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Química dos alimentos de Fennema (Damodaran) 4. ed. - www.meulivro.mobi

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Química de
Alimentos
de Fennema
Srinivasan Damodaran
Kirk L. Parkin
Owen R. Fennema
4ª Edição
Tradução:
Adriano Brandelli
Químico Industrial. Doutor em Ciências Químicas pela Universidad de Buenos Aires.
(Capítulos 1, 4, 6, 11, 17 e 18)
Alessandro de Oliveira Rios
Engenheiro Agrônomo. Doutor em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas.
(Capítulos 7, 8, 9 e 10)
Ana Lyl Oliveira de Carvalho
(Capítulos 12 e 16)
Florencia Cladera-Olivera
Engenheira de Alimentos. Doutora em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
(Capítulos 2, 13 e 14)
Itaciara Nunes
Nutricionista. Doutora em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas.
(Capítulos 5 e 15)
Plinho Francisco Hertz
Engenheiro Agrônomo. Doutor em Ciência de Alimentos pela Université de Paris XI.
(Capítulo 3)
D163q
Damodaran, Srinivasan.
Química de alimentos de Fennema [recurso eletrônico] /
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin, Owen R. Fennema ;
tradução Adriano Brandelli ... [et al.]. – 4. ed. – Dados
eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2010.
Editado também como livro impresso em 2010.
ISBN 978-85-363-2334-3
1. Química – Alimentos de Fennema. I. Parkin, Kirk L.
II. Fennema, Owen R. I. Título.
CDU 664:54
Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922
Iniciais_Eletronico.indd ii
09.04.10 14:34:33
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Adriano Brandelli
Químico Industrial.
Doutor em Ciências Químicas pela Universidad de Buenos Aires.
Versão impressa
desta obra: 2010
2010
Iniciais_Eletronico.indd iii
09.04.10 14:34:33
Obra originalmente publicada sob o título
Fennema’s Food Chemistry, 4th Ed.
ISBN 9780824723453
© 2008 by Taylor & Francis Group, LLC
All Rights Reserved.
Authorized translation from English language edition published by CRC Press, part of Taylor & Francis Group LLC.
Capa: Mário Röhnelt
Preparação de original: César Rodrigues Pereira
Leitura final: Ana Luisa Gampert Battaglin
Editora Sênior – Biociências: Cláudia Bittencourt
Projeto e editoração: Techbooks
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à
®
ARTMED EDITORA S.A.
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90040-340 Porto Alegre RS
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É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
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SÃO PAULO
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IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Autores
Owen R. Fennema é professor de Química de Alimentos
no Departamento de Ciência de Alimentos da Universidade
de Wisconsin-Madison. Ele é coautor dos livros Low
Temperature Foods and Living Matter (com William D.
Powrie e Elmer H. Marth) e Principles of Food Preservation
(com Marcus Karel e Daryl B. Lund), ambos títulos publicados pela editora Marcel Dekker, Inc., e autor ou coautor de
mais de 175 artigos científicos que refletem seus interesses
na pesquisa relacionada a química de alimentos, preservação
de alimentos e material biológico em baixas temperaturas,
características da água e do gelo, filmes comestíveis e interações lipídeos-fibras. É editor consultor para a série Food
Science and Technology (Marcell Dekker, Inc.), associado
do Institute of Food Technologists e da Divisão de Química
Agrícola e de Alimentos da American Chemical Society, bem
como membro do American Institute of Nutrition, entre outras organizações. O Dr. Fennema graduou-se em Agricultura
(1950) na Universidade Estadual de Kansas, Manhattan, e
obteve seus títulos de Mestre em Ciência do Leite (1951)
e Doutor em Ciência de Alimentos e Bioquímica (1960) na
Universidade de Wisconsin-Madison.
Srinivasan Damodaran é professor de Química de
Alimentos e chefe do Departamento de Ciência de Alimentos
na Universidade de Wisconsin-Madison. É editor do livro
Food Proteins and Lipids (Plenum Press) e coeditor do livro Food Proteins and Their Applications (com Alain Paraf)
(Marcell Dekker, Inc.), além de autor/coautor de 6 patentes
e mais de 125 artigos científicos em suas áreas de pesquisa, que incluem química de proteínas, enzimologia, ciência
de coloides e superfícies, tecnologias de processo e polímeros industriais biodegradáveis. É associado da Divisão de
Química Agrícola e de Alimentos da American Chemical
Society, além de membro do Institute of Food Science e da
American Oil Chemists Society, bem como membro do corpo editorial do periódico Food Biophysics. Graduou-se em
Química (1971) na Universidade de Madras, Madras, Índia,
e obteve seus títulos de Mestre em Tecnologia de Alimentos
(1975) na Universidade de Mysore, Mysore, Índia, e Doutor
(1981) na Universidade de Cornell, Ithaca, Nova York.
Kirk L. Park é professor do Departamento de Ciência
de Alimentos da Universidade de Wisconsin (Madison,
Wisconsin, Estados Unidos), sendo associado à faculdade
por mais de 21 anos. É chefe de Pesquisa em Processamento
Vegetal do College of Agricultural and Life Sciences Fritz
Friday desde 1998 e foi eleito Associado da Divisão de
Química Agrícola e de Alimentos da American Chemical
Society em 2003. Os interesses de pesquisa e ensino do
Dr. Parkin envolvem temas de química e bioquímica de
alimentos, tendo cerca de 80 artigos científicos publicados
em áreas de bioquímica de alimentos marinhos, fisiologia
pós-colheita e processamento de frutas e produtos vegetais, enzimologia básica e aplicada, e, mais recentemente,
na área de caracterização de fitoquímicos bioativos provenientes de alimentos de origem botânica. Tem lecionado
disciplinas de graduação, como Enzimas de Alimentos,
Descobrindo Laboratório de Química de Alimentos, e de
pós-graduação, como Enzimas de Alimentos e Lipídeos, na
UW-Madison. Supervisionou 10 teses de doutorado e 17
dissertações de mestrado, é editor associado do periódico
Journal of Food Science e membro do corpo editorial de
Food Research International, Food Biochemistry e Journal
of Food Processing and Preservation.
Colaboradores
James N. Be Miller
Department of Food Science
Purdue University
West Lafayette, Indiana
Geetha Ghai
Department of Food Science
Rutgers University
New Brunswick, New Jersey
Jeffrey K. Brecht
Horticultural Sciences Department
University of Florida
Gainesville, Florida
M. Monica Giusti
Department of Food Science and Technology
The Ohio State University
Columbus, Ohio
Wen Chiang
Department of Food Science and Human Nutrition
Michigan State University
East Lansing, Michigan
Jesse F. Gregory III
Food Science and Human Nutrition Department
University of Florida
Gainesville, Florida
Grady W. Chism
Department of Food Science and Technology
Indiana University–Purdue
Indianapolis, Indiana
Norman F. Haard
Department of Food Science and Technology
University of California
Davis, California
Srinivasan Damodaran
Department of Food Science
University of Wisconsin-Madison
Madison, Wisconsin
Chi-Tang Ho
Department of Food Science
RutgersUniversity
New Brunswick, New Jersey
Eric A. Decker
Department of Food Science
University of Massachusetts
Amherst, Massachusetts
Kerry C. Huber
University of Idaho
Moscow, Idaho
Owen R. Fennema
Department of Food Science
University of Wisconsin-Madison
Madison, Wisconsin
Robert C. Lindsay
Department of Food Science
University of Wisconsin-Madison
Madison, Wisconsin
viii
Colaboradores
D. Julian McClements
Department of Food Science
University of Massachusetts
Amherst, Massachusetts
Steven J. Schwartz
Department of Food Science and Technology
The Ohio State University
Columbus, Ohio
Dennis D. Miller
Department of Food Science
Cornell University
Ithaca, New York
Zdzisław E. Sikorski
Department of Food Chemistry, Technology, and
Biotechnology
Gda´nsk University of Technology
Gda´nsk, Poland
Martina Newell-McGloughlin
Biotechnology Research and Education Program
University of California-Davis
Davis, California
Kirk L. Parkin
Department of Food Science
University of Wisconsin-Madison
Madison, Wisconsin
Gale Strasburg
Department of Food Science and Human Nutrition
Michigan State University
East Lansing, Michigan
Harold E. Swaisgood
Department of Food Science
North Carolina State University
Raleigh, North Carolina
Jan Pokorny
Faculty of Food and Biochemical
Technology
Institute of Chemical Technology
Prague, Czech Republic
Ton van Vliet
Wageningen Centre for Food Sciences and Wageningen
Agricultural University
Wageningen, The Netherlands
Mohamed M. Rafi
Department of Food Science
Rutgers University
New Brunswick, New Jersey
Joachim H. von Elbe
Department of Food Science
University of Wisconsin-Madison
Madison, Wisconsin
David S. Reid
Department of Food Science and Technology
University of California
Davis, California
Pieter Walstra
Wageningen Centre for Food Sciences and Wageningen
Agricultural University
Wageningen, The Netherlands
Mark A. Ritenour
Institute of Food and Agricultural Sciences
University of Florida
Gainesville, Florida
Youling L. Xiong
Department of Animal and Food Sciences University of
Kentucky
Lexington, Kentucky
Prefácio
Uma década se passou desde a publicação da terceira edição de Química de Alimentos e, devido ao rápido progresso
na pesquisa biológica, uma atualização se faz necessária.
Entretanto, esta quarta edição apresenta diversas novidades.
Talvez a mais importante seja o reconhecimento da contribuição de Owen Fennema para este livro e para o campo
da química de alimentos em geral. A publicação da primeira
edição de Química de Alimentos, há mais de 30 anos, em
1976, preencheu um amplo vazio na área, com um texto
abrangente, que poderia servir tanto como ferramenta de
ensino quanto como referência de consulta para profissionais. A nós coube apenas atualizá-lo, renomeando-o como
Química de Alimentos de Fennema, como tributo à extensa
contribuição de Owen R. Fennema à área.
Desde sua “aposentadoria”, em 1996, o professor
Fennema permanece ativo, envolvendo-se em atividades
como viagens globais, artesanato em madeira e arte em vidro.
Embora tenha participado ativamente no planejamento desta
edição como coeditor, ele nos encarregou de assumir a maioria das responsabilidades editoriais diárias. Humildemente
percebemos a grande expectativa por esta nova edição, devido ao elevado padrão estabelecido pelo professor Fennema
nas edições anteriores. Ele é um exemplo difícil de seguir, e
esperamos que nossos esforços não desapontem.
Esta quarta edição marca não apenas uma transição em relação a responsabilidades editoriais, mas também relativa aos
autores colaboradores, pois vários dos autores originais já se
aposentaram ou estão próximos da aposentadoria. Assim, novos (co)colaboradores aparecem nos capítulos “Água e Gelo”,
“Carboidratos”, “Lipídeos”, “Enzimas” e “Corantes”. Alguns
capítulos também evoluíram em termos de foco: “Fisiologia
e Química dos Tecidos Musculares Comestíveis”, “Fisiologia
Pós-colheita de Tecidos Vegetais Comestíveis”, “Substâncias
Bioativas: Nutracêuticas e Tóxicas” (anteriormente
“Substâncias Tóxicas”) e “Interações Físicas e Químicas
dos Componentes dos Alimentos” (anteriormente “Resumo:
Conceitos Integrativos”), todos com novos (co)colaboradores. Foi incluído o capítulo “Impacto da Biotecnologia sobre
Suprimento e Qualidade dos Alimentos”.
Agradecemos aos colaboradores desta obra por sua paciência e profissionalismo ao lidar com os novos organizadores e por prestarem a devida atenção às necessidades
de atualização dos capítulos. Espera-se que tanto os novos
leitores quanto os fiéis fiquem satisfeitos com esta edição, e
que colaborem com quaisquer comentários em relação a seu
conteúdo (assim como identificando possíveis erros).
Srinivasan Damodaran e Kirk L. Parkin
Sumário
1
Introdução à Química de Alimentos . . . .13
Owen R. Fennema, Srinivasan Damodaran
e Kirk L. Parkin
11
12
Parte I Componentes Principais
dos Alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2
Água e Gelo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25
David S. Reid e Owen R. Fennema
3
Carboidratos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75
Aditivos Alimentares . . . . . . . . . . . . . .537
Robert C. Lindsay
Substâncias Bioativas:
Nutracêuticas e Tóxicas . . . . . . . . . . . .585
Chi-Tang Ho, Mohamed M. Rafi
e Geetha Ghai
Parte III Sistemas Alimentícios . . . . . . . . . 609
13
James N. BeMiller e Kerry C. Huber
Sistemas Dispersos:
Considerações Básicas . . . . . . . . . . . . .611
Pieter Walstra e Ton van Vliet
4
Lipídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .131
D. Julian McClements e Eric A. Decker
5
14
Aminoácidos, Peptídeos e Proteínas . . .179
Zdzisław E. Sikorski, Jan Pokorny
e Srinivasan Damodaran
Srinivasan Damodaran
6
Enzimas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .263
15
Kirk L. Parkin
Parte II Componentes Minoritários
dos Alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . 343
Vitaminas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .345
Jesse F. Gregory III
8
17
Corantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .445
10
Sabor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .499
Robert C. Lindsay
Fisiologia Pós-Colheita de Tecidos
Vegetais Comestíveis . . . . . . . . . . . . . .759
Jeffrey K. Brecht, Mark A. Ritenour,
Norman F. Haard e Grady W. Chrism
Minerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .409
Steven J. Schwartz, Joachim H. von Elbee
e M. Monica Giusti
Fisiologia e Química dos Tecidos
Musculares Comestíveis . . . . . . . . . . . .719
Gale Strasburg, Youling L. Xiong,
e Wen Chiang
Dennis D. Miller
9
Características do Leite. . . . . . . . . . . . .689
Harold E. Swaisgood
16
7
Interações Físicas e Químicas dos
Componentes dos Alimentos . . . . . . . .661
18
Impacto da Biotecnologia sobre
Suprimento e Qualidade dos
Alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .819
Martina Newell-McGloughlin
12
Sumário
Parte IV Apêndices . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 859
Apêndice A: Sistema Internacional (SI)
de Unidades: O Sistema Métrico
Modernizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .861
Apêndice B: Fatores de Conversão
(Unidades fora do SI para Unidades
do SI) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .865
Apêndice C: Alfabeto Grego. . . . . . . . .867
Apêndice D: Calculando Polaridades
Relativas de Compostos, Usando a
Abordagem da Constante
Fragmentada para Predizer
Valores de log P . . . . . . . . . . . . . . . . . .869
Índice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .875
Introdução à Química de Alimentos
1
Owen R. Fennema, Srinivasan Damodaran e Kirk L. Parkin
CONTEÚDO
1.1 O que é química de alimentos? . . . . . . . . . . . . .
1.2 História da química de alimentos . . . . . . . . . . .
1.3 Estratégias para o estudo da química de
alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.3.1 Análise de situações ocorridas durante
o armazenamento e o processamento de
alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.4 Papel social do químico de alimentos. . . . . . . .
1.4.1 Por que o químico de alimentos deve
estar envolvido em questões sociais? . . .
1.4.2 Tipos de envolvimento . . . . . . . . . . . . . .
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.1
13
13
16
18
20
20
21
22
O QUE É QUÍMICA DE ALIMENTOS?
A ciência dos alimentos trata de suas propriedades físicas,
químicas e biológicas e de suas relações com estabilidade,
custo, processamento, segurança, valor nutricional, salubridade e conveniência. A ciência dos alimentos é um ramo das
ciências biológicas e um tópico interdisciplinar que envolve
basicamente microbiologia, química, biologia e engenharia.
A química de alimentos é um dos tópicos principais da ciência dos alimentos, tratando da composição e das propriedades dos alimentos, bem como das transformações químicas
que eles sofrem durante manipulação, processamento e armazenamento. A química de alimentos está diretamente relacionada à química, à bioquímica, à botânica, à zoologia e
à biologia molecular. O químico de alimentos depende do
conhecimento das ciências antes mencionadas para estudo
e controle efetivos dos materiais biológicos usados como
matéria-prima para a alimentação humana. O conhecimento
das propriedades inatas do material biológico e o domínio de
seus métodos de manipulação são de interesse comum dos
químicos de alimentos e dos biólogos. O interesse primordial dos biólogos inclui reprodução, crescimento e modifica-
ções que o material biológico sofre em condições ambientais
compatíveis ou razoavelmente compatíveis com a vida. Por
outro lado, o químico de alimentos ocupa-se mais do material biológico morto ou moribundo (fisiologia pós-colheita
de plantas e pós-morte dos músculos) e das modificações
sofridas por ele quando exposto a diversas condições ambientais. Por exemplo, as condições adequadas para a manutenção dos processos vitais residuais são de interesse do
químico de alimentos durante a comercialização de frutas
frescas e vegetais, enquanto as condições de incompatibilidade com os processos vitais são de seu interesse quando
a preservação do alimento a longo prazo é desejada. Além
disso, os químicos de alimentos ocupam-se das propriedades químicas de alimentos derivados de tecidos processados
(farinhas, sucos de frutas e vegetais, constituintes isolados
e modificados, alimentos manufaturados), alimentos provenientes de material unicelular (ovos e microrganismos) e de
um fluido biológico fundamental, o leite. Em resumo, têm
muito em comum com os biólogos, embora tenham interesses que são, de maneiras distintas, de extrema importância
para a humanidade.
1.2 HISTÓRIA DA QUÍMICA
DE ALIMENTOS
As origens da química de alimentos são obscuras e os detalhes de sua história não são estudados e registrados com
rigor. Esse fato não é surpresa, já que a química de alimentos não assumiu uma identidade clara até o século XX e
que sua história está profundamente associada à da química
agronômica, cuja documentação histórica não é considerada extensa [1,2]. Portanto, a breve exposição que segue, sobre a sua história, é incompleta e seletiva. Entretanto, a informação disponível é suficiente para indicar quando, onde
e por que alguns eventos-chave ocorreram na química de
alimentos, relacionando-os a mudanças significativas em
14
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
relação à qualidade do fornecimento de alimentos a partir
do início do século XIX.
Embora a origem da química de alimentos, de consenso, reporte-se à antiguidade, as descobertas mais relevantes,
conforme nosso conhecimento atual, tiveram início no final
do século XVIII. Os melhores registros de desenvolvimento
desse período, os de Filby [3] e Browne [1], e grande parte da informação apresentada neste texto baseiam-se nessas
fontes.
Durante o período de 1780 a 1850, diversos químicos famosos fizeram descobertas importantes, muitas delas direta
ou indiretamente relacionadas aos alimentos. Esses trabalhos
contêm as origens da química de alimentos moderna. Carl
Wilhelm Scheele (1742-1786), um farmacêutico sueco, foi
um dos maiores químicos de todos os tempos. Além de suas
famosas descobertas do cloro, do glicerol e do oxigênio (três
anos antes de Priestly, embora não tenha sido publicado),
ele isolou e determinou propriedades da lactose (1780), preparou ácido múcico pela oxidação do ácido láctico (1780),
desenvolveu um método para preservar vinagre por aplicação de calor (1782, aprimorando a “descoberta” de Appert),
isolou o ácido cítrico de suco de limão (1784) e de groselhas
(1785), isolou o ácido málico de maçãs (1785) e testou 20
frutas comuns para a presença dos ácidos málico, cítrico e
tartárico (1785). O isolamento de vários compostos químicos novos a partir de materiais de origem animal e vegetal
é considerado o início da pesquisa analítica de precisão nas
químicas agrícola e de alimentos.
O químico francês Antoine Laurent Lavoisier (17431794) desempenhou um papel fundamental na rejeição final
da teoria do flogisto e na formulação dos princípios da química moderna.
Em relação à química de alimentos, ele estabeleceu os
princípios fundamentais de análise da combustão orgânica,
sendo o primeiro a demonstrar que um processo de fermentação pode ser expresso por uma equação estequiométrica.
Além disso, fez a primeira tentativa de determinação da
composição elementar do álcool etílico (1784) e apresentou
um dos primeiros artigos (1786) sobre ácidos orgânicos em
diversas frutas.
(Nicolas) Théodore de Saussure (1767-1845), um químico francês, trabalhou muito para formalizar e esclarecer os
princípios das químicas agrícola e de alimentos fornecidos
por Lavoisier. Ele também estudou as trocas de CO2 e O2
durante a respiração das plantas (1804) e o conteúdo mineral
das plantas por calcinação, fazendo a primeira determinação
precisa da composição elementar do etanol (1807).
Joseph Louis Gay-Lussac (1778-1850) e Louis-Jacques
Thenard (1777-1857) elaboraram, em 1811, o primeiro método para determinar as porcentagens de carbono, hidrogênio e nitrogênio em substâncias vegetais desidratadas.
O químico inglês Sir Humphrey Davy (1778-1829), nos
anos de 1807 e 1808, isolou os elementos K, Na, Ba, Sr,
Ca e Mg. Sua contribuição para as químicas agrícola e de
alimentos tornou-se ampla por meio de seus livros sobre química agrícola, dos quais o primeiro (1813) foi Elements of
Agriculture Chemistry, in a Course of Lectures for the Board
of Agriculture [4]. Seus livros serviram para organizar e es-
clarecer o conhecimento existente naquela época. Na primeira edição, ele afirmou:
Todas as partes diferentes das plantas podem ser decompostas em alguns poucos elementos. Seus usos para alimentação ou aplicação nas artes dependem da organização desses
elementos em compostos, os quais podem ser obtidos tanto
a partir de suas partes organizadas, como a partir de seus
sucos; a análise da natureza destas substâncias é uma parte
essencial da química agrícola.
Na quinta edição, ele afirmou que as plantas costumam
ser compostas por apenas sete ou oito elementos e que [5]
“as substâncias vegetais mais essenciais consistem de hidrogênio, carbono e oxigênio em diferentes proporções, geralmente isolados, mas, em alguns casos, combinados com
azoto [nitrogênio]” (p. 121).
Os trabalhos do químico sueco Jons Jacob Berzelius
(1779-1848) e do químico escocês Thomas Thomson (17731852) resultaram no início das fórmulas orgânicas, “sem as
quais a análise orgânica seria um deserto sem trilha e a análise de alimentos, uma tarefa sem fim” [3]. Berzelius determinou os componentes elementares de 2.000 compostos, confirmando, assim, a lei das proporções definidas. Ele também
elaborou um modo de determinar com precisão o conteúdo
de água em substâncias orgânicas, uma das deficiências do
método de Gay-Lussac e Thenard. Thomson demonstrou
que as leis que governam a composição de substâncias inorgânicas aplicam-se à matéria orgânica, um tópico de extrema
importância.
Em um livro intitulado Considérations générales sur
l’analyse organique et sur ses applications [6], Michel
Eugene Chevreul (1786-1889), um químico francês, listou os elementos conhecidos naquela época, presentes em
substâncias orgânicas (O, Cl, I, N, S, P, C, Si, H, Al, Mg,
Ca, Na, K, Mn e Fe), citando os processos então disponíveis
para análise orgânica: (1) extração com solventes neutros,
como água, álcool ou éter aquoso; (2) destilação lenta ou
destilação fracionada; (3) destilação por vapor; (4) passagem
da substância por um tubo aquecido à incandescência e (5)
análise com oxigênio. Chevreul foi um dos pioneiros da análise de substâncias orgânicas. Sua pesquisa clássica sobre a
composição da gordura animal levou à descoberta dos ácidos
esteárico e oleico.
O Dr. William Beaumont (1785-1853), um cirurgião
do Exército Norte-americano, lotado no Forte Mackinac,
em Michigan, realizou experimentos clássicos sobre digestão gástrica, desmistificando o conceito existente desde
Hipócrates, de que os alimentos contêm um único componente nutritivo. Seus experimentos foram realizados durante
o período de 1825 a 1833 em um canadense chamado Alexis
St. Martin, cuja ferida causada por um mosquete permitiu
o acesso direto ao interior de seu estômago, possibilitando
a introdução direta de alimentos e o subsequente exame de
alterações digestivas [7].
Entre suas mais notáveis realizações, Justus von Liebig
(1803-1873) mostrou, em 1837, que o acetaldeído atua como
um intermediário entre o álcool e o ácido acético durante a
fermentação do vinagre. Em 1842, ele classificou os alimen-
Química de Alimentos de Fennema
tos como nitrogenados (fibrina vegetal, albumina, caseína,
carne e sangue) e não nitrogenados (gorduras, carboidratos
e bebidas alcoólicas). Embora essa classificação não seja
correta em diversos aspectos, serviu para distinguir diferenças importantes entre vários alimentos. Além disso, ele
aperfeiçoou os métodos para a análise quantitativa de substâncias orgânicas, especialmente por combustão, publicando
em 1847 o que parece ser o primeiro livro sobre química de
alimentos, Researches on the Chemistry of Food [8]. Estão
incluídas nesse livro as descrições de sua pesquisa sobre
componentes hidrossolúveis do músculo (creatina, creatinina, sarcosina, ácido inosínico, ácido láctico, etc.).
É interessante que o desenvolvimento descrito tenha
ocorrido em paralelo ao início de problemas graves e disseminados concernentes a adulterações em alimentos, não
sendo exagerado afirmar que a necessidade de detectar impurezas em alimentos foi o maior estímulo para o desenvolvimento da química analítica em geral e da química analítica
de alimentos em particular. Infelizmente, também é verdade
que os avanços na química contribuíram em parte para as
adulterações em alimentos, uma vez que fornecedores inescrupulosos de alimentos puderam utilizar-se da literatura
química disponível, que incluía formulações de alimentos
adulterados, além de trocarem modos empíricos antigos e
pouco eficientes de adulteração por estratégias mais eficientes, baseadas em princípios científicos. Portanto, a história
da química de alimentos e da adulteração de alimentos estão
intimamente relacionadas por diversas relações de origem,
tornando plausível a consideração do tema da adulteração de
alimentos a partir de uma perspectiva histórica [3].
A história da adulteração de alimentos nos países atualmente mais desenvolvidos ocorreu em três fases distintas.
De épocas ancestrais até por volta de 1820, a adulteração
de alimentos não era um problema sério, não havendo grande necessidade de métodos de detecção. A explicação mais
óbvia para essa situação é a de que os alimentos eram comprados de pequenos negócios ou de pessoas, o que fazia com
que as transações envolvessem, em grande parte, responsabilidade interpessoal. A segunda fase inicia no começo do
século XIX, quando as adulterações intencionais em alimentos aumentaram de forma significativa, em frequência e gravidade. Esse incremento pode ser atribuído principalmente
ao aumento da centralização do processamento e da distribuição de alimentos, com um decréscimo correspondente de
responsabilidade interpessoal e, de modo parcial, ao aparecimento da química moderna, como já foi mencionado. As
adulterações intencionais permaneceram como um problema
grave até cerca de 1920, data que marcou o final da fase dois
e o início da fase três. Nesse momento, as pressões legais e
os métodos efetivos para a detecção reduziram a frequência
e a gravidade das adulterações intencionais para níveis aceitáveis. Essa situação tem melhorado, gradativamente, até os
dias atuais.
Alguns podem argumentar que uma quarta fase da adulteração de alimentos iniciou-se por volta de 1950, quando os
alimentos que continham aditivos químicos permitidos pela
legislação tornaram-se prevalentes; o uso de alimentos extensivamente processados aumentou, passando a representar
15
a maior parte da dieta humana da maioria das nações industrializadas e quando a contaminação de alguns alimentos por
subprodutos indesejáveis da industrialização, como mercúrio, chumbo e pesticidas, tornou-se pública e de relevância
legislatória. A validade dessa colocação é muito debatida,
não existindo um consenso até hoje. Entretanto, o andamento desse tema ao longo dos anos seguintes tornou-se claro.
O interesse público sobre segurança e adequação nutricional
dos alimentos continua a evocar mudanças, tanto voluntárias
como involuntárias, na maneira como os alimentos são produzidos, manipulados e processados. Essas ações são inevitáveis, pois nos ensinam mais sobre as práticas adequadas
de manuseio de alimentos e sobre as estimativas de ingestão
máxima tolerável de constituintes indesejados, que se tornam mais precisas.
O início do século XIX foi um período de especial interesse público sobre qualidade e segurança dos alimentos.
Essa preocupação, ou melhor, essa indignação, foi iniciada
na Inglaterra pela publicação de Frederick Accum, A Treatise
on Adulterations of Food [9], bem como por uma publicação
anônima intituladada Death in the Pot [10]. Accum afirmava
que, “de fato, seria difícil mencionar um simples item de alimentos que não estivesse associado a um estado adulterado;
existem algumas substâncias que costumam ser muito escassas para serem genuínas” (p. 14). Ele ainda comenta, “não
é menos lamentável que a aplicação extensiva da química
para objetivos nobres da vida tenha sido pervertida como um
auxiliar desse comércio nefasto [adulteração]” (p. 20).
Embora Filby [3] defenda que as acusações de Accum
foram de certo modo exageradas, é certo que as adulterações
intencionais em vários alimentos e ingredientes prevaleceram no século XIX, conforme citado por Accum e Filby, incluindo itens como urucum, pimenta preta, pimenta-de-caiena, óleos essenciais, vinagre, suco de limão, café, chá, leite,
cerveja, vinho, açúcar, manteiga, chocolate, pão e produtos
de confeitaria.
Como a gravidade das adulterações em alimentos no início do século XIX tornou-se evidente ao público, as medidas
de remediação aumentaram gradativamente. Essas medidas
tomaram a forma de novas legislações que criminalizaram
a adulteração, gerando-se um grande esforço dos químicos
em compreender as propriedades nativas dos alimentos, os
compostos mais usados em adulterações e as maneiras de
detectá-los. Portanto, durante o período 1820 a 1850, a química e a química de alimentos começaram a assumir muita
importância na Europa. Isso foi possível devido ao trabalho
dos cientistas já citados, tendo sido amplamente estimulado pela implantação de laboratórios de pesquisa em química para jovens estudantes, em várias universidades, e pela
fundação de novos periódicos para pesquisa em química [1].
Desde então, o avanço da química de alimentos tem seguido
em um ritmo acelerado e alguns desses avanços, junto a suas
causas, serão mencionados a seguir.
Em 1860, foi estabelecida, em Weede, Alemanha, a primeira estação experimental agronômica mantida por recursos públicos. W. Hanneberg e F. Stohmann foram nomeados como diretor e químico, respectivamente. Baseados no
trabalho de químicos precursores, eles desenvolveram um
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Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
procedimento de rotina importante, para a determinação de
componentes majoritários dos alimentos. Dividindo uma
amostra em diversas partes, eles eram capazes de determinar
conteúdo de umidade, “gordura bruta”, cinzas e nitrogênio.
Logo, multiplicando-se o valor de nitrogênio por 6,25, eles
chegaram ao conteúdo de proteína. A digestão sequencial
com ácido diluído e álcali diluído gerou um resíduo denominado “fibra bruta”. A porção remanescente após a remoção de proteína, gordura, cinzas e fibra bruta foi denominada
“extrato livre de nitrogênio”. Acreditava-se que essa fração
representava os carboidratos digeríveis. Infelizmente, por
muitos anos, químicos e médicos pensaram erroneamente
que os valores obtidos por esse procedimento representavam
o valor nutricional, não importando o tipo de alimento [11].
Em 1871, Jean Baptiste Duman (1800-1884) sugeriu que
dietas constituídas apenas de proteína, carboidratos e gordura não eram adequadas para a manutenção da vida.
Em 1862, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o
Land-Grant College Act, de autoria de Justin Smith Morrill.
Essa lei ajudou no estabelecimento de faculdades de agricultura nos Estados Unidos, dando um estímulo considerável ao
treinamento de químicos agrícolas e de alimentos. Ainda em
1862, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
foi implementado e Isaac Newton foi nomeado como seu
primeiro delegado.
Em 1863, Harvey Washington Wiley tornou-se químico-chefe do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
e de seu gabinete, liderando uma campanha contra alimentos
adulterados e malrotulados, culminando na instituição do primeiro Pure Food and Drug Act, nos Estados Unidos (1906).
Em 1887, foram implantadas estações agronômicas experimentais nos Estados Unidos, seguindo a deliberação do
Hatch Act. O representante do Missouri, William H. Hatch,
presidente do House Committee on Agriculture, foi o autor
desse estatuto. Como resultado, o maior sistema nacional de
estações agronômicas experimentais do mundo foi implementado, causando um grande impacto à pesquisa em alimentos, nos Estados Unidos.
Durante a primeira metade do século XX, muitas das
substâncias essenciais das dietas foram descobertas e caracterizadas, incluindo vitaminas, minerais, ácidos graxos e
alguns aminoácidos.
O desenvolvimento e o uso extensivo de substâncias químicas como auxiliares de crescimento, manufatura e comercialização de alimentos foi um evento marcante e satisfatório, na metade do século XX.
Essa revisão histórica, embora breve, faz com que o abastecimento atual de alimentos pareça quase perfeito em comparação ao que existia no século XIX. Entretanto, nessa redação, vários temas atuais têm substituído os históricos, isso
no que diz respeito a quais pontos a comunidade envolvida
com a ciência de alimentos deve abordar a fim de promover
a salubridade e o valor nutricional dos alimentos, abrandando as ameaças reais ou supostas à segurança do abastecimento de alimentos. Esses tópicos incluem natureza, eficácia e impacto de componentes não nutrientes em alimentos,
suplementos dietéticos e fitoquímicos que podem promover
a saúde humana, além da simples nutrição (Capítulo 12); a
engenharia genética de grãos (organismos geneticamente
modificados ou OGMs) e seus benefícios justapostos a seus
riscos à segurança e à saúde humana (Capítulo 18); e o valor
nutritivo comparativo de colheitas obtidas por métodos de
cultivo orgânico em contraponto ao cultivo convencional.
1.3 ESTRATÉGIAS PARA O ESTUDO
DA QUÍMICA DE ALIMENTOS
A química de alimentos está caracteristicamente relacionada
à identificação dos determinantes moleculares, das propriedades materiais e da reatividade química de matrizes alimentares, bem como à aplicação efetiva desse entendimento à melhora de formulações, processos e estabilidade dos alimentos.
Um de seus objetivos importantes é a determinação de relações de causa-efeito e estrutura-funcionalidade entre diferentes classes de componentes químicos. Os fatos resultantes do
estudo de um alimento ou de um sistema-modelo podem ser
aplicados à compreensão de outros produtos alimentícios. A
abordagem analítica da química de alimentos inclui quatro
componentes, a saber: (1) determinação das propriedades
que são características importantes de um alimento seguro
e de elevada qualidade; (2) determinação das reações químicas e bioquímicas que influenciam de maneira relevante em
termos de perda de qualidade e/ou salubridade do alimento;
(3) integração dos dois pontos anteriores, de modo a entender
como as reações químicas e bioquímicas-chave influenciam
na qualidade e na segurança; e (4) aplicação desse conhecimento a várias situações encontradas durante formulação,
processamento e armazenamento de alimentos.
A segurança é o primeiro requisito de qualquer alimento. Em sentido amplo, isso significa que um alimento deve
estar livre de qualquer substância química ou contaminação
microbiológica prejudicial no momento de seu consumo.
Em termos operacionais, essa definição toma uma forma
mais aplicada. Na indústria de enlatados, a esterilidade “comercial”, aplicada a alimentos de baixa acidez, significa a
ausência de esporos viáveis de Clostridium botulinum. Isso
pode ser traduzido por um conjunto de condições específicas
de aquecimento para um produto específico, em uma embalagem específica. Dados os requisitos de tratamento térmico,
pode-se selecionar condições específicas de tempo e temperatura para que se otimize a retenção de atributos de qualidade. Do mesmo modo, em um produto como a manteiga de
amendoim, a segurança operacional pode ser considerada,
principalmente, como a ausência de aflatoxinas − substâncias carcinogênicas produzidas por algumas espécies de fungos. As etapas da prevenção do crescimento do fungo em
questão podem ou não interferir na retenção de algum outro
atributo de qualidade; ainda assim, as condições que resultam em produtos seguros devem ser empregadas.
Uma lista de atributos de qualidade de alimentos e algumas alterações que podem ser sofridas por eles durante
processamento e armazenamento é apresentada na Tabela
1.1. As modificações que podem ocorrer, com exceção das
que envolvem valor nutricional e segurança, são rapidamente percebidas pelo consumidor.
Química de Alimentos de Fennema
17
TABELA 1.1 Classificação das alterações que podem ocorrer durante manipulação, processamento, ou armazenamento
Atributo
Alteração
Textura
Perda de solubilidade
Perda de capacidade de retenção de água
Endurecimento
Amolecimento
Desenvolvimento de rancidez (hidrolítica ou oxidativa)
sabor cozido ou caramelo
outros odores indesejados
sabores desejados
Escurecimento
Branqueamento
Desenvolvimento de cores desejadas (p. ex., escurecimento em produtos cozidos)
Perda, degradação ou alteração da biodisponibilidade de proteínas, lipídeos, vitaminas, minerais e outros
componentes benéficos à saúde
Geração de substâncias tóxicas
Desenvolvimento de substâncias com efeito protetor à saúde
Inativação de substancias tóxicas
Sabor
Cor
Valor nutricional
Segurança
Muitas reações químicas e bioquímicas podem alterar a
qualidade ou a segurança do alimento. Algumas das classes
mais importantes dessas reações estão listadas na Tabela 1.2.
Cada classe de reação pode envolver diferentes reatantes ou
substratos, dependendo especificamente do alimento e das
condições particulares de manipulação, processamento, ou
armazenamento. Elas são tratadas como classes de reações,
pois a natureza geral dos substratos ou dos reatantes é similar para todos alimentos. Logo, o escurecimento não enzimático envolve reações de carbonilas, que podem surgir
da existência de açúcares redutores ou ser geradas a partir
de diversas reações, como oxidação do ácido ascórbico, hidrólise do amido ou oxidação de lipídeos. A oxidação pode
envolver lipídeos, proteínas, vitaminas ou pigmentos e, mais
especificamente, a oxidação de lipídeos pode envolver triacilgliceróis em alguns alimentos e fosfolipídeos em outros.
A discussão detalhada sobre essas reações será realizada em
capítulos subsequentes deste livro.
As reações listadas na Tabela 1.3 causam as alterações
listadas na Tabela 1.1. A integração da informação contida
em ambas as tabelas pode conduzir ao entendimento das
causas de deterioração dos alimentos. A deterioração de um
alimento costuma ser constituída por uma série de eventos
primários, seguidos de eventos secundários que, por sua vez,
tornam-se evidentes pela alteração de atributos de qualidade
(Tabela 1.1). Exemplos desse tipo de sequência são mostrados na Tabela 1.3. Percebe-se, em particular, que determinado atributo de qualidade pode ser alterado como resultado de
vários eventos primários diferentes.
As sequências da Tabela 1.3 podem se aplicadas em duas
direções. Operando-se da esquerda para a direita, pode-se
considerar um evento primário em particular, os eventos secundários associados e o efeito sobre o atributo de qualidade.
De forma alternativa, pode-se determinar as causas prováveis
de uma alteração de qualidade observada (Coluna 3, Tabela
1.3), considerando-se todos os eventos primários que podem
TABELA 1.2 Algumas das reações químicas e bioquímicas que podem levar à alteração da qualidade ou
da segurança dos alimentos
Tipo de reação
Exemplos
Escurecimento não enzimático
Escurecimento enzimático
Oxidação
Produtos cozidos, secos e de umidade intermediária
Frutas e vegetais cortados
Lipídeos (odores indesejáveis), degradação de vitaminas, descoloração de pigmentos,
proteínas (perda de valor nutricional)
Lipídeos, proteínas, carboidratos, vitaminas, pigmentos
Complexação (antocianinas), perda de Mg da clorofila, catálise da oxidação
Isomerização cis→trans, não conjugado→conjugado
Ácidos graxos monocíclicos
Formação de espuma durante a fritura
Coagulação da gema do ovo, inativação de enzimas
Perda de valor nutricional durante processamento alcalino
Pós-colheita de plantas
Pós-colheita do tecido vegetal, pós-morte do tecido animal
Hidrólise
Interações com metais
Isomerização de lipídeos
Ciclização de lipídeos
Oxidação e polimerização de lipídeos
Desnaturalização de proteínas
Interligação entre proteínas
Síntese e degradação de polissacarídeos
Alterações glicolíticas
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Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 1.3 Exemplos de relações causa-efeito associadas a alterações em alimentos durante manipulação, armazenamento
e processamento
Evento primário
Efeito secundário
Atributo influenciado (ver Tabela 1.1)
Hidrólise de lipídeos
Hidrólise de polissacarídeos
Oxidação de lipídeos
Ácidos graxos livres reagem com proteínas
Açúcares reagem com proteínas
Produtos de oxidação reagem com diversos
outros constituintes
Ruptura celular, liberação de enzimas,
disponibilidade de oxigênio
Perda de integridade de parede e membrana
celulares, liberação de ácidos, inativação de
enzimas
Desnaturalização e agregação de proteínas,
inativação de enzimas
Aumento da taxa de polimerização durante
a fritura
Textura, sabor, valor nutricional
Textura, sabor, cor, valor nutricional
Textura, sabor, cor, valor nutricional; pode
ocorrer formação de substancias tóxicas
Textura, sabor, cor, valor nutricional
Contusões em frutas
Aquecimento de produtos da horticultura
Aquecimento do tecido muscular
Conversão cis→trans em lipídeos
estar envolvidos e então isolando, por meio de testes químicos apropriados, o evento primário principal. A utilidade do
desenvolvimento dessas sequências é o estímulo à abordagem andítica de problemas de alterações de alimentos.
A Figura 1.1 é um resumo simplificado de reações e
interações dos principais componentes dos alimentos. Os
reservatórios celulares principais de carboidratos, lipídeos,
proteínas e seus intermediários metabólicos são mostrados
no lado esquerdo do diagrama. A natureza exata desses reservatórios depende do estado fisiológico do tecido no momento do processamento ou armazenamento, bem como dos
constituintes presentes ou adicionados ao alimento. Cada
classe de composto sofre um tipo particular de deterioração.
É notável o papel que compostos com carbonilas desempenham em diversos processos de deterioração. Elas surgem
principalmente da oxidação de lipídeos e da degradação de
carboidratos, podendo levar a destruição do valor nutricional, descoloração e destruição de sabores. Certamente, essas
mesmas reações conduzem a sabores e cores desejados durante o cozimento de diversos alimentos.
L
C
O2 Calor
Catálise
Calor,
ácido ou
base forte
Textura, sabor, cor, valor nutricional
Formação excessiva de espuma durante a
fritura, diminuição do valor nutricional
e biodisponibilidade de lipídeos,
solidificação do óleo de fritura
1.3.1 Análise de situações ocorridas
durante o armazenamento e o
processamento de alimentos
Uma vez que já foram descritos os atributos de alimentos
seguros e de alta qualidade, as reações químicas relevantes
envolvidas na deterioração de alimentos, e a relação entre
ambos, pode-se iniciar a consideração sobre a aplicação dessa informação a situações ocorridas durante o armazenamento e o processamento de alimentos.
As variáveis importantes durante o armazenamento e o
processamento de alimentos estão listadas na Tabela 1.4. A
temperatura é, talvez, a variável mais importante em decorrência da sua grande influência em todos os tipos de reações químicas. O efeito da temperatura em uma reação individual pode ser estimada a partir da equação de Arrhenius,
k Ae−E/RT. Dados em conformidade com a equação de
Arrhenius resultam em uma linha reta quando log k é graficado versus 1/T. O parâmetro E é a energia de ativação
que representa a variação de energia livre necessária para
P
Peróxidos
Carbonilas
reativas
Textura, sabor, cor, valor nutricional
Oxidado
P
Pigmentos,
vitaminas,
e sabores
Sabor indesejável
Cor indesejável
Perda de valor nutricional
Perda de textura
Reatividade dependente
da atividade de água e
da temperatura
P
FIGURA 1.1 Sumário das interações químicas entre os componentes principais dos alimentos: L, lipídeos (triacilgliceróis, ácidos graxos
e fosfolipídeos); C, carboidratos (polissacarídeos, açúcares, ácidos orgânicos, etc.); P, proteínas (proteínas, peptídeos, aminoácidos e
outras substâncias que contêm N).
Química de Alimentos de Fennema
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TABELA 1.4 Fatores relevantes que controlam a estabilidade de alimentos durante manipulação,
processamento e armazenamento
Fatores do produto
Fatores ambientais
Propriedades químicas dos componentes individuais (incluindo
catalisadores), conteúdo de oxigênio, pH, atividade de água, Tg,
e Wg
Temperatura (T); tempo (t); composição da atmosfera; tratamentos
físicos, químicos ou biológicos impostos; exposição à luz;
contaminação; dano físico
Nota: Atividade de água p/po, onde p é a pressão de vapor da água sobre o alimento e po é a pressão de vapor da água pura; Tg é a temperatura de transição
vítrea; Wg é o conteúdo de água do produto na Tg.
elevação da espécie química de um estado basal para o de
transição, a partir da qual a reação pode ocorrer. Os gráficos
de Arrhenius da Figura 1.2 representam reações importantes na deterioração de alimentos. É evidente que as reações
em alimentos geralmente seguem a correlação de Arrhenius
em um intervalo limitado de temperaturas, mas desvios a
essa correlação podem ocorrer em temperaturas mais baixas ou mais elevadas [12]. Logo, é importante lembrar que
a correlação de Arrhenius para sistemas alimentares é válida somente para intervalos de temperaturas que tenham
sido experimentalmente verificados. Desvios da equação de
Arrhenius podem ocorrer em consequência dos seguintes
eventos, muitos dos quais são induzidos tanto por altas como
por baixas temperaturas: (1) a atividade enzimática pode ser
perdida, (2) a rota (passo limitante) da reação pode mudar,
influenciada por reações competitivas, (3) o estado físico do
sistema pode mudar (p. ex., congelamento), ou (4) um ou
mais reatantes podem ser totalmente consumidos.
Outro fator importante na Tabela 1.4 é o tempo. Durante
o armazenamento de um alimento, costuma-se informar sobre qual período se espera que o alimento mantenha um nível
específico de qualidade. Portanto, interessa-se pelo tempo
em relação ao total das alterações químicas e/ou microbiológicas que ocorrem durante o período específico do tempo
Log da constante de velocidade de reação observada
a
Não enzimática
c
b
Catalisado
por enzima
d
0°C
Temperatura (K−1)
FIGURA 1.2 Ajuste de reações importantes de deterioração de alimentos à equação de Arrhenius. (a) Acima de determinados valores de
T podem ocorrer desvios da linearidade, devido a mudanças na rota da reação. (b) Com a diminuição da temperatura abaixo do ponto de
congelamento do sistema, a fase de gelo (essencialmente pura) aumenta e a fase fluida, que contém os solutos, diminui. A concentração
de solutos na fase líquida pode diminuir as velocidades de reação (suplementando o efeito de diminuição da temperatura) ou aumentar as
velocidades de reação (opondo-se ao efeito de diminuição da temperatura), dependendo da natureza do sistema (ver Capítulo 2). (c) Para
uma reação enzimática existe uma temperatura próxima ao ponto de congelamento da água na qual mudanças sutis, como a dissociação
de um complexo enzimático, podem levar a um forte declínio da velocidade da reação.
20
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
de armazenamento e pelo modo como a combinação dessas
alterações determinam um prazo específico para o armazenamento do produto. Durante o processamento, existe interesse em se conhecer o tempo necessário de inativação de
uma determinada população de microrganismos ou o tempo
necessário para que uma reação ocorra, na extensão desejada. Por exemplo, pode ser de interesse o conhecimento de
quanto tempo é necessário para a produção do escurecimento desejado em chips de batata durante a fritura. Para tanto,
dever-se considerar a mudança da temperatura em função do
tempo, ou seja, dT/dt. Essa relação é importante, pois permite determinar-se em que extensão a velocidade da reação
muda em função da temperatura da matriz alimentar durante
o processamento. Se o E da reação e o perfil de temperatura do alimento são conhecidos, sua análise integrativa permite a previsão do acúmulo líquido do produto da reação. Isso
também é de interesse para alimentos que se deterioram de
mais de uma maneira, como por oxidação de lipídeos e escurecimento não enzimático. Se os produtos da reação de escurecimento são antioxidantes, é importante que se saiba se
as velocidades relativas dessas reações são suficientes para a
ocorrência de uma interação significativa entre elas.
Outra variável, o pH, influencia na velocidade de diversas reações químicas e enzimáticas. Valores extremos de pH
costumam ser necessários para que se iniba ostensivamente o
crescimento microbiano ou de processos enzimáticos. Essas
condições podem acelerar reações catalisadas por ácidos
ou bases. Em contrapartida, mesmo uma mudança relativamente pequena no pH pode causar alterações importantes na
qualidade de alguns alimentos, por exemplo, no músculo.
A composição do produto é importante, pois determina
quais reatantes estão disponíveis para transformações químicas. Também é importante a determinação da influência de
sistemas alimentares celulares; acelulares e homogêneos; e
heterogêneos na disposição e na reatividade dos reatantes. É
de particular importância, do ponto de vista da qualidade, a
relação existente entre a composição da matéria-prima e a
composição do produto acabado. Por exemplo, (1) o modo
como frutas e vegetais são manipulados no pós-colheita
pode influenciar no conteúdo de açúcar, e isso, por sua vez,
pode influenciar no grau de escurecimento obtido durante
desidratação ou fritura; (2) o modo como tecidos animais
são manipulados no pós-morte exerce influência sobre velocidade e extensão da glicólise e sobre a degradação de ATP;
esses fatores, por sua vez, podem influenciar em tempo de
armazenamento, rigidez, capacidade de retenção de água,
sabor e cor; e (3) a mistura de matérias-primas pode resultar
em interações inesperadas, por exemplo, a taxa de oxidação
pode ser acelerada ou inibida dependendo da quantidade de
sal presente.
Outro fator determinante de relevância, relacionado à
composição do alimento, é a atividade de água (aw). Diversos
pesquisadores têm demonstrado que a aw influencia fortemente na velocidade de reações catalisadas por enzimas
[13], na oxidação de lipídeos [14,15], no escurecimento não
enzimático [16,14], na hidrólise da sacarose [17], na degradação da clorofila [18], na degradação de antocianinas [19],
entre outras. Como será abordado no Capítulo 2, a maioria
das reações tende a diminuir de velocidade em aw, tornando-se inferior ao intervalo correspondente a alimentos de umidade intermediária (0,75−0,85). A oxidação de lipídeos e
seus efeitos secundários associados, como descoloração de
carotenoides, são exceções a essa regra, ou seja, essas reações são aceleradas na extremidade inferior da escala de aw.
Mais recentemente, tornou-se evidente que a temperatura de transição vítrea (Tg) de alimentos e o correspondente
conteúdo de água (Wg) na Tg estão relacionados às taxas de
eventos de difusão limitada nos alimentos. Portanto, Tg e Wg
têm relevância para propriedades físicas de alimentos congelados e desidratados, condições adequadas de liofilização,
alterações físicas que envolvem a cristalização, a recristalização, a gelatinização e a retrogradação do amido, e para
reações químicas limitadas por difusão (ver Capítulo 2).
Em produtos industrializados, a composição pode ser
controlada pela adição de compostos químicos permitidos,
como acidulantes, agentes quelantes, flavorizantes ou antioxidantes, bem como pela remoção de reatantes indesejáveis,
por exemplo, a remoção de glicose do albúmen de ovo desidratado.
A composição da atmosfera é importante, em especial,
em relação à umidade relativa e ao conteúdo de oxigênio,
embora o etileno e o CO2 também sejam importantes durante
o armazenamento de tecidos de origem vegetal. Infelizmente,
em situações nas quais a exclusão do oxigênio é desejável,
essa condição é quase impossível de ser obtida por completo. Em alguns casos, os efeitos deletérios de quantidades
residuais de oxigênio tornam-se aparentes durante o armazenamento. Por exemplo, a formação prematura de pequenas
quantidades de ácido deidroascórbico (a partir da oxidação
do ácido ascórbico) pode resultar em escurecimento pela
reação de Maillard, durante o armazenamento.
Para alguns produtos, a exposição à luz pode ser deletéria. Nesses casos, é adequado que os produtos sejam embalados em material refratário à luz ou que se controlem a
intensidade e os comprimentos de onda da luz, se possível.
Os químicos de alimentos devem ser capazes de integrar
as informações sobre atributos de qualidade dos alimentos,
reações de deterioração a que os alimentos são suscetíveis e
fatores que controlam os tipos e as velocidades dessas reações,
a fim de resolverem problemas relacionados a formulação,
processamento e estabilidade, durante o armazenamento.
1.4 PAPEL SOCIAL DO QUÍMICO
DE ALIMENTOS
1.4.1 Por que o químico de alimentos deve
estar envolvido em questões sociais?
Os químicos de alimentos, pelas seguintes razões, devem
sentir-se impelidos a se envolverem em questões sociais, as
quais permeiem aspectos tecnológicos pertinentes (questões
tecnossociais):
• Os químicos de alimentos tiveram o privilégio de receber uma educação de alto nível, tendo adquirido
habilidades científicas especiais. Esses privilégios e
Química de Alimentos de Fennema
habilidades trazem consigo um alto nível de responsabilidade correspondente.
• As atividades dos químicos de alimentos influenciam
na pertinência do abastecimento de alimentos, na saúde da população, nos custos dos alimentos, na geração
e na utilização de resíduos, no uso de água e energia
e na natureza das legislações de alimentos. Como esses assuntos vão ao encontro do bem-estar público em
geral, é razoável que esses químicos sintam a responsabilidade de dirigirem suas atividades ao benefício da
sociedade.
• Se os químicos de alimentos não se envolverem em
questões tecnossociais, a opinião de outras pessoas −
cientistas de outras profissões, lobbistas profissionais,
mídia, consumidores ativistas, charlatães, entusiastas
antitecnologia − prevalecerá. Muitos desses indivíduos
são menos qualificados que um químico de alimentos
em temas relacionados a alimentos, sendo que alguns
são obviamente desqualificados.
• Os químicos de alimentos têm a missão e a oportunidade de ajudar na resolução de controvérsias que
causem impacto ou que são entendidas como conflitantes, no que se refere à saúde pública e em como o
público enxerga o desenvolvimento da ciência e tecnologia. Exemplos de algumas controvérsias atuais são
segurança da clonagem e OGMs, uso de hormônios de
crescimento animal na produção agrícola e valor nutricional relativo de colheitas produzidas por meio de
métodos de cultivo orgânico e convencional.
1.4.2 Tipos de envolvimento
As obrigações sociais do químico de alimentos incluem bom
desempenho profissional, cidadania e respeito à ética da comunidade científica, porém o cumprimento desses requisitos tão necessários não é suficiente. Um papel adicional de
grande importância, que muitas vezes permanece sem abordagem pelos químicos de alimentos, é a função de auxílio
na determinação de como o conhecimento científico é interpretado e usado pela sociedade. Embora os químicos de
alimentos e outros cientistas de alimentos não devam ter a
opinião absoluta a respeito dessas decisões, eles devem, para
fins de uma tomada de decisão sábia, ter sua visão observada
e considerada. A aceitação dessa postura, que é certamente
indiscutível, leva a uma questão óbvia: “O que deve fazer
exatamente um químico de alimentos para exercer sua função, nesse tema, de maneira correta?” Várias atividades são
adequadas:
• Participação em sociedades profissionais pertinentes
• Realização de trabalhos como consultor em comitês
governamentais, quando houver convite
• Comprometimento com iniciativas pessoais de atividades de natureza pública
O terceiro ponto pode envolver cartas a jornais, periódicos, legisladores, agências governamentais, executivos de
empresas, administradores de universidades, e outros, bem
21
como palestras a grupos da sociedade civil, incluindo sessões com estudantes e demais agentes sociais.
Os objetivos principais desses esforços são educar e esclarecer o público em relação a alimentos e práticas dietéticas. Isso envolve a melhora da capacidade do público de
avaliar de forma inteligente as informações desses tópicos.
Alcançar tal objetivo não será fácil, pois uma parte significativa da população têm arraigadas noções falsas sobre alimentos e práticas dietéticas e, em decorrência de o alimento
ter, para muitos indivíduos, conotações que se estendem para
muito além da visão estrita dos químicos. Sua função pode
integrar práticas religiosas, herança cultural, rituais, simbolismo social ou uma rota para o bem-estar fisiológico. Para a
maioria, essas posturas não devem ser consideradas na análise dos alimentos e de práticas dietéticas, com valor científico
sólido.
Um dos temas alimentares mais controversos, o qual
tem evadido à avaliação científica, pelo público, é o uso de
substâncias químicas para a modificação de alimentos. A
“quimiofobia”, medo de substâncias químicas, tem afligido grande parte da população, fazendo com que os aditivos
químicos, na mente de muitos, representem riscos que não
condizem com os fatos. Pode-se encontrar, com facilidade
preocupante, artigos na literatura popular em que se alerta
para os alimentos fornecidos aos Estados Unidos, os quais
estariam suficientemente carregados com venenos, podendo causar malefícios, no melhor dos casos, e ameaça à vida,
no pior. É de fato chocante, dizem eles, a maneira como os
industrialistas envenenam nossos alimentos por lucro enquanto a ineficiente Food and Drug Administration observa
com despreocupação. Autores com esse ponto de vista devem merecer crédito? A resposta para essa questão reside no
mérito e na credibilidade que o autor tem em relação ao tema
científico que está no centro da discussão. A credibilidade
está fundamentada em educação formal, treinamento, experiência prática e contribuições ao conjunto do conhecimento ao qual uma discussão particular está ligada. Atividades
de ensino podem ter a forma de pesquisa, descobrimento de
novos conhecimentos, revisão e/ou interpretação do corpo
do conhecimento. Credibilidade é, ainda, fundamentada em
experimentação objetiva, a qual requer consideração de pontos de vista alternativos sobre o conhecimento existente do
tema enquanto exequível, em vez do simples apontamento
de fatos e interpretações que dão suporte a um ponto de vista
preferencial. O conhecimento acumulado pela publicação de
resultados de estudos na literatura científica (a qual é submetida à revisão por consultores e está baseada em padrões
profissionais específicos de protocolos, documentação e ética) é, portanto, mais merecedor de créditos que publicações
populares.
Mais próximo à imaginação diária do estudante ou do
profissional em ciência de alimentos em formação, o tema
contemporâneo em relação à credibilidade da informação
trata da expansão da informação (incluindo a de natureza
científica) que está pronta e facilmente acessível pela internet. Algumas dessas informações costumam não ser atribuídas a um autor e o site pode ser carente de credenciais óbvias
para ser creditado como admissível fonte de credibilidade
22
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
e mérito. Algumas informações podem ser postadas para o
favorecimento de pontos de vista ou causas, podendo fazer
parte de uma campanha de marketing que tenha a finalidade
de influenciar percepções ou hábitos de consumo dos visitantes. Algumas informações da rede são meritórias, tendo
sido disseminadas por cientistas treinados e editores científicos; no entanto, o estudante é encorajado a considerar com
cautela as fontes de informação obtidas na internet e não se
submeter à simples facilidade de acesso.
Apesar da expansão atual e crescente do conhecimento
sobre ciência de alimentos, ainda existe discordância sobre segurança alimentar e outros temas concernentes a essa
ciência. A maioria dos pesquisados reconhecidos apoia a visão de que nosso suprimento de alimentos é razoavelmente
seguro e nutritivo e que os aditivos alimentares legais não
apresentam riscos indesejáveis [20−30], embora a vigilância contínua, em virtude de efeitos adversos, seja prudente.
Entretanto, um grupo relativamente pequeno de pesquisadores reconhecidos acredita que o fornecimento de alimentos
apresenta riscos desnecessários, em particular em relação a
alguns aditivos legalizados.
O debate científico em fóruns públicos tem se expandido
recentemente, incluindo a segurança pública e ambiental de
OGMs, o valor nutricional relativo de colheitas orgânicas e
convencionais, e a adequação de afirmações conduzidas pela
mídia que podem ser interpretadas pelo público como benefícios à saúde em relação a suplementos dietéticos, entre
outros. O conhecimento científico desenvolve-se de forma
cumulativa e lenta, de modo que pode preparar-nos completamente para a próxima discussão. É papel dos cientistas
o envolvimento com esse processo, estimulando as partes
envolvidas a manter o foco na ciência e no conhecimento,
permitindo que políticos adequadamente mais informados
encontrem conclusões apropriadas.
Em suma, os cientistas apresentam mais obrigações com
a sociedade que indivíduos sem educação científica formal.
Espera-se dos cientistas a geração de conhecimento de maneira produtiva e ética, mas isso não é suficiente. Além disso, eles devem aceitar sua responsabilidade de garantir que
o conhecimento científico seja usado de modo a render o
maior benefício possível à sociedade. O preenchimento dessa obrigação requer que os cientistas não apenas zelem pela
excelência e conformidade a altos padrões de ética em suas
atividades profissionais diárias, mas que também desenvolvam uma profunda preocupação com o bem-estar e com o
esclarecimento científico do público.
REFERÊNCIAS
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Chronica Botanica Co., Waltham, MA.
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Parte
I
Componentes Principais dos Alimentos
Água e Gelo
2
David S. Reid e Owen R. Fennema
CONTEÚDO
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
2.6
2.7
2.8
2.9
2.10
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Propriedades físicas da água e do gelo . . . . . . .
A molécula de água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Associação das moléculas de água . . . . . . . . . .
Dissociação de moléculas de água . . . . . . . . . .
Estruturas em sistemas de água pura . . . . . . . .
2.6.1 A estrutura do gelo . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.6.2 A estrutura da água (líquida). . . . . . . . . .
Relação de fases da água pura . . . . . . . . . . . . .
Água na presença de solutos. . . . . . . . . . . . . . .
2.8.1 Gelo na presença de solutos . . . . . . . . . .
2.8.2 Interações água-soluto em soluções
aquosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.8.2.1 Nível macroscópico . . . . . . . . . .
2.8.2.2 Nível molecular: generalidades . .
2.8.2.3 Nível molecular: “água ligada” . .
2.8.2.4 Interações da água com íons e
grupos iônicos . . . . . . . . . . . . . .
2.8.2.5 Interação da água com grupos
neutros capazes de realizar
pontes de hidrogênio
(solutos hidrofílicos) . . . . . . . . .
2.8.2.6 Interação da água com
substâncias não polares . . . . . . .
Atividade de água e pressão de vapor relativa . .
2.9.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.9.2 Definição e medida . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.9.3 Dependência de temperatura. . . . . . . . . .
Mobilidade molecular e estabilidade dos
alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.2 História inicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.3 Estágio seguinte . . . . . . . . . . . . . . . . . .
26
26
26
27
29
29
29
32
33
35
35
36
36
37
37
38
39
40
44
44
44
45
48
48
48
48
2.10.4 Fatores que influenciam nas
velocidades de reação da solução . . . . .
2.10.5 O papel da mobilidade molecular
sobre a estabilidade dos alimentos . . . .
2.10.6 Diagrama de estado. . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.6.2 Interpretando o diagrama de
estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.6.3 Interação entre equilíbrio e
cinética . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.6.4 Ampliando o conceito a
sistemas alimentícios
complexos . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.6.5 Identificando as suposições . .
2.10.7 Limitações do conceito . . . . . . . . . . . . .
2.10.8 Aplicações práticas . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.8.1 Desenvolvendo o diagrama
de estado. . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10.8.2 Processo de congelamento,
alimentos congelados . . . . . . .
2.10.8.3 Processos de secagem . . . . . .
2.11 Isotermas de sorção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.11.1 Definições e zonas . . . . . . . . . . . . . . . .
2.11.2 Dependência de temperatura. . . . . . . . .
2.11.3 Histerese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.11.4 Sequência de hidratação de uma
proteína . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.12 Pressão de vapor relativa e estabilidade dos
alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.13 Comparações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.13.1 Relações entre RVP, Mm e aproximação
da ISU para entendimento do papel da
água nos alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.14 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
48
49
50
50
51
52
53
53
55
56
56
57
61
62
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65
65
68
68
70
70
72
72
26
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
2.1
INTRODUÇÃO
Quando se examina a composição da maioria dos alimentos, a água é encontrada como um componente fundamental.
Além disso, ela é o principal solvente no qual ocorrem os
processos metabólicos do organismo humano. Nesse sentido, é apropriado aprofundar-se na natureza e nas propriedades da água e das soluções aquosas, tendo em vista suas
diversas funções nos alimentos, de modo a compreender o
papel central da água na química de alimentos.
2.2
PROPRIEDADES FÍSICAS
DA ÁGUA E DO GELO
Para familiarizar-se com a água, é conveniente que, antes
de mais nada, sejam consideradas suas propriedades físicas,
mostradas na Tabela 2.1. Ao comparar as propriedades da
água com as de moléculas de peso molecular e composição
atômica semelhantes (Tabela 2.2), é possível determinar o
comportamento da água, podendo-se julgá-lo como normal
ou incomum. Por meio dessas comparações [1], pode-se
observar que a água apresenta temperaturas de fusão e de
ebulição extraordinariamente altas; valores altos de energia
superficial, permitividade, capacidade calorífica e calores de
mudança de fase (fusão, vaporização e sublimação); densidade um pouco abaixo da esperada. Além de tudo isso, a água
tem a propriedade incomum de expandir-se ao tornar-se sólida, mas, apesar de suas propriedades incomuns, possui uma
viscosidade completamente normal. Essa aparente normalidade para um líquido anômalo será explicada adiante.
Outras propriedades da água também são notáveis. A
condutividade térmica da água é alta se comparada à da
maioria dos demais líquidos, e a condutividade térmica do
gelo é maior que a esperada para um sólido não metálico. A
o
condutividade térmica do gelo a 0 C é cerca de quatro vezes
maior que a da água líquida na mesma temperatura, o que
indica que o gelo conduzirá a energia térmica em uma taxa
muito maior que a da água imobilizada (p. ex., em tecidos).
Como a capacidade calorífica da água é aproximadamente
duas vezes maior que a do gelo, as difusividades térmicas de
ambos diferem por um fator de aproximadamente 9 [2]. A
difusividade térmica indica a taxa na qual um material modificará sua temperatura. Baseando-se nisso, espera-se que o
gelo, em determinado ambiente térmico, sofrerá mudanças
de temperatura em uma velocidade nove vezes superior à da
água líquida. Essas diferenças de valores de difusividade e
condutividade térmica entre a água e o gelo fornecem um
bom embasamento para a compreensão da razão pela qual
os tecidos congelam com mais rapidez do que descongelam,
sob a aplicação de diferenças de temperatura simétricas [2].
2.3 A MOLÉCULA DE ÁGUA
As propriedades incomuns da água indicam a existência de
forças de atração fortes entre suas moléculas de água, bem
como a exepcionalidade da água e do gelo. Para que se en-
TABELA 2.1 Propriedades físicas da água e do gelo
Propriedade
Valor
Peso molecular
Ponto de fusão (a 103,3 kPa)
Ponto de ebulição (a 103,3 kPa)
Temperatura crítica
Pressão crítica
Temperatura do ponto triplo
Pressão do ponto triplo
o
Hvap a 100 C
o
Hsub a 0 C
o
Hfus a 0 C
18,0153
0,00o C
o
100,00 C
o
373,99 C
22,064 Mpa
o
0,01 C
611,73 Pa
40,647 kJ/mol
50,91 kJ/mol
6,002 kJ/mol
Temperatura (oC)
Outras propriedades
dependentes de
temperatura
3
Densidade (g/cm )
Pressão de vapor (kPa)
Capacidade calorífica (J/g/K)
Condutividade térmica (W/m/K)
2
Difusividade térmica (m /s)
−1
Compressibilidade (Pa )
Permitividade
Gelo
Água
–20
0
0
+20
0,9193
0,103
1,9544
2,433
−7
11,8 × 10
0,9168
0,6113
2,1009
2,240
−7
11,7 × 10
2
90
0,99984
0,6113
4,2176
0,561
−7
1,3 × 10
4,9
87,9
0,99821
2,3388
4,1818
0,5984
−7
1,4 × 10
98
80,2
Fonte: Lide, D.R. (Ed.) (1993/1994) Handbook of Chemistry and Physics, 74 edn. CRC Press: Boca Raton, FL.
Química de Alimentos de Fennema
27
TABELA 2.2 Propriedades de moléculas pequenas relacionadas
PM
PF (o C)
o
PE ( C)
Hv (kJ/mol)
CH4
NH3
H2O
H2S
H2Se
HF
16,04
−182,6
−161,4
8,16
17,0
−77,7
−33,3
23,26
18,01
0
100
40,71
34,08
−86
−61
18,66
80,9
−60
−41
20,01
−83,1
19,5
Fonte: Lide, D.R. (Ed.) (1993/1994) Handbook of Chemistry and Physics, 74 edn. CRC Press: Boca Raton, FL.
tendam as características e o comportamento incomum da
água e do gelo deve-se considerar, inicialmente, a natureza
de uma única molécula de água. Após isso, as características
de moléculas de água agrupadas, aumentando seu tamanho
até a consideração final da natureza do sistema como um
todo. A molécula de água é descrita como dois átomos de
3
hidrogênio que interagem com os dois orbitais ligantes sp
do oxigênio, formando duas ligações covalentes sigma (σ),
com 40% de caráter iônico, sendo que cada uma apresenta
2
energia de dissociação de 4,6 × 10 kJ/mol. Parte-se do pressuposto que os orbitais moleculares localizados permanecem
orientados de maneira simétrica sobre os eixos do orbital original, mantendo, portanto, uma estrutura que se aproxima da
forma tetraédrica. Um modelo esquemático é mostrado na
Figura 2.1a; o raio de van der Waals é apresentado na Figura
2.1b. Embora o comportamento geométrico das moléculas
de água associadas por meio de pontes de hidrogênio seja
3
coerente com esse modelo, a suposição da hibridização sp
dos pares solitários tem sido questionada [3].
Em estado de vapor, o ângulo de ligação de uma moléo
cula de água isolada é de 104,5 , próxima ao ângulo de um
o
tetraedro perfeito que é de 109,5 ; os raios de van der Waals
para oxigênio e hidrogênio são de 1,40 e 1,2 Å, respectivamente [4].
Nesse ponto, é importante a observação de que a figura
que descreve apenas a molécula HOH é muito simplificada.
O material que se conhece como água pura trata-se de uma
mistura de moléculas HOH com muitos outros componentes
relacionados. Além dos isótopos comuns de oxigênio e hi16
1
17
18
2
drogênio, O e H, também estão presentes O, O, H (D)
3
e H (T), resultando em 18 isótopos variantes de HOH molecular. Além disso, a água contém espécies iônicas como íons
+
+
de hidrogênio (existindo em formas como H3O e H9O4 )
e íons de hidroxila, também com suas variantes isotópicas.
Desse modo, a água “pura” consiste em mais de 33 variantes
químicas de HOH, mas, como essas variantes são encontradas em pequenas quantidades, as propriedades são dominadas pelas espécies HOH.
2.4 ASSOCIAÇÃO DAS
MOLÉCULAS DE ÁGUA
A forma em V das moléculas HOH e a natureza polarizada
da ligação O−H resultam na distribuição assimétrica de cargas dentro da molécula e no momento dipolar de 1,84 D para
a água pura em estado de vapor. Polaridades dessa grandeza
resultam em forças de atração intermoleculares consideráveis, o que faz com que as moléculas associem-se com uma
tenacidade considerável. No entanto, pode-se notar que a
força de atração intermolecular da água anormalmente alta
não pode ser explicada, em sua totalidade, considerando-se
apenas a elevação do momento dipolar da molécula. Esse
fato é previsível, uma vez que os momentos dipolares são
uma propriedade de moléculas inteiras, não fornecendo indicações do grau em que cada carga individual está exposta ou
–
(a)
( b)
2
2
H
H
2
1
1
+
3
1+
4
1,4 Å
O
0,9
6Å
H
+
104,5°
H1s 1
+
–
3,3 Å
1,2 Å
H
H1s 1
3
FIGURA 2.1 Modelo esquemático de uma molécula individual de HOH. (a) Possível configuração sp e (b) raio de van der Waals para
uma molécula de HOH, em estado de vapor.
28
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
da geometria da molécula, aspectos esses que são relevantes
para a intensidade da associação intermolecular.
As grandes forças de atração intermolecular entre as moléculas de água podem ser explicadas por sua capacidade de
participar de diversas associações por pontes de hidrogênio
no espaço tridimensional. Em comparação a ligações covalentes (energia de ligação média de cerca de 335 kJ/mol), as
pontes de hidrogênio são fracas (em geral, 2−40 kJ/mol),
apresentando comprimentos maiores e mais variáveis. As
interações oxigênio-hidrogênio apresentam energia de dissociação de aproximadamente 11−25 kJ/mol, variando em
comprimento entre cerca de 1,7 a 2,0 Å, em comparação ao
comprimento de cerca de 1,0 Å da ligação covalente oxigênio-hidrogênio [1].
Como as forças eletrostáticas fornecem mais contribuições à energia da ligação por ponte de hidrogênio e já que
os modelos eletrostáticos da água são simples, ocasionando uma imagem geométrica correta das moléculas de HOH
(como se sabe que existe no gelo), uma discussão posterior
sobre as características geométricas formadas pela associação de moléculas de HOH enfatizará os efeitos eletrostáticos. Essa simplificação, apesar de totalmente satisfatória
para esse propósito, será inadequada, devendo ser modificada se outras características comportamentais da água, como
influência de solutos apolares, tiveram de ser explicadas de
forma satisfatória.
O oxigênio altamente eletronegativo da molécula de
água pode ser visualizado pelo afastamento parcial dos elé-
trons não pareados dos dois átomos de hidrogênio ligados
covalentemente, deixando, assim, cada átomo de hidrogênio
com uma carga parcial positiva e uma proteção de elétron
mínima. Isto é, cada átomo de hidrogênio assume algumas
das características de um próton isolado. Como os orbitais
ligantes hidrogênio-oxigênio estão localizados em dois dos
eixos de um tetraedro imaginário (Figura 2.1a), os dois eixos podem ser considerados como linhas que representam
forças positivas (sítios doadores de pontes de hidrogênio).
Os pares de orbitais solitários do oxigênio podem ser considerados como os dois eixos restantes do tetraedro, representando linhas de força negativa (sítios receptores de pontes de
hidrogênio). Em virtude da existência das quatro linhas de
força em orientação tetraédrica, cada molécula de água tem
o potencial de realizar pontes de hidrogênio com, no máximo, outras quatro moléculas. O arranjo tetraédrico resultante
é mostrado na Figura 2.2.
Como cada molécula de água apresenta um número igual
de sítios doadores e aceptores de pontes de hidrogênio, arranjados de modo a permitir ligações de hidrogênio tridimensionais, a força de atração entre as moléculas de água
é excepcionalmente alta em comparação à força de atração
existente entre outras moléculas pequenas que também possuem ligações por ponte de hidrogênio (p. ex., NH3 e HF).
Como a amônia (com seu arranjo tetraédrico com três sítios
doadores e um aceptor) e o fluoreto de hidrogênio (com seu
arranjo tetraédrico com um sítio doador e três aceptores) não
possuem números iguais de sítios doadores e aceptores, ne-
FIGURA 2.2 Pontes de hidrogênio de moléculas de água em configuração tetraédrica. Os círculos abertos são átomos de oxigênio; os
círculos fechados são átomos de hidrogênio. As pontes de hidrogênio são representadas pelas linhas tracejadas.
Química de Alimentos de Fennema
pH de 6, a 298 K, implica concentração de OH− de 10−8 M,
−
a 373 K, o pH de 6 implica concentração de OH próxima
−6
a 10 M.
nhum deles pode formar redes tridimensionais de pontes de
hidrogênio, como as encontradas na água. Ambos limitam-se
a formar redes bidimensionais extensivas, as quais envolvem
menos pontes de hidrogênio por molécula que as encontradas na água.
A conceitualização da associação de poucas moléculas
de água torna-se muito mais complicada quando variantes
isotópicas e íons de hidrônio e hidroxil são considerados. O
íon de hidrônio, como resultado de sua carga positiva, deveria exibir um potencial de doação de ligação de ponte de
hidrogênio maior que a água não ionizada (Figura 2.3a). O
íon de hidroxil, por sua vez, como resultado de sua carga negativa, deveria apresentar um potencial de acepção de pontes
de hidrogênio maior que a água não ionizada (Figura 2.3b).
A capacidade da água de apresentar ligações de hidrogênio tridimensionais extensivas proporciona uma explicação
lógica para muitas das suas propriedades incomuns, como
seus valores elevados de capacidade calorífica, ponto de
fusão, ponto de ebulição, tensão superficial e entalpias de
mudança de fases. Todos esses valores podem ser relacionados à energia adicional necessária para a quebra das diversas
pontes de hidrogênio intermoleculares.
A permitividade (constante dielétrica) da água também é
influenciada pelas pontes de hidrogênio. Embora a água seja
um dipolo, esse fato isolado não explica sua alta permitividade. Aparentemente, os agrupamentos moleculares ligados
por pontes de hidrogênio dão origem a dipolos multimoleculares, aumentando a permitividade de forma efetiva.
2.5
2.6 ESTRUTURAS EM SISTEMAS
DE ÁGUA PURA
2.6.1 A estrutura do gelo
É apropriado que se aborde a estrutura do gelo antes da estrutura da água líquida, pois a estrutura do gelo é melhor
compreendida, tratando-se de uma extensão lógica das informações já apresentadas.
A água, com suas forças direcionadas tetraedricamente,
cristaliza em estruturas abertas e de baixa densidade, que foram determinadas com precisão. A distância internuclear entre a ligação O−O mais próxima do gelo é de 2,76 Å, sendo
que o ângulo de ligação O−O−O é de cerca de 109°, muito
próximo do ângulo 109,28° do tetraedro perfeito (Figura 2.4).
A maneira como cada ligação HOH pode associar-se a outras
quatro (número de coordenação de 4) pode ser visualizada na
célula unitária da Figura 2.4, considerando-se a molécula W
e seus quatro vizinhos mais próximos 1, 2, 3 e W.
Quando várias células unitárias estão combinadas, sendo
visualizadas desde sua parte superior (debaixo do eixo c) a
simetria hexagonal do gelo torna-se aparente (Figura 2.5). A
subestrutura tetraédrica fica em evidência por meio da molécula W e de seus quatro vizinhos mais próximos, sendo que
1, 2 e 3 são visíveis enquanto o quarto encontra-se por debaixo do plano da folha, diretamente abaixo da molécula W.
Quando a Figura 2.5a é visualizada em três dimensões, como
na Figura 2.5b, evidenciam-se os dois planos das moléculas
envolvidos (círculos abertos e fechados). Esses dois planos
são paralelos, muito próximos um do outro, movimentado-se como uma unidade durante o “deslizamento” ou fluxo
do gelo sob pressão, como acontece em um glacial. Pares
de planos desse tipo são compostos por planos basais do
gelo. Pelo empilhamento de diversos planos basais, obtêm-se a estrutura estendida do gelo. Para que se formasse a estrutura representada na Figura 2.6, três planos basais foram
combinados. Observada por debaixo do eixo c, a aparência
é exatamente a mesma da Figura 2.5a, indicando que os planos basais estão perfeitamente alinhados. O gelo é monorrefringente nessa direção, sendo birrefringente nas demais
direções. Portanto, o eixo c é o eixo óptico do gelo. É interessante observar que, em folhas amplas de gelo, o eixo c é
perpendicular ao plano principal da folha [5]. Ainda não foi
encontrada uma explicação completamente satisfatória para
DISSOCIAÇÃO DE
MOLÉCULAS DE ÁGUA
Como já foi mencionado, duas das espécies de íons da água
pura são os íons produzidos pela autodissociação da molécula, sendo identificados em sua forma mais simples como
íon de hidrogênio H+ e íon de hidroxil OH−, embora também
existam na forma hidratada. Na água pura, esses íons são
encontrados em quantidades equimolares, pois surgem do
processo de autodissociação.
A constante de equilíbrio da dissociação a 298 K é Kw =
10−14; o pH é 7. É importante ressaltar que essa dissociação
é aumentada em temperaturas mais elevadas e, como consequência, o pH da água pura é dependente da temperatura. A
Kw aproxima-se de 10−12 a 373 K, gerando um pH próximo
de 6 a essa temperatura. Deve-se observar que, enquanto o
(a)
29
(b)
H
O+
H
H
X
X
H
H
O
H
FIGURA 2.3 Estrutura e possibilidades da ponte de hidrogênio: (a) para um íon de hidrônio e (b) para um íon de hidroxil. As linhas
tracejadas representam pontes de hidrogênio; X−H representa um soluto ou outra molécula de água.
30
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
1′′
4′′
120°
2′′
3′′
4
1
2
3
7,37 Å
W
1′
4′
W′
2′
3′
4,52 Å
o
FIGURA 2.4 Célula unitária de gelo comum, a 0 C. Os círculos representam átomos de oxigênio de moléculas de água. A distância
o
internuclear entre a ligação O−O mais próxima é de 2,76 Å. θ é 109 .
(a)
c
( b)
a3
4,52 Å
a1
a2
1
a
a
W
2
a
3
a
a = 4,52 Å
FIGURA 2.5 Plano basal do gelo (combinação de duas camadas de elevações minimamente diferentes). Cada círculo representa o
átomo de oxigênio de uma molécula de água. Os círculos abertos e fechados representam, respectivamente, átomos de oxigênio nas
camadas superior e inferior do plano basal. (a) Estrutura hexagonal observada abaixo do eixo c. Os átomos numerados referem-se à célula
unitária da Figura 2.4. (b) Vista tridimensional do plano basal. A extremidade frontal dessa vista corresponde à extremidade inferior da
vista (a). Os eixos cristalográficos estão posicionados de acordo com o ponto de simetria externo.
esse fato, mas, de qualquer forma, ela pode refletir as diferentes velocidades de propagação do crescimento do gelo
nos diferentes eixos de simetria.
Em relação à localização dos átomos de hidrogênio no
gelo, existe consensos gerais em relação aos seguintes tópicos:
1. Cada linha que conecta os dois átomos de oxigênio
vizinhos mais próximos é ocupada por um átomo de
hidrogênio centralizado a 1 ± 0,01 Å do oxigênio,
ao qual é ligado covalentemente, e a 1,76 ± 0,01 Å
do oxigênio, ao qual é ligado por ponte de hidrogênio. Essa configuração é mostrada na Figura 2.7a.
2. No entanto, se as localizações dos átomos de hidrogênio são visualizadas ao longo do tempo, em
vez de instantaneamente, obtêm-se figuras diferentes das já descritas. Um átomo de hidrogênio em
uma linha que conecta dois átomos de oxigênio
vizinhos mais próximos, X e Y, pode localizar-se
em uma de duas posições possíveis, 1 Å de X ou
1 Å de Y. Como essas duas posições têm a mesma
probabilidade de ocorrência, acredita-se que cada
Química de Alimentos de Fennema
31
c
a3
a2
a1
FIGURA 2.6 Estrutura expandida do gelo comum. Apenas os átomos de oxigênio são mostrados. Os círculos abertos e fechados representam, respectivamente, átomos de oxigênio nas camadas superior e inferior do plano basal.
( b)
2,76
2,76
(a)
FIGURA 2.7 Localização dos átomos de hidrogênio (•) na estrutura do gelo: (a) estrutura instantânea e (b) estrutura média (também
conhecida como meio hidrogênio ( ), Pauling, ou estrutura estatística). Os círculos abertos são átomos de oxigênio.
posição seja ocupada durante a metade do tempo.
Isso é possível pois, exceto em temperaturas extremamente baixas, as moléculas de HOH podem
rotar em cooperação, permitindo, portanto, que os
átomos de hidrogênio “saltem” entre os átomos de
oxigênio adjacentes. Uma representação da estrutura média resultante, conhecida como meio hidrogênio, Pauling, ou estrutura estatística, é mostrada
na Figura 2.7b.
Sob a perspectiva da simetria cristalina, o gelo comum
pertence à classe bipiramidal di-hexagonal do sistema hexagonal. Ele também pode existir em outras nove estruturas polimórficas cristalinas, bem como em estado vítreo ou
amorfo de estrutura incerta, embora sua estrutura de ocorrência mais comum seja a não cristalina. Das 11 estruturas possíveis, apenas o gelo hexagonal comum é estável à
o
pressão normal a 0 C.
A verdadeira estrutura do gelo não é tão simples como
a discussão anterior poderia fazer crer. Em primeiro lugar,
o gelo puro não contém somente moléculas HOH comuns,
mas também as variantes iônicas e isotópicas de HOH
que foram citadas como constituintes menores da água.
Felizmente pode-se ignorar, na maioria das vezes, a influência estrutural das variantes isotópicas, já que elas estão
presentes em quantidades muito baixas. Estruturalmente, a
principal consideração deve ser dada às contribuições de
+
+
−
HOH, H (H3O ) e OH .
Os cristais de gelo reais nunca são perfeitos, sendo que
os defeitos encontrados em sua estrutura costumam ser do
tipo orientacional (causados pelo deslocamento de prótons,
acompanhados pelos ajustes orientacionais de neutralização) ou do tipo iônico (causados pelo deslocamento de
prótons, com formação de H3O+ e OH−) (ver Figura 2.8).
A presença de defeitos estruturais proporciona uma explicação para a mobilidade inesperadamente alta dos prótons do
gelo, bem como para o decréscimo pequeno da condutividade elétrica, ocorrente no congelamento da água, caso em
que seria esperada uma grande diminuição da condutividade
na solidificação.
32
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
H3O+
(a)
( b)
D
Falha
L
Falha
2
2
O próton
Rotação
1
1
da
molécula 1
1
OH–
1
salta de
1 para 2
FIGURA 2.8 Representação esquemática de defeitos de prótons no gelo. (a) Formação de defeitos de orientação e (b) formação de defeitos iônicos. Os círculos abertos e fechados representam átomos de oxigênio e hidrogênio, respectivamente. As linhas sólidas e tracejadas
representam ligações químicas e pontes de hidrogênio, respectivamente.
Além das mobilidades atômicas envolvidas nos defeitos
da estrutura cristalina, existem outros tipos de movimentos
do gelo. Acredita-se que cada molécula de HOH do gelo
vibra com amplitude média quadrática de vibração (considerando-se que cada molécula vibra como uma unidade) de
o
cerca de 0,4 Å, a −10 C [5]. Além disso, as moléculas de
HOH individuais, que ocupam alguns dos espaços intersticiais do gelo, podem difundir-se de forma aparentemente
lenta pela fase em vez de ficarem retidas em espaços intersticiais específicos.
Logo, o gelo está longe de ser um conjunto de moléculas
estático ou homogêneo, e suas características dependem da
temperatura. Como as moléculas de HOH do gelo possuem
quatro coordenações em todas as temperaturas, é necessário
o
que se reduza a temperatura a aproximadamente −180 C ou
menos, a fim de que se restrinjam os átomos de hidrogênio a
apenas uma das muitas configurações possíveis. Sendo assim,
o
apenas em temperaturas próximas ou inferiores a −180 C todas as pontes de hidrogênio estarão intactas e, na medida em
que essa temperatura é alcançada, o número médio de ligações de hidrogênio intactas (fixas) diminui gradativamente.
2.6.2 A estrutura da água (líquida)
À primeira vista, o conceito de estrutura de um líquido pode
parecer estranho, uma vez que a fluidez é a essência do estado líquido, sendo essa uma antiga e bem aceita ideia [6]
de que a água possui algum nível de estrutura insuficiente
para a produção de rigidez, mas com uma organização muito
maior que a do estado de vapor. Além disso, essa estrutura
é suficiente para gerar a orientação e a mobilidade de qualquer uma das moléculas de água, sendo influenciada pelas
moléculas de água vizinhas. Uma simplificação conceitual
útil foi a de pensar a estrutura do líquido como uma série de
associações estruturadas a curto prazo, sempre interconvertidas com rapidez, mas com manunteção de um grau médio de
estrutura no líquido em todas as vezes.
Existem diversas evidências que apoiam a abordagem da
água como um líquido estruturado. Por exemplo, a água é
um líquido “aberto”, com uma densidade de apenas 60% da
esperada para líquidos nos quais as moléculas encontram-se empacotadas. A retenção parcial do arranjo de pontes de
hidrogênio em forma de tetraedro aberto do gelo pode explicar facilmente a baixa densidade da água líquida. Além
disso, enquanto a entalpia de fusão do gelo é muito alta para
um sólido, ela corresponde apenas à energia necessária para
quebrar 15% das ligações de hidrogênio que se acredita
existir no gelo. Apesar de que isso não implique necessariamente que 85% das ligações de hidrogênio existentes no
gelo sejam retidas na água líquida (mais ligações podem ser
quebradas, mas a mudança resultante da energia pode ser
mascarada pelo aumento simultâneo nas interações de van
der Waals), os resultados de muitos estudos independentes
suportam com força o conceito de que muitas pontes de hidrogênio água-água continuam existindo no líquido, sendo
que a quantidade dessas ligações diminui com o aumento da
temperatura do líquido [1,7].
A elucidação da(s) estrutura(s) da água líquida pura é
muito complexa e desafiadora. Muitas teorias têm sido propostas, mas todas elas são incompletas, muito simplificadas e com pontos fracos que são citados pelos proponentes
das teorias divergentes. Essa situação é conveniente, já que
resulta em descrições estruturais mais apuradas da água líquida. Nos últimos anos, o aumento da tecnologia em informática permitiu simulações computacionais da dinâmica molecular da água, tendo sido guiadas por equações do
movimento e funções de potencial molecular que buscam
aproximar os modos interativos significativos das moléculas de água [8−10]. Essas simulações, ainda que limitadas
por erros e aproximações das funções potenciais escolhidas,
mostram muitas das propriedades características da água e
vêm fornecendo novos pontos de vista sobre a realidade da
água líquida. A visualização dos movimentos das moléculas
representadas na simulação é muito instrutiva, mas difícil de
ser registrada em papel. Apesar do aumento da sofisticação
das simulações e dos achados valiosos que elas fornecem, é
válido que se considerem os modelos formulados antes do
acesso aos avanços computacionais que, atualmente, tornaram-se comuns.
Foram propostos três tipos de modelos para a água líquida: de mistura, intersticiais e contínuos (também chamados
de modelos homogêneos ou uniformes) [11,12]. Os modelos
de mistura incorporam o conceito de que as pontes de hidrogênio intermoleculares tornam-se concentradas momentaneamente em agrupamentos volumosos de moléculas de
água que se encontram em equilíbrio dinâmico com espécies
mais densas, indicando “momentaneamente” uma escala de
−11
tempo de cerca de 10 s [12]. As simulações computacionais da dinâmica molecular costumam incorporar esse tipo
de abordagem, sendo que a simulação fornece uma sucessão
Química de Alimentos de Fennema
de posições instantâneas (e, em geral, orientações) das moléculas constituintes representadas no modelo. As características exatas exibidas pelos modelos dependem da interação
da função potencial designada para a água, sendo que foram
propostas e utilizadas muitas funções potenciais diferentes,
cada uma com seus pontos fortes e fracos.
Os modelos contínuos partem dos pressupostos de que
as pontes de hidrogênio intermoleculares são distribuídas de
maneira uniforme ao longo da amostra e de que muitas das
pontes existentes no gelo simplesmente são distorcidas em
vez de se quebrarem quando o gelo é derretido. Tem sido sugerido que esse fato permite a existência de uma rede contínua de moléculas de água, que são, obviamente, de natureza
dinâmica, sendo que as distorções são capazes de se reajustarem ao espaço transferindo-se por meio da rede [13,14].
O modelo intersticial envolve o conceito de retenção da
água, com pequena distorção, em estrutura de rede de pontes
de hidrogênio, tanto nos moldes do gelo como nos moldes
do clatrato com preenchimento dos espaços intersticiais da
rede por moléculas individuais de água. Nos três modelos, a
característica estrutural dominante é o conceito de associação por pontes de hidrogênio da água líquida, em tetraedros
efêmeros e distorcidos. Todos os modelos costumam permitir que moléculas de água individuais alterarem seus arranjos
de ligação pela terminação rápida de uma ponte de hidrogênio em troca de uma nova, mantendo, ainda, em temperatura constante, um grau constante de pontes de hidrogênio e
estrutura para o sistema como um todo.
Em muitos aspectos, os modelos computacionais mais
recentes demonstram facetas de cada um dos modelos mais
tradicionais [10]. Existem evidências da mudança de orientação das pontes de hidrogênio e do reajuste das moléculas
de água em posições que não são explicadas pela rede tradicional de pontes de hidrogênio. Diversos estudos de modelagem têm conseguido aproximar com sucesso os comportamentos observados da água. Nos modelos computacionais,
que produzem imagens ao longo do tempo, apesar das pontes de hidrogênio serem obviamente muito importantes, não
ocorre o aparecimento de estruturas bem definidas, como se
espera dos modelos mais simples.
Neste momento, é possível que se discuta a baixa viscosidade da água, aparentemente anômala. Esse atributo é
conciliável com os tipos de estruturas já descritos. Como os
arranjos das moléculas de água por pontes de hidrogênio são
altamente dinâmicos, isso permite que moléculas individuais
alterem suas pontes de hidrogênio com moléculas vizinhas,
em intervalos de tempo de nano a pico segundos, facilitando assim a mobilidade e a fluidez. A capacidade calorífica
particularmente alta da água líquida é, em parte, um reflexo
da energia necessária para a quebra de mais pontes de hidrogênio ao se aumentar a temperatura. A alta entalpia de
vaporização reflete a quebra da maioria ou de todas as pontes de hidrogênio remanescentes à medida em que o líquido
vaporiza, pois acredita-se que a maioria das moléculas do
vapor sejam monômeros.
O grau de pontes de hidrogênio intermoleculares entre
as moléculas de água depende, obviamente, da temperatura.
o
O gelo a 0 C apresenta um número de coordenação (número
33
de vizinhos mais próximos) de 4,0, sendo que a distância
mais próxima é de 2,76 Å. Com o fornecimento da entalpia
de fusão, ocorre o derretimento. A entalpia de fusão reflete
a quebra de algumas pontes de hidrogênio (a distância entre
vizinhos mais próximos aumenta) e outras pontes de hidrogênio formam-se conforme as moléculas de água assumem
estado fluido com associações que são, em média, mais
compactas. À medida que a temperatura aumenta, o número
de coordenação cresce de 4,0 no gelo a 0oC para 4,4 água a
1,5oC, e depois, para 4,9, a 83oC. Ao mesmo tempo, a distância entre os vizinhos mais próximos aumenta de 2,76 Å, no
gelo a 0oC, para 2,9 Å, na água a 1,5oC, e depois, para 3,05
Å a 83oC [15,16].
Torna-se evidente, portanto, que a transformação do gelo
em água é acompanhada pelo aumento da distância entre os
vizinhos mais próximos (diminuição da densidade) e pelo
aumento do número médio desses vizinhos (aumento da
densidade), sendo que a última predomina durante a mudança de fase, o que resulta no conhecido aumento líquido de
densidade associado à fusão. O aquecimento posterior acima
do ponto de fusão faz com que a densidade chegue a seu
máximo na temperatura de 3,98oC, decrescendo de maneira
gradativa. O efeito do aumento do número de coordenação
é, aparentemente, predominante em temperaturas entre 0oC
e 3,98oC. Em temperaturas acima de 3,98o C, o efeito do aumento da distância entre vizinhos próximos (expansão térmica) é predominante.
2.7
RELAÇÃO DE FASES DA ÁGUA PURA
Até este ponto têm-se considerado apenas aspectos moleculares e estruturais da água, ou em outras palavras, interações
e inter-relações nos níveis microscópico e submicroscópico.
No momento, é apropriado que se discorra sobre o comportamento de fase da água, pois isso será relevante, não só pela
nossa apreciação das propriedades da água pura, mas também
pela discussão posterior sobre o comportamento de soluções
aquosas sob diversas condições de temperatura e pressão. Ao
se estudar as relações de fase da água pura, as influências da
temperatura e da pressão devem ser consideradas.
A Figura 2.9a mostra o diagrama de fases da água pura.
Para a ciência de alimentos, a linha de equilíbrio vapor-líquido e a dependência de pressão das formas estáveis do gelo
são de importância particular. Como já foi mencionado, diversas formas de gelo já foram identificadas, sendo que cada
uma é estável em uma região específica do diagrama temperatura-pressão. Sob condições de temperatura e pressão
utilizadas no processamento dos alimentos, a única fase de
gelo de interesse é a do gelo I. É notável que, no caso do gelo
I, com o aumento da pressão, o ponto de fusão do gelo Ih diminui (Figura 2.9b). Particularmente, deve-se notar que sob
pressão de 270 MPa, o ponto de fusão do gelo Ih encontra-se abaixo de −20o C. Esse fato pode ser aplicado a técnicas
como congelamento sob pressão [17,18], na qual o alimento
é resfriado a −20o C, sob alta pressão. Nessas condições,
o material fica acima do ponto de congelamento e, portanto, a água permanece líquida, embora a entalpia (conteúdo
de calor) seja diminuída. Ao se baixar a pressão, o congela-
34
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
(a)
80
L
VII
40
Temperatura ( °C )
0
IV
V
III
–40
–80 Ih
VI
II
VIII
–120
IX
–160
–200
10
5
15
20
Pressão (kbar)
(b)
0
–5
Água
Temperatura ( °C )
–10
–15
–20
Gelo III
Gelo I
–25
–30
–35
–40
–45
0
0,5
1
1,5
2
Pressão (MPa)
2,5
3
3,5
FIGURA 2.9 Diagrama de fase pressão-temperatura para (a) água pura, (b) detalhes das características da água líquida e dos gelos I e III.
mento acontece com muita rapidez, pois a forma estável da
água sob essa nova condição é o gelo. Nesse sentido, o calor
não trocado da amostra é o de uma amostra que contém uma
fração significante de gelo. O processo inverso de descongelamento também foi definido: nele o material congelado
é sujeito a uma pressão alta o suficiente para permitir que a
água seja a fase estável, sem mudança de temperatura. Como
a pressão pode ser aplicada quase instantaneamente, o des-
congelamento é imediato. Após o aumento da temperatura
o
acima de 0 C a pressão aplicada pode ser diminuída, sem a
formação de gelo. Por isso, pode-se conseguir um processo
de descongelamento no qual a mudança de fase seja uniforme no material, em vez de progressiva, refletindo o padrão
geométrico da mudança de temperatura, controlado pelo
processo de transferência de calor. Sob pressões maiores que
aquelas em que o gelo I é a fase estável, podem ser encontra-
Química de Alimentos de Fennema
das outras formas de gelo como gelo II, III, IV e assim sucessivamente. Essas formas não são encontradas sob nenhuma condição relevante na manipulação e no processamento
dos alimentos e, por essa razão, não serão abordadas.
Considerando-se o equilíbrio em sistemas líquido-vapor,
observa-se que a pressão de vapor da água líquida pura aumenta de 610 Pa, a 0oC, para 101,323 Pa, a 100oC. Também
é possível que se meça a pressão de vapor da água acima
da água líquida subresfriada a temperaturas abaixo de 0oC,
sob condições em que a forma de equilíbrio de HOH é o
gelo. Essas pressões são sempre maiores que a pressão de
vapor de equilíbrio da água acima do gelo, na mesma temperatura (Tabela 2.3). A importância dessas observações para
a ciência de alimentos, em particular no que diz respeito ao
uso da pressão de vapor relativa como indicativo da “disponibilidade da água”, será discutida adiante neste capítulo.
Como a água é um componente importante dos alimentos, é
necessário que se desenvolva um sistema (ou sistemas) para
a descrição de sua quantidade, seu estado e sua condição nos
alimentos. Porém, antes de se propor uma descrição satisfatória, deve-se primeiro considerar os sistemas mais complexos que a água pura, para que se compreenda a influência
do ambiente molecular sobre as propriedades exibidas pela
água, tanto em nível molecular como em nível maciço.
2.8
ÁGUA NA PRESENÇA DE SOLUTOS
Em todos os sistemas alimentares, tanto a água como os solutos são substâncias presentes. Portanto, é necessário que se
discorra sobre os efeitos dos solutos na natureza e o compor-
tamento das moléculas de água, incluindo suas propriedades
de solvente.
2.8.1
Gelo na presença de solutos
A presença de solutos influencia tanto na quantidade (por
meio de efeitos termodinâmicos) como nos padrões de propagação (por meio de efeitos cinéticos) do gelo, em sistemas
aquosos. À medida que a concentração de um determinado
soluto aumenta, a quantidade de gelo formada a uma determinada temperatura diminui. Isso ocorre como consequência da depressão do ponto de congelamento e dos efeitos
coligativos. Na Figura 2.10, um diagrama de fases simples
para um sistema aquoso binário mostra como o ponto de
congelamento de uma solução aquosa binária muda com a
concentração. Os diagramas de estado e de fase serão discutidos com mais detalhes adiante.
A quantidade e o tipo dos solutos presentes influenciam
não só na quantidade mas também no tamanho, na estrutura,
na localização e na orientação dos cristais de gelo resultantes
de um determinado processo de resfriamento. Consideremse, por exemplo, os efeitos do soluto sobre a estrutura do
gelo. Em estudos pioneiros, Luyet e colaboradores [19−21]
estudaram a aparência de cristais de gelo formados sob diversas condições de resfriamento distintas, na presença de
vários solutos, como sacarose, glicerol, gelatina, albumina
e miosina. Eles desenvolveram um sistema de classificação
baseando-se em morfologia, elementos de simetria e velocidades de resfriamento necessárias ao desenvolvimento
de diversos tipos de estruturas de gelo visíveis. Suas qua-
TABELA 2.3 Pressões de vapor e taxas de pressão de vapor da água e do gelo
Temperatura (oC)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
−5
−10
−15
−20
−25
−30
−40
−50
a
Líquido super-resfriado.
b
Valor calculado.
35
(po)w Água (kPa)
(po)i Gelo (kPa)
((po)i/(po)w)
101,325
70,123
47,379
31,181
19,936
12,346
7,382
4,245
2,338
1,228
0,611
0,421a
a
0,287
0,191a
0,125a,b
0,0807a,b
a,b
0,0509
a,b
0,0189
0,0064a,b
0,611
0,402
0,260
0,165
0,103
0,063
0,038
0,013
0,039
1,00
0,954
0,905
0,863
0,824
0,780
0,746
0,687
0,609
Fonte: Lide, D.R. (Ed.) (1993/1994) Handbook of Chemistry and Physics, 74 edn., CRC Press: Boca Raton, FL e
Mason, B.J. (1957) The Physics of Clouds. Clarendon Press: Oxford, p. 445.
36
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Solução
s
Tm
Solução +
soluto sólido
L
0°C
Gelo +
solução
Temperatura ( °C )
TE
Tm
100% Água
E
Gelo + soluto sólido
Composição (%)
100% Soluto
FIGURA 2.10 Diagrama de fases para um sistema aquoso binário simples.
tro classificações principais de estruturas de gelo visíveis
são formas hexagonais, de dendritos irregulares, esferulitas
grossas e esferulitas passageiras.
A forma hexagonal, que é altamente ordenada, é encontrada apenas em alimentos, contanto que seja evitado o
congelamento ultrarrápido e que o soluto seja de tipo e concentração que não interfiram indevidamente na mobilidade
(facilidade de reorganização espacial) das moléculas de água.
Por exemplo, a gelatina em altas concentrações resultará em
cristais de gelo mais desordenados. Em seus estudos mais
antigos, Luyet e colaboradores encontraram evidências claras da existência de uma fase vítrea (amorfa) não congelada
ao redor dos cristais de gelo a baixas temperaturas, associando-se a existência dessa fase a fenômenos como o “colapso”
na liofilização. Ao mesmo tempo, Rey [22,23] também desenvolveu estudos pioneiros sobre as propriedades das fases
envolvidas no processo de liofilização, chegando a resultados similares. Embora a importância real desses estudos não
tenha sido percebida imediatamente, esses estudiosos foram
precursores do desenvolvimento sobre os conceitos do papel
do estado vítreo na determinação de propriedades cinéticas
dos sistemas congelados. Esses importantes conceitos serão
discutidos com mais detalhes adiante.
2.8.2
Interações água-soluto
em soluções aquosas
2.8.2.1 Nível macroscópico
Antes de se iniciar a descrição das interações água-soluto em
nível molecular, é apropriado que se façam algumas obser-
vações gerais sobre o comportamento da água. A presença
desta causa um impacto significativo sobre as propriedades
dos alimentos, sendo que as propriedades mudam com as alterações do conteúdo de água. Alguns termos como ligação
da água, hidratação e capacidade de retenção de água surgiram para ajudar na descrição da influência da água sobre
as propriedades dos sistemas [24,25]. Geralmente baseados
em observações macroscópicas, esses termos históricos têm
sido infelizes quando considerados para proporcionar entendimento dos processos moleculares subjacentes que eles,
presumivelmente, refletiriam. Não obstante, é importante
que se introduzam esses conceitos descritivos, já que eles
desempenharam um papel importante na evolução do conhecimento das propriedades e das influências da água sobre os
alimentos.
Antigamente, as expressões “ligação da água” e “hidratação” costumavam ser utilizadas para a descrição da tendência geral da água de se associar a substâncias hidrofílicas, incluindo materiais celulares. Quando utilizadas nesse
contexto, essas definições pertencem ao nível macroscópico. Embora termos mais específicos como “potencial de
ligação da água” sejam definidos em termos quantitativos,
eles continuam a ser aplicados apenas em nível macroscópico. O grau e a intensidade da ligação da água ou da hidratação dependem de vários fatores, incluindo a natureza dos
constituintes não aquosos, a composição salina, o pH e a
temperatura.
O termo “capacidade de retenção de água” costuma ser
aplicado à descrição da capacidade de uma matriz de moléculas, em geral macromoléculas presentes em baixa concentração, de reter fisicamente grandes quantidades de água, de
Química de Alimentos de Fennema
modo a inibir a exsudação sob a aplicação de forças externas
em geral gravitacionais. Matrizes alimentícias que normalmente atraem água dessa forma incluem géis de pectina e
amido e células teciduais, tanto animais como vegetais.
A água capturada de forma física não flui a partir dos
tecidos alimentares com facilidade, mesmo quando eles são
cortados ou picados. Não obstante, durante o processamento,
essa água comporta-se com propriedades bem similares às
da água pura. Ela é removida com facilidade durante a secagem, facilmente convertida em gelo durante o congelamento
e disponível como solvente de imediato. Logo, mesmo que
o seu escoamento seja um tanto restrito, o movimento das
moléculas individuais é similar ao das moléculas da água em
solução salina diluída.
A maioria da água encontrada em tecidos e géis pode ser
classificada como fisicamente capturada, sendo que as falhas
na capacidade de encapsular ou capturar a água (capacidade
de retenção de água) dos alimentos exercem grandes efeitos
sobre sua qualidade. Exemplos de defeitos de qualidade associados às falhas na capacidade de retenção de água são sinerese de géis, exsudação no descongelamento de alimentos e
desempenho inferior de tecidos animais em embutidos, resultante do declínio do pH muscular, o qual acompanha eventos
fisiológicos normais de pós-morte. Em todos os casos, os defeitos de qualidade derivam do reajuste físico das moléculas
de água ao espaço, mas nem sempre refletem mudanças significativas nas propriedades interativas dessas moléculas.
2.8.2.2 Nível molecular: generalidades
A mistura direta de solutos e água resulta na alteração das
propriedades de ambos, considerando-se suas propriedades
antes da mistura. Essas mudanças são o resultado das interações moleculares e, portanto, dependem da natureza do
soluto em nível molecular. Os íons ou grupos carregados interagem com a água principalmente por forças eletrostáticas.
Essas forças podem aumentar ou interferir nas orientações
geométricas normais das moléculas de água. Os solutos hidrofílicos interagem fortemente com a água, causando mudanças nas associações estruturais e na mobilidade da água
adjacente. Ao mesmo tempo, a água muda a reatividade e, às
vezes, também a estrutura dos solutos hidrofílicos. Em contrapartida, os grupos hidrofóbicos de solutos adicionados interagem apenas fracamente com a água adjacente, parecendo
preferir ambientes não aquosos. No entanto, essa interação
37
fraca pode causar consequências estruturais profundas. As
forças de ligação existentes entre a água e vários tipos de
solutos são resumidas na Tabela 2.4.
2.8.2.3
Nível molecular: “água ligada”
“Água ligada” é um termo bastante utilizado, porém não se
trata de um termo definido com facilidade, pois não se refere a uma entidade homogênea. Essa expressão nem sempre
faz alusão à água verdadeiramente ligada de alguma forma a
um soluto. Uma terminologia que descreva coerente e unificadamente a água ligada é difícil, já que existem numerosas
definições, com frequência contraditórias, e não há consenso
sobre qual é a melhor. Esse termo é controverso, geralmente
mal-utilizado e pouco entendido. Muitos cientistas sugeriram
que o termo não deve mais ser utilizado. Uma vez que todas
as etapas são importantes para que haja uma comunicação
precisa, o termo água ligada é muito usado na literatura e, por
isso, deve ser discutido junto à apreciação de suas limitações.
A seguinte lista parcial de definições, que tem sido proposta a para a água ligada, ilustra a confusão gerada pela
utilização desse termo [24,25]:
1. Água ligada é o conteúdo de água de equilíbrio de
uma amostra, a uma temperatura apropriada (e arbitrária) e baixa umidade.
2. Água ligada é aquela que não contribui significativamente à permitividade a altas frequências e, portanto, possui sua mobilidade rotacional restrita pela
substância à qual se encontra associada.
3. Água ligada é aquela que permanece não congelada
a uma determinada temperatura arbitrária, em geral,
a −40o C ou menos.
4. Água ligada é aquela que não está disponível como
solvente para solutos adicionais.
5. Água ligada é aquela que produz um alargamento
de linha em experimentos que envolvem ressonância
magnética nuclear.
6. Água ligada é aquela que se movimenta com a macromolécula em experimentos que envolvem taxas
de sedimentação, viscosidade ou difusão.
7. Água ligada é aquela que se encontra na proximidade de solutos e outras substâncias não aquosas e que
possui propriedades aparentes que diferem significativamente das da água “livre”, no mesmo sistema.
TABELA 2.4 Classificação dos tipos de interação água-soluto
Tipo
Exemplo
Força
Água-água
Dipolo-íon
Ponte de hidrogênio
Íon de água livre
Substituinte de água-carregada na molécula orgânica
NH água-proteína
CO água-proteína
Cadeia OH lado-água
Água + R → R(hid)
2R(hid) → R2(hid) + H2O
5−25 kJ/mol
40−600 kJ
Dipolo-dipolo
Hidratação hidrofóbica
Interação hidrofóbica
5−25 kJ/mol
5−25 kJ/mol
5−25 kJ/mol
Baixa
Baixa
Comentários
Depende do tamanho e da carga do íon
Influenciado pelo pH e pela força iônica
Soma cumulativa maior
Soma cumulativa maior
38
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Todas essas definições são válidas sob condições apropriadas, mas poucas delas produzem o mesmo valor quando aplicadas separadamente a determinados sistemas. Além
disso, em alguns casos, o valor obtido para a água ligada,
utilizando-se técnica e definição determinadas, dependerá
do conteúdo total de água do sistema, mesmo quando o conteúdo exceder a quantidade de água ligada.
De um ponto de vista conceitual, é interessante pensar na
água ligada como a descrição imperfeita da “água existente
nas proximidades de solutos e outros constituintes não aquosos, a qual, como resultado de sua posição, exibe propriedades aparentes que são significativamente diferentes das
da ‘água livre’, em sistemas iguais”. A água ligada pode ser
pensada como a água que, de algum modo, apresenta “mobilidade dificultada” em comparação à da água “livre”, não
se tratando de uma água que foi “imobilizada”. Em um alimento típico com alto teor aquoso, esse tipo de água corresponde apenas a uma pequena parte do total de água presente,
correspondendo, aproximadamente, à primeira camada de
moléculas de água adjacentes locais aos grupos hidrofílicos.
Porém, não se deve esquecer que não se trata de uma população estática de moléculas de água.
Esse assunto será discutido adiante, na seção que trata da
mobilidade molecular em sistemas congelados.
2.8.2.4 Interações da água com
íons e grupos iônicos
Íons individuais e grupos iônicos de moléculas orgânicas parecem dificultar ou influenciar na mobilidade das moléculas
de água de forma mais intensa do que qualquer outro tipo de
soluto. A força das ligações eletrostáticas água-íon é maior do
que a força das ligações por ponte de hidrogênio água-água,
porém muito menor que a força das ligações covalentes.
A estrutura normal aceita para a água pura (baseada em
arranjos geralmente tetraédricos de ligações por pontes de
hidrogênio) pode ser rompida pela adição de solutos dissociáveis. A água e os íons inorgânicos simples passam por
interações dipolo-íon. O exemplo da Figura 2.11 ilustra a
hidratação do par iônico do NaCl. São mostradas apenas as
moléculas de água da primeira camada no plano do papel,
orientadas pelo campo elétrico radial associado aos íons.
Acredita-se que existe uma segunda camada de moléculas de
água em soluções diluídas de íons em água, além da primei-
Na+
ra camada, em um estado estruturalmente irresoluto, devido
às influências estruturais conflitantes da primeira camada de
água que circunda os íons carregados e da água da fase “livre”, orientada tetraedricamente, a qual se encontra longe
da influência dos campos elétricos radiais que circundam os
íons. Em soluções salinas concentradas, onde se espera que
os campos elétricos de íons individuais se sobreponham, não
existe água na fase “livre” e a sua estrutura será dominada
pelos íons.
Existem muitas evidências de que alguns íons em solução aquosa diluída exercem efeitos de “quebra de estrutura
reticular” (soluções mais fluidas que a água pura) enquanvto
outros possuem efeitos de “formação de estrutura reticular”
(soluções menos fluidas que a água pura). O termo “estrutura reticular” refere-se a todos os tipos de estrutura, tanto
à organização normal da água, como a novos tipos de organização da água. Do ponto de vista da estrutura “normal”
da água, todos os íons são destrutivos, pois tal estrutura não
apresenta simetria radial [26].
A capacidade de um determinado íon de alterar a estrutura reticular está muito relacionada a seu poder de polarização (carga dividida pelo raio) ou simplesmente à força de
seu campo elétrico. Íons pequenos e/ou multivalentes (como
+
+
+
2+
2+
2+
3+
−
−
Li , Na , H3O , Ca , Ba , Mg , Al , F e OH ) têm campos elétricos fortes, sendo promotores de estrutura reticular.
A estrutura imposta por esses íons mais do que compensa
qualquer perda na estrutura normal da água, eles interagem
fortemente com 4 a 6 moléculas de água da primeira camada,
tornando-as menos móveis e empacotando-as de forma mais
densa que as moléculas de HOH em água pura. Íons gran+
+
+
+
−
−
des e monovalentes, como K , Rb , Cs , NH4 , Cl , Br ,
−
−
−
−
−
I , NO3 , BrO3 , IO3 e ClO4 , possuem campos elétricos
fracos, sendo destruidores de estrutura, apesar de que, com
+
o K , os efeitos são muito pequenos. Esses íons rompem a
estrutura normal da água sem impor uma estrutura nova para
compensar as perdas.
Obviamente, os íons exercem outros efeitos importantes
sobre a estrutura da água, como mudar a capacidade de hidratação (competem pela água), influenciar na permitividade do meio aquoso e controlar a espessura da dupla camada
elétrica que envolve os coloides; os íons influenciam profundamente no “grau de hospitalidade” oferecida a outros
solutos presentes no meio aquoso, bem como a substâncias
suspensas no meio. Isso foi reconhecido, a princípio, por
Cl–
FIGURA 2.11 Arranjo das moléculas de água adjacentes ao par de íons do cloreto de sódio. São representadas somente as moléculas
de água em um plano de papel.
Química de Alimentos de Fennema
meio das séries liotrópicas ou de Hofmeister, que classificaram os íons por ordem de efetividade em causar salting-in
ou salting-out de proteínas ou de efetividade em influenciar
em várias outras propriedades, como na estabilidade coloidal. É importante a observação de que as séries empíricas de
Hofmeister correlacionam-se bem com aquelas baseadas nas
influências estruturais de diversos íons [27, 28].
2.8.2.5 Interação da água com grupos
neutros capazes de realizar pontes
de hidrogênio (solutos hidrofílicos)
As interações entre água e solutos hidrofílicos não iônicos
são mais fracas que as interações água-íon, tendo, aproximadamente, a mesma força que as pontes de hidrogênio
água-água. Dependendo da força das pontes de hidrogênio
água-soluto, a água da primeira camada (água imediatamente adjacente às espécies hidrofílicas) pode ou não apresentar
mobilidade reduzida e outras propriedades alteradas quando
se tem a água da fase “livre” como termo de comparação.
Em um primeiro momento, pode-se esperar que os solutos capazes de formar pontes de hidrogênio aumentem,
ou pelo menos não quebrem, as estruturas normais da água
pura. Essa expectativa simplista ignora a importância da
orientação e da localização espacial na existência de redes
viáveis de ligações de hidrogênio. Em algumas situações, a
distribuição e a orientação dos sítios de ligação de hidrogênio do soluto são geometricamente incompatíveis com
H ( 4)
39
as existentes na água pura. Esses solutos costumam exercer
influências de ruptura sobre a estrutura tridimensional tetraédrica normal da água pura. A ureia é um bom exemplo de
soluto pequeno que forma pontes de hidrogênio e que, por
motivos geométricos, pode exercer um efeito marcante de
quebra sobre a estrutura normal da água. Em contrapartida,
algumas moléculas podem apresentar grupos hidrofílicos que
sejam formadores potenciais de pontes de hidrogênio, em
orientações e localizações compatíveis com as estruturas de
pontes de hidrogênio da água. Os carboidratos simples são
um exemplo disso. Verificou-se que essas substâncias possuem grupos hidroxil equatoriais que têm relações espaciais
similares às das moléculas de água agrupadas (ver Figura
2.12). Esse grau de compatibilidade pode até mesmo aumentar o número total de pontes de hidrogênio. Deve-se observar
que, como o espaçamento entre o átomo de oxigênio da água
e das moléculas individuais depende da temperatura, não é
necessário que haja correspondência exata em todas as situações, mas que exista uma correspondência próxima e, desse
modo, uma interação potencialmente facilitada.
É importante que se entenda que o número total de pontes de hidrogênio por mol de água pode não ser alterado significativamente pela adição de um soluto formador de pontes
de hidrogênio que quebre a estrutura normal da água. Isso é
possível desde que pontes de hidrogênio água-água possam
ser substituídas por pontes de hidrogênio água-soluto. Os
solutos que comportam-se dessa maneira exercem poucos
efeitos sobre a “estrutura reticular” como já foi definido.
H ( 2)
H (1)
FIGURA 2.12 Possível associação da D-glicose com moléculas de água em arranjo tetraédrico. A vista lateral do anel de piranose é
representado pela linha grossa. Os átomos de oxigênio e hidrogênio das moléculas de água são representados por círculos abertos e fechados, respectivamente. Os prótons hidroximetil não são mostrados. (De Sugget, A. (1976) J. Solution Chem. 5:33-46.)
40
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
sitiva, não pelo fato de que o H é positivo, o que costuma
ocorrer em solutos com baixa solubilidade, mas porque o T
S é negativo [30].
Acredita-se que essa redução de entropia, considerada
como um indicativo do aumento da “ordem”, acontece em
virtude das estruturas especiais da água, as quais se formam
nas proximidades das entidades apolares incompatíveis.
Esse processo tem sido chamado de “hidratação hidrofóbica” (Tabela 2.4 e Figura 2.15a).
Como a hidratação hidrofóbica é termodinamicamente
desfavorável, o sistema ajusta-se na tentativa de minimizar
a associação da água às entidades apolares presentes. Dessa
forma, se dois grupos apolares separados estão presentes,
sua incompatibilidade com o ambiente aquoso favorecerá a
associação entre eles, diminuindo assim a área da interface
água-apolar, um processo que é termodinamicamente favorável (G < 0). Esse processo, que é uma reversão parcial
da hidratação hidrofóbica, é chamado de “interação hidrofóbica” [31], podendo ser representado, em sua forma mais
simples, como
As pontes de hidrogênio da água podem ocorrer com vários grupos (p. ex., grupos hidroxil, amino, carbonil, amida,
imina, etc.). Isso, às vezes, resulta em pontes de água, nas
quais uma molécula de água interage com dois sítios de ligação de hidrogênio, em um ou mais solutos. A Figura 2.13
mostra uma representação esquemática de pontes de hidrogênio (linhas pontilhadas) da água, com dois tipos de grupos
funcionais encontrados em proteínas. Um exemplo mais elaborado, envolvendo uma ponte tripla HOH entre unidades de
um esqueleto peptídico, é mostrado na Figura 2.14.
Como já foi afirmado no caso de alguns açúcares [29],
os grupos hidrofílicos em muitas macromoléculas cristalinas são separados por distâncias bem similares ao espaço do
átomo de oxigênio vizinho mais próximo, na água pura. Se
esse espaço prevalece na macromolécula hidratada, ocorre a
tendência de que se favoreça a ligação de hidrogênio cooperativa que envolve tanto a primeira como a segunda camada
de água pelo aumento da estabilidade (tempo de existência)
do agrupamento.
2.8.2.6 Interação da água com
substâncias não polares
R (hidratado) + R (hidratado) → R2 (hidratado) + H2O
onde R é um grupo apolar (Tabela 2.4 e Figura 2.15b).
Como a água e os grupos apolares encontram-se em uma
relação antagônica, a estrutura da água se ajusta a fim de
minimizar o contato com os grupos apolares. O tipo de estrutura da água que se acredita existir na camada próxima aos
A mistura de água com substâncias hidrofóbicas, como hidrocarbonetos, gases raros e com grupos apolares dos ácidos
graxos, aminoácidos e proteínas, é um evento termodinamicamente desfavorável (G > 0), o que não é um fato surpreendente. No entanto, a energia livre desse processo é poH
H· · · O
N
H· · · O
C
FIGURA 2.13 Ponte de hidrogênio (linhas pontilhadas) de moléculas de água, com dois tipos de grupos funcionais que são de ocorrência comum em proteínas.
O
H
ser 196
O
O
HN
H
25
N
H
asn
195
O
N
O
gly 194
H
23
24
H
N
H
O thr
193
H
N
O
H
O
N
arg
N 191 O
H
gly O
192
FIGURA 2.14 Exemplo de uma ponte de três moléculas de água na papaína: 23, 24 e 25 são as moléculas de água da ponte. (De Berendsen, H.J.C. (1975) Em Water, a Comprehensive Treatise (F. Franks, Ed.), Plenum Press: New York, pp. 293−349.)
Química de Alimentos de Fennema
41
(a)
(b)
FIGURA 2.15 Representação esquemática de (a) hidratação hidrofóbica e (b) associação hidrofóbica. Os círculos abertos são grupos
hidrofóbicos. As áreas hachuradas representam a água. (Adaptada de Franks, F. (1975) Em Water, a Comprehensive Treatise (F. Franks, Ed.),
Plenum Press: New York, pp. 1−94.)
deira, formadas por 20−74 moléculas de água. Moléculas
convidadas típicas são hidrocarbonetos e hidrocarbonetos
halogenados de baixa massa molecular; gases raros; aminas primárias, secundárias e terciárias de cadeia curta; e sais
de alquil amônio, sulfatônio e fosfônio. A interação direta
entre a água e as moléculas convidadas é fraca, em geral,
envolvendo não mais do que forças de van der Waals, sendo
que a molécula convidada é livre para rotar na cavidade. Os
clatratos são o resultado extraordinário da tentativa da água
de minimizar o contato com grupos hidrofóbicos. Embora,
à primeira vista, a estrutura da água dos clatratos seja muito diferente em comparação ao gelo, essa estrutura surge
de uma mudança geométrica sutil na ponte de hidrogênio.
No gelo, as moléculas de água, em coordenação tetraédrico
com seus vizinhos, apresentam suas ligações de hidrogênio
em conformação dispersa quando observadas sob o ponto
de vista da direção de ligação oxigênio-oxigênio, enquanto
em clatratos de água a geometria da coordenação tetraédrica
das moléculas de água é encontrada sob a forma eclipsada
(Figura 2.17). A rotação de 60o na orientação da ligação resulta em estruturas em que três das quatro pontes de hidro-
grupos apolares é mostrado na Figura 2.16. Dois aspectos
dessa relação antagônica merecem uma abordagem adicional: a formação de clatratos de água e a associação da água a
grupos hidrofóbicos em proteínas.
2.8.2.6.1
Clatratos de água
Um clatrato de água é um composto de inclusão semelhante
ao gelo, no qual a água, substância hospedeira, forma uma
estrutura semelhante a uma gaiola, com pontes de hidrogênio, que captura fisicamente uma molécula apolar pequena
conhecida como molécula convidada. Os clatratos de água
são importantes, pois representam a estrutura mais extrema
da água como resposta a substâncias apolares e, ainda, porque microestruturas similares podem ter ocorrência natural
em materiais biológicos. Os clatratos de água podem ser
cristalinos. Os cristais de clatrato podem crescer com facilidade até se tornarem visíveis, sendo que alguns são estáveis
a temperaturas acima de 0oC, se houver pressão suficiente
[32]. As moléculas convidadas de clatratos de água são compostos com baixa massa molecular, com tamanhos e formas
compatíveis com as dimensões das gaiolas de água hospe-
H
+
–
2 –
O
+
H
+
H
–
O2
Grupo
hidrofóbico
H
O2
H
+
–
+
+
–
H
+
+
–
FIGURA 2.16 Orientação da água proposta em uma superfície hidrofóbica. (Adaptada de Lewin, S. (1974) Displacement of Water and
its Control of Biochemical Reactions. Academic Press: London.)
42
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
(a)
Gelo, conformação dispersa
( b)
Clatrato eclipsado
FIGURA 2.17 Orientação relativa das moléculas de água ligadas por pontes de hidrogênio: (a) conformação dispersa (gelo) e (b) conformação eclipsada (clatrato).
gênio de uma molécula de água podem ajudar na formação
da curva de superfície (como uma superfície geodésica) da
cavidade, enquanto as quatro pontes de hidrogênio projetam-se para fora em direção normal à superfície. Logo, não
há nenhuma ponte de hidrogênio que se projete dentro da
cavidade interna, não havendo interação desfavorável com
grupos apolares dentro da cavidade. Como já foi dito, uma
molécula apolar pequena pode rotar livremente na cavidade.
Também é importante observar que, ao se compararem as
energias livres da estrutura do gelo e da estrutura de gaiola
do clatrato (quando não há nenhuma molécula na cavidade),
a estrutura do gelo é mais estável que a do clatrato vazio por
pouca diferença. Desse modo, a presença de um convidado
desejável, que estabilize a cavidade por meio de interações
estéricas, pode resultar em uma estrutura cristalina com estabilidade muito maior que a do gelo [33,34].
Existem evidências de que estruturas de pontes de hidrogênio similares a clatratos de água cristalinos podem ter
ocorrência natural em materiais biológicos [35−37], sendo,
no entanto, menos extensivas no espaço (multicamadas de
pontes de hidrogênio com orientação eclipsada). Nesse caso,
as estruturas localizadas teriam mais importância para a
ciência de alimentos que os clatratos cristalinos, por influenciarem na conformação, na reatividade e na estabilidade de
moléculas como as proteínas. Por exemplo, alguns estudiosos sugerem que estruturas parciais de clatrato podem existir
ao redor de grupos hidrofóbicos expostos de proteínas [38].
As figuras 2.16 e 2.18 ilustram esse conceito. Também é possível que estruturas da água semelhantes a clatratos exerçam
um papel na ação anestésica de gases raros como o xenônio.
Para obter mais informações a respeito de clatratos de água,
pode-se consultar Davidson [32].
Simulações dinâmicas moleculares de sistemas aquosos
incluindo espécies não polares fornecem evidências adicionais à possível reorientação das pontes de hidrogênio água-água para uma orientação do “tipo clatrato”, em resposta à
FIGURA 2.18 Ilustração esquemática de uma proteína globular sob interação hidrofóbica. Círculos abertos são grupos hidrofóbicos.
Moléculas em forma de L são moléculas de água orientadas conforme a proximidade de uma superfície hidrofóbica e representam moléculas de água associadas com grupos polares.
Química de Alimentos de Fennema
presença de entidades não polares. Enquanto, em detalhes,
os resultados de modelagem molecular não mostram estruturas com geometrias de pontes de hidrogênio com orientação do tipo clatrato, mudança na direção média das ligações é consistente ao modelo pictórico mais simples. Em
modelos que incorporam solutos hidrofóbicos, as pontes
de hidrogênio tendem a se tornar tangenciais às superfícies
moleculares [7].
2.8.2.6.2 Interações da água com estruturas
moleculares complexas
Embora seja difícil realizar experimentalmente a determinação do arranjo das moléculas de água próximas a moléculas
orgânicas, esse é um campo prolífico de pesquisa, sendo que
dados úteis têm sido obtidos. O anel hidratado de uma piranose é mostrado na Figura 2.12; na Figura 2.19 é apresentada uma simulação computacional da seção transversal de
43
uma mioglobina [39]. A partir de uma distância de 2,8 Å entre sítios hidratados, com ocupação total desses sítios, cerca
de 360 moléculas de HOH estariam no campo de hidratação
primário da mioglobina.
Devido à coexistência de regiões polares, hidrofílicas e
hidrofóbicas dentro de uma molécula de tamanho grande,
algumas interações e interferências inevitáveis da água com
determinados grupos hidrofóbicos exercem influências importantes sobre a funcionalidade das proteínas [11,30,38].
A dimensão dos contatos inevitáveis é relativamente grande,
pois as cadeias laterais apolares são encontradas em cerca de
40% dos aminoácidos em proteínas oligoméricas típicas dos
alimentos. Esses grupos não polares incluem grupo metil
da alanina, grupo benzil da fenilalanina, grupo isopropil da
valina, grupo mercaptometil da cisteína e grupos butil e isobutil secundários das leucinas. Os grupos apolares de outros
compostos como álcoois, ácidos graxos e aminoácidos livres
FIGURA 2.19 Seção transversal de uma molécula hidratada de mioglobina, obtida por simulação dinâmica molecular. As gaiolas reticuladas representam sítios de alta probabilidade de primeira camada de moléculas de água. As figuras em vareta representam a estrutura
média temporal de uma proteína. (De Lounnas, V. and B.M. Pettitt (1994) Proteins: Struc. Func. Genet. 18: 133−147.)
44
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
também podem participar de interações hidrofóbicas, mas as
consequências dessas interações são menos importantes que
as que envolvem proteínas.
Como a exposição dos grupos apolares das proteínas à
água não é termodinamicamente favorável, a associação entre grupos hidrofóbicos, ou interação hidrofóbica, é facilitada. Esse processo é mostrado, por meio de um esquema, na
Figura 2.18. Acredita-se que a interação hidrofóbica seja a
maior força motriz para o dobramento das proteínas, fazendo com que muitos resíduos hidrofóbicos assumam posições
escondidas no interior da proteína. Apesar das interações hidrofóbicas, estima-se que os grupos não polares de proteínas
globulares ainda ocupem cerca de 40−50% da área da superfície. Como consequência da localização dos grupos hidrofóbicos na superfície, as interações hidrofóbicas também são
consideradas como de importância fundamental na manutenção da estrutura terciária (associações de subunidades, etc.)
da maioria das proteínas [40,41]. Por sua grande importância
para a complexidade estrutural das proteínas, as reduções de
temperatura causam enfraquecimento nas interações hidrofóbicas e fortalecimento das pontes de hidrogênio.
Aplicações recentes da modelagem molecular aos efeitos de solvatação de solutos reforçam a importância das associações por ponte de hidrogênio para água. Elas também
indicam que o principal efeito dos solutos é a modulação das
associações por ponte de hidrogênio que ocorrem dentro do
solvente puro, em particular, a qual causa alterações que refletem as mudanças induzidas ao solvente puro por variação
na temperatura e na pressão, as quais, por sua vez, refletem-se na equação de estado da água como solvente [42].
Os esquemas apresentados sobre as propriedades da água
e de soluções aquosas, proporcionam um fundamento para o
entendimento dos diversos papéis da água nos sistemas alimentícios, bem como da influência da quantidade e das características da água sobre a química e a microbiologia dos
alimentos. Na discussão seguinte, será examinada a utilidade
de diferentes aproximações ou enfoques para o entendimento aprofundado do papel da água nas propriedades dos alimentos e em sua estabilidade.
constituintes não aquosos. Espera-se que a água fortemente
associada seja menos capaz de dar suporte a atividades de
degradação, como crescimento de microrganismos e reações
químicas hidrolíticas, que a água pouco associada. O termo
“atividade de água” (aw) foi desenvolvido para indicar a intensidade com a qual a água associa-se a constituintes não
aquosos.
A experiência mostra que estabilidade, segurança e
outras propriedades dos alimentos podem ser previstas de
forma muito mais exata utilizando-se a aw em detrimento
do conteúdo de água. No entanto, a aw não é um indicador
totalmente confiável. As razões desse fato serão apresentadas em seção posterior. Apesar da falta de perfeição, a aw
correlaciona-se de forma suficientemente adequada às taxas
de crescimento microbiano e às taxas de muitas reações de
degradação, tornando-a um indicativo de estabilidade e segurança microbiana possíveis do produto. O fato de que a
aw seja especificada em algumas das leis federais dos EUA
concernentes às boas práticas de fabricação de alimentos indica a sua utilidade e credibilidade [43], além da exploração
completa desse tópico.
2.9.2
Definição e medida
Como descrito na maioria dos livros-textos de físico-química, Lewis e Randall derivaram rigorosamente das leis da
termodinâmica a noção de “atividade” de uma substância,
tendo sido Scott [44, 45] o pioneiro de sua aplicação a alimentos. A seguinte apresentação é
(2.1)
sendo f a fugacidade do solvente (fugacidade é a tendência
do solvente de escapar da solução) e f0 a fugacidade do solvente puro no estado definido como padrão. O T subescrito
indica que as medições são realizadas a temperaturas constantes. A baixas pressões (p. ex., pressão ambiente) a dife0
0
rença entre f/f e p/p é menor que 1% e, portanto, pode-se
0
definir aw em termos de p/p . Logo,
(2.2)
2.9 ATIVIDADE DE ÁGUA E PRESSÃO
DE VAPOR RELATIVA
2.9.1
Introdução
Sabe-se há muito tempo, com origens que remontam à pré-história, que existe uma relação, apesar de imperfeita, entre o conteúdo de água de um alimento e sua perecibilidade. Processos de concentração e desidratação são realizados
com o objetivo principal de diminuir o conteúdo de água de
um alimento, aumentando, ao mesmo tempo, sua concentração de solutos e, portanto, diminuindo sua perecibilidade.
No entanto, já foi observado que diversos tipos de alimentos com o mesmo conteúdo de água diferem significativamente em termos de perecibilidade. Portanto, é evidente
que o conteúdo de água por si só não é um indicador confiável de perecibilidade. Esse fato é atribuído, em parte, às
diferenças da intensidade com a qual a água está associada a
É importante ressaltar que essa equação está baseada na
suposição de equilíbrio termodinâmico. Como nos alimentos essa suposição costuma ser violada, a Equação 2.2 deve
ser considerada como uma aproximação, sendo a expressão
correta
(2.3)
0
Na ciência de alimentos, por p/p ser facilmente mensurável,
e em alguns casos não equivaler a aw, é mais apropriado que
0
se utilize o termo (p/p )T em lugar de aw. Dessa forma, utili0
zaremos o termo (p/p )T. Pressão de vapor relativa (RVP) é o
0
nome de (p/p )T, de modo que esses dois termos serão usados
da mesma forma. Apesar da preferência científica do uso de
RVP em vez de aw (pois RVP não implica equilíbrio), o leitor
deve saber que o termo aw é amplamente difundido, não sendo incorreto contanto que o usuário entenda seu verdadeiro
significado e as limitações que implicam sua utilização.
Química de Alimentos de Fennema
O fato de que a aproximação aw-RVP não seja uma estimativa perfeita para a estabilidade dos alimentos deve-se a
duas razões principais: à violação das considerações realizadas na Equação 2.2 e a efeitos específicos do soluto. A violação das considerações da Equação 2.2 pode diminuir a utilidade da RVP como ferramenta tecnológica, mas, felizmente,
isso ocorre em raras ocasiões. Uma das exceções acontece
quando produtos desidratados são preparados por adsorção
de água e não por dessorção (efeito da histerese). Esse fato
será discutido mais adiante. A violação das considerações da
Equação 2.2 invalida a utilização da RVP como ferramenta
para a interpretação de mecanismos, quando os modelos teóricos são baseados na validade dessas considerações. Esse
costuma ser o caso de modelos de isotermas de sorção de
água, nos quais a aplicação das conclusões aparentes deve
ser realizada com cuidado.
Em alguns casos que podem ser de grande importância,
os efeitos específicos do soluto podem fazer com que a RVP
seja um indicador fraco da estabilidade e da segurança dos
alimentos. Isso pode ocorrer quando as considerações subjacentes da Equação 2.2 são totalmente conhecidas. Nessas situações, alimentos com a mesma RVP, mas com composição
de solutos diferentes, podem apresentar diferentes estabilidades e outras propriedades. Esse é um ponto muito importante, não devendo ser negligenciado na utilização de RVP
como ferramenta de avaliação da segurança e da estabilidade
dos alimentos. A Figura 2.20 reforça esse tópico. Os dados
0
indicam claramente que a (p/p )T mínima para o crescimento
de Staphylococcus aureus depende do tipo de solvente [46].
A pressão de vapor relativa está relacionada à umidade
relativa de equilíbrio (%ERH) do ambiente onde se encontra
o produto da seguinte forma:
45
de equilíbrio. Em segundo lugar, a igualdade descrita pela
Equação 2.4 só existe se foi alcançado o equilíbrio entre o
produto e sua vizinhança. O estabelecimento do equilíbrio é
um processo demorado, mesmo em amostras muito pequenas (<1 g), sendo impossível para amostras grandes, em especial em temperaturas abaixo de 20oC.
Uma vez que a ERH atingiu o equilíbrio, pode ser mais
apropriada a utilização de uma forma modificada para essa
relação, a qual especifique melhor que a medida da RVP
está relacionada à umidade relativa do estado estacionário
(SSRH) do ambiente do produto:
(2.5)
A RVP de uma pequena amostra pode ser determinada
colocando-a em uma câmara fechada durante o tempo suficiente para atingir o equilíbrio aparente (peso constante),
medindo-se, após, a pressão ou a umidade relativa dentro da
câmara [47−50]. Vários tipos de instrumentos estão disponíveis para medir a pressão (manômetros) e a umidade relativa
(higrômetros elétricos, instrumentos de ponto de orvalho)
[51]. O conhecimento da depressão do ponto de congelamento também pode ser utilizado na determinação da RVP, embora ele esteja relacionado somente à temperatura no ponto de
congelamento. Com base em muitos estudos colaborativos, a
precisão da determinação da aw é de cerca de ± 0,005 [48].
Se se deseja ajustar uma pequena amostra a uma RVP específica, pode-se colocar a amostra em uma câmara fechada
a uma temperatura constante, mantendo-se a atmosfera em
torno da amostra a uma umidade relativa constante e conhecida, por meio da solução saturada de um sal apropriado ou
de algum método equivalente, estocando-se, então, a amostra nessas condições, até que atinja um peso constante.
(2.4)
Dois aspectos dessa relação são notáveis. Em primeiro lugar,
a RVP é uma propriedade intrínseca, enquanto a %ERH é
uma propriedade da atmosfera estabelecida com a amostra
no estado estacionário. Deve-se notar que a existência de um
estado estacionário não implica necessariamente a existência
2.9.3
Dependência de temperatura
A pressão relativa de equilíbrio depende da temperatura.
Nesse sentido, uma modificação da equação de Clausius-Clapeyron pode ser utilizada a fim de que essa dependência
Soluto (ou sólido)
Etanol
1,3-butileno glicol
Propileno glicol
PEG-200
PEG-400
Glicerol
Acetato de Na
Carne seca
Glicose + sais
Sacarose
Mistura de sais
Leite em pó
Sopa desidratada
NaCl
0,8
0,85
0,9
0,95
1
p/po mínimo para crescimento
FIGURA 2.20 RVP mínima para o crescimento de Staphylococcus aureus, quando influenciada pelo soluto usado para o controle da
RVP. A temperatura de crescimento é próxima à ótima. PEG = polietileno glicol. (De: Chirife, J. (1994) J. Food Eng. 22: 409−419.)
46
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
seja estimada. Essa equação, embora seja baseada na aw, em
geral, pode ser aplicada à RVP na seguinte forma:
(2.6)
onde T é a temperatura absoluta, R é a constante universal dos
gases e −H é o calor isostérico de sorção no conteúdo de umidade da amostra. Essa equação pode ser exposta como a equação de uma reta, por meio de um simples rearranjo. Portanto,
pelo gráfico ln aw vs. 1/T (a uma umidade constante), obtém-se
uma reta. Se a mesma relação é obtida para ln(p/p0)T vs. 1/T,
então a equação pode ser utilizada para se estimar calores efetivos de sorção, para efeitos de comparação. Essas relações pressupõem o equilíbrio, o qual, muitas vezes, não acontece.
Gráficos lineares de ln(p/p0)T vs. 1/T para amido nativo
em vários conteúdos de umidade são mostrados na Figura
2.21. É evidente que o grau de dependência de temperatura
é uma função do conteúdo de umidade. Para uma (p/p0)T de
0,5, o coeficiente da temperatura é 0,0034 K−1, em uma faixa
de temperatura de 275−313 K (2−40oC). Segundo o trabalho de diversos autores [48,52], os coeficientes da temperatura para (p/p0)T (em uma faixa de temperatura de 5−50o C a
(p/p0)T inicial de 0,5) encontram-se entre 0,003 e 0,02 K−1
para alimentos com alto conteúdo de carboidratos ou proteínas. Desse modo, dependendo do produto, uma mudança de
10 K na temperatura pode ocasionar mudanças de 0,03−0,2
em (p/p0)T. Esse comportamento pode ser importante para
alimentos embalados, os quais sofrerão mudanças de RVP
com as oscilações de temperatura, fazendo com que sua estabilidade tenha mais dependência de temperatura que os
mesmos produtos quando não embalados.
Os gráficos de (p/p0)T vs. 1/T nem sempre são lineares
em faixas amplas de temperatura. Por exemplo, eles costumam exibir quebras acentuadas no início da formação de
gelo. Antes de se interpretar dados em temperaturas abaixo
do ponto de congelamento, deve-se considerar a definição
de RVP quando aplicada essas temperaturas. Como já foi
colocado, a água super-resfriada pode existir em forma metaestável a temperaturas abaixo de 0oC. Consequentemente,
surge uma questão sobre se o denominador p0, que é a
pressão de vapor do solvente puro, pode ser comparada à
pressão de vapor da água super-resfriada ou à pressão de
vapor do gelo. Como o gelo puro é a forma em equilíbrio
da água pura, a essas temperaturas (para comparações úteis
em sistemas abaixo do ponto de congelamento), a escolha mais apropriada para o estado-padrão é a pressão de
vapor da água supergelada (1) pois os valores de RVP a
temperaturas abaixo do ponto de congelamento podem,
apenas nesse caso, ser comparadas diretamente a valores
em temperaturas acima do ponto de congelamento e, ainda,
(2) porque realizando-se a escolha da pressão de vapor de
gelo (para amostras que contêm gelo), a p0 poderia resultar
em situações nas quais a RVP seria igual à unidade, em
todas as temperaturas abaixo do ponto de congelamento.
Essa segunda situação resulta das relações-padrão termodinâmicas, em que a pressão parcial da água de qualquer
alimento congelado é igual à pressão de vapor do gelo na
mesma temperatura.
Como a pressão de vapor da água super-resfriada foi medida abaixo de −15oC, tendo sido estimada por meio de extrapolação a −30oC (Tabela 2.3) e a pressão de vapor de gelo
foi medida a temperaturas bem menores, os valores de RVP
1
0,8
25
20
17
14
0,6
0,4
12
p/po
0,2
10
8
0,10
0,08
0,06
6
0,04
4
0,02
O parâmetro é o
conteúdo de água
0,01
3,1
3,2
3,3
3,4
3,5
3,6
1 (1.000 K –1)
T
3,7
3,8
FIGURA 2.21 Relação entre RVP e temperatura para amido nativo com diferentes conteúdos de água. Estes são mostrados depois de
cada linha e expressos em g HOH/g amido seco. (De van den Berg, C. e H.A. Leniger (1978) Em Miscellaneous Papers. Wageningen
Agricultural University).
Química de Alimentos de Fennema
para alimentos congelados são simples de serem calculados,
baseando-se no estado-padrão da água super-resfriada,
(2.7)
onde pff é a pressão parcial da água em alimentos semiconge0
lados, p (UCW) é a pressão de vapor da água super-resfriada
pura e pice é a pressão de vapor do gelo puro, todas na mesma
temperatura T.
Na Tabela 2.3 são apresentados os valores de RVP calculados por meio das pressões de vapor do gelo e da água super-resfriada. Esses valores são idênticos aos dos alimentos
congelados em temperaturas iguais. A Figura 2.22 apresenta
0
um gráfico de log(p/p )T vs. 1/T para uma solução aquosa
típica, ilustrando que: (1) a relação é linear em temperaturas
abaixo do ponto de congelamento, (2) a influência da temperatura sobre a RVP é maior em temperaturas abaixo do ponto de congelamento que em temperaturas acima deste e (3)
no ponto de congelamento da amostra acontece uma quebra
acentuada no gráfico. Espera-se um comportamento similar
de sistemas biológicos.
Duas distinções importantes devem ser observadas ao se
comparar valores de RVP acima e abaixo das temperaturas
de congelamento. Em primeiro lugar, em temperaturas acima do ponto de congelamento, a RVP é uma função da composição da amostra e da temperatura, sendo que o primeiro
fator é predominante. Em temperaturas abaixo do ponto de
congelamento, a RVP torna-se independente da composição
da amostra, dependendo apenas da temperatura, uma vez
20
5
0
–2
47
que na presença de uma fase de gelo, os valores de RVP não
são influenciados pelo tipo ou pela quantidade de solutos
presentes [53]. Em consequência, qualquer evento ocorrente
em temperaturas abaixo do ponto de congelamento que seja
influenciado pelo tipo de soluto presente (p. ex., processos
controlados por difusão; reações catalisadas; e reações afetadas pela presença ou ausência de agentes crioprotetores,
agentes antimicrobianos e/ou substâncias químicas que alteram o pH e o potencial de oxirredução) não pode ser previsto com exatidão por meio do valor de RVP. Em decorrência
disso, os valores de RVP em temperaturas abaixo do ponto
de congelamento são indicadores menos válidos de eventos
físicos e químicos que os valores de RVP em temperaturas
acima do ponto de congelamento. Portanto, o conhecimento
da RVP a temperaturas abaixo do ponto de congelamento
não pode ser utilizado para a previsão da RVP em temperaturas de congelamento ou temperaturas inferiores. Observe
também que a utilização da depressão do ponto de congelamento para estimativa aw ou da RVP é, de fato, a determinação do ponto de quebra na curva.
Em segundo lugar, quando se modifica a temperatura o
suficiente para formação ou derretimento de gelo, a significância da RVP em termos de estabilidade do alimento tamo
0
bém muda. Por exemplo, em um produto a −15 C ((p/p )T =
0,86) os microrganismos não se desenvolverão e as reações
o
0
químicas acontecerão devagar. No entanto, a +20 C e (p/p )T
= 0,86, algumas reações químicas acontecerão com rapidez
e alguns microrganismos conseguirão desenvolver-se em velocidades moderadas.
°C
–4 –6
–8
–10 –12 –14
0
1,00
0,981
–0,01
0,962
Gelo ou
material
biológico que
contenha gelo
–0,03
0,940
0,925
–0,04
(p/po) T
log ( p/po) T
–0,02
0,907
–0,05
0,890
0,872
–0,06
3,40
3,60
3,65
3,70
3,75
1.000/T
3,80
3,85
3,90
FIGURA 2.22 Relação entre RVP e temperatura para sistemas aquosos acima e abaixo do ponto de congelamento. (Modificada de Fennema, O. (1978) Em Dry Biological Systems (J.H. Crowe e J.H. Clegg, Eds.), Academic Press: New York, pp. 297−322).
48
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
A falta de utilidade da RVP como indicativo da estabilidade de produtos em temperaturas abaixo do ponto de
congelamento serve de motivação para o desenvolvimento
da abordagem da mobilidade molecular, a fim de que as relações de estabilidade dos alimentos sejam compreendidas.
Essa teoria será discutida a seguir. A discussão sobre as isotermas de sorção, que descrevem a relação entre o conteúdo
de umidade e a RVP da amostra, relacionando-os à estabilidade dos alimentos, pode ser melhor entendida após a abordagem da mobilidade molecular, já que os conceitos desenvolvidos na teoria da mobilidade molecular podem ajudar a
esclarecer algumas das relações entre as isotermas de sorção
de umidade e a estabilidade do produto.
2.10
2.10.1
MOBILIDADE MOLECULAR E
ESTABILIDADE DOS ALIMENTOS
Introdução
Embora a aproximação da RVP tenha sido útil para a indústria de alimentos, isso não deve impedir a consideração
de outras abordagens que podem complementar ou substituir parcialmente a RVP como ferramenta para previsão e
controle da estabilidade e do processamento dos alimentos.
Algumas evidências têm indicado que a mobilidade molecular (Mm: movimento translacional ou rotacional) é um
atributo dos alimentos que merece atenção particular, pois
está relacionada a diversas propriedades importantes dos alimentos que são limitadas pela difusão.
Na abordagem da mobilidade molecular, é dada atenção à
mobilidade das moléculas constituintes, sendo consideradas
relevantes tanto a mobilidade rotacional quanto a translacional. A consideração das mobilidades implica a consideração
cuidadosa dos aspectos de difusão de muitas reações e, em
particular, a importância das relações limitadas pela difusão
para a qualidade de muitos alimentos.
2.10.2
História inicial
Como já foi indicado, Luyete e colaboradores, nos Estados
Unidos [19,20], e Rey e colaboradores, na França [22,23],
foram os primeiros a chamar a atenção para a relevância da
Mm (estado vítreo, recristalização, temperaturas de colapso
durante a liofilização) para as propriedades de materiais biológicos. Muitos dos conceitos básicos relacionados ao Mm,
em sistemas de não equilíbrio constituídos de polímeros
amorfos sintéticos, foram estabelecidos por Ferry e colaboradores [54,55]. White e Cakebread [56,57] descreveram o
importante papel dos estados vítreo e supersaturado em diversos alimentos que contêm açúcares, sugerindo que a existência desses estados exerce uma importante influência sobre a estabilidade e a processabilidade de muitos alimentos.
Duckworth e colaboradores [58] demonstraram a relevância
da Mm na velocidade do escurecimento não enzimático e na
oxidação do ácido ascórbico, fornecendo, assim, mais evidências de que a relação entre a Mm e a estabilidade dos
alimentos tem importância considerável.
2.10.3
Estágio seguinte
Desde esse ponto de partida até então, os conhecimentos têm
evoluído com rapidez, sendo que hoje, a Mm é aceita como
um dos determinantes principais da estabilidade dos alimentos. O início do enfoque moderno da Mm começou com os
estudos pioneiros de Franks [59] e Slade e Levine [60−65],
os quais demonstraram que os conceitos de Ferry podem
ser aplicados, de forma modificada, para o entendimento
da estabilidade dos alimentos. Um avanço importante foi o
postulado de que soluções vítreas de açúcares e outros materiais em estado vítreo, em sistemas alimentares, podem ser
concebidas como tendo propriedades similares aos polímeros amorfos caracterizados por Ferry e colaboradores. Além
disso, relações semelhantes às desenvolvidas por Ferry podem ser aplicadas a “soluções vítreas de alimentos”. Em particular, Levine e Slade propuseram a aplicação da equação
de Williams-Landel-Ferry (WLF) a sistemas alimentares. A
equação WLF toma a forma
(2.8)
onde η é a viscosidade à temperatura do produto T (K), é
a viscosidade à temperatura do produto (K) (em geral, à
temperatura de transição vítrea) e C1 (adimensional) e C2 (K)
são constantes. A η pode ser substituída por 1/Mm, que é a
mobilidade molecular ou qualquer outro processo de relaxamento limitado por difusão. Essa equação descreve a dependência da viscosidade do sistema e outros processos capacitados pela difusão, baseando-se no comportamento de um
polímero em estado amorfo. Em sistemas poliméricos, têm
sido estabelecidos valores universais para C1 e C2. Existem
polêmicas sobre a possibilidade de aplicação desses valores a sistemas de soluções vítreas de alimentos. Enquanto
Levine e Slade cunharam a frase “abordagem científica de
polímero alimentar” para descrever essas inter-relações, talvez seja mais útil que a abordagem esteja focada no conceito
subjacente à mobilidade molecular, o que se optou por fazer
neste capítulo.
2.10.4 Fatores que influenciam nas
velocidades de reação da solução
Antes de se abordar os conceitos de mobilidades moleculares como determinantes das taxas (velocidades) de reação em sistemas limitados pela difusão, é importante que
se observe que, em temperatura ambiente, as reações químicas em solução aquosa não costumam ser limitadas pela
difusão. Em condições de temperatura e pressão constantes,
três fatores principais controlam a taxa de reação química:
o fator de difusão D, que descreve a probabilidade de um
encontro; o fator de frequência de colisão A, que define o
número de colisões por unidade de tempo, ocorrentes após
o encontro; e o fator de energia de ativação química, Ea,
que define a barreira energética que deve ser superada em
uma colisão entre reagentes orientados de forma adequada.
Os dois últimos termos aparecem na equação de Arrhenius,
Química de Alimentos de Fennema
que descreve a dependência da constante da taxa de reação
em relação à temperatura. Para que uma reação seja limitada pela difusão, nem A nem Ea podem limitar a velocidade
da reação. Em outras palavras, os reagentes adequadamente
orientados devem colidir com alta frequência e com energia
de ativação baixa o suficiente para assegurar que as colisões
tenham probabilidades altas de resultar em reação. Portanto,
as reações limitadas pela difusão apresentam baixas energias
de ativação (8−25 kJ/mol). A maioria das “reações rápidas”
(baixa Ea, alto A) é limitada pela difusão. Exemplos de reações limitadas pela difusão são as reações de transferência
de prótons, reações ácido-base, muitas reações catalisadas
por enzimas e oxigenação/desoxigenação da mioglobina e
10
11
−1
da hemoglobina. Constantes de reação entre 10 e 10 M
−1
s são consideradas como evidências presumidas de reações
limitadas por difusão. A velocidade limitada pela difusão é a
velocidade máxima possível para reações em solução (considerando-se a ocorrência de mecanismos de reação convencionais, o que é normal).
A dependência da constante de difusão em relação à temperatura e à viscosidade é pertinente. A constante de velocidade de segunda ordem limitada pela difusão para partículas esféricas não carregadas é fornecida pela equação de
Smoluchowski
(2.9)
onde NA é o número de Avogadro, D1 e D2 são os coeficientes
de difusão para as partículas 1 e 2, e r é a distância entre a
aproximação máxima das partículas 1 e 2, representada pela
soma de seus raios.
Essa constante também é fornecida pela equação de
Stokes-Einstein:
(2.10)
onde k é a constante de Boltzmann, T é a temperatura absoluta, β é uma constante numérica, η é a viscosidade e rs é o
raio hidrodinâmico das espécies difusivas.
Como a viscosidade aumenta com rapidez quando a temperatura da região WLF diminui, a dependência de D e, consequentemente, de kdif , em relação à viscosidade, torna-se de
interesse particular.
É provável que as taxas de algumas reações em alimentos
com alto conteúdo de umidade, em condições ambientais,
sejam limitadas pela difusão, enquanto outras não. Espera-se
que essas taxas, as quais são limitadas pela difusão, estejam
de acordo com a cinética WLF ao se diminuir a temperatura
ou o conteúdo de umidade.
2.10.5
O papel da mobilidade molecular
sobre a estabilidade dos alimentos
O principal conceito relativo à relação entre a mobilidade
molecular e a estabilidade dos alimentos é muito simples.
Quando os alimentos são resfriados, a mobilidade molecular
diminui. Essa é uma consequência normal da diminuição da
temperatura. As diferentes espécies moleculares do alimento
49
podem ter características próprias de mobilidade. Duas situações são possíveis, na mais simples, à medida que a temperatura diminui, chega um momento em que a mobilidade
das moléculas maiores torna-se tão impraticável que sua difusão se torna muito restrita e os processos que dependem
de sua mobilidade têm sua velocidade muito reduzida. A
temperaturas um pouco menores, as moléculas de tamanho
intermediário também experimentam mobilidade restrita,
sendo que as propriedades do sistema e suas reações exibem
mais dependência de temperatura na zona de temperatura em
que ocorre a restrição do movimento.
Na situação mais complexa, ao se diminuir a temperatura, uma fase sólida nova começa a se separar. Isso é mais
relevante quando a fase sólida é o gelo (p. ex., no congelamento). Conforme o gelo se separa, a concentração de
solutos na fase aquosa sem congelamento aumenta. A mobilidade molecular não é função somente da temperatura, é
também da concentração, pois em concentrações maiores
as colisões e os entrelaçamentos tornam-se mais prováveis.
Consequentemente, nesses sistemas, à medida em que a temperatura diminui, a mobilidade molecular é reduzida, tanto
pelo efeito da temperatura como pelo efeito do aumento da
concentração. A combinação desses fatores leva à redução
da mobilidade com a diminuição da temperatura, a qual é
muito mais intensa que em situações em que a diminuição
da temperatura é a única força motriz. Como no outro caso,
o tamanho molecular trata-se de um fator, com as moléculas
grandes exibindo mobilidades mais restritas em temperaturas
maiores que as exigidas por moléculas menores. Os padrões
de comportamento de sistemas congelados foram estudados
em detalhes nos últimos 30 anos e serão discutidos em termos de mobilidade molecular mais adiante nesta seção.
Existem evidências que relacionam a Mm à causa de propriedades limitadas pela difusão de alimentos que contêm,
além de água, quantidades significativas de moléculas amorfas, principalmente hidrofílicas, que variam em tamanho de
monômeros a polímeros. Os componentes fundamentais, no
que diz respeito à Mm, são a água e o soluto ou solutos dominantes. Alimentos desse tipo incluem os que contêm amido, alimentos fervidos, alimentos proteicos, alimentos com
conteúdo de umidade intermediária e desidratados, alimentos congelados ou liofilizados.
Quando um alimento encontra-se em uma condição em
que a Mm é muito reduzida, as propriedades limitadas pela
difusão tornam-se bastante estáveis, com mudanças muito
lentas, ou sem mudança nenhuma ao longo do tempo. Devese notar que, enquanto a maioria dos processos de mudanças
físicas é limitada pela difusão, nem todos os processos de
alteração química são tão limitados. Às vezes, a reatividade
química é o fator dominante na estabilidade dos alimentos.
No entanto, os processos limitados pela difusão costumam
exercer um papel importante na estabilidade dos alimentos.
Como já foi discutido com maiores detalhes, a abordagem da Mm para a estabilidade dos alimentos deve ser
considerada como um complemento eficaz e não como uma
substituição da RVP, como ferramenta para a previsão da estabilidade dos sistemas alimentícios que contêm água como
componente majoritário.
50
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
2.10.6
Diagrama de estado
2.10.6.1 Introdução
Como os sistemas alimentícios raramente encontram-se em
equilíbrio, os diagramas de fase tradicionais apresentam uso
limitado para a compreensão dos comportamentos de fase
dos alimentos. É melhor que se utilize uma forma ampliada
do diagrama de estado, que fornece informações de “estados” de não equilíbrio, talvez metaestáveis, além de informações sobre as fases em equilíbrio. O termo “estado” refere-se à manifestação de não equilíbrio que, em equilíbrio,
será chamado de fase. A utilização dos termos é aconselhada
para que haja distinção clara entre observações ocorrentes
em equilíbrio ou fora de equilíbrio. Os diagramas de estado
são basicamente diagramas de fase “suplementados”.
Um diagrama de estado composição-temperatura, simplificado para o sistema binário, é apresentado na Figura
2.23. Esse diagrama pode ser comparado com o diagrama de
fases da Figura 2.10. Neles, considera-se que as linhas contínuas são definidas termodinamicamente, enquanto as linhas
tracejadas indicam o sítio de uma propriedade ou parâmetro
que é definido de modo cinético, ou metaestável. Em geral,
esses sítios são postos em gráfico como linhas-limite que
definem o possível final real da propriedade. Utilizando-se
esses diagramas, considera-se que a pressão é constante e
que a dependência dos estados metaestáveis em relação ao
tempo é pequena ou não é significativa nos sistemas de interesse. Enquanto todos os diagramas de estado para sistemas
binários simples têm a mesma forma, alimentos reais e complexos não podem ser facilmente representados por diagramas de estado binários. No entanto, considerando-se a água
como o único material que cristalizará, um diagrama de estado binário pode fornecer a aproximação adequada do comportamento de estado de um alimento complexo, podendo
mostrar a curva de transição vítrea com precisão suficiente.
Para uso desse diagrama, deve-se considerar a totalidade dos
componentes não aquosos da fase aquosa como sendo um
soluto único. Isso é aceitável quando nenhum dos componentes dos solutos não aquosos pode separar-se (cristalizar,
precipitar ou formar uma nova fase líquida). Como na maioria dos alimentos congelados o gelo é o único componente a
se separar da fase aquosa, um diagrama pseudobinário pode
como função da
ser obtido com facilidade pelo gráfico de
concentração. No entanto, deve-se considerar que, em um
alimento complexo, diferentes regiões do alimento, ou moléculas de componentes diferentes, podem existir em fases
Temperatura ( °C )
Solução líquida
s
Tm
Gelo + Solução S.S.
0°C
L
Tm
Tg
Gelo + solução
TE
Gelo + Solução S.S.
Solução S.S.
T m′ (T g′)
T g*
Td
I
Gelo + vítreo
–135°C
100% Água
Vítreo
Composição (%)
100% Soluto
FIGURA 2.23 Diagrama de estado de composição e temperatura para um sistema aquoso binário. As suposições são: concentração
é a curva do ponto de fusão,
máxima de congelamento, sem cristalização de soluto, pressão constante e independência do tempo.
é o ponto eutético,
é a curva de solubilidade,
é a curva de transição vítrea, é a curva de desvitricação,
( ) é o início do
é a temperatura de transição vítrea específica do soluto da solução congelada, de máxima concentração.
derretimento e
Química de Alimentos de Fennema
distintas das de outras regiões ou de regiões que contêm outras moléculas e, desse modo, pode haver a necessidade de
vários diagramas binários de estado para uma melhor descrição. Pode ser interessante identificar-se qual é o componente
dominante ou a região dominante que controlam as propriedades críticas desse sistema. Por exemplo, em alguns sistemas que contêm misturas de polímeros, ocorre separação de
fases, gerando domínios que podem conter diferentes espécies de polímeros dominantes. Nesses sistemas complexos,
é difícil a identificação da transição vítrea ou de restrição de
mobilidade mais relevante. O reatante limitante pode estar
presente em uma ou várias das diversas fases.
2.10.6.2 Interpretando o diagrama de estado
É conveniente que se discorra, agora, sobre alguns dos problemas de interpretação dos diagramas de estado. A região
do diagrama que representa o verdadeiro diagrama de fases,
indicado por linhas contínuas, descreve a situação de equilíbrio verdadeiro. Tanto a linha de ponto de derretimento
como a linha de saturação , e sua intersecção no ponto
E (o ponto eutético) descrevem equilíbrios verdadeiros. A
linha
localiza-se em ciclos de aquecimento e resfriamento, com dados coletados a partir de experimentos de aquecimento. Além do ponto E, a continuação da linha
descreve
uma realidade nova e mais complexa. Primeiramente, isso só
ocorre se o soluto não cristalizou (o que é comum). Na ausência de cristalização do soluto, a porção do diagrama para
o lado de maior concentração de
representa supersaturação da solução (SS). Dessa forma, a linha de E até representa um estado de não equilíbrio. A extensão da linha
de
E até costuma representar estados de equilíbrio metaestáveis, representando as concentrações maiores do soluto em
solução (supersaturada), que podem ser atingidas pela cristalização do gelo em qualquer temperatura. É possível que
haja, em qualquer temperatura específica, menos quantidade
de gelo no sistema e, consequentemente, concentração menor de solutos, dependendo da cinética exata da cristalização
durante o congelamento nesse ponto. Quanto mais rápido for
o congelamento e menor a temperatura, mais provável será a
cristalização incompleta do gelo.
Em determinada temperatura, alcança-se uma condição
em que não haverá mais separação de gelo durante o resfriamento. No diagrama ideal, isso é representado pela intersecção entre as linhas
e e a temperatura , com a concentração de soluto . A linha representa a temperatura
da transição vítrea para uma matriz amorfa homogênea, em
função da composição da matriz. Note que ao se determinar
toda a linha desde HOH pura até soluto puro, devem ser
aplicadas condições de resfriamento aos sistemas representando toda a faixa de concentração, de modo que nem o soluto nem o solvente possam cristalizar, tendo como resultado
uma série de sistemas vítreos homogêneos de concentração
conhecida a temperaturas apropriadamente baixas. A realização desse processo pode ser um desafio, em particular
em concentrações grandes de água, em que pode haver necessidade de resfriamento muito rápido para a prevenção de
qualquer cristalização do gelo. A curva para um sistema
51
aquoso amorfo estende-se desde −135 C, para a água pura,
até a adequada, para o soluto puro.
Em sistemas em equilíbrio, nos quais ocorre cristalização
de gelo, o ponto eutético E define a concentração , que representa a concentração crítica do sistema em equilíbrio, no
qual ocorre uma transformação de cristalização isolada de
gelo para cristalização simultânea de gelo e soluto. Apenas
nessa concentração única de fases, o gelo e o soluto podem
cocristalizar, o que acontece a uma taxa constante equivalente à proporção de água para soluto, na fase da solução,
em concentração . Em maiores concentrações iniciais de
água, a concentração de soluto
é atingida pela cristalização do gelo e, em maiores concentrações iniciais de soluto,
pela cristalização do soluto.
Os criobiologistas, que se interessam pelas propriedades
de estados vítreos aquosos diluídos, têm estudado extensivamente os cristais aquosos [66−68]. É de interesse particular
a observação de que, ao se aquecer um sistema vítreo diluído
a partir de uma temperatura muito baixa, ocorre transição
vítrea em . Ao se prosseguir o aquecimento a uma dada
temperatura , ocorre a desvitrificação, com a formação de
um pouco de gelo, além de um processo exotérmico e o aumento concomitante da concentração de soluto da fase vítrea
,
residual, alcançando concentração máxima possível
definida pela linha , à temperatura . Esse resultado indica que, na , a mobilidade molecular do soluto aumenta
o suficiente para que haja rearranjo molecular espacial, bem
como formação de domínios de água pura em forma de gelo.
O aumento resultante da concentração na fase de solução
residual resulta no decréscimo da mobilidade do soluto, de
modo que esse domínio permanece efetivamente em estado
vítreo, sendo que a é apropriada ao aumento de sua concentração de soluto. A localização exata da dependerá da
escala de tempo experimental. Para escalas de tempo maiores, estará em temperaturas menores. Deve-se notar que,
como a cristalização do gelo é exotérmica, a desvitrificação
será um processo autoacelerado e, portanto, será de ocorrência rápida.
Considere-se agora o que acontece com um sistema cuja
concentração global é mais diluída que sua concentração eutética , sendo resfriado com menos rapidez que a requerida para a formação do estado vítreo homogêneo. Para esse
exercício, parte-se do pressuposto de que a nucleação inicial
do gelo acontece rapidamente (nem sempre isso ocorre assim na prática), de modo que não há subresfriamento significativo. Ao prosseguir com o resfriamento, atinge-se a
inicial para a concentração de partida, e inicia-se a formação
de gelo. À medida que o resfriamento continua, mais gelo é
formado e a composição resultante da fase não congelada alcança a . Ao final, chega-se ao ponto E e, se o equilíbrio é
mantido, o soluto e o gelo cocristalizarão na temperatura ,
em proporção constante (definida pela proporção a ), até
que todo o sistema se torne sólido. Continuando-se o resfriamento, a temperatura diminuirá novamente, mas sem mudanças adicionais na concentração da fase (decréscimo vertical
a partir de E). No entanto, a nucleação e o crescimento dos
cristais pode ser difícil. É comum que aconteça supersaturação. Se ela acontecer, o prosseguimento do resfriamento até
o
52
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
que se atinja o ponto E produzirá mais gelo, mas sem a cristalização simultânea do soluto. Portanto, a composição da
fase não congelada continuará a aumentar além de , junto
à linha , de E até , ponto no qual a fase não congelada
entra em estado vítreo. Essa concentração pode ser denotada
como
. Na ,
é . Como já foi observado, se
a concentração aumenta ou se a temperatura diminui, haverá
aumento da viscosidade da solução. Consequentemente, a
mobilidade das moléculas do soluto dentro da fase da solução diminuirá, em particular das moléculas grandes de soluto, e o processo de segregação necessário para a formação de
regiões de água pura em forma de gelo levará mais tempo.
A continuação da linha , a partir de E, como já descrita,
define a concentração máxima
possível para a fase
não congelada a cada temperatura. Se a taxa de cristalização
de gelo é restrita (p. ex., por meio de congelamento rápido),
a concentração de soluto na fase não congelada será menor
que
, a qualquer temperatura abaixo de . Ao final do
resfriamento contínuo, a fase não congelada atingirá temperatura e concentração que coincidem com algum ponto
da linha , representando mais a transição vítrea do estado
vítreo mais diluído que a do estado vítreo congelado de máxima concentração .
2.10.6.3 Interação entre equilíbrio e cinética
A fixação da localização exata da intersecção da linha
com a linha
tem sido um tema consideravelmente controverso. Levine e Slade identificaram, por meio de curvas
de DSC, uma temperatura que chamaram de , a qual identificaram como a temperatura de transição vítrea da matriz
de concentração de gelo máxima. Utilizando seus dados,
procuraram calcular a concentração nesse ponto ( , a concentração de água ou , a concentração de soluto) [69],
mas seus cálculos iniciais estavam errados [70−72]. Estudos
posteriores, que determinaram em sistemas suprimidos de
concentração superior ou utilizaram métodos revisados para
calcular o conteúdo de gelo, foram necessários para que se
estimasse
ou , o conteúdo de água do sistema vítreo e
a concentração do sistema vítreo, respectivamente, na Tabela
2.5. Outros pesquisadores, como Roos e Karel [73] e Simatos
TABELA 2.5 Estimativas de
e Blond [74], desafiaram a caracterização de Levine e Slade
do ponto que chamaram como representando a transição
vítrea. Algumas evidências indicaram que a verdadeira transição vítrea é observada a temperaturas menores. Admitiu-se
que a da terminologia de Levine e Slade era realmente o
início do derretimento e foi proposto que o símbolo
identificasse esse ponto. Este capítulo segue essa terminologia,
em que
representa o ponto inicialmente chamado de
por Levine e Slade. Como estes propuseram que
era a
temperatura significativa a ser utilizada na equação de WLF,
estimando-se taxas de reação em sistemas congelados, essa
não foi uma disputa trivial. Ela foi resolvida pela percepção
de que, na realidade, essa importante temperatura representa o ponto no qual, provavelmente, durante o aquecimento,
o processo de derretimento do gelo emerge da redução de
cinética de mobilidade de soluto, seguindo a linha , que
define o sistema metaestável. Portanto, ele deve ser considerado como o ponto final do limite da curva , representando
a comutação de obstáculos à mobilidade, na cristalização de
gelo, para obstáculos à mobilidade, no derretimento de gelo.
A linha representa a temperatura mais alta na qual um obstáculo cinético efetivo à cristalização de gelo em um sistema nucleado, em temperaturas sub- , pode ser encontrado.
Combinando-se conceitos, o símbolo
pode ser considerado como representante da “temperatura de mobilidade”, na
qual os obstáculos decorrentes da redução de mobilidade de
soluto são superados durante o aquecimento. Esse símbolo
representa a temperatura na qual a difusão do soluto no sistema de concentração máxima pode ocorrer a uma velocidade
razoável. Como será discutido adiante, essa temperatura é
um parâmetro importante para a estimativa da estabilidade
e das velocidades de reação em sistemas congelados mantidos a temperaturas de subcongelamento acima de . Como
representa claramente o ponto em que a mobilidade do
soluto torna-se suficiente para que sejam observadas mudanças mensuráveis, trata-se de uma temperatura de referência
apropriada para ser utilizada na equação de WLF, a fim de
se calcular o aumento de mobilidade (e suas consequências).
Na equação de WLF, parte-se do pressuposto de que a temperatura de referência representa um limiar de mobilidade repetível para diversos sistemas. Utilizando-se a
para repre-
para carboidratos selecionados
(%massa)
Carboidrato
Glicerol
Ribose
Glicose
Frutose
Galactose
Sacarose
Maltose
Maltotriose
Levine e Slade
54
67
70,9
51
56
64
80
Outros pesquisadores
80
81
80
83
83
81
81
81
208
226
230
231
232
241
244
250
Fonte: Slade, L. e H. Levine (1995). Em Food Preservation by Moisture Control (G.V. Barbosa-Canovas e J. Welti-Chanos, Eds.), Technomic Press: Lancaster, PA, pp. 33–132.
Química de Alimentos de Fennema
sentar a temperatura na qual o sistema tem sua mobilidade de
referência, utiliza-se o início da difusão de soluto suficiente
para possibilitar o derretimento do gelo como critério. Isso
fornece suporte à proposição de Levine e Slade de que a
era a temperatura apropriada para ser utilizada na equação de
WLF, como previsão da estabilidade de produtos congelados.
Observe que a concentração do sistema-limite não congelado
a
será muito próxima de , já que, até que a mobilidade
de soluto seja suficiente para permitir o derretimento do gelo
e a diluição da matriz não congelada, não haverá mudança
na concentração da matriz não congelada. Deve-se lembrar
que essa discussão refere-se a sistemas-limite metaestáveis
ideais. Na realidade, as temperaturas e as concentrações serão determinadas em uma faixa em torno de e . O termo
é utilizado neste capítulo para representar a temperatura
de transição vítrea do sistema vítreo de concentração máxima por congelamento, em detrimento do termo , para que
sejam evitadas confusões desnecessárias decorrentes das diversas definições designadas à na literatura.
2.10.6.4 Ampliando o conceito a sistemas
alimentícios complexos
Pode-se realizar uma aproximação, com certo mérito, para
identificação do soluto dominante do alimento dentro de um
sistema, deduzindo-se, então, as propriedades do alimento
complexo a partir do diagrama de estado binário para esse soluto. Um exemplo útil é a utilização de um diagrama de estado
sacarose-água para prever as propriedades e o comportamento
de biscoitos durante cozimento e armazenamento [75]. Se em
outras situações mais de um soluto primário estiver presente,
deve-se considerar um diagrama de estado para cada soluto.
Não se deve esquecer que o diagrama de estado é construído
a partir de observações de temperaturas de fase e/ou vítreo e
transições relacionadas (como desvitrificação) em função do
conteúdo de umidade do sistema. Em sistemas com um único
soluto (ou taxa de soluto fixa) que podem formar gelo,
e
são as mesmas para todas as composições iniciais (no entanto, e são dependentes da composição); a temperatura
variável do líquido ( ) pode ser localizada pelo seguimento
da mudança na quantidade de gelo (e, consequentemente ,
a concentração da fase líquida, em contato com o gelo) a cada
temperatura, como já foi abordado. Entretanto, em sistemas
binários com conteúdos de água abaixo da matriz de concentração máxima de gelo (incapazes, portanto, de formar gelo),
são necessárias determinações separadas de todas as temperaturas de transição para cada conteúdo de umidade. Em baixos conteúdos de umidade, a identificação da costuma ser
possível, pois o soluto raramente cristaliza. Contudo, a determinação da linha de saturação , geralmente é difícil em
decorrência da dificuldade dos solutos de cristalizar em ou
para sua concentração de saturação. Em sistemas complexos,
em que nenhum soluto dominante (SD) pode ser identificado,
como em alimentos complexos desidratados ou semidesidratados, a determinação das curvas
ainda não é possível. No
entanto, como já foi dito, a determinação da
é uma tarefa
relativamente simples e, em consequência disso, é possível
que se determinem diagramas de estado para alimentos con-
53
gelados complexos. A Figura 2.24 mostra como o diagrama
de estado muda para diferentes solutos.
Um comentário final deve ser realizado. Enquanto em
temperaturas acima de ,
e
ocorrem em linhas de
fato, e são descritores de barreiras cinéticas, sendo considerados com mais exatidão como bandas. A temperatura
exata do evento depende da “frequência característica” ou do
tempo de resposta inerente à medida, como se espera de um
processo cinético [76,77].
Examinando-se o diagrama de estado para concentrações maiores de soluto que a máxima concentração de gelo,
observa-se que a curva aumenta com declividade crescente para , a do soluto. Descrevendo de forma diferente,
mesmo uma pequena quantidade de água presente no soluto
exerce muita influência sobre . Esse fenômeno, conhecido
como plastificação, é uma propriedade de todos os sistemas
vítreos aos quais são acrescentados uma quantidade de moléculas significativamente menores que as moléculas que definem a transformação vítrea. Uma das explicações bastante
aceitas para a plastificação envolve o conceito de volume livre, o espaço entre as moléculas principais do sistema vítreo.
Quando o volume livre aumenta, é evidente que o movimento molecular se tornará mais fácil, correspondendo a temperaturas menores de transição vítrea. Pequenas moléculas
podem penetrar nos interstícios entre as moléculas maiores,
aumentando o volume livre e, consequentemente, diminuindo . A água, sendo uma molécula muito pequena, é um
plastificante efetivo. Outras moléculas, como etanol e glicerol, também podem promover a plastificação, considerando-se que podem penetrar a fase ocupada pelas moléculas que
constituem a fase amorfa. Sendo a molécula pequena não
miscível com a molécula maior, em nível molecular, a plastificação como foi descrita aqui, não pode acontecer, embora
um efeito lubrificante entre “domínios de microfase” separados ainda possa ocorrer. Essa lubrificação influenciaria nas
propriedades mecânicas, mas as propriedades térmicas do
sistema ainda refletiriam as dos domínios, sendo esperado
que a cinética esteja conforme a dos domínios.
2.10.6.5
Identificando as suposições
A aplicabilidade da aproximação da mobilidade molecular
à estabilidade dos alimentos depende de diversos conceitos-chave e suposições. A primeira e mais importante das premissas é que muitos alimentos (se não a maioria) contêm
componentes amorfos, sendo encontrados em estado de
equilíbrio metaestável ou de não equilíbrio, um estado cineticamente lábil. Isso é verificável em muitos alimentos
complexos, pois a maioria deles contém sólidos amorfos e
regiões líquidas supersaturadas. Os biopolímeros são, pelo
menos em parte, tipicamente amorfos.
Muitas moléculas pequenas são de difícil cristalização
em solução, existindo, assim, em estado amorfo, quando saturadas em excesso. O estado amorfo pode ser cineticamente
limitado e, portanto, metaestável, podendo, também, mudar
aos poucos com o tempo, transformando-se em estado de não
equilíbrio. Essencialmente, a linha-limite mais baixa ( ) de
um diagrama de estado define as condições-limite para a fase
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Temperatura ( °C )
54
T g2
0°C
T E2
L
T m2
L
T m1
T E1
T g1
–135°C
100% Água
Composição (%)
100% Soluto
FIGURA 2.24 Diagrama de estado para sistemas binários mostrando a influência do tipo de soluto sobre posição de
e . O extremo
o
esquerdo de é fixado na temperatura de vitrificação da água pura (−135 C). Aplicam-se aqui as considerações citadas na Figura 2.23.
amorfa metaestável, sendo que a região de C > , acima de
e abaixo de , representa um estado amorfo de não equilíbrio, sendo que a condição-limite superior dessa condição é
definida pela linha de solubilidade de saturação ( ), acima
da qual tem-se uma solução simples. Observa-se que a região
para a esquerda do ponto E (C < ) (Figura 2.23)
de
define, da mesma forma, o limite superior do estado amorfo
de não equilíbrio para composições em que não há gelo em
decorrência do resfriamento rápido ou de outras restrições.
Como é mais difícil de se prevenir a cristalização do gelo que
a cristalização de solutos em alimentos, o estado amorfo para
composições à esquerda do ponto E não é atingido com rapidez, com exceção de (1) região de subresfriamento inicial
L
anterior à nucleação inicial de gelo e (2) região com C menor, porém próxima de , como definido por líquidos que
representam uma fase não congelada que pode ser chamada
de matriz de concentração não-máxima por congelamento.
Entre os principais objetivos de cientistas e tecnólogos de
alimentos estão a maximização do número de atributos desejáveis dos alimentos que dependam de estados de equilíbrio
metaestáveis e o desenvolvimento de condições que forneçam estabilidade aceitável para os atributos desejáveis que
dependem da manutenção dos estados de não equilíbrio.
O próximo ponto-chave é a reiteração de que a velocidade da maioria dos processos físicos, bem como de muitos
processos químicos, é controlada pela mobilidade molecular,
sendo que esses processos necessitam de alguma forma de
movimento molecular para ocorrerem. Como já foi discutido,
a maioria dos alimentos existe em estados metaestáveis ou
de não equilíbrio, portanto, as aproximações cinéticas costumam ser muito relevantes para compreensão, previsão e controle de suas propriedades. A mobilidade molecular fornece
uma aproximação cinética apropriada, já que está relacionada
casualmente às taxas dos processos limitados pela difusão em
alimentos. A utilização da equação de WLF para se estimar a
Mm a temperaturas acima da transição vítrea , mas abaixo
de , foi estabelecida nas últimas décadas como um procedimento-padrão. Os diagramas de estado definem regiões de
temperatura e composição que permitem que existam condições metaestáveis ou de não equilíbrio durante períodos
de tempo úteis. Em sistemas congelados, uma controvérsia
particular chamou a atenção para a possibilidade de que
deva ser empregada na equação de WLF. Como já foi observado, enquanto Levine e Slade recomendaram o uso de (
) em sua terminologia, está claro que isso não leva em conta a diluição da fase não congelada devido ao derretimento
a temperaturas mais altas. Além disso, não reconhece que a
verdadeira temperatura de transição vítrea da matriz de máxima concentração por congelamento é . Como foi sugerido
por diversos autores [74,78,79], a utilização de , que é a
temperatura de transição vítrea, nessa fase de maior diluição,
parece ser mais correta. Porém, considerando-se que os pa-
Química de Alimentos de Fennema
râmetros da equação de WLF não apresentam valores universais, o uso de qualquer convenção é igualmente eficiente
em sistemas reais [79]. Uma vez que o estabelecimento do
verdadeiro valor de constitua um desafio importante, é, de
fato, muita sorte que, como já foi indicado, o uso de
na
equação de WLF forneça precisão suficiente.
2.10.7
Limitações do conceito
Embora a aproximação da Mm seja útil para a previsão de
muitos tipos de mudanças físicas, sua utilidade não é universal. Exemplos nos quais a aproximação não é satisfatória incluem reações químicas cujas velocidades são pouco
influenciadas pela difusão, efeitos alcançados pela ação de
substâncias químicas específicas e situações em que a Mm
calculada reflete as propriedades de um componente polimérico, enquanto o processo envolve moléculas menores cuja
mobilidade é pouco influenciada pela perda de mobilidade
da matriz primária. Além disso, no crescimento de células
vegetativas de microrganismos, a mobilidade da água e, consequentemente, (p/p0)T servem para previsões mais efetivas.
Voltando à discussão sobre cinética de reação, nos últimos 20 anos, houve discussões intensas sobre as equações de
WLF e de Arrhenius, de modo a se estabelecer qual das duas
fornece a melhor descrição da dependência de temperatura de
reações cinéticas em sistemas aquosos de alimentos, em particular em temperaturas entre e
ou . Considere sistemas que podem formar gelo. Nessa região, tomando a abordagem da mobilidade molecular, há dois fatores que se espera
que influenciem na mobilidade: temperatura e concentração.
Com a diminuição da temperatura, a concentração aumenta.
No início, a temperatura é o principal fator a influenciar na
mobilidade, mas, quando a temperatura continua a diminuir,
a concentração crescente torna-se um fator de mais importância, à medida que o gelo se forma. A Figura 2.25 mostra
os efeitos da temperatura e da concentração, separadamente, sobre viscosidade e mobilidade. A combinação dos efei-
55
tos é mostrada nas Figuras 2.26 e 2.27. Tanto a equação de
Arrhenius como a equação de WLF descreverão de maneira
apropriada os efeitos da temperatura sobre a cinética apenas
se a concentração for constante. O efeito da concentração sobre cinética entra como outro termo da análise. Para reações
de primeira ordem, a concentração não influencia na taxa fracional de reação (t1/2 é independente da concentração), mas
para ordens de reação maiores, a velocidade relativa de reação é dependente da concentração. Para muitas reações em
sistemas congelados, a descrição de pseudoprimeira ordem
é adequada, o que não garante que o efeito da concentração
possa ser ignorado ao se estimar a extensão da reação, em
especial na zona concentrada de gelo. Como já foi especificado, evidências empíricas mostram que uma equação da forma
WLF pode fornecer estimativas adequadas para velocidade
e extensão da reação em função da temperatura e do tempo,
utilizando tanto , ou do gelo homogêneo de compo(em que T é a temperatura de armazenamento de
sição
interesse) como temperatura de referência. Em temperaturas
de sistemas congelados, não é
dentro da faixa entre e
surpreendente que a equação de Arrhenius também forneça o
ajuste satisfatório dos dados experimentais.
Deve-se observar outro fator, o qual é pouco comentado,
a saber, a natureza “equimolal” da fase não congelada em sistemas congelados. A presença de gelo define a osmolalidade
define a conda fase não congelada, considerando-se que
centração. Como a composição (e, em consequência disso, as
taxas molares) dos solutos muda em decorrência das reações,
ao contrário do caso dos sistemas não congelados, a quantidade de gelo, portanto, as concentrações individuais, serão
ajustadas para a manutenção da osmolalidade definida da fase
não congelada. Logo, a evolução das concentrações de reatante e produto podem depender da estequiometria da reação de
forma diferente em comparação a sistemas não congelados.
Em sistemas com concentração excessiva de , nos
quais a cristalização do gelo não é possível, acima de ,
no sistema fluido, a cinética de Arrhenius se mantém. Não é
4
Solução 0°C
Solução –40°C
3
2
Log viscosidade
2
1
0
1
–1
–2
–3
0
10
20
30
40
50
60
70
Concentração de soluto
80
90
100
FIGURA 2.25 Comparação do efeito da concentração sobre a viscosidade de soluções aquosas, entre duas temperaturas diferentes: (1)
o
o
0 C e (2) –40 C.
56
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
12
Sem gelo (1)
Fase não congelada (2)
Concentração máxima
por congelamento (3)
10
Log viscosidade
8
6
4
3
2
2
1
0
–2
–4
–70
–60
–50
–40
–30
Temperatura( °C)
–20
–10
0
FIGURA 2.26 Viscosidades previstas em sistemas aquosos em função da temperatura: (1) sem formação de gelo no resfriamento; (2)
com separação de gelo, de modo que a concentração de fase da solução alcança a linha ; (3) a concentração do sistema é
12
10
Log viscosidade
8
Sem gelo (1)
Fase não congelada (2)
Máxima concentração
por congelamento (3)
6
4
2
3
2
1
0
–2
–4
0,003
0,004
1/T
0,005
FIGURA 2.27 Gráficos do recíproco da temperatura dos dados da Figura 2.26.
incomum que gráficos de Arrhenius que incorporam tempeexibam mudanças no declive ao
raturas que atravessam
redor de . Entre
e , o sistema pode ser descrito como
elástico. Deve-se observar que há uma rápida diminuição de
mobilidade ao se diminuir a temperatura, o que se reflete
em uma mudança rápida nas velocidades de reação. Nessa
região, na qual se torna difícil a proposição de uma aproximação uniforme, observou-se que as taxas de muitos eventos
físicos aproximam-se melhor à equação da forma WLF que
da Arrhenius. Para reações químicas, a dependência de mobilidade molecular está sujeita ao tipo de reação, sendo que
nem a cinética de WLF nem a de Arrhenius descrevem todas
as reações nessa zona. Observe-se que essa discussão não se
aplica a alimentos congelados (concentrações menores que
), pois não leva em conta a influência do aumento de con-
centração da matriz não congelada (à medida que o conteúdo
de gelo aumenta) sobre as propriedades da matriz não congelada, ilustradas nas Figuras 2.26 e 2.27.
2.10.8 Aplicações práticas
2.10.8.1
Desenvolvendo o diagrama de estado
Tendo discutido a aplicabilidade do diagrama de estado e
a equação de WLF para a compreensão da estabilidade do
produto, é apropriado que sejam abordados, com mais detalhes, os desafios envolvidos na determinação do diagrama
de estado, bem como na aplicação da equação de WLF. O
diagrama de estado é construído por meio de instrumentos,
identificando-se temperaturas de “mudança” para sistemas
Química de Alimentos de Fennema
em diversas concentrações. Técnicas como DSC e DMTA
têm sido úteis, mas requerem instrumentos especiais e a interpretação dos dados obtidos. Em cada caso, faz-se um gráfico da resposta instrumental em função da temperatura. Em
seguida, as temperaturas nas quais há uma quebra das tendências de resposta são graficadas. Enquanto Levine e Slade
demonstraram inicialmente que é possível obter-se estimatipara muitos sistemas, determinando-se a curva de
vas de
derretimento por DSC para soluções congeladas de concentrações globais de 20% de solutos e 80% água, a determinação da concentração da fase de concentração máxima de gelo
é um desafio já que, para isso, é necessária a determinação
de . Considerando-se antes de mais nada o problema da
determinação da , é melhor que sejam estudadas soluções
iniciais em uma faixa de concentrações, pois, dessa forma, a
influência de artefatos instrumentais, bem como a cristalização lenta, podem ser minimizadas. Os ciclos de temperatura
também são uma ferramenta útil. Ciclos acima e abaixo de
colaboram para aproximar a formação máe ao redor de
xima de gelo durante os ciclos de resfriamento. A obtenção
para faixas de concentrações
de valores consistentes para
de solução inicial permite um nível de confiança relacionado
é muito difícil. A aproximação
ao valor. A estimativa de
inicial utilizada por Levine e Slade consistiu em estimar a
quantidade de gelo presente no sistema depois da formação
do estado vítreo de concentração máxima por congelamento.
Infelizmente, seu método inicial de estimativa do conteúdo
de gelo apresentou um erro grave. Utilizando-se soluções
com uma concentração inicial de 20% de soluto, o conteúdo
de gelo foi determinado por meio da área do pico que corresponde ao derretimento do gelo em um termograma de aquecimento. Para isso, Levine e Slade consideraram a entalpia
o
de derretimento do gelo como sendo a do gelo a 0 C. No entanto, tal entalpia depende da temperatura, diminuindo com
a redução da temperatura. Consequentemente, esse método
subestima a quantidade de gelo e, portanto, o valor de obtido é baixo. Outros pesquisadores sugeriram modos de estimar melhor o conteúdo de gelo, considerando a dependência
da entalpia de fusão em relação à temperatura. Eles também
indicaram que métodos que empregam diversas concentrações de solução inicial são mais robustos, uma vez que, na
estimativa de , as semelhanças entre os resultados obtidos
para amostras de diversas concentrações iniciais geram mais
confiabilidade à estimativa [72,80−82]. Assim como no caso
da , a aplicação de um protocolo de ciclo de temperaturas
antes do aquecimento final de varredura, utilizado para estimar o conteúdo de gelo, leva a uma melhor aproximação do
sistema que contém a concentração máxima de gelo e, assim,
proporciona uma estimativa melhor de . A determinação de
em sistemas vítreos com a composição da solução inicial
é um desafio muito maior que a determinação da . Como
já foi mencionado, mesmo com um resfriamento muito rápido, é difícil que se evite toda a cristalização do gelo, com
exceção de concentrações iniciais próximas de . Por isso, é
necessário que se calcule a (no lugar de se medir) para uma
determinada concentração de soluto. Existem diversas equações para esse fim. A mais antiga e simples é a de Gordon e
Taylor, que para o sistema binário é
57
(2.11)
onde
é a fração de massa da espécie 1,
é a fração de
é a temperatura de transição vítrea
massa da espécie 2,
é a temperatura de transição vítrea
para a espécie pura 1,
para a espécie pura 2 e k é uma constante.
O desenvolvimento inicial da abordagem da mobilidade molecular para a estabilidade dos alimentos por Frank,
Levine e Slade focou-se principalmente no entendimento do
comportamento de sistemas com predominância de carboidratos. Muitos conceitos importantes foram derivados da observação do comportamento dos carboidratos, que é o principal componente dos alimentos. Empiricamente, em sistemas
depende da massa molecongelados, descobriu-se que
aumenta junto ao aumento da massa
cular do soluto. A
molecular. O efeito das características moleculares sobre
açúcares de mesma massa molecular é menor. O gráfico de
vs. massa molecular para açúcares, glicosídeos e polióis
aumenta em proporção ao au(Figura 2.28) mostra que a
mento da massa molecular do soluto. Esse evento é esperado, pois a mobilidade translacional das moléculas diminui
com o aumento do tamanho, de forma que moléculas maiores requerem temperaturas maiores que moléculas menores
para se movimentarem. Para massas moleculares acima de
parece tornar-se independente da massa mole3.000, a
cular (Figura 2.29). Alguns dados sobre açúcares, coletados
por Levine e Slade, são mostrados na Tabela 2.6. Além disso,
apresentam-se dados para açúcares desidratados. Deve-se ter
muito cuidado ao se coletar esses dados, pois traços de umipor meio de
dade podem diminuir significativamente a
plastificação. Considerando-se uma desidratação aceitável,
dos açúcares desidratados também depende da massa
a
molecular, bem como da natureza do açúcar.
A concentração da matriz com concentração máxima
por congelamento, , depende, até certo ponto, da massa
molecular, mas sua medida exata pode ser um problema desafiador, como já foi discutido. Considerando-se que a mobilidade molecular é um fator importante, diferenças em
, e, mais particularmente, em , para moléculas de mesma
massa molecular podem causar efeitos muito diferentes à
estabilidade do produto. Isso pode explicar, em parte, as diferenças da eficácia entre glicose e frutose e entre lactose e
trealose como açúcares estabilizadores.
2.10.8.2
Processo de congelamento,
alimentos congelados
A conservação dos alimentos por meio de congelamento é
um dos melhores métodos de conservação a longo prazo.
Um fator fundamental que proporciona a estabilidade desse
método é que as taxas de reação tendem a diminuir com a
diminuição da temperatura. No entanto, a formação de gelo
nos alimentos é, de certa forma, uma faca de dois gumes.
Há duas consequências adversas importantes na formação de
gelo para as células do alimento e os géis alimentícios. Em
primeiro lugar, os componentes não aquosos são concentrados na fase líquida (não congelada) e, em segundo lugar,
58
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
0
–10
–20
–30
T g′ (°C )
–50
∗
–60
∗∗
∗∗
–70
–80
∗
–90
–100
∗
∗
∗
∗
∗∗∗
∗∗
∗
–40
0
100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200
Massa molecular do produto seco
FIGURA 2.28 Resultados típicos de Levine e Slade para
(o), glicosídeo (x), poliol (*).
(
) em função da massa molecular do soluto: de uma solução de açúcar
0
çã
o
2
re
cr
ist
ali
za
–10
tir
1
An
T g′ (°C )
–20
1. Doçura, higroscopicidade,
umectância, reações de
escurecimento, crioproteção
2. Gelificação, encapsulação,
crioestabilização, estabilização
termomecânica, facilitação da secagem
–30
–40
6
1 DE
–50
0
10.000 20.000 30.000 40.000
Mn = 18,016/DE
50.000 60.000
FIGURA 2.29 Resultados típicos de Levine e Slade sobre a influência do equivalente de dextrose (DE) e massa molecular média de
produtos comerciais de hidrólise de amido sobre a .
ocorre um aumento de volume de cerca de 9% associado à
transformação da água líquida em gelo.
Durante o congelamento, a água transforma-se em gelo
de alto grau de pureza. Consequentemente, os solutos na fase
aquosa coexistem com uma quantidade decrescente de água
como solvente. Esse processo é semelhante à desidratação,
exceto pelo fato de que a temperatura é menor e de que a
água separada permanece no local (mas em forma de gelo),
não sendo fisicamente removida do ambiente local. A composição da fase não congelada, a qualquer temperatura, é
próxima à definida pelos diagramas de estado apropriados.
À medida que o processo de congelamento prossegue,
propriedades da fase não congelada, como pH, acidez titulável e força iônica, mudam significamente. Se os solutos
cristalizam, as taxas de soluto mudarão, fazendo com que
o pH possa mudar de maneira significativa. Além disso,
gases dissolvidos também podem ser expelidos. Em concentrações maiores, induzidas pelo congelamento, as macromoléculas forçadas a se aproximarem podem agregar-se.
Como já foi mencionado, embora o efeito da temperatura
seja de redução das taxas de reação, as taxas de reação globais, em especial a temperaturas superiores de subcongelamento, podem aumentar ou diminuir menos que o esperado,
como resultado das concentrações maiores dos reatantes,
provenientes da concentração por congelamento. Isso pode
ocorrer, embora o total de reatante de uma amostra particular permaneça o mesmo da quantidade inicial. Sob essas
condições complexas, não é surpreendente que as taxas de
reação a temperaturas de subcongelamento nem sempre sigam as cinéticas de Arrhenius ou de WLF. A temperaturas
inferiores de sub congelamento, as concentrações maiores,
resultantes da concentração por congelamento, bem como a
Química de Alimentos de Fennema
TABELA 2.6
59
Valores de transição vítrea e propriedades associadas de carboidratos puros
Propriedades do açúcar desidratado
Carboidrato
Glicerol
Xilose
Ribose
Glicose
Frutose
Galactose
Sorbitol
Sacarose
Maltose
Trealose
Lactose
Maltotriose
Maltopentose
Malto-hexose
Malto-heptose
Massa
molecular
Propriedades do açúcar em
solução aquosa T m (K)
Tm (K)
Tg (K)
Tm/Tg
291
426
360
431
397
443
384
465
402
476
487
407
180
282−287
260−263
304−312
280−290
303−305
269−271
325−343
316−368
350−352
374
349
398−438
407−448
412
1,62
1,49
137
1,39
1,39
1,45
1,45
1,40
1,19
1,35
1,37
1,17
92,1
150,1
150,1
180,2
180,2
180,2
182,2
342,3
342,3
342,3
342,3
504,5
828,9
990,9
1.153,0
208
225
226
230
231
232
229
241
243
243
245
250
257
259
260
Fonte: Levine, H. e L. Slade (1988) Em Food Structure—Its Creation and Evaluation (J.M.V. Blanshard e J.R. Mitchell, Eds.),
Butterworths: London, pp. 149–180 e Slade, L. e H. Levine (1995) Adv. Food Nutr. Res.38: 103–269.
Temperatura ( °C )
proximidade de , costumam levar a taxas de reação reduzidas e aumento da validade.
É interessante que se aborde detalhadamente o processo
de congelamento em alimentos congelados, com a ajuda de
diagramas de estado apropriados. Deve-se considerar, em
primeiro lugar, o congelamento lento de um alimento complexo. O congelamento lento leva à conformidade máxima
de equilíbrio sólido-líquido e à aproximação da concentração máxima por congelamento. Iniciando-se no ponto A da
Figura 2.30, a remoção do calor sensível do produto leva-se
TE
O
T ms
A
0°C
M
L
K
T mL
N
B D
Tg
E
C
F
G
T m′ (T g′)
T g*
100% Água
J
Td
H
I
Composição (%)
100% Soluto
FIGURA 2.30 Diagrama de estado de um sistema binário mostrando vias possíveis para o congelamento (sequência instável ABCDEF;
sequência estável ABCDEFGHI), secagem (sequência instável AKLMN; sequência estável AKLMOJ) e liofilização (sequência instável ABCDEFJ; sequência estável ABCDEFGHIJ). A escala da temperatura é esquemática facilitando a entrada dos dados.
60
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
ao ponto B, que é o ponto de equilíbrio de início do congelamento da amostra. Como a nucleação é um processo
difícil, remoções posteriores de calor resultam em super-resfriamento em vez de congelamento, até que o ponto C é
atingido, iniciando-se a nucleação. O crescimento dos cristais é seguido imediatamente pela nucleação, liberando o calor latente de cristalização e fazendo com que a temperatura
atinja o ponto D. A remoção posterior de calor gera a formação adicional de gelo; a concentração da fase não congelada
movimenta-se ao longo da linha de , de D para E, na .
para o soluEm um alimento complexo, representa
to com o maior ponto eutético (menor solubilidade). Solutos
em alimentos complexos congelados raramente cristalizam
em seus pontos eutéticos ou abaixo deles. Uma exceção ocasional é a cristalização da lactose em algumas sobremesas
congeladas, que leva ao defeito de textura conhecido como
“arenosidade”.
Considerando-se que os eutéticos não são formados, a
formação adicional de gelo conduz à supersaturação metaestável de muitos solutos, sendo que a composição segue a
linha a partir ponto E até o ponto F, que é a temperatura recomendada para armazenamento. Para a maioria dos alimentos, F está acima de , indicando que suas mobilidades moleculares ainda serão altas e que as propriedades químicas e
físicas limitadas pela difusão ainda serão muito dependentes
da temperatura. Empiricamente, descobriu-se que as taxas
de mudança são proporcionais à diferença de temperatura
o
(T − ), em um intervalo de 20 C ao redor de .
Se o resfriamento for continuado, além do ponto F, haverá formação adicional de gelo e concentração por conge(ponto G).
lamento, até que a concentração alcance a de
Resfriamentos posteriores não levarão à formação adicional
de gelo e, em temperatura (ponto H), a fase não congelada supersaturada será convertida em estado vítreo, estando
embebida em cristais de gelo formados durante o processo
de resfriamento. A é uma quase invariável, sendo a da
matriz não congelada de máxima concentração por congelamento. A depende das taxas de soluto da amostra, mas
não das concentrações iniciais de soluto. A concentração
máxima por congelamento raramente ocorre no ciclo de res-
observada não depende
friamento inicial. Desse modo, a
apenas das taxas de soluto, mas também, em certa medida,
do conteúdo de água inicial da amostra, pois o alcance da
concentração máxima por congelamento é influenciada por
diversos fatores cinéticos. Ciclos de temperatura apropriados
costumam conduzir à melhor aproximação de
ao redor de
e, em consequância disso, a
medida é menor.
É importante a observação de que a não cristalização do
gelo não se trata de uma consequência da redução da mobilidade da água. As moléculas de água ainda são móveis e
são trocadas livremente. O processo limitante é a falha das
moléculas de soluto em se trasladar e rotar na escala de tempo aplicável, prevenindo a adição posterior de moléculas de
água ao gelo já existente. Nessa situação (congelamento rápido) as moléculas de água ainda podem entrar e sair do gelo.
Como a
representa a temperatura abaixo da qual a
remoção de gelo da matriz (no resfriamento) ou a dissolução do gelo dentro da matriz (no aquecimento) torna-se
inicialmente possível, na escala das medições realizadas,
ela define a temperatura na qual Mm é reduzida de maneira
significativa durante o resfriamento, o que faz com que as
propriedades limitadas pela difusão exibam uma excelente
para diversos materiais
estabilidade. Alguns valores de
são mostrados nas Tabelas 2.6 a 2.9. A nova questão é sobre
o que acontece quando são empregadas taxas maiores de resfriamento. A Figura 2.31 ilustra o efeito de taxas de resfriamentos maiores. A princípio, seria esperado que a fase não
depois de algum subresfriamento.
congelada localizasse
Conforme a temperatura diminui e a concentração da fase
não congelada aumenta, a Mm dos solutos diminui. O tempo
necessário para a geração de agrupamentos de água pura, rejeitando ao mesmo tempo, o soluto do volume a ser ocupado
pela água, pode exceder o tempo disponível. Em consequência disso, forma-se menos gelo que o necessário pela linha
e a concentração da fase líquida não congelada, , na
temperatura T, é menor que a prevista pela linha . Como
o calor latente que deveria estar associado à formação desse
gelo “perdido” não é liberado, com a remoção contínua de
calor a taxa de redução da temperatura aumenta, reduzindo
então a Mm e resultando em desvios cada vez maiores de
TABELA 2.7 Tm e DE para produtos comerciais selecionados de hidrólise de amido (PHA)
PHA
Produtor
Fonte
DE
Tm (K)
Staley 300
Maltrin M250
Maltrin M150
Paselli SA-10
Star Dri 5
Crystal gum
Stadex 9
AB 7436
Staleya
b
GPC
GPC
c
Avebe
Staley
d
National
Staley
Anheuser-Busch
Milho
Milho (rico em amido)
Milho (rico em amido)
Batata
Milho (rico em amido)
Tapioca
Milho (rico em amido)
Milho ceroso
35
25
15
10
5
5
3,4
0,5
249
255
259
263
265
267
268
269
a
Produzido por A.E. Staley.
Grain Processing Corporation.
c
Avebe America.
d
National Starch Corporation.
b
Fonte: Levine, H. e L. Slade (1988) Em Food Structure—Its Creation and Evaluation (J.M.V. Blanshard e J.R. Mitchell,
Eds.), Butterworths: London, pp. 149–180.
Química de Alimentos de Fennema
61
TABELA 2.8 Tm para proteínas selecionadas
Tm (K)
Proteína
Albumina sérica bovina
Lisozima
α-lactoalbumina
α-caseína
Caseinato de sódio
Gelatina bloom 300
Gelatina bloom 250
Gelatina bloom 175
Gelatina bloom 50
260
256
262
260
263
263
262
261
260
Fonte: Levine, H. e L. Slade (1990) Em Thermal Analysis of Foods (V.R.
Harwalkar e C.-Y. Ma, Eds.), Elsevier Applied Science: London, pp. 221–305.
TABELA 2.9 Estimativa de Tm para alimentos selecionados
Tm (K)
Levine e
Sladea
Alimento
Lácteos
Queijo cottage
Queijo cheddar
Nata
Sorvete
Leite desnatado
Leite integral
Frutas frescas
Maçã
Banana
Mirtilo
Pêssego
Morango
252
249
250
232−246
246
251
231
238
232
237
232−239
Sucos de frutas
Maçã
Limão
Laranja
Pera
Abacaxi
233
230
236
233
232
Tm (K)
Outros
pesquisadores
241
b
d
245
244d
243
d
243
d
241
d
Alimento
Vegetal
Brócolis
Couve-flor
Batata
Espinafre
Milho doce
Tomate
Carne e peixe
Músculo bovino
Músculo suíno
Frango
Peru
Músculo de
bacalhau
Bagre
Pescada
Salmão
Camarão
Levine e
Sladea
Outros
pesquisadores
246
248
257−262
256
259−265
232
252
d
253
d
239d
261c, 260d
257d
d
251
253d
262c, 256d
256d
261d
256d
d
241
a
Levine, H. e L. Slade (1990) Em Thermal Analysis of Foods (V.R. Harwalkar e C.Y.Ma,Eds.),Elservier Applied Science:
London, pp. 221−305 e Levine, H. e L. Slade (1989) Comments Agric. Food Chem. 1: 315−396.
b
Jouppila, K. e Y.H. Roos (1994) J. Dairy Sci. 77: 2907-2915.
c
Brake, N. e O. Fennema, não publicado.
d
Hsu, J. e D. Reid, não publicado.
em comparação ao que foi definido pela linha . O desvio
de
das previsões da linha de
aumenta com a taxa de
resfriamento e com a redução da temperatura.
2.10.8.3 Processo de secagem
O diagrama de estado da Figura 2.30 também pode ser utilizado para ilustrar outros que envolvem processos de mudanças
no estado ou na quantidade de água no sistema. Utilizando-o,
as diferenças entre a secagem por ar e a liofilização a uma
vácuo podem ser melhor observadas.
Em primeiro lugar, deve-se considerar a desidratação por
ar a uma temperatura constante. Partindo do ponto A, a secagem por ar aumentará a temperatura e removerá a umidade,
até que o produto atinja as propriedades descritas pelo ponto
K (a temperatura de bulbo úmido do ar). A remoção posterior da umidade faz com que o produto chegue até o ponto
L, passando por ele, na curva de solubilidade. Nesse ponto,
alcança-se a saturação em DS. A cristalização não acontece
imediatamente, sendo que o produto torna-se supersaturado em DS e em qualquer outro soluto com temperatura de
saturação acima de DS. Todas essas soluções supersatura-
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Temperatura ( °C )
62
T ms
L
Tm
TE
Tg
T m′ (T g′)
Td
Composição (%)
FIGURA 2.31 Efeito do resfriamento rápido sobre a composição e o estado da fase não congelada.
das podem ser considerada como fases líquidas amorfas.
Continuando-se a remoção de água, o sistema pode passar
pelo ponto M, que corresponde à temperatura de bulbo seco
e, após, pelo ponto O. O resfriamento do sistema no ponto M
leva ao ponto N, que está acima da curva , o resfriamento
a partir do ponto O leva ao ponto J, que está abaixo da curva
. Isso indica que a secagem deve continuar além da temperatura de bulbo seco (M), pois se a secagem for interrompida
em M, o produto a N, que se encontra acima de , apresentará Mm relativamente alta e, em consequência disso, pouca
estabilidade às propriedades limitadas pela difusão, as quais
são muito dependentes da temperatura (cinética WLF). A interrupção da secagem no ponto O faz com que o produto no
ponto J fique abaixo de , com uma Mm muito reduzida,
propriedades limitadas pela difusão estáveis e pouca dependência de temperatura.
As vias de liofilização a vácuo também são ilustradas na
figura. A primeira fase de liofilização coincide de forma bastante próxima com a do congelamento lento, ABCDEF. A
temperatura do produto não deve baixar do ponto F durante a
sublimação (liofilização primária), sendo que o caminho FJ
será típico. As fases iniciais de FJ envolvem sublimação de
gelo. Em algum ponto, a uma concentração próxima de ,
a sublimação de gelo estará completa, culminando em uma
fase de dessorção. Como a amostra está sobre a curva , é
possível que haja colapso, em particular em produtos que inicialmente eram fluidos, existindo, portanto, possibilidade de
que isso aconteça em tecidos alimentares. O colapso é possível uma vez que não há gelo para o fornecimento de apoio
estrutural, além disso, o produto T está sobre e apresenta
Mm suficiente para impedir a rigidez. O colapso resulta em
produtos com menos qualidade. Há redução de porosidade,
resultando em lenta secagem e características mais pobres de
re-hidratação. Para que se previna o colapso, deve-se seguir
o caminho ABCDEFGHIJ, em que a porção HI representa o
resfriamento abaixo de .
Quando ocorre a cristalização máxima de gelo (concentração máxima por congelamento), a temperatura crítica para
o colapso da estrutura, , que é a temperatura mais alta em
que o colapso ainda pode ser evitado durante a fase primária
da liofilização, estará em um ponto entre
e . A temperatura exata dependerá da taxa de secagem e, por isso, do período de tempo durante o qual o colapso é possível. Quanto
mais lento o processo, menor será a . Se a cristalização
de gelo não for máxima, a temperatura mais alta na qual o
colapso pode ser evitado será próxima de .
Se a composição do produto que será liofilizado pode ser
ajustada, é desejável que se aumente a tanto quanto possível. Isso pode ser realizado pela adição de polímeros de alto
peso molecular, o que permite a utilização de temperaturas
de liofilização mais altas. Aumentando-se a (que aumenta
a quantidade de gelo formado) também se aumenta a rigidez
estrutural, minimizando-se a extensão potencial do colapso.
2.11
ISOTERMAS DE SORÇÃO
A abordagem sob o ponto de vista da mobilidade molecular
não é a única abordagem que explica a estabilidade dos ali-
Química de Alimentos de Fennema
mentos em função do conteúdo de água. Em virtude da capacidade de determinação do conteúdo de água e da RVP, é
interessante que se considere a informação que pode ser deduzida ao se examinar a dependência aparente do conteúdo
de água com a RVP. Esse enfoque é anterior à abordagem
sob o ponto de vista da mobilidade molecular.
2.11.1
Definições e zonas
A curva do conteúdo de água de um alimento (expressa
como massa de água por unidade de massa de matéria seca)
0
versus (p/p )T é conhecida como isoterma de sorção de umidade (ISU). As informações derivadas das ISUs são úteis (1)
para estudar e controlar processos de concentração e desidratação, pois a facilidade ou dificuldade para a remoção de
água estão relacionadas à RVP; (2) para formular misturas
de alimentos de modo a evitar a transferência de umidade
entre os ingredientes; (3) para determinar as propriedades de
barreira de umidade necessárias ao material de embalagem
necessário à proteção de um sistema em particular, (4) para
determinar o conteúdo de umidade que reduzirá o crescimento de microrganismos de interesse em um sistema e, (5)
para prever a estabilidade física e química dos alimentos em
função de mudanças em seu conteúdo de água.
A Figura 2.32 mostra a ISU para um alimento com alto
conteúdo de umidade que mostra toda a faixa de umidade.
O tipo de gráfico não é muito útil, pois os dados de maior
interesse (os da região de baixa umidade) não são suficientemente detalhados. A omissão da região de alta umidade com
a expansão da região de baixa umidade, que é uma prática comum, fornece ISUs que são muito mais úteis (Figura 2.33).
Conteúdo de umidade ( g H2O/g M..S .)
10
8
6
4
2
0
0,2
0,4
0,6
(p /po) T
0,8
1,0
FIGURA 2.32 Isoterma de sorção que inclui uma faixa ampla de conteúdos de umidade.
g H2O/g matéria seca
0,5
0,4
I
63
II
A
III
B
0,3
0,2
0,1
0
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
(p /po) T
FIGURA 2.33 Isoterma de sorção de umidade generalizada para segmento de baixa umidade de um alimento (20o C).
64
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
As isotermas de sorção têm diversos formatos, muitos
dos quais permitem pelo menos uma interpretação qualitativa. Como exemplo disso, a Figura 2.34 mostra as isotermas de sorção associadas a diversas substâncias que possuem
ISUs de formatos muito diferentes. Tratam-se de isotermas
de adsorção (ou ressorção), preparadas pela adição de água a
amostras previamente desidratadas. As isotermas de dessorção também são comuns. A correspondência entre isotermas
de adsorção e dessorção será discutida na Seção 2.11.3. As
isotermas com forma sigmoide são características da maioria dos alimentos. Entretanto, alimentos que contêm grandes
quantidades de açúcar e outras moléculas solúveis pequenas
(como frutas, produtos de confeitaria e extrato de café), que,
além disso, não são ricos em materiais poliméricos hidrofílicos pouco solúveis, podem exibir isotermas do tipo J, mostrado como curva 1 na Figura 2.34. As formas e as posições das
isotermas são determinadas por diversos fatores, como composição da amostra (incluindo distribuição de massa molecular e características hidrofílicas/hidrofóbicas dos solutos),
estrutura física da amostra (i.e., se é cristalina ou amorfa),
pré-tratamentos da amostra, temperatura e metodologia.
Muitas tentativas foram realizadas com o intuito de modelar ISUs, mas tem sido difícil obter sucesso na modelação
adequada da faixa inteira com dados precisos de ISU. O modelo mais antigo e mais conhecido é o modelo de Brunauer,
Emmett e Teller (BET), derivado para a sorção de gás não
polar [83], mas aplicado a sistemas aquosos com algumas
redefinições de termos-chave. Um dos melhores modelos é
o desenvolvido por Guggenheim [84], Anderson [85] e De
Boer [86], conhecido como modelo GAB. Em sistemas alimentares, pode-se pensar que ambos os modelos, apesar de
úteis, fornecem apenas ajustes empíricos. Os modelos cita-
dos têm parâmetros que descrevem sistemas muito simples.
Para a interpretação das isotermas de sorção costuma ser
apropriada sua divisão conceitual em zonas, como indicado
na Figura 2.33. À medida que se adiciona água (adsorção), a
composição da amostra movimenta-se gradualmente da zona
I (seca) para a zona III (de alta umidade) e as propriedades da
água associadas a cada zona diferem de modo significativo.
Essas propriedades características são descritas adiante, sendo resumidas na Tabela 2.10. Deve-se considerar que, mesmo
dentro de uma das zonas, a água é intercambiada livremente
e, portanto, as propriedades médias da água dentro de uma
zona dependem da extensão exata da quantidade de sítios potenciais dentro da zona. As propriedades da água dentro de
zonas diferentes, no entanto, são distintas o suficiente, sendo
que, no início de uma zona com maior quantidade de água,
mesmo com troca facilitada de água entre as zonas, pode-se
observar propriedades médias diferentes entre elas.
A água presente em quantidades abaixo do limite da zona
I da isoterma pode ser considerada mais fortemente ligada e
menos móvel. É provável que essa água esteja associada a
sítios por meio de interações água-íon ou água-dipolo. Ela
permanece não congelada mesmo a uma temperatura de
−40o C, não age como solvente e não está presente em quantidades suficientes ao ponto de exercer efeitos plastificantes
sobre o sólido. Ela se comporta simplesmente como uma
parte do sólido.
O limite de umidade superior da zona I (limite entre as
zonas I e II) corresponde ao valor de umidade de “monocamada BET” do alimento. Dessa forma, esse valor pode ser
considerado como a quantidade de água necessária para a
formação de uma monocamada de água sobre os sítios de
fácil acesso, grupos altamente polares da matéria seca. No
Mois ture conte nt ( g /g D.M.)
–40
5
4
–30
–20
–10
0
2
0
0,2
0,4
0,6
(p /po) T
3
1
0,8
1,0
FIGURA 2.34 Isoterma de adsorção para vários alimentos e substâncias biológicas. A temperatura é de 20oC, exceto para o número
o
1, em que é de 40 C. (1) produto de confeitaria (o principal componente é a sacarose em pó), (2) extrato de chicória liofilizada, (3) café
colombiano tostado, (4) pó de extrato de pâncreas suíno e (5) amido de arroz nativo. (De: van den Berg, C. e S. Bruin (1981) Em Water
Activity: Influences on Food Quality (L.B. Rockland e G.F. Stewart, Eds.). Academic Press: New York, pp. 1−61.)
Química de Alimentos de Fennema
caso do amido, trata-se de uma molécula de HOH por unidade de glicose anidra. A água da zona I tem a quantidade
que corresponde a uma pequena fração do total da água presente em um alimento com alta umidade. Essa quantidade de
água é obviamente menor que os “sítios de sorção” potenciais, representados por todos os grupos polares ou outros
grupos ativos das moléculas de soluto. Quantidades de água
adicionais, que não excedam o limite da zona II, podem ser
consideradas como ocupantes dos sítios adicionais disponíveis da primeira camada. A segunda camada de água, a qual
é provável que se associe a moléculas de água vizinhas da
primeira camada e a moléculas de soluto, principalmente por
pontes de hidrogênio, é um pouco menos móvel que a água
maciça, sendo que sua maior parte permanece sem congelar
o
a −40 C. A umidade adicionada à proximidade do limite
de baixa umidade da zona II exerce efeitos plastificantes
significativos sobre solutos, diminuindo suas temperaturas
de transição vítrea e causando inchaço incipiente da matriz
sólida. Aumenta-se o intercâmbio entre todas as moléculas
de água, mas tornam-se evidentes dois grupos nos experimentos de espectroscopia de relaxamento. Esse fato, em
conjunto com o início do processo de solubilidade, leva ao
aumento da taxa da maioria das reações devido ao aumento
da interação e da acessibilidade. A quantidade de água que
ocupa totalmente as zonas I e II constitui menos de 5% da
água presente em alimentos de alta umidade. Deve-se observar que as zonas individuais são definidas apenas para
conteúdos de água abaixo dos limites de zona superiores, já
que, nessas concentrações de água, novos tipos de água começam a surgir. Isso inicia processos de troca que permitem
(em altos conteúdos de água), intercâmbios de moléculas de
água, mesmo sendo de tipos diferentes. Esse processo também é consequência da influência do inchaço e do conteúdo
de água maiores do ambiente com maior conteúdo de água
sobre o acesso a sítios de interação potenciais, espacialmente
restritos (ou de outra forma) nos estágios iniciais da sorção
a partir do material desidratado por completo. Embora agora sejam intercambiáveis, as frações identificáveis de água
podem ser consideradas como portadoras das características
das zonas I e II. A quantificação de cada zona é desafiadora, sendo que as melhores estimativas talvez sejam as obtidas por meio de espectroscopia de relaxamento. Lillford
e colaboradores [87] mostraram que a espectroscopia de
relaxamento em alimentos exibe uma curva de decaimento
complexa, a qual pode ser interpretada em termos de populações de moléculas de água e trocas entre as populações.
Hills e colaboradores [88−91] ampliaram essa abordagem
mais adiante a fim de proporcionar a quantificação e a caracterização das populações de água que mudam em diferentes
ambientes, em alimentos e sistemas-modelo, principalmente
em sistemas amilolíticos. Schmidt [4] realizou uma discussão detalhada sobre esses estudos. Os resultados mostram
uma complexidade maior que dos modelos simples de três
zonas, confirmando que esse modelo fornece uma estrutura
simples, sobre a qual pode-se obter explicações.
À medida que o conteúdo de água aumenta nas proximidades da junção das zonas II e III, a quantidade de água
é suficiente para completar uma monocamada verdadeira de
65
hidratação para macromoléculas individuais como proteínas
globulares, sendo, ainda, suficiente para diminuir a temperatura de transição vítrea das macromoléculas hidratadas, uma
são iguais. Uma
vez que a temperatura da amostra e a
terceira população detectável aparece separadamente na figura. A adição posterior de água (zona III) causa a transição
do estado vítreo-elástico em amostras que contêm regiões
vítreas, o que é evidenciado pela grande diminuição de viscosidade decorrente do aumento da mobilidade molecular e
das taxas de muitas reações. Somente a partir do conteúdo de
água no qual inicia a terceira população, a água adicionada
pode congelar. Além disso, a água da zona III está disponível como solvente e para o desenvolvimento de microrganismos. Em conteúdos de água que ultrapassam o limite da
zona III, a água adicional comporta-se como água de fase
maciça (Tabela 2.10). Sua adição ao sistema não altera as
propriedades dos solutos existentes, mas, como antes, todas
as moléculas de água são intercambiadas livremente. As zonas podem ser bem definidas como populações de água envolvidas em classes particulares de interação com o soluto.
Os estudos de espectroscopia de relaxamento mostram que,
conforme o conteúdo de água aumenta, as diversas populações intercambiáveis mudam de tamanho. A fração de água
na qual uma nova população começa a surgir nem sempre
define o tamanho máximo da população anterior, em um
conteúdo mais alto de água total.
Em géis ou sistemas celulares, a água da fase maciça é
capturada fisicamente, de modo que o fluxo macroscópico
é impedido. No entanto, em todos os demais aspectos essa
água possui propriedades similares às da água em soluções
salinas diluídas. Isso é razoável, uma vez que uma molécula
típica de água, que ocupa a zona III, é “isolada” dos efeitos
das moléculas de soluto por várias camadas de moléculas
das zonas I e II. A população de água da fase maciça da zona
III, tanto capturada como livre, costuma constituir mais de
95% da água total em alimentos de alta umidade, um fato
que não está evidente na Figura 2.33.
A importância dos efeitos das diferenças das propriedades da água sobre a estabilidade dos alimentos será discutida
em uma seção posterior. Nesse ponto, é suficiente dizer que
a fração de água mais móvel de qualquer alimento costuma
controlar sua estabilidade.
2.11.2
Dependência de temperatura
Como já mencionado, a RVP é dependente da temperatura.
Sendo assim, as ISUs também o são. A Figura 2.35 mostra
essa dependência de temperatura utilizando o exemplo de fatias de batata. Em um dado conteúdo de umidade, a (p/p0)T do
alimento aumenta com o aumento da temperatura, em geral,
conforme à equação de Clausius-Clapeyron, embora essa conformidade não indique um estado de equilíbrio verdadeiro.
2.11.3
Histerese
A discussão precedente indicou que as ISUs podem ser
obtidas tanto por meio de protocolos de adsorção como de
TABELA 2.10 Níveis de hidratação de proteínas
Aumento do conteúdo de água no sistema
Água constitucional
Campo hidratado
(≤3 Å a partir da superfície)
a
Propriedade
Pressão de vapor
relativa (p/p0)
“Zona” da isotermad
mol H2O/mol
proteína seca
g H2O/g proteína
seca (h)
Porcentagem de
peso com base na
lisozima (%)
Características da
água: estrutura
Características da
água: propriedades
de transferência
termodinâmicae
G (kJ/mol)
H (kJ/mol)
Tempo de residência
(mobilidade
aproximada)
Congelabilidade
Pó solvente
Características da
proteína: estrutura
Características
da proteína:
mobilidade (reflete
na atividade
enzimática)
a
0
Livreb
Capturadac
> 0,85 p/p0
> 0,85 p/p0
0,2−0,75 p/p0
0,75−0,85 p/p0
Extrema esquerda, Zona I
zona I
<8
8−56
Zona IIA
Zona IIB
Zona III
Zona III
56−200
200−300
>300
>300
< 0,01
0,01−0,07
0,07−0,25
0,25−0,58
>0,58
>0,58
1
1−6,5
6,5−20
20−27,5
>27,5
>27,5
Parte crítica
da estrutura
proteica nativa
A água interage
principalmente
com grupos
carregados
(∼2HOH/grupo).
A 0,07 h transição
na organização da
água de superfície;
aparecimento de
agrupamentos
associados à
complexação
de grupos de
hidratação
carregados
A 0,25 h, a água
A água interage
começa a
principalmente
condensar nas
com grupos
regiões com
carregados
ligações fracas
(∼1HOH/sítio
da superfície da
polar). Centros
proteína. A 0,38 h,
de agrupamentos
a “monocamada”
de água em sítios
de água cobre toda
polares carregados.
a superfície da
Os agrupamentos
variam em tamanho proteína. Começam
a surgir diferentes
e arranjo. A 0,15
fases de água; local
h, atinge-se alta
de transição vítreoconectividade da
-elástica
água de superfície
> |− 6 |
> | – 17|
−6
−70
− 0,8
− 2,1
Próximo da água livre
Próximo da água livre
< 10−8 s
< 10−9 s
10−9 – 10−11 s
Não congelável
Nenhum
Regiões amorfas
tornando-se
plastificadas pela
água
Atividade
enzimática
negligenciável
Não congelável
Leve
Plastificação
posterior de
regiões amorfas
Não congelável
Moderada
Intercâmbio de
prótons aumenta
de 1/1000 a
0,04 h a solução
total a 0,15h
Algumas enzimas
desenvolvem
atividade entre 0,1
e 0,15h
A 0,38 h a atividade
da lisozima é
0,1 daquela em
solução diluída
< 0,02 p/p
−2
10
– 10−8 s
Não congelável
Nenhum
Estado
empacotado,
estável
Atividade
enzimática
negligenciável
0,02−0,2 p/p0
Água da fase maciça
10−11 – 10−12 s 10−11 – 10−12 s
Normal
Normal
Atividade
máxima
Normal
Normal
Atividade
máxima
Moléculas de água que ocupam lugares específicos no interior da macromolécula de soluto.
fluxo macroscópico fisicamente não impedido pela matriz macromolecular.
fluxo macroscópico fisicamente impedido pela matriz macromolecular.
d
Ver Figura 2.33.
e
Valores molares parciais para transferência de água da fase maciça para o envelope de hidratação.
Nota: Considera-se que a água constitucional está presente na proteína desidratada, no início do processo de desidratação. A água é primeiramente absorvida a sítios
ionizados carboxílicos e amino das cadeias, com cerca de 40 mol água/mol lisozima associados dessa forma. A absorção posterior de água resulta em hidratação
gradual de sítios menos atrativos, principalmente grupos amida carbonil da coluna da proteína. A 0,38 h, a cobertura da monocamada é alcançada por meio da as2
sociação da água aos sítios da superfície, os quais são ainda menos atrativos. Nesse estágio da hidratação de proteínas, tem-se, em média, 1HOH/20 Å de superfície
de proteína. Em conteúdos de água acima de 0,58 h, a proteína é considerada totalmente hidratada.
Fonte: Dados, principalmente sobre lisozima, de Franks, F. (1988) Em Characteristics of Proteins (F. Franks, Ed.), Humana Press: Clifton, NJ, pp. 127−154; Lounnas, V.
e B.M. Pettitt (1994) Proteins: Struc. Func. Genet. 18: 133−147; Rupley, J.A. e G. Careri (1991) Adv. Protein Chem. 41: 37−172; Otting, G. et al. (1991) Science 254:
974−980; e Lounnas, V. e B.M. Pettitt (1994) Proteins: Struct. Func. Genet. 18: 148−160.
b
c
Química de Alimentos de Fennema
67
0,5
Conteúdo de umidade ( g /g M.S
. .)
0,4
0,3
0,2
0°
°
20 °
40
°
60
°
80
°
100
0,1
0
0,2
0,4
(p /po) T
0,6
0,8
1,0
FIGURA 2.35 Isoterma de dessorção de batatas em diversas temperaturas (Readaptada de Gorling, P. (1958) Em Fundamental Aspects
of the Dehydration of Foodstuffs. Society of Chemical Industry: London pp. 42−53.)
dessorção. No entanto, há um problema adicional a essa
discussão sobre ISUs. Uma ISU preparada pela adição de
água (adsorção) a amostras secas nem sempre se sobreporá
a isoterma preparada por dessorção. A falta de sobreposição
é chamada de “histerese”, sendo apresentada na Figura 2.36
0
um exemplo esquemático. Tipicamente, a uma dada (p/p )T,
o conteúdo de água de uma amostra será maior durante a
dessorção que durante a adsorção. As ISUs de polímeros,
compostos de baixo peso molecular e muitos alimentos exibem essa histerese de sorção [52, 92].
A dimensão da histerese, a forma das curvas, bem como
o início e o fim de seus pontos podem variar consideravelmente dependendo de fatores como natureza do alimento;
mudanças físicas ocorrentes quando a água é removida ou
adicionada; temperatura; taxa de dessorção e grau de remoção da água durante a dessorção [92]. O efeito da temperatura é notável: a histerese geralmente não é detectada em temo
peraturas altas (∼80 C) e costuma tornar-se mais evidente
com a diminuição da temperatura.
Diversas teorias qualitativas foram desenvolvidas com o
fim de explicar o fenômeno da histerese de sorção [52,92].
Essas teorias envolvem fatores como fenômenos de inchaço,
domínios locais metaestáveis, quimiossorção, transições de
fase, fenômenos de capilaridade e o fato de que estados de
não equilíbrio tornam-se mais persistentes com a diminuição
da temperatura. A explicação definitiva (ou as explicações)
para a histerese de sorção ainda não foi elaborada.
A histerese de sorção é mais que uma curiosidade laboratorial. Labuza e colaboradores [93] demonstraram que a
oxidação de lipídeos em carne moída de frango e porco, a
0
valores de (p/p )T na faixa entre 0,75 e 0,84, ocorre com muito mais rapidez se a amostra é ajustada ao valor desejado
0
de (p/p )T, privilegiando-se a dessorção em detrimento da
adsorção. As amostras obtidas por dessorção, como já foi ci0
tado, contêm mais água para uma determinada (p/p )T que as
amostras obtidas por adsorção. Isso faz com que a amostra
com mais umidade apresente menos viscosidade, o que, por
sua vez, gera maior mobilidade catalítica, maior exposição
de sítios catalíticos (devido ao inchaço da matriz) e maior
difusão de oxigênio que na amostra com menos umidade
(amostra de adsorção). Em outro estudo, Labuza e colabora0
dores [94] descobriram que a (p/p )T necessária para cessar
o desenvolvimento de diversos microrganismos é significativamente menor se o produto é preparado por dessorção em
vez de adsorção. Além disso, a existência de histerese é uma
evidência adicional de que, como normalmente determinado, as isotermas de sorção definem sistemas de estado estacionário (considerando-se que se permitiu tempo suficiente
para que o sistema atingisse tal estado) em detrimento de
estados de equilíbrio verdadeiro.
Nesse momento, deve estar claro que as ISUs são bastante específicas para cada produto; que a ISU de um determinado produto pode mudar significativamente em virtude de
sua forma de preparação, e que esses pontos são de extrema
importância. Discussões adicionais sobre a determinação e a
utilidade de ISUs podem ser encontradas nas referências 48
e 95−98; uma compilação de ISUs típicas é encontrada na
referência 99.
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Conteúdo de umidade
68
Dessorção
Adsorção
0
0,2
0,4
0,6
(p /po) T
0,8
1,0
FIGURA 2.36 Histerese de uma ISU.
2.11.4
Sequência de hidratação
de uma proteína
É instrutivo que se considere a absorção adicional de água por
um componente alimentício, bem como o local e as propriedades da água, em cada estado do processo. Escolheu-se a lisozima para esse exercício, pois as proteínas são de grande importância aos alimentos, já que contêm a maioria dos tipos de
grupos funcionais importantes para a hidratação. Além disso,
a lisozima contém uma certa quantidade de água constitucional, que é uma parte integral da estrutura. Essa quantidade é de
cerca de 8 mol água/g de proteína seca. Ao se aumentarem os
níveis de RVP, a água é adsorvida primeiro nos sítios ionizados,
no ácido carboxílico e no amino das cadeias. Isso requer cerca
de 40 mol água/mol de lisozima seca, e corresponde, aproximadamente, ao conteúdo de água da monocamada de BET, o
limite entre as zonas I e IIA, a uma RVP por volta de 0,2. O aumento posterior da RVP para cerca de 0,25 (final da zona IIA)
leva à sorção em sítios menos ativos, como carbonilas amidas,
enquanto a continuação da sorção para RVP de 0,75 (final da
zona IIB) resulta no recobrimento total da superfície com um
conteúdo de água de 0,38. Nesse ponto (limite entre as zonas
IIB e III), todos os sítios disponíveis da superfície são considerados cobertos [100]. Acima dessa RVP (zona III), a água é
constituída por água de multicamada (maciça). Observa-se atividade enzimática acima da “monocamada de BET”, sendo que
a atividade máxima é alcançada no ponto de recobrimento total
da superfície. Essas observações ajudam a ilustrar a importância da descrição das zonas da ISU na categorização dos efeitos
de hidratação. No entanto, deve-se lembrar que, em um conteúdo de água qualquer, todas as moléculas de água podem ser
intercambiadas livremente entre as regiões, gerando comportamentos diversos à medida que o conteúdo de água aumenta.
2.12
PRESSÃO DE VAPOR RELATIVA E
ESTABILIDADE DOS ALIMENTOS
Historicamente, tem-se demonstrado que a estabilidade e a
(p/p0)T dos alimentos encontram-se muito relacionadas em di-
versas situações. Os dados das Figuras 2.20, 2.37 e da Tabela
2.1 fornecem exemplos dessas relações. Na Tabela 2.11 são
apresentados vários microrganismos comuns e a faixa de RVP
que permite seu crescimento [101]. Também é encontrada a
classificação de diversos alimentos de acordo com sua RVP.
Os dados da Figura 2.37 representam relações típicas en0
tre a velocidade de reação e a (p/p )T, na faixa de temperatura
o
entre 25 e 45 C. Para efeitos de comparação apresenta-se
também uma isoterma típica na Figura 2.37f. É importante
lembrar que as velocidades de reação exatas e as posições e
os formatos das curvas da Figura 2.37 podem ser alterados
por composição, estrutura e estado físico da amostra, composição da atmosfera (especialmente oxigênio), temperatura
e efeitos de histerese. O leitor também deve ser alertado de
que essa relação empírica está entre um parâmetro termodinâmico e um parâmetro cinético, e de que não há nenhuma
razão teórica intrínseca que justifique a correlação entre esses parâmetros, pois a termodinâmica lida com posições de
equilíbrio e a cinética com taxas. A termodinâmica é previsível e a cinética é empírica.
A relação incomum entre a velocidade de oxidação lipídica e a (p/p0)T, em valores muito baixos de (p/p0)T, merece
alguns comentários (Figura 2.37). Iniciando-se no extremo
esquerdo da isoterma, a adição de água diminui a taxa de oxidação até que se atinja um conteúdo de água equivalente ao
valor de monocamada de BET. Pode-se observar, portanto,
que a desidratação intensa de amostras sujeitas à oxidação
resultará em menos estabilidade. Karel e Yong [102] propuseram as seguintes interpretações para esse comportamento.
Acredita-se que a primeira água adicionada a uma amostra
muito desidratada liga-se aos hidroperóxidos, interferindo em
sua decomposição e impedindo, assim, o progresso da oxidação. Além disso, essa água hidrata os íons metálicos que catalisam a oxidação, reduzindo aparentemente sua efetividade.
A adição de água além do limite das zonas I e II (Figura
2.37) resulta no aumento das taxas de oxidação. Karel e Yong
indicaram que a água adicionada a essa região da isoterma
acelera a oxidação pelo aumento da solubilidade do oxigênio
e por permitir o inchaço de macromoléculas, expondo, as-
Química de Alimentos de Fennema
(b)
1,0
Crescimento microbiano
Hidrólise enzimática
Xeromyces
bisporus
0,1
Lecitina
Staphylococcus
cerevisiae
S. aureus
Lipídeos
da carne
0,01
(c)
1,0
(d)
Velocidade relativa
Oxidação (não enzimática)
Perda de
lisina pela
reação de
Maillard
Lipídeos em
batatas fritas (chips)
0,1
Desenvolvimento
de cor escura
Perda de
Vit. C
0,01
(e)
1,0
(f)
Isoterma de sorção
Miscelânea
Perda de
clorofila
Perda de
Vit. B1
0,1
I
0,01
0,2
. .)
Conteúdo de umidade ( g H2O/g M.S
(a)
69
0,4
0,6
0,8
1,0
(p/po) T
II
0,2
0,4
III
0,6
0,8
1,0
FIGURA 2.37 Relações entre pressão relativa de vapor de água, estabilidade dos alimentos e isotermas de sorção. (a) crescimento mi0
0
0
0
crobiano vs. (p/p )T, (b) hidrólise enzimática vs. (p/p )T, (c) oxidação (não enzimática) vs. (p/p )T, (d) escurecimento de Maillard vs. (p/p )T
0
0
(e) velocidades de reações diversas vs. (p/p )T e (f) conteúdo de água vs. (p/p )T. Todas as ordenadas são “velocidades relativas”, com
exceção da F. Dados obtidos a partir de diversas fontes.
sim, mais sítios catalíticos. A valores de (p/p0)T ainda maiores (>∼0,80), a água adicionada pode retardar as taxas de
oxidação devido à diluição dos catalisadores, reduzindo sua
eficiência.
Deve-se notar que as curvas para reação de Maillard,
degradação da vitamina B1 e crescimento microbiano exibem sua taxa máxima em valores intermediários de (p/p0)T
(Figura 2.37). Duas possibilidades foram levantadas com o
intuito de explicar o declínio da taxa de reação ocasionado
pelo aumento da RVP, em alimentos com conteúdos de umidade moderados a altos:
1. Para as reações em que a água é um produto, o aumento no conteúdo de água pode resultar na inibição
do produto.
2. Quando o conteúdo de água de uma amostra é encontrado de tal modo que solubilidade, acessibilida-
de (superfícies das macromoléculas) e mobilidade
dos constituintes que aumentam a taxa não a limitam mais, a adição de água só serve para diluir esses
constituintes e diminuir a taxa de reação.
Como o valor de monocamada de BET de um alimento
costuma fornecer uma primeira estimativa do conteúdo de
água no qual se tem a estabilidade máxima de um produto
desidratado, o conhecimento desse valor é de importância
prática. Sua determinação para um alimento específico pode
ser realizada de forma relativamente fácil se os dados da ISU
de baixa umidade estiverem disponíveis. Pode-se utilizar a
equação desenvolvida por Brunauer e colaboradores [83]
para se obter o valor de monocamada:
(2.12)
70
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 2.11 Potencial de crescimento microbiano em alimentos sob diferentes pressões relativas de vapor
Faixa de p/p0
1,00−0,95
Microrganismos geralmente inibidos pela
p/p0 mais baixa da faixa
0,60−0,50
0,50−0,40
0,40−0,30
Pseudomonas, Escherichia, Proteus,
Shigella, Klebsiella, Bacillus, Clostridium
perfringens, alguns fungos
Salmonella, Vibrio parahaemolyticus, C.
Botulinum, Serratia, Lactobacillus, alguns
bolores, leveduras (Rhodotorula, Pichia)
Muitas leveduras (Candida, Torulopsis,
Hansenula, Micrococcus)
A maioria dos bolores (penicillia
micotoxigênicas), Staphylococcus aureus,
a maioria das Saccharomyces (bailii) spp.,
Debaryomyces
A maioria das bactérias halofílicas, asperilli
micotoxigênicos
Bolores xerofílicos (Aspergillus
chevalieri, A. candidus, Wallemia sebi)
Saccharomyces bisporus
Leveduras osmofílicas (Sacchaomyces
rouxii), poucos bolores (Aspergillus
echinulatus, Monascus bisporus)
Sem proliferação microbiana
Sem proliferação microbiana
Sem proliferação microbiana
0,30−0,20
Sem proliferação microbiana
0,95−0,91
0,91−0,87
0,87−0,80
0,80−0,75
0,75−0,65
0,65−0,60
Alimentos geralmente dentro da faixa de p/p0
Alimentos altamente perecíveis (frescos), frutas enlatadas, vegetais, carne,
pescado e leite; linguiças cozidas e pão; alimentos que contêm até 7%
(m/m) de cloreto de sódio ou 40% de sacarose
Alguns queijos (Cheddar, Suíço, Muenster, Provolone), carnes curadas
(presunto), alguns sucos concentrados, alimentos que contêm até 12%
(m/m) de cloreto de sódio ou 55% de sacarose
Linguiças fermentadas (salame), bolos, queijos secos, margarina, alimentos
que contêm até 15% (m/m) de cloreto de sódio ou sacarose saturada (65%)
A maioria dos sucos concentrado, leite condensado, xarope de chocolate,
xaropes de frutas; farinha, arroz, sementes com 15−17% de umidade; tortas
de fruta; presuntos coloniais, bombons
Geleia, marmelada, marzipã, frutas glaceadas, alguns marshmallows.
Aveias laminadas com 10% de umidade; torrone, chocolate, marshmallows,
geleias, melados, açúcar de cana, algumas frutas secas, nozes
Frutas secas com 15−20% de umidade, balas de leite e caramelos, mel
Macarrão com 12% de umidade, temperos com 10% de umidade
Ovo em pó com 5% de umidade
Biscoitos, bolachas, crosta de pão e alimentos com 3−5% de umidade.
Leite em pó integral com 2−3% de umidade; vegetais desidratados com 5% de
umidade, flocos de milho com 5% de umidade, biscoitos coloniais e bolachas.
Fonte: Beuchat, L. R. (1981) Cereal Foods World 26: 345-349
onde aw é a atividade de água, m é o conteúdo de umidade (g
H2O/g matéria seca), m1 é o valor de monocamada de BET e
0
c é uma constante. Na prática, os valores de (p/p )T são usados na Equação 2.12 no lugar dos valores de aw.
A partir dessa equação, torna-se evidente que o gráfico
de aw/m (1−aw) vs. aw, conhecido como gráfico de BET, terá
o formato de uma reta. Um exemplo que utiliza amido de
0
batata nativo, no qual aw foi substituída por (p/p )T, é apresentado na Figura 2.38. A relação linear, como costuma ser
0
chamada, começa a perder seu formato em valores de (p/p )T
maiores que 0,35.
O valor de monocamada de BET pode ser calculado da
seguinte forma:
Valor de monocamada = m1 = 1/((y intercepto) + (tangente))
A partir da Figura 2.38, o y intercepto é 0,6. O cálculo da
tangente fornece o valor de 10,7. Portanto:
m1 = 1/(0,6 + 10,7) = 0,088 g H2O/g matéria seca
Nesse exemplo particular, o valor de monocamada de BET
0
corresponde à (p/p )T de 0,2. A equação de GAB fornece um
valor de monocamada similar.
Além de influenciar nas reações químicas e no cresci0
mento microbiano, a (p/p )T também influencia na textura de
alimentos secos ou semidesidratados. Por exemplo, deseja-se
um valor baixo de RVP quando se quer manter a crocância
de biscoitos, pipoca ou batatas chips; deseja-se evitar a aglu-
tinação de açúcar granulado, leite em pó ou café instantâneo;
e deseja-se prevenir a aderência de doces duros. O valor má0
ximo tolerável de (p/p )T em materiais desidratados, para que
não ocorra perda de propriedades desejáveis, encontra-se
entre 0,35 e 0,5, dependendo do produto [103]. Além disso,
0
necessitam-se altos valores de (p/p )T em alimentos de textura
mole para que não ocorra endurecimento indesejável.
2.13
COMPARAÇÕES
2.13.1 Relações entre RVP, Mm e
aproximação da ISU para
entendimento do papel da
água nos alimentos
A temperatura de congelamento de equilíbrio de um sistema
fornece a medida de sua aw, pois, no ponto de congelamento,
aw é igual à da água pura congelada em mesma temperatura.
Tendo isso em mente, é possível que se construa um diagrama
de estado (Figura 2.39) para mapear as relações entre RVP,
Mm e as aproximações da ISU para entendimento do papel
da água nos alimentos. A aproximação da Mm já foi discutida
em detalhes por meio de diagramas de estado apropriados. Na
Figura 2.39, a área na qual a RVP é mais utilizada é a parte
superior esquerda. Considerando sistemas de RVP = 0,8, os
quais encontram-se à esquerda da linha que representa a comde −22o C, temperatura em que a
posição do sistema com
Química de Alimentos de Fennema
71
6
m(1– (p /po) T )
(p /po) T
5
4
3
Tangente =
2
3
0,317–0,036 = 0,281
1
0
C –1
m1c
1
m1c
0
0,1
0,2
(p /po) T
0,3
0,4
FIGURA 2.38 Gráfico de BET para amido de batata nativo (dados de adsorção, 20o C). (Dados de van den Berg, C. (1981) Vapour Sorption Equilibria and Other Water-Starch Interactions: A Physico-Chemical Approach. Wageningen Agricultural University: Wageningen, The
Netherlands.)
Pouco
nto
Temperatura ( °C )
me
Au
de
ade
lid
abi
est
0°C
T ms
Moderado
T mL
TE
Zona de
estabilidade
variável T g
Zona de
estabilidade
variável
T m′(T g′)
T g*
Td
I
Estável
Estável
–135°C
100% Água
Composição (%)
100% Soluto
FIGURA 2.39 Diagrama de estado de um sistema binário que mostra estabilidades potenciais em diferentes zonas.
RVP do gelo é 0,8. A região de aplicabilidade primária da RVP
à estabilidade microbiana é representada pela região hachurada. Ela encontra-se longe das linhas de e de , indicando
que a Mm tanto do soluto como do solvente é suficiente para
permitir o rearranjo rápido e o ajuste a uma condição de estado estacionário longo a uma temperatura constante. Em RVP
menores, que representam sistemas hipotéticos de temperatu-
ras de congelamento de equilíbrio abaixo de −30o C, a RVP
correspondente é menor que 0,75. Nesses sistemas, a mobilidade dos solutos é reduzida, tornando mais difícil a obtenção
do estado estacionário prolongado. Na RVP abaixo de 0,6 a
hipotética estará ao redor de −52o C. Esses sistemas raramente
alcançam o equilíbrio, sendo difícil (se não impossível) medir-se uma RVP significativa de estado estacionário.
72
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Na ISU, são utilizados tanto dados de sorção como de
dessorção. Considere-se, primeiramente, a sorção. As curvas
do lado direito do digrama de estado representam a sorção
de um produto desidratado, sendo que os eixos desse lado
representam o produto desidratado. A condição do produto
desidratado define qual linha,
ou , é apropriada para
a descrição do estado-limite ao se aumentar o conteúdo de
umidade. No produto desidratado, costuma ocorrer cristalização parcial, sendo que essas porções de produto são consideradas apropriadas em termos de cada uma das linhas, definindo uma mudança no estado físico. Ao se entrar na parte
mais móvel, ocorre o estado fluido, com baixas mobilidades,
no início. Os processos de mudança podem ser lentos. A
água penetra o produto primeiro em sua superfície, resultando em gradientes de mobilidade, sendo que, com mais
umidade, a mobilidade superficial aumenta (e a da superfície diminui). Para a dessorção, a composição das amostras
muda da esquerda para a direita no diagrama, sendo que o
sistema mais fluido começa a perder mobilidade à medida
que a dessorção progride. Logo, dessorções rápidas causarão
menos cristalização de solutos que dessorções lentas.
2.14
CONCLUSÃO
Cada uma das abordagens da estabilidade de produtos descritas apresenta sua melhor aplicabilidade sob condições
determinadas. Portanto, é apropriado que todas elas sejam
utilizadas, a fim de que se obtenha melhor compreensão sobre o papel da água nos alimentos e, ainda, sobre os mecanismos pelos quais a água e o conteúdo de água podem
influenciar na estabilidade dos produtos. Tanto Schmidt [4]
como Sherwin e Labuza [104] proporcionaram, em artigos
recentes, uma discussão sobre a importância relativa de cada
abordagem, sob uma série de condições diferentes. A água
desempenha um papel fundamental nos processos químicos
e físicos nos alimentos. Apesar da aparente simplicidade da
molécula de água, torna-se evidente que a natureza complexa das ligações por ponte de hidrogênio da água e entre a
água e solutos, além de outras influências nos arranjos intermoleculares da água, são essenciais ao funcionamento de
sistemas biológicos e às propriedades dos alimentos.
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Carboidratos
3
James N. BeMiller e Kerry C. Huber
CONTEÚDO
3.1 Monossacarídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.1.1 Isomerização do monossacarídeos . . . . .
3.1.2 Monossacarídeos cíclicos . . . . . . . . . . . .
3.1.3 Glicosídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.1.4 Reações de monossacarídeos . . . . . . . . .
3.1.4.1 Oxidação a ácidos aldônicos e
a aldonolactonas. . . . . . . . . . . . .
3.1.4.4 Redução dos grupos carbonila . .
3.1.4.3 Ácidos urônicos . . . . . . . . . . . . .
3.1.4.4 Ésteres do grupo hidroxila . . . . .
3.1.4.5 Éteres do grupo hidroxila. . . . . .
3.1.4.6 Escurecimento não
enzimático . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.1.4.7 Caramelização . . . . . . . . . . . . . .
3.1.4.8 Formação de acrilamida em
alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2 Oligossacarídeos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2.1 Maltose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2.2 Lactose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2.3 Sacarose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2.4 Ciclodextrinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3 Polissacarídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.1 Estrutura química e propriedades dos
polissacarídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.2 Solubilidade de polissacarídeos . . . . . . .
3.3.3 Viscosidade e estabilidade de soluções
de polissacarídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.4 Géis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.5 Hidrólise de polissacarídeos . . . . . . . . . .
3.3.6 Amido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.1 Amilose . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.2 Amilopectina . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.3 Grânulos de amido . . . . . . . . . . .
76
78
78
81
81
82
83
83
84
84
85
89
89
91
91
92
93
94
95
95
95
96
99
100
101
101
101
106
3.3.6.4 Gelatinização do grânulo e
formação de pasta. . . . . . . . . . . .
3.3.6.5 Usos dos amidos não
modificados . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.6 Gelatinização do amido no
interior de tecidos vegetais. . . . .
3.3.6.7 Retrogradação e
envelhecimento . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.8 Complexos de amido . . . . . . . . .
3.3.6.9 Hidrólise do amido. . . . . . . . . . .
3.3.6.10 Amidos comerciais
modificados . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.11 Amido solúvel em água fria
(pré-gelatinizado ou
instantâneo) . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.6.12 Amido dispersável em
água fria . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.7 Celulose: estrutura e derivados . . . . . . . .
3.3.7.1 Celulose microcristalina. . . . . . .
3.3.7.2 Carboximetilceluloses . . . . . . . .
3.3.7.3 Metilceluloses e
hidroxipropilmetilceluloses . . . .
3.3.8 Gomas guar e locuste . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.9 Goma xantana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.10 Carragenanas, agar e furcelaranas . . . .
3.3.11 Alginatos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.12 Pectinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.13 Goma gelana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.14 Goma curdlana . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.15 Goma arábica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3.16 Inulina e frutoligossacarídeos . . . . . . . .
3.4 Fibra dietética e digestibilidade de
carboidratos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Leitura complementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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129
76
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Os carboidratos constituem mais de 90% da matéria seca
das plantas. Logo, são abundantes, amplamente disponíveis
e de baixo custo. Os carboidratos são componentes frequentes dos alimentos, podendo tanto ser componentes naturais
como adicionados como ingredientes. Eles são encontrados
em diversos produtos, sendo consumidos em grande quantidade. Apresentam muitas estruturas moleculares, tamanhos
e configurações diferentes, com variadas propriedades físicas e químicas, diferindo, ainda, em seus efeitos fisiológicos no corpo humano. Eles são passíveis de modificações
químicas e bioquímicas, sendo que ambas as modificações
são empregadas comercialmente no melhoramento de suas
propriedades e na ampliação de suas aplicações.
O amido, a lactose e a sacarose são digeridos por indivíduos saudáveis e, junto à D-glicose e à D-frutose, são fontes
de energia, suprindo 70−80% das calorias da dieta humana,
no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, esse percentual é
menor, variando de um indivíduo para outro.
O termo carboidrato sugere uma composição elementar
geral, a saber, Cx(H2O)y, a qual representa moléculas que
contêm átomos de carbono junto a átomos de hidrogênio e
oxigênio, na mesma proporção em que ocorrem na água. No
entanto, a maioria dos compostos de carboidratos naturais
produzidos por organismos vivos não apresenta essa fórmula
empírica simples. Em vez disso, a maioria deles é formada
por oligômeros (oligossacarídeos) ou polímeros (polissacarídeos) de açúcares simples e modificados. A origem dos
carboidratos de baixa massa molecular costuma ser a despolimerização natural dos polímeros. Entretanto, este capítulo
inicia com a apresentação dos açúcares simples e, na sequência, apresentam-se as estruturas maiores e mais complexas
formadas a partir deles.
3.1
MONOSSACARÍDEOS
Os carboidratos contêm átomos de carbono quiral. Um átomo de carbono quiral pode existir sob duas formas espaciais
(configurações) diferentes. Os átomos de carbono quiral possuem quatro grupos diferentes ligados a eles. As duas configurações diferentes dos quatro substituintes são imagens
espelhadas que não podem ser sobrepostas umas às outras
(Figura 3.1). Em outras palavras, uma é reflexo da outra, tal
como o que se observaria em um espelho, o que está à direita
em uma configuração está à esquerda em outra e vice-versa.
A D-glicose, o carboidrato e composto orgânico mais
abundante (se todas as formas combinadas forem consideradas), pertence à classe dos carboidratos chamados de
monossacarídeos. Estes são moléculas de carboidratos que
não podem ser divididas em carboidratos mais simples por
hidrólise, dessa forma, eles costumam ser chamados de açúcares simples. Trata-se de unidades monoméricas que, unidas, formam estruturas maiores, ou seja, oligossacarídeos e
polissacarídeos (ver Seções 3.2 e 3.3), os quais podem ser
convertidos, por hidrólise, em seus monossacarídeos constituintes.
A D-glicose é, ao mesmo tempo, um poliol e um aldeído.
Ela é classificada como aldose, uma designação para açúcares que contêm um grupo aldeído (Tabela 3.1). O sufixo
-ose significa açúcar, o prefixo ald- indica o grupo aldeído.
Quando a D-glicose é representada sob a forma de uma cadeia aberta ou vertical (Figura 3.2), conhecida como estrutura acíclica, com o grupo aldeído (átomo de carbono 1) no
alto e o grupo hidroxila primário (átomo de carbono 6) na
base, observa-se que todos os grupos hidroxila secundários
estão nos átomos de carbono 2, 3, 4 e 5, sendo que todos
apresentam quatro substituintes diferentes ligados a si, sendo, portanto, quirais. A glicose encontrada de forma natural
é designada como sendo da forma D; a D-glicose. Ela possui
uma imagem molecular de espelho, denominada L-glicose.
Uma vez que cada carbono quiral possui uma imagem de
espelho, existem 2n arranjos para esses átomos. Portanto,
para uma aldose de seis carbonos, como a D-glicose (com
seus quatro átomos de carbonos quirais), existem 24 ou 16
arranjos diferentes dos átomos de carbono que contêm grupos hidroxila secundários, permitindo a formação de 16 açú-
A
E
C
A
B
B
D
C
E
D
Espelho
FIGURA 3.1 Um átomo de carbono quiral. A, B, D e E representam diferentes átomos, grupos funcionais, ou outros grupos de átomos
ligados ao átomo de carbono C. As cunhas indicam ligações químicas que se projetam para fora do plano da página; os tracejados indicam ligações químicas que se projetam para dentro ou para baixo do plano da página.
Química de Alimentos de Fennema
77
TABELA 3.1 Classificação dos monossacarídeos
Tipo de grupo carbonila
Número de átomos de carbono
Aldeído
Cetona
3
4
5
6
7
8
9
Triose
Tetrose
Pentose
Hexose
Heptose
Octose
Nonose
Triulose
Tetrulose
Pentulose
Hexulose
Heptulose
Octulose
Nonulose
H
C
O
HC
H
C
OH
HCOH
HO
C
H
H
C
OH
HCOH
C-4
H
C
OH
HCOH
C-5
H
C
OH
O
HOCH
CH2OH
C-1
C-2
C-3
C-6
H
FIGURA 3.2 Molécula da D-glicose (cadeia aberta ou estrutura acíclica).
cares de seis carbonos com uma extremidade aldeídica. Oito
deles pertencem à série D (Figura 3.3); oito são suas imagens refletidas e pertencem à série L. Todos os açúcares que
possuem um grupo hidroxila no carbono quiral de número
mais alto (C-5, nesse caso), posicionados no lado direito, são
chamados arbitrariamente de açúcares D, e todos que possuem um grupo hidroxila no carbono quiral de número mais
alto, posicionados à esquerda, são designados como açúcares L. Duas estruturas de D-glicose, dessa forma de cadeia
aberta ou acíclica (chamada de projeção de Fischer), com os
átomos de carbono numerados de modo convencional, são
mostradas na Figura 3.2. Nessa convenção, cada ligação horizontal projeta-se para o exterior do plano da página e cada
ligação vertical projeta-se para o interior do plano da página
(é comum a omissão de linhas horizontais para as ligações
químicas covalentes aos átomos de hidrogênio e aos grupos
hidroxila, como na estrutura à direita). Uma vez que o átomo
de carbono situado na posição mais baixa não é quiral, não
há sentido em designar as posições relativas dos grupos e
dos átomos a ele ligados. Assim, ele pode ser escrito como
−CH2OH.
A D-glicose e outros açúcares que contêm seis carbonos
são chamados de hexoses. Na natureza, o grupo das aldoses
está presente em maior quantidade. Os nomes categóricos
são frequentemente combinados, sendo que um aldeído de
seis carbonos será denominado uma aldo-hexose.
Existem duas aldoses que contêm três átomos de carbono: o D-gliceraldeído (D-glicerose) e o L-gliceraldeído
(L-glicerose), sendo que ambos possuem apenas um átomo
de carbono quirálico. As aldoses com quatro átomos de carbono, as tetroses possuem dois átomos de carbono quiral; as
aldoses com cinco átomos de carbono, as pentoses possuem
três átomos de carbono quiral, constituindo o segundo grupo
de aldoses mais comuns. Prolongando as séries acima de seis
átomos de carbono, obtêm-se heptoses, octoses e nonoses, as
quais são o limite prático de ocorrência natural dos açúcares.
O desenvolvimento de oito D-hexoses a partir do D-gliceraldeído é apresentado na Figura 3.3. Nessa figura, o círculo
representa o grupo aldeído: as linhas horizontais indicam a
localização de cada grupo hidroxila em seu átomo de carbono quiral e, na base das linhas verticais, encontra-se o grupo
hidroxila primário (−CH2OH) terminal, não quiral. Essa maneira estenográfica de indicação de estruturas monossacarídicas é chamada de método de Rosanoff. Os açúcares cujos
nomes aparecem em itálico na Figura 3.3 costumam ser encontrados nas plantas, na maioria das vezes, exclusivamente
na forma combinada, ou seja, como glicosídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos (ver adiante). A D-glicose é a única aldose livre usualmente presente em alimentos naturais e,
ainda assim, apenas em pequenas quantidades.
Os açúcares da forma L são menos numerosos e menos abundantes na natureza que os da forma D. No entanto, desempenham importantes funções bioquímicas. Dois
L-açúcares encontrados em alimentos são a L-arabinose e a
L-galactose, ocorrendo como unidades de polímeros de carboidratos (polissacarídeos).
78
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
D-Triose
D-Glicerose
D-Tetroses
D-Eritrose
D-Treose
D-Pentoses
D-Ribose
D-Arabinose
D-Xilose
D-Lixose
D-Hexoses
D-Alose D-Altrose D-Glicose D-Manose D-Gulose
D-Idose
D-Galactose D-Talose
FIGURA 3.3 Estrutura de Rosanoff das D-aldoses que contêm entre 3 e 6 átomos de carbono.
Em outro tipo de monossacarídeo, a função carbonila
é um grupo cetona. Esses açúcares são chamados de cetoses (o prefixo cet- refere-se ao grupo cetona). O sufixo que
designa as cetoses na nomenclatura sistemática de carboidratos é -ulose (Tabela 3.1). A D-frutose (sistematicamente,
D-arabino-hexulose) é o principal exemplo desse grupo de
açúcares (Figura 3.4). Trata-se de uma das duas unidades
monossacarídicas do dissacarídeo sacarose (ver Seção 3.2.3)
e constitui mais de 55% dos xaropes de alta concentração de
frutose (HFS, do inglês high frutose syrup) e cerca de 40%
do mel. A D-frutose possui apenas três átomos de carbono
quirais (C-3, C-4 e C-5). Sendo assim, existem apenas 23 ou
oito ceto-hexoses. A D-frutose é a única cetose comercial e a
única encontrada livre em alimentos naturais, porém, assim
como a glicose, em pequenas quantidades.
3.1.1
Isomerização dos monossacarídeos
Aldoses e cetoses simples, que apresentam o mesmo número
de carbonos, são isômeros entre si, desse modo tanto a hexo-
se como a hexulose apresentam a fórmula empírica C6H12O6,
podendo ser interconvertidas por isomerização. A isomerização de um monossacarídeo envolve o grupo carbonila e a
hidroxila adjacente. Por essa reação, uma aldose é convertida em outra aldose (com configuração oposta em C-2) e a
cetose correspondente, e a cetose, por sua vez, é convertida
nas duas aldoses correspondentes. Desse modo, por isomerização, a D-glicose, a D-manose e a D-frutose podem ser interconvertidas (Figura 3.5). A isomerização pode ser catalisada
por uma base ou por uma enzima.
3.1.2
Monossacarídeos cíclicos
Os grupos carbonila dos aldeídos são reativos e, com facilidade, sofrem ataque nucleofílico dos átomos de oxigênio
de um grupo hidroxila para a produção de um hemiacetal. O
grupo hidroxila de um hemiacetal pode reagir, na sequência
(por condensação), com o grupo hidroxila de um álcool, para
produzir um acetal (Figura 3.6). O grupo carbonila de uma
cetona reage de modo similar.
CH2OH
C-1
C
C-2
O
HOCH
C-3
HCOH
C-4
HCOH
C-5
CH2OH
FIGURA 3.4 Molécula de D-frutose (cadeia aberta ou estrutura acíclica).
C-6
Química de Alimentos de Fennema
HC
CH2OH
HOCH
O
C
COH
HCOH
HOCH
HOCH
O
HOCH
HC
HCOH
HOC
HOCH
HOCH
HOCH
O
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
CH2OH
CH2OH
CH2OH
CH 2OH
trans-enediol
D-frutose
cis-enediol
D-manose
CH2OH
D-glicose
79
FIGURA 3.5 Inter-relações entre D-glicose, D-manose e D-frutose via isomerização.
CH3OH
H
C
R
O
OCH3
OCH3
+
H
C
OH + HOCH3
R
H
C
OCH3 + H2O
R
Hemiacetal
Acetal
FIGURA 3.6 Formação de um acetal por meio da reação de aldeído com metanol.
A formação do hemiacetal pode ocorrer na mesma molécula de açúcar, aldose ou cetose, isto é, o grupo carbonila
de uma molécula de açúcar pode reagir com um de seus próprios grupos hidroxila, como ilustrado na Figura 3.7, com a
D-glicose girando lateralmente e formando o anel. Os anéis
de açúcares sêxtuplos, que resultam da reação de um grupo
aldeído com um grupo hidroxila no C-5, são chamados de
piranose. Deve-se notar que, para que o átomo de oxigênio
do grupo hidroxila de C-5 reaja para a formação do anel, C-5
deve girar a fim de fazer com que esse átomo de oxigênio
fique voltado para cima. Essa rotação leva o grupo hidroximetil (C-6) para uma posição acima do plano do anel. A
representação do anel D-glicopiranose, usada na Figura 3.7,
é denominada de projeção de Haworth.
Os açúcares também ocorrem, ainda que com menos frequência (Figura 3.8), em anéis de cinco elementos (furanose).
Para se prevenir confusões em relação à escrita das estruturas em forma de anel, adotam-se convenções comuns,
nas quais os átomos de carbono do anel são indicados por
ângulos do anel e os átomos de hidrogênio ligados aos átomos de carbono são completamente excluídos. A mistura de
formas quirais (anoméricas*) é indicada por uma linha ondulada (Figura 3.9).
Quando o átomo de carbono do grupo carbonila é envolvido na formação do anel, permitindo o desenvolvimento
do hemiacetal (anel piranosídico ou furanosídico), ele se
torna quiral. Nos D-açúcares, a configuração apresentada
pelo grupo hidroxila que se localiza abaixo do plano do anel
(na projeção de Haworth) é a forma alfa. Por exemplo, a
α-D-glicopiranose é a D-glicose na forma cíclica piranosídica, com a configuração do novo átomo de carbono quiral,
* Os anéis das formas α e β de um açúcar são conhecidos como anômeros. Dois anômeros compõem um par anomérico.
C-1, é denominado como átomo de carbono anomérico, alfa
(abaixo do plano do anel). Quando o grupo hidroxila, recentemente formado em C-1, encontra-se acima do plano
do anel (na projeção de Haworth), isto é, na posição beta,
a estrutura é denominada β-D-glicopiranose. Essa nomenclatura é mantida para todos os açúcares da forma D. Para
os açúcares da série L, o contrário é verdadeiro, ou seja, o
grupo hidroxila anomérico encontra-se acima do anômero
alfa e abaixo do anômero beta (Figura 3.8). Isso ocorre porque a α-D-glicopiranose e a α-L-glicopiranose são imagens
invertidas (espelhadas) uma da outra.
Contudo, os anéis piranosídicos não são planos, com
os grupos ligados posicionados diretamente acima e abaixo, como sugere a representação de Howarth. Ao contrário,
eles ocorrem sob diversas formas (conformações), entre as
quais a mais frequente é a conformação em forma de cadeira, denominada assim por sua semelhança com tal objeto.
Na conformação em cadeira, uma ligação de cada átomo de
carbono projeta-se acima ou abaixo do anel; elas são chamadas ligações ou posições axiais. A outra ligação, que não
está envolvida na formação do anel, encontra-se acima ou
abaixo em relação às ligações axiais, porém, em relação ao
anel, projeta-se para fora, em volta do perímetro, no qual é
chamada de deposição equatorial (Figura 3.10).
Usando a β-D-glicopiranose como exemplo, C-2, C-3,
C-5 e o átomo de oxigênio do anel encontram-se no plano,
enquanto C-4 está ligeiramente posicionado acima do anel
e C-1 está localizado logo abaixo do plano, como pode-se
observar nas Figuras 3.10 e 3.11. Essa conformação é denominada 4C1. A notação C indica que o anel tem forma de
cadeira; o número sobrescrito indica que C-4 encontra-se
acima do plano do anel e o número subscrito indica que C-1
encontra-se abaixo do plano do anel (existem duas formas de
cadeira, a segunda 1C4, possui grupos axiais e equatoriais in-
80
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
HC1 O
C 6H2OH
H
HC2OH
5
6
C H2OH
H C
OH
4
HC1 O
C
OH
H
HO 3
C
C2
HOC3H
HC4OH
5
HC OH
C 6H2OH
C5
C
4
HO
O
HC
OH
C
5
1
3
C
OH
H
C 6H2OH
H
O
4
HO
2
OH
3
OH
D-glicose
(projeção de Fischer)
O
1
OH
2
OH
D-glicopiranose
(projeção de Haworth)
FIGURA 3.7 Formação de um anel hemiacetal piranose de D-glicose.
O
OH
OH
HOH 2C
OH
FIGURA 3.8
L-arabinose
na forma de anel de furanose e na configuração α-L-.
CH2OH
HO
O
OH
OH
OH
D-glicopiranose
CH2OH
HO
OH
CH2OH
O
HO
OH
OH
D-glicopiranose
OH
OH
OH
α-D-glicopiranose
FIGURA 3.9
O
β-D-glicopiranose
como uma mistura de duas formas quirais.
vertidos). O anel de seis vértices distorce menos os ângulos
das ligações dos átomos de carbono e oxigênio que os anéis
de outras dimensões. A tensão é ainda mais reduzida, quando a maioria dos grupos hidroxila está separada ao máximo
entre si, pela conformação do anel que posiciona o maior
número deles na posição equatorial, e não na axial. A posição equatorial é energeticamente favorecida e a rotação dos
átomos de carbono ocorre sobre suas ligações envolvidas na
formação do anel, levando o maior número possível de grupos para as posições equatoriais, o mais longe possível.
Como observado, a β-D-glicopiranose possui todos os
seus grupos hidroxila na posição equatorial, mas cada um
deles encontra-se um pouco acima ou um pouco abaixo da
posição equatorial verdadeira. Na β-D-glicopiranose, os gru-
pos hidroxila, posicionados na região equatorial, alternam-se
nas posições superior e inferior, com C-1 ligeiramente acima
e C-2 ligeiramente abaixo, mantendo-se um arranjo “sobe-desce”. O grupo hidroximetil mais volumoso (C-6, nas hexoses) situa-se quase sempre em uma posição equatorial espacialmente livre. Se a β-D-glicopiranose se encontrasse na
conformação 1C4, todos esses grupos seriam axiais. Como
essa forma é de mais alta energia, há pouca β-D-glicopiranose na conformação 1C4.
Sendo assim, os açúcares simples de seis elementos são
bastante estáveis se a posição dos grupos laterais, como hidroxil e hidroximetil, são equatoriais. Logo, a β-D-glicopiranose dissolvida em água gera rapidamente uma mistura
equilibrada de formas, em cadeias abertas e formas cíclicas
Química de Alimentos de Fennema
81
Ο
FIGURA 3.10 Um anel de piranose que mostra as posições de ligação equatorial (linha sólida) e axial (linha pontilhada).
H
HO
CH2OH O
H
H
OH
HO
HO
H
H
FIGURA 3.11 β-D-glicopiranose na conformação 4C1. Todos os grupos volumosos encontram-se nas posições equatoriais e todos os
átomos de hidrogênio, nas posições axiais.
é indicada pelo sufixo -ídeo. No caso da D-glicose reagir
com o metanol, o produto principal será o metil-α-D-glicopiranosídeo, com menos metil β-D-glicopiranosídeo (Figura
3.13). Também são constituídas as duas formas anoméricas
de anéis furanosídicos de cinco vértices; porém, por possuírem estruturas de alta energia, elas se reorganizam em
formas mais estáveis sob as condições de formação, estando
presentes em equilíbrio, em baixas quantidades. O grupo
metila, nesse caso, e qualquer outro grupo ligado ao açúcar
para a formação de um glicosídeo é denominado aglicona.
Um glicosídeo hidrolisado em meio ácido produz um açúcar redutor (ver Seção 3.1.4.1) e um composto hidroxilado.
A hidrólise torna-se cada vez mais rápida à medida que a
temperatura aumenta.
de cinco, seis e sete elementos. Em temperatura ambiente,
as formas cíclicas de seis elementos (piranose) predominam,
seguidas pelas formas cíclicas de cinco elementos (furanose). A configuração do átomo de carbono anomérico (C-1
das aldoses) de cada anel pode ser alfa ou beta. A proporção
de equilíbrio das formas cíclicas varia com o açúcar e com a
temperatura. Exemplos dessa distribuição são apresentados
na Tabela 3.2.
A cadeia aberta, que contêm um grupo aldeído, constitui
apenas 0,003% do total de formas. Porém, por apresentar
rápida interconversão com as formas cíclicas, o açúcar pode
reagir de forma fácil e rápida, como se estivesse inteiramente sob a forma de aldeído livre (Figura 3.12).
3.1.3
Glicosídeos
3.1.4
A forma hemiacetal dos açúcares pode reagir com um álcool para produzir um acetal completo; esse produto é chamado glicosídeo. Em laboratório, a reação ocorre sob condições anidras, na presença de ácido (como catalisador) em
temperaturas elevadas, porém os glicosídeos costumam ser
produzidos na natureza, onde, em meios aquosos, as enzimas catalisam reações em rotas que envolvem vários intermediários. A ligação acetal do átomo do carbono anomérico
Reações de monossacarídeos
Todas as moléculas de carboidratos possuem hidroxilas livres para reagir. Os monossacarídeos simples e muitas outras moléculas de carboidratos de baixa massa molecular
também possuem grupos carbonila disponíveis para reação.
A formação de anéis piranosídicos e furanosídicos (hemiacetais cíclicos) e glicosídeos (acetais) de monossacarídeos
já foi descrita.
TABELA 3.2 Equilíbrio na distribuição das formas cíclicas e
anoméricas de monossacarídeos
Formas cíclicas de piranose
Açúcar
Glicose
Galactose
Manose
Arabinose
Ribose
Xilose
Frutose
Formas cíclicas de furanose
α-
β-
α-
β-
36,2
29
68,8
60
21,5
36,5
4
63,8
64
31,2
35,5
58,5
63
75
0
3
0
2,5
6,5
<1
0
0
4
0
0,5
13,5
<1
21
82
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
CH2OH
CH2OH
O
HO
OH
HOCH O
OH
OH
OH
OH
OH
α-D-glicopiranose
α-D-glicofuranose
CHO
HCOH
HOCH
HCOH
HCOH
CH2OH
Aldeído-D-glicose
CH2OH
O
HO
CH2OH
OH
HOCH O
OH
OH
OH
OH
OH
β-D-glicopiranose
β-D-glicofuranose
FIGURA 3.12 Interconversão das formas acíclica e cíclica da D-glicose.
(a)
HO
( b)
CH2OH
HO
O
CH2OH
HO
HO
HO
O–CH3
O
HO
O–CH3
FIGURA 3.13 Metil α-D-glicopiranosídeo (a) e metil β-D-glicopiranosídeo (b).
3.1.4.1 Oxidação a ácidos aldônicos
e a aldonolactonas
As aldoses são facilmente oxidáveis a ácidos aldônicos pela
oxidação do grupo aldeído a um grupo carboxil/carboxilato.
Essa reação costuma ser usada para a determinação quantitativa dos açúcares. Um dos primeiros métodos para a detecção
e a medida de açúcares empregou a solução de Fehling. Esta
é uma solução alcalina de cobre (II) que oxida uma aldose a
um aldonato, com redução a cobre (I) e formação de precipitado vermelho-tijolo de Cu2O. As variações desse método
(reagentes de Nelson-Somogyi e Benedict) continuam a ser
usadas na determinação de açúcares em alimentos e materiais biológicos.
(3.1)
Durante a oxidação do grupo aldeído de uma aldose ao
sal do grupo ácido carboxílico, o agente oxidante é reduzido,
ou seja, o açúcar reduz o agente oxidante; por isso, as aldoses são chamadas de açúcares redutores. As cetoses também
são denominadas como açúcares redutores pois, sob as condições alcalinas do método de Fehling, elas são isomerizadas a aldoses. O reagente de Benedict, que não é alcalino,
reagirá com aldoses, mas não com cetoses.
Um método simples e específico para a oxidação quantitativa da D-glicose a ácido D-glicônico emprega a enzima
glicose oxidase, sendo que o produto inicial é a 1,5-lactona
(um éster intramolecular) do ácido (Figura 3.14). Essa reação é comumente empregada para medição da quantidade
de D-glicose em alimentos e outros materiais biológicos, incluindo a concentração de D-glicose em sangue e urina. O
ácido D-glicônico é um constituinte natural de suco de frutas
e do mel.
A reação apresentada na Figura 3.14 também é utilizada
na produção comercial de ácido D-glicônico e sua lactona.
O D-gliconato-delta-lactona (GDL), D-glicono-1,5-lactona,
Química de Alimentos de Fennema
de acordo com a nomenclatura sistemática, hidrolisa-se por
completo em água, em cerca de três horas, em temperatura ambiente, ocasionando diminuição de pH. Essa hidrólise lenta, que por sua vez produz acidificação lenta e sabor
suave, faz do GDL um acidulante de alimentos único. Ele é
usado em carnes e produtos lácteos e, particularmente, em
massas refrigeradas como fermento químico.
O D-manitol pode ser obtido pela hidrogenação da Dmanose. Comercialmente, ele é obtido junto com o sorbitol
pela hidrogenólise da sacarose. Ele é o produto da hidrogenação da D-frutose (Figura 3.16), componente da sacarose
e da isomerização da D-glicose, a qual pode ser controlada
pela alcalinidade da solução usada na hidrogenação catalítica. O D-manitol, diferente do sorbitol, não é umectante.
Em vez disso, ele cristaliza com facilidade, sendo apenas
moderadamente solúvel e usado como cobertura não adesiva em doces.
O xilitol (Figura 3.17) é produzido a partir da hidrogenação da D-xilose, obtida da hemicelulose, especialmente de
plantas de bétula. Seus cristais apresentam calor específico
bastante negativo em solução. O comportamento endotérmico da solução cristalina de xilitol produz uma sensação de
refrescância na boca. Essa refrescância faz do xilitol um ingrediente preferencial em balas de menta e gomas de mascar
sem açúcar. Seu poder adoçante é semelhante ao da sacarose. O xilitol não é cariogênico, pois não é metabolizado pela
microflora da boca que produz a placa dentária.
3.1.4.2 Redução dos grupos carbonila
A hidrogenação é a adição de hidrogênio a uma ligação dupla. Quando aplicada a carboidratos, ela promove a adição
de hidrogênio à dupla ligação entre o átomo de oxigênio e
o átomo de carbono, do grupo carbonila de uma aldose ou
de uma cetose. A hidrogenação da D-glicose é facilmente
obtida com gás hidrogênio sob pressão, na presença de níquel de Raney como catalisador (Figura 3.15). O produto
é o D-glicitol, conhecido como sorbitol; o sufixo −itol denota um açúcar álcool (um alditol). Os alditóis também são
conhecidos como polióis e poli-hidroxil álcoois. Por ser
derivado de uma hexose, o D-glicitol (sorbitol) é especificamente um hexitol. O sorbitol é bastante distribuído nos
vegetais, sendo encontrado em algas e até mesmo em plantas superiores, onde está presente, em especial, nas frutas.
Porém, as quantidades presentes geralmente são pequenas.
O sorbitol apresenta metade do poder adoçante da sacarose, sendo vendido como xarope e em cristais, e usado
como umectante geral, ou seja, uma substância que permite a manutenção/retenção de umidade nos produtos.
3.1.4.3
Ácidos urônicos
O átomo de carbono terminal (na porção final oposta à da
cadeia carbônica do grupo aldeído) de uma unidade monossacarídica de um oligo ou de um polissacarídeo pode ocorrer
sob a forma oxidada (ácido carboxílico).
A aldo-hexose com C-6, sob a forma de grupo ácido
carboxílico, é chamada de ácido urônico. Quando os áto-
HC O
CH2OH
HCOH
HCOH
COO–
C H2OH
O
HOCH
O
OH
Glicose oxidase
HO
HCOH
OH
HO
OH
OH–
O
OH
OH
CH2OH
D-glicose
HOCH
HCOH
CH2OH
β-D-glicopiranose
D-Glicono-1,5-lactona
FIGURA 3.14 Oxidação da D-glicose catalisada pela glicose oxidase.
CH2OH
CHO
HCOH
HCOH
HOCH
HOCH
Redução
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
CH2OH
D-Glicose
FIGURA 3.15 Redução da D-glicose.
H+
HCOH
HCOH
H2O2
O2
83
C H2OH
D-Glicitol (sorbitol)
D-Gliconato
84
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
mos de carbono quirais de um ácido urônico estão na mesma configuração, da mesma forma como são encontrados
na D-galactose, por exemplo, o composto trata-se do ácido
D-galacturônico (Figura 3.18), o principal componente da
pectina (ver Seção 3.3.13).
polissacarídeos. Os açúcares fosfato são intermediários metabólicos comuns (Figura 3.19).
Os monoésteres de ácido fosfórico também são encontrados como constituintes de polissacarídeos. Por exemplo,
o amido de batata contém uma pequena porcentagem de grupos de éster fosfato. O amido de milho também, porém em
quantidade ainda menor. Na produção de amido modificado
para alimentos, o amido de milho costuma ser derivatizado com grupos ésteres mono-, ou diamidos, ou ambos (ver
Seção 3.3.6.10). Outros ésteres de amido, em particular acetato, succinato e semiéster de succinato substituído e adipatos de diamido são amidos alimentícios modificados (ver
Seção 3.3.6.10). Os ésteres de ácidos graxos e sacarose (ver
Seção 3.2.3) são produzidos comercialmente como emulsificantes de água em óleo. A família dos polissacarídeos de
algas vermelhas, os quais incluem as carragenanas, contém
grupos sulfato (semiésteres de ácido sulfúrico, R−OSO3−).
3.1.4.4 Ésteres do grupo hidroxila
Os grupos hidroxila dos carboidratos, assim como os grupos
hidroxila dos álcoois simples, formam ésteres com ácidos
orgânicos e com alguns inorgânicos. A reação de um grupo
hidroxila com uma forma ativada de ácido carboxílico anidro, na presença de uma base adequada, produz um éster:
3.1.4.5
(3.2)
Acetatos, semiésteres de succinato e outros ésteres de
ácidos carboxílicos de carboidratos ocorrem na natureza.
Eles são especialmente encontrados como componentes de
Éteres do grupo hidroxila
O grupo hidroxila dos carboidratos, assim como o grupo hidroxila de álcoois simples, pode formar tanto éteres como
ésteres. Os éteres de carboidratos não são tão comuns na naCH2OH
CH2OH
CH2OH
HOCH
HCOH
C=O
HOCH
HOCH
HOCH
Redução
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
CH2OH
D-frutose
HCOH
CH2OH
CH2OH
D-manitol
CH2OH
HCOH
HOCH
HCOH
CH2OH
FIGURA 3.17 Xilitol.
COOH
O
OH
OH
OH
FIGURA 3.18 Ácido D-galacturônico.
HCOH
D-glicitol
FIGURA 3.16 Redução da D-frutose.
HO
+
Química de Alimentos de Fennema
CHO
85
CH2OPO3H–
O
HCOH
HOCH
HO
OH
OH
HCOH
OH
HCOH
CH2OPO3H–
D-glicose 6-fosfato
CH2OPO3H–
C
–
O
HO3POCH 2
HOCH
O
OH
HO CH OPO H–
2
3
HCOH
HO
HCOH
CH2OPO3H–
D-frutose 1,6-difosfato
FIGURA 3.19 Exemplos de intermediários metabólicos açúcar-fosfato.
tureza como os ésteres. Entretanto, os polissacarídeos são
eterificados comercialmente para apresentarem propriedades modificadas e mais úteis. São exemplos de produtos, o
−
+
metil (−O−CH3), o sódio carboximetil (O−CH2−CO2 Na ),
o hidroxipropil (−O−CH2−CHOH−CH3) éter de celulose e
hidroxipropil éteres de amido, todos aprovados para uso alimentício.
Um tipo especial de éter, uma ligação éter interna entre os
átomos de carbono 3 e 6 e uma unidade D-galactosil (Figura
3.20), é encontrado nos polissacarídeos de algas vermelhas,
especificamente o agar, a furcelarana, a κ-carragenana e a
ι-carragenana (ver Seção 3.3.10). Esse éter interno é conhecido como anel 3,6-anidro. Seu nome deriva do fato de ele
poder ser encarado como o produto da remoção de componentes da água (HOH) dos grupos hidroxila, em C-3 e C-6.
Uma família de surfactantes não iônicos, baseada no sorbitol (D-glicitol), é usada em alimentos como emulsificante
água em óleo e como antiespumante. Esses alimentos são
produzidos por esterificação do sorbitol com ácidos graxos.
Uma desidratação cíclica acompanha a esterificação (inicialmente, no primeiro grupo hidroxila, que é C-1 ou C-6), de
modo que a porção de carboidrato (hidrofílica) seja não apenas de sorbitol, mas também de mono e dianidridos (éteres
cíclicos do sorbitol chamados sorbitanos; Figura 3.21). Os
produtos são conhecidos como ésteres sorbitanos. Produtos
denominados mono, di e triésteres (Spans) são formados (a
designação mono, di e tri indica simplesmente a relação de
grupos éster de ácidos graxos em relação ao sorbitano). O
produto conhecido como monoesterato de sorbitano é, de
fato, uma mistura de partes de ésteres dos ácidos esteárico
(C18) e palmítico (C16) de sorbitol (D-glicitol), 1-5 D-glicitol
anidro (1,5 sorbitano), 1,4-anidro-D-glicitol (1,4-sorbitano),
ambos éteres internos (cíclicos), e 1,4:3,6-dianidro-D-glicitol
(“isosorbídeo”), um éter dicíclico. O éster de ácidos graxos
sorbitano, assim como o sorbitano monoestareato, sorbitano
monolaureato e o sorbitano monoleato são, algumas vezes,
modificados pela reação com óxido de etileno, a fim de que
se produzam os ésteres etoxilados de sorbitanos, chamados
Tweens, os quais são detergentes não iônicos aprovados pela
FDA, nos Estados Unidos, para uso em alimentos.
3.1.4.6
Escurecimento não enzimático [4,36,69]
Sob determinadas condições, os açúcares redutores produzem pigmentos marrons que são desejáveis e importantes em
alguns alimentos. Outras vezes, pigmentos marrons produzidos sob aquecimento ou durante longo tempo de armazenamento de alimentos que contêm açúcares redutores, são
indesejáveis. Em geral, o escurecimento de alimentos sob
aquecimento ou durante a estocagem se deve a reações químicas entre o açúcar redutor, principalmente a D-glicose, e
um grupo amina primário (um aminoácido livre ou grupo
aminoacídico da cadeia lateral de uma molécula de proteína). Essa reação é conhecida como reação de Maillard e,
em processamento, também pode ser chamada de escurecimento de Maillard. Ela também é chamada de escurecimento não enzimático, para diferenciá-la de um tipo mais rápido
de escurecimento, catalisado por enzimas, o qual costuma
ser observado em frutas e vegetais recém-cortados, como no
caso da maçã e da batata.
86
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
H2C
O
O
O
OR
FIGURA 3.20 Uma unidade 3,6-anidro-α-D-galactopiranosil encontrada em polissacarídeos de algas marinhas vermelhas.
CH2OH
HOH2C
O
5
4
HO
FIGURA 3.21
sorbitol).
HOCH
1
3
4
2
OH
O
OH
3
OH
OH
5
1
2
OH
6
H
O
4
1
3
2
O
H
OH
Anidro-D-glicitóis (sorbitanos). A numeração refere-se aos átomos de carbono da molécula original de D-glicose (e de
Quando aldoses ou cetoses são aquecidas com aminas,
ocorrem diversas reações, produzindo numerosos compostos
(alguns dos quais são sabores, aromas e materiais poliméricos escuros); mas os reagentes desaparecem aos poucos. Os
sabores, os aromas e as cores produzidos podem ser desejáveis ou indesejáveis. Eles podem ser produzidos lentamente,
durante a estocagem, e com muito mais rapidez, nas altas
temperaturas que ocorrem durante frituras, grelhas ou na panificação.
Os açúcares redutores reagem de modo reversível
com a amina para formar uma base de Schiff (uma amina,
RHC=NHR), a qual pode originar um anel (do mesmo
modo que uma aldose se torna cíclica) para formar uma glicosilamina (algumas vezes chamada de N-glicosídeo). Como
demonstrado com a D-glicose (Figura 3.22), a base de Schiff
é submetida a uma reação chamada de rearranjo de Amadori
para originar, no caso da D-glicose, um derivado do 1-amino-1-desoxi-D-frutose, um composto de Amadori. Os compos-
NHR
HCOH
HCOH
+RNH2
HOCH
HC = NR
C(H)(OH)
HC = O
HCOH
–H2O
HOCH
HOCH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
HCOH
CH2OH
CH2OH
CH2OH
D-glicose
CH2NHR
C
CH2OH
HOCH
O
HO
NHR
OH
O
HCOH
HCOH
OH
Glicosilamina
FIGURA 3.22 Produtos da reação da D-glicose com uma amina primária (RNH2).
CH2OH
1-amino-1-desoxi-D-frutose
N-substituída
Química de Alimentos de Fennema
tos de Amadori são os primeiros intermediários da sequência
de reações de escurecimento.
Os compostos de Amadori passam por transformação
em quatro rotas conhecidas, partindo de quatro diferentes
intermediários formados a partir deles. O resultado é uma
mistura complexa entre intermediários e produtos. Três dos
quatro intermediários formados por rearranjos e eliminações
são compostos 1-, 3- e 4-desoxidicarbonil, geralmente conhecidos por seus nomes comuns, os quais são 1-, 3- e 4-desoxiosona. A formação desses intermediários ocorre com
mais facilidade quando o pH encontra-se entre 4 e 7. O mais
prevalente desses intermediários é, em geral, a 3-desoxiosona (mais adequadamente chamada de 3-desoxi-hexosulose,
Figura 3.23).
As osonas podem tornar-se cíclicas, do mesmo modo que
as aldoses e as cetoses. Elas também sofrerão desidratação,
principalmente em altas temperaturas. A reação continua,
em especial em pH 5 ou mais baixo, originando um intermediário que desidrata. Eventualmente, forma-se um derivado
furano, o que se origina de uma hexose é o 5-hidroximetil-2-furaldeído (Figura 3.23), comumente conhecido como
H2C
N
C
O
hidroximetilfurfural (HMF) (Figura 3.23); aquele formado
a partir de uma pentose é o furfural (furaldeído). Em condições menos ácidas, ou seja, pH> 5, o composto cíclico
reativo (HMF, furfural e outros) e os compostos que contêm
grupos amina se polimerizam, originando pigmentos escuros, um material insolúvel que contém nitrogênio, chamado
melanoidina. Aminoácidos e furanos (furfural e/ou HMF)
são quase sempre incorporados aos produtos poliméricos
finais. Os polímeros individuais que constituem as melanoidinas variam em sua coloração (de marrom a preto), massa
molecular, conteúdo de nitrogênio e solubilidade.
Quando há altas concentrações de compostos que contêm grupos amina primários (como proteínas com altas proporções de lisina), os produtos primários são os pirróis (produtos nos quais o átomo de oxigênio do anel do HMF e do
furfural são substituídos por N−R).
O maltol e o isomaltol, que contribuem para a formação
de sabor e aroma do pão, são formados a partir da 1-desoxiosona (Figura 3.24).
Os intermediários da formação de melanoidinas, chamados redutonas, também são formados a partir de 1-deso-
N
HC
COH
+
N
HC
COH
OH–
CHOH
CHOH
CH
CHOH
C HOH
C HOH
CHOH
C HOH
C HOH
CH2OH
CH2OH
Produto de
Amadori
1,2-eneaminol
HC
O
C
O
HC
O
C
O
–H2O
CH
CHOH
CH
CHOH
CHOH
CH2OH
CH2OH
C H2OH
–H2O
FIGURA 3.23 Conversão do produto de Amadori em HMF.
O
OH
OH
C
Maltol
FIGURA 3.24 Maltol e isomaltol.
CH3
O
5-hidroximetil2-furaldeído
3-desoxi-hexosulose
O
+H2O
2,3-enol
HOH2C
CH2
87
O
Isomaltol
O
CH3
CHO
88
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
xiosonas. As redutonas são antioxidantes. Uma vez que as
redutonas estão envolvidas em reações redox, outros intermediários podem ser formados a partir delas (Figura 3.25).
As osonas também podem ser clivadas, entre os dois grupos carbonila ou no local de um enediol (−COH=COH−),
formando produtos de cadeia curta, principalmente aldeídos
que podem sofrer várias reações. Outra reação importante de
compostos dicarbonílicos (osonas e desoxiosonas) é a degradação de Strecker. A reação de um desses compostos com um
α-aminoácido resulta primeiro na formação de uma base de
Schiff, em seguida em descarboxilação (liberando CO2), desidratação e eliminação para a produção de um aldeído com
um átomo de carbono a menos que o aminoácido original. Os
aldeídos produzidos a partir de aminoácidos costumam ser
os principais contribuintes para a formação de aroma durante
o escurecimento não enzimático. Entre os compostos importantes de aroma produzidos dessa forma estão o 3-metiltiopropanal (metional, CH3−S−CH2−CH2−CHO), a partir da
L-metionina, o fenilacetaldeído (Ph-CH2−CHO), a partir da
L-fenilalanina, o metilpropanal [(CH3)2−CH−CHO)] a partir da L-valina, o 3-metilbutanal [(CH3)2−CH−CH2−CHO)],
a partir da L-leucina e o 2-metilbutanol [(CH3−CH2)
(CH3)−CH−CHO], a partir da L-isoleucina.
Diversos compostos de cor, chamados coletivamente de
melanoidinas, são formados. Essa variedade resulta da abundância de intermediários e da multiplicidade de reações possíveis de condensação. Alguns contêm nitrogênio, outros,
apenas átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio. Todos
contêm um anel aromático e duplas ligações conjugadas.
Outros produtos da reação de escurecimento de Maillard
são as proteínas modificadas. As modificações de proteínas
são o resultado, principalmente, de sua reação com compostos que contêm grupos carbonila como açúcares redutores,
osonas, furfural, HMF e derivados pirrólicos. Por exemplo, a
reação do grupo ε-amino de uma unidade de L-lisina em uma
molécula de proteína, seguida de um rearranjo de Amadori,
com conversão da unidade de L-lisina em uma unidade de
N-frutofuranosil-lisina. Reações posteriores resultam em um
furano substituído e em um anel pirrol, tendo sido formados
a partir da unidade de frutofuranosil e ligados à molécula
de proteína. Reações desse gênero destroem o aminoácido.
Sendo a lisina um aminoácido essencial, sua destruição por
essa via reduz a qualidade nutricional do alimento. Perdas
de 15 a 40% de lisina e arginina em alimentos grelhados e
assados são comuns.
A mistura de produtos formados é uma função de temperatura, tempo, pH, natureza dos açúcares redutores e natureza
R
R
C
R
dos compostos amino, pelas seguintes razões: diferentes açúcares sofrem escurecimento não enzimático em velocidades
diferentes. Por exemplo, as reações de escurecimento com
D-glicose são mais rápidas do que as com D-frutose. Aminas
secundárias dão origem a produtos de reação diferentes em
comparação aos que são produzidos por aminas primárias.
Uma vez que a reação apresenta uma alta energia de ativação, em geral, é necessário que haja aplicação de calor. A
velocidade da reação de Maillard também é uma função da
atividade de água (aw) do produto alimentício, atingindo seu
máximo a valores de aw por volta de 0,6−0,7. Sendo assim,
para alguns alimentos, o escurecimento de Maillard pode ser
monitorado pelo controle da atividade de água, do mesmo
modo que pelo controle da concentração de reagentes, do
tempo, da temperatura e do pH. O dióxido de enxofre e os
íons bissulfito reagem com grupos aldeído formando compostos de adição e, desse modo, inibem a reação de Maillard
pela remoção de, ao menos, alguns dos reagentes (açúcares
redutores, HMF, furfural, etc.). A cor, o sabor e o aroma são,
por sua vez, determinados pela mistura de produtos. As variáveis das reações que podem ser controladas para aumento ou diminuição da reação de escurecimento de Maillard
são as seguintes: (1) temperatura (a redução desta diminui
a velocidade da reação) e tempo na temperatura; (2) pH
(diminuindo-se este, diminui-se a velocidade da reação); (3)
ajuste do conteúdo de água [a velocidade máxima da reação
ocorre com atividades de água entre 0,6 e 0,7 (cerca de 30%
de umidade)]; (4) açúcar específico; e (5) presença de íons
de metais de transição que, sob condições energéticas favoráveis, sofrem oxidação de um elétron, sendo o caso dos íons
Fe (II) e Cu (I) (uma reação de radical livre pode ser envolvida perto do final do processo de formação do pigmento).
Em resumo, produtos do escurecimento de Maillard,
incluindo polímeros solúveis e insolúveis, são encontrados
quando açúcares redutores e aminoácidos, proteínas e/ou outros compostos que contêm nitrogênio são aquecidos juntos,
por exemplo, no molho de soja e na crosta do pão. O escurecimento é desejável na panificação, por exemplo, na crosta
do pão, em biscoitos e em carnes grelhadas. Os compostos
voláteis, produzidos pela reação de escurecimento não enzimático (reação de Maillard) durante panificação, fritura ou
em grelhados, costumam proporcionar aromas desejáveis.
Os produtos da reação de Maillard também são contribuintes
importantes do sabor do leite, do chocolate, do caramelo,
do puxa-puxa e do doce de leite, nos quais ocorre reação
dos açúcares redutores com as proteínas do leite. A reação
de Maillard também produz sabores, em especial substân-
O
C
COH
COH
C
COH
R
FIGURA 3.25 Dois dos vários tipos de estruturas das redutonas.
R
O
Química de Alimentos de Fennema
cias amargas, as quais podem ser desejáveis, por exemplo,
no café. Por outro lado, a reação de Maillard pode resultar
em compostos de sabor e aroma indesejáveis. Esses compostos são provavelmente produzidos durante pasteurização,
estocagem de alimentos desidratados e durante produção de
grelhados de carne ou peixe. Em geral, a aplicação de calor é
necessária para a ocorrência de escurecimento não enzimático em alimentos de umidade intermediária.
3.1.4.7 Caramelização [4,59]
O aquecimento de carboidratos, em particular da sacarose e
de açúcares redutores, em ausência de compostos nitrogenados, promove um complexo grupo de reações envolvidas
na caramelização. A reação é facilitada por pequenas quantidades de ácidos e alguns sais. Ainda que não envolva carboidratos e proteínas, a caramelização é similar ao escurecimento não enzimático. O produto final, o caramelo (como
no escurecimento da reação de Maillard), contém uma mistura complexa de compostos poliméricos, formados a partir de compostos cíclicos (anéis de cinco e seis elementos)
insaturados. Além disso, assim como no escurecimento de
Maillard, encontra-se compostos de aroma e sabor. O aquecimento causa desidratação da molécula de açúcar com a introdução de ligações duplas ou a formação de anéis anidro.
Assim como na reação de Maillard, formam-se intermediários como 3-desoxiosonas e furanos. Os anéis insaturados
podem condensar para formar polímeros úteis, com duplas
ligações conjugadas, de coloração marrom. Os catalisadores aumentam a velocidade das reações, sendo usados para
conduzir a reação e na obtenção de tipos específicos de cor,
solubilidade e acidez do caramelo.
O caramelo é produzido comercialmente, tanto como corante quanto como aromatizante. Na produção de caramelo,
um carboidrato é aquecido isoladamente ou na presença de
um ácido, uma base ou um sal. O carboidrato mais utilizado
é a sacarose, mas a D-frutose, a D-glicose (dextrose), o açúcar
invertido, os xaropes de glicose, os HFSs, os xaropes de malte e os melados também podem ser utilizados. Podem ser utilizados ácidos de grau alimentício, como os ácidos sulfúrico,
sulfuroso, fosfórico, acético e cítrico. As bases que podem
ser utilizadas são os hidróxidos de amônio, sódio, potássio e
cálcio. Os sais que podem ser usados são carbonatos, bicarbonatos, fosfatos (mono e dibásicos), sulfatos e bissulfitos
de amônio, sódio e potássio. Assim, existe um grande número de variáveis, incluindo a temperatura, na produção de
caramelo. A amônia pode reagir com intermediários, como
R
89
3-desoxiosonas, produzidos por termólise, a fim de produzir
derivados de pirazinas e imidazóis (Figura 3.26).
Existem quatro classes de caramelo reconhecidas. O caramelo da classe I (também chamado de caramelo claro ou
caramelo cáustico) é preparado aquecendo-se um carboidrato sem amônia ou sem íons sulfito; um ácido ou uma base
podem ser empregados. O caramelo da classe II (também
chamado de caramelo sulfocáustico) é preparado por aquecimento de um carboidrato em presença de um sulfito, mas em
ausência de qualquer íon amônia; um ácido ou uma base podem ser empregados. Esse caramelo marrom avermelhado,
que é usado para adicionar cor a cervejas e outras bebidas
alcoólicas, contém partículas coloidais com cargas fracamente negativas, apresentando um pH em solução de 3−4.
O caramelo da classe III (também conhecido como caramelo
de amônio) é preparado pelo aquecimento de um carboidrato
em presença de uma fonte de íons amônia, mas sem a presença de íons sulfito; um ácido ou uma base podem ser empregados. Esse caramelo é marrom avermelhado, sendo usado
em produtos de panificação, xaropes e pudins. Ele contém
partículas coloidais com cargas positivas, apresentando pH
em solução de 4,2−4,8. O caramelo de classe IV (também
chamado de caramelo de sulfito-amônio) é preparado pelo
aquecimento de um carboidrato em presença tanto de sulfito como de íons amônio; um ácido ou uma base podem ser
empregados. Esse caramelo, que é usado em refrigerantes à
base de cola, outras bebidas ácidas, xaropes, temperos secos, assados, doces e rações, é marrom, contém partículas
coloidais com carga negativa e apresenta pH em solução de
2−4,5. Nesse caso, um ácido catalisa a clivagem da ligação
glicosídica da sacarose e o íon amônia participa da reação
de rearranjo de Amadori. Em todos os quatro tipos de caramelo, os pigmentos são moléculas poliméricas grandes com
estruturas complexas, variadas e desconhecidas. São esses
polímeros que formam as partículas coloidais. Sua velocidade de formação aumenta com o aumento da temperatura
e do pH. A caramelização também pode ocorrer durante o
cozimento ou a panificação, principalmente na presença de
açúcar. Isso ocorre em paralelo com o escurecimento não
enzimático, durante a preparação de chocolate e bombons.
3.1.4.8
Formação de acrilamida em
alimentos [3,18,50,70,73]
A reação de Maillard tem sido implicada na formação de
acrilamida, em muitos alimentos que foram aquecidos a
altas temperaturas, durante processamento ou preparação.
N
N
N
NH
R′
R′
Esquerda
Direita
FIGURA 3.26 Pirazina (esquerda) e imadazol (direita) formados durante a caramelização, na presença de amônia. R= −CH2−(CHOH)2−
CH2OH, R = −(CHOH)3−CH2OH.
90
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Níveis de acrilamida (tipicamente <1,5 ppm) têm sido observados em diversos alimentos que foram elaborados por
fritura, panificação, puffing (expansão), assados ou outros
tipos de processo com temperatura elevada, durante produção ou preparação (Tabela 3.3). A acrilamida não é detectada
em alimentos que não foram aquecidos ou naqueles preparados por fervura em água, como batatas cozidas (fervidas),
pois a temperatura de cozimento não atinge valores acima de
∼100°C. A acrilamida não é detectada (ou é apenas em níveis muito baixos) em frutas enlatadas ou congeladas, vegetais e produtos de proteína vegetal (“hamburgers” vegetais e
produtos relacionados), com exceção das azeitonas maduras
picadas, nas quais foram medidos níveis entre 0 e 1.925 ppb.
Ela é conhecida por ser neurotóxica, sendo, provavelmente,
um fraco carcinogênico para seres humanos expostos a níveis muito mais altos que os encontrados em alimentos.
A acrilamida deriva, principalmente, da reação de segunda ordem entre açúcares redutores (via carbonila) e o grupo
α-amino da L-asparagina livre (Figura 3.27). A reação necessita da presença dos dois substratos. Batata frita e chips
de batata são mais suscetíveis à formação de acrilamida por
conterem tanto a D-glicose como a L-asparagina livres. Essa
reação talvez ocorra por meio de um intermediário de uma
base de Schiff, que sofre descarboxilação, seguida de clivagem da ligação carbono-carbono para formar a acrilamida,
cujos átomos são reconhecidamente derivados apenas da
asparagina. No entanto, ela não é um produto favorecido
por essa complexa série de reações (eficiência de reação ≈
0,1%), e só há acúmulo de níveis detectáveis de acrilamida
em produtos alimentícios sujeitos a aquecimento prolongado em altas temperaturas. A sua formação precisa de uma
temperatura mínima de 120°C, o que significa que ela não
pode ocorrer em alimentos de alto conteúdo de umidade,
sendo cineticamente favorecida pelo aumento da temperatura a cerca de 200°C. Com a elevação do aquecimento a tem-
peraturas acima de 200°C, os níveis de acrilamida podem
decrescer por meio de reações de eliminação/degradação
térmica. Esses níveis em alimentos também são influenciados pelo pH. A formação de acrilamida é favorecida pelo
aumento do pH acima de faixas de 4−8. Considera-se que a
redução da formação de acrilamida na faixa ácida deve-se,
em parte, à protonação do grupo α-amino da asparagina, reduzindo seu potencial nucleofílico. Além disso, a acrilamida
parece sofrer aumento das taxas de degradação térmica com
a diminuição do pH. A concentração de acrilamida aumenta
rapidamente nos estágios tardios de um processo prolongado
de aquecimento, uma vez que ocorre perda de água da superfície do alimento, permitindo o aumento da temperatura
acima de 120°C. Produtos com alta área superficial, como os
chips de batata, estão entre os alimentos processados em alta
temperatura que exibem as maiores concentrações de acrilamida. Desse modo, a área exposta de um alimento pode ser
um fator adicional, quando os substratos e a temperatura da
reação forem suficientes para a formação de acrilamida.
Os esforços para minimizar a formação de acrilamida em
alimentos costumam envolver uma ou mais das três estratégias: (1) remoção de um ou de ambos os substratos; (2)
alteração das condições de processamento; e (3) remoção da
acrilamida do alimento após sua formação. Pelo branqueamento ou pela maceração em água, é possível atingir mais de
60% de redução na concentração de acrilamida em produtos
processados de batata, por meio da remoção de substratos
(açúcares redutores e asparagina livre). Modificação dos
reagentes (protonação da asparagina com queda do pH, ou
conversão da asparagina a ácido aspártico com a asparaginase), adição de substratos competidores que não produzem
acrilamida (p. ex., outros aminoácidos ou proteína que não
a asparagina) e incorporação de sais têm demonstrado diminuir a formação de acrilamida. Quando possível, um melhor
controle ou a otimização das condições de processamento
TABELA 3.3 Variação da concentração de acrilamida encontrada em produtos
alimentícios que contêm essa substância em níveis elevados
Alimento
Amêndoas (tostadas)
Roscas
Pães
Cereais matinais (prontos para consumo)
Cacau
Café
Café com chicória
Biscoitos
Crackers e produtos relacionados
Batatas fritas
Chips de batata
Pretzels
Tortilhas
Chips de tortilhas
Acrilamida, ppba
236–457
0–343
0–364
34–1.057
0–909
3–374
380–609
36–432
26–1.540
20–1.325
b
117–196
46–386
10–33
117–196
a
Os valores extremos, em especial os valores muito altos, costumam representar apenas um pequeno
número de produtos amostrados.
b
Uma amostra de chips de batata doce continha 4.080 ppb de acrilamida.
Fonte: (Center for Food Safety and Applied Nutrition).
Química de Alimentos de Fennema
OH
CO2H
O
HO
HO
OH
O
L-asparagina
OH OH
HO
NH2
H2N
+
HO
D-glicose
91
CO2H
NH2
OH
O
N
–CO2
OH
Base de Schiff
OH
HO
OH
NH2
OH
NH2
–
N
H2O
O
OH
O
Base de Schiff descarboxilada
+ D-glicose
+ NH3
Acrilamida
FIGURA 3.27 Mecanismo proposto para a formação de acrilamida em alimentos.
térmico (relação temperatura/tempo) também podem trazer
benefícios à minimização da concentração de acrilamida.
É provável que a combinação de métodos de diminuição seja necessária para, efetivamente, limitar a formação
de acrilamida em alimentos, sendo possível que os métodos
empregados variem em função da natureza e das necessidades do sistema alimentício em particular.
Embora, até o presente momento, os estudos não tenham
revelado associação entre consumo de acrilamida em alimentos e risco de câncer, carcinogenicidade a longo prazo,
mutagenicidade e neurotoxicidade, outros estudos continuam sendo desenvolvidos, junto a esforços para redução da
formação de acrilamida durante o processamento e a preparação de alimentos.
3.2
OLIGOSSACARÍDEOS
Um oligossacarídeo contém entre 2 e 10 e, dependendo da
definição, entre 2 e 20 unidades de açúcar, unidas por ligações glicosídicas. Quando uma molécula contém mais de 20
unidades, ela é um polissacarídeo.
Os dissacarídeos são glicosídeos nos quais a aglicona
é uma unidade monossacarídica. Um composto que contém três unidades monossacarídicas é um trissacarídeo.
Estruturas que contêm entre 4 e 10 unidades glicosil, lineares ou ramificadas, são tetra, penta, hexa, hepta, octa, nona,
decassacarídeos e assim sucessivamente. São poucos os
CH2OH
oligossacarídeos de ocorrência natural. A maioria é produzida por hidrólise de polissacarídeos em unidades menores.
Como as ligações glicosídicas fazem parte da estrutura acetal, elas sofrem hidrólise ácida em meio ácido e temperatura
elevada.
3.2.1
A maltose (Figura 3.28) é um exemplo de dissacarídeo. A
extremidade redutora (à direita de onde costuma ser escrita)
tem um grupo aldeído potencialmente livre e, em solução,
estará em equilíbrio com formas em anel de seis membros
alfa e beta, como já foi descrito para os monossacarídeos.
Uma vez que O-4 está bloqueada pela ligação da segunda
unidade glicopiranosil, um anel furanosídico não pode formar-se. A maltose é um açúcar redutor, por ter seu grupo
aldeído livre para reagir com oxidantes e, de fato, sofrer quase todas as reações contanto que esteja presente como uma
aldose livre.
A maltose é produzida pela hidrólise do amido com a
enzima β-amilase (ver Seção 3.3.6.9). Na natureza, ela é encontrada raramente e apenas em plantas, sendo resultado da
hidrólise parcial do amido. A maltose é produzida durante a
malteação dos grãos, em particular da cevada, e, comercialmente, pela hidrólise do amido, catalisada por enzimas específicas, usando a β-amilase de espécies de Bacillus, embora
a β-amilase de sementes de cevada, soja e batata doce tamC H2OH
O
O
HO
OH
OH
OH
O
OH
FIGURA 3.28 Maltose.
Maltose
OH
92
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
bém possa ser usada. A maltose é muito pouco usada como
adoçante brando para alimentos. Essa substância é reduzida
a alditol maltitol, o qual é usado em chocolates sem açúcar.
3.2.2
epiteliais do intestino delgado. Ela catalisa a hidrólise da
lactose em seus monossacarídeos constituintes, D-glicose e
D-galactose, as quais são rapidamente absorvidas, entrando
na corrente sanguínea.
Lactose
(3.3)
O dissacarídeo lactose (Figura 3.29) é encontrado no leite,
sendo, principalmente, livre, mas, em pequena quantidade,
como um componente de oligossacarídeos superiores. A
concentração de lactose no leite varia conforme a espécie
de mamífero, de 2,0 a 8,5%. Os leites de vaca e de cabra
contêm 4,5-4,8%, o leite humano, cerca de 7%. A lactose é
fonte primária de carboidratos para o desenvolvimento de
mamíferos. Em humanos, a lactose constitui 40% da energia
consumida durante a fase de amamentação. Para utilização
da energia da lactose é necessária, primeiro, a hidrólise até
os constituintes monossacarídicos, D-glicose e D-galactose,
isso porque somente os monossacarídeos são absorvidos
no intestino delgado. O leite também contém 0,3-0,6% de
oligossacarídeos que contêm lactose, muitos dos quais são
importantes fontes de energia para o crescimento de diversas
espécies de Lactobacillus bifidus, os quais são microrganismos predominantes da flora intestinal de crianças em fase de
amamentação.
A lactose é ingerida por meio do leite e de outros produtos lácteos não fermentados, como o sorvete. Os produtos
lácteos fermentados, como a maioria dos iogurtes e queijos,
contêm menos lactose, pois, durante a fermentação, parte
dela é convertida em ácido láctico. A lactose estimula a absorção intestinal e a retenção de cálcio, não sendo digerida
até atingir o intestino delgado, onde está presente a enzima
lactase. Esta (uma β-galactosidase) é uma enzima ligada
à membrana, localizada nas microvilosidades das células
Se, por alguma razão, a lactose ingerida for hidrolisada
apenas parcialmente, ou seja, não for digerida por completo,
ou, ainda, se não houver hidrólise, o indivíduo em particular
estará diante de uma síndrome clínica chamada intolerância
à lactose. No caso de uma deficiência de lactase, parte da
lactose persistirá no lúmen do intestino delgado. A presença
de lactose tende a atrair fluidos para o lúmen por osmose.
Esse fluido produz distensão abdominal e cólicas. Do intestino delgado, a lactose passa para o intestino grosso (colo),
onde passa por uma fermentação bacteriana a ácido láctico
(presente como ânion lactato) (Figura 3.30) e outros ácidos
de cadeia curta. O aumento da concentração dessas moléculas, ou seja, o aumento da pressão osmótica, resulta em
aumento da retenção de líquidos. Além disso, os produtos
ácidos da fermentação abaixam o pH e irritam a superfície
do colo, acarretando no aumento da movimentação do conteúdo intestinal. Os produtos gasosos da fermentação causam inchaço e cólicas.
A intolerância à lactose não costuma ser observada em
crianças antes de cerca de seis anos de idade. Nesse ponto, a
incidência de indivíduos com intolerância à lactose começa
a crescer, aumentando durante a vida, com maior incidência
em idosos. Tanto a incidência como o grau de intolerância à
lactose variam entre os grupos étnicos, indicando que a presença ou a ausência de lactase está relacionada à genética.
Existem três maneiras de superação dos efeitos da deficiência de lactase. Uma é a remoção da lactose por fermenCH2OH
O
CH2OH
O
HO
OH
OH
O
OH
OH
OH
FIGURA 3.29 Lactose.
Lactose
β-galactosidase
bacteriana
D-glicose + D-galactose
Fermentação por bactérias
COO–
HOCH
CH3
L-lactato
FIGURA 3.30 Destino da lactose no intestino grosso de indivíduos com deficiência de lactase.
Química de Alimentos de Fennema
tação, como no iogurte e em outros produtos fermentados.
Outra é a produção de leite com baixo teor de lactose, pela
adição de lactase. No entanto, ambos os produtos da hidrólise, D-glicose e D-galactose, são mais doces do que a lactose,
e, com cerca de 80% de hidrólise, a mudança de sabor começa a ficar evidente. Sendo assim, a maioria dos leites tem o
seu teor de lactose reduzido até o mais próximo possível de
70%, limite estabelecido pelo governo. A terceira maneira é
o consumo de β-galactosidase junto a produtos lácteos.
3.2.3
dade D-galactopiranosil ligada à sacarose e (2) um tetrassacarídeo, a estaquiose, a qual contém outra unidade D-galactosil
(Figura 3.32). Tais oligossacarídeos, também encontrados em
feijões, não são digeríveis. Esses e outros carboidratos que
não são completamente hidrolisados em monossacarídeos
pelas enzimas do intestino, não são absorvidos ao passarem
pelo colo. Nesse ponto, eles são metabolizados por microrganismos, produzindo lactato e gases. Diarreia, inchaço e flatulência são decorrentes desse processo.
A sacarose tem uma rotação óptica específica de +66,5°.
A mistura equimolar de D-glicose e D-frutose, produzida pela
hidrólise da ligação glicosídica que une os dois monossacarídeos, tem uma rotação óptica específica de −33,3°. Os primeiros pesquisadores a relatarem esse processo o chamaram
de inversão e a seu produto, de açúcar invertido.
A sacarose e muitos outros carboidratos de baixa massa
molecular (p. ex., monossacarídeos, alditóis, dissacarídeos
e outros oligossacarídeos de baixa massa molecular), por
causa de sua grande hidrofilicidade e solubilidade, podem
produzir soluções bem concentradas com alta osmolalidade.
Essas soluções, como o mel, não necessitam de conservantes, podendo ser usadas não somente como adoçantes (ainda
que nem todos os xaropes de carboidratos precisem ter muita
doçura), mas também como conservantes e umectantes.
Parte da água de qualquer solução de carboidrato não é
congelável. Quando a água congelável cristaliza, ou seja, forma gelo, a concentração de soluto na fase líquida remanescente aumenta e o ponto de congelamento diminui. Há um
Sacarose [40,46]
Quando a quantidade total de sacarose, usualmente chamada
de açúcar ou açúcar de mesa, usada nos Estados Unidos, é dividida pelo total da população, calcula-se que a média diária
de utilização por pessoa seja cerca de 160 g; mas a sacarose
também é muito utilizada em fermentações e rações. Assim,
a média de consumo diário por indivíduo em alimentos e
bebidas é muito menor, sendo estimada em cerca de 55 g (20
kg ou 43 lb/ano). A sacarose é composta por uma unidade
α-D-glicopiranosil e uma unidade β-D-frutofuranosil unidas
“cabeça a cabeça” (extremidade redutora com extremidade
redutora), em vez da ligação usual “cabeça-cauda” (Figura
3.31). Pelo fato de não ter uma extremidade redutora, ela é
classificada como açúcar não redutor.
Existem duas principais fontes de sacarose comercial, a
cana de açúcar e a beterraba açucareira. Nesta também se encontra (1) um trissacarídeo, a rafinose, a qual possui uma uniCH2OH
O
HO
OH
HO O
O
HOCH2
HO CH2OH
OH
FIGURA 3.31 Sacarose.
αGalp(1
93
6) αGalp(1
6) αGlcp(1
2)Fruf
Sacarose
Rafinose
Estaquiose
FIGURA 3.32 Sacarose, rafinose e estaquiose (para a explicação da designação das estruturas, ver Seção 3.31).
94
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
aumento consequente de viscosidade da solução remanescente. Finalmente, a fase líquida se solidifica como um gelo,
no qual a mobilidade de todas as moléculas se torna restrita
e as reações dependentes de difusão se tornam muito lentas
(ver Capítulo 2) e, devido a essa restrição de mobilidade, as
moléculas de água tornam-se não congeláveis, ou seja, não
formam cristais. Desse modo, os carboidratos funcionam
como crioprotetores, protegendo contra a desidratação que
destrói a estrutura e a textura causada pelo congelamento.
A sacarose do trato intestinal humano catalisa a hidrólise
da sacarose em D-glicose e D-frutose, fazendo da sacarose
um dos três carboidratos que o homem pode digerir e utilizar
como energia, sendo os outros dois a lactose e o amido. Os
monossacarídeos (D-glicose e D-frutose, os mais significativos para a dieta humana) não necessitam de transformação
antes da absorção.
3.2.4
seis, sete ou oito unidades glicosil; sendo referidas como α,
β e γ-ciclodextrinas, respectivamente. Em esquemas de produção comercial, elas podem ser isoladas por cristalização
seletiva (seguindo o tratamento do caldo de reação com glicoamilase) ou precipitação diferencial envolvendo a adição
de agente complexante (tipicamente um solvente orgânico).
Ainda que α-, β- e γ-ciclodextrinas sejam todas permitidas
para uso em alimentos (são consideradas GRAS), apenas a
β-ciclodextrina é utilizada em um grau apreciável, devido a
seu baixo custo (em relação às outras duas) e suas funções
já conhecidas.
As ciclodextrinas possuem uma forma de funil truncado
com o núcleo ou a cavidade hidrofóbica e a superfície externa hidrofílica (Figura 3.34). A solubilidade das ciclodextrinas em água, que é atribuída à presença de grupos hidroxila em sua superfície molecular externa, é diferente entre
os tipos α-, β- e γ- (Tabela 3.4). A γ-ciclodextrina é a mais
hidrossolúvel, seguida pela α-ciclodextrina, enquanto o tipo
β-, devido a uma extensa faixa de ligações hidrogênio intramoleculares abrangendo a totalidade do perímetro molecular
externo, possui a menor solubilidade em água. Em contrapartida, a cavidade interna possui um ambiente hidrofóbico
para a formação de complexos de inclusão com moléculas
hóspedes não polares, por meio de associações hidrofóbicas e outras não covalentes. O tamanho da cavidade interna
(Tabela 3.4) aumenta com o aumento do número de unidades
glicosil da ciclodextrina (γ > β > α). A capacidade de formar complexos é a propriedade mais significativa das ciclo-
Ciclodextrinas [48,56]
As ciclodextrinas, formalmente conhecidas como dextrinas
de Schardinger e cicloamiloses, estão compreendidas na
família dos oligossacarídeos cíclicos, sendo compostas por
unidades de α-D-glicopiranosil unidas por ligações 1→4
(Figura 3.33). Essas estruturas cíclicas são formadas a partir de polímeros de amido solúvel, parcialmente hidrolisado
(Seção 3.3.6.9) pela ação da enzima ciclodextrina glicosiltransferase (CGTase), que catalisa uma ciclização intramolecular de cadeias glicosil. As ciclodextrinas consistem de
OH
O
HO
O
HO
n
FIGURA 3.33 Estruturas químicas generalizadas de α-(n=6), β-(n=7) e γ-(n=8) ciclodextrinas.
Núcleo hidrofóbico
Grupos
hidroxil
secundários
Superfície
externa hidrofóbica
Grupos
hidroxil
primários
FIGURA 3.34 Representação da forma geométrica idealizada das ciclodextrinas.
Química de Alimentos de Fennema
95
TABELA 3.4 Características químicas de α-, β- e γ-ciclodextrinas
Característica
Número de unidades glicosil
Massa molecular
Solubilidade (g/100 mL a 25ºC)
Diâmetro da cavidade (Å)
dextrinas, sendo a característica que direciona quase todas
as suas aplicações em alimentos e na indústria. Em sistemas
alimentícios, elas podem ser usadas para complexar aromas,
lipídeos e compostos de cor, com uma série de propósitos.
As ciclodextrinas podem ser usadas para complexar constituintes indesejáveis (mascarar compostos de sabor e odor
indesejável e sabor amargo, e remoção de colesterol e ácidos
graxos livres), para estabilizar contra a oxidação química
(p. ex., proteção de compostos de aroma, fixação de compostos fenólicos precursores de escurecimento enzimático),
aumentar a solubilidade de compostos de aroma lipofílicos e
melhorar a estabilidade física dos ingredientes de alimentos
(encapsulação de voláteis, liberação controlada de sabores).
3.3
POLISSACARÍDEOS [54,65]
3.3.1 Estrutura química e propriedades
dos polissacarídeos
Os polissacarídeos são polímeros de monossacarídeos. Assim
como os oligossacarídeos, eles são compostos de unidades
glicosil em arranjos lineares, porém a maioria deles apresenta muito mais do que as 10 ou 20 unidades glicosil, que são
o limite dos oligossacarídeos. O número de unidades de monossacarídeos de um polissacarídeo, denominado como grau
de polimerização (DP − do inglês degree of polymerization),
é variável. São poucos os polissacarídeos que possuem um
DP menor do que 100; a maioria apresenta DP de cerca de
200-3.000. Os maiores, como a celulose, possuem DP de
7.000-15.000. No amido, a amilopectina é ainda maior, tendo
7
uma massa molecular média de 10 (DP>60.000). Estima-se
que mais de 90% da massa de carboidratos da natureza seja
encontrada na forma de polissacarídeos. O termo científico
geral para polissacarídeos é glicanos.
Se todas as unidades glicosídicas forem do mesmo tipo,
elas serão homogêneas quanto à unidade monomérica, sendo
denominadas de homoglicanos. Exemplos deste são a celulose (Seção 3.3.7), a amilose do amido (Seção 3.3.6.1), que
é linear, e a amilopectina (Seção 3.3.6.2), que é ramificada.
Todos os três são compostos somente por unidades D-glicopiranosil.
Quando o polissacarídeo é composto por duas ou mais
unidades monossacarídicas diferentes, ele é um heteroglicano. Um polissacarídeo que possui duas unidades de monossacarídeo diferentes é um di-heteroglicano; um polissacarídeo que contém três unidades diferentes de monossacarídeos
é um tri-heteroglicano e assim sucessivamente. Os di-heteroglicanos são, em geral, polímeros lineares de blocos de
unidades similares que se alternam ao longo da cadeia, ou
α
β
γ
6
972
14,5
4,7–5,3
7
1.135
1,9
6,0–6,5
8
1.297
23,2
7,5–8,3
consistem de uma cadeia linear de um tipo de unidade glicosil, com uma segunda unidade presente como ramificação,
apresentando uma unidade simples. Um exemplo do primeiro tipo é o alginato (Seção 3.3.11) e do segundo, a goma
guar e a goma locusta (Seção 3.3.8).
Na nomenclatura abreviada dos oligo e polissacarídeos,
as unidades glicosil são designadas pelas três primeiras letras de seus nomes, com a primeira letra maiúscula, exceto
para a glicose, que é Glc. Se a unidade monossacarídica for
de um D-açúcar, o D será omitido; somente L-açúcares são
então designados, por exemplo, L-ara para L-arabinose. O
tamanho do anel é designado em itálico, p para piranose e f
para furanose. A configuração anomérica é designada com α
ou β, o que for apropriado, por exemplo, uma unidade α-D-glicopiranosil é indicada como α-Glcp. Os ácidos urônicos
são designados com a letra maiúscula A, por exemplo, um
ácido L-gulopiranosilurônico (ver Seção 3.3.11) é indicado como LGulpA. A posição das ligações pode ser designada por 1→3 ou 1,3, sendo que a última é a designação
mais usada por bioquímicos e a primeira por químicos de
carboidratos. Utilizando-se a nomenclatura abreviada, a
estrutura da lactose é representada como β-Galp(1→4)Glc
ou β-Galp1,4Glc e a da maltose como α-Glcp(1→4)Glc ou
α-Glcp1,4Glc. Observe que as extremidades redutoras não
podem ser designadas por α ou β, ou como sendo um anel
piranosídico ou furanosídico (exceto no caso de produtos
cristalinos), pois o anel pode abrir e fechar; ou seja, em soluções de lactose e maltose e de outros oligo e polissacarídeos,
a extremidade redutora ocorrerá como uma mistura de formas de anéis α e β piranosídicos e, também, na forma acíclica, com conversão rápida entre elas (ver Figura 3.12).
3.3.2
Solubilidade de polissacarídeos
A maioria dos polissacarídeos contém unidades glicosil que,
em média, possuem três grupos hidroxila. Cada um desses
grupos tem a possibilidade de formar ligações de hidrogênio
com uma ou mais moléculas de água. Além disso, o átomo
de oxigênio do anel e o átomo de oxigênio que liga um anel
de açúcar ao outro pode formar ligações de hidrogênio com
a água. Como cada unidade de açúcar da cadeia tem a capacidade de reter moléculas de água, os glicanos possuem
uma forte afinidade com a água e a maioria se hidrata facilmente quando ela está disponível. Em sistemas aquosos,
as partículas de polissacarídeos podem captar moléculas de
água, inchar e, geralmente, passar por dissolução parcial ou
completa.
Os polissacarídeos, assim como os carboidratos de baixa
massa molecular, modificam e controlam a mobilidade da
96
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
água em sistemas alimentícios, sendo que a água desempenha um papel importante, influenciando as propriedades físicas e funcionais dos polissacarídeos. Os polissacarídeos e a
água, juntos, controlam muitas propriedades funcionais dos
alimentos, incluindo a textura.
A água de hidratação, que é naturalmente unida às moléculas de polissacarídeo por ligações de hidrogênio, costuma
ser descrita como água não congelável, ou seja, a água cuja
estrutura foi suficientemente modificada pela presença da
molécula de polímero que não congelará. Essa água também
tem sido chamada de água que dá plasticidade. As moléculas
que a compõem não são ligadas energeticamente, no sentido
químico. Ainda que seus movimentos estejam retardados,
elas podem trocar-se de maneira livre e rápida com outras
moléculas de água. A água de hidratação compõe apenas
uma pequena parte do total de água de géis e tecidos frescos
de alimentos. A água que excede à de hidratação é retida em
capilares de diversos tamanhos, no gel ou tecido.
Os polissacarídeos são “crioestabilizadores”, mais do
que crioprotetores. Eles não aumentam a osmolalidade nem
diminuem o ponto de congelamento da água significativamente, isso porque eles são moléculas grandes e de elevada
massa molecular, e a pressão osmótica e a depressão do ponto de congelamento são propriedades coligativas. Quando
uma solução de polissacarídeo é congelada, forma-se um
sistema de duas fases, de água cristalina (gelo) e um vítreo
consistindo de, talvez, 70% de moléculas de polissacarídeo
e 30% de água não congelável. Como no caso das soluções
de carboidratos de baixa massa molecular, a água não congelada faz parte de uma solução muito concentrada, na qual a
mobilidade das moléculas de água é restrita pela viscosidade
extremamente alta. Enquanto alguns polissacarídeos proporcionam “crioestabilização”, produzindo essa matriz congelada-concentrada que limita intensamente a mobilidade molecular, outras proporcionam crioestabilização, restringindo
o crescimento de cristais de gelo, por adsorção ao núcleo
ou aos sítios de crescimento do cristal. Na natureza, alguns
polissacarídeos são “nucleadores” de gelo.
Dessa forma, tanto os carboidratos de baixa como os de
alta massa molecular costumam ser protetores efetivos de
alimentos estocados em temperaturas de congelamento (em
geral, a −18°C), das trocas destrutivas de estrutura e textura, apresentando diferentes graus de efetividade. A melhor
qualidade do produto e a estabilidade durante a estocagem
são resultado do controle da quantidade (particularmente no
caso dos carboidratos de baixa massa molecular) e do estado
estrutural (em particular no caso dos carboidratos poliméricos) da matriz congelada-concentrada amorfa que circunda
os cristais de gelo.
A maioria, se não todos os polissacarídeos, exceto os
que têm forma arbustiva, com estruturas de ramificações sobre ramificações, existe em algum tipo de forma helicoidal.
Alguns homoglicanos lineares, como a celulose (ver Seção
3.3.7), possuem estruturas planas em forma de fitas. Cada
uma das cadeias lineares uniformes se liga por pontes de hidrogênio à outra e assim sucessivamente, formando zonas
cristalinas separadas por zonas amorfas (Figura 3.35). A
cristalinidade das cadeias lineares confere às fibras de ce-
lulose, assim como às fibras de madeira e de algodão, sua
grande força, sua insolubilidade e sua resistência à ruptura;
essa última ocorre porque as regiões cristalinas são quase
inacessíveis à penetração de enzimas. Esses polissacarídeos
com elevado grau de orientação e cristalinidade são exceções. A maioria deles não é tão cristalina, hidratam-se com
facilidade e se dissolvem em água.
Os di-heteroglicanos não ramificados, que contêm blocos
não uniformes de unidades glicosil, e, ainda, a maioria dos
polissacarídeos ramificados não podem formar micelas, pois
suas cadeias não podem empacotar-se intimamente no comprimento necessário para que se formem ligações intermoleculares fortes e, então, zonas cristalinas consideráveis. Dessa
forma, essas cadeias têm o seu grau de solubilidade aumentado à medida que são menos hábeis em se aproximar. Em
geral, os polissacarídeos se tornam mais solúveis em proporção ao grau de irregularidade das cadeias moleculares, o que
é outra forma de dizer que, quanto maior for a dificuldade de
aproximação das moléculas, maior será solubilidade.
Polissacarídeos solúveis em água e polissacarídeos modificados, usados em alimentos ou em outras aplicações
industriais, são conhecidos como gomas ou hidrocoloides.
Essas gomas são comercializadas sob a forma de pó com
partículas de tamanho variado.
3.3.3 Viscosidade e estabilidade de
soluções de polissacarídeos [12,20]
Os polissacarídeos (gomas, hidrocoloides) são utilizados
em alimentos, principalmente para espessar e/ou gelificar
soluções aquosas e, ainda, para modificar e/ou controlar as
propriedades de fluxo e a textura de produtos líquidos e as
propriedades de deformação de produtos semissólidos. Eles
costumam ser usados em produtos alimentícios em concentrações de 0,25-0,50%, indicando sua grande capacidade de
produzir viscosidade e de formar géis.
A viscosidade da solução de um polímero é função do
tamanho e da forma de suas moléculas e da conformação
que venham a adotar no solvente. Em alimentos e bebidas,
o solvente é uma solução aquosa de outros solutos. A forma das moléculas dos polissacarídeos em solução é função
das rotações em torno das ligações das uniões glicosídicas.
Quanto maior for a liberdade interna em cada ligação glicosídica, maior o número de conformações disponíveis para
cada segmento. A flexibilidade da cadeia proporciona um
forte estado entrópico, o qual costuma superar considerações
energéticas, induzindo a cadeia a adotar, em solução, formas
desordenadas ou helicoidais aleatórias. Entretanto, a maioria
dos polissacarídeos exibe desvios do estado estritamente helicoidal, sendo que a natureza específica das hélices é função
da composição e das ligações dos monossacarídeos.
O movimento de polímeros lineares em solução aumenta o espaço ocupado. Quando eles colidem entre si, criam
fricção, consomem energia e, desse modo, produzem viscosidade. Os polímeros lineares produzem soluções altamente
viscosas, ainda que em baixas concentrações. A viscosidade
depende, ao mesmo tempo, do DP (massa molecular), bem
Química de Alimentos de Fennema
97
FIGURA 3.35 Regiões cristalinas nas quais as cadeias encontram-se paralelas e ordenadas, separadas por regiões amorfas.
FIGURA 3.36 Moléculas de polissacarídeos enroladas aleatoriamente.
como da forma e da flexibilidade da cadeia polimérica solvatada. Com o tempo, as moléculas mais estendidas e/ou mais
rígidas produzem aumento de viscosidade. Em relação ao DP,
a carboximetilcelulose (CMC; ver Seção 3.3.7.2) e seus produtos derivados podem ter soluções viscosas a uma concentração de 2%, que pode variar de <5 até 100.000 mPa · S.
Um polissacarídeo altamente ramificado pode ocupar
muito menos espaço do que um polissacarídeo linear com
mesma massa molecular (Figura 3.37). Como resultado, as
moléculas altamente ramificadas colidirão com menos frequência e produzirão uma viscosidade muito menor que a de
moléculas lineares de mesmo DP. Isso também implica que
98
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
FIGURA 3.37
molecular.
Volumes relativos ocupados por um polissacarídeo linear e um polissacarídeo altamente ramificado, de mesma massa
polissacarídeos bastante ramificados devem ser muito maiores que polissacarídeos lineares para produzirem a mesma
viscosidade, na mesma concentração.
Do mesmo modo, os polissacarídeos de cadeias lineares
exibem apenas um tipo de carga iônica (quase sempre uma
carga negativa resultante dos grupos ionizados carboxila e
meio-éster) que os conduz a assumir uma configuração estendida devido à repulsão das cargas de mesmo sinal, aumentando o comprimento da cadeia e, então, aumentando o
espaço ocupado pelo polímero. Desse modo, esses polímeros tendem a produzir soluções de alta viscosidade.
Os glicanos não ramificados, com estruturas de unidades
repetidas, formam dispersões aquosas instáveis que precipitam ou gelificam rapidamente. Isso ocorre com segmentos de
moléculas longas que colidem e formam ligações intermoleculares que excedem a distância de algumas unidades. Então,
os alinhamentos iniciais curtos se estendem em forma de
zíper de modo a aumentar a força das associações intermoleculares. Outros segmentos de outras cadeias, que colidem
com esse núcleo organizado, ligam-se a ele, aumentando o
tamanho da fase ordenada e cristalina. As moléculas lineares
continuam a se ligar de modo a formar uma micela que pode
atingir um tamanho no qual as forças gravitacionais causam
precipitação. Por exemplo, a amilose, quando dissolvida em
água aquecida e então resfriada abaixo de 65°C, sofre agregação molecular e precipita, um processo chamado retrogradação. Durante o resfriamento do pão e de outros produtos de
panificação, as moléculas de amilose se associam para gerar
firmeza. Em tempos longos de estocagem, as ramificações
da amilopectina associam-se (e podem produzir cristalização
parcial), produzindo endurecimento (Seção 3.3.6.7).
Em geral, as moléculas de homoglicanos neutros, não
ramificados, possuem a tendência inerente de se associar e
cristalizar parcialmente. Entretanto, há prevenção da associação, resultando em soluções estáveis, quando os glicanos
lineares são derivados, ou caso ocorra derivação natural, assim como na goma guar (Seção 3.3.8), que possui unidades
glicosil simples ao longo de uma cadeia central.
Soluções estáveis também são formadas, isso em cadeias lineares que contêm grupos carregados, de modo que
as repulsões de Coulomb previnam a aproximação de um
segmento ao outro. Como já foi mencionado, a repulsão de
cargas pode causar uma extensão das cadeias, proporcionando alta viscosidade. As soluções estáveis de alta viscosidade
são vistas com alginato de sódio (Seção 3.3.11), em que cada
unidade glicosil é uma unidade de ácido urônico que contém
um grupo carboxílico na forma de sal, e na goma xantana
(Seção 3.3.9), em que uma das cinco unidades glicosil é um
ácido urônico e outra, um grupo carboxilado de um acetal
cíclico de ácido pirúvico, presentes com uma frequência
de cerca de uma para cada 10 unidades monossacarídicas.
Porém, se o pH de uma solução de alginato for reduzido a
três, no qual a ionização dos grupos ácidos carboxílicos está
reprimida em razão dos valores de pKa dos monômeros constituintes, 3,38 e 3,65, as moléculas menos iônicas resultantes
podem se associar e precipitar ou formar um gel, como se
espera de glicanos não carregados e não ramificados.
As carragenanas são misturas de cadeias lineares com
estruturas não uniformes que possuem uma carga negativa
decorrente dos numerosos grupos semiéster sulfato ionizados ao longo da cadeia (Seção 3.3.10). Essas moléculas não
precipitam a baixo pH, pois os grupos sulfatos permanecem
ionizados em praticamente todos os valores de pH.
Soluções de gomas são dispersões de moléculas hidratadas e/ou agregados de moléculas hidratadas. Seu comportamento de fluxo é determinado por tamanho, forma, suscetibilidade à deformação (flexibilidade), bem como por
presença e dimensão das cargas das moléculas hidratadas e/
ou dos agregados. Existem dois tipos de fluxos exibidos por
soluções de polissacarídeos: o pseudoplástico (mais comum)
Química de Alimentos de Fennema
e o tixotrópico; ambos são caracterizados pela capacidade
espessante de diminuir com o aumento das forças de cisalhamento (shear thinning).
Em fluxos pseudoplásticos, o aumento da taxa de cisalhamento resulta em um fluxo mais rápido, ou seja, quanto
maior a força aplicada menor a viscosidade. A força aplicada
pode ser a de verter, mastigar, deglutir, bombear, misturar
ou qualquer outra que induza ao cisalhamento. A mudança
de viscosidade é independente do tempo, ou seja, a taxa de
fluxo varia instantaneamente com a mudança da taxa de cisalhamento.
Em geral, gomas de alta massa molecular formam soluções pseudoplásticas. Com certeza, por serem mais rígidas, as
moléculas lineares produzem um fluxo mais pseudoplástico.
Soluções de gomas menos pseudoplásticas são referidas como de fluxo longo;* essas soluções geralmente são
percebidas como “limosas” ou viscosas. As soluções mais
pseudoplásticas são descritas como de fluxo curto, sendo,
no geral, percebidas como não viscosas. Na ciência de alimentos, materiais viscosos são aqueles que são espessos,
que aderem à boca e são difíceis de engolir. A limosidade é
inversamente relacionada à pseudoplasticidade, ou seja, para
ser percebida como não limosa, deve-se produzir uma perda
de viscosidade acentuada nas forças de cisalhamento baixas
de mastigação e de deglutição.
O fluxo tixotrópico é um segundo tipo de fluxo dependente das forças de cisalhamento. Nesse caso, a redução de
viscosidade, que resulta do aumento da taxa de fluxo, não
ocorre instantaneamente. A viscosidade de soluções tixotrópicas diminui sob forças de cisalhamento constantes, da uma
maneira dependente de tempo, retomando a viscosidade original após ter cessado a força, mas, mesmo assim, somente
após um intervalo de tempo bastante definido e mensurável.
Esse comportamento se deve à produção de uma transição
gel→solução→gel. Em outras palavras, uma solução tixotrópica em repouso é um gel fraco (que pode ser vertido)
(Seção 3.3.4).
Para a maioria das soluções de gomas, o aumento de temperatura resulta na diminuição da viscosidade. A perda da
viscosidade em função do aumento de temperatura é, muitas
vezes, uma propriedade importante, pois significa que mais
sólidos podem ser colocados em solução, em temperaturas
mais altas; em seguida, a solução pode ser resfriada para que
ocorra o espessamento (a goma xantana é uma exceção, pois
a viscosidade de suas soluções é praticamente constante em
temperaturas entre 0°C e 100°C; ver Seção 3.3.9).
* Ocorre “fluxo curto” em soluções viscosas, cuja viscosidade depende da
força de cisalhamento, principalmente pseudoplásticas, e fluxo longo,
em soluções viscosas cuja viscosidade independe ou varia pouco em função da força de cisalhamento. Esses termos foram aplicados muito antes
da existência de instrumentos para a determinação e a medição de fenômenos reológicos. As interpretações foram obtidas pela observação do
comportamento das soluções, conforme descrito a seguir. Quando uma
goma ou uma solução verte de uma pipeta ou de um funil, os que não são
dependentes da força de cisalhamento formam longos jorros, enquanto
os que são dependentes formam gotas. Isso ocorre porque quanto mais
fluido existe no orifício, maior será o peso do jorro. Consequentemente,
o fluxo torna-se cada vez mais rápido, causando a redução da viscosidade em função do cisalhamento, a ponto do jorro romper-se em gotas.
3.3.4
99
Géis [12,13,26]
Um gel é uma rede tridimensional contínua de moléculas ou
partículas conectadas (como cristais, gotículas de emulsões
ou agregados moleculares/fibrilas) que retém um grande volume de uma fase líquida contínua, de modo semelhante a
uma esponja. Em muitos produtos alimentícios, a rede do gel
é constituída por um polímero de moléculas ou por fibrilas
constituídas por polímeros de moléculas unidas em zonas de
associação por ligação iônica, associação hidrofóbica (forças
de van der Waals), ligações iônicas cruzadas, entrelaçamento
ou ligações covalentes, sendo que a fase líquida é uma solução aquosa com solutos de baixo peso molecular e porções
das cadeias dos polímeros.
Os géis possuem algumas características dos sólidos e
dos líquidos. Quando as moléculas do polímero, ou as fibrilas formadas a partir delas, interagem ao longo de porções de
suas cadeias, formando zonas de associação e, desse modo,
uma rede tridimensional (Figura 3.39), uma solução fluida
se altera, tornando-se um material que mantém sua forma
(parcial ou inteiramente). A estrutura da rede tridimensional
apresenta resistência suficiente para se comportar de forma
similar a um sólido elástico, quando submetida a uma força. Entretanto, a fase líquida contínua, na qual as moléculas
são completamente móveis, torna o gel menos rígido do que
um sólido comum, levando-o a comportar-se, em certos aspectos, como um líquido viscoso. Dessa forma, os géis são
semissólidos viscoelásticos, ou seja, o comportamento dos
géis em resposta a uma força aplicada é, em parte, o comportamento de um sólido elástico e, em parte, o de um líquido
viscoso.
Ainda que os materiais do tipo gel ou os bálsamos possam ser formados por altas concentrações de partículas
(como no caso da massa de tomate), para formar um gel
a partir de moléculas de goma/hidrocoloides em solução,
as moléculas dos polímeros ou os agregados de moléculas
devem sair parcialmente da solução, nas regiões de zonas
de associação, para se ligarem e formar uma estrutura de
gel em rede tridimensional. Em geral, se as zonas de associação crescem após a formação do gel, a rede se torna
mais compacta e a estrutura se contrai, ocorrendo sinerese
(o surgimento de gotículas de líquido na superfície do gel é
denominado sinerese).
Embora os géis de polissacarídeos não contenham mais
de 1% de polímero, ou seja, podem conter até 99% de água,
eles podem ser bastante fortes. Exemplos de géis de polissacarídeos são sobremesas gelificadas, musses gelatinosas,
pedaços moldados de frutas, anéis de cebola moldados, análogos de carne para rações, geleias e gelatinas, e confeitos
em forma de gotas de goma.
A escolha da goma específica para uma determinada
aplicação depende da viscosidade ou da força de gel desejada, da reologia desejada, do pH do sistema, das temperaturas
de processamento, de interações com outros ingredientes, da
textura desejada, do custo e da quantidade necessária para a
obtenção das propriedades desejadas. As características funcionais também são consideradas. Isso inclui a capacidade
das gomas de funcionar como ligantes, agentes de corpo e
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Log viscosidade
100
Log taxa de cisalhamento
FIGURA 3.38 Logaritmo da viscosidade em função da taxa de cisalhamento para um fluido pseudoplástico shear-thinning.
FIGURA 3.39 Representação diagramática do tipo de estrutura em rede tridimensional encontrada em géis. As cadeias paralelas indicam a estrutura ordenada e cristalina de uma zona de junção. Os espaços vazios entre as zonas de junção contêm uma solução aquosa
de segmentos de cadeias de polímeros e outros solutos dissolvidos.
espessantes, inibidores de cristalização, agentes de clarificação e de turbidez, elementos de recobrimento (filmes de
cobertura), estabilizadores de emulsão, agentes de encapsulação, substitutos de gordura, agentes de floculação, estabilizadores de espuma, estabilizadores de suspensões, agentes
de volume, inibidores de sinerese e coadjuvantes de nata batida e, ainda, sua habilidade de influenciar na absorção e na
ligação de água (retenção da água e controle de migração).
Cada goma tende a ter uma propriedade de mais destaque
(às vezes, diversas propriedades singulares), a qual costuma
servir de base para a escolha em uma aplicação específica
(Tabela 3.5).
3.3.5
Hidrólise de polissacarídeos
Os polissacarídeos são relativamente menos estáveis à clivagem hidrolítica que as proteínas, podendo, às vezes, sofrer
despolimerização durante processamento e/ou estocagem do
alimento.* Com frequência, as gomas usadas em alimentos
são deliberadamente despolimerizadas. Uma das razões pelas
quais elas podem ser despolimerizadas é que concentrações
relativamente altas podem ser usadas como agentes de corpo
(sensação bucal), sem que se produza viscosidade indesejada.
* Por outro lado, os polissacarídeos não sofrem desnaturação.
Química de Alimentos de Fennema
A hidrólise das ligações glicosídicas, que unem as unidades de monossacarídeos em oligo e polissacarídeos, pode
ser catalisada por ácidos (H+) e/ou enzimas. A extensão da
despolimerização, a qual redunda em diminuição da viscosidade, é determinada pelo pH (ácido), temperatura, tempo
na temperatura, além de pH e estrutura do polissacarídeo. A
hidrólise ocorre com mais facilidade durante o processamento térmico de alimentos ácidos em função da temperatura
elevada. Os defeitos associados à despolimerização durante o processamento podem ser minimizados pela utilização
de mais de um polissacarídeo (goma) na formulação, como
compensação à degradação, usando-se o alto grau de viscosidade das gomas, novamente para compensar qualquer
despolimerização, ou usando-se uma goma mais estável a
ácidos. A despolimerização também pode ser um dos fatores
determinantes da vida de prateleira.
Os polissacarídeos estão sujeitos a hidrólises catalisadas por enzimas. A taxa e os produtos finais desse processo são controlados pela especificidade das enzimas, pH,
temperatura e tempo. Os polissacarídeos, como os outros
carboidratos, estão sujeitos a ataque microbiano, devido a
sua suscetibilidade à hidrólise enzimática. Além disso, as
gomas muito raramente são fornecidas estéreis, um fato
que deve ser considerado quando elas são usadas como
ingredientes.
3.3.6 Amido [66,68]
As características químicas e físicas e os aspectos nutricionais do amido o destacam dos demais carboidratos. Ele é a
reserva alimentar predominante das plantas, fornecendo 7080% das calorias de consumo humano no mundo. O amido e
os hidrolisados de amido constituem a maior parte dos carboidratos digestíveis da dieta humana. Além disso, a quantidade de amido utilizada na preparação de produtos alimentícios − sem contar o que está presente nas farinhas usadas
na produção de pães e de outros produtos de panificação,
nos grãos usados em cereais matinais e os consumidos em
frutos e vegetais – excede muito o uso combinado de todos
os outros hidrocoloides de alimentos.
Os amidos comerciais são obtidos a partir de sementes
de cereais, principalmente de milho comum, milho ceroso,
milho de alto teor de amilose, trigo, arroz, tubérculos e raízes, em especial batata e mandioca. O amido e os amidos
modificados apresentam numerosas aplicações, incluindo a
promoção de adesão e a função de ligante, turbidez, polvilho,
elemento de recobrimento (filmes de cobertura), reforçador
de espuma, gelificante, vitrificante, retenção de umidade, estabilizante, texturizante e espessante.
O amido distingue-se entre os carboidratos por ocorrer,
na natureza, em partículas características denominadas grânulos. Os grânulos de amido são insolúveis; eles se hidratam
muito pouco em água fria. Desse modo, eles podem ser dispersos na água, formando uma suspensão de baixa viscosidade que pode ser facilmente misturada e bombeada, ainda
que em concentrações superiores a 35%. A capacidade de
aumento de viscosidade (espessante) do amido é obtida ape-
101
nas quando a suspensão de grânulos é cozida. Aquecendo-se
uma suspensão de 5% dos principais grânulos de amidos nativos a 80°C (175 F), sob agitação, obtém-se uma dispersão
de alta viscosidade que pode ser chamada de goma. Uma
segunda particularidade é que a maioria dos grânulos de
amido é composta de uma mistura de dois polímeros: um
polissacarídeo linear, chamado amilose, e um polissacarídeo
ramificado, chamado amilopectina.
3.3.6.1
Amilose
Embora a amilose seja essencialmente uma cadeia linear
de unidades de α-D-glicopiranosil unidas por ligações
(1→4), muitas moléculas de amilose contêm um pequeno
número de ramos conectados por ligações α-D-(1→6), nos
pontos de ramificação. É possivel que, uma em 180 a 320
unidades, ou 0,3-0,5% das ligações, sejam ramificações.
Os ramos, nas moléculas de amilose ramificadas, são muito longos ou muito curtos, sendo que a maioria dos pontos
de ramificação é separada por longas distâncias, de modo
que as propriedades da amilose são aquelas da molécula
linear. As moléculas de amilose apresentam massa molecular média de 106.
A posição axial→equatorial de acoplamento da unidade
α-D-glicopiranosil, na cadeia de amilose, confere à molécula uma forma helicoidal ou espiral, voltada para a direita
(Figura 3.40). O interior da hélice contém predominância de
átomos de hidrogênio e é hidrofóbico/lipofílico, enquanto no
exterior da hélice estão posicionados os grupos hidroxila. A
vista inferior do eixo da hélice é muito parecida com a vista
inferior de uma sequência de moléculas de α-ciclodextrina
(Seção 3.2.4), uma vez que cada volta da hélice contém cerca de seis unidades de α-D-glicopiranosil unidas por ligações
(1→4).
A maioria dos amidos contém cerca de 25% de amilose (Tabela 3.6). Os dois amidos de milho de alta amilose
comercialmente disponíveis possuem conteúdo aparente de
amilose de mais ou menos 52% e 70-75%.
3.3.6.2
Amilopectina [39]
A amilopectina é uma molécula muito grande e altamente
ramificada. Seus pontos de conexão das ramificações constituem entre 4 e 5% do total de ligações, sendo constituída
de uma cadeia que contém apenas grupos redutores terminais, nos quais estão ligadas numerosas cadeias ramificadas,
sendo que nessas últimas, estão ligadas a várias camadas de
cadeias ramificadas. As ramificações das moléculas de amilopectina são agrupadas (Figura 3.41) e apresentam-se como
hélices duplas. A massa molecular de 107(DP∼60.000) até,
possivelmente, 5 × 108 (DP∼3.000.000) faz com que a amilopectina esteja entre as maiores, se não a maior, das moléculas encontradas na natureza.
A amilopectina está presente em todos os amidos. Ela
constitui mais ou menos 75% da maioria dos amidos comuns
(Tabela 3.6). Alguns amidos são constituídos inteiramente
de amilopectina, sendo denominados como cerosos ou amidos de amilopectina. O milho ceroso, primeiro grão reco-
Algas marrons
Derivada da
celulose
Algas
vermelhas
Carboximetil
celulose (CMC)
Carragenanas
Fonte
Alginas
(alginatos)
(em geral, alginato
de sódio)
Goma
Extratos de
algas
Galactanos
sulfatados
Celulose
modificada
Extrato de alga
marinha
Ácido (poli)
urônico
Classe
Linear
Linear
Linear
Forma geral
→4)-βGlcp-(1→
Copolímero em
bloco das seguintes
unidades:
→4)-βManpA (1,0)
→4)-αLGulpA
(0,5−2,5)
Unidades e ligações
monoméricas
(relações
aproximadas)
Ácido algínico
insolúvel
Alginato de sódio
solúvel
Solubilidade em
água
Sulfato semiéster
Grupos
Solúvel
hidroxipropil
éster do alginato
de propileno
glicol (PGA)
Elevada
Carboximetil
éteres (DS
a
0,4−0,8)
Grupos
substituintes não
carboidratos
TABELA 3.5 Polissacarídeos solúveis não amiláceos predominantemente usados em alimentos
Soluções claras
e estáveis,
podem ser tanto
pseudoplásticas
como tixotrópicas
Atividade de
superfície
Soluções estáveis a
ácidos e Ca2+
Géis com Ca
Viscoso, soluções
não muito
pseudoplásticas
2+
Características-chave
gerais
Retarda o crescimento de cristais de
gelo em sorvetes e outras sobremesas
congeladas
Espessante, auxiliar de suspensão, coloide
protetor e melhorador de textura em
diversos molhos, caldos e pastas
Lubrificante, formador de filme e auxiliar
de processamento para produtos
extrusados
Espessante para chantillys e umectante em
tortas em misturas relacionadas
Ligante de umidade e retardador de
cristalização e/ou sinerese em glacês,
coberturas de bolo, coberturas em geral,
recheios e pudins
Espessante de xaropes
Auxiliar de suspensão e espessante em
pós-secos, misturas de bebidas quentes
e geladas
Elaboração de caldo de carne em
alimentos secos para animais
Estabilizante secundário em sorvetes e
produtos relacionados
Preparação de leite evaporado,
fórmulas infantis, nata batida estável
a congelamento-descongelamento,
sobremesas lácteas e achocolatados
Cobertura de carnes
Melhora adesão e aumenta a capacidade
de retenção de água de emulsões cárneas
Melhora a textura e a qualidade de
produtos cárneos com gordura reduzida
O ácido algínico forma géis macios e
tixotrópicos sem fusão (tomate gelatinoso,
recheios de padaria tipo geleia, cereais
matinais recheados com frutas)
Estabilização de emulsões em molhos de
salada cremosos
Espessante em molhos de salada de baixa
caloria
Forma géis sem fusão (géis de sobremesas,
análogos de frutas outros alimentos
moldados)
Análogos de carne
Principais aplicações em alimentos
102
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Meio de
fermentação
Meio de
fermentação
Semente de
guar (tipo de
lentilha)
Curdlana
Gelana
Goma guar
Linear
Linear
Galactomanana Linear com
de semente
ramificações
de unidades
simples
(comportase como
polímero
linear)
Polissacarídeo
microbiano
Polissacarídeo
microbiano
→4)-βManp (∼0,56)
αGalp
1
↓
6
→4)- βManp (∼1,0)
(Man:Gal = ∼1,56:1)
→4)αLRhap-(1→3)βGlcp-(1→4)βGlcpA-(1→4)βGlcp-(1→
tipo λ: →3)- βGalp2
−
-SO3 (1→4)αGalp 2,6−
diSO3 (1→
→3)- βGlcp-(1→
tipo ι: →3)-βGalp
−
4-SO3
(1→4)-3,6AnαGalp 2-SO3− (1→
tipo κ:
→3)−βGalp4− SO3−
(1→4)− 3,6An −α
Galp(1→
O tipo nativo
contém um
grupo éster
acetato e um
glicerato em
cada unidade
repetitiva
Elevada
Solúvel em água
morna
tipo κ: sal de Na+
solúvel em água
fria, sais de K+ e
Ca2+ insolúveis;
todos os sais
são solúveis em
temperaturas >
65ºC; solúveis
em leite quente;
insolúveis em
leite frio
tipo ι: sal de Na+
solúvel em água
fria, sais de K+ e
Ca2+ insolúveis;
todos os sais
são solúveis em
temperaturas >
55ºC; solúvel
em leite quente,
insolúvel em
leite frio
tipo λ: todos os
sais são solúveis
em água fria e
quente e em leite
Solúvel
Gelifica
irreversivelmente
após aquecimento
em solução
Gelifica com
qualquer cátion
As soluções têm
valores de
rendimento
elevados
Os tipos pobres em
acil formam géis
firmes, quebradiços
e não elásticos
Os tipos ricos em acil
forma géis macios,
elásticos e não
quebradiços
Soluções estáveis,
opacas, muito
viscosas,
moderadamente
pseudoplásticas
Espessante barato
Espessante em leite
frio
Forma géis macios,
resilientes e
termorreversíveis
com Ca2+ e K+; os
géis não sofrem
sinerese e têm
boa estabilidade
ao congelamentodescongelamento
Formam géis duros,
quebradiços,
termorreversíveis
com K+ > Ca2+;
espessam e
gelificam leite em
baixa concentração;
gelificação
sinérgica com LBG
(continua)
Liga água, previne crescimento de cristais
de gelo, melhora sensação bucal, suaviza
textura produzida por carragenana +
LBG e diminui derretimento em sorvetes
e picolés
Produtos lácteos, refeições preparadas,
produtos de panificação, molhos, rações
animais
Misturas para panificação
Barras nutricionais
Bebidas nutricionais
Coberturas de frutas
Nata azeda e iogurtes
Sobremesas de gel em camadas e sem
fusão
Química de Alimentos de Fennema
103
Raiz de
chicória
Semente de
alfarroba
Inulina
Goma locuste
(goma caroba,
LBG)
Metilceluloses
Derivadas da
(MC) e
celulose
hidroxipropilmetil
celuloses (HPMC)
Árvore da
acácia
Fonte
Continuação
Goma arábica
(goma acácia)
Goma
TABELA 3.5
Linear
Ramificação
sobre
ramificação,
altamente
ramificada
Forma geral
Galactomanana Linear com
de semente
ramificações
de unidades
simples
(comportase como
polímero
linear)
Celulose
Linear
modificada
Extrato vegetal
Goma
exsudada
Classe
Grupos
Solúvel em água
hidroxipropil
fria, insolúvel
a
(MS 0,02-0,3) e
em água quente
metil
(DS 1,1-2,2)a
éter
Solúvel apenas
em água
quente; requer
90ºC para
solubilização
completa
→4)- βManp(∼2,5)
αGalp
1
↓
6
→4)-βManp(∼1,0)
(Man:Gal = ∼3,5:1)
→4)- βGlcp-(1→
Solúvel
→2)- βFruf(1→
Solubilidade em
água
Muito elevada
Grupos
substituintes não
carboidratos
Estrutura complexa
e variável, contém
polipeptídeo
Unidades e ligações
monoméricas
(relações
aproximadas)
Soluções claras que
gelificam com
calor; atividade de
superfície
Emulsificante e
estabilizadora de
emulsões
Compatível
com elevadas
concentrações de
açúcares
Muito baixa
viscosidade em
altas concentrações
Gelifica quando
soluções quentes
são resfriadas
Pode ser usada
como mimético de
gorduras
Interage com xantana
e carragenana para
formar géis rígidos;
raramente é usada
sozinha
Características-chave
gerais
MC: Fornece características similares a
gordura
Redução da absorção de gordura em
produtos fritos
Dificulta a cremosidade por meio da
formação de filme e viscosidade
Fornece lubrificação
Retenção de gás durante assamento
Retenção de umidade e controle da
distribuição de umidade em produtos de
padaria (aumenta a vida útil e dificulta
a maciez)
HPMC: Coberturas batidas não lácteas;
quando estabiliza espumas, melhora
as características do batido, previne a
separação de fases e fornece estabilidade
ao congelamento-descongelamento
Fornece excelente resistência ao
choque térmico, derretimento suave e
textura desejável em sorvetes e outras
sobremesas congeladas
Ingrediente em barras nutricionais,
matinais e energéticas, e hambúrguer
vegetal como fonte de fibra dietética e
miméticos de gordura
Previne cristalização de sacarose em
confeitos
Emulsifica e distribui componentes
lipídicos em confeitos
Preparação de aromas em emulsões óleo
em água
Componente de cobertura de balas
recobertas
Preparação de aromas em pó
Principais aplicações em alimentos
104
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Polissacarídeo
microbiano
Extrato vegetal
Ácido (poli)
urônico
Para definições de DS e MS, ver Seções 3.3.6.10 e 3.4.3.
Meio de
fermentação
Xantana
a
Casca de
citrus
Resíduos de
maçã
Pectinas
Composta
principalmente
de unidades de
→4)-αGalpA
βManp
1
↓
4
βGlcpA
1
↓
2
αManp6-Ac
1
↓
3
→4)- βGlcp-(1→4)βGlcp-(1→
Linear
Linear com
unidades de
trissacarídeos;
ramificações
sobre
qualquer
outra unidade
da cadeia
principal
(comporta-se
como um
polímero
linear)
Acetil éster
Acetal piruvil
cíclico sobre
algumas
unidades
terminais
βManp
Grupos metil
éster
Pode conter
grupos amida
Elevada
Solúvel
Formam géis
tipo geleia na
presença de
açúcares e ácido
ou com Ca2+
Soluções muito
pseudoplásticas,
de elevada
viscosidade;
excelente
estabilizador
de emulsões e
suspensões; a
viscosidade da
solução não
é afetada pela
temperatura
e nem pelo
pH; excelente
compatibilidade
com sais;
aumento sinérgico
da viscosidade
por interação
com goma guar;
geleificação
reversível por
calor com LBG
Pectina HM: geleias, compotas,
marmeladas, conservas ricas em açúcar
Bebidas lácteas ácidas
Pectina LM: geleias, compotas,
marmeladas, conservas dietéticas
Estabilização de dispersões, suspensões e
emulsões
Espessante
Química de Alimentos de Fennema
105
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
O
H
CH
2 OH
HO
O
H
O
O
O
O
H
OH
2
CH
O
106
C H2OH
O
O
HO
HO
FIGURA 3.40 Segmento trissacarídico de uma porção não ramificada de amilose ou molécula de amilopectina.
TABELA 3.6 Propriedades gerais de alguns grânulos de amido e suas pastas
Amido de
milho comum
Tamanho dos grânulos (eixo
principal, μm)
Percentual de amilose
Temperatura de gelatinização/
pasta (ºC)a
Viscosidade relativa
c
Reologia da pasta
Clareza da pasta
Tendência a gelificar/retrogradar
Lipídeos (% DS)
Proteínas (% DS)
Fósforo (% DS)
Sabor
Amido de
milho com
alta amilose
Amido de milho
ceroso
Amido de
batata
Amido de
tapioca
Amido de
trigo
2−30
2−30
2−24
5−100
4−35
2−55
28
62−80
<2
63−72
50−70
b
66−170
21
58−65
17
52−65
28
52−85
Média
Curta
Opaca
Alta
0,8
0,35
0,00
Cereal (leve)
Média−alta
Longa
Levemente nebulosa
Muito baixa
0,2
0,25
0,00
“Limpo”
Muito baixab
Curta
Opaca
Muito alta
—
0,5
0,00
Muito alta
Muito longa
Clara
Média a baixa
0,1
0,1
0,08
Leve
Alta
Longa
Clara
Média
0,1
0,1
0,00
Suave
Baixa
Curta
Opaca
Alta
0,9
0,4
0,00
Cereal (leve)
a
Da temperatura inicial de gelatinização até a formação completa de goma.
Em condições normais de cozimento, nas quais a suspensão é aquecida até 95−100ºC, o amido de milho rico em amilose não produz viscosidade. A formação
de goma não ocorre até que a temperatura atinja 160−170ºC (320−340F).
c
Para descrição dos fluxos longo e curto, ver Seção 3.3.3.
b
nhecido entre os que contêm amido constituído apenas por
amilopectina, é assim denominado porque, quando cortado,
a superfície do miolo do grão apresenta aparência vítrea ou
cerosa. A maioria dos outros amidos constituídos apenas de
amilopectina é chamada de cerosa, embora, no caso do milho, não haja cera em sua constituição.
A amilopectina de batata é a única, entre os amidos comerciais, a possuir mais do que quantidades-traço de grupamentos éster fosfato. Esses grupos éster fosfato encontram-se ligados com mais frequência (60-70%) a uma posição
O-6, com o outro terço na posição O-3. O grupo éster fosfato
ocorre aproximadamente uma vez a cada 215-560 unidades
de α-D-glicopiranosil.
3.3.6.3 Grânulos de amido [72]
Os grânulos de amido são constituídos de moléculas de
amilose e/ou amilopectina dispostas de modo radial. Eles
contêm regiões cristalinas e não cristalinas em camadas
alternadas.* As ramificações agrupadas de amilopectina
apresentam-se como duplas hélices empacotadas. O empacotamento conjunto dessas estruturas de hélices duplas
forma pequenas lamelas cristalinas. As camadas mais densas dos grânulos de amido, que se alternam com camadas
amorfas menos densas, contêm grande parte da lamela
cristalina. Os arranjos radiais ordenados das moléculas de
amido, no grânulo, são evidentes pela birrefringência dos
grânulos, sendo visualizada como uma cruz de polarização
(cruz branca sobre fundo escuro), em um microscópio polarizador, com o seletor de polarização posicionado a 90°
de um para outro. O centro da cruz encontra-se no hilo, a
origem do crescimento do grânulo.
Os grânulos de amido de milho, mesmo originados de uma
mesma fonte, possuem formas mistas, sendo que algumas são
* Os grânulos de amido são compostos por camadas até certo ponto como
as camadas de uma cebola, excetuando o fato de que essas camadas não
podem ser retiradas.
Química de Alimentos de Fennema
107
FIGURA 3.41 Representação diagramática de parte de uma molécula de amilopectina.
quase esféricas, outras, angulares e outras, recortadas (para
o tamanho, ver Tabela 3.6). Os grânulos de amido de trigo
são lenticulares, apresentando uma distribuição de tamanho
bimodal (aproximadamente <10 e >10 μm), com os maiores grânulos de forma lenticular. Os grânulos de arroz são os
menores grânulos de amido comerciais (1-9 μm), embora os
pequenos grânulos do amido de trigo sejam quase do mesmo
tamanho. Muitos dos grânulos de amido de tubérculos e raízes, como os amidos de batata e de mandioca, tendem a ser
maiores que os de amidos de sementes e, em geral, são menos
densos e mais fáceis de cozinhar. Os grânulos de amido de
batata podem alcançar até 100 μm, ao longo do maior eixo.
Todos os amidos comerciais contêm pequenas quantidades de cinzas, lipídeos e proteínas (Tabela 3.6). O conteúdo
de fósforo do amido de batata (0,06-0,1%, 600-1.000 ppm)
se deve à presença de grupos éster fosfato nas moléculas de
amilopectina. Os grupos éster fosfato conferem uma carga
levemente negativa aos grânulos de amido de batata, resultando em repulsão, o que pode contribuir para o rápido inchaço desses grânulos, em água quente, bem como para várias
propriedades das gomas de amido de batata, a saber, sua alta
viscosidade, sua boa claridade (Tabela 3.6) e sua baixa taxa
de retrogradação (Seção 3.3.6.7). As moléculas de amido de
cereais não possuem grupos fosfato ou o possuem em quantidades muito menores que as moléculas de amido de batata.
Apenas os amidos de cereais contêm lipídeos endógenos nos
grânulos. Esses lipídeos internos são principalmente AGL
(ácidos graxos livres) e lisofosfolipídeos (LPL), em grande
108
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
parte lisofosfatidil colina (89% em amido de milho), sendo
que a relação de AGL para LPL varia de um amido de cereal
a outro.
3.3.6.4 Gelatinização do grânulo e
formação de pasta [6,52]
Os grânulos de amido não danificados são insolúveis em
água fria, mas podem absorver água de modo reversível, ou
seja, eles podem inchar um pouco e, então, retornar a seu
tamanho original ao secar. Quando aquecidos em água, os
grânulos de amido passam por um processo chamado gelatinização. Esta é a ruptura da ordem molecular no interior
dos grânulos. Evidências da perda de ordem incluem inchaço irreversível do grânulo, perda de birrefringência e perda
de cristalinidade. Durante a gelatinização ocorre lixiviação
da amilose, mas parte disto pode ocorrer antes da gelatinização. A gelatinização total de uma população de grânulos
ocorre acima de uma faixa de temperatura (Tabela 3.6). A
temperatura aparente da gelatinização inicial e a faixa acima
da qual ocorre a gelatinização depende do método de medida e da relação amido:água, do tipo de grânulo e do grau de
heterogeneidade no interior da população de grânulos sob
observação (todas as populações de grânulos de amido são
heterogêneas). Vários aspectos da gelatinização da população dos grânulos podem ser determinados, sendo eles a temperatura de iniciação, a temperatura média e a temperatura
final da gelatinização.
O aquecimento contínuo dos grânulos de amido, em excesso de água, resulta em mais inchaço do grânulo, mais lixiviação de compostos solúveis (principalmente amilose) e,
enfim, ruptura total dos grânulos, principalmente com a aplicação de forças de cisalhamento. Esses fenômenos resultam
na formação de uma pasta de amido (na tecnologia do amido,
o que é chamado de pasta é o que resulta do aquecimento de
uma suspensão de amido). O inchaço e a ruptura do grânulo
produzem uma goma viscosa (a pasta), constituída de uma
fase contínua de amilose solubilizada e/ou moléculas de amilopectina, e uma fase descontínua de grânulos remanescentes
(fragmentos e grânulos-fantasmas*). A dispersão molecular
completa não é alcançada, exceto algumas vezes sob condições de alta temperatura, alto cisalhamento e excesso de água
− condições que raramente são encontradas na preparação de
produtos alimentícios. O resfriamento de um amido de milho
normal resulta em um gel viscoelástico, rígido e firme.
Uma vez que a gelatinização do amido é um processo endotérmico, a varredura calorimétrica diferencial (DSC), que
mede a entalpia e a temperatura da gelatinização, é muito usada para acompanhar o processo. Ainda que não haja concordância completa sobre a interpretação dos dados de DSC e
dos eventos que ocorrem durante a gelatinização dos grânulos
de amido, a seguinte descrição geral é bastante aceita: a água
age como plastificante. O aumento de mobilidade é percebido primeiro nas regiões amorfas, as quais, fisicamente, pos* Grânulos-fantasmas são os grânulos residuais que sobram após cocção,
sem ou até mesmo com cisalhamento moderado. Consiste da porção externa do grânulo. Ele se apresenta como uma camada externa insolúvel.
suem uma natureza vítrea. Quando os grânulos de amido são
aquecidos na presença de quantidade suficiente de água (pelo
menos 60%), e uma temperatura específica (Tg, temperatura
de transição vítrea) é alcançada, a região amorfa de características plásticas dos grânulos passa por transição do estado
†
vítreo ao estado elástico (similar à borracha). No entanto, o
pico de absorção de energia associado à transição raramente
é observado por DSC, em função das regiões de cristalinidade, ou seja, as ramificações em dupla hélice da amilopectina,
ordenadas e empacotadas, são contíguas e conectadas por ligações covalentes às regiões amorfas, sendo que a fusão dos
cristais segue imediatamente a transição vítrea. Uma vez que
a entalpia da fusão inicial (Tm) é muito maior que a da transição vítrea, essa última geralmente não é evidente.
A fusão do complexo lipídeo-amilose ocorre em temperaturas muito mais altas (100-120°C, em excesso de água)
do que a fusão das ramificações em dupla hélice “empacotadas”, na forma cristalina. Os complexos lipídeo-amilose
são feitos com segmentos de hélices simples de moléculas
de amilose, quando uma massa de amido, a qual contém ácidos graxos ou monoacil glicerolipídeos, é resfriada. O pico
de DSC correspondente a esse evento é ausente nos amidos
cerosos (sem amilose).
Sob condições normais de processamento dos alimentos (calor e umidade, embora muitos alimentos contenham
quantidades de água limitadas para o cozimento do amido),
os grânulos de amido incham rapidamente, ultrapassando
o ponto de reversibilidade. As moléculas de água penetram
entre as cadeias, rompem as ligações entre elas e criam camadas de hidratação em torno das moléculas separadas. Isso
“plastifica” (lubrifica) as cadeias, de modo que elas se tornam completamente separadas e solvatadas. A entrada de
grandes quantidades de água produz inchaço dos grânulos
em várias vezes seu tamanho original. Quando uma suspensão de amido a 5% é aquecida sob agitação leve, os grânulos absorvem água até que a maior parte desta seja retida
por eles, obrigando-os a inchar, apertando-se um contra o
outro, e preenchendo o recipiente com uma massa altamente viscosa de amido, com a maior parte da água no interior
dos grânulos inchados. Assim, a massa de amido apresenta
consistência semelhante à de um pudim, visto que a maioria
do espaço é composta por grânulos inchados de baixa mobilidade na massa. Dessa forma, grânulos de amido nativo,
altamente inchados, são quebrados e desintegrados por agitação, resultando em decréscimo de viscosidade. À medida
que os grânulos de amido incham, as moléculas de amilose
hidratadas difundem-se ao longo da pasta até a fase externa
(água), um fenômeno responsável por alguns aspectos do
comportamento da massa. Dados sobre o inchaço do amido
podem ser obtidos utilizando-se instrumentos que registram
a viscosidade de modo contínuo. Conforme a temperatura
aumenta, a viscosidade se mantém constante por algum tempo e, então, decresce (Figura 3.42).
† Um material vítreo é um sólido mecânico (líquido super-resfriado) capaz de suportar sua própria massa contra um fluxo. A borracha é um
líquido sub-resfriado que pode exibir fluxo viscoso (ver Capítulo 2 para
maiores detalhes).
109
Viscosidade
Química de Alimentos de Fennema
55°C
Tp
95°C
Temperatura
95°C
FIGURA 3.42 Curva representativa de cozimento/gelatinização que mostra as mudanças de viscosidade relacionadas ao inchaço dos
grânulos de amido e sua desintegração, quando a suspensão é aquecida até 95ºC e, então, mantida a essa temperatura, pelo uso de um
instrumento que proporciona baixo cisalhamento.
A maioria das suspensões de grânulos de amido é agitada
enquanto é aquecida, a fim de que se previna a deposição
dos grânulos no fundo do recipiente. Os instrumentos que
registram as mudanças que ocorrem durante a obtenção de
goma de amido e o comportamento da goma em função da
temperatura produzem curvas como as da Figura 3.42, também com o emprego de agitação. No tempo em que o pico de
viscosidade é alcançado, alguns grânulos são quebrados pela
agitação. Com a continuidade da agitação, mais grânulos
rompem-se e fragmentam-se, causando ainda mais decréscimo de viscosidade. Ao se resfriarem, algumas moléculas
de amido se reassociam parcialmente, formando um precipitado ou um gel. Esse processo é chamado de retrogradação
(Seção 3.3.6.7). A firmeza do gel depende da extensão da associação da zona de formação (Seção 3.3.4). A formação de
zonas de associação é influenciada (facilitada ou dificultada)
pela presença de outros ingredientes como gorduras, proteínas, açúcares, ácidos e quantidade de água presente.
3.3.6.5 Usos dos amidos não modificados
Os amidos desempenham diferentes funções na produção
de alimentos. Eles são particularmente usados para produzir
qualidades de textura desejáveis (Seção 3.3.6.9). Eles proporcionam corpo e preenchimento. A extensão da gelatinização, em produtos de panificação, afeta muito suas proprie-
dades, incluindo comportamento no armazenamento e taxa
de digestão. Em produtos de panificação feitos com massa
de baixa umidade, muitos grânulos de amido de trigo permanecem não gelatinizados. Em produtos de alta umidade, a
maioria, ou todos os grânulos, gelatiniza-se.
A maioria dos amidos usada como ingredientes de alimentos é de “amidos alimentícios modificados” (Seção
3.3.6.10), pois a textura das suspensões cozidas de amido
nativo, em particular a de amido nativo de milho normal,
é indesejável. As massas claras e coesivas, produzidas a
partir de amido de milho ceroso, são um pouco mais desejáveis, mas mesmo o amido de milho ceroso costuma ser
modificado quimicamente para melhorar as funcionalidades conferidas por ele. O amido de batata não modificado
é utilizado em cereais extrusados e produtos alimentícios
tipo snacks e misturas secas para sopas e bolos. O amido
de arroz produz géis opacos usados em alimentos infantis.
Os géis de amido de arroz ceroso são claros e coesivos. Os
géis de amido de trigo são fracos e possuem um sabor leve
devido aos componentes residuais da farinha. Os amidos
de tubérculos (batata) e de raízes (mandioca) possuem ligações intermoleculares fracas e incham muito, originando
massas de alta viscosidade (Tabela 3.6), mas, se uma força
de cisalhamento for aplicada, a viscosidade decrescerá rapidamente, uma vez que amidos muito inchados rompem-se com facilidade.
110
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
3.3.6.6 Gelatinização do amido no interior
de tecidos vegetais [1,29,30,45]
A maioria dos amidos dietéticos é encontrada no interior dos
grãos ou em produtos alimentícios de origem vegetal, nos
quais o amido deve ser a matéria seca predominante. Desse
modo, é importante que se conheçam as propriedades térmicas do interior desses ambientes nativos e como isso se
relaciona com a aceitabilidade e a textura de alimentos processados. O grau de gelatinização do amido, no interior do
sistema alimentício, é função da quantidade de água e da
extensão do tratamento térmico. Como já foi mencionado,
em alguns produtos de panificação, o amido pode permanecer não gelatinizado, mesmo quando aquecido a altas temperaturas. Na crosta de tortas e em alguns biscoitos ricos em
gorduras e que apresentam baixo teor de umidade, cerca de
90% dos grânulos de amido de trigo permanecem não gelatinizados. Em pães e bolos, os quais apresentam alto conteúdo de umidade, cerca de 96% dos grânulos de amido são
gelatinizados, mas, por serem aquecidos sem cisalhamento,
eles permanecem evidentes, podendo ser isolados, embora
muitos estejam deformados.
O processamento térmico (branqueamento, panificação,
fervura, vapor, fritura) de vegetais geralmente é suficiente
para induzir o amolecimento desejável dos tecidos. A continuação do processo de aquecimento torna os tecidos vegetais
mais suscetíveis a fraturas entre as células do parênquima. O
tecido parenquimático é o tipo de tecido mais abundante em
vegetais comestíveis. Em geral, ele é composto por agregados de células de formato poligonal, sendo que cada uma
contém aglomerados de grânulos de amido rodeados por
uma parede celular celulósica. As células adjacentes estão
ligadas ou cimentadas pela lamela média, a qual é constituída principalmente por substâncias pécticas. A água, que é
o constituinte predominante da maioria dos tecidos vegetais,
se encontra principalmente nos vacúolos do interior da célula (84%), enquanto o equilíbrio se completa com grânulos de
amido (13%) e componentes da parede celular (3%).
Quando o tecido de uma planta é aquecido, os grânulos
de amido semicristalinos ocupam a água disponível do interior das células, sofrendo inchaço e gelatinização (Figura
(a)
Grânulos
de amido
( b)
3.43). A umidade natural dentro do tecido parenquimático
costuma ser suficiente para plastificar os grânulos de amido e facilitar a gelatinização, embora a temperatura na qual
ocorrem esses eventos térmicos seja levemente superior para
os grânulos de amido alojados no interior das células da
planta nativa, quando em comparação com o amido isolado. A maior temperatura de gelatinização do amido in situ
pode ser atribuída à presença de solutos. Embora a gelatinização do amido seja completada dentro do tecido da planta
(a ordem molecular é completamente perdida) o inchaço dos
grânulos é limitado pelos limites das paredes das células vizinhas. Os grânulos de amido incham (com alguma perda de
amilose das células) para preencher grande parte do volume
total de suas respectivas células, produzindo uma pasta de
amido inchado que ainda pode possuir alguns grânulos remanescentes discerníveis. O inchaço dos grânulos, durante o
aquecimento, tem demonstrado exercer uma pressão interna
notável nas paredes das células parenquimáticas (estimada
em 100 kPa). Embora a dimensão da pressão de inchaço por
si só seja insuficiente para ocasionar a ruptura celular (as células costumam permanecer intactas), as células isoladas do
parênquima de batata aumentam temporariamente de tamanho, se tornando mais esféricas, como resultado da gelatinização do amido. Esse fenômeno, conhecido como “arredondamento” celular, ocorre junto à degradação da pectina por
β-eliminação no interior da lamela média, causando amolecimento do tecido parenquimático. Como as características
do fenômeno de amolecimento são observadas em tecidos
que não contêm conteúdos significativos de amido, como no
caso dos tomates, esse efeito é atribuído, principalmente, à
degradação da pectina da lamela média.
No entanto, em tecidos que contêm amido, como nas batatas, o alto conteúdo de amido e/ou o grau de inchaço do
grânulo está associado à maciez e a maior friabilidade do
tecido cozido. Suspeita-se que o fenômeno de “arredondamento” celular exerça pressão física sobre a lamela média,
parcialmente degradada ou enfraquecida, contribuindo de
modo secundário para a separação celular ou o encharcamento do tecido. Além disso, acredita-se que o nível de inchaço
do amido gelatinizado, para preenchimento do volume das
Inchaço e gelatinização
dos grânulos de amido
( c) Massa de amido gelatinizado
FIGURA 3.43 Dentro do parênquima de plantas, os grânulos de amido (a) que se encontram no interior das células passam por inchaço
e gelatinização, durante o aquecimento, para exercer uma “pressão de inchaço” temporária, nas proximidades das paredes celulares.
(b) Com o aquecimento adicional, os grânulos de amido se agrupam em uma massa gelatinizada razoavelmente uniforme, dentro das
células. (c) O tecido aquecido torna-se predisposto ao aumento da separação da massa de células mortas, a qual é atribuída, principalmente, à degradação de pectina, dentro da lamela média, embora se acredite que a pressão de inchaço do amido contribua com um
papel secundário significativo.
Química de Alimentos de Fennema
células, influencia a percepção humana da umidade do tecido
na boca. O alto conteúdo de amido e a capacidade de inchaço
geralmente são mais eficazes na ligação da umidade livre nos
tecidos cozidos, produzindo uma sensação seca na boca. A
textura da batata cozida tem sido classificada como “farinácea” e “cerosa”. A textura farinácea é caracterizada por um
tecido de aparência seca que se desintegra ou encharca com
facilidade. Em contrapartida, um tecido ceroso (não se deve
confundir com amido ceroso) é definido por sua aparência
úmida, sensação “gomosa” na boca e textura firme. Em geral,
batatas farináceas são consideradas mais adequadas para a
maioria dos produtos processados (batatas fritas, purê de batatas, etc). As variedades de batatas cerosas têm aplicação em
produtos cozidos e enlatados. Concluindo, o comportamento
de gelatinização do amido parece exercer uma influência significativa sobre a textura de vegetais cozidos e sobre o uso
potencial final, por seu papel secundário no amolecimento do
tecido (“arredondamento celular”) e na capacidade de retenção de água interna do tecido parenquimatoso.
3.3.6.7 Retrogradação e envelhecimento
[23,42,43,52]
Como já foi indicado, o resfriamento de uma pasta quente de
amido produz, em geral, um gel firme e viscoelástico. A formação de zonas de associação de um gel pode ser considerada como o primeiro estágio de uma tentativa de cristalização
das moléculas de amido. Ao se esfriar e armazenar massas
de amido, ele se torna progressivamente menos solúvel. Em
soluções diluídas, as moléculas de amido precipitarão. O
processo coletivo, pelo qual as moléculas em solução ou as
massas se tornam menos solúveis, é chamado de retrogradação. A retrogradação de amidos cozidos envolve os dois
constituintes poliméricos, amilose e amilopectina, sendo
que a amilose passa por retrogradação com muito mais rapidez que a amilopectina. A taxa de retrogradação depende de
muitas variáveis, inclusive da razão molecular entre a amilose e a amilopectina; da estrutura das moléculas de amilose e
de amilopectina, a qual é determinada pela origem botânica
do amido; da temperatura; da concentração de amido; e da
presença e da concentração de outros ingredientes, principalmente surfactantes e sais. Muitos defeitos na qualidade
de alimentos, como o envelhecimento do pão, a perda de
viscosidade e formação de precipitados em sopas e molhos,
devem-se, ao menos em parte, à retrogradação do amido.
O envelhecimento de produtos de panificação é percebido
pelo aumento da firmeza do miolo e pela perda da percepção
de frescor. O envelhecimento começa logo após a conclusão
do processo de panificação e o começo do resfriamento do
produto. A taxa de envelhecimento do produto depende da
formulação, do processo de panificação e das condições de
armazenamento. O envelhecimento se deve, pelo menos em
parte, à transição gradual de um amido amorfo a um amido
parcialmente cristalino e retrogradado. Nos produtos de panificação, em que existe a quantidade suficiente de umidade
para gelatinização dos grânulos de amido (mantendo-se a
identidade do grânulo), a retrogradação da amilose (insolubilização) pode ser completada durante o período de resfria-
111
mento, em temperatura ambiente. Acredita-se que a retrogradação da amilopectina envolva principalmente a associação
de suas ramificações externas e requeira um tempo muito
maior, em comparação à retrogradação da amilose, o que a
torna importante no processo de envelhecimento que ocorre
com o tempo, após o resfriamento do produto.
A maioria dos lipídeos polares com propriedades surfactantes retarda o enrijecimento do miolo pela formação
de complexos com as moléculas poliméricas do amido.
Compostos como o glicerilmonopalmitato (GMP), outros
monoglicerídeos e seus derivados e o estearoil 2-lactilato de
sódio (SSL), são incorporados às massas de pão e de outros
produtos de panificação para aumentar a vida de prateleira.
3.3.6.8
Complexos de amido [7]
Por serem helicoidais, com o interior hidrofóbico, as cadeias
de amilose são capazes de formar complexos com porções
hidrofóbicas lineares de moléculas que se ajustam ao tubo.
O iodo (forma ) é capaz de se complexar com as moléculas de amilose e de amilopectina. Além disso, nesse caso, a
complexação ocorre no interior hidrofóbico dos segmentos
helicoidais. Com a amilose, os longos segmentos helicoidais permitem a formação de extensas cadeias de poli( ),
gerando uma coloração azul que é usada como teste diagnóstico de amido. O complexo amilose-iodo contém 19%
de iodo, sendo que a determinação da quantidade de complexo pode ser usada na medição da quantidade de amilose
aparente presente no amido. A amilopectina forma uma cor
vermelho-púrpura com o iodo, pois as cadeias ramificadas
de amilopectina são muito curtas para a formação de uma
longa cadeia de poli( ).
Os lipídeos polares (surfactantes/emulsificantes e ácidos
graxos) podem afetar as pastas de amido e os alimentos amiláceos, como resultado da formação de complexos de uma
ou mais das três maneiras descritas a seguir: (1) por afetar
o processo associado à gelatinização do amido e à formação
de pastas (i.e., perda de birrefringência, inchaço dos grânulos, lixiviação de amilose, fusão das regiões cristalinas dos
grânulos de amido e aumento de viscosidade durante o cozimento); (2) pela modificação do comportamento reológico
das massas resultantes; e (3) pela inibição da cristalização
das moléculas de amido associadas ao processo de retrogradação. Aqui também, a complexação com emulsificantes
ocorre com muito mais facilidade, apresentando muito mais
efeitos sobre a amilose que sobre a amilopectina, assim, os
emulsificantes afetam muito mais os amidos normais que os
de milho ceroso.
Alguns compostos aromatizantes também se complexam
com o amido, resultando em redução da percepção, em alimentos amiláceos. Na ligação de alguns compostos ao amido, principalmente à amilose, as moléculas parecem estar
complexadas com efeitos competitivos, sinérgicos e antagônicos. Entretanto, a principal razão de todos os polissacarídeos (amidos e gomas alimentícias) reduzirem a percepção
de sabores e aromas é a limitação da difusão de moléculas
de aroma e sabor para a superfície, devido ao aumento de
viscosidade conferido por amidos e gomas. Os processos e
112
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
as mudanças específicas que ocorrem dependem da estrutura
do lipídeo polar, do amido empregado e do produto ao qual
foi adicionado.
3.3.6.9 Hidrólise do amido [51,61]
As moléculas de amido, como todas as outras moléculas de
polissacarídeos, são despolimerizadas por ácidos a quente. A
hidrólise das ligações glicosídicas ocorre mais ou menos de
forma aleatória para produzir, no início, fragmentos muito
grandes. Comercialmente, adiciona-se ácido clorídrico aos
amidos bem-misturados, ou então, trata-se o amido granular
umedecido, sob agitação, com o gás cloreto de hidrogênio; a
mistura é então aquecida até que o grau de despolimerização
desejada seja atingido.
O ácido é neutralizado e o produto é recuperado, lavado
e seco. Os produtos permanecem granulares, porém desagregam-se com mais facilidade que o amido de origem não
tratado. Eles são chamados de amidos modificados por ácidos ou de cocção rápida. Ainda que apenas poucas ligações
glicosídicas sejam hidrolisadas, os grânulos de amido se desintegram com muito mais facilidade durante o aquecimento
em água. Amidos modificados com ácidos formam géis com
maior claridade e mais reforçados, embora proporcionem
soluções menos viscosas. Os amidos de cocção rápida são
usados como formadores de filmes e adesivos em produtos
revestidos e doces e sempre que se deseja géis fortes, por
exemplo, em balas de goma e em pães de queijo processados. Para se preparar géis particularmente fortes e de formação rápida, o amido de milho de alto teor de amilose é
usado como amido de base. As propriedades funcionais dos
produtos de hidrólise do amido são apresentadas na Tabela
3.7. Despolimerizações mais intensas do amido, com ácidos,
produzem dextrinas. Em concentrações iguais, as dextrinas
produzem viscosidade mais baixa que os amidos de cocção
rápida, podendo ser usadas em altas concentrações em alimentos processados. Elas possuem propriedades adesivas e
formadoras de filmes e são utilizadas em doces e produtos
revestidos. Elas também são utilizadas em recheios, agentes
de encapsulação e carreadores de aromas, em especial aromas secos por atomização. As dextrinas são classificadas por
sua solubilidade em água fria e pela cor. Aquelas que retêm
grandes quantidades de cadeias lineares ou de grandes fragmentos dessas cadeias formam géis fortes.
A hidrólise incompleta de dispersões de amidos cozidos
em pasta, tanto com ácidos como com enzimas, produz misturas de malto-oligossacarídeos,* as quais são conhecidos
industrialmente como maltodextrinas. Estas são classificadas de acordo com sua equivalência em dextrose (DE). A DE
é relacionada ao DP por meio da seguinte equação:
DE = 100/DP
onde DE e DP são valores médios das populações de moléculas. Em consequência disso o DE de um produto de hidrólise é seu poder redutor como um percentual do poder
* Os oligossacarídeos obtidos a partir do amido são conhecidos como
malto-oligossacarídeos.
redutor da D-glicose pura (dextrose); então, o DE está inversamente relacionado à massa molecular média. As maltodextrinas são definidas como produtos com valores de DE
que são mensuráveis, porém <20, ou seja, suas DPs médias
são >5. As de menor DE, ou seja, com massa molecular
média maior, não são higroscópicas, enquanto as de maior
DE tendem a absorver umidade. As maltodextrinas são insípidas, praticamente sem sabor doce, sendo excelentes contribuintes para o corpo e o volume de sistemas alimentícios.
A hidrólise com valores de DE de 20-60 origina misturas de
moléculas que, quando secas, são chamadas de sólidos de
xarope de milho. Estes são ligeiramente doces e se dissolvem com rapidez.
A hidrólise contínua do amido produz uma mistura de
D-glicose, maltose e outros malto-oligossacarídeos. Xaropes
com esses componentes em diferentes concentrações são
produzidos em grandes quantidades. Um dos mais comuns
apresenta DE de 42. Esses xaropes são estáveis, pois a cristalização das misturas complexas não se dá com facilidade.
Eles são vendidos em concentrações de alta osmolalidade
(cerca de 70% de sólidos), sendo alta o suficiente para que
organismos comuns não possam crescer neles. Um exemplo
é o xarope para waffles e panquecas, que é colorido com corante caramelo e aromatizado com xarope de bordo.
Para hidrolisar o amido a glicose, são usadas três ou
quatro enzimas. A α-amilase é uma endoenzima que cliva
as moléculas de amilose e de amilopectina internamente,
produzindo oligossacrídeos. Estes podem ter uma, duas
ou três ramificações via ligações do tipo (1→6), uma vez
que a α-amilase age apenas nas ligações (1→4) do amido.
A α-amilase também não ataca segmentos de polímero de
amido que formam hélices duplas, nem os que estão complexados com lipídeos polares (segmentos de hélice simples
estabilizada).
A glicoamilase (amiloglicosidase), em combinação com
a α-amilase, é utilizada comercialmente para a produção de
xaropes de D-glicose (dextrose) e D-glicose cristalina. A enzima age sobre o amido gelatinizado por completo como uma
exoenzima, liberando, sequencialmente, unidades D-glicosil
simples a partir da extremidade não redutora das moléculas
de amilose e de amilopectina, mesmo as que estão ligadas
por ligações (1→6). Consequentemente, a enzima pode hidrolisar por completo o amido a glicose, porém ela sempre é
usada em amidos que foram despolimerizados com α-amilase
para gerar mais fragmentos e, por consequência, mais extremidades não redutoras.
A β−amilase libera o dissacarídeo maltose, em sequência,
a partir de extremidades não redutoras das cadeias do polímero de amido. Quando o substrato é a amilopectina, ela ataca
as extremidades não redutoras, liberando maltose sequencialmente, porém sem clivar a ligações (1→6) nos pontos de ramificação; desse modo, ela libera um resíduo de amilopectina
denominado dextrina-limite, uma β-dextrina-limite.
Existem várias enzimas que eliminam ramificações que
são catalisadoras específicas da hidrólise de ligações (1→6),
na amilopectina, produzindo muitas moléculas lineares, mas
de baixa massa molecular. Uma dessas enzimas é a isoamilase, outra é a pululanase.
Química de Alimentos de Fennema
113
TABELA 3.7 Propriedades funcionais dos produtos da hidrólise de amido
Propriedades aumentadas pelo maior grau de hidrólisea
Propriedades aumentadas em produtos de menor conversãob
Doçura
Higroscopicidade e umectância
Redução do ponto de congelamento
Aumento do sabor
Fermentabilidade
Reação de escurecimento
Capacidade de produzir viscosidade
Capacidade de produzir “corpo”
Estabilização de espumas
Prevenção do crescimento de cristais de gelo
Prevenção da cristalização do açúcar
a
b
Xaropes de alta conversão (alta DE).
Xaropes de baixa conversão e maltodextrinas.
A ciclodextrina glucanotransferase é uma enzima única
de Bacillus, que forma, a partir do amido, anéis de unidades
α-D-glicopiranosil, com ligações (1→4) chamadas de ciclodextrinas (Seção 3.2.4). O xarope de glicose, frequentemente
chamado de xarope de milho nos Estados Unidos, é a maior
fonte de D-glicose e D-frutose. Para se fazer um xarope, uma
suspensão de amido em água é misturada com uma α-amilase
estável termicamente e colocada em um aquecedor especial,
no qual ocorre a gelatinização rápida e a hidrólise catalisada pela enzima (liquefação). Após ser resfriada até 55-60°C
(130-140 F), a hidrólise continua com a glicoamilase e, em
seguida, o xarope é clarificado, concentrado, refinado com
carvão ativo e resinas trocadoras de íons. Se o xarope é refinado corretamente e associado a núcleos de cristalização,
obtém-se a D-glicose cristalina (dextrose).
Para a produção de D-frutose, a solução de D-glicose é
passada ao longo de uma coluna que contém glicose isomerase ligada (imobilizada). A enzima catalisa a isomerização
da D-glicose para D-frutose (ver Figura 3.5), formando uma
mistura equilibrada de aproximadamente 58% de D-glicose
e 42% de D-frutose. Altas concentrações de D-frutose costumam ser desejadas. Os HFS mais comumente usados como
adoçantes de refrigerantes contêm cerca de 55% de D-frutose. Para se fazer um xarope com concentração de D-frutose
superior a 42%, o xarope isomerizado é passado ao longo
de um leito de resina trocadora de cátions, em forma de sal
de cálcio. A resina liga a D-frutose, que pode ser recuperada
e adicionada ao xarope normal, para se produzir o xarope
enriquecido com D-frutose.
3.3.6.10 Amidos comerciais
modificados [5,66,68]
Em geral, os processadores de alimentos preferem amidos
com melhores propriedades que as proporcionadas por amidos nativos. Estes produzem pastas de pouco corpo, coesivas
e gomosas, quando aquecidos, e géis indesejáveis quando
as massas são resfriadas. Fazem-se modificações de modo a
melhorar as características das massas e dos géis. Algumas
modificações são feitas para que as massas resultantes possam suportar as condições de calor, cisalhamento e acidez
associadas às condições particulares de processamento; outras são feitas para se introduzir funcionalidades específicas.
Os amidos modificados são ingredientes e aditivos de alimentos úteis, funcionais e abundantes.
As modificações podem ser físicas ou químicas. As químicas originam produtos com ligações cruzadas, estabilizados, oxidados e despolimerizados (modificação ácida,
cocção rápida, Seção 3.3.6.9); geram produtos pré-gelatinizados (Seção 3.3.6.11) e dispersáveis em água fria (Seção
3.3.6.12), e proporcionam maior impacto sobre a funcionalidade, sendo que a maioria dos amidos modificados é tratada
com substâncias que reagem com grupos hidroxila para a
formação de éteres ou ésteres. As modificações podem ser
de um só tipo, porém, com frequência os amidos são preparados pela combinação de dois, três e, algumas vezes, quatro
processos.
As modificações químicas atualmente permitidas e usadas nos Estados Unidos para a produção de amidos modificados são as seguintes: esterificação com anidrido acético,
anidrido succínico, uma mistura de anidrido acético e ácido
adípico, anidrido 1-octenilsuccínico, cloreto de fosforil, trimetafosfato de sódio, ortofosfato monossódico; eterificação
com óxido de propileno; modificação ácida com os ácidos
clorídrico e sulfúrico; branqueamento com hidrogênio, ácido
peracético, permanganato de potássio e hipoclorito de sódio;
oxidação com hipoclorito de sódio; e várias combinações
dessas reações.
Os amidos esterificados e eterificados aprovados e utilizados são os seguintes:
Amidos estabilizados
•
•
•
•
Hidroxipropil amido (éter de amido)
Acetatos de amido (éster de amido)
Octenilsuccinatos de amido (éster de monoamido)
Fosfato de monoamido (éster)
Amidos com ligações cruzadas
• Fosfato de diamido
• Adipato de diamido
Amidos estabilizados e com ligações cruzadas
•
•
•
•
Diamido fosfato hidroxipropliado
Diamido fosfato fosforilado
Diamido fosfato acetilado
Diamido adipato acetilado
Amidos com ligações cruzadas possuem temperaturas de
gelatinização e de formação de pastas maiores, resistência
114
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
aumentada às forças e ao cisalhamento, estabilidade aumentada a condições de baixo pH e, além disso, produzem pastas
com maior viscosidade e estabilidade quando em comparação ao amido-base.
Os produtos estabilizados apresentam temperaturas de
gelatinização e de formação de massa menores, são de fácil redispersão quando gelatinizados, produzem massas e
géis com tendência reduzida à retrogradação, isto é, maior
estabilidade, melhor estabilidade ao congelamento e ao descongelamento, sendo mais claros, quando em comparação
ao amido-base.
Os produtos oxidados com hipoclorito são mais brancos,
apresentam menor temperatura de gelatinização e de formação de pasta, produzem viscosidade máxima da massa menor
e resultam em géis macios e claros, quando em comparação
ao amido não modificado.
Os amidos com ligações cruzadas e estabilizados costumam apresentar menores temperaturas de gelatinização e de
formação de pasta, produzem pastas de maior viscosidade e
demonstram os outros atributos das ligações cruzadas e da
estabilização, quando em comparação ao amido-base.
Produtos pouco despolimerizados apresentam temperaturas de gelatinização e de formação de pastas menores e
produzem pastas com menos viscosidade, quando em comparação ao amido-base.
Qualquer amido (milho, milho ceroso, batata, tapioca/
mandioca, trigo, arroz, etc.) pode ser modificado, mas as
modificações são feitas significativamente apenas no de milho normal, no de milho ceroso, no amido de batata e, com
frequência muito menor, nos amidos de tapioca e de trigo.
Os amidos modificados de milho ceroso são particularmente
populares na indústria de alimentos dos Estados Unidos.
As pastas de amido de milho comum não modificado formarão gel. Esse gel será, em geral, coesivo, “gomoso” e propenso à sinerese (i.e., propenso a desprender umidade). As
massas de amido de milho ceroso exibem pouca tendência à
formação de gel em temperatura ambiente, e é por isso que o
amido de milho ceroso costuma ser preferido como o amido-base para os amidos de grau alimentício, embora as massas de amido de milho ceroso tornem-se turvas e espessas,
exibindo sinerese, quando armazenadas sob refrigeração ou
congeladas. Sendo assim, mesmo o amido de milho ceroso
é modificado para se aumentar a estabilidade das massas. O
composto mais comum e mais útil empregado para a estabilização do amido é o éter hidroxipropílico (ver adiante).
Melhorias em propriedades específicas que podem ser
obtidas por combinações adequadas das modificações são:
redução da energia necessária à cocção (melhora da gelatinização e formação de massa), modificação das características
de cocção, aumento de solubilidade, aumento ou decréscimo
da viscosidade da massa, aumento da estabilidade ao congelamento e descongelamento das massas, aumento da claridade da massa, aumento do brilho da massa, redução ou ampliação da formação e da força do gel, redução de sinerese do
gel, aumento da interação com outras substâncias, aumento
das propriedades estabilizantes, melhora da formação e da
resistência à água de filmes, redução da coesão da massa,
melhora da estabilidade a ácido, calor e cisalhamento.
O amido, como todos os carboidratos, pode sofrer reações em seus vários grupos hidroxila. Em amidos modificados, apenas um número muito reduzido de grupos hidroxila
é modificado. Normalmente ligam-se grupos éster ou éter
em níveis muito baixos de substituição (DS).* Os valores
de DS costumam ser <0,1 e, geralmente em uma faixa de
0,002-0,2, dependendo da modificação. Portanto, há, em
média, um substituinte para cada grupo de 500-5 unidades
de D-glicopiranosil, respectivamente. Pequenos níveis de
derivatização mudam de modo drástico as propriedades dos
amidos, aumentando significativamente sua utilidade.
Produtos amiláceos que tenham sido esterificados ou eterificados com reagentes monofuncionais resistem às associações intercadeias, o que reduz a tendência da massa de amido de gelificar, bem como a tendência à precipitação. Desse
modo, essa modificação costuma ser chamada de estabilização e os produtos são chamados de amidos estabilizados (ver
adiante). O uso de reagentes bifuncionais produz amidos
com ligações cruzadas. Os amidos modificados frequentemente são estabilizados e com ligações cruzadas.
A acetilação do amido até o máximo permitido em alimentos (DS= 0,09) abaixa a temperatura de gelatinização,
melhora a claridade da pasta, proporciona estabilidade à retrogradação e, ainda, alguma estabilidade ao congelamento e
ao descongelamento (mas, em geral, de forma menos eficaz
que a hidroxipropilação). Os fosfatos de amido monoéster
(Figura 3.44) são elaborados pelo tratamento do amido com
tripolifosfato de sódio ou ortofosfato monossódico. Eles podem ser usados na confecção de pastas claras e estáveis ao
congelamento e ao descongelamento. Os fosfatos de monoamido apresentam textura extensa e coesiva. A viscosidade da
massa geralmente é alta e pode ser controlada por variação
da concentração de reagentes, tempo de reação, temperatura
e pH. A esterificação com fosfatos diminui a temperatura de
gelatinização. Nos Estados Unidos, o máximo DS permitido
com grupos fosfatos é de 0,002.
A preparação de um éster alquenilsuccinato de amido
liga uma cadeia hidrocarbonada às moléculas do polímero
(Figura 3.45). Mesmo em DS muito baixo, as moléculas de
octenilsuccinato de amido se concentram na interface de uma
emulsão óleo em água, em função da hidrofobicidade dos
grupos alquenil. Essa característica os torna úteis como estabilizadores de emulsão. Os produtos do 1-octenilsuccinato
de amido podem ser utilizados em diversas aplicações em
alimentos em que há necessidade de estabilização de emulsões, como é o caso das bebidas aromatizadas. A presença
de uma cadeia alifática tende a fornecer ao derivado amiláceo uma percepção sensorial gordurosa, sendo possível, assim, que se usem esses derivados na substituição parcial da
gordura em alguns alimentos. Produtos de alto DS não são
* O grau de substituição (DS − do inglês degree of substitution) é definido
como o número médio de grupos hidroxila esterificados ou eterificados, por unidade de monossacarídeo. Tanto os polissacarídeos ramificados como os não ramificados, compostos por unidades hexopiranosil,
possuem uma média de três grupos hidroxila por unidade monomérica.
Portanto, o DS máximo para o amido ou para a celulose é de 3,0, embora o máximo possível não seja permitido em produtos usados como
ingredientes alimentícios.
Química de Alimentos de Fennema
(a)
Amido
( b)
O
Amido
O
O
P
115
O
O– Na+
O– Na+
P
O
Amido
OH
FIGURA 3.44 Estruturas de um monoéster fosfato de amido (a) e de um diéster fosfato (b). O diéster une duas moléculas de amido resultando em grânulos de amido entrecruzados.
O
Amido
OH
+
CH3 (CH 2) 5 CH
CH
HC
C
O
O
H2C
C
O
Amido
O
C
CH
CH
CH (CH 2) 5 CH3
CH2
CO2
FIGURA 3.45 Preparação do éster de amido 2-(L-octenil)succinil.
higroscópicos, sendo usados como agentes para polvilhar e
como auxiliares de processo.
A hidroxipropilação é a reação mais usada no preparo
de produtos de amido estabilizados. O hidroxipropilamido
(amido−O−CH2−CHOH−CH3) é preparado pela reação do
amido com o óxido de propileno para a produção de um baixo nível de eterificação (DS 0,02-0,2, sendo que 0,2 é o máximo permitido). O hidroxipropilamido apresenta propriedades similares às do acetato de amido, pois também possui
“obstáculos” ao longo da cadeia polimérica do amido, os
quais previnem as associações entre as cadeias que originam
a retrogradação. A hidroxipropilação reduz a temperatura de
gelatinização. Os hidroxipropilamidos formam massas claras que não retrogradam e resistem ao congelamento e ao
descongelamento. Eles são usados como espessantes e extensores. Para melhorar a viscosidade, particularmente sob
condições ácidas, amidos acetilados e hidroxipropilados são
ligados a grupos fosfato por ligações cruzadas.
Os monoamidos fosfatos (monoéster sódio fosfato de
amido) são preparados por impregnação e reação de grânulos de amido com soluções de tripolifosfato de sódio ou ortofosfato monossódico. Os fosfatos de monoamido produzem
massas estáveis que são claras e apresentam textura coesiva.
A viscosidade das massas pode ser controlada pela variação
de concentração de sais de fosfato, tempo de reação, temperatura e pH. Ao se aumentar a substituição, abaixa-se a
temperatura de gelatinização; os produtos incham em água
fria a um DS 0,07. Os fosfatos de amido de milho de DS
0,01-0,03 produzem massas de alta viscosidade, claridade,
estabilidade e textura maiores que os de amido de batata.
Os fosfatos de amido são bons estabilizadores de emulsão e
produzem massas com melhor estabilidade ao congelamento
e ao descongelamento.
A maioria dos amidos modificados possui ligações cruzadas. Estas ocorrem quando os grânulos de amido se com-
binam com um reagente bifuncional que reage com grupos
hidroxila em duas moléculas diferentes no interior do grânulo. A ligação cruzada é realizada com mais frequência
pela produção de ésteres de diamido fosfato (Figura 3.44).
O amido reage, em uma suspensão alcalina, tanto com cloreto de fosforil (POCl3) como com trimetafosfato de sódio
−POCl3, o qual é o reagente mais usado ao se fazerem ligações cruzadas. A ligação conjunta das cadeias de amido
com o diéster fosfato ou outras ligações cruzadas reforçam
o grânulo e reduzem as taxas e o grau de inchaço do amido
e sua subsequente desintegração. Desse modo, os grânulos
apresentam sensibilidade reduzida às condições de processamento (temperatura alta, longos períodos de cocção, baixo
pH, alto cisalhamento durante a mistura, moagem, homogeneização e bombeamento). As massas cozidas de amido
com ligações cruzadas são mais viscosas,* mais encorpadas,
têm textura curta e são menos suscetíveis à ruptura, durante
longa cocção ou exposição a pH baixo e/ou agitação vigorosa, quando em comparação com as massas dos amidos nativos dos quais foram produzidas. É necessária uma pequena
quantidade de ligações cruzadas para se produzir um efeito
considerável; com baixos níveis de ligações cruzadas, os
grânulos incham em proporção inversa ao DS. À medida que
as ligações cruzadas aumentam, os grânulos tornam-se cada
vez mais tolerantes às condições físicas e à acidez, porém,
cada vez menos dispersáveis por cocção. Assim, aumenta a
demanda de energia para se atingir o máximo de inchaço e
de viscosidade. Por exemplo, o tratamento de um amido com
apenas 0,0025% de trimetafosfato de sódio reduz muito, tanto as taxas como o grau de inchaço do grânulo, aumenta bas* Observe na Figura 3.42 que o máximo de viscosidade é alcançado quando o sistema contém grânulos de amido altamente inchados. Os grânulos com ligações cruzadas são menos propensos a se desintegrar com a
aplicação de cisalhamento. Desse modo, há menos perda de viscosidade
depois de o pico ter sido alcançado.
116
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
tante a estabilidade da pasta e muda radicalmente seu perfil
de viscosidade e suas características texturais. O tratamento
com 0,08% de trimetafosfato gera um produto cujo inchaço
do grânulo é restrito de tal modo que nunca se alcança o pico
de viscosidade durante o período de aquecimento. Conforme
o grau de ligações cruzadas aumenta, o amido também se
torna mais estável a ácidos. Embora ocorra hidrólise de ligações glicosídicas durante o aquecimento em meio ácido, as
cadeias se mantêm unidas por ligações fosfato e continuam a
constituir grandes moléculas e elevada viscosidade. Somente
outra ligação cruzada é autorizada para uso em alimentos, o
éster de diamido do ácido adípico.
A maioria dos amidos alimentícios contém menos
de uma ligação cruzada para cada 1.000 unidades α-D-glicopiranosil. A tendência a cocções contínuas exige aumento da resistência ao cisalhamento e da estabilidade a
superfícies quentes. As ligações cruzadas no amido também
proporcionam estabilidade ao caráter espessante durante o
armazenamento. Na esterilização de alimentos enlatados,
em função de sua reduzida taxa de gelatinização e inchaço,
os amidos com ligações cruzadas mantêm uma baixa viscosidade inicial, o tempo suficiente para facilitar a transferência rápida de calor e o alcance da temperatura necessários
para que se proporcione uma esterilização uniforme, antes
que o inchaço do grânulo confira as características desejadas
de textura e viscosidade à suspensão. Amidos com ligações
cruzadas são usados em sopas enlatadas, molhos, pudins e
misturas para massas. As ligações cruzadas do amido de milho ceroso proporcionam às massas claras rigidez suficiente
para que, quando usados em recheios de tortas, mantenham
sua forma ao serem cortadas.
A despolimerização, a redução de viscosidade e o decréscimo da temperatura de formação de massa podem ser
alcançados via oxidação com hipoclorito de sódio (cloro em
solução alcalina). A oxidação também reduz a associação de
moléculas de amilose, ou seja, resulta em alguma estabilização por meio da introdução de pequenas quantidades de grupos carboxilato e carbonil. Os amidos oxidados produzem
géis mais moles e menos viscosos (quando comparados ao
amido de origem), sendo usados para melhorar a adesão das
massas de empanados de peixe e de carne e na panificação.
Tratamentos brandos com hipoclorito, peróxido de hidrogênio ou permanganato de potássio apenas clareiam o amido e
reduzem a contagem de microrganismos viáveis.
Os chamados amidos de cocção rápida são preparados
tratando-se a suspensão de um amido nativo ou derivatizado
com ácido mineral diluído e temperatura abaixo da de gelatinização. Quando se atinge a viscosidade desejada da pasta, o
ácido é neutralizado e o produto é recuperado, lavado e seco.
Mesmo quando apenas um pequeno número de ligações
glicosídicas é hidrolisado, os grânulos se desintegram com
mais facilidade e somente após um pequeno grau de inchaço.
Os amidos modificados por ácidos formam géis mais claros
e mais fortes, apesar de suas massas serem menos viscosas.
Os amidos de cocção rápida são usados como formadores
de filmes e adesivos em produtos como frutas carameladas,
doces e sempre que se deseja um gel forte, por exemplo, em
balas de goma, jujubas e em bolinhos de queijo processados.
Para se preparar géis fortes e estruturados, utiliza-se um amido de milho de alta amilose como amido de base.
Os amidos modificados de alimentos são desenvolvidos
para aplicações específicas. Os amidos de milho, milho ceroso, batata, trigo, entre outros, podem ter suas propriedades
controladas pela combinação da formação de ligações cruzadas, da estabilização e da hidrólise. A adesão, a clareza das
soluções/pasta, a cor, a capacidade de estabilizar emulsões, a
capacidade de formar filmes, a liberação de aromas, a velocidade de hidratação, a capacidade de retenção de umidade,
a estabilidade a ácidos, a estabilidade ao calor e ao frio, a estabilidade às forças de cisalhamento e a temperatura necessária para cocção e viscosidade (massa fria e massa quente)
são algumas das propriedades que podem ser controladas.
Embora não se limitem a elas, algumas das características
conferidas aos produtos alimentícios incluem palatabilidade,
redução da migração de gordura, textura, brilho, estabilidade
e pegajosidade.
Os amidos que são estabilizados e possuem ligações cruzadas são usados em alimentos enlatados, congelados, assados e desidratados. Em alimentos infantis e recheios de
torta congelados, eles proporcionam longa vida de prateleira. Além disso, permitem que se mantenha a estabilidade de
tortas de frutas e molhos congelados em longos períodos de
armazenamento.
3.3.6.11
Amido solúvel em água fria
(pré-gelatinizado ou instantâneo)
O amido que formou uma massa e foi seco, sem retrogradação excessiva, pode ser parcialmente redissolvido em
água fria. Desse modo, ele é denominado pré-gelatinizado
ou instantâneo. Esse amido foi gelatinizado, mas também
houve formação de massa, ou seja, muitos grânulos foram
destruídos, portanto, ele poderia ser chamado mais apropriadamente de amido pré-cozido. Existem duas formas básicas
de se fazer produtos pré-gelatinizados. Em uma, a suspensão
de amido é introduzida entre dois cilindros aquecidos com
vapor, muito próximos e girando em sentidos contrários, em
outra, são aplicados no alto de um cilindro simples aquecido com vapor. Em ambos os casos, a suspensão de amido
é gelatinizada e transformada em massa quase instantaneamente, sendo que a massa que recobre os cilindros seca com
rapidez. A película formada é então raspada dos cilindros
e triturada até formar um pó. Os produtos resultantes são
solúveis em água fria, podendo produzir dispersões viscosas, quando agitados com água em temperatura ambiente,
embora costume ser necessário um pouco de aquecimento
para que se atinja a viscosidade máxima. O segundo método
de preparação utiliza extrusoras. Neste processo, o calor e
o cisalhamento da extrusora gelatiniza e rompe os grânulos
umedecidos. O extrusado expandido, vítreo e crocante obtido é moído até se tornar pó.
Tanto os amidos modificados como os não modificados
podem ser usados para se fazer amidos pré-gelatinizados.
Se forem usados amidos quimicamente modificados (Seção
3.3.6.10), as propriedades introduzidas pelas modificações
são mantidas nos produtos pré-gelatinizados. Desse modo,
Química de Alimentos de Fennema
propriedades das massas como estabilidade a congelamento e descongelamento também podem ser características de
amidos pré-gelatinizados. Os amidos com poucas ligações
cruzadas e pré-gelatinizados são utilizados em sopas instantâneas, cobertura de pizzas, cereais matinais e aperitivos
extrusados.
A vantagem dos amidos pré-gelatinizados é que eles podem ser usados sem cozimento. Como as gomas hidrossolúveis, o amido pré-gelatinizado e finamente moído forma
pequenas partículas de gel quando adicionado à água, mas,
quando for disperso e dissolvido de forma adequada, produzirá uma solução de alta viscosidade. Produtos com moagem
mais grosseira se dispersam com mais facilidade produzindo
dispersões de baixa viscosidade e com um aspecto granuloso
ou de polpa, o que é desejável em alguns produtos. Muitos
amidos pré-gelatinizados são usados em misturas secas,
como misturas para pudim instantâneo. Eles se dispersam
facilmente com alta agitação e cisalhamento ou quando misturados com açúcares ou outros ingredientes secos.
β-D-glicopiranosil, unidas por ligações glicosídicas (1→4)
(Figura 3.46). As ligações axial →equatorial (1→4), que
unem as unidades α-D-glicopiranosil das moléculas do polímero de amido, produzem uma estrutura helicoidal (uma
α-hélice). Em contrapartida, as ligações axial →equatorial
(1→4), que unem as unidades β-D-glicopiranosil das moléculas de celulose, originam uma estrutura plana em forma
de fita, na qual cada unidade de glicopiranosil da cadeia está
voltada para baixo, em comparação com as unidades precedentes e subsequentes. Em função de sua natureza plana
e linear, as moléculas de celulose podem associar-se umas
às outras por meio de pontes de hidrogênio, ao longo de extensas zonas, formando maços fibrosos e policristalinos. As
zonas amorfas separam e conectam as zonas cristalinas. A
celulose é insolúvel em água, pois, para que houvesse dissolução, a maioria de suas inúmeras pontes de hidrogênio
deveria ser rompida ao mesmo tempo. No entanto, a celulose
pode, por meio de derivatização, ser convertida em gomas
hidrossolúveis.
A celulose e suas formas modificadas servem como fibra
dietética, uma vez que não são digeridas e não contribuem
com nutrientes e nem com calorias, ao passar pelo trato digestivo humano. As fibras dietéticas são importantes para a
nutrição humana (ver Seção 3.4).
Celuloses purificadas, em pó, são disponíveis como ingrediente de alimentos. Uma celulose de alta qualidade pode
ser obtida da madeira, após ter sido transformada em polpa e, em seguida, purificada. A pureza química não é necessária, uma vez que as paredes celulares celulósicas são
componentes de todas as frutas e hortaliças. A contaminação microbiana, a cor, o aroma e o sabor da celulose em pó,
usada em alimentos, são insignificantes. A celulose em pó é
frequentemente adicionada ao pão para lhe acrescentar volume, sem adição de calorias. Os produtos panificados de
baixa caloria, feitos com celulose em pó, não apenas têm seu
conteúdo de fibra dietética aumentado, como permanecem
úmidos e frescos por mais tempo.
3.3.6.12 Amido dispersável em água fria
O amido granular que incha intensamente em água fria é
produzido pelo aquecimento de um amido de milho comum,
em 75-90% de etanol, ou em processo específico em atomizador. Esse produto também é classificado como amido pré-gelatinizado ou como amido instantâneo. A diferença entre
ele e o amido pré-gelatinizado convencional é que, embora
o arranjo cristalino e a birrefringência dos grânulos tenham
sido destruídos, os grânulos permanecem intactos. Portanto,
quando adicionados à água, eles incham como se tivessem
sido cozidos. A dispersão feita por incorporação de amido
dispersável, em soluções de açúcar ou xaropes de glicose
com rápida agitação, pode ser moldada, uma vez que produz géis rígidos que podem ser fatiados. O resultado é uma
goma doce. Os amidos dispersáveis em água fria também
são utilizados na confecção de sobremesas e em misturas
para massas de bolos que contenham sólidos como frutas
(mirtilo) que, de outro modo, iriam para o fundo antes que a
massa adquirisse consistência pelo aquecimento, durante o
cozimento.
3.3.7
3.3.7.1
Celulose microcristalina [58]
A celulose purificada e insolúvel, denominada celulose microcristalina (MCC), é produzida por uma hidrólise parcial
da polpa de celulose de madeira purificada, sendo que a hidrólise ocorre nas zonas amorfas, seguida pela separação dos
microcristais liberados. As moléculas de celulose são cadeias
lineares, relativamente rígidas, de cerca de 3.000 unidades
Celulose: estrutura e derivados [71]
A celulose é um homopolímero linear, insolúvel, de alta
massa molecular, constituído de unidades repetidas de
CH2OH
O
O
HO
HO
HO
O
OH
CH2OH
O
DP/2
FIGURA 3.46 Celulose (unidade repetitiva).
117
118
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
de β-D-glicopiranose, que se associam com facilidade a longas zonas de junção. Contudo, as cadeias lineares longas não
são alinhadas ao longo de todo o seu comprimento. O fim
da zona cristalina é simplesmente a separação das cadeias
de celulose que sai de um estado de ordenamento a outro de
maior aleatoriedade, formando as zonas amorfas. Quando a
polpa de madeira purificada é hidrolisada com ácido, este
penetra na região de baixa densidade, amorfa e hidratada,
onde a cadeia do polímero tem maior liberdade de movimento, e efetua a clivagem hidrolítica da cadeia nessa região,
liberando porções cristalinas individuais das extremidades.
Dois tipos de MCC são produzidos, ambos são estáveis
tanto ao calor como a ácidos. A MCC em pó é produzida por
atomização, a qual produz agregados porosos de microcristais. A MCC em pó é utilizada como transportador de aromas e agente antiendurecimento de queijo ralado. O segundo
tipo, a MCC coloidal, pode ser dispersa em água e possui
propriedades funcionais semelhantes às das gomas hidrossolúveis. Para se fazer a MCC coloidal, aplica-se uma energia
mecânica considerável após a hidrólise, a fim de que haja
separação das microfibrilas enfraquecidas e se forneça maior
proporção de agregados de tamanho coloidal (<0,2 μm de
diâmetro). Para se evitar que os agregados liguem-se novamente durante a secagem, são adicionados CMC de sódio
(Seção 3.3.7.2), goma xantana (Seção 3.3.9) ou alginato de
sódio (Seção 3.3.11). As gomas aniônicas auxiliam na redispersão e agem como barreiras à reassociação, pois conferem
uma carga negativa estabilizadora às partículas.
As principais funções da MCC coloidal são estabilização
de emulsões e espumas, em especial durante processamento
com temperaturas elevadas; formação de géis com textura
untuosa (a MCC não se dissolve nem forma zonas de junção intermoleculares; formação preferencial de uma rede
de microcristais hidratados); fornecimento de estabilidade
ao aquecimento a géis de pectina e de amido; substituição
de gorduras e óleos em produtos como molhos para salada
e sorvetes; e controle do crescimento de cristais de gelo. A
celulose microcristalina estabiliza emulsões e espumas por
se adsorver nas interfaces e reforçar as películas interfaciais.
Trata-se de um ingrediente comum de sorvetes com gordura
reduzida e de outros produtos gelados para sobremesa.
3.3.7.2 Carboximetilceluloses [14,33]
A carboximetilcelulose (Tabela 3.5) é ampla e extensivamente usada como goma para alimentos. O tratamento da
polpa de madeira purificada, com hidróxido de sódio 18%,
produz celulose alcalina. Quando esta reage com o sal sódico do ácido cloroacético, forma-se o sal sódico do éter
carboximetílico (celulose−O−CH2−CO2−Na+). A maioria
dos produtos comerciais de CMC possui um DS (ver Seção
3.3.6.10), variando de 0,4-0,8. O tipo mais vendido para uso
como ingrediente alimentício apresenta DS de 0,7.
Uma vez que a CMC consiste de uma longa e relativamente rígida molécula com carga negativa, devido a seus
numerosos grupos carboxílicos ionizados, a repulsão eletrostática faz com que essas moléculas, quando em solução,
fiquem estendidas. Da mesma forma, as cadeias adjacentes
repelem umas às outras. Como consequência, as soluções de
CMC tendem a ser, ao mesmo tempo, altamente viscosas e
estáveis, estando é disponível em uma ampla faixa de graus
de viscosidade. A CMC estabiliza dispersões de proteínas,
particularmente perto do valor do pH isoelétrico da proteína.
3.3.7.3
Metilceluloses e
hidroxipropilmetilceluloses [24,25]
Para se fazer metilceluloses (MC) (Tabela 3.5), trata-se a celulose alcalina com cloreto de metila para a introdução de
grupos éter metílico (celulose−O−CH3). Muitos membros
dessa família de gomas também contêm grupos éter hidroxipropílicos (celulose-O−CH2−CHOH−CH3). As hidroxipropilmetilceluloses (HPMCs) são feitas pela reação de celuloses alcalinas com óxido de propileno e cloreto de metila. O
DS com grupos éter metílico das metilceluloses comerciais
varia de 1,1 a 2,2. Os moles de substituição (MS)* com grupos éter hidroxipropílicos, em HPMCs comerciais, variam
de 0,02 a 0,3 (os membros MC e HPMC dessa família de
gomas costumam ser denominados simplesmente como
MCs). Ambos os produtos são solúveis em água fria, pois
as protrusões dos grupos éter metílicos e hidroxipropílicos,
ao longo das cadeias, previnem a associação intermolecular
característica da celulose.
A adição dos poucos grupos éter distribuídos ao longo
das cadeias aumenta a solubilidade em água, mas também
diminui a hidratação da cadeia, pela substituição dos grupos
hidroxila que ligam a água por grupos éter menos polares,
conferindo aos membros dessa família de gomas características únicas. Os grupos éter restringem a solvatação das
cadeias a ponto de deixá-las no limite da solubilidade em
água. Quando uma solução aquosa é aquecida, as moléculas
de água que estão hidratando o polímero se dissociam da
cadeia e a hidratação é diminuída o suficiente para que as
associações intermoleculares aumentem (provavelmente por
forças de van der Waals) e ocorra gelificação. A diminuição
da temperatura do gel permite que as moléculas se hidratem
e se dissolvam novamente, assim a gelificação é reversível.
Em função da presença dos grupos éter, as cadeias de gomas têm uma certa ação na superfície, absorvendo nas interfaces, o que ajuda a estabilizar as emulsões e as espumas. As
MCs também podem ser usadas para reduzir a quantidade
de gorduras em alimentos, por dois mecanismos: (1) proporcionam propriedades semelhantes à gordura, de modo que o
conteúdo de gordura de um alimento pode ser reduzido e (2)
reduzem a adsorção de gorduras em alimentos ao serem fritos, pois a estrutura de gel produzida pela termogeleificação
confere uma barreira ao óleo, mantendo a umidade e agindo
como ligante.
* Os moles de substituição, ou substituição molar (MS), indicam o número
médio de moles dos substituintes ligados à unidade glicosil de um polissacarídeo. Pelo fato de a reação de um grupo hidroxila com o óxido de
propileno criar um novo grupo hidroxila, com o qual o óxido de propileno
pode reagir mais tarde, podem formar-se cadeias de poli (óxido de propile), cada uma terminada com um grupo hidroxila livre. Uma vez que mais
de três moles de óxido de propileno podem reagir com uma única unidade
hexopiranosídica, o valor de MS é mais usado que o de DS.
Química de Alimentos de Fennema
3.3.8
Gomas guar e locuste [27,28,38]
As gomas guar e LBG são encontradas nos mesmos
produtos. Cerca de 85% da LBG é usada em produtos lácteos e sobremesas congeladas. Ela raramente é usada sozinha, sendo usada, de preferência, em combinação com
outras gomas, tais como CMC, carragenana, xantana e
goma guar. É usada em combinação com κ-carragenana
e xantana para aproveitamento do fenômeno sinérgico de
formação de gel. Sua concentração típica de utilização é
de 0,05 a 0,25%.
A goma guar e a goma locuste (LBGs) são importantes espessantes polissacarídicos (Tabela 3.5). Entre as gomas
naturais comercializadas, a goma guar produz a mais alta
viscosidade. Ambas as gomas são obtidas pela moagem
do endosperma de sementes. O principal componente dos
endospermas é uma galactomanana. As galactomananas
consistem de uma cadeia principal de unidades de β-D-manopiranosil unidas por ligações (1→4) a ramificações de
uma única unidade de α-D-galactopiranosil, ligadas na posição O-6 (Figura 3.47). O polissacarídeo específico que compõe a goma guar é a guarana, na qual cerca da metade das
unidades D-manopiranosil da cadeia principal contém uma
unidade α-D-galactopiranosil.
A galactomanana da LBG tem menos ramificações do
que a guarana. Sua estrutura é mais irregular, com longos
trechos de cerca de 80 unidades de D-manosil, sem derivações, alternando com seções de cerca de 50 unidades, nas
quais a maioria das unidades da cadeia principal tem um
grupo α-D-galactopiranosil, conectado a suas posições O-6
por ligações glicosídicas.
Pela diferença em suas estruturas, as gomas guar e LBG
possuem diferentes propriedades físicas, apesar de ambas
serem galactomananas e serem compostas de cadeias longas
e um tanto rígidas, que produzem soluções de alta viscosidade. Como a guarana tem suas unidades galactosil dispostas
de maneira bastante regular ao longo da cadeia, há poucos
locais adequados para a formação de zonas de junção. No
entanto, a LBG com suas longas seções de “cadeias nuas”,
pode formar zonas de junção. As moléculas de LBG interagem com as hélices de xantana (Figura 3.48; Seção 3.3.9) e
de carragenana (Seção 3.3.10) formando zonas de junção e
géis rígidos.
A goma guar proporciona espessamento econômico em
um grande número de alimentos. Ela é bastante utilizada
com outras gomas alimentícias, por exemplo, em sorvetes,
nos quais é frequentemente usada em combinação com CMC
(Seção 3.3.7.2), carragenana (Seção 3.3.10) e LBG.
HO
119
3.3.9
Goma xantana [32,47]
A Xanthomonas campestris, uma bactéria muito encontrada
nas folhas das plantas da família da couve, produz um polissacarídeo, denominado xantana, que é produzido em grandes
fermentadores, sendo muito utilizado como goma alimentícia. Esse polissacarídeo é conhecido comercialmente como
goma xantana (Tabela 3.5).
A goma xantana tem uma cadeia principal idêntica à da
celulose (Figura 3.48; compare com a Figura 3.46). Na molécula de xantana, cada duas unidades de β-D-glicopiranosil da
cadeia principal de celulose possuem ligado, na posição O-3,
uma unidade trissacarídica, a β-D-manopiranosil-(1→4)-β-D-glicopiranosil-(1→2)-6-O-acetil-β- D -manopiranosil.*
Cerca da metade das unidades terminais de β-D-manopiranosil possui ácido pirúvico ligado a um acetal 4,6-cíclico.
As cadeias de trissacarídeos laterais interagem com a cadeia
principal, tornando a molécula bastante rígida. É provável
que a massa molecular seja da ordem de 2 × 106, embora
valores muito maiores, possivelmente devido à agregação,
tenham sido relatados.
A goma xantana interage com a goma guar de forma
sinérgica, para produzir aumento de viscosidade da solução. A interação com LBG produz um gel termorreversível
(Figura 3.49).
A xantana é muito usada como goma alimentícia devido
às características importantes a seguir: ela é solúvel tanto em
água quente como em água fria; produz alta viscosidade na
CH2OH
O
HO
HO
O
CH2
O
HO
HO
O
HO
HO
O
CH2OH
O
FIGURA 3.47 Segmento representativo de uma molécula de galactomanana.
* Os heteroglicanos de bactérias, diferente dos heteroglicanos de plantas,
possuem estruturas regulares de unidades repetidas.
120
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
OH
O
C H2OH
Me
O2C
C H2OH
O
HO
O
O
Esqueleto
O
HO
OH
O
O
O
HO
HO
O
HO
O
O
O
CO2–
HO
OH
CH2
Cadeia lateral
O
CH3
C
O
FIGURA 3.48 Estrutura da unidade repetitiva do pentassacarídeo da xantana. Observe a unidade 4,6-O-piruvil-D-manopiranosil na
extremidade não redutora, ao lado da cadeia do trissacarídeo. Normalmente, cerca da metade das cadeias laterais é piruvilada.
FIGURA 3.49 Representação da interação hipotética de uma molécula de goma locuste com porções de dupla hélice de moléculas de
goma xantana ou carragenana, formando uma rede tridimensional e um gel.
solução, em baixas concentrações; não há mudanças perceptíveis na viscosidade da solução na faixa de temperatura de
0 a 100ºC, o que a torna única entre as gomas alimentícias; é
solúvel e estável em soluções ácidas; possui excelente compatibilidade com sal; forma gel quando usada em combinação com a LBG; é um notável estabilizante de suspensões
Química de Alimentos de Fennema
3.3.10 Carragenanas, agar e
furcelaranas [22,57]
e emulsões; e confere estabilidade a produtos submetidos
a congelamento e descongelamento. As propriedades incomuns e muito úteis da goma xantana resultam, sem dúvida,
de sua rigidez estrutural e da forma estendida de suas moléculas que, por sua vez, resultam de sua cadeia linear do
tipo celulósico, que é estirada e mantida rígida pelas cadeias
laterais aniônicas trissacarídicas.
A goma xantana é ideal para estabilizar dispersões
aquosas, suspensões e emulsões. Como a viscosidade de
suas soluções se altera muito pouco com a temperatura, ou
seja, suas soluções não se tornam mais espessas quando
resfriadas, ela é insubstituível para espessar e estabilizar
alguns produtos, como molhos de salada e calda de chocolate, os quais necessitam fluir de forma fácil quando retirados do refrigerador ou em temperatura ambiente, ou outros
molhos, os quais não devem tornar-se muito espessos quando estão frios, nem se tornarem líquidos demais quando
quentes. Nos molhos de salada, além de espessante, essa
goma serve como estabilizador da suspensão de partículas
e da emulsão do óleo em água. Ela também é usada como
espessante e agente de suspensão em molhos sem óleo (de
baixas calorias). Em molhos com ou sem óleo, a goma xantana é quase sempre usada em combinação com alginato de
propileno glicol (PGA) (Seção 3.3.11). O PGA diminui a
viscosidade dos sistemas que contêm goma xantana e reduz sua pseudoplasticidade. Juntos, eles conferem a fluidez
desejada, associada à pseudoplasticidade própria da xantana e a sensação de cremosidade relacionada à solução não
pseudoplástica.
O termo carragenana se refere ao grupo ou a família de galactanas sulfatadas extraídas de algas vermelhas com soluções alcalinas. Normalmente, o sal sódico é produzido
a partir de carragenanas. As carragenanas são misturas de
várias galactanas sulfatadas relacionadas (Table 3.5). Elas
são cadeias lineares de unidades D-galactopiranosil unidas
com ligações (1→3)-α-D- e (1→4)-β-D-glicosídicas alternadas, sendo que a maioria das unidades de açúcar apresenta um ou dois grupos semiéster sulfato esterificados
no grupo hidroxila dos átomos de carbono C-2 e/ou C-6.
Isso resulta em um conteúdo de sulfato que varia de 15 a
40%. As unidades costumam conter um anel 3,6-anidro. As
principais estruturas (Figura 3.50) são denominadas carragenanas kappa (κ), iota (ι) e lambda (λ). As unidades dissacarídicas mostradas na Figura 3.50 representam os blocos
constituintes predominantes de cada tipo, mas não são necessariamente unidades estruturais repetidas. As carragenanas, da forma como são extraídas, são misturas de polissacarídeos não homogêneos. As carragenanas comerciais,
das quais podem obter-se mais de 100 a partir de um único
fornecedor para aplicações diferentes, contêm diferentes
proporções dos três principais tipos estruturais (kappa, iota
e lambda), produzidos com misturas de espécies de algas
vermelhas. Para a obtenção do produto em pó, podem ser
adicionadas outras substâncias, como íons potássio e açúcar (para a padronização).
H2C
– O SO
3
CH2OH
O
O
O
O
O
OH
OH
κ-Carragenana
H2C
– O SO
3
CH2OH
O
O
O
O
O
OH
OSO 3–
ι-Carragenana
CH2OH
–
CH
O
O
2 OS
3 SO
3
O–
O
HO
O
O
121
– O SO
3
HO
λ-Carragenana
FIGURA 3.50 Estruturas unitárias idealizadas das carragenanas dos tipos κ, ι, e λ.
122
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
As carragenanas comerciais se dissolvem em água para
formar soluções bastante viscosas. A viscosidade é relativamente estável, em uma ampla faixa de valores de pH, pois
os grupos semiéster sulfato estão sempre ionizados, mesmo
sob condições muito ácidas, conferindo às moléculas uma
carga negativa. No entanto, pelo fato das carragenanas poderem despolimerizar-se em soluções ácidas aquecidas, essas
condições devem ser evitadas quando na utilização de carragenanas comerciais.
Os segmentos de moléculas de carragenanas dos tipos kappa e iota existem sob a forma de duplas hélices de cadeias
paralelas. Na presença dos íons cálcio ou potássio, formam-se géis termorreversíveis pelo resfriamento de uma solução
quente que contém segmentos de dupla hélice. A gelificação
pode acontecer em concentrações tão baixas quanto 0,5%.
Quando soluções de carragenanas do tipo kappa são resfriadas na presença de íons potássio, forma-se um gel rígido e
quebradiço. Os íons cálcio são menos eficazes para causar
gelificação. Juntos, os íons cálcio e potássio produzem um
gel bastante forte. Os géis mais fortes feitos com base nas
carragenanas são produzidos a partir das carragenanas do
tipo kappa. Esses géis tendem à sinerese conforme as zonas
de junção crescem em comprimento dentro da estrutura. A
presença de outras gomas retarda esse processo.
As carragenanas do tipo iota são um pouco mais solúveis
que as do tipo kappa, mas, novamente, apenas a forma de sal
sódico é solúvel em água fria. As carragenanas do tipo iota
gelificam melhor com íons cálcio. O gel resultante é macio
e resiliente, possui boa estabilidade no congelamento e no
descongelamento, e não sofre sinerese, provavelmente pelo
fato de as carragenanas do tipo iota serem mais hidrofílicas e
formarem menos zonas de junção que as do tipo kappa.
Durante o resfriamento de soluções de carragenanas do tipo
kappa ou iota ocorre gelificação, pois as moléculas lineares
não são capazes de formar hélices duplas contínuas devido à
presença de irregularidades estruturais. As porções de hélices
lineares se associam, então, para formar um gel tridimensional
na presença do cátion apropriado (Figura 3.51). Todos os sais
das carragenanas do tipo lambda são solúveis e não gelificam.
Nas condições em que segmentos de dupla hélice estão
presentes, as moléculas de carragenanas, particularmente as
do tipo kappa, formam zonas de junção com os segmentos
descobertos de LBG para produzir géis rígidos, quebradiços
e que sofrem sinerese. Essa gelificação ocorre em uma concentração um terço da necessária para que se forme um gel
puro de carragenana do tipo kappa.
As carragenanas são usadas com frequência em função
de sua capacidade de formar géis com leite e água. As misturas dos tipos de carragenanas são usadas para se obter diversos produtos que são padronizados com quantidades variáveis de sacarose, glicose (dextrose), sais tamponantes ou
promotores de gelificação, tais como cloreto de potássio. Os
produtos comerciais disponíveis formam vários géis: claros
ou turvos, rígidos ou elásticos, duros ou macios, termoestáveis ou termicamente reversíveis e os que sofrem ou não
sinerese. Os géis de carragenanas não necessitam de refrigeração, pois não fundem em temperatura ambiente. Eles são
estáveis ao congelamento e ao descongelamento.
FIGURA 3.51 Representação do mecanismo hipotético da gelificação de carragenanas dos tipos κ e ι. Em uma solução aquecida, as
moléculas do polímero estão em estado enovelado. À medida que a solução é resfriada, elas se entrelaçam em estruturas de dupla hélice.
Conforme a solução é resfriada, acredita-se que as duplas hélices acomodem-se juntas, com a ajuda de íons potássio e cálcio.
Química de Alimentos de Fennema
Uma propriedade útil das carragenanas é sua reatividade
com proteínas, em especial as do leite. As carragenanas do
tipo kappa formam complexos com as micelas de k-caseína
do leite, formando um gel fraco, tixotrópico e que pode ser
vertido. O efeito espessante das κ-carragenanas é 5−10 vezes maior no leite do que na água. Essa propriedade é usada
na preparação do chocolate ao leite, na qual um gel de estrutura tixotrópica previne a precipitação das partículas de
cacau. A estabilização requer somente cerca de 0,025% de
goma. Essa propriedade também é utilizada na preparação
de sorvetes, leite evaporado, fórmulas infantis, creme batido
estável a congelamento e descongelamento e de emulsões
nas quais a gordura do leite é substituída por óleo vegetal.
O efeito sinérgico entre a κ-carragenana e a LBG (Figura
3.49) produz géis com maior elasticidade e força e com menos sinerese que os feitos apenas com κ-carragenato de potássio. Se comparada com a carragenana do tipo kappa isolada, a combinação κ-carragenana-LBG proporciona maior
estabilização e retenção de bolhas de ar em sorvetes, mas,
também, aderência um tanto demasiada, de modo que se adiciona goma guar para suavização da estrutura do gel.
Presuntos e fiambres de aves resfriados absorvem entre
20−80% mais de salmoura quando contêm 1-2% de carragenana do tipo kappa. O revestimento de carnes com carragenanas serve como barreira mecânica de proteção e como veículo para temperos e aromas. A carragenana é, algumas vezes,
adicionada aos substitutos de carne feitos a partir de caseína
e proteínas vegetais. A carragenana é usada em retenção de
água e manutenção de seu conteúdo e, por consequência, manutenção da maciez de produtos à base de carne, tais como
salsichas, durante o cozimento. A adição de uma carragenana
+
dos tipos kappa ou iota, na forma de Na ou de carragenana
PES/PNG (Processed Euchema seaweed/Philippine natural grade − ver próximo parágrafo), à carne bovina moída,
de baixo teor de gordura, melhora a textura e a qualidade
do hambúrguer. Normalmente, a gordura tem o propósito
de manter a maciez, porém, devido ao poder de ligação da
carragenana com proteínas e sua alta afinidade pela água, as
carragenanas podem ser usadas para substituir, em parte, essa
função da gordura animal natural, em produtos magros.
Existe também uma farinha de algas modificada com álcalis, antigamente denominada carragenana PES ou PNG,
que hoje é chamada, com frequência, apenas como carragenana. Para se preparar a carragenana PES/PNG, as algas
vermelhas são tratadas com uma solução de hidróxido de
potássio. Como os sais de potássio dos tipos de carragenanas encontradas nessas algas são insolúveis, as moléculas
de carragenanas não são solubilizadas e nem extraídas. Os
componentes solúveis de baixo peso molecular são removidos principalmente das algas durante esse tratamento. A alga
remanescente é seca e moída, formando um pó. A carragenana PES/PNG é, portanto, um material composto que contém
não apenas moléculas de carragenana que seriam extraídas
com hidróxido de sódio, mas também outros materiais da
parede celular.
Duas outras gomas alimentícias, o agar e a furcelarana
(também chamada agar dinamarquês), também são oriundas
de algas vermelhas, apresentando estruturas e propriedades
123
que são estreitamente relacionadas às das carragenanas. Da
mesma forma que a gelana (Seção 3.3.13), o uso principal
do agar é em misturas para massas, nas quais é adicionado
para manutenção da umidade do produto final, sem que se
aumente a viscosidade da massa inicial (pelo fato de não ser
solúvel em água em temperatura ambiente).
3.3.11 Alginatos [11,34]
O alginato comercial é um sal, com mais frequência um sal
de sódio, de um ácido poliurônico linear, o ácido algínico, obtido de algas marrons (Tabela 3.5). O ácido algínico
é composto de duas unidades monoméricas, de ácido β-D-manopiranosilurônico e de ácido α-L-gulopiranosilurônico.
Esses dois monômeros ocorrem em regiões homogêneas
(compostas exclusivamente de uma unidade ou de outra) e
em regiões de unidades mistas. Os segmentos que contêm
apenas unidades de D-manuronopiranosil são denominadas
Blocos M, e os que contêm somente unidades L-guluronopiranosil são denominados Blocos G. As unidades D-manuronopiranosil encontram-se na conformação 4C1, enquanto as
unidades L-guluronopiranosil encontram-se na conformação
1
C4 (ver Seção 3.1.2; Figura 3.52), as quais conferem aos
diferentes blocos conformações de cadeias diferentes. As regiões de Blocos M são achatadas e semelhantes a uma fita,
semelhante à conformação da celulose (ver Seção 3.3.7) devido à ligação equatorial → equatorial. As regiões de Blocos
G apresentam conformação pregueada, como resultado de
suas ligações glicosídicas axial → axial. As diferentes porcentagens dos diferentes segmentos de blocos fazem com
que os alginatos, de diferentes algas, tenham propriedades
variadas. Alginatos com maior conteúdo de Blocos G produzem géis de maior força.
As soluções de alginato de sódio são altamente viscosas.
O sal de cálcio dos alginatos é insolúvel. A insolubilidade
resulta das interações entre os íons cálcio e as regiões de
Blocos G da cadeia. As aberturas formadas entre duas cadeias de Blocos G são cavidades que fixam íons cálcio. O
resultado é uma zona de junção que tem sido denominada
como arranjo em “caixa de ovo”, sendo que os íons cálcio são comparáveis a ovos dentro de cavidades de caixas
(Figura 3.53). A força do gel depende do conteúdo de Blocos
G no alginato usado e da concentração de íons cálcio.
Os alginatos de propileno glicol (PGAs) são feitos pela
reação de ácido algínico com óxido de propileno, para produzir um éster parcial com 50-85% de grupos carboxila esterificados. As soluções de PGAs são muito menos sensíveis a
baixos valores de pH e a cátions polivalentes, incluindo íons
cálcio e proteínas, do que as soluções de alginatos não esterificados, pois os grupos carboxila esterificados não podem
ser ionizados. Além disso, o grupo propileno glicol introduz
uma “protuberância” na cadeia, a qual previne a associação
estreita entre as cadeias. Portanto, as soluções de PGAs são
estáveis. Devido à tolerância aos íons cálcio, os PGAs podem ser usados em produtos lácteos. Os grupos hidrofóbicos do propileno glicol também conferem à molécula uma
leve atividade interfacial, ou seja, propriedades espumantes,
emulsificantes e estabilizadoras de emulsão. O PGA é usado
124
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
–
CO2
O
HO
O
HO
Unidade de βManpA
O
OH
–O C
2
OH
O
Unidade de αL GulpA
4
FIGURA 3.52 Unidades de ácido β-D-manopiranosilurônico (βManpA), na conformação C1, e α-L-gulopiranosilurônico (αLGulpA), na
1
conformação C4.
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
Ca 2+
FIGURA 3.53 Representação da formação proposta para uma junção entre regiões de Blocos G de três moléculas de alginato, promovida por íons cálcio.
quando se deseja estabilidade diante de ácidos, não reatividade com íons cálcio (p. ex., em produtos lácteos) ou sua
propriedade tensoativa. Dessa forma, ele é usado como espessante em molhos para saladas (Tabela 3.5). Em molhos
de baixa caloria, ele costuma ser usado em associação à
goma xantana (Seção 3.3.9).
Os sais de alginatos são usados com mais frequência
como ingredientes de alimentos, em decorrência de sua capacidade de formar géis. No entanto, eles podem ser usados
para conferir alta viscosidade em baixas concentrações, sendo particularmente eficazes na presença de baixa concentração de íons cálcio. Se o PGA é usado, algumas ligações cruzadas de íons cálcio ainda ocorrem nas cadeias, por meio dos
grupos carboxilados restantes, resultando em espessamento
(mais do que gelificação) das soluções.
Os géis de alginato de cálcio são obtidos por preparação
por difusão, preparação interna e preparação por resfriamento. A preparação por difusão pode ser usada na preparação
de alimentos estruturados. Um bom exemplo são as tiras
moldadas de pimenta. Na produção de tiras de pimenta para
o recheio de azeitonas verdes, o homogenizado de pimenta
é primeiro misturado com água, a qual contém uma pequena
quantidade de goma guar, como espessante imediato e, em
seguida, com alginato de sódio. A mistura é bombeada para
uma correia transportadora, sendo gelificada pela adição de
íons cálcio. A lâmina gelificada é cortada em tiras finas que
são introduzidas nas azeitonas. A preparação interna, usada para produtos à base de frutas e seus análogos, envolve
a liberação lenta de íons cálcio para dentro da mistura. A
liberação lenta é obtida pela ação combinada de um ácido
orgânico levemente solúvel e de um sequestrante de sal de
cálcio insolúvel. A preparação por resfriamento envolve a
mistura de componentes necessários à formação de um gel
em temperatura acima de sua temperatura de fusão, para que
a mistura ganhe forma ao ser resfriada. Os géis de alginato
são razoavelmente termoestáveis e apresentam pouca ou ne-
Química de Alimentos de Fennema
nhuma sinerese. Diferente dos géis de gelatina, os de alginato não são termorreversíveis e, semelhantemente aos géis de
carragenanas, não necessitam de refrigeração, podendo ser
usados como géis de sobremesas que não fundem, mesmo
em altas temperaturas ambientais. No entanto, eles não fundem na boca como os géis de gelatina.
O ácido algínico, ou seja, uma solução de alginato cujo
pH foi diminuído, com e sem a adição de íons cálcio, é empregado na preparação de géis macios, tixotrópicos e que
não fundem (Tabela 3.5).
3.3.12 Pectinas [10,49]
As pectinas comerciais são galacturonoglicanos (ácidos
poli[α-D-galactopiranosilurônico]) com conteúdo variado
de grupos éster metílico (Tabela 3.5). As moléculas nativas,
presentes nas paredes celulares e nas camadas intercelulares de todas as plantas, a partir das quais as pectinas comerciais são obtidas, são moléculas mais complexas, as quais
são convertidas em galacturonoglicanos metil esterificados
durante extração com ácido. A pectina comercial é obtida
da casca de frutas cítricas e do bagaço de maçã. A pectina
das cascas de limão e lima é, em geral, a mais fácil de ser
isolada e a de mais alta qualidade. As pectinas possuem uma
capacidade única de formar géis espalháveis, na presença de
açúcar e ácido, ou na presença de íons cálcio, sendo usadas
principalmente nesses tipos de aplicações.
A composição e as propriedades das pectinas variam de
acordo com sua fonte de obtenção, o processo usado durante
a preparação e os tratamentos subsequentes. Durante a extração com ácido fraco, ocorre um pouco de despolimerização e
hidrólise dos grupos éster metílico. Portanto, o termo pectina indica uma família de compostos. Esse termo é usado, em
sentido geral, para designar as preparações poli (ácido galacturônico)(galacturonoglicano) solúveis em água, com conteúdos éster metílico e graus de neutralização variados, capazes
de formar géis. Em todas as pectinas naturais, alguns dos grupos carboxila são encontradas sob a forma de éster metílico.
Dependendo das condições de manufatura, os grupos restantes de ácido carboxílico livre podem ser parcial ou completamente neutralizados, ou seja, parcial ou totalmente presentes
como sódio, potássio ou grupos carboxilato de amônio. Em
geral, eles estão presentes sob a forma de sal de sódio.
Por definição, preparações nas quais mais da metade dos
grupos carboxila encontra-se sob a forma de éster metílico
(−COOCH3) são classificadas como pectinas (Figura 3.54)
de alto grau de metoxilação (HM); o restante dos grupos carboxila estão presentes como uma mistura de formas de ácido
livre (−COOH) e de sal (p. ex., −COO−Na+). Preparações
O
CO2Me
HO
125
nas quais menos da metade dos grupos carboxila encontrase sob a forma éster metílico são chamadas de pectinas de
baixo grau de metoxilação (LM). A porcentagem de grupos
carboxila esterificados com metanol constitui o grau de esterificação (DE) ou o grau de metilação (DM). O tratamento
de uma preparação de pectina com amônia (frequentemente
dissolvida em metanol) converte alguns dos grupos éster metílico em grupos carboxiamida (15-25%). Nesse processo,
forma-se uma pectina LM (por definição). Esses produtos
são conhecidos como pectinas LM amidadas.
A estrutura principal e fundamental de todas as moléculas de pectina é uma cadeia linear de unidades de ácido
α-D-galactopiranosilurônico unidas por ligações 1→4. Os
açúcares neutros, principalmente a L-ramnose, também estão
presentes. Nas pectinas cítricas e de maçã, as unidades α-L-ramnopiranosil estão inseridas na cadeia polissacarídica,
em intervalos bastante regulares. As unidades inseridas de
α-L-ramnopiranosil podem proporcionar as irregularidades
estruturais necessárias para limitar o tamanho das zonas de
junção e, assim, a gelificação efetiva (em oposição à precipitação/insolubilidade completa). Pelo menos algumas pectinas contêm cadeias de arabinogalactanas ramificadas e/ou
pequenas cadeias laterais compostas de unidades D-xilosil,
unidas por ligações covalentes. A presença de cadeias laterais também pode ser um fator que limita a extensão da associação de cadeias. As zonas de junção são formadas entre
cadeias regulares e não ramificadas de pectina, quando as
cargas negativas dos grupos carboxilato são removidas (adição de ácido), quando a hidratação das moléculas é reduzida
(pela adição de um cossoluto, quase sempre um açúcar, a
uma solução de pectina HM) e/ou quando cadeias poliméricas são unidas por pontes de cátions cálcio.
As soluções de pectina de alto teor de metoxilação gelificam quando há ácido e açúcar em quantidade suficiente.
À medida que o pH de uma solução de pectina diminui, os
grupos carboxilato, altamente hidratados e carregados, são
convertidos em grupos não carregados e apenas levemente
hidratados. Como resultado da perda de algumas de suas
cargas e de sua hidratação, as moléculas poliméricas podem
então associar-se, em porções ao longo de seu comprimento, formando junções e uma rede de cadeias poliméricas que
aprisionam a solução aquosa de moléculas de soluto. A formação de zonas de junção é favorecida pela presença de alta
concentração (∼65%, pelo menos 55%) de açúcar, o qual
compete com as moléculas de pectina pelas moléculas de
água, reduzindo a hidratação das cadeias e permitindo que
elas interajam umas com as outras.
As soluções de pectinas de baixo grau de metoxilação
gelificam apenas na presença de cátions divalentes que proporcionam pontes cruzadas. O aumento da concentração de
O
HO
FIGURA 3.54 Unidade monomérica predominante de uma pectina com alto grau de metilação.
126
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
cátions divalentes (apenas o íon cálcio é usado em aplicações
alimentícias) aumenta a temperatura de gelificação e a força
do gel. O mesmo modelo geral de “caixa de ovo”, usado para
descrever a formação de géis de alginato de cálcio (Seção
3.3.11), é usado para explicar a gelificação de soluções de
pectinas LM (padrão e amidadas), produzidas pela adição de
íons cálcio. Como não necessita de açúcar para a gelificação,
a pectina LM é usada na confecção de geleias e marmeladas
com baixo teor de açúcar.
Quando a gelana é usada como ingrediente em misturas para massas, ela não se hidrata muito em temperatura
ambiente, nem aumenta a viscosidade da massa inicial. No
entanto, ela se hidrata sob aquecimento, retendo a umidade
no produto cozido. A gelana é usada na formulação de barras
nutricionais devido a sua capacidade de retenção de umidade. A capacidade de suas soluções permanecerem suspensas
em baixa concentração (sem produzir alta viscosidade) torna
a gelana útil em bebidas nutricionais e dietéticas.
3.3.13
3.3.14
Goma gelana [44]
A gelana, conhecida comercialmente como goma gelana
(Tabela 3.5), é um polissacarídeo extracelular aniônico produzido pela bactéria Sphingomonas elodea. A molécula de
gelana é linear e composta de unidades β-D-glicopiranosil,
β-D-glicuronopiranosil e α-L-ramnopiranosil em uma razão
molar de 2:1:1. A gelana nativa (também chamada de gelana
rica em acil) contém dois grupos éster, um grupo acetil e
um grupo gliceril, todos na mesma unidade glicosil. Há, em
média, um grupo éster glicerato para cada unidade tetrassacarídica repetida e um grupo éster acetato para cada duas
unidades repetidas.
Parte da gelana é desesterificada pelo tratamento com álcali. A remoção dos grupos acil causa efeitos drásticos sobre
as propriedades do gel de gelana. A forma desesterificada
é conhecida como gelana pobre em acil. A estrutura de sua
unidade tetrassacarídica repetida é →4)-α-L-Rhap-(1→3)βGlcp-(1→4)-βGlcpA-(1→4)- βGlcp-(1→. Três formas
básicas de gomas estão disponíveis: ricas em acil (nativa),
pobres em acil clarificadas e pobres em acil não clarificadas.
A maior parte da gelana usada em produtos alimentícios é a
do tipo pobre em acil clarificada. A mistura dos tipos rica e
pobre em acil resulta em produtos com propriedades intermediárias.
A gelana pode formar géis com cátions monovalentes
e divalentes, sendo que os divalentes (Ca2+) são cerca de
10 vezes mais eficazes. Os géis podem ser formados com
concentrações de goma tão baixas quanto 0,05% (99,95%
de água). A gelificação costuma ser afetada pelo resfriamento de uma solução quente que contém o cátion necessário.
O cisalhamento durante o resfriamento de uma solução de
gelana quente previne a ocorrência do mecanismo normal
de gelificação, produzindo um fluido suave, homogêneo e
tixotrópico (um gel que pode ser vertido), o qual estabiliza
emulsões e suspensões de forma bastante efetiva. A agitação
suave de um gel fraco de gelana também alterará sua estrutura e o transformará em um fluido suave, tixotrópico e que
pode ser vertido com excelentes propriedades de emulsão e
estabilização de suspensões.
Os tipos de gelana pobre em acil formam géis firmes,
quebradiços e não elásticos (com texturas similares aos géis
feitos com agar e κ-carragenana). Os tipos ricos em acil (nativos) formam géis macios, elásticos, não quebradiços (com
texturas similares às dos géis feitos com misturas de goma
xantana e LBG). Géis com texturas intermediárias podem
ser obtidos pela mistura dos dois tipos básicos de gelana.
Goma curdlana [37]
A curdlana é um polissacarídeo bacteriano produzido pela
Agrobacterium biovar (Tabela 3.5). Trata-se de um β-glicano
com ligações 1,3 que possui a propriedade ímpar de formar
géis quando as soluções são aquecidas. A curdlana forma
dois tipos de géis que diferem em termorreversibilidade. Um
gel termicamente reversível é formado quando soluções de
curdlana são aquecidas até cerca de 65ºC e, então, resfriadas até cerca de 60ºC. No entanto, quando as soluções de
curdlana são aquecidas até temperatura próxima a 80ºC, um
gel forte e termicamente irreversível é formado, ou seja, não
se forma de novo uma solução, sob resfriamento. A força do
gel continua a aumentar com o aumento da temperatura até
cerca de 130ºC.
3.3.15
Goma arábica [21,63]
Quando a casca de algumas árvores e arbustos é lesionada,
as plantas secretam um material pegajoso que endurece a
fim de selar a ferida e protegê-la contra infecções e dessecamento. Alguns exsudatos costumam ser encontrados em
plantas que crescem em condições semiáridas. Visto que
são pegajosos logo que exsudados, poeira, insetos, bactérias ou pedaços de casca aderem às “lágrimas” (assim como
são chamadas) do exsudato. A goma arábica (goma acácia),
goma karaya e goma ghatti são exsudatos de árvores; a
goma tragacante é o exsudato de um arbusto. Das gomas
de exsudatos, a goma arábica é a mais usada como goma
alimentícia, atualmente.
A goma arábica (goma acácia) é uma secreção de árvores
de acácia, das quais existem várias espécies distribuídas nas
regiões tropicais e subtropicais (Tabela 3.5). As áreas mais
importantes de crescimento das acácias e nas quais se produzem as melhores gomas são o Sudão e a Nigéria. Formas
de goma arábica, purificadas e secas por atomização, são comumente usadas.
A goma arábica é um material heterogêneo, embora, em
geral, consista de duas frações primárias. Uma delas, que
representa cerca de 70% da goma, é composta de uma cadeia de polissacarídeos com pouca ou nenhuma proteína. A
outra fração contém moléculas de maior massa molecular
com proteínas como parte de sua estrutura. A fração polissacarídeo-proteína é, ela mesma, heterogênea, no que se refere
ao conteúdo proteico. As estruturas de polissacarídeo são
unidas de forma covalente ao componente proteico por ligações às unidades hidroxiprolina e, talvez, a unidades serina,
Química de Alimentos de Fennema
os dois aminoácidos predominantes do polipeptídeo. O conteúdo proteico total é de cerca de 2% do peso, mas algumas
frações podem conter até 25% de proteínas.
As estruturas do polissacarídeo, as ligadas e as não ligadas às proteínas, são altamente ramificadas, arabinogalactanas ácidas, com a seguinte composição aproximada:
D-galactose, 44%; L-arabinose, 24%; ácido D-glucurônico,
14,5%; L-ramnose, 13%; ácido 4-O-metil-D-glucurônico,
1,5%. Elas contêm cadeias principais de unidades β-D-galactopiranosil ligadas em 1→3, possuindo duas a quatro unidades de cadeias laterais, constituídas de unidades
β-D-galactopiranosil ligadas em 1→3, unidas a ela por
ligações (1→6). As unidades α-L-arabinofuranosil, α-L-ramnopiranosil, β-D-glucuronopiranosil e 4-O-metil-β-D-glucuronopiranosil são ligadas tanto à cadeia principal
como às numerosas cadeias laterais. As unidades de ácido
urônico ocorrem mais frequentemente como extremidades
não redutoras.
A goma arábica se dissolve com facilidade, sob agitação em água. Essa é uma propriedade ímpar entre as gomas
alimentícias, exceto para as que foram despolimerizadas
para produzir tipos de baixa viscosidade, por causa de sua
alta solubilidade e da baixa viscosidade de suas soluções.
Podem-se fazer soluções com concentração de 50%, sendo
que, acima dessa concentração, as dispersões se assemelham a géis.
A goma arábica é um agente emulsificante razoável e um
estabilizador muito bom de flavorizantes, em emulsões de
óleo em água. Trata-se da goma de escolha para a emulsificação de óleos cítricos, outros óleos essenciais e imitações
de flavorizantes, usados como concentrados para refrigerantes e para emulsões usadas em panificação. Nos Estados
Unidos, a indústria de refrigerantes consome cerca de 30%
da goma disponível como emulsificante e estabilizante. Para
uma goma ter efeito estabilizador de emulsões, ela deve possuir grupos de ancoragem, com uma forte afinidade pela superfície do óleo, e um tamanho molecular suficientemente
grande para cobrir as superfícies das gotículas dispersas. A
goma arábica possui atividade tensoativa e forma uma camada macromolecular espessa em torno das gotículas de óleo,
de modo a produzir estabilização espacial. Emulsões feitas
com flavorizantes oleosos e goma arábica podem ser secas
por atomização para produzir pós flavorizantes secos que
não são higroscópicos e nos quais o óleo flavorizante está
protegido da oxidação e da volatilização. Outros atributos
desses produtos em pó são a dispersão rápida e a liberação
de flavorizantes, sem alteração da viscosidade do produto.
Os pós flavorizantes estáveis são usados em produtos secos
empacotados, como bebidas, bolos, sobremesas, pudins e
misturas para sopas.
Outra característica importante da goma arábica é sua
compatibilidade com altas concentrações de açúcar. Nesse
sentido, ela proporciona amplo uso na elaboração de produtos com alto conteúdo de açúcar e baixo conteúdo de água.
Mais da metade do suprimento mundial de goma arábica é
usada na produção de caramelos, balas de goma e pastilhas.
Nesses produtos, ela previne a cristalização da sacarose,
emulsifica e distribui os componentes de gordura e ajuda a
127
prevenir o bloom (branqueamento da superfície causado pela
transição polimórfica de lipídeos). Outro uso da goma arábica é como componente de glacê, usado em doces.
3.3.16 Inulina e frutoligossacarídeos
[15-17,19,55]
A inulina (Tabela 3.5) ocorre naturalmente como carboidrato
de reserva em milhares de espécies de plantas, incluindo cebola, alho, aspargo e banana. Sua principal fonte comercial
é a raiz de chicória mal (Chicorium intybus), algumas vezes
ela também pode ser obtida de tubérculos de alcachofra de
Jerusalém (Helianthus tuberosus L.).
A inulina é composta por unidades de β-D-frutofuranosil
unidas por ligações 2→1. As cadeias do polímero são frequentemente, mas nem sempre (por causa da degradação,
seja ela natural ou durante o isolamento), terminadas, em
sua extremidade redutora, com uma unidade de sacarose. É
raro o DP da inulina ultrapassar 60. Ela ocorre em plantas,
junto a frutoligossacarídeos, originando um DP global na
faixa de 2-60.
As moléculas que contêm unidades furanosil, tais como
as moléculas de inulina e de sacarose, sofrem hidrólise catalisada por ácidos, com muito mais facilidade que as que
contêm unidades piranosil. A inulina é um polissacarídeo de
reserva, de modo que, aparentemente, em qualquer momento, podem estar presentes moléculas em vários estágios de
síntese e, talvez, de clivagem. Como consequência disso, as
preparações de inulina são misturas de frutoligossacarídeos
e pequenas moléculas de polissacarídeos.
A inulina costuma ser despolimerizada de propósito em
frutoligossacarídeos. Tanto a inulina como os frutoligossacarídeos dela originados são prebióticos (prebióticos são
ingredientes alimentícios não digeríveis que possuem efeito
benéfico no hospedeiro, devido ao estímulo seletivo do crescimento e/ou atividade de uma ou de um número limitado
de espécies bacterianas já presentes no colo. Os prebióticos
são usados com frequência pelos benefícios nutricionais e de
saúde que proporcionam).
Soluções aquosas de inulina podem ser feitas com concentrações tão elevadas quanto 50%. Quando soluções quentes de inulina, com concentrações maiores que 25%, são
resfriadas, formam-se géis termorreversíveis. Os géis de inulina são descritos como géis particulados (em especial após
cisalhamento), com textura cremosa, semelhante à gordura.
Em função disso, a inulina pode ser usada como mimético de
gordura, em produtos com baixo teor de gordura. Ela melhora a textura e a sensação bucal de sorvetes e molhos com baixo teor de gordura. A inulina é um ingrediente em refeições,
lanches, barras nutricionais, barras energéticas para esportes,
bebidas à base de soja e hambúrgueres vegetais.
A inulina e os frutoligossacarídeos não são digeridos pelas enzimas do estômago e do intestino delgado. Portanto,
eles são componentes da fibra dietética (Seção 3.4). Essas
substâncias proporcionam um índice glicêmico igual a zero,
isto é, não aumentam os níveis sanguíneos de glicose e de
insulina.
128
3.4
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
FIBRA DIETÉTICA E DIGESTIBILIDADE
DOS CARBOIDRATOS
[2,8,9,15,16,31,35,41,53,60,62,64,67]
Os carboidratos sempre foram a principal fonte de energia
metabólica e de manutenção da saúde do trato gastrintestinal
dos seres humanos. Também são os principais provedores do
volume e do corpo dos produtos alimentícios.
Os materiais da parede celular de plantas, principalmente
a celulose, outros polissacarídeos não amiláceos e a lignina,
são componentes da fibra dietética. A única característica em
comum desses polímeros é que eles não são digestíveis, o
que é o principal critério para que sejam classificados como
componentes da fibra dietética. Portanto, não apenas os
componentes naturais dos alimentos contribuem para a fibra
dietética, mas também algumas gomas que são adicionadas
para proporcionar as funcionalidades descritas nas Seções
3.3.7-3.3.16. A definição de fibra dietética também inclui
outras substâncias, além dos polímeros. A característica-chave é que a substância não seja digerida no intestino delgado humano; assim, oligossacarídeos não digestíveis, por
exemplo, rafinose e estaquiose (Seção 3.2.3), são incluídos
como substâncias da fibra dietética.
Oligossacarídeos e polissacarídeos podem ser digestíveis
(a maioria dos produtos à base de amido), parcialmente digestíveis (amilose retrogradada, chamada de amido resistente)
ou não digestíveis (todos os outros polissacarídeos). Quando
ocorre a hidrólise digestiva para monossacarídeos, os produtos
da digestão são absorvidos e catabolizados (apenas os monossacarídeos podem ser absorvidos ao longo da parede do intestino delgado e apenas a D-glicose é produzida pela digestão de
polissacarídeos em seres humanos, pois somente os amidos
podem ser digeridos). Os carboidratos que não são digeridos a
monossacarídeos pelas enzimas do intestino delgado humano
(todos os outros, exceto sacarose, lactose e produtos como as
maltodextrinas, feitas a partir do amido), podem ser metabolizados por microrganismos, no intestino grosso, produzindo
ácidos de baixo peso molecular, os quais são parcialmente
absorvidos e usados para a produção de energia. Portanto,
carboidratos de todos os tamanhos moleculares podem ser calóricos, parcialmente calóricos ou não calóricos.
Os agentes volumosos mais comuns dos alimentos naturais são os restos de células vegetais resistentes à hidrólise
pelas enzimas do trato digestivo. Esses materiais incluem
celulose, hemicelulose, pectina e lignina. A fibra dietética é
nutricionalmente importante, pois mantém o funcionamento normal do trato gastrintestinal, aumentando o volume do
conteúdo intestinal e das fezes, o que reduz o tempo de trânsito intestinal e ajuda a prevenir a constipação. Sua presença
nos alimentos induz à saciedade, no momento das refeições.
Os nutricionistas estabelecem as exigências de fibra dietética
em 25-50 g por dia. Considera-se que a fibra insolúvel reduz
os níveis sanguíneos de colesterol, diminuindo as chances
de doenças cardíacas. Ela também reduz as chances de câncer do colo, provavelmente devido a sua ação de “arrastar”
substâncias.
As gomas solúveis apresentam efeitos semelhantes no
trato gastrintestinal e no nível sanguíneo de colesterol, mas
em diferentes dimensões. Algumas gomas que têm sido examinadas nesse contexto são a pectina, a goma guar, a goma
xantana e a hemicelulose (p. ex., a goma guar, ingerida em
quantidade de 5 g por dia, resulta em redução do pico hiperglicêmico, redução em 13% no colesterol sérico, mas não
diminui a fração da lipoproteína de alta densidade − HDL, a
transportadora do colesterol benéfico). Além dos farelos de
cereais, feijão e feijão branco são boas fontes de fibra dietética. Um produto baseado nas cascas de semente de psyllium
possui alta capacidade de retenção de água, o que acelera o
trânsito do trato gastrintestinal, sendo usado para prevenir a
constipação. Um produto à base de metilcelulose é comercializado com o mesmo propósito.
Os polissacarídeos amiláceos são os únicos polissacarídeos que podem ser hidrolisados pelas enzimas de seres
humanos. Eles fornecem a D-glicose, que é absorvida pelas
microvilosidades do intestino delgado, para proporcionar
o principal substrato energético do metabolismo humano.
Outros polissacarídeos consumidos normalmente, como os
componentes naturais de vegetais comestíveis, frutas e outros materiais de plantas, e as gomas adicionadas aos produtos alimentícios processados, não são digeridos no estômago
e no intestino delgado de seres humanos, chegando ao intestino grosso (colo) com pouca ou nenhuma modificação (a
acidez do estômago não é forte o suficiente, nem o tempo
de permanência do polissacarídeo no estômago é suficientemente longo, para ocasionar clivagem química significativa). Quando os polissacarídeos não digestíveis chegam ao
intestino grosso, eles entram em contato com os microrganismos, alguns dos quais produzem enzimas que catalisam a
hidrólise de alguns polissacarídeos ou de algumas partes das
moléculas de polissacarídeos. A consequência disso é que
os polissacarídeos que não foram clivados no trato intestinal
superior podem ser clivados e utilizados pelas bactérias, no
intestino grosso.
Os açúcares removidos da cadeia polissacarídica são usados pelos microrganismos do intestino grosso como fonte de
energia, nas rotas de fermentação, resultando na produção
dos ácidos lático, propiônico, butírico e valérico. Esses ácidos graxos de cadeia curta podem ser absorvidos ao longo da
parede intestinal, sendo metabolizados principalmente no fígado. Além disso, uma pequena fração, embora significativa
em alguns casos, dos açúcares liberados, pode ser absorvida
pela parede intestinal e transportada pelo sistema sanguíneo
portal, pelo qual são conduzidos até o fígado, sendo lá metabolizados. Calcula-se que, em seres humanos, cerca de 7%
da energia derive de açúcares liberados dos polissacarídeos,
pela ação dos microrganismos do intestino grosso, ou a partir de ácidos de cadeia curta produzidos pela fermentação
desses açúcares. A extensão da clivagem dos polissacarídeos
depende da abundância de microrganismos específicos, produzindo as enzimas necessárias. Portanto, quando ocorrem
mudanças no tipo de polissacarídeo consumido, sua utilização pelos microrganismos do colo pode ser temporariamente
reduzida até que ocorra a proliferação dos microrganismos
capazes de hidrolisar o novo polissacarídeo.
Alguns polissacarídeos permanecem quase intactos durante seu trânsito pelo trato gastrintestinal. Esses, junto a
Química de Alimentos de Fennema
3)
Glcp
(1
4)
Glcp
129
(1
n
FIGURA 3.55 Estrutura representativa (notação reduzida) de um segmento de β-glicano de aveia e cevada, em que n costuma ser 1 ou
2, mas, ocasionalmente, pode ser maior.
grandes segmentos de outros polissacarídeos, conferem volume ao conteúdo intestinal e diminuem o tempo de trânsito.
Eles podem ter efeito positivo sobre a saúde, por baixar a
concentração sanguínea de colesterol, talvez por “arrastar”
consigo os sais biliares, reduzindo a chance de sua reabsorção no intestino. Além disso, a presença de uma grande
quantidade de moléculas hidrofílicas mantém água suficiente no conteúdo intestinal, o que resulta em amolecimento das
fezes e passagem mais fácil pelo intestino grosso.
Um dos componentes naturais da fibra dietética é o polissacarídeo hidrossolúvel, β-glicano, o qual está presente nos
farelos de aveia e cevada. O β-glicano da aveia tem-se tornado
um ingrediente alimentício comercial, pelo fato de seu efeito
na redução do nível sérico de colesterol ter sido demonstrado. A molécula do β-glicano da aveia é uma cadeia linear de
unidades de β-D-glicopiranosil. Cerca de 70% das unidades
estão unidas por ligações 1→4 e, 30%, por ligações 1→3. As
ligações 1→3 ocorrem isoladamente, sendo separadas por sequências de duas ou três ligações 1→4. Portanto, a molécula
é composta de unidades β-celotriosil [→3)-βGlcp-(1→4)βGlcp-(1→4)-βGlcp-(1→] e β-celotetraosil, unidas por ligações 1→3 (Figura 3.55). Esses (1→4,1→3)-β-glicanos
costumam ser chamados de β-glicanos de ligações mistas.
Quando ingeridos por via oral, os β-glicanos reduzem
o nível pós-prandial de glicose e a resposta da insulina, ou
seja, eles moderam a resposta glicêmica, tanto em pessoas
normais como em diabéticos. Esse efeito parece estar correlacionado à viscosidade. Eles também reduzem as concentrações séricas de colesterol em ratos, galinhas e seres humanos. Esses efeitos fisiológicos são típicos da fibra dietética
solúvel. Outros polissacarídeos solúveis apresentam efeitos
similares, mas em diferentes graus.
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Lipídeos
4
D. Julian McClements e Eric A. Decker
CONTEÚDO
4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2 Componentes lipídicos principais. . . . . . . . . . .
4.2.1 Ácidos graxos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.1.1 Nomenclatura dos ácidos graxos
saturados . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.1.2 Nomenclatura dos ácidos graxos
insaturados . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.2 Acilgliceróis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.2.1 Composição das gorduras . . . . .
4.2.3 Fosfolipídeos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.4 Esfingolipídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.5 Esteróis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.6 Ceras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.2.7 Lipídeos diversos . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3 Propriedades físico-químicas dos lipídeos . . . .
4.3.1 Propriedades físicas dos triacilgliceróis .
4.3.1.1 Propriedades reológicas . . . . . . .
4.4.1.2 Densidade. . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3.2 Cristalização e derretimento de lipídeos
alimentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3.3 Mecanismos físico-químicos de
transições de fase lipídica . . . . . . . . . . . . .
4.3.3.1 Super-resfriamento. . . . . . . . . . .
4.3.3.2 Nucleação. . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3.3.3 Crescimento de cristais . . . . . . .
4.3.3.4 Eventos pós-cristalização. . . . . .
4.3.4 Estrutura cristalina . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3.4.1 Morfologia . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3.4.2 Polimorfismo . . . . . . . . . . . . . . .
4.4 Processamento de lipídeos: isolamento,
purificação e modificação. . . . . . . . . . . . . . . . .
4.4.1 Refino de lipídeos . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.4.1.1 Degomagem . . . . . . . . . . . . . . . .
4.4.1.2 Neutralização . . . . . . . . . . . . . . .
4.4.1.3 Branqueamento . . . . . . . . . . . . .
4.4.1.4 Desodorização . . . . . . . . . . . . . .
132
132
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132
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147
147
148
149
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150
150
4.4.2 Alteração do conteúdo de gordura sólida
(SFC) em alimentos lipídicos . . . . . . . . .
4.4.2.1 Mistura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.4.2.2 Intervenções dietéticas . . . . . . . .
4.4.2.3 Manipulação genética . . . . . . . .
4.4.2.4 Fracionamento . . . . . . . . . . . . . .
4.4.2.5 Hidrogenação . . . . . . . . . . . . . . .
4.4.2.6 Interesterificação . . . . . . . . . . . .
4.5 Funcionalidade dos triacilgliceróis em
alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.5.1 Textura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.5.2 Aparência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.5.3 Sabor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.6 Deterioração química de lipídeos:
reações hidrolíticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7 Deterioração química de lipídeos:
reações oxidativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.1 Mecanismos da oxidação lipídica . . . . . .
4.7.2 Pró-oxidantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.2.1 Pró-oxidantes que promovem
a formação de hidroperóxidos
lipídicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.2.2 Pró-oxidantes que promovem a
formação de radicais livres. . . . .
4.7.2.3 Pró-oxidantes que promovem
a decomposição de
hidroperóxidos . . . . . . . . . . . . . .
4.7.3 Formação de produtos de decomposição
da oxidação de lipídeos . . . . . . . . . . . . . .
4.7.3.1 Reações de β-clivagem . . . . . . .
4.7.3.2 Produtos de reações adicionais
da decomposição de ácidos
graxos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.3.3 Oxidação do colesterol. . . . . . . .
4.7.4 Antioxidantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.4.1 Controle de radicais livres . . . . .
4.7.4.2 Controle de pró-oxidantes . . . . .
150
150
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150
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163
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165
165
165
170
132
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
4.7.4.3 Controle de intermediários da
oxidação . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.4.4 Interações entre antioxidantes . .
4.7.4.5 Localização física dos
antioxidantes . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.5 Outros fatores que influenciam na
velocidade de oxidação de lipídeos. . . . .
4.7.6 Medição da oxidação de lipídeos . . . . . .
4.7.6.1 Análise sensorial . . . . . . . . . . . .
4.7.6.2 Produtos primários da oxidação
de lipídeos . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.7.6.3 Produtos secundários da
oxidação de lipídeos. . . . . . . . . .
4.8 Lipídeos de alimentos e saúde . . . . . . . . . . . . .
4.8.1 Bioatividade dos ácidos graxos. . . . . . . .
4.8.1.1 Ácidos graxos trans . . . . . . . . . .
4.8.1.2 Ácidos graxos ω-3 . . . . . . . . . . .
4.8.1.3 Ácido linoleico conjugado . . . . .
4.8.1.4 Fitoesteróis. . . . . . . . . . . . . . . . .
4.8.1.5 Carotenoides . . . . . . . . . . . . . . .
4.8.2 Lipídeos de baixa caloria . . . . . . . . . . . .
4.9 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.1
170
171
171
171
172
172
172
173
174
174
174
174
174
175
175
175
176
176
INTRODUÇÃO
Os lipídeos são um amplo grupo de compostos quimicamente diversos que são solúveis em solventes orgânicos. Em
geral, os alimentos lipídicos são indicados como gorduras
(sólidos) ou óleos (líquidos), correspondendo a seu estado
físico a uma temperatura ambiente. Os alimentos lipídicos
também são classificados como apolares (p. ex., triacilglicerol e colesterol) e polares (p. ex., fosfolipídeos), o que indica
diferenças em sua solubilidade e em suas propriedades funcionais. Os lipídeos polares costumam apresentar uma “cabeça” hidrofílica, com alta afinidade por água, ligada a uma
“cauda” hidrofóbica, que apresenta alta afinidade por óleos
[1]. Os lipídeos surfactantes podem alterar as propriedades
de alimentos por meio de uma série de mecanismos físico-químicos, incluindo absorção a interfaces, estabilização de
partículas, interação com biopolímeros e modificação da nucleação, do crescimento e da estrutura de cristais [1-5] (ver
Capítulo 13, para mais detalhes).
O conteúdo total e a composição de lipídeos em alimentos podem variar muito. Como os lipídeos desempenham um
papel importante na qualidade dos alimentos, pois contribuem com atributos como textura, sabor, nutrição e densidade calórica, sua manipulação tem tido uma ênfase especial
na pesquisa e no desenvolvimento de alimentos, nas últimas
décadas. Essa investigação está focada na alteração da composição de lipídeos, a fim de modificar a textura, alterar a
composição de ácidos graxos e colesterol, diminuir o conteúdo total de gordura, alterar a biodisponibilidade e tornar
os lipídeos mais estáveis diante da oxidação. Além disso, a
estabilidade física deles é importante para a qualidade do
alimento, já que muitos lipídeos existem como dispersões/
emulsões, sendo termodinamicamente instáveis. Para que se
efetuem mudanças na composição de lipídeos, com garantia
de produção de alimentos de alta qualidade, o conhecimento
básico das suas propriedades químicas e físicas é indispensável. Este capítulo dará ênfase a composição química dos
lipídeos, suas propriedades físicas e comportamento na cristalização, métodos de modificação da composição de ácidos
graxos e triacilgliceróis e, portanto, propriedades físico-químicas dos lipídeos, propensão ao sofrimento de deterioração oxidativa e papel dos lipídeos na saúde e nas doenças.
Descrições de métodos analíticos para alimentos lipídicos
são fornecidas em outras publicações [6,7].
4.2 COMPONENTES LIPÍDICOS PRINCIPAIS
A seguinte seção é uma breve descrição da nomenclatura das
principais classes de lipídeos encontrados em alimentos. Para
mais informações sobre nomenclatura de lipídeos, consulte
O’Keefe [8] ou a página na internet da International Union
for Pure and Applied Chemistry (IUPAC), http://www.chem.
qmul.ac.uk/iupac/lipid.
4.2.1
Ácidos graxos
Os componentes principais dos lipídeos são os ácidos graxos,
compostos que contém uma cadeia alifática e um grupo ácido
carboxílico. A maioria dos ácidos graxos de ocorrência natural
possui número par de carbonos em uma cadeia linear, devido
ao processo biológico de alongamento da cadeia, no qual dois
carbonos são adicionados cada vez. Exceções de ácidos graxos
com número ímpar de carbonos e cadeias ramificadas podem
ser encontrados nos microrganismos e na gordura do leite. A
maioria dos ácidos graxos da natureza apresenta entre 14 e 24
carbonos. Embora algumas gorduras contenham ácidos graxos
com menos de 14 carbonos, níveis significativos de ácidos graxos de cadeia curta são encontrados principalmente em óleos
tropicais e na gordura do leite. Os ácidos graxos costumam ser
classificados como saturados e insaturados, sendo que os insaturados apresentam ligações duplas. Os ácidos graxos podem
ser descritos por nomes sistemáticos, comuns e abreviados.
4.4.1.1 Nomenclatura dos ácidos graxos saturados
A IUPAC tem padronizado as descrições sistemáticas dos
ácidos graxos, seu sistema nomeia os hidrocarbonetos parentais do ácido graxo com base no número de carbonos (p. ex.,
10 carbonos: decano). Como os ácidos graxos possuem um
grupo ácido carboxílico, a terminação o do nome do hidrocarboneto é substituída por oico (p. ex., decanoico; Tabela
4.1). Muitos dos nomes comuns originaram-se da fonte da
qual o ácido graxo foi isolado de forma comum ou tradicional (p. ex., ácido palmítico e óleo de palma). Um sistema
numérico pode ser usado para a abreviatura dos nomes. O
primeiro número nesse sistema designa o número de carbonos do ácido graxo, enquanto o segundo designa o número de ligações duplas (p. ex., hexadecanoico = palmítico =
16:0). Obviamente, o segundo número será sempre zero para
os ácidos graxos saturados.
Química de Alimentos de Fennema
133
TABELA 4.1 Nomes sistemáticos, comuns e numéricos dos ácidos graxos encontrados em alimentos
Nome sistemático
Nome comum
Hexanoico
Octanoico
Decanoico
Dodecanoico
Tetradecanoico
Hexadecanoico
Octadecanoico
cis-9-octadecenoico
cis-9, cis-12-octadecadienoico
cis-9, cis-12, cis-15-octadecatrienoico
cis-5, cis-8, cis-11, cis-14-eicosatetraenoico
cis-5, cis-8, cis-11, cis-14, cis-17-eicosapentaenoico
cis-4, cis-7, cis-10, cis-13, cis-16, cis-19-docosa-hexaenoico
4.2.1.2 Nomenclatura dos ácidos
graxos insaturados
Os ácidos graxos que contêm ligações duplas em sua cadeia
alifática são chamados de ácidos graxos insaturados. No sistema da IUPAC, a designação anoico é modificada para enoico,
como designação da presença de uma ligação dupla (Tabela
4.1). Com base no número de ligações duplas, os termos di-,
tri-, tetra- e assim por diante são adicionados. Também existem nomes comuns para ácidos graxos insaturados (com exceção de alguns ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa). Nesse caso, o sistema de abreviações numéricas é similar
ao dos ácidos graxos saturados, com o segundo número como
indicação do número de ligações duplas (p. ex., octadecadienoico = 18:2). As posições das ligações duplas no sistema
IUPAC estão numeradas por delta (), que indica a posição
da ligação dupla a partir do ácido carboxílico. Por exemplo,
o ácido oleico, que tem 18 carbonos e uma ligação dupla,
seria ácido 9-octadecenoico e o ácido linoleico, que tem 18
carbonos e duas ligações duplas, seria ácido 9,12-octadecadienoico. O sistema de numeração alternativa que indica a
Ácidos graxos saturados
Caproico
Caprílico
Cáprico
Láurico
Mirístico
Palmítico
Esteárico
Ácidos graxos insaturados
Oleico
Linoleico
Linolênico
Araquidônico
EPA
DHA
Abreviação numérica
6:0
8:0
10:0
12:0
14:0
16:0
18:0
18:1 9
18:2 9
18:3 9
20:4 5
20:5 5
22:6 4
posição das ligações duplas a partir do grupo metil terminal
do ácido graxo é conhecido como sistema ômega (ω) (em
alguns casos, designado pela notação taquigráfica e “n”). O
sistema ω é útil em alguns casos, pois pode agrupar os ácidos
graxos, com base em sua atividade biológica e sua origem
biossintética, já que muitas enzimas reconhecem os ácidos
graxos a partir da terminação metil da molécula, quando esterificada ao glicerol. De fato, os ácidos graxos ω-3 geralmente
apresentam atividade biológica similar em sua capacidade de
diminuir níveis sanguíneos de triacilgliceróis [9].
A configuração natural das ligações duplas em ácidos
graxos insaturados é a configuração cis. Nesta configuração, os carbonos da cadeia alifática estão do mesmo lado da
ligação dupla, enquanto as ligações duplas trans teriam os
carbonos em lados opostos (Figura 4.1). As ligações duplas
em ácidos graxos poli-insaturados (com mais de duas ligações duplas) estão, na maioria dos casos, numa configuração
interrompida por grupo metileno, que costuma ser chamada
de sistema pentadieno. Neste, as duas ligações duplas encontra-se nos carbonos 1 e 4. Em outras palavras, as ligações
duplas não estão conjugadas, mas separadas por um carbono
COOH
ácido cis-9-octadecenoico (ácido oleico)
COOH
ácido trans-9-octadecenoico (ácido elaídico)
FIGURA 4.1 Diferenças entre as ligações duplas cis e trans, em ácidos graxos insaturados.
134
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
metilênico (Figura 4.2). Isso significa que as ligações duplas da maioria dos ácidos graxos insaturados estão afastadas por três carbonos (p. ex., 9, 12, 15 octadecatrienoico).
Desse modo, é possível que se preveja a posição de todas
as ligações duplas na maioria dos ácidos graxos insaturados
de ocorrência natural, se a localização da primeira ligação
dupla for conhecida. Isso justifica a razão pela qual o sistema de abreviação numérica, em alguns casos, dará apenas o
número de ligações duplas e a posição da primeira (p. ex., 9,
12, 15 octadecatrienoico = 18:3, 9 = 18:3, ω3).
A presença de ligações duplas influencia no ponto de
fusão dos ácidos graxos. As ligações duplas em configuração cis farão com que o ácido graxo se organize em uma
configuração curvada. Logo, os ácidos graxos insaturados
não são lineares, dificultando sua auto-orientação em configurações muito empacotadas. Devido ao impedimento espacial para o empacotamento, as interações de van der Waals
entre ácidos graxos insaturados são relativamente fracas.
Portanto, esses ácidos ocorrem mais no estado líquido, a
temperatura ambiente, ou seja, seu ponto de fusão/temperatura de solidificação é relativamente baixo. Quanto mais
ligações duplas forem adicionadas, mais curvada se tornará
a molécula, mais fracas as interações de van der Waals e
menor o ponto de fusão. Os ácidos graxos com ligações duplas na configuração trans são mais lineares que os ácidos
graxos na configuração cis, o que resulta em um empacotamento mais forte das moléculas e em pontos de fusão mais
elevados. Por exemplo, o ponto de fusão do ácido esteárico
(octadecanoico) é de aproximadamente 70ºC, o do ácido
oleico (cis-9-octadecenoico) é 5ºC e o do ácido elaídico
(trans-9-octadecenoico) é 44ºC [10].
diésteres sejam utilizados, em alguns casos, como aditivos
alimentares (p. ex., emulsificantes). O carbono central de um
triacilglicerol exibe quiralidade se ácidos graxos diferentes
estiverem ligados aos carbonos terminais do glicerol. Por
isso, os três carbonos da porção glicerol do triacilglicerol
podem ser diferenciados por numeração estereoespecífica
(sn). Se o triacilglicerol for mostrado em uma projeção planar de Fischer, os carbonos serão numerados de um a três de
cima para baixo.
Os triacilgliceróis podem ser nomeados por vários sistemas diferentes. Em geral, eles são chamados pelos nomes
comuns dos ácidos graxos. Se o triacilglicerol contiver apenas
um ácido graxo (p. ex., ácido esteárico abreviado como St),
ele poderá ser chamado de triestearina, triestearato, glicerol
triestearato, triestearoil glicerol, StStSt ou 18:0-18:0-18:0. Os
triacilgliceróis que contêm diferentes ácidos graxos são chamados de forma outra, dependendo do conhecimento da localização estereoespecífica de cada ácido graxo. A nomenclatura
desses triacilgliceróis heterogêneos substitui a terminação ico
do nome do ácido graxo por oil. Se a localização estereoespecífica não for conhecida, um triacilglicerol que contiver ácido palmítico, ácido oleico e ácido esteárico será chamado de
palmitoil-oleoil-estearoil-glicerol. De forma alternativa, esse
triacilglicerol poderia ser chamado palmito-óleo-estearina
ou glicerol-palmito-óleo-estearato. Se a localização estereoespecífica dos ácidos graxos é conhecida, adiciona-se sn- ao
nome, como em 1-palmitoil-2-oleoil-3-estearoil-sn-glicerol,
sn-1-palmito-2-óleo-3-estearina ou sn-glicerol-1-palmito-2óleo-3-estearato. Se dois dos ácidos graxos forem idênticos,
o nome poderá ser encurtado como nos casos de 1,2-dipalmitoil-3-estearoil-sn-glicerol, sn-1,2-dipalmito-3-estearina ou
sn -glicerol-1,2-dipalmito-3-estearato. Os triacilgliceróis heterogêneos também podem ser nomeados usando-se abreviaturas para ácidos graxos, como em PStO ou 16:0-18:0-18:1
(localização estereoespecífica desconhecida) ou sn-PStO ou
sn-16:0-18:0-18:1 (localização esteroespecífica conhecida)
para 1-palmitoil-2- estearoil-3-oleoil- sn-glicerol.
4.2.2 Acilgliceróis
Mais de 99% dos ácidos graxos encontrados em plantas e
animais são esterificados com glicerol. Ácidos graxos livres
não são comuns em tecidos vivos, pois apresentam citotoxicidade devido a sua capacidade de romper a organização da
membrana celular. Quando estão esterificados com glicerol,
sua atividade e sua toxicidade diminuem.
Os acilgliceróis existem como mono-, di- e triésteres,
sendo conhecidos como monoacilgliceróis, diacilgliceróis
e triacilgliceróis, respectivamente. Desses três, os triacilgliceróis são os mais comuns em alimentos, embora mono- e
HOOC
4.2.2.1
Composição das gorduras
Os lipídeos alimentares apresentam uma ampla variedade de
composição de ácidos graxos, conforme mostrado na Tabela
4.2. Diversas tendências gerais podem ser observadas entre
os lipídeos. A maioria dos óleos vegetais, em especial os de
sementes de oleaginosas, é bastante insaturada, contendo,
1
4
2
5
3
Carbono metilênico interrompido
Sistema pentadieno do ácido linoleico
FIGURA 4.2 O sistema pentadieno do ácido graxo poli-insaturado, ácido linoleico.
3,8
4:0
2,3
0,5
6:0
1,1
8,0
8:0
2,0
0,1
0,1
6,4
10:0
3,1
0,1
0,1
0,2
48,5
12:0
17,6
0,1
11,7
3,3
1,5
1,3
5,0
0,3
0,1
14:0
13,7
3,9
12,2
11,0
4,8
8,4
25,8
26,2
25,5
24,8
23,2
15,9
22,1
16:0
0,3
1,9
3,4
3,1
6,5
6,3
3,3
1,2
0,2
0,1
0,1
16:19
2,5
1,9
2,2
4,0
4,7
2,5
34,5
12,5
21,6
12,3
6,4
2,5
7,7
18:0
71,1
64,1
27,5
23,4
19,9
6,5
35,3
28,2
38,7
45,1
41,6
21,4
36,6
18:19
10,0
18,7
57,0
53,2
15,9
1,5
2,9
2,9
2,2
9,9
18,9
1,1
11,1
18:29
0,5
0,6
0,1
1,3
0,6
0,3
0,6
9,2
0,9
7,8
52,7
18:39
1,9
20:55
11,9
22:64
16,2
5,5
14,4
15,0
9,5
91,9
60,4
62,7
50,6
38,8
31,1
23,4
30,1
Total saturado
β
β
β
β
β
β
β
β
β
β
Cristal habitual
Fonte: Todas as composições de ácidos graxos são adaptadas de White, P.J (2000). Em Fatty Acids in Foods and Their Implications, 2nd edn. (Chow, C.K., ed.), Marcel Dekker, Inc., New York, NY, pp. 153-174, com exceção
do salmão, que é adaptado de Ackman, R.G. (2000). Em Fatty Acids in Foods and Their Implications, 2nd edn. (Chow, C.K., ed.), Marcel Dekker, Inc., New York, NY, pp. 153-174.
Oliva
Canola
Milho
Soja
Semente de linho
Coco
Cacau
Manteiga
Gordura bovina
Gordura suína
Frango
Salmão
Ovos de galinha
Alimento lipídico
TABELA 4.2 Composição de ácidos graxos (% da massa total de ácidos graxos) de alimentos comuns (apenas os ácidos graxos majoritários desses produtos estão listados)
Química de Alimentos de Fennema
135
136
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
principalmente, ácidos graxos da série de 18 carbonos. Óleos
de oliva e canola são ricos em ácido oleico, óleos de milho e
soja são ricos em ácido linoleico e o óleo de semente de linho é rico em acido linolênico. Os triacilgliceróis de origem
vegetal que contêm quantidade elevada de ácidos graxos saturados incluem a manteiga de cacau e os óleos tropicais (p.
ex., coco). Os óleos de palma e de coco são únicos por seu
elevado conteúdo de ácidos graxos de cadeia intermediária
8:0 a 14:0, com 12:0 de predominância. O nível de ácidos
graxos saturados em gorduras e óleos de animais costumam
seguir a ordem da gordura do leite > ovelha > boi >porco
> frango > peru > peixes marinhos, sendo os ácidos palmítico e esteárico os principais ácidos graxos saturados. A
composição de ácidos graxos das gorduras animais depende
do sistema digestivo de cada animal, sendo que a gordura de
não ruminantes (p. ex., frango, suínos e pescados) é parcialmente dependente da composição de ácidos graxos da dieta.
Um exemplo disso são os produtos suínos, como o presunto
ibérico, em que os regimes dietéticos são manipulados para
que se produza banha com conteúdo elevado de ácido oleico.
Entre os não ruminantes, os triacilgliceróis de animais marinhos são únicos, devido a seu elevado conteúdo de ácidos
graxos ω-3, eicosapentaenoico e docosa-hexaenoico. Em
ovelhas e vacas, os ácidos graxos da dieta são sujeitos à biohidrogenação por enzimas microbianas do rúmen. Isso resulta na conversão de ácidos graxos insaturados em saturados,
podendo, ainda, produzir ácidos graxos com ligações duplas
conjugadas, como o ácido linoleico conjugado (ALC). Como
os ruminantes consomem quase só lipídeos de origem vegetal, nos quais os ácidos graxos são principalmente da série de
18 carbonos, o produto final da rota de bio-hidrogenação é o
ácido esteárico. Portanto, a manteiga e a gordura das carnes
bovina e ovina contêm maior conteúdo de ácido esteárico
que a gordura de não ruminantes. As bactérias do rúmen são
únicas em sua propriedade de fermentar carboidratos a acetato e β-hidroxibutirato. Na glândula mamária, esses substratos são convertidos em ácidos graxos, resultando em uma
gordura da manteiga com alta concentração de ácidos graxos
saturados de cadeia curta (4:0 e 6:0), os quais não são encontrados em outros triacilgliceróis de alimentos. As bactérias
do rúmen também promovem a formação de cetoácidos, hidroxiácidos e ácidos graxos ramificados. Devido ao impacto
das bactérias do rúmen sobre os ácidos graxos, a gordura da
manteiga contém centenas de ácidos graxos diferentes.
A localização esteroespecífica dos ácidos graxos também
pode variar nos triacilgliceróis dos alimentos. Os triacilgliceróis em algumas gorduras como sebo (gordura da carne), óleo
de oliva e óleo de amendoim apresentam a maioria de seus
ácidos graxos distribuídos de forma homogênea entre as três
posições do glicerol. Entretanto, algumas gorduras podem ter
comportamentos muito específicos, em termos da localização
estereoespecífica dos ácidos graxos. Muitos triacilgliceróis de
origem vegetal possuem ácidos graxos (poli)insaturados, concentrados na posição sn-2. O melhor exemplo disso é a manteiga de coco, na qual mais de 85% do ácido oleico encontrase em sn-2, com os ácidos palmítico e esteárico distribuídos
de maneira homogênea, em sn-1 e sn-3. Os triacilgliceróis de
algumas gorduras animais tendem a ter ácidos graxos satura-
dos concentrados em sn-2. Nesse sentido, o ácido palmítico
encontra-se principalmente na posição sn-2, na gordura do
leite e na banha (gordura suína). A localização estereoespecífica de um ácido graxo pode ser um determinante importante de seu impacto nutricional. Quando os triacilgliceróis são
digeridos no intestino, os ácidos graxos provenientes de sn-1
e sn-3 são liberados pela lipase pancreática, resultando em
dois ácidos graxos livres e um monoacilglicerol sn-2. Se ácidos graxos saturados de cadeia longa encontram-se em sn-1
e sn-3, sua biodisponibilidade é menor, pois os ácidos graxos
livres podem formar sais insolúveis de cálcio após a hidrólise
realizada pela lipase pancreática. Portanto, a localização de
ácidos graxos de cadeia longa saturada em sn-2 na gordura
do leite pode ser um mecanismo de garantia que tais ácidos
sejam absorvidos por crianças. Como os ácidos graxos localizados em sn-1 e sn-3 são absorvidos com pouca eficiência,
eles fornecem menos calorias [13], causando menor impacto
sobre o perfil dos lipídeos sanguíneos. Por exemplo, quando
a banha apresenta seus ácidos graxos distribuídos de forma
aleatória e, portanto, apresenta mais ácido palmítico em sn-1
e sn-3, há menor aumento do conteúdo plasmático de ácido
palmítico que na banha não modificada, a qual tem 65% do
ácido palmítico em sn-2. Os triacilgliceróis estruturados,
como o Salatrim, têm menos calorias que a gordura normal,
pois apresentam uma elevada concentração de ácido esteárico
(18:0) em sn-1 e sn-3 (ver Seção 4.8.2).
4.2.3
Fosfolipídeos
Os fosfolipídeos ou fosfoglicerídeos são modificações dos
triacilgiceróis, nas quais os grupos fosfato costumam ser encontrados na posição sn-3 (consultar as estruturas de fosfolipídeos na Figura 4.3). O fosfolipídeo mais simples é o ácido
fosfatídico (PA), no qual o grupo substituinte no fosfato, em
sn-3, é um −OH. Outras modificações do grupo substituinte
do fosfato em sn-3 resultam na fosfatidilcolina (PC), na fosfatidilserina (PS), na fosfatidiletanolamina (PE) e no fosfatidilinositol (PI) (Figura 4.3). A nomenclatura é similar a dos
triacilgliceróis, com o nome e a localização do grupo fosfato
no final do nome (p. ex., 1-palmitoil-2-estearoil-sn-glicero3-fosfoetanolamina). O termo “liso” significa que um ácido
graxo foi removido do fosfolipídeo. Na indústria de alimentos, lisofosfolipídeo geralmente indica um fosfolipídeo do
qual o ácido graxo foi removido da posição sn-2. A nomenclatura oficial requer que a localização esteroespecífica do
ácido graxo removido seja nomeada (p. ex., 2-lisofosfolipídeos, IUPAC). A PC costuma ser chamada de lecitina na
indústria de alimentos, entretanto a lecitina comercializada
como aditivo alimentar geralmente não é PC pura. De fato,
ela contém uma mistura de diferentes fosfolipídeos, bem
como outros componentes.
A presença do grupo fosfato altamente polar nos fosfolipídeos os torna compostos surfactantes. A atividade de
superfície permite que os fosfolipídeos se organizem em
bicamadas, as quais são determinantes para as propriedades
das membranas biológicas. Como as membranas celulares
necessitam manter sua fluidez, os ácidos graxos presentes
nos fosfolipídeos geralmente são insaturados a fim de que
Química de Alimentos de Fennema
137
O
H2C
O
R
C
C
O
CH
O
R
O
H2C
P
O
X
O
X = OH = Ácido fosfatídico
X=O
CH2
CH2
NH2 = Fosfatidiletanolamina
X=O
CH2
CH2
N +(CH2)3 = Fosfatidilcolina
X=O
CH2
CH(NH 2)
OH OH
X=
OH
COOH = Fosfatidilserina
= Fosfatidilinositol
OH
OH OH
FIGURA 4.3 Estruturas de fosfolipídeos que costumam ser encontrados em alimentos.
anel de cinco carbonos que está ligado a uma cadeia alifática
(Figura 4.5). Os esteróis têm um grupo hidroxila ligado ao
carbono 3 do anel A. Ésteres de esteróis são esteróis com um
ácido graxo esterificado, no grupo hidroxila do carbono 3.
Os esteróis são encontrados tanto em plantas (fitoesteróis)
quanto em animais (zooesteróis). O colesterol é o principal
esterol encontrado nos lipídeos de origem animal. Os lipídeos de origem vegetal contêm inúmeros esteróis, sendo
que o β-sitosterol e o estigmasterol são predominantes. O
colesterol pode ser encontrado em plantas como um esterol
minoritário. O grupo hidroxila no carbono 3 dos esteróis faz
com que esses compostos sejam surfactantes. O colesterol
pode, portanto, orientar-se em membranas celulares, nas
quais desempenha importância na estabilização da estrutura
da membrana. O colesterol também é importante por ser o
precursor para a síntese de sais biliares, e o 7-deidrocolesterol é o precursor na produção da vitamina D na pele, por
meio da irradiação ultravioleta (UV) [14]. Altos níveis de
colesterol no sangue e, em particular, colesterol alto em lipoproteínas de baixa densidade (LDL), têm sido associados
ao aumento do risco de doenças cardiovasculares. Por esse
motivo, recomenda-se a redução de colesterol na dieta, o que
pode ser alcançado pela redução de gordura animal na dieta
e/ou por remoção do colesterol de gorduras animais por extração supercrítica, com dióxido de carbono ou destilação
molecular. Os fitoesteróis da dieta diminuem a absorção de
se previna a cristalização à temperatura ambiente. Os ácidos graxos na posição sn-2 costumam ser mais insaturados
que os da posição sn-1. Os ácidos graxos da posição sn-2
podem ser liberados por fosfolipases, podendo, então, ser
utilizados como substratos de enzimas como as cicloxigenases e as lipoxigenases (LOX). A atividade surfactante dos
fosfolipídeos faz com que eles possam ser utilizados para
a modificação das propriedades físicas de lipídeos, atuando
como emulsificantes, bem como para a modificação do
comportamento de cristalização de lipídeos.
4.2.4
Esfingolipídeos
Os esfingolipídeos são lipídeos que normalmente contém
uma base esfingosina. Os esfingolipídeos mais comuns são
esfingomielina (um esfingofosfolipídeo; Figura 4.4), ceramidas, cerebrosídeos e gangliosídeos. Esses lipídeos costumam
ser encontrados em associação a membranas celulares, em
especial no tecido nervoso. No geral, eles não são componentes majoritários dos lipídeos alimentares.
4.2.5
Esteróis
Os esteróis são derivados dos esteroides. Esses lipídeos apolares sempre apresentam três anéis de seis carbonos e um
O
H3C
N+
CH3
HN
O–
CH3
H2
C
C
H2
O
P
O
H2
C
O
FIGURA 4.4 Estrutura da esfingomielina, um esfingolipídeo típico.
C
H
C
(CH 2) 16
CH3
H
C
H
C
(CH 2) 12
OH
C
H
CH3
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Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
HO
Colesterol
HO
-Sitosterol
FIGURA 4.5 Estrutura de esteróis de ocorrência comum em alimentos.
colesterol no intestino e, portanto, têm sido adicionados a
alimentos a fim de se reduzir os níveis sanguíneos de colesterol (ver Seções 4.8.1.1.1 − 4.8.1.1.4).
4.2.6
Ceras
A definição química estrita para a cera é: éster de um ácido
de cadeia longa, com um álcool de cadeia longa. De fato,
as ceras industriais e alimentares são uma combinação de
classes químicas, incluindo ceras ésteres, ésteres de esteróis,
cetonas, aldeídos, álcoois, hidrocarbonetos e esteróis [14].
As ceras podem ser classificadas de acordo com sua origem,
como animal (cera de abelha), vegetal (cera de carnaúba) e
mineral (cera de petróleo). As ceras são encontradas na superfície de tecidos vegetais e animais, e sua função é inibir a
perda de água ou repelir a água. As ceras costumam ser adicionadas à superfície de frutas para retardar sua desidratação
durante o armazenamento.
4.2.7
Lipídeos diversos
Outros lipídeos alimentares são as vitaminas lipossolúveis
(A, D, E e K) e os carotenoides, os quais serão abordados em
outras seções deste livro.
4.3
PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS
DOS LIPÍDEOS
Esta seção é especialmente dedicada às propriedades físicas
dos lipídeos e a sua influência sobre propriedades dos alimentos. Em particular, haverá uma análise de como a estrutura molecular e a organização dos lipídeos determinam
suas propriedades funcionais (p. ex., características de fusão,
morfologia de cristal e interações) e como essas propriedades funcionais determinam as propriedades físico-químicas
e sensoriais dos produtos alimentícios (p. ex., textura, estabilidade, aparência e sabor).
Embora existam diferentes categorias de lipídeos nos sistemas alimentares, esta seção se concentrará, em particular,
nos triacilgliceróis, devido a sua abundância natural e sua
importância principal em produtos alimentícios. Como já foi
mencionado, os triacilgliceróis são ésteres de uma molécula de glicerol e três moléculas de ácidos graxos, sendo que
cada ácido graxo pode ter um números diferentes de átomos
de carbono, grau de insaturação e ramificação (Seção 4.2).
O fato de existir muitos tipos diferentes de ácidos graxos e
de poderem estar localizados em diferentes posições na molécula do glicerol, significa que os alimentos podem conter
uma grande variedade de triacilgliceróis diferentes entre si.
De fato, as gorduras e os óleos comestíveis sempre apresentam uma grande variedade de moléculas ou “espécies” de
triacilgliceróis diferentes, sendo que o tipo e a concentração
dependem de sua origem [15-17].
Os triacilgliceróis têm uma estrutura de “garfo-torcido”,
com dois dos ácidos graxos nos terminais da molécula de
glicerol apontando para a mesma direção e o ácido graxo
da posição sn-2 apontando para a direção oposta (Figura
4.6). Os triacilgliceróis são moléculas predominantemente
apolares e, portanto, os tipos de interações moleculares mais
importantes, responsáveis por sua organização estrutural,
são atrações de van der Waals e impedimento espacial [18].
As interações entre duas moléculas podem ser descritas por
meio do potencial de par intermolecular w(s), que é a medida
da força de atração ou repulsão entre as moléculas em uma
determinada separação s (Figura 4.7). Em dada separação
molecular (s*), existe um mínimo no potencial de par inter-
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H3C
H2
C
C
H2
H3C
H2
C
H2
C
C
H2
C
H2
H2
C
O
O
H2
C
O
CH2
HC
H2
C
O
CH2
O
C
H2
H2
C
C
H2
H
C
C
H
H2
C
C
H2
H2
C
139
CH3
O
w(s )/kT
FIGURA 4.6 Estrutura química de uma molécula de triacilglicerol, a qual consiste de três ácidos graxos e uma molécula de glicerol.
s*
w(s *)
h (nm)
FIGURA 4.7 A força de interações atrativas entre moléculas lipídicas depende da profundidade do mínimo sobre o potencial geral de
interação molecular.
molecular, o qual indica que esse é o estado mais estável. O
valor de s* fornece a medida da distância média entre triacilgliceróis, enquanto a depressão do par potencial nesse valor
(w(s*)) fornece a medida das forças atrativas que mantêm as
moléculas unidas, nos estados líquido e sólido (Figura 4.7).
A organização estrutural das moléculas de triacilgliceróis é
determinada principalmente por seu estado físico, o qual depende do equilíbrio entre as interações de atração molecular
e da influência desagregadora da energia térmica. Os lipídeos existem como líquidos acima de seu ponto de fusão e
como sólidos em temperaturas em níveis abaixo de seu ponto de fusão, suficientes para superação dos diversos efeitos
de super-resfriamento (ver adiante).
As moléculas lipídicas podem assumir diversos tipos de
organização estrutural diferentes, tanto em estado líquido
como sólido, dependendo de suas características moleculares exatas (p. ex., extensão da cadeia, grau de insaturação, polaridade) [19,20]. No estado sólido, a organização
das moléculas lipídicas pode ocorrer de diversas maneiras,
incluindo organização geral das moléculas de triacilgliceróis em relação umas às outras, ângulo de inclinação das
moléculas dentro da estrutura do cristal e empacotamento
das cadeias de hidrocarbonetos. Essas diferenças indicam
que os cristais de gordura podem existir de diversas formas
cristalinas polimórficas (o que será discutido adiante), as
quais apresentam propriedades físicas e comportamentos
de fusão diferentes. Mesmo no estado líquido, os triacilgliceróis não se encontram orientados de forma aleotória,
mas apresentam uma ordem que permite a auto-organiza-
ção das moléculas lipídicas em entidades estruturais (p. ex.,
estruturas lamelares) [19,21]. Acredita-se que o tamanho e
o número dessas entidades estruturais diminuam conforme
a temperatura aumenta.
Deve-se notar que se convencionou o uso do termo gordura como referência aos lipídeos em estado sólido, à temperatura ambiente, enquanto o termo óleo é utilizado como referência a lipídeos em estado líquido, embora, em geral, ambos
os termos sejam usados com intercambialidade [22,23].
4.3.1 Propriedades físicas dos
triacilgliceróis
As propriedades físicas de gorduras e óleos comestíveis dependem, em especial, de sua estrutura molecular, suas interações e da organização das moléculas de triacilgliceróis que
eles contêm [20,23-28]. Em particular, a força das interações
de atração entre as moléculas e a efetividade de seu empacotamento em uma fase condensada determinam muito seu
comportamento térmico, sua densidade e suas propriedades
reológicas (Tabela 4.3).
4.3.1.1
Propriedades reológicas
A maioria dos óleos são líquidos newtonianos com viscosidades intermediárias, geralmente entre 30 e 60 mPa s, a temperatura ambiente [24,29]. Entretanto, o óleo de mamona
tende a apresentar uma viscosidade muito maior, em comparação à maioria dos óleos, pois ele contém uma fração consi-
140
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 4.3 Comparação entre algumas propriedades físico-químicas de
um óleo líquido (Trioleína) e água a 20ºC
Massa molecular
Ponto de fusão (ºC)
−3
Densidade (kg m )
2
−1
Compressibilidade (m s kg )
Viscosidade (mPa s)
−1 −1
Condutividade térmica (W m K )
−1 −1
Calor específico (J kg K )
−1
Coeficiente de expansão térmica (ºC )
Constante dielétrica
−1
Tensão superficial (mN m )
Índice de refração
derável de ácidos graxos com grupamento álcool ao longo de
seu esqueleto de hidrocarboneto (p. ex., ácido ricinolênico),
o qual é capaz de formar pontes de hidrogênio relativamente
fortes com moléculas vizinhas [24]. A viscosidade do óleo
líquido tende a diminuir aos poucos com o aumento da temperatura, e pode ser descrita, de forma adequada, por uma
correlação logarítmica [29].
A maioria das “gorduras sólidas” de fato consiste de
uma mistura de cristais de gordura dispersos em uma matriz
de óleo líquido. As propriedades reológicas dessas gorduras
sólidas são muito dependentes de concentração, morfologia,
interações e organização dos cristais de gordura presentes
no sistema [20,23]. As gorduras sólidas costumam exibir um tipo de comportamento reológico conhecido como
“plasticidade”. Nesse caso, o material plástico comportase como sólido sob a aplicação de uma tensão crítica, conhecida como tensão inicial de cisalhamento (τ0), mas se
comporta como um líquido acima dessa tensão. O comportamento reológico de um material plástico ideal, conhecido
como Plástico de Bingham, é mostrado na Figura 4.8. Para a
aplicação de uma tensão de cisalhamento, as características
reológicas desse tipo de material podem ser descritas pela
seguinte equação [23]:
(4.1)
Tensão de cisalhamento ( )
(4.2)
Óleo
Água
885
5
910
5,03 × 10−10
≈ 50
0,170
1.980
7,1 × 10−4
3
≈ 35
1,46
18
0
998
4,55 × 10−10
1,002
0,598
4.182
2,1 × 10−4
80,2
72,8
1,333
onde τ é a tensão de cisalhamento aplicada, γ é a deformação
resultante, é a taxa de deformação, G é o módulo de cisalhamento (relacionado à resistência ou à rigidez do material,
em resposta à força de cisalhamento), η é a viscosidade e τ0
é a tensão inicial de cisalhamento (ponto no qual o material começa fluir). Na prática, as gorduras sólidas tendem a
exibir um comportamento de plástico não ideal. Por exemplo, acima da τ0 a gordura pode não fluir como um líquido
ideal, exibindo um comportamento não newtoniano (p. ex.,
afinamento por cisalhamento). Abaixo da tensão inicial de
cisalhamento, a gordura pode não se comportar como um
sólido ideal, exibindo algumas características de fluidez (p.
ex., viscoelasticidade). Além disso, a tensão inicial de cisalhamento pode não ocorrer a um valor claramente definido,
mas dentro de um intervalo de tensão aplicada, pois há uma
ruptura gradual da estrutura da rede cristalina de gordura
[30]. A tensão inicial de cisalhamento de uma gordura tende a crescer com o aumento do conteúdo de gordura sólida
(SFC), tendendo, ainda, a ser maior para morfologias cristalinas que são capazes de formar redes tridimensionais que se
estendem pelo volume do sistema com maior facilidade (p.
ex., cristais pequenos em forma de agulha). Uma abordagem
detalhada das características de gorduras plásticas foi publicada recentemente [23].
A origem estrutural do comportamento plástico das gorduras sólidas pode ser atribuída a sua capacidade de formar
Plástico ideal
0
Taxa de cisalhamento (d /dt )
FIGURA 4.8 Um material plástico ideal (Plástico de Bingham) comporta-se como sólido sob a aplicação de uma tensão crítica, conhecida como tensão inicial de cisalhamento (τ0), mas comporta-se como líquido acima dessa tensão.
Química de Alimentos de Fennema
redes tridimensionais de pequenos cristais de gordura dispersos, em matrizes de óleo líquido [23,31]. Sob determinada aplicação de tensão, existe uma pequena deformação da
amostra, mas as ligações fracas entre os cristais de gordura
não são rompidas. Quando a tensão inicial de cisalhamento é
ultrapassada, as ligações fracas são rompidas e os cristais de
gordura deslizam um contra o outro, conduzindo à fluidez da
amostra. Uma vez que a força é removida, o fluxo para e os
cristais de gordura começam a formar ligações com seus vizinhos novamente. A taxa em que esse processo ocorre pode
ter implicações econômicas para a funcionalidade do produto. A influência das características reológicas dos triacilgliceróis sobre as propriedades físico-químicas e sensoriais dos
alimentos será descrita adiante.
4.3.1.2 Densidade
A densidade de um lipídeo é definida como a massa de material requerida para ocupação de um determinado volume [32].
Essa informação costuma ser importante para o delineamento
de operações de processamento de alimentos, já que ela determina a quantidade de material que pode ser armazenado
em um tanque ou fluir ao longo de uma tubulação de volume
determinado. A densidade dos lipídeos também é importante
para algumas aplicações em alimentos, pois ela influencia nas
propriedades gerais do sistema, por exemplo, a taxa de coalescência de gotas de óleo em emulsões óleo em água (O/W)
depende da diferença de densidade entre o óleo e a fase aquosa [33]. As densidades dos óleos líquidos tendem a estar entre
910-930 kg m−3, à temperatura ambiente, tendendo a diminuir
com o aumento da temperatura [24]. As densidades de gorduras totalmente sólidas costumam estar a cerca de 1.000-1.060
kg m−3. Elas também diminuem com o aumento da temperatura [24]. Em muitos alimentos, a gordura é parcialmente cristalina, desse modo, a densidade depende do SFC, ou seja, da
fração de gordura total que está solidificada. A densidade de
uma gordura parcialmente cristalina tende a aumentar conforme o SFC aumenta, por exemplo, após resfriamento abaixo da
temperatura de cristalização. Medições da densidade de uma
gordura parcialmente cristalina podem, portanto, ser usadas
em alguns casos, a fim de determinar seu SFC.
A densidade de um lipídeo em particular depende, em
primeiro lugar, da eficiência do empacotamento de suas
moléculas de triacilgliceróis: quanto mais eficiente o empacotamento, maior a densidade. Logo, os triacilgliceróis que
contêm ácidos graxos saturados lineares são capazes de empacotar com mais eficiência, em comparação aos que contêm
ácidos graxos ramificados ou insaturados e, portanto, tendem
a apresentar densidades superiores [22,23]. O motivo pelo
qual as gorduras sólidas tendem a ter maior densidade que os
óleos líquidos também se deve ao fato de que as moléculas
costumam empacotar com mais eficiência. No entanto, isso
nem sempre ocorre [34]. Por exemplo, em sistemas lipídicos
que contêm elevadas concentrações de triacilgliceróis puros,
os quais cristalizam em um intervalo estreito de temperatura,
é demonstrado que a densidade do sistema lipídico como um
todo diminui, de fato, com a cristalização, em decorrência da
formação de vazios.
141
Propriedades térmicas: As propriedades térmicas mais
importantes dos lipídeos, do ponto de vista prático, são o
calor específico (Cp), a condutividade térmica (κ), o ponto
de fusão (Tmp) e a entalpia de fusão (Hf) [24]. Essas características térmicas determinam o conteúdo total de calor
que deve ser fornecido (ou removido) de um sistema lipídico, a fim de alterar sua temperatura de um valor para outro,
bem como a taxa na qual esse processo será alcançado. Os
calores específicos de muitos óleos líquidos e gorduras só−1
lidas encontram-se por volta de 2 J g , elevando-se com o
aumento da temperatura [24]. Os lipídeos são condutores de
calor relativamente pobres e costumam apresentar condutivi−1 −1
dades térmicas menores (∼ 0,165 W m s ) que as da água
−1 −1
(∼ 0,595 W m s ). Informações detalhadas sobre as propriedades térmicas de diferentes tipos de lipídeos líquidos e
sólidos têm sido abordadas em outras publicações [24,29].
Valores representativos estão incluídos na Tabela 4.3.
O ponto de fusão e o calor de fusão de um lipídeo dependem do empacotamento das moléculas do triacilglicerol
dentro dos cristais formados: quanto mais efetivo o empacotamento, maiores o ponto de fusão e a entalpia de fusão
[18,23]. Portanto, os pontos de fusão e os calores de fusão
de triacilgliceróis puros tendem a aumentar com o crescimento do tamanho da cadeia. Eles são maiores (1) para ácidos graxos saturados, em comparação a ácidos graxos insaturados; (2) maiores para ácidos graxos de cadeia linear,
em relação a ácidos graxos ramificados; (3) maiores para
triacilgliceróis com distribuição mais simétrica de ácidos
graxos na molécula do glicerol; (4) maiores para formas
insaturadas trans, em comparação a cis (Tabela 4.4); e (5)
maiores para formas polimórficas mais estáveis (o que será
discutido adiante). A cristalização de lipídeos é um dos fatores mais importantes para a determinação de sua influência sobre as propriedades físico-químicas e sensoriais de
alimentos e, portanto, será tratada com mais detalhes na
próxima seção.
Para algumas aplicações, o conhecimento da temperatura
em que um lipídeo inicia a decomposição devido à degradação térmica é importante (p. ex., fritura ou cozimento).
A estabilidade térmica dos lipídeos pode ser caracterizada
por seus pontos de fumaça, ignição e chama [32]. O ponto
de fumaça é a temperatura na qual a amostra começa liberar
fumaça quando testada sob condições específicas. O ponto
de ignição é a temperatura na qual os produtos voláteis gerados pelo lipídeo estão sendo produzidos em uma taxa na
qual podem ser temporariamente inflamados por aplicação
de uma chama, mas não podem sustentar a combustão. O
ponto de chama é a temperatura na qual a evolução de voláteis, decorrente da decomposição térmica, ocorre com tanta
rapidez que a combustão contínua poder ser sustentada após
exposição à chama. As medições dessas temperaturas são
particularmente importantes ao se selecionar lipídeos para
serem usados em temperaturas elevadas (p. ex., fritura ou cozimento). A estabilidade térmica de triacilgliceróis é muito
maior que a dos ácidos graxos, logo a propensão de lipídeos
à degradação durante o aquecimento é, em grande parte, determinada pela quantidade de material orgânico volátil que
eles contêm, incluindo ácidos graxos livres [32].
142
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 4.4 Pontos de fusão e calores de fusão das formas polimórficas mais
estáveis, de moléculas de triacilgliceróis selecionadas
Triacilglicerol
Ponto de fusão (oC)
Hf (J g−1)
46
58
66
73
5
−13
−24
43
23
186
197
205
212
113
85
−
194
−
LLL
MMM
PPP
SSS
OOO
LiLiLi
LnLnLn
SOS
SOO
L = ácido láurico (C12:0), M = ácido mirístico (C14:0), P = ácido palmítico (C16:0), S = ácido esteárico
(C16:0), O = ácido oleico (C18:1), Li = ácido linoleico (C18:2), Ln = ácido linolênico (C18:3).
Fonte: Adaptada de Walstra, P. (2003). Physical Chemistry of Foods, Marcel Dekker, Inc., New York, NY.
Propriedades ópticas: O conhecimento das propriedades
ópticas dos lipídeos é importante para os químicos de alimentos, por uma série de razões. A princípio, as propriedades ópticas dos lipídeos influenciam na aparência geral de
muitos alimentos [35]. Em segundo lugar, algumas propriedades ópticas dos lipídeos (p. ex., índice de refração e espectro de absorção) podem ser usadas para a obtenção de
informações relevantes sobre sua composição e sua qualidade [24,32]. As propriedades ópticas mais importantes dos
lipídeos são seus índices de refração e espectro de absorção.
Os índices de refração de óleos líquidos costumam cair no
intervalo entre 1,43 e 1,45 à temperatura ambiente [24]. O
índice de refração de um óleo em particular, em primeiro
lugar é determinado pela estrutura molecular dos ácidos graxos que ele contém. O índice de refração tende a aumentar
com o crescimento da extensão da cadeia, aumento do número de ligações duplas e aumento da conjugação de ligações
duplas [24]. Equações empíricas têm sido desenvolvidas a
fim de relacionar a estrutura molecular dos lipídeos a seus
índices de refração [24]. Logo, as medições do índice de refração de óleos líquidos podem ser usadas para a obtenção
de algumas informações sobre massa molecular aproximada
e grau de insaturação dos ácidos graxos que eles contêm. As
medidas do espectro de absorção UV visível de óleos podem
também fornecer informações importantes sobre sua composição, sua qualidade ou suas propriedades moleculares (p.
ex., presença de ligações duplas conjugadas, carotenoides ou
clorofilas) [32]. Por exemplo, dienos conjugados absorvem
luz UV em 232 nm, enquanto trienos conjugados absorvem
próximo de 270 nm.
O espectro de absorção de um óleo também pode exercer
influência significativa sobre a aparência final de um produto alimentício. Os triacilgliceróis puros apresentam pouca cor inerente, pois não contêm grupos que absorvem luz
na região visível do espectro eletromagnético. Entretanto,
os óleos comerciais costumam apresentar cor devido a seu
conteúdo significativo de pigmentos que absorvem luz (p.
ex., carotenoides e clorofila). Por esse motivo, os óleos comestíveis costumam passar por uma etapa de despigmentação durante seu refino. No caso das emulsões alimentares,
os lipídeos também podem contribuir para a opacidade do
produto, em virtude de sua capacidade de refletir luz, o que
é resultado direto da diferença do índice de refração entre a
fase lipídica e a fase aquosa.
Propriedades elétricas: O conhecimento das propriedades
elétricas dos lipídeos é importante em alguns casos, pois
diversas técnicas analíticas usadas para a análise de alimentos lipídicos baseiam-se em medições de suas características elétricas, por exemplo, a determinação das medidas da concentração de gordura por condutividade elétrica
ou a determinação do tamanho de gotículas de gordura por
contagem de pulso elétrico [33]. Os lipídeos costumam
apresentar constantes dielétricas relativamente baixas (εR
≈ 2−4) em decorrência da baixa polaridade das moléculas
de triacilgliceróis (Tabela 4.3). A constante dielétrica de
triacilgliceróis puros tende a aumentar com o crescimento
da polaridade (p. ex., pela presença de grupos −OH ou
devido à oxidação) e com a diminuição da temperatura
[24]. Além disso, os lipídeos tendem a ser condutores de
eletricidade fracos, apresentando resistência elétrica relativamente elevada.
4.3.2 Cristalização e derretimento
de lipídeos alimentares
O estado físico (sólido ou líquido) dos lipídeos desempenha
um papel importante na produção de muitos alimentos, sendo determinante para atributos de qualidade final [20]. Por
exemplo, as propriedades físico-químicas e sensoriais gerais
de produtos como margarina, sorvete, nata batida e produtos assados são muito influenciadas pelo comportamento de
cristalização dos lipídeos que eles contêm. O desenvolvimento de produtos alimentícios com propriedades desejáveis
depende, portanto, do conhecimento dos fatores principais
que influenciam na cristalização e na fusão de lipídeos em
alimentos [19,23,26].
Conteúdo de gordura sólida: Em geral, o estado físico dos
lipídeos em determinado alimento é caracterizado por ter-
Química de Alimentos de Fennema
mos do SFC, que é a fração (0-1) ou a porcentagem (0100%) de lipídeos que se encontram em estado sólido em
dada temperatura. A dependência de temperatura do SFC
é um dos critérios mais importantes para a seleção de lipídeos para realização de uma aplicação em particular, pois
ela é muito influente na eficiência do processo de produção
e nas propriedades finais de muitos alimentos lipídicos. O
comportamento de fusão de um triacilglicerol puro é mostrado por um esquema na Figura 4.9. O SFC cai de 100 a
0% quando a temperatura aumenta do ponto abaixo para o
ponto acima do ponto de fusão (Figura 4.9). Para um triacilglicerol puro, a transição de sólido para líquido ocorre
dentro de um intervalo estreito de temperaturas próximas
ao ponto de fusão (Tmp). O ponto de fusão de um triacilglicerol puro depende do comprimento da cadeia, ramificação
e grau de insaturações de seus ácidos graxos constituintes,
bem como de suas posições relativas, ao longo da molécula
de glicerol (Tabela 4.4). As gorduras comestíveis apresentam uma mistura complexa de diversos tipos de moléculas
de triacilgliceróis, cada qual com um ponto de fusão diferente e, portanto, podem fundir-se normalmente dentro de
um amplo intervalo de temperaturas, e não apenas em uma
temperatura distinta, como seria o caso de um triacilglicerol puro (Figura 4.9). Como já foi mencionado, as propriedades reológicas “plásticas” desejáveis de gorduras comestíveis costumam ocorrer em um intervalo de temperaturas
no qual os lipídeos encontram-se parcialmente cristalinos
(“intervalo plástico”).
O perfil de fusão de uma gordura comestível não é apenas a soma ponderada dos perfis de fusão de seus triacilgliceróis constituintes, pois triacilgliceróis de alto ponto de
fusão são solúveis nos de baixo ponto de fusão [27]. Por
exemplo, em uma mistura 50:50 de triestearina e trioleína
é possível dissolver 10% de triestearina sólida em trioleína
líquida a 60ºC [22,28]. A solubilidade de um componente
sólido em um componente líquido pode ser predita, assumindo-se que eles apresentam pontos de fusão bastante diferentes (>20ºC):
143
(4.3)
Nesse caso, x é a solubilidade, expressa como fração molar
do componente com maior ponto de fusão no componente
de menor ponto de fusão; Hfus é a entalpia molar de fusão
[22]. Além disso, as características de fusão dos alimentos
lipídicos dependem da natureza dos cristais de gordura existentes (p. ex., solução sólida ou cristais mistos, morfologia
dos cristais e formas polimórficas de cristais [ver adiante]).
O SFC de alimentos lipídicos costuma ser medido por
calorimetria, alterações de volume (dilatometria) ou ressonância magnética nuclear (RMN). A RMN é o método preferido de medição do SFC, pois requer pouca preparação da
amostra, podendo ser realizada de forma rápida e fácil [36].
O SFC é um parâmetro importante para lipídeos alimentares,
pois fornece informações sobre propriedades de qualidade
significativas. Exemplos disso incluem o comportamento de
cristalização em temperaturas de refrigeração, que causará
impacto sobre o ponto de turvação e estabilidade da emulsão, bem como sobre comportamento de fusão a diferentes
temperaturas, e influenciará na sensação bucal, nas propriedades de cozimento e na capacidade de disseminação de um
lipídeo sob refrigeração (margarina de galão) ou à temperatura ambiente (margarina em bastão).
Conforme já foi mencionado, o perfil de SFC temperatura de gorduras comestíveis exerce um papel fundamental
na determinação das propriedades funcionais e sensoriais de
muitos alimentos lipídicos [16,22,27,28,37]. Por exemplo, é
importante que as margarinas sejam “duras” o suficiente a
fim de que permaneçam com sua forma quando armazenadas
em refrigerador ou trazidas à temperatura ambiente, porém,
devem ser “macias” o suficiente para serem espalhadas com
uma faca [38]. Além disso, é importante que os cristais de
gordura derretam durante a mastigação para fornecer a sensação adequada na boca. Por tais motivos, é importante usar
lipídeos que tenham perfis de SFC- e reologia-temperatura
que sejam adequados para aplicações especificas [23].
120
100
Triacilglicerol
puro
S FC
80
60
40
Gordura comestível
20
0
Temperatura
FIGURA 4.9 Comparação entre o perfil de derretimento de um triacilglicerol puro e o de uma gordura comestível típica. A gordura
comestível derrete em um intervalo de temperatura maior, por consistir de uma mistura de diversos tipos de moléculas de triacilgliceróis
puros, cada qual com pontos de fusão distintos.
144
4.3.3
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Mecanismos físico-químicos de
transições de fase lipídica
O arranjo das moléculas de triacilgliceróis no estado líquido e sólido é mostrado esquematicamente na Figura 4.10. O
estado físico de um triacilglicerol em uma temperatura particular depende de sua energia livre, a qual se constitui da contribuição dos termos de entalpia e entropia: GS→L = H
S→L − TSS→L [39]. O termo de entalpia (HS→L) representa
a mudança geral da intensidade das interações moleculares
entre os triacilgliceróis quando eles são convertidos de sólido para líquido, enquanto o termo de entropia (SS→L) representa a mudança na organização das moléculas que ocorre devido ao processo de fusão. A intensidade das ligações
entre moléculas lipídicas é maior no estado sólido que no
líquido, pois as moléculas são capazes de se empacotar com
mais eficiência e, portanto, HS→L é positivo (desfavorável),
o que favorece o estado sólido. Por outro lado, a entropia das
moléculas lipídicas em estado líquido é maior que em estado
sólido, o que faz com que o SS→L seja positivo (favorável) e
favoreça o estado líquido. Em baixas temperaturas, o termo
de entalpia prevalece sobre o termo de entropia (HS→L >
TSS→L), fazendo com que o estado sólido tenha a menor
energia livre [19,23,39]. À medida que a temperatura aumenta, a contribuição da entropia torna-se mais importante.
Acima de uma determinada temperatura, conhecida como
ponto de fusão, o termo de entropia prevalece sobre o de
entalpia (TSS→L > HS→L). Nesse caso, o estado líquido
tem a menor energia livre. Sendo assim, um material muda
de sólido para líquido quando sua temperatura é elevada acima do ponto de fusão. Transições sólido-líquido (fusões) são
endotérmicas, pois deve haver fornecimento de energia ao
sistema para a aproximação das moléculas mais separadas.
Ao contrário disso, uma transição líquido-sólido (cristalizações) é exotérmica, pois com o agrupamento das moléculas,
ocorre liberação de energia. Mesmo que a energia livre do
estado sólido seja inferior ao ponto de fusão, pode não haver
cristais sólidos até que um óleo líquido tenha sido resfriado
em temperatura suficientemente inferior à do ponto de fusão
devido à perda de energia livre associada à formação de núcleos (ver adiante).
De modo geral, a cristalização de gorduras pode ser dividida de forma conveniente nos estágios: super-resfriamento,
nucleação, crescimento de cristais e eventos pós-cristalização [19,20,23,40].
Gordura sólida
4.3.3.1
Super-resfriamento
Embora a forma sólida dos lipídeos seja termodinamicamente favorável abaixo de seu ponto de fusão, os lipídeos
podem persistir na forma líquida em temperaturas inferiores
às do ponto de fusão por um período considerável antes que
cristalizações sejam observadas. Isso ocorre em virtude da
energia de ativação associada à formação de núcleos (G*),
a qual deve ser ultrapassada antes da ocorrência da transição de fase líquido-sólido (Figura 4.11). Se a intensidade da
energia de ativação for alta o suficiente em comparação à
energia térmica, a cristalização não ocorrerá em uma escala
de tempo observável e o sistema existirá em um estado metaestável. A intensidade da energia de ativação depende da capacidade de formação de núcleos de cristais em óleo líquido,
os quais devem ter estabilidade suficiente para que cresçam
como cristais (ver adiante). O grau de super-resfriamento de
um líquido pode ser definido como T = T − Tmp, sendo que
T é a temperatura e Tmp é o ponto de fusão. O valor de T
no qual a cristalização é inicialmente observada depende da
estrutura química do lipídeo, da presença de material contaminante, da taxa de resfriamento, da microestrutura da fase
lipídica (p. ex., se o óleo é puro ou emulsificado) e da aplicação de forças externas [19,23]. Os óleos puros não contêm
impurezas, podendo ser, em geral, super-resfriados por mais
de 10ºC antes que cristalizações sejam observadas [41].
4.3.3.2
Nucleação
O crescimento de cristais pode ocorrer somente após a formação de núcleos estáveis no líquido. Acredita-se que esses
núcleos sejam agrupamentos de moléculas do óleo que formam pequenos cristais organizados, sendo gerados quando
algumas moléculas lipídicas colidem, tornando-se associadas umas às outras [19]. Ocorre mudança de energia livre
relacionada à formação de um desses núcleos (Figura 4.12).
Há uma variação negativa de energia livre (GV), a qual é
proporcional ao volume do núcleo formado, o que se deve
às mudanças de entalpia e entropia ocorrentes no interior do
núcleo que passam pela transição de fase. Por outro lado,
a formação de núcleos leva à criação de uma nova interface entre as fases líquida e sólida. Esse processo envolve o
aumento da energia livre, com o objetivo de ultrapassar a
tensão interfacial. A variação positiva de energia livre (GS)
é proporcional à área de superfície do núcleo formado. A vaÓleo líquido
FIGURA 4.10 A organização dos triacilgliceróis nos estados sólido e líquido depende do equilíbrio entre a influência organizativa de
interações atrativas entre as moléculas e a influência desagregadora da energia térmica.
Química de Alimentos de Fennema
145
G*
Líquido
G
Sólido
FIGURA 4.11 Quando a energia de ativação associada à formação de núcleos é alta o suficiente, os óleos líquidos podem persistir em
estado metaestável abaixo do ponto de fusão de gorduras.
G
GS
G
r*
r
GV
FIGURA 4.12 O tamanho necessário para que ocorra crescimento de cristais em um núcleo depende do equilíbrio entre as contribuições do volume e da superfície para a energia livre de formação de núcleos. Aqueles que são formados espontaneamente, com raios
acima de r*, crescem, enquanto os formados com raios inferiores se dissociam.
riação total de energia livre associada à formação de núcleos
é, portanto, a combinação de um termo de volume e um de
superfície [19,23]:
(4.4)
onde r é o raio do núcleo, Hfus é a variação de entalpia
por unidade de volume associada à transição líquido-sólido
(que é negativa) e γi é a tensão interfacial sólido-líquido. A
contribuição do volume torna-se mais negativa conforme o
tamanho do núcleo aumenta, enquanto a contribuição da superfície torna-se mais positiva (Figura 4.12). Como a relação
entre a área de superfície e o volume diminui com o aumento
de tamanho, a contribuição da superfície tende a apresentar
prevalência de núcleos pequenos, enquanto a contribuição
do volume tende a apresentar prevalência de núcleos grandes. Como resultado, a variação global de energia livre associada à formação de núcleos apresenta valor máximo no raio
crítico de núcleo (r*):
(4.5)
Se um núcleo for formado espontaneamente, com um
raio menor que o crítico, haverá tendência de dissociação
dos raios com redução da energia livre do sistema. Por outro lado, se um núcleo for formado com raio superior ao
valor crítico, haverá tendência de que ele cresça em forma
de cristal. Essa equação indica que o tamanho crítico de um
núcleo, necessário para o crescimento de cristais, diminui
quando o grau de super-resfriamento aumenta, o que contribui para o aumento da taxa de nucleação, que é observada
de forma experimental com a diminuição da temperatura.
Em termos práticos, isso significa que óleos líquidos devem
ser resfriados consideravelmente abaixo de seus pontos de
fusão termodinâmicos antes que a formação de cristais seja
observada.
A taxa na qual ocorre a nucleação pode ser matematicamente relacionada à energia de ativação G*, a qual deve
ser ultrapassada antes da formação de núcleos estáveis [19]:
(4.6)
onde J é a taxa de nucleação, que é igual ao número de núcleos estáveis formados por segundo por unidade de volume
do material, A é o fator pré-exponencial, k é a constante de
146
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
A nucleação heterogênea ocorre quando as impurezas
fornecem superfícies nas quais a formação de núcleos estáveis é termodinamicamente mais favorável que em óleo
puro. Como resultado, o grau de super-resfriamento necessário para início da cristalização da gordura é reduzido.
Por outro lado, alguns tipos de impurezas são capazes de
diminuir a taxa de nucleação de óleos, pois são incorporadas
à superfície do núcleo em crescimento, prevenindo a incorporação adicional de moléculas do óleo [19]. Uma impureza atuará como catalisador ou como inibidor da nucleação,
dependendo de sua estrutura molecular e interações com os
núcleos [42,44]. Deve-se observar que ainda existem muitos debates sobre a modelagem matemática da nucleação,
uma vez que as teorias existentes costumam prever taxas de
nucleação muito diferentes das medidas experimentais [23].
Entretanto, a forma geral de dependência entre as taxas de
nucleação e a temperatura são fornecidas de maneira razoável pelas teorias existentes (ver Figura 4.13).
4.3.3.3
Crescimento de cristais
Quando um núcleo estável se forma, ocorre o crescimento
de cristais pela incorporação de moléculas do óleo líquido à
interface sólido-líquido [19,23,42]. Os cristais lipídicos têm
muitas faces diferentes, sendo que cada face pode crescer a
taxas que variam muito entre si, o que explica, em parte, a
grande variedade de morfologias de cristais, que podem ser
formadas por lipídeos em alimentos. A taxa global de crescimento do cristal depende de diversos fatores, incluindo transferência de massa das moléculas da fase líquida para a interface sólido-líquido, incorporação das moléculas à armação
do cristal e remoção do calor gerado pelo processo de cristalização a partir da interface [19]. Condições ambientais ou
do sistema, como viscosidade, condutividade térmica, estrutura dos cristais, perfil de temperatura e agitação mecânica,
podem influenciar nos processos de transferência de calor e
massa e, portanto, na taxa de crescimento dos cristais. A taxa
de crescimento tende a crescer inicialmente com o aumento
J
Boltzmann e T é a temperatura absoluta. O valor de G*
é calculado em substituição ao r da Equação 4.4, com o
raio crítico dado pela Equação 4.5. A variação da taxa de
nucleação fornecida pela Equação 4.5, com o grau de superresfriamento (T), é mostrada na Figura 4.13. A formação
de núcleos estáveis é desprezível em temperaturas um pouco abaixo do ponto de fusão, aumentando de forma drástica
quando o líquido é resfriado abaixo de temperatura T* determinada. De fato, observa-se que a taxa de nucleação aumenta com o grau de resfriamento até determinada temperatura,
após a qual diminui com ocorrência de resfriamento adicional. Isso ocorre em decorrência do aumento da viscosidade
do óleo, que acontece à medida que a temperatura diminui,
baixando a difusão de moléculas lipídicas em direção à interface líquido-núcleo [19,42]. Por consequência, existe um
máximo de taxa de nucleação em temperatura determinada
(Figura 4.13).
O tipo de nucleação supracitado ocorre quando não
existem impurezas no óleo, referindo-se normalmente à nucleação homogênea [19]. Se o óleo líquido está em contato
com superfícies estranhas, como as de partículas de poeira,
cristais de gordura, gotículas de óleo, bolhas de ar, micelas
reversas ou recipiente que contém o óleo, a nucleação pode
ser induzida à temperatura superior à esperada para um sistema puro [19,23,43]. A nucleação decorrente da presença de
superfícies estranhas é chamada de nucleação heterogênea,
podendo ser dividida em dois tipos: primária e secundária.
A nucleação heterogênea primária ocorre quando as superfícies estranhas apresentam estruturas químicas diferentes
das do óleo, enquanto a nucleação heterogênea secundária
ocorre quando as superfícies são cristais com a mesma estrutura química do óleo líquido. A nucleação heterogênea
secundária é a base para a “germinação” da nucleação, em
lipídeos super-resfriados [19]. Esse processo envolve a adição de cristais de triacilgliceróis pré-formados em um líquido super-resfriado, formado pelo mesmo triacilglicerol,
de modo a promover nucleação a uma temperatura superior
àquela que seria possível em condições normais.
T *
Super-resfriamento ( T )
FIGURA 4.13 Teoricamente, a taxa de formação de núcleos estáveis aumenta com o super-resfriamento (linha), mas, na prática, a taxa
de nucleação diminui abaixo de determinadas temperaturas, pois a difusão das moléculas do óleo é reduzida pelo aumento de sua viscosidade (pontilhado).
Química de Alimentos de Fennema
do grau de super-resfriamento até que se alcance uma taxa
máxima, após a qual haverá diminuição [19]. A dependência
da taxa de crescimento da temperatura mostra, dessa forma,
uma tendência similar à da taxa de nucleação. No entanto,
a taxa máxima de formação de núcleos costuma ocorrer em
temperaturas diferentes da taxa máxima de crescimento de
cristais (Figura 4.14). Essa diferença é responsável pela dependência do número e do tamanho de cristais produzidos
das taxas de resfriamento e temperatura de retenção. Se um
óleo líquido é resfriado com rapidez a uma temperatura em
que a taxa de nucleação é menor que a taxa de crescimento,
então haverá formação de poucos cristais grandes. Por outro
lado, se o óleo for resfriado a uma temperatura em que a taxa
de crescimento for menor que a taxa de nucleação, haverá
formação de muitos cristais pequenos.
4.3.3.4 Eventos pós-cristalização
Nucleação ou taxa de crescimento
Uma vez que cristais são formados em um sistema lipídico,
podem ocorrer mudanças posteriores em seu empacotamento, tamanho, composição e interações, ainda que o SFC global permaneça constante [19,23]. A pós-cristalização pode
envolver a mudança da forma polimórfica menos estável
para uma mais estável, devido à reorganização das moléculas de triacilgliceróis dentro dos cristais. Se um lipídeo forma cristais mistos (p. ex., cristais que contêm uma mistura
de diferentes tipos de triacilgliceróis), pode haver alterações
na composição dos cristais durante o armazenamento, em
decorrência da difusão de moléculas de triacilglicerol entre
os cristais. Além disso, pode haver crescimento de peso líquido no tamanho médio dos cristais lipídicos, com o tempo
dependente do amadurecimento de Ostwald, o qual consiste
no crescimento de cristais grandes em dependência dos pequenos, por meio da difusão de moléculas lipídicas entre os
cristais [19]. Ao final, as ligações entre os cristais de gordu-
147
ra podem se fortalecer durante o tempo de armazenamento,
devido ao mecanismo de sedimentação (fusão conjunta de
cristais) [23,27,28]. As alterações pós-cristalização podem
exercer influência significativa sobre as propriedades físico-químicas e sensoriais dos alimentos e, portanto, entendê-las
e controlá-las é importante. Por exemplo, os eventos pós-cristalização costumam gerar o aumento do tamanho dos
cristais em lipídeos, o que é indesejável em muitos casos,
pois leva a uma percepção arenosa durante o consumo [43].
4.3.4
4.3.4.1
Estrutura cristalina
Morfologia
O termo “morfologia” refere-se a tamanho, forma e localização dos cristais formados a partir da cristalização de lipídeos. A morfologia dos cristais depende de uma série de
fatores internos (p. ex., estrutura molecular, composição,
empacotamento e interações) e externos (p. ex., perfil tempo-temperatura, agitação mecânica e impurezas). Em geral,
quando um óleo líquido é resfriado com rapidez a temperaturas abaixo de seu ponto de fusão, forma-se um grande
número de cristais pequenos, mas, quando o mesmo óleo
é resfriado lentamente a temperaturas um pouco abaixo de
seu ponto de fusão, forma-se um pequeno número de cristais
grandes [19,23]. Isso ocorre em virtude das diferenças de
dependência da temperatura entre as taxas de nucleação e
cristalização (Figura 4.14). A taxa de nucleação tende a aumentar mais rapidamente com a diminuição da temperatura
que a taxa de cristalização até um determinado valor máximo, tendendo a diminuir com mais rapidez com diminuições
posteriores de temperatura. Desse modo, o resfriamento rápido tende a produzir muitos núcleos ao mesmo tempo, os
quais, subsequentemente, crescem como pequenos cristais,
enquanto o resfriamento lento tende a produzir um pequeno
Nucleação
Crescimento
Super-resfriamento
FIGURA 4.14 As taxas de nucleação e o crescimento de cristais apresentam dependências diferentes da temperatura, as quais explicam
as diferenças do número e tamanho dos cristais de gordura produzidos sob diferentes regimes de resfriamento.
148
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
nas com diferentes empacotamentos moleculares [19,23]. Os
três tipos mais comuns de empacotamento em triacilgliceróis
são hexagonal, ortorrômbico e triclínico, os quais costumam
ser designados como formas polimórficas α, β e β, respectivamente (Figuras 4.15 e 4.16). O tipo de forma cristalina
adotada depende da estrutura molecular e da composição
dos lipídeos, assim como das condições ambientais durante
a cristalização (taxa de resfriamento, temperatura de retenção, força de cisalhamento). A estabilidade termodinâmica
e, por conseguinte, o ponto de fusão das três formas, diminui na ordem: β > β > α. Grandes estabilidades derivam de
grandes densidades de empacotamento dos grupos acila dos
ácidos graxos, o que é favorecido pela homogeneidade entre
os ácidos graxos constituintes e pela simetria entre as espécies de triacilgliceróis. A compatibilidade e a segregação dos
ácidos graxos dentro da estrutura do cristal podem resultar
em células unitárias com espaçamentos longos, equivalentes
ao comprimento de 2 ou 3 ácidos graxos (L2 e L3, na Figura
4.15). Ainda que a forma β seja a mais estável termodinamicamente, os triacilgliceróis costumam cristalizar primeiro na
forma α, pois essa forma tem a menor energia de ativação
para a formação de núcleos (Figura 4.17). Com o tempo, os
cristais se transformam na forma polimórfica mais estável,
em uma taxa que depende de condições ambientais, como
temperatura, pressão e presença de impurezas [27]. O tempo
gasto para que esse tipo de transformação de cristais ocorra
é muito influenciado pela homogeneidade da composição
dos triacilgliceróis [23]. A transformação a partir da forma α
número de núcleos, os quais têm tempo de crescer, tornandose cristais maiores, antes que outros núcleos sejam formados
(Figura 4.14).
A estrutura e as propriedades físicas dos cristais produzidos pelo resfriamento de misturas complexas de triacilgliceróis também é muito influenciada pelas taxas de resfriamento e temperatura [19,23,31]. Se um óleo é refrigerado
com rapidez, todos os triacilgliceróis cristalizam quase ao
mesmo tempo e uma solução sólida é formada, a qual consiste de cristais homogêneos, em que os triacilgliceróis estão misturados uns aos outros [22,23]. Por outro lado, se um
óleo é refrigerado devagar, os triacilgliceróis de maior ponto
de fusão cristalizarão primeiro, enquanto os de baixo ponto
de fusão cristalizarão depois, havendo formação de cristais
mistos. Esses cristais são heterogêneos, consistindo de algumas regiões ricas em triacilgliceróis de elevado ponto de
fusão e outras regiões pobres desses triacilgliceróis. Se uma
gordura forma cristais mistos ou uma solução sólida, muitas de suas propriedades físico-químicas, como densidade,
reologia e perfil de fusão, são alteradas [22,23], o que pode
ter uma importante influência sobre as propriedades de um
determinado alimento.
4.3.4.2 Polimorfismo
Os triacilgliceróis manisfetam um fenômeno conhecido
como polimorfismo (monotrópico), que é a capacidade de um
material de existir sob a forma de diversas estruturas cristali-
´-L2
-L3
FIGURA 4.15 Tipos comuns de organização molecular global de triacilgliceróis, em fases cristalinas. (Adaptada de Walstra, P. (2003).
Physical Chemistry of Foods, Marcel Dekker, Inc., New York, NY).
: Triclínico — paralelo
´: Ortorrômbico — perpendicular
FIGURA 4.16 Os dois tipos mais comuns de empacotamento de cadeias de hidrocarbonetos: triclínico (paralelo) e ortorrômbico (perpendicular). Os círculos pretos representam os átomos de carbono, os brancos, os átomos de hidrogênio. As cadeias de hidrocarbonetos
são observadas a partir do topo. (Adaptada de Larsson, K. (2004). In Food Emulsions, 4th edn. (Friberg, S., Larsson, K., and Sjoblom, J,
eds.), Marcel Dekker, Inc., New York, NY, cap. 3).
Química de Alimentos de Fennema
149
G *
Fundido
G
FIGURA 4.17 O estado polimórfico formado inicialmente, quando um óleo cristaliza, depende da magnitude relativa da energia de
ativação associada à formação de núcleos.
costuma ocorrer com rapidez em composições relativamente homogêneas em que todos os triacilgliceróis apresentam
estruturas moleculares similares. Já a transição é um tanto
lenta para gorduras com muitos componentes em que os
triacilgliceróis apresentam estruturas moleculares diferentes. As diferentes formas polimórficas de lipídeos podem ser
distinguidas umas das outras usando-se diversos métodos,
incluindo difração de raios X, DSC, IR, RMN e espectroscopia Raman [19]. Esses métodos se baseiam no fato de que
os cristais se encontram organizados com distinção em diferentes formas polimórficas que alteram suas propriedades
físico-químicas e sensoriais (Figuras 4.15, 4.16 e 4.18). O
conhecimento das formas polimórficas dos cristais em lipídeos é importante porque pode exercer um grande impacto
sobre o comportamento térmico e a morfologia dos cristais
formados, e, portanto, sobre as propriedades físico-químicas
e sensoriais dos alimentos. Por exemplo, as características
de textura e aparência desejáveis em produtos como margarinas, spreads,∗ produtos assados e chocolate dependem
da garantia de que os cristais de gordura sejam produzidos
e mantidos na forma polimórfica adequada [19,38,43]. Os
cristais β mais delicados são preferidos para margarinas e
spreads, em que maciez, brilho e graus altos de cobertura
da superfície de água dispersa são necessários. As formas
polimórficas β maiores são preferidas nas gorduras para panificação (p. ex., banha) a fim de criar “flocosidade” e es-
tabilidade da manteiga de cacau no chocolate. As misturas
de lipídeos também podem ser usadas para controlar se os
polimorfos β ou β são os cristais predominante formados. A
Tabela 4.2 mostra quais lipídeos comestíveis tendem a formar cristais β e quais tendem a formar β como polimorfos
mais estáveis.
4.4 PROCESSAMENTO DE LIPÍDEOS:
ISOLAMENTO, PURIFICAÇÃO
E MODIFICAÇÃO
4.4.1
Refino de lipídeos
Os triacilgliceróis são extraídos de fontes de origem animal
e vegetal. A fluidização é uma operação de tratamento térmico que rompe as estruturas celulares para liberar triacilgliceróis de subprodutos animais e espécies de peixes subutilizadas. Os triacilgliceróis de plantas podem ser isolados por
pressão (oliva), extração por meio de solventes (sementes de
oleaginosas) ou por uma combinação de ambos (para abordagens detalhadas sobre extrações de gorduras e óleos, ver
Referência 45). Óleos e gorduras brutos resultantes desses
processos não conterão apenas triacilgliceróis, mas também
lipídeos (como ácidos graxos livres, fosfolipídeos, aromatizantes lipossolúveis e carotenoides) e materiais não lipídicos
Subcélula (em detalhe)
FIGURA 4.18 As células unitárias de lipídeos cristalinos podem ser caracterizadas por suas dimensões.
* N. de T.: Termo norte-americano que se refere a produtos como margarinas e manteigas, usados para passar em pães.
150
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
(como proteínas e carboidratos). Esses componentes devem
ser removidos para a produção de óleos e gorduras com cor,
sabor e vida útil desejados. Os passos principais de refino
estão descritos a seguir.
4.4.1.1 Degomagem
A presença de fosfolipídeos gera a formação de emulsões
água em óleo (W/O) em gorduras e óleos. As emulsões fazem o óleo turvar, sendo que a água pode representar riscos
quando os óleos são aquecidos em temperaturas superiores a
100ºC (borrifo e formação de espuma). A degomagem é um
processo que remove os fosfolipídeos pela adição de 1-3%
de água, a 60-80ºC, por 30-60min. Pequenas quantidades de
ácido costumam ser adicionadas à água para que se aumente
o conteúdo de hidrogênio dos componentes fosfolipídicos.
Sedimentação, filtração ou centrifugação são então utilizadas para a remoção das “gomas” coalescentes, formadas por
fosfolipídeos e água. Em alguns óleos, como o de soja, os
fosfolipídeos são recolhidos e vendidos como lecitinas.
4.4.1.2 Neutralização
Os ácidos graxos livres devem ser removidos de óleos brutos, pois eles causam sabor desagradável, aceleram a oxidação de lipídeos, geram espuma e interferem em operações
de hidrogenação e interesterificação. A neutralização é realizada misturando-se uma solução de soda cáustica com óleo
bruto, o que faz com que os ácidos graxos livres formem
sabões solúveis que podem ser removidos separando-se a
fase oleosa da aquosa que contém os sabões. A quantidade
de soda cáustica usada depende da concentração de ácidos
graxos livres presente no óleo bruto. O material resultante
pode ser usado para a alimentação de animais ou para a produção de surfactantes e detergentes.
4.4.1.3 Branqueamento
Os óleos brutos costumam conter pigmentos que resultam
em cores indesejáveis (carotenoides, gossipol, etc.) ou promovem oxidação de lipídeos (clorofilas). Os pigmentos são
removidos pela mistura do óleo aquecido (80-110ºC) com
absorventes como argilas neutras, silicatos sintéticos, carvão ativado ou terras ativadas. O absorvente é removido por
filtração. Esse processo geralmente é realizado sob vácuo,
pois os absorventes podem acelerar a oxidação dos lipídeos.
Outros efeitos benéficos do branqueamento são a remoção
de ácidos graxos livres e fosfolipídeos residuais e a destruição de hidroperóxidos lipídicos.
4.4.1.4 Desodorização
Os lipídeos brutos contêm componentes aromáticos indesejáveis, como aldeídos, cetonas e álcoois, os quais ocorrem
naturalmente no óleo a partir de reações de oxidação lipídica ocorrentes durante a extração e o refino. Os compostos
voláteis são removidos submetendo-se o óleo à destilação
por arraste de vapor em temperaturas elevadas (180-270ºC) e
pressões baixas. O processo de desodorização também pode
destruir hidroperóxidos lipídicos, aumentando a estabilidade
oxidativa do óleo, mas pode resultar na formação de ácidos
graxos trans. Após a desodorização estar completa, adiciona-se ácido cítrico (0,005-0,01%) para quelar e inativar metais pró-oxidantes. O destilado conterá tocoferóis e esteróis
que podem ser recuperados e usados como antioxidantes e
ingredientes funcionais de alimentos (fitoesteróis).
4.4.2 Alteração do conteúdo de gordura
sólida (SFC) em alimentos lipídicos
As gorduras naturais com intervalos plásticos desejáveis
não estão sempre disponíveis e, em alguns casos, são dispendiosas. Além disso, a alteração dos perfis de ácidos graxos costuma ser desejável para que a gordura se torne menos suscetível à oxidação (diminuição da insaturação) ou
mais vantajosa nutricionalmente (aumento da insaturação).
Portanto, diversas tecnologias têm sido desenvolvidas para
proporcionar a alteração do SFC (do inglês solid fat content)
em alimentos lipídicos.
4.4.2.1
Mistura
O método mais simples de alterar a composição de ácidos
graxos e o perfil de fusão é misturar as gorduras com diferentes composições de triacilgliceróis. Essa prática é efetuada em produtos como óleos para fritura e margarinas.
4.4.2.2
Intervenções dietéticas
A composição de ácidos graxos de gorduras animais pode
ser alterada pela manipulação dos tipos de gorduras da dieta.
Essa prática é efetiva em não ruminantes como suínos, frangos e peixes. O aumento dos níveis de ácidos graxos insaturados em gorduras de ruminantes (bovinos e ovinos) não é
eficiente, pois as bactérias do rúmen hidrogenam biologicamente os ácidos graxos antes que eles alcancem o intestino
delgado, onde poderiam ser absorvidos para o sangue.
4.4.2.3
Manipulação genética
A composição dos ácidos graxos das gorduras pode ser
manipulada geneticamente por meio de alteração das rotas
enzimáticas que produzem ácidos graxos insaturados. A manipulação genética tem sido realizada com sucesso tanto por
programas tradicionais de cruzamento como por tecnologias
de modificação genética. Diversos óleos obtidos a partir de
plantas geneticamente modificadas, como girassol, estão disponíveis no comércio. A maioria desses óleos contém níveis
elevados de ácido oleico.
4.4.2.4
Fracionamento
A composição dos ácidos graxos e triacilgliceróis das gorduras também pode ser alterada pela manutenção da gordura
em temperaturas nas quais os triacilgliceróis de cadeia longa, ou mais saturados, cristalizarão, coletando-se então tanto
a fase sólida (mais saturados ou de cadeia longa) como a
Química de Alimentos de Fennema
líquida (mais insaturados ou de cadeia curta). Isso geralmente é realizado em óleos vegetais, por meio do processo
de fracionamento a seco. Esse processo é necessário para
óleos usados em produtos que serão refrigerados, para que
se previna a cristalização e a turvação dos triacilgliceróis. O
fracionamento a seco também é necessário para óleos usados
em maionese ou molhos de salada, em que a cristalização
desestabilizaria a emulsão.
4.4.2.5 Hidrogenação
A hidrogenação é um processo químico que adiciona hidrogênio às ligações duplas. Esse processo é usado para alterar
lipídeos, fazendo com que sejam mais sólidos em temperatura
ambiente, exibam comportamento diferente de cristalização
(tornando a composição de triacilgliceróis mais homogênea)
e/ou sejam mais estáveis oxidativamente. Esses objetivos são
alcançados pela remoção de ligações duplas, obtendo-se ácidos graxos mais saturados. A hidrogenação também é usada
para o branqueamento de óleos, uma vez que a destruição
das ligações duplas em compostos como carotenoides causará perda de cor. Os produtos produzidos por hidrogenação
incluem margarinas, shortenings e óleos parcialmente hidrogenados que apresentam estabilidade oxidativa aumentada.
R1
151
A reação de hidrogenação necessita de um catalisador
para aumentar a velocidade da reação, gás hidrogênio para
fornecer o substrato, agitação para misturar o catalisador
com os substratos, e controle de temperatura para aquecer
e liquefazer o óleo e depois refrigerá-lo assim que a reação
exotérmica começar [45]. O óleo usado na hidrogenação
deve ser previamente refinado, pois os contaminantes reduzirão a eficiência ou “envenenarão” o catalisador. A hidrogenação é realizada em um processo contínuo ou em oscilação de temperaturas, entre 250 e 300ºC. O níquel metálico
é o catalisador de uso mais comum, sendo adicionado em
0,01-0,02%. Ele é incorporado a um suporte poroso, proporcionando um catalisador com grande área de superfície que
pode ser recuperado por filtração. A mistura contínua é um
parâmetro fundamental, pois a transferência de massa dos
reatantes limita a reação. Esta demora de 40 a 60 min, durante os quais o progresso é monitorado por mudanças no índice
de refração. Uma vez completo, o catalisador é recuperado
por filtração, podendo ser usado em outra reação.
O mecanismo de hidrogenação envolve a complexação
inicial do ácido graxo insaturado com a presença do catalisador em cada uma das extremidades da ligação dupla (Figura
4.19, Passo 1). O hidrogênio que é absorvido ao catalisador
pode então romper um dos complexos metal-carbono, forR 2COOH
+
Ni H Ni
Silica
Passo 1
R1
Ni
R 2COOH
H Ni
Silica
Passo 2
R1
R 2COOH
H
H
Ni
Silica
Ni
R1
Ácido graxo
hidrogenado
Passo 3
Hidrogênio
suficiente
R 2COOH
H
Ni
R 2COOH
R1
H
Ni
Silica
Passo 4
Ni
Hidrogênio
insuficiente
R1
Silica
Ni
R 2COOH
Ni
R 2COOH
H
+
R1
Silica
ou
Ni
H
R1
R 2COOH
cis
trans
FIGURA 4.19 Vias envolvidas na hidrogenação, as quais levam à formação de ácidos graxos saturados e ácidos graxos insaturados cis
e trans.
152
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
mando um estado semi-hidrogenado com o outro carbono que
permanece ligado ao catalisador (Passo 2). Para completar a
hidrogenação, o estado semi-hidrogenado interage com outro
hidrogênio, rompendo a ligação carbono-catalisador remanescente e produzindo um ácido graxo hidrogenado (Passo
3). Entretanto, se o hidrogênio não está disponível, a reação
inversa pode ocorrer, sendo que o ácido graxo é liberado do
catalisador e a ligação dupla é regenerada (Passo 4). A ligação
dupla que é regenerada pode apresentar-se nas configurações
cis ou trans (isômeros geométricos), podendo estar no mesmo átomo de carbono ou migrar ao carbono adjacente (p. ex.,
um ácido graxo com uma ligação dupla originalmente entre
os carbonos 9 e 10 pode migrar para os carbonos 8 e 9 ou 10 e
11; isômeros posicionais). A propensão da ligação dupla à regeneração está relacionada à quantidade de hidrogênio associada ao catalisador. Portanto, condições como baixa pressão
de hidrogênio, baixa agitação, temperatura elevada (a reação
é mais rápida que a taxa de difusão do hidrogênio para o catalisador) e concentração elevada do catalisador (dificulta a
saturação do catalisador com hidrogênio) resultam em níveis
elevados de isômeros geométricos e posicionais. Isso pode
ser preocupante, pois os ácidos graxos trans estão associados
ao aumento do risco de doenças cardiovasculares.
A hidrogenação costuma ocorrer de maneira seletiva e
sequencial. A taxa de hidrogenação de ácidos graxos poliinsaturados é mais rápida que a de ácidos graxos monoinsaturados. Isso se deve em parte à maior afinidade do catalisador por sistemas pentadieno de ligações duplas presentes nos
ácidos graxos poli-insaturados. A hidrogenação preferencial
dos ácidos graxos mais insaturados é especialmente prevalente quando a concentração de hidrogênio do catalisador
é baixa. Do ponto de vista da estabilidade, a hidrogenação
preferencial de ácidos graxos mais insaturados costuma ser
desejada, por aumentar a estabilidade oxidativa do óleo com
formação mínima de triacilgliceróis saturados de temperatura de fusão alta, os quais causam problemas de cristalização e textura. Entretanto, baixas concentrações de hidrogênio também podem levar à produção elevada de isômeros
geométricos e posicionais, que significa que o lipídeo pode
conter quantidades grandes de ácidos graxos trans, nutricionalmente indesejáveis.
4.4.2.6 Interesterificação
A interesterificação é um processo que envolve o rearranjo
de grupos acil em triacilgliceróis. Em geral, esse é aleatório, resultando na produção de um perfil de triacilgliceróis
diferente do lipídeo original. Isso culmina em alterações significativas nos perfis de fusão dos lipídeos sem que haja mudanças na composição dos ácidos graxos [46]. A interesterificação também altera o comportamento de cristalização da
gordura por dificultar os lipídeos de formarem o tipo de cristal mais estável (β, triclínico), uma vez que a composição de
triacilgliceróis torna-se mais heterogênea. A interesterificação é realizada por acidólise, alcoólise, glicerólise e transesterificação [46]. A transesterificação é o método mais usado
para a alteração das propriedades de lipídeos alimentares.
Em geral são utilizados alquilatos de sódio (p. ex., etilato de
sódio) para aceleração desse processo, pois essas substâncias são baratas e ativas em baixas temperaturas. Acreditase que o catalisador real da reação seja o ânion carbonila
de um diacilglicerol (Figura 4.20). O diacilglicerol negativo
pode atacar o grupo carbonila ligeiramente positivo do ácido
graxo de um triacilglicerol, formando um complexo de transição. Uma vez ocorrida a transesterificação, o complexo de
transição se decompõe de modo que o ácido graxo é transferido para o diacilglicerol e o ânion migra para o local do ácido graxo transferido. O processo de transesterificação pode
ocorrer em um mesmo triacilglicerol (intraesterificação) ou
em um triacilglicerol diferente (interesterificação). Para que
a interesterificação ocorra, a reação deve ter baixos níveis de
água, ácidos graxos livres e peróxidos (que inativam o catalisador). A transesterificação aleatória é realizada entre 100 a
150ºC, completando-se em 30 a 60min. A reação é interrompida pela adição de água para inativação do catalisador.
A interesterificação pode ser realizada em misturas de
lipídeos como gorduras com elevada temperatura de fusão e
óleos com baixa temperatura de fusão. Se essas duas fontes
de lipídeos forem misturadas, o perfil de fusão poderá apresentar uma curva descontínua, em forma de degraus (Figura
4.9) à medida que a mistura for aquecida progressivamente.
A interesterificação desses dois lipídeos criaria triacilgliceróis novos, contendo combinações de ácidos graxos saturados e insaturados com fusão gradual ao longo do intervalo
plástico. Outra aplicação é a interesterificação de gorduras
com composições de triacilgliceróis muito homogêneas, a
fim de que se produzam triacilgliceróis heterogêneos; isso
ampliaria o intervalo plástico, estimulando cristais β (ortorrômbicos) como os polimorfos mais estáveis.
A interesterificação nem sempre é aleatória. Na dirigida,
a temperatura de reação é mantida baixa o suficiente para
que, quando triacilgliceróis altamente saturados forem produzidos, cristalizem e sejam removidos da reação. Esse processo produz uma fase líquida, que é mais insaturada, e uma
fase sólida, que é mais saturada que o lipídeo parental. A
interesterificação também pode ser realizada com o uso de
lipases como catalisadores [47]. A vantagem das lipases é
sua possibilidade de apresentar especificidade por diferentes localizações estereoespecíficas do triacilglicerol ou por
diferentes ácidos graxos. Isso significa que triacilgliceróis
estruturados podem ser produzidos com mudanças na composição de ácidos graxos ou no tipo de triacilglicerol (p. ex.,
alterações na posição sn-2). Alterando-se a composição de
ácidos graxos e/ou de triacilgliceróis, essas gorduras podem
apresentar propriedades nutricionais ou físicas superiores.
Infelizmente, as interesterificações enzimáticas são limitadas por seu custo elevado, sendo que sua aplicação é limitada a produtos de alto valor, como substitutos de manteiga de
cacau e lipídeos para formulações infantis.
4.5 FUNCIONALIDADE DOS
TRIACILGLICERÓIS EM ALIMENTOS
A capacidade dos cientistas de alimentos de melhorar a
qualidade dos produtos alimentícios depende de seu enten-
Química de Alimentos de Fennema
153
O
H2C
O
R2
C
O
O
–
CH
H2C
O
C
O
+
H2C
O
R4
C
C
H2
C
R3
O
CH
O
R1
Ânion diacilglicerol
O
H2C
O
H2
C
C
R5
O
O
R2
C
O
H2C
O
CH
O
O
C
H2C
O
H2C
O
R4
C
C
CH
O
H2C
R1
H2
C
O
O
R3
H2
C
C
R5
O
H2C
O
R2
C
O
O
C
CH
H2C
O
+
O
R4
C
R1
H2C
O
O
O
CH
H2C
C
R3
O
O
C
R5
FIGURA 4.20 Mecanismo proposto para a reação de interesterificação que envolve catálise pelo ânion carbonila de um diacilglicerol.
(Adaptada de Rousseau, D. e Marangoni, A.G. (2002). Em Food Lipids, Chemistry, Nutrition and Biotechnology (Akoh, C.C. e Min, D.B.,
eds.), Marcel Dekker, Inc., New York, NY, pp. 301-334).
dimento profundo dos muitos papéis exercidos por óleos e
gorduras na determinação de suas propriedades. Esta seção enfatizará algumas das funções mais importantes dos
lipídeos na determinação de textura, aparência e sabor de
produtos alimentícios, por meio de exemplos específicos
que ressaltam aspectos importantes da funcionalidade dos
triacilgliceróis.
4.5.1 Textura
A influência dos lipídeos na textura dos alimentos é fortemente determinada pelo estado físico do lipídeo e pela natureza da matriz alimentar (p. ex., gordura a granel, gordura
emulsificada ou gordura estrutural). Para óleos puros, como
os de cozinha ou para salada, a textura é determinada pela
154
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
viscosidade do óleo no intervalo de temperatura de utilização. Para gorduras parcialmente cristalinas, como em chocolates, produtos assados, shortenings, manteiga e margarina, a textura é determinada, em especial, por concentração,
morfologia e interações dos cristais de gordura [19,23,43].
Em particular, o perfil de fusão dos cristais de gordura exercem papéis fundamentais na determinação de propriedades
como textura, estabilidade, espalhabilidade e sensação bucal. A característica de textura cremosa de muitas emulsões
alimentares O/W é determinada pela presença de gotículas
de gordura (p. ex., cremes, sobremesas, molhos de salada e
maionese). Nesses sistemas, a viscosidade do sistema como
um todo é determinada mais pela concentração de gotículas
de óleo do que pela viscosidade do óleo das gotículas [33].
Por exemplo, o leite integral (∼4% gordura) apresenta viscosidade considerada baixa, a nata (∼40% gordura) é altamente viscosa e a maionese (∼80% gordura) é semissólida, ainda
que a viscosidade da fase oleosa das gotículas possa ser muito semelhante entre esses produtos. Em emulsões W/O de
alimentos, a reologia global do sistema é determinada pela
reologia da fase oleosa. Em muitas emulsões alimentares
W/O, como margarinas, manteigas e spreads, a fase oleosa
é parcialmente cristalina, apresentando propriedades plásticas. Portanto, a reologia desses produtos é determinada pelo
SFC, bem como pela morfologia e interações dos cristais
de gordura presentes, o que, por sua vez, é governado pelas
condições de cristalização e armazenamento (ver adiante).
Por exemplo, a “espalhabilidade” desses produtos é determinada pela formação de uma rede tridimensional de cristais
de gordura agregados na fase contínua, os quais fornecem
rigidez mecânica ao produto [31,48]. Em muitos alimentos,
os lipídeos compõem uma parte integral da matriz sólida,
que também contém outros componentes (p. ex., em chocolate, bolachas, biscoitos, queijo, tortas). O estado físico dos
lipídeos desses sistemas influi em sua textura pela formação
de uma rede de cristais de gordura que interagem entre si,
dando ao produto final propriedades reológicas desejáveis,
como firmeza ou crocância. A presença da fase de gordura
nesses produtos também pode influenciar na textura global
de diversas outras maneiras. Alguns exemplos de produtos
alimentícios, nos quais os lipídeos desempenham papéis
fundamentais na textura, são apresentados na sequência.
A produção de margarina é um bom exemplo da importância da cristalização de lipídeos para a determinação da
textura global de alimentos. A princípio, o produtor deve selecionar uma fase lipídica que contenha a mistura de triacilgliceróis que forneçará perfil de SFC-temperatura e morfologia de cristal apropriados ao produto final. Essa fase lipídica
é então homogeneizada em seu estado líquido com uma fase
aquosa formando-se uma emulsão O/W. Essa emulsão é processada sob condições cuidadosamente controladas de tempo-temperatura-cisalhamento para que sejam obtidas dimensão de cristalização, tamanho de cristais, forma polimórfica
e grau de interação de cristais desejados [38]. O ideal é que
o produto final contenha uma rede tridimensional de cristais
pequenos agregados na forma polimórfica β , pois essa rede
fornece as características desejadas de textura e estabilidade.
A produção de margarina costuma ser realizada processan-
do-se a emulsão O/W em um “trocador de calor de superfície
irregular” e, em seguida, em um “cristalizador”. Na superfície “irregular” do trocador de calor, a emulsão é rapidamente resfriada e exposta a taxas elevadas de cisalhamento,
o que promove a formação rápida de cristais de gordura na
fase lipídica. A presença de cristais de gordura nas gotículas
de óleo promove a conversão da emulsão O/W em emulsão
W/O devido à coalescência parcial [23]. A emulsão W/O
consiste de gotículas de água embebidas em uma fase lipídica que contém uma rede de cristais agregados. Os cristais de
gordura formados estão inicialmente na forma polimórfica
α, mas são convertidos para a forma polimórfica mais estável
β durante a etapa de cristalização. É importante que se controle a dimensão dessa transformação durante o processo de
produção, pois ela determina o número e a intensidade das
ligações formadas entre os cristais de gordura e, portanto, a
reologia do produto final. Entretanto, também é importante
que se evite a transição polimórfica da forma β para a forma
mais estável β durante o armazenamento, pois isso resulta na
formação de cristais grandes (>30 μm) que são percebidos
como “granulares” ou “arenosos” na boca. Essa conversão
geralmente pode ser evitada pela adição de surfactantes que
interferem na transição polimórfica [1], escolhendo-se lipídeos que não formem cristais β ou por mistura apropriada de
lipídeos, que favoreça a forma de cristais β .
Outro exemplo da importância da cristalização de gorduras sobre a textura de produtos alimentícios é fornecido
pelos shortenings. Estes são gorduras usadas para o fornecimento de propriedades funcionais específicas a diversos
produtos alimentícios, como tortas, pães, massas, produtos
fritos e produtos assados [43]. Essas propriedades funcionais
incluem maciez, textura, sensação bucal, integridade estrutural, umectação, incorporação de ar, transferência de calor e
aumento de vida útil. Diversos mecanismos físico-químicos
fundamentam essas propriedades funcionais. Os shortenings
são assim chamados por ajudarem a evitar interações entre
moléculas de proteínas ou amidos, servindo para “amolecer”
o produto por meio da redução da coesividade do glúten e do
“encurtamento” da textura [43]. Eles fornecem características de textura a outros alimentos devido a sua capacidade de
formar uma rede tridimensional de cristais de gordura. Para
que se obtenha a característica funcional desejada em um
determinado produto, é importante que se escolha uma mistura de gorduras e óleos que resulte em perfil de fusão e características polimórficas adequados, processando-se então a
gordura pelo uso de resfriamento controlado e condições de
cisalhamento para a obtenção de cristais do tipo e da estrutura desejados [43]. Em geral, é importante que o lipídeo esteja parcialmente cristalino na temperatura de armazenamento
para que mantenha sua integridade estrutural, mas derreta
durante o consumo, fornecendo a sensação bucal desejada.
4.5.2 Aparência
A aparência característica de muitos produtos alimentícios
é bastante influenciada pela presença de lipídeos. A cor de
óleos puros, como os de cozinha ou para salada, é determina-
Química de Alimentos de Fennema
da principalmente pela presença de pigmentos que absorvem
luz, como clorofilas e carotenoides. As gorduras sólidas costumam ser opticamente opacas em virtude do espalhamento
da luz pelos cristais de gordura presentes, enquanto os óleos
líquidos costumam ser translúcidos. A opacidade das gorduras depende de concentração, tamanho e forma dos cristais de gordura. Aparências turvas, opacas ou nebulosas em
emulsões alimentares são resultado direto da imiscibilidade
do óleo e da água, uma vez que isso leva a um sistema em
que as gotículas de uma fase estão dispersas na outra fase.
As emulsões alimentares costumam ser opticamente opacas,
pois a luz que passa através delas é espalhada pelas gotículas
[49]. A intensidade do espalhamento depende de concentração, tamanho e índice de refração das gotículas presentes,
de forma que tanto a cor como a opacidade da emulsão são
muito influenciadas pela presença da fase lipídica. A razão
pela qual o leite integral (∼4% gordura) tem uma aparência
muito mais branca que o desnatado (<0,1% gordura) se deve
à presença dos glóbulos de gordura no leite integral, os quais
espalham a luz de forma intensa, enquanto o leite desnatado
contém apenas micelas de caseína que espalham a luz com
menos intensidade.
Um exemplo interessante da importância da cristalização na aparência de produtos alimentícios é a “migração
de gordura” (bloom), que se trata de um defeito de qualidade às vezes observado em chocolates e coberturas [50].
A migração de gordura manifesta-se como grandes manchas brancas ou acinzentadas que aparecem na superfície
do produto. Diversos mecanismos têm sido indicados como
causadores da migração em diferentes produtos, todos eles
relacionados a algum problema de estabilidade associado à
cristalização de gorduras (p. ex., têmpera pobre, incompatibilidade de gorduras misturadas, migração de gorduras e
recristalização de gorduras). As bases físico-químicas desses mecanismos foram discutidas em detalhes em outras
publicações [50]. A migração de gordura ocorre em alguns
produtos de chocolate expostos a variações de temperatura durante seu armazenamento, visto que isso causa fusão
e recristalização da fase de gordura [1]. Propôs-se que os
cristais de gordura da superfície mudam sua morfologia de
cristais uniformes achatados que, como espelhos, refletem
luz apresentando uma aparência uniforme, para cristais
pontiagudos que refletem a luz de forma difusa, adquirindo uma aparência opaca. Em geral, a migração pode ser
retardada ou evitada pela utilização de surfactantes que limitam a transição de cristais ou controlam cuidadosamente
a temperatura de armazenamento, a fim de evitar transições
polimórficas de fase das gorduras [1].
4.5.3
Sabor
Os triacilgliceróis são moléculas relativamente grandes que
apresentam baixa volatilidade e, portanto, pouco sabor inerente. Entretanto, óleos e gorduras comestíveis de diferentes
fontes naturais têm perfis de sabor diferenciados pela presença de compostos voláteis característicos, como produtos
da oxidação de lipídeos e impurezas naturais. Os ácidos gra-
155
xos minoritários também podem contribuir com notas sutis
de sabor, em especial em gorduras animais (Capítulo 10). O
sabor de muitos alimentos é influenciado de maneira indireta
pela fase lipídica, pois seus compostos podem sofrer partição entre as frações de óleo, água e regiões gasosas dentro
da matriz, de acordo com sua polaridade e sua volatilidade
[33]. Por esse motivo, o aroma e o sabor percebidos costumam ser muito influenciados pelo tipo e pela concentração
dos lipídeos presentes.
Os lipídeos também influenciam na sensação bucal de
muitos alimentos [23]. Os óleos líquidos podem cobrir a língua durante a mastigação, fornecendo uma sensação bucal
oleosa característica. Os cristais de gordura conferem sensações “granulares” ou “arenosas” se forem grandes e “de
textura suave” se forem pequenos [38]. A fusão de cristais
na boca gera uma sensação refrescante, o que é um atributo
sensorial importante de muitos alimentos gordurosos [22].
4.6 DETERIORAÇÃO QUÍMICA DE
LIPÍDEOS: REAÇÕES HIDROLÍTICAS
Os ácidos graxos livres causam problemas aos alimentos,
pois produzem odores indesejados, reduzem a estabilidade
oxidativa, causam formação de espuma e reduzem o ponto
de fumaça (temperatura em que o óleo começa a formar fumaça). Quando a liberação de ácidos graxos livres, a partir
de um esqueleto de glicerol, resulta no desenvolvimento de
sabor desagradável (p. ex., ácidos graxos livres voláteis de
baixo peso molecular que geram aromas desagradáveis, ou
ácidos graxos de cadeia longa que geram sabor de sabão),
ocorre o que se chama de rancidez hidrolítica. Ainda assim,
os ácidos graxos de cadeia curta são desejados em produtos
como queijos, nos quais contribuem para perfis de sabor.
Os ácidos graxos livres podem ser liberados a partir de
triacilgliceróis por enzimas chamadas lipases. Em tecidos
vivos, a atividade de (fosfo)lipases é estritamente controlada, já que os ácidos graxos podem apresentar citotoxicidade pela degradação da integridade da membrana celular.
Durante o processamento e armazenamento de tecidos biológicos usados como matéria-prima para alimentos, estruturas
celulares e mecanismos de controle bioquímico podem ser
destruídos e as lipases podem tornar-se ativas (p. ex., pode
haver contato com substratos lipídicos). Um bom exemplo
disso pode ser observado na produção do óleo de oliva, em
que o óleo da primeira prensagem apresenta concentração
baixa de ácidos graxos livres. Os óleos das prensagens subsequentes e o extraído do bagaço apresentam conteúdo elevado de ácidos graxos livres, pois a matriz celular é rompida
e as lipases têm tempo de hidrolisar os triacilgliceróis. A
hidrólise de triacilgliceróis também pode ocorrer na fritura
de óleos em razão das temperaturas elevadas de processamento e da introdução de água do alimento frito. Conforme
o conteúdo de ácidos graxos livres do óleo de fritura aumenta, o ponto de fumaça e a estabilidade oxidativa diminuem,
fazendo com que a tendência para a formação de espuma
aumente. Os óleos de fritura comerciais são filtrados sobre
uma base regular, com absorventes que são capazes de ligar
156
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
e remover ácidos graxos livres, aumentando a vida útil do
óleo. A hidrólise de triacilgliceróis também pode ocorrer em
valores extremos de pH.
4.7
DETERIORAÇÃO QUÍMICA DE
LIPÍDEOS: REAÇÕES OXIDATIVAS
“Oxidação lipídica” é o termo geral utilizado para descrever
uma sequência complexa de alterações químicas resultantes
da interação de lipídeos com oxigênio [51,52]. Os triacilgliceróis e os fosfolipídeos têm pouca volatilidade e portanto,
não contribuem de forma direta para o aroma dos alimentos.
Durante reações de oxidação de lipídeos, os ácidos graxos
esterificados em triacilgliceróis e fosfolipídeos decompõem-se, formando moléculas pequenas e voláteis que produzem
os aromas indesejados conhecidos como rancidez oxidativa.
Em geral, esses compostos voláteis são prejudiciais à qualidade dos alimentos, embora existam alguns produtos, como
alimentos fritos, cereais desidratados e queijos, para os quais
pequenas quantidades de produtos da oxidação de lipídeos
constituem componentes positivos do sabor.
4.7.1
Mecanismos da oxidação lipídica
A peça central das reações de oxidação lipídicas são as espécies moleculares conhecidas como radicais livres. Os radicais livres são moléculas ou átomos que apresentam elétrons
não pareados. As espécies de radicais livres podem variar
muito no que diz respeito à energia. Radicais, como o ra•
dical hidroxil ( OH), apresentam energia muito elevada e,
de fato, podem oxidar qualquer molécula, causando abstração de hidrogênio. Outras moléculas, como o antioxidante
α-tocoferol, podem formar radicais livres com baixa energia
que têm menos capacidade de atacar moléculas como os ácidos graxos insaturados.
A cinética da oxidação de lipídeos nos alimentos costuma apresentar uma fase lag seguida pelo aumento exponencial da taxa de oxidação (Figura 4.21). O tamanho da fase
lag é muito importante para processadores de alimentos, já
que esse é o período em que a rancidez não é detectada e a
qualidade do alimento é elevada. Uma vez que a fase exponencial é alcançada, a oxidação de lipídeos e o desenvolvimento de aromas indesejáveis ocorrem com rapidez. A extensão da fase lag da oxidação aumenta com diminuição de
temperatura, concentração de oxigênio, grau de insaturação
dos ácidos graxos, atividade de pró-oxidantes e aumento da
concentração de antioxidantes. A Figura 4.21 mostra como
o γ-tocoferol pode aumentar a fase lag da oxidação de uma
emulsão O/W de milho [53].
A oxidação pode ocorrer tanto em ácidos graxos livres
como em grupos acil graxos. A via de oxidação de ácidos
graxos pode ser descrita por três etapas gerais: iniciação,
propagação e terminação.
Iniciação: Essa etapa descreve a abstração do hidrogênio de
um ácido graxo para a formação de um radical ácido graxo
conhecido como radical alquil (L•). Uma vez que o radical
alquil é formado, o radical livre é estabilizado pela deslocalização sobre a ligação dupla, resultando em deslocamento da
ligação dupla e, no caso de ácidos graxos poli-insaturados,
a partir da formação de ligações duplas conjugadas. O deslocamento da localização pode produzir ligações duplas nas
configurações cis ou trans, sendo que há predominância da
trans, causa de sua maior estabilidade. A Figura 4.22 mostra
as etapas de iniciação para a abstração de hidrogênio a partir
do carbono metilênico do ácido linoleico, com geração de
dois isômeros pelo rearranjo da ligação dupla. Quando o hidrogênio é abstraído do ácido oleico, o radical alquil pode ser
encontrado em três localizações diferentes (Figura 4.23).
A facilidade para a formação de radicais de ácidos graxos aumenta com o crescimento da insaturação. A energia
de dissociação da ligação covalente carbono-hidrogênio em
uma cadeia alifática é de 98 kcal mol−1. Se um átomo de
carbono é adjacente a uma ligação dupla, a ligação covalente carbono-hidrogênio torna-se mais fraca, com energia de dissociação de 89 kcal mol−1. Em ácidos graxos
poli-insaturados, as ligações duplas apresentam-se em uma
1,4
Hexanal (mmol/kg óleo)
1,2
Controle
1,0
-Tocoferol
0,8
0,6
0,4
0,2
0
0
2
4
Dias
6
8
FIGURA 4.21 Impacto do γ-tocoferol sobre a fase lag da oxidação de uma emulsão O/W de milho. (Adaptada de Huang, S.W., Frankel,
E.N. e German, J.B. (1994). J. Agric. Food Chem. 42:2108-2114.)
Química de Alimentos de Fennema
157
Ácido linoleico
9
HOOC
10
11
12
13
H
H+
Abstração de hidrogênio
9
10
11
12
13
Etapa de isomerização
9
10
11
12
9
13
10
11
12
13
FIGURA 4.22 Etapa de iniciação da oxidação de lipídeos para ácido linoleico.
Ácido oleico
HOOC
8
– H+
9
10
11
H
H
– H+
Abstração de hidrogênio
8
9
10
11
8
H
9
10
9
10
11
H
Etapa de isomerização
8
9
10
8
11
11
H
H
FIGURA 4.23 Etapa de iniciação da oxidação de lipídeos para ácido oleico.
configuração de pentadieno com carbono metilênico intermediário (Figura 4.24). Como a ligação covalente carbono-hidrogênio desse carbono é enfraquecida por duas ligações
duplas, sua energia de dissociação de ligação é ainda menor,
80 kcal mol−1. À medida que a energia de dissociação da
ligação carbono-hidrogênio diminui, a abstração do hidrogênio torna-se mais fácil e a oxidação de lipídeos, mais rá-
pida. Estima-se que o ácido linoleico (18:2) seja de 10 a 40
vezes mais suscetível à oxidação que o ácido oleico (18:1).
Quando outras ligações duplas são adicionadas a ácidos
graxos poli-insaturados, um carbono metilênico intermediário é adicionado, produzindo outro sítio de abstração de
hidrogênio. Por exemplo, o ácido linoleico (18:2) apresenta
um carbono metilênico, enquanto o ácido linolênico (18:3)
158
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Ácido linoleico
HOOC
Ácido linolênico
HOOC
Ácido araquidônico
HOOC
FIGURA 4.24 Pentadienos dos ácidos linoleico, linolênico e araquidônico.
apresenta dois e o araquidônico (20:4), três (Figura 4.24).
Na maioria dos casos, as taxas de oxidação dobram com a
adição de um carbono metilênico. Logo, o ácido linolênico
oxida duas vezes mais rápido que o linoleico, sendo que o
araquidônico oxida duas vezes mais rápido que o linolênico
(quatro vezes mais rápido que o linoleico).
peroxil e alcooxil. Em ambientes com pouco oxigênio (p.
ex., óleos de fritura), podem ocorrer reações de terminação
entre radicais alquil, formando-se dímeros de ácidos graxos
(Figura 4.26). Os polímeros de ácidos graxos têm sido usados como indicadores da qualidade de óleos de fritura [54].
Propagação: A primeira etapa da propagação envolve a
adição de oxigênio ao radical alquil. Oxigênio atmosférico
ou triplete é um birradical, pois contém dois elétrons com a
mesma direção de spin que não podem existir no mesmo orbital de spin. Os radicais livres formados a partir do oxigênio
triplete têm pouca energia, não causando a abstração direta de hidrogênio. No entanto, os radicais livres de oxigênio
podem reagir com o radical alquil em uma taxa de difusão
limitada. A combinação de radicais alquil com um dos radicais do oxigênio triplete resulta na formação de uma ligação
covalente. O outro radical do oxigênio permanece livre. O
radical resultante é conhecido como radical peroxil (LOO•).
A energia elevada dos radicais peroxil permite que eles promovam a abstração de hidrogênio de outra molécula. Como
a ligação covalente carbono-hidrogênio de ácidos graxos insaturados é fraca, essas substâncias são suscetíveis ao ataque
de radicais peroxil. A adição de hidrogênio ao radical peroxil resulta na formação de um hidroperóxido de ácido graxo
(LOOH) e na formação de novos radicais alquil em outros
ácidos graxos. Portanto, a reação é propagada de um ácido
graxo para outro. Um esquema dessa via para duas moléculas de ácido linoleico é mostrado na Figura 4.25. A localização do hidroperóxido lipídico corresponderá à localização
do radical alquil (mostrado nas Figuras 4.22 e 4.23). Logo, o
oleato produzirá quatro hidroperóxidos e o linoleato, dois.
4.7.2
Terminação: Essa reação descreve a combinação de dois radicais para a formação de espécies não radicais. Na presença
de oxigênio, o radical livre predominante é o radical peroxil,
uma vez que o oxigênio será adicionado aos radicais alquil
em taxas de difusão limitadas. Logo, sob condições atmosféricas, as reações de terminação podem ocorrer entre radicais
Pró-oxidantes
A oxidação de lipídeos costuma ser chamada de auto-oxidação. O prefixo “auto” significa “que age por si”, portanto
o termo “auto-oxidação” é usado para descrever a geração
por perpetuação própria de radicais livres a partir de ácidos
graxos insaturados na presença de oxigênio ocorrente durante a oxidação lipídica. Na etapa de iniciação, a abstração de
hidrogênio de ácidos graxos insaturados resulta na produção
de um único radical livre. A adição de oxigênio ao radical
alquil para a formação de um radical peroxil e a abstração
subsequente de hidrogênio, a partir de outro ácido graxo ou
antioxidante, para a formação de um hidroperóxido lipídico,
na etapa de propagação, não resultam em aumento líquido de
radicais livres. Logo, se a “auto-oxidação” for a única reação
na oxidação de lipídeos, a formação de produtos de oxidação
aumentará linearmente a partir do tempo zero. Entretanto,
em muitos alimentos, a fase lag é seguida por rápido aumento exponencial da oxidação. Isso indica que existem outras
reações de oxidação lipídica que produzem radicais livres
adicionais.
Os pró-oxidantes, encontrados em todos os sistemas
alimentares, são compostos ou fatores que causam ou aceleram a oxidação de lipídeos. Muitos pró-oxidantes não
são catalisadores verdadeiros, pois são alterados durante a
reação (p. ex., o oxigênio singlete é convertido em hidroperóxido e o íon ferroso é convertido ao estado férrico).
Os pró-oxidantes podem acelerar a oxidação de lipídeos
por interação direta com ácidos graxos insaturados para a
formação de hidroperóxidos lipídicos (p. ex., LOXs e oxigênio singlete) ou para a promoção da formação de radicais
livres (p. ex., metais de transição ou decomposição de peró-
Química de Alimentos de Fennema
159
Ácido linoleico
HOOC
O2
Sistema pentadieno de
outro ácido linoleico
O
O
H
H
O
O
FIGURA 4.25 Etapa de propagação da oxidação de lipídeos para ácido linoleico.
Ácido linoleico
HOOC
HOOC
HOOC
HOOC
FIGURA 4.26 Exemplo da etapa de terminação da oxidação de lipídeos em condições de baixa concentração de oxigênio.
xidos estimuladas por radiação UV). Deve-se notar que os
hidroperóxidos lipídicos não contribuem para aromas indesejáveis e, portanto, não causam rancidez de forma direta.
No entanto, os hidroperóxidos são substratos importantes
da rancidez, pois sua decomposição costuma resultar em
cisões nos ácidos graxos que produzem compostos voláteis
de baixa massa molecular, os quais são responsáveis por
aromas indesejáveis. Os principais pró-oxidantes dos alimentos são discutidos a seguir.
4.7.2.1
Pró-oxidantes que promovem a
formação de hidroperóxidos lipídicos
Oxigênio singlete: Como foi mencionado, o oxigênio triple3
te ( O2) é um birradical, pois seus dois elétrons no orbital
antiligante 2p têm a mesma (paralela ou antiparalela) direção de spin (Figura 4.27). O princípio de exclusão de Pauli
estabelece que dois elétrons com a mesma direção de spin
não podem existir no mesmo orbital eletrônico. Se os elé-
160
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Oxigênio triplete, 3O2
1
Oxigênio singlete, 1O2
ou
1
1O
2
1
Ácido linoleico
2
3
4
HOOC
1
HOOC
HOOC
HOOC
HOOC
H
O
O
H
2 O
O
H
3 O
O
H
4 O
O
FIGURA 4.27 O oxigênio singlete e a formação de hidroperóxidos do ácido linoleico estimulada por oxigênio singlete (Adaptada de
Min, D.B. e Boff, J.M. (2002). Em Food Lipids, Chemistry, Nutrition and Biotechnology (Akoh, C.C. and Min, D.B., eds.), Marcel Dekker,
Inc., New York, NY, pp.335-364).
trons do orbital antiligante 2p têm direções de spin opostas,
1
o oxigênio é chamado de singlete ( O2). O oxigênio singlete
pode existir em cinco diferentes configurações, sendo que o
1
mais comum em alimentos é o estado , no qual os elétrons
existem no mesmo orbital (para descrição detalhada, ver
Referência 51). Como o oxigênio singlete é mais eletrofílico
que o triplete, ele pode reagir diretamente com a densidade
eletrônica elevada das ligações duplas. Uma vez que os elétrons do oxigênio singlete ajustam-se à direção de spin do
elétron na ligação dupla, eles podem reagir com ácidos graxos insaturados de maneira direta, formando hidroperóxidos
lipídicos 1.500 vezes mais rápidos que o oxigênio triplete. O
singlete pode reagir com cada carbono localizado no final da
ligação dupla, deslocando a ligação dupla para a formação
de uma ligação dupla trans. Isso significa que a oxidação do
linoleato pelo oxigênio singlete pode produzir quatro hidroperóxidos diferentes (Figura 4.27), em comparação aos dois
hidroperóxidos típicos produzidos na etapa de iniciação da
oxidação de lipídeos (Figura 4.22). As localizações diferentes dos hidroperóxidos resultarão na formação de diversos
produtos únicos de decomposição de ácidos graxos, os quais
serão discutidos adiante.
A formação mais comum de produção do oxigênio
singlete é a por fotossensitização. Clorofila, riboflavina e
mioglobina são os fotossensores de alimentos que podem
absorver energia da luz, formando um estado singlete excitado, o qual é convertido para o estado triplete excitado.
Este pode reagir diretamente com substratos, como ácidos
graxos insaturados, e abstrair um hidrogênio para causar a
iniciação da oxidação lipídica. Essa via é conhecida como
Tipo 1. Ela produzirá os mesmos hidroperóxidos lipídicos
observados na etapa de iniciação descrita na Figura 4.22. O
estado triplete excitado do fotossensor também pode reagir
com o oxigênio triplete, formando o oxigênio singlete e o estado singlete do fotossensor na via de Tipo 2. As vias de Tipo
1 e 2 são dependentes da concentração de oxigênio, sendo
Química de Alimentos de Fennema
161
carbono 13 dos ácidos linoleico e linolênico. A isoforma L-2
produz hidroperóxidos nas posições 9 e 13, sendo ativa sobre
os ácidos linoleico e linolênico, livres ou esterificados. As
LOXs de plantas são enzimas citoplasmáticas que contêm
ferro sem grupo heme. O ferro na LOX inativa está no estado
ferroso (Figura 4.28. [1]). A ativação ocorre pela oxidação
do ferro ao estado férrico, um processo que costuma ser promovido por peróxidos (2). A LOX então catalisa a abstração
do hidrogênio do carbono metilênico a fim de formar o radical alquil e a conversão do ferro da LOX, o qual retorna
ao estado ferroso, resultando na formação de um complexo
LOX-radical alquil graxo (3). Um elétron do íon ferroso é
então doado ao radical peroxil com a finalidade de formar
que a de Tipo 2 é favorecida por ambientes com oxigênio
elevado. O oxigênio singlete também pode ser formado química e enzimaticamente, bem como por decomposição de
hidroperóxidos. Entretanto, acredita-se que a produção por
fotossensitização seja a principal via de formação de oxigênio singlete nos alimentos.
Lipoxigenase: Diversos tecidos vegetais e animais contêm
enzimas conhecidas como LOXs, as quais produzem hidroperóxidos lipídicos. A LOX de sementes de plantas como
soja e ervilha existem em diversas isoformas (para revisão,
ver Referência 55). Na soja, a isoforma L-1 inicialmente reage com ácidos graxos livres, produzindo hidroperóxidos no
O
LOX-Fe 3+
2
OH–
OOH
Formação do complexo
LOX-radical alquil graxo
3
LOX-Fe 2+
1
LOX-Fe 2+
O2
LOX-Fe 2+
OO
Remoção
do oxigênio
6
LOX-Fe 2+
Transferência de
elétrons da LOX-Fe2+
para o ácido graxo
4
LOX-Fe 3+
+
OO–
OO–
H+
LOX-Fe
5
3+
FIGURA 4.28 Mecanismo da formação de hidroperóxidos estimulada pela LOX sobre o ácido linoleico (Adaptada de Zhuang, H., Barth,
M.M. e Hildebrand, D. (2002). De Food Lipids, Chemistry, Nutrition and Biotechnology (Akoh, C.C. and Min, D.B., eds.), Marcel Dekker,
Inc., New York, NY, pp.413-464).
162
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
um ânion peroxil (4). Quando o ânion peroxil reage com o
hidrogênio para formar o hidroperóxido, o ácido graxo é liberado da enzima (5). Uma vez que o oxigênio é removido
do sistema, a enzima abstrai um hidrogênio de um ácido graxo e o ferro é convertido ao estado ferroso (6). Como não há
oxigênio, o radical alquil é liberado e a LOX volta a sua forma inativa. As LOXs também têm sido descritas em tecidos
animais, em especial em tecidos com muita associação ao
sistema circulatório (p. ex., guelras de peixes) [56].
4.7.2.2 Pró-oxidantes que promovem a
formação de radicais livres
Radiações ionizantes: Por vezes, os alimentos são submetidos a radiações ionizantes para a destruição de patógenos e o
aumento de sua vida útil. Entretanto, as radiações ionizantes
podem converter moléculas a estados excitados, que produzem radicais livres. As radiações ionizantes produzem radi•
cais hidroxil ( OH) a partir da água. Dos radicais conhecidos,
o radical hidroxil é o mais reativo, sendo capaz de abstrair
hidrogênio de lipídeos e moléculas como proteínas, e DNA.
Portanto, não é surpreendente que a irradiação de alimentos,
em especial alimentos cárneos, ricos em lipídeos e pró-oxidantes, possam sofrer aumento da rancidez oxidativa.
4.7.2.3 Pró-oxidantes que promovem a
decomposição de hidroperóxidos
Os hidroperóxidos lipídicos são encontrados em todos os
alimentos que contêm lipídeos, sendo também encontrado
em alimentos quando é utilizado como auxiliar em processamento e quando é produzido por enzimas como a superóxido
dismutase (SOD). Os triacilgliceróis de alimentos apresentam 1-100 nmol de hidroperóxidos por grama de lipídeo.
Isso corresponde a um número 400-1000 vezes superior às
concentrações de hidroperóxidos estimadas in vivo (p. ex.,
lipídeos plasmáticos), o que sugere que a oxidação ocorre
durante a extração e o refino de óleos e gorduras [57]. Os
hidroperóxidos lipídicos podem ser decompostos por temperaturas elevadas, durante o processamento térmico, ou por
diversos pró-oxidantes. Após a decomposição, eles produzem radicais adicionais, um fator que pode ser responsável
pelo aumento exponencial da oxidação observada após a fase
lag ou período de indução, ocorrente em muitos alimentos.
A decomposição de hidroperóxidos lipídicos também leva
à formação de radicais alcooxil, os quais podem ingressar
em reações de β-clivagem. A reação de β-clivagem é a principal via de decomposição de ácidos graxos em compostos
de baixa massa molecular, os quais são voláteis o suficiente
para serem percebidos como ranço oxidativo (o que será discutido adiante).
Metais de transição: Os metais de transição são encontrados em todos os alimentos, pois são constituintes comuns
de material biológico, água, ingredientes e materiais de
embalagem. Eles são uns dos principais pró-oxidantes dos
alimentos, diminuindo a estabilidade oxidativa de alimentos
e tecidos biológicos por sua capacidade de decompor hidro-
peróxidos em radicais livres [58,59]. Os metais reativos decompõem peróxidos de hidrogênio e peróxidos lipídicos por
meio da via de ciclo redox, a seguir:
(4.7)
(4.8)
n+
n+1
Mn e Mn são metais de transição em seu estado reduzido e oxidado; LOOH e HOOH são peróxidos de lipídeo
e hidrogênio; e LO•, •OH e LOO• são os radicais alcooxil,
hidroxil e peroxil, respectivamente. Os radicais hidroxil são
produzidos a partir de peróxido de hidrogênio, enquanto os
radicais alcooxil são produzidos a partir de peróxidos lipídicos. Quando o ferro e o hidroperóxido estão envolvidos
com essa via, ocorre a reação de Fenton. A concentração, o
estado químico e o tipo de metal influenciarão na velocidade
da decomposição do hidroperóxido. O cobre e o ferro são
os metais de transição que mais costumam participar dessas
reações em alimentos, sendo que o ferro geralmente é encontrado em concentrações superiores em comparação ao cobre.
Este é mais reativo no estado cuproso (Cu+), decompondo o
peróxido de hidrogênio com velocidade 50 vezes superior
à decomposição promovida pelo íon ferroso (Fe2+). O estado redox também é importante, sendo que o Fe2+ decompõe
hidrogênio 105 vezes mais rápido que o Fe3+. Além disso,
o Fe2+ é mais hidrossolúvel que o Fe3+, o que indica que
ele estará mais disponível para promover a decomposição
de hidroperóxidos em alimentos hidrossolúveis. O tipo de
peróxido também é importante nesse processo. Por exemplo,
o Fe2+ decompõe hidroperóxidos lipídicos cerca de 10 vezes
mais rápido que o peróxido de hidrogênio [58,59].
Como o estado reduzido do metal de transição é mais eficiente na decomposição de peróxidos, os compostos redutores que são capazes de promover o ciclo redox de metais de
transição podem promover a oxidação de lipídeos. Exemplos
de redutores pró-oxidantes são o ânion superóxido (•O2−) e
o ácido ascórbico. O ânion superóxido é produzido pela adição de um elétron ao oxigênio triplete. O elétron adicionado
ao ânion superóxido pode então ser transferido a um metal
de transição para causar sua redução. Esse ânion é produzido
por enzimas, liberação de oxigênio da oximioglobina na produção de metamioglobina ou por células como os fagócitos.
O ciclo redox do ferro via ânion superóxido para a formação
da oxidação de lipídeos é mostrado nas equações abaixo.
Esse ciclo é conhecido como reação de Haber-Weiss.
(4.9)
(4.10)
(4.11)
O ácido ascórbico também pode participar das reações de
Haber-Weiss, entretanto, ao contrário do ânion superóxido,
ele também pode agir como antioxidante. Em concentrações
elevadas de ascorbato, sua atividade antioxidante predomina
sobre sua capacidade de acelerar oxidações promovidas por
metais, o que resulta em um efeito líquido antioxidante.
Química de Alimentos de Fennema
Os metais de transição associados a proteínas também podem promover a decomposição de hidroperóxidos. As hemeproteínas são as proteínas melhor estudadas desse grupo, sendo que o ferro na mioglobina, a hemoglobina, as peroxidases
e a catalase são capazes de promover tanto a decomposição de
peróxidos lipídicos como de peróxidos de hidrogênio. Em alguns casos, as hemeproteínas têm sido apontadas como causa
da cisão homolítica de hidroperóxidos lipídicos, o que indica
que o rompimento de hidroperóxidos produzirá dois radicais
livres (hidroxil e alcooxil). A desnaturalização térmica dessas
proteínas pode aumentar sua atividade pró-oxidante, o que se
presume pelo aumento da exposição do ferro do grupo heme,
o qual está mais disponível para interação efetiva com hidroperóxidos. A desnaturalização da mioglobina é um dos fatores
que acelera a oxidação de lipídeos em carnes cozidas. Esse
problema é conhecido como sabor superaquecido.
Luz e temperaturas elevadas: A UV e a luz visível podem
promover a decomposição de hidroperóxidos para produzir
radicais livres. Logo, embalagens que diminuem a exposição
à luz podem atenuar a velocidade da oxidação lipídica. Além
disso, temperaturas elevadas promoverão a decomposição
de hidroperóxidos lipídicos. De fato, o acúmulo de hidroperóxidos lipídicos não costuma ser percebido em óleos de
fritura, pois a ruptura deles ocorre rapidamente após serem
formados.
4.7.3
Formação de produtos de
decomposição da oxidação de lipídeos
Uma vez que os hidroperóxidos lipídicos são decompostos
em radicais alcooxil, podem ocorrer diversos esquemas de
reações. Os produtos desses esquemas dependerão do tipo
de ácido graxo e da localização do hidroperóxido no ácido
graxo. Além disso, os produtos de decomposição podem ser
insaturados, apresentando estruturas pentadieno intactas, o
que significa que os produtos de oxidação podem ser oxidados depois. Isso resulta na formação de centenas de produtos diferentes de oxidação de ácidos graxos. Como o tipo de
produto de oxidação do ácido graxo depende da composição
dos ácidos graxos do alimento, a oxidação de lipídeos pode
causar diferentes efeitos sobre as propriedades sensoriais.
Por exemplo, a oxidação de óleos vegetais que apresentam
predominância de ácidos graxos ω-6 produzirá odores “gramíneos” e “de feijão”, enquanto a oxidação de ácidos graxos
de cadeia longa ω-3 em óleos marinhos produzirá aromas
“de pescado”.
Uma das razões que leva à clivagem de cadeias alifáticas
de ácidos graxos na decomposição de hidroperóxidos lipídicos
é a produção do radical alcooxil (LO•). Este é mais energético
que os radicais alquil (L•) e peroxil (LOO•). Portanto, quando o radical alcooxil é produzido, ele tem energia suficiente
para abstrair um elétron das ligações covalentes adjacentes ao
radical alcooxil causando a clivagem da cadeia alifática do
ácido graxo. Essa última reação, conhecida como reação de
β-clivagem, é importante para a qualidade de alimentos, pois
resulta na decomposição de ácidos graxos em compostos de
baixa massa molecular, os quais são percebidos como ranço.
4.7.3.1
163
Reações de β-clivagem
A decomposição de hidroperóxidos lipídicos em radicais
alcooxil (LO•) costuma ser acompanhada pela reação de
β-clivagem. Essa reação rompe a cadeia alifática do ácido
graxo produzindo aldeídos e um radical na cadeia alifática
(p. ex., um radical alquil). O radical alquil pode então reagir
com um radical hidrogênio formando o hidrocarboneto, com
um radical hidroxil formando um álcool ou com o oxigênio formando um hidroperóxido. Exemplos dessas reações
são mostrados na Figura 4.29. Mais detalhes sobre essas
reações podem ser encontrados em outras publicações [52].
Como os hidroperóxidos podem ser formados em diversas
localizações de um ácido graxo insaturado, muitos produtos
diferentes são produzidos pelas reações de β-clivagem. O
ácido linoleico não esterificado será usado para demonstrar
os tipos de produtos resultantes das reações de β-clivagem.
O leitor deve lembrar que o produto de decomposição no
terminal ácido carboxílico do ácido graxo costuma encontrar-se esterificado no glicerol de um triacilglicerol ou de um
fosfolipídeo. Logo, esse produto de decomposição não seria
volátil e, portanto, não contribuiria para a rancidez, a não ser
que sofresse reações de decomposição posteriores, formando compostos de baixa massa molecular.
A Figura 4.30 mostra a formação de produtos de decomposição do ácido linoleico quando o hidroperóxido
está localizado no carbono 9 e a β-clivagem ocorre no lado
metil terminal da molécula. Na Etapa 1, o hidroperóxido
decompõe-se no radical alcooxil. A Etapa 2 mostra a reação de β-clivagem rompendo a ligação carbono-carbono
adjacente para a formação de dois produtos. Essa clivagem
(Etapa 2) produz 9-oxononanoato e um radical vinílico de
nove carbonos (radical olefínico). Radicais vinílicos costumam interagir com radicais hidroxil, formando aldeídos e
produzindo, portanto, 3-nonenal. Vias similares ocorrem se
o hidroperóxido encontra-se no carbono 13. A clivagem no
terminal ácido carboxílico produzirá 12-oxo-9-dodecenoato
e hexanal. A clivagem no terminal metil produzirá 13-oxo9,11-tridecadienoato e pentano. O 9-hidroperóxido do ácido
linoleico também pode sofrer β-clivagem no terminal ácido
carboxílico do ácido graxo, após a formação do radical alcooxil, conforme apresentado na Figura 4.29, a fim de formar octanoato e 2,4-decadienal.
Quando o oxigênio singlete ataca o ácido linoleico, ele
forma hidroperóxidos em todos os carbonos associados às
ligações duplas (Figura 4.27). Isso significa que haverá formação de hidroperóxidos nos carbonos 9 e 13, assim como
na oxidação iniciada por radicais livres, além de mais hidroperóxidos nos carbonos 10 e 12. Os produtos típicos da
reação de β-clivagem de um radical alcooxil no carbono 10
serão o 9-oxononanoato e o 3-nonenal para clivagem no terminal carboxílico e 10-oxo-8-decenoato e 2-octeno para clivagem no terminal metil do ácido graxo. Os produtos típicos
da reação de β-clivagem de um radical alcooxil no carbono
12 serão 9-undecenoato e 2-heptenal para clivagem no terminal carboxílico e 12-oxo-9-dodecenoato e hexanal para
clivagem no terminal metil do ácido graxo.
Como pode ser observado a partir da discussão sobre os
produtos de β-clivagem e outras reações de radicais livres do
164
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
5
HOOC
7
O
10
6
12
11
13
H
10
11
O
12
13
2,4-Decadienal
5
HOOC
7
6
+ HO
+H
5
HOOC
Octanoato
7
CH3
6
6
+O2
5
HOOC
7
5
HOOC
CH2OH
7
CH2OOH
6
FIGURA 4.29 Vias de reação possíveis para um radical livre lipídico produzido por reações de β-clivagem. (Adaptada de Frankel, E.N.
(1998). Lipid Oxidation, Oily Press, Scotland.)
9-Hidroperóxido do ácido linoleico
H
O
O
9
HOOC
10
12
11
13
Etapa 1
7
HOOC
6
O
12
11
8
13
Etapa 2
HOOC
H
7
6
9-Oxononanoato
8
11
12
O
13
+ OH
H
O
10
11
12
13
3-Nonenal
FIGURA 4.30 Produtos de decomposição da β-clivagem do 9-hidroperóxido do ácido linoleico, quando a clivagem do ácido graxo
ocorre no terminal metil do hidroperóxido. (Adaptada de Frankel, E.N. (1998). Lipid Oxidation, Oily Press, Scotland.)
Química de Alimentos de Fennema
ácido linoleico, vários produtos podem ser formados. Para
uma discussão detalhada sobre os produtos da β-clivagem
de ácidos graxos, ver Referência 52. Vias similares a essa
ocorrerão para outros ácidos graxos insaturados, produzindo
compostos únicos adicionais. Os produtos de decomposição
costumam conter ligações duplas e, em alguns casos, sistemas pentadieno intactos. Os sistemas de ligações duplas podem sofrer abstração de hidrogênio ou ataque por oxigênio
singlete que resultará na formação de produtos de decomposição adicionais. Enquanto a discussão anterior mostra os
produtos de decomposição teóricos do ácido linoleico, a realidade indica que nem todos esses produtos são detectados.
Isso se deve ao fato de que esses compostos podem passar
por reações de decomposição adicionais.
4.7.3.2 Produtos de reações adicionais da
decomposição de ácidos graxos
Além dos produtos de hidroperóxidos de ácidos graxos já
descritos, os radicais de ácidos graxos podem passar por
diversas outras reações, formando produtos como olefinas,
álcoois, ácidos carboxílicos, cetonas, epóxidos e produtos
cíclicos (para revisão, ver Referência 52). Os radicais alquil
reagem com os radicais hidrogênio e hidroxil, produzindo
olefinas e álcoois. Como já foi mencionado, os radicais alcooxil são altamente energéticos. Por isso, eles podem abstrair hidrogênio de outras moléculas como ácidos graxos
insaturados ou antioxidantes, a fim de produzir álcoois de
ácidos graxos. Os radicais alcooxil também podem perder
um elétron, sendo convertidos em cetona, ou podem ligar-se
a um carbono adjacente, a fim de formar um epóxido. Os
radicais peroxil podem reagir com ligações duplas dentro de
um mesmo ácido graxo, produzindo produtos cíclicos como
endoperóxidos bicíclicos.
Os aldeídos produzidos a partir da decomposição de ácidos graxos são importantes em virtude de sua influência sobre o desenvolvimento de odores indesejáveis. Entretanto,
os aldeídos podem reagir com componentes nucleofílicos
do alimento. Em particular, eles interagem com sulfidril e
aminas, em proteínas, podendo alterar a funcionalidade das
proteínas. Um exemplo disso é a capacidade dos aldeídos insaturados de reagir com histidina na mioglobina, via reação
de adição do tipo Michael [60]. Acredita-se que essa reação
contribua para a conversão da mioglobina em metamioglobina, causando a descoloração da carne.
4.7.3.3 Oxidação do colesterol
O colesterol contém uma ligação dupla entre os carbonos 5
e 6. Como no caso dos ácidos graxos, a ligação dupla é suscetível ao ataque de radicais livres, podendo sofrer reações
de decomposição para produzir álcoois, cetonas e epóxidos
[61]. A via mais notável de oxidação do colesterol é iniciada pela formação de um hidroperóxido no carbono 7. Esse
hidroperóxido pode decompor-se em um radical alcooxil
que, por sua vez, pode ser reorganizado em 5,6 epóxidos,
7-hidroxil colesterol e 7-cetocolesterol. Os produtos de oxidação do colesterol são potencialmente citotóxicos, tendo
165
sido associados ao desenvolvimento de arterioesclerose. Os
produtos de oxidação do colesterol têm sido encontrados,
principalmente, em produtos de origem animal que passam
por tratamentos térmicos, tais como carnes cozidas, banha,
sebo e manteiga, bem como em derivados desidratados de
leite e ovos.
4.7.4 Antioxidantes
O estresse oxidativo ocorre em todos os organismos expostos
a ambientes oxigenados. Logo, os sistemas biológicos desenvolveram diversas defesas antioxidantes a fim de se proteger da oxidação. Não existe uma definição uniforme para
antioxidante, pois existem diversos mecanismos químicos
pelos quais a oxidação pode ser inibida. Em geral, os tecidos
biológicos a partir dos quais os alimentos são obtidos contêm muitos sistemas antioxidantes endógenos. Infelizmente,
as operações de processamento de alimentos podem remover antioxidantes ou causar estresse oxidativo, superando os
sistemas antioxidantes endógenos do alimento. Portanto, é
comum que se incorpore proteção antioxidante adicional a
alimentos processados. Os mecanismos antioxidantes dos
compostos que são usados para aumentar a estabilidade oxidativa de alimentos incluem o controle de radicais livres,
pró-oxidantes e intermediários da oxidação.
4.7.4.1
Controle de radicais livres
Muitos antioxidantes retardam a oxidação de lipídeos pela
remoção de radicais livres, inibindo, portanto, a iniciação,
propagação e reações de β-clivagem. Sequestrantes de radicais livres (SRLs) ou antioxidantes que interrompem a
reação em cadeia podem interagir com os radicais peroxil
(LOO•) e alcooxil (LO•) por meio das seguintes reações:
(4.12)
Os sequestrantes de radicais livres inibem a oxidação de
lipídeos por reagirem mais rápido com os radicais livres, em
comparação aos ácidos graxos insaturados. Acredita-se que
os SRLs interajam principalmente com radicais peroxil, pois
seu estado energético mais baixo faz com que eles tenham
uma meia-vida maior (o que se dá por sua reatividade menor) e, portanto, têm mais possibilidades de reagirem com
o hidrogênio de baixa energia do BRL. Os radicais livres
de alta energia (p. ex., •OH), ao contrário, são tão reativos
que interagem com as moléculas mais próximas de seu local
de produção. Como os SRLs costumam ser encontrados em
baixas concentrações, eles são menos propensos a estarem
disponíveis para reagir, em comparação aos radicais livres
de alta energia [62].
A eficiência do antioxidante depende da capacidade do
SRL em doar hidrogênio para um radical livre. Como a energia de ligação do hidrogênio no SRL diminui, a transferência
do hidrogênio para o radical livre é energeticamente mais favorável e, portanto, mais rápida. A capacidade de um SRL de
doar seu hidrogênio para um radical livre pode ser prevista
166
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
com a ajuda de potenciais-padrão de redução [63]. Qualquer
composto que tenha um potencial de redução menor que o
de um radical livre (ou espécie oxidada) é capaz de doar seu
hidrogênio para esse radical livre, a não ser que a reação seja
impossível do ponto de vista cinético. Por exemplo, em um
SRL que inclui α-tocoferol (Eo = 500 mV), catecol (Eo =
530 mV) e ascorbato (Eo = 282 mV), todos apresentam potencial de redução menor que os radicais peroxil (Eo = 1000
mV) e, portanto, são capazes de doar seu hidrogênio para
que o radical peroxil forme um hidroperóxido.
A eficiência do SRL também depende da energia do radical SRL resultante (SRL•). Se o SRL• é um radical de baixa
energia, a probabilidade do radical de catalisar a oxidação de
ácidos graxos insaturados diminui. Um SRL efetivo forma
radicais de baixa energia, em virtude da deslocalização por
ressonância (como mostrado na Figura 4.31). SRLs efetivos
também produzem radicais que não reagem rapidamente com
o oxigênio, formando hidroperóxidos. Se um sequestrante de
radical forma um hidroperóxido, ele pode sofrer reações de
decomposição que produzem radicais adicionais, os quais
podem causar a oxidação de ácidos graxos insaturados. O
SRL• pode participar de reações de terminação com outros
SRL• ou com radicais lipídicos, formando espécies não radicais. Isso significa que cada SRL é capaz de inativar pelo
menos dois radicais livres, sendo que o primeiro é desativado quando o SRL interage com radicais peroxil ou alcooxil,
OH
ROO
ROOH
O
O
O
O
FIGURA 4.31 Deslocalização por ressonância de radical fenólico. (Adaptada de Shahidi, F. e Wanasundara, J.P.K. (1992). Crit. Rev. Food
Sci. Nutr. 32:67-103.)
Química de Alimentos de Fennema
e o segundo quando o SRL• entra em reações de terminação
•
com outro SRL ou radical lipídico (Figura 4.32).
Os compostos fenólicos possuem muitas propriedades de
SRL eficientes. Eles doam um hidrogênio de seus grupos hidroxil, sendo que o radical fenólico subsequente pode apresentar baixa energia, pois o radical é deslocalizado ao longo
da estrutura do anel fenólico. Em geral, a efetividade de um
SRL fenólico aumenta pela ação de grupos substituintes no
anel fenólico, os quais aumentam a capacidade do SRL de
doar hidrogênio a radicais lipídicos e/ou de aumentar a es-
•
tabilidade do SRL [64]. Em alimentos, a eficiência de SRL
fenólicos também depende de sua volatilidade, de sua sensibilidade ao pH e de sua polaridade. Alguns exemplos de
SRLs mais comuns em alimentos são apresentados a seguir:
Tocoferóis: Os tocoferóis são um grupo de compostos que
tem um sistema de anéis com hidroxilação (anel cromanol),
com uma cadeia fitol (Figura 4.33). As diferenças entre tocoferóis homólogos se devem às diferenças na metilação do
anel cromanol, sendo que o α é trimetilado (posições 5, 7
OH
Radical 1
ROO
ROOH
O
O
+
ROO
Radical 2
O
OOR
FIGURA 4.32 Reação de terminação entre um radical antioxidante e um radical lipídico peroxil (ROO•).
CH3
HO
6
5
CH3
H3C 7
8
CH3
FIGURA 4.33 A estrutura do α-tocoferol.
O
167
CH3
CH3
CH3
168
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
e 8), o β (posições 5 e 8) e o γ (posições 7 e 8) são bimetilados e o δ é monometilado (posição 8). Os tocotrienóis
diferem dos tocoferóis pela presença de três ligações duplas
em sua cadeia de fitol, nas posições 3, 7 e 11. Os tocoferóis
têm três carbonos assimétricos e, portanto, cada homólogo
pode ter oito estereoisômeros possíveis. Os tocoferóis naturais são encontrados em toda a configuração rac ou RRR,
já os sintéticos têm estereoisômeros com combinações das
configurações R e S. A configuração de estereoisômeros do
α-tocoferol é importante, pois apenas os estereoisômeros
RRR e 2R (RSR, RRS e SRR) têm atividade significativa de
vitamina E, podendo ser utilizados para o estabelecimento
da Dietary Reference Intake (Ingestão alimentar de referência) de vitamina E, nos Estados Unidos [65]. O α-tocoferol
costuma ser vendido como um éster metílico, quando utilizado como suplemento nutricional. O éster metílico é hidrolisado no trato gastrintestinal regenerando o α-tocoferol.
A forma de éster metílico dos tocoferóis bloqueia o grupo
hidroxil, diminuindo a suscetibilidade da molécula a passar
por degradação oxidativa até ser digerida. Deve-se observar
que o bloqueio do grupo hidroxil pelo éster metílico remove a atividade antioxidante do tocoferol. Portanto, os ésteres
metílicos de tocoferóis não serão antioxidantes efetivos em
alimentos.
As reações entre tocoferóis e radicais peroxil lipídicos
levam à formação de um hidroperóxido lipídico e de diversas
estruturas de ressonância de radicais tocoferoxil. Os radicais
tocoferoxil podem interagir com outros radicais lipídicos ou
uns com os outros, formando diversos produtos de terminação. Os tipos e as quantidades desses produtos dependem
de taxas de oxidação, espécies radicais, localização física
(p. ex., lipídeos de reserva em relação a lipídeos de membrana) e concentração de tocoferol (ver Referência 62, para
mais detalhes). Os tocoferóis costumam ser insolúveis em
água. Entretanto, eles podem variar em polaridade, como o
δ-tocoferol (trimetilado), que é o mais apolar e o δ-tocoferol
(monometilado), que é o mais polar. Essas diferenças de polaridade alteram a atividade de superfície dos tocoferóis, um
fator que pode causar impacto sobre sua atividade antioxidante (ver Seção 4.7.4.5).
Fenólicos sintéticos: O fenol não é um bom antioxidante,
mas a adição de grupos substituintes ao anel fenólico pode
aumentar a atividade antioxidante. Logo, a maioria dos antioxidantes sintéticos são compostos monofenólicos substituídos. Os SRLs sintéticos mais usados em alimentos são hidroxitolueno butilado (BHT), hidroxianisol butilado (BHA),
butil hidroxiquinona terciária (TBHQ) e galato de propila
(Figura 4.34). Esses SRLs sintéticos variam em polaridade
na ordem BHT (mais apolar) > BHA > TBHQ > galato de
propila (ver Seção 4.7.4.5 para explanação sobre a importância da polaridade de antioxidantes). Assim como em outros
SRLs, as interações entre os antioxidantes sintéticos e os
radicais lipídicos resultam na formação de um radical fenólico de baixa energia, estabilizado por ressonância. A baixa
energia dos radicais antioxidantes sintéticos é sinal de que
eles não catalisam a oxidação de ácidos graxos insaturados
com rapidez. Além disso, os radicais antioxidantes sintéticos
não reagem com facilidade com o oxigênio para formar hidroperóxidos instáveis do antioxidante, os quais se decomOH
OH
OH
(H3C) 3C
C(CH 3) 3
C(CH 3) 3
C(CH 3) 3
CH3
OCH3
OCH3
3-BHA
2-BHA
Hidroxitolueno butilado
Hidroxianisol butilado
OH
OH
C( CH3) 3
HO
OH
Butil hidroxiquinona terciária
FIGURA 4.34 Estruturas de antioxidantes sintéticos usados em alimentos.
OH
COOC3H7
Galato de propila
Química de Alimentos de Fennema
169
põem em radicais livres de alta energia que podem promover
oxidação. Em vez disso, eles tendem a reagir em reações de
terminação radical-radical, como mostrado na Figura 4.32.
Os fenólicos sintéticos são efetivos em inúmeros sistemas
alimentares; entretanto, seu uso na indústria de alimentos
diminuiu, recentemente, devido a preocupações com a segurança e à busca do consumidor por produtos naturais.
ser limitada pela presença de compostos flavorizantes como
os monoterpenos. Os compostos fenólicos encontrados naturalmente em alimentos vegetais e óleos são importantes para
sua estabilidade oxidativa endógena. Os níveis de fenólicos
em plantas podem variar em função da maturidade da planta,
do tipo de tecido, das condições de crescimento, da idade
pós-colheita e das condições de armazenamento [69-71].
Fenólicos vegetais: As plantas contêm diversos compostos
fenólicos como fenólicos simples, ácidos fenólicos, antocianinas, derivados do ácido cinâmico e flavonoides. Esses
fenólicos estão distribuídos em larga escala em frutas, temperos, chás, café, sementes e grãos. Todas as classes de fenólicos apresentam os requisitos estruturais de SRLs, embora
suas atividades variem muito. Os fatores que influenciam
na atividade de SRL de fenólicos vegetais incluem posição
e grau de hidroxilação, polaridade, solubilidade, potencial
de redução, estabilidade do fenólico a operações de processamento do alimento e estabilidade do radical fenólico.
Extratos de alecrim são a fonte mais importante, sendo usados comercialmente como aditivo em alimentos, a fim de inibir a oxidação de lipídeos. O ácido carnósico, o carnosol e o
ácido rosmarínico são os principais SRLs em extratos de alecrim (Figura 4.35). Esses extratos podem inibir a oxidação
de lipídeos em diversos alimentos, incluindo carnes, óleos e
emulsões lipídicas [66-68]. A utilização de antioxidantes fenólicos de extratos brutos de ervas como o alecrim, costuma
Ácido ascórbico e tióis: Em geral, os radicais livres são
gerados na fase aquosa de alimentos, por processos como
a reação de Fenton, a qual produz radicais hidroxil a partir do peróxido de hidrogênio. Os radicais livres podem ser
ativos em superfícies, o que quer dizer que eles podem migrar ou fracionar-se em uma interface entre a fase lipídica e
a fase aquosa, em dispersões lipídicas. Para promoverem a
proteção contra os radicais livres gerados na fase aquosa, os
sistemas biológicos contêm compostos hidrossolúveis capazes de suprimir radicais livres. O ácido ascórbico e os tióis
eliminam radicais livres, resultando na formação de radicais
de baixa energia (para revisão, ver Referência 72). Os tióis
como a cisteína e a glutationa podem contribuir para a estabilidade oxidativa de alimentos de origem animal e vegetal,
mas, dificilmente são adicionados como antioxidantes em
alimentos. Uma exceção disso são os tióis encontrados em
proteínas que podem inibir a oxidação de lipídeos em alimentos [72]. O ascorbato e seu isômero, o ácido eritórbico,
podem bloquear radicais livres. Ambos desempenham ativi-
OH
OH
CH3
HO
HO
CH3
O
CH3
C
COOH
O
H3C
CH3
H3C
CH3
Ácido carnósico
CH 3
Carnosol
OH
COOH
OH
O
O
Ácido rosmarínico
HO
OH
FIGURA 4.35 Estruturas dos antioxidantes fenólicos encontrados em extratos de alecrim.
170
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
dades similares, porém o ácido eritórbico é mais barato. O
ácido ascórbico é disponível como conjugado, por meio do
ácido palmítico. O conjugado é lipossolúvel e surfactante.
Isso faz com que ele seja um antioxidante efetivo para óleos
puros e emulsões. No trato gastrintestinal, o palmitato de ascorbila é hidrolisado para os ácidos ascórbico e palmítico,
logo, não existem restrições para seu nível de utilização.
4.7.4.2 Controle de pró-oxidantes
A taxa em que os lipídeos se oxidam nos alimentos depende muito da concentração e da atividade dos pró-oxidantes
(p. ex., metais de transição, oxigênio singlete e enzimas). O
controle de pró-oxidantes é, portanto, uma estratégia efetiva para o aumento da estabilidade oxidativa dos alimentos.
Tanto os antioxidantes endógenos como os exógenos causam impacto sobre a atividade de metais de transição e do
oxigênio singlete.
Controle de metais pró-oxidantes: O ferro e o cobre são
exemplos de metais de transição pró-oxidantes importantes, pois aceleram a oxidação de lipídeos pela promoção da
decomposição de hidroperóxidos. A atividade pró-oxidante
de metais é alterada por agentes quelantes ou complexantes.
Os quelantes inibem a atividade de metais pró-oxidantes por
meio de um ou mais dos mecanismos a seguir: prevenção do
ciclo redox de metais; ocupação de todos os sítios de coordenação do metal; formação de complexos metálicos insolúveis; e/ou impedimento espacial das interações entre metais
e lipídeos ou intermediários de oxidação (p. ex., hidroperóxidos) [73]. Alguns quelantes de metais podem aumentar as
reações oxidativas pelo aumento da solubilidade do metal
e/ou pela alteração do potencial redox. A tendência de um
quelante de acelerar ou inibir a atividade pró-oxidante depende da relação metal-quelante. De fato, o EDTA (ácido
etilenodiamino tetracético) é ineficaz ou pró-oxidante quando as relações EDTA:ferro são ≤1 e antioxidante quando
EDTA:ferro é >1 [74]. Acredita-se que o comportamento
pró-oxidante dos quelantes se deve a sua capacidade de aumentar a solubilidade de metais de transição.
Os principais quelantes de metais encontrados em alimentos contêm diversos grupos de ácido carboxílico (p.
ex., EDTA e ácido cítrico) ou fosfato (p. ex., polifosfatos
e fitato). Os quelantes devem encontrar-se ionizados para
serem ativos, portanto sua atividade diminui em valores de
pH inferiores ao pKa dos grupos ionizáveis. Os quelantes
mais usados como aditivos em alimentos são ácido cítrico,
EDTA e polifosfatos. A efetividade dos fosfatos cresce junto
ao aumento do número de grupos de fosfato; logo, o tripolifosfato e o hexametafosfato são mais efetivos que o ácido
fosfórico [75]. Os metais pró-oxidantes também podem ser
controlados por proteínas ligantes de metais, como transferrina, fosvitina, lactoferrina, ferritina e caseína (revisado na
Referência 73).
Controle do oxigênio singlete: Como já foi mencionado, o
oxigênio singlete é um estado excitado do oxigênio que pode
promover a formação de hidroperóxidos lipídicos. Os caro-
tenoides são um grupo diverso (>600 compostos diferentes)
de polienos de coloração amarela a vermelha. A atividade do
oxigênio singlete pode ser controlada por carotenoides, tanto
por mecanismos químicos como por extinção física [76,77].
Os carotenoides bloqueiam o oxigênio singlete quimicamente quando ele ataca suas ligações duplas. Essa reação leva à
formação de produtos de degradação oxigenados do carotenoide tais como aldeídos, cetonas e endoperóxidos. Essas
reações causam a decomposição do carotenoide, levando à
perda de cor. O mecanismo mais efetivo de inativação do
oxigênio singlete por carotenoides é a extinção física. Nesse
mecanismo, os carotenoides bloqueiam o oxigênio singlete fisicamente, por meio de transferência de energia de
um oxigênio singlete para um carotenoide, produzindo um
carotenoide em estado excitado e um oxigênio triplete em
estado basal. A energia é dissipada do carotenoide excitado
por interações vibracionais e rotacionais, o solvente circundante faz com que ele volte ao estado basal. Nove ou mais
ligações duplas conjugadas do carotenóide são necessárias
para o bloqueio físico. Os carotenoides que têm estruturas
β-ionona cíclicas oxigenadas nos terminais são mais efetivos no bloqueio físico do oxigênio singlete. Os carotenoides
também podem absorver fisicamente a energia de sensores
fotoativados como a riboflavina, impedindo que o fotossensor promova a formação do oxigênio singlete.
Controle das LOXs: As lipoxigenases são catalisadores ativos da oxidação de lipídeos encontradas em plantas e em
alguns tecidos animais. A atividade da LOX pode ser controlada por inativação térmica e por meio de programas de
melhoramento de plantas, os quais diminuem a concentração
dessas enzimas em tecidos comestíveis.
4.7.4.3
Controle de intermediários da oxidação
Alguns compostos encontrados em alimentos influenciam
de forma indireta nas taxas de oxidação de lipídeos por meio
da interação com metais pró-oxidantes ou oxigênio, formando espécies reativas. Exemplos desses compostos incluem o
ânion superóxido e os hidroperóxidos.
Ânion superóxido: O superóxido participa de reações oxidantes pela redução de metais de transição ao seu estado
mais ativo ou pela promoção da liberação do ferro ligado a
proteínas. Além disso, em valores de pH inferior a seu pKa
•
(4,8), o superóxido forma o radical peridroxil (HOO ), o
qual pode catalisar a oxidação de lipídeos de forma direta
[78]. Devido a natureza pró-oxidante do ânion superóxido
em reações oxidantes, os sistemas biológicos contêm SOD.
A SOD catalisa a conversão do ânion superóxido em peróxido de hidrogênio por meio da seguinte reação:
•
−
+
2 O2 + 2H → O2 + H2O2
(4.13)
Peróxidos: Os peróxidos são intermediários importantes
de reações oxidantes, uma vez que se decompõem via metais de transição, irradiação e temperaturas elevadas para a
formação de radicais livres. O peróxido de hidrogênio está
presente em alimentos em decorrência de adição direta (p.
Química de Alimentos de Fennema
ex., operações de processamento asséptico) e formação em
tecidos biológicos por mecanismos como a dismutação do
superóxido pela SOD e a atividade de peroxissomos e leucócitos. A inativação do peróxido de hidrogênio é catalisada
pela catalase, uma enzima que contém heme, por meio da
seguinte reação [78]:
2H2O2 → 2H2O + O2
(4.14)
A glutationa peroxidase é uma enzima que contém selênio. Ela pode decompor tanto hidroperóxidos lipídeos como
peróxido de hidrogênio, usando glutationa reduzida (GSH)
como um cossubstrato [78]:
(4.15)
ou
(4.16)
onde GSSG é aglututiona oxidado e LOH é um álcool graxo.
4.7.4.4 Interações entre antioxidantes
Os sistemas alimentares costumam apresentar sistemas múltiplos de antioxidantes endógenos. Além disso, esses antioxidantes podem ser adicionados a alimentos processados. A
presença de múltiplos antioxidantes aumenta a estabilidade
oxidativa do produto devido às interações entre os antioxidantes. O sinergismo geralmente é usado para descrever as interações entre antioxidantes. Para que as interações entre os antioxidantes sejam sinérgicas, o efeito das combinações deve ser
maior que a soma dos antioxidantes individuais. Entretanto,
em muitos casos, a efetividade das combinações entre os antioxidantes é igual ou menor que seu efeito aditivo. Embora
as combinações entre antioxidantes possam ser usadas com
eficiência para o aumento da vida útil de alimentos, deve-se
tomar cuidado antes de se falar em atividade sinérgica.
O aumento da atividade antioxidante pode ser observado
na presença de dois ou mais SRLs. Na presença de diversos
SRLs, é possível que um SRL (o SRL primário) reaja com
mais rapidez com um radical livre lipídico, em comparação a
outros radicais livres, devido à menor energia de dissociação
de ligações ou ao fato de que a localização física do SRL é
mais próxima ao local onde os radicais livres estão sendo
gerados. Na presença de múltiplos SRLs, o SRL primário,
o qual é oxidado com rapidez, pode ser regenerado por um
SRL secundário, sendo que o radical livre é transferido do
SRL primário para o secundário. Esse processo é observado com o α-tocoferol e o ácido ascórbico. Nesse sistema,
o α-tocoferol é o SRL primário em virtude de sua presença
na fase lipídica. O ácido ascórbico então regenera o radical
tocoferoxil ou possibilita a regeneração da tocoferilquinona
em α-tocoferol, resultando na formação de deidroascorbato
[63]. Como resultado líquido, o SRL primário (α-tocoferol)
é mantido em estado ativo, podendo continuar a eliminação
de radicais livres na fase lipídica do alimento.
Combinações de quelantes e SRLs podem resultar no
aumento da inibição da oxidação de lipídeos [6]. Essas interações ocorrem por um efeito de “disputa” promovido pelo
171
quelante. Este diminui a quantidade de radicais livres formados no alimento pela inibição de reações catalizadas por
metais. Esse processo diminui a inativação do SRL por meio
de reações como terminação ou auto-oxidação.
Uma vez que sistemas com antioxidantes múltiplos podem inibir a oxidação por diferentes mecanismos (p. ex.,
SRL, complexação de metais e extinção do oxigênio singlete), o uso de antioxidantes múltiplos pode aumentar de
forma significativa a estabilidade oxidativa dos alimentos.
Assim, quando são planejados sistemas antioxidantes, os antioxidantes usados devem ter diferentes mecanismos de ação
e/ou propriedades físicas. A determinação de quais antioxidantes serão mais efetivos depende de fatores como tipo de
catalisador da oxidação, estado físico do alimento e fatores
que influenciam na atividade do antioxidante por si só (p.
ex., pH, temperatura e capacidade de interação com outros
componentes/antioxidantes do alimento).
4.7.4.5
Localização física dos antioxidantes
Os antioxidantes podem apresentar uma grande taxa de efetividade, dependendo da natureza física do lipídeo [52,79].
Por exemplo, os antioxidantes hidrofílicos costumam ser
menos efetivos em emulsões O/W que os lipofílicos, enquanto os antioxidantes lipofílicos são menos efetivos em
óleos puros que os hidrofílicos. Essa observação tem sido
descrita como “paradoxo polar”. As diferenças de efetividade entre antioxidantes, em óleos puros e emulsões O/W, se
devem a sua localização física nos dois sistemas. Presume-se
que os antioxidantes polares sejam mais efetivos em óleos
puros, pois eles podem acumular-se na interface óleo-ar ou
em micelas reversas dentro do óleo, locais em que as reações de oxidação de lipídeos ocorrerão com mais facilidade,
em decorrência das altas concentrações de oxigênio e próoxidantes. Ao contrário disso, os antioxidantes apolares são
predominantemente mais efetivos em emulsões O/W por
permanecerem retidos nas gotículas de óleo e/ou por poderem acumular-se na interface óleo-água, local em que ocorrem as interações entre os hidroperóxidos da superfície das
gotículas e os pró-oxidantes da fase aquosa. Inversamente,
em emulsões O/W, os antioxidantes polares tendem a sofrer
partição na fase aquosa, fase em que serão menos efetivos na
proteção dos lipídeos.
4.7.5 Outros fatores que influenciam na
velocidade de oxidação de lipídeos
Concentração de oxigênio: A redução da concentração de
oxigênio é um método usado com frequência para a inibição
da oxidação de lipídeos. Entretanto, a adição de oxigênio ao
radical alquil é uma reação (rápida) limitada por difusão;
portanto, para que haja uma inibição efetiva da oxidação de
lipídeos, a maior parte do oxigênio deve ser removida do
sistema. Como a solubilidade do oxigênio é maior no óleo
do que na água, a remoção do oxigênio para impedimento
da oxidação de lipídeos pode ser dificultada se não houver
condições de vácuo ou substituição completa do oxigênio
por um gás inerte (p. ex., nitrogênio).
172
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Temperatura: O aumento da temperatura costuma aumentar
a velocidade da oxidação de lipídeos. No entanto, esse aumento também diminui a solubilidade do oxigênio e, em alguns casos, temperaturas elevadas podem diminuir a oxidação. Isso pode ocorrer em óleos puros aquecidos. Por outro
lado, se um alimento é frito em óleo quente, ocorre aeração
do óleo, o que leva à aceleração da oxidação. Temperaturas
elevadas também podem causar degradação e volatilização
de antioxidantes e, no caso de enzimas antioxidantes, inativação por desnaturalização.
Área de superfície: O aumento da área de superfície dos lipídeos pode elevar as taxas de oxidação de lipídeos, uma vez
que esse processo pode ocasionar o aumento da exposição
ao oxigênio e a pró-oxidantes.
Atividade de água: Conforme a água é retirada de um alimento, a velocidade da oxidação de lipídeos costuma diminuir. Isso ocorre devido à diminuição da mobilidade de
reatantes como metais de transição e oxigênio. Em alguns
alimentos, a remoção contínua da água resulta na aceleração
da oxidação de lipídeos. Acredita-se que essa aceleração em
baixa atividade de água (aw ≤ 0,3) se deve à perda da camada de água de solvatação que recobre os hidroperóxidos
lipídicos [80].
4.7.6
Medição da oxidação de lipídeos
Como se pode observar pela discussão anterior, que trata das vias de oxidação de lipídeos, diversos produtos de
oxidação podem ser formados a partir de um único ácido
graxo. Além disso, esses produtos de decomposição costumam conter ligações duplas e, em alguns casos, sistemas
pentadienos. Os sistemas de ligações duplas podem sofrer
abstração posterior de hidrogênio ou ataque por oxigênio
singlete, o que resultará na formação de produtos de degradação adicionais. Como os alimentos lipídicos contêm
muitos ácidos graxos insaturados diferentes, podendo ser
expostos a diferentes pró-oxidantes, muitos produtos de decomposição podem ser formados. A complexidade de vias
torna a análise da oxidação de lipídeos muito desafiadora.
Adiante, será apresentado um resumo das técnicas analíticas
mais utilizadas na monitoração dos produtos de oxidação
em alimentos lipídicos.
4.7.6.1 Análise sensorial
O padrão-ouro para medições da oxidação de lipídeos é a
análise sensorial, pois trata-se da única técnica que monitora
de forma direta aromas e sabores indesejáveis, gerados por
reações de oxidação. Além disso, a análise sensorial pode
ser altamente sensível, já que os seres humanos conseguem
detectar alguns componentes do aroma em níveis inferiores
ou próximos aos níveis de detecção de métodos químicos ou
instrumentais. A análise sensorial de lipídeos oxidados deve
ser realizada com um painel, o qual é treinado para a identificação de produtos de oxidação. O treinamento costuma ser
específico para cada produto, uma vez que os produtos de
oxidação de diferentes ácidos graxos podem produzir perfis sensoriais distintos. Em virtude da necessidade de treinamento intenso, em geral a análise sensorial é demorada
e dispendiosa, sendo, obviamente, inadequada para análises
rápida e dinâmicas, requeridas em operações de controle de
qualidade. Por essa razão, muitas técnicas químicas e instrumentais têm sido desenvolvidas. Em um cenário ideal, essas técnicas são mais úteis quando aplicadas junto à análise
sensorial. Existem diversos testes para a medição da deterioração oxidativa nos alimentos. Os métodos mais comuns,
bem como suas vantagens e desvantagens serão discutidos
adiante.
4.7.6.2
Produtos primários da
oxidação de lipídeos
Os produtos primários da oxidação de lipídeos são compostos produzidos nas etapas de iniciação e propagação desse
processo. Por se tratarem dos primeiros produtos de oxidação, eles podem aparecer precocemente na oxidação de lipídeos. Entretanto, durante as etapas mais avançadas de oxidação, as concentrações desses compostos diminuem, bem
como suas taxas de formação que se tornam mais lentas que
as de decomposição. Uma desvantagem do uso de produtos primários para medir a oxidação reside na volatilidade
desses produtos, o que faz com que eles não contribuam diretamente para aromas e sabores indesejáveis. Além disso,
sob certas condições (como temperaturas elevadas [óleos
de fritura] ou conteúdo elevado de metais de transição), a
concentração de produtos primários pode apresentar pouco
aumento líquido, pois suas taxas de decomposição são relativamente altas. Isso produziria resultados enganosos já que
um óleo muito rançoso pode apresentar concentrações muito
baixas de produtos primários da oxidação de lipídeos.
Ligações duplas conjugadas: As ligações duplas conjugadas
são formadas com rapidez em ácidos graxos poli-insaturados
após a abstração do hidrogênio na etapa de iniciação. Dienos
conjugados tem o máximo de absorção de 234 nm, com coe4
−1
−1
ficiente de extinção molar de 2,5 × 10 M cm [81]. Esse
coeficiente permite um nível intermediário de sensibilidade,
em comparação a outras técnicas. A medida de dienos conjugados pode ser útil para sistemas de óleos simples; entretanto, costuma ser ineficaz em alimentos complexos, nos quais
muitos compostos existentes também absorvem em comprimentos de onda similares e, por isso, causam interferência.
Em alguns casos, valores de dienos conjugados são usados
em combinação com hidroperóxidos, já que muitos hidroperóxidos lipídicos apresentam um sistema dieno conjugado.
No entanto, a aplicação dessa equivalência deve ser evitada,
pois os produtos de decomposição de ácidos graxos também
podem conter ligações duplas conjugadas e ácidos graxos
monossaturados (p. ex., oleicos), os quais formarão hidroperóxidos que não apresentam um sistema dieno conjugado.
Trienos conjugados também são medidos nos alimentos a
270 nm. Essa técnica é útil apenas em lipídeos que têm ≥ 3
ligações duplas, sendo limitada a óleos altamente insaturados, como o de semente de linho e os de peixes.
Química de Alimentos de Fennema
Hidroperóxidos lipídicos: Um método bastante comum para
a medição da qualidade oxidativa de lipídeos é a medição de
hidroperóxidos de ácidos graxos. A maioria dos métodos que
medem hidroperóxidos lipídicos baseia-se na capacidade dos
hidroperóxidos de oxidar compostos indicadores. Os valores
de peróxido são expressos em miliequivalentes (mEq) de
oxigênio por kg de óleo, sendo que 1 mEq é igual a 2 mmol
de hidroperóxido. O método de titulação mais comum usa a
conversão de iodeto a iodo, promovida pelo hidroperóxido.
O iodo é então titulado com tiossulfito de sódio para produzir iodeto, o qual é medido pelo indicador de amido [82].
Esse método é relativamente pouco sensível, com limite de
−1
detecção de 0,5 mEq kg de óleo, podendo requerer até 5
g de lipídeo. Por isso, é prático somente para gorduras ou
óleos puros ou isolados. A oxidação de íon ferroso à férrico,
promovida por hidroperóxidos lipídicos, também pode ser
usada, sendo que os íons férricos são detectados por cromóforos específicos para esse fim, como tiocianato ou laranja
de xilenol [83]. Esses métodos são muito mais sensíveis que
os métodos de titulação de iodeto com tiossulfito de sódio. O
3+
cromóforo formado pelo complexo tiocianato-Fe tem um
4
−1
−1
coeficiente de extinção de 4,0 × 10 M cm , permitindo
que a análise seja realizada com quantidades de miligramas
de lipídeos [83].
4.7.6.3 Produtos secundários da
oxidação de lipídeos
Os produtos secundários da oxidação de lipídeos são compostos que surgem da decomposição de hidroperóxidos de
ácidos graxos por reações de β-clivagem. Como já foi descrito, essas reações podem gerar centenas de compostos distintos, tanto voláteis como não voláteis, a partir da oxidação
de lipídeos nos alimentos. Como é impossível medir todos
esses compostos ao mesmo tempo, estes métodos (ver adiante) costumam visar à análise de um composto individual ou
de uma classe de compostos. Uma das desvantagens desses
métodos é que a formação de produtos secundários deriva
da decomposição de hidroperóxidos lipídicos. Portanto, em
alguns casos (p. ex., em presença de antioxidantes), as concentrações de produtos secundários pode ser baixa, enquanto
as concentrações de produtos primários são elevadas. Além
disso, compostos em alimentos que contêm grupos amino
e sulfidril (p. ex., proteínas) podem interagir com produtos
secundários que contêm grupos funcionais como aldeídos,
o que os torna difíceis de serem medidos. Uma das vantagens desses métodos é que eles avaliam muitos produtos da
decomposição de ácidos graxos, os quais são responsáveis
diretos por odores e sabores indesejáveis em óleos rançosos
e, portanto, têm elevada correlação com a análise sensorial.
Análise de produtos secundários voláteis: Os produtos de
oxidação lipídica voláteis costumam ser medidos por cromatografia gasosa com uso de injeção direta, headspace estático ou dinâmico ou microextração em estado sólido (SPME)
[84]. Com o uso desses sistemas, a oxidação de lipídeos pode
ser medida por meio de produtos específicos (p. ex., hexanal
para lipídeos ricos em ácidos graxos ω-6 e propanal para li-
173
pídeos ricos em ácidos graxos ω-3), classes de produtos (p.
ex., hidrocarbonetos ou aldeídos) ou voláteis totais como indicadores. Cada método pode fornecer diferentes perfis de
voláteis devido a diferenças em suas capacidades de extração e coleta dos voláteis da amostra. A vantagem da medição
de produtos voláteis da oxidação de lipídeos é a alta correlação com a análise sensorial. Sua desvantagem é o custo da
instrumentação e a dificuldade de analisar grandes quantidades de amostras, em especial lipídeos que estão oxidando
com rapidez (essas costumam ser demoradas). Além disso,
esses métodos geralmente usam etapas de aquecimento para
o aumento da concentração de voláteis no headspace acima
das amostras. Em alguns alimentos, como carnes, a etapa
de aquecimento pode aumentar a velocidade de oxidação de
lipídeos, pelo cozimento do alimento. Em geral, os lipídeos
devem ser amostrados na menor temperatura possível. Outro
problema é a perda de compostos voláteis por processos
como a destilação por vapor, em óleos para fritura.
Carbonilas: As carbonilas que surgem da oxidação de lipídeos podem ser determinadas pela reação de lipídeos com
2,4-dinitrofenilidrazina, formando hidrazonas correspondentes que absorvem luz em 430-460 nm. Esse método é limitado pela presença de outras carbonilas no alimento, as quais
podem causar interferência [82]. Técnicas de cromatografia
líquida de alto desempenho (HPLC) têm sido desenvolvidas
para separar as carbonilas provenientes da oxidação de lipídeos de compostos interferentes. No entanto, essas técnicas
são sofisticadas e demoradas e, por isso, não são utilizadas
com frequência para alimentos lipídicos.
As carbonilas também podem ser medidas por conjugação com anisidina, para formar produtos que absorvem em
350 nm [52]. Esse método é útil, pois pode medir carbonilas
não voláteis e de alta massa molecular. Isso também é útil
para óleos de fritura, nos quais os produtos de oxidação voláteis são perdidos por destilação a vapor. A anisidina também é usada para medir a oxidação em produtos como óleos
de peixes, pois esses óleos costumam passar por destilação
intensa por vapor durante o refino. Por essa razão, a anisidina é útil em óleos de peixes, pois pode fornecer a indicação
da qualidade do óleo antes da destilação por vapor, uma vez
que os compostos não voláteis de alta massa molecular são
retidos pelo óleo.
Ácido tiobarbitúrico (TBA): O ensaio do TBA baseia-se na
reação entre TBA e carbonilas que formam adutos fluorescentes vermelhos sob condições ácidas [85]. O ensaio pode
ser conduzido em amostras brutas, extratos ou destilados,
sendo que a formação de adutos pode ser conduzida dentro
de um intervalo grande de temperaturas (25-100ºC) e tempos (15min a 20h). O composto que costuma ser atribuído
como produto primário de oxidação detectado pelo TBA é o
malondialdeído (MDA), cujo aduto, com TBA, absorve luz
de forma muito intensa, a 532 nm. O MDA é um dialdeído
produzido pela degradação oxidativa em duas etapas de ácidos graxos com três ou mais ligações duplas. Isso significa
que o rendimento de MDA durante a oxidação de lipídeos
depende da composição de ácidos graxos, sendo que os mais
174
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
insaturados produzem quantidades maiores de MDA. O TBA
também pode reagir com outros aldeídos produzidos na oxidação de lipídeos, especialmente aldeídos insaturados.
O ensaio de TBA apresenta baixa especificidade devido a
sua capacidade de reação com carbonilas não lipídicas como
ácido ascórbico, açúcares e produtos do escurecimento não
enzimático. Esses compostos formam adutos com o TBA,
os quais absorvem no intervalo de 450-540 nm. Geralmente
é mais adequado referir-se a substâncias reativas ao TBA
(TBARS, que além do MDA inclui outros compostos que podem gerar cromóforos cor-de-rosa). Para diminuir problemas
com interferentes, o complexo TBA-MDA pode ser medido
diretamente por fluorescência ou por técnicas de HPLC.
O ensaio de TBA pode ser útil para a análise da oxidação
de lipídeos em alimentos, pois se trata de um método simples
e barato. No entanto, a falta de especificidade desse método
requer o conhecimento das limitações do teste, de modo que
comparações e conclusões inadequadas não sejam tomadas.
Para minimizar o potencial de erro da interpretação da análise com TBA, sugere-se que a análise de amostras frescas não
oxidadas seja realizada, a fim de que se tome conhecimento
sobre as substâncias reativas com TBA que não derivam da
oxidação de lipídeos. Por outro lado, o método do TBA deve
ser evitado em alimentos nos quais as concentrações de compostos interferentes sejam elevadas. Além disso, tentativas
de uso do TBA para comparação das alterações oxidativas
em produtos com composições de ácidos graxos diferentes
são inadequadas, pois a quantidade de MDA varia de acordo
com a composição dos ácidos graxos.
4.8
4.8.1
LIPÍDEOS DE ALIMENTOS E SAÚDE
Bioatividade dos ácidos graxos
Os lipídeos da dieta costumam ser associados negativamente
à saúde. Como a obesidade apresenta uma forte relação com
diversas enfermidades, como doenças cardíacas e diabete, o
papel negativo dos lipídeos na saúde geralmente é atribuído
a sua alta densidade calórica de 9 kcal g−1. Alguns lipídeos
específicos têm sido associados ao risco de doenças cardíacas, em decorrência de sua capacidade de modular os níveis
de colesterol LDL no sangue. Isso inclui os ácidos graxos
saturados que aumentam os níveis de LDL e os ácidos graxos insaturados que o diminuem. Como os níveis de colesterol LDL estão associados ao desenvolvimento de doenças
cardíacas, diversas estratégias de dietas têm sido propostas
para que se diminua o colesterol LDL, incluindo redução
dos ácidos graxos saturados para <7% das calorias, redução
do colesterol da dieta para <200 mg por dia e incorporação
de fibras dietéticas solúveis de 10-25 g por dia [86].
dos ácidos graxos trans, os quais são mais parecidos com
os ácidos graxos saturados que com os insaturados. Em sua
origem, os ácidos graxos trans foram incluídos na categoria
dos ácidos graxos insaturados pela rotulagem nutricional dos
Estados Unidos, ainda que suas atividades biológicas sejam
muito diferentes. Desde 1º de janeiro de 2006, todos os alimentos devem listar as concentrações de ácidos graxos trans
em seus rótulos; alimentos com menos de 0,5 g de gordura/
porção não necessitam rotulá-las, pois, nesse caso, não são
feitas descrições sobre o conteúdo de gordura, ácidos graxos
ou colesterol.
Enquanto muitas pesquisas têm sido dedicadas aos aspectos negativos dos lipídeos na saúde, existem evidências
crescentes de que alguns lipídeos comestíveis podem reduzir
os riscos de diversas doenças. Esses lipídeos bioativos incluem ácidos graxos ω-3, fotoesteróis, carotenoides e CLA.
4.8.1.2
Ácidos graxos ω-3
À medida que as práticas agrícolas avançaram, o perfil de
lipídeos comestíveis nas sociedades ocidentais mudou de
forma drástica. Acredita-se que os ancestrais da humanidade
tenham consumido dietas com quantidades aproximadamente iguais de ácidos graxos ω-6 e ω-3. O desenvolvimento da
agricultura moderna aumentou a disponibilidade de gorduras refinadas, principalmente de óleos vegetais, modificando
a dieta humana para a relação de ω-6 para ω-3 de mais de
7:1. Trata-se de uma mudança muito rápida, tendo em vista
a escala de tempo evolucionária, a qual se torna, por isso,
problemática, pois os seres humanos interconvertem ácidos
graxos ω-6 em ω-3 em baixas velocidades. Os níveis de ácidos graxos ω-3 na dieta são importantes, pois esses lipídeos
bioativos desempenham um papel vital na fluidez de membranas, na sinalização celular, na expressão de genes e no
metabolismo de eicosanoides. Portanto, o consumo de ácidos graxos ω-3 é essencial para a promoção e para a manutenção da saúde, em especial de mulheres grávidas, lactantes
e indivíduos com doenças coronarianas, diabete, disfunções
imunológicas e saúde mental comprometida. Existem fortes
evidências de que os níveis de ácidos graxos ω-3 consumidos atualmente pela população em geral sejam inadequados
[9]. Diversas empresas de alimentos têm tentado aumentar
os níveis desses lipídeos bioativos em seus produtos pela
incorporação direta de ácidos graxos ω-3 aos alimentos ou
pela inclusão deles na alimentação animal. Essas abordagens
costumam ser prejudicadas pela deterioração oxidativa dos
ácidos graxos ω-3 durante o processamento e o armazenamento dos produtos fortificados. Alimentos marinhos ricos
em ácidos graxos ω-3 são listados na Tabela 4.5. Os óleos de
sementes ricos em ácidos graxos ω-3, especificamente o ácido linolenico, incluem soja, canola e linhaça (Tabela 4.2).
4.8.1.1 Ácidos graxos trans
Recentemente os ácidos graxos trans têm recebido atenção
especial por seu papel único em doenças cardíacas desempenhado por sua capacidade de aumentar o colesterol LDL e
diminuir o HDL (lipoproteínas de alta densidade) [87]. Esse
comportamento se deve em parte à configuração geométrica
4.8.1.3
Ácido linoleico conjugado
As duas ligações duplas do ácido linoleico costumam estar
em um sistema metilênico em que duas ligações simples separam as ligações duplas. Entretanto, o sistema de ligações
duplas encontra-se alterado em alguns casos, resultando
Química de Alimentos de Fennema
175
TABELA 4.5 Conteúdo de ácidos graxos ω-3 em peixes selecionados
Peixe
g de ácido graxo ω-3/ 100 g de peixe
Atum (albacora branco)
Atum (light)
Salmão atlântico (cultivado)
Salmão chinuque (selvagem)
Arenque
Cavala
Bacalhau
Linguado
Peixe-gato
0,9
0,2
1,3−2,1
1,4
2,0
0,4−1,8
0,2
0,5
0,1
Fonte: Exler, J. (1987). Composition of Foods: Finfish and Shellfish Products. USDA
Handbook 8-15, Washington, DC.
na isomerização das ligações duplas em uma configuração
conjugada. A isomerização pode ocorrer durante processos
como hidrogenação, sendo comum durante o processo de
hidrogenação biológica promovida por bactérias em ruminantes. Os isômeros, conhecidos como CLA, têm recebido
atenção especial por sua capacidade de inibir o câncer [89],
diminuir o colesterol sanguíneo [90], inibir o aparecimento do diabete e influenciar no ganho de peso [91]. Os diferentes isômeros causam efeitos biológicos distintos, sendo que o ácido 9-cis,11-trans-linoleico apresenta atividade
anticarcinogênica e o ácido 10-trans,12-cis-linoleico tem
capacidade de influenciar no acúmulo de gordura corporal.
O isômero 9-cis,11-trans do CLA é o mais encontrado em
produtos lácteos e cárneos. Os mecanismos moleculares da
bioatividade do CLA têm sido atribuídos a sua capacidade
de modular a formação de eicosanoides e a expressão de genes. Pouquíssimos estudos clínicos em seres humanos foram
realizados, de modo que os benefícios do CLA aos seres humanos ainda não podem ser sustentados.
4.8.1.4 Fitoesteróis
Os principais fitoesteróis dos alimentos são sitosterol, campesterol e estigmasterol. Os fitoesteróis comestíveis praticamente não são absorvidos pelo trato gastrintestinal. Sua bioatividade reside no fato de que eles podem inibir a absorção
do colesterol biliar (produzido pelas células intestinais) e da
dieta [92]. A ingestão diária de 1,5-2 g de fitoesteróis pode
reduzir o colesterol LDL de 8-15%. Como a principal atividade dos fitoesteróis é a inibição da absorção de colesterol,
sua efetividade é maior quando consumidos junto a uma dieta que contenha colesterol. Os fitoesteróis têm pontos de fusão muito elevados e, portanto, existem em forma de cristais
lipídicos nas temperaturas comuns à maioria dos alimentos.
Para minimizar a cristalização, os fitoesteróis são esterificados com ácidos graxos insaturados para aumento de sua
solubilidade em lipídeos.
4.8.1.5 Carotenoides
Os carotenoides são um grupo diverso (>600 compostos diferentes) de polienos lipossolúveis de coloração amarela a
vermelha. A vitamina A é um nutriente essencial obtido de
carotenoides como o β-caroteno. A bioatividade de outros
carotenoides é uma área de pesquisa de grande interesse.
Esse interesse foi inicialmente dedicado à atividade antioxidante deles. Entretanto, quando se realizaram triagens
clínicas com o uso de β-caroteno em indivíduos com risco
de estresse por radicais livres (fumantes), observou-se que o
β-caroteno estava associado ao aumento das taxas de câncer
de pulmão [93]. Não se sabe se um efeito semelhante seria
observado em não fumantes. Outros carotenoides têm sido
associados a benefícios à saúde. A luteína e a zeaxantina podem aumentar a acuidade e a saúde visuais [94]. Estudos
epidemiológicos mostraram que o consumo de tomates está
relacionado à diminuição do risco de câncer de próstata [95].
Os efeitos benéficos do tomate têm sido atribuídos a um
carotenoide específico, o licopeno. Curiosamente os tomates cozidos apresentam mais benefícios, o que se atribui à
conversão induzida por calor do trans-licopeno em isômeros
cis-licopeno. Acredita-se que a bioatividade maior dos isômeros cis-licopeno se deve a sua grande biodisponibilidade.
4.8.2
Lipídeos de baixa caloria
Uma das preocupações de saúde relativa aos triacilgliceróis
comestíveis decorre de sua alta densidade calórica. Muitas
tentativas têm sido realizadas com o fim de se produzirem
alimentos com pouca gordura, os quais apresentem os mesmos atributos sensoriais dos produtos com gordura autêntica, usando-se miméticos de gordura. Miméticos de gordura
são compostos não-lipídicos como proteínas ou carboidratos
que podem produzir propriedades semelhantes às da gordura
com baixos valores calóricos (p. ex., 4 kcal g−1 para proteína
e 9 kcal g−1 para lipídeos). Uma abordagem similar tem sido
adotada para a produção de componentes lipídicos sem calorias ou com baixo conteúdo calórico (substituintes de gordura). O primeiro lipídeo não calórico comercial foi um estér de
ácidos graxos da sacarose (Olestra da Proctor and Gamble).
Esse composto é não calórico, pois a presença de ≥6 ácidos
graxos esterificados na sacarose impede espacialmente que
a lipase hidrolise as ligações de éster para liberar ácidos graxos livres que podem ser absorvidos pelo sangue. A falta de
digestibilidade dos ésteres de ácidos graxos da sacarose faz
com que eles passem pelo trato gastrintestinal e sejam ex-
176
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
cretados nas fezes. Essa propriedade pode causar problemas
gastrintestinais como diarreia. Lipídeos estruturados com
baixa densidade calórica também têm sido usados na indústria de alimentos (p. ex., Salatrim da Nabisco). Esses produtos baseiam-se no princípio de que apenas ácidos graxos nas
posições sn-1 e sn-3 dos triacilgliceróis são liberados como
ácidos graxos livres por hidrólise pela lipase pancreática. Se
o sn-1 e o sn-3 têm ácidos graxos saturados de cadeia longa
(≥16 carbonos), sua liberação pode levar a interações com
cátions divalentes, formando sabões insolúveis que não são
biodisponibilizados com facilidade. Gorduras estruturadas
de baixas calorias também usam ácidos graxos de cadeia
curta (≤6 carbonos) na posição sn-2. Após a hidrólise pela
lipase pancreática, o monoacilglicerol sn-2 é absorvido pelas
células do endotélio intestinal. Os ácidos graxos de cadeia
curta em sn-2, por vezes são metabolizados no fígado, onde
geram menos calorias os que ácidos graxos de cadeia longa.
A combinação de ácidos graxos saturados de cadeia longa
em sn-1 e sn-3 e ácidos graxos de cadeia curta em sn-2 pro−1
duz um triacilglicerol com 5-7 cal g .
4.9
RESUMO
Os lipídeos desempenham um papel importante na qualidade dos alimentos, contribuindo para atributos como textura,
sabor, nutrição e densidade calórica. Como o conhecimento
da importância nutricional dos lipídeos continua a evoluir, os
produtores deverão modificar suas propriedades físicas e químicas para produzir alimentos saudáveis e com alta aceitação
pelos consumidores. Isso indica que os alimentos serão preferencialmente produzidos com menos lipídeos que causem
prejuízos nutricionais (p. ex., menos gordura total, gordura
saturada e ácidos graxos trans). No entanto, para que esses
objetivos sejam alcançados, os químicos de alimentos necessitarão ter um grande conhecimento de como os lipídeos influenciam na textura e no saber. Além disso, alimentos serão
produzidos com a finalidade de conter lipídeos nutricionalmente benéficos, como ácidos graxos ω-3 e fitoesteróis. Um
vasto entendimento sobre propriedades físicas e estabilidade
química dos lipídeos será necessário para a produção de alimentos funcionais com lipídeos bioativos, uma vez que esses
compostos podem ser quimicamente instáveis (ácidos graxos
ω-3) ou difíceis de serem incorporados aos alimentos.
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Aminoácidos, Peptídeos e Proteínas
5
Srinivasan Damodaran
CONTEÚDO
5.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.2 Propriedades físico-químicas dos aminoácidos . .
5.2.1 Propriedades gerais . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.2.1.1 Estrutura e classificação. . . . . . .
5.2.1.2 Estereoquímica dos
aminoácidos . . . . . . . . . . . . . . . .
5.2.1.3 Propriedades ácido-básicas dos
aminoácidos . . . . . . . . . . . . . . . .
5.2.1.4 Hidrofobicidade dos
aminoácidos . . . . . . . . . . . . . . . .
5.2.1.5 Propriedades ópticas dos
aminoácidos . . . . . . . . . . . . . . . .
5.2.2 Reatividade química dos aminoácidos . .
5.3 Estrutura da proteína. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.3.1 Hierarquia estrutural das proteínas . . . . .
5.3.1.1 Estrutura primária . . . . . . . . . . .
5.3.1.2 Estrutura secundária. . . . . . . . . .
5.3.1.3 Estrutura terciária. . . . . . . . . . . .
5.3.1.4 Estrutura quaternária . . . . . . . . .
5.3.2 Forças envolvidas na estabilidade da
estrutura das proteínas. . . . . . . . . . . . . . .
5.3.2.1 Restrições estéricas . . . . . . . . . .
5.3.2.2 Interações de van der Waals . . . .
5.3.2.3 Pontes de hidrogênio . . . . . . . . .
5.3.2.4 Interações eletrostáticas . . . . . . .
5.3.2.5 Interações hidrofóbicas . . . . . . .
5.3.2.6 Pontes dissulfeto . . . . . . . . . . . .
5.3.3 Estabilidade conformacional e
adaptabilidade das proteínas . . . . . . . . . .
5.4 Desnaturação proteica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.4.1 Termodinâmica da desnaturação . . . . . . .
5.4.2 Agentes desnaturantes. . . . . . . . . . . . . . .
5.4.2.1 Agentes físicos . . . . . . . . . . . . . .
5.4.2.2 Agentes químicos. . . . . . . . . . . .
5.5 Propriedades funcionais das proteínas . . . . . . .
180
181
181
181
181
183
185
186
187
187
187
190
191
194
196
197
197
197
197
198
199
200
200
202
203
204
204
209
211
5.5.1 Hidratação proteica . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.2 Solubilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.2.1 pH e solubilidade . . . . . . . . . . . .
5.5.2.2 Força iônica e solubilidade. . . . .
5.5.2.3 Temperatura e solubilidade . . . .
5.5.2.4 Solventes orgânicos e
solubilidade . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.3 Propriedades interfaciais das proteínas . .
5.5.3.1 Propriedades emulsificantes. . . .
5.5.3.2 Propriedades espumantes . . . . . .
5.5.4 Fixação de aroma . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.4.1 Termodinâmica das interações
proteína-aroma . . . . . . . . . . . . . .
5.5.4.2 Fatores que influenciam a
fixação do aroma . . . . . . . . . . . .
5.5.5 Viscosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.6 Gelificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.7 Texturização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.5.7.1 Texturização por formação
de fibra (spun-fiber) . . . . . . . . . .
5.5.7.2 Texturização por extrusão . . . . .
5.5.8 Formação de massa . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.6 Hidrolisados proteicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.6.1 Propriedades funcionais . . . . . . . . . . . . .
5.6.2 Alergenicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.6.3 Peptídeos amargos. . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.7 Propriedades nutricionais das proteínas . . . . . .
5.7.1 Qualidade proteica . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.7.2 Digestibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.7.2.1 Conformação proteica . . . . . . . .
5.7.2.2 Fatores antinutricionais . . . . . . .
5.7.2.3 Processamento . . . . . . . . . . . . . .
5.7.3 Avaliação do valor nutritivo da proteína . .
5.7.3.1 Métodos biológicos . . . . . . . . . .
5.7.3.2 Métodos químicos . . . . . . . . . . .
5.7.3.3 Métodos enzimáticos e
microbiológicos . . . . . . . . . . . . .
213
216
217
218
218
218
219
222
225
228
229
229
230
232
234
234
234
235
238
238
239
240
240
240
242
242
242
243
243
243
244
244
180
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
5.8 Alterações físicas, químicas e nutricionais das
proteínas induzidas pelo processamento. . . . . .
5.8.1 Alterações na qualidade nutricional e
formação de compostos tóxicos . . . . . . .
5.8.1.1 Efeito dos tratamentos térmicos
moderados . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.8.1.2 Alterações na composição
durante a extração e o
fracionamento . . . . . . . . . . . . . .
5.8.1.3 Alterações químicas dos
aminoácidos . . . . . . . . . . . . . . . .
5.8.1.4 Efeitos de agentes oxidantes . . .
5.8.1.5 Reações carbonila-amina . . . . . .
5.8.1.6 Outras reações de proteínas em
alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.8.2 Alterações nas propriedades funcionais
das proteínas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.9 Modificações químicas e enzimáticas das
proteínas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.9.1 Modificações químicas . . . . . . . . . . . . . .
5.9.1.1 Alquilação . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.9.1.2 Acilação . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.9.1.3 Fosforilação . . . . . . . . . . . . . . . .
5.9.1.4 Sulfitólise . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.9.1.5 Esterificação. . . . . . . . . . . . . . . .
5.9.2 Modificação enzimática . . . . . . . . . . . . .
5.9.2.1 Hidrólise enzimática . . . . . . . . .
5.9.2.2 Reação de plasteína . . . . . . . . . .
5.9.2.3 Ligação cruzada de proteínas. . .
Leitura complementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.1
244
245
245
245
245
249
252
253
255
255
255
256
256
258
258
258
258
259
259
259
260
260
INTRODUÇÃO
As proteínas desempenham um papel central nos sistemas
biológicos. Embora a informação da evolução e da organização biológica das células esteja contida no DNA, as enzimas
realizam, de forma exclusiva, os processos químicos e biológicos que sustentam a vida da(o) célula/organismo. Milhares
de enzimas foram descobertas. Cada uma delas catalisa uma
reação biológica bem específica nas células. Além de funcionarem como enzimas, as proteínas (como colágeno, queratina, elastina, etc.) também funcionam como componentes
estruturais das células e dos organismos complexos. A diversidade funcional das proteínas resulta essencialmente de sua
composição química.
As proteínas são polímeros complexos, compostos por
21 aminoácidos diferentes. Os componentes são ligados por
meio de ligações amida substituídas. Diferente das ligações
glicosídicas e fosfodiéster em polissacarídeos e ácidos nucleicos, respectivamente, a ligação amida em proteínas tem
um caráter parcial de ligação dupla, o que ressalta ainda
mais a complexidade estrutural dos polímeros proteicos.
As inúmeras funções biológicas desempenhadas por proteínas não poderiam ser possíveis sem a complexidade de sua
composição, o que dá origem a diversas formas estruturais
tridimensionais, com diferentes funções biológicas. Para de-
monstrar sua importância biológica, essas macromoléculas
foram chamadas de proteínas, nome que deriva da palavra
grega proteois, que significa o primeiro tipo.
Em nível elementar, as proteínas contêm em base m/m
50-55% de carbono, 6-7% de hidrogênio, 20-23% de oxigênio, 12-19% de nitrogênio e 0,2-3,0% de enxofre. A síntese
proteica ocorre nos ribossomos. Depois da síntese, enzimas
citoplasmáticas modificam alguns constituintes dos aminoácidos. Isso muda a composição elementar de algumas
proteínas. As que não são modificadas enzimaticamente
nas células são chamadas homoproteínas, e as que são modificadas ou complexadas com componentes não proteicos
são chamadas proteínas conjugadas ou heteroproteínas. Os
componentes não proteicos costumam ser chamados de grupos prostéticos. Exemplos de proteínas conjugadas incluem
nucleoproteínas (ribossomos), glicoproteínas (ovoalbumina e κ-caseína), fosfoproteínas (α e β-caseínas, quinases
e fosforilases), lipoproteínas (proteínas da gema do ovo e
várias proteínas plasmáticas) e metaloproteínas (hemoglobina, mioglobina e várias enzimas). As glico- e fosfoproteínas
contêm carboidratos e grupos fosfato em ligação covalente,
respectivamente, enquanto as outras proteínas conjugadas
são complexos não covalentes que contêm ácidos nucleicos,
lipídeos e íons metálicos. Esses complexos podem ser dissociados sob condições apropriadas.
As proteínas também podem ser classificadas de acordo
com sua organização estrutural aparente. Desse modo, proteínas globulares são as que existem em formas esféricas
ou elipsoidais, resultantes do dobramento das cadeias polipeptídicas sobre si mesmas. Por outro lado, as proteínas
fibrosas são moléculas em forma de bastonete (rod-shaped)
que contêm cadeias polipeptídicas lineares torcidas (p. ex.,
tropomiosina, colágeno, queratina e elastina). As proteínas fibrosas também podem ser formadas como resultado
de agregação linear de pequenas proteínas globulares, por
exemplo, actina e fibrina. A maioria das enzimas são proteínas globulares, sendo que as proteínas fibrosas funcionam
invariavelmente como proteínas estruturais.
As proteínas podem ser categorizadas, conforme sua função biológica, como catalisadores enzimáticos, proteínas estruturais, proteínas contráteis (miosina, actina e tubulina),
hormônios (insulina e hormônio do crescimento), proteínas
transportadoras (albumina sérica, transferrina e hemoglobina), anticorpos (imunoglobulinas), proteínas de armazenamento (albumina do ovo e proteínas dos grãos) e proteínas
protetoras (toxinas e alérgenos). As proteínas de armazenamento são encontradas principalmente em ovos e sementes
de plantas. Essas proteínas agem como fontes de nitrogênio
e de aminoácidos para a germinação de sementes e embriões.
As proteínas protetoras fazem parte do mecanismo de defesa
para a sobrevivência de alguns microrganismos e animais.
Todas as proteínas são essencialmente compostas dos
mesmos 20 aminoácidos primários; entretanto, algumas não
contêm todos os 20. As diferenças de estrutura e função dos
milhares de proteínas surgem a partir do fato de que os aminoácidos são ligados entre si por meio de ligações amida.
Literalmente, bilhões de proteínas com propriedades únicas
podem ser sintetizadas pela alteração da sequência de ami-
Química de Alimentos de Fennema
noácidos, do tipo e da proporção dos aminoácidos e do comprimento da cadeia dos polipeptídeos.
Todas as proteínas biologicamente produzidas podem ser
usadas como proteínas alimentares. Entretanto, para efeitos práticos, as proteínas alimentares podem ser definidas
como aquelas que apresentam fácil digestão, são atóxicas,
adequadas no aspecto nutricional, funcionalmente utilizáveis em produtos alimentícios, disponíveis em abundância
e cultiváveis por agricultura sustentável. O leite, as carnes
(incluindo peixe e aves), os ovos, os cereais, as leguminosas
e as oleaginosas têm sido as principais fontes de proteínas
alimentares utilizadas. Elas são proteínas de armazenamento
em tecidos animais e vegetais, agindo como fonte de nitrogênio para o crescimento embrionário. Entretanto, devido ao
aumento crescente da população mundial, fontes não tradicionais de proteínas para a alimentação humana precisam ser
desenvolvidas para atendimento a demandas futuras. No entanto, a adequação dessas novas fontes de proteínas para uso
em alimentos depende de seu custo e de sua capacidade de
cumprir a função normal dos ingredientes proteicos tanto de
alimentos processados como dos preparados em casa.
As propriedades funcionais das proteínas nos alimentos
estão relacionadas a suas características estruturais e outras
características físico-químicas. A compreensão fundamental
das propriedades físicas, químicas, nutricionais e funcionais
das proteínas e as mudanças que essas propriedades sofrem
durante o processamento é essencial quando se quer melhorar
o desempenho das proteínas presentes em alimentos e quando se desejam fontes proteicas novas ou menos dispendiosas
para competir com proteínas alimentares tradicionais.
5.2
5.2.1
181
aminoácidos possui um t-RNA específico que traduz a informação genética do m-RNA, em uma sequência de aminoácidos, durante a síntese proteica. Além dos 21 aminoácidos
primários listados na Figura 5.1, várias proteínas também
contêm outros tipos de aminoácidos, os quais são derivados
dos aminoácidos primários. Os aminoácidos derivados são
aminoácidos de ligações cruzadas ou derivados simples de
aminoácidos específicos. As proteínas que contêm aminoácidos derivados são chamadas de proteínas conjugadas. A
cisteína, que é encontrada na maioria das proteínas, é um
bom exemplo de aminoácido de ligação cruzada. Outros
aminoácidos de ligação cruzada, como desmosina, isodesmosina, di e tritirosina, são encontrados em proteínas estruturais como a elastina e a resilina. Vários derivados simples
de aminoácidos são encontrados em diversas proteínas. Por
exemplo, 4-hidroxiprolina e 5-hidroxilisina são encontradas
no colágeno. Esses derivados resultam de uma modificação
pós-translacional durante a maturação da fibra do colágeno.
A fosfosserina e a fosfotreonina são encontradas em diversas
proteínas, incluindo as caseínas. A N-metil-lisina é encontrada na miosina e o γ-carboxiglutamato é encontrado em
vários fatores de coagulação do sangue e proteínas de ligação ao cálcio:
PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS
DOS AMINOÁCIDOS
Propriedades gerais
5.2.1.1 Estrutura e classificação
Os α-aminoácidos são as unidades estruturais básicas das proteínas. Esses aminoácidos consistem de um átomo de carbono
α ligado covalentemente a um átomo de hidrogênio, um grupo
amino, um grupo carboxílico e um grupo R de cadeia lateral.
(5.2)
(5.1)
As proteínas naturais contêm até 21 aminoácidos primários diferentes ligados entre si por meio de ligações amida. O
21º e mais novo aminoácido, que foi reconhecido como aminoácido natural é a selenocisteína [12]. Esses aminoácidos
diferem apenas na natureza química do grupo R de cadeia
lateral (Figura 5.1). As propriedades físico-químicas dos
aminoácidos, como carga líquida, solubilidade, reatividade
química e potencial de ligação com hidrogênio, são dependentes da natureza química do grupo R.
Os aminoácidos listados na Figura 5.1 possuem códigos
genéticos, incluindo a selenocisteína. Ou seja, cada um dos
5.2.1.2
Estereoquímica dos aminoácidos
Com exceção da Gly, o átomo de carbono α de todos os aminoácidos é assimétrico, o que significa que quatro diferentes
grupos são anexados a ele. Em decorrência desse centro assimétrico, os aminoácidos exibem atividade óptica, ou seja,
eles giram o plano de luz polarizada linearmente. Além do
átomo de carbono α assimétrico, os átomos de carbono β da
Ile e da Thr também são assimétricos, sendo assim, tanto a
Ile como a Thr podem existir em quatro formas enantioméricas. Entre os aminoácidos derivados, a hidroxiprolina e a
hidroxilisina também contêm dois carbonos centrais assimétricos. Todas as proteínas encontradas na natureza contêm
182
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Aminoácidos alifáticos
Glicina
(Gly, G)
Alanina
(Ala, A)
COO
+
H3 N
C
Valina
(Val, A)
COO
+
H3 N
H
H
C
COO
+
H3 N
H
C
H
GC(N)
H
C
GU(N)
COO
+
H3 N
C
H
CH2
C
C
H
+
H3 N
CH2
C
H
C
C
AAA
AAG
UGG
Aminoácidos ácidos
H
C
HN
CAU
CAC
COO
+
H3N
H
C
COO
+
H3N
H
C
H
CH 2
CH 2
CH 2
COO
CH 2
C
CH 2
COO
NH2
Serina
(Ser, S)
H
COO
C
C
O
NH2
CAA
CAG
Aminoácidos sulfurados
Treonina
(Thr, T)
+
H3 N
O
AAU
AAC
GAA
GAG
COO
H
Cisteína
(Cys, C)
COO
+
H3 N C
H
Metionina
(Met, M)
COO
+
H3 N C
H
Selenocisteína
(SeCys)
COO
+
H3 N C
H
CH2
CH2
CH2
CH3
SH
CH 2
SeH
AC(N)
UGU
UGC
CH2
H C OH
OH
S
AGU
AGC
N
Glutamina
(Gln, Q)
Asparagina
(Asn, N)
Aminoácidos hidroxilados
C
+
NH2
CH 2
GAU
GAC
+
H3 N
CH 2
3
AGA
AGG
CG(N)
COO
+
H3N
H
Aminoácidos com grupo amida
Ácido glutâmico
(Glu, E)
COO
C
NH
H2 N
AUA
UAC
C
COO
+
H3 N
H
(CH 2 )
(CH 2 )
4
+
H3 N
OH
+
H3N
Histidina
(His, H)
COO
+
H3 N
NH
Ácido aspártico
(Asp, D)
CC(N)
Arginina
(Arg, R)
COO
COO
CH2
UUU
UUC
CH2
CH2
Aminoácidos básicos
+
H3 N
H
H
AUU
AUC
AUA
Lisina
(Lys, K)
Triptofano
(Trp, W)
COO
+
H3 N
C
H2 C
CH3
Aminoácidos aromáticos
Tirosina
(Tyr, Y)
H
CH2
CH 3
UUA
UUG
CU(N)
Fenilalanina
(Phe, F)
COO
+
H2 N
HC CH3
CH
H3 C
Prolina
(Pro, P)
COO
+
H3 N
CH2
CH3
H3 C
Isoleucina
(Ile, I)
COO
+
H3 N C
CH
CH3
GG(N)
Leucina
(Leu, L)
CH 3
UGA
AUG
FIGURA 5.1 α-Aminoácidos primários ocorrentes em proteínas. Os códigos de três letras e de uma letra dos aminoácidos são apresentados dentro dos parênteses. Os códons mRNA para os aminoácidos também são apresentados para cada aminoácido.
Química de Alimentos de Fennema
apenas L-aminoácidos. Convencionalmente, os enantiômeros L e D são representados como:
Em pH próximo ao neutro, tanto os grupos α-amino
como os α-carboxílicos são ionizados e a molécula trata-se de um íon dipolar ou zwitteríon. O pH no qual o íon dipolar é eletricamente neutro é chamado de ponto isoelétrico
(pI). Quando o zwitteríon é titulado com um ácido, o grupo
−
COO torna-se protonado. O pH no qual as concentrações
−
de COO e COOH são iguais é conhecido como pKa1 (i.e.,
logaritmo negativo da constante de dissociação ácida Ka1).
Da mesma forma, quando o zwitteríon é titulado com uma
torna-se desprotonado. Como antes, o pH
base, o grupo
] = [NH2] é conhecido como pKa2. Uma curva
no qual [
de titulação eletrométrica típica para um aminoácido dipolar é apresentada na Figura 5.2. Além dos grupos α-amino e
α-carboxílico, as cadeias laterais de Lys, Arg, His, Asp, Glu,
Cys e Tyr também contém grupos ionizáveis. Os valores do
pKa de todos os grupos ionizáveis nos aminoácidos são fornecidos pela Tabela 5.1. Os pontos isoelétricos dos aminoácidos podem ser estimados a partir de seus valores de pKa1,
pKa2 e pKa3, usando-se as seguintes expressões:
(5.3)
Essa nomenclatura se baseia nas configurações do D- e
do L-gliceraldeído e não na direção real da rotação da luz
polarizada linearmente. Ou seja, a configuração L não se refere à rotação levógira como no caso do L-gliceraldeído. Na
realidade a maioria dos L-aminoácidos são dextrorrotatórios
e não levorrotatórios.
Para aminoácidos sem cadeia lateral carregada,
pI = (pKa1 + pKa2)/2
5.2.1.3 Propriedades ácido-básicas
dos aminoácidos
Para aminoácidos ácidos, pI = (pKa1 + pKa3)/2, e
Como os aminoácidos contêm um grupo carboxílico (ácido)
e um grupo amino (básico), eles se comportam tanto como
ácidos quanto como bases, ou seja, eles são anfolitos. Por
exemplo, Gly, o mais simples de todos os aminoácidos, pode
existir em três diferentes estados ionizados, dependendo do
pH da solução.
Para aminoácidos básicos, pI = (pKa2 + pKa3)/2
Os subscritos 1, 2 e 3 referem-se aos grupos α-carboxílico,
α-amino e aos grupos ionizáveis da cadeia lateral, respectivamente.
Nas proteínas, o α-COOH de um aminoácido é acoplado covalentemente ao α-NH2 do próximo aminoácido por
meio de uma ligação amida, desse modo, os únicos grupos
ionizáveis das proteínas são os grupos amino N-terminais,
o grupo carboxílico C-terminal e os grupos ionizáveis das
cadeias laterais. O pKa dos grupos ionizáveis das proteínas
é diferente do encontrado em aminoácidos livres (Tabela
5.2). Mudanças significativas nos valores do pKa das pro-
Equivalentes de NaOH
(5.4)
1,0
A
0,8
0,6
pK 2
0,4
0,2
Equivalentes de HCl
0
0,2
Ponto isoelétrico
0,4
pK 1
0,6
0,8
1,0
B
1
183
2
3
4
FIGURA 5.2 Curva de titulação de um aminoácido típico.
5
6
7
pH
8
9
10
11
12
13
184
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 5.1 Propriedades de grupos ionizáveis em aminoácidos livres a 25°C
Aminoácido
Alanina
Arginina
Asparagina
Ácido aspártico
Cisteína
Glutamina
Ácido glutâmico
Glicina
Histidina
Isoleucina
Leucina
Lisina
Metionina
Fenilalanina
Prolina
Serina
Treonina
Triptofano
Tirosina
Valina
2,34
2,17
2,02
1,88
1,96
2,17
2,19
2,34
1,82
2,36
2,30
2,18
2,28
1,83
1,94
2,20
2,21
2,38
2,20
2,32
9,69
9,04
8,80
9,60
10,28
9,13
9,67
9,60
9,17
9,68
9,60
8,95
9,21
9,13
10,60
9,15
9,15
9,39
9,11
9,62
pKa3
(cadeia lateral)
pI
−
12,48
−
3,65
8,18
−
4,25
−
6,00
−
−
10,53
−
−
−
−
−
−
10,07
−
6,00
10,76
5,41
2,77
5,07
5,65
3,22
5,98
7,59
6,02
5,98
9,74
5,74
5,48
6,30
5,68
5,68
5,89
5,66
5,96
TABELA 5.2 Valores médios de pKa dos grupos ionizáveis em proteínas
Grupo ionizável
pKa
COOH terminal
NH2 terminal
3,75
7,8
COOH da cadeia lateral (Glu, Asp)
NH2 da cadeia lateral
4,6
10,2
Imidazólico
7,0
Sulfidrila
8,8
Fenólico
9,6
Guanidil
Forma ácida ←→ Forma básica
>12
teínas, em comparação aos aminoácidos livres, estão relacionadas à alteração nos ambientes dielétrico e eletrônico
desses grupos nas proteínas. (Essa propriedade é importante nas enzimas.)
O grau de ionização de um grupo em qualquer pH de
solução dado pode ser determinado pelo uso da equação de
Henderson−Hasselbach:
(5.5)
A carga líquida de uma proteína em um determinado
pH pode ser estimada por meio da determinação do grau de
ionização dos grupos ionizáveis individuais usando-se essa
equação e, em seguida, somando-se o número total de cargas
negativas e positivas.
Os aminoácidos podem ser classificados em várias categorias com base na natureza da interação da cadeia lateral
com a água. Aminoácidos com cadeias laterais alifáticas (Ala,
Ile, Leu, Met, Pro e Val) e aromáticas (Phe, Trp e Tyr) são
hidrofóbicos e, por isso, eles exibem solubilidade limitada
Química de Alimentos de Fennema
em água (Tabela 5.3). Os aminoácidos polares (hidrofílicos)
são completamente solúveis em água, sendo carregados (Arg,
Asp, Glu, His e Lys) ou sem carga (Ser, Thr, Asn, Gln, e Cys).
As cadeias laterais da Arg e da Lys contêm grupos guanidil
e amino, respectivamente, e desse modo, são carregados de
modo positivo (básicos), em pH neutro. O grupo imidazólico
da His é básico em estado natural. Entretanto, em pH neutro,
sua carga líquida é apenas um pouco positiva. As cadeias laterais dos ácidos Asp e Glu contêm um grupo carboxílico.
Esses aminoácidos apresentam uma carga líquida negativa,
em pH neutro. Tanto os aminoácidos básicos como os ácidos
são fortemente hidrofílicos. A carga líquida de uma proteína
em condições fisiológicas depende dos números relativos de
resíduos ácidos e básicos dos aminoácidos contidos nela.
As polaridades de aminoácidos neutros sem carga situam-se entre as polaridades dos aminoácidos hidrofóbicos
e as dos carregados. A natureza polar da Ser e da Thr é atribuída ao grupo hidroxila que é capaz de ligar o hidrogênio
à água. Como a Tyr também contém um grupo fenólico ionizável que se ioniza em pH alcalino, ela também é considerada um aminoácido polar. Entretanto, com base em suas
características de solubilidade em pH neutro, ela deveria
ser considerada como um aminoácido hidrofóbico. O grupo
amida da Asn e da Gln é capaz de interagir com a água por
meio de pontes de hidrogênio. Quando ocorre hidrólise ácida ou alcalina, o grupo amida da Asn e da Gln é convertido
em grupo carboxílico com liberação de amônia. A maioria
dos resíduos de Cys em proteínas existe como cistina, que é
um dímero Cys produzido pela oxidação de grupos tiol para
formar uma ligação cruzada dissulfeto.
185
A prolina é um aminoácido ímpar, pois é o único iminoácido das proteínas. Na prolina, a cadeia lateral propil é
ligada covalentemente tanto ao átomo de carbono α como ao
grupo α-amina, formando uma estrutura de anel pirrolidina.
5.2.1.4
Hidrofobicidade dos aminoácidos
Um dos principais fatores que afetam as propriedades físico-químicas de proteínas e peptídeos, tais como estrutura,
solubilidade, propriedade de ligação a lipídeos, etc., é a hidrofobicidade dos resíduos de aminoácidos constituintes. A
hidrofobicidade pode ser definida como o excesso de energia
livre de um soluto dissolvido em água em comparação ao de
um solvente orgânico sob condições similares. A forma mais
simples e direta de se estimar a hidrofobicidade das cadeias laterais dos aminoácidos se dá por meio da determinação experimental das alterações de energia livre para a dissolução das
cadeias laterais dos aminoácidos em água e em um solvente
orgânico, como o octanol ou o etanol. O potencial químico de
um aminoácido dissolvido em água pode ser expresso por:
(5.6)
é o potencial químico padrão do aminoácido na
onde
solução aquosa,
é o coeficiente de atividade,
éa
concentração, T é a temperatura absoluta e R é a constante
dos gases. Do mesmo modo, o potencial químico de um aminoácido dissolvido em um solvente orgânico, por exemplo,
octanol, pode ser expresso como
(5.7)
TABELA 5.3 Propriedades dos aminoácidos a 25°C
Aminoácido
Ala
Arg
Asn
Asp
Cys
Gln
Glu
Gly
His
Ile
Leu
Lys
Met
Phe
Pro
Ser
Thr
Trp
Tyr
Val
a
Peso molecular
Volume do resíduo Δ
89,1
174,2
132,1
133,1
121,1
146,1
147,1
75,1
155,2
131,2
131,2
146,2
149,2
165,2
115,1
105,1
119,1
204,2
181,2
117,1
89
173
111
114
109
144
138
60
153
167
167
169
163
190
113
89
116
228
194
140
3
Hidrofobicidade (kcal/mol)
Área do resíduo Δ
Solubilidade (g/L)
115
225
150
160
135
180
190
75
195
175
170
200
185
210
145
115
140
255
230
155
167,2
855,6
28,5
5,0
−
7,2 (37ºC)
8,5
249,9
−
34,5
21,7
739,0
56,2
27,6
620,0
422,0
13,2
13,6
0,4
58,1
2
Os valores de G são relativos à glicina e estão baseados nos coeficientes de distribuição (Keq) da cadeia lateral entre 1-octanol e água [41].
0,4
−1,4
−0,8
−1,1
2,1
−0,3
−0,9
0
0,2
2,5
2,3
−1,4
1,7
2,4
1,0
−0,1
0,4
3,1
1,3
1,7
a
186
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Em soluções saturadas, nas quais
e
representam as solubilidades em água e octanol, respectivamente, os
potenciais químicos do aminoácido em água e octanol são os
mesmos, isto é,
(5.8)
A mudança de energia livre de transferência da valina do
octanol para a água pode então ser considerada como:
(5.13)
ou
Logo
(5.14)
(5.9)
A quantidade (
−
) que representa a diferença
entre os potenciais químicos padrão decorrente da interação
do aminoácido com o octanol e com a água, pode ser definida
como a mudança da energia livre (
) de transferência do aminoácido do octanol para a água. Desse modo, supondo-se que a proporção entre os coeficientes de atividade
seja um, a equação supracitada pode ser expressa como
(5.10)
onde
e
representam as solubilidades do aminoácido no octanol e na água, respectivamente.
Como ocorre com todos os outros parâmetros termodinâmicos,
é uma função aditiva. Isto é, se uma molécula
tem dois grupos, A e B, atraídos covalentemente, o
de
transferência de um solvente para outro é a soma das mudanças de energia livre para a transferência dos grupos A e
B. Isto é,
(5.11)
A mesma lógica pode ser aplicada à transferência de um
aminoácido do octanol para a água. Por exemplo, a Val pode
ser considerada um derivado da Gly com uma cadeia lateral
isopropil no átomo de carbono α.
(5.12)
Em outras palavras, a hidrofobicidade das cadeias laterais dos aminoácidos pode ser determinada subtraindo-se
de
.
Os valores da hidrofobicidade das cadeias laterais dos
aminoácidos obtidos dessa forma são fornecidos pela na
Tabela 5.3. As cadeias com grandes valores positivos de
são hidrofóbicas; elas preferem estar em fases orgânicas em detrimento de fases aquosas. Em proteínas, esses resíduos tendem a se localizar no interior da proteína,
onde a polaridade do ambiente é similar à da fase orgânica. Os resíduos de aminoácidos com valores negativos de
são hidrofílicos, sendo que esses resíduos costumam
localizar-se na superfície das moléculas proteicas. A hidrofobicidade dos resíduos não polares está correlacionada linearmente a sua área de superfície, como demonstrado na
Figura 5.3.
5.2.1.5
Propriedades ópticas dos
aminoácidos
Os aminoácidos aromáticos Trp, Tyr e Phe absorvem luz na
região próxima do ultravioleta (250-300 nm). Além disso,
Trp e Tyr também apresentam fluorescência nessa região. Os
comprimentos de onda máximos de absorção e emissão de
fluorescência dos aminoácidos aromáticos são fornecidos
pela Tabela 5.4. Esses resíduos de aminoácidos são responsáveis pelas propriedades da absorção ultravioleta das proteínas na faixa de 250-300 nm, com absorção máxima perto
de 280 nm, para a maioria das proteínas. Uma vez que tanto
as propriedades de absorção como as de fluorescência desses
aminoácidos são influenciadas pela polaridade de seu ambiente, as mudanças das propriedades ópticas das proteínas
costumam ser usadas como meio de controle das alterações
conformacionais das proteínas.
3,5
Hidrofobicidade
3,0
Trp
Ile
Leu
2,5
2,0
Cys
1,5
1,0
Met
Tyr
Pro
Ala
0,5
0,0
Val
Phe
0
50
100
150
200
250
300
2
Área do resíduo ( Å )
FIGURA 5.3 Correlação entre área de superfície e hidrofobicidade de resíduos não polares de aminoácidos.
187
Química de Alimentos de Fennema
TABELA 5.4 Absorbância no ultravioleta e fluorescência de aminoácidos aromáticos
Aminoácido
Fenilalanina
Triptofano
Tirosina
de absorbância (nm)
Coeficiente de extinção molar (L mol−1 cm−1)
260
278
275
190
5.500
1.340
de fluorescência (nm)
282a
348b
304b
a
Excitação a 260 nm.
Excitação a 280 nm.
b
5.2.2
Reatividade química dos aminoácidos
Os grupos reativos, como amino, carboxílico, sulfidrila, fenólico, hidroxila, tioéter (Met), imidazol e guanil, em proteínas e aminoácidos livres, são capazes de sofrer reações
químicas similares às que ocorreriam se eles estivessem
vinculados a outras moléculas orgânicas pequenas. Algumas
reações típicas de vários grupos de cadeia lateral estão representadas na Tabela 5.5. Várias dessas reações podem ser
usadas para alterar as propriedades hidrofílicas e hidrofóbicas e as propriedades funcionais de proteínas e peptídeos.
Algumas dessas reações também podem ser usadas na quantificação de aminoácidos e resíduos específicos de aminoácidos em proteínas. Por exemplo, a reação de aminoácidos
com nin-hidrina, O-ftaldialdeído ou fluorescamina é usada
regularmente na quantificação de aminoácidos.
Reação com nin-hidrina: A reação com nin-hidrina é frequentemente usada na quantificação de aminoácidos livres.
Quando um aminoácido reage com um montante excessivo
de nin-hidrina, para cada mol de aminoácido consumido, forma-se um mol de amônia, um de aldeído, um de CO2 e um de
hidrindantina (Equação 5.15). A amônia liberada posteriormente reage com um mol de nin-hidrina e um mol de hidrindatina, formando um produto de cor púrpura conhecido como
púrpura de Ruhemann, o qual apresenta absorbância máxima
em 570 nm. A partir da prolina e da hidroxiprolina, forma-se
um produto de coloração amarela, que apresenta absorbância
máxima em 440 nm. Essas reações de cor fornecem a base da
determinação colorimétrica dos aminoácidos.
Reação com O-ftaldialdeído: A reação dos aminoácidos
com O-ftaldialdeído (1,2-benzeno dicarbonal) na presença
de 2-mercaptoetanol produz um derivado altamente fluorescente que apresenta excitação máxima a 380 nm e emissão
de fluorescência máxima a 450 nm.
(5.16)
Reação com fluorescamina: A reação de aminoácidos, peptídeos e proteínas que contêm aminas primárias com fluorescamina produz um derivado altamente fluorescente com emissão
de fluorescência máxima entre 475 nm e 390 nm, quando excitado. Esse método pode ser usado na quantificação de aminoácidos, bem como na quantificação de proteínas e peptídeos.
(5.17)
(5.15)
A reação com nin-hidrina costuma ser usada para se determinar a composição de aminoácidos de proteínas. Nesse
caso, a proteína é inicialmente hidrolisada em meio ácido a
aminoácidos. Estes liberados são então separados e identificados usando-se cromatografia hidrofóbica/troca iônica. Os
eluatos da coluna reagem com a nin-hidrina, sendo quantificados por medição da absorbância a 570 e 440 nm.
5.3
5.3.1
ESTRUTURA DA PROTEÍNA
Hierarquia estrutural das proteínas
Existem quatro níveis de estrutura das proteínas: primário,
secundário, terciário e quaternário.
Metanol acidificado
Boro-hidreto em tetra-hidrofurano, ácido trifluoroacético
Ácido, álcali, tratamento térmico
2. Redução
3. Descarboxilação
Ocorre somente com aminoácido, não com proteínas
A hidrólise do éster ocorre a pH > 6,0
O coeficiente de extinção é 1,1 × 104 M−1 cm−1 a
367 nm; usado para determinar resíduos lisil reativos
em proteínas
Ácido 2,4,6-trinitrobenzeno sulfônico (TBNS)
NaNO2 1,5 M em ácido acético, 0ºC
Usado para determinação de grupos amino
1-fluoro-2,4-dinitrobenzeno (FDNB)
1. Esterificação
B. Grupos carboxílicos
7. Desaminação
6. Arilação
Ácido tioparacônico
Elimina a carga positiva e introduz um grupo tiol nos
resíduos lisil
Introduz uma carga negativa nos resíduos lisil
Anidrido succínico
4. Succinilação
5. Tiolação
Elimina a carga positiva
Converte a cadeia lateral lisil em homoarginina
Útil para radiomarcação de proteínas
Observações
Anidrido acético
Produto
3. Acetilação
(O-metilisoureia) pH 10,6, 4ºC por quatro dias
HCHO, NaBH4 (formaldeído)
A. Grupos amino
1. Alquilação redutora
2. Reação de guanidina
Reagente e condições
Tipo de reação
TABELA 5.5 Reações químicas dos grupos funcionais em aminoácidos e proteínas
188
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
2. β-propiolactona
1. Alquil halidas
E. Metionina
1. Esterificação
D. Serina e treonina
2. Bloqueio
1. Oxidação
C. Grupo sulfidrila
5,5-ditiobis (2-ácido nitrobenzoico) (DTNB)
N-etilmaleimida
(Anidrido maleico)
p-mercuribenzoato
Ácido iodoacético
(etileneimina)
Ácido perfórmico
(Tionitrobenzoato)
Um mol de tionitrobenzoato é liberado; o 412 do
tionitrobenzoato é 13.600 M−1 cm−1; esta reação é
usada para determinar grupos SH em proteínas
O coeficiente de extinção deste derivado a 250 nm
(pH 7) é 7.500 M−1 cm−1; esta reação é usada para
determinar o conteúdo de SH em proteínas
Usado para bloquear grupos SH
Introduz duas cargas negativas para cada grupo SH
bloqueado
Introduz um grupo amino
Introduz grupo amino
Química de Alimentos de Fennema
189
190
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
5.3.1.1 Estrutura primária
A estrutura primária de uma proteína refere-se à sequência linear na qual os aminoácidos constituintes são covalentemente ligados por meio de ligações amida, também chamadas de
ligações peptídicas. A ligação peptídica resulta da condensação do grupo α-carboxílico de um determinado aminoácido
(i) e o grupo α-amino do aminoácido i+1 com a remoção
de uma molécula de água. Nessa sequência linear, todos os
resíduos de aminoácidos encontram-se na configuração L.
Uma proteína com n resíduos de aminoácidos contém n−1
ligações peptídicas.
(5.20)
Isso tem várias implicações estruturais importantes nas
proteínas. Primeiro, a estrutura de ressonância evita a protonação do grupo N−H do peptídeo. Segundo, em decorrência do caráter parcial de ligação dupla, a rotação da ligação
CO−NH é restrita a um máximo de 6°, conhecido como ângulo ω. Devido a essa restrição, cada segmento de seis átomos
α
α
(−C −CO−NH−C −) da sequência peptítica encontra-se em
um plano único. A sequência polipeptídica, em essência, pode
α
α
ser descrita como uma série de planos −C −CO−NH−C −
ligados ao longo dos átomos Cα como mostrado a seguir:
(5.18)
A extremidade com o grupo α-amino livre é conhecida
como N-terminal e a com o grupo α-COOH livre é conhecida como C-terminal. Por convenção, N representa o início
e C, o final da cadeia polipeptídica quando a informação da
sequência primária é indicada.
O comprimento da cadeia (n) e a sequência na qual os
resíduos n estão ligados determinam as propriedades físico-químicas, estruturais, biológicas e as funções de uma proteína. A sequência de aminoácidos age como um código para
a formação das estruturas secundária e terciária e, finalmente, determina a funcionalidade biológica da proteína. A massa molecular varia de alguns milhares de Daltons (Da) para
mais de um milhão de Da. Por exemplo, a titina, que é uma
proteína de cadeia simples encontrada no músculo, apresenta massa molecular de mais de um milhão, enquanto a secretina apresenta uma massa molecular de cerca de 2.300 Da. A
massa molecular da maioria das proteínas está na faixa entre
20.000 e 100.000 Da.
A sequência de polipeptídeos pode ser descrita como
α
α
unidades repetitivas de −N−C−C − ou − C−C−N−. A exα
pressão −NH− CHR−CO− refere-se a um resíduo de aminoácido, considerando que −αCHR−CO−NH− representa
uma unidade peptídica.
(5.21)
Uma vez que as ligações peptídicas constituem cerca de
um terço do total das ligações covalentes da sequência, sua
liberdade rotacional restrita reduz drasticamente a flexibiliα
α
dade da sequência. Apenas as ligações N−C e C −C apresentam liberdade rotacional, sendo denominadas ângulos
diedrais φ (phi) e ψ/ (psi), respectivamente.
Esses ângulos também são conhecidos como ângulos de
torsão da cadeia principal. Terceiro, a deslocalização de elétrons também transmite uma carga parcial negativa ao átomo
de oxigênio da carbonila e uma carga parcial positiva ao átomo de hidrogênio do grupo N−H. Por causa disso, pontes de
hidrogênio (interação dipolo-dipolo) entre os grupos C=O e
N−H da cadeia peptídica são possíveis sob condições apropriadas.
Outra consequência da natureza parcial de ligação dupla
da ligação peptídica é que os quatro átomos anexados à ligação peptídica podem estar presentes na configuração cis
ou na trans.
(5.22)
(5.19)
Embora a ligação CO−NH seja descrita como uma ligação covalente simples, na realidade, ela tem um caráter
parcial de ligação dupla devido à estrutura de ressonância
causada pela deslocalização de elétrons.
Entretanto, quase todas as ligações peptídicas das proteínas estão presentes na configuração trans. Isso acontece devido ao fato de que a configuração trans é termodinamicamente
mais estável que a configuração cis. Uma vez que a transformação trans→cis aumenta a energia livre da ligação peptídica em 8,3 kcal/mol, a isomerização das ligações peptídicas
Química de Alimentos de Fennema
não ocorre em proteínas. Uma exceção são as ligações peptídicas que envolvem resíduos de prolina. Como a mudança
da energia livre da transformação trans→cis da ligação peptídica que envolve resíduos de prolina é de aproximadamente
apenas 1,86 kcal/mol, em altas temperaturas, essas ligações
peptídicas algumas vezes sofrem isomerização trans → cis.
Embora as ligações N−Cα e Cα−C sejam de fato ligações
simples, e, portanto, os ângulos di-hedrais N e P possam, teoricamente, ter liberdade rotacional de 360°, na verdade, sua
liberdade rotacional é restringida por impedimentos estéricos dos átomos da cadeia lateral. Essas restrições diminuem
ainda mais a flexibilidade da cadeia polipeptídica.
5.3.1.2 Estrutura secundária
A estrutura secundária refere-se ao arranjo espacial periódico dos resíduos de aminoácido em alguns segmentos da
cadeia polipeptídica. As estruturas periódicas surgem quando resíduos de aminoácidos consecutivos de um segmento
compreendem o mesmo conjunto de ângulos de torsão φ e
ψ. A mudança desses ângulos é orientada por interações não
covalentes de curto alcance ou de vizinhança próxima entre
as cadeias laterais dos aminoácidos, o que leva à diminuição da energia livre local. Estrutura aperiódica ou aleatória
refere-se às regiões da cadeia polipeptídica onde resíduos
sucessivos de aminoácidos possuem diferentes conjuntos de
ângulos de torção φ e ψ.
Em geral, duas formas de estruturas secundárias periódicas (regulares) são encontradas nas proteínas, a saber, estruturas helicoidais e do tipo folha estendida. Características
geométricas de várias estruturas regulares encontradas em
proteínas são fornecidas pela Tabela 5.6.
Estruturas helicoidais: As estruturas helicoidais das proteínas são formadas quando os ângulos φ e ψ de resíduos
consecutivos de aminoácidos são torcidos para alcançar um
mesmo conjunto de valores. Ao selecionar diferentes combinações de ângulos φ e ψ, é teoricamente possível que se
criem vários tipos de estruturas helicoidais com diferentes
geometrias. Entretanto, nas proteínas, apenas três tipos dessas estruturas são encontradas, a saber, α-hélice, 310-hélice
e β-hélice.
Entre essas três estruturas helicoidais, a α-hélice é a principal forma encontrada nas proteínas, sendo, ainda, a mais
estável (Figura 5.4). O passo dessa hélice, que trata-se de
aumento do comprimento axial por rotação, é 5,4 Å. Cada
rotação helicoidal envolve 3,6 resíduos de aminoácidos, sendo que cada um aumenta o comprimento axial em 1,5 Å. O
ângulo de rotação por resíduo é de 100° (i.e., 360°/3,6). As
cadeias laterais dos aminoácidos estão orientadas perpendicularmente ao eixo da hélice.
A α-hélice é estabilizada por pontes de hidrogênio. Nessa
estrutura, cada sequência de grupo N−H é ligada por ponte
de hidrogênio ao grupo C=O do quarto resíduo precedente.
Treze átomos da sequência encontram-se nessa volta mantida
por pontes de hidrogênio, de modo que a α-hélice algumas
vezes é chamada de hélice 3,613 (Figura 5.4). As pontes de
hidrogênio são orientadas paralelamente ao eixo da hélice,
e os átomos N, H e O da ponte de hidrogênio encontram-se
quase em linha reta, isto é, o ângulo da ponte de hidrogênio é
quase zero. O comprimento da ponte de hidrogênio, isto é, a
distância N−H· · ·O, é de cerca de 2,9 Å, e a força dessa ligação é cerca de 4,5 kcal/mol. A α-hélice pode existir tanto na
orientação para a direita como para a esquerda. Entretanto, a
orientação para a direita é a mais estável.
Os detalhes da formação da α-hélice são encaixados
como um código binário na sequência dos aminoácidos [61].
Esse código está relacionado à disposição dos resíduos polares e não polares da sequência. Segmentos polipeptídicos
com repetição de sequências de sete aminoácidos (hepteto)
−P−N−P−P−N−N−P−, em que P e N são resíduos polares e
não polares, respectivamente, formam α-hélices em soluções
aquosas, com rapidez. É o código binário e não as identidades precisas dos resíduos polares e não polares da sequência
do hepteto o que dita a formação da α-hélice. Pequenas variações no código binário do hepteto são toleradas, desde que
outras interações inter ou intramoleculares sejam favoráveis
à formação da α-hélice. Por exemplo, a tropomiosina, uma
proteína muscular, existe inteiramente na forma de bastonete α-helicoidal do tipo coiled-coil. A repetição da sequência
do hepteto nessa proteína é −N−P−P−N−P−P−P−, sendo
um pouco diferente da sequência supracitada. Apesar dessa
variação, a tropomiosina existe por completo na forma de
TABELA 5.6 Características geométricas de conformações regulares de polipeptídeos
Estrutura
α−hélice dextrógira
π−hélice
310−hélice
folha β−paralela
folha β−antiparalela
Poliprolina I (cis)
Poliprolina II (trans)
191
φ
ψ
n
r
h (Å)
t
−58º
−57º
−49º
−119º
−139º
−83º
−78º
−47º
−70º
−26º
+113º
+135º
+158º
+149º
3,6
4,4
3
2
2
3,33
3,00
13
16
10
−
−
1,9
3,12
1,5
1,15
2
3,2
3,4
−
−
100º
81,8º
120º
−
−
−
−
φ e ψ representam ângulos di-hedrais das ligações N−Cα e Cα−C, respectivamente; n é o número de resíduos por volta;
r, número de átomos da cadeia principal dentro de uma volta de hélice ligada ao hidrogênio; h, elevação da hélice por
resíduo de aminoácido; t = 360°/n, torção da hélice por resíduo.
Fonte: Creighton, T. E. 1993. Proteins: Structures and Molecular Properties. W. H. Freeman Co., New York, pp. 158–159.
192
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Uma volta da
hélice; 5,4 Å;
3,6 resíduos
FIGURA 5.4 Arranjo espacial de polipeptídeos na α-hélice.
α-hélice devido a outras interações estabilizadoras no bastonete do tipo coiled-coil [82].
A maior parte da estrutura α-helicoidal encontrada nas
proteínas é de caráter anfifílico, isto é, uma das metades da
superfície da hélice é ocupada por resíduos hidrofóbicos e a
outra, por resíduos hidrofílicos. Isso é demonstrado esquematicamente, sob a forma de uma roda helicoidal, na Figura
5.5 [13]. Na maioria das proteínas, a superfície não polar da
hélice volta-se para o interior da proteína, estando geralmente envolvida em interações hidrofóbicas com outras superfícies não polares.
Outros tipos de estruturas helicoidais encontradas nas
proteínas são a β-hélice e a 310-hélice. A β-hélice e a e 310-hélice são menos estáveis que a α-hélice, em cerca de 0,5 kcal/
mol e 1,0 kcal/mol, respectivamente. Essas hélices existem
somente como pequenos segmentos que envolvem alguns resíduos de aminoácidos, não sendo componentes importantes
na maioria das proteínas.
Em resíduos de prolina, devido à estrutura de anel formada pela ligação covalente da cadeia lateral propil com o grupo
α
amino, a rotação da ligação N—C não é possível e, portanto,
o ângulo φ possui o valor fixo de 70°. Além disso, uma vez
que não há hidrogênio ligado ao átomo de nitrogênio, ele não
pode formar pontes de hidrogênio. Em virtude desses dois
atributos, os segmentos que contêm resíduos de prolina não
podem formar α-hélice. Na verdade, a prolina é considerada
como um aminoácido que quebra a α-hélice. Proteínas que
contêm altos níveis de resíduos de prolina tendem a assumir
uma estrutura aleatória ou aperiódica. Por exemplo, os resíduos de prolina constituem cerca de 17% do total de resíduos de aminoácidos na β-caseína, e 8,5%, na αs1-caseína,
sendo que, em decorrência da distribuição uniforme desses
resíduos em suas estruturas primárias, as α-hélices não estão
presentes nessas proteínas e apresentam estruturas aleatórias.
Entretanto, a poliprolina é capaz de formar dois tipos de estruturas helicoidais, denominadas poliprolina I e poliprolina
II. Na proliprolina I, as ligações peptídicas estão na configuração cis, e na II, estão na trans. Outras características geométricas dessas hélices são fornecidas pela Tabela 5.6. O colágeno, que é a proteína animal mais abundante, apresenta-se
como hélice poliprolina tipo II. No colágeno, em média, todo
terceiro resíduo é uma glicina, que é usualmente precedida
por um resíduo de prolina. Três cadeias polipeptídicas são
entrelaçadas para se formar uma tripla hélice, sendo que a
estabilidade da tripla hélice é mantida por pontes de hidrogênio intercadeias. Essa estrutura de tripla hélice singular é
responsável pela alta força de tensão do colágeno.
Estrutura folha β: A folha β é uma estrutura estendida com
geometrias específicas, as quais são apresentadas na Tabela
5.6. Nessa forma estendida, os grupos C=O e N−H são orientados perpendicularmente à direção da cadeia e, portanto, há
possibilidade de ponte de hidrogênio apenas entre segmentos
(intersegmento), e não dentro de um segmento (intrassegmento). As fitas β costumam ser compostas de 5-15 resíduos
de aminoácidos. Nas proteínas, duas fitas β da mesma molécula interagem via pontes de hidrogênio, formando uma
estrutura tipo folha conhecida como folha β-pregueada. Na
estrutura tipo folha, as cadeias laterais são orientadas perpendicularmente (acima e abaixo) em relação ao plano da folha.
Dependendo das orientações direcionais N→C das fitas, podem formar-se dois tipos de estruturas de folha β-pregueada,
denominadas folha β paralela e folha β antiparalela (Figura
5.6). Na folha β paralela, as direções das β-fitas correm em
paralelo uma com a outra, enquanto na outra, elas correm em
direções opostas, uma em relação à outra. Essas diferenças
direcionais das cadeias afetam a geometria das pontes de hi-
Química de Alimentos de Fennema
glu111
glu118
193
ala 122
asp 115
arg 125
lys 114
glu126
leu121
gly119
try110
lys 112
leu123
glu117
met 124
leu116
leu113
ile120
leu127
FIGURA 5.5 Vista transversal da estrutura helicoidal dos resíduos 110-127 do hormônio de crescimento bovino. A parte superior da
roda helicoidal (não preenchida) representa a superfície hidrofílica e a base (preenchida) representa a superfície hidrofóbica da hélice anfifílica. (De Brems, D. N. 1990. em Protein Folding (Gierasch, L. M. e J. King, Eds.), American Association for the Advancement of Science,
Washington, DC, p. 133. Cortesia da American Association for the Advancement of Science.)
(a)
H3+N
H3+N
COO–
COO–
(b)
–
H3+N
COO–
OOC
N+H3
FIGURA 5.6 Folhas β (a) paralelas e (b) antiparalelas. As linhas pontilhadas representam as pontes de hidrogênio entre os grupos de
peptídeos. As cadeias laterais dos átomos de Cα são orientadas perpendicularmente (para cima ou para baixo), em relação à direção da
cadeia principal. (http://www.schoolscience.com.uk)
drogênio. Nas folhas β antiparalelas, os átomos N−H· · ·O
posicionam-se em linha reta (ângulo da ponte H zero), o que
aumenta a estabilidade da ponte de hidrogênio, enquanto nas
folhas β paralelas, eles se posicionam em um ângulo, o que
reduz a estabilidade das pontes de hidrogênio. As folhas β
antiparalelas são, portanto, mais estáveis que as paralelas.
O código binário que especifica a formação das estruturas das folhas β nas proteínas é −N−P−N−P−N−P−N−P−.
Claramente, os segmentos polipeptídicos que contêm resíduos alternados polares e não polares apresentam forte propensão a formar estruturas de folha β. Segmentos ricos em volumosas cadeias laterais hidrofóbicas, como Val e Ile, também
194
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
têm tendência a formar uma estrutura folha β. Como esperado, um pouco de variação no código é tolerada.
A estrutura de folha β costuma ser mais estável que a de
α-hélice. As proteínas que contêm grandes frações de estrutura folha β costumam exibir altas temperaturas de desnaturação. Exemplos disso são β-lactoglobulina (51% folha β) e
globulina 11S da soja (64% de folha β), as quais apresentam
temperaturas de desnaturação térmica de 75,6 e 84,5°C, respectivamente. Por outro lado, a temperatura de desnaturação
da albumina sérica bovina, que tem 64% de estrutura α-hélice,
é apenas cerca de 64C° [25,27]. Quando soluções de proteínas
do tipo α-hélice são aquecidas e resfriadas, a α-hélice é usualmente convertida em folha β [27]. Entretanto, a conversão de
folha β para α-hélice ainda não foi observada em proteínas.
Outra característica estrutural comum encontrada em
proteínas é a curva-β ou volta-β. Ela acontece como resultado da inversão de 180° da cadeia polipeptídica envolvida na
formação da folha β. A curva do tipo fechada (hairpin-type)
é o resultado da formação da folha β antiparalela, enquanto
a curva crossover é o resultado da formação da folha β paralela. Em geral, a curva-β envolve um segmento de quatro
resíduos dobrando-se sobre si mesma e a curva é estabilizada por uma ponte de hidrogênio. Os resíduos dos aminoácidos Asp, Cys, Asn, Gly, Tyr e Pro são comuns em curvas β.
Os conteúdos da estrutura secundária de várias proteínas são
fornecidos pela Tabela 5.7.
5.3.1.3 Estrutura terciária
A estrutura terciária refere-se ao arranjo espacial atingido
quando a cadeia linear da proteína com segmentos da estrutu-
ra secundária dobram-se ainda mais em uma forma compacta
tridimensional. As estruturas terciárias da β-lactoglobulina
e da faseolina (proteína de armazenamento do feijão) são
apresentadas na Figura 5.7 [74,98].
A transformação de uma proteína proveniente de uma
configuração linear (estrutura primária) em uma estrutura
terciária dobrada é um processo complexo. Em nível molecular, as particularidades da formação da estrutura terciária
da proteína estão presentes em sua sequência de aminoácidos. A partir da perspectiva termodinâmica, a formação da
estrutura terciária envolve a otimização de várias interações
(hidrofóbica, eletrostática, van der Waals e ponte de hidrogênio) entre vários grupos na proteína e a entropia conformacional da cadeia polipeptídica, a fim de que a energia
líquida livre da molécula seja reduzida ao valor mínimo
possível. A reconfiguração mais importante que acompanha
a redução da energia livre durante a formação da estrutura
terciária é o fato de a maioria dos resíduos hidrofóbicos do
interior da estrutura proteica afastar-se do ambiente aquoso
e, ainda, a ocorrência de uma relocação da maioria dos resíduos hidrofílicos, em especial os resíduos carregados, na
interface proteína-água. Embora exista uma forte tendência
para que resíduos hidrofóbicos sejam inseridos no interior
da proteína, em geral, isso pode ser realizado apenas parcialmente devido a restrições espaciais. De fato, na maioria das
proteínas globulares, os resíduos não polares ocupam cerca
de 40-50% da superfície acessível à água das moléculas de
proteína [84]. Além disso, alguns grupos polares são inevitavelmente inseridos no interior das proteínas. Entretanto,
esses grupos polares inseridos são ligados via pontes de hidrogênio a outros grupos polares, de forma que suas energias
TABELA 5.7 Conteúdo da estrutura secundária de proteínas globulares selecionadasa
Proteína
Desoxi-hemoglobina
Albumina sérica bovina
αS1-caseína
β-caseína
κ-caseína
Quimiotripsinogênio
Imunoglobulina G
Insulina (dímero)
Inibidor da tripsina bovina
Ribonuclease A
Lisozima de ovo
Ovomucoide
Ovoalbumina
Papaína
α-lactoalbumina
β-lactoglobulina
Soja 11S
Soja 7S
Faseolina
Mioglobina
a
% α-hélice
% folha β
% β-voltas
% aperiódico
85,7
67,0
15,0
12,0
23,0
11,0
2,5
60,8
25,9
22,6
45,7
26,0
49,0
27,8
26,0
6,8
8,5
6,0
10,5
79,0
0
0
12,0
14,0
31,0
49,4
67,2
14,7
44,8
46,0
19,4
46,0
13,0
29,2
14,0
51,2
64,5
62,5
50,5
0
8,8
0
19,0
17,0
14,0
21,2
17,8
10,8
8,8
18,5
22,5
10,0
14,0
24,5
0
10,5
0
2,0
11,5
5,0
5,5
33,0
54,0
57,0
32,0
18,4
12,5
15,7
20,5
12,9
12,4
18,0
24,0
18,5
60,0
31,5
27,0
29,5
27,5
16,0
Os valores representam a porcentagem do número total de resíduos de aminoácidos.
Fonte: Compilada a partir de várias fontes.
Química de Alimentos de Fennema
195
(a)
(c)
4
D
C
H
E
B
F
G G
A
3
D
I B A
A
F
E
H C
3
(n)
1
1
2
2
(b)
G
E
F
H
A
D
C
H2N
S
B
S
SH
A
1
S S
COOH
FIGURA 5.7 Estruturas terciárias da (a) subunidade da faseolina e (b) β-lactoglobulina. As setas indicam as fitas de folha β e os cilindros
indicam a α-hélice. (De Lawrence, M. C. et al. 1990. EMBO J. 9:9–15 e Papiz, M. Z. et al. 1986. Nature 324:383–385, respectivamente.)
livres sejam minimizadas no ambiente apolar do interior da
proteína. A proporção de superfícies apolares em relação às
polares na superfície da proteína influencia muito várias de
suas propriedades físico-químicas.
O dobramento de uma proteína a partir de uma estrutura linear, que resulta em uma estrutura terciária dobrada, é
acompanhado pela redução da área interfacial proteína-água.
Na verdade, a proteína é forçada a se dobrar a fim de minimizar a área interfacial proteína-água. A área interfacial
acessível de uma proteína é definida como a área interfacial
total de um espaço tridimensional, ocupado pela proteína,
como determinado pela rolagem, falando de modo figurativo, de uma molécula esférica de água com raio 1,4 Å ao
longo de toda a superfície da molécula proteica. Para as pro2
teínas globulares nativas, a área interfacial acessível (em Å )
é uma função simples de sua massa molecular, M, como demonstrado por [84]:
(5.23)
A área interfacial acessível total de um polipeptídeo nascente, em seu estado estendido (molécula toda estendida sem
as estruturas secundária, terciária ou quaternária), também
está correlacionada ao peso molecular por [84]:
(5.24)
A área inicial de uma proteína que se dobrou durante a
formação de uma estrutura terciária globular (Ab, área inserida) pode ser estimada pelas Equações 5.23 e 5.24.
A fração e a distribuição dos resíduos hidrofílicos e hidrofóbicos na estrutura primária afetam várias propriedades
físico-químicas da proteína. Por exemplo, a forma da molécula proteica é ditada por sua sequência de aminoácidos. Se
a proteína contém um grande número de resíduos hidrofílicos distribuídos uniformemente em sua sequência, ela assumirá uma forma alongada, ou tipo bastonete. Isso se dá,
pois, para uma determinada massa, formas alongadas têm
uma grande proporção superfície-área em relação ao volume, de modo que mais resíduos hidrofílicos possam ser pos-
196
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
tos na superfície. Por outro lado, se uma proteína contém um
grande número de resíduos hidrofóbicos, ela assumirá uma
forma globular (quase esférica). Isso minimiza a proporção
superfície-área em relação ao volume, permitindo que mais
resíduos hidrofóbicos sejam inseridos no interior da proteína. Entre proteínas globulares, verifica-se, em geral, que
moléculas maiores contêm mais frações de aminoácidos não
polares do que as menores.
As estruturas terciárias de várias proteínas polipeptídicas simples são compostas de domínios. Estes são definidos
como as regiões da sequência polipeptídica que se dobram,
sozinhas, em uma forma terciária. Elas são, em essência,
miniproteínas dentro de uma proteína única. A estabilidade
estrutural de cada domínio é bastante independente dos demais. Na maioria das proteínas de cadeia simples, os domínios dobram-se independentemente, interagindo uns com os
outros para formar a estrutura terciária única da proteína. Em
algumas proteínas, como no caso da faseolina (Figura 5.7), a
estrutura terciária pode conter dois ou mais domínios distintos (componentes estruturais) conectados por um segmento
da cadeia polipeptídica. O número de domínios da proteína
costuma depender de seu peso molecular. Proteínas pequenas (p. ex., lisozima, β-lactoglobulina e α-lactoalbumina)
com 100-150 resíduos de aminoácidos geralmente formam
um único domínio de estrutura terciária. Proteínas grandes,
como as imunoglobulinas, contêm diversos domínios. A cadeia leve da imunoglobulina G contém dois domínios, enquanto a cadeia pesada contém quatro. O tamanho de cada
um desses domínios é de cerca de 120 resíduos de aminoácidos. A albumina sérica humana, que é composta de 585 resíduos de aminoácidos, tem três domínios homólogos, sendo
que cada domínio contém dois subdomínios [56].
5.3.1.4 Estrutura quaternária
A estrutura quaternária refere-se ao arranjo espacial de uma
proteína quando ela contém mais de uma cadeia polipeptídica. Várias proteínas biologicamente importantes existem como dímeros, trímeros, tretâmeros, etc. Qualquer um
desses complexos quaternários (também conhecidos como
oligômeros) podem ser compostos de subunidades proteicas (monômeros) que são iguais (homogêneos) ou diferen-
tes (heterogêneos). Por exemplo, a β-lactoglobulina ocorre
como um dímero, na faixa de pH entre 5-8, como um octâmero, na faixa de pH de 3-5 e como um monômero, na faixa
de pH acima de 8, sendo que as unidades monoméricas desses complexos são idênticas. Por outro lado, a hemoglobina
é um tetrâmero composto de duas cadeias polipeptídicas diferentes, isto é, cadeias α e β.
A formação de estruturas oligoméricas é resultante de
interações específicas proteína-proteína. Elas são compostas
primeiro por interações não covalentes tais como pontes de
hidrogênio, interações hidrofóbicas e eletrostáticas. A fração
de aminoácidos hidrofóbicos parece influenciar a tendência
à formação de proteínas oligoméricas. Proteínas que contém >30% de resíduos de aminoácidos hidrofóbicos exibem
maior tendência a formar estruturas oligoméricas que as que
contêm menos resíduos desses aminoácidos.
A formação da estrutura quaternária é impelida principalmente pela necessidade termodinâmica de inserir as superfícies hidrofóbicas expostas das subunidades. Quando o
conteúdo de aminoácidos hidrofóbicos de uma proteína for
>30%, será fisicamente impossível formar uma estrutura
terciária para encobrir todos os resíduos não polares. Como
consequência, há uma maior probabilidade de que porções
hidrofóbicas ocorram na superfície, sendo que a interação
dessas porções entre monômeros adjacentes pode levar à formação de dímeros, trímeros, etc. (Figura 5.8).
Muitas proteínas alimentares, em especial as proteínas
de cereais, ocorrem como oligômeros de polipeptídeos diferentes. Como se espera, essas proteínas costumam conter mais de 35% de resíduos de aminoácidos hidrofóbicos
(Ile, Leu, Trp, Tyr, Val, Phe e Pro). Além disso, elas também
contêm 6-12% de prolina [15]. Como resultado, as proteínas de cereais ocorrem em estruturas oligoméricas complexas. As proteínas de armazenamento importantes da soja,
β-conglicinina e glicinina, contêm cerca de 41 e 39% de
resíduos de aminoácidos hidrofóbicos, respectivamente. A
β-conglicinina é uma proteína trimérica composta de três
diferentes subunidades. Ela exibe um complexo fenômeno
de associação-dissociação em função da força iônica e do
pH [89,123]. A glicinina é composta de 12 subunidades,
seis delas são ácidas e as outras, básicas. Cada subunidade
Dímero
Superfícies hidrofóbicas
Tetrâmero
FIGURA 5.8 Representação esquemática da formação de dímeros e oligômeros em proteínas.
Química de Alimentos de Fennema
básica mantém uma ligação cruzada com uma subunidade
ácida por meio de uma ponte dissulfeto. Os seis pares ácido-básicos são mantidos juntos no estado oligomérico por
interações não covalentes. A glicinina também exibe um
comportamento complexo de associação-dissociação em
função da força iônica [89].
Em proteínas oligoméricas, a área superficial acessível, As,
é correlacionada ao peso molecular do oligômero [84] por:
(5.25)
Essa relação é diferente da aplicada às proteínas monoméricas. A área de superfície inserida quando a estrutura oligomérica nativa é formada a partir de suas subunidades polipeptídicas constituintes pode ser estimada pela equação:
(5.26)
onde At é a área acessível total das subunidades do polipeptídeo nascente, em seu estado completamente estendido.
5.3.2
da energia livre da molécula. Entretanto, o dobramento de
uma cadeia polipeptídica pode ocorrer apenas de modo que
a deformação do comprimento e dos ângulos das ligações
seja evitada.
5.3.2.2
Interações de van der Waals
Trata-se de interações dipolo induzidas por dipolo e dipolo-dipolo induzidas entre átomos neutros das moléculas de
proteína. Quando dois átomos se aproximam um do outro,
cada átomo induz um dipolo no outro por meio da polarização de uma nuvem de elétrons. A interação entre os dipolos
induzidos tem um componente atrativo e um repulsivo. As
magnitudes dessas forças dependem da distância interatômica. A energia de atração é inversamente proporcional à
sexta potência da distância interatômica, e a interação repulsiva é inversamente proporcional à 12ª potência dessa
distância. Portanto, a uma distância r, a energia líquida de
interação entre dois átomos é dada pela função da energia
potencial:
Forças envolvidas na estabilidade
da estrutura das proteínas
O processo de dobramento de uma cadeia polipeptídica aleatória, para a formação de uma estrutura tridimensional, é
bastante complexo. Como já foi mencionado, a base para a
conformação biológica nativa está codificada na sequência
de aminoácidos da proteína. Na década de 1960, Anfinsen e
colaboradores mostraram que quando a ribonuclease desnaturada foi adicionada a uma solução tampão fisiológica, ela
se dobrou de novo, atingindo sua conformação nativa e voltando a quase 100% de sua atividade biológica. Mostrou-se,
posteriormente, que várias enzimas exibem uma propensão
similar. A transformação lenta, porém espontânea, de um estado desordenado para um ordenado é facilitada por várias
interações intramoleculares não covalentes. A conformação
nativa de uma proteína é um estado termodinâmico, no qual
várias interações favoráveis são maximizadas, sendo que as
desfavoráveis são minimizadas de modo que a energia livre
total de uma molécula de proteína encontra-se em seu menor
valor possível. As forças que contribuem para o dobramento
proteico podem ser agrupadas em duas categorias: (1) interações intramoleculares que emanam de forças intrínsecas à
molécula proteica e (2) interações intramoleculares afetadas
pelo solvente circundante. As interações de van der Waals e
as interações espaciais pertencem à primeira categoria, enquanto as pontes de hidrogênio e as interações eletrostáticas
e hidrofóbicas pertencem à segunda.
5.3.2.1 Restrições estéricas
Embora os ângulos ϕ e ψ tenham, teoricamente, 360° de
rotação livre, seus valores são muito restritos por causa do
impedimento espacial dos átomos da cadeia lateral. Em
razão disso, os segmentos de uma cadeia polipeptídica podem assumir apenas um número limitado de configurações.
Distorções da geometria plana de uma unidade peptídica, ou
alongamento e dobramento de ligações, causarão o aumento
197
(5.27)
onde A e B são constantes para o par de átomos dado, e Ea
e Er são as energias de interação atrativa e repulsiva, respectivamente. As interações de van der Waals são muito fracas,
diminuem rápido com a distância e se tornam desprezíveis
acima de 6 Å. A energia da interação de van der Waals para
vários pares de átomos se estende de -0,04 a -0,19 kcal/mol.
Nas proteínas, contudo, uma vez que numerosos pares de
átomos estão envolvidos nas interações de van der Waals, a
soma de sua contribuição para o dobramento e a estabilidade
da proteína é muito significativa.
5.3.2.3
Pontes de hidrogênio
As pontes de hidrogênio envolvem a interação de um átomo
de hidrogênio que está covalentemente ligado a um átomo
eletronegativo (como N, O ou S) com outro átomo eletronegativo. Uma ponte de hidrogênio pode ser representada como
D−H· · ·A, em que D e A são os átomos eletronegativos doador e receptor, respectivamente. A força de uma ponte de
hidrogênio varia entre 2 e 7,9 kcal/mol, dependendo do par
de átomos eletronegativos envolvidos e o ângulo da ponte.
As proteínas contêm vários grupos capazes de formar
pontes de hidrogênio. Alguns dos possíveis candidatos
são demonstrados na Figura 5.9 [113]. Entre esses grupos,
o maior número de pontes de hidrogênio é formado entre
grupos de ligações peptídicas N−H e C=O, nas estruturas
α-hélice e folha β.
A ligação entre hidrogênio e peptídeo pode ser considerada como uma interação dipolo-dipolo permanente entre os
dipolos Nδ−Hδ+ e Cδ+=Oδ−, como a seguir:
(5.28)
198
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
C
O
H
O
HO
Ponte de hidrogênio
entre grupos peptídicos
N
Ponte de hidrogênio entre
grupos carboxílicos não ionizados
C
C
OH
O
O
−
H
+
O
Ponte de hidrogênio entre grupo hidroxil
ou fenólico e grupos carboxílicos ionizados
C
O
OH
O
O
Ponte de hidrogênio entre grupo hidroxil
ou fenólico e o grupos carbonil do peptídeo
C
H2N
Ponte de hidrogênio entre
grupos amida da cadeia lateral
C
C
NH2
O
O
Ponte de hidrogênio entre o grupo carboxílico
da cadeia lateral e a cadeia lateral de histidina
C
OH
N
NH
FIGURA 5.9 Grupos ligados por pontes de hidrogênio em proteínas. (Scheraga, H. A. 1963. Em The Proteins, 2nd edn., Vol. 1 (Neurath,
H., Ed.), Academic Press, New York, pp. 478–594.)
A força da ponte de hidrogênio é dada pela função da
energia potencial:
(5.29)
onde μ1 e μ2 são momentos dipolo, ε0 é a permitividade
do vácuo, ε é a constante dielétrica do meio, r é a distância
entre os átomos eletronegativos e θ é o ângulo da ponte de
hidrogênio.
A energia da ponte de hidrogênio é diretamente proporcional ao produto dos momentos dipolo e ao cosseno do ângulo da ponte, sendo inversamente proporcional à terceira
potência da distância N· · ·O e à constante dielétrica do meio.
A força da ponte de hidrogênio alcança o máximo quando θ é
zero, sendo zero quando θ é 90°. As pontes de hidrogênio de
estruturas α-hélice e folha β antiparalela apresentam valor de
θ muito próximo de zero, enquanto as de folhas β paralelas
apresentam valores θ maiores. A distância ótima N· · ·O para
a energia máxima da ponte de hidrogênio é 2,9 Å. Em distâncias menores, a interação eletrostática repulsiva entre átomos
δ−
δ−
N e O causa diminuição significativa da força da ponte de
hidrogênio. Em distâncias maiores, a fraca interação entre os
grupos N−H e C=O diminui a força da ponte de hidrogênio.
A força das pontes de hidrogênio N−H· · ·O=C no interior
das proteínas, onde a constante dielétrica está próxima a um,
é cerca de 4,5 kcal/mol. “Força” refere-se à quantidade de
energia necessária para se quebrar a ponte.
A existência de pontes de hidrogênio nas proteínas está
bem estabelecida. Já que a formação de cada ponte de hidrogênio diminui a energia livre da proteína em cerca de
−4,5 kcal/mol, acredita-se que, em geral, elas podem agir
não apenas como a força motriz do dobramento da proteína,
mas também, podem contribuir muito para a estabilidade da
estrutura nativa. Contudo, essa suposição não é válida. Uma
vez que a água poder competir pela ponte de hidrogênio com
os grupos N−H e C=O, nas proteínas, as pontes de hidrogênio entre grupos não conseguem ocorrer espontaneamente,
nem a constituição de pontes de hidrogênio N−H· · ·O=C
pode ser a força motriz para a formação de α-hélice e folha
β pregueada nas proteínas. A ponte de hidrogênio é, principalmente, uma interação iônica. Como outras interações
iônicas, sua estabilidade também depende da constante dielétrica do ambiente. A estabilidade de uma ponte de hidrogênio nas estruturas secundárias deve-se à constante dielétrica
baixa criada pela interação entre resíduos não polares. Essas
cadeias laterais volumosas impedem o acesso da água às
pontes de hidrogênio N−H· · ·O=C. Elas são estáveis apenas enquanto estão protegidas da água.
5.3.2.4
Interações eletrostáticas
Como já foi citado, as proteínas contêm vários resíduos de
aminoácidos com grupos ionizáveis. Em pH neutro, os resíduos de Asp e Glu estão negativamente carregados, e Lys,
Arg e His estão carregados positivamente. Em pH alcalino,
os resíduos de Cys e Tyr assumem carga negativa.
Dependendo do número relativo de resíduos carregados
negativa e positivamente, as proteínas assumem uma carga líquida negativa ou uma carga líquida positiva, em pH
neutro. O pH no qual a carga líquida é zero é chamado de
pH isoelétrico (pI), sendo este diferente do ponto isoiônico.
Ponto isoiônico é o pH da solução proteica na ausência de
eletrólitos. O pH isoelétrico de uma proteína pode ser esti-
Química de Alimentos de Fennema
mado a partir de sua composição de aminoácidos e dos valores de pKa de grupos ionizáveis, usando-se a equação de
Hendersen-Hasselbach (Equação 5.5).
Com poucas exceções, quase todos os grupos carregados
das proteínas estão distribuídos na superfície da molécula
proteica. Visto que, em pH neutro, as proteínas assumem
uma carga líquida positiva ou negativa, pode esperar-se que
a interação repulsiva líquida entre cargas semelhantes desestabilize a estrutura da proteína. É ainda razoável supor
que interações atrativas entre grupos com cargas opostas, em
alguns locais críticos, possam contribuir para a estabilidade da estrutura proteica. Contudo, na realidade, o montante
das forças repulsivas e atrativas é minimizado em soluções
aquosas, por causa da alta permitividade da água. A energia
de interação eletrostática entre duas cargas fixas q1 e q2 separadas pela distância r é dada por:
(5.30)
No vácuo ou no ar (ε = 1), a energia de interação eletrostática entre duas cargas a uma distância de cerca de 3 a 5 Å
vai de ±110 a ±66 kcal/mol. Na água, entretanto, a energia
de interação é reduzida para ±1,4 a ±0,84 kcal/mol, a qual
é da ordem da energia térmica da molécula de proteína, a
37 °C. Portanto, as interações eletrostáticas atrativas e repulsivas entre cargas localizadas na superfície da proteína
não contribuem de maneira significativa para a estabilidade
proteica. No entanto, grupos parcialmente carregados inseridos no interior da proteína, onde a permitividade é menor do
que a da água, costumam formar pontes salinas com energia
de interação forte. Assim, a energia de interação eletrostática
pode variar entre ±0,84 e ±110 kcal/mol, dependendo da
distância e da permitividade local.
Embora as interações eletrostáticas possam não agir
como forças motrizes primárias para o dobramento de proteínas, a disposição dos grupos carregados que permanecerem expostos ao ambiente aquoso certamente influenciará o
padrão do dobramento.
5.3.2.5 Interações hidrofóbicas
A partir das discussões anteriores, torna-se óbvio que, em
soluções aquosas, as pontes de hidrogênio e as interações
eletrostáticas entre diversos grupos polares em uma cadeia
polipeptídica não possuem energia suficiente para agir como
forças motrizes para o dobramento da proteína. As interações polares das proteínas não são muito estáveis em ambiente aquoso, sendo que suas estabilidades dependem da
manutenção de um ambiente apolar. A principal força motriz
do dobramento da proteína vem das interações hidrofóbicas
entre grupos não polares.
Em soluções aquosas, a interação hidrofóbica entre grupos não polares é o resultado de uma interação termodinamicamente desfavorável entre água e grupos não polares.
Quando um hidrocarboneto é dissolvido em água, a diferença da energia livre padrão (G) é positiva e as diferenças
de volume (V) e de entalpia (H) são negativas. Embora
H seja negativa, o que significa que existe interação favo-
199
rável entre a água e o hidrocarboneto, G é positiva. Como
G=H − T S (onde T é a temperatura e S é a diferença
de entropia), a diferença positiva de G deve resultar de uma
grande diferença negativa de entropia, a qual compensa a diferença favorável de H. A diminuição da entropia é causada
pela formação de uma tela ou estrutura aquosa, semelhante
a uma gaiola, ao redor do hidrocarboneto. Por causa da diferença positiva líquida de G, a interação entre água e grupos
não polares é bastante restrita. Consequentemente, em soluções aquosas, os grupos não polares tendem a se agregar, de
modo que a área de contato direto com a água é minimizada
(ver Capítulo 2). A interação induzida pela estrutura da água
entre grupos não polares em soluções aquosas é conhecida
como interação hidrofóbica. Nas proteínas, a interação hidrofóbica entre cadeias laterais não polares de resíduos de
aminoácidos é a principal razão para o dobramento de proteínas em estruturas terciárias singulares, nas quais a maioria
dos grupos não polares é proveniente do ambiente aquoso.
Uma vez que a interação hidrofóbica é a antítese da solução de grupos não polares na água, o valor de G para
interações hidrofóbicas é negativo, enquanto os valores de
V, H e S são positivos. Diferente de outras interações
não covalentes, as interações hidrofóbicas são endotérmicas, isto é, são mais fortes a altas temperaturas, sendo mais
fracas a baixas temperaturas (em oposição ao que acontece
com as pontes de hidrogênio). A variação de energia livre
hidrofóbica com a temperatura costuma seguir uma função
quadrática,
(5.31)
onde a, b e c são constantes e T é a temperatura absoluta.
A energia de interação hidrofóbica entre duas moléculas
esféricas não polares pode ser estimada a partir da equação
de energia potencial [59]:
(5.32)
onde R1 e R2 são os raios das moléculas não polares, D é a
distância em nm entre as moléculas, e D0 é a extensão do
decaimento (1nm). Diferente das ligações eletrostáticas, as
pontes de hidrogênio e as interações de van der Waals, que
seguem uma relação que se baseia na lei de potência com a
distância entre os grupos que interagem, a interação hidrofóbica segue uma relação exponencial com a distância entre os
grupos que interagem. Desse modo, ela é efetiva em distâncias relativamente longas (p. ex., 10 nm).
A energia hidrofóbica livre das proteínas não pode ser
quantificada usando-se a equação supracitada, o que se deve
ao envolvimento de vários grupos não polares. É possível,
contudo, estimar-se a energia hidrofóbica livre de uma proteína por meio de outras correlações empíricas. A energia hidrofóbica livre de uma molécula é diretamente proporcional à
área de superfície não polar que está acessível à água (Figura
5.10) [107]. A constante de proporcionalidade, isto é, a inclinação, varia entre 22 cal mol −1 Å−2 para as cadeias laterais
de Ala, Val, Leu e Phe, e 26 cal mol −1 Å−2 para Ser, Thr, Trp
e Met. Em média, a hidrofobicidade das cadeias laterais dos
200
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
10
Gf ( kca l/mol)
8
6
4
2
Val
Tyr
Ala
0
–1
Ser
0
Trp
Phe
Leu
Thr
Met
His
100
200
300
400
Área de superfície acessível (Å2)
FIGURA 5.10 Relação entre hidrofobicidade e área de superfície acessível das cadeias laterais de aminoácidos (círculos abertos) e hidrocarbonetos (círculos preenchidos). (De Richards, F. M. 1977. Ann. Rev. Biophys. Bioeng. 6:151–176. Cortesia da Annual Reviews, Inc.
aminoácidos é cerca de 24 cal mol −1 Å−2. Isso está próximo
−1 −2
do valor de 25 cal mol Å para os alcanos, o que significa
que para a remoção de cada um Å2 de área da superfície não
polar do ambiente aquoso, uma proteína diminuirá sua energia livre em 24 cal/mol. Sendo assim, a energia hidrofóbica
livre de uma proteína pode ser estimada pela multiplicação do
−1 −2
total da área de superfície “inserida” por 24 cal mol Å .
A área de superfície inserida em várias proteínas globulares e as energias hidrofóbicas livres são mostradas na Tabela
5.8 [11]. É evidente que a energia hidrofóbica livre contribui
do modo significativo para a estabilidade da estrutura proteica. A média de energia hidrofóbica livre por resíduo de aminoácido em proteínas globulares chega a aproximadamente
2,5 kcal/mol.
5.3.2.6 Pontes dissulfeto
As pontes dissulfeto são as únicas ligações cruzadas de cadeia
lateral covalentes encontradas nas proteínas. Elas podem ocorrer tanto intramolecular como intermolecularmente. Nas proteínas monoméricas, as pontes dissulfeto são formadas como
resultado do dobramento de proteínas. Quando dois resíduos
Cys ficam próximos um do outro, com orientação apropriada,
a oxidação de grupos sulfidrila pelo oxigênio molecular resulta em formação de pontes dissulfeto. Uma vez formadas, elas
ajudam a estabilizar a estrutura dobrada das proteínas.
Misturas proteicas que contêm resíduos de cistina e de
Cys são capazes de sofrer reações de troca sulfidril-dissulfeto como é mostrado a seguir:
(5.33)
A reação de troca também pode ocorrer dentro de uma
única proteína desnaturada se ela contiver um grupo sulfidril
livre e uma ponte dissulfeto. Essa reação costuma levar à
diminuição de estabilidade da molécula proteica.
Em resumo, a formação de uma estrutura de proteína
tridimensional específica é o resultado líquido de diversas
interações não covalentes de atração e repulsão e quaisquer
pontes dissulfeto.
5.3.3 Estabilidade conformacional e
adaptabilidade das proteínas
A estabilidade da estrutura nativa das proteínas é definida
como a diferença de energia livre entre os estados nativo e
desnaturado (ou desordenado) da molécula proteica. Ela costuma ser representada como GD, referindo-se à quantidade
de energia necessária para desdobrar uma proteína do estado
nativo para um estado desnaturado.
Todas as interações não covalentes discutidas anteriormente, exceto as interações eletrostáticas repulsivas, contribuem para a estabilidade da estrutura nativa da proteína. A
influência estabilizadora sobre a estrutura nativa das mudanças na energia livre total atribuída a essas interações chega a
centenas de kcal/mol. Entretanto, o GD líquido da maioria
das proteínas está na faixa de 5-20 kcal/mol. A principal força que desestabiliza a estrutura nativa é a entropia conformacional da cadeia polipeptídica. A perda dos movimentos
translacionais, rotacionais e vibracionais ocorrente quando
um polipeptídeo em estado desordenado é ordenado em uma
estrutura compacta diminui sua entropia conformacional. O
aumento de energia livre resultante dessa perda de entropia
conformacional é mais do que compensado pelas interações
não covalentes favoráveis, resultando em redução líquida de
energia livre. Desse modo, a diferença de energia livre entre
os estados nativo e desnaturado pode ser expresso como
(5.34)
onde Gponte-H, Gele, GHφ,e GvdW, são, respectivamente,
as mudanças de energia livre para interações com pontes de
Química de Alimentos de Fennema
201
TABELA 5.8 Área de superfície acessível (As), área de superfície inserida (Ab) e energia hidrofóbica
livre em proteínas
Proteína
MW (Daltons)
AS (Å2)
Ab(Å2)
ΔGHφ (kcal/mol)
11.450
11.930
13.690
14.700
17.300
20.050
23.270
25.030
27.540
28.370
34.450
34.500
5.930
5.570
6.790
6.620
7.600
9.160
9.140
10.440
10.390
11.020
12.110
12.650
11.037
12.107
13.492
15.157
18.025
20.535
25.320
26.625
30.390
30.988
38.897
38.431
269
294
329
369
439
500
617
648
739
755
947
935
Parvalbumina
Citocromo C
Ribonuclease A
Lisozima
Mioglobina
Proteína transportadora de retinol (RDB)
Papaína
Quimotripsina
Subtilsina
Anidrase carbônica B
Carboxipeptidase A
Termolisina
Os valores de AS são da Referência 84.
Ab foi calculado a partir das Equações 5.22 e 5.23.
hidrogênio, interações eletrostáticas, interações hidrofóbicas
e interações de van der Waals, enquanto Sconf é a entropia
conformacional da cadeia polipeptídica. A Sconf de uma
proteína em estado desordenado é de cerca de 1,9 a 10 cal
−1 −1
mol K por resíduo. Em geral, supõe-se um valor médio de
−1 −1
5,2 cal mol K por resíduo.
Uma proteína com 100 resíduos de aminoácidos e 310 K
terá entropia conformacional de cerca de 5,2 × 100 × 310
= 161,2 kcal/mol. Essa energia conformacional desestabilizadora reduzirá a estabilidade líquida da estrutura nativa
resultante de interações não covalentes.
Os valores de GD, isto é, a energia necessária ao desdobramento de várias proteínas, estão apresentados na Tabela 5.9.
Esses valores indicam que, apesar de numerosas interações intramoleculares, as proteínas são apenas marginalmente estáveis. Por exemplo, os valores de GD da maioria das proteínas
correspondem ao equivalente energético de uma a três pontes
de hidrogênio ou cerca de duas a cinco interações hidrofóbicas,
o que sugere que a quebra de algumas interações não covalentes desestabilizaria a estrutura nativa de muitas proteínas.
Em contrapartida, parece que as proteínas não foram projetadas para serem moléculas rígidas. Elas são flexíveis, seu
TABELA 5.9 Valores de GD para proteínas selecionadas
Proteína
pH
T (ºC)
ΔGD (kcal/mol)
α-lactoalbumina
β-lactoglobulina bovina A + B
β-lactoglobulina bovina A
β-lactoglobulina bovina B
Lisozima T4
Lisozima da clara do ovo de galinha
Actina G
Lipase (de Aspergillus)
Troponina
Ovoalbumina
Citocromo C
Ribonuclease
α-quimiotripisina
Tripsina
Pepsina
Hormônio do crescimento
Insulina
Fosfatase alcalina
7
7,2
3,15
3,15
3,0
7,0
7,5
7,0
7,0
7,0
5,0
7,0
4,0
−
6,5
8,0
3,0
7,5
25
25
25
25
37
37
25
−
37
25
37
37
37
37
25
25
20
30
4,4
7,6
10,2
11,9
4,6
12,2
6,5
11,2
4,7
6,0
7,9
8,1
8,1
13,2
10,9
14,2
6,5
20,3
GD representa GU – GN, sendo que GU e GN são, respectivamente, as energias livres dos estados
desnaturado e nativo de uma molécula proteica.
Fonte: Compilada a partir de várias fontes.
202
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
estado nativo é um estado metaestável e a quebra de uma a
três pontes de hidrogênio ou de algumas interações hidrofóbicas pode causar mudanças conformacionais cooperativas
com facilidade. A adaptabilidade conformacional a mudanças nas condições da solução é necessária para que as proteínas realizem diversas funções biológicas importantes. Por
exemplo, a ligação eficiente dos substratos ou ligantes prostéticos a enzimas envolve, invariavelmente, a reorganização
dos segmentos polipeptídicos nos sítios de ligação. Por outro
lado, as proteínas que necessitam de alta estabilidade estrutural para realizar suas funções fisiológicas costumam ser
estabilizadas por pontes dissulfeto intramoleculares, que
neutralizam de maneira efetiva a entropia conformacional
(i.e., a tendência da cadeia polipeptídica a desdobrar-se).
5.4
DESNATURAÇÃO PROTEICA
A estrutura nativa de uma proteína é o resultado líquido de
várias interações atrativas e repulsivas que emanam de forças
intramoleculares variadas, bem como da interação de vários
grupos proteicos com a água como solvente circundante.
Contudo, a estrutura nativa é, em grande parte, o produto do
ambiente da proteína. O estado nativo é, termodinamicamente, o mais estável com a energia livre mais baixa possível.
Qualquer mudança em seu ambiente, tal como pH, força iônica, temperatura, composição de solvente, etc., forçará a molécula a assumir uma nova estrutura de equilíbrio. Mudanças
sutis na estrutura, as quais não alterem drasticamente a arquitetura molecular da proteína, costumam ser consideradas
como “adaptabilidade conformacional”, enquanto mudanças
importantes nas estruturas secundária, terciária e quaternária,
sem clivagem das ligações peptídicas da cadeia principal, são
consideradas “desnaturação”. Do ponto de vista estrutural,
enquanto a estrutura nativa de uma proteína é uma entidade
bem definida, com coordenadas estruturais para cada um dos
átomos da molécula, podendo ser obtida a partir de sua estrutura cristalográfica, o mesmo não ocorre com a estrutura
desnaturada. A desnaturação é um fenômeno no qual o estado
inicial bem definido de uma proteína formada sob condições
fisiológicas é transformado em uma estrutura final mal definida sob condições não fisiológicas, usando-se um agente
desnaturante. Isso não envolve nenhuma mudança química
na proteína. No estado desnaturado, em decorrência de um
maior movimento de rotação dos ângulos di-hedrais da cadeia polipeptídica, a proteína pode assumir vários estados
conformacionais, diferindo apenas ligeiramente em energia
livre. A Figura 5.11 demonstra isso de forma esquemática.
Alguns estados desnaturados possuem mais estruturas residuais dobradas que outros. Deve-se notar que, mesmo no
estado completamente desnaturado, as proteínas globulares
típicas, com exceção da gelatina, não se comportam como
verdadeiras random coil (estado de desordem estrutural). Isso
se deve ao fato de que o caráter parcial da ligação dupla das
ligações amida e as restrições espaciais locais causadas pelas
cadeias laterais volumosas não permitem a liberdade rotacional de 360° para a sequência polipeptídica.
A viscosidade intrínseca ([η]) de uma proteína desnaturada por completo é uma função do número de resíduos de
aminoácidos, sendo expressa por [121]:
(5.35)
onde η é o número de resíduos de aminoácidos da proteína.
Com frequência, a desnaturação tem uma conotação
negativa, pois ela indica perda de algumas propriedades.
Muitas proteínas biologicamente ativas perdem sua atividade após a desnaturação. No caso das proteínas alimentares,
a desnaturação costuma causar perda da solubilidade e de
algumas propriedades funcionais. No entanto, do ponto de
vista da aplicação do alimento, a desnaturação proteica durante o processamento não é sempre indesejável. De fato, em
alguns casos, ela é muito desejável. Por exemplo, a desnaturação parcial de proteínas na interface ar-água e óleo-água
melhora as propriedades emulsificantes e de formação de
espuma, enquanto a desnaturação térmica excessiva das proteínas de soja diminui suas propriedades emulsificantes e de
formação de espuma. Por outro lado, a desnaturação térmica melhora acentuadamente a digestibilidade das proteínas
das leguminosas, o que resulta da inativação de inibidores de
Estado de desordem
estrutural (random coil)
Energia livre
Estado
desnaturado
ΔGU↔N
Estado nativo
ordenado
FIGURA 5.11 Representação esquemática da energia de uma molécula proteica em função de sua conformação. A conformação com
a menor energia geralmente é a do estado nativo.
Química de Alimentos de Fennema
tripsina. Em geral, as proteínas parcialmente desnaturadas
são mais digeríveis do que as naturais. Em bebidas proteicas,
nas quais a alta solubilidade e a dispersibilidade de proteínas
é necessária, até mesmo desnaturações parciais da proteína,
durante o processamento, podem causar floculação e precipitação durante o armazenamento, podendo, assim, afetar
de modo adverso os atributos sensoriais do produto. Assim,
para se desenvolver estratégias de processamento apropriadas, é imperativo que haja um entendimento básico sobre os
fatores ambientais e sobre outros fatores que afetam a estabilidade estrutural das proteínas em sistemas alimentícios.
5.4.1 Termodinâmica da desnaturação
A desnaturação é um fenômeno que envolve a transformação
de uma estrutura dobrada e bem definida de uma proteína,
formada sob condições fisiológicas, em um estado desordenado, sob condições não fisiológicas. Como a estrutura não
é um parâmetro facilmente quantificável, a medição direta
das frações das proteínas nativa e desnaturada não é possível. Entretanto, mudanças conformacionais nas proteínas
afetam invariavelmente várias de suas propriedades físicas
e químicas, como absorbância no ultravioleta, fluorescência,
viscosidade, coeficiente de sedimentação, rotação óptica, dicroísmo circular, reatividade de grupos sulfidril e atividade
enzimática. Desse modo, a desnaturação proteica pode ser
estudada por monitoramento das mudanças nessas propriedades físico-químicas.
Quando mudanças em uma propriedade física ou química, y, são monitoradas como função da temperatura ou da
concentração do desnaturante, muitas proteínas globulares
monoméricas exibem perfis de desnaturação, como demonstrado na Figura 5.12. yN e yD são valores de y para os estados
nativo e desnaturado da proteína, respectivamente.
203
Para a maioria das proteínas, à medida que a concentração
do desnaturante (ou temperatura) aumenta, o valor de y permanece inalterado a princípio e, acima de um ponto crítico,
seu valor muda abruptamente de yN para yD, dentro de uma
faixa estreita de concentração ou temperatura do desnaturante. Para a maioria das proteínas globulares, essa transição é
muito íngreme, indicando que a desnaturação da proteína é
um processo cooperativo. Ou seja, uma vez que a molécula
de proteína começa a se desdobrar ou, uma vez que algumas
interações na proteína são quebradas, a molécula inteira se
desdobra, com leve aumento adicional de concentração ou
temperatura do desnaturante. A natureza cooperativa do
desdobramento sugere que as proteínas globulares ocorrem
apenas nos estados nativo e desnaturado, isto é, nos estados
intermediários não são possíveis. Isso é conhecido como modelo de “transição em dois estados”. Para o modelo de dois
estados, o equilíbrio entre os estados nativo e desnaturado na
região de transição cooperativa pode ser expresso como:
(5.36)
onde KD é a constante de equilíbrio. Como a concentração
de moléculas de proteína desnaturada é extremamente baixa
9
(entre 1 e 10 ) na ausência de um desnaturante (ou quantidade crítica de calor) a estimativa de KD não é possível.
Entretanto, na região de transição, ou seja, em concentração
alta o suficiente de desnaturante (ou temperatura suficientemente alta), o aumento da quantidade de moléculas de proteína desnaturada permite a determinação de uma constante
de equilíbrio aparente, KD,app. Na região de transição, onde
tanto as moléculas proteicas naturais como as desnaturadas
estão presentes, o valor de y é dado por:
(5.37)
y
yD
yN
yN
yD
Concentração, temperatura, ou pH desnaturante
FIGURA 5.12 Curvas típicas de desnaturação proteica, y representa qualquer propriedade física ou química mensurável de uma molécula de proteína que varia com a conformação proteica, yN e yD são os valores de y para os estados nativo e desnaturado, respectivamente.
204
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
onde fN e fD são as frações da proteína nos estados nativo e
desnaturado, e yN e yD são valores de y para os estados nativo
e desnaturado, respectivamente. A partir da Figura 5.12,
(5.38)
(5.39)
A constante de equilíbrio aparente é dada por:
(5.40)
e a energia livre da desnaturação é dada por:
(5.41)
O gráfico de − RT ln KD,app versus a concentração de desnaturante é geralmente linear e então a KD e a GD da proteína em
água pura (ou em tampão na ausência de desnaturante) é obtida
a partir da intersecção com y. A entalpia de desnaturação, HD,
é obtida a partir da variação da mudança de energia livre com a
temperatura, utilizando-se a equação de van’t Hoff:
(5.42)
As proteínas monoméricas que contêm dois ou mais domínios com estabilidades estruturais diferentes costumam exibir
diversas etapas de transição no perfil de desnaturação. Se as
etapas de transição estiverem bem separadas, as estabilidades
de cada domínio podem ser obtidas a partir do perfil de transição, utilizando-se o modelo de dois estados supracitada. A
desnaturação de proteínas oligoméricas ocorre via dissociação
de subunidades, seguida da desnaturação das subunidades.
A desnaturação proteica pode ser reversível, em especial
para proteínas monoméricas pequenas. Quando o desnaturante é removido da solução proteica (ou a amostra é resfriada), a maioria das proteínas monoméricas (na ausência de
agregação) se reorganiza para atingir sua conformação nativa sob condições de solução apropriadas, como pH, força
iônica, potencial redox e concentração proteica. Muitas proteínas reorganizam-se quando a concentração proteica está
abaixo de 1 μM. Acima de 1μM de concentração proteica,
a reorganização é parcialmente inibida por causa da maior
interação intermolecular ocorrida à custa de interações intramoleculares. Potenciais redox comparáveis aos do fluido
biológico facilitam a formação de pares corretos de pontes
dissulfeto durante o redobramento.
5.4.2 Agentes desnaturantes
5.4.2.1 Agentes físicos
5.4.2.1.1 Temperatura e desnaturação
O calor é o agente desnaturante mais utilizado no processamento e na preservação de alimentos. As proteínas passam
por graus variados de desnaturação durante o processamen-
to. Isso pode afetar suas propriedades funcionais em alimentos, sendo, por isso, importante que se entendam os fatores
que afetam a desnaturação proteica.
Quando uma solução proteica é aquecida gradualmente
acima da temperatura crítica, ela sofre uma transição brusca
do estado nativo para o desnaturado. A temperatura no ponto
médio de transição, no qual a proporção da concentração dos
estados nativo e desnaturado é 1, é conhecido como temperatura de fusão Tf ou como temperatura de desnaturação Td.
O mecanismo de desnaturação das proteínas induzido pela
temperatura envolve principalmente o efeito da temperatura sobre a estabilidade das interações não covalentes. Nesse
aspecto, as pontes de hidrogênio e as interações eletrostáticas, que são exotérmicas por natureza, são desestabilizadas,
sendo que as interações hidrofóbicas, que são endotérmicas,
são estabilizadas à medida que a temperatura aumenta. A
força das interações hidrofóbicas alcança seu máximo em
cerca de 70-80ºC [22]. Além das interações não covalentes,
a dependência da temperatura da entropia conformacional,
TSconf, também desempenha um papel importante na estabilidade das proteínas. A entropia conformacional da cadeia
aumenta conforme a temperatura se eleva, o que favorece um
estado desordenado. A estabilidade líquida de uma proteína
em determinada temperatura é, desse modo, a soma total dessas interações. Entretanto, uma análise cuidadosa do efeito
da temperatura sobre várias interações em proteínas revela o
seguinte: nas proteínas globulares, a maioria dos grupos carregados ocorre na superfície da molécula proteica, estando
completamente expostos ao meio aquoso muito dielétrico.
Por causa do efeito de varredura dielétrica da água, as interações eletrostáticas atrativas e repulsivas entre os resíduos
carregados são muito reduzidas. Além disso, sob força iônica
fisiológica, a varredura de grupos carregados nas proteínas
por contraíons, reduz ainda mais as interações eletrostáticas
nas proteínas. Por causa desses fatos, a influência das interações eletrostáticas nas proteínas não é significativa. De modo
semelhante, as pontes de hidrogênio são instáveis em meio
aquoso e, em consequência disso, sua estabilidade nas proteínas depende das interações hidrofóbicas que criam um meio
dielétrico baixo no local. Isso implica que, à medida que um
meio não polar é mantido, as pontes de hidrogênio na proteína permanecem intactas com o aumento da temperatura.
Esses fatos sugerem que, embora as interações polares sejam
afetadas pela temperatura, elas não costumam contribuir para
a desnaturação proteica induzida pelo calor. Com base nessas considerações, a estabilidade do estado nativo da proteína
pode ser considerada como uma diferença de energia líquida
livre proveniente das interações hidrofóbicas que tendem a
favorecer o estado ordenado e a entropia conformacional da
cadeia que favorece o estado desordenado. Isto é,
(5.43)
A dependência da estabilidade da proteína em relação à
temperatura, sob pressão constante, pode ser expressa como
[33]
(5.44)
Química de Alimentos de Fennema
205
das proteínas tendem a estabilizá-las, tanto em baixas como
em altas temperaturas, pois elas se opõem à entropia conformacional da cadeia proteica.
Várias proteínas alimentares sofrem desnaturação e dissociação reversíveis em baixas temperaturas. A glicinina,
uma das proteínas de armazenamento da soja, agrega-se e
precipita-se quando armazenada a 2ºC [68], tornando-se então solúvel quando retorna à temperatura ambiente. Quando
o leite desnatado é armazenado a 4ºC, a β-caseína dissocia-se das micelas de caseína, e isso altera as propriedades físico-químicas e coagulantes das micelas de caseína. Diversas
enzimas oligoméricas, como lactato desidrogenase e gliceraldeído fosfato desidrogenase, perdem a maior parte de sua
atividade enzimática quando armazenadas a 4ºC, o que tem
sido atribuído à dissociação das subunidades. Entretanto,
quando aquecidas até a temperatura ambiente e mantidas
nessa temperatura por algumas horas, elas se reassociam e
recuperam completamente sua atividade [127].
A composição de aminoácidos afeta a estabilidade térmica das proteínas. As proteínas que contêm maiores porções
de resíduos de aminoácidos hidrofóbicos, especialmente
Val, Ile, Leu e Phe, tendem a ser mais estáveis que as mais
hidrofílicas [137]. Além disso, há uma forte correlação positiva entre a termoestabilidade e o número percentual de
alguns resíduos de aminoácidos. Por exemplo, a análise estatística de quinze proteínas diferentes demonstrou que suas
temperaturas de desnaturação térmica estão correlacionadas
positivamente (r = 0,98) à soma do número percentual dos
resíduos de Asp, Cys, Glu, Lys, Leu, Arg, Trp e Tyr. Por outro lado, as temperaturas de desnaturação térmica do mesmo
grupo de proteínas estão correlacionadas negativamente (r
= − 0,975) à soma do número percentual de Ala, Asp, Gly,
As interações hidrofóbicas são fortalecidas em temperaturas mais altas; portanto
. A entropia
conformacional aumenta a partir do desdobramento da proteína; portanto,
. À medida que a temperatura aumenta, a interação entre essas forças opostas alcan. A temperatura na
ça um ponto no qual
qual esse processo ocorre sinaliza a temperatura de desnaturação (Td) da proteína. As contribuições relativas das forças principais para a estabilidade da molécula proteica em
função da temperatura estão representadas na Figura 5.13.
Deve-se notar que a estabilidade das pontes de hidrogênio
nas proteínas não é afetada significativamente pela temperatura. Os valores de Td de algumas proteínas estão listados
na Tabela 5.10 [14].
Supõe-se, com frequência, que quanto menor a temperatura, maior será a estabilidade de uma proteína. Isso não
é sempre verdadeiro. Algumas proteínas são desnaturadas
em baixas temperaturas [16]. Por exemplo (Figura 5.14)
[18,73], a estabilidade da lisozima aumenta com a redução
da temperatura, enquanto a estabilidade da mioglobina e de
um mutante da lisozima do fago T4 demonstram sua estabilidade máxima a cerca de 30 e 12,5º C, respectivamente.
Abaixo e acima dessas temperaturas, a mioglobina e a lisozima do fago T4 são menos estáveis. Quando armazenadas
abaixo de 0ºC, essas duas proteínas sofrem desnaturação
induzida pelo frio. A temperatura da estabilidade máxima
(mínimo de energia livre) depende do impacto relativo da
temperatura sobre as forças de estabilização e desestabilização na proteína. As proteínas que são estabilizadas principalmente por interações hidrofóbicas são mais estáveis
em temperaturas próximas à ambiente do que em temperatura de refrigeração. As pontes dissulfeto intramoleculares
Positiva
Negativa
Contribuições da energia livre (kcal)
Interações hidrofóbicas
Entropia
conformacional
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Temperatura (C˚)
FIGURA 5.13 Mudanças relativas em contribuições da energia livre por pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e entropia conformacional para a estabilidade das proteínas em função da temperatura.
206
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 5.10 Temperaturas de desnaturação térmica (TD ) e hidrofobicidades médias de proteínas
Proteína
Tripsinogênio
Quimiotripsinogênio
Elastase
Pepsinogênio
Ribonuclease
Carboxipeptidase
Álcool desidrogenase
Albumina sérica bovina
Hemoglobina
Lisozima
Insulina
Albumina do ovo
Inibidor de tripsina
Mioglobina
α-lactoalbumina
Citocromo C
β-lactoglobulina
Avidina
Glicinina de soja
Proteína 11S de feijão-fava
Proteína 11S de girassol
Globulina de aveia
Td
Hidrofobicidade média (kcal mol−1 resíduo −1)
55
57
57
60
62
63
64
65
67
72
76
76
77
79
83
83
83
85
92
94
95
108
0,89
0,90
−
0,97
0,78
−
−
1,02
0,96
0,90
1,00
0,97
−
1,05
1,03
1,06
1,09
0,92
−
−
−
−
Fonte: Os dados foram compilados a partir de Bull, H. B. e K. Breese. 1973. Arch.Biochem. Biophys. 158:681–686.
Gln, Ser, Thr, Val e Tyr (Figura 5.15) [101]. Outros resíduos
de aminoácidos exercem pouca influência sobre a Td.
A estabilidade térmica das proteínas de organismos
termofílicos e hipertermofílicos, os quais podem resistir a
temperaturas extremamente altas, também é atribuída a sua
composição singular de aminoácidos [111]. Essas proteínas
contêm níveis mais baixos de resíduos de Asn e Gln do que
os de organismos mesofílicos. Sugere-se, nesse caso, que,
pelo fato de Asn e Gln serem suscetíveis à desamidação em
altas temperaturas, níveis maiores desses resíduos em proteínas mesofílicas podem contribuir parcialmente para a instabilidade. Os conteúdos de Cys, Met e Trp, que podem ser
oxidados com facilidade sob altas temperaturas, são também
baixos nas proteínas hipertermoestáveis. Por outro lado, as
proteínas termoestáveis apresentam altos níveis de Ile e Pro
[117,126]. Acredita-se que o alto conteúdo de Ile ajuda na
melhora do acondicionamento do núcleo proteico [110], o
que reduz as cavidades ocultas ou os espaços vazios. A ausência de espaços vazios pode reduzir a mobilidade da cadeia polipeptídica em altas temperaturas, o que minimiza o
aumento da entropia configuracional da cadeia polipeptídica
em altas temperaturas. Acredita-se que conteúdos elevados
de Pro, em especial nas regiões de “alça” da cadeia proteica,
fornecem rigidez à estrutura [75,87]. O exame de estruturas
cristalográficas de várias proteínas/enzimas de organismos
termofílicos mostra que eles também contêm um número
significativamente maior de pares iônicos nas fendas proteicas, além de uma quantidade substancialmente maior de
moléculas de água inseridas e comprometidas em pontes de
hidrogênio entre segmentos, em comparação a seus equivalentes mesofílicos [4,132]. Ao serem consideradas juntas,
parece que as interações polares (pontes salinas e pontes de
hidrogênio entre os segmentos) no interior da proteína não
polar são responsáveis pela termoestabilidade das proteínas
de organismos termofílicos e hipertermofílicos, sendo que
tal ambiente é facilitado por altos conteúdos de Ile. Como já
foi discutido, é concebível que cada ponte salina no interior
da proteína, onde a constante dielétrica é cerca de quatro,
pode aumentar a estabilidade da estrutura da proteína em
cerca de 20 kcal/mol.
A desnaturação térmica de proteínas globulares monoméricas é, em sua maior parte, reversível. Por exemplo,
quando enzimas monoméricas são aquecidas acima de suas
temperaturas de desnaturação, ou mesmo mantidas durante pouco tempo a 100°C, e, então, imediatamente resfriadas
em temperatura ambiente, elas recuperam por completo suas
atividades. Contudo, a desnaturação térmica pode tornar-se
irreversível quando a proteína é aquecida a 90-100°C por um
período prolongado, mesmo em pH neutro [5]. Essa irreversibilidade ocorre devido a várias modificações químicas na
proteína, como desamidação dos resíduos de Asn e Gln, clivagem de ligações peptídicas nos resíduos de Asp, destruição de resíduos de Cys e de cistina e agregação [5,124].
A água facilita muito a desnaturação térmica das proteínas [46]. Proteínas secas em pó são extremamente estáveis à
desnaturação térmica. A Td diminui muito com o aumento do
Química de Alimentos de Fennema
T/K
300
250
350
207
400
500
–3
–2
250
Temperatura
para mioglobina
–1
0
0
In K
GD/J · mol−1 resíduo−1
Ribonuclease A
1
–250
–500
Mutante da
lisozima
do fago T4
2
3
0
50
100
T/°C
FIGURA 5.14 Variação da estabilidade proteica (GD) com a temperatura para mioglobina (- - - -), ribonuclease A (—) e um mutante da
). K é a constante de equilíbrio (Compilada a partir de Chen, B. e J. A. Schellman. 1989. Biochemistry 28:685–
lisozima do fago T4 (
691 e Lapanje, S. 1978. Physicochemical Aspects of Protein Denaturation.Wiley-Interscience, New York.).
90
Temperatura de desnaturação Td (ºC)
85
80
75
70
65
60
55
50
25
30
35
40
45
50
55
60
65
% de composição do grupo X1 () ou de X2 (•)
FIGURA 5.15 Correlações de grupos de resíduos de aminoácidos com a estabilidade térmica de proteínas globulares. O grupo X1 representa Asp, Cys, Glu, Lys, Leu, Arg, Trp e Tyr. O grupo X2 representa Ala, Asp, Gly, Gln, Ser, Thr, Val e Tyr. (Adaptada de Ponnuswamy, P. K.
et al. 1982. Int. J. Biol. Macromol. 4:186–190.)
conteúdo de água de 0 a 0,35 g de água/g de proteína (Figura
5.16). Aumentos no conteúdo de água de 0,35 a 0,75 g de
água/g de proteína causam apenas diminuição marginal de
Td. Acima de 0,75 g de água/g de proteína, a Td da proteína
é igual à encontrada em uma solução diluída de proteína.
O efeito da hidratação sobre a termoestabilidade é fundamentalmente relacionado à dinâmica da proteína. No estado
seco, as proteínas apresentam estrutura estática, isto é, os
208
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
390
Td (K)
ΔHD
370
200
HD (kj mol−1)
400
Td
350
0
2
4
6
8
10
12
Conteúdo de água (g de água/g de proteína)
0
FIGURA 5.16 Influência do teor de água sobre a temperatura (Td) e sobre a entalpia (HD) de desnaturação da ovoalbumina. (Fujita, Y.
e Y. Noda. 1981. Bull. Chem. Soc. Japan 54:3233–3234.)
segmentos polipetídicos têm mobilidade restrita. À medida
que o conteúdo de água aumenta, a hidratação e a penetração
parcial da água nas cavidades de superfície causam a expansão da proteína. O estado expandido, no qual a proteína e
sua água se convertem de um estado amorfo para um estado
com consistência de borracha, alcança seu valor máximo em
um conteúdo de água de 0,3-0,4 grama/grama de proteína,
em temperatura ambiente. A expansão da proteína aumenta a
mobilidade e a flexibilidade da cadeia, sendo que a molécula
de proteína assume uma estrutura fundida mais dinâmica.
Quando aquecida, essa estrutura dinâmica flexível promove
mais acesso de água às pontes salinas e às pontes de hidrogênio peptídicas do que seria possível no estado seco, resultando em uma Td menor.
Aditivos como sais e açúcares afetam a termoestabilidade das proteínas em soluções aquosas. Açúcares como
sacarose, lactose, glicose e glicerol estabilizam as proteínas
contra a desnaturação térmica [69]. A adição de 0,5 M de
NaCl a proteínas, tais como β-lactoglobulina, proteínas de
soja, albumina sérica e globulina de aveia, aumenta significativamente sua Td [25,27,54].
5.4.2.1.2
Pressão hidrostática e desnaturação
Uma das variáveis termodinâmicas que afeta a conformação
das proteínas é a pressão hidrostática. Diferente da desnaturação induzida pela temperatura, que costuma ocorrer no
intervalo de 40-80ºC à pressão de uma atmosfera, a desnaturação induzida pela pressão pode ocorrer a 25 ºC se a
pressão for alta o suficiente. A maioria das proteínas sofre
desnaturação induzida pela pressão no intervalo de 1-12
kbar, como é evidenciado pelas alterações em suas propriedades espectrais. O ponto médio da transição induzida pela
pressão ocorre entre 4-8 kbar [57].
A desnaturação de proteínas induzida pela pressão ocorre porque as proteínas são flexíveis e compressíveis. Embora
os resíduos de aminoácidos estejam compactados com densidade no interior das proteínas globulares, alguns espaços
vazios existem invariavelmente, o que leva à compressibili-
dade. O volume médio parcial específico das proteínas globulares no estado hidratado, υ0, é de cerca de 0,74 mL/g.
O volume parcial específico pode ser considerado como a
soma de três componentes:
(5.45)
onde VC é a soma dos volumes atômicos, VCav é a soma dos
volumes dos espaços vazios no interior da proteína e VSol é
a mudança de volume decorrente da hidratação [47]. Quanto
maior for VCav, maior será a contribuição dos espaços vazios
para o volume parcial específico e mais instável será a proteína quando pressurizada. As proteínas fibrosas são, em sua
maioria, desprovidas de espaços vazios e, em consequência
disso, elas são mais estáveis à pressão hidrostática do que as
globulares.
A desnaturação de proteínas globulares induzida pela
pressão costuma ser acompanhada pela redução de volume
por volta de 30-100 mL/mol. Essa redução é causada por
dois fatores: eliminação de espaços vazios à medida que a
proteína se desdobra e hidratação dos resíduos de aminoácidos não polares que ficam expostos durante o desdobramento. Esse último evento resulta em decréscimo de volume (ver
Seção 5.3.2). A alteração de volume é associada à mudança
de energia livre pela expressão:
(5.46)
onde p é a pressão hidrostática.
Se uma proteína globular for completamente desdobrada
durante a pressurização, a mudança de volume deve ser cerca de 2%. Entretanto, mudanças de volume de 30-100 mL/
mol, observadas nas proteínas desnaturadas por pressão, correspondem a uma mudança de apenas 0,5% de volume. Isso
indica que as proteínas se desdobram apenas parcialmente
mesmo sob pressão hidrostática de até 10 kbar.
A desnaturação proteica induzida por pressão é altamente reversível. A maior parte das enzimas, em soluções diluídas, recupera sua atividade, uma vez que a pressão seja re-
Química de Alimentos de Fennema
duzida à pressão atmosférica [66]. Entretanto, a regeneração
quase completa da atividade costuma levar muitas horas. No
caso de enzimas e proteínas oligoméricas desnaturadas pela
pressão, as subunidades primeiro se dissociam a 0,001-2
kbar e, em seguida, as subunidades desnaturam-se a pressões
maiores [128]; quando a pressão é removida, as subunidades
reassociam-se e a restauração quase completa da atividade
enzimática ocorre depois de várias horas.
Altas pressões hidrostáticas estão sendo investigadas
como uma ferramenta no processamento de alimentos, por
exemplo, para inativação microbiana ou gelificação. Uma
vez que altas pressões hidrostáticas (2-10kbar) danificam
irreversivelmente as membranas celulares, causando a dissociação de organelas dos microrganismos, haverá destruição de microrganismos vegetativos [72]. A gelificação por
pressão da clara do ovo, da solução de proteína de soja a
16%, ou da solução de actomiosina a 3%, pode ser realizada pela aplicação de uma pressão hidrostática de 1-7 kbar,
por 30 min, a 25º C. Os géis induzidos por pressão são mais
macios do que os induzidos termicamente [94]. Além disso,
a exposição do músculo de carne bovina a pressões hidrostáticas de 1-3 kbar causam fragmentação parcial das miofibrilas, o que pode ser útil no amaciamento da carne [119] e
na gelificação de proteínas miofibrilares. O processamento
sob pressão, diferente do processamento térmico, não causa
danos aos aminoácidos essenciais, à cor natural e ao sabor,
assim como não causa o desenvolvimento de compostos tóxicos. Dessa forma, o processamento de alimentos com alta
pressão hidrostática pode apresentar vantagens (exceto pelo
custo), para alguns produtos alimentícios.
5.4.2.1.3
209
Por exemplo, quando uma solução de proteína do soro a 1020%, em pH 3,5-4,5 e a 80-120ºC, está sujeita a uma taxa de
cisalhamento de 7.500-10.000/s, ela forma partículas macrocoloidais esféricas insolúveis de aproximadamente 1 μm de
diâmetro. “Simplesse”, um material hidratado produzido sob
essas condições, fica macio, com características organolépticas similares às da emulsão [118].
5.4.2.2
5.4.2.2.1
Agentes químicos
pH e desnaturação
As proteínas são mais estáveis à desnaturação em seus pontos isoelétricos do que em qualquer outro pH. Em pH neutro,
a maioria das proteínas está carregada negativamente, sendo
que algumas estão carregadas positivamente. Como a energia repulsiva eletrostática líquida é pequena em comparação
a outras interações favoráveis, a maior parte das proteínas é
estável em pH próximo ao neutro. No entanto, a forte repulsão eletrostática intramolecular causada pela alta carga líquida em valores extremos de pH resulta em expansão e desdobramento da molécula proteica. O grau de desdobramento é
maior em valores extremos de pH alcalino do que em valores
extremos de pH ácido. O primeiro comportamento é atribuído
à ionização dos grupos carboxílicos, sulfidril e fenólico, parcialmente inseridos, que levam a cadeia polipeptídica a desenovelar-se à medida que eles tentam se expor ao ambiente
aquoso. A desnaturação induzida pelo pH é, em sua maioria,
reversível. Entretanto, em alguns casos, hidrólises parciais de
ligações peptídicas, desamidação de Asn e Gln, destruição de
grupos sulfidril em pH alcalino ou agregação podem resultar
na desnaturação irreversível das proteínas.
Cisalhamento e desnaturação
O elevado cisalhamento mecânico gerado por agitação,
amassamento, batimento, etc., pode causar a desnaturação de
proteínas. Muitas proteínas desnaturam-se e precipitam-se
quando são agitadas com força [93]. Nessas circunstâncias,
a desnaturação ocorre por causa da incorporação de bolhas
de ar e da adsorção de moléculas de proteínas na interface
ar-líquido. À medida que a energia dessa interface é maior
do que a da fase principal, as proteínas sofrem modificações
conformacionais na interface. A dimensão das modificações
conformacionais depende da flexibilidade da proteína. As
proteínas altamente flexíveis desnaturam-se com mais rapidez em interfaces ar-líquido do que as proteínas rígidas. Os
resíduos não polares da proteína desnaturada orientam-se em
direção à fase gasosa e os resíduos polares orientam-se em
direção à fase aquosa.
Várias operações do processamento de alimentos envolvem alta pressão, cisalhamento e altas temperaturas, por
exemplo, extrusão, mistura sob alta velocidade e homogeneização. Quando uma lâmina rotatória produz uma alta taxa
de cisalhamento, criam-se pulsos subsônicos e ainda ocorre
cavitação nos bordos de fuga da lâmina. Ambos os eventos
contribuem para a desnaturação da proteína. Quanto maior
a taxa de cisalhamento, maior será o grau de desnaturação.
A combinação de alta temperatura com alta força de cisalhamento causa a desnaturação irreversível das proteínas.
5.4.2.2.2
Solventes orgânicos e desnaturação
Os solventes orgânicos afetam a estabilidade das interações
hidrofóbicas da proteína, das pontes de hidrogênio e das interações eletrostáticas, de diferentes formas [52]. Uma vez
que as cadeias laterais não polares são mais solúveis em solventes orgânicos do que em água, os solventes orgânicos enfraquecem as interações hidrofóbicas. Por outro lado, desde
que a estabilidade e a formação de pontes de hidrogênio peptídicas sejam aumentadas em um ambiente de baixa permitividade, alguns solventes orgânicos podem, de fato, fortalecer
ou promover a formação de pontes hidrogênio peptídicas.
Por exemplo, o 2-cloroetanol causa aumento de conteúdo de
α-hélice em proteínas globulares. A ação de solventes orgânicos em interações eletrostáticas é dupla. Pela diminuição
da permitividade, eles aumentam as interações eletrostáticas
entre grupos de cargas opostas, elevando também a repulsão entre grupos com carga semelhante. Portanto, o efeito
líquido de um solvente orgânico sobre a estrutura da proteína
costuma depender da dimensão de seu efeito sobre as várias
interações polares e não polares. Em baixas concentrações,
alguns solventes orgânicos podem estabilizar várias enzimas
contra a desnaturação [9]. Em altas concentrações, contudo,
todos os solventes orgânicos geram a desnaturação de proteínas, em decorrência de seu efeito solubilizante sobre as
cadeias laterais não polares.
210
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
5.4.2.2.3 Desnaturação por aditivos de baixo
peso molecular
Vários solutos de baixo peso molecular, como ureia, hidrocloreto de guanidina (GuHCl), detergentes, açúcares e sais
neutros afetam a estabilidade proteica em soluções aquosas.
Enquanto a ureia, o GuHCl e os detergentes desestabilizam
a conformação nativa das proteínas [34], o açúcar tende a estabilizar a estrutura nativa. No caso de sais neutros, enquanto
alguns sais, como sulfato, fosfato e sais de fluoreto de sódio,
denominados cosmotrópicos, estabilizam a estrutura da proteína, outros, como brometo, iodeto, perclorato e tiocianato,
denominados caotrópicos, desestabilizam a estrutura proteica.
Acredita-se que os efeitos estabilizadores e desestabilizadores de aditivos de baixo peso molecular das proteínas
sigam um mecanismo universal. Isso está relacionado a suas
interações preferenciais com a fase aquosa e a superfície
proteica. Os aditivos que estabilizam a estrutura das proteínas ligam-se muito fracamente à superfície proteica, mas aumentam sua hidratação preferencial (Figura 5.17). Esses aditivos costumam ser excluídos da região ao redor da proteína,
isto é, sua concentração próxima à proteína é mais baixa do
que na solução como um todo. Presume-se que esse gradiente de concentração crie um gradiente de pressão osmótica
ao redor da molécula proteica, suficiente o bastante para
elevar a temperatura de desnaturação térmica da proteína.
Por exemplo, estudos sobre estabilização da proteína pelo
glicerol mostraram que a lisozima em soluções de glicerol
assume um estado levemente comprimido, em comparação
a seu estado na água [51]. Isso pode ocorrer em virtude da
criação de uma zona de exclusão ao redor da superfície da
proteína para o glicerol e o desenvolvimento de um gradiente de pressão osmótica.
No caso de aditivos que desestabilizam a estrutura de
proteínas, o oposto parece ser verdadeiro. Ou seja, os aditivos que diminuem a estabilidade das proteínas ligam-se
Cosmotrópico
(estabilizador
da estrutura)
preferencialmente à superfície proteica, causando desidratação da proteína. Nesses casos, as moléculas de água são
excluídas da região que circunda a proteína e a concentração
do aditivo nessa região sem água é mais alta do que no solvente como um todo. A interação favorável desses aditivos
com a superfície da proteína, em particular a superfície não
polar, promove o desdobramento da proteína, de modo que
as superfícies não polares inseridas estejam mais expostas à
interação favorável com o aditivo.
Quando a proteína é exposta a uma mistura de solutos estabilizadores e desestabilizadores, o efeito líquido sobre sua
estabilidade costuma seguir uma regra de aditividade. Por
exemplo, a sacarose e os polióis são considerados estabilizadores da estrutura proteica, enquanto o GuHCl é um desestabilizador da estrutura. Quando a sacarose é misturada com
o GuHCl, a concentração de GuHCl necessária ao desdobramento das proteínas eleva-se com o aumento da concentração de sacarose [122]. Além disso, alterações na estrutura
da água causadas pelo GuHCl e pela ureia são contrabalançadas pela adição de compostos poli-hídricos como a sacarose. Desse modo, na presença de um poliol, a desnaturação
proteica requer maiores concentrações de GuHCl e de ureia
[122]. Isso também evidencia que mudanças na estrutura da
água em presença de aditivos estão relacionadas, de alguma
forma fundamental, à transmissão dos efeitos dos aditivos
sobre a estabilidade da proteína. O mecanismo exato ainda é
difícil de ser compreendido, em parte, porque a “estrutura da
água” ainda não é um conceito bem definido.
5.4.2.2.4
Solutos orgânicos e desnaturação
Os solutos orgânicos, principalmente a ureia e o GuHCl,
causam desnaturação de proteínas. Para muitas proteínas
globulares, o ponto médio de transição do estado nativo
para o estado desnaturado ocorre a 4-6 M de ureia e a 3-4
M de GuHCl, em temperatura ambiente. A transição com-
Caotrópico
(desestabilizador
da estrutura)
Aditivo
Solvente
Proteína
FIGURA 5.17 Representação esquemática da ligação preferencial e hidratação preferencial da proteína na presença de aditivos. (Adaptada de Creighton, T. E. 1993. Proteins: Structures and Molecular Properties. W. H. Freeman Co., New York, pp. 158–159.)
Química de Alimentos de Fennema
pleta geralmente ocorre em 8 M de ureia e em cerca de 6 M
de GuHCl. Este é um desnaturante mais poderoso do que a
ureia por causa de seu caráter iônico. Muitas proteínas globulares não sofrem desnaturação completa mesmo em 8 M
de ureia, enquanto em 8 M de GuHCl, elas costumam existir
em estado (completamente desnaturado) de random coil (estado de desordem estrutural).
A desnaturação proteica pela ureia e pelo GuHCl é associada a dois mecanismos. O primeiro envolve ligações
preferenciais de ureia e GuHCl com a proteína desnaturada.
A remoção da proteína desnaturada como um complexo proteína-desnaturante move o equilíbrio N↔D para a direita.
À medida que a concentração do desnaturante aumenta, a
conversão contínua da proteína para o complexo proteína-desnaturante resulta, no final das contas, na sua desnaturação completa. Uma vez que a ligação do desanaturante com a
proteína desnaturada é muito fraca, necessita-se de uma alta
concentração de desnaturante para que haja desnaturação
completa. O segundo mecanismo envolve a solubilização de
resíduos de aminoácidos hidrofóbicos nas soluções de ureia
e GuHCl. Uma vez que a ureia e o GuHCl têm o potencial
de formar pontes de hidrogênio, em alta concentração, esses
solutos quebram a estrutura de ponte de hidrogênio da água.
A desestruturação da água faz com que ela seja um solvente
melhor para resíduos não polares. Isso resulta em desdobramento e solubilização de resíduos apolares provenientes do
interior da molécula proteica.
A desnaturação induzida por ureia ou GuHCl é reversível. Entretanto, a reversibilidade completa da desnaturação
da proteína induzida pela ureia é difícil algumas vezes. Isso
acontece porque parte da ureia é convertida para cianato e
amônia. O cianato reage com grupos amino, alterando a carga da proteína.
5.4.2.2.5
Detergentes e desnaturação
Detergentes, como o dodecil sulfato de sódio (SDS), são
poderosos agentes desnaturantes de proteínas. O SDS em
concentração de 3-8 mM desnatura a maioria das proteínas
globulares. Esse mecanismo envolve ligações preferenciais
do detergente com a molécula de proteína desnaturada. Isso
causa deslocamento de equilíbrio entre os estados nativo e
desnaturado. Diferente da ureia e do GuHCl, os detergentes
ligam-se fortemente a proteínas desnaturadas, sendo essa a
razão para a desnaturação completa em concentrações relativamente baixas de detergente de 3-8 mM. Em virtude dessa
forte ligação, a desnaturação induzida pelo detergente é irreversível. As proteínas globulares desnaturadas pelo SDS não
existem em estado random coil (estado de desordem estrutural), em vez disso, elas assumem um formato de bastonete
α-helicoidal nas soluções de SDS. Esse formato é considerado adequadamente como desnaturado.
5.4.2.2.6
Sais caotrópicos e desnaturação
Os sais afetam a estabilidade das proteínas de dois modos
diferentes. Em baixas concentrações, os íons interagem
com proteínas por meio de interações eletrostáticas não específicas. A neutralização eletrostática das cargas proteicas
211
costuma estabilizar a estrutura da proteína. A neutralização
completa da carga por íons ocorre em 0,2 M de força iônica ou abaixo desse patamar, sendo que isso independe da
natureza do sal. Entretanto, em maiores concentrações (>1
M), os sais têm efeitos iônicos específicos que influenciam
a estabilidade estrutural das proteínas. Sais como Na2SO4
e NaF a aumentam, enquanto NaSCN e NAClO4 a enfraquecem. A estrutura da proteína é influenciada mais por
ânions do que por cátions. Por exemplo, o efeito de vários
sais de sódio sobre a temperatura de desnaturação térmica
da β-lactoglobulina é demonstrado na Figura 5.18. Em mesma força iônica, Na2SO4 e NaCl aumentam a Td, enquanto
NaSCN e NaClO4 a reduzem. Independentemente de sua
constituição química e suas diferenças conformacionais, a
estabilidade da estrutura de macromoléculas, incluindo o
DNA, é afetada de forma negativa pelas altas concentrações
de sais [21]. NaSCN e NaClO4 são desnaturantes fortes. A
capacidade relativa de vários ânions no ponto isoiônico de
influenciar a estabilidade da proteína (e do DNA) costuma
−
< Cl− < Br− < I− <
<
seguir as séries, F <
−
−
SCN < Cl3CCOO . Esse ranking é conhecido como série
de Hofmeister ou série caotrópica. Sais de fluoreto, cloreto e
sulfato são estabilizadores estruturais, enquanto sais de outros ânions são desestabilizadores estruturais.
O mecanismo dos efeitos dos sais sobre estabilidade estrutural das proteínas está relacionado a sua capacidade relativa de se ligar às proteínas e alterar suas propriedades de
hidratação. Os sais que estabilizam as proteínas aumentam a
hidratação proteica, ligando-se fracamente a elas, enquanto
os sais que desestabilizam as proteínas diminuem a hidratação proteica e ligam-se fortemente a elas [8]. Esses efeitos
são consequência das perturbações energéticas na interface
proteína-água. Em nível mais fundamental, a estabilização
ou a desnaturação proteica por sais está relacionada a seus
efeitos sobre a estrutura da água como um todo. Os sais que
estabilizam a estrutura proteica também aumentam a estrutura de ponte de hidrogênio da água, e os que desnaturam
as proteínas também quebram a estrutura da água como um
todo, tornando-a um solvente melhor para moléculas apolares. Em outras palavras, o efeito desnaturante dos sais caotrópicos pode estar relacionado à desestabilização das interações hidrofóbicas nas proteínas.
5.5 PROPRIEDADES FUNCIONAIS
DAS PROTEÍNAS
As preferências alimentares dos seres humanos estão baseadas principalmente nos atributos sensoriais, tais como textura, sabor, cor e aparência. Os atributos sensoriais de um
alimento são o efeito líquido de interações complexas entre
vários componentes de menor ou maior porte do alimento.
As proteínas no geral têm uma grande influência sobre os
atributos sensoriais dos alimentos. Por exemplo, as propriedades sensoriais dos produtos de padaria estão relacionadas
às propriedades viscoelásticas e de formação da massa do
glúten do trigo; as características texturais e de suculência de
produtos cárneos dependem muito das proteínas do músculo
212
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
95
90
85
T d (°C )
80
75
70
65
60
55
0
1,0
2,0
3,0
Concentração de sal (M)
FIGURA 5.18 Efeitos de vários sais de sódio sobre a temperatura de desnaturação, Td, da β-lactoglobulina em pH 7,0. . NaBr;
C1O4; NaSCN; , ureia. (De Damodaran, S. 1989. Int. J. Biol. Macromol. 11:2–8.)
(actina, miosina, actomiosina e várias proteínas solúveis da
carne); as propriedades texturais e de formação do coágulo
dos produtos lácteos são fruto da estrutura coloidal singular
das micelas de caseína; e a estrutura de alguns bolos, bem
como as propriedades de batimento de alguns produtos de
sobremesa, dependem das propriedades das proteínas da
clara do ovo. Os papéis funcionais de várias proteínas em
diversos produtos alimentícios estão listados na Tabela 5.11
[64]. A funcionalidade das proteínas dos alimentos refere-se
às propriedades físico-químicas que influenciam no desempenho das proteínas dos sistemas alimentares durante processamento, armazenamento, preparo e consumo.
Os atributos sensoriais dos alimentos são obtidos pelas
interações complexas entre vários ingredientes funcionais.
Por exemplo, os atributos sensoriais de um bolo emanam do
calor/formação de gel, formação de espuma e propriedades
emulsificantes dos ingredientes usados. Portanto, para que
uma proteína seja útil como ingrediente em bolos e outros
produtos semelhantes, ela deve possuir diversas funcionalidades. As proteínas de origem animal, por exemplo, do leite
(caseínas), do ovo e as proteínas da carne são muito usadas
em alimentos industrializados. Essas proteínas são misturas
de várias proteínas com diversas propriedades físico-químicas, sendo capazes de realizar múltiplas funções. Por exemplo, a clara do ovo possui muitas funcionalidades, gelificação, emulsificação, formação de espuma, ligação com a água
e coagulação pelo calor, tornando-a uma proteína altamente
desejável para muitos alimentos. As suas múltiplas funcionalidades surgem a partir de interações complexas entre
seus constituintes proteicos, a saber, ovoalbumina, conalbumina, lisozima, ovomucina e outras proteínas semelhantes
à albumina. As proteínas vegetais (i.e., proteínas de soja e
outras proteínas de leguminosas e sementes oleaginosas),
bem como outras proteínas, tais como as do soro do leite,
Na-
são usadas em grau limitado nos alimentos convencionais.
Embora essas proteínas também sejam misturas de várias
outras, elas não funcionam tão bem quanto às proteínas animais na maioria dos produtos alimentícios. As propriedades
moleculares exatas das proteínas que são responsáveis por
várias funcionalidades desejáveis nos alimentos ainda não
são bem compreendidas.
As propriedades físico-químicas que controlam a funcionalidade proteica incluem tamanho; forma; composição e
sequência dos aminoácidos; carga líquida e distribuição das
cargas; razão de hidrofobicidade/hidrofilicidade; estruturas
secundárias, terciárias e quaternárias; flexibilidade e rigidez
molecular; e capacidade de interagir/reagir com outros componentes. Uma vez que as proteínas apresentam múltiplas
propriedades físico-químicas, é difícil delinear o papel de
cada uma dessas propriedades em relação a uma propriedade
funcional determinada.
Em nível empírico, as diversas propriedades funcionais
das proteínas podem ser observadas como manifestações
de três aspectos moleculares das proteínas: (1) propriedades de hidratação; (2) propriedades relacionadas à superfície proteica; e (3) propriedades hidrodinâmicas/reológicas (Tabela 5.12). Embora se conheça muito a respeito
das propriedades físico-químicas de várias proteínas de
alimentos, a previsão das propriedades funcionais a partir
de suas propriedades moleculares ainda não foi bem-sucedida. Estabeleceram-se algumas correlações empíricas
entre as propriedades moleculares e algumas propriedades
funcionais em sistemas-modelo de proteínas. No entanto,
o comportamento dos sistemas-modelo muitas vezes não é
o mesmo que o existente nos produtos alimentícios reais.
Isso pode ser atribuído, em parte, à desnaturação das proteínas durante o processamento. A extensão da desnaturação depende do pH, da temperatura, de outras condições de
Química de Alimentos de Fennema
213
TABELA 5.11 Funções das proteínas alimentares em sistemas de alimentícios
Função
Mecanismo
Alimento
Tipo de proteína
Solubilidade
Viscosidade
Hidrofilicidade
Ligação à água, forma e tamanho
hidrodinâmicos
Pontes de hidrogênio, hidratação
iônica
Retenção e imobilização de água,
formação de redes
Ligações hidrofóbicas, iônicas e de
hidrogênio
Ligações hidrofóbicas, ligações
cruzadas dissulfeto
Formação de película e adsorção
nas interfaces
Adsorção interfacial e formação de
película
Ligações hidrofóbicas, retenção
Bebidas
Sopas, molhos de carne, molhos
para salada, sobremesas
Salsichas de carne, bolos e pães
Proteínas do soro
Gelatina
Ligação à água
Gelificação
Coesão-adesão
Elasticidade
Emulsificação
Formação de espuma
Fixação de lipídeos e
aroma
Carnes, géis, bolos, produtos de
panificação, queijo
Carnes, salsichas, massas, produtos
assados
Carnes, produtos de panificação
Salsichas, almôndega, sopa, bolos,
molhos
Chantilis, sorvetes, bolos,
sobremesas
Produtos de panificação com baixo
teor de gordura, doughnuts
Proteínas da carne, proteínas do
ovo
Proteínas da carne, proteínas do
leite e do ovo
Proteínas da carne, proteínas do
ovo e proteínas do soro
Proteínas da carne, proteínas de
cereais
Proteínas da carne, proteínas do
ovo, proteínas do leite
Proteínas do ovo, proteínas do leite
Proteínas do leite, proteínas do ovo,
proteínas de cereais
Fonte: Kinsella, J. E. et al. 1985. Em New Protein Foods: Seed Storage Proteins (Altshul, A. M. e H. L. Wilcke, Eds.), Academic Press, London, pp. 107–179.
processamento e de características do produto. Além disso, nos alimentos reais, as proteínas interagem com outros
componentes alimentares, como lipídeos, açúcares, polissacarídeos, sais e componentes menores, o que modifica
seu comportamento funcional. Apesar dessas dificuldades
inerentes, tem-se alcançado um progresso considerável no
que diz respeito à compreensão da relação entre as várias
propriedades físico-químicas das moléculas proteicas e
suas propriedades funcionais.
5.5.1
Hidratação proteica
A água é um constituinte essencial dos alimentos. As propriedades reológicas e texturais dos alimentos dependem
da interação da água com outros constituintes do alimento,
em especial com as macromoléculas como as proteínas e
os polissacarídeos. A água modifica as propriedades físico-químicas das proteínas. Por exemplo, o efeito plastificante da água sobre as proteínas amorfas e semicristalinas dos
alimentos altera sua temperatura de transição vítrea (ver
Capítulo 2) e sua Td. Temperatura de transição vítrea refere-se à conversão de um sólido amorfo quebradiço (vítreo) em
um estado flexível tipo borracha, enquanto temperatura de
fusão refere-se à transição de um sólido cristalino para uma
estrutura desordenada.
Muitas propriedades funcionais das proteínas, como
dispersibilidade, umectabilidade, expansão, solubilidade, espessamento/viscosidade, capacidade de retenção de
água, gelificação, coagulação, emulsificação e formação
de espuma dependem das interações entre água e proteína.
Em alimentos de umidade baixa ou intermediária, como os
produtos de panificação e os produtos cárneos triturados,
a capacidade das proteínas de se combinar com a água é
importante para a aceitabilidade. A capacidade de uma proteína de exibir equilíbrio adequado de interações proteína-proteína e proteína-água é essencial para suas propriedades térmicas de gelificação.
As moléculas de água ligam-se a diversos grupos nas
proteínas. Esses grupos incluem grupos carregados (interações íon-dipolo); grupos peptídicos da cadeia principal; grupos amida da Asn e Gln; grupos hidroxila dos resíduos de
Ser, Thr e Tyr (todas as interações dipolo-dipolo); e resíduos
não polares (interação dipolo-dipolo induzida e hidratação
hidrofóbica).
A capacidade da proteína de se ligar à água é definida
como gramas de água ligada por grama de proteína, quando
um pó seco de proteína é equilibrado com vapor d’água a uma
umidade relativa de 90-95%. A capacidade de ligação com a
água (também chamada de capacidade de hidratação) de vários grupos de proteínas polares e não polares é apresentada
TABELA 5.12 Ligação entre os aspectos físico-químicos das proteínas e seu impacto sobre a funcionalidade nos alimentos
Propriedade geral
1. Hidratação
2. Propriedade surfactante
3. Hidrodinâmica/Reologia
Funções afetadas
Solubilidade, dispersibilidade, umectabilidade, expansão, espessamento, absorção de água, capacidade de
retenção de água
Emulsificação, formação de espuma, fixação de aroma, ligação a pigmentos
Elasticidade, viscosidade, coesividade, mastigabilidade, adesão, viscosidade, gelificação, formação de massa,
texturização
214
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
na Tabela 5.13 [70]. Os resíduos de aminoácidos com grupos
carregados ligam-se a cerca de 6 moles de água por resíduo, os
resíduos polares não carregados ligam-se a cerca de 2 moles
por resíduo e os grupos apolares ligam-se em cerca de 1 mol
por resíduo. Portanto, a capacidade de hidratação de uma proteína está relacionada, em parte, a sua composição em aminoácidos, ou seja, quanto maior o número de resíduos carregados,
maior a capacidade de hidratação. A capacidade de hidratação
de uma proteína pode ser calculada a partir de sua composição
em aminoácidos, usando-se a equação empírica [71]:
(5.47)
onde a é g de água/g de proteína e fC, fP e fN são as frações dos
resíduos carregados polares e não polares, respectivamente,
na proteína. As capacidades de hidratação experimentais de
várias proteínas globulares monoméricas coincidem com
as calculadas a partir da equação supracitada. No entanto,
isso não se aplica às proteínas oligoméricas. Uma vez que
as estruturas oligoméricas envolvem uma inserção parcial da
superfície proteica na interface subunidade-subunidade, os
valores calculados costumam ser maiores do que os valores
experimentais. Por outro lado, a capacidade de hidratação experimental das micelas de caseína (em torno de 4g de água/g
de proteína) é muito maior do que a prevista pela equação supracitada. Isso se deve à enorme quantidade de espaço vazio
dentro da estrutura da micela de caseína, a qual embebe água
por meio de ação capilar e aprisionamento físico.
Em nível macroscópico, a ligação da água com as proteínas ocorre em um processo gradativo. Os grupos iônicos
de alta afinidade são solvatados primeiro em baixa atividade
de água, seguidos pelos grupos polares e não polares. A sequência das etapas envolvidas na atividade de água crescente
é apresentada na Figura 5.19. ([109]; ver também Capítulo
2). As isotermas de sorção das proteínas, isto é, a quantidade
de água ligada por grama de proteína como uma função da
umidade relativa é, invariavelmente, uma curva sigmoidal (ver
Capítulo 2). Para a maioria das proteínas, a cobertura saturada
da monocamada de água ocorre a uma atividade de água (aw)
de cerca de 0,7-0,8, enquanto as multicamadas de água são
formadas em aw > 0,8. A cobertura da monocamada saturada
corresponde a cerca 0,3-0,5 g de água/ g de proteína. A água
da monocamada saturada está primariamente associada a grupos iônicos, polares e apolares da superfície da proteína. Essa
água não pode ser congelada, não participa como solvente em
reações químicas e é chamada com frequência de “água ligada”, o que deve ser compreendido como água com mobilidade
“restrita”. Na faixa de hidratação que vai de 0,07-0,27 g/g, a
energia requerida para a dessorção da água a partir da superfície da proteína é de apenas 0,18 kcal/mol, a 25°C. Como a
energia cinética térmica da água a 25ºC é cerca de ∼1 kcal/
mol, sendo maior do que a energia livre de dessorção, as moléculas de água da monocamada são razoavelmente móveis.
Em aw= 0,9, as proteínas ligam-se próximo de 0,3-0,5 g
de água/g de proteína (Tabela 5.14) [65,71]. Em aw > 0,9, a
TABELA 5.13 Capacidade de hidratação de resíduos de aminoácidosa
Resíduo de aminoácido
Polar
Asn
Gln
Pro
Ser, The
Trp
Asp (não ionizada)
Glu (não ionizada)
Tyr
Arg (não ionizada)
Lys (não ionizada)
Iônico
−
Asp
−
Glu
−
Tyr
+
Arg
+
His
+
Lys
Apolar
Ala
Gly
Phe
Val, Ile, Leu, Met
Hidratação (moles de H2O/mol de resíduo)
2
2
3
2
2
2
2
3
3
4
6
7
7
3
4
4
1
1
0
1
a
Representa a água não congelada associada a resíduos de aminoácidos, com base em
estudos de ressonância magnética nuclear de polipeptídeos.
Fonte: Kuntz, I. D. 1971. J. Amer. Chem. Soc. 93:514–516.
Química de Alimentos de Fennema
(a)
( b)
BH+
BH+
A–
AH
(e)
–
A
B
( d)
A
A–
BH+
(c)
BH+
BH+
–
215
A–
A–
BH+
( f)
BH+
A–
A–
BH+
A–
BH+
(g)
+
BH+
A–
A–
BH
A–
BH+
A–
BH+
FIGURA 5.19 Sequência das etapas envolvidas na hidratação de uma proteína. (a) Proteína não hidratada. (b) Hidratação inicial dos
grupos carregados. (c) Formação de agrupamentos de água perto de sítios polares e carregados. (d) Hidratação completa nas superfícies
polares. (e) Hidratação hidrofóbica dos segmentos não polares; cobertura completa da monocamada. (f) Formação de pontes entre a
água associada a proteínas e a água total. (g) Hidratação hidrodinâmica completa. (Rupley, J. A. et al. 1980. Em Water in Polymers (De
Rowland, S. P., Ed.), ACS Symp. Ser. 127, American Chemical Society,Washington, D.C., pp. 91–139.)
água líquida total se condensa nos interstícios e nas fendas das
moléculas proteicas, ou em capilares de sistemas proteicos insolúveis, como as miofibrilas. As propriedades dessa água são
semelhantes às da água total. Essa água é chamada de água
hidrodinâmica, movendo-se junto à molécula proteica.
Vários fatores ambientais, como pH, força iônica, temperatura, tipo de sais e conformação proteica, influenciam
na capacidade das proteínas de ligar água. As proteínas são
menos hidratadas no seu pH isoelétrico, no qual o aumento
das interações proteína-proteína resulta em uma interação
mínima com a água. Acima e abaixo do pH isoelétrico, em
virtude do aumento da carga líquida e das forças repulsivas,
as proteínas incham e ligam mais água. A capacidade de ligar água da maior parte das proteínas é maior em um pH de
9-10 do que em qualquer outro pH. Isso se deve à ionização
da sulfidrila e dos resíduos de tirosina. Acima de pH 10, a
perda de grupos ε-amino positivamente carregados dos resíduos lisil resulta na redução da ligação com a água.
Em baixas concentrações (<0,2 M), os sais aumentam
a capacidade de ligação das proteínas à água. Isso ocorre
porque os íons de sais hidratados, em especial os ânions,
ligam-se fracamente a grupos carregados nas proteínas.
Nessa baixa concentração, a ligação de íons às proteínas
não afeta a camada de hidratação dos grupos carregados
na proteína, e o aumento da ligação com a água se deve,
essencialmente, à água associada aos íons ligados. No en-
tanto, em concentrações elevadas de sal, grande parte da
água existente está ligada a íons salinos, resultando em desidratação da proteína.
A capacidade das proteínas de ligar água costuma diminuir à medida que a temperatura sobe, por causa da redução
das pontes de hidrogênio e da diminuição da hidratação dos
grupos iônicos. A capacidade de uma proteína desnaturada
de ligar água costuma ser cerca de 10% maior do que a de
uma proteína nativa. Isso se deve ao aumento da razão entre
a área da superfície em relação à massa, com exposição de
alguns grupos hidrofóbicos previamente inseridos. Se a desnaturação levar à agregação da proteína, então sua capacidade de ligação à água pode, na verdade, diminuir por causa do
deslocamento da água pelo aumento das interações proteína-proteína. As proteínas alimentares desnaturadas geralmente mostram baixa solubilidade em água. Suas capacidades
de ligar água, no entanto, não são tão diferentes das encontradas no estado nativo. Dessa forma, a capacidade de ligar
água não pode ser usada para se prever as características de
solubilidade das proteínas. A solubilidade de uma proteína
não depende apenas de sua capacidade de ligar água, mas
também de outros fatores termodinâmicos.
Em aplicações alimentares, a capacidade de uma proteína de reter água é mais importante do que a capacidade
de se ligar à água. Capacidade de retenção de água refere-se à capacidade da proteína embeber água e retê-la contra
216
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 5.14 Capacidade de hidratação de várias proteínas
Proteína
g de água/ g de proteína
a
Proteína pura
Ribonuclease
Lisozima
Mioglobina
β-lactoglobulina
Quimiotripsinogênio
Albumina sérica
Hemoglobina
Colágeno
Caseína
Ovoalbumina
b
Preparações comerciais de proteína
Concentrados de proteína do soro
Caseinato de sódio
Proteína de soja
0,53
0,34
0,44
0,54
0,23
0,33
0,62
0,45
0,40
0,30
0,45−0,52
0,38−0,92
0,33
a
A 90% de umidade relativa
A 95% de umidade relativa
Fonte: De Kinsella, J. E. e P. F. Fox. 1986. CRC Crit. Rev. Food Sci. Nutr. 24:91–
139 e Kuntz, I. D. e W. Kauzmann.1974. Adv. Protein Chem. 28:239–345.
b
a força gravitacional dentro de uma matriz proteica, como
géis proteicos ou músculo de carne bovina e de peixe. Essa
água é a soma da água ligada, da água hidrodinâmica e da
água aprisionada fisicamente. Esta contribui mais para a
capacidade de retenção de água do que as águas ligada e
hidrodinâmica. No entanto, estudos mostraram que a capacidade de retenção de água das proteínas está correlacionada positivamente à capacidade de se ligar à água. A
capacidade das proteínas de aprisionar água está associada
à suculência e à maciez dos produtos cárneos triturados e às
propriedades texturais desejáveis de pães e de outros produtos tipo gel.
5.5.2
Solubilidade
As propriedades funcionais das proteínas costumam ser afetadas pela solubilidade da proteína, sendo que as mais afetadas são espessamento, formação de espuma, emulsificação e
gelificação. As proteínas insolúveis têm usos muitos limitados em alimentos.
A solubilidade de uma proteína é uma manifestação termodinâmica do equilíbrio entre interações proteína-proteína
e proteína-solvente:
Proteína−Proteína + Água
Proteína−Água
(5.48)
As principais interações que influenciam as características de solubilidade das proteínas são de natureza hidrofóbica
e iônica. As interações hidrofóbicas promovem as interações
proteína-proteína, resultando em diminuição de solubilidade
enquanto as iônicas promovem interações proteína-água e
resultam em aumento de solubilidade. Os resíduos iônicos
introduzem dois tipos de forças de repulsão entre as moléculas proteicas em solução, o primeiro envolve a repulsão
eletrostática entre as moléculas de proteína que se deve à
carga positiva ou à negativa líquida, em qualquer pH que não
seja o pH isoelétrico; o segundo envolve a repulsão entre as
camadas de hidratação ao redor dos grupos iônicos.
Bigelow [11] propôs que a solubilidade de uma proteína
está fundamentalmente relacionada à hidrofobicidade média
dos resíduos de aminoácidos e à frequência da carga. A hidrofobicidade média é definida como:
(5.49)
onde gresíduo é a hidrofobicidade de cada cadeia lateral do
aminoácido obtida a partir da mudança de energia livre para
transferência do octanol para a água (Ver Seção 5.2.1.4), e n
é o número total dos resíduos na proteína. A frequência da
carga é definida por:
(5.50)
+
−
onde n e n são o número total dos resíduos com carga positiva e negativa, respectivamente, enquanto n é o número total
dos resíduos. De acordo com Bigelow [11], quanto menor a
hidrofobicidade média e maior a frequência da carga, maior
será a solubilidade da proteína. Embora essa correlação empírica seja verdadeira para a maioria das proteínas, ela não é
absoluta. A solubilidade proteica é ditada pela hidrofilicidade e pela hidrofobicidade da superfície da proteína que entra
em contato com a água circundante, e não pela hidrofobicidade média e pela frequência da carga da molécula como um
todo. Como a maioria dos resíduos hidrofóbicos está inserida no interior da proteína, apenas os grupos não polares que
estão na superfície afetariam a solubilidade. Quanto menor
o número de segmentos hidrofóbicos da superfície, maior a
solubilidade.
Com base nas características de solubilidade, as proteínas são classificadas em quatro categorias. As albuminas são
Química de Alimentos de Fennema
as proteínas que são solúveis em água em pH 6,6 (p. ex.,
albumina sérica, ovoalbumina e α-lactoalbumina), as globulinas são as solúveis em soluções salinas diluídas em um
pH de 7,0 (p. ex., glicinina, faseolina e β-lactoglobulina), as
glutelinas são as solúveis apenas em soluções ácidas de pH
2,0 e soluções alcalinas de pH 12 (p. ex., glutelinas do trigo)
e as prolaminas são as que solúveis em etanol a 70% (p. ex.,
zeína e gliadinas). Tanto as prolaminas como as glutelinas
são proteínas altamente hidrofóbicas.
Além das propriedades físico-químicas intrínsecas, a solubilidade é influenciada por várias condições da solução,
como pH, força iônica, temperatura e presença de solventes
orgânicos.
217
A ocorrência da solubilidade mínima próxima ao pH isoelétrico deve-se, principalmente, à falta de repulsão eletrostática, o que promove a agregação e a precipitação por meio
de interações hidrofóbicas. Algumas proteínas dos alimentos
são altamente solúveis em seu pH isoelétrico, por exemplo, a
β-lactoglobulina (pI 5,2) e a albumina sérica bovina (pI 5,3).
Isso se deve ao fato de que essas proteínas contêm grandes
proporções de resíduos hidrofílicos superficiais em relação
aos grupos não polares superficiais. Deve-se lembrar que,
embora a proteína seja eletricamente neutra em seu pI, ela
ainda tem um número igual de cargas positivas e negativas
na superfície, as quais contribuem para a hidrofilicidade proteica. Se a hidrofilicidade e as forças de repulsão da hidratação que surgem dos resíduos carregados forem maiores que
as interações hidrofóbicas proteína-proteína, então a proteína
ainda será solúvel no pI.
Como a maior parte das proteínas é altamente solúvel em
pH alcalino de 8-9, a extração proteica de fontes vegetais,
como farinha de soja, é realizada a esse pH. Na Figura 5.20
apresenta-se um processo industrial típico para o isolamento da proteína de soja, com base em seu comportamento de
solubilidade-pH.
A desnaturação pelo calor muda o perfil da solubilidade-pH das proteínas (Figura 5.21). O isolado proteico do
soro nativo (WPI) é completamente solúvel na faixa de pH
de 2-9, porém, quando aquecido a 70ºC, durante 1-10 min,
desenvolve-se um perfil de solubilidade típico em forma de
U, com solubilidade mínima em pH de 4,5. A alteração do
5.5.2.1 pH e solubilidade
Em valores de pH abaixo ou acima do pH isoelétrico, as
proteínas possuem uma carga líquida positiva ou negativa,
respectivamente. A repulsão eletrostática e a hidratação dos
resíduos carregados promovem a solubilidade da proteína.
Quando a solubilidade é plotada contra o pH, a maior parte
das proteínas dos alimentos exibe uma curva em forma de U.
A solubilidade mínima ocorre em proximidade ao pH isoelétrico das proteínas. Quase todas as proteínas dos alimentos
são proteínas ácidas; isto é, a soma dos resíduos de Asp e
Glu é maior do que a soma dos resíduos de Lys, Arg e Hys,
portanto, elas exibem sua solubilidade mínima em pH de 4-5
(pH isoelétrico) e sua solubilidade máxima em pH alcalino.
Grãos de soja descascados
Extração com hexano
Flocos de soja desengordurados. Moagem dos flocos para obtenção da farinha de soja
Dispersão da farinha de soja em álcali diluído (pH 8-9) e extração de solúveis por 1-2h.
Após, centrifugação a 10.000 g por 15min
Sobrenadante
Resíduo
(Descarte)
Ajuste do pH em 4,5. Centrifugação
Resíduo
Sobrenadante
(Descarte)
Dissolução em água
Secagem por atomização (spray-drying)
Isolado proteico de soja
FIGURA 5.20 Processo industrial típico para isolamento da proteína da soja a partir de farinha de soja desengordurada.
218
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Transmitância a 500 nm (%)
100
80
60
70°C
40
Nativo
1min
10min
20min
20
0
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
pH
FIGURA 5.21 Perfil de solubilidade-pH das soluções do isolado proteico do soro aquecido a 70ºC em vários momentos.
perfil de solubilidade na presença da desnaturação pelo calor
se deve ao aumento da hidrofobicidade da superfície proteica como consequência do desdobramento. Este altera o
equilíbrio entre as interações proteína-proteína e proteínasolvente, a favor da primeira.
5.5.2.2 Força iônica e solubilidade
A força iônica de uma solução salina é dada por:
(5.51)
onde Ci é a concentração de um íon e Zi é sua valência.
A uma força iônica baixa (< 0,5), os íons neutralizam as
cargas na superfície das proteínas. Esse peneiramento de
carga afeta a solubilidade de duas maneiras, dependendo
das características da superfície proteica. A solubilidade
diminui para as proteínas que contêm alta incidência de
trechos não polares e aumenta para as que não os contêm.
O primeiro comportamento é típico de proteínas de soja e
o último comportamento é exibido pela β-lactoglobulina.
Enquanto a diminuição de solubilidade é causada pelo aumento das interações hidrofóbicas, o aumento de solubilidade é causado pela diminuição de atividade iônica do
macroíon. A uma força iônica > 1,0, os sais têm efeitos
específicos do íon sobre a solubilidade da proteína. À medida que a concentração do sal aumenta, os sais de sulfatos e fluoretos decrescem a solubilidade progressivamente
(salting out), enquanto os sais de brometo, iodeto, tiocianatos e perclorato aumentam a solubilidade (salting in). A
uma força iônica constante, a eficácia relativa dos diversos
íons sobre a solubilidade segue a série de Hofmeister, sendo que os ânions promovem a solubilidade na ordem
< F− < Cl− < Br− < I− <
< SCN−, enquanto os cátions diminuem a solubilidade na ordem
< K+ < Na+
+
2+
2+
< Li < Mg < Ca . Esse comportamento é análogo aos
efeitos dos sais sobre a temperatura de desnaturação térmica das proteínas (Ver Seção 5.4).
Em geral, a solubilidade das proteínas de soluções salinas segue a seguinte relação:
(5.52)
onde S e S0 são solubilidades da proteína em solução salina e
na água, respectivamente, KS é a constante de salting out, CS
é a concentração molar do sal e β é a constante característica
apenas da proteína. KS é positiva para os sais do tipo salting
out e negativa para os sais do tipo salting in.
5.5.2.3
Temperatura e solubilidade
Em pH e força iônica constantes, a solubilidade da maioria
das proteínas costuma aumentar com temperaturas entre 0
e 40°C. Ocorrem exceções com proteínas de alta hidrofobicidade, como β-caseína e algumas proteínas de cereais,
as quais exibem uma relação negativa com a temperatura.
Acima de 40°C, o aumento na energia cinética térmica ocasiona desdobramento da proteína (desnaturação), exposição
de grupos não polares, agregação e precipitação, ou seja, diminuição de solubilidade.
5.5.2.4
Solventes orgânicos e solubilidade
A adição de solventes orgânicos, como etanol e acetona, reduz a permitividade do meio aquoso. Isso aumenta as forças eletrostáticas intra e intermoleculares, tanto repulsivas
como atrativas. As interações eletrostáticas intramoleculares
repulsivas ocasionam o desdobramento da molécula de proteína. No estado de desdobramento, a baixa permitividade do
meio promove a ligação intermolecular de hidrogênio entre
os grupos peptídicos expostos e as interações eletrostáticas
intermoleculares de atração entre grupos de cargas opostas.
As interações polares intermoleculares levam à precipitação
proteica em solventes orgânicos ou à redução da solubilidade em meio aquoso. O papel das interações hidrofóbicas ao
Química de Alimentos de Fennema
causar precipitação em solventes orgânicos é mínimo, o que
se deve ao efeito de solubilização dos solventes orgânicos
sobre resíduos não polares. Uma exceção são as proteínas do
tipo prolamina. Essas proteínas são hidrofóbicas ao ponto de
serem solúveis apenas em etanol a 70%.
Como a solubilidade das proteínas está intimamente
relacionada a seus estados estruturais, ela é usada com frequência como medida do grau de desnaturação durante os
processos de extração, isolamento e purificação. Ela também
é usada como índice das aplicações potenciais das proteínas. Os concentrados e isolados proteicos preparados comercialmente mostram uma ampla faixa de solubilidade. As
características de solubilidade dessas preparações proteicas
são expressas como índice de solubilidade proteica (PSI) ou
índice de dispersibilidade proteica (PDI). Ambos os termos
expressam a porcentagem (%) de proteína solúvel presente
em uma amostra proteica. O PSI dos isolados proteicos comerciais varia entre 25 e 80%.
5.5.3
Propriedades interfaciais das proteínas
Diversos alimentos naturais e processados são produtos de
espuma ou produtos do tipo emulsão. Esses tipos de sistemas dispersos são instáveis a menos que uma substância anfifílica adequada esteja presente na interface entre as duas
fases (ver Capítulo 13). As proteínas são moléculas anfifílicas, migrando espontaneamente para uma interface ar-água
ou uma interface óleo-água. A migração espontânea das proteínas a partir do volume total de líquido para uma interface
indica que a energia livre das proteínas é menor na interface
que na fase aquosa total. Dessa forma, quando o equilíbrio é
estabelecido, a concentração da proteína na região interfacial
é sempre muito maior do que a encontrada na fase aquosa
total. Diferente dos surfactantes de baixo peso molecular,
as proteínas formam uma película altamente viscoelástica,
em uma interface, a qual tem a capacidade de suportar choques mecânicos durante a estocagem e a manipulação. Desse
modo, as espumas e as emulsões estabilizadas por proteínas
são mais estáveis do que as preparadas com surfactantes de
baixo peso molecular e, por causa disso, as proteínas são
muito usadas para esses fins.
Embora todas as proteínas sejam anfifílicas, elas diferem
significativamente em suas propriedades surfactantes. As diferenças de propriedades surfactantes entre as proteínas não
podem ser atribuídas a diferenças de proporção de resíduos
hidrofóbicos em relação aos hidrofílicos. Se as altas proporções de hidrofobicidade/hidrofilicidade fossem o principal
determinante da atividade superficial das proteínas, então as
proteínas vegetais que contêm mais de 40% de resíduos de
aminoácidos hidrofóbicos deveriam ser melhores surfactantes do que proteínas do tipo albumina, como a ovoalbumina e
a albumina sérica bovina, que contêm <30% de resíduos de
aminoácidos hidrofóbicos. Em contrapartida, a ovoalbumina
e a albumina sérica são melhores agentes emulsificantes e
espumantes do que as proteínas da soja e outras proteínas vegetais. Além disso, a hidrofobicidade média da maioria das
proteínas encontra-se dentro de um intervalo estreito, embora
219
exibam notáveis diferenças em sua propriedade surfactante.
Deve-se concluir, portanto, que as diferenças de propriedade
surfactante estão relacionadas, principalmente, às diferenças
de conformação das proteínas. Fatores conformacionais de
importância incluem estabilidade/flexibilidade da cadeia polipeptídica, facilidade de adaptação a mudanças no ambiente
e padrão de distribuição de grupos hidrofílicos e hidrofóbicos na superfície proteica. Todos esses fatores conformacionais são interdependentes, exercendo uma grande influência
conjunta sobre a propriedade surfactante das proteínas.
Demonstrou-se que as proteínas com propriedade surfactante desejável possuem três atributos: (1) capacidade de adsorver rapidamente à interface; (2) capacidade de desdobrar-se com rapidez e reorientar-se em uma interface; e (3) uma
vez na interface, a capacidade de interagir com moléculas
vizinhas e formar uma forte película coesiva e viscoelástica
que pode suportar movimentos térmicos e mecânicos [31].
A formação e a estabilização de espumas e emulsões requerem a presença de um surfactante que possa reduzir efetivamente a tensão interfacial entre as fases ar-óleo e aquosa.
Isso pode ser alcançado usando-se surfactantes pequenos,
tais como lecitina, monoacilglicerol, etc., ou macromoléculas, tais como as proteínas. Em uma concentração equivalente na interface, as proteínas costumam ser menos efetivas do
que surfactantes pequenos na diminuição da tensão interfacial. Tipicamente, a maioria das proteínas diminui a tensão
nas interfaces ar-água e óleo-água, em cerca de 15 mN m−1,
na cobertura da monocamada saturada, em comparação com
−1
30-40 mN m , para surfactantes de baixo peso molecular.
A incapacidade das proteínas de reduzir a tensão interfacial
está relacionada a suas propriedades estruturais complexas.
Embora as proteínas contenham grupos hidrofóbicos e hidrofílicos em sua estrutura primária, não existe uma cabeça hidrofílica ou uma cauda hidrofóbica claramente definidas, como se encontram na lecitina ou no monoacilglicerol.
Esses grupos são disseminados de modo aleatório em toda
a estrutura primária das proteínas, sendo que na conformação terciária dobrada, existem alguns resíduos hidrofóbicos
como segmentos segregados na superfície da proteína, enquanto a maior parte deles está de fato inserida no interior
da proteína.
O padrão de distribuição dos segmentos hidrofílicos e hidrofóbicos sobre a superfície das proteínas afeta sua rapidez
de adsorção à interface ar-água ou óleo-água. Se a superfície
da proteína for extremamente hidrofílica e não contiver segmentos hidrofóbicos discerníveis, é provável que a ancoragem da proteína na interface não aconteça, pois a superfície
da proteína terá uma energia livre mais baixa na fase aquosa
do que na interface. À medida que o número dos segmentos
hidrofóbicos da superfície proteica aumenta, a adsorção espontânea na interface torna-se mais provável (Figura 5.22)
[26]. Os resíduos hidrofóbicos isolados distribuídos aleatoriamente sobre a superfície proteica não constituem um
segmento hidrofóbico nem possuem uma energia de interação suficiente para se ancorar fortemente à proteína em
uma interface. Embora mais de 40% da superfície acessível
total da proteína globular típica esteja coberta com resíduos
não polares, eles não aumentarão a adsorção proteica a não
220
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
ser que ocorram como segmentos ou regiões segregadas. Em
outras palavras, as características moleculares da superfície
proteica exercem uma grande influência sobre o fato de a
proteína adsorver-se espontaneamente, ou não, a uma interface, e em até que ponto ela será eficaz como estabilizadora
de dispersões.
O modo de adsorção das proteínas a uma interface é diferente do modo dos surfactantes de baixo peso molecular.
No caso de surfactantes de baixo peso molecular, como os
fosfolipídeos e os monoacilgliceróis, os limites conformacionais para adsorção e orientação não existem, pois as partes hidrofílicas e hidrofóbicas estão presentes nos extremos
opostos da molécula. No caso das proteínas, no entanto, o
padrão de distribuição dos segmentos hidrofóbicos e hidrofílicos na superfície, assim como a rigidez estrutural da
molécula, causam limitações à adsorção e à orientação. Em
Interface
Sem absorção
Superfície
hidrofílica
decorrência da natureza dobrada e volumosa das proteínas,
uma vez adsorvida, uma grande porção da molécula permanece na fase principal e apenas uma pequena porção é ancorada na interface (Figura 5.23). A tenacidade com a qual essa
pequena porção da molécula de proteína permanece presa à
interface depende do número de segmentos peptídicos ancorados à interface e da energética da interação entre esses
segmentos e a interface. A proteína será retida na interface
apenas quando a soma das mudanças de energia livre negativa das interações dos segmentos for muito maior que a energia cinética térmica da molécula de proteína. O número de
segmentos do peptídeo ancorado na interface depende, em
parte, da flexibilidade conformacional da molécula. As moléculas altamente flexíveis, como as caseínas, podem sofrer
mudanças conformacionais rápidas uma vez adsorvidas à interface, permitindo que segmentos polipeptídicos adicionais
Fase de óleo ou água
Probabilidade
moderada de absorção
Probabilidade forte
de absorção
Superfície apolar
Fase aquosa
Núcleo hidrofóbico
FIGURA 5.22 Representação esquemática do papel dos segmentos hidrofóbicos de superfície sobre a probabilidade de adsorção de
proteínas na interface ar-água. (De Damodaran, S. 1990. Adv. Food Nutr. Res. 34:1–79.)
Fase de óleo ou água
Interface
Água
Fase de óleo ou água
Interface
Água
FIGURA 5.23 Diferença entre o modo de adsorção de um surfactante de baixo peso molecular e o de uma proteína, nas interfaces arágua e óleo-água.
Química de Alimentos de Fennema
221
dinâmica das proteínas, isto é, a redução da tensão superficial causada por um miligrama de proteína por cm2, durante
a adsorção da fase principal para a interface ar-água, está
positiva e linearmente correlacionada à compressibilidade
adiabática (flexibilidade) de proteínas (Figura 5.25) [106]. A
mudança rápida de conformação em uma interface é essencial para que a proteína reoriente seus resíduos hidrofóbicos
e hidrofílicos em direção ao óleo e às fases aquosas, bem
como para maximizar a exposição e a partição desses resíduos em duas fases. Isso assegurará uma rápida redução na
tensão interfacial, em especial nas fases iniciais de formação
de uma emulsão.
A força mecânica de uma película proteica em uma interface depende das interações intermoleculares coesivas.
Elas incluem interações eletrostáticas atrativas, pontes de
hidrogênio e interações hidrofóbicas. A polimerização interfacial das proteínas adsorvidas por meio de reações de troca
dissulfeto-sulfidrila também aumenta suas propriedades viscoelásticas. A concentração de proteínas na película interfacial é de cerca de 20-25% (m/v), sendo que a proteína ocorre
em um estado de quase gel. O equilíbrio de várias interações
não covalentes é crucial para a estabilidade e as propriedades
viscoelásticas da película tipo gel.
se liguem à interface. Por outro lado, as proteínas globulares
rígidas, como a lisozima e a proteína da soja, não podem sofrer mudanças conformacionais extensas na interface.
Nas interfaces, as cadeias polipeptídicas assumem três
configurações distintas: fileiras, alças e caudas (Figura 5.24)
[26]. As fileiras são segmentos que estão em contato direto
com a interface, as alças são segmentos do polipeptídeo que
estão suspensos na fase aquosa e as caudas são segmentos
N- e C-terminais da proteína, os quais costumam estar localizados na fase aquosa. A distribuição relativa dessas três
configurações depende das características conformacionais
da proteína. Quanto maior a proporção de segmentos polipeptídicos na configuração de uma fileira, mais forte será a
ligação e mais baixa, a tensão interfacial.
A propriedade molecular isolada mais importante, a qual
causa impacto sobre a propriedade surfactante das proteínas,
é a flexibilidade molecular. Isso se refere à capacidade inata
da proteína de sofrer rápida mudança conformacional quando é transferida de um ambiente para outro, por exemplo, da
fase aquosa total para uma interface. A compressibilidade
adiabática das proteínas costuma ser usada como medida de
sua flexibilidade molecular. Pesquisas com várias proteínas
não relacionadas têm mostrado que a atividade superficial
Fase 1
Fileira
Interface
Cauda
Alça
Fase 2
FIGURA 5.24
34:1–79.)
As várias configurações de um polipeptídeo flexível em uma interface. (De Damodaran, S.1990. Adv. Food Nutr. Res.
12
s
* 1012 ( cm2/dyn)
4
26
29
8
5
14
4
6
7
10
8
19
22 13
11
27
38 34
37
12
0
0
20
40
60
Θexp (mN m/mg)
FIGURA 5.25 Relação entre compressibilidade adiabática e propriedade surfactante das proteínas. Os números do gráfico referem-se às
identidades das proteínas. (Ver Referência 106 para maiores detalhes.)
222
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Por exemplo, se as interações hidrofóbicas forem muito
fortes, isso pode levar a agregação interfacial, coagulação e,
finalmente, precipitação da proteína em detrimento da integridade da película. Se as forças eletrostáticas repulsivas forem
mais fortes que as interações atrativas, isso pode impedir a
formação de uma película espessa e coesa. Portanto, é necessário que haja equilíbrio adequado das interações de atração,
repulsão e hidratação, a fim de que se forme uma película
viscoelástica estável. Os diversos processos moleculares que
ocorrem durante a adsorção e a formação das películas de
proteína nas interfaces estão resumidos na Figura 5.26.
Os princípios básicos envolvidos na formação e na estabilidade das emulsões e espumas são muito semelhantes,
no entanto, como a energética dessas interfaces é diferente,
os requisitos moleculares para a funcionalidade da proteína
nesses ambientes não são iguais. Em outras palavras, uma
proteína que é um bom emulsificador pode não ser um bom
agente de formação de espuma.
Deve ficar claro, agora, que o comportamento das proteínas nas interfaces é muito complexo, não sendo, ainda, bem
compreendido. Portanto, a discussão seguinte sobre as propriedades emulsificantes e de formação de espuma dos alimentos
proteicos será, em grande parte, de natureza qualitativa.
5.5.3.1 Propriedades emulsificantes
A físico-química da formação da emulsão e os fatores que
afetam a formação de creme, floculação, coalescência e estabilidade foram abordados no Capítulo 13.
Vários alimentos naturais e processados, como leite,
gema de ovo, leite de coco, leite de soja, manteiga, margarina, maionese, pastas para passar no pão, molhos para salada,
sobremesas geladas, salsichas, linguiças e bolos, são produtos do tipo emulsão, nos quais as proteínas desempenham
um papel importante como emulsificantes. No leite nativo,
a membrana composta de lipoproteínas estabiliza os glóbulos de gordura. Quando o leite é homogeneizado a película
de proteína formada de micelas de caseína e de proteínas
do soro substitui a membrana lipoproteica. O leite homogeneizado é mais estável à formação de nata em comparação
com o leite, pois a película proteica de micelas soro-caseína
é mais resistente do que a membrana lipoproteica nativa.
5.5.3.1.1 Métodos para determinação das
propriedades emulsificantes das
proteínas
As propriedades emulsificantes das proteínas alimentares
são avaliadas por meio de vários métodos, tais como distribuição por tamanho das gotículas de óleo formadas, atividade emulsificante, capacidade de emulsão (CE) e estabilidade
da emulsão.
Índice de atividade emulsificante: As propriedades físicas e
sensoriais de uma emulsão estabilizada por proteína dependem do tamanho das gotículas formadas e da área interfacial
total criada. O tamanho médio das gotículas das emulsões
pode ser determinado por diversos métodos, tais como microscopia de luz (não muito confiável), microscopia eletrô-
nica, espalhamento de luz (espectroscopia por correlação
de fóton) ou uso de um contador Coulter. Conhecendo-se o
tamanho médio da gotícula, a área interfacial total pode ser
obtida a partir da seguinte relação:
(5.53)
onde φ é a fração do volume da fase dispersa e R é o raio
médio das partículas de emulsão. Se m é a massa da proteína
então o Índice da atividade de emulsificante (IAE), isto é, a
área interfacial criada por unidade de massa da proteína é
(5.54)
Outro método simples e mais prático para determinação
do IAE das proteínas é o método turbidimétrico [99]. A turbidez de uma emulsão é dada por:
(5.55)
onde A é a absorbância e l é o comprimento do percurso. De
acordo com a teoria de espalhamento de luz de Mie, a área
interfacial de uma emulsão constitui o dobro de sua turbidez.
Se φ é a fração do volume do óleo, então C é o peso da proteína por volume unitário da fase aquosa, dessa forma, o IAE
da proteína é dado por:
(5.56)
Deve-se mencionar que no artigo original [99], φ, em vez
de (1-φ) foi usado no denominador da equação supracitada.
Essa expressão é a correta, uma vez que φ é definido como a
fração do volume do óleo e, então, (1-φ)C é a massa total da
proteína, em um volume unitário da emulsão [17]. Embora
esse método seja simples e prático, sua principal desvantagem é que ele se baseia na mensuração da turbidez em um
único comprimento de onda, 500 nm. Como a turbidez de
emulsões alimentícias é dependente do comprimento de
onda, a área interfacial obtida a partir da turbidez em 500 nm
não é muito acurada. Portanto, o uso da equação supracitada
para se estimar o diâmetro médio da partícula ou o número
de partículas presentes na emulsão dá resultados que não são
muito confiáveis. Entretanto, esse método pode ser usado
para comparação qualitativa de atividades emulsificantes de
diferentes proteínas, ou mudanças na atividade emulsificante
de uma proteína após vários tratamentos.
Carga proteica: A quantidade de proteína adsorvida na interface óleo-água de uma emulsão influencia sua estabilidade. Para se determinar a quantidade de proteína adsorvida, a
emulsão é centrifugada, a fase aquosa é separada e a fase lipídica é lavada e centrifugada, diversas vezes, para que se remova qualquer proteína fracamente adsorvida. A quantidade de
proteínas adsorvidas nas partículas de emulsão é determinada
pela diferença entre o total de proteína inicialmente presente
na emulsão e a quantidade presente no fluido de lavagem da
Química de Alimentos de Fennema
Desdobramento
223
Agregação 2-D e
formação de película
Interface
FIGURA 5.26 Ilustração esquemática de diversos processos moleculares ocorrentes nas películas de proteínas das interfaces.
fase lipídica. Conhecendo-se a área total interfacial das partículas de emulsão, pode-se calcular a quantidade de proteína
2
adsorvida/m de área interfacial. No geral, a carga proteica
está localizada na faixa que vai de aproximadamente 1-3 mg/
2
m da área interfacial. À medida que a fração de volume da
fase óleo aumenta, a carga proteica diminui, considerando-se
um conteúdo proteico constante na emulsão total. Para emulsões com muita gordura e gotículas de tamanho pequeno,
necessita-se de mais proteína para o revestimento adequado
da área interfacial e a estabilização da emulsão.
Capacidade de emulsão (CE): CE é o volume (mL) de óleo
que pode ser emulsificado por grama de proteína antes que
ocorra a inversão de fase (mudança da emulsão óleo em água
para água em óleo). Esse método envolve a adição de óleo ou
gordura fundida a taxa e temperatura constantes, em solução
aquosa de proteína continuamente agitada em um processador de alimentos. A inversão da fase é detectada por mudança abrupta de viscosidade ou cor (em geral, adiciona-se um
corante ao óleo) ou por aumento da resistência elétrica. Para
uma emulsão estabilizada por proteína, a inversão de fase
costuma ocorrer quando o φ está em torno de 0,65-0,85. A
inversão não se processa instantaneamente, sendo precedida
pela formação de uma emulsão dupla água em óleo em água.
Como a CE é expressa como volume de óleo emulsificado
por grama de proteína na inversão de fase, ela diminui com
o aumento da concentração de proteína logo que se alcança
o ponto no qual a proteína não adsorvida se acumula na fase
aquosa. Portanto, para se comparar capacidades de emulsão
de diferentes proteínas, deve-se usar perfis CE versus concentração de proteína, em detrimento de CE a uma concentração proteica específica.
Estabilidade da emulsão: As emulsões estabilizadas por proteína costumam permanecer estáveis durante dias. Dessa forma, não se observa uma quantidade detectável de formação
de creme ou separação de fase em um intervalo de tempo
razoável quando as amostras são armazenadas sob condições
atmosféricas. Portanto, frequentemente, usam-se condições
drásticas, como estocagem a uma temperatura elevada ou
separação sob força centrífuga para avaliação de estabilidade da emulsão. Quando se usa centrifugação, a estabilidade
passa a ser então expressa como o decréscimo percentual da
área da interface (i.e., turbidez) da emulsão ou do volume
percentual do creme separado ou, ainda, como conteúdo de
gordura da camada de nata. No entanto, com mais frequência, a estabilidade da emulsão é expressa como:
(5.57)
onde o volume da camada de nata é medido após tratamento padronizado de centrifugação. A técnica de centrifugação
comum envolve a centrifugação de um volume conhecido de
emulsão em um tubo de centrífuga graduado a 1.300 g, por
5min. O volume da fase lipídica separada é então medido e
expresso como percentual do volume total. Às vezes, usase a centrifugação a uma força gravitacional relativamente
baixa (180g) por um tempo mais longo (15min) para que se
evite a coalescência das gotículas.
O método turbidimétrico (ver acima) também pode ser
usado para se avaliar a estabilidade da emulsão. Nesse caso,
a estabilidade é expressa como Índice da estabilidade da
emulsão (IEE), o qual é definido como tempo necessário
para se alcançar a turbidez da emulsão que representa a metade do valor original.
Os métodos usados para determinação da estabilidade da
emulsão são muito empíricos. A grandeza mais importante
relacionada à estabilidade é a mudança de área interfacial ao
longo do tempo, mas ela é difícil de ser medida diretamente.
5.5.3.1.2 Fatores que influenciam a emulsificação
As propriedades das emulsões estabilizadas pelas proteínas
são afetadas por vários fatores. Eles incluem fatores intrínsecos, como pH, força iônica, temperatura, presença de surfactantes de baixo peso molecular, açúcares, volume da fase
óleo, tipo de proteína e o ponto de fusão do óleo usado; e
fatores extrínsecos, como tipo de equipamento, taxa de entrada de energia e taxa de cisalhamento. Ainda não surgiram
métodos padronizados para se avaliar sistematicamente as
propriedades emulsificantes das proteínas. Portanto, os resultados entre os laboratórios não podem ser comparados com
precisão, o que impede a compreensão dos fatores moleculares que afetam as propriedades emulsificantes das proteínas.
As forças gerais envolvidas na formação e na estabilização das emulsões foram discutidas no Capítulo 13. Portanto,
apenas os fatores moleculares que afetam as emulsões estabilizadas por proteínas necessitam ser discutidos aqui.
A solubilidade desempenha um papel nas propriedades
emulsificantes, porém, a existência de 100% de solubilidade não é um requisito absoluto. Embora as proteínas altamente insolúveis não funcionem bem como emulsificantes,
não existe nenhuma relação confiável entre solubilidade e
propriedades emulsificantes na faixa de 25-80% de solubilidade [76]. Entretanto, como a estabilidade de uma película
224
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
proteica na interface óleo-água depende de interações favoráveis, tanto com a fase água como com a fase óleo, pode ser
necessário que haja algum grau de solubilidade. O requisito
mínimo de solubilidade para um bom desempenho pode ser
variável entre as proteínas. Em emulsões cárneas, como linguiças e salsichas, a solubilização das proteínas miofibrilares
em 0,5 M NaCl aumenta suas propriedades emulsificantes.
Alguns isolados proteicos de soja comerciais, os quais são
obtidos por processamento térmico, têm baixas propriedades
emulsificantes por causa de sua solubilidade muito baixa.
A formação e a estabilidade das emulsões estabilizadas
por proteínas são afetadas pelo pH. Vários mecanismos estão
envolvidos nesse processo. Geralmente, as proteínas que têm
alta solubilidade em pH isoelétrico (p. ex., albumina sérica,
gelatina e proteínas da clara do ovo) mostram CE e atividade
emulsificante máxima nesse pH. A falta de carga líquida e
as interações repulsivas eletrostáticas em pH isoelétrico ajudam a maximizar a carga proteica na interface, promovendo
a formação de uma película altamente viscoelástica e contribuindo para a estabilidade da emulsão. No entanto, a falta
de interações repulsivas eletrostraticas entre as partículas de
emulsão pode, em alguns casos, promover floculação, coalescência e, dessa forma, diminuir a estabilidade da emulsão. Por outro lado, se a proteína estiver altamente hidratada
em pH isoelétrico (o que é incomum), então as forças de repulsão de hidratação entre as partículas da emulsão podem
prevenir a floculação e a coalescência e, assim, estabilizar
a emulsão. Como, em seu pH isoelétrico, a maior parte das
proteínas alimentares (caseínas, proteínas comerciais do
soro, proteínas da carne e proteínas da soja) é pouco solúvel,
pouco hidratada e desprovida de forças repulsivas eletrostá-
(b) 200
Tensão interfacial (din/cm)
13
24
53
25
13
8
4
12
11
19
10
6
20
14 15
26
9 10 2
27
11
21
16
9
Índice de atividade emulsificante (m2/g)
(a) 14
23
22
12
17
7
1
28
18
8
7
ticas, elas geralmente não são bons emulsificantes a esse pH.
Essas proteínas podem, no entanto, tornar-se emulsificadores eficazes quando se distanciam de seu pH isoelétrico.
As propriedades emulsificantes das proteínas demonstram uma fraca correlação positiva com a hidrofobicidade
de superfície, mas não com a residual média (i.e., kcal mol−1
resíduo−1). A capacidade de várias proteínas de diminuir a
tensão interfacial na interface óleo-água e de aumentar o
IAE está relacionada a seus valores de hidrofobicidade de
superfície (Figura 5.27). No entanto, essa relação não é, de
modo algum, perfeita. As propriedades emulsificantes de
várias proteínas, como β-lactoglobulina, α-lactoalbumina e
proteínas de soja não mostram uma correlação forte com a
hidrofobicidade de superfície.
A hidrofobicidade de superfície das proteínas costuma
ser determinada ao se medir a quantidade de uma sonda
fluorescente hidrofóbica, como o ácido cis-parinárico, que
pode ligar-se a proteínas [62]. Embora esse método forneça alguma informação sobre a hidrofobicidade da superfície
proteica, é questionável se o valor medido realmente reflete
a hidrofobicidade da superfície proteica. A verdadeira definição da hidrofobicidade de superfície é: a porção da superfície não polar da proteína que faz contato com a água
total circundante. Entretanto, o ácido cis-parinárico é capaz
de se ligar apenas às cavidades hidrofóbicas. Essas cavidades proteicas são acessíveis a ligantes não polares, mas
elas não são acessíveis à água, podendo não ser acessíveis
a qualquer uma das duas fases em uma emulsão óleo-água,
a não ser que a proteína seja capaz de passar por um rápido
rearranjo conformacional na interface. A baixa correlação da
hidrofobicidade de superfície (como medida pela ligação do
0
500
1000
1500
7
1
150
16
5
100
3
26
14 15 21
4 25 9
13
20
50
1924 6
8
0
18
2
0
500
17
27 22
12
11
28
23
10
1000
1500
Hidrofobicidade (So)
FIGURA 5.27 Correlações da hidrofobicidade superficial de várias proteínas com (a) tensão interfacial óleo-água e (b) IAE (Índice de atividade emulsificante). A hidrofobicidade superficial foi determinada a partir da quantidade de sonda fluorescente hidrofóbica por unidade de peso da proteína. Os números plotados representam (1) albumina sérica bovina; (2) β-lactoglobulina; (3) tripsina; (4) ovoalbumina;
(5) conalbumina; (6) lisozima; (7) κ-caseína; (8-12) ovoalbumina desnaturada pelo calor a 85°C por 1, 2, 3, 4 ou 5min, respectivamente;
(13-18) lisozima desnaturada pelo calor a 85°C por 1, 2, 3, 4, 5 ou 6min, respectivamente; (19-23) ovoalbumina ligada a 0,2, 0,3, 1,7,
5,7 ou 7,9 móis de dodecil sulfato por mol de proteína, respectivamente; (24-28) ovoalbumina ligada a 0,3, 0,9, 3,1, 4,8 ou 8,2 móis de
linoleato por mol de proteína, respectivamente. (Kato, A. e S. Nakai. 1980. Biochim. Biophys. Acta 624:13–20.)
Química de Alimentos de Fennema
ácido cis-parinárico) com as propriedades emulsificantes de
algumas proteínas pode estar relacionada ao fato de que o
ácido cis-parinárico não fornece indicação de flexibilidade
molecular. Essa flexibilidade na interface óleo-água pode ser
o determinante mais importante das propriedades emulsificantes das proteínas.
A desnaturação parcial das proteínas antes da emulsificação, a qual não resulta em insolubilização, costuma melhorar
suas propriedades emulsificantes. Isso se deve ao aumento
da flexibilidade molecular e da hidrofobicidade de superfície. No estado desordenado, as proteínas que contêm grupos
sulfidrila livres e pontes dissulfeto sofrem lenta polimerização por meio da reação de troca dissulfeto-sulfidrila [32], o
que leva à formação de uma película altamente viscoelástica
na interface óleo-água. A desnaturação excessiva pelo calor
pode prejudicar as propriedades emulsificantes, tornando a
proteína insolúvel.
Emulsificadores de baixo peso molecular, como os fosfolipídeos, que geralmente são encontrados em alimentos,
competem com as proteínas pela adsorção na interface óleo-água [24,38,67]. Como os surfactantes de baixo peso molecular podem difundir-se com rapidez na interface e são
desprovidos de restrições conformacionais para reorientação
nela, eles podem efetivamente inibir a adsorção das proteínas em concentrações elevadas. Se emulsificantes de baixo
peso molecular forem adicionados a uma emulsão estabilizada por proteína, eles poderão deslocá-la da interface, causando instabilidade na emulsão.
Outro fator que afeta as emulsões estabilizadas por proteínas é a composição proteica. Em geral, as proteínas dos
alimentos são misturas de vários componentes proteicos. Por
exemplo, a proteína do ovo é uma mistura de cinco proteínas principais e vários componentes proteicos secundários.
Da mesma forma, a proteína do soro constitui uma mistura
de α-lactoalbunina, β-lactoglobulina e várias outras proteínas secundárias. As proteínas de reserva de sementes, como
isolado proteico de soja, contêm pelo menos duas frações
proteicas principais, a saber, leguminas e vicilinas. Durante
a emulsificação, os componentes proteicos da mistura competem entre si pela adsorção à interface. A composição da
película proteica formada na interface depende das atividades de superfícies relativas de vários componentes proteicos
da mistura. Por exemplo, quando se permite que a mistura de
1:1 de α- e β-caseínas se adsorvam à interface óleo-água, a
quantidade de α-caseína da película proteica em equilíbrio
é quase o dobro daquela da β-caseína [30]. Na interface arágua, entretanto, observa-se um comportamento oposto [6].
Variações na composição proteica da fase principal afetariam
a composição proteica da película adsorvida e, possivelmente, a estabilidade da emulsão.
A uma concentração elevada, as misturas proteicas costumam exibir incompatibilidade para se misturar em solução
[100]. Nas películas de proteínas mistas em uma interface
óleo-água, na qual a concentração proteica local encontrase na faixa de 15 a 30%, a ocorrência de uma separação de
fases bidimensional das proteínas é possível com o tempo de
estocagem. Relataram-se evidências para isso nas interfaces
ar-água [105,114] e óleo-água [30]. Se ocorrer uma separa-
225
ção das proteínas em fases distintas, em películas de proteína
mista ao redor das gotículas de óleo, é possível que a interface dessas regiões separadas por fase possa agir como fonte de instabilidade nas emulsões. No entanto, ainda não se
determinou uma correlação direta entre a incompatibilidade
termodinâmica de se misturar as proteínas em películas proteicas mistas na interface óleo-água e a estabilidade cinética
das emulsões compostas de misturas proteicas.
5.5.3.2
Propriedades espumantes
As espumas consistem de uma fase contínua aquosa e uma
fase dispersa gasosa (ar). Muitos alimentos processados
são produtos do tipo espuma. Eles incluem cremes batidos,
sorvetes, bolos, merengues, pães, suflês, musses e marshmallows. As propriedades texturais singulares e a sensação
sensorial bucal causada por esses produtos são provenientes
das minúsculas bolhas de ar dispersas. Na maioria desses
produtos, as proteínas são os principais agentes ativos de superfície que ajudam na formação e na estabilização da fase
dispersa gasosa.
Em geral, a formação de bolhas ou o ato de bater ou agitar uma solução proteica criam espumas estabilizadas por
proteínas. A propriedade de uma proteina de formar espuma refere-se a sua capacidade de formar uma película fina
e resistente na interface gás-líquido, de modo que grandes
quantidades de bolhas de gás possam ser incorporadas e
estabilizadas. As propriedades de formação de espuma são
avaliadas de várias maneiras. A capacidade de formar espumas ou a espumabilidade de uma proteína refere-se à quantidade de área interfacial que pode ser criada pela proteína.
Ela pode ser expressa de diversas maneiras, como overrun
(volume de espuma em estado estável) ou poder espumante
(ou expansão da espuma). O overrun é definido como
(5.58)
O poder espumante (FP) é expresso como:
(5.59)
O poder espumante geralmente aumenta com a concentração proteica até que um valor máximo seja atingido. Ele
também é afetado pelo método usado para formação de espuma. O FP a uma dada concentração proteica costuma ser
usado como base para comparação das propriedades de formação de espuma das diversas proteínas. Os FPs de várias
proteínas em pH 8,0 são dados na Tabela 5.15 [82].
Estabilidade da espuma refere-se à capacidade da proteína de estabilizar a espuma contra as tensões gravitacionais
e mecânicas. Ela costuma ser expressa como tempo necessário à drenagem de 50% do líquido da espuma ou para redução em 50% do volume da espuma. Esses métodos são
muito empíricos, não dando informações fundamentais sobre os fatores que afetam a estabilidade da espuma. A medida mais direta da estabilidade da espuma é a redução da área
interfacial da espuma em função do tempo. Isso pode ser
226
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 5.15 Comparação do poder espumante de soluções proteicas
Poder espumantea a 0,5% de conc. proteica (p/v) (%)
Tipo de proteína
Albumina sérica bovina
Isolado proteico de soro
Clara do ovo
Ovoalbumina
Plasma bovino
β-lactoglobulina
Fibrinogênio
Proteína de soja (hidrolisada por enzimas)
Gelatina (pele suína processada por ácido)
a
280
600
240
40
260
480
360
500
760
Calculada de acordo com a Equação 5.56
Fonte: Poole, S. et al. 1984. J. Sci. Food Agric. 35:701–711.
feito como se segue. De acordo com o princípio de Laplace,
a pressão interna de uma bolha é maior do que a pressão
(atmosférica) externa e, em condições estáveis, a diferença
de pressão P, é
(5.60)
onde pi e po são as pressões interna e externa, respectivamente, r é o raio da bolha de espuma e γ é a tensão superficial. De acordo com a equação supracitada, a pressão dentro
de um recipiente fechado que contêm espuma aumentará
quando a espuma entrar em colapso. A mudança líquida na
pressão é [92]
(5.61)
onde V é o volume total do sistema, P é a mudança de
pressão e A é a mudança líquida na área interfacial resultante da fração de espuma que entrou em colapso. A área
interfacial inicial da espuma é dada por:
(5.62)
onde P∞ é a mudança líquida de pressão quando a espuma
total entra em colapso. O valor A0 é a medida da espumabilidade; a taxa de decréscimo de A ao longo do tempo pode ser
usada como medida da estabilidade da espuma. Essa abordagem tem sido usada para estudar as propriedades de formação de espuma das proteínas dos alimentos [133,135].
Força ou firmeza da espuma refere-se ao peso máximo
que uma coluna de espuma pode suportar antes de entrar em
colapso. A mensuração da viscosidade da espuma também
serve para avaliar essa propriedade.
5.5.3.2.1 Fatores ambientais que influenciam a
formação e a estabilidade da espuma
pH: Diversos estudos mostraram que as espumas estabilizadas por proteínas são mais estáveis em pH isoelétrico da proteína do que em qualquer outro pH, contanto que não haja insolubilização da proteína no pI. Na região do pH isoelétrico
ou perto dela, a falta de interações repulsivas promove inte-
rações favoráveis de proteína-proteína e a formação de uma
película viscosa na interface. Além disso, ocorre aumento de
quantidade de proteína adsorvida à interface no pI por causa da falta de repulsão entre a interface e as moléculas em
adsorção. Esses dois fatores aumentam tanto a espumabilidade como a estabilidade da espuma. Se a proteína é pouco
solúvel no pI, como acontece com a maioria das proteínas
alimentares, então, apenas a fração da proteína solúvel será
envolvida na formação da espuma. Se a concentração dessa
fração solúvel for muito baixa, a quantidade de espuma formada será menor, mas a estabilidade será elevada. Embora
a fração insolúvel não contribua para a espumabilidade, a
adsorção dessas partículas proteicas insolúveis poderá estabilizar a espuma, talvez por aumento das forças coesivas na
película proteica. Geralmente a adsorção das partículas hidrofóbicas aumenta a estabilidade das espumas. Em um pH
diferente do pI, a espumabilidade das proteínas costuma ser
boa, porém, a estabilidade da espuma é baixa. As proteínas
da clara do ovo exibem boas propriedades de formação de
espuma em pH de 8-9 e em seu pH isoelétrico de 4-5.
Sais: Os efeitos dos sais sobre as propriedades de formação
de espuma das proteínas dependem do tipo de sal e das características de solubilidade da proteína na solução salina.
A espumabilidade e a estabilidade da espuma da maioria
das proteínas globulares, como albumina sérica bovina, albumina do ovo, glúten e proteínas da soja, aumentam com
a elevação da concentração de NaCl. Esse comportamento
costuma ser atribuído à neutralização das cargas pelos íons
salinos. Entretanto, algumas proteínas, como a proteína do
soro de leite mostram o efeito oposto: tanto a espumabilidade como a estabilidade da espuma decrescem com o aumento da concentração de NaCl (Tabela 5.16) [136]. Isso é atribuído ao salting in (solubilização por sais) das proteínas do
soro, em especial da β-lactoglobulina. As proteínas que são
salted out (precipitadas por sais), em solução salina determinada, geralmente exibem maiores propriedades de formação
de espuma, enquanto as que são salted in exibem propriedades de formação de espuma precárias. Cátions divalentes
como Ca2+ e Mg2+, melhoram de maneira drástica tanto a
formação da espuma como sua estabilidade a concentrações
de 0,02-0,04 M. Isso se deve, principalmente, às ligações
Química de Alimentos de Fennema
227
TABELA 5.16 Efeito do NaCl sobre espumabilidade e estabilidade da espuma do isolado proteico do soro de leite
Concentração de NaCl (M)
0,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
0,15
Área interfacial total (cm2/ml de espuma)
Tempo para o colapso de 50% da área inicial (s)
333
317
308
307
305
287
281
510
324
288
180
165
120
120
Fonte: Compilada a partir de Zhu, H. e S. Damodaran. 1994. J. Food Sci. 59:554–560.
cruzadas das moléculas proteicas e à criação de películas
com melhores propriedades viscoelásticas [134].
Açúcares: A adição de sacarose, lactose e outros açúcares
a soluções proteicas costuma prejudicar a espumabilidade,
porém aumenta a estabilidade das espumas. O efeito positivo
dos açúcares sobre a estabilidade das espumas se deve ao aumento da viscosidade da fase principal, o que reduz a taxa de
drenagem do fluido da lamela. A diminuição da capacidade
de formação de espuma se deve ao aumento da estabilidade da estrutura proteica nas soluções de açúcar. Em razão
disso, a molécula proteica é menos capaz de se desdobrar
quando da adsorção na interface. Isso diminui a capacidade
da proteína de reduzir a tensão interfacial, produzir grandes
áreas interfaciais e um grande volume de espuma durante o
batimento. Em produtos de sobremesa do tipo espuma, que
contêm açúcar, como merengues, suflês e bolos, é preferível que se acrescente o açúcar depois do batimento, quando
possível. Isso permitirá a adsorção da proteína e seu desdobramento, formando uma película estável, então, o açúcar
acrescentado aumentará a estabilidade da espuma, elevando
a viscosidade do fluido da lamela.
Lipídeos: Quando presentes em concentrações >0,5%, lipídeos, em especial os fosfolipídeos, diminuem acentuadamente as propriedades de formação de espuma das proteínas. Como os lipídeos são mais ativos na superfície do que
as proteínas, eles se adsorvem rapidamente na interface arágua, inibindo a adsorção das proteínas durante a formação
de espuma. Como as películas de lipídeos são desprovidas
das propriedades coesivas e viscoelásticas, as quais são necessárias para se opor à pressão interna das bolhas de espuma, elas se expandem rápido e depois sofrem colapso quando
batidas. Dessa forma, os isolados e os concentrados proteicos do soro (WPC) livre de lipídeos, bem como as proteínas
da soja e as proteínas do ovo sem gema, mostram melhores
propriedades de formação de espuma do que as preparações
contaminadas por lipídeos.
Concentração proteica: Diversas propriedades das espumas
são influenciadas pela concentração de proteínas. Quanto
maior a concentração de proteína, mais firme será a espuma.
A firmeza desta resulta do pequeno tamanho da bolha e da
alta viscosidade. A estabilidade da espuma é aumentada por
grandes concentrações proteicas, uma vez que isso aumenta
a viscosidade e facilita a formação de uma película proteica
coesiva de múltiplas camadas na interface. A espumabilidade
costuma atingir seu valor máximo em algum ponto durante
o aumento da concentração de proteínas. Algumas proteínas,
por exemplo, a albumina sérica, são capazes de formar espumas relativamente estáveis a uma concentração proteica de
1%, enquanto proteínas como o WPI e as proteínas da soja
exigem o mínimo de 2 a 5% para a formação de espumas
relativamente estáveis. No geral a maior parte das proteínas
exibe sua espumabilidade máxima a uma concentração de 2
a 8%. A concentração interfacial das proteínas nas espumas
2
é de cerca de 2 a 3 mg/m .
A desnaturação parcial por calor melhora as propriedades de formação de espuma das proteínas. Por exemplo, o
aquecimento do WPI a 70ºC durante 1min aumenta as propriedades de formação de espuma, enquanto o aquecimento a 90ºC durante 5min as diminuem, embora as proteínas
aquecidas permaneçam solúveis em ambos os casos [135].
A diminuição das propriedades de formação de espuma do
WPI aquecido a 90ºC deve-se à extensa polimerização da
proteína por meio das reações de troca dissulfeto-sulfidrila.
Proteínas com alto teor de ligação cruzada e de polimerização não são capazes de se adsorverem à interface ar-água
durante a formação de espuma.
O método de geração de espuma influencia as propriedades de formação de espuma das proteínas. A introdução de
ar por formação de bolhas ou pulverização costuma resultar em uma espuma “úmida” com bolhas de tamanho relativamente grande. O batimento a uma velocidade moderada
resulta em espumas com bolhas de tamanho pequeno, pois
a ação de cisalhamento resulta em desnaturação parcial da
proteína antes que ocorra a adsorção. No entanto, o batimento a uma alta taxa de cisalhamento ou mesmo o excesso de
batimento podem diminuir o poder de formação de espuma
por causa de desnaturação extensa, agregação e precipitação
das proteínas.
Alguns alimentos do tipo espuma, como marshmallow,
bolos e pães, são aquecidos depois que a espuma é formada. Durante o aquecimento, a expansão do ar e a redução da
viscosidade podem causar ruptura das bolhas e colapso da
espuma. Nesses casos, a integridade da espuma depende da
gelificação da película proteica na interface, de modo que se
desenvolva uma força mecânica suficiente para estabilização
da espuma. A gelatina, o glúten, a clara do ovo, produtos que
apresentam boas propriedades de formação de espuma e gelificação, são bastante adequados para essa finalidade.
228
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
5.5.3.2.2 Propriedades moleculares que
influenciam na formação e a
estabilidade da espuma
Para que uma proteína aja de forma efetiva como agente de
formação de espuma ou como emulsificador, ela deve satisfazer os seguintes requisitos básicos; (1) deve ser capaz de
adsorver-se com rapidez à interface ar-água; (2) deve desdobrar-se prontamente e rearranjar-se na interface; e (3) deve
ser capaz de formar uma película coesiva viscosa por meio
de interações intermoleculares. As propriedades moleculares que afetam as propriedades de formação de espuma são
flexibilidade molecular, densidade e distribuição da carga e
hidrofobicidade.
A energia livre da interface ar-água é significativamente
maior do que a da óleo-água. Portanto, para estabilizar a interface ar-água, a proteína deve ter a capacidade de adsorver-se com rapidez à interface recém-criada, diminuindo instantaneamente a tensão interfacial a um valor baixo. A redução
da tensão interfacial depende da capacidade da proteína de
se desdobrar de modo rápido, de rearranjar-se e expor seus
grupos hidrofóbicos na interface. As proteínas do tipo random coil (estado de desordem estrutural), como a β-caseína,
agem bem dessa forma. Por outro lado, proteínas globulares
densamente dobradas, como a lisozima, adsorvem-se muito
devagar, desdobram-se apenas parcialmente e reduzem a tensão na superfície apenas de forma leve [130]. Portanto, a lisozima é um agente precário de formação de espuma. Desse
modo, a flexibilidade molecular da interface é essencial para
o bom desempenho de um agente de formação de espuma.
Bem como a flexibilidade molecular, a hidrofobicidade
também desempenha sua função na espumabilidade das proteínas. O poder de formação de espuma das proteínas está
correlacionado positivamente à hidrofobicidade média. No
entanto, o poder de formação de espuma das proteínas varia
curvilineamente com a hidrofobicidade da superfície, não havendo uma correlação significativa entre essas duas propriedades em valores de hidrofobicidades maiores do que 1.000
[63]. Isso indica que é necessária uma hidrofobicidade de
superfície de no mínimo 1.000 para adsorção inicial das proteínas na interface ar-água, enquanto, uma vez adsorvida, a
capacidade da proteína de criar mais área interfacial durante a
formação da espuma depende de sua hidrofobicidade média.
Proteínas que apresentam boa espumabilidade não precisam ser bons estabilizadores de espuma, por exemplo,
embora a β-caseína exiba excelente espumabilidade, a estabilidade de sua espuma é baixa. Por outro lado, a lizozima
apresenta espumabilidade baixa, mas suas espumas são muito estáveis. No geral, as proteínas que apresentam bom poder
de espumabilidade não têm capacidade de estabilizar a espuma, enquanto as que produzem espumas estáveis costumam
exibir baixo poder de formação de espuma. Aparentemente,
a espumabilidade e a estabilidade são influenciadas por dois
conjuntos diferentes de propriedades moleculares das proteínas, os quais, com frequência, são antagônicos. Enquanto
a espumabilidade é afetada por taxa de adsorção, flexibilidade e hidrofobicidade, a estabilidade depende das propriedades reológicas da película de proteína. As propriedades
reológicas das proteínas dependem de hidratação, espessura,
concentração da proteína e de interações intermoleculares
favoráveis. As proteínas que se desdobram apenas em parte,
retendo algum grau de estrutura dobrada, costumam formar
películas mais espessas e mais densas e espumas mais estáveis (p. ex., a lisozima e a albumina sérica) do que as que
se desdobram por completo (p. ex., β-caseína) na interface
ar-água. No primeiro caso, a estrutura dobrada estende-se
para a subsuperfície na forma de alças. As interações não
covalentes e talvez a ligação cruzada dissulfeto entre essas
alças promovem a formação de uma rede de gel que possui
excelentes propriedades viscoelásticas e mecânicas. Para que
uma proteína possua espumabilidade e estabilidade de espuma satisfatórias, ela deve apresentar o equilíbrio apropriado
entre flexibilidade e rigidez, deve sofrer desdobramento com
facilidade e deve envolver-se em um grande número de interações coesivas na interface. No entanto, é difícil, se não
impossível, prever que grau de desdobramento é desejável
para uma determinada proteína. Além desses fatores, a estabilidade da espuma costuma exibir uma relação inversa à
densidade da carga das proteínas. A alta densidade de carga
parece interfirir na formação de películas coesivas.
A maioria das proteínas alimentares é constituída de
misturas de várias proteínas e, portanto, suas propriedades
de formação de espuma são influenciadas por interações
entre os componentes proteicos na interface. As excelentes
propriedades de batimento da clara do ovo são atribuídas às
interações entre seus componentes proteicos, a saber, ovoalbumina, conalbumina e lisozima. Diversos estudos indicaram
que as propriedades de formação de espuma de proteínas ácidas podem ser melhoradas quando misturadas com proteínas
básicas, tais como lisozima e clupeína [102]. Esse efeito de
intensificação parece estar relacionado à formação de um
complexo eletrostático entre as proteínas ácidas e básicas.
A hidrólise enzimática limitada das proteínas geralmente
aumenta suas propriedades de formação de espuma. Isso se
deve ao aumento da flexibilidade molecular e à maior exposição dos grupos hidrofóbicos. Entretanto, a hidrólise extensiva prejudica a espumabilidade, pois os peptídeos de baixo
peso molecular não podem formar uma película coesiva na
interface.
5.5.4
Fixação de aroma
As proteínas em si são inodoras. No entanto, elas podem
ligar-se a compostos de aroma e, dessa forma, afetar as propriedades sensoriais dos alimentos. Várias proteínas, em especial de sementes oleaginosas e WPCs, carreiam sabores
indesejáveis, o que limita sua utilidade em aplicações nos
alimentos. Esses off-flavors (odores indesejáveis) são, principalmente, o resultado de aldeídos, cetonas e álcoois gerados
pela oxidação de ácidos graxos insaturados. Quando de sua
formação, esses compostos carbonilas ligam-se às proteínas
e produzem odores indesejáveis característicos. Por exemplo,
o odor gorduroso e semelhante ao feijão das preparações de
proteína da soja é atribuído à presença do hexanal. A afinidade de ligação de algumas dessas carbonilas é tão forte que
Química de Alimentos de Fennema
elas resistem até mesmo à extração por solvente. É necessário
que se tenha um entendimento básico sobre o mecanismo de
ligação dos odores indesejáveis às proteínas para que possam
ser desenvolvidos métodos apropriados para sua remoção.
A propriedade de fixação de aroma das proteínas também
tem aspectos desejáveis, pois elas podem ser usadas como
carregadores ou modificadores de aroma em alimentos industrializados. Isso é útil em análogos da carne que contêm
proteínas vegetais, nos quais a imitação bem-sucedida de um
aroma semelhante à carne é essencial para sua aceitação por
parte do consumidor. Para que uma proteína funcione como
bom carregador de aroma, ela deve se ligar estreitamente aos
aromas, retê-los durante o processamento e liberá-los durante a mastigação do alimento. No entanto, as proteínas não se
ligam a todos os compostos de aroma com afinidade igual.
Isso leva à retenção desigual e desproporcional de alguns
aromas e a perdas indesejáveis durante o processamento.
Como os flavorizantes ligados às proteínas não contribuem
para o gosto e o aroma, a não ser que eles sejam prontamente liberados na boca, é essencial que se conheçam os
mecanismos de interação e afinidade de ligação dos diversos
flavorizantes caso se deseje criar estratégias efetivas para o
desenvolvimento de produtos proteicos com aroma ou para a
remoção dos odores indesejáveis.
5.5.4.1 Termodinâmica das interações
proteína-aroma
Nos sistemas-modelo água-aroma, a adição das proteínas
causa redução da concentração headspace dos compostos
de aroma. Isso se deve à ligação dos aromas às proteínas.
O mecanismo de ligação do aroma às proteínas depende do
conteúdo de umidade da amostra de proteína, mas as interações costumam ser não covalentes. Os pós-proteicos secos
ligam-se aos aromas, principalmente por meio de interações
eletrostáticas, van der Waals e por pontes de hidrogênio. O
aprisionamento físico dentro dos capilares e dos interstícios dos pós-proteicos também podem contribuir para suas
propriedades aromáticas. Em alimentos líquidos ou de alta
umidade, o mecanismo da ligação do aroma por parte das
proteínas envolve basicamente a interação dos compostos de
aroma não polares (ligantes) aos segmentos ou às cavidades
hidrofóbicas da superfície da proteína. Além das interações
hidrofóbicas, os compostos de aroma com grupos polares,
como grupos hidroxil e carboxil, também podem interagir
com proteínas por meio de pontes de hidrogênio e interações
eletrostáticas. Após se ligarem às regiões hidrofóbicas da superfície, os aldeídos e as cetonas podem difundir-se para o
interior hidrofóbico da molécula proteica.
A interação proteína-aroma é, em geral, reversível por
completo. No entanto, os aldeídos podem ligar-se covalentemente ao grupo amino das cadeias laterais da lisina, sendo
que essa interação é irreversível. Contudo, apenas a fração
ligada de modo não covalente pode contribuir para o aroma
e o sabor do produto proteico.
A dimensão da fixação do aroma com as proteínas hidratadas depende do número de regiões de ligação hidrofóbica disponíveis na superfície da proteína [28]. Os sítios
229
de ligação geralmente são compostos de grupos de resíduos
hidrofóbicos segregados na forma de uma cavidade bem-definida. Os resíduos não polares individuais sobre a superfície
proteica têm menos probabilidade de agir como sítios de ligação. Em condições de equilíbrio, a ligação não covalente
reversível de um composto de aroma com proteínas segue a
equação de Scatchard:
(5.63)
onde υ são moles do ligante fixados por mol de proteína, n
é o número total dos sítios de ligação por mol de proteína,
[L] é a concentração do ligante livre em equilíbrio e K é a
−1
constante de equilíbrio da ligação (M ). De acordo com essa
equação, um gráfico de υ/[L] versus υ será uma linha reta; os
valores de K e n podem ser obtidos a partir da inclinação e da
interseção, respectivamente. A mudança de energia livre para
a fixação do ligante à proteína é obtida a partir da equação
onde R é a constante do gás e T é a temperatura absoluta.
As constantes termodinâmicas para a ligação de compostos
carbonila a várias proteínas são apresentadas na Tabela 5.17
[28,29,95]. A constante de ligação aumenta cerca de três vezes para cada acréscimo de grupo metileno ao comprimento
da cadeia, com uma mudança de energia livre correspondente de −0,55 kcal/mol por grupo CH2. Isso indica que a ligação é de natureza hidrofóbica.
Supõe-se, na relação de Scatchard, que todos os sítios de
fixação do ligante em uma proteína tenham a mesma afinidade e que nenhuma mudança conformacional ocorra com
a fixação do ligante a esses sítios. Ao contrário dessa segunda suposição, as proteínas, na verdade, costumam passar por
uma mudança conformacional modesta quando se ligam a
compostos de aroma. A difusão dos compostos de aroma para
o interior da proteína pode perturbar as interações hidrofóbicas entre os segmentos da proteína e, dessa forma, desestabilizar a estrutura proteica. Os ligantes de aroma com grupos
reativos, como aldeídos, podem ligar-se covalentemente aos
grupos ε-amino dos resíduos de lisina, alterar a carga líquida
da proteína e, então, causar o desdobramento da proteína. O
desdobramento resulta na exposição de novos sítios hidrofóbicos para fixação do ligante. Por causa dessas mudanças
estruturais, os gráficos de Schatcard para as proteínas costumam ser curvilíneos. No caso de proteínas oligoméricas,
como as proteínas da soja, as mudanças conformacionais podem envolver tanto a dissociação como o desdobramento de
subunidades. As proteínas desnaturadas no geral exibem um
grande número de sítios de ligação com fracas constantes de
associação. Os métodos para mensuração da fixação de aroma podem ser encontrados nas Referências 28 e 29.
5.5.4.2
Fatores que influenciam
a fixação do aroma
Uma vez que os aromas voláteis reagem com as proteínas
hidratadas, principalmente por meio de interações hidrofó-
230
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
TABELA 5.17 Constantes termodinâmicas para a fixação de compostos carbonila às proteínas
Proteína
Compostos carbonila
Albumina sérica
2-nonanona
2-heptanona
2-heptanona
2-octanona
2-nonanona
2-heptanona
2-octanona
2-nonanona
5-nonanona
Nonanal
2-nonanona
2-nonanona
β-lactoglobulina
Proteína de soja
nativa
Parcialmente desnaturada
Succinilada
−1
K (M )
ΔG (kcal/mol)
6
6
2
2
2
1.800
270
150
480
2.440
−4,4
−3,3
−3,0
−3,7
−4,7
4
4
4
4
4
4
2
110
310
930
541
1.094
1.240
850
−2,8
−3,4
−4,1
−3,8
−4,2
−4,3
−4,0
n (moles/mol)
n, número de sítios de ligação no estado nativo; K, constante de equilíbrio da ligação
Fonte: Compilada a partir de Damodaran, S. e J. E. Kinsella. 1980. J. Agric. Food Chem. 28:567–571; Damodaran, S. e J. E.
Kinsella. 1981. J. Agric. Food Chem. 29:1249–1253; e O’Neill, T. E. e J. E. Kinsella. 1987. J. Agric. Food Chem. 35:770–774.
bicas, qualquer fator que afete as interações hidrofóbicas ou
a hidrofobicidade de superfície das proteínas influenciará na
fixação do aroma.
A temperatura tem muito pouco efeito sobre a fixação
do aroma, a não ser que haja um desdobramento térmico
significativo da proteína. Isso se deve ao fato de o processo
de associação ser basicamente conduzido por entropia e não
por entalpia. As proteínas desnaturadas por meio térmico
apresentam capacidade aumentada de fixar aromas, no entanto, sua constante de ligação é geralmente baixa em comparação à das proteínas naturais. Os efeitos dos sais sobre a
fixação do aroma estão relacionados a suas propriedades de
salting in e salting out. Os sais do tipo salting in, que desestabilizam as interações hidrofóbicas, diminuem a fixação do
aroma, enquanto os do tipo salting out aumentam a fixação
do aroma.
O efeito do pH sobre a fixação do aroma quase sempre
está relacionado às mudanças conformacionais induzidas
pelo pH nas proteínas. A fixação do aroma geralmente aumenta mais em um pH alcalino do que em um pH ácido.
Isso se deve ao fato de que as proteínas tendem a se desnaturar em maior grau em pH alcalino do que em pH ácido.
A quebra das ligações dissulfeto das proteínas ocorrente em
pH alcalino causa desdobramento das proteínas, e, em geral,
aumenta a fixação do aroma. A proteólise que interrompe
e diminui o número de regiões hidrofóbicas nas proteínas
diminui a fixação do aroma. Isso pode ser usado como uma
forma de remover aromas indesejáveis das proteínas das sementes de oleaginosas.
são de cisalhamento). Para uma solução ideal, a tensão de
cisalhamento (i.e., força por unidade de área, F/A) é diretamente proporcional à taxa de cisalhamento (i.e., o gradiente de velocidade entre as camadas do líquido, dv/dr) isso é
expresso como
(5.64)
A constante de proporcionalidade n é conhecida como
coeficiente de viscosidade. Os fluidos que obedecem à expressão supracitadas são chamados de fluidos newtonianos.
O comportamento de fluxo das soluções é muito influenciado pelo tipo de soluto. Polímeros solúveis de alto
peso molecular aumentam muito a viscosidade, mesmo em
concentrações muito baixas. Isso depende mais uma vez
de diversas propriedades moleculares, tais como tamanho,
forma, flexibilidade e hidratação. As soluções de macromoléculas em random coil (estado de desordem estrutural)
apresentam viscosidade maior do que as soluções de macromoléculas compactas dobradas de mesma massa molecular. A maior parte dessas soluções, inclusive as soluções
proteicas, não apresenta comportamento newtoniano, especialmente em elevadas concentrações proteicas. Para esses
sistemas, o coeficiente de viscosidade diminui quando a
taxa de cisalhamento aumenta. Esse comportamento é conhecido como shear-thinning ou pseudoplástico, seguindo
a seguinte relação:
(5.65)
5.5.5 Viscosidade
A aceitação de vários alimentos dos tipos semissólido e líquido por parte do consumidor (p. ex., molhos, sopas, bebidas, etc.) depende da viscosidade ou da consistência do
produto. A viscosidade de uma solução se relaciona a sua
resistência ao fluxo quando uma força é aplicada (ou ten-
onde m é o coeficiente de consistência e n é um expoente
conhecido como “índice de comportamento de fluxo”. O
comportamento pseudoplástico das soluções proteicas resulta da tendência das moléculas proteicas de orientar seus eixos principais na direção do fluxo. A dissociação de dímeros
e oligômeros fracamente ligados em monômeros também
contribui para o cisalhamento fino. Quando o cisalhamento
Química de Alimentos de Fennema
ou o fluxo cessam, a viscosidade pode ou não retornar ao
valor original, dependendo da taxa de retorno das moléculas proteicas à orientação aleatória. As soluções de proteínas
fibrosas, por exemplo, gelatina e actomiosina, geralmente
permanecem orientadas e, dessa forma, não voltam a sua
viscosidade original. Por outro lado, as soluções de proteínas
globulares, como as proteínas da soja e do soro, recuperam
rapidamente sua viscosidade quando o fluxo cessa. Essas soluções são chamadas de tixotrópicas.
O coeficiente de viscosidade (ou consistência) da maior
parte das soluções proteicas segue uma relação exponencial com a concentração da proteína, tanto por causa das
interações proteína-proteína como por causa das interações
entre as esferas de hidratação das moléculas proteicas. Um
exemplo que envolve frações proteicas da soja é mostrado na
Figura 5.28 [104]. Em concentrações elevadas de proteína
ou em géis proteicos, nos quais as interações proteína-proteína são numerosas e fortes, as proteínas apresentam um
comportamento viscoelástico plástico. Nesses casos, para
se iniciar o fluxo necessita-se uma quantidade específica de
força conhecida como tensão de escoamento.
O comportamento da viscosidade das proteínas é uma
manifestação das complexas interações entre diversas variáveis, incluindo tamanho, forma, interações proteína-solvente, volume hidrodinâmico e flexibilidade molecular no
estado hidratado. Quando dissolvidas em água, as proteínas
absorvem água e se expandem. O volume das moléculas
hidratadas é muito maior do que o volume não hidratado.
A água associada à proteína induz efeitos de longo alcance
231
sobre o comportamento de fluxo do solvente. A dependência
da viscosidade em relação à forma e ao tamanho das moléculas proteicas segue a equação abaixo:
(5.66)
onde ηsp é a viscosidade específica, β é o fator de forma e
C é a concentração e e são os volumes específicos da
proteína não hidratada e do solvente, respectivamente; δ1
são gramas de água ligada por grama de proteína. Aqui,
também está relacionado à flexibilidade molecular; quanto
maior o volume específico da proteína, maior será sua flexibilidade.
A viscosidade das soluções proteicas diluídas é expressa de diversas formas. A viscosidade relativa ηrel refere-se à
proporção da viscosidade da solução proteica em relação à
do solvente. Ela é medida em um viscômetro capilar do tipo
Ostwal-Fenske, sendo expressa como
(5.67)
onde ρ e ρ0 são densidades da solução proteica e do solvente, respectivamente, enquanto t e t0 são tempos de fluxo
para um volume determinado da solução proteica e do solvente, respectivamente, ao longo do capilar. Outras formas
de se expressar viscosidade podem ser obtidas a partir da
viscosidade relativa. A viscosidade específica é definida
como
(5.68)
100
80
60
40
20
Interrupção na escala
Viscosidade (Pa s)
1,0
7S
11S
0,1
0,01
2
4
6
8
10
12
Concentração (%)
14
16
FIGURA 5.28 Efeito da concentração sobre a viscosidade (ou índice de consistência) de soluções de proteína de soja 7S e 11S, a 20ºC.
(Rao, M. A. et al. 1986. Em Food Engineering and Process Applications (Le Maguer, M. e P. Jelen, Eds.), Elsevier Applied Sci., New York,
pp. 39–48.)
232
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
A viscosidade reduzida é
(5.69)
onde C é a concentração proteica e a viscosidade intrínseca é
(5.70)
A viscosidade intrínseca [η] é obtida extrapolando-se um
gráfico de viscosidade reduzida versus concentração proteica para concentração proteica zero (Lim). Como as interações proteína-proteína são inexistentes na diluição infinita,
a viscosidade intrínseca descreve com cuidado os efeitos da
forma e do tamanho sobre o comportamento de fluxo das
moléculas proteicas individuais. As mudanças na forma hidrodinâmica das proteínas, as quais resultam de tratamentos
por calor e pH, podem ser estudadas medindo-se suas viscosidades intrínsecas.
5.5.6
Gelificação
O gel é uma fase intermediária entre o sólido e o líquido.
Tecnicamente, ele é definido como “sistema substancialmente diluído que não exibe um estado constante de fluxo” [43].
Ele é composto de polímeros em ligação cruzada por meio
de ligações covalentes ou não covalentes para a formação de
uma rede capaz de aprisionar a água, bem como outras substâncias de baixo peso molecular (ver Capítulo 13).
Gelificação proteica refere-se à transformação de uma
proteína do estado de “sol” para o “estado semelhante a gel”.
O calor, as enzimas ou os cátions divalentes em condições
apropriadas facilitam essa transformação. Todos esses agentes induzem a formação de uma estrutura de rede, no entanto, os tipos de interações covalentes e não covalentes envolvidos, bem como o mecanismo de formação da rede, podem
diferir de maneira considerável.
A maior parte dos géis proteicos de alimentos é preparada por meio do aquecimento de uma solução proteica
moderadamente concentrada. Nesse modo de gelificação, a
proteína em estado “sol”, é primeiro transformada em estado “pró-gel” por meio da desnaturação. No estado “sol”, o
número de grupos de ligação não covalente disponível nas
proteínas para a formação da estrutura de rede é limitado. O
estado pró-gel, no entanto, é um estado de líquido viscoso
no qual algum grau de desnaturação proteica e de polimerização já ocorreu. Além disso, no estado pró-gel, um número
importante de grupos funcionais, como pontes de hidrogênio e grupos hidrofóbicos que podem formar ligações não
covalentes intermoleculares, ficam expostos, de modo que
a segunda etapa pode ocorrer, a saber, a formação da rede
proteica. A conversão do sol em pró-gel é irreversível, uma
vez que ocorrem muitas interações proteína-proteína entre
as moléculas desdobradas. Quando o pró-gel é resfriado até
a temperatura ambiente ou de refrigeração, a diminuição da
energia cinética térmica facilita a formação de ligações não
covalentes estáveis entre grupos funcionais expostos das diversas moléculas, sendo isso o que constitui a gelificação.
As interações envolvidas na formação da rede são principalmente pontes de hidrogênio e interações eletrostáticas e
hidrofóbicas. As contribuições relativas dessas forças variam
com tipo de proteína, condições de aquecimento, extensão
da desnaturação e condições ambientais. As pontes de hidrogênio e as interações hidrofóbicas contribuem mais do que
as interações eletrostáticas para a formação da rede, exceto
quando íons multivalentes estão envolvidos na ligação cruzada. Como as proteínas costumam deter carga líquida, ocorre
repulsão eletrostática entre as moléculas proteicas, o que geralmente não leva à formação da rede. No entanto, os grupos
carregados são essenciais para a manutenção das interações
proteína-água e da capacidade de retenção de água dos géis.
As redes de gel que são sustentadas por ligações não covalentes são termicamente reversíveis, ou seja, ao se aquecer,
elas se fundirão, formando um estado pró-gel, como costuma
ser observado com os géis de gelatina. Isso é mais verdadeiro
quando as pontes de hidrogênio são os principais constituintes da formação da rede. Como as interações hidrofóbicas são
fortes em temperaturas elevadas, as redes de gel formadas por
interações hidrofóbicas são termicamente irreversíveis, por
exemplo, os géis da clara de ovo. As proteínas que contêm
tanto grupos de cisteína como de cistina podem sofrer polimerização por meio de reações de intercâmbio dissulfeto-sulfidril, durante o aquecimento, formando uma rede covalente
contínua ao se resfriar. Esses géis costumam ser termicamente irreversíveis. Exemplos de géis desse tipo são ovoalbumina, β-lactoglobulina e géis da proteína do soro.
As proteínas formam dois tipos de géis, isto é, géis do tipo
coágulo (opacos) e géis translúcidos. O tipo de gel formado
por uma proteína é determinado por suas propriedades moleculares e suas condições de solução. As proteínas que contêm
grandes quantidades de resíduos de aminoácidos não polares
sofrem agregação hidrofóbica durante a desnaturação.
(5.71)
PN é o estado nativo, PD é o estado desordenado e n é o número das moléculas de proteína que participam da ligação
cruzada.
Esses agregados insolúveis se associam aleatoriamente,
formando um gel irreversível do tipo coágulo. Uma vez que
as taxas de agregação e formação da rede são mais rápidas
do que a taxa de desnaturação, as proteínas desse tipo formam com facilidade uma rede de gel, mesmo ao serem aquecidas. A opacidade desses géis se deve ao espalhamento de
luz causado pela rede (isotrópica) não ordenada de agregados proteicos insolúveis. Os géis do tipo coágulo costumam
ser fracos e propensos à sinerese.
As proteínas que contêm pequenas quantidades de resíduos de aminoácidos não polares formam complexos solúveis durante a desnaturação. Uma vez que a taxa de asso-
Química de Alimentos de Fennema
ciação dos complexos solúveis é mais lenta do que a taxa
de desnaturação e a rede de gel é quase toda formada por
interações de pontes de hidrogênio, eles com frequência não
formam um gel até que ocorra aquecimento seguido de resfriamento (usa-se tipicamente uma concentração de proteína
de 8-12%). Com o resfriamento, a taxa de associação lenta
dos complexos solúveis facilita a formação de uma rede de
gel ordenada e translúcida.
No âmbito molecular, os géis do tipo coágulo tendem a
se formar quando a soma dos resíduos proteicos de Val, Pro,
Leu, Ile, Phe e Trp exceder 31,5 mol% [116]. Os que contêm
<31,5 mol% dos resíduos hidrofóbicos supracitados costumam formar géis translúcidos se o solvente usado for água.
Entretanto, essa regra não é obedecida quando soluções salinas são usadas como solvente. Por exemplo, o conteúdo
de aminoácidos hidrofóbicos da β-lactoglobulina é de 32
mol%, ainda assim, ela forma um gel translúcido em água.
Entretanto, quando o NaCl é incluído, ela forma um gel do
tipo coágulo, mesmo em baixa concentração de sal, de 50
mM. Isso ocorre por causa da neutralização da carga pelo
NaCl, o qual promove agregação hidrofóbica ao se aquecer.
Dessa forma, o equilíbrio entre as interações hidrofóbicas
atrativas e as interações eletrostáticas repulsivas controla o
mecanismo de gelificação e a aparência do gel. Essas duas
forças, de fato, controlam o equilíbrio das interações proteína-proteína e proteína-solvente no sistema de formação
de gel. Se as interações proteína-proteína forem maiores do
que as interações proteína-solvente, haverá propensão à formação de um precipitado. Se as interações proteína-solvente
predominarem, o sistema poderá não gelificar. Um gel do
tipo coágulo ou um gel translúcido se formará quando a
magnitude das forças hidrofóbicas e hidrofílicas estiver em
algum ponto entre esses dois extremos.
Os géis proteicos são sistemas altamente hidratados que
contêm até 98% de água, em alguns casos. A água retida nesses géis tem um potencial (atividade) químico semelhante ao
das soluções aquosas diluídas, porém carece de fluidez e não
pode ser expresso com facilidade. O mecanismo pelo qual
a água líquida pode ser mantida em um estado semissólido
em géis não é bem compreendido. No entanto, o fato de que
os géis translúcidos, formados basicamente por interações de
pontes de hidrogênio, retêm mais água do que os géis do tipo
coágulo e são menos propensos à sinerese, sugere que grande
parte da água esteja ligada pelo hidrogênio aos grupos C=O
e N-H das ligações peptídicas, esteja associada a grupos carregados em forma de camadas de hidratação e/ou exista em
redes água-água, parecidas com o gelo, extensivamente ligadas por pontes de hidrogênio. Ainda, é possível que dentro do
ambiente restrito da microestrutura da rede de gel possa existir água como um fator de ligação cruzada de pontes de hidrogênio entre os grupos C=O e N-H dos segmentos peptídicos
(ver Capítulo 2). Isso pode restringir a capacidade de fluxo de
água dentro de cada célula, o que se acentua à medida que o
tamanho da célula diminui. É possível, ainda, que um pouco
de água possa ser retida como água capilar nos poros da estrutura do gel, em especial nos géis do tipo coágulo.
A estabilidade da estrutura do gel contra as forças térmicas e mecânicas depende do número e dos tipos de li-
233
gações cruzadas formadas pelas cadeias de monômeros.
Termodinamicamente, a estrutura do gel seria estável apenas
quando a soma das energias de interação de um monômero na rede de gel fosse maior do que sua energia cinética
térmica. Isso depende de vários fatores intrínsecos (como
tamanho, carga líquida, etc.) e extrínsecos (tais como pH,
temperatura, força iônica, etc). A raiz quadrada da dureza
dos géis proteicos apresenta uma relação linear com o peso
molecular [125]. Proteínas globulares com peso molecular
<23.000 Da não podem formar géis induzidos pelo calor
em nenhuma concentração proteica razoável, a não ser que
elas contenham pelo menos um grupo sulfidril livre ou uma
ponte dissulfeto. Os grupos sulfidril e as pontes dissulfeto
facilitam a polimerização e, dessa forma, aumentam o peso
molecular efetivo dos polipeptídeos para >23.000 Da. As
preparações de gelatina com pesos moleculares efetivos de
<20.000 Da não podem formar géis.
Outro fator crítico é a concentração da proteína. Para formar uma rede de gel que se mantenha sozinha, exige-se uma
concentração mínima de proteína, conhecida como o menor
ponto de equivalência (LCE-least concentration endpoint)
[50]. O LCE é 8% para as proteínas da soja, 3% para a albumina do ovo e cerca de 0,6% para a gelatina. Acima dessa
concentração mínima, a relação entre a força do gel, G, e a
concentração da proteína, C, segue uma lei exponencial:
(5.72)
onde C0 é o LCE. Para as proteínas, o valor de n varia de 1
a 2.
Vários fatores ambientais, como pH, sais e outros aditivos, também afetam a gelificação das proteínas. No ponto
isoelétrico, ou próximo a ele, as proteínas geralmente formam géis do tipo coágulo. Em extremos de pH, formam-se
géis fracos por causa da forte repulsão eletrostática. O pH
ótimo para a formação de gel é encontrado em torno de 7-8
para a maioria das proteínas.
A formação de géis de proteína pode, por vezes, ser facilitada por uma proteólise limitada. Um exemplo bem conhecido é o queijo. A adição de quimosina (renina) às micelas
de caseína do leite resulta na formação de um gel do tipo
coágulo. Isso é alcançado pela clivagem da κ-caseína, um
componente da micela, o qual ocasiona a liberação de uma
porção hidrofílica conhecida como glicomacropeptídeo. As
chamadas micelas paracaseína restantes possuem superfícies altamente hidrofóbicas que facilitam a formação de uma
rede de gel fraca.
A ligação cruzada enzimática das proteínas em temperatura ambiente também pode resultar na formação de uma
rede de gel. A transglutaminase é a enzima que costuma
ser usada na preparação desses géis. Essa enzima catalisa
a formação de ligações cruzadas de ε-(γ-glutamil)lisil entre os grupos glutamina e lisil das moléculas proteicas [91].
Usando-se esse método de ligação cruzada enzimática, os
géis altamente elásticos e irreversíveis podem ser formados
até mesmo em concentrações proteicas baixas.
2+
2+
Cátions divalentes, como Ca e Mg , também podem
ser usados na formação de géis proteicos. Esses íons formam
ligações cruzadas entre grupos carregados negativamente de
234
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
moléculas proteicas. Um bom exemplo desse tipo de gel é o
tofu obtido a partir das proteínas da soja. Os géis de alginato
também podem ser formados dessa forma. Um método geral
para a produção do tofu é apresentado na Figura 5.29.
e de algumas reações de ligação cruzada induzidas por álcali.
Esse “material” de elevada viscosidade é então bombeado
por meio de spinneret, um dispositivo com uma placa que
contém milhares de micro-orifícios. O extrusado fibroso passa por um banho com sal e ácido fosfórico em pH de 2,5.
A proteína coagula instantaneamente nesse banho, transformando-se em uma massa fibrosa. A fibra é então encaminhada para passar por rolos de aço, onde é comprimida e
esticada para aumentar sua força. Em seguida, é lavada para a
remoção do excesso de acidez e sal. As fibras lavadas passam
por uma série de tanques que contêm gordura, aromas, corantes e ligantes, dependendo do produto final. A fibra é aquecida a 80-90ºC para induzir a gelificação da proteína ligante.
A clara do ovo costuma ser usada como ligante em virtude
se suas excelentes propriedades de coagulação pelo calor. O
produto final sofre processo de secagem e classificação por
tamanho. O fluxograma do processo de texturização por formação de fibra (spun-fiber) é apresentado na Figura 5.30.
5.5.7 Texturização
Texturização significa a transformação de uma proteína do
estado globular para uma estrutura física fibrosa que tem características sensoriais semelhantes à carne. As diversas propriedades funcionais esperadas para os produtos proteicos
texturizados incluem mastigabilidade, elasticidade, maciez
e suculência. As proteínas vegetais costumam ser a fonte
proteica preferida para a texturização, uma vez que elas não
têm outras propriedades funcionais desejáveis, as quais são
apresentadas por proteínas de origem animal. As proteínas
vegetais texturizadas são fabricadas usando-se dois processos diferentes, a saber, texturização por formação de fibra
(spun-fiber) e texturização por extrusão.
5.5.7.2
Texturização por extrusão
Nesse processo, a farinha de soja desengordurada ou o concentrado de proteína da soja com alto índice de solubilidade
proteica (PSI- protein solubility index) são condicionados
com vapor, sendo que o teor de umidade é ajustado a 2025%. Essa massa sólida é colocada em um extrusor que é,
basicamente, uma rosca rotatória inserida em um tubo cilíndrico com extremidade cônica no qual o espaço entre a rosca
5.5.7.1 Texturização por formação
de fibra (spun-fiber)
Nesse processo, uma solução de isolado proteico de soja altamente concentrado (∼20% m/v) é ajustada a pH 12-13, sendo envelhecida até a sua viscosidade aumentar para 50.000100.000 centipoise, como resultado de desnaturação proteica
Grão de soja integral
Embeber e triturar com água
(Solubilização e extração das proteínas)
Suspensão de grãos de soja
Aquecer a 95-100ºC por 3min. Filtrar. Descartar o resíduo
(Desnaturação das proteínas)
Leite de soja
Aquecer a 75ºC. Adicionar sal de Mg2+ ou CaSO4
(Agregação e gelificação por meio de
interações hidrofóbicas e ligação cruzada
pelos cátions divalentes.)
Coágulo
Prensar
Soro
FIGURA 5.29 Processo comercial típico para a produção do tofu.
Resfriar
Coágulo/Torta
Tofu
Química de Alimentos de Fennema
235
Proteína de soja
Solução de proteína a 20% em pH 12-13
“Envelhecimento”
(causa desdobramento e aumento da viscosidade)
Extrusão sob pressão por meio de um spinneret
(formação de fibras)
Fibras imersas em um banho de ácido fosfórico que contém sal em pH 2,5
(coagulação ácida)
Pressão e alongamento
(orientação molecular e força da fibra)
Lavagem
(para remoção do excesso de acidez e sal)
Formulação com gordura, aromatizantes e ligantes (clara do ovo)
Ajuste da temperatura em 80-90°C
(gelificação do ligante proteico)
Proteína texturizada
FIGURA 5.30 Processo típico de texturização por spun-fiber das proteínas da soja.
e o tubo diminui de modo progressivo ao longo do eixo do
parafuso. À medida que a massa da proteína avança ao longo da rosca, ela é rapidamente aquecida a 150-180ºC. Essa
temperatura elevada e o acúmulo progressivo de pressão,
conforme a massa se move descendo ao longo da rosca, fazem com que haja cozimento sob pressão e, como resultado
disso, a massa proteica funde-se e as proteínas são desnaturadas. Em termos técnicos, isso é conhecido como fusão
termoplástica. As proteínas desnaturadas tornam-se alinhadas em forma de fibra à medida que a massa se move ao
longo da rosca. Quando a massa sai do molde, a liberação
repentina da pressão faz com que a água evapore, ocorrendo
expansão (puffing) do produto. Ajustando-se a pressão e a
temperatura, pode-se controlar a expansão. Caso se deseja
um produto denso, a massa é resfriada antes de sair do molde. O extrusado é então cortado em pedaços, sendo que seu
processamento posterior depende de seu uso. O fluxograma
geral do processo para texturização das proteínas por extrusão é apresentado na Figura 5.31
Os princípios gerais envolvidos em ambos os métodos
supracitados são a desnaturação térmica ou alcalina das proteínas, o realinhamento das proteínas desnaturadas em forma
de rede fibrosa, a ligação das fibras por uso de um ligante
proteico e a flavorização do produto final. As proteínas vegetais texturizadas são cada vez mais usadas como complementos em produtos cárneos triturados (bolinhos de carne,
molhos e hambúrgueres, etc.) e como análogos de carne ou
“imitação de carne”.
5.5.8
Formação de massa [79,80,115]
Quando a mistura de farinha de trigo e água (proporção de
cerca de 3:1) é amassada, ela forma uma massa viscoelástica
a qual é adequada para a confecção de pães e outros produtos de panificação. Essas características não usuais da massa
podem ser atribuídas às proteínas da farinha de trigo.
A farinha de trigo contém várias frações solúveis e insolúveis de proteínas. As proteínas solúveis, compreendendo
cerca de 20% das proteínas totais, são, principalmente, albumina e enzimas do tipo globulina, bem como algumas glicoproteínas menos importantes. Estas proteínas não contribuem para as propriedades de formação da massa da farinha
de trigo. A principal proteína de armazenamento do trigo é o
glúten. Este é uma mistura heterogênea de proteínas, principalmente as gliadinas e as gluteninas, com solubilidade limitada em água. Quando misturado com água, o glúten forma
uma massa viscoelástica capaz de aprisionar o gás durante a
fermentação.
O glúten tem uma composição singular de aminoácidos,
sendo que Gln e Pro são responsáveis por mais de 40% de
seus resíduos de aminoácidos (Tabela 5.18). A baixa solubilidade do glúten em água é atribuída a seu baixo teor de
236
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Farinha de soja desengordurada tratada com o mínimo de calor
Condicionamento com vapor e ajuste do
conteúdo de umidade em 20-25%
Alimentação ao extrusor
Aquecimento a 150-180ºC
(Desnaturação térmica; fusão termoplástica
e formação de fibras)
Saída do extrusor
(A liberação da pressão ocasiona evaporação
da água e expansão do produto)
Proteína texturizada
FIGURA 5.31 Texturização por extrusão da farinha de soja.
resíduos de Lis, Arg, Glu e Asp, que juntos perfazem <10%
do total de resíduos de aminoácidos. Cerca de 30% dos resíduos de aminoácidos do glúten são hidrofóbicos, sendo que
os resíduos contribuem muito para sua capacidade de formar
agregados proteicos por meio de interações hidrofóbicas e de
se ligar a lipídeos e outras substâncias não polares. Os teores
elevados de glutamina e aminoácidos hidroxilados (∼10%)
do glúten são responsáveis por suas propriedades de ligação
à água. Além disso, as pontes de hidrogênio entre a gluta-
mina e os resíduos hidroxilados dos polipeptídeos do glúten
contribuem para suas propriedades de coesão-adesão. Os resíduos de cisteína e cistina são responsáveis por 2−3 mol%
do total de resíduos de aminoácidos do glúten. Durante a formação da massa, esses resíduos sofrem reações de intercâmbio sulfidril-dissulfeto, resultando em polimerização extensa
das proteínas do glúten [115].
Ocorrem diversas transformações físico-químicas durante a mistura da água com a farinha de trigo e o amassamento.
TABELA 5.18 Composição de aminoácidos da glutenina e da gliadina
Aminoácido
Cys
Met
Asp
Thr
Ser
a
Glx
Pro
Gly
Ala
Val
Ile
Leu
Tyr
Phe
Lys
His
Arg
Trp
Glutenina (mol%)
Gliadina (mol%)
2,6
1,4
3,7
3,4
6,9
28,9
11,9
7,5
4,4
4,8
3,7
6,5
2,5
3,6
2,0
1,9
3,0
1,3
3,3
1,2
2,8
2,4
6,1
4,6
16,2
3,1
3,3
4,8
4,3
6,9
1,8
4,3
0,6
1,9
2,0
0,4
a
Glx corresponde à mistura de Glu e Gln. A maior parte da Glx das proteínas do trigo é encontrada sob a forma
de Gln (37).
Química de Alimentos de Fennema
Sob aplicação das forças de tensão e cisalhamento, as proteínas do glúten absorvem água, sendo parcialmente desdobradas. O desdobramento parcial das moléculas proteicas
facilita as interações hidrofóbicas, assim como as reações de
intercâmbio sulfidril-dissulfeto, o que resulta na formação
de polímeros em forma de fio. Acredita-se que esses polímeros lineares, por sua vez, interagem entre si, supostamente
por meio de pontes de hidrogênio, associações hidrofóbicas
e ligação cruzada de dissulfeto, formando uma película tipo
folha que é capaz de reter o gás. Por causa dessas transformações no glúten, a resistência da massa aumenta com o
tempo, até que se alcance o grau máximo, sendo que isso é
seguido por diminuição de resistência, o que indica a quebra
da estrutura da rede. A quebra envolve o alinhamento dos
polímeros na direção do cisalhamento e de alguma cisão das
ligações cruzadas de dissulfeto, o que reduz o tamanho dos
polímeros. O tempo necessário para que se alcance a força máxima da massa (Rmáx) durante o amassamento é usado
para se medir a qualidade do trigo na confecção de pães −
quanto mais tempo, melhor a qualidade.
A viscoelasticidade da massa de trigo está relacionada
à extensão das reações de intercâmbio sulfidril-dissulfeto.
Tal ponto de vista é embasado no fato de que, quando redutores, como cisteína ou agentes bloqueadores da sulfidrila,
como N-etilmaleimida, são acrescentados à massa, a viscosidade diminui muito. Por outro lado, a adição de agentes
oxidantes como iodatos e bromatos, aumenta a elasticidade da massa. Isso significa que o glúten do trigo rico em
grupos SH e S-S pode possuir qualidades superiores para
produção de pão, mas essa relação não é confiável. Dessa
forma, interações que não sejam ligações cruzadas dissulfeto, como pontes de hidrogênio e interações hidrofóbicas,
também desempenham um papel vital na viscoelasticidade
da massa de trigo.
As diferenças na qualidade de produção de pães a partir de diferentes cultivos de trigo podem estar relacionadas
a diferenças na composição do próprio glúten. Como já foi
mencionado, o glúten é constituído de gliadinas e gluteninas.
As gliadinas são compostas de quatro grupos, a saber, α-,
β-, γ- e ω-gliadinas. No glúten, elas existem como polipeptídeos separados com pesos moleculares que vão de 30.000
a 80.000 Da. As gliadinas contêm um número constante de
resíduos de cisteína. Elas existem como pontes dissulfeto
intramoleculares. As pontes dissulfeto estão inseridas no
interior da proteína, de modo que elas não participam das
reações de intercâmbio sulfidrila-dissulfeto com outras
proteínas. As pontes dissulfeto parecem permanecer como
dissulfetos intramoleculares durante a confecção da massa.
Dessa forma, a massa feita a partir de gliadinas isoladas e de
amido é viscosa, mas não é viscoelástica.
As gluteninas, por outro lado, são polipeptídeos heterogêneos com pesos moleculares que variam entre 12.000 e
130.000 Da. Elas são classificadas a seguir em gluteninas de
alto peso molecular (PM > 90.000, APM) e de baixo peso
molecular (PM < 90.000, BPM). No glúten, os polipeptídeos de glutenina estão presentes como polímeros unidos por
ligações cruzadas de dissulfeto, com pesos moleculares que
chegam a milhões. Por causa de sua capacidade de se poli-
237
merizar extensivamente por meio de reações de intercâmbio
sulfidril-dissulfeto, as gluteninas contribuem muito para a
elasticidade da massa. Alguns estudos mostraram uma correlação positiva significativa entre o conteúdo de glutenina
APM e a qualidade do pão elaborado com algumas variedades de trigo [10]. Informações disponíveis indicam que
um padrão específico de associação com ligações cruzadas
dissulfeto entre gluteninas de BPM e APM na estrutura do
glúten pode ser muito mais importante para a qualidade do
pão do que a quantidade da proteína APM. Por exemplo, a
associação/polimerização entre as gluteninas de BPM proporciona uma estrutura semelhante à formada pela gliadina
de APM. Esse tipo de estrutura contribui para a viscosidade
da massa, mas não para sua elasticidade. Por outro lado, a
elasticidade da massa aumenta quando as gluteninas de BPM
fazem ligação cruzada com as gluteninas de APM por meio
das ligações cruzadas dissulfeto (no glúten). É possível que
nas variedades de trigo de boa qualidade, um número maior
de gluteninas de BPM possam se polimerizar às de APM,
enquanto nas variedades de trigo de baixa qualidade, a maior
parte das gluteninas de BPM pode polimerizar-se entre si.
As diferenças entre os estados associados das gluteninas do
glúten de diversas variedades de trigo podem estar relacionadas às diferenças entre suas propriedades conformacionais,
como hidrofobicidade de superfície e reatividade dos grupos
sulfidril e dissulfeto.
Em resumo, as pontes de hidrogênio entre os grupos
amida e hidroxila, as interações hidrofóbicas e as reações de
intercâmbio sulfidril-dissulfeto contribuem para o desenvolvimento das propriedades viscoelásticas ímpares da massa
de trigo. No entanto, o resultado dessas interações para a obtenção de boas propriedades de fabricação da massa pode
depender das propriedades estruturais de cada proteína e das
proteínas com as quais ela se associa na estrutura total do
glúten.
Como os polipeptídeos do glúten, em especial as gluteninas, são ricos em prolina, eles apresentam uma estrutura
secundária muito pouco ordenada. Qualquer estrutura ordenada que exista inicialmente nas gliadinas e nas gluteninas
se perde durante a mistura e o amassamento. Portanto, não
ocorre nenhum desdobramento adicional durante o cozimento do pão.
A suplementação da farinha de trigo com albumina e
proteínas do tipo globulina, por exemplo, proteínas do soro
e da soja, afeta de modo adverso suas propriedades viscoelásticas, bem como a qualidade de cocção da massa. Essas
proteínas diminuem o volume do pão, interferindo na formação da rede de glúten. A adição de fosfolipídeos ou outros surfactantes à massa, neutraliza os efeitos adversos das
proteínas estranhas sobre o volume do pão. Nesse caso, a
película surfactante/proteína compensa a película de glúten
danificada. Embora esse processo resulte em um volume de
pão aceitável, as suas qualidades sensoriais e de textura são
menos desejáveis do que o normal.
Às vezes, o glúten isolado é usado como ingrediente proteico em produtos que não estão relacionados à panificação.
Suas propriedades de coesão-adesão o tornam um ligante
efetivo nos produtos cárneos triturados e do tipo surimi.
238
5.6
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
HIDROLISADOS PROTEICOS
A hidrólise parcial de proteínas com uso de enzimas proteolíticas é uma das estratégias para melhorar as propriedades
funcionais. Estas, como solubilidade, dispersibilidade, formação de espuma e emulsificação, podem ser melhoradas pela
proteólise limitada das proteínas. Os hidrolisados proteicos
têm muitos usos em alimentos para fins especiais, como alimentos geriátricos, fórmulas infantis não alergênicas, bebidas
para esportistas e alimentos dietéticos. Como os hidrolisados
proteicos podem ser digeridos com facilidade, eles são úteis
em fórmulas infantis e em alimentos geriátricos.
Proteólise significa hidrólise enzimática de ligações peptídicas em proteínas.
(5.73)
Nessa reação, para cada ligação peptídica clivada pela
enzima, libera-se um mol de grupo carboxila e um mol de
grupo amino. Quando é permitido que a reação se complete,
o produto final é a mistura de todos os aminoácidos constituintes da proteína. A proteólise incompleta resulta na liberação de uma mistura de polipeptídeos provenientes de proteína original. As propriedades funcionais dos hidrolisados
proteicos dependem do grau de hidrólise (DH − degree of
hydrolysis) e das propriedades físico-químicas, isto é, tamanho, solubilidade, etc., dos polipeptídeos do hidrolisado.
O DH é definido como a fração de ligações peptídicas
clivadas, sendo geralmente expresso como percentual:
(5.74)
onde é o número total de móis de ligações peptídicas presentes em um mol de proteína e n é o número de móis de ligações peptídicas clivadas por mol de proteína. Quando a massa
molar de uma proteína não é conhecida ou a amostra de proteína é uma mistura de várias proteínas, n e são expressos
como o número de ligações peptídicas por grama de proteína.
O DH costuma ser monitorado usando-se o método pH-Stat. O princípio subjacente a esse método é que, quando a
ligação peptídica é hidrolisada, o grupo carboxila recém-formado ioniza-se por completo em um pH > 7, o que “libera”
+
um íon H . Como resultado, o pH da solução proteica diminui progressivamente com o tempo de hidrólise. Na faixa de
+
pH entre 7−8, o número de móis de íon H liberado é equivalente ao número de móis das ligações peptídicas hidrolisadas. No método pH-Stat, o pH da solução proteica é mantido
em pH constante pela titulação com NaOH. O número de
móis de NaOH consumidos durante a proteólise é equivalente ao número de móis de ligações peptídicas clivadas.
Várias proteases podem ser utilizadas na preparação de
hidrolisados proteicos. Algumas dessas proteases são enzimas de sítios específicos (Tabela 5.19). Por causa de suas
especificidades, os tipos de fragmentos polipeptídicos liberados no hidrolisado diferem entre as proteases. A alcalase oriunda do Bacillus licheniformis é a principal enzima
comercial utilizada na fabricação do hidrolisado proteico.
Essa enzima pertence à família das subtilisinas, as quais são
serina-proteases.
5.6.1
Propriedades funcionais
As propriedades funcionais dos hidrolisados proteicos dependem do tipo de enzimas utilizadas em sua preparação.
Isso se deve principalmente às diferenças de tamanho e a
outras propriedades físico-químicas dos polipeptídeos liberados durante a hidrólise. Em geral, a solubilidade da maioria das proteínas melhora depois da hidrólise, independentemente da enzima utilizada. Quanto maior o DH, maior será
a solubilidade. No entanto, o aumento líquido em solubilidade depende do tipo de enzima usada. A Figura 5.32 [2]
demonstra o perfil de solubilidade-pH da caseína, antes e
depois da hidrólise, com a protease V-8. Deve-se observar
que a solubilidade da caseína em seu pH isoelétrico aumenta
significativamente depois da hidrólise parcial. Esse tipo de
comportamento também é observado com outras proteínas.
A alta solubilidade proteica tem particular importância nas
bebidas proteicas ácidas, nas quais a precipitação e a sedimentação são indesejáveis.
TABELA 5.19 Especificidade de várias proteases
Protease
Elastase
Bromelina
Tripsina
Quimotripsina
Pepsina
Protease V-8
Termolisina
Alcalase
Papaína
Prolilendopeptidase
Subtilisina A
Tipo
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Endoproteinase
Especificidade
Ala−aa; Gly−aa
Ala−aa; Tyr−aa
Lys−aa; Arg−aa
Phe−aa; Trp−aa; Tyr−aa
Leu−aa; Phe−aa
Asp−aa; Glu−aa
aa−Phe; aa−Leu
Inespecífica
Lys−aa; Arg−aa; Phe−aa; Gly−aa
Pro−aa
Inespecífica
Química de Alimentos de Fennema
239
Solubilidade (%)
100
50
0
1
5
pH
7
10
FIGURA 5.32 Perfis de solubilidade-pH da caseína nativa e da caseína modificada pela protease V-8 do Staphylococcus aureus. A solubilidade foi expressa como percentual da proteína total da solução. , caseína nativa; , 2% de DH; , 6,7% de DH. (De Adler-Nissen,
J. 1979. J. Agric. Food Chem. 27:1256–1260.)
Uma vez que a solubilidade da proteína é essencial para
suas propriedades emulsificantes e de formação de espuma,
as proteínas parcialmente hidrolisadas costumam demonstrar melhores propriedades emulsificantes e de formação de
espuma. No entanto, essa melhora depende do tipo de enzima usada e do DH. Em geral, a capacidade de emulsificação
e de formação de espuma melhora até um DH de < 10 % e
diminui em um DH >10 %. Por outro lado, as estabilidades
de espumas e emulsões feitas com hidrolisados proteicos são
mais baixas do que as da proteína intacta. Uma das razões
para isso é a incapacidade de polipeptídeos pequenos formarem uma película viscoelástica coesiva nas interfaces arágua e óleo-água.
Os hidrolisados proteicos não costumam formar géis termoinduzidos, sendo que uma exceção disso é a gelatina. Esta
é produzida a partir do colágeno por hidrólise ácida ou alcalina. Trata-se de uma mistura heterogênea de polipeptídeos.
A média de peso molecular dos polipeptídeos na amostra de
gelatina depende do DH. Isso afeta profundamente sua força de gel. Quanto maior a média do peso molecular, maior
será a força do gel. Amostras de gelatina com média de peso
molecular <20.000 Da não chegam a formar géis em qualquer concentração de gelatina [43]. As propriedades de gelificação de produtos comerciais de gelatina são expressos em
termos de força de gel, utilizando-se um gelômetro Bloom.
A força de gel é definida como o peso em gramas necessário
para o direcionamento de uma submersão de gelômetro em 4
cm dentro de um gel de gelatina a 6,67% (m/v), o qual foi incubado por 17 horas em um banho de água a 10ºC. A Tabela
5.20 mostra os requisitos da força de gel para vários tipos de
alimentos produzidos à base de gelatina.
5.6.2 Alergenicidade
Várias proteínas alimentares, incluindo leite de vaca, proteínas da soja, glúten, proteínas do ovo e proteínas do amendoim, ocasionam várias reações alérgicas em crianças e
adultos. Entre a população que é alérgica às proteínas do
leite, cerca de 60% são alérgicas às caseínas, 60-80%, à
β-lactoglobulina e 50%, à α-lactoalbumina [1]. Entretanto,
os hidrolisados dessas proteínas possuem menor alergenicidade do que seus equivalentes naturais. A alergenicidade das
proteínas intactas origina-se da presença de sítios antigênicos (epitopos) que se ligam à imunoglobulina E (IgE). Nos
hidrolisados proteicos, os epitopos são destruídos pela clivagem proteolítica. Por exemplo, a hidrólise da caseína a um
DH de 55%, usando-se pancreatina (mistura de enzimas pancreáticas), diminui sua alergenicidade em cerca de 50% [81].
Da mesma forma, os hidrolisados proteicos do soro com DH
de 12,9-16,1% não produzem reações alérgicas quando tes-
TABELA 5.20 Requerimentos de força de gel (bloom rating) para alguns produtos
alimentícios à base de gelatina
Produto
Bala recheada com geleia
Geleia de frutas
Marshmallow
Pastilhas
Força de gel (g)
Concentração usada em alimentos (%)
220
100−120
220
50−100
7−8
10−12
2−3
1
240
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
tados em cobaias sensibilizadas com proteínas de soro intactas [97]. Dessa forma, os hidrolisados proteicos são a fonte
preferida de proteína/aminoácido para bebês e crianças que
apresentam predisposição ou alto risco de desenvolvimento
de reação alérgica às proteínas alimentares.
A redução líquida na alergenicidade dos hidrolisados
proteicos depende do tipo de protease usada. As proteases
inespecíficas ou uma mistura de proteases são mais efetivas
do que as de sítio específico, na redução da alergenicidade
das proteínas. O DH também exerce seu papel: quanto maior
ele for, maior será a redução da alergenicidade. Por essas
razões, a eficácia das proteases na redução da alergenicidade
de uma proteína costuma ser expressa como índice de redução de alergenicidade (ARI − allergenicity reduction index).
O ARI é definido como a proporção da % de redução na alergenicidade em relação à % de DH.
5.6.3
Peptídeos amargos
Uma das propriedades mais indesejáveis dos hidrolisados
proteicos é seu sabor amargo. Ele é proveniente de alguns
peptídeos liberados durante a hidrólise. Existem muitas evidências de que o amargor dos peptídeos está relacionado à
hidrofobicidade. Os peptídeos com hidrofobicidade residual
média de <1,3 kcal/mol não são amargos (ver Capítulo 10).
Por outro lado, os peptídeos com hidrofobicidade residual
média >1,4 kcal/mol são amargos [3]. Nesse caso, com frequência, a hidrofobicidade residual média dos peptídeos é
calculada usando-se as energias livres de transferência de
resíduos de aminoácidos do etanol para a água (ver Tabela
10.1). A formação de peptídeos amargos nos hidrolisados
proteicos depende da composição e da sequência de aminoácidos e do tipo de enzimas usadas. Os hidrolisados de proteínas altamente hidrofóbicas, como caseína, proteínas da soja
e proteína do milho (zeína) são muito amargos, enquanto os
hidrolisados das proteínas hidrofílicas, como a gelatina, são
menos amargos. As caseínas e as proteínas da soja hidrolisadas com várias proteases comerciais produzem diversos peptídeos amargos. O amargor pode ser reduzido ou eliminado
utilizando-se uma mistura de endo- e exopeptidases, o que
promove a quebra dos peptídeos amargos em fragmentos
que têm <1,3 kcal/mol de hidrofobicidade residual média.
5.7
PROPRIEDADES NUTRICIONAIS
DAS PROTEÍNAS
As proteínas diferem em seu valor nutritivo. Vários fatores,
como conteúdo de aminoácidos essenciais e digestibilidade,
contribuem para essas diferenças. Portanto, a necessidade
diária de proteínas depende do tipo e da composição das proteínas da dieta.
5.7.1
Qualidade proteica
A “qualidade” de uma proteína está relacionada principalmente a seu conteúdo de aminoácidos essenciais e digestibilidade. As proteínas de alta qualidade são aquelas que contêm
todos os aminoácidos essenciais em níveis maiores do que os
níveis de referência da FAO/OMS/UNU [40], apresentando
digestibilidade comparável ou melhor do que as proteínas da
clara do ovo ou do leite. As proteínas animais são de melhor
“qualidade” que as vegetais.
As proteínas dos principais cereais e leguminosas costumam ser deficientes em pelo menos um dos aminoácidos essenciais. Enquanto as proteínas de cereais, como arroz, trigo,
cevada e milho são muito pobres em lisina e ricas em metionina, as de leguminosas e sementes oleaginosas são deficientes em metionina e ricas ou adequadas em lisina. Algumas
proteínas de sementes oleaginosas, como a do amendoim, são
deficientes tanto em teores de metionina como de lisina. Os
aminoácidos essenciais cujas concentrações de uma proteína
estão abaixo dos níveis de uma proteína de referência são denominados de aminoácidos limitantes. Adultos que consomem
apenas proteínas de cereais ou proteínas de leguminosas têm
dificuldade para manter sua saúde; crianças abaixo de 12 anos
de idade que consomem dieta que contém apenas uma dessas
fontes de proteínas não conseguem manter uma taxa normal
de crescimento. Os teores de aminoácidos essenciais de vários
alimentos proteicos estão listados na Tabela 5.21 [35,40].
Tanto as proteínas animais como as vegetais costumam
conter quantidades adequadas ou mais do que adequadas de
His, Ile, Leu, Phe + Tyr e Val. Esses aminoácidos geralmente
não são limitantes nos principais alimentos. Com mais frequência, Lys, Thr, Trp e aminoácidos que contêm enxofre
são os limitantes. A qualidade nutricional de uma proteína
deficiente em um aminoácido essencial pode ser melhorada
misturando-a com outra proteína que seja rica nesse aminoácido essencial. Por exemplo, a mistura de proteínas de cereais
com proteínas de leguminosas fornece um nível completo e
balanceado dos aminoácidos essenciais. Dessa forma, dietas
que contêm quantidades apropriadas de cereais e leguminosas
(grãos) e que sejam nutricionalmente completas nos demais
aspectos são adequadas para que se promova crescimento e
manutenção. Uma proteína de baixa qualidade também pode
ser nutricionalmente melhorada por suplementação com aminoácidos essenciais livres que estejam sub-representados. A
suplementação de leguminosas com Met e de cereais com
Lys costuma melhorar sua qualidade.
A qualidade nutricional de uma proteína ou de uma mistura proteica é ideal quando contém todos os aminoácidos
essenciais em proporções que produzam excelentes taxas de
crescimento e/ou ótima capacidade de manutenção. Os padrões ideais de aminoácidos essenciais para crianças e adultos são apresentados na Tabela 5.22 [108]. Entretanto, como
as necessidades reais de aminoácidos essenciais dos indivíduos de uma determinada população variam dependendo de
suas condições nutricional e fisiológica, as necessidades de
aminoácidos essenciais de crianças pré-escolares (2-5 anos
de idade) geralmente são recomendadas como um nível seguro para todos os grupos etários [39].
O consumo exacerbado de qualquer aminoácido específico pode levar ao “antagonismo de aminoácidos” ou toxicidade. A ingestão excessiva de um aminoácido costuma
resultar no aumento da necessidade de outros aminoácidos
essenciais. Isso se deve à competição entre os aminoácidos
3,1
84
82
3,5
100
12
100
3,9
94
94
27
47
95
78
33
102
44
14
64
504
Leite de vaca
22
54
86
70
57
93
47
17
66
512
Ovo
3,0
74
67
18
100
34
48
81
89
40
80
46
12
50
480
Carne
3,5
76
79
19
100
35
48
77
91
40
76
46
11
61
485
Peixe
1,5
65
40
12
40
21
34
69
ª
23
36
77
28
10
38
336
Trigo
2,0
73
70
7,5
59
21
40
77
34ª
49
94
34
11
54
414
Arroz
−
−
−
−
43
27
34
127
25ª
41
85
b
32
b
6
45
422
Milho
−
−
−
−
55
20
35
67
32ª
37
79
29b
11
46
356
Cevada
2,3
73
61
40
100
30
51
82
68
33
95
41
14
52
466
Soja
−
−
−
32
73
26
41
71
63
b
22
69
33
8a
46
379
Soja para ração (cozida)
−
−
2,65
28
82
26
41
70
71
24b
76
36
9a
41
394
Ervilha
−
−
−
30
67
27
40
74
39a
32
100
29b
11
48
400
Amendoim
−
−
−
30
−
30
45
78
65
26
83
40
11
52
430
Vagem
Fonte: Eggum, B. O. e R. M. Beames. 1983. Em Seed Proteins (Gottschalk,W. e H. P. Muller, Eds.), Nijhoff/Junk, The Hague, pp. 499–531 e FAO/WHO/UNU. 1985. Energy e protein requirements, Report of a joint FAO/
WHO/UNU Expert Consultation.World Health Organization Technical Rep. Ser. 724, WHO, Geneva.
b
Primeiro aminoácido limitante
Segundo aminoácido limitante
PER, quociente de eficiência proteica; VB, valor biológico; NPU, utilização líquida da proteína
a
Concentração de aminoácido
(mg/g de proteína)
His
Ilê
Leu
Lys
Met + Cys
Phe + Tyr
Thr
Trp
Val
Total de aminoácidos
essenciais
Conteúdo proteico (%)
Escore químico (%) (baseado
no padrão da FAO/OMS,
1985)
PER
VB (em ratos)
NPU
Propriedade (mg/g de proteína)
Fonte de proteína
TABELA 5.21 Conteúdos de aminoácidos essenciais e valor nutricional das proteínas obtidas a partir de várias fontes (mg/g de proteína)
Química de Alimentos de Fennema
241
242
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
pelos sítios de absorção na mucosa intestinal. Por exemplo,
altos níveis de Leu diminuem a absorção de Ile, Val e Tyr,
mesmo se os níveis dietéticos desses aminoácidos forem
adequados. Isso leva ao aumento da necessidade dietética
desses últimos três aminoácidos. O consumo exacerbado de
outros aminoácidos essenciais também pode inibir o crescimento, induzindo a condições patológicas.
5.7.2
Digestibilidade
Embora o conteúdo dos aminoácidos essenciais seja o indicador primário da qualidade proteica, a verdadeira qualidade
também depende do nível de utilização desses aminoácidos
no organismo. Dessa forma, a digestibilidade (biodisponibilidade) de aminoácidos pode afetar a qualidade das proteínas.
As digestibilidades de várias proteínas pelos seres humanos
estão listadas na Tabela 5.23 [40]. As proteínas alimentares de
origem animal são mais bem digeridas do que as de origem
vegetal. Vários fatores afetam a digestibilidade de proteínas.
5.7.2.1 Conformação proteica
O estado estrutural da proteína influencia sua hidrólise pelas proteases. As proteínas naturais costumam ter hidrólise
menos completa em comparação às proteínas parcialmente
desnaturadas. Por exemplo, o tratamento da faseolina (uma
proteína do grão de feijão) com uma mistura de proteases resulta apenas na clivagem limitada da proteína, o que produz
a liberação de um polipeptídeo de 22.000 Da como produto
principal. Quando a faseolina desnaturada pelo calor é tratada sob condições similares, ela é hidrolisada por completo até que se obtenha aminoácidos e dipeptídeos. Em geral,
proteínas fibrosas insolúveis e proteínas globulares extensivamente desnaturadas são de difícil hidrólise.
5.7.2.2
Fatores antinutricionais
A maioria dos isolados e concentrados proteicos vegetais
contém inibidores de tripsina e quimotripsina (tipo Kunitz
e tipo Bowman-Birk) e lectinas. Esses inibidores prejudicam a hidrólise completa de proteínas de leguminosas e
de sementes oleaginosas pelas proteases pancreáticas. As
lectinas, que são glicoproteínas, ligam-se às células da mucosa intestinal interferindo na absorção de aminoácidos. As
lectinas e os inibidores da protease tipo Kunitz são termostáveis, enquanto o inibidor do tipo Bowman-Birk é estável
sob condições de processamento térmico normal. Dessa
forma, as proteínas de leguminosas e de sementes oleagi-
TABELA 5.22 Padrão recomendado de aminoácidos essenciais para as proteínas alimentares
Padrão recomendado (mg/g de proteína)
Aminoácido
Histidina
Isoleucina
Leucina
Lisina
Met + Cys
Phe + Tyr
Treonina
Triptofano
Valina
Total
Bebês
Pré-escolares (2-5 anos)
26
46
93
66
42
72
43
17
55
434
Escolares (10-12 anos)
19
28
66
58
25
63
34
11
35
320
Adulto
19
28
44
44
22
22
28
9
25
222
16
13
19
16
17
19
9
5
13
111
Fonte: De FAO/WHO/UNU. 1985. Energy and protein requirements, Report of a joint FAO/WHO/UNU Expert
Consultation. World Health Organization Technical Rep. Ser. 724, WHO, Geneva.
TABELA 5.23 Digestibilidade de várias proteínas alimentares em seres humanos
Fonte proteica
Ovo
Leite, queijo
Carne, peixe
Milho
Arroz (polido)
Trigo integral
Farinha de trigo branca
Glúten de trigo
Farinha de aveia
Digestibilidade (%)
97
95
94
85
88
86
96
99
86
Fonte proteica
Milheto
Ervilhas
Amendoim
Farinha de soja
Isolado proteico de soja
Feijões
Cereal de milho
Cereal de trigo
Cereal de arroz
Digestibilidade (%)
79
88
94
86
95
78
70
77
75
Fonte: De FAO/WHO/UNU. 1985. Energy and protein requirements, Report of a joint FAO/WHO/UNU Expert
Consultation. World Health Organization Technical Rep. Ser. 724, WHO, Geneva.
Química de Alimentos de Fennema
nosas tratadas pelo calor são, em geral, mais digeríveis do
que os isolados proteicos naturais (apesar da presença de
um pouco de inibidor residual do tipo Bowman-Birk). As
proteínas vegetais também contêm outros fatores antinutricionais, como taninos e fitatos. Os taninos, que são produtos da condensação dos polifenóis, reagem covalentemente
com os grupos ε-amino dos resíduos de lisina. Isso inibe
a clivagem catalisada pela tripsina dos polipeptídeos nos
sítios de lisina.
5.7.2.3 Processamento
A interação de proteínas com os polissacarídeos e as fibras
da dieta também reduzem a taxa e o grau da hidrólise. Isso
é particularmente importante nos produtos alimentícios extrusados, nos quais temperatura e pressão altas costumam
ser usadas. As proteínas sofrem várias alterações químicas
que envolvem resíduos de lisina quando expostas a altas
temperaturas e pH alcalino. Essas alterações reduzem sua
digestibilidade. A reação de açúcares redutores com grupos
ε-amino também diminui a digestibilidade da lisina.
5.7.3 Avaliação do valor
nutritivo da proteína
Como a qualidade nutricional das proteínas pode variar muito,
sendo influenciada por muitos fatores, é importante que haja
procedimentos para a avaliação da qualidade. Estimativas de
qualidade são úteis para: (a) determinar a quantidade necessária para promover um nível seguro de aminoácidos essenciais para crescimento e manutenção e (b) monitorar mudanças no valor nutritivo de proteínas durante o processamento
de alimentos, de forma que as condições de processamento
que minimizam a perda de qualidade possam ser reconhecidas. A qualidade nutritiva das proteínas pode ser avaliada por
diversos métodos biológicos, químicos e enzimáticos.
5.7.3.1 Métodos biológicos
Os métodos biológicos são baseados em ganho de peso ou retenção de nitrogênio nos animais de teste quando alimentados
com dieta que contenha proteína. Uma dieta livre de proteínas
é usada como controle. O protocolo recomendado pela FAO/
OMS [39] costuma ser usado para avaliação da qualidade da
proteína. Os ratos geralmente são os animais de teste, embora
os seres humanos sejam usados às vezes. Usa-se uma dieta
com conteúdo aproximado de 10% de proteínas em base seca
para que se assegure que a ingestão de proteínas esteja abaixo
das necessidades diárias. Uma energia adequada é suprida na
dieta. Sob essas condições, a proteína da dieta é utilizada ao
máximo para o crescimento. O número de animais de teste
usado deve ser suficiente para assegurar resultados que sejam
estatisticamente confiáveis. É comum usar-se um período de
teste de nove dias. Durante cada dia desse período, a quantidade (g) de dieta consumida é tabulada para cada animal, e as
fezes e a urina são coletadas para análises de nitrogênio.
Os dados de estudos de alimentação animal são usados de
diversas maneiras para avaliar a qualidade proteica. O quo-
243
ciente de eficiência proteica (PER − protein efficiency ratio)
é o peso (em gramas) ganho por grama de proteína consumida. Trata-se de uma expressão simples de uso comum. Outra
expressão útil é o quociente de eficiência líquida da proteína
(NPR − net protein ratio). Ela é calculada da seguinte forma:
(5.75)
Os valores de NPR dão informações sobre a capacidade
das proteínas de fornecer suporte tanto à manutenção como
ao crescimento. Como os ratos crescem muito mais rápido
do que os seres humanos, e como uma maior porcentagem
de proteína é usada para manutenção em crianças em fase de
crescimento do que em ratos, costuma-se questionar se os
valores de PER e NPR derivados dos estudos dos ratos são
úteis para estimar as necessidades humanas [108]. Embora
esse argumento seja válido, procedimentos de correção apropriados estão disponíveis.
Outra abordagem para avaliação da qualidade da proteína envolve a medida de absorção e de perda de nitrogênio.
Isso permite o cálculo de dois parâmetros úteis de qualidade de proteína. A digestibilidade aparente da proteína, ou
coeficiente de digestibilidade de proteína, obtida a partir da
diferença entre a quantidade de nitrogênio ingerido e a quantidade de nitrogênio excretado nas fezes. Entretanto, como
o nitrogênio fecal total também inclui o nitrogênio metabólico ou endógeno, deve-se fazer uma correção para se obter
a digestibilidade verdadeira da proteína. A digestibilidade
verdadeira (DV) pode ser calculada da seguinte maneira:
(5.76)
onde I é o nitrogênio ingerido, NF é o nitrogênio fecal total
e NF,e é o nitrogênio fecal endógeno. O NF,e é obtido por uma
alimentação com dieta livre de proteína.
A digestibilidade verdadeira proporciona informações
sobre o percentual de consumo de nitrogênio absorvido pelo
organismo. No entanto, ela não fornece informações sobre
quanto do nitrogênio absorvido é realmente retido ou utilizado pelo organismo.
O valor biológico, VB, é calculado como segue:
(5.77)
onde NU e NU,e são as perdas de nitrogênio total e endógeno,
respectivamente, na urina.
A utilização líquida da proteína (NPU − net protein utilization), isto é, a porcentagem de consumo de nitrogênio
retido como nitrogênio corporal, é obtida a partir do produto
de DV e VB. Então,
(5.78)
O PER, os VBs e os NPUs de várias proteínas alimentares estão apresentados na Tabela 5.21.
244
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
Outros bioensaios que são ocasionalmente usados na
avaliação da qualidade das proteínas incluem ensaios para
atividade enzimática, mudanças no teor de aminoácidos essenciais do plasma, níveis de ureia no plasma e na urina e
taxa de repleção das proteínas do plasma ou ganho de peso
corporal de animais previamente alimentados com dieta livre de proteínas.
5.7.3.2 Métodos químicos
Os métodos biológicos são caros e consomem muito tempo.
A determinação do conteúdo de aminoácidos de uma proteína
e a comparação dele com o padrão de aminoácidos essenciais
de uma proteína de referência ideal podem fornecer uma avaliação rápida do valor nutricional proteico. O padrão ideal de
aminoácidos essenciais em proteínas (proteína de referência)
para pré-escolares (2-5 anos) é fornecido pela Tabela 5.22
[40], sendo esse o padrão para todos os grupos etários, exceto
para bebês. A cada aminoácido essencial de uma proteína de
teste se dá um escore químico, o qual é definido como:
(5.79)
O aminoácido essencial que mostra o menor escore é o
aminoácido mais limitante da proteína de teste. O escore
químico desse aminoácido limitante fornece o escore químico da proteína de teste. Como já foi mencionado, Lys, Thr,
Trp e aminoácidos sulfurados geralmente são os aminoácidos limitantes nas proteínas alimentares. Portanto, os escores químicos desses aminoácidos costumam ser suficientes
para avaliação do valor nutricional das proteínas. O escore
químico permite a estimativa da quantidade de uma proteína
de teste ou da mistura de proteínas necessária para se alcançar a exigência diária de um aminoácido limitante. Isso pode
ser calculado da seguinte forma:
(5.80)
Uma das vantagens do método do escore químico é o fato
de ele ser simples e permitir a determinação dos efeitos complementares das proteínas sobre a dieta. Ele também permite o desenvolvimento de dietas proteicas de alta qualidade,
misturando-se várias proteínas adequadas a diversos programas de alimentação. Existem, contudo, vários inconvenientes em se usar esse método. Uma suposição subjacente ao
escore químico é que todas as proteínas de teste são completa ou igualmente digeríveis e que todos os aminoácidos
essenciais são absorvidos por completo. Pelo fato de essa
suposição ser violada com frequência, a correlação entre os
resultados de bioensaios e escores químicos geralmente não
é boa. Entretanto, a correlação melhora quando os escores
químicos são corrigidos levando-se em conta a digestibilidade da proteína. A digestibilidade aparente das proteínas
pode ser rapidamente determinada in vitro usando-se uma
combinação de três ou quatro enzimas, como tripsina, quimotripsina, peptidase e protease bacteriana.
Outra deficiência do escore químico é que ele não distingue entre D- e L-aminoácidos. Como apenas os L-aminoácidos podem ser usados pelos animais, esse escore superestima o valor nutricional da proteína, especialmente das
proteínas expostas a alto pH, o que causa racemização. Esse
método também é incapaz de predizer os efeitos negativos
de altas concentrações de um aminoácido essencial sobre a
biodisponibilidade de outros aminoácidos essenciais, sendo
que ele também não leva em conta o efeito de fatores antinutricionais, como os inibidores da protease e as lectinas,
que podem estar presentes na dieta. Apesar dessas grandes
deficiências, achados recentes indicam que os escores químicos quando corrigidos, considerando-se a digestibilidade
proteica, correlacionam-se bem com ensaios biológicos para
as proteínas que apresentam VBs acima de 40%; quando o
VB está abaixo de 40%, a correlação é fraca [39].
5.7.3.3
Métodos enzimáticos e microbiológicos
Os métodos enzimáticos in vitro às vezes são utilizados para
medir a digestibilidade e a liberação de aminoácidos essenciais. Em um método, as proteínas de teste são inicialmente
digeridas com pepsina e depois com pancreatina (extrato de
pâncreas liofilizado) [83]. Em outro método, as proteínas
são digeridas com três enzimas, denominadas tripsina pancreática, quimotripsina e peptidase intestinal suína, sob condições de ensaio padronizadas [39]. Esses métodos, além de
dar informações sobre a digestibilidade inata das proteínas,
são úteis para detectar mudanças na qualidade proteica induzidas pelo processamento.
O crescimento de vários microrganismos, tais como
Streptococcus zymogenes, Streptococcus faecalis, Leuconostoc
mesenteroides, Clostridium perfringens e Tetrahyema pyriformis (protozoário) também tem sido utilizado para determinar
o valor nutricional das proteínas [44]. Desses microrganismos,
o T. pyriformis é particularmente útil, pois suas necessidades
de aminoácidos são similares às de ratos e humanos.
5.8 ALTERAÇÕES FÍSICAS, QUÍMICAS
E NUTRICIONAIS DAS PROTEÍNAS
INDUZIDAS PELO PROCESSAMENTO
O processamento comercial de alimentos pode envolver
aquecimento, resfriamento, secagem, aplicação de produtos químicos, fermentação, irradiação ou vários outros tratamentos. Desses, o aquecimento é o mais comum, sendo
normalmente realizado para destruir microrganismos, desativar enzimas endógenas que causam alterações oxidativas e
hidrolíticas nos alimentos durante a estocagem e para transformar uma mistura pouco atraente de ingredientes alimentares crus em um produto final atraente do ponto de vista
organoléptico. Além disso, proteínas como β-lactoglobulina
e α-lactoalbumina bovinas e a proteína da soja, que algumas vezes causam respostas alergênicas ou hipersensíveis,
podem, em algumas ocasiões, tornar-se inócuas por desna-
Química de Alimentos de Fennema
turação térmica. Infelizmente, os efeitos benéficos alcançados pelo aquecimento de alimentos proteicos costumam ser
acompanhados por mudanças que podem afetar adversamente o valor nutritivo e as propriedades funcionais das proteínas. Nesta seção, serão discutidos tanto os efeitos desejáveis
como os indesejáveis do processamento de alimentos sobre
as proteínas.
5.8.1 Alterações na qualidade nutricional
e formação de compostos tóxicos
5.8.1.1 Efeito dos tratamentos
térmicos moderados
A maioria das proteínas dos alimentos é desnaturada quando
exposta a tratamentos térmicos moderados (60-90C°, 1h ou
menos). A desnaturação extensiva das proteínas frequentemente resulta em insolubilização, a qual pode prejudicar as
propriedades funcionais que dependem da solubilidade. Do
ponto de vista nutricional, a desnaturação parcial das proteínas costuma melhorar a digestibilidade e a biodisponibilidade de aminoácidos essenciais.
Várias proteínas vegetais purificadas e preparações proteicas de ovo, embora livres de inibidores da protease, exibem baixa digestibilidade in vitro e in vivo. O aquecimento
moderado melhora sua digestibilidade sem desenvolver derivados tóxicos.
Além de melhorar a digestibilidade, o tratamento térmico
moderado também inativa várias enzimas, como proteases,
lipases, lipoxigenases, amilases, polifenoloxidase e outras
enzimas oxidativas e hidrolíticas. A falha em desativar essas
enzimas pode resultar no desenvolvimento de odores indesejáveis, rancidez, alterações na textura e descoloração de alimentos durante a estocagem. Por exemplo, as sementes oleaginosas e leguminosas são ricas em lipoxigenases. Durante
esmagamento ou fracionamento desses grãos para extração
de óleo ou de isolados proteicos, essa enzima, na presença
de oxigênio molecular, catalisa a oxidação de ácidos graxos
poli-insaturados para, inicialmente, produzir hidroperóxidos.
Esses hidroperóxidos decompõem-se em seguida e liberam
aldeídos e cetonas, os quais produzem odores indesejáveis
na farinha de soja e em seus isolados e concentrados proteicos. Para se evitar a formação de odor indesejável, é necessário que se desative a lipoxigenase por meio térmico antes
do esmagamento.
O tratamento térmico moderado é particularmente benéfico para as proteínas vegetais, uma vez que elas costumam
conter fatores antinutricionais proteicos. As proteínas das leguminosas e das oleaginosas contêm vários inibidores de tripsina e quimotripsina. Esses inibidores prejudicam a digestão
eficiente das proteínas e, então, reduzem sua biodisponibilidade. Além disso, a inativação e a complexação de tripsina
e quimotripsina por esses inibidores induz a superprodução
e secreção dessas enzimas pelo pâncreas, o que pode levar a
hipertrofia pancreática (crescimento do pâncreas) e adenoma
pancreático. As proteínas das leguminosas e das oleaginosas
também contêm lectinas, as quais são glicoproteínas, sendo também conhecidas como fito-hemaglutininas uma vez
245
que causam aglutinação das hemáceas. As lectinas exibem
uma forte afinidade de ligação com carboidratos. Quando
consumidas por seres humanos, elas prejudicam a digestão
proteica [103] e causam má absorção intestinal de outros nutrientes. Essa última consequência resulta da ligação das lectinas às glicoproteínas da membrana das células da mucosa
intestinal, o que altera sua morfologia e suas propriedades
de transporte [96]. Tanto os inibidores da protease como as
lectinas encontrados em proteínas vegetais são termolábeis.
A tostagem das leguminosas e oleaginosas ou o tratamento
por calor úmido da farinha de soja inativam tanto as lectinas
como os inibidores da protease, aumentam a digestibilidade
e o PER dessas proteínas (Figura 5.33) [45] e impedem a hipertrofia pancreática [53]. Esses fatores antinutricionais não
ocasionam problemas nas leguminosas processadas por cozimento doméstico ou industrial, nem nos produtos à base de
farinha quando as condições de aquecimento são adequadas
para inativá-los.
As proteínas do leite e do ovo também contêm vários inibidores da protease. A ovomucoide, que possui atividade antitríptica, constitui cerca de 11% da clara do ovo. A proteína
ovoinibidora, que inibe tripsina, quimotripsina e algumas
proteases fúngicas, está presente em um nível de 0,1% na
clara do ovo. O leite contém vários inibidores da protease,
como o inibidor do ativador do plasminogênio (PAI − plasminogen activator inhibitor) e o inibidor de plasmina (PI −
plasmin inhibitor), derivado do sangue. Todos esses inibidores perdem suas atividades quando submetidos a tratamento
térmico moderado na presença de água.
Os efeitos benéficos do tratamento térmico também incluem a inativação das toxinas proteicas, como a toxina botulínica do Clostridium botulinum (inativada por aquecimento a 100° C) e a enteroxina do Staphylococcus aureus.
5.8.1.2
Alterações na composição durante
a extração e o fracionamento
O preparo de isolados proteicos a partir de fontes biológicas
envolve várias operações unitárias, como extração, precipitação isoelétrica, precipitação de sais, termocoagulação e
ultrafiltração/diafiltração. É muito provável que algumas das
proteínas do extrato bruto possam ser perdidas durante algumas dessas operações. Por exemplo, durante a precipitação
isoelétrica, algumas proteínas tipo albuminas ricas em enxofre, que costumam ser solúveis em pH isoelétrico, podem
ser perdidas no fluido sobrenadante. Essas perdas podem alterar a composição de aminoácidos e o valor nutricional dos
isolados proteicos quando comparados com os dos extratos
brutos. Por exemplo, o WPC preparado por ultrafiltração/
diafiltração e os métodos de troca iônica passam por alterações marcantes em seus conteúdos de proteose-peptona.
Isso afeta consideravelmente suas propriedades de formação
de espuma.
5.8.1.3
Alterações químicas dos aminoácidos
As proteínas passam por várias mudanças químicas quando
processadas a altas temperaturas. Essas mudanças incluem
40
3,0
30
2,5
20
2,0
10
1,5
PE R
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
mg de tripsina inibida/g de farinha de soja
246
1,0
0
25
35
45
55
65
75
Temperatura de tostagem (ºC)
FIGURA 5.33 Efeito da tostagem sobre a atividade inibitória da tripsina e PER da farinha de soja. (Adaptada de Friedman, M. e M. R.
Gumbmann, 1986. Adv. Exp. Med. Biol. 199:357-390.)
racemização, hidrólise, dessulfuração e desamidação. A
maior parte dessas alterações químicas é irreversível e algumas delas resultam na formação de tipos de aminoácidos
modificados que podem ser tóxicos.
5.8.1.3.1
Racemização
O processamento térmico das proteínas em pH alcalino,
como é realizado na preparação de alimentos texturizados,
invariavelmente leva à racemização parcial dos resíduos de
L-aminoácidos para D-aminoácidos [77]. A hidrólise ácida
das proteínas também causa racemização parcial dos aminoácidos [42]; a tostagem de proteínas ou alimentos com
conteúdo proteico acima de 200C° também ocasiona esse
processo [55]. O mecanismo em pH alcalino envolve subtração inicial do próton do átomo de carbono-α por um íon
hidroxila. O carbânion resultante perde sua assimetria tetra-
édrica. A adição subsequente de um próton da solução pode
ocorrer do topo ou da base do carbânion. O fato de essa probabilidade ser igual resulta em racemização do resíduo do
aminoácido (Equação 5.81) [77]. A taxa de racemização de
um resíduo é afetada pela força da retirada do elétron da cadeia lateral. Desse modo, resíduos como Asp, Ser, Cys, Glu,
Phe, Asn e Thr são racemizados a uma taxa mais rápida do
que os outros resíduos de aminoácidos [78]. A taxa de racemização também depende da concentração do íon hidroxila,
mas independe da concentração de proteínas. É interessante
observar que essa taxa é cerca de dez vezes mais rápida em
proteínas do que em aminoácidos livres [78], sugerindo que
as forças intramoleculares de uma proteína reduzem a energia de ativação da racemização. Além da racemização, o carbânion formado em pH alcalino também pode sofrer reação
de β-eliminação para produzir uma desidroalanina interme-
(5.81)
Química de Alimentos de Fennema
diária reativa. Os resíduos de cisteína e fosfoserina exibem
uma maior propensão a essa via em comparação a outros
resíduos de aminoácidos. Essa é uma das razões pelas quais
uma quantidade significativa da D-cisteína não é encontrada
em proteínas tratadas por alcáli.
A racemização dos resíduos de aminoácidos causa redução de digestibilidade da proteína, uma vez que as ligações
peptídicas que envolvem resíduos de D-aminoácidos são hidrolisadas com menos eficiência por proteases gástricas e
pancreáticas. Isso leva à perda de aminoácidos essenciais
que foram racemizados e prejudica o valor nutricional da
proteína. Os D-aminoácidos também são absorvidos com
menos eficiência ao longo das células da mucosa intestinal
e, ainda que absorvidos, eles não podem ser utilizados na
síntese proteica in vivo. Além disso, verificou-se que alguns
D-aminoácidos, por exemplo, D-prolina, são neurotóxicos
em galinhas [20].
Além da racemização e das reações de β-eliminação, o
aquecimento de proteínas em pH alcalino destrói vários resíduos de aminoácidos, como Arg, Ser, Thr e Lys. A Arg se
decompõe em ornitina.
Quando as proteínas são aquecidas acima de 200° C,
como costuma ocorrer em superfícies de alimentos durante
os processos de fervura, assamento ao forno e grelhado, os
resíduos de aminoácidos sofrem decomposição e pirólise.
Vários produtos da pirólise têm sido isolados e identificados a partir da carne grelhada, sendo altamente mutagênicos conforme determinado pelo teste de Ames. Os produtos
mais carcinogênicos/mutagênicos são formados a partir da
pirólise dos resíduos de Trp e Glu [19]. A pirólise dos resíduos de Trp origina a formação de carbolinas e seus derivados. Os compostos mutagênicos também são produzidos
em carnes a temperaturas moderadas (190-200° C). Eles são
conhecidos como compostos IQ (imidazo quinolinas), que
são produtos da condensação de creatina, açúcares e alguns
aminoácidos, como Gly, Thr, Ala e Lys [60]. Os três mutagênicos mais potentes formados em peixe grelhado estão
demonstrados a seguir:
(5.82)
247
Após o aquecimento de alimentos de acordo com procedimentos recomendados, os compostos IQ costumam ser
encontrados apenas em concentrações muito baixas (µg).
5.8.1.3.2
Ligação cruzada de proteínas
Várias proteínas alimentares contêm tanto ligações cruzadas
intra e intermoleculares, como pontes dissulfeto em proteínas globulares, desmosina e isodesmosina, como ligações
cruzadas dos tipos di e tritirosina em proteínas fibrosas tais
como queratina, elastina, resilina e colágeno. O colágeno
também contém ligação cruzada ε-N-(γ-glutamil)lisil e/ou
ε-N-(γ-aspartil)lisil. Uma das funções dessas ligações cruzadas em proteínas naturais é minimizar a proteólise in vivo. O
processamento de proteínas alimentares, especialmente em
pH alcalino, também induz a formação de ligação cruzada.
As ligações covalentes não naturais entre as cadeias polipeptídicas reduzem a digestibilidade e a biodisponibilidade dos
aminoácidos essenciais que estão envolvidos na ligação cruzada ou próximos a ela.
Como discutido na seção anterior, o aquecimento em
pH alcalino ou acima de 200° C em pH neutro, resulta em
subtração do próton do átomo do carbono α, resultando na
formação de um carbânion, que leva à formação de resíduo
de desidroalanina (DHA). A formação de DHA também
pode ocorrer por meio de um mecanismo de um estágio sem
o carbânion intermediário. Uma vez formados, os resíduos
de DHA altamente reativos reagem com grupos nucleofílicos, como o grupo ε-amino do resíduo lisil, o grupo tiol
do resíduo Cys, o grupo δ-amino da ornitina (formado pela
decomposição da arginina) ou um resíduo histidil, resultando na formação de ligações cruzadas de lisinoalanina,
lantionina, ornitoalanina, histidinilalanina, respectivamente, em proteínas. A lisinoalanina é a ligação cruzada mais
importante encontrada em proteínas tratadas por álcali, em
virtude da abundância de resíduos lisil acessíveis na hora
(Equação 5.83).
A formação das ligações cruzadas de proteína-proteína
em proteínas tratadas por álcali diminui sua digestibilidade
e seu valor biológico. A diminuição de digestibilidade está
relacionada à incapacidade da tripsina de clivar a ligação
peptídica na ligação cruzada lisinoalanina. Além disso, as
restrições espaciais impostas pelas ligações cruzadas também impedem a hidrólise de outras ligações peptídicas nas
proximidades das ligações cruzadas lisinoalanina e similares. Evidências sugerem que a lisinoalanina livre é absorvida no intestino, mas o organismo não a utiliza, sendo
que a maior parte dela é excretada na urina. Uma parte
da lisinoalanina é metabolizada nos rins. A incapacidade
do organismo de clivar a ligação covalente lisinoalanina
reduz a biodisponibilidade da lisina em proteínas tratadas
por álcali.
Ratos alimentados com 100 ppm de lisinoalanina pura
ou com 3.000 ppm de lisinoalanina ligada à proteína desenvolvem nefrocitomegalia (um distúrbio renal). Entretanto,
efeitos nefrotóxicos não têm sido observados em outras espécies de animais, como codornas, camundongos, hamsters
e macacos. Isso tem sido atribuído às diferenças nos tipos de
metabólitos formados em ratos versus outros animais. Nos
248
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
(5.83)
níveis encontrados em alimentos, a lisinoalanina ligada à
proteína aparentemente não causa nefrotoxicidade em seres
humanos. Não obstante, a minimização da formação da lisinoalanina durante o processamento alcalino das proteínas é
uma meta.
Os conteúdos de lisinoalanina de vários alimentos comerciais estão listados na Tabela 5.24 [120]. O nível de
formação de lisinoalanina depende do pH e da temperatura. Quanto maior o pH, maior será o nível de formação da
lisinoalanina. Tratamentos térmicos a altas temperaturas de
alimentos, como o leite, levam ao aumento significativo da
lisinoalanina, mesmo em pH neutro. A formação de lisinoalanina em proteínas pode ser minimizada ou inibida pela
adição de compostos nucleofílicos de baixo peso molecular,
como cisteína, amônia ou sulfitos. A efetividade da cisteína
se deve ao fato de o grupo nucleofílico SH reagir mais de
1.000 vezes mais rápido do que o grupo ε-amino da lisina. O
sulfito de sódio e a amônia exercem seus efeitos inibidores
ao competir com o grupo ε-amino da lisina, pelo DHA. O
bloqueio dos grupos ε-amino de resíduos de lisina pela reação com anidridos ácidos antes do tratamento alcalino também diminui a formação da lisinoalanina. Entretanto, esse
processo resulta em perda de lisina, podendo ser inadequado
para aplicações alimentares.
Sob condições normais usadas no processamento de vários alimentos, apenas pequenas quantidades de lisinoalanina são formadas. Desse modo, acredita-se que a sua toxicidade em alimentos tratados por álcali não seja preocupante.
Entretanto, redução de digestibilidade, perda da biodisponibilidade da lisina e racemização de aminoácidos (alguns
dos quais são tóxicos) são todos resultados indesejáveis em
alimentos como a proteína vegetal texturizada, os quais são
tratados por álcali.
O aquecimento excessivo de soluções de proteína pura
ou alimentos proteicos de baixo teor de carboidratos também resulta na formação de ligações cruzadas ε-N-(γglutamil)lisil e ε-N-(γ-aspartil)lisil. Elas envolvem a reação
de transamidação entre os resíduos de Lys e de Gln ou de
Asn (Equação 5.84). As ligações cruzadas resultantes são
denominadas ligações isopeptídicas, pois são estranhas às
proteínas naturais. Os isopeptídeos resistem à hidrólise enzimática no intestino e, portanto, essas ligações cruzadas
prejudicam a digestibilidade das proteínas e a biodisponibilidade da lisina.
Química de Alimentos de Fennema
249
TABELA 5.24 Conteúdo de lisinoalanina (LAL) em alimentos processados
Alimento
LAL (μg/g de proteína)
Flocos de milho
Pretzels
Canjica
Tortilhas
Tacos
Leite (fórmula infantil)
Leite evaporado
Leite condensado
Leite UHT
Leite HTST
Leite em pó (spray-dried)
Leite desnatado evaporado
Simulação de queijo
Sólidos secos da clara do ovo
Caseinato de cálcio
Caseinato de sódio
Caseína ácida
Proteína vegetal hidrolisada
Agente espumante (whipping)
Isolado proteico de soja
Extrato de levedura
390
500
560
200
170
150−640
590−860
360−540
160−370
260−1.030
0
520
1.070
160−1.820
370−1.000
430−6.900
70−190
40−500
6.500−50.000
0−370
120
Fonte: Swaisgood, H. E. e G. L. Catignani. 1991. Adv.Food Nutr. Res. 35:185–236.
(5.86)
(5.87)
O aquecimento de soluções de proteína a 70-90C° e
em pH neutro geralmente conduz a reações de intercâmbio
sulfidrila-dissulfeto (se esses grupos estiverem presentes),
resultando na polimerização das proteínas. Entretanto, esse
tipo de ligação cruzada induzida por calor no geral não tem
efeitos adversos sobre a digestibilidade das proteínas e a
biodisponibilidade de aminoácidos essenciais, uma vez que
essas ligações podem ser quebradas in vivo.
5.8.1.4
(5.84)
A radiação ionizante de alimentos resulta na formação de
peróxido de hidrogênio por meio da radiólise da água na presença de oxigênio, o que, por sua vez, gera alterações oxidativas e polimerização nas proteínas. Essa radiação também pode
produzir, diretamente, radicais livres pela ionização da água.
(5.85)
(5.86)
O radical livre hidroxil pode induzir a formação de radicais proteicos livres que, por sua vez, podem causar a polimerização das proteínas.
Efeitos de agentes oxidantes
Agentes oxidantes como o peróxido de hidrogênio e o peróxido de benzoíla são usados como agentes bactericidas em
leite, agentes clareadores em farinhas de cereais, isolados
proteicos e concentrados de proteína de peixe, bem como na
desintoxicação de tortas de sementes oleaginosas. O hipoclorito de sódio também costuma ser usado como bactericida e
agente desintoxicante em farinhas e tortas. Além dos agentes
oxidantes que algumas vezes são adicionados aos alimentos,
vários compostos oxidativos são produzidos endogenamente em alimentos durante o processamento. Eles incluem radicais livres formados durante a irradiação de alimentos, a
peroxidação de lipídeos, a fotoxidação de compostos como
riboflavina e clorofila e o escurecimento não enzimático dos
alimentos. Além disso, os polifenóis presentes em vários isolados de proteínas vegetais podem ser oxidados pelo oxigênio molecular em quinonas, em pH neutro a alcalino, o que
250
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
levará, por fim, à formação de peróxidos. Os agentes oxidantes altamente reativos causam oxidação de vários resíduos
de aminoácidos e polimerização de proteínas. Os resíduos de
aminoácidos mais suscetíveis à oxidação são Met, Cys, Trp e
His, e, em menor extensão, Tyr.
5.8.1.4.1
Oxidação da metionina
A metionina é facilmente oxidada em metionina sulfóxido
por vários peróxidos. A sua incubação ligada à proteína ou
da metionina livre com peróxido de hidrogênio (0,1 M),
em temperatura elevada por 30min, resulta em conversão
completa para metionina sulfóxido [23]. Sob fortes condições oxidantes, a metionina sulfóxido é, ainda, oxidada
em metionina sulfona e, em alguns casos, em ácido homocisteico.
(5.90)
(5.89)
A metionina torna-se biologicamente indisponível uma
vez oxidada em metionina sulfona ou ácido homocisteico; já a metionina sulfóxido, por outro lado, é reconvertida
em Met sob as condições ácidas do estômago. Além disso,
algumas evidências sugerem que toda metionina sulfóxido que passa pelo intestino é absorvida, sendo reduzida
in vivo à metionina. Entretanto, a redução in vivo da metionina sulfóxido para metionina é lenta. O PER, ou NPU,
da caseína oxidada com 0,1 M de peróxido de hidrogênio
(que transforma por completo a metionina em metionina
sulfóxido) é cerca de 10% menor do que o da caseína de
controle.
5.8.1.4.2 Oxidação da cisteína
e da cistina
Sob condições alcalinas, a cisteína e a cistina seguem a
via da reação de β-eliminação para a produção de DHA.
Entretanto, em pH ácido, a oxidação da cisteína e da cistina,
em sistemas simples, resulta na formação de vários produtos intermediários de oxidação. Alguns desses derivados são
instáveis.
Os mono e dissulfóxidos da L-cistina são biodisponíveis,
talvez por serem reduzidos, retornando à forma L-cistina,
no organismo. Entretanto, os derivados mono e dissulfona
da L-cistina não são biologicamente disponíveis. Da mesma
forma, embora o ácido cisteína sulfênico seja biologicamente disponível, o cisteína sulfínico e o cisteico não o são. A
taxa e o nível de formação desses produtos de oxidação em
alimentos ácidos não estão bem documentados.
5.8.1.4.3
Oxidação do triptofano
Entre os aminoácidos essenciais, o Trp é excepcional devido ao seu papel em várias funções biológicas. Portanto,
sua estabilidade em alimentos processados é de grande
interesse. Sob condições ácidas, moderadas e oxidantes,
como na presença de ácido perfórmico, dimetilsulfóxido
ou N-bromosuccinimida (NBS), o Trp é oxidado principalmente em β-oxi-indolil-alanina. Sob condições ácidas,
intensas e oxidantes, como na presença de ozônio, peróxido de hidrogênio ou lipídeos peroxidantes, ele é oxidado
a N-formilquinurenina, quinurenina e outros produtos não
identificados.
A exposição do Trp à luz, na presença de oxigênio e de
um fotossensitizador, como riboflavina ou clorofila, leva à
formação de N-formilquinurenina e quinurenina como pro-
Química de Alimentos de Fennema
251
(5.91)
dutos majoritários e vários outros minoritários. Dependendo
do pH da solução, outros derivados, como 5-hidroxiformilquinurenina (pH>7,0) e hidroperóxido tricíclico (pH 3,67,1), também são formados [86]. Além dos produtos fotoxidativos, o Trp forma um fotoaduto com a riboflavina.
Tanto o triptofano livre como o ligado à proteína são capazes de formar esse aduto. O nível de formação desse fotoaduto é dependente da disponibilidade de oxigênio, sendo
maior em condições anaeróbicas [112].
Os produtos da oxidação do Trp são biologicamente ativos. Além disso, as quinureninas são carcinogênicas em animais e todos os outros produtos da fotoxidação do Trp, bem
como as carbolinas formadas durante o grelhado de produtos
cárneos, exibem atividades mutagênicas e inibem o crescimento de células de mamíferos em culturas de tecidos. O
fotoaduto triptofano-riboflavina mostra efeitos citotóxicos
em células de mamíferos, exercendo disfunções hepáticas
durante a nutrição parenteral. Esses produtos indesejáveis
normalmente estão presentes em concentração muito baixa
em alimentos, a menos que um ambiente oxidativo seja criado de propósito.
Entre as cadeias laterais dos aminoácidos, apenas as de
Cys, His, Met, Trp e Tyr são suscetíveis à fotoxidação. No
caso da Cys, o ácido cisteico é o produto final. A Met é fotoxidada primeiro em metionina sulfóxido e, finalmente, em
metionina sulfona e ácido homocisteico. A fotoxidação da
histidina leva à formação de aspartato e uroia. Os produtos
da fotoxidação da tirosina não são conhecidos. Uma vez que
os alimentos contêm riboflavina (vitamina B2) tanto endógena como suplementada, e costumam ser expostos a luz e
ar, espera-se que ocorra algum grau de fotoxidação sensitizada nos resíduos do aminoácido supracitado. No leite, a
(5.92)
252
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
metionina livre é convertida em metional por oxidação ativada pela luz, o que confere um sabor característico ao leite.
Em concentrações equimolares, as taxas de oxidação dos
aminoácidos sulfurados e do Trp provavelmente seguem a
ordem Met > Cys > Trp.
5.8.1.4.4
Oxidação da tirosina
A exposição de soluções de tirosina a peroxidase e peróxido
de hidrogênio resulta na oxidação da tirosina em ditirosina.
A ocorrência desse tipo de ligação cruzada tem sido encontrada em proteínas naturais, como resilina, elastina, queratina e colágeno e, mais recentemente, em massas.
ascórbico e os compostos carbonílicos produzidos a partir da
oxidação lipídica fornecem o componente carbonila.
Alguns dos derivados carbonila provenientes do processo
de escurecimento não enzimático reagem prontamente com
aminoácidos livres. Isso resulta na degradação dos aminoácidos em aldeídos, amônia e dióxido de carbono, sendo que
essa reação é conhecida como degradação de Strecker. Os
aldeídos contribuem para o desenvolvimento do aroma durante a reação de escurecimento. A degradação de Strecker
de cada aminoácido produz um aldeído específico com aroma distinto (Tabela 5.25).
(5.94)
(5.93)
5.8.1.5 Reações carbonila-amina
Dentre as várias modificações químicas em proteínas induzidas pelo processamento, a reação de Maillard (escurecimento não enzimático) causa o maior impacto sobre as
propriedades sensoriais e nutricionais. A reação de Maillard
refere-se a um conjunto complexo de reações iniciado por
reação entre aminas e compostos carbonila, as quais, em
alta temperatura, decompõem-se e, finalmente, condensamse, transformando-se em um produto marrom insolúvel conhecido como melanoidinas (ver Capítulo 14). Essa reação
ocorre não apenas em alimentos durante o processamento,
mas também em sistemas biológicos. Em ambos os casos,
proteínas e aminoácidos costumam fornecer o componente
amino e os açúcares redutores (aldoses e cetoses); o ácido
A reação de Maillard prejudica o valor nutricional das
proteínas. Alguns dos produtos são antioxidantes e outros podem ser tóxicos, mas estes provavelmente não são danosos
nas concentrações encontradas em alimentos. Isso ocorre porque o grupo ε-amino da lisina é a principal fonte de aminas
primárias em proteínas, e costuma estar envolvido na reação
carbonila-amina, sofrendo uma grande perda em biodisponibilidade quando essa reação ocorre. O grau de perda da Lys
depende da fase da reação de escurecimento. A lisina envolvida nas fases iniciais do escurecimento, incluindo a base
de Schiff, é biodisponível. Os derivados iniciais são hidrolisados em lisina e açúcar nas condições ácidas do estômago.
Entretanto, após a fase de cetosamina (produto de Amadori)
ou de aldosamina (produto de Heyns), a lisina não é mais biodisponível. Isso se deve principalmente à absorção precária
dos derivados no intestino [36]. É importante observar que
nenhuma cor desenvolve-se nesse estágio. Embora o sulfito
iniba a formação de pigmentos marrons [129], ele não pode
evitar a perda da disponibilidade da lisina, uma vez que não
pode evitar a formação dos produtos de Amadori e Heyns.
TABELA 5.25 Notas de sabor características de aldeídos produzidos pela
degradação de Strecker a partir de aminoácidos
Aminoácido
Sabor típico
Phe, Gly
Leu, Arg, His
Ala
Pro
Gln, Lys
Met
Cys, Gly
Ácido α-aminobutírico
Arg
Caramelo
Pão tostado
Nozes (em geral)
Biscoito tipo cracker
Manteiga
Caldo, feijão
Defumado, queimado
Noz (fruto da nogueira)
Pipoca
Química de Alimentos de Fennema
A atividade biológica da lisina nos vários estágios da
reação de Maillard pode ser determinada quimicamente pela
adição de 1-fluoro-2,4-dinitrobenzeno (FDNB), seguida por
hidrólise ácida da proteína derivada. O FDNB reage com os
grupos ε-amino disponíveis dos resíduos lisil. O hidrolisado
é então extraído com éter etílico para remoção do FDNB que
não reagiu; a concentração de ε-dinitrofenil-lisina (ε-DNPlisina) na fase aquosa é determinada medindo-se a absorbância a 435 nm. A lisina disponível também pode ser determinada pela reação com ácido 2,4,6-trinitrobenzeno sufônico
(TNBS) com o grupo ε-amino. Nesse caso, a concentração
do derivado ε-trinitrofenil-lisina (ε-TNP-lisina) é determinada a partir de absorbância a 346 nm.
O escurecimento não enzimático não causa apenas perdas importantes de lisina, mas as carbonilas insaturadas
reativas e os radicais livres formados durante a reação de
escurecimento causam a oxidação de vários outros aminoácidos essenciais, em especial Met, Tyr, His e Trp. A ligação
cruzada das proteínas por compostos dicarbonila produzidos
durante o escurecimento diminui sua solubilidade, prejudicando a digestibilidade proteica.
Suspeita-se que alguns dos produtos de coloração marrom da reação de Maillard sejam mutagênicos. Embora os
compostos mutagênicos não sejam necessariamente carcinogênicos, todos os carcinogênicos conhecidos são mutagênicos. Portanto, a formação de compostos de Maillard
mutagênicos em alimentos é preocupante. Estudos com
misturas de glicose e aminoácidos mostraram que os produtos de Maillard de Lys e Cys são mutagênicos, enquanto
os de Trp, Tyr, Asp, Asn e Glu não são, conforme determinado pelo Teste de Ames. Deve-se salientar que os produtos
da pirólise de Trp e Glu (em carne grelhada) também são
mutagênicos (Teste de Ames). Como discutido anteriormente, o aquecimento de açúcar e aminoácidos na presença
da creatina produz os mutagênicos tipo IQ mais potentes
(ver Equação 5.82). Embora os resultados baseados em sistemas-modelo não possam ser aplicados com segurança em
alimentos, é possível que a interação de produtos da reação
de Maillard com outros constituintes de menor peso molecular em alimentos possa produzir substâncias mutagênicas
e/ou carcinogênicas.
O ponto positivo é que alguns produtos da reação de
Maillard, especialmente as redutonas, têm atividade antioxidante [88]. Isso se deve ao seu poder redutor e sua capacidade de quelar metais, como Cu e Fe, os quais são próoxidantes. As aminorredutonas formadas a partir da reação
de trioseredutonas com aminoácidos, tais como Gly, Met e
Val, mostram excelente atividade antioxidante.
Além de açúcares redutores, outros aldeídos e cetonas
presentes em alimentos também podem fazer parte da reação
carbonila-amina. É digno de nota que o gossipol (do caroço
de algodão), o glutaraldeído (adicionado a dietas proteicas
para controlar a esaminação no rúmen dos ruminantes) e os
aldeídos (especialmente o malonaldeído) obtidos da oxidação de lipídeos podem reagir com grupos amino das proteínas. Aldeídos bifuncionais, como o malonaldeído, podem
formar ligações cruzadas e polimerizar proteínas. Isso pode
resultar em insolubilização, perda da digestibilidade e bio-
253
disponibilidade da lisina e perda das propriedades funcionais
das proteínas. O formaldeído também reage com o grupo
ε-amino dos resíduos de lisina. Acredita-se que o endurecimento do músculo de peixes tipo bacalhau durante a estocagem sob congelamento se deva a reações do formaldeído
com as proteínas do peixe.
(5.95)
5.8.1.6
5.8.1.6.1
Outras reações de proteínas
em alimentos
Reações com lipídeos
A oxidação de lipídeos insaturados leva à formação de radicais livres alcoxi e peroxi. Esses radicais livres, por sua
vez, reagem com proteínas, formando radicais livres lipídeoproteína. Os radicais livres conjugados lipídeo-proteína podem sofrer ligação cruzada de polimerização de proteínas,
levando a diversos produtos com ligações cruzadas.
(5.96)
(5.97)
(5.98)
(5.99)
(5.100
(5.101)
ou
(5.102)
(5.103)
(5.104)
(5.105)
Além disso, os radicais livres lipídicos podem também
levar à formação de radicais livres proteicos nas cadeias laterais de cisteína e histidina, que podem então sofrer reações
de polimerização e ligação cruzada.
(5.106)
(5.107)
(5.108)
(5.109)
(5.110)
Os hidroperóxidos lipídicos (LOOH) dos alimentos
podem se decompor, resultando na liberação de aldeídos e
cetonas, particularmente malonaldeído. Esses compostos
254
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
carbonila reagem com grupos amino de proteínas via reação
carbonila-amina e formação da base de Schiff. Como já foi
discutido, a reação do malonaldeído com as cadeias laterais
de lisil leva à ligação cruzada e à polimerização das proteínas. A reação de peroxidação de lipídeos com proteínas
costuma ter efeitos deletérios sobre o valor nutricional das
proteínas. A ligação não covalente de compostos carbonilas
com proteínas também origina odores indesejáveis.
5.8.1.6.2
Reações com polifenóis
Compostos fenólicos, como ácido p-hidroxibenzoico, catecol, ácido cafeico, gossipol e querceína, são encontrados em
todos os tecidos vegetais. Durante a maceração de tecidos
vegetais, esses compostos fenólicos podem ser oxidados
pelo oxigênio molecular em pH alcalino, transformando-se
em quinonas. Isso também pode ocorrer por ação da polifenoloxidase, que costuma estar presente em tecidos vegetais.
Essas quinonas altamente reativas podem reagir de maneira irreversível com os grupos sulfidrila e amino das proteínas. A reação das quinonas com grupos (N-terminais) SH e
α-amino é muito mais rápida do que com grupos ε-amino.
Além disso, as quinonas também podem sofrer reações de
oxidação, resultando na formação de pigmentos de cor marrom de alto peso molecular. Esses produtos marrons permanecem muito reativos, combinando-se com facilidade com
os grupos SH e amino das proteínas. As reações do grupo
quinona-amino diminuem a digestibilidade e a biodisponibilidade da cisteína e da lisina ligadas à proteína.
5.8.1.6.3
Reações com solventes halogenados
Os solventes orgânicos halogenados costumam ser usados
na extração de óleo e de alguns fatores antinutricionais de
sementes oleaginosas, como torta de caroço de algodão e
soja. A extração com tricloroetileno resulta na formação
de uma pequena quantidade de S-diclorovinil-L-cisteína,
que é tóxica. Por outro lado, os solventes diclorometano
e tetracloroetileno não parecem reagir com proteínas. O
1,2-dicloroetano reage com resíduos de Cys, His e Met em
proteínas. Alguns fumigadores, como o brometo de metila, podem alquilar resíduos de Lys, His, Cys e Met. Todas
essas reações diminuem o valor nutricional das proteínas,
sendo que algumas são preocupantes do ponto de vista da
segurança.
5.8.1.6.4
Reações com nitritos
A reação de nitritos com aminas secundárias e, em certo
grau, com aminas primárias e terciárias, resulta na formação
de N-nitrosamina, que é um dos compostos mais carcinogênicos formados nos alimentos. Os nitritos usualmente são
adicionados a produtos cárneos para melhorar a cor e impedir o crescimento bacteriano. Os aminoácidos (ou resíduos)
mais envolvidos nessa reação são Pro, His e Trp, mas Arg,
Tyr e Cys também podem reagir com nitritos. Essa reação
ocorre principalmente sob condições ácidas e em elevadas
temperaturas.
As aminas secundárias produzidas durante a reação de
Maillard, como produtos de Amadori e Heyns, também podem reagir com nitritos. A formação de N-nitrosaminas durante cozimento e grelhado da carne tem sido uma grande
preocupação, mas aditivos, como ácido ascórbico e eritorbato, são efetivos na redução dessa reação.
5.8.1.6.5
Reações com sulfitos
Os sulfitos reduzem as pontes dissulfeto em proteínas para
produzir derivados S-sulfonados. Eles não reagem com resíduos de cisteína.
(5.111)
Química de Alimentos de Fennema
(5.112)
Na presença de agentes redutores, como cisteína ou mecaptoetanol, os derivados S-sulfonados são novamente convertidos em resíduos de cisteína. Os S-sulfonados se decompõem sob pH ácido (como no estômago) e sob pH alcalino,
transformando-se em dissulfetos. A S-sulfonação não diminui a biodisponibilidade da cisteína. O aumento de eletronegatividade e a ruptura de ligações dissulfeto em proteínas a
partir da S-sulfonação causam o desdobramento das moléculas de proteína, o que afeta suas propriedades funcionais.
5.8.2 Alterações nas propriedades
funcionais das proteínas
Os métodos ou processos usados para o isolamento de proteínas podem afetar suas propriedades funcionais. A desnaturação mínima durante várias etapas do isolamento geralmente é desejável, uma vez que isso ajuda na manutenção
de uma solubilidade proteica aceitável, o que costuma ser
um pré-requisito para a funcionalidade dessas proteínas em
produtos alimentícios. Em alguns casos, a desnaturação controlada ou parcial das proteínas pode melhorar determinadas
propriedades funcionais.
As proteínas costumam ser isoladas usando-se a precipitação isoelétrica. As estruturas secundárias, terciárias e quartenárias da maioria das proteínas globulares são estáveis em
seu pH isoelétrico, e as proteínas tornam-se novamente solúveis, com rapidez, quando dispersadas em pH neutro. Por
outro lado, compostos proteicos como as micelas de caseína,
são desestabilizados de forma irriversível pela precipitação
isoelétrica. O colapso da estrutura micelar da caseína precipitada isoeletricamente deve-se a vários fatores, incluindo a
solubilização do fosfato de cálcio coloidal e a mudança no
equilíbrio das interações hidrofóbicas e eletrostáticas entre os
vários tipos de caseínas. As composições das proteínas precipitadas isoeletricamente costumam encontrar-se alteradas em
comparação com as de materiais em sua forma nativa. Isso
ocorre porque algumas frações proteicas de menor quantia
são solúveis no pH isoelétrico do componente principal, não
sendo, portanto, precipitadas. Essa mudança de composição
afeta as propriedades funcionais do isolado proteico.
A ultrafiltração (UF) é bastante usada na preparação de
WPCs. Tanto a composição proteica como a não proteica do
WPC são afetadas pela remoção de pequenos solutos durante a UF. A remoção parcial da lactose e das cinzas influencia muito as propriedades funcionais do WPC. Além disso,
o aumento das interações proteína-proteína ocorre no concentrado UF durante a exposição a temperaturas moderadas
(50-55°C), o que diminui a solubilidade e a estabilidade da
proteína ultrafiltrada, que, por sua vez, altera sua capacidade de ligação com a água e suas propriedades no que diz
respeito a gelificação, formação de espuma e emulsificação.
Entre os constituintes das cinzas, as variações de conteúdo
255
de cálcio e fosfato afetam significativamente as propriedades
gelificantes do WPC. Os isolados proteicos do soro preparados por troca iônica contêm pouca cinza e, por isso, possuem
propriedades funcionais superiores às dos isolados obtidos
por ultrafiltração/diafiltração.
Os íons de cálcio costumam induzir a agregação das proteínas. Isso é atribuível à formação de pontes iônicas que envolvem íons de Ca2+ e grupos carboxílicos. O grau da agregação depende da concentração do íon cálcio. A maioria das
proteínas mostra agregação máxima em concentração de íon
Ca2+ 40-50 mM. Com algumas proteínas, como caseínas e
proteínas da soja, a agregação do cálcio leva à precipitação,
enquanto, no caso do isolado proteico do soro, forma-se um
agregado coloidal estável (Figura 5.34).
A exposição de proteínas a pH alcalino, particularmente
em elevadas temperaturas, causa mudanças conformacionais
irreversíveis. Isso se deve em parte à desamidação dos resíduos de Asn e Gln, e à β-eliminação dos resíduos de cistina. O aumento resultante em eletronegatividade e quebra
de pontes dissulfeto ocasiona mudanças estruturais bruscas
em proteínas expostas ao álcali. Geralmente, as proteínas
tratadas com álcali são mais solúveis e possuem melhores
propriedades emulsificantes e de formação de espuma.
O hexano costuma ser usado na extração de óleo de sementes oleaginosas, como soja e algodão. Esse tratamento causa,
invariavelmente, a desnaturação das proteínas da torta prejudicando sua solubilidade e outras propriedades funcionais.
Os efeitos de tratamentos térmicos em alterações químicas e propriedades funcionais de proteínas são descritos
na Seção 5.6. A cisão das ligações peptídicas que envolvem
resíduos aspartil durante aquecimento intenso das soluções
proteicas libera peptídeos de baixo peso molecular. O aquecimento intenso sob condições de pHs alcalinos e ácidos
também causa hidrólise parcial das proteínas. A quantidade
de peptídeos de baixo peso molecular em isolados proteicos
pode afetar suas propriedades funcionais.
5.9 MODIFICAÇÕES QUÍMICAS E
ENZIMÁTICAS DAS PROTEÍNAS
5.9.1
Modificações químicas
A estrutura primária das proteínas contém várias cadeias laterais reativas. As propriedades físico-químicas das proteínas podem ser alteradas, sendo que as funcionais podem ser
melhoradas por modificação química das cadeias laterais.
Entretanto, deve-se ter a cautela de observar que, embora a
derivatização química das cadeias laterais de aminoácidos
possa melhorar as propriedades funcionais das proteínas,
ela também pode prejudicar o valor nutricional, criar alguns
derivados de aminoácidos tóxicos e apresentar problemas regulatórios, embora reações similares possam ocorrer in vitro
ou in situ.
Uma vez que as proteínas contêm várias cadeias laterais reativas, numerosas modificações químicas podem ser
realizadas. Algumas dessas reações estão listadas na Tabela
5.5. Entretanto, apenas algumas dessas reações são adequadas para a modificação das proteínas alimentares. Os
256
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
70
% Transmitância a 500 nm
60
50
40
30
20
10
0
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
Concentração de sal (M)
0,25
FIGURA 5.34 Concentração de sal versus turbidez do isolado proteico do soro de leite (5%) em soluções de CaCl2 () e MgCl2 ( ), após
da incubação por 24h, em temperatura ambiente. (Zhu, H. e S. Damodaran. 1994. J. Agric. Food Chem. 42:856–862.)
grupos ε-amino dos resíduos lisil e o grupo SH da cisteína
são os grupos nucleofílicos mais reativos das proteínas. A
maioria dos procedimentos de modificação química envolve esses grupos.
5.9.1.1 Alquilação
Os grupos SH e amino podem ser alquilados por reação com
um iodoacetato ou uma iodoacetamida. A reação com iodoacetato resulta na eliminação da carga positiva do resíduo lisil
e na introdução de cargas negativas, tanto nos resíduos de
lisil como nos de cisteína.
O aumento da eletronegatividade proteica pode alterar o
perfil pH-solubilidade das proteínas, podendo, ainda, causar desdobramento. Por outro lado, a reação com iodoacetamida resulta apenas na eliminação de cargas positivas. Isso
também causará aumento local de eletronegatividade, mas
o número de grupos carregados negativamente das proteínas permanecerá inalterado. A reação com a iodoacetamida
bloqueia efetivamente os grupos sulfidrila, de modo que a
polimerização proteica induzida pelo dissulfeto não possa
ocorrer. Os grupos sulfidrila também podem ser bloqueados
pela reação com N-etilmaleimida (NEM).
Os grupos amino também podem ser alquilados por redução com aldeídos e cetonas em presença de redutores como
boro-hidreto de sódio (NaBH4) ou cianoboro-hidreto de sódio (NaCNBH3). Nesse caso, a base de Schiff formada pela
reação do grupo carbonila com o grupo amino é reduzida
em seguida pela ação do redutor. Aldeídos alifáticos e cetonas ou açúcares redutores podem ser usados nessa reação. A
redução da base de Schiff impede a progressão da reação de
Maillard, resultando em uma glicoproteína, como produto
final (glicosilação redutora).
As propriedades físico-químicas da proteína modificada
serão afetadas pelo reagente usado. A hidrofobicidade da
proteína pode ser aumentada se um aldeído alifático ou cetona for selecionado para a reação; modificando-se o comprimento da cadeia do grupo alifático, pode-se variar o grau
de hidrofobicidade. Por outro lado, se um açúcar redutor
for selecionado como reagente, a proteína será mais hidrofílica. Uma vez que as glicoproteínas exibem propriedades
superiores de formação de espuma e emulsificantes (como
no caso da ovoalbumina), a glicosilação redutora das proteínas deve melhorar sua solubilidade e suas propriedades
interfaciais.
5.9.1.2
Acilação
Os grupos amino podem ser acilados por reação com vários
anidridos ácidos. Os agentes acilantes mais comuns são anidrido acético e succínico. A reação da proteína com o anidrido acético resulta na eliminação das cargas positivas dos
resíduos lisil e no aumento correspondente de eletronegatividade. A acilação com anidrido succínico ou com outros
anidridos dicarboxílicos resulta na substituição da carga positiva por uma negativa nos resíduos lisil. Isso aumenta a eletronegatividade das proteínas e o desdobramento da proteína,
caso for permitida a ocorrência de uma reação extensa.
As proteínas aciladas costumam ser mais solúveis que as
naturais. Na verdade, a solubilidade das caseínas e de outras
proteínas de menor solubilidade pode ser aumentada pela
acilação com anidrido succínico. Entretanto, a succinilação,
dependendo da extensão da modificação, geralmente prejudica outras propriedades funcionais. Por exemplo, as proteínas succiniladas exibem fracas propriedades de gelificação
por calor, em decorrência das poderosas forças eletrostáticas
repulsivas. A alta afinidade pela água das proteínas succiniladas também diminui sua adsortividade nas interfaces óleoágua e ar-água, prejudicando suas propriedades de emulsificação e de formação de espuma. Além disso, por causa dos
Química de Alimentos de Fennema
257
(5.113)
(5.114)
(5.115)
(5.116)
(5.117)
vários grupos carboxílicos introduzidos, as proteínas succiniladas são mais sensíveis à precipitação induzida por cálcio
do que a proteína de origem.
As reações de acetilação e succinilação são irreversíveis.
A ligação isopeptídica succinil-lisina é resistente à clivagem
catalizada pelas enzimas pancreáticas digestivas. Além disso,
as células da mucosa intestinal absorvem com precariedade
a succinil-lisina. Desse modo, a succinilação e a acetilação
reduzem muito o valor nutricional das proteínas.
A ligação de ácidos graxos de cadeia longa ao grupo
ε-amino dos resíduos lisil pode aumentar a anfifilicidade das
proteínas. Isso pode ser realizado pela reação de um éster de
cloreto de acila ou um éster N-hidroxi-succinimida de um
ácido graxo com uma proteína. Esse tipo de modificação
pode aumentar a lipofilicidade e a capacidade de ligação a
lipídeos das proteínas, podendo, ainda, facilitar a formação
de novas estruturas micelares e de outros tipos de agregados
proteicos.
258
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
5.9.1.3 Fosforilação
Diversas proteínas alimentares, como as caseínas, são fosfoproteínas. As proteínas fosforiladas são muito sensíveis
à coagulação induzida pelo íon cálcio, o que pode ser desejável em simulações de queijos. As proteínas podem ser
fosforiladas por reação com oxicloreto de fósforo (POCl3).
A fosforilação ocorre principalmente no grupo hidroxila dos
resíduos de serina e de treonina e no grupo amino dos resíduos lisil, e aumenta muito a eletronegatividade proteica.
(5.118)
A fosforilação de grupos amino resulta na adição de
duas cargas negativas para cada carga positiva eliminada
pela modificação. Sob algumas condições de reação, em
especial sob alta concentração proteica, a fosforilação com
POCl3 pode levar à polimerização das proteínas, como demonstrado adiante. Essas reações de polimerização tendem
a minimizar o aumento de eletronegatividade e sensibilidade ao cálcio da proteína modificada. A ligação N-P é lábil a
ácidos. Assim, espera-se que, sob as condições prevalentes
no estômago, as proteínas N-fosforiladas passem por desfosforilação e regeneração dos resíduos lisil. Desse modo, é
provável que a digestibilidade da lisina não seja significativamente prejudicada pela fosforilação química.
5.9.1.4 Sulfitólise
Sulfitólise refere-se à conversão das pontes dissulfeto das
proteínas em um derivado S-sulfonado por uso de um sisII
tema de oxirredução que envolve sulfito e cobre (Cu ) ou
outros oxidantes. Esse mecanismo é mostrado a seguir:
A adição de sulfito à proteína inicialmente cliva a ponte
e um grudissulfeto, resultando na formação de um
po tiol livre. Trata-se de uma reação reversível, sendo que a
constante de equilíbrio é baixa. Em presença de um agente
oxidante, como cobre (II), os grupos SH recém-liberados são
reoxidados, voltando a formar pontes dissulfeto intra ou intermoleculares, sendo que essas, por sua vez, são clivadas
de novo pelos íons dissulfeto presentes na mistura da reação. O ciclo de oxirredução se repete até que todas as pontes
dissulfeto e grupos sulfidrila sejam convertidos em derivado
S-sulfonado [49].
Tanto a clivagem das pontes dissulfeto como a incorcausam modificações conformaporação de grupos
cionais nas proteínas, o que afeta suas propriedades funcionais. Por exemplo, a sulfitólise das proteínas do soro do
queijo muda drasticamente seus perfis de pH-solubilidade
(Figura 5.35) [48].
5.9.1.5
Esterificação
Os grupos carboxílicos dos resíduos de Asp e Glu em proteínas não são altamente reativos. Entretanto, sob condições
ácidas, esses resíduos podem ser esterificados com álcoois.
Esses ésteres são estáveis em pH ácido, mas são hidrolisados
com facilidade em pH alcalino.
5.9.2
Modificação enzimática
Sabe-se que ocorrem várias modificações enzimáticas de
proteínas/enzimas nos sistemas biológicos. Essas modificações podem ser agrupadas em seis categorias gerais, a saber,
glicosilação, hidroxilação, fosforilação, metilação, acilação
e ligação cruzada. Essas modificações enzimáticas das proteínas in vitro podem ser usadas para melhorar suas propriedades funcionais. Embora diversas modificações enzimáticas de proteínas sejam possíveis, apenas algumas delas são
passíveis de utilização na prática da modificação de proteínas destinadas ao uso em alimentos.
(5.119)
(5.120)
Química de Alimentos de Fennema
259
100
Solubilidade (%)
80
60
40
20
0
0
2
4
pH
6
8
10
FIGURA 5.35 pH versus perfil de solubilidade proteica de ( )soro doce original e () soro doce sulfonado (Gonzalez, J. M. e S. Damodaran. 1990. J. Food Sci. 55:1559–1563.)
5.9.2.1 Hidrólise enzimática
A hidrólise de proteínas alimentares com uso de proteases,
tais como pepsina, tripsina, quimotripsina, papaína e termolisina, altera suas propriedades funcionais. A hidrólise extensiva por proteases não específicas, como a papaína, causa
solubilização até mesmo de proteínas pouco solúveis. Esses
hidrolisados costumam conter peptídeos de baixo peso molecular da ordem de dois a quatro resíduos de aminoácidos.
A hidrólise extensiva prejudica várias propriedades funcionais, como propriedades de gelificação, formação de espuma
e emulsificantes (ver Seção 5.6, para maiores detalhes).
e quimotripsina, age tanto como protease quanto como esterase, sob condições determinadas. Uma vez que a estrutura
e a sequência de aminoácidos dos produtos de plasteína são
diferentes das da proteína nativa, esses produtos no geral
exibem propriedades funcionais alteradas. Quando a L-metionina é incluída na mistura da reação, ela é covalentemente
incorporada aos polipeptídeos recém-formados. Dessa forma, a reação de plasteína pode ser explorada no sentido de
se melhorar a qualidade nutricional de alimentos proteicos
deficientes em metionina ou lisina.
5.9.2.3
5.9.2.2 Reação de plasteína
Reação de plasteína refere-se a uma série de reações que envolvem proteólise inicial, seguida de ressíntese de ligações
peptídicas por uma protease (geralmente papaína ou quimotripsina). O substrato proteico, a baixas concentrações, é, em
primeiro lugar, hidrolisado em parte pela papaína. Quando o
hidrolisado contendo a enzima é concentrado a 30-35% de
sólidos, sendo incubado, a enzima recombina aleatoriamente
os peptídeos, gerando novas ligações peptídicas. A reação
de plasteína também pode ser realizada em um processo de
etapa única, no qual uma solução de proteína a 30-35% (ou
uma pasta) é incubada com papaína na presença de L-cisteína [131]. No entanto, em ambos os casos, o peso molecular
dos polipeptídeos formados é tipicamente menor do que o
da proteína original. Assim, a enzima, em especial papaína
Ligação cruzada de proteínas
A transglutaminase catalisa uma reação de transferência de
acil que envolve uma reação entre o grupo ε-amino de resíduos lisil (receptor de acil) e o grupo amino de resíduos de
glutamina (doador de acil), resultando na formação de uma
ligação cruzada isopeptídica.
Essa reação pode ser usada na realização da ligação cruzada de diferentes proteínas e na produção de novas formas
de proteínas alimentares que podem apresentar propriedades funcionais melhoradas. Sob alta concentração proteica,
a ligação cruzada catalisada pela tranglutaminase leva à
formação de géis e filmes proteicos, em temperatura ambiente [85,90,91]. Essa reação também pode ser usada para
melhorar a qualidade nutricional de proteínas por ligação
cruzada de lisina e/ou metionina aos resíduos de glutamina
(Tabela 5.23) [58].
(5.121)
260
Srinivasan Damodaran, Kirk L. Parkin & Owen R. Fennema
LEITURA COMPLEMENTAR
Bodwell, C. E., J. S. Adkins, and D. T. Hopkins (Eds.) (1981). Protein Quality
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Ghelis, C. and J. Yon (1982). Protein Folding, Academic Press, New York.
Hettiarachchy, N. S. and G. R. Ziegler (Eds.) (1994). Protein Functionality
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