ENERGIA, NECESSIDADES NUTRICIONAIS E MÉTODOS DE AVALIAÇÃO ENERGIA A energia é definida como a “capacidade de realizar trabalho”. O Conselho de Especialistas em Necessidades de Energia e Proteína da FDA/OMS define as necessidades de energia como “a necessidade de energia de um indivíduo que irá equilibrar o gasto de energia a partir do alimento e que irá equilibrar o gasto de energia quando o indivíduo possui um tamanho e composição corporal e atividade física”. O peso corporal é um indicador de adequação ou inadequação de energia. 1. COMPONENTES DO GASTO DE ENERGIA Pode ser dividido em três componentes (mais comum): taxa metabólica basal (TMR ou TMB) ou gasto energético de repouso (GER), efeito térmico do alimento e gasto com atividade física. GASTO ENERGÉTICO BASAL E DE REPOUSO O gasto de energia basal (GEB) pode ser definido como a quantidade de energia utilizada durante 24h enquanto descansa fisicamente (isto é, deitado) e mentalmente em um ambiente termicamente neutro. As medidas de taxa metabólica basal (TMB) são realizadas pela manhã, após jejum de 10 às 12h após a ingestão de qualquer alimento, bebida ou nicotina. Representa ~60 a 70% do Gasto energético total (GET). Caso uma das condições acima para aferição não seja preenchida, será classificada com taxa metabólica de repouso. A taxa metabólica de repouso (TMR) é medida, em qualquer horário do dia, após jejum de 4h com a última refeição pobre em proteína. Por razões práticas, as medidas de TMR são mais utilizadas e são 10 a 20% superiores que a TMB. Define-se gasto de energia em repouso (GER) como a energia despendida nas atividades necessárias para manter as funções corporais normais (respiração, circulação, bombeamento de íons, síntese de compostos orgânicos e atividade do SNC e manutenção de calor) e homeostase. Quase 60% do GER podem ser responsáveis pelo calor produzido pelo fígado, cérebro, coração e rins. Fatores que afetam o gasto de energia em repouso Tamanho corporal Pessoas altas e magras possuem maior TMB que indivíduos baixos e gordos. Composição corporal O principal determinante da TMB é a massa magra (ou Massa livre de gordura), principal tecido metabolicamente ativo no corpo. Contribui com ~80% na variação do GER. Idade Como a TMB é determinada pela massa magra e ocorre perda da mesma com a idade, a TMB declina com a idade. Prof. José Aroldo Filho goncalvesfilho@nutmed.com.br Após o início da idade adulta, há um declínio na TMR de 1 a 2% por kg de massa livre de gordura. Sexo As diferenças metabólicas entre os sexos são decorrentes da alteração da composição corporal dos mesmos, pois homens possuem mais massa magra que mulheres, possuindo então maior TMB. Estado hormonal Principalmente pelos hormônios tireoidianos, que em elevadas concentrações aumentam a TMB e em concentrações diminuídas diminui a TMB. Além disso, a TMB flutua com o ciclo menstrual, tendo seu ponto mais alto, exatamente antes do início da menstruação. O aumento médio é de 150 kcal por dia na segunda metade do ciclo menstrual. Temperatura corpórea A febre aumenta a taxa metabólica em cerca de 13% para grau de elevação na temperatura corporal acima de 37 oC. A TMB também é afetada pelos extremos na temperatura ambiente, em climas tropicais, a TMR é superior 5 – 20% que naqueles em países temperados. GASTO ENERGÉTICO INDUZIDO PELA DIETA (ETA) Define-se efeito termogênico do alimento como o aumento no gasto de energia associado ao consumo de alimento. É responsável por aproximadamente 10% da taxa metabólica diária média (ADMR ou VET). Termogênese obrigatória digerir, absorver e metabolizar nutrientes. Termogênese facultativa excesso de energia gasta, além da obrigatória. O uso de cafeína, nicotina e álcool estimula a taxa metabólica. A ingestão de 200 – 350mg de cafeína em homens e 240mg em mulheres aumenta a TMR em média de 7 – 11% em homens e 8 – 15% em mulheres. Nicotina aumenta em 3 - 4% em homens e em 6% entre mulheres. Lipídios são oxidados com apenas 4% de perda eficiência metabólica. Chilli e mostarda podem aumentar a TMB em 33% ou mais que as refeições condimentadas. GASTO ENERGÉTICO INDUZIDO PELA ATIVIDADE FÍSICA (AEE) A energia gasta em atividade física é o componente mais variável do gasto energético total, podendo variar de 10%, no acamado, até 50% em um atleta. Isso corresponde a um gasto de energia em 100kcal/dia no sedentário e até m 3000kcal /dia em um atleta. O efeito EPOC ou COPE (consumo de oxigênio após o exercício) afeta o gasto de energia. Mostrou-se que a duração e a magnitude da atividade aumentam o EPOC, resultando em uma taxa metabólica elevada mesmo após o exercício ter terminado. 1 2. MEDIÇÃO DO GASTO ENERGÉTICO As diferenças na taxa de eliminação de DLW é uma medida de produção de CO2 e utilizando-se técnicas de calorimetria indireta padrão, estima-se o gasto energético. A unidade de energia é a caloria ou energia necessária para elevar a temperatura de 1 mL de água a 15 oC em 1oC. ESTIMATIVAS DAS NECESSIDADES DE ENERGIA CALORIMETRIA DIRETA Monitora a quantidade de calor produzida por um indivíduo situado dentro de uma estrutura suficiente para permitir quantidades moderadas de atividade. O método é limitado pelo alto custo e escassez de instalações apropriadas. Inúmeras metodologias foram propostas e desenvolvidas para estimar o gasto energético em humanos, dentre eles a validação de questionários de freqüência de consumo alimentar semiquantitativos, recordatórios de 24h e registros alimentares. Com o decorrer dos anos, várias equações foram desenvolvidas para se medir a TMR, como as equações de Harris & Benedict (1919), da FAO/OMS 1985 e recentemente novas equações de previsão de GEB (kcal/kg de massa corpórea total). A maneira mais comum para predizer o REE para um indivíduo na prática clínica é aplicar as equações de Harris-Benedict. HOMEM: REE = 66,5 + (13,8 X P) + (5 X A) – (6,8 X I) MULHER: REE = 655,1 + (9,6 X P) + (1,8 X A) – (4,7 X I) Fig 1: Câmara calorimétrica. Sendo: P – peso atual em kg; A – altura em cm; e I – idade em anos. CALORIMETRIA INDIRETA NECESSIDADES NUTRICIONAIS Estima o gasto de energia pela determinação do consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono pelo corpo durante um período de tempo. Os dados obtidos da calorimetria indireta permitem o cálculo de quociente respiratório, onde: Necessidades nutricionais representam as menores quantidades de um dado nutriente que devem ser consumidas por meio dos alimentos, quantidades estas suficientes para promover saúde e prevenir as manifestações patológicas derivadas da carência de determinado nutriente particular. QR = moles de CO2 expirados/moles de O2 consumidos Esta determinação é convertida em kcal de calor produzidos por metro quadrado de superfície corporal. A FAO e OMS propuseram o termo variação segura de ingestão (safe range of intake) para designar níveis de ingestão que se situam entre o nível seguro (safe level) e o nível acima do qual pode ser detectada evidência de efeito adverso. QR = carboidrato 1,0; proteína 0,82; gordura 0,7 e dieta mista 0,85. Fig 2: Esteira ergométrica ÁGUA DUPLAMENTE MARCADA (DLW) O método da DLW é baseado no princípio de que a produção de CO2 pode ser estimada pela diferença nas taxas de eliminação de hidrogênio e oxigênio no corpo. O indivíduo recebe uma dose de água marcada com dois isótopos: oxigênio 18 e deutério, que são eliminados em 10 a 14 dias na urina, saliva ou plasma. 2 Fig 3: Níveis de ingestão e risco de inadequações dietéticas. CARACTERÍSTICAS As necessidades são maiores por unidade de peso corporal durante os períodos de crescimento, quando novos tecidos estão sendo formados. 1) Necessidade média estimada (EAR) “valor da ingestão de nutrientes que estimado para alcançar as necessidades em 50% dos indivíduos em um grupo por estágio de vida e sexo”. As necessidades aumentam durante a gestação e durante a lactação. Assumindo uma distribuição mediana das necessidades. Com o avançar da idade, acima dos 40 anos, a massa magra e a atividade declinam e consequentemente declinam as necessidades de energia, porém o mesmo parece não ocorrer com nutrientes essenciais (PTN, tiamina, riboflavina e B12), que não são diferentes de adultos jovens. Exceto ferro, as necessidades de nutrientes por massa corporal total não diferem entre sexo. 2) Quantidade dietética recomendada (RDA) “Nível de ingestão diário de nutrientes suficientes para alcançar a demanda de 97 - 98% dos indivíduos em um grupo por estágio de vida e sexo”. A distribuição de necessidades nutricionais segue o modelo de Gauss (distribuição normal). 95% da população corresponde a mediana adicionada de 2 desvios-padrão e 99% da população corresponde a mediana adicionada de 3 desvios-padrão. normal, corresponde à Assumindo uma distribuição normal corresponde ao p95. Para cálculo da RDA é fundamental a EAR do nutriente, onde: RDA = EAR + 2DP A RDA é o valor para ser usado para indivíduos e, em razão da grande variação de ingestão, muitas vezes é apropriado para avaliação de ingestão de nutrientes ou planejamento de dietas de grupos populacionais. RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS A RDA (Recommended dietary allowances) tornou-se amplamente conhecida e aplicada, sendo usada para: Planejamento e efetivação de suprimento alimentar para subgrupos populacionais; Interpretação do consumo alimentar de indivíduos e populações; Estabelecimento de padrões para programas de assistência alimentar; Avaliação da adequação do suprimento alimentar para alcançar necessidades nutricionais em nível nacional; Designar programas de educação nutricional; Desenvolvimento de novos produtos na indústria. Entretanto, para que a RDA fosse utilizada corretamente havia necessidade de algumas premissas serem atendidas, como o critério de determinação das necessidades nutricionais, nas quais a RDA se baseia. Para se estabelecer os novos conceitos surgiu a estrutura do Projeto DRI (dietary reference intake), substituindo as revisões periódicas das RDAs. INGESTÃO DIÁRIA DE REFERÊNCIA A Ingestão diária recomendada (DRI) refere-se a um conjunto de pelo menos quatro valores de referência de ingestão de nutrientes: EAR, RDA, AI e UL. 3) Ingestão Adequada (AI ou IA) “se não houver disponibilidade de evidências para calcular a EAR, logo, não tem-se dados para cálculo de RDA, logo, a IA é usada em substituição”. Baseia-se na ingestão média de nutrientes observados de forma experimental que parece sustentar o estado nutricional. A AI supera a RDA em termos de adequação nutricional. É baseada em médias observadas ou ingestão derivada da ingestão média de um dado nutriente, por uma população/grupos específicos e que parece sustentar um estado nutricional definido, evidenciado por indicadores de adequação nutricional (níveis circulantes normais de nutriente e velocidade de crescimento adequada). 4) Limite Superior Tolerável de Ingestão (UL) “nível máximo de ingestão de nutrientes que é improvável de colocar riscos adversos à saúde de quase todos os indivíduos”. O termo tolerável foi escolhido para evitar implicação de efeito benéfico. É um teor que pode ser tolerado biologicamente. Refere-se ao valor máximo à ingestão a partir dos alimentos, alimentos fortificados, água e suplementos. 3 A UL é determinada levando-se em consideração: NOAEL – nível máximo de segurança de ingestão (não observa-se efeito adverso), a LOAEL – limite de segurança mínimo de ingestão (observa-se o primeiro efeito adverso) e a UF – fator de incerteza (variação populacional). UL = NOAEL ou LOAEL UF DISTRIBUIÇÃO DA INGESTÃO DIÁRIA DE REFERENCIA (DRI) A figura abaixo mostra como as DRIs estão relacionadas à ingestão. O Guia Alimentar para a população brasileira confecção da Pirâmide Alimentar Brasileira (Sônia Tucunduva Philippi). O Guia brasileiro foi realizado tomando-se como base a pirâmide americana e o planejamento de três dietas padrões: 1) 1600kcal mulheres sedentárias e idosos; 2) 2200kcal crianças, adolescentes do sexo feminino, mulheres com atividade intensa e homens sedentários; 3) 2800kcal Adolescentes do sexo masculino, homens com atividade intensa e mulheres com atividade física muito intensa. As dietas possuíam distribuição de macronutrientes da seguinte maneira: 10 – 15% proteínas; 20 – 30% lipídeos e 50 – 60% carboidratos. Fig 5: PIRÂMIDE AMERICANA (USDA) Fig 4: DIRs. GUIAS ALIMENTARES Guias alimentares são orientações dietéticas para o público e se constituem em componente da política de saúde. Estabelecem metas em termos de alimentos a serem consumidos por indivíduos. Não necessitam ser quantificados, mas necessitam ser baseado em metas. OBJETIVOS 1) aconselhar consumidores a selecionar dietas adequadas para obterem melhores chances de saúde em longo prazo; 2) orientar a alimentação para reduzir as chances de desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas. Fig 6: PIRÂMIDE ALIMENTAR BRASILEIRA (PHILIPPI) CARACTERÍSTICAS 1) estabelecimento de baixo custo e fácil operacionalização; 2) incluem orientação de consumo de não nutrientes (como fibras) e de nutriente não essencial (como colesterol); 3) apresentam orientações gerais, sem especificação para diferentes segmentos sociais (sexo, idade e estados fisiológicos); 4) Metas a serem alcançadas para o futuro; 5) expressos como alimentos e em linguagem de fácil compreensão. METAS Um grupo de estudo da OMS propôs metas alimentares para populações do mundo todo, que foram expressas em variações do valor energético total: Lipídeos entre 15 e 30% VCT, sendo: o Saturados entre 0 e 10%; o Polinsaturados de 3 a 7% da gordura total. Proteínas de 10 a 15% do VCT; Carboidratos de 55 a 75% VCT, sendo; o Complexos de 50 a 70%; o Simples/Açúcares de 0 a 10%. Fibras 16 a 24g/dia; Frutas e vegetais consumo superior a 400g/dia; Sal de 0 a 6g/dia. Na base da pirâmide encontra-se a atividade física, como estímulo de prática de 1 a 2 vezes por semana, além de consumir de 2 a 3L de água por dia. Com base na pirâmide alimentar, foram definidas algumas recomendações básicas visando complementar a orientação nutricional: Escolher uma dieta variada com alimentos de todos os grupos da pirâmide; Consumir grãos integrais (arroz, farinha e pães); Dar preferência aos vegetais, como frutas, verduras e legumes; Consumir alimentos com baixo teor de gordura e dar preferência às gorduras insaturadas, leite desnatado e carnes magras; Usar, com moderação, açúcar, doces, sal e alimentos ricos em sódio; 4 Dar preferência aos alimentos em sua forma natural, às preparações grelhadas, assadas e cozidas em água ou vapor, para garantir melhor valor nutritivo; Ler os rótulos dos alimentos industrializados para conhecer o valor nutritivo e escolher melhor o alimento que será consumido; Se fizer uso de bebidas alcoólicas, fazer com moderação; Beber, no mínimo, de seis a oito copos de água por dia; Mudar os hábitos alimentares indesejáveis gradativamente, pois medidas radicais não são recomendadas; Considerar sempre o estilo de vida para atingir o peso ideal: estimular atividade física regular de 30min ao dia. DISTRIBUIÇÃO MÉDIA ACEITÁVEL DE NUTRIENTES (AMDR) Para redução do aparecimento de doenças crônicas, segundo a DRIs uma dieta deve fornecer: CHO LIP PTN 45 – 65% VET, sendo: <25% açúcares simples; Fibras 14g/1000kcal. 20 – 35% VET (crianças jovens, entre 25 e 40%). 10 – 35% VET (0,8g/kg para adultos de proteínas de AVB). A possibilidade de verificar a adequação dos nutrientes, inclusive daqueles que não possuem EAR, facilita a avaliação e o planejamento de dietas tanto para indivíduos quanto para grupos. Entretanto, as DRIs podem não ser aplicadas para estados específicos de doenças, por isso, os profissionais de nutrição devem ajustá-las de acordo com o quadro patológico e verificar os fatores que contribuem para a variabilidade das necessidades (sexo, atividade física etc). 5