É preciso mudar antes DOSSIÊ Ichak Adizes diz, em entrevista exclusiva, que a empresa deve ser mais rápida do que a transformação à sua volta e reverter a natureza negativa dos conflitos resultantes 64 Quem se adapta às mudanças apenas sobrevive. Para realmente obter sucesso, é preciso bem mais, como ter capacidade de prever as transformações e agir velozmente, além de fazer com que o maior número possível de pessoas participe do processo de transformação. É o que garante, em entrevista exclusiva a HSM Management, Ichak Adizes, um dos mais renomados especialistas em transformações e gerenciamento de conflitos da atualidade. Ele define as seis etapas do processo de mudança e afirma que os melhores funcionários para executá-lo são os rebeldes, aqueles que incomodam a empresa. Ao contrário de muitos teóricos, Adizes não vê a flexibilidade como solução universal para a mudança. Segundo o especialista, ela tende a ser muito boa para empresas maduras mas nem tanto para companhias adolescentes, que precisam de controle. A entrevista é de Mercedes Reincke. O sr. disse certa vez que a administração de empresas é a arte de resolver os problemas criados pelas mudanças. Mas os administradores não estão encontrando problemas demais nos dias de hoje? Antes de mais nada, a empresa deve ter em mente aquela máxima de que qualquer transformação representa uma ameaça e também uma oportunidade. E que o fato de ela gerar problemas é bom, porque problemas são uma característica do crescimento. Quando uma empresa se adapta à mudança, ela está apenas fazendo o mínimo para sobreviver. Para ter sucesso, precisa se antecipar à transformação, ser mais rápida do que a transformação. Os problemas resultantes são naturais, uma vez que toda implementação gera conflitos, por afetar interesses específicos. Ao contrário do que se pensa, no entanto, a empresa não deve tentar neutralizar esses conflitos. Por quê? Quando se procura frear o conflito, freia-se também a mudança. O que se deve fazer é tornar o conflito algo construtivo, de natureza positiva, e não destrutivo. De que maneira se faz isso? Para que o conflito seja construtivo, é fundamental que haja uma cultura de confiança e respeito mútuo dentro da empresa. Se existe respeito mútuo, é possível aprender com as opiniões diferentes das outras pessoas e, em resultado, tomar decisões melhores. A confiança é necessária porque assenta as bases de um ambiente no qual todos se consideram vencedores e as pessoas envolvidas no processo cooperam na implementação das decisões. O que acontece quando não existe na empresa nem confiança nem respeito mútuo? Nesse caso é preciso mudar a estrutura da organização, o processo de tomada de decisão e o comportamento das pessoas. Às vezes, a transformação de apenas uma dessas três áreas é suficiente, mas, em geral, as três sofrem mudanças. Examinemos passo por passo. A estrutura de uma organização é responsável pelo comportamento HSM Management 11 novembro-dezembro 1998 E, apesar de tudo, há ocasiões em que não basta mudar o ambiente da companhia para que as pessoas modifiquem suas atitudes e seu comportamento. na mudança e desejá-la e, em seguida, fazer com que toda a companhia participe. Como se faz para identificar e estimular os funcionários que realmente podem ser agentes de mudança? Quando uma companhia está burocratizada e adormecida é preciso identificar os funcionários insatisfeitos, aqueles que se queixam e não se conformam com a situação ou, em uma palavra, os rebeldes. Estou me referindo às pessoas que não aceitam o status quo, aquelas que a empresa deseja demitir porque perturbam. É justamente esse tipo de pessoa que pode levar a cabo as mudanças. A idéia é procurar esses indivíduos insatisfeitos e negativos e transformá-los em agentes positivos e construtivos. Qual é a solução para um problema desse tipo? Mudar com frequência a estrutura e os processos. Quando isso acontece repetidas vezes, as pessoas mudam na essência; seu comportamento passa a ser diferente. E aquelas que não conseguirem mudar provavelmente abandonarão a empresa. Esse processo tem início na alta administração ou pode ser adotado de baixo para cima? Esse é um esforço no qual todos devem colaborar, mas deve ter início na alta administração. Os executivos mais graduados precisam acreditar Divulgação dessa organização, pelo menos em parte. A estrutura determina a distribuição de autoridade, responsabilidade e recompensas. Essa distribuição, por sua vez, determina as diferentes tarefas de cada uma das pessoas da empresa. Tarefas diferentes atraem pessoas diferentes. O que se requer, portanto, é uma estrutura que forneça aos funcionários uma tarefa que combine com seu estilo e um ambiente no qual possam dar o melhor de si. Como as pessoas têm estilos diferentes, precisam aprender a se comunicar umas com as outras, o que pode ser feito com um processo de tomada de decisão participativo. É fundamental que tanto a estrutura quanto o processo de tomada de decisão sejam organizados para criar um novo ambiente de confiança e respeito mútuo. Ichak Adizes Quais são as fases principais do processo de mudança? Por onde começar? A sequência é a seguinte: diagnóstico, empowerment, missão e valores, realinhamento estrutural e reorganização dos sistemas de informação e recompensas. O ponto de partida é o diagnóstico. Em outras palavras, trata-se de reconhecer que a companhia tem um problema e não pode continuar como está e que é preciso resolver a situação. O passo seguinte é escolher algumas falhas pequenas, que podem ser solucionadas fácil e rapidamente, a fim de ganhar “Os executivos mais graduados devem acreditar na mudança, desejá-la e, depois, fazer com que toda a companhia participe” HSM Management 11 novembro-dezembro 1998 ➙ 65 A S S E I S E TA P A S D O P R O C E S S O D E M U D A N Ç A D E A D I Z E S 1. Fazer o diagnóstico Reconhecer que a companhia tem um problema e não pode continuar como está 2. Construir o empowerment Selecionar falhas pequenas para solução rápida, aumentando a confiança dos funcionários para poder lhes delegar poder e responsabilidade 3. Estudar a missão e os valores Estudar a missão da companhia, para esclarecer o que deve fazer e que valores deve ter confiança e permitir o empowerment. O terceiro passo é estudar a missão da companhia e seus valores, a fim de esclarecer o que faz e qual o valor agregado fornecido à sociedade. O quarto ponto, fundamental, é a análise da estrutura da organização, levando em conta que ela talvez deva ser modificada para poder cumprir a missão e produzir os valores desejados. Depois disso vem a necessidade de examinar os sistemas de informação com o objetivo de assegurar que a estrutura funcione corretamente. O sexto e último passo consiste na atualização do sistema de recompensas para que as pessoas sintam que foram premiadas por sua contribuição para a concretização da mudança. Todas as empresas têm um ciclo de vida predeterminado ou é possível que uma organização se mantenha sempre jovem e em desenvolvimento? Tudo neste mundo nasce, cresce e morre, inclusive as estrelas e as rochas. Não gosto da expressão “jovem para sempre” porque implica um tempo demasiado longo para uma empresa. Mas nós podemos –e devemos– retardar o envelhecimento. 66 Como se alcança esse objetivo? O denominador comum das empresas que se mantêm jovens é a integração. Vive mais tempo a companhia que possui um alto nível de coesão, tanto interna 4. Realinhar a estrutura com a estratégia Analisar a estrutura da organização, levando em conta que ela talvez deva ser modificada para poder cumprir a missão e criar os valores desejados 5. Reorganizar os sistemas de informação Examinar os sistemas de informação com o objetivo de assegurar que a estrutura funcione corretamente 6. Reorganizar os sistemas de recompensa Atualizar o sistema de remuneração para que as pessoas sintam que foram recompensadas por sua contribuição para a mudança “O processo de mudança tende a desintegrar a organização e pode encurtar sua vida. As empresas que se transformam constantemente são muito vulneráveis. O truque é mudar sem perder a unidade, com a cultura da confiança” –entre a gerência e os funcionários– quanto externa –com a comunidade e o mercado. Mudança e integração convivem bem? Não, e esse é um ponto importante. O processo de mudança tende a desintegrar a organização e pode encurtar sua vida. As empresas que se transformam significativa e constantemente são muito vulneráveis. O truque é mudar sem perder a unidade, com a cultura de confiança e respeito mútuo de que falamos. Se não conseguir fazer isso, a empresa deve recorrer à criação de novas unidades de negócios. Elas comprovadamente prolongam a vida. Pense na empresa como um modelo colonialista, com as colônias sendo as diversas unidades de negócios e a metrópole o núcleo da empresa. As colônias mantêm a metrópole viva e a metrópole pode estar sempre criando mais colônias. Mas a diversificação não aumenta o risco de desintegração? Não se a diversificação tiver um foco que funcione como elemento de coesão. A integração tem vários níveis e um deles é o que proporciona uma estrutura correta para que não haja superposições, de funções ou do que quer que seja. Além disso, os sistemas de informação e de remuneração, quando adequados, transformam-se em incentivos para que as pessoas trabalhem juntas e cooperem. As empresas devem buscar, na verdade, uma “diversificação unida”. A diversidade não tem de solapar a unidade e também não se trata de usar a unidade para destruir a diversidade. Falando em vida e morte, em que situações é conveniente “matar” a empresa, em sua opinião? Quando não houver esperança. Quando não for possível confiar na HSM Management 11 novembro-dezembro 1998 Por que razão a maioria das empresas só percebe que precisa mudar quando já está à beira da morte? A mudança tem um custo muito alto e dá origem a muitas dúvidas. Para que ela valha a pena, as pessoas precisam perceber algum valor na transformação e, muitas vezes, isso só acontece diante de uma grande ameaça. Sem ir muito longe, basta pensar nas pessoas que não mudam seus hábitos de vida até sofrerem um ataque cardíaco. Em nosso trabalho de consultoria, quando vemos uma empresa enfrentando um processo de mudança, fazemos uma lista de seus problemas em um quadro-negro e perguntamos às pessoas há quanto tempo ocorre a situação. Geralmente a resposta é: “há muitos anos”. Quando as pessoas são colocadas diante dessa realidade percebem que, se não fizerem nada, tudo continuará como está e o preço disso será alto demais. O sr. disse que o executivo perfeito só existe nos livros. Essa afirmação implica, na verdade, a dificuldade de enfrentar com sucesso um processo de mudança e ao mesmo tempo conseguir criar a integração que garante a vida longa? Ninguém é perfeito neste mundo. Ninguém pode ter todas as características necessárias, ou seja, ser empreendedor, bom administrador, um organizador fantástico e ao mesmo tempo ser imaginativo, estar disposto a correr riscos, ser sensível e capaz de formar equipes. Quando alguém descreve um executivo perfeito em função de suas qualidades, está na verdade fazendo uma composição de vários executivos, uma colagem. Mas nenhum ser humano é uma colagem; todos temos qualidades e defeitos. Essa é a razão por que precisamos de uma equipe de pessoas com características complementares para atingir a perfeição. Quando uma empresa consegue montar uma equipe desse tipo, está em condições de iniciar a transformação. Lorenzo Amengual direção da empresa. Quando não houver respeito nem fluxo de caixa capazes de prolongar a vida ou, pelo menos, de dar à empresa o tempo de que necessita para mudar. Em um de seus livros, o sr. faz referência a 20 mitos da administração atual. Alguns deles estão relacionados com os programas de mudança, como, por exemplo, o emprego de equipes de trabalho, a necessidade de maior flexibilidade e o downsizing para aumentar a eficiência. O sr. pode explicar por que são mitos? São mitos por ser considerados princípios absolutos e não levarem em conta o ciclo de vida das empresas. O que quero dizer é que uma coisa boa para determinada etapa pode ser um erro em uma etapa diferente. Afirma-se, por exemplo, que uma gerência autoritária é um mal. Isso é verdade na fase de maturidade da empresa, mas quando jovens as companhias precisam HSM Management 11 novembro-dezembro 1998 ➙ 67 Saiba mais sobre Adizes Ichak Adizes é especialista em transformações e gerenciamento de conflitos, criador da metodologia para mudanças organizacionais que leva seu nome e é aplicada em empresas dos mais diversos setores no mundo todo. De origem iugoslava, o especialista foi professor da Anderson School of Management da University of California, em Los Angeles, por 30 anos. Seu interesse pela dinâmica da administração levou-o a publicar diversos livros, entre os quais Gerenciando as Mudanças –O Poder da Confiança e do Respeito Mútuos, em que trata do assunto desenvolvido nesta estrevista, Os Ciclos de Vida das Organizações e Em Busca da Plenitude (todos, ed. Pioneira). Adizes já teve artigo publicado no número 4 de HSM Management (página 100), sobre o ciclo de vida das organizações: A eterna juventude. de uma direção firme e de uma liderança autoritária. Vejamos o que acontece com o downsizing. O mito diz que esse corte de custos aumenta a eficiência, mas na realidade se parece muito com a lipoaspiração: retira a gordura e a pessoa se vê mais magra, mas o processo não vai até a raiz do problema porque não modifica os hábitos alimentares da pessoa. Em vez do downsizing, o mais aconselhável é verificar como se chegou ao problema e então determinar o tipo de ação necessário, mas considerando a empresa como um todo, concentrando os esforços no planejamento, na organização e no controle dos processos, para não cair novamente na mesma situação. Se as causas não são eliminadas, é inútil atacar os sintomas. 68 Falemos um pouco sobre flexibilidade. Não seria melhor dispor desse recurso para enfrentar um processo de mudança? A flexibilidade está na moda nos anos 90. No intuito de rejuvenescer as burocracias organizacionais, muitos gurus da administração “A flexibilidade pode ser boa para empresas maduras, geralmente caracterizadas por controle excessivo, mas não para as adolescentes” recomendam que se deixem de lado as estruturas e as hierarquias. Eles garantem que isso aumentará a flexibilidade das companhias. Isso pode ser bom para empresas maduras, geralmente caracterizadas por um controle excessivo. Em compensação, nas empresas adolescentes deve haver controle sobre suas finanças e operações. Isso não significa asfixiar todas as iniciativas, mas sim conseguir que as operações sejam coerentes e previsíveis. De qualquer maneira, o importante é empreender esforços contínuos para manter um equilíbrio delicado entre flexibilidade e controle. Quando o ponto de vista dos administradores sobressai, a empresa caminha para um controle excessivo e a flexibilidade é reduzida. Por outro lado, cada vez que as pessoas com espírito empreendedor ganham uma batalha, a empresa se torna mais flexível e perde controle. Ou seja, a alta administração deve sempre estar alerta e agir no sentido de restabelecer o equilíbrio perdido. Por que o sr. questiona as equipes de trabalho? Dizer que sempre é preciso recorrer às equipes de trabalho é o mesmo que dizer “sejamos sempre felizes”. Quem não quer ser feliz? As equipes de trabalho são boas, mas os gerentes abusam delas nos momentos de crise, abrindo mão de sua condição de líderes. Na minha opinião, as equipes de trabalho são eficazes quando se dispõe do tempo necessário para chegar a um consenso. Mas se o tempo for curto não poderemos nem pensar nessa saída. Todos sabemos como é frustrante ter um líder que inicia uma reunião dizendo: “Precisamos tomar uma decisão importante, mas estamos sob pressão para chegar rapidamente a uma conclusão. Digamos, duas horas. Espero que cheguem a um acordo e que todos apóiem a decisão. Quero trabalho em equipe e amplo consenso”. Isso não é possível. As pessoas precisam de tempo para afastar seus medos e unificar várias opiniões. Sob pressão, as pessoas agem como se estivessem de acordo e apóiam uma decisão ditada pelo medo. E, como ninguém se manifesta contra a decisão, ela dá a impressão de ser consensual. Assisti a reuniões nas quais as pessoas, mordendo a língua, inclinam a cabeça em sinal de acordo e mais tarde, nos corredores, comentam com os colegas que a decisão tomada foi um espanto. ◆ HSM Management 11 novembro-dezembro 1998