Buracos Negros Buracos Negros Uma viagem ao desconhecido O assunto que veremos a seguir é um dos mais fascinantes fenômenos da Natureza. Longe, muito longe de nossas vistas, se descortina um grande mistério. Olharemos para as grandes estrelas do Universo. Veremos o que acontece com elas ao longo de suas vidas. Porque de forma semelhante aos seres vivos, elas nascem, evoluem e morrem. Mas será que realmente conseguiremos olhar para elas após a sua morte? E o que seria a morte de uma estrela? Então vamos lá... Comecemos pelo começo... A Ciência, como a conhecemos, investiga os fenômenos da Natureza e procura explicá-los de forma qualitativa e quantitativa. Explicar qualitativamente vem da compreensão dos processos sem se preocupar com valores sejam eles de que natureza for. Explicar quantitativamente é algo mais completo, pois consiste em avaliar tudo que acontece, de modo que passamos a ser capazes de dimensionar o que quer que seja, tal como a velocidade de um astro, a sua massa, ou mesmo sua temperatura. Avaliar significa aplicar a Matemática e todas as suas ferramentas para determinar os valores. Até o fim do século XIX, a Matemática não dispunha de ferramentas muito evoluídas e o que se via era que primeiro se observava os fenômenos físicos e depois se os explicava. Dizemos que criamos um modelo matemático para o fenômeno quando arranjamos uma explicação quantitativa para ele. Evolução científica • Até o fim do século XIX: a matemática seguia a observação; • A partir do século XX: a matemática se antecipou à observação dos fenômenos físicos. • Exemplo: as singularidades. Assim foi com Newton, Kepler, e outros tantos expoentes da Ciência que criaram seus modelos matemáticos depois de observar os fenômenos. Newton chegou a criar ferramentas matemáticas para usar em seus modelos, ferramentas essas ainda hoje usadas exaustivamente, e que foram as bases da Matemática atual. Com a evolução da Matemática no começo do século XX, houve uma inversão entre a observação e a avaliação e começaram a aparecer entidades matemáticas que não tinham correspondentes físicos conhecidos. Podemos citar como exemplo o aparecimento das singularidades, que apareceram em modelos matemáticos mas ninguém sabia o que poderia ser. Voltaremos às singularidades quando falarmos sobre Einstein. E se vamos olhar para as estrelas, precisamos saber onde elas estão, como se movem, quanta massa possuem e de que são feitas. Então, como é que medimos a distância entre nós e uma estrela distante? Medimos em metros? Quilômetros? Jamais. As distâncias no meio interestelar são imensas e tem que ser medidas com unidades muito grandes, se quisermos obter 2 valores razoáveis. Fora do Sistema Solar, usamos o ano-luz como unidade de medida. 1 ano-luz é a distância que a luz percorre em 1 ano. Medindo distâncias • Fora do sistema solar: em anos-luz. • 1 ano-luz é a distância que a luz percorre em 1 ano. • A estrela mais próxima de nós é a Alfa da constelação do Centauro, que está a 4 anos-luz. • O centro da Via Láctea está a 27.700 anos-luz. Sabemos que a luz percorre 300.000 quilômetros em 1 segundo. Imagine quantos quilômetros ela percorrerá em um ano. Pois essa distância é 1 ano-luz. Para dar uma idéia, o tempo que a luz leva para chegar do Sol à Terra é 8 minutos. Isto significa que a Terra está a 8 minutos-luz do Sol. O centro da Via Láctea, por exemplo, fica a 27700 anos-luz daqui. Se pudéssemos viajar na velocidade da luz, levaríamos 27700 anos para chegar lá, ou seja, mais de 27 milênios. Além disso, o que encontraríamos lá seria uma realidade diferente daquela que estamos vendo, pois o que estamos vendo é luz emitida há 27700 anos atrás. Por incrível que pareça, olhar para uma estrela distante é o mesmo que olhar para o seu passado. E como se percebe se uma estrela está em movimento? Como medir a velocidade de algo tão distante? Mede-se através do efeito Doppler. E o que é o efeito Doppler? Imaginemos a seguinte situação: estamos parados junto a uma ferrovia. Um trem se aproxima ao longe e vai passar por nós. Quando ele se aproxima, o som que ouvimos é mais agudo, e depois que ele passa, o som que ouvimos é mais grave. Só que este fenômeno ocorre com qulaquer tipo de onda. No caso do som, a onda é uma vibração do ar, portanto, mecânica. E o trem, a fonte 3 sonora. O som que o trem emite é sempre o mesmo. Esta variação de timbre só é perceptível pela pessoa que está parada junto à ferrovia. Mas a luz também é uma onda, só que eletromagnética. No caso da luz, quando a fonte luminosa se aproxima, percebemos um tom mais azulado, e quando ela se afasta, um tom mais avermelhado. Medindo velocidades • Usa-se o quilômetro por segundo. • Exemplo: para se escapar da atração gravitacional da Terra, é necessário estar animado com uma velocidade de 11km/s. • Como se mede: através do efeito doppler: desvio para o vermelho ou para o azul. Através da medição do tanto que a luz ficou azulada ou avermelhada, obtemos a velocidade, pois ela é proporcional ao desvio para o azul (blue shift) ou para o vermelho (red shift). Essa é a única maneira de medir velocidades a uma distância tão grande. A velocidade dos corpos celestes é medida em quilômetros por segundo (km/s) e não em quilômetros por hora e nem em metros por segundo. Por exemplo, a Terra, se desloca em torno do Sol a cerca de 30 km/s, as sondas espaciais se deslocam com velocidades da ordem de 40 km/s, e a velocidade de escape da Terra é de 11 km/s. Resumindo, as distâncias fora do Sistema Solar são medidas em anosluz, as velocidades em quilômetros por segundo e o método usado para medir a velocidade de estrelas distantes é o efeito Doppler. Mas devido a tão grandes distâncias, as melhores observações são feitas fora da atmosfera da Terra. Foram construídos três telescópios espaciais, que 4 permanecem em órbita e cada um deles tem um objetivo principal (veja figura abaixo): As ferramentas: os telescópios espaciais • Chandra X-Ray observatory: Raios X e Raios Gama • Hubble Space Telescope: Luz visível • Spitzer Space Telescope: Infravermelho O Chandra é dedicado a observações na faixa de raios X e raios Gama; o Hubble é mais adequado para observações na faixa da luz visível, e o Spitzer, na região do infravermelho. Mas buracos negros estão associados a estrelas, essas mesmas que nós vemos no céu e tanto romantismo inspiraram a muitos poetas. O que eles jamais imaginariam é que tanta beleza poderia estar associada a fenômenos naturais extremamente violentos capazes até de modificar a própria estrutura da matéria. Vamos então examinar como as estrelas evoluem, desde que nascem e até a sua morte. Estrelas são corpos celestes de vida muito longa. Duram bilhões de anos, em geral. E como é que elas nascem? Tudo começa com uma nuvem de gás no espaço, em lugares onde os átomos de hidrogênio poderiam ser contados, se pudéssemos vê-los. São tão distantes um do outro que o vácuo nessas imensidões é melhor que o melhor vácuo produzido em laboratório na Terra. Esses átomos em dado momento, graças à passagem de algum corpo maior que os empurra uns contra os outros, inicia uma lenta aproximação 5 entre eles. Essa aproximação se deve à gravidade, a força que, segundo Newton, faz com que matéria atraia matéria. Um agrupamento de átomos vai atraindo outros até que se forma uma esfera gasosa com uma quantidade imensa de átomos e uma força gravitacional gigantesca. A pressão no núcleo aumenta gradualmente a temperatura e em conseqüência inicia-se uma reação termonuclear que transforma cada 4 átomos de hidrogênio em um átomo de hélio. E libera uma grande quantidade de energia. Parte dessa energia empurra para fora a massa de hidrogênio que comprime o núcleo com o seu peso. Esse fenômeno perdura durante milhões de anos enquanto existir hidrogênio para ser consumido. Evolução estelar • Acumulação de gases e poeira: protoestrela • Ignição termonuclear do hidrogênio; • Explosão e emissão de matéria. • Colapso gravitacional: formação de matéria degenerada; equilíbrio entre a gravidade e a pressão degenerada de eletrons. Quando ele acaba, desaparece a energia que compensava a gravidade. Lembremos que o hidrogênio foi transformado em hélio, que é quatro vezes mais pesado e que continua lá fazendo peso sobre o núcleo da estrela. Em seguida, por não haver oposição, a gravidade comprime o núcleo que explode e lança ao espaço grande quantidade de matéria. E assim começa um violento colapso gravitacional que acaba por destruir a estrela. Dependendo do seu tamanho inicial, há três possibilidades para o seu fim. Se a estrela é pequena, após a explosão, o que resta de matéria comprime o núcleo com um esforço tão grande que destrói a estrutura atômica dele, empurrando os elétrons para órbitas inferiores e transformando o núcleo da estrela numa espécie de sopa de elétrons na qual os núcleos dos átomos 6 flutuariam. Esses elétrons seriam os responsáveis pelo equilíbrio da força de gravidade. Matéria degenerada • Estrutura atômica destruída pela gravidade. • Redução dos espaços interatômicos. • Quanto maior a massa, menor é o volume. • Governada pela Mecânica Quântica. • Aumento brutal da densidade da matéria. A esse tipo de consistência da matéria chamamos de matéria degenerada, pois a sua nova estrutura é anormal, a enorme pressão gravitacional é suportada pela pressão dos elétrons da “sopa” e se chama pressão degenerada de elétrons. O comportamento desse material é completamente diferente do que conhecemos. Em primeiro lugar, devido à redução dos espaços interatômicos, esse material ocupa menos espaço do que a matéria original antes do colapso gravitacional. E quanto mais massa, mais compressão e menos volume. E também devido à redução dos espaços interatômicos, a densidade aumenta para cerca de 400 toneladas por centímetro cúbico. A água, por exemplo, tem a densidade de 1 grama por centímetro cúbico. As leis da Física comum não se aplicam a essa estrutura. Só as leis da Mecânica Quântica. Quando a estrela é pequena, ao terminar de consumir o hidrogênio, antes de explodir, a estrela se expande e se torna uma gigante vermelha. Na explosão, ejeta grande quantidade de matéria e a estrela se transforma numa nébula planetária. As nébulas planetárias têm esse nome porque no passado os astrônomos as confundiam com planetas. Para ela ser considerada pequena, o 7 núcleo que resta deverá ter no máximo 1,4 vezes a massa do nosso Sol. O colapso acaba por aí e os elétrons passam a suportar a pressão gravitacional. O corpo celeste que permanece dentro da nébula planetária se chama estrela “Anã branca”. Características das anãs brancas • Núcleo formado por núcleos atômicos embebidos numa “sopa” de eletrons • Degeneração eletrônica: eletrons girando em órbitas baixas mantêm a estrutura atômica compactada. • Densidade de 400 toneladas/cm cúbico O termo anã por causa do tamanho reduzido, e o branca porque logo após o colapso ela se torna um corpo de intenso brilho. A tendência das anãs brancas é esfriarem e deixarem de ser brancas. Vão passando a ter cores mais escuras até enegrecerem por completo. Exemplo de anã branca: a estrela Sirius B: durante muito tempo pensava-se que a estrela Sirius, a mais brilhante do firmamento, fosse uma estrela única. Com o passar do tempo, a evolução tecnológica permitiu visualizar um movimento oscilatório de Sirius. Mas só em 1862 percebeu-se que havia uma estrela companheira. Assim, a estrela principal ficou chamada Sirius A e a companheira, Sirius B. Só que havia mais alguns detalhes: Sirius B era brilhante, tinha a massa do Sol e o tamanho da Terra. Tão grande compressão só seria possível se ela for uma Anã Branca. 8 Sirius-B Descoberta em 1862; Tem 1MS e 90% do volume da Terra. Sua gravidade na superfície é 400.000 vezes maior que a da Terra. E se a estrela, após sua formação, tiver um tamanho intermediário? A quantidade de matéria que pressiona o núcleo da estrela será bem maior. Quando acaba o combustível, que no caso é o hidrogênio, a estrela se expande até se transformar numa Gigante vermelha, começa a pulsar e explode. Esta explosão se chama explosão de Supernova, e espalha pelas vizinhanças grande quantidade de matéria constituída de diversos elementos químicos forjados num verdadeiro inferno. Esses elementos espalhados vão mais tarde fazer parte de diversos corpos celestes, como planetas, por exemplo. A explosão de Supernova é um dos maiores cataclismas do Universo, e produz uma luminosidade que chega mesmo a eclipsar a de uma galáxia. Ao término da explosão, permanece no centro da nuvem um núcleo denso que é o resultado do colapso gravitacional. A degeneração desse núcleo é inevitável. Porém, após essa explosão, os elétrons da matéria degenerada não conseguem suportar a pressão gravitacional. 9 Estágios finais das estrelas Tamanho inicial da estrela Ao final do combustível, a estrela se torna: Durante o colapso, a estrela O que sobra (em massas solares) Final Pequena Gigante vermelha Nébula planetária Até 1,4 Anã branca Média Supergigante vermelha Supernova Até 3 Estrela neutrônica Grande Supergigante Possivelmenvermelha te uma supernova Mais de 3 Buraco negro forma: Um novo tipo de colapso ocorre e desta vez os elétrons são empurrados para dentro dos núcleos atômicos. Eles se combinam com os prótons, formando novos nêutrons, liberam energia no processo e o núcleo estelar se transforma numa gigantesca bola líquida de nêutrons. Os espaços interatômicos são praticamente eliminados, de modo que os nêutrons se encostam uns nos outros e a densidade desse novo tipo de matéria degenerada salta para a faixa de 1 bilhão de toneladas por centímetro cúbico. Esses corpos celestes são chamados de estrelas neutrônicas. O colapso gravitacional que forma a estrela neutrônica destrói o núcleo estelar de forma assimétrica, isto é, em pontos não necessariamente opostos e com uma seqüência de cataclismas imprevisível. A ejeção de matéria devido a essa compressão final provoca um impulso no núcleo estelar que o lança para fora da nébula planetária que se forma. Por isso muitas estrelas neutrônicas são encontradas fora de sua nébula. 10 Características das estrelas neutrônicas: • Degeneração eletrônica rompida pela gravidade. A degeneração é assimétrica. • Novo ponto de equilíbrio: degeneração neutrônica: eletrons forçados a penetrar o núcleo combinando-se com os protons. • Densidade de 1 bilhão de toneladas/cm cúbico As estrelas neutrônicas que se conhece são as pulsares. Pulsares são corpos celestes que emitem ondas de rádio com incrível regularidade, como se fossem faróis de navegação espaciais. A história das pulsares é bastante interessante. Quando se descobriram essas fontes de ondas de rádio, chegou-se a pensar que se tratava de sinais de comunicação provenientes de civilizações extraterrestres. Mas ao analisar esses sinais, constatou-se que não havia nenhuma informação embutida neles. Investigando mais a fundo o que seriam então os sinais, descobriu-se que provinham de corpos celestes relativamente pequenos, com cerca de 30km de diâmetro, gravidade gigantesca, imenso campo magnético e giravam rapidamente. Ora, onde há campo magnético em movimento, o que aparece? Ondas eletromagnéticas. Essas ondas interceptam a Terra com a regularidade da rotação do corpo celeste. 11 Estrelas neutrônicas A figura acima dá uma idéia do que seria uma pulsar. O facho de radiação emitida percorre um cone que pode ou não interceptar a Terra. As estrelas neutrônicas que estiverem frias e com o campo magnético fraco são quase invisíveis, porque são corpos pequenos e estão muito distantes de nós. Estrelas neutrônicas: pulsares Pulsar na constelação do Caranguejo: Espectro de Raios-X, fotografado pelo Telescópio Espacial “Chandra”. 12 Bem, e agora chegamos à última possibilidade. E se a estrela, após a explosão de Supernova, tiver mais de 3 massas solares? Nesse caso, não existe nada que consiga suportar a imensa pressão gravitacional. Os nêutrons são “espremidos” com tal violência que deixam de ter forma. Não existe mais lugar para essa matéria, mas ela está lá! Não teria para onde ir. Como entender isso? Difícil, mas nessas condições, cria-se no local uma singularidade, que é um lugar onde existe uma grande quantidade de massa num volume praticamente zero. A densidade, nesse caso, é infinita. Imagine, por exemplo, 3 massas solares na cabeça de um alfinete... Esse objeto estranho é que dá origem ao buraco negro. História • Há 200 anos John Michell e Pierre Lapace imaginaram as estrelas negras • Em 1916, Karl Schwarzchild criou a singularidade a partir de equações de Einstein • Em 1960, o físico John Wheeler inventou o termo “black hole”. A primeira pessoa a imaginar a possibilidade de algo assim foi o astrônomo inglês John Michell, seguido pelo grande Pierre Laplace. Eles imaginaram que poderia, no limite do possível, existirem o que chamaram de estrelas negras, que seriam corpos celestes tão densos que nem a luz poderia escapar deles. Mas nessa época, só se conhecia as Leis de Newton e a Gravitação Universal. Dizer que a gravidade atraía a luz era difícil de aceitar. O termo buraco negro só foi criado em 1960 pelo físico John Wheeler. 13 Características do buraco negro • Supõe-se que a matéria deixe de ter forma. • Corpos com 3MS ou mais comprimidos no espaço menor que 1 átomo • Densidade infinita na prática Mas e o que disseram os grandes gênios da Ciência? As teorias de Newton, aceitas como corretas até o início do século XX, não podiam explicar o comportamento de corpos que se deslocassem com velocidades próximas à velocidade da luz. O que disse Newton • Leis de Newton • Lei da Gravitação universal • Funcionam para velocidades muito menores do que a da luz e na maioria das aplicações práticas. 14 Considerando a época em que ele enunciou suas famosas leis, até que fez muito. A evolução da Física, porém, necessitava de reformas. E essas reformas vieram com a teoria da Relatividade de Einstein. E o que afirmava Einstein? O que disse Einstein • A velocidade da luz é constante em qualquer referencial e é a maior que existe • Teoria da Relatividade • Conceito de espaço-tempo. • A matéria deforma o espaçotempo. • Energia e matéria são equivalentes: E=mc² Primeiro, a velocidade da luz é constante em qualquer referencial, e vale 300.000 quilômetros por segundo. Além disso, nada pode se deslocar mais rápido que ela. Segundo, que a matéria deforma o espaço-tempo, criando caminhos preferenciais que conduzam algum corpo nas vizinhanças até o corpo dono dessa massa. E onde está a principal diferença entre o que disse Newton e o que disse Einstein? É que Newton atribuía a aproximação dos corpos a uma força de gravidade capaz de atraí-los. Já Einstein dizia que os corpos, ao deformar o espaço-tempo, criam caminhos que facilitam o encontro entre esses corpos. Mas sem forças de atração gravitacional. Na figura abaixo vemos uma ilustração. Imaginemos o espaço-tempo como uma imensa tela esticada. Se colocarmos o nosso planeta sobre essa tela, ele a deforma criando uma depressão. Se agora colocarmos a Lua animada com sua velocidade de deslocamento no espaço, ela percorre um caminho 15 circular mas não cai no poço onde está a Terra. Já um asteróide que vem de longe, na trajetória mostrada, penetra no poço e se dirige para a Terra, não porque a Terra o atraiu, mas porque esse é o único caminho possível. Deformação do espaço E o que é que isso tem a ver com buracos negros? Bem, aí é que está... Se no lugar da Terra, colocarmos um núcleo estelar colapsado com mais de 3 massas solares, ele vai ocupar o espaço de um ponto mas a tela vai ter uma deformação gigantesca, a profundidade do poço é imensa, é como se fosse feito um furo na tela. Daí o termo buraco e é negro porque nada escapa dele. Mas será que Einstein tinha razão? Em 1919, uma expedição científica foi organizada para testar a validade das afirmações de Einstein. Um eclipse total do Sol, visível no Brasil, na cidade de Crato, Ceará, e na costa de Gana, África, permitiria verificá-las. O teste era o seguinte: Seria observado se era possível enxergar uma estrela atrás do Sol. O momento do eclipse seria perfeito porque a lua, eclipsando o Sol, permitiria que se apontasse telescópios na direção do Sol para observar um corpo com brilho muito menor que o do Sol. Se a luz dessa estrela se propagasse em linha reta, jamais poderíamos vê-la. Mas para a surpresa geral, ela apareceu ao lado do Sol. Ora, se ela estava atrás do Sol, como é que apareceu ao seu lado? Simples. Nós a vemos ao lado do Sol porque sua luz percorreu um caminho que foi “entortado”. O lugar onde a vemos não é real. É uma posição aparente. 16 Nós estamos vendo o raio de luz “de volta” para a estrela. E como não sabemos que ele foi entortado, imaginamos uma linha reta entre nossos olhos e a estrela. Deformação do espaço O eclipse de 1919 – Sobral, CE 17 Einstein projetou-se no mundo científico depois da confirmação de suas teses. Então as massas realmente deformavam o espaço-tempo. Então os buracos negros poderiam existir. Mas era preciso mais que suposições. Evolução da Física • Singularidades: lugares onde a densidade de matéria é extremamente alta; • Horizonte de eventos: o ponto sem retorno. Escape é possível apenas na velocidade da luz. Em 1916, Karl Schwarzchild já criara o conceito de singularidade. Em 1919, Einstein mostrou que as massas deformavam o espaço-tempo e portanto massas muito grandes poderiam criar um buraco no espaço-tempo. Faltava criar uma estrutura para o buraco negro. O próprio Schwarzchild fechou o raciocínio criando, para concluir esse modelo bem simples, uma superfície esférica em torno da singularidade com uma propriedade meio sinistra como tudo que se refere aos buracos negros: essa esfera é a região onde a velocidade de escape é igual à velocidade da luz. Para dentro dessa esfera, a velocidade de escape é maior do que a da luz e para fora, ela é menor. O raio dessa esfera é conhecido como raio de Schwarzchild. Ora, como não existe velocidade maior do que a da luz, qualquer coisa que penetre nessa esfera não pode sair dela. Logo um ponto qualquer da esfera cujo raio é o raio de Schwarzchild é um ponto sem retorno. Essa superfície 18 tem o significativo nome de horizonte de eventos. E o buraco negro tem, portanto, apenas dois elementos: uma singularidade e um horizonte de eventos. Estrutura do buraco negro Karl Swarzchild O horizonte de eventos é análogo à superfície de um corpo celeste, no sentido de que é o ponto mais próximo do corpo ao qual se pode chegar. Embora uma vez chegando, não se possa mais sair. Ele determina uma espécie de limite fatal que corresponde a um volume no espaço de onde nada escapa. Falar a respeito do tamanho de um buraco negro é se referir à sua massa ou ao seu horizonte de eventos. Uma coisa depende da outra: quanto maior a massa, maior o horizonte de eventos. Tudo depende, portanto, da existência da singularidade. Horizontes de eventos só têm sentido se eles envolverem a singularidade. E isso só ocorre se a matéria for degenerada. Em corpos celestes constituídos de matéria normal, o horizonte de eventos tem raio muito pequeno, são próximos do centro, não têm importância. 19 Raio de Swarzchild • • • • • Sol: 3km Júpiter: 3m Terra: 1cm Buraco negro de 10MS: 60km Conclusão: os horizontes de eventos de corpos cuja matéria tem estrutura normal estão abaixo da superfície. Não têm importância. Agora sabemos que buracos negros são singularidades que ficam escondidas dentro de seus horizontes de eventos. Nada se vê dentro dessa esfera. Podemos até pensar que o buraco negro é a esfera, mas na verdade ela só serve para camuflar a presença da singularidade, e ela, sim, é o buraco porque é ela que deforma o espaço-tempo. Mas será que essas coisas existem mesmo? Tipos de buracos negros quanto ao tamanho • Isolados ou em binários (3 a 20 MS) • Intermediários (100 a 100.000 MS): núcleos de pequenas galáxias • Supermassivos (milhões a bilhões de MS): núcleos de grandes galáxias • Obs: 1MS = 1 massa solar 20 Se tentarmos olhar para um buraco negro isolado na escuridão do céu, não o poderemos ver. Logo, a observação direta é impossível. Porém, a imensa quantidade de matéria concentrada em sua singularidade afeta o comportamento de outros corpos celestes nas suas vizinhanças. Os indícios de existência • Observação direta impossível • Procura-se os fenômenos característicos que os denunciam. Se não os podemos observar, então devem haver indícios da sua existência. E quais são eles? Fenômenos associados • Emanação de jatos de partículas e de raios X • Desvio para o vermelho (redshift) e desvio para o azul (blueshift). • Absorção de matéria de estrelas próximas • Influência gravitacional 21 Os quatro fenômenos associados são listados na figura acima. É claro que um buraco negro isolado, vagando pelo espaço não fornece nenhuma pista da sua presença. Mas se ele estiver próximo a outra estrela formando um sistema binário, por exemplo, podemos ter as quatro possibilidades. A matéria gasosa de uma estrela próxima é atraída, se aproxima em forma de espiral, criando um disco e se destrói no horizonte de eventos. Essa destruição provoca fachos de partículas lançadas em alta velocidade para fora do horizonte de eventos em duas direções opostas diametralmente. Esses fachos são observáveis na faixa de raios X. Como a luz emitida pelos fachos corresponde a matéria lançada em direções opostas, a luz do facho que se afasta de nós sofre um desvio para o vermelho, e a do que se aproxima sofre um desvio para o azul. E olhando da Terra, vemos um corpo celeste que possui os dois desvios!!! Justamente devido à ejeção de matéria nas duas direções. Exemplos de buracos negros • Cygnus X-1: poderosa fonte de raios X • A estrela principal se porta como se tivesse 35MS mas só tem 25MS. • A estrela em si não pode ser fonte de raios X. • Deve ser um binário estrela-buraco negro Alguns corpos celestes são grandes candidatos a serem buracos negros, devido ao comportamento estranho que apresentam. Um destes é o sistema Cygnus X-1. Cygnus porque na constelação do Cisne, X porque é visível na faixa de raios X e 1 porque é o primeiro. Aparentemente existe uma só estrela azul brilhante nesse local. E parece que ela emite grande quantidade de raio X. Só que esse tipo de estrela não poderia fazê-lo. Por outro lado, o sistema se porta como se tivesse 35MS mas a estrela só tem 25MS. Então existe uma companheira invisível que possui 10MS e emite raios X. Aí está um indício. 22 No núcleo da galáxia NGC4261 existe um objeto de grande massa que ejeta fachos de partículas em alta velocidade em duas direções opostas. Através do Telescópio Espacial Hubble, foi feita uma foto dessa região e foi obtida a imagem abaixo. Núcleo da galáxia NGC4261 Distância:45.000.000 anos-luz Velocidade dos jatos: 98% da velocidade da luz Percebe-se que existe um disco de matéria girando em volta de um centro de alta densidade. Aí está outro indício. Finalmente, o último exemplo é justamente no centro da nossa galáxia. 23 O centro da Via Láctea Sim, é isso mesmo. No centro da Via Láctea existe um objeto supermassivo. Conhecido como SGR A*, é um dos objetos mais estudados na atualidade. Fica na constelação de Sagitário (SGR). A letra A porque é o principal objeto, e o asterisco porque é um ponto que emite ondas de rádio. Sagitarius SGR A* Local: centro da Via Láctea Tamanho do buraco negro: 3.000.000 MS Extensão dos jatos: dezenas de anos-luz. Velocidade dos jatos: 26% da velocidade da luz Detectadas nuvens de formação de estrelas nas vizinhanças. Gigantesca emanação de raios X sob a forma de fulgurações. As principais características de SGR A* estão listadas na figura acima. Nesse local foram detectados jatos de partículas nas duas direções e 24 emanações de raios X. Hoje se supõe que todos os centros de galáxias sejam lares de buracos negros gigantescos. Buracos negros são, em resumo, o estágio final da matéria tal como nós a conhecemos. O horizonte de eventos determina um limite além do qual podemos dizer, sem receio, que aquilo que o ultrapassar, deixará de fazer parte do nosso Universo. Referências: 1. William Kaufmann III, Black Holes and Warped Spacetime 2.http://www-astronomy.mps.ohiostate.edu/~depoy/courses/AST172_LECTURE_NOTES/Unit3/extreme.htm; 3. Wikipedia, the free encyclopedia – termo: gravity; 4. http://www.unmuseum.org/einstein2.htm “Time Out”; 5. http://www.astrophysicsspectator.com/ “The Astrophysics Spectator”; 6. http://axxon.com.ar/zap/c-zapcgsagit.htm “Los turbulentos paisages centrales” 7. http://imagine.gsfc.nasa.gov/docs/science/know_black_holes.html “Black holes”; 8. http://www.answers.com – vários itens; 9.http://amazingspace.stsci.edu/resources/explorations/blackholes/teacher/sciencebackground. html “No escape: the truth about black holes”; 10. http://hubblesite.org/newscenter/newdesk/archive/releases/1994/23/... “Hubble confirms existence of massive black hole at heart of active galaxy”; 11. http://www.geocities.com/tonylance/dwarf.html “White dwarfs, neutron stars and black holes”; 12. http://www.astro.umd.edu/~miller/nstar.html “Introduction to neutron stars” Este documento é o resumo da palestra proferida em 29 de outubro de 2005 na Estação Cultura, em Campinas, SP, e fez parte do evento “XV Convenção de Ficção Científica. Ivo Augusto Corrêa Capella 25