Transmissão: Caminhos da Energia O segmento de transmissão é estratégico e condicionante para o desenvolvimento nacional. Neste fascículo, teremos como mentor o Eng. Eletricista Rogério Pereira de Camargo, que é atualmente uma referência nacional no tema. Com MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC, Pós-Graduação em Eng. de Manutenção pela UFRJ, Admin. pela FAAP, cursando Pós-graduação Master em ESG e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela FIA Business School, Rogério Camargo atua desde 1994 como Gestor e Diretor Técnico na implantação e operação e manutenção de projetos de transmissão para investidores nacionais e internacionais. Capítulo 1 A evolução do sistema de transmissão no Brasil de 2000 a 2024 Quando fui convidado para escrever os capítulos do fascículo que o mundo passou nos últimos anos, do ponto de vista de ESG sobre Transmissão: Caminhos da Energia, me senti muito honrado e e da necessidade de adaptação às novas regras de compliance e ao mesmo tempo com muita responsabilidade. governança, já demonstram uma grande necessidade de alteração Atuo no setor de transmissão desde os primeiros leilões em 2000, no olhar para a gestão desses projetos, até mesmo a fim de preparar após o RESE-B (modelo de reestruturação do setor elétrico brasileiro o empreendimento para a fase operacional, com uma melhor implantado no final da década de 90). Neste primeiro capítulo, além de gestão de riscos do ponto de vista ambiental, social, governança mostrar os dados históricos e estatísticos da evolução e crescimento das e operacional. Obviamente, sem deixar de citar o cenário atual de linhas de transmissão, subestações e da capacidade de transformação exposição a eventos climáticos extremos, resiliência das redes, novas que podemos encontrar nos relatórios da EPE (Empresa de Pesquisa tecnologias de controle, novas cargas (data centers) e eletrificação Energética), irei registrar algo muito particular, uma visão de quem da economia, integração regional (renováveis), novas plantas de vivenciou diversos projetos neste período, tanto do ponto de vista de hidrogênio de baixo carbono, uso da inteligência artificial para a implantação como da operação, assim como, algumas propostas de gestão de ativos e uso de ferramentas computacionais para melhor aprimoramento e evolução na gestão destes projetos. controle da performance operacional. Para melhor ilustrar esses 24 anos de um segmento que vem Fascículo passando por transformações, em vez de simplesmente juntar dados Outro cenário interessante a se analisar é o crescimento da malha de transmissão de energia elétrica ao longo das décadas. oficiais, irei fazer um registro mais autoral, mas antes disso, já adianto A evolução do segmento de transmissão é algo que sempre que o setor requer aprimoramento e evolução. Vivenciei diversos comento, acompanha o crescimento econômico e a evolução, não fatos interessantes durante minha trajetória profissional, adquirida só do setor de energia, mas do país como um todo, isso fica claro, através do trabalho em diversas empresas e investidores do setor, quando olhamos os mapas de evolução física do sistema interligado, alguns dos quais, compartilharei neste artigo. ressaltando o desenvolvimento das fontes de geração hidráulica na Os projetos de transmissão são projetos lineares, ou seja, região norte, o desenvolvimento industrial das regiões sul e sudeste, atravessam, em alguns casos, diversos estados da federação, o desenvolvimento da região centro-oeste com o agronegócio, o biomas, áreas sensíveis ambientalmente, realidades sociais distintas, aumento das fontes renováveis solar e eólica nas regiões nordeste, entre outras externalidades positivas e negativas. Somente norte de Minas, Bahia e Goiás, e também no Piauí, o chamado observando essas características, verificamos que a evolução corredor do sol. 18 No início dos anos 2000 (2001/2002), o Brasil passou por selecionar players e investidores qualificados com capacitação uma crise que levou ao racionamento de energia elétrica, e os técnica e financeira para implantação dos projetos dentro dos principais fatores causadores foram a falta de infraestrutura prazos exigidos pelo planejamento do setor. de transmissão e a carência de interligações regionais para Foram diversos os casos de investidores aventureiros que cumprirem a função de interligação/integração energética entre venceram a disputa pelos lotes, mas não tiveram capacidade os subsistemas norte-nordeste e sul-sudeste. financeira para implantação, causando diversos problemas para Nesse período, foram ofertados, no segundo leilão de o segmento de transmissão e para os órgãos de controle que transmissão, dois projetos estruturantes: a interligação norte- tiveram, em alguns casos, relicitar os lotes, em outros casos, os sul II e a interligação sudeste nordeste, um deles foi vencido mesmos foram negociados no mercado secundário para outros por um investidor que não deu prosseguimento ao projeto e o investidores, causando também um problema para a operação vendeu/repassou no mercado secundário para outro investidor, que precisou gerenciar o sistema de transmissão, muitas vezes este leilão, pela pouca concorrência, foi vencido com deságio com restrições, causados pelos atrasos na entrada em operação próximo de zero, proporcionando assim, uma excelente taxa de destes lotes. retorno. Os Ainda como registro relevante para este período pioneiro, processos de leilão reverso que remuneram o foram os problemas envolvendo o óleo isolante com excesso de investimento pela receita anual permitida (RAP), pago em enxofre corrosivo, somente nestes dois projetos citados acima, parcelas mensais, sempre atraíram muitos investidores privados, falharam mais de 18 reatores e transformadores em 230 e 500 kV, pela previsibilidade e garantia do retorno do investimento em alguns deles com explosões. Nesta mesma época, houve falhas um contrato de concessão com a união, por um período médio recorrentes em diversas outras concessões de transmissão, de 30 anos. envolvendo praticamente todos os fabricantes de reatores e Neste segundo leilão, conforme citei, foram colocados em transformadores do mercado nacional. disputa, dois grandes projetos estruturantes: a interligação Esse fato se tornou um case internacional, que levou a norte-sul II - composta por 1.278 km de linhas em 500 kV com alterações nas normas e nos métodos de ensaios para verificação equipamentos FACTS (Flexible Alternating Current Transmission); da presença e contaminação por excesso de enxofre corrosivo 06 subestações, atravessando GO, TO, MA e DF e interligação em óleos isolantes. sudeste-nordeste com aproximadamente 1.139 km de linhas Outro ponto que merece destaque e que iremos discutir em em 230 e 500 kV, 04 subestações, atravessando os estados outros capítulos é a questão do licenciamento ambiental, por ser de GO e BA. Estes projetos, contribuíram naquele momento um projeto linear, em alguns casos as linhas atravessam áreas de para melhorar o intercâmbio energético, mitigando o risco de sensibilidade ambiental, comunidades indígenas e quilombolas, racionamento de energia, por conta da complementaridade determinando um processo em alguns casos de licenciamento hidrológica entre as regiões norte-sul e sudeste do Brasil. trifásico, com a necessidade de licença prévia, de instalação e Um dos desafios dos reguladores que gostaria de registrar operação, para o caso do traçado da linha ultrapassar mais de no segmento de transmissão são: os parâmetros/requisitos para um estado da federação, o licenciamento deverá ser realizado 19 pelo IBAMA. Por isso, muito tem se discutido para que os projetos A partir do RESE-B, na década de 90, com a diminuição sejam leiloados já com a licença prévia, porém esse tema ainda é da integração entre as empresas, a formação de mão de obra objeto de discussão entre os órgãos licenciadores e investidores. técnica e qualificada ficou por conta dos novos controladores Um ponto que acredito merece maior atenção dos órgãos das empresas privatizadas, que na minha opinião, não reguladores e fiscalizadores, até mesmo para a fase de edital, é investiram na formação dos profissionais de forma coordenada. a gestão da implantação com a necessidade de um maior rigor, Uma sugestão seria a formação de escolas específicas nos quanto ao acompanhamento, fiscalização e a penalização para moldes do SENAI, que formam profissionais para a indústria, projetos, onde ocorrem, durante a implantação, acidentes de com a capacitação de técnicos especializados para a operação trabalho com gravidade severa e/ou fatal. e manutenção, bem como o treinamento de engenheiros Nestes 24 anos, durante a implantação, por conta da pressão especializados, principalmente envolvendo as novas tecnologias pelo prazo de conclusão da obra em busca da antecipação da FACTS, BESS, Plantas de Hidrogênio e Sistemas de Proteção, receita, já ocorreram diversos acidentes de trabalho em uma Controle e Supervisão, além, obviamente, dos equipamentos quantidade bastante elevada. Talvez a ideia de se estabelecer de conexão, máquinas e linhas de transmissão. O segmento de uma penalização para a concessionária, de não receber a receita energias renováveis já deu alguns passos neste sentido, porém antecipada em caso de acidentes fatais, traria um maior rigor os segmentos de transmissão e geração hidráulica perderam para a prevenção dos acidentes de trabalho em toda a cadeia muito da formação que era organizada e realizada de forma produtiva do setor de transmissão, outra sugestão, seria a coordenada e setorial pelas empresas. proibição na participação nos próximos leilões de transmissão. O setor elétrico como área que serve de insumo para Sobre a cadeia produtiva, tanto a empresa contratada para construção e montagem, como a concessionária, que possui quase todos os segmentos da economia, tem a necessidade de a formação coordenada de mão de obra especializada, e deveria responsabilidade frente à União, através do contrato de concessão, ter um olhar mais atento dos órgãos de estado, entendo que deverão responder solidariamente, em casos de acidentes do trabalho. isso está acima dos interesses corporativos, indo ao encontro do Quando falamos em Operação e Manutenção (O&M), o desenvolvimento econômico do País. segmento de transmissão é remunerado pela disponibilidade Outro ponto que merece destaque é a gestão de riscos das funções de transmissão, nos primeiros projetos implantados na elaboração dos planos de negócios dos investidores, que por investidores privados, havia uma dificuldade enorme para utilizam da antecipação da obra como elemento de ganho estruturar as equipes de O&M qualificadas para suportar os financeiro em seus cálculos de taxas de retorno, transferindo processos de execução, tanto de operação, manutenção e depois, o risco da não conclusão da obra para a União, e em engenharia de operação e manutenção. Atualmente existem última análise, com prejuízo aos consumidores finais. Como algumas prestadoras de serviços, mas devido ao crescimento sugestão, também deveria haver, no meu ponto de vista, uma exponencial do segmento, essa carência de mão de obra penalidade severa para os investidores que não conseguirem qualificada no setor ainda permanece, principalmente de cumprir com os cronogramas contratados, e que não fizeram profissionais com competências e capacitações em controle e suas devidas análises de riscos, para, em caso de atrasos na obra, sistemas proteção de equipamentos FACTS (Flexible Alternating ou descumprimento do contrato, serem punidos também com a Current Transmission). impossibilidade da participação em futuros leilões. Fascículo Cenários de Referência: Investimentos 20 21 Cenário de Referência: Linhas de Transmissão Fascículo Cenário de referência: Subestações Podemos observar um crescimento bastante expressivo do dificuldade da gestão de diversos contratos de concessão nível de investimento no segmento de transmissão, onde temos oriundos dos leilões de transmissão. Outro ponto que necessita que considerar a necessidade de olhar para todos os aspectos do de atenção é a ação dos lobbies com o objetivo de obter ganhos ecossistema que envolve esse segmento, são eles: investidores; financeiros e muitas vezes, olhando em perspectiva, caminhando empresas de engenharia consultiva; empresas de construção no sentido contrário à modicidade tarifária. e montagem; fabricantes de equipamentos; e principalmente, Há ainda a necessidade de aprimoramento da regulação, como balancear os interesses econômicos com a segurança para que haja um sinal econômico com o objetivo de incentivar sistêmica o equilíbrio econômico dos contratos frente a a inovação tecnológica, sendo que este sinal, venha para dentro modicidade tarifária. dos projetos licitados, e não fiquem a nível das autorizações, com taxas de retorno mais elevadas, favorecendo somente CONSIDERAÇÕES FINAIS algumas concessionárias específicas. Teremos diversos temas para as edições futuras, onde As linhas de transmissão, como diz o título deste fascículo, iremos aprofundar em segmentos como O&M, Gestão de Ativos, são os caminhos da energia, por conta disso, possuem diversos ESG, Leilões, dentre outros assuntos de interesse, voltados para aspectos como: a complexidade do sistema interligado e a o segmento de transmissão. Até o próximo capítulo! 22 23