrapartida social e ambiental para legitimar sua atuação. Longe da visão liberal que reservava ao Estado a preocupação com as questões sociais, hoje, alguns (PERAZZO, 2009) já concebem a organização empresarial como o principal agente de transformação da sociedade. A responsabilidade social é um tema por demais controverso e um dos conceitos mais frequentemente utilizados é o expresso por Ashley (2002, p. 6), que a define como sendo “o compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade na sociedade e sua prestação de contas para com ela”. Ora, aqui percebemos uma compreensão equivocada da responsabilidade social que tende a privilegiar ações executadas para os públicos externos, ainda que sejam comunidades vítimas de qualquer forma de exclusão social. O que é importante complementar é que o êxito de um trabalho dessa natureza só será completo se for desenvolvido com o público interno. Outra distorção a ser evitada é imaginar que essa parcela de público pode permanecer fora do raio de ação de uma política de responsabilidade social elaborada pelas organizações. Um conceito também muito em voga hoje é o de “sustentabilidade corporativa” (ALMEIDA, 2009), que aposta num envolvimento de toda a organização na conquista da legitimidade social a partir do equilíbrio entre lucro, meio ambiente e sociedade. Esta nova leitura confirma o entendimento de que todos os públicos necessitam participar da elaboração dos projetos, políticas e ações desenvolvidas junto a setores da sociedade civil que têm como objetivo proporcionar à população um desenvolvimento econômico e social de forma sustentável, sem comprometer o desempenho financeiro da organização, a qualidade de vida da sociedade e sem produzir nenhuma forma de agressão ao meio ambiente. Esse envolvimento de todos os públicos de uma instituição deixa claro que qualquer iniciativa que não contemple um esforço conjunto deve ser refutada como contrária ao princípio de sustentabilidade. Sendo assim, não há lugar para interpretações falaciosas da responsabilidade social que muitas vezes apostam no mero assistencialismo ou filantropia, contemplando unicamente o público externo. É paradoxal que uma empresa ou organização esteja preocupada com questões sociais, desenvolvendo projetos nesse sentido, e que no seu intramuros trate seus funcionários de maneira indigna, negligenciandolhes a garantia de direitos básicos. A inexistência de políticas que visem propor ascensão funcional, benefícios, qualificação, treinamento e até mesmo participação nos lucros, muitas vezes convive lado a lado com projetos de responsabilidade social que alardeiam garantir a melhoria de condições de vida a parcelas de excluídos da sociedade. Há uma visão quase unânime de que a empresa não pode viver exclusivamente com o objetivo de produzir lucro, pois cumpre também um objetivo social, uma vez que não há como desvincular totalmente interesses públicos de interesses privados. Atualmente as organizações se deparam com a necessidade da aprovação social do seu direito de gerar lucro e riqueza, pois há a cobrança de uma contrapartida que assegure melhorias na vida da comunidade na qual está inserida. Prova disso é o despontar dos indicadores de investimento em responsabilidade social, tão bem expressos nas propostas de divulgação do “Balanço Social”. Sabemos que a publicação do Balanço Social3 é um recurso ligado à gestão da responsabilidade social. Contudo, sua elaboração, além se servir como 3 No Brasil, os modelos mais utilizados são o do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) instrumento de avaliação e planejamento, tem como objetivo proporcionar a transparência necessária das ações desenvolvidas pelas organizações, facilitando, assim, a abertura de canais de comunicação com a sociedade. Através das informações contidas no Balanço Social a sociedade será capaz de avaliar o desempenho das organizações no quesito responsabilidade social. Este mecanismo nada mais é que um conjunto de informações sobre os investimentos e ações sociais efetuados por uma instituição; algo extremamente importante do ponto de vista do planejamento estratégico, pois tais dados terão uma contribuição decisiva na construção do conceito organizacional perante a sociedade e devem, por isso mesmo, possuir uma consistente fundamentação ética. Uma ferramenta como esta não pode conter apenas informações quantitativas sobre as diversas ações da organização voltadas para a melhoria da qualidade de vida de segmentos da sociedade onde está inserida. Deve, antes de tudo, expressar um compromisso, externar valores e políticas que foram internalizadas a partir do seu núcleo gerencial; sendo assim, não se trata de uma preocupação contabilística, essencialmente quantitativa, mas de uma mudança cultural que aponte para um crescimento ético que deve ter início na adoção de novos modelos e paradigmas administrativos. Não basta apenas disponibilizar informações, estas devem refletir a adoção de novos valores e procedimentos. O Balanço Social no Brasil, apesar de contar com um projeto de lei que há anos tramita no parlamento brasileiro, é estimulado através de diferentes mecanismos de incentivo e premiação. É inegável também que a atribuição de organização ou empresa socialmente responsável garante considerável visibilidade junto à opinião pública, o que acaba por estimular muitos dirigentes a investir nesse segmento. Contudo, uma das grandes questões continua ser a conscientização do que venha a ser verdadeiramente a responsabilidade social. e do Instituto Ethos. Segundo o Fórum Permanente de Balanço Social, mantido pela Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social – FIDES4, o Balanço Social não deve ser instrumentalizado como mais um estratagema visando reforçar os esforços de marketing por meio de uma divulgação maciça de ações sociais promovidas pela instituição. Pelo contrário, a genuína responsabilidade social pressupõe o envolvimento das organizações com a transformação social, algo diametralmente oposto da utilização de projetos dessa natureza como mero chamariz de novos clientes capazes de estimular a comercialização de produtos ou serviços. O verdadeiro termômetro para verificar o tipo de entendimento e a qualidade das políticas de responsabilidade social das organizações são os indicadores do Balanço Social voltados para o público interno, tais como: - tempo de trabalho na empresa; - grau de escolaridade; - sexo; - cor; - faixa etária; - percentagem de mulheres em cargos de chefia; - número total e valor das horas-extras trabalhadas; - gastos com alimentação do trabalhador (tíquete-refeição, lanches, restaurantes, cestas básicas etc.); - valor dos gastos com educação (treinamento, estágios, bolsas, bibliotecas etc.); - gastos com saúde planos de saúde; assistência médica; programas de medicina preventiva; programas de qualidade de vida e outros gastos com saúde; 4 www.fides.org.br/balanco_social_forum.htm - valores gastos com segurança no trabalho: valor dos gastos com segurança no trabalho, especificando os equipamentos de proteção individual e coletiva na empresa; - gastos com a previdência, tais como planos especiais de aposentadoria; fundações previdenciárias; complementações e benefícios aos aposentados; - outros benefícios tais como seguros, empréstimos, transportes, creches, atividades recreativas etc. Tais dados descritos acima constam do modelo de Balanço Social do IBASE e também do Projeto de Lei (PL) n° 0032 de 1999, apresentado pelo deputado federal Paulo Rocha (PT/PA). Este Projeto de Lei é a reapresentação do PL n° 3.116/97 de autoria das deputadas Marta Suplicy (PT-SP), Conceição Tavares (PT-RJ) e Sandra Starling (PT-MG). Cabe ressaltar que os indicadores de gênero, etnia e faixa etária estão claramente relacionados com posturas discriminatórias adotadas por algumas organizações, representando um estímulo à mudança e supressão de tais práticas abusivas. É interessante notar que essa concepção legalista do Balanço Social, presente nos dois projetos de lei citados, está sendo substituída por propostas de incentivo e premiação. Um exemplo dessa nova tendência foi a aprovação, em agosto de 2008, pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE), do Projeto de Lei n° 224/07 – atualmente em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) – de autoria da senadora Lúcia Vânia (PSDB/GO)5 que cria um modelo oficial para o balanço social das empresas brasileiras e também institui o Selo Empresa Responsável a ser concedido às empresas que divulgarem o Balanço Social. 5 < www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80839>. O Projeto de Lei apresentado pela Senadora Lúcia Vânia tem a intenção de padronizar, através de um modelo oficial, o balanço social que atualmente já é publicado no Brasil por inúmeras empresas e organizações. Já o Selo Empresa Responsável deverá ser emitido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome como forma de incentivo e premiação às empresas que já divulgam o documento. A padronização das informações torna-se importante para que se possa estabelecer uma isonomia na avaliação das organizações que praticam o balanço social. Este documento em muito contribuirá para legitimar as ações das instituições comprometidas com o desenvolvimento social através de projetos voltados para a educação, preservação ambiental, inclusão social e resgate da cidadania. Tal normatização fornecerá ainda a isenção e imparcialidade necessárias para que o governo possa avaliar inúmeros pedidos de financiamento. É oportuno lembrar que na concessão do Selo Empresa Responsável estarão de fora aquelas que praticaram crimes ambientais, fizeram uso de qualquer forma de trabalho escravo, exploraram mão de obra infantil ou adotaram práticas discriminatórias. A punição desses procedimentos nocivos se estende a toda cadeia produtiva, como fornecedores, distribuidores, rede varejista etc. Temos que ressaltar, porém, que a responsabilidade social, conforme nos alertam Melo Neto & Froes (2001), deve possuir sempre duas dimensões: uma abordagem voltada para o público interno e outra dirigida para a comunidade. Este é o fundamento essencial para a prática de um modelo de responsabilidade social calcado na ética, construído a partir de numa revisão de posturas e práticas administrativas abusivas que para serem detectadas necessitam de um estudo aprofundado da cultura organizacional. Os autores citados acima chegam a ser taxativos ao descreverem a incongruência de possuir um esforço de responsabilidade social de forma parcial: Há casos de empresas que são mais eficazes e atuantes em apenas uma das dimensões. Por exemplo, fazem doações para obras e campanhas sociais do governo, e demitem muitos empregados pagam mal e não possuem quaisquer programas de benefícios (MELO NETO; FROES, 2001, p. 83). Podemos perceber, destarte, que a responsabilidade social exige mudanças na cultura organizacional. Para Fernandes (2002), a simples adoção de ações de cunho assistencialista voltadas para grupos sociais não é suficiente para que haja transformações no comportamento político das lideranças, nem mesmo é capaz de interferir na adoção de valores éticos nos negócios. É necessário conceber a política de responsabilidade social a partir de um processo que envolva todos os funcionários da organização. Este é o primeiro passo a ser dado, pois será capaz de legitimar a participação dos demais públicos no processo. A legitimidade virá do envolvimento coletivo e para isso é necessário obter e acatar as contribuições de cada um dos públicos na discussão dos métodos a serem adotados, na escolha das entidades a serem beneficiadas, na definição das prioridades da região, e ainda a respeito da consonância dos projetos com os produtos ou serviços oferecidos pelas empresas ou organizações. Como se vê, trata-se de um trabalho coletivo que envolve motivação, participação e negociação. É diante desse quadro que percebemos o papel do gestor de informação desde o planejamento até a execução de uma política de responsabilidade social. Isto porque estamos diante de uma empreitada que exige mudanças na cultura organizacional, envolvimento e negociação com os públicos, a começar pelo público interno, e ainda planejamento a médio e longo prazo para que possa ser uma das bases do conceito organizacional. O oposto disso são ações realizadas sem critério algum, com puro interesse em um rápido e crescente aumento nas vendas ou na projeção política de seus dirigentes. Também é inegável que um trabalho consistente nessa área produzirá seus efeitos na fidelização dos clientes, no lucro e fortalecimento da marca, no desempenho dos funcionários e na popularidade dos dirigentes. Mas tudo isso deve surgir como conseqüência e não como um fim em si mesmo, pois assim estaríamos adotando uma ética do interesse próprio, destituída do verdadeiro interesse e responsabilidade com as necessidades sociais. Essa postura responsável deve sempre estar comprometida com a transformação social, com a melhoria da qualidade de vida e com a garantia da cidadania de todos os públicos que interagem com a organização. Trata-se de um trabalho que deve ser iniciado com o público interno, para que possamos estendê-lo para o extramuros da organização. É necessário, entretanto, sedimentar uma boa imagem e um bom conceito da instituição perante seus colaboradores; somente assim haverá uma política de responsabilidade social construída a partir de mudanças estruturais capazes de envolver a própria cultura organizacional, o que certamente implicará na substituição de alguns tipos de modelos administrativos avessos à participação e compromisso coletivos. Esse envolvimento conjugado imporá um caráter de autenticidade aos trabalhos desenvolvidos nessa área, pois eles carregarão consigo a chancela da organização como um todo. Será um trabalho de responsabilidade social planejado e gerido por toda a organização, longe de ser um projeto concebido apenas nas cúpulas administrativas. A responsabilidade social é um exercício de cidadania corporativa, logo, é necessário que os todos os empregados participem desse processo como membros ativos. È necessário construir uma política de responsabilidade social a partir de uma efetiva participação de todos os integrantes da organização. 5 AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL VOLTADAS PARA A INCLUSÃO DE MINORIAS E VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE A PARTIR DO PÚBLICO INTERNO As organizações, nos últimos anos têm fomentado bastante o desenvolvimento de políticas de inclusão dirigidas a segmentos sociais considerados vítimas de algum tipo de discriminação, seja de origem social, cultural, étnica, de gênero ou relacionada a algum tipo de deficiência física. A idéia é incluir pessoas desses grupos nos quadros funcionais das organizações, o que se constitui numa clara resposta às transformações sociais ocorridas no mundo contemporâneo. Trata-se de uma “resposta simbólica, via cultura organizacional [...] procurando estabelecer com os indivíduos uma relação de referência” (FREITAS, 2000, p. 09). Estas iniciativas têm como objetivo estabelecer um elo entre o público interno e os diferentes setores da sociedade. Ao investir no respeito às diferenças, no exercício da tolerância, aderindo ao princípio do diálogo e do trabalho colaborativo, as organizações se beneficiam de uma série de ganhos advindos de tais práticas, como a aproximação com a imprensa, a construção de um bom conceito diante da comunidade, o reconhecimento pelo público consumidor, um melhor desempenho financeiro, maior produtividade, equilíbrio na rotatividade da mão de obra, satisfação por parte dos empregados e menor vulnerabilidade frente à legislação trabalhista. Enfim, o incentivo e a promoção da diversidade a partir do público interno legitimam as ações de responsabilidade social que serão desenvolvidas perante a sociedade. Torna-se, assim, clara, a assimilação consciente desses valores pela organização; uma comprovação inconteste das estratégias voltadas para atingir a comunidade a partir de transformações culturais produzidas no ambiente interno das organizações. Tais práticas se tornam imprescindíveis para que a organização conte com a legitimidade ética necessária para fazê-la sobreviver no mercado atual. Tais esforços devem, contudo, ter início a partir do público interno, como bem observa Myers (2003): A promoção da diversidade e a aquisição de competências crossculturais são fundamentais para o relacionamento da empresa não somente com os consumidores, mas também com todas as partes interessadas, da comunidade local até os governos estrangeiros nos países onde a empresa tem negócios. A vantagem competitiva de uma empresa será determinada em grande medida pela qualidade da relação que ela mantém com as pessoas, interna e externamente. Ao possuir uma política que privilegie acatar a diversidade, a instituição respeita a sociedade na qual está inserida e com ela encontra um maior espaço para o diálogo, negociação e aceitação de seus serviços ou produtos, ganhando credibilidade e competitividade. Fica evidenciado que os programas de responsabilidade social põem em relevo a necessidade de haver um alinhamento entre os projetos voltados para o público interno com aqueles dirigidos ao público externo. Este é o único caminho capaz de tornar a organização exitosa no desenvolvimento de atividades nessa área. Tais diretrizes produzirão a aprovação desses esforços pela sociedade, que poderá constatar que a responsabilidade social é um valor e um princípio ético, não fazendo parte apenas dos discursos institucionais, mas sendo vivenciada internamente pelas organizações para depois trasbordar para o seu exterior. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente o público interno desponta cada vez mais como um público estratégico na gestão das organizações, pois as transformações exigidas pela contemporaneidade devem prontamente atingir os colaboradores de uma empresa ou organização. Estes devem tornar-se o objetivo maior das políticas organizacionais, bem como a verdadeira medida e o sustentáculo da credibilidade institucional em diversas iniciativas, como os programas de qualidade, os projetos de desenvolvimento sustentável e as políticas de responsabilidade social. Podemos perceber, então, que a informação repassada à sociedade pelos empregados sempre possuirá maior credibilidade em relação a qualquer outro meio ou estratégia que tenha como objetivo informar consumidores, clientes, governo, acionistas ou meios de comunicação. As informações produzidas por este público podem produzir consequências graves nas relações da organização com seus interlocutores, chegando a suscitar conflitos e crises que muitas vezes poderão comprometer sua própria existência. Aos olhos dos públicos situados externamente à organização, o funcionário será sempre a melhor testemunha dos valores e do comportamento ético desta. Diante de problemas contemporâneos tão efervescentes, que dizem respeito à segurança e privacidade da informação, há a necessidade cada vez maior de promover um debate ético consistente, permeado por questões referentes à qualidade, confiabilidade e legitimidade da informação. E no que se refere à responsabilidade social, não basta produzir informações quantitativamente expressivas e elencar um sem número de ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida, assistência médica e social, apoio à cultura, investimentos na educação ou financiamento de projetos de preservação ambiental. O importante é realizar as mudanças culturais necessárias que possibilitarão às organizações seguir valores éticos, capazes de produzir a adoção de novos paradigmas e modelos administrativos, tudo isso orientado por uma abordagem sistêmica das organizações onde os objetivos globais, de grupo e individuais possam estar em contínua inter-relação. Sob essa perspectiva sistêmica (SENGE, 2006), cada organização constitui-se em um conjunto de sistemas e subsistemas perfeitamente interconectados e ligados a um macrossistema que os envolve por completo. Assim, a informação é o resultado de uma rede de interconexões que perpassa a organização no âmbito interno e externo, num contínuo processo de retroalimentação. Gerir a informação num contexto dessa envergadura, com a necessária fundamentação e legitimidade ética, é fazer uso de recursos e instrumentos dialógicos, como a pesquisa de opinião, comunidades de prática, comitês de fábrica, grupos de trabalho colaborativo, dentre outros, objetivando garantir a participação e a contribuição de diferentes públicos nas mudanças estruturais pelas quais a organização terá que passar. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fernando. Experiências empresariais em sustentabilidade: avanços, dificuldades e motivação de gestores e empresas. Rio de Janeiro: Campus, 2009. ASHLEY, Patrícia Almeida (org.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. BAUDRILLARD, Jean. A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. Campinas, SP: Papirus, 1992. BARROS FILHO, Clóvis de. (org.) 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