Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 REFLEXÕES SOBRE OS CONCEITOS DE RAÇA E ETNIA Maria Aparecida Lima Silva1 Rafael Lima Silva Soares2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia RESUMO Desde os primórdios, o homem vive em sociedade, sempre manifestando a capacidade de modificar os seus próprios hábitos e criar seus próprios significados e ideias em grupo. Tomando como foco de discussão o exemplo vivido pela experiência dos povos negros no Brasil, o presente artigo apresenta uma discussão acerca dos conceitos de raça e etnia. Sem esquecer a realidade histórica e das experiências dos grupos negros, bem como os movimentos sociais e políticos, apresentaremos uma discussão acerca dos significados, contribuições, contextos e criticas para o entendimento desses conceitos comuns às ciências sociais. Palavras-chaves: Raça. Etnia. Cultura REFLECTIONS ON THE CONCEPTS OF RACE AND ETHNICITY ABSTRACT Since the early days, man lives in society, always manifesting the ability to modify their own habits and create their own meanings and ideas in a group. Taking as a focus for discussion by the example lived experience of black people in Brazil, this article presents a discussion of the concepts of race and ethnicity. Not to mention the historical reality and the experiences of black groups as well as social and political movements, we present a discussion of the meanings, contributions, and critical contexts for understanding these concepts common to the social sciences. Keywords: Race. Ethnicity. Culture 1 Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Bahia. Especialista em Educação de Jovens e Adultos pelo IFBA/MEC. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares Sobre a Universidade-IHAC/UFBA. Servidora Técnico-Administrativa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia-UFRB. mals@ufrb.edu.br 2 Graduando em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia -UNEB/CAMPUS V. Servidor Técnico-Administrativo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia-UFRB. rafasoares@ufrb.edu.br 99 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Introdução O presente trabalho parte da inquietação surgida a partir das leituras acerca da historiografia do negro no Brasil ou de movimentos culturais afro-brasileiros, em especial o texto Cor e Raça, de Antônio Sergio Alfredo Guimarães (2008), estudioso da área de sociologia com ênfase em Estudos Afrobrasileiros e formação de classes sociais. Tais estudos pensam o negro sob diversas óticas e se debruçam sobre diversos problemas, como a escravidão, o preconceito, a análise de fatos históricos ou de práticas culturais e aspectos mais gerais da vivência do negro em nossa sociedade. A inquietação vem da forma como estudiosos e homens comuns ao longo do tempo e do espaço pensaram nas classificações dos grupos negros, ora tidos como um grupo racial, ora como um grupo étnico (ou grupos étnicos), assim, para nós se fez necessária uma discussão acerca desses conceitos de raça e etnia. É obvio que uma reflexão acerca do tempo histórico e do momento no qual esses conceitos foram pensados se faz necessária, como seres diretamente influenciados pelo contexto, entendemos que a discussão acerca de uma atitude, mentalidade ou forma de tratar o outro jamais deve se desgarrar das amarras do tempo-espaço. Dessa forma, a primeira parte desse artigo se propõe a pensar o passado colonial e o racismo científico, questões muito importantes na compreensão do pensamento racial. Em seguida, dois momentos com breves discussões a respeito das contribuições do conceito de etnia e de cultura no que concerne ao pensamento das populações afrobrasileiras. Não pretendemos aqui, de forma alguma, esgotar o debate ou mesmo definir conceitos universais e fixos (totais para todos os trabalhos em circunstância) em detrimento de outros. Pretende-se aqui, assim como no primeiro capítulo, fornecer uma pequena parte do complexo mundo das artimanhas conceituais na qual vivemos. Óbvio que algumas referências foram preferidas em detrimento de outras, porém nada mais natural, uma vez que nem é de nossa intenção esgotar o assunto e nem esconder as amarras referenciais tão caras na academia e que nos trouxeram até aqui. O texto tem a pretensão de inserir o leitor em meio a essa discussão tão essencial e frutífera, sem dar nenhuma opinião taxativa, uma vez que esse é o tipo de discussão que jamais será, ou deverá ser, finalizada. Refletiremos sobre a dimensão conceitual e 100 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 os usos (históricos ou do presente) dos conceitos de raça e etnia e as contribuições conseguidas sob a influência dos conceitos antropológicos de cultura. O passado colonial e o início da concepção racial brasileira Negros escravos – assim eram denominados pelos colonos os negros que chegavam aqui provindos da Guiné, do Congo, de São Tomé, da Costa da Mina, Moçambique e outros pontos da África para trabalharem nas lavouras em substituição aos índios. Para os senhores, o que importava era que os negros escravizados fossem fortes e tivessem saúde, não se preocupando com o número elevadíssimo de negros que através do tráfico eram disseminados, principalmente, para zonas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Maranhão, locais onde iam ser de grande valia, devido à necessidade de braços fortes para o trabalho nas lavouras de cacau, açúcar, algodão e café. Dentro da lógica do colonialismo, o olhar do dominador em relação ao homem negro era simplesmente o da boa mercadoria que adquiria para trabalho escravo, como diz Artur Ramos (1979; p.183): “para o branco senhor, não havia povos negros diversos, mas apenas o negro escravo”. Nesse sentido, os negros escravizados eram, para os colonizadores, a melhor resposta para o cumprimento do sentido da colonização (exploração da capacidade produtiva da América Portuguesa) sendo, quando era conveniente, ignoradas as diferenças culturais dos diversos grupos que foram forçosamente trazidos. As influências religiosas, muito fortes durante toda a colonização, criaram uma armadura ideológica, protegendo um grupo contra a diferença do outro, sempre mantendo o poder da dominação e a manutenção do regime escravista. Diz Weber: Para um tempo em que o além significava tudo, quando a posição social de um cristão dependia de sua admissão à comunhão, os clérigos, com seu ministério, a disciplina da Igreja e a pregação exerciam uma influência que nós, homens modernos, somos totalmente incapazes de imaginar. Naquele tempo as forças religiosas que se expressavam por esses canais eram as influências decisivas na formação do caráter nacional. (2003; p.117) 101 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 A posição da igreja foi, durante todo o período da escravidão, na melhor das hipóteses, contraditória, e, na pior, interessada na sua continuação, já que ela beneficiava a classe social da qual o clero se originava, a classe social que fazia doações à Igreja, e, de quebra, a escravidão garantia o fluxo contínuo de “almas a serem salvas". Conforme Guimarães (1999, p.11), “Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário de um conceito que denota tãosomente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais.” No fim do século XIX, os negros fortalecem a ideia de independência em prol de sua própria sobrevivência, considerados de menor valor na categoria humana, sem a devida importância do legado africano, além dos seus valores e direitos, não sendo reconhecidos na sociedade em que eram maioria. Com a abolição da escravatura, os negros escravizados passam a ser alforriados, mas continuam sendo tratados como espécie inferior e por vezes descritos como subespécie da raça humana, um híbrido ou amaldiçoado, comumente cientificamente e religiosamente diminuído frente ao Europeu. A influência das ideias europeias do Conde de Gobineau (1816-1882), expostas na obra Ensaio sobre as desigualdades das raças humanas (1855), dão algumas pistas sobre a eugenia e o racismo científico. Nina Rodrigues, influenciado pelo gobinismo, reforça através de pesquisas de medição do crânio que o povo negro seria uma espécie humana inferior e que a mistura racial no Brasil levaria ao desaparecimento da população. As ideias racialistas, associadas ao eugenismo, reforçaram as crenças de uma minoria que detém o poder. O conceito de raça teve sua origem através de uma fundamentação biológica, dentro do paradigma de raça inferior e raça superior, reforçado através dos estudos e pesquisas de diversos cientistas, entre eles o cientista brasileiro Nina Rodrigues. A chamada ciência da época beneficiou um grupo de dominadores (minoria) em detrimento dos dominados (maioria), época em que os negros viviam ameaçados sob as ordens e a chibata do dominador. Acreditando na superioridade de uma raça ariana pura, legitima-se o poder da desigualdade, contando com a colaboração da ciência, do direito, da filosofia, da religião, entre outras. A existência de uma raça humana trouxe a ideia de que entre os seres humanos existe um diferencial de valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais, ou seja, 102 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 confirma a ideia da diferença numa sociedade preconceituosa em diversos aspectos, e que dividida em classes sociais, reforça o simbólico e traduz, no campo da cultura, ideias que favoreçam a dimensão racial. Infelizmente Nina Rodrigues estava dentro da ciência da sua época, com os teóricos das "desigualdades raciais" — os Gobineau, os Lapouge, os Chamberlain, etc. Hoje sabemos que "superioridades" e "inferioridades" não são categorias antropológicas; são antes condições ligadas às injunções culturais. Quanto à tese da "degenerescência" da mestiçagem, Nina Rodrigues e os cientistas brasileiros que o acompanharam, basearam-se nas observações de um certo número de características fisiológicas nos mestiços, como alto índice de mortalidade e de morbilidade, baixo índice de natalidade, alta percentagem de criminalidade, e muitas outras "desarmonias" do caráter. Convém acrescentar, em defesa do famoso chefe de escola, que, embora preso às concepções da sua época, reagia às vezes violentamente contra as mesmas. Assim, examinando o caso de um mestiço célebre, Antônio Conselheiro, que chefiou em fins do século passado, uma revolta de fanáticos nos sertões brasileiros, Nina Rodrigues assinalou o papel do ambiente social na eclosão da epidemia mística, destacando os fatores sociológicos, como o advento da república, os conflitos de concepção política, as lutas feudais nos sertões, etc., como responsáveis em primeiro plano, pelos "desajustamentos" da conduta observados. Além disso, examinando posteriormente a cabeça de Antônio Conselheiro, ficara Nina Rodrigues surpreendido de não haver encontrado nenhum dos clássicos sinais de degenerescência que a escola italiana erigira em regra, no exame antropológico do criminoso” (RAMOS, 1942; p.208) Partindo para o campo das ciências sociais, os afro-brasileiros buscam a construção da sua própria identidade e o pertencimento ao grupo, além do espaço, contrastando com o comportamento dos dominantes sobre a superioridade dos brancos em relação aos não-brancos, confirmando o preconceito e a discriminação, o grupo torna-se historicamente mais situado. Vindos de diferentes nações africanas com traços morfológicos específicos, como a cor da pele, tipo do nariz e cabelo, além da cultura e religião, os homens negros se distinguem biologicamente, social e culturalmente do homem branco. Graças a isso, muitos, também influenciados pelas teorias raciais e pelo passado escravista, avaliaram (e avaliam) negativamente a população negra, reforçando a ideia de uma suposta superioridade através da discriminação. 103 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Interessante pensar que muito foi também desrespeitado, no que tange à origem africana, pois o negro era trazido de várias nações africanas, tendo os valores e as diferenças na cultura, na religião, na alimentação totalmente desprezados. Querendo ratificar a desigualdade, aqui no Brasil, os negros eram aculturados, ao tempo em que o dominador fortificava a ideia de que os povos advindos de África eram oriundos de um continente primitivo, sem costumes, valores, memória, sem religião e história. A cor do negro, na perspectiva daqueles que alimentam um pensamento discriminatório, demonstra inferioridade, e é tomada como um marcador de diferença. Toda uma simbologia foi construída no inconsciente coletivo graças às ideias do passado, nesse sentido a cor preta representaria o mal, o feio e o sem inteligência; enquanto a cor branca representa o inverso: bom, bonito e inteligente. Além da classificação social de que a cor preta significa, mesmo que simbolicamente, a classe inferior, consequentemente de menor poder aquisitivo. Enfim, muito embora a ciência das cores nada tenha a ver com a hierarquia social das cores, a origem dos povos europeus acabou por influenciar bastante na hierarquia social do povo brasileiro, a contar que foram os europeus, buscando a dominação durante boa parte da história moderna e contemporânea, que se mantiveram bem sucedidos no domínio de novos territórios e povos. Ideologicamente falando, quem domina é quem detém o poder das palavras. Diz Guimarães (2008: p.76,77) que “cor é uma categoria racial, pois quando se classificam as pessoas como negros, mulatos ou pardos é a ideia de raça que orienta essa forma de classificação”. O preconceito ainda está presente no Brasil entre os grupos sociais. Mesmo que disfarçado, o sentimento de superioridade e inferioridade que cerca as pessoas permeia os grupos e estabelece prenoções e preconcepções que associam a imagem dos negros, brancos, índios, deficientes, homens, mulheres, homossexuais (etc) a arquétipos positivos e negativos, a bandidos e ladrões, inteligentes e incultos, perspicazes e incapazes, honestos e larápios, superiores e inferiores. Os preconceitos cercam os contatos humanos em todos os locais e situações, seja em ambientes públicos ou privados, como nas lojas, nas ruas, nos restaurantes, nas universidades, nas repartições, nas famílias, enfim, em qualquer lugar onde o homem pode exercitar sua experiência. Sobre conceitos 104 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Assim, alguns estudiosos como Antônio Sérgio Guimarães entendem que a categoria raça é uma construção sociológica; raça é uma crença presente no comportamento humano capaz de distribuir desigualmente vantagens e desvantagens às pessoas em virtude do modelo de classificação racial existente na sociedade. Na construção de mais relações entre os seus pares, negros, mestiços e até aqueles que se identificaram pelos referenciais ancestrais afro-descendentes em busca do seu pertencimento, percebem que isso não passa, apenas, pelos laços consanguíneos, vai mais além, numa construção de ações coletivas e de representações em face de outros grupos. Conforme Almeida (2002; p.76) “a observação etnográfica ganha força quando se reconhece que o conhecimento pormenorizado de situações localizadas, construído a partir da análise das mobilizações dos agentes sociais e de sua identidade coletiva, cria condições de possibilidade para o esclarecimento”. Com base na realidade histórica apresentada no decorrer do período colonial e mesmo durante o século XIX e início do XX (nas primeiras décadas pós-escravidão), não é leviano dizer que o conceito de “raça” proferido num contexto preconceituoso, religiosamente opressor e sob a égide do racismo científico, não traz elementos suficientes para compreender a realidade dos grupos atuais e nem reflete os avanços sociais no âmbito dos direitos humanos e os avanços científicos das áreas humanas e biológicas conseguidos no final do século XX. Dessa forma, a academia, diferentes grupos e movimentos sociais que percorrem na atualidade e em quase toda a segunda metade do século passado adotam diferentes conceitos e discursos, definindo uma nova maneira de pensar e apresentando uma nova realidade. As transformações conceituais que pensam o negro e a sua experiência no continente americano são intensas, mesmo nas palavras mais comuns dirigidas aos nãobrancos, pretos ou pardos. Por exemplo, a simples palavra “Negro” ganha um sentido preciso político e, mais que tudo, ideológico, reúne todos os homens que se afirmam culturalmente com as raízes afro e, mais ainda, agrupam aqueles que sofreram e se identificam com a experiência negra vivida, mesmo fora da África. Curioso pensar que essa palavra não caberia ser pensada dessa forma no passado, quando, mesmo no contexto de uma luta afirmativa, as populações afrobrasileiras se identificavam como homens pretos, como no caso das confrarias de homens pretos ou mesmo nas irmandades. 105 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 A militância mais atávica e combativa, ainda hoje, mesmo talvez sob a estranheza de alguns acadêmicos, cientistas sociais ou estudiosos utiliza o termo “raça” e até os termos juntos “raça negra” como discurso de resistência, afirmação e positivação do grupo com a mesma palavra pela qual este era ridicularizado e diminuído. Esse conceito chave apresenta o elemento de luta contra um sistema, sociedades ou grupos que, historicamente, mantêm essas populações desprivilegiadas ou desfavorecidas em detrimento de outros grupos. Tais grupos, não necessariamente, pensam raça de maneira biológica, mas sim de maneira sociopolítica. Utilizar esse conceito dessa forma demonstra uma postura política de grupos que, conhecendo o passado ardil e sofrido, levantam-se contra um sistema que historicamente os desprivilegiou, e também os seus descendentes e antepassados. Apesar dessas novas leituras conceituais e usos das palavras, o que confere uma mudança histórica altamente comum e saudável no campo das mentalidades, o conceito de “raça”, por muitas vezes foi deixado de lado em detrimento de outros, não completamente substituidores, mas que talvez fizessem o mesmo papel definidor e classificador dessas pessoas unidas por características, cultura e instituições semelhantes e, num contexto de luta por igualdades, experiências parecidas de resistência e/ou percepção de todo um sistema insistentemente segregacionista. Atualmente, um desses outros conceitos seria o de “etnia”, que tem origem do grego ethnos, o que entendemos não só como um conjunto de pessoas da comunidade. É o pertencimento do grupo, independente dos laços consanguíneos e a construção de ações coletivas. Estudiosos confirmam que os africanos foram retirados de seus grupos de origem e colocados na condição de escravos, como se eles não tivessem origem, leis, direitos e deveres nas suas nações em África. A aculturação dos negros foi um processo em que os colonizadores tentaram provar, para a obtenção de poder ideológico e econômico, que além da superioridade de seu grupo sobre o grupo dos africanos (ou egressos de África), o indivíduo que partilhasse de qualquer elo consanguíneo ou cultural do grupo dos dominados era menor, isso tanto do ponto de vista religioso, psíquico mental, linguístico, social e biológico. Artur Ramos, na sua Obra, Aculturação Negra no Brasil (1942), relata sobre o fenômeno de aculturação: 106 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Contatos diretos ocorrem pelas migrações de povos de uma área a outra, pela difusão de traços culturais trazidos diretamente pelos seus transmissores humanos. Nos contatos sociais e culturais, conhece-se um grupo de processos similares que sociólogos e antropólogos têm classificado em conceitos de adaptação, acomodação, ajustamento, aculturação, etc. As diferenças repousam no ponto de vista considerado pelo estudante. Assim, adaptação é um processo biológico; acomodação, um processo social; ajustamento, um processo psicossocial; e aculturação, um processo cultural. Os conceitos são por vezes modificados e confundidos, dependendo dos pontos de vista das várias escolas, mas em antropologia cultural o termo aculturação vem sendo ultimamente empregado com frequência. O comitê para o estudo da aculturação, composto de Robert Redfield, da Universidade de Chicago, Ralph Linton, da Columbia, e Melville J. Herskovits, da Northwestern University chegaram a um acordo sobre a definição do processo: "aculturação compreende aqueles fenômenos que resultam quando grupos de indivíduos de diferentes culturas chegam a um contato, contínuo e de primeira mão, com mudanças consequentes nos padrões originários de cultura de um ou de ambos os grupos" (1942; p.219-220). A identidade étnica tem um poder e é este poder que, coletivamente, os negros resgatam com a sua luta e rebeldia de não aceitarem por completo a aculturação dos povos europeus, inclusive a da igreja católica que, através da evangelização, contribuindo para o esquecimento de sua cultura, mantém, apenas, os ensinamentos da cultura do dominador. Com o resgate da cultura africana, mesmo em locais de esconderijos, os negros que não trouxeram bagagens, muito menos pertences, mantiveram as suas lembranças e os ensinamentos das nações de origem. Foi o que fortaleceu, após a abolição da escravatura, a vida no novo mundo. Mesmo assim, as culturas negras não se conservaram totalmente em seu estado original, em estado puro, devido à convivência com as culturas encontradas além mar. Com a compreensão devida das contribuições adquiridas da antropologia cultural que traz o conceito de etnia para se pensar a questão do negro e as populações em situação semelhante, pode-se distinguir facilmente os pontos fundamentais e diferenciais entre a utilização de “raça” (no seu sentido mais bruto, advindo de um contexto de décadas anteriores) e de “etnia” atualmente. Assim, o conceito de etnia traz à baila as noções do universo cultural que cerca o indivíduo, o fazer parte de um grupo 107 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 étnico não significa somente, ou necessariamente, ser possuidor de fatores morfológicos como cor da pele, constituição física, tipo de cabelo, nariz, estatura ou traço facial. O conceito de etnia, aplicado nesse sentido, avança na intenção de compreender a dimensão sociocultural e as experiências semelhantes que ligariam indivíduos, povos e sociedades no mesmo grupo. Além disso, o uso de “raça” no desígnio de grupos sociais humanos, do ponto de vista das ciências naturais, apresenta um erro, pois sugere que atualmente não há somente uma raça humana, mas sim várias, teoria que há muito se prova inconsistente. Essa mudança de pensamento que entende que os elementos socioculturais de um povo são tão, ou mais, importantes do que as outras possíveis dimensões ou possibilidades analíticas (economia, politica, instituições, etc.) faz com que se mergulhe não somente em uma discussão cultural acerca das populações negras, mas sim, devido às inúmeras trocas, aculturações e processos de resistência e transformações formadores da cultura da população brasileira. Com a miscigenação, é difícil imaginar a existência de uma população branca (culturalmente ou até morfologicamente) totalmente pura. Em alguns estados, como na Bahia, a maioria é negra, o que contribui, ainda mais para que esta população, situada no chamado Novo Mundo, busque de fato a sua origem e sua identidade. Podemos identificar este fenômeno através das danças, das músicas, da religião e dos movimentos políticos e sociais que fundamentados nos seus referenciais remetem às matrizes africanas. Edison Carneiro, em seu livro Antologia do Negro Brasileiro (1950), reúne uma coletânea de trabalhos de autores nacionais e estrangeiros sobre a importância do negro no Brasil. O autor escreve no prefácio à 1ª. edição, em 1950: (...) penso ter contribuído para provar que os negros e mulatos brasileiros estão unidos com todo o povo na defesa da democracia, sem abdicar da sua qualidade de brasileiros, de parte integrante da nacionalidade que os seus avós ajudaram a criar, sem nenhuma disposição de servir às maquinações dos fascistas e dos falsos democratas, provocando desuniões e conflitos dentro da sociedade, a fim de prejudicar a saída democrática pacífica que todos desejamos para a situação nacional. (2005: p.11) 108 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Na construção da sociedade brasileira, coube aos negros escravos a contribuição nos trabalhos mais duros, como nas lavouras, nos canaviais, na busca do ouro e, após a abolição, mesmo na condição de libertos, com o preconceito presente, continuou a luta pela sobrevivência através de trabalhos de ganhos e sem alguns direitos em relação à vida política e pública, não podendo votar e exercer cargos como deputado, juiz, delegado de polícia, magistrado, bispo e outros semelhantes. Assim, mesmo sendo historicamente desprivilegiados socialmente, os negros contribuíram culturalmente na construção do país que, com a escravidão, foi lhes dado como pátria. Na perspectiva histórico-social, o negro permanentemente tem que lutar na sociedade pela igualdade de direitos e pela destruição do preconceito, pois a cada tempo é necessário quebrar as forças da ideologia que ainda se faz presente nos espaços do poder nas classes dominantes. Partindo do princípio que vivemos em sociedade, dividida em grupos, concordamos com Antônio Sérgio Guilherme, quando diz que: (...) classe, enquanto comunidade, está sempre em processo de formação ou dissolução, ela nunca é permanente”, porque, para criar essa comunidade, precisa-se criar um discurso de origem ou um discurso de destino. Ou seja, construir uma comunidade de destino ou a comunidade de origem exige tempo, história, política – não é algo que se faça automaticamente. (2008; p.68) Dessa forma, também, outros conceitos além de raça e etnia estão sujeitos a mudanças que ocorrem no decorrer do tempo. E, provavelmente, os conceitos aqui discutidos ou explanados se transfiguram em diferentes significados com o passar dos anos, assim como aconteceu com eles até aqui, uma vez que nem o tempo e muito menos nossa sociedade é estática. O conceito de raça, etnia e classe tem significados diferentes de acordo com a cultura da sociedade, com as influências ideológicas, sociais, religiosas, jurídicas, etc. Há entendimento e análise de cada conceito não só no plano atual, como também na sua origem, pois os significados perpassam pelos homens brancos, negros, mestiços, índios e descendentes que, a partir da conscientização de saber quem é o seu “eu”, provocam e compreendem em cada instância o significado de cada palavra. Então, podemos dizer que esses conceitos são modificados culturalmente. 109 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Nesse contexto, faz parte da cultura de um povo reconhecer e compreender o diferente. Ser negro é diferente na sociedade moderna, porque aliado a cor da pele não é esquecido o momento histórico da escravidão, que até hoje traz uma ideia de desigualdade entre os povos, junto com as outras diferenças, pois no âmbito social os homens dominantes construíram a ideologia dominante em relação aos não brancos. Daí a confusão de classificar o diferente através da discriminação. A dimensão cultural Como os outros conceitos, o que hoje chamamos de “cultura”, também, teve um desenvolvimento através dos tempos. Diz Laraia (2004; p. 30) que a primeira definição de cultura pertence a Edward Tylor: “cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução” É importante registrar que à época em que Taylor pensou este conceito havia também influências da obra de Charles Darwin, Origem das espécies. Bastante influenciado por Darwin, Taylor sugere que todas as culturas deveriam passar pelas mesmas etapas de evolução, o que torna possível situar cada sociedade humana dentro de uma escala que ia da menos a mais desenvolvida. Tal pensamento cai como uma luva para as ideias eurocêntricas de dominação e colonização, jugo que a Europa sobrepõe a diversas áreas do globo, logo no início da chamada era moderna. Ao passo que Franz Boas, no seu artigo “The Limitation of the Comparative Method of Anthropology” (1896) em reação ao evolucionismo de Taylor, atribuiu à antropologia as tarefas de reconstruir a história dos povos e a comparação da vida social de diferentes povos. Assim, passando a ter sentido o evolucionismo de Taylor, ocorre a multilinearidade. Segundo David Schneider (apud LARAIA, 2004, p.63), a cultura é “um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modo de comportamentos”. Para Geetz: (...) os símbolos e significados são partilhados pelos atores (os membros do sistema cultural) entre eles, mas não dentro deles. São 110 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 públicos e não privados. Cada um de nós sabe o que fazer em determinadas situações, mas nem todos sabem prever o que fariam nessas situações. Estudar a cultura é portanto estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura. (apud LARAIA. 2004. p. 63) Pensando como Geetz, ou pelo menos no conceito de cultura de um ponto de vista antropológico, percebe-se cultura não como simplesmente um manual de códigos e condutas ou como um tradutor de significados e muito menos um conjunto ou acúmulo de conhecimentos científicos-tecnológicos ou religiosos que seriam “naturais” de cada comunidade. A cultura estaria lá, não necessariamente no ato em si observado, mas aparente como uma estrutura, uma “teia de significado” que o homem (ou os homens) mesmo teceu (teceram). O ser social e seu grupo estariam amarrados a essa teia que teve seus signos construídos sócio-historicamente. Ainda assim, tais significados não representam leis e nem são precisos de uma maneira logica matemática, porém através do estudo da cultura de cada povo, “de cada teia de significados”, é possível perscrutar as expressões sociais enigmáticas em busca de explicações. A cultura é mais profunda que as ações. Nas ações a cultura está representada, mas ao mesmo tempo a cultura não são as peças no vestuário, pode ser percebida, mas não são necessariamente as danças, festas, carnavais ou culinária. Assim, repassando os escritos de Geetz, “o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu” (pag. 10) assumindo a cultura como sendo essas teias de análise. Ela não é o ato em si, porém pode ser entendida, ser explicada (e explicar) através do mesmo. Ou seja, percebida através das atitudes, das ações, dos gestos e de todo o conjunto de experiências vividas em sociedade. Com todas as teorias desenvolvidas sobre a cultura através dos tempos, uma importante interpretação que podemos ter é que a cultura está relacionada com a sociedade onde os homens pensam, comunicam e transmitem seus conhecimentos entre as próprias gerações e também para povos diferentes. Com a propagação dos seus valores e normas através da linguagem, seja oral ou escrita, os povos vão adquirindo novos saberes, constatando assim suas variações culturais entre os seres humanos, o que determina a existência de diferentes tipos de sociedade. Assim, podemos dizer que a cultura tem uma relação com a sociedade. 111 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Diz Laraia: “a linguagem humana é um produto da cultura, mas não existiria cultura se o homem não tivesse a possibilidade de desenvolver um sistema articulado de comunicação oral” (LARAIA. 2004; p. 52). Através desse pensamento acerca desses conceitos de cultura mais modernos, é perceptível tanto no campo da antropologia, como nos diversos segmentos das ciências sociais, a necessidade do reconhecimento por parte de uma sociedade popular, acadêmica e científica que, por muito tempo, negou a importância, história e riqueza das diversas culturas que se apresentavam como diferentes dos parâmetros eurocêntricos estabelecidos. Povos que não só tinham os conhecimentos, a ciência, a religião, as instituições e a cultura negadas, ou pelo menos combatidas pelos dominadores, por diversos motivos socioeconômicos, alguns aqui apresentados, tiveram suas experiências paulatinamente reconhecidas durante o século XX, uma vez que os avanços científicos e técnicos sobre a vida na terra e nos campos das ciências humanas ampliaram-se. Com isso passou-se cada vez mais a conceber melhor os limites da diversidade e unidade, além da luta pela resistência do oprimido contra o sistema opressor que jamais deixou de existir, influenciando o modo de pensar, e modificando as mentalidades para as concepções apresentadas aqui de raça, etnia e cultura. Ainda assim, mesmo o pensamento mais rico acerca da diversidade cultural e o contínuo acúmulo entre os debates conceituais não constroem, por si só, o presente de dignidade e respeito o qual tanto se procura. A diversidade do conceito de cultura e a instituição de “etnia” como um termo politicamente correto substituidor da chamada “raça” dos naturalistas do início do século XX não reflete necessariamente o final da discriminação entre os povos. Pois o racismo clássico, apoiado na idéia racial dos povos, também adotou o lexical “étnico”, dessa forma pode-se perceber que o preconceito não se estabelece unicamente através da simples diferença entre os fenótipos adquiridos durante o processo de distribuição de genes, mas sim, principalmente, se revela através do repúdio, escárnio e intolerância das práticas culturais dos outros grupos, danças, cerimônias religiosas, festa, língua, culinária, etc. Práticas culturais marcantes e, diga-se de passagem, refletoras de uma cultura fundamental para o estabelecimento das relações sociais mais cotidianas dos membros de um grupo (como aqui visto, são essas as “teias”). 112 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Não tolerar a cultura de outros grupos é, ao mesmo tempo, assumir uma diversidade cultural e, em parte, os conceitos modernos aqui discutidos, mas ainda apresentar as características negativas do chamado racismo, elevado agora não só a aspectos biológicos como também culturais. É ao mesmo tempo, manter um posicionamento racista clássico e etnocêntrico. Enfim, como bem nos fala Kabengele Munanga, em sua palestra “Uma abordagem conceitual das noções de Raça, racismo, identidade e etnia”3 (2003) “Estamos entrando no terceiro milênio carregando o saldo negativo de um racismo elaborado no fim do século XVIII aos meados do século XIX”. Conclusão Os conceitos, assim como as experiências e a cultura, não são estáticos no tempo e refletem diferentes perspectivas e ideias ao passar dos anos. É nesse sentido que a alteração nos significados dos conceitos reflete uma mudança não só ideológica como sociocultural, e marca a evolução das contribuições científicas e dos movimentos sociais vividos. Ressignificados ao longo das temporalidades e lugares onde eles foram sendo usados, conceitos como raça, etnia e cultura refletem parte das relações vividas entre os diversos grupos e a importância e os embates políticos e sociais dessas relações tão conflituosas entre os diversos grupos humanos. A relação preconceituosa entre os grupos traduz a falta de conhecimento quanto aos empréstimos culturais que ocorrem através dos tempos. No caso dos povos vindos de África, houve uma herança nas danças, cânticos, culinária, vestuário, religião, o que colaborou para um grande desenvolvimento da nossa sociedade, e mais do que uma herança de práticas culturais, uma contribuição ativa na formação de uma cultura brasileira. Mesmo com a difusão cultural, ainda existe por parte de muitos uma ideia de superioridade, restando aos povos negros se afirmarem através das resistências e lutas que também fazem parte de uma sociedade. Assim, a utilização do termo “raça” denota o passado no qual o grupo era assim classificado e, ao mesmo tempo, reafirma a unidade do grupo denunciando a forma como eles ainda são tratados com base em ideias que se originaram em contextos de dominação e exploração de um grupo sobre o outro. 3 Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ 113 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 O termo “raça” evidencia um passado, um contexto e historiciza a luta mesmo nos dias de hoje. Ainda, assim, faz-se necessário ter em mente as críticas a essa abordagem que, sem o cuidado devido, levaria a creditar a possibilidade de subespécies humanas, ou mesmo várias espécies de homens, teses que (como comentado anteriormente) já não são compatíveis com os estudos mais modernos e de maneira alguma refletem a realidade. O conceito de etnia, moderno, aplicado para designar um grupo, tendo em vista características comuns e universo cultural semelhante, apresenta um avanço, pois para além das características biológicas, outros aspectos passam também a ser cruciais como o universo cultural no qual essas pessoas estão inseridas, as instituições ou mesmo a situação na qual esses indivíduos se encontram. Ainda assim, esse avanço não significa necessariamente a diminuição dos atritos entre os diversos grupos humanos. Muito cuidado também deve ser tido com esse conceito, pois apresentando nuances, esse seria capaz de caracterizar situações diferentes, que poderiam variar desde o significado de etnia para os antigos gregos, até o uso de etnia para definição de um grupo dentro de um grupo maior, como o caso dos próprios negros escravizados que vieram ao “Novo Mundo” advindos de diversos grupos étnicos (nagôs, jejes, fantis, axantis, gás, txis, malês, háuças, etc) e que, mais tarde, forjariam no novo território o que seria entendido como uma etnia negra, uma vez que as experiências vividas, a situação e a cultura possibilitaram tal aproximação. Assim, pensar uma etnia negra é pensar um grupo de pessoas que se identificam e são identificadas como se aproximando de uma cultura advinda do acúmulo de experiências dos vividos pelos homens e mulheres negros. É, dessa forma, pensar e compartilhar com os próximos uma origem em comum, uma história, valores, práticas e representações. Ainda, assim, essa não negaria a possibilidade de entender como etnias os grupos advindos de África que, durante o tempo de convivência com o dominador e com os demais grupos sociais, reproduziram aqui múltiplas culturas, possibilitando inúmeras trocas. 114 Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação Caderno Temático: Educação e Africanidades N. 4 p. 9999-115, 115, Ano 2 (Novembro/2011) ISSN 2179.8443 Referências ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de Almeida. In: Quilombos: identidade étnica e territorialidade. O'DWYER, Eliane Catarino (Org.). Rio de Janeiro: FGV, 2002. CARNEIRO, Edison. Antologia do Negro Brasileiro: de Joaquim Nabuco a Jorge Amado, os textos mais significativos sobre a presença do negro em nosso país. Rio de Janeiro: Agir, 2005. GUIMARAES, Antonio Sergio. Cor e Raça. In: Raça: novas perspectivas antropológicas. SANSORE, Livio, PINHO, Osmundo Araújo (Orgs). 2. ed. Rev. Salvador: Associação Brasileira de Antropologia, EDUFBA, 2008. GUIMARÃES. Antonio Sergio. 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