Uploaded by adriana.marotti07

SSIRBrasil NancyBocken Circular Business Model

advertisement
50
Stanford Social Innovation Review Brasil | Agosto de 2022
Projetando seu
Modelo Circular
de Negócios
Por Nancy M. P. Bocken e Thijs H. J. Geradts
Ilustração de Mengxin Li
As corporações podem alcançar melhor desempenho ambiental e financeiro
desenvolvendo e implementando estratégias de modelo de negócios circulares.
s últimos oito anos foram os mais quentes já
registrados, e os efeitos generalizados das mudanças
climáticas sobre a humanidade tornaram-se cristalinos. Confrontadas com o número crescente de doenças
infecciosas, secas e inundações em meio ao aumento
do nível do mar, nações ao redor do mundo estão lançando planos
para mitigar esses efeitos nocivos. Em 2019, a Comissão Europeia
introduziu o Green Deal, um plano de 1 trilhão de euros para zerar
as emissões líquidas de gases de efeito estufa na Europa até 2050.
O pacote inclui um Plano de Ação de Economia Circular visando
estabelecer processos de fabricação e produção industrial mais
sustentáveis, incentivar o consumo ambientalmente consciente
e reduzir resíduos, reciclando e reutilizando recursos pelo maior
tempo possível. Nos Estados Unidos, o governo de Joe Biden voltou
a entrar no Acordo de Paris no ano passado e prometeu investir 2
trilhões de dólares em infraestrutura e energia renovável.
As grandes corporações também estão estruturando metas
ambiciosas de sustentabilidade. A economia circular inspirou
empresas a enfrentar os desafios ambientais em resposta à aceleração das mudanças climáticas. Afastando-se da economia linear
do “pegar–fazer–descartar” — em que os materiais são extraídos
para fazer produtos que são descartados após um tempo limitado de uso —, a economia circular apresenta um novo modelo
econômico de produção e consumo em que o descarte é eliminado, os materiais são reciclados e a natureza é regenerada. Para
implementar essa transformação, líderes corporativos contam com
O
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 50
quatro estratégias de negócios circulares: usar menos material
por produto (estreitando os ciclos de recursos), estender a vida
útil dos produtos (desacelerando os ciclos de recursos), reutilizar
materiais (fechando os ciclos de recursos) e reviver os recursos
naturais usados nos processos de produção (regenerando ciclos
de recursos).1 Essas estratégias permitem que as empresas cortem
custos, melhorem sua reputação e estimulem o desenvolvimento
de novos produtos e mercados.2 Muitas, no entanto, enfrentaram
uma série de desafios gerenciais na transição para um modelo
circular de negócios.3
Com base em mais de uma década pesquisando inovação de
modelos circulares de negócios e sustentáveis e mais de 200 entrevistas com gerentes de empresas líderes em sustentabilidade, descobrimos que, no processo de criação de um modelo circulares de
negócios, as empresas enfrentam questões sobre conveniência de
mercado, praticabilidade técnica e viabilidade do negócio. A busca
por estratégias circulares e sua implementação são muitas vezes
prejudicadas por práticas tradicionais de negócios — um desafio
típico do trabalho de inovação social, como observa o professor
Andrew Hoffman, da Universidade de Michigan. 4 Neste artigo,
observamos como corporações que adotam essas quatro estratégias
encontram diferentes obstáculos, incluindo se os clientes desejam
tais inovações, se as empresas podem administrá-las e se as inovações são lucrativas. Para contribuir na adoção de um modelo circulares de negócios, identificamos as implicações administrativas
e as melhores práticas para cada estratégia.
8/7/22 12:08 PM
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 51
8/7/22 12:08 PM
52
Stanford Social Innovation Review Brasil | Agosto de 2022
Quatro estratégias circulares
As corporações tradicionalmente focam a implementação de práticas ecológicas simples e baratas — como reduzir o uso de papel ou
usar sensores que desligam automaticamente as luzes do escritório
— que resultam em economia direta de custos. Essas inovações
incrementais são necessárias, mas insuficientes para reduzir de
maneira significativa a pegada ambiental das empresas. Políticos
e ativistas estão fazendo cada vez mais pressão para que medidas
mais robustas sejam adotadas — como substituir materiais não
sustentáveis por alternativas mais ecológicas, evitar o consumo
não sustentável de produtos do cotidiano, reciclar produtos ou
regenerar o ambiente natural usado para extração de recursos. A
transição para a economia circular exige das empresas a adoção
de uma abordagem mais integral, que inclua as quatro estratégias
de modelo circulares de negócios, de estreitar, desacelerar, fechar
e regenerar os ciclos de recursos.
Estreitando os ciclos de recursos | Esta estratégia pretende tornar o
processo produtivo mais eficiente utilizando menos recursos. A
“Clean Future”, abordagem da multinacional de bens de consumo
Unilever, por exemplo, inclui reduzir e substituir combustíveis
fósseis por recursos renováveis para suas marcas de produtos de
uso doméstico. O CO2 é recuperado dos processos de produção e
reutilizado, e recursos fósseis não renováveis são substituídos por
fontes naturais — caso do carbonato de sódio, um ingrediente em
pó de produtos para lavar roupas, criado com a tecnologia de captura de CO2. A Unilever estima que essa inovação pode ajudar a
reduzir sua pegada de carbono em quase 20%.
Estreitar os ciclos de recursos também envolve aprimorar o design
de produto com novos processos digitais e de fabricação. A montadora japonesa Toyota, por exemplo, fez parceria com a empresa
de engenharia americana 3D Systems a fim de usar tecnologias de
manufatura adicionais para criar peças leves com mais eficiência.
Esse esforço está alinhado com a estratégia da Toyota de eliminar
todas as emissões de carbono durante todo o ciclo de vida de um
veículo até 2050. Até agora, a empresa reduziu suas emissões em
49% em relação aos níveis de 1990. A redução pode ser ainda maior
com a construção de carros mais compactos movidos a hidrogênio. A
Riversimple, empresa de carros ecológicos com sede no Reino Unido,
desenvolveu um veículo elétrico movido a célula de combustível a
hidrogênio que pesa cerca de 590 kg. Com um quilograma de hidrogênio, o ecocarro viaja 320 quilômetros — uma distância significativamente maior que os 180 quilômetros que o Toyota Mirai (com
peso três vezes maior) percorre com o mesmo consumo.
Desacelerando os ciclos de recursos | Esta estratégia visa o consumo excessivo, estendendo a vida útil de um produto. O ex-CEO do eBay,
John Donahoe, sustentava que as mercadorias mais ecológicas geralmente são aquelas que já existem, referindo-se ao mercado global que o eBay criou para itens usados, recondicionados, antigos e
novos. Plataformas de comércio eletrônico como o eBay oferecem
um exemplo de como desacelerar os ciclos de recursos.
As empresas também podem incentivar os consumidores a
reutilizar produtos. O serviço de recompra e revenda da empresa
sueca de móveis Ikea foi projetado para aumentar a duração do
uso de um móvel. O serviço oferece vouchers de até 50% do valor
original para itens em boas condições.
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 52
NANCY M. P. BOCKEN é professora de negócios sustentáveis ​​no Instituto de Sustentabilidade da Universidade de
Maastricht e fellow do Cambridge Institute for Sustainability
Leadership. Ela também fundou a Homie, seu próprio
negócio circular e sustentável.
THIJS H. J. GERADTSé gerente de sustentabilidade
da região de Parkstad, na Holanda. Previamente, foi
pesquisador-visitante na University of Cambridge e na
Harvard Kennedy School.
Outros exemplos incluem modelos de negócios premium para
produtos e serviços de longa duração, com garantias vitalícias, serviços de conserto e contratos de manutenção. Os custos de produtos duráveis de alta qualidade são superiores à média na hora
da compra, mas mais baixos ao longo do tempo não obstante a
qualidade, assegurada pela garantia. Por exemplo, a empresa holandesa de saúde e eletrônicos Philips vende cuidados de baixo custo
por meio de serviços integrais de gerenciamento do ciclo de vida
que incluem alternativas para manter os equipamentos médicos
em uso por mais tempo, como atualizações e recondicionamento
e reforma de hardware.
Fechando os ciclos de recursos | A estratégia de reutilização de materiais depois do uso é comumente chamada de “reciclagem pós-consumo”. As práticas de reciclagem de plástico, papel e vidro já
são bem difundidas. Na Europa, por exemplo, 66% dos resíduos
de embalagens são reciclados. As empresas também incorporaram
a reciclagem mais amplamente em suas operações. O projeto de
alumínio REALITY da Jaguar reaproveita resíduos de latas, tampas
de garrafas e veículos no fim da vida em carros premium como o
Land Rover, um esforço que a montadora britânica estima poder
reduzir em 26% suas emissões de CO2. O Walmart se comprometeu com embalagens 100% recicláveis, reutilizáveis ou industrialmente compostáveis até 2025. A Xerox estabeleceu um programa
de devolução com foco na reciclagem de seus produtos para afastar
os resíduos dos aterros sanitários. Trabalhando com recicladores
terceirizados, desviou aproximadamente 276.000 toneladas de
eletrônicos de aterros sanitários em 2018, evitando a produção de
724.000 toneladas de CO2.
Regenerando os ciclos de recursos | Esta quarta estratégia de negócios
se concentra em melhorar o meio ambiente que uma empresa explora para uso operacional e comercial. Práticas não sustentáveis
em larga escala na indústria de alimentos, como o monocultivo
(cultivar a mesma plantação na mesma terra, ano após ano) e o
uso generalizado de pesticidas, degradaram o solo no mundo todo.
Em 2018, a empresa de alimentos Danone investiu US$ 6 milhões
em sua iniciativa de saúde do solo para ajudar a cumprir sua meta
de fortalecer a resiliência agrícola. A multinacional desenvolveu
uma estrutura de agricultura regenerativa em conjunto com a organização não governamental (ONG) internacional World Wildlife
Fund for Nature para apoiar as práticas regenerativas de seus agricultores. A Ikea também emprega uma estratégia de regeneração,
já que a produção de seus móveis consome grandes quantidades
de matérias-primas como a madeira, o que contribui para o desmatamento. Como parte de sua abordagem, a empresa comprou
cerca de 550 km2 de florestas em cinco estados dos Estados Unidos
para protegê-las do desenvolvimento comercial. A Ikea prometeu
tornar-se mais “climaticamente positiva” até 2030, continuando a
adquirir áreas florestais para mantê-las, além de seus esforços de
redução de emissões.
8/7/22 12:08 PM
Stanford Social Innovation Review Brasil | Agosto de 2022
Administrando ciclos
A ciência do design estratégico há muito reconhece a necessidade
de desenvolver produtos desejáveis usando modelos de negócios que
sejam factíveis e viáveis do ponto de vista financeiro. Ao projetar
seus modelos circulares de negócios, as corporações devem, portanto, considerar esses três fatores ao procurar estreitar, desacelerar, fechar e regenerar ciclos de recursos. Primeiro, devem avaliar
se as quatro estratégias do modelo circulares de negócios atrairão
seus clientes. Segundo, precisam determinar se essas estratégias
são tecnicamente e operacionalmente alcançáveis. Por fim, devem
pesar se essas estratégias fazem sentido financeiramente. Vamos
considerar os três elementos de design para cada estratégia circular.
Estreitando os ciclos de recursos
Interesse | Estreitar para alcançar eficiência de recursos pode deixar
o interesse pelo produto inalterado quando os esforços de sustentabilidade permanecem desconhecidos ou invisíveis para os clientes. Contudo, usar menos ou diferentes recursos provavelmente
altera os custos de produção, potencialmente forçando as empresas
a adequar seus preços. O estreitamento
pode permitir reduções nos valores de comercialização, o que aumenta o interesse
pelo produto. De fato, mesmo com preços
inalterados, a atratividade do produto tem
chances de crescer mediante a divulgação
das melhorias de sustentabilidade.
Cobrar mais geralmente requer conhecimento sobre elasticidade-preço e expectativas do cliente. Embora a demanda do
consumidor seja inversamente relacionada
ao custo, quando os clientes valorizam o
propósito social subjacente à missão da
empresa, ela ainda pode subir, apesar da alta dos preços.5 Se os
consumidores associarem desfavoravelmente a sustentabilidade a
custos mais elevados ou qualidade mais baixa, as empresas talvez
prefiram omitir a sustentabilidade da marca.
Praticabilidade | Estreitar os ciclos de recursos pode ser relativamente fácil de implementar por meio de pesquisas internas e práticas de design ou em colaboração com parceiros externos para
alterar processos de produção, trabalhar com materiais reciclados
ou usar tecnologias que economizam recursos. Abordagens estruturadas, como análises do ciclo de vida do produto, permitem
identificar oportunidades para reduzir o desperdício durante o
processo de produção. A análise do ciclo de vida da empresa de
bebidas Coca-Cola, por exemplo, resultou na introdução da embalagem PlantBottle, que rapidamente economizou 30% do petróleo
tradicionalmente usado na produção.
Os esforços para estreitar o ciclo também podem se concentrar
nos fornecedores. A produção do alumínio está entre os maiores
consumidores de energia e emissores de CO2 no mundo todo. As
empresas de alumínio Alcoa e Rio Tinto estabeleceram uma joint
venture para comercializar uma nova tecnologia que reduz de
maneira significativa as emissões do processo de fusão do alumínio
— um projeto no qual também investiu a empresa multinacional
53
de tecnologia Apple tanto para reduzir suas emissões gerais como
para reduzir custos operacionais.
Em outros casos, estreitar também significa redesenhar o produto. As marcas de sabão para roupas da americana Proctor &
Gamble e seu concorrente europeu Unilever têm trabalhado em
versões concentradas para que possam ser embaladas em frascos
menores que exigem menos material e também são eficazes em
temperaturas mais baixas de água, reduzindo potencialmente o
uso de energia em casa. A companhia aérea franco-holandesa Air
France-KLM fez parceria com a Delft University of Technology para
dar a seus aviões um formato em V simplificado, e com isso economizou 20% no combustível usado nos voos e reduziu as emissões.
Viabilidade | Estreitar os ciclos de recursos de modo geral corta
custos, recursos e energia. Por exemplo, ao melhorar a eficiência
energética em suas fábricas, a Unilever deixou de gastar mais de
873 milhões de euros. Por outro lado, estreitar pode ser lucrativo
quando a eficiência permite que as corporações posicionem melhor
seus produtos. Um estudo divulgado em 2020 pela multinacional
de tecnologia IBM descobriu que quase 80% dos clientes acreditam
que sustentabilidade é importante e mais de 70% desses consumidores pagariam em média 35% a mais por produtos sustentáveis.
A transição para a economia circular demanda
uma abordagem que inclua as quatro estratégias
de estreitar, desacelerar, fechar e regenerar os
ciclos de recurso.
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 53
Benefícios não quantificáveis, como melhor reputação, também justificam o estreitamento dos ciclos de recursos. Quando a
economia de recursos e emissões não corta custos de imediato, a
liderança ambiental pode parecer atraente para os clientes. Esse
potencial exige que as corporações considerem um conjunto mais
amplo de métricas de desempenho para avaliar o cenário. Por
exemplo, quando parou de usar materiais não sustentáveis, a fabricante americana de carpetes Interface viu seus custos de produção
aumentarem, o que resultou em uma perda financeira de curto
prazo. No entanto, seu conselho executivo considerou que provavelmente se beneficiaria a longo prazo do ganho de reputação se
usasse processos de produção mais limpos.
Desacelerando os ciclos de recursos
Interesse | Quando desacelerar os ciclos de recursos se concentra em
prolongar a vida útil de um produto, a longevidade se torna uma
característica dele e os clientes podem levar esse fator em consideração em suas escolhas de compra.6 Para aumentar o desejo pelo
produto, desacelerar os ciclos de recursos geralmente inclui serviços
pensados para o futuro, como garantias, consertos e manutenção.
No caso da empresa internacional de produtos para esportes de
8/7/22 12:08 PM
54
Stanford Social Innovation Review Brasil | Agosto de 2022
aventura Patagonia, isso significa uma garantia vitalícia dos produtos que é facilitada pelo seu serviço de conserto. Esse suporte
corresponde à filosofia da empresa de “compre menos, exija mais”,
fornecendo aos clientes produtos duradouros e reparáveis, apoiados
por serviço de alto nível.
No entanto, a miopia dos clientes e o desejo por novidade podem
comprometer a atratividade mercadológica dessa proposta. Quando
o público quer o smartphone mais recente ou as roupas mais novas,
soluções para esse tipo de consumismo incluem a entrega de novidades por meio de modelos de aluguel, que oferecem variedade
de itens sem propriedade, ou por meio de modelos de venda de
produtos de segunda mão. Em 2019, a varejista sueca H&M testou o aluguel de moda, oferecendo aos membros até três peças de
sua coleção Conscious Exclusive por cerca de 40 dólares por mês.
É importante ressaltar que esses modelos podem permitir que
consumidores satisfaçam suas demandas de maneira mais eficaz
e sustentável sem exigir propriedade do produto, e ajudem a prolongar a vida útil deste, como serviços de aluguel.7 O programa
Bugaboo Flex, da empresa de carrinhos de bebês Bugaboo, permite aos clientes usar modelos mais novos conforme a necessidade
e devolver os carrinhos quando não precisarem mais deles. Os
processa mais de 20.000 relógios por ano por meio de sua central
de atendimento credenciada, que inspeciona, autentica e prepara
os itens para revenda. Essa aquisição permitiu que a Richemont
atuasse no mercado de usados e contribuísse para a vida útil prolongada do produto.
A desaceleração dos ciclos de recursos pode exigir que as
empresas mantenham a propriedade de seus produtos ao fornecer
serviços de aluguel. Além dos desafios legais, pode ser necessária
uma revisão de seu modelo de negócios para lidar com as repercussões nos sistemas, processos e recursos internos.8 A experimentação em pequena escala permite que as corporações testem
novas proposições e descubram as implicações das inovações do
modelo circular de negócios.9
A antiga divisão de iluminação da Philips, Signify, por exemplo, fez parceria com Thomas Rau, da RAU Arquitetos, para lançar vários pilotos para vender “luz como serviço” para empresas.
Lâmpadas de diodo emissor de luz (LEDs) são mais caras do que
as fluorescentes, mas, além de muito mais eficientes em termos
energéticos, são também mais duradouras. Um contrato de serviço
evitaria altos custos iniciais ao mesmo tempo que proporcionaria
economia de energia. Ao mudar para esse modelo, a corporação
teve que determinar como estabelecer
contratos de serviço e ajustar seu sistema
de planejamento de recursos. Como o serviço ajuda empresas a reduzir suas contas
de luz, a proposta se transformou em um
serviço financeiro direcionado a gerentes
financeiros em vez de gerentes de instalações. A Signify manteve a propriedade dos
equipamentos de iluminação e armações,
e os gerentes de vendas foram treinados
de acordo. E, como o acúmulo de ativos
no balanço patrimonial pode atrair a ira
dos investidores, a Philips colaborou com vários bancos por meio
do “Philips Lighting Capital”, um centro interno de competência
financeira que atua como consultor para desenvolver acordos de
financiamento e evitar problemas, como ter muitos equipamentos
listados no balanço patrimonial.10
Viabilidade | Para que as corporações se beneficiem da desaceleração
dos ciclos de recursos, um valor adicional cobrado pela longevidade
pode reduzir os efeitos negativos da canibalização de seu mercado
de reposição. Em outras palavras, o preço inicial mais alto compensaria a receita perdida com o número reduzido de compras repetidas por cliente. Algumas marcas nórdicas de roupas, como Filippa
K e Nudie Jeans, cobram mais por seus produtos duráveis premium.
Elas também capturam o valor da longevidade do produto aceitando
devoluções de roupas e revendendo esses itens de segunda mão.
Enquanto a desaceleração pode promover vendas futuras, os
modelos de serviço podem gerar um fluxo de renda contínuo.
Modelos de serviço também prendem os clientes e permitem a
integração vertical na cadeia de valor para aumentar o lucro. O
“power by the hour” do fabricante britânico de motores de aviação
e automóveis Rolls-Royce é um serviço de substituição de peças e
motores de avião oferecido a um custo fixo por hora. Esse contrato
de serviço de longo prazo alinha os interesses do fabricante e do
proprietário, que paga apenas por motores de alto desempenho.
Quando desacelerar os ciclos de recursos se
concentra em prolongar a vida útil de um
produto, os clientes podem considerar esse fator
nas suas escolhas de compra.
produtos então são recondicionados para nova utilização, o que
economiza recursos.
Praticabilidade | Desacelerar os ciclos de recursos requer design
pensado para a longevidade do produto e pronto reparo ou manutenção, como por meio de software e componentes de hardware
atualizáveis. Os desafios tecnológicos e operacionais, incluindo o
design para facilidade de atualizações e manutenção e logística reversa para recuperar produtos para conserto, podem ser abordados
por equipes internas de pesquisa e design, especialistas da cadeia
de suprimentos ou por meio de colaborações externas. Outra alternativa é a contratação de prestadores de serviços para manutenção
e reparo, caso não possam ser executados internamente. No caso
da Patagonia, a empresa colabora com a comunidade de consertos
da plataforma baseada em wiki iFixit para disponibilizar guias e
vídeos de reparos online.
Alternativamente, é possível considerar joint ventures e aquisições para trazer expertise. A H&M, por exemplo, comprou uma
participação majoritária na loja online sueca de segunda mão
Sellpy, o que permitiu ampliar seus negócios de roupas usadas
como parte de sua meta de se tornar “100% circular”. Em 2018,
o grupo suíço de artigos de luxo Richemont adquiriu a Watchfinder, uma plataforma sediada no Reino Unido que compra, vende
e troca peças de relógios de luxo de segunda mão. A Watchfinder
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 54
8/7/22 12:08 PM
Stanford Social Innovation Review Brasil | Agosto de 2022
Cerca de metade do material é de qualidade suficiente para ser
remanufaturado em peças novas, de modo que a vida útil do produto pode ser estendida. Isso provou ser uma estratégia altamente
lucrativa: estima-se que o programa de serviços da Rolls-Royce seja
responsável por 70% de suas receitas.
Fechando os ciclos de recursos
Interesse | Fechar esses ciclos envolve a reutilização de materiais por
meio da reciclagem, normalmente facilitada por modelos de devolução ou recuperação, que permitem aos clientes devolver produtos usados à empresa para reciclagem ou reutilização. A marca de
roupas holandesa MUD Jeans, por exemplo, oferece uma opção
de devolução para incentivar a reciclagem. Os clientes recebem
um desconto de 10 euros na próxima compra de jeans ao devolver um par antigo.
Modelos de recuperação readquirem material já descartado ou
desperdiçado para usar em produtos novos. Isso pode resultar em
preços mais baixos pela reutilização de recursos valiosos ou em
vantagens de reputação ao abordar uma questão ambiental que
permite às empresas cobrar um valor a mais. A colaboração Net-Works da Interface, do fabricante de náilon Aquafil e da Zoological
Society of London, transforma plásticos dos oceanos, como redes
de pesca de náilon recuperadas, em novos tapetes. A Net-Works
se envolve diretamente com as comunidades locais nesse esforço,
conectando-se a pescadores nas Filipinas e Camarões para evitar
que redes de pesca sejam descartadas no oceano. A Interface usa
padrões oceânicos nas peças a fim de tornar esse esforço de sustentabilidade visível e atraente para os consumidores.
Praticabilidade | Fechar os ciclos de recursos requer habilidade técnica para reciclar produtos, inovações logísticas para recuperar
materiais ou mudanças fundamentais na cadeia de valor em torno
da forma como as empresas colaboram com clientes e fornecedores para recuperar e reprocessar produtos e materiais. No caso da
Jaguar, a busca por reduzir o custo e a intensidade energética da
reciclagem de alumínio levou-os a fazer um acordo com o fornecedor Novelis para garantir que os resíduos do metal puro e de
alta qualidade dos processos de produção da Land Rover fossem
coletados separadamente para reciclagem. Essa separação de sucata requer um esforço significativo, planejamento de produção e
adesão dos investidores para alinhar os parceiros nos mesmos objetivos e evitar problemas que afetariam a qualidade do produto.
A reciclagem também apresenta limitações físicas e práticas. Os
materiais não podem ser reciclados infinitamente, pelo risco de contaminação durante o processo de coleta e de degradação após vários
ciclos de reciclagem. Além disso, a coleta nem sempre é eficiente.
Para encorajar clientes a retornar produtos antigos, incentivos como
coleta gratuita ou descontos em novos produtos são uma boa alternativa. Assim como o envolvimento da comunidade na reciclagem. Em
um projeto de colaboração com as organizações sem fins lucrativos
Keep America Beautiful e The Recycling Partnership em associação
com o Closed Loop Infrastructure Fund, a Coca-Cola doou mais
de 1 milhão de lixeiras na última década e forneceu educação sobre
reciclagem para residentes em mais de 1.400 comunidades em todo
o mundo. Essa parceria evitou que mais de 360 milhões de quilos
de recicláveis fossem parar em aterros sanitários.
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 55
55
Para apoiar o fechamento dos ciclos de recursos, a legislação pode
tornar a reciclagem mais difundida e impelir as empresas na direção certa. Depois que o Japão implementou uma lei de reciclagem
de eletrodomésticos em 2001, a fabricante japonesa de eletrônicos
Panasonic começou a se concentrar em esforços para aumentar a reciclagem, incluindo a educação dos consumidores sobre como reciclar
melhor. Fechar o ciclo também pode exigir mudanças significativas
no modelo de negócios de uma corporação, gerando a necessidade
de reorganização interna e colaboração com parceiros externos.
Viabilidade | Fechar o ciclo pode ajudar as empresas a diretamente
economizar custos e aproveitar benefícios futuros ao reciclar recursos que se tornarão cada vez mais escassos e valiosos com o
tempo. No caso da Philips, a preocupação de longa data com a
disponibilidade e o custo do alumínio a faz continuar expandindo
seus modelos de serviços que permitem a reciclagem de matérias-primas. Em 2011, a Novelis anunciou a meta de usar 80% de sucata
em suas fábricas até 2020. Em 2018, usava 60% de material reciclado, com uma economia estimada em 900 dólares por tonelada
de alumínio devido ao aumento dos preços do metal.
Por outro lado, fechar ciclos pode permitir que corporações
cobrem um preço mais elevado, gerem economias de custos ou se
beneficiem financeiramente de uma reputação melhorada. Para ilustrar o último caso, em 2015, 83% da equipe de vendas da Interface
indicou que a Net-Works os ajudou a fortalecer seu relacionamento
com clientes, o que resultou em mais 23,5 milhões de dólares em
produtos vendidos naquele ano. Fechar o ciclo também pode levar
a compras continuadas quando os serviços de devolução incluem
um vale de descontos futuros, como no caso do MUD Jeans.
Regenerando os ciclos de recursos
Interesse | A regeneração visa melhorar o meio ambiente e a sociedade,
e muitos veem valor nessa administração por parte das corporações.
A regeneração pode ser particularmente importante em um ambiente
empresa-a-empresa, em que as companhias se beneficiam ao fazer
negócios com parceiros ecológicos com quem compartilham objetivos.
Além disso, pode ajudar as corporações a criar boa vontade entre
os clientes, comunidades e ONGs. Empresas como a Coca-Cola têm
sido fortemente criticadas por agravar a escassez de água devido a
suas operações comerciais. Em resposta, a Coca-Cola lançou uma
estratégia de segurança hídrica para 2030 visando a melhorar a disponibilidade, qualidade, ecossistemas, acesso e governança da água
para diminuir a escassez em comunidades no mundo.
Praticabilidade | A estratégia regenerativa requer uma nova forma
de capacidade e nível de responsabilidade. Os problemas exigem
colaboração entre parceiros com os mesmos objetivos, que pode
contribuir com conhecimentos e habilidades complementares. O
conglomerado de alimentos suíço Nestlé está colaborando com a
organização sem fins lucrativos The Xerces Society em sua iniciativa de polinização de abelhas para melhorar os hábitats dos
insetos, bem como garantir suprimentos futuros.
Além disso, essa estratégia deve ser integrada às operações
de uma empresa para regenerar os recursos utilizados em seus
processos de produção. Por exemplo, a marca Knorr da Unilever
coinveste anualmente 1,2 milhão de dólares com fornecedores e
parceiros por meio de seu Fundo de Parceria Knorr, que financia
8/7/22 12:08 PM
56
Stanford Social Innovation Review Brasil | Agosto de 2022
projetos de agricultura sustentável, como plantar campos de flores
e construir abrigos de abelhas para proteger os polinizadores. A
Unilever também fez parceria com produtores de tomate espanhóis
e a Sociedade Ornitológica Espanhola para melhorar os hábitats de
158 espécies de aves ameaçadas de extinção. Essa é uma estratégia
ganha-ganha porque os pássaros comem os insetos que danificam
as plantações de tomate — tomates são um dos ingredientes prin-
seus modelos lineares, liberando potencial para obter tanto impacto
social quanto novas oportunidades de negócios. Embora algumas
estratégias possam ser mais fáceis de implementar do que outras,
as quatro devem ser combinadas para que as corporações transformem completamente seus modelos de negócios.
A Ikea, por exemplo, melhorou seus processos de produção e
reduziu sua pegada ambiental ao mudar para fontes renováveis para
estreitar o ciclo de recursos. Lançou uma
iniciativa de aluguel de móveis para desacelerar o ciclo. Recolhe móveis usados para
reutilização e reciclagem, contribuindo para
desacelerar e fechar o ciclo. E está envolvida na regeneração, comprando terras —
que de outra forma seriam desenvolvidas
comercialmente — para plantar florestas
que são cuidadosamente administradas por
meio de parcerias com ONGs e governos.
Ao considerar todas as quatro estratégias circulares simultaneamente, as empresas podem desenvolver novos produtos e modelos de negócios que
sejam mais desejáveis para os clientes. Esse esforço integral tem o
potencial de reduzir custos, economizando recursos. Também pode
levar a ofertas inovadoras com margens mais altas e garantir uma
rede de fornecimento futura, ao mesmo tempo que gera uma pegada
ambiental significativamente menor e tem um impacto ambiental
positivo. De fato, muitas empresas altamente bem-sucedidas começaram a incorporar estratégias de modelo de economia circular em
suas operações de negócios para obter esses benefícios associados.
Embora o caminho para a circularidade não seja linear, com certeza
o futuro exige que as empresas sigam essa via. n
Ao considerar as quatro estratégias circulares
simultaneamente, as empresas podem
desenvolver novos produtos e modelos de negócios
mais desejáveis para os clientes.
cipais dos produtos Knorr. Assim, apoiar uma população próspera
de aves também favorece o desenvolvimento das plantações, o que
beneficia consumidores e produtores de bens de consumo.
Viabilidade | “Não há negócios a serem feitos em um planeta
morto”, disse o ambientalista David Brower. A citação de Brower é
exposta na entrada da sede da Patagonia, como um marco de seu
compromisso em fazer negócios de forma sustentável. A Patagonia
Provisions, sua divisão de alimentos, foi criada para que a empresa
pudesse se tornar uma solução para o sistema alimentar global. A
Patagonia escolheu a conservação do salmão como sua primeira
iniciativa — o peixe desempenha um papel vital nos ecossistemas
naturais, mas as populações diminuíram significativamente devido
à pesca excessiva. A empresa estima que, por meio de colaborações
com conservacionistas e governos locais, existem agora dezenas
de milhares de salmões a mais nas águas dos Estados Unidos.
Menos amplamente, as práticas de regeneração colaborativa
podem criar novos fluxos de receita. A fabricante de açúcar British Sugar está trabalhando com seus fornecedores para proteger
e melhorar a saúde do solo. Ajudou a estabelecer a British Beet
Research Organisation, uma organização sem fins lucrativos que
compartilha conhecimentos sobre práticas agrícolas sustentáveis.
Por meio dessa colaboração, a empresa melhorou o uso do solo
e os rendimentos da beterraba sacarina, ao mesmo tempo que
desenvolveu uma nova ideia de negócio para o cultivo de tomates
a partir de CO2 latente produzido pelos processos de produção,
o que gerou novas receitas em uma indústria que está sofrendo
com o declínio dos subsídios.11 A British Sugar está agora entre os
maiores produtores de tomate do Reino Unido.
O caminho para a circularidade
A economia circular desafia empresas a reinventarem seus modelos
de negócios. Mas como modelos circulares de negócios bem-sucedidos podem ser desenvolvidos e implementados? Conhecer as
implicações administrativas das quatro estratégias e suas soluções
pode oferecer orientação aos administradores sobre como mudar
50a56_ED1 SSI_ECONOMIA CIRCULAR.indd 56
Notas
1 Nancy M. P. Bocken, Ingrid de Pauw, Conny Bakker e Bram van der Grinten,
“Product Design and Business Model Strategies for a Circular Economy,” Journal
of Industrial and Production Engineering, v. 33, n. 5, 2016; Jan Konietzko, Nancy
M. P. Bocken e Erik Jan Hultink, “A Tool to Analyze, Ideate and Develop Circular
Innovation Ecosystems”, Sustainability, v. 12, n. 1, 2020.
2 Mark Esposito, Terence Tse e Khaled Soufani, “Companies Are Working With
Consumers to Reduce Waste”, Harvard Business Review, 7 jun. 2016.
3 Eric Hellweg, “Is Your Company Ready for the Circular Economy?”, Harvard
Business Review, 25 jan. 2013.
4 Andrew J. Hoffman, “The Next Phase of Business Sustainability”, Stanford Social
Innovation Review, v. 16, n. 2, 2018.
5 Omar Rodríguez-Vilá e Sundar Bharadwaj, “Competing on Social Purpose:
Brands that Win by Tying Mission to Growth”, Harvard Business Review, v. 95, n.
5, 2017.
6 Alex Gnanapragasam, Christine Cole, Jagdeep Singh e Tim Cooper, “Consumer
Perspectives on Longevity and Reliability: A National Study of Purchasing Factors Across Eighteen Product Categories”, Procedia CIRP, v. 69, 2018.
7 Arnold Tukker, “Eight Types of Product-Service System: Eight Ways to Sustainability? Experiences from SusProNet”, Business Strategy and the Environment, v.
13, n. 4, 2004.
8 Mark W. Johnson, Clayton M. Christensen e Henning Kagermann, “Reinventing
Your Business Model”, Harvard Business Review, v. 86, n. 12, 2008.
9 Ilka Weissbrod e Nancy M. P. Bocken, “Developing Sustainable Business Experimentation Capability — A Case Study”, Journal of Cleaner Production, v. 142,
2017.
10 Mark R. Kramer, Thijs H. J. Geradts e Bhanuteja Nadella, “Philips Lighting:
Light-as-a-Service”, Harvard Business School Case Collection, 2019.
11 Samuel W. Short, Nancy M. P. Bocken, Claire Y. Barlow e Marian R. Chertow,
“From Refining Sugar to Growing Tomatoes: Industrial Ecology and Business
Model Evolution”, Journal of Industrial Ecology, v. 18, n. 5, 2014.
8/7/22 12:08 PM
Download