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Cartas entre Marx e Darwin

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Cartas Entre Marx e Darwin
A Evolução Das Espécies Na Época Colonialista
por Gisela Ildefonso1
No artigo ​Os contactos entre Karl Marx e Darwin publicado em 1974 pelo ​Journal of
the History of Ideas da Universidade de Pensilvânia2, o autor Ralph Colp descreve como os
dois pensadores viviam apenas a alguns quilómetros de distância em Londres, no entanto
nunca se conheceram pessoalmente. Darwin habitava uma casa com jardins no bairro burguês
de Orpington nos arredores de Londres, enquanto Marx vivia no centro da cidade , em pleno
Soho, na conhecida Dean Street. O radicalismo das suas colunas enquanto jornalista na
Alemanha, levara à sua expulsão da Alemanha, França e Bélgica. Descendente de judeus, o
pai convertera-se ao Luteranismo para ter acesso ao exercício à profissão de advogado, mas
esta conversão em nada mudará a ascendência judaica de Marx, que depois de baptizado
decide em idade adulta optar pelo ateísmo. Seria assim um fenómeno ​sui ​generis​: um judeu
ateu.
O facto de Marx e Darwin não se conhecerem pessoalmente não significava que não
tivesse havido contacto entre os dois pensadores. Marx leu a obra de Darwin ​A Origem das
Espécies um ano após a sua publicação em 1860. Contava então 42 anos de idade e já havia
formulado a ideia principal por detrás da sua ideologia da luta de classes, desde o Manifesto
do Partido Comunista em solo alemão. O livro de Darwin afectou profundamente as suas
ideias, vendo nele uma espécie de confirmação das suas teorias. A Marx faltava contudo um
elo de ligação entre as duas teorias.
Segundo Colp, no ano seguinte à publicação Marx assiste a várias palestras acerca da
teoria darwinista proferidas por Thomas Huxley, aceitando a teoria da evolução orgânica e os
seus argumentos racionais e carácter teleológico3, mais propriamente a teleologia como
finalidade do universo, formulação iniciada por Aristóteles e retomada pelos filósofos
alemães no séc XVIII. O próprio Platão considerava que a verdadeira explicação de qualquer
​Doutoranda de História Moderna, Universidade Autónoma de Lisboa 2019/2020.
​Ralph Colp, Jr., Journal of the History of Ideas, Vol. 35, No. 2 (Apr. - Jun., 1974), pp. 329-338
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​O termo teleologia foi criada pelo filósofo alemão Christian Wolff no livro ​Philosophia rationalis, sive logica
(1728) mas o conceito é de Aristóteles que na sua teoria Metafísica afirmava que a concepção teleológica da
realidade torna possível explicar a natureza, fim, ou meta de todos os seres.
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​Gisela Ildefonso
fenômeno físico devia ser teleológica4, portanto o conceito em si não era inovador, apenas
inspirado pela Antiguidade Clássica.
A parte com que Marx discordava dizia respeito às teorias de Malthus5, que Darwin
utilizara para justificar as novas espécies: a ideia Malthusiana de que o crescimento
populacional era ​potencialmente exponencia​l, enquanto o crescimento da oferta de alimentos
era linear. ​Por outras palavras, para Malthus o controlo populacional deveria ser mantido de
duas formas: ​a preventiva, para reduzir as taxas de natalidade e ​a positiva: permitindo
maiores taxas de mortalidade. Quanto à preventiva podia envolver o controlo de natalidade
através do adiamento do casamento ou celibato. Já a positiva implicava um controlo da
natalidade através da fome, guerra e doenças. ​Colp descreve como Marx odiava esta
ideologia de Malthus, pela incapacidade de reconhecer a capacidade humana de aumentar o
suprimento de alimentos, ultrapassando dificuldades como fomes ou guerras. E​ste era
portanto, um eminente ponto de discórdia com Darwin. Por outro lado, Marx considerava
que a teoria da evolução das espécies se encaixava na sua teoria de luta de classes, embora
não soubesse ainda muito bem como, e foi isto que escreveu numa das cartas dirigidas ao seu
amigo Engels nesse ano6. Contudo não é esta a correspondência que maior interesse nos
desperta, mas sim a menção de que Marx terá também escrito a Darwin, demonstrando a
intenção de lhe dedicar a obra ​O Capital. Colp cita a seguinte passagem do livro de Isaíah
Berlin como evidência:
«Marx sought to dedicate his book (Das Kapital) to Darwin, that hastily declined the
honour in a polite, cautiously phrased letter, saying that he was unhappily ignorant of
economic science, but offered the author his good wishes in what he assumed to be
their common end—the advancement of human knowledge»7.
Face à rejeição de Darwin que assim se demarca educadamente da ideologia marxista dizendo
nada entender de economia, vemos Marx procurar soluções para sustentar a sua ideologia
​Platão, ​Fédon.
​Malthus, Thomas Robert. ​Um ensaio sobre o princípio da população​ . Capítulo VII, p. 44, 1798, reeditado em
inglês pela Oxford University press em 1999.
6
​Marx and Engels Collected Works, Vol 41, Letters 1860-64, Lawrence & Wishart, 2010, de cuja comissão de
selecção fez parte entre outros o famoso historiador marxista E. J. Hobsbawm. Disponível online em:
http://www.hekmatist.com/Marx%20Engles/Marx%20&%20Engels%20Collected%20Works%20Volume%204
1_%20Ka%20-%20Karl%20Marx.pdf
7
​Isaiah Berlin, Karl Marx, London, 1949, p. 232.
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​Gisela Ildefonso
numa outra teoria, lançada em 1865 por Pierre Trémaux8. Tremaux era um arquitecto e
orientalista mas também um naturalista que viajara por países como a Argélia, Tunísia e
Egipto, onde fotografara tribos e regiões do continente africano, antes de passar à Palestina,
Egipto, Sudão, Etiópia e Líbia9. A sua ideologia era a de que a evolução dos seres humanos
na terra derivava das mudanças geológicas no solo e crosta do planeta.
Marx acredita ser este o elo que lhe faltava para explicar a teoria da luta de classes.
Apressa-se a escrever a Engels para anunciar que a teoria de Trémaux era superior à sua em
termos históricos mas Engels discorda, replicando que Tremaux nada sabia de geologia- a sua
teoria não tinha qualquer valor.
Marx não desiste e mantêm a convicção de que a influência do solo que Tremaux
defendia também contribuia para os direitos de nacionalidade. E este era um ponto importante
para o teoria marxista e ironicamente aquele que mais polémica iria gerar, em torno da
questão da nacionalidade, nação, raça, segregação e aproveitamento para propaganda nazi.A
propósito deste conceito, o autor americano Tim Wise interpreta da seguinte forma os ideais
marxistas “ ​os marxistas supostamente pensam que a classe é mais importante do que a raça;
reduzindo as lutas contra o racismo a meras políticas de identidade e exigindo que as lutas
contra o racismo fiquem em segundo plano em relação às lutas por questões económicas”​ 10.
Na terceira edição do Capital publicada em 1867, Marx muda de ideias de novo. Não
assume as suas convicções, omitindo a teoria de Trémaux e qualquer ligação desta com a
teoria darwinista, rejeitando também qualquer ligação entre Darwin e ​O ​Capital​. Na secção
do livro onde é debatido o desenvolvimento de ferramentas especializadas, acrescenta uma
nota de rodapé muito específica acerca da teoria de Darwin :
«​Co​ ntanto que um único órgão tenha diferentes tipos de trabalho para executar, pode
ser encontrada uma base da sua mutabilidade. Esta poderá também ser preservada
pela selecção natural ou suprimida pela variação , caso um órgão seja destinado a
um único fim. Assim, facas que são adaptadas para cortar tudo, de um modo geral,
​Origine et transformations de l'homme et des autres êtres,​ Hachette, 1865
​O seu contributo para a herança orientalista foi explorado no livro ​Merli, A., A New Art in an Ancient Land:
Palestine through the Lens of Early European Photographers, ​Jerusalem Quarterly,​ Vol. 50, Summer 2012.
10
Wise, Tim. ​With Friends Like These, Who Needs Glenn Beck? Racism and White Privilege on the
Liberal-Lef​t.Agosto,2010.Acedido em Dezembro de 2019. Artigo disponível online no blog do mesmo autor:
http://www.timwise.org/2010/08/with-friends-like-these-who-needs-glennbeck-racism-and-white-privilege-on-t
he-liberal-left/.
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possuem uma forma; mas um implemento destinado a ser utilizado exclusivamente de
uma maneira deve ter uma forma diferente para cada uso diferente11».
Este apontamento serviu para Marx explicar a diferença entre ferramentas e máquinas,
sendo a máquina uma ferramenta adaptada. Mais adiante na mesma edição, Marx chega ao
ponto de atacar Darwin directamente, escrevendo:
«​A tecnologia mostra o quão pouco qualquer das invenções do século XVIII é fruto
do trabalho de um único indivíduo. Até agora não existe esse livro. Darwin conseguiu
despertar-nos o interesse na forma como a tecnologia se desenvolve na natureza e na
formação dos órgãos das plantas e animais. Não merecerá igual atenção a história
dos órgãos produtivos do Homem, que é no fundo a base material de toda a
organização social?»​
Esta é a reação final de Marx à teoria de Darwin e Malthus. Rejeita a teoria da
evolução das espécies como base para a sua luta de classes. Considera que as duas ideologias
co-existem mas sem intervenção directa, separando a História Natural da História Social
como hoje a conhecemos, e exasperando-se com os críticos que relacionavam a ​Origem das
Espécie​s com os problemas de ordem social.
Com a finalidade de conquistar audiências alemãs para que divulgassem a sua obra
sem equívocos, escreve a Engels, explicando-lhe como deveria fazer a crítica editorial do
Capital para um jornal alemão. O proprietário do jornal era um liberalista social, adepto
implacável da teoria de Darwin. A crítica surtiu o efeito contrário, não só não tendo sido
tomada a sério mas até encarada como uma farsa.
Segundo o autor, Marx nunca sugeriu que a teoria de Darwin fosse aplicada à análise
histórica e/ou evolução humana, contudo a interpretação errada dos críticos originara
inicialmente a distorção das ideias marxistas e é neste contexto que Marx decide finalmente
enviar uma cópia do ​Capital a​ Darwin. Decorria então o ano de 1873 e juntamente com o
livro, Marx envia também uma outra carta, onde confessa a sua admiração por Darwin.
​A Critical Analysis of Capitalist Production​. traduzida por Samuel Moore e Edward Aveling, ed. Frederick
Engels (New York. 1961). l, 341; citando a obra ​Das Kapital​, Hamburg (first edit.. 1867) p 324. note 3.
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A resposta chega meses depois, com Darwin a agradecer e a confessar mais uma vez a
sua ignorância sobre economia e política, não desejando debater o livro e expressando
claramente que :“ ​enquanto acredita que ambos possam contribuir para o desenvolvimento
da humanidade, não pretende ser contactado de novo por Marx​”. Duro golpe para Marx, que
assim se vê sem patrocínio ou mecenato para a sua obra, mal interpretada desde o início por
não ter uma ideologia sustentável por si só, por um lado, e por outro, por ser lançada no país
errado, na época errada, por um estrangeiro que contrapunha as ideias de um cientista e
afrontava directamente a Igreja. A teoria de Darwin ofuscara completamente qualquer outra,
não só no seu tempo mas nos séculos seguintes.
Após este episódio, Marx e Darwin cessam qualquer contacto durante sete anos,
período após o qual Marx volta a condenar as teorias dos darwinistas sociais, dizendo que a
ideia que reinava na Alemanha de uma ligação entre Socialismo e Evolução era desajustada,
obrigando-se a escrever de novo a Darwin sobre o assunto. Este responde apenas que não é
responsável pelo que Marx escreve, nem tem controlo sobre a sua opinião, e muito menos
tenciona dar ou retirar consentimento para as suas ideias. E acrescenta o seguinte:
«​Embora me veja como liberal, julgo que debates acerca da cristandade ou fé
produzem pouco ou nenhum impacto junto do público e que a liberdade de pensamento é
usada melhor pelas mentes iluminadas que seguem o avanço da ciência. Posto isto, sempre
evitei escrever sobre religião e cingi-me à ciência. Lamento se a minha obra ataca
indirectamente a religião​». Resposta subtil e exímia de um homem que anos antes
abandonara a sua própria fé para se dedicar à ciência.
O desafio aqui reside no facto de termos as respostas de Darwin mas não as cartas
originais de Marx12, que não chegaram na sua totalidade até aos nossos dias (o que não
significa que a História não nos traga surpresas). Como tal, podemos apenas especular sobre
o conteúdo das cartas conhecidas, ou seja, de que Marx tentava desesperadamente obter o
apoio do público inglês e alemão por forma a propagar a sua ideologia, tentando para isso
servir-se de Darwin. Darwin, por seu lado, rejeitara constantemente qualquer associação com
​Podemos inferir muitas das respostas entre os dois pensadores pela obra : Darwin, Francis . ​The life and
letters of Charles Darwin, including an autobiographical chapter.​ London, John Murray, 1887,Vol I.
Disponível
online
em
:
http://darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=F1452.1&viewtype=text&pageseq=1 . Acedido em
Dezembro de 2019.
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A Evolução Das Espécies Na Época Colonialista
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​Gisela Ildefonso
o pensador alemão, chegando ao ponto de juntar uma tradução inglesa da nota de rodapé
mencionada na página anterior, que tanta tinta faria correr. Importava para Marx que Darwin
compreendesse o que tinha expressado, depois de ler a sua tradução em inglês. Na verdade
esta nota de rodapé fazia menção a questões religiosas nas duas teorias e era este o ponto de
ruptura entre os dois homens, originando a crítica que levaria aos ódios contra o marxismo.
Esta ideologia seria mais tarde aproveitada por Hitler para fazer valer a sua doutrina de
superioridade da raça ariana na Alemanha, Da nota de rodapé constava o seguinte :
«A tecnologia mostra como o homem trabalha com a Natureza, expondo também o
modo de formação das suas relações sociais e concepções mentais que daí advêm.
Qualquer história da religião que não tiver em conta a base material não tem sentido.
É mais fácil descobrir por via da análise o núcleo terrestre das criações enevoadas
da religião, do que desenvolver a partir da sociedade actual o equivalente celestial a
essas formas. A segunda via é o método materialístico e portanto, o único realmente
científico. O ponto fraco do materialismo abstracto nas ciências naturais reside no
facto de excluir a História e o seu processo, tratando-se de concepções abstractas e
ideológicas de seus porta-vozes, sempre eles se aventuram além dos limites de sua
própria especialidad​e.»
Ao ler esta passagem, Darwin não se focou na parte da História mas no ataque à
religião. Por um lado simpatizava com aqueles que eram contra a religião pois o seu
pensamento direcionava-se no sentido da ciência, como prova a sua obra. Por outro,
preocupava-se em ofender os amigos mais religiosos que não partilhavam este tipo de
opinião, incluindo a esposa Emma, religiosa férvida.
Darwin era inglês e tinha bem um perfeito entendimento do suicídio político que seria
atacar a instituição Igreja em Inglaterra. Principalmente porque Darwin era formado em
Teologia, passando de anglicano a ateu com o desenvolver das suas teorias, como referido a
princípio. Na verdade, a sua teoria contraria toda a Bíblia e origens do Homem feita da
costela de Adão e Eva. A diferença é que Darwin lança originalmente a sua teoria
discretamente, centrando-se em plantas e animais e deixando a raça humana de fora para
evitar problemas e complicações. Já Marx originalmente de descendência judaica, não parece
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A Evolução Das Espécies Na Época Colonialista
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​Gisela Ildefonso
compreender as consequências de confrontar a Igreja e declara o ​Capital como um livro
anti-religioso, com o qual Darwin nunca se poderá associar.
O autor descreve que Darwin na verdade desistira da religião por falta de provas que
mantivessem a sua fé . Contudo e por uma questão de sobrevivência social e até económica,
insistia não haver qualquer vantagem em tentar “vender” este tipo de ideias ao público em
geral. Não acreditava que estivessem preparados para tal.
Aqui fazemos um pequeno ​parênteses​, para relembrar que não foi só a ​Teoria das
Espécies que Darwin publicou com repercussões de séculos para a humanidade. Onze anos
mais tarde, por volta de 1871, Darwin publicou o que no fundo sempre negara em relação a
Marx: que seria um verdadeiro abalo em todos os campos da História social e Ciência e o fim
da Igreja, trabalho começado por Galileu. Falamos​ da obra ​A origem do Homem.
Darwin vem a falecer em sua casa em 1882, sobrevivido por Marx por um ano. No
funeral de Marx, Engels insistiu em proferir as seguintes palavras: “Tal como Darwin
descobriu a lei do desenvolvimento orgânico da natureza, também Marx descobriu a lei do
desenvolvimento da História humana. Apesar das suas últimas publicações mostrarem
divergências entre as duas teorias, ambas têm como base o Materialismo Dialéctico”. Só
depois da sua morte foi publicado um artigo pelo autor inglês Aveling13, que conhecera
ambos e que afirma não haver contradição entre as duas teorias, sendo o socialismo o
resultado lógica da evolução e o argumento científico mais forte a própria teoria de Darwin.
Chegados a este ponto, qual era do nosso ponto de vista o receio de Darwin e teria ou
não razão em se abster de aceitar a obra de Marx como uma extensão da sua teoria
desenvolvida nos seus belíssimos jardins14? Efectivamente, as teorias dos darwinistas sociais
mais não eram do que a adaptação da evolução das espécies de Darwin (leia-se animais e
plantas) transpostos para a sociedade. E a ​década de 1870 foi pautada exactamente por estas
​Filho de um pastor protestante, Edward Aveling (1849-1898) abandonou as suas ideias religiosas por
influência de Darwin mas foi como companheiro de Eleanor filha de Marx, que veio a ser conhecido. Professor
de Anatomia Comparada em Londres, casou-se secretamente com uma actriz durante a sua relação com Eleanor.
O desgosto levou a filha de Marx ao suicídio. Para mais detalhes, ver Bergin, Tara. ​The tragic death of Eleanor
Marx​, Carcanet Press, 2017.
14
​A casa onde Darwin passou os últimos 40 anos da sua vida, antes de falecer em 1882 pode ser visitada na sua
localização original,assim como os magníficos jardins que lhe serviram como “laboratório científico ao ar livre”.
Ver site da Direcção Geral do Património Cultural (English Heritage) para detalhes :
13
https://www.english-heritage.org.uk/visit/places/home-of-charles-darwin-down-house/?utm_source=Google%20Business&u
tm_campaign=Local%20Listings&utm_medium=Google%20Business%20Profiles&utm_content=down%20house&utm_so
urce=Google%20Business&utm_campaign=Local%20Listings&utm_medium=Google%20Business%20Profiles&utm_cont
ent=down%20house
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​Gisela Ildefonso
tentativas, de aplicar o ​darwinismo à ​sociedade humana. Embora Darwin tenha lutado contra
esta adaptação das suas teorias, não conseguiu impedir o curso da História e o darwinismo
social acabou mesmo por emergir como uma força imparável, reflectindo as ideias de que em
sociedade só os mais fortes sobreviviam (génese do pensamento de Marx).
Perguntamos, como é isto possível? O mesmo Darwin que uma década antes se
recusara implicar em teorias para além da evolução de plantas e animais, edita em 1871 a
Origem do ​Homem15. Muitas das suas anotações foram retiradas da viagem de 5 anos que fez
em 1839 a bordo do navio inglês HM Beagle com o capitão FitzRoy16. Nesta viagem por
vários continentes da América do Sul à Austrália, Darwin extraíra diversas conclusões sobre
as espécies que observara, a que juntara anotações originais sobre a enorme diversidade de
raças que habitam o nosso planeta, sendo o livro ​A ​Viagem do Beagle17 o primeiro apanhado
que faz sobre ​biologia​, ​geologia​, e ​antropologia​. Esta viagem mudou a sua visão do mundo ,
passando de teólogo a cientista. É aqui que Darwin assiste directamente ao expediente da
escravatura ao chegar ao Brasil, o que o deixa extremamente chocado, pois na sua ideologia,
todos os homens nascem iguais. Ou seja, a evolução para Darwin partia do pressuposto que
todos nascemos iguais, independentemente da cor, raça ou credo. Só então se apercebe de que
uma nau carregada de armas pode ter grande influência na evolução (ou extinção) das
espécies. A propósito desta viagem de Darwin pelos vários continente, não podemos deixar
de partilhar o seguinte episódio, especialmente passados 100 anos sobre o século das Luzes.
O episódio é descrito por Susan Pearson no seu livro da seguinte forma:
«A cidade da Bahia não agradou a Darwin, não obstante a sua beleza como cidade
colonial portuguesa, com orgulho nas suas 365 igrejas - uma para cada dia do ano. Os
habitantes ricos viviam na colina na parte alta da cidade. Na base do penhasco,
encontravam-se as docas, com cheiro a fruta podre e agitação típica de um porto
movimentado, com todo o trabalho feito por escravos negros. Darwin estava
indignado. Crescera numa família que se opunha à escravidão. O avô Josiah
Wedgwood participara activamente do Comité para a Abolição do Comércio de
​O seu título original era ​The descent of man, and selection in relation to sex.​ 1st ed. 1871, disponível online
em ​http://darwin-online.org.uk/contents.html#descent​ , acedido em Dezembro de 2019.
16
​A tarefa do capitão Fitzroy era mapear mares e costas ainda pouco conhecidos pela Marinha britânica.
17
​Keynes, Richard Darwin. ​The Beagle record. Selections from the original pictorial records and written
accounts of the voyage of HMS Beagle.​ Cambridge: University Press, 1979
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Escravos nas décadas de 1780 e 1790. Um outro avô, de seu nome Erasmus Darwin,
era também um abolicionista. E Darwin fora aluno de um taxidermista negro, de seu
nome (liberto) John Edmonstone. Escravo oriundo da Guiana e trazido para a Escócia,
fora libertado pelo seu dono, acabando por leccionar taxidermia18 na ​Universidade de
Edimburgo​, onde ensinou a disciplina a Darwin. Um dia, Darwin ouviu um
proprietário de escravos ameaçar vender todas as mulheres e crianças, afastando-as de
seus maridos e pais. Horrorizado Darwin relatou o episódio ao capitão do navio onde
seguiam, FitzRoy. Este não só não compartilhou a raiva de Darwin como expressou a
sua fúria, dizendo que “os africanos eram inferiores aos europeus e menos capazes de
cuidar de si mesmos”. E como senhor do navio e portanto dono da última palavra,
recusou-se a partir daí a permitir Darwin como companhia para jantar com Darwin.
Mas como não havia mais ninguém que pudesse substituí-lo, a raiva subsistiu e ao
cabo de dias tudo voltou ao normal, com Darwin a aprender que não se desafiam
capitães em mar alto».19.
Chegados a este ponto, impõe-se a análise da ironia de todo o percurso de Darwin: o
paradoxo darwinista: por um lado Darwin era contra a escravatura. Por outro, promoveu a
luta dos mais fortes contra os mais fracos e julgando ter esta perspectiva apenas a dimensão
da ​seleção natural (quem estivesse mais adaptado ao ambiente sobreviveria), não imaginou
que os sociólogos imediatamente fizessem uso desta ideologia para justificar o colonialismo.
A maior ironia reside ainda no facto de potências como Portugal ou Inglaterra serem as
principais precursoras dessa opressão pela via das armas, não entendendo que a distância que
separava as ditas metrópoles ao tempo dos territórios espalhados pelo mundo ditas colónias,
seria impossível de manter para sempre. Onde traçar então a linha? Onde é que os mais fortes
se tornam mais fracos? Como começam as espécies que evoluíram a ser dizimadas? Que
grande acontecimento celebrado na História Portuguesa ensina como levamos as doenças
pelos quatro cantos do continente, ao mesmo tempo que desalojámos todos aqueles que
haviam evoluído no seu processo, no seu tempo e no seu espaço, até avistar a primeira nau?
​Taxidermia é a arte de montar ou reproduzir animais para exibição ou estudo. É a técnica de preservação da
forma da pele, planos e tamanho dos animais. É usada para a criação de coleção científica ou para fins de
exposição, bem como uma importante ferramenta de conservação. Dicionário Educalingo.
19
​Pearson, Susan.​Charles Darwin and the Mystery of Mysteries,​ Roaring Book Press, New York, 2010, pp
36-38.
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Cem anos antes, cerca de 1750, a Inglaterra desenvolvera o comércio de algodão
importado de plantações de escravos, que ao afluir a Manchester deu origem ao grande motor
do que seria a Revolução Industrial. E esta só foi possível graças ao trabalho de escravos, em
conjunto com o excesso de população da época. Ou seja, países como a Inglaterra e outros
conseguiram retirar um usufruto positivo do tráfico de escravos e operar a Revolução
industrial, impulsionando as sociedades modernas e desenvolvimento industrial. Perguntamos
então porque razão Portugal não aproveitou o mesmo tráfico para realizar a sua revolução
industrial, que como tão bem diz Magalhães Godinho, ainda está por acontecer. Onde falhou
Pombal?
Isto traz-nos outra questão inicial: Darwin ou Deus? Enquanto a Igreja controlou
muito do poder e até ao fim do Antigo Regime, a escravatura apenas enriqueceu indivíduos e
burguesias detentoras do comércio colonial. Mas a partir do momento em que a Inglaterra
aproveita os escravos e opera a Revolução Industrial, a ideologia passa a espalhar-se a França
ou Bélgica, com a agravante de a Inglaterra não necessitar da Revolução Francesa para
garantir igualdades. Com a crescente mão de obra durante a revolução industrial inglesa,
evolução, não eram apenas os escravos que serviam como mão de obra, mas o próprio
proletariado inglês, de crianças a adultos, com o abuso de horas diário e trabalho precário sem
condições. E é aqui se dá a verdadeira revolução inglesa : não de máquinas e comboios ou
engenhos de algodão industriais, mas a mudança de mentalidades que reconhece a igualdade
necessária do trabalho para todos, a tal utopia da igualdade de que Darwin falara a Fitzroy e
que este nunca entenderia.
Esta necessidade de igualdade originou o nascimento de uma cultura sindicalista em
Inglaterra, que perdura até aos nosso dias, por forma a impor condições de trabalhos humanas
para todos. E essa igualdade não teve rival na revolução francesa, que foi uma revolução de
ideias mas não de leis.
Quando em 1871 Darwin publica as ​Origem do Homem​, mencionando a igualdade e
evolução da espécie humana, já a Inglaterra criara essa cultura sindicalista de igualdade,
contrariando a lei do mais forte sobre o mais fraco e fazendo recuar o estrago colonialista..
Esta ​revolução teve um papel crucial no advento do ​capitalismo​, pois, devido à constante
concorrência que os fabricantes capitalistas faziam entre si, as máquinas foram ganhando
cada vez mais lugar nas fábricas, tomando assim, o lugar de muitos operários, estes
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​Gisela Ildefonso
tornaram-se o que é chamado "excedente de mão de obra", logo o capitalista tornou-se dono
da situação e tinha o poder de pagar o salário que quisesse ao ​operário​.
É neste momento que surgem duas novas classes sociais: o capitalista e o ​proletário​,
onde o capitalista é o proprietário dos meios de produção (​fábricas​, ​máquinas​, ​matéria-prima​)
e o proletário era proprietário apenas de sua ​força de trabalho​.Os sindicatos surgem pela
necessidade sem precedentes de controlar o abuso entre os dois. Curiosamente, durante a
Revolução Francesa. Ideias como a Lei Chapelier20 tentaram travar a cultura sindicalista e
direitos e igualdade dos homens no trabalho, outra faceta irónica da Revolução Francesa, ao
proibir a igualdade das condições de trabalho21. Posto isto, de pouco valia o argumento do
darwinismo social e evolução do homem para justificar o passado (e presente) dos sistemas
que utilizam a escravatura. Ela foi criada, projectada e aproveitada para fins económicos e
não é lícito dizer que os mais fortes sobreviveriam, quando durante centenas de anos,
milhares de naus aportam nas costas de todos os continentes carregadas de armas para
dizimar toda a evolução das espécies, para proveito económico . A teoria da Evolução do
Homem foi portanto interrompida pelo colonialismo (leia-se tráfico e desalojamento de povos
do seu ambiente para os quatro cantos do mundo). Simultaneamente, esse exílio forçado de
tantas raças resultou na evolução e sobrevivência dos mais fortes, que assim foram obrigados
a adaptar-se a mundos novos.. É tempo de rever o colonialismo pelos olhos das espécies
desalojadas e reflectir se é justo o mais fraco continuará sempre no elo mais baixo da
pirâmide evolucionista do progresso.
​A Lei de Le Chapelier ​francesa foi aprovada no início da ​Revolução Francesa​, em ​14 de junho de
1791​.Escrita e defendida por Guy le Chapelier, proibiu os ​sindicatos​, ​greves e manifestações dos trabalhadores.
Alegava a defesa da "livre empresa" e da iniciativa privada, com penas a aplicar aos sindicalistas que podiam ir
desde avultadas quantias em dinheiro e privação de direitos de ​cidadania até à ​pena de morte​.No seus
fundamentos, esta lei reflecte a doutrina do liberalismo económico que só reconhece o indivíduo e a empresa,
surgindo dentro do espírito da Lei de Allarde que, em 2 de Março de 1791, tinha proibido as corporações livres
de ofícios que vinham da Idade Média. Com a Lei de Le Chapelier, e com a repressão que se seguiu, a vitória da
burguesia sobre as classes trabalhadoras veio a revelar-se total e por várias décadas
21
​Jaume, ​Lucien "Le citoyen sans les corps intermédiaires: discours de Le Chapelier", in ​Cahiers du Cevipof,​
Nr. 39, Abril 2005, pp. 30–40.
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​Gisela Ildefonso
BIBLIOGRAFIA
Aveling, Edward e Samuel Moore.(trad) A Critical Analysis of Capitalist Production.​ ed.
Frederick Engels (New York. 1961)
Bergin, Tara. ​The tragic death of Eleanor Marx​, Carcanet Press, 2017
Colp, Ralph. Journal of the History of Ideas, Vol. 35, No. 2 (Apr. - Jun., 1974)
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