Detalhes Sordidos - Fernando H. de Marchi

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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando
por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo
nível."
Dados para contato:
fhm.marchi@gmail.com
Pagina facebook nome: Fernando H. de Marchi
DETALHES SÓRDIDOS
Publicação: 2015
Sumário
Eu
Adolescêia e mulheres
Em cima do muro
Falando de sexo
Reencontro e desencontro
Faculdade
Volátil
Doce
Passeio
Complicada e perfeitinha
Juntos
Explosivo
Depois da calmaria, a tempestade
A festa
De olhos bem abertos
Versã dos fatos
Seguindo em frente
Hipnose
Ego
Certezas e incertezas
Grande homem
Frente ao mar
Bem profundo
Escuridão
A brisa
Confiança
Enfim
Capítulo 1
Eu
Eu sou lerdo. Aprendo mais lentamente que a maioria das pessoas, e já
sofri muito por ser assim, porém hoje agradeço por ser como sou. Deixo a você,
caro leitor, uma belíssima frase de Clarice Lispector o qual me ajudou a
compreender melhor minha forma de ser: “Até cortar os próprios defeitos pode
ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Com o tempo, descobri que essa tal Clarice estava certa. O meu maior
defeito é, ao mesmo tempo, minha maior qualidade: ser lerdo faz com que eu
demore para aprender, mas me permite aprender com profundidade, pois me
possibilita prestar atenção em cada detalhe. Agora, com 38 anos de detalhes
acumulados em minha mente, eu já tive tempo de moer e remoer meus erros. E
como eu errei! O mais engraçado é que meus maiores tropeços na vida foram
cometidos quando finalmente aprendi a ser bem mais esperto, assim sendo, não
fui tão esperto quanto pensava.
Para que estou escrevendo? Caro leitor, preciso desabafar, mas já aviso
que, em um desabafo, os pensamentos fluem de uma forma crua, sem tempo
para enfeitar os acontecimentos, e sem filtro para os detalhes sórdidos. Preciso
avisar que minha história começará inocente. Porém, não se engane: vai piorar a
cada capítulo, e assim, certamente, existirão muitos detalhes sórdidos.
Também preciso avisar que minha motivação para escrever é apenas
uma: precisarei de sua ajuda. No entanto, não é necessário se preocupar. Eu bem
sei que, em um mundo capitalista, quando um desconhecido se aproxima para
contar algo, quase sempre é porque, no fim, de alguma forma, vai querer que
gaste ou doe dinheiro. Este não é meu caso. Só não lhe conto agora qual é o meu
desejo porque é somente após me conhecer que compreenderá o meu pedido.
No intuito de que me conheça, é imprescindível te fazer compreender a
minha personalidade. Então, vou apresentar as características e qualidades mais
marcantes que desenvolvi desde a infância, as quais certamente ajudaram a
moldar o meu caráter.
Nada melhor para moldar uma preciosidade como eu do que um bom
colégio. Já nos primeiros anos de estudos, ficou nítido que eu era “agraciado”
com uma grande dificuldade de aprendizado. Em termos mais grosseiros,
podemos dizer que eu era bem “burrinho”: enquanto meus colegas aprendiam a
ler fluentemente, eu só gaguejava nas sílabas; enquanto todos aprendiam a
escrever, eu só fazia garranchos. Enfrentando essa realidade, desenvolvi uma
profunda timidez e acostumei-me a ter medo de novidades, pois situações
inusitadas correspondiam a possibilidades de ser humilhado.
Apesar de ser lerdo, tenho uma ótima memória de longo prazo. Recordo-
me de detalhes até mesmo da minha infância. Lembro-me de que, quando eu
tinha apenas nove anos, uma pessoa, provavelmente a diretora, entrou em minha
sala de aula dizendo possuir uma surpresa para todos. Como nessa idade eu já
tinha tido motivos para temer novidades, imediatamente senti aquele friozinho na
barriga de quem esta correndo o risco de ser humilhado publicamente. A mulher
sorridente avisou que trazia premiações, mas eu não me animei nem um pouco,
pois bem sabia que o único prêmio o qual eu poderia ganhar era o de pior aluno.
Foi exatamente isso que aconteceu! Minha professora e essa tal mulher
começaram a distribuir diplomas de primeiro, segundo e terceiro lugar em
aprendizagem. O esquema foi o seguinte: um terço da sala ganhou certificados
de primeiro lugar em aprendizagem, significando que eram os melhores alunos;
o segundo terço, correspondente aos alunos medianos, ganharam certificados de
segundo lugar; e o terceiro terço, os “burrinhos”, ganharam os certificados de
terceiro lugar em aprendizagem. Obviamente, ganhei o terceiro lugar, estando
assim entre os piores.
Uma das coisas que me marcou naquele dia foi eu olhar para o lado e ver
outro aluno comemorando, dizendo algo do tipo “Yes! Ganhei o terceiro lugar!”.
E os olhos daquela pequena “anta” brilhavam de felicidade! Depois disso, notei
que a sala toda estava comemorando, inclusive todos os demais ganhadores do
terceiro lugar. Fiquei feliz, pois considerei que eu possuía um mínimo de
discernimento para saber que os “ganhadores” da terceira colocação não tinham
nenhum motivo para comemorar, e isso me fez considerar que, pelo menos, eu
tinha um pouco mais de consciência em comparação a esses outros
desafortunados.
A professora pediu para mostrarmos o certificado a nossos pais; porém,
eu pretendia rasgá-lo em mil pedaços e jogar no lixo logo após sair da sala de
aula. No entanto, além de lerdo, outra das minhas primorosas qualidades era a de
ser desatento, e assim eu simplesmente me esqueci de jogá-lo fora. O certificado
ficou perdido na minha bolsa por um bom tempo e um dia minha mãe o
encontrou. O resultado foi muito traumatizante e doloroso. Eu me lembro de
minha mãe ter ficado muito feliz e se lançado a correr, toda orgulhosa, para
mostrar o “certificado de burrice” para meu pai, o qual também ficou muito
contente com minha “grande conquista”.
Eu queria contar a verdade para meus pais. Mas, como contar? Como
explicar para um pai orgulhoso, o qual estava acostumado a só receber
reclamações, que, quando finalmente parecia que eu tinha conquistado algo bom,
na verdade, isso era um atestado de inferioridade entregue aos piores alunos da
turma?
Eu tinha exatamente nove anos quando isso aconteceu. Sei disto, pois até
hoje tenho o certificado. Nele, está escrito: “Certificamos que o aluno Gabriel
Bianchi obteve o 3º lugar em aprendizagem, desenvolvimento geral, participação,
atitudes e respeito, no decorrer deste ano letivo”. Magnífico, não é mesmo? Pode
imaginar o quanto meus pais ficaram felizes? Eu fiquei em silêncio, recebendo os
carinhos e elogios. Aquele, certamente, foi o carinho mais doloroso o qual ganhei
em toda a minha vida. O meu único alívio provinha da consciência de que meus
pais deveriam ter suspeitado que havia algo de errado, pois eu era um aluno
ruim. Continuei indo de mal a pior, tanto que, no ano subsequente, fui reprovado.
Só então meus pais resolveram tomar uma atitude e me mandaram para uma
psicóloga, o qual, lamentavelmente, não ajudou em nada.
Acho prudente lembrar que existem profissionais bons e maus em todas
as profissões. Eu tive contatos com grandes profissionais da psicologia em minha
vida adulta; porém, infelizmente, quando criança, a psicóloga que me atendeu
simplesmente enrolava o tempo, não fazendo nada de útil ou produtivo em suas
terapias. Em compensação, ela soube muito bem como utilizar a psicologia com
os meus pais. Já no primeiro encontro, aquela senhora explicou para minha mãe
que fazia parte de seu trabalho me fazer não contar sobre os acontecimentos de
nossos encontros. Como resultado, quando minha mãe me buscava, ela sempre
perguntava o que eu tinha feito, e eu respondia que não tinha feito nada além de
ficar jogando o mesmo joguinho com o qual já tinha brincado na semana
anterior. Ao ouvir essa resposta, minha mãe ficava feliz, achando que eu estava
guardando segredo, conforme a “doutora” explicou antecipadamente. Minha
mãe também adorava perguntar sobre as terapias na frente de suas amigas, e
quando eu dizia que não tinha feito nada, ela ficava toda contente e dizia, na
minha presença:
– Tá vendo como a psicóloga é boa! Ela me disse que ele não contaria
nada, e ele não conta, não tem jeito de fazê-lo falar.
Ao escutar isso, eu ficava bravo e tentava explicar que, realmente, não
tinha feito nada, porém quanto mais esforço eu despendia em explicar, mais
minha mãe ficava eufórica afirmando o quanto a psicóloga era realmente
magnífica, e mais propaganda eu próprio fazia da “grande terapeuta”.
Obviamente, continuei um péssimo aluno, sempre disputando com os três ou
quatro piores da turma, e então meus pais finalmente perceberam que as terapias
não estavam surtindo nenhum efeito. A nova tentativa, então, foi a de contratar
uma professora para me dar aulas particulares.
Não sei dizer o quanto as aulas podem ter auxiliado em minha
aprendizagem, mas o que jamais esqueci foi outra situação bastante inusitada. Eu
ia às aulas juntamente com um vizinho o qual conseguia a incrível façanha de ser
mais ignorante do que eu. E então, no final de uma das aulas, o marido de minha
educadora apareceu com um aparelho estranho, dizendo-nos ser capaz de fazer,
com ele, um exame de aprendizagem através da orelha. Como eu já descrevi,
aprendi a ter medo de novidades, desse modo me recusei a ser o primeiro a fazer
o exame. No entanto meu vizinho, que era bem mais corajoso, ou talvez menos
ajuizado, prontificou-se a ir primeiro. Todo o procedimento foi bem tranquilo. A
maquininha foi colocada no ouvido dele e, após um clique, uma fitinha foi gerada
contendo o resultado, o qual deu “normal”.
Como o procedimento era simples e indolor, resolvi encarar o tal exame,
mas meu resultado foi diferente: o homem disse que eu tinha uma listra branca
na cabeça e por isso tinha dificuldade de aprendizado. Com o devastador
diagnóstico, eu acho que a reação natural de uma criança deveria ser ficar
apavorada, no entanto eu não fiquei. Levei um susto, porém após ter tempo para
raciocinar, senti muita alegria, tanto que, quando voltei para casa, tranquei-me
em meu quarto e chorei de alívio e felicidade. Eu não via a hora de meu pai
chegar para contar que minhas notas baixas e toda a reclamação do colégio não
eram culpa minha: afinal, eu tinha uma listra branca na cabeça, o que tirava um
grande peso de minhas costas, tendo em vista que explicava o porquê de eu ser
tão ruim.
Conforme planejado, meu pai chegou e eu corri para contar-lhe sobre o
exame. Ele ficou furioso ao me ouvir, pois sabia que nenhuma máquina simplista
seria capaz de fazer um exame como esse. Meu pai disse que isso era besteira e
o assunto terminou ali. Logo depois, fui tirado das aulas particulares. Nunca
perguntei, mas, provavelmente, parei de ir às aulas por conta desse tal exame.
Fiquei triste quando vi que o assunto estava realmente encerrado, pois, se eu não
tinha nenhum problema, a culpa por ser ruim voltava a ser minha.
Lendo esses acontecimentos, deve parecer que tive uma infância triste.
Não se engane. Eu não estudava nada, porém brincava simplesmente o dia todo.
Era uma criança muito ativa, com três irmãos com quem brincar, brigar, sorrir e
chorar, e também em quem bater e de quem apanhar. Era uma família cheia de
defeitos, mas que me proporcionou uma infância muito feliz e divertida.
Meu maior dom era a imaginação, e eu utilizava isso muito bem vivendo
em um maravilhoso “mundo particular” o qual eu mesmo criava. Infelizmente,
perdi isso em algum momento da vida, e agora estou em processo de reaver o
que perdi. É claro que hoje já não posso viver em um mundo de sonhos infantis,
no entanto posso viver em um mundo repleto de sonhos de um adulto que a cada
dia está reaprendendo a ter a alma de uma eterna criança. Faço isso porque,
finalmente, aprendi a essência do que, em resumo, é sabiamente ensinado na
seguinte frase de Oscar Wilde: “A vida é muito importante para ser levada a
sério”.
Capítulo 2
Adolescência e mulheres
Aos doze anos de idade, eu ainda continuava sendo uma feliz criança
lerda, bobinha, tímida, desconfiada, distraída e – uma das características que me
esqueci de mencionar anteriormente – extremamente desastrado. Obviamente,
eu não gostava muito de ir à escola, mas foi com essa idade que participei da
melhor turma de minha vida. Naquele ano letivo, conheci Ricardo, um garoto
que era exatamente o oposto de mim: esperto, extrovertido e cheio de
personalidade. Era o tipo de menino que tende a chamar a atenção das
menininhas desde muito jovem. Só o que tínhamos em comum era o fato de
sermos maus alunos, e se ele podia ser altivo mesmo assim, comecei a me
perguntar por que eu também não poderia ser. Tudo o que eu mais queria era ser
como Ricardo: eu andava com ele, tentava agir como ele, porém continuava
sendo simplesmente eu.
Foi nesse ano que tive minha primeira decepção amorosa. Eu estudava
junto com a bela Tay nara, de quem fiquei muito amigo. Logo passei a gostar
dela, e hoje sei que ela também gostava de mim. Muita gente diz que as
mulheres preferem os cafajestes, mas não é verdade: acontece que os lerdos,
desde jovens, ficam vendo as oportunidades passarem, então os mais ligeiros,
que normalmente são os mais cafajestes, aproveitam todas as brechas. E foi o
que aconteceu. Um dia, Tay nara participou de uma brincadeira na qual, se
perdesse, teria de aceitar um castigo da amiga vencedora. Ela perdeu, e essa
amiga apontou para Ricardo e falou:
– Seu castigo é dar um beijo nele.
Meu coração se partiu ao vê-lo, bem esperto, partindo imediatamente
para cima dela, não dando tempo para que raciocinasse muito. Ela, a qual era
loirinha e branquinha, ficou mais vermelha do que uma pimenta e recusou, no
entanto Ricardo continuou insistindo, e, aos poucos, Tay nara recobrou sua cor
normal, ao mesmo tempo em que era visível estar ficando predisposta a ceder.
Nesse momento, meu coração já se partiu em mil pedaços, pois eu vi que
Ricardo tinha a atitude necessária para conseguir seu intento. E conseguiu. O
beijo foi rápido, não passou de um selinho com duração de um segundo, mas foi
o suficiente para arrebentar meu coração em infinitos cacos. Eu sentia como se
nada mais fosse igual a antes e me afastei de Tay nara. Continuei sendo amigo
dela, porém me distanciei bastante.
Foi aí que comecei a descobrir o quanto é besteira ser orgulhoso. Aquele
provavelmente foi o primeiro beijo dela, mas o segundo, o terceiro e os outros
que viriam ainda poderiam ter sido meus se eu escolhesse ser corajoso em vez
de orgulhoso. Essa foi uma lição a qual demorei a aprender, se é que realmente a
aprendi, pois falar é sempre mais fácil do que agir.
***
Minha oportunidade de ter o primeiro beijo só surgiu aos treze anos,
quando um parque de diversões se instalou perto de minha casa. O parque ficaria
lá durante uma semana, período correspondente a uma festa de igreja. Passei a
aproveitar todos os dias, e logo fiz muitos amigos. Brinquei e me diverti muito,
porém o que realmente me marcou foi um brinquedo no qual eu tinha muita
vontade de ir, mas não tinha coragem o suficiente para fazê-lo. Todos os dias, eu
passava horas olhando para ele. Tratava-se de uma máquina cuja cabine, onde
as pessoas ficavam, rodava, enquanto dois braços metálicos acoplados nas
laterais da cabine também rodavam em alta velocidade. Devido ao duplo giro
que a todo o momento trocava de direção, certamente essa era a atração mais
emocionante do parque. O nome do brinquedo era Space Loop.
Em uma bela tarde, fiquei parado diante do brinquedo por mais de uma
hora, tentando ganhar coragem para entrar. Ter coragem se tornou uma questão
de honra pessoal. Depois de muita luta contra o medo, finalmente fui para a fila,
porém quando chegou a minha vez, desisti. Acabei me conformando de que eu
era medroso demais. Essa era mais uma de minhas “nobres” características.
No sábado, penúltimo dia de festa, muitas crianças do bairro, que não
tinham participado do evento no meio de semana, apareceram. Entre elas, estava
Clara, uma belíssima menina, que, por algum motivo inexplicável, gostou de
mim. Clara era um pouco mais velha, já tinha completado catorze anos.
Praticamente todos os meninos de quinze e até mesmo os de dezesseis anos
estavam interessados nela, no entanto ela simplesmente me escolheu e passou a
me levar para todo o lugar que ia.
Meu dia estava simplesmente maravilhoso, e eu me sentia flutuando.
Porém, todo esse conforto acabou quando Clara resolveu ir ao Space Loop. Não
teve jeito: eu tive de contar sobre o meu medo, e então ela me disse que, se eu
fosse, ganharia um beijo. Eu não sei se o beijo seria no rosto ou na boca, mas só
pela possibilidade de ganhá-lo, independente de como fosse, enchi-me de
coragem e imediatamente aceitei. Entramos na fila, que estava bem grande, e
Clara pegou em minha mão enquanto esperávamos. O simples fato de estarmos
de mãos dadas me fazia desejar que aquele tempo de espera durasse pela
eternidade.
Para estragar a perfeição daquele momento, um dos valentões da rua
entrou na fila logo atrás de nós. Não me recordo do nome dele, só me lembro do
apelido: Bronquinha. Era um “alemãozinho”, cheio de sardas no rosto e mal
humorado. Arranjava briga com todo mundo por qualquer motivo, o que
explicava seu apelido. Ele era bem maior do que eu, pois já tinha quinze anos, e,
ainda por cima, era gordinho, o que aumentava ainda mais a diferença física
entre nós.
Quando já estava perto de nossa vez de subir no Space Loop, Bronquinha
deu um arroto, e Clara imediatamente fez uma expressão de nojo. Aproveitei,
então, para cogitar a hipótese de sairmos da fila e depois entrarmos de novo, com
o intuito de ficar bem longe dele. A verdade é que eu já estava ficando com
medo e queria ganhar tempo, mas Clara já tinha feito a conta e descoberto que
nós dois seríamos exatamente os últimos na próxima rodada, e Bronquinha então
não iria junto. Quando vi que minha desculpa falhou e o brinquedo já estava
começando a parar, comecei a ficar muito nervoso, no entanto, dessa vez, não
dava para fugir.
Ao subir no Space Loop, minhas pernas começaram a tremer. Ainda
assim, continuei em frente e me sentei, mesmo sentindo um formigamento no
corpo todo de tanto nervosismo. Só o que me segurava ali era o fato de eu ainda
estar de mãos dadas com Clara, porém, nesse momento, já não estava mais
sentido prazer com isso. Logo, o controlador do brinquedo começou a travar os
assentos, e quando chegou a minha vez, pedi para ele esperar. Não teve jeito,
respirei fundo, larguei a mão da Clara, levantei-me e simplesmente saí correndo.
Eu era mesmo o que popularmente chamam de “cagão”. Lembro-me de ter
olhado para trás e visto a expressão de decepção de Clara, ainda mais quando
Bronquinha foi chamado para me substituir e se sentou bem ao lado dela.
Envergonhado, pensei em ir embora, mas resolvi que eu deveria, no
mínimo, ter coragem para pedir desculpas. Fiquei esperando e quase perdi a
cabeça, literalmente. Quando o brinquedo principiou a rodar com força,
começaram a cair muitas moedas de alguém que as tinha deixado soltas no
bolso. Então, eu e vários outros meninos começamos a pegar todas elas. Como
sempre, muito distraído, esqueci-me do mundo enquanto juntava as moedas, até
que olhei para o lado e vi o operador da máquina gritando desesperado. Só então
me dei conta de estar muito perto do brinquedo. Olhei para frente e vi a gigante
máquina passar a uma distância bem pequena de mim. Deu até para sentir o
vento gerado por ela.
Passado o susto, continuei esperando comportadamente por Clara, e
quando o brinquedo finalmente parou, vi que ela estava chorando. O motivo:
Bronquinha tinha comido demais e vomitou durante o passeio no brinquedo,
sendo que boa parte da golfada espirrou nela. Quando Clara desceu chorando, eu
fui tentar conversar, no entanto ela me empurrou com tanta força que caí de
bunda no chão. Ela foi embora e eu virei a piada da festa, de forma que nada
mais me restou a não ser ir para casa também.
No dia seguinte, o último dia da festa, eu estava tão triste que pensei em
não ir ao parque, mas cogitei que Clara pudesse aparecer, e, quem sabe, por um
milagre, ela me perdoasse. Fui ao parque e, para minha decepção, não a
encontrei, porém Bronquinha me encontrou. As moedas que caíram do Space
Loop eram dele, e alguém lhe tinha contado que eu fui um dos que as pegaram.
Ele veio tirar satisfações, e, como não era muito bom com as palavras, preferiu
se comunicar com os punhos. Concluindo: não beijei Clara, no entanto a mão do
Bronquinha me deu um belo “beijo” no olho direito, e não foi nada romântico!
Em nenhum momento pensei que estava roubando aquelas moedas. Na
minha consciência, tudo não passava de uma brincadeira. Depois do soco, tratei
de dar a Broquinha todo o meu dinheiro para que me deixasse em paz. Ele
aceitou, mas não antes de me dar um chute forte o suficiente para me deixar
manco por alguns dias.
***
Minha próxima chance de beijar só aconteceu aos quinze anos. Um dia,
no intervalo das aulas, vi um amigo, Anderson, conversando com uma moça a
qual estudava em outra turma do mesmo ano que o meu. Fiquei encantado pela
menina e, assim que Anderson voltou para a sala, corri perguntar-lhe qual era o
nome de sua amiga. “Anastácia”, disse ele, e imediatamente começou a caçoar
de mim, pois estava óbvio que eu tinha ficado a fim dela.
No dia seguinte, Anderson contou a Anastácia que eu estava interessado
nela, e a garota começou a me olhar e a sorrir todas as vezes que passávamos
um pelo outro nos corredores, então passei a cumprimentá-la. Após vários dias,
Anastácia perguntou a Anderson por que eu não ia conversar com ela, de modo
que me obriguei a tomar coragem e abordá-la. No dia em que tomei a iniciativa,
ficamos conversamos durante o intervalo inteiro, mas não passou disso. Eu era
muito tímido para tomar qualquer iniciativa. Quando voltei para sala, Anderson
brigou comigo por eu não ter tentado nada, e me fez o favor de ajudar a garantir
um segundo encontro.
Na segunda vez, Anastácia sugeriu caminharmos pelo colégio, para que
saíssemos de perto dos olhos curiosos de nossos amigos. Continuamos
caminhando, procurando por um lugar vazio, de forma que paramos atrás do
salão de jogos, onde ninguém conseguiria nos ver. Logo ficamos sem assunto, e
ficou nítido que eu deveria tomar alguma iniciativa. Então, respirei fundo e a
beijei.
Fiquei muito nervoso, achei o beijo horrível e passei a acreditar que tinha
feito tudo errado. Após o beijo, olhei para ela e disse:
– Meu beijo foi péssimo, me desculpa!
Anastácia, com uma expressão meiga, disse-me que tinha adorado, mas,
logo em seguida, deu-se conta da extensão do que eu disse e queixou-se:
– Ei! Você está dizendo que o meu beijo foi horrível!
Tentei argumentar, no entanto não tinha como explicar o inexplicável.
Estava óbvio que eu não tinha gostado do beijo; afinal, eu tinha dito isso com
todas as letras. Anastácia saiu praticamente correndo e nunca mais nem ao
menos olhou para mim. Depois de eu ter tido a inteligência de uma barata e a
sutileza de um elefante, não poderia esperar nada diferente disso, e não insisti em
tentar conversar com ela. Eu já tinha tido muita sorte por Anastácia ter sido
discreta e não ter me fulminado socialmente; então, era melhor deixar tudo
como estava.
***
Mais de um mês após o desastroso beijo, eu estava sentado na quadra, em
uma aula de Educação Física, quando uma das melhores amigas de Anastácia
sentou-se perto de mim. Depois de apenas alguns segundos, ela me perguntou as
horas. Em seguida, começamos a conversar, e a menina veio se sentar bem ao
meu lado. No começo, eu acreditei que ela estava ali para falar de Anastácia,
porém ela logo começou a falar mal da própria amiga, o que achei estranho. A
menina começou a dar leves toques em minha perna enquanto conversávamos.
Desconfiei de que ela quisesse ficar comigo, e tive certeza disso quando fui
convidado a dar uma volta.
Por um segundo, pensei em não ir, pois cogitei que, de alguma forma, eu
poderia estar traindo Anastácia, mas depois reconsiderei, pensando que nunca
tinha tido e nunca teria nada com ela, já que tinha desperdiçado a minha chance,
e resolvi aproveitar.
Essa garota foi tão sem importância para minha vida que nem ao menos
me recordo de seu nome! Entretanto, naquele momento, tudo o que eu queria era
uma oportunidade para aprender a beijar. Quanto a ela, era do tipo invejosa:
estava ali para que eu elogiasse seu beijo e, dessa forma, pudesse se sentir
superior à própria amiga, julgando que eu a tivesse menosprezado.
Dirigimo-nos para os fundos da quadra, exatamente onde eu tinha ido
com Anastácia, e após chegarmos lá, como estava óbvio que era esse o objetivo,
tomei coragem e a beijei. A primeira reação da menina após o beijo foi a de me
perguntar: “E aí, gostou?”. Isso me fez ter certeza de que esta garota sabia sobre
o meu vexame, e por isto cogito que ela estava ali simplesmente para me ouvir
dizer que seu beijo era bom, provavelmente apenas para inflar seu ego.
Achei o primeiro beijo o qual dei nela ainda pior do que aquele que dei
em Anastácia. Mas obviamente, dessa vez eu afirmei ter adorado. Continuei
beijando-a até o fim daquela aula, e, beijo após beijo, fui me acostumando com
o ato, aprendendo a gostar dele, como também aprendendo a própria técnica de
beijar. Não achei nada magnífico, porém, ao menos, parei de achar ruim.
É engraçado pensar que me afastei de Tay nara, por quem estava
apaixonado, afugentei Clara, pela qual estava completamente encantado,
decepcionei Anastácia, por quem eu estava envolvido, e, no fim, aprendi a beijar
com uma completa desconhecida, a quem nem ao menos achava bonita. Hoje
sei que fiz isso simplesmente porque ainda era novo demais para ter opinião
própria e cedi à pressão de que eu tinha de aprender a beijar, seja como fosse.
Quanta estupidez!
É incrível como nos permitimos ser subprodutos de um marketing que faz
da sexualidade o maior e mais lucrativo produto já existente! Produto esse que já
consumi muito, e posso garantir: somos os consumidores e somos consumidos por
ele. Quê?
Capítulo 3
Em cima do muro
Sempre achei que, após aprender a beijar, tudo iria mudar. Eu acreditava
que ia me tornar mais corajoso e iria ter mais sucesso com as mulheres, no
entanto nada mudou.
Tentando me reinventar, voltei a prestar atenção em meus amigos
populares, mais uma vez procurando entender a receita do sucesso. A resposta
era simples: até mesmo isso não passa de propagada. Eles sabiam estar sempre
se oferecendo para muitas mulheres, o que, obviamente, aumentava
drasticamente a chance de encontrar quem iria se interessar. O problema é que
existe uma distância entre saber como agir e conseguir agir da forma certa.
Acabei encontrando uma oportunidade com a internet, pois foi bem nessa
época que surgiu a febre das redes sociais, onde eu podia deixar minha timidez
de lado. Logo marquei alguns encontros, mas, por conta da timidez, eu quase
sempre os desperdiçava quando chegava a hora de ficar frente a frente, e assim
tais encontros dificilmente resultavam em alguma coisa.
Aos dezesseis anos, conheci uma moça chamada Samanta, a qual me
ensinou, na prática, o que é atitude. Marcamos um encontro em um shopping, em
uma tarde de segunda-feira, na praça de alimentação. Foi muito fácil encontrála, já que, nesse dia, o local não estava muito movimentado. Ao me aproximar
de Samanta, fiquei imediatamente tímido, porém como ela era muito
extrovertida e estava claramente relaxada, sua atitude sem duvidas me acalmou.
A primeira coisa no qual aprendi foi que, em um primeiro contato, nada melhor
do que olhar bem nos olhos e sorrir para quebrar o gelo, e depois basta
demonstrar segurança. Trata-se de uma atitude básica, quase fundamental, que
eu não conseguia ter.
Quando cheguei, Samanta já estava sentada, e me sentei de frente para
ela. No começo, coloquei as mãos no colo, certamente como um reflexo da
minha personalidade retraída. Conforme fomos conversando, graças à simpatia
dela, eu relaxei e coloquei os braços em cima da mesa. Samanta aproveitou esse
momento e imediatamente pegou em minhas mãos, enquanto continuava
conversando comigo, olhando nos meus olhos. Após o contato físico, fiquei
totalmente relaxado. Senti-me seguro, pois sabia que ela tinha gostado de mim e
que seria uma questão de tempo para nos beijarmos.
Durante nossa conversa, quanto mais ela falava, mantendo aquele belo
sorriso no rosto, mais eu queria beijá-la. No entanto, novamente, quem tomou a
atitude foi ela: Samanta se levantou para jogar algo na lixeira e, ao retornar,
sentou-se ao meu lado. Ficou claro que o lixo tinha sido só um pretexto para se
aproximar mais de mim, e isto aumentou minha expectativa. Ao se sentar ao
meu lado, Samanta não demorou para pegar na minha mão mais uma vez, e,
enquanto conversávamos, simplesmente me agarrou e enfiou a língua em minha
boca.
Finalmente eu tinha entendido na prática o que significava ter atitude.
Certamente, aquele dia mudou consideravelmente minha forma de agir e reagir.
***
Eu e Samanta gostamos muito um do outro. No entanto, ela morava bem
longe de mim, e como eu ainda não dirigia, só o que pudemos fazer foi iniciar
um relacionamento mais virtual do que real. Porém, logo no início do
relacionamento, o qual não era oficialmente um namoro, surgiu uma menina
nova na minha rua: Melissa. Quando ela se mudou para meu bairro, passou a
frequentar o mesmo grupo de amigos que eu, e nos atraíamos de uma forma
absurda! Ficamos amigos rapidamente, mas a forma como gostávamos um da
companhia do outro logo deixou eminente que não conseguiríamos ser apenas
amigos.
Dei-me conta da que precisava tomar uma atitude, pois eu não queria
enganar Samanta e nem iludir Melissa. Ter essa consciência foi fácil; tomar uma
decisão é que não foi tão simples assim. Acabei demorando o suficiente para
acabar em uma situação com Melissa no qual claramente indicava que
estávamos prestes a ir além da amizade. Quando percebi que a situação havia
chegado a esse ponto, concluí: já não tinha jeito, eu estava apaixonado por
Melissa. Mesmo assim, preferi dar um jeito de escapar da situação, pois eu não
queria iniciar um relacionamento traindo uma e enganando outra. Minha
intenção foi ir para casa e terminar meu envolvimento com Samanta e só depois
me permitir iniciar um envolvimento com Melissa, no entanto deu tudo errado.
Terminei com Samanta por telefone, pois raramente conseguíamos nos
ver. Para ser mais exato, eu só me encontrei pessoalmente com ela três vezes.
Para o meu azar, logo no dia seguinte, descobri que Melissa reatou com um
antigo namorado. Ela ficou muito triste achando que eu a tinha dispensado, e foi
por isso, sentindo-se desprezada e carente, que resolveu dar uma nova chance
para o ex-namorado. Fiquei sabendo sobre tal motivação por meio de uma amiga
a qual tínhamos em comum. Melissa contou para essa amiga, sabendo que ela
me contaria; ou seja, ela fez questão de me fazer saber que a culpa era minha.
Naquela época, arrependi-me por querer ser justo com minha própria
consciência, pois considerei isto como sendo o que me fez perder as duas garotas.
No entanto, hoje, tenho certeza de que fiz o certo quando optei por agir com um
“espírito” de lealdade. Se há uma coisa da minha vida da qual não me arrependo
é de ter sido leal em todo e qualquer momento, e se isso resultou em perder a
ambas, foi porque eu o mereci.
O momento em que errei foi quando me permiti deixar meu coração
livre o suficiente para se apaixonar mesmo estando em um relacionamento, ou
então quando escolhi iniciar um relacionamento mesmo não estando disposto a
resguardar meu coração. Pior ainda foi quando banquei o “esperto” e
simplesmente posterguei a decisão de com qual das duas eu ficaria.
Se há uma coisa que aprendi nesta vida é que quem fica em cima do
muro merece mesmo levar um tombo, e se a queda não ocorrer por conta
própria, é conveniente que seja derrubado. É certo que não podemos escolher
quando e por quem nos apaixonarmos, mas somos, sim, “culpados”, de forma
consciente ou não, pelo quanto nos permitimos deixar nossos sentimentos abertos
a possibilidades, como também, até certo ponto, pela qualidade dessas
possibilidades.
Quantas vezes vi solitários culpando a sorte por não encontrar ninguém,
enquanto outros sofrem achando que é “carma” se apaixonar seguidamente por
pessoas que não prestam! Se não permitimos uma aproximação, como nos
apaixonarmos? E se insistimos em procurar no lugar errado, como encontrar a
pessoa certa? Afinal, qual é o lugar certo? Não existe garantia de certo ou errado
em lugar nenhum, mas, se não está encontrando ninguém, então precisa ampliar
os lugares que frequenta, e se só está encontrando pessoas erradas, então
certamente precisa mudar de lugares, como também o perfil das pessoas as
quais permite que se aproximem. Simples, não é mesmo? Talvez até seria, se
cada um de nós não fosse a própria complicação. O caminho para descomplicar
um pouco é seguir a máxima: “Não faças a outro o que não queres
que te façam”.
Foi sofrido perder as duas garotas, porém agora sei que foi sorte minha.
Samanta me ensinou a ter atitude, no entanto o excesso de atitude que ela tinha
acabou custando bem caro. Depois de ter perdido a Melissa, tentei reatar com
ela, que não me aceitou de volta; mas, continuamos amigos. No fundo, eu tinha
esperança de que eu a reconquistaria, porém tal esperança era vã, pois – isso ela
não me contou! – logo arranjou outro garoto com quem se relacionar.
Só fiquei sabendo desse rapaz no dia em que Samanta, desesperada,
confessou estar grávida. Eu ouvi tudo o que ela tinha para dizer, depois a
aconselhei a contar para o pai da criança imediatamente. Foi o que ela fez, mas o
garoto com quem estava se relacionando a chamou de vagabunda e disse não
acreditar ser o pai do bebê. Acho que isso já é o suficiente para demonstrar o
caráter do indivíduo com quem ela estava se relacionando.
Quando eu disse que tive sorte foi porque, com minha falta de
maturidade, e considerando que eu era um garoto, como a maioria, doido para
fazer besteira, o caminho dela provavelmente ia ser exatamente o mesmo se
tivesse continuado comigo, com a diferença de que o pai seria eu. Para ela, teria
sido melhor, pois, ao menos, eu não renegaria a criança, no entanto, ainda assim,
estaria tudo errado.
Capítulo 4
Falando de sexo
O mundo é movido por aparência, não dá para negar. Mas a aparência
inclui muito mais do que a beleza física: atitudes, popularidade, ostentação,
estilo… São inúmeras as possibilidades de moldar a forma como somos vistos.
Depois de conhecer Samanta, comecei a despertar para a importância de
demonstrar confiança e atitude, ainda que, em essência, eu continuasse
escondendo o mesmo garoto tímido e desconfiado. Minha transformação foi tão
drástica que muitos amigos os quais fiz no final dos meus dezesseis anos iriam rir
se me ouvissem falando sobre timidez, e certamente achariam que eu estava
brincando.
Escrevendo assim, até parece que foi uma mudança repentina, no entanto
não se esqueça de que eu tentava fazer isso desde muito novo. Samanta foi quem
contribuiu com a última peça faltante para que eu aprendesse a moldar minha
imagem pessoal, mas é claro que isso também aconteceu por uma evolução
natural, tanto física quanto mental, somada a muito esforço. Quanto à minha
transformação física, nessa idade atingi minha altura adulta, 1,79, ao mesmo
tempo em que eu moldava meu corpo na academia, e isso ocasionou grande
diferença em minha aparência, tornandome, sem dúvidas, mais atraente.
Logo parei de procurar encontros pela internet, pois já não era mais
necessário. Passei a ter facilidade em me aproximar de garotas onde quer que eu
fosse. Se antes o meu dilema era o primeiro beijo, agora, eu já tinha beijado
varias garotas. O problema é que minha burrice, falta de maturidade e
personalidade me faziam ceder a uma nova pressão: eu tinha de perder a
virgindade.
Apesar da minha obsessão por sexo, depois de ter sofrido com a confusão
que gerei ao me envolver simultaneamente com Samanta e com Melissa, eu
tinha resolvido que não queria compromisso. Assim, eu não ficava com a mesma
menina duas vezes, e isso diminuía bastante minhas chances de encontrar alguém
que quisesse ir além dos beijos comigo. Mesmo tendo tal consciência, eu
mantinha minha decisão, pois não queria iludir e nem machucar ninguém,
inclusive a mim mesmo.
***
Minha primeira oportunidade de sexo surgiu em um curso de teatro. Eu
não sabia nada sobre teatro – acho que nem ao menos tinha assistido a uma
apresentação –, mas ganhei um curso de dois dias e resolvi participar. Logo na
primeira aula, ao entrar na sala, encontrei-me com uma bela garota a qual
estava saindo. Na verdade, quase nos batemos de frente. Após o susto, sorri e fiz
uma brincadeira. Não me recordo do que disse, porém me lembro de que ela riu
e foi simpática. A essa altura, minha confiança era tanta que, somente pela
forma como a moça me respondeu, eu já tinha quase certeza que logo estaria
beijando aquela boquinha meiga. E isso aconteceu. Passei o resto da aula
flertando com ela, e, na saída do curso, nos beijamos.
A aula, o qual era no período noturno, terminou às 10 horas. Nesse
horário, não era prudente ficarmos do lado de fora do teatro porque poderíamos
ser assaltados, já que o local era mal iluminado e com pouco movimento. A
garota ia embora de ônibus, mas descobri que seu apartamento ficava na direção
de minha casa, e eu retornaria a pé. Ao perceber que eu só teria de desviar
poucas quadras do meu caminho para acompanhá-la até seu prédio, aproveitei e
a convidei para ir comigo. Morávamos em uma cidade de porte médio, a qual
não era assim tão violenta. Desde que não ficássemos parados, não haveria muito
perigo, e assim ela aceitou minha sugestão. Aquela moça deve ter gostado muito
de mim, pois, no meio do caminho, confessou que uma carona para andar a pé
foi o convite mais inusitado que recebeu em toda sua vida. Hoje, relembrando,
acho incrível o fato de ela ter aceitado.
Ao chegar ao prédio da garota, onde morava apenas com uma colega de
faculdade, entramos no pátio externo e ficamos nos beijando em um cantinho
escondido. O local era perfeito para mim: completamente vazio, escuro e seguro.
Os beijos foram ficando cada vez mais quentes e a pegada e as carícias foram
ultrapassando todos os limites no qual, a princípio, ela permitia. Tudo estava tão
bom que nem me dei conta de quanto tempo já havia passado. Quando paramos
de nos beijar por um momento para respirar, finalmente percebi já estar muito
tarde. Olhei para meu celular e vi que estava desligado por estar sem bateria. No
mesmo instante, perguntei as horas, e levei um susto ao saber que já eram duas
da madrugada.
O problema é que meu pai era muito preocupado e normalmente não
dormia antes de eu chegar em casa. Sempre combinávamos o horário de meu
retorno e, se eu atrasasse dez minutos e não ligasse, ele já ficava furioso,
andando pela casa toda e infernizando minha mãe. Naquele dia, eu tinha
combinado de chegar até às 11 da noite, e levando em consideração que já eram
duas da madrugada e que meu celular estava desligado, imaginei que a essa
altura ele já deveria estar extremamente preocupado, procurando-me pelas ruas.
Portanto, disse à garota que precisava ir embora imediatamente, e ela, olhandome com uma expressão de quem estava completamente dominada pelo desejo,
pediu:
– Não vai! Dorme aqui hoje!
Seguindo meu instinto de obediência aos pais, sem parar para raciocinar e
imaginando a fúria de meu pai, eu disse que não era possível e fui para casa no
mesmo instante, mas não antes de ver, mais uma vez, uma garota me olhando
com uma expressão de decepção. Apesar de manter uma fachada de confiante,
eu ainda era um desastre!
Logo no início do meu percurso de retorno, arrependi-me de minha
decisão. Era óbvio que aquilo tinha sido um convite para sexo, e, considerando
que eu pensava só nisto, ponderei que deveria ter simplesmente emprestado o
celular da garota e ligado para meu pai avisando que dormiria fora. Refleti:
Talvez eu levasse alguns xingões por não ter dado notícias antes, e talvez mais
alguns por dormir fora de casa sem permissão. Mas, e daí? No caminho,
repensando minha decisão, perguntei-me: qual garoto iria se importar com isso?
Quanto mais eu pensava, mais meu arrependimento crescia; no entanto, já era
tarde para voltar atrás.
Ao chegar em casa, senti alívio ao ver o carro na garagem, indicando que
ninguém estava me procurando. Ainda assim, entrei preparado para levar uma
bela bronca. Porém, logo me dei conta de que meus pais estavam dormindo
tranquilamente. É indescritível o tamanho da raiva na qual senti de mim mesmo
por ter deixado a oportunidade passar, no entanto o curso duraria mais um dia, e
eu ainda tinha esperança de terminar o que havia começado. Resolvi quebrar
minha regra de não ficar duas vezes com a mesma garota, mas o problema é
que ela não quebrou a regra dela de não ficar duas vezes com um bebezão
supercrescido. Durante a noite seguinte, tentei me aproximar, mas fui
completamente ignorado: ela nem sequer me olhou nos olhos.
***
Minha segunda oportunidade de sexo surgiu alguns meses depois. Durante
uma festa, comecei a trocar olhares com uma bela mulher, claramente mais
velha do que eu, o que adorei, pois estava aprendendo que esse seria o caminho
mais fácil para sexo sem compromisso. Em certo momento, ela se afastou das
amigas para ir ao bar. Imediatamente, dirigi-me para lá com o objetivo de tentar
conversar, mas nem precisei iniciar a interação. Ao me aproximar, ela me olhou
nos olhos e sorriu, e eu simplesmente a beijei antes mesmo de falar qualquer
coisa. Ao menos no quesito “aproximação”, eu já tinha ficado muito bom.
Depois disso, apresentei-me, mas nosso negócio não era conversar. Logo
estávamos em meio a beijos intermináveis.
Chegou um momento em que a moça, já ofegante, pediu para irmos a
um lugar mais tranquilo. Então, tive de dizer que estava de carona, ou seja, sem
carro. Achei que, mais uma vez, eu ia perder uma garota a qual estava indicando
querer “algo mais”; no entanto, ela afirmou não haver problema, já que estava
com seu carro. Como não estava disposto a desperdiçar novas chances, dessa
vez, deixei qualquer pensamento de responsabilidade de lado e, sem pestanejar,
fui com a garota, sem nem ao menos saber para onde estava indo. Meu único
pensamento é que iria em direção a fazer sexo, e isso me bastava.
No caminho, descobri que minha ficante era uma advogada de 27 anos,
que morava sozinha na cidade. Quanto a mim, menti dizendo ter 18 e ser
universitário. Ela deixou transparecer certo desapontamento, pois percebeu que
eu era mais novo do que aparentava no escurinho da boate. Mesmo assim, levoume para sua casa, e, para quebrar o estranho clima o qual tinha se formado,
assim que ela estacionou, ataquei-a com beijos ainda dentro do automóvel. Deu
certo, pois logo seu desejo reacendeu, e, sem cerimônias, ela me levou direto
para seu quarto.
Já deitado na cama, para minha surpresa, quando tentei despi-la, ficou
claro que a moça não ia facilitar. Entramos em uma guerrinha, na qual ela
obviamente tinha toda intenção de perder. Fui lutando para tirar cada uma das
peças de sua roupa, o que deveria ser prazeroso, mas se tornou angustiante, pois
eu era apenas um bebezão supercrescido o qual não sabia o que fazer, e ela,
obviamente, já era experiente. Durante o tempo todo, não consegui parar de
pensar que, ao terminar de despi-la, provavelmente ficaria óbvio que eu não
sabia o que estava fazendo, o isso poderia fazê-la desistir.
Mesmo angustiado, continuei despindo-a, e quando finalmente tirei suas
roupas íntimas, tive um efeito fisiológico indesejado: o nervosismo gerado pela
circunstância fez meu corpo produzir adrenalina, esse hormônio de propriedades
vasoconstritoras que produz justamente o efeito contrário ao necessário à ereção,
que é a vasodilatação. Traduzindo: meu corpo não deu nenhum sinal de vida, isto
é, “brochei”.
Quando isso aconteceu, ainda tentei manter a pose de experiente, fazendo
cara de idiota e dizendo a costumeira lorota masculina: “Isso nunca aconteceu
comigo antes”, sendo que, na verdade, era o sexo que nunca tinha acontecido
comigo. A mulher, a qual até ali parecia tão confiante e decidida, ficou
paralisada por alguns segundos, ainda nua e de pernas abertas. Foi muito
estranho! Quando voltou a si, ela começou a chorar, levantou-se e correu para o
banheiro, dizendo que o problema era ela. No fim das contas, a moça não era
assim tão segura quanto se fazia parecer! Sem saber o que fazer, vesti minhas
roupas e saí da casa dela, a pé, no meio da madrugada, sem nem ter noção de
onde estava, pois não prestei atenção no caminho. Definitivamente, não foi uma
boa noite, e eu certamente tinha me exposto a muitos riscos.
Pitágoras fez a bela citação: “Eduquem os meninos e não será preciso
castigar os homens”. Quanto a minha educação, meus pais falavam muito sobre
o mal das bebidas e drogas, tanto que eu não bebia nada com álcool antes dos
dezoito anos. Eles também falavam sobre honestidade, e eu seguia os princípios
aprendidos em casa. Mas, quanto ao sexo, nada era ensinado. Minha educação
(ou falta de educação) vinha principalmente da televisão, que, em seus
programas, incentiva a sexualidade a todo o momento (afinal, sexo dá
audiência!). Dadas essas circunstâncias, eu estava me aventurando cada vez
mais, o que aumentava a cada noite meu risco de arranjar sérios problemas.
Naquela madrugada, por sorte, apesar do meu ego arranhado, tudo acabou
ficando bem.
Capítulo 5
Reencontro e desencontro
Minha quase primeira vez foi traumática, mas a vida continuava e eu
também tinha de continuar tentando, porém, não antes de uma pequena pausa.
No fim de semana subsequente, não saí de casa. Passei o dia todo grudado na
internet e acabei reencontrando meu primeiro amor. Lembra-se da Tay nara? Já
fazia três anos que eu não a via. Imediatamente, começamos a relembrar nossos
bons momentos juntos. Na sequência, descobri que ela participava da mesma
associação atlética que eu e, prontamente, tentei marcar um encontro lá, para
nos revermos pessoalmente. Ela aceitou.
Já tinha se passado quase um ano após eu ter decidido que não queria
compromisso com ninguém, no entanto, após rever a Tay nara, desisti dessa
resolução. Foi incrível como o sentimento de infância voltou à tona assim que nos
aproximamos! Resolvi de imediato tentar conquistá-la. Tay nara, certamente,
também gostou de mim, tanto que bastou meia hora de conversa para nos
beijarmos. Confessei gostar dela quando criança, e ela me respondeu que
também fui sua primeira paixão.
Depois desse primeiro encontro, passamos a nos ver no clube, duas ou três
vezes por semana, até que um dia a chamei para ir a minha casa. Tay nara
aceitou, mas, antes, fez questão de deixar claro que éramos namorados e não
apenas ficantes. Ela exigiu fidelidade e fez questão de dizer que era virgem, e
que eu deveria ter muita paciência em relação a isso. Aceitei – ou, ao menos,
aceitei “da boca pra fora” –, pois minha paciência não era assim tão grande. De
qualquer forma, a situação era conveniente: obviamente, eu ia aproveitar toda a
oportunidade para tentar transar, e o melhor de tudo: eu não estaria sob pressão,
pois sabia que ela era tão inexperiente quanto eu, dessa forma, quando chegasse
a hora, obviamente ela estaria tão perdida quanto eu. Aproveitei a situação e
confessei também ser virgem, o que diminuía ainda mais minha preocupação
com o assunto, já que eu não precisaria fingir ter experiência.
Passamos a namorar em minha casa com certa frequência, sendo que ela
só aceitava ir lá quando meus pais não estariam. No primeiro dia, ela impôs
infindáveis limites e regras, porém, aos poucos, fomos ultrapassando todas. Sete
meses depois de termos iniciado nosso relacionamento, consegui, pela primeira
vez, deixar Tay nara seminua em um quente namoro. Depois disso, passamos a
chegar a esse ponto com certa frequência, mas toda vez que eu a deixava
seminua, ela logo tratava de fugir. Meu consolo era que, frente à situação a qual
ela estava se expondo, a cada vez, demonstrava-se menos nervosa e mais
excitada, e assim eu sabia ser uma questão de tempo para que cedesse.
Certo dia, tentei convencê-la a não interromper as carícias sempre que
ficávamos apenas de roupas íntimas. Minha justificativa era a de que eu queria
apenas sentir o corpo dela. Tay nara negou por um tempo, depois disse que ia
pensar, e um dia finalmente resolveu aceitar, mas combinou comigo que,
naquele dia, se eu tentasse tirar suas roupas íntimas, ela iria perder a confiança
em mim e terminaríamos nosso relacionamento imediatamente. Aceitei cumprir
a promessa, e sabia que teria de cumpri-la. Ela realmente seria capaz de
terminar o namoro se eu tentasse ir além do que combinamos.
Naquele dia, Tay nara permitiu que eu a deixasse seminua mais rápido do
que das outras vezes, e, dessa vez, como prometeu, não fugiu. Quanto a mim,
respeitei a promessa de não tentar terminar de despi-la, mas a beijei pelo corpo
todo, inclusive por cima de suas roupas íntimas, de forma que não as tirava, no
entanto as puxava, mordia e esticava. Fazia qualquer coisa que parecesse deixála mais excitada e consegui fazê-la se contorcer de prazer, enquanto tentava
convencê-la a me liberar da promessa e me deixar devorá-la.
Devo confessar que também senti muito prazer. A sensação daquele dia
foi tão boa e profunda como poucas vezes o verdadeiro sexo foi capaz de me
proporcionar! Foi algo realmente único! Tay nara resistiu, mas tenho certeza de
que o sexo não aconteceu por muito pouco. Acho que ela até se arrependeu de
não ter deixado acontecer, tanto que tomou a iniciativa de pedir para
repetíssemos a “brincadeira”, mantendo as mesmas condições de eu não tirar
suas roupas íntimas.
Fiquei muito animado, pois acreditava que Tay nara não resistiria uma
segunda vez, até porque tudo indicava que ela estava planejando algo especial, e
isso aumentava ainda mais minhas perspectivas. Sempre namorávamos em
minha casa, no período da tarde e com horário predeterminado, pois Tay nara
sempre ia embora pelo menos meia hora antes do horário de meus pais
chegarem. Entretanto, dessa vez, ela contou que seus pais e sua irmã iriam viajar
e, pela primeira vez, convidou-me para namorarmos em sua casa. Isso
significaria que teríamos uma noite toda para nós.
Naquela noite, fui bem arrumado e perfumado. Tay nara me recebeu
magnífica, usando um belíssimo vestido. Jamais a tinha visto de vestido e fiquei
encantado! Para minha surpresa, um jantar à luz de velas estava preparado.
Tay nara realmente tinha planejado tudo nos mínimos detalhes. Jantamos e depois
ela insistiu em assistir a um filme comportadamente, e disse que só depois
namoraríamos. Acho que fez isso para aguardar o tempo da digestão.
O filme era bom, mas era bem longo, e, tendo em vista meus objetivos,
vê-lo até o fim se tornou um castigo. Ao término do filme, finalmente Tay nara
permitiu que a beijasse, e quando os beijos começaram a ficar calorosos, ela me
pediu para esperar um segundo, levantou-se, pegou-me pela mão e me chamou
para seu quarto. Estava tudo arrumado, com um abajur colocado
estrategicamente longe da cama, fornecendo uma iluminação sutil. Eu diria que
estava na medida certa para nos apreciármos, porém mantendo certa intimidade.
Iniciamos o ritual de sedução, de carícias. Bastaram apenas uns cinco
minutos de beijos quentes para eu tirar o vestido dela e já a deixar seminua. É
claro que também me despi rapidamente; quanto a isso, eu já estava bem
prático! Nas primeiras vezes, eu era totalmente desengonçado, mas, agora, eu
conseguia tirar a roupa com certa maestria, sem que parasse, nem por um
segundo, de beijá-la e provocá-la. Após perceber que Tay nara estava ofegante,
evolui para carícias mais ousadas, iniciando a deliciosa tortura de beijá-la pelo
corpo todo. Seguindo o script, quando vi que ela estava descontrolada, comecei a
tentar convencê-la a me deixar ir até o fim. No começo, ela permaneceu em
silêncio. Então ataquei onde percebi que fazia mais efeito: comecei a beijá-la por
cima da calcinha até fazê-la literalmente se contorcer de prazer. Beijei-a com
bastante calma e depois tentei pedir mais uma vez que me deixasse ir até o fim.
Dessa vez, Tay nara respondeu, mas a resposta não foi a que eu esperava: ela
disse que me amava.
Nunca tínhamos dito um ao outro que nos amávamos, e eu nunca tinha
dito isso para garota nenhuma, por isso, naquele momento, a declaração acabou
reverberando em mim de forma muito estranha. Não sei explicar o porquê, mas
sei que me esfriou. Fiz um grande esforço para não parar de provocá-la e não
demonstrar que eu tinha ficado desconcertado, no entanto logo Tay nara repetiu
que me amava, e então fui até sua boca e a beijei. Foi um beijo profundo e lento,
algo realmente romântico, mas não adiantou, ela começou a chorar e me pediu
para parar.
Tay nara não se conformou com o fato de eu não ter respondido que a
amava também. Tentei explicar que nunca tinha dito isso a ninguém e não quis
que isso soasse como uma resposta fria; por isso a beijei, tentando demonstrar
meus sentimentos por meio do beijo. Pensei, de fato, que minha resposta tinha
sido romântica e convincente, mas ela não a considerou dessa forma, e começou
a chorar ainda mais. Era inacreditável! Mais uma vez, eu tinha estragado tudo!
Tay nara me pediu para ir embora. Foi aí que também fiquei nervoso, vesti-me
em silêncio, demonstrando extrema indignação, e saí.
Tay nara não entrou na internet no dia seguinte. Então, no domingo, engoli
o orgulho e resolvi ligar. Queria dizer-lhe que também a amava, mas ela não me
atendeu, então voltei a ficar furioso e resolvi que não tomaria mais nenhuma
iniciativa para nos reaproximarmos. Passamos a semana toda sem nos falarmos,
e, no sábado seguinte, resolvi provocá-la. Postei em minha página, numa rede
social, que estava me preparando para ir a uma festa. Se meu objetivo era
provocar, funcionou perfeitamente, pois logo ela também postou uma foto
pintando as unhas e dizendo que a noite iria ser longa. Em minha infantilidade,
resolvi ir além e postei um comentário como se fosse uma mensagem indireta
para alguma mulher. Não faço a menor ideia de como escrevi, mas me lembro
de que deixei no ar um possível encontro. Dessa vez, não houve resposta.
Tay nara não postou mais nada, e eu não precisava de mais nada para ter uma
péssima noite. Fiquei em casa, imaginando se ela tinha mesmo saído ou não. Foi
uma noite realmente ruim. No dia seguinte, Tay nara não postou nada nas redes
sociais, o que me deixou preocupado, já que ela vivia na internet. Essa
perturbação piorou nos dias subsequentes, pois ela continuou sem dar sinal de
vida. Cheguei a pegar o celular na mão umas três vezes pensando em ligar, mas
resisti.
Mais um fim de semana chegou, e mais uma vez tive tempo para sentir
todo o peso da saudade, somada à preocupação. Certamente, não era normal o
súbito desaparecimento dela nas redes sociais. Pela segunda vez, resolvi engolir
meu orgulho e liguei para ela. Eu precisava conversar, nem que fosse para dar
um ponto final definitivo em nosso relacionamento. Insisti na ligação até cair.
Então, mandei uma mensagem pedindo para Tay nara me ligar. Escrevi também
que a amava e que estava muito arrependido de não ter dito isso em nosso último
encontro.
Depois de agonizantes duas horas sem resposta, mandei um gigantesco email pedindo desculpas e, ao final, pedi para que me ligasse nem que fosse
apenas para terminarmos nosso namoro definitivamente. Tay nara não respondeu
ao e-mail também, então comecei a me convencer de que era mesmo o fim e
que eu deveria seguir em frente. No entanto os dias foram passando e minha
agonia não passava. No final de semana seguinte, tive uma nova crise e decidi
que iria falar com ela de qualquer jeito.
Liguei para Tay nara umas vinte vezes seguidas. Algumas chamadas, ela
deixou tocar até o fim; outras, ela desligou. Por fim, chegou uma mensagem no
meu celular. Ao ouvir a notificação de recebimento, senti aquele típico frio na
barriga, indicando nervosismo. Quando vi que a mensagem era realmente dela, o
frio na barriga se transformou em um grande arrepio pelo corpo todo. Ela
escreveu o seguinte: “Agora é tarde demais, você nunca vai me perdoar”.
Comecei a pensar em todas as possibilidades do significado de tais
palavras, e quanto mais tentava raciocinar, mais ficava nervoso. Não aguentei a
angústia, eu precisava saber imediatamente o que tinha acontecido. Tentei ligar
para Tay nara novamente, mas não fui atendido. Mandei uma mensagem
avisando que estava indo em sua casa. Isso funcionou: antes de eu me arrumar,
ela me ligou. No entanto, quando atendi, só o que eu ouvia era um som baixinho
de choro. Acredito que Tay nara tentou abafar o celular com as mãos enquanto
chorava, mas não foi o suficiente, pois seus soluços eram audíveis. Fiquei
esperando ela falar algo, mas, após um minuto, ela desligou.
Liguei de volta e, dessa vez, fui atendido. Disse “oi”, mas não obtive
resposta. Comecei a insistir para ela me contar o que tinha acontecido. Após
certo tempo, Tay nara tentou falar, porém logo começou a chorar novamente.
Continuei esperando com toda a paciência possível, até que, após vários minutos,
o choro diminuiu, ela respirou fundo, disse apenas que não conseguiria falar, e
me pediu para entrar na internet no intuito de conversarmos por escrito. Em
seguida, desligou o telefone, não me dando tempo para responder nada.
Quando entrei na internet, Tay nara começou a escrever e foi enviando
por partes a sua explicação. Começou me contando que, naquele fim de semana
o qual eu escrevi na minha pagina que iria sair, sua irmã mais velha, Paula,
convidou-a para uma festa que aconteceria na casa de um de seus colegas da
faculdade. Como ela estava zangada por saber que eu sairia, resolveu aceitar o
convite.
Nesse momento, senti um arrepio e uma grande agonia. Sabendo que
Tay nara era muito detalhista e iria se alongar em pormenores, não aguentei e
escrevi pedindo para me contar logo o que tinha acontecido de errado. Tay nara
escreveu que, como eu sabia, ela não era acostumada a beber, porém na festa
havia caipirinha, a qual resolveu experimentar. Por se tratar de uma bebida doce,
acabou sendo enganada pela aparente suavidade e perdeu o controle. Nesse
momento, ela passou a dar minuciosos detalhes e desculpas. Começou a relatar
que fez isso porque estava muito triste e bebia na ilusão de que o álcool a
animaria, ainda que a noite estivesse péssima. A Tay nara estava mais uma vez se
direcionando a um detalhamento sem fim, então eu a interrompi e novamente
insisti para relatar logo o acontecimento, o qual, acreditava ela, que eu não
perdoaria.
Por quinze minutos não obtive mais nenhuma mensagem, até que veio, de
uma única vez, o texto o qual explicava o desfecho dessa história. O relato foi o
de que ela ficou bêbada e acabou passando mal, e então sua irmã a mandou para
casa de carona com um colega, o dono da festa, o qual se ofereceu para ajudar.
Tay nara relatou que foi piorando durante o caminho, tanto que nem ao menos
tinha lembranças sólidas dos acontecimentos desde a hora em que entrou no
carro em diante, mas disse se lembrar de ter pedido para o garoto parar a fim de
que pudesse vomitar. Por fim, ela escreveu também ter vagas lembranças do tal
menino agarrando-a, e que não teve forças para resistir.
“Agarrou-a de que forma?”, foi a primeira coisa que me perguntei.
Comecei a me remoer de angústia pela consciência de não fazer muito sentido
beijar uma bêbada que tinha acabado de vomitar. Isso significava que… Resolvi
não especular e escrevi pedindo para ela me relatar exatamente o que
aconteceu. A imediata resposta foi a de que, apesar de não se lembrar dos
acontecimentos com exatidão, a única certeza era a de não ser mais virgem.
Minha primeira reação foi a de xingá-la, mas, por sorte, em um
movimento impulsivo, saí da frente do computador e, com muita raiva, dei um
soco na parede. Pelo tamanho da minha dor, imagino que eu tenha chegado
muito perto de quebrar os dedos. Com a mão machucada, desisti de responder e
simplesmente me deitei na cama, ignorando as mensagens que continuavam a
chegar. Quando me cansei de ouvir o computador indicando a chegada de
mensagens, levantei para insultá-la, porém, antes, resolvi ler o que tanto escrevia.
Ela fez inúmeros pedidos de perdão, disse que não tinha feito nada por vontade
própria e, no final, afirmou ainda me amar, mesmo que eu decidisse odiá-la. Ao
perceber o desespero dela, resolvi não responder nada e apenas desligar o
computador. Até aquele momento, eu estava segurando as lágrimas, mas, na
sequência, deitei-me novamente na minha cama e me permiti chorar.
Era muito difícil me fazer derramar lágrimas, pois cresci ouvindo dizer
que homens não choram. Minha conclusão: homens choram, sim, e eu fui muito
homem ao chorar em silêncio em vez de despejar em cima dela toda minha
raiva. Talvez Tay nara até merecesse tudo o que pensei em falar de ruim, mas do
que adiantaria? É certo que ela já estava se punindo por conta própria. Resolvi
me dar um tempo para pensar antes de escrever qualquer coisa. No dia seguinte,
acordei sentindo algo parecido com desprezo por Tay nara, e segui meu dia sem
pensar muito sobre o assunto. Somente na hora de dormir é que perdi o sono,
remoendo todos os acontecimentos, e cheguei à conclusão de que era
simplesmente o fim.
Nos dias subsequentes, fui pensando cada vez menos sobre o assunto.
Estava decidido a simplesmente esquecê-la. Contudo, um novo e-mail voltou a
me abalar. Paula, irmã de Tay nara, escreveu-me pedindo desculpas e, em uma
mensagem gigantesca, relatou com mais detalhes tudo o que tinha ocorrido na
noite da festa. Obviamente, eu não saberia reproduzir aqui tudo o que foi escrito,
no entanto, resumindo, ela confirmou que Tay nara nem ao menos queria ir à
festa. Mas insistiu até convencê-la, e só conseguiu porque eu insinuei que
também ia sair.
Na sequência, ela relatou que Tay nara decidiu ir à festa, porém
permaneceu em clima de velório. Devido a isso, Paula começou a convencer a
irmã a tomar caipirinha e, gole após gole, acabou conseguindo propositalmente
embebedá-la, achando que assim ela iria se divertir. A quantidade de bebida
ingerida por Tay nara, segundo Paula, tinha sido pequena, de forma que não
esperava que a irmã fosse tão fraca para bebidas, passando mal tão facilmente.
Então, justificou-se escrevendo que ela mesma tinha bebido pelo menos o triplo e
também ficou bêbada, mesmo se mantendo em situação muito melhor que a
irmã, pois estava acostumada a beber. Em seguida, Paula revelou que,
infelizmente, mesmo sem estar passando mal, já estava ruim o suficiente para
tomar a estúpida decisão de não acompanhar Tay nara na volta para casa.
Paula confirmou também que, certamente, o álcool continuou fazendo
efeito durante o percurso de carro, tanto que o tal colega o qual deu a carona
acabou tendo de levar Tay nara de volta à festa, pois, ao chegar em casa, ela não
tinha tido nem sequer condições para descer do carro sozinha. De acordo com o
relato, a situação da Tay nara era tão ruim a ponto de as pessoas da festa
temerem que entrasse em coma alcoólico.
Por fim, Paula descreveu ter passado o último mês sentindo muita culpa
pelo que tinha acontecido na noite da festa, mas somente agora ela tinha
descoberto que a situação tinha sido muito pior. E que só descobriu porque
Tay nara estava extremamente depressiva, deixando evidente haver algo muito
errado, o que a fez insistir até finalmente conseguir fazer a irmã falar sobre o
estupro.
Ao ler a palavra “estupro”, fiquei profundamente incomodado. Estava
claro que era isso mesmo que tinha acontecido, porém eu ainda não tinha visto
por essa perspectiva, pois não tinha tido noção do quão mal Tay nara estava
quando o ato sexual aconteceu. Imediatamente, interiorizei a ideia de que tinha
de existir consequências para o abominável ato, o qual agora eu não tinha
nenhuma dúvida de que tinha sido totalmente involuntário.
Mahatma Gandhi fez a seguinte ponderação: “O fraco jamais perdoa: o
perdão é uma das características do forte”. Resolvi ser forte e perdoar. Afinal, eu
ainda a amava. Porém, exigi que ela fosse forte também. Após me machucar
com minhas ideias por mais alguns dias, resolvi escrever um e-mail para
Tay nara dizendo que ela deveria denunciar o menino como estuprador e que, se
fizesse isso, eu a apoiaria como namorado.
No dia seguinte, Tay nara respondeu ter pensado muito no que eu propus.
Disse que, de fato, considerava o acontecimento como estupro, mas que não
tinha coragem de denunciar o rapaz, pois iria passar por um grande
constrangimento familiar, além de que Paula iria ser culpada pelos pais, tornando
a situação ainda pior. Respondi insistindo que ela precisava denunciar, e reforcei
que estaria ao seu lado para enfrentar todas as dificuldades, no entanto, dessa vez,
também deixei claro que, se ela não fizesse isso, nosso namoro terminaria
definitivamente, pois eu não seria capaz de continuar como se nada tivesse
acontecido. Para meu sofrimento, a resposta final foi: “Desculpa, mas eu não
posso mesmo fazer isso”. Por um momento, pensei em ligar para os pais de
Tay nara e contar eu mesmo o que tinha acontecido. Também pensei em
procurar o tal menino e acabar com ele, porém ponderei que a primeira
iniciativa deveria ser da própria Tay nara e se ela mesma não queria tomar
atitude nenhuma, talvez o melhor fosse aceitar a decisão.
Outra vez, concluí que o assunto estava terminado e tentei seguir minha
vida. Mas não tinha jeito: os dias foram passando e minha agonia não diminuía.
Não dava para esquecer tudo porque eu a amava, e também não dava para
esquecer o ocorrido porque eu não conseguia aceitar a impunidade. Após alguns
dias, voltei a ligar para Tay nara com o objetivo de marcar um encontro. Sentia
uma necessidade avassaladora de conversar com ela pessoalmente. Eu
acreditava que, se ficássemos frente a frente, nosso amor falaria mais alto e eu a
convenceria a encarar a situação junto comigo, no entanto ela não me atendeu e,
na sequência, enviou uma mensagem que dizia: “Estou grávida e vou me casar.
Você foi muito especial para mim, porém peço que me esqueça”.
Eu não conseguia acreditar que aquilo podia ser verdade! Ela tinha sido
estuprada e ia se casar com o estuprador! Qual a chance de isso dar certo? Hoje,
sei que não deu, mas não vou comentar sobre isso, pois, para mim, aquela
devastadora mensagem foi o fim merecido para essa história, ainda que minha
dor tenha ido além. O dia de sol mais lindo, aos meus olhos, tornava-se cinzento,
sem cor, sem brilho, sem cheiro, sem sabor ou graça. Nenhum lugar era bom.
Não adiantava tentar fugir – e olha que eu tentei! Descobri que somente o tempo
cura – no entanto, como demora para curar! Por um momento, achei que a dor
nunca passaria. Sofri muito e, na época, arrependi-me de ter me permitido amar.
Hoje, entendo que o amor é exatamente como deveria ser: avassalador e
indomável. Ou, ao menos, ainda indomado pela humanidade de uma forma
geral. Tenho consciência de que, no dia o qual, como sociedade, aprendermos a
controlar o amor, esse será o dia em que a equação mais perfeita que sustenta a
vida estará encerrada, e então nosso egoísmo certamente nos destruirá. Assim
sendo, um brinde às dores de quem ama!
Capítulo 6
Faculdade
Na adolescência, minhas dificuldades de aprendizado se mantiveram,
tanto que, mais uma vez, fui “gloriosamente” classificado como perdedor. Isso
ocorreu no início do segundo ano do ensino médio. Logo no primeiro dia de aula,
todos os alunos tiveram uma grande surpresa: as turmas estavam completamente
redivididas, pois a diretora resolveu estabelecer as classes conforme a
performance individual que cada aluno teve no ano anterior.
Eram cinco turmas da mesma série, tendo cada uma delas em torno de
30 alunos, sendo que os melhores estudantes do ano antecedente foram
selecionados para formar uma turma especial: a turma A. Depois, os alunos
medianos foram encaminhados para a turma B. Na sequência das notas, foi
montada a turma C. Depois disso, o colégio teve o mínimo de bom senso e não
continuou mais filtrando os alunos por suas performances, pois, obviamente, a
turma E ficaria absurdamente fraca. Então, os alunos que não entraram nas
turmas A, B e C por “mérito” foram jogados aleatoriamente nas turmas D ou E.
Antes mesmo de olhar onde meu nome estava, eu sabia que tinha ficado em uma
das duas piores turmas – no caso, foi a turma D, a qual era claramente
discriminada tanto pelos colegas das turmas melhores, como também pelos
professores.
No ano subsequente, o último ano do ensino médio, as turmas foram
mantidas praticamente idênticas, e assim eu continuava em uma turma
completamente desacreditada. O “bom” é que, estando nessa turma, ninguém
exigia ou esperava muito de mim, então eu seguia tranquilamente minha rotina
dividida entre Tay nara – pois foi durante esse ano que iniciei o namoro com ela
–, a academia, o videogame, a internet e muitas outras atividades. Só o que eu
nunca fazia era estudar. Enquanto todos começavam a se preocupar com a
faculdade, eu continuava tranquilo no meu mundinho irresponsável.
Foi no mês de outubro desse ano que meu namoro com Tay nara chegou
ao fim, e em novembro, houve uma divulgação para as turmas A, B e C de que
uma das faculdades da cidade iria permitir que alunos dos colégios públicos
participassem do vestibular gratuitamente, e os detentores de melhores notas
ganhariam bolsas de estudo. Achei engraçado o fato de a diretoria “esquecer-se”
de fazer a divulgação nas piores turmas, ou seja, na D e na E; portanto, não fui
convidado. No entanto, fiquei sabendo do vestibular e resolvi me inscrever.
A verdade é que só fui porque estava depressivo com o fim do
relacionamento, e gostava de participar de qualquer coisa que tornasse meus fins
de semana mais curtos. Como ponderou Albert Einstein: “A vida é igual a andar
de bicicleta. Para manter o equilíbrio, é preciso se manter em movimento”. Eu
sabia que, se não ocupasse a minha mente, a tristeza me dominaria.
***
Quanto ao resultado do vestibular, sem dúvidas, foi uma grande surpresa.
Não me lembro exatamente de qual foi minha classificação, mas eu fiquei entre
os vinte melhores. Não encontrei ninguém no meu colégio, nem mesmo da tão
venerada turma A, o qual tenha tirado nota maior que a minha. Eu era tão
desacreditado que um grande amigo da turma B, chamado Ferdinando, ao ficar
sabendo da minha nota, chegou a insinuar, na minha frente, que eu deveria ter
copiado as questões de alguém inteligente. Não fiquei ofendido: Ferdinando tinha
convicção total de que eu não tinha capacidade para tirar a nota que tirei, no
entanto a verdade é que eu mesmo duvidava de minhas capacidades. Então,
como eu poderia ficar bravo por conta disso? Seja como for, fui um dos
ganhadores da bolsa.
Após a felicidade inicial, veio uma preocupação: apesar de a prova ter
sido a mesma para todos os participantes, a bolsa era destinada ao aluno para
frequentar o curso ao qual tinha se inscrito, e eu tinha feito a inscrição em
Engenharia Química. Fiz isso porque, alguns dias antes de me inscrever, eu tinha
visto uma reportagem dizendo que faltavam engenheiros químicos no mercado e,
por isso, a matéria afirmava ser uma grande oportunidade profissional. Como
não sabia o que eu gostaria de fazer, e como nem mesmo eu acreditava que teria
alguma chance de ganhar a bolsa, resolvi assinalar essa opção, no entanto fiz isso
apenas porque tinha ficado com o nome do curso na cabeça e era obrigatório
selecionar algo. Se eu acreditasse ter alguma chance, obviamente, teria escolhido
outro curso, tendo em vista que eu odiava química.
Mas, afinal, como eu consegui ir bem e ganhar a bolsa? Há uma belíssima
frase de Nei Ferrarini que diz: “Todos ganham presentes, mas nem todos abrem o
pacote.” Apesar de sempre ser classificado como inferior, eu finalmente
descobri que também tinha dons: um raciocínio lógico apurado, que eu estava
começando a amadurecer o suficiente para aprender a utilizar, e uma boa
memória de longo prazo.
No colégio, como eu já estava conformado em estar entre os piores desde
a infância, eu simplesmente estagnei, e na juventude, jamais me esforcei para
modificar isso. Enquanto os bons alunos decoravam as matérias antes das provas,
eu mal lia meu material, e, consequentemente, eles tendiam a tirar notas
melhores. No entanto, mesmo sem estudar, depois de certa idade, comecei a não
ir mal nas provas, pois a minha boa memória de longo prazo me permitia tirar
notas razoáveis apenas por prestar atenção às aulas. O motivo de minhas médias
continuarem baixas estava no fato de que eu permanecia tão estagnado a ponto
de não fazer as tarefas e não entregar os trabalhos, e então eu perdia pontos, o
que afetava minha média final.
Na prova para concorrer à bolsa, como ela abrangia as matérias de
muitos anos de estudos, a vantagem dos bons alunos diminuía ao considerar que
eles já tinham esquecido as decorebas, e eu tinha o privilégio de ter uma boa
memória de longo prazo, assim sendo, apesar de eu não estudar, eu me lembrava
da essência de tudo o que tinha aprendido. Levando isso em consideração,
acredito que o que acabou fazendo a diferença foi meu raciocínio lógico, o qual
me ajudou a não cair em inúmeras pegadinhas e me permitiu não desperdiçar
questões para as quais era possível encontrar respostas baseadas em pura
interpretação. Resultado: finalmente, tinha chegado a hora de eu “abrir o meu
pacote” e explorar o que tinha de bom em mim.
Este é um conselho muito importante, principalmente para os jovens:
cuidado com o julgamento a respeito de quem está a sua volta. De Marchi disse o
seguinte: “Se acreditar demais na forma como os outros o julgam, acabará
exatamente da forma com o qual foi erroneamente julgado”.
***
Mesmo sabendo que eu teria grandes dificuldades, resolvi fazer o curso de
Engenharia Química. Nos primeiros dias de aula, fiquei muito feliz com minha
escolha, porém, pelo motivo errado. Notei que nos cursos de Engenharia Civil
havia muito mais homens do que mulheres, e em Engenharia Mecânica,
simplesmente não havia mulheres, enquanto em minha sala, o número de
homens e mulheres era praticamente o mesmo. Isso bastou para me animar,
pois, mais uma vez, minha maior preocupação estava voltando a ser conhecer
garotas.
Fiquei deslumbrado com as novas oportunidades que se apresentavam. Eu
estava louco para aproveitá-las e esquecer o que tinha ficado para trás. Já na
primeira festa de que participei, fiquei com uma belíssima loira, o qual, ao final,
deu-me seu telefone. Eu não tinha nenhum intuito de ligar, pois estava decidido a
aproveitar a vida de solteiro. Voltei a aderir à ideia de não ficar duas vezes com a
mesma garota.
A noite foi uma delícia. Flertar, fazer a aproximação e, finalmente, dar o
beijo: tal “caçada” é algo realmente prazeroso. O problema é que a madrugada
não foi tão boa assim. Antes de dormir, sozinho, todo o glamour da festa passou, e
o que povoou a minha mente foi a saudade de Tay nara. Essa foi a primeira vez
em que fiquei com outra pessoa depois do término do namoro.
Outras festas vieram e, com elas, outros flertes. Eu continuava em busca
de sexo sem compromisso. Esse passou a ser meu objetivo principal dentro da
faculdade, e logo acabei encontrando uma oportunidade. Fui a uma festa em
uma república perto da faculdade, e a garota com quem eu estava ficando
comentou que morava em um prédio na mesma rua. No final da festa, ela me
convidou para ir a sua quitinete, dizendo que faria um café para nós. É claro que
eu prontamente entendi como sendo um convite para fazermos sexo e o aceitei.
Não foi outro o resultado: após entramos na quitinete, comecei a beijá-la, e
quando vi, já estávamos em sua cama.
A situação em nada se parecia com a segurança e o prazer que eu tinha
com Tay nara, e acabei sentindo um grande nervosismo. Foi ruim me deparar
com minha própria realidade. O tempo tinha passado, tornei-me um
universitário, e tinha certeza de que agora tudo era diferente. Porém, o momento
mostrou que eu estava enganado, pois, no fundo, continuava sendo uma criança
agigantada. Ao sentir a adrenalina acelerando meu coração, apavorei-me com a
ideia de que eu repetiria o vexame de falhar. Apesar da insegurança, segui em
frente. Fui tirando a roupa daquela moça, bem devagar, tentando ganhar tempo
para me acalmar, mas, antes disso, ela perdeu a paciência e me agarrou,
procurando certo volume entre minhas pernas, que não encontrou.
É incrível como eu já estava acostumado a ver aquela expressão de
decepção o qual a menina fez ao perceber que meu corpo estava “indisposto”!
Dessa vez, utilizei o final do meu relacionamento como desculpa. Não era uma
completa verdade, porém também não era totalmente mentira. Provavelmente
falhei por estar nervoso, mas, realmente, a situação na cama fez-me relembrar
de Tay nara, e, sem dúvidas, isso contribuiu para meu “desânimo físico”.
Contei toda minha história. Nunca a havia contado a ninguém, e descobri
que precisava mesmo desabafar. A garota se sensibilizou e se ofereceu para me
ajudar a esquecê-la. Respondi que não queria um relacionamento e ela deu
risada, afirmando não estar pensando nisso. Por que eu não aprendia a manter
minha boca fechada? Após mais um pouco de conversa, agradeci, peguei o
telefone dela e prometi ligar, mas nunca liguei. Confesso que pensei, sim, em
ligar, no entanto, se eu falhasse uma segunda vez, qual desculpa eu utilizaria?
Outro motivo para eu não ter ligado é que logo iniciaram as primeiras
provas da faculdade, e eu descobri da pior forma não ser mais possível alcançar
a média apenas assistindo às aulas. Fui muito mal nas duas primeiras avaliações.
Decidi começar a estudar, mas não deu tempo de desfazer o estrago de minha
irresponsabilidade. Minhas notas melhoraram um pouco nas demais provas,
porém fiquei abaixo da média em praticamente todas as disciplinas. Convencime de que teria de estudar, e então senti todo o peso de não ter levado a sério o
ensino médio. Para mim, tudo era mais complicado do que para a maioria dos
outros alunos os quais já tinham entrado na faculdade com um bom ritmo de
estudo. Agora, sem conhecimento, minha lógica não podia me ajudar muito, e o
único caminho era mergulhar nos livros. Mesmo estudando, encontrei muita
dificuldade, pois, enquanto os outros alunos relembravam seus aprendizados e se
preocupavam em aprofundar seus conhecimentos, eu, que nunca tinha aprendido
nada de química, tinha de compreender toda a matéria do ensino médio e da
faculdade ao mesmo tempo.
As festas ficaram em segundo plano, até porque eu sabia que, se
reprovasse, perderia a bolsa. De repente, o mundo mágico da faculdade tinha se
tornado mais árduo do que eu imaginava. Era hora de eu correr atrás do prejuízo
de muitos anos de irresponsabilidade e amadurecer um pouco. A verdade é que
tive sorte de ter a oportunidade de mudar os rumos de minha vida.
Capítulo 7
Volátil
Sobrevivi ao primeiro ano de faculdade com notas razoavelmente boas.
Mas, já com dezenove anos, eu continuava virgem. No início do segundo ano
letivo, eu estava em crise existencial. A verdade é que eu sentia falta de uma
companheira, e assim comecei a cogitar que talvez eu devesse voltar a me
permitir envolvimento.
Um dia, no segundo mês de aula, fui ao ponto de ônibus um pouco antes
do horário em que costumava ir, e bem naquele dia notei uma bela garota de
olhos e cabelos bem negros e uma pele bem clara, características que
resultavam em um charmoso contraste. Senti atração por ela imediatamente.
Sutilmente, aproximei-me dela, observando-a na tentativa de encontrar algo que
servisse para iniciar uma interação. Como ela utilizava relógio de pulso, perguntei
que horas eram. A garota respondeu com simpatia e aproveitei para fazer algum
outro comentário, não me recordo ao certo do teor, mas acho que falei sobre o
clima.
Sei que foi uma aproximação ridícula, mas funcionou. Quando vi, já
estávamos conversando sobre os mais variados assuntos. Ela se chamava Nicole.
Quando chegamos à faculdade, nossos caminhos se separaram já no ponto de
ônibus, pois Nicole estudava no bloco em direção oposta ao meu. No entanto,
antes de nos afastarmos, peguei seu telefone, como também os dados para
encontrá-la nas redes sociais. Ainda naquela noite, passamos horas trocando
mensagens pelo celular e, ao final, combinamos de nos encontrar no ponto de
ônibus no dia seguinte, no mesmo local e horário em que tínhamos nos
conhecido.
No dia subsequente, assim que nos vimos, eu a beijei no rosto e
começamos a conversar como se já nos conhecêssemos há muito tempo, pois
tínhamos assuntos inesgotáveis. Era incrível como tínhamos afinidade! Quando já
estávamos chegando à faculdade, acabamos falando sobre comida. Descobri que
Nicole também gostava de culinária japonesa, minha favorita. Aproveitei o
assunto e a convidei para ir a um restaurante ainda naquela noite.
Enquanto me arrumava para o encontro, cogitei que eu poderia estar indo
em direção a um novo relacionamento e gostei da ideia. Resolvi não pensar
muito sobre o assunto e simplesmente permitir que tudo acontecesse
naturalmente. Ao anoitecer, peguei o carro do meu pai e busquei a garota em seu
apartamento. Assim que a chamei pelo interfone, ela desceu rapidamente, sem
me chamar para entrar. Após o jantar, ficamos algum tempo conversando em
uma praça em frente ao restaurante, e, por fim, levei-a de volta a seu
apartamento. Quando chegamos, eu a beijei.
Eu e Nicole ficamos dentro do carro por bastante tempo. Por um lado, eu
estava na expectativa de que ela me convidasse para entrar; por outro, eu torcia
para que as coisas não acontecessem tão afoitamente. Após muitos beijos, ela
me disse que estava na hora de entrar, e fez questão de comentar ainda ser muito
cedo para que eu conhecesse seu apartamento.
Conheci Nicole em uma terça-feira, ficamos pela primeira vez na quarta,
pela segunda vez na quinta, e na sexta-feira já nos assumimos como namorados.
No sábado, ela me permitiu subir até seu apartamento. Cogitei que nesse dia
poderia haver sexo e fiquei nervoso, mas Nicole nem ao menos deixou que eu
entrasse em seu quarto. Apenas ficamos na sala conversando com Bruna, a
colega com quem dividia o apartamento. Demorou mais alguns dias até que
Nicole finalmente me permitiu entrar em seu quarto, e depois disso, outras três
semanas se passaram até que ela aceitasse namorar lá dentro. Foi aí que descobri
o tamanho do tormento gerado por uma calça jeans apertada, que não saía de
jeito nenhum, não importa o quanto eu fizesse força.
Por cinco meses, foi assim: sempre que eu estava a sós com Nicole, a
calça jeans apertada estava entre nós. Obviamente, isso não era apenas
coincidência, mas, um dia, ela bobeou. Estávamos sozinhos em seu apartamento,
e iríamos passear, porém antes ela resolveu tomar um banho enquanto fiquei
assistindo à televisão. Eu estava entretido com um filme quando a vi saindo do
banheiro e indo em direção ao quarto, enrolada em sua toalha de banho. Para o
“azar” dela, eu estava sentado bem no único sofazinho que dava vista para o
corredor do apartamento. Quando ela percebeu o meu olhar, acelerou, mas
imediatamente levantei e corri em sua direção, conseguindo segurar a porta de
seu quarto antes que fosse fechada.
Fiquei empolgadíssimo ao saber que minha arquirrival, a calça jeans
apertada, não poderia protegê-la dessa vez. Imediatamente, agarrei Nicole e
comecei a beijá-la. Ela me pediu para sair, tentando fazer uma expressão de
brava, mas eu fiz um charme e ela acabou rindo. Aproveitei sua breve
descontração para derrubá-la na cama e beijá-la. Nicole não correspondeu ao
beijo e, mais uma vez, pediu para eu sair. Pedido ignorado. Tentei beijá-la de
novo, no entanto ela reagiu virando o rosto. Minha investida foi simplesmente
beijá-la na bochecha, depois no queixo e então no pescoço. Eu beijava onde dava
e do jeito que dava, e mais uma vez a fiz rir. Após mais um charme, finalmente
consegui beijá-la na boca novamente, e dessa vez ela correspondeu.
Ficamos nos beijando por uns três ou quatro minutos. Quando o clima
começou a esquentar, Nicole me pediu para apagar a luz. Consegui desligá-la
com o pé sem soltá-la completamente, por receio de que fosse apenas uma
estratégia para escapar, mas ela não se mexeu, deixando evidente que estava
mesmo disposta a finalmente ceder, e isso fez meu coração disparar. A
perspectiva de sexo gerou instantaneamente adrenalina em mim. Apesar do
nervosismo, percebi que meu corpo estava “disposto” e segui em frente. Tirei
primeiro a toalha dela, depois tirei minhas roupas, até finalmente sentir nossos
corpos se unindo. Enfim, eu estava fazendo sexo! Pena que não durou muito.
Para ser mais claro: não durou mais do que um ou dois minutos.
Mais uma vez, eu estava passando vexame. Só me restou fazer a minha já
tão conhecida cara de bobo e repetir aquela velha lorota: “Desculpa, isso nunca
aconteceu comigo antes”. A grande diferença é que, dessa vez, não adiantava
fugir, pois ela era minha namorada, e agora só me restava encarar a situação.
Nicole foi completamente compreensiva. Disse que não se importava, acalmoume, mandou-me deitar e deitou-se em meus braços. Depois de certo tempo,
quando o nervosismo e a vergonha já tinham passado, resolvi contar a verdade e
falei sobre a minha inexperiência.
Acontece que, em nossas conversas no começo do relacionamento,
Nicole me contou que já tinha sido noiva, e que o ex-noivo tinha sido seu
primeiro e único namorado antes de mim. À medida que explorei mais o assunto,
ficou claro que ela tinha tido relações sexuais com esse rapaz, e então, na
ocasião, resolvi não contar sobre minha virgindade. Ficamos conversando por
bastante tempo. Como Nicole achava que eu tinha tido relações sexuais com
Tay nara, ela voltou a me perguntar sobre meu namoro. Eu nunca tinha contado
detalhes sobre meu antigo relacionamento, principalmente sobre como tudo
terminou. Acho que um dos motivos era exatamente para não deixar claro que
eu ainda era virgem. Falei tudo sobre minha historia com Tay nara e, na
sequência, ouvi tudo sobre o noivado de Nicole. Ela me contou que, aos dezenove
anos, tinha a intenção de se casar virgem, mas, após marcar a data do
casamento, acabou cedendo à pressão para ter relações sexuais. O triste foi que,
apenas três semanas depois, ela acabou descobrindo que o calhorda tinha outra
namorada em uma cidade à qual ele ia algumas vezes por ano a trabalho.
Sou, por natureza, curioso, e é incrível como gostamos de nos machucar
com detalhes sórdidos absurdos! Eu não resisti e fiz a ridícula pergunta de quantas
vezes eles transaram durante essas três semanas, e o pior, ela sabia a resposta. Eu
perguntei na expectativa de ouvir que tinha sido uma ou duas vezes, mas, como
ela fez uma expressão de quem sabia e não queria contar, ficou claro que não
havia sido tão poucas vezes assim. Insisti em saber, argumentando que, quanto
menos escondêssemos um do outro, mais unidos estaríamos. Após muita
insistência, ela finalmente me contou que tinha tido relações sexuais por 27 vezes.
Imediatamente fiz as contas: se o namoro durou um total de 23 dias após eles
começarem a transar, era provável que transaram todos os dias, e em alguns dias
foi ainda mais vezes. Não gostei de saber que ela se deu para outro homem com
tamanha intensidade, pois tal numero, de certa forma, deixou claro o quão
profundamente estava envolvida e apaixonada. Isso era óbvio, tendo em vista que
eles iam se casar, mas foi estranho ver esta intensidade refletida em números.
Findo o relato, Nicole aproveitou para fazer uma “pressãozinha”, dizendo
que, mesmo não sendo mais virgem, de forma alguma sairia transando com
qualquer um, e que, se estávamos ali deitados nus em sua cama, era porque ela
tinha certeza de que nosso relacionamento era sério. Confesso que o comentário
me arrepiou, pois eu levava nosso relacionamento a sério no sentido de ser fiel e
sincero, no entanto, certamente, ainda não pensava em casamento. Ficamos em
silêncio por alguns minutos, até que ela me acariciou no rosto e eu reagi
beijando-a. A princípio, foi um beijinho suave, quase um selinho, mas ela me
beijou de volta, e então a troca de beijos foi desvanecendo minha chateação, e
logo voltou a me incendiar. Ajeitei Nicole em meus braços até sentir nossos
corpos se unindo mais uma vez, fazendo-a suspirar. Agora, sem o peso de ter de
me fingir de experiente, e com a adrenalina e a sensibilidade física já bem
reduzida, minha performance foi totalmente diferente. Pude resistir bastante,
tempo suficiente para vê-la se contorcendo de prazer em meus braços ao chegar
ao ápice do prazer, e então eu a acompanhei.
Quando tudo terminou, ficamos deitados em silêncio, recuperando o
fôlego. Eu estava feliz e aliviado por confirmar que não existia nenhum problema
comigo, além do nervosismo e da burrice por tratar a virgindade como se fosse
algo feio. Hoje, vejo a virgindade como uma forma de pureza e entendo que,
independente de ser homem ou mulher, alguém que se envergonha disso
certamente já tem uma lacuna perigosa em seus princípios, e o pior é que essa
deformação de conceitos é crescente na sociedade.
Passado um tempo, voltei a acariciá-la, e, com toda a energia da
juventude, não demorou para eu estar pronto para um terceiro round. As carícias
logo resultaram em beijos, que, por sua vez, seguiram até eu voltar a me
encaixar em cima dela. Dessa vez, estando totalmente confiante, despejei todo o
vigor de um jovem sedento para sentir os prazeres do sexo. Insaciável, eu a
castiguei com toda a minha vontade e energia, até que, depois de bastante tempo,
ela, completamente suada e exausta, voltou a chegar ao ápice do prazer e, por
fim, relatou já não resistir mais. Imediatamente, obedeci e parei, até porque eu
também já estava esgotado, tanto que, após parar, senti certo formigamento no
corpo de tanto esforço que eu tinha feito.
Em busca de mais detalhes sórdidos, não resisti e perguntei como tinha
sido para ela, e a resposta foi uma bela massageada em meu ego. Nicole
respondeu que não imaginava ser possível sentir tanto prazer quanto eu
proporcionei!
***
Hoje, não sou favorável a essa sexualidade desenfreada, e tenho meus
motivos para isso. Mas posso dizer que, frente à minha perspectiva que de buscar
sexo, seja com ou sem um namoro, namorar certamente teve um efeito
benéfico na minha vida. Nicole não gostava muito de festas, e, no fundo, nem eu.
A verdade é que a graça das minhas noitadas estava principalmente em procurar
futilmente mulheres, no entanto agora eu não precisava mais disso.
Ao iniciar o namoro, passei a festar bem menos. Tornei-me mais caseiro
e muito mais estudioso. Amadureci bastante, tanto que passei a ser um dos
melhores alunos de minha sala. Além disso, comecei a me interessar no estudo
de Psicologia, o qual era o curso que Nicole fazia, então li e aprendi bastante
sobre esse tema. Quem diria! Logo eu, que não estudei nada durante minha
infância e adolescência, agora estudava e lia, por gosto, bem além do que era
minha obrigação.
O tempo passou, o ano terminou, e eu senti muita saudade de Nicole
durante as férias, pois ela tinha ido para a casa de seus pais. Esse período de
tempo em que ficamos longe me assustou, pois o ano que se iniciou era o último
dela na faculdade, e sabíamos que nosso mundinho perfeito terminaria quando
sua formatura chegasse. Ainda que soubéssemos disso, não falávamos sobre
como iria ser após o término do curso dela, até que, nas últimas semanas de aula,
Nicole recebeu uma oferta de emprego em uma empresa sediada na capital do
estado, a quase 500 quilômetros de distância. Tal acontecimento nos obrigou a
conversar sobre o assunto.
A oferta de emprego era influência de Bruna, a tal colega que dividia o
apartamento com Nicole e que já tinha se formado um ano antes. Bruna estava
trabalhando em uma grande empresa e estava se dando muito bem, e assim teve
crédito ao afirmar que Nicole era a pessoa certa para assumir a nova vaga, que
tinha acabado de ficar disponível. Sem dúvidas, era uma proposta de emprego
maravilhosa, mas nossa paixão era tão forte que Nicole pensou em não aceitar e
procurar emprego na cidade a qual morávamos. Porém, seu pai deixou bem
claro que não queria e não podia continuar mantendo-a nem por um único mês
após o término do curso. As opções eram bem claras: voltar para casa
imediatamente após a formatura, ou ter um emprego com salário suficiente para
se sustentar. Eu sabia que Nicole não podia desperdiçar a oportunidade. Então,
como ela não conseguia decidir, tomei a iniciativa. Falei que deveria aceitar o
emprego e que manteríamos nosso namoro à distância e nos encontraríamos
sempre quando fosse possível.
Nas matérias de Química, havia uma palavra que eu utilizava muito –
volátil –, que corresponde a tudo o que evapora no seu estado normal com
facilidade. Naquela noite, fui dormir pensando em como a própria vida é volátil e
inconstante. Se eu precisasse calcular o resultado do meu namoro à distância, eu
saberia prever que o produto final seria a completa evaporação do nosso
relacionamento. Contudo, eu tentava não enxergar isso, como se ignorar esse fato
pudesse mudar o resultado final.
Há uma música de Charlie Brown Jr. cuja letra diz o seguinte: “a cada
escolha, uma renúncia será feita”. Esta é a realidade: vivemos de renúncias, e
tentar não renunciar, como, por exemplo, não sair da casa dos pais quando chega
a hora, ou da cidade em que nascemos/estamos quando a oportunidade exige,
pode acabar sendo a maior de nossas renúncias. No meu caso, não querer que
Nicole desistisse do emprego e não querer desistir dela acabou significando
desistir de nossa tranquilidade. Eu ainda era muito imaturo para manter um
relacionamento assim.
A despedida foi difícil. Ainda que tivéssemos combinado de continuar o
namoro, e que realmente quiséssemos acreditar que ia dar certo, no fundo,
ambos sabíamos que se tratava praticamente de um adeus no qual estava sendo
apenas adiado.
Continuamos o namoro por um ano, ou melhor, quase um ano, pois
terminamos no dia 14 de dezembro, sendo que ela tinha ido embora no dia 20 de
dezembro do ano anterior. Nesse período, só conseguimos nos ver pessoalmente
duas vezes. Ao final, quando os desentendimentos, a saudade e o ciúme já tinham
desgastado aos dois, chegamos à conclusão, simultaneamente, de que o melhor
era terminar.
Capítulo 8
Doce
Depois do término do meu relacionamento com Nicole, tive um fim de
ano monótono. Passei o Natal com meus pais e o Ano Novo viajando na casa de
meus tios. Sofri, mas meu sofrimento foi bem menor do que eu mesmo
esperava. Acredito que, depois de um ano estando distante, eu já estava
acostumado com a ideia de que cada um seguiria seu caminho.
Quando retornei para casa, continuei a seguir a mesma rotina a qual
mantinha enquanto mantive o namoro à distância, ou seja, ficava muito em casa
e jamais ia a festas. Não sair à noite era parte do acordo que Nicole e eu
tínhamos feito. Entretanto, concluí que realmente já era hora de seguir em frente
quando vi na internet fotos dela em uma festa. Não me recordo do dia, mas me
lembro de que isso aconteceu logo no início do meu quinto ano letivo da
faculdade.
Uma semana depois de ver as tais fotos, fui levar alguns documentos à
secretaria da faculdade e tive de enfrentar uma grande fila. Como tudo nessa
vida é muito relativo, inicialmente, detestei ver a grande quantidade de pessoas
que estavam esperando na minha frente, porém logo chegou uma belíssima
moça bem atrás de mim, que tornou bem mais agradável a perspectiva de ficar
ali. Minha primeira reação foi dar um jeito de observá-la discretamente. Ela
tinha uma pele bronzeada que harmonizava com seus olhos, os quais misturavam
verde com um pouco de cor de mel. Seu jeito inocente a fazia parecer bem
jovem. Imaginei que tivesse no máximo dezessete anos, mas consegui ver, na
cópia de um documento que ela segurava na mão, que, na verdade, tinha
dezenove anos, e se chamava Mariana.
Observei de novo com calma cada detalhe do corpo de Mariana. Apesar
de parecer nova, ela tinha um corpo de mulher fatal. Cinturinha fina e pernas
com um volume indicando que deveria malhar. No entanto, o que mais me
chamou a atenção foram os seios fartos, os quais davam o maior contraste em
relação ao jeitinho inocente.
Imediatamente, comecei a imaginá-la de uma “forma indecente”. Despia em meus pensamentos e devorei-a. Pode não ser nada bonito, mas o que acabo
de descrever é comum nos homens. Trata-se de química: a atração e excitação
masculina é predominantemente visual. Vivemos procurando inconscientemente
e constantemente certos padrões sexuais que nos atraem, e basta vê-los para
tendermos a imaginar sexo. Quando isso acontece, somos presenteados pelo
nosso próprio organismo com endorfina, o que causa efeito de euforia e bemestar. Pelo tamanho da minha euforia, posso dizer que Mariana tinha realmente
mexido com a química do meu corpo.
Sei que essa deve ter parecido uma teoria bem machista, no entanto não
é. Quando alguém tem consciência de uma fraqueza, a reação normal deveria
ser redobrar o cuidado, não é mesmo? Se um homem tem consciência de sua
natureza, então, que aprenda a se controlar antes de ter um relacionamento!
Nossa consciência é exatamente o que nos difere dos demais animais, que
apenas seguem instintos. Então, use-a!
Após me animar com a presença de Mariana, esperei um momento para
me acalmar e então tentei puxar assunto. Acho que comecei comentando sobre o
tamanho da fila. Independente de qual tenha sido o comentário feito, o
importante foi que eu consegui engajar uma conversa.
O tempo passou muito rápido enquanto conversávamos. Quando me dei
conta, já era minha vez de ser atendido e eu nem ao menos tinha pego seu
telefone ou e-mail. Sem tempo para me despedir decentemente, fui para o
guichê livre e logo vi que ela foi para outro. Fiquei atento para não perdê-la de
vista. Ao término do meu atendimento, saí devagar, esperando que ela também
saísse. Deu certo, pois saímos praticamente juntos. Então, aproveitei para me
reaproximar e pedir seu telefone. Eu estava confiante, acreditando que Mariana
estivesse interessada em mim, no entanto a resposta foi um banho de água fria.
Ela me disse exatamente o seguinte:
– Desculpa, mas não dou meu telefone a estranhos.
Fiz uma carinha de cachorro sem dono que arrancou um sorriso dela e
então eu disse que me contentaria apenas com o e-mail, mas Mariana também
negou. Não desisti e continuei caminhando ao seu lado, tentando conversar;
porém, já não era exatamente uma conversa, pois passei a receber respostas
curtas, o que indicava claramente desinteresse.
Quando entramos no mesmo bloco, Mariana me perguntou se eu a estava
seguindo. A pergunta foi em tom de brincadeira, mas aposto que ela realmente já
estava ficando preocupada. Disse-lhe o andar e a sala em que eu estudava, e ela
falou que, por coincidência, sua sala ficava no mesmo andar, porém, na direção
oposta da escadaria central. Subimos a escada juntos e eu me despedi com um
aperto de mão e um beijo no rosto o qual a fez ficar vermelha.
Nos dias subsequentes, eu sempre acabava vendo Mariana nos corredores
e fazia questão de dirigir-me a ela para cumprimentá-la, e ela respondia com
simpatia. Cada vez mais, estava decidido a conquistá-la, e então revirei as redes
sociais da internet tentando encontrá-la, mas, como não sabia seu sobrenome,
tornou-se muito difícil.
Na semana subsequente, vi Mariana descendo a escadaria, quando tive
uma ideia. Fui até sua sala, sabendo que ela não estava lá, e perguntei aos alunos
que estavam na porta se havia alguma Mariana na turma. Eles confirmaram, e
então perguntei qual era seu sobrenome, alegando que era para assegurar-me de
ser mesmo a pessoa que eu estava procurando, e um deles soube responder:
Mariana Benitez Sales. Ao retornar para casa, voltei a procurar por ela nas redes
sociais e, dessa vez, encontrei seu perfil. Como não tinha nada a perder, não
pensei duas vezes e enviei-lhe uma solicitação de amizade.
Dois dias se passaram e Mariana não tinha nem me aceitado e nem
recusado a solicitação. Acho que estava em dúvidas sobre o que deveria fazer,
mas, no final acabou aceitando. A partir daí, eu sempre aproveitava a
oportunidade de fazer comentários em suas fotos e em tudo o que ela postava.
Meus comentários até eram correspondidos, porém em proporção bem menor
do que eu desejava. Resolvi, então, ser um pouco mais incisivo e comecei a
tentar puxar assunto quando nos encontrávamos pelos corredores da faculdade, e
sempre a convidava para sair, mas a resposta era sempre negativa.
Mais alguns dias se passaram, e eu já estava me conformando que
Mariana definitivamente não queria permitir aproximação. Eu tinha
praticamente desistido quando ela me fez uma pergunta sobre um assunto de
Química pela internet, então aproveitei a oportunidade para tentar mais um
pouco. Eu poderia ter respondido a dúvida por escrito imediatamente, mas tentei
marcar um encontro na biblioteca para poder vê-la pessoalmente. No entanto,
ela recusou dizendo que não ia dar tempo. Por fim, resolvi enviar a explicação
pela internet e deixá-la em paz.
No dia seguinte, Mariana agradeceu minha explicação e me fez mais
uma pergunta. Fiquei meia hora parado diante do computador pensando no que
fazer e resolvi arriscar e escrever assim: “É melhor eu te explicar pessoalmente.
Te espero amanhã, meia hora antes do início das aulas, na biblioteca. Não vou
mais acessar a internet, então, não adianta querer desmarcar, e, por favor, não
me dê um bolo”. Eu sabia que tinha uma grande possibilidade de ela não
aparecer, mas, já que a oportunidade bateu em minha porta, resolvi tentar.
No dia seguinte, quando cheguei à biblioteca, Mariana já estava lá. Assim
que me aproximei, ela ficou corada de vergonha. Beijei-a no rosto, sentei-me e,
com toda a naturalidade, comecei a falar sobre suas dúvidas. Bastaram quinze
minutos para explicar tudo o que ela queria entender. Não foi difícil, tendo em
vista que estudei bastante o assunto antes de ir ao encontro. Ao final, quando
Mariana afirmou já não ter mais dúvidas, pedi para que ela anotasse meu celular
e me ligasse caso surgisse mais algum questionamento. Ela ficou vermelha
quando falei em celular; mas, anotou meu número em seu aparelho, e na
sequência, pedi para que me desse um toque, justificando que era para conferir
se o número anotado estava mesmo certo. Ela ficou ainda mais vermelha, pois
era óbvio o meu objetivo era conseguir seu número, mesmo assim deu certo,
pois recebi o toque que pedi.
Provavelmente Mariana estivesse pensando que eu a seguraria ali até o
início da aula, então quis surpreendê-la e tomei a iniciativa de dizer que tinha de
ir para minha sala. Fomos juntos até o final das escadarias e me despedi com um
beijo em seu rosto, tendo a chance de vê-la ficar corada mais uma vez. Eu
adorava causar esse efeito nela – e como era fácil!
Como comecei a evoluir na aproximação, resolvi continuar tentando. Esse
encontro aconteceu em uma quarta-feira, e não a vi mais durante o resto da
semana. No sábado à tarde, decidi ligar e convidá-la para jantar. Ela recusou,
dando mil justificativas, mas, ao menos, consegui arrancar muitas risadas
durante a conversa, que acabou durando mais de meia hora, e fui eu quem
tomou a iniciativa de desligar.
Durante a semana subsequente, em uma terça-feira, Mariana passou por
mim quando eu estava conversando com uma amiga da faculdade. No momento
em que a avistei, ela desviou o olhar e passou como se não me conhecesse,
mantendo uma expressão séria. Fiquei feliz, pois tive certeza de que vi sinais de
ciúmes, e se existiam ciúmes, é porque realmente deveria existir algum
interesse.
Não vi Mariana na quarta, e na quinta avistei-a sozinha na cantina,
tomando um suco, durante o intervalo das aulas. Não tive dúvidas: fui lá e
perguntei se eu poderia me sentar à sua mesa. Permissão concedida,
começamos a conversar. No começo, ela parecia chateada, mas, aos poucos,
consegui fazê-la se abrir. Nossa conversa fluiu deliciosamente descontraída, tanto
que perdemos a noção do tempo. Quando nos demos conta, a maior parte das
pessoas já tinha ido para suas salas. Quando Mariana percebeu, olhou para o
relógio e praticamente pulou do banco, dizendo que tinha um trabalho para
apresentar. Também me levantei e, na despedida, beijei-a na boca.
O beijo foi rápido, nada além de um selinho. Ela ficou calada, com uma
expressão de assustada. A pior reação que eu esperava é que ela me xingasse ou
quem sabe até me desse um tapa. Como nada disso aconteceu, resolvi fazer o
negócio direito: agarrei-a pela cintura e a beijei decentemente, e ela
correspondeu. Ao final do beijo, eu disse:
– Vá para sua sala. Você tem um trabalho para apresentar. Depois
conversamos.
Mariana deu um sorrisinho, despediu-se com a voz falhada, de forma que
pareceu praticamente um sussurro. Dei mais um selinho nela, e então fomos
para nossas salas. Fiquei de olho no relógio. Quando faltavam vinte minutos para
o final da última aula, fui para a porta da sala da Mariana e fiquei esperando-a no
corredor. Quando ela estava saindo, puxei-a pela mão e a levei para fora do
alcance da vista de seus colegas. A primeira coisa que fiz foi beijá-la mais uma
vez. Ao final do beijo, Mariana – como sempre, vermelha – disse:
– Se quer mesmo me namorar, isso não pode atrapalhar nossos estudos de
jeito nenhum.
Em um ato reflexo, respondi que isso não seria problema, mas o
verdadeiro problema é que eu não estava pensando em namoro. Sei que é
totalmente absurdo eu dizer isso depois de ter corrido atrás de Mariana por tanto
tempo. De certa forma, utilizei-a como uma espécie de refúgio. Quis ficar com
ela desde o primeiro segundo que a vi e tentar conquistá-la me serviu para
desvincular meus pensamentos de Nicole. O problema é que não parei para
pensar no que estava fazendo. Quando ouvi a palavra “namoro”, veio-me à
cabeça que eu não queria compromisso, e quanto a simplesmente ficar, era
óbvio que Mariana não tinha nenhum interesse, então também era óbvio que eu
não deveria ter insistido em conquistá-la. Traduzindo: fui um completo idiota.
Agora eu já era “esperto” mais do que o suficiente para esconder meus
sentimentos. Mesmo me sentindo mal diante da consciência de que já tinha feito
burrada, continuei beijando-a e agindo como se estivesse tudo bem, e tratei de
abafar meus pensamentos e aproveitar o momento. Foi somente à noite, em
minha cama, que voltei a pensar sobre o assunto.
No livro O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, há a seguinte
frase: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Eu
certamente havia cativado Mariana e tinha certeza de que já a faria sofrer se
terminasse o tal namoro o qual eu nem sequer estava convencido de que tinha
mesmo começado. E o pior é que eu também estava cativado por ela desde o
primeiro momento. Mas, afinal, se eu não queria namorar, o que é que eu queria,
então?
Como já deve ter ficado claro, não posso negar que fiquei envolvido por
Mariana desde o primeiro momento em que a vi. Para os românticos, é possível
dizer que o que eu senti foi amor à primeira vista, mas como um engenheiro
químico, eu bem sei que, na verdade, o que realmente existe é uma paixão à
primeira vista, desencadeada por reações químicas interligadas ao odor, à voz e,
no meu caso, principalmente à imagem.
Ocorre que, em um único olhar, a química cerebral é alterada. Uma
verdadeira revolução ocorre, afetando o cérebro em diversas áreas, em um
tempo menor do que um simples piscar de olhos. Em um grande baile químico, a
dopamina liberada provoca uma sensação de prazer e alegria, a testosterona
interligada à atração sexual vem com tudo, a norepinefrina nos excita e a
feniletilamina tem um efeito parecido com as anfetaminas, potencializando todas
as outras reações. Resumindo, o tal do amor à primeira vista, na verdade, é uma
paixão – trata-se de uma atração puramente sexual. Ainda assim, não subestime
esse sentimento, pois ele é capaz de surgir em um piscar de olhos, mas pode ser
uma espera longa e dolorosa aguardar pelo seu desaparecimento.
Não sei se foi de imediato, ou se foi com a minha insistência; porém, sei
que Mariana certamente já tinha sido atingida pelo mesmo cupido químico da
paixão que eu, cuja flecha continha a tal da feniletilamina. A diferença é que eu
focava no desejo sexual, enquanto ela estava se abrindo para o amor. Era óbvio
que isso não poderia acabar bem!
Naquela noite, dormi pensando que, no dia seguinte, ao encontrar a
Mariana, eu deveria dizer-lhe que não queria namorar. Entretanto, ao revê-la,
simplesmente a beijei na boca e depois não consegui falar mais nada. Acabei
gostando tanto de sua companhia que já não tinha mais certeza se eu realmente
queria colocar um ponto final em tudo.
Ainda na sexta-feira, no momento de nos despedirmos, eu a convidei para
ir a minha casa no sábado, e ela respondeu que era muito cedo para conhecer
meus pais. Certamente, essa não era a minha intenção, tendo em vista que meus
pais iriam para o sítio de um dos meus tios ainda no sábado de manhã. Falei sobre
a viagem de meus pais, e então obtive a resposta de que não era uma boa ideia
ficarmos a sós em minha casa.
Nessa ocasião, me dei conta do óbvio: Mariana era do tipo certinha e
recatada, e controlava com rigor onde eu podia ou não tocar. Comecei a suspeitar
até mesmo de que ela deveria ser virgem, e seria bem difícil mudar isso com ela
sendo tão responsável e morando na casa dos pais. Em minha imbecilidade, eu
não tinha mais paciência para um namoro nesses moldes. Considerei que,
definitivamente, era melhor terminar antes que eu a fizesse sofrer e que eu
sofresse também.
Capítulo 9
Passeio
Meu sábado foi entediante. Por várias vezes, senti vontade de ligar para
Mariana, mas resisti. Estava mesmo decidido a me manter longe, pois, ainda que
eu desejasse muito sentir um pouco mais seus beijos, eu não podia ser egoísta a
ponto de iludi-la por mais tempo só para me satisfazer.
No domingo, meu tédio aumentou ainda mais. Às duas e meia da tarde,
no ápice do meu enfado, o telefone começou a tocar. A ligação era de Mariana,
então resolvi deixar tocar até cair. Pensei que, assim, ela já começaria a
perceber que eu estava me afastando. Quinze minutos depois, ela voltou a me
ligar, e resolvi, então, atender com o objetivo de dizer que estava estudando.
Planejei não conversar mais do que cinco minutos e ser frio em minha conversa,
no entanto deu tudo errado. Quando atendi à ligação, ouvi uma voz masculina
dizendo:
– Desliga o telefone, meu amor.
Senti todo meu corpo se arrepiando ao ouvir tais palavras. Mariana pediu
para eu esperar um instante. Em seguida, ouvi uma gargalhada masculina e
depois pude escutar uma porta se fechando. Ela então me pediu desculpas,
explicou que quem estava gritando era um dos amigos de sua irmã, falou que tais
amigos iam jogar vôlei em um clube da cidade e me convidou para ir também.
Meu plano de me afastar foi por água abaixo. Fiquei enciumado com a
situação e aceitei o convite no mesmo instante, sem parar para raciocinar. Ela
então me avisou que eu deveria levar roupa de banho, pois todos entrariam na
água. Depois de desligar o telefone, imediatamente pensei que, se eu queria
mesmo me afastar, não deveria ir, mas meus ciúmes e a vontade de vê-la de
biquíni falaram mais alto. Arrumei-me rapidamente e, conforme combinado, fui
apanhá-la.
Quando cheguei a sua casa, todos já estavam prontos para sair. Mariana
entrou em meu carro, beijei-a na boca e imediatamente partimos em direção ao
clube, o qual nada mais era que uma praia artificial fora da cidade. Como estava
muito quente, todos decidiram entrar na água antes do jogo de vôlei. Ao ver
Mariana com um belíssimo biquíni vermelho, descobri que sua beleza era maior
do que eu imaginava. Ela tinha um corpo mais malhado do que eu esperava,
realçando seus atributos femininos. Dei-me conta de que eu simplesmente não a
conhecia. Inclusive, em meio a aquele grupo, comecei a achar que ela não
deveria ser tão certinha quanto eu pensava.
O grupo era composto por mais homens do que mulheres. Muitos dos
garotos eram completamente mal-educados: gritavam e arrotavam enquanto
bebiam as cervejas que tinham levado. Um deles mexeu com uma menina que
estava com o namorado e quase arranjou confusão, e outro, que era um
troglodita todo malhado e narcisista, sempre ficava tentando chamar a atenção
de Mariana. Fiquei com muita raiva quando soube que foi bem esse rapaz quem
fez a inconveniente brincadeira de ficar falando besteira quando ela me ligou.
Faziam parte do grupo, além de mim: Mariana, a irmã dela, que se chamava
Karen, o tal rapaz inconveniente, que se chamava Jorge, dois casais e mais duas
mulheres e quatro homens aparentemente solteiros, o que resultava em 14
pessoas.
Não demorou para um funcionário do clube viesse dizer que era proibido
beber dentro da água. Os rapazes começaram a discutir com o funcionário, e o
mais estúpido tinha de ser exatamente o Jorge. A cada minuto, eu ficava mais
irritado com a presença daquele playboy sem noção. Depois da confusão, saímos
da água e fomos jogar vôlei. Como Karen estava um pouco tonta por conta das
bebidas alcoólicas, ela não quis jogar. Entraram seis pessoas de cada lado, de
forma que mais alguém ficava esperando, e a cada 20 pontos, era feito um
revezamento.
Karen era muito diferente de Mariana, tanto fisicamente quanto
psicologicamente. Quanto ao aspecto físico, era mais gordinha, ou talvez a
melhor palavra seria dizer que era mais encorpada, já que seu peso era muito
bem distribuído. É difícil defini-la quanto à beleza: certamente não era feia, no
entanto eu também não diria que era bonita. Posso dizer, então, que ela se
enquadrava no que os homens vulgares classificam como sendo gostosa, ou seja,
sem muito charme, mas com muitos atributos que levam homens à loucura.
Depois de algumas partidas, chegou minha vez de ficar fora do jogo. Fui
me sentar onde Karen estava. O local era uma barraca de sol razoavelmente
distante da quadra. A distância era suficiente para conversarmos sem ninguém
ouvir. Por um tempo, fiquei lá assistindo ao jogo, calado, mas, tendo em vista que
bêbados sempre falam mais do que devem, não resisti à vontade de puxar
assunto para ver o que eu poderia descobrir sobre Mariana.
Ainda no início da conversa, tive uma grande surpresa: Karen me deu
indiretas deixando claro estar à “disposição”. Frente à estranha situação, sem
saber o que fazer, dei um sorrisinho amarelo, fingi que não tinha entendido, e
tentei mudar o rumo da conversa, falando algo sobre Mariana.
Karen demonstrou certo desprezo assim que falei sobre sua irmã, e então
me perguntou o que eu estava achando dela. Resolvi me arriscar e, com o intuito
de fazê-la falar mais abertamente, respondi que estava achando-a “meio
paradinha”. Instantaneamente, Karen deu um grande sorriso e falou:
– Você só está querendo comê-la, seu safado!
Apenas balancei a cabeça de uma forma que não dizia nada, mas ela
entendeu como um sim e, a partir disso, passou a me ver como um “cúmplice”,
e baixou ainda mais o nível da conversa. Contou-me que não gostava do fato de
Mariana manter uma pose de ser toda certinha e recatada, sendo que, com isso,
tinha se tornado a queridinha de seus pais. Ela me falou, sem nenhum peso de
consciência, que estava doida para ver a irmã entrar em uma furada para perder
a pose, e, inclusive, estava convicta de que eu seria essa furada.
Não deu para tirar muito mais informações dela, pois a partida estava
chegando ao fim. Entretanto, no momento em que o jogo ficou a um ponto de
terminar, ela comentou algo do tipo:
– Pelo jeito, você vai ser o lobo que vai conseguir comer a carneirinha.
Vou te ajudar a conseguir, mas vê se depois deixa alguma coisa para meus
amigos e vem curtir alguém com mais tempero!
O último ponto aconteceu. Levantei-me e saí sem responder nada. Fiquei
espantado com a coragem e a audácia daquela garota, que era absurdamente
venenosa e sem-vergonha. Ela realmente estava alcoolizada, mas não há duvidas
de que sabia muito bem o que estava falando. Saí daquela conversa com a
convicção de ter o dever de contar tudo para Mariana assim que tivesse a
oportunidade.
Com a confirmação de que Mariana realmente era recatada, minha
consciência me perturbou. Se por um lado eu estava me achando o super-herói o
qual estava descobrindo os planos maléficos da grande vilã, por outro lado, eu
também era um vilão, pois realmente não queria compromisso e estava mesmo
doidinho para devorá-la se tivesse a oportunidade. E onde estava o herói que a
salvaria de mim?
***
Durante o tempo no qual fiquei conversando com Karen, desliguei-me
completamente dos acontecimentos no campo de vôlei, e quando a nova partida
recomeçou, notei que eu tinha perdido algo, já que Mariana repentinamente
parecia ter ficado amiga de Jorge. Durante o jogo, ela falou mais com ele do que
comigo, e, como se isso já não fosse motivo para me irritar, eu ainda tinha de
aguentar aquele playboy levantando os braços e fazendo pose a todo o momento,
obviamente para se gabar de sua proeminente musculatura. Particularmente,
acho esse tipo de atitude ridícula, mas, naquele momento, Mariana não parecia
estar achando tão ridículo assim.
Nervoso, comecei a cogitar a hipótese de dar uma desculpa qualquer para
ir embora. Após o último ponto da partida, fui em direção a Mariana com esse
intuito, mas, antes que eu falasse algo, foi ela quem me puxou para longe e
disparou:
– O que tinha de tão interessante na conversa com minha irmã que te fez
se esquecer do resto do mundo? Você nem olhava para os lados de tão entretido!
E o que foi todas aquelas risadinhas?
Eu me dei conta de que Mariana estava conversando com Jorge porque
estava com ciúmes e queria chamar minha atenção. Conclui imediatamente que
não deveria deixá-la ali, então só falei o seguinte:
– Confie em mim, depois te conto tudo.
Mariana me pediu para falar ao menos qual era o assunto da conversa.
Quando respondi que era sobre ela, sua reação foi a de me puxar em direção ao
resto do grupo. Informou que era a nossa vez de ficar fora do jogo e que iríamos
nadar um pouco. Ela fez isso porque queria privacidade para conversar e me
cobrar respostas. Sabendo disso, no caminho até a água, tive tempo para pensar
no que fazer.
Tomei a decisão de contar toda a verdade sem amenizar nada. Contei
cada detalhe na intenção de deixar bem claro o quão perigosa era Karen.
Mariana ouviu tudo calada, mantendo uma expressão fechada. No final,
confessou-me que realmente não era amiga da irmã, a qual era a ovelha negra
da família. Disse-me que nunca saía com Karen exatamente por saber que ela
era fútil, mas que não imaginava ser a este nível. Explicou-me que só aceitou o
convite para participar do jogo por ter achado que seria uma boa oportunidade
para se divertir comigo, não imaginando que os rapazes fossem tão maleducados. Por fim, pediu-me desculpas por ter me feito passar por tal situação, e
então começou a chorar.
Emotiva, Mariana me beijou. Foi um beijo longo, lento e cheio de
sentimentos. Ao final, ela me olhou nos olhos e me agradeceu. Senti-me mal pelo
agradecimento, pois eu sabia que não merecia, tendo em vista que contei sobre a
podridão da Karen, mas não falei nada sobre minha própria sordidez.
Mariana me pediu para levá-la embora dali. Perguntei para onde queria
ir. Como ela claramente não tinha a menor ideia, aproveitei e falei que meus pais
não chegariam antes das oito da noite, e a convidei para assistir a um filme,
alegando que poderíamos ter privacidade e assegurando-lhe que eu a respeitaria.
Para minha surpresa, ela acabou aceitando. Eu tinha ganhado sua confiança,
ainda que não a merecesse.
Fomos embora sem falar com ninguém. Quando chegamos a minha casa,
quis levá-la para assistir ao filme no meu quarto, mas Mariana não aceitou entrar.
Não ousei discutir e imediatamente a levei para a sala. Nem por um momento
planejei realmente assistir ao filme, no entanto ficou claro que ela, sim. Tentei
beijá-la várias vezes, e meus beijos eram correspondidos, mas logo ela virava o
rosto para continuar assistindo ao filme. Chegou a um ponto em que eu desisti e
resolvi assistir também.
Em meio à trama, Mariana deixou uma lágrima rolar em sua face.
Naquele momento, passava uma cena de traição, mas não era nada que fizesse
alguém chorar, então ficou nítido que ela estava remoendo os acontecimentos do
dia. Abracei-a e passei as mãos por seu cabelo. Então, foi ela quem tomou a
iniciativa de me beijar.
Finalmente, mergulhamos em um mar de beijos e abraços, que foram
ficando cada vez mais profundos. Em meio às deliciosas sensações, cheguei ao
ponto de perder o controle e não resisti à tentação de colocar as mãos sob a
camisa dela. Certamente, errei no movimento, pois foi perceptível que Mariana
passou da excitação para a tensão no mesmo momento. O resultado não foi
outro: ela parou de me beijar, pediu-me para ir mais devagar e pediu um copo
de água. Não tenho dúvidas de que ela fez isso para ter tempo de arrefecer o
“clima”.
Enquanto fui buscar água, senti uma dor bastante incômoda. Acontece
que, durante o processo de excitação masculina, os testículos aguardam uma
mensagem química dizendo que a ejaculação ocorreu, e assim indica que pode
haver o relaxamento, no entanto, quando isso não acontece, pode ocorrer uma
espécie de cãibra, conhecida popularmente como a dor da excitação, o qual nada
mais é do que uma forte dor nos testículos. Acho essa denominação errada, pois
a dor não provém da excitação, mas, sim, de sua interrupção sem os devidos fins,
ou seja, sexo. Um amigo da faculdade denominava essa dor como “o castigo do
fracassado”. Naquele momento, dei-me conta de que era exatamente isto que
aconteceria: obviamente, não haveria sexo.
Depois de sentir toda aquela dor, voltei para a sala e me contentei apenas
em conversar com Mariana. É incrível como simplesmente conversar com ela
era algo prazeroso. Após um bom tempo, começamos a namorar de novo, mas
logo um dos meus irmãos chegou e acabou de vez com a brincadeira. Na
sequência, envergonhada, ela disse que já estava na hora de voltar para casa.
Naquela noite, passei horas pensando em todos os acontecimentos do dia e
tive certeza de que eu tinha fracassado. Fracassei em me afastar, fracassei em
não me envolver. Eu queria devorá-la. Isso certamente é resultado da paixão, que
se compõe do desejo de tomar e ter; mas eu também queria protegê-la,
consistindo em um desejo de doar-se e querer bem, que são características do
amor.
Paixão e amor. Distinguir os dois sentimentos é simples: a paixão é um
sentimento egoísta, enquanto o verdadeiro amor não aceita o egoísmo. Olhando
por essa perspectiva, parecem sentimentos opostos, mas, na verdade, eles se
unem com a mesma perfeição da união dos corpos de um homem e uma
mulher.
Eu tinha consciência de estar apaixonado, mas, naquele dia, também
compreendi que estava amando. Era inegável em mim a fusão entre o querer e o
oferecer; o desejo de tomar e o de dar-se. Como, então, eu poderia renegar
meus sentimentos? Definitivamente, eu estava namorando e não tentaria mais
fugir.
Capítulo 10
Complicada e perfeitinha
Após dois meses de namoro, Mariana e eu tivemos a tão conhecida
conversa em que se tenta especular o passado alheio. Certamente já tínhamos
falado sobre nossas vidas antes disso, porém, nesse dia, ela tomou coragem para
perguntar detalhes sobre as duas namoradas que tive antes dela, deixando
explícito seu interesse especial em saber o que motivou o fim.
Respondi todas as perguntas dela, mas, em troca, também quis saber tudo
sobre seu passado. A história de Mariana em relação a namoro tinha similaridade
com a de Nicole, no sentido de que seu único namoro também terminou por
conta de traição. Ela aproveitou o assunto para deixar bem claro ser por natureza
muito ciumenta e desconfiada, e afirmou que, depois de ter sido traída,
certamente seria ainda pior. Mariana chegou a ser grosseira ao dizer que, se eu
não soubesse conviver com isso, então era bom desistir do namoro
imediatamente. Tendo em vista sua personalidade sempre muito meiga e
educada, o aviso áspero deixou explícito o quanto a ideia de traição a
incomodava.
Eu já havia tido algumas pistas da intensidade dos ciúmes de Mariana,
como, por exemplo, a forma como ela reagiu ao ver-me conversando com uma
amiga da faculdade quando nem sequer tínhamos qualquer envolvimento; como
também sua reação no dia do jogo de vôlei, em que fiquei conversando com sua
irmã, e, quando voltei para o campo, ela estava tão enciumada que começou a
dar atenção ao Jorge para me provocar.
Em meio à conversa, também ficou claro que Mariana realmente era
virgem. Considerando que namorou por dois anos e que o ex-namorado não
conseguiu nada, eu já podia ter uma boa ideia da dificuldade na qual teria para
fazê-la ceder. Entretanto, fiz questão de deixar claro meu objetivo de tentar levála para a cama o quanto antes. Falei em tom de brincadeira para não ser
agressivo, mas ficou explícito que eu estava falando serio.
Ela, então, olhou-me com certa indignação e perguntou:
– Por que o sexo é algo tão absurdamente imposto aos jovens?
– Porque é bom! – respondi.
Mariana imediatamente despejou algo neste sentido:
– Sexo gera consumismo, e assim, obviamente, o consumismo incentiva o
sexo. Assim que se desperta o desejo da atividade sexual em um jovem, ele
certamente passará a gastar mais com roupas e produtos interligados à beleza e
irá desejar utensílios tecnológicos que ofereçam status e popularidade. É certo
que esses jovens buscarão sair mais, beber e festar, e, mesmo em casa,
consumirão livros, músicas, novelas, séries e filmes interligados à sensualidade.
Quanto mais se intensifica o desejo sexual, maiores tendem a ser os gastos, e
quanto mais depravado forem esses desejos, mais se intensifica o potencial de
gerar lucro.
Como eu não tinha o que responder, disse apenas:
– Mesmo assim, transar continua sendo muito bom!
– Mas, na hora certa e com a pessoa certa, é melhor ainda! – ela
retrucou. – Saiba que eu tenho muito orgulho de ser virgem!
Mariana fez uma expressão de alívio e triunfo e completou:
– Ainda bem que eu não fiz nada com o calhorda do meu ex. Quanto a
você, se for a pessoa certa, vai saber esperar, e se não for, é melhor que se canse
e se afaste logo.
Fiquei chateado ao ouvi-la sendo grosseira mais uma vez, porém o que
realmente me deixou bravo foi confirmar que não seria fácil leva-la para a
cama.
– E quanto tempo leva para você decidir se sou ou não a pessoa certa? –
perguntei.
Ela, para meu espanto e minha preocupação, respondeu:
– Olha, é você quem vai decidir quando essa hora vai chegar. Porém não
se preocupe, eu não tenho pressa, pois minha felicidade não está no meio de
minhas pernas, mas, sim, em meu coração. Não sou dependente dessa ilusão tão
imposta como sendo a fonte de toda felicidade e prazer, então, não se sinta
pressionado.
Caro leitor, qual é eu entendimento de uma resposta nesses termos?
Entendi que ela estava falando que a decisão era minha, pois se tratava de eu
decidir ou não pedi-la em casamento. Arrepiei-me só de pensar que não ia
conseguir levá-la para cama sem me casar com ela, e achei melhor não insistir
na conversa, com medo de que tal entendimento fosse confirmado.
Se ela não era “viciada” em sexo, eu era completamente dependente
desse vício. Eu queria transar e não ia desistir de tentar sempre que possível, e
me irritava só de pensar em esperar por tempo indefinido. Minha irritação com o
assunto foi tão grande que, por um instante, cheguei a pensar até em terminar o
namoro, mas essa vontade foi rapidamente apagada pelo avassalador carinho
que eu sentia por ela.
***
Minha arquirrival, a calça Jeans, tinha voltado com força total. Sempre
que eu e Mariana ficávamos a sós, aquele terrível aperto estava entre nós. Tentei
propor algo parecido com o que propus a Tay nara – no caso, eu pedi para
namorarmos utilizando roupas mais suaves, apenas para que eu pudesse sentir
seu corpo. Veja bem: eu não propus namorar com roupas íntimas como fiz com
Tay nara; só o que pedi foi para diminuir a espessura, ou seja, vestir qualquer
outra coisa que não fosse a bendita calça jeans! Sugeri apenas isso por já saber
que não adiantaria pedir nada além. Achei a minha proposta bem razoável, mas
Mariana deu uma gargalhada e prontamente negou meu pedido. Além disso, foi
incisiva em não querer discutir mais o assunto.
O fato de Mariana não ser fácil de manipular, como eu conseguia fazer
com Tay nara, por um lado, era ruim, no entanto, ao mesmo tempo, era uma de
suas mais belas características. Parece contraditório, mas a explicação é simples:
sua opinião e seus cuidados quanto a transar era o que eu considerava ruim;
porém, por outro lado, ter opinião própria e personalidade era o que a tornava
uma garota esplêndida. Ela não seguia modas e modismos, era alegre e
simpática, tinha um bom senso de humor e não se importava com ostentação.
Era muito difícil tirá-la do sério, até porque ela não permitia que pessoas de má
vontade participassem diretamente de sua vida. Nem eu e nem ninguém podia
manipular seus princípios, e isso a tornava confiável.
***
Eu e Mariana mantínhamos um relacionamento incrível! Nunca
brigávamos; no máximo, tínhamos pequenas discussões em que rapidamente
chegávamos a um consenso. Nosso namoro parecia um conto de fadas, até
mesmo na inocência (pois eu continuava sem transar). O único problema, fora a
questão do sexo, era a consciência de que a situação que vivi com Nicole poderia
se repetir. Aquele era meu último ano na faculdade, assim sendo, existia a
sensação de que meu conto de fadas tinha prazo de validade, ou seja, o fim do
meu curso.
Mariana sabia de cada detalhe do final do meu relacionamento anterior e,
por isso, temia o final daquele ano ainda mais do que eu. Quando tocávamos no
assunto, eu sempre dizia que a situação era totalmente diferente, pois Nicole não
era da cidade, e eu morava com meus pais e não pretendia ir para lugar nenhum
depois de formado. Não existia nenhuma perspectiva de sair da cidade em curto
prazo.
Em meio às coincidências da vida, minha trajetória acabou tomando
exatamente o mesmo rumo do meu namoro anterior. Nos últimos seis meses de
faculdade, comecei a fazer estágio em uma grande empresa cuja sede era na
capital, e, no último mês de aulas, recebi uma oferta para ser efetivado, mas a
vaga disponível era na sede. Sei que é comum os jovens encontrarem
oportunidades nas capitais; ainda assim, isso não diminui a grande ironia de ser
chamado para a mesma cidade que tinha me separado de Nicole.
De repente, deparei-me com uma situação no qual já tinha vivido, e o fim
não tinha sido nada agradável. Mas, então, o que fazer? Eu, certamente, não tinha
amadurecido a ponto de manter um namoro à distância, e ainda demoraria dois
anos para Mariana se formar. Minha mente se encheu de dúvidas: será que a
solução seria simplesmente terminar o namoro? No entanto, como eu poderia
fazer isso se a amava mais do que sabia que poderia amar? Quanto a desistir da
vaga, eu deveria cogitar essa opção? Mais uma vez, a volatilidade da vida tirou
meu sono. Se, em cada escolha, uma renúncia será feita, o que eu escolheria
renunciar desta vez?
Resolvi dividir o peso da decisão com Mariana, que ficou completamente
apavorada. Ao cogitar me perder, pela primeira vez, vi-a ficar desesperada, o
que me fez sentir o quão profundo era seu amor. Examinei minha própria
consciência e meus sentimentos e concluí que a amava da mesma forma. Então,
tomei uma decisão: resolvi convidá-la para ir comigo. Mariana aceitou
instantaneamente, sem nem pensar sobre o assunto, e depois me abraçou e
chorou de alívio.
A intenção de levá-la trazia grandes responsabilidades. Já que estou
falando em coincidências, vou citar mais uma: da mesma forma que eu,
Mariana também era bolsista, e a mudança significaria perder a bolsa. Eu não
cogitava a ideia de ela parar de estudar nem por um único ano sequer, o que
significaria ter de transferi-la para uma faculdade particular e pagar o curso.
Imediatamente, começamos a procurar faculdades para onde ela pudesse pedir
transferência. Ligamos para todas, e Mariana mandou sua grade curricular para
aquelas instituições que se interessaram, pedindo para que indicassem sua
aceitação e enviassem o planejamento para a adaptação dos conteúdos e da
carga horária.
Começamos a planejar tudo o que fosse possível. Meu objetivo era ir
primeiro, ficar em um hotel até conseguir um lugar para morar e, depois, após
conseguir organizar tudo, eu a chamaria. No entanto, meus planos de organização
foram por água abaixo, pois coloquei na internet que estava me mudando, Nicole
viu a informação e prontamente fez um comentário. Mariana leu o comentário
antes de mim, e então ficou enciumada de tal maneira que eu nunca tinha visto.
O ciúme era tão absurdamente forte a ponto de ela colocar na cabeça que eu iria
me encontrar com Nicole e que a abandonaria. Acabamos discutindo e, pela
primeira vez, nossa discussão se transformou em uma briga bem feia. Por um
momento, achei que Mariana não fosse mais querer ir. Mas, pelo contrário, ela só
sossegou depois de me fazer prometer que iríamos juntos.
***
Depois de termos combinado tudo, Mariana me chamou para conversar
com um tom diferente. Parei para ouvi-la, e a primeira coisa que ela disse foi:
– Você tem noção de que, se me levar, eu serei sua mulher? Já parou para
pensar na seriedade do que está fazendo? Eu só estou indo porque acredito ser
para a vida toda!
Respondi que sim, pois é claro que eu tinha consciência! Ainda mais
sabendo das convicções dela! Mariana não ficou satisfeita e continuou:
– Juntar é uma palavra que não existe em meu vocabulário. Nós estamos
nos casando, tem consciência disso?
– E qual a diferença? – perguntei com hostilidade.
Sei que é ridículo dizer isso, mas eu não gostava da palavra “casar” e
fiquei incomodado ao ouvi-la. Mariana respondeu:
– No meu mundo, casar não se trata de fazer uma cerimônia, mas, sim,
de ser para sempre. Lembra-se, no começo do nosso namoro, de quando eu disse
que você mesmo decidiria se é ou não o homem certo para mim? Você decidiu
que é, e eu estou pronta para acreditar.
Tive consciência de estar sendo estúpido. Então parei, respirei, abracei-a
e disse que eu sabia, sim, o tamanho da responsabilidade na qual estava
assumindo. Trocamos um caloroso beijo, e então, fazendo uma expressão
sarcástica, falei, em tom de brincadeira:
– Logo, logo, você não vai mais ter para onde fugir e eu vou te devorar!
Ela riu e respondeu:
– Mas, primeiro, vai ter que falar com meus pais!
Mariana me avisou que pediria a sua mãe para fazer um almoço no final
de semana, ao qual eu seria convidado a participar, e assim teríamos a ocasião
ideal para contar a novidade a todos. Aceitei, porém não fiquei muito animado:
até parece que eu ia realmente conseguir comer tendo que encarar sua família
inteira! Quando eu ia à casa dela, seu pai, o senhor Francis, não se mostrava
muito receptivo. Afinal, ele via como se eu estivesse roubando sua princesinha!
Imagina, então, como seria agora que eu ia lá para dizer que a levaria para longe
definitivamente! Tratava-se de um homem tradicional, provindo de uma cidade
pequena. Certamente, eu estava encrencado!
***
Primeiramente, conversamos com os meus pais. Foi tudo muito simples:
eles apenas disseram que tínhamos de saber o que queríamos para nossas vidas, e
relembraram a seriedade da nossa decisão. Quando chegou a hora de enfrentar
os pais de Mariana, combinamos que só falaríamos depois de almoçar. No
entanto, quando cheguei a sua casa, demonstrei uma timidez acima do habitual, e
quando nos sentamos à mesa, fiquei ainda mais nervoso, desse modo, comer era
a menor das minhas preocupações, tendo em vista que respirar já era um desafio
bem grande. O senhor Francis, o qual não era nem um pouco bobo, deu-se conta
de que tinha algo de errado e perguntou, em meio à refeição:
– Vocês estão querendo me contar algo?
Quando ele fez a pergunta, sua pele ficou avermelhada e as veias de seu
pescoço saltaram, deixando claro que já estava preparado para ser
decepcionado. Tive tempo para observar as feições de todos: Mariana ficou
vermelha de vergonha – quase roxa, eu diria; Karen deu um grande sorriso, pois,
como sempre, ainda esperava ver a irmã se dar mal; o irmão mais novo delas,
Diego, arregalou os olhos, já prevendo que vinha encrenca pela frente; e, por
fim, a mãe deles, a senhora Neusa, simplesmente parou de comer e ficou de
cabeça baixa, como quem também sabia que momentos de turbulência se
aproximavam.
Ao perceber a reação de todos na mesa, vi que não tinha volta. Era
preciso enfrentar a situação; porém, quando tentei falar, simplesmente travei.
Mariana tomou a iniciativa e começou a contar sobre a minha oferta de
emprego. Enquanto ela falava, eu via que o nervosismo do senhor Francis só
aumentava, então respirei fundo e resolvi acabar logo com o assunto. Tomei a
palavra, falei que ela iria morar comigo, e imediatamente complementei dizendo
que passaria a considerá-la como minha esposa e que, após nos organizarmos,
faríamos uma cerimônia oficial. Tentei parecer o mais respeitoso e sério possível
ao tomar a iniciativa de prometer um casamento, mas não adiantou. O senhor
Francis falou algo do tipo:
– Eu não concordaria com isso nem que vocês tivessem decidido
realmente se casarem! – Ele olhou para Mariana e complementou: – Imagina,
então, como estou me sentindo sabendo que você vai se juntar como um
qualquer!
Mariana começou a chorar e Karen principiou a provocá-la dizendo que a
irmã gostava de se fazer de santa, e que agora todos poderiam ver a verdade. As
duas iniciaram uma discussão sobre seus relacionamentos e, imediatamente, a
senhora Neusa brigou com ambas as filhas, as quais, no entanto, não pararam de
discutir. Visivelmente irritado, o senhor Francis deu um soco na mesa e gritou:
– Chega! Agora vou ter que ficar ouvindo vocês tentando medir qual das
duas é mais vagabunda?
Todos se calaram. Ele se levantou, resmungou que estava decepcionado e
saiu de casa. Da minha parte, eu queria ir embora, mas Mariana, que sabia ser
tão teimosa quanto o pai, disse que ficaríamos ali até o senhor Francis voltar e se
retratar. Fiquei lá por três horas, sentado no sofá da sala, sozinho, enquanto mãe e
filha dialogavam. Quando o senhor Francis finalmente chegou, Mariana foi
sozinha conversar com ele. A conversa durou mais de meia hora, então, por fim,
ele veio na sala e me falou:
– Eu não concordo e não vou concordar com a atitude de vocês, no
entanto eu espero que cuide bem dela. Saiba que você é um homem de muita
sorte por tê-la.
Após dizer isso, ele foi para o seu quarto sem me deixar responder. Por
fim, Mariana e eu fomos para minha casa e ficamos no sofá. Não conversamos
sobre os acontecimentos do dia. Na verdade, não conversamos sobre nada, pois
só o que ela precisava era de colo, carinho e de um pouco de paz.
Na ocasião, julguei o senhor Francis como sendo um boçal, mas, hoje,
tenho consciência de que ele influenciou positivamente na personalidade de
Mariana ao ter pulso firme e convicções fortes. Naquele dia, ele realmente foi
demasiadamente duro e grosseiro, porém, agora, compreendo que ser mole e
compassivo nada tem a ver com ser um bom pai. O senhor Francis certamente
cometeu muitos erros como pai, mas, sem dúvidas, acertou muito mais do que
errou, e fez muito bem seu papel ao educar os filhos. Até mesmo Karen acabou
se casando e mudando os rumos de sua vida. Em seu casamento, ela o
homenageou, reconhecendo ter merecido cada uma das repreensões recebidas,
e afirmou que deveria tê-lo ouvido muito mais.
***
Logo após a minha formatura, tive de assumir a vaga. Não me lembro de
qual foi o dia exato, no entanto me recordo de que Mariana e eu partimos juntos
no segundo domingo do mês de dezembro. Naquela noite, eu queria surpreendêla, então a levei para um bom hotel. Mariana ficou entusiasmada ao ver o belo
quarto, e sua alegria aumentou ainda mais quando, assim que deixamos as malas,
eu a informei que já tinha escolhido um bom restaurante para jantarmos. Após
um rápido banho, fiquei pronto para sair. Porém, Mariana demorou muito para se
arrumar, tanto que deu tempo de eu assistir um filme inteiro enquanto permaneci
esperando.
O restaurante que escolhi pela internet foi ótimo – sem dúvidas, acertei na
escolha. Eu até tinha comprado uma aliança para entregar. Meu intuito era fazer
algo clássico, ainda que tivesse de ser adaptado a nossa realidade. No caso, como
Mariana não gostava de bebidas alcoólicas, minha ideia era a de colocar o anel
em seu suco de laranja. Pena que esqueci o anel embaixo do travesseiro do
hotel!
Quando voltamos para o quarto, a primeira coisa que fiz foi pegar a
aliança e entregar. Era uma joia bem simples, que comprei com dinheiro
emprestado do meu pai. Todo desajeitado, ajoelhei-me para entregá-lo, e
Mariana começou a chorar. Após a entrega, nos abraçamos e nos beijamos.
Quando a pegada ficou mais intensa, Mariana me pediu para esperar dizendo que
tinha de se arrumar. Dessa vez, não deu para assistir um filme inteiro, pois ela
demorou apenas mais uns 20 ou 30 minutos. Fiquei tenso enquanto esperava; no
entanto, ao mesmo tempo, eu sentia um prazer indescritível só de saber que ela
não escaparia. Quase enlouqueci durante os meses de namoro sem sexo, mas,
naquela noite, eu tive certeza de que valeu a pena esperar. Ao sair do banheiro,
Mariana estava com uma roupa muito sexy. Não tenho palavras para descrevêla! Digamos, então, que “magnífica” é a única pobre expressão a qual encontro
em minha mente, ainda que tal elogio não chegue nem perto de descrever o
tamanho da beleza que eu enxerguei diante de mim.
Caro leitor, ela realmente era linda, mas, mesmo se eu pudesse reproduzir
a minha memória em uma imagem para lhe mostrar, ainda assim, não seria
possível que entendesse a forma como a enxerguei. Como disse Ramón de
Campoamor: “A beleza está nos olhos de quem a vê”. E os meus olhos estavam
carregados com o mais doce amor e o mais avassalador desejo.
Esperei-a vir até a cama e comecei a beijá-la na boca, suavemente,
enquanto ela permanecia sentada ao meu lado. Depois de um longo e profundo
beijo, deitei-a e comecei a beijá-la pelo corpo. Foram beijos suaves, sendo que
só a toquei com os lábios e nada mais. Após apreciar cada centímetro de seu
corpo, voltei para a boca, e finalmente comecei a acariciá-la com as mãos.
Bastava tocar seu abdômen para fazê-la se contorcer toda de tanta sensibilidade.
Eu queria castigar Mariana. Queria enlouquecê-la e não tinha nenhuma
pressa. Tirei a primeira peça de sua roupa e a deixei apenas de lingerie. Voltei a
beijá-la pelo corpo todo, mas, desta vez, utilizando as mãos, acariciando-a inteira.
Só voltei até sua boca quando já estava com intuito de ir além. Enquanto a
beijava e olhava em seus olhos, tirei seu sutiã e mantive os beijos interruptos até
senti-la relaxar de novo.
Quando tentei apreciar o corpo seminu de Mariana, ela tapou os seios
com as mãos, no entanto eu não estava disposto a aceitar. Beijei-a sobre os dedos,
mordi-os, puxei-os suavemente com a boca. Permaneci nessa batalha por um
bom tempo até que ela finalmente desistiu e me permitiu vê-la e prová-la como
tive vontade desde a primeira vez que a vi. E como foi gostoso senti-la com a
boca! Eu não ia sossegar enquanto não vencesse a vergonha dela e a fizesse se
entregar por completo, pois eu queria ver e provar tudo.
Quando voltei a me concentrar na boca de Mariana era porque eu já
estava totalmente satisfeito com os avanços que tinha feito, e queria ir além.
Enquanto a beijava, tentei finalmente tirar a parte de baixo de sua roupa íntima.
Ela permitiu, de forma que ficou completamente nua, mas também ficou
claramente tensa. Com o objetivo de fazê-la relaxar, permaneci com meus
lábios colados nos dela por um bom tempo, enquanto a acariciava. Minha
intenção foi a de não fazer nenhum avanço enquanto não tivesse certeza de que
ela já tinha voltado a se perder no próprio desejo. Tê-la nua em meus braços me
proporcionava uma sensação impossível de explicar. Jamais tinha sentido algo
igual! Eu chegava a ter sentimentos contraditórios, pois, se por um lado eu queria
devorá-la, por outro, eu queria que aquela sensação maravilhosa durasse
eternamente.
Eu a cheirei, beijei-a, apertei-a e rocei meu corpo nela por vários minutos
antes de finalmente provocar a união de nossos corpos. Quando isso finalmente
aconteceu, Mariana fez uma expressão suave de dor, mas logo demonstrou
prazer. Enquanto mantinha nossos corpos colados com toda a minha força, parei
de beijá-la, olhei-a nos olhos e disse que a amava. Ela respondeu que também
me amava, chorou, abraçou-me e voltamos a nos beijar.
Fizemos amor devagar, e foi indescritivelmente delicioso quando a vi
explodir de prazer. Naquela cama, descobri que dar prazer pode ser muito mais
gostoso do que ter, no entanto, obviamente, também tive minha cota. Logo depois
de apreciá-la se contorcendo ao chegar ao ápice, eu também cheguei, se bem
que, naquela noite, o verdadeiro ápice não foi o final, mas, sim, o começo e o
meio. Se, na maior parte das vezes, o que se espera do sexo é a explosão final de
prazer, eu posso garantir que tal explosão não chegou aos pés da implosão de
sensações geradas pelo contato de nossos corpos, a qual culminou dos mais
profundos sentimentos. Posso dizer, então, que o ponto máximo foi cada suspiro,
cada gemido, cada beijo, cada expressão de prazer que a vi fazendo. Após
terminarmos, quase tão bom quanto devorá-la foi a sensação de ficar deitado
com ela nua em meus braços enquanto eu fazia carinho em seus cabelos. Eu a
amava avassaladoramente, e sabia que ela me amava da mesma forma.
Capítulo 11
Juntos
A noite que passei com Mariana tinha sido maravilhosa, mas, no dia
seguinte, tivemos de encarar a vida real. Saí cedo para trabalhar e ela foi
procurar um lugar para morarmos. Eu já tinha tudo planejado: o hotel em que
ficamos era perto do meu trabalho, assim aproveitei o horário do almoço para
apanhar as malas e leva-las a uma pousada na mesma redondeza, bem mais
barata. Tínhamos de economizar, dessa forma, uma noite em um lugar especial
era tudo o que eu poderia pagar.
Mariana era muito dedicada em tudo o que fazia, e não foi diferente ao
procurar a casa. Ela buscou arduamente e demorou apenas três dias para
encontrar um bom lugar. Tratava-se de uma residência pequena, porém tinha
espaço mais do que suficiente para nós dois e era bem aconchegante. O bairro
era bonito, tinha um bom mercado a cinco quadras de casa, uma padaria na
nossa esquina e um belo lago a apenas seis quadras, onde passamos a fazer
corridas diárias todo fim de tarde. No intuito de economizar, decidimos passar o
Natal lá, sozinhos, arrumando nosso novo lar. O dinheiro que eu tinha para gastar
era pouco. Como tivemos de comprar tudo o que a casa precisava, o jeito foi
adquirir boa parte da mobília em lojas de móveis usados. O que conseguimos
comprar novo foi em ótimas promoções. Tudo estava sendo montado de forma
provisória, bastante humilde, mas estávamos muito felizes.
Nesses primeiros dias, o único incômodo que tivemos ocorreu na noite de
Natal, quando um dos vizinhos fez uma festa longa e barulhenta. Pensei em
chamar a polícia, porém alguém a chamou antes de mim. Não adiantou muito:
quando a viatura chegou, imediatamente abaixaram o volume, mas logo que o
policial saiu, tornaram a aumentá-lo. No dia seguinte, Mariana me chamou para
ver algo na janela. Quando me aproximei, vi um garoto que aparentava ter uns
25 anos saindo da casa vizinha, que era uma verdadeira mansão, abraçado a duas
meninas bem jovens. Com certeza, elas tinham menos de 18 anos.
Começamos a achar que se tratava de um riquinho irresponsável
aproveitando a viagem dos pais, porém bastou conversar com uma vizinha para
descobrirmos que o rapaz, o qual se chamava Maikon, era o proprietário não só
da grande mansão ao nosso lado, mas também da propriedade em que
estávamos morando. Era fácil confirmar a veracidade de tal informação pelo
simples fato de que a cerca elétrica instalada rodeava os dois terrenos, e o painel
de controle ficava dentro da casa dele. Obviamente, eu sabia que a cerca era
compartilhada desde o primeiro dia em que visitei o imóvel, antes mesmo de
alugá-lo, mas só naquele momento me dei conta de que isso poderia, sim,
significar que ambos os terrenos pertenciam ao mesmo dono. Tal percepção nos
assustou, pois tínhamos gostado muito dali, e se Maikon era mesmo o proprietário
do imóvel, caso nos desentendêssemos com ele, certamente teríamos de sair.
Na próxima vez em que Mariana conversou com a vizinha fofoqueira,
esta fez questão de passar o dossiê completo de Maikon. Ele tinha 28 anos, era
muito bem-sucedido profissionalmente, porém, socialmente, vivia uma vida
desregrada, sendo comuns as festanças. O que aliviou um pouco nossa
preocupação foi saber que ele jamais as fazia no meio de semana, a não ser em
feriados.
***
Apesar da péssima primeira impressão que tivemos de Maikon, uma
circunstância me fez vê-lo sob outro aspecto. Alguns dias após o Natal, ao chegar
em casa, eu estava olhando o portão para tentar descobrir o que tinha de errado,
pois não estava conseguindo fechá-lo. Maikon me viu, aproximou-se e disse para
não me preocupar, pois mandaria alguém verificar o portão imediatamente.
Com uma expressão séria, Maikon pediu desculpas e falou que já tinha solicitado
à imobiliária para mandar alguém consertá-lo antes mesmo de mudarmos para
lá. A seguir, na minha presença, ligou para o corretor exigindo que o conserto
fosse providenciado imediatamente. Depois disso, com muita simpatia, ensinoume como solucionar provisoriamente o problema.
Parecia que eu estava conversando com uma pessoa completamente
diferente daquele garoto irresponsável o qual eu tinha guardado em minha
mente. Estava vestido com roupa social e segurava o terno na mão, o que lhe
fazia aparentar ser mais velho e sério. Era bem-educado e simpático, além de ter
muita “presença”: media em torno de 1,80 de altura, tinha olhos claros, corpo
atlético, uma voz grave e forte, e utilizava um vocabulário bem polido. Tinha a
perfeita imagem de um homem de negócios bem-sucedido.
Além de resolver meu problema com o portão, Maikon comentou que
tinha todo o tipo de ferramentas e se ofereceu para me emprestá-las, o que foi
muito útil, pois, no dia seguinte, precisei de uma furadeira. Quando apertei a
campainha de sua casa para pedir a ferramenta emprestada, ele me chamou
para entrar e, durante nossa conversa, ofereceu-me, por iniciativa própria, outras
ferramentas as quais percebeu que iriam me auxiliar.
Quando passei pela sala de Maikon, vi seu videogame e fiz algum
comentário. Conversamos um pouco sobre diversos jogos clássicos. Ele tinha o
jogo que eu disse ser o meu preferido, e então me convidou para disputar uma
partida. O resultado foi que acabei ficando em torno de uma hora jogando. Em
meio às partidas, descobri que ele era dono de uma seguradora, uma fábrica de
materiais plásticos e uma empresa que trabalhava com ações da bolsa de
valores. Pelo que entendi, foi exatamente investindo na bolsa que conquistou
recursos para adquirir as outras empresas.
Quando retornei para casa, encontrei Mariana furiosa. Argumentei ser
importante que fizéssemos amigos e ela concordou, mas deixou bem claro que
não considerava Maikon uma boa pessoa para fazer amizade. Ela era muito
seletiva em suas amizades, e sem duvidas tal opinião provinha da lembrança da
festa barulhenta e das duas meninas novas que o vimos abraçando.
Alguns dias depois, Maikon me reencontrou no portão e me convidou para
mais uma cessão de jogos. Com jeitinho, conversei com Mariana e consegui sua
aceitação, ainda que ela não tivesse gostado nada disso. Aos poucos, eu a fiz se
acostumar com a ideia e passei a ir jogar com certa frequência, o que me
permitia descarregar um pouco do meu estresse do dia a dia, sem precisar gastar
dinheiro para isso.
Meu estresse estava relacionado principalmente à vida financeira. O
emprego tinha uma ótima perspectiva para o futuro, porém o salário inicial não
era dos melhores. Eu estava ganhando apenas metade do que seria meu
verdadeiro salário, pois fui contratado como “aprendiz”, e só me tornaria um
funcionário pleno ao completar um ano de experiência.
Até que o primeiro ano passasse, eu sabia que teria dificuldades
financeiras, mas não tinha ideia do quão difícil seria. Minhas contas ficaram bem
consistentes: eu tinha de pagar as parcelas de vários móveis, o aluguel, as contas
de água e luz, a alimentação, a parcela bancária de um carro usado barato que
resolvi comprar, como também a gasolina, além das prestações da faculdade da
Mariana e dos custos necessários para que ela estudasse. Como se não bastassem
os gastos fixos pesados, sempre aparecia algum imprevisto, como, por exemplo,
uma gripe que se agravou e custou caro, ou então a geladeira usada que queimou
e não tinha como eu exigir sua garantia. Aprendi rapidamente o quão difícil é
manter uma casa. Para piorar, Mariana estava estudando de manhã e tinha
algumas aulas à tarde, o que tornava muito difícil arranjar um emprego. Além
das dificuldades financeiras, havia a pressão profissional. Era necessário
aprender muita coisa ao mesmo tempo, e eu tinha muito medo de não dar conta.
Ainda que os jogos na casa de Maikon fossem um bom meio de me
distrair, tornando-se algo importante em minha rotina, a verdade é que meu
verdadeiro e único porto seguro era o colo de Mariana, onde, além de conseguir,
por um momento, esquecer-me do resto do mundo, eu obtinha paz. Apesar de
toda pressão, estávamos nos dando muito bem. Mesmo com todas as
dificuldades, éramos felizes e compartilhávamos todos os sonhos e planos. Meu
amor por ela só aumentava a cada dia, o que me fez compreender com
profundidade a frase de Antoine de Saint-Exupéry que diz: “Amar não é olhar
um para o outro, é olhar juntos na mesma direção”.
***
Oito meses se passaram mantendo esse ritmo de muitas pressões e muito
amor e companheirismo. Quando finalmente achei que a situação ia melhorar,
surgiu outro problema. Aprendi as atividades de meu ofício e me esforcei para
desempenhá-las o melhor possível, mas um dos meus colegas, Pablo, não
gostava da forma como eu estava trabalhando. Para tentar fazer algo de boa
qualidade, comecei a me comprometer com algumas atividades que iam além
de minha obrigação, pois diziam respeito às incumbências de Pablo, que se
negava a executá-las, e isso começou a incomodá-lo. Tínhamos a mesma
função, mas, como ele era mais antigo, acabava sendo o responsável por
distribuir o serviço, e então, para me boicotar, começou a me repassar as piores
demandas, e em grande quantidade, para garantir que eu não conseguiria fazer
nada além do que era estritamente a minha obrigação, pois não teria tempo para
isso.
Uma belíssima frase de La Rochefoucauld diz o seguinte: “Há pessoas
desagradáveis apesar das suas qualidades e outras encantadoras apesar dos seus
defeitos”. Essa frase descrevia perfeitamente o meu ambiente de trabalho. Pablo
era claramente uma pessoa muito inteligente e cheia de conhecimento; no
entanto, era responsável pelo clima ruim instalado em toda a equipe na qual eu
estava inserido, sendo que infernizava principalmente as pessoas de cargo de
menor escalão. Já o outro engenheiro químico do grupo, Miguel, era bastante
tímido e inseguro, o que o limitava profissionalmente, mas, por outro lado, ele era
um ser humano maravilhoso, que, quando possível, ajudava a todos.
Miguel me alertou que a vaga na qual eu assumi tinha ficado disponível
exatamente porque Pablo acabou conseguindo fazer outro colega ser demitido, e
então me aconselhou a ser mais submisso às vontades dele, pois, ao que parecia,
Pablo exercia influência no diretor de nosso setor. Agradeci ao conselho e fiquei
assustado com o alerta, mas eu simplesmente não conseguia me calar frente aos
desmandos.
***
A situação estava difícil, no entanto acabei descobrindo que tudo podia
ficar ainda pior. Meus verdadeiros problemas começaram apenas quando recebi
uma tarefa em que necessitaria fazer viagens para outros estados. A primeira
missão para a qual fui convocado tinha duração de uma semana, e, a princípio,
considerei que seria bom, pois eu ficaria longe de Pablo por alguns dias. Contudo,
eu havia me esquecido de um pequeno detalhe: os ciúmes de Mariana.
Quando contei sobre a viagem, Mariana ficou estranha. Logo acabamos
brigando, algo que nunca tínhamos feito nesse tempo em que estávamos
morando juntos. Quando viajei, a situação piorou. Ela me ligava o tempo todo e
tinha crises de ciúmes sem motivo nenhum. Acabamos tendo uma forte
discussão pelo telefone. Quando retornei da viagem, tivemos uma longa
conversa. Ambos pedimos desculpas e, depois de fazermos as pazes, tivemos
uma quente noite de amor.
No dia seguinte, Mariana estava de ótimo humor, e nas noites seguintes, a
cama continuou incendiada. Parecíamos dois coelhinhos tentando quebrar a
cama. Cheguei a achar que era até interessante haver algumas brigas de vez em
quando para dar uma apimentadinha na relação.
Capítulo 12
Explosivo
Minha ilusão de que brigas era bom não durou muito. Tudo ficou bem
enquanto permaneci em casa, mas, quando surgiu a necessidade de uma nova
viagem, Mariana voltou a ter crises de ciúmes nada agradáveis. Ao somar a
pressão profissional e financeira aos ciúmes dela, meu limite de tolerância foi
ultrapassado. Comecei a ser bem menos compreensivo e certamente mais seco e
grosseiro nas respostas, o que resultou em uma nova briga, ainda pior do que a
relativa à viagem anterior, porém dessa vez não fizemos as pazes após o meu
retorno. Como perdi a paz do colo de Mariana, comecei a me refugiar mais
vezes nos jogos com Maikon, o que gerou ainda mais ciúmes e,
consequentemente, tornou-se mais um motivo para desentendimentos.
Logo surgiu uma nova viagem, e depois eu faria outra. Ao que parecia, eu
passaria a viajar por alguns meses até que o novo projeto da empresa fosse
divulgado a nossos maiores clientes. A cada nova missão, as brigas se tornavam
piores, e a cada briga, demorávamos mais para fazer as pazes. Chegamos a um
ponto em que tudo passou a ser motivo para discussões. Em nada recordávamos
o casal tão unido no qual éramos.
***
Os jogos na casa de Maikon passaram a ser a única atividade que me
dava real prazer, pois todo o resto parecia ser um peso. Nossa amizade era
bastante peculiar: jogávamos videogame e falávamos sobre assuntos que não
envolvessem a vida pessoal de cada um, mas cheguei a um ponto no qual
precisava desabafar e acabei tomando a iniciativa de falar sobre meus
problemas. Após me ouvir, Maikon disse algo que me assustou. Ele olhou nos
meus olhos, deu um sorriso, franziu as sobrancelhas e me falou algo como:
– Olha, é o seguinte: a solução para os seus problemas é bem simples.
Abandone-os. Não existe razão para carregá-los. Deixe Mariana e seus
problemas conjugais acabam. Junto se vão as dificuldades financeiras, e até
mesmo as profissionais, pois terá mais tempo para se dedicar ao trabalho e
conseguir acabar com esse seu colega traiçoeiro, antes que ele acabe com você.
Eu não queria absolutamente abandonar Mariana, e nem ao menos tinha a
intenção de entrar em guerra com Pablo. Só o que eu queria era conseguir
conviver pacificamente. Quando tentei explicar isso, Maikon me interrompeu e
prosseguiu:
– Se quer continuar sendo um saco de pancadas, problema é seu. De nada
adianta fazer tudo errado e ficar esperando que as coisas se acertem. Se pretende
mesmo ser um ninguém, ao menos pare de reclamar disso.
Fiquei sem resposta. Olhei para o relógio e apenas disse que já estava na
hora de ir. Maikon então complementou:
– Esteja à vontade para ficar bravo comigo por eu estar te mostrando a
verdade.
Fui para casa sem responder nada. Naquela noite, demorei a conseguir
dormir, pois fiquei remoendo a conversa. Não cogitei a hipótese de abandonar
Mariana, mas me pareceu verdade que eu carregava pesos demais para alguém
que queria crescer. Cheguei à conclusão de que eu não tinha motivos para ficar
bravo com Maikon, pois considerei que ele simplesmente tinha dado uma opinião
sincera, apesar de ser bem drástica e fria.
Caro leitor, já adianto que, em outra etapa de minha vida, sobre a qual
relatarei mais adiante, fui seduzido por essa ideia de me livrar de meus
problemas. Comecei mesmo a achar que era escravo de minhas escolhas e
resolvi me “libertar”, porém acabei descobrindo que liberdade em excesso é
uma armadilha. Renuncie a seus amores e princípios e se tornará leve o
suficiente para “voar mais alto”, isso é certo. Mas, do que adianta alçar voos
fáceis se toda essa leveza provém de um coração vazio? É importante ter
consciência de que todo o peso que dá substância a nossa exigência, como, por
exemplo, a família, é parte inseparável de nossa felicidade. E, se quer a minha
opinião, mesmo que às vezes pareça ser muito pesado, aguente. Carregar todo o
peso das responsabilidades familiares é sua maior chance de ter uma vida que
valha a pena.
***
No dia seguinte, retornei à casa de Maikon como se nada tivesse
acontecido, e ele, da mesma forma, recebeu-me com toda a naturalidade. Por
um momento, parecia que tudo tinha voltado a ser como era antes. Só o que
fazíamos era jogar videogame e falar sobre assuntos aleatórios, não envolvendo
nossa vida pessoal. Era exatamente isso que eu queria. Minha intenção era
jamais voltar a falar de meus problemas. Entretanto, já perto do horário de eu ir
embora, ele tomou a iniciativa de me perguntar se a situação estava melhor em
minha casa e no trabalho. Senti um forte frio na barriga ao ouvir a pergunta, pois
era óbvio que nada melhoraria de um dia para o outro. Respondi que tudo estava
igual, e então tentei mudar de assunto. Tentei deixar claro que eu não queria mais
conversar sobre isso, mas Maikon insistiu em manter a conversa e me disse que,
se eu resolvesse abandonar meus problemas, ele me apresentaria a
oportunidades com potencial de modificar a minha vida.
Abandonar meus problemas, eu compreendi como sendo abandonar
Mariana, e então comecei a explicar o quanto ela era uma mulher especial,
apesar de seus ciúmes. Maikon me ouviu parecendo estranhamente incomodado,
e, após me escutar, respondeu que eu estava iludido e que ele poderia provar que
minha esposa não era tão certinha quanto eu pensava. Fiquei extremamente
ofendido e pensei em interromper a conversa imediatamente, mas, por
curiosidade, perguntei como ele poderia me provar tal coisa. Maikon me
respondeu apenas que encontraria uma forma. Sei que deveria ter acabado com
essa palhaçada naquele momento, demonstrando minha indignação e meu
desagrado com a conversa, mas, talvez por ego, ou talvez por não querer perder
meu refúgio nos jogos, fingi que levei a conversa na brincadeira, dei uma
risadinha e respondi altivamente que ele poderia ficar à vontade, pois eu tinha
plena confiança em Mariana.
Ao final da estranha conversa, continuei jogando por mais algum tempo.
Não quis ir embora, mostrando indignação mais uma vez sem ter tempo para
pensar sobre o que ouvi, porém passei outra noite remoendo a conversa. Dessa
vez, decidi cortar relações, pois eu não poderia considerar as besteiras que ele
me falou como algo inofensivo.
***
Os pais de Mariana também estavam com sérios problemas conjugais.
Aconteceu que, dois meses depois de termos nos mudado, o senhor Francis foi
convocado, em seu trabalho, para transferir-se a outra cidade. A transferência
poderia até ser negada, mas isso colocaria seu cargo em risco e talvez até
mesmo seu emprego, devido a isso, mesmo contrariando a esposa, ele decidiu
aceitar a mudança.
Como Diego, o irmão mais novo de Mariana, tinha acabado de entrar na
faculdade, decidiu-se que ele não se mudaria, e então Karen resolveu ficar junto,
já que estava empregada na cidade. O senhor Francis optou por encontrar um
apartamento pequeno para os filhos morarem, e também alugou um
apartamento para ele e a esposa na cidade, para onde se mudaram. A senhora
Neusa já estava sentindo muito a mudança de Mariana, e acabou entrando em
depressão assim que se afastou forçadamente dos outros filhos e dos amigos.
Mariana, como se já não estivesse tendo problemas o suficiente, sofreu muito
com a situação dos pais e começou a passar horas, todos os dias, conversando
com a mãe pela internet ou por telefone.
***
Cercado por tantos problemas, comecei a sentir falta dos jogos na casa de
Maikon. Depois de um mês de afastamento, em uma tarde de domingo
extremamente monótona em que Mariana passou praticamente o dia todo
conversando com a mãe pela internet, ele me encontrou no portão de casa e me
convidou para jogar. A essa altura, minha indignação já tinha se amenizado, e
resolvi aceitar o convite, pois considerei que, depois desse mês de afastamento,
estaria óbvio meu repúdio em relação à última conversa que tivemos, e isso me
fazia acreditar que não voltaríamos a falar sobre minha vida particular. Fui à casa
dele com a ideia de testá-lo: se ele ousasse reavivar nossas últimas conversas, eu
me afastaria definitivamente. Para meu alívio, a partida transcorreu exatamente
como eu esperava. Maikon não me perguntou mais nada sobre meus problemas,
e é assim que deveria continuar. Aos poucos, voltei a frequentar a casa dele
como fazia antes.
***
O retorno da amizade com Maikon foi a primeira de muitas coisas que
pareceram voltar ao normal em um passe de mágica. A partir da metade do mês
de novembro, recebi uma ótima notícia: não havia mais viagens agendadas. Tal
notícia fez meu relacionamento com Mariana melhorar imediatamente.
Simplesmente, paramos de brigar e voltamos a ser grandes companheiros,
amantes e amigos.
Em dezembro, tudo melhorou ainda mais, já que Pablo saiu de férias, e
isso gerou paz e tranquilidade para todo o setor em que eu trabalhava. Para
completar minha felicidade, recebi a notícia de que, no final daquele mês, eu já
passaria a ser considerado um funcionário pleno, o que significava receber o
dobro do salário. Era ótimo saber que meus problemas financeiros estavam com
os dias contados. Até mesmo a situação dos pais de Mariana melhorou, já que, no
mês de dezembro, os outros filhos entraram em férias e foram visitá-los,
amenizando, assim, a depressão da senhora Neusa.
Quanto à data em que eu e Mariana completaríamos um ano juntos,
resolvemos não observar o dia, mas, sim, o período, ou seja, fizemos a
comemoração no segundo domingo de dezembro, e é por isso que até hoje
guardo em minha memória o período e não a data exata. Como eu não tinha
mais de economizar tanto, levei-a para jantar no mesmo restaurante em que
fomos em nosso primeiro jantar na cidade, e depois a levei ao mesmo hotel em
que dormimos, e até consegui pegar exatamente o mesmo quarto em que
tínhamos ficado.
Na semana do Natal, consegui um dia de folga, o que me possibilitou
viajar. Considerando os problemas familiares dos pais de Mariana, e sabendo o
quão preocupada ela estava com a mãe, resolvi que iríamos visitá-los. Quando
contei sobre a folga e sobre a viagem, ela chorou de alegria, abraçou-me e me
beijou, depois se empolgou, levou-me ao quarto, jogou-me na cama, e tomou
iniciativas que me enlouqueceram de prazer.
Ainda naquela noite, aproveitei para voltar a conversar sobre os ciúmes
dela. A conversa foi longa, e Mariana confessou ter consciência de que passava
longe dos limites de um ciúme saudável, e então me prometeu que iria aprender
a se controlar. Da minha parte, prometi ter mais paciência. Ao final, fiquei com a
sensação de que tínhamos chegado a um entendimento definitivo.
Capítulo 13
Depois da calmaria, a tempestade
Após o ano novo, no primeiro dia útil, Pablo voltou de férias acabando
com a paz de todo o setor que trabalhávamos. Logo, ele começou a achar defeito
em tudo, sem nenhuma razão nas críticas que fazia. Para piorar a situação,
recebi a notícia de que a coordenadora de recursos humanos da empresa tinha
cometido um erro. Em dezembro, o mês no qual completei um ano na empresa,
não era para que meu salário fosse aumentado, e sim para que fosse feita minha
avaliação para efetivação ou não como funcionário pleno. Tive de devolver o
dinheiro depositado a mais em minha conta no mês de dezembro e, para isso,
necessitei fazer mais um empréstimo. Quanto à minha avaliação, tratava-se de
um documento que os outros dois engenheiros químicos, Pablo e Miguel,
deveriam fazer juntos.
Após a avaliação, Miguel me chamou em um canto e contou que Pablo
fez diversas críticas, como, por exemplo, a de que eu não gostava de seguir
ordens, e ainda fez questão de anotar todos os processos do mês de dezembro que
considerou errado, insinuando ser, em grande parte, minha culpa. Miguel me
falou que não concordou, mas que não tinha como proibir Pablo de escrever, e
então eles acabaram quebrando a regra de fazer um documento único, e assim
cada um fez sua própria avaliação. Ele terminou a conversa dizendo que me
defendeu e elogiou, no entanto temia que a avaliação de Pablo pudesse me
afetar. Agradeci a Miguel por me defender. Considerando que ele não enfrentava
Pablo em nada, compreendi sua ação de não aceitar que seu nome fosse
vinculado às críticas como sendo uma grande demonstração de amizade.
Fiquei muito nervoso, pois comecei a acreditar que as críticas custassem o
meu emprego. Estava óbvio que o Pablo desejava isso. Neste momento me dei
conta de que realmente deveria vê-lo como um inimigo. Fiquei esperando o
resultado de minha avaliação, preparado para ser demitido, mas o mês de
janeiro terminou, o salário ainda de aprendiz entrou em minha conta e
simplesmente não recebi notícia nenhuma em relação a minha efetivação. O
pior é que, frente a tal situação, eu nem ao menos podia reclamar. O melhor era
simplesmente ficar calado e esperar.
***
Continuei trabalhando sempre com a sensação de que poderia ser meu
último dia, no entanto acabei recebendo uma notícia que era ótima e terrível ao
mesmo tempo. Fui convocado para uma viagem a ser realizada na última
semana de fevereiro, e isso era bom por significar que eu terminaria mais um
mês empregado, mas, por outro lado, eu temia que Mariana reagisse mal mais
uma vez.
Eu já estava muito estressado com a questão profissional, porque não
sabia até quando estaria empregado. Também estava mais sufocado do que
nunca com a questão financeira, pois eu tinha feito todos os meus planejamentos
de gastos contando com o aumento salarial. O pior é que, quando contei a
Mariana sobre a viagem, ela voltou a demonstrar o mesmo ciúme doentio. Fiquei
muito decepcionado com o descontrole dela e acabamos brigando antes mesmo
de minha viagem.
O grande problema de um relacionamento é o fato de, muitas vezes,
esperarmos que o outro melhore, mas nos esquecemos de tentar melhorar. Eu
pedia para que ela tivesse menos ciúmes e ela me pedia que eu tivesse mais
paciência para ajudá-la. No fim, os ciúmes dela não mudaram nada, porém eu
também não contribuí, já que, ao invés de aprender a ser mais paciente, estando
inflamado pela decepção, tornei-me ainda mais explosivo, e assim também a
decepcionei. Na época, achei que minha irritação exagerada se justificava pelos
problemas profissionais nos quais eu estava passando, mas a verdade é que ela
dividia todas as dificuldades comigo e sofria da mesma forma.
***
Após a viagem, o clima em casa se manteve pesado, no entanto houve
um acontecimento que poderia piorar tudo. No sabado, ao anoitecer, fui jogar na
casa de Maikon, e quando cheguei a seu portão, ele me chamou para dentro,
parecendo estar nervoso. Assim que entrei, surpreendi-me ao avistar duas
garotas. Uma delas, de cujo nome não me lembro, era aparentemente bem
nova, magra, de pele clara, cabelos e olhos negros; a outra, que se chamava
Ramona, era uma belíssima loira, de olhos claros, que tinha 26 anos. Maikon me
apresentou rapidamente às meninas e disse que precisava levar a mais nova
delas ao hospital. A situação me pareceu séria e eu fiquei sem reação. Ele pegou
as chaves do carro, pediu-me que fizesse companhia a Ramona por alguns
minutos e saiu quase correndo.
Eu deveria ter me negado a essa incumbência e voltado imediatamente
para casa, mas não deu tempo de raciocinar frente à seriedade e urgência que a
situação parecia requerer. Quando vi, já estava sozinho com Ramona. Fiquei
muito tenso por saber que tal situação poderia me causar problemas com
Mariana. Só o que aliviava um pouco meu nervosismo era o fato de a casa de
Maikon ficar na esquina, tendo a garagem virada para o lado oposto ao da minha
casa, e isso quase eliminava o risco da Mariana vê-lo sair e voltar.
Cogitei a hipótese de levar Ramona para minha casa, com o objetivo de
evitar que ficássemos lá sozinhos, dando motivos reais para que Mariana tivesse
ciúmes, mas ponderei que, se eu fizesse isso, provavelmente ela ficaria
enciumada de qualquer jeito. Eu não gostava de esconder nada, no entanto
acabei achando melhor não arriscar.
Meu nervosismo se transformou em irritação quando perguntei a Ramona
qual era a urgência com relação à outra garota, e a resposta foi simplesmente a
de que se tratava de uma situação particular. Não me lembro do que falei na
sequência, mas me lembro de ter sido bem estúpido e, ao perceber minha
grosseria, tentei contornar a situação e ser mais agradável. Acabamos falando
sobre videogames. Ela, então, pediu para jogar e eu aceitei, já que, devido ao
nervosismo, não tinha assunto e nem cabeça para ficar conversando. Ramona
logo mostrou ter experiência, o que tornou a partida desafiadora e ajudou o
tempo fluir rapidamente. Quando olhei para o relógio, já tinha se passado quase
uma hora.
Ao prestar atenção no horário, fiquei tenso mais uma vez. Então comecei
a olhar para o relógio a todo o momento e, quando se completou uma hora de
espera, resolvi ligar para Maikon, mas a ligação não foi atendida. Fiquei ainda
mais impaciente, parei de jogar, esperei mais cinco minutos e tentei ligar
novamente; porém, dessa vez, o telefone dele estava fora de área.
Mais vinte minutos se passaram, sendo que eu tentei ligar umas quinze
vezes durante esse tempo. Fiquei muito nervoso e comecei a cogitar a hipótese de
deixar Ramona sozinha e ir para casa; mas, antes que eu fizesse isso, Maikon me
ligou, disse que iria demorar muito e pediu que eu pegasse sua caminhoneta e
levasse Ramona para casa. Evidentemente, eu não queria levá-la, mas queria me
livrar logo dessa situação, de forma que, se eu a levasse, poderia terminar logo
com isso. Resolvi, então, pegar a caminhoneta e fazer o que me foi pedido. Deu
tudo certo.
À noite, comecei a raciocinar. Por que Ramona não tinha acompanhado a
amiga até o médico? Qual era o sentido de ela ficar na casa de Maikon
esperando? E, afinal, o que poderia estar acontecendo? Essa história estava muito
mal contada, e eu estava me sentido um completo idiota por ter participado dela.
Nada justificava a necessidade de eu ter ficado lá. Depois disso, prometi a mim
mesmo que, definitivamente, não voltaria mais à casa de Maikon, pois estava
óbvio que, em algum momento, ele acabaria me causando problemas.
***
Passei o domingo inteiro pensando em contar a Mariana o que tinha
acontecido, mas adiei a decisão. Na segunda-feira, surgiu um problema ainda
maior com que me preocupar. Fui convocado a mais duas viagens a serem
realizadas no mês de março. O pior é que, dessa vez, eu iria em equipe, a qual
seria composta por mais três colegas: um homem e duas mulheres. Assim que
recebi a notícia, eu soube que teria mais um mês de sobrevivência na empresa,
porém, em compensação, mais um grande problema por conta de viajar
acompanhado por mulheres, o que certamente intensificaria o ciúme de
Mariana.
Sou contra mentiras. Sei que elas são a raiz de tudo o que é ruim, no
entanto o ciúme de Mariana era tão grande que começava a me impelir a
esconder as coisas. Pensei muito se deveria ou não contar que eu iria
acompanhado na nova viagem. Por um momento, decidi não contar, mas senti a
consciência pesada. Eu já tinha me calado sobre o que aconteceu na casa de
Maikon, e se começasse a esconder tudo, que malefícios isso implicaria?
Resolvi contar a verdade, e minha paz terminou no mesmo minuto. Me
irritava saber que eu realmente tinha todas as oportunidades para trair Mariana,
pois era inevitável que eu conhecesse muitas mulheres bonitas em minhas
viagens, como também na empresa onde eu trabalhava, mas eu sempre a
respeitei, e, mesmo assim, ela estava me sufocando. Tentei explicar a Mariana,
da forma mais sutil possível, que não fazia nenhuma diferença se alguma colega
iria junto ou não, pois eu teria contato tanto com homens quanto com mulheres
de qualquer forma, e que a respeitaria seja onde e como fosse. O pior é que ela
utilizou até mesmo isso para aumentar ainda mais sua crise de ciúmes. O final de
semana antes da viagem se tornou intragável. Foi até um alívio quando chegou a
hora de partir, na segunda-feira.
***
No primeiro dia daquela viagem, notei algo muito estranho. Mariana me
ligou apenas quando já eram nove horas da noite, conversou comigo
rapidamente demonstrando tranquilidade e depois não me ligou mais. Nos dias
subsequentes, ela continuou me ligando apenas uma vez a cada dia, no entanto,
na quinta-feira, nem ao menos me ligou. Já eram quase onze da noite quando
tomei a iniciativa de ligar, temendo que pudesse ter acontecido algo. Ela falou
que já estava dormindo, respondeu que estava tudo bem e não me perguntou
nada, apenas me ouviu, e assim logo desligamos. Nos primeiros dias, achei que
Mariana estava se esforçando para controlar seu ciúme, o que me fez ficar feliz,
mas, naquela quinta-feira, comecei a achar que havia algo errado, pois ela não
parecia estar fazendo qualquer esforço. Pelo contrário, parecia estar
completamente fria e sem vontade de falar comigo.
Ao retornar de viagem, na tarde de sexta-feira, não encontrei Mariana
dentro de casa. Fui de cômodo em cômodo procurando-a, até que ouvi sua voz
nos fundos de casa. Fui até a janela de um dos quartos e a avistei conversando
com Maikon. Foi a minha vez de ficar louco de ciúmes. Mariana sempre dizia
não gostar de Maikon, e agora, repentinamente, eu os encontro conversando com
tanta intimidade! Minha mente se inflamou de perguntas: será que ele está
querendo seduzi-la para comprovar que ela não era toda correta como a
descrevi, conforme tinha dito que faria? Será que foi por causa dele que Mariana
ficou tão fria comigo na última semana? Desde quando eles se tornaram amigos?
Pensei em ir até lá, mas, depois, lembrei-me do acontecimento com
Ramona. Senti todo meu corpo arrepiando ao imaginar que ele poderia ter
contado a Mariana e que esse era o motivo de tanta indiferença por parte dela.
Resolvi ser cauteloso, fingi que não a vi lá fora e a chamei em voz alta perto da
janela, de onde pudesse ser ouvido. Ela imediatamente parou de conversar e
entrou em casa.
Mariana continuava parecendo fria, mas não parecia nervosa, e isso me
fez acreditar que Maikon não tinha contado sobre Ramona. Sem saber como
deveria reagir, engoli meu ciúme e não comentei nada sobre tê-la visto
conversando. À noite, não consegui dormir direito, pois fiquei o tempo todo me
lembrando de Maikon me dizendo que provaria que Mariana não era tão certinha
o quanto eu acreditava. A possibilidade de ele estar tentando seduzi-la tornou-se o
centro dos meus pensamentos. Pensei em ir tirar satisfações com ele, mas resolvi
explorar o assunto com cautela. Eu estava ainda mais convencido de que deveria
me afastar de Maikon, no entanto não poderia fazer isso antes de ter certeza de
que ele não era um risco ao meu casamento. Como diz a famosa frase de Lao
Tsé: “Mantenha os amigos sempre perto de você e os inimigos mais perto ainda”.
***
No decorrer da semana, eu e Mariana não brigamos, mas o motivo da
ausência de brigas era a frieza com que ela continuava a agir. Não brigávamos,
porém, trocávamos farpas e comentários irônicos a todo o momento. No meio de
uma dessas “espetadas”, ela chegou a resmungar algo do tipo “se não me quer,
tem quem queira”. Pedi que repetisse, porém ela se negou; contudo, tenho
certeza absoluta do que ouvi. Tratava-se de algo no qual nunca imaginaria que a
ouviria dizendo.
Mariana simplesmente não parecia mais a mesma pessoa, cheia de fortes
convicções e pureza, que eu tanto amava. Minha confiança em nosso
relacionamento diminuiu muito, ainda mais quando, alguns dias depois, ao chegar
do serviço, encontrei-a novamente conversando com Maikon nos fundos de casa.
Assim que a chamei, ela parou de conversar e entrou em casa, exatamente da
mesma forma como ocorreu da outra vez.
***
Passei uma semana em casa convivendo nesse clima de geladeira, e
então tive de fazer a segunda viagem marcada para aquele mês. Fui
acompanhado pelos mesmos colegas da última viagem, só que, dessa vez,
Mariana demonstrou não se importar. No dia em que parti, ela não me ligou.
Decidi que, se ela não me ligasse, eu também não ligaria, e como resultado, no
segundo dia, na terça-feira, também não nos falamos.
Fiquei muito enciumado. Definitivamente, minha confiança tinha
acabado. Apenas na quarta-feira, no final da tarde, foi que Mariana me ligou,
mas eu estava tão nervoso com a situação que não atendi naquele momento.
Quem diria! Logo eu, que lutava tanto para ela deixar de ter ciúmes, naquela
ocasião, não atendi no intuito de provocar ciúmes nela!
Após deixar a ligação tocar até cair, esperei uma hora antes de retornar a
chamada, porém foi a vez de Mariana não atender. Eu não tentei ligar de novo, e
só no dia seguinte ela retornou a ligação. Atendi rapidamente, no entanto também
passei a demonstrar frieza, e o resultado foi que tivemos uma conversa
extremamente curta. Depois disso, não ligamos mais um para o outro, o que me
deixou com ainda mais ciúmes e raiva.
***
Eu sempre passava as noites trancafiado no hotel, mas, na noite de quintafeira, resolvi passear com uma das minhas colegas, a Taís, para conhecer a
cidade. A verdade é que eu não tinha vontade de ir, até porque sabia que
necessitava economizar, no entanto fiz isso por ficar imaginando Mariana com
Maikon, enquanto eu permanecia trancafiado igual a um bobo em todas as
minhas viagens. No fundo, era uma espécie de vingança light, já que eu não
pretendia fazer nada de errado.
Taís e eu passeamos e depois fomos jantar. Em meio ao passeio, para
minha surpresa, ela começou a demonstrar interesse por mim, o que me
assustou, mas também não posso negar que foi uma bela massageada em meu
ego, já que eu estava com necessidade de me sentir desejado. Frente a tal
contradição de sentimentos, não dei muita abertura, porém também não fui claro
quanto a não ter interesse nela. A situação realmente mexeu comigo. Foi um
grande erro!
Quando voltamos ao hotel e entramos no elevador, arrepiei-me com as
possibilidades. Eu não queria trair Mariana e certamente não tomaria nenhuma
iniciativa nessa direção, porém comecei a pensar: e se ela tentasse me beijar na
despedida, ou me chamasse para seu quarto, como eu reagiria? De qualquer
forma, eu não pretendia corresponder, mas pensar sobre o assunto me fez suar
frio.
O quarto de Taís ficava no andar de baixo do meu, de forma que, se ela
tentasse tomar alguma iniciativa, provavelmente seria quando o elevador se
abrisse em seu andar. Eu estava tenso, mas, para o meu alívio, quando a porta se
abriu, ela simplesmente me deu um aperto de mão e saiu. Porém, na sequência,
parou do lado de fora e ficou me olhando com uma expressão de decepção, até
que a porta do elevador finalmente se fechou. Acho que ela estava esperando
para ver se eu ainda tomaria alguma atitude.
Preciso confessar que, com a atração gerada por Taís, somada à nuvem
de desânimo e ciúmes a qual pairava sobre meu casamento, eu realmente senti
vontade de trair Mariana, ainda que não pretendesse ceder a tal desejo. Fiquei
aliviado quando entrei em meu quarto sozinho, mantendo minhas convicções de
fidelidade. Resolvi tomar um bom banho para afastar a tentação dos meus
pensamentos, e logo meu telefone começou a tocar. “Finalmente, Mariana
lembrou que eu existia”, foi o que pensei.
Entretanto, depois de sair do banho, vi que, na verdade, a ligação partia de
um número desconhecido. Retornei a ligação e, após ouvir a voz do outro lado da
linha, percebi que era de Taís. Eu nem ao menos sabia que ela tinha meu
telefone. Fiquei nervoso por conta da ligação, pois, se me ligasse com Mariana
estando perto, eu teria grandes problemas. No entanto, ela pareceu ler meus
pensamentos, e a primeira coisa que me disse foi:
– Desculpa por estar ligando sem sua permissão, mas não precisa se
preocupar. Sei que sua esposa é muito ciumenta e jamais ligaria se não tivesse
certeza de que você está sozinho.
Por um lado, fiquei aliviado, mas, por outro, convenci-me de que a
situação do meu casamento era tão crítica que até meus colegas já sabiam sobre
os ciúmes de Mariana. Na sequência da conversa, Taís afirmou estar sem sono e
me convidou para tomar algumas cervejas em seu quarto. Ela deixou bem claro
que, se eu fosse totalmente discreto, ela também seria. Obviamente ela entendeu
que o motivo de eu não tomar nenhuma atitude no elevador era apenas por
receio de que Mariana descobrisse. Recusei o convite, apesar de me excitar até
mesmo em pensar em ir até o quarto dela e simplesmente deixar as coisas
acontecerem.
Deitei-me na cama mergulhado em tentação e, quando estava quase
dormindo, ouvi uma batida na porta. Quando abri, Taís literalmente pulou em
cima de mim e começou a me beijar. Eu, sem pensar em nada, acabei
correspondendo aos beijos, levei-a para a cama e continuei beijando-a. Enquanto
a beijava, prometi a mim mesmo que seria só isso que me permitiria fazer e que
logo diria que não queria continuar em frente. Mantendo essa intenção, eu a
beijava e acariciava, mas não tentei tirar suas roupas.
Por algum tempo, parecia que tudo estava sob controle; no entanto, logo
Taís começou a dar gemidos sutis, demonstrando estar sentido um imenso prazer,
e isso inegavelmente me descontrolou. Ela me apertava com força, esfregava-se
em meu corpo e então, quando viu que eu não avançava, tomou a iniciativa de
tirar a própria roupa. Acabei permitindo, ainda que tentasse continuar mantendo
em minha mente a ideia de não ir até o fim. Tais tirou a camisola a qual utilizava,
e só o que sobrou foi a parte de baixo de sua roupa íntima. Ela não tinha nenhuma
vergonha de estar com o corpo seminu exposto, sendo que fez questão de me
fazer olhá-la. Na sequência, ela afirmou querer sentir meu calor. Então, tentou
tirar minha camisa e eu acabei permitindo.
A cada vez que eu olhava para o corpo dela, tinha menos força para
resistir, e o calor de sua pele encostada na minha me levava à loucura. Ainda
assim, eu continuava sem tomar nenhuma iniciativa em direção a consumar a
união de nossos corpos. Taís logo percebeu isso e então fez força para inverter
nossas posições, ficando por cima. Eu sabia que não deveria ter permitido, mas,
simplesmente, não consegui fazer nenhuma força para impedi-la. Estando por
cima, a primeira atitude dela foi me dar um caloroso beijo enquanto pegava uma
de minhas mãos e levava até seus seios. A seguir, ela os levou em direção ao
meu rosto. Tal ato teve um efeito quase paralisante em mim, tanto que ela tirou a
calcinha sem que eu nem ao menos tivesse percebido como fez. Só fiquei
sabendo porque, em seguida, ela fez questão de se desencostar, mantendo-se
sentada sobre meu colo, e começou a passar as mãos sobre o próprio corpo,
sabendo que isso me faria ver sua completa nudez. Se o objetivo era me fazer
desejá-la ainda mais, certamente funcionou. Na sequência, ela me beijou
enquanto puxava meu short para baixo, mas, quase como um reflexo, em um
débil lampejo de consciência, segurei minha roupa íntima para que não saísse
junto.
Permitir que minha roupa íntima fosse tirada seria o mesmo que
consumar a união de nossos corpos, e essa consciência me fez tirar forças, nem
eu sei de onde, para voltar a pensar em parar, no entanto Taís foi esperta. Ela
percebeu que a tentativa de me deixar nu gerou tensão, e então parou de tentar,
colocou as mãos em meu rosto e ficou me beijando enquanto começou a me
excitar fazendo movimentos deliciosos com o quadril. Tal ato anulou
completamente a minha vontade de pedir para parar. Em meio a beijos e
carícias, ela puxou minha sunga para o lado, só o suficiente para se encaixar, e
voltou movimentar os quadris. Não sei como ela fez tudo tão rápido. Só sei que,
quando tentei esboçar alguma reação, eu já senti o corpo dela se unindo ao meu.
Tudo já estava consumado. Depois de me sentir dentro dela, desisti de tentar
resistir e deixei que fosse até o fim.
Abri os olhos em meio à madrugada. Nervoso, olhei para os lados. Não vi
ninguém e me dei conta de que tinha sido tudo apenas um sonho. Senti um grande
alívio por saber que eu não tinha realmente traído Mariana, mas também me dei
conta de que esse sonho fazia parte de um desejo maléfico o qual eu tinha me
permitido sentir. Comecei a justificar para a minha própria consciência que, se o
acontecimento tivesse sido real, eu não teria nem ao menos deixado ela me
beijar. Eu realmente acreditava, ou queria acreditar nisso, ainda que já não
tivesse mais convicção total de nada: nem da minha fidelidade, nem da
fidelidade de Mariana, e muito menos do futuro de nosso relacionamento.
O mais terrível era saber que tinha uma parte minha na qual queria
simplesmente terminar com o relacionamento e curtir a tal liberdade de se
entregar aos prazeres diversos. Naquela madrugada, antes de voltar a dormir, eu
me perguntei se valia mesmo a pena seguir a tal da honra e obedecer a
princípios. Eu ainda amava Mariana, mas já não tinha certeza de quanto
sofrimento compensava a luta pelo amor.
Capítulo 14
A festa
Depois do sonho “picante”, acordei na manhã de sexta-feira com a
consciência pesada. Após o almoço, resolvi ligar para Mariana e tentei buscar
paz ao demonstrar que eu estava com saudades, mas só o que encontrei foi
angústia. Ela não correspondeu a minha tentativa de aproximação, continuando a
conversa com um tom de indiferença. Comecei a imaginar que Maikon poderia
estar lá, na minha cama, no exato segundo em que estávamos conversando. Eu
tinha consciência de ser um pensamento ridículo e que eu estava sendo tão
doentio quanto a acusava, mas tais pensamentos eram incontroláveis.
Ao retornar para casa, minha desgastante rotina continuou: ia para o
serviço do qual não estava gostando, voltava para minha casa, que estava fria
igual geladeira e, durante a semana, fui duas vezes jogar videogame na casa do
meu inimigo, o qual, para “animar” meu fim de semana, convidou-me para um
jantar em sua casa, dizendo que já tinha comentado com Mariana sobre a
intenção de fazer tal convite. Fiquei com raiva ao constatar que Maikon não tinha
nenhum receio de me deixar saber sobre as conversas entre eles. Maikon
informou que estariam presentes apenas poucos amigos nesse jantar, incluindo
alguns parceiros comerciais, sendo então algo bem mais comportado e familiar
do que ele costumava realizar. Resolvi aceitar, até porque queria ver como
Mariana iria reagir.
***
A tal janta foi marcada para o sábado às oito da noite, mas às cinco
Mariana já foi ao salão cortar o cabelo, e, depois que voltou, gastou o resto do
tempo para se arrumar. Meus pensamentos se inflamaram. Comecei a
conjecturar: para quem ela se arrumava? Certamente, não era para mim, pois
mal estávamos conversando um com o outro!
Poucos minutos antes de sairmos de casa para o jantar, tive um forte
arrepio ao cogitar uma possibilidade: e se Ramona estivesse nessa festa? Com
tantas tribulações e preocupações, eu não tinha pensado nisso, porém, a essa
altura, não tinha mais como desistir. Meu temor se consolidou: assim que
chegamos à casa de Maikon, uma das primeiras pessoas a qual vi foi Ramona,
que logo passou ao nosso lado. Segurei a respiração com medo de que viesse me
cumprimentar, mas sua única reação foi olhar-me nos olhos, dar um leve sorriso
e seguir em frente, sem dizer nada. Relaxei ao perceber que dificilmente teria
problemas por conta da carona na qual eu tinha dado, tendo em vista estar claro
que ela sabia ser discreta. Meu temor tinha se amenizado, porém, não minha
chateação. Eu estava detestando estar ali; ainda assim, tinha de ficar sorrindo e
sendo simpático com todos aqueles desconhecidos.
Mariana estava ao meu lado, mas não falava comigo, a não ser o
estritamente necessário. Depois do jantar, ficamos sentados, um ao lado do outro,
em silêncio, por mais de meia hora, até que ela se levantou para pegar um pouco
de suco. Ao chegar à mesa, Maikon a abordou, sem nenhum receio de eu estar
olhando, e ainda deu uma piscadinha e acenou em minha direção. Desviei o
olhar e fingi não ligar, mas fiquei prestando atenção. Maikon não deixou Mariana
pegar suco; em vez disso, dirigiu-se à adega e voltou trazendo-lhe vinho.
Comecei a refletir sobre sua astúcia. Sempre prestei muita atenção nas
pessoas, mas demorei bastante para descobrir que a única bebida alcoólica a qual
Mariana degustava era vinho, e era raríssimo fazê-la aceitar. Quanto ao tamanho
da dificuldade, caro leitor, deve se lembrar de que, quando fomos morar juntos,
comprei uma aliança com a pretensão de colocá-la no suco de laranja por já
saber que não valia a pena o desgaste tentando convencê-la a trocar suco por
vinho.
Fiquei sozinho por uns quinze minutos vendo os dois conversando. Eu
estava fervilhando de ciúmes tentando imaginar como Maikon sabia que Mariana
gostava de vinho e explodindo de raiva por ela ter aceitado bebê-lo. Cheguei a tal
ponto que se tornou insuportável ficar lá parado. Resolvi deixar a timidez de lado
e puxei assunto com um convidado.
A situação logo acabou se invertendo: um dos parceiros comerciais de
Maikon requereu sua atenção, e foi a vez da Mariana ficar sozinha, enquanto eu
bebia e dava risadas forçadas em meio a conversas com desconhecidos. Ela
odiava que eu bebesse mais do que um copo de cerveja, o qual era a minha dose
habitual em festas. Então, para provocá-la, passei a fingir que estava bebendo o
tempo todo, porém, na verdade, toda vez que eu ia ao quintal, jogava a cerveja
fora. Nem eu sabia com que objetivo fazia isso. Mantinha em minha mente
apenas a ideia de que me fazer de bêbado seria uma desculpa para ações e
reações mais descontroladas, caso fosse conveniente. Além disso, tal fingimento
ajudava a me enturmar com os homens, principalmente aqueles que realmente
gostavam de beber. Trata-se de uma conduta ridícula, mas o pior é que funciona.
Mariana também teve de se enturmar para não ficar sozinha, porém,
depois de um tempo, voltou a ficar confabulando apenas com Maikon. Resolvi
dar um jeito de me vingar. Aproximei-me de Ramona e a abordei. Comecei a
conversa aproveitando para deixar bem claro que minha mulher não poderia
saber nada sobre o dia da carona. Ramona imediatamente respondeu que eu não
precisava ter falado nada, pois de forma alguma faria isso, e assim pude ficar
ainda mais aliviado. Continuei puxando assunto, apenas no intuito de tentar
provocar ciúmes.
Mariana estava bebendo bem mais do que o habitual. Provavelmente ela
bebeu na companhia de Maikon mais do que tinha bebido comigo em qualquer
outra ocasião. Sua pele corada demonstrava o quão alterada já estava pelo
álcool, e isso me provocou a continuar fingindo estar cada vez mais bêbado. Eu
queria ver até onde a situação iria chegar.
Às onze horas, os convidados começaram a ir embora. Os primeiros a se
despedir foram os sócios de Maikon. Em questão de poucos minutos, permaneceu
na casa, além de nós, apenas um grupo de amigos, que incluía Ramona. Percebi
que todos sairiam juntos, pois pretendiam ir a uma festa. Quando ouvi que
Maikon iria ficar em casa, e vi que os demais convidados começaram a se
organizar para sair, tive uma ideia: derramei propositalmente um copo de
cerveja em minha camisa, olhei para Mariana, a qual fez uma expressão de
reprovação, e então falei que ia para casa me trocar e já voltava.
Saí praticamente junto com o restante dos convidados, o que significa que
Mariana e Maikon ficaram a sós. Fui cambaleando até o portão de minha casa,
abri-o e, após entrar, saí correndo para pegar uma camisa limpa. Depois, corri
para os fundos do terreno, pulei para o quintal de Maikon e fui tentar olhar através
das janelas. Cheguei a tempo de ver os dois dançando uma música lenta. Achei
aquilo ridículo! Fiquei com um ódio imensurável, que se agravou ainda mais
quando, subitamente, Maikon passou a mão por detrás da nuca da Mariana e a
beijou – ou, ao menos, tentou beijar. Não foi possível ver direito, pois, no susto,
acabei fazendo barulho e tive de esconder o rosto. Quando olhei novamente, eles
já estavam conversando.
De onde eu me encontrava, não dava para ouvir a conversa; só o que
estava claro é que Mariana chorava e estava muito nervosa. Ela começou a ir
em direção à porta, e tive de correr para os fundos da casa de Maikon no intuito
de evitar que me vissem lá. Ao perceber que ela estava indo para casa, pulei o
muro dos fundos de volta para o terreno no qual morávamos, entrei pela porta
dos fundos, corri para a porta da frente e a abri como se estivesse pronto para
voltar à festa. Quando abri a porta, Mariana já estava entrando no portão.
Perguntei se a festa havia terminado, enrolando a língua como se estivesse muito
bêbado. Ela não respondeu nada; apenas passou ao meu lado, olhando para baixo,
e foi direto para o banho.
Senti vontade de xingá-la e de me separar dela ainda naquela noite, mas,
simplesmente, não consegui falar nada, até porque eu não tinha certeza do que
tinha visto. Sem saber qual atitude eu deveria tomar, deitei-me na cama e fingi
dormir, mesmo sem tomar banho, pois eu nunca vi bêbado se preocupar com
isso. Depois de sair do banheiro, Mariana deitou-se ao meu lado e virou de costas
para mim. Eu simplesmente não conseguia dormir, pois estava sendo corroído
pela dúvida: ela tinha ou não sido beijada? Pensei em acordá-la, dizer que eu
tinha visto o beijo e esperar que ela mesma se entregasse ou negasse, mas, se eu
fizesse isso, já causaria um desgaste sem retorno em nosso relacionamento.
Durante aquela noite, alternei momentos no qual ponderava que eu queria
mesmo terminar, e momentos em que eu sentia o quanto ia sofrer se nos
separássemos, relembrando com isso o quão profundamente eu ainda a amava.
Já no meio da madrugada, acabei chegando ao ápice de minha crise, sufocado
por pensamentos de que, independente de eu querer ou não terminar o
casamento, eu não tinha como tolerar a traição. Cheguei a me sentar na cama
pensando em chamá-la, mas, antes disso, acabei raciocinando que, mesmo se
Maikon realmente a tivesse beijado, tudo indicava que esse beijo tinha sido
rejeitado. Então me perguntei: “um beijo roubado é traição?”. Voltei a me deitar
e passei a noite toda nessa agonia.
Não dormi praticamente nada naquela noite, e tive a impressão de que
Mariana também não. Ela permaneceu o tempo todo virada de bruços para o
outro lado, mas se mexia muito, e, em diversos momentos, tive a impressão de
ouvir aquela respiração típica de quem está chorando em silêncio.
***
No dia seguinte, Mariana estava me tratando melhor. Imaginei que isso
fosse reflexo do peso de sua consciência, mas eu não queria que um sentimento
momentâneo de culpa abafasse a verdade. Durante a noite, eu já tinha
formulado um plano: se ela estava prestes a me trair, eu daria motivação para
que me traísse de uma vez. No entanto eu estaria preparado para descobrir.
A Páscoa estava chegando, e Mariana e eu estávamos cogitando ir à casa
de seus pais, devido à depressão de sua mãe, que, como os demais problemas
nossos, tinha voltado muito mais forte. Eu compreendia a ânsia dela por visitar
sua família e, por isso, concordei com a ideia de ir à cidade deles mais uma vez,
em vez de ir à cidade de meus pais. É certo que meus pais já tinham me visitado,
mas eu nunca tinha conseguido voltar a casa deles.
Apesar de entender a importância de Mariana ir ver seus pais, resolvi
utilizar isso para manter o caos dentro de casa. Chamei-a e disse que tinha
repensado, frisando não ser justo ir visitar sua família mais uma vez, sendo que
eu ainda não havia tido a oportunidade de voltar para a casa dos meus pais. E
então eu disse que nossa viagem seria para a casa da minha família. Ela tentou
argumentar, mas fui propositalmente intransigente.
O efeito foi imediato. Mariana voltou a ficar brava, e provoquei ainda
mais sua irritação ao chamá-la de egoísta e outras coisas mais. Fiz isso de
propósito, até conseguir tirá-la do sério para brigarmos, deixando o clima de casa
pesado mais uma vez. A grande diferença é que, dessa vez, eu me sentia
confortável com o desentendimento. Eu não queria perder de forma nenhuma a
mágoa e a raiva que eu estava sentindo, e, nesse caminho, não perdia nenhuma
oportunidade para piorar a situação e provocar desentendimentos em cada
comentário. Minha mágoa era tamanha que eu fazia isso o tempo todo. Era algo
inconsciente, quase automático: quando eu percebia, já tinha feito de novo.
Capítulo 15
De olhos bem abertos
A vantagem de morar em uma capital é que sempre encontramos alguém
para nos ajudar a fazer qualquer tipo de loucura. Pesquisei na internet e achei um
investigador particular que alugava um sistema de câmeras. Acabei fazendo
mais um empréstimo para contratar o serviço.
Eu tinha o equivalente a um dia e meio de folga a ser tirada, referente a
horas extras geradas pelas viagens feitas. O prazo para eu escolher meus dias de
descanso era de apenas três meses, sendo que eu já tinha reservado a segundafeira após a Páscoa, no intuito de poder viajar. Aproveitei e, no primeiro dia de
trabalho após a festa, pedi para utilizar o meio dia de folga que ainda me restava
já na manhã seguinte, período no qual Mariana estaria na faculdade. Chamei
então o investigador para instalar toda a parafernália de monitoramento.
Foram instaladas duas câmeras nos fundos de casa e uma no portão da
frente. Dentro de casa, só deixei que fosse instalada uma câmera na cozinha e
outra na sala; no quarto, por uma questão de privacidade, só permiti a instalação
de um microfone. Depois das instalações feitas, examinei várias vezes para ter
certeza de que o sistema era imperceptível. Tudo estava muito bem escondido. O
investigador contratado ficou responsável por fazer uma “coletânea” dos
momentos em que Maikon e Mariana se encontrassem. A tecnologia era bastante
interessante, pois me dava a possibilidade de acessar as gravações a qualquer
momento pela internet.
***
Ainda na terça-feira, ficou registrado que Mariana não colocou os pés
para fora de casa depois de voltar da faculdade e que Maikon apareceu várias
vezes olhando por cima do muro durante a tarde, deixando evidente que ele não
foi trabalhar. Na quarta, foi praticamente a mesma coisa: Maikon ficou olhando
por cima do muro, mas Mariana não saiu para fora. A única diferença em
relação ao dia anterior foi que ele tentou chamá-la, porém foi completamente
ignorado. Na quinta, Mariana saiu ao quintal para estender as roupas que tinha
lavado, e logo Maikon apareceu no muro. Ele pediu para conversar, mas ela
imediatamente entrou em casa, continuando a ignorá-lo completamente.
Da forma como Mariana estava agindo, ficou claro que o beijo, se
aconteceu, tinha sido mesmo roubado. Ao que tudo indicava, ainda era tempo de
consertar nosso casamento. Mesmo assim, eu estava decidido a provocá-la por
mais algum tempo. Eu precisava ter certeza de que ela realmente iria se afastar
de Maikon. Quanto a ele, comecei a ter duvidas em relação ao tipo de
empresário que era, pois passava todas as tardes em casa. Como dono de
empresas, era compreensível que fizesse seus próprios horários, mas
permanecer sem trabalhar durante todas as tardes não me parecia compatível
com alguém que cresceu do nada. Como afirmou Albert Einstein: “O único lugar
onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”.
***
No final da tarde de quinta, quando cheguei do trabalho, Mariana veio
tentar me convencer a dividir o feriado entre a casa dos meus pais e a dos pais
dela, mas neguei, dizendo que não teríamos nem tempo e nem dinheiro para isso,
pois uma cidade ficava longe da outra. Ela chorou e disse que então não iria a
lugar nenhum.
Minha mente se incendiou. Eu entendia que Mariana quisesse muito ver
sua mãe e até a imaginava resolvendo ir à casa de seus pais de ônibus, mas não a
imaginava dizendo que iria simplesmente ficar em casa. Comecei a pensar: será
que ela queria ficar sozinha para “se resolver” com Maikon? Fiz mil especulações
como essa e decidi pagar para ver. Ainda na noite de quinta, fui à casa do meu
“querido vizinho”, joguei videogame e fiz questão de comentar que eu viajaria
na sexta pela manhã, início do feriado de Páscoa, e que Mariana ficaria.
No dia seguinte, Mariana não se levantou da cama quando meu alarme
tocou. Arrumei minhas coisas, peguei a mala e parti. Assim que saí de casa,
liguei para meus pais dizendo que não ia viajar e fui a um hotel, de onde
pretendia passar todo o fim de semana de olho nela.
***
Maikon mordeu a isca: já na sexta-feira, ficou o tempo todo tentando
encontrar Mariana nos fundos de casa, mas ela não saiu; em vez disso, passou a
manhã toda dentro do quarto, e à tarde, limpou os móveis. No sábado, ela só saiu
do quarto perto das onze da manhã, fez o almoço e depois ficou na sala ouvindo
música.
Mariana olhou para o celular várias vezes durante o dia, me fazendo
acreditar que estava esperando uma ligação minha. Em uma das vezes ela olhou
para o celular, começou a chorar e foi para o quarto. Como não havia câmeras
lá dentro, só pude ficar ouvindo seu choro até que, meia hora depois, tudo ficou
em silêncio. Provavelmente ela acabou adormecendo. Confesso ter ficado
sensibilizado, mas decidi que, se ela não tomasse a iniciativa de me ligar, eu
também não ligaria. À noite, após sair do quarto, ela ficou olhando para o celular
ainda mais compulsivamente e teve várias pequenas crises de choro, mas não
me ligou.
Na manhã do domingo de Páscoa, logo cedo, percebi que o áudio das
câmeras não estava funcionando. Liguei para o investigador, porém ele
simplesmente não me atendeu. Depois de me irritar tentando ligar seguidamente,
comecei a pensar que o melhor seria desistir dessa loucura, voltar para casa,
conversar e buscar um recomeço.
Enquanto eu pensava no que deveria fazer, Mariana começou a arrumar
algumas roupas para serem lavadas, e isso significava que iria estendê-las no
fundo de casa e Maikon provavelmente a encontraria, pois ele ficava rodeando o
muro a todo o momento. Definitivamente, tratava-se de um louco compulsivo!
Resolvi esperar para ver se ela continuaria ignorando-o, e, caso fizesse isso,
decidi que voltaria para casa. Apesar de realmente esperar que Mariana
ignorasse Maikon, voltei a ligar para o investigador ainda mais compulsivamente,
esperando que resolvesse o problema do áudio, pois, caso eles conversassem, eu
obviamente queria ouvi-los.
Diz um conhecido provérbio: “O pão cai sempre com o lado da manteiga
virado para baixo”. Tal fatalidade costuma ser explicada com a trágica lei de
Murphy, que diz: “Se algo pode dar errado, dará”. Enquanto Mariana estendia a
roupa no varal, Maikon, conforme eu previ que aconteceria, apareceu no muro e,
para o meu pavor, logo dessa vez, ela resolveu aceitar conversar. Após tanto
planejamento para descobrir a dimensão do envolvimento deles, tudo foi por
água abaixo! Não pude fazer nada alem de ficar assistindo à conversa muda.
No início, Mariana estava claramente brava e parecia estar brigando, no
entanto, depois, o diálogo pareceu ficar ameno. Por fim, após certo tempo, eles
começaram a sorrir, parecendo que mantinham uma conversa bem agradável, e
isso era bem desagradável aos meus olhos. Perdi toda a confiança a qual eu
estava começando a reaver em meu relacionamento. Quando a conversa
terminou e Mariana entrou em casa, fiquei tão desnorteado que comecei a andar
de um lado para o outro do quarto, tentando raciocinar. Cansado de ficar
trancafiado, resolvi sair para caminhar pelas ruas. Ao meio-dia, tentei almoçar,
mas minha garganta parecia selada. Voltei ao hotel e não tive ânimo nem ao
menos para olhar o que Mariana estava fazendo. Fui diretamente para a cama,
no intuito de dormir. Eu estava completamente exausto, pois não dormia direito
havia vários dias.
Perto das oito da noite, acordei com o meu celular tocando. Vi que era
Mariana e ignorei o chamado. Cinco minutos depois, meu celular começou a
tocar novamente, então me levantei e fui até meu notebook para ver o que estava
acontecendo: ela estava olhando para a janela da cozinha, de longe, com uma
expressão de assustada. Resolvi atender, mas a chamada caiu. Pensei em
retornar a ligação, mas, antes disso, Mariana começou a digitar novamente.
Fiquei esperando meu telefone tocar, mas não tocou. Como as gravações
continuavam sem som, eu não tinha como saber com quem ela estava falando,
mas o embrulho em meu estômago mostrava que, no fundo, eu já sabia a
resposta. A ligação durou pouco, no máximo uns vinte segundos. Na sequência, vi
o resultado: não se passaram outros três minutos até que Mariana abrisse a porta
e recebesse Maikon.
Em meio a tanta decepção, presenciei uma atitude que me agradou
muito. Ela não o cumprimentou e não o chamou para entrar. Apesar de
permanecerem conversando, Mariana ficou em frente à porta, enquanto Maikon
permanecia do lado de fora. Senti uma fagulha de ânimo frente ao seu
posicionamento, mas minha angústia voltou a tomar conta após cinco minutos de
conversa. Eu não conseguia ver a expressão de Mariana, pois ela estava de costas
para a câmera, e tampouco a dele, que permaneceu quase o tempo todo em um
local onde eu não conseguia enxergar. Fiquei nessa agonia, vendo sem ver, por
quase vinte minutos, até que Mariana foi para fora, trancou a porta e se foi.
Eu não acreditei no que estava vendo! Decidi não ficar lá parado, sem
saber o que estava acontecendo. Desci correndo as escadarias do hotel, entrei no
meu carro e fui o mais rápido possível para casa. Parei o automóvel na quadra
dos fundos para evitar ser visto, fui correndo a pé até a minha residência, entrei
pelo portãozinho e imediatamente fui para os fundos, no intuito de pular para o
terreno de Maikon. Aproximei-me lentamente da janela da sala de jantar, onde
os dois estavam. Com muito cuidado, arrastei-me até bem perto da grande porta
de vidro, de onde eu poderia vê-los, mas, àquela distância, não era possível ouvir
a conversa. É indescritível a agonia de sempre estar perto para ver, e longe
demais para compreender.
Fiquei assistindo à cena em torno de cinco minutos. Ambos pareciam
tensos. Repentinamente, Mariana começou a chorar, o que me deixou assustado,
e se levantou. Maikon foi em sua direção e a abraçou. Fiquei atônito, assistindo à
estranha situação, sem saber o que fazer. Por fim, ele tentou beijá-la e foi
correspondido.
Dessa vez, não restava mais dúvidas: eles estavam mesmo se beijando, e
tratava-se de um longo beijo de língua. Comecei a tremer descontroladamente.
Pensei em dar flagrante, mas resolvi primeiro voltar para casa e pegar uma
faca. Ao retornar, já com a faca na mão, eu estava tão nervoso que acabei
escorregando e caí para dentro do terreno de Maikon. Percebi um corte em meu
braço, e então tirei a camisa e a enrolei no machucado, evitando que tudo ficasse
sujo de sangue. Olhei a minha volta e não vi nada ensanguentado – ao menos,
não estava visível no escuro. Provavelmente, os primeiros pingos tinham caído na
pequena parte de terra onde deveria existir um jardim, mas não havia nada
plantado. Logo, ouvi a voz de Maikon gritando:
– Quem está aí?
Evidentemente o tombo tinha sido mais barulhento do que imaginei. Pulei
de volta para o meu terreno. Peguei um pano do varal e o enrolei por cima da
minha camisa, para que ajudasse a estancar o sangue. Então, tranquei a porta da
cozinha, pela qual eu tinha entrado para pegar a faca, e saí pelo portãozinho. Fiz
tudo isso de uma forma puramente automática. Quando cheguei ao carro, pensei
em voltar, mas eu achava que Maikon tinha um revólver, e se assim fosse, a essa
altura, sem duvidas ele estaria armado.
Olhei para o meu braço e percebi que o corte estava mesmo muito
profundo e não parava de sangrar. Concluí que meu casamento já estava
acabado e que Mariana não merecia nem ao menos minha fúria. Decidi, então,
ir ao hospital. Após receber os pontos necessários, voltei ao hotel. Minha primeira
reação após entrar no quarto foi a de me sentar em frente ao computador. Senti
raiva por ainda me importar e querer saber se Mariana já tinha voltado, então
resolvi apagar todas as gravações sem ver nada.
***
Na manhã seguinte, arrumei minhas malas e voltei para casa pronto para
colocar Mariana contra a parede. Assim que desci do carro, voltei a tremer de
ódio e de receio, pois eu estava decidido a deixá-la, mas eu não poderia fazer isso
sem sentir muita dor. Entrei na sala e tive uma grande surpresa: Mariana estava
sentada no sofá e, ao seu lado, suas malas estavam prontas.
– Sabe por que estou indo embora? – perguntou-me, antes mesmo de eu
falar alguma coisa.
– Sei! – respondi. – É porque me traiu sem nem um pingo de vergonha.
Mariana fez uma expressão espantada e respondeu:
– Não tente dissimular as coisas! Estou indo embora porque “você” está
me traindo!
– Pare de dar uma de louca! – gritei.
Fui até uma das câmeras escondidas, retirei-a, mostrei-a e falei:
– Eu sei muito mais do que você pode imaginar! Se quer saber, eu até
pensei em ir matar vocês dois ontem, mas cheguei à conclusão de que não valia
a pena estragar minha vida por sua causa.
– Não é bem assim! – ela respondeu, claramente abalada. – Eu só fui lá
para Maikon me provar que você estava mesmo saindo com Ramona. Seu
calhorda!
Foi a minha vez de ficar abalado. Mesmo assim, respondi:
– Só o que fiz com Ramona foi jogar videogame, já você…
– Seu mentiroso! – ela gritou, interrompendo-me. – Eu vi uma gravação
que mostra vocês saindo juntos. E o Maikon me beijou sim, mas só permiti isso
por estar completamente fora de mim depois de ter visto o tamanho da sua semvergonhice!
Ela começou a chorar e completou:
– Eu me arrependo amargamente de ter deixado Maikon me beijar, da
mesma forma que me arrependo de cada um de nossos beijos.
De repente, dei-me conta de que o psicopata do Maikon tinha planejado
tudo. Baixei meu tom de voz e falei:
– Ele armou tudo isso! – dei um suspiro e complementei: – Armou para
nós dois!
– Armação? Ele tem câmeras na garagem, e me mostrou você saindo
com aquela vagabunda.
– Eu só dei uma carona para ela… – tentei explicar.
– Claro que sim! – ela gritou.
– E é claro que você só deu um beijo – retruquei, mais uma vez, ficando
nervoso.
– Acabou! – disse ela, chorando.
– É, acabou! – confirmei, e então completei: – A propósito, eu também vi
o beijo no dia da festa.
– Ele tentou me beijar, mas não deixei.
– E então, você voltou lá para que ele finalmente conseguisse!
Depois disso, ela não conseguiu mais responder nada. Apenas saiu
correndo, trancou-se no banheiro e chorou por quase uma hora.
Capítulo 16
Versão dos fatos
Fiquei sentado no sofá e tive muito tempo para pensar enquanto esperava.
Decidi que precisava conhecer a versão de Mariana dos fatos. Sem dúvidas, ela
chegou à mesma conclusão, pois, ao sair do banheiro, sentou-se à minha frente e
pediu para que eu me explicasse. Contei tudo o que descrevi aqui nestes últimos
capítulos, tendo como ponto de partida o dia em que contei a Maikon o quanto a
achava especial, e então o calhorda prometeu me provar que ela não era tão
certinha quanto eu pensava. Na sequência, expliquei como me senti quando ela
repentinamente passou a me ligar menos e a ser fria comigo durante a primeira
viagem na qual fiz acompanhado por meus colegas. Relatei também minha
chateação ao voltar e encontrá-la conversando com Maikon nos fundos de casa.
Comentei também sobre a segunda vez em que eu a achei lá nos fundos com ele,
e como isso aumentou ainda mais minha angústia. Eu queria ser sincero, então
contei até mesmo sobre meu passeio com Taís. Não me fiz de inocente e falei
tudo o que lembrava, só não mencionei sobre o sonho absurdamente sensual que
tive, pois, afinal, tudo não havia passado de um sonho.
Mariana me ouviu em silêncio. Quando terminei, foi a minha vez de ouvir
sua versão dos fatos. Ela começou seu relato lembrando-me da terrível briga a
qual tivemos quando disse que iria viajar acompanhado por meus colegas, e
contou que, um pouco após a minha partida, enquanto estendia roupas no varal,
Maikon veio até o muro e pediu um açúcar emprestado. Ela relatou que, quando
voltou com o açúcar, o filho da mãe perguntou por que ela estava tão abatida e,
em seguida, contou que eu também andava estranho.
Fiquei chateado ao ouvir sobre a forma como Maikon se aproximou.
Aquele escroto se aproveitou do ciúme e da insegurança de Mariana. Antes dela
me contar, eu já sabia que o comentário a tinha deixado desesperada, e foi
exatamente isso que aconteceu. Confessou-me então que tentou descobrir mais
sobre o que Maikon poderia saber, então, no desespero, descreveu todos os nossos
problemas, esperando encontrar respostas, mas só o que o cafajeste vez foi
deixá-la ainda mais apavorada: Ele disse que eu tinha relatado não estar mais
suportando nosso relacionamento por conta das crises de ciúme que me
sufocava. Mariana contou que entrou em pânico, começou a chorar na frente de
Maikon, o qual disse que ia ajudá-la. Começou a consolá-la e a dar conselhos, um
dos quais era o de não me ligar durante aquela viagem, e, caso não resistisse, ao
menos, não deveria demonstrar ciúmes. Isso explicou perfeitamente o porquê de
ela ter repentinamente passado a me ligar bem menos e a parecer fria nas
ligações.
De acordo com o relato, Maikon passou a encontrá-la quase todos os dias
no fundo de casa, abordando-a por cima do muro para saber como estava, e
sempre a ouvia com muita atenção e lhe dava conselhos. Ele a aconselhou, por
exemplo, a encontrar um jeito de me fazer sentir um pouco de ciúmes,
supostamente para que eu a compreendesse melhor. Ela disse ter respondido que
não sabia como fazer isso, e o canalha se ofereceu para ajudá-la, dando a ideia
de me deixar encontrá-los conversando nos fundos de casa. Mariana revelou que,
a princípio, achou a ideia idiota e não aceitou a proposta, achando que poderia,
inclusive, causar problemas para o próprio Maikon, mas ele insistiu e conseguiu
convencê-la, assim sendo, não foi por acaso que os encontrei conversando
quando cheguei daquela viagem. Ela garantiu saber que eu a tinha visto.
Aí já estava desenhado o começo do caos: não demonstrei ciúmes. Para
Mariana, foi como se eu não me importasse. Quanto a mim, depois do fato de
repentinamente ter parado de me ligar, e de encontrá-la em conversas com
Maikon, passei a ter um ciúme tão maléfico quanto o dela, apesar de não
demonstrá-lo. O resultado foi que ambos começamos a esconder nossos
sentimentos e entramos em um jogo de alfinetar um ao outro, o que gerou
desconfiança em ambos os lados.
Maikon me conhecia o suficiente para saber que, se minha companheira
tentasse me fazer ciúmes, eu iria reagir na defensiva. Tenho certeza de que ele
também sabia que, se ela tentasse esconder seus sentimentos, tudo iria piorar. Ela
realmente precisava controlar os ciúmes, mas controlar e esconder são coisas
diferentes: ao apenas escondê-los, a tendência óbvia era a de diminuir a
comunicação e aumentar a tensão e a desconfiança, e isso, evidentemente,
geraria o caos total.
Comecei a convencer-me que Maikon tinha preparado a armadilha
perfeita, transformando meu casamento em uma bomba-relógio. Não estou
dizendo que Mariana e eu éramos inocentes, pois nós dois erramos muito. Mas, o
maestro do completo desmoronamento de nosso relacionamento certamente foi
Maikon.
Mariana continuou relatando que, na segunda vez a qual viajei com meus
colegas, resistiu em me ligar, mas não sem ficar completamente desesperada.
Senti um aperto no coração ao ouvir que passava horas chorando todas as noites
antes de conseguir dormir. Fiquei triste ao compreender que toda a agonia na qual
senti, ela certamente a sentiu ainda mais.
Frente a tamanho desespero, conforme o relato de Mariana, Maikon
acabou se tornando imprescindível em seu dia a dia, pois era a única pessoa com
quem podia desabafar e de quem podia receber conselhos. Inclusive, perto do
fim dessa viagem, a nova recomendação genial do infame foi a de me fazer
relembrar o quanto ela era bonita e interessante, e foi então que nos convidou
para o jantar, dizendo ser a ocasião perfeita para que se arrumasse e me
relembrasse da dimensão de sua beleza.
Senti remorso ao saber que, no dia da janta, todo o esforço de Mariana
era efetivamente para mim, e senti ainda mais raiva ao considerar a hipótese de
que até mesmo isso tinha feito parte dos planos de Maikon para acabar com nosso
relacionamento. Ele sabia que eu estava, sim, enciumado, e por isto era de se
esperar que eu não acreditasse que todo aquele capricho era destinado a mim,
ainda mais diante da situação crítica na qual estava meu casamento.
Mariana revelou ter ficado muito triste ao ver que, durante a festa, eu mal
olhei para ela, e então começou a conversar com Maikon justamente para ver se,
ao menos, eu demonstrava algum ciúme. Senti-me um completo idiota ao me
lembrar de que não fiz nada alem de tentar provocar ciúmes nela também ao
entabular uma conversa com Ramona. Se o ciúme exagerado pode ser
considerado uma doença, com efeito, em meu casamento, esse sentimento se
tornou uma moléstia contagiosa, pois me contaminei dele. Ao final, éramos dois
doentes cutucando as feridas um do outro.
Mariana relatou que, após o jantar, queria me chamar para ir embora,
mas Maikon ficou ao seu lado dizendo que não poderia fazer isso, pois, se tentasse
me levar para casa contra minha vontade, tudo iria piorar. Fiquei amargurado por
ouvi que o pior momento para ela, naquela noite, foi quando a decepcionei ao ir
para casa sem me importar em deixá-la sozinha. Ela então se desesperou,
começou a chorar, quis ir atrás de mim para brigar, mas Maikon a segurou,
dizendo que tinha de respirar fundo e se acalmar, e insistiu para que dançasse
apenas uma música com ele antes de ir, afirmando que isso já daria o tempo
suficiente para se recompor e pensar no que iria fazer. Mariana, desnorteada,
acabou aceitando dançar, mas não esperava que ele fosse tentar beijá-la. Por
fim, ela fez questão de deixar bem claro que o beijo não aconteceu, e que, após a
tentativa, foi para casa imediatamente e cortou relações com o patife.
Quando contei minha versão dos fatos, Mariana ouviu tudo sem me
interromper ou questionar; portanto, eu sabia que deveria fazer o mesmo. Porém,
nesse momento, meu sangue ferveu e eu não aguentei: interrompi-a e perguntei,
em tom de acusação, por que ela tinha resolvido deixá-lo se aproximar mais uma
vez, e por que ficou em nossa casa sozinha se poderia ter ido visitar seus pais de
ônibus. Mariana começou respondendo que, se chegasse sozinha na casa de seus
pais, de ônibus, na Páscoa, iria ficar óbvio que estávamos tendo sérios problemas.
Com lágrimas nos olhos, complementou que não poderia ter ido porque não
queria dar mais uma preocupação para sua mãe.
Quanto ao Maikon, ela explicou que, no domingo, resolveu falar com ele
apenas para deixar bem claro que não queria mais ser incomodada, porém o
infeliz imediatamente argumentou não ter tido a intenção de beijá-la na boca,
mas, sim, no rosto. De acordo com ele, tratava-se de um beijo de amigo que foi
mal compreendido. Mariana ponderou que não deveria ter acreditado, porém,
naquele dia, a solidão a fez querer acreditar, e, considerando que tudo não
passara de um mal entendido, resolveu perdoá-lo; no entanto, deixou claro que
ele jamais poderia tocá-la novamente, em hipótese nenhuma, nem ao menos um
aperto de mão, a não ser na minha presença.
Quanto ao episódio da noite de domingo, Mariana disse que ficou
apavorada ao ouvir ruídos fora de casa, e então, como não atendi às ligações, a
única saída que encontrou foi pedir a Maikon o favor de verificar a causa do
barulho. Ela assegurou ter mantido sua condição de não ser tocada e nem ao
menos apertou sua mão. Quando ouvi isso, lembrei-me de que era verdade, pois
vi através da câmera que ela abriu a porta e o atendeu fora de casa sem
cumprimentá-lo.
Na sequência, ela contou que Maikon demonstrou estar furioso por eu têla deixado sozinha, e então ele disse que precisava lhe mostrar algo muito grave,
mas que isso só seria possível em sua casa, pois a prova estava em seu
computador. Conforme Mariana, eles ficaram conversando por vinte minutos
porque ela insistia que o calhorda dissesse logo o que sabia, mas ele repetia que
não iria falar se não pudesse provar. Por fim, completamente enciumada e
achando que eu a estava traindo, ela acabou aceitando ir ver a tal prova, e estava
tão cega de ódio a ponto de nem ao menos pensar que poderia correr algum
perigo.
Mariana falou que, quando chegou à casa de Maikon, ele começou a
enrolá-la, dizendo que estava repensando e achava melhor não se intrometer em
nosso relacionamento. No entanto ela asseverou que era tarde para desistir, pois
já tinha entendido que eu a estava a traindo e não ia sossegar enquanto não
descobrisse a verdade. Provavelmente até mesmo esse drama foi proposital para
deixá-la ainda mais nervosa. Isso deve ter durado em torno de dez a quinze
minutos até que Maikon finalmente resolvesse contar o que supostamente sabia,
mas não antes de fazê-la prometer que jamais iria me dizer o que descobriu para
não criar problemas para ele. Depois de Mariana assentir, ele mentiu que eu
estava tendo um caso com Ramona, exibindo o vídeo de sua câmera de
segurança o qual nos mostrava saindo com a caminhonete. Foi aí que ela se
desesperou e o miserável aproveitou a situação, abraçou-a e beijou-a. Mariana
disse ter correspondido ao beijo por estar fora de si, por sentir vontade de se
vingar e por querer fazer algo no qual demonstrasse o fim definitivo do nosso
relacionamento, mas, na sequência, percebeu que estava fazendo algo horrendo,
começou a chorar e quis ir embora. Foi então que, quando já estava saindo, eles
ouviram o barulho o qual fiz ao cair do muro.
Ela me disse que tive muita sorte, pois Maikon correu pegar uma arma e
começou a examinar suas câmeras de segurança que gravavam a garagem, a
parte do muro da frente e as portas da casa, mas não apareci em nenhuma das
filmagens. Por fim, ela relatou que, após ele ter olhado o terreno todo, finalmente
permitiu que ela fosse embora.
Hoje, tenho certeza absoluta de que Mariana me falou toda a verdade.
Duvido de que houve algo além de um beijo. O motivo de eu acreditar nela é
simples: conheço seu caráter. Seu grande defeito era o ciúme, mas tenho certeza
de que isso não a levaria a se deitar com outro. Porém, na época, cego pelo
ciúme, as coisas não me pareciam assim tão claras.
Depois que Mariana terminou de contar sua versão dos fatos, fiquei em
silêncio por alguns segundos, digerindo a conversa. Nesse tempo, ela pegou o
celular e ligou para um táxi. Pensei em pedir para ela ficar, mas, antes que eu
falasse qualquer coisa, logo após desligar o celular, Mariana fez o seguinte
comentário:
– Minha mãe precisa mais de mim do que você, e certamente me ama
mais!
Depois de falar isso, chorou e pediu desculpas. Compreendi que foi um
desabafo, no qual falou sem pensar, mas me machucou muito, tanto que eu não
pedi para que ela ficasse. Quando o táxi chegou, eu a vi partir, calado.
Quanto a Maikon, eu já tinha certeza absoluta de que planejou tudo nos
mínimos detalhes; porém, não entendia o porquê disso tudo. Só mais adiante
descobri qual tinha sido sua intenção: trata-se de algo realmente deplorável,
muito difícil de entender e ainda mais difícil de acreditar, mas isso é assunto para
outro momento.
Capítulo 17
Seguindo em frente
Na primeira noite sem Mariana eu chorei muito, mas acordei decidido a
seguir em frente e fazer tudo o que desejava quando solteiro, mas não tinha
experiência o suficiente para conseguir. Em todos os meus outros
relacionamentos, ao final, eu me obrigava a permanecer um bom tempo sozinho;
porém, desta vez, estava convicto de que deixaria de “ser bobo” e não ia perder
tempo.
No dia seguinte ao término do relacionamento com Mariana, fui trabalhar
decidido a não ficar esperando as coisas acontecerem. Já estava na hora de
enfrentar meus problemas profissionais, custasse o que custasse. O medo é uma
proteção: trata-se de uma força que detém muitas ações e reações
desnecessárias ou desvantajosas, mas, em certos momentos, existe a necessidade
de enfrentá-lo. Eu diria que, muitas vezes, o temor é como um cavalo chucro o
qual os corajosos aprendem a domar e usam a seu favor; outros, porém,
enfrentam com unhas e dentes medos que possuem a agressividade de um leão
feroz, e é claro que acabam destroçados. Para estes, não se trata de um ato de
coragem, mas, sim, de imprudência.
O grande dilema de saber o momento de ser corajoso é conseguir
calcular a possibilidade de sucesso e o tamanho dos benefícios sem se esquecer
de mensurar o estrago que o fracasso pode causar. No meu caso, eu não tinha
como calcular minha chance de êxito, mas, por outro lado, com o fim do meu
relacionamento, a possibilidade de eu ser demitido já não seria algo assim tão
terrível.
Trabalhei por alguns minutos, só o suficiente para ter certeza de que a
gerente de recursos humanos já tinha chegado, e então fui questioná-la quanto à
falta do resultado de minha avaliação. Para meu alívio, ela fez uma expressão de
surpresa, procurou no sistema e respondeu que eu já deveria ter subido de cargo
desde janeiro, mês no qual fui aprovado pela diretoria executiva. Ela me
explicou que, por minha promoção ter ocorrido no mês errado e posteriormente
ter sido cancelada, o sistema acabou não computando automaticamente a minha
ascensão profissional quando chegou o momento certo, e o equívoco passou
despercebido.
Após a promessa de que tudo seria acertado o mais rápido possível, voltei
para o meu setor. Antes mesmo que eu chegasse até minha mesa, a gerente de
recursos humanos ligou para mim, mas quem atendeu foi Pablo, o qual me
passou o telefone com um sorrisinho irônico nos lábios. Sem duvidas ele achou
que eu estava tendo problemas, mas, ao contrário do que pensou, a ligação era
para me avisar que seria providenciado o depósito da diferença salarial,
correspondente ao valor no qual eu deveria ter recebido nos últimos meses, em
minha conta em até 48 horas, assim sendo, meus problemas financeiros tinham
acabado.
Depois de ter visto o sorrisinho irônico de Pablo, resolvi que já era hora de
realmente agir para tentar derrubá-lo antes que ele conseguisse me arruinar. O
fato de eu não ser demitido já era uma evidência de que ele não tinha toda a
força a qual fingia ter, e se assim o era, eu poderia enfrentá-lo de igual para
igual. Nada mais me impedia de ser corajoso! Já naquele dia, fui embora bem
depois do meu horário habitual. Como não tinha o que fazer em casa, não me
restava nenhum motivo para voltar cedo. Aproveitei esse tempo extra para
conversar com pessoas com quem eu nunca tinha tido contato.
Meu dia foi bem movimentado, cheio de boas notícias e de bons contatos,
o que me fez ficar altivo, mas quando cheguei à minha residência, às oito da
noite, toda minha euforia simplesmente derreteu, dando lugar a um gigantesco
sentimento de vazio. Resolvi, então, não ficar ali sozinho e fui à casa de Maikon.
Certamente, não aceitei o que ele fez comigo, mas estava decidido que o usaria
para minha diversão, porém me vingaria na primeira oportunidade.
Contei a Maikon sobre o fim do meu relacionamento, sem deixar
transparecer que eu o culpava por isso. Resolvi ser tão cínico quanto ele, e até
agradeci pelos conselhos os quais tinha me dado. Maikon demonstrou estar
contente e me convidou a trabalhar em suas empresas, dizendo que ia cumprir a
promessa de abrir portas em minha vida. Neguei o convite dizendo que não era o
momento adequado, pois eu não pretendia sair da empresa onde estava antes de
seguir seus conselhos e derrubar Pablo. A verdade é que eu não queria ser
dependente de Maikon.
Só retornei para casa às onze da noite, algo impensável enquanto eu
estava com Mariana. Inegavelmente eu estava gostando de ter essa liberdade de
fazer tudo o que quisesse. Ainda assim, no instante em que voltei a ficar sozinho,
a tristeza tornou a me assombrar, no entanto, não por muito tempo, pois estava
cansado o suficiente para dormir bem rápido.
***
Na manhã seguinte, levantei-me mais cedo do que de costume, pois
queria ser o primeiro a chegar ao meu setor. Fiz dessa ação um hábito. Eu tinha
consciência de que, para me destacar, apenas baixar a cabeça e trabalhar não
era o suficiente: era preciso ser político, ser sempre um pouco vendedor. O
produto a ser vendido era a autoimagem, e, para isso, eu precisava ser visto.
Chegar primeiro e ser um dos últimos a sair era uma forma de aparecer, ainda
mais que esse tempo extra não era utilizado para trabalhar, mas, sim, para
conhecer e me aproximar de pessoas. Meus objetivos eram claros: primeiro, eu
aumentaria a minha força dentro da empresa, e depois, daria um jeito de acabar
com Pablo.
Mais um dia se passou, e, ao sair do trabalho, como eu tinha consciência
de que a saudade me atropelaria, resolvi ir a um shopping jantar e comprar
roupas novas com o dinheiro da promoção, o qual já havia sido depositado. Como
não pretendia voltar para casa antes de estar completamente esgotado, fui à
academia e malhei por quase duas horas. Ao voltar para casa, bastou tomar um
banho e me deitar que imediatamente adormeci, sem ter tempo para ficar triste.
Tratei de criar uma rotina fixa que me mantivesse sempre ocupado. A
semana passou rapidamente. Foi fácil me distrair, mas me deparei com o
problema de não ter atividades para preencher completamente o fim de semana.
Preparei-me para ter um sábado monótono, mas Maikon ligou me convidando
para ir a uma pescaria. Eu não gostava de pescar, porém, frente à possibilidade
de ficar sozinho, imediatamente aceitei o convite. Ele me avisou que eu deveria
levar roupa de banho e informou que logo passaria para me apanhar.
O dia foi passando e Maikon não apareceu. Tentei ligar, mas seu telefone
estava fora de área. Às três da tarde, quando já estava convencido de que não
iria a lugar nenhum, ele passou em minha casa. Minha primeira reação foi a de
questioná-lo quanto ao horário, e a única resposta que obtive foi a de que tudo ia
dar certo. Maikon me disse que iríamos juntos em sua caminhoneta. Resolvi
arriscar, entrei e parti sem fazer novas perguntas.
Nosso destino foi uma fazenda, e quando avistei a sede, já era possível
ouvir música tocando. Assim que nos aproximamos, pude ver uma piscina cheia,
principalmente de mulheres. Maikon me olhou, deu um sorriso e falou que era
dia de pescar piranha. Tentei demonstrar empolgação, mas, no fundo, sentia
como se eu não devesse estar ali, e a tristeza me invadiu, ainda que eu tentasse
beber e dançar fingindo estar me divertindo. Lembrei que foi isso que Tay nara
disse ter sentido naquela noite a qual resultou em seu estupro, e a minha
impressão foi a de que, da mesma forma, aquela festa não ia acabar bem. Era
como se eu fosse ser estuprado!
Tentei aniquilar meus pensamentos pessimistas e aproveitar a festa.
Maikon me apresentou a muitas pessoas, incluindo uma bela ruiva, que começou
a demonstrar interesse. Quando percebi, já estávamos conversando a sós, e não
demorou para ela simplesmente se sentar em meu colo e me beijar. Correspondi
ao beijo, mas devo confessar que não foi nada bom. Minha mente ainda estava
fixa em Mariana, e foi como se eu a estivesse traindo. Depois do beijo, expliquei
que tinha acabado de sair de um relacionamento e que ainda era muito cedo para
“conhecer outras pessoas”. Muita coisa mudou em minha vida, mas consegui
provocar a expressão de decepção no rosto de uma mulher exatamente como
ocorria em minha adolescência. Perguntei-me: “Até quando continuarei agindo
como um bebezão inseguro?”.
Assim que fiquei só, Maikon veio me perguntar como eu tinha conseguido
perder a bela ruiva. Respondi que eu ainda precisava de um tempo. Ele, então,
dispensou a garota com quem estava e disse que iríamos curtir a noite juntos.
Bebi, dancei, conversei com muita gente. Eu tentava parecer feliz. Eu queria
acreditar que estava feliz. Depois de estar muito bêbado, participei de
brincadeiras e jogos que resultaram em inúmeros beijos em varias mulheres. A
cada toque em outros lábios, fui sentindo menos culpa e me soltando um pouco
mais. As brincadeiras terminaram quando não aguentei e comecei a vomitar.
Acabei ficando muito mal e, chegando ao completo esgotamento, deitei-me em
um sofá na sala daquela grande casa e adormeci.
Durante a madrugada, acordei com dor de cabeça e muita vontade de
urinar. Lembro-me de que abri os olhos e vi pessoas dormindo em todos os
lugares, até no chão. Levantei-me para ir ao banheiro e, quando cheguei à porta,
ouvi claramente os gemidos de uma mulher, que, com certeza, estava fazendo
sexo lá dentro. Fui para fora da casa, avistei um mato o qual serviu perfeitamente
para o meu objetivo. Após esvaziar a bexiga, voltei para o sofá, deitei-me e logo
tornei a dormir.
No dia seguinte, acordei com gritos de um pessoal no qual eu nem me
lembrava de ter visto no dia anterior. Saí e vi que já havia pessoas na piscina;
outros estavam fazendo churrasco e bebendo, enquanto um terceiro grupo estava
se organizando para jogar pôquer. Eles me convidaram para jogar e, não tendo
nada melhor para fazer, aceitei. Ao menos, participando do jogo, não ficaria
excluído, já que não tinha a menor ideia de onde Maikon pudesse estar.
O movimento da casa foi aumentando rapidamente. Não havia ninguém
chegando, significando que todas aquelas pessoas estavam nos quartos. Só me dei
conta da imensidão daquele casarão ao ter tal percepção. Em meio ao jogo e de
olhos nas belas moças tomando sol à beira da piscina, senti-me feliz. Pensei:
“Isso sim é que é viver!”. Finalmente, comecei a provar o gosto da liberdade.
Quando Maikon acordou, eu já estava totalmente enturmado e comendo
churrasco. Passamos o dia inteiro lá, e fomos quase os últimos a sair.
***
A segunda-feira raiou e eu retornei ao meu ritmo frenético, em que só
voltava para a casa a tempo de tomar banho e dormir. Recebi a convocação para
mais uma viagem a ser realizada na semana subsequente, algo que, dessa vez,
tratei como sendo uma boa notícia. A cada dia que se passava, eu pensava menos
em Mariana.
Quando um novo fim de semana chegou, Maikon me chamou para ir a
um show de rock, e eu imediatamente aceitei. Fomos em um grupo de mais ou
menos vinte pessoas, no qual, novamente, havia mais mulheres do que homens.
Dessa vez, eu já não sentia mais peso em minha consciência, e tratei de ficar
bêbado rapidamente para ter certeza de que isso não aconteceria. Voltei a passar
dos meus limites com a bebida, e por isso, sei que fomos a uma boate após o
show, mas não me recordo de muitos detalhes do que aconteceu lá.
Naquela noite, tomei bebida do copo de outras pessoas e acredito que
devo ter tomado algum tipo de droga misturada com a cerveja, pois fiquei
realmente estranho. Em dado momento, comecei a beijar uma das meninas do
grupo, que se chamava Lara. Beijamo-nos por certo tempo, e então, por fim,
fomos a um hotel barato o qual ficava bem perto da boate. Nem ao menos me
recordo de como descobri sobre a existência daquele local; provavelmente a
garota já o conhecia.
Apesar de eu não ter lembranças nítidas daquela noite, recordo-me bem
de estar por cima de Lara, beijando-a e tirando suas roupas, e que, quando a
deixei completamente nua, notei que meu corpo simplesmente não estava
respondendo aos estímulos. Não esperava que pudesse falhar, pois, depois de ter
perdido a virgindade, nunca mais tinha fracassado na cama. Não sei se tal
indisposição ocorreu por eu estar excessivamente bêbado, ou por eu ter pensado
em Mariana. Só sei que fiquei enfurecido e envergonhado, corri ao banheiro e
me tranquei.
Lara foi bater na porta logo em seguida. Estando muito nervoso e
completamente fora do meu estado normal, gritei para que fosse embora. Ela
insistiu por algum tempo para que eu abrisse a porta, mas eu a ignorei, joguei as
toalhas de banho e panos de rosto no chão, deitei por cima e não demorei para
apagar. Em meio à madrugada, acordei com o braço formigando muito. Abri a
porta do banheiro e constatei que realmente estava só; então, fui dormir na cama.
No domingo, assustei-me por demorar a me lembrar de onde estava. Na
saída, descobri que nem ao menos tinha recordações de onde tinha deixado meu
carro. Procurei-o no estacionamento do hotel e não o encontrei. Então, corri até
os estacionamentos em torno da boate, onde finalmente o achei; porém, o portão
estava fechado. Demorei mais de uma hora para conseguir descobrir quem tinha
as chaves.
Na tarde daquele domingo, fui jogar videogame na casa de Maikon, e
senti obrigação de explicar o que tinha feito com sua amiga. Contei o desfecho da
noite anterior, morrendo de vergonha, e ele apenas disse que eu poderia “pegar”
a garota em outra noite, como se tudo fosse assim tão simples. A frieza de Maikon
era assustadora!
***
Mais uma semana começou. Trabalhei na segunda e na terça na sede da
empresa, e na quarta, fui viajar. O destino era uma belíssima cidade litorânea.
Ao chegar, logo após largar as malas no hotel, aproveitei para passar o finalzinho
da tarde na praia.
No dia seguinte, dei minha palestra aos clientes, como sempre fazia, com
a diferença de que, dessa vez, aproveitei um comentário de um dos participantes
e combinei com a equipe de todos sairmos dali diretamente para um barzinho. Eu
jamais tomaria tal iniciativa enquanto estava com Mariana, pois, sem dúvidas,
isso causaria uma grande crise de ciúmes.
Durante aquela noite, acabei ficando amigo do proprietário da empresa
que eu estava atendendo, o senhor Thomas. Em meio a uma descontraída
conversa, comentei sobre a beleza da cidade e lamentei não ficar mais tempo.
Ele prontamente sugeriu que eu adiasse o retorno e me convidou para passar o
fim de semana em uma casa na qual mantinha apenas para lazer, em um
belíssimo condomínio à beira-mar. Quando comecei a explicar que minhas
passagens já estavam compradas para sexta à tarde, o senhor Thomas
argumentou que fazia questão de providenciar um meio para que eu retornasse
no domingo, e insistiu no convite, então resolvi ficar.
Eu sabia como me mostrar seguro e altivo, mas eu estava morrendo de
vergonha frente à situação. O fato é que eu me sentiria muito mais confortável
voltando para casa. No entanto, sabia que seria profissionalmente bom ficar,
além disso, era óbvio que não seria nada desagradável.
Na sexta-feira, minha apresentação estava marcada para acabar ao
meio-dia. Ao final, o senhor Thomas me chamou para almoçarmos juntos,
depois me levou de carro para pegar minhas malas no hotel, e então fomos
buscar sua esposa e filha. Enquanto esperávamos que as mulheres terminassem
de se arrumar, Thomas me mostrou a gigantesca mansão em que morava.
Paramos em sua adega, na qual era maior que a sala de minha casa, e ele
começou a falar das marcas e safras de seus vinhos. Demonstrei estar curioso e
empolgado, mas a verdade é que não entendia e não me importava com nada
daquilo. Enquanto contava as histórias, o senhor Thomas abriu um vinho francês
o qual tinha certa fama. Para o meu paladar, foi tão bom quanto os vinhos
comuns que eu comprava no mercado, mas é claro que elogiei e fingi estar
apreciando os ditos aromas magníficos oriundos de uma “safra tão especial”.
Quanto à casa de praia, apesar de ser bem menor, não era menos
luxuosa. Passei o fim de semana cercado “do bom e do melhor”.
Resumidamente, meu tempo foi preenchido entre pescarias em alto mar,
comidas finas, passeio de jet ski, mergulho, bebidas caras, sauna e massagem. Só
voltei para casa no domingo à tarde, e a viagem foi realizada com um pequeno
avião particular: prático, rápido e horrível, frente à grande turbulência que
passamos.
***
Na segunda-feira, recebi um e-mail de parabenização de um dos
diretores executivos da empresa, ficando evidente que Thomas havia me
elogiado. Fiz questão de comentar o fato em voz alta, sabendo que Pablo iria ficar
enciumado. O resultado veio imediatamente: ele tentou me repassar diversas
demandas complicadas. Aproveitando o ótimo momento, resolvi enfrentá-lo,
sugerindo, em voz alta e com um tom de indignação, que ele próprio assumisse
as atividades, pois eu já tinha mais serviço do que ele e estava sobrecarregado
com as viagens. Todos os quais estavam por perto interromperam aos seus
afazeres e ficaram olhando, aguardando a reação de Pablo. O clima era como se
uma bomba fosse explodir, mas, para a surpresa de todos, inclusive a minha, ele
ficou vermelho, disse não ter percebido que eu estava com tantas tarefas, e então
falou que ia rever a divisão.
Nesse dia, comecei a entender que Pablo era apenas um covarde, do tipo
que fala grosso e se prevalece caso tenha a oportunidade, mas que, ao ser
enfrentado de igual para igual, encolhe-se. Um covarde com poder de liderança
prejudica as pessoas à sua volta e, mais cedo ou mais tarde, acaba se
prejudicando. O medo o direcionava: era por temer que alguém se sobressaísse
que perseguia a todos, e era por ter medo de perder o controle que reclamava de
tudo, deixando a equipe sempre limitada.
***
No decorrer daquela semana, surgiu a indicação da necessidade de uma
nova viagem, e, dessa vez, Pablo me mandou uma mensagem, com cópia para o
diretor executivo o qual supervisionava nosso setor, dizendo que pretendia ir em
meu lugar, pois eu já tinha viajado muito nos últimos meses. Na sequência, veio
falar comigo, fazendo-se de bonzinho, afirmando ter resolvido assumir a missão
por ter percebido que realmente havia demandas excessivas sob minha
responsabilidade. Ficou óbvio que só estava fazendo isso por conta da visibilidade
a qual eu tinha conquistado, e tenho certeza de que seu verdadeiro objetivo era o
de evitar que eu conseguisse um destaque ainda maior.
É incrível como as perspectivas mudam! Agora, a ideia de viajar tornouse adorável, desse modo resolvi responder à mensagem dizendo que eu não via
nenhum problema em ir, pois gostava de dar as palestras. Logo, o diretor
respondeu que, se eu gostava, então que continuasse indo e mantendo um bom
trabalho.
Depois desse acontecimento, Pablo pegou de volta diversas demandas
complicadas que estavam comigo, e parou de me incomodar, deixando minha
vida dentro da empresa bem mais fácil, mas isso não mudava o fato de que
continuei enxergando-o como alguém perigoso. Eu tinha total consciência de que
o fato de sair do meu caminho não era por ter aprendido a me respeitar, mas,
sim, por já não ter mais confiança quanto a ter uma posição superior à minha na
empresa.
Um livro, intitulado “O filho do pecado”, apresenta o seguinte
questionamento: um marido que não trai por medo de perder a esposa é fiel?
Quando o li, a princípio, considerei que sim; afinal, não houve traição. Mas,
posteriormente, na trama, a seguinte comparação ampliou minhas perspectivas:
“um homem que não rouba a empresa no qual trabalha por ter medo de ser pego
não é honesto, mas, sim, um ladrão covarde o qual não encontrou a oportunidade
certa; da mesma forma, um homem que não trai a esposa apenas por medo de
perdê-la não é um marido fiel, mas apenas um adúltero medroso”. Refleti
bastante sobre o que poderia ser aprendido com tal comparação, até finalmente
entender que a essência dessa linha de pensamento é a de que, mesmo quando a
covardia remete a algo aparentemente bom, como, por exemplo, uma aparente
fidelidade ou honestidade, no fim, corresponderá sempre a uma atitude pobre,
egoísta e mesquinha.
Que fique bem claro: quando falo em covardia, não estou falando de
alguém que tem medo de algo para si próprio, como medo de altura ou de água.
A covardia na qual me refiro é a moral, e os que a possuem são ladrões, não
importa do quê; são traidores, não importa em que âmbito. O covarde moral é
aquele que sempre age sorrateiramente para conseguir alguma vantagem, ou
para se safar de algo. Frente a essas pessoas, até mesmo as atitudes
aparentemente benéficas se esfacelarão assim que surgir uma ocasião propícia.
Por isso, um bom conselho é: se for possível, afaste-se dos covardes. Pablo era
um covarde. Eu sabia que sua bondade aparente desapareceria caso surgisse a
chance de se prevalecer mais uma vez.
Capítulo 18
Hipnose
No sábado seguinte, Maikon me convidou para jogar pôquer. Assim que
cheguei à sua casa e olhei para os convidados, a primeira face na qual vislumbrei
foi a de Ramona. Ela estava magnífica! Durante a noite, bebemos e jogamos
muito, e cada vez mais os meus olhares se encontravam com os dela. Depois de
algumas partidas, já perto da meia-noite, ela foi a primeira do grupo a perder.
Demonstrou, então, estar cansada de jogar e pediu permissão a Maikon para ir à
sala assistir à televisão. Vendo que essa seria uma ótima oportunidade de
ficarmos a sós, tratei de dar um jeito de perder rapidamente, e também, sem
fazer cerimônias, fui “assistir à televisão”.
Sentei-me bem ao lado de Ramona e, em meio às risadas resultantes de
uma conversa descontraída, comecei a tocá-la sutilmente. Ao ver que meus
avanços estavam sendo correspondidos, não tardei a beijá-la. Depois de certo
tempo, ela própria propôs que fôssemos a “um lugar mais reservado”. Informei
a Maikon que estávamos cansados e que eu daria uma carona a Ramona, no
entanto, na verdade, fomos diretamente para minha casa.
Foi uma péssima ideia não ter ido para outro lugar, pois, quando nos
deitamos em minha cama, que até pouco tempo também era de Mariana, foi
inevitável pensar nela. Com uma sensação de aperto no coração, continuei
beijando a garota, embora os beijos fossem quase mecânicos, enquanto brigava
com minha própria consciência, tentando suprimi-la. Não teve jeito: esfriei
completamente, parei e disse que precisava ir ao banheiro.
Fiquei parado por alguns minutos em frente ao espelho. Lavei o rosto e,
mergulhado em uma forte melancolia, resolvi dispensar Ramona. Afinal, não iria
fazer nenhuma diferença decepcionar uma mulher a mais. Assim que saí do
banheiro, notei que a luz do quarto estava apagada, mas, do seu interior, emanava
uma estranha luminosidade. Quando comecei a me aproximar, ouvi uma música
sensual começar a tocar, e então, ao chegar à porta, vi que tanto a luz quanto a
música provinham do meu notebook.
– Estas músicas não são minhas! – exclamei, surpreso.
– Eu sei, suas músicas são um saco! Ainda bem que tenho muitos truques
nas mangas.
Mantendo uma expressão descarada, ela complementou:
– Deite-se na cama, pois vamos fazer uma brincadeirinha!
Ramona conseguiu capturar a minha atenção pela curiosidade. Esquecime completamente dos meus receios e lhe obedeci. Assim que me ajeitei, ela
falou:
– Dançarei um pouco para você, mas, no final, vou querer um prêmio!
– E o que seria? – perguntei.
– Um beijo bem gostoso.
– Combinado! – respondi sem pestanejar.
Ramona começou a dançar sensualmente e logo tratou de tirar os shorts, o
que a deixou muito sexy. Ela, então, dançou e se valorizou bastante antes de tirar
a camisa, em um momento no qual já tinha conseguido me seduzir por completo.
Dizem que os olhos são a janela da alma. Se for assim, Ramona pulou
para dentro de mim e me aprisionou em meus próprios desejos. Eu
simplesmente não pensava em nada. Não poderia haver peso de consciência,
pois não existia consciência nenhuma. O único sentimento presente era o de
excitação. Ela sabia que tinha me ganhado. Então, disse que, se eu quisesse ver
mais, deveria tirar algo também. No mesmo segundo, arranquei minha camisa,
e, em seguida, Ramona soltou o sutiã. No entanto, protegeu-se com as mãos,
enquanto continuou a dançar, e não demorou em voltar a me chantagear pedindo
que eu mostrasse algo mais. Tirei minhas calças, e ela soltou as mãos,
permitindo-me ver seu corpo, e imediatamente começou a tirar a calcinha com
muita sensualidade. Por fim, estando completamente nua, ela deitou na cama na
minha frente e cobrou o tal prêmio combinado. No entanto, sem nenhuma
vergonha, disse-me que não iria querer o beijo na boca, e me mostrou onde
preferia ganhá-lo.
Era como se eu estivesse hipnotizado. Fiz tudo o que Ramona quis e do
jeito que quis, e ela só se mostrou satisfeita quando percebeu que já tinha me
sugado por completo, até a total exaustão. Até aquela noite, eu ainda carregava
um resto da inocência e da estupidez de minha adolescência, mas, certamente,
tudo o que existia de juvenil em mim foi consumido entre as pernas de Ramona,
e junto se foi o resquício de uma forma de pureza na qual ainda me restava.
Naquela noite, deixei finalmente de lado diversos princípios, rompi os laços que
me interligavam a Mariana e pude me sentir totalmente livre, igual a um rato em
frente ao belo queijo da ratoeira.
***
Ramona dormiu em minha casa. No dia seguinte, após acordar, comecei
a acariciá-la no intuito de fazê-la despertar também. Deu certo: não demorou
para que ela abrisse os olhos, desse um belo sorriso e se aconchegasse ainda mais
perto para receber as carícias. Quando parei de acariciá-la, ela reclamou. Em
seguida, suspirou, levantou-se e, ao pegar o sutiã, disse que já era hora de partir.
Levantei-me, tomei o sutiã e respondi que não a deixaria ir para lugar nenhum,
pois, até anoitecer, eu a seguraria como minha prisioneira. Meu objetivo
realmente era desfrutar e me divertir, mas, acima disso, o que eu
verdadeiramente almejava era que tivéssemos tempo para conversar, pois eu
tinha a esperança de aprender mais sobre Maikon.
Ramona me perguntou o que ficaríamos fazendo o dia inteiro. Com uma
expressão sarcástica, eu disse que não fazia a menor ideia, e ao mesmo tempo
passei a língua nos lábios, e com isso a fiz rir. Olhei para o relógio e vi que já
eram dez da manhã, então, disse que começaríamos com um bom banho.
Levantei-me e a puxei pelas mãos, mas ela fez força para resistir. Então,
coloquei-a sobre os meus ombros, ainda nua, e a levei diretamente para o
chuveiro, onde fizemos sexo por bastante tempo. Só paramos por conta da grande
fome gerada por tanto gasto de energia.
Já era muito tarde para tomar café, então propus que aguentássemos um
pouco mais para fazermos nosso almoço juntos, no entanto, na verdade, eu não
sabia fazer praticamente nada na cozinha. Só o que fiz foi ficar conversando
enquanto Ramona preparou uma macarronada feita com carne moída
descongelada na marra no micro-ondas. O mais incrível é que o prato ficou
surpreendentemente saboroso.
Depois do almoço, ficamos no sofá assistindo a um filme. Já perto do
final, comecei a acariciá-la nos cabelos, mas Ramona começou a chorar.
Perguntei o que tinha acontecido, e ela apenas respondeu que não era nada,
levantou-se e disse que precisava ir. Insisti em conversar, e então ouvi o seguinte
aviso:
– Afaste-se de Maikon enquanto é tempo!
– Tempo de quê?
– Você ainda não é como ele!
– Como assim?
– Você me trata como um ser humano e não apenas como um objeto
sexual. Em cada detalhe na cama, nos beijos, no carinho em meus cabelos, em
tudo o que faz, possui certa inocência…
– Eu tinha! – respondi, interrompendo-a.
– Ainda tem… – ela tentou falar.
– Mas faço questão de perdê-la! – retruquei, interrompendo-a mais uma
vez.
– É uma pena!
Logo após a resposta, com os olhos transbordando, ela começou a dirigirse para a saída, sem dizer mais nada. Tentei imaginar um meio de fazê-la ficar,
e, sem tempo para pensar no que fazer, quando Ramona começou a destrancar a
porta, falei, em tom áspero:
– Você me deve respostas!
Ela me olhou com uma expressão de reprovação e respondeu:
– Não te devo nada!
– Ajudou a acabar com meu casamento, então, me deve, sim! – respondi,
furioso.
Despejei tal acusação, sabendo que existia o risco de ela ir embora e
contar tudo a Maikon, dando um fim à nossa falsa amizade. Ainda assim, resolvi
arriscar, pois não tinha nada mais que eu pudesse tentar dizer para fazê-la ficar e
conversar. A reação de Ramona foi ficar parada em silêncio diante da porta, e
isso me mostrou que realmente consegui chamar sua atenção. Imediatamente,
tentei continuar a conversa, perguntando:
– O que ganhou para participar da armação de Maikon? Você sabia que
estava sendo usada para acabar com meu casamento, não é mesmo?
Ramona continuou parada, como quem não tinha certeza do que deveria
fazer.
– Converse comigo! – insisti, em tom de súplica.
– Se sabe que Maikon armou para acabar com seu casamento, por que
não se afastou dele?
– Eu não sei – respondi apenas para ganhar tempo, enquanto tentava
pensar no que deveria responder.
– Desista de querer se vingar! – ela exclamou, percebendo as minhas
intenções. – Maikon é muito mais perigoso do que imagina!
– Perigoso de que forma?
– De todas as possíveis. Depois, não vá dizer que não foi avisado!
Ramona abriu a porta, e, mais uma vez, tentei pensar em uma forma de
fazê-la ficar. Não havia muito tempo para raciocinar, então, em um impulso,
ameacei-a, fazendo a seguinte pergunta:
– E se eu contar sobre essa nossa conversa, o que aconteceria?
– Está me desafiando? – respondeu, furiosa. – Pois se for isso, eu mesma
vou lá contar!
– Só quero entender por que vocês acabaram com o meu casamento! –
supliquei.
Ramona fechou a porta, olhou-me nos olhos e disse:
– Entenda: Maikon é um doente.
– Se quer que eu compreenda, precisa me explicar melhor que isso!
– Precisa me prometer que jamais comentará sobre essa conversa, ou
poderá me arranjar grandes problemas – respondeu-me, mostrando receio em
continuar a conversa.
Como tal pedido indicava que Ramona finalmente estava disposta a
conversar, respondi prontamente:
– Não se preocupe. Se me ajudar a entender toda essa droga, vou ser
eternamente grato e não farei nada que te prejudique.
– O que acha que Maikon fez para acabar com seu casamento?
– Olha, fez muita coisa, mas o golpe final foi mostrar a Mariana um vídeo
de nós dois saindo da casa dele, insinuando que estávamos tendo um caso.
– Se ele fez isso, acha mesmo que havia alguma preocupação em manter
a amizade com você?
– Já pensei sobre isso. Maikon pediu para ela não me contar, mas é nítido
que não se importou com o risco… Não entendo…
– Não há nada a ser entendido! Ele é um psicopata lunático.
Após respirar fundo, Ramona continuou:
– Quando se tornaram amigos, Maikon ficou empolgado por você ser
engenheiro químico, o que o fez cogitar a hipótese de usar você em seus
negócios, mas, em algum momento, ele passou a desejar a sua esposa e resolveu
seduzi-la, sem se importar com o que isso poderia acarretar. Maikon não se
importa com você e nem com ela. Tudo é apenas um jogo!
– Jogo? – perguntei, sem entender.
– Aposto que Mariana era do tipo toda certinha!
– E o que isso tem a ver?
– Maikon é viciado em vencer desafios que inventa para si próprio. Sua
maior satisfação é achar que pode corromper a tudo e a todos. Só o que lhe
proporciona prazer é a sensação insana de sugar a pureza das pessoas à sua volta.
Por um tempo, Mariana tornou-se o desafio, mas, agora, você passou a ser o
novo objetivo desse joguinho.
– E o que ele poderia querer fazer comigo?
– Já está fazendo!
– Do que está falando?
Dei-me conta do óbvio e perguntei:
– Você está aqui porque ele mandou, não é mesmo?
– Exatamente! Eu já deveria ter te seduzido naquele dia em que ficamos
sozinhos na casa dele, mas não deu certo. Porém, ontem à noite, Maikon tentou
de novo, e, dessa vez, acabei na sua cama. Como pode ver, ele sempre consegue
o que quer.
– Em algum momento, algo vai dar errado. Pode esperar!
– Não se iluda! Obviamente Maikon sabe que Mariana pode ter te falado
sobre a gravação, e assim sendo, ele sabe que você pode estar querendo se
vingar, mas isso não o impede de continuar querendo jogar. O fato de você ser
um perigo em potencial torna tudo isso um jogo ainda mais interessante, mas é
óbvio que Maikon não vai se expor a riscos.
– Então, podemos jogar tranquilamente, pois eu também não pretendo me
expor a risco nenhum, e ele não pode fazer nada comigo que eu não queira.
– Você querer, no fim, não muda o fato de que Maikon vai conseguir o
que deseja!
– E o que exatamente ele deseja? – perguntei, nervoso.
– Ainda não entendeu? Não tente achar lógica no que não existe. Ele só
quer ver você perder todas as certezas e princípios que tinha antes de conhecê-lo.
Trata-se de ego e de sensação de poder!
– Mas, e quanto ao interesse profissional que ele tem em mim?
– Será que não está me ouvindo? Maikon não confia em você, e não vai te
dar nenhuma possibilidade de participar de seus negócios. O máximo que você
pode conseguir agora é um emprego comum, o qual só vai ganhar para que
possa ser controlado mais de perto.
A resposta dela deixou claro que Maikon participava de atividades
obscuras.
– Tá, mas de que forma ele pretendia me usar?
Perguntei isso no intuito de descobrir qual era a real atividade que gerou a
riqueza de Maikon. Eu já suspeitava que se tratava de tráfico de drogas, mas
queria a confirmação
– Já falei mais do que você precisa saber! – ela respondeu.
Quando percebi que a pergunta a incomodou, como isso poderia fazê-la
querer encerrar o diálogo, esforcei-me para mudar o rumo da conversa no
intuito de tentar prolongá-la. Então, perguntei a primeira coisa que me veio à
cabeça:
– E por que você se submete ao papel de ajudá-lo?
– Porque não me afastei enquanto era tempo e agora já sou igualzinha a
ele. Espero que não faça a mesma escolha!
– Como foi que se conheceram?
– Isso não te interessa…
– Se diz que se arrepende de não ter se afastado, mostre-me o porquê.
Talvez assim eu resolva não repetir os seus erros!
– Quer saber, vou te contar o meu lindo romance para que entenda o
quanto Maikon é doentio, e se mesmo assim escolher ficar perto dele, então vai
merecer tudo o que isso acarretar.
– Certo! – falei, sem ter nada melhor para dizer.
– Conheci Maikon quando tinha apenas quatorze anos. Eu era a menina
boazinha com um rostinho de boneca, o que fazia muitos garotos correrem atrás
de mim. Porém, acabei me encantando logo por ele, que era o grande bad boy
da escola.
– Então vocês se tornaram namorados?
– Sim! No começo do namoro, eu pretendia flertar com o perigo, mas
não estava disposta a fazer nada de errado: nem sexo, nem bebidas e muito
menos drogas. Eu tinha convicção de que estava no controle. Quanta
ingenuidade!
Após um profundo suspiro, ela continuou:
– Festa após festa, eu acabei aprendendo a beber. No início, era só um
pouquinho, mas fui aumentando. Quanto ao sexo, por algum tempo, Maikon
soube ser paciente, mas quando percebeu que eu estava completamente perdida
de amor, ameaçou me deixar e forçou a barra até conseguir. Eu era medrosa,
então me embebedei até perto do limite entre anestesiar minha consciência sem
chegar a passar mal, e abri as pernas.
Ramona fez uma expressão de arrependimento, suspirou e continuou:
– Logo depois, surgiram os primeiros boatos de que Maikon estava me
traindo. Eu me fiz de boba, pois não queria perdê-lo. Porém, as fofocas
aumentaram drasticamente, chegando a um ponto que já não era mais possível
fingir não saber. Ainda assim, ignorei tudo e a todos, até que um dia ele beijou
outra menina na minha frente.
– E como você reagiu?
– Eu terminei o namoro imediatamente. O resultado foi que perdi tudo,
até mesmo os amigos, pois Maikon pediu para que ninguém mantivesse contato
comigo. Depois de alguns dias, comecei a sentir saudades dele, das festas e até
mesmo dos falsos amigos. Voltamos a conversar e reatamos, mas a condição foi
a de que eu entendesse que ele não é homem de uma única mulher.
– E você aceitou?
– Toda minha vida girava em torno do meu namoro! Cheguei a um ponto
no qual preferi dividi-lo do que simplesmente não ter nada e acabei me
acostumando com a ideia. Depois de um tempo, já nem me importava mais e
até aprendi a me divertir com certas ocasiões em que ele estava com outras
garotas.
– E como foi que o namoro de vocês terminou?
– Um dia, Maikon disse que eu precisava me soltar ainda mais, e então
propôs que eu deveria dormir com outros homens!
– Como assim? – exclamei, realmente assustado.
– Eu já disse, ele é um doente! O fato é que não me amava. A graça do
nosso relacionamento consistia em me ver submissa a todas as suas vontades. Até
mesmo a isso!
Os olhos de Ramona se encheram de lágrimas, mas ela não chorou, e
complementou:
– Hoje em dia, acho que Maikon não ama ninguém. Trata-se de um
verdadeiro psicopata!
– E o que aconteceu?
– Maikon foi me apertando até que um dia fui para o quarto com uma
pessoa no qual ele mesmo escolheu, dizendo ser o homem com os dotes certos
para fazer o que chamou de “cerimônia de libertação”. O problema é que eu não
consegui deixar acontecer. Abracei, beijei, deitei na cama, tive minhas roupas
arrancadas, mas antes de ser penetrada, acabei fugindo.
– E mesmo assim continuaram amigos?
– Na verdade, continuamos o namoro! No entanto Maikon não se
esqueceu da minha desobediência e resolveu me castigar. Eu já estava
acostumada com novidades estranhas na cama, porém, naquela noite, ele foi
bem além do que costumava fazer!
Ramona limpou rapidamente uma lágrima que se formou e continuou:
– Fui amarrada na cama e meus olhos foram vendados. Então, Maikon
abriu a porta do quarto dizendo que ia buscar um presentinho. Na sequência,
mesmo com a venda, pude perceber certa luminosidade que provinha de uma
vela, e Maikon começou a derramar cera quente por todo o meu corpo, dizendo
que a dor ia me libertar.
– Que calhorda!
– Na verdade, eu estava gostando! O problema é que, depois, ao me
penetrar, eu senti algo bem diferente. Era estranho, mas eu continuava gostando
muito!
– O que exatamente sentiu de diferente?
– Alguns minutos depois, minha venda foi tirada e eu descobri que
tamanha diferença provinha do fato de que não era Maikon que estava sobre
mim, mas sim aquele amigo o qual deveria fazer a minha “cerimônia da
libertação”.
Mais uma lágrima escorreu, e Ramona complementou:
– Maikon não ficou no quarto, mas, em compensação, havia dois outros
garotos esperando a vez deles!
– E por que não se afastou depois desse absurdo?
– Eu nunca conseguirei deixá-lo! Serei dele até a morte!
– Será que entendi bem? Vocês não terminaram o namoro?
– Não! Depois daquela noite, acabei dormindo, a pedido dele, com mais
um e depois com mais outro, até que aprendi a gostar e é assim até hoje. Eu
ainda pertenço a Maikon, porém, o que nos une não é o amor, e sim a perdição.
Após um segundo de pausa, ela complementou:
– Hoje em dia eu também já não sei mais o que é amar. Se demônios
existem, eu deixei por minha própria vontade que todos me dominassem.
– Não parece estar contente! – afirmei.
– E não estou!
– Então por que não se afasta de Maikon?
– Ele paga todas as minhas contas, desde a casa na qual vivo até o que eu
como, e não sei fazer nada decente. Não sou boa em nada, a não ser em seduzir.
Odeio Maikon, mas estou presa a ele! A única vida que conheço é ao seu lado.
– Não é bem assim… – comecei a falar.
Ramona me interrompeu, dizendo:
– Não tente enfeitar algo que é horrendo.
Ela balançou a cabeça e continuou:
– Afaste-se de Maikon, eu te imploro. Não há nada de bom ao lado dele!
A minha ridícula história não é nada perto dos absurdos de que ele é capaz.
Entenda, você está correndo risco de morte!
Por fim, Ramona insistiu em ir embora. Tentei fazê-la falar mais, porém,
dessa vez, não teve jeito. Ao menos, ofereci uma carona, até porque o percurso
me daria mais alguns minutos de conversa, no entanto ela negou e se foi.
Capítulo 19
Ego
Depois que Ramona partiu, senti-me triste e confuso. Não queria ficar
sozinho. Ainda assim, não tive coragem de ir para a casa de Maikon, pois estava
sentido uma forte repulsa só com a ideia de vê-lo. Apesar disso, eu pretendia
continuar meu plano de utilizá-lo para minha diversão e de encontrar uma
oportunidade para me vingar.
Fui fazer uma corrida na praça perto de minha casa; depois, assisti a um
filme no cinema e, na sequência, passei em um restaurante. Nada parecia ter
graça frente ao vazio que tinha voltado a se abrir em meu peito. De repente, a
“liberdade” não parecia ser tão boa assim. Como não estava suportando ficar
sozinho, liguei para um colega do trabalho que, em outra ocasião, tinha jogado
boliche comigo, e o convidei para repetir a disputa. Tal atividade ajudou a fazer o
tempo passar depressa, mas não apagou o desânimo que me assolou. A verdade é
que eu estava sentindo falta de Mariana, mesmo não estando disposto a olhar
para trás.
Na segunda-feira, parti em uma nova missão. Fui acompanhado pela
mesma equipe que já tinha ido comigo nas outras vezes, o que incluía Taís, e
estava animado para ver se ela me daria uma nova oportunidade. Partimos às
onze da manhã, e às três da tarde já estávamos em nosso destino. Assim que
chegamos ao hotel, logo que subi para o quarto, peguei o telefone e liguei para
Taís, perguntando se estava a fim de conhecer a cidade. Não fiz isso antes para
evitar o risco de outros colegas resolverem ir junto.
Taís aceitou. Combinamos de nos encontrar na recepção em meia hora,
tempo suficiente apenas para tomar um rápido banho e pôr uma roupa mais
confortável. Pagamos um táxi para nos levar até os principais pontos turísticos, e
depois paramos em um local famoso por ter ótimos restaurantes. Jantamos em
um restaurante italiano. Eu adorava massas e costumava exagerar, mas, tendo
em mente que faria sexo, evitei comer demais.
Para meu desânimo, dessa vez, Taís não estava se insinuando. Fui eu que
tomei a iniciativa de fazer alguns comentários com certa malícia, mas ela
parecia não estar disposta a corresponder. Quando voltamos para o hotel,
acabamos na exata situação da viagem anterior: o andar do quarto dela estava
abaixo do meu. A porta se abriu, então Taís me ofereceu a mão. Enquanto a
cumprimentei, fui em direção a seu rosto para dar um beijo. O beijo foi
propositalmente muito próximo a sua boca, encostando na pontinha de seus
lábios, o que a fez sorrir e me olhar com aquela mesma expressão da vez
anterior, a qual indicava estar esperando que eu reagisse. Não tardei a beijá-la na
boca.
Enquanto nos agarrávamos, a porta do elevador se fechou e só tornou a
abrir no meu andar. Puxei-a para fora e ela aceitou. Levei-a para meu quarto e
logo comecei a tirar sua roupa. Dessa vez, minha consciência não atrapalhou.
Como um animal no ápice da irracionalidade, fui adiante movido pelo desejo, e
logo estávamos entrelaçados na cama, entre braços, abraços e amassos, que só
terminaram quando me satisfiz.
Ao final, eu e Taís, sem termos o que conversar, começamos a falar
sobre a empresa. Ela falou sobre as dificuldades de seu setor, e eu acabei
comentando sobre o problema de trabalhar ao lado de Pablo. Fiz o comentário de
uma forma bem sutil, pois não sabia o quanto podia confiar na colega. Ela,
porém, despejou que Pablo era um completo idiota, prepotente e amargo. Frente
a tal reação, me senti confiante o suficiente para contar tudo, incluindo sobre
minha avaliação e o medo que passei de ser mandado embora.
Depois de me ouvir, Taís começou a rir e falou que eu não ia ser demitido
de jeito nenhum, não importa o que Pablo tivesse escrito em minha avaliação,
pois as viagens negociais nunca tinham dado tanto resultado quanto nesses últimos
meses em que eu as estava fazendo. Fiquei morrendo de raiva de saber que
jamais me falaram sobre isso, mas, ao mesmo tempo, quase explodi de alegria
por ter certeza absoluta de não estar à mercê dos desmandos de Pablo.
***
No dia seguinte, fui à reunião decidido a fazer a melhor palestra de minha
vida. Saber que eu estava conseguindo bons resultados me animou a tentar
melhorar ainda mais. Também tentei repetir a ideia de convidar todo o grupo
para confraternizar em algum local após a palestra, mas, dessa vez, não deu
certo, pois a equipe não mostrou interesse nenhum.
Ao final do dia, Igor, o gerente de produções, veio conversar comigo.
Nossa conversa foi se prolongando, e, quando vi, já não havia mais ninguém no
auditório. O assunto acabou resultando em uma ótima perspectiva de que nossas
empresas fechassem um negócio milionário, algo o qual não tinha nada a ver
com o objetivo de minhas palestras, o que me dava ainda mais vontade de
conseguir o acordo.
Quando vi que o assunto ia se prolongar bastante, chamei Igor para ir
conversar em um bar. Falamos muito sobre o possível acordo, mas chegou a um
ponto em que tivemos de parar, pois Igor já não tinha condições de manter uma
conversa séria por estar muito embriagado. Eu me mantive simpático frente às
brincadeirinhas sem graça de um bêbado, mas a verdade é que estava morrendo
de raiva por seu descontrole.
Em certo momento, Igor começou a me dizer que estava interessado em
Taís. Eu sabia que ele era um homem casado, isso era óbvio até mesmo pela
reluzente aliança em seu dedo. Senti nojo daquele homem repugnante, mas
continuei fingindo ser o seu novo melhor amigo. Na pretensão de pôr um ponto
final no assunto, prometi que tentaria marcar um encontro para os dois, mas é
claro que só fiz isso para deixá-lo satisfeito, pois minha real vontade era xingá-lo,
chamando-o de velho nojento, sem noção, entre outras coisas.
***
Animado com as perspectivas de negócios, acordei na quarta-feira ainda
mais disposto a dar minha palestra com excelência. O período da manhã fluiu
perfeitamente bem, só que foi difícil controlar minha ansiedade em continuar
conversando com Igor. Na primeira oportunidade que tive, convidei-o para
almoçar comigo. Ele aceitou, mas perguntou se seu jantar daquela noite poderia
ser na companhia de Taís. Achei que ele esqueceria o assunto, pois estava muito
bêbado quando falamos sobre um possível encontro. No reflexo, eu disse que não
tinha tido oportunidade de falar com ela, e, para fugir do assunto, respondi que
até o dia seguinte daria um jeito de conversar. Durante o almoço, ficou
combinado que Igor mandaria toda a papelada da possível negociação ao meu email assim que terminasse de redigi-la.
Meu dia terminou maravilhosamente bem. Assim que cheguei ao hotel,
recebi uma ligação de Taís me convidando para ir jantar. Saímos, comemos e, de
sobremesa, tivemos um ao outro, dessa vez no quarto dela, pois o meu já estava
bem bagunçado. Ao final, na cama, comecei a contar todo empolgado sobre os
acontecimentos do dia, e acabei falando até mesmo sobre o interesse de Igor.
Obviamente falei em tom de zombaria, mas Taís respondeu, com uma expressão
séria, que eu deveria ter falado que ela já tinha alguém.
O jeito com que Taís falou, a forma com que me olhou, tudo indicou que
ela estava envolvida comigo. Assustei-me ao fazer tal consideração, pois só o que
eu queria era sexo casual. Meu instinto natural foi o de não querer iludi-la; então,
pensei em conversar, mas depois considerei que ela tinha se insinuado
sexualmente quando eu ainda estava casado, inclusive deixando bem claro que só
queria “aproveitar o momento e se divertir”. Resolvi não dar uma de bobo e
simplesmente fiquei calado.
No dia seguinte, Igor, sem nenhuma vergonha, cobrou-me uma resposta
quanto a Taís. Respondi que ela já tinha alguém, e pus um ponto final no assunto.
Tudo foi muito fácil, então me perguntei: por que não fiz isso antes? Na noite que
se seguiu, dormi com Taís mais uma vez. Na mesma proporção que minha
euforia e a ardência de meu desejo diminuíam, aumentava a preocupação de
que nossa convivência se tornasse um problema. Mas, pelo contrário, naquela
noite, ela me ofereceu uma grande solução.
Após o sexo, na cama, Taís reavivou nossa conversa sobre Pablo e falou
que, se eu quisesse, poderia conversar com a chefe do RH falando sobre o
evidente clima de trabalho hostil em meu setor, e então poderia propor que fosse
feita a chamada avaliação 360 graus, na qual consiste em uma forma de medir a
satisfação em um ambiente de trabalho dando a cada membro do grupo a
possibilidade de avaliar a todos colegas do setor, independente do cargo que cada
um detinha; ou seja, todos avaliam a todos.
Adorei a ideia, pois Pablo, que julgava, questionava e até mesmo
humilhava os funcionários de cargos mais baixos, agora ficaria à mercê da
avaliação dessas pessoas, o que certamente mostraria seu péssimo
relacionamento com a equipe. Quanto a mim, eu não tinha nada a temer, pois
tinha plena confiança no meu bom relacionamento com toda a equipe.
***
Na sexta-feira, não houve palestra. O único objetivo meu e de toda a
equipe era o de voltar para casa. Nosso voo partiu ainda no período da manhã, e
às três da tarde eu já estava em casa. Depois de comer, fui para a academia, e
no retorno, não tive nenhum problema em ficar sozinho. Agora, a saudade de
Mariana já estava controlada.
Naquela noite, fui à casa de Maikon para jogar videogame e ver se ele
teria algum convite para o fim de semana. Temi a possibilidade de que Ramona
tivesse se arrependido das coisas as quais me contou e que pudesse ter falado
sobre minhas intenções. Ainda assim, eu estava disposto a arriscar.
Maikon me recebeu com toda a naturalidade. Jogamos videogame, mas
não recebi nenhum convite. Ao final, antes de ir embora, eu mesmo resolvi
tomar a iniciativa. Falei que queria uma nova oportunidade com Lara e prometi
que, dessa vez, não iria dormir no banheiro. Maikon deu risada e depois me
convidou para uma festa na casa de um amigo, dizendo que daria um jeito de
fazê-la ir também; porém, fui avisado de que o ambiente seria um pouco
diferente em relação aqueles nos quais eu estava acostumado. Perguntei o que
estava querendo dizer com diferente, mas Maikon respondeu que não ficaria me
explicando, e que, se eu quisesse, deveria ir e descobrir com meus próprios olhos.
Aceitei o convite e, a pedido do próprio Maikon, fui de carona com ele. Logo
entendi o porquê de não ter me deixado ir de carro: fomos para o local conhecido
por ser o mais perigoso da cidade.
As festas de Maikon eram sempre regadas a muita droga e depravação,
mas esta, com certeza, era muito pior em todos os sentidos. O local me fez ter
certeza de que sua riqueza deveria mesmo provir do tráfico de drogas. Como
prometido, Lara estava na festa, mas não me deu nenhuma chance de
aproximação, mas isso acabou não sendo nenhum problema. O que eu mais
gostava das festas na companhia de Maikon é que não faltavam mulheres bonitas,
quentes e, o principal, fáceis. No decorrer da noite, fui apresentado a outra
“amiga”, a qual eu logo estava beijando.
Em certo momento, Maikon veio até nós, falou que teria de ir embora e
que eu deveria ir também. Então, perguntou para a garota se ela queria ir para
um lugar mais reservado comigo. Fiquei constrangido com a situação, mas ela
não, aceitando imediatamente a proposta. Maikon me perguntou se eu queria ir à
minha casa ou a um hotel. Escolhi minha casa, e ele disse que um amigo nos
levaria embora e que, no dia seguinte, eu deveria pagar um taxi para ela retornar.
Levei a garota para minha cama, dessa vez, sem nenhum peso na
consciência, e depois do sexo, dormimos. Na verdade, ela dormiu, pois, para
falar a verdade, fiquei incomodado ao tê-la na minha cama a noite toda. Agora,
menos entusiasmado com a novidade do sexo sem compromisso, já não via
graça em dormir com alguém. Meu interesse cada vez ficava focado
unicamente no sexo.
Na manhã seguinte, às oito e meia da manhã, Maikon me ligou. A
primeira pergunta que fez foi se eu ainda estava acompanhado. Respondi
afirmativamente, e então ele falou para ver se ela acordou ao me ouvir atender o
telefone. Após responder que sim novamente, ele me mandou falar algo do tipo
“Estou indo agora mesmo” como pretexto para despachá-la sem rodeios. Por
fim, Maikon me avisou que haveria um churrasquinho na piscina de sua casa, e
disse que estava me esperando.
Quando a ligação foi encerrada, segui seu conselho. Fingindo que ainda
estava conversando proferi as exatas palavras nas quais Maikon me indicou.
Depois, expliquei que tinha surgido uma emergência em meu trabalho, liguei
para um táxi e despachei a garota o mais rápido possível.
***
Continuei tentando uma nova chance com Lara, mas não vale a pena
perder tempo relatando tais tentativas. Só interessa dizer que acabei conseguindo
dormir com ela, e dei o melhor de mim na cama, no intuito de apagar o vexame
do dia em que me tranquei no banheiro. Depois, nunca mais me interessei em
revê-la, pois se tratava apenas de uma questão de ego: eu já tinha conseguido o
que queria e estava totalmente satisfeito.
Capítulo 20
Certezas e incertezas
Passei o fim de semana com receio de que Taís começasse a me ligar, o
que não aconteceu. Ela só entrou em contato comigo na segunda-feira à tarde
para me dizer que tinha convencido a gerente de recursos humanos a aplicar a tal
da avaliação 360 graus.
Aquela segunda foi maravilhosa: além de receber a notícia de que logo
Pablo iria ter as críticas que merecia, eu recebi de Igor a proposta prometida.
Passei praticamente toda a noite estudando minuciosamente os detalhes da oferta
e, no dia seguinte, apresentei-a a equipe do setor de vendas, junto com diversas
sugestões de negociação. Ainda na terça-feira, os consultores prontamente
reconheceram o grande potencial de lucro da oferta e instantaneamente
montaram um grupo de negociação, para o qual fui nomeado consultor.
Na quarta-feira, houve a reunião que divulgou oficialmente a realização
da avaliação 360 graus. No momento em que explicavam como seria o processo,
fiquei olhando para Pablo, e foi nítida sua expressão de terror quando
compreendeu que seria avaliado por todos. Quanto ao resto da equipe, ficou claro
que a grande maioria recebeu a notícia com euforia, fato o qual eu julguei ser
exatamente porque poderiam finalmente dar o troco a Pablo.
Já na sexta-feira, todo o processo avaliativo foi feito. Então, fui eu que
liguei para Taís com o intuito de comemorar e “agradecer”. Fomos para um
restaurante e depois a levei para um bom hotel. Não arrisquei levá-la para minha
casa, pois não queria iniciar tal vínculo. No sábado e no domingo, permaneci em
casa, analisando obcecadamente toda a papelada da negociação. Meus dias
subsequentes passaram a ter exatamente esta rotina: trabalho, academia e, na
sequência, ainda mais trabalho.
Após passar três semanas internamente na empresa, parti para mais uma
viagem, dessa vez, sozinho. Após minhas palestras, em uma sexta-feira, quando
estava no aeroporto esperando pelo meu voo de retorno, quase explodi de alegria
ao receber uma ligação na qual fui informado de que a negociação com a
empresa de Igor tinha sido fechada. A cópia do contrato foi encaminhada para o
meu e-mail e passei o fim de semana analisando tudo minuciosamente.
Na segunda-feira subsequente, ainda no período da manhã, solicitaram
que eu comparecesse na diretoria. Fui totalmente tranquilo, pois não sabia o que
esperar, mas tinha certeza de que deveria ser algo bom. Pela primeira vez na
vida, eu estava totalmente confiante, achando-me o máximo. Sentia como se
pudesse ter tudo o que quisesse aos meus pés e estava decidido a lutar com todas
as minhas forças para conseguir.
Ao chegar à sala da diretoria, vi uma equipe me aguardando. Apertei as
mãos de todos e me sentei. Um dos diretores começou a explicar que meu setor
passaria a ter oficialmente uma gerência, e fui convidado para assumir a vaga. É
claro que a aceitei imediatamente! Então, eles explicaram o que esperavam de
minha gerência, dando ênfase à ideia de que eu continuasse dando palestras, pois
minhas apresentações estavam alcançando excelentes resultados. Após mais
alguns minutos de conversa, fui mandado para o setor de recursos humanos, onde
receberia mais informações sobre minha nova função, ou seja, descobriria qual
seria meu novo salário.
No caminho em direção à sala da gerente de RH, passei pela sala de Taís,
a qual me olhou com um grande sorriso, deixando claro que já sabia sobre a
vaga. Mas o maior sorriso certamente foi o que dei ao descobrir que meu salário
tinha dobrado, ou seja, era quatro vezes maior do que há alguns meses atrás,
quando ainda estava recebendo como aprendiz. Ao retornar para o meu setor,
fiquei louco para ver qual iria ser a expressão de Pablo; porém, simplesmente
não o encontrei. Enquanto fui receber a oferta de promoção, ele recebeu a
notificação de demissão e foi embora.
***
O meu setor passou a se envolver muito mais ativamente nas negociações
da empresa, conseguindo grandes resultados. Eu tinha a capacidade de notar
onde as pessoas se encaixavam melhor, e conseguia incentivá-las. No princípio,
tornei-me um bom chefe. Abraham Lincoln disse uma vez: “A maior habilidade
de um líder é desenvolver habilidades extraordinárias em pessoas comuns”. Eu
conseguia fazer isso!
Em um ano e meio como gerente, meus resultados foram tão bons que
consegui ganhar sete novos funcionários para a minha equipe. Continuei
participando de viagens como o exigido ao me promoverem, só que fiz muito
mais do que minha obrigação, e a cada vez, passei a ter mais liberdade para agir
como um negociador. Meu destaque dentro da empresa era crescente.
Nessas viagens, comecei a exigir que Taís sempre fosse também.
Passávamos todas as noites juntos durante as missões, mas, praticamente, não
nos víamos quando voltávamos para casa. Ela passou a ser a única mulher com a
qual eu continuei a fazer sexo mais de uma vez, e também era a única da qual eu
não tinha pavor de passar a noite toda ao lado. Todas as demais garotas que
transitavam pela minha vida pessoal eram unicamente para sexo, seguido de um
rápido adeus. Agora, eu não tinha nenhum receio de ser grosseiro ao arranjar
qualquer jeito possível para escapar ou para mandá-las embora.
Ao completar dois anos como gerente de setor, fui promovido para a
gerência geral de negócios e passei a influenciar em todas as grandes
negociações da empresa. Minha vida mudou completamente: passei a ser
cercado de luxo e luxúria. Mudei para um belíssimo apartamento que comprei e
desisti de me vingar de Maikon, pois considerei que tinha coisas melhores para
fazer.
***
Ramona tinha receio de que Maikon, por puro capricho, fizesse o possível
para me induzir a abandonar meus princípios e me tornar uma pessoa mais
“fria”. O que ela não sabia era que eu tinha “inteligência” o suficiente para fazer
isso por conta própria, sem precisar da ajuda de ninguém. Não posso negar que
me tornei extremamente egocêntrico e prepotente.
Até este ponto de minha história, apesar de eu ter passado a tratar as
mulheres como um simples objeto, todas elas se propunham a participar desse
joguinho, já que eu não iludia a nenhuma com falsas promessas. Algumas
também me usavam da mesma forma, com total consciência de nenhum
compromisso; outras se faziam de ofendidas quando tentava despachá-las
rapidamente, mas, mesmo estas não poderiam se dizer enganadas.
A primeira pessoa que eu acabei iludindo foi Nicole. Lembra-se da minha
primeira namorada da faculdade, que se formou e se mudou para a mesma
cidade no qual agora eu estava vivendo? Vi na internet que ela iria se casar, e
senti algo que não tenho palavras para descrever, então chamarei de ciúmes.
Esse sentimento torpe não foi gerado por amor ou carinho, mas, sim, por pura
possessão. Em meu egocentrismo, comecei a me lembrar dela dizendo que iria
me amar para sempre e fiquei incomodado ao ver suas fotos com o noivo.
Em uma tarde de domingo, Nicole postou na internet que estava indo a
uma praça famosa da cidade com sua irmã e a sobrinha, as quais a estavam
visitando. Minhas ideias fervilharam e, em um impulso, resolvi ir até lá para ver
se a encontraria. Pela minha sorte (ou azar), encontrei-a. Quando me viu, Nicole
arregalou os olhos e balançou a cabeça, deixando óbvio que tinha me
reconhecido. Fingi uma expressão de surpresa e me aproximei. Ela ficou
eufórica ao me ver. Conversamos por vários minutos até que sua irmã começou
a ficar impaciente e comentou que já estava na hora de partirem. Pedi para que
ficassem mais um pouco e me ofereci para pagar um sorvete a todas. Fiz isso de
propósito, pois imaginei que a sobrinha iria se interessar, e foi exatamente o que
aconteceu. Ainda assim, a estratégia não funcionou, pois a irmã de Nicole não
apenas foi firme em negar meu convite, como também insistiu em ir embora e
fez questão de lembrar sobre os preparativos para o casamento.
Nicole estava muito bela. Após tê-la revisto, senti um grande desejo. O
problema é que se tratava de um sentimento puramente egoísta e covarde. Ainda
naquela noite, enviei a ela uma mensagem pela internet, que logo foi respondida.
Começamos a trocar incontáveis mensagens falando sobre nossas vidas. Na
primeira semana, conversamos muito, e depois o ritmo diminuiu, mas não se
passava um único dia em que eu não mandasse e recebesse de volta pelo menos
um único recado que fosse. Eu sempre a convidava para sairmos e
relembrarmos os velhos tempos. Ela recusava, mas, ainda assim, eu sabia que
tinha mexido com os sentimentos e que minha presença a estava influenciando.
Já fiz este comentário exatamente da mesma forma, mas vale repetir: é
certo que não podemos escolher quando e por quem nos apaixonarmos, mas
somos, sim, “culpados”, de forma consciente ou não, pelo quanto nos permitimos
deixar nossos sentimentos abertos a possibilidades. Quando Nicole aceitou a
minha presença em sua vida, certamente permitiu que seu inconsciente agisse
em direção a uma forma de envolvimento comigo, e bastou um pouco de tempo
para que os estragos começassem a aparecer. Algumas semanas depois, ela
relatou que estava tendo desentendimentos constantes com o noivo. E eu estava
pronto para ouvir tudo, e obviamente sempre dava razão para suas reclamações.
Passei a ser como um veneno viciante o qual a contaminava gota a gota.
No fundo, Nicole sabia que estava sendo “intoxicada”, mas a sórdida verdade é
que ela passou a ter uma vontade crescente por sentir tal veneno dominando-a e
corrompendo aos poucos suas convicções em relação ao casamento, ao mesmo
tempo em que seu desejo por mim tornou-se crescente. Como sei isso? Simples:
sei qual foi o resultado!
Ainda que fosse de maneira totalmente distorcida, eu também acabei me
permitindo um envolvimento que me dominou. Passei a pensar em Nicole várias
vezes por dia. Fiquei obcecado, e então resolvi ser mais ousado. Fui até seu local
de trabalho, já perto do fim de experiente, e a esperei. Quando ela me viu,
assustou-se e ficou vermelha. Eu disse que estava por perto e que tinha resolvido
fazer uma visita. No princípio, minha presença a deixou claramente incomodada,
mas fiz algumas brincadeiras as quais a fizeram rir e logo vi que tinha conseguido
quebrar o gelo. Insisti que ainda estava me devendo a companhia para tomar um
sorvete e consegui fazer com que aceitasse.
É claro que eu tinha ido bem vestido e todo perfumado. Estava pronto
para esbanjar todo meu charme. A vantagem de alguém que quer acabar com
um relacionamento é que não é nada difícil se fingir de perfeito por curto prazo,
enquanto o dia a dia de qualquer casal nunca é apenas flores. Acabamos ficando
quase duas horas conversando. Em determinado momento, o noivo ligou,
perguntou onde ela estava, e Nicole obviamente não quis dizer, o que os fez
brigar pelo telefone. Em toda a minha sordidez, precisei segurar meu sorriso.
Enquanto esperava a ligação terminar, imaginei que logo estaria em meio a suas
pernas. Era só uma questão de tempo, e quanto mais grosso seu noivo falasse,
mais rápido isso aconteceria.
Já no dia seguinte, Nicole me contou que estava muito triste, pois tinha
terminado seu relacionamento, e passei a consolá-la. Fui paciente e esperei
alguns dias para convidá-la para sair. Dei esse tempo, pois sei que o ser humano
adora burlar a própria consciência. Eu tenho quase certeza de que ela já me
queria antes mesmo de terminar o noivado, mas seus princípios não permitiam
que fizesse isso sem um falso pretexto, em que arranjou motivos, nos quais
supostamente não tinham nada a ver comigo, para terminar o relacionamento,
evitando, desse modo, ficar com peso na consciência. Só depois disso ela poderia
admitir para si mesma outro envolvimento, e, para isso, alguns dias cairiam bem.
Não existe nada de nobre em burlar a própria consciência. Trata-se de
uma forma de covardia a qual serve para justificar o que achamos errado e
mesmo assim queremos fazer. Mas, afinal, o que seria o certo? Em um mundo de
conceitos cada vez mais distorcidos, quem ainda sabe o que realmente é certo ou
errado? Quanto mais tola uma pessoa é, mais ela deseja ter uma opinião
formada sobre tudo. Agora está na moda é dizer que devemos “seguir o
coração”, porém, na verdade, na boca de muitos, não passa de uma forma bonita
de dizer: dane-se o mundo, faça tudo o que sentir vontade sem pensar nas
consequências!
Quanto a mim, acabei descobrindo o tamanho da minha própria estupidez.
Então, sei que não sou dono do certo ou do errado, mas aprendi a utilizar
princípios os quais ajudam a ter uma direção. Um desses é o princípio da
fidelidade! Ninguém quer ser traído, ninguém quer ter um traidor ao lado, então,
por que traímos? A verdade é que, se Nicole dava um valor real ao seu
relacionamento, deveria ter utilizado o princípio da fidelidade para resguardar
seu coração, não permitindo minha aproximação, por saber que tínhamos uma
forte e perigosa ligação. O melhor caminho para não cair em uma tentação é
não se aproximar quando a vemos! Depois que nos aproximamos e iniciamos um
envolvimento, ela ainda tinha tempo de cortar relações comigo e tentar ver se
poderia concertar o estrago no qual minha presença fez em seu coração; ou
então, caso escolhesse me manter em sua vida, a última saída com um restinho
de honra seria terminar o namoro sem ficar inventando motivos, sendo, assim,
honesta consigo mesma ao assumir que causou o fracasso do seu noivado.
Eu ia terminar essas considerações aqui. No entanto, acabo de me dar
conta de ter cometido o que estou dizendo que não devemos fazer. Do que estou
falando? Relatei o que realmente penso, ou seja, Nicole errou, mas
inconscientemente também acabei de cometer exatamente o mesmo erro moral
do qual a acusei: acabo de enganar a minha própria consciência! Como foi que
fiz isso? Eu quis enxergar o erro de Nicole, mostrando sua irresponsabilidade para
me sentir menos culpado, amenizando, assim, a perversidade do que fiz. Então,
agora, para ser fiel com a minha consciência, terei de escrever sobre mim
mesmo.
Se Nicole estava traindo a própria consciência, eu estava agindo sem
consciência nenhuma. Todo o repúdio e a abominação que senti em relação a
Maikon agora cabia perfeitamente para me descrever: frio, insano, sórdido, sem
caráter, perverso, imoral, baixo, repulsivo, abominável. Acho que já foi o
suficiente! Esta é a verdade. Esta é a minha verdade, que me incomoda e me
liberta.
***
O tempo que esperei não foi o suficiente, pois, na primeira vez, quando
chamei Nicole para sair, ela disse que ainda não tinha clima para passeios.
Esperei mais alguns dias e tentei de novo, e dessa vez, ela respondeu que ainda
não tinha clima para passeios noturnos, mas que, se eu pudesse e quisesse,
poderia aparecer em um final de expediente para mais um sorvete. Foi o que fiz.
O encontro foi totalmente comportado. O único avanço que tentei foi o de
pegar em suas mãos, mas ela demonstrou certo incômodo, então resolvi esperar
outra ocasião para tentar ir além. Nas conversas através de trocas de mensagens,
relembrei que, em nosso primeiro encontro, fomos para um restaurante japonês.
Usei o poder emotivo das lembranças e a convidei para fazermos um passeio
parecido. Deu certo!
Na noite do jantar, fiz questão de buscá-la em casa, dizendo que tinha sido
assim em nosso primeiro encontro. Na verdade, eu queria garantir que Nicole
não fugisse com seu próprio carro quando bem entendesse. O jantar foi ótimo,
mas não comi muito, pois tinha a pretensão de fazer sexo. Ao sair do restaurante,
fomos para uma praça próxima, onde ficamos conversando por certo tempo, e
depois a levei para casa. Até aí, estávamos repetindo o primeiro encontro, e não
foi diferente com o fato de eu tê-la beijado assim que parei o carro diante de seu
apartamento. A partir daí, eu queria fazer a história ser diferente.
Ataquei-a com uma pegada muito mais quente e incisiva que a do nosso
primeiro encontro. Ficou claro que a intenção dela era resistir, mas, frente ao
calor de nossos beijos, eu misturei carícias com certa violência. Nicole ficou
perdida em meio à situação, a qual, sem dúvidas, ela não esperava, e acabou
cedendo. Arranquei suas calças jeans à força – muita força, eu diria – e, ali
mesmo, dentro do carro, ajeitei-me em meio a suas pernas e a devorei com
bastante vontade. Ao final, como já tinha cedido, Nicole me convidou para ir até
seu apartamento, onde se entregou, dessa vez, por vontade própria, em sua cama.
Quando namorávamos, ela não gostava de transar com muita
luminosidade e por isso fiz questão de deixar a luz acesa, pois eu queria vê-la. Só
o que dava um clima de romance era a musica suave a qual ela tinha posto. Eu
desfrutei dela por completo, em quanto a virava e revirava na cama. Quanto
menos ela reagia mais eu a subjulgava, fazendo tudo o que vinha em minha
imaginação. Consegui fazer coisas que durante o nosso namoro ela não permitia,
pois não gostava, e tal consciência me proporcionou ainda mais prazer.
Após experimenta-la de todas as formas, todo aquele desejo que eu sentia
simplesmente se apagou. Logo, comecei a ficar incomodado em permanecer
naquela cama. A minha agonia foi crescendo, e comecei a procurar uma forma
de fugir. Um tempo de chuva estava se formando, então, como pretexto, disse
que tinha deixado minhas janelas abertas e fui embora.
A verdade, caro leitor, é que hoje eu compreendo que a busca
desenfreada pela sexualidade pode até ter início na mera vontade de fazer sexo,
mas, conforme nos aprofundamos, o ato em si torna-se apenas um pretexto para
alimentarmos e exercermos o que existe de mais perverso em nossos corações.
O sexo tornou-se, para mim, um meio de alimentar minha prepotência e de me
sentir superior; para Maikon, retratava sua capacidade de controlar e destruir;
para Ramona, era simplesmente um meio de se esconder da vida. Cada um tem
sua própria forma, mas, seja qual for, não é difícil perceber que a corrupção, a
fraqueza e a perversão são algumas das podridões alimentadas e encobertas pelo
exagero.
É muito fácil notar, na sociedade em geral, o que estou explicando. Um
bom exemplo seriam as atrações cinematográficas: perceba que não existe um
público tão extenso para filmes em que o foco é unicamente a pornografia,
mostrando explicitamente o ato físico repetidas vezes; em compensação, grande
parte dos filmes, novelas e séries, apesar de não mostrar de forma totalmente
explícita o ato sexual em si, atrai o público com cenas de sedução, traição,
promiscuidade, prostituição e até mesmo com atos que têm o repúdio da
sociedade, como, por exemplo, estupro. Somos atraídos como moscas em
direção ao lixo. Muitas vezes, fingimos não gostar, mas acabamos satisfazendo o
que há de mais podre em nossos corações com tais cenas. E essa atração tem
muito mais a ver com a perversão do que com o próprio sexo.
***
Com as garotas desconhecidas, era muito fácil me saciar e não olhar para
trás. Porém, naquela noite, foi diferente. Eu nutria bons e reais sentimentos pela
Nicole, ainda que não tenha me importado em sujá-los. Em casa, depois de ter a
cegueira do desejo aliviada, minha consciência me incomodou. Minha noite foi
péssima por saber que, quando Nicole percebesse que eu não a queria em minha
vida, iria sofrer muito.
Já que Nicole iria sofrer de qualquer jeito, o melhor era ser rápido. No dia
seguinte, parei de responder às mensagens que me enviou. Também não atendi
quando tentou me ligar, e, na sequência, mandei um e-mail dizendo que não
deveríamos misturar as coisas, pois eu só queria ser seu amigo. Por alguns dias,
simplesmente não nos falamos mais, até que recebi uma mensagem, na qual, em
resumo, Nicole dizia que lamentava profundamente ter me reencontrado e que
eu tinha me tornado uma pessoa desprezível. Ela relatou já ter notado tal
transformação dentro do carro, quando usei muita força, a ponto de machuca-la,
mas que, mesmo assim, entregou-se por não ter acreditado que eu poderia ter
me tornado uma pessoa tão fria. Por fim, ela escreveu que suas suspeitas quanto
à minha índole estavam confirmadas e que esperava nunca mais me ver.
Minha história começa a ficar tão suja que, às vezes, penso em
simplesmente apagá-la, mas tenho um objetivo e preciso ir até o fim para
alcançá-lo. Então, vamos lá!
Capítulo 21
Grande homem
Quando eu tinha recém completado dois anos no cargo de gerente geral
de negócios, percebi a possibilidade de adentrarmos em um novo mercado, que
tinha o potencial de praticamente dobrar o lucro da empresa. O grande problema
é que tal oportunidade iria necessitar de acordos simultâneos com diversos de
nossos clientes, e certamente seria necessário encontrar novos parceiros para
realizar alguns procedimentos de que não éramos capazes. Quando enviei para a
diretoria um memorando informando dessa possibilidade, os principais sócios da
empresa me chamaram e me ofereceram um cargo na diretoria e participação
de 5% na empresa caso eu realmente fosse capaz de concretizar meu audacioso
projeto. Eles me ofereceram a participação por terem a consciência de que seria
improvável que eu realmente conseguisse tamanha façanha, assim sendo, o
acordo foi o jeito no qual encontraram para me incentivar a trabalhar com muito
mais vontade.
A verdade é que minha intenção ao enviar o memorando era apenas
chamar a atenção para a oportunidade, me fazendo acreditar que poderia mudar
alguns planejamentos de longo prazo, no entanto nem eu acreditava na
possibilidade de fazer uma mobilização real para concretizá-la naquele
momento. Porém, quando me ofereceram participação na empresa, passei a
achar que seria, sim, capaz de gerenciar tamanha negociação e comecei a
estudar, buscar acordos e integrar parceiros com uma avidez absurda. Passei a
trabalhar em torno de catorze horas por dia.
Tentei organizar logo o que seria primordial para tornar a minha ideia
minimamente plausível. Em apenas dois meses de trabalho, consegui fechar
acordos que aumentaram grandemente as chances de que alcançássemos êxito.
Com isso, ganhei o direito de montar uma equipe de vinte funcionários para
trabalhar unicamente em meu projeto negocial. É claro que, além destes, todo e
qualquer outro funcionário necessário era convocado a contribuir pontualmente.
Três meses após a formação da equipe, alcançamos tamanha evolução que uma
única empresa do nosso rol de clientes se tornou o último grande empecilho.
Caro leitor, imagino que se lembre de Igor, aquele gerente o qual se
interessou por Taís e que foi o responsável pelo acordo no qual me fez ganhar
destaque quando Pablo ainda me incomodava. A empresa em que ele trabalhava
era exatamente quem atrapalhava meus planos. Tratava-se de uma de nossas
maiores parceiras, mas, para que eu desse andamento a meus planos, precisaria
primeiro conseguir que aceitassem o cancelamento de um contrato, pois
precisaríamos utilizar um produto que vendíamos para ela.
Não comentei com ninguém sobre esse risco e, por dias, tentei buscar
uma solução em silêncio. Encontrei uma única esperança: nossa parceira
pertencia a uma única mulher, a senhora Letícia, mas Igor também ganhou
destaque com a negociação que empreendemos juntos e hoje ele era o braço
direito da proprietária. Resolvi ir conversar com ele, no intuito de tentar
convencê-lo a aceitar um acordo que tornaria nossas empresas sócias em outro
ramo. Em contrapartida, pedia para que abrissem mão do produto no qual minha
empresa iria precisar, sabendo que, se o convencesse, quase com certeza ele
faria o senhora Letícia concordar.
Viajei, e, como sempre, Taís me acompanhou. Estava tão afoito e
desesperado que, quando cheguei à cidade, às quatro horas da tarde, liguei
imediatamente a Igor perguntando se teria tempo para me atender ainda naquela
tarde. Ele aceitou. Então, enquanto Taís dirigiu-se ao hotel com nossas malas,
peguei um táxi e fui direto do aeroporto para a reunião.
Igor, como sempre, recebeu-me muito bem, mas quando finalmente
mencionei sobre a desistência do contrato, ele respondeu que só continuaria
conversando quando o advogado de sua empresa estivesse presente. Tentei
contornar a situação, mas Igor despejou tudo o que considerou ridículo em minha
proposta e insistiu educadamente para que eu me retirasse. Como não tinha
nenhum contra-argumento para as reclamações, só me restou sair.
Fui para o hotel, trancafiei-me no quarto e fiquei fazendo cálculos
incansavelmente em busca de uma saída. Às quatro da madrugada, finalmente
tive uma ideia que poderia dar uma nova perspectiva à negociação. Devido ao
horário, mandei um e-mail explicando meu ponto de vista. Praticamente, não
consegui dormir o resto daquela noite. Às sete da manhã, levantei-me, arrumeime, tomei um café e depois fiquei de dez em dez minutos conferindo meu email. Às nove e meia, minha mensagem finalmente foi respondida. Quase
explodi de alegria quando vi que Igor estava me chamando para conversar,
numa reunião que marcou para as catorze e trinta.
Como eu ainda teria muito tempo de sobra, fui ao quarto de Taís para
comemorar e desestressar. Tive de pedir desculpas, pois, na noite anterior, estava
tão nervoso que fui grosseiro quando ela veio até meu quarto e a dispensei
imediatamente, sem querer conversar.
À tarde, durante a reunião, Igor fez uma contraproposta que eu tinha
certeza que seria viável. Tal proposta geraria uma indenização milionária por
conta do encerramento do contrato, mas o custo era pequeno perto do lucro que
ganharíamos no longo prazo. Mesmo sem consultar os diretores, eu tinha certeza
de que o acordo ia ser aceito, então fiquei eufórico, mas, logo em seguida, Igor
me deu um banho de água fria ao dizer que se tratava apenas de uma ideia, e que
agora teria de consultar Leticia. O próprio Igor começou a apontar desvantagens
na oferta que fez. Estranhei tal ação; não sabia aonde queria chegar, até que
finalmente tudo ficou bem claro. O filho da mãe sabia que Taís sempre me
acompanhava nas viagens, então disse que daria um jeito de convencer Letícia a
aceitar o acordo se eu a convencesse a sair com ele naquela noite.
Fiquei com muita raiva daquele homem repugnante, mas, por outro lado,
estava tão perto de conseguir o acordo no qual mudaria toda a minha vida, que
prontamente aceitei. A essa altura da minha vida, já conhecia bem Igor e sabia
que, por esse simples capricho, ele era, sim, capaz de acabar com a toda a
negociação, caso eu me negasse. Quando voltei ao hotel, chamei Taís e contei
que estávamos muito perto de conseguir concretizar a negociação em que
estávamos envolvidos. Ela ficou muito feliz, mas seu sorriso desapareceu quando
comentei que tudo ia depender dela. Assim que falei sobre o encontro, seus olhos
se encheram de lágrimas e ela disse:
– Não acredito que está mesmo me pedindo isso!
– Não é nada assim tão absurdo – retruquei. – Basta sair com ele.
– E transar no final da noite! – ela complementou, imediatamente. – Até
parece que o Igor vai se satisfazer em apenas jantar comigo!
– Não foi isso que combinei
– Certo! Então eu vou, mas se aquele calhorda me tocar um único dedo,
irei embora imediatamente. Combinado?
No fundo, eu sabia que o sexo obviamente fazia parte das intenções de
Igor, então, consequentemente, implicava que isso fazia, sim, parte do acordo.
Não é nada digno, mas esperava que ela aceitasse, fizesse o que tinha de fazer e
continuasse fingindo que nada aconteceu.
– É apenas uma noite que estou te pedindo e nada mais. Depois,
poderemos aproveitar muito – respondi.
– Aproveitar o quê? O dinheiro que você vai ganhar? E eu, onde fico nessa
história?
– Eu faço questão de te recompensar muito bem!
– Ah, bom! Isso muda tudo! Por que não me falou antes que eu seria bem
paga para aceitar ser uma prostituta? – disse ela, em tom irônico.
Para me provocar, Tais deitou na cama e abriu as pernas:
– O que está fazendo? – perguntei.
– Estou tentado imaginar o quanto terei que abrir as pernas para aquele
“fofinho” caber aqui no meio. O que acha? Cabe, não é mesmo? Acho que vai
ficar bem confortável!
– Pare com isso! – falei, zangado.
Taís começou a chorar.
– Esquece! Vou achar outro jeito! – respondi, bravo.
– Esquecer? Tenho consciência de que nosso relacionamento já começou
tudo errado. Fui muito ridícula em me oferecer quando ainda era casado, mas eu
já era apaixonada por você, e infelizmente ainda sou!
– Eu nunca te prometi nada além do que ofereci.
– Também sei que não posso reclamar por eu ser apenas uma diversão na
sua vida, pois concordei com isso e achei mesmo que iria ser divertido.
Taís deixou cair uma lágrima e complementou:
– Quer saber? Não está sendo divertido! Para cada pequeno momento de
prazer que tenho, passo muito tempo sentindo dor. E, falando nisso, nada me doeu
mais do que perceber que, em sua concepção, a única diferença na qual eu tenho
de uma prostituta é que não cobro nada!
– Isso não é verdade – respondi prontamente.
– Você me ama? – perguntou Taís.
– Gosto muito de você!
– Gosta tanto que nem ao menos tem remorso em me pedir para transar
com outro homem! Quanto a mim, bobona, que me achava esperta, que queria
ser moderninha, nesse tempo todo em que estamos juntos, só fui sua. Uma vez
até tentei deixar outro homem me beijar, mas senti repulsa e não consegui ir em
frente.
– Eu nunca pedi para que fizesse isso!
– Eu sei. Isso porque você nunca se importou o suficiente!
Taís saiu praticamente correndo do quarto e achei melhor deixá-la ir. Não
fui atrás dela porque, frente a essa situação, o que poderia dizer? Fui um lixo de
ser humano e não tinha nada para falar que fosse digno de ser ouvido.
A imbecilidade masculina criou o machismo, uma ideia distorcida de que
o homem é superior à mulher, e que pode tudo acima delas. Esse besteirol foi
criado exatamente para disfarçar uma inferioridade masculina. Não há como
negar que, na média, nós, homens, somos menos sensíveis no que tange às
emoções, e nesse caminho, muitos agem de forma parecida à de meros animais
irracionais. O pior é que esses indivíduos cheios de irracionalidade tentam fingir
que tais atos são um direito, quando, na verdade, não passa de falta de caráter.
Uma vez, li que igualdade é respeitar a diferença. Homens e mulheres
não são iguais, isso é inegável, e é ridículo querer fingir uma falsa igualdade.
Porém, apesar das diferenças, não existe espaço para falar em superioridade ou
inferioridade. A verdade é que somos melhores e mais completos juntos, lado a
lado. Esta é mais uma das inúmeras perfeições da vida que fazemos questão de
tentar distorcer.
Isto não é uma opinião, é um fato: um homem e uma mulher são
diferentes, pois se completam. Como foi que isso surgiu? Fica por sua conta
pensar, se quiser. Seja como for, trata-se de algo desenhado para a perfeição,
ainda que façamos questão de estragar. Ao invés de união, há disputa, discórdia e
muito sexo sem compromisso! O pior é que, na tentativa de combater o
machismo, muitas mulheres aderem a uma ideia distorcida de feminismo de
modo a buscar se igualar aos homens na capacidade de fazer coisas estúpidas.
Eu particularmente não gosto da palavra “feminismo”, pois ela acaba
abrangendo certa carga de “estupidez inversa”. Quanto às boas causas – como a
luta por salários iguais ao exercer cargos equivalentes, ou então exigir pela lei o
direito de cuidar de um filho sem que isso prejudique o emprego, acredito que
não há necessidade da existência de uma palavra para denominar tais ideais (que
são muitos), até porque a expressão perfeita é “justiça”!
Machismo e feminismo acabam sendo igualmente estúpidos, e o
feminismo, às vezes, consegue ser ainda mais alienado, pois, enquanto o homem
tenta fingir superioridade na tentativa de esconder tudo aquilo em que é inferior
no feminismo, muitas mulheres tentam se igualar à imbecilidade masculina,
buscando se desfazer de sua própria superioridade natural em relação a
emoções, como se fosse algo ruim.
Taís comprou essa tal propaganda de vida livre e perfeita. A realidade é
que só o que conseguiu foi mergulhar em um mundo de solidão e ser aprisionada
a um amor maléfico, amor este que só a feriu, pois, eu sim, conseguia ser burro
e irracional o suficiente para achar que estava sendo o homem mais feliz do
mundo. Para mim, até aquele momento, tudo era perfeito do jeito que estava.
Em tempos com conceitos tão distorcidos, ter consciência atrapalha. Como diz o
ditado popular, “o mundo é dos espertos”. Aparentemente, quem leva vantagem
é o mais animal, egocêntrico, insensível, corrupto e sujo. Neste caso, eu!
Quanto a Taís, em vez de ela perceber que estava no caminho errado,
achou que precisava ir além. Nesse intuito, meia hora depois de ter saído
correndo do meu quarto, mandou-me uma mensagem dizendo que ia deixar de
ser besta e aprender a se aproveitar de tudo e de todos da mesma forma que eu
fazia, e então pediu cem mil em dinheiro para “sair” com Igor. Tratava-se de
uma quantia absurdamente alta, a qual eu obviamente não poderia pagar, pois
não tinha nenhuma garantia de que conseguiria alcançar meus objetivos.
Pensei e repensei. Tratei o possível acordo como se fosse mais um
negócio em andamento: ofereci vinte mil e me comprometi a pagar os outros
oitenta caso conseguisse ganhar a participação na empresa. Ela me respondeu
que aceitaria 25 mil agora e o resto depois. Por fim, escreveu que eu deveria
deixar o dinheiro em seu quarto e informar o horário e o local no qual
encontraria Igor. Imediatamente, liguei marcando o encontro.
Fiz minha parte do acordo. Daí em diante, só o que me restava era
esperar, mas não consegui permanecer trancafiado no hotel. Então, paguei um
taxista para ficar parado perto da porta do restaurante no intuito de ver se Taís
realmente iria aparecer. Logo vi Igor chegar, ainda adiantado, mas a hora
marcada passou e não havia nenhum sinal de Taís. Comecei a achar que ela
poderia ter me enganado para se vingar. No entanto, para meu alívio, com vinte
minutos de atraso, finalmente a vi descendo de um táxi.
Taís estava linda, com um belo vestido vermelho que provavelmente tinha
comprado com o dinheiro no qual dei, ou melhor, paguei. Ficou claro que estava
mesmo disposta a ir até o fim. Confesso ter sentido ciúmes (sentimento de
possessão), mas, nem por um segundo, pensei em acabar com aquela palhaçada.
Apenas voltei para o hotel e esperei que tudo se consumasse.
No dia seguinte, às dez da manhã, Igor me ligou. Eu imediatamente
perguntei se tinha convencido Letícia, mas o filho da mãe me falou que só
contaria pessoalmente e desligou o telefone. Quando cheguei ao seu escritório,
fiquei feliz assim que vi em seu rosto a expressão de alguém contente. Igor
começou a me falar que Taís era especialmente deliciosa. Fiquei com nojo
daquele asqueroso e imediatamente perguntei sobre nosso negócio. Ele
prontamente me falou que o acordo poderia ser fechado exatamente como
tínhamos combinado e, na sequência, voltou a me falar sobre Taís, descrevendo o
que fizeram na cama. Não vou escrever aqui, pois me dá nojo até de lembrar.
Ela sem dúvidas esperava que eu ficasse sabendo, pois fez tudo o que não me
permitia fazer.
Por que Taís fez isso? Imagino que tenha sido para tentar me ferir, e
também para tentar se convencer de que estava livre do amor o qual sentia. Ela
fez questão de não falar mais comigo, e, para garantir isso, até mesmo trocou o
horário do seu voo de retorno.
Nos meses subsequentes, sei que Taís começou a beber, festar e inclusive
dormiu com vários funcionários de nossa empresa. Sei disso porque vários desses
homens eram exatamente alguns dos que mais ficavam próximos a mim. Este é
um dos motivos o qual me faz achar que ela tinha tais comportamentos para
tentar me incomodar. Tudo acabou quando a esposa de um dos funcionários
descobriu a pulada de cerca do marido, foi na empresa e fez um grande
escândalo, o que acabou resultando na demissão dos dois funcionários envolvidos.
Eu tentei defender Taís dizendo que ela era uma grande funcionária.
Argumentei que sempre tinha me ajudado muito nas viagens e,
consequentemente, nas negociações, mas me disseram que contra ela já pesava
o fato de estar sendo mal vista por ter ido trabalhar várias vezes abatida por conta
de exageros na vida pessoal, sendo que, inclusive, tinha trabalhado cheirando a
álcool mais de uma vez, o que já tinha resultado em uma advertência formal.
Frente aos fatos, foi impossível defendê-la.
Capítulo 22
Frente ao mar
Apresentei as possibilidades negociais à diretoria e, em dois meses,
desenrolou-se todo um estudo e a confecção dos novos contratos. Quando a base
legal estava toda acertada, iniciou-se a montagem da estrutura necessária para a
megaincorporação que nos lançaria a um novo nicho de mercado. Quando
finalmente divulgamos nossos novos produtos, uma das empresas com o qual
negociávamos me ofereceu 500 mil para que os engajasse como uma de nossas
parceiras, no entanto eu já estava me preparando para oferecer a eles tal
oportunidade gratuitamente, tendo em vista que seria lucrativo para ambas as
empresas.
Apesar de ter me tornado um ser humano mesquinho, eu era honesto e,
no princípio, não queria aceitar o dinheiro, mas, naquela noite, comecei a
ponderar que não havia nada de errado nisso. Considerei que o dinheiro seria
apenas um bônus inesperado e sem consequências. Fiz-me a seguinte pergunta:
não pensei duas vezes ao me sacrificar e pagar do meu próprio bolso 25 mil a
Taís, além de estar devendo outros 75 mil caso conseguisse a participação na
empresa, então por que agora deveria achar errado aproveitar uma oportunidade
que me beneficiava? Afinal, as minhas ideias iam ser lucrativas para todos os
envolvidos.
Em se tratando de bens e conforto, a verdade é que eu já tinha tudo o que
desejava, mas o dinheiro dá poder e status, e quem mergulha nessa obsessão,
quanto mais tem, mais quer ter. Não tem nada a ver com necessidade: trata-se de
um querer vazio e maléfico, movido por ego e alimentado pelo egoísmo. É como
um buraco negro que, quanto mais suga, mais passa a sugar, e eu estava apenas
começando a entrar nessa ciranda!
Quanto à oferta, no início, minha consciência me atormentou, mas
aprendi, como muitos outros aprenderam antes de mim, a anestesiá-la com
argumentos para me convencer de que não se trata de algo errado, e a cada
passo, vamos nos tornando capazes de coisas piores. Logo fica fácil achar
justificativa para fazermos qualquer coisa.
Foi errado aceitar o dinheiro? De certa forma, não, pois o acordo que eu
fecharia era mesmo do interesse das partes envolvidas. Mas, de outro ponto de
vista, foi, sim, errado, pois qualquer lucro extra não pertencia a mim, mas à
empresa, e a ela deveria ser direcionado. Quando fiquei com esse dinheiro, dei o
primeiro passo em direção a vários erros morais subsequentes. Não ficarei
relatando todos, pois eu fugiria do meu foco.
***
Após todas as negociações estarem concluídas e todos os contratos
fechados, houve um grande volume de dinheiro investido em virtude da imensa
mobilização para que toda a nova infraestrutura necessária fosse montada em
apenas seis meses. Só foi possível realizar o processo nesse tempo porque
conseguimos terceirizar grande parte do processo a outras empresas que já
tinham a estrutura pronta. Assim que tudo passou a funcionar, já ganhei o cargo
na diretoria.
Quando finalmente começarmos a produzir, levamos um grande susto:
devido a vários imprevistos, acabamos o primeiro mês com prejuízo. No segundo
mês, melhoramos, mas só conseguimos alcançar um pequeno lucro que
equivalia a 15% de nossas estimativas. No terceiro mês, melhoramos ainda mais,
alcançando 65% do lucro estimado, sendo o suficiente para que eu ganhasse os
5% de participação na empresa, pois meu contrato previa que o nosso novo
empreendimento teria de alcançar um resultado de 60% do lucro estimado para
que a minha participação fosse concedida.
Ganhar a participação não me fez relaxar; pelo contrário, continuei
trabalhando arduamente, até porque agora eu também era um dos donos. Foi
nesse período que minha ganância atingiu o ápice. Comecei a reexaminar toda
nossa estrutura e cheguei à conclusão de que nosso quadro de funcionários
poderia ser diminuído em 15%, fechando algumas unidades e realocando os
processos. Fiquei obcecado por estudar como diminuir custos e comecei a ser
temido, pois onde meus olhos pairavam, tudo o que eu julgava desnecessário se
extinguia. O resultado logo apareceu: ultrapassamos os lucros inicialmente
projetados, ganhando mais e gastando menos.
Meu salário de diretor não era muito maior do que o de gerente, até
porque eu já estava ganhando muito bem, mas, em compensação, a minha
participação na empresa gerava um ótimo rendimento. Até essa etapa da minha
vida, eu vivia muito bem com o dinheiro no qual ganhava, mas, a partir daí, já
nem sabia o que fazer com o que tinha e passei a fazer um investimento atrás do
outro simplesmente para enriquecer ainda mais.
***
A minha empresa acabou abrindo uma segunda sede em uma belíssima
cidade litorânea. Fui eu que sugeri a cidade. Fiz a escolha com base em dados
técnicos, mas, certamente, as belezas do local me influenciaram. Passei a fazer
viagens constantes para essa filial, a qual adquiriu grande importância
rapidamente, tanto que, em certo momento, fui convidado a assumir
definitivamente a cargo de presidente dessa frente de trabalho. Comprei um
apartamento de grande luxo e beleza em frente ao mar, e incluí em minha rotina
corridas na avenida à beira da praia, todos os dias, após sair do trabalho.
Certa noite, depois da corrida rotineira, parei para tomar água de coco em
um quiosque que estava sendo cuidado por uma belíssima mulher, a qual
imediatamente me cativou. Apesar de eu ser um calhorda, ao menos, respeitava
as mulheres casadas. Por isso, ao notar que a vendedora, a qual se chamava
Bianca, não usava aliança, resolvi tentar seduzi-la. Puxei assunto, mas, apesar de
me atender bem, ela não parou de trabalhar nem por um segundo e me
respondeu apenas o essencial.
No dia seguinte, fui tomar água de coco mais cedo, logo depois de sair do
trabalho, ainda vestido de roupa social. Parei meu carro (caríssimo) bem à frente
da barraca, para ver se isso chamaria a atenção da Bianca. Ela me viu
estacionar, serviu-me a água de coco, mas quando tentei puxar assunto, nada
mudou: continuou me atendendo bem, porém, sem dar nenhuma margem para
uma aproximação com intenções sexuais.
Não pretendia desistir facilmente. Apareci um terceiro dia e, dessa vez, já
consegui um pouco mais da atenção. No entanto, tudo indicava que era
simplesmente por eu já não ser um completo desconhecido. Nesse rumo, percebi
que nos tornaríamos amigos, e não era esse o meu desejo. Então, no quarto dia
resolvi ser mais agressivo. Em um momento em que não havia mais nenhum
cliente no quiosque, ofereci-me para pagar uma cerveja, mas ela recusou
dizendo que não bebia, e voltou a ficar fechada, apenas respondendo ao que eu
dizia de forma breve, e assim nenhuma conversa ia longe.
No fim de semana, fui viajar. Durante a semana seguinte, mantive minha
rotina de correr e, depois, passar no quiosque de Bianca. Como a barraca estava
mesmo no caminho da minha rota diária, meu objetivo era fazer com que se
acostumasse com minha presença, e posteriormente tentaria uma nova
aproximação.
Outro fim de semana chegou. No sábado, fui a um show fora da cidade e
só voltei no domingo de manhã. A tarde daquele domingo estava monótona e,
sem ter o que fazer, resolvi ir correr mais cedo. Logo depois, passei no quiosque
para ver Bianca. Ao chegar, no entanto, tive uma grande surpresa: logo que me
sentei, notei a voz de uma criança e, ao inclinar meu corpo para frente, pude ver
um menino sentado no chão, brincando. Imediatamente, concluí que deveria ser
filho de Bianca, e me desanimei. Nesses dias, tudo indicava que ela não tinha
marido, mas eu também não sabia nada sobre filhos. Conclui que, se tinha um
filho, provavelmente também tinha marido, e resolvi ir embora, com a intenção
de não mais voltar.
Quando eu já estava pronto para sair, o menino, que se chamava Jônata,
levantou e puxou assunto comigo. Bianca logo o repreendeu, mas eu insisti para
que o deixasse dialogar. Conversamos por uns cinco minutos. Então, quando
Bianca foi aos fundos do quiosque para pegar mercadoria, perguntei ao garoto
onde seu pai estava, e a resposta seca foi a de que tinha ido para o céu. Senti-me
culpado, pois imediatamente percebi a tristeza no rosto daquela criança. A
evidente dor deixava transparecer que a morte deveria ser recente.
Não suportei a tristeza no rosto de Jônata, que simplesmente ficou em
silêncio, afundado em seus próprios pensamentos. Senti-me muito mal, e tive a
necessidade de tentar distraí-lo. Quando Bianca retornou, falei que ia dar um
mergulho e perguntei ao menino se ele queria ir também. Jônata voltou a
demonstrar um pouquinho de ânimo, mas sua mãe fez uma expressão de
reprovação e não permitiu que fosse comigo. Comecei a tentar convencê-la a
nos deixar brincar, argumentando que não sairia de perto do garoto, mas ela,
demonstrando certa antipatia, disse que nem ao menos me conhecia, deixandome sem ter o que dizer. O menino começou a chorar. Então, em uma última
tentativa, tirei um cartão de visitas de minha carteira e falei:
– Está aqui meu nome, o endereço da minha empresa e meus telefones.
Fechei a carteira, coloquei-a em cima do balcão e complementei:
– Quer saber? Pode ficar com tudo até eu voltar. Todos os meus
documentos estão aí!
– Não me entenda mal… – ela começou a falar.
Não deixei que falasse. Tirei as chaves as quais estavam em meu bolso e
a interrompi, dizendo:
– Pode ficar com as chaves do meu apartamento também! Eu moro aqui
na avenida, naquele apartamento branco e azul, três quadras para frente. Não
vou sumir com seu filho, e pode ter certeza de que vou cuidar bem dele!
Durante nossa conversa, Jônata ficou agarrando a camisa da mãe,
implorando para que permitisse. Bianca acabou sendo sensibilizada.
– Se eu deixar, vocês prometem que só vão ficar aqui pertinho? –
perguntou, fazendo Jônata voltar a sorrir.
– Sim! – respondi, juntamente com o menino.
– E vão voltar aqui para que os veja em meia hora?
Concordamos. Ela fez mais uma dezena de observações e permitiu que
fôssemos. Jônata pegou as duas pranchas que tinha para brincarmos. Para falar a
verdade, eu nunca tinha brincado com prancha e recusei, pois achei que fosse
complicado, mas o menino insistiu dizendo ser fácil, então acabei concordando.
Aceitei por achar que sua mãe iria se opor, porem, ela, estranhamente, não falou
nada. Ficou apenas olhando com uma estranha expressão.
As pranchas eram bastante simples, de isopor, e, obviamente, não dava
para ficar em pé sobre elas. Mas logo aprendi que só o fato de se apoiar nelas e
ser carregado pelas ondas até o raso já era uma atividade bastante divertida.
Caro leitor, eu morava em frente ao mar, fazia corridas diárias na avenida, mas
nunca entrava na água, pois não via mais graça nisso. Naquele dia, em uma
simples brincadeira, sentindo o frescor do mar, relembrei o quanto era bom ter
uma alma de criança. Aquela simples prancha de isopor, na companhia de um
pequeno menino, proporcionou-me muito mais prazer do que as festas luxuosas
ao lado de grandes empresários e de pessoas influentes na sociedade; muito mais
do que passeios em alto mar, hotéis caros ou restaurantes chiques; muito mais do
que o sexo e a sedução; mais do que eu lembrava que poderia sentir!
Quando olhei para o relógio, já havia se passado 40 minutos. Gritei para
Jônata que estávamos atrasados e imediatamente saímos correndo para ver sua
mãe. Quando chegamos à barraca, Bianca se fez de brava por conta do atraso,
mas a verdade é que estava contente em ver o filho feliz. Argumentamos que
mal tínhamos começado a nos divertir e pedimos mais tempo. Bianca aceitou a
nos dar mais meia hora. Retruquei que esse tempo não dava para nada, e pedi
para nos dar uma hora. Ela pensou um pouco e respondeu que nos daria mais 45
minutos, sem possibilidade de negociação.
Dessa vez, Jônata deixou a prancha e pegou a bola. Em meio a dribles e
risadas, senti saudade de ter a desimportante e despreocupada vida de um jovem,
sem ganância ou metas. Em meio a um momento realmente prazeroso e feliz,
senti uma pitadinha de tristeza. Era como se algo estivesse errado. Na época, não
consegui distinguir de onde vinha aquele pequeno aperto no coração, mas hoje
sei que foi porque senti falta de algo no qual já tinha perdido havia bastante
tempo: a minha inocência e pureza.
Brincamos com a bola por meia hora e depois fomos brincar nas ondas,
sem as pranchas. No início, fiquei preocupado, pois as ondas estavam altas, mas
logo percebi que Jônata sabia se virar melhor do que eu, e isso me deu certa
tranquilidade. Ao final dos 45 minutos, quando voltamos para o quiosque, a avó
dele, a senhora Eulália, já estava esperando.
Quando Jônata foi embora com a avó, Bianca se abriu comigo. Ela me
contou que seu marido tinha morrido havia pouco mais de um ano e meio, e que
seu filho nunca mais tinha brincado com as pranchas e com a bola – atividades
nas quais ele mais gostava de praticar junto com o pai. Com lágrimas nos olhos,
ela me agradeceu por minha iniciativa.
Bianca me contou sua história. Era o marido quem cuidava do quiosque.
Ela não trabalhava, já que se dedicava exclusivamente a cuidar do filho e a fazer
faculdade de Direito. Quando o marido morreu, inicialmente, contratou
funcionários para cuidar do comércio, e o resultado foi que o negócio passou a
dar um lucro tão ínfimo que não dava renda suficiente para sobreviver, de modo
que foi obrigada a assumir o trabalho. O ponto era alugado, e o contrato tinha
apenas mais quatro anos de duração, de forma que ela precisava dar um jeito
em sua vida antes do vencimento, e, para isso, não podia abrir mão da faculdade.
Bianca me contou sua dura rotina: estudava no período da manhã, e a
senhora Eulália ficava trabalhando no quiosque enquanto Jônata ia à escola.
Depois, no período da tarde, assumia o ponto enquanto sua mãe ia trabalhar de
diarista, e o filho ficava ali junto. Às cinco e meia, a avó vinha buscá-lo, e ela
continuava trabalhando sozinha até as dez e meia da noite.
Quando fui embora, pensei que tinha conseguido a aproximação na qual
precisava para seduzi-la, mas desanimei, pois o único motivo de ela ter dado tal
abertura foi por conta da forma como tratei seu filho, e eu não achei justo me
aproveitar disso, até porque o que ela precisava em sua vida era de um homem
disposto a ser pai, e eu não era esse alguém.
***
Na segunda-feira, Bianca não trabalhava, pois era seu dia de descanso.
Então, não pensei em passar em seu quiosque, até porque sabia que não haveria
ninguém lá. Na terça, tive vontade de ir vê-la, mas resisti e até corri em outra
direção para não passar nem perto.
Parece que eu estava tendo uma atitude decente, não é mesmo? Não se
esqueça, porém, que eu tinha aprendido a burlar minha própria consciência. No
decorrer desses dias, minha vontade de vê-la não passou, e então comecei a me
enganar. Na quarta-feira, enquanto corria, passei a argumentar contra minha
própria consciência, tentando me convencer de que não havia nada de errado em
ir vê-la. Considerei que não queria fazer nada de mal, e tentei me persuadir de
que algum homem precisava quebrar a barreira na qual ela criou para si própria
após a morte do marido, não deixando ninguém se aproximar. Nos meus sórdidos
pensamentos, considerei que eu poderia ser esse homem o qual iria quebrar tal
barreira e fazê-la voltar a viver, e assim, se eu conseguisse isso, convenci-me de
que iria facilitar para um próximo homem o qual tivesse mesmo interessado em
um relacionamento duradouro. Ridículo, não é mesmo? Mas foi esse lixo de
argumentação no qual usei para me convencer de que estava “fazendo bem” a
ela, e então resolvi voltar a procurá-la. Quando cheguei ao quiosque, ficou claro
o seu contentamento em me ver.
A noite estava pouco movimentada. Nos momentos em que ficávamos
sozinhos, Bianca se abria comigo e me contava coisas sobre si mesma.
Conversamos sobre assuntos intermináveis durante quase três horas, e só fui
embora por saber que não era bom ser grudento demais. Na quinta-feira, passei
no quiosque, mas fingi que teria um compromisso, para não exagerar de novo.
Após apenas uma hora de conversa, fui embora. Para meu ânimo, ela
claramente indicou que gostaria de ter minha companhia por mais tempo. Nessa
noite, eu já sabia que realmente a tinha cativado.
Na sexta, fui preparado para atacá-la. Estiquei um pouco a conversa, e
quando chegou a hora de me despedir, momento este que obviamente esperei até
que não tivesse nenhum cliente, entrei no quiosque, surpreendendo-a e, antes que
Bianca dissesse algo, agarrei-a e beijei-a. Por um segundo, ela tentou se
desvincular de mim, mas a segurei e logo senti seu corpo amolecendo e se
entregando em meus braços. Bianca se permitiu descarregar a mágoa e todo o
sofrimento que carregava. Ela começou a chorar e, ao mesmo tempo, beijava-
me com muita vontade: toda a vontade de quem estava faminta por carinho e
atenção.
Tudo indicava que a parte mais difícil já estava feita. Eu já tinha
quebrado a barreira na qual ela criou para si própria, e, em se tratando de uma
mulher experiente de 29 anos, cheia de vontade de se sentir viva, achei que me
levaria para os fundos e me devoraria ali mesmo.
Quando estou em festas frequentadas por belas mulheres caçando vida
fácil, realmente, tudo ocorre muito rápido. Até parece aqueles filmes em que
basta um homem e uma mulher se encostarem para sair faísca. Porém, na vida
real, com mulheres do mundo real, nem sempre a coisa é assim tão fácil. Na
verdade, quase nunca é. Ou, ao menos não era, pois tudo está mudando bem
rápido.
Os beijos foram quentes e profundos, até o momento em que Bianca
fugiu dos meus braços, recompôs-se e continuou conversando como se nada
houvesse acontecido. Eu não queria conversar e logo a ataquei de novo, sendo
que fui correspondido, mas foram beijos bem mais contidos, dos quais ela logo
quis se desvencilhar. Pediu-me para ir mais devagar, argumentando que
estávamos em seu ambiente de trabalho.
Com o pretexto de termos privacidade, propus ir para casa e deixar uma
janta pronta, para que Bianca comesse comigo ao sair do trabalho. Na verdade,
eu ia comprar algo pronto para jantarmos, e o “prato principal” ia ser ela. Bianca
recusou meu convite, dizendo que o filho e a mãe ficavam esperando, e que,
quanto mais tarde saísse, mais perigoso seria. Retruquei que depois a levaria de
carro, e disse que não iria segurá-la por muito tempo em meu apartamento, e até
propus que, apenas naquele dia, saísse um pouco mais cedo.
Enquanto eu falava, chegou um cliente, e interrompemos a nossa
conversa. Esperei que o atendesse, mas, para o meu azar, chegou outra pessoa, e
então esperei que atendesse a esse cliente também. Quando Bianca voltou até
mim, insisti no convite, mas ela foi bem incisiva ao dizer que teria mesmo de ir
para casa e negou a possibilidade de sair antes de seu trabalho. Esperei mais
alguns minutos e me despedi. Eu queria mesmo dar um gelo nela, e então,
aproveitando a presença de clientes, despedi-me apenas com um aperto de mão.
Capítulo 23
Bem profundo
Caro leitor, não tenha a esperança de que vá me apaixonar. A essa altura,
eu era um calhorda profissional e estava mais do que treinado para não me
envolver. Para qualquer mulher decente, eu era veneno puro.
No intuito de dar tempo para Bianca sentir a minha falta, não fui vê-la no
sábado. Para que tenha ideia de minha frieza, saiba que, naquela noite, fui a uma
festa, onde conheci uma belíssima japonesa e consegui leva-la para minha
cama, mas, como sempre, dei um jeito de despachá-la antes de dormir.
No domingo, sem ter nada melhor para fazer, resolvi ir ao quiosque
durante a tarde com o intuito de dar uma de paizão mais uma vez. Fiz isso só
porque facilitaria o meu caminho em direção ao meio das pernas de Bianca.
Esse relato é repugnante, mas preciso contar a verdade, ainda que seja algo
horrendo.
Meu plano era o seguinte: como na segunda-feira subsequente seria
feriado, e sabendo que Bianca não abria o quiosque nas segundas e sua mãe não
iria trabalhar de diarista em um feriado, cogitei que ela poderia deixar Jônata
com a avó e sair comigo. Qual desculpa ela poderia ter para negar meu convite,
tendo em vista que era feriado?
Assim que cheguei, os olhos de Jônata brilharam. Conversei rapidamente
com sua mãe, e logo pedi permissão para irmos nadar. Meu objetivo era brincar
um pouco, amaciar o coração dela, e só depois fazer o convite. Mais uma vez, as
brincadeiras foram divertidas, mas não foi nada comparado com a primeira vez,
pois, na primeira ocasião, o que me levou a brincar foi um impulso puro e
despretensioso, já que tomei a iniciativa no intuito de animá-lo, sem esperar
ganhar nada em troca. Desta vez, eu estava tomando tal iniciativa para fazer
Bianca ficar ainda mais envolvida comigo, e essa pretensão estragava a pureza
da ocasião, não me permitindo aproveitar o momento com a mesma plenitude.
Como eu sabia que a senhora Eulália sempre vinha buscar o neto, minha
ideia era brincar até o horário de ela chegar, e depois eu teria bastante tempo
para conversar. Mas, para o meu azar, deu tudo errado: quando a avó chegou, foi
Bianca quem começou a arrumar as coisas para sair, e então comentou que,
naquele dia, ela já tinha ficado ali durante o período da manhã e da tarde, então
sua mãe é quem ficaria no período noturno.
Não tinha como convidá-la para sair na frente de todos, de modo que
tentei achar uma solução. Resolvi convidar Jônata para passear, e comentei que
ele poderia levar a mãe junto, se quisesse. Meu novo plano era sair com os dois
durante a tarde da segunda-feira, e, em meio ao passeio, dar um jeito de ficar a
sós com ela para convencê-la a sair sozinha comigo durante a noite. Para atingir
meu objetivo, não era possível convidar a senhora Eulália, pois assim ficaria
muito difícil de conversar. Ficou chato, mas eu simplesmente não estendi o
convite à avó. Jônata adorou a ideia e começou a implorar para que a mãe
aceitasse. Depois de insistirmos um pouco, ela acabou concordando. Ficou
combinado que eu passaria buscá-los às três horas da tarde.
***
Na segunda-feira, levei-os ao shopping. Meu plano era pagar para que
Jônata jogasse nos fliperamas e me desse tempo para conversar. Quando ele
iniciou a partida, comecei a destilar todo o meu veneno em sua mãe: falei que já
estava sentindo falta dos beijos dela, entre outras coisas do gênero, e, na
sequência, perguntei se poderíamos ter a noite para sairmos só nós dois. Ela
respondeu que ainda estava cedo, e então demonstrei indignação e insisti no
convite.
Não pude insistir muito, pois Jônata perdeu a partida e veio até nós. Disse
a ele que poderia jogar mais, pois o cartão de créditos da loja de jogos estava
carregado para várias partidas. Porém, o garoto disse que, sozinho, não tinha
graça. Respondi que não gostava de jogos, pois queria me livrar dele, mas Bianca
foi enfrentá-lo, possivelmente para fugir da nossa conversa. Eles jogaram
algumas partidas, e, quando ficou bem claro que eu não iria conseguir conversar
ali, tomei a iniciativa de sugerir irmos a outro lugar.
Eu tinha um segundo plano: falei que queria fazer uma surpresa para o
garoto e os levei a uma loja de acessórios relacionados a atividades marítimas.
Chegando lá, chamei um vendedor, pedi para que explicasse a Jônata tudo sobre
pranchas e que lhe mostrasse todos os modelos e desenhos para ele escolher
uma. Bianca recusou o presente, dizendo que eu estava exagerando, mas insisti
que queria dar apenas isso e acabei convencendo-a a deixar. Jônata pediu para
que fôssemos escolher juntos, mas eu disse que esse era um momento só dele,
que não queria que ninguém interferisse na escolha, e insisti para que fosse
sozinho enquanto ficaríamos esperando. Deixei bem claro que não precisava ter
nenhuma pressa.
Quando o menino se afastou, insisti no encontro com Bianca. Despejei mil
argumentos, mas, quando ela começou a se demonstrar propícia a aceitar, para
minha decepção, seu filho já voltou todo sorridente. Morri de raiva, pois o tempo
de escolha não demorou dez minutos. Nesse momento ele me contou que já
sabia tudo sobre pranchas, que já tinha em mente exatamente qual modelo
queria, e que acabou encontrando um desenho muito parecido com aquele no
qual sempre desejou, de modo que não pensou duas vezes para escolhê-la. Isso
não foi nada bom para mim. Tentei insistir que desse mais uma olhada,
argumentando que poderia achar algo no qual gostasse ainda mais. No entanto,
não houve jeito: a decisão já estava tomada!
A loja ficava em um local perto da praia, que tinha um rochedo onde as
ondas batiam com bastante força, havendo um belo mirante para apreciar a
vista. Jônata pediu para ir até lá, e aceitei ir com ele. Bem próximo ao local de
observação, havia alguns bancos públicos. Quando estávamos passando,
aproveitei para sentar e falei para o garoto ir dar uma olhada sozinho, pois eu
queria combinar uma surpresa com sua mãe. Ele ficou todo empolgado e correu
ver o mar, deixando-nos a sós, sem fazer perguntas.
Bianca ficou brava por saber que minha real pretensão era a de continuar
nossa conversa, e então me repreendeu, dizendo que o menino iria ficar
esperando uma surpresa de verdade. Eu respondi que isso não ia ser problema,
pois a surpresa seria sair dali para um local onde ele pudesse fazer uma aula de
surf com sua prancha nova. Comentei que este já era meu plano desde o
princípio, e na sequência, tratei de mudar para o assunto no qual realmente me
interessava: nossa noite juntos.
Insisti na ideia do encontro, mas não tive paz, pois logo Jônata começou a
gritar para que também fôssemos lá ver, dizendo que a vista era linda. Respondi
que já estávamos indo e pedi mais cinco minutos. Quando o garoto ficou quieto,
voltei a tentar encravar minhas presas em sua mãe:
– Logo, ele voltará! – falei a Bianca. – Vamos, aceita! Precisamos
combinar antes que ele volte!
No exato segundo em que a convenci, escutamos um grito e um barulho.
Jônata, o qual estava tentando chamar nossa atenção, pendurou-se na proteção e
acabou caindo. Corremos para a beira da plataforma, de onde vi o menino
tentando nadar nas águas turbulentas. Não sabia o que fazer, mas sabia que a
culpa era minha.
Permaneci olhando por uns dez segundos. Não sei se Bianca falou
comigo, se gritou, se esboçou alguma outra reação. Não sei se outras pessoas se
aproximaram. Tudo o que tenho na minha memória é a imagem de Jônata se
debatendo e o barulho das ondas, como se todo o resto tivesse deixado de existir.
Meu corpo começou a formigar, e então senti necessidade de me mexer. Em
uma explosão de movimentos, quando vi, já estava em queda livre, em direção
ao mar. Pulei no intuito de tentar socorrê-lo, mas, quando bati na água, senti meu
corpo sendo puxado para baixo com muita força e me dei conta de que não
poderia ajudar nem a ele e nem a mim mesmo em águas tão furiosas. No fundo
eu sabia disso antes mesmo de pular, mas não podia ficar apenas olhando, pois
não foi possível enfrentar o horror de minha covardia sem tentar fazer algo,
ainda que fosse uma tentativa absurda.
Ao ser envolvido no turbilhão de uma onda que me segurou para baixo da
água, senti um forte arrependimento, mas meu remorso não foi por ter pulado, e
sim por ter sido um ser humano tão vazio. Sabe aquelas histórias de que muitos
dizem ter visto, em uma situação de grande perigo, a vida toda passar diante dos
olhos em um único segundo? É verdade: isso pode, sim, acontecer. Sei disso
porque eu vi toda a minha vida, tudo em um instante.
Lembrei-me de minha infância, das brincadeiras com meus irmãos, dos
meus amigos da rua. Lembrei-me de quando eu acordava de manhã e ouvia
minha mãe subindo as escadas para me trazer a mamadeira, dia após dia. Pude
ver cada detalhe da feição dela sorrindo, sendo que, nessa recordação, sua face
era bem mais jovial do que aquela com a qual agora estava habituado. Fiquei
espantado ao me dar conta do quanto tinha envelhecido.
Em minhas lembranças, fui crescendo. Revi meus colegas do colégio –
Ricardo, meu amigo popular; Tay nara, minha primeira paixão e decepção; e
todos os outros amigos que não mencionei neste livro. Acompanhando meu
próprio crescimento, revi as festas de Natal em família e as viagens de férias
com meus pais. Deparei-me com as lembranças de estar no parque de diversões
que todo ano vinha até a minha rua, e me revi em frente ao Space Loop sem ter
coragem de entrar.
O tempo continuou passando e, em instantes, encontrei-me comigo
mesmo aos quinze anos indo para as primeiras festas, no tempo em que minha
única preocupação e objetivo era correr atrás de garotas. Revi meu primeiro
namoro e o trágico fim causado pela gravidez de Tay nara. Sendo telespectador
de minha própria vida, pude me lembrar da minha transição do colégio para a
faculdade, com direito a reavivar até mesmo o pavor que passei diante das
primeiras provas nas quais fui muito mal. Revi-me estudando muito para tentar
correr atrás do prejuízo de anos que não estudei como deveria. Repassei minha
história com Nicole e pude me lembrar de todas as pessoas que passaram por
minha vida no meio universitário, incluindo rostos de pessoas nas quais eu nem ao
menos recordava que existiam. Já como homem feito, deparei-me com meus
irmãos, todos adultos, mas ainda vivendo na casa de nossos pais, sendo que
sempre brigávamos muito, mas também éramos unidos e felizes. Nessa
sequência, relembrei da minha saída de casa com Mariana, que certamente foi o
grande amor da minha vida.
Pude rememorar a personalidade marcante de Mariana. Os homens
narcisistas e machistas a menosprezaram, pois ela sabia colocá-los em seus
lugares, que nada mais era do que bem longe de sua vida; já as mulheres mais
saidinhas, como sua própria irmã, detestava-a por ser cheia de personalidade e
opinião. Devido a suas convicções, era uma mulher de poucos amigos, mas estes
eram bons e fiéis, do tipo que se mantém para uma vida inteira. Ela era
admirável, mas tinha dois grandes problemas: o ciúme exagerado e o fato de ter
me aceito em sua vida. Ou seja, eu certamente me vi como um erro, pois não a
merecia.
***
Caro leitor, preciso falar um pouco mais sobre meu relacionamento com
Mariana, pois este foi um grande divisor em minha vida. Quanto ao meu
casamento, já deixei bem clara a dimensão do ciúme que ela sentia, mas existia
outro grande problema em nossa relação: o meu passado! Você já conhece
minha história. Sabendo disso, agora posso fazer uma fria análise sobre mim
mesmo. Em minha infância e juventude, eu era um ser humano com certa
decência. Por natureza, preocupava-me em não ferir o sentimento das pessoas; e
me importava em ser honesto e fiel. Já analisei muito minha própria
personalidade, e, para ser completamente sincero, sei que esses princípios
vinham de minha fé. Logo, como fui educado em uma sociedade cristã, minhas
ações tinham certa base em ensinamentos cristãos. Por outro lado, eu não
frequentava igrejas e não tinha contato com estudos religiosos, de forma que
minha fé e meus princípios se mantinham pela minha própria natureza, o que me
faz ter convicção de que não se tratava apenas de algo aprendido. Eu, apesar de
muitos erros, tinha, sim, um coração bondoso. Trata-se de características que
provinham de minha essência como ser humano; assim sendo, correspondia a
algo inato.
Mas, afinal o que somos? Nós, seres humanos, somos a união de tudo
aquilo no qual se vê – nossas características físicas – somado ao que não pode
facilmente ser visto – nossas capacidades mentais –, o qual equivale à união das
habilidades psicológicas com que nascemos e que lapidamos durante a vida. Não
sei se fui claro; então, sinto a necessidade de exemplificar. Vamos usar como
exemplo o amor: podemos aprimorar nossa capacidade de amar, ou tentar
sufocá-la, mas amar é uma capacidade com a qual nascemos. É algo no qual faz
parte do que é ser humano. No entanto, ainda que a essência do que é amar seja
algo universal, cada indivíduo ama com intensidades e particularidades próprias,
e cada um exterioriza isso de forma peculiar.
Acredito, portanto, que o mesmo ocorre com praticamente todas nossas
capacidades, como, por exemplo, a compaixão, a alegria, e até mesmo a fé. Tais
sentimentos – e suas contraposições, como a tristeza ou o ódio – não são resultado
de mero aprendizado, mas, sim, habilidades tão naturais quanto o próprio ato de
respirar. Há quem nasça sem alguma capacidade, como, por exemplo, a de ter
fé? Teoricamente sim, da mesma forma que a psicologia descreve pessoas (os
ditos psicopatas) que nascem incapazes de amar ou de sentir compaixão. Mas
entenda, não deveria ser assim: a falta de qualquer habilidade psicológica nos
afeta tanto quanto, ou até mais, do que a falta de algo físico, como, por exemplo,
uma perna ou um braço. Todos sabemos que um ser humano “completo” tem
duas pernas e dois braços, ainda que alguns nasçam sem um ou mais desses
membros; da mesma maneira, deveríamos ser capazes de sentir todo o leque de
sentimentos os quais nos fazem ser mais do que meros robôs orgânicos. Nessa
linha de raciocínio, é oportuno lembrar uma frase de Antoine de Saint-Exupéry
que diz: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.
É importante, porém, evidenciar que somos tão complexos e
extraordinários que qualquer falta (física ou psicológica) não significa, por si só,
que não poderemos ter uma vida plena. Por outro lado, ser “perfeito” (entendase “completo”) fisicamente e em capacidades não garante que saberemos o que
fazer com tal “perfeição”. Se alguém pode mesmo nascer sem a capacidade de
amar ou de ter fé, eu não sei; mas tenho certeza de que, no mínimo, as pessoas –
uma gigantesca maioria, eu diria – que parecem não possuir tais habilidades
nasceram, sim, com elas, porém, escolheram ou foram induzidas a sufocá-las no
decorrer da vida.
Por que estou explicando isso? Para dizer que eu fui um dos que nasci
completo, tanto física como psicologicamente; no entanto, não fiz boas escolhas.
Substitui bondade, amor, compaixão e fé por ego, poder, ganância e dinheiro.
Afinal de contas, por que fiz isso? Vou tentar responder e vou parecer exagerado,
no entanto, se tiver paciência, vai ver que existe muita verdade em minha
resposta.
Agora entendo que foi uma escolha na qual comecei a fazer muito novo.
Eu diria que foi pelos meus doze ou treze anos, quando aderi à ideia de que
sexualidade sem limites era a fonte de toda felicidade. Parece loucura escrever
isso, pois, hoje em dia, trata-se de algo visto como “normal”. Por muito tempo,
eu também achei ser uma ideia totalmente natural e inofensiva para um jovem,
mas, agora, entendo o quanto isso influenciou em minhas escolhas na vida adulta.
Que fique claro: o problema não é o sexo (o qual é ótimo), mas, sim, a forma
com que ele é visto, ensinado, insinuado e desejado!
Eu fiz da sexualidade um vício, e, exatamente como em todo e qualquer
vício, acabei escravo de mim mesmo, já que meus pensamentos e atos passaram
a ser influenciados por um desejo constante. Quando me apaixonei por Mariana,
consegui suprimir isso por certo tempo, mas quando brigávamos, o veneno
gerado por todo o exagero da sexualidade voltava à tona, e então eu pensava que
não precisava passar por aquilo, que o mundo estava cheio de mulheres e que eu
nem ao menos tinha aproveitado. Eu sentia a falsa sensação de querer ser livre,
quando, na verdade, o que queria mesmo era me entregar ao meu vício e ser
escravo dele.
É claro que outra parte de mim defendia o meu casamento e o meu
amor, sendo que tal parte me fazia reavivar a vontade de fazer as pazes e
encontrar soluções ao problema. Porém, até chegar a esse ponto, meus instintos
irracionais viciados em luxúria já tinham me feito reagir de forma impaciente,
explosiva e grosseira, o que foi causando um grande desgaste em minha relação.
Hoje entendo que todos os vícios aos quais nos submetemos se tornam espinhos
em nossa carne que podem nos incomodar (um pouco ou muito) para o resto da
vida. Quanto mais profundo adentrarmos no vício, mas profundo tende a ser o
espinho. Este é o peso de nossas escolhas, mesmo quando nos arrependemos
delas.
Essa guerra entre minha consciência e minha carne terminou no dia em
que decidi abandonar meu casamento. No exato segundo em que Mariana saiu
de casa, escolhi seguir meus instintos animais, abafando muitos dos meus
sentimentos, e, com o tempo, isso também foi moldando os meus princípios.
Como já mencionei, depois de um tempo, percebi que o sexo não era a fonte de
toda a felicidade como acreditara, mas continuei, e o ato em si tornou-se apenas
pretexto para que eu exercesse o que existia de pior em mim.
***
Lá embaixo da água, a partir das lembranças do término do meu
casamento, tudo o que vi diante dos meus olhos me causou um sentimento de
vergonha e de vazio. Eu me vi contornando os problemas no trabalho e, com
pouco mais de um ano de serviço, aos 25 anos de idade, fui promovido a gerente
de setor, mas também me dei conta de que não tive quase nada para lembrar
com meus pais, pois eu trabalhava muito e tinha pouco tempo para eles. Aos 27,
fui promovido a gerente geral de negócios; no entanto, já não mantinha quase
nenhum contato com meus irmãos, nem com meus amigos de infância.
A verdade é que, a este ponto, eu já não tinha mais amigos. As pessoas
que me rodeavam eram puxa-sacos e parceiros de festas. Foi triste ter tempo
para finalmente enxergar que, nesta fase de minha vida, a única pessoa por perto
que realmente se importava comigo era Taís, a quem eu não dava nenhum valor,
tanto que a utilizei, como se fosse um simples objeto, para fechar a negociação
com Igor.
Cheguei até a etapa de minha vida em que ganhei 5% da empresa, com
apenas trinta anos de idade. Passei a ser cercado por muita gente importante, a
ser convidado para festas e eventos de destaque em todos os finais de semana,
mas a verdade é que quase todos os que sorriam e apertavam a minha mão não
passavam de um bando de fingidos e interesseiros. Quanto a mim, era
exatamente igual! Como ensina François de La Rochefoucauld: “A bajulação é a
moeda falsa que só circula por causa da vaidade humana”. E eu recebia e
passava para frente tal falsidade diariamente.
O pior é que a minha dissimulação não era apenas para os outros, mas
também para a minha própria consciência. Fingia adorar aquela vida, quando, na
verdade, tudo havia se tornado uma obrigação. Nada era natural ou espontâneo:
cada uma de minhas ações e reações era premeditada. Tudo era feito para
manter as aparências e o status, mas, agora, diante da morte, já não fazia mais
sentido continuar fingindo. Então, permiti-me ver a minha verdade e sentir o
vazio profundo que existia em meu coração.
Naquele momento, aos 33 anos de idade, eu já estava completamente
escravizado por mim mesmo. Se minha escravidão começou com a expressão
exagerada da sexualidade, agora eu carregava incontáveis correntes. Posso
apontar meu ego e a obsessão por ganhar cada vez mais dinheiro como sendo as
amarras de maior peso, ainda que eu desfilasse me insinuando, como se tais
fardos fossem joias a serem invejadas.
Cheguei ao fim de minha própria historia. Assisti a toda ela como um
filme que não valia a pena ser visto; uma trama sem graça, nem honra, e muito
menos sentido. Dei-me conta de que não tinha feito nada do qual me orgulhasse,
e de que ninguém sentiria a minha falta, nem mesmo minha família, pois eles
iriam chorar e se lembrar da pessoa que eu fui, no passado, já que nem ao
menos conheciam o ser humano frio no qual eu tinha me tornado. Quanto às
demais pessoas, elas sentiriam falta de minha influência, de minha capacidade
de gerar dinheiro, de minha liderança, mas nenhuma sofreria por mim, como se
sofre quando se perde alguém a quem se ama. Em compensação, várias pessoas
que me temiam iriam sentir alívio!
Sócrates nos deixou o seguinte ensinamento “sábio é aquele que conhece
os limites da própria ignorância”. É engraçado pensar que, frente à morte,
finalmente tive um momento de sabedoria, exatamente por perceber a
ignorância na qual eu vivia imerso. Sentindo-me um verdadeiro lixo, meu último
pensamento foi o de que alguém tão individualista como eu não deveria mesmo
existir, pois tanto egoísmo é o que gera a maior parte do sofrimento existente
neste mundo. A minha morte era uma bênção a quem ficava, pois eu não
acrescentava nada de bom. Por fim, fechei os olhos, e então, em algum
momento, simplesmente apaguei.
Capítulo 24
Escuridão
Ouvi vozes, senti frio, e meus olhos arderam por conta da luz do sol. Tive
consciência de que fui tirado do mar, mas logo voltei a apagar. Quando tornei a
abrir os olhos, já estava em uma maca e havia algum tipo de aparelho em minha
boca. Tudo estava confuso: ao notar pessoas de branco à minha volta, por um
segundo, pensei em anjos, mas considerei que os anjos não viriam me buscar. Eu
tinha certeza de que não merecia!
Tentei realinhar minhas ideias e, aos poucos, meus pensamentos foram ficando
menos atordoados. Dei-me conta de que as pessoas à minha volta eram médicos
e enfermeiros, sendo que um deles, certamente um médico, começou a fazer
vários exames clínicos em mim quando notou que recobrei minha consciência.
Lembro-me de ter sido informado de que meus pais já estavam a
caminho, e então me perguntaram se eu queria chamar mais alguém. Primeiro,
respondi que não sabia, pois estava muito confuso. Porém, logo melhorei e
respondi que não havia mais ninguém a ser chamado. O médico voltou a fazer
mais algumas análises. Respondi e correspondi a tudo. Eu estava bem, com
exceção de uma grande dor, que não era física, mas sim em minha consciência.
Eu queria perguntar sobre Jônata, mas não tinha coragem!
Depois de inúmeros exames, fui levado para um quarto, onde finalmente
fiquei sozinho. Nesse momento, mergulhei ainda mais profundamente em um
único pensamento: e Jônata? Quando não suportei mais a dúvida, apertei o botão
no qual servia para pedir ajuda. A enfermeira que veio até o meu quarto era bem
nova, provavelmente recém-formada, e sua inexperiência não permitiu que
contornasse a situação. Após eu perguntar sobre o garoto, ela não me respondeu
nada, mas sua expressão foi a própria resposta. Quando vi a feição dela, comecei
a chorar, o que a fez perder o controle. Ela começou a me pedir desculpas, a
dizer que lamentava e saiu praticamente correndo do quarto. Tal reação foi a
confirmação devastadora de que eu tinha interpretado corretamente: Jônata
estava morto! Naquele momento, chorei como jamais tinha feito em minha vida.
Outras enfermeiras mais experientes vieram conversar comigo, mas eu
apenas chorava e não escutava ninguém. Só o que existia em minha frente era a
mais profunda tristeza. Quando meus pais chegaram, pude sentir um mínimo de
reconforto, mas eu diria que foi bem mínimo mesmo! Continuei chorando.
Minhas lágrimas eram incontroláveis!
***
No dia seguinte, tive alta e fui para a casa de meus pais. Uma semana
depois do acidente, eu já estava completamente recuperado fisicamente, mas,
psicologicamente, não estava nada bem. Duas semanas, três… o tempo foi
passando e eu continuava afastado do trabalho. A essa altura, meu atestado de
afastamento já não era por conta do afogamento, mas sim de um psiquiatra, já
que entrei em uma profunda depressão.
Eu não via sentido em trabalhar, pois tinha mais dinheiro do que
conseguiria gastar, e, agora, todo o glamour do meu cargo, da minha posição
social, parecia mais um terrível castigo, que eu não estava disposto a enfrentar.
Nesse tempo, pude pensar muito sobre a vida. Eu me arrependia de muita
coisa, mas, como disse Millôr Fernandes, “viver é desenhar sem borracha”. Eu
não poderia voltar atrás e apagar meus erros, então me apeguei à ideia de Bob
Marley, de que “ninguém pode voltar no tempo e fazer um novo começo. Mas
podemos começar agora e fazer um novo fim!”
Senti necessidade de me desculpar com as principais mulheres que
decepcionei. Resolvi escrever e-mail para elas, ato este o qual eu mesmo
consideraria estúpido antes do meu acidente. De qualquer forma, eu precisava
tentar, mesmo sabendo que elas poderiam me ignorar ou até mesmo responder
grosseiramente. Só não tive coragem de escrever a Bianca, pois ainda era cedo
demais para encará-la, ainda que fosse por escrito.
Para minha surpresa, logo as respostas vieram. Fiquei feliz ao ver que
Nicole me perdoou pelo nosso trágico reencontro, no qual a induzi a terminar o
noivado para depois descartá-la, mas é claro que ela aproveitou para me dar
uma grande e merecida lição de moral. Fiquei aliviado ao ler uma longa
mensagem de Taís, a qual, em resumo, dizia que eu não precisava pedir
desculpas, pois eu sempre deixei bem claro o tipo de relacionamento no qual
queria, relacionamento esse já que tinha começado de forma totalmente errada
e estava fadado a acabar mal desde o princípio; fiquei feliz quando constatei que
ela reconhecia as escolhas erradas no qual fez e deixava claro que também
estava buscando um recomeço. Mariana respondeu que aceitava minhas
desculpas e que também queria se desculpar, pois também tinha errado muito
durante nosso casamento. Li todas as mensagens com muita ansiedade, mas
tenho de confessar que a de Mariana deu um frio extra na minha barriga. A
verdade é que, com o tempo, aprendi a parar de pensar nela, mas nunca deixei
de amá-la.
***
Um dia, estranhei ter recebido um e-mail de alguém com quem eu não
tinha entrado em contato: Ramona. Surpreendi-me quando vi a mensagem dela,
pois se tratava de uma pessoa que permaneceu pouco tempo em minha vida, pois
desapareceu alguns meses depois de termos transado. Na época, achei que
finalmente tinha resolvido se livrar das garras de Maikon, mas, no e-mail, ela
explicou o que realmente aconteceu.
Conforme relatava na mensagem, Ramona ficou sabendo sobre o meu
acidente por meio de comentários na Internet. O ocorrido levou-a a refletir e
chegar à conclusão de que precisava me contar um doloroso segredo. Na
sequência do e-mail, ela foi direto ao assunto, e relembrou que não usamos
camisinha quando dormimos juntos. Escreveu também que, naquela época, fui o
único com quem ela fez sexo sem camisinha, pois não confiava na saúde dos
demais homens com quem dormia, porém, comigo, por ter certeza de que até ali
eu tinha sido fiel a Mariana, não temeu pegar doenças sexualmente
transmissíveis. Quanto ao risco de engravidar, ela disse não ter este temor, pois
usava anticoncepcional. No entanto, relatou que acabou engravidando mesmo
assim.
Imediatamente, veio à minha cabeça que Ramona deveria saber que eu
tinha enriquecido, e isso me fez imaginar que ela estava querendo se aproveitar
dessa situação. Considerei que, mesmo se a gravidez fosse real, ela era uma
mulher promíscua, e assim, o filho poderia ser de qualquer um. Ramona deve ter
previsto que eu pensaria dessa maneira, pois, na continuação de sua mensagem,
explicou que, além de eu ser o único com quem não utilizou camisinha, fazia em
torno de duas semanas que não tinha dormido com ninguém quando transamos,
e, depois, como ficou mal após nossa conversa, passou mais de um mês sem
dormir com outro homem. Assim, engravidou bem nesse período no qual fui o
único com quem ela se deitou, o que a fazia ter certeza de que só eu poderia ser o
pai.
Até esse momento da leitura, eu continuava achando que Ramona poderia
estar tentando me dar um golpe, mas a continuação do e-mail me chocou. Ela
escreveu que, por ser uma viciada, sem perspectivas, não teria condições de
criar uma criança, e, como sabia que eu queria fugir de responsabilidades
familiares, o caminho que encontrou foi o de doar o bebê para alguém no qual
tivesse real interesse em ter um filho. Por fim, relatou que não usou drogas ou
bebidas alcoólicas durante a gravidez, e que o bebê, uma linda menina, nasceu
totalmente saudável.
Respondi a mensagem fazendo inúmeras perguntas, mas Ramona me
escreveu dizendo que não sabia nada sobre a menina, pois tinha feito questão de
entregá-la para um grupo cujos procedimentos impossibilitassem reencontrar a
filha no futuro, mesmo que assim o quisesse. Ao final, pediu-me para não
escrever mais e disse que só me contou sobre a criança por ter considerado que
eu tinha o direito de saber.
Frente à situação, passei a acreditar que realmente poderia ser o pai dessa
criança. Remoí meus pensamentos, tentando decidir como deveria me
posicionar, mas, por mais que eu tivesse tentando achar uma resposta, não sabia
o que fazer. Esquecer? Eu certamente não conseguiria. Procurá-la? Para quê, já
que seria difícil provar minha paternidade, e se eu conseguisse o que faria
depois? A essa altura, a menina já teria nove anos. Até onde compensaria
bagunçar a vida dela dessa forma? Mesmo sem saber o que fazer, eu tinha uma
única certeza: precisava saber mais sobre toda essa história.
Como Ramona parou de responder às minhas perguntas, contratei um
investigador particular, que descobriu de onde ela tinha escrito os e-mails, e,
assim, chegamos facilmente à sua casa. Fiquei triste ao ver Ramona: toda sua
beleza já tinha esvanecido, e o que vi em minha frente foi a face do sofrimento.
Ela ficou assustada com a nossa visita, e tratou de falar tudo o que o investigador
quis saber. Naquele dia, eu estava decidido que encontraria a minha filha (digo
“minha filha”, pois sinto em meu coração que ela realmente é), não importava o
que custasse, mas, a verdade é que o dinheiro não compra tudo. Depois de
analisar todas as informações e de procurar pistas por mais dois meses, o
investigador me informou que seria praticamente impossível encontrar a criança,
e abandonou o caso.
Pensei em contratar outro investigador, mas não dava para querer se
enganar. Não existia nenhuma informação que pudesse servir de ponto de
partida. Ramona chamou à menina de Sofia, mas não há duvidas de que a
registraram com outro nome, tornando a informação inútil. Quanto ao grupo
envolvido, ela não os conhecia, e na hora do parto, foi levada vendada ao
médico, não possuindo nenhuma informação sobre a localização ou a fisionomia
de qualquer envolvido. Quem intermediou tal encontro foi uma amiga de
Ramona, que já tinha morrido de overdose havia vários anos, não sobrando nada
para investigarmos.
***
Eu estava destroçado com a morte de Jônata, e não conseguia me
acostumar com a ideia de ter uma filha que nunca poderia encontrar. Quando
parecia que tinha chegado ao fundo do poço, descobri que ainda era possível
piorar: em torno de quatro meses após meu afastamento do trabalho, sobreveio
uma grande crise em minha empresa.
Sob a minha administração, durante o tempo no qual me tornei o principal
tomador de decisões, fiz várias modificações nos processos industriais, e uma
dessas foi a alteração da nossa principal fórmula. O que fiz foi relativamente
simples: depois de muitos estudos, descobrimos que poderíamos alterar uma das
substâncias mais caras que utilizávamos em nosso produto por outra bem mais
barata. Depois de muita pesquisa, decidimos fazer a substituição de apenas 19%
no princípio ativo, o que já significava uma grande economia e,
consequentemente, um grande lucro. O sucesso foi grande. Nossos estudos
mostraram que a nova fórmula, além de ser mais barata, era até mesmo de
eficiência superior em relação à antiga. Essa superioridade não era
estatisticamente considerável, mas saber que economizamos ao mesmo tempo
em que melhoramos nosso produto me era motivo de orgulho.
Fui eu que tive a ideia de mudar a fórmula, mas certamente não fui um
dos mais agressivos em querer implantá-la, já que limitei a troca das substâncias
em 19%, por ser o ponto de maior eficiência comprovada. Contudo, muitos
outros colegas insistiram que poderíamos realizar uma substituição ainda maior,
pois, mesmo em misturas maiores, a perda de eficácia era pequena, e seria
impossível que uma de nossas clientes percebesse a diferença; em compensação,
o lucro seria bem considerável. Um dos diretores que incentivava a ideia de
aumentar ainda mais a mistura passou a ter maior poder de decisão com a minha
ausência, e, querendo mostrar resultados, conseguiu convencer os grandes sócios
a aumentar a troca para 30% ainda no primeiro mês em que deixei de trabalhar.
Deu tudo certo: o mercado absorveu nossos produtos sem nenhum problema.
A ganância sempre faz os ânimos se exaltarem. Frente ao lucro, já no
segundo mês em que fiquei ausente, foi aprovado o aumento da mistura para
35%, quantidade esta defendida por muitos como sendo a que garantia o melhor
custo-benefício – entenda-se: obtenção de grande lucro com perda de eficiência
ainda pequena. Ao final de mais um mês, tudo estava bem e todos estavam
felizes, com um lucro ainda maior. No entanto, certo tempo depois, um grande
problema começou a aparecer. A mistura nesses níveis gerava um processo de
antagonismo, ou seja, algumas substâncias misturadas nessas doses anularam a
reatividade das outras. É claro que tínhamos feito testes para ver se o produto
mantinha a eficiência nessa dosagem! O problema é que testes mais rigorosos só
foram realizados na mistura de 19% e, por azar, a nova proporção tendia a
perder a efetividade após certo tempo, de forma que os testes realizados nos
produtos recém-formulados demonstravam eficácia, mas quando a substância
permaneceu por mais de um mês armazenada antes da utilização, ocorreu o
tempo necessário para que surgir os efeitos anulatórios.
O resultado foi que muitos de nossos clientes tiveram gigantescos
prejuízos. Não demorou para relacionassem o problema ao nosso produto, e,
quando ficou comprovada a nossa culpa, algumas empresas que mantinham
contratos de longo prazo começaram a pressionar para que os acordos fossem
quebrados, e inúmeros processos judiciais foram abertos, no intuito de que todo o
prejuízo fosse ressarcido. O diretor que orquestrou a liberação das modificações
foi demitido imediatamente, e então, como é típico do ser humano, iniciou-se a
busca por mais pessoas a quem se pudesse atribuir a culpa. Como eu era o
idealizador da nova fórmula, tornei-me um alvo.
Minha primeira reação foi a de também querer jogar a culpa em outros,
mas me lembrei da seguinte frase de Confúcio: “O homem superior atribui a
culpa a si próprio; o homem comum aos outros”. Não que eu me achasse um ser
humano superior. Na verdade, é exatamente o contrário, pois eu jamais tinha me
sentido tão medíocre. Independente disso, tentei ao menos ter uma atitude melhor
do que tinham aqueles os quais me condenavam, então evitei me apressar em
acusar e analisei com cuidado qual era a minha parcela de culpa.
O que fiz foi errado? Fiz-me essa pergunta centenas de vezes, e depois de
muita reflexão, cheguei à seguinte resposta: como fiz uma modificação segura,
com incansáveis testes, os quais comprovaram que a minha mistura tinha
eficiência até mesmo superior à da formula original, concluí que, pessoalmente,
eu não tinha motivos para sentir culpa. Na sequência, fiz-me a seguinte pergunta:
a empresa fez algo errado quando eu mudei a fórmula? Concluí que sim, pois
tínhamos contratos de longo prazo e, mesmo que tivéssemos mantido a
eficiência, não era ético fazer qualquer mudança sem que os compradores
fossem informados. Assim sendo, como um líder da empresa, eu também tinha
participação na culpa. Resolvi mandar um extenso e-mail, no qual não me eximi
da culpa, mas deixei claro que o erro era coletivo. Meu foco não foi apontar
culpados, e sim dar sugestões no intuito de ajudar a contornar aos problemas
gerados.
Quanto à crise, ela se tornou tão grande que o homem o qual detinha a
maior parte da empresa, o senhor Fidélis, morreu de infarto. Ele já era idoso e
não aguentou a pressão que lhe sobreveio. Frente às inúmeras demissões de
diretores, e a toda desarticulação da organização gerencial da empresa, o único
filho do senhor Fidélis, Vagson, tornou-se o maior proprietário da empresa e não
teve dificuldade para assumir a presidência. Quando soube disso, assustei-me,
pois tal comando jamais ocorreria em uma situação normal, pois Vagson era um
playboy de quarenta anos que nunca tinha trabalhado na vida. Sua única atividade
sempre foi gastar o dinheiro do pai. Tal posse foi a grande evidência do tamanho
da crise. Eu era muito respeitado dentro da empresa, a qual já era quase cinco
vezes maior do que quando eu tinha começado a trabalhar nela. Grande parte
desse crescimento era fruto do meu trabalho, e todos sabiam disso, exceto
Vagson, que assumiu o lugar do pai e me escolheu como alvo para sua vingança.
Vagson me ligava diariamente, no intuito de me culpar e ofender. No
início, fui paciente e busquei ser compreensivo. No entanto, a situação chegou a
um ponto em que parei de atender às ligações. Ele reagiu, tentando me provocar
ainda mais: mandou vários e-mails me acusando e me xingando, mandou um
aviso de demissão para a casa de meus pais, e na sequência, recebi a notificação
de um processo que a empresa estava abrindo contra mim. Certa noite, a casa de
meu pai teve as janelas apedrejadas, e no dia seguinte, recebi um e-mail onde
ficava claro que Vagson tinha sido o mandante.
Essa foi a gota d’água: além de procurar um bom advogado, fui até a
polícia para dar queixa. Logo, o resultado apareceu: Vagson parou de me
perseguir. Por sorte, eu detinha a cópia de praticamente todos os contratos. Após
analisar tudo, meu advogado me informou que eu não tinha motivos para me
preocupar, pois tudo o que fiz foi com o aval da empresa. Todo o processo que
liderei foi feito dentro das normas técnicas e jamais assinei qualquer documento
relacionado às questões comerciais da nova fórmula, de maneira que as questões
legais envolvidas na modificação do produto nem ao menos eram de minha
responsabilidade. Para completar minha total segurança, o problema da
formulação ocorreu após eu estar afastado do trabalho. Fui esclarecido de que eu
não tinha motivos para me preocupar. Meu advogado me informou que, além de
ter total convicção da minha absolvição, ainda pretendia processar Vagson e a
empresa pela situação vexatória à qual fui exposto.
***
Frente a tantos problemas, eu ao menos tinha um pinguinho de consolo.
Depois do e-mail que mandei a Mariana pedindo desculpas, acabamos mantendo
contato, e, mais uma vez, pude tê-la como confidente. Dividi tudo com ela, e não
tenho dúvidas de que sua atenção e seus conselhos evitaram que eu terminasse de
desmoronar.
Certa noite, comentei com Mariana sobre a ideia de abrir um processo
contra Vagson, e ela ponderou que, em minha situação, iria fazer de tudo para
escapar de mais brigas. Depois de ler esse conselho, fiquei pensando no que
deveria fazer. Lembrei que tinha ganhado bastante dinheiro em acordos de
caráter duvidoso, e então tomei uma decisão. Pedi para meu advogado enviar
uma proposta de acordo, no qual eu abria mão da participação que tinha na
empresa. A oferta foi a de que 60% da minha cota seria dividida
proporcionalmente entre os demais sócios, com exceção de Vagson. Além disso,
20% deveria ser doado para instituições de caridade, e 10%, defini que seria
doado a Taís. Na minha proposta, eu dizia que, se eles aceitassem o acordo e
extinguissem o processo aberto contra mim imediatamente, eu não iria processálos por conta de todo o desaforo que Vagson me causou utilizando o nome da
empresa, mas pedi uma quantia no qual considerei justa por conta do meu
afastamento como funcionário, até porque eu já tinha dedicado dez anos da
minha vida à empresa.
Meu advogado ficou louco comigo, pois minha participação valia muito
dinheiro, mesmo diante da crise. Eu tinha plena consciência de que não precisava
fazer tal acordo, mas via como se estivesse devolvendo (com sobra) tudo o que
eu pudesse ter ganhado de forma injusta, ao mesmo tempo em que dava a Taís
condições para recomeçar, pois ela se destruiu depois do fim do nosso
relacionamento. Vi, em fotos postadas nas redes sociais, que as condições de vida
dela não eram nada boas, e considerei justo dar-lhe mais um pouco do que me
ajudou a ganhar, até porque foi isso que a levou à destruição. Meu advogado não
me entendeu, ficou muito furioso e se afastou do caso, mas não antes de cobrar
por seu serviço. Na sequência, contratei outro profissional, o qual fez o que eu
estava querendo, mas não antes de frisar que eu não devia nada à empresa e não
precisava oferecer nenhum tipo de acordo.
A essa altura, Vagson já não estava mais no cargo de presidente, pois os
demais sócios de influência se articularam para destituí-lo. Foi então que um
grupo composto por esses nomes de peso da empresa me visitou, dizendo que
iam retirar o processo sem que eu abrisse mão da minha participação e,
inclusive, convidaram-me para retornar ao trabalho. Eles reconheceram que fui
o grande responsável pelo crescimento do patrimônio empresarial, e disseram ter
certeza de que não haveria ninguém melhor para ajudar a contornar a crise.
Fiquei feliz pelo reconhecimento. Se eu tivesse aceitado retornar, provavelmente
teria me tornado o presidente geral, mas recusei a proposta e insisti em abrir mão
de minha participação. Ninguém entendia por que eu queria fazer isso, até
porque eu não explicava. A resposta é bem simples: tratava-se de uma questão de
honra.
Caro leitor, antes de pensar que eu estava fazendo um grande sacrifício ou
loucura, não se esqueça de que eu continuava sendo bem rico, pois possuía
muitos bens e negócios mantidos fora da empresa. Tal patrimônio me bastava, e
eu necessitava de uma ação (louca) que servisse de marco para o meu
recomeço.
Capítulo 25
A brisa
Fiquei trancafiado na casa de meus pais por meio ano. No final desse
período, passei alguns dias visitando meus irmãos, e então todos fomos à casa do
meu pai passar a semana entre o Natal e o Ano Novo. Quando meus irmãos
retornaram a suas rotinas, resolvi que também era hora de voltar a viver. Decidi
que o primeiro passo o qual eu precisava dar era voltar para meu apartamento no
litoral e tentar conversar pessoalmente com Bianca. Eu não tinha muito o que
dizer; mesmo assim, precisava ir. Meu plano era simplesmente olhar nos olhos
dela e pedir-lhe perdão.
No dia em que cheguei à cidade, não tive coragem de ir vê-la. Foi
horrível a sensação de estar tão perto do quiosque e não conseguir dar alguns
poucos passos. Passei a noite inteira sem conseguir dormir pensando em como
Bianca reagiria quando me visse. Esperando que ela pudesse ter voltado à sua
antiga rotina, eu sabia que, no período da manhã, ela deveria estar na faculdade,
então fiquei no meu apartamento esperando o tempo passar. Não pude comer
nada, e também não conseguia fazer nada. A angústia era minha única
companhia.
Foi somente às três horas da tarde que tomei coragem para finalmente
procurá-la. Quando me aproximei do quiosque, minha boca secou e minhas
mãos tremiam. Mesmo assim, segui em frente e me aproximei. Bianca me viu
quando eu ainda estava a certa distância, e ficou me olhando com uma expressão
de surpresa, enquanto eu me aproximava:
– Oi! – disse ela, sem saber como reagir.
As palavras pareciam presas em minha garganta. Quando fiz força para
falar, perdi completamente o fôlego ao ver uma mãozinha se apoiando no balcão
para ver quem tinha chegado. Não acreditei quando vi Jônata se levantar! O
primeiro pensamento o qual veio à minha cabeça era o de que eu estava
sonhando. Emocionado, comecei a chorar. Bianca pediu para o filho tomar conta
do quiosque por um minuto e então me levou para os fundos. Ao me dar conta de
que aquele momento era real, comecei a sentir uma felicidade que não cabia em
mim.
Na conversa a qual se seguiu, contei que eu achava que Jônata havia
morrido. Bianca logo entendeu os acontecimentos: o mesmo barco que me
resgatou conseguiu salvar Jônata também, mas fomos enviados para hospitais
diferentes. Por coincidência, outro menino foi vítima de afogamento naquele
mesmo dia e foi encaminhado para o hospital onde eu estava. Essa criança não
resistiu e entrou em óbito logo após chegar ao hospital. Provavelmente, a
enfermeira achou que eu tinha perguntado sobre esse outro garoto quando deixou
transparecer sobre o falecimento, e, na sequência, as outras enfermeiras
também foram induzidas a acreditar nesse equívoco.
Bianca contou que, um dia após o acidente, tentou me encontrar no
hospital, mas eu já tinha recebido alta; depois, continuou tentando entrar em
contato, sem sucesso. Quanto a me ligar, o único número que ela tinha guardado
era o do meu celular pessoal, que se perdeu quando pulei ao mar. Ela tentou ir
várias vezes ao meu apartamento, mas, no prédio onde eu morava, foi informada
de que eu não estava, e no meu trabalho, não conseguiu nenhuma informação
sobre mim.
Cumpre lhe informar, caro leitor, que tal conduta era habitual em minha
empresa, pois, como eu tinha um cargo muito importante, inúmeros vendedores
tentavam falar comigo constantemente, e minha ordem era a de não permitir
que me incomodassem. Eu, com toda a minha prepotência, acreditava que
qualquer um que realmente tivesse importância não iria precisar me procurar na
recepção, pois encontraria outras formas ou contatos para chegar a mim. Até
mesmo nas redes sociais, era quase impossível me localizar, já que retirei meu
sobrenome exatamente para evitar que qualquer um pudesse me encontrar
facilmente.
Senti necessidade de pedir perdão a Bianca, mas ela não compreendeu o
que motivava o meu pedido, pois considerou que tudo não passara de um
acidente. Na verdade, meu pedido de perdão não era pela queda de Jônata, e sim
pela minha frieza ao tentar seduzi-la unicamente para me satisfazer. Pensei em
confessar, mas me dei conta de que a machucaria desnecessariamente e a faria
se fechar ainda mais para o mundo.
Vi que Bianca tinha esperança de continuar nosso envolvimento de onde
tínhamos parado, então deixei bem claro que eu iria embora da cidade
definitivamente. Apesar de demonstrar ter ficado triste, ela relatou estar aliviada
por conta da minha visita, já que, assim, ao menos poderia se despedir
descentemente. Quanto a Jônata, ela relatou que minha presença estava tirando
um grande peso de suas costas, pois seu filho sempre perguntava por mim, e não
se satisfazia em ouvir que eu estava bem sem poder me ver. Com lágrimas nos
olhos, Bianca disse ter certeza de que o filho agora iria conseguir superar os
traumas do acidente por completo, e me agradeceu pela visita.
Pedi permissão no intuito de levar Jônata para brincar uma última vez, e
ela a concedeu. O garoto pegou a prancha o qual eu tinha dado de presente, na
ânsia de me mostrar que já sabia surfar. Enquanto o observava deslizando sobre
as ondas, senti uma alegria indescritível. Por sorte, as minhas lágrimas de alegria
não eram perceptíveis, pois meu rosto estava sendo constantemente molhado
pelas ondas.
O sol brilhava como em qualquer outro dia de tempo aberto, mas, naquela
tarde, parecia que existia uma iluminação especial: a cor do céu, o brilho da
água, tudo parecia tão especial, precioso e puro! Era como se eu estivesse vendo
tamanha beleza pela primeira vez. Repentinamente, tive uma das dúvidas mais
importantes de toda a minha vida: comecei a me perguntar qual azul era o mais
bonito – se o do céu, o do mar, ou o dos olhos de Jônata. Frente a tamanho
dilema, satisfiz-me em considerar que os três eram a reflexão sublime da
perfeição, não havendo como eleger um.
O tempo passou rápido. Quando vi, Bianca já estava na orla nos
chamando para voltar, pois dona Eulália estava esperando havia bastante tempo,
e o sol já estava se pondo. E como foi magnífico aquele pôr do sol! Na
despedida, tive de contar a Jônata que iria me mudar. Ele me abraçou com força,
agradeceu-me e depois pediu para ir logo embora, já que não gostava de
despedidas.
Conversei bastante com Bianca. Mais uma vez, deixei claro que não
manteríamos qualquer relacionamento, mas também falei que sentia um carinho
sincero por Jônata e queria ajudar a garantir que tivesse um bom futuro. Propusme a pagar um bom colégio e a matrícula em algum curso, para que ele não
ficasse preso no quiosque durante todas as tardes. Como o esperado, ela recusou
minha ajuda, mas eu disse que sabia qual era o banco no qual mantinha a conta
do quiosque, e que tinha contatos com os quais iria conseguir o número
facilmente, e então iria depositar dinheiro para contribuir na educação de Jônata,
independente de ela querer ou não. Bianca ameaçou mudar de banco caso eu
fizesse isso. No entanto, respondi que seria inútil, pois eu descobriria o novo
número, ou então, caso não conseguisse, mandaria o dinheiro para sua casa sem
informar o remetente, impossibilitando que conseguisse devolvê-lo. Bianca
repetiu que daria um jeito de devolver tudo o que eu mandasse, mas eu sabia que
ela não ia conseguir fazer isso, e não insisti no assunto. Por fim, despedimo-nos
com um forte abraço e tornei a pedir-lhe perdão, mesmo sabendo que ela
continuaria sem entender meus motivos.
Meio sem rumo, resolvi ir à praia. Já tinha anoitecido completamente, e
pairava no céu uma bela lua cheia. Sentei-me perto do mar para apreciar o
barulho das ondas. Há uma frase de Fernando Pessoa que diz: “Às vezes ouço
passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”. Agora
compreendo a fundo tal pensamento, pois, naquele dia, o frescor da brisa me
proporcionou um sentimento de bem-estar e prazer indescritível. O simples fato
de vivenciar aquela sensação fazia compensar o ato de existir.
Dei-me conta de que a existência pode ser prazerosa sem que haja algum
acontecimento complexo ou extraordinário. A própria vida já é extraordinária o
suficiente: as cores são um espetáculo de beleza – em frente ao mar, em uma
mata, ou até mesmo nas cidades, não importa o lugar; os sons – da chuva, do
vento, da voz humana – são magníficos; os sabores, sublimes; quanto ao tato, seja
no frescor de uma brisa ou no calor de um beijo, ele nos permite lembrar que
estamos vivos. Em todos os cantos, encontramos belezas únicas e provamos
sensações plenas. Não existe nenhum lugar em que não podemos encontrar nada
de especial; em compensação, nenhum lugar é tão especial quanto o dinheiro nos
faz acreditar. Já viajei muito e vi muitas belezas e riquezas ao redor do mundo,
mas hoje compreendo que o melhor lugar é aquele onde estão as pessoas que
amamos e que nos amam.
Quanto a nós, seres humanos, preste atenção e vai ver que fomos
desenhados para o prazer em todas as nossas obrigações: necessitamos comer, e
quem pode negar o tamanho do prazer gerado? Somos obrigados a dormir, e
como é bom relaxar e descansar! Também precisamos trabalhar, fazendo
esforço físico, e a ciência hoje sabe que exercícios nos presenteiam com
endorfina, o qual nos proporciona bem-estar. Até mesmo a menos nobre de
nossas necessidades gera prazer. Lembro-me de que uma vez estava no banheiro
da faculdade quando um colega ao meu lado soltou uma exclamação de
satisfação e comentou que não existia nada melhor do que urinar. Então eu não
resisti e respondi: “Olha, ou eu não sei mijar direito, ou você nunca fez sexo!”.
Brincadeiras à parte, é verdade que existe certo prazer até mesmo nas
necessidades básicas, ainda que cumprir nossa obrigação em direção a perpetuar
– que envolve, claro, fazer sexo – seja ainda melhor.
Por fim, não termino esta reflexão com respostas, mas, sim, com
perguntas: se fomos magnificamente desenhados para sentir prazer e satisfação
até mesmo em nossas obrigações, de onde vem tanto descontentamento? Há
pessoas que já não podem sentir todos esses prazeres naturais que citei, e, mesmo
assim, são felizes, enquanto outros, perfeitos, fazem questão de ver tristeza em
tudo, por quê? Afinal, o que está faltando na vida de um número cada vez maior
de pessoas? O começo da resposta a essas questões é bastante simples: estamos
desaprendendo a dar valor para as coisas simples da vida. E o que mais?
***
Permaneci por algumas horas apreciando o mar e a sua doce brisa.
Depois, voltei para o meu apartamento. Ainda naquela noite, procurei passagens
de avião para retornar à casa de meus pais e consegui o voo já para a manhã
seguinte. Cheguei ao meio-dia, e minha primeira ação foi cumprir minha
promessa: após uma ligação, consegui o número da conta de Bianca e mandei o
que considerei suficiente para pagar um bom colégio e para algum curso
extracurricular. O único contato que deixei a ela foi o novo número do meu
celular, e logo ela me ligou dizendo que ia me devolver ou ia doar o dinheiro.
Ignorei a reclamação e, no mês seguinte, fiz o depósito novamente. Ela então me
ligou dizendo que já tinha doado o dinheiro dos dois meses anteriores. Não me
importei e, no terceiro mês, mantive o depósito. Dessa vez, ela me ligou mais
calma e disse que, como não podia me fazer desistir, foi procurar um colégio
melhor, o qual ficava perto do seu trabalho, e também matriculou seu filho em
uma aula de jiu-jitsu que ele queria fazer, e então me informou os valores gastos,
pedindo para diminuir o valor dos depósitos. Após um mês de aula, Jônata quis
saber meu e-mail para escrever uma mensagem de agradecimento, na qual
também me contou as novidades. Depois disso, passamos a manter contato
constante.
Nesse momento no qual estou escrevendo, já se passaram alguns anos
desde que comecei o investimento em Jônata (e ainda o mantenho), e nesse
período, nossa relação se tornou muito profunda, tanto que, nas últimas férias
dele, consegui convencer Bianca a deixá-lo passar uma semana comigo. Agora,
ele é um adolescente cheio de alegria e energia. Fomos a um famoso parque de
diversões, onde finalmente pude enfrentar meus medos, depois de muita
insistência dele, subindo em brinquedos muito mais assustadores do que o Space
Loop, o qual tanto temia em minha infância. Foi delicioso finalmente vencer
meus medos! Os dias com a presença dele foram muito divertidos, e espero ter
sua companhia mais uma vez nas próximas férias.
De certa forma, eu passei a ver Jônata como um filho, e sei que ele me
reconhece como um pai. Posso até não estar perto fisicamente, mas converso
sempre com ele, dou-lhe conselhos e o escuto quando tem algum problema.
Mesmo à distância, participo ativamente de sua vida e o amo profundamente. Há
quem diga que pai não é quem traz ao mundo, mas, sim, quem cria. Eu discordo!
Para mim, pai não é quem traz ao mundo, nem o que cria, pois criar pode
significar dar sustento e condições de sobrevivência, e não acho que apenas isso
seja o suficiente. Para mim, pai é quem divide experiências, educa, direciona,
aconselha e motiva; ser pai é ser amigo, ser professor, ser um mantenedor de
bons princípios. Pai é aquele que está presente em alma, e não apenas em corpo.
Pai é aquele que se preocupa e dá carinho, atenção e amor. Sei que, por estar
longe, jamais poderei me considerar um pai completo, mas, mesmo distante,
convivo com Jônata, conheço-o e amo-o mais do que muitos pais que moram na
mesma casa que seus filhos. Então, sim, eu sou seu pai, ele é meu filho, e eu não
me importo com que os outros possam pensar.
Capítulo 26
Confiança
Existia um motivo para que eu não cogitasse ter um relacionamento com
Bianca: era o fato de eu nunca ter deixado de amar Mariana. É prudente
observar o seguinte princípio: “Purifica o teu coração antes de permitires que o
amor entre nele, pois até o mel mais doce azeda num recipiente sujo”
(Pitágoras).
Quanto à Mariana, continuávamos conversando por meio de mensagens,
e, após ter finalmente vencido minha depressão, resolvi dizer que queria revê-la.
Fiz isso quase um ano depois de meu afogamento, sendo que eu já tinha
retomado meu contato com ela havia praticamente um ano.
Mariana era uma batalhadora. Depois que nos separamos, ela logo deu
um jeito de continuar a faculdade. Como era ótima aluna, conseguiu se engajar
no mestrado assim que se formou, e na sequência, fez doutorado. Em nossas
trocas de e-mails, ela relatou que havia recentemente conseguido passar em uma
prova para lecionar na universidade em que sempre quis trabalhar e que estava
muito feliz. Eu tinha receio de perturbar sua felicidade, e, por isso, mesmo
querendo muito revê-la, demorei a tomar qualquer iniciativa. Primeiro, eu tinha
de ter certeza de que estava pronto para não continuar decepcionando-a.
Para minha tristeza, assim que mandei a mensagem insinuando um
encontro, Mariana parou de me responder. Mandei um segundo recado, pedindo
para que não me deixasse sem resposta, e então veio o retorno, dizendo que
estava muito atarefada e por isso não tinha tido tempo para escrever, e que um
encontro pessoal estava totalmente fora de cogitação. Tal retorno foi curto e
incisivo, deixando claro seu posicionamento de cortar relações.
Parei para refletir mais um pouco, examinando meu coração. Um dos
motivos para que eu não tivesse tentando encontrá-la antes era porque eu
precisava de tempo suficiente para ter certeza de que a queria porque a amava e
admirava, e não por estar carente e solitário. A essa altura, toda a tempestade de
minha vida já tinha passado: a briga com minha antiga empresa já estava
completamente resolvida, sendo que às vezes eu até prestava pequenas
consultorias; eu já sabia que Jônata estava bem, e eu estava acompanhando seu
crescimento; quanto à minha filha, Sofia, tive de me acostumar com a ideia de
que seria muito difícil encontrá-la. Também passei a manter negociações e
investimentos com o meu patrimônio, o que ocupava certo tempo; digamos,
então, que já tinha uma atividade ocupacional. Tudo parecia estar de volta aos
eixos. Olhei para dentro do meu próprio coração e não tive dúvidas de que
definitivamente queria Mariana como minha esposa e companheira para o resto
da vida. Não se tratava de um impulso momentâneo, mas, sim, de uma certeza
sólida e profunda.
Frente à certeza absoluta de meus próprios sentimentos, resolvi ser
drástico em minha tentativa de reconquistá-la. Já no dia seguinte após a
mensagem de Mariana, que deixava clara a intenção de afastamento, entrei em
meu carro e parti para a cidade onde ela estava morando. Assim que cheguei,
procurei um hotel perto da faculdade onde ela lecionava. A parte boa de ter
condições financeiras tranquilas é que eu não tinha nenhum problema em ficar lá
o tempo que fosse preciso, até porque eu podia administrar meus negócios de
qualquer lugar. Na manhã seguinte, fui até a faculdade para começar a sondar as
possibilidades. Como era começo de semestre, alguns cursos de pós-graduação
tinham acabado de iniciar. Fui ver o nome dos docentes que ministravam as
aulas, e por sorte encontrei um em que Mariana era um dos professores, então
me inscrevi no curso.
Por duas semanas, permaneci na cidade sem ver Mariana. Obriguei-me a
ir ao curso mesmo sabendo que não a encontraria. Quando chegou o dia em que
ela ministraria a aula, entrei na sala, sentei-me e permaneci admirando-a
enquanto estava sentada escrevendo. Fiquei apreciando sua beleza fixamente, e
senti um forte arrepio no corpo todo ao vê-la tranquila, serena e linda. Meu
coração disparou, trazendo à tona todo o meu carinho.
No momento em que Mariana se levantou para iniciar a aula e olhou para
a turma, imediatamente me reconheceu. Ela ficou em silêncio por uns três ou
quatro segundos, com uma expressão de espanto no rosto. Na sequência, para
minha surpresa, a reação que teve foi a de sair da sala. Fui atrás dela.
– O que está fazendo aqui? – ela perguntou, furiosa.
– Tentando reaver minha outra metade.
– Você não tem pena de mim? Não tem nenhum peso de consciência em
vir tentar bagunçar minha vida?
– Eu quero fazê-la feliz!
– Já faz dez anos que perdeu a chance! – ela respondeu, e então
completou: – Só o que quer é achar algo a que possa se apegar.
Ela virou as costas e estava indo embora, com lágrimas nos olhos.
– Volte! Eu vou embora! – falei.
Mariana parou, começou a retornar de cabeça baixa para não me olhar, e
foi em direção à sala de aula. Ao chegar à porta, ela secou as lágrimas e entrou.
Só me restou cumprir o que prometi e ir embora.
Naquela noite, mandei uma mensagem gigantesca falando sobre meus
sentimentos, deixando bem claro que eu a queria porque tinha certeza de amá-la
e não pelo simples fato de querer alguém a quem me apegar. Despejei em
inúmeras linhas todas as minhas certezas. Deixei claro que só a procurei por ter
total convicção de que estava pronto para seguir uma nova vida, na qual a queria
do meu lado para sempre. Mariana respondeu que nossa história já havia
terminado e que só manteve as conversas comigo por ter percebido que eu
estava muito depressivo e perdido. Ela escreveu também que, agora, ao ter
certeza de que eu já estava bem, o melhor seria que cortássemos contato.
Eu sabia ser teimoso. Na aula seguinte, voltei à faculdade e, quando
cheguei à porta, ela me viu. No mesmo instante, vi-a fazendo sinal para que
esperasse, deixando claro que eu não deveria entrar na sala. Mariana se levantou,
saiu e passou por mim sem dizer nada. Fui seguindo-a, imaginando que seu
objetivo era sair do alcance da vista dos alunos. Assim que nos afastamos, ela
parou e me perguntou:
– Por que voltou? Já deixei claro que não o quero aqui.
– Converse comigo, depois vou embora! Preciso pôr um ponto final em
nossa história antes de seguir em frente.
– Você já seguiu em frente há dez anos! Certamente, já teve dezenas, ou
talvez até centenas de mulheres depois do final de nosso relacionamento. Tente
conversar com alguma dessas mulheres!
– Não posso fazer isso, pois só tenho um único amor, que está na minha
frente neste exato momento.
– Então, arranje outro!
Não sei dizer como foi minha expressão, mas sei que demonstrei toda a
minha dor. Não tenho certeza, mas talvez eu tenha deixado uma lágrima solitária
escapar. Fiquei em silêncio por um segundo e então respondi que poderia, sim,
aprender a amar outra mulher, mas que meu sentimento por ela, Mariana,
jamais desapareceria. Prometi que não a incomodaria mais, disse adeus e fui
embora.
Todas as minhas palavras não tocaram Mariana, mas ver a minha dor a
convenceu. Quando eu já estava no hotel, arrumando minha mala, recebi uma
mensagem no meu celular dizendo que, se eu quisesse mesmo fazer a pósgraduação, seria bem-vindo na sala, como aluno. Comecei a rir sozinho, pois
ainda existia esperança. Naquele momento, tive certeza de que meu amor ainda
era correspondido.
Obriguei-me a ir a todas as aulas da pós para não reprovar por falta, ainda
que meu interesse era apenas ver Mariana. Quando finalmente pude assistir a
uma aula dela, foi lindo e horrível ao mesmo tempo. Se, por um lado, o fato de
poder vê-la e de ouvir sua voz me fez sentir uma grande sensação de euforia, por
outro lado, foi muito estranho ser completamente ignorado, já que ela não me
olhou nos olhos e não falou comigo. Pensei em ir conversar com ela, mas achei
que seria melhor esperar alguma iniciativa dela.
Para a minha angústia, na segunda aula, continuei sendo tratado como se
fosse um aluno desconhecido. Ainda assim, mantive a convicção de esperar. A
terceira aula estava sendo exatamente igual às anteriores, mas, para o meu
alívio, ao terminar a aula, Mariana me pediu para esperar um minuto e, quando
todos os demais alunos saíram, perguntou se eu ainda iria querer conversar.
Fomos para a cantina da faculdade e ficamos lá por bastante tempo. Depois de
muita conversa, Mariana falou que queria sim me conhecer de novo, mas como
um amigo. Depois disso, passamos a sair juntos mais vezes, e a frequência de
nossos encontros foi aumentando conforme reavivávamos nossa amizade. Cada
vez mais, não conseguíamos ficar longe um do outro, e em uma noite, um mês
depois do nosso primeiro encontro, finalmente a beijei. Foi o beijo mais doce de
minha vida.
Mariana aceitou namorar comigo mais uma vez, mas nos mesmos
moldes de quando nos conhecemos, sendo que, na verdade, tratava-se de um
namoro ainda mais recatado. Não me incomodei com isso: agora, saberia
esperar o tempo que fosse preciso, pois a sua companhia era muito mais valiosa
do que sexo, ainda que eu obviamente o quisesse muito. Depois de mais dois
meses de namoro, eu a pedi em casamento. Reforcei que já a considerava como
minha esposa no passado, no entanto a queria oficialmente de volta como tal.
Conversamos por horas sobre o assunto, até que ela aceitou. No entanto, deixou
bem claro que eu precisaria falar com seus pais imediatamente.
Já no primeiro fim de semana, fui encarar o senhor Francis de frente. Ele
não ficou nada contente em saber que eu estava voltando para a vida de sua filha.
Depois de muita conversa, acho que, pelo menos, consegui diminuir um pouco a
desconfiança e o desconforto que a minha presença causou. Eu tinha pressa. O
casamento foi marcado para ocorrer quatro meses depois de eu ter feito o
pedido. Esse período correspondeu ao mínimo de tempo que Mariana considerou
que precisaria para organizar tudo, no entanto, para os meus olhos, parecesse
uma eternidade. Depois de sermos noivos oficialmente, nossos encontros
começaram a ficar mais quentes. Provoquei-a muito, beijei-a, apertei-a, toqueia de diversas formas, tenho certeza de que a levei à loucura, mas continuei sem
sexo. Se o objetivo dela era o de me castigar, posso garantir que conseguiu.
Nosso casamento foi lindo, e a lua de mel ocorreu na casa em que
compramos para morarmos juntos. Adoro viajar, mas, naquele momento, o
nosso lar era onde gostaríamos de ficar. Ela concordava plenamente comigo de
que não existia lugar melhor! No nosso quarto, naquela noite, não aconteceu
apenas a união de dois corpos, mas, sim, de duas almas. Eu a desejava profunda
e ardentemente, e como foi inexplicavelmente prazeroso tê-la em meus braços!
Foi como se fosse a minha primeira vez com ela, ou melhor, foi como se fosse
minha primeira vez com qualquer mulher. Posso dizer que estava aprendendo a
apreciar o sexo de uma forma no qual nunca tinha imaginado.
O fim de semana foi quente. Posso garantir que meus móveis eram bons,
pois testamos quase todos com muita vontade e nada quebrou. Quanto a ela, que
se fazia de controlada, foi maravilhoso quando se permitiu perder o controle,
lançando em mim todo o seu desejo. Pensa em uma mulher exigente!
Eu queria muito que o nosso amor desse frutos, e não demorou. Quatro
meses após o casamento, eu e Mariana parecíamos duas criancinhas pulando e
rindo ao ver o resultado do exame de gravidez. Quando nosso Henrique nasceu,
nossa! Só de lembrar o tamanho da minha felicidade, eu me arrepio.
***
Profissionalmente, acabei descobrindo o que realmente me satisfazia.
Continuei fazendo a pós-graduação no qual tinha me matriculado, mas também
fiz outros cursos e me engajei em projetos de pesquisa. Eu adorava o mundo
acadêmico. Passei a dedicar grande parte do meu tempo para estudar. Mergulhei
tão profundamente nas leituras que logo consegui entrar no mestrado. Tudo deu
muito certo. Quando conquistei o título, consegui passar na seleção para lecionar
em outra faculdade da cidade.
Os meus “defeitos” me tornaram um excelente professor. A minha
dificuldade de aprendizado na infância e adolescência me ensinou a nunca
subestimar ninguém e a entender que existem pessoas nas quais, como eu,
possuem formas incomuns de aprender, e isso não é nenhum defeito. Hoje,
compreendo que nossas fraquezas ajudam a moldar nosso caráter. Digo mais:
agora sei que dons e riquezas em excesso podem ser uma maldição, pois tais
facilidades tendem a nos tornar altivos em demasia, e a sensação de grandeza é o
primeiro passo em direção à autodestruição.
Quero deixar claro: tenho certeza de que sou, sim, especial e único, mas
hoje compreendo que todo ser humano o é. Mantenho o seguinte princípio: se sou
único, não faz sentido me comparar com os outros, então, agora, minha disputa é
apenas contra mim mesmo. Quero me superar e ser melhor a cada dia. Quero
tirar o melhor de minha própria existência.
Meu esforço não demorou para resultar em conquistas. No primeiro ano
em que dei aula, lecionei em uma turma no qual estava terminando a faculdade
e fui convidado para ser seu padrinho na formatura. Foi muito emocionante e
prazeroso ouvir dos alunos o quão valioso foram meus ensinamentos! Há uma
bela frase que diz: “Não tentes ser bem sucedido, tenta antes ser um homem de
valor” (Albert Einstein). Hoje, sinto que meu trabalho vale a pena, mas a grande
diferença não está no que eu faço, e sim em como faço e para que estou a fazer.
Cabe aqui a frase: “O trabalho dignifica o homem, e o homem o seu trabalho”
(Francis Cirino).
Neste momento em que escrevo, aos 38 anos, considero-me um homem
plenamente feliz. É claro que tenho dias melhores e piores como todo ser
humano! Minha plenitude não vem de uma felicidade ilimitada, e sim do fato de
que eu amo o que me tornei. Afinal, o que sou? Eu sou um homem de família!
Amo ser pai, amo ser marido, amo ser professor, e agora estou ainda mais
contente que o habitual, pois há poucos dias, descobri que serei pai mais uma vez.
***
Hoje, já não sou mais um homem rico. Continuo a deter muita riqueza
em meu controle, mas considero que ser rico é ter para si, e eu me vejo apenas
como um administrador dos bens que concentro. Só o que faço questão de
enxergar como uma riqueza própria é a minha família. Vivo com bastante
conforto, mas o que possuo já não é mais usado simplesmente para alimentar o
meu ego e ambicionar ter cada vez mais, e assim já não sou escravo de minha
prepotência. Que fique claro: eu invisto, sim, para manter meu patrimônio.
Sempre fui e sempre serei um investidor, até porque, se eu não souber
multiplicar o que tenho, logo não terei mais nada para dividir. Saber ganhar
dinheiro é o que me proporciona a possibilidade de permanecer constantemente
investindo em muita coisa no qual não tem retorno financeiro nenhum. Estes,
sem dúvida, são meus investimentos mais valiosos e recompensadores.
Capítulo 27
Enfim
É estupidez viver o hoje sem se preocupar com o amanhã. Por outro lado,
é loucura não viver hoje se preocupando com amanhã. É preciso alcançar um
equilíbrio. Mas, afinal, o que pode ser definido como equilíbrio? Eu entendo que
equilibrar-se é correr atrás dos sonhos sem perder de vista a realidade; é dar o
melhor de si a cada dia, sem deixar de reservar um tempo diário para o que te
agrada e dá prazer. É não sofrer antecipadamente, mas pensar antes de
caminhar, evitando sofrimentos desnecessários.
Eu encontrei meu equilíbrio, mas possuo uma ferida em minha alma que
jamais vai cicatrizar por completo: a consciência de ter uma filha perdida pelo
mundo. Tudo indica que minha Sofia foi dada para uma família de bom poder
aquisitivo, assim sendo ela não deve passar necessidades financeiras, mas isso
não me traz grande alívio, pois, quando penso nela, logo me pergunto qual é a
educação que estão lhe dando. Machuco-me ao pensar que o fato de os pais
adotivos terem aceitado uma criança proveniente de uma adoção clandestina já
é, por si só, um péssimo indício quanto aos ensinamentos de cunho moral que tal
lar deve estar oferecendo. No entanto, sigo em frente, aproveitando meu lindo
filho, Henrique, curtindo meu filho de coração, Jônata. Contudo, às vezes, quando
estou só, castigo-me com pensamentos vagos sobre a minha menina. Certa noite,
acostumado, mas não conformado com a ideia de que eu jamais poderei ser
realmente seu pai, fui dormir chateado e acordei decidido a iniciar um novo
sonho: contar a minha história.
Caro leitor, lembra-se de que, quando comecei a escrever, eu disse que
iria precisar da sua ajuda? O que tenho a pedir é bem simples: se este livro
proporcionou a você algo de bom, seja o que for, peço que o repasse a outra
pessoa. O meu desejo é ser lido! Qual é o meu objetivo? Escrevo imaginando
que estou conversando com um amigo e tenho a esperança de levar algo de bom
para qualquer leitor; mas meu grande sonho é que a minha historia vá passando
de mão em mão e, quem sabe, algum dia chegue até a minha Sofia. Como já
disse, acredito que pai não é o que traz ao mundo, nem o que cria, mas, sim, o
que divide experiências, educa, direciona, aconselha, dá carinho e amor. Talvez
poderei levar a minha experiência de vida para a minha filha, e assim, mesmo
que eu jamais saiba, terei conseguido agir, ao menos um pouquinho, como um
verdadeiro amigo, e, de certa forma, até mesmo como um pai.
***
Considerando que estas já são minhas linhas finais, e que pode ser minha
última chance de dizer algo à minha filha, eu gostaria de dividir aquela que foi
uma das minhas maiores lições de vida. Depois de eu quase ter morrido afogado
e de ter entrado em depressão, comecei a me perguntar qual o sentido da vida, e
então li o que muitos filósofos têm a dizer, prestei atenção na perspectiva de
poetas e observei o que a ciência podia ensinar.
Com a ciência, aprendi que fisicamente não somos nada. Sou apenas mais
um indivíduo comum vivendo entre bilhões de pessoas durante um curtíssimo
período de tempo neste pequeno planeta, de tamanho tão insignificante a ponto de
podermos dizer que somos apenas poeira das estrelas,no entanto, ironicamente, o
astrônomo Carl Sagan nos explica que “há mais estrelas no espaço do que grãos
de areia em todas as praias da Terra”; ou seja, as próprias estrelas também
podem ser consideradas apenas como poeira no espaço.
Quando se pensa em tempo e em espaço, não somos nada, no entanto me
alivia saber que, mesmo sendo minúsculos, temos a capacidade de nos
agigantarmos em consciência. Nesse caminho, percebi que, se é para nos
preocuparmos com o tamanho das coisas, a nossa primeira preocupação deveria
estar focada na expansão de nossos intelectos, pois, como afirma Albert Einstein,
“a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”.
Seguindo essa toada, cavalgando de pensamento em pensamento, compreendi
também a relatividade do próprio tempo. Afinal, como disse Abraham Lincoln,
“no final das contas não são os anos em sua vida que contam, mas sim a vida nos
seus anos”. Cada um de nós é apenas mais um entre bilhões vivendo neste
pequeno planeta, mas, ao mesmo tempo, compreendi que cada indivíduo é um
verdadeiro universo consciente. Não há dúvida de que somos extremamente
complexos e divinos! Por fim, cabe encaixar aqui a bela citação de Marily n
Monroe: “Todo mundo é uma estrela e tem o direito de brilhar”.
Pensando muito sobre a vida, vivi uma verdadeira montanha russa de
sensações: eu ia da euforia ao completo desestímulo em minutos, e de novo para
cima e depois novamente para baixo. O problema é que as quedas eram cada
vez maiores e mais duradouras do que as ascensões em meu ânimo, e, assim, fui
mergulhando em uma profunda depressão.
Posso dizer que foi lindo refletir cuidadosamente sobre o grande valor de
uma vida humana, mas, depois, também foi inevitável perceber que tudo o que
fazemos não passa de mera vaidade construída ao longo do tempo, o qual tem o
poder de nos apagar. Estranho, não é mesmo? Valemos muito e, ao mesmo
tempo, não temos valor nenhum. Matamo-nos por nada; muitos morrem
simplesmente por não ter dinheiro, enquanto outros matam para enriquecerem
ainda mais, e, no fim, ricos ou pobres, praticamente todos acabam esquecidos
em pouco tempo.
Estudei com grande avidez e pude acumular muito conhecimento;
também refleti muito sobre tudo, mas não vi nada que me mostrasse o sentido da
vida, ou que me fizesse ter vontade de continuar. O fato é que, conforme disse
Mahatma Gandhi, “não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o
caminho”. Ter essa consciência instigava a minha mente. Parecia que existia
uma grande verdade nessa frase, mas, ao mesmo tempo, eu sabia que esta não
era a resposta na qual eu procurava, pois, de um entendimento, surge outra
dúvida: se a felicidade é o caminho, como caminhar sobre tal ideal?
Por alguns dias, a felicidade me pareceu uma ilusão. Vi como se ela fosse
um conceito inventado para nossa distração em uma caminhada para lugar
nenhum. A essa altura, eu até podia ter muito conhecimento, mas nada que desse
substância à minha vida. Meus aprendizados pareciam um peso que tinha a única
função de mostrar a minha insignificância.
Caro leitor, interrompo minha linha de raciocínio por um momento para
deixar claro que, em todas as inúmeras citações as quais fiz durante o livro, eu
jamais me preocupei se as crenças religiosas, filosóficas ou políticas dos autores
estavam de acordo com a minha. Só o que me bastou foi a minha concordância
com a sabedoria contida em cada frase mencionada, independente de quem a
tivesse escrito. Da mesma forma, agora quero citar uma passagem bíblica, mas
adianto que a base do ensinamento serve para qualquer um, ainda que tenha
outra crença ou que simplesmente não tenha crença nenhuma. Então,
independente de sua religiosidade, peço que não feche a sua mente.
Naquele tempo de depressão, eu estava a ler a Bíblia muito mais como
um curioso do que como alguém no qual realmente tem fé, quando me deparei
com algo que imediatamente cativou minha atenção. Aconteceu que um homem
se aproximou de Jesus Cristo e perguntou qual era o maior dos mandamentos. Tal
passagem me chamou atenção devido ao fato de que a resposta trazia à tona a
maior das obrigações de um cristão, pois era o centro de todos os mandamentos.
Jesus respondeu: “O mais importante é este: ame o Senhor, o seu Deus, de todo o
seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas
forças”. O segundo é este: “Ame o seu próximo como a si mesmo. Não existe
mandamento maior do que estes”.
Gostei profundamente da resposta, pois achei magnífico o entendimento
de que, em resumo, o maior mandamento é simplesmente amar; por outro lado,
como eu era um homem de pouca fé e cheio de prepotência, adorava questionar
a tudo e todos, o que incluía a Bíblia. Considerei arrogância Deus ordenar que,
em primeiro lugar, amassem a ele acima de tudo, pois entendi que o amor
deveria ser algo de livre escolha. Naquela noite, lembro-me de que refleti
bastante sobre essa passagem e não consegui dormir direito. Permaneci me
revirando na cama por horas. Hoje, sei que meu incômodo vinha do fato de eu
ter achado a resposta que tanto desejava, mas não estava pronto para enxergá-la.
Essa leitura aconteceu quando eu estava na casa do meu pai, exatamente
na época em que me encontrava no auge das encrencas com minha antiga
empresa. Por coincidência, nesse mesmo dia, eu tinha relatado a Mariana que
estava pensando em processá-los. Já contei que, em resumo, ela me respondeu
que, se estivesse em meu lugar, iria evitar brigar. Tal resposta mexeu comigo. No
entanto, houve algo na mensagem dela que me atingiu ainda mais. No fim de
cada e-mail, ela sempre colocava uma citação da Bíblia, e naquela mensagem, a
passagem embutida foi: “Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, e
perder-se ou destruir a si mesmo?” (Lucas 9.25).
Quanto à ideia do processo, eu sabia que ia ganhar a briga, pois estava
acostumado a ganhar em tudo, e mesmo assim, sentia-me destruído. Do que iria
me valer mais uma vitória? Fui remetido à lembrança dos meus próprios
pensamentos enquanto estava embaixo d’água, encarando a morte de frente: a
vaidade, o egocentrismo desenfreado e a busca por superioridade são os
elementos que geram a maior parte do sofrimento e da desigualdade deste
mundo, e eu não tinha me esquecido de que minha própria consciência me
acusou de ser um indivíduo vazio e maléfico. Naquele momento, dei-me conta
de que eu já conhecia o antídoto para tamanho mal: “amar ao próximo como a si
mesmo”.
Por um momento, senti uma fagulha de alegria. Tive uma grande certeza:
esse amor pregado por Cristo é o próprio sentido da vida! Tudo se resume em
amor: não existe nada maior que isso, nada mais benigno ou puro, nada que traga
mais felicidade, prazer e paz. Nada vale a pena sem amor, e nada é em vão para
quem ama. Se estamos nos destruindo, é porque falta amor!
O problema é que as respostas que eu encontrava sempre acabavam
gerando outra pergunta. Fiz-me os seguintes questionamentos: se o amor é o
caminho, como caminhar sobre tal ideal? Como podemos amar o próximo
verdadeiramente se somos egoístas demais para isso? Falar é sempre muito fácil;
porém, agir, este é o grande dilema. O egoísmo tende a falar mais alto! Voltei a
me entristecer, pois parecia que eu ia acabar em um beco sem saída. Era como
se o sentido da vida fosse um labirinto sem fim; como se cada porta aberta
acabasse em outra porta trancada.
Deitei-me na cama, deprimido, e, em meio a pensamentos aleatórios,
uma resposta invadiu a minha consciência com a força de um raio. Cheguei a
conclusão de que a única forma de amar aos outros com plenitude seria deixar
de viver como se a nossa vida fosse o centro do universo. Quem ama a si próprio
acima de tudo jamais poderá verdadeiramente valorizar e amar o próximo como
se deve. Quanto à forma de fazer isso, cada um tem o direito de ter seu próprio
entendimento, mas não posso deixar de mencionar que a minha compreensão foi
a de que o único jeito é transferir o centro de nosso amor para algo maior do que
nós mesmos, e isso me fez perceber que tal caminho seria exatamente o que
Cristo ensinou como sendo o maior de nossos deveres. Logo, amar a Deus pode
ser considerado o primeiro dos mandamentos para o nosso próprio bem, e não
por uma questão de arrogância divina, como ousei pensar, até porque
obviamente ninguém pode ser obrigado a amar.
É só transferindo o centro de nosso amor para algo maior que nós
mesmos que poderemos amar uns aos outros com plenitude, e é só amando ao
próximo que podemos alcançar verdadeira paz e felicidade. Essa é a maior
certeza de minha vida, mas sei que quanto mais vícios temos, mais difícil é
enxergarmos esse caminho tão simples, até porque é bem difícil caminhar em tal
ideal carregando inúmeras correntes que nos prendem à nossa própria existência
e ao egoísmo.
Quem sou eu para dizer a você o que é verdade? Ninguém! Porém posso
dizer que se eu me deparasse com a morte novamente e revisse a minha vida,
agora sei que sentiria orgulho de minhas escolhas, independente do que exista ou
não do outro lado, pois hoje compreendo que quem escolhe tentar viver pelo
amor não tem motivos para se arrepender, independentemente do que aconteça.
Eu, particularmente, acredito em Deus com todas as minhas forças. No
entanto, meu objetivo foi contar a minha história por meio de meus pecados, e
não de minha fé. Assim sendo, acho que já está na hora de dizer até logo, pois
não gosto de dizer adeus. Já que citei tantas frases de outras pessoas, quero deixar
uma minha. “Pense. A cada passo que damos, existem muitos caminhos a serem
escolhidos, mas todos culminam em apenas duas direções: a do amor ou a da
perdição”. Por fim, quero terminar com um poema de Charles Chaplin:
Olhe
Quando estiver em dificuldade, e pensar em desistir, lembre-se dos obstáculos
que já superou. OLHE PARA TRÁS.
Se tropeçar e cair, levante, não fique prostrado, esqueça o passado. OLHE PARA
FRENTE.
Ao sentir-se orgulhoso, por alguma realização pessoal, sonde suas motivações.
OLHE PARA DENTRO.
Antes que o egoísmo o domine, enquanto seu coração é sensível, socorra aos que
o cercam. OLHE PARA OS LADOS.
Na escalada rumo às altas posições, na luta por concretizar seus sonhos, observe
se não está pisando em alguém. OLHE PARA BAIXO.
Em todos os momentos da vida, seja qual for sua atividade, busque a aprovação
de Deus! OLHE PARA CIMA.
“Nunca se afaste de seus sonhos, pois se eles se forem, você continuará vivendo,
mas terá deixado de existir”.
***
***
Nota:
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Titulo: O Filho do Pecado (veja a capa na sequência)
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