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Almeida, Rebessi, Szuspsynski e Neufeld (2021). Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em Grupos Online no contexto da pandemia por COVID-19

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OPEN ACCESS
PSICO
Psico, Porto Alegre, v. 52, n. 3, p. 1-12, jul.-set. 2021
e-ISSN: 1980-8623 | ISSN-L: 0103-5371
http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2021.3.41526
SEÇÃO: ARTIGO
Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos
online no contexto da pandemia por COVID-191
Compassion Focused Therapy Online in Groups in the context of the COVID-19
pandemic
Una intervención Terapia Basada en la Compasión en Grupos Online en el contexto de
la pandemia por COVID-19
Nazaré de Oliveira
Almeida2
orcid.org/0000-0001-8610-3753
nazareacademico@gmail.com
Isabela Pizzarro
Rebessi2
orcid.org/0000-0002-5921-8536
isabela.rebessi@usp.br
Karen Priscila Del Rio
Szupszynski3
orcid.org/0000-0001-7726-8097
karenszu@yahoo.com.br
Carmem Beatriz
Neufeld2
orcid.org/0000-0003-1097-2973
cbneufeld@usp.br
Recebido em: 13 ago. 2021.
Aprovado em: 24 ago. 2021.
Publicado em: 27 out. 2021.
Resumo: A Terapia Focada na Compaixão (TFC) é uma abordagem de tratamento
transdiagnóstico que visa desenvolver capacidades de calma e de afiliação como
uma maneira de regular o sistema de ameaças, o que pode ser muito útil em situação de crise, como o caso da pandemia pelo COVID-19. Trata-se de um relato de
experiência que tem como objetivo apresentar uma intervenção em grupo de três
sessões semanais de TFC realizada em ambiente virtual, com objetivo de oferecer
suporte à população na pandemia por COVID-19, avaliando possíveis mudanças
nos níveis de depressão, ansiedade, estresse e autocompaixão. Neste estudo, 106
participantes concluíram a intervenção ofertada dentro do programa “LaPICC contra
COVID-19”. Foram encontradas diferenças significativas nas medidas quantitativas
de depressão, ansiedade e estresse, além da autocompaixão. Os dados qualitativos
também indicaram mudanças em termos de compaixão e de autocompaixão. Esses
achados sugerem que a compaixão pode contribuir para a saúde mental e bem-estar
psicológico, bem como para o enfrentamento de crises nos participantes deste grupo.
Palavras-chave: terapia focada na compaixão, compaixão, covid-19, lapicc
contra covid, intervenção online em grupo
Abstract: Compassion Focused Therapy (CFT) is a transdiagnostic treatment
approach that aims to develop calm and affiliative capacities as a way to regulate
the threat system, which can be very useful in crisis situations, as in the case of
the COVID-19 pandemic. This is an experience report that aims to present a group
intervention of 3 weekly sessions of CFT carried out online, in order to support the
population in the COVID-19 pandemic, evaluating possible changes in the levels
of depression, anxiety, stress and self-compassion. In this study, 106 participants
completed the intervention offered within the “LaPICC against COVID-19” program.
Significant differences were found in the quantitative measures of depression,
anxiety and stress, in addition to self-compassion. Qualitative data also indicated
changes in terms of compassion and self-compassion. These findings suggest
that compassion can contribute to mental health and psychological well-being,
as well as to coping with crises in the participants of this group.
Keywords: compassion focused therapy, compassion, covid-19, lapicc against
covid, online group interventions
Resúmen: La Terapia Basada en la Compasión (CFT) es un abordaje de tra-
Artigo está licenciado sob forma de uma licença
Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
1
2
3
tamiento transdiagnóstico que tiene como objetivo desarrollar capacidades
de calma y afiliación como una forma de regular el sistema de amenazas, lo
que puede ser de gran utilidad en situaciones de crisis, como es el caso de la
pandemia del COVID -19. Se trata de un relato de experiencia que tiene como
objetivo presentar una intervención grupal de 3 sesiones semanales de TFC,
realizadas en línea, con el fin de apoyar a la población en la pandemia del CO-
Apoio financeiro: CNPq e CAPES.
Universidade de São Paulo (USP-RP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil.
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Psico, Porto Alegre, v. 52, n. 3, p. 1-12, jul.-set. 2021 | e-41526
VID-19, evaluando posibles cambios en los niveles
de depresión, ansiedad, estrés y autocompasión. En
este estudio, 106 participantes completaron la intervención ofrecida dentro del programa “LaPICC contra
COVID-19”. Se encontraron diferencias significativas
en las medidas cuantitativas de depresión, ansiedad
y estrés, además de la autocompasión. Los datos
cualitativos también indicaron cambios en términos de
compasión y autocompasión. Estos hallazgos sugieren
que la compasión puede contribuir a la salud mental
y el bienestar psicológico, así como hacer frente a las
crisis en los participantes de este grupo.
gerados pelo desconhecimento da duração da
Palabras clave: terapia basada en la compasión, com-
psicológicos decorrentes de uma pandemia.
pasión, terapia online, covid-19, lapicc contra covid-19
pandemia, podem ser considerados efeitos mais
frequentes. Benerjee e Rai (2020) afirmam que
uma crise como essa que vivemos geralmente
afeta a mente humana de maneira crucial, aumentando a sensação de ameaça e provocando
uma “bola de neve” na ansiedade. Os autores
chamam atenção para a negligência dos efeitos
Diante do contexto pandêmico e da necessidade do distanciamento social, um fenômeno
Em dezembro de 2019 um novo coronavírus de
alta transmissibilidade, nomeado “SARSCoV-2”, e
cuja infecção foi denominada “COVID-19” (Corona
Virus Disease), rapidamente levou agências globais
de saúde pública, como a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção
de Doenças (CDC) a reconhecerem seu potencial
pandêmico (Lu et al., 2020, Du Toit, 2020; Huang
et al., 2020; Zu et al., 2020). Depois do anúncio da
China acerca do estado da epidemia no país, bem
como da sua prevenção, a OMS anunciou o distanciamento social como uma das medidas eficazes
e diretas para impedir a transmissão da doença.
A partir disso, uma crise global de saúde pública
se instalou no mundo, com número crescente de
casos, cujo impacto socioeconômico, político e
psicossocial levou muitos países a condições de
caos em seus sistemas de saúde (Du Toit, 2020).
Isso porque, devido à alta transmissibilidade do
vírus e aos sintomas respiratórios que, muitas
vezes, demandam tratamento intensivo, não havia
equipamentos disponíveis para serem adquiridos
(mesmo que esses sistemas tivessem recursos
financeiros para o aumento de sua estrutura hospitalar). Desta forma, a medida para conter a propagação da infecção foi a quarentena obrigatória de
toda a população, não apenas de casos afetados,
ou seja, bilhões de pessoas (Lu et al., 2020). Na
mesma direção, quando as vacinas foram testadas
e aprovadas, a confecção, a distribuição e a disponibilidade de matéria prima também afetaram
o curso das medidas de prevenção.
No que se refere aos efeitos psicológicos do
distanciamento social, a solidão e o tédio, agravados pela ansiedade e pelo pânico em massa
em relação ao uso de tecnologia surgiu como
alternativa, mas que era visto com resistência
pela maioria das pessoas de diferentes contextos
profissionais e sociais, a despeito da opinião dos
especialistas na área. A digitalização mostrou a
possibilidade da realização de muitas das atividades antes vistas com desconfiança na modalidade
online, entre elas as intervenções psicológicas
(Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2012, 2020).
Sendo assim, as restrições impostas pela pandemia da COVID-19 também afetaram o trabalho dos
profissionais de psicologia, levando-os à necessária
adaptação de seu trabalho ao ambiente virtual. No
entanto, é importante ressaltar que o uso da tecnologia em psicologia já era praticado e pesquisado muito
antes da pandemia da COVID-19. As intervenções
online em saúde são conhecidas como e-Health e podem ser definidas como serviços ou informações em
saúde oferecidos por meio da internet ou tecnologias
relacionadas (Bedendo, 2019). A e-Health tem sido
amplamente utilizada por demonstrar eficácia para
um grande número de problemas, como: transtornos
de ansiedade, obesidade, transtornos alimentares e
dor crônica e problemas de fadiga (Andersson & Carlbring, 2017). São inúmeras as vantagens de serviços
disponibilizados de forma online, entre elas: facilidade
de acesso e de implementação de serviços, baixo
custo, disponibilidade de acesso 24 horas por dia,
maior adesão pela baixa exposição do paciente,
entre outras (Voogt et al., 2012).
Não obstante, também existem os dificultadores
do trabalho realizado de forma virtual. Um exemplo
disso é a restrição da comunicação não verbal,
presente no corpo do cliente e do terapeuta, bem
como a dificuldade de trabalhos de movimentação
Nazaré de Oliveira Almeida • et al.
Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19
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dos corpos e das cadeiras, usadas principalmente
de autobondade para indivíduos com altos níveis
em terapias vivenciais. Este é o caso da Terapia
de vergonha e de autocrítica. Em geral, estudos
Focada na Compaixão (TFC) (Neff, 2020).
sobre a eficácia da TFC mostraram que, após a
A TFC foi desenvolvida por Gilbert (2009) como
intervenção, os pacientes mostram uma redução
uma abordagem de tratamento transdiagnóstico
significativa nos sintomas depressivos, de ansie-
que visa criar autocompaixão e reduzir o sentimen-
dade, de vergonha, de autocrítica e de compor-
to de vergonha, desenvolvendo um sistema de
tamentos submissos, além de um aumento na
suporte interno que precede o envolvimento com o
capacidade de autocontrole e de compaixão pelo
conteúdo interno doloroso (Gilbert & Choden, 2014).
eu (Gilbert & Procter, 2006; Gilbert, 2014, 2015).
A psicoeducação na perspectiva neurocientífica e
Até o momento, pouco se tem pesquisado
evolutiva da mente é um elemento essencial para
sobre intervenções baseadas na TFC realizadas
a TFC. Gilbert (2009) baseou-se nos conceitos evo-
em ambiente online. Um dos exemplos é o estudo
lutivos de sistemas de autorregulação de Depue
de Krieger et al. (2018) realizado na Suíça e no
e Morrone-Strupinsky (2005), segundo os quais
qual 122 participantes com nível significativo de
diferentes motivações são reguladas por emoções
autocrítica foram submetidos a uma intervenção
que, por sua vez, são reguladas por três sistemas:
focada na compaixão, com o objetivo de avaliar
o sistema de detecção, defesa e proteção (sistema
sua eficácia. Outro estudo foi o de Kelly et al.
de ameaças), o sistema de recursos, aquisição e
(2010), que investigou uma população de 119
conquista (sistema Drive) e o sistema de segurança,
fumantes, por meio de uma intervenção experi-
cuidado e satisfação (sistema calmante).
mental com exercícios de imagem desenhadas
A TFC estimula as capacidades de calma e de
de fala interna para estimular o sistema claman-
afiliação como uma maneira de regular o sistema
te, com dois grupos, um grupo experimental
de ameaças. O modelo evolucionista que a sus-
(imagens autoenergizantes e autocontroladas)
tenta considera o sentimento de vergonha e de
e um grupo controle (automonitoramento diá-
autocriticismo essenciais para a manutenção da
rio). Outro exemplo é a pesquisa de Shapira e
psicopatologia (Gilbert & Procter, 2006; Gilbert,
Mongrain (2010), que recrutou uma amostra não
2014, 2015). Em situações de ameaça social, abuso
clínica de 1.002 participantes usando a internet,
ou hostilidade, o autocriticismo é uma estratégia
administrando uma intervenção experimental de
adaptativa associada ao sentimento de vergonha,
escritas de cartas compassivas e visualização de
derrota, rejeição e perseguição social, tendo sua
cenas de otimismo, comparada a uma condição
origem em memórias de eventos ameaçadores.
controle, na qual os participantes escreveram
Dois problemas decorrem do autocriticismo: o
livremente sobre uma memória inicial. Todos
conteúdo dos pensamentos e o tipo/intensida-
esses pesquisadores encontraram sintomas dimi-
de das emoções direcionadas ao self, somados
nuídos de depressão, ansiedade e estresse, bem
ao fracasso do sistema calmante. Diante dessa
como melhora nos estados de autocompaixão,
situação, Gilbert guiou o foco da pesquisa sobre
autocrítica, mindfulness, satisfação com a vida,
TFC à relação entre os pensamentos alternati-
medo da autocompaixão, autoestima e vergonha
vos dos pacientes e sentimentos de decepção,
existencial a partir de intervenções online.
hostilidade, desprezo ou abandono, seguidos
O desenvolvimento da autocompaixão pro-
por suas intervenções experimentais com tons
posto pela TFC desativa o sistema comumente
emocionais favoráveis ​​e úteis para novos pen-
ativado diante de situações estressantes, como o
samentos alternativos (Gilbert & Procter, 2006;
distanciamento social e ativa o sistema de calma
Gilbert, 2014, 2015). Como resultado, Gilbert (2009)
que regula as emoções (Gilbert & Irons, 2005).
observou a associação de estados de vergonha
Por ser focado na afiliação, esse sistema estimula
e de autocrítica com desconforto e resistência,
a busca de conexão interna e com os outros,
incorporando técnicas de cultivo de uma atitude
mesmo que as formas sejam virtuais, o que pode
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facilitar as intervenções de TFC na forma online.
como uma forma de mitigar os sofrimentos cau-
Logo, a intervenção em TFC no contexto pandê-
sados pela pandemia em nosso País.
mico pode ser de extrema ajuda na regulação
das emoções desconfortáveis vivenciadas nesse
período, trazendo possíveis benefícios em relação aos efeitos psicológicos do distanciamento
social provocado pela pandemia. A partir disso,
o objetivo desse trabalho é trazer um relato de
experiência de uma intervenção de três semanas
de TFC em grupos (TFCG) realizada em ambiente virtual para participantes que apresentavam
sintomas de ansiedade, depressão e estresse
relacionados com a pandemia de COVID-19. O
presente trabalho trata-se de uma intervenção
ofertada pelo programa LaPICC contra COVID-19
Método
Participantes
Para a fase de intervenção, 142 participantes foram selecionados por conveniência, de acordo com
a ordem de chegada, disponibilidade e aceitação
de participação, sendo a eles garantido o direito de
desistência da participação a qualquer momento
durante a intervenção. A amostra final do presente
relato de experiência foi composta por 106 participantes. Dados detalhados das características sociodemográficas podem ser encontrados na Tabela 1.
Tabela 1 – Caracterização sociodemográfica dos participantes da amostra total
N
Total
Completaram
Desistiram
142
106 (74%)
36 (26%)
Idade média (anos)
39,91
41,20
36,06
Desvio Padrão (DP)
(10,32)
(9,78)
(10,32)
Feminino
121
96 (79,3%)
25 (20,7%)
Masculino
21
10 (47,6%)
11 (52,4%)
Ensino Superior incompleto
41
20 (48,8%)
21 (51,2%)
Ensino Superior completo
101
86 (85,1%)
15 (14,9%)
Uso de medicamento psiquiátrico
43
17 (39,5%)
26 (60,5%)
Acompanhamento psiquiátrico
15
11 (73,3%)
4 (26,7%)
Realiza acompanhamento psicológico
36
33 (91,6%)
3 (8,4%)
Sexo
Escolaridade
Profissão dos participantes
Profissionais de saúde
Profissionais de outras áreas
99 (93,3 %)
07 (6,7%)
Os critérios de inclusão foram: ser adulto,
sociodemográfico. Os índices de autocompaixão
ter ensino fundamental completo, e apresentar
não foram utilizados como critério de inclusão
sintomas de depressão, ansiedade ou estresse.
ou de exclusão dos participantes no grupo. Os
A avaliação dos desses foi realizada por meio da
participantes com diagnósticos de transtornos
aplicação da DASS-21, sendo que os participantes
mentais em estado agudo foram encaminhados
que pontuavam extremamente grave para ansie-
para uma rede de atendimento individual online.
dade, depressão e estresse não foram incluídos
Vale ressaltar que, apesar de não ser critério de
no grupo. Além disso, também eram excluídos
inclusão, a profissão dos participantes foi, em sua
participantes que relataram transtornos mentais
maioria, de profissionais de saúde.
em estado agudo, avaliados por um questionário
Nazaré de Oliveira Almeida • et al.
Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19
Instrumentos
Para avaliação dos participantes foram utilizados os seguintes instrumentos:
1. Questionário sociodemográfico. Foi elaborado um questionário a fim de reunir
dados de caracterização da amostra. As
perguntas do questionário diziam respeito
sobre o nome, contatos do participante
(e-mail e número de celular), sexo, idade,
escolaridade, profissão, convênio de saúde,
quais serviços eram procurados quando
um atendimento de saúde era necessário,
se a pessoa estava em algum tipo de tratamento ou possuía algum dos seguintes
diagnósticos: câncer, dor crônica, epilepsia, Transtorno Depressivo, Transtorno de
Ansiedade, Transtorno Bipolar, Transtorno
Esquizofrênico. Também foi questionado se
os participantes faziam acompanhamento
médico ou psicológico.
2. Depressiom, Anxiety and Stress Scale
(DASS-21). Foi utilizada a DASS-21 para
avaliar sinais de depressão, ansiedade e
estresse. Ela foi desenvolvida por Lovibond
e Lovibond (1995) e é um conjunto de três
subescalas do tipo Likert de 4 pontos, com
pontuação de 0 a 3. A pontuação máxima
da escala total é de 63 e, a pontuação
máxima por subitem é 21. Foi adaptada
para o contexto brasileiro por Vignola e
Tucci (2014), que encontraram uma boa
consistência interna: alfa de Cronbach de
0,95 para o total das três subescalas.
3. Self-Compassion Scale (SELFCS ou SCS).
A escala foi desenvolvida por Neff (2003)
adaptada para o contexto brasileiro por
Souza e Hutz (2016) e é composta por 26
itens que devem ser respondidos, a partir
de uma escala Likert de 5 pontos, quanto
à atitude do indivíduo consigo mesmo em
momentos difíceis e de sofrimento. Esses
itens dividem-se entre seis subescalas:
Bondade consigo; Autocrítica severa; Senso
de humanidade; Isolamento; Mindfulness; e
Sobreidentificação. O escore total é adquirido a partir da soma de todas as subescalas,
sendo que os escores das subescalas de
autojulgamento, isolamento e sobreidentificação são invertidos. O escore máximo e
mínimo por subescala é: Bondade consigo
5 e 25; Autocrítica severa 5 e 25; Senso de
5/12
humanidade 4 e 20; Isolamento 4 e 20;
Mindfulness e Sobreidentificação 4 e 20. O
escore máximo e mínimo por subescala é
26 e 130. Dessa forma, quanto maior o escore total, mais autocompassivo o indivíduo.
4. Régua da ansiedade. Foi utilizada uma
Escala Visual Analógica, a qual era aplicada
ao final de cada sessão. Os participantes
foram instruídos a responder a seguinte
pergunta: “Em uma escala de 0 a 10, sendo
0 nada ansioso e 10 extremamente ansioso,
como você se sente agora?”.
5. Questões qualitativas. Devido ao fato de não
haver nenhuma escala que avalie os efeitos
da TFC validada para o contexto brasileiro,
foram elaboradas seis questões qualitativas, as quais foram inspiradas na Escala de
Engajamento e Ação Compassivas (Gilbert
et al., 2017). As questões foram apresentadas na última sessão, sendo elas:
1. Comente com qual frequência você
percebe e é sensível ao seu sofrimento.
2. Comente com qual frequência você cria
sentimentos internos de apoio, utilidade
e encorajamento.
3. Comente com qual frequência você
percebe e é sensível ao sofrimento dos
outros quando ela surge.
4. Comente com qual frequência você
expressa sentimentos de apoio, ajuda e
encorajamento para as outras pessoas.
5. Comente com qual frequência os outros percebem e são sensíveis ao seu
sofrimento quando surge em você.
6. Comente com qual frequência os
outros te tratam com sentimentos de
apoio, utilidade e encorajamento.
Procedimentos
Os grupos foram formados a partir de um cadastro realizado de forma online e por meio de um
formulário (Google Forms) no qual os participantes
assinavam o TCLE, e preenchiam o questionário
sociodemográfico e a DASS-21. A divulgação dos
grupos foi realizada via redes sociais digitais do
LaPICC (Laboratório de Pesquisa e Intervenção
Cognitivo Comportamental) do Departamento de
Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e
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Psico, Porto Alegre, v. 52, n. 3, p. 1-12, jul.-set. 2021 | e-41526
Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São
no qual os participantes deveriam ter disponibilida-
Paulo. Neste projeto foram ofertadas diferentes
de de participação nos dias e horários dos grupos,
intervenções para sintomas de ansiedade, depres-
e preencher os critérios de inclusão da amostra.
são e estresse relacionados com a pandemia do
Uma vez que um grupo era formado, era apli-
COVID-19 (para conhecer o projeto como um todo
cada a escala SELFCS antes da primeira sessão,
e os outros grupos ofertados consultar Neufeld et
durante a intervenção, e após o término. A DASS-
al (2021). Neste estudo, foram avaliados os efeitos
21 havia sido preenchida no começo e foi reapli-
da intervenção de três sessões semanais de TFC.
cada após o término da intervenção. Além disso,
Após preencherem o formulário online, conten-
os participantes foram instruídos a responder à
do o questionário sociodemográfico e a DASS-21
“régua da ansiedade” após cada uma das sessões.
(Google Forms), os dados eram redirecionados
Todos os grupos foram conduzidos pela mes-
para uma planilha conforme a ordem de preen-
ma terapeuta, que tem extensa formação e ex-
chimento. Após a análise dos critérios de inclusão
periência em TFC e que recebeu supervisões
e de exclusão, os participantes selecionados para
semanais para manejo e condução dos grupos.
a participação no grupo de TFC eram contatados
Vale salientar que esse estudo cumpre as exi-
pela terapeuta do grupo, via telefone ou e-mail,
gências éticas de pesquisa conforme a resolução
para confirmar o interesse e, também, verificar a
n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e
disponibilidade de participação nos horários que
foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
eram ofertados. Caso os participantes não tives-
sob o protocolo n. CAAE 36482320.6.0000.5336.
sem disponibilidade de horário, eles eram enca-
O programa de três semanas consistiu em
minhados para outro grupo ou outro atendimento.
uma adaptação do protocolo de 12 semanas
Foram realizados 12 grupos, com média de nove
desenvolvido por Kirby et al. (2018). A Tabela 2
participantes em cada grupo. A intervenção foi rea-
apresenta o tema central, o conteúdo e as prá-
lizada ao longo do ano de 2020. Para a composição
ticas das três sessões semanais, com 2 horas de
dos grupos foi utilizado o critério de conveniência,
duração por sessão.
Tabela 2 – Programa de intervenção
Sessão
Temas centrais
Conteúdos
Práticas e exercícios
1
- As bases evolucionistas e neurofisiológicas da compaixão
- Boas-vindas
- Apresentação dos participantes, incluindo a motivação de
estar no grupo
- Contrato de convivência
- O que é e o que não é compaixão
- O cérebro complicado
- Os três sistemas de regulação
do afeto ou Três tipos de emoção
- Prática da “Posição” Compassiva
- Prática “Usando expressões faciais e
tons de voz”
- Prática “Ritmo de Respiração Tranquilizante (Respiração Calmante)”
2
- Segurança
- Múltiplos eus
- Busca de segurança e proteção
versus a segurança (sensação de
segurança)
- Múltiplos eus
- Exercício “Explorando os Múltiplos
Eus em detalhes”
- Prática “Lugar seguro”
- Prática “Outro Compassivo ideal”
3
- Vergonha
- Autocriticismo
- Eu Compassivo
- Eu crítico
- Vergonha
- Autocriticismo
- Assertividade compassiva
- Perdão
- Exercício “Análise funcional do Eu
Crítico”
- Exercício “Explorando o Eu Compassivo”
- Exercício “Explorando a vergonha”
- Prática “Abraçando a parte crítica e a
parte criticada com o Eu Compassivo”
Nazaré de Oliveira Almeida • et al.
Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19
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Os dados de pré e pós-teste foram analisados
Resultados e discussão
Inicialmente a equivalência dos 12 grupos no
por meio de um teste ANOVA de fator duplo com
pré-teste foi analisada por meio de uma ANOVA
repetição e o tamanho de efeito foi calculado pelo
de fator único e como não foram encontradas
n² (eta squared). As análises estatísticas foram
diferenças significativas (ps> 0,2) em nenhuma
feitas por meio do software SPSS versão 23.0.
das variáveis no pré-teste entre os grupos, as
Na Tabela 3 podem ser observados os resul-
análises subsequentes foram realizadas com
tados quantitativos obtidos através dos instru-
o grupo total, ou seja, os 106 participantes que
mentos anteriormente descritos.
finalizaram a intervenção.
Tabela 3 – Dados gerados a partir das medidas de resultado pré e pós-intervenção (n=106)
PRE
Anova fator duplo com
repetição
POS
M
DP
M
DP
p
n² (eta
squared)
Interpretação
Depressão (DASS)
15,74
2,40
10,47
1,65
8,86E-37**
0,431
Médio
Ansiedade (DASS)
12,37
1,25
6,88
0,79
4,81E-61**
0,076
Pequeno
Estresse (DASS)
20,58
2,13
10,82
3,16
4,39E-38**
0,575
Médio
B. Consigo
4,27
2,02
18,56
1,24
7,8E-105**
0,399
Médio
Autoc. Sever
12,88
4,66
3,82
3,10
1,58E-37**
0,694
Grande
Senso Hum.
4,03
2,15
11,27
4,15
5,92E-37**
0,546
Médio
Isolamento
11,18
4,06
3,50
1,42
8,16E-46**
0,343
Médio
Mindfulness
6,31
2,64
16,52
2,62
5,17E-73**
0,474
Médio
Sobre-ident.
16,73
1,75
4,44
1,24
7,6E-124**
0,149
Pequeno
Régua 1
7,61
2,02
3,61
2,02
8,87E-37**
0,001
Pequeno
Régua 2
7,56
1,51
2,56
1,51
2,37E-44**
0,001
Pequeno
Régua 3
7,40
1,98
2,40
1,98
1,35E-53**
0,001
Pequeno
Legenda: **diferenças significativas com valores de p<0,0001
Interpretação: Ferguson (2009)
De acordo com os dados, a média de respostas
os níveis de depressão, ansiedade e estresse. Ter
dos participantes à escala DASS-21 demonstra
uma sensação positiva de bem-estar, satisfação e
que eles apresentavam um nível moderado de
segurança estão fortemente associadas a níveis
depressão, ansiedade e estresse. Depois das três
menores de depressão, ansiedade e estresse
sessões de TFC esses níveis melhoraram signifi-
(Gilbert et al., 2008). No entanto, cabe ressaltar
cativamente, com tamanhos de efeito médio para
que por se tratar de um relato de experiência,
depressão e estresse, e pequeno para ansiedade.
apenas se pode afirmar que foram encontradas
A resposta à “régua da ansiedade” confirmou a
mudanças, e levantar a hipótese de que elas te-
redução da ansiedade percebida, o que ocorreu
nham relação com a intervenção proposta, sem,
ao longo das sessões. A TFC estimula as capaci-
no entanto, poder afirmar com certeza que as
dades de calma e de afiliação e com isso regula o
mudanças observadas ocorreram exclusivamente
sistema de ameaça. Isso pode explicar o fato de os
devido à intervenção ofertada.
participantes terem melhorado significativamente
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Sugere-se que seja de grande relevância que
Em relação à questão 1 “Comente com qual
a mudança tenha ocorrido com apenas três ses-
frequência você percebe e é sensível ao seu so-
sões, exceto se considerarmos o fato que para
frimento”, 87% (92) das respostas contemplaram
alguns autores (Demarzo et al., 2017) o número
raramente e que consideravam até duvidoso ser
de sessões não influencia tanto quanto o enga-
sensível ao próprio sofrimento. Contudo, no pós-
jamento nas atividades propostas dentro e fora
-teste as falas dos participantes parecem indicar
da sessão. Cabe ressaltar que não foram feitas
que eles notaram o quanto precisam ser mais sen-
medidas de engajamento, porém foi percebido
síveis ao seu sofrimento e que o contrário se refere
comprometimento nas atividades realizadas
ao medo da compaixão. Como afirma a literatura
durante as sessões e a melhora nos resultados
(Gilbert, 2013) é comum ouvir dos participantes
de acordo com o autorrelato dos participantes.
durante o treinamento da mente compassiva
A avaliação da autocompaixão por meio da Esca-
que eles nunca pensaram que deveriam prestar
la de Autocompaixão (Souza & Hutz, 2016) mostrou
atenção e dedicarem-se a si mesmos, afirmando
na avaliação inicial um nível baixo de autocompai-
ser isso uma total novidade. A partir disso, hipote-
xão, o qual também melhorou significativamente
tiza-se que, com a compreensão e a experiência
depois das três sessões de TFC, com tamanhos
da compaixão, eles sentem essa necessidade de
de efeito pequeno para sobreidentificação, médio
reavaliarem determinadas percepções.
para bondade consigo, sendo de humanidade,
Em relação à questão 2 “Comente com qual
isolamento e mindfulness, e grande para autocrítica
frequência você cria sentimentos internos de apoio,
severa. As seis subescalas (Bondade consigo, Au-
utilidade e encorajamento”, 63% (67) dos participan-
tocrítica severa, Senso de humanidade, Isolamento,
tes afirmaram que às vezes oferecem algum apoio
Mindfulness e Sobreidentificação) demonstram
para si mesmos, sendo que o restante afirmou
nível inicial baixo de autocompaixão e aumento
que raramente o faziam. Contudo, no pós-teste
nas subescalas, especialmente na de Bondade
os participantes relataram a percepção de que
Consigo, que ficou 4,5 vezes maior. As outras su-
precisam se dedicar a si mesmos e que isso pode
bescalas também tiveram expressivo aumento
estar altamente relacionado com o bem-estar e
de autocompaixão. Como citado, a eficácia da
qualidade de vida. Para Gilbert (Gilbert et al., 2012;
TFC está associada à redução significativa dos
Gilbert, 2013, 2019) esse é um dos maiores desafios
sintomas de depressão, ansiedade, vergonha, au-
da TFC, pois autocuidado, respeito aos próprios
tocriticismo, além da capacidade de autoregulação
limites e criar um ambiente interno de apoio são,
e autocompaixão (Gilbert & Procter, 2006; Gilbert,
muitas vezes, consideradas manifestações de
2014, 2015). Apesar destes resultados, mais uma
egoísmo ou simplesmente um ato dispensável.
vez, cabe ressaltar que o método empregado não
É comum percebermos conflito quando os par-
permite que se afirme que as mudanças ocorridas
ticipantes se confrontam com a necessidade de
se devem à intervenção.
priorizar o autocuidado, em detrimento do cuidado
Para a avaliação qualitativa das questões
aos outros (Gilbert, 2019). Os resultados apresen-
inspiradas na Escala de Engajamento e Ação
tados nas avaliações quantitativa e qualitativa
Compassivas (Gilbert et al., 2017) foi utilizada a
corresponderam às hipóteses traçadas sobre a
metodologia da análise de conteúdo (Bardin,
presença desse “conflito” na sessão 3 acerca.
1977). Buscou-se termos frequentes e similares,
Em relação à questão 3 “Comente com qual fre-
considerando-os padrões das respostas, os quais
quência você percebe e é sensível ao sofrimento
foram transformados em categorias e, posterior-
dos outros quando ele surge”, 91% (96) dos parti-
mente, quantificados. Essa avaliação também
cipantes consideraram que são frequentemente
confirmou os baixos níveis iniciais de autocom-
sensíveis ao sofrimento dos outros. Em relação à
paixão observados na Escala de Autocompaixão.
4 “Comente com qual frequência você expressa
Nazaré de Oliveira Almeida • et al.
Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19
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sentimentos de apoio, ajuda e encorajamento
enberg (2020) lembra que a falta de suporte social
para as outras pessoas”, os participantes, em sua
pós-trauma e a exposição a fatores estressores
maioria (89%), responderam que frequentemente
durante a recuperação do trauma são fatores de
expressam apoio. Contudo, no pós-teste os par-
risco fortemente preditivos de consequências psi-
ticipantes relataram a percepção de que podem
cológicas negativas. Pode-se supor que a duração
manter a sua sensibilidade e engajamento no
indefinida da pandemia e os fatores agravantes
alívio do sofrimento dos outros, mas sem que isso
relacionados com a falta de estrutura para o aten-
se torne um sacrifício das próprias necessidades.
dimento da população mostrou-se traumatizante
Além disso, também relataram perceber em si
para esses profissionais. Os relatos dos participan-
uma dificuldade de colocar limites nas demandas
tes apontaram a carência de um espaço como
dos outros em relação a eles, o que na percep-
essa intervenção e expressaram forte gratidão pela
ção deles o programa os incentivou a mudar.
oportunidade de participar da intervenção, o que
Gilbert (2019) e Neff (2003) comentam o quão
pode ter influenciado os resultados.
no ocidente é mais comum a compaixão pelos
Outro dado que deve ser mencionado é a pre-
outros e incomum a compaixão para si mesmo.
valência de mulheres entre os participantes da
Em relação à questão 5 “Comente com qual
intervenção. Neff (2021) afirma que a compaixão é
frequência os outros percebem e são sensíveis ao
vista como uma habilidade ou atributo reservado
seu sofrimento quando surge em você”, 34% (36)
às mulheres, visto que é muito associada à mansi-
responderam que raramente os outros se mostra-
dão e ternura. Para as mulheres é autorizado que
vam sensíveis, mas em torno de 71% (25) desses
sejam fraternas, pois isso é socialmente esperado
perceberam que podem estar com expectativas
e inclusive incentivado. Já os homens, devido a
altas em relação aos outros. Entre os outros 66%
esse estigma social dos papeis de gênero, pa-
(70), 31% (22) não respondeu e 35% (24) consi-
recem procurar menos esse tipo de intervenção,
deram que recebe mediano apoio dos outros.
além de entrarem nos grupos mais receosos
E em relação à questão 6 “Comente com qual
de demonstrarem tais sentimentos. Sustentada
frequência os outros te tratam com sentimentos
por seus estudos sobre a autocompaixão feroz,
de apoio, utilidade e encorajamento”, 33% (35) dos
ou seja, a habilidade de se expressar com as-
participantes relataram receber medianamente
sertividade e força, Neff (2021) defende que é
apoio dos outros e 67% (71) raramente. Esse dado
necessário mudar essa visão. Na mesma direção,
coincide com o encontrado na literatura (Gilbert
Gilbert (2019) aponta as grandes qualidades da
et al., 2012; Gilbert, 2013, 2019), o que permite
compaixão como sabedoria, força/coragem e
levantar a hipótese de uma tendência de rela-
comprometimento. Ele afirma que a compaixão
cionamentos de pessoas com maior compaixão
não pode ser confundida com ser “bonzinho” ou
pelos outros perceberem menor fluxo de com-
doce, mas muitas vezes ser firme e forte (Gilbert,
paixão vinda dos outros. Segundo os autores,
2019). Ao longo da intervenção, observou-se que
essas pessoas podem ser muito doadoras e,
a manifestação verbal dos participantes do sexo
devido ao pouco espaço para os outros também
masculino foi menor, mesmo que isso não se
os serem, percebem que não têm reciprocidade
refletisse nas práticas propostas para a semana
nos relacionamentos. Durante as sessões e as
e nos benefícios percebidos da intervenção. Hi-
respostas das questões qualitativas 5 e 6, os
potetiza-se, baseado na literatura apresentada
participantes fizeram comentários convergentes
e no relato de percepção dos participantes, uma
às hipóteses dos autores, embora não tenha sido
possível influência dessa imagem distorcida da
realizada medida de engajamento no presente
compaixão reservada ao público feminino.
estudo (Gilbert et al., 2012; Gilbert, 2013, 2019).
Os resultados quantitativos indicam relevan-
A respeito dos grupos terem sido compostos
tes mudanças nos escores dos instrumentos,
majoritariamente por profissionais da saúde, Gre-
corroborados pelos dados obtidos através das
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análises qualitativas. De toda forma, por se tratar
randomizado ou controlado e sim de um relato de
de um método ecologicamente válido, as con-
experiência clínica de uma intervenção em grupo
clusões possíveis para este estudo são de que
realizada para auxiliar pessoas em sofrimento
uma intervenção online baseada em TCF tem
durante a pandemia da COVID-19 no nosso País.
grande potencial de efetividade, sem, no entanto,
Alguns desafios, como qualidade da internet ou
ser possível confirmar essa hipótese a partir dos
imprevistos no contrato com os participantes,
resultados alcançados.
dificultaram a participação e a coesão do grupo
e podem ser considerados em estudos futuros.
Considerações finais e perspectivas
futuras
Esse estudo se propôs a relatar a experiência
de uma intervenção online de Terapia Focada na
Compaixão em Grupo, verificando se ela poderia
impactar na percepção dos níveis de depressão,
Entre as sugestões adicionais para pesquisas futuras, estão o estudo da viabilidade da adaptação
do programa de 12 semanas para três semanas,
a realização do mesmo em formato online, o
uso de medidas de engajamento e estudos com
amostras mais amplas e diversas.
ansiedade, estresse e autocompaixão. Além disso,
objetivou oferecer uma perspectiva de atuação
online, ainda lacunar para esse tipo de programa.
As medidas de resultado mostraram mudanças
nos índices de depressão, ansiedade, estresse
e autocompaixão, em alguns casos melhorando
quatro vezes mais, segundo a percepção dos
participantes do programa. Com base nestes
dados, por se tratar de um relato de experiência,
apenas é possível afirmar que mudanças foram
encontradas, porém, ensaios clínicos randomizados e controlados deverão ser conduzidos
para verificar a eficácia da intervenção ofertada.
Os resultados aqui encontrados permitem traçar
hipóteses acerca da contribuição positiva da TFC
em grupos online para o momento de pandemia
e da importância da continuidade de investigação
desses fatores, porém não são generalizáveis e
devem ser tomados com parcimônia.
Os dados qualitativos mostraram a autoconscientização dos participantes acerca da necessidade do autocuidado e da autocompaixão nos seus
três pilares (mindfulness, senso de humanidade
e bondade consigo), bem como das qualidades
da compaixão (sabedoria, força/coragem e comprometimento). Tais percepções auxiliam a traçar
hipóteses exploratórias para propostas de estudos
futuros, bem como podem sensibilizar os profissionais para avaliações e para alertarem-se a tais variáveis na realidade dos atendimentos psicológicos.
Em relação às limitações do estudo, é relevante
ressaltar que não se trata de um ensaio clínico
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Nazaré de Oliveira Almeida
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), em
Ribeirão Preto, SP, Brasil; vinculada ao Laboratório de
Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental,
Departamento de Psicologia.
Isabela Pizzarro Rebessi
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), em
Ribeirão Preto, SP, Brasil; vinculada ao Laboratório de
Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental,
Departamento de Psicologia.
Karen Priscila Del Rio Szupszynski
Pós-doutorado em Psicobiologia pelo Departamento
de Psicobiologia da Universidade Federal de São
Paulo (USP); professora da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD), em Dourados, MS, Brasil e
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, em Porto Alegre, RS, Brasil.
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Psico, Porto Alegre, v. 52, n. 3, p. 1-12, jul.-set. 2021 | e-41526
Carmem Beatriz Neufeld
Pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Livre-docente em Terapia
Cognitivo-comportamental pelo Departamento de
Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP),
em Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Endereço para correspondência
Nazaré de Oliveira Almeida
Rua da Cosmoética, 1635, Chalé 11
Cognópolis, 85856-852
Foz do Iguaçu, PR, Brasil
Os textos deste artigo foram revisados pela Poá
Comunicação e submetidos para validação do(s)
autor(es) antes da publicação.
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