Laços de Família: Etnias do Brasil Family Ties: Ethnic groups in Brazil 2 Laços de Família: Etnias do Brasil Family Ties: Ethnic groups in Brazil Este livro foi publicado com benefício da Lei de Incentivo à Cultura nº- 8.313, do Ministério da Cultura. This book has been published under the auspices of the Law of Cultural Incentive, no. 8313, Ministry of Culture. A SBD agradece a todos os patrocinadores SBD is grateful to all sponsors Diversidade étnica do Brasil e o Centenário da SBD Brazil’s Ethnic Diversity and SBD’s 100th Anniversary A participação no Projeto Cultural do Centenário da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD é motivo de grande satisfação para a Colgate-Palmolive, por meio da marca Protex. Presente nos lares brasileiros desde a década de 1980, Protex sempre teve o compromisso de cuidar da saúde da população de seu país sendo a favor de causas capazes de gerar grandes transformações. O Projeto do Centenário enaltece a diversidade étnica do Brasil e a saúde da pele, com o propósito de democratizar o conhecimento. E Protex apoia esta iniciativa inédita, pois acredita que a comunicação e a interação com a população também se dão por meio da arte, cultura, fotografia e história. A Sociedade Brasileira de Dermatologia é reconhecidamente importante referência no exercício da dermatologia no país com ética e competência. Parabéns a todos da SBD pela nobre missão e por este memorável aniversário. Participation in the Cultural Project of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD’s 100th Anniversary is motive of great satisfaction for Colgate-Palmolive, through the Protex brand. A household name in Brazil since the 1980s, Protex has always been committed to caring for the country’s population health, supporting causes that are capable of major transformations. The 100th Anniversary Project exalts Brazil’s ethnic diversity and healthy skin, and aims to democratize knowledge. Moreover, Protex supports this unprecedented initiative because it believes communication and interaction with the population also occur through art, culture, photography, and history. The Sociedade Brasileira de Dermatologia is recognized as an important reference in the exercise of dermatology in the country with ethics and competence. Congratulations to all at the SBD for their noble mission and for this memorable anniversary. Realização Realization PATROCINADOR SPONSOR PROJETO project COPATROCINADORES COSPONSORS APOIO Institucional Institutional Support APOIO SUPPORT Diferentes olhares do conhecimeto Different Ways of Looking at Knowledge O O ser humano é, em grande parte, produto do seu meio. Essa é a premissa que norteou o estabelecimento do foco da presente obra, que traz leituras diversas sobre o fenômeno do sincretismo e da miscigenação do povo brasileiro como traço inerente e potencializador de sua própria trajetória. Aspectos socioeconômicos, políticos, culturais e biológicos são aqui levantados, sem a pretensão de esgotar qualquer reflexão ou mesmo fazer prevalecer este ou aquele ponto de vista. O objetivo é, antes, apresentar diferentes olhares sobre questões fundamentais para a construção da identidade brasileira, como diversidade étnica, que, por sua vez, remete aos aspectos mais elementares relacionados à pele humana e sua influência como fator determinante de múltiplas experiências de vida – estéticas, sexuais, etárias, religiosas, de classe, de gênero etc. – desde os primórdios da humanidade. Do ponto de vista da história da sociedade brasileira, a questão da pele esteve na ordem do dia entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX, não por acaso quando o país buscava firmar sua identidade. Doenças carregadas de alto teor de preconceito, como sífilis e lepra ou hanseníase, cuja incidência atingia patamares epidêmicos em razão do desordenado processo de urbanização e da progressiva concentração de pessoas nas grandes cidades, eram veementemente combatidas por uma medicina cada vez mais adepta do discurso científico e imbuída do ideal de progresso que culminou com o perfil da sociedade existente nos dias de hoje. Ainda na seara específica da medicina e da saúde pública, o olhar sobre a evolução da dermatologia no Brasil, que teve na criação e na atuação da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD importantes balizadores ao longo do tempo, permite aprofundar a com­ ­preensão das especificidades da pele do povo brasileiro e seu papel-chave no direcionamento dos estudos desenvolvidos nessa área. Os textos de especialistas em história, antropologia, sociologia e dermatologia são complementados pelo registro fotográfico de cidadãos brasileiros, especialmente crianças e idosos de diferentes regiões do país, feito por profissionais de renome que se preocuparam em evidenciar, por meio dos mais diferentes traços biológicos, os processos de miscigenação e aculturação que marcam a constituição étnica e o retrato do Brasil atual. Boa leitura e boas descobertas a todos. Tempo&Memória / Arte do Tempo H Human beings are mostly a product of their own environment. That assumption has guided the focus of this work, which provides a number of readings about the phenomenon of syncretism and miscegenation of the Brazilian people as an inherent and potentiating trait of their own course. Socioeconomic, political, cultural, and biological aspects are addressed in this work, with no intention of exhausting any reflections or making a specific point of view prevail over others. First and foremost, our objective is to present different perspectives about questions that have been fundamental to construct the Brazilian identity as a result of ethnical diversity, which, in turn, refers to the most elementary aspects related to the human skin and its influence as a determining factor of multiple life experiences – aesthetical, sexual, age-related, religious, class- and gender-related – from the earliest origins of mankind. From the point of view of the history of the Brazilian society, the fact that the skin issue was at the top of the agenda between the late 19th century and the early 20th century, when the country was seeking to establish its identity, was not fortuitous. Diseases burdened with intense prejudice, as syphilis and leprosy – or Hansen’s disease – the incidence of which reached epidemic levels as a result of a disorderly urbanization process and a growing concentration of people in large cities, were fought energetically by a type of medicine increasingly based on scientific speech and imbued with an ideal of progress that culminated in the profile of the currently existing society. Still in the specific sphere of medicine and public health, a glance at the evolution of dermatology in Brazil – whose guiding beacon in the course of time was the creation and the initiatives of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology) – will help to understand the particulars of the skin of the Brazilian people and their key role in guiding the studies developed in that area. Texts by specialists in history, anthropology, sociology, and dermatology are complemented by photographic records of Brazilian citizens, especially children and the elderly from different parts of the country, produced by renowned professionals who endeavored to evidence, by means of the most diverse biological traits, the miscegenation and acculturation processes that mark the ethnical constitution and the current portrait of Brazil. Enjoy your reading and your findings. Tempo&Memória / Arte do Tempo Sumário Table of Contents A utopia do progresso e da modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 The Utopia of Progress and Modernity. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Sociedade, saúde e medicina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Society, Health, and Medicine. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Ensaio sobre a pele.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Essay on the Skin. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Harmonia e conflito entre as cores do Brasil étnico: do real ao simbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Harmony and Conflict in the Colors of Ethnical Brazil: From Real to Symbolic. . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 A longevidade e os desafios da dermatologia no século XXI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 Longevity and the Challenges Facing Dermatology in the 21st Century. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Laços de família : etnias do Brasil = Family ties : ethnic groups in Brazil / organização da Editora ; [versão para o inglês Luiz Antonio Pedroso Rafael]. – São Paulo : Tempo & Memória, 2012. Edição bilíngue: português / inglês Bibliografia. 1. Características nacionais brasileiras 2. Cultura – Brasil 3. Famílias – Brasil 4. Grupos étnicos – Brasil I. Título: Family ties : ethnic groups in Brazil. 11-14110CDD-306.089698 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Cultura e etnias : Antropologia cultural : Sociologia 306.089698 2. Brasil : Etnias e cultura : Antropologia cultural : Sociologia 306.089698 88 A pele e a vida no fluxo do tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 Skin and Life in the Flow of Time. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Marcio Scavone. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Ary Diesendruck.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 José Caldas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122 Gal Oppido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 Patricia Gouvêa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 9 As transformações políticas e econômicas que ocorreram na Europa no final do século XIX abriram espaço para a ampliação das conquistas industriais e a expansão dos negócios entre os países, introduzindo o mundo nas práticas capitalistas. O clima de otimismo e confiança no progresso e no futuro estendeu-se à moral, aos costumes e à cultura das sociedades. No Brasil, a abolição da escravatura e a deposição da monarquia marcaram a transição para o século XX. A aliança dos militares com os cafeicultores paulistas, ambos ávidos para ampliar sua participação política, culminou com o golpe da proclamação da república e o consequente fortalecimento das velhas oligarquias. Os militares, recalcados pela posição secundária a que foram relegados, buscavam o reconhecimento de sua presença na política, negada pela monarquia. Os cafeicultores, por sua vez, detinham o poder econômico da nação, já que os engenhos do Nordeste estavam em franca decadência por causa de uma conjuntura internacional desfavorável e pela introdução de outras culturas na região. Sem condições financeiras, viam-se impossibilitados não só de implementar qualquer modernização em suas estruturas como de promover a transição da mão de obra escrava para a assalariada. São Paulo, portanto, com sua lavoura cafeeira em ascensão, era o cenário privilegiado para as mudanças econômicas, sociais e urbanísticas; assim, nada mais natural que os paulistas reivindicassem igualdade de representação política entre as províncias. O imperador dom Pedro II, porém, negou, e o Império perdeu o apoio de São Paulo, sinalizando o fim tardio da monarquia no Brasil, cem anos depois da Revolução Francesa. Avenida Central, no Rio de Janeiro, na década de 1910. Avenida Central in Rio de Janeiro in the 1910s. Foi um dos símbolos da reurbanização comandada pelo It was one of the symbols of the reurbanization led by Mayor prefeito Francisco Pereira Passos, entre 1902 e 1906. Francisco Pereira Passos between 1902 and 1906. Os ideais de modernização e progresso que os ventos traziam da Europa passaram, então, a nortear a construção da unidade política e cultural brasileira, centrada no fortalecimento da identidade nacional. A República, empenhada na divulgação de uma imagem civilizada do país, sobretudo no campo da ciência e do urbanismo, iniciou, sem nenhum planejamento, um crescimento acelerado e desordenado, que resultou nas péssimas condições de vida de uma população formada por pessoas recém-saídas de uma sociedade escravocrata e miscigenada e por imigrantes. As novas estruturas comerciais e financeiras modificavam as feições e características de várias cidades brasileiras, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro. Com a intensificação da migração, esses centros urbanos transformavam-se em aglomerados de pessoas de origens e condições sociais diversas que vinham em busca de oportunidades de trabalho. No entanto, esse crescimento acelerado, por um lado, refletia progresso e desenvolvimento e, por outro, denunciava a falta de infraestrutura e o despreparo das cidades para alcançar a tão almejada modernidade. O desenvolvimento e a modernização dos grandes centros Os grandes centros apresentavam diferentes características no final do século XIX: Rio de Janeiro e São Paulo mostravam seu potencial produtivo e um acelerado processo de industrialização e modernização, enquanto Salvador e Recife mantinham-se nos padrões tradicionais, recuperando-se da decadência da lavoura açucareira e tentando uma reação com o cultivo do cacau. Na região Norte, a borracha ampliava suas fronteiras e entrava para a era da industrialização após a invenção do pneumático, em 1890. Belém e Manaus viviam a Belle Époque, com a inauguração do Teatro Amazonas, em 1896, testemunhando o período áureo do ciclo da borracha. Arquitetos, pintores, construtores foram trazidos da Europa para a realização da obra, com material importado, exceto as cadeiras e o piso, confeccionados com material local, sob rigorosa supervisão dos europeus. Eixos do movimento de modernização inspirado nos ideais republicanos, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, a capital federal, incrementavam as ações de remodelação urbana. O café transformou São Paulo, tirando-o da condição de província culturalmente atrasada. A cidade já vinha se preparando para atender ao volume de negócios gerados pelos capitalistas do interior, que, não raro, optavam por ali fixar residência. A necessidade de escoamento do café para o porto de Santos demandou não só o alargamento de ruas e avenidas como a expansão do sistema ferroviário. A paisagem e o ritmo da cidade se modificaram. As velhas construções coloniais foram demolidas para dar lugar a igrejas, prédios e palácios, dos quais sobressaíam as obras do arquiteto Ramos de Azevedo; praças e jardins foram remodelados, avenidas largas rasgaram a cidade, como a Paulista, inaugurada em 1891, onde foram erguidos palacetes luxuosos para os barões do café, com jardins inspirados no mais puro estilo francês. A aristocracia cafeeira começou a se afastar do centro, buscando áreas mais saudáveis para fixar residência. No centro, ficaram as casas bancárias, escritórios, sedes de jornais, hotéis, restaurantes e lojas sofisticadas, onde circulavam políticos, jornalistas, homens de negócios, fazendeiros. Family ties: ethnic groupS in brazil 8 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL A utopia do progresso e da modernidade 11 do século XIX, muitos ambulantes ofereciam seus serviços, entre eles os amoladores. In the everyday life of Rio Janeiro in the late 19th century, many street vendors offered their services, knife grinders among them. de pessoas, e de doenças, as medidas de saneamento tomaram a dianteira no processo de modernização do Brasil e na construção da sua identidade como República. A ciência tornou-se a via estratégica para empreender a reorganização dos centros urbanos, uma vez que os grandes avanços nas pesquisas médicas garantiam o combate às doenças que devastavam as novas populações urbanas, inserindo o Brasil na comunidade científica internacional. O nível de desorganização social era alarmante. A capital federal estava em colapso, amargando as consequências do lixo nas calçadas, da falta de esgoto, do precário abastecimento de água, das epidemias e de outras moléstias urbanas que assolavam a população marginalizada e exposta ao abandono social em virtude da nova organização econômica do trabalho. Em São Paulo, a explosão demográfica provocada pelo café e pela industrialização evidenciava a absoluta falta de estrutura compatível com a nova realidade, revelando que o clima de reprovação urbana não se restringia à capital federal. As primeiras medidas saneadoras ocorreram no governo de Campos Sales (1898-1902), com a criação do Instituto de Manguinhos, em 1900, e com a vacinação contra a peste bubônica que infestava a população, assim como a febre amarela, a cólera, a varíola, o tifo e a tuberculose. As doenças trouxeram consequências econômicas desastrosas, pois o Brasil passou a ser considerado um país perigoso, não pela violência, mas pelas enfermidades contagiosas, o que se refletia no transporte marítimo e, portanto, na exportação do café, principal fonte de divisas. Family ties: ethnic groupS in brazil 10 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL No cotidiano do Rio de Janeiro, no fim No Rio de Janeiro, centro político do país, de grande projeção social, as mudanças já haviam começado no início do século, quando a família real mudou-se para o Brasil, em 1808, e a sede da corte foi instalada na cidade, que, a partir de então, foi se consolidando como centro intelectual e cultural do país. O intuito da República era transformar o Rio de Janeiro em uma capital moderna, nos moldes europeus. Avenidas, como a Central, atual Rio Branco, marcaram o novo projeto urbanístico da cidade, mansões de estilo art nouveau, edifícios de fachadas suntuosas de cristal e mármore e lojas luxuosas integraram-se à cena urbana. Homens elegantes e mulheres vestidas no rigor da moda francesa frequentavam salões de chá, cafés, restaurantes e teatros, alguns dos quais apresentavam espetáculos internacionais para o deleite da elite carioca, como o São Pedro e o Lírico, onde o tenor Caruso apresentou-se em 1903. Mas o maior deles, o Teatro Municipal, foi inaugurado somente em 1909. Aos poucos, o Brasil abandonava suas feições rurais e se tornava moderno e urbano. Mas nem tudo era cartão-postal. A aristocracia cafeeira, tanto de São Paulo como do Rio de Janeiro, vivia o sonho da Belle Époque; porém, o desenvolvimento desordenado das cidades e de suas populações revelava o paradoxo “palácios e cortiços”: os trabalhadores urbanos tinham uma condição de vida degradante, que em nada lembrava o luxo e a ostentação da aristocracia. Viviam em cortiços, em dormitórios comunitários, e sofriam com o desemprego e as epidemias; eram famílias inteiras convivendo sem condições mínimas de higiene e com alta taxa de mortalidade infantil. Para confrontar o fluxo crescente 13 Open-air market vendors. Rio de Janeiro, 1875. na compra de ratos, o que estimulou a criação do animal como fonte de renda e atraiu os meninos de rua para o “negócio” – cada rato morto entregue no Desinfectório Central proporcionava-lhes algum rendimento. Instituiu a “Brigada de Mata-Mosquito”, para eliminar os criadouros de insetos, uma campanha mais invasiva, que gerou os primeiros protestos contra os seus métodos. Ambas as ações visavam diretamente ao controle da peste bubônica e da febre amarela, respectivamente. A febre amarela tornou-se endêmica e foi muitas vezes devastadora. Em 1876, por exemplo, matou 3.476 pessoas. A doença chegou ao Brasil no final do século XVII, a primeira epidemia ocorreu em 1685, em Olinda, e se espalhou para outras cidades de Pernambuco e da Bahia. Após muitos surtos, ressurgiu na Bahia, em 1849, e nesse mesmo ano assolou o Rio de Janeiro, com repetidas irrupções nas décadas seguintes. No Estado de São Paulo, ela entrou pelo porto de Santos, trazida pelos imigrantes a caminho das lavouras de café, e, a partir da zona portuária, a epidemia alastrou-se pela cidade, contrariando a crença de que não ultrapassaria a barreira da serra do Mar, escapou da zona litorânea em surtos constantes, chegando a várias cidades do oeste paulista e a Campinas, que por todo o final do século XIX foi castigada por sucessivas epidemias. A Revolta da Vacina O alvo seguinte de Oswaldo Cruz foi a varíola. A vacina contra essa doença já era conhecida na Europa havia mais de cem anos, mas desconhecida no Brasil, e, para surtir o efeito desejado era necessário que um grande número Family ties: ethnic groupS in brazil 12 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Vendedoras de mercado. Rio de Janeiro, 1875. No governo Rodrigues Alves (1902-1906), as providências foram mais drásticas na reorganização urbana da capital federal, principalmente quanto às medidas sanitárias. Uma equipe com amplos poderes foi formada para atuar nas áreas prioritárias: a urbanização coube ao engenheiro Francisco Pereira Passos; o saneamento ficou sob a responsabilidade do médico sanitarista Oswaldo Cruz; e a modernização do porto, uma das portas de entrada das epidemias, a cargo do engenheiro Lauro Miller. Pereira Passos, que conhecera de perto a obra de planejamento urbano de Paris, empreendida pelo barão Haussmann, imediatamente implementou a operação “Bota-Abaixo”, que, para eliminar os pontos de aglomeração e embelezar a cidade, efetuou a demolição de cortiços e favelas para o alargamento de ruas. O “Bota-Abaixo” foi alvo de levantes populares e críticas da população, que não foi incluída em nenhum tipo de benfeitoria. Oswaldo Cruz, médico sanitarista, com especialização em microbiologia realizada no Instituto Pasteur, de Paris, passou a integrar, junto com os cientistas Vital Brazil e Adolfo Lutz, a comissão encarregada de investigar a peste bubônica em Santos, atestando assim sua qualificação para o novo cargo de diretor-geral da Saúde Pública. O Departamento Geral de Saúde Pública (DGSP), criado em 1897, tinha como principais atribuições a inspeção sanitária dos portos fluviais e marítimos, a fiscalização do exercício da medicina e da farmácia e os estudos sobre doenças infectocontagiosas. De imediato, ele iniciou a operação “Mata-Ratos”, que consistia basicamente no recolhimento sistemático do lixo das ruas, no uso de raticidas e até mesmo 15 14 Family ties: ethnic groupS in brazil LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Equipe de cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, A team of Instituto Oswaldo Cruz scientists in Para o combate da febre amarela no Rio de Janeiro, In the fight against yellow fever in Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, década de 1910. O avanço Rio de Janeiro, in the 1910s. The advancements organizou-se uma grande equipe de Mata-Mosquito a large Mosquito-Killing team was put together das pesquisas médicas passava, então, a orientar in medical research started to guide public health no início do século XX. in the early 20th century. a política de saúde pública no país. policies in the country. 17 e artigos, o sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz defendeu posições polêmicas. While criticized by the press through charges and articles, Oswaldo Cruz advocated controversial standpoints. como social. Do ponto de vista político, a revolta levou o paraense Lauro Sodré, general, senador e opositor declarado do governo de Rodrigues Alves, a assumir a presidência da Liga contra a Vacinação Obrigatória. Ao contestar a lei, Sodré não se colocava apenas em posição contrária à obrigatoriedade da vacinação, mas denunciava o domínio do país pela oligarquia do café, a qual Rodrigues Alves representava. Oswaldo Cruz acabou deixando o cargo de diretor da Saúde Pública e fundou o Instituto Soroterápico, que em 1908 receberia seu nome, Instituto Oswaldo Cruz, com o objetivo de ampliar o estudo das doenças que assolavam o Brasil e investigar as populações que viviam longe dos grandes centros. Assim, organizou expedições que, sob seu comando, partiam para o desbravamento do interior do país. De março a outubro foram empreendidas três expedições para o Nordeste e o Centro-Oeste e uma para a bacia amazônica, com a participação de Artur Neiva e Belisário Penna. O caráter sociológico do material produzido por eles – documentação escrita, quadro de doenças, levantamento da fauna e da flora, anotações e fotografias – revelou as condições econômicas e sociais do Brasil rural e causou forte impacto nas elites intelectuais, revelando-se bastante eficaz para subsidiar as campanhas a favor do saneamento. Sob a influência dos artigos de Belisário Penna publicados no Correio da Manhã, em 1918 foi criada a Liga Pró-Saneamento. Oswaldo Cruz, demonizado pela imprensa em razão dos métodos utilizados na direção da Saúde Pública em 1903, foi glorificado em 1907, quando recebeu a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Berlim, levando o Brasil, mais uma vez, a ser reconhecido internacionalmente pela comunidade científica. Family ties: ethnic groupS in brazil 16 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Criticado pela imprensa por meio de charges de pessoas fosse imunizado simultaneamente. Sob a indignação da população e os questionamentos irônicos da imprensa a respeito dos métodos utilizados para as “melhorias na cidade”, em 31 de outubro de 1904 foi aprovada a lei da vacina antivariólica obrigatória. Além das críticas contra a falta de limites das autoridades em relação à aplicação de penas e multas à população, havia a questão trabalhista, pois para obter um emprego era necessário apresentar o atestado de vacinação, fornecido por médicos particulares, que cobravam pelo documento. A promulgação da lei gerou uma revolta da população contra as imposições do Estado. A vacinação obrigatória tinha a oposição da massa operária, já em início de sindicalização, que se via sob uma “ditadura sanitária”; dos positivistas, que se referiam à vacinação como “tortura higiênica”, um atentado à liberdade individual; e de monarquistas insatisfeitos com a República. Em 10 de novembro deflagrou-se uma revolta e as ruas do Rio de Janeiro se transformaram em palco de guerra. Os insurgentes enfrentaram as tropas da polícia com bombas e barricadas, mas foram logo debelados, deixando um saldo de muitos mortos e centenas de feridos e prisioneiros. O governo recuperou o controle da situação, mas a imagem de Oswaldo Cruz, com seus métodos, ficou maculada. A vacinação obrigatória foi suspensa e o resultado, desastroso: um surto mais intenso da doença eclodiu em 1908, atingindo milhares de pessoas. No balanço da situação, ficou clara a impossibilidade de se empreender ações de saúde pública sem a colaboração da população, que deve ser previamente esclarecida, informada e mobilizada, levando em conta fatores psicológicos, sociais e culturais. A lei foi de encontro a uma população despreparada e aterrorizada pelo método invasivo de aplicação da vacina, que simbolizava o medo de uma limpeza não só urbana Referências bibliográficas CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002. COSTA, João Cruz. O Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. CUKIERMAN, Henrique Luiz. Yes, nós temos Pasteur. Manguinhos, Oswaldo Cruz e a história da medicina no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Faperj, 2007. MARTELLI, Celina Maria Turchi; STEFANI, Mariane Martins de Araújo; PENNA, Gerson Oliveira; ANDRADE, Ana Lúcia S. S. “Endemias e epidemias brasileiras, desafios e perspectivas de investigação científica: hanseníase.” Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 5, nº- 3, 2002. MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. NAVA, Pedro. Território do Epidauro. Crônicas e história da história da medicina. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Saga: A grande história do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, v. 5, 1981. STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. THIELEN, Eduardo Vilela et al. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1991. 19 18 Street vendor, Rio de Janeiro, 1896. The Utopia of Progress and Modernity The political and economic changes that took place in Europe in the late 19th century paved the way for the expansion of industrial advancements, encouraging the growth of business among countries and introducing capitalistic practices to the world. An optimistic atmosphere of trust in progress and in the future was extended to morals, customs, and the culture of societies. In Brazil, the transition to the 20th century was marked by the abolition of slavery and the deposition of monarchy. An alliance between coffee farmers from the state of São Paulo and the military, both eager to increase their political participation, culminated in a coup that gave rise to the proclamation of the republic and a resulting strengthening of the political economic power of old oligarchies. The military, resenting the secondary position which had been assigned to them, sought the recognition of their presence in politics, which the monarchy had denied. In turn, those coffee farmers retained the economic power of the nation, due to the fact that the former sugar mills of the Northeast had become openly decadent because of an international state of affairs that was unfavorable for the introduction of other crops in that region. Lacking financial conditions, they could neither promote any type of modernization in their structures, nor transfer their former slave labor to wage-earning labor. Thus, São Paulo, with its prosperous coffee farming economy, was a privileged scenery for economic, social, urbanistic, and demographic changes. Therefore, nothing more natural for Paulistas (the people from the state of São Paulo) than to claim political representation among the provinces in equal terms, which Emperor Dom Pedro II denied, and the Empire lost the support of São Paulo, leading to the tardy end of monarchy in Brazil, one hundred years after the French Revolution. The ideals of modernization and progress that the winds brought from Europe started guiding the construction of a Brazilian political and cultural unit focused on strengthening its national identity. The Brazilian republic, endeavoring to disseminate a civilized image of the country, mostly in the fields of science and urbanism, gave rise to an unplanned, accelerated, and disorderly growth that brought about extremely bad living conditions to a population that had just left an enslaving, miscegenated society that included immigrants. The new commercial and financial structures were changing the features and characteristics of various Brazilian cities, especially São Paulo and Rio de Janeiro. As migration intensified, those urban centers were transformed into agglomerations of people of different origins and social conditions, who had come to the cities in search of work opportunities. If, on the one hand, that unbridled growth was a sign of progress and development, on the other, it clearly denounced a lack of infrastructure and readiness to reach their longed-for modernity. Development and modernization of large centers In the late 19th century, Brazilian cities showed different features. Large centers, such as Rio de Janeiro and São Paulo, showed their productive potential and an accelerated industrialization and modernization process, while Salvador and Recife preserved their traditional standards, recovering from the decadence of sugarcane farming and attempting a response in the form of cocoa farming. In the Northern region, rubber extended its borderlines and entered an era of industrialization with the advent of the rubber tire in 1890. The inauguration of Teatro Amazonas in 1896 attests to the golden era of the rubber cycle, bringing the Belle Époque to Manaus and Belém. Architects, painters, developers were brought in from Europe to undertake the job. All theater materials were imported, except for the seats and the floor that were made with local materials under a strict supervision of the Europeans. As agents of a modernization movement inspired by republican ideals, the cities of São Paulo and Rio de Janeiro – the capital city of the country at that time – drove the urban remodeling initiatives. With it, coffee-farming São Paulo was no longer a culturally backward province; the city was preparing to meet the business volume brought by capitalists from the interior, who often chose to settle in the capital. The need to drain the production inflow to the port of Santos not only required the broadening of streets and avenues but also the expansion of the railway system. The city landscape and pace had changed. Old colonial buildings were demolished to make room for churches, buildings, and mansions, among which the works of architect Ramos de Azevedo stood out; squares and gardens were remodeled, broad avenues, such as Avenida Paulista, inaugurated in 1891, crisscrossed the city, and sumptuous mansions, the gardens of which were inspired in the purest French style, were built along the way for coffee barons. The coffee-farming aristocracy began to withdraw from downtown areas in search of healthier areas. There remained downtown banking houses, offices, newspaper head offices, hotels, restaurants, and sophisticated shops, whose patrons were politicians, journalists, businessmen, farmers. Family ties: ethnic groupS in brazil LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Vendedor ambulante, Rio de Janeiro, 1896. 21 Science had become a strategic way to undertake the reorganization of urban centers, since significant advancements in medical research ensured the fight against the diseases that devastated new urban populations, positioning Brazil in the international scientific community. The extent of social disorganization was alarming. The country’s capital city was collapsing and suffering the bitter consequences of trash on the sidewalks, a lack of adequate sewerage system, a precarious water supply, epidemics, and other urban diseases that plagued a marginalized population that was exposed to social destitution as a result of the new economic organization of work. In São Paulo, the population explosion caused by coffee and industrialization gave proof of a total lack of compatible structure with the new reality, indicating that urban inadequacy was not restricted to the capital city of the country. The first sanitizing efforts took place in the Campos Sales administration (1898–1902) with the establishment of Instituto de Manguinhos in 1900, and the vaccination against the bubonic plague that infested the population, just as yellow fever, cholera, smallpox, typhoid fever, and tuberculosis. Those diseases brought about catastrophic economic consequences for Brazil, since it was then regarded as a hazardous country, not on account of violence, but because of the contagious diseases, and that had an impact on sea shipments and, therefore, in coffee exports, its main source of revenue. In the Rodrigues Alves administration (1902–1906), stricter measures were adopted for the urban reorganization of the country’s capital city, particularly as regarded sanitation. A strongly empowered team was set up to address priority Family ties: ethnic groupS in brazil 20 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL In Rio de Janeiro, the political hub of the country, which enjoyed significant social status, changes had already started in the beginning of the century, when the royal family moved to Brazil in 1808, transferring the court to that city, which from then on was also consolidated as an intellectual and cultural hub in the country. The republic intended to turn Rio de Janeiro into a modern capital city, in the European fashion. Avenues, as Central – current Avenida Rio Branco – marked a new urbanistic project for the city, Art Nouveau styled mansions, buildings displaying sumptuous crystal and marble façades, and luxurious shops became part of the urban scenery. Elegant men and women dressed in the latest French fashion were regular customers of tea houses, cafés, restaurants, and opera houses, as São Pedro and Lírico, where tenor Caruso performed in 1903. The Municipal Theater was only inaugurated in 1909. Little by little, Brazil changed its rural aspects to become modern and urban. But not all was as beautiful as a postcard. The coffeefarming aristocracy of both São Paulo and Rio de Janeiro were experiencing the dream of the Belle Époque; however, a disorderly growth of cities and their populations revealed the “mansion and slum” paradox: city workers faced a degrading life standard that held no resemblance to the luxury and ostentation of the aristocracy. They lived in slums, collective dormitories, and suffered with unemployment and epidemics. Entire families lived together without minimum sanitary conditions, with a high infant mortality rate. In order to confront the ever-growing flow of people, and diseases, sanitation efforts took the lead in the modernization process of Brazil and in the construction of its identity as a republic. areas: urbanization was assigned to engineer Francisco Pereira Passos; sanitation fell to Oswaldo Cruz, a public health officer; and engineer Lauro Miller was assigned the port modernization, a major door to epidemics. Pereira Passos, who was closely acquainted with the Paris urban-planning work, conducted by Baron Haussmann, immediately implemented operation “Tear-Down,” which aimed to eliminate crowded areas and beautify the city by demolishing slums areas and broadening streets. The “Tear-Down” operation gave rise to revolt from a population that had not been included in any type of improvement. Oswaldo Cruz, a public health officer who had speciali­ zed in microbiology at the Pasteur Institute in Paris joined a committee along with Vital Brazil and Adolfo Lutz to investigate the bubonic plague in Santos, confirming his qualification for the new position of Public Health Director General. The Departamento Geral da Saúde Pública – DGSP (General Public Health Department), created in 1897, was assigned, among other duties, the sanitary inspection of fluvial ports and seaports, inspection of the medicine and pharmacy practice, and studies about infectious diseases. Cruz started a “RodentKilling” operation immediately, which basically consisted of systematic garbage collection from the streets, use of raticides, and even the sale of rats, to foster rodent raising as a source of income and to attract street homeless boys to the “business” – each dead rat delivered at Desinfectório Central meant money. He also implemented a “Fly-Killing Brigade” to eliminate sources of insects, a more invasive campaign, that generated the first protests against his methods. Both efforts were directly aimed at controlling bubonic plague and yellow fever, respectively. Imagem da Avenida Paulista, em São Paulo, projetada pelo View of Avenida Paulista in São Paulo, designed by engineer engenheiro Joaquim Eugênio de Lima e inaugurada em 1891. Joaquim Eugênio de Lima and inaugurated in 1891. 23 The Rebellion against vaccination Smallpox was Oswaldo Cruz’ next target, a vaccine for which had been known in Europe for over one hundred years, but unknown in Brazil. For the vaccine to work, a large number of people should be vaccinated at the same time. Facing the indignation of the population and the ironic questioning of the press about the methods employed to “improve the city,” on October 31, 1904, a bill was approved to make smallpox vaccination compulsory. In addition to the criticism against the lack of authorities’ limits when it came to imposing penalties and fines on the people, there was also a labor issue, since in order to get a job, it was necessary to present a vaccination certificate, and that certificate was issued by private physicians who charged for it. When that law was promulgated, people rose against the impositions of the State. The workers’ mass, just beginning its unionization process, was against compulsory vaccination, since, from a worker’s standpoint, it was a “sanitation dictatorship”; positivists referred to vaccination as “hygienic torture,” an assault against individual freedom; and monarchists were dissatisfied with the republic. On November 10, a rebellion broke out, and the streets of Rio de Janeiro were transformed in a seat of war. Insurgents fought police forces with bombs and barricades, but were soon overcome, leaving behind many casualties among dead, wounded people, and prisoners. The government restored control of the situation, but Oswaldo Cruz’ image and his methods had been tainted. Compulsory vaccination was suspended with a catastrophic result: a very strong outbreak of the disease took place in 1908, infecting thousands of people. An analysis of the situation made clear that it would not be possible to undertake public health efforts without the cooperation of the population, which was to be clarified, informed, and mobilized ahead of time, taking psychological, social, and cultural factors into account. That law encountered a population that was unprepared and terrorized with the invasive method through which the vaccination had been applied – which symbolized the fear of an urban and social cleansing. From a political standpoint, that rebellion influenced Lauro Sodré – a general and senator from the state of Pará, who was also an overt opponent of the Rodrigues Alves administration – to take on the presidency of a League Against Compulsory Vaccination. By opposing that law, not only did Sodré assume a contrary position to the compulsoriness of vaccination, but he also denounced the control of the country by a coffee-farming oligarchy, which Rodrigues Alves stood for. Oswaldo Cruz finally left his position as Public Health Director to found Instituto Soroterápico, which in 1908 would be renamed after him – Instituto Oswaldo Cruz – with the purpose of broadening the scope of the studies on the diseases that plagued the country and surveying the populations that lived far from large centers. Therefore, he organized expeditions that, under his command, attempted to explore the backlands of the country. From March to October three expeditions were made to the Northeastern and the Midwestern regions of the country, and one to the Amazon basin – Artur Neiva and Belisário Penna took part in those expeditions. The sociological nature of the material they produced – written documents, a table of diseases, a survey on the fauna and flora, observations, and photographs – revealed the economic and social conditions of rural Brazil, and stron­g­ ly impacted the intellectual elite, showing to be very effective to raise funds to sanitation campaigns. Under the influence of Belisário Penna’s articles published in the Correio da Manhã newspaper, a Pro-Sanitation League was created in 1918. Oswaldo Cruz, who had been scorned by the press on account of his methods in the management of Public Health in 1903, was glorified in 1907, when he was awarded a golden medal at the 14th International Congress on Hygiene and Demography, held in Berlin, granting international recognition to Brazil by the scientific community one more time. Family ties: ethnic groupS in brazil 22 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Yellow fever became endemic and often devastating; in 1876, for example, it killed 3,476 people. The disease had arrived in Brazil in the late 17th century, and the first epidemics was recorded in 1685, in the city of Olinda, in the state of Pernambuco, and spread to other cities in Pernambuco and Bahia. After a large number of outbreaks, it reappeared in Bahia in 1849, and in that same year it rava­ged Rio de Janeiro, with repeated outbreaks in the following decades. In São Paulo, it appeared in Santos, an entrance door for immigrants on the way to coffee farms, and from the port area, the epidemics spread to the city. And, contrary to the belief that it would not overcome the Serra do Mar mountain range, it escaped from the coast zone in constant outbreaks, reaching a number of cities in the west of the state of São Paulo and Campinas – which throughout the whole end of the 19th century was plagued by successive epidemics. Reference List CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002. COSTA, João Cruz. 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A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1991. 25 Toda ciência reflete, em parte, a conjuntura social na qual está inserida. Com a medicina no Brasil não foi diferente. Historicamente, podem ser identificadas três fases: pajelança, pré-científica e científica. Na primeira, os protagonistas eram os índios, os missionários e os portadores de licença e diploma. Por mais de duzentos anos prevaleceu a contribuição indígena, que foi sendo adaptada aos métodos da medicina europeia pelos missionários, até a entrada maciça dos escravos africanos, que trouxeram as endemias próprias do seu continente. No final do século XVIII, eram os barbeiros, os boticários e alguns físicos os responsáveis pela medicina no Brasil. A segunda fase teve início com a chegada da família real, quando o desenvolvimento da colônia deu um salto para manter a civilidade do estilo de vida europeu. Na área da saúde, foram criadas duas escolas de cirurgia, uma em Salvador e outra no Rio de Janeiro, aumentando as possibilidades de especializações – farmacêutico, parteiro e médico –, e a medicina passou a ser entendida como ofício, registrando-se um crescente interesse pelos estudos científicos das doenças que atingiam a população, como sífilis, lepra e bouba, o grande mal do Brasil Colônia. O início do século XX marcou a fase científica, em que os médicos detinham importante papel na busca pela identidade nacional e na qual as políticas públicas de saúde passaram a ser inseridas no planejamento das cidades e das zonas rurais como forma de combate sistêmico das doenças. A partir da segunda metade do século XIX os grandes avanços nas faculdades de medicina, a publicação da Gazeta Médica da Bahia em 1866 e o reconhecimento das Avenida Beira-Mar, próximo à Lapa, no Rio de Janeiro. Avenida Beira-Mar, near Lapa neighborhood, in Rio de Janeiro. Uma das grandes obras do Plano de Embelezamento da Cidade, A major effort in the City Embellishment Plan, carried out by promovido pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX. Mayor Pereira Passos in the early 20th century. pesquisas e de médicos brasileiros pela comunidade científica internacional estimularam o interesse no desenvolvimento de ações profiláticas. Os médicos brasileiros passaram a beber da fonte, indo ao encontro da realidade europeia, já bem desenvolvida, para adaptá-la à realidade local. Após as discussões geradas pela Gazeta, cinco médicos brasileiros participaram do 1-º Congresso Mundial de Dermatologia e Sifiligrafia, em Paris, em 1889, entre os quais Bruno Chaves, autor de Mercúrio e seus decompostos, então indicado para membro da Société Française de Dermatologie et de Syphiligraphie. Oswaldo Cruz e o Instituto de Manguinhos sedimentaram o momento no qual a pesquisa abandonou seu caráter predominantemente bibliográfico e voltou-se para uma produção acadêmica de identificação das causas, diagnósticos e tratamentos de doenças desconhecidas. Surgem o professor e o pesquisador. A saúde pública na República Velha As epidemias devastadoras de febre amarela, varíola e cólera que o Brasil enfrentava impediam sua consolidação como um Estado moderno e civilizado e retardavam o processo de construção da identidade nacional. No Rio de Janeiro, a inadequação das velhas estruturas urbanas às novas demandas refletia-se, entre outros aspectos, nos aglomerados de pessoas em regiões insalubres, focos permanentes de difteria, tuberculose, malária, lepra, tifo e outras endemias que atacavam a população mestiça. Em São Paulo, além de a cidade viver situação semelhante à da capital federal, as condições precárias oferecidas pelos fazendeiros de café aos imigrantes eram propícias às sucessivas epidemias, que dizimavam centenas de trabalhadores. A reputação negativa do país espalhou-se, levando alguns governos a desencorajar e até a proibir a imigração de sua população para o Brasil. A situação da saúde pública mostrava-se bem distante do ideal de modernidade pretendido; assim, as medidas e ações empreendidas pelo governo visaram, sobretudo, melhorar a imagem do país no cenário internacional. Em 1890, foram criados o Conselho de Saúde Pública e o Serviço Sanitário Terrestre, para tratar das questões de higiene pública e do combate de doenças transmissíveis, moléstias endêmicas e epidemias, mas a atuação do governo na área de saúde durante longo período foi determinada pela Constituição de 1891, que assegurava a autonomia dos Estados e dos municípios, em virtude do pacto com as oligarquias. Até 1910, os problemas de saúde não foram politicamente priorizados na agenda nacional e os estudos e pesquisas restringiram-se a espaços especializados, como o Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto de Manguinhos, que se manifestavam diante das crises sanitárias geradas pelo crescimento desordenado e das precárias condições de vida da população mais pobre e marginalizada. No contexto das reformas comandadas por Oswaldo Cruz, entram em cena importantes cientistas, cujos trabalhos foram fundamentais para a definição de uma política de saúde. Os embates ideológicos e científicos passaram a delinear um novo perfil da ciência e a estimular reformas, de modo que, no início do século XX, a principal figura na área da saúde era o higienista, responsável direto pelas ações sanitárias, símbolo das ações do Estado. Family ties: ethnic groupS in brazil Sociedade, saúde e medicina As doenças da pele e a vanguarda da dermatologia: a Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD Além da febre amarela, da tuberculose e da varíola, outras doenças revelavam problemas que ultrapassavam as consequências das próprias enfermidades, como as doenças da pele – evidenciadas pela presença de manchas, feridas e deformidades, elas estigmatizavam o indivíduo, colocando-o em uma posição de exclusão na sociedade, pois a pele é um órgão de comunicação e denuncia o corpo não sadio; entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX, a sífilis e a lepra foram as mais marcantes entre as várias doenças que atingiam a pele, pois estavam diretamente ligadas ao isolamento e ao preconceito. Daí a importância das pesquisas e da formação e especialização de profissionais capacitados para o tratamento e controle dessas moléstias. No Brasil, a dermatologia foi institucionalizada em 1883, com a implantação da cadeira de clínica de moléstias cutâneas e sifilíticas nas faculdades de medicina do Rio de Janeiro e de Salvador, com João Pizarro Gabizo e Alexandre de Castro Cerqueira, respectivamente, à frente das cátedras. Até então Antônio José Pereira da Silva Araújo era o responsável pelo ensino livre da dermatologia na primeira clínica de doenças do Brasil, criada na Policlínica Geral do Rio de Janeiro. A Policlínica foi fundada em 1881 para prestar assistência médica gratuita à população carente e propunha o tratamento do doente em sua residência, para evitar a contaminação de outros enfermos em ambientes hospitalares. Entre suas especialidades, estava a de moléstias sifilíticas e da pele, sob responsabilidade de Silva Araújo. O Instituto de Manguinhos também contribuiu vigorosamente para a consolidação dos estudos das doenças de pele: inúmeros trabalhos de pesquisa foram desenvolvidos e aperfeiçoados por cientistas como Adolfo Lutz, Adolpho Lindemberg, Paulo Parreiras Horta, Gaspar Vianna, Rocha Lima, Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão, Arêa Leão, Armínio Fraga, Eduardo Rabello, Fernando Terra e Olympio da Fonseca Filho. Nesse momento de reestruturação da medicina brasileira, em 1912, a luta antivenérea ganhou força e entrou em processo de reorganização, com a criação da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, que logo se tornou um polo de articulação de profissionais de diferentes instituições, que se agregavam em torno das pesquisas nessa área. Os ideais eugênicos chegam ao Brasil A eugenia foi um movimento científico social que defendia o aprimoramento da espécie humana por meio da preservação da “pureza” de determinados grupos sociais considerados “adequados” na reprodução, como garantia de herança de bons genes para as futuras gerações. No Brasil, surgiu em resposta às teorias degeneracionistas europeias do século XIX, que criticavam a miscigenação dos trópicos. As explicações hereditárias e a ideia de “adequados” e “inadequados” seriam uma estratégia eficaz para o aprimoramento da população mestiça, baseada em ações de médicos e juristas europeus. A lepra e a sífilis, ao lado do alcoolismo e da tuberculose, eram doenças associadas à degeneração da raça, portanto incompatíveis com o desenvolvimento harmônico de uma sociedade que perseguia os ideais de modernidade pretendidos pela república, um cenário desafiador para os sanitaristas. Alguns fatores, como a crise entre a monarquia e a república, a participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial e a carência de universidades que possibilitassem o estudo sistemático da eugenia fortaleceram a sua introdução no país, mas até 1917 somente algumas iniciativas esparsas de intelectuais e cientistas mencionavam a eugenia como caminho possível para a modernidade. Em 1918, a teoria ganhou adeptos e defensores. O médico paulista Renato Kehl fundou a Sociedade Eugênica de São Paulo, que tinha entre seus associados Arnaldo 1. Glauco Carneiro. História da dermatologia no Brasil. Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002, p. 59. 27 Family ties: ethnic groupS in brazil 26 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL A medicina tradicional e a imprensa compartilhavam as críticas à nova medicina, que aderia às inovações vindas da Europa, polarizando a discussão. De um lado, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e os consultórios da capital, que criticavam os métodos de Manguinhos praticados nas ações de saneamento “invasivas”, alegando o privilégio dos seres microscópicos em detrimento dos pacientes enquanto indivíduos; de outro, os laboratórios, que seguiam as regras da medicina francesa de Pasteur, e a medicina experimental de Manguinhos, que criticava a medicina tradicional pela limitada capacidade sensorial de seus médicos para perceber as tendências das doenças e as possibilidades de sua erradicação. Mas, mesmo havendo divergências, tanto a medicina tradicional quanto os laboratórios e a medicina instrumental, de caráter experimental, buscavam uma unidade, visando ao fortalecimento do discurso científico. A entidade buscava reconhecimento como espaço de conciliação das diferentes posições teóricas – dos seus 18 fundadores, 10 eram dermatologistas. O desenvolvimento da entidade foi rápido: um ano após a sua fundação, já contava com 81 associados, dos quais 52 eram do Rio de Janeiro. A primeira reunião científica ocorreu em 1-º de março de 1912 e nesse mesmo ano outras dez reuniões foram realizadas. Entre os temas abordados, com a grafia da época, estão: “Boubas (Silva Araújo Filho); Moléstia de Duhring (Fernando Terra); Granuloma Ulcerosos Tropical, Lupus Erythematoso, Vericose Juvenil (Eduardo Rabello); Tratamento das Ulceras da Perna com Iodo (E. Crissiuma); e Lepra e Nastina (Fernando Terra)”1. Nas décadas seguintes, os membros da sociedade continuaram contribuindo com trabalhos para o desenvolvimento da dermatologia, e várias doenças foram descritas e caracterizadas por dermatólogos brasileiros, como a doença autoagressiva hanseniana (Rubens David Azulay) e a dermatose anserina (Padilha Gonçalves), entre outras. Os Anais da dermatologia, editados a partir de 1925, foram fundamentais para a divulgação das pesquisas e ideias desses cientistas e médicos entre a comunidade científica. Prédio da Santa Casa de Misericórdia, que, durante anos, foi sede Santa Casa de Misericórdia building, which for many years was the seat da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, no Rio de Janeiro. of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, in Rio de Janeiro. Instituto Butantã, em São Paulo, construído a partir da aquisição Instituto Butantã, in São Paulo, built after the acquisition of Fazenda da Fazenda Butantã pelo governo estadual. A intenção era instalar Butantã by the state government, which had planned to set up a um laboratório de produção de soro antipestoso para combater o surto laboratory to produce serum against the bubonic plague that had de peste bubônica que se propagava no Porto de Santos, em 1899. spread in the Port of Santos, in 1899. 29 Mato Grosso, 1888. Indian boy, Mato Grosso, 1888. a eugenia teve um caráter exclusivamente de saneamento, apoiado em uma medicina intervencionista, que impunha ações maciças de higiene entre a população. Sífilis, nova postura em relação à doença O agravamento das epidemias estava condicionado a fatores políticos e econômicos de interesse nacional relacionados ao desenvolvimento industrial e ao ideal de modernização do país. A sífilis, alvo de preconceito e fortemente hostilizada, espalhava-se rapidamente, tornando os doentes mais oprimidos, omissos e rebeldes ao tratamento, dificultando as primeiras tentativas de combate à doença. Em 1925, a Sociedade Brasileira de Dermatologia alterou a denominação para Sociedade de Dermatologia e Sifilografia, em referência direta à sífilis, doença que comprometia múltiplos órgãos: os ossos, os olhos e a pele, e os sistemas nervoso e cardiovascular – um flagelo da sociedade, uma doença considerada não só horrível como degradante e vulgar. Contra a sífilis, militavam no Rio de Janeiro o grupo da Faculdade de Medicina, que reunia Fernando Terra, Eduardo Rabello e Oscar da Silva Araújo; o grupo de Manguinhos, formado por Adolfo Lutz, Gaspar Vianna, Arêa Leão e Heraclides Cesar de Souza-Araujo; e o grupo da Policlínica do Rio de Janeiro, integrado por Werneck Machado e seus auxiliares. De São Paulo, Antônio Carini e Adolpho Lindemberg, ambos ligados ao Instituto Bacteriológico, integravam a sociedade. No primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em julho de 1929, Mendes de Castro, médico auxiliar da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde de São Paulo, apresentou o trabalho “A luta contra a sífilis e moléstias venéreas em São Paulo”, que abordava os serviços médicos prestados pelo Estado no combate à sífilis e a outras doenças venéreas e apontava os “males venéreos” como responsáveis pela degeneração da raça, reforçando a importância eugênica da educação sexual e do tratamento desses “doentes”. No entanto, cresceu e se consolidou a crença de que o problema brasileiro residia em larga medida na sífilis e não na mistura de raças, e, por essa ótica, a própria doença teve importância estratégica, pois implicou sucessivas intervenções sanitárias para atacá-la e curar seus males. A historiadora Nancy Stepan identifica um clima de “nacionalismo realista” na década de 1920, que levaria os brasileiros a procurar novos caminhos para interpretar sua condição social e climática e seu perfil racial, afastando-se assim dos padrões europeus. Os sifilógrafos brasileiros contribuíram para a consolidação desse pensamento de forte apelo nacionalista, que valorizava o que o Brasil tinha de não europeu em vez de atribuir todos os males à miscigenação das raças. O início da década foi marcado pela mudança nas ações e políticas de profilaxia da sífilis. Foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, dando início ao processo de centralização política da saúde e de ações dirigidas ao tratamento e profilaxia da sífilis, que significou uma nova postura política em relação à doença. No comando da inspetoria estava o sifilógrafo Eduardo Rabello, além de Oscar da Silva Araújo e Joaquim Mota Vale. A política de combate à sífilis foi baseada principalmente na propaganda higiênica de caráter educativo e no tratamento de doentes em dispensários ou hospitais especializados. Family ties: ethnic groupS in brazil 28 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Menino índio, Vieira de Carvalho, fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, o médico sanitarista Arthur Neiva e o psiquiatra Franco da Rocha. A sociedade se definiu como uma organização culta de caráter científico, produziu alguns estudos, mas nunca realizou pesquisas, dedicando-se basicamente a divulgar as ideias e a introduzir o tema no debate. Na literatura brasileira, Monteiro Lobato escreveu O choque das raças ou o presidente negro, publicado em 1926, fazendo do enredo uma defesa veemente dos ideais eugênicos. Amigo de Renato Kehl, enviou-lhe uma carta dizendo: “Renato, tu és o pai da eugenia e a ti devia dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia [...]. Precisamos lançar, vulgarizar estas ideias. A humanidade precisa de uma coisa só: poda [...]”. As ações eugênicas propostas no Brasil eram de ordem restritiva, como a regulamentação do casamento, a segregação, a esterilização, e outras, construtivas, de educação higiênica e de propaganda dos princípios eugênicos, mas essas ações nunca se concretizaram, apesar de passarem a ser amplamente discutidas. Os eugenistas propunham homogeneizar a raça nacional por meio de um processo de branqueamento feito, por exemplo, com o controle das políticas imigratórias e do processo de miscigenação, mas a dura realidade era que as práticas sanitárias não davam conta de frear as epidemias e erradicar as doenças. Nesse momento em que a nação procurava firmar sua identidade a ciência encontrou campo para difundir as teorias da hereditariedade, entendendo a vida humana como resultado de processos biológicos e a eugenia como meio ideal de exercer sua função na sociedade. Desse modo, no Brasil, 30 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Hanseníase, o mal dos séculos O homem em cuja pele ou carne aparece cor estranha, tumor ou espécie de mancha reluzente, que seja indício de mal de lepra, será conduzido ao Sacerdote Aaron ou a qualquer de seus filhos; o qual, se vir lepra na pele, com o pelo embranquecido e a parte mesmo que parece leprosa mais deprimida que a pele e carne restante, declarará que é chaga de lepra, e o considerará impuro, e o que a tem, será separado da companhia dos outros. Terá as vestes rasgadas, a cabeça desgrenhada, se cobrirá até o bigode e irá gritando: Impuro, impuro! Todo o tempo que estiver leproso e imundo ,habitará sozinho, fora do povoado. Levíticos 13, 2-3 e 45-46 Em 1874, o médico e botânico norueguês Gerhard Henrik Armauer Hansen iniciou a desmistificação da crença que por séculos relacionou a lepra ao castigo divino e às impurezas e pecados dos indivíduos, ao identificar o Mycobacterium leprae como o bacilo causador da doença. É uma das mais antigas enfermidades referidas pelo homem. O Japão, a China e a Índia já conheciam a doença havia quase quatro mil anos, mas sua origem não é precisa, existe muita controvérsia entre os estudiosos; no entanto, a região da faixa setentrional da África central, da Nigéria à Abissínia, deve ser considerada como foco principal, uma vez que ainda é a parte do globo mais afetada pela doença. Ao continente americano a lepra chegou na época da expansão marítima, com os colonizadores portugueses, espanhóis, franceses e holandeses, e posteriormente com os africanos. Na obra História da lepra no Brasil, Heraclides Cesar de Souza-Araujo afirma que não havia lepra entre os indígenas, e muitos viajantes que percorreram o interior do Brasil também concluíram em seus relatos que as tribos puras não eram acometidas dessa infecção. No Brasil, segundo o médico Fernando Terra, estudioso da lepra e um dos fundadores da SBD, há registros de casos desde 1600, mas somente muito mais tarde, em 1741, foi criado, em Recife, um asilo para atendimento aos doentes. A Coroa Portuguesa era omissa em relação à construção de instituições para o atendimento dos leprosos. No Rio de Janeiro, as autoridades tentaram, em vão, obter da Coroa recursos para a instalação de um asilo na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Então, em 1741, o governador do Rio de Janeiro, capitão-general Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadella, mandou construir as primeiras instalações, mantendo a instituição até a sua morte. O asilo originou o Hospital de Lázaros, que desde 1763 está sob a responsabilidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Nossa Senhora da Candelária. A partir de 1941, passou a se chamar Hospital Frei Antônio, em homenagem ao bispo dom Antônio do Desterro. Na Bahia, também devido à omissão da Coroa, dom Rodrigo José de Menezes fundou, com o auxílio do povo, o Hospital São Cristóvão dos Lázaros, na Quinta dos Jesuítas, em Salvador, que prestou serviços até 1947. Em outros Estados também foram criadas áreas e instituições para leprosos: em Belém, no Pará, a Santa Casa criou, em 1815, o Hospício dos Lázaros, que atendia toda a região Norte e funcionou até 1938; no Maranhão, a partir de 1826, foram criadas várias aldeias de leprosos, como São Bento e Viana; no Mato Grosso, em 1816, o capitão-general Oyenhausen fundou, em Cuiabá, o Hospital dos Lázaros, chamado depois Hospital de São João dos Lázaros. Em São Paulo, a Santa Casa de Misericórdia fundou o Hospital dos Morféticos, em 1805, que funcionou na chácara Olaria. No interior do Estado, em 1806, foi construído um hospital para morféticos em Itu, que existiu por 125 anos; e em Campinas, em 1863, foi instalado o Hospital dos Lázaros de Guapira. Durante muito tempo a lepra era confundida com outras doenças como a sífilis e a elefantíase dos gregos, mas a ampliação das pesquisas ao longo do século XIX possibilitou aos médicos uma avaliação melhor dos doentes. No Brasil, o dr. Joaquim Cândido Soares de Meirelles apresentou à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1831, o “Paralelo entre as duas espécies de elefantíases e entre a lepra”, primeiro trabalho sobre a doença. Foi o início de uma série de outros, apresentados por Francisco de Paula Cândido, Luís Vicente De-Simoni e João Maurício Faivre. A Academia Imperial de Medicina era o palco dos debates em torno das pesquisas para identificação da lepra. Em agosto de 1845, os médicos presentes à reunião apresentaram seus pareceres a respeito do trabalho de João Maurício Faivre, sobre o uso das águas termais de Caldas Novas, em Goiás, no tratamento de leprosos e da elefantíase dos gregos, vulgarmente chamada de morfeia. Em 1847 a lepra foi definida como uma realidade nosológica diferenciada das demais doenças, com a publicação do tratado ilustrado Om Spedalsked, dos dermatologistas noruegueses Daniel C. Danielssen e C. W. Boeck, que descreviam a lepra lepromatosa. Em 1863, Rudolf Virchow descreveu e identificou o granuloma lepromatoso; e, em 1879, o alemão Albert Nissier comprovou a presença do bacilo em material leproso. A descoberta do Mycobacterium leprae por Gerhard Hansen, no entanto, mostrou um agente patogênico peculiar, mas não esclareceu os mecanismos da infecção e sua transmissibilidade, o que dificultou a conexão do bacilo com a lepra, estimulando um debate que adentrou as primeiras décadas do século XX. O auge do embate ocorreu em Berlim, em 1897, com a realização da I Conferência Internacional de Leprologia, o primeiro encontro internacional sobre a lepra. A conferência definiu o bacilo como a causa verdadeira e exclusiva da doença, abrindo a possibilidade de uma intervenção terapêutica mais precisa, definida em suas considerações finais pela notificação compulsória e pelo isolamento. As conclusões dos debates orientaram as medidas profiláticas dos governos nas décadas seguintes. Na reconstrução histórica da lepra como doença microbiana foi fundamental a realização do Congresso Internacional de Dermatologia, em 1904, que ratificou essa decisão e deliberou a incausalidade da lepra. No Brasil, não foram implementadas medidas oficiais de combate efetivo da doença nos primeiros dez anos da Negra da Bahia, 1885. Bahia female Negro, 1885. república. O Regulamento Sanitário, de 1890, determinava notificação compulsória apenas para casos de febre amarela, cólera, difteria, peste, sarampão, escarlatina e varíola, sem citar a lepra. Em 1894, pelo Decreto nº- 1.657, fundem-se o Laboratório Bacteriológico e a Diretoria Sanitária para constituir o Instituto Sanitário Federal, que no parágrafo segundo do seu estatuto fazia referência à doença, subordinando os hospitais e isolamentos ao instituto. Essa reforma representou um avanço, na medida em que dava à higiene pública um caráter científico. As discussões sobre a lepra ficaram então divididas entre contagionistas e anticontagionistas e giravam em torno das formas de transmissão do bacilo de Hansen. Sabia-se que o contágio se dava pelo contato com o doente, única fonte do vírus, mas não se conheciam ainda as vias de penetração do bacilo no organismo humano: supunha-se que por vias oral, genital ou cutânea. Os mosquitos e insetos parasitas, como pulgas e percevejos, também eram suspeitos de transportar e inocular o bacilo. A não transmissão hereditária reunia o maior número de provas. Discutia-se, sim, a possibilidade de transmissão da predisposição para a doença, como na tuberculose. A doutrina da hereditariedade foi aceita por influência dos autores noruegueses, que realizaram estudos com base na realidade deles, sem considerar a transmissão da doença em outros países. No Havaí e nas Filipinas, por exemplo, era comprovado que a separação dos filhos de mães leprosas logo após o nascimento evitava a contaminação. Com esses argumentos, essa doutrina foi definitivamente afastada. O Brasil não ficava alheio às discussões. O laboratório anatomopatológico, criado em 1894 no Hospital dos Lázaros, realizava pesquisas de bacteriologia do bacilo da lepra em diferentes culturas. Era um dos principais centros de tratamento da doença, conforme as exigências do período. O diretor clínico, Azevedo Lima, enviou para a Conferência de Berlim a comunicação intitulada “A lepra no Brasil”, que defendia o contágio e o isolamento do doente ao considerar que cada leproso é um perigo aos que o cercam, seja em casa, seja no hospital. José Lourenço de Magalhães, anticontagionista ferrenho, foi um de seus principais opositores teóricos. Em 1900, Magalhães publicou seu trabalho Étude sur la lèpre au Brésil, suscitado principalmente pela Conferência de Berlim, que, na sua opinião, ocorreu sob ideias preconcebidas, expressas em suas conclusões. As sociedades e instituições que reuniam médicos eram o centro dos debates científicos sobre as doenças que devastavam as populações do país. No caso da lepra, por iniciativa da Associação Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, em 1915 foi constituída a Comissão de Profilaxia da Lepra, com base na proposta do dr. Belmiro Valverde. Por sugestão e orientação do professor Juliano Moreira, a comissão contou com a participação de todas as sociedades médicas da capital federal, desenvolvendo importantes estudos sobre os vários aspectos da doença. Ao encerrar os trabalhos, em 1919, a comissão apresentou suas conclusões para embasar a lei para regulamentar o combate à lepra. A Comissão de Profilaxia da Lepra era formada pelos representantes da Academia Nacional de Medicina – doutores Emílio Gomes, Alfredo Porto e Henrique Autran –; Contagionistas versus anticontagionistas – Adolfo Lutz e Belmiro Valverde Em novembro de 1915 a Comissão de Profilaxia da Lepra promoveu um debate sobre as formas de contágio da lepra. Nesse evento, Adolfo Lutz defendeu a teoria da transmissão por mosquitos que haviam picado doentes em estado febril, com presença dos bacilos no sangue, e afirmou em sua conferência que o isolamento sem os cuidados contra a transmissão por mosquitos era uma medida imperfeita para regiões de alta presença desses insetos, e suscitou o debate. O dr. Belmiro Valverde, após enaltecer a idoneidade científica de Adolfo Lutz, ponderou o trabalho de outros autores contrários à teoria e apresentou estudos realizados nas Antilhas que provavam a inexistência do bacilo de Hansen no tubo digestivo dos insetos; o dr. Fernando Terra, médico estudioso da lepra e um dos fundadores da SBD, também contestou a teoria, alegando que ela não só contrariava os autores mais respeitados como desconsiderava a contribuição do Hospital dos Lázaros, que ele dirigia, no bairro de São Cristóvão, onde eram raros os casos de lepra, apesar da existência de mosquitos. Mas considerou a possibilidade do mosquito como agente transmissor, recomendando à comissão a continuidade dos estudos. Por fim, Carlos Seidl, presidente da comissão, acatou a proposta do dr. Paulo Silva Araújo, de levar adiante as ideias do dr. Juliano Moreira, sobre a necessidade de experiências para comprovar a transmissão por insetos. A conferência desencadeou acalorados debates. Entre os defensores incondicionais de Lutz estavam Henrique de Beau­repaire Rohan Aragão, também do Instituto Oswaldo Cruz, e Emilio Gomes, antigo bacteriologista da saúde pública do Rio de Janeiro; entre os adversários, o dr. Fernando Terra, diretor do Hospital dos Lázaros, catedrático de dermatologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e presidente da SBD, e, principalmente, Belmiro Valverde. Os contagionistas apontavam a falta de dados experimentais comprobatórios da transmissão pelo mosquito. Valverde admitia a intervenção de insetos, mas combatia a teoria de Lutz, citando o Amazonas, Estado infestado por mosquitos, mas que apresentava baixa ocorrência de lepra. Adolfo Lutz prosseguiu defendendo sua teoria ao longo de toda a sua trajetória como pesquisador, apresentando suas ideias no 2-º Congresso Sul-Americano de Dermatologia e Sifilografia, em 1921, em Montevidéu, e 33 na Conferência Americana de Lepra, realizada em 1922, no Rio de Janeiro. O debate sobre a questão não saiu de cena até 1930, nas reuniões da Academia Nacional de Medicina, nas quais Belmiro Valverde apresentou outros trabalhos, defendendo sempre sua posição contrária às teorias de Adolfo Lutz. Outros importantes pesquisadores publicaram estudos da doença levando em conta diversos aspectos. Sobre o tema “casamento e lepra”, em 1916, os doutores Paulo Silva Araújo e Belmiro Valverde apresentaram A lepra e o casamento, ligado diretamente ao conceito de eugenia. Sobre “lepra e domicílio”, os doutores Eduardo Rabello e Silva Araújo Filho apresentaram Relações entre a lepra e o domicílio. Confinamento ou isolamento? A tese do contágio acabou prevalecendo em um período repleto de incertezas sobre as formas de transmissão da doença, e a opção por isolar os doentes foi considerada a melhor delas. O isolamento já havia sido previsto em 1904, no título sobre “Profilaxia geral das moléstias infecciosas”, do Decreto nº- 5.156, que fazia parte da legislação da reforma sanitária conduzida por Oswaldo Cruz. Nessa época, era intenso o debate em torno dos problemas sanitários no Rio de Janeiro. Em relação à lepra, considerada doença crônica, os hospitais tornaram-se impróprios para o tratamento e controle da moléstia, sendo substituídos por leprosários, que se diferenciavam por oferecer uma terapêutica mais especializada: o recolhimento e a segregação do doente. Mas os adeptos do confinamento para profilaxia da doença defendiam que uma ilha seria o local mais apropriado, inspirados em Molokai, no arquipélago havaiano, que se tornou referência para políticas públicas de combate à lepra. Oswaldo Cruz já havia se manifestado sobre o tema em relatório ao ministro do Interior, J. J. Seabra, em que defendia a transferência dos doentes para “colônias de leprosos”, estabelecimentos onde eles poderiam, além de receber o tratamento adequado, continuar se dedicando à alguma atividade. Seu plano era isolar os doentes na ilha Grande, mas não deu prosseguimento ao projeto, pois assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, desligando-se da Diretoria-Geral de Saúde. Em 1907, no 6-º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, realizado em São Paulo, a Seção de Dermatologia e Sifiligrafia, sob a presidência de Werneck Machado, aprovou uma moção apresentada pelos doutores Ulysses Paranhos, Alberto Seabra e Adolpho Lindemberg, que propunha como medidas o isolamento dos leprosos em colônias agrícolas, aproveitando as ilhas brasileiras desabitadas, mas férteis; a notificação compulsória da moléstia; e a criação e educação de recém-nascidos filhos de leprosos nos orfanatos dos Estados. Em 1918, na Comissão de Profilaxia da Lepra, Fernando Terra e Juliano Moreira, em “Lepra e isolamento”, destacaram como medida profilática o afastamento do convívio social daqueles que foram atingidos pela doença. A questão era bastante complexa e as discussões envolviam aspectos de naturezas diversas. O isolamento poderia ser feito no próprio domicílio somente por aqueles que dispusessem de recursos financeiros, observando rigorosamente medidas de higiene e desinfecção. Assim, em 1919, a comissão apresentou os resultados em suas conclusões, recomendando o isolamento dos leprosos, base racional da profilaxia da lepra, sem distinção de classe ou indivíduo. Mas já em 1916, no I Congresso Paulista de Medicina, Emílio Ribas havia feito uma conferência tecendo uma série de considerações sobre os problemas do isolamento em seu texto “A lepra: sua frequência no Estado de São Paulo – Meios profiláticos aconselháveis”, referindo-se à escolha do local para o isolamento dos leprosos. Alertava ele que isolar o doente em uma ilha, tirá-lo do convívio social, seria o erro mais grave, argumentando que hospitais de zonas habitadas recebem doentes com moléstias muito mais contagiosas do que a lepra, sem nenhum perigo para a saúde pública, desde que observados os princípios de higiene. E citou como exemplo o Hospital de Isolamento de São Paulo, localizado em zona altamente populosa, que em 22 anos de funcionamento não disseminou nenhuma doença pelas vizinhanças. A polêmica entre Belisário Penna e Eduardo Rabello Mesmo não estando entre as prioridades sanitárias do governo na década de 1910, os médicos incluíram a lepra em seus debates em face da ameaça do avanço da doença e das dificuldades de estabelecer as formas de transmissão e o tratamento. Assim, foi criada, em 1920, a Inspetoria da Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV), com base na nova configuração da doença como problema nacional. Family ties: ethnic groupS in brazil LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL 32 da Sociedade de Medicina e Cirurgia – professor Eduardo Rabello e doutores Werneck Machado e Guedes de Mello –; da Sociedade de Dermatologia – professores Fernando Terra, Juliano Moreira e Adolfo Lutz –; da Sociedade Médica de Hospitais – doutores Sampaio Viana, Silva Araújo Filho e Oscar Dutra e Silva –; e da Associação Médico-Cirúrgica – doutores Paulo Silva Araújo, Henrique de Beau­repaire Rohan Aragão e Belmiro Valverde. 35 grupos indígenas brasileiros de línguas e regiões diferentes –, Sul da Bahia, 1875. Botocudo Indian – a name given to various indigenous Brazilian groups of different languages and from different regions – South of Bahia, 1875. para abrigar um grande hospital de isolamento. O objetivo não era apenas assegurar o bem-estar do doente, mas garantir a preservação da saúde da população sadia. Eduardo Rabello era desfavorável à proposta de Penna, apontando o fracasso desse tipo de medida em outros países, reiterando assim a orientação do IPLDV quanto ao isolamento em leprosários ou em domicílios, com liberdade de escolha para o doente, desde que observadas as exigências da autoridade sanitária. Essa orientação também sofreu críticas, embora o governo já tivesse iniciado a construção das instituições. Rabello argumentava que o número insuficiente de leprosários dificultava o isolamento nosocomial, conforme determinava a legislação, e propunha a construção de colônias agrícolas longe dos centros urbanos, o que não despertaria temor e insegurança na coletividade. Em suma, Penna sustentava a ideia de que os doentes deveriam viver “como nós”, mas isolados, e Rabello acreditava que o melhor seria mantê-los “entre nós”, também isolados. A ideia da construção das colônias agrícolas acabou ganhando vigor e sendo aceita como modelo principal para o isolamento. Na década de 1930, o governo federal empreendeu uma série de construções desses estabelecimentos pelo país, mesmo sem alterar as estruturas de combate à doença. As ações políticas fizeram com que as ações profiláticas perdessem uniformidade. Washington Pires, à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1934, implementou uma série de reformas nos serviços federais de saúde, extinguindo a Direção Nacional de Saúde Pública (DNSP) e a Inspetoria da Profilaxia da Lepra e das Doenças Family ties: ethnic groupS in brazil 34 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Índio botocudo – nome atribuído a vários A proposta profilática desse órgão foi alvo de críticas e discussões, sendo emblemático o debate entre Belisário Penna e Eduardo Rabello sobre o isolamento praticado pela IPLDV. Penna considerava a lepra o problema mais grave do país e, em sua opinião, somente medidas rigorosas seriam eficientes para enfrentar o “descaso dos poderes públicos”. Em vários artigos publicados na imprensa defendia a criação de um município para segregar todos os leprosos do país. Do outro lado estava o dermatosifilógrafo Eduardo Rabello, dirigente do IPLDV entre 1920 e 1926, que defendia o isolamento dos doentes em leprosários como forma de evitar o contágio. Mas a escassez de verbas e a insu­ ficiência do número de instituições para abrigar os doentes levaram a inspetoria a aceitar o isolamento domiciliar. O estopim da polêmica foi a publicação de um artigo em que Penna criticava a atuação do Estado no combate à lepra desde o início da República, desacreditando o sistema de isolamento praticado pelo IPLDV e o uso terapêutico do chaulmoogra e mostrando cálculos alarmantes da evolução da doença, com o objetivo de desqualificar a eficácia e o papel dos leprosários. Afirmava que o único meio seguro de se evitar a propagação seria a retirada dos leprosos da sociedade, considerando a internação em hospitais uma prisão intolerável. Apontava como solução a construção de municípios denominados Município da Redenção ou Município dos Lázaros, onde os doentes viveriam livremente, com possibilidades de trabalho, e seriam responsáveis por suas questões sociais, políticas e administrativas. A ideia era inspirada no projeto de Oswaldo Cruz, que em 1913 propôs o isolamento dos leprosos na ilha Grande, onde já existiam instalações Negro cesteiro, 1875. Negro basket maker, 1875. 37 A hanseníase entre nós Atualmente, e já desde a década de 1950, o tratamento da doença é feito em nível ambulatorial. O internamento compulsório dos acometidos de hanseníase foi abolido por lei, em todo o Brasil, em 1954, exigindo mudanças nas políticas de controle da doença. Mas a extinção do isolamento compulsório efetivamente se concretizou a partir da década de 1960, com a criação dos “dispensários”, que prestavam serviços ambulatoriais para investigação de casos novos e observação dos casos suspeitos, que seriam internados se confirmado o diagnóstico. Com o fim do isolamento compulsório, os doentes poderiam sair dos asilos, se quisessem, e o tratamento poderia ser feito em centros de saúde. Mas, pelas décadas de segregação pelas quais haviam passado, muitos escolhiam continuar nos leprosários, porque não tinham para onde voltar ou como sobreviver na sociedade. Na esteira das mudanças exigidas pela doença ocorreram modificações nos métodos profiláticos e nas políticas de controle da hanseníase, baseadas na descentralização do atendimento e no aumento da cobertura populacional. Em 1964, o governo federal transferiu a responsabilidade dos programas relativos à doença aos Estados, com o término da Campanha Nacional de Lepra. Em São Paulo, o isolamento compulsório dos hansenianos foi eliminado em todo o Estado em 1967, quando o dr. Abrahão A. Rotberg assumiu a diretoria do antigo Departamento de Profilaxia da Lepra, na Secretaria da Saúde do Estado, na gestão do professor Walter Leser. Foi também Rotberg quem propôs a mudança do nome da doença de “lepra” para “hanseníase” e providenciou a substituição do termo em todos os documentos oficiais para afastar o estigma do nome da doença, que poderia levar o doente a ocultá-la, impedindo o tratamento e mantendo a endemia. A proposição de Abrahão Rotberg alcançou mais tarde todo o país, por meio da Lei Federal nº- 9.010, de 29 de março de 1995, que tornou obrigatória a utilização do termo "hanseníase", e vocábulos derivados, em todos os documentos oficiais do governo federal. Com a mudança do nome, buscava-se afastar as fantasias e os preconceitos contra a moléstia, além de favorecer a educação para a saúde. As pesquisas de Rotberg nas áreas da alergia e imunologia da hanseníase projetaram-no mundialmente. Hoje, é de fundamental importância que as pessoas acometidas pela Family ties: ethnic groupS in brazil 36 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Venéreas (IPLDV), pulverizando as atividades e transferindo a responsabilidade do combate à lepra para os Estados. Mas a pesquisa científica sobre a doença, que já era incentivada desde 1927 no Laboratório de Leprologia do Instituto Oswaldo Cruz, dirigido pelo leprólogo Heraclides Cesar de Souza-Araujo até 1950, ganhou novo impulso com a criação do Centro Internacional de Leprologia, resultado das negociações entre o governo brasileiro e a Liga das Nações. Carlos Chagas foi o primeiro diretor, sucedido após a sua morte por Eduardo Rabello. Uma estabilidade maior à política de saúde publica foi conferida em 1934, quando Gustavo Capanema assumiu o Ministério da Educação e Saúde Pública. Porém, as estatísticas apontavam o número insuficiente de asilos e hospitais especializados para recolhimento dos leprosos, implicando a elaboração de um plano nacional de combate à doença. No ano seguinte, por indicação de Capanema, João de Barros Barreto, diretor nacional da Saúde e Assistência Médico-Social, em colaboração com Ernani Agrí­ cola, diretor dos Serviços Sanitários nos Estados, e Joaquim Motta, assistente da Seção Técnica Geral de Saúde Pública, elaborou um plano para a tentativa de recuperar a centralidade perdida na reforma anterior. A maioria dos estabelecimentos construídos a partir do plano começou a funcionar na década de 1940, quando já estava em operação o Serviço Nacional de Lepra, do Departamento Nacional de Saúde, criado em 1941, quando a lepra passou a ter uma avaliação mais ampla e sistemática, que há muito era exigida, diante da gravidade da doença. doença divulguem, sempre que possível, os novos e atuais conceitos e avanços sobre a hanseníase, uma doença curável, de baixa contagiosidade e contra a qual a maioria da população possui “defesas imunológicas naturais”. O controle e a detecção precoce No século XXI, a endemia de hanseníase encontra-se quase extinta como um problema global de saúde pública, mas o Brasil, assim como a Índia, está incluído entre os países com maior prevalência da doença – é o único da América Latina que ainda não conseguiu erradicá-la. “Declínio da prevalência”, “eliminação da hanseníase no mundo”, “tratamento ambulatorial de curta duração” e “cura” são expressões incorporadas na atual visão, em contraponto aos estigmas relacionados à doença até meados do século XX. Assim, as formulações de política de saúde concentraram-se em orientar programas tendo como foco o controle da hanseníase, com base na detecção precoce e no pronto atendimento de casos novos, visando extirpar as fontes de infecção e evitar sequelas. Atualmente, o Brasil apresenta resultados que demonstram tendência de declínio da prevalência em consonância com os demais países endêmicos, sendo que a distribuição da doença em todo o país é desigual entre regiões e Estado. Somada aos programas de controle de prevenção, destaca-se a importante contribuição das pesquisas científicas na área de imunologia, biologia molecular e sequenciamento genômico do M. leprae, importantes ferramentas de diagnóstico, prognóstico e vigilância. A relevância de investimentos na área de produção de conhecimento está cada vez mais evidente na dura batalha para a erradicação da doença, na medida em que esses investimentos garantem a viabilização e a compreensão de mecanismos de transmissão, métodos de prevenção e controle. Referências bibliográficas CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002. CARRARA, Sérgio. 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In the first phase, the protagonists were the indige­ nous people, missionaries, licensed medical practitioners, and people holding a diploma. The indigenous people contribution prevailed for over two hundred years, as missionaries adapted it to the methods of European medicine, up to the massive entry of African slaves whose endemic diseases from their own continent were added to local endemics. In the late 18th century, barbers, pharmacists, and some physicists dispensed medical care in Brazil. The second phase began with the arrival of the royal Portuguese family, when the development of the colony occurred in leaps and bounds to preserve European-style civility. The creation of two surgery schools, one in Salvador and the other in Rio de Janeiro, increased opportunities for specialized practice – pharmacist, midwifery, and physician – and medicine was then deemed a trade, drawing significant interest in the scientific study of the diseases that plagued the population, as syphilis, leprosy, and bubo, the greatest evil in colonial Brazil. The early 20th century marked a scientific phase in which physicians played an important role in the search for national identity, and public health policies started being introduced in the planning of cities and rural areas as a means of waging a systemic fight against diseases. From the second half of the 19th century onwards, as a result of major advancements in medical schools, the publication of Gazeta Médica da Bahia in 1866, and the recognition by the international scientific community of research studies conducted by Brazilian physicians aroused considerable interest in the development of prophylactic efforts. Brazilian physicians started getting information straight from the horse’s mouth by exposing themselves to actual and well-developed circumstances in Europe and then adapting them to their local situation. After debates sparked off by Gazeta, five Brazilian physicians participated in the 1st World Congress on Dermatology and Syphilography, held in Paris in 1889, among them, Bruno Chaves, author of Mercúrio e seus decompostos, who was then nominated for membership at the Société Française de Dermatologie et de Syphiligraphie. Oswaldo Cruz and Instituto de Manguinhos marked the moment when research abandoned its predominantly bibliographic character in favor of an academic production to identify causes, diagnoses, and treatment of unknown diseases. The professor and researcher figures emerge. Public health in the Old Republic The devastating epidemics of yellow fever, smallpox, and cholera that ravaged Brazil thwarted its consolidation as a modern and civilized state, and delayed the national identity-building process. In Rio de Janeiro, the inefficiency of old urban structures to meet new demands could be detected, among other aspects, in the clusters of people in noxious areas, permanent sources of diphtheria, tuberculosis, malaria, leprosy, typhoid fever, and other endemic diseases that ravaged the mestizo population. In São Paulo, in addition to the city facing a similar situation to that of the federal capital, the precarious conditions provided by coffee farmers to immigrants favored successive epidemics that decimated hundreds of workers. As the negative image of the country was disseminated, some countries started discouraging and even prohibiting their nationals from emigrating to Brazil. Public health situation was very far from the intended ideal of modernity; thus government efforts and actions were mostly aimed at improving the country’s image in the international scenario. In 1890, the government created its Public Health Council and the Terrestrial Sanitary Service to address public sanitation issues and fight transmissible and endemic diseases and epidemics, but the work of the government in the health area was determined for a long time by the 1891 Constitution that granted autonomy to states and municipalities, as a result of a pact with oligarchies. Up to 1910, health problems in the country had not been politically prioritized in the national agenda, and studies and research were restricted to specialized places as Instituto Oswaldo Cruz and Instituto de Manguinhos, which made themselves heard in the event of sanitary crises caused by the disorderly growth and the precarious living conditions of the poorer and outcast population. In the context of the reforms Oswaldo Cruz implemented, relevant scientists, whose works were fundamental to set a health policy, came to the stage. Ideological and scientific clashes started shaping a new profile for science and encouraging reforms in such a way that in the early 20th century the public health officer took on a central role in the health area, being directly responsible for sanitary efforts, a symbol of the State efforts. Traditional medicine and the press shared their criticism of the new medicine that adopted the innovations coming from Europe, thus polarizing the debate. On one side, Rio de Family ties: ethnic groupS in brazil T Society, Health, and Medicine Janeiro Medical School and the doctors’ offices of the then capital city that criticized the methods followed by Mangui­ nhos in “invasive” sanitary actions, asserting the privilege of microscopic beings to the detriment of patients, actual human beings; on the other side, the laboratories that abode by the rules of Pasteur’s French medicine, and the Manguinhos experimental medicine that criticized traditional medicine because of the limited sensory capacity of its physicians to perceive trends of diseases and possibilities of eradicating them. But in spite of their differences, traditional medicine, laboratories, and instrumental medicine of an experimental nature sought a unity to strengthen scientific discourse. Skin diseases and the vanguard of dermatology: Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology) In addition to yellow fever, tuberculosis, and smallpox other diseases revealed problems that would reach beyond the consequences of the diseases themselves, as skin diseases – evidenced by the presence of spots, wounds, and deformities, they stigmatized an individual, thus subjecting him or her to being excluded from society, as the skin is a communication organ which denounces a body in bad health; between the late 19th century and the beginning of the following century, syphilis and leprosy were the most significant skin diseases, as they were directly related to isolation and prejudice. Hence the importance of research, training, and specialization of qualified professionals to treat and control those diseases. In Brazil, dermatology was institutionalized in 1883 with the creation of a chair of cutaneous diseases and syphilis clinic in the medical schools of Rio de Janeiro and Salva­­ dor, having João Pizarro Gabizo and Alexandre de Castro Cerqueira as professors, respectively. Up to that moment, Antônio José Pereira da Silva Araújo was in charge of free dermatology education at the first disease clinic in Brazil, created at Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Policlínica Geral was established in 1881 to provide free medical assistance to the destitute, and proposed that a patient’s treatment should be conducted at his or her own house, in order to prevent other patients from being contaminated in hospital environments. Its specialties included syphilitic and cutaneous diseases, under Silva Araújo’s responsibility. Instituto de Manguinhos also made outstanding contributions to consolidate studies on skin diseases: countless research studies were carried out and improved by scientists such as Adolfo Lutz, Adolpho Lindemberg, Paulo Parreiras Horta, Gaspar Vianna, Rocha Lima, Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão, Arêa Leão, Armínio Fraga, Eduardo Rabello, Fernando Terra, and Olympio da Fonseca Filho. At that moment of restructuring Brazilian medicine, in 1912, the antivenereal fight gained momentum and went through a reorganization process with the creation of Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology) that soon became a meeting point for professionals from different institutions who gathered around the research in that area. That entity sought recognition as a space to reconcile different theoretical standpoints – ten out of its eighteen founders were dermatologists. SBD developed very quickly: one year after its foundation, it counted eighty-one members, fifty-two of them from Rio de Janeiro. Its first scientific meeting was held on March 1, 1912, and, in that same year, another ten meetings took place. Among the themes addressed, one could find: buboes (Silva Araújo Filho); Duhring’s disease (Fernando Terra); ulcera­ tive tropical granuloma, lupus erythematous, and juvenile Eugenic ideals arrive in Brazil Eugenics was a social scientific movement that believed in the possibility of improving the qualities of the human species by preserving the “pureness” of certain social groups that were deemed “adequate” for reproduction and a guarantee of a good genetic heritage for future generations. In Brazil, it appeared in response to 19th-century European theories of degeneration, that criticized the miscegenation in the tropics. Hereditary explanations and the idea of “adequate” and “inadequate” human beings would be an effective strategy to improve the mestizo population on the basis of European physicians and jurists. Leprosy and syphilis, along with alcoholism and tuberculosis, were diseases associated with race degeneration and, therefore, incompatible with the harmonious development of a society in pursuit of the modernity ideals intended by the Republic, a challenging scenario for public health officers. Various factors, as the crisis between the monarchy and the Republic, Brazil’s participation in World War I, the lack of universities that would enable a systematic study of eugenics, fostered its introduction in the country, but until 1917 just a few scattered initiatives by intellectuals and scien­ tists mentioned eugenics as a possible way to modernity. In 1918, the theory gains adepts and defenders. Renato Kehl, a physician from the state of São Paulo, founds Sociedade Eugênica de São Paulo, which, among its members, has Arnaldo Vieira de Carvalho, the founder of University of São Paulo Medical School, public health officer and physician Arthur Neiva, and psychiatrist Franco da Rocha. The society was defined as a cultured organization of a scientific nature and, while having produced a few studies, it never engaged in research, devoting itself to disseminating ideas and introdu­c­ ing the eugenics issue in the debate. In Brazilian literature, Monteiro Lobato wrote O choque das raças ou o presidente negro, published in 1926, using the plot in vehement defense of eugenic ideals. Being a friend of Renato Kehl’s, he sent him a letter saying, “Renato, you are the father of eugenics, and I should dedicate my Choque, a pro-eugenic battle cry…. We 1. Glauco Carneiro, História da dermatologia no Brasil. Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002, 59. 41 must introduce and popularize those ideas. Humankind needs one thing only: pruning….” Some of the eugenic actions proposed in Brazil were of a restrictive nature, as marriage regulation, segregation, ster­ i­lization; others were constructive, as sanitary education and advertising eugenic principles, but such actions never materialized, despite the fact they had become the subject of intense debate. Eugenicists proposed to homogenize the national race by means of a whitening process based on, for example, the control of immigration policies and the miscegenation process, but the cruel reality was that sanitarian practices were incapable of curbing epidemics and eradicating existing diseases. In that particular moment when the nation strived to consolidate its identity, science found ground to disseminate theories of heredity, regarding human life as a result of biological processes, and eugenics as an ideal means to exercise its function in society. This way, eugenics in Brazil was of an exclusively sanitarian nature, supported by interventionist medicine practices that imposed massive sani­tary initiatives among the population. Syphilis, a new attitude towards the disease The aggravation of epidemics was conditioned to political and economic factors of national interest, related to the industrial development and to the country’s modernization ideal. Syphilis, fiercely antagonized and the object of prejudice, spread quickly, deeming those sick more oppressed, neglectful, and rebellious to treatment, curbing the initial attempts to fight the disease. In 1925, Sociedade Brasileira de Dermatologia changed its registered name to Sociedade de Dermatologia e Sifilografia, in a direct reference to syphilis, a disease that affected multiple organs: bones, eyes, skin, the nervous and cardiovascular systems – a plague to society, a disease regarded not only as horrible but also as degrading and vulgar. The following people from Rio de Janeiro were engaged in the fight against syphilis: a Medical School group that gathered Fernando Terra, Eduardo Rabello, and Oscar da Silva Araújo; an Instituto de Manguinhos group that included Adolfo Lutz, Gaspar Vianna, Arêa Leão, and Heraclides Cesar de Souza-Araujo; and a group from Policlínica do Rio de Janeiro that gathered Werneck Machado and his assistants. From São Paulo, Antônio Carini and Adolpho Lindemberg, both associated to Instituto Bacteriológico, were members of the society. On the occasion of the first Brazilian Congress on Eugenics, held at Rio de Janeiro Medical School, in July 1929, Mendes de Castro, assistant physician to Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde de São Paulo, presented a study entitled “A luta contra a sífilis e moléstias venéreas em São Paulo” that addressed the medical services provided by the government in the fight against syphilis and other venereal diseases, and cited “venereal diseases” as accounta­ ble for race degeneration, stressing the eugenic importance of both sexual education and the treatment for the “sick.” Nevertheless a belief that the Brazilian problem lay to a large extent in syphilis, and not in the mixture of races, grew and consolidated, and, from that standpoint, the disease itself attained strategic importance, as it involved successive sanitarian interventions to fight it and cure its maladies. Historian Nancy Stepan identifies an atmosphere of “realistic nationalism” in the 1920s, that would lead Brazilians to seek new paths to interpret their social and climate condition, and their racial profile, thus driving away from European standards. Brazilian syphilographers contributed to consolidate that thinking of a strong nationalistic appeal, that valued what Brazil had of non-European, instead of imputing all evils to race miscegenation. The beginning of that decade was marked by a change in initiatives and policies to prevent syphilis. The government created an inspectorship for preventing leprosy and venereal diseases, called Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, starting a process of political centralization of health and of efforts aimed at treating and preventing syphilis, which gave rise to a new political attitude regarding the disease. Syphilographer Eduardo Rabello, and Oscar da Silva Araújo and Joaquim Mota Vale were at the helm of that inspectorship. The syphilis fighting policy was chiefly based on sanitary advertisement of an educational nature and on the treatment of the sick in dispensaries or specialized hospitals. Hansen’s disease, the illness of the centuries When a person has on the skin of his body a swelling or an eruption or a spot, and it turns into a case of leprous disease on the skin of his body, then he shall be brought to Aaron the priest or to one of his sons the priests, and the priest shall examine the diseased area on the skin of his body. And if the hair in the diseased area has turned white and the disease appears to be deeper than the skin of his body, it is a case of leprous disease. When the priest has examined him, he shall pronounce him unclean. The leprous person who has the disease shall wear torn clothes and let the hair of his head hang loose, and he shall cover his upper lip and cry out, ‘Unclean, unclean.’ He shall remain unclean as long as he has the disease. He is unclean. He shall live alone. His dwelling shall be outside the camp. Lev. 13:2–3 and 45–46 Family ties: ethnic groupS in brazil LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL 40 varicose veins (Eduardo Rabello); iodine treatment of leg ulcers (E. Crissiuma), and leprosy and nastina (Fernando Terra).1 In the following decades, society members continued their contribution with works to develop dermatology, and a number of diseases were described and characterized by Brazilian dermatologists, as the Hansen’s self-aggressive disease (Rubens David Azulay) and anserine dermatosis (Padilha Gonçalves), among others. Anais da dermatologia, published as of 1925, were fundamental to disseminate the research studies and those scientists and physicians’ ideas throughout the scientific community. Andrade, count of Bobadella, had the first facilities built, keeping that institution till the day he died. That sanatorium gave rise to Hospital de Lázaros, which, since 1763 has been under the administration of Irmandade do Santíssimo Sacramento de Nossa Senhora da Candelária. In 1941, the name of the institution was changed to Hospital Frei Antônio, to pay homage to bishop Dom Antônio do Desterro. In Bahia, also as a result of a neglectful Crown, Dom Rodrigo José de Menezes founded, with the help of the people, Hospital São Cristóvão dos Lázaros, located at Quinta dos Jesuítas, in Salvador. That facility remained in operation until 1947. Areas and institutions for lepers were also created in other states: in Belém, the capital city of the state of Pará, Santa Casa created Hospício dos Lázaros in 1815 to serve the whole Northern region, and it remained in operation until 1938; in the state of Maranhão, as of 1826, various villages for lepers were created, such as São Bento and Viana; in the state of Mato Grosso, in Cuiabá, the capital city, captain-general Oyenhausen founded Hospital dos Lázaros in 1816, which was renamed Hospital de São João dos Lázaros later on. In São Paulo, Santa Casa de Misericórdia founded Hospital dos Morféticos in 1805, which was located at the Olaria farm. In the interior of the state, in 1806, a hospital for lepers was built in the city of Itu and remained in activity for 125 years; Campinas built Hospital dos Lázaros de Guapira, in 1863. For a long time, leprosy was confounded with other diseases as syphilis and Greek elephantiasis, but the expansion of research studies along the 19th century deemed possible for the physicians to reach a more adequate assessment of the sick. In Brazil, Dr. Joaquim Cândido Soares de Meirelles submitted to the Rio de Janeiro Medical Society, in 1831, his “Paralelo entre as duas espécies de elefantíases e entre a lepra,” the first work about the disease. It was the beginning of a series of other stu­ dies submitted by Francisco de Paula Cândido, Luís Vicente De-Simoni, and João Maurício Faivre. The Imperial Academy of Medicine was the arena for the debates about research studies conducted to identify leprosy. In August 1845, the physicians attending that meeting issued their opinions about João Maurício Faivre’s work, on the use of the thermal waters of Caldas Novas, in the state of Goiás, in the treatment of leprosy and Greek elephantiasis, which is popularly known as morphea. In 1847, leprosy was defined as a nosological reality, differentiated from other diseases, with the publication of an illustrated treaty called Om Spedalsked, by Norwegian dermatologists Daniel C. Danielssen and C. W. Boeck, which described lepromatous leprosy. In 1863, Rudolf Virchow described and identified the lepromatous granuloma; and, in 1879, Albert Nissier, a German scholar, confirmed the presence of the bacteria in leprous material. Despite the fact that Gerhard Hansen’s discovery of Mycobacterium leprae showed a peculiar pathogenic agent, it failed to clarify the infection mechanisms and its transmissibility, deeming it difficult to associate the bacteria with leprosy, fueling a debate that went on through the first decades of the 20th century. The debate reached its peak in Berlin, in 1897, at the First International Leprosy Conference, the first international meeting on the disease. The conference defined the bacteria as the true and exclusive cause of the disease, entailing the possibility of a more precise therapeutic intervention, defined in its final considerations 43 Family ties: ethnic groupS in brazil 42 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL In 1874, Gerhard Henrik Armauer Hansen, a Norwegian physician and botanist, began demystifying the belief that had associated leprosy to divine curse and to the impurities of individuals for centuries, by identifying Mycobacterium leprae as the bacteria that caused leprosy. It is one of the oldest diseases referred to by man. Japan, China, and India had already known that illness for nearly four thousand years, but its origin remains uncertain and it is a highly controversial subject among scholars; however, the region of the northern strip of Central Africa, from Nigeria to Abyssinia (currently Ethiopia), should be regarded as the main source of the disease, since that part of the globe is still the most affected. Leprosy arrived in the American continent at the time of the maritime expansion, with Portuguese, Spanish, French, and Dutch settlers, and later on with the Africans. In his work História da lepra no Brasil, Heraclides Cesar de Souza-Araujo states that there was no leprosy among the native Brazilians, and the many travelers in their journeys through the interior of Brazil also concluded in their accounts that pure tribes were not attacked by that infection. In Brazil, according to physician Fernando Terra, a leprosy scholar and one of the founders of SBD, there are records of cases dating from 1600, but only much later, in 1741, a sanatorium to treat lepers was created, in the city of Recife. The Portuguese Crown was neglectful of building institutions to treat lepers. In Rio de Janeiro, authorities tried in vain to obtain funding from the Crown to install a sanatorium in the Nossa Senhora da Conceição church. Then, in 1741, the Rio de Janeiro governor, captain-general Gomes Freire de by compulsory notice and isolation. Debate conclusions guided the gover­nmental preventive measures in the following decades. In the historical reconstruction of leprosy as a microbial disease, the 1904 International Congress on Dermatology was essential to confirm that decision and determine the uncau­sability of leprosy. In Brazil, no official initiatives for an effective fight against the disease were implemented in the first ten years of the Republic. The 1890 Sanitary Regulation established that only cases of yellow fever, cholera, diphtheria, plague, attack of measles, scarlet fever, and smallpox required compulsory notice, without mentioning leprosy. In 1894, Decree #1657 merged the Laboratório Bacteriológico and the Diretoria Sanitária to form Instituto Sanitário Federal, that in the se­c­ ond paragraph of its by-laws made reference to the disease, subordinating hospitals and isolations to the newly formed entity. That decision represented an improvement, as it granted public sanitation scientific character. Discussions on leprosy were then divided between contagionists and anticontagionists, and were usually about means of transmission of Hansen’s bacteria. It was known that human contact, the only source of those bacteria, was the mode of transmission, but the way bacteria entered the human body was not known: it was assumed that the bacteria spread via the mouth, genitals, or skin. Mosquitos and parasitic insects, such as fleas and bedbugs were also suspects of carrying and inoculating the bacteria. Countless evidences were gathered favoring non-hereditary transmission. In fact, people discussed the possibility of transmitting or a susceptibility to the disease, as in the case of tuberculosis. The theory of hereditarity was accepted under the influence of the Norwegian authors who had conducted studies based on their own set of circumstances, without taking into account the transmission of the disease in other countries. In Hawaii and in the Philippines, for example, it had been proven that separating leper mothers from their children immediately after birth prevented contamination. In view of that evidence, that theory was definitively withdrawn. Brazil was not inattentive to that discussion. The anatomical pathology laboratory, created in 1894 at Hospital dos Lázaros, conducted bacteriological research on the leprosy bacteria in different cultures. That hospital was a major center of treatment of the disease, according to the requirements of that period. Clinical director Azevedo Lima sent to the Berlin Conference a communication entitled “Leprosy in Brazil,” which advocated contagion and patient isolation, by regarding each leper as a hazard to those who live in close contact with him or her, whether at home or at a hospital. José Lourenço de Magalhães, a tenacious anticontagionist, was one of his main theoretical opponents. In 1900, Magalhães published his study called Étude sur la lèpre au Brésil, as a response, above all, to the Berlin Conference, which, in his opinion, took place based on preconceived ideas, as expressed in its conclusions. Instituto Vacinogênico, São Paulo, década de 1910. Instituto Vacinogênico, São Paulo, 1910s. Bahia Negro, 1890. Contagionists versus anticontagionists – Adolfo Lutz and Belmiro Valverde In November 1915, the Leprosy Prevention Committee sponsored a debate on the modes of transmission of leprosy. During that event, Adolfo Lutz proposed the theory of transmission by mosquitoes that had bitten an infected person in feverish condition, with the presence of bacteria in the blood, and affirmed in his lecture that isolation without Confinement or isolation? The contagion thesis ended up prevailing in a period filled with uncertainty about the modes of transmission of the disease, and isolating the sick was deemed the best 45 option. Isolation had already been anticipated in 1904, under the item “General prevention of infectious diseases,” of Decree #5156, that was part of the regulation of the sanitary reform undertaken by Oswaldo Cruz. At that time, there was a fierce debate about sanitary issues in Rio de Janeiro. With reference to leprosy, which was regarded as a chronic disease, as hospitals were no longer adequate to treat and control the disease, they were replaced with leprosaria, which were different insofar as they offered more specialized therapeutics: sheltering and segregating the sick. But supporters of confinement to prevent the disease defended that an island would be a proper place, inspired by Molokai, in the Hawaiian archipelago, which had become a reference for public policies to fight leprosy. Oswaldo Cruz had already voiced his opinion on that subject in a report to the Home Affairs minister J.J. Seabra, in which he advocated transferring the sick to “leper colonies,” establishments where they could devote themselves to a daily activity, in addition to receiving an adequate treatment. He had planned to isolate the sick on Ilha Grande, but did not carry on with his project, as he assumed the direction of Instituto Oswaldo Cruz and left the General Health Directory. In 1907, in the 6th Brazilian Congress on Medicine and Surgery, held in São Paulo, the Dermatology and Syphilography Section, presided by Werneck Machado, seconded a motion submitted by doctors Ulysses Paranhos, Alberto Seabra, and Adolpho Lindemberg that proposed measures as the isolation of lepers in agricultural colonies, taking advantage of uninhabited but fertile Brazilian islands; compulsory notice of leprosy; and the creation and education of newborn babies with leper parents in government orphanages. In 1918, taking part in the Comissão de Profilaxia da Lepra, Fernando Terra and Juliano Moreira, in “Lepra e isolamento”, pointed out as a preventive measure that those who had been attacked by the disease should be withdrawn from social relations. That issue was rather complex, and discussions involved aspects of various types. Isolation at a patient’s own home could only be possible if that patient could afford to do so and strictly follow sanitary and disinfection procedures. Thus, in 1919, the committee presented the results in its conclusions, recommending leper isolation, the rational basis to prevent leprosy, without distinction of class or individual. But in 1916, at the 1st Congress on Medicine of the State of São Paulo, Emílio Ribas delivered a lecture making a number of remarks about the problems of isolation in his essay “A lepra: sua frequência no Estado de São Paulo – Meios profiláticos aconselháveis,” referring to the choice of an isolation place for lepers. He warned that isolating a patient on an island and withdrawing him or her from his or her social environment would be a very serious error, arguing that hospital in populated areas accept patients with much more contagious diseases than leprosy, with no harm to public health, as long as sanitary principles are observed. And gave the example of the Hospital de Isolamento de São Paulo that was located in a densely populated area and that in twenty-two years of operation had not spread one single contagious disease to the neighborhood. The dispute between Belisário Penna and Eduardo Rabello While leprosy was not among the government sanitary priorities in the 1910s, doctors included it in their debates in view of the threat of becoming widespread, and of the difficulties to identify modes of transmission and treatment. Thus, in 1920, Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV) was created based on the new definition of the disease as a nationwide problem. The preventive proposal of that agency was the object of criticism and discussion, and the dispute between Belisário Penna and Eduardo Rabello about the isolation implemented by the IPLDV was highly representative. Penna regarded leprosy as the most serious problem in the country and, in his opinion, only strict measures would be efficient to stand up to the “disdain of public authorities.” In various articles published by the press, he advocated the creation of a municipality to segregate all the lepers in the country. Eduardo Rabello, a dermatologist and syphilographer, and an IPLDV director from 1920 to 1926, was his opponent. Rabello advocated the isolation of patients in leprosaria as a way to prevent transmission. But the scarcity of funds and the insufficient number of institutions to house the sick forced IPLDV to accept “home isolation.” That dispute was triggered by the publication of an article in which Penna criticized the way the State had fought leprosy since the beginning of the Republic, discrediting the isolation method that IPLDV had adopted and the therapeutic use of chaulmoogra, and publishing alarming data on the evolution of the disease, with the purpose of disqualifying the effectiveness and the role of leprosaria. He affirmed that withdrawing lepers from society was the only safe means of preventing the disease from spreading, regarding hospital confinement as an intolerable prison. He stressed that the solution was to build municipalities called Município da Redenção or Município dos Lázaros, where lepers would live freely, would be able to work, and would take on responsibility for social, political, and administrative issues. The idea was inspired by Oswaldo Cruz’ project that, in 1913, proposed isolating lepers on Ilha Grande, which already had facilities to house a large confinement hospital. The objective was not only to ensure a patient’s well-being, but also to guarantee that the healthy population preserved their good health. Eduardo Rabello opposed Penna’s proposal by pointing out the failure of that type of method in other countries, thus restating IPLDV’s orientation regarding isolation in leprosaria or at home, granting the patient the freedom to choose, as long as the requirements of sanitary officials were complied with. That position was also object of criticism, despite the fact that the government had already started to build those facilities. Rabello argued that the lack of enough leprosaria would hinder hospital confinement as the law had stipu­lated, and proposed the construction of agricultural colonies far from urban centers, to avoid spreading fear and insecurity among the healthy population. In other words, Family ties: ethnic groupS in brazil 44 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Negro da Bahia, 1890. Societies and institutions that gathered physicians were the center of scientific debates about the diseases that devastated the people in the country. In the case of leprosy, on the initiative of Associação Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, in 1915, a Leprosy Prevention Committee was created on the basis of Dr. Belmiro Valverde’s proposal. At professor Juliano Moreira’s suggestion and guidance, the committee counted on the participation of all medical societies of the country’s capital, and deve­l­ oped relevant studies on the various aspects of the disease. On concluding its works, in 1919, the committee presented its conclusions to support a law to regulate the fight against leprosy. The Leprosy Prevention Committee was composed of representatives of the National Academy of Medicine – doctors Emílio Gomes, Alfredo Porto, and Henrique Autran; the Society of Medicine and Surgery – professor Eduardo Rabello and doctors Werneck Machado and Guedes de Mello; the Dermatology Society – professors Fernando Terra, Juliano Moreira, and Adolfo Lutz; the Medical Society of Hospitals – doctors Sampaio Viana, Silva Araújo Filho, and Oscar Dutra e Silva; the Medical Surgical Association – doctors Paulo Silva Araújo, Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão, and Belmiro Valverde. due prevention of transmission by mosquitoes was an imperfect action in areas densely populated by those insects, thus fueling the debate. Dr. Belmiro Valverde, after extolling the scientific competence of Adolfo Lutz, assessed the work of authors contrary to that theory and submitted studies conducted in the Antilles that confirmed the inexistence of Hansen bacteria in the digestive tube of those insects; Dr. Fernando Terra, a physician, leprosy researcher, and a founder of SBD, also contested the theory, stating that not only did it go against the most renowned authors but also ignored the contribution of Hospital dos Lázaros, which he directed, in the São Cristóvão neighborhood, where leprosy events were rare, despite the lack of mosquitoes. But he took into consid­e­ration the possibility of mosquitoes as disease carriers and recommended that the committee should continue its research studies. At last, Carlos Seidl, president of the committee, accepted Dr. Paulo Silva Araújo’s proposal of carrying on with Dr. Juliano Moreira’s ideas on the need of further probing to confirm transmission by insects. The conference aroused heated debate. Among the unconditional supporters of Adolfo Lutz were Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão, also from Instituto Oswaldo Cruz, and Emilio Gomes, a former bacteriologist with the Rio de Janeiro public health service; among the opponents were Dr. Fernando Terra, director of Hospital dos Lázaros, professor of dermatology at the Rio de Janeiro Medical School, and president of SBD, and especially Belmiro Valverde. Contagionists pointed out the lack of experimental data to confirm transmission by the mosquito. While Valver­ ­de admitted to insect intervention, he contested Lutz’ theory, citing the Amazon, a mosquito-infested state that showed a low percentage of leprosy events. Adolfo Lutz went on defending his theory in the course of his entire career as a researcher, presenting his ideas at the 2nd South American Congress on Dermatology and Syphilography, in 1921, in Montevideo, and in the American Conference in Leprosy, held in 1922, in Rio de Janeiro. The debate on that subject did not leave the stage until 1930, in the National Academy of Medicine meetings, in which Belmiro Valverde presented further work to support his opposing position to Adolfo Lutz’ theories. Other relevant researchers published studies on the dis­ ea­se, taking other aspects into account. On the theme “marriage and leprosy,” in 1916 doctors Paulo Silva Araújo and Belmiro Valverde presented A lepra e o casamento, which was directly associated to the eugenic concept. On “leprosy and domicile,” doctors Eduardo Rabello and Silva Araújo Filho presented the study Relações entre a lepra e o domicílio. de Barros Barreto, Health and Medical-Social Assistance national director, Ernani Agrícola, director of Sanitary Services in the states, and Joaquim Motta, assistant to the General Public Health Technical Section developed a plan in an effort to restore the credibility that had been lost in the former reform. Most facilities that had been built as part of that plan started activities in the 1940s, when the National Leprosy Service of the National Health Department, created in 1941, was already in operation. From then on, leprosy was the object of a broader and more systematic evaluation, a real need in view of the seriousness of the disease. Hansen’s disease among us Currently, and since the 1950s, the disease is treated on an outpatient basis. Compulsory treatment of leper patients in hospitals was abolished by law in 1954, and required changes in the disease control policies. In fact, the real extinction of compulsory isolation came into effect as of the 1960s, with the creation of new dispensaries that provided outpatient care to investigate new cases and follow suspect cases, which would be placed in a hospital, should the diagnosis be confirmed. With the end of compulsory isolation, lepers were free to leave their sanatoria, and their treatment could be provided through health centers. But after decades of segregation, many patients chose to remain in leprosaria, because they had no other place to go or means to survive in society. In the wake of the changes required by the disease, prevention methods were modified together with leprosy control policies based on decentralization of care and on the increase of population coverage. In 1964, the federal government Control and early detection In the 21st century, the endemism of Hansen’s disease is nearly extinct as a global public health problem, but Brazil, just as India, is included among the countries with the highest incidence of the disease – it is still the only country in Latin America that has not managed to eradicate it. Expressions as “the decline of prevalence,” “elimination of Hansen’s disease in the world,” “short-duration outpatient treatment,” and “cure” have been embedded in current conceptions as opposed to the stigmas relating to that disease until the mid-20th century. Thus, health policies have been devised to guide programs aimed at controlling Hansen’s disease, based on early detection and the immediate care of new cases to eliminate sources of infection and aftereffects. Currently, Brazil has shown results that substantiate a declining trend in the prevalence of the disease in agreement with other endemic countries, the distribution of the disease being uneven from region to region and state to state. As a reinforcement to prevention control programs, scientific research has made an important contribution to the fields of immunology, molecular biology, and genomic sequencing of the M. leprae, valuable diagnostic, prognostic, and vigilance tools. Relevant investments in the knowledgeproducing area have become increasingly visible in the hard battle to eradicate the disease, insofar as they provide a viable option in understanding modes of transmission and facilitating prevention and control methods. 47 Family ties: ethnic groupS in brazil 46 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Penna advocated the idea that the sick should live “like us,” but in isolation, and Rabello believed that keeping them “among us,” also in isolation, would be the best thing to do. The idea of building agricultural colonies started gaining momentum and was approved as the main model for isolation. In the 1930s, the federal government started erecting a number of such facilities in the country, without changing the approach to fight the disease. Political initiatives caused preventive measures to lose uniformity. Washington Pires, in charge of the Ministry of Education and Public Health, implemented a series of chan­ges in the federal health services in 1934, extinguishing Direção Nacional de Saúde Pública (DNSP) and Inspetoria de Profi­ laxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV), fragmentizing activities, and transferring to each state the accountability to fight leprosy. However, scientific research about the disease, which had been encouraged since 1927 at the Laboratório de Leprologia do Instituto Oswaldo Cruz, under the direction of leprologist Heraclides Cesar de Souza-Araujo until 1950, gained a new impetus with the creation of the Centro Internacional de Leprologia, as a result of negotiations between the Brazilian government and the League of Nations. Its first director was Carlos Chagas who, after his death, was succeeded by Eduardo Rabello. Further stability to public health was granted in 1934, when Gustavo Capanema assumed the Ministry of Education and Public Health. However, as statistics showed an insufficient number of specialized sanatoria and hospitals to house lepers, a national plan to fight the disease was develo­p­ ­­­­­­­­­­­­­­ed. In the following year, as appointed by Capanema, João transferred the responsibility for leprosy programs to the states, with the end of the National Leprosy Campaign. In São Paulo, compulsory isolation of lepers was abolished in the whole state in 1967, when Dr. Abrahão A. Rotberg took on the directory of the former Leprosy Prevention Department, at the State Health Secretariat, under the management of Professor Walter Leser. Rotberg also proposed to change the name of the disease from “lepra” to “hanseníase,” and saw that the term was replaced in all official documents to eliminate the stigma caused by the name of the disease that could lead a patient to hide it, preventing his or her treatment and keeping the endemism. Abrahão Rotberg’s proposition was adopted in the entire country through Federal Law #9010, dated March 29, 1995, which made the use of the term “hanseníase,” and its derivatives, compulsory in all official documents of the fede­ral government. The name change sought to eliminate the odd fantasies and the prejudice against the disease, in addition to encouraging health education. Rotberg’s research studies in allergy and Hansen’s disease immunology brought him worldwide renown. Nowadays, it is crucially important that people infected with leprosy disseminate, whenever possible, the new and current concepts and advancements on Hansen’s disease, a curable disease of low contagiousness and against which most people have “natural immune defenses.” Reference List CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002. CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, na passagem do século aos anos 40. 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Ashley Montagu O macaco nu Em A evolução da humanidade, o célebre antropólogo Richard Leakey enumera um conjunto de características singulares da subespécie Homo sapiens sapiens, destacando o caminhar bípede, incomum entre os mamíferos, e o formato arredondado da cabeça, que, diferentemente dos demais primatas, porta um cérebro volumoso e uma face achatada, com proeminente nariz voltado para baixo. Outro “mistério” da evolução humana, assinala o autor, diz respeito à aparente nudez da nossa pele, que nos diferencia dos antropoides por não exibir uma pelagem espessa: “O pelo do corpo humano é abundante, mas extremamente fino e curto, de modo que, para fins práticos, estamos nus”. Essa “nudez” estaria relacionada à nossa capacidade de suar, inigualável entre os primatas, proporcionada pelas numerosas glândulas sudoríparas localizadas na pele (Leakey, 1982: 18). Nas savanas africanas, ambiente em que o gênero Homo evoluiu no decorrer de milhões de anos como primata bípede, uma densa cabeleira protegia os nossos ancestrais dos escaldantes raios solares, ao passo que o corpo “pelado” os favorecia, resfriando-os graças ao suor. Tomando-se esse ambiente como cenário evolutivo, mostra-se igualmente verossímil o argumento de que o peculiar padrão capilar humano constituiu um importante sinal visual, diferenciando, Renato da Silva Queiroz é antropólogo e professor titular aposentado do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo – USP, onde obteve os títulos de mestre em ciências sociais, doutor e livre-docente em antropologia social. 1. A pele é um órgão multifuncional: base do tato, fonte de informações e mediadora de sensações, protetora do organismo na medida em que constitui uma barreira entre ele e o ambiente externo, sintetizadora da vitamina D, entre diversas outras funções. A mansidão humana A relativa fragilidade da pele humana, esse tecido fino e delicado, desprovido de pilosidade espessa, cuja cicatrização é lenta – em comparação com a dos chimpanzés, por exemplo –, constitui claro indício de que não fomos fortemente afetados por pressões seletivas para resistir a ferimentos. Além da vulnerabilidade cutânea, diversas outras características, precocemente selecionadas em nossa trajetória evolutiva – caninos discretos, braços encurtados, mãos delicadas, pequena força da mordida, equilíbrio precário em razão da postura bípede, acanhada massa muscular do pescoço, gracilidade óssea, reduzida força muscular etc. –, traduzem um enfraquecimento anatômico para a luta corporal. Essa fragilidade resultou de um decréscimo significativo da agressividade intragrupal, pois o incremento das formas de cooperação favoreceu a atenuação do padrão hierárquico típico dos primatas ancestrais (Ribeiro, Bussab e Otta, 2009). Em divergência com outros primatas, evoluímos compartilhando alimentos em um ambiente social pacífico e igualitário, e o fizemos no interior de agrupamentos bem configurados, nos quais a cooperação entre homens caçadores e mulheres coletoras parece ter desempenhado decisivo papel na emergência da sociabilidade distintiva dos humanos modernos. O emprego de armas despontou, de início, como uma adaptação à animosidade extragrupal3, e não para a resolução de conflitos intragrupais (Ribeiro, Bussab e Otta). 2. Neotenia é o processo por meio do qual traços fetais e/ou juvenis de espécies ancestrais ou de nossa própria espécie são retidos nos estágios do desenvolvimento do indivíduo, etapas que se sucedem lentamente (Montagu, 1981). São traços neotênicos, entre outros: cabeça grande, rosto achatado, formato arredondado da cabeça, rosto e dentes pequenos, ossos cranianos finos, fechamento tardio das suturas cranianas, unhas delicadas, relativa ausência de pelos, prolongado período de educação e ludicidade. 3. Cabe observar que as ideias sustentadas pela psicologia evolucionista e pela antropologia são coincidentes quanto a esse aspecto. Clastres (1980), por exemplo, referindo-se aos nativos das terras baixas da América do Sul, ressalta que as conflituosas relações intertribais desses povos contrastam com a natureza pacífica do ambiente interno aos grupos locais (ou aldeias). a distância, os “macacos nus” de outras espécies primatas, e distinguindo, mais de perto, as suas fêmeas imberbes dos machos de faces peludas (Morris, 2005). A rarefação da pelagem, esclarece Montagu (1981), deve ter tido valor adaptativo para os nossos ancestrais na medida em que contribuiu decisivamente para a regulagem térmica do corpo1. Todavia, o autor tampouco se esquece da importância dessa característica cutânea para os processos de atração e seleção sexual, visto que a nossa pele “nua”, extremamente sensível ao toque, destaca-se como poderosa fonte de estímulos eróticos. “Na fase de excitação sexual, toda a qualidade sensorial da pele está intensificada. Sensações que em circunstâncias ordinárias seriam dolorosas geralmente se tornam muito agradáveis”, como as produzidas por beliscões, apertos, mordidas suaves e arranhões (Montagu, 1988: 223). Crânio abalonado, rosto achatado e pele glabra, ademais de muitos outros traços típicos dos humanos, como bem observou Waal (2007), constituem características morfológicas neotênicas2, pois derivam da lentidão do processo de maturação que nos distingue de outros primatas (Futuyama, 1992). Family ties: ethnic groupS in brazil Ensaio sobre a pele 51 A atratividade A “nudez” da pele humana é mais pronunciada nas mulheres. Com exceção do topo da cabeça, das axilas e da região pubiana, a fêmea do Homo sapiens sapiens parece ser desprovida de pelos, ou seja, sua pele é funcionalmente nua (Morris, 2005). Por isso, o corpo feminino tende a ser mais macio ao tato e mais sensível ao toque. Embora os julgamentos afetos à estética corporal e à atratividade estejam sujeitos às estereotipadas convenções culturais, há consistentes indícios de que alguns critérios de avaliação do belo e do atraente são universais, donde a valorização das faces simétricas, dos corpos esbeltos e proporcionais e de peles lisas, viçosas, imaculadas (Etcoff, 1999). Peles macias, suaves, firmes e sedosas, acompanhadas de cabelos lustrosos, são atestados visuais de juventude, boa saúde e, ao mesmo tempo, um poderoso sinal erótico da espécie. Inversamente, a presença de acne, rugas, sardas, manchas, verrugas e outras imperfeições compromete a beleza do rosto, do mesmo modo que estrias, flacidez, celulite e varizes enfeiam o restante do corpo. São numerosos os procedimentos adotados pelas mulheres mais maduras e idosas para imitar a pele fresca e luminosa da juventude. No antigo Egito, elas se banhavam em uma mistura de água e carbonato de cal, esfregavam os pés com pedra-pomes e, após o banho, untavam-se de óleos vegetais perfumados com ervas aromáticas. Na atualidade, recorrem a variados procedimentos, como limpeza de pele, cirurgia plástica, peeling, aplicação de toxina botulínica e laser, e fazem uso de uma miríade de produtos cosméticos, com vistas na melhoria estética e no rejuvenescimento cutâneo (Etcoff, 1999; Castilho, 2011). Alguns pesquisadores acreditam que nossos detectores de beleza identificam prontamente a relação entre juventude e feminilidade, e lembram ainda que as feições femininas apresentam-se sempre como mais joviais. Castilho (2011) ressalta que em diversas obras literárias dos séculos XIX e XX a pouca idade – dos 15 aos 18 anos – desponta como um dos principais traços da beleza feminina, compondo o perfil Family ties: ethnic groupS in brazil 50 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL A favor da tese da mansidão humana intragrupo, que se evidencia na fragilidade cutânea e em outras características singulares dos humanos, figura também o reduzido dimorfismo sexual do Homo sapiens sapiens e de seus ancestrais, cujos machos não são significativamente maiores do que as fêmeas. Enquanto os gorilas machos, por exemplo, alcançam o dobro do tamanho das fêmeas, entre nós essa diferença entre os sexos não ultrapassa os 15%. Esse reduzido dimorfismo sexual relativo ao tamanho do corpo (que se estende igualmente aos caninos e à força muscular) está associado à seleção de uma estratégia não agressiva entre os machos para o acesso às fêmeas e à formação de pares duradouros (Mace, 1992). Em suma, os argumentos supramencionados não robustecem a tese segundo a qual teríamos evoluído como macacos assassinos, criaturas portadoras de incontrolável instinto agressivo. É mais sensato presumir que os humanos exibem uma disposição inata para a conduta pacífica tanto quanto para a agressão, cabendo em grande parte à cultura tecer os padrões que configuram a vida social, pois o nosso comportamento, extremamente sensível ao ambiente, não pode ser definido como pré-programado (Leakey e Lewin, 1982). 53 Com efeito, Cecília estava nesse momento de uma formosura que fascinava. Tinha os cabelos ainda úmidos, dos quais escapava de vez em quando um aljôfar que ia perder-se na covinha dos seios cobertos pelo linho do roupão; a pele fresca como se ondas de leite corressem pelos seus ombros; as faces brilhantes como dois cardos rosas que se abrem ao pôr do sol. As preferências adultas por traços infantis específicos, sustenta Sarah B. Hrdy (2001), devem ter modelado as atrações humanas por cores, formatos e tecidos, entre os quais se destacam pele sedosa e cabeças grandes e graciosas. À luz dessa constatação, faz sentido a preferência feminina pelo vermelho para colorir os lábios e as maçãs do rosto, pois essa cor, que se intensifica com a excitação sexual, mostra-se atraente e visível de longe. O rubor No clássico A expressão das emoções no homem e nos animais (1872/2000: 290-322), Charles Darwin ocupou-se do rubor, definido por ele como “a mais humana e peculiar das expressões”. Constatou que a face, as orelhas e o pescoço são as regiões do corpo mais suscetíveis ao enrubescimento e que essa expressão involuntária frequentemente se faz acompanhar de gestos como baixar ou virar a cabeça para um dos lados, esconder o rosto, olhar para baixo ou desviar o olhar. Quando enrubescem muito intensamente, algumas pessoas tornam-se mentalmente confusas, desnorteadas ou desajeitadas, chegando a perder a presença de espírito e a manifestar gagueira, taquicardia, respiração alterada e tremores involuntários de certos músculos faciais. Darwin assinalou que o rubor é mais intenso nas crianças que nos adultos, nos jovens que nos idosos, nas mulheres que nos homens e quando se está na presença do sexo oposto. Bebês e crianças muito pequenas não exibem tal expressão, pois as suas capacidades mentais ainda não estariam suficientemente desenvolvidas para fazê-los corar. Todavia, cegos e negros também são suscetíveis ao rubor – a pele destes últimos adquire uma cor mais escura e brilhante quando coram, alteração perceptível aos que lhes são mais íntimos, como cônjuges e familiares (Pereira, 2008). Segundo Darwin, o rubor traduz uma preocupação consigo mesmo em virtude da opinião alheia, uma preocupação consciente com a própria aparência, conduta moral ou quebra de etiqueta; decorre da vergonha, da modéstia e, notadamente, da timidez ou do acanhamento. Coram os que acreditam que cometeram um ato de indelicadeza, de deslize moral, e também aqueles que são descobertos ou acusados de falsidade4 ou ingratidão, assim como os que são objeto de zombaria, ridicularização, ofensa, elogio, censura e desaprovação. 4. “A verdade não enrubesce”: frase atribuída a Tertuliano. “Quem enrubesce já é culpado; a verdadeira inocência não tem vergonha de nada”: pensamento atribuído a Rousseau. Montagu (1988) descreve o caso de uma mulher que corava quando se via abraçada por outra mulher, pois temia ser rotulada de lésbica. Em Lucíola, José de Alencar concebe uma surpreendente reação de Lúcia, bela e requisitada prostituta, que “se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão” quando tomou ciência de que parte de seus seios se expunha à observação de um admirador. E Mário de Andrade, em Amar, verbo intransitivo, recobre de assemelhada expressão a governanta alemã contratada para iniciar sexualmente o garoto Carlos, que, “aproveitando um momento de sozinhos, dera um abraço tão encostado em Fräulein que ela se sentira enrubescer”. Cabe ainda lembrar que, na mitologia grega, Eos (Aurora), tendo se apaixonado pelo gigante Orionte, continua a enrubescer todos os dias com a recordação dessa paixão. Darwin opõe a teoria da evolução à crença de que o rubor foi concebido pelo Criador para que a alma pudesse exibir nas faces as diversas emoções internas dos sentimentos morais, de modo que tivéssemos um freio para nós mesmos e, simultaneamente, uma sinalização para os outros de que estaríamos violando regras que deveriam ser sagradas. A improcedência do postulado criacionista transparece na sua incapacidade de explicar por que a timidez é a mais comum e eficiente causa do rubor, que faz “sofrer quem enrubesce e constrange quem observa, sem ter a menor utilidade para qualquer um dos dois. [Os criacionistas] Também terão dificuldades para explicar por que negros e outras raças de pele escura enrubescem, já que neles a mudança de cor na pele é quase ou totalmente invisível” (Darwin, 1872/2000: 314). Charles Darwin, que abominava a escravidão, deixou de explicitar o valor adaptativo do rubor para não conferir legitimidade à tese segundo a qual apenas os seres superiores, dotados de senso moral – categoria de que eram excluídos os negros escravizados –, teriam a capacidade de corar. Investigações posteriores constataram o valor adaptativo do rubor, nele identificando uma função apaziguadora, visto que, à semelhança do sorriso e do embaraço, essa expressão contribui para melhorar a imagem pública de quem enrubesce – sobretudo dos que cometem transgressões mais leves –, suscitando a condescendência dos que os julgam ou avaliam (Pereira, 2008). O tocar Entre os mamíferos, as fêmeas costumam lamber os filhotes recém-nascidos. O comportamento de lamber o filhote, mais do que simplesmente limpá-lo, promoveria a ativação de seus sistemas de manutenção, em especial dos mecanismos circulatório, respiratório e excretório, estimulando-os a funcionar adequadamente logo após o parto. As fêmeas humanas não exibem tal conduta – e também não “catam” nem “penteiam com os dentes” os seus bebês –, mas o prolongado trabalho de parto a que estão sujeitas, submetendo o feto a intensas contrações uterinas, equivaleria a “lamber a cria” (Montagu, 1988). Os bebês humanos são dependentes de extensos cuidados parentais, pois vêm ao mundo em condição de imaturidade comportamental, fisiológica e bioquímica, e se beneficiam profundamente das estimulações cutâneas sofridas no decorrer do trabalho de parto. Os nascidos de Family ties: ethnic groupS in brazil 52 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL das personagens Carolina (A Moreninha), Inocência (do romance homônimo) e Aurélia (Senhora), entre outras. Em O guarani, José de Alencar assim descreve a atraente Cecília, moça bela e faceira na juventude dos seus 18 anos: 54 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL parto normal e a termo têm seus sistemas imunológicos ativados mais precocemente e tendem a se tornar indivíduos mais seguros e menos estressados. A propósito, Montagu (1988) assinala que a expressão francesa “un ours mal léché” – “um urso mal lambido” – descreve uma pessoa desajeitada, canhestra, grosseira, em suas relações com os outros. As contrações uterinas do trabalho de parto dão início às carícias ofertadas ao bebê, que se multiplicam com os cuidados a ele dispensados pela mãe. O seu íntimo contato com a figura materna se acentua durante as sessões de aleitamento e também por ocasião dos banhos e outros procedimentos de higiene corporal, oportunidades em que a pele do bebê é friccionada e acariciada. O bebê se sente seguro e acolhido aninhando-se no colo materno. Quando é transportado e embalado para que durma ou deixe de chorar, ouve da mãe palavras suavemente pronunciadas. “O ser humano pode sobreviver a privações sensoriais extremas de outra natureza, como a visual e a sonora, desde que seja mantida a experiência sensorial da pele”, sustenta Montagu (1988: 106). Por isso, os bebês privados de contatos com a mãe, ou que não foram carinhosamente tocados ou acariciados, costumam enfrentar entraves físicos e emocionais nas fases de desenvolvimento subsequentes. Se as carícias e estimulações cutâneas são essenciais ao bebê, também não se mostram menos significativas na idade adulta, particularmente nas interações amorosas. Em nenhuma outra relação a pele é tão profunda e extensamente envolvida como na relação sexual. As zonas erógenas do corpo não se restringem aos órgãos genitais, mas se estendem aos lábios, aos lóbulos da orelha, à região do pescoço, aos mamilos etc. Além disso, não se deve esquecer dos agradáveis e estimulantes odores que a pele secreta e exala. Em outras palavras, toda a extensão da pele é uma zona erógena5. As carícias preliminares, que exploram diversas partes do corpo, executadas por meio das mãos, dos lábios e da língua, mostram-se tão mais prolongadas e irrestritas quanto mais íntimos e afetivamente ajustados se sentem o(a)s parceiro(a)s. Portanto, não seria descabido concluir que as relações sexuais proporcionam uma densa e intensa comunicação tátil entre os que se enlaçam no diálogo do amor. A humanização do corpo Apenas os seres humanos modificam voluntariamente o próprio corpo, ornamentando-o e introduzindo nele alterações radicais e irreversíveis – extração de dentes, deformação craniana, excisão de clitóris, entre outras – ou temporárias e reversíveis, como é o caso das depilações e pinturas corporais (Rodrigues, 1975). Essas alterações, sujeitas a grande variabilidade porque se processam no âmbito de grupos sociais específicos, cada qual com sua cultura, marcam e reafirmam status, identidades nacionais, etárias, religiosas, ocupacionais, de classe, de gênero etc. 5. “Um pedaço de pele com aproximadamente 3 centímetros de diâmetro contém mais de 3 milhões de células, entre 100 e 340 glândulas sudoríparas, 50 terminações nervosas e 90 centímetros de vasos sanguíneos. Estima-se que existam em torno de 50 receptores por 100 milímetros quadrados, num total de 640.000 receptores sensoriais. [...] O número de fibras sensoriais oriundas da pele que entram na medula espinhal [...] é superior a meio milhão” (Montagu, 1988: 24-25). 57 entre os objetos depositados em sarcófagos egípcios (Etcoff, 1999). Boa parte dos cuidados corporais, notadamente os procedimentos e produtos destinados a colorir, amaciar, perfumar, hidratar e esticar a pele – o maior e mais estético órgão do corpo –, tem por objetivo manter a sua beleza e juventude. No mundo moderno, em que a boa aparência se reveste de elevado valor de sobrevivência, gastam-se fortunas em cosméticos e cirurgias plásticas. Nos Estados Unidos esses gastos representam mais que o dobro dos recursos desembolsados para a aquisição de material de leitura, o que configura uma busca desesperada pela beleza por aqueles que almejam recuperar a aparência da adolescência núbil, como se fosse possível capturar e manter imune à ação do tempo a exuberância efêmera da juventude (Etcoff, 1999). Essas concepções e práticas associadas ao embelezamento corporal, embora condicionadas pelo caráter arbitrário da cultura, não se dissociam de razões e critérios universais, afetos aos julgamentos estéticos e à seleção de parceiros. Por essa razão, percebemos como belas e atraentes as características que sinalizam, sobretudo nas mulheres, juventude, nubilidade, fecundidade, saúde e boa forma, o que nos leva a valorizar e a desejar, não obstante as diferenças culturais, pessoas portadoras de pele macia e viçosa, cabelo espesso e lustroso, cintura bem marcada, corpo proporcional e face simétrica (Etcoff, 1999; Queiroz e Otta, 2000). A desumanização do corpo Como já foi mencionado, uma pele imaculada e viçosa constitui uma característica universalmente valorizada e desejada. Em contrapartida, imperfeições cutâneas figuram na composição do feio, do perigoso e do monstruoso, estigmatizando e marginalizando portadores de síndromes e moléstias que afetam a pele ou nela se manifestam6. Em Fogo morto, romance eleito como obra-prima de José Lins do Rego, a superstição popular evoca o mito do lobisomem na estigmatização do mestre seleiro José Amaro, acusado de licantropia porque cultivava o hábito de caminhar solitariamente em noites enluaradas e, sobretudo, devido à coloração amarelada de sua pele7, que lhe conferia um aspecto doentio. A negra Margarida adverte a esposa do seleiro: Comadre Adriana, o povo está falando muito do mestre José Amaro... Estão dizendo que ele está virando lobisomem. [...] que aquele amarelão dele é que faz o mestre correr como bicho danado. Estigma idêntico recobre os que padecem de hipertricose, vulgarmente conhecida como “síndrome de lobisomem”, caracterizada pelo exagerado crescimento de pelos por todo o corpo ou em partes dele. Vistos como aberrações, 6. É curioso observar as peculiaridades cutâneas presentes no perfil de entidades míticas ou lendárias que povoam o imaginário popular: a pele mumificada do “Corpo-Seco”, figura aterrorizante dos caminhos rurais, rejeitada pela terra porque em vida pautou-se pela vilania, tendo espancado a própria mãe; o avermelhado da pele e dos cabelos da Caipora, entidade das florestas protetora dos animais e da caça predatória; o negrume da pele do Saci, criatura zombeteira e turbulenta de uma só perna, inseparável do cachimbo e do gorro vermelho, associada aos redemoinhos e espaços liminares. 7. Outros elementos reforçam a posição marginal desse personagem no cenário em que se desenvolve a história: José Amaro residia à beira da estrada, ocupava uma posição intermediária – a de artesão – entre o proprietário do engenho e os trabalhadores do eito, não tivera um filho homem e arrastava uma das pernas. seres anômalos, criaturas intermediárias entre o humano e o animalesco, indivíduos com hipertricose, como as “mulheres barbadas”, exibiam-se em circos e shows de horrores, atraindo multidões de curiosos aos espetáculos8. Não têm outra sorte os que apresentam a modalidade mais severa de albinismo – ausência de melanina na pele, nos olhos, cabelos e pelos –, em especial nos países e re­giões cuja população exibe pele escura ou negra. As desventuras dos albinos são múltiplas, pois é sabido que, em razão da pele sensível, da fotofobia e de outras dificuldades visuais causadas pela carência de pigmentação, preferem eles circular à noite, sob tênue luminosidade. Essa preferência e a sua singular aparência os colocam sob suspeição, donde as acusações de licantropia que lhes são dirigidas. Em algumas regiões africanas, os portadores de albinismo estão sujeitos a sérios riscos, decorrentes da crença de que algumas partes de seu corpo contêm propriedades curativas e o dom de bafejar com a sorte os que dela venham a se servir9. A hanseníase, conhecida antigamente como “lepra”, figura como a moléstia que mais suscitou a estigmatização de suas vítimas ao longo da história. Tomavam-se as evidentes lesões cutâneas e neurológicas causadas pela doença como marcas de um castigo divino, uma punição pelos pecados cometidos. Esse milenar estigma relegava os seus 8. Programas televisivos sensacionalistas exploram com relativa fre­ quência os dramas de portadores desse e de outros tipos de patologia. 9. Ver matéria publicada pela Folha de S. Paulo em 3/11/2010, sob o título “Homem albino é eleito deputado na Tanzânia”, descrevendo os preconceitos relativos aos albinos e aos riscos que correm em países da África central. Segundo a matéria, muitos tanzanianos, por exemplo, acreditam que certas partes do corpo de albinos servem à preparação de poções mágicas que proporcionam boa sorte aos que as consumirem. Family ties: ethnic groupS in brazil 56 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Usualmente, as modificações introduzidas no corpo se conformam aos ideais estéticos de cada sociedade e de seus diferentes subgrupos. Entretanto, não é incomum que sirvam também à expressão de inconformismos (Queiroz e Otta, 2000). Em diversas sociedades indígenas o status do indivíduo é escrito fisicamente na superfície do seu corpo. Marcas de pertinência, expressão de crenças culturais ou religiosas, as cicatrizes e tatuagens não ocupam um espaço separado do corpo, mas se perpetuam na própria pele, e nela também traçam as feições do ser coletivo que se sobrepõe à identidade individual, como se fosse uma pele social (Clastres, 1974; Helman, 2003). O corpo é um artefato da cultura, apropriado, modelado e modificado por ela desde o nascimento, sendo assim submetido a um processo de humanização, já que o uso que dele fazemos não é “natural” ou espontâneo, mas padronizado de acordo com as numerosas técnicas corporais que o adestram para a realização de operações e movimentos socialmente rotinizados (Mauss, 1974). Um corpo intocado, não modificado pela cultura, nada representa senão um ente bruto, um mero objeto da natureza (Lévi-Strauss, 1957). A expressiva maioria das modificações produzidas no corpo afeta os cabelos – cortes, tinturas, ornamentos – e a superfície da pele: depilação, pinturas, tatuagens, implantação de piercings e escarificações. Essa paixão pelo adornamento é bastante antiga, visto que arqueólogos recuperaram adereços e pigmentos corporais datados em mais de 40.000 anos. Pertinentes a épocas mais recentes, alguns tipos de estojo de maquiagem repousavam 59 Leprosos foram efetivamente acusados, em 1348-1350, de terem espalhado a Peste Negra. O aspecto horrível de suas lesões passava por ser uma punição do céu. Dizia-se que eram dissimulados, “melancólicos” e debochados. Acreditava-se também – concepção que pertence ao universo mágico – que, por uma espécie de transferência, podiam livrar-se de seu mal satisfazendo seus desejos sexuais com uma pessoa sã, ou então matando-a. Em 1321, portanto 27 anos antes da Peste Negra, leprosos acusados de terem envenenado poços e fontes foram executados na França. Essa “praga maldita” suscitava um pavor generali11 zado , o que motivava a ruptura de laços familiares e a adoção de medidas destinadas a isolar os hansenianos, condenando-os ao limbo dos espaços físicos e sociais periféricos ou ao confinamento perpétuo dos “leprosários”. Mesmo nos dias que correm, havendo cura para essa doença, não é raro os pacientes exibirem, ademais das marcas cutâneas hipocrômicas, máculas que comprometem a 10. Os termos “lazarento” e “morfético”, sinônimos de “leproso”, ainda são empregados quando se tem a intenção de insultar ou ofender alguém. 11. Nos séculos XV, XVI e XVII vigorava a crença de que a peste poderia penetrar no corpo caso o calor e a água nele produzissem fissuras, abrindo os poros para o ar pestilento. Por isso, a higiene corporal dos europeus restringia-se a lavar as mãos e o rosto, sendo raros os banhos completos (Vigarello, 1996). Family ties: ethnic groupS in brazil 58 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL portadores à subumana condição de seres malditos, sujos, impuros, repelentes, indesejáveis e perigosos10. O historiador Jean Delumeau (1989: 140) assim descreve as representações do mal de Hansen na mentalidade medieval e a brutalidade das perseguições sofridas pelos que contraíam a doença: sua saúde psíquica: identidade deteriorada e autoestima afetada em consequência dos sentimentos de culpa, vergonha, abandono, rejeição, discriminação, solidão e impureza, além do temor de que possam contaminar pessoas próximas, especialmente familiares. Pele: expressões e provérbios A importância das funções táteis da pele está consignada em expressões correntes no imaginário popular, embora as pessoas em geral não se “toquem”, isto é, não tenham plena consciência do significado dessas expressões. Montagu (1988) reúne dezenas delas, dando prova desse uso alegórico da pele. Eis algumas: “toque mágico”, “toque delicado”, “toque feminino”, “dar um toque”, “dar uma esfregada”, “entrar em contato”, “casca grossa”, “não me toques”, “falta de tato”, “ter as coisas na ponta dos dedos”, “sentir as consequências na pele”, “sentir calafrios”, “ficar todo arrepiado”. Por fim, evocando os provérbios mais conhecidos, caberia lembrar que uma pessoa falsa ou dissimulada é um “lobo em pele de cordeiro” e que “a má pele não se muda”. Entretanto, “há pessoas que têm duas peles” ou uma “segunda pele”. Por precaução, é melhor “não vender a pele do urso antes de matá-lo”, pois “quem não pode pagar do bolso, que pague com a própria pele”. Portanto, o imprevidente deverá “sofrer na própria pele” os prejuízos, vendo-se obrigado a trabalhar por muito pouco ou quase nada para um patrão dado a “esfolar” os seus empregados, o mesmo que “das costas de muitos pobres já tinha o couro tirado”. E, diante de tal sofrimento, de nada adianta ficar “com os nervos à flor da pele”, pois “quem não quer ser lobo que não lhe vista a pele”, devendo, portanto, sempre lembrar-se de que “quem se lava e não enxuga, toda a pele se lhe enruga”. Referências bibliográficas CASTILHO, Renata dos Santos. “Estética e envelhecimento: representação da imagem para mulheres envelhescentes”. São Paulo: PUC, 2011. Tese de mestrado em gerontologia. CLASTRES, Pierre. La société contre l’état: recherches de anthropologie politique. Paris: De Minuit, 1974. —. “Arqueologia da violência: a guerra nas sociedades primitivas”, in: Guerra, religião e poder. Lisboa: Edições 70, 1980. DARWIN, Charles (1872). A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ETCOFF, Nancy. A lei do mais belo: a ciência da beleza. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. FUTUYAMA, Douglas J. 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São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 61 Renato da Silva Queiroz On our skin, as on a screen, the gamut of life’s experiences is projected: emotions surge, sorrows penetrate, and beauty I finds its depth. Soft, smooth source of youth’s vanity, skin later bears a wrinkled witness to the toll of years. Radiant in health, it tingles to the affectionate touch. Ashley Montagu The naked ape In The Making of Mankind, Richard Leakey, a renowned anthropologist, lists a set of unique characteristics of the Homo sapiens sapiens subspecies, pointing out the bipedal walking, that is uncommon among mammals, and his round-shaped head, which, differently from the remaining primates, carries a voluminous brain and a flattened face endowed with a prominent nose turned downwards. Another “mystery” of human evolution, as the author points out, concerns the apparent nudity of our skin, which differentiates us from anthropoids because it is devoid of thick fur: “Human body hair is very plentiful, but it is extremely fine and short so that, for all practical purposes, we are naked.” That “nudity” would be related to our sweating capacity, unparalleled among primates, provided by numerous sudoriparous glands located in the skin (Leakey 1981, 18). In the African savannah, the environment in which the Homo gender evolved in the course of millions of years as a bipedal primate, a thick head of hair protected our ancestors from the scalding sun, while his “naked” body benefited from the cooling effect of transpiration. The assumption that such environment was the evolving scenario gives rise to an equally verisimilar argument that the * Excerpts of works published originally in Portuguese have been freely translated into English by the translator and been kept in Portuguese throughout the text. Renato da Silva Queiroz is an anthropologist and full professor, retired from the Anthropology Department of Universidade de São Paulo, where he mastered in social sciences and obtained his doctorate and habilitation degree (Livre-Docência) in social anthropology. unique human hair pattern became an important visual sign, as the “naked apes” could be differentiated from a distance from other primate species and differentiating, from a closer distance, their hairless females from the hairy-faced males (Morris 2005). The scarcity of fur, as Montagu (1981) points out, must have had an adaptive value for our ancestors, insofar as it contributed decisively to the temperature regulation of the body.1 However, the author does not overlook the importance of that cutaneous property to the processes of sexual attraction and selection, since our “naked” skin, being extremely sensitive to touch, stands out as a powerful source of erotic stimuli. “In sexual arousal the whole sensory character of the skin is heightened. Sensations that under ordinary circumstances would be painful often become intensely pleasurable,” such as those produced by pinching, squeezing, soft biting, and scratches (Montagu 1986, 229). A ballooned skull, a flattened face, and glabrous skin, in addition to many other typical human traces, as adequately observed by Waal (2007), constitute neotenic morphological traits,2 because they derive from the sluggishness of the maturating process that distinguishes us from other primates (Futuyama 1992). 1. The skin is a multifunctional organ: the basis of tact, source of information, and a mediator of sensory stimuli, protecting our organism, insofar as it creates a barrier between it and the external environment, a synthesizer of vitamin D, among other functions. 2. Neoteny is a process through which the fetal and/or juvenile traces of either ancestral species or our own species are retained in an individual development stages; phases that take place slowly (Montagu 1981). Neotenic traces include, among others: a large head, a flattened face, a round-shaped head, small face and teeth, thin cranial bones, a tardy lock up of cranial sutures, delicate nails, a relative absence of hair, a prolonged educational period, and playfulness. Human mildness The relative fragility of the human skin, that thin and delicate tissue, devoid of thick hair, the healing of which is slow – as compared to that of the chimpanzee, for example – is a clear indication that we have not been deeply affected by selective pressures to resist to wounds. In addition to cutaneous vulnerability, a number of other characteristics that were precociously selected in our evolutionary path – discreet canine teeth, shortened arms, delicate hands, reduced biting strength, precarious balance as a result of our bipedal posture, modest neck muscle mass, graceful bone framework, reduced muscle strength, etc. – translate into an anatomic weakening for hand-tohand fighting. That fragility emerged as a result of a significant decrease in intragroup aggressiveness, as an increment in ways of cooperation favored the attenuation of the typical hierarchical pattern of ancestral primates (Ribeiro, Bussab, and Otta 2009). Differently from other primates, we evolved by sharing food in a social, peaceful, and equalitarian environment, and did it inside adequately established groupings, in which cooperation among hunting men and gathering women seems to have played a decisive role in the emergence of the distinctive sociability of modern human beings. The use of weapons emerged initially as an adaptation to extra-group hostility,3 and not to solve intragroup conflicts (Ribeiro, Bussab, and Otta). 3. It should be stressed that the ideas supported by evolutionist psychology and by anthropology are coincident in that aspect. Clastres (1980), for example, when referring to the natives of lowlands in South America, emphasizes that the conflicting tribal relations of those people contrast with the peaceful nature that extends from the internal environment to local groups (or villages). Family ties: ethnic groupS in brazil Essay on the Skin * 63 Com efeito, Cecília estava nesse momento de uma formosura que fascinava. Tinha os cabelos ainda úmidos, dos quais escapava de vez em quando um aljôfar que ia perder-se na covinha dos seios cobertos pelo linho do roupão; Cutaneous fragility and other unique traits of humans favor the assumption of intragroup human mildness, in addition to the reduced sexual dimorphism of the Homo sapiens sapiens and of his ancestors, whose males are not significantly larger than the females. While male gorillas, for example, may become twice as big as their females, that sex difference among us does not exceed 15 percent. Such reduced sexual dimorphism regarding body size (which is equally extended to the canine teeth and muscle strength) is associated to a choice of a nonaggressive strategy among males to take females and the establishment of long-lasting pairs (Mace 1992). In sum, the aforementioned arguments do not streng­th­ en the thesis according to which we would have evolved as murdering apes or creatures featuring an uncontrollable aggressive instinct. It is more sensible to assume that humans display an innate propensity towards both peaceful and aggressive behavior, falling to culture to weave the patterns that shape social life, since our extremely environment-sensitive behavior cannot be deemed to have been preprogrammed (Leakey and Lewin 1982). Attractiveness The “nudity” of the human skin is more pronounced in women. Except for the top of the head, the armpits, and the pubic region, the female Homo sapiens appears to be devoid of hair, in other words, their skin is functionally naked (Morris 2005). For that reason, the female body tends to be softer to tact and more sensitive to touch. While judgment concerning body aesthetics and attractiveness is subject to stereotyped cultural conventions, there are consistent indications that some assessing criteria of beauty and attractiveness are universal, thence valorizing symmetrical faces, graceful and proportionate bodies, smooth, lush, immaculate skin (Etcoff 1999). Smooth, soft, firm, and silky skin along with shiny hair are visual evidence of youth, good health, and, at the same time, a powerful erotic sign of the species. Inversely, the presence of acne, wrinkles, freckles, stains, warts, and other imperfections compromises facial beauty, just as grooves, flabbiness, cellu­ litis, and varicose veins deem the rest of the body ugly. More mature and women advanced in years usually adopt countless procedures to imitate the fresh and luminous skin of youth. In ancient Egypt, they bathed in a mixture of water and calcium carbonate, they rubbed a piece of pumice on their feet, and, after bathing, anointed themselves with vegetable oils scented with fragrant herbal plants. Nowadays, they resort to a variety of procedures, as skin cleansing, plastic surgery, peeling, injections of the cosmetic form of botulinum toxin, and laser treatment for the skin, and make use of a myriad of cosmetic products to improve aesthetics and rejuvenate their skin (Etcoff 1999; Castilho 2011). Some researchers believe that our beauty detectors can promptly identify the relationship between youth and femininity, and also remind us that feminine features always present themselves as more jovial. Castilho (2011) stresses that in a number of literary works of the 19th and 20th centuries, early ages – from fifteen to eighteen – emerge as the a pele fresca como se ondas de leite corressem pelos seus ombros; as faces brilhantes como dois cardos rosas que se abrem ao pôr do sol.4 Adult preferences for specific childlike features, as Sarah B. Hrdy (2001) upholds, must have shaped human attraction to colors, shapes, and fabrics, especially a silky skin, and large and gracious heads. In light of that finding, the feminine preference for red to color the lips and cheeks makes sense, since that color is intensified with sexual arousal, it looks attractive and visible from a distance. Blushing In the classic The Expression of the Emotions in Man and Animals ([1872] 2000, 290–322), Charles Darwin addressed the act of blushing and defined it as “the most peculiar and the most human of all expressions.” He found that the face, the ears, and the neck are the most susceptible regions to reddening and that that involuntary expression is often followed by gestures as lowering or turning the head to one side, hiding one’s face, looking down, or averting one’s eyes. When some people blush too intensely, they may become mentally confused, disoriented, or clumsy, losing their presence of mind, stuttering, displaying tachycardia, panting for breath, and involuntary quivering of certain facial muscles. Darwin pointed out that blushing is more intense in children than in adults, in the young than in the elderly, in women than in men, and when in the presence of the opposite sex. Newborns and toddlers do not display that expression, since their mental capacity would not be sufficiently developed to make them blush. However, the blind and Negroes are subject to blushing – the skin color of the latter becomes darker and brighter when they blush, a change that can be noticed by their close relations, as spouses and family members (Pereira 2008). According to Darwin, blushing translates as self-concern with the opinion of others, a conscious concern with one’s own appearance, moral conduct, or a breach of etiquette; it arises from embarrassment, simplicity, and especially from 4. T.N.: “In effect, Cecília had a dazzling fairness at that moment. Her still moist hair would let a drop of moisture run down and hide in the hollow between her linen-robed breasts; her skin was fresh as if milky waves had run over her shoulders; her vivid cheeks as two rose-colored thistles blossoming in the sunset.” shyness or bashfulness. Those who believe they have committed an act of impoliteness, moral slips, and those who are caught or accused of deceitfulness5 or ingratitude, as well as those who are the object of mockery, ridicule, offense, praise, reproach, and disapproval are the ones who blush. Montagu (1986) describes the case of a woman who blushed when embraced by another woman, as she feared being labeled a lesbian. In Lucíola, José de Alencar conceives a surprising response from Lúcia, a pretty and highly requested prostitute who “se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão”6 on becoming aware that part of her breasts was exposed to the observation of an admirer. And Mário de Andrade, in Amar, verbo intransitivo, produces a similar expression in a German housekeeper who had been hired to initiate in the sex life a boy named Carlos, who “aproveitando um momento de sozinhos, dera um abraço tão encostado em Fräulein que ela se sentira enrubescer.” 7 It should also be taken into account that in Greek mythology, Eos (Aurora, the goddess of Dawn), having fallen in love with Orion, a giant, continues blushing everyday with the remembrance of her passion. Darwin opposes the theory of evolution to the belief that blushing was conceived by the Creator for the soul to be 5. “The truth does not make one blush”: phrase attributed to Tertullian. “He who blushes is already guilty; true innocence is ashamed of nothing”: thought attributed to Rousseau. 6. T.N.: “blushed as a little girl and closed her robe.” 7. T.N.: “took advantage of a moment alone and embraced Fräulein so close that she felt she was blushing.” able to display on its cheeks the various internal emotions of moral feelings, for us to curb our own desires, and, simultaneously, to be a sign to others that we would be breaching rules that should be sacred. The groundlessness of that creationist assumption is revealed in its inaptitude to explain why shyness is the most common and efficient cause of blushing, “which makes the blushing person suffer and embarrasses the onlooker, without having the slightest usefulness for any one of the two. [The creationists] [w]ill also find it difficult to explain why Negroes and other dark-skinned races blush, since the change in their skin color is nearly or completely invisible” (Darwin [1872] 2000, 314).8 Charles Darwin, who abominated slavery, failed to explain the adaptative value of blushing to refrain from legitimizing the thesis according to which only superior beings gifted with moral reasoning – a category that excluded enslaved Negroes – would be able to blush. Later research confirmed the adaptative value of blushing identifying a pacifying function in it, in view of the fact that, similarly to smiling and being embarrassed, that expression helps to improve the public image of those who blush – chiefly those who commit lighter infringements – giving rise to the acquiescence of those who judge or assess them (Pereira 2008). 8. This quotation has been freely translated by the translator, based on the Brazilian edition of Darwin’s classic piece The Expression of the Emotions in Man and Animals which is mentioned in the Reference List. Touch Among mammals, females usually lick their newborn sucklings. The behavior of licking one’s younglings, more than merely cleaning them, would promote the activation of their maintenance systems, especially the circulatory, respiratory, and excretory systems, by stimulating them to function adequately right after birth. Human females do not display such behavior – they do not “clear” or “comb” their newborns with their teeth – but the prolonged birth labor to which they are subject, submitting the fetus to intense uterine contractions, would be equivalent to “licking a youngling” (Montagu 1986). Human newborns depend on extensive parental care, as they come to the world in a state of behavioral, physiological, and biochemical immaturity, and benefit enormously from the cutaneous stimulation that takes place during birth labor. Neonates of normal birth have their immune system activated more precociously and are likely to become more secure and less stressed individuals. In this respect, Montagu (1986) points out that the French expression un ours mal léché – “an unlicked bear” – is employed to describe an awkward, clumsy, and rude person in his or her relations with other people. The uterine contractions in labor set off the fondling provided to the neonate, and are multiplied with its mother’s tender loving care. Its intimate contact with a motherly figure is accentuated by breast feeding and on the occasion of baths and other body care procedures, when that infant’s skin is rubbed and fondled. Family ties: ethnic groupS in brazil LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL 62 main features of feminine beauty, comprising the profile of the following female characters: Carolina (A moreninha), Inocência (from the eponymous novel), and Aurélia (Senhora), among others. In O guarani, José de Alencar provides the following rendition of Cecília, an attractive and coquettish young lady in the youthfulness of her eighteen years of age: 65 9. “A portion of skin of about three centimeters in diameter contains more than three million cells, between one hundred and three hundred and forty sweat glands, fifty nerve endings, and ninety centimeters of blood vessels. It is estimated that there are about fifty receptors per one hundred square millimeters, amounting to 640,000 sensory receptors.… The number of sensory fibers originating in the skin and penetrating the spinal cord … is higher than half a million” (Montagu 1988, 24–25). This excerpt has been freely translated from the Brazilian edition. affectively adjusted the partners feel. So, it would be reasonable to conclude that sexual intercourse provides a dense and intense tactile communication between those who are entwined in the dialog of love. The humanization of the body Only human beings can deliberately modify their own bodies, ornamenting and introducing in it radical and irreversible changes – tooth extraction, cranial deformation, clitoral excision, among others – or temporary and reversible, as in the case of depilation and body painting (Rodrigues 1975). These changes are subject to a broad range of variableness because they occur within the sphere of specific social groups – each with its own culture – to designate and reaffirm status, and national, age bracket, religious, occupational, class, and gender identities. As a rule, the changes introduced in the body comply with the aesthetical ideals of each society and its different subgroups. However, it is not uncommon for them to also serve to express disagreements (Queiroz and Otta 2000). In various indigenous cultures, an individual’s status is physically written on the surface of his or her body. While marks of relevance and the expression of cultural or religious beliefs, the scars and tattoos do not have a separate space in the body, they perpetuate on one’s own skin, and draw the features of a collective being that is superimposed to individual identity, as if it were a social skin (Clastres 1974; Helman 2003). The body is a suitable cultural artifact that is shaped and modified by culture since birth, and thus submitted to a humanization process, as we do not make use of it in a “natural” or spontaneous way, but in a standardized way according to the countless body techniques that train it to perform socially routinized operations and movements (Mauss 1974). An untouched body that has not been modified by culture represents nothing but a coarse living creature, a mere object of nature (Lévi-Strauss 1957). A significant majority of the changes produced in the body affects the hair – haircuts, dyes, ornaments – and the skin surface: depilation, painting, tattoos, piercings, and scarifications. Such passion for adornments is extremely old: archeologists have recovered body ornaments and pigments dating over forty thousand years. In more recent times, a few types of make-up kits have been found among the objects deposited in Egyptian sarcophagi (Etcoff 1999). Most body care items, especially procedures and pro­ducts for dyeing, softening, perfuming, moisturizing, and stretching the skin – the largest and most aesthetical organ of the body – are aimed at preserving beauty and youth. In the modern world, where good looks are a valua­ble commodity for survival, people spend fortunes in cosmetics and plastic surgeries. In the United States, those expenditures account for twice as much as the money disbursed to purchase rea­ding material, which is a clear evidence of a desperate search for beauty by those who wish to recover their nubile teen looks, as if it were possible to capture and protect from aging the ephemeral exuberance of youth (Etcoff 1999). Such conceptions and practices as associated with em­ bellishing the body, while being conditioned by the arbitrary character of culture, cannot be dissociated from universal reasons and criteria regarding aesthetic judgments and selecting a partner. For that reason, we perceive as beautiful and attractive the features that indicate, especially in women, youthfulness, nubility, fertility, health, and a good shape, and are led to value and desire, in spite of cultural dif­ feren­ces, people who have soft and exuberant skin, thick and shiny hair, a slim waist, a proportionate figure, and a symmetric face (Etcoff 1999; Queiroz and Otta 2000). The dehumanization of the body As mentioned earlier, an immaculate and exuberant skin is a universally valued and desired feature. On the other hand, cutaneous imperfections take part in the composition of the ugly, dangerous, and monstrous, stigmatizing and marginalizing carriers of syndromes and diseases that affect the skin or manifest in it.10 In Fogo morto, a novel that is recognized as José Lins do Rego’s masterpiece, popular superstition evokes the werewolf myth to stigmatize José Amaro, a saddle maker who is accused of lycanthropy because he used to walk alone under the moonlight and, chiefly, on account of the 10. It is interesting to note the cutaneous peculiarities present in the profile of mythical or legendary characters that inhabit the popular imaginary: the mummified skin of “Corpo Seco,” a terrorizing figure in rural paths that was rejected by the earth because the character was a villain in life, who had spanked his own mother; the Caipora’s reddish skin and hair, a character of the forest who protects animals from predatory hunting; the blackness of the Saci’s skin, a mocking and disturbed one-legged creature, inseparable from his pipe and his red cap, associated with whirlpools and liminal spaces. yellowish color of his skin,11 which lent him a sickly appearance. As Margarida, a Negro woman, admonishes the saddle maker’s wife: Comadre Adriana, o povo está falando muito do mestre José Amaro... Estão dizendo que ele está virando lobisomem. [...] que aquele amarelão dele é que faz o mestre correr como bicho danado.12 A similar stigma is imputed to those who have hypertrichosis, commonly known as the “werewolf syndrome,” which is characterized by an excessive growth of hair in the whole body or in some areas. Regarded as aberrations, anomalous beings, intermediate creatures between humans and animals, individuals with hypertrichosis as well as the “bearded women” were displayed in circuses and horror shows, attracting large crowds of curious people to them.13 Those who suffer from the more severe type of albinism – a lack of the melanin pigment on the skin, eyes, and hair – have no different luck, chiefly in countries or regions whose people are dark skinned or belong to the Negro race. 11. Other elements reinforce the marginal position of that character in the scenario in which the story is developed: José Amaro lived at the edge of a road, held an intermediate position – artisan – between the owner of the mill and the workers in that area, he had not had a male son, and walked with a limp. Albinos face various types of misfortune; in fact, due to their sensitive skin, their intolerance of light, and other visual impediments arising from the lack of pigmentation, they prefer to walk at night, under faint lighting. Such preference and their unique appearance arouse suspicion of lycanthropy about them. In some African regions, albinos face serious risks resulting from the belief that some parts of their bodies have healing properties, and those who eat them will have the gift of being smiled upon by fortune.14 Hansen’s disease, formerly known as “leprosy,” is portrayed as the disease that most stigmatized its victims in the course of history. The unequivocal cutaneous and neurological lesions were regarded as the marks of a divine punishment for sins committed. That millenary stigma placed its carriers in the subhuman condition of damned, dirty, impure, loathsome, undesirable, and dangerous beings.15 Historian Jean Delumeau (1989, 140) renders a description of what Hansen’s disease represented in the medieval mentality and the brutality of the persecutions of those who had developed the disease: Leprosos foram efetivamente acusados, em 1348-1350, de terem espalhado a Peste Negra. O aspecto horrível de suas 12. T.N.: “My friend Adriana, folks are talking a lot about José Amaro…. They say he is turning into a werewolf.… [t]hat his yellowish skin makes him run as a wild beast.” 14. See an article published by Folha de S.Paulo on November 3, 2010, entitled “An albino is elected congressman in Tanzania,” describing the albino discrimination problems and the risks they are exposed to in some Central African countries. According to that article, many Tanzanians, for example, believe that certain parts of an albino’s body can be used to prepare magic potions that will bring luck to those who drink them. 13. Sensationalistic television programs quite often explore the drama of the carriers of that and other types of pathology. 15.In Portuguese, the terms lazarento and morfético, synonymous with “leper,” are still used to insult or offend someone. Family ties: ethnic groupS in brazil 64 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL An infant feels safe and sheltered when nestling on its mother’s lap. When it is carried and rocked to sleep or to stop crying, it hears its mother’s softly uttered words. “Extreme sensory deprivation in other respects, such as light and sound, can be survived, as long as the sensory experiences at the skin are maintained,” as Montagu (1986, 100) supports. That is why newborns who were deprived of contact with their mother or were not tenderly touched or fondled, often undergo physical and emotional impediments in their subsequent development stages. While caresses and cutaneous stimulation are essential to an infant, they do not become less significant in adult life, particularly in amorous interactions. In no other relation is the skin so deeply and extensively involved as in sexual intercourse. The erogenous zones of the body are not restricted to the genitals, but encompass the lips, the ear lobes, the neck area, the nipples, etc. Furthermore, we should not overlook the pleasant and stimulant odors the skin secrets and exhales. In other words, the entire skin extension is an erogenous zone.9 Foreplay, when it explores various parts of the body and is carried out with the hands, lips, and tongue, is much more prolonged and unrestricted, the more intimate and 67 eram dissimulados, “melancólicos” e debochados. Acreditava-se também – concepção que pertence ao universo Family ties: ethnic groupS in brazil 66 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL lesões passava por ser uma punição do céu. Dizia-se que discrimination, solitude, and impurity, in addition to the fear of contaminating people in close contact, especially family members. mágico – que, por uma espécie de transferência, podiam livrar-se de seu mal satisfazendo seus desejos sexuais com uma pessoa sã, ou então matando-a. Em 1321, portanto 27 anos antes da Peste Negra, leprosos acusados de terem envenenado poços e fontes foram executados na França.16 That “cursed plague” gave rise to a generalized fright 17 that disrupted family ties and brought about measures to isolate lepers, condemning them to the limbo of marginalized physical and social surroundings or to the perpetual confinement of “leper colonies.” Even nowadays, having a cure for that disease, it is not uncommon for patients to show, in addition to their hypochromic cutaneous marks, brownish patches that jeopardize their psychic health: a downgraded identity and self-esteem impacted by the guilt feelings, shame, neglect, rejection, 16. T.N.: “Lepers were actually accused, in 1348–1350, of having spread the Black Death. The horrendous aspect of their lesions was regarded as a punishment from heaven. It was said that lepers were cunning, ‘melancholy’, and debauched. It was also believed – a conception that belongs to the magic realm – that they could free themselves from the disease by means of some kind of transfer, they could get rid of their disease by satisfying their sexual desires with a healthy person, or by killing that person. In 1321, twenty-seven years before the Black Death, lepers accused of having poisoned wells and springs were executed in France.” 17.In the 15th, 16th, and 17th centuries it was commonly believed that the plague could penetrate a body when heat and water produced fissures, opening the pores to pestilential air. That is why a European’s body care was restricted to washing one’s hands and face, full baths being quite rare (Vigarello 1996). Skin: expressions and proverbs The importance of the tactile functions of the skin is coined in current expressions in the popular imaginary, although people in general do not “feel it” themselves, that is, are not fully aware of the meaning of such expressions. Montagu (1986) collects tenths of those expressions to give proof of the allegorical use of the skin. Some of them are: “happy touch,” “soft touch,” “human touch,” “lend a touch,” “rubbing people the wrong way,” “getting in touch,” “thick skinned,” “do not touch me,” “tactless,” “having things at the tip of one’s fingers,” “feel the consequences on the skin,” “having chills,” “getting goose bumps.” Finally, bringing to mind well-known proverbs, it is worth remembering that a false or cunning person is a “wolf in sheep’s skin” and that “bad skin doesn’t change.” However, “there are people with two skins” or a “second skin.” As a precaution it is better “not to sell a bear’s skin before you kill it,” since “he who cannot pay from his pocket, will pay with his own skin.” Therefore, a heedless person shall “suffer on his own skin” the damage caused, and see himself forced to work for very little or nearly nothing for a boss who “skins” his employees, the same person who “had skinned the back of many poor people.” And, in view of such suffering, it is no use to “have one’s nerves on edge,” as “he who does not wish to be a wolf, should not wear its skin” and should always remember that “he who washes and does not dry himself, will have his whole skin wrinkled.” Reference List CASTILHO, Renata dos Santos. 2011. “Estética e envelhecimento: representação da imagem para mulheres envelhescentes” (master’s thesis in gerontology, PUC, São Paulo). 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João Baptista Borges Pereira Morador do interior do Rio Grande do Norte, Inhabitant of the interior of Rio Grande do Norte, região Nordeste do Brasil, nos anos 1970. in the Northeast of Brazil, in the 1970s. 69 O O Brasil é hoje proclamado e autoproclamado orgulhosamente o país da diversidade étnica. Tal diversidade foi sendo construída historicamente, aos poucos, desde o descobrimento até os dias atuais. De início, o indígena – habitante original do território –, com sua pele amarelada, um tanto indefinida, às vezes rotulada pejorativamente de “gente cor de cuia”. Nos inícios do século XVI chega da península Ibérica o colono branco português. Logo depois vêm se juntar aos indígenas e aos ibéricos os pretos vindos de várias partes da África negra, aprisionados pelo sistema escravocrata, que foi eliminado somente no final do século XIX. A essa trindade de cores, rotulada até a atualidade de alicerce do Brasil étnico, acrescentou-se em 1875 (data-símbolo) novas levas de populações brancas. Esse desenho de cores (indígenas, brancos e negros) apenas é desmanchado em 1908, com a chegada de imigrantes classificados numa quarta cor: a amarela. É grande o fluxo imigratório representado, de início, pelos japoneses, e hoje, a partir da II Guerra Mundial, pelos chineses e, principalmente, pelos coreanos. Para que a trindade de cores primordial fosse desfigurada pelos novos imigrantes foi preciso passar por cima do Decreto nº- 528, do primeiro presidente da República, que abria os portos brasileiros a todos os povos, com exceção dos “nativos da África e da Ásia”. Sobre os asiáticos, no caso os japoneses, pairava a ideia de que eram gente desconhecida, formadora de “quistos” étnicos, traiçoeira, perigosa. Enfim, esses imigrantes eram vistos como “perigo amarelo” (Dezem, 2005). Essa ideia recheada de estereótipos negativos foi reforçada, após a II Guerra Mundial, pela ação violenta da João Baptista Borges Pereira é antropólogo, professor emérito da Universidade de São Paulo, professor pleno de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. facção terrorista Shindo Renmei, nascida do resultado do conflito mundial. De um lado estavam os chamados “derrotistas”, os que aceitavam como verdadeiras as informações de que o Japão fora derrotado; de outro, situavam-se os “vitoristas”, que não aceitavam tal fato. Dessa aceitação-não aceitação brotou a Shindo Renmei, que passou a assassinar os “derrotistas” Brasil afora. Hoje, superada essa fase, a colônia ganhou visibilidade plena na vida nacional. Seus descendentes ocupam status expressivos em todos os setores da estrutura social, o que colabora para redefinir a imagem negativa com a qual se representavam os amarelos no país (Mita, 1999). Essa composição que tinge o Brasil de quatro cores entra pelos caminhos dos meios-tons, dado o histórico processo de miscigenação entre esses segmentos populacionais. Atualmente, o censo brasileiro capta e enquadra esse painel de cores em cinco categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Para melhor compreender essas categorias é necessário decompô-las e daí extrair o que pretendem anunciar e o que eventualmente venha a esconder cada uma das categorias censitárias: “branco, preto, amarelo”. Tais categorias retêm apenas a cor da pele predominante de indivíduos para colocá-los em grupos “étnico-raciais” específicos, ignorando a eventual diversidade que cada um desses grupos contém. A categoria pardo é um rótulo que seve para englobar as cores misturadas pelo processo de mestiçagem. Nessa categoria, que mais se assemelha a “um saco de gatos”, estão englobados os mulatos de vários tons, resultantes da miscigenação entre os brancos e pretos; o mameluco, produto do cruzamento entre brancos e índios; o cafuzo, da união genética entre brancos, negros e índios. Já a categoria indígena, a última na escala do IBGE, desliza do critério de cor – que é fundamentalmente biológico-racial – para o plano étnico-cultural. Essa quebra de princípio classificatório em termos de cor de pele explica-se tanto pelo grande número e ampla diversidade dos grupos indígenas ainda existentes no país como pela dificuldade em nominar as cores ou a cor desse Brasil tão presente na história e tão ausente do cotidiano de certas áreas do país. Perdura ainda no imaginário nacional o índio idealizado pelo romantismo dos séculos anteriores. A representação popular permeada de simbologia encarrega-se de nuançar ainda mais essa diversidade captada ou aprisionada pelo censo. À guisa de exemplo podem-se citar as resultantes de pesquisa de campo realizada por um antropólogo norte-americano (Harris, 1967: 93). Esse autor detecta quarenta expressões populares para designar no Brasil o que o censo categoriza como branco, preto e pardo: “branco, preto, sarará, moreno claro, moreno escuro, mulato, moreno, mulato claro, mulato escuro, negro, caboclo, escuro, cabo-verde, claro, araçuaba, roxo, amarelo, sarará escuro, cor de canela, preto claro, roxo claro, cor de cinza, vermelho, caboclo escuro, pardo, branco sarará, mambembe, branco caboclado, moreno escuro, mulato sarará, gazula, cor de cinza claro, crioulo, louro, moreno claro caboclado, mulato bem claro, branco mulato, roxo de cabelo bom, preto escuro, pelé”. Registre-se que nessas expressões de cores dos brasileiros, que extrapolam as categorias censitárias, entram tanto a autoavaliação como a exoavaliação. A pergunta que se coloca é: por que a autodefinição e a definição do outro se distanciam. Segundo estudiosos das relações raciais no Family ties: ethnic groupS in brazil Harmonia e conflito entre as cores do Brasil étnico: do real ao simbólico 71 A distribuição de cores pelo Brasil territorial Pode-se afirmar metaforicamente que a pele que recobriu historicamente e continua a recobrir o Brasil ostenta cores predominantes em diferentes áreas do país. Nas re­ giões meridionais e até certo ponto do Sudeste predominam percentualmente as populações brancas. No Nordeste, logo depois das divisas de Minas Gerais com a Bahia, a predominância cabe aos pretos e a seus descendentes mestiços. Na região amazônica, a percentagem dá vantagem à categoria indígena, com pequenas manchas de negros e mestiços provenientes do Nordeste. Essas manchas podem ser detectadas também no Sudeste e em parte do Brasil central. Em síntese, a distribuição dessa diversificada população pelo território brasileiro é absolutamente irregular e heterogênea, dando a impressão (falsa) de que ela foi feita aleatoriamente. Na verdade, há um padrão na distribuição espacial dessa pluralidade. É um padrão de indisfarçável caráter socioeconômico, apenas indiretamente ligado às características biológicas desses diferentes segmentos populacionais. Esse padrão foi construído historicamente a partir dos ciclos pelos quais passou a economia brasileira: o ciclo da cana-de-açúcar, o da mineração e o da grande lavoura (café). Somando-se a esses três macrociclos, o jovem país passou pelo menos por dois outros ciclos menos expressivos, mas que também atuaram, a seu modo, nesse processo de distribuição-redistribuição populacional: o ciclo do trigo, tendo como cenário a então província de São Paulo, e o da borracha, na região amazônica. O ciclo da cana-de-açúcar levou para o Nordeste multidões de escravos negros, cujos descendentes, mestiços ou não, lá ainda permanecem. O ciclo da mineração deslocava para Minas Gerais, em larga medida, a mão de obra escrava, até certo ponto dispensável pelo esgotamento do ciclo da cana-de-açúcar. Por fim, a grande lavoura cafeeira redistribuiu para as províncias do Sudeste, até a chegada dos imigrantes, os escravos negros ociosos dos ciclos Family ties: ethnic groupS in brazil 70 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL Brasil, essa falta de concordância entre o “eu” e o “outro” deriva de um padrão ou modelo de convivência étnica que se convencionou nominar “modelo de marca ou de aparência”. Modelo diferente do adotado por outro país pluriétnico: os Estados Unidos. No país norte-americano a diversidade étnica é definida por padrões derivados do “modelo de origem, ou de sangue” (Nogueira, 1985). No Brasil, as fronteiras entre as cores são débeis, não enraizadas no patrimônio genético, o que permite que elas sejam cruzadas em várias circunstâncias. Nos Estados Unidos esse processo é quase impossível, independentemente da aparência física que os indivíduos ostentam. Exemplo recente e atual no Brasil dessa permeabilidade de fronteiras étnicas foi o desencadear de política pelas cotas que visava ou visa beneficiar a população no seu acesso ao ensino superior. Indivíduos que em outros contextos sociais seriam, pela aparência, rotulados de brancos se autoproclamam negros, porque descendentes de negro, para serem, eventualmente, beneficiados por tal política. Trata-se de pessoas que intencionalmente enveredam pelo cipoal da ambiguidade sociorracial para alcançar seus objetivos. Esses indivíduos vivem rotineiramente dentro de um “modelo de marca”, mas manipulam de acordo com a circunstância o “modelo de sangue”. anteriores. O ciclo do trigo, que marcou a vida econômica da então São Paulo seiscentista, trouxe para essa província grandes levas de indígenas legalmente escravizados de todas as partes do país. De tal processo participaram como atores principais celebrizados bandeirantes, como Raposo Tavares. Foram os bandeirantes os grandes apresadores de índios, tanto do sertão paulista como de outras áreas do país (Monteiro, 2009). O ciclo da borracha conduz para a Amazônia trabalhadores nordestinos, basicamente negros e mulatos, que acabaram, em sua maioria, fixando-se naquelas bandas, ainda hoje confundidos com populações indígenas. Nesse esquema econômico cíclico ficaram de fora os atuais Estados meridionais: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A política de branqueamento e de ocidentalização do país A população branca de origem europeia, em ondas migratórias, chega ao Brasil a partir de 1875 (data-símbolo). Pelo menos quatro ordens de fatores respondem por essa imigração: o fator socioeconômico – o mais alardeado –, ligado à busca de mão de obra para substituir os escravos negros que seriam libertados em 1888; o fator racial – o menos explícito –, que procuraria por meio da imigração de povos brancos europeus equilibrar a balança negro-branco, a favor do segundo segmento; o fator cultural – até certo ponto atrelado ao racial –, que buscaria firmar a ocidentalização do país; e, por fim, o elemento estratégico – aparentemente obscurecido pelos três fatores anteriores –, que responderia pela ocupação de áreas tidas Imagem de carnaubal cearense, nos anos 1950. Típica da região nordestina, View of a Brazilian carnauba palm plantation in the 1950s. Being typically found a carnaúba é uma palmeira utilizada para construir casas, confeccionar in the Northeastern region of Brazil, the carnauba palm is employed in house chapéus e sua cera tem larga aplicação na cosmetologia e na farmacologia. building, hat making, and its wax is widely used in cosmetology and pharmacology. 72 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL como despovoadas, de fronteiras indefinidas e vulneráveis com países vizinhos. O imigrante que mais se adequou a esse perfil idealizado foi o italiano, pois, além de ser considerado bom trabalhador agrícola, era branco, compunha o mundo ocidental, e, diferentemente do imigrante alemão – predominantemente protestante luterano –, chegara marcado por forte tradição católica romana e ostentava laços de parentesco étnico com a terra que o acolhia: era ou gostaria de ser latino como o brasileiro. Essa é a explicação – talvez a principal – para justificar a quantidade de imigrantes italianos, em torno de 1,5 milhão de indivíduos, número inferior apenas ao contingente português. A polarização das cores Esse painel marcado pela diversidade de raças, cores e culturas, visto hoje como natural, inerente à identidade do país, legitimadora que é dessa identidade, chama a atenção do pensamento intelectual brasileiro ao findar do século XIX. Deve-se a Raymundo Nina Rodrigues, ou apenas Nina Rodrigues, professor de medicina legal da Universidade da Bahia, as primeiras reflexões sobre o tema. Para esse autor, influenciado pelas escolas criminológicas italiana e francesa, o Brasil plural de seu tempo poderia, ou deveria, ser reduzido a dois brasis, em larga medida antípodas entre si: o Brasil arcaico, negro e mestiço do Nordeste e o Brasil progressista e branco das regiões meridionais. No fundo, essa dicotomia definia um Brasil de pele branca e um Brasil de pele negra. Tal interpretação dualista, ainda que não tão esquemática por jogar em cena outros fatores sociais, ganha força em reflexões posteriores, como em Gilberto Freyre (Casa-grande e senzala ou Sobrados e mocambos), em Aluísio Azevedo (O cortiço), ou em Roger Bastide (Imagem do Nordeste em branco e preto), em Jacques Lambert (Os dois Brasis). Além dessa visão polarizada, binária, que incorpora, em maior ou menor grau, o lado racial do brasileiro, o pensamento de Nina Rodrigues inspira, direta ou indiretamente, pelos anos afora, grande preocupação de intelectuais e políticos brasileiros pela “normalidade”, pela “eugenia” da população. Atrás dessas preocupações, ou motivando-as, está a busca de “prescrições médicas” contra os males da nação (Ribeiro, 2010). Entre esses males estava, às vezes mimeticamente, a pigmentação negra de grande parte da população do país. Para usar a linguagem estatística, todo esse pensamento consistia em correlacionar positivamente as “anormalidades” detectadas por essa medicina preventiva com a raça ou com a cor do negro. Mas todo esse processo associativo, bem ou mal formulado, não teria existido sem a validação do pensamento de Nina Rodrigues, que estabelece, desde o início, correlação entre “anormalidades” e “raça” (ou cor negra) nos territórios de candomblé da Bahia, que se constituiu em seu locus de pesquisa empírica. Reação das cores estigmatizadas A história do negro no Brasil é marcada pela persistência e luta desse segmento étnico para se livrar do estigma associado a seu passado de ser escravizado e à cor de sua pele, a fim de ocupar o lugar que julga ter direito na estrutura social brasileira. Essa luta, com ou sem a cumplicidade do branco, passa por várias fases. Após a abolição, logo no início da primeira década do século XX, surge em São Paulo e em Campinas uma imprensa negra que, com altos e baixos, tenta pedagogicamente “educar” o grupo para que melhor possa se movimentar dentro de uma semiurbana sociedade da época (Pinto, 1993). No final dessa década, estendendo-se por meados dos anos 1920 daquele século, a população negra, especialmente do Rio de Janeiro, lança as raízes da música popular brasileira, usando-a para sobressair-se e para denunciar a discriminação de que era vítima, mesmo nas suas atividades lúdicas e no cultivo da sua religiosidade. Assim, em 1917, foi gravado o primeiro samba – Pelo telefone –, em que Donga, o autor, denuncia tais discriminações legalizadas pelo Estado. Ao longo dos anos 20 e 30 (século XX) a música foi o elemento escolhido pelo negro, ou o que lhe sobrou, para expressar sua situação de subalternidade social (Borges Pereira, 2001). O segundo instante histórico em que o negro ganha visibilidade social está ligado ao Movimento Modernista, em 1922. Ao tentar construir ou reconstruir a identidade nacional, esse movimento encontra no negro, enquanto cor e enquanto cultura, o grande símbolo dessa identidade. Da trindade construtora da nossa diversidade, o branco e o índio foram colocados à margem. O primeiro porque era identificado como um tipo de cultura europeizante a ser redefinida; o segundo porque já havia sido usado, até a exaustão, como expressão de brasilidade pelo Romantismo do século XIX. Restou o negro que passa a representar por alguns instantes o papel principal da identidade brasileira. Porém, o negro que é colocado em cena pelo Movimento Modernista é o negro-tema, isto é, o negro enquanto expressão de cultura. O negro-ator social só surge nos movimentos reativos a partir de 1930. Paradoxalmente, quem O histórico processo de miscigenação entre The historical miscegenation process among diferentes segmentos populacionais deu origem different population segments gave rise aos mais variados perfis de indivíduos. Aqui, to a wide variety of individual profiles. imagem de dois brasileiros fotografados em 1974. Here, two Brazilians portrayed in 1974. Assim, Menotti del Picchia inaugura, em 1917, a poética de exaltação do negro com seu clássico poema – “Juca mulato”. Nessa linhagem temática situam-se Cândido Portinari, com os seus tipos humanos amestiçados, curtidos pelo trabalho, como que cheirando a suor. Di Cavalcanti dedica-se à glorificação estética da mulata, enquanto Jorge de Lima faz apologia poética de sua “nega fulô”. Francisco Mignone, alertado por Mário de Andrade, alimenta sua inspiração musical a partir de expressões de cultura negra. Destaca-se no repertório de Mignone, dentro dessa temáJangadeiro, habitante tradicional do litoral nordestino, em 1950. Jangadeiro, a traditional raftsman of the Northeastern seacoast, in 1950. tica, a composição Quarta sinfonia para piano e orquestra, baseada na música de uma escola de samba do Rio de Janeiro. Como se afirmou, não há presença do homem negro nesse Movimento, mas sim a exaltação do que se entendia então por cultura negra como sinônimo de popular e folclórico, dando consequentemente maior visibilidade ao negro tomado como espécie de autenticidade nacional de brasilidade. (Borges Pereira, 2011) Ao redor de 1930, surge aquele que, talvez, ou certamente, pode ser considerado o mais poderoso e expressivo movimento político de negros em prol do grupo: a Frente Negra Brasileira (FNB), liderada por Arlindo Veiga dos Santos, jornalista do Correio Paulistano. Seguindo uma ideologia conservadora, a FNB, além de ligar-se à Igreja Católica no que ela tinha de mais tradicional, exaltava o regime monárquico, e paradoxalmente, corria ao encontro do integralismo de Plínio Salgado. Essa ligação política, mal iniciada, se rompe quando as reivindicações da FNB, Redesenha-se a bipolaridade das cores1 Na noite do dia 7 de julho de 1978, um grupo de jovens negros protestaram na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo contra dois atos discriminatórios: o primeiro referia-se à proibição de adolescentes negros de praticarem natação em um clube da cidade; o segundo era endereçado ao regime militar que dominava ditatorialmente o país e fora responsável pela prisão e morte de um operário negro. Nascia, assim, o Movimento Negro Unificado (MNU) que, dentro de um referencial ideológico marxista, propunha reverter a situação do grupo na sociedade brasileira a partir de uma reconstrução da identidade do negro. Isso significava, entre outras coisas, a eliminação da cena social da tradicional ‘identidade deteriorada’, substituindo-a por uma imagem positiva da qual o próprio grupo deveria se orgulhar. Da agenda do MNU constava: 1. Redefinir a partir da própria estética a imagem do negro, enquanto expressão de um corpo não branco. Entram nesse item as preocupações com a beleza negra, principal, mas não exclusivamente, com a beleza feminina. Ganham destaque, como expressão dessa nova identidade ligada à estética negra, os cosméticos e o cabelo. Tais preocupações abrem brechas no mercado consumidor, gerando salões de 1. O texto deste subitem encontra-se em João Baptista Borges Pereira, “Diversidade e pluralidade: o negro na sociedade brasileira”, in: Revista da USP, nº- 89, mar.-mai., 2011, pp. 278-284. 75 Family ties: ethnic groupS in brazil 74 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL constrói o negro no modernismo é o seu contraponto: o branco, quase sempre o italiano da primeira geração. enquanto grupo político negro, são colocadas na mesa de negociação. O movimento de exaltação da pureza da pele branca não concordou com as exigências do movimento de exaltação da pele negra. A Frente, já estraçalhada internamente pelo conflito entre negros da esquerda e negros da direita, é finalmente liquidada por Getúlio Vargas. Observe-se que, diferentemente do Movimento Modernista, em que o negro aparece como expressão de cultura que ele cria ou lhe é atribuída, na Frente Negra Brasileira ele entra em cena como ator social a reivindicar espaço na estrutura social que historicamente lhe tem sido negado. Entre o Estado Novo de Vargas e o término da Segunda Guerra Mundial, uma espécie de calmaria desce sobre o “homem de cor” brasileiro, quebrada apenas pela criação do Aristocrata Clube por negros de São Paulo e pelo Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento. Ainda que feitas pelos negros e para os negros, difícil é não perceber nesses eventos manifestações larvais de uma classe média emergente, real e simbólica (fictícia, no dizer de Florestan Fernandes), ansiosa por reconhecimento social. São tais anseios, aspirações e lutas que reaparecem reatualizados, na última década do século XX, com a criação da Unipalmares, tendo como objetivo explícito o ensino superior destinado ao aprimoramento intelectual de parcelas da população negra de São Paulo. (Soares, 2006) 77 negro malandro, sem escrúpulos, risível; enfim, do “negro caricatural”, que se perpetua e incomoda o grupo desde a fase do rádio (Borges Pereira, 2001; também Fonseca, 1994). Essa vigilância saneadora alcança até os artistas negros que se prestam a representar tais papéis. (Araújo, 2000) 5. Eleger a educação superior, universitária, como um dos mais poderosos recursos para reverter os sinais. Essa ideia, impregnada fortemente de uma mística do poder da escola num processo de ascensão social, parece ser unanimidade entre os negros, militantes ou não. É possível distinguir na busca desse objetivo duas estratégias do grupo. A primeira, reatualizando uma estratégia da autodenominada elite negra das décadas de 40 e 50 (século XIX), usa a negociação com representantes de camadas mais privilegiadas da população branca (políticos, empresários, profissionais liberais, instituições de ensino) para concretizar os ideais desse segmento. A segunda, em vez da negociação, prefere um estratagema baseado na contestação pública e até mesmo no conflito, ao topar com os entraves sociais à sua projetada trajetória. Desta última estratégia, marcada por anseios de camadas mais carentes do grupo negro, nascem as reivindicações de cotas raciais nas universidades públicas. 6. Finalmente, não aceitar a pluralização do movimento negro: ele é único, embora comporte várias faces, atuando cada qual em seu tempo, cada qual em seu lugar, cada qual com suas estratégias de luta (Borges Pereira, 2007). Os próprios militantes atuais reconhecem ser essa uma agenda ambiciosa, ainda que admitam que a imagem que se tem do negro hoje não seja mais a desgastada representação de décadas atrás. E o que é mais relevante: o negro já se liberta da ideologia reflexa, da imagem do espelho do “outro”, historicamente construída desde tempos pretéritos. Em outras palavras, o negro já se vê com seu próprio e renovado olhar, embora saiba que resta muito a se fazer. A dualidade das cores desencadeada pelo MNU O movimento reativo dos negros acaba por restabelecer a polaridade das cores, reduzindo a louvada diversidade étnica à polaridade – quase oposição – dos dois Brasis. Todavia, pelo menos duas diferenças podem ser ressaltadas entre a fase anterior e a atual: como se registrou, a fase anterior resulta de uma construção levada a cabo por intelectuais brancos, com base nas ideias biologizadas de Nina Rodrigues. Na fase atual essa redução dualista, binária, é feita por militantes negros, pela perspectiva marxista, com ênfase ao socioeconômico. Em síntese, a partir de 1970, o Brasil em branco e preto é redesenhado no plano político-ideológico por brasileiros que se autodefinem como indivíduos de pele negra sem nuanças todos ansiosos por eliminar os entraves reais e os estigmas simbólicos que historicamente colocaram o “homem de cor” num quadro, desde sempre, de subalternidade social. De certa forma, esse redesenho arranha o perfil de uma sociedade que se orgulha de sua diversidade étnica, que pode ser traduzida como diversidade de cores que tingem as peles dos brasileiros. Referências bibliográficas ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil. O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000. BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. 4ª- ed. São Paulo: Global, 2008. 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Eliminar os quase quarenta rótulos pelos quais, em diferentes regiões do país, se nominavam o preto e seus mestiços (Harris, 1967). Para tal seria adotado o termo abrangente “negro”. Essa estratégia de nominação única procurava alcançar dois objetivos politicamente relevantes para o grupo: em primeiro lugar, o número e o percentual da população não branca, doravante chamada negra, cresceriam a ponto de recuperar o equilíbrio registrado no final do século XIX. Em segundo lugar, se construiria a rede de solidariedade intergrupal, cuja ausência impedia uma ação política conjunta. Enfim, tentava-se com essa estratégia eliminar as distâncias entre gênero, religião, nuanças de cor e políticas partidárias (Valente, 1986). 3.Estabelecer propostas positivas de valorização dos quilombolas, de exaltação do herói mítico Zumbi, de estímulo e criação da Semana da Consciência Negra; colaborar para o esmaecimento no imaginário negro e nacional do dia 13 de maio como símbolo de uma redenção outorgada; exaltar a cultura chamada negra no país, onde se destacam como expressões diacríticas a música, as religiões afro e a fertilização da cultura brasileira a partir das contribuições dos chamados “homens de cor”. 4. Vigiar, até o policiamento, os meios de comunicação de massa, em especial a TV para, a um só tempo, aumentar, positivamente, a visibilidade do negro nas telas e eliminar, se possível, de uma vez, a imagem negativa do 79 N * João Baptista Borges Pereira Nowadays, Brazil is proudly proclaimed and self-proclaimed a country of ethnical diversity. Such diversity has developed historically, little by little, from its discovery to the present time. In the beginning, the indigenous Brazi­lian – the original dweller of the territory – with his yellowish skin somewhat undefined, sometimes depreciatingly labeled “gourd-colored people.” In the early 16th century, white Portuguese settlers arrive from the Iberian Peninsula. Soon after that, Negroes coming from various parts of black Africa – imprisoned by a slavery system that was abolished only in the late 19th century – come to join the indigenous Brazilians and the Iberians. In 1875 (symbol-date), new batches of white people were added to that color trinity, that has been known as “the foundation of ethnical Brazil” up to the present time. That color drawing (indigenous Brazilians, whites, and Negroes) is undone only in 1908, with the arrival of immigrants classified in a fourth color: yellow. The immigration flow was intense and was initially represented by the Japanese, and today, as of World War II, by the Chinese and mainly by the Koreans. For the new immigrants to disfigure the primordial color trinity, it was necessary to ignore Decree 528, issued by the first president of the Brazilian Republic, that opened Brazilian ports to all people, except “natives of Africa and Asia.” As far as Asians – in this case, the Japanese – were concerned, it was believed they were unknown, treacherous, and dangerous people who gathered to form “ethnic cysts.” In other words, those immigrants were seen as the “yellow danger” (Dezem 2005). That idea, which was crammed with * Excerpts of works published originally in Portuguese have been freely translated by the translator. Índio da tribo dos caiapós, grupo indígena Indian of the Caiapó tribe, a Brazilian indigenous brasileiro da Amazônia, em 1957. group of the Amazon, in 1957. João Baptista Borges Pereira, anthropologist, emeritus professor with Universidade de São Paulo, full postgraduation professor with Universidade Presbiteriana Mackenzie. negative stereotypes, was reinforced after World War II by the violent action of a terrorist faction known as Shindo Renmei, which was born out of the result of that world conflict. On one side, there were the so-called “defeatists,” or those who accepted as true the information that Japan had been defeated; on the other, there were the “victorists,” or those who refused to accept such fact. Shindo Renmei was born out of that acceptance-nonacceptance conflict and started murdering “defeatists” all over Brazil. Nowadays, having overcome that phase, the Japanese colony earned full visibility in the life of the country. Japanese descendants hold expressive status in all sectors of the social structure – which has contributed to redefine the negative image of the yellow people in this country (Mita 1999). The blend that tints Brazil in four colors takes paths of halftones, given the history of the miscegenation process among those populational segments. Currently, the Brazi­ lian census gathers and classifies that color panel into five categories: white, black, light brown, yellow, and indigenous. For a better understanding of those categories, it is necessary to break them down and extract what they intend to announce and what each of the censual categories will eventually hide: “white, black, yellow.” Those categories are based merely on the prevailing skin color of individuals to place them in specific “ethnic-racial” groups, ignoring the occasional diversity each group has. The light-brown category is a label that encompasses the colors that were combined as a result of the crossing of races. That category that is mostly similar to a “mel­ting pot” encompasses the various shades of mulatto, resulting from the miscegenation of whites and blacks; the mameluco, a person of mixed indige­ nous and white ancestry; the cafuso, a person of mixed white, indigenous, and Negro ancestry. On the other hand, the indigenous category, the last one in the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics)1 scale, moves from the color criterion – which is fundamentally biologic-racial – to the ethnic-cultural sphere. That rupture from the classificatory principle based on skin color may be explained by both the large number and the broad diversity of the indigenous groups that still exist in this country and by the difficulty to name the colors or the color of this Brazil that is so present in history and so absent from the everyday life of certain areas in the country. The national imaginary still preserves the image of the Indian idealized by the romanticism of previous centuries. The symbology-charged popular representation under­ takes to add further shades to the diversity collected or imprisoned by the Brazilian census. As examples, one may mention the results of a field research carried out by an American anthropologist (Harris 1967, 93). That author finds forty popular expressions to name what the census classifies as white, black, and light brown in Brazil: “branco, preto, sarará, moreno claro, moreno escuro, mulato, moreno, mulato claro, mulato escuro, negro, caboclo, escuro, cabo-verde, claro, araçuaba, roxo, amarelo, sarará escuro, cor de canela, preto claro, roxo claro, cor de cinza, ver­­melho, caboclo escuro, pardo, branco sarará, mambembe, branco caboclado, moreno escuro, mulato sarará, gazula, cor de cinza claro, crioulo, louro, moreno claro caboclado, 1. T.N.: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) is the agency responsible for statistical, geographic, cartographic, geodetic, and environmental information in Brazil. The IBGE performs a national census, and the questionnaires account for information such as age, household income, literacy, education, and Brazilian occupation. Family ties: ethnic groupS in brazil Harmony and Conflict in the Colors of Ethnical Brazil: From Real to Symbolic 2 T.N.: This excerpt has been extracted from the Brazilian edition of the book Patterns of Race in the Americas, by Marvin Harris, first pub­ lished in 1964. In its original publication, the excerpt reads as follows: “Forty different racial types were now elicited: branco, preto, sarará, moreno claro, moreno escuro, mulato, moreno, mulato claro, mulato escuro, negro, caboclo, escuro, cabo verde, claro, araçuaba, roxo, amarelo, sarára escuro, côr de canela, preto claro, roxo claro, côr de cinza, vermelho,caboclo escuro, pardo, branco sarará, mambebe, branco caboclado, moreno escuro, mulato sarará, gazula, côr de cinza clara, creolo, louro, moreno claro caboclado, mulato bem claro, branco mulato, roxo de cabelo bom, preto escuro, pelé” (58). and in view of their appearance would be labeled white proclaim themselves to be Negroes – on account of their Negro ancestry – to benefit from that policy. It is a question of people who deliberately take the complicated path of socioracial ambiguity to achieve their objectives. As a rule, those individuals live according to a “brand model,” but manipulate their “blood model” to fit the circumstances. Color distribution through territorial Brazil Metaphorically, one may state that the skin that historically covered and continues to cover Brazil features predominant colors in different areas of the country. In southern regions and to a certain extent in the Southeast, white populations prevail in percentage rates. In the Northeast, shortly after the boundaries between the states of Minas Gerais and Bahia, there is a predominance of blacks and their mestizo descendants. In the Amazon region, the indigenous category has a percentage rate advantage, with small spots of Negroes and mestizos coming from the Northeast. Those spots may also be detected in the Southeast and in some parts of central Brazil. In sum, the distribution of that diversified population across the Brazilian territory is completely irregular and heterogeneous, giving a (false) impression that it has been carried out randomly. In fact, there is a pattern in the spatial distribution of that plurality. It is a pattern of undisguised socioeconomic aspect, only indirectly connected to the biological characteristics of those different population segments. Historically, that pattern has been built from the cycles through which Brazilian economy has gone: the sugarcane cycle, the mining cycle, and the great farming (coffee) cycle. In addition to those three macrocycles, the young country A policy to whiten and Occidentalize the country The white population of European ancestry comes to Brazil in migratory waves as of 1875 (symbol-date). At least four types of factors account for that immigration: the socioeconomic factor – the most mentioned – associated with a search for workmanship to replace the Negroes who would be set free in 1888; the racial factor – the least explicit – which, by means of the immigration of white people of European ancestry would attempt to tip the Negro-white balance in favor of the latter; the cultural factor – which, to a certain extent, was associated to the racial factor – which would attempt to consolidate the Occidentalization of the country; and, finally, a strategic element – apparently obscured by the three previous factors – which would account for the occupation of areas regarded as depopulated, of undefined and vulnerable borders with neighboring countries. Italians were the immigrants that most adapted to that idealized profile, because, in addition to being considered good agricultural workers, they were white and could blend into the Western world, and, differently from German immigrants – mostly Lutheran protestants – Italian immigrants were characte­r­ ized by a strong Roman Catholic tradition and featured ties of ethnic consanguinity with the land that welcomed them: they were – or would like to be – Latin as Brazilians. That may be the main explanation to justify the number of Italian 81 immigrants, around 1.5 million people, an amount that was only outranked by the Portuguese quota. Polarization of colors That panel, marked by the diversity of races, colors, and cultures, and currently regarded as natural and inherent to the country’s identity, as well as a legitimizer of that identity, draws the attention of the Brazilian intellectual thinking in the late 19th century. Raymundo Nina Rodrigues, a.k.a. Nina Rodrigues, a professor of forensic medicine at Universidade da Bahia, is responsible for the first reflections on the theme. Informed by the Italian and French forensic schools, Nina Rodrigues believed that the pluralistic Brazil of his time could or should be reduced to two countries highly antipodean between themselves: a Northeastern Brazil that is archaic, negro, and mestizo, and another Brazil that is progressist and white from the sou­ thern regions. In essence, that dichotomy defined a white and a black‑skinned Brazil. That dualistic interpretation, albeit not extremely schematic, since it highlights other social factors, gains momentum in subsequent reflections, as in Gilberto Freyre (Casa-grande e senzala or Sobrados e mocambos), in Aluísio Azevedo (O cortiço), or in Roger Bastide (Imagem do Nordeste em branco e preto) and in Jacques Lambert (Os dois Brasis). In addition to that binary, polarized view that embo­d­ ies to a greater or lesser extent the racial side of Brazilians, Nina Rodrigues’ thinking directly or indirectly gives rise throughout the years to a great concern among Brazilian intellectuals and politicians for the “normality” and “euge­n­ ics” of the population. Behind those concerns, or fueling them, is a quest for “medical prescriptions” against the illnesses of the nation (Ribeiro 2010). Among those frailties one could find, sometimes mimetically, the black pigmentation of the greater part of the population in the country. In statistical terms, all that thinking consisted in positively correlating the “abnormalities” detected by that prophylactic medicine to the race or the color of the negro. But that entire associative process, whether well or badly formulated, would not have existed without the validation of Nina Rodrigues’ thinking, which establishes, from the beginning, a correlation between “abnormalities” and “race” (or the black color) in the territories of the candomblé – an African-Brazilian religion – of Bahia, which became his locus of empirical research. Response of the stigmatized colors The history of the Negro in Brazil is marked by the persistence and struggle of that ethnical segment to rid itself of the stigma associated to its past of being enslaved and the color of its skin, to occupy the place it deserves in the Brazilian social structure. That struggle, with or without the complicity of the white, undergoes various phases. After the abolition of slavery, at the very beginning of the first decade of the 20th century, a black press is established in São Paulo and in Campinas, which, with its ups and downs, attempts to pedagogically “educate” the group aiming at a better advancement in the semiurban society of that time (Pinto 1993). At the end of that decade, going on to the mid-1920s, the black population, especially of Rio de Janeiro, intro­ duces the roots of Brazilian popular music and uses it to stand out and to denounce the discrimination that victi­ mized it, even in their playful activities and religious cults. Consequently, in 1917, the first samba – Pelo telefone – was recorded, and Donga, its composer, denounces the discrimination legalized by the State. In the course of the 1920s and 1930s, music was the medium Negroes chose, or the only medium left, to express their situation of social subalternity (Borges Pereira 2001). The second historical moment in which the Negro gains social visibility is connected to the Modernist Movement in 1922. In its attempt to build or rebuild national identity, that movement finds in the Negro, in terms of color and culture, the great symbol of that identity. Whites and Indians were left out of the trinity that accounts for our diversity. The first group (whites) because it was seen as a type of Europeanizing culture that should be redefined; the second group (Indians) because it had been used exhaustively as an expression of Brazilianness by the romanticism of the 19th century. The Negro was the only remaining element that takes on for a few moments the main role of Brazilian identity. However, the Negro the Modernist Movement puts on the stage is the theme Negro, in other words, the Negro as a cultural expression. The social-actor Negro is only to emerge in the reactive movements as of 1930. Paradoxically, who builds the Negro in modernism is their counterpoint: the white, almost always first-generation Italians. This way, Menotti del Picchia inaugurates, in 1917, the po­­ e­tics to elevate the Negro with his classic poem – Juca mulato. Candido Portinari goes along this thematic line with his human mestizo characters, toughened by work, as if smelling sweat. Di Cavalcanti dedicates himself to aesthetically glorifying the mulatto woman, while Jorge de Lima makes a po­ ­­­­­­e­tic apology for his “nega fulô.” Francisco Mignone, warned by Mário de Andrade, nourishes his musical inspiration, Family ties: ethnic groupS in brazil 80 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL mulato bem claro, branco mulato, roxo de cabelo bom, preto escuro, pelé.” 2 It should be noted that those color expressions of Brazilians, that extrapolate censual categories, are influenced by both self-evaluation and exo-evaluation. The question posed is, “Why are the self-definition and the definition of the other placed far off?” According to scholars in racial relations in Brazil, this lack of agreement between “me” and the “other” derives from a pattern or a model of ethnic acquaintanceship that by agreement is called “brand or appearance model.” A different model from that adopted by another pluriethnical country: the United States. In that North American country, ethnical diversity is defined according to standards derived from “a model of origin or blood” (Nogueira 1985). In Brazil, the fact that color borderlines are feeble and not rooted in our genetic heritage allows them to be crossed in various circumstances. In the United States, that process is virtually impossible, regardless of the physical appearance individuals may have. A recent and current example in Brazil of the pervasiveness of ethnical frontiers emerged as a result of a policy that set ethnical quotas to help people’s access to higher education. Individuals who in another social context went through at least two other less significant cycles – which affected in their own way the process of population distribution-redistribution: the wheat cycle, having the then province of São Paulo as a backdrop, and the rubber cycle in the Amazon region. The sugarcane cycle brought to the Northeast crowds of Negro slaves, whose descendants – mestizo or not – still remain there. The mining cycle transferred to Minas Gerais a large scale of slave labor, which, to a certain extent, was dispensable after the exhaustion of the sugarcane cycle. Finally, an extensive coffee-farming activity redistributed the black slaves who were idle after the former cycles to the pro­ vinces in the Southeast, until the arrival of immigrants. The wheat cycle that marked the economic life of the 17th-century then province of São Paulo attracted large crowds of legally enslaved indigenous people from all over the country. The leading actors who took part in that process were famous bandeirantes – members of expeditions called Bandeiras – as Raposo Tavares. The bandeirantes were major Indian captu­ rers, both in the backlands of São Paulo and in other areas in the country (Monteiro 2009). The rubber cycle leads Northeastern workers, basically Negroes and mulattos, to the Amazon region. Those indivi­d­ uals finally settled there and are still confounded with indigenous populations. Current Southern states, as Paraná, Santa Catarina, and Rio Grande do Sul were left out of that cyclical economic process. 83 theme, the Fourth Symphony for Piano and Orchestra, based on the music of a Rio de Janeiro samba school, stands out in Mignone’s repertoire. As previously stated, the Negro is not present in that Movement, but the exaltation of what was then understood as black culture, as synonymous with popular and folkloric, consequently granting higher visibility to the Negro that was taken as a species of national Brazilianist authenticity (Borges Pereira 2011). Imigrantes japoneses: Kô e os filhos desfrutando de uma farta safra de caquis, Londrina – PR. Japanese immigrants: Kô and her children relishing an abundant persimmon crop, Londrina – PR. Around 1930 there emerges a movement that, perhaps or most certainly, may be regarded as the most powerful and significant Negro political movement: Frente Negra Brasileira – FNB (Brazilian Negro Front), led by Arlindo Veiga dos Santos, a journalist of Correio Paulistano. Following a conservative ideology, FNB, in addition to associating to the Catholic Church in its most traditional values, exalted the monarchic regime and, paradoxically, followed Plínio Salgado’s integralism. Soon after that political association was established, it was broken, when FNB’s claims as a political group were placed on the negotiation table. The movement that praised white skin purity did not agree with the demands of the movement that praised black skin. The Front, already internally cut up into shreds because of a conflict between left-wing and right-wing Negroes, is finally extinguished by Getúlio Vargas. It should be noted that differently from the Modernist Movement, in which Negroes appear as the expression of culture they have created or that is attri­b­ uted to them, in the Frente Negra Brasileira they enter the scene as social actors that claim a space in the social structure that has been historically denied. In the period between Vargas’ Estado Novo (New State) and the end of World War II, a sort of calm descends over the Brazilian “colored man,” that is only disrupted by the creation of Aristocrata Clube by Negroes of São Paulo and by the Negro Experimental Theater, of Abdias do Nascimento. Despite having been created by Negroes and for Negroes, it is difficult not to notice in those events larval manifestations of an emerging, real, and symbolic middle class (fictitious, as Florestan Fernandes puts it), yearning for social recognition. Such cravings, aspirations, and struggles are updated and reappear in the last decade of the 20th century, with the creation of Unipalmares, having the explicit purpose of granting higher education for the intellectual improvement of parts of the Negro population in São Paulo (Soares 2006). Color bipolarity is redrawn3 In the evening of July 7, 1978, a group of young Negroes held a protest on the stairs of the São Paulo Municipal The­ a­t­­er against two discriminating acts: the first referred to a prohibition of Negro adolescents to practice swimming in a club in the city; the second was addressed to the military regime that had established a dictatorship in the country and had been responsible for the arrest and death of a black worker. Thus, the Movimento Negro Unificado – MNU (Unified Negro Movement) was born, which, following a Marxist ideological reference, proposed to revert the situation of the group in Brazilian society based on a reconstruction of the 3. See the text of this subitem in João Baptista Borges Pereira, “Diversidade e pluralidade: o negro na sociedade brasileira,” Revista da USP, no. 89 (March–May 2011): 278–284. Family ties: ethnic groupS in brazil 82 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL employing expressions of the Negro culture. Along this 85 music, African religions, and the fertilization of the Brazilian culture based on the contributions made by the so-called “colored men” are highlighted as diacritical expressions. 4. Keeping watch, to the extent of patrolling, the mass communication media, particularly the TV in order to simultaneously increase Negro visibility on the screen positively and eliminate, if possible and for once, the negative image of the scoundrel, unscrupulous, and laughable Negro, in other words, the “caricatural Negro,” that has perpetuated and annoyed the group as of the radio days (Borges Pereira 2001; also Fonseca 1994). That sanitizing surveillance can even reach Negro artists who are willing to perform such roles (Araújo 2000). 5. Electing higher, university education as one of the most powerful resources to revert signs. That idea, strongly impregnated with a mystique of school power in a social ascension process seems to be unanimous among Negroes, whether active members or not. In the quest for that objective, it is possible to see two strategies of the group. The first one brings to date again a strategy self-denominated “black elite” of the 1840s and 1850s that resorts to negotiations with representatives of the most privileged layers of the white population (politicians, businessmen, professionals, educational institutions) to materialize the ideals of that segment. The second, instead of negotiations, prefers an artifice based on public dispute and even on conflict, when facing social obstacles to its planned course. From this last strategy that is marked by the yearnings of the neediest layers in the Negro group, the claims for racial quotas in public universities are born. 6. Finally, refusing to accept the pluralization of the Negro movement: despite comprising various aspects that will act in their own time, in their own places, with their own fighting strategies, it is unique (Borges Pereira 2007). Current members themselves realize that this is an ambitious agenda, while they admit that the Negro image nowadays is no longer a worn-out representation of former decades. And what is most relevant: the negro is already freeing himself from the reflex ideology of a mirrored image of the “other,” that has historically been built from long ago. In other words, the Negro already sees himself through his own and renovated gaze, while he realizes that there is still a lot to do. The color duality triggered by the MNU The Negro reactive movement ends up reestablishing the polarity of colors, reducing the praised ethnical diversity to polarity – almost to the point of opposition – of both Brazils. However, at least two differences may be stressed between the former and the present phase: as mentioned, the former phase arises from a construction undertaken by white intellectuals, having as basis the “biologized” ideas of Nina Rodrigues. In the current phase, that dualistic, binary reduction is conducted by Negro militants, through a Marxist perspective, with emphasis on the socioeconomic. In sum, as of 1970, Brazil in black and white is drawn once again from a political-ideological point of view by Brazilians who define themselves as black-skinned – without shades of black – individuals, all of them anxious to eliminate real obstacles and symbolic stigmata that have historically placed the “colored man” in a situation, as of always, of social subalternity. In a way, this new drawing scratches the profile of a society that takes pride in its ethnical diversity, which can be translated into color diversity that tints the skins of Brazilians. Reference List ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil. O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000. BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. 4th ed. São Paulo: Global, 2008. 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Redefining from his own aesthetics, the image of the Negro as an expression of a non-white body. This item comprises a concern with Negro beauty, chiefly but not exclusively, with the Negro female beauty. The expression of that new identity associated with Negro aesthetics stresses cosmetics and the hair. Such concerns give rise to niches in the consumer market in the form of ethnic beauty parlors in major Brazilian cities and cosmetic industries, which, in turn, foster advertising aimed at the Negro group (Gomes 2006). 2. Eliminating nearly forty labels that designated blacks and their mestizos in different parts of the country (Harris 1967). For that purpose, they would adopt the encompassing “Negro” term. That single-naming strategy attempted to fulfill two politically relevant objectives for the group: firstly, the number and percentage of the non-white population, which from now on would be called “Negro,” would grow enough to recover the balance recorded in the late 19th century. Secondly, an intergroup solidarity network would be built, the absence of which was an impediment to joint political action. In other words, that strategy was an effort to fill the gap in gender, religion, color shades, and partisan politics (Valente 1986). 3. Submitting positive proposals to value quilombolas, exalt Zumbi, a mythical hero, encourage and create the Negro Awareness Week; contribute to weaken in the Negro and national imaginary May 13 as a symbol of granted redemption; exalt the so-called Negro culture in the country, in which Dra. Alice Alchorne1, Dra. Bogdana Victoria Kadunc2, Dr. Fernando Almeida3 e Dr. Maurício Alchorne4 1. Livre-docente de dermatologia; professora orientadora (mestrado e doutorado) da Escola Paulista de Medicina – Unifesp; professora de dermatologia do curso de medicina da Universidade Nove de Julho – Uninove. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD. 2. Presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (2011-2012); doutora em dermatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; ex-presidente e membro permanente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. Assistente da Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. 3. Professor-associado de dermatologia da Unifesp/EPM; fundador do Grupo brasileiro de Melanoma. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD. 4. Livre-docente de dermatologia; professor de dermatologia do curso de medicina da Universidade Nove de Julho – Uninove. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD. 87 S cidadãos de nações sul-americanas, mais próximas, é crescente o afluxo de pessoas oriundas da África e, também, da Europa, particularmente Portugal, e dos Estados Unidos que procuram qualidade a custos comparativamente mais acessíveis, vantagens que se somam ao bom atendimento oferecido pela rede hospitalar e, também, à imagem cada vez mais positiva do Brasil no cenário internacional. O Brasil conta com mais de 70 centros dermatológicos credenciados em vários Estados, boa parte dos quais dedicados também à pesquisa, o que confirma o crescente interesse científico pela especialidade. Nesse sentido, destaca-se, por exemplo, o Estado do Amazonas, onde as pesquisas de doenças tropicais – relacionadas ao clima e às características ambientais e sociais da região – estão bastante avançadas, garantindo a importante contribuição da dermatologia brasileira tanto no campo das pesquisas científicas quanto no campo clínico e de tratamentos. No âmbito da saúde pública, além dos esforços para garantir o controle e a prevenção de doenças crônicas como a hanseníase, o atendimento a doenças dermatológicas ocupacionais também tem recebido investimentos por parte do governo. São doenças que atingem trabalhadores prolongadamente expostos ao sol ou que entram em contato com substâncias químicas e metais pesados, hoje responsáveis pelo segundo lugar entre as doenças ocupacionais em geral. Os avanços da dermatologia e os novos desafios na formação de profissionais A complexidade e o avanço das pesquisas e da tecnologia envolvendo procedimentos e tratamentos exigem a constante atualização dos profissionais de dermatologia. Daí a importância de cursos de capacitação, palestras em congressos, instituições de ensino e associações, como a Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, revelando o empenho dos profissionais em prol do desenvolvimento dessa especialidade médica. Entre os registros mais frequentes, destaca-se a dermatoscopia, cujo progresso tem permitido diagnósticos mais apurados de lesões pigmentadas que podem corroborar os resultados de exames anátomo-patológicos, considerados o padrão-ouro para diagnósticos mais precisos. Os biológicos são outro marco importante na área de pesquisa de novos medicamentos que compõem o arsenal para tratamento de algumas doenças que têm desafiado os dermatologistas. O desenvolvimento da cosmiatria também foi um marco na evolução da dermatologia brasileira neste início de século. Graças aos avanços das pesquisas e do desenvolvimento de novas tecnologias, como o laser e substâncias como a toxina botulínica e os preenchedores, hoje o dermatologista pode tratar não somente as mudanças causadas na pele em razão do envelhecimento cronológico ou ambiental, como também sequelas cicatriciais das mais diversas origens e genodermatoses deformantes, antes desprovidas de recursos terapêuticos. Estas, apesar de incuráveis, podem ter seus sintomas amenizados, garantindo a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Assim, o incremento de pesquisas, sobretudo na área da anatomia, é fundamental por garantir o uso adequado e a maior eficiência dos tratamentos e procedimentos aplicados, considerando-se também os procedimentos cosmiátricos. Atualmente, as pesquisas na área da cirurgia dermatológica e da cosmiatria estão focadas no desenvolvimento comparativo dos preenchedores, nas técnicas de lipoaspiração de pequenos volumes com laser e outros recursos e nas técnicas de cirurgia oncológica para retirada de tumores. No próprio diagnóstico de câncer de pele, uma das principais moléstias que aflige a população, especialmente de países de grande insolação, como os do hemisfério sul, novas tecnologias de dermatoscopia e microscopia confocal permitem o exame do tecido lesionado com rapidez e precisão, garantindo a eficácia das intervenções e dos tratamentos. As pesquisas estendem-se ainda para as áreas de reconstrução e transplante de pele (enxertos), a exemplo de certos casos de vitiligo. Todos esses avanços dependem, para serem dominados e aproveitados em benefício dos pacientes, de uma formação conduzida por mestres e profissionais experientes que propicie não apenas conhecimentos e práticas relevantes para o exercício da profissão, como também fundamentos científicos sólidos. Um ponto crucial na agenda de educação médica continuada tem sido a questão ética e a preocupação permanente Family ties: ethnic groupS in brazil A longevidade e os desafios da dermatologia no século XXI Se nos primórdios do século XX a dermatologia brasileira desempenhou papel de destaque na sociedade, desenvolvendo trabalho pioneiro e inovador nos campos da pesquisa científica e da profilaxia contra doenças da pele que estigmatizavam a população, como a sífilis e a hanseníase, nos dias atuais ela confirma essa posição, em consonância com as demais especialidades da medicina na busca de soluções no âmbito do tratamento das doenças e do monitoramento e de intervenções que garantam a saúde com qualidade de vida para uma população cada vez mais longeva. Ao longo deste século a sociedade brasileira transformou-se profundamente. Nesse contexto, a dermatologia brasileira também se transformou, sobretudo a partir dos fins de 1990, quando deixou de ser uma especialidade eminentemente clínica e passou a evoluir gradativamente para clínico-cirúrgica, e na esteira dessa evolução foi incluída a cosmiatria. Hoje, a dermatologia atua em diferentes aspectos clínicos, laboratoriais e terapêuticos, buscando os benefícios da interdisciplinaridade e o avanço da prática médica: oncologia, medicina diagnóstica e por imagem, pediatria, cirurgia dermatológica, cosmiatria, além do tratamento de doenças infecciosas, parasitárias, inflamatórias, autoimunes e alérgicas. Nesse processo foram determinantes os avanços da pesquisa científica e da tecnologia, que agregaram novos recursos à prática da dermatologia, tanto do ponto de vista do diagnóstico quanto do tratamento. O dermatologista passou a tratar de doenças dermatológicas que até então eram diagnosticadas principalmente pelo exame clínico. As doenças de pele eram descritas com base na observação dos aspectos, características e localização da lesão, e levando-se em conta essa morfologia era feito o diagnóstico, o que dificultava a sua confirmação. A histopatologia avançou a passos largos. Hoje, com a imuno-histoquímica, é possível definir o tipo de célula característica de uma doença e, com isso, não só fechar o diagnóstico como estabelecer o prognóstico, verificando as formas de sua evolução e a definição do tratamento. No mesmo sentido foram significativos os avanços da dermatologia na área de pesquisa, sobretudo das doenças relacionadas às disfunções imunológicas. Por ser o maior órgão do corpo humano, a pele possui grande quantidade de células imunológicas. Doenças que causam imunodepressão, como a SIDA ou AIDS, e com alterações imunológicas, como lúpus eritematoso, pênfigo e vitiligo, são algumas daquelas nas quais o diagnóstico e o tratamento obtiveram progressos significativos nos últimos anos. A dermatologia brasileira distingue-se entre as principais escolas em nível mundial, sobretudo na área de cirurgia dermatológica e cosmiatria, em que se qualifica como a segunda escola do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. O interesse crescente despertado no plano internacional faz com que a especialidade salte fronteiras e passe a atrair, também, pacientes de outros países. Além de 89 Dr. Alice Alchorne,1 Dr. Bogdana Victoria Kadunc,2 Dr. Fernando Almeida,3 and Dr. Maurício Alchorne4 1. Dermatology professor with habilitation degree (LivreDocência); advisor (master’s and doctorate degrees) with Escola Paulista de Medicina – Unifesp; dermatology professor at the medicine course of Universidade Nove de Julho – Uninove. A former president of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology). 2. President of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (2011–2012); doctorate in dermatology from Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; a former president and a permanent Deliberative Council member of Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. Assistant with Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. 3. Associate dermatology professor with Unifesp/EPM; founder of Grupo Brasileiro de Melanoma; a former president of Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD. 4. Dermatology professor with habilitation degree (LivreDocência); dermatology professor at the medicine course of Universidade Nove de Julho – Uninove. A former president of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD. W While in the dawn of the 20th century, Brazilian dermatology played a remarkable role in society by developing a trailblazing and innovative work in the fields of scientific research and prevention of skin diseases that stigmatized the population, such as syphilis and Hansen’s disease, nowadays it confirms its role and position in accordance with other medicine specialties in the search for disease-treating and monitoring solutions and interventions that are capable of ensuring health and quality of life for an increasingly long-lasting population. In the course of this century, Brazilian society underwent profound changes. In that context, Brazilian dermato­ logy also went through transformations, mostly from the late 1990s, when it was no longer considered eminently clinical, gradually becoming a clinic and surgical specialty, with cosmiatry being included in the wake of that evolution. Currently, dermatology encompasses different clinical, laboratorial, and therapeutic aspects seeking the benefits of interdisciplinarity and medical practice advances: oncology, diagnostic medicine, medical imaging, pediatrics, geriatrics, dermatological surgery, cosmiatry, in addition to treatment of infectious, parasitic, inflammatory, autoimmune, and allergic diseases. The advances of scientific research and technology were decisive, as they added new resources to the practice of dermatology, from both diagnosis and treatment standpoints. Dermatologists began to treat dermatological dis­­­­ e­a­ses that up until then were chiefly diagnosed by clinical exams. The description of skin diseases used to be based on the observation of their aspect, characteristics, and location of lesions, and a diagnosis was made by taking that morphology into account – which rendered confirmation more difficult. Histopathology advanced in leaps and bounds. Nowadays immunohistochemistry has made it possible to identify the type of cell that characterizes a disease and, based on such identification, not only is it possible to make a diagnosis but also to provide a prognosis, based on its probable course and the choice of treatment. In the same way, the advances of dermatology in the research field, above all the diseases relating to immune disorders, were also relevant. Being the largest organ of the human body, the skin has a large amount of immune cells. Diseases that cause immunosuppression, such as AIDS, and with a few immune changes, such as lupus erythematosus, pemphigus, and vitiligo, are among those the diagnosis and treatment of which achieved significant progress in the last few years. Brazilian dermatology ranks among the most important schools worldwide, especially in the area of dermatologic surgery and cosmiatry, where it ranks second in the world, only behind the United States. The increasing interest it aroused abroad made the specialty cross frontiers and attract patients from other countries. In addition to people from neighboring South American nations, there is an increasing inflow of people from Africa and Europe, particularly from Portugal and the United States, as they seek quality at comparatively more reasonable costs, advantages that are added to the good services rendered by our nation’s hospital network and to Brazil’s increasingly positive image in the international scenario. Brazil has over seventy qualified dermatological centers in various states, a significant number of which also engaged in research, a fact that confirms the increasing scientific interest in the specialty. In this respect, for example, the state of Amazonas, where research on tropical diseases – relating to the weather and to the environmental and social characteristics of that region – stands out for its advances, ensuring the important contribution of Brazilian dermatology both in the field of scientific research and in the clinical and treatment area. In the sphere of public health, in addition to efforts to ensure the prevention and control of chronic diseases, such as Hansen’s disease, treatment of occupational skin diseases has also been the object of government funding. Occupational skin diseases develop in workers who are constantly and extensively exposed to the sun or who are exposed to chemical substances and heavy metals, which are currently accountable for a second place among occupational diseases in general. The advances in dermatology and the new challenges facing professional education The complexity and the advances made in research and technology relating to procedures and treatments require dermatology professionals to constantly update themselves in the area. Hence the importance of qualification courses, congress lectures, associations, such as the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, and teaching institutions to ratify the commitment of dermatology professionals to the devel­ opment of that medical specialty. Among the latest records, dermatoscopy stands out, because its progress has allowed more precise diagnoses of pigmented lesions that may substantiate results of anatomicopathological tests, regarded as the golden standard for more precise diagnoses. Biologicals stand as another important milestone in the research for new medicine to be added to the arsenal for the treatment of some diseases that have challenged dermatologists. The development of cosmiatry was also a milestone in the evolution of Brazilian dermatology in this early new century. Thanks to research advances and the development of new technologies as laser and substances as botulinum toxin and dermal fillers, nowadays not only is a dermatologist able to treat skin changes caused by chronological or environmental aging, but also cicatricial aftereffects from the most varied origins and deforming genodermatoses, for which no therapeutic resource was available. In spite of being incu­ rable, they may have their symptoms mitigated to ensure a better quality of life for patients. Thus, intensified research, above all in the field of ana­ to­my, is essential, since it ensures an adequate use and higher efficiency of relevant treatments and procedures, also taking cosmiatric procedures into account. Current research in dermatological surgery and cosmiatry is focused on the comparative development of dermal fillers, small-volume liposuction techniques by means of laser radiation and other resources, and in the techniques of surgical oncology to remove tumors. In the very diagnosis of skin cancer, one of the main dise­a­­­­­­­­­­­­­ ses that torments the population, particularly in countries with plenty of sunlight, as those located in the Southern Hemisphere, new dermatoscopy and confocal microscopy techniques make it possible to perform a quick and precise exam of the injured tissue, ensuring effective interventions and treatments. Research is also extended to the fields of skin reconstruction and skin transplant (grafting), as in some cases of vitiligo. In order to be mastered and used for the benefit of patients, all such advances depend on a background built by experienced masters and professionals that can provide not only relevant know-how and practice to carry out the profession, but also a solid scientific foundation. A crucial aspect in the continued medical education agenda has been the issue of ethics and a permanent concern to make specialists aware, from their very graduation day, of the delicate balance of the doctor-patient relationship and the commitment to engage in the vast field of social diseases that still afflict a significant contingent of people, as Hansen’s disease, STDs, and mycosis that have a strong impact on the economically less-favored groups and place Brazil in a disho­ norable outstanding position among nations. Ethics, dignity, transparency, and honesty are universal values that should be stressed out in the medical profession. Within that sphere, some principles should be observed, as bearing in mind that, even in the simplest cosmiatric procedure, a patient should be examined as a whole to ensure that a doctor does not overlook certain conditions that could substantiate an early diagnosis, as in the case of melanoma, which can be detected by means of a thorough examination. In order to work in the profession in its whole plenitude and comprehensiveness, a specialist should, therefore, master the scientific foundations and the three fundamental pillars of his or her profession: clinical, surgical, and cosmiatric. Another challenge facing a dermatologist’s background is the increasing need to carry out interdisciplinary activities that foster the exchange of knowledge among the various specialties, in view of the numerous existing contact points with other medical areas, as rheumatology, immunology, and infectology, among others. This knowledge-enhancing requirement should be taken into account if the scientific dimensions facing a modern dermatologist are to be fulfilled. These competences can only be fully mastered through learning in well-equipped services led by qualified professionals. Such quality backdrop requires an adequately structured medical school network, chiefly public universities and some niches of excellence in the private sector. In this sense, the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD has played a key role for one century, by carrying out industrious work to consolidate dermatology at a high level. Relying on a structure of regional offices in the states of this country, its network is multiplied by the capillarity provided by dermatological districts and services that render quality medical care to the remotest places in the country. Family ties: ethnic groupS in brazil Longevity and the Challenges Facing Dermatology in the 21st Century 88 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL em conscientizar especialistas desde a graduação, sobre o delicado equilíbrio da relação médico-paciente e o compromisso de atuar no vasto campo das doenças sociais que ainda afetam contingentes expressivos da população, como hanseníase, DST e micoses, que impactam principalmente as camadas economicamente menos favorecidas e colocam o Brasil numa desonrosa posição de destaque entre as nações. Ética, dignidade, transparência e honestidade são valores universais que têm destaque na profissão médica. Nesse universo, certos preceitos devem ser observados, como ter em mente que o paciente, mesmo nos procedimentos cosmiátricos mais simples, deve ser visto e examinado como um todo, para que não passem despercebidas condições que poderiam garantir os benefícios de um diagnóstico precoce, como é o caso do melanoma, que pode ser detectado num exame completo. Para exercer a dermatologia em toda a sua plenitude e abrangência, o especialista deve dominar, portanto, os fundamentos científicos e os três pilares fundamentais da profissão: clínico, cirúrgico e cosmiátrico. Outro desafio à formação do dermatologista é a necessidade crescente de atividades interdisciplinares que estimulem a troca de conhecimentos entre as diversas especialidades, tendo em vista os numerosos pontos de contato existentes com áreas diversas da medicina, como reumatologia, imunologia e infectologia, entre outras. Essa exigência de ampliação do saber deve ser contemplada para que possam ser preenchidas as dimensões científicas que se colocam diante do dermatologista moderno. Essas competências somente serão integralmente dominadas a partir do aprendizado em serviços bem equipados e conduzidos por profissionais qualificados. Tal cenário de qualidade exige uma rede bem estruturada de escolas médicas, principalmente universidades públicas e alguns nichos de excelência no ensino privado. Nesse sentido, papel fundamental tem sido desempenhado pela SBD, que, há um século, vem realizando diligente trabalho de consolidação da dermatologia num patamar elevado. Com estrutura de regionais nos Estados, sua rede multiplica-se por meio da capilaridade proporcionada pelos distritos dermatológicos e pelos serviços que levam assistência médica de qualidade aos pontos mais distantes do país. Angela Magalhães e Nadja Fonseca Peregrino Curadoras e Pesquisadoras Associadas 91 A A realidade cultural brasileira é caracterizada pelo amálgama de distintos grupos étnicos. Não podia ser diferente. Fragmentos de memória, frutos de uma história dispersa, nos ajudam a reiterar a importância vital do processo migratório para a formação de uma sociedade não só cosmopolita como culturalmente plural. Alguns exemplos nos bastam. É só rememorar as influências trazidas pelos imigrantes: o idioma português, a culinária italiana, as técnicas agrícolas alemãs, os batuques musicais africanos, a feijoada, os cultos afro-brasileiros, legados simbólicos que dão ao Brasil um perfil de múltiplos sabores e cores. Lembremos, ainda, que a base da população brasileira é constituída pelos descendentes dos três antigos elementos: ameríndios, portugueses e africanos, e que a supremacia da cultura portuguesa prevaleceu por muito tempo após a interrupção da imigração africana. Quando a abolição da escravatura se tornou uma certeza, a imigração de outras nacionalidades além da portuguesa ganhou fôlego. Suíços, alemães, judeus, eslavos, turcos, árabes, espanhóis, italianos e japoneses, por exemplo, fizeram parte desse crescente fluxo migratório lidando, porém, com hábitos culturais completamente estranhos aos seus costumes. Sob a forte influência da tradição dos seus antepassados, conservaram durante várias gerações as características culturais trazidas de além-mar, unidos pela paixão do lugar de origem. Preservar, quase sempre, é uma via possível para revermos as páginas escritas da existência. E, se, por uma metáfora, a distância assemelha-se a uma luz que esmaece, o retorno ao passado pode trazer à tona experiências acumuladas – relâmpagos breves, mas contundentes, de lembranças esquecidas e descartadas. Baianas, 1955. Baianas, women wearing typical attire of a regional Brazilian feast, 1955. Há uma extensa literatura sobre a importância do cinema e da fotografia na recuperação desse processo híbrido, que coexiste tanto nas histórias de vida como em sua transmissão pelo mundo. Não por acaso a conexão da imagem com o tempo nos remete a zonas impensáveis, que poderiam ser totalmente apagadas da história. São memórias construídas na fronteira de um quase esvaecimento. No âmbito de nossa exposição “Laços de família: etnias do Brasil” a fotografia aparece como principal eixo de investigação conceitual e estética. Aos fotógrafos desse projeto formulou-se o convite para visitarem cidades localizadas em distintas regiões brasileiras, cujo resultado prova – aos que ainda duvidam – que o conhecimento do Brasil está muito além dos meios que o veiculam: livros, blogs, internet, entre outras redes de comunicação. Na verdade, a web não consegue dar conta das inúmeras realidades que campeiam numa geografia tão grandiosa como a nossa. Não surpreende que as fotos reunidas descortinem novos horizontes, permitindo repensar conceitos e redefinir a realidade factual com que os fotógrafos se defrontam, para irmos além das certezas consagradas e de um olhar padronizado pela mídia. O desafio é levar o espectador a apreciar o potencial documental e ficcional das distintas interpretações e linguagens autorais. Assim, a noção de miscigenação racial – um traço cultural determinante para o entendimento atual da conformação do Brasil – estará conectada a uma expressão poética e a um sentimento de ligação da realidade sociocultural com o corpo da arte. Uma visão da qual aflora a condição do próprio artista como produtor de conhecimento. De outra forma, reconstruir esse universo pela via imagética significa trazer à tona as peculiaridades da fotografia contemporânea, que possui uma importância ímpar no cenário artístico mundial. Hoje, mais do que nunca, a fotografia se caracteriza por uma nova modelação do olhar, tanto pela sua interação com outros meios expressivos quanto pelo advento da linguagem digital, na qual a tela do computador se tornou um paradigma da comunicação midiática. Revelando-se cada vez mais fluida e mutante, a fotografia circula desde a clássica tradição documental, passando pela sua inserção em instalações nos espaços da galeria, até o registro de ações performáticas como uma linha tênue, sem a qual a arte perderia seu alcance e sua coerência. Dessa forma, o alargamento visual passa a ser a tônica de uma ampla rede de conhecimento. Sua natureza interdisciplinar é inegável. Não por acaso, em qualquer parte do mundo a fotografia – impressa, exposta ou projetada pela internet – e o vídeo marcam sua presença vertiginosa nas atividades cotidianas, impondo-se como importantes linguagens técnicas e artísticas na construção da visualidade contemporânea. Decifrar a imagem é sempre um desafio: entender os seus códigos de representação e a intenção de seus protagonistas tornou-se determinante para a conformação da história da arte no alvorecer do século XXI. Assim, do ponto de vista curatorial, o que se quer destacar nesta exposição comemorativa dos cem anos da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD são as estratégias visuais empregadas pelos artistas para retratar a diversidade étnica de um Brasil plural. No percurso a ser empreendido, os modelos legitimadores da representação do mundo poderão ser tão subjetivos e mutantes quanto Family ties: ethnic groupS in brazil A pele e a vida no f luxo do tempo 1. Marcio Scavone. Viagem à Liberdade. São Paulo: Alice Publishing Editora, 2008. imagens – mininarrativas – que possuem um conteúdo próximo dos retratos dedicados às famílias dos descendentes italianos. O feixe de palha, a casa rústica isolada no horizonte, as nuvens rarefeitas, os objetos antigos, o anjo barroco e as paredes de madeira são símbolos de um exercício de concisão. Se os compararmos aos haicais – pequenos poemas japoneses de três linhas –, transpõem a versatilidade de sentidos em direção ao enigma da linguagem. Pode-se fazer um paralelo entre as obras de Scavone e de Ary Diesendruck, pelo menos no estilo documentário direto e preciso. Todavia, ao se basear na cenografia do seu projeto “Profissões de rua”, usando uma lona como pano de fundo para fotografar seus personagens em São Paulo, Diesendruck distancia-se do conceito empregado por Scavone. Inspirado numa forma de representação, já utilizada por autores como o norte-americano Irving Penn (1917) e os brasileiros Mario Cravo Neto (19472009) e Rogério Reis (1954), Diesendruck escolheu fotografar as famílias do Rio Grande do Sul que fundaram a cidade de Porto dos Gaúchos (1955), após uma longa empreitada de quarenta e um dias para chegar às longínquas e inacessíveis terras mato-grossenses. Ao longo das décadas lentamente abriu-se a estrada pela margem direita do rio Arinos, que serviu de ligação entre Porto dos Gaúchos e outras localidades. É preciso lembrar, porém, que até a segunda metade do século XX o Brasil central era um território quase desconhecido, embora inúmeras expedições nacionais e estrangeiras tenham logrado algum êxito em adentrar o coração do país, ocupado desde tempos imemoriais pelas nações indígenas. Não é difícil, então, imaginar o esforço de Diesendruck para chegar até aquela cidade. Ali, durante o processo de produção dos retratos, é curioso ver o seu insight ao criar, por meio do mesmo uso da lona, múltiplas versões de diferentes cenários: ora pendurada, ora jogada no chão, ora integrada à ambiência dos 93 leva ao período da ocupação holandesa naquele Estado, entre 1630 e 1654, num momento em que a tolerância religiosa ali vicejava, contrariando a severa vigilância da Igreja Católica Romana que utilizava os autos da Inquisição para julgar aqueles considerados uma ameaça às suas doutrinas. Após esse período, com a capitulação dos holandeses, muitos judeus emigraram para outras localidades, como Nova Amsterdã (atual Nova York), onde foi articulada a Congregação Shearith Israel, a primeira comunidade judaica da América do Norte. Todavia, a despeito de sua importância, a sinagoga recifense ficou esquecida durante séculos. Foram necessários mais de trezentos e cinquenta anos para que a Federação Israelita de Pernambuco solicitasse, em 1991, o estudo arqueológico do imóvel, localizado na Rua Bom Jesus, no centro de Recife, identificado graças à cartografia histórica e textos do historiador José Antonio Gonsalves de Mello. Durante as escavações foram encontrados sete níveis de diferentes pisos. Inteiramente restaurados em 2001, transformaram-se num ponto obrigatório de visitação do Recife antigo, hoje totalmente revitalizado. De certo modo, é possível ressaltar a intenção de Gal Oppido em mostrar vários aspectos dessa história depositada em Pernambuco. Podemos ver isso na recuperação de múltiplas temporalidades que convivem e afloram no presente por meio das diversas imagens, seja na inscrição “Rua do Bom Jesus, antiga Rua dos Judeus (1636-1654)”, seja no foco direcionado às várias gerações judaicas, seja ainda nos retratos do homem e da mulher produzidos, respectivamente, em Nova York (janeiro-fevereiro de 2009) e Recife (setembro de 2011), nos quais simboliza o deslocamento contínuo dos judeus à Terra Prometida. Há aqui uma troca entre a matéria e a imagem, entre coisa física e signo. Por esses caminhos, a construção de dípticos estabelece uma relação peculiar entre as imagens do teto da sinagoga e a aspereza dos tijolos, que terminam por se conectar simbolicamente com o contexto histórico – se observadas as pequenas brechas abertas nos tijolos como símbolo da escavação de uma memória impossível de ser deixada para trás. Além das fotografias, no fechamento de seu trabalho Oppido apresenta um desenho, que faz parte de uma série de outros produzidos em Nova York. Talvez essa obra possa ser relacionada com algumas xilogravuras do brasileiro Oswaldo Goeldi (1895-1961), não apenas pela opacidade das figuras em preto, mas pelas linhas incisivas, secas e econômicas, que lembram vagamente uma via extraviada como um caminho de solidão. Todavia, Oppido não traz, como em Goeldi, a visão sombria da vida. As linhas coloridas e esmaecidas são muito menos duras e estruturam campos visuais definidos bem próximos da contemplação silenciosa de um lugar quase desabitado. Por último, Patricia Gouvêa, movida pela saudade de seus ancestrais, parte para fotografar a Festa do Divino, em Florianópolis, a mais importante do calendário açoriano. De caráter cristão, esse evento não pode ser dissociado da devoção ao Espírito Santo, nem sequer da tradição que permanece acesa por meio de ações solidárias e da vivência religiosa. Realizada há mais de duzentos e cinquenta anos na comunidade de Santo Antônio de Lisboa, na capital catarinense, ela é representada, invariavelmente, pelo aspecto folclórico, mediante o qual os açorianos tentam manter a autenticidade e o rigor do ato litúrgico. Na verdade, Gouvêa começa a pesquisar a herança cultural portuguesa em 1999, no Rio de Janeiro. Nessa ocasião descobre a importância da realização de rituais para a comunidade luso-brasileira que busca reafirmar a ligação direta com a memória do passado rural dos tempos pré-emigratórios. Mais do que isso, Gouvêa acredita na possibilidade de reafirmar seus laços por meio de um ancestral familiar esquecido; de um retrato apagado pelo tempo; do português dono do botequim da esquina; ou mesmo de um parente próximo, que, morando aqui há anos, perpetua o sotaque carregado. Esses dois ensaios, realizados em tempos distintos, se complementam por meio da fusão de fatos separados no tempo, mas que podem ser vistos numa cartografia flexível em seus contornos. Vejamos o seu itinerário. No espaço grandioso do mar, sem paredes, sem limites, a imagem do barco é símbolo da travessia. O tempo parece girar sobre si mesmo, enquanto a água passa, como se fosse estrada levando todas as famílias. Ao aportarmos em Florianópolis, as luzes da cidade se acendem pouco a pouco. Assim, a tênue luminosidade de uma pequena fresta se reflete no rosto da rendeira; ao lado, sombrinhas abertas permanecem isoladas, silenciosas, no canto da casa, como refúgio. O jogo contínuo entre ocultar-se e revelar-se parece estar no retrato do homem que traz em seu rosto uma máscara de animal, enquanto a claridade do sol se inscreve nos retratos da criança e das rendeiras. São horas cheias de dobras que se desnudam na pompa da Festa do Divino, em que os personagens ricamente trajados despertam em nós a memória dos tempos passados. Já o testemunho do movimento é dado pelo caleidoscópio de imagens. Ali, a artista repete de maneira quase cinemática um fragmento das mãos da rendeira, cujas diferenças visuais quase imperceptíveis se repetem, ora no álbum aberto com fotos impressas da Festa do Divino, ora no jogo compartilhado entre os homens. Patrícia também produziu um vídeo dessa festividade. A relação afetiva e saudosa emerge mais uma vez na figura do barco, lugar de devaneio, símbolo do périplo de nossa existência. Na sequên­cia, imagens e ruídos da cidade, assim como os cantos, que têm uma capacidade notável de gerar uma nostalgia repentina. No fundo, são lembranças saudosas da manifestação do tempo em sua ausência dentro de nós. Referências bibliográficas DANTAS SILVA, Leonardo. Holandeses em Pernambuco, 1630-1654. Recife: Instituto Ricardo Brennand, 2005. FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Rio de Janeiro: Record, 2000. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil – Território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. POIVERT, Michel. La photographie contemporaine. Paris: Flammarion, 2006. Family ties: ethnic groupS in brazil 92 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL os que a ficção é capaz de inventar. Na esteira dessas propostas, aos fotógrafos coube fazer anotações sobre sua expedição fotográfica em diferentes cidades e, ainda, o registro em vídeo do depoimento das pessoas fotografadas e do making off do ambiente onde se desenvolveu o trabalho. É exatamente por essa perspectiva que emerge uma experiência compartilhada, já que o espectador terá acesso não só às fotografias produzidas como também poderá conhecer aspectos da história privada dos personagens escolhidos, numa confluência de imagens, ideias e significados. Assim, Marcio Scavone se propôs mergulhar em suas raízes italianas. Deslocou-se até a cidade de Garibaldi, localizada a 105 quilômetros de Porto Alegre, cuja colonização foi realizada em 1874 por imigrantes provenientes, em sua maioria, do norte da Itália. Lutando, até hoje, os moradores daquela cidade procuram salvaguardar sua tradição: a arquitetura das antigas igrejas, as casas de madeira, os capitéis de beiras de estradas, pedaços às vezes em ruínas que se fertilizam e se qualificam na origem do povoado. Nesse ensaio, Scavone reitera a estratégia empregada anteriormente no livro Viagem à Liberdade1, sobre o berço da colônia nipo-brasileira em São Paulo, de contar a história de um lugar por meio dos retratos. Há, portanto, uma ideia-chave, em que um estilo documental desponta calcado na frontalidade, na legibilidade e clareza da imagem, sem nenhum maneirismo estético, próximo aos retratos feitos em 1920 e 1950, respectivamente, pelo alemão August Sander (1876-1964) e pelo norte-americano Walker Evans (1903-1975). Sua maneira de conceber o trabalho está centrada numa mirada em que os personagens são colocados numa ambiência que lhes é própria. A estes associa pequenas personagens, torna-se, em sua densidade material, espaço, volume e significado. Assim, os retratos das famílias se beneficiam dessas variações, seja pela inventividade da edição proposta, seja pela junção de imagens tomadas no mesmo cenário, que, além de agregar famílias diversas, ampliam o vocabulário da miscigenação. A consistência narrativa também se funda nos aspectos arquitetônicos, nos artefatos arcaicos (a roda d’água), indicativos da própria maneira como Diesendruck lida com a fotografia em que o rigor formal, sem excessos, aparece. Surge, então, do olhar do fotógrafo, uma arqueologia familiar íntima, subjetiva e miscigenada, que gira em torno da passagem do tempo sem o desvanecimento da tradição. A ideia de definir uma miscigenação, a partir de uma história maleável, faz parte do trabalho de José Caldas. Percorrendo um extenso trajeto – do Amapá à foz do rio Oiapoque, fronteira natural entre o Brasil e a Guiana Francesa –, Caldas pôde mergulhar numa região que traz consigo as marcas de uma complexa imigração ocorrida a partir da disputa de vários países por aquele território. Não cabe aqui traçar uma narrativa linear dos acontecimentos, que levaram, por exemplo, o Amapá a ser ocupado pela França em 1836, contra todas as expectativas de Portugal, mas ressaltar a mistura ocorrida em consequência da vinda dos portugueses, dos franceses e dos africanos descendentes dos mouros. Nada mais natural, portanto, que o fotógrafo se defrontasse com uma mestiçagem que traz em seu próprio cerne uma reflexão sobre a formação do povo brasileiro. Não somente isso. Caldas trata desse assunto de maneira ímpar. Reafirma sua mirada através da construção de uma narrativa fotográfica que dialoga com o corpo na dimensão que ele merece como semente do processo de criação artística. Isso pode ser visto nas associações díspares, em que o fragmento do corpo humano dialoga com a textura de uma pedra (um relógio solar) que se impõe como uma metáfora da pele em sua conformação escultórica. Há momentos em que vemos a recorrente passagem do tempo que imprime suas marcas, como superfícies adesivas, nos rostos dos índios e negros. Já a proposição formal do azul combinada ao jogo de futebol nos leva a repensar os valores cromáticos, tal como se vê na obra do pintor russo Mark Rothko (1903-1970), que explora a base vibrante da cor, objeto mítico da pintura, numa expressão intensificada pela percepção cromática e conceitos complexos. Diferentemente de José Caldas, Gal Oppido procurou recuperar os traços da herança judaica, concentrando-se na cidade de Recife. Consciente de que a história de boa parte do patrimônio cultural brasileiro não se encontra somente nos livros, mas aparece vívida em diversos monumentos espalhados pelo país, Oppido escolheu fotografar a Sinagoga Kahal Zur Israel (Rochedo de Israel), a primeira das Américas, como um marco da presença dos judeus em Pernambuco. Um exame mais atento dessa construção nos 95 B Angela Magalhães and Nadja Fonseca Peregrino Associated Curators and Researchers Brazilian cultural reality is a melting pot of different ethnic groups. It could not be different. Memory fragments, the fruits of a dispersed history, help us reiterate the vital importance of the migratory process in forming a society both cosmopolitan and culturally diverse. A few examples will suffice. Just recollect the influences brought by immigrants: the Portuguese language, Italian cuisine, German agricultural techniques, musical African-Brazilian rhythms, feijoada, African-Brazilian cults, symbolic legacies that lend Brazil a diversified profile of flavors and colors. We should also bear in mind that the Brazilian population is basically composed of descendants of the three ancient elements: Amerindians, Portuguese, and Africans, and that the supremacy of the Portuguese culture prevailed for a long time after the African immigration had ceased. Once the abolition of slavery had been assured, the immigration of other nationalities besides the Portuguese gained strength. Swiss people, Germans, Jews, Slavs, Turks, Arabs, Spaniards, Italians, and the Japanese, for example, took part in that growing migratory inflow dealing, however, with cultural habits that were totally unknown to their customs. Under a strong influence of their ancestors, several generations kept the cultural characteristics that had been brought from overseas, and remained united by their passion for their place of origin. Oftentimes to preserve is a possible way to review the written pages of existence. And, if, metaphorically speaking, distance resembles a fading light, returning to the past may give rise to collected experiences – brief but compelling lightning flashes of forgotten and discarded memories. There is a vast literat ure about the importance of cine­ma and photography in the recovery of that hybrid process that coexists both in histories of lives and in their Baianas na Igreja de Nosso Senhor do Baianas, women wearing typical attire of a regional Brazilian feast, Bonfim, Salvador – BA, 1955. at the Igreja de Nosso Senhor do Bonfim church, Salvador – BA, 1955. dissemination throughout the world. It is not by mere chance that connecting image with time may send us to unthinkable regions that could be totally erased from history. They are memories that have been built in quasi-vanishing bound­ aries. Within the scope of our work “Family Ties: Ethnic Groups in Brazil,” photography arises as the main axis of conceptual and aesthetic investigation. The photographers who are taking part in this project were invited to visit cities in different regions of Brazil. And results give proof – to those who still doubt it – that knowledge about Brazil is far beyond the means that convey it: books, blogs, the Internet, among other communication networks. In fact, the web is not up to handling the numerous realities that prevail in such a magnificent geography as ours. It is no surprise that the photographs gathered reveal new horizons, allowing us to rethink concepts and redefine the factual reality with which the photographers are faced, and to go beyond consecrated certainties and a media-standardized outlook. The challenge is to lead the viewer to appreciate the documentary and fictional potential of different interpretations and authorial languages. Thus, the notion of racial miscegenation – a determining cultural trait to understand the current configuration of Brazil – will be associated to a poetic expression and to a feeling that links sociocultural reality with the body of art. A vision through which there emerges the artist’s own knowledge-generating capacity. In other words, reconstructing that universe through images means shedding light on the peculiarities of contemporary photography, which has a unique importance in the global artistic scenario. Today, more than ever photography is characterized by a new molding of the gaze, both for its interaction with other expressive means and for the advent of digital language, through which a computer screen has turned into a media communication paradigm. Having become increasingly fluid and mutant, photography is employed from the classical documentary tradition, going through its insertion in installations within an exhibit space, to the recording of action-performance as a thin line without which art would lose its reach and consistency. Thus, visual magnitude becomes the keynote of a far-reaching knowledge network. Its interdisciplinary nature is undeniable. It is not by chance that in any part of the world photography – printed, exhibited, or projected via the Internet – and video mark their vertiginous presence in routine activities, imposing themselves as important technical and artistic languages in the construction of contemporary visua­l­­ ity. Decoding an image is always a challenge: understan­ding its representation codes and the intention of its protagonists has become a determining factor for the history of art in the dawn of the 21st century. Therefore, from a curatorial standpoint, in this commemorative exhibition to celebrate the hundredth anniversary of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology), we wish to highlight the visual strategies employed by artists to portray the ethnic diversity of a multifarious Brazil. In the journey to be undertaken, the legitimizing models of world representation may be as subjective and mutant as those fiction is able to make up. In the wake of those proposals, photographers were assigned to make notes about their photographic expedition to different cities, in addition to video recording the testimonial of the people who were photographed and the making of of the environment in which the work was developed. It is exactly through that perspective that a shared experience Family ties: ethnic groupS in brazil Skin and Life in the Flow of Time 1. Marcio Scavone. Viagem à Liberdade. São Paulo: Alice Publishing Editora, 2008. When compared to haiku – small three-line Japanese poems – they cross over the versatility of senses and move toward the language enigma. One may establish a parallel between Scavone and Ary Diesendruck’s works, at least as far as their direct and precise documentary style is concerned. However, when in his project “Profissões de rua,” Diesendruck used a piece of canvas as a backdrop to photograph his characters in São Paulo, he distances himself from the concept Scavone employed. Inspired by a form of representation already used by other authors such as U.S.-born Irving Penn (1917) and Brazilians Mario Cravo Neto (1947–2009) and Rogério Reis (1954), Diesendruck preferred to photograph the Rio Grande do Sul families who founded the city of Porto dos Gaúchos (1955), after a long journey that took forty-one days to arrive at the faraway and inaccessible lands of the state of Mato Grosso. In the course of a few decades, a road was built along the right bank of the Arinos River, which served to connect Porto dos Gaúchos with other places. However, it should be mentioned that up to the second half of the 20th century, mid-Brazil was a territory virtually unknown, although a number of Brazilian and foreign expeditions managed to reach the heart of the country that had been occupied by the native Indians from time immemorial. Then, it would not be so difficult to imagine the effort Diesendruck made to reach that city. There, along his portrait-producing process, it is interesting to notice his insight, when he created, employing the same canvas artifice, multiple versions of different scenarios, at times hovering in midair, at times spread on the ground, at times integrated to the ambience of the characters, as it turns into space, volume, and meaning, in its material density. Thus, the 97 Catholic Church resorted to the severe watchfulness of the Inquisition to try those who were deemed a threat to its doctrines. After that period, with the surrender of the Dutch, many Jews emigrated to other places, such as New Amsterdam (currently New York) where they established the Congregation Shearith Israel, the first Jewish community in North America. However, despite its importance, the Recife synagogue was forgotten for centuries. Over three hundred and fifty years went by before the Pernambuco Federation of Israelites requested in 1991 an archeological study in the property located on Rua do Bom Jesus, in downtown Recife, that could be identified thanks to the historic cartography and texts by historian José Antonio Gonsalves de Mello. The excavations found seven levels of different floors. Having been completely restored in 2001, that location became a must-see of old Recife, which is now totally revitalized. To a certain extent, it is possible to stress Gal Oppido’s intention to show various aspects of that history that took place in Pernambuco. We can see that in the recovery of multiple temporalities that live together and emerge in the present by means of a number of images, whether in the “Rua do Bom Jesus, antiga Rua dos Judeus (1636–1654)” inscription, whether in the focus on a number of Jewish generations, or still in the corresponding portraits of a man and a woman, produced in New York (January–February 2009) and in Recife (September 2011), respectively, symbolizing the continuous displacement of Jews to the Promised Land. Here there is an interchange between matter and image, physical things and signs. Through those paths, the construction of diptychs establishes a peculiar relationship between the images on the synagogue ceiling and the coarseness of the bricks that end up connecting symbolically to the historical context – when observing the small crevices open in the bricks as a symbol of the excavation of a memory that could not possibly be left behind. In addition to the photographs, in closing his work, Oppido presents a drawing that is part of a series of other drawings produced in New York. Perhaps that work can be related to some xylographs of the Brazilian Oswaldo Goeldi (1895–1961), not only on account of the opacity of the figures in black, but also because of their incisive, dry, and frugal lines that vaguely remind an astray path as a road of solitude. However, differently from Goeldi, Oppido does not depict a gloomy view of life. His colored and faded lines are much less harsh and they structure defined visual fields quite similar to a silent contemplation of a nearly uninhabited place. Finally, Patricia Gouvêa, filled with longing for her ancestors, goes on taking pictures of Festa do Divino, in Florianópolis, the most important celebration in the Azorian calendar. Because of its Christian nature, that event cannot be dissociated from the devotion to the Holy Spirit or from the tradition that has been preserved by means of solidary initiatives and religious experience. Having taken place for over two hundred and fifty years in the community of Santo Antônio de Lisboa, in the capital city of the state of Santa Catarina, it is invariably represented by its folkloric nature through which Azorians try to preserve the authenticity and rigor of the liturgical act. In fact, Gouvêa begins investigating the Portuguese cultural heritage in 1999, in Rio de Janeiro. On that occasion, she becomes aware of the importance of rituals for the Portuguese-Brazilian community that seeks to reaffirm a direct connection with the memories of a rural past in pre-emigrating times. More than that, Gouvêa believes it is possible to reaffirm her ties by means of a forgotten family ancestor; a time-faded picture; the Portuguese fellow who owned the tavern on the corner; or even a close relation who, in spite of having lived in this country for a long time, keeps his or her heavy accent. Those two essays produced in different times complement each other by blending separate facts in time whose outlines can be seen on a flexible map. Let us have a look at their itineraries. In the magnificent wall-less and limitless space of the sea, the boat image is a symbol of crossing. Time seems to revolve around itself, while water flows as if it were a road taking families. On arriving at the Florianópolis port, the city lights up little by little. Thus, the faint light of a small opening reflects itself on a lacemaker’s face; on a side, open parasols remain isolated, silent, in a corner of the house, as if in a shelter. The continuous play of hiding and revealing oneself seems to be in the portrait of a man who hides his face behind the mask of an animal, while the sun shines in the portraits of the child and the lacemakers. They are fold-filled hours that lay bare in the splendor of the Festa do Divino, where richly dressed characters arouse in us the memories of the time long past. Now the testimony of movement is provided by the kaleidoscope of images. There, the artist reproduces in a quasi-cinematographic manner a fragment of the lacemaker’s hand, whose virtually indiscernible visual differences are repeated, at times in an open album showing printed photos of the Festa do Divino, at times in the game shared by the men. Gouvêa has also made a video of that cele­ bration. The affectionate and longing relationship emerges once again in the figure of the boat, a leisure place, a symbol of the journey of our existence. In succession, city ima­ges and noises, in addition to chants, have a remarkable power to give rise to sudden nostalgia. Deep down, they are longing mementos of the time expressed in its absence within us. Reference List DANTAS SILVA, Leonardo. Holandeses em Pernambuco, 1630-1654. Recife: Instituto Ricardo Brennand, 2005. FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Rio de Janeiro: Record, 2000. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil - Território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. POIVERT, Michel. La photographie contemporaine. Paris: Flammarion, 2006. Family ties: ethnic groupS in brazil 96 LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL will emerge, since the viewer, in addition to being able to see the pictures taken, will also be able to get acquainted with the private story of the characters chosen, in a confluence of images, ideas, and meanings. Thus, Marcio Scavone proposed immersing himself deeply into his Italian roots. He traveled to the city of Gari­ baldi, located 105 kilometers away from Porto Alegre, the colonization of which was undertaken in 1874 mostly by immigrants from northern Italy. To this day, the dwellers of Garibaldi struggle to preserve their tradition: the architecture of old churches, wooden houses, capitals on roadsides, oftentimes tumbled-down pieces that are fertilized and quali­ fied in the origin of that village. In this essay, Scavone reite­ rates the strategy he employed formerly in his book Viagem à Liberdade,1 about the cradle of the Japanese-Brazilian colony in São Paulo, of telling the pictorial history of a place. Thus, there is a key idea through which a documentary style emerges supported by image frontality, readability, and clearness, free from any aesthetical mannerism, similar to the portraits done in 1920 and 1950 by August Sander (1876–1964), a native of Germany, and by Walker Evans (1903–1975), an American, respectively. His approach to devising his work is focused on a gaze in which the characters are placed in a suitable environment. The characters are then associated to small images – mininarratives – with a similar content to those of the portraits dedicated to the families of Italian descendants. A bundle of straw, a rustic house standing alone in the horizon, rarefied clouds, old objects, a baroque angel, and wooden walls are symbols of an exercise of concision. family portraits benefit from such variations – whether by the inventiveness of the proposed edition, whether by joining images taken against the same scenario – which, in addition to aggregating various different families, expand the miscegenation vocabulary. Narrative consistency is also supported by architectural aspects, archaic artifacts (a waterwheel), indicating the very manner Diesendruck deals with a type of photography in which there arises formal strictness, without excess. From the photographer’s gaze there emerges an intimate family archeology, subjective and miscegenated that revolves around the passing of time without melting tradition away. The idea of defining miscegenation based on a pliable history is part of José Caldas’ work. Having covered a long distance – from Amapá to the mouth of the Oiapoque River, a natural borderline between Brazil and the French Guyana – Caldas was able to plunge into an area that bears the marks of a complex immigration that took place because a number of countries disputed that territory. It would not be appropriate to lend a linear account of the facts that made France occupy Amapá in 1836, against all expectations from Portugal, but to emphasize the mixture that came about as a result of the arrival of the Portuguese, French, and Africans of Moorish ancestry. Therefore, it was quite natural for that photographer to encounter a crossing of races that brings in its own core a reflection about the forming of the Brazilian people. Not only that; Caldas addresses that issue in a unique manner. He reaffirms his gaze through the construction of a photographic account that engages in dialogue with the body in the dimension it deserves as the seeds of an artistic creation process. That may be seen in the dissimilar associations, in which a fragment of the human body talks with the texture of a stone (a sundial) that imposes itself as a skin metaphor in its sculptural shape. In some moments, we may see the recurrent passage of time which imprints its marks, as adhesive surfaces, on the faces of Indians and Negroes. Now the formal proposition of blue combined to a soccer game leads us to review chromatic values – as one may see in the works of Mark Rothko (1903–1970), a Russian painter – which explore the vibrating color base, a mythical object in painting, in an expression enhanced by chromatic perception and complex concepts. Differently from José Caldas, Gal Oppido attempted to recover the traces of Jewish heritage, focusing on the city of Recife. Being aware that the history of most Brazilian cultural assets is not only found in books, but appears vividly in a number of monuments spread all over the country, Oppido decided to photograph the Kahal Zur Israel (Rock of Israel) synagogue, the first in the Americas, as a mark of the Jew presence in Pernambuco. A more thorough examination of that construction takes us to the period of Dutch occupation of that state between 1630 and 1654, at a moment in which religious tolerance bloomed in a country where the Roman 99 Marcio Scavone Antonio. Antonio. 101 100 Ceresoli. Ceresoli. 103 102 Bortolini. Bortolini. 105 104 Olivo. Olivo. Raisa. Ceresoli. Raisa. Ceresoli. Ari Bongiorno. Remy. Remy. Ari Bongiorno. Lorenzon. Adele. Lorenzon. Adele. Eccker. Fanti Nona. Eccker. Fanti Nona. 111 Ary Diesendruck Família de Gustavo Adolf. Gustavo Adolf ’s family. 113 112 Família Rezer. Rezer’s family. Família de Elizete Reis do Nascimento. Elizete Reis do Nascimento’s family. 115 Dirceu Fuber e família em frente a uma igreja luterana. Dirceu Fuber and Family, in front of a Lutheran church. 117 116 Ely Neumann Wilke. Ely Neumann Wilke. 119 118 Norberto Prieve. Norberto Prieve. Walter Erbach. Walter Erbach. Roberto Sicfrid Wilke (Zico) e Rosângela Morimã em seu barco de turismo no Rio Arinos, em Porto dos Gaúchos – MT. Roberto Sicfrid “Zico” Wilke and Rosângela Morimã in their passenger boat on Rio Arinos, Porto dos Gaúchos – MT. BR-156, rodovia que liga Macapá a Oiapoque, próximo a TI Uaçá, setembro de 2011. BR-156, road connecting Macapá to Oiapoque, near Uaçá Indigenous Land, September 2011. 123 José Caldas Pedra: parte do relógio solar no Sítio Arqueológico Rego Grande (AP-CA-18), em Calçoene – AP, setembro de 2011. Stone: part of a sundial at Rego Grande Archaelogical Site (AP-CA-18), in Calçoene – AP, September 2011. 125 124 Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011. Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011. Morador de Vila Velha, Oiapoque – AP, Vila Velha, Oiapoque – AP, Moradora do Sítio Arqueológico Rego Grande (AP-CA-18), setembro de 2011. Dweller of Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011. setembro de 2011. Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011. em Calçoene – AP, setembro de 2011. Dweller of Rego Grande Archaeological Site (AP-CA-18), in Calçoene – AP, September 2011. 127 126 Professor do ensino secundário da Escola Estadual de Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011. A secondary school teacher of Escola Estadual de Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011. Batuque na Festa de São Raimundo, na comunidade quilombola de Curralinho, Macapá – AP, setembro de 2011. Music and rhythm of African-Brazilian dances in São Raimundo Festivities at the quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curralinho, Macapá – AP, September 2011. 129 128 Festa de São Raimundo, na comunidade quilombola de Curralinho, Morador da comunidade quilombola Macapá – AP, setembro de 2011. São Raimundo Festivities at the quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curralinho, Macapá – AP, September 2011. de Curralinho, Macapá – AP, setembro de 2011. Dweller of the quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curralinho, Macapá – AP, September 2011. Comunidade quilombola do Curiaú, Mucajá (Acrocomia aculeate), Anauerapucú, Comunidade quilombola do Curiaú, Macapá – AP, setembro de 2011. Quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curiaú, Macapá – AP, September 2011. Santana – AP, setembro de 2011. Mucajá (Acrocomia aculeate), Anauerapucú, Santana – AP, September 2011. Macapá – AP, setembro de 2011. Quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curiaú, Macapá – AP, September 2011. Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011. Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011. Comunidade quilombola do Curiaú, Macapá – AP, setembro de 2011. Quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curiaú, Macapá – AP, September 2011. 133 132 Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011. Vila Velha, Oiapoque – AP, September, 2011. Futlama na maré baixa, bairro Perpétuo Socorro, Macapá – AP, setembro de 2011. Mud soccer at ebb tide, Perpétuo Socorro neighborhood, Macapá – AP, September 2011. Guita Charifker, artista plástica em seu ateliê, Olinda – PE, 2011. Guita Charifker, a visual artist at her studio, Olinda – PE, 2011. 135 Gal Oppido Kahal Zur Israel, primeira sinagoga das Américas, construída em 1637, na antiga Rua dos Judeus, atual Rua do Bom Jesus, Recife – PE. Zahal Zur Israel, the first synagogue in the Americas, built in 1637 on former Rua dos Judeus, currently Rua do Bom Jesus, Recife – PE. 137 Acima, detalhe de tijolo no interior da Sinagoga Kahal Zur Israel, com mensagens dos fiéis. No alto, Tânia Neumann Kaufman, presidente do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, Recife – PE, 2011. Above, detail of the brick in the interior of Zahal Zur Israel synagogue with messages from the faithful. On top, Tânia Neumann Kaufman, president of the Pernambuco Historical Judaic Archive, Recife – PE, 2011. Interior da Sinagoga Kahal Zur Israel. Inside view of Zahal Zur Israel synagogue. 138 Pola Berenstein. Pola Berenstein. Da esquerda para a direita: Bruno Happ Botler, Alice Miriam Happ Botler e Milton Botler. From left to right: Bruno Happ Botler, Alice Miriam Happ Botler, and Milton Botler. 141 140 Sessenta anos do casamento de Ethel e Luiz Tachlitsky, 8 de setembro de 2011. Ethel and Luiz Tachlitsky’s sixtieth wedding anniversary, September 8, 2011. Casamento de Ethel e Luiz Tachlitsky, 8 de setembro de 1951. Ethel and Luiz Tachlitsky’s wedding, September 8, 1951. Ateliê da artista plástica Guita Charifker, Olinda – PE, 2011. Visual artist Guita Charifker’s studio, Olinda – PE, 2011. Aronita Rosenblatt, professora titular de odontopediatria da Universidade Federal de Pernambuco – prédio da Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Recife, 2011. Aronita Rosenblatt, a pediatric dentistry full professor with Universidade Federal de Pernambuco – Pernambuco Science and Technology Secretariat building, Recife – PE, 2011. 145 144 Nova York, 2009. New York, 2009. Desenho em aquarela e nanquim, de Gal Oppido, executado no inverno de Nova York, 2009. Watercolor and Indian ink painting by Gal Oppido, made in the New York winter of 2009. 147 Patricia Gouvêa Da Saudade. Florianópolis – SC, 2011. Da Saudade, Florianópolis – SC, 2011. 149 148 Díptico Jocoso. À esquerda, praia de Governador Celso Ramos. À direita, mascarado da Festa do Divino em frente à Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. Díptico Jocoso (Playful diptych). Left, Governador Celso Ramos beach. Right, masquerader at Festival of the Divine Holy Spirit in front of Nossa Senhora das Necessidades church, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. Museu Etnográfico Casa dos Açores, São Miguel – SC, 2011. Casa dos Açores Ethnographic Museum, São Miguel – SC, 2011. 151 150 Casa do Porto, da série Quasi-Nacional. Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000. Casa do Porto, of the Quasi-Nacional series, Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000. Casa dos Poveiros, da série Quasi-Nacional. Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000. Casa dos Poveiros, of the Quasi-Nacional series, Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000. 153 Rendinha, da série Exercícios de Arte Lúdica. Sambaqui, Florianópolis – SC, 2011. Rendinha (Lacework), of the Exercícios de Arte Lúdica series, Sambaqui, Florianópolis – SC, 2011. 155 154 Tríptico Divino (Cozido do Divino/Divina Farinhada). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. Tríptico Divino (Divine triptych) (Cozido do Divino/Divina Farinhada). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. Bastidores. Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. Bastidores (Behind the scenes). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. 157 156 As Meninas #1. Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. As Meninas #1 (Girls #1). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. As Meninas #2. Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. As Meninas #2 (Girls #2). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011. Créditos das imagens históricas Acervo Instituto Moreira Salles Fotógrafa Madalena Schwartz: págs. 68, 73. Fotógrafo Augusto Malta / Coleção Brascan Cem Anos no Brasil: pág. 38. Fotógrafo Guilherme Gaensly: págs. 21, 27 (segunda foto, de cima para baixo) Fotógrafo Haruo Ohara: pág. 83. Fotógrafo José Medeiros: pág. 78. Fotógrafo Marc Ferrez: págs. 27 (primeira foto, de cima para baixo), 31, 34, 35. Fotógrafo Marc Ferrez / Coleção Gilberto Ferrez: págs. 8, 11, 13, 18, 28. Fotógrafo Marcel Gautherot: págs. 71, 75, 90, 94. Fotógrafo Otto Rudolf Quaas: pág. 43. Fotógrafos G. Gaensly e R. Lindemann / Coleção Gilberto Ferrez: págs. 24, 44. Acervo Fiocruz Multimagens Págs. 14, 15, 16. Acervo Getty Images Brasil Págs. 48, 51, 55, 60, 86. Foto da capa: José Caldas Historical photos credits Instituto Moreira Salles archives Photographer Augusto Malta / Brascan Cem Anos no Brasil collection: page 38. Photographer Guilherme Gaensly: pages 21, 27 (second picture from top to bottom). Photographer Haruo Ohara: page 83. Photographer José Medeiros: page 78. Photographer Madalena Schwartz: pages 68, 73. Photographer Marc Ferrez: pages 27 (first picture from top to bottom), 31, 34, 35. Photographer Marc Ferrez / Gilberto Ferrez collection: pages 8, 11, 13, 18, 29. Photographer Marcel Gautherot: pages 71, 75, 90, 94. Photographer Otto Rudolf Quaas: page 43. Photographers G. Gaensly and R. Lindemann / Gilberto Ferrez collection: pages 24, 44. Fiocruz Multimagens archives Pages 14, 15, 16. Getty Images Brasil archives Pages 48, 51, 55, 60, 86. Cover photo: José Caldas Arte do Tempo Editora Ltda. Rua Capote Valente, 956 c. 3 CEP 05409-002 – São Paulo – SP Tel: (11) 3062.4561 www.tempoememoria.com.br Diretora Tempo&Memória /Tempo&Memória Director Flávia Borges Pereira Diretora Arte do Tempo/Arte do Tempo Director Ana Trevisan Serino Diretora Administrativa/Administrative Director Rachel Palmira Rodrigues Silva LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL FAMILY TIES: ETHNIC GROUPS IN BRAZIL Pesquisa histórica/Research Anna Laura Canuto Clarice Caires Redação dos texto históricos/Historical texts writing Heloísa Cavalcanti Versão para o Inglês/English version Luiz Antonio Pedroso Rafael Edição/Editor Marco Polo Henriques Revisão Português/Portuguese Proofreading Mineo Takatama Rosania Mazzuchelli Revisão Inglês/ English Proofreading Regina Stocklen Edição, projeto gráfico e direção de arte/Editing, graphic design, and art direction Arte do Tempo Editora Diagramação e arte final/Graphic design AGWM Produções Editoriais Pré-impressão e impressão/Preprinting and printing Ultraprint Impressora