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ÉTICA DA INFORMAÇÃO - Conceitos, abordagens e aplicações

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ÉTICA DA INFORMAÇÃO
CONCEITOS | ABORDAGENS | APLICAÇÕES
Gustavo Henrique de Araújo Freire
(Org.)
Ideia
João Pessoa
2010
Apoio:
NORMALIZAÇÃO
Ediane Toscano Galdino de Carvalho (UFPB/DCI)
Edilene Toscano Galdino dos Santos (UFPB/DCI)
Simpósio Brasileiro de Ética da Informação (1. : 2010 : João Pessoa, PB).
Ética da Informação: conceitos, aboragens, aplicações / Organização,
Gustavo Henrique de Araujo Freire, 18 a 19 de março de 2010. - João
Pessoa: Ideia, 2010.
CD-ROM
E-book do I Simpósio Brasileiro de Ética da Informação.
ISBN 978-85-7539-524-0
1. Ciência da Informação – Ética. 2. Ética da informação. 3. Informação. I.
Título. II. Freire, Gustavo Henrique de Araújo.
CDU 02:17
Editoração Eletrônica/Capa
Magno Nicolau
EDITORA LTDA.
(83) 3222-5986
ideiaeditora@terra.com.br
SUMÁRIO
Apresentação
Sobre a Ética da Informação, 5
1 Rafael Capurro
Desafíos téoricos y prácticos de la ética intercultural de la información, 11
2 Miguel Angel Pérez Alvarez
Teaching information ethics, 52
3 Lena Vania Ribeiro Pinheiro
Ética e os dilemas e impasses da informação: reflexão sobre a divulgação
científica ou popularização da ciência, 58
4 Isa Maria Freire
A consciência possível para uma ética da informação na sociedade
em rede, 78
5 Armando Malheiro da Silva
A pesquisa e suas aplicações em ciência da informação: implicações
éticas 106
6 Joana Coeli Ribeiro Garcia
Por uma ética da informação, 126
7 Maria Nélida González de Gómez
Perspectivas em ética da informação: acerca das premissas, das questões
normativas e dos contextos da reflexão, 147
8 Gustavo Henrique de Araujo Freire
Ética e políticas de informação: uma ação de informação no programa de
cooperação acadêmica - novas fronteiras da CAPES, 164
9 Plácida L. V. Amorim da Costa Santos
Catalogação e ética no ambiente colaborativo e de empoderamento das
redes Informacionais, 184
10 Guilherme Ataíde Dias
Isa Maria Freire
Ciberespaço, redes sociais, agentes...: aspectos éticos para reflexão, 208
11 Júlio Afonso Sá de Pinho Neto
Ética, responsabilidade social e gestão da informação nas
organizações, 217
Apresentação
SOBRE A ÉTICA DA INFORMAÇÃO
É consensual que as competências comunicativas nunca foram tão
fundamentais e diversificadas e, do ponto de visa das novas mídias, tão
igualmente básico o domínio das tecnologias digitais. A informação, noção em
si mesma difusa, está no centro da mudança mental e comportamental que ora
vivemos. Encontramo-nos em uma transformação comunicacional que alcança o
cerne da vida comunitária, da vida familiar, da educação, das carreiras
profissionais, da liberdade, da democracia.
Até recentemente, a realidade computacional, fenômeno básico ou comum
aos processos históricos atuais, era objeto apenas de disciplinas como a
informática, a cibernética, a semiótica, a mediologia e a ciência da informação;
entretanto, “atualmente, quase toda disciplina científica usa o conceito de
informação dentro de seu próprio contexto e com relação a fenômenos
específicos” 1.
O conceito de informação é interdisciplinar e indica o fenômeno
fundamental da nossa era tecnológica descrito por Capurro2 como o trânsito do
logos falado e escrito ao número, ou arithmos, digital. Isso suscita questões
1 CAPURRO, Rafael, HJǾRLAND, Birger. O Conceito de Informação. Trad. Cardoso, A.,
Ferreira, M. G., Azevedo, M. A. Perspectivas em Ciência da Informação, v.12, n.1, p.148207, jan./abr., 2007.
2 CAPURRO, R. La Hermeneutica frente al Desafio de la Técnica Digital. Conferencia en el
Centro de Estudos em Tecnologia, Artes e Comuni. Porto, 2007.
Disponível em: http://www.capurro.de/hermeneutica_porto.html.
como as das “da natureza do agente artificial e das realidades digitais, os
fenômenos da interação homem-computador, da comunicação mediada por
computadores, das comunidades eletrônicas”3, ou da “realidade da Internet,
como comunicação horizontalmente estruturada, [que] produz um feito histórico
único: a técnica de comunicação interativa do one to one, one to many, many to
one and many to many”4.
Vivemos em uma época que exige uma flexão ou uma plasticidade
interativa da racionalidade a partir da qual possamos enfrentar o universo das
novas questões éticas, políticas e legais que se acumulam diariamente nas
práticas científicas, empresariais, sociais e governamentais, na vida pública e na
vida privada. Como se isso não bastasse, há de considerar também que, vista de
perto, mesmo a transferência da inovação é fomentada na inter-relação de
diversos agentes sociais, representantes de não apenas valores e interesses
particulares, mas, sobretudo, provenientes de culturas discursivas distintas.
Assim, não haveria, em uma cultura progressivamente digital, um conceito
eficaz de gestão da inovação – ou de gestão tout court – sem uma ética que
Rafael Capurro chama ética intercultural da informação5.
Nesse contexto, para Capurro o surgimento dos “sistemas de compreensão
autônomos, ou robótica, dos sistemas híbridos biológicos, ou biônica, [ou] da
3 FLORIDI, Luciano. What is the Philosophy of Information? In: The Blackwell Guide to the
Philosophy of Computing and Information. UK: Blackwell. 2004.
Disponível em: http://www.philosophyofinformation.net/blackwell/chapters/introduction.pdf.
4 TAKENOUCHI, Tadashi. “Capurro’s Hermeneutic Approach do Information Ethics; Ethos
in the Inforrmation Society and the Development of ‘angeletics’”. International Journal of
Information Ethics (IJIE), v.1, jun. 2004. Disponível em:
http://www.i-r-i-e.net/inhalt/001/ijie_001_06_takenouchi.pdf.
5 O conceito de “ética intercultural da informação” pertence ao quadro geral da ética da
informação, da qual Rafael Capurro é um dos pioneiros através do artigo, de 1988,
Informationsethos und Informationsethik e com a fundação, em 1999, do International Center
of Information Ethics (ICIE). Artigos e conferências do Prof. Dr. Rafael Capurro estão
disponíveis em sua homepage: www.capurro.de/.
manipulação digital da matéria em nível nano”6, não significa a emergência de
meros tópicos interdisciplinares da objetivação digital ou informacional. Esses
sistemas representam desafios que evidenciam a superação de modelos de
pesquisa e ensino tradicionais, requerendo uma profunda tomada de consciência.
Nesse sentido, impõe-se uma forma nova de capacitar os pesquisadores a fim de
atender à construção da autonomia e da cidadania planetárias em uma cultura
regida pela diversidade, na qual a “criação, dinâmica, administração e utilização
de fontes informacionais e computacionais tornaram-se vitais”7.
Podemos, aqui, avaliar preliminarmente as mais conhecidas implicações
éticas geradas pelo ato de informar, quer dizer, considerar os meios que nos
permitam situar, num primeiro momento reflexivo, a informação no contexto da
vida prática dos indivíduos avaliando os problemas morais, deônticos ou
axiológicos próprios ao ato de informar.
Sabemos que os sistemas e tecnologia da informação são fontes de novos
problemas morais. Uma ética da informação diz respeito aos dilemas deônticos
ou conflitos morais que surgem na interação entre os seres humanos e as
tecnologias e sistemas de comunicação e de informação a fim de refletir e,
sobretudo, disciplinar a criação, a organização e o uso das informações. A
primeira questão que salta aos olhos é aquela que consiste em saber se uma
sociedade da informação exige que se discuta a proposição de uma nova ética,
ou se podemos lançar mão das instâncias axiológicas e deontológicas já
existentes, apenas adequando-as aos novos desafios. Dito de outra forma: essa
morada que os gregos chamavam de ethos precisa de novos alicerces, ou o que
já dispomos se afiguram suficientes?
6 CAPURRO, 2007.
7 FLORIDI, 2004.
O fato é que não tem sido fácil encontrar respostas morais para os novos e
vertiginosos desafios impostos pelos sistemas e tecnologias da informação. A
privacidade da informação, a confidencialidade de dados, a segurança das
informações, a prática do spamming, o controle da Internet por parte de
governos em nome dos seus interesses políticos ou da “segurança nacional”, a
exclusão digital, a desumanização do usuário em razão da impessoalidade ou
despersonalização das práticas informacionais virtuais, a divulgação de
informações que podem antecipadamente criminalizar um indivíduo suspeito de
praticar
um
delito,
interdisciplinaridade
são
e
problemas
éticos
transdisciplinaridade
cujas
em
um
soluções
solo
envolvem
comum
de
estabelecimento extremamente complexo.
Pode-se perguntar, em segundo lugar, se um homem melhor informado é
necessariamente um homem moralmente melhor. Ou então se uma sociedade
melhor informada é, com efeito, uma sociedade mais justa, ainda que seja
duvidoso que estejamos em condições de decidir sobre se é possível, e a que
preço, optar entre nos lançarmos nesse mundo como um Prometeu pós-moderno
conduzindo célere o fogo do progresso, ou, a exemplo de Ulisses, resistirmos ao
canto sedutor das sereias, ignorando o barulho tonitruante dos seus apelos. Ora,
a tradição do Esclarecimento nos fez acreditar que os homens mais instruídos
seriam necessariamente mais virtuosos e mais felizes. A partir disso devemos
concluir que a sociedade da informação torna o nosso agir mais virtuoso e a
virtude é o melhor caminho para a vida boa?
Entretanto, parece-nos inequívoco que devemos formar sujeitos não
apenas para assimilar ou consumir informação, mas também para produzi-la e
saber bem usá-la. Por isso, uma ética da informação deve significar uma ética
para a informação. Ou seja, trata-se de formar (moralmente) o agente ou o
sujeito da informação. A sociedade da informação, com seus avanços e
conquistas, ainda não nos oferece respostas às perguntas: como transformar a
informação em conhecimento válido, seguro, verdadeiro? Que tipo de
conhecimento é passível de ser transmitido, e, o mais importante,
compreendido? E, em sendo compreendido, como torná-lo útil? Em que medida
é possível, no contexto societário em que vivemos, regular ou disciplinar a
informação? E ao fazê-lo, estaríamos limitando-a, cerceando-a?
Parece evidente que uma informação adequadamente assimilada produz
conhecimento e isso, claro, pode gerar desenvolvimento individual e bem-estar
social. O desafio consiste em espalhar e distribuir socialmente os engenhos,
avanços e conquistas das chamadas tecnologias da informação, ou seja, realizar
a chamada socialização da informação. Pode a globalização informacional ser
capaz de gerar um cosmopolitismo aberto e tolerante? Um mundo em que nos
transformamos em consumidores antes de sermos cidadão pode transformar
consumidores fascinados em cidadãos esclarecidos, vigilantes e críticos?
Nas últimas décadas vimos surgir a proliferação de éticas profissionais, o surgimento
da Bioética, da Ética Empresarial ou das Organizações, da Ética das Relações Internacionais,
da Ética Jornalística, etc. Este estado de coisas reflete certamente o volume de dilemas morais
produzidos pela civilização técnica nas culturas que ora assumem o conhecimento como meio
de coordenação social, de produção de bens e desenvolvimento sustentado. As soluções e os
caminhos a serem perseguidos podem apenas ser solidamente estabelecidos mediante o
diálogo intercultural que requer, por sua vez, o direito à comunicação e do direito à identidade
cultural ou autonomia. As práticas possíveis por tais direitos se dão “no horizonte de
diferentes culturas e de tradições morais que devem ser criticamente observadas pela ética
intercultural da informação”8.
Atualmente nos encontramos em um processo acelerado de hibridização cultural
decorrente da globalização digital, cuja formulação é ensaiada no neologismo ‘glocal’ (uma
mistura de global com local). Deste modo, a proposta de uma ética intercultural da
8 CAPURRO, Intercultural Information Ethics, 2008, passim.
informação por um lado ancora-se em um caráter elementar da razão, a sua pluralidade:
“constituímos um mundo comum sobre as bases de intercâmbio de práticas”9 . Por outro, sua
fundamentação “não pode ser oferecida por meras regras metodológicas ou meta-culturais,
i.e., por princípios lógico-formais ou as chamadas constantes antropológicas”10. E o momento
para discussão desses temas e problemas não pode esperar melhor oportunidade do que esta
que se criou para viabilizar o debate e a socialização do pensamento científico sobre ética da
informação, no campo da Ciência da Informação no Brasil.
9 CAPURRO, Intercultural Information Ethics, 2008, passim.
10 CAPURRO, Intercultural Information Ethics, 2008, passim.
DESAFÍOS TÉORICOS Y PRÁCTICOS DE LA ÉTICA
INTERCULTURAL DE LA INFORMACIÓN1
Rafael Capurro*
1 INTRODUCCIÓN
Las tecnologías de la información y la comunicación (TIC) son
actualmente un fundamento de la vida diaria, los métodos científicos, los
procesos industriales, las estructuras políticas y económicas y la cultura. Si bien
esta transformación de las sociedades industriales del siglo XIX y XX en
sociedades informatizadas se va dando a pasos acelerados esto no sucede igual
en todos los sitios ni con los mismos objetivos y prioridades. Como todo gran
invento tecnológico-cultural – pensemos en la escritura o la imprenta – la
revolución digital tiene también una profunda influencia en las normas,
principios y valores que subyacen a la vida social las cuales constituyen la moral
o ethos cultural de toda sociedad humana. Cuando tienen lugar cambios
tecnológico-culturales que atañen en particular a las estructuras, sistemas,
instituciones y normas de información y comunicación de una sociedad se
producen diversos tipos de crisis y cuestionamientos en el ethos que sustenta las
relaciones sociales, cuyo motor es justamente la comunicación. Dicho ethos
comunicacional se encuentra en parte codificado en forma de leyes nacionales
así como de acuerdos y declaraciones internacionales con distinto tipo de
obligatoriedad, ratificación legal y fundamentación teórica. Una crisis de las
morales locales y globales como la que estamos viviendo desde hace unos años
a raíz del desarrollo de las TIC lleva a corto o largo plazo a un cuestionamiento
de dichas leyes así como de las estructuras políticas y sus fundamentos de
legitimación.
Dicho cuestionamiento abre expectativas en vistas a cambios en las
relaciones de poder, en especial con respecto a las exigencias y esperanzas de
sociedades o grupos sociales oprimidos o marginados, y a nuevas formas de
creatividad y de concebir y practicar mejores condiciones de vida común
teniendo en cuenta singularidades históricas y culturales así como también
interacciones menos violentas y destructoras del medio ambiente que las
generadas por la sociedad industrial. Después de los horrores de las dos guerras
mundiales – sin olvidar las guerras y los conflictos subsiguientes y los actuales –
así como de los avances tecnológicos con impacto global como la energía
atómica, la biotecnología, la nanotecnología y las TIC, la humanidad
representada por las Naciones Unidas y otros organismos internacionales como
el Consejo de Europa se ha puesto a la búsqueda de principios y valores
morales comunes como fue el caso, tempranamente, de la Declaración Universal
de los Derechos Humanos y otras declaraciones subsiguientes especialmente en
el campo de la biotecnología (OVIEDO 1997, UNESCO 1997) y hace pocos
años también en el ámbito de las TIC con la Declaración de Principios de la
Cumbre Mundial de la Sociedad de la Información (WSIS 2003/2005).
Con el título de ética intercultural de la información (EII) me refiero a la
relación entre normas morales universalizables o universalizadas y tradiciones
morales locales. Un ejemplo de moral universalizada es la Declaración
Universal de los Derechos Humanos que surge como respuesta a la catástrofe de
la Segunda Guerra Mundial, pero que tiene raíces en el pensamiento del
iluminismo, la Revolución Francesa, las constituciones republicanas etc.
La reflexión ética se mueve entre los polos de la universalización y la
concreción en una situación singular. Discutir sobre, por ejemplo, el tema de la
privacidad no es igual en una cultura que en otra y con un trasfondo histórico y
cultural determinado, como lo expondré mas adelante. Esto me parece evidente
tanto a nivel individual como social.
La EII surge en el momento en que el cuestionamiento teórico de la(s)
moral(es) se vuelve cada vez más urgente dado el profundo impacto práctico de
las TIC en la sociedad. Los conflictos que antes se daban a nivel local, se
transforman ahora rápidamente en conflictos globales y viceversa. La ética es un
síntoma de que normas y jerarquías de valores que se daban por descontado
entran en crisis. Ortega y Gasset decía que “las ideas se tienen” mientras que “en
las creencias se está” (ORTEGA, 1986, 17). Las morales son las creencias en las
que “estamos”. La ética es lo que “tenemos” cuando nos encontramos “sin
creencia firme” (ORTEGA, 1986, 41) a raíz, por ejemplo, de cambios
tecnológico-culturales de gran envergadura como lo fue, por ejemplo, la
invención de la imprenta en el siglo XV y actualmente la técnica digital.
En estas reflexiones quiero exponer los desafíos teóricos y prácticos de la
ética intercultural de la información. Los desafíos téoricos se refieren a las
discusiones en torno a una fundamentación del discurso ético que oscilan entre
posturas universalistas y relativistas. Los desafíos prácticos tienen que ver con la
búsqueda de un código global para la sociedad de la información promovida por
la Cumbre Mundial de la Sociedad de la Información (WSIS) y por la UNESCO.
El eje de mis reflexiones es la diferencia entre moral y ética es decir entre las
tradiciones morales vigentes – la moral vivida pero también su codificación en
forma de leyes y normas como expresión de un ideal – y una reflexión abierta y
problematizante de dichas tradiciones y codificaciones con sus respectivos
valores y principios, teniendo en cuenta los contextos culturales y las estructuras
de poder que los sustentan.
La via regia metodológica que propongo es la de una reflexión crítica
comparada intercultural que presupone que existen diferencias tanto en las
tradiciones morales como en las fundamentaciones y problematizaciones éticas.
Esta reflexión comparada ha de llevarse a cabo en forma paciente sin perder de
vista el sentido crítico de dichos análisis en cuanto se trata no sólo de describir
diversidades culturales sino también de problematizar las normas subyacents a
los intereses y poderes locales o globales así como también de buscar valores y
principios comunes. Una reflexión ética tiene que pensar lo universal sin dejar
de lado la singularidad de formas de vida y las facticidades históricas y
geográficas. En tanto reflexión crítica tiene que problematizar, por ejemplo,
aspectos de justicia, participación política y social así como de protección del
medio ambiente. El problema de la ‘basura digital’ tiene una dimensión ética de
primer orden (FEILHAUER; ZEHLE 2009).
Los intereses de la ética se entrecruzan con los de la sociología, la ciencia
política, las ciencias del medio ambiente etc. diferenciándose de ellas por su
capacidad de abrir una brecha crítica en el ámbito moral normativo implícito o
explícito vigente. La tarea más noble de la ética consiste no sólo en fundamentar
normas de vida dadas – en este caso las que se refieren en especial al ámbito de
la comunicación humana pero sin restringrise a ellas, como lo veremos más
adelante – sino sobre todo en problematizarlas, abriendo nuevas perspectivas de
vida y pensamiento. Analicemos en primer lugar esta problemática a nivel
teórico y luego a nivel práctico.
2 DESAFÍOS TEÓRICOS DE LA ÉTICA INTERCULTURAL DE LA
INFORMACIÓN
El cuestionamiento del ethos comunicacional e informacional – o sea de
las normas, principios y valores que fundamentan la comunicación y la
información en una determinada sociedad – gira actualmente en torno a temas
tan variados como la privacidad, la propiedad intelectual, el acceso libre al
conocimiento, el derecho a la expresión en las redes digitales, la censura, nuevas
definiciones de género, la identidad digital, las comunidades digitales, el
plagiarismo digital, la sobrecarga informacional, la brecha digital y el control
social digital (Himma y Tavani 2008; Van den Hoven y Weckert 2008).
Algunos de estos temas constituyen el meollo de la ética de la información como
se viene desarrollando desde principios de 1980 (Froehlich 2004) pero es recién
con el advenimiento de internet a mediados de la década del 90 cuando la ética
de la información se transforma en un tema político de gran envergadura así
como en una disciplina académica.
Si bien la diversidad de las posiciones éticas y los correspondientes
supuestos culturales ha dado siempre que pensar, el estudio de esta problemática
intercultural en relación a la ética de la información es muy reciente. Fue en un
simposio organizado por el International Center for Information Ethics (ICIE) y
promocionado por la Fundación Volkswagen que tuvo lugar en Karlsruhe
(Alemania) en el 2004 donde se tematizó por primera vez la problemática de una
ética intercultural de la información bajo el título “Localizing the Internet.
Ethical Issues in Intercultural Perspective”. Unos años más tarde, en 2007, se
publicaron las primeras monografías sobre EII, una editada por Soraj
Hongladarom (Tailandia) y Charles Ess (USA) con el título “Information
Technology Ethics: Cultural Perspectives” (HONGLADAROM; ESS 2007) y
otra con una selección de los artículos presentados en el simposio del ICIE
(CAPURRO et al. 2007). Pasemos revista a algunas posiciones teóricas de este
debate que recién ha comenzado (Carbo y Smith 2008; Capurro 2008)
2.1 Charles Ess
Uno de los autores más destacados en la EII es sin duda el teólogo
norteamericano Charles Ess quien aborda la tensión entre la universalidad de los
principios morales y la pluralidad de las culturas con un enfoque en las
tradiciones de pensamiento del Extremo Oriente, en particular el confucianismo,
relacionándolas con corrientes y problemas de la ética de la información
contemporáneas en Occidente (Ess 2008, 2006). Su punto de partida es el
pluralismo ético que refleja un pluralismo moral, es decir, que las
fundamentaciones a nivel reflexivo surgen a partir de tradiciones morales tanto
en el Extremo Oriente como en el “Extremo Occidente”, usando el término del
sinólogo francés François Jullien (Jullien 2001), uno de los intérpretes más
profundos en la comparación del pensamiento chino clásico con la filosofía
occidental.
De acuerdo a Ess, ambas tradiciones, la china, en especial el
confucianismo, y la occidental, se basan en nociones como las de ‘resonancia’ y
‘armonía’ que permiten articular incluso otras posiciones éticas aparentemente
irreductibles. Ess sostiene que es posible pensar un pluralismo ético que no sea
ni un relativismo ni un dogmatismo. Ambas posiciones tienen como
consecuencia el que se impongan normas por la fuerza ya sea porque no hay
normas y principios comunes o porque una perspectiva considerada como
universal es impuesta a las otras. De acuerdo a Ess hay diversas formas de
pensar el concepto de pluralismo. Una de ellas consiste en concebirlo como un
estilo de vida que debe aceptarse sin más. Pero esto lleva en la práctica a
conflictos permanentes y tensiones insolubles. Otra forma de pensar el
pluralismo es buscar principios éticos comunes. Pero este tipo de pluralismo
tiene a su vez la desventaja que dichos principios pueden ser interpretados
desde ángulos culturales muy diversos, con lo que pierden su pretendida
condición de ser comunes.
Ess prefiere una tercera forma de pluralismo que conserva las diferencias
unificándolas desde la perspectiva de su posible complementaridad o
coherencia, o, en términos preferidos por las culturas orientales, en vistas a su
resonancia y armonía. Estas no se basan en una aparente identidad de valores y
principios sino en una variedad de interpretaciones que a pesar de sus
diferencias pueden ser conectadas unas con otras. Ess utiliza el término
aristotélico pros hen es decir “hacia la unidad” para mostrar un camino
intermedio, analógico diría Aristóteles, entre una identidad que homogeneice y
una equivocidad que impida toda comprensión y comparación. Ess ve a este
“pluralismo interpretativo” enraizado tanto en la tradición occidental socrática
como en la tradición confuciana de la armonía y resonancia. Al mismo tiempo es
muy consciente de que este tipo de comparaciones ignora muchas veces la
complejidad
y
las
dificultades
que
surgen
cuando
se
consideran
complementarias, por ejemplo, la ética de las virtudes de Aristóteles y la noción
ética confuciana de ren que abarca la persona en su totalidad física, mental y
social (ESS, 2008, 209). El mismo problema surge, a mi modo de ver, cuando
Ess relaciona la phronesis aristotélica y el concepto platónico de cybernetes con
la armonía confuciana (ESS, 2008, 219). Esta última no está basada en
principios abstractos sino en ritos y relaciones sociales (FROESE, 2006, 2).
Ess considera que la tarea de la “global information ethics” es la de
preservar distintas culturas y tradiciones articulándolas entre sí (ESS, 2006),
teniendo en cuenta que nuestras identidades offline, es decir nuestros valores,
comunidades, historias y experiencias, tienen una profunda influencia en la
manera cómo nos relacionamos online (ESS, 2008, 218).
El pensamiento de Ess ha sido criticado en cuanto a que la tendencia hacia
la unidad (pros hen) parece contradecir al concepto mismo de pluralidad en
cualquiera de sus interpretaciones (HIRUTA, 2006). Ess parece además
oponerse rotundamente a ciertas posibilidades éticamente intolerables como, por
ejemplo, la pornografía infantil en internet, trabajando en base a un diálogo
socrático con vistas a posibles posiciones teóricas y prácticas comunes, un
diálogo que no es fácil ni a nivel académico ni, mucho menos, a nivel político.
Para Ess dicho diálogo se basa en el espíritu de la parrhesía griega, es decir en
un tipo de comunicación y problematización directa y abierta que es muy propia
de la tradición filosófica y política occidental (CAPURRO, 2010).
2.2 Luciano Floridi
El filósofo italiano Luciano Floridi distingue entre una “ética de la
comunicación global” (“ethics of global communication”), y una “ética de la
información global” (“global-information ethics”) (FLORIDI, 2009). La primera
se refiere al diálogo y prácticas consensuales en la interacción entre diversas
culturas y generaciones. Pero tratándose de una postura meramente pragmática
deja de lado, según Floridi, preguntas más básicas como por ejemplo: ¿cuáles
son en este caso los principios éticos que se toman como base de dicho diálogo y
en qué se fundamenta dicha elección? ¿existe una ‘macro ética’ en el sentido de
un cierto tipo de consecuencialismo o deontologismo o contractualismo?
(Floridi 2009, 222). Estas preguntas son las que Floridi intenta responder con lo
que él llama “ética de la información global”.
Un término clave de la teoría de Floridi es el de “ontología compartida”
(“shared ontology”). Haciendo referencia al dicho de Wittgenstein de que “si un
león pudiera hablar, no lo entenderíamos” (WITTGENSTEIN, 1984, 568, mi
traducción), Floridi considera el concepto de ‘ontología’ como un problema de
comprensión (o no comprensión) entre lenguajes y visiones del mundo locales
que se vuelven incapaces de resolver “el problema del león”. Este problema sólo
se puede resolver, afirma Floridi, presuponiendo una ontología básica “de vida y
muerte, comida y abrigo, angustia y protección” (FLORIDI, 2009, 224, mi
traducción) es decir de todo aquello que soporta la vida y que trata de evitar el
sufrimiento así como toda forma de destrucción de los entes puesto que todo
ente, por el hecho mismo de ser, tiene derecho a una forma específica de
respeto. Ens et bonum convertuntur afirmaba el adagio escolástico. Floridi llama
a esta ontología mínima “ontocéntrica” siendo aparentemente más radical que,
por ejemplo, la “biocéntrica” y la “antropocéntrica”. La ontología ontocéntrica
coloca en su centro no al agente sino al paciente de la acción incluyendo los
entes no vivientes extensión que constituye una tesis muy loable y de gran
relevancia ecológica actual.
Floridi se opone tanto a una teoría metafísica que afirme algo respecto al
ser de los entes – lo que sería una forma de “imperialismo ontológico” – como a
un mero relativismo que es incapaz de promover una interacción eficaz a nivel
global en vistas a problemas que afectan a todas las culturas. Esta “ética de la
información global” no quiere imponer una jerarquía de valores comunes, sino
permitir que estos se expresen en situaciones concretas con toda su
situacionalidad (“embededdness”) y materialidad (“embodiement”). En otras
palabras, Floridi opta por una ontología ligera y horizontal (“lite, horizontal
ontology”) como condición de posibilidad de interacción pragmática entre
culturas las cuales vistas en su densidad vertical o gruesa (“thick cultures”) son a
menudo irreconciliables. La diferencia entre culturas ligeras y gruesas puede
relacionarse a la distinción del filósofo estadounidense Michael Walzer entre
argumentos éticos finos (“thin”) y gruesos (“thick”) según se los analice o no en
su profundidad cultural (WALZER, 1994).
A mi modo de ver, esta posición de Floridi es muy atractiva y útil a nivel
pragmático pero tiene el peligro de ignorar la necesidad de un análisis
intercultural grueso o vertical. No queda claro tampoco quiénes van a proponer
y a aceptar políticamente esta “minimal ontology” con el correspondiente
vocabulario. Floridi dice expresamente que la ética de la información, como él la
concibe, “no es la declaración de los derechos humanos” (FLORIDI, 2009, 229),
lo que debe interpretarse no como un rechazo de los mismos sino como una base
que resulta demasiado estrecha para poder resolver globalmente “el problema
del león”. Si todos los entes tienen una cierta dignidad esta no es sólo un
principio pragmático sino también ontológico en el sentido que está afirmando
algo sobre el ser de los entes. La ontología de Floridi ‘resuena’, diría Ess, con
otras ontologías occidentales como por ejemplo, con las ideas platónicas,
cuando se concibe al concepto de información como el medio común a todos los
entes, es decir como in-FORMA-ción (CAPURRO, 1978).
Floridi entiende al ser desde los entes. Él escribe: “Hay algo más
elemental que la vida, es decir el ser – que es la existencia y florecer de todos los
entes en su ambiente global – y algo más fundamental que el sufrimiento, es
decir la entropía.” (Floridi 2008, 47, mi traducción). ¿En qué sentido es la
entropía “algo más fundamental” que el sufrimiento? ¿No es éticamente
ineludible hacer una diferencia entre sufrimiento y entropía si se quiere evitar
una metáfora poco plausible? La “ética de la información global” quiere
solucionar un problema grueso eludiéndolo y presuponiendo una solución ligera
que es, en realidad, gruesa. El argumento es circular.
2.3 Philip Brey y Ken Himma
Según el ético holandés Philip Brey, un diálogo ético intercultural tiene
que tomar en serio las diferencias interculturales (BREY, 2007). Brey usa el
concepto de ética de la información en el sentido ordinario de cuestiones éticas
relacionadas a las TIC pero incluyendo también la ética de la computación
(“computer ethics”) así como los medios de comunicación de masas (“media
ethics”) y el periodismo. Brey distingue entre un relativismo moral descriptivo y
uno normativo llamado también metaético. Este último aplicado a la ética de la
información encara la pregunta de si existen conceptos y principios con validez
universal o bien si la ética de la información es culturalmente relativa. Brey
defiende la necesidad de un relativismo descriptivo en la ética de la información
dado que si estas diferencias no existen la discusión en torno el relativismo
metaético no tiene sentido. Philip Brey analiza este relativismo en temas como
la privacidad, los derechos de propiedad intelectual, la libertad de información y
la diferencia entre una moral centrada en los derechos humanos como es el caso
de las sociedades occidentales modernas, de una centrada en las virtudes propia
de las culturas del “Extremo Oriente” influenciadas por el budismo así como
también por otros sistemas morales provenientes del confucianismo, el taoismo
y el maoismo que sobreponen a los derechos del individuo el bienestar y la
armonía de la sociedad. En conclusión, el relativismo descriptivo moral no es un
invento. Los valores en los sistemas morales de Occidente no son los mismos
que en Oriente (WONG, 2009).
Brey limita la tarea central de la EII al estudio comparado de sistemas
morales dejando de lado otros efectos que las TIC puedan tener en la sociedad,
como por ejemplo que puedan ser utilizadas como instrumentos de opresión o
liberación, lo que es objeto de estudio de las ciencias sociales. A mi modo de
ver, esta separación entre ética y ciencias sociales le quita a la ética su
articulación crítica y a las ciencias sociales su articulación normativa. Si, como
dice Brey, la EII tiene que comprometerse en estudios críticos (“critical
studies”) comparados de sistemas morales relacionados con las TIC, estos a su
vez no pueden separarse de análisis sociológicos y viceversa. Brey delimita
también los estudios comparados (“interrelational studies”) en vistas a las
normas que permiten una interacción de modelos normativos entre diversas
culturas manteniendo sus diferencias.
Una posición opuesta a la de Philip Brey es la del filósofo estadounidense
Ken Himma quien defiende una moral objetivista (HIMMA, 2008). Para Himma
la EII comparativa forma parte de las ciencias sociales, a diferencia de lo que
afirma Brey. Además, según Himma, la comparación de éticas a nivel normativo
tiene como único objetivo el llegar a un acuerdo (“agreement”) y no, como lo
propone Brey, el proponer formas de interacción. Himma elabora buenos
argumentos para defender el objetivismo pero no desarrolla a partir de ellos un
sistema de normas objetivas de ética de la información.
2.4 Rafael Capurro
La oposición entre relativismo y objetivismo o universalismo en la ética,
como la he venido analizando anteriormente, tiene su origen en la idea que el
conocimiento y la emoción son dos fuentes supuestamente independientes de la
verdad de los juicios morales. Esta oposición es problemática a nivel de la
ciencia empírica como lo demuestra por ejemplo la obra del neurobiólogo
Antonio Damasio (1995). La fenomenología ha analizado cómo el ser-en-elmundo (Heidegger 1976) se nos hace explícito en diversos sentidos dependiendo
de afectos fundamentales. Pensemos en la tranquilidad, el odio, la alegría o la
tristeza, como los analiza, por ejemplo, el fenomenólogo Karl Baier (BAIER,
2006) y el psiquiatra suizo Medard Boss, fundador de la escuela del análisis
existencial (“Daseinsanalyse”) inspirada en un largo contacto académico y
personal con Heidegger (BOSS, 1975, 288-299). Es bien conocido el análisis
heideggeriano de la angustia (“Angst”) como un afecto (“Stimmung”) que nos
abre el mundo y al mundo desde la facticidad de la existencia, es decir desde el
mero hecho de ser-en-el-mundo sin poder dar una razón suficiente ni de este
hecho ni de la existencia del mundo mismo, a diferencia del temor (“Furcht”)
que tiene un objeto de referencia concreto. Otro ejemplo de este análisis de la
relación entre afectos y conocimiento es aquella “experiencia clave” (“mein
Erlebnis par excellence”) descrita por Wittgenstein en su “Conferencia sobre
ética” con las siguientes palabras:
Esta experiencia, en el caso que la tenga, puede ser descrita, creo, con
palabras como: ‘estoy maravillado por la existencia del mundo’. Pero
luego tiendo a usar expresiones como: ‘qué extraño que el mundo
exista. (WITTGENSTEIN, 1989, 14, mi traducción).
Wittgenstein cree que sólo la existencia del lenguaje mismo es la
expresión apropiada de esta experiencia. El 30 de diciembre de 1929 anota
Wittgenstein:
Creo que puedo imaginarme lo que Heidegger quiere decir con ser y
angustia. Los seres humanos tienen la tendencia a correr contra los
límites del lenguaje. Piensa, por ejemplo, en el asombro de que exista
algo (...) La ética es este correr contra los límites del lenguaje.
(WITTGENTEIN, 1984a, 68, mi traducción).
Wittgenstein estaría muy asombrado al leer la solución Floridiana del
“problema del león” reductible a una ontología con distintos “niveles de
abstracción”. Lo que mueve al agente y paciente humano es la “condición de
arrojado” (“Geworfenheit”) del existir. Y esta se abre a través de afectos que
fundamentan la llamada (“Ruf”) a tomar cuidado del ser-en-el-mundo en su
inabarcable, inagotable e inexpresable totalidad y contingencia. (Heidegger
1975, 274ss). Llamo angelética – del griego angelía, es decir mensaje – una
teoría filosófica que tematiza esta llamada, es decir que concibe al ser como
mensaje y que sirve de base a una ciencia empírica. (CAPURRO, 2003).
Somos, en verdad, originariamente pacientes, es decir receptores de la
llamada del ser-en-el-mundo. Es esta experiencia universal de facticidad la que
caracteriza la existencia humana dando lugar a respuestas desde ‘afectos
fundamentales’ (“Grundstimmungen”) diferentes. Baier muestra cómo en el
budismo se expresa una experiencia de la transitoriedad del mundo en forma de
afectos de tristeza y alegría movidos profundamente por el sufrimiento. Estos
afectos nos abren el mundo y al mundo de forma distinta al admirar griego
(thaumazein) al que aludía Wittgenstein. Baier indica que hay que tener cuidado
en no caer en estereotipos cuando se comparan, por ejemplo, culturas en Oriente
y Occidente. No existen diferencias absolutas ente las culturas ni tampoco
existen afectos fundamentales exclusivos de una u otra cultura. Esto muestra que
el “problema del león”, visto desde esta perspectiva, es un falso problema. Pero
sería también muy fácil sostener la premisa contraria, es decir que en el fondo
no existen diferencias culturales, postulando que estas son solamente ónticas,
para utilizar la terminología heideggeriana. Esta es una posición que Philip Brey
llama “absolutismo moral descriptivista” (BREY, 2007, 2) y que va, como
afirma Brey, contra la experiencia. Baier sugiere hacer un análisis profundo de
textos y objetos literarios, religiosos, artísticos y de la cultura diaria a fin de ver
lo más claramente posible la complejidad de los fenómenos, sus interacciones,
contradicciones, exclusiones etc. así como sus expresiones en diversas formas de
comprensión del ser-en-el-mundo no menos que en las instituciones y
materialidades en las que se fijan y fundamentan estructuras de poder
individuales y colectivas, locales y globales, sociales y ecológicas.
Desde esta perspectiva podemos pensar la búsqueda de un fundamento
común pero no homogenizante para responder a la llamada ontológica del siglo
que recién ha comenzado, como originándose no sólo desde una finalidad (pros
hen), sino también desde un ‘desde donde’ (hothen) común, el ser-en-el-mundo,
como un origen que se refleja en forma diversa de acuerdo a afectos
fundamentales en distintos contextos culturales e históricos. Este origen puede
interpretarse también como una llamada del otro a la que alude, por ejemplo,
Emmanuel Lévinas mostrando cómo la experiencia de gratuidad y contingencia
se da en forma ejemplar en el rostro del otro (LEVINAS, 1968). Universalidad y
singularidad se condicionan mutuamente, puesto que el otro es siempre un otro
concreto, histórico, situado con todo su bagaje cultural y sus diversos afectos
fundamentales.
Si mi análisis del fenómeno actual de la globalización digital es correcto,
esta no se reduce al ámbito de la comunicación social sino que abarca también
todos los fenómenos en su posibilidad de ser digitalizados a lo que llamo
ontología digital. No es esta ni una posición metafísica que afirme que el ser de
los entes esta constitutído por bits, ni tampoco es una tesis epistemológica
dogmática que afirme que dicha perspectiva es la única posible y verdadera.
La respuesta a la pregunta por el ser, es decir al mensaje del ser y al ser
como mensaje, es siempre histórica y contingente. En nuestra época una
respuesta es la dada por la ontología digital siempre y cuando se la entienda en
su carácter de perspectiva posible de interpretar el ser de los entes y no como un
reduccionismo metafísico que afirmara que los entes son bits o que sólo tiene
sentido interpretarlos como bits, lo que sería un reduccionismo epistemológico
(CAPURRO, 2006). Si este diagnóstico de nuestra época es correcto, el desafío
ético de las tecnologías globales, como es el caso de las TIC, es justamente de
carácter intercultural.
¿Cómo responden otras aperturas originarias del y al mundo basadas
desde otros “afectos fundamentales” al desafío cultural de las TIC? Este desafío
va, en efecto, más allá del campo de la comunicación y por tanto más allá de la
“ética de la comunicación global”. Yo hablo de una ética digital así como
también de una ética de la información digital en sentido amplio en la que los
entes son vistos como digitalizables, diferenciándola de la ética de la
información en sentido restringido al ámbito de la comunicación digital
(CAPURRO, 2009). Ambas pueden ser objeto de un análisis crítico
intercultural. La ética de la información digital en sentido amplio es a su vez
más restringida que la ética informacional de Floridi. A diferencia de esta
última, ella se plantea actualmente las consecuencias prácticas del horizonte
global de la digitabilidad de todos los fenómenos en el marco del actuar
humano. No pretende ser ni una metafísica digital – lo que Floridi llama
“ontología digital” – ni una ontología o, mejor, una metafísica universal a un
máximo nivel de abstracción.
La EII en sentido restringido, es decir relacionado a la comunicación
humana puede a su vez restringirse, como lo propone Philip Brey, al análisis
normativo de sistemas éticos de interpretación de morales dadas en vistas a su
validez y legitimidad. En este caso es necesario tomar como punto de partida al
ser-en-el-mundo
compartido,
pero
percibido
desde
distintos
“afectos
fundamentales”, buscando formas de pasaje, en el sentido de traducción,
transmisión y traslación, de una a otra perspectiva. Esto sólo es posible si no se
parte de la premisa de culturas cerradas sino de experiencias basadas en una
realidad común, que se expresa de diferentes maneras. Vista así, la red digital
comunicacional es una respuesta global a la llamada de concebirnos como
humanidad. En las respuestas a esta llamada se entrecruzan evidentemente
singularidades históricas, geográficas, sociales y culturales. Pero es importante
recordar que hay otras llamadas universales como son la crisis ecológica, la
lucha contra la miseria, las enfermedades como el SIDA, la malaria, el hambre y
la desocupación. Me estoy refieriendo con esto a los Objetivos de Desarrollo del
Milenio de las Naciones Unidas.
3 DESAFÍOS PRÁCTICOS DE LA ÉTICA INTERCULTURAL DE LA
INFORMACIÓN
Analicemos ahora los desafíos prácticos de la ética intercultural de la
información a dos niveles. En primer lugar en torno a un tema concreto. Tomo a
modo de ejemplo la privacidad que es uno de los problemas éticos y legales más
acuciantes de las sociedades informatizadas. En segundo lugar voy a analizar las
actividades de los últimos años en torno de lo que se acostumbra a llamar ‘ética
global de la información’ un término que se usa para designar varios objetivos
entre otros el proyecto de la UNESCO referido a una declaración universal de
valores y principios para la sociedad de la información siguiendo la ruta abierta
en la Cumbre de la Sociedad de la Información.
3.1 La privacidad como tema intercultural
Charles Ess analiza interculturalmente la privacidad que es considerada en
general en Occidente como un valor instrínseco mientras que en las tradiciones
budistas y confucianas el sujeto es visto como algo negativo tanto en sí mismo
como en relación a la primacía de la comunidad sobre el individuo. Sin embargo
esta diferencia no quita que también en las culturas del “Extremo Oriente”,
como por ejemplo en Tailandia, la privacidad sea considerada como algo que se
ha de respetar legalmente a pesar de estar enmarcada en un contexto cultural
diferente como es el de la tradición budista. Vista así, la privacidad es un valor
moral importado de Occidente que no podría ser considerado seriamente dentro
del contexto cultural budista aunque se lo respete legalmente en particular en el
ámbito de la sociedad de la información, es decir, de la comunicación digital
(KITIYADISAI, 2005). Sin embargo, el filósofo tailandés Soraj Hongladarom
ha mostrado que más allá de esta equivalencia legal entre Oriente y Occidente,
se puede pensar una fundamentación teórica de la privacidad basada en el
budismo pero no, como es el caso de Occidente, considerando la identidad de un
‘yo’ y su autonomía como un valor intrínseco, sino desde el punto de vista de la
ética budista de la compasión que ve a todos los seres, y por tanto también al
‘yo’, en su aparecer ‘fenomenal’ como objeto de cuidado y compasión
(HONGLADAROM, 2007; CAPURRO, 2008, 654-666). Más que de resonancia
creo que se debería hablar aquí de disonancia ética intercultural puesto que la
armonía se da sólo a nivel legal.
Algo semejante se produce con la hibridación de los conceptos de
privacidad y de autonomía en el Japón donde, como lo muestran Makoto
Nakada y Takanori Tamura (NAKADA; TAMURA, 2005), la dicotomía
occidental entre lo privado y lo público no resuena armónicamente con la
diferencia entre el concepto japonés de Ohyake (público) y Watakushi (privado).
Ohyake significa ‘casa grande’ y se refiere a la corte imperial y al gobierno,
mientras que Watakushi significa ‘no Ohyake’ en el sentido de algo moralmente
malo, secreto y egoísta. La noción de privacidad es, como en el caso de
Tailandia, una noción occidental importada que pertenece a un substrato de
moral occidental de la sociedad japonesa designado con el término de Shakai, el
cual es diferente de la moral tradicional japonesa denominada Seken
(CAPURRO, 2005).
El ético chino Lü Yao-Huai ha mostrado que el concepto de privacidad ha
cambiado paulatina- pero radicalmente en China a partir de las reformas
económicas y políticas que comenzaron en 1980. Mientras que anteriormente la
privacidad era vista como algo moralmente negativo en el sentido de alguien que
busca sus intereses individuales egoístas, esto cambia de la forma siguiente: 1)
la libertad individual no es ya mas en la vida diaria un tema tabú o, en otras
palabras, no es mal visto si alguien dice: ‘esto es privado’; 2) hay una tendencia
a no interferir con la privacidad de otras personas; 3) el concepto chino de
privacidad (Yinshi = secreto vergonzoso) ha sido expandido, incluyendo ahora
todo tipo de información personal, sea ‘vergonzosa’ o no (LÜ, 2005,
CAPURRO, 2008, 654). Si consideramos tanto la política oficial del gobierno
chino con respecto a disidentes en internet así como las recientes tensiones
justamente relacionadas con la privacidad en relación a usuarios chinos de
Google, podemos ver que el confucianismo oficial es visto menos como algo
semejante a la moral occidental que como un esfuerzo de oponer una identidad
china frente a los valores occidentales. Estos desequilibrios y disonancias a nivel
político muestran, una vez más, la importancia de un paciente análisis ético
intercultural que no esté influenciado por posiciones preestablecidas ni tampoco
por una visión que no tome en serio las profundas diferencias en los contextos
culturales e históricos entre el “Extremo Oriente” y el “Extremo Occidente”.
Todo esto no quita la necesidad y urgencia de soluciones pragmáticas que
pueden ser aclaradas en sus fundamentos a través de un análisis intercultural
“grueso”. En otras palabras, se puede llegar a un acuerdo “fino” pero las razones
subyacentes pueden ser muy diferentes e incluso contradictorias. Siempre es
bueno tenerlas claras para evitar falsas conclusiones e interpretaciones.
Finalmente quisiera referirme a la problemática de la privacidad en el
contexto africano. Tomo como ejemplo la relación entre privacidad y ubuntu
que es un concepto o, mejor dicho, una visión del mundo vigente en muchas
culturas africanas, que expresa el comunitarismo africano. Ubunto es un palabra
Zulú que quiere decir “humanidad” en el sentido de que “una persona es una
persona a través de otras personas” (OLINGER; BRITZ; OLIVIER 2005, 293).
Los éticos sudafricanos Olinger, Britz y Olivier han indicado que es muy común
que los sudafricanos vivan y practiquen dos culturas diferentes, siendo una la
cultura Ubuntu como es vivida en los contextos rurales y otra la cultura de los
valores occidentales como se la vive en los grandes centros urbanos. Ubuntu
como lo dice el filósofo sudafricano Johann Broodryk – quien fue el primero en
escribir una tesis de doctorado sobre la filosofía Ubuntu – es una visión del
mundo africana “basada en valores de un humanismo intenso, de cuidado,
respeto, compasión y valores afines en vistas a asegurar una vida comunitaria
feliz y cualitativamente humana en espíritu de familia” ( “based on values of
intense humanness, caring, respect, compassion, and associated values ensuring
a happy and qualitative human community life in a spirit of family”, Broodryk
2002, mi traducción). Es evidente que desarrollar una ética de la privacidad con
este presupuesto es algo diferente a los planteamientos occidentales que parten
generalmente del individuo y su autonomía.
3.2 Ética global de la información en la UNESCO
El término ‘ética global de la información’ se refiere en primer lugar al
objetivo de una serie de instituciones destinadas a promover la investigación y la
acción en el campo de la ética de la información a nivel global en base tanto a
un diálogo intercultural como a la búsqueda de normas morales universales
transculturales relacionadas con las TIC (VANDEKERCKHOVE et al. 2008).
Entre ellas se cuentan instituciones como la International Society of Ethics and
Information Technology (INSEIT) y el International Center for Information
Ethics (ICIE). Algunas instituciones están dedicadas a la globalización de la
ética en general tales como la International Global Ethics Association (IGEA), la
Global Ethics Foundation del teólogo Hans Küng, así como la plataforma
Globethics.net. Dejo de lado en este análisis los institutos de ética universitarios
en los que se promueve la investigación en ética de la información, así como
también las revistas especializadas en este campo y un sinnúmero de
publicaciones especialmente en los últimos diez años (Visitar al respecto el sitio
del ICIE).
En lo que sigue, el término ‘ética global de la información’ tiene que ver con
las declaraciones de principios y el plan de acción de la Cumbre Mundial de la
Sociedad de la Información (WSIS) así como con las actividades desarrolladas
por la UNESCO en este campo. Estas datan desde los primeros congresos sobre
“infoética” que tuvieron lugar desde fines de la década del noventa del siglo
pasado hasta las actividades más recientes siguiendo las directivas de la Cumbre
Mundial y en particular la Línea de Acción (C10) sobre las “Dimensiones éticas
de la sociedad de la información” a cargo de la UNESCO.
En 2003 la Conferencia General de la UNESCO adoptó una recomendación
concerniente a la “promoción del multilingüismo y el acceso universal al
cyberespacio” estableciéndose que los estados miembros se comprometen en
apoyar el acceso universal a internet como instrumento para la promoción de los
derechos humanos (UNESCO 2003). Un objetivo importante de la UNESCO en
este respecto es la elaboración y adopción de un código global de ética para la
sociedad de la información basado en discusiones y acuerdos regionales. Con
esta finalidad han tenido lugar una serie de encuentros regionales organizados
por la UNESCO.
La primera conferencia regional tuvo lugar en Santo Domingo (República
Dominicana) del 6 al 9 de diciembre de 2006 (UNESCO 2006, FUNGLODE
2008). Participaron en ella expertos de unos diez países latinoamericanos. Se
discutieron temas como la accesibilidad, la confidencialidad, los derechos de
propiedad intelectual, la promoción del respeto de los valores y principios
fundamentales y la protección de la privacidad. Los participantes produjeron la
“Declaración de Santo Domingo” en la que se recomienda entre otras cosas la
protección de la privacidad y los datos personales, ampliar el dominio público
de la información, dar acceso equitativo a la información y a los conocimientos,
mejorar el acceso a la educación y capacitar a los jóvenes en TIC.
La primera conferencia africana de ética de la información tuvo lugar del 5 al
7 de febrero de 2007 en Pretoria, Sudáfrica con el apoyo del Department of
Communications de Sudáfrica y bajo los auspicios de la UNESCO. Los
organizadores fueron la Universidad de Pretoria, la Universidad de WisconsinMilwaukee, la Universidad de Pittsburgh y la Universidad de los Medios de
Stuttgart representada por el International Center for Information Ethics.
Participaron unos 100 académicos, entre ellos colegas de más de 20 países
africanos. El slogan de la conferencia fue “La alegría de compartir el
conocimiento”. Las actas de la conferencia fueron publicadas en la revista
International Review of Information Ethics (IRIE). Además se creó un portal
africano de ética de la información (ANIE) y en breve será publicado el “Africa
Reader on Information Ethics” (CAPURRO, et al. 2010). En esta conferencia
fue promulgada una declaración sobre ética de la información en Africa, como
un eslabón más en vistas a la creación del código global de ética de la
información de la UNESCO (UNESCO 2007). La “Declaración de Tshwane” –
Tshwane es el nombre autóctono de Pretoria – afirmó el derecho de las
sociedades africanas para desarrollar una sociedad de la información basada en
la Declaración Universal de los Derechos Humanos así como en un diálogo
africano sobre normas y valores en vistas a hacer realidad los Objetivos de
Desarrollo del Milenio de las Naciones Unidas que son: erradicar la pobreza
extrema y el hambre, promover la educación universal y la igualdad entre los
géneros, reducir la mortalidad de los niños, combatir el VIH/SIDA, conseguir la
sostenibilildad del medio ambiente y fomentar una asociación mundial. En esta
declaración, inspirada por la visión de la Cumbre Mundial de una “sociedad de
la información centrada en la persona, integradora y orientada al desarrollo” se
recalcó también la importancia de la investigación en el campo de la ética de la
información para un desarrollo sostenible social, económico, técnico, cultural y
político en África.
Del 13 al 14 de setiembre de 2007 la UNESCO, la Comisión Francesa para la
UNESCO y el Consejo de Europa organizaron un encuentro regional sobre
“Ética y derechos humanos en la sociedad de la información” que tuvo lugar en
Estrasburgo (UNESCO 2007d). En la declaración final se recalcó la necesidad
de proclamar principios éticos universales en vistas al respeto de los derechos
humanos en el cyberespacio. Se indicó también la necesidad de la evaluación
ética del impacto social de las TIC y la creación de un foro europeo de
gobernabilidad de internet. Se hizo hincapié especial en los principios éticos de
dignidad y autonomía sobre todo en lo relacionado a la protección de los datos
personales y la vida privada, asegurando al mismo tiempo la libertad de
expresión en internet y la lucha contra la criminalidad. Por último se nombraron
los principios éticos de solidaridad y justicia social en relación a una política de
acceso universal, de incremento de la información en el dominio público, de la
promoción del conocimiento compartido, de la necesidad de buscar un balance
de intereses con respecto a la protección de la propiedad intelectual y la
promoción de expresión de todas las culturas y lenguas en internet (UNESCO
2007d).
Finalmente, la UNESCO, la Comisión nacional vietnamesa para la UNESCO
y otras organizaciones organizaron la Primera Conferencia Regional para Asia y
la región del Pacífico sobre dimensiones éticas de la sociedad de la información”
en la que participaron 70 delegados oficiales así como miembros de la sociedad
civil y del sector privado. La conferencia tuvo lugar del 12 al 14 de marzo de
2008 en Hanoi (Vietnam). De acuerdo a la UNESCO, esta conferencia fue un
paso
importante
para
identificar
temas
éticos
como
accesibilidad,
confidencialidad, privacidad, diversidad y respeto fundamental de los valores
humano (UNESCO 2008). El “Hanoi Statement” sobre dimensiones éticas de la
sociedad de la información está estructurado en tres temas, a saber: el acceso
universal a la información, la libertad de expresión y la protección de la
privacidad. En el tema del acceso universal se indica la necesidad de tener en
cuenta las condiciones de multilingüismo de la región,
promoviendo la
expansión en calidad y cantidad del dominio público. En segundo lugar se
recalca la importancia de promover mayor libertad de acceso multiplicando los
canales existentes y trabajando en base a cooperaciones internacionales. En
tercer lugar se señala que existen diferentes concepciones de privacidad en los
diversos países y culturas de la región pero que se reconoce también que la
protección de la privacidad y seguridad individual es un valor universal por lo
que se sugiere introducir este tema en la educación y en la legislación.
Finalmente se rechaza toda forma de cyber criminalidad así como de
pornografía infantil, SPAM y otras formas de “conducta desviada“ (“deviant
behavior” (UNESCO 2007b).
Estas declaraciones revelan, a primera vista, una gran coincidencia con
respecto a ciertos principios y valores éticos sobre todo en relación a los
establecidos en la Declaración Universal de los Derechos Humanos. Pero si se la
analiza más detenidamente, ellas dejan ver puntos de posible disonancia
intercultural como en el caso de la privacidad. Las declaraciones afirman
además la necesidad de que los principios y valores éticos surjan de las
sociedades y culturas concretas, con sus lenguas, sus saberes autóctonos, sus
condicionamiento económicos y sociales, sus tradiciones religiosas, su entorno
ecológico etc.
Los principios de solidaridad y justicia social tienen una relevancia
especial en las declaraciones de Africa y Latinoamérica. Lo que puede
entenderse, por ejemplo, como “conducta deviada” en la declaración de Hanoi,
será seguramente objeto de interpretaciones y aplicaciones diferentes. Lo mismo
se puede afirmar respecto al tema de la universalidad del acceso, del
multilingüismo. Principios como la autonomía y la dignidad del individuo, si
bien se encuentran en la mayoría de las declaraciones, están en el centro de la
declaración de Estrasburgo. Ellos también requieren un análisis intercultural a
fin de evitar conflictos subyacentes que aflorarán en casos concretos, faltando
entonces los fundamentos para un pasaje de una cultura a otra (Braidotti 2006).
Una declaración universal de ética para la sociedad de la información que aspire
a tener un impacto real en la vida, es decir en el ethos cultural de las sociedades,
necesita de forma imprenscindible un análisis intercultural ético-informacional
crítico y sostenible.
4 EII EN LATINOAMÉRICA Y EL CARIBE
4.1 Mistica
Uno de los pioneros en el campo EII en Latinoamérica, si bien no
utilizando este concepto que fue acuñado en la conferencia de Karlsruhe en 2004
(CAPURRO, 2007 et al.), fue la comunidad virtual MISTICA (Metodología e
Impacto Social de las Tecnologías de Información y Comunicación en América)
creada y coordinada por Daniel Pimienta. El contexto cultural latinoamericano
se manifiesta especialmente en el documento final “Trabajando la internet con
una visión social” (MISTICA, 2002; PIMIENTA, 2007). En este documento la
red es vista no sólo como un asunto técnico o comercial sino primariamente
social. Los autores enfatizan la apropiación de la internet con la finalidad de la
transformación de las sociedades latinoamericanas “guiadas por valores
comunes como relaciones más equitativas, menos discriminatorias y que
promuevan la igualdad de oportunidades.” El tan discutido concepto de “brecha
digital” es visto como un asunto que debe abordarse colectivamente y que
concierno no sólo la estructura técnica sino la capacidad para usar internet con
vistas a mejorar las condiciones de vida y las relaciones de apoyo mutuo. Se
trata entonces de transformar las “brechas sociales” que se reflejan de diversas
maneras en la “brecha digital”. Se enfatiza además el rol de la internet para
generar conocimientos relevantes en contextos concretos y en su poder para una
transformación social de los mismos. Esta visión nace desde el suelo histórico y
social latinoamericano.
Pimienta es autor de numerosas publicaciones sobre ética de la
información entre las cuales quisiera resaltar la Coordinación del libro colectivo:
“Palabras en Juego: Enfoques multiculturales sobre las sociedades de la
información” (PIMIENTA, 2005) un libro de acceso libre en el que se encara
una amplitud de temas como el gobierno de internet, la diversidad cultural, el
acceso universal, expresión ciudadana, comunidades virtuales, bibliotecas
digitales, gestión de saberes, educación, derechos humanos, delito informático,
derechos de la comunicación, piratería, software libre y los desafíos del
multilingüismo (UNESCO 2003). Si bien en este libro el tema de la
interculturalidad es casi omnipresente, no se trata el problema de la ética de la
información desde un enfoque intercultural.
4.2 Santo Domingo y Redes Latinoamericanas de EI
Entre las valiosas contribuciones a la conferencia regional de Santo Domingo
en 2006 quisiera destacar la de Ernesto Rodríguez sobre “Jóvenes, ética y
sociedad de la información en América Latina y el Caribe. La experiencia del
proyecto “Infoética en el Portal de la Juventud” (Rodríguez 2008). El “Portal de
Juventud de América Latina y el Caribe” es una experiencia piloto que merece
ser tomada como ejemplo para otras regiones del mundo. Este portal incluye un
proyecto “Infoética y Prevención del VIH-SIDA” cuyo impacto es admirable y
digno de ser tomado como ejemplo para otras regiones. Rodríguez escribe:
La ética importa mucho a todos los sectores poblacionales, pero los
jóvenes y las mujeres tienen – en este sentido – sensibilidades muy
particulares.
Las mujeres son más consecuentes que los hombres entre lo que se
dice desde la teoría y lo que se hace desde la práctica, mientras que los
jóvenes actúan mucho más radicalmente desde la ética que los adultos.
En ambos casos, el vínculo con la práctica del voluntariado social es –
históricamente – tan evidente como relevante.
Estamos – en todo caso – ante una práctica sumamente relevante para
la difusión de posturas éticas ante la vida, y América Latina tiene una
larga y fecunda tradición de trabajo en estos dominios. El Encuentro
Internacional “Movilizando el Capital Social y el Voluntariado en
América Latina”, celebrado en Santiago de Chile en mayo de 2003
(reuniendo a miles de delegados de todo el continente) mostró una
buena parte de dichas experiencias. (RODRÍGUEZ, 2008, 207-208)
Es claro que estas reflexiones en las que se habla de ‘ética’ pero que se
refieren a una moral o ethos, se hacen desde un contexto socio-cultural
específico como es el de Latino América y el Caribe. Una EII tiene que analizar
estos presupuestos en forma detallada y diferenciada y conectarlos al impacto de
las TIC. Un aporte en este sentido es el de Francisco Mannuzza “Las culturas
indígenas venezolanas en el ciberespacio: reflexiones éticas” que parte de un
“reconocimiento del otro” en el sentido de atender “no la brecha digital, sino la
diferencia cultural” en relación a una población de unos 500 mil indígenas en
Venezuela (Mannuzza 2008, 231). Es claro que estos proyectos políticos
necesitan de un análisis ético-intercultural sólido. En su aporte a esta
conferencia, Anabella Giracca indica que
… la mayoría de países de América Latina son producto de una
historia que ha puesto obstáculos en el camino a la comprensión de
una realidad plural, basándose en propuestas que varían desde el
mestizaje, la homogeneización, la asimilación y la integración de los
diversos pueblos a una visión “occidental” o “modernizada”.
(GIRACCA, 2008, 82)
Y se pregunta además:
¿Cómo hablar de ética de la información en América Latina sin
evaluar interculturalmente el lenguaje digital con sus códigos y
símbolos “con los que no cuentan todas las culturas (sobre todo
indígenas)”? (GIRACCA, 2008, 86).
La conferencia de Santo Domingo tuvo como resultado la creación de la
“Red universitaria de ética en el ciberespacio” que se creó casi simultáneamente
a la “Red Latinoamericana de ética de la información” (RELEI). Ambas redes se
complementan y constituyen una base excelente para la comunicación y la
investigación en este campo.
4.3 EII en Brasil
Tal vez la primera publicación latinoamericana dedicada a la EII es el
artículo de Ana Thereza Dürmaier “Ética Intercultural da Informação e
Sustentabilidade” (DÜRMAIER 2008). Dürmaier introduce la idea de
sostenibilidad de sociedades post-industriales que exigen
… una plasticidad interactiva de racionalidades a fin de poder
enfrentar el universo de nuevas preguntas éticas, políticas y legales
que
se
acumulan
diariamente
en
las
prácticas
científicas,
empresariales, sociales y gubernamentales, en la vida pública y en la
vida privada. (DÜRMAIER, 2008, 115, mi traducción).
La EII tiene que tener como objetivo esta “plasticidad” en el plano ético.
Hay valiosos aportes interdisciplinarios brasileros sobre la cultural digital
como por ejemplo el libro editado por Henriette Ferreira Gomes, Aldinar
Martins Bottentuit y Maria Odaisa Espinheiro de Olivera: “A ética na sociedade,
na área da informação e da atuação profissional” (FERREIRA GOMES et al.
2009) así como el de Rodrigo Savazoni “CulturaDigital.BR” (Savazoni 2009).
Ambas publicaciones contienen ricos análisis bibliotecológicos, sociológicos,
políticos, económicos, culturales, artísticos y antropológicos que reflexionan el
estado actual de la cultura digital brasilera. Esta es una excelente base para un
diálogo con la EII.
5 PERSPECTIVAS
En un artículo del filósofo estadounidense John Ladd publicado en 1985
con el título “La búsqueda de un código de ética profesional. Una confusión
intelectual y moral” (“The Quest for a Code of Professional Ethics. An
Intellectual and Moral Confusion”) escribe Ladd que la idea de un “código de
ética” (“code of ethics”) es una contradicción puesto que la ética es
esencialmente problemática (LADD, 1985). Lo que se puede codificar son
principios éticos entendidos como resultado temporario de una argumentación y
no establecidos por un mero consenso o “decision-making”. Para evitar
malentendidos es mejor usar el término de “códigos de práctica” (“codes of
practice”) lo cuales tienen sus pros y contras como es el caso, por ejemplo, de
códigos profesionales que pueden ser utlilizados tanto para promover una nueva
conducta como para provocar estado de autocomplacencia que incluso ayude a
ocultas conductas irresponsables. En algunos casos pueden servir incluso para
desviar la atención de los problemas realmente serios para concentrarla en
problemas de menor importancia. Lo contrario se podría pensar con respecto a
códigos universales que puedan también ser utilizados para provocar un estado
social de autocomplacencia así como para desviar la atención de los problemas
concretos y de mayor importancia.
El desafío ético no se restringe a crear un código sino a promover la
reflexión a nivel global y local sobre temas cuya complejidad no puede reducirse
a principios generales sino que requiere una interpretación constante de los
mismos cuando se trata de ponerlos en práctica (SCHWARZ, 1979). En otras
palabras, los principios aparentemente claros y objetivos se vuelven dogmáticos
si no son insertados en una reflexión ética prudencial. La prudencia es el
horizonte de alguien que es consciente de sus límites. Ella delimita el anticriterio
‘todo está permitido’ haciéndonos conscientes de situaciones
ambivalentes y evita que busquemos soluciones simplistas así como de pensar
que dos alternativas contradictorias pueden unificarse sin más. Una reflexión
ética prudencial tiene también como función la de despertar y preservar la
sensibilidad ética, algo que es bueno promover a nivel local y global. Tal es la
tarea práctica más noble de la EII.
Necesitamos más que nunca un espacio abierto para compartir no sólo
local- sino también globalmente este tipo de reflexión. Es este el sentido más
profundo del término ‘ética global de la información’ entendida no como la
globalización de una moral y su codificación, sino como un espacio y un tiempo
que se puede crear en diversos contextos como el político, el académico, en las
escuelas, en de los medios de comunicación de masas y naturalmente en
internet. Esto presupone una concepción de la reflexión ética no limitada a la
fundamentación de normas morales dadas sino también a su problematización,
abierta a la interacción de las mismas con otras dimensiones de la vida social. Se
trata también de buscar no sólo normas sino formas de vida común que nos
permitan promover la variedad y la riqueza de las respuestas humanas a la
llamada del ser-en-el-mundo desde diferentes afectos fundamentales expresados
particularmente en la música, el arte y la literatura.
La EII tiene que asumir la responsabilidad de abrir una reflexión sobre
visiones y opciones de vida partiendo de los desafíos de un mundo que se une y
se separa cada día más intensamente en base a la comunicación digital. Pero esta
reflexión perdería su carácter propio de reflexión si se la identifica a la política y
la acción social. Su vínculo con la acción es el consejo prudencial no el
‘decision-making’.
Me permito terminar mencionando el libro “A Urgência da Teoria”, una
compilación de textos editados por la Fundação Calouste Gulbenkian y el Fórum
Cultural “O Estado do Mundo” que se abre con una conferencia de Homi
Bhabha, director del Centro de Humanidades de la Universidad de Harvard y
renombrado especialista en interculturalidad. Esta conferencia titulada “Ética e
Estética do Globalismo: Uma Perspectiva Pós-Colonial” (BHABHA, 2007) hace
eco al espíritu de “insatisfacción” y de “duda global” de la poetisa Adrienne
Rich (RICH, 1991). Bhabha propone “una ética global de extensión de la
“hospitalidad” a aquellos que perdieron su lugar de pertenencia debido a un
trauma histórico, a la injusticia, al genocidio y a la muerte” (“uma ética global
de extensão da “hospitalidade” àqueles que perderam o seu lugar de pertença
devido ao trauma histórico, à injustiça, ao genocídio e à morte” Bhabha 2007,
44, mi traducción).
La ética intercultural de la información debe ser una ética hospitalaria no
sólo con respecto a las culturas con sus normas y principios morales sino
también con respecto a quienes han perdido pie en una cultura, quedando
marginados, olvidados, en medio de una sociedad globalizada por la tecnología
digital. La EII toma una posición crítica respecto a todas las formas de
destrucción del habitar, y el ‘habitat’, humano tanto de las que usan para ello a
las TIC como a las que excluyen a otros de su uso. La EII es una disciplina
humanística. “Las humanidades “ escribe Bhabha, “contribuyen en forma
singular a establecer – por medio del diálogo y la interpretación – comunidades
de intereses y climas de opinión.” (Bhabha 2010).
Resumiendo podemos decir que los desafíos téoricos y prácticos de la
ética intercultural de la información son de gran envergadura. Ellos necesitan un
amplio apoyo en las instituciones de educación e investigación con un esfuerzo
particular en crear redes locales y globales que permitan el intercambio abierto
de ideas y resultados. Es imprescindible también que los códigos internacionales
de ética de la información sean objeto de un constante análisis téorico y práctico.
La búsqueda de principios comunes no debe perder de vista la complejidad y
variedad de las culturas. Y éstas deben ser conscientes de su interdependencia la
cual les permite una transformación de sus identidadades. Lo esencial es aquello
que está entre las culturas. Los fenómenos, a menudo violentos, de exclusión
cultural son un indicio de que un ethos cultural ha perdido el contacto con la
fuente común, cerrándose en sí mismo, incapaz de redefinir sus fronteras
tomando nuevos elementos ajenos en base a procesos comunicacionales e
informacionales abiertos. Es fácil ver que la unidad que supone dicha apertura y
la variedad reclamada por las diversas culturas están en permanente fluctuación.
La ética intercultural de la información tiene como objetivo primordial hacer
que dicha fluctuación sea sostenible tanto en la teoría como en la práctica.
Agradecimiento
El autor agradece a Oscar Krütli (Prov. de Córdoba, Argentina) y a José María
Díaz Nafría (Universidad de León, España) por sus invalorables críticas a este
texto.
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TEACHING INFORMATION ETHICS
Miguel Angel Pérez Alvarez*
1 ANTECEDENTES
La llegada de primero las “salas” de chat como el MSN, y más tarde de
los blogs, wikis y del microblogging sentaron las bases del intercambio y
colaboración en tiempo real. En La actualidad herramientas como el Buzz o
Twitter, así como el Google Wave, generan oportunidades de trabajo colectivo
de manera sincrónica y por ende de la ubicuidad de la colaboración más allá de
las fronteras espaciales.
Esta revolución técnica que parece interminable, pese a las teorías de
Moore y similares en torno a los límites de la evolución de la tecnología
informática, trae aparejada una vasta cantidad de situaciones que impactan de
manera directa la manera en la que se producen las experiencias de aprendizaje.
Más allá de la visión corta o larga de los profesores, los estudiantes
colaboran y trabajan en línea sin importar si sus maestros aprueban esas formas
de intercambio y trabajo en grupo. Ello trae como consecuencia dos niveles de
reflexión: aquel que corresponde a las implicaciones para el ambiente de
aprendizaje y aquellas que tienen que ver con el ejercicio del control y del poder
dentro del aula por parte del maestro )y el corresponidente impacto en el primer
nivel, el del apreindizaje).
2 COMUNIDADES EPISTÉMICAS
Este paper busca esclarecer la forma en la que las comunidades
epistémicas entrenan a los nuevos miembros en la adopción de un paradigma,
entendido en una de sus acepciones como la adopción de un marco axiológico
de una práctica científica. Tal adopción implica una forma práctica de la ética y
el establecimiento de un marco de valores que evidencia una preferencia de una
ética específica, la ética científica específica de cada comunidad epistémica.
El ambiente de aprendizaje en línea o en el ciberespacio es más que un
ecosistema. Es en términos metafóricos, es un entorno distinto del natural pues
las leyes que regulan su entropia o su equilibrio distan de parecerse a aquellas
que los biólogos y ecologos identifican como propios de un sistema
medioambiental. Por esta razón la organización, gestión e higiene de las
relaciones que se gestan administran, construyen y evalúan en un ambiente de
aprendizaje en línea o ciberambiente de aprendizaje requieren de un nuevo
modelado, concepción, legalidad, categorización.
Más allá de ser concebidos exclusivamente como repositorios de
información, los ciberambientes de aprendizaje exigen ser concebidos como un
refectorio de experiencias significativas pues quienes se acercan a través de
Internet a una experiencia de aprendizaje experimentarán en la soledad de su
habitación u oficina (o cualquiera que sea el espacio físico en el que se ubique la
computadora con la cuál acceden a un determinado ciberambiente de
aprendizaje) la sensación es similar a la de un monje que en silencio absoluto
come en la compañía de otros monjes. Como en los refectorios de los
monasterios benedictinos aparenterá a cualquier testigo que lo observe una
actitud hipnótica frente a una oferta variada de sabores y olores. El actual
estudiante que se adentra en una educación basada en ciberespacios de
aprendizaje se muestra frente al testigo imparcial como un ser hipnotizado frente
a una pantalla. (TURKLE, 1995).
La vida en la pantalla de S. Turkle nos recuerda que este proceso
constituye una revolución cultural. Para mi es solamente la parte externa de una
experiencia infinitamente trascendente y similar a las de aquellos que se
enfrentaron por primea vez a un texto escrito y leyeron en silencio, sin mover
los labios y sin pasar el dedo por el renglón. Los primeros testimonios refieren a
este espectáculo como el de un ser hipnotizado. Pero los procesos intelectuales
más trascendentes son en apariencia (para un testigo) un simple acto de hipnósis,
mientras que para el protagonista son en realidad un rico y variado conjunto de
experiencias intelectuales en la que los procesos vividos al leer y realizar una
actividad desplegada mediante una computadora puede transformar su visión del
mundo, su habilidad para representar la realidad en su mente y las aptitudes que
este actor desarrolla en todo proceso intelectual.
El acto personalísimo de interacción con las actividades intelectuales que
se realizan con ayuda de una computadora conectada a la red de redes, implica
también un nivel de interacción social que aparentemente desaparece cuándo la
relación está mediada por una pantalla y un teclado. Quienes desarrollan
actividades en red colaboran de manera silenciosa. En ocasiones están frente a
frente físicamente, pero el correo electrónico, el chat o el acto de colaboración
instantáneo (como el Google Wave) los hace aparecer como distantes o
incomunicados.
La experiencia de colaboración en redes informáticas que vivimos desde
mediados de los noventa nos ha permitido analizar el papel que juegan los
valores compartidos (la “ética” en sentido lato) para este tipo de comunidades
que surgen alrededor de un interés común en Internet.
3 EL CASO DE MISTICA
El caso prototípico en América Latina lo representa MISTICA, una red de
especialistas e interesados en la medición del impacto de las nuevas tecnologías
en la sociedad latinoamericana y caribeña. Durante más de diez años (19982008) se desarrollaron en línea discusiones y proyectos que buscaban dotar a la
región de una visión pertinente sobre como gestionar el impacto de las nuevas
tecnologías en temas tan relevantes como el desarrollo sustentable, la salud, la
educación y las relaciones sociales. Con el patrocinio de organismos
internacionales y aganecias para el desarrollo, MISTICA produjo diversas
aplicaciones y enfoques relevantes para el desarrollo de una metodología de
análisis y gestión del impacto tecnológico.
Sin embargo uno de los efectos más relevantes y, por su naturaleza
intangible, menos estudiados de esta comunidad virtual es el papel que cumplió
como escaparate para identificar el código de ética no escrito que sirvió de base
para su construcción, funcionamiento, consolidación y desaparición como
comunidad epistémica.
Thomas S. Kuhn, el filósofo de la ciencia inglés, describió en sus obras,
especialmente en la Estructura de las Revoluciones Científicas (KUHN,207), el
papel que tiene en la construcción de un paradigma científico el código de ética
de una comunidad epistémica. Este, el paradigma, establece que porblemas es
pertinente plantear a la comunidad como dificultades a resolver y qué prácticas
epistémicas es pertinente realizar, desde que se genera o expresa una teoría hasta
que se dispone o despliega un experimento mental para confirmarla.
En el caso de MISTICA (cuyos debates y discusiones son asequibles en
línea: http://funredes.org ) es interesante revisar cómo las discusiones sobre
temas metodológicos y tecnológicos llevan implícita una discusión ética que
tiene que ver sobre la pertinencia de las intervenciones, preguntas, soluciones y
consultas a la comunidad. El papel del moderador se transforma así en la de un
responsable de la observancia de ese código no escrito y contribuye a que la
propia comunidad epistémica se transforme en garante de la operación y éxito de
la comunidad.
Es curioso que a lo largo de los años, las discusiones celebradas por los
miembros de esta comunidad tenían en ocasiones referencias explicitas a la
pertinencia de las participaciones y al papel del moderador, más allá del
contenido mismo de esas participaciones. Una suerte de metaparticipaciones que
subyacía a la acción concreta de la discusión sobre los temas de la comunidad.
El último esfuerzo que realizó MISTICA cara a su autosustentabilidad fue
la de convertirse en una comunidad virtual de aprendizaje que sirviera como
modelo para la creación y gestión de una comunidad eìsteémica. Y se dieron
pasos relevantes como la ceración del Centro Virtual de Aprendizaje. La
carencia de financiamiento acabó por destruir ese esfuerzo, pero la intención
marca una camino por desarollar en la región.
4 CONCLUSIONES
La relevancia de contar con una comunidad virtual de aprendizaje al
interior de uma comunidad epistémica virtual es que garantiza y, al mismo
tiempo, posibilita un espacio para el desarrollo del criterio moral propio de toda
comunidad epistémica y que cad miembro adscrito debe desarrollar como
condición sine qua non.
Sin un nivel ético es imposible que ninguna comunidad epistémica
sobreviva pues toda práctica científica se desarrolla a través y a partir de ese
elemento fundamental de un paradigma científico. Ello implica también a las
comunidades epistémicas (en sentido lato y no estricto) que se construyen,
interactúan y desarrollan su tarea académica en línea, de manera virtual o de
manera no presencial.
REFERÊNCIAS
Kuhn, Thomas, S. La Estructura de las Revoluciones Científicas. México, Fondo de
Cultura Económica, 2007.
Turkle, Sherry. La vida en la pantalla. Barcelona. Paidos transiciones, 1995.
ÉTICA E OS DILEMAS E IMPASSES DA
INFORMAÇÃO: reflexão sobre a divulgação
científica ou popularização da ciência
Lena Vania Ribeiro Pinheiro*
1 INTRODUÇÃO
Quando somos chamados a discutir temas muito amplos, ao mesmo tempo
em que dispomos de uma miríade de abordagens que se entrecruzam e
perpassam a questão, a dúvida é, entre tantas perspectivas, qual trilhar? Claro
está que a opção sempre se relaciona com os nossos estudos desde sempre e se
apresenta como uma faceta ainda não explorada de assuntos que se arrastam pela
nossa vida afora, agora revestidos de novos componentes e cenários
transformados e transformadores. Assim, a abordagem desta comunicação é um
prolongamento de algumas idéias sobre a responsabilidade social na Ciência da
Informação (PINHEIRO, 2009), por sua vez profundamente vinculadas à
relação entre ciência e sociedade, saber e poder, em seus desdobramentos na
informação em Ciência e Tecnologia, tomando para exercício teórico a
divulgação científica ou popularização da ciência.
Na coletânea “Ética e cultura”, Renato Janine Ribeiro (2004) reflete sobre a
palavra poder e sua dupla representação gramatical como substantivo e verbo,
ressaltando alguns de seus aspectos. No primeiro caso poder é “coisa” ou dado
apreendido pelos sentidos, parado e tangível. No segundo, que importa
diretamente a esta comunicação, poder “é uma possibilidade, voltada para o
futuro, de ir-se além do que se é ou se está...”, no sentido de criação. Nessa
direção, as ações de informação, mais do que a informação por si só estão
impregnadas, ao mesmo tempo, de poder e dessa possibilidade, desse futuro,
portanto, são ações políticas e a ética da política é a da responsabilidade, como
pensa Ribeiro (2004).
Além de tratar das ações de informação e suas fronteiras tecnológicas,
Gonzalez de Gómez (2004), inclui nesse contexto as transformações
ocasionadas por novas relações entre linguagem, tecnologias e informação. A
autora introduz o conceito de “dispositivo de informação” e o define como, “ um
modo de configuração do espaço-tempo ou do tempo que age como uma matriz
organizadora das operações concretas de geração, transmissão e uso de
informação”.
Nas ações de informação o poder, a responsabilidade e a ética são
interdependentes, e uma dessas ações particularmente se afina com o temática
desta comunicação, a divulgação científica. Esta disciplina, por estar fortemente
marcada e demarcada pelas relações entre ciência e sociedade, por sua vez
vinculadas ao poder, ao saber e à responsabilidade, se molda ao exercício teórico
pretendido. A divulgação científica tem por objetivo transmitir à sociedade, ao
público não-especializado (BUENO, 1995), conhecimentos gerados no âmbito
da ciência e tecnologia. Independente das discussões conceituais existentes e
enfocadas anteriormente por Pinheiro, Valério e Silva (2009), principalmente
entre
jornalismo
científico
e
divulgação
científica, assumimos
nesta
comunicação as características que Kreinz (1998), atribui ao primeiro, por
considerarmos válidas também para a divulgação cientifica: política, ideológica,
educativa, econômica, comunicativa, social e cultural, às quais acrescentamos a
informativa. É pois, neste conjunto de atributos que forjam a natureza da
divulgação científica, que
pretendemos analisar a
ética da informação,
interrelacionada à responsabilidade, predominantemente a social.
A temática
revelação
deste Simpósio, de atualidade inquestionável, é mais uma
das preocupações que invadem a Ciência da Informação,
universalmente, presentes tanto na fundação do International Center for
Information Ethics- ICIE, por Rafael Capurro, em 1999, quanto por seus
desdobramentos em diferentes países e campos do conhecimento, aos quais se
junta este Simpósio. Por outro lado, pode ainda traduzir as mudanças de
paradigmas na Ciência da Informação, tal como traçadas por Capurro
(2003).Embora este pesquisador alerte para o que chamou de “simplificação
extrema” frente à “complexidade das proposições” que podem levar a
interpretações equivocadas, a passagem pelos paradigmas físico, cognitivo e
social reflete uma tendência cada vez mais acentuada de “... uma integração da
perspectiva individualista e isolacionista do paradigma cognitivo dentro de um
contexto social no qual diferentes comunidades desenvolvem seus critérios de
seleção e relevância”.
2 O SABER E O PODER E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE
No prólogo da segunda edição de seu livro “Ética y ciencia”, Mario Bunge
(1983) comenta sobre a juventude da época que questionava “a moralidade da
ciência” e atacava as máquinas em geral, particularmente os computadores. As
críticas chegavam ao “extremo de uma franca revolta contra o método científico
e, em geral, contra a cultura e a civilização centradas na ciência”.
Passados quase cinqüenta anos, novas gerações, agora vítimas do
desemprego, das drogas, da exclusão social, dos desastres ecológicos e tantas
outras mazelas do mundo contemporâneo, continuam bradando contra a ciência.
Algumas perguntas presentes nesse texto introdutório de Bunge (1976) não
perderam a atualidade: “O que é certo na crítica à ciência do ponto de vista
ético? O que é justificado na reação contra o modo científico de pensar e
produzir?
As inquietações de Bunge retomam hoje até com mais intensidade e um
pesquisador brasileiro, Gilberto Dupas (2001), escreve sobre ética e poder na
sociedade da informação, com o objetivo de buscar “uma ética para os novos
tempos, necessária e possível, que possa introduzir o dever onde tudo é poder”.
O autor situa as questões no capitalismo global e alerta para o “estado de
inquietação”
do
início do século 21,
em decorrência sobretudo da
autonomização da técnica, apesar do progresso e triunfo da ciência e assim
explica este sentimento:
as consequências dessa autonomização da
técnica com relação aos
valores éticos e normas morais foram, dentre outras, o aumento da
concentração de renda e da exclusão social, o perigo da destruição do
habitat humano por contaminação e de manipulação
genética
ameaçando o patrimônio comum da humanidade.
O que Dupas escreve em 2001, Japiassu (1977) já alertava há mais de 30
anos atrás, em artigo intitulado “as máscaras da ciência”, três segundo este
filósofo: ciência-que-conduz-necessariamente-ao-progresso;
ciência-pura-e-
imaculada e a ciência sem deontologia. A primeira diz respeito ao julgamento
da ciência pelo valor social de seus resultados; na segunda a ciência é seu
próprio fim, “não tendo que prestar contas a nenhuma instância exterior”; e a
terceira tem relação com o saber gerado na ciência, no qual os fins não têm
relação com os cientistas, que não teriam responsabilidade social, seriam
neutros.
Japiassu (1977) também aborda a temível relação saber e poder, ao
admitir o “vínculo indissolúvel entre ciência e poder”, cujo resultado seria a
tanatocracia da ciência e da técnica:
Não tenhamos ilusão: a ciência hoje possui dois pólos: o saber e o
poder. O saber pelo saber está na base do desenvolvimento da ciência.
Mas hoje em dia a ciência desempenha um papel tão importante no
desenvolvimento das forças produtivas, que há uma predominância
incontestável do saber para poder. A pesquisa científica e técnica
comanda diretamente o desenvolvimento econômico. (JAPIASSU,
1977)
Se analisarmos algumas questões de hoje identificamos certos alvos desse
questionamento como a biotecnologia, a agroindústria, os transgênicos, a
reprodução humana, entre tantas outros.
Ao refletir sobre o conceito de responsabilidade podemos constatar que
sua elaboração se dá no campo da ética e está fortemente vinculada à liberdade.
Este elo significa que o estudo da responsabilidade implica necessariamente
falar de ética, e como nesta comunicação ciência e tecnologia são o contexto do
debate, por sua vez associadas ao poder, a ética da responsabilidade não pode
ficar à parte num questionamento desta natureza.
O já mencionado Renato Janine Ribeiro (2004) traz uma contribuição
muito oportuna e o título do capítulo que escreve, no livro mencionado, por si só
traduz a
sua pertinência aos propósitos desta comunicação – “Ética, ação
política e conflitos na modernidade”. Se o foco deste tema são a ciência e a
tecnologia, inerente ao seu aparato está a política, especialmente a científica e
tecnológica.
No centro da discussão encetada por Ribeiro (2004) está o pensamento de
Maquiavel (ética da responsabilidade, o social como resultante do político), em
contraposição ao de Mandeville (ética dos princípios). A ética da
responsabilidade é “aquela que se aplica à política”, a que tem valor para quem
“age politicamente”, ou mais explicitamente, “levando em conta as relações de
poder, pensando na construção do futuro”, ou “ética da ação política”. Para
Ribeiro (2004), a “política tem a ver com a construção do tempo”, no qual
pesam a duração, a continuidade, ou o efeito e resultados de seus atos que, por
sua vez “compartilham um sentido político”. Segundo o autor, o pensamento de
Maquiavel é atual e sua atualidade foi ampliada no século XX pelo “caráter
imprevisto, e o criativo, de uma atividade que não tem como se pautar em
normas prévias”. Porque “a política não é mais essencial ou exclusivamente a
que se refere ao poder... exige uma ação criativa” e “não se confina mais no
político em sentido estrito, o das instituições”.
Este autor (RIBEIRO, 2004), em todo o seu texto correlaciona as questões
ao Brasil e faz oportunas observações como a dificuldade, em nosso País, em
associar liberdade e responsabilidade,
pelo pensamento da economia
desconectada da política, embora exista a disciplina economia política, como
lembra. Da mesma forma ele afirma que “há enorme dificuldade, na cultura
brasileira, em compreender – ou em aceitar - uma ética da responsabilidade”,
isto é, a ética que “assume a perspectiva do poder”. Esta dificuldade tem
algumas origens, entre as quais uma de caráter mais profundo, que é a de
“entender a ação política”. Para Ribeiro (2004), o desafio é “articular o pessoal
e o social, o ético e o político, o privado e o público).
3 ÉTICA E AÇÃO POLÍTICA
No seu denso livro sobre “O princípio da responsabilidade: ensaio de uma
ética para a civilização tecnológica”, publicado na Alemanha em 1976 e
traduzido no Brasil em 2006, Hans Jonas (2006) percorre uma extensa
argumentação para a sustentação teórica da responsabilidade, fundamentado em
questões ontológicas, especialmente as idéias de Kant, Marx e Hegel. Numa
longa e inicialmente histórica abordagem do tema, ao enfocar a significação da
ética, o autor afirma que “toda ética tradicional é antropocêntrica”.
Como não poderia deixar de ser num estudo sobre essa temática, o caráter
político está presente no questionamento de Jonas (2006) e a projeção no tempo,
traduzido no capítulo “a responsabilidade do estadista com o futuro”, quando
também inclui o legislador, na “preocupação previdente” de ambos com o “bem
futuro da comunidade”. Este dever para com o futuro trata da reivindicação que
“só surge daquilo que reivindica – daquilo que antes de tudo é”, expresso pela
seguinte declaração: “toda vida reivindica vida” (Jonas, 2006). Do ponto de
vista legal, “o agente deve responder por seus atos: ele é responsável por suas
consequências e responderá por elas, se for o caso”.
Ainda sob esta mesma visão, Jonas (2006) trata da responsabilidade
política e sua extensão para o futuro, estabelecendo uma diferença com a
responsabilidade paterna, para a qual há um tempo de término. A primeira,
considerando o caráter de seu objeto, está “sobrecarregada pelo excesso de
resultados, todos causais em detrimento do conhecimento prévio” e responde,
carrega as conseqüências. A extensão do tempo é vinculada ao imediato, à
necessidade de urgência na resposta
Para o autor, “uma das responsabilidades do homem público é garantir
que a arte de governar continue possível no futuro”, pois o princípio é que “toda
responsabilidade integral, com seu conjunto de tarefas particulares, é
responsável não apenas por cumprir-se, mas por garantir a possibilidade do agir
responsável no futuro”, o que abrange a política econômica, ecológica,
tecnológica, biológica, psicológica, às quais eu acrescentaria a política de
informação.
Esta responsabilidade pelo futuro, para Dupas (2001) se traduz num
“olhar
à frente e planejar”, ações das quais são capazes apenas os seres
humanos.
Quanto ao futuro progresso técnico-científico, Jonas (2006) reconhece
uma “zona de penumbra”, daí a dificuldade em vislumbrar as fronteiras da
responsabilidade. Ainda nessa linha de pensamento aponta para o potencial de
destruição da civilização técnica, por ter se tornado “toda -poderosa”. Assim, o
futuro da humanidade teria como condição “sine qua non”, o futuro da natureza,
e para o autor, o perigo decorre da “dimensão excessiva da civilização técno industrial, baseada nas ciências naturais...”
Nessa mesma linha Dupas (2001) reflete sobre a associação de ciência e
técnica, que vem revolucionando e surpreendendo, no entanto, a própria “ciência
vencedora começa a admitir que seus efeitos possam ser perversos”, como se o
ato do saber estivesse se tornando cada vez mais obscuro, pensamento próximo
da “zona de penumbra” de Jonas.
Há uma “ambivalência ética” no progresso técnico, ao atribuir à técnica
a capacidade de transformação do mundo, de determinar as “condições reais e
o modo de vida humano”. Para Jonas (2006), as condições naturais estão
relacionadas ao advento e com “o conteúdo projetado de uma utopia”.
Dupas (2001) evoca ainda o “saber-poder”, que ele denomina “utopia da
potência integral,” que leva todos nós à exigência de “um poder sobre o poder”,
por exigir também uma
resposta plena “pelo ser da humanidade futura”. E
naturalmente vem a pergunta que ele se faz a partir de novos referenciais éticos:
quais os papéis da sociedade civil e do Estado, nas sociedades pós-modernas?
Este autor destaca como problema o fato de o Estado, indutor e regulador,
continuar em fase de desmonte nessas sociedades, e questiona se cabe a ele ou à
sociedade civil, por meio dele “definir padrões éticos que condicionem a
aplicação das técnicas e o exercício da hegemonia delas decorrentes”. Diante
desse impasse, como deve agir o cientista? Para Dupas (2001), os cientistas só
devem aceitar uma política de Estado justa, se assim a considerarem, e como
membros da sociedade civil podem
em seu nome recusar – este seria o
caminho, segundo ele, para reencontrar a função crítica do saber.
Jonas (2006) não nega o progresso da civilização em todos os campos do
saber humano, acumulado, armazenado pela sociedade e parte do patrimônio
coletivo, não somente da ciência e da técnica, mas de toda a sociedade, aplicado
em diferentes instâncias – social, econômica, política e transmitidos para o bem
da sociedade e qualidade de vida.
Entretanto, nas sociedades pós-modernas há um paradoxo apontado por
Dupas (2001) porque, “ao mesmo tempo que elas se libertam das amarras dos
valores de referência, a demanda por ética e preceitos morais parece crescer
indefinidamente. A cada momento um novo setor da vida se abre à questão do
dever”. E dando continuidade à suas reflexões Dupas (2001) reconhece que toda
essa discussão remete ao “princípio da responsabilidade”, quando evoca desde
os filósofos clássicos a pensadores contemporâneos como o próprio Jonas.
4 FRAGMENTAÇÃO DO SABER E DA VIDA
A fragmentação do saber conduz à discussão da especialização e, em
contraponto, da inter e transdisciplinaridade, naturalmente com repercussões
na sociedade. Neste tópico são mencionadas ou expostas e analisadas, de forma
sintética, idéias de alguns autores que são mais pertinentes à temática desta
comunicação.
A começar por Jonas ( 2006), muito presente no tópico anterior, para
quem a especialização seria como um prolongamento do progresso, o “preço”
pago pelo aumento do conhecimento e suas “subdivisões e seus métodos
especiais”, chegando à “fragmentação extrema do conhecimento total”.
No ano do lançamento da versão original do livro de Jonas, 1976, a
especialização começava a ser foco de críticas que já vinham a partir da
década anterior. Estudos e pesquisas em torno da questão, como de Piaget
(1960) Gusdorf (1967), Bastide ( 1968), Roqueplo (1970) e Jantsch (1972) Não
constam na lista de referências, foram crescendo em número e intensidade,
apoiados por órgãos internacionais como UNESCO – Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciências e Cultura e OCDE- Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico
Na obra de Morin (2007) sobre o método, dos seis volumes um é dedicado
à ética e neste, no tópico intitulado “O problema de uma democracia cognitiva”,
ele critica a associação ciência e técnica, transformada em tecnociência, bem
como
a disciplinaridade das ciências, que “não trouxeram
somente as
vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes
da
hiperespecialização, do fechamento e da fragmentação do saber”, além do
domínio do conhecimento técnico pelos especialistas.
Este movimento contrário à especialização pode ser exemplificado, no
Brasil, com
Japiassu (1976) e seu famoso livro “Interdisciplinaridade e patologia do saber”.
É bem verdade que para estes esforços teóricos contribuiu a Epistemologia,
disciplina nascente cuja concepção e estatuto são sustentados pela crítica à
ciência.
Mais de 30 anos depois Japiassu (2006) lança outro livro, desta vez sobre
transdisciplinaridade, cujo título, “O sonho transdisciplinar e as razões da
filosofia”, expressa o seu pensamento e bases teóricas. Comparado à sua obra de
1976 sobre interdisciplinaridade, fundamentada e orientada pela Epistemologia,
o conceito de transdisciplinaridade se abre mais para o mundo da vida. O sentido
de saber adotado pelo autor é “mais amplo que o de ciência, não é um
conhecimento objetivo, neutro e universal, mas implica um processo de
apropriação e dominação de objetos” e, para tal, afirma:
não podemos confiar no conhecimento fragmentado nem na simples
apreensão holística. Porque o conhecimento deve efetuar, não só um
movimento dialético entre o nível local e o global, mas o de retroação
do global ao particular.
Japiassu (2006) reconhece que com o desenvolvimento do pensamento
complexo a transdisciplinaridade se tornou mais valorizada e “susceptível de
instaurar um rico e fecundo diálogo entre as ciências naturais, as humanas e a
filosofia”, e destaca dois desafios contemporâneos, o da globalidade e do
“crescimento ininterrupto e galopante dos saberes tornando cada vez mais difícil
a organização de nossos conhecimentos em torno dos problemas fundamentais
da existência”.
5 A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E NOVAS CONFIGURAÇÕES DA
RELAÇÃO PODER E SABER: A POLITIZAÇÃO E OS USOS SOCIAIS
DA INFORMAÇÃO
Alguns autores e dois em particular, Capurro e Bourdieu, orientam a
transposição das questões até agora expostas e discutidas, para a divulgação
científica, particularmente duas indagações.
A primeira pergunta, de Rafael Capurro, traduz bem os impasses da
Ciência da Informação, que se acentuam na divulgação científica:
A Ciência da Informação se situa entre a utopia de uma linguagem
universal e a loucura de uma linguagem privada. Sua pergunta chave
é: informação para quem? Em uma sociedade globalizada, na qual
aparentemente todos nos comunicamos com todos, esta pergunta vem
a ser crucial (CAPURRO, 2007).
Às duas linguagens, a universal e a privada, se junta outra linguagem, a
não- especializada, no caso da divulgação científica, que para alguns autores
seria um segundo discurso e, para outros um novo discurso. Esta discussão vem
ocorrendo na área de Lingüística, às vezes sustentada pela análise do discurso
(PINHEIRO; VALERIO; SILVA, 2009)
O segundo questionamento, de Bourdieu (2004), consta de um livro seu
sobre os usos sociais da ciência, no qual lança sobre a concepção de ciência e
tecnologia as mesmas indagações de muitos pensadores, alguns citados nesta
comunicação, e faz uma pergunta crucial: “é possível fazer uma ciência da
ciência, uma ciência social da produção da ciência capaz de descrever e orientar
os usos sociais da ciência?” Para ele o conteúdo textual e o contexto social da
ciência estão muito distanciados e “é preciso escapar à alternativa de ‘ciência
pura’ totalmente livre de qualquer necessidade social, e da ‘ciência escrava’,
sujeita a todas as demandas político-econômicas”.
Como fruto das novas relações de ciência e sociedade, poder e saber, e
por suas injunções políticas, a divulgação científica pode ser questionada e,
inversamente, estimulada a enveredar, aprofundar
ou intensificar
algumas
perspectivas que lhe são abertas.
Ao levar até ao público em geral, amplo, informações e conhecimentos
científicos oriundos de pesquisas, numa decodificação do discurso da ciência
para uma linguagem comum e facilmente inteligível, a divulgação científica
cumpre um dever e responsabilidade social perante o cidadão, que pode ser um
aluno do ensino fundamental, médio ou técnico, um jornalista ou professor, um
indivíduo de uma determinada comunidade. Este objetivo reflete a aproximação
entre ciência e sociedade, construída ao longo dos anos e para a qual concorreu a
queda de alguns mitos como a neutralidade científica, além de representar uma
possível contribuição aos alicerces da cidadania, ao tentar direcionar ao cidadão
comum informações sobre os resultados de pesquisas que podem afetar direta ou
indiretamente a sua vida, possibilitando uma reação coletiva na tentativa de
reverter atividades e política científicas.
Naturalmente, algumas questões polêmicas da ciência e tecnologia como
os transgênicos, por exemplo, ou os níveis de intoxicação e doenças originados
dos agrotóxicos e poluição, além de tantas outras “criações” da ciência, bem
como a hegemonia e invasão das máquinas até a vida privada, particularmente
computadores, colocam em xeque a crença no progresso e na ciência a serviço
da sociedade, do bem estar e a qualidade de vida do cidadão, numa visão
acrítica, conforme abordado no decorrer deste texto.
No novo panorama da Sociedade da Informação e do Conhecimento,
impulsionado pela globalização e as tecnologias da informação e da
comunicação (TICs), ao mesmo tempo em que as distâncias são encurtadas e
até deixam de existir, no ciberespaço, pela desterritorialização, e o acesso à
informação é facilitado, agilizado e ampliado, uma avalanche de informações
deve ser organizada, processada, disseminada e acessada, o que torna
o
processo mais complexo.
Sobre essas tecnologias como recurso da divulgação científica, Noruzi
(2008) vislumbra uma relação entre a comunicação científica (do cientista para
o cientista) e a divulgação científica, na Internet, porque esta: “aumenta a
acessibilidade, a visibilidade e a popularidade da ciência e da pesquisa
científica, como conseqüência, também aumenta as citações e impactos da
pesquisa ou impactos educacionais de um periódico de divulgação ou um artigo
científico”.
De forma mais ampla, Massarani, Turney e Moreira ( 2005), estudiosos da
divulgação científica, estendem as repercussões das tecnologias ao papel da
ciência na sociedade:
a ciência, que hoje exibe também a face de tecnociência, é o grande
empreendimento do mundo moderno. Ela e sua parceira, agora
inseparável, a tecnologia, habitam nosso mundo material e intelectual,
presidem boa parte das relações econômicas e de poder entre os povos
e adentram nossas vidas individuais.
A partir daí, uma questão se impõe: até onde chegam as informações da
divulgação científica? Atingirão todo e qualquer cidadão? Ou ainda precisam de
mecanismos e procedimentos que viabilizem a concretização de sua função
social?
Nesse sentido, o caráter educativo da divulgação científica é uma
dimensão a ser amplificada. Essa função é muito semelhante ao conceito de
alfabetização científica (“scientific literacy”), cujo significado está próximo de
“cultura científica” e “compreensão pública da ciência”, expressão em moda nos
círculos educacionais dos Estados Unidos e Inglaterra, segundo Durant (2005).
No Brasil, o papel educacional da divulgação científica é reconhecido por
diferentes autores, e há alguns anos atrás já era enfocado por aquele que é
considerado o pai da divulgação científica no Brasil, José Reis (apud Gonçalves
e Reis, 1999, p. 59), que identifica duas funções que se completam, uma de
ensinar, “suprindo ou ampliando a função da própria escola”, e outra de
fomentar o ensino, que se desdobraria no “...despertar o interesse público pela
ciência...”, no elevar o nível didático das escolas, e “despertar vocações e
orientá-las...”.
Do ponto de vista político, das decisões do poder, das políticas públicas,
podemos asseverar que a divulgação científica, inicialmente impulsionada no
Brasil pelos próprios cientistas, como José Reis, e com tímidas iniciativas nas
instituições de ensino e pesquisa,
passou a ser incorporada nos planos
governamentais a partir da criação de um Departamento de Popularização e
Difusão da Ciência, na Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social SECIS, no Ministério da Ciência e Tecnologia-MCT, criado por decreto
sancionado em 9/6/2004. Sob a coordenação desse Departamento e promoção
dos institutos de pesquisa do MCT e instituições de pesquisa e ensino é
realizada a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, com atividades para o
público em geral, por todo o território nacional, muitas em ambientes abertos.
Não pode deixar de ser mencionado que a primeira cátedra em Divulgação
Científica no mundo, aprovada pela UNESCO, em janeiro de 2005, tem por sede
o Núcleo José Reis de Divulgação Científica (NJR), (VALERIO, 2005)
Outros fatos evidenciam a institucionalização da divulgação cientifica
no Brasil e até a inserção do nosso País na agenda internacional da questão, o
que pode ser exemplificado com a realização no Rio de Janeiro, em 2004, do
Workshop para a Popularização da Ciência e Tecnologia, promovido pela
Organização dos Estados Americanos (OEA), em parceria com o MCT e tendo o
Museu de Astronomia (MAST) e Ciências afins como executor do evento.
(VALERIO, 2005, p.68). Algumas Instituições, como o citado MAST, se
anteciparam na promoção sistemática de ações para divulgação científica, o que
gradativamente foi sendo incorporado por outras entidades de pesquisa e ensino.
Sem contar cursos, associações, e o número cada vez maior de periódicos e
páginas de jornal, programas de rádio e televisão e portais sobre divulgação
científica.
O Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT),
atualmente muito voltado à responsabilidade social da informação, no âmbito
dos projetos para inclusão
tecnológica, informacional e social, também se
engajou nos compromissos da divulgação científica e lançou, em 2003, um
portal com esse propósito, o CanalCiência. Esta iniciativa se junta a muitas
outras de instituições de ensino e pesquisa, cada vez mais preocupadas e
desenvolvendo ações visando a divulgação científica.
Este Portal representa um dos novos serviços do mundo contemporâneo que
surgiram com a Sociedade da Informação e do Conhecimento, conforme
expresso por Noruzi (2008):
A popularização da ciência na sua forma eletrônica está estreitamente
relacionada ao surgimento e ao desenvolvimento da Web nos anos
1990 [...] a popularização da ciência foi cada vez mais envolvida com
a sociedade baseada na Web. Consequentemente, a Web se tornou um
importante suporte técnico para a popularização da ciência.
Mas a divulgação científica está muito além, transcende as tecnologias,
recursos poderosos em termos das possibilidades e vastidão de acesso, e de
condições mais ricas, como a multimídia, para criar produtos e serviços de
informações motivadores e estimulantes da aprendizagem.
Nesse sentido, a noção de complexidade é fundamental. Quando Morin
(2007) fala sobre ética e política, faz oportunas observações, nas quais inclui
este conceito que lhe é tão caro e sobre o qual tanto tem produzido. Este
pensador contrapõe a não aceitação da dissolução da ética na política à política
serva da ética. Nesta relação, de complementaridade dialógica, há dificuldades,
incertezas e às vezes contradições:
Quanto mais a política atua no que a sociedade tem de complexo, mais
são imperiosos os imperativos éticos da liberdade e direitos: quanto
mais se degradam as solidariedades e comunidades, mas elas são
necessárias. Nesse sentido, uma política da complexidade carrega
permanente aporia.
Mais do que a complexidade, para a responsabilidade social e ética da
divulgação científica, a antropoética de Morin (2007) pode desvendar ou revelar
o cerne de sua função ou o seu papel essencial .A antropoética “é mediada pela
decisão individual consciente, pela auto-ética” Para tal , deve ser esclarecida
pela antropologia complexa ou “o modo ético de assumir o destino humano”.
Entre os pressupostos formulados, alguns são mais estreitamente ligados à
teoria e prática da divulgação científica, em relação à filosofia de sua concepção
e ações , ao pensar o público a que se dirige:
-
“assumir uma razão dialógica entre a nossa razão e nossas paixões”;
-
“civilizar nossa relação com as idéias mestras, que permanecem
monstros possessivos, autoritários, violentos”;
-
“reconhecer no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade”;
-
manter contra ventos e marés a consciência que nos permite,
simultaneamente, a autocrítica, a crítica e a compreensão”; e
-
saber que não existe piloto automático em ética, a qual sempre
enfrentará escolha e aposta e sempre necessitará de uma estratégia”.
Como exemplo podemos ressaltar que em 2008 começou a ser pensada,
no CanalCiência, uma dupla ação de mútuo reforço educacional, reunindo a
divulgação científica com a competência em informação (“information literacy”)
ou alfabetização informacional, o que pode ser considerado inovador em termos
de informação. A competência em informação “requer uma série de novas
habilidades, incluindo como localizar e usar a informação necessária para a
solução de um problema e para a tomada de decisão eficiente e efetivamente” ou
pode ser representada pela busca de informação
como “um processo de
construção que envolve a experiência de vida, os sentimentos, bem como os
pensamentos e as atitudes de uma pessoa” (HASTSCHBACH, 2002 apud
PINHEIRO et alii, 2009).
Como instrumento desta nova ação foi elaborado no CanalCiência um
Guia informacional”, no qual para cada pesquisa divulgada, sinteticamente,
foram relacionadas
questões visando a competência em informação,
principalmente na Web. O Guia está disponível na Internet e é apresentado
também em versão impressa e CD-Rom.
Esta dupla atividade vem sendo testada em Oficinas abertas a educadores e
alunos, que ocorrem especialmente durante a Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia. Seu alcance pode ser constatado por um exemplo muito
significativo na fala de um aluno:
Fiquei muito feliz pela oportunidade de participar daquela Oficina, ela
tem sido muito importante pra mim, pra minha família e até pros meus
amigos que tem aproveitado com mais propriedade o acesso às
informações na Internet; - Nunca tinha pensado de verdade na
responsabilidade do uso da informação na Internet!; Aprendi muito,
porque não sabia usar a informação!
Esta manifestação, uma no meio de muitas, vêm orientando e podem
sinalizar que ações de informação têm potencial para além da transmissão de
informação e conhecimento e podem interferir no futuro e ser transformadoras
da vida e do destino do cidadão.
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Trabalho apresentado no evento EDULEARN09-International Conference on Education and
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da Informação)- CNPq/IBICT-ECO/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005. Orientadora: Lena Vania
Ribeiro Pinheiro
A CONSCIÊNCIA POSSÍVEL PARA UMA ÉTICA DA
INFORMAÇÃO NA SOCIEDADE EM REDE
Isa Maria Freire*
1 INTRODUÇÃO
Nosso propósito, neste trabalho, é seguir o fio das reflexões já realizadas
em trabalhos anteriores a propósito da responsabilidade social dos profissionais
da informação, de modo a tecer uma rede conceitual onde se entrelacem as
idéias de ética da informação, inteligência coletiva e utopias planetárias, no
contexto do regime de informação da sociedade em rede. Nessa abordagem, o
padrão que une a trama desses fios é a possibilidade de inclusão social mediante
a difusão das tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs),
especialmente para comunidades economicamente carentes.
Os construtos e procedimentos que usamos para construir a tessitura do texto
estão disponíveis em Araújo (1994; 2001), Araujo; Freire, 1999, Assmann (2000),
Castells (1999; 2003), Freire (1996; 2001; 2004; 2005; 2006; 2008), Ginzburg (1989),
Goldmann (1970; 1979), González de Gómez (1999; 2003; 2004), Lazarte (2000),
Lévy (1999; 2000), Mattelart (2002), Pinheiro (2009), Quéau (2001), Rondelli (2003),
Wersig (1993) e Wersig e Neveling (1975).
Os indícios da relevância das tecnologias digitais de informação e
comunicação (TICs), na economia e no cotidiano da população brasileira, são
revelados nas estatísticas do Comitê Gestor da Internet (2007) e da Pesquisa
Nacional de Amostra por Domicílios (2006), bem como no mapa da inclusão
digital do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (2008), e
estão disponíveis para consulta na Internet1.
O tema da inclusão digital, por sua vez, já adentrou no imaginário popular
brasileiro, como se pode observar na letra do samba enredo da Portela para
2010, onde as ideias e os vocabulários da informática e das utopias planetárias
se fazem presente ― destacando-se a metáfora da ‘ciência como luz’ ― e se
entrelaçam num discurso apoteótico, como mostramos no quadro a seguir:
1
Portela segue os passos da
Povos, raças, em comunhão
evolução...
Vai meu verso ao mundo
Liberdade!
ensinar
Num clique derruba barreiras
É preciso navegar!
Deleta fronteiras da realidade
Brilhou no céu mais um
Desperta o bem social
sinal
Acessa o amor digital
Cruzando o espaço sideral
Faz da criança inspiração
Portela... Portal cultural de
Pro futuro da nação
um país
Na rede nossas vidas vão se
Um link com a nossa raiz
transformar
Rainha da Passarela
Do ventre mais um ser nascerá
Revela um Rio de paz pra
O Dia de Graça que o mestre
viver
cantou
A senha de um amanhecer
Já raiou!
Mais feliz
O meu pavilhão é minha paixão!
Minha águia guerreira
Ver endereços em Referências.
A luz da ciência é ela...
Vai voar... Viajar!
É samba, é jaqueira que não vai
Pousar no sonho de ganhar
tombar
o carnaval
Sou Portela!
E conquistar o mundo
Mãos unidas pela inclusão
virtual!
Quadro 1 – NOGUEIRA et al. 2010.Negrito e itálico nossos.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=w4XiVoIe69k>
Esperamos que o contexto criado em nosso tear interdisciplinar, possa
contribuir para revelar os indícios de uma consciência possível para a utopia
planetária sobre uma ética da informação, na sociedade contemporânea.
2 A TECNOLOGIA DA SOCIEDADE EM REDE
A teia mundial da informação é o objeto das reflexões do sociólogo
Manuel Castells (2003, p.8), que refraseia MacLuhan para expressar as
possibilidades de comunicação na Galáxia da Internet: “a rede é a mensagem”.
A relevância da Internet para a sociedade contemporânea seria tal que ele a
define como “o tecido de nossas vidas”, especialmente por constituir a urdidura
tecnológica para “a forma organizacional da Era da Informação: a rede”. Nesse
processo, a diferenciação entre os que têm e os que não têm acesso à Internet,
acrescentou uma nova forma de desigualdade e exclusão social às já existentes,
a exclusão digital.
Em janeiro de 2003 (p.3), a Revista Inteligência Empresarial abordou o
problema da inclusão digital com uma mensagem de alerta: “a distância entre os
providos e os desprovidos digitais está se alargando”, entre e intra países. Essa
distância, denominada por Sorj (2003, p.13) de “brecha digital”, resultaria da
“distribuição desigual [..] dos recursos associados às tecnologias da informação
e da comunicação”. E embora essas tecnologias não representem uma “solução
mágica” para o complexo problema da desigualdade, sem dúvida “constituem
[atualmente] uma das condições fundamentais da integração na vida social”
(SORJ, 2003, p.15). Em estudo pioneiro, Néri et al. (2003, p.5), relacionaram as
políticas de inclusão digital e a lei de Moore2 com o objetivo de “subsidiar o
entendimento de campanhas de doação de computadores”, definidas pelos
autores como ações que buscam difundir o sucesso obtido pela tecnologia de
ponta em grupos economicamente desfavorecidos, na premissa de que o
“analfabetismo digital, ao afetar a capacidade de aprendizado, a conectividade e
a disseminação de informações, gera conseqüências virtualmente em todos os
campos da vida do indivíduo”.
Para Rondelli (2003), entretanto, a alfabetização digital é apenas uma
parte do processo de inclusão digital, constituindo “a aprendizagem necessária
ao indivíduo para circular e interagir no mundo das mídias digitais como
consumidor e como produtor de seus conteúdos e processos”. Também para
Lazarte (2000, p.51), os elementos necessários para inclusão não devem
contemplar apenas o acesso físico à infra-estrutura e a conexão em rede e
computadores, mas, especialmente, a capacitação das pessoas para utilizar estes
meios de comunicação da informação e, principalmente, para criar a
“possibilidade de uma incorporação ativa no processo todo de produção,
compartilhamento e criação cultural”, os chamados conteúdos. Nesse contexto,
Castells (2003, p.18) aponta que
A questão crítica é mudar [...] para o aprendizado-de-aprender, uma
vez que a maior parte da informação [estará] on-line e o que realmente
2
Segundo essa lei, nos últimos 30 anos a unidade de potência dos computadores tem dobrado
a cada 18 meses. Nesse cenário, a alta obsolescência tecnológica dos computadores levaria à
possibilidade de doação de equipamentos computacionais em bom estado a grupos sociais
economicamente carentes. (NÉRI et all., 2003)
[será] necessário é a habilidade para decidir o que procurar, como
obter isso, como processá-lo e como usá-lo para a tarefa específica
que provocou a busca de informação. Em outras palavras, o novo
aprendizado é orientado para o desenvolvimento da capacidade
educacional de transformar informação e conhecimento em ação
(DUTTON, 1999)3.
Pois na medida em que permitem que se estabeleçam relações
descentralizadas e verticalizadas entre produtores e consumidores de informação
e conhecimento, as mídias digitais possibilitam que ambos possam permutar
suas funções e papéis sociais, ora como produtores, ora como consumidores dos
processos e conteúdos que circulam na mídia digital. Por isso mesmo, Rondelli
(2003) entende que “processos de inclusão só ocorrem se a ampliação do acesso
à qualquer uma das mídias existentes for acompanhada da inserção dos
indivíduos em um universo cultural e intelectual mais rico que os motivem a
utilizá-las [...]”. Ademais que, como coloca Morin (1991, p.75),
[..]. a cultura constitui um sistema generativo de alta complexidade
[...] Neste sentido, a cultura deve ser transmitida, ensinada, aprendida,
quer dizer, reproduzida em cada novo indivíduo no seu período de
aprendizagem, para poder se autoperpetuar e para perpetuar a alta
complexidade social.
É nesse sentido que Assmann (2000, p.15) destaca que “as políticas
públicas podem fazer a diferença”, de modo a favorecer o crescimento de uma
sociedade da informação onde todos tenham “acesso a uma quota parte mínima
dos novos serviços e aplicações” das tecnologias digitais de informação e
comunicação. Isto se torna necessário e urgente, porque
3
Sobre o conceito de informação como “conhecimento em ação” no campo da Ciência da
Informação, ver: ARAUJO; FREIRE, 1999.
As novas tecnologias da informação e da comunicação já não são
meros instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de
propriedades ativas. São algo tecnologicamente novo e diferente. As
tecnologias tradicionais serviam como instrumentos para aumentar o
alcance dos sentidos (braço, visão, movimento etc.). As novas
tecnologias ampliam o potencial cognitivo do ser humano (seu
cérebro/mente) e possibilitam mixagens cognitivas complexas e
cooperativas. (ASSMANN, 2000, p.15)
Desse modo, uma parceria cognitiva se estabelece entre o ser humano e as
máquinas inteligentes, uma vez que o papel das tecnologias de informação e
comunicação
[...] já não se limita à simples configuração e formatação, ou, se
quiserem, ao enquadramento de conjuntos complexos de informação.
Elas participam ativamente do passo da informação para o
conhecimento. Está acontecendo um ingresso ativo do fenômeno
técnico na construção cognitiva da realidade. Doravante, nossas
formas de saber terão um ingrediente [...] derivado da nossa parceria
cognitiva com as máquinas que possibilitam modos de conhecer
anteriormente inexistentes. Em resumo, as novas tecnologias têm um
papel ativo e coestruturante das formas do aprender e do conhecer. Há
nisso, por um lado, uma incrível multiplicação de chances cognitivas,
que
convém
não
desperdiçar,
mas
aproveitar
ao
máximo.
(ASSMANN, 2000, p.11)
Por isso mesmo, a democratização do acesso às tecnologias digitais de
informação e comunicação deveria ser vista como elemento fundamental nas
políticas inclusão social. Nesse sentido, Assmann (2000, p.6) aponta para a
necessidade de formulação de políticas públicas que possam ajudar as
populações economicamente carentes a se beneficiarem das vantagens do
progresso tecnológico, promovendo “o acesso universal à info-alfabetização e à
info-competência” de modo a reforçar o caráter democrático da sociedade da
informação e difundir a cultura emergente. Contudo, Dürmaier (2009, p.142)
aponta que,
[..] passada uma década da aprovação da Declaração do Milênio, no
transcurso da qual foram estabelecidos os diversos pactos mundiais da
Sociedade da Informação, a controvérsia sobre o papel das TICs na
promoção da democracia, da justiça e do bem comum [...] permanece
como
desafio
para
países
em
desenvolvimento
substanciar
conceitualmente e prover quantitativamente políticas de inclusão
plenas4.
Sendo este um problema socialmente significativo, Néri et al. (2003, p.5)
assinalam que “é preciso desenvolver tecnologias para o uso da tecnologia da
informação no combate à pobreza e à desigualdade”, uma vez que
[...] o acesso à informação torna-se um fator-chave na luta contra a
pobreza, a ignorância e a exclusão social [e por essa razão] não se
pode deixar apenas nas mãos das forças do mercado o cuidado de
regular o acesso aos conteúdos das ‘autovias da informação’. Pois são
esses conteúdos que vão tornar-se o desafio fundamental do
desenvolvimento humano nos âmbitos da sociedade da informação.
(QUÉAU, 2001, p.476)
Com relação a esse desafio, lembramos as sugestões de Araújo (2001,
p.12) no que diz respeito à atuação dos cientistas e profissionais da informação,
na sociedade em rede:
4
Pereira (2009) identificou que as ações derivadas de políticas públicas de inclusão, em geral,
não ultrapassam o nível de simples acesso à Internet.
[...] criar tecnologias, construir ferramentas [intelectuais] e sistemas
mais eficazes, não só para gerenciar informação, mas, também para
facilitar ao ser humano a transformação da informação em
conhecimento e, conseqüentemente, em ação na sociedade.
Entretanto, como fazê-lo de forma distributiva e democrática?
A nosso ver, a tarefa depende menos da nossa ação no mundo, como
sujeitos individuais ou coletivos, e muito mais da nossa conscientização sobre o
poder transformador da informação,
[Pois] se a informação é a mais poderosa força de transformação do
homem [o] poder da informação, aliado aos modernos meios de
comunicação de massa, tem capacidade ilimitada de transformar
culturalmente o homem, a sociedade e a própria humanidade como um
todo. (ARAUJO, 1994. p.84)
E aqui se revela um pressuposto na nossa abordagem: a responsabilidade
dos profissionais da informação na sociedade contemporânea, muito menos no
que diz respeito à competência no uso das tecnologias e muito mais no que
representa como uma visão de mundo5. Essa visão nos remete à aposta de Pascal
retomada por Lucien Goldmann (1954) como fundamento da filosofia dialética:
[...] A aposta é fundamentalmente a expressão do paradoxo do homem
e sua condição. Para que o homem viva como homem, ele deve
engajar sua vida sem reservas, na esperança de um valor autêntico
cujo sinal mais claro é que ela é realidade. É o paradoxo fundamental
5
Conforme Goldmann (1979, p.99 citado por FREIRE, 2001, p.72), as visões do mundo são
fatos sociais e as obras filosóficas e artísticas configuram “expressões coerentes e adequadas
dessas visões do mundo”. São expressões individuais e sociais ao mesmo tempo.
(GOLDMANN, 1979, p.140 citado por FREIRE, 2001, p.73) Uma visão de mundo também
pode ser abordada como expressão da “consciência possível” de um grupo ou sujeito coletivo
da sociedade (GOLDMANN, 1970; FREIRE, 1996).
da condição humana: a união dos contrários, a união do espírito e da
matéria, [...] porque essa realidade dupla é encarnação.
[...]
[Em Georg Lukàcs,] reaparece essa idéia de que ser homem significa
engajar sem reservas sua existência na afirmação eternamente
improvável de uma relação possível entre o dado sensível e o sentido,
entre deus e a realidade empírica atrás da qual ele se esconde, relação
[...] que não se pode demonstrar e na qual, entretanto, é necessário
engajar toda sua existência. (GOLDMANN, 1979, p.194-196. Em
itálico, no original)6
Goldmann (1979) aposta na capacidade dos indivíduos construírem uma
verdadeira comunidade humana no futuro e fundamenta nossa reflexão sobre o
papel dos profissionais da informação, o qual, a nosso ver, seria o de contribuir,
de um lado, para ampliar a teia mundial de comunicação da informação e, de
outro, para diminuir a exclusão digital, aumentando as possibilidades de livre
acesso aos estoques de informação. Isso porque, a partir do século XXI,
O acesso à informação torna-se um fator-chave na luta contra a
pobreza, a ignorância e a exclusão social. Por essa razão não se pode
deixar apenas nas mãos das forças do mercado o cuidado de regular o
acesso aos conteúdos das “autovias da informação”. Pois são esses
conteúdos
que
vão
tornar-se
o
desafio
fundamental
do
desenvolvimento humano nos âmbitos da sociedade da informação.
(QUÉAU, 2001, p.479)
Neste modelo, “o futuro é agora” (FREIRE, 2003), pois não estamos mais
no espaço territorial, mas no ciberespaço7, cenário construído a partir das
6
O texto original é datado de 1954. Sobre a “aposta” de Goldmann no campo da Ciência da
Informação, ver FREIRE, 2001.
7
“[...] palavra de origem americana, empregada pela primeira vez pelo autor de ficção
científica William Gibson, em 1984 no romance Neuromancien. [...] designa ali o universo
das redes digitais, como lugar de encontros e de aventuras, [...] nova fronteira econômica e
tecnologias digitais de informação e comunicação em rede criadas no início dos
anos 1980 e que se tornaram um fenômeno econômico e cultural: redes mundiais
de universitários e pesquisadores, redes empresariais, correios eletrônicos,
comunidades virtuais e outras. Nesse contexto,
[...] tendências fundamentais, já atuantes há mais de 25 anos, farão
sentir cada vez mais seus efeitos [...]. O atual curso dos
acontecimentos converge para a constituição de um novo meio de
comunicação, de pensamento e de trabalho para as sociedades
humanas. (LÉVY, 2000, p.11. Em itálico, no original.)
Na visão de Wertheim (2001, p.32),
[...] o ciberespaço está vindo à luz numa explosão ante nossos próprios
olhos [...] Estamos testemunhando o nascimento de um novo domínio,
um novo espaço que simplesmente não existia antes. [...] temos aqui
uma versão digital da expansão cósmica de Hubble, um processo de
criação de espaço. [...] Em meados de 1998, cem milhões de pessoas
estavam se conectando regularmente com a Internet e estima-se que na
próxima década haverá perto de um bilhão de pessoas on-line. Já com
trezentos milhões de páginas, a World Wide Web está crescendo em
um milhão de páginas por dia. Esse espaço formou-se, a partir do
nada, em pouco mais de um quarto de século, o que faz dele o
‘território’ de mais rápido crescimento da história.
Nesse processo, a cibercultura
[...] acompanha o desenvolvimento da Internet, do ciberespaço, mas
também de novas técnicas de representação (imagens numéricas,
cultural. [Hoje,] designa menos os novos suportes de informação do que os modos originais
de criação, de navegação no conhecimento e de relação social, por eles propiciados” (LÉVY,
1999. p.104. Em itálico, no original).
realidade virtual, televirtualidade, comunidades virtuais...). Ela é
fundamentalmente ligada à mundialização em curso e às mudanças
culturais, sociais e políticas, [e] apóia-se sobre esquemas mentais,
modos de apropriação social, práticas estatísticas muito diferentes das
que conhecíamos até agora [criando] uma enorme quantidade de
comportamentos inovadores cujas conseqüências sociais e culturais
ainda não puderam ser suficientemente estudadas. (QUÉAU, 2001,
p.478)
Assim, a nosso ver, mais do que criar tecnologias intelectuais inovadoras
o verdadeiro desafio do campo da informação seria contribuir para criar, na
sociedade em rede, uma consciência da imensa riqueza coletiva, em escala
mundial, que o acesso gratuito ao domínio público mundial da informação
representa. É nesse sentido que
No centro da cibercultura se tece um desafio profundamente ético.
Bem mais do que definir um código de conduta para a Internet ou uma
regulação para o comércio eletrônico, trata-se de um debate
necessariamente democrático sobre o futuro da sociedade mundial,
com a participação mais ampla possível dos interessados, isto é, dos
seis bilhões de cidadãos planetários. (QUÉAU, 2001, p.479)
E, com essas colocações, nos aproximamos do padrão que [re]une nossa
rede conceitual nesta comunicação sobre uma ética da informação para a
sociedade presente e futura, cujos indícios logramos encontrar n’A inteligência
coletiva de Pierre Lévy (2000) e na História da utopia planetária de Armand
Mattelart (2002).
3 A UTOPIA PLANETÁRIA DE PIERRE LÉVY
Embora não seja citado nas 432 páginas do livro, a proposta da
inteligência coletiva8 de Pierre Lévy apresenta muitas das características de
utopias planetárias citadas por Mattelart (2002) e identificadas ao longo da
história humana registrada.
Para Lévy (2000, p.60) podemos estar vivendo “um desses momentos
extremamente raros em que uma civilização inventa a si própria,
deliberadamente [de modo que] em pouco tempo, teremos passado [...] de uma
humanidade a outra”. Nesse processo, “escolhas políticas e culturais
fundamentais abrem-se diante dos governos, dos grandes atores econômicos, dos
cidadãos. Não se trata apenas de raciocinar em termos de impacto [...] mas
também em termos de projeto” (LÉVY, 2000, p.13. Em itálico, no original).
Esse projeto seria coletivo, representando a oportunidade para o exercício de um
novo humanismo, que inclui e amplia o ‘conhece-te a ti mesmo’ (do Oráculo de
Delfos, adotado por Sócrates) para um ‘aprendamos a nos conhecer para
pensarmos juntos’, generalizando o ‘penso, logo existo’ (de Descartes) para um
‘existimos eminentemente como comunidade’ (que, por sua vez, reflete a visão
de Kant), sugerindo, para Lévy (2000), a hipótese da emergência de um novo
espaço antropológico9.
Nesse modelo, Lévy (2000, p.22) assinala que ao longo do tempo
histórico as sociedades humanas desenvolveram espaços antropológicos a partir
da possibilidade do primeiro grande espaço (a Terra) aberto à nossa espécie: “só
os seres humanos vivem sobre a Terra; os animais habitam em nichos
ecológicos”. Os modos de conhecimento específicos desse primeiro espaço são
os mitos e os ritos: a identidade “se inscreve ao mesmo tempo no vínculo com o
8
Publicada originalmente em 1994.
Definido como “um sistema de proximidade (espaço) próprio do mundo humano
(antropológico) e, portanto, dependente de técnicas, de significações e das emoções humanas”
(LÉVY, 2000, p.23).
9
cosmo e na relação de filiação ou de aliança com outros homens” (LÉVY, 2000,
p.23). O segundo espaço, o Território, teria emergido com o neolítico e suas
inovações sócio-culturais: a agricultura, a cidade, o estado e a escrita. Neste
espaço os modos de conhecimento dominantes já se baseiam na escrita: “começa
a história e o desenvolvimento dos saberes de tipo sistemático, teórico ou
hermenêutico” e surgem as instituições orientadas por lógicas de pertencimento
ou de exclusão. O terceiro espaço, das Mercadorias, tem o fluxo como princípio
organizador: fluxo de energias, de matérias-primas, mercadorias, capitais, mãode-obra, informações. Este espaço não elimina os anteriores, contudo,
[...] supera-os em velocidade. É o novo motor da evolução. A riqueza
não provém do domínio das fronteiras, mas do controle dos fluxos.
Daí por diante reina a indústria, no sentido amplo de tratamento da
matéria e da informação. A ciência experimental moderna é um modo
de conhecimento típico do novo espaço [...] Desde o fim da Segunda
Guerra Mundial ela passa a dar lugar a uma ‘tecnociência’, movida
por uma dinâmica permanente da pesquisa e da inovação econômica.
(LÉVY, 2000, p.24)
É nesse contexto que emerge, na sociedade contemporânea, o espaço
caracterizado pela “inteligência e [...] saber coletivos, cujo advento definitivo
não está em absoluto garantido por certas ‘leis da história’” (LÉVY, 2000, p.24)
e que teria a vocação de comandar os demais espaços. Nesse espaço do saber, as
tecnologias digitais de informação e comunicação nos permitem criar e percorrer
mundos virtuais, colocando sobre novas bases os problemas do laço social e
abrindo possibilidade não somente para pensarmos coletivamente a aventura
humana, mas, principalmente, para influenciá-la “mediante invenção de formas
de pensar e se relacionar que contribuam para fazer emergir inteligências
coletivas na humanidade” (LÉVY, 2000, p.33). Na sociedade contemporânea,
que conjuga o futuro no presente, isto se tornaria inadiável porque “o saber
tornou-se a nova infra-estrutura” (LÉVY, 2000, p.19).
Para Lévy (2000, p.18), a nova dimensão da comunicação humana no
espaço do saber deveria nos permitir “compartilhar nossos conhecimentos e
apontá-los uns para os outros, o que é a condição elementar da inteligência
coletiva”. O problema da inteligência coletiva, nesse contexto, seria inventar
uma linguagem “para além da escrita”, ou um processo de comunicação “para
além da própria linguagem”, de tal modo que o “tratamento da informação
pudesse ser distribuído e coordenado por toda parte” (LÉVY, 2000, p.18). Por
sua vez, no espaço do saber seria necessário “engajar a singularidade, a própria
identidade pessoal na vida profissional”, numa dupla mobilização subjetiva,
“bastante individual, de um lado, mas ética e cooperativa, de outro” (LÉVY,
2000, p.23. Em itálico, no original).10 Nesse contexto, a inteligência coletiva
representaria a possibilidade de uma sociedade humana mundialmente conectada
em rede e fundada no “reconhecimento e enriquecimento mútuo das pessoas”
(LÉVY, 2000, p.27). Contudo, o autor esclarece que
[...] a inteligência coletiva não é um conceito exclusivamente
cognitivo. Inteligência deve ser compreendida aqui como na expressão
‘trabalhar em comum acordo’ [...] Trata-se de uma abordagem de
caráter bem geral da vida em sociedade e de seu possível futuro. [...]
Essa visão de futuro organiza-se em torno de dois eixos
complementares: o da renovação do laço social por intermédio do
conhecimento e o da inteligência coletiva propriamente dita. (LÉVY,
2000, p.26. Em itálico, no original)
Uma inteligência distribuída por toda parte: eis o axioma proposto por
Lévy. Para ele, a inteligência coletiva tem início com a cultura e cresce com ela,
10
Nesse ponto, e a nosso ver, encontramos na utopia de Lévy (2000), indícios da filosofia de
Pascal, conforme descrita por Lucien Goldmann (1979).
pois pensamos “com idéias, línguas, tecnologias cognitivas recebidas de uma
comunidade” que nos antecedeu (LÉVY, 2000, p.29). Em um coletivo
inteligente, a comunidade assumiria como objetivo a “negociação permanente da
ordem estabelecida, de sua linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a
definição de seus objetos, a reinterpretação de sua memória” (LÉVY, 2000,
p.31). Desse modo, o projeto da inteligência coletiva coloca-se como um
“processo de crescimento, de diferenciação e de retomada recíproca das
singularidades”, e nele uma engenharia do laço social torna-se extremamente
relevante podendo ser vista como “a arte de suscitar coletivos inteligentes e
valorizar ao máximo a diversidade das qualidades humanas” (LÉVY, 2000,
p.32. Em itálico, no original). O núcleo da engenharia do laço social é a
economia das qualidades humanas e sua ação implica uma ética da inteligência
coletiva, encarnada num grupo da humanidade que Lévy chama de justos
(LÉVY, 2000, p.33).
Para exemplificar essa ética e seus praticantes, Lévy (2000, p.35) usa uma
história bíblica bem presente no imaginário ocidental, como segue:
[...] Gênesis, capítulos 18 e 19. Um grande clamor se ergue contra
Sodoma e Gomorra devido a seus pecados. Tendo Deus resolvido
destruir essas cidades, nas quais se cometiam muitas injustiças, decide
falar primeiro a Abraão. [...] o patriarca enceta com o Eterno uma
extraordinária sessão de negociação: “Talvez haja cinqüenta justos na
cidade! [...]) Sucederia ao justo o mesmo que ao culpado?” [Na
negociação,] Deus concede a Abraão a salvação da cidade, caso ali se
encontrassem [...] dez justos apenas.
Ao cair da noite, dois anjos chegam às portas de Sodoma. Nada, em
sua aparência, indica que sejam enviados de Deus. Para todos, são
pessoas de passagem [...] Lot, que estava sentado à entrada da cidade,
convida esses estrangeiros à sua casa [...] segundo as regras da
hospitalidade. Eles ainda não haviam se deitado quando a população
de Sodoma se reúne em torno da casa de Lot e pede para ver os
estrangeiros, ‘para deles abusar’. Lot se recusa a entregar seus
hóspedes [...] A demonstração permitiu contar o número de justos em
Sodoma: apenas um. [...]”
Na interpretação de Lévy (2000, p.36 a 39 passim. Em itálico, no
original), o texto mostra
[...] a força de pessoas vivas e ativas, os ‘justos’, capazes de trabalhar
para a existência do mundo humano.
Qual o crime de Sodoma? A recusa à hospitalidade. [...] Ora, a
hospitalidade representa eminentemente o sustentáculo do laço social,
concebido segundo a forma da reciprocidade: o hóspede é tanto aquele
que recebe como o que é recebido. E cada um deles pode se tornar
estrangeiro. [...] A hospitalidade consiste em atar o indivíduo a um
coletivo. Contrapõe-se inteiramente ao ato de exclusão. O justo inclui,
“insere”, reconstitui o tecido social. Em uma sociedade de justos, e
segundo a forma de reciprocidade, cada um trabalha para incluir os
outros. [No mundo contemporâneo] onde tudo se move, onde todos
são levados a mudar, a hospitalidade, moral dos nômades e migrantes,
torna-se moral por excelência.
Por que é preciso ao menos dez justos para que a cidade seja poupada?
[...] Porque é preciso uma força coletiva para manter um coletivo. [...]
Dez é o início do anonimato. São necessários pelo menos dez, pois os
justos devem ter passado pela prova da sociedade dos justos. [...] Os
justos só são eficazes, só conseguem manter a existência de uma
comunidade constituindo uma inteligência coletiva.
Abraão é o justo por excelência.[(...] Ao negociar com Deus [...] ele
valoriza e desdobra ao máximo o potencial do bem; chama atenção
para a bondade dos outros. [E] inventa a engenharia do laço social.
Assim, a negociação de Abraão com Deus representaria a primeira
tecnologia de otimização dos efeitos das menores qualidades positivas presentes
em um coletivo humano: seja em nível das empresas, das administrações, ou
ainda das regiões ou nações, na sociedade em rede as necessidades econômicas
deverão se associar à exigência ética, pois “na economia do futuro, o capital será
o homem total” (LÉVY, 2000, p.42).
Nesse contexto, “a transmissão, a
educação, a integração, a reorganização do laço social deverão deixar de ser
atividades separadas. Devem realizar-se do todo da sociedade para si mesma, e
potencialmente de qualquer ponto que seja de um social móvel a qualquer outro”
(LÉVY, 2000, p.45. Em itálico, no original)11.
Essa visão humanista do futuro nos leva de volta à História da utopia
planetária de Mattelart (2002, p.230), que reconhece Paul Otlet e Henri La
Fontaine como “visionários da universalidade do conhecimento humano”.12 O
autor assinala que o texto de Otlet e La Fontaine sobre o ‘conhecimento
universal’ é ao mesmo tempo um programa de ação e uma síntese do espírito das
realidades do ‘internacionalismo’, um termo que nesta perspectiva não seria
mais exclusivo do socialismo (MATTELART, 2002, p.232).
Na sua História, Mattelart (2002, p.233) descreve o campo privilegiado de
ação de Otlet e La Fontaine como ‘documentação’, e esclarece que
11
Aqui, novos indícios da visão de Pascal, considerado por Goldmann como criador do
pensamento dialético: “[...] as partes do mundo têm todas tal relação e tal encadeamento entre
si que acho impossível conhecer uma sem conhecer outra e sem conhecer o todo... Portanto,
sendo todas as coisas causadas e causadoras, auxiliadas e auxiliadoras, mediatamente e
imediatamente, e todas se intersustentando por um vínculo natural e insensível que une as
mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o
todo, do mesmo modo que conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”
(PASCAL, Fragmento 72, citado por GOLDMANN, 1979, p.177).
12
Mattelart (2002, p.47-48) considera Otlet e La Fontaine como fundadores de uma “nova
ciência da organização sistemática da documentação”, iniciativa que, a seu ver, “é produto de
um espírito visionário”, característica que Figueiredo (1996, p.15) já havia ressaltado, em
texto sobre Otlet e o Centenário da Federação Internacional de Informação e Documentação.
[...] apesar de não ter cunhado o termo, eles fazem dele a base de uma
nova ciência, tendo criado, em 1895, o Instituto Internacional de
Bibliografia, com o objetivo de estudar ‘as questões concernantes ao
Livro e à organização sistemática da Documentação em bases
internacionais e universais’.
Esse Instituto promoveu, em 1910, o primeiro congresso mundial das
associações internacionais, onde se decidiu o lançamento da revista La Vie
internacionale, que seria porta-voz de uma recém criada União das Associações
Internacionais, à qual aderiram de imediato 32 organizações. A perspectiva
social da União era indicada no programa: “Contribuir para desenvolver as
relações além das fronteiras, para crescer a solidariedade humana e para
assegurar a paz entre as nações” (MATTELART, 2002, p.233 e 234); sua
“expressão lírica” foi transcrita como: “Fazer do mundo uma só cidade e de
todos os povos uma só família”. A proposta de Otlet e La Fontaine tinha como
objetivo não somente a universalização do conhecimento, mas, especialmente,
que todos tivessem acesso à informação, a qual representaria a possibilidade de
realização do conhecimento no indivíduo, no seu grupo e na sociedade. Nesse
sentido, é possível entender como visionária “a idéia de bibliografia como
registro, memória do conhecimento científico, desvinculada dos organismos,
como arquivos e bibliotecas, e de acervos” (PINHEIRO, 1997, p.28), assim
como identificar nas atividades do Instituto a origem da Ciência da Informação
no contexto da emergência do espaço do saber.
E aqui, relacionamos a utopia planetária de Otlet e La Fontaine ao
conceito de inteligência coletiva de Lévy e ambos ao contexto da Internet13, a
qual engendra um mundo virtual que propicia possibilidades reais para criação
de novas formas de universalização do conhecimento humano. Nesse sentido,
temendo que o ciberespaço seja reservado à elite, Lévy (2000, p.65) destaca a
13
Ver FREIRE, 2005.
necessidade e urgência de democratizar o acesso às tecnologias digitais de
informação e comunicação, de modo a oferecer “a uma coletividade o meio de
proferir um discurso plural, sem passar por representantes”. Suas previsões são
de que
[...] a capacidade mínima para navegar no ciberespaço se adquirirá
provavelmente em tempo muito menor que o necessário para aprender
a ler e, como a alfabetização, será associada a muitos outros
benefícios sociais, econômicos e culturais além do acesso à cidadania.
[...] A democracia em tempo real visa a constituição do ‘nós’ mais
rico.14 (LÉVY, 2000, p.63 e 67)
Como acredita que as redes de comunicação e as memórias digitais serão,
em breve, suporte para a maioria das representações e mensagens em circulação
no planeta, Lévy (2000) defende a hipótese de que é possível, e até desejável,
produzir dispositivos que encarnem ou materializem efetivamente a inteligência
coletiva:
[...] temos em mente vastas redes digitais, memórias, informáticas,
interfaces multimodais interativas, rápidas e nômades das quais os
indivíduos poderão se apropriar facilmente. Imaginamos, sobretudo,
uma relação com o saber diferente da que hoje prevalece, a
instauração de um espaço de comunicação não-midiático, uma
profunda renovação das relações humanas [...] uma reinvenção da
democracia. (LÉVY, 2000, p.94).
14
A propósito do sujeito coletivo (‘Nós’), observem o que diz Goldmann: “[...] Quase
nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado. O sujeito da ação é um grupo,
um ‘Nós’, mesmo se a estrutura atual da sociedade, pelo fenômeno da reificação, tende a
encobrir esse ‘Nós’ e a transformá-lo numa soma de várias individualidades distintas e
fechadas umas às outras. Há entre os homens uma outra relação possível além da relação de
sujeito a objeto ou da de Eu e Tu: é uma relação de comunidade que chamaremos o ‘Nós’,
expressão de uma ação comum sobre um objeto físico ou social” (GOLDMANN, 1979, p.1819. Em itálico, no original).
Desse modo, Lévy (2000, p.208 e 147) termina por afirmar sua
inteligência coletiva como “uma utopia do instável e do múltiplo”, que
responderia “a uma ética do melhor, mais que a uma moral do Bem”, definindo
os coletivos intelectuais como “meios humanos que encorajam as subjetividades
a se singularizar continuamente”. Para ele, “o projeto da inteligência coletiva
não adia a [possibilidade da] felicidade para mais tarde [dando] seqüência à
proposta de emancipação da filosofia das Luzes” (LÉVY, 2000, p.209). É esse
quadro referencial que nos permite situar a inteligência coletiva de Lévy (2000)
no âmbito das utopias planetárias e, como corolário, indício de uma consciência
possível para uma ética na sociedade em rede. Na Figura 1, a seguir,
desenhamos a rede do texto, tendo como atrator conceitual (WERSIG, 1993) o
construto inteligência coletiva:
Campo científico da informação:
Construtos teóricos e metodológicos
Sociedade em rede
Regime de informação
[possibilidade de acesso à informação e de
[contexto, González de Gómez, 1999;
comunicação, Araujo, 1994; Araujo e Freire, 1999;
2003; 2004; Unger; Freire, 2008]
Tecnologia da informação
Inteligência coletiva
[feixes de propriedades ativas na
[uma inteligência distribuída por
Paradigma indiciário
cognição, Araujo, 2001; Assmann, 2000;
[procedimentos, Freire, 2001;
Lazarte, 2000; Wersig, 1993]
2008; Ginzburg, 1989]
Inclusão digital
Utopia planetária
[possibilidade de inclusão social, Freire, 2005,
[o padrão que une, Freire, 2001; 2005;
2006a; Néri et al., 2003; Rondelli, 2003;
Ginzburg, 1989; Mattelart, 2002]
Sorj,
2003]
Consciência possível
Responsabilidade Social CI
[visão de mundo, Freire, 1996; 2001; 2004;
[facilitar a transmissão do conhecimento,
Goldmann, 1970]
Freire,1995; 2001; 2006b; Wersig e Neveling, 1975]
Ética da informação
[Freire, 2004, 2005; Goldmann, 1979; Lévy, 2000; Quéau, 2001]
Figura 1 – Rede conceitual do texto. FREIRE, 2010.
Adaptado de WERSIG, 1993; FREIRE, 2001.
Legenda: Linha contínua = a urdidura da rede; Linha pontilhada = os fios da trama
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse cenário de transformações reais, cresce a responsabilidade social
dos profissionais da informação, tanto como produtores de conhecimento no
campo científico quanto como facilitadores na comunicação da informação para
usuários que dela necessitem, na sociedade, independentemente dos espaços
sociais onde vivem e dos papéis que desempenham no sistema produtivo.
Crescem, também, as possibilidades de serem criados instrumentos para efetiva
comunicação da informação e do conhecimento, de modo a apoiar atividades
que fazem parte do próprio núcleo de transformação da sociedade: “Pois embora
a informação sempre tenha sido uma poderosa força de transformação, o capital,
a tecnologia, a multiplicação dos meios de comunicação de massa e sua
influência na socialização dos indivíduos deram uma nova dimensão a esse
potencial” (ARAUJO, 2001, p.15).
Essa visão pode significar um novo olhar sobre a prática, os conceitos e
tecnologias disponíveis no campo da Ciência da Informação. Um olhar que
contemple verdadeiramente o nosso ‘outro’, o usuário, e possa se traduzir no
desenvolvimento de uma práxis1 que nos aproxime, o mais possível, das pessoas
e grupos nos quais a informação que produzimos poderá se manifestar como
possibilidade de conhecimento.
Pois atualmente estamos presenciando a ‘nova relevância de um
fenômeno antigo’, a informação, cuja área de ação e atuação, ao longo do século
XX, cresceu de tal modo a identificar-se com a sociedade contemporânea,
1
Conforme Konder (1992, p.97-115 passim), no grego antigo a palavra “designava a ação que
se realizava no âmbito das relações entre as pessoas, a ação intersubjetiva, a ação moral, a
ação dos cidadãos. [No pensamento marxista,] é a atividade concreta pela qual os sujeitos
humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, [nesse processo,]
transformando-se a si mesmos. É a ação que [...] precisa da reflexão, do autoquestionamento,
da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e
desacertos, cotejando-os com a prática”.
qualificada como ‘sociedade da informação’. Neste contexto, acrescentamos a
contribuição de Quéau (2001, p.480) ao quadro das utopias planetárias, quando
coloca que “o mundo precisa de uma visão, de um projeto que possa levar em
conta [todos os indivíduos], especialmente os mais pobres e mais deserdados”.
Como Lévy (2000), ele elege o estrangeiro o símbolo da diferença por ser a
imagem do ‘outro’, lembrando que existem muitos ‘outros’: “o desempregado, o
pobre ou o iletrado. [Estes,] quase por natureza, são excluídos da sociedade da
informação” (QUÉAU, 1998, p.270).
Enfim, encerrando essas breves reflexões, podemos considerar que no
caso de uma ética para a sociedade da informação não há um manual de
procedimentos a ser consultado, nem tampouco um mapa do caminho a seguir.
O que, de certo modo, representa uma oportunidade histórica para a discussão e
o posicionamento dos cientistas e profissionais da informação sobre formas de
atuação como inteligência coletiva, no sentido de pensar e desenvolver modos e
meios para inclusão digital de populações social e economicamente carentes,
pari passu com ações pela cidadania e inclusão social. Como a vivência de uma
ética pessoal e coletiva que considere a possibilidade de contribuir para o acesso
livre à informação pelos mais diferentes grupos sociais.
Transportar, nas asas da informação2, o conhecimento para todos aqueles
que dele necessitem: esta seria, a nosso ver, a parte que nos cabe na tarefa
coletiva de construir uma sociedade em rede democrática e justa.
Porém, este é um trabalho que as utopias planetárias podem até inspirar, e
um sujeito coletivo como a Ciência da Informação pode até tomar como mote.
Mas que caberá aos sujeitos individuais realizarem no anonimato existencial de
cada vida, desde que vivida para apostar na unidade do gênero humano e numa
filosofia de mútua reciprocidade e solidariedade. Para não esquecer que o
‘outro’ sou eu, na dupla hélice do DNA.
2
Uma metáfora que criamos para o conceito de informação como “representação do
conhecimento” proposto por Farradane (1980), e que usamos para ilustrar a proposta de
Wersig e Neveling (1975) sobre a responsabilidade social da Ciência da Informação.
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A PESQUISA E SUAS APLICAÇÕES EM CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO: Implicações éticas
Armando Malheiro da Silva*
1 Da Epistemologia à Ètica
O desafio, lançado através do convite a participar no I Simpósio Brasileiro
de Ética da Informação, teve como consequência imediata sentirmos,
claramente, a necessidade de reflectir sobre a concepção epistemológica, que de
há uns anos vimos traçando para a Ciência da Informação, ensinada e debatida
no âmbito das iniciativas científico-pedagógicas (Licenciatura e Mestrado),
levadas a cabo, em parceria, pelas Faculdades de Engenharia e de Letras da
Universidade do Porto. Convém frisar que esta comunicação marca quer o início
de uma trajectória que, certamente, será retomada e prosseguida, quer a
pertinência de se dotar um projecto epistemológico, como o que foi esboçado no
livro Das “Ciências” Documentais à Ciência da Informação (SILVA;
RIBEIRO, 2002) e tem sido desenvolvido e aperfeiçoado desde então, de uma
análise de cariz ético. Análise essa que tem de permitir evidenciar as
implicações de ordem ética, patentes tanto no plano da pesquisa, elaborada pela
C.I., como no dos efeitos e das consequências provocados pelas aplicações que
uma ciência social aplicada, categoria em que é incluída a C.I., naturalmente
tende a gerar e a estimular nos mais diversos sectores de actividade e em
articulação operacional com outros domínios científicos e tecnológicos. Esse
plano dos efeitos concretos das aplicações revela-se no campo profissional e aí
temos o imperativo dos códigos deontológicos, que regulam e balizam as
attitudes e práticas comportamentais dos agentes e colaboradores.
Até agora, temo-nos focado e preocupado com a reflexão e a indagação
sobre as condições internas e externas do conhecimento científico, produzido e
acumulado no decurso da “existência útil” da C.I. Em sentido amplo,
epistemologia é definida como um ramo da Filosofia que trata dos problemas
filosóficos relacionados com a crença e o conhecimento: investiga a origem, a
estrutura, os métodos e a validade do conhecimento. Nesta acepção radical e
ampla, a epistemologia é equivalente a outros termos e expressões como
filosofia do conhecimento, teoria do conhecimento ou ainda gnoseologia,
inscrevendo-se, aí, algumas questões axiais ou “clássicas”: será que o ser
humano conseguirá algum dia atingir realmente o conhecimento total e genuíno,
fazendo-nos oscilar entre uma resposta dogmática ou empirista? Haverá
realmente a distinção entre o mundo cognoscível e o mundo incognoscível? Por
quais faculdades atingimos o conhecimento? Haverá conhecimento certo e
seguro em alguma concepção a priori? A busca de respostas adequadas a estas e
outras questões correlatas processa-se, há milénios, no interior da Filosofia,
enquanto mais recentemente, a partir de meados do séc XIX, a fulgurante
ascensão da Ciência Moderna e a sua crise, posta a nu, muito especialmente,
pelos dois conflitos ocorridos na Europa e com ramificações noutras latitudes do
planeta (a Grande Guerra, 1914-1918 e a II Guerra Mundial, 1939-1945), tornou
inevitável uma especificação da espistemologia, isto é, a sua ressignificação em
sentido restrito: a reflexão crítica sobre a origem, a natureza, a evolução e os
limites do conhecimento produzido por cada ciência. Usando uma metáfora, que
nos parece sugestiva, esta epistemologia localizada e instrumental é uma espécie
de dispositivo de controlo, que instalado num carro, faz o monitoramento do
motor e de todos os componentes do veículo, indicando de imediato algum
problema ou avaria, sua localização precisa, e possibilitando, assim, que a
mesma seja resolvida e superada. Não se deve, pois, estranhar, tendo em conta
esta metáfora, que os epistemólogos da Física tenham sido e sejam físicos, ou
que os teóricos da história sejam historiadores, embora esta tendência não
exclua, antes coexiste com o interesse dos filósofos pelos problemas epistémicos
“particulares” das diversas ciências. E é, óbviamente, este o tipo de
epistemologia em foco na presente intervenção…
Quanto à Ética, partamos já da ideia básica de que se trata de outro ramo
ou disciplina filosófica, cujo sentido nuclear podemos entreabrir pela via
etimológica: a palavra vem do grego ethos, que significa modo de ser, carácter;
no latim, mos ou mores (plural) significa costumes e daí derivou o termo moral.
Ética e moral confundem-se em nível semântico, mas também não tem faltado
quem as ouse distinguir. E entre várias distinções possíveis trazemos, pela sua
razoabilidade, uma à colação: a Ética trata/estuda o que é bom para o indíviduo
e para a sociedade, tendo em vista qual a natureza dos deveres na interacção
pessoa e sociedade; a Moral é o conjunto de normas, princípios, preceitos,
costumes e valores que guiam a conduta do indivíduo dentro do seu grupo
social. A Moral é normativa, enquanto a Ética é teórica, procurando explicar e
justificar os costumes de uma sociedade, bem como ajudar na resolução dos seus
dilemas mais comuns. E, se é possível distinguir Ética de Moral, mais fácil e
necessário se torna distingui-la da lei, embora esta tenha por base, natural e
frequentemente, princípios éticos. Decorre, desta distinção, outra, que é
subsequente: Ética não é deontologia e muito menos código deontológico, mas
este será tanto melhor e oportuno, quanto mais e fundas raízes tiver na Ética.
Fernando Savater, na sua Ética para um jovem (Ética para Amador, na versão
espanhola e original), quase a finalizar o capítulo cinco, sintetiza bem o que,
aqui, importa
deixar claro:
Creio que a primeira e indispensável condição ética é a de estarmos
decididos a não viver de qualquer maneira: estarmos convencidos de que
nem tudo vem a dar no mesmo, embora, mais tarde ou mais cedo, tenhamos
que morrer. Quando se fala de “moral” pensa-se habitualmente nas ordens e
costumes que é hábito respeitar, pelo menos na aparência e muitas vezes
sem que se saiba bem porquê. Mas talvez o busílis da questão não esteja em
submetermo-nos a um código ou em contrariar o estabelecido (o que é
também submetermo-nos a um código, só que às avessas) mas em tentar
compreender. Compreender porque é que certos comportamentos nos
convém e outros não, compreender o que é a vida e o que é que pode fazê-la
“boa” para nós, seres humanos (SAVATER, 1998, p. 68).
O popular filósofo e especialista espanhol em Ética, através deste
extracto, ajuda-nos a esclarecer que não nos preocupa discutir a deontologia do
profissional da informação, assunto, sem dúvida, importante, tanto mais que um
código deontológico pode e deve ser uma extensão bem conseguida de um sério
debate ético, mas como estamos a abrir caminho por terreno que até agora não
ousaramos explorar, o que realmente nos interessa é compreender as
implicações éticas do processo de pesquisa e dos modos como as aplicações
práticas são percebidas e assimiladas nos contextos a que se destinam. Neste
sentido, torna-se necessário subdividir a Ética da Informação, que centraliza o
título deste primeiro Simpósio, em um tópico específico reservado à Ética
implicada no estudo científico do processo info-comunicacional. Para bem se
perceber a diferença, que estamos a introduzir, valerá a pena destacar o
esclarecimento com que Adam D. Moore e Kristene Unsworth decidiram abrir a
introdução da obra colectiva Information Ethics: privacy, property and power:
Information ethics is a relatively new area of study comprised of several
distinct yet interrelated disciplines including applied ethics, intellectual
property, privacy, free speech, and societal control of information. The
various issues addressed within these disciplines, along with the rise of
technology-based information control, have lead many to understand these
domains as interconnected. For example, when a photographer captures the
image of a nude girl running from a napalm attack, questions arise that are
related to each of these areas. Does the photographer own the picture in
question? Does the girl have a privacy right that overrides the
photographer’s ownership claims? Given that important information might
be contained in the photograph, do free speech concerns play a role in
deciding the moral issues surrounding the publication of the picture?
Finally, if there were some reason to suppress the publication of the
photograph, independent of privacy – perhaps publication would turn public
sentiment against some governamental interest, for example – would such
interests provide a compelling justification for suppression? Obviously, the
justifications and answers we give in one area of study will impact the
arguments and policy decisions in other areas. (MOORE, 2005, p. 11).
Seguindo, pois, pelo caminho escolhido, temos que explicar qual a
concepção de C.I. que defendemos e rematamos este prazeiroso, mas árduo
exercício, com as mais importantes questões e tópicos implicados na agenda de
pesquisa teórico-prática da C.I. – um desiderato que iniciativas como a do livro
A Ética na Sociedade, na área da Informação e da atuação profissional,
organizado por Henriette Ferreira Gomes, Aldinar Martins Bottentuit e Maria
Odaísa Espinheiro de Oliveira (GOMES, BOTTENTUIT; OLIVEIRA, 2009),
visam atingir, embora haja nesse livro apenas um texto – Sociologia e valores,
os valores da Sociologia, por Bernardo Sorj – que mais de perto se assemelha ao
propósito da nossa comunicação.
2 De que Ciência da Informação falamos?
Há critérios seguros para definir a CI como ciência? Como se manifesta o
objecto desta ciência e que métodos usam os seus cientistas? Quem são? Onde
estão? Há um método próprio da CI? Ou ela é parasita dos métodos das Ciências
Sociais? A CI é uma ciência social? Questões tão fundamentais, quanto difíceis
de serem respondidas, porquanto a eventual ausência de resposta seria, por si só,
a assunção da impossibilidade científica deste campo disciplinar. Justifica-se,
assim, todo o empenho em traçar rumos e perspectivas de cientificidade, e é
importante assumir posicionamentos claros, ainda que controversos e sujeitos a
análises críticas construtivas.
A concepção de CI, que vimos tecendo e consolidando, é diversa da que
continua a ser propalada, por exemplo, no Brasil, e que tem a ver com uma
disciplina surgida nos EUA, em plena “sociedade pós-industrial”, e centrada no
processamento automatizado da informação científica e técnica (LINARES
COLUMBLÉ, 2005, p. 3-32). Esta CI norte-americana seria paralela à
Documentação, à Biblioteconomia e à Arquivística. Paralela e autónoma. A
nossa concepção, por seu turno, constrói-se como resposta, necessária e
possível, a um conjunto de questões fundamentais que permanecem em aberto e
alimentam um inesgotável debate: inspirada na citadíssima, ainda que pouco
seguida, definição do artigo de Harold Borko (1968) e na proposta unitária e
interdisciplinar de Yves Le Coadic (1994; 1997), a nossa concepção de CI é
transdisciplinar, ou seja, constitui um estádio epistemológico evolutivo,
resultante da interacção e integração das disciplinas práticas supracitadas.
Mantém, naturalmente, a sua vocação interdisciplinar, que ocorre por níveis de
proximidade, acontecendo, em primeiro lugar, no campo emergente das Ciências
da Informação e Comunicação e, em seguida, no campo mais vasto das Ciências
Sociais Aplicadas. Convoca um Método típico da investigação social, qualitativa
e anti-positivista - trata-se do Método Quadripolar (SILVA; RIBEIRO, 2002, p.
84-121; SILVA, 2006, p. 15-31) formulado, em 1974, por Paul De Bruyne,
Jacques Herman e Marc De Schoutheete, todos da Universidade de Louvain,
Bélgica. E precisa, ainda, de uma metateoria explicativa, baseada em dois
paradigmas essenciais: o custodial, patrimonialista, historicista e tecnicista, que
surge a partir do séc. XVIII até à Era da Informação em que vivemos; e o póscustodial, informacional e científico, que tenderá a formatar o modo de ver, de
pensar e de agir de gerações de cientistas e profissionais da informação, ao
longo do séc. XXI (SILVA, 2006, p. 158-159). A transição de um paradigma
para outro não ocorre por ruptura, é gradual, tensa e está em curso.
O paradigma custodial e patrimonialista desenvolveu-se, sobretudo, a
partir de uma formação localizada e centrada no locus profissional (Arquivos,
Bibliotecas e Museus), com suas tarefas e exigências práticas que se
sobrepunham a eventuais preocupações teóricas e reflexivas. Estabelecimentos
de ensino modelares, dentro deste paradigma, como a École National des
Chartes (1821), junto da Sorbonne, em Paris, ou, para o caso português, o Curso
Superior de Letras, em Lisboa primeiro e, depois, a Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, onde ficou fixado, de 1935 a 1982, o Curso de
Bibliotecário-Arquivista, curso de especialização pós-graduada, com duração de
dois anos, não escuraram os conhecimentos teóricos, mas estes emanavam
directamente da Filologia, das Línguas Clássicas, da Literatura e da História,
com os seus ramos auxiliares, como a Arqueologia, a Paleografia, a
Diplomática, a Numismática, a Epigrafia, etc., gerando-se um imparável défice
de base teórica, para indagações e interpretações, na dimensão especificamente
arquivística e biblioteconómica. Os documentos eram objectos físicos e, ao
mesmo tempo, fontes indispensáveis à produção de ciência e à valorização da
cultura de um povo. Guardar os documentos antigos e raros tornou-se a missão
primeira e última dos profissionais, colocados nas instituições culturais, criadas
e assumidas pelo Estado-Nação após a Revolução Francesa, o que,
naturalmente, permitiu associações fáceis e imediatas, como a de cultura com
património, e separações perversas, como o fosso cavado entre cultura “erudita”
e “popular” – legado paradigmático reproduzido por gerações. Por outro lado, a
consciência do acesso aos conteúdos, que decorria da função original
consignada, para Arquivos e Bibliotecas, nas leis revolucionárias de setecentos,
era contraditória (os documentos deviam estar acessíveis a todos, mas nem todos
os mereciam...) e esbarrou em obstáculos de diversa ordem, nomeadamente
sócio-culturais (taxas elevadíssimas de analfabetismo), tecnológicos (as
limitações físicas da impressão em papel e a degenerescência das fotocópias e de
outros produtos reprografados), sócio-económicos (desigualdade econômica no
acesso a níveis superiores de ensino) e administrativos (a imposição de limites
de idade e de regras aos utilizadores, francamente desestimuladores da
consulta), que a atrofiaram até ao surgimento da Era da Informação em que já
estamos em pleno.
Tendo em conta estas características gerais do paradigma custodial, fica
mais fácil perceber que ele se ajusta à génese e evolução do Estado-Nação
liberal e capitalista que desembocará, graças aos contributos diversos e
convergentes do comunismo e do fascismo/nazismo, no Estado Cultural, que
teve, em França, com a dupla De Gaulle-Malraux, a sua consagração
democrática e “cultualista” (SILVA, 2007, p. 219-228; SILVA, 2009, p. 637662; FUMAROLI, 1999). Arquivos, Bibliotecas e Museus surgiram e evoluíram
como lugares da memória (Pierre Nora), intrínsecos à estratégia de um
nacionalismo identitário essencial à assimilação dos efeitos vários das 1ª e 2ª
vagas de industrialização, na dinâmica social e nas condutas individuais.
Lugares da memória úteis ao Poder liberal e capitalista, que se afirma na Europa
Ocidental e no Novo Mundo, mas, também, paradoxalmente, em ruptura com
algumas necessidades vitais do novo Poder – o seu centralismo burocrático
(Max Weber) exigia cada vez mais uma atenção ao fluxo documental
administrativo e técnico (SILVA, 2009a: 654-658). Daí o aparecimento, bastante
nítido no espaço anglo-americano, de Archives (Arquivos Públicos) e de
Records (Arquivos Administrativos), ou a oposição entre Bibliotecas eruditas e
Bibliotecas Especializadas/Centros de Documentação, voltados para publicações
actuais e específicas, tratadas e ordenadas segundo novas técnicas bibliográficas
e pela CDU. A transição do Estado-Nação (liberal, burguês e capitalista), para o
“Estado Cultural” intervencionista do pós-II Guerra Mundial, foi acompanhada
pela co-existência dos Arquivos Públicos ou Históricos e dos Administrativos
(ínsitos às mais diversas Organizações). O Estado Cultural, no espaço da Europa
democrática e social-democrata, confunde-se com o Estado Providência,
promotor e utilizador dos equipamentos culturais para massificarem e
democratizarem a fruição do património material e imaterial; implica “políticas
públicas”, entendidas como decisões conformadoras de cariz inovador, que são
acompanhadas das medidas necessárias para a sua continuidade e execução; e
preservou o paradigma custodial e patrimonialista, mas ao mesmo tempo, foi
propiciando a substituição da tutela da História e de outras Ciências Humanas e
Sociais pela Técnica Documental, materializada num conjunto de normas,
procedimentos e orientações práticas centradas na descrição dos documentos
(objectos físicos) e na indicação de pontos de acesso controlados ao conteúdo
desses objectos. E, deste modo, foi sendo gerado um novo paradigma – o póscustodial, informacional e científico – que só pôde “nascer” na segunda metade
de novecentos, em consequência da génese e expansão da “Sociedade da
Informação” ou da “Sociedade em Rede” (Manuel Castells), expressões que
podem ficar subsumidas numa outra, mais apropriada do ponto de vista do longo
prazo ou estrutural, a Era da Informação (CASTELLS, 2002-2003).
No paradigma pós-custodial, não se pode proclamar a “morte do
documento”, porque não é sequer pensável a equivocada desmaterialização da
informação (JEANNERET, 2000, p. 68-79), na medida em que quando alguém
externaliza o que pensa, o que sente, o que precisa ou o que quer tende a buscar
um suporte material que veicule e registe/preserve as suas palavras, números,
desenhos ou imagens. Mas, se é verdade que o documento, entendido como
informação (conjunto estruturado de representações mentais e emocionais
codificadas... – SILVA, 2006, p. 150) mais suporte (seja qual este for, tem
sempre um sentido intrínseco e suscita possíveis e diversas leituras), é e
continuará sendo incontornável, também é evidente que o aparecimento das
Tecnologias de Informação e Comunicação (as TIC) introduziu uma dinâmica
inteiramente
nova
na
reprodução
e
na
comunicabilidade
dos
conteúdos/informação, contribuindo para que esta coexista, sem alterações
estruturais internas, em dois ou mais suportes diferentes. Perante esta
multiplicação de documentos, com idêntico conteúdo, a informação sobressai
como a “substância” a “destacar” e, a seguir, porquanto continuará sendo
reproduzida e posta, sem limites, a “circular”. E isto é, obviamente, o oposto de
custodiar ou guardar, de fechar, de esconder... O conceito de informação
convoca, deste modo, o de comunicação e ambos se reportam a um fenómeno
humano e social que tem a ver com a capacidade simbólica de cada pessoa e
com a necessidade de uma interagir com outra ou outras. Esta conceituação abre,
também, espaço para que se instaure não mais abordagens práticas e
instrumentais voltadas para o primado de descrever os documentos (objectos
culturais e patrimoniais conservados em instituições custodiadoras, como são os
Arquivos e as Bibliotecas), mas um esforço de cientificidade que compreenda e
explique os modos e os contextos de produção informacional, os imperativos e
as formas de mediação plasmadas nas estratégias de organização e representação
de conteúdos, em especial, nas bases de dados e diversas plataformas digitais e
os múltiplos aspectos e nuances do comportamento individual e colectivo, em
face à busca e uso da informação.
O paradigma pós-custodial, informacional e científico implica, também,
uma mudança de postura epistemológica fundamental: da ênfase nas abordagens
instrumentais, práticas, normativas e prevalecentemente descritivas dos
documentos-artefactos tem de se passar para a compreensão e a explicação do
fenómeno
info-comunicacional,
patente
num
conjunto
sequencial
de
etapas/momentos intrínsecos à capacidade simbólico-relacional dos seres
humanos - origem, colecta, organização, armazenamento, recuperação,
interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação. Trata-se,
claramente, do imperativo da cientificidade diante dos desafios imensos e
incertos que se erguem na actual Era da Informação, que se está estruturando de
forma diversificada e complexa, e em que a internet assume a função de
ferramenta de construção de projectos individuais desenvolvidos a partir de
diferentes dimensões (...) a Internet é na sua constituição e apropriação flexível,
interactiva, dotada de ubiquidade, global, acessível e não depende dos poderes
passados ou existentes (CARDOSO, 2006, p. 37). A CI que brota deste novo
paradigma é um projecto emergente, com fragilidades e com potencialidades,
sintonizado com o universo dinâmico das Ciências Sociais e centrado na
compreensão do social e do cultural, com influência directa no processo
formativo dos futuros profissionais da informação. Assim sendo, convém
enfatizar o dispositivo teóricometodológico, desta ciência emergente, preparado
para atender às exigências de um enfoque que só, subsequentemente, é que é
comunicacional, ou seja, o foco incide, antes de tudo, na produção
informacional (em situações, contexto(s) e meio ambiente), seguindo-se ou não
a dinâmica da partilha, da interacção ou da acção comunicante. Não se pode, por
isso, negar a presença, no objecto construído sobre o fenómeno infocomunicacional, de uma problemática do sentido que implica o recurso à
hermenêutica, ainda que esta se empregue apenas para tecer a interpretação do
“processo” da infocomunicação e não dos discursos e seus interstícios.
1. O “olho” da Ética na actividade científica
Baseamo-nos na sinopse exposta para formularmos as questões e os
tópicos de Ética que é possível ir identificando no processo de pesquisa e de
aplicações práticas. E, para tanto, parece-nos adequado usar o Método
Quadripolar (esquema abaixo), concebido para as Ciências Sociais (“puras” e
aplicadas) e que vimos propondo, desde 1999 (SILVA et al., 1999), como
próprio da CI, na concretização do objectivo traçado.
Consideremos, pois, o plano geral da pesquisa, activando o Método
Quadripolar, no primeiro e mais fundamental pólo que é o epistemológico, em
que se inscreve o paradigma
Método quadripolar de investigação: interacções entre os pólos
(ou modo de ver, pensar e abordar o objecto próprio da respectiva disciplina
cientifica) que
condiciona o sujeito-pesquisador e o obriga a assumir essa influência
paradigmática, operando, na medida do possível, a adequada vigilância crítica.
No que concerne, especificamente, à CI, o paradigma custodial,
patrimonialista, historicista e tecnicista, sumariado no ponto anterior e surgido
no séc. XVIII, está em crise e tende a ser substituído, a prazo, pelo paradigma
emergente – pós-custodial, informacional e científico, também sumariado atrás.
O sujeito-pesquisador começa por se posicionar perante um destes dois
paradigmas, assumindo os valores que lhe são inerentes. O paradigma custodial
enfatiza a memória documental como traço essencial à afirmação da identidade
de um grupo, comunidade ou povo/nação. Guardar é a condição sine qua non
para que o Bem Comum seja satisfeito, considerando que este depende da
salvaguarda da memória e da identidade colectivas. A defesa do património
converte-se num valor ético evidente até que a sua prática degenere num desvio
ou perversão nociva a terceiros. Sobre esta eventual possibilidade temos a
eloquentíssima caricatura de Umberto Eco no seu precioso opúsculo A
Biblioteca:
No início, no tempo de Assurbanípal ou de Polícrates, talvez fosse uma
função de recolha, para não deixar dispersos os rolos ou volumes. Mais
tarde, creio que a sua função tenha sido de entesourar: eram valiosos, os
rolos. Depois, na época beneditina, de transcrever: a biblioteca quase como
uma zona de passagem, o livro chega, é transcrito e o original ou a cópia
voltam a partir. Penso que em determinada época, talvez já entre Augusto e
Constantino, a função de uma biblioteca seria também a de fazer com que as
pessoas lessem, e portanto, mais ou menos, de respeitar as deliberações da
UNESCO que pude encontrar no volume que chegou hoje às minhas mãos,
e onde se diz que uma das finalidades da biblioteca consiste em permitir que
o público leia os livros. Mas depois creio que nasceram bibliotecas cuja
função era de não deixar ler, de esconder, de ocultar o livro. É claro que
essas bibliotecas também eram feitas para permitir que se encontrasse.
Surpreende-nos sempre a habilidade dos humanistas do século XV em
encontrarem manuscritos perdidos. Onde é que os encontram? Encontramnos na biblioteca. Em bibliotecas que em parte serviam para esconder, mas
que também serviam para se achar (ECO, 1998, p. 15-16).
Nessas instituições e serviços feitos para esconder, para ocultar, para
dificultar ao máximo a vida ao leitor surge gigantesca e medonha a má
biblioteca, com seus requintes de
malvadez e de irritação capaz de “virar do avesso” o mais paciente e fleumático
utilizador. Nessa má biblioteca, os catálogos devem estar divididos ao máximo,
separando-se com cuidado o catálogo dos livros do das revistas e levando o
capricho ao extremo de manter ortografias antigas e estranhas; os temas devem
ser escolhidos pelo bibliotecário; as cotas devem ser intranscritíveis e de tal
modo concebidas que o leitor que preencher a ficha [de requisição da obra]
nunca tenha espaço para escrever a última denominação e a considere
irrelevante (ECO, 1998, p. 18); a demora na entrega do livro deve ser muito
prolongada; só pode ser entregue um livro de cada vez; deve ser desencorajada a
leitura cruzada de vários livros porque causa estrabismo; a ausência de máquinas
fotocopiadoras deve ser total, mas se por algum acaso existir uma, o acesso a ela
deve ser muito demorado e cansativo, os preços superiores aos da livraria e os
limites de cópias reduzidos a não mais de duas ou três cópias (ECO, 1998: 19);
o leitor deve ser considerado pelo bibliotecário como um inimigo, um vadio
(senão estaria a trabalhar), um ladrão potencial (ECO, 1998, p. 19); quase todo
o pessoal deve ser afectado por limitações de ordem física (ECO, 1998, p. 19);
não deve ser facilitado o empréstimo de livros; o empréstimo inter-bibliotecas
deve ser impossível ou, então, demorar meses; em contrapartida, o furto deve ser
facilitado; os horários de funcionamento têm de coincidir com os de trabalho,
porque o maior inimigo da biblioteca é o estudante-trabalhador e o seu melhor
amigo é Don Ferrante, alguém que tem a sua biblioteca pessoal, que não
precisa, portanto, de ir à biblioteca e que, quando morre, a deixa em herança
(ECO, 1998: 22); deve ser proibido restaurar as energias na biblioteca e nem
fora dela, pelo menos, enquanto não forem devolvidos todos os livros
requisitados; tem de ser impossível encontrar o mesmo livro no dia seguinte;
tem de ser impossível saber quem levou emprestado o livro em falta; de
preferência, há que abolir os sanitários; e, um último quesito, e talvez o mais
cabal que dispensaria todos os outros, tem a ver com a proibição do utente entrar
na biblioteca, mas admitindo, no usufruto caprichoso e antipático de um direito
que lhe foi concedido com base nos princípios de oitenta e nove [referência ao
ano de 1789 e à Revolução Francesa, que aprovou a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão] mas que, todavia, não foi ainda assimilado pela
sensibilidade colectiva, em todo o caso não deve, nem deverá nunca, à excepção
das rápidas travessias da sala de leitura, ter acesso aos penetrais das estantes
(ECO, 1998, p. 22-23).
A iluminista e oitocentista biblioteca custodial e patrimonialista virou, em
pleno séc. XX, a má biblioteca, denunciada com fulminante e humorado
realismo por Umberto Eco, e o paradigma custodial e patrimonialista, que
formou gerações de bibliotecários e de arquivistas, sob a tutela científica da
História, convertidos em mediadores-profissionais e zeladores da Memória
Nacional, foi alvo de um movimento corrector, em que pontificaram, entre
outros, Paul Otlet e Ranganathan. Através da normalização bibliográfica e
catalográfica e de “técnicas” de classificação e de indexação, capazes de uma
recuperação fina e rápida dos conteúdos dos documentos, operou-se uma
inversão valorativa: o primado do acesso sobrepôs-se ao da guarda ou custódia.
Mas se esta inversão foi imposta, sobretudo no pósguerra (1945) e plasmada
como programa no Manifesto da UNESCO para as bibliotecas públicas, nos
Arquivos públicos e nos serviços de Arquivo de instituições da Administração
central e local e de organizações, as mais diversas, o direito à confidencialidade
e à propriedade das “informações” continuou e permanece, dentro da
legitimidade ética, porquanto esses quesitos são essenciais ao Bem da instituição
ou da empresa. E, no entanto, há sempre uma fronteira tênue que separa a boa
conduta da acção perversa e negativa: a confidencialidade pode, por exemplo,
ser evocada para garantir a opacidade de órgãos públicos que têm de estar ao
serviço de todos os cidadãos e da comunidade que os institui e não dos agentes
que neles trabalham...
No paradigma custodial e patrimonialista, o sujeito-pesquisador não se
assume ainda como cientista e tende, quando muito, a estabelecer um equilíbrio
entre a valorização da Memória colectiva, materializada ou documentada, e o
acesso possível. Mas, no paradigma pós-custodial emergente, há, forçosamente,
uma mudança de postura axiológica: o sujeitopesquisador identifica-se com o
princípio de que a informação produzida deve ser comunicada e difundida,
sendo, assim, garantido um direito básico de todo e qualquer cidadão e
respeitada uma elementar condição de cidadania – a liberdade de busca e de uso,
o mais amplo que possa ser, das representações (sígnicas e simbólicas)
individuais e colectivas. Reconhece-se, pois, essa identificação e assunção ética
que tem de ser “gerida” através do dispositivo metodológico da “vigilância
crítica” e pela dinâmica própria da cientificidade: o sujeito-pesquisador não
julga e muito menos condena situações de custódia e, também, o seu propósito
não deve ser o de fazer a apologia do acesso, mas, muito naturalmente,
compreender e explicar as condições contextuais em que ele se processa, limites
e efeitos positivos e/ou negativos. O posicionamento do cientista da informação
só pode, pois, ser este, embora não possamos negar que ele, ao assumir-se
dentro do paradigma emergente e póscustodial, é ensinado a valorizar a
liberdade do acesso em detrimento da posse/propriedade dos documentos e a
enfatizar a comunicação, o mais possível gratuita, em vez da aceitação do valor
mercadológico da bibliofilia ou do coleccionismo. É ainda ensinado a perceber
que tem de haver limites claros à “segurança do Estado” ou “aos segredos de
Estado” e que a informação administrativa, custodiada no Serviço de Arquivo,
pode ser sujeita a um período de “reserva” ou à “interdição do acesso público”,
mas que a perpetuação aleatória ou indefinida desse período significa opacidade,
ocultação e sonegação da informação ao legítimo conhecimento de todos. Em
última instância, só o pleno acesso é ético, salvaguardado, claro está, o direito ao
respeito e ao bom nome de qualquer cidadão. Na gênese da internet, nos seus
textos fundadores (FLICHY, 2001), o princípio ético da liberdade aparece como
o alpha e ômega de uma revolução tecnológica que visa o utópico desiderato de
possibilitar que todos, independentemente do local de nascimento, sexo, cor de
pele, grau de escolaridade, condição econômica e social, usufruam da
informação/conhecimento qualquer que ele seja.
Imperioso é reconhecer, sem prejuízo do esforço de objectividade e de
rigor que a actividade científica pressupõe, o cientista da informação, modelado
no paradigma póscustodial, é um nativo da Era Digital em que já estamos, e
partilha, consequentemente, os valores éticos próprios deste novo ciclo
estrutural.
Entremos, agora, na operacionalização dos dois pólos cruciais da
actividade científica: o teórico e o técnico. O sujeito-psquisador tanto pode
estudar problemas, como optar por uma abordagem de “investigação-acção” ou
de estudo de caso. Em conformidade com a abordagem escolhida tem de optar
pelas “técnicas” ou operações metódicas mais adequadas, impondo-se deveres
éticos elementares: na concepção e na aplicação de questionários assegura o
anonimato dos inquiridos e das respostas, como nas entrevistas e na observação
participante, por exemplo, não deve divulgar a identidade nem da
instituição/organização, sem omitir o tipo de actividade ou do negócio
respectivo, nem dos agentes entrevistados e analisados. Esta conduta assegura o
respeito que o sujeito-pesquisador exibe pelo objecto estudado, mas comportarse, assim, não significa que deva, no pólo morfológico (publicação dos
resultados), omitir ou alterar os resultados, faltando à verdade epistémica, que se
impõe a si mesmo, atingir. A busca da verdade ou, dito de outro modo, a
descrição e a interpretação do que foi possível observar e descobrir constitui a
ponte natural entre a Epistemologia e a Ética: a busca de um conhecimento
verdadeiro é, em simultâneo, um desiderato epistemológico e ético, mesmo
assumindo-se a impossibilidade de uma verdade absoluta.
E, se agora entrarmos num domínio mais concreto, perspectivando-se a
conduta do sujeito-pesquisador no campo das aplicações ou da implementação
dos modelos teóricopráticos que lhe compete desenvolver, disponibilizando-os a
todos os que, em cada contexto específico, assumem a obrigação profissional de
lhes conferirem utilidade, percebemos que entramos numa zona de mudança de
éticas: passamos da científica para a profissional. O uso e integração, numa
organização, de um modelo sistémico de organização e de recuperação da
informação é sujeito aos fins de rentabilidade econômica e de auto-proteção
dessa entidade, devendo os implementadores e profissionais da informação
regerem-se por um código que concilie princípios éticos universais e valores
conformes com o sucesso e sobrevivência organizacionais.
Quando passamos do plano da pesquisa para o da aplicação contextual,
entramos nos meandros da mediação (SILVA, 2009b; SILVA; RIBEIRO, 2010):
o “bom” bibliotecário terá de ser aquele que se distancia da má biblioteca de
Umberto Eco e assume a sua função disseminadora num registo de mediação
claramente pós-custodial, assim como o bom arquivista terá de ser, não obstante
o cumprimento de prescrições e restrições temporárias ao acesso a certos
“conteúdos”, o que facilita o fluxo info-comunicacional, não o obstruindo e
facilitando, deste modo, que ele seja a “seiva” que garante o bom e pleno
funcionamento da instituição/organização. Radica, então, neste plano a
pertinência do código deontológico que pode ter ajustamentos e justaposições
aos chamados “código do servidor público” ou ao “código da empresa x ou y”.
Tratam-se de especificações éticas que não podem, porém, entrar em
contradição com os fundamentos gerais.
Nesta intervenção, o foco não se centrou nessas éticas específicas, sendo
certo que a atenção dispensada ao comportamento ético dos profissionais da
informação tem sido bem maior do que a que merece o desenvolvimento da
pesquisa em CI, Ora, entre os dois planos, podendo haver algumas diferenças
operacionais e éticas, não há, certamente, rupturas ou hiatos essenciais. Há, sim,
uma estreita continuidade.
ABSTRACT
Housed in a panel headed by Information Ethics, this text addresses the issue in focus from
the nature and dynamics of research developed in the field of information science, as is taught
and practiced at the University of Porto. A transdisciplinary Information Science and, at the
same time, working within a interdisciplinary space, as is the Sciences of Information and
Communication (CIC) field, has a complex subject and permeated by a variety of issues,
problems and cases. Their mode of approach is predicated significant ethical issues and the
results and the consequent implementation of solutions implemented or applicational again
raise doubts and care from ethical nature. It starts, as here, the scientific practice to reflections
of more philosophical touch, though deeply in a register "pragmatic" and not speculative.
Keywords: Information Science Research; Ethics
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POR UMA ÉTICA DA INFORMAÇÃO
Joana Coeli Ribeiro Garcia
Professora Associada da Universidade Federal da Paraíba
e-mail: nacoeli@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
Ética da informação, formalmente, é uma disciplina recente na Ciência da
Informação, praticada na Universidade Federal da Paraíba, especificamente, nos
cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia, e no Programa de Pósgraduação em Ciência da Informação (PPGCI), em linha de pesquisa e disciplina
com igual denominação: Ética, gestão e políticas de informação. Nas
graduações, a disciplina tem menos de dois anos, e na Pós-graduação, surge com
a aprovação do PPGCI em 14 de julho de 2006, portanto com pouco mais de três
anos de existência. Anteriormente, estudava-se o código de ética do profissional
bibliotecário, que era ministrado em disciplina introdutória na graduação,
inexistindo referências à ética na pós-graduação. Por isso, é importante e
necessário “refletirmos sobre as oportunidades e problemas ocasionados pelas
tecnologias para realizar uma boa vida, seja em nível global ou local”, ou sobre
ética da informação, de acordo com CAPURRO (2009, p.44, citando a
Declaração de Princípios da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação).
A despeito dessa contextualização, a ética ocupou e permanece ocupando
nossos estudos e reflexões acadêmicas, o que nos levou a incluí-la nos cursos e
em programa especificados. E não poderia ser de maneira diversa, pois, nos
tempos atuais, a sociedade, cotidianamente, refere-se à ética. Ela está cada vez
mais presente no dia a dia e ocupa o lugar de destaque nas mídias impressa,
televisiva e eletrônica e encontra justificativa na economia globalizada, com
preocupação decorrente de princípios éticos e valores morais em instituições,
empresas e na sociedade, devido à necessidade da empresa manter uma boa
imagem perante o público e esse, esperar atuação em concordância com o perfil
proposto.
Princípios éticos e valores morais culminam com o estabelecimento de
atividades, obedecem a critérios sociais e éticos e surgem como atribuições de
categorias profissionais, em comportamentos adotados por empresas e por
indivíduos, é o que nos faz entender Veloso (2006). Tanto é assim que, para
oferecer elementos à sociedade brasileira e aos profissionais da informação, o
Conselho Federal de Biblioteconomia, em 2009, por intermédio da Comissão de
Ética Profissional, publicou uma coletânea sobre ética na sociedade, na
perspectiva da Filosofia, da Sociologia e da Ciência da Informação, com
capítulos que abordam a ética da informação, a deontologia e os
comportamentos éticos no desempenho profissional.
Sem explanações conceituais sobre ética nem sobre as razões que nos
conduzem a agir desse ou de outro modo, propomos uma reflexão sobre a ética
da informação, tomando como base três pressupostos. O primeiro se refere aos
aspectos que perpassam o fluxo da informação, desde a geração da ideia, até a
disseminação quer em mídia impressa, eletrônica ou digitalizada, disponível
para ser utilizada desde que acessível a todos. Esse ciclo, Wilson (2006)
denomina de ciclo de vida estendido, pois compreende a geração de
conhecimento, o fluxo de gestão da informação e o seu uso. Embora ele
considere que uso e geração não se inserem na etapa de gestão, admite que o uso
da informação tem competência para gerar nova criação e uso e, assim, o ciclo
recomeça.
Em segundo lugar, mesmo sem considerar as questões deontológicas,
baseamo-nos nas ideias de Fourez (1995), ao considerar a inexistência de
normas de condutas éticas eternas ou indicativas de situações indistintas e
gerais, porque elas são históricas, culturais, evolutivas, atendem a determinada
comunidade, em um determinado contexto, em um tempo também definido.
Assim, o espaço brasileiro é escolhido, mesmo que, em determinadas situações,
invoquemos autores de maior amplitude geográfica exatamente para justificar
ações dos que usam a informação, atuam nela e lidam com ela.
Por último, reforçamos as ideias de Morin (2005) e como ele percebe a
autoética e a ética com o outro, como princípio altruísta de inclusão, como apelo
de solidariedade em relação aos seus e à comunidade. Para o autor, a autoética
impõe-se na perda da certeza absoluta; no enfraquecimento da voz interior, que
aponta para o bem ou para o mal; na impossibilidade de decidir sobre os fins,
visto que não os conhecemos para além da vida; nas contradições e nas
incertezas éticas; na consciência de que ciência, economia, política e artes têm
finalidades não intrinsecamente morais. A autoética forma-se no nível da
autonomia individual, e esta autonomiza a ética. A tomada de decisão e de
reflexão próprias à autoética só é possível se o indivíduo experimenta a
exigência moral; a autoética alimenta-se de fontes vivas - psicoafetivas,
antropológicas, sociológicas, culturais etc. Paradoxalmente, a autonomia ética é
frágil e difícil a partir do momento em que o indivíduo experimenta a angústia
das incertezas éticas mais do que a plenitude da responsabilidade.
Nas orientações de Morin, há aspectos que nos interessam para lidar com
a informação e desenvolver práticas sociais em consonância com autonomia e
liberdade de espírito, pois é na prática e em seus invólucros, nos dilemas
existentes, nas etapas que formam o ciclo, anteriormente denominado e descrito,
que necessitamos assumir atitudes para que, como profissionais da informação,
possamos organizá-las e disponibilizá-las nos sistemas, de forma a possibilitar
acesso a todos, porque acreditamos que essas discussões interessam
sobremaneira a quantos se envolvem com a informação.
Passemos então às questões que interferem nas etapas do ciclo de vida
estendido, com o objetivo de nos encontrarmos a refletir sobre ou por uma ética
da informação, o que, de certa forma, constitui os aspectos desenvolvidos nas
disciplinas ministradas na graduação e na pós-graduação e que têm a ver com o
que Capurro (2001) apropriadamente denomina de gerenciamento empresarial
da informação. Integram sua proposta, publicada no Brasil, os planos micro,
meso e macrodimensional da segunda unidade de sua disciplina obrigatória e
também a terceira unidade, quando se refere aos aspectos da pesquisa. Como
chamamos a atenção, a discussão focaliza autores brasileiros, paradoxalmente,
utilizando os aspectos difundidos por Wilson (2006).
2 ÉTICA NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
É voz comum que a produção do conhecimento, no Brasil, ocorre em
cerca de 90% das instituições de ensino superior, isto é, os pesquisadores das
universidades, principalmente os envolvidos nos programas de pós-graduação,
são os responsáveis pelo desenvolvimento da ciência. Ainda que com base na
sua autonomia, o pesquisador possa tomar decisões sobre o que estudar, como e
por que, utilizando, para o alcance dos objetivos, uma teoria e metodologia que
se coadunem ao problema estudado, algumas vezes, ele depende dos que
respondem aos questionários e aceitam partilhar seus conhecimentos por meio
de entrevistas. Isso significa que as escolhas são inerentes à subjetividade dos
indivíduos e da familiaridade que possam ter com autores e métodos e que a
ciência se desenvolve pelo movimento de aprovação/refutação das teses, sem
que haja uma única verdade científica, o que combina com a ideia de Fourez
(1995) sobre ética universal.
Questionários respondidos geram resultados quantitativos, e entrevistas
concedidas, estudos qualitativos, cujas análises e conclusões revelam novidades.
Assim, o pesquisador/ cientista/autor inclui outras vozes e outros textos em sua
criação, mas devem tomar precauções éticas ao fazê-lo. Garcia e Targino (2008)
sintetizam os cuidados do autor a aspectos como: respeito à autoria das fontes
utilizadas; autenticidade dos dados relatados; texto esteticamente cuidado e
fidedigno ao pensamento dos demais especialistas; fidelidade às informações
recebidas e divulgadas; atendimento aos comitês de ética e comprometimento
com o depósito dos resultados na(s) instituição(ões) às quais se vinculam os
pesquisados. Consideremos, portanto, que, quando o cientista exercita a ética
com a informação, ele pratica a autoética e a ética para com os semelhantes e se
torna, por via de conseqüência, responsável pela Ciência.
Atendida a etapa da pesquisa em si, segue-se a da divulgação dos
conhecimentos produzidos que, no sentido lato do termo, refere-se à publicação
do conhecimento gerado, sem o qual o ciclo não se completa e não se formam os
estoques de informação. Invocando Rousseau (2006) e seu contrato social, os
pesquisadores tacitamente se comprometem a divulgar os conhecimentos
resultantes de suas pesquisas, pois são frutos de financiamento concedido pelo
Estado. Assim, eticamente, permitem que a sociedade, de um lado, avalie a
adequação da utilização dos recursos e, de outro, usufrua, em seu próprio
benefício, da ciência produzida.
Para divulgar seu trabalho, o pesquisador, na condição de autor, relacionase com editores e avaliadores das editoras comerciais e/ou científicas, para dar
visibilidade ao conhecimento que acaba de produzir. A publicação é uma das
características imprescindíveis da Ciência e conduz à respeitabilidade do veículo
de divulgação, do autor e da instituição à qual o veiculo pertence (PACKER;
MENEGHINI, 2006).
Definida essa relação, tratemos da ética do editor, pessoa que realiza a
editoração, mecânica ou eletrônica, concebida como um conjunto organizado de
atividades, com o objetivo de registrar e, por conseguinte, armazenar e/ou
perpetuar informações e conhecimentos, mediante a preparação técnica de
originais para publicação. Ele é o responsável pela supervisão e preparação de
textos em distintas publicações, pelo ato de publicar textos de qualquer natureza
- estampas, partituras, discos etc. Em qualquer acepção, seja o editor de arte
(projeto gráfico-visual das publicações) ou o editor de som e/ou de videotape
(VT, edição de materiais sonoros na produção de filmes, programas televisivos
ou radiofônicos, peças teatrais, textos eletrônicos e outros produtos), o editor de
imagem (inserção de ilustrações nas obras), o editor literário (organização e
publicação de textos de um ou diferentes autores) ou o editor crítico (edição
crítica de textos, de forma a atrair o interesse dos leitores), o fato é que, não
obstante as diferentes denominações e os diferentes contextos, o editor é,
essencialmente, quem concretiza atividades de editoração, mais ou menos
complexas (TARGINO; GARCIA, 2008).
Como é responsável pelo avanço tecnológico e da mercantilização
crescente da produção intelectual e cultural, científica e tecnológica, ele assume
novas feições, entre elas, a de lidar com a comercialização dos produtos, sem
perder de vista sua qualidade, e de enfrentar as questões éticas que permeiam as
relações entre os atores sociais presentes na editoração. Na maioria dos casos,
como relatado por Garcia e Targino (1999), os editores são docentes que, com
frequência, extrapolam as funções intrínsecas ao cargo de editor e assumem a
intermediação entre editor e livreiro, além da distribuição dos exemplares, por
doação, permuta ou venda. Nesse mix de papéis, o editor deve estar atento à
busca de excelência e à manutenção de padrões éticos e justos, ao exercer ações
de criador e gestor de políticas e de projetos editoriais; autor e incentivador da
produção intelectual e científica dos públicos que integram o veículo; árbitro
justo e transparente, conselheiro e defensor da liberdade editorial.
Para desempenhar suas atividades com ética e a contento, o editor recebe
ajuda dos avaliadores, que para Davyt e Velho (2000), compara-se à função dos
juízes (em inglês referee) encarregados de analisar e manter o desempenho dos
sistemas sociais. Julgar é uma ação inerente ao ser humano, e o que define a
excelência, a mediocridade ou a má qualidade dos títulos de periódicos é
exatamente a forma mais ou menos rígida, mais ou menos criteriosa, mais ou
menos científica como os artigos são analisados.
Como natural, o julgamento por pares apresenta pontos positivos e
negativos, como admitem clássicos da editoração de periódicos científicos, que
têm na publicação de C. T. Bishop, How to edit a scientific journal, 1984,
referência máxima e atual. De início, é possível questionar a confiabilidade, o
valor e a necessidade do processo como um todo, alegando que a decisão de
poucos sobre a produção de muitos é perigosa, porque acarreta efeitos que
afetam a vida dos iniciantes, o status quo das especialidades e os rumos do
saber. Por sua vez, pensar em divulgar todos os trabalhos à espera da aceitação
ou do repúdio da comunidade científica é comprometer a literatura científica e,
por extensão, a ciência.
O processo avaliativo nunca é tranquilo. A ingerência de editores e a
adoção de critérios implícitos e camuflados influenciam o julgamento, com
rebatimento na área do conhecimento, época e lugar, o que tem a ver com o
argumento de autoridade em ciência. Editores e avaliadores tendem a acatar,
sem tanto rigor, contribuições advindas dos “medalhões”, enquanto os artigos
oriundos de pesquisadores iniciantes ou vinculados a instituições de pequeno
porte são metricamente analisados e dissecados. Meadows (1999, p. 60) afirma
que os “editores estão sempre ansiosos para garantir que os artigos sejam aceitos
por seu mérito, e não, porque seu autor tem renome.” Em outras palavras, se há
queixas de autores e editores em relação aos avaliadores, o inverso também é
visível. Os atores envolvidos com a produção científica, em geral, reconhecem a
responsabilidade ética e social do avaliador frente ao avanço da área a que
pertence e à credibilidade das revistas. Estão em suas mãos os rumos de sua
disciplina ou de campos afins, o que pressupõe mais conhecimentos e/ou mais
experiência do que os avaliados, além de ser capaz de exercitar, no cotidiano, os
preceitos éticos intrínsecos à C&T.
Portanto, ao longo do processo de produção e divulgação do
conhecimento, cabe a autores, editores e avaliadores adotarem, acima de tudo, a
prática da autoética, de forma a atingir a ética para com o outro. Todos devem
estar conscientes da utopia de julgamentos uníssonos, tal como ocorre com fatos
do cotidiano, com maior ou menor repercussão midiática.
3 ÉTICA NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO
Ao refletir sobre o fluxo da gestão da informação, com as funções
indicadas por Wilson (2006), é forçoso entender que, nessa etapa, estão aquelas
que dizem respeito à prática do profissional da informação, mais
especificamente, do bibliotecário. Choo (2003) nos apresenta as atividades de
gestão da informação nas organizações, sustentadas por três grandes pilares:
constituir significado, retirar a ambiguidade da informação e tomar decisões. No
fluxo da gestão e nos pilares, surgem os momentos em que o profissional da
informação é questionado ou se questiona sobre a ética de suas ações. Como
mediador entre os estoques de informação e o cliente que a usa para gerar
conhecimento, nas atividades de aquisição, armazenagem, organização, acesso,
recuperação e empréstimo surgem dilemas em que, nas tomadas de decisões, a
angústia das incertezas parece, no mais das vezes, ser a única certeza.
3.1 Aquisição
Para atender à tríplice função (compra, doação e permuta) a contento, o
lema, Bibliotecário: informar tudo a todos, é um elemento de reflexão. Senão
vejamos: só posso informar se souber onde localizar a informação. Só localizo
se ela houver sido adquirida e existir num estoque, mesmo contando com
buscadores eletrônicos. Isso significa informações selecionadas, adquiridas,
organizadas
e
armazenadas
para
serem
recuperadas.
Em
qual
organização/sistema é possível encontrar tudo o que o cliente deseja? A
informação que se constitua em significado, ou seja, a desejada? A que atende à
necessidade do cliente, portanto, sem ambiguidade? Para tomar decisões sobre o
assunto e a forma que ele tem em mente satisfaça a sua necessidade? São
questões com as quais lidamos e para as quais não temos apenas uma resposta
ética.
Mas também é hora de perguntar se a seleção não constitui, ainda que de
forma velada, pelos critérios adotados, um ato de censura. E, em assim sendo,
onde se estabelece o direito do cliente de conhecer tudo? Em que bases legais a
aquisição é feita? Guardadas as exceções, tem uma vida boa ou uma boa vida
quem participa dos processos licitatórios e realiza a aquisição por compra? São
dilemas éticos que nos cercam, como autonomia ética que, ao mesmo tempo em
que nos autonomiza nos oferta dificuldades, relativas às incertezas éticas
comentadas por Morin (2005).
3.2 Armazenagem
A armazenagem nos conduz a refletir sobre o espaço e tem uma relação
muito estreita com critérios de seleção relativos a ele, à área do conhecimento, à
atualidade das informações, entre outras questões. Esses critérios são adotados
tanto para os materiais que ocupam espaços físicos quanto para os que
constituem os bites dos bancos e das bases de dados, das bibliotecas eletrônicas,
virtuais, digitais que se não armazenam tudo ao menos se conectam uns aos
outros possibilitando disponibilização abundante.
Diante do volume crescente de informações produzidas, não há como
negar que os meios eletrônicos conseguem reunir, armazenar e disseminar com a
mesma rapidez com que são geradas. A tecnologia dos computadores e suas
memórias inverteram a situação tradicional de espaço, com máquinas cada vez
menores, com capacidade real de armazenar volume de informação cada vez
maior. O sonho de Tim Berners-Lee cria a web, e a teia que conecta o mundo
permite que internautas naveguem com apenas um toque no mouse. Abundância
e excesso são termos que indicam a quantidade de informações que se
encontram armazenadas nas memórias eletrônicas.
Se o que existe é transformado em bites e pode entrar na memória dos
computadores, é possível armazenar todo o conhecimento e eliminar a
intermediação dos bibliotecários com a seleção e a aquisição do material. São os
autores, produtores de conhecimento, que incluem suas obras diretamente na
rede e as disponibilizam por meio de bases de dados, sites, portais, blogs, open
archives, bibliotecas digitais, virtuais, eletrônicas etc. A rapidez tanto é causa
quanto consequência da produção e, certamente, só os meios eletrônicos
armazenam quantidades abundantes de informação em espaços diminutos.
Porém, excesso de informação significa realmente informação, ambiguidade ou
nenhuma informação? Excesso aumenta o fosso entre países ricos e os pobres de
informação. Situando-nos na segunda condição, não temos soluções para
apresentar, pois ainda nem resolvemos outra questão mais premente - o direito
dos brasileiros a uma alimentação diária!
3.3 Organização
Refletir sobre a organização da informação passa, necessariamente, pela
representação dos materiais que vão constituir os estoques de informação.
Repetindo, abundância e excesso indicam quantidade de informações
armazenadas nas memórias eletrônicas. Sobre essa temática, os textos de
Guimarães e colaboradores (1994, 2006, 2008) nos esclarecem, cada vez mais,
sobre a ética da representação. Eles afirmam que a representação é o cerne da
organização, porquanto dela dependem a recuperação e o uso das informações
ou, em outras palavras, a localização ou não do que o cliente solicita, busca,
deseja, necessita. Para organizar, baseamo-nos em sistemas concebidos por
pessoas que neles deixam transparecer sua ideologia, suas verdades, aquilo em
que acreditam, em detrimento daquelas que são seus opostos e, por isso,
negados.
Admitamos, com os autores que estudam ética em organização e
representação do conhecimento, que o que realizamos é fruto de nossa
arbitrariedade, revestida de boa vontade e/ou maquiavelicamente travestida de
bem para a sociedade. Assim, questionemos se somos éticos quando
privilegiamos uma área do conhecimento, uma religião, uma raça, uma cor da
pele, uma profissão, uma preferência sexual, um gênero, etc. com maior número
de itens nos códigos ou nos sistemas de classificação, em detrimento de
nenhuma indicação ou de indicações mínimas.
Batles (2003) toca em outro aspecto que também nos afeta e se refere à
descrição dos conteúdos dos documentos. Enfatiza que não descrevemos
realmente o conteúdo das obras e que, ao atendermos às questões de
produtividade que são exigidas em algumas organizações, não amiúde, apenas
escondemos os livros nas estantes. E complementa que, perdidos nas estantes,
podem ser as obras ou os clientes que não as encontram. Isso nos conduziria a
aceitar o conceito dicionarizado e admitir que recuperar seria exatamente
encontrar algo perdido. A metáfora utilizada por Matthew Batles indica que, ao
não descrevermos os documentos com especificidade, amplia-se a ambiguidade
da informação, razão pela qual, na maioria das vezes, a informação fica mesmo
tão diversamente codificada e escondida que nós e nossos clientes desistimos de
buscá-la ou a substituímos por outra.
Batles (2003) toca em outro aspecto que também nos afeta e se refere a
descrição dos conteúdos dos documentos. Enfatiza que não descrevemos
realmente o conteúdo das obras, e que ao atendermos as questões de
produtividade que, exigidas em algumas organizações, não amiúde, apenas
escondemos os livros nas estantes. E, complementa que perdidos nas estantes
podem ser as obras ou os clientes que não as encontram. Isso nos conduziria a
aceitar o conceito dicionarizado e admitir
que recuperar seria exatamente
encontrar algo perdido. A metáfora utilizada por Matthew Batles indica que, ao
não descrevermos os documentos com especificidade, amplia-se a ambigüidade
da informação, razão pela qual na maioria das vezes, a informação fica mesmo
tão diversamente codificada e escondida que, nós e nossos clientes, desistimos
de buscá-la ou a substituímos por outra.
Ainda é Batles (2003) quem afirma, ainda, que, desde os tempos de
Melvil Dewey, e hoje não é diferente, por deficiências na classificação, o leitor
não é conduzido, com eficiência, à fonte correta da informação. Ao contrário
disso, o cliente é alienado, confundido por classificações, que enfatizam o
conhecimento do profissional que criou o sistema e que o adotou. E vai mais
além na sua crítica, comparando bibliotecários e escribas da Idade Média,
quando não se limitam a armazenar e classificar, mas criam seus próprios textos,
na forma de sites de buscas, concordâncias em CD-ROM, outros textos
eletrônicos e guias de estudo e bibliografias impressas. (BATTLES, 2003)
E o fazemos com a melhor das intenções, “colocando o usuário como o
foco de nossas atividades” é assim que fomos convencidos pelos mestres que
nos antecederam, por outro lado, de que assim agindo facilitamos a vida dos
usuários ou lhes oferecemos uma vida boa. Aprendemos que os fins justificam
os meios, embora os meios, nem sempre, sejam éticos e resolvam todas as
situações que se nos apresentam.
3.4 Acesso, recuperação e empréstimo
Chegamos à etapa do ciclo que trata do acesso à recuperação da
informação e ao empréstimo. Necessário aclarar que empréstimo, recuperação e
acesso não podem ser confundidos com uso. No caso dos serviços tradicionais,
essa fase padece as consequências dos métodos de organização que não são
apreendidos com facilidade pelo usuário e da armazenagem que, ao ocupar
grandes espaços físicos, dificulta a localização e, por via de consequência, a
recuperação da informação, comentados anteriormente.
Recuperar informação é uma preocupação do belga Paul Otlet, desde o
Século XIX, que idealizou o “mundaneum”. Objetivando tornar acessível o
conhecimento disponível àqueles que dele necessitam, utiliza-se do conceito
expandido de documentação e da tecnologia disponível para abordar os
principais problemas bibliográficos, por entender que registros bibliográficos
não se resumem a livros. Dedica sua vida a desenvolver métodos que registrem
o máximo de informações para tornar o conhecimento disponível e para que se
possa facilmente encontrar o que se busca.
A recuperação da informação é, entre as funções profissionais, a que Du
Mont (1991), estudando o continuum da responsabilidade social do profissional
da informação, categoriza como de segundo, terceiro e quarto estágios. Ela
concebe que, para recuperar, convém que, em primeiro lugar, desenvolvam-se e
se mantenham os estoques/acervos. A partir de então, os profissionais se
ocupam do atendimento às necessidades de informação dos recursos humanos da
corporação onde a unidade de informação está inserida, mas também com a
sociedade, incluindo usuários e não usuários - inclusão social.
Para os profissionais da informação, é difícil admitir, mas é
imprescindível. Nós, bibliotecários, profissionais da informação, devemos
refletir a respeito do conceito de recuperação. E o começo pode estar na
autocrítica, na autoanálise para desenvolver a solidariedade ética com o outro,
refletindo e ajudando os que constroem e usam sistemas, os que estabelecem e
usam as classes e, ao final, oferecem possibilidades conflitantes para os mortais
que desejam a informação.
Embora esses sistemas se anunciem como democráticos, deve-se entender
democracia, quase que tão somente, quanto à facilidade de uso, proporcionada
pelos argumentos visuais, visto que, tanto quanto os sistemas tradicionais, eles
podem ser elitistas, porquanto sabemos que, nas sociedades modernas, as
informações não são totalmente compartilhadas (todas as informações são para
todos?), ao contrário, são distribuídas por agências de produção, organização e
disseminação, no mais das vezes, cobrando altos preços pelo seu acesso e
empréstimo. Recentemente, Santos e Carvalho (2009) reúnem e comentam sobre
os vários projetos brasileiros dedicados à inclusão digital e expõem sobre a
preocupação governamental com acesso apenas à tecnologia e não aos
conteúdos o que levaria ao uso da informação.
Como visto, a gestão do fluxo de informação preocupa profissionais que
se dedicam à formação dos estoques, à armazenagem, ao tratamento da
informação, ao atendimento de quantos necessitam da informação e ao uso que
dela fazem. Nos tempos atuais, o meio eletrônico nos apresenta soluções e nos
socorre, na maioria das vezes, pelas coes dos motores de busca com quase
sucesso total. O desenvolvimento de ontologias é uma expectativa de solução
dos problemas relativos à representação, facilitando, portanto, a recuperação.
4 ÉTICA NO USO DA INFORMAÇÃO
O texto de um professor pernambucano, apresentado no Segundo
Simpósio sobre hipertexto e tecnologias na Educação, intitulado: O que fazer
quando eu recebo um trabalho crtl c + ctrl v?, Abranches (2008), seu autor,
discute uma situação vivida pelos professores em relação aos desafios que lhes
são postos e que consideramos sob o ponto de vista da ética no uso da
informação. Situações como a do título acima são entendidas, no contexto da
cibercultura, como resultado da popularização das tecnologias e do acesso a
elas.
Fazem parte da cibercultura elementos tais como: a facilidade com que os
textos estão disponíveis; a necessidade de conhecimento dos processos de
navegação na internet; a certeza inegável de que jovens e adolescentes nasceram
em época dominada pela tecnologia; a prática cotidiana no trânsito por caminhos
virtuais; as opções no mundo virtual, que geram dispersão, dificultam o
acompanhamento do que está sendo feito, favorecem a ideia de algo pronto e de
qualidade. E Abranches (2008) continua sua análise sob o ângulo da tecnologia:
o mundo digital é mutável, manipulável; um texto é transformado, modificado,
iludindo o leitor quanto à autoria; a geração copy‐cola é uma realidade. Ela toma
forma, ocupa espaço nas práticas pedagógicas, por isso não se pode ignorá-la,
mas também não se pode atribuir responsabilidade somente aos alunos e às
tecnologias, desconsiderando o contexto pedagógico.
Sob esse aspecto, Targino (2005) é enfática, quando se refere ao âmbito
nacional, afirmando que a banalização e o desrespeito à autoria têm origem no
ensino fundamental e no médio e prossegue na educação superior. São os
célebres trabalhos de equipe, em que constam nomes alheios à sua construção.
São as denúncias frequentes de plágio em monografias de final de curso de
graduação. Exemplos contabilizados, que mostram o risco dos jovens
alcançarem a pós-graduação ou conquistarem o status de pesquisadores ou
autores sem discernir os limites éticos.
É verdade que isso não ocorre somente com os jovens ou com autores
científicos, tampouco apenas na geração copy-cola. A prática é a mesma de
quando se faziam cópias das antigas enciclopédias juvenis, continua Abranches
(2008). E se as gerações não são as mesmas, as diferenças situam-se na forma e
na dinâmica, mais do que no conteúdo ou na aprendizagem. Ao receber tal
trabalho, o professor deve se perguntar sobre o que foi proposto ao aluno e o
modo como foi solicitado. Sem dúvida, os motivos estarão relacionados à
proposta e, portanto, a questão não se resume a uma atividade e a um trabalho
acadêmico.
Na realidade, o citado autor não busca culpa nem culpados, até porque a
legislação já se ocupa de tais casos, tão somente procura alternativas para
entender a questão pelo aspecto da pedagogia, mas poderia ser entendida pela
vertente ética do desrespeito com os autores. Afirma, ainda, que a proposta
pedagógica orienta a prática pedagógica. Assim, o processo de produção do
conhecimento por parte do aluno é elemento central para a consecução de uma
proposta que vise valorizar o aluno como autor, usando a informação de maneira
a dar voz aos autores que o antecederam, adotando, em sua criação, os cuidados
sintetizados por Garcia e Targino (2008). Por outro lado, a troca e a reflexão
conjunta se constituem em elemento privilegiado de uma prática que suscita a
participação, a cooperação e a colaboração. Como se percebe, são proposições
para uma vida boa, reflexões sobre ética da informação, como prefere Capurro
(2009).
Abranches (2008) encerra sua reflexão, considerando a prática atual dos
professores, particularmente daqueles da educação básica, que enfrentam parcas
condições do seu trabalho, com enorme quantidade de atividades e ritmo, em
oposição a uma remuneração muito baixa. Sem dúvida, esse fato dificulta
qualquer mudança que exija maior dedicação e uma atenção mais particularizada
aos alunos. Por outro lado, à medida que o processo de compreensão do papel da
educação, no contexto da cibercultura, toma forma objetiva em projetos
didáticos próprios, o professor vai assumindo outra posição, descobrindo novas
formas para o seu fazer pedagógico, o que já é uma exigência que a nova
configuração social nos apresenta.
Especialmente, por estarmos numa academia, é importante que nossa
proposta pedagógica tenha relação direta com nossa prática pedagógica, em
outras palavras, devemos ser éticos. Mas, sem ilusões nem enganos, adultos
também praticam o copy-cola, adultos também plagiam, adultos, assim como
jovens, usam as vozes dos autores como se fossem a sua própria e assumem
trabalhos de outros como se fossem seus. Felizmente, as tecnologias de
informação e comunicação nos forneceram os meios para descobrir o engodo,
com mais rapidez e velocidade, que, anteriormente, com apenas uma “googada”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afirmamos que o exercício recém-findo foi, em si mesmo, revestido de
ética, mas, certamente, podemos avançar em seu conteúdo e práticas, tornando-o
sistemático no contexto acadêmico, principalmente na Ciência da Informação,
em que estão as disciplinas referidas inicialmente. Sua inserção nos cursos e
programas demonstra que estamos vigilantes para os problemas que a tecnologia
desenvolveu, e a globalização visivelmente ampliou. Eles nos impulsionam a
buscar soluções ou explicações na ética da informação. Como as colocações de
Gerard Fourez, Edgar Morin e Letícia Veloso deixam antever, as questões éticas
alcançam todos os setores da vida em sociedade, incluindo a política, a religião,
a indústria, a informação etc., mesmo que essa discussão se restrinja aos polos
microdimensionais, ou seja, os que se referem a nossa responsabilidade diante
dos clientes, como definido por Capurro (2009).
A articulação entre política e ciência é fundamental, de forma que a
difusão da ciência e a produção científica assumem relevância vital. Em se
tratando da produção científica, há facetas complexas, distintas e diversificadas,
envolvendo, sobretudo, autores, editores e avaliadores como discutido. São
nuanças “ricas” e questionáveis do ponto de vista da ética e da
responsabilidade. Autor, editor e avaliador, junto com os demais partícipes da
produção, assumem responsabilidade ética perante o avanço da ciência, porque a
publicação é uma espécie de prestação de contas à sociedade, no que concerne
aos insumos recebidos. Numa sociedade marcada pelo predomínio da C&T, a
divulgação científica tem nítidas repercussões sociopolíticas, como Fourez
(1995) reitera.
A articulação entre política e ciência é fundamental, de forma que a
difusão da Ciência e a produção científica assumem relevância vital. Em se
tratando da produção científica, há facetas complexas, distintas e diversificadas
que envolvem, sobretudo, autores, editores e avaliadores, como já discutimos.
São nuanças “ricas” e questionáveis, do ponto de vista da ética e da
responsabilidade. Autor, editor e avaliador, junto com os demais partícipes da
produção, assumem responsabilidade ética perante o avanço da Ciência, porque
a publicação é uma espécie de prestação de contas à sociedade, no que concerne
aos insumos recebidos. Numa sociedade marcada pelo predomínio da C&T, a
divulgação científica tem nítidas repercussões sociopolíticas, como Fourez
(1995) reitera.
Consideramos, neste texto, a criação do autor; a editoração impressa,
eletrônica, ou qualquer outro meio de registro que divulgue as ideias aos
leitores; a seleção e a consequente formação de estoques; a organização e a
representação da informação; o acesso, a recuperação e o empréstimo; por fim, a
utilização da informação, com os objetivos citados inicialmente, focando a ética
em cada uma das ações aqui resgatadas. Na verdade, essa divisão é tão somente
para efeitos didáticos, pois, como se percebe pelos questionamentos expressos,
eles perpassam várias ações, sem que haja uma única possibilidade de resposta
ou solução.
Isso é compreensível, porquanto assumir decisões, em qualquer nível, não
é tarefa fácil e existe sempre o risco de acerto e/ou de erro, de atendimento a uns
e de desagrado a outros. No entanto, qualquer ser humano obriga-se a elas e,
mais ainda, quem assume atividades de gestão da informação. Há exemplos
maravilhosos vividos e contados. Há histórias sofridas vividas e contadas. Há de
tudo, na tentativa de se vencerem os dilemas que perpassam o ciclo estendido da
gestão. Afinal, o mundo da Ciência é constituído por seres humanos e, assim,
permeado por informações, por contradições e por incertezas. No momento da
recuperação, há uma tendência a se valorizar o ator que a possibilitou – o
profissional da informação – mais do que o autor e os parceiros envolvidos em
todas as etapas. E isso porque o sucesso da busca permite a satisfação do
usuário. Em outras palavras, a recuperação para empréstimo e uso da
informação, se tudo conspirar a favor!
Nesse território “movediço”, é necessário caminhar entre produtores,
gestores e usuários da informação, adotando uma postura humana suscetível de
ser qualificada como ética, e primar por regras de conduta impregnadas de
respeito, dentro da ética da cordialidade estimulada por Morin (2005). E isso não
significa estabelecer-se na boa vida, vez que a ética, como luta do dia a dia, está
permanentemente
se
renovando.
Surgem
novos
dilemas
e
novas
responsabilidades, cada um a exigir decisões específicas. É a confirmação das
premissas de Fourez (1995), que insiste em afirmar que não existem códigos de
ética que comportem todas as situações presumíveis ou das incertezas éticas de
que fala Morin (2005).
Seres humanos assumem atitudes ambíguas: a vaidade de uns se
contrapõe à humildade de outros; a prepotência de alguns destoa da gentileza de
pessoas sociáveis. No Brasil, boa vida é muito diferente de vida boa. No Brasil,
vivemos entre dois traços culturais enraizados: de um lado, um que valoriza a
idoneidade das relações sociais, a vida boa (CAPURRO, 2009); do outro, a
lógica do “jeitinho brasileiro” que tudo consegue - a boa vida. No Brasil, a
cultura organizacional nacional está sofrendo mutações. Por sua vez, a
responsabilidade, apoiada na ética, sofre interveniências da globalização e da
revolução digital e iniciam-se discussões ampliadas.
Tendo em vista as injunções impostas pela globalização da maior
visibilidade dos princípios éticos e dos valores morais, da complexidade
crescente dos contextos culturais, dos dilemas e das incertezas que circundam o
ciclo estendido da vida, não há como desmerecer o trabalho exercido por
quantos têm na informação seu objeto de trabalho.
REFERÊNCIAS
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pirataria e plágio na era digital: desafios para a prática docente. In Simpósio Hipertexto e
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PERSPECTIVAS EM ÉTICA DA INFORMAÇÃO:
acerca das premissas, das questões normativas e
dos contextos da reflexão
Maria Nélida González de Gómez⃰
1 INTRODUÇÃO
Para pensar nas perspectivas de um desenvolvimento indagativo de uma
Ética da informação, encontramos o que poderíamos considerar três momentos:
Num primeiro, seria importante a reflexão sobre as premissas metateóricas, do ponto de vista da Ética, acerca do que se entende por informação,
suas dimensões epistemológicas, as pressuposições ontológicas dessa acepção.
Num segundo momento, estabelecer alguma forma de discriminação acerca
de quais práticas e ações de informação implicariam critérios ou demandas
éticas e morais.
Num terceiro momento, indicar algumas zonas de tensão em que conflitos
de valorização, assimetrias de distribuição ou reconhecimento, as fariam
merecedoras de pesquisa teórica e aplicada para o desenvolvimento de uma ética
da informação situada, crítica e apta para incoprorar suas reflexões nos fóruns
deliberativos da acadêmica e da sociedade em geral.
⃰
Ministério da Ciência e Tecnologia/Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT). E-mail: Nélida@ibict.br
2 AS PREMISSAS
Entender quais as normas, motivações ou efeitos de caráter moral, no
domínio da informação, requer, no ponto de partida, lidar com questões que
precedem e condicionam a indagação ética, e dizem respeito às pressuposições
ontológicas e epistemológicas acerca do que concebemos como informação e
como comportamentos ou ações de informação. Exemplos desses plurais pontos
de partida, os encontraríamos na ética ontocêntrica de Floridi (2008) e na ética
intercultural de Capurro (2004).
Algumas
premissas
meta-teóricas
acerca
da
informação
serão
constitutivas das reflexões éticas, seja de modo implícito ou reflexivo.
Entre essas premissas, destacaríamos aquelas que respondem à questão da
agência, não só do ponto de vista dos indivíduos ou dos atores sociais que
poderiam assumir
preferências, avaliações, julgamentos ou compromissos
morais, em torno da informação, mas também considerando agenciamentos
heterogêneos1, de modo que efeitos morais de ou sobre a informação podem
resultar da intervenção de agentes não-humanos, como em certos usos da
robótica, ou ainda, podem ser atribuídos a manifestação de estruturas
ontológicas primárias,sua preservação ou destruição ― como parece ser a
proposta de Floridi (2008).
Outras
questões,
preliminares
à
abordagem
ética,
resultam
da
consideração da informação como insumo ou produto do conhecimento;
associada a um principio epistêmico, seria da ordem exclusiva da razão e ficaria
1
Nos remetemos neste ponto ao conceito de “assemblage”, retomada, com mudanças de
interpretação, do conceito de “gestell” de Heidegger. Conforme Frohmann (2008), “Deleuze
and Latour directly addresses the idea of assemblages, Deleuze in his concept of agencement,
translated either as ‘‘assemblage’’ or ‘‘arrangement’’, which provides a useful lens for
focussing on the intensities, capacities, or powers of bodies in their arrangements with other
bodies…, and Latour in his concept of ‘‘reassembling the social’’,which refers to systems of
associations between heterogeneous elements—including documents and documentation—
that build ways of living together (Latour, 2005)”.
sujeita a avaliações veritativas, mas não a motivações, preferências, escolhas
ou avaliações morais.
Finalmente, deveria considerar-se, no ponto de partida, um certo paradoxo
entre as condições que definem certas normas como morais, tal como a
aspiração a serem incondicionadas e universais (tal como no imperativo
categórico kantiano e, em geral, na ética deontológica), sendo que a informação,
enquanto remita à produção de sentido, estaria ancorada nos contextos
narrativos de tradições culturais e comunidades de interpretação. Conforme as
éticas deontológicas, tal como a de Kant2, o princípio formal de universalidade
seria o critério central para estabelecer a eticidade de ações ou normas. Alguns
princípios éticos substantivos, como os direitos humanos, demandam também
legitimidade universal. Do ponto de vista reflexivo, a questão da extensão de
uma moldura normativa em que se sustentam avaliações e escolhas
informacionais, em torno da justiça e da vida boa seria já uma questão
prioritária.
Nas sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo, são vivenciados
problemas de cunho informacional que as interpelam e demandam ações e
processos avaliativos e de tomada de decisão, de diversa ordem, mas numa
escala e extensão renovada, tal como aqueles que resultam da convergência e
expansão das tecnologias digitais (ver CAPURRO, FLORIDI, BRAMAN, entre
outros).
As novas junções da informática e das telecomunicações e sua
configuração em redes interativas de comunicação computadorizadas e à
distancia, estão hoje imbricadas em todos os processos sociais de produção de
sentido e em seus efeitos narrativos, operacionais e materiais. A digitalização
subsume uma série de fenômenos de convergência entre a comunicação,
processos sociais e componentes materiais, tais como aconteceria com a escrita,
2
“El imperativo categórico es, pues, sólo uno y es este: obra solo según aquella máxima de la
cual al mismo tiempo puedas querer que se convierta en norma Universal”. (KANT, 1961,
p.112)
o rádio, o cinema, a televisão, a telefonia móvel, a Internet e, finalmente, a
convergência entre tecnologias digitais e o mundo orgânico, incluindo o corpo
humano (BRAMAN, 2005, p.3).
As tecnologias digitais seriam justamente denominadas meta-tecnologias
por seu modo de operar com e sobre a dimensão simbólica de qualquer outra
operação, processo ou função, podendo aplicar-se assim a todo outro dispositivo
tecnológico que, a sua vez, vai a intervir sobre a matéria, a vida, o
conhecimento, a comunicação.
Ficaria constituído assim um novo paradoxo a ser esclarecido pela
reflexão ética, agora entre as proposições de universalidade do digital e as mais
exigentes condições de universalidade dos princípios morais, que se definem
como incondicionadas, ainda que sejam de frágil força de aplicação.
3 QUESTÕES NORMATIVAS
Após estabelecidas premissas e pontos de partida, a reflexão ética acerca
da informação encontrará algumas tradições que oferecem suas molduras
teóricas para conduzir as investigações, algo assim como o “cañamazo” que
conduz a mão das bordadeiras.
Escolhemos neste trabalho acompanhar a Habermas3, quando trata de
esclarecer as plurais modalidades de uso da razão prática que darão resposta à
pergunta sobre “Que devo fazer”, em diferentes situações.
Antes de tudo, gostaria de diferençar o uso da razão prática tendo
como fio condutor os modos pragmático, ético e moral de pôr a
questão. Sob os aspectos daquilo que é adequado a fins
(Zwechnässiges), do bom e do justo, espera-se, respectivamente,
3
Trata-se, porém, de um uso metodológico de suas estruturas argumentativas, sem pretensão
de apresentar ou debater, agora, sua Teoria da Ética Discursiva.
desempenhos diferentes da razão prática. De acordo com eles, alterase a constelação entre razão e vontade nos discursos pragmáticos,
éticos e morais. A formação da vontade individual encontra, por fim,
seus limites no fato de abstrair da realidade da vontade alheia.
HABERMAS, 1989,p.4
Habermas vai diferenciar assim três grandes tipos de resposta à pergunta
"Que devo fazer?":
a) Os problemas práticos, que requerem as competências de uma razão
orientada a fins, o apoio de informações empíricas, e que exigem ações
instrumentais eficientes, para encontrar “técnicas, estratégias ou
programas adequados” (HABERMAS, 1989,p.6). Neste contexto, a
informação entraria como recurso e deveria atender as demandas de
confiabilidade e objetividade: a dimensão cognitiva pareceria predominar
sobre preferências e valores morais.
b) Em outros casos, porém, as decisões a serem tomadas implicam
“valorizações fortes”, como quando trata-se de escolher uma profissão
(Habermas pensa em, por exemplo, decidir ser um editor científico); são
decisões que se inserem num contexto de auto-compreensão, cujo “núcleo
valorativo” tem duas fases: uma, descritiva, que seria a re-apresentação
genealógica da biografia dos implicados; outra, normativa, a idealização
daquilo que se quer ser. Implica assim “apropriar-se” da biografia, das
tradições e dos contextos culturais de formação de identidade
(HABERMAS, 1999). Neste caso, a questão de que devo (devemos) fazer,
é uma questão ética; porque dessa decisão autêntica ou ilusória dependerá
ter uma vida boa. E essa exigência de auto-compreensão fica ancorada nas
redes de escolhas e possibilidades que constituem uma forma de vida, o
horizonte sócio-cultural onde se processam ao mesmo tempo a
individuação e a socialização. Nesta modalidade da pergunta sobre “que
devo fazer”, as questões de informação teriam que manter as escolhas nas
redes nutrientes das memórias locais e os contextos biográficos, memórias
incompletas e perdidas, os futuros ilusórios, as preferências que excluem
ou precarizam identidades e vivências, retaliando reconhecimento e
estima.
c) Ao estabelecer metas para uma vida boa, no que Habermas chama agora
uma numa ética de bens (HABERMAS, 2000), ainda predominariam
condicionamentos de cunho egocêntrico ou etnocêntrico, dado que as
valorizações estariam ancoradas nos contextos locais, nas interpretações
compartilhadas de uma tradição cultural.O que denomina “normas
morais” deveriam ter o caráter universal e incondicionado de um
imperativo categórico4. Esta seria a instância em que a moralidade vai
alem da definição do que seja “a vida boa”, para estabelecer princípios de
justiça.
Neste ponto, cabe destacar duas propostas diferenciais habermasianas.
Uma, a transformação do imperativo kantiano num princípio intersubjetivo,
ancorado nas mesmas pressuposições pragmáticas de validade que para ele são
pressuposições inevitáveis da cão social como do agir comunicativo. Outra, o
papel que tem “o outro” como princípio definidor da universalidade, já que antes
que por uma extensão formal o ideal de um sujeito moral, a universalidade
remete à presença e participação de todos os envolvidos, na formulação e
aceitação de uma norma moral.
4
O imperativo categórico, segundo o qual uma máxima é justa apenas se todos podem querer
que ela seja seguida por cada um em situações comparáveis, é o primeiro a romper com o
egocentrismo da "regra de ouro" ("Não faças a ninguém aquilo que não queres que te façam").
Cada um "tem de" (muss) poder querer que a máxima de nossa ação se torne uma lei
universal. Apenas uma máxima capaz de universalização a partir da perspectiva de todos os
envolvidos vale como uma norma que pode encontrar assentimento universal e, nesta medida,
merece reconhecimento, ou seja, é moralmente impositiva. HABERMAS, 1989, p.11
Seria possível pensar com tal vigor e extensão as normas próprias a uma
justiça da informação?
4 CONTEXTOS DA REFLEXÃO E TAREFAS
Para pensar nos cenários contemporâneos que contextualizam nossa
reflexão sobre uma ética da informação, recorremos de novo a Habermas. No
desenvolvimento de sua teoria social, concebida como teoria da ação
comunicativa, oferece outras linhas de reflexão, que podem ser ilustrativas dos
contextos em que devemos formular e responder as perguntas sobre “que devo
fazer”. Referimo-nos agora a sua concepção das formações sócio-culturais, as
que o autor descreve numa matriz de dupla entrada, constituída assim por
processos formativos ou de reprodução: reprodução cultural, integração
social, socialização; e componentes estruturantes: cultura, sociedade,
personalidade (quadro1). Nesse quadro, categorizamos modalidades das ações
comunicativas que buscam estabelecer planos coordenados de ação coletiva,
através da busca do entendimento mútuo dos participantes.
Componentes
CULTURA
SOCIEDADE
PERSONALI
Estruturantes
DADE
Processos
de reprodução
Reprodução Cultural Tradição,
Renovação do
Reprodução
crítica,
saber efetivo para
do
aquisição do
a legitimação
conhecimento
eficaz nos
saber cultural
processos de
formação
Coordenação das
Integração Social
Imunização de
ações através de
Reprodução de
um núcleo de
demandas de
padrões de
orientações
validade
pertencimento
valorativas
intersubjetivame
societário
nte reconhecidas
Socialização
Enculturação;
Internalização de
Formação da
Realizações
valores
identidade
interpretativas
Quadro 1. Funções das ações orientadas ao entendimento mútuo.
Fonte: Jurgen Habermas, 2004, p. 204
Nas sociedades em que a integração por meios (poder, dinheiro)
predomina sobre as formas de interação que mantêm como pressupostos as
condições de validação e reciprocidade das ações comunicativas, aconteceriam
distúrbios que afetam aos atores sociais em todas as dimensões de realização de
suas vidas individuais e sociais.
Nos processos de transmissão cultural, geram-se efeitos de perda de
sentido e desativação de formas de validação dos conhecimentos; nos processos
de integração social, efeitos de anomia e fragilização da solidariedade entre os
membros da comunidade; nos processos de individuação e socialização, a
desestruturação da personalidade e de suas motivações para agir conforme as
normas sociais.
Componentes
CULTURA
SOCIEDADE
PERSONALIDA
DIMENSÕES
DE
DE
estruturais
AVALIAÇÃO
Processos
orientados
à sua
reprodução
Reprodução
Perda de
Retrocessos da
Crises na
Racionalidade
Cultural
sentido
Legitimação
educação
do
conhecimento
Anomia
Integração
Instabilidade da
Objetificação
Solidariedade
Social
identidade
dos sujeitos
entre os
colectiva
conforme a
membros das
relações
comunidades
coordenadas por
meios
administrativos e
de poder
Socialização
Ruptura com a
tradição
Distúrbios
Enfraqueciment psicopatológico Responsabilidad
o das
s
e individual
motivações para
agir conforme as
normas
Quadro 2. A crises nos processos de reprodução cultural: manifestações dos
disturbios (a partir de Habermas, 1985, p. 143)
Ora, nas sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo em que as
tecnologias digitais e nomâdicas oferecem possibilidades inúmeras de
desenvolvimento econômico e social, enquanto as inovações tecnológicas
ficarem sujeitas ao predomínio dos mecanismos de mercado e de formas de
valorização capitalista, a produção, circulação e apropriação de informações
ignoraria as metas do bem estar social e da justiça social. Questões referentes à
confidencialidade, privacidade, propriedade intelectual, segurança, censura,
movimentos de código aberto, liberdade de expressão, referem-se a
procedimentos seletivos de informação e desinformação e à operação de
mecanismos exteriorizados de regulamentação e de controle acerca da geração,
circulação e acesso/uso de informação.
Consideramos, assim, que a investigação de uma ética da informação teria
como tarefa indagar as possíveis distorções comunicativo- informacionais que
afetam tanto a realização de metas de uma vida boa, como de justiça social, a
partir de nossas comunidades e de sua inserção nas formas globais da cultura, a
economia e a política.
Acompanhando a modelização habermaseana dos distúrbios normativos
das sociedades contemporânea, consideramos que existiriam três grandes zonas
de tensão que involucram condições ético-informacionais para sua superação.
Eixo das
estruturações
CULTURA
SOCIEDADE
PERSONALIDADE
Eixo dos processos
formativos
REPRODUÇÃO
CRISES
CULTURAL
VALIDAÇÃO E
CREDENCIAME
NTO
INTEGRAÇÃO
EXCLUSÃO
SOCIAL
SOCIAL
E
INFORMACIONA
L
SOCIALIZAÇÃO
FRAGILIZAÇÃO
MECANISMOS DE
IDENTIFICAÇÃO
E DE
RECONHECIMEN
TO
Quadro 3. Zonas de tensão normativa informacional
A crise das modalidades de validação e credenciamento dos
conhecimentos teria como uma de suas principais manifestações a crescente
preocupação com questões normativas e critérios avaliativos que encontramos
nos discursos, saberes e organizações que lidam com a produção em uso de
conhecimentos nas mais diversas áreas: saúde, produção intelectual, ciência e
tecnologia em geral, direito. A afirmação do caráter performático dos
enunciados científicos é outro lado das novas experimentações em torno da
validade dos conhecimentos. A poli-nomia das mensagens em redes digitais leva
a explorar novas formas de construção de legitimidade ou a reformular
procedimentos prévios, como as Wiki’s. A pertinência e relevância da questão
para uma ética da informação é abordada em ângulos diferentes, seja pelos que
consideram que se trata de um problema de qualidade e de verificabilidade, a
nível epistêmico, aos que
aderem às éticas cognitivas como caminho de uma
ética da informação.
Trata-se de uma responsabilidade de reflexão que agregaria, entre outros,
especialistas; das organizações que atuam em educação, ciência e tecnologia;
das agências de fomento e avaliação da pesquisa
A fragilização dos mecanismos de identificação e de reconhecimento,
que afetam tanto os processos de individuação como de socialização, tem nas
redes sociais tanto o locus de superação como o locus de sua manifestação. As
redes digitais, frágeis, leves, possibilitadas e ordenadas pelas disponibilidades de
software e de hardware, são o espaço vicariante das praças, das várzeas, das
tradições. A pergunta, quiçá, seria, neste ponto, o que podemos fazer com o que
temos à disposição. Caberia a todos e a cada um a responsabilidade moral de
construção e renovação de vínculos.
A integração por meios, em lugar da inclusão disciplinar de que nos
falam pensadores como Foucault (a produção homogeneizada de sujeitos
institucionalizados), gera instabilidade das relações sociais e das posições dos
sujeitos nas configurações do poder. A exclusão, o que Agambem chama a “vida
nua”, sem as redes protetoras ainda que imperfeitas da cidadania plena,
acompanhou a expansão dos modelos neoliberais e das figuras mercadológicas
da revolução informacional. Caberia aqui uma reunião produtiva da ética, do
direito e da política. A ética, porque coloca a dignidade humana como crivo de
valorização do valor; a política, porque constrói um “nós” de compromissos
abrangentes, o direito, porque da uma forma positiva as proposições solidárias
mas sem força de aplicação das normas éticas e morais.
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ÉTICA E POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO: uma ação
de informação no Programa de Cooperação
Acadêmica - Novas Fronteiras da CAPES
Gustavo Henrique de Araujo Freire
Professor e pesquisador do Departamento de Ciência
da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
Universidade Federal da Paraíba
E-mail: ghafreire@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é o ponto de partida de nossa pesquisa a ser desenvolvida
nos próximos quatro anos no âmbito do PROCAD1, qual seja construir uma rede
de cooperação e aprendizagem entre os PPGCIs da UFPB e da UNESP/Marília.
A construção desta rede traz a necessidade de se refletir acerca da ética que
envolve as ações de informação relacionadas a políticas públicas.
No nosso escopo, trata-se de promover o “conhecimento em ação”
(WERSIG, 1993) na Ciência da Informação de modo a intervir sobre o regime
de informação dos programas envolvidos no PROCAD. Nesse sentido,
estaremos, também, colaborando para implementar um dos objetivos específicos
daquele projeto, qual seja o de “Contextualizar e discutir com a comunidade
propostas para políticas públicas locais de informação, nas áreas de Educação e
1
Proposto à CAPES, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em associação com a
Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Marília, no âmbito do Programa de
Cooperação Acadêmica - Novas Fronteiras, o projeto Rede de Cooperação e Aprendizagem
na Ciência da Informação. O projeto representa uma oportunidade histórica para realizar uma
atividade conjunta de pesquisa, de aprendizagem e de formação na área de Ciência da
Informação.
Cultura”. E, neste trabalho, agregando a discussão sobre a aplicação da ética às
ações de informação.
A ética é um conceito eminentemente humano, pois envolve atitudes,
pensamentos e ações construídas em um dado contexto cultural, social e moral.
A informação que interessa à Ciência da Informação é uma informação criada e
comunicada em relações de trocas comunicacionais que envolvem indivíduos,
em nossa pesquisa específica, a saber: professores dos programas de PósGraduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba e da
Universidade Estadual de São Paulo, campus de Marília, que fazem parte do
PROCAD. É assim que a Ciência da Informação, enquanto ciência que estuda a
informação como padrão que une (FREIRE, 2001), incorpora à sua definição a
noção de uma ação que remete seus atores sociais aos contextos onde ocorrem
(GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002).
A abordagem metodológica se pauta na construção participativa de um
instrumento com diretrizes para uma política pública de gestão de recursos de
informação, em âmbito local, que será o eixo motivacional e operatório da
pesquisa.
2 SOBRE GESTÃO E POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO
Nossa premissa básica é que a construção de uma rede de cooperação e
aprendizagem nos leva a pensar sobre os aspectos éticos que permeiam as
relações entre os atores que participam desta rede. Nesse sentido, a pesquisa irá
trabalhar no sentido de construir um ambiente virtual que propicie aos atores
uma comunicação interativa e a disponibilização de acervos de informação
relevantes para os temas abordados nos projetos a serem desenvolvidos por cada
pesquisador.
Para González de Gómez (1999, p. 69), a gestão da informação envolve
“o planejamento, instrumentalização, atribuição de recursos e competências,
acompanhamento e avaliação das ações de informação e seus desdobramentos
em sistemas, serviços e produtos”. Nesta perspectiva, a gestão estabelece a
mediação entre as políticas de informação de um setor e a ação informada dos
atores sociais envolvidos, sejam eles “o Estado, o Governo, ou comunidades
usuárias de bens e serviços de informação ou atingidas em seus processos
cognitivos e deliberativos pela disponibilização ou omissão de informações”
(GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999, p. 69).
Para Japiassu e Marcondes (1996, p. 215), o termo política refere-se a
“tudo aquilo que diz respeito ao cidadão, aos governos e aos negócios públicos”.
A natureza normativa da política estabelece “os critérios da justiça e do bom
governo, e examinado as condições sob as quais o homem pode atingir a
felicidade (o bem-estar) na sociedade, em sua existência coletiva” (JAPIASSU e
MARCONDES, 1996, p. 215). Pode-se perceber que tanto o conceito de
informação quanto o de política possuem o mesmo sentido de ordem e regulação
que, reunidos, formam o conceito de “políticas de informação”: conjunto de leis,
regulamentos e políticas que estimulam ou regulam a geração, o uso, o
armazenamento e a comunicação de informação.
Como política pública, a política de informação assenta-se sobre
“interesses e metas políticas e burocráticas, não necessariamente congruentes,
manifestando-se para além do aparato governamental” (BRANCO, 2001, p. 87).
Nesse sentido, a expressão de uma política de informação ultrapassa o campo
formal das leis e regulamentos, pois também engloba as práticas e ações
informais de um determinado contexto “em que se misturam pessoas,
instituições e interesses, cujas manifestações nem sempre se revelam por
mecanismos formais” (BRANCO, 2001, p. 89). Dessa forma, a política de
informação deve ser um instrumento regulador entre a sociedade e os avanços
científicos e tecnológicos, e deve atuar de forma participativa. Assim praticada,
segundo Silva (1991), ela contribuirá para a melhoria do nível educacional,
cultural e político, elementos básicos para o exercício pleno da cidadania.
3 A PERSPECTIVA DO REGIME DE INFORMAÇÃO
Para González de Gómez (2002, p. 35), o “escopo e a abrangência dos
estudos em torno da política de informação se multiplicam e se fragmentam” em
todas as abordagens da Ciência da Informação. Neste enfoque, definir políticas
de informação implica em ultrapassar esse contexto interdisciplinar da Ciência.
Por isso, a autora propõe-se utilizar um conceito de política de informação que
“tratará de resgatar a amplidão e complexidade do campo, permitindo a
consideração das macro e micro-políticas, bem como das políticas locais,
regionais, nacionais e globais” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p. 67).
Nossa abordagem de políticas de informação utiliza como base o conceito
de regime de informação, o qual é definido por González de Gómez (2002, p.
34) como
...conjunto mais ou menos estável de redes sociocomunicacionais
formais e informais nas quais informações podem ser geradas,
organizadas e transferidas de diferentes produtores, através de muitos
e diversos meios, canais e organizações, a diferentes destinatários ou
receptores, sejam estes usuários específicos ou públicos amplos. ... [o
qual] está configurado, em cada caso, por plexos de relações plurais e
diversas: intermediáticas; interorganizacionais e intersociais. [Sendo
constituído, assim,] pela figura combinatória de uma relação de forças,
definindo uma direção e arranjo de mediações comunicacionais e
informacionais dentro de um domínio funcional (saúde, educação,
previdência, etc.), territorial (município, região, grupo de países) ou de
sua combinação.
No conceito de regime de informação, a relação entre a política e a
informação ficaria em observação, permitindo incluir tanto as políticas tácitas e
indiretas quanto as explícitas e públicas, micro e macropolíticas, assim como
permitiria articular, “em um plexo de relações por vezes indiscerníveis, as
políticas de comunicação, cultura e informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ,
2002, p. 70).
No âmbito da Ciência da Informação no Brasil, a temática das políticas de
informação encontra-se fundamentada, principalmente, nos estudos de González
de Gómez. A autora define a Ciência da Informação como uma “disciplina que
estuda fenômenos, processos, construções, sistemas, redes e artefatos de
informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2004, p. 60) . Nesta perspectiva, a
informação é definida como “ações de informação, que remetem seus atores aos
contextos onde estas ocorrem” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2004, p. 61). A
informação enquanto Ação de Informação refere-se a um conjunto de estratos
heterogêneos e articulados, que se manifestam através de três modalidades:
a) ação de mediação: a ação fica atrelada aos fins e orientação de
uma outra ação;
b) ação formativa: a ação está orientada à informação não como um
meio, mas como sua finalização;
c) ação relacional: a ação busca intervir em uma outra ação para
obter direção e fins (GONZALEZ DE GOMEZ, 2004).
Nesse contexto, as ações de pesquisa e as ações de informação integrarão
um mesmo domínio de orientações estratégicas e, em conseqüência, a política e
a gestão da informação formarão parte do mesmo plano decisional e prospectivo
ao qual pertence a política e a gestão da ciência e da tecnologia (C&T).
Como política pública, a política de informação assenta-se sobre
“interesses e metas políticas e burocráticas, não necessariamente congruentes,
manifestando-se para além do aparato governamental” (WEINGARTEN citado
por BRANCO, 2001). Nesse sentido, a expressão de uma política de informação
ultrapassa o campo formal das leis e regulamentos, pois também engloba as
práticas e ações informais de um determinado contexto “em que se misturam
pessoas, instituições e interesses, cujas manifestações nem sempre se revelam
por mecanismos formais” (WEINGARTEN citado por BRANCO, 2001). A
política de informação deve ser um instrumento regulador entre a sociedade e os
avanços científicos e tecnológicos, e deve atuar de forma participativa. Assim
praticada, segundo Silva (1991), ela contribuirá para a melhoria do nível
educacional, cultural e político, elementos básicos para o exercício pleno da
cidadania.
González de Gómez (1999, p.63) propõe quatro definições de políticas de
informação no contexto do regime de informação, definindo-a primeiramente
como “um conjunto de ações e decisões orientadas a preservar e a reproduzir, ou
a mudar e substituir um Regime de Informação, e podem ser tanto políticas
tácitas ou explícitas, micro ou macropolíticas”.
A segunda definição de política de informação é direcionada para
diferenciar gestão de política de informação:
Falamos de Políticas de Informação quando, tratando-se de uma
questão colocada num domínio coletivo de ação, existem conflitos
entre as diferentes formulações de objetivos, planos, atores e recursos
atribuídos às ações do domínio e em conseqüência, com respeito ao
alcance, às prioridades e às metas das ações de informação, de modo
que aqueles conflitos não poderiam ser equacionados ou resolvidos
por meios técnicos ou instrumentais e requerem a reformulação
deliberativa de princípios, fins e regras para a concretização de planos
coletivos e coordenados de ação, ou a mudança das relações de força
dos atores envolvidos. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999, p.71)
Na terceira definição, as políticas são abordadas como orientações com
relação a fins, valores e objetivos das políticas de Informação, designando “as
figuras decisionais e normativas do que seja desejável e prioritário para um
sujeito coletivo (organização e, regiões, Estado Nacional, etc.) acerca da
geração, circulação, tratamento e uso da informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ,
1999, p.71).
Na quarta e última definição, as políticas atuam como uma “ação dirigida
a consolidar a autonomia informacional dos sujeitos coletivos”, considerando
que
A constituição dos universos de informação parte sempre do ‘nós’ de
um sujeito situado, localizado, territorializado, para o qual algo faz ou
não faz sentido como informação. Em cada contexto histórico, em
cada espaço de ação coletiva, existe um saber local, um sentimento
territorializado ou um desejo do que seja um bem coletivo, que
formam parte das razões bem fundadas para priorizar, justificar, gerar
ou aderir a um valor de informação. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ,
1999, p.71)
Implica dizer aqui que, embora a Sociedade da Informação seja um
fenômeno mundial, uma política de informação deve privilegiar, antes de tudo, a
estrutura informacional do local visando a sua inserção no global, pois
... a partir do potencial integrativo do novo padrão tecnológico, o
local
redefine-se,
ganhando
em
densidade
comunicacional,
informacional e técnica no âmbito das redes informacionais que se
estabelecem em escala planetária. ... a dimensão cultural do local atua
na globalidade como um fio invisível que vincula os indivíduos ao
espaço, marcando uma certa idéia de diferença ou de distinção entre
comunidades. Assim, o local constitui-se em suporte e condição para
as relações globais. É nele que a globalização se expressa
concretamente e assume especificidades. (ALBAGLI, 1999, p.186-187).
Assim, qualquer que seja a forma de proporcionar o acesso a redes de
informação global, como a Internet, por exemplo, esta deverá estar integrada às
condições locais existentes, tanto em termos de suas organizações quanto em
seus referenciais culturais, e a produção cultural deve estar centrada nos valores
significativos locais. No contexcto atual, para González de Gómez (2003),
... a sociedade da informação poderia ser entendida como aquela em
que o regime de informação caracteriza e condiciona todos os outros
regimes sociais, econômicos, culturais, das comunidades e do Estado.
Nesse sentido, a centralidade da comunicação e da informação
produziria a maior dispersão das questões políticas da informação,
perpassada e interceptada por todas as outras políticas: as públicas e as
informais, as tácitas e as explícitas, as diretas ou indiretas.
(GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003, p. 61).
A informação seria, então, o elemento que unificaria a “dispersão” das
questões relacionadas às políticas da informação presentes em cada um dos
regimes de informação, independente de serem políticas “públicas, informais,
tácitas, explícitas, diretas ou indiretas” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003, p. 61).
Uma política de informação pode ser elaborada sob duas abordagens: a
básica e a específica. A primeira refere-se aos aspectos gerais da produção de
informação,
como
aqueles
ligados
à
tecnologia
de
informação,
às
telecomunicações e à política internacional, dentre outros. Já a política
específica de informação, conforme Branco (2001), diz respeito aos aspectos
característicos de determinado setor de atividade como, por exemplo, uma
política para gestão da informação que contemple a produção de conteúdos de
identidade cultural e o acesso livre a fontes de informação relevantes na Internet.
Neste caso, a política de informação estará voltada para objetivos e metas
específicos, que lhe darão contornos próprios e inerentes ao respectivo espaço
ou regime de informação.
A nosso ver, nesse contexto cabe à Ciência da Informação dar o
embasamento teórico para proposição e discussão de ações de informação que
contribuam para promover políticas de informação que possam ser utilizadas
como instrumentos de gestão de recursos de informação.
De acordo com o exposto, a gestão de recursos de informação contidas em
uma rede de cooperação e compartilhamento de informações no ciberespaço
pode facilitar a construção de um conhecimento coletivo por parte dos membros
dos dois programas de Pós-Graduação envolvidos no PROCAD. Na perspectiva
de nossa pesquisa, isto pode ser visto como instrumento de uma política de
informação local que pode orientar as ações necessárias para o aumento da
produção científica na área da Ciência da Informação .
Neste sentido, defendemos a tese de que a criação desse instrumento de
comunicação da informação em ambiente virtual (a rede de cooperação e
compartilhamento de informações e conhecimentos científicos) pode ser vista
como uma política de informação localizada, já que irá intervir no regime de
informação dos programas de Pós-Graduação envolvidos. Nesse processo, estão
envolvidos os produtores de informação por excelência, tais como professores;
os receptores e produtores em potencial de informação, como, por exemplo, os
alunos; e os canais que são utilizados para a comunicação das pesquisas, tais
como congressos, anais, periódicos, livros, sites entres outros elementos que
compõem o regime de informação dessa comunidade. E é nosso propósito, neste
projeto, construir essa rede de cooperação e compartilhamento com a
participação daqueles que serão seus maiores beneficiários ― no caso, a
comunidade científica a qual faz os PPGCIS envolvidos no PROCAD.
4 PESQUISA-AÇÃO PARA CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DE UMA
POLÍTICA DE INFORMAÇÃO
A escolha da pesquisa-ação traduz a tentativa de abordar a comunicação
da informação como ação transformadora, no sentido que lhe atribui Araújo
(1994), criando espaço para intervenção empírica em uma dada situação. A
pesquisa-ação supõe uma participação e uma forma de ação planejada que atinja
os vários elementos das atividades humanas, estando diretamente relacionada à
presente proposta, na medida em que viabiliza a ação coletiva pautada pela
resolução de problemas e por objetivos de transformação.
Segundo Thiollent (1997), a pesquisa-ação “consiste essencialmente em
acoplar pesquisa e ação em um processo no qual os atores implicados
participam, junto com os pesquisadores, para chegarem interativamente a
elucidar a realidade em que estão inseridos” (THIOLLENT, 1997, p. 15). Nessa
perspectiva, entende-se por “ator” qualquer grupo de pessoas dispondo de certa
capacidade de ação coletiva consciente em um contexto social delimitado,
podendo designar tanto os grupos informantes no meio de uma organização
quanto os grupos formalmente constituídos, e “participação” é encarada como
propriedade emergente do processo e não como a priori. Este será o caminho
com os participantes do PROCAD entre os PPGCIs da UFPB e da
UNESP/Marília.
Buscando uma visão sintética, Dubost (1987) examinou várias concepções
de pesquisa-ação vinculadas à tradições norte-americanas e européias,
formulando sua própria definição como “ação deliberada visando a uma
mudança no mundo real, realizada em escala restrita, inserida em um projeto
mais geral e submetida a certas disciplinas para obter efeitos de conhecimento e
de sentido”. (DUBOST, 1987 citado por THIOLLENT, 1997, p. 35). No
presente projeto integramos à abordagem de Dubost a visão cooperativa de
Desroche (1990), que define a pesquisa-ação como uma pesquisa
... na qual os autores de pesquisa e os atores sociais se encontram
reciprocamente implicados: os atores na pesquisa e os autores na ação.
No limite, esses dois papéis tendem a identificar-se em uma só
instância de operação. ... na pesquisa-ação os atores deixam de ser
simplesmente objeto de observação, de explicação ou de interpretação.
Eles tornam-se sujeitos e parte integrante da pesquisa, de sua
concepção,
de
seu
desenrolar,
de
sua
redação
e
de
seu
acompanhamento. (DESROCHE, 1990 citado por THIOLLENT,
1997, p.36)
Utilizaremos, também, a metodologia da pesquisa-participante, utilizada
por Freire (1998) e Espírito Santo (2003), em suas respectivas dissertações de
Mestrado em Ciência da Informação, e por Freire (2006) em sua pesquisa sobre
inclusão digital. O termo “pesquisa-participante” foi criado por pesquisadores
norte-americanos e europeus envolvidos com projetos de intercâmbio com
países de terceiro mundo, na área de Ciências Sociais. A pesquisa-participante
combina:
...técnicas de pesquisa, processos de ensino-aprendizagem e
programas de ação educativa que ... apontam para [a
promoção]:
a) da produção coletiva de conhecimentos, rompendo o
monopólio do saber e da informação, permitindo que
ambos se transformem em patrimônio dos grupos
marginalizados;
b) da análise coletiva na ordenação da informação e no uso
que dela se possa fazer;
c) da análise crítica, utilizando a informação ordenadas e
classificada, a fim de determinar as raízes e as causas dos
problemas e as vias de solução para os mesmos; [e o]
d) estabelecimento de relações entre problemas individuais
e coletivos, funcionais e estruturais, como parte da busca
de
soluções
para
os
problemas
enfrentado
(FREIRE,1998, p. 16).2
A construção participativa de um instrumento com diretrizes para uma
política de gestão de recursos de informação digitais, no âmbito do PROCAD
UFPB – UNESP/Marília, será o eixo motivacional e operatório da pesquisa.
Para construção desse instrumento com a comunidade de pesquisadoresdocentes e alunos no Mestrado em Ciência da Informação dos respectivos
Programas, optamos, também, por incluir o uso da metodologia da pesquisaparticipante, que envolve contato permanente entre os participantes da pesquisa
(docentes e discentes dos PPPGCIs), sendo que o primeiro momento é dedicado
ao conhecimento preliminar da realidade, de modo a identificar o que Goldmann
(1970) denomina “informação prévia”. Desta ação, resulta a formação de um
grupo de trabalho que, no segundo momento, identifica, na comunidade, os
“temas geradores” do conteúdo do instrumento. Nesse sentido, a pesquisaparticipante oferece oportunidade para que a comunidade científica envolvida no
PROCAD possa participar da análise da sua própria realidade. Assim, a
pesquisa-participante pode ser vista como uma abordagem “que poderia resolver
a tensão contínua entre o processo de geração de conhecimento e o uso deste
conhecimento, entre o mundo acadêmico e o irreal, entre intelectuais e
trabalhadores, entre ciência e vida” (DEMO, 1986, p. 126). Nesse processo, o
objeto de estudo se torna sujeito da ação e partícipe da discussão do seu próprio
destino, no caso suas necessidades de informação e os recursos possíveis para
seu atendimento.
2
O resultado do trabalho
http://ghafreire.sites.uol.com.br.
de
Freire
(1998)
pode
ser
visto
no
sítio
A nosso ver, nesse contexto cabe à Ciência da Informação desenvolver o
embasamento teórico para proposição e discussão de ações de informação que
contribuam para promover políticas de informação a serem utilizadas como
instrumentos de gestão de recursos de informação.
4.2 A construção da rede de cooperação e aprendizagem
Os processos de aprendizagem e o trabalho cooperativo sempre fizeram
parte da história humana, como temos chamado à atenção. A partir do momento
em que a nossa espécie passa a viver em grupos para depois se transformar em
sociedades culturalmente mais organizadas, a experiência de trocas entre os
participantes de um determinado grupo social e a união entre os participantes
deste em torno de um objetivo comum são atitudes que, com certeza,
possibilitaram avançarmos até os nossos dias.
A aprendizagem está estreitamente ligada à evolução humana, à
transmissão de conhecimentos, em princípio em linguagem oral, pois não havia
ainda o registro das informações, permitindo o distanciamento, no tempo e no
espaço, das partes envolvidas no processo de comunicação da informação. No
paradigma tecno-econômico atual, em que a informação é considerada um fator
de suma importância para o desenvolvimento social, o capital humano está se
valorizando cada vez mais, principalmente nos espaços de produção e
comunicação de informação que levam ao desenvolvimento científico e
tecnológico, em nosso caso específico os Programas de Pós-Graduação que
fazem parte do PROCAD.
Nesse sentido, a construção de uma rede de cooperação e aprendizagem
(RECAP) pode ser vista como uma estratégia para que se possa desenvolver
uma inteligência coletiva entre os atores participantes desses programas.
Segundo Lévy, no processo de construção de uma inteligência coletiva no
ciberespaço se destacam dois elementos (que Levy chama dispositivos). O
primeiro é o
· Informacional, que “qualifica a estrutura da mensagem ou o modo de
relação dos elementos de informação”. (LEVY, 1999, p. 62)
Este elemento se refere ao modo como os repositórios de informação se
estruturam e como podem se relacionar com outros estoques, ou seja, diz
respeito ao fato da informação estar disponibilizada, organizada de várias
maneiras (resumos, tesauros, catálogos...) e relacionada com outras informações
de forma específica.
O segundo dispositivo é o
· comunicacional, que “designa a relação entre os participantes da
comunicação”. As categorias de dispositivos comunicacionais são três:
um-todos; um-um; todos-todos. (LEVY, 1999, p. 63)
A emergência do ciberespaço vai possibilitar o surgimento de dois
dispositivos informacionais originais: o mundo virtual (que dispõe a
informação em um espaço contínuo) e a informação em fluxo (dados em estado
contínuo de modificação), e isto nos leva à idéia de infinito (espaço que nunca
será completamente preenchido e que se encontra em um estado permanente de
mudança).
Assim, o ciberespaço apresenta a possibilidade de penetrarmos em uma
nova realidade, que nos abre possibilidades de experimentar ações de
informação que contribuam para facilitar a construção de um conhecimento
coletivo criado entre os participantes da RECAP no âmbito dessa nova
realidade, a realidade virtual. Sob esse prisma, a elaboração de uma rede de
cooperação e aprendizagem em ambiente virtual precisa levar em consideração
algumas características da “sociedade informacional” que já estão presentes em
nosso convívio social, quais sejam:
· A velocidade de criação e de renovação dos conhecimentos, através do
uso intensivo de informação. Esse processo leva a um aumento
potencial de conhecimento, tendo como conseqüência novas aplicações
e acumulação de informações e conhecimentos na sociedade. Os
processos de aprendizagens são fundamentais para que a comunicação
se concretize e a informação continue a possibilitar a criação de novos
conhecimentos.
· A nova natureza do trabalho, cada vez mais ligado ao conhecimento.
Nos países capitalistas centrais, crescem os segmentos do PIB ligadas à
produção do conhecimento e às atividades de informação3. No Brasil,
ainda não chegamos a esse estágio, por causa de diversas barreiras
políticas, econômicas e sociais, no entanto se pode reconhecer que
estamos caminhando nessa direção, inclusive o governo apresenta
políticas nesse sentido.
· A capacidade do ciberespaço4 lidar com as tecnologias intelectuais5
que “amplificam, exteriorizam e modificam funções cognitivas
3
Segundo Rifkin (2001), “as novas indústrias baseadas na informação ― finanças,
entretenimento, comunicação, serviços e educação ― já formam mais de 25% da economia
norte-americana. Grande parte de seu valor está empatado em ativos intangíveis e, portanto,
não é apresentado com exatidão em sua contabilidade”.
4
Segundo Levy (1999), “o ciberespaço (que também chamarei de rede) é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não
apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de
informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse
universo”. (LEVY, 1999. Sublinhado, no original)
5
Seguindo o modelo de Levy (1993), consideramos “tecnologias intelectuais tanto as formas
de expressão simbólica (que, p.ex., evoluíram das narrativas míticas às equações quânticas)
humanas” (LEVY, 1993). Isso se concretiza através da possibilidade
de agregar novas informações através de links que permitem
comentários, da participação em chats e listas de discussão, do
trabalho cooperativo à distância, da transferência de dados, texto e
imagens.
· A emergência histórica e cultural do ciberespaço possibilita o
surgimento de dois dispositivos informacionais originais: o mundo
virtual6, que dispõe a informação em um espaço-tempo contínuo, e a
informação em fluxo7, dados em estado contínuo de modificação.
Esse contexto nos leva à idéia de infinito, espaço que nunca será
completamente preenchido e que se encontra em um estado
permanente de mudança e, à idéia de rede.
A informação é um fenômeno que ocorre no campo social e pressupõe,
para a sua existência, algumas condições básicas, tais como:
quanto as tecnologias de informação em si mesmas (p.ex., a escrita em tabuinhas de barro, as
iluminuras medievais, a imprensa e os computadores). Podemos chamá-las, também, de
tecnologias soft em contraponto às tecnologias de produção material (que evoluíram, p.ex.,
desde o machado de pedra até os satélites de comunicação)”. Segundo o autor, essas
tecnologias intelectuais “situam-se fora dos sujeitos cognitivos, como este computador sobre
minha mesa ou este livro em suas mãos. Mas elas também estão entre os sujeitos como
códigos compartilhados, textos que circulam, programas que copiamos, imagens que
imprimimos e transmitimos por via hertziana. As tecnologias intelectuais estão ainda nos
sujeitos, através da imaginação e da aprendizagem”. (Grifo nosso. Esta última parte é a que
nos interessa, para fins deste trabalho.)
6
Segundo Levy (1999), “o mundo virtual dispõe as informações em um espaço contínuo, e
não em uma rede, e o faz em função da posição do explorador ou de seu representante dentro
deste mundo”.
7
“A informação em fluxo designa dados em estado contínuo de modificação, disperso entre
memórias e canais interconectados que podem ser percorridos, filtrados e apresentados ao
cibernauta de acordo com suas instruções, graças a programas, sistemas de cartografia
dinâmica de dados ou outra ferramentas de auxílio à navegação”. (LEVY, 1993)
· Ambiente social - Contexto que possibilita a comunicação de
informação. Esse ambiente se caracteriza sempre pela existência de
uma possibilidade de comunicação. Ele decorre do impulso primeiro,
arquetípico que nos levou como espécie à necessidade de materializar
o pensamento em uma mensagem dirigida a um semelhante, um
movimento primordial de transmissão da informação;
· Agentes - No processo de comunicação, os agentes são o emissor,
aquele que produz a informação, e o receptor, o que recebe a
informação. Os agentes emissores são responsáveis pela existência dos
estoques de informação, em um processo contínuo em que as funções
produção e transferência se alternam, ou seja, o receptor de hoje
poderá ser um produtor da informação amanhã;
· Canais - Os canais estão relacionados aos meios por onde as
informações circulam. Os agentes produtores de informação escolhem
os canais mais adequados para circulação da sua informação, que
podem utilizar-se de meios impressos, como jornais, revistas,
periódicos científicos, livros, além de rádio, televisão, Internet,
congressos, feiras e outros tipos de eventos científicos e comerciais;
Essas são as condições que tornam possível o processo de comunicação
entre emissor e receptor da informação se estabelecer. O ambiente humano é
fundamental, sem ele não seria possível a existência e atuação dos agentes de
informação e no qual princípios éticos estão presentes. Em nossa pesquisa o
ambiente são os PPGCIS da UFPB e da UNESP/Marília, e as relações sociais e
institucionais que envolvem os dois programas – relações essas que serão
mediadas pelo ciberespaço. Os agentes são os professores dos dois Programas,
assim como os alunos. Os canais envolvem os espaços de comunicação por onde
circulam a produção docente e discente, quais sejam, a participação em
congressos, os trabalhos publicados em anais desses congressos, artigos em
periódicos, livros e capítulos de livros...
Assim, a construção da RECAP deve levar em consideração a informação
contida em repositórios estáticos (artigos, livros...), recuperáveis através de
tecnologias intelectuais e digitais; e o conhecimento que ainda não foi
transformado em informação, recuperável apenas através de contato pessoal
direto, ou presencial, e indireto. Neste último, se faz necessário a criação de
elementos interativos que possibilite a comunicação entre os participantes da
RECAP, como, por exemplo, lista de discussão.
Nesse âmbito, torna-se fundamental pensar em redes digitais de
comunicação como redes de cooperação e aprendizagem de informações para o
processo de construção de uma inteligência coletiva no contexto dos Programas
de Pós-Graduação em Ciência da Informação participantes da rede de
cooperação e aprendizagem. E é desse modo, a ética deve tornar-se uma prática
que permeie as relações e trocas entre os indivíduos participantes da rede e
possa estabelecer as bases para o desenvolvimento de atitudes em prol de um
conhecimento compartilhado.
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CATALOGAÇÃO E ÉTICA NO AMBIENTE
COLABORATIVO E DE EMPODERAMENTO DAS
REDES INFORMACIONAIS
Plácida L. V. Amorim da Costa Santos*
1 INTRODUÇÃO
Nos processos de transformação da informação em um mundo regido
pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ocorrem rearticulações
das relações sociais e de produção em torno destas que têm papel significativo
nas transformações econômicas e sociais da segunda metade do século XX e dos
primeiros anos do século XXI, anos de globalização.
Nesse contexto, a sociedade contemporânea tem que buscar soluções para
a real consolidação da propagada sociedade da informação, considerando
principalmente políticas públicas de educação a serem desenvolvidas em seu
interior para o reconhecimento e a apropriação dessa nova situação. O
investimento em modelos de transferência de informação baseados nas novas
tecnologias só se justifica pela idéia de que a apropriação de novos
conhecimentos e de ferramentas possa desenvolver consciência histórica,
política e ética, associada a ações cidadãs para transformação social.
A configuração rizomática da Internet tem potencial como lócus e veículo
de expressão da diversidade cultural e de desenvolvimento de práticas
capacitadoras inclusivas que utilizem recursos da Web 2.0 e se projetem na
arquitetura do ciberespaço como um imenso tecido heterogêneo de redes.
O acesso e o uso da informação geram o poder de organização e
impulsionam
o
desenvolvimento
e
ações
criadoras,
promovendo
o
empoderamento individual e coletivo das pessoas envolvidas na vida
comunitária, a partir de premissa de que o desenvolvimento deve relacionar-se
com o crescimento da qualidade de vida das pessoas e não com objetos, pois as
necessidades básicas do homem não mudam; o que muda são as coisas que as
sociedades geram para satisfazer tais necessidades ou para incrementar a
sensação de novas necessidades.
Novas formas sociais determinam estruturas mentais distintas com
matrizes de inteligência e comportamento, que tornam importante a investigação
sobre as estratégias do empoderamento como ação coletiva desenvolvida pelos
indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões e de
consciência dos direitos sociais.
Fundamental é a articulação entre a ideia de rede e os processos de
produção, de tratamento, de difusão, de recuperação e de (re)uso da informação
para o empoderamento, o que torna imprescindível a percepção de redes
informacionais estruturadas como modelos de ambientes colaborativos de
inteligência coletiva como favorecedoras do fortalecimento das competências,
da confiança e da capacidade humana.
A possibilidade de construção de um saber colaborativo é caracterizada
pela potencialização de uma inteligência e de uma consciência coletivas em
ações sociais de transferência de informação, com as redes sociais como
ambiente antropológico de possibilidades. A transferência de informação
presume a existência de um valor da informação partilhado pelos participantes, e
requisita a utilização de procedimentos técnicos, expressivos ou normativos de
dimensões cognitivas e comunicacionais no contexto de formação e preservação
de memórias e na socialização do conhecimento.
A tríplice convergência entre as tecnologias do pequeno (ou
nanotecnologia), do vivo (ou biotecnologia), e do conhecimento (ou
neurociências, ciências da cognição e ciência da informação) é impulsionada por
novas visões do próprio conceito de tecnologia que irá regular progressivamente
a informação entre os variados setores.
A difusão das idéias, a existência das coisas, a criação de opiniões, o
sentido que o homem dá a sua existência são os construtores da realidade social.
As relações que se estabelecem na sociedade são as relações de poder exercido
em diversas esferas por meio da capacidade de agir e de interagir para alcançar
objetivos e interesses que dão sentido à existência humana. Nessa perspectiva, o
poder se caracteriza como um fenômeno social estabelecido tanto por
instituições quanto pelas relações entre indivíduos em seu cotidiano.
Nesse cenário, e considerando que a Ciência da Informação (CI) se
consolida e se legitima no contexto da sociedade contemporânea, que se
encontra em processo acelerado de transformações e rupturas, sob o signo do
acesso à informação e da detenção da mesma, as transformações exigem
definições e redefinições dos métodos que valorizem e destaquem os aspectos
importantes da relação de disseminação, recuperação e compartilhamento de
conhecimentos e informações.
O conhecimento do fluxo da informação, a percepção do ambiente
informacional, a destreza no manuseio e no uso de recursos tecnológicos que
favoreçam o acesso, o tratamento, a recuperação, o uso, o reuso e a preservação
de informações facilita a geração de novos conhecimentos.
Assim, cabe destacar que as redes, como sistemas organizacionais, são
capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa,
em torno de objetivos comuns, por meio de estruturas flexíveis e cadenciadas.
Elas se estabelecem por relações horizontais, interconexas e em dinâmicas que
supõem o trabalho colaborativo e participativo e constituem um local em que,
das relações, emergem questões de responsabilidade, de direitos e deveres, nas
quais deve prevalecer à ética1.
Na prática, redes são comunidades virtual ou presencialmente constituídas
a partir de uma estrutura social estabelecida de forma orgânica, na qual a
convivência entre os integrantes e o estabelecimento de laços de afinidade serão
definidos a partir de pactos sociais ou padrões de relacionamento. Cada nó da
rede representa uma unidade, e cada fio um canal por onde essas unidades se
articulam por meio de diversos fluxos.
Um princípio básico dessa noção de rede é a possibilidade de
funcionamento com um sistema aberto que se multiplica como reação de ações
externas, que realiza suas próprias necessidades na mesma medida em que gera
um novo ciclo de demandas. Podemos recorrer ao exemplo das citações em um
documento, que geram uma demanda e nos levam a outros documentos, aos
1
O termo ética deriva do grego ethos (caráter, modo de ser de uma pessoa). Ética é um
conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade e
permite um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia
prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não possa ser confundida com as leis, está
relacionada com o sentimento de justiça social. A ética é construída por uma sociedade com
base nos valores históricos e culturais. Do ponto de vista da Filosofia, a Ética é uma ciência
que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos. Cada sociedade e
cada grupo possuem seus próprios códigos de ética.
catálogos coletivos e à catalogação cooperativa como produto e processo
resultantes de ações cooperativas e de compartilhamento.
O desenvolvimento da cooperação na coletividade necessita de ambientes
de compartilhamento que permitam a colaboração entre múltiplos sujeitos
dispersos geograficamente, e que por meio de suas ações interagem no
ambiente, o que requer uma nova dimensão do sentido ético devido às novas
concepções e implicações.
Uma estrutura em rede tem seus integrantes ligados horizontalmente a
todos os demais, diretamente ou por meio dos que os cercam, resultando em
uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para todos
os lados, sem que nenhum dos nós seja considerado principal ou central, nem
representante dos demais. Nessa estrutura há uma vontade coletiva de realizar
determinado objetivo (WITHAKER, 1998), o que resulta em uma inteligência
coletiva decorrente da sinergia existente entre competências, os recursos e
projetos, a constituição e manutenção de dinâmicas de memórias em comum, e a
ativação de modos de cooperação flexíveis e transversais, pautados na
assimilação ética dos integrantes de uma rede, como enfatiza Pierre Lévy
(2000), pois a aprendizagem e o serviço colaborativo e cooperativo pressupõem
o envolvimento e o comprometimento com responsabilidade do fortalecimento
de uma inteligência coletiva.
O fortalecimento das redes colaborativas e cooperativas de informação,
marcado pelo uso intensivo de recursos tecnológicos, entretanto, consolida o
movimento de multiplicação sob os princípios da intensividade, extensividade,
diversidade, integralidade e agregação, pois terão poder suficiente para
promover uma revolução sociocultural a partir: da socialização e produção de
conhecimento
científico
e
tecnológico;
da
difusão
de
políticas
de
disponibilização e acesso à informação; da difusão do conhecimento pelas mais
diversas linguagens promovendo a livre expressão, e da utilização dos mais
variados mecanismos de comunicação, possibilitando a cada pessoa exercer um
papel ativo no processo de geração, emissão, recepção e uso de informações.
As unidades de informação, como espaços documentais e informacionais
e agentes catalisadores da cultura das comunidades nas quais estão inseridas,
precisam ser efetivamente reconhecidas e utilizadas como instrumentos para a
construção coletiva e para o empoderamento, atuando constritamente como um
nó em uma rede que possibilita a formação, a interação e a integração social,
cultural, política, tecnológica e mesmo individual, contribuindo assim para o
desenvolvimento de um amplo plano social.
Em redes, cada integrante é um nó de interação, e a diversidade existente,
quando manifesta, leva à criatividade para soluções por vezes simples, outras
mais elaboradas, e os integrantes alocados em distintas regiões podem de forma
síncrona ou assíncrona, trocar informações e conhecimentos, ato que faz surgir
naturalmente a inovação do conhecimento.
No ambiente multidisciplinar em que hoje se desenvolvem as tarefas de
informação, o catalogador tem a vantagem intelectual de ser o conhecedor da
essência dos processos de análise e tratamento do conhecimento registrado. Mas
tem, entretanto, de estar apto para apropriar-se das ferramentas tecnológicas
disponíveis para aperfeiçoamento e agilização de processos decisivos para o
estabelecimento da organização e do tratamento da informação.
Como já indicavam, no final do século XX, Mercier, Plassard e Scardigli
(1985, p.20),
Os chips eletrônicos estão invadindo nossa vida cotidiana, e sua
fecundidade se anuncia fulminante. Nestes momentos só nos
surpreendem ou irritam. Porque estão vazios, porque carecem de
sentido. O único problema consiste em saber que...<alma> lhes
estamos dando. (tradução livre)
O que os autores denominam de “alma” pode ser aqui considerado
“projeto ético-político-pedagógico”. De qualquer forma, trata-se de uma
realidade exterior aos princípios do mero aplicativo da técnica, o que exige uma
discussão da própria tecnologia a partir dos aspectos a priori político e ético,
uma constante em toda relação humana, seja ela com outros homens, seja com
algum equipamento.
As redes de informação formais ou informais digitais são potencialmente
um bom recurso a ser utilizado pela comunidade no seu caminho de
empoderamento social.
Neste momento histórico, temos como características o desenvolvimento
de novas formas de tecnologia e informação, a ampliação da difusão da
informação e uma mudança nos paradigmas da produção do conhecimento. As
transformações com as quais estamos convivendo na realidade contemporânea
são evidentes. As atividades e serviços oferecidos mediante o mercado de
informações são como alavancas propulsoras da competência e do incentivo
para a ampliação do acesso à informação, nos mais diversos formatos de
apresentação, como sons, imagens, textos e metodologias multimídia, o que
facilita a construção e a aplicação do conhecimento nos mais diversos setores
sociais e culturais.
Nesse ambiente se inserem as tecnologias que podem ser usadas para
instigar as habilidades cognitivas dos sujeitos, auxiliando-os a desenvolver seu
conhecimento e a transferi-los para a resolução de novos problemas.
As Tecnologias de Informação e Comunicação oferecem diversas
possibilidades para o desenvolvimento de estratégias de ações de trabalho e de
disseminação da informação. As informações podem ser examinadas de modo
não linear e a utilização de uma variedade de recursos informacionais envolve
signos de diferentes categorias, que exercem efeitos distintos sobre o receptor de
uma mensagem, possibilitando explorar não só os aspectos intelectivos e
racionais da aprendizagem como também os aspectos afetivos e motivacionais, e
tal diversidade possibilita também compreender os recursos tecnológicos como
uma interface que favorece a exploração ativa dos múltiplos aspectos a partir da
intersemiose.
Nesse aspecto, retomam-se as questões sobre ética e empoderamento a
partir das redes de informação, pois estas favorecem a inclusão dos sujeitos em
comunidades por pressuporem a participação e o envolvimento significativo,
crítico e ativo nas decisões abrangendo tanto componentes individuais quanto
coletivos em um processo que contempla quatro níveis: cognitivo, psicológico,
econômico e político, para o desenvolvimento de habilidades necessárias para
que se participe e se obtenham reais transformações sociais.
Do ponto de vista social, o empoderamento se refere ao acesso dos mais
desamparados aos meios de produção, à sua participação efetiva nas mais
variadas instâncias políticas e ao incremento de suas capacidades individuais.
Do ponto de vista empresarial, o empoderamento é a ação que possibilita
a potencialização da capacidade individual para maior autonomia e
autossuficiência nas tomadas de decisão e participação.
Tais situações nos levam a postular que o acesso e o uso de recursos
informacionais, como unidades básicas na formação e no desenvolvimento de
bases de conhecimento, são fundamentais para o crescimento individual na
participação coletiva em ambientes em que se destacam a colaboração e
cooperação.
No ambiente cooperativo, o que se espera é aumentar o potencial do
grupo, fazendo com que o resultado seja maior que a soma das contribuições
individuais de cada membro do grupo. Todavia, chegar a este estado sinérgico
no grupo não consiste em uma tarefa fácil. A cooperação surge quando todos se
comprometem com um objetivo concreto comum, e nessa proposta um trabalho
envolvendo várias pessoas não se caracteriza necessariamente como um trabalho
cooperativo. O que se espera é a interação harmônica e realmente cooperativa
entre os membros, fazendo com que cada serviço e/ou produto revele as idéias
do grupo como um todo.
O entendimento entre os participantes necessita de quatro elementos
determinantes: a comunicação entre os envolvidos - reside na existência de
ligações entre eles, realizada por meio de canais de comunicação direta, como
troca de mensagens e reuniões, e por canal indireto, por meio da memória de
grupo, quando a construção e o compartilhamento do conhecimento comum
podem ser considerados interfaces de comunicação; a coordenação das
atividades - refere-se ao gerenciamento e ao acompanhamento das atividades
realizadas pelo grupo e individualmente por cada participante; a memória do
grupo - registra todo o processo de interação do grupo, como a própria
comunicação realizada e os passos desencadeados, bem como todos os produtos
gerados por esta cooperação, que é a documentação da história, das orientações
e das decisões do grupo; e a percepção do grupo no que diz respeito ao contexto
do trabalho – atividades individuais contextualizadas pela compreensão das
atividades realizadas pelos demais. (DIETRICH, 1996; HOLLINSWORTH ;
WHARTON, 1994)
A colaboração e a cooperação efetivas exigem que as pessoas
compartilhem informações, e envolvem ações éticas nos processos de
negociação, de correalização e de compartilhamento.
Nesse contexto, apresentam-se as redes bibliográficas estruturadas no
trabalho de construção de metadados para implementação e alimentação de
bancos de dados bibliográficos desenvolvidos e aplicados aos ambientes
informacionais digitais em formato de catálogos públicos on-line como
ferramentas indispensáveis nos processos de localização, acesso, uso e reuso dos
recursos informacionais, unidades primárias no processo de empoderamento.
2 CATALOGAÇÃO E ÉTICA
A Catalogação, nesse momento histórico, passa por um período
importante de reflexão, de (re)dimensionamento de sua identidade, e conta com
a colaboração de profissionais de áreas afins, num processo de discussão inter e
transdisciplinar.
Como disciplina e prática profissional, ela tem como missão construir
formas de representação para alimentação de catálogos a partir da descrição
padronizada de recursos informacionais, contemplando sua forma, seu conteúdo
e o seu arranjo em acervos, de modo a tornar a unidade informacional única e
multiplicar os pontos de acesso para a sua identificação, localização e
recuperação; faz uso das tecnologias disponíveis nos mais diversos momentos
históricos, na tentativa de descobrir caminhos para o aperfeiçoamento e
otimização do trabalho cooperante e colaborativo.
A catalogação cooperativa suportada por computador pode ser descrita
como um processo multidisciplinar que envolve várias tecnologias e conceitos
que contribuem para satisfazer os seus objetivos, como interação homemcomputador, hipertexto, inteligência artificial, sistemas distribuídos e redes de
computadores. Ela serve como mecanismo de comunicação e produtividade
usando computadores voltados à construção e à alimentação de bases de dados
bibliográficos.
Analisando a função do catalogador como facilitador da aprendizagem e
da troca de dados e informações interagindo com os indivíduos em diversos
ambientes, visualizamos a sua ação propulsora para a adequação e a estimulação
no processo de recuperação de informações, que permite uma interação efetiva
do usuário com o ambiente, do usuário com o usuário e grupos de usuários com
outros grupos e com o ambiente.
O catalogador é um dos responsáveis, mesmo que não visível, por unir as
pessoas e colocar à disposição delas recursos de comunicação, de informação e
de produção de conhecimento, por meio do processo de construção das
representações das informações esquematizadas e estruturadas em formatos
legíveis por máquinas que permitem a identificação, a localização e a
recuperação automática das informações e propiciam, por meio dos padrões, a
interoperabilidade entre sistemas de informação.
Entretanto, o processo, os esquemas, as estruturas e os modelos de
tratamento descritivo da informação (TDI) não são neutros, uma vez que trazem
no seu interior a visão de seus idealizadores e refletem posições ideológicas e
políticas; além de, no processo de construção de formas de representação de
informações, os recortes e as segmentações serem uma constante e uma
característica na representação.
São as representações que garantem a visibilidade do recurso
informacional no momento da busca e da recuperação, acarretando mediação
entre a informação registrada (documento ou recursos informacionais) e o
usuário.
Quanto mais específicas, completas e detalhadas forem essas
representações, mais pontos de acesso ao recurso elas fornecerão, e melhor será
a sua recuperação. Uma representação mais detalhada do recurso proporcionará
sua maior identificação, individualizando-o, tornando-o único entre muitos,
multiplicando as formas de acesso a ele e possibilitando, assim, uma
recuperação mais precisa.
Cada comunidade determinará o tipo de padrão de metadado a ser
utilizado; entretanto, não basta garantir somente a representação dos recursos
informacionais, pois diante da variedade de padrões de metadados que está
sendo utilizada por comunidades distintas, é preciso garantir também a
interoperabilidade dos dados para a troca de informações.
A interoperabilidade se constitui como um fator de ordem a ser tratado em
ambientes informacionais digitais e pode ser definida como a capacidade de
interação, de operação em conjunto, de compartilhamento de informações entre
softwares, independente da estrutura de armazenamento dos dados usada em seu
banco de dados.
O compartilhamento de informações é uma necessidade que tem
desafiado profissionais de várias áreas, principalmente em ambientes altamente
distribuídos e heterogêneos como a Web, onde estão ambientadas as redes
bibliográficas e informacionais digitais.
A promoção da interoperabilidade
esbarra em questões de integração de recursos, no uso de ferramentas que
auxiliem a troca de informações, tais como o uso de padrões de metadados,
linguagens de marcação mais adequadas e principalmente as arquiteturas de
metadados.
O papel desempenhado pela Catalogação, nesses ambientes, é estratégico,
considerando-se o desenvolvimento do conhecimento coletivo, e do aprendizado
contínuo, tornando mais fácil o compartilhamento de problemas, perspectivas,
idéias e soluções. Entretanto, para atingir esse objetivo, dois aspectos essenciais
necessitam de destaque:
· As estratégias para desenvolvimento do conhecimento devem ser focadas
na criação de mecanismos que permitam a interação e a manutenção de
contatos, a facilitação de troca de experiências, de trabalho em conjunto, e
de mapeamento e acompanhamento da participação de cada um, e não
apenas a captura e a disseminação centralizada de informação;
· As ferramentas tecnológicas de suporte ao conhecimento devem ser
flexíveis e fáceis de usar, dando a maior autonomia possível aos membros
das comunidades de trabalho, com um mínimo de interferência, pois as
tecnologias úteis para a gestão do conhecimento são aquelas que
propiciam a integração das pessoas, que facilitam a superação das
fronteiras, que ajudam a prevenir a fragmentação das informações e
permitem criar redes globais para o compartilhamento do conhecimento.
Isso é fundamental para a criação de bases de dados e para o
entendimento do comportamento do usuário.
Em suma, as Tecnologias da Informação e Comunicação devem ser
utilizadas para facilitar as atividades essenciais do trabalho de gestão do
profissional da informação e para a evolução da unidade de informação, tais
como a solução de problemas e a inovação, com o uso de ferramentas e métodos
flexíveis e de fácil entendimento.
Nesse sentido, é interessante retomar os apontamentos do escritor ítalocubano Ítalo Calvino, “Seis propostas para o próximo milênio” (1990), que
elegeu alguns valores literários a serem preservados neste século.
As propostas de Calvino transcendem as questões da literatura e oferecem
apontamentos instigantes sobre o desenvolvimento e a cultura mundiais. As
qualidades apresentadas por ele permeiam a forma como devemos lidar com a
informação no seu tratamento, organização, armazenamento, disponibilização e
acesso, como criamos métodos e como nos propomos transformar a informação
em conhecimento.
É nessa concepção que as considerações de Calvino sobre Leveza se
encaixam com perfeição na Ciência da Informação, e especificamente no
processo de Catalogação, pois no cenário estratégico de um mundo competitivo
onde a informação é vital, o jogo pela sobrevivência nunca foi tão pesado. O
peso também é uma característica de muitas das soluções da organização da
informação às quais as unidades de informação recorrem; o peso da
complexidade está presente na formação e na estrutura dos acervos e estoques
informacionais, nas estruturas de hardware e software e nas redes de informação
e comunicação.
Os processos de representação da informação e os sistemas de
alimentação de catálogos e bases de dados não são soluções leves, envolvem
técnicos, especialistas, investimentos, treinamentos, implantações, adaptações e
replanejamentos. O problema da importação de dados bibliográficos e
catalográficos em ambientes cooperativos e colaborativos, que sugeria um
ambiente de processos mais leves, para muitas unidades de informação,
transformou-se em um grande peso, resultando em projetos de prazos e custos
indefinidos.
O desafio da leveza está na sensibilização das pessoas, em tirar o peso dos
ombros dos que se consideram ou estão desatualizados, no envolvimento e na
participação dos que conhecem o funcionamento do sistema.
A Rapidez, o segundo valor apontado pelo autor, é muitas vezes
deturpada no atendimento das necessidades informacionais, porque a rapidez e a
velocidade dos fatos precisam ser vivenciadas à luz de tempos diferentes; não
deve existir a velocidade pela velocidade. Faz-se necessária uma priorização e
definição de estratégias de curto, médio e longo prazos, faz-se necessário
conhecer a riqueza de recursos existentes, e de modo adequado tratar absurdos
como prazos impossíveis de serem cumpridos, pois o tempo é o tipo de recurso
que não se pode comprar, talvez o único recurso verdadeiramente não renovável.
Na maioria das áreas, e a CI não fica fora, vive-se o presente; o futuro está
pautado nas metas de curto prazo e o passado é, muitas vezes, esquecido. Nesse
círculo, ficamos condenados a repetir erros, pois abandona-se a memória, a
história das iniciativas anteriores é esquecida, e a queima de etapas e a
simplificação do caminho acabam inexistindo, pela ausência de uma memória
ativa, estruturada e acessível a partir da qual seria possível uma velocidade de
maior ação futura, com menos tempo de planejamento.
É na CI que encontramos respaldo metodológico para transformar dados
em informações, de modo a permitir e facilitar a construção do conhecimento,
por meio do desenvolvimento de ferramentas e estruturas metodológicas que
vasculhem, organizem, representem e disponibilizem informações, a partir do
agrupamento, da identificação de padrões, da utilização e desenvolvimento de
formas de representação e de cálculos para trabalhar com a informação, de modo
a atender qualitativamente às necessidades informacionais. Entretanto, é
necessário considerar que, para transformar informação em conhecimento,
precisamos de tempo, pois a reflexão, que leva à compreensão, exige tempo de
maturação.
Hoje, as TICs expõem as pessoas, por diversas mídias, a uma avalanche
de dados e informações. Somos inundados por fatos novos todos os dias, e
poucos conseguem articular relações inteligentes de causa-efeito durante o curto
espaço de tempo entre uma informação e outra.
Ao falar da Exatidão, Calvino (1990) apresenta como objeto de discussão
a busca da expressão adequada dos fatos. O autor (p.88) diz:
[...] busca da exatidão se bifurcava em duas direções. De um lado, a
redução dos acontecimentos contingentes a esquemas abstratos que
permitissem o cálculo e a demonstração de teoremas; de outro, o
esforço das palavras para dar conta, com maior precisão possível, do
aspecto sensível das coisas. (...) São duas pulsões distintas no sentido
da exatidão que jamais alcançam a satisfação absoluta: em primeiro
lugar porque as línguas naturais dizem sempre algo mais em relação
às linguagens formalizadas, comportam sempre uma quantidade de
rumor que perturba a essencialidade da informação; em segundo,
porque ao se dar conta da densidade e da continuidade do mundo que
nos rodeia, a linguagem se revela lacunosa, fragmentária, diz sempre
algo menos com respeito à totalidade do experimentável.
A busca do profissional da informação também se dá em dois sentidos, o
de revelar os problemas de informação relacionados aos interesses do usuário e
o de traduzir essas demandas em estruturas e informações que sejam passíveis
de tratamento e formas de representações documentárias, tanto no sentido
descritivo como temático, o que significa estar constantemente trabalhando com
a linguagem natural e com a linguagem formalizada representativa da área, em
uma atuação constante no sentido de manter um relacionamento entre pessoas e
sistemas. Trata-se de um ambiente de constantes agitações e iniciativas
imprevisíveis, em contraponto com as estruturas dos estoques informacionais,
um mundo em que tudo se baseia em ordem, padrões, estruturas e relações
definidas por códigos, tabelas e formatos, e que ao ser apresentado às pessoas,
torna necessárias considerações como estas:
[...] as margens de um livro jamais são nítidas nem rigorosamente
cortadas: além do título, das primeiras linhas e do ponto final, além de
sua configuração interna e da forma que lhe dá autonomia, ele está
preso em um sistema de remissões a outros livros, outros textos,
outras frases: um nó em uma rede. (FOUCAULT, 1995, p.26)
O valor de Visibilidade apontado por Calvino remete à questão de como
pode o profissional da informação construir formas de representação para os
estoques documentais de modo que as informações e os documentos disponíveis
sejam acessíveis, dando ao usuário a possibilidade de confrontar seus
marcadores de memória com os atributos definidos para representar um recurso
informacional. Essa é uma atividade cotidiana nas unidades de informação, no
processo de tratamento das informações e que acaba, muitas vezes,
comprometendo a interação entre os profissionais, as informações disponíveis e
os usuários.
O ponto fundamental da visibilidade está na capacidade de tornar visível
aquilo que parece impossível, inviável, inalcançável. Pensar por imagens e
comunicar-se por meio delas, em um mundo dominado por elas, tem se tornado
uma competência fundamental. A capacidade de construir imagens com
significado, nítidas e mobilizadoras, permitirá novas combinações, conexões não
tradicionais que levarão à ruptura de fronteiras e ao deslocamento de sentidos.
Assim, um desafio importante para a Ciência da Informação é dar
visibilidade ao conhecimento e favorecer a transformação do conhecimento
tácito em conhecimento explícito. (NONAKA; TAKEUCHI, 1997)
Os documentos e as informações descritos por meio das formas de
representação desenvolvidas e adotadas pela CI se constituem em imagens para
a disseminação, a recuperação e o uso de informações, proporcionando a
geração de novos conhecimentos. Os caracteres alfanuméricos, pontos, vírgulas,
traços, parênteses, sinais de alinhamento e separação, descrevendo e
representando a multiplicidade discursiva dos estoques documentais, estarão em
uma estrutura sempre igual e ao mesmo tempo sempre diversa, como um nó em
uma rede que remete para outro nó, que ao mesmo tempo individualiza um
documento e multidimensiona as possibilidades de acesso a ele, permitindo sua
relação com outros textos.
Isso nos conduz ao valor da Multiplicidade apontado por Ítalo Calvino,
pois as configurações sociais e organizacionais hoje são marcadas por uma
variedade imensa de vínculos, conexões, saberes e perspectivas. É em meio a
essas conexões que se realizam as trajetórias profissionais, em especial, no que
diz respeito ao acesso e ao uso de informações.
O valor da multiplicidade exige uma consideração efetiva da necessidade
de multiplicar as formas de acesso às informações disponíveis e a
disponibilização de diversas formas de representação, com o objetivo de
considerar pontos de vista diferentes e, principalmente, o trabalho em equipe, a
cooperação e o compartilhamento de recursos materiais e humanos, implicando
a tolerância com as diversas visões do mundo.
A Consistência como valor que Calvino pretendia apresentar é facilmente
transposta para o processo de Catalogação, pois em qualquer tomada de decisão
sabe-se o preço da inconsistência das informações. A consistência nos remete à
integridade, ao aperfeiçoamento e à completude das informações. Nas unidades
de informação, esses são valores essenciais.
Nesse sentido, a capacidade organizacional e pessoal é ampliada com a
utilização das tecnologias para o gerenciamento das informações em três pontos:
na comunicação entre os sujeitos institucionais e usuários na troca fácil e rápida
de mensagens; na economia, com a possibilidade de partilhar recursos e de
expansão econômica do sistema informático da organização, com a compra e a
ligação em rede de computadores econômicos; e na organização, pois as
tecnologias de informação contribuem para a criação de grupos de trabalho,
rompendo as barreiras de tempo e espaço, e facilitam a gestão de recursos da
organização, tanto humanos como materiais, com consistência, exatidão,
visibilidade e rapidez, favorecendo a multiplicidade e a leveza no processo de
geração e uso de informações.
Pode-se concluir que o desafio maior está em perceber, conforme aponta
Moran (2001, p. 18), que
O conhecimento não é fragmentado mas interdependente, interligado,
intersensorial. Conhecer significa compreender todas as dimensões da
realidade, captar e expressar essa totalidade de forma cada vez mais
ampla e integral. Conhecemos mais e melhor conectando, juntando,
relacionando, acessando o nosso objeto de todos os pontos de vista,
por todos os caminhos, integrando-os da forma mais rica possível.
Essa percepção se faz necessária na tentativa de aumentar a capacidade
operacional da Ciência da Informação de “saber tecer em conjunto os diversos
saberes e os diversos códigos em uma visão pluralística e multifacetada do
mundo” (CALVINO, p.127), considerando as atribuições e as responsabilidades
relacionadas com os dados, as informações e o conhecimento em um cenário de
incerteza tecnológica, ritmo acelerado de mudanças, gap de desenvolvimento da
infraestrutura, preços desfavoráveis de equipamentos e software, integrações
complexas e mudanças na força de trabalho, gerando uma atuação profissional
que privilegie a consonância discursiva dos profissionais e dos usuários,
demonstrando uma harmonia visível e consistente entre a prática discursiva e a
prática não discursiva de todo o processo de gestão da informação, conforme
procura demonstrar o diagrama a seguir.
Discurso das
Prática
Instituições
não discursiva
RECURSOS
INFORMACIONAIS
Discurso do
Usuário
SUJEITOS INSTITUCIONAIS
(gestor da informação)
TECNOLOGIAS da
INFORMAÇÃO e
COMUNICAÇÃO
Multidiversidade discursiva
elaboração de pontes
metafóricas entre o acervo e
sujeitos psicossociais
“findability” –
acesso aos registros
do conhecimento
humano
Figura 1: Práticas discursivas institucionais
Completando essa reflexão, observa-se que o perfil necessário para o
profissional da CI é variado. O conhecimento específico sobre metodologias e
técnicas para a gestão da informação e do conhecimento é fundamental, mas
espera-se uma capacidade de gerenciamento que combine o conhecimento
teórico com o conhecimento técnico, o conhecimento profundo na área de
atuação aliado a uma ampla visão, a competência abrangente na especialidade
em interação com uma ampla cultura geral, confiabilidade, criatividade, ética e
honestidade, como forma de garantir uma sintonia com a moderna prática
discursiva da Ciência da Informação.
A construção das redes de informação tem no processo de catalogação um
grande aliado, pois este contempla uma arquitetura bem definida no uso de
tecnologias, linguagens de marcação e agentes de software, que potencializam a
identificação, a unicidade, o armazenamento, a busca, o acesso, a recuperação, a
preservação, o uso e o reuso de recursos informacionais.
As redes informacionais, em sua estrutura e aplicação, estão pautadas nos
conceitos fundamentais da Ciência da Informação, indo além das questões de
uso da tecnologia, principalmente na adoção de metodologias advindas da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação, da fundamentação teórica e
técnica de tratamento, da representação e de recuperação de unidades
informacionais, da inclusão e do empoderamento social.
Nesse sentido, a Catalogação é peça importante no repasse de sua
experiência de construção de formas de representação e descrição dos recursos
informacionais, estruturados de acordo com métodos, normas e padrões
biblioteconômicos para a recuperação de informação, como um modelo
consolidado de tratamento e recuperação de informação, em uma estrutura
organizacional cooperativa e colaborativa.
O uso de formas de representação e descrição dos recursos informacionais
disponíveis nas redes informacionais garante a existência de ambientes
informacionais interoperáveis, pautados em uma filosofia de cooperação,
colaboração, compartilhamento e intercâmbio de informações, permitindo o
acesso
a
uma
variedade
de
recursos
informacionais
e
ampliando,
consequentemente, as possibilidades de compartilhamento de conhecimentos e
recursos informacionais em comunidades de interesses específicos.
A Web se constitui como ambiente adequado para a persistência de redes
informacionais, pois segundo Bernes-Lee (2007), o idealizador da Web, a
habilidade da rede em permitir que as pessoas construam links a transforma em
um espaço abstrato de informação digital sobre todos os aspectos da vida,
continuamente recriada hipertextualmente.
Destaca, entretanto, que a Web é sustentada por protocolos tecnológicos e
convenções sociais. Os protocolos tecnológicos determinam como os
computadores interagem e as convenções sociais determinam as regras de
engajamento, e como as pessoas gostam e estão possibilitadas a interagir.
Isso nos leva a concluir que os métodos e as técnicas de Catalogação
proporcionam uma metodologia para a construção de formas de representação
com uma lógica de descrição representativa que oferece maiores possibilidades
de busca, localização, recuperação e amplitude no acesso, no uso e no reuso dos
recursos informacionais, o que favorece a interoperabilidade entre ambientes
informacionais distintos, minorando ações de retrabalho no tratamento
documentário, atuando assim nos protocolos de descrição da Web.
E, por fim, que o tratamento dos recursos informacionais que se
caracterizam como unidades básicas fundamentais na formação e ampliação de
bases de conhecimento individuais e coletivas e que representam importante
papel no processo de desenvolvimento sustentável, é imprescindível para a idéia
de empoderamento: o acesso efetivo à informação representa grande
significação na mobilização dos sujeitos em comunidades nas quais ações de
inclusão e de capacitação individual estão presentes nas agendas tanto do setor
público como do privado, e se caracterizam pela participação, respeito,
colaboração e cooperação, definidas pelas convenções sociais.
REFERÊNCIAS
BERNES-LEE, Timothy. Testimony of sir Timothy Berners-Lee. In: Digital future of the
United States: Part I - The future of the world wide web. Massachusetts Institute of
Technology. Disponível em: <http://dig.csail.mit.edu/2007/03/01-ushouse-future-of-theweb> Acesso em: 10 ago. 2007.
CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. 2.ed. São Paulo:
Companhia da Letras, 1990.
DIETRICH, Elton. Projeto de um sistema de suporte à autoria cooperativa de
hiperdocumentos. Porto Alegre: CPGCC/UFRGS, 1996. Dissertação de mestrado.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
HOLLINSWORTH, David; WHARTON, Peter. An architeture for developing CSCW. In:
SPURR, Kathy; LAYZELL, Paul; JENNISON, Leslie; RICHARDS, Neil. Computer
support for co-operative work. Chichester, EUA: John Wiley, 1994.
LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo:
Loyola, 2000.
MERCIER, P. A., PLASSARD, F., SCARDIGLI, V. La sociedad digital. Barcelona: Ariel,
1985.
MORAN, José Manuel. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e
telemáticas. In: MORAN, José Manuel (org.). Novas tecnologias e mediação pedagógica.
3.ed. Campinas: Papirus, 2001.
NONAKA, I.; TAKEUCHI H. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas
japonesas geram a dinâmica da inovação. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997.
WITHAKER, Francisco (1998). Redes: Uma estrutura Alternativa de Organização.
Disponível em: <http://www.rits.org.br/redes_teste/rd_estrutalternativa.cfm>. Acesso em:
28/07/2007.
CIBERESPAÇO, REDES SOCIAIS, AGENTES...:
aspectos éticos para reflexão
Guilherme Ataíde Dias⃰
Isa Maria Freire**
Tiger, Tiger, burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful
symmetry?
(William Blake)
1 INTRODUÇÃO
Relembrar que as Tecnologias Digitais da Comunicação e Informação
(TDICs) alteraram ou estão alterando o modo de pensar e agir de nossa
sociedade contemporânea pode parecer lugar comum. Contudo, por mais que
estejam internalizadas em nossa consciência, estas mudanças, o impacto das
mesmas resulta em mudança de paradigmas que nos obrigam a refletir de forma
contínua sobre a natureza das transformações e desafios que nos aguardam.
⃰
Professor do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador do CNPq.
**
Professora do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisadora do CNPq.
Dentre as TDICs que mais causaram impactos, indicamos especificamente
as tecnologias que possibilitaram o desenvolvimento da Internet e das
tecnologias a elas associadas. A revolução causada pela universalização da
Internet ainda não está completa, nem podemos precisar com certeza quais serão
os novos serviços que surgirão nos próximos anos, pois exercícios de futurologia
são meras especulações. A única máxima a que podemos nos apegar é a certeza
da constante incerteza.
Dos desafios apresentados pelas TDICs podemos destacar, como
oportunidade de estudo, os fenômenos comportamentais relacionados à ética dos
usuários perante a interação com as aplicações que possibilitam interação no
ciberespaço. Este texto não tem a ousadia de apontar soluções para algumas
situações apresentadas, mas apenas materializar determinados contextos que nos
levem a refletir sobre possíveis abordagens teóricas conceituais sobre o espaço
em rede, ou ciberespaço.
2 REDES NO CIBERESPAÇO
O conceito de ciberespaço que adotamos é baseado no próprio criador do
termo, William Gibson na obra Semimal Neuromancer. Conforme Gibson
(1984, p. 51):
Ciberespaço.
Uma
alucinação
consensual
experimentada
diariamente por bilhões de usuários legítimos, em cada nação,
por crianças a quem são ensinadas conceitos matemáticos[...].
Uma representação gráfica de dados abstraída dos repositórios
de cada computador do sistema humano. Complexidade
inimaginável. Linhas de luz alinhadas no não espaço da mente,
agregados e constelações de dados. Como as luzes da cidade
esvaindo-se [...]1
A definição de ciberespaço apresentada por Gibson (1984, p. 51) é
deveras subjetiva e carece de formalismo, mas entendemos que a mesma é
suficiente para construirmos a idéia de ciberespaço, especialmente se utilizarmos
como alicerce o período “[...] uma representação gráfica de dados abstraída dos
repositórios de cada computador do sistema humano [...]”.
Dentro do contexto apresentado por Gibson (1984), entendemos que as
redes sociais tornadas acessíveis através de desktops, notebooks, netbooks,
celulares e outros dispositivos – que podemos considerar como aparelhos
provedores de interfaces2 para o ciberespaço – são instâncias do mesmo, ou seja,
que podemos construir a proposição de que redes sociais mediadas pelos
dispositivos mencionados sejam um subconjunto possível do ciberespaço.
Tomaél e Marteleto (2006, p. 75) entendem que as redes sociais
“expressam o mundo em movimento” e as definem como “conjunto de pessoas
(ou organizações ou outras entidades) conectadas por relacionamentos sociais,
motivados pela amizade e por relações de trabalho ou compartilhamento de
informações”, que constroem e reconstroem a estrutura social através dessas
relações. As autoras defendem a análise de redes sociais como “recurso que
respalda a gestão organizacional, identificando os atores mais influentes na
rede”, que estaria “se tornando cada vez mais um recurso estratégico na
1
Tradução nossa.
Johnson (2001, p.17) conceitua interface como “[...] softwares que dão forma à interação
entre usuário e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre
as duas partes, tornando uma sensível para a outra. Em outras, a relação governada pela
interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força
física”.
2
estruturação e criação de ligações importantes” (TOMAÉL; MARTELETO,
2006, p. 77).
Para Marteleto (2001, p. 73), “estudar a informação através das redes
sociais significa considerar as relações de poder que advêm de uma organização
não-hierárquica e espontânea e procurar entender até que ponto a dinâmica do
conhecimento e da informação interfere nesse processo”.
O conceito de rede social apresentado por Tomaél e Marteleto (2006, p.
75) pode ser instanciado para as relações existentes no mundo virtual, e a mesma
definição sugerida adequa-se às redes sociais encontradas no ciberespaço, das
quais, dentre as mais populares atualmente, podemos elencar, sem atribuir
ordem de importância, as seguintes: Facebook3, Orkut4, MySpace5, Twitter6,
entre outras.
Algumas situações de cunho ético desabrocham a partir da imersão dos
usuários nas redes sociais disponibilizadas no ciberespaço. Dentre algumas
possíveis situações faremos a devida contextualização e apresentaremos alguns
questionamentos.
Ploug (2009, p. 5) apresenta um experimento realizado nos Estados
Unidos em que emergem diferenças no comportamento ético das pessoas quanto
ao proceder no mundo real e no ciberespaço. Nesse experimento (Legal Tender
Experiment), pessoas ao acessarem uma determinada página da Web eram
presenteadas com um par de notas de cem dólares supostamente reais e passíveis
de serem acessadas através de tecnologia robótica. Depois de devidamente
3
Disponível a partir da URL: http://pt-br.facebook.com/
Disponível a partir da URL: http://www.orkut.com.br
5
Disponível a partir da URL: http://br.myspace.com/
6
Disponívek a partir da URL: http://twitter.com/
4
cadastradas, eram dadas às pessoas a possibilidade de furar ou queimar as notas
remotamente. Ao aceitar o experimento os participantes eram informados de que
a lei americana considera crime atos que por ventura venham danificar o papel
moeda, incorrendo em penalidades pecuniárias ou de privação de liberdade.
Explicados da ilegalidade os participantes tinham a opção de clicar em um botão
no qual aceitavam a responsabilidade pela mutilação das notas e podiam
continuar com o experimento. Após a condução do experimento, os envolvidos
eram consultados sobre a veracidade do teste onde a maioria discordava que o
teste fosse real. Ploug (2009, p. 6) esclarece que este simples teste parece
evidenciar que o comportamento ético das pessoas no mundo físico muda
quando a interação ocorre no ciberespaço.
Uma premissa proposta por Ploug (2009, p. 7) infere que “a interação no
ciberespaço difere eticamente da interação ocorrida fora do ciberespaço por
força dos agentes eventualmente procedendo de forma pelas quais eles não
teriam agido tivesse a interação ocorrida em ambiente diverso do ciberespaço”.7
Baseado no apresentado, pode-se questionar se a interação “face a face” no
mundo físico é diferente da interação no ciberespaço e quais os motivos que
eventualmente levam o indivíduo agir de forma ética diversa nos dois meios. ]
Nesse sentido, qual a razão que levam os usuários a assumir outras
personalidades no Ciberespaço? Um caminho para tais questionamentos é
apontado ainda por Plough (2009, p. 4) ao indicar que o trabalho do filósofo
Frances, Emmanuel Levinas pode contribuir para esclarecer as dinâmicas entre a
interação física “face a face” e dinâmicas emergentes da interação originada no
ciberespaço.
7
Tradução nossa.
Um segundo aspecto que questionamos é o da interação de usuários com
entidades que mimetizem o comportamento humano, interação esta realizada em
uma rede social ou qualquer outra instância do ciberespaço. De forma a
apresentar a questão faz-se necessário fazermos algumas explicações.
Apresentaremos a seguir um teste conhecido como o Teste de Turing, definindo
a seguir o conceito de agentes e chatterbots.
O matemático britânico Alan Mathison Turing (1950) propôs um teste
para determinar a capacidade de uma máquina em demonstrar inteligência, este
teste é conhecido como Teste de Turing e pode ser explanado da seguinte forma:
O teste é realizado com dois humanos, um deles o juiz do experimento, e uma
máquina, prosseguindo com uma conversação em linguagem natural entre o juiz,
o outro humano e a máquina. Tanto os humanos como as máquinas estão
remotamente separados e a conversação está limitada ao texto digitado em um
teclado e apresentado em um terminal. No caso do juiz não conseguir distinguir
quem é o humano e quem é a máquina, considera-se que a máquina passou no
teste. Até o momento máquinas não passaram no Teste de Turing, mas muitas
conseguem interagir com o juiz humano de maneira bastante fidedigna.
A partir da explanação da idéia do Teste de Turing prosseguimos com
mais definições antes de apresentarmos outro questionamento ético.
Introduzimos agora o conceito de agente.
Segundo Johnson (2000, p. 135) “Como o nome sugere, os agentes são
delegados, representantes. Fazem coisas para nós”, entendemos um agente como
sendo uma entidade que age como um procurador realizando tarefas em nome de
outra entidade. Nosso interesse recai sobre os agentes de software, que segundo
Jennings e Wooldridge (1996) pode ser entendido informalmente “como um
programa autônomo capaz de controlar sua própria tomada de decisão e agir
com base na percepção de seu ambiente na busca de um ou mais objetivos”8.
Entendemos que o conceito de agente no mundo não virtual pode ser
transplantado para o ciberespaço sem grandes problemas conceituais, mas o que
muda é apenas o espaço de atuação da entidade.
Chatterbots são programas de computador que tentam simular
conversações com os usuários, com o objetivo de, pelo menos temporariamente,
levar um ser humano a pensar que está conversando com outra pessoa (LAVEN,
2003). Essa possibilidade de se dar a uma máquina habilidade para interagir com
o ser humano, através da compreensão e simulação do seu comportamento, tem
sido, há muito tempo, alvo de pesquisas na área de inteligência artificial
(LEONHARDT, 2005).
Dias, Henn e Silva (2007, p. 5) esclarecem que as aplicações mais comuns
de chatterbots na web são para entretenimento (manter o usuário durante mais
tempo no site), ajudar o (tirar dúvidas do usuário quanto ao site ou empresa),
comércio (auxiliar o usuário em compras, inclusive sugerindo produtos) e o
ensino a distância (esclarecer dúvidas, orientar exercícios propostos, efetuar
demonstrações, etc.).
Um chatterbot é um tipo de agente, sendo encontrado em diversas
instâncias do ciberespaço. Um questionamento que nos intriga seria de que
chatterbots estão disseminados como auxiliares de usuários nas mais diversas
instâncias do ciberespaço prestando auxílio em diversas atividades conforme
explicitado. Uma vez que muitos destes chatterbots possuem condições de
mimetizar a conversação com um ser humano, não descartando a possibilidade
de algumas dessas entidades vir a passar no Teste de Turing em um futuro ainda
indeterminado, mas possivelmente a médio prazo, indagamos: Qual seria o
8
Tradução nossa.
direito do usuário saber que estão relacionando como uma entidade não
humana? Quais seriam os aspectos éticos emergentes desta relação, uma vez que
diversas ações podem ser tomadas pelo usuário a partir da interação com o
chatterbot?
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como dito na introdução, estas e outras questões não são respondidas no
presente texto, mas se colocam como aspectos de uma agenda para discussão
sobre a responsabilidade ética e social dos profissionais da informação. Pois
pertencemos ao domínio dos profissionais que criam e disponibilizam as
tecnologias da informação que revelam ou escondem o humano nos meandros
das máquinas. Onde e quando os “auxiliares” podem vir a assumir os papéis dos
seres humanos, são questões a serem respondidas a partir de um posicionamento
dos criadores sobre o verdadeiro caráter de suas criaturas.
É nosso dever ético e nossa responsabilidade profissional, perante a
sociedade contemporânea que se denominada “da informação”, estarmos atentos
para essas e outras questões decorrentes da nossa ação sobre o mundo. De modo
a vivermos no ciberespaço a verdadeira aventura humana, qual seja a de
construir redes de relações que conduzam ao crescimento das possibilidades de
diálogo e interação entre humanos.
REFERÊNCIAS
DIAS, Guilherme Ataíde; HENN, Gustavo; SILVA, José Wendell de Morais. Tecnologia da
informação e serviços de referência eletrônicos: uma proposta de aplicação baseada em
chatterbots e ontologias. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência
da Informação, Florianópolis, v.12 n.23, p.47-61, 2007.
GIBSON, William. Neuromancer. New York, Ace Books, 1984.
JENNINGS, Nick e WOOLDRDIGE, Michael. Software Agents. IEE Review, p.17-20,
1996.
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface: como o computador transforma a nossa
maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 2001.
LAVEN, S. What is a chatterbot? The Simon Laven Page. Disponível em:
<http:// http://www.simonlaven.com/ >. Acesso em: 09 de mar. 2010.
LEONHARDT, M. D. Um estudo sobre Chatterbots. 2005. Trabalho individual –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2005.
MARTELETO, R. M. Análise de redes sociais – aplicação nos estudos de transferência da
informação. Ciência da Informação, Brasília, v.30, n.1, p.71-81, jan./abr. 2001.
PLOUG, Thomas. Ethics in Cyberspace: How Cyberspace May Influence Interpersonal
Interaction. Springer, 2009.
TOMAÉL, M. I; MARTELETO, R. M. Redes sociais: posições dos atores no fluxo da
informação. Encontros Bibli, Santa Catarina, especial, 1o semestre, p.75-91, 2006.
TURING, Alan Mathison. Computing Machinery and Intelligence. Mind, Oxford, v.LIX,
n.236, p.433-460, 1950.
ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL E GESTÃO DA
INFORMAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
Júlio Afonso Sá de Pinho Neto1
1 INTRODUÇÃO
Nossa contemporaneidade possui uma grande demanda por critérios
éticos, capazes de orientar políticas de informação com o objetivo de promover
a inclusão social, priorizando aquelas informações realmente capazes de educar
para a cidadania, para a melhoria da qualidade de vida e maioridade política de
grandes parcelas da população que vivem diferentes situações de exclusão
social.
Vivemos em meio a um excesso de informações que paradoxalmente
representa um grande obstáculo à informação. Essa aposta no excesso investe
contra a qualidade e legitimidade dos conteúdos, que muitas vezes defendem
apenas interesses privados e beneficiam – de forma dissimulada – os objetivos
dos grandes mercados e monopólios. Este fenômeno faz parte também de um
processo
de
estetização
e
espetacularização
(DEBORD,
1997;
BAUDRILLARD, 1992) de diversos domínios da vida humana. Surge a
tendência de não buscarmos mais a informação nos meios de comunicação
disponíveis, mas torná-la um espelho de nós mesmos: “a internet torna-se um
1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade
Federal da Paraíba.
E-mail: sadepinho@uol.com.br
espelho de nós mesmos. Em vez de usá-la para buscar notícias, informação ou
cultura, nos a usamos para SERMOS de fato, a notícia, a informação, a cultura”
(KEEN, 2009, p. 12).
Torna-se, mais do que nunca, necessária a intervenção dos profissionais
da ciência da informação, que, orientados sob uma perspectiva ética, sejam
capazes de gerenciar tais excessos, privilegiando as informações que reafirmem
a prática da reflexão, da crítica e da democracia. Devem garantir espaço para
múltiplas vozes, com o escopo de salvaguardar os direitos inalienáveis do
homem e das sociedades com base nos valores da informação, reafirmando sua
dimensão social e humana (SARACEVIC, 1996).
Resta a pergunta, tão bem formulada por Wersig e Nevelling (1975):
Que exigências sociais devem ser atendidas pela ciência da informação?
Certamente aqui vêm em relevo os critérios e fundamentos éticos, pois percebese hoje, de forma majoritária, uma aposta na pura performance e obtenção de
resultados, revelando um flagrante distanciamento das práticas dialógicas que
devem questionar e orientar as atividades dos profissionais da informação.
Tal perigo apresenta-se a partir de uma tendência em suprimir a crítica
por considerá-la contrária à eficiência e também um obstáculo à produtividade.
Dá-se, então, um crescente vazio no que diz respeito ao pensamento e à reflexão,
o que nos expõe a uma cultura onde grassa a estetização, o amadorismo, a
banalidade e a desinformação.
Por outro lado, há a possibilidade de defender a perspectiva da gestão da
informação como um recurso capaz de fornecer o conhecimento necessário para
suprir demandas de informação de grupos sociais diversos. Tal entendimento
nos faz crer que a responsabilidade social é o grande objetivo da ciência da
informação (WERSIG; NEVELLING, 1975). Tal discernimento nos esclarece
que no âmbito de qualquer organização haverá sempre a necessidade de
conhecer as necessidades de informação dos seus diversos públicos2, atendendo
assim seus interesses. Este processo requer o estabelecimento de um intercambio
de informações a partir de relações bilaterais. É preciso auscultar o que os
públicos têm a dizer sobre a organização para em seguida levar tais informações
à administração superior que analisará a possibilidade de corrigir condutas ou
mudar comportamentos e procedimentos. As críticas, sugestões, dúvidas e
esclarecimentos, oriundos da opinião dos públicos, viabilizam um profícuo
trabalho preventivo com o objetivo de evitar conflitos. E todas as disputas
representam a possibilidade do surgimento de futuras crises, caso sejam
negligenciadas pelo trabalho de gerenciamento da informação.
Assim, dentre as atividades do profissional de Ciência da Informação
(CI), ressaltamos a gestão dos recursos informacionais das organizações com o
objetivo de fortalecer a democracia e a organização da sociedade através da
análise das suas necessidades de informação (MARCHIORI, 2002). Não há,
destarte, como falar de gestão da informação sem um embasamento ético. A
ética deve principalmente garantir que os grupos sociais, ou públicos de uma
organização, sejam agentes participativos nesse processo de gestão, fazendo
com que eles possam contribuir para definir as políticas de informação através
da manifestação de suas opiniões, críticas, anseios e demais contribuições.
2
Público é aqui entendido como um grupo social organizado e afetado pelo desempenho de
uma empresa ou organização. Conforme os diferentes graus de interesse, dependência e
relações econômicas, estes públicos podem ser classificados como internos, mistos e externos
(Cf. FRANÇA, 2004).
2 PÚBLICO INTERNO, ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA
GESTÃO DA INFORMAÇÃO
Diante de um mercado bastante competitivo, as organizações se veem
obrigadas a seguir novos modelos de administração que possuam as estratégias
necessárias para garantir a sua própria sobrevivência. Esses modelos,
necessariamente, exigem um planejamento estratégico do processo de
informação que deve atender a interesses muito bem explicitados na missão e
visão de uma instituição, sem, contudo, deixar de considerar as demandas da
sociedade como uma das prioridades da administração. As instituições sofrem
variadas pressões de grupos sociais organizados que reclamam seus direitos e
exigem um compromisso e envolvimento destas nos problemas sociais
contemporâneos.
Num cenário de profunda exclusão e desigualdade social, pesa, sobre
cada empresa e organização uma hipoteca social, como bem nos explicita João
Paulo II na Carta Encíclica “Laborem Exercens” (1981), que aborda questões
referentes aos meios de produção:
Estes não podem ser possuídos contra o trabalho, como não podem
ser possuídos para possuir, porque o único título legítimo para a sua
posse — e isto tanto sob a forma da propriedade privada como sob a
forma da propriedade pública ou coletiva — é que eles sirvam ao
trabalho; e que, consequentemente, servindo ao trabalho, tornem
possível a realização do primeiro princípio desta ordem, que é a
destinação universal dos bens e o direito ao seu uso comum.
Sob essa perspectiva, a propriedade é entendida a partir de um princípio
de responsabilidade social e não como um direito particular excludente. Se a
própria existência de uma empresa passa a ser entendida como responsabilidade
social, todo o resto, tal como projetos, ações, investimentos, filosofia
administrativa, etc., devem ser concebidos a partir desse compromisso com o
desenvolvimento social. Têm-se, aqui, uma visão macro da responsabilidade
social que não se limita a ações ou estratégias pontuais, mas orienta e justifica a
própria razão de ser de uma instituição. “Neste contexto, tanto os processos
administrativos [...] são mecanismos facilitadores para a otimização de
processos que levam, idealmente à comunicação efetiva da informação entre
indivíduos e grupos” (MARCHIORI, 2002, p. 75).
Assim, a responsabilidade social e a forma pela qual a organização a
entende e põe em pratica, constitui-se em um elemento estratégico no que diz
respeito aos fluxos de informação que se estabelecem no ambiente
organizacional. Todos os processos administrativos devem ser entendidos
mecanismos facilitadores que têm como objetivo maior proporcionar uma
efetiva comunicação da informação entre indivíduos e grupos (MARCHIORI,
2002).
A partir de tais premissas, surgem importantes questões: Que filosofia de
responsabilidade social uma instituição deve adotar, uma vez que suas ações
nesse campo contribuirão de forma decisiva na construção do conceito que essa
quer possuir diante da sociedade? Em que medida deve-se dar publicidade a tais
projetos e iniciativas? Qual o objetivo ético maior que fundamenta tais práticas?
Essas são questões éticas que envolvem o profissional de Ciência da Informação
(CI) e que demandam um diagnóstico preciso, sob pena de interferirem de
maneira negativa no conceito que a organização possui diante da opinião
pública.
Quando falamos da construção de um conceito é necessário lembrar que
o mesmo não pode significar a mera criação de uma imagem institucional; ele
deve corresponder verdadeiramente às escolhas e opções valorativas que
orientam determinada filosofia administrativa. Para tanto, é necessário
desenvolver inicialmente um trabalho voltado para os públicos internos de uma
organização. Este servirá como prova de que os valores que orientam as
políticas de responsabilidade social foram verdadeiramente internalizados e
adotados como princípios e não como instrumentos de marketing, capazes
apenas de fabricar imagens com forte impacto e visibilidade na mídia.
O público interno representa um importante termômetro das instituições
em matéria de ética, responsabilidade social e mesmo qualidade dos produtos
e/ou serviços oferecidos por uma empresa ou organização; é através do trabalho
desenvolvido junto a esse público que o gestor da informação vai colher dados
essenciais para o planejamento da sua atividade.
Através de diferentes métodos de pesquisa de opinião serão obtidos os
dados necessários para propor e sugerir mudanças em todas as políticas
elaboradas por uma instituição. Sem deixar de mencionar que os dados obtidos
internamente às organizações são valiosíssimos, pois para muitos públicos
externos – tais como clientes, imprensa, acionistas, fornecedores, governo,
dentre outros – as manifestações, opiniões e depoimentos dos funcionários
constituem-se em fonte de informação decisiva no momento de conhecer o
desempenho administrativo e mercadológico de uma organização.
No Brasil, infelizmente, por questões culturais, são negados ao público
interno o investimento e as políticas necessárias para firmá-lo como peça-chave
da administração organizacional. Tal negligência acaba por obstruir o
importante e necessário trabalho de gestão da informação e comunicação
interna. Tal equívoco acaba por privilegiar apenas ações voltadas para a área de
marketing (com todas suas estratégias de persuasão), já que no imaginário do
empresariado brasileiro esta atividade desponta muitas vezes como a única
forma de se obter um retorno financeiro fácil e rápido no que diz respeito aos
investimentos em matéria de responsabilidade social.
Um exemplo bastante eloquente desse panorama em que vivemos no
Brasil é a pesquisa realizada por Govatto (2007) com 131 anúncios publicitários,
veiculados na mídia impressa e eletrônica, pertencentes a 59 empresas filiadas
ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; o resultado
demonstrou que a maior parte dos anúncios contrariava as regras prescritas pelo
Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) e pelo
Código de Defesa do Consumidor. Segundo o trabalho de Govatto, 39% dos
anúncios possuíam informações incorretas sobre a oferta de serviços ou o uso de
produtos; 36% foram classificados como propaganda abusiva ou enganosa e
10% apresentavam informações que chegavam a por em risco a segurança ou a
saúde dos consumidores.
3 A GESTÃO DA INFORMAÇÃO INTERNA COMO PONTO DE
PARTIDA
PARA
AS
TRANSFORMAÇÕES
DA
CULTURA
ORGANIZACIONAL E ADOÇÃO DE NOVOS PARADIGMAS ÉTICOS
Cumpre ao profissional da ciência da informação, “analisar os processos
de produção, comunicação e uso das informações” (LE CODIAC, 2002, p. 25)
no âmbito organizacional. Desta forma, quando as organizações se mobilizam
para adotar políticas e projetos de responsabilidade como diferencial
competitivo, devem fazê-lo a partir de referenciais éticos. Vantagem competitiva
não pode dissociar-se da ética, principalmente quando se deseja, a partir de um
compromisso social, alcançar o status de organização socialmente responsável.
O caminho a seguir é internalizar verdadeiramente esses valores, princípios e
comportamentos, além de conclamar todos da instituição – a começar pelos
colaboradores – para a construção de um projeto coletivo nessa área.
Dentro dessa perspectiva de uma empresa cidadã, capaz de entender a
responsabilidade social como resultado de uma construção coletiva, a gestão da
informação em nível interno torna-se fundamental devido ao seu papel de
promover o envolvimento de todos seus colaboradores no processo
administrativo. Esse é um tipo de trabalho que necessariamente deve provocar
mudanças, ou seja, deve ir muito além do mero discurso propagandístico que
visa apenas alardear as benesses e o compromisso ético da empresa para com a
sociedade. Não basta, contudo, apenas conhecer o público interno, levantando
suas insatisfações e reivindicações, mas deve-se ir além, com o objetivo de
torná-lo agente desse processo de administração organizacional.
Este é um trabalho que não pode ser feito sem operar mudanças
estruturais que envolvem a transformação de antigos modelos administrativos.
Sob esta perspectiva deve-se valorizar o capital humano como o bem maior da
organização, evitando-se a subordinação do bem-estar ou das necessidades
humanas a qualquer objetivo meramente lucrativo. Assim, o lucro, ainda que
essencial para a sobrevivência de uma organização, só deve ser considerado
como satisfatório se o compromisso com a ética for aceito e assimilado como
um valor inalienável.
O gestor da informação, atuando junto ao público interno deverá,
destarte, comprometer-se com a criação de uma política que seja capaz de
ocupar-se prioritariamente com a melhoria da qualidade de vida dos seus
colaboradores. Paralelamente a isto, a divulgação de informações relacionadas à
atuação da organização junto a projetos de responsabilidade social nunca pode
vir dissociada de um compromisso genuinamente ético; jamais deve servir como
mera oportunidade de exibição ou exposição midiática visando – de forma
oportunista – obter maior visibilidade junto aos seus clientes ou usuários. Esse
trabalho é importante e prioritário justamente por demonstrar o interesse real da
administração em produzir resultados a partir do diálogo com o público interno;
ele demonstra, antes de tudo, uma concepção da gestão da informação como
instrumento capaz de produzir resultados a médio e longo prazos, justamente
porque envolve algo que requer tempo e maturação: uma interação dialógica
com essa parcela de público. Assim, um compromisso com ética deve se iniciar
com a revisão e transformação de modelos administrativos equivocados que
ferem direitos e limitam oportunidades daqueles que atuam no interior das
organizações.
Devemos lembrar que do ponto de vista ético é um contrassenso alardear
qualidade, responsabilidade social, preservação ambiental ou apoio cultural sem
antes promover, de fato e através de ações, o público interno como elemento
prioritário de uma organização.
O que queremos ressaltar é que não basta conceber a gestão apenas como
um conjunto de processos que envolvem a organização, distribuição e controle
da informação tendo em vista provocar ganhos na produtividade e no
desempenho financeiro das organizações. É necessário, antes de tudo, promover
mudanças de ordem cultural, pois a gestão da informação está atrelada a toda
uma cultura organizacional, que por sua vez é perpassada por valores,
princípios, hábitos, visões de mundo e ideologias. Há a necessidade, assim, de
realizar pesquisas voltadas para a cultura organizacional (CURVELLO, 2002)
como condição para que sejam propostas mudanças do ponto de vista ético. Sem
essas transformações no ambiente macro – aquele dos princípios, valores e
modelos administrativos – torna-se inócuo exasperar-se no planejamento e na
execução de políticas de informação visando a “participação” dos funcionários.
Deve-se entender que a cultura organizacional pressupõe uma leitura da
organização como um todo inter-relacionado (MARCHIORI, 2006), o que faz
vir em relevo a interdisciplinaridade da ciência da informação.
Até mesmo o status de “público”, aplicado aos funcionários, exige como
condição básica para sua existência que tal coletivo de pessoas interaja de forma
dialógica, debatendo assuntos de interesse comum a partir das controvérsias
existentes. Esse comportamento exige uma maioridade política e o profissional
de CI deve atuar como elemento fomentador desse comportamento dialético.
Trata-se de um trabalho que antecede a aplicação de todo o instrumental de
gestão da informação; antes trabalha questões culturais, pedagógicas e sociais. A
cultura organizacional revelará o perfil político e o grau de cidadania dos seus
públicos internos ao mesmo tempo em que permitirá conhecer os valores e
normas que orientam a instituição desde a sua fundação até o estabelecimento de
suas metas mais arrojadas. É este o trabalho de consultor que deve ser exercido
pelo profissional de CI, o qual irá exigir-lhe uma gama de conhecimentos em
áreas afins, capazes de torná-lo apto a interpretar o ambiente macro no qual a
organização está inserida.
Esta revisão ética, que brota do conhecimento aprofundado da cultura
organizacional, pode e deve ser considerada a melhor forma de se elaborar uma
política de informação eficaz, ou, melhor dizendo, uma verdadeira política de
informação. Muitas vezes a inexistência desse norte capaz de rever valores,
hábitos, princípios, comportamentos e visões de mundo, relega a gestão da
informação à mera execução de atividades que, ainda que planejadas, são
concebidas de forma meramente funcional, desconsiderando os vícios e práticas
estruturais presentes nas esferas administrativas que permanecerão impedindo o
êxito na consecução das metas e objetivos tão bem traçados nos planos e
programas ligados à gestão da informação.
Por outro lado, é importante ressaltar que esta atividade não pode
limitar-se a trabalhar de forma restrita, pois o processo de planejamento, gestão
e distribuição da informação exige do profissional o exercício da sua função de
consultoria junto à cúpula administrativa, o que deve levá-lo a atuar de forma
onipresente em todos os setores da organização, com a finalidade de detectar
necessidades e demandas de informação por parte dos diferentes públicos.
Negligenciar essa realidade é deixar a porta aberta para situações de conflitos ou
crises que certamente repercutirão negativamente no processo de gerenciamento
da informação, trazendo danos ao conceito que a organização possui na
sociedade.
4 O PÚBLICO INTERNO COMO FATOR PRIMORDIAL PARA A
LEGITIMAÇÃO DOS PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL
É inegável que cada vez mais a garantia de existência das organizações
passa por um processo de aprovação da sociedade civil organizada. Ela deve
apresentar uma contrapartida social e ambiental para legitimar sua atuação.
Longe da visão liberal que reservava ao Estado a preocupação com as questões
sociais, hoje, alguns (PERAZZO, 2009) já concebem a organização empresarial
como o principal agente de transformação da sociedade.
A responsabilidade social é um tema por demais controverso e um dos
conceitos mais frequentemente utilizados é o expresso por Ashley (2002, p. 6),
que a define como sendo “o compromisso que uma organização deve ter para
com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem
positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade na sociedade e sua
prestação de contas para com ela”. Ora, aqui percebemos uma compreensão
equivocada da responsabilidade social que tende a privilegiar ações executadas
para os públicos externos, ainda que sejam comunidades vítimas de qualquer
forma de exclusão social. O que é importante complementar é que o êxito de um
trabalho dessa natureza só será completo se for desenvolvido com o público
interno. Outra distorção a ser evitada é imaginar que essa parcela de público
pode permanecer fora do raio de ação de uma política de responsabilidade social
elaborada pelas organizações.
Um conceito também muito em voga hoje é o de “sustentabilidade
corporativa” (ALMEIDA, 2009), que aposta num envolvimento de toda a
organização na conquista da legitimidade social a partir do equilíbrio entre
lucro, meio ambiente e sociedade. Esta nova leitura confirma o entendimento de
que todos os públicos necessitam participar da elaboração dos projetos, políticas
e ações desenvolvidas junto a setores da sociedade civil que têm como objetivo
proporcionar à população um desenvolvimento econômico e social de forma
sustentável, sem comprometer o desempenho financeiro da organização, a
qualidade de vida da sociedade e sem produzir nenhuma forma de agressão ao
meio ambiente.
Esse envolvimento de todos os públicos de uma instituição deixa claro
que qualquer iniciativa que não contemple um esforço conjunto deve ser
refutada como contrária ao princípio de sustentabilidade. Sendo assim, não há
lugar para interpretações falaciosas da responsabilidade social que muitas vezes
apostam no mero assistencialismo ou filantropia, contemplando unicamente o
público externo. É paradoxal que uma empresa ou organização esteja
preocupada com questões sociais, desenvolvendo projetos nesse sentido, e que
no seu intramuros trate seus funcionários de maneira indigna, negligenciandolhes a garantia de direitos básicos. A inexistência de políticas que visem propor
ascensão funcional, benefícios, qualificação, treinamento e até mesmo
participação nos lucros, muitas vezes convive lado a lado com projetos de
responsabilidade social que alardeiam garantir a melhoria de condições de vida a
parcelas de excluídos da sociedade.
Há uma visão quase unânime de que a empresa não pode viver
exclusivamente com o objetivo de produzir lucro, pois cumpre também um
objetivo social, uma vez que não há como desvincular totalmente interesses
públicos de interesses privados. Atualmente as organizações se deparam com a
necessidade da aprovação social do seu direito de gerar lucro e riqueza, pois há a
cobrança de uma contrapartida que assegure melhorias na vida da comunidade
na qual está inserida. Prova disso é o despontar dos indicadores de investimento
em responsabilidade social, tão bem expressos nas propostas de divulgação do
“Balanço Social”.
Sabemos que a publicação do Balanço Social3 é um recurso ligado à
gestão da responsabilidade social. Contudo, sua elaboração, além se servir como
3
No Brasil, os modelos mais utilizados são o do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (IBASE)
instrumento de avaliação e planejamento, tem como objetivo proporcionar a
transparência
necessária
das
ações
desenvolvidas
pelas
organizações,
facilitando, assim, a abertura de canais de comunicação com a sociedade.
Através das informações contidas no Balanço Social a sociedade será capaz de
avaliar o desempenho das organizações no quesito responsabilidade social. Este
mecanismo nada mais é que um conjunto de informações sobre os investimentos
e ações sociais efetuados por uma instituição; algo extremamente importante do
ponto de vista do planejamento estratégico, pois tais dados terão uma
contribuição decisiva na construção do conceito organizacional perante a
sociedade e devem, por isso mesmo, possuir uma consistente fundamentação
ética.
Uma ferramenta como esta não pode conter apenas informações
quantitativas sobre as diversas ações da organização voltadas para a melhoria da
qualidade de vida de segmentos da sociedade onde está inserida. Deve, antes de
tudo, expressar um compromisso, externar valores e políticas que foram
internalizadas a partir do seu núcleo gerencial; sendo assim, não se trata de uma
preocupação contabilística, essencialmente quantitativa, mas de uma mudança
cultural que aponte para um crescimento ético que deve ter início na adoção de
novos modelos e paradigmas administrativos. Não basta apenas disponibilizar
informações, estas devem refletir a adoção de novos valores e procedimentos.
O Balanço Social no Brasil, apesar de contar com um projeto de lei que
há anos tramita no parlamento brasileiro, é estimulado através de diferentes
mecanismos de incentivo e premiação. É inegável também que a atribuição de
organização ou empresa socialmente responsável garante considerável
visibilidade junto à opinião pública, o que acaba por estimular muitos dirigentes
a investir nesse segmento. Contudo, uma das grandes questões continua ser a
conscientização do que venha a ser verdadeiramente a responsabilidade social.
e do Instituto Ethos.
Segundo o Fórum Permanente de Balanço Social, mantido pela
Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social – FIDES4, o
Balanço Social não deve ser instrumentalizado como mais um estratagema
visando reforçar os esforços de marketing por meio de uma divulgação maciça
de ações sociais promovidas pela instituição. Pelo contrário, a genuína
responsabilidade social pressupõe o envolvimento das organizações com a
transformação social, algo diametralmente oposto da utilização de projetos dessa
natureza como mero chamariz de novos clientes capazes de estimular a
comercialização de produtos ou serviços.
O verdadeiro termômetro para verificar o tipo de entendimento e a
qualidade das políticas de responsabilidade social das organizações são os
indicadores do Balanço Social voltados para o público interno, tais como:
-
tempo de trabalho na empresa;
-
grau de escolaridade;
-
sexo;
-
cor;
-
faixa etária;
-
percentagem de mulheres em cargos de chefia;
-
número total e valor das horas-extras trabalhadas;
-
gastos com alimentação do trabalhador (tíquete-refeição, lanches,
restaurantes, cestas básicas etc.);
-
valor dos gastos com educação (treinamento, estágios, bolsas,
bibliotecas etc.);
-
gastos com saúde planos de saúde; assistência médica; programas
de medicina preventiva; programas de qualidade de vida e outros
gastos com saúde;
4
www.fides.org.br/balanco_social_forum.htm
-
valores gastos com segurança no trabalho: valor dos gastos com
segurança no trabalho, especificando os equipamentos de proteção
individual e coletiva na empresa;
-
gastos com a previdência, tais como planos especiais de
aposentadoria; fundações previdenciárias; complementações e
benefícios aos aposentados;
-
outros benefícios tais como seguros, empréstimos, transportes,
creches, atividades recreativas etc.
Tais dados descritos acima constam do modelo de Balanço Social do
IBASE e também do Projeto de Lei (PL) n° 0032 de 1999, apresentado pelo
deputado federal Paulo Rocha (PT/PA). Este Projeto de Lei é a reapresentação
do PL n° 3.116/97 de autoria das deputadas Marta Suplicy (PT-SP), Conceição
Tavares (PT-RJ) e Sandra Starling (PT-MG). Cabe ressaltar que os indicadores
de gênero, etnia e faixa etária estão claramente relacionados com posturas
discriminatórias adotadas por algumas organizações, representando um estímulo
à mudança e supressão de tais práticas abusivas.
É interessante notar que essa concepção legalista do Balanço Social,
presente nos dois projetos de lei citados, está sendo substituída por propostas de
incentivo e premiação. Um exemplo dessa nova tendência foi a aprovação, em
agosto de 2008, pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal
(CAE), do Projeto de Lei n° 224/07 – atualmente em tramitação na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) – de autoria da senadora Lúcia Vânia
(PSDB/GO)5 que cria um modelo oficial para o balanço social das empresas
brasileiras e também institui o Selo Empresa Responsável a ser concedido às
empresas que divulgarem o Balanço Social.
5
< www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80839>.
O Projeto de Lei apresentado pela Senadora Lúcia Vânia tem a intenção
de padronizar, através de um modelo oficial, o balanço social que atualmente já
é publicado no Brasil por inúmeras empresas e organizações. Já o Selo Empresa
Responsável deverá ser emitido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome como forma de incentivo e premiação às empresas que já
divulgam o documento.
A padronização das informações torna-se importante para que se possa
estabelecer uma isonomia na avaliação das organizações que praticam o balanço
social. Este documento em muito contribuirá para legitimar as ações das
instituições comprometidas com o desenvolvimento social através de projetos
voltados para a educação, preservação ambiental, inclusão social e resgate da
cidadania. Tal normatização fornecerá ainda a isenção e imparcialidade
necessárias para que o governo possa avaliar inúmeros pedidos de
financiamento.
É oportuno lembrar que na concessão do Selo Empresa Responsável
estarão de fora aquelas que praticaram crimes ambientais, fizeram uso de
qualquer forma de trabalho escravo, exploraram mão de obra infantil ou
adotaram práticas discriminatórias. A punição desses procedimentos nocivos se
estende a toda cadeia produtiva, como fornecedores, distribuidores, rede
varejista etc.
Temos que ressaltar, porém, que a responsabilidade social, conforme nos
alertam Melo Neto & Froes (2001), deve possuir sempre duas dimensões: uma
abordagem voltada para o público interno e outra dirigida para a comunidade.
Este é o fundamento essencial para a prática de um modelo de responsabilidade
social calcado na ética, construído a partir de numa revisão de posturas e
práticas administrativas abusivas que para serem detectadas necessitam de um
estudo aprofundado da cultura organizacional. Os autores citados acima chegam
a ser taxativos ao descreverem a incongruência de possuir um esforço de
responsabilidade social de forma parcial:
Há casos de empresas que são mais eficazes e atuantes em apenas uma
das dimensões. Por exemplo, fazem doações para obras e campanhas
sociais do governo, e demitem muitos empregados pagam mal e não
possuem quaisquer programas de benefícios (MELO NETO; FROES,
2001, p. 83).
Podemos perceber, destarte, que a responsabilidade social exige
mudanças na cultura organizacional. Para Fernandes (2002), a simples adoção
de ações de cunho assistencialista voltadas para grupos sociais não é suficiente
para que haja transformações no comportamento político das lideranças, nem
mesmo é capaz de interferir na adoção de valores éticos nos negócios. É
necessário conceber a política de responsabilidade social a partir de um processo
que envolva todos os funcionários da organização. Este é o primeiro passo a ser
dado, pois será capaz de legitimar a participação dos demais públicos no
processo. A legitimidade virá do envolvimento coletivo e para isso é necessário
obter e acatar as contribuições de cada um dos públicos na discussão dos
métodos a serem adotados, na escolha das entidades a serem beneficiadas, na
definição das prioridades da região, e ainda a respeito da consonância dos
projetos com os produtos ou serviços oferecidos pelas empresas ou
organizações. Como se vê, trata-se de um trabalho coletivo que envolve
motivação, participação e negociação.
É diante desse quadro que percebemos o papel do gestor de informação
desde o planejamento até a execução de uma política de responsabilidade social.
Isto porque estamos diante de uma empreitada que exige mudanças na cultura
organizacional, envolvimento e negociação com os públicos, a começar pelo
público interno, e ainda planejamento a médio e longo prazo para que possa ser
uma das bases do conceito organizacional. O oposto disso são ações realizadas
sem critério algum, com puro interesse em um rápido e crescente aumento nas
vendas ou na projeção política de seus dirigentes.
Também é inegável que um trabalho consistente nessa área produzirá
seus efeitos na fidelização dos clientes, no lucro e fortalecimento da marca, no
desempenho dos funcionários e na popularidade dos dirigentes. Mas tudo isso
deve surgir como conseqüência e não como um fim em si mesmo, pois assim
estaríamos adotando uma ética do interesse próprio, destituída do verdadeiro
interesse e responsabilidade com as necessidades sociais. Essa postura
responsável deve sempre estar comprometida com a transformação social, com a
melhoria da qualidade de vida e com a garantia da cidadania de todos os
públicos que interagem com a organização.
Trata-se de um trabalho que deve ser iniciado com o público interno,
para que possamos estendê-lo para o extramuros da organização. É necessário,
entretanto, sedimentar uma boa imagem e um bom conceito da instituição
perante seus colaboradores; somente assim haverá uma política de
responsabilidade social construída a partir de mudanças estruturais capazes de
envolver a própria cultura organizacional, o que certamente implicará na
substituição de alguns tipos de modelos administrativos avessos à participação e
compromisso coletivos. Esse envolvimento conjugado imporá um caráter de
autenticidade aos trabalhos desenvolvidos nessa área, pois eles carregarão
consigo a chancela da organização como um todo. Será um trabalho de
responsabilidade social planejado e gerido por toda a organização, longe de ser
um projeto concebido apenas nas cúpulas administrativas.
A responsabilidade social é um exercício de cidadania corporativa, logo,
é necessário que os todos os empregados participem desse processo como
membros ativos. È necessário construir uma política de responsabilidade social a
partir de uma efetiva participação de todos os integrantes da organização.
5 AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL VOLTADAS PARA A
INCLUSÃO DE MINORIAS E VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE A
PARTIR DO PÚBLICO INTERNO
As organizações, nos últimos anos têm fomentado bastante o
desenvolvimento de políticas de inclusão dirigidas a segmentos sociais
considerados vítimas de algum tipo de discriminação, seja de origem social,
cultural, étnica, de gênero ou relacionada a algum tipo de deficiência física.
A idéia é incluir pessoas desses grupos nos quadros funcionais das
organizações, o que se constitui numa clara resposta às transformações sociais
ocorridas no mundo contemporâneo. Trata-se de uma “resposta simbólica, via
cultura organizacional [...] procurando estabelecer com os indivíduos uma
relação de referência” (FREITAS, 2000, p. 09).
Estas iniciativas têm como objetivo estabelecer um elo entre o público
interno e os diferentes setores da sociedade. Ao investir no respeito às
diferenças, no exercício da tolerância, aderindo ao princípio do diálogo e do
trabalho colaborativo, as organizações se beneficiam de uma série de ganhos
advindos de tais práticas, como a aproximação com a imprensa, a construção de
um bom conceito diante da comunidade, o reconhecimento pelo público
consumidor, um melhor desempenho financeiro, maior produtividade, equilíbrio
na rotatividade da mão de obra, satisfação por parte dos empregados e menor
vulnerabilidade frente à legislação trabalhista.
Enfim, o incentivo e a promoção da diversidade a partir do público
interno legitimam as ações de responsabilidade social que serão desenvolvidas
perante a sociedade. Torna-se, assim, clara, a assimilação consciente desses
valores pela organização; uma comprovação inconteste das estratégias voltadas
para atingir a comunidade a partir de transformações culturais produzidas no
ambiente interno das organizações.
Tais práticas se tornam imprescindíveis para que a organização conte
com a legitimidade ética necessária para fazê-la sobreviver no mercado atual.
Tais esforços devem, contudo, ter início a partir do público interno, como bem
observa Myers (2003):
A promoção da diversidade e a aquisição de competências crossculturais são fundamentais para o relacionamento da empresa não
somente com os consumidores, mas também com todas as partes
interessadas, da comunidade local até os governos estrangeiros nos
países onde a empresa tem negócios. A vantagem competitiva de uma
empresa será determinada em grande medida pela qualidade da
relação que ela mantém com as pessoas, interna e externamente.
Ao possuir uma política que privilegie acatar a diversidade, a instituição
respeita a sociedade na qual está inserida e com ela encontra um maior espaço
para o diálogo, negociação e aceitação de seus serviços ou produtos, ganhando
credibilidade e competitividade.
Fica evidenciado que os programas de responsabilidade social põem em
relevo a necessidade de haver um alinhamento entre os projetos voltados para o
público interno com aqueles dirigidos ao público externo. Este é o único
caminho capaz de tornar a organização exitosa no desenvolvimento de
atividades nessa área. Tais diretrizes produzirão a aprovação desses esforços
pela sociedade, que poderá constatar que a responsabilidade social é um valor e
um princípio ético, não fazendo parte apenas dos discursos institucionais, mas
sendo vivenciada internamente pelas organizações para depois trasbordar para o
seu exterior.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente o público interno desponta cada vez mais como um público
estratégico na gestão das organizações, pois as transformações exigidas pela
contemporaneidade devem prontamente atingir os colaboradores de uma
empresa ou organização. Estes devem tornar-se o objetivo maior das políticas
organizacionais, bem como a verdadeira medida e o sustentáculo da
credibilidade institucional em diversas iniciativas,
como os programas de
qualidade, os projetos de desenvolvimento sustentável e as políticas de
responsabilidade social.
Podemos perceber, então, que a informação repassada à sociedade pelos
empregados sempre possuirá maior credibilidade em relação a qualquer outro
meio ou estratégia que tenha como objetivo informar consumidores, clientes,
governo, acionistas ou meios de comunicação. As informações produzidas por
este público podem produzir consequências graves nas relações da organização
com seus interlocutores, chegando a suscitar conflitos e crises que muitas vezes
poderão comprometer sua própria existência. Aos olhos dos públicos situados
externamente à organização, o funcionário será sempre a melhor testemunha dos
valores e do comportamento ético desta.
Diante de problemas contemporâneos tão efervescentes, que dizem
respeito à segurança e privacidade da informação, há a necessidade cada vez
maior de promover um debate ético consistente, permeado por questões
referentes à qualidade, confiabilidade e legitimidade da informação.
E no que se refere à responsabilidade social, não basta produzir
informações quantitativamente expressivas e elencar um sem número de ações
voltadas para a melhoria da qualidade de vida, assistência médica e social, apoio
à cultura, investimentos na educação ou financiamento de projetos de
preservação ambiental. O importante é realizar as mudanças culturais
necessárias que possibilitarão às organizações seguir valores éticos, capazes de
produzir a adoção de novos paradigmas e modelos administrativos, tudo isso
orientado por uma abordagem sistêmica das organizações onde os objetivos
globais, de grupo e individuais possam estar em contínua inter-relação.
Sob essa perspectiva sistêmica (SENGE, 2006), cada organização
constitui-se em um conjunto de sistemas e subsistemas perfeitamente
interconectados e ligados a um macrossistema que os envolve por completo.
Assim, a informação é o resultado de uma rede de interconexões que perpassa a
organização no âmbito interno e externo, num contínuo processo de
retroalimentação. Gerir a informação num contexto dessa envergadura, com a
necessária fundamentação e legitimidade ética, é fazer uso de recursos e
instrumentos dialógicos, como a pesquisa de opinião, comunidades de prática,
comitês de fábrica, grupos de trabalho colaborativo, dentre outros, objetivando
garantir a participação e a contribuição de diferentes públicos nas mudanças
estruturais pelas quais a organização terá que passar.
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