Uploaded by Bruno Gouveia Matos

Breve historia da guerra civil de espanha - Helen Graham

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De entre as catástrofes da história europeia do século xx,
a Guerra Civil de Espanha continua, hoje, a exercer um
particular fascínio sobre nós. Por um lado, trata-se da
primeira guerra «fotogénica» da história, no sentido em que
nos deixou uni impressionante legado de in1agens sobre
as várias faces do conflito. Por outro lado, implicou
a mobilização civil não só de espanhóis como de homens
e mulheres de todo o mundo, que ingressaram nas suas
fileiras voluntarian1ente. Por fim, a Guerra Civil de Espanha
foi o cenário onde outras potências testaram as inovadoras
tecnologias bélicas utilizadas pouco depois, durante
a Segunda Guerra Mundial.
Com exemplaridade literária e científica, Helen Grahwn
propõe-nos uma primeira abordagem ao tema. Profusamente
ilustrada com fotografias e cartazes, esta síntese sublinha o
contexto nacional e internacional do conflito, as suas causas,
o seu percurso e as suas consequências.
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TRADUÇÃO DE VLADIMlRO Nt:NES
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ISBN 972-8955-13·8
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BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
HELEN GRAHAM
BREVE HISTÓRIA DA
GUERRA CIVIL
DE ESPANHA
Tradução de Vladimiro Nunes
LISBOA:
TINTA-DA-CHINA
MMVI
© 2006, Edições tinta-da-china, Lda.
Rua João de Freitas Branco, 33, Loja 8
1500-627 Lisboa
Tels: 21 726 90 28/9 1 Fax: 21 726 90 30
E-mail: tintadachina@netcabo.pt
© 2005, Helen Graham
The Spanish Civil Wlr -A Vtóry Short Introduction
was originally published in English in 2005. T his translation is published
by arrangement with Oxford University Press. T his edition is not for sale in Brazil.
The Spanish Civil Wlr -A Vtóry Short Introduction
foi originalmente publicado em inglês em 2005. A presente edição resulta
de um acordo estabelecido com a Oxford University Press.
Esta edição não pode ser vendida no Brasil.
Autor: Helen Graham
Tradução: V ladimiro Nunes
Revisão: Tinta-da-china
Capa: Vera Tavares
Composição: Olímpio Ferreira e Vera Tavares
1.' edição: Agosto 2006
ISBN 972-8955-13-8
Depósito Legal n.º 247307/06
Tens de lembrar-te disto
e garantir que os outros se lembram.
Lurs CERNUDA
lndice
Prefácio e agradecimentos 11
1. As origens da Guerra Civil de Espanha
17
2. Rebelião, revolução e repressão 39
3. Mobilizar e sobreviver: a república em guerra 57
4. A construção da Espanha rebelde 91
5.A república sitiada 113
6. Vitória e derrota: as guerras depois da guerra 145
7. Os usos da história 169
Lista iconográfica 187
Notas 189
Outras leituras 193
Cronologia 199
Glossário 207
Índice remissivo 209
Prefácio e Agradecimentos
D
G.M.
E entre as dolorosas catástrofes da história europeia do
século xx, a Guerra Civil de Espanha continua, hoje, a exercer
um particular fascínio. A força desta atracção não pode, decerto, ser
explicada em termos da escala geográfica e humana do conflito ou dos
horrores tecnológicos a que então se assistiu, uma vez que, em maté­
ria de destruição material e de tragédia humana, a guerra de Espanha
é mitigada por outros conflitos. E isto mesmo se incluirmos numa
análise comparativa o horror continuado de prisões e de assassínios
em massa que foi o «pós-guerra» na Espanha dos anos 40. Porém, o
vínculo que estabelecemos com a Guerra Civil de Espanha é inegável,
tendo gerado mais de 15 mil livros - um acervo bibliográfico que riva­
liza com o da Segunda Guerra Mundial.
O principal objectivo deste pequeno livro é explicar a Guerra
Civil - as suas causas, o seu curso e as suas consequências, tanto no
âmbito interno como no internacional. O texto não trata em detalhe
de batalhas ou de estratégia, pelo que os leitores mais interessados
na história militar convencional devem procurá-la noutra bibliografia
(ver Outras leituras). No seu todo, a obra debruça-se principalmente
sobre a forma como a guerra afectou as vidas física e psíquica de sol­
dados e civis, e sobre a forma como moldou o curso da política, da
sociedade e da cultura em Espanha, mas também além-fronteiras.
A Guerra Civil de Espanha foi o primeiro conflito da Europa em
que os civis se tornaram alvos em massa, através de bombardeamentos
[12}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
em grandes cidades. O novo fotojornalismo, que fez dela a primeira
guerra «fotogénica» da história, transmitiu imagens impressionantes
do vasto número de refugiados políticos que o conflito produziu.Já
durante a Primeira Guerra Mundial tinham ocorrido migrações popu­
lacionais, mas nenhuma obteve a visibilidade das que aconteceram
em Espanha. A Guerra Civil impressionou profundamente aqueles
que a ela assistiram a partir de outros países europeus. Para os pró­
prios espanhóis, o choque foi enorme. Não havia termos comparati­
vos de referência, por mais remotos que fossem, para a mobilização
militar, industrial, social e política que a Guerra Civil provocou, uma
vez que Espanha não tinha participado na Primeira Guerra Mundial
de 1914-18. Como é sobejamente conhecido, Espanha também se tor­
nou o local onde outras potências testavam as mais recentes tecnolo­
gias de guerra. Ainda mais friamente, o conflito revelou o que poderia
significar a guerra em solo europeu, pressagiando os conflitos puri­
ficadores, genocidas e vingativos de muitas outras guerras civis que
grassaram pelo continente entre 1939 e o final da década de 40.
O que isto também indica é que, mesmo nas suas origens, a
Guerra Civil de Espanha foi um fenómeno intrinsecamente europeu.
Não se pretende aqui sugerir que as tensões e ansiedades no interior
da sociedade espanhola, que conduziram ao golpe militar que precipi­
tou a guerra, tenham sido geradas por outras causas que não as de ori­
gem interna. Contudo, nem a polarização social e política em torno
de questões como o sufrágio universal, a reforma da segurança social
e a redistribuição da propriedade fundiária e do poder económico
nas zonas rurais, nem os conflitos culturais que então se faziam sentir
(desde antes da eclosão da guerra civil) em torno das reformas secu­
larizantes ou da oposição entre cosmopolitismo urbano e tradição
rural, aconteceram exclusivamente em Espanha. As pretensas «solu­
ções» para o conflito espanhol carregavam consigo todos os ingredien­
tes das receitas monolíticas impostas por outros regimes fascistas ou
quase fascistas um pouco por toda a Europa. Este contexto partilhado
fornece a chave para explicar por que razão a Guerra Civil exerceu um
impacto tão forte fora de Espanha e por que razão ainda hoje ressoa
o sentido da importância da guerra. O segundo objectivo deste livro
consiste, portanto, em examinar os debates históricos e as polémicas
PREFÁCIO E AGRADECIMENTOS
políticas que a Guerra Civil alimentou, já que a sua discussão nunca
foi território exclusivo dos historiadores profissionais - tanto em
Espanha como nos outros países.
O capítulo I procura esclarecer tematicamente os factores em
conflito na história espanhola do século xx, explorando o papel que
desempenharam nos anos 30. No entanto, não fornece uma narra­
tiva completa e cronológica dos anos de república que antecederam
a guerra (1931-36), uma vez que esta se encontra facilmente disponí­
vel em muitas outras fontes (ver Outras leituras). Estes conflitos são
desenvolvidos no capítulo 2, que explora a forma como os diferentes
quadrantes políticos e sociais procuraram resolvê-los na sucessão de
acontecimentos desencadeada pelo golpe militar de 17 e 18 de Julho
de 1936. Estes dois primeiros capítulos também procuram retratar a
cultura de caserna e de campo de batalha (colonial) em que se for­
maram os militares do exército que se insurgiram contra a segunda
república democrática, entre eles o general Francisco Franco, que
ascendeu à suprema liderança militar e política durante a guerra civil
e que, tendo-a conquistado, governou Espanha durante os 36 anos
seguintes. Os capítulos 3, 4 e 5 exploram não só a escalada do con­
flito ao longo do seu complexo processo de internacionalização mas
também o modo como a experiência de guerra moldou a política e a
sociedade - quer nas zonas republicanas quer nas franquistas - e
como, em última análise, a política e a diplomacia das grandes potên­
cias foram determinantes para o seu desfecho.
Na sua globalidade, o livro percepciona a Guerra Civil como um
cenário de transformação social onde nasceram e subsistiram dife­
rentes ideias sobre cultura (entendida no seu sentido mais lato), e
no qual participaram, com o mesmo grau de envolvimento, cidadãos
espanhóis e estrangeiros. Estes conflitos haveriam de continuar por
toda a parte - não apenas na Europa - durante a Segunda Guerra
Mundial de 1939-45. O capítulo 6 trata destes temas, bem como da
violenta repressão exercida em Espanha por um regime que se con­
siderava parte da nova ordem nazi na Europa. Inerente às aspirações
totalitárias do franquismo vitorioso, houve uma tentativa de bran­
queamento da memória dos vencidos. A própria escrita da história
tornou-se campo de batalha. O capítulo 7 documenta a tentativa de o
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
regime se apropriar do passado, bem como o subsequente fracasso patente na nova historiografia da guerra e, acima de tudo, no regresso
da memória republicana que se verifica através dos canais da socie­
dade civil espanhola no começo do século xx1.
No final do livro, a secção Outras leituras fornece uma bibliogra­
fia sucinta com abordagens variadas do tema, incluindo alguns títulos
sobre as relações de Portugal com a Espanha entre 1936 e 1939, e al­
guns romances que têm como cenário a Guerra em Espanha. Indicam­
-se ainda os sítios de internet considerados mais relevantes.
Gostaria de agradecer a todas as pessoas que leram esboços do
meu texto, e também a EmilyJolliffe e Marsha Filion, por serem edito­
ras amáveis e pacientes. No que respeita à ajuda específica com fontes
escritas ou visuais, ou ao auxílio a nível tecnológico, estou em dívida
para com (por ordem alfabética): Peter Anderson, Richard Baxell,
Benito Bermejo, a família Campafiá, Hilary Canavan, Cornell Capa,
Jane Durán, o falecido Harry Fisher, Laia Isla, Conxita Mir, Cary
Nelson, Paul Preston, Alex Quiroga, Antonina Rodrigo, Francisco
Romero, Mariano Sanz, Ramón Sender Barayón, Rémi Skoutelsky,
Mary Vincent e Ricard Vinyes. Mais genericamente, gostaria de agra­
decer aos meus amigos, colegas e alunos, por tudo o que me ensinaram
sobre o esforço colectivo de fazer história. Todas as restantes insufi­
ciências e erros são, obviamente, da minha inteira responsabilidade.
1. As origens da Guerra Civil de Espanha
Vivam aqueles que nos trazem a supremacia da lei.
A
MINISTERIO
JuanAntonio Morales, 1936.
DE
PR
PACANDA
Guerra Civil de Espanha começou com um golpe de estado.
Il.Havia um longo historial de intervenções militares na vida polí­
tica espanhola. O golpe de 17 e 18 deJulho de 1936, ainda que se enqua­
drasse nesse contexto, apresentava um objectivo inusitado: travar a
massificação da democracia política que se iniciara com a Primeira
Guerra Mundial e a Revolução Russa e que fora acelerada pelas con­
sequentes mudanças sociais, económicas e culturais dos anos 20 e
30. Neste sentido, a insurreição militar contra a segunda república
democrática em Espanha foi o equivalente às viragens fascistas em
Itália e na Alemanha, com a chegada ao poder de Mussolini (1922) e de
Hitler (1933), também elas concebidas para controlar manifestações
de mudança social, política e cultural.
À primeira vista, pode parecer contraditório que, no pacato ter­
ritório espanhol, o embate entre o antigo e o novo tenha degenerado
numa guerra civil em larga escala. No entanto, antes de mais e acima
de tudo, temos de recordar que a transformação do golpe militar em
guerra civil, e depois em guerra «total» moderna, envolvendo a grande
maioria da população civil, decorreu essencialmente de factores exter­
nos ao panorama espanhol. Também é verdade que, quando procuram
identificar retrospectivamente as causas da Guerra Civil, os espanhóis
recorrem com frequência a pensamentos e sentimentos que foram
gerados pela guerra propriamente dita. Apesar de ter vingado a ideia
da existência de «duas Espanhas» prontas a confrontarem-se a 18 de
{18}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Julho de 1936, «nós» e «eles» foram categorias forjadas pela experiência
violenta da guerra, e não existiam propriamente antes dela.
Todavia, mesmo no rescaldo imediato do golpe militar de Julho,
e antes que quaisquer factores internacionais pudessem entrar em
jogo, já ocorriam por praticamente toda a Espanha formas extremas
de violência recíproca. Por isso, os historiadores têm de explorar o
significado desta violência e a sua relação com o ambiente interno
do pré-guerra. Neste aspecto, houve três factores fundamentais. Pri­
meiro, os níveis extremamente desfasados de desenvolvimento pre­
valecentes em Espanha por volta dos anos 30, no sentido em que o
golpe militar desencadeou, efectivamente, uma série de guerras entre
culturas: a cultura urbana e os estilos de vida cosmopolitas versus a
tradição rural; o secular versus o religioso; o autoritarismo versus as
culturas políticas liberais; o centro versus a periferia; o papel tradi­
cional do género feminino versus a «nova mulher»; e até mesmo os
jovens versus os velhos, uma vez que os conflitos geracionais também
se faziam sentir.
Em segundo lugar, a violência com que os elementos em oposi­
ção se confrontaram não pode ser dissociada da influência cultural
de um tipo de catolicismo maniqueísta que ainda predominava em
Espanha, afectando inclusive muitos daqueles que tinham rejeitado
de forma consciente a crença religiosa e a autoridade da igreja. Final­
mente, e uma vez que o detonador dos acontecimentos foi um golpe
militar, temos de observar o papel desempenhado pelo exército espa­
nhol e, em particular, a emergência de uma cultura política rígida e
intolerante no seu corpo de oficiais ao longo das primeiras décadas
do século xx.
Um aspecto crucial em todos estes factores, especialmente
no militar, foi a perda definitiva do império, em 1898, que privou o
país dos seus mercados externos protegidos e, consequentemente,
desencadeou um debate amargo e intermitente sobre como deveria
a Espanha modernizar-se economicamente e quem deveria suportar
os custos dessa modernização. Os argumentos evocados a favor das
reformas internas pelas elites industriais espanholas relativamente
mais progressistas, em especial as originárias do sector têxtil catalão,
tiveram pouco seguimento, uma vez que afrontavam os interesses ins-
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
talados de um sector agrícola inevitavelmente mais poderoso, num
país cuja economia ainda se baseava sobretudo na agricultura. Os
grandes latifundiários, cujas propriedades dominavam a metade sul
de Espanha, teriam sido o sector de elite mais afectado pelas refor­
mas económicas e políticas. Além disso, eram também inflexíveis em
termos de temperamento: muitos eram pais e irmãos mais velhos das
elites militares - grupos conhecidos pela sua extrema desconfiança
em relação à mudança.
A perda do império destituiu o descomedido corpo de oficiais
espanhol, herdado das constantes guerras do século x1x, de qualquer
papel significativo na defesa externa, transformando os militares num
poderoso lóbi político interno, determinado em encontrar um novo
papel e, ao mesmo tempo, em precaver-se contra qualquer perda de
rendimento ou de prestígio. Para remover o estigma da derrota, cres­
ceu entre os corpos de oficiais um mito poderoso, segundo o qual os
políticos civis tinham sido os únicos responsáveis pela perda defini­
tiva do império, o que lhes conferiria escassa legitimidade moral para
governar o país. Esta convicção estava já profundamente enraizada
quando Francisco Franco ingressou, aos 15 anos, na academia militar,
em 1907. Uma nova geração de cadetes começou a afirmar-se como
defensora da unidade e da hierarquia de Espanha, bem como da sua
homogeneidade cultural e política, consubstanciada na grandeza his­
tórica do país. De facto, boa parte da elite militar foi mais longe, inter­
pretando a apologia desta ideia de «Espanha» como um novo dever
imperial - e, desse modo, interpretando erradamente a constituição
monárquica, que definia os territórios coloniais espanhóis como pro­
víncias da metrópole. O aspecto mais perigoso desta nova interpreta­
ção da defesa do império foi o facto de ter sido dirigida contra outros
grupos de espanhóis, que simbolizavam as mudanças sociais e econó­
micas em curso nas vilas e cidades.
Estas mudanças foram mais lentas do que em alguns outros paí­
ses europeus, mas, por volta da segunda década do século xx, a Espa­
nha urbana estava em movimento. Cidades como Sevilha ou Saragoça
cresciam, à medida que a indústria (ainda que numa escala pequena)
se expandia para além das habituais áreas do norte (minas de carvão,
fundições de ferro e aço, construção naval) e do nordeste (têxteis
{20}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
catalães). Igualmente afectada foi a região de Valência, na costa nor­
deste, onde o desenvolvimento industrial e urbanístico reforçou o
anticentralismo tradicional (federalismo). Estas mudanças económi­
cas e o desenvolvimento que as acompanhou - por exemplo, ao nível
da melhoria das vias de comunicação e transporte ou da circulação
relativamente mais livre de novas ideias - criaram novos círculos
sociais: um sector profissional urbano e trabalhadores da indústria,
ambos com um desejo crescente de expressão política. A ordem social
tradicional, com os seus privilégios altamente restritos, estava, por­
tanto, sob uma pressão cada vez maior na Espanha urbana.
No entanto, existia outro país, de longe bem menos afectado por
estas reivindicações: a Espanha rural e provinciana, la Espanaprofanda.
A maior parte dos 20 milhões de espanhóis (21 milhões e 303 mil, em
1920) ainda vivia em aldeias e pequenas vilas. No centro e no norte, o
grosso da população era constituído por camponeses minifundiários,
muitos de condição modesta, algu ns muito pobres. Esta sociedade
rural servia as populações de cidades agrárias ou mercantes, habitadas
por uma classe média provinciana, de atitudes sociais semelhantes.
Era um mundo austero, unido pelos laços dos costumes e da tradição,
no qual uma forma conservadora de catolicismo fornecia a linguagem,
os valores e a cultura comuns. A relação estreita entre a igreja e a comu­
nidade era cimentada pela decisiva função pastoral exercida pelos
párocos locais. A igreja proporcionava não só conforto espiritual, mas
também apoio em questões práticas - frequentemente sob a forma
de bancos de crédito agrícola, que ofereciam uma tábua de salvação a
uma classe empobrecida de pequenos agricultores, permanentemente
ameaçada pelo fracasso das culturas e receosa de ficar à mercê dos
capitalistas. O facto de a igreja e a comunidade desejarem proteger-se
reciprocamente derivava do receio que ambas sentiam em relação à
mudança, assim como do facto de se identificarem com um velho e
acarinhado mundo de ordem e hierarquia. Muitos identificavam-se
especificamente com a monarquia, que entendiam ser a melhor forma
de governo para proteger esta ordem. A igreja mantinha-se-lhe fiel,
quanto mais não fosse para evitar as consequências do avanço do libe­
ralismo político e do pluralismo cultural, que ameaçavam profunda­
mente o seu próprio monopólio da verdade.Já nas primeiras décadas
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
{21}
do século xx, a igreja católica espanhola sentia o cerco a apertar: não
só dispunha de pouca autoridade entre os trabalhadores citadinos,
como também há muito perdera os numerosos pobres do sul rural.
Os trabalhadores agrícolas do «sul profundo» consideravam-na como
o sustentáculo perpetuador de uma ordem fundiária que os oprimia.
O sul de Espanha era dominado por enormes propriedades, onde tra­
balhavam camponeses sem terra cujas vidas eram dominadas por uma
luta constante contra a fome. Por norma, as grandes propriedades
cultivavam uma só plantação, o que significava que os trabalhadores
dependiam de uma única fonte de rendimento, a qual, mesmo assim,
existia apenas durante uma parte do ano - as épocas de sementeira e
de colheita. Na ausência de um sistema público de segurança social ou
de quaisquer outras formas de combate à pobreza, esta dependência
transformava os sem-terra em potenciais escravos à disposição dos
latifundiários e dos intendentes. Os trabalhadores eram agredidos
pelos capatazes e pela polícia rural, a odiada guarda civil que atirava a
matar contra trabalhadores desempregados que procurassem bolotas
e madeira em propriedade privada. O facto de o pároco local actuar,
invariavelmente, como aliado do proprietário e do chefe da polícia
tornava as classes rurais desfavorecidas veementemente anticlericais
e fazia da religião um foco vicioso de cisão política e de classe social.
A exploração sistemática dos mais fracos transformava a violência
num factor endémico a esta sociedade rural fortemente reprimida.
As periódicas revoltas de escravos protagonizadas pelos camponeses
pobres eram no entanto facilmente neutralizadas pela polícia, tanto
antes como depois da Primeira Guerra Mundial.
Contudo, na Espanha urbana, a Primeira Guerra Mundial foi,
tal como no resto da Europa, a grande impulsionadora das mudan­
ças sociais. Embora Espanha não tenha participado militarmente, a
guerra deu origem a um acentuado crescimento económico, mas tam­
bém a formas extremas de inflação e de êxodo populacional que afec­
taram drasticamente os sectores mais desfavorecidos da sociedade,
tanto nas zonas rurais como nas urbanas. Foi nas zonas urbanas que
a consequente agitação social mais alarmou os grupos de elite, que
começaram a encarar os protestos incontrolados à luz da Revolução
Russa. O epicentro da ameaça era a «vermelha» Barcelona. As classes
{22}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
dominantes espanholas não temiam propriamente a sombra do bol­
chevismo, mas sim a da CNT (Confederación Nacional dei Trabajo),
um poderoso movimento anarco-sindicalista daquela cidade. A CNT
empenhava-se em formas directas - e por vezes violentas - de acção
contra os empregadores mais intransigentes, que conspiravam com
as autoridades militares (houve mesmo um caso célebre envolvendo
um oficial de alta-patente que era governador civil de Barcelona) para
assassinar líderes sindicais afectos àquele movimento. Com o objec­
tivo de pôr cobro aos distúrbios laborais e de restaurar a ordem con­
servadora no país, o general Miguel Primo de Rivera conduziu, em
1923, um golpe militar «moderado», bem acolhido pelo monarca em
exercício, o rei Afonso XIII, que privilegiava fortemente as soluções
militares para os problemas da governação, em detrimento das solu­
ções constitucionais.
O trilho da ditadura também foi facilitado pelo crescimento eco­
nómico dos anos 20, que, ao mesmo tempo, intensificou as reivindi­
cações dos sectores urbanos de classe média por reformas políticas,
nomeadamente por direitos constitucionais que defendessem os seus
interesses face ao poder arbitrário do ditador. Os partidos políticos
eram ilegais, mas, nos anos 20, assistiu-se à proliferação de associa­
ções profissionais - de professores, de funcionários dos correios, de
médicos, entre outros - , processo que, na prática, levou alguns secto­
res da classe média espanhola a tornarem-se republicanos, em busca
de direitos políticos. O crescente êxodo para as cidades em tempos de
crescimento económico e a difusão da rádio entre as camadas instruídas
das metrópoles também aumentaram dramaticamente o fosso entre a
Espanha urbana e as aldeias e vilas da Espanha profunda.
O florescimento da modernidade podia ainda ser pressentido
nas próprias contradições da ditadura. Apesar do seu empenho em
restaurar uma ordem conservadora, Miguel Primo de Rivera tam­
bém procurou implementar algumas reformas-chave nos domínios
do exército e dos direitos laborais. Mas, nesses aspectos, até mesmo
uma ditadura militar se via condicionada pelos interesses corporati­
vos dos militares, ao mesmo tempo que as elites fundiárias travavam
a extensão das principais reformas sociais às massas empobrecidas
do sul rural. Quando a oposição militar derrubou Miguel Primo de
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Rivera, em 1930, o rei viu-se comprometido. Perante a vaga de repu­
blicanismo na Espanha urbana, a igreja católica era a única instituição
do antigo regime a apoiar inequivocamente a monarquia. A recorda­
ção dos elementos perigosamente inéditos da ditadura pode ter tido a
paradoxal consequência de tornar o cenário de uma república menos
significativo aos olhos dos grupos de elite. Na verdade, quando foi
proclamada de forma pacífica, a 14 de Abril de 1931, a república pode
até ter sido encarada como um meio eficaz para apaziguar a opinião
pública, representada pelas multidões jubilantes que se aglomeraram
nas ruas das grandes cidades. Porém, aqueles que acreditavam que a
república seria, simplesmente, «mais do mesmo» - a ordem política
da monarquia, embora sem um rei - cedo se desenganaram: o pri­
meiro governo republicano estava determinado em conferir ao novo
regime uma essência reformista, capaz de produzir uma redistribui­
ção fundamental do poder social e económico em Espanha.
Os apoiantes de uma agenda reformista constituíam dois grupos
distintos. O primeiro, dos republicanos progressistas, era uma classe
política composta sobretudo por advogados e professores, que for­
mavam pequenas associações, mais do que partidos de massas. Jus­
tamente por lhes faltar força eleitoral no que era agora um sistema
político baseado no sufrágio universal, os republicanos necessitavam
do apoio do segundo grupo: o movimento socialista espanhol (par­
tido político e sindicato). Historicamente moderado e reformista,
este era, à altura da proclamação da república, o único movimento
político de massas em Espanha. Enquanto os socialistas estavam
empenhados nas reformas sociais, desejando criar um pequeno
estado-providência, os republicanos centravam os seus objectivos nas
reformas estruturais. Consideravam-se herdeiros da Revolução Fran­
cesa de 1789 e procuravam abrir Espanha à Europa, implementando
a modernização económica e cultural, segundo o modelo francês, em
quatro aspectos essenciais: propriedade agrícola, educação, relações
entre estado e igreja, e exército.
A reforma agrária visava a criação, no sul de Espanha, de uma
comunidade de pequenos proprietários rurais afectos à causa republi­
cana, cujo aumento do poder de compra também potenciasse um mer­
cado interno que pudesse estimular o desenvolvimento industrial.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
A igreja e o estado deviam ser separados, e os subsídios públicos atri­
buídos ao clero progressivamente extintos, de modo a libertar recur­
sos para financiar um sistema nacional não religioso de instrução
primária, através do qual a nação republicana pudesse ser construída.
A reforma do exército visava colocar aquela instituição sob controlo
civil e constitucional. Paralelamente, a redução dos corpos de ofi­
ciais também permitiria cortes na factura dos salários, gerando mais
fundos para as reformas estruturais. Todas as reformas republicanas,
assim como a legislação para um sistema de segurança social dos seus
colegas socialistas, tinham por objectivo aumentar a democracia eco­
nómica enquanto pré-requisito essencial para o estabelecimento de
uma democracia política. Os republicanos progressistas eram, acima
de tudo, constitucionalistas, apesar de compreenderem que muitos
mais cidadãos económica e socialmente desfavorecidos tinham de
ser incluídos até que a república pudesse, efectivamente, implemen­
tar a supremacia da lei. Mas compreender uma situação é uma coisa e
ter o poder indispensável para implementar as medidas necessárias é
outra, bem diferente.
O programa de reformas estruturais da república era extrema­
mente ambicioso. De facto, era certamente demasiado ambicioso
para que se pudesse tentar concretizar de uma só vez. Pior ainda, a
tentativa ocorreu numa época de depressão económica mundial, em
que o novo governo estava sobrecarregado por um ónus de dívidas
herdado da ditadura de Rivera. É mesmo assim compreensível que
os republicanos e socialistas sentissem que não havia tempo a perder.
T inha passado meio século desde a última vez que forças políticas
progressistas haviam estado no poder - e, mesmo assim, de forma
muito fugaz, durante a primeira república de 1873. Assim, tornava-se
patente a acumulação de reformas por implementar. Mas a complexi­
dade própria das reformas estruturais, associada à dificuldade que o
governo sentia em encontrar quadros com experiência - também ela
pouco surpreendente, uma vez que a esquerda estivera tanto tempo
excluída do poder - só foram agravar os problemas que depressa se
conglomeraram no novo horizonte político.
Inevitavelmente, as reformas suscitaram a oposição das elites tra­
dicionais espanholas. A reacção da hierarquia eclesiástica assumiu um
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
tom apocalíptico, antes mesmo que a república tivesse sequer come­
çado a fazer política. A carta pastoral emitida pelo cardeal-patriarca a
1 de Maio de 1931 continha uma incendiária homilia monárquica que
levou o governo a exigir-lhe que abandonasse Espanha. O apelo que
lançou aos fiéis, no sentido de se mobilizarem em nome do rearma­
mento espiritual e patriótico, ficou a um passo de declarar a república
como regime ilegítimo. Ainda por cima, nas suas intervenções públi­
cas, outros bispos fizeram-no abertamente, ao descreverem a repú­
blica como um triunfo do erro e do pecado.
Em determinados sectores das elites militares espanholas era
também evidente uma tendência para o apocalipse ideológico. Desde
o fim do império, os corpos de oficiais tinham-se tornado uma casta
cada vez mais encerrada sobre si própria. As academias militares
favoreciam descaradamente os filhos de oficiais. As filhas de oficiais
faziam casamentos em famílias de militares. Era um mundo onde as
pessoas estabeleciam cada vez menos laços com outros grupos sociais.
Nos primeiros anos do século xx tinha começado, em Marrocos, uma
nova investida colonial à pequena escala. Todavia, a experiência das
campanhas no norte de África forjou uma nova estirpe de naciona­
lismo belicista que contribuía ainda mais para endurecer a atitude dos
militares. De facto, foi entre os oficiais que fizeram carreira no exér­
cito colonial de África, incluindo o próprio Francisco Franco, que
emergiram as visões mais fatalmente redutoras sobre o que havia de
errado na sociedade e nas políticas da Espanha metropolitana.
Quando, em 1927, Franco chegou à chefia da principal academia
militar espanhola, em Saragoça, fez-se rodear de uma equipa de ins­
trutores dominada por esses oficiais coloniais, os africanistas. A aca­
demia transformou-se num terreno fértil em ideias de renascimento
imperial, dos militares como guardiães e salvadores de Espanha, e,
nessa medida, fez parte integrante de uma emergente política ultra­
nacionalista de direita. A ideia de um batalhão de soldados «salvando
a civilização» seria moldada, na sua forma definitiva e mais extrema,
pelo fascismo europeu, na década de 30. José Antonio Primo de
Rivera, líder do partido fascista espanhol - a Falange - citou a for­
mulação clássica do livro A Decadência do Ocidente (vol. 2, 1922) de
Oswald Spengler -, um texto que, à semelhança das soluções propostas
{26}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
pelos africanistas, era um sintoma patológico de mudança social,
mais do que a cura que proclamava ser. Uma das primeiras decisões
do governo republicano foi o encerramento da academia militar de
Saragoça. Além disso, foram também congeladas as promoções atri­
buídas durante as campanhas em Marrocos, facto que enfureceu os
africanistas. Muitos oficiais não só eram hostis ao propósito repu­
blicano de impor o controlo civil e constitucional sobre o exército,
como também sentiam que isso afrontava os seus princípios ultracen­
tralistas, já que os republicanos e socialistas, apesar de serem bastante
centralistas, se preparavam para devolver alguns poderes políticos às
nações do País Basco e da Catalunha, num exercício de construção do
regime e de boa-fé democrática.
À parte das questões de cultura política e de ideologia, outros
aspectos não menos cruciais para os jovens oficiais do exército eram o
dos salários e o das perspectivas de carreira. Inevitavelmente, ambos
seriam comprometidos pelas reformas republicanas. A verdade é que
nem mesmo a ditadura militar dos anos 20 tinha alcançado quais­
quer resultados ao tentar interferir nas prerrogativas do exército, o
que não era um bom presságio para os políticos civis - republica­
nos à cabeça - que estavam decididos a deitar mãos à reforma do
exército. No final, o golpe de Julho de 1936 haveria de encontrar os
seus mais acérrimos apoiantes entre esta classe de jovens oficiais, que
recusava ver os seus privilégios materiais mais prejudicados e que era
também profundamente hostil à ideia de uma democracia pluralista.
Porém, estes oficiais não se mobilizaram por terem mais a perder
em 1936 do que em 1932, quando foi ensaiada, sem sucesso, uma pri­
meira tentativa de golpe, nem a propensão apocalíptica era necessa­
riamente mais exacerbada agora do que no passado. Decerto alguma
coisa mudara, embora tal não se relacionasse fundamentalmente com
os militares. Em última instância, o que «armou» o golpe militar de
Julho de 1936 foi a emergência e o crescimento, entre os sectores civis
da sociedade espanhola, de uma oposição política maciça às reformas
republicanas.
A resistência às reformas não partiu apenas das velhas elites espa­
nholas. A população do interior-norte conservador também começou
a erguer a voz contra a nova república, sobretudo devido às relações
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
com a igreja. As reformas secularizantes feriram as susceptibilidades
extremamente católicas desta região. Haveria sempre oposição ecle­
siástica a medidas como a separação entre a igreja e o estado, mas o
que mais ofendeu a população foi a interferência da república na cul­
tura católica que moldava as identidades sociais e a vida quotidiana:
por exemplo, a forma como as novas autoridades restringiram as pro­
cissões religiosas ou o toque dos sinos das igrejas, bem como a sua
intromissão nas cerimónias e celebrações organizadas em torno de
santos locais ou de evocações à Virgem Maria. Este era um mundo de
devoções privadas e familiares, mas também de culto comunitário,
onde as emoções profundamente sentidas tinham tanto a ver com a
adesão a um modo de vida e a um lugar específico (a localidade ou
patria chica), como com fé religiosa ou espiritualidade per se. Melhor
dizendo, a lealdade a tudo isto era indivisível.
Foi por se sentir que estes universos locais se encontravam
ameaçados - pelas reformas republicanas mas também por pro­
cessos mais alargados de mudança social e económica dos quais a
república era tida como parte - que o revivalismo religioso exerceu
um papel tão significativo na oposição popular ao novo regime. Em
Ezkioga, no País Basco, registaram-se novas aparições marianas em
1931. Segu iram-se grandes romagens. Como mostra a história social
europeia dos séculos x1x e xx, as visões religiosas tendem a ocor­
rer em épocas traumáticas de convulsão, cujos agentes mais comuns
são as crises económicas, as epidemias, a guerra e as perseguições
políticas. Ainda que não se trate de um processo consciente, a reli­
gião costuma, nestas alturas, adquirir um significado ainda mais
poderoso, como defesa contra realidades novas e assustadoras. O
facto de a república ter feito cortes nas remunerações dos clérigos
seculares também alienou muitos párocos mais pobres, que, de
outro modo, não teriam sido necessariamente opositores irreconci­
liáveis. No entanto, a mobilização católica na Espanha dos anos 30
foi sobretudo a das pessoas laicas que, desde muito antes da Guerra
Civil, tinham vindo a empenhar-se numa cruzada em defesa de um
modo de vida ameaçado. Isto verificou-se tanto nos redutos rurais
de Navarra, no norte, onde os quase teocráticos carlistas, que se
opunham radicalmente a todas as manifestações de modernidade
{28}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
social e cultural, treinavam as suas milícias, como entre os jovens
católicos das cidades de província e mesmo das grandes cidades, que
se tornaram activistas das novas organizações de massas da direita.
Esta mobilização incluía, paradoxalmente, o apoio ao alargamento
do direito de voto às mulheres, ao passo que os republicanos pro­
gressistas eram bem mais hostis à emancipação feminina, por acre­
ditarem que a maior influência da igreja sobre este eleitorado teria
como consequência o voto em bloco nos conservadores (as mulhe­
res votariam, pela primeira vez em Espanha, em Novembro de 1933).
É certo que a questão religiosa podia ser manipulada, tal como veio
a sê-lo quando os latifundiários do sul a utilizaram para mobilizar
os pequenos proprietários desfavorecidos do norte contra uma
reforma agrária que apenas afectava os seus próprios interesses.
Não obstante, o conservadorismo popular em massa era mais do
que o simples resultado da manipulação pelas elites. É igualmente
verdade que os formatos políticos desta nova mobilização conser­
vadora teriam sido inconcebíveis sem as bem estabelecidas redes
organizacionais da igreja católica espanhola.
Os reformadores republicanos experimentaram o pior dos
mundos possíveis. Legislaram no sentido de afastar as ordens reli­
giosas do ensino, acreditando que estas constituíam uma barreira
insuperável à criação de um estado republicano em Espanha, mas,
na prática, a tentativa de afastamento falhou, em consequência de
evasivas e atrasos legais. Quando a Guerra Civil rebentou, no Verão
de 1936, não tinha ainda havido um período de governo republicano
durante o qual os religiosos tivessem efectivamente deixado de
ensinar em Espanha. Ao tentarem uma tal exclusão, os republica­
nos tinham mobilizado contra si uma poderosa coligação de forças
conservadoras. Tendo também em conta os constrangimentos orça­
mentais, é difícil perceber como podia a república ter substituído a
igreja no ensino básico.
A secularização republicana era, então, apolítica, mal pensada e
assaz contraproducente. Alguns comentadores também têm defen­
dido que foi eticamente questionável - tanto mais que a república
pôs em causa a sua própria legitimidade no que tocava a princípios
constitucionais. Mas esta constatação não é tão óbvia como parece.
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
As polémicas sobre a secularização estão bem vivas nas sociedades
ocidentais politicamente liberais e culturalmente diversas do século
xx1, embora poucos sugiram que, com isso, essas sociedades este­
jam a renegar as suas credenciais constitucionais mais básicas. Nem
o «liberalismo» nem o «constitucionalismo» nem a «democracia» são
conceitos estanques; todos eles têm de ser compreendidos e questio­
nados de acordo com contextos históricos específicos. Os católicos
conservadores da Espanha dos anos 30 sentiram-se ultrajados por as
suas crenças e práticas estarem a ser condicionadas, embora eles pró­
prios não preconizassem qualquer modelo de direitos civis e cultu­
rais no seio do estado Espanhol para aqueles que professavam outras
religiões, muito menos para os adeptos do livre pensamento ou do
ateísmo.
A derradeira ironia política é que a direita espanhola dos anos 30,
mesmo sendo fundamentalmente contra a noção de mudança
democrática progressiva, aprendeu, com sucesso, a funcionar no
novo ambiente político da república, com o objectivo de travar essa
mudança. A esquerda, por outro lado, provou ser bem menos eficaz
ou adaptável. Por que seria?
Desde o início, a esquerda esteve condicionada pelas grandes
diferenças ideológicas entre as suas partes constituintes. A maior
de todas era o abismo entre o movimento parlamentar socialista
e a CNT antiparlamentar e anarco-sindicalista. Ao contrário do
que a narrativa histórica muitas vezes sugere, essas diferenças não
eram apenas uma questão de voluntarismo ou de teimosia. A sua
irredutibilidade resultava, mais exactamente, das experiências
políticas, económicas e culturais muito diversas dos constituintes
sociais da esquerda, num país com níveis extremamente díspares
de desenvolvimento. Por exemplo, a acção política directa defen­
dida por muitos anarco-sindicalistas apelava mais aos iletrados e
aos camponeses sem terra, cuja falta de poder de compra e vulnera­
bilidade social tornavam as promessas socialistas de mudança pro­
gressiva altamente inverosímeis, se não mesmo completamente
inacreditáveis.
Os republicanos e os socialistas também se confrontavam com
um tremendo abismo entre a autoridade política e o poder de facto.
{30)
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
O novo governo dispunha da legitimidade investida pelo processo
eleitoral democrático, e podia aprovar legislação no parlamento de
Madrid.Já assegurar a sua implementação para lá desse parlamento
era outro assunto. Parte do problema residia na falta de pessoal com
formação, embora a oposição entrincheirada das elites, que não
tinham perdido nenhum do seu poder social e económico, fosse
uma dificuldade bem maior. Isso era sobretudo visível no sul rural,
onde, depois de 14 de Abril de 1931, os grandes proprietários conti­
nuaram a recorrer à guarda civil local para disciplinar trabalhadores
insubordinados, à semelhança do que faziam antes. Os quadros da
polícia eram os mesmos e, consequentemente, ainda estavam enre­
dados em relações de clientelismo com as elites locais. Os proprie­
tários também se recusavam a aceitar aspectos cruciais da legislação
redistributiva de segurança social, ao deixarem os campos por culti­
var e os trabalhadores no desemprego. Além disso, os seus capangas
exerciam violência - por vezes com consequências fatais - sobre
os funcionários dos sindicatos que iam monitorizar a aplicação das
novas medidas. No sul rural, a temperatura política subiu pelo sim­
ples facto de o nascimento da república ter gerado expectativas
· entre os pobres e desfavorecidos - se para muitos católicos a repú­
blica era o Anticristo, para essas pessoas era uma fonte de salvação
messiânica. A tensão agravou-se ainda mais devido ao carácter vin­
gativo dos opositores da reforma, que dirigiam aos desempregados e
famintos sarcasmos como «A república que vos dê de comer» (comed
república).
A frustração do povo face à não concretização das mudanças
sociais a que aspirava produziu desilusão não só entre os sem-terra
e desempregados do sul rural, exasperados com a permanência
das velhas relações de poder, mas também entre os eleitores que
trabalhavam nas zonas urbanas. Aí, os efeitos da depressão come­
çavam a fazer mossa, com o desemprego a subir, especialmente
entre os menos qualificados, como os trabalhadores da construção
que tinham afluído às cidades durante o boom dos anos 20. Mui­
tos viviam agora abaixo do limiar da subsistência, e a república
dispunha de capacidades limitadas para mitigar a situação. Eram
sobretudo os republicanos, e não os socialistas, quem controlava
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
COM8ATIEND0
LAIGNORANCIA
DERROTAREIS
ALFASCISMO
a política financeira, numa abordagem bastante mais monetarista
do que keynesiana. A única área em que estavam dispostos a gastar
era na educação, para a qual contraíram dívidas consideráveis, com
vista ao financiamento do seu programa de construção de escolas.
Em termos relativos, o governo republicano-socialista fez mais
para proporcionar bem-estar social do que qualquer outro execu­
tivo. Ironicamente, foi em parte devido às expectativas elevadas
da população que a república viu este feito ser interpretado como
um fracasso político.
A alienação política também ocorreu porque o peso da lei e
da ordem republicanas recaía sobre grupos de pobres e marginais.
{32}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Enquanto a direita se queixava, no parlamento, do défice de ordem
pública, os trabalhadores empobrecidos podiam contar uma histó­
ria bem diferente. Em várias e célebres ocasiões, nas zonas rurais
e urbanas de toda a Espanha, as forças de segurança republicanas
entraram funestamente em confronto com trabalhadores em pro­
testo: em Castilblanco, em Dezembro de 1931; em Arnedo (Logro­
nho) e Llobregat (província de Barcelona), ambas em Janeiro de
1932; e em Casas Viejas (Andaluzia), emJaneiro de 1933. Na base des­
tes incidentes de grande repercussão havia toda uma vivência diária
de repressão e exclusão. A nova polícia urbana criada pela república
despejava os inquilinos que não pagavam renda e, em resposta às
queixas da Câmara de Comércio e dos proprietários de lojas, afas­
tava das ruas os mercadores ambulantes que vendiam alimentos a
preços acessíveis aos pobres e marginais. Este tipo de incidentes
reforçava as alegações dirigidas à república pelos críticos afectos à
esquerda radical, especialmente os anarquistas, de que nada tinha
mudado e de que as reformas parlamentares e legislativas eram um
embuste que jamais beneficiaria aqueles que nada tinham. Com o
bloqueio às reformas nas povoações e a depressão a fazer-se sentir,
quer nas zonas rurais quer nas zonas urbanas, as tensões sobre a
democracia constitucional começaram a manifestar-se. Os republi­
canos não tinham suficiente credibilidade para exigir respeito pelas
regras do jogo àqueles que, diariamente, dele eram excluídos através
da negação dos seus direitos sociais e económicos enquanto cida­
dãos - mais ainda quando esses direitos deveriam ser garantidos
pela constituição e pela lei.
A situação agravou-se depois de as divisões na esquerda terem
dado origem ao regresso de um governo conservador, em Novem­
bro de 1933. As reformas legais tornaram-se letra morta. As elites
procuraram reverter, até ao mais ínfimo pormenor, as mudanças
redistributivas que tinham sido levadas a cabo nas povoações.
É num contexto de frustração e de fúria explosiva contra o recuo
das reformas que temos de compreender a escalada de greves e pro­
testos em 1934. Tanto os movimentos juvenis de esquerda como a
radicalizada juventude católica, conservadora e fascista levaram a
política para as ruas das cidades. Não só o espaço político espanhol
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
estava em mudança, como a mobilização dos jovens - particular­
mente do sexo feminino - estava a transformar a própria natureza
do espectro político.
As frustrações da esquerda culminaram, em Outubro de 1934,
na incitação de uma tentativa de greve geral revolucionária, que
não chegou sequer a ganhar força em Madrid, onde foi liderada por
sectores radicais do movimento da juventude socialista. Contudo,
no norte, na região das minas de carvão das Astúrias, fortemente
atingida pela crise económica e com um historial de relações labo­
rais contenciosas, o protesto degenerou em insurreição armada.
Os mineiros resistiram durante duas semanas, mas as suas aldeias
foram bombardeadas pela força aérea e as cidades costeiras pela
marinha, até que, por fim, o exército invadiu os vales. Seguiu-se,
por toda a região das Astúrias, uma dura e prolongada repressão:
o general Franco, enquanto comandante de facto do Ministério da
Guerra, recorreu a tropas nativas de Marrocos e à Legião Estran­
geira, receando que os recrutas espanhóis não fossem politicamente
leais. As garantias constitucionais foram suspensas em toda a Espa­
nha. O impacto sobre a esquerda foi catastrófico: 30 mil pessoas
foram presas, muitas delas torturadas. Foram fechadas instalações
de partidos e sindicatos, e silenciada a imprensa de esquerda. Os
executivos camarários socialistas foram depostos, os funcionários
públicos com opiniões políticas liberais ou de esquerda tornaram-se
alvo de discriminação, os patrões e administradores aproveitaram a
oportunidade para denunciar, em massa, sindicalistas e activistas de
esquerda.
Os acontecimentos de Outubro de 1934 são frequentemente
citados por historiadores como prova de que não se podia confiar
que a esquerda espanhola jogasse segundo as regras democráticas.
Todavia, esta análise não tem em consideração a complexidade dos
eventos que conduziram a Outubro, o menor dos quais não terá
sido a ofensa à lei pelo próprio governo conservador, quando pro­
curava travar ou reverter as reformas sociais. Por outro lado, tam­
bém ignora a lição óbvia que deve ser retirada do que aconteceu nas
Astúrias. Na verdade, a esquerda não tinha outra opção senão lutar
pela mudança social através das vias legais e parlamentares, uma
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
vez que não conseguiria prevalecer se recorresse a demonstrações
de força física - até a história de outros conflitos menores entre
os trabalhadores e o estado, ocorridos a part ir de 1931, o indicava.
Após os acontecimentos de Outubro de 1934, isso tornou-se claro
não só para os líderes socialistas espanhóis (mesmo para aqueles
que continuaram a empregar uma retórica radical com propósitos
estratégicos), mas também para o grande número de pessoas que os
apoiava. Esta constatação, a par de uma consciência da necessidade
de consonância política na esquerda, deu origem a uma nova aliança
eleitoral de forças progressistas, que venceu as eleições de Fevereiro
de 1936, no compromisso de reimpor o programa de reformas parla­
mentares de 1931-33.
Foi então que os militares intervieram, não para conter a «revo­
lução», como alegavam, mas para bloquear a reforma constitucional e
legislativa que, evidentemente, a direita parlamentar não podia agora
impedi r. Durante a Primavera e o Verão de 1936 assistiu-se à reapro­
ximação das direitas civil e militar, e também dos conservadores aris­
tocratas e radicais, ao mesmo tempo que o líder do partido fascista
espanhol se comprometia a apoiar um golpe militar.
O que poderiam as forças progressistas de esquerda fazer para
amenizar a situação? Um governo reforçado pela bancada parla­
mentar socialista teria constituído uma melhoria face ao execut ivo
exclusivamente republicano, cujos membros pareciam incapazes de
empreender acções decisivas mesmo quando, por altura da Primavera
de 1936, já não era segredo que estava a ser preparado um golpe mili­
tar. Porém, os socialistas tinham os seus próprios problemas: havia
profundas cisões internas no movimento e, tal como os republicanos,
os líderes socialistas, apesar das suas políticas sociais progressivas,
sentiam-se pouco confortáveis com a política de mobilização de mas­
sas que a república tinha iniciado.
Os desafios que rodeavam a nova democracia espanhola nos
anos 30 eram complexos e profundamente enraizados, não sendo,
por isso, passíveis de uma resolução rápida. Se se pode dizer que a
república «fracassou» (outro lugar-comum historiográfico), então o
seu fracasso foi muito específico e consistiu na incapacidade de evi­
tar que sectores do corpo de oficiais fizessem um golpe de estado.
AS ORIGENS DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
{35}
itos dos
Embora a especulação contrafactual não faça parte dos háb
para o
ções
i
cond
ou
historiadores, pode argumentar-se que o que cri
,
sucesso do golpe não foram as profundas tensões em Espanha mas
antes o fracasso dos republicanos e socialistas em implementar refor­
mas políticas essenciais em 1931-33 ou, talvez mais crucialmente, em
desmilitarizar a ordem pública. Mas, como os historiadores também
sabem, a observação a posteriori incorre no perigo da ilusória visão
linear.
Todos aqueles que apoiaram os militares rebeldes espanhóis
tinham em comum o medo das consequênc ias da mudança, inde­
pendentemente de os seus receios serem de ordem material ou
psicológica (riqueza, estatuto profissional, hierarquias sociais e polí­
t icas estabelecidas, dogmas religiosos ou de género). Em Espanha,
durante os anos 30, assistiu-se à expansão de uma série de conflitos
culturais que haveria de desempenhar o seu papel durante os anos
da Guerra Civil propriamente dita. Como em todas as guerras de
culturas, o modo como as pessoas mitificaram os seus medos gerou
violência.
No entanto, o que permit iu que tudo isso chegasse a acontecer
fo i o golpe militar, cujo acto prim9 rdial de violência foi a ext inção
de outras formas pacíficas de evolução política. A rebelião militar
delineou os contornos do campo de batalha, mas o seu s ignificado
não ficou estabelec ido a 18 de Julho. O s ignificado da guerra seria
construído pelos seus protagonistas políticos e pelas suas vít imas;
pelos voluntários e soldados conscritos, os operários de guerra e os
opositores ao ser v iço militar, pelos refug iados; por todos aqueles
que suportaram ou part ic iparam nos três anos de conflito que se
seguiram.
O modelo de golpe de estado confe riu uma aparênc ia polít ica
t radi c ional à insurre i ção de Julho cont ra a democ rac ia de mas­
sas. Mas a missão darwinista e pretensamente soc ial dos militares
rebeldes, que eclod iu nas colón ias do no�te Áfr ica - e que será
analisada no próx imo capítulo - , ind icava algo v iolentamente
novo. O mesmo se pode dizer da aproximação da «falange de solda­
dos» ao fasc ismo espanhol. O derradeiro paradoxo é que a moder­
ni dade do golpe de Julho também esteve patente na declaração
{36}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
pública proferida pelos rebeldes aquando do levantamento. Nela,
justificavam a sua acção fazendo referência ao apoio da sociedade
espanhola no seu todo. Assim, a própria linguagem dos militares
reconhecia, inadvertidamente, a profundidade das transforma­
ções sociais e políticas pós-iluministas que eles próprios queriam
reverter em Espanha.
M.G.,1935-
2. Rebelião, revolução e repressão
º
J Cabanas, 1937/1939.
Todas as épocas permanecem na memória
das geraçõesfuturas. Mas cada época tem a sua própria
lógica interna, a sua própria estrutura de sentimento.
J. UGARTE TELLERÍA,La nuevaCovadongainsurgente
GOLPE militar contra a república começou a 17 de Julho de 1936,
entre elementos do exército colonial sedeado na África do
Norte espanhola (Marrocos). No dia seguinte, a rebelião alastrou-se
à metrópole, sob a forma de revoltas em guarnições de província. Ela
foi, ao mesmo tempo, bem e malsucedida: não conseguiu tomar o país
todo de um só golpe, como era intenção dos rebeldes, mas conseguiu
paralisar o regime republicano e, mais importante, privá-lo dos meios
para organizar rapidamente uma resistência eficaz. A insurreição
desagregou a estrutura de comando do exército e deixou o governo de
Madrid sem tropas, inseguro quanto aos oficiais em quem podia con­
fiar. O colapso simultâneo da polícia veio juntar-se a estes já de si gra­
ves problemas, criando um vazio de autoridade na maioria das zonas
afectas à república, que não encontrava paralelo nas zonas rebeldes,
sobre as quais os militares assumiam o controlo a partir do exterior.
Mas, apesar do colapso do regime, os elementos da polícia que lhe
permaneciam leais uniram-se às milícias de trabalhadores, formadas
pelos sindicatos e partidos políticos da esquerda para responder à
situação de emergência; juntos, conseguiram deter a revolta das guar­
nições em grande parte da Espanha urbana e industrial.
A divisão inicial do território espanhol entre a república e os rebel­
des (ver mapa da página seguinte) reflectia a geografia política do país.
A revolta tendeu a fracassar em áreas onde havia um apoio significa­
tivo às reformas republicanas e/ou a uma agenda política progressista
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
A divisão de Espanha a 22 de Julho de 1936.
num sentido mais lato. Por isso, os centros urbanos, com a sua elevada
concentração de trabalhadores em movimentos laborais organizados,
eram sobretudo afectos à república - com algumas excepções, a mais
notável das quais foi Sevilha, onde o general Queipo de Llano desta­
cou o grosso da sua guarnição, cerca de 5800 tropas, para fazer frente
ao movimento laboral daquela cidade. Em todas as restantes zonas
rurais do sul profundo, a presença de milhares de camponeses sem
terra constituiu, inicialmente, um factor de inibição do sucesso do
golpe. Na costa nordeste, as regiões da Catalunha e de Valência, com
o seu passado confederalista e um forte sentimento anticentralista,
haveriam de se manter republicanas ao longo da guerra.
As áreas que ficaram imediatamente sob controlo dos militares
rebeldes foram, tendencialmente, as mesmas onde se tinham verifi­
cado maiorias conservadoras nas eleições de Fevereiro de 1936. Isto
aplicava-se sobretudo às zonas minifundiárias do centro-norte e
do noroeste de Espanha. Aí, o apoio da população ao golpe militar
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
derivava em boa medida da hostilidade do campesinato e das clas­
ses médias conservadoras da província ao programa secularizante da
república. O caso do País Basco, no norte de Espanha, foi excepção,
uma vez que até os conservadores convergiram contra os militares
rebeldes ultracentralistas para apoiar uma agenda nacionalista regio­
nal em prol de autonomia política.
No entanto, a geografia política do pré-guerra não explica, por
si só, a disposição territorial que emergiu depois de 18 de Julho.
Nenhuma região de Espanha era inteira ou homogeneamente conser­
vadora. Mesmo nas áreas que lhes eram afectas, os militares tinham
de exercer uma violenta repressão sobre algu ns sectores que lhes
resistiam, como foi o caso dos trabalhadores portuários da cidade
galega de Vigo, no norte. A repressão sanguinária também funcio­
nava como força de coerção num sentido mais lato. Por exemplo, nas
aldeias e nas cidades pequenas, as pessoas que tinham simpatizado
vagamente com os republicanos sentiram-se, de repente, compelidas
a alinhar publicamente com as autoridades de modo a protegerem as
suas famílias, ainda que isso pudesse implicar trair amizades e laços
pessoais. O filme La Lengua de las Mariposas (1999), baseado num
conto do escritor galego Manuel Rivas, relata um exemplo extremo
deste fenómeno. Um rapaz é coagido pela mãe a participar na deten­
ção e humilhação pública do seu estimado mestre-escola republicano,
como forma de desviar as atenções do passado liberal do próprio pai.
Assim se pode compreender as razões complexas e contraditórias
que, tão frequentemente, fundamentaram as opções binárias toma­
das pelas pessoas na ressaca do golpe. De facto, esta delimitação for­
çada, a obrigação de «tomar partido», constituiu o primeiro e mais
duradouro acto de violência dos golpistas.
De modo a viabilizarem o seu golpe, os militares rebeldes tam­
bém tiveram de afastar (e, muitas vezes, matar) um número significa­
tivo de oficiais superiores que se recusavam a apoiá-los. Em parte, isso
fazia com que também os rebeldes sentissem uma certa perturbação
militar - o exército dividira-se, com consequências para ambos os
lados. Por outro lado, a ausência de uma força de combate integrada
não podia ser compensada pelas milícias políticas de direita dos car­
listas e falangistas, em rápida mobilização nos territórios rebeldes.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
A divisão de Espanha imediatamente a seguir ao golpe desor­
denado parecia favorável à república, que detinha a capital, Madrid,
situada no coração da rede de comunicações do país e depositária
das suas reservas de ouro. Ao controlar a maioria dos grandes centros
urbanos, a república também controlava a indústria. Para os rebeldes,
o factor tempo era essencial: a menos que conseguissem galvanizar e
aumentar rapidamente as suas forças, a república teria sérias possi­
bilidades de conseguir reagrupar-se e, com isso, conter as guarnições
revoltosas.
Foi por esta altura - cerca de uma semana após o golpe inicial
- que a intervenção estrangeira se tornou, pela primeira vez, um fac­
tor relevante no conflito. Face à provável derrota, os militares rebeldes
solicitaram e receberam aviões de Hitler e de Mussolini para trans­
portar as suas tropas de assalto, a Legião Estrangeira e o Exército de
África até à metrópole, atravessando o Estreito de Gibraltar, tempora­
riamente bloqueado pela marinha republicana, que se tinha amotinado
contra os comandantes pró-rebelião. Neste primeiro acto de interven­
ção internacional, que também constituiu o primeiro transporte aéreo
de tropas na história bélica moderna, as potências fascistas europeias
forneceram aos rebeldes espanhóis o exército de que estes nec�ssita­
vam, permitindo-lhes lançar uma guerra em larga escala contra a repú­
blica. Hitler e Mussolini concordaram em intervir simultaneamente,
mas as suas decisões foram independentes. Nenhum dos ditadores
tinha intenções de se envolver numa guerra a longo prazo: ambos dis­
ponibilizaram aviões com vista ao que pensavam poder ser uma rápida
vitória dos rebeldes, passível de assegurar uma Espanha aliada e de,
consequentemente, servir os seus interesses estratégicos.
Porém, as coisas não correram de acordo com o planeado, sobre­
tudo devido à resistência republicana, um fenómeno significativa­
mente impulsionado pelo desejo que as populações alimentavam de
salvaguardar os progressos sociais e económicos associados à repú­
blica. Frequentemente, verificava-se também um desejo de fazer
com que esses progressos evoluíssem no sentido de uma nova ordem
revolucionária. Tal foi possível, pelo menos durante algum tempo, nos
cerca de dois terços de Espanha que se mantiveram leais à república,
precisamente porque o golpe tinha induzido o colapso do regime.
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
{43}
Soldad�s rebeldes entram numapequena cidade do sul de Espanha, no início;;;­
Guerra Civil As crianças que sejuntaram àprocissão transportam uma imagem
do Sagrado Coração deJesus - um símbolo religioso tradicionalque agora serve
de suporte a uma novaforma conservadora de mobilização de massas.
A autoridade do governo não se impunha para além de Madrid. As
funções normais de governo estavam em suspenso; a paralisia da
polícia e do exército também conferiram um enorme ímpeto ao loca­
lismo. Dificil mente podia ter sido de outro modo num país ainda
tão heterogéneo com um desenvolvimento económico desequili­
brado, e onde os lealismos se resumiam à própria comunidade (patria
chica) enquanto unidade de experiência vivencial. Houve regiões em
que cada aldeia fez a sua revolução e organizou a vida quotidiana de
forma independente. Quando rebentou a guerra, a escritora norte­
-americana Gamel Woolseyvivia numa aldeia do sul, perto de Málaga.
No seu diário observou como o isolamento se adequava àquelas pes­
soas, que desconfiavam de todos os «estrangeiros», isto é, de todos
os espanhóis que não fossem naturais da aldeia, e a quem até mesmo
Málaga parecia, do ponto de vista social e cultural, tão distante como
Madrid ou Barcelona.
Também para muitos dos elementos das milícias de trabalha­
dores - tanto em Málaga como em Madrid ou Barcelona - esta
expl osão centrífuga constituiu um desenvolvimento positivo. Para
as classes trabalhadoras rurais e urbanas, e para os espanhóis mais
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
desfavorecidos em geral, o estado ainda tinha uma conotação for­
temente negativa: serviço militar obrigatório, impostos indirectos
e perseguições diárias - em particular aos sindicalizados. Por isso,
para muitos trabaJhadores espanhóis, a resistência aos militares rebel­
des era inicialmente dirigida «contra o estado» e estava empenhada
na construção de uma nova ordem social e política, muitas vezes de
contornos económicos anticapitalistas (frequentemente, o dinheiro
era abolido). Nas zonas rurais e urbanas do nordeste de Espanha (B ar­
celona e Aragão) e nas regiões republicanas do sul rural, a indústria e
a agricultura foram colectivizadas, e os comités dos sindicatos e dos
partidos organizaram a defesa de emergência, ao encontro das neces­
sidades do seu bairro ou da sua aldeia. Contudo, fora das maiores vilas
e cidades, o sectarismo político entre as organizações de esquerda
ainda não era muito evidente. De outro modo, teria sido inconcebível
que, em 1936, um membro da CNT oriundo de uma aldeia em Valên­
cia pudesse ter dado à sua filha o nome de Estaline. Esta ausência de
sectarismo indica que no início da guerra a presença das organizações
de esquerda fora dos principais centros urbanos pouco se fazia sentir.
Porém, mesmo à medida que a situação se alterava ao longo da guerra,
o aparecimento de cisões sectárias continuou, frequentemente, a
resultar da colagem de novos rótulos em antigas disputas políticas
locais ou, em alternativa, de tensões específicas produzidas pelas difi­
culdades materiais da guerra, mais do que de questões estritamente
ideológicas. As novas estruturas colectivas e cooperativas que apare­
ceram no Verão de 1936 constituíram, não obstante, uma tentativa de
resolução dos principais conflitos políticos e sociais do período repu­
blicano anterior à guerra (1931-36), alterando o equilíbrio do poder
social, económico e político em muitas comunidades.
Essa alteração foi também produzida, de forma bem mais som­
bria, por uma onda de violência. A inexistência de uma força policial
ou judicial que operasse em território republicano nas primeiras sema­
nas após o golpe, associada às amnistias que esvaziaram as prisões,
tornou possíveis todos os tipos de ajustes de contas pessoais, além de
permitir que fossem cometidos actos francamente criminosos sob a
égide da justiça revolucionária. À medida que a guerra subia de tom,
durante os primeiros oito meses, alguns actos de violência na Espanha
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
republicana também foram desencadeados pela experiência aterro­
rizadora dos bombardeamentos aéreos, bem como pelos rumores de
fuzilamentos em massa e outras atrocidades em território rebelde.
No entanto, os actos de violência cometidos pela população em
território republicano imediatamente após o golpe militar tinham
uma dimensão política claramente discernível. Tais acções eram
desencadeadas pela ira em relação àquilo que consideravam como
uma tentativa, por parte dos rebeldes, de atrasar o relógio à força e de
regressar à ordem do antigo regime. A violência vingadora era dirigida
contra as origens e os representantes do antigo poder - quer mate­
riais (destruindo registos de propriedade e cadastros de terrenos),
quer humanos (o assassínio ou agressão de padres, guardas civis, polí­
cias, patrões e intendentes). Havia, portanto, uma clara ligação entre
a violência posterior ao golpe e os conflitos anteriores à guerra: por
exemplo, em relação ao bloqueio das leis de reforma agrária e laboral,
aos despedimentos de trabaJhadores na sequência das greves gerais
de 1934 ou aos antagonismos (mais uma vez, relacionados com a não
implementação de reformas sociais e laborais) no rescaldo das elei­
ções de Fevereiro de 1936.
As formas que esta violência assumia eram, muitas vezes, alta­
mente teatrais - ritualistas, até -, o que aponta para outros aspectos.
Primeiro, e mais importante, havia uma carga simbólica: as pessoas não
se limitavam a matar ou a humilhar outros seres humanos, seus inimi­
gos, como também atacavam fontes temíveis ou opressivas de poder e
autoridade às quais associavam cada vítima em particular. Isto explica,
em parte, o facto de os patrões «benevolentes» ou os padres «bondosos»
se terem tornado alvos. De facto, o exemplo mais conhecido, embora
longe de ser o único, de morticínio simbólico na Espanha republicana
foi o exercício de violência anticlerical a uma escala sem precedentes,
que ceifou as vidas de quase sete mil religiosos (sobretudo homens).
Padres e monges eram mortos porque eram vistos como representan­
tes de uma igreja opressiva, historicamente associada aos ricos e pode­
rosos, e cuja hierarquia apoiara a revolta militar. Por vezes, também os
leigos eram tragados por esta fúria anticlerical. Como nos recorda um
testemunho oral, o cantor de igreja e o tocador do sino faziam parte de
um mundo antigo que tinha de ser aniquilado. Contudo, o paradoxo
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
de uma componente religiosa inerente à violência anticlerical não foi
menos efectivo em Espanha do que em qualquer outro lugar. O pró­
prio acto de dessacralização - igrejas destruídas e aproveitadas para
usos profanos, cadáveres de religiosos roubados às sepulturas - é elo­
quentemente elucidativo quanto ao poder investido na religião e na
igreja pelos próprios profanadores.
Em retrospectiva, resta pouco que explicar sobre o impulso das
pessoas para a violência em território republicano. Mas o facto de
essa violência ter ocorrido prejudicou a credibilidade da república no
exterior, precisamente no momento em que esta mais precisava de
apoio externo para fazer frente ao crescente desafio militar colocado
pelos rebeldes. Para os líderes republicanos e socialistas que baliza­
vam a legitimidade da república na defesa dos meios constitucionais
e do predomínio da lei, a consciência de que tinham sido impotentes
para evitar assassínios extrajudiciais era devastadora (apesar de ter
havido muitos líderes políticos que, a título individual, intervieram
para salvar vidas). Foi a sua determinação em pôr fim à violência des­
controlada que proporcionou um poderoso ímpeto ético ao desígnio
de repor a autoridade do governo central republicano face à fragmen­
tação induzida pelo golpe.
Pela parte que lhes tocava, os rebeldes justificaram publicamente
o golpe como um empreendimento para prevenir uma revolução vio­
lenta de esquerda. No entanto mais uma vez em retrospectiva, verifi­
camos que foi a própria revolta militar que criou condições para uma
violência a tal escala - e não apenas em território republicano. Nos
dias e semanas que se seguiram ao golpe deJulho, as elites locais profe­
riram, nos territórios rebeldes, várias declarações públicas - líderes
da Falange fascista, pessoas associadas ao partido católico de massas,
a CEDA (Confederación Espafiola de Derechas Autónomas), lati­
fundiários monárquicos, homens de negócios, padres. Essas declara­
ções foram proferidas de forma independente umas das outras, assim
como das autoridades militares, embora tenham sido notavelmente
semelhantes. A mensagem principal era que Espanha precisava de
ser purgada ou purificada. Por vezes, falavam até da necessidade de
um sacrifício de sangue. Este tipo de sentimentos desencadeou uma
repressão selvática que, desde logo, se fez sentir por toda a Espanha
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
rebelde, inclusive em muitas áreas controladas à partida pelos milita­
res revoltosos, onde não havia qualquer resistência armada ou polí­
tica, nem «frente», nem avanço ou retirada de tropas - em suma,
onde não havia «guerra» no sentido convencional do termo. O que
havia, no entanto, era uma guerra de culturas que os agressores tra­
ziam presente. O golpe tinha punido o rebentamento dessa guerra,
abrindo assim caminho ao assassínio em massa.
O impulso para matar era accionado, de forma ainda mais clara
do que em território republicano, por uma mentalidade maniqueísta
historicamente associada a algumas formas de cultura e prática católi­
cas. Os agressores do lado rebelde terão considerado que as suas moti­
vações eram completamente diferentes das do «inimigo» republicano,
mas em ambos os casos a força motriz da violência era a aniquilação
do outro. Enquanto em território republicano o objectivo de alguns
indivíduos era milenário - matar como meio de alcançar tabu/a rasa
e, com ela, um admirável mundo novo - , nas zonas rebeldes o assassí­
nio era amplamente entendido como um acto purificador, concebido
para livrar a comunidade das fontes de «poluição» e dos perigos que
estas acarretavam.
Pessoas de todas as idades e condições foram vítimas desta «lim­
peza». O que tinham em comum era o facto de serem vistas como
representantes das mudanças trazidas pela república. A violência não
afectava apenas os indivíduos politicamente activos - embora os
parlamentares e autarcas republicanos fossem alvos primordiais de
liquidação - ou os que tinham beneficiado, em termos materiais, das
reformas redistributivas da república - apesar de terem sido mor­
tos trabalhadores citadinos, pequenos proprietários e trabalhadores
agrícolas aos milhares. A «limpeza» também implicava pessoas que
simbolizavam a mudança cultural e que, por isso, constituíam uma
ameaça às antigas maneiras de ser e de pensar: professores progressis­
tas, intelectuais, trabalhadores autodidactas, a «nova» mulher. A vio­
lência dos rebeldes era dirigida contra todos aqueles que eram social,
cultural e sexualmente diferentes.
Em Zamora, assistiu-se à morte da mulher do romancista repu­
blicano Ramón Sender, Amparo Barayón, cujo espírito independente
era considerado «pecaminoso» face às normas de género tradicionais;
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Amparo Barayón, aquifotografada
ao estilo dos anos 20,foi vítima
de execução extrajudicial na zona
rebelde. Asforças de Franco viam
a guerra como uma cruzada contra
a mudança social e cultural
em Granada, à do poeta Federico G arcía Lorca - morto quer devido
às suas convicções políticas quer à sua sexualidade. Assistiu-se tam­
bém ao assassínio de muitos milhares de espanhóis menos conhe­
cidos, como Pilar Espinosa, de Candeleda, em Ávila, que foi levada
por um esquadrão da morte falangista por ter lido o jornal do partido
socialista e por «tener ideas», numa altura em que o livre pensamento
era duplamente repreensível entre as mulheres.
Durante os primeiros meses, quem perpetrava os assassínios
na Espanha rebelde eram sobretudo os vigilantes. O que aconteceu
foi um massacre de civis por outros civis, em que os esquadrões da
morte sequestravam as pessoas das suas casas ou, em alternativa,
as levavam da prisão. Na maioria dos casos, os assassinos estavam
estreitamente ligados a organizações de direita que tinham apoiado
o golpe, em especial à Falange fascista. As autoridades milit ares nada
faziam para controlar este terror. Na verdade, os assassinos agiam fre­
quentemente com a conivência das autoridades. De outro modo, os
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
esquadrões da morte que foram buscar Amparo B arayón e milhares
de compatriotas seus jamais teriam podido levar as vítimas da prisão
com tanto à-vontade.
Este aspecto aponta para a assimetria fundamental entre a vio­
lência que ocorria nas zonas republicanas e a que ocorria nas zonas
rebeldes. As autoridades militares dispunham de recursos para deter
a violência, uma vez que não houve colapso da polícia ou da ordem
pública nas áreas rebeldes. Porém, escolhiam não o fazer. A razão
por que não o faziam diz muito sobre a dinâmica política que estava
a ganhar forma na Espanha rebelde. Os militares sentiam-se obvia­
mente despreocupados em relação à inconstitucionalidade dos
assassínios extrajudiciais per se. Para quem se tinha revoltado con­
tra a república, a política liberal, o constitucionalismo e a lingua­
gem dos direitos eram entendidos como o problema, não a solução.
Além do mais, as pessoas que eram eliminadas pelos esquadrões da
morte faziam parte do «problema», uma vez que também os milita­
res usavam a linguagem da purificação. Os vínculos locais, os laços de
amizade - ocasionalmente, até os de família - também ligavam os
militares aos vigilantes. Mas, acima de tudo, o terror era considerado
a primeira etapa na crucial reposição da «ordem». Em primeiro lugar,
tinha como objectivo ensinar àqueles que tinham acreditado na repú­
blica enquanto veículo de mudança que o preço a pagar pelas suas
aspirações seria demasiado elevado. Assim, a violência era um modo
de abalar a sociedade e, ao mesmo tempo, arredar a redistribuição
do poder económico proclamada pela república. Em segundo lugar
- embora esta não fosse necessariamente uma intenção consciente -,
gerou-se uma cumplicidade crucial entre as autoridades rebeldes e os
sectores da população que participavam ou eram coniventes com a
repressão dos seus amigos, vizinhos e famili ares. Esta cumplicidade
começou a fixar os alicerces de um novo estado e de uma nova ordem
social rebeldes.
Igualmente vital para o alargamento do controlo militar foi a
forma como a repressão aniquilou a ideia do «lar» enquanto espaço
seguro. Quando ocorreu o golpe, as pessoas que se sentiam ameaça­
das partilhavam a convicção de que, se conseguissem voltar para o seu
lugar de origem, a sua aldeia, a suapatria chica, est ariam a salvo dos
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
terríveis perigos das cisões políticas no país. Por isso, muitas das víti­
mas de assassínio extrajudicial em território rebelde - quer famosas
quer anónimas - morreram precisamente por terem ido para casa.
Só quando lá chegavam é que descobriam que já não havia «lar»: a vio­
lência originada pelo golpe militar significava precisamente que nada
podia existir para além do binómio político feroz que o golpe tinha
imposto.
A natureza do projecto dos rebeldes tornou-se absolutamente
clara a partir do momento em que o Exército de África aterrou no
sul de Espanha, no final de Julho de 1936. Este exército, liderado pelo
general Francisco Franco, era constituído pelos soldados profissionais
da Legião Estrangeira e por uma força de mercenários marroquinos,
comandada por oficiais de carreira espanhóis (africanistas). Os traba­
lhadores e a resistência civil em geral não dispunham de meios para
lhe fazer frente. Durante os meses de Agosto e Setembro de 1936, as
forças de Franco irromperam pelo sul de Espanha em direcção ao cen­
tro, à capital, Madrid. Entretanto, a repressão alastrava, à medida que
o exército chacinava e aterrorizava estrategicamente as populações
pró-republicanas, especialmente os camponeses sem terra. Esta fase
inicial da guerra civil, no sul, também fazia parte da «solução» para
os conflitos que a antecederam. Foi uma guerra de contra-reforma
agrária que transformou a Andaluzia e a Extremadura em campos de
morte. Os latifundiários das vastas propriedades que cobriam grande
parte da metade sul de Espanha alinharam com o Exército de África
para reclamar pela força as terras onde a república tinha instalado os
sem-terra. Muitos trabalhadores rurais eram mortos aí mesmo.
Nas aldeias do sul dominadas pelos rebeldes, houve brutalidade
e tortura sistemáticas, foram violadas mulheres, a outras foi rapado
o cabelo, homens e mulheres foram assassinados em massa no res­
caldo das conquistas. Às vezes, aldeias inteiras eram completamente
varridas do mapa pela repressão. Fazia-se a guerra como se fosse uma
campanha colonial contra povos indígenas insurrectos. A aristocra­
cia fundiária espanhola, em que se incluíam muitos pais e irmãos de
oficiais africanistas do exército, via os sem-terra do sul como autênti­
cos escravos, sem quaisquer direitos ou humanidade. Apesar das suas
origens modestas de província, no norte de Espanha, Franco tinha
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
passado, ele próprio, uma década e meia nos territórios do norte
de África, onde fizera carreira militar na desumana guerra colonial.
Muito antes de a Itália ter feito o mesmo na Etiópia (talvez antes
até de a Inglaterra o ter feito na Mesopotâmia), Espanha usara gás
venenoso, fabricado na Alemanha, contra as populações coloniais em
Marrocos. Os pedidos frequentes de armas químicas que Franco diri­
giu à Itália entre 1936 e 1937, independentemente de a sua utilização
ter sido impedida por razões de ordem estratégica, reflectem as expe­
riências anteriores do general no norte de África.
Mais tarde, Franco haveria de declarar que a sua experiência em
África lhe tinha possibilitado «salvan> Espanha em 1936: «Sem África,
não consigo explicar-me a mim mesmo ou aos meus camaradas de
armas. » Numa carta que escreveu, a II de Agosto de 1936, ao general
Mola, comandante das forças rebeldes do norte, sublinhou a necessi­
dade de aniquilar toda a resistência nas «zonas ocupadas». Este comen­
tário revela as convicções políticas não apenas de Franco mas também
de toda uma corte de oficiais conservadores: o país tinha sido «ocu­
pado» por ideias políticas e formas de organização social alienígenas
que ameaçavam a unidade, a hierarquia e a homogeneidade cultural da
«Espanha», valores em que acreditavam e que se sentiam na incumbên­
cia de defender. A 27 de Julho, Franco foi entrevistado pelo jornalista
norte-americano Jay Allen, cujo testemunho do massacre de resis­
tentes republicanos em Badajoz catapultaria, três semanas depois, a
guerra de Espanha para as manchetes dos jornais europeus e ameri­
canos. Nessa entrevista de Julho, Franco contornou as perguntas do
jornalista sobre o elevado nível de resistência que os rebeldes tinham
encontrado, declarando: «Salvarei a Espanha do marxismo, custe o que
custar. » Quando Allen lhe perguntou «e se isso implicar abater metade
de Espanha? », Franco respondeu: «Como disse, custe o que custar. » O
desdém dos rebeldes pelas políticas constitucionais e a sua disponibili­
dade para recorrer às execuções em massa e ao terror durante a guerra
significavam que, ao contrário dos republicanos, nunca tinham consi­
derado a possibilidade de lidar verdadeiramente com o inimigo. Ainda
assim, os rebeldes não foram tratados de forma muito negativa pela
imprensa mainstream estrangeira. Entre as razões para tal havia uma
extremamente forte: a legitimação do golpe pela igreja católica.
{52}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
A convicção inabalável dos rebeldes de que era necessário livrar
a sociedade dos «poluentes» políticos e culturais reforçou, à partida,
o apoio público manifestado aos revoltosos pela igreja espanhola.
Isso conduziu rapidamente à apresentação do seu esforço de guerra
como uma cruzada. Ao manifestar-se pela primeira vez numa carta
pastoral, no fim de Setembro de 1936, a igreja branqueou o golpe aos
olhos das estruturas conservadoras europeias, tornando-se assim
um meio de propaganda extremamente valioso que, todavia, não
deixou de levantar alguns problemas aos rebeldes, nomeadamente
a enorme e evidente contradição de uma cruzada católica contem­
porânea cuja linha da frente era constituída por mercenários islâ­
micos. Tanto os porta-vozes militares como os eclesiásticos poliam
com lirismos os serviços de limpeza oferecidos pelos soldados afri­
canos - escondendo o seu racismo sob a imagem daquelas tropas
enquanto parte de uma grande empresa colonial «essencialmente»
cristã. Isto motivou alguns malabarismos verbais entre os relatos
dos jornalistas que acompanharam o exército colonial ao longo da
sua marcha pelo sul:
{... } na hora do levantamento {do cerco à da guarnição de Toledo, em
Setembro de 1936}, as mulheres de Castela receberam de mãos africanas
um pão tão branco como o da comunhão... {a guerra} foi uma empresa
mudéjar contra as hordas asiáticas.
No entanto, no decurso da guerra, a questão da raça e do racismo
permaneceria fora do quadro político. A esquerda espanhola nunca
tinha desenvolvido um discurso anticolonialista. A sua oposição à
guerra no norte de África tinha-se sempre baseado na defesa dos direi­
tos dos trabalhadores espanhóis (enquanto soldados que morriam
nessas campanhas), mais do que nos males da colonização. De facto,
a atitude dos republicanos em relação aos soldados norte-africanos
de Franco, os quais naturalmente temiam, era bem menos racista
do que a dos próprios rebeldes. Todavia, durante a Guerra Civil, os
republicanos nunca foram capazes de desenvolver efectivamente
um anticolonialismo estratégico. Uma qualquer expressão de sim­
patia política pelo embrionário nacionalismo marroquino podia ter
REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
{ 5 3}
ajudado a estrangular o fornecimento de tropas a Franco, mas nunca
nenhuma iniciativa desse tipo foi seriamente contemplada, devido
ao receio de importunar a Grã-Bretanha e a França, ambas potências
coloniais maiores em cujo apoio os republicanos espanhóis deposita­
vam as suas esperanças - especialmente depois de se terem tornado
evidentes as proporções do apoio prestado aos rebeldes pela Alema­
nha e pela Itália fascistas.
Esta ajuda - em particular sob a forma de aviões e tanques facilitava o avanço do Exército de África pelo sul. Era este cenário
- o apoio técnico fascista, uma força de combate profissional e as
vitórias daí resultantes - que explicava a crescente proeminência do
próprio Franco. Ao general Emilio Mola, líder titular da revolta, fal­
tava o abono da vitória. As mortes de outros conspiradores militares
de proa também afastaram alguns possíveis rivais. Porém, nesta altura,
mais do que líder destacado, Franco era o primeiro entre iguais. A sua
ascensão subsequente foi, como veremos, fruto do planeamento cui­
dadoso dos seus conselheiros, que tiraram partido do faro do próprio
general para aproveitar oportunidades políticas estratégicas. Mas o
que permitiu que Franco tirasse partido dessas oportunidades foi o
seu avanço espectacular no sul.
O Exército de África parecia imparável, o que não deve surpreen­
der-nos, se tivermos em conta que não enfrentava uma força «mili­
ciana», como frequentemente se diz, mas uma população civil armada
com aquilo a que conseguia deitar mãos e que enfrentava, em terreno
aberto, tropas, artilharia e bombardeamentos aéreos alemães e italia­
nos. Sempre que o exército rebelde tomava um centro populacional,
eram cometidas atrocidades. Corpos de vítimas eram deixados nas
ruas durante dias, para aterrorizar a população, e depois empilhados
no cemitério e queimados sem quaisquer rituais funerários. À medida
que aumentavam os relatos sobre esses acontecimentos, até o simples
rumor da ameaça de serem flanqueados era suficiente para fazer os
republicanos debandar, abandonando as suas armas na correria. A 3 de
Setembro, os rebeldes tomaram Talavera de la Reina, a última cidade
importante a separá-los de Madrid. Em apenas um mês, tinham avan­
çado quase 500 quilómetros. Uma grande vaga de refugiados rumou
ao norte, fugindo ao exército de Franco.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
No sul republicano e no resto do país, milhares de trabalhadores
espanhóis tinham empenhado as suas energias e, em muitos casos,
sacrificado as suas vidas, para alcançar a mudança social pela colec­
tivização. Contudo, essas iniciativas radicais mantinham um âmbito
local e altamente fragmentado. Enquanto os inimigos permaneceram
«locais» - isto é, os soldados da guarnição de província ou a polícia
local -, isso não teve importância. Mas quando a intervenção alemã
e italiana transformou a natureza do conflito, ao transportar um exér­
cito milit ar para Espanha, os republicanos foram obrigados a repen­
sar a sua estratégia de resistência. Essa lição foi paga com o sangue dos
milhares de homens e mulheres que morreram no sul. Para a república
conseguir sobreviver à investida da tecnologia de guerra moderna e
mecanizada dos rebeldes, cortesia da ajuda alemã e italiana, teria de
colocar um exército em campo e mobilizar toda a sua população para
a guerra - uma operação sem precedentes na história espanhola.
A energia revolucionária da classe trabalhadora organizada e politi­
camente consciente já não era suficiente como havia sido durante o
período das lutas de rua contra as guarnições rebeldes. Agora, para
organizar um esforço de guerra moderno, todos tinham de ser trazi­
dos para o mesmo barco - sectores da população não mobilizados
politicamente, sectores de classe média e, em especial, o eleitorado
feminino. De outro modo, a república não sobreviveria.
3. Mobilizar e sobreviver:
a república em guerra
A nossa modestafunção é a de organizar o Apocalipse.
ANDRÉ MALRAux,AEsperança
A RÁPIDA mobilização dos recursos internos da república - huma­
Gofíi, r936/r937.
.1"1.nos e materiais - tornou-se duplamente decisiva face ao seu
isolamento internacional. Quando ocorreu o golpe, o governo repu­
blicano tentara imediatamente (a 19 de Julho), assegurar auxílio mili­
tar por parte das democracias ocidentais - Grã-Bretanha e França.
Porém, deparou-se com a hostilidade britânica e a relutância francesa
(após uma oferta inicial de ajuda). Em vez disso, as duas democracias
planearam e estabeleceram, em Agosto de 1936, um tratado de não
intervenção que coibia as iniciativas públicas e privadas dos países
signatários de fornecer material de guerra à Espanha. A Alemanha e
a Itália assinaram o tratado, apesar de terem continuado a auxiliar os
militares rebeldes. Desse modo, a não intervenção funcionou apenas
contra a república, e assim continuaria a ser durante toda a guerra.
Quando os responsáveis políticos britânicos tiveram conheci­
mento do golpe, a sua preferência inclinou-se para uma vitória rápida
dos rebeldes, uma vez que tal serviria os seus dois principais objec­
tivos. O primeiro consistia em evitar que uma guerra em Espanha
evoluísse para um conflito europeu generalizado. Este cenário podia
obrigar a Grã-Bretanha a envolver-se numa guerra em três frentes
simultâneas para defender os seus interesses imperiais - contra a
Alemanha, a Itália e o Japão -, algo que estava muito para além dos
seus recursos militares e que, por isso, tinha de ser evitado a todo o
custo. Em segundo lugar, uma vitória rebelde era tida como a melhor
{58}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
forma de defender o capital e a propriedade privada em Espanha,
nomeadamente o investimento britânico, que era considerável.
O fervor popular após a vitória da coligação pró-reforma nas eleições
de Fevereiro de 1936 levou alguns ministros e diplomatas britânicos
(de um governo predominantemente conservador) a comparar o
governo republicano espanhol ao de Kerensky, na Rússia, nas véspe­
ras da revolução bolchevique de Fevereiro de 1917. Contudo, as duas
situações não eram estruturalmente comparáveis, pelo que os receios
de uma revolução social iminente em Espanha (e, especialmente, da
nacionalização dos activos britânicos) eram infundados. Na verdade,
a hostilidade do estab!ishment britânico em relação à segunda república
remontava ao nascimento desta, em Abril de 1931, muito antes da Pri­
mavera «quente» de 1936. A elite governante britânica estava ligada à
Espanha conservadora por laços de classe, política, comércio e ami­
zade. A sua antipatia em relação à agenda de reformas sociais da repú­
blica era sentida no menosprezo pedante com que tratavam a nova
classe política espanhola. Não tardou muito até que esta hostilidade
pudesse ser publicamente justificada através de referências à violên­
cia anticlerical que eclodiu em algumas áreas do território republi­
cano no rescaldo do golpe. Os preconceitos de índole política e social
levaram os analistas oficiais britânicos a ignorar um facto óbvio: se
não tivesse havido revolta militar, também não teria havido assassí­
nios extrajudiciais - de natureza anticlerical ou outra - , uma vez
que foi o próprio golpe militar que causou o colapso temporário da
ordem pública em Espanha. Ao mesmo tempo, as autoridades britâni­
cas conseguiram associar um rótulo bastante diferente aos assassínios
em território rebelde: tanto quanto se apercebiam, tratava-se de uma
infeliz contrariedade que, não obstante, podia ter efeitos eugénicos,
permitindo que Franco, o «general gentil», repusesse a «ordem».
Na semana seguinte ao golpe, a Grã-Bretanha obstruiu as defesas
da república, ao recusar à sua marinha o direito de se reabastecer de
combustível em Gibraltar ou Tânger. Simultaneamente, os britânicos
também fecharam os olhos à intervenção inicial dos alemães e dos
italianos. A sua atitude foi decisiva, uma vez que Hitler e Mussolini
tinham os olhos firmemente centrados na reacção da Grã-Bretanha.
Se esta tivesse reagido negativamente ao envolvimento inicial dos
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
dois ditadores, é evidente que estes não teriam intervindo tão profu­
samente - na verdade, podiam até ter cessado a sua intervenção - ,
visto que nenhum deles estava preparado para um confronto com a
Grã-Bretanha.
A partir do momento em que o governo britânico decidiu manter­
-se à margem, também a França voltou atrás com a promessa de enviar
material de gu erra para a república de Espanha. A sensação de vul­
nerabilidade, agravada pelo facto de ter agora duas das suas fron­
teiras coladas a potências fascistas, levou a que a França receasse
isolar-se diplomaticamente da Grã-Bretanha. Para mais, o primeiro­
-ministro francês, o socialista Léon Bium, tinha plena consciência
de que a hostilidade dos sectores mais conservadores do seu recente
governo em relação à Espanha republicana podia, caso ele decidisse
puxar o assunto da ajuda militar, afundar as suas hipóteses de produ­
zir reformas sociais em França. Dadas as dificuldades da França e a
impassibilidade da Grã-Bretanha, a república de Espanha não teve
outra alternativa senão angariar armamento através de agentes de
venda ad hoc - um processo tão terrivelmente caro e ruinoso como
ineficiente.
Graças à ajuda dos governos alemão e italiano, os militares rebel­
des não enfrentavam tais dificuldades. A prodigalidade de Hitler e de
Mussolini era, acima de tudo, motivada por razões de ordem estraté­
gica: ao apoiarem os rebeldes, procuravam destruir a república e, com
isso, afastar o perigo de um bloco liberal de esquerda franco-espanhol
que pudesse criar obstáculos aos objectivos da sua política externa
expansionista. A ideologia também desempenhou, aqui, o seu papel.
No entanto, o discurso anticomunista usado pelos ditares fascistas
para justificar a sua intervenção em Espanha assumia uma importante
função estratégica, ao permitir neutralizar a oposição britânica ao seu
crescente envolvimento. O grau de sucesso desta estratégia ao longo
da guerra haveria de surpreender os próprios líderes nazis e fascistas,
que não conseguiam compreender por que razão haviam os britânicos
decidido não reagir à sua jogada implícita: enfraquecer a Grã-Bretanha
e a França enquanto potências imperiais dominantes. Porque, antes de
mais, Hitler e Mussolini viam a sua intervenção em Espanha como uma
forma eficaz de alterar o equihbrio de poder na Europa.
{60}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
No final de Outubro de 1936, as forças rebeldes do sul estavam às
portas de Madrid. A sua aproximação tinha sido adiada devido a um
desvio, na última semana de Setembro, para reforçar o cerco à guar­
nição de Toledo. Isto valeu a Franco o estatuto de supremo coman­
dante militar e político (Generalísimo) da Espanha rebelde. Franco
transformou a tomada de Toledo num valioso golpe publicitário,
reencenando-a para as câmaras de filmar que mostraram aos espec­
tadores de cinema de todo o mundo as imagens do Generalísimo vito­
rioso em passeio sobre o entulho. Além disso, Toledo era também um
local de enorme importância simbólica para a direita espanhola. Na
Idade Média, fora, em toda a Península Ibérica, a primeira cidade sob
domínio árabe a ser conquistada pelas forças cristãs, facto que con­
feriu uma ressonância acrescida à decisão de para lá divergir. Assim,
a decisão tomada por Franco resultou claramente de considerações
políticas, já que é difícil discernir a sua relevância militar. De facto, ao
adiar o avanço sobre Madrid, Franco ofereceu aos republicanos um
tempo precioso para organizarem a defesa da capital.
Nesse aspecto, o apoio militar deúltimahora oferecido pela União
Soviética foi crucial. Uma vez obtida a concordância de Estaline, em
meados de Setembro, o material de guerra chegou à frente madri­
lena mesmo a tempo de ser empregue nos combates de Novembro.
Até então, a União Soviética tinha-se mantido impassível. Moscovo
ignorou um pedido inicial de ajuda feito pelo governo republicano em
Julho, assim que Madrid se apercebera de que a França estava prestes
a voltar com a palavra atrás. Mesmo assim, o apelo fora feito mais em
desespero de causa do que com quaisquer expectativas de sucesso, já
que não havia propriamente canais diplomáticos através dos quais
o pedido de ajuda pudesse ser encaminhado. Apesar de a república
ter reconhecido a União Soviética emJunho de 1933 - foi o primeiro
governo espanhol a fazê-lo - , ainda não tinha havido qualquer inter­
câmbio de representantes diplomáticos quando os militares se suble­
varam, emJulho de 1936.
Quando aconteceu o golpe, a União Soviética apressou-se a
apoiar a política de não intervenção preconizada pela Grã-Bretanha e
pela França. Dadas as enormes convulsões económicas, sociais e polí­
ticas no interior da União Soviética, Estaline estava, à semelhança dos
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
{61}
decisores políticos britânicos, pouco preocupado com a manutenção
de um cenário internacional estável. Além do mais, tendo em conta
que o seu maior receio era uma Alemanha nazi expansionista, tam­
bém não tinha vontade alguma de alienar a Grã-Bretanha ao apoiar a
república de Espanha. Pelo contrário, em 1936 os soviéticos já procu­
ravam activamente uma aliança de defesa mútua com a Grã-Bretanha
e a França, uma política a que Estaline chamava de «segurança colec­
tiva», convencido de que as potências imperiais teriam, em breve, de
compreender que a maior e mais premente ameaça aos seus interesses
não residia no comunismo russo mas antes nas ambições territoriais
da Alemanha nazi. Durante algum tempo, as chefias soviéticas tam­
bém pensaram que a não intervenção, caso funcionasse, poderia ser a
hipótese mais favorável à república. Estaline sabia que, a verificar-se
uma escalada da guerra em Espanha, seria muito difícil a república
resistir a longo prazo, mesmo se conseguisse obter armamento estran­
geiro, uma vez que defrontava forças rebeldes apoiadas directamente
pelos regimes da Itália fascista e da Alemanha nazi, que usufruíam da
estrutura militar e industrial mais sofisticada daquela época.
No entanto, rapidamente se tornou óbvia a ineficácia da não
intervenção, e Estaline percebeu que, a não ser que se fizesse alguma
coisa, a república ia sucumbir ao embate. Se isso acontecesse, o poder
de fogo nazi podia ser canalizado para leste - em direcção às vulne­
ráveis fronteiras soviéticas. Para o evitar, Estaline correu o risco de
desagradar aos britânicos e enviou alguma ajuda militar. Todavia, na
tentativa proteger o acalentado objectivo de uma aliança defensiva
com a Grã-Bretanha e a França, a ajuda militar soviética à república,
ao contrário da humanitária, nunca foi confessada. O silêncio da
imprensa soviética a este respeito era contrastante com a atitude das
suas congéneres alemã e italiana; a imprensa italiana, em particular, foi
inundada com notícias sobre a «viril» actuação fascista em Espanha.
A ajuda da União Soviética salvou a república espanhola de uma
derrota militar quase certa em Novembro de 1936. Os seus tanques
e condutores, assim como a pequena corte de técnicos e conselhei­
ros militares, prestaram um serviço valioso, mas o mais importante
foram os aviões e os experientes pilotos soviéticos, que conferiram
à república a superioridade em meios aéreos durante a disputa de
{62}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Anónimo espanhol, r937.
Madrid, repercutida ao longo do Inverno de 1936. O poderio aéreo
rapidamente se tornou vital, tendo permitido que, nas ocasiões em
que caía em vantagem, a república conseguisse alcançar algumas raras
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
vitórias - como a de]arama, nas imediações de Madrid, em Fevereiro
de 1937, ou a de Guadalajara, 50 quilómetros a nordeste da capital, em
Março. Como consequência dessas batalhas, a capital conseguiu resis­
tir aos exércitos de Franco. Os rebeldes sofreram uma grande derrota,
que transformou Madrid num símbolo internacional de resistência
antifascista. De toda a Europa, e não só, chegavam artistas e escrito­
res, para participar na mobilização cultural que constituía uma parte
importantíssima do esforço de guerra republicano. Todos eles com­
preendiam que se tratava da linha da frente de uma guerra cultural
mais vasta: se o fascismo triunfasse, extinguir-se-ia a possibilidade de
produzir cultura de forma livre.
Muitos antifascistas também se dirigiam a Espanha para lutar.
A disputa de Madrid envolveu combates intensos e muitas baixas,
sobretudo entre as Brigadas Internacionais, que eram atiradas para a
frente à medida que os exércitos rebeldes chegavam à capital. As Bri­
gadas eram constituídas por soldados voluntários de esquerda. Mais
de 35 mil lutaram pela república espanhola entre 1936 e 1939 - com o
número médio de efectivos a rondar os 12 a 16 mil (este último valor
apenas se registou no auge do recrutamento, na Primavera de 1937).
Os voluntários chegavam de todo o mundo, mas a maior parte era de
origem europeia. Até mesmo nos dois contingentes da América do
Norte - Estados Unidos e Canadá, com 3000 e 1600 efectivos, res­
pectivamente - , a maioria eram emigrados europeus ou descenden­
tes de emigrados.
Uma grande parte daqueles que foram combater pela república de
Espanha (viessem ou não da Europa) eram exilados políticos. Muitos
vinham não só da Alemanha, Itália e Áustria, mas também de muitos
outros países europeus igualmente dominados por ditaduras nacio­
nalistas de direita, monarquias autocráticas ou pela direita radical
(fascista) - incluindo a Hungria, a Jugoslávia, a Roménia, a Polónia
e a Finlândia. De facto, é impossível compreender as Brigadas Inter­
nacionais enquanto fenómeno histórico sem ter em conta as suas ori­
gens na diáspora europeia. Os elementos das Brigadas faziam parte
de uma massa migratória de pessoas - sobretudo de classes trabalha­
doras urbanas - que já tinham abandonado os seus países de origem
algures após a Primeira Guerra Mundial, quer por razões económicas,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
quer para fugir à repressão política (frequentemente por ambas as
razões). Entre os voluntários canadianos, por exemplo, havia muitos
finlandeses que tinham fugido à repressão desencadeada pelo líder
nacionalista Mannerheim após a guerra civil de 1918. Houve mesmo
um canadiano de origem finlandesa que declarou ter ido combater
para vingar a sua irmã, que tinha sido morta pelos brancos (nacionalis­
tas) durante essa guerra.
Ao lutarem contra o fascismo em Espanha, esses exilados e emi­
grados estavam, então, a acertar velhas contas que remontavam à
guerra de 1914-18, cujas sequelas tinham endurecido a esfera política,
conduzindo ao advento dos nacionalismos antidemocráticos que os
arredaram pela força. O internacionalismo de esquerda era também
um modelo político consolidado, de forma assaz natural, pela vivência
em diáspora dos próprios exilados, além de representar um poderoso
antídoto contra os modelos políticos assassinos (no sentido literal)
que haviam tomado conta dos seus países. Com a crise económica
dos anos 30, as posições extremaram-se. Ao parecerem anunciar o
colapso de uma economia capitalista insustentável que a direita ainda
defendia, o desemprego em massa e as privações - especialmente
nas zonas urbanas - aceleraram a polarização política. Os membros
das Brigadas sentiam que, ao combater os militares rebeldes e os seus
apoiantes fascistas em Espanha, estavam também a desferir um golpe
contra a opressão económica em todo o continente. Tinham, por isso,
bast ante consciência de si próprios enquanto soldados políticos de
uma guerra civil em curso na Europa.
Esta guerra civil europeia era também, à semelhança da espa­
nhola, uma guerra de culturas. Tal como os militares rebeldes, tam­
bém a direita radical no resto da Europa dirigia a sua violência contra
os indivíduos social, cultural e sexualmente diferentes. Esta forma de
fazer política emergia de um choque profundo de valores e de modos
de vida - rural contra urbano; tradição contra modernidade; hierar­
quia social vincada contra modelos políticos mais brandos e igualitá­
rios - as mesmas tensões que agora despontavam em Espanha.
Por ser uma guerra civil europeia entre culturas, esta era também
uma guerra entre raças. Não se tratava apenas do nazismo alemão;
muitos dos regimes a que os elementos das Brigadas tinham fugido
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
{65}
depois de 1918 desenvolveram modelos políticos baseados na segre­
gação étnica e na «purificação» - contra minorias raciais e não só.
Havia muitos voluntários judeus nas Brigadas - cerca de um quarto
do total, incluindo uma grande quantidade de elementos oriundos
da Polónia. No interior do batalhão polaco foi formada uma compa­
nhia exclusivamente judia, com assinalável adesão internacional. Esta
companhia recebeu o nome de um jovem comunista judeu, Naftali
Botwin, morto na Polónia em 1925, e alguns dos seus membros viriam,
mais tarde, a combater ao lado da Resistência Francesa. A sua ban­
deira ostentava a frase «pela nossa liberdade e pela vossa», em iídiche
e polaco na face da frente, e em espanhol na face de trás. Contudo,
a maioria dos judeus que combateram em Espanha fizeram-no nou­
tras unidades, e muitos consideravam o antifascismo como um traço
de identidade pessoal mais importante do que a origem judaica. Ao
lutarem contra o fascismo em Espanha, os elementos das Brigadas
estavam a resistir simultaneamente a muitas formas violentas de
exclusão social e política. Do mesmo modo, aqueles que foram perse­
guidos e encarcerados nos primeiros campos de concentração nazis,
instituídos em 1933, eram alemães dissidentes, diferentes, marginais
- política, social, cultural ou sexualmente. Os voluntários alemães
das Brigadas Internacionais levaram para Espanha pelo menos uma
canção - Die Moorsoldaten (Os Soldados do Pântano}, escrita por um
recluso dos primeiros campos nazis.
Assim, a heterogeneidade das Brigadas, quer em temos raciais
quer culturais, transformou-as numa forma viva de oposição às ideias
de purificação e de brutal categorização advogadas pelo fascismo e,
sobretudo, pelo nazismo. Mas não se tratava apenas de um confronto
com demónios europeus.
A Brigada Abraham Lincoln, na qual combateram 90 soldados
afro-americanos, foi a primeira unidade americana não segregativa de
sempre - embora o exército dos Estados Unidos tenha continuado a
praticar o segregacionismo durante toda a Segunda Guerra Mundial.
Segundo esta óptica, as Brigadas Internacionais simbolizaram um
certo espírito de possibilidade futura, e foram, embora com muitas
imperfeições e de modo não consciente, o exército da modernidade
cultural cosmopolita.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
{66}
Oliver Law, o comandante afro-americano
da BrigadaAbraham Lincoln,foi morto em
combate durante a Batalha de Brunete, em
Julho de 1937- Foi oprimeiro comandante
militar na história dos Estados Unidos a
liderar uma unidade de tropas onde não
havia segregação racial
Estas aspirações igualitárias dariam consistência à ideia do com­
bate republicano durante a guerra civil como «última grande causa»,
como linha da frente na luta por um modelo político mais justo e
inclusivo, dentro e fora da Europa. A sobrevivência desta ideia para
além da derrota republicana tornou-se possível, quanto mais não seja
pela extraordinária camaradagem e solidariedade que muitos dos
voluntários estrangeiros - entre soldados e pessoal médico - expe­
riment aram em Espanha e levaram consigo, sob a forma de recorda­
ção inflamada e transformadora. O poeta Edwin Rolfe, que integrara
a Brigada Lincoln em Espanha recordou a Guerra Civil, quando se
preparava para combater na Segunda Guerra Mundial:
Estou ansioso por participar, ansioso por pôr-lhe fim.
Talvez esta venha a ser a última.
{...}
Porém, o meu coração está para sempre cativo daquela outra guerra
que me ensinou, pela primeira vez, o significado da paz e da camaradagem
e penso sempre no meu amigo que, por entre a aparição das bombas,
viu no lírico lago o cândido e perfeito cisne.
«First Love», 1943
Precisamente devido ao facto de terem servido como tropas de
choque da república, as Brigadas sofreram muitas baixas, em especial
nas etapas iniciais da guerra. O contingente britânico foi dizimado na
Batalha de ]arama, em Fevereiro de 1937, na qual os Lincolns sofre­
ram igualmente perdas brutais. Por outro lado, também não havia em
Espanha, no início, muita experiência em lidar a uma tal escala com
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
as mortes e os ferimentos no campo de batalha. A aprendizagem fez­
-se quase em paralelo. A ajuda do pessoal médico voluntário foi cru­
cial - médicos e enfermeiras cujo apoio e angariação de fundos para
material terapêutico e humanitário fez parte integrante da solidarie­
dade progressista de esquerda para com a república em guerra. No
entanto, os benefícios foram mais do que recíprocos: desta colabo­
ração resultaram avanços no tratamento de emergência dos feridos
em combate - particularmente ao nível da triagem e das transfusões
de sangue - , que viriam a ser extremamente úteis durante a guerra
mundial que se seguiu.
Também se registaram outros progressos, embora de carácter
mais ambíguo. Salaria Kea, uma enfermeira do departamento médico
americano, e T hyra Edwards, uma voluntária que prestava apoio às
colónias de crianças refugiadas montadas pelo governo republicano,
eram mulheres afro-americanas que prest aram serviço em Espanha
- as duas únicas a fazê-lo. Porém, quando se candidatou ao lugar
de condutora de ambulâncias, uma outra jovem - Evelyn Hutchins
- deparou-se com a força do preconceito. Apesar de disposta a esti­
mular a equidade racial, a esquerda só conseguia conceber a ideia de
recrutar mulheres para Espanha como enfermeiras ou pessoal de
apoio. Geralmente, as mulheres não eram chamadas a prestar ser­
viço voluntário na república de Espanha, a não ser para desempenhar
funções tidas como adequadas à luz das normas de género comuns
- e, por isso, socialmente conservadoras - daquela época. Depois
de 1945, a recordação desta experiência levaria as mulheres afectas ao
movimento comunista norte-americano a desafiar a postura do par­
tido em relação às questões de género. Isso contribuiu para um debate
mais al argado que, por sua vez, conduziu, nos anos 60, ao movimento
da Nova Esquerda, que era culturalmente mais consciencioso. Assim,
a «boa luta», como os elementos da brigada americana designavam o
esforço para salvar a república espanhola, implicou mais do que um
tipo de combate.
O eixo organizacional das Brigadas Internacionais foi, desde
o início, fornecido pelo movimento comunista europeu. Nos anos
30, este movimento era, de longe, a frente mais activa e dinâmica de
oposição organizada ao fascismo, aliciando, por isso, grandes fatias
{68]
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
J
Espert / Biones, 1937.
do eleitorado esquerdista e liberal. Em nenhum outro aspecto isto foi
tão evidente como em relação à solidariedade para com a república
de Espanha. As organizações comunistas estiveram na vanguarda da
campanha pelo levantamento da não intervenção. Aqui, a sua proe­
minência também derivou da posição ambígua da social-democracia
europeia, cujos partidos políticos e sindicatos ainda eram bastante
influenciados por correntes de sentimento pacifistas e antiguerra
resultantes da experiência de 1914-18. Inicialmente, isto levou a que
muitos apoiassem a política de não intervenção. Mesmo depois de
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
terem percebido que tal política era prejudicial à república, as lide­
ranças socialistas europeias mantiveram-se relutantes em desafiar os
seus governos quanto à legalidade da não intervenção.
A matéria-prima humana para as Brigadas foi rapidamente cana­
lizada pelo Comintern (Internacional Comunista), sobretudo sob
os auspícios do Partido Comunista Francês (PCF), que também dis­
ponibilizou o maior de todos os contingentes nacionais às Brigadas
- mais de 9000 voluntários ao longo de toda a guerra. O aconteci­
mento que galvanizou as acções de recrutamento do Comintern foi,
sem dúvida, a decisão tomada pela União Soviética, em Setembro de
1936, no sentido de fornecer alguma ajuda militar à república.
Assim, as Brigadas Internacionais foram uma das componentes
do planeamento reactivo de emergência de Estaline. A Internacio­
nal Comunista proporcionou os meios organizacionais indispensá­
veis que possibilitariam canalizar sistematicamente para Espanha os
meios técnicos e militares da esquerda internacional, de modo a impe­
dir a derrota da república no Outono de 1936. Apesar da arriscada
situação militar que a república atravessava naquela altura, o governo
foi um interlocutor difícil durante as negociações que deram origem
às Brigadas Internacionais, em Outubro de 1936. O comando militar
republicano e muitos dos oficiais do exército ao serviço da república
eram hostis às Brigadas, quer por chauvinismo, quer por orgulho
profissional. Em 1937, à medida que a reconstrução de um exército
republicano integrado ia avançando, começou a gerar-se uma força
indelével de atracção, que levou a que estas fossem integradas nas
suas fileiras, no Outono desse ano. Esse processo também significava
que as Brigadas, apesar de manterem a sua identificação numérica, se
estavam a tornar cada vez menos «estrangeiras» à medida que a guerra
evoluía. Isto porque havia uma política concertada, no sentido de as
manter sob comando de conscritos espanhóis - um processo que se
acelerou quando a angariação de novos elementos entrou em declí­
nio, depois do pico registado nos primeiros meses de 1937.
Por todas estas razões, é um erro reduzir o complexo fenómeno
histórico das Brigadas Internacionais à fórmula simplista de um exér­
cito do Comintern. Estaline não podia mandar cidadãos europeus
combater pela república de Espanha da mesma maneira que Hitler
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
e Mussolini podiam recrutar (e recrutara m) alemães e italianos. O s
e a urgência em organizar de fesas civis começaram a forjar um novo
eleme ntos das Brigadas que foram par a Espanha eram voluntários,
sentido comunitário repu blican o face à adversidade. Em 1936, este
e, co mo sugere o contexto histórico e sociológico atrás resumido, os
fenómeno circunscrevia-se à região de Madrid; ao longo dos dois anos
seus motivos eram tão complexos e enraizados na exp eriência pessoal
seguintes, a guerra haveria de chegar, sucessivamente, a outras partes
como os daqu eles que primeiro se voluntariaram pela república (em
do território republicano. Foi assim que, gradualmente, as várias for­
Julho e Agosto de 1936), que tinham ido para Espanha por iniciativa
individual. Uma vez chegados, todos os voluntários eram submetidos
à disciplina militar. S e assim não fosse, teriam sido completamente
inúteis à república, embora para alg uns - mesmo no interior das Bri­
gadas - essa disciplina se tornasse exasperante, precisamente pelo
facto de se terem alistado como voluntários. S em dúvida que este sen­
timento de desilusão resultava em parte da perturbadora tomada de
consciência de quão mal preparados estavam para enfrentar as duras
co ndiçõ es de co mb ate e m Espanha - especialme nte por causa do
armamento antiquado que eram obrigados a usar, graças à política da
não intervenção.
Uma vez que a principal função dos quadro s da Internacional
Co munista era a de impor disciplina nas Brigadas, havia muitas ques­
tões materiais que provocavam desentendimentos, para não falar da
cultura organizacional e política excessivamente rígida e doutrinária
que funcionava no interior do C omintern. Esta rigidez haveria de
agudizar-se ao lo ngo da guerra, em parte como reacção à capacidade
inev itavelme nte muito limitada da Internacio nal para influe nciar
os resultados militares em Espanha. Por outras palavras, o zelo oti a
postura «politicamente correcta» de muitos relatores do Comintern
era m, fr e que ntem ente , um a de fe sa co ntra poss íveis acusaçõ es de
incompetência técnica ou organizacional levantadas pelo seu próprio
corp o execut ivo ou pelas chefias soviéticas. Em suma, a ri gidez era
um sintoma de fraqueza, não de força.
No O utono e no Inverno de 1936, a guerra não entrou apenas no
espaço físico de Madrid e nas mentes dos soldados - espanhóis ou não
- que combatiam na frente principal, mas também na consciência da
população civil da cidade. Isto verificou-se pela primeira vez durante
a exp eriência dos bombardeamentos aéreos. Foi a 28 de Agosto que a
população de Madrid sofreu os primeiros raides aéreos - na verdade
os primeiros a terem lu gar na Euro pa. O próprio bomb ardeamento
mas de identidade republicana se começaram a aglomerar, em resul­
tado da própria guerra - quer esta fosse vivida às portas de casa ou na
frente de combate.
As mortes violentas ocasionadas pelo conflito , especialmente
as que ocorriam em co mbate , também moldaram o «si gnificado » da
guerra para ambos os lados. As identidades franquistas puderam ser
mais facilmente consolidadas a partir de 1939, ao passo que as republi­
canas, estilhaçadas pela derrota, foram, consequentemente, confina­
das a espaços privados e subterrâneos. A grande compressão temporal
na emergência das identidades republicanas durante a guerra confere­
-lhes uma aparência fortuita, subjectiva e frágil, embora isso não nos
permita considerá-las menos reais do que as outras formas de identi­
dade nacional.
A guerra também trouxe consigo muitos refugiados - primeiro
para Madrid, depois para outras localidades. A primeira grande vaga
veio do sul, no Verão de 1936, em fuga ao exército africano de Franco.
Primeiro, no O utono, passou por Madrid e depois, acrescida de mais
re fugiados da ca pit al sit iada , av a nç ou para B arcelo n a e Val ên cia
- cidades onde a guerra era ainda um rumor distante. O s refugiados
foram responsáveis por um êxodo populacional acelerado, prota go­
nizando, por conseguinte, uma forma de mudança social. Além dos
traumas específicos do desalojamento em tempo de guerra, a súbita
mudança das populaçõ es pobres do sul para os meios económica e
culturalmente mais desenvolvidos do nordeste de Espanha produ ziu
um grande cho que cultural. Apesar de os mais atingidos terem sido
os re fugiados, este cho que afec tou todas as partes, co mo demo ns ­
tram os relatórios das missõ es humanitárias dos quakers em Barcelona
e Valência. Um deles, escrito em Maio de 1937, descreve os refugia­
dos do sul como «selva gens», «meio-mouros » e apreensivos e m rela­
ção a «listas», com medo do que a sua identificação pelas autoridades
públicas ou do estado pudesse implicar.
[72}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Montra de uma loja na Espanha republicana (Valência, Outubro de 1937),
que mostra como alguns símbolos políticos-chave - a encarnação da segunda
república como umajovem e bela mulher (la nina bonita} - efiguras icóni­
cas como o líder anarquista Buenaventura Durruti, morto em 1936 nafrente
madrilena,foram incorporados na cultura popular.
À medida que o exército rebelde se entrincheirava para cercar o
perímetro de Madrid, o conflito transformava-se numa longa guerra
de desgaste contra a república. Hitler e Mussolini reconheceram a
Espanha rebelde em Novembro de 1936. No entanto, as batalhas épi­
cas em redor de Madrid mostravam-lhes - em particular a Mussolini
- que só um crescimento massivo do apoio alemão e italiano poderia
garantir a vitória de Franco. Hitler incentivou Mussolini a tomar a ini­
ciativa. E fê-lo até ao ponto de comprometer a eficácia militar italiana
na Guerra Mundial. A ajuda alemã a Franco também aumentou, mas
centrou-se qualitativamente na tecnologia de armamento, nos equi­
pamentos e no poderio aéreo. A proporção do apoio de Mussolini, em
termos de armamento e de forças de combate (75 mil homens), foi tal
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
[73}
que pode dizer-se que, a partir de Março de 1937, a Itália entrou em
guerra contra a república de Espanha.
A escalada da guerra e a manifesta vantagem militar e diplomática
rapidamente conferida aos rebeldes também produziu transforma­
ções políticas profundas no interior da república espanhola. Come­
çara a corrida para a construção do estado e de uma máquina de guerra
moderna - a única forma pela qual a república seria agora capaz de
resistir ao inimigo militar. O maior desafio era reconstruir o exército.
O golpe tinha desfeito a unidade do exército e o comando republicano
teve de ser praticamente começado de raiz. A deficiente distribuição
e escassez de material eram aflitivas, agravadas pelo impacto da não
intervenção. A oposição, de carácter político, à militarização entre os
combatentes das milícias não era uma questão particularmente rele­
vante nas regiões onde estes já tinham participado na luta contra as
forças de Franco, nomeadamente nas frentes principais em redor de
Madrid. Muito mais séria era a permanente desconfiança dos milicia­
nos em relação aos militares profissionais do exército - em si mesma
pouco surpreendente à luz do golpe. Esta desconfiança tornou crucial
o novo cargo de comissário político. Os comissários eram nomeados
por todas as organizações políticas republicanas, e o seu trabalho
consistia em explicar o fundamento lógico das ordens militares, em
assegurar, na prática, o bem-estar das suas tropas e em recordá-las da
razão de ser da guerra. Os oficiais que permaneceram fiéis à república
eram, amiúde (embora nem sempre), desdenhosos da inexperiência
das milícias, e esta mentalidade rígida e fechada fez com que, nos pri­
meiros meses, tenham sido muitas vezes incapazes de tirar o melhor
partido delas.
No Inverno de 1936, também se perdeu algum tempo vital para a
reorganização militar pelo facto de os responsáveis políticos da repú­
blica não se terem apercebido suficientemente depressa da natureza
da guerra que eram chamados a travar. As tensões políticas entre o
centro e a periferia causaram mais alguns impasses, numa altura em
que isso era um luxo a que ninguém se podia dar. Até mesmo as tímidas
tentativas de promover a centralização do controlo dos recursos e do
planeamento de guerra deram origem a conflitos debilitantes entre o
governo central republicano e a emergente autoridade regional basca,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
no norte, controlada pelo Partido Nacionalista Basco (PNV), que
ambicionava direitos de soberania e se opunha a todas as tentativas
de sujeitar a indústria ou as unidades militarizadas de combate bas­
cas ao controlo central republicano. Quando apareceu um governo
republicano mais duro e disposto a forçar o assunto, a frente basca já
estava sob fortes ataques das forças de Franco. Acabaria por cair no
Verão de 1937, privando a república de recursos vitais para a indústria
pesada e reduzindo significativamente as suas hipóteses de, no ime­
diato, vencer a guerra em termos militares.
O colapso da frente basca ocorreu precisamente quando a reor­
ganização militar republicana estava a começar a confluir. A Batalha
de Brunete, nas imediações de Madrid, emJulho de 1937 - prova­
velmente a batalha mais sangrenta de toda a guerra - , assinalou
o momento da definição: o advento do poder de fogo da república.
Mesmo assim, o seu grau de eficácia era constantemente limitado
devido ao facto de o material de guerra ficar retido na fronteira fran-
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
EI coróder fundomentol de lo
Conferencio lnternocionol de
Mujeres fué lo de lo lucho con'tro lo guerro
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"
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iPASO a LA MUJER!
Anónimo, 1937.
A mobilização política dosjovens na Espanha republicana tambémfez parte de um processo mais
amplo de mudança social e cultural
cesa, em resultado da política de não intervenção. No final do Verão,
já se encontravam bastante adiantados os esforços de constituição de
um corpo do exército republicano inteiramente dedicado a formas
inovadoras de guerrilha para lá das linhas rebeldes. Apesar de este ser
maioritariamente composto por soldados espanhóis, houve também
um contingente das Brigadas Internacionais a participar na guerrilha
desde o seu começo, no início de 1937. Muitos desses elementos eram
de origem finlandesa, incluindo canadianos e um norte-americano,
Bill Aalto. Este jovem de 22 anos, oriundo das classes trabalhadoras
do Bronx, tornou-se capitão da guerrilha e, mais tarde, em 1938, par­
ticipou num importante raide dos comandos, que constituiu a única
operação do género alguma vez realizada pelo exército espanhol (ver
capítulo 5). Alguns anos depois, Irv Goff, camarada de armas de Aalto
e interveniente nessa acção dos comandos, viria a ter a oportunidade
de aplicar as tácticas aprendidas em Espanha, quando, no decurso da
Segunda Guerra Mundial, foi lançado de pára-quedas pelos serviços
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
{77}
mática. Houve algumas mulheres a combater nas milícias e a participar
em formas sub-reptícias de luta, inclusive na guerrilha - geralmente
em funções de ligação extremamente perigosas. No entanto, a maior
parte das fotografias de mulheres milicianas de que dispomos não tes­
temunha nenhuma destas duras realidades: foram quase todas tiradas
na fase inicial do confüto e deixam transparecer o rótulo inconfundível
da guerra enquantofiesta. São imagens altamente coreografadas, con­
cebidas para maximizar o efeito decorativo dos sujeitos femininos. À
semelhança dos famosos cartazes de milicianas, eram sobretudo diri-
,,
Miliciana em M.adrid, no início da guerra.
especiais norte-americanos sobre a Europa ocupada, juntando-se às
forças de resistência por detrás das linhas do inimigo - o único tipo
de serviço para o qual o governo americano não discriminava acti­
vamente cidadãos que tivessem combatido ao lado da república de
Espanha.
O imperativo da guerra também acelerou o processo de mobili­
zação de massas - especialmente de mulheres e jovens - na frente
republicana, iniciado no período pré-guerra. Esse processo, por sua
vez, constituiu uma forma de modernização social e política. Foram
recrutadas mulheres em larga escala para trabalharem na indústria
de guerra, o que envolveu formação prática e melhorou o seu nível
de instrução, além de permitir uma exposição a alternativas cultu­
rais que trazia consigo um potencial transformador das relações de
género - um dos muitos potenciais culturais que se perderam com a
derrota republicana.
A trabalhadora de guerra republicana foi a expressão real da «nova
mulher» na Espanha dos anos 30.Já a imagem mais familiar - que se
tornou mesmo um clichê - da miliciana vestida de azul é mais proble-
Trabalhadora republicana durante a guerra.
Uma aula de alfabetização para soldados republicanos.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
gidas a um público masculino (no caso dos cartazes, tratava-se de um
mecanismo de recrutamento activamente pensado para persuadir esse
público a voluntariar-se para o serviço militar).
A mobilização republicana, como qualquer outra forma moderna
de mobilização para a gu erra, assentava sobretudo no alistamento
prático e psicológico, funcionando, assim, como um agente impor­
tante de mudança social e cultural. Por volta do final de 1937, era já
bem sentido o impacto da conscrição.
Com vista à construção do exército republicano, muitos jovens
foram levados dos meios rurais para receberem treino, o que também
envolvia campanhas de alfabetização e de sensibilização para a saúde
pública. Num país como Espanha, com níveis de instrução muito bai­
xos entre a maioria da população rural, estes foram aspectos cruciais
no processo construtivo da nação. Mais uma vez, o papel dos comis­
sários políticos foi fundamental. Da intensa experiência da linha da
frente - combate, camaradagem e sofrimento comum - haveria de
emergir uma consciência especificamente republicana entre muitos
combatentes que nunca tinham partilhado afinidades políticas antes
da guerra.
R.A., 1937-
RiveroGil
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
Outro factor importante para o sucesso da república em chegar
às pessoas foi o seu impressionante repertório de técnicas de propa­
ganda inovadoras. Note-se, em particular, a forma como a mobiliza­
ção cultural republicana assistiu ao aparecimento da fotomontagem
como arma de gu erra. O material era fornecido por figuras cimei­
ras da vangu arda europeia - como o artista alemão exilado John
Heartfield, autor da famosa montagem Eles Não Passarão, que mos­
tra abutres fascistas e nazis sobre o horizonte de Madrid, mantidos
à distância pelas baionetas antifascistas. Contudo, havia também
muitos espanhóis autores de uma inovadora arte de guerra, inclusive
com uma forte componente de fotomontagem modernista - como,
por exemplo, o artista valenciano Josep Renau, nos seus cartazes e
colagens (durante a guerra, Renau foi também director de belas-artes,
um cargo importante que lhe conferia a responsabilidade de prote­
ger os tesouros artísticos nacionais de danos causados pelos bombar­
deamentos). A fotomontagem é um formato que distingue claramente
a arte de guerra republicana da que era produzida em território fran­
quista. Ambos os lados dispunham de artistas e propagandistas que
trabalhavam de acordo com tradições figurativas, e ambos recorre­
ram a imagens mecanizadas e modernistas para evocar admiráveis
ordens novas (o soldado heróico no famoso cartaz republicano sobre
alfabetização - ver pág. 168 - bem podia ser uma imagem fascista,
embora a legenda clarifique que não é). Todavia, a fotomontagem era
uma técnica que a produção franquista não podia incorporar, uma
vez que tinha fortes conotações internacionalistas e cosmopolitas.
Os seus impetuosos contrastes quebravam as regras de composição
formal e transformavam o imediatismo e a contingência em virtudes.
Enquanto suporte, a fotomontagem também se prestava à reprodu­
ção mecânica. Era exactamente isso que a direita tinha em mente
quando falava em «degenerescência» e «bolchevismo cultural».
Porém, apesar dos valores culturais e das ideologias políticas
substancialmente diferentes em que se ancoravam a Espanha republi­
cana e a Espanha franquista, assistiu-se, durante a guerra, à progres­
são e aceleração comuns de um processo de mudança social. A grande
expansão da Falange (fascista) e do Partido Comunista Espanhol
exerceu funções comparáveis nos dois lados, ao incorporar sectores
{80}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
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Comboio de propaganda republicano com insígnias antifascistas.
Poema mural em Madrid, no Outono de r937, cele­
brando asforças republicanas no norte (Astúrias).
anteriormente desmobilizados da população (em especial mulheres
e jovens) no esforço de guerra e, consequentemente, no estado e no
espaço público. Na Espanha republicana, um dos factores da atracção
que o movimento comunista espanhol exercia, durante a guerra, sobre
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
{81}
grupos sociais tão díspares era a popularidade acrescida da União
Soviética, que, por ter sido o único grande país a quebrar o isolamento
internacional que asfixiava a república, havia proporcionado um
poderoso estímulo ao moral das populações. Reinava um sentimento
generalizado de optimismo, segundo o qual ali estava um país pode­
roso cujo apoio diligente podia permitir que os republicanos vences­
sem a guerra. Foi por isso que, durante algum tempo, as cerimónias
comemorativas, a retórica e a iconografia que celebravam a solidarie­
dade soviética para com a república conquistaram a adesão popular.
A União Soviética tornou-se a moda daquela estação. No Inverno de
1936-37, instalou-se em Madrid a febre dos chapéus russos e das insíg­
nias de todos os tipos. As revistas femininas falavam da moda e dos
penteados russos como sendo o último grito em elegância.
No entanto, esta atracção generalizada e a envolvente decorativa
que a acompanhava tinham pouco a ver com marxismo-leninismo, ou
até mesmo com ideologia política de qualquer espécie. Por isso, parece
não fazer sentido falar, como alguns comentadores têm feito, de sovie­
tização da política e da sociedade republicanas. É mais exacto afirmar
que o sentimento popular em relação à União Soviética era de uma
natureza bem diferente, na medida em que esta era encarada como um
ícone de modernidade. Este fenómeno tivera uma certa precedência
na Espanha dos anos 20, quando alguns eleitorados urbanos progres­
sistas, embora não necessariamente com intencionalidade política, já
associavam a União Soviética à modernidade tecnológica e cultural
- o que não difere muito da forma como, na Espanha do pós-guerra,
muitos grupos sociais viriam a projectar nas imagens e nos produtos
norte-americanos a suas aspirações ao progresso e ao desenvolvimento
(como documenta o filme Bienvenido Mr. Marshall, realizado por Luis
G. Berlanga em 1953). Ao leitor ocidental do século XXI, a comparação
pode parecer contra-intuitiva, mas a percepção dos espanhóis dos anos
20 e 30 não passou, obviamente, pelo filtro da Guerra Fria. A constru­
ção da imagem da União Soviética e dos Estados Unidos apresentou
um elemento comum: a falta de modelos nacionais, isto é, espanhóis,
aos quais as pessoas se pudessem agarrar, embora, precisamente devido
à derrota republicana, tal carência fosse muito mais acentuada nas
décadas de 50 e 60 do que nos anos 20 e 30.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Durante a guerra, a corrida para construir o estado republicano
também produziu no governo central uma dinâmica contrária a todas
as manifestações de localismo que tinham emergido no rescaldo do
golpe - desde os comités de aldeia aos conselhos regionais (como o
famoso Conselho de Aragão), passando pelo próprio governo regional
da Catalunha. Em parte, essa dinâmica também era contrária aos secto­
res da esquerda radical que havi am advogado os modelos colectivizados
e cooperativos de que tinham proliferado na ressaca do golpe. Quem se
alinhou contra a esquerda radical não foram apenas os comunistas mas
também muitos sectores do partido socialista parlamentar e do res­
pectivo sindicato, diversos partidos republicanos e até mesmo alguns
ramos da anarco-sindicalista CNT É óbvio que não estavam apenas em
questão as entidades políticas propriamente ditas, mas a globalidade
dos eleitorados republicanos que elas representavam. Esta aliança era
uma forma de tentar restabelecer a coligação ampla, reformadora, libe­
ral e democrática de sectores operários e de classe média originalmente
criada com o nascimento da república, em 1931, depois restabelecida
após a vitória eleitoral de Fevereiro de 1936 e finalmente desintegrada
pelo golpe, emJulho do mesmo ano. A vitória desta ampla aliança ficou
simbolicamente selada em Maio de 1937, quando a lei e ordem republi­
cana triunfou sobre os protestos dos trabalhadores radicalizados e das
classes urbanas desfavorecidas nas ruas de Barcelona. Esses foram os
famosos Dias de Maio, em resultado dos quais tomou posse um novo
governo de guerra, liderado pelo parlamentar socialistaJuan Negrín.
Havia muitas razões para que a violência nas ruas tivesse eclodido
em Barcelona, muitas mais, na verdade, do que as que foram obser­
vadas pelo seu cronista mais famoso, George Orwell, que, devemos
ter em conta, não sabia ler castelhano nem catalão. Em Homenagem à
Catalunha, Orwell associa de imediato os combates a modelos antagó­
nicos de organização da sociedade e da política republicanas. Porém,
incorre em exagero quanto ao papel desempenhado pelos comunistas
catalães e espanhóis. Também infundada é a sua teoria da conspira­
ção, segundo a qual os Dias de Maio teriam sido, de alguma maneira,
deliberadamente provocados. Na realidade, as tensões sociais e polí­
ticas já estavam em crescendo naquela cidade desde o início de 1937.
O governo catalão, do qual os comunistas (em reduzida proporção)
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
{83}
LA MODA
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Alta costura moscovita:página de uma revistafeminina
madrilena durante a guerra
faziam parte, tinha vindo a reassumir, de forma gradual, os poderes
executivos que havia perdido para os comités de trabalhadores e sin­
dicatos no rescaldo do golpe militar.
Como parte deste processo, o governo reintroduziu forças de
mercado no abastecimento de bens alimentares à cidade, cujo efeito
prático foi a penalização das classes urbanas desfavorecidas, das pes­
soas que estavam na corda bamba desde 1931 por causa da contenção
orçamental e das políticas de ordem pública republicanas (ver capí­
tulo 1). A sua frágil condição económica foi também a mais afectada
pelos efeitos da guerra - que, em particular na Catalunha, acarretou
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
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NO DESPEROICIEIS
MUNI CIO N E S. VIVERES
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índices extremos de desemprego sectorial. Os mais pobres não dispu­
nham de meios para recorrer ao mercado negro nem tinham acesso
à crescente economia de troca de géneros, por serem, muitas vezes,
migrantes de outras regiões de Espanha e não terem, por isso, contac­
tos nas zonas rurais da Catalunha. Com a reintrodução do mercado
livre, perderam a rede de segurança dos comités de abastecimento da
CNT, que tinham sido a principal via de subsistência das classes des­
favorecidas de Barcelona durante os primeiros meses de guerra. Além
disso, e apesar das políticas governamentais de controlo de preços, a
inflação era galopante.
MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
{85}
No final de 1936, havia perto de 350 mil refugiados na Catalunha,
sem contar com os milhares de pessoas deslocadas não incluídos nos
números oficiais. No conjunto, a população catalã aumentara mais
de dez por cento. A pressão adicional sobre os custos da habitação
e dos bens alimentares foi maior nas zonas mais pobres dos centros
das cidades, onde os desajustamentos de um sistema rudimentar de
racionamento criaram uma crise de subsistência que motivou pro­
testos de rua nos primeiros meses de 1937 - nem mesmo as latas de
comida enlatada que George Orwell descobriu em montras de mer­
cearia refutam isto. Esses eram produtos de luxo que nunca podiam
contribuir para mitigar a escassez de comida - quanto mais não fosse
devido ao reforço governamental das regras de mercado livre.
Tal como antes da guerra, registavam-se cenas bem familiares,
com a polícia a dispersar protestos e a proteger estabelecimentos
comerciais das multidões famintas.
Além desta instabilidade económica, havia também a interven­
ção política hostil do governo catalão. Se a esta combinação proble­
mática juntarmos as tradições radicais de acção directa prevalecentes
entre os eleitorados da «vermelha» Barcelona, historicamente articu­
lados pela CNT, a explosão de violência nas ruas, em Maio de 1937,
torna-se inteiramente explicável. O que ateou a explosão foi a inicia­
tiva policial para expulsar o comité de trabalhadores das instalações
da central telefónica de Barcelona. Todavia, a força do impacto deri­
vou das acções que a polícia empreendia um pouco por toda a cidade,
com o objectivo de recuperar o controlo da ordem pública através do
desarmamento das patrulhas de trabalhadores que tjnham sido cria­
das logo após o golpe militar.
Depois da explosão de violência nas ruas, registaram-se muitos
combates políticos sectários, com consequências desastrosas: os
comunistas espanhóis e catalães envolveram-se em confrontos com
representantes do Comintern, o mais célebre dos quais foi o assassí­
nio de Andreu Nin, líder do POUM (Partido Obrero de Unificación
Marxista), um partido comunista dissidente sedeado na Catalunha.
Nin, que tinha vivido em Moscovo nos anos 20, fazia parte do círculo
interno bolchevique e chegara a ser secretário de Trotski. O líder
do POUM foi detido numa prisão clandestina. As prisões ilegais,
{86}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
ou checas , apareceram pela primeira ve z em território re publicano
durante o período caótico que se seguiu à revolta militar de Julho de
1936. Confr ontados com o colapso da ordem pública, o� part�dos
políticos, sindicatos e comités milicianos de esquerda haviam �nado
os seus próprios centros de detenção. No entanto , as checas tmham
sido erradicadas à me dida que as au toridades re publicanas recu pe­
ravam O controlo pol ítico ; na ver dade , a sua erradicação tinha sido
crucial para a credibilidade constitucional do governo. Por isso , o seu
reaparecimento , em 1936, constituiu um s ério revés. O escândalo das
detençõ es ilegais e dos assassínios , como o de Nin, intensificaram a
já considerável inquietação relativamente à ordem pública, motivada
pela violê ncia nas ruas. Tudo isto contribuiu para o aume�to d� � res­
são sobre O governo, no sentido de serem feitas remodelaçoes mm1ste­
riais e tomadas medidas de vigilância e de segurança mais rigorosas.
O facto de tamb ém ter havido elementos dos serviços secretos
sovi éticos envolvidos em actividades clandestinas durante os D ias de
Maio tem levado alguns comentadores a exagerar o grau de influência
política exercido pela União S oviética em território republicano. Por
isso , vale a pena recordar que durante a guerra ha via , nas pr incipais
cidades es panholas , a gentes secretos de todas as grandes potê ncias
- 0 que não constitui grande surpresa, tendo em conta que a Guerra
Civil de Espanha era universalmente considerada o centro nevrálgico
da política e da diplomacia internacionais.
A actividade dos serviços secretos soviéticos era claramente ins­
tigada por uma boa dose de desconfiança - quanto mais não fo sse
devido ao clima de medo gerado pela turbulê ncia política interna da
União S ov iética, mas tamb ém porque o seu corpo de funcioná rios
tendia a projectar os receios herdados da Guerra Civil Russa na situa­
ção espanhola e via sabotadores e inimigos internos em todo o lado.
Todavia, esses receios nem sempre fo ram infundados - o conflito
espanhol era, afinal de contas , uma guerra civil - e os serviços secre­
tos republicanos chegaram a desmantelar uma rede de informadores
franquistas em Barcelona, aquando dos D ias de Maio. Por outro lado,
a U nião S ovi ética não era a única potê ncia envolvida em assass ínios
políticos em Espanha. A polícia secreta italiana - a OVRA (Opera
per la Vigilanza e la Repressione Antifascista) de Mussolini - fo i
MOBILIZAR E SOBREVIVE
R: A REPÚBLICA EM GUE
RRA
quase de certeza responsável pela mor
te do líder anarquista italiano
Camillo Berneri e do seu secretário,
Francesco Barbieri, durante os
acontecimentos de Maio
em Barcelona. Um mê s
dep ois , a OVRA
também matou outros dois líderes an
tifascistas italianos exilados
em França - os irmãos C
ario e Nello Rosselli. E
no entanto , nunca
ninguém sugeriu que, p or
ser cap az de concretiz ar
esses assassínios
'
o regime italiano tinha algu
ma influê ncia indevida sobre O gov
erno
francês.
Nem toda a violência sectária regista
da durante os D ias de Maio
resultou das tensõ es no
movimento comunista internacional,
e nem
toda fo i p erpetrada p elos comunistas
esp anhóis. Na repú blic
a do
pré-guerra, muitos dos conflitos entre
organizações de esquerd
a aca­
baram em violência. A ch
egada da guerra não dissi
pou a memória des­
sas disp utas. D e facto , p
or estarem sobretudo e
m causa questões de
influê ncia p olítica, clien
telismos e rivalidades entre membro
s, a situa­
ção de guerra intensi ficou esses con
flitos na Esp anha rep ublicana.
Qua��o a violê ncia eclodiu em Barce
l na, o derramamento de sangue
prec1p1tou-se em todas as direcções �
. A medida que os fantasmas de
décadas de guerras laborais e contend
as políticas assomavam à
s ruas e
aos pontos de encontro
da cidade, ocorreram confrontos ent
re mem­
b ros da CNT e elementos do sindica
to liderado pelos socialistas , a
UGT (Unión General de Trabaj ador
es); entre socialistas e co
munis ­
tas; entre sectores rivais do comunis
mo catalão.
No rescaldo de Maio, o governo rep
ublicano também p rend
eu
muitos membros da CNT e do POUM
na Catalunha, com o obj
ectivo
de restaurar a disciplina de guerra e
garantir que nunca mais p udes­
sem ocorrer acontecim
entos do mesm o tip o. O
s líderes do POUM
fo ram p resos p or de fenderem p ubl
icamente , em artig os d
e j ornal ,
a ueles que se tinham
revoltado nas ruas. É m
�
ui
to significativo que
�
tais d�tençoes
tenham sido efectuadas em Junho, ao
mesmo tempo
que Bilbau, o motor industrial do
norte, capitulava perant
e as fo rças
de Franco. Os líderes do POUM fo
ram acusados de insurrei
ção e trai­
ção ao governo de guerra, e ficara
m a aguardar julgamento na prisão.
Mas o des fecho da crise de Maio
e a nom ea ção de um no
vo
governo não se limitaram a disci
plinar a esquerda radical e colecti­
vista. O que distin iu o execut
ivo de Negrín dos anterio
gu
res fo i a sua
{88}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
percepção da política e da diplomacia internacionais, e também o
seu entendimento de que a resolução da guerra a favor da república
dependeria de um esforço activo para alterar a postura da França e
da Grã-Bretanha. Ao longo dos 18 meses seguintes, Negrín haveria
de chamar a si a responsabilidade pela diplomacia republicana, numa
tentativa desesperada para inverter a situação internacional. Entre­
tanto, a república preparou-se para a resistência militar total.
FRONT POPULAR
DE CATALUNYA
VOLUNTARIJ'
'f
) ii.
Anónimo espanhol, 1938.
ai G
')l
4. A construção da Espanha rebelde
Podeis vencer, masjamais ireis convencer. Esta será a vitória dos piores,
de um tipo de cristianismo que não é cristão e de um militarismo
paranóico engendrado nas campanhas coloniais.
MIGUEL DE UNAMUNO
H
\
�
DOS COMPAffl IHSEPARABLES
COHUHISHE i HISERIA
Anónimo espanhol, r932.
ABITUALMENTE, quem escreve sobre a Guerra Civil de Espa­
nha estabelece um contraste vincado entre a unidade polí­
tica dos rebeldes sob a liderança de Franco e a fragmentação e as
discórdias dos republicanos, embora raramente as razões para tal
sejam bem explicadas. É certo que existiu um grau muito mais ele­
vado de comunhão ideológica entre os apoiantes dos rebeldes: o
grande receio sentido por todos os sectores pró-franquistas, que
estava na base da ira em relação a tudo o que era «republicano»,
constituiu uma poderosa força de coesão política e psicológica.
Porém, a desunião na Espanha republicana teve muito menos
que ver com ideologia e política interna do que com o crescente
impacto negativo (material e psicológico) da não intervenção, da
derrota militar e do rápido agravamento da posição internacional da
república. Se durante a guerra os exércitos de Franco não tivessem
avançado consistentemente e alcançado sucessivas vitórias graças
ao apoio dos alemães e dos italianos, também teria havido muito
mais perturbações e tensões políticas entre as forças franquistas.
A ética democrática subjacente ao regime republicano - mesmo
se truncada em função de imperativos de guerra - implicava que
as divergências e divisões políticas também se tornassem muito
mais visíveis, ao passo que a união dos rebeldes, forjada a par­
tir das fracturas de Julho de 1936, era, pelo menos em parte, uma
fachada de unidade produzida por técnicas ditatoriais. O capítulo 4
irá incidir sobre a forma como a Espanha rebelde foi construída
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Francisco Franco.
- do «topo para as bases» e das «bases para o topo» - e, ao mesmo
tempo, analisar a progressiva dimensão internacional da guerra.
No título deste capítulo utiliza-se a expressão «Espanha rebelde»
em vez de «Espanha franquista», não porque possa haver qualquer
controvérsia quanto à rápida ascensão política e militar do general
Francisco Franco, mas para nos recordar que essa ascensão não foi um
processo consumado do dia para a noite. Franco esforçou-se muito
para, com o auxfüo dos apoiantes mais chegados, consolidar e aumen­
tar O seu poder pessoal. Numa fase posterior, parte desse esforço
haveria de envolver a elaboração de propaganda que apresentava o
líder como «o homem providencial», divinamente predestinado ao
poder. Franco parece ter acreditado no seu próprio mito, mas nós não
temos razão nenhuma para o fazer.
Embora não tenha sido inevitável, a ascensão de Franco foi bas­
tante facilitada por umas quantas mortes fortuitas (acidentais ou
perpetradas pelos republicanos), que afastaram alguns dos seus mais
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
{93}
sérios rivais. Mas a principal vantagem de Franco no começo da
guerra era o controlo que exercia sobre o Exército de África. Para­
lelamente, contava-se também o facto de ter sido sobretudo a sua
iniciativa pessoal a galvanizar a actuação de Hitler e de Mussolini
em prol dos rebeldes. Até aí, os alemães e os italianos viam a direita
espanhola como um conjunto de pequenos grupos mal coordenados,
sem qualquer visão estratégica e em permanente conspiração. Além
disso, também não ficaram muito impressionados, pelo menos de
início, com o general Mola, o líder da revolta - em parte porque o
seu pedido de ajuda ao estrangeiro fora modesto, e em parte porque
o fizera por intermédio de representantes monárquicos, que se con­
tavam entre os grupos menos eficientes. Porém, em Franco, Hitler
e Mussolini viram um executante competente, munido de um plano
estratégico, o que rapidamente contribuiu para que o seu nome fosse
considerado como «o tal». No dia do golpe militar, a imprensa britâ­
nica fez referência ao irmão do conhecido aviador Ramón Franco.
Apenas uma semana depois, tanto Londres como Roma já identi­
ficavam os rebeldes como «as forças de Franco». À partida,. Franco
dispunha de vantagens substanciais, mas a verdade é que se esforçou
ao máximo para delas tirar proveito. Assim que ocorreu o golpe, o
general constituiu o seu próprio gabinete de imprensa - facto bas­
tante revelador do seu nível de ambição e de autoconfiança. Este
gabinete também permitiu que Franco conseguisse extrair a máxima
propaganda e vantagem política do resgate da guarnição de Toledo,
no final de Setembro (ver capítulo 3).
Quando saiu vitorioso da campanha no sul, Franco já tinha ascen­
dido a supremo comandante militar e político das forças rebeldes.
Através de outros generais que tinham ligações aos monárquicos e
à Falange fascista, conseguira persuadir ambos os grupos de que
promoveria os seus objectivos. Na verdade, o facto de Franco não se
identificar com nenhuma organização política em especial tornava-o
uma escolha atractiva aos olhos da direita civil e militar. Na reunião
da junta militar que decorreu em Salamanca a 21 de Setembro de 1936,
apenas um dos camaradas de Franco, o general veterano Miguel Caba­
nellas, se opôs à sua nomeação. Além de ser o presidente simbólico da
junta militar, Cabanellas era também africanista e chegara, em tempos,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
a comandar Franco. Naquela reunião, afirmou profeticamente que, se
Espanha ficasse entregue a Franco, este iria pensar que o país era seu
e, uma vez conseguido o poder absoluto, jamais lhe renunciaria.
Apesar de Franco não ter uma filiação política específica - ainda
que se lhe reconhecesse uma forma pouco definida de monarquismo
que era comum à maioria dos oficiais -, tornou-se evidente desde o
início que os seus objectivos de guerra eram de ordem fundamental­
mente política. Como já vimos no capítulo 2, Franco delineou uma
estratégia militar cuja missão era «salvar Espanha» - ou, mais exacta­
mente, preservar um certo tipo de ordem política e social dentro do
espaço geográfico do país. Muitas das perspectivas que Franco tinha
de si próprio em relação ao mundo derivavam da sua experiência nas
campanhas coloniais do norte de África. A sua inabalável autocon­
fiança e teimosia - tanto do ponto de vista militar como político
- devia bastante à tenacidade territorial dos oficiais africanistas em
geral. Cabanellas não foi o único a aperceber-se disso. Mais tarde,
um oficial veterano da república, também ele em tempos africanista,
haveria de afirmar o mesmo:
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
Cerca de 15 mil crianças foram retiradas e afastadas das áreas
bombardeadas. Foram enviadas para vários destinos, incluindo a Grã­
-Bretanha, que mantinha laços históricos e comerciais com o País
Basco; cinco mil crianças partiram para a Bélgica e outras três mil
para a União Soviética. Mas, para muitos, aquilo que deveria ter sido
um afastamento temporário acabou por se tornar na odisseia de uma
vida; mesmo aqueles que conseguiram regressar haveriam de experi­
mentar a perpétua alienação cultural e identitária de quem passa pela
experiência do exílio.
A maioria dos grandes centros populacionais republicanos foi
bombardeada. Barcelona, com as suas parcas defesas aéreas, sofreu
ataques sucessivos de raides entreJaneiro e Maio de 1938. Mas apesar
de os raides aéreos causarem pânico e deixarem para trás muito sofri­
mento e destruição, a reacção que desencadeavam tendia a ser mais
de ódio e de ressentimento do que de medo. Ainda que numa pers­
pectiva negativa, os bombardeamentos de Franco também exerceram
É-nos dito: «leva tantos homens, ocupa esta e aquela posições, e não te
mexas de lá até receberes novas ordens. » A posição ocupada por Franco
é a nação, e ele, como não tem oficiais superiores, não arredará pé.
Seguro nas suas convicções, Franco não duvidava de que o recurso
ao terror sobre a população civil se justificava, e expôs cidades e vilas
a bombardeamentos aéreos em massa. Os bombardeamentos foram
consumados graças ao apoio alemão e italiano, mas era impensável
que acontecessem sem a sua aprovação explícita. Depois de Madrid
e Durango, veio o ataque a Guernica, sede simbólica do naciona­
lismo basco. A cidade, que não possuía quaisquer defesas antiaéreas,
foi aniquilada a 26 de Abril de 1937, ao longo de três horas de bom­
bardeamentos intensivos levados a cabo pela Legião Condor alemã
e pela Aviazone Legionaria italiana. O principal alvo estratégico do
ataque não era nenhuma posição militar, mas antes o moral dos civis.
Pressupunha-se que Guernica poria fim à apetência dos bascos para
resistir, e, num certo sentido, isso aconteceu.
Cartaz depropaganda antialemã produ
zido pela CNT anarco-sindicalista, no
qual são mostrados os efeitos dos bombar­
deamentos em massa nas cidades republi­
canas (neste caso, Madrid).
O recurso irónico à palavra «jkultur!»
constitui uma réplica implícita ao argu­
mento de Franco, que dizia lutar em
defesa da civilização.
BAROARIE
FASCISTA
EN
COMITÉ NACIONAL
1socc1on Proete9enda)
MAORIO
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Anónimo espanhol, 1939-40.
o seu papel na criação de um novo sentido de identidade republicana
entre vastos sectores da população urbana espanhola.
Para os observadores externos, aquilo que ainda hoje se afigura
como particularmente chocante nos raides aéreos é o facto de terem
ocorrido no contexto de uma guerra civil - Franco fez o que fez ao
seu «próprio» povo. Contudo, não era essa, obviamente, a percepção
do Generalísimo, nem a dos seus camaradas de armas mais próximos.
Para eles, o objectivo era nobre: tratava-se de purificar a «Espanha».
Alcançar esse propósito exigia uma gu erra colonial não só contra a
insubordinação dos pobres do sul como também contra as cidades
industriais, que eram vistas como grandes focos de poluição moral.
O general Mola, que até ter perecido num acidente de aviação em
Junho de 1937 fora ainda mais veemente do que Franco em relação a
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
isto, falara mesmo em arrasar a indústria de Bilbau e Barcelona - só
assim é que Espanha poderia ser purgada daquilo que mais a envene­
nava. Por outras palavras, a saúde da «nação» exigia a eliminação do
proletariado industrial.
Não obstante a tremenda violência dos bombardeamentos
aéreos em massa, assistiu-se, no Verão de 1937, a uma inversão da
estratégia de guerra franquista. Depois do rápido avanço de colunas
de milicianos durante os primeiros meses, o conflito transformou-se
numa guerra de desgaste. Franco não era um estratega imaginativo ou
inovador, mas, dado o tipo de guerra que se lhe afigurava, também não
precisava de o ser. Mais do que qualquer outro comandante rebelde,
cedo compreendeu que a guerra teria de ser longa e árdua e agiu acti­
vamente para que assim acontecesse, já que de outro modo correria
o risco de o seu objectivo fundamental - prostrar o inimigo político
- não ser atingido. O conflito transformou-se, assim, numa guerra
em que se disputava o controlo das pessoas e não apenas do territó­
rio. Foi o próprio Franco quem o disse: em Abril de 1937, explicava
ao embaixador italiano, Roberto Cantalupo, que a estratégia de uma
rápida conquista militar, preferida pelos italianos, constituiria um
erro crasso numa guerra civil, uma vez que não resolveria a questão
principal de como «redimir» o território conquistado:
O trabalho de pacificação e de redenção moral tem, necessariamente,
de ser empreendido de forma lenta e metódica, sob pena de a ocupação
militar não servir de nada.
Para atingir esse objectivo específico, Franco estava disposto a
sofrer grandes baixas entre as suas tropas - baixas essas que um tipo
diferente de guerra poderia ter evitado. Daí um oficial do exército
espanhol ter lembrado que o próprio Franco fora responsável pela
morte de mais franquistas do que qualquer outra pessoa - devido à
sua opção por uma estratégia de desgaste.
Franco estava totalmente convicto de que o exército tinha todo
o direito de impor a sua vontade à sociedade espanhola e de que a
organização militar era a melhor forma de estruturar essa sociedade.
À semelhança de muitos dos oficiais que tinham arquitectado o golpe,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
perfilhava a ideia de uma corte de soldados responsáveis por «salvar a
civilização», mas compreendia também a necessidade de fazer o que
os seus colaboradores mais chegados aconselhavam. Para que a vitó­
ria tivesse sustentabilidade política, como Franco pretendia, o «estado
campamental» do início tinha de evoluir para algo mais. O cérebro por
detrás da criação de uma estrutura formal de estado e de um movi­
mento de massas franquista foi Ramón Serrano Sufier, advogado bri­
lhante e activista no movimento juvenil quase fascista da CEDA, o
partido popular católico espanhol. Sufier era também amigo de infân­
cia de José Antonio Primo de Rivera, o líder da Falange assassinado
numa prisão republicana, em Novembro de 1936, além de ter outra
grande vantagem: era cunhado do Generalísimo Franco, facto que, em
pouco tempo, levaria algumas línguas politicamente mais aguçadas a
lhe atribuírem a alcunha de cuiiadísimo.
O arquitecto do novo estado franquista, que viria a ser, em breve,
a figura mais poderosa da Espanha rebelde (logo a segu ir a Franco),
escapara por pouco aos assassínios extrajudiciais em território repu­
blicano, à conta dos quais perdera os seus dois irmãos. Por isso, a
hostilidade política de Serrano Sufier em relação à democracia repu­
blicana era reforçada por uma forte componente pessoal (mais tarde,
em 1940, Sufier seria um dos principais responsáveis políticos pela
decisão de enviar republicanos espanhóis para campos de concen­
tração nazis). Não foram apenas as incontestáveis capacidades inte­
lectuais de Serrano Sufier que o tornaram recomendável aos olhos de
Franco, mas também o facto de carecer de uma base pessoal de poder
- o que significava que jamais poderia desafiar o Generalísimo. Sufier
trabalhava juntamente com o irmão e secretário de Franco, Nicolás.
Juntos, puseram em marcha, em Abril de 1937, a unificação da Falange
e dos carlistas monárquicos, cujas milícias compunham os dois ele­
mentos mais numerosos do novo exército de massas que estava então
a ser constituído.
Essa unificação funcionou como casamento de conveniência em
benefício de Franco, que assim adquiriu uma burocracia e uma base de
apoio político, ao mesmo tempo que colocou os seus maiores rivais sob
controlo directo. Alguns falangistas da velha guarda («camisas velhas»)
que se opuseram à unificação por razões ideológicas foram excluídos
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
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Pedrero.
da nova organização, que passou a ser conhecida como «e!Movimiento».
Todavia, não faltaram novos recrutas. Os «camisas novas» aderiam ao
Movimiento na perspectiva de obterem os empregos e as oportunida­
des de carreira que este oferecia, mais ou menos da mesma maneira
que muitas pessoas tinham aderido ao partido fascista italiano depois
de Mussolini chegar ao poder. O clientelismo de Franco ajudou-o a
consolidar o seu próprio poder, diluindo, se não mesmo neutralizando
completamente, a oposição da velha guarda. Esta oposição haveria de
emergir novamente depois da guerra - como haveriam de reemergir
{Ioo}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
as tensões entre a Falange, os monárquicos e as redes organizacionais
da igreja católica, todos eles elementos antagonistas na base de poder
do Generalísimo. Muitos «camisas velhas» foram integrados na Divisão
Azul, que Franco enviou para a frente oriental para apoiar os exérci­
tos alemães, em 1941 - assim se libertando de uma potencial fonte
de oposição interna. No pós-guerra, verificar-se-iam igualmente con­
flitos entre a Falange e a cúpula militar. Contudo, a Falange nunca foi
suficientemente forte para representar um desafio sério: durante a
guerra, Franco, sempre cauteloso, tomara as devidas precauções para
que nenhuma unidade militar politicamente homogénea pudesse
congregar-se no interior do seu novo exército de massas; depois da
guerra, seriam bloqueadas todas as tentativas da Falange para exercer
controlo através de secções específicas do exército, como a divisão de
pára-quedistas, e os generaispolíticos que estivessem em escalões mais
elevados do poder e se tivessem envolvido em tais enredos seriam
severamente disciplinados por Franco.
No entanto, aqueles que viram goradas as suas ambições políticas
no seio do campo franquista, ou que de alguma forma se tinham mos­
trado críticos, refrearam prudentemente o seu desagrado durante
a guerra. O facto de os exércitos de Franco vencerem quase sempre
constituiu, neste aspecto, uma grande ajuda. O mesmo se pode dizer
do forte sentimento de partilha de um objectivo comum - proteger
o bem-amado mundo de ordem «natural» e hierarquia, erradicando o
repto político e cultural de uma «modernidade desordenada» com que
a república ameaçava a sociedade.
Porém, a assinalável evolução social e cultural na zona rebelde
aponta para uma dinâmica mais complexa e ambígua do que aquela
que a visão binária e idealizada, tão cara a muitos franquistas, sugere.
Em nenhum aspecto foi isto mais evidente do que nas mudanças
ocorridas na vida de muitas mulheres - mudanças essas em muito
similares às que ocorriam na zona republicana. As mulheres da zona
franquista não eram recrutadas para o trabalho na indústria de guerra,
graças à ajuda alemã e italiana. Contudo, tal como na zona republi­
cana, foram mobilizadas em massa para dar resposta a uma série de
necessidades geradas pela guerra nos domínios da saúde e da assistên­
cia social - em particular ao nível dos serviços médicos, orfanatos e
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
{101}
centros de ajuda alimentar de emergência. Na Espanha franquista, as
mulheres das classes médias urbanas e de província foram as que mais
participaram nesta mobilização.
Muitas delas aderiram à secção feminina da Falange («Sección
Femenina», ou «SF»), uma organização que viria a desempenhar um
papel importante nos primeiros anos do pós-guerra, ao combinar a
prestação de serviços básicos de saúde e de assistência social com a
vigilância e a imposição da disciplina entre as famílias republicanas.
Os franquistas (incluindo os falangistas) sublinhavam o facto de, ao
contrário dos republicanos «contranatura», mobilizarem as mulheres
para serviços de assistência, ou seja, para serviços que se coadunavam
com o seu papel tradicional. Apesar desta retórica política, a verdade
é que a SF proporcionava um novo papel público a muitas mulheres,
seriamente empenhadas na iniciativa patriótica de construir uma
nova ordem em Espanha. A menor das contradições da SF não terá
sido o facto de esta instituição constituir um exército de mulheres
oficiais solteiras e economicamente independentes que pregavam o
sermão da domesticidade e da subserviência à sua clientela feminina.
Apesar de, obviamente, o fenómeno da SF no pós-guerra ser em parte
explicado por factores demográficos relacionados com o conflito,
certo é que, com o tempo, a SF desempenhou um papel significativo
na fractura das relações de género e na dinamização da mudança
social e cultural.
Em ambas as zonas, a guerra exerceu um efeito dinâmico sobre
a cultura - entendida quer como um processo através do qual a
mudança é mediada quer, num sentido mais estreito, como um con­
junto específico de objectos de consumo: canções, filmes, peças de
teatro, obras de arte. Tal como os republicanos, os franquistas criaram
novos produtos culturais, concebidos especificamente como veículos
de propaganda: programas de rádio (o meio preferido para difundir
propaganda de guerra), obras de arte, filmes ou cinejornais. Contudo,
também se verificaram elementos de continuidade. Tanto nas zonas
franquistas como nas republicanas, subsistia uma próspera cultura de
massas, boa parte da qual não era abertamente politizada ou propagan­
dística. Durante a guerra, a vertente cultural não politizada tornou-se
particularmente importante do ponto de vista social, precisamente
{rn2}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Mulheres da instituição Auxilio Social distribuem
alimentos na zona rebelde.
Mulheres da alta sociedade saúdam a bandeira na Espanha rebelde.
porque, ao fornecer às pessoas um espaço no qual podiam sonhar, lhes
oferecia uma fuga à dor dos seus problemas imediatos. Em ambas as
zonas, este tipo de cultura incluía as canções populares, o cabaré e os
espectáculos de variedades - todos eles perduraram, apesar das cam­
panhas de ordem moral no território de Franco e da reprovação (mais
efémera) dos revolucionários eruditos da Espanha republicana.
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
{rn3}
A mais importante de todas essas formas de cultura popular era,
provavelmente, o cinema comercial. O nascimento da república, em
1931, coincidira com a chegada a Espanha dos filmes sonoros; nos cinco
anos subsequentes, a indústria cinematográfica local cresceria signifi­
cativamente. Para uma população de cerca de 24 milhões de habitan­
tes, havia mais de três mil salas. As produções de Hollywood, nos seus
vários géneros (romântico, musical e cómico), eram uma componente
importante deste cinema popular, e continuaram a sê-lo durante a
guerra, em ambas as zonas - apesar de as autoridades franquistas
desaprovarem, em geral, a «decadência» de tais filmes e de os sujei­
tarem a uma cuidadosa censura. Na zona franquista, também eram
exibidos muitos filmes alemães e italianos, uma vez que a produção
cinematográfica interna - quer a de carácter popular quer a de cariz
político - era dificultada pelo facto de a maioria das infra-estruturas
de produção ter ficado em mãos republicanas. Consequentemente,
tanto os propagandistas como os produtores comerciais iam fazer os
seus filmes nos estúdios de Roma e de Berlim.
Já em território espanhol, acelerou-se um outro tipo de apoio
tecnológico, mais decisivo, por parte dos alemães e italianos, quando,
no início de 1937, Hitler e Mussolini concluíram que só um grande
acréscimo da sua ajuda militar permitiria a rápida vitória dos rebeldes.
O desejo de impulsionar a vitória a curto prazo por parte dos ditadores
entrava em colisão com a deliberada desaceleração do avanço militar
franquista contra a república, o que causou consideráveis tensões polí­
ticas. Fartos da lentidão de Franco, Hitler e Mussolini começaram a pôr
em causa a sua competência militar, e obrigaram-no a aceitar italianos
e alemães nos seu estado-maior - algo que era pouco mais proveitoso
aos seus oficiais do que a presença de conselheiros militares soviéticos o
era aos profissionais do exército republicano. Além disso, Franco tam­
bém teve de tolerar a existência de unidades italianas a operar com um
grau de autonomia de que as Brigadas Internacionais nunca gozaram.
Tal situação derivava da absoluta dependência de Franco em relação ao
armamento e à tecnologia militar de Itália, país que desde Janeiro de
1937 também lhe fornecia uma quantidade substancial de tropas.
A implementação de um sistema de conscrição eficiente no inte­
rior da zona franquista aliviaria esta dependência. Mas, mesmo assim,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
a necessidade recrutar tropas treinadas implicou que os inimigos cap­
turados na frente militar recebessem um tratamento diferente daquele
que era aplicado aos prisioneiros civis capturados para lá das linhas
franquistas. Os soldados republicanos detidos eram, na sua maioria,
reciclados - mais ou menos da mesma maneira que os franquistas o
eram pela república. Aqueles que haviam sido recrutados à força pelo
exército republicano eram os primeiros a ser reciclados, embora isso
não os tenha isentado de investigações políticas, de encarceramen­
tos prolongados ou mesmo de condenações à morte depois da guerra
- o que torna bastante mais problemática a perspectiva do exército
franquista enquanto veículo de construção da nação. Aqueles que se
tinham alistado de forma voluntária no exército republicano eram
rigorosamente interrogados antes da sua inclusão nas fileiras fran­
quistas. Os oficiais republicanos eram sempre submetidos a inter­
rogatórios severos que, por vezes, acabavam em execução. Quando
identificados, os comissários políticos recebiam o tratamento mais
brutal de todos e, por norma, eram assassinados. Todos os elementos
das Brigadas Internacionais, enquanto estrangeiros e «mercenários»,
eram colocados sob a mesma categoria e, muitas vezes, executados; a
sua execução era quase certa caso se tratassem de oficiais ou comis­
sários políticos. Ao fazê-lo, Franco estava a violar as convenções de
Genebra no que respeita ao tratamento dos prisioneiros - apesar de
mais tarde, em 1937, o número de execuções ter diminuído devido à
necessidade de trocar os presos estrangeiros por tropas italianos cap­
turados pela república.
Além de tropas, Franco também precisava cada vez mais do
poderio aéreo, que só a Alemanha e a Itália lhe podiam fornecer e que
viria a conceder superioridade às suas forças ao longo de toda a guerra,
excepto em três ocasiões (a batalha pela conquista de Madrid, no final
de 1936; a Batalha de]arama, em Fevereiro de 1937; e a de Guadalajara,
em Março, na qual os italianos foram destroçados). O preço a pagar
por esta superioridade era uma dependência cada vez maior em rela­
ção aos apoiantes alemães e italianos. Franco precisou de hipotecar
os recursos económicos de Espanha para levar por diante a sua guerra
de aniquilação. Mas, contrariamente às frequentes alegações quanto
à dependência política da república em relação à União Soviética, os
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
analistas nunca ou raramente sugerem que a Espanha de Franco era
uma colónia nazi ou fascista - nem sequer durante o período imedia­
tamente a seguir à guerra, apesar de haver provas substanciais quanto
ao seu estatuto de colónia «informal» da Alemanha (ver capítulo 6).
Fosse como fosse, uma vitória franquista na guerra civil iria sempre
redundar numa Espanha apologética do expansionismo territorial
agressivo da Itália e da Alemanha, dado que Franco, como toda a
direita espanhola, estava obcecado com a recuperação do império
perdido no século x1x; a desintegração do status quo internacional pela
Alemanha era considerada a melhor forma de o conseguir, por entre o
turbilhão da vitória fascista.
Assim, tendo em conta o importante posicionamento estraté­
gico de Espanha nos canais de comunicação com colónias de França
e da Grã-Bretanha, a vitória de Franco na guerra civil iria, no mínimo,
potenciar a ameaça aos interesses imperiais destes países. Mas ape­
sar de a intensificação do apoio alemão e italiano a Franco a partir de
1937 ter causado preocupação em alguns círculos britânicos, ela não
foi suficiente para que se pusesse em causa a política de não inter­
venção. É muitas vezes referido que os políticos britânicos tinham
uma impressão exagerada das proporções do rearmamento alemão e
que terá sido essa a razão para excluírem qualquer possibilidade de
confronto com Hitler a propósito de Espanha. Contudo, este racio­
cínio implica um dilema que nunca existiu de facto. Apesar de a Grã­
-Bretanha ter passado toda a gu erra civil a tentar, em vão, separar a
Itália da Alemanha, quase ninguém no governo britânico acreditava
que uma vitória franquista, mesmo que conseguida às custas do apoio
fascista, constituísse uma ameaça efectiva aos seus interesses.
Grande parte das elites governantes britânicas parecia encarar
Franco, o «gentleman cristão», como um antídoto para o perigo. Pro­
vavelmente, estariam também convencidos de que, no pós-gu erra,
as exigências da reconstrução - comércio e apoios - obrigariam
Franco a acomodar-se à Grã-Bretanha, quanto mais não fosse por
precisar de contrair empréstimos que só Londres poderia conceder.
Se tudo o resto fracassasse, a Marinha Real poderia sempre bloquear
Espanha. Em todas estas extrapolações, subentende-se que os britâ­
nicos pressupunham que a velha ordem mundial da política e do capi-
{106}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
tal não seria afectada pelas ambições imperiais do Terceiro Reich e
pelo seu projecto de conquista da Europa, ou até do mundo. As vozes
que se levantaram contra esta complacência mortífera eram escassas
e isoladas. Anthony Eden· demitir-se-ia em Fevereiro de 1938, o que
não teve quaisquer repercussões na política britânica. Mais tarde, já
no final de 1938, Winston Churchill insurgir-se-ia contra a política
de apaziguamento da Alemanha e da Itália através da não interven­
ção em Espanha. Na sua argumentação contra aquela que era ainda a
perspectiva dominante no Partido Conservador, Churchill acabava
por sugerir que, ao procurar a conciliação, a Grã-Bretanha estava na
realidade a permitir que os seus interesses de classe se sobrepusessem
aos interesses estratégicos da nação.
As simpatias fascistas de Franco e a criação de um partido único
- fascista, pelo menos em nome - também arriscavam alienar a
entidade da qual estava mais dependente a segurança política do
Generalísimo: a igreja católica. Tanto a igreja espanhola como o Vati­
cano continuavam a sentir-se desconfortáveis em relação aos aspec­
tos radicais do fascismo, especialmente em relação à forma como este
exultava o estado, que tanto ameaçava o seu próprio controlo sobre
os fiéis. A igreja católica também se opunha ao nazismo por causa da
sua dimensão ateísta: daí a condenação pública do racismo nazi, Mit
brennender Sorge [ Com Ardente PreocupaçãoJ, emitida pelo Vaticano em
meados de Março de 1937 - a pior altura possível para Franco, cuja
campanha no País Basco decorria há duas semanas, com o apoio vital
da aviação alemã. Como não podia correr o risco de alienar as chefias
militares nazis, o Generalísimo impediu a publicação do documento
em território rebelde, ao mesmo tempo que as autoridades rebeldes
fechavam os olhos ao facto de a Falange difundir as réplicas dos ale­
mães ao texto da encíclica.
Não obstante, a hierarquia católica espanhola continuou a
identificar-se inequivocamente com Franco. A hostilidade que parti-
• Anth ony Eden (1897-1977) detinha, por esta altura, a pasta dos Negócios Estrangeiros no
govern o de Arthur Neville Chamberlain. Em 1955, viria a suceder a Winston Churchill no cargo
de primeiro-ministro. O nome de Eden ficou sobretudo associado à desastrosa actuação do
governo britânico na fam osa crise do Suez, em 1956 (n. do t.).
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
lhavam em relação ao racionalismo, à maçonaria, ao liberalismo, ao
socialismo e ao comunismo significava que havia demasiadas afinida­
des ideológicas para que fosse de outro modo. A memória da violên­
cia anticlerical em território republicano tinha reforçado, na igreja
espanhola, a influência dos eclesiásticos conservadores, que estavam
determinados a pôr fim à república liberal e secular, uma vez que esta
desafiara o seu poder político e os seus valores culturais. Franco dava­
-lhes a possibilidade de conseguir isso. Embora possa, à superfície,
ter-se parecido com as variantes «trono e altar» de outros tempos, a
aliança entre a igreja e a ditadura constituiu algo de novo, ao oferecer
à igreja uma séria oportunidade para aumentar a sua influência atra­
vés de novas funções disciplinadoras, exercidas em nome do estado
franquista. Não se trata simplesmente das previsíveis áreas do con­
trolo educacional e da censura: a igreja exerceria também um papel
fundamental na gestão de prisões, reformatórios e outras instituições
de correcção.
Contrariamente à igreja católica espanhola, o Vaticano teve de
ser bastante mais cauteloso. As suas simpatias iam para a causa fran­
quista, mas também tinha de ter em conta o destino dos católicos na
Espanha republicana. Ainda mais importantes para a estratégia do
Vaticano eram os potenciais danos à credibilidade do próprio cato­
licismo, caso a sua força em Espanha viesse a ser entendida como
resultado da conquista militar franquista. «Podeis vencer, mas jamais
ireis convencer»: eis as palavras que traduzem o dilema do Vaticano, e
que foram proferidas pelo filósofo católico Miguel de Unamuno em
Outubro de 1936 como desafio ao exultante grito de guerra dos rebel­
des «Viva a morte!», uns escassos dois meses antes de morrer, sob pri­
são domiciliária, em Salamanca, capital da Espanha rebelde. O dilema
também se manifestou na complexa diplomacia do Vaticano durante
a guerra. As relações com a república não foram formalmente corta­
das - na verdade, foram mesmo restabelecidas na etapa final do con­
flito (ver capítulo 5). Para além disso, em 1937, o Vaticano tomou várias
e infrutíferas inicativas para mediar um acordo de paz com Franco,
em nome dos bascos. Mais revelador ainda: só na Primavera de 1938,
quando a vitória dos rebeldes já parecia iminente, é que o Vaticano
estabeleceu relações diplomáticas plenas com a Espanha de Franco.
{108}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Franco e os seus conselheiros esforçaram-se bastante por inte­
grar os elementos tradicionais da sua base de poder com os modernos.
Nas ocasiões cerimoniais, isto tornava-se evidente na junção dos sím­
bolos fascistas e do passado imperial, autoritário e católico de Espa­
nha. Muitos defendem que o importante papel desempenhado pela
igreja católica indica que a melhor definição para o franquismo é a
de uma ditadura antiquada, uma vez que ele aboliu a democracia de
massas sem recorrer a quaisquer meios inéditos ou modernos. É certo
que a autoproclamada Falange fascista se manteve sempre como um
elemento subalterno (ainda que importante) do regime. Todavia, há
outras formas de abordar o franquismo.
Todas as forças políticas que compunham o franquismo rejeita­
vam explicitamente a democracia parlamentar e a supremacia da lei
constitucional como sintomas infames da época liberal. Porém, ao
contrário dos conservadores tradicionais, os franquistas não encara­
vam esses sintomas como formatos políticos externos que pudessem
ser banidos, mas antes como algo que já tinha sido incorporado por
uma grande parte da população espanhola, «infectando-a». A ques­
tão já não era o corpo político, mas o corpo biológico da «nação» e a
necessidade de o controlar totalmente. Era esse o cerne da estratégia
militar de Franco: a colonização interna da metrópole, com vista ao
aniquilamento da «alienígena» nação/cultura republicana que nela
habitava. O regime franquista construiu as suas práticas políticas e as
suas metas à luz desta convicção essencial: a necessidade de uma «puri­
ficação» - algo que, por definição, significava ser necessário ir muito
além do autoritarismo à moda antiga para remediar o «problema».
É através do tratamento atribuído aos vencidos que podemos
compreender em que medida o franquismo foi «mais além». Há uma
uniformidade assustadora no aviltamento e desumanização de cente­
nas de milhares de prisioneiros republicanos após o final do conflito
militar (ver capítulo 6). Particularmente significativa era a premente
necessidade que os captores tinham de vergar o corpo e a mente dos
republicanos antes de os matarem, ou, quando não os matavam, de os
deixar como que psicologicamente «reconfigurados» pela experiência
da prisão, dos trabalhos forçados, do reformatório juvenil e de uma
miríade de outras formas de repressão jurídica, cívica ou económica.
A CONSTRUÇÃO DA ESPANHA REBELDE
Para o regime, este gigantesco processo de produção de uma antipá­
tria, uma «anti-Espanha» dos excluídos - que, durante mais de uma
década após o fim das hostilidades militares, continuou a consumir
boa parte da energia e dos recursos do país - constituiu, paradoxal­
mente, um dos aspectos cruciais da construção (entendida por mui­
tos franquistas como «reconstrução») de uma Espanha homogénea e
hierarquizada.
A própria guerra civil foi parte integrante da construção dessa
pátria. Até certo ponto, a mobilização tinha transformado em reali­
dade a «Espanha ideal» projectada pela propaganda franquista: uma
comunidade nacional monolítica, pronta para o auto-sacrifício.
O sofrimento e a perda suportados pelos sectores conservadores da
sociedade espanhola durante a gu erra ajudaram a gerar uma identi­
dade franquista, tal como outras formas de sofrimento e de perda cria­
ram, como é evidente, uma identidade republicana no campo oposto.
No entanto, a particularidade do franquismo residiu na forma brutal
como essa experiência de perda foi assimilada pelo regime com fins
políticos específicos - principalmente para sua própria legitimação.
Neste aspecto, o omnipresente mecanismo de delação implantado
por Franco após a vitória militar de Ide Abril de 1939 revelar-se-ia cru­
cial. Os espanhóis eram exortados a denunciar os seus vizinhos aos
tribunais militares e civis. Este amplo processo, que será analisado no
capítulo 6, converteu milhões de «espanhóis comuns» em cúmplices
da repressão.
Em Fevereiro de 1939, Franco acordou secretamente juntar-se à
Alemanha, ao Japão e à Itália no Pacto Anti-Comintern. Assinou-o
no mês seguinte e anunciou publicamente a adesão da Espanha logo
depois de ter alcançado a vitória na guerra civil. Tanto a ideologia
como os interesses estratégicos influenciaram o claro alinhamento
político de Franco com as potências fascistas. O seu entusiasmo em
relação à nova ordem nazi na Europa não era, segu ramente, motivado
apenas pela procura de novas colónias para Espanha.
Todavia, a questão do catolicismo tornava problemática a pro­
ximidade entre a Espanha franquista e a Alemanha nazi. A grande
novidade do nazismo residia precisamente no facto de as suas chefias
mais radicais procurarem conduzir uma sociedade alemã (e europeia)
{no}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
«purificada» à margem de compromissos com as igrejas - católicas
ou outras - e, em última instância, à margem da ética fundadora da
própria religião judaico-cristã. Contudo, a igreja católica era a princi­
pal aliada do franquismo no que se refere ao trabalho de «purificação»,
à disciplina dos corpos e das mentes. Nenhum grupo - nem mesmo o
sector mais pró-nazi da Falange - alguma vez sonhou deixar a religião
para trás. Mas esta constatação não deve levar-nos a supor que o fran­
quismo foi, simplesmente, uma forma tradicional de autoritarismo.
O franquismo tomou medidas radicais contra os sectores fun­
diários abastados que, na década de 30, tinham adaptado posições
políticas mais ou menos liberais, e aprovou legislação que permitiu,
pela força, a transferência maciça de riqueza e propriedades para a
posse do estado - isto quando tal não tinha já ocorrido por vias de
facto, através do direito de «conquista». Apesar de integrar membros
das elites do pré-guerra, a ordem criada depois de 1939 pela igreja e
pelo estado era inteiramente nova. Era também tão selvaticamente
hierarquizada e discriminatória como o nazismo, embora o modelo
espanhol não fosse baseado no racismo. Todo o projecto franquista
decorreu de uma necessidade «moderna»: a necessidade de lidar bru­
talmente com a conflituosa mudança social. O regime foi também
moderno no modo como integrou massiva e activamente os espa­
nhóis, através do mecanismo da denúncia. Finalmente, o franquismo
revelar-se-ia igualmente moderno na medida em que muitos aspec­
tos dos processos de mudança social e económica que tinham estado
na sua origem acabariam por fugir à capacidade administrativa do
regime, independentemente da violência utilizada.
5. A república sitiada
Uma sociedade em luta pelo progresso é reduzida, por agressão externa,
a níveis de miséria e de mera sobrevivência que o agressor depois
aduz como prova da impossibilidade do progresso social
EDUARDO GALEANO
Continuar a lutar por não haver outra hipótese, mesmo que a vitória
nãofosse possível, ao menos para salvar o que conseguíssemos - no mínimo
dos mínimos o respeito por nós próprios... Para quê continuar a resistir.?
Muito simplesmente por sabermos o que significaria a capitulação.
JuANNEGRÍN
E
Aníba!Tejada, 1936.
M meados de 1937, a república enfrentava um inimigo cada vez mais
bem equipado, que era abastecido, de forma regular e eficiente,
com o material de guerra de melhor qualidade, vindo directamente das
fábricas alemãs e italianas. A não intervenção nada fez para impedir ou
abrandar esse afluxo de material de guerra, que muitas vezes chegava
em navios fretados e pagos pela Alemanha nazi, os quais navegavam
com bandeiras de conveniência, assim escapando à fiscalização do
Comité de Não Intervenção. Em virtude da proximidade com Espa­
nha, a Itália utilizava a sua própria frota mercante, protegida pela força
aérea italiana ou pelos seus próprios navios de guerra, que ninguém,
muito menos a marinha britânica, estava preparado para desafiar. Isto
garantia a Franco um fornecimento rápido e praticamente ininterrupto
(a oportunidade das entregas era, frequentemente, um factor muito
mais importante do que a sua dimensão). Os fornecimentos alemães
e italianos também eram descarregados em portos portugueses, com a
cumplicidade das autoridades. Uma vez que o auxílio da Alemanha e da
Itália provinha directamente do governo, o apoio técnico integrado e
o suporte logístico faziam parte do acordo. Perante isto, o auxílio gran­
jeado pela União Soviética não era suficiente para compensar a repú­
blica, nem quantitativa nem qualitativamente - o máximo que podia
permitir-lhe era uma frágil sobrevivência.
Estaline não queria nem podia enviar para Espanha a preciosa
produção das fábricas soviéticas em quantidades que permitissem à
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
república combater em igualdade de circunstâncias após a aceleração
do apoio alemão e italiano a Franco, no final de 1936. Em 1937, a pro­
dução industrial soviética ainda enfrentava uma turbulenta reorgani­
zação, agravada pelas purgas, o que levou a que, ao longo da Guerra
Civil de Espanha, os níveis reais da produção soviética se mantives­
sem até 50 por cento abaixo dos números oficiais. Tendo em conta
esta situação, chega a ser surpreendente que Estaline tenha enviado
tanto material soviético à república espanhola. Esse material era de
alta qualidade - sobretudo os aviões e os tanques - e, como já vimos,
foi vital para a sobrevivência republicana, especialmente no início.
Todavia, muito do «auxílio soviético» que manteve a república em
movimento não provinha sequer das fábricas soviéticas: era obtido
no exterior, com a União Soviética a servir de intermediária.
A república precisava dos préstimos da União Soviética porque a
não intervenção a impedia de adquirir material de guerra por si mesma
no mercado livre - um embargo que impedia um governo democrati­
camente eleito de comprar armas para se defender, e que era provavel­
mente contrário ao direito internacional. Em consequência da lógica
partidária da não intervenção, também não havia, como o governo
republicano veio a descobrir, canais seguros no sistema bancário oci­
dental que lhe permitissem mobilizar os seus recursos financeiros para
a guerra. O ouro e a prata republicanos que estavam depositados num
banco francês foram congelados pelas autoridades, ao passo que um
dos principais bancos ingleses reteve fundos que os republicanos iam
aplicar na compra de armas - isto apesar de a banca inglesa não ter
imposto quaisquer constrangimentos aos agentes de Franco. Foram
estas as razões que estiveram na base da decisão tomada pelo execu­
tivo republicano, em articulação com o Banco de Espanha, no sentido
de transferir as reservas de ouro para fora do país - para que pudes­
sem ser mobilizadas, sem impedimentos, para financiar o esforço de
guerra (devemos notar que este executivo era inteiramente composto
por ministros dos partidos republicanos de Espanha - nem o Partido
Socialista nem o Partido Comunista faziam ainda parte do governo
de guerra). Os primeiros carregamentos de ouro saíram da capital
sitiada em meados de Setembro, com destino ao porto de Cartagena,
a sudeste. A partir do momento em que se tornou claro que a União
A REPÚBLICA SITIADA
{n5}
Soviética estava determinada a oferecer apoio militar, as autoridades
republicanas concordaram em transferir o ouro para lá, em Outubro
de 1936. Além da União Soviética, o México foi o único país disponível
para ajudar a república, servindo de intermediário. Contudo, embora
essa ajuda tenha sido valiosa e relativamente desinteressada, a União
Soviética gozava de muito mais recursos e peso internacional do que
o México, desempenhando por isso um papel claramente mais útil à
república.
Além do material que chegava directamente da União Soviética, a
maior parte do armamento que a república procurava através de inter­
mediários vinha da Europa de leste e, na prática, sobretudo da Polónia.
À primeira vista, isto é surpreendente, uma vez que a ditadura militar
polaca, além de signatária do acordo de não intervenção, era também
politicamente solidária com Franco. Porém, a venda de armamento à
república representava uma oportunidade demasiado lucrativa para
ser desperdiçada - especialmente porque, desse modo, a Polónia
podia livrar-se de material obsoleto e defeituoso, e ao mesmo tempo
aumentar as receitas que poderiam equilibrar a balança deficitária do
país e financiar o seu próprio programa de rearmamento.
A não intervenção implicava que a república pagasse sempre
muito mais do que o preço justo pelo material que recebia. A posi­
ção vulnerável do comprador, associada a uma oferta insuficiente,
gerava desonestidade, corrupção e preços extremamente inflaciona­
dos, criando um mercado negro de armamento ao qual a república,
e apenas a república, tinha forçosamente de recorrer para subsistir.
Também era difícil aos republicanos encontrar pessoas capazes de
circular nas águas turvas do tráfico de armas internacional (a maioria
dessas pessoas estava, tendencialmente, ao lado de Franco). Os agen­
tes republicanos eram frequentemente burlados por intermediários
e por toda a espécie de oportunistas (não raramente, funcionários de
estado), desejosos de deitar mãos ao ouro da república. Isto porque,
ao contrário do apoio alemão e italiano a Franco, que funcionou sem­
pre à base de crédito, os republicanos tinham de pagar a pronto, inde­
pendentemente de o armamento ser comprado a traficantes, a outros
intermediários ou à União Soviética - que também ganhou o mais
que pôde com a república.
{n6J
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
e·
Santiago Santana Diaz.
O facto de a república ter sido obrigada a recorrer a um conjunto
heterogéneo de fontes para conseguir armamento conduziu a situa­
ções que, não fosse a natureza desesperante das circunstâncias, pode­
riam ser consideradas cómicas: armas que vinham com munições
incompatíveis ou instruções em línguas estranhas e material que che­
gava sem qualquer apoio técnico ou logístico, ou que, de tão antigo,
estaria melhor num museu do que na frente de combate.
A REPÚBLICA SITIADA
Mas os problemas da república em matéria de armas não se limi­
tavam ao fornecimento: as entregas eram outro pesadelo. À república
faltavam navios mercantes e a longínqua União Soviética, por ser uma
potência eminentemente terrestre, não podia compensar essa escas­
sez, mostrando-se relutante em sujeitar a sua exígua marinha mercante
a longas e perigosas viagens até Espanha. Assim, após o afundamento
do Komsomol, em Dezembro de 1936, os soviéticos exigiram que a
república assegurasse o transporte de todo o material de guerra por
eles fornecido ou angariado. Mas a república, confrontada com dívi­
das astronómicas de armamento e cada vez mais população para ali­
mentar, não possuía recursos para fretar navios em número suficiente
- como os alemães faziam a Franco.
Desde o início da guerra que os alemães e italianos atacavam
navios que se dirigissem aos portos republicanos, apesar de não
gozarem de qualquer autoridade para o fazer. Pior ainda: a partir
do final do Verão de 1937, o seu apoio permitiu que Franco bloque­
asse os portos da costa mediterrânica de Espanha, impedindo que a
república tivesse acesso directo ao abastecimento de armas. A partir
daí, toda a ajuda militar tinha de chegar através da fronteira terres­
tre com França. Teoricamente, isto deveria ter representado o fim
da república, uma vez que a França era signatária da não interven­
ção. Todavia, o receio de um cerco fascista levou o governo francês
a adoptar uma política mais ambígu a e a afrouxar a política de não
intervenção. Isto significa que a fronteira entre França e Espanha se
tornou permeável - embora de uma maneira imprevisível. A ajuda
chegava mas podia ser definitivamente confiscada ou retida durante
longos períodos de tempo. O abrandamento da não intervenção
permitiu que a república sobrevivesse ao bloqueio do Mediterrâ­
neo, mas tornou impossível a continuidade das suas ofensivas, uma
vez que nunca podia assegu rar-se da qualidade ou da consistência
dos abastecimentos de material militar. Em suma, estas não eram as
condições ideais para fazer a guerra, e isso teve as suas consequências
no que se refere à capacidade de combate do exército republicano
- incluindo ao nível da tensão psicológica que o conflito infligia - ,
especialmente entre os comandantes, que eram assombrados pela
constante noção da falta de recursos.
•
[n8}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Durante o Verão de 1937, com o objectivo de aliviar a pressão nos
restantes territórios do norte após a queda do País Basco, em Junho,
os republicanos lançaram uma ofensiva de diversão no nordeste de
Espanha, na frente aragonesa, que até então estivera inactiva. Com
a vantagem da surpresa, progrediram rapidamente. Por essa altura,
o exército republicano era uma força de combate competente: tinha
oficiais talentosos, embora em número insuficiente, e era liderado
pelo coronel (mais tarde general) Vicente Rojo, o chefe de estado­
-maior republicano, que, ao contrário de Franco, era um estratega
imaginativo e inovador. Rojo, que já era militar profissional antes
da guerra, era também conservador e católico praticante, mas o seu
compromisso com república, além de firme e isento de ambiguidades,
fora galvanizado pela experiência de resistência em Madrid. A chave
da escolha que Rojo fez - pela República e contra Franco - reside,
provavelmente, no facto de nunca ter feito carreira no Exército de
África e por isso se ter mantido à margem da ética que lhe era carac­
terística. A reputação que conservou dos seus tempos de professor
na Academia Militar era a de uma daquelas raras criaturas na cultura
militar espanhola - um modernizador e inovador, do ponto de vista
técnico.
A própria construção do novo exército republicano envolveu
inovação e improvisação. Ainda que os seus comandantes e oficiais
recebessem uma ajuda importante por parte dos conselheiros sovié­
ticos, estes eram um recurso escasso - entre 600 a 800 pessoas em
permanência no território republicano (durante toda guerra, cerca de
três mil quadros soviéticos prestaram serviço em Espanha). O auxílio
precioso, em termos qualitativos, destes engenheiros militares, técni­
cos, estrategas e especialistas em técnicas de guerrilha não nos deve
impedir de reconhecer o papel dos republicanos espanhóis no que se
refere à construção de uma nova força de combate. Inevitavelmente, as
circunstâncias em que essa nova força foi criada e a necessária rapidez
da sua construção implicaram alguns defeitos estruturais - especial­
mente a falta de oficiais de patente média (o grupo que mais apoiava
Franco) e a insuficiente articulação interna e entre os seus agrupamen­
tos regionais. Como afirmou o próprio coronel Rojo, «temos cinco
exércitos e não um». As sucessivas derrotas sofridas durante o segundo
A REPÚBLICA SITIADA
semestre de 1937 haveriam de desgastar ainda mais o quadro de oficiais
republicano e intensificar a sua desarticulação interna.
Contudo, este exército manteve o moral notavelmente elevado
ao longo da guerra, apesar das derrotas. Contrariamente à fadiga e à
desmoralização que se fazia sentir na frente interna republicana em
1938, o ânimo do exército conservou-se relativamente intacto e as
deserções, embora acontecessem, eram um fenómeno restrito. Até
certo ponto, este fenómeno tinha a ver com a intensa experiência de
camaradagem e de solidariedade na frente de combate, e também,
por associação, com o papel dos comissários políticos (analisado no
capítulo 3). Em parte, também reflectia a prioridade que o governo
republicano atribuía ao aprovisionamento do exército em detrimento
da população civil. Comparativamente a outras gu erras modernas,
sabemos relativamente pouco acerca dos sentimentos e dos valores
dos recrutas do exército republicano, mas não há razões para duvi­
dar da força do processo de socialização que ocorreu através da expe­
riência do combate e da mobilização - apesar da falta de ânimo,
esse processo também se verificou na frente interna, inculcando um
forte sentido de identidade republicana em muitos dos que, até aí, lhe
tinham sido indiferentes. Podemos depreender isto mesmo a partir
do facto de, entre as centenas de milhares de pessoas que rumaram ao
exfüo em 1939, ter havido muita gente sem um historial de militância
política anterior à guerra.
Mas a coragem e o engenho dos republicanos na frente aragonesa
não foram suficientes para que se mantivessem muito tempo na mó
de cima. Ao mesmo tempo que ocorriam batalhas desesperadas em
Quinto e Belchite, o armamento destinado à república permanecia
nos postos de controlo fronteiriço franceses, retido pelos vagares de
uma não intervenção «afrouxada». Além disso, a república também
não dispunha de tropas de reserva adequadamente treinadas. Se a não
intervenção já dificultava o adequado apetrechamento do exército
republicano, tornava ainda mais impossível equipar adequadamente
as tropas de reserva. Pelo final do Verão de 1937, era óbvio que a ofen­
siva republicana era insustentável e que não podia impedir Franco de
conquistar o norte. A capitulação das Astúrias (Avilés e Gijón) acon­
teceu em Outubro de 1937 e implicou a perda da indústria do carvão
{120}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
e a dos exércitos republicanos do norte - cerca de 200 mil soldados.
Em ambos os aspectos, foi uma perda de sangue que pôs fim à possibi­
lidade de a república alcançar uma vitória militar imediata na guerra
civil. O que aconteceu em Teruel no doloroso Inverno de 1937-8 tor­
nou evidente essa impossibilidade.
A Batalha de Teruel, capital da mais árida das províncias de Ara­
gão, foi outra das manobras de diversão de Rojo. O objectivo era
reverter a renovada convergência de Franco para Madrid. O Genera­
lísimo ignorou os seus conselheiros - alemães, italianos e espanhóis
- e desviou tropas para Teruel. Franco ansiava não perder um centí­
metro de território e ansiava ainda mais pela oportunidade de aniqui­
lar um grande número de inimigos - incluindo algumas das melhores
unidades do exército republicano. Isto porque, ao contrário dos repu­
blicanos, Franco não tinha de se preocupar com o uso de reservas, já
que estas podiam ser pronta e facilmente substituídas. A Batalha de
Teruel teve lugar em pleno Inverno de 1937-8, um dos mais rigorosos
que Espanha alguma vez conheceu. Os nevões impediram que Franco
usasse transportes mecanizados e aviões. Morriam soldados devido
à exposição ao frio, enquanto outros sofriam amputações de mem­
bros que ficavam congelados com a neve. Os republicanos tomaram
a cidade emJaneiro de 1938, mas foram incapazes de resistir à contra­
-ofensiva de Franco. Teruel tornou-se o ponto de viragem na guerra,
ao confirmar de uma vez por todas que a superioridade material das
forças de Franco não podia ser contrariada pela coragem ou pela audá­
cia táctica dos republicanos. O general Rojo tinha uma genialidade
estratégica que faltava a Franco, mas, ao contrário deste, nunca foi
capaz de implementar a sua estratégia. Em última análise, a vulnera­
bilidade republicana derivava do facto de todas as ofensivas de Rojo
terem sido estratégias de reacção e diversões. Em Teruel, após mais
uma defesa onerosa e escassos progressos, os republicanos foram
obrigados a retirar.
No final de Fevereiro, a cidade já tinha sido reconquistada pelas
forças de Franco, que fizeram mais de 15 mil prisioneiros e apreende­
ram grandes quantidades de equipamento militar. Em 1938, as perdas
acumuladas pela república no que respeita a tropas treinadas - após
o colapso da frente norte e a capitulação de Teruel - forçavam-na
A REPÚBLICA SITIADA
{121}
a recrutar contingentes cada vez mais novos e mais velhos. Neste
aspecto, as necessidades da república eram muito maiores do que as
de Franco. Porém, os recrutas inexperientes não eram substitutos à
altura das tropas bem preparadas que a república tinha perdido. Uma
tal erosão, sempre constante, teve o seu preço, constituindo mais um
factor condicionante da prestação do exército republicano.
O desfecho da Batalha de Teruel exigiu que o primeiro-ministro
republicano,Juan Negrín, ajustasse a sua maneira de pensar. Depois
de ter chegado ao governo, em Maio de 1937, Negrín adoptou uma
estratégia dúplice de resistência militar e diplomacia internacional,
concebida para obter o levantamento da não intervenção ou, pelo
menos, assegurar os direitos beligerantes da república. As mudanças
ocorridas no executivo, em Maio, foram cruciais, ao representarem
a chegada ao poder de líderes políticos (apoiados pelo presidente da
república) que compreendiam que o desfecho da guerra se decidi­
ria, em última análise, nas chancelarias da Europa, onde a república
tinha imperiosamente de conquistar apoios através de uma diplo­
macia muito mais proactiva. Nesse aspecto,Juan Negrín era o «líder
necessário». Nascido no mesmo ano que Franco (1892), no seio de
uma das mais abastadas famílias de Las Palmas, no arquipélago das
Canárias, Negrín foi educado sobretudo no estrangeiro, tendo obtido
o diploma de medicina na Alemanha, onde também realizou inves­
tigação nessa área. Com apenas 30 anos, foi nomeado para a cátedra
de Fisiologia na Universidade de Madrid. Apoiou a república em pre­
juízo do status quo monárquico porque era um liberal constitucional e,
como muitos na sua geração, aderiu ao Partido Socialista Espanhol,
que via como o melhor instrumento para modernizar Espanha e
abri-la à Europa. Negrín era formidavelmente inteligente - quer do
ponto de vista político quer académico - e um observador astuto da
política europeia e mundial. Urbano, cosmopolita e poliglota, tinha
excelentes contactos no exterior e, assim, ao contrário do seu ante­
cessor, podia movimentar-se com à-vontade no mundo da diplomacia
internacional.
Inicialmente, os esforços diplomáticos de Negrín para assegu­
rar os direitos beligerantes da república concentraram-se na França,
cujo sentimento de vulnerabilidade tinha aumentado por causa das
{r22}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
concessões britânicas à Itália. Esses direitos não teriam resolvido o
problema de fundo, uma vez que a Grã-Bretanha haveria de continuar
a fazer o possível para bloquear a venda de armas à república. Todavia,
a garantia dos direitos beligerantes teria pelo menos permitido que
a república, além de comprar armas abertamente, pudesse defender
o material de guerra que rumava a Espanha - uma vez que poderia
reunir navios de guerra para servirem de escolta nas águas do Medi­
terrâneo, e, muito importante, localizar navios «neutrais» (sobretudo
italianos), impedindo dessa forma o abastecimento de armas a Franco.
A REPÚBLICA SITIADA
O que aconteceu em Teruel não alterou visivelmente a estratégia de
Negrín, mas fez com que esta começasse a ser reconfigurada interna­
mente. A perda do norte industrial, associada ao desgaste constante
do exército republicano e ao bloqueio dos portos mediterrânicos por
Franco, obrigou Negrín a procurar meios de levar o Generalísimo a
sentar-se à mesa das negociações. Contudo, Negrín compreendia que
não havia a mínima hipótese de o conseguir, a menos que a resistência
militar da república se mantivesse resoluta e efectiva.
Mas a situação militar republicana estava prestes a tornar-se crí­
tica. Depois de reconquistarem Teruel, as tropas de Franco ficaram
bem posicionadas para varrer Aragão. Os republicanos pouco podiam
fazer para as impedir - apesar de a França, temendo as consequên­
cias da ocupação da Áustria por Hitler (Anschluss), a 12 de Março de
1938, ter aberto as suas fronteiras para permitir a passagem de armas
sem impedimentos. Mas era demasiado tarde. Franco tinha uma van­
tagem de 20 por cento no que respeitava a homens, e uma vantagem
avassaladora em termos de aviação, artilharia e outros equipamentos.
Em meados de Março, contrariando as suas habituais cautelas, Franco
lançou contra o exército republicano, que ainda não tinha recuperado
do embate em Teruel, a Blitzkrieg (guerra relâmpago) tão frequente­
mente advogada pelos seus conselheiros alemães e italianos. Barce­
lona foi bombardeada por aviões italianos, numa tentativa de quebrar
o moral dos civis. Protegidos por uma cortina de fogo assegurada por
mais de mil aeronaves alemãs e italianas, carros blindados e tanques,
mais de cem mil soldados, encabeçados por forças de elite marroqui­
nas e italianas, subiram o Rio Ebro.
Nos primeiros dias de Abril de 1938, a ala norte da frente que avan­
çava sobreAragão tomou a cidade de Lérida e, em seguida, a importante
central eléctrica de Tremp, isolando temporariamente Barcelona e de
então em diante reduzindo a sua produção industrial. Entretanto, as
unidades centrais dos franquistas desceram o vale do Ebro em direcção
à costa de Castellón e Valência.A 15 de Abril, tomaram a pequena cidade
costeira de Vinaroz, alcançaram o Mediterrâneo e dividiram a república
em dois: Catalunha e centro-sul (ver mapa da página seguinte).
No dia seguinte, a Grã-Bretanha assinou o acordo anglo-italiano
e continuou a pressionar a França para fechar a fronteira - apesar de
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
'7orrnLnttra
J!has
Balurts
A divisão do território espanhol emJulho de 1938.
os próprios navios mercantes britânicos continuarem a ser afunda­
dos pela Itália. A república dividida enfrentava uma crise tremenda
- quer na frente militar, quer na frente interna.
Em termos militares, a gu erra podia mesmo ter acabado aqui.
No período imediatamente a seguir à divisão da república, as suas
defesas encontravam-se mais vulneráveis do que alguma vez estariam
em etapas posteriores da gu erra. O seu exército desalinhara-se e a
frente ficara quebrada entre Vinaroz e Barcelona. Se Franco tivesse
seguido directamente para Barcelona, já nada teria conseguido detê­
-lo. Com a Catalunha em seu poder e a fronteira francesa encerrada, a
guerra teria acabado muito mais depressa. Mas, em vez disso, Franco,
para espanto dos líderes políticos republicanos, do seu próprio alto
comando militar e até de alguns oficiais franquistas de alta patente,
desviou as tropas para sul, com vista a um ataque de grande escala em
Valência. Em parte, fê-lo com receio de que um ataque directo à Cata­
lunha amedrontasse a França, levando-a a intervir militarmente em
defesa da república. Retrospectivamente, é improvável que tal tivesse
acontecido, mas após a reacção francesa àAnschluss, Franco não estava
A REPÚBLICA SITIADA
disposto a correr o risco de provocar ainda mais o governo de Paris.
Mais importante: lançar nessa altura uma ofensiva contra a Catalu­
nha teria deixado uma significativa presença militar republicana na
região centro-sul. Ao afastar-se da Catalunha na Primavera de 1938,
prolongando desse modo o conflito, Franco tinha por objectivo maxi­
mizar a destruição e a desmoralização infligida aos recursos humanos
da república. Essa opção foi, por isso, coerente com os objectivos de
guerra fundamentais que Franco havia traçado.
A partir de Abril de 1938, a sobrevivência da república passou a
depender da rápida reorganização dos seus exércitos e da galvaniza­
ção política da sua frente interna. A continuidade da resistência mili­
tar era vista por Negrín como um meio fundamental para aumentar
a pressão diplomática sobre a Grã-Bretanha e a França. Estes dois
países temiam que quanto mais prolongado fosse o conflito espanhol
mais provável seria que se transformasse numa conflagração europeia,
para a qual seriam inexoravelmente arrastados. Esses receios, associa­
dos ao desagrado dos britânicos em relação a tudo o que tivesse a ver
com a república, levou-os a oporem-se, com sucesso, à tentativa que
Negrín fez junto da Sociedade das Nações, em Maio de 1938, no sen­
tido de conseguir o levantamento da não intervenção. Em público, o
primeiro-ministro republicano continuava a afirmar a validez do seu
compromisso em resistir até ao fim. Mas, na esperança de reverter
os receios da França e da Grã-Bretanha a favor da república, Negrín
empenhou-se, durante o segu ndo semestre de 1938, numa intensa
ronda de diplomacia pessoal, com o objectivo de persuadir as grandes
potências a assegurarem mediação internacional, como forma de pôr
fim ao conflito em Espanha. Porém, esta hipótese tornara-se muito
pouco provável, uma vez que a divisão do território republicano reve­
lava fraqueza em vez de vigor, e Franco não estaria disposto a negociar
algo que acreditava poder conseguir à força.
A sobrevivência da resistência republicana dependia ainda do
acesso ao fornecimento externo de armas - por mais precário que
fosse. Mas a situação na fronteira francesa era agora extremamente
delicada. Em meados de Junho, a fronteira, que tinha sido aberta no
rescaldo da Anschluss, foi novamente fechada. O novo governo de
França, de cariz mais conservador, estava menos inclinado a tolerar
[126}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
POPULAIRE
Anónimofrancês, r938.
uma fronteira permeável, além do que congelou os activos financei­
ros republicanos domiciliados nos bancos franceses. Foi este o preço
que Franco exigiu para aprovar a exportação de pirite para França.
A pirite, de extrema importância para o programa de rearmamento
francês, era mais abundante no norte de Espanha do que em qualquer
outra região da Europa.
Em meados de 1938, as reservas de ouro republicanas estavam
quase esgotadas. Negrín sempre tinha deixado claro que a guerra aca­
baria no dia em que se gastasse a última peseta de ouro. De facto, ele
tinha razão ao constatar que a república não podia aceder a grandes
A REPÚBLICA SITIADA
fontes de crédito da mesma maneira que Franco. No entanto, a repú­
blica conseguiu prolongar a sua defesa para além do Verão de 1938,
graças ao crédito de 60 milhões de dólares concedido pela União
Soviética. Na verdade, desde a eclosão da guerra sino-japonesa, em
Julho, a Espanha tinha perdido relevo na política externa soviética.
Os conselheiros técnicos soviéticos foram reencaminhados durante
o Verão. Estaline também concordou com a retirada das Brigadas
Internacionais (de qualquer maneira, em 1938 estas Brigadas já eram
constituídas sobretudo por espanhóis, pelo que a importância da pre­
sença de voluntários estrangeiros na república espanhola era pouco
mais do que simbólica). Estaline já não acreditava que a república
pudesse triunfar face ao bloqueio franquista e à inflexibilidade bri­
tânica - algo que também tinha tornado impossível a sua pretensão
de estabelecer um acordo de segurança colectiva com a Grã-Bretanha
e a França contra o expansionismo da Alemanha nazi. Ainda assim,
quanto mais a república continuasse a resistir, mais absorveria os
recursos alemães e melhor seria para as defesas soviéticas. Por isso,
embora se acreditasse que o crédito concedido à república era irrecu­
perável, o dinheiro foi, para todos os efeitos, considerado bem gasto.
Uma vez que o apoio soviético era vital para que a república con­
tinuasse a resistir, Negrín tinha de manter totalmente em segredo os
seus esforços para conseguir mediação internacional. Isto explica, em
parte, a sua insistência para se encarregar pessoalmente da diplomacia.
Embora sob outros pretextos, Negrín realizou algumas viagens para
fora do país em 1938, durante as quais estabeleceu contactos discretos
e informais com representantes franquistas e com alguns políticos da
Alemanha nazi. Até mesmo os ministros do seu próprio governo eram
excluídos deste circuito de informações secretas, o que, com o passar
do tempo, acabaria por produzir mal-entendidos e criar desconten­
tamentos. Contudo, Negrín era inflexível no que respeitava ao secre­
tismo, porque se apercebia de que o conhecimento dos objectivos da
sua estratégia diplomática poria em causa a disponibilidade do exér­
cito republicano para combater e a dos civis para suportar a fome e
as privações. O próprio Negrín estava absolutamente convencido da
importância de uma resistência estratégica que visasse impor condi­
ções de paz a Franco. A principal preocupação do primeiro-ministro
{128}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
republicano era garantir que não se exerceriam represálias contra os
vencidos, embora também quisesse salvaguardar a integridade cons­
titucional e territorial de Espanha, que julgava comprometida pelas
ambições políticas e económicas da Itália e da Alemanha, países a
quem Franco ficaria a dever muito quando a guerra acabasse.
Negrín acreditava piamente que a capacidade de resistência da
república dependia, de forma decisiva, do estado psicológico dos
seus soldados e civis. Tudo tinha, então, de ser engrenado de modo
a melhorar, ou pelo menos manter, o moral republicano. Na frente
militar, isto fez com que, em Maio de 1938, as unidades de guerrilha
do exército republicano se envolvessem num inovador comando
operacional, libertando várias centenas de soldados que tinham sido
detidos numa prisão fortificada na costa do sul de Carchuna (Motril)
- para lá das linhas republicanas - durante a queda da frente norte,
no Outono de 1937. Esta acção não só elevou o moral nos dias atrozes
que se seguiram à longa retirada de Aragão, como também forneceu
uma fonte extremamente necessária de soldados treinados, depois
das perdas acumuladas durante o Outono e o Inverno anteriores. Na
«fuga da prisão» de Carchuna também participaram dois elementos
norte-americanos das Brigadas Internacionais, Irv Goff e Bill Aalto,
que combatiam na guerrilha desde o início de 1937.
A convicção de Negrín quanto à importância vital do estado de
espírito das tropas esteve na base da decisão, tomada no início de
Abril de 1938, de demitir do cargo de ministro da Guerra o seu grande
amigo Indalecio Prieto, o político mais importante da república do
pré-guerra. Inteligente e enérgico, Prieto notabilizou-se por assumir
em público o seu pessimismo em relação à gu erra. A situação ultra­
passou todas as marcas quando, no preciso momento em que Negrín
dava o seu máximo para assegurar que a fronteira francesa se man­
tinha aberta no rescaldo de Teruel, Prieto anunciou ao embaixador
francês que a república estava condenada. A diferença entre Negrín
e Prieto não residia no seu entendimento da conjuntura da república,
mas antes nas suas reacções subjectivas. O primeiro-ministro tirava
partido da adversidade, enquanto Prieto parecia desistir antes do
tempo. Negrín canalizava as suas energias para um aspecto específico
e concentrava-se apenas no assunto que tinha em mãos: como manter
A REPÚBLICA SITIADA
um exército no campo de batalha, abastecido e alimentado. Porém,
ao demitir Prieto, Negrín deixou a descoberto as crescentes divisões
no seio da classe política republicana.
Ao longo de 1938, agravaram-se as cisões políticas na república,
em proporção directa com as derrotas militares e diplomáticas que
lhe eram infligidas. Inevitavelmente, as enormes pressões externas
- as carências impostas pela não intervenção, o bloqueio dos portos
republicanos e um horizonte diplomático internacional cada vez mais
negro - começaram a evidenciar as diferenças políticas internas,
muitas das quais eram anteriores à guerra.
Uma das diferenças mais subtilmente destrutivas era a inimizade
entre o governo central republicano e o governo regional da Catalunha,
a Genera!itat. A principal consequência dos Dias de Maio de 1937, em
Barcelona, tinha sido a centralização do poder executivo. A Generalitat
perdera o controlo da ordem pública na Catalunha - que tinha sido a
jóia da coroa do seu estatuto de autonomia, concedido pela república
em 1932. Então, em Outubro de 1937, Negrín transferiu o governo
central republicano para Barcelona e assumiu o controlo directo da
indústria de guerra catalã, uma fonte indispensável de armamento após
a queda do norte industrial (cujo colapso também se devera, em parte,
às tensões entre centro e periferia). O moral da Catalunha foi forte­
mente afectado, visto tratar-se, de longe, da região com tradições polí­
ticas e culturais mais profundas em toda a Espanha. No entanto, para
o governo central republicano, composto por republicanos com uma
mentalidade altamente centralista, socialistas e comunistas, a lição dos
Dias de Maio foi a de que nada poderia alguma vez mais ameaçar a pro­
dução de armamento ou a resistência militar.
As relações entre os dois governos começaram a ser cada vez
mais dificultadas por esgotantes disputas jurisdicionais. As fontes
de fricção eram inúmeras, e iam desde os protestos contra a «impor­
tação» para a Catalunha de gestores fabris e polícias «estrangeiros»
(castelhanos) até às disputas, comparativamente menos importantes
- ainda que amargas - , sobre qual dos dois governos podia ocupar
gabinetes nos edifícios mais prestigiados da cidade. No Verão de 1938
houve também um sério embate por causa da decisão tomada pelo
primeiro-ministro no sentido de militarizar a justiça, o que implicou
{130}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
uma centralização ainda maior do poder, além de, em última instân­
cia, ter influenciado a saída dos representantes catalães (e bascos) do
executivo republicano, em Agosto.
Não restam dúvidas de que, durante a guerra, Negrín se mostrou
insensível ao nacionalismo político catalão, sobretudo porque o via
empenhado em quezílias provincianas e mesquinhas enquanto Roma
- neste caso, Espanha - ardia. Provavelmente, as inclinações de
Negrín, na tradição do centralismo clássico do republicanismo pro­
gressista, também o tornavam hostil ao catalanismo per se. Algumas
das suas declarações eram desnecessariamente inflamatórias. Mas a
principal acusação que lhe era dirigida pelos nacionalistas catalães
- a de que o seu constitucionalismo liberal era um embuste - não
resiste ao escrutínio. A partir do momento em que começou a fazer
política, Negrín defendeu medidas para fortalecer a ordem consti­
tucional espanhola (foi também por esta razão que, em 1932, ficou
Juan Negrín.
A REPÚBLICA SITIADA
{131}
praticamente isolado ao argumentar que a pena de morte devia ser
aplicada ao general Sanjurjo, líder da primeira revolta militar contra
a democracia republicana). Negrín abominava o anticonstituciona­
lismo dos comités revolucionários populares que abundavam na zona
republicana em 1936, da mesma maneira que não era solidário para
com o colectivismo - defendia uma economia de mercado liberal,
e muitas das medidas que tomou durante a guerra (Negrín chegara
a ministro do Tesouro em Setembro de 1936) foram concebidas para
reforçar este modelo, em detrimento do colectivismo e do anticapi­
talismo. Ao contrário de Franco, que castigava cidadãos espanhóis
devido às suas convicções e aos seus actos de omissão (isto é, por não
apoiarem activamente a revolta militar), enquanto primeiro-ministro,
Negrín pôs em marcha vários mecanismos judiciais para devolver as
propriedades expropriadas a todos os cidadãos espanhóis, indepen­
dentemente da sua cor política (desde que não tivessem estado direc­
tamente envolvidos no golpe militar), além de ter supervisionado a
implementação de medidas - por exemplo, nos serviços prisionais
- que visavam profissionalizar (e, consequentemente, despolitizar)
os critérios de contratação de funcionários. A declaração com os 13
objectivos de guerra da república, que Negrín tornou pública em
Maio de 1938 como base para a mediação da paz, reflectia um modelo
de constitucionalismo liberal.
Assumindo especial destaque entre os 13 pontos, contava-se a
afirmação da liberdade de consciência. Não se tratava meramente
de uma declaração de boas intenções para consumo externo. Para
Negrín, a normalização da posição da igreja católica constituía um
teste de fogo à constitucionalidade republicana. Embora fosse um
racionalista secular, Negrín não era anticlerical - na verdade, o seu
próprio irmão tinha recebido as ordens sagradas. Por volta do Verão
de 1937, o culto privado do catolicismo já era permitido, mas o passo
para a reabertura das igrejas era necessariamente mais lento. Não era,
decerto, por falta de vontade da parte de Negrín - como testemu­
nharam os democratas-cristãos catalães. Todavia, o apoio expresso
da hierarquia da igreja católica espanhola ao golpe de Franco tinha
criado um ambiente denso e carregado que não podia ser revertido
do dia para a noite. O primeiro-ministro agiu com cautela e discrição:
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
em meados de 1938, os seus esforços estavam a começar a dar frutos e,
em Outubro, com o apoio tácito do Vaticano, Negrín criou uma enti­
dade específica para supervisionar a reintrodução do culto público.
Primeiro, a iniciativa foi posta em prática na Catalunha e estava já
bem encaminhada quando essa região capitulou, no início de 1939.
O segundo grande foco de tensão na vida política da república
durante a guerra era a crescente fractura entre socialistas e comu­
nistas - os dois movimentos de massas que sustinham o esforço de
guerra. Esse conflito tinha as suas raízes em antigas rivalidades orga­
nizacionais e pessoais, que foram grandemente intensificadas pela
guerra. Em 1938, as rivalidades estavam a enredar-se fatalmente com
as disputas na cúpula socialista e com a alienação de uma série de líde­
res do partido em relação a Negrín, sobretudo após a saída de Prieto
do executivo. Em última análise, esses conflitos que tiveram lugar
durante a guerra foram fortemente impulsionados pela crescente
desmoralização e pelo desespero de muitos líderes socialistas que se
confrontavam com as dificuldades resultantes do isolamento da repú­
blica. Apesar de não terem alternativas para propor, esses líderes cri­
ticavam a estratégia de resistência de Negrín, que consideravam cada
vez mais irresponsável. Em parte, faziam-no por não estarem a par
do seu compromisso fundamental (intenso mas, obviamente, secreto)
com a diplomacia. Além do mais, também estavam ressentidos com o
facto de Negrín contar cada vez mais com quadros comunistas espa­
nhóis, em detrimento dos membros do seu próprio partido.
O que interessava a Negrín não era a ideologia comunista (de
facto, muitos comunistas pós-golpe militar eram relativamente fle­
xíveis em relação a este aspecto, embora inflexíveis no que se refere
ao modo como encaravam o seu movimento partidário enquanto
comunidade de eleitos). Similarmente, Negrín tinha consciência de
que a agenda do partido diferia da sua em matérias importantes. No
entanto, necessitava, no imediato, da disciplina inabalável dos comu­
nistas e, acima de tudo, do seu compromisso inquestionável com
uma política de resistência. Desse modo, a disciplina dos comunistas
tornou-se numa ferramenta para Negrín.
A disciplina partidária também reflectia, é certo, a política do
Comintern, apesar de os líderes comunistas espanhóis não serem
A REPÚBLICA SITIADA
meros porta-vozes da Internacional. Numa guerra em rápida progres­
são, tinham sido obrigados a construir uma liderança capaz de dar
resposta ao grande número de tarefas que o conflito exigia ao partido.
Além disso, os dirigentes comunistas espanhóis nem sempre estavam
de acordo com o Comintern. No Verão de 1937, quando a Internacio­
nal propôs que o partido defendesse novas eleições para o parlamento
republicano, os líderes espanhóis convergiram com as restantes for­
ças políticas republicanas na ideia de que tal seria contraproducente.
A proposta não avançou. Em 1938, os líderes do partido espanhol tam­
bém resistiram, com sucesso, às orientações do Comintern no sentido
de acabar com a representação ministerial comunista no executivo de
Negrín - como forma de tentar quebrar o impasse diplomático inter­
nacional. No fim, o Partido Comunista Espanhol haveria de pagar um
preço elevado pela sua associação à resistência militar total. À medida
que o cansaço de guerra ia aumentando e as pessoas começavam a per­
der a esperança perante o impasse diplomático, boa parte daqueles que
tinham aderido a organizações comunistas em 1936 começaram a des­
carregar a sua frustração e o seu desespero no partido.
A raiva também corroía a esperança. Na Primavera de 1938, a
república já era manifestamente incapaz de dar resposta às neces­
sidades quotidianas mais básicas da sua população civil, até porque
se deparava com vagas constantes de refugiados que chegavam dos
territórios conquistados pelos rebeldes: depois do colapso de Aragão,
vieram mais 25 mil refugiados, o que significa que, no final da guerra,
havia cerca de 600 mil refugiados na Espanha republicana, incluindo
200 mil crianças. As principais regiões produtoras de cereais perten­
ciam ao território franquista e a república nunca tinha conseguido
importar comida suficiente para responder às carências - por causa
da falta de fundos que resultava dos preços exorbitantes que tinha de
pagar pelo armamento, graças à não intervenção. Agora, a situação era
mais grave. O bloqueio franquista da costa mediterrânica implicava
que a região republicana do centro-sul não tivesse acesso a provisões.
A Catalunha também precisava urgentemente de comida.
Porém, a comunicação entre as duas zonas republicanas era extrema­
mente acidentada (até mesmo os contactos por rádio eram incertos
e intermitentes). Os submarinos alemães e italianos torpedeavam o
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
tráfego marítimo, tornando Barcelona inacessível a partir de Valên­
cia, excepto por via aérea. Mas os aviões tinham uma capacidade de
carga mais limitada e também estavam sujeitos a ataques inimigos.
A comida de que a Catalunha precisava tinha de vir de França, mas
as políticas de fronteira cada vez mais restritivas tornavam-na uma
fonte precária, para além do que, de qualquer das maneiras, a quan­
tidade de comida que chegava a território catalão não era suficiente,
nem de perto nem de longe, para satisfazer as necessidades. A Cata­
lunha, com o seu número exorbitante de refugiados, sofreu enormes
carências.
Por todo o território republicano, as privações e a degradação das
condições materiais conduziram a uma forte sensação de vulnerabili­
dade, isolamento e perigo. A legitimidade política da república ia-se
desgastando derrota após derrota e a crise de subsistência intensificou­
-se. Escassez de alimentos, inflação, êxodo populacional, prenúncios
de fome e de epidemias: todos estes factores tornaram impossível que
a república tivesse credibilidade para firmar (em termos de reforma
da previdência e de outros benefícios sociais) um contrato social com
aqueles que se sacrificavam por ela. A república já não conseguia per­
sonificar a visão de um futuro positivo e de progresso. Sob esta pres­
são tão intensa, com o moral em baixo e cercada por todas os lados, a
zona republicana tornava-se, inevitavelmente, cada vez mais militari­
zada - ainda que isso debilitasse a sua essência democrática. A guerra
- e, mais especificamente, a tentativa desesperada de manter viva a
resistência - consumia tudo.
Por volta de 1938, face à desesperante escassez de tropas, as auto­
ridades republicanas não tinham outra alternativa senão acelerar o
processo de conscrição e utilizar métodos cada vez mais agressivos
e intrusivos para o conseguir. Esta foi uma das principais funções
dos serviços de informações militares, cujos quadros procuravam
encorajar a denúncia daqueles que tentavam fugir ao serviço militar
obrigatório - os familiares apanhados a ajudá-los ou a encobri-los
podiam ser severamente punidos, ao abrigo da lei republicana. Isto
suscitava medo e ressentimento no seio de comunidades que eram
frequentemente muito pequenas, e teve efeitos bastante nefastos,
na medida em que gerou hostilidade em relação à república sitiada.
A REPÚBLICA SITIADA
Menino vendedor de rua na Espanha republicana.
Também nas áreas rurais, as tensões sociais aumentaram, em con­
sequência do facto de os soldados sobreviverem da terra. A política
do exército republicano proibia as «requisições» não oficiais, mas na
verdade elas acabavam por acontecer, especialmente em alturas de
grande stress e perturbação. Por exemplo, durante a grande retirada
de Aragão, após o desmembramento do território republicano em
Abril de 1938, foram cometidos vários actos de violência contra civis
- inclusive contra funcionários republicanos, como o polícia que foi
morto quando tentava impedir que os soldados em retirada roubas­
sem pão da padaria de uma aldeia.
O desânimo cada vez maior da população também forneceu um
terreno fértil à quinta coluna, cuja confiança e níveis de actividade
tinham sido impulsionados pelos sucessivos avanços territoriais
das forças de Franco e pelo conhecimento do estado de asfixia em
que o isolamento diplomático mantinha a república. À parte das
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
actividades isoladas de partidários franquistas, que disseminavam
rumores e informações erradas, todas as principais cidades republi­
canas tinham organizado redes de espiões e sabotadores que repre­
sentavam uma ameaça bem mais séria. Os serviços de informações
republicanos haviam desmantelado algumas dessas redes. Contudo,
lidar com o «inimigo interno» envolvia técnicas de vigilância e de
interrogatório que violavam o compromisso republicano para com
as garantias constitucionais e a igualdade de todos os cidadãos
perante a lei.
Este conflito entre os imperativos de guerra e a obrigação de
preservar as liberdades civis pelas quais se luta é algo que, ainda hoje,
afecta democracias bem mais consolidadas e em melhores condições
do que a república de Espanha. Este é, obviamente, um dilema com
o qual Franco nunca se confrontou: quer durante, quer após a guerra,
o Generalísimo reduziu o sistema judicial a um ramo do terror estatal.
Pelo contrário, a república comportou-se, durante o conflito, como
uma democracia em guerra. Os direitos constitucionais foram atro­
pelados quando Negrín criou tribunais especiais para julgar casos
de espionagem e de traição, mas, ainda assim, a república manteve
um enquadramento constitucional - feito particularmente admi­
rável, tendo em conta a insipiência da democracia republicana e a
sua condição de sitiada. A justiça investigava abusos cometidos pela
polícia e pelos serviços prisionais - que incluíam maus tratos aos
detidos e assassínios à margem da lei penal. O simples facto de essas
acções serem definidas como abusos é bastante revelador. Na zona
franquista, que nunca esteve cercada, a desumanização, a tortura e
a matança do inimigo não eram considerados abusos, mas antes um
profilático administrado pelo poder.
Nem mesmo quando a república se encontrava em luta pela
sobrevivência na derradeira e gigantesca Batalha do Ebro, entreJulho
e Novembro de 1938, as imensas pressões da guerra se sobrepuse­
ram às garantias constitucionais. Em Outubro de 1938, os líderes do
POUM foram levados a tribunal e condenados por terem apoiado,
em tempo de guerra, uma rebelião ilegal (a de Maio de 1937, em Bar­
celona) contra o estado republicano. Levá-los a tribunal nesta etapa
tardia do conflito implicava fazer deles um exemplo, com o objectivo
A REPÚBLICA SITIADA
{137}
de disciplinar a frente interna numa altura em que a sua desagregação
estava iminente. Mas o julgamento dos líderes do POUM não foi um
acontecimento de fachada. Apesar de todos os esforços do Partido
Comunista Espanhol no sentido de influenciar os procedimentos e
rebaixar os seus rivais - incluindo uma violenta campanha publici­
tária - o julgamento seguiu todos os trâmites constitucionais. Con­
tra todas as expectativas, a cultura política republicana manteve-se
democrática.
A ofensiva do Ebro, sem a qual o julgamento do POUM não pode
ser devidamente compreendido, foi também a última cartada da
república e teve três objectivos: impedir a tomada de Valência pelos
franquistas (primeiro tentada pelas forças italianas); restabelecer o
contacto com a Catalunha, o que permitiria reunir as duas zonas repu­
blicanas; e, em terceiro lugar, mostrar à comunidade internacional a
resiliência do exército republicano e a sua capacidade para planear
e implementar ofensivas. Um parecer dos Ministério dos Negócios
Estrangeiros britânico, elaborado no final de 1938, assinala que«a cam­
panha do Ebro foi, sem dúvida, uma grande vitória do governo [repu­
blicano}», e sublinha também que Franco estava mais dependente do
que nunca da Itália e da Alemanha, o que era especialmente verdade
em termos de aviação. Durante a Batalha do Ebro, houve combates
aéreos a uma escala sem precedentes na história bélica, a que só se
voltaria a assistir durante a Batalha de Inglaterra, na fase inicial da
Segunda Guerra Mundial.
Para garantir a superioridade da sua aviação, Franco pagou
à Alemanha em direitos de exploração mineira. Por mais que, em
1936, tivesse assegurado aos diplomatas britânicos que tal não acon­
teceria, em 1938 o Generalísimo precisava desesperadamente de mais
meios aéreos para vencer a guerra, o que implicava que estivesse dis­
posto a ceder em questões relativamente às quais se havia mostrado
renitente. O produto dessas valiosas concessões mineiras exerceu
um papel fundamental no programa de rearmamento alemão. Mas
a vantagem militar que Franco conquistou trouxe-lhe grandes
dividendos no curto prazo. As vias de comunicação republicanas
foram exaustivamente bombardeadas e, segundo o testemunho de
muitos elementos das Brigadas Internacionais, as suas tropas eram
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
empurradas para as encostas desabrigadas e rochosas pela força
incendiária das bombas.
Em termos militares, todas as potências participantes apro­
veitaram a oportunidade que a Guerra Civil de Espanha lhes ofe­
receu para ensaiarem estratégias e equipamento num cenário real
e prolongado de combate - embora esses benefícios fossem cola­
terais e não tivessem estado na origem da sua intervenção inicial.
A Alemanha e a União Soviética viam com agrado a oportunidade
de testarem novas tecnologias - sobretudo uma contra a outra, já
que se consideravam mutuamente como eventuais oponentes «terri­
toriais». Por isso, foi em Espanha que apareceram pela primeira vez
elementos daquilo que viria a ser a Blitzkrieg, ao passo que a União
Soviética beneficiou especialmente do facto de ter testado os seus
tanques e carros blindados. Mas foi a guerra aérea - em que parti­
ciparam quase três mil aviões - que marcou o conflito espanhol em
termos de inovação técnica e militar (por exemplo, o bombardea­
mento cirúrgico de alvos específicos ou as novas técnicas para lidar
com a artilharia antiaérea).
No final, em Novembro de 1938, a forças republicanas tiveram de
recuar pelo Rio Ebro, que em Julho haviam atravessado com grande
ingenuidade técnica, improvisação e tenacidade. Apesar de a escassez
de armamento e provisões ter colocado os problemas do costume,
houve, na Batalha do Ebro, uma diferença fundamental. Desta vez, a
retirada não aconteceu em função de uma derrota militar (a república
tinha sido capaz de deter o ataque de Franco a Valência), mas antes
por causa de uma derrota política absolutamente devastadora que
ocorreu a muitos quilómetros de Espanha.
No final de Setembro de 1938, em Munique, a Grã-Bretanha
e a França assinaram um acordo com as ditaduras alemã e italiana'
acordo esse que deu efectivamente luz verde a Hitler para invadir e
desmembrar a Checoslováquia, a única democracia ainda em funcio­
namento na Europa central e de leste. Ao ditarem por escrito o fim da
independência checa, as democracias ocidentais também mataram
a república espanhola, porque o acordo de Munique demonstrou o
seu compromisso aparentemente inquebrável com a conciliação das
potências fascistas. O impasse diplomático daí resultante enfraque-
A REPÚBLICA SITIADA
ceu a estratégia de resistência e a credibilidade de Negrín aos olhos de
muitos dos seus compatriotas, abatidos e desesperados com a guerra.
O acordo de Munique também foi, quase certamente, determinante
para a reconfiguração da política externa soviética que haveria, a seu
tempo, de conduzir ao pacto de não agressão assinado pela Alemanha
e pela União Soviética em Agosto de 1939.
A desmoralização induzida pelo sombrio horizonte interna­
cional explica, em parte, a rápida capitulação da Catalunha, em
Fevereiro de 1939. Aquilo que os bombardeamentos de Franco não
haviam conseguido alcançar era agora proporcionado pelos efei­
tos cumulativos da não intervenção e do isolamento diplomático
quase total da república. Como recorda uma testemunha, as pes­
soas começaram a ansiar pelo fim: «deixem simplesmente que isto
acabe - não importa como vai acabar, mas que acabe já». Enquanto
as tropas de Franco apertavam o cerco à Catalunha, em Fevereiro,
milhares de foragidos dirigiram-se para a fronteira, em direcção aos
campos de refugiados franceses.
Após a queda da Catalunha, Negrín planeava defender pelo
menos uma parte da zona centro-sul, como forma de aguentar
indefinidamente a situação até ao desbloqueamento da conjuntura
internacional - uma estratégia que, no mínimo, teria permitido um
processo de retirada controlada e a evacuação de todos aqueles que
corriam maior risco, à medida que fosse necessário. Negrín compre­
endeu algo que muito poucos líderes republicanos compreenderam:
que só uma resistência residual continuada podia abrir uma brecha
de negociação com Franco e os seus apoiantes. Assim que os repu­
blicanos baixassem as armas, Franco recusaria negociar o que quer
que fosse.
De acordo com os seus objectivos políticos de guerra, o Gene­
ralísimo estava interessado numa única via para a paz: a rendição
incondicional dos republicanos. Em 1939, promulgou os termos da
aterradora (e retroactiva) Lei das Responsabilidades Políticas, que
viria a permitir que o regime instaurasse uma repressão generalizada
e cuja publicação constituía, em si mesma, um acto de guerra. Acima
de tudo, essa lei constituiu uma resposta rotundamente negativa de
Franco à derradeira condição não negociável imposta por Negrín para
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
o cessar-fogo: a garantia de que não se exerceriam represálias contra
a população republicana derrotada. De facto, após a assinatura do
acordo de Munique, esta tinha sido a única condição não negociável
imposta por Negrín para pôr fim à guerra.
Mas as implicações de Munique espicaçaram outros líderes repu­
blicanos e socialistas que, tolhidos pelo desespero, ainda acreditavam,
contra todas as evidências, na quimera de uma paz negociada com
Franco. Em Março de 1939, as suas movimentações, combinadas com
a extrema saturação causada pela guerra em território republicano,
causaram uma complexa rebelião política e social em Madrid, contra
o governo de Madrid e o Partido Comunista Espanhol, as forças que
simbolizavam a resistência continuada. Foi então que a heterogenei­
dade da mobilização comunista se transformou num calcanhar de
Aquiles, com os oficiais do exército da zona centro que eram mem­
bros do partido a recusarem obedecer às ordens para continuarem
a resistir. Assim, foi a implosão política da república, mais do que a
sua derrota militar, que assegurou a vitória das forças de Franco na
guerra.
Esta implosão política revela, uma vez mais, quão fantasiosas
eram as alegações sobre a «sovietização» da república. Seja como for,
tais observações derivam de uma leitura profundamente anacrónica
da história - nomeadamente a de que a União Soviética que inter­
veio em Espanha em 1936 era já a superpotência política e económica
do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Mesmo depois
de 1945, a satelização continuou a depender de alguns pré-requisitos:
a proximidade geográfica, a existência de um exército vermelho e, de
preferência, uma cultura política minimamente compatível. Nenhum
destes requisitos se cumpria em Espanha. Não obstante a expansão do
movimento comunista espanhol durante a guerra, continuou a haver,
entre a classe política republicana e a cúpula soviética, um verdadeiro
abismo que nenhum intercâmbio diplomático ou político podia col­
matar. Além disso, o próprio movimento comunista era atipicamente
heterogéneo e, acima de tudo, como já vimos, não havia em Espanha
nada que equivalesse a um «exército vermelho».
A populosa e extensa zona republicana do centro-sul, que tinha
Madrid como capital, nunca fora militarmente tomada por Franco,
A REPÚBLICA SITIADA
tendo-lhe sido entregu e pelos oficiais de comando dos exércitos de
defesa durante o impasse político e diplomático de finais de Março
de 1939. O papel aí desempenhado pelas forças de uma quinta coluna
bem organizada, que, como veio a ser apurado, mantivera excelen­
tes comunicações com os franquistas, levanta questões que conti­
nuam por responder quanto ao seu peso na rebelião anti-Negrín,
que desestabilizou a resistência republicana. No meio do pânico e
da confusão, a armada republicana partiu de Cartagena, atracando
em Bizerta, no norte de África, onde foi retida pelas autoridades
francesas para ser entregue a Franco. As centenas de refugiados
republicanos aglomerados em Valência, Alicante, Gandía e outros
portos no leste da costa espanhola tinham perdido os seus únicos
meios viáveis de fuga a partir da zona centro-sul, rodeada de territó­
rio hostil e de mar. Uma pequena parte dos refugiados fugiu noutros
navios - sobretudo os que tinham dinheiro para pagar uma passa­
gem. Entre a maioria deixada para trás, alguns cometeram suicídio.
Os restantes foram conduzidos para os campos de concentração
montados pelas forças franquistas conquistadoras. Com a derrota
da república de Espanha, o poder de fogo nazi estava agora liberto
para outras iniciativas coloniais na Europa.
No princípio deJaneiro de 1937, quando Gõring se encontrou com
Mussolini em Roma, o líder alemão comentou que tudo teria de ficar
decidido no prazo máximo de três semanas. Se a Itália e a Alemanha
não conseguissem assegurar a vitória de Franco dentro desse prazo,
tudo estaria acabado, uma vez que, findo esse tempo, os britânicos
haveriam de despertar e impedi-los. Negrín nunca perdeu a esperança
de que, mais cedo ou mais tarde, a Grã-Bretanha e a França teriam
de acordar e enfrentar a Alemanha e a Itália, se quisessem manter a
sua vantagem imperial, nem que fosse por instinto de sobrevivência.
Quando tal acontecesse, até mesmo o cenário menos favorável impli­
caria que os apoiantes de Franco deixariam de poder continuar a coo­
perar, obrigando o Generalísimo a negociar com a república. Foi por isso
que Negrín continuou a resistir. Se a Inglaterra e a França lhe tivessem
dado ouvidos, então todo o curso da história europeia poderia ter sido
diferente: Anschluss, Munique, até mesmo a Segunda Guerra Mundial.
Mas os historiadores não lidam com especulações contrafactuais,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
por mais aprazíveis que se assemelhem. O facto demonstrável é que
Franco prestou um enorme serviço a Hitler ao alterar o equilíbrio de
poder europeu a favor do eixo germânico-italiano. Por sua vez, apesar
da política britânica, a resistência republicana espanhola conseguiu,
durante aproximadamente três anos, adiar outras formas de agressão
nazi na Europa e, ao fazê-lo, ofereceu à própria Grã-Bretanha um
valioso intervalo de tempo para se rearmar.
Lienas, 1936.
6. Vitória e derrota:
as guerras depois da guerra
A VITÓRIA de Franco na
gu erra civil representou o início de uma
..ll..tentativa de modernização económica de Espanha que, no
entanto, dispensou alguns dos traços característicos da modernidade:
a democracia política plena e o pluralismo cultural, simbolizados
pelos republicanos. Mais de 400 mil espanhóis procuraram protec­
ção no exílio. Alguns alcançaram relativa segurança no México e nas
Américas, mas milhares de outros foram sugados para o turbilhão de
guerra e aniquilação que atingiu a Europa.
As OUTRAS FRENTES DA ESPANHA REPUBLICANA
{...} um soldado solitário, ostentando a bandeira de um país que não é o seu, de
Morei/, 1939.
um país que é todos os países e que apenas existe porque esse soldado ergue a sua
bandeira abolida [...} emfarrapos, empoeirado e anónimo, uma pequenafigura
naquele mar resplandecente de areia sem fim, caminhando em frente{...} sem
saber muito bem para onde vai, nem com quem, nem por quê, sem se importar
muito com isso, desde que seja emfrente, emfrente, sempre emfrente.
]AVIER CERCAS, Soldados de Salamina
Os civis e soldados republicanos que atravessavam a fronteira
da Catalunha para França em Fevereiro de 1939 eram imediatamente
detidos pelas autoridades hostis em campos de detenção onde a falta
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
.
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
serviço militar obrigatório confinado), ou ser destacado para brigadas
de trabalho semimilitarizadas. Dos 60 mil que deixaram os campos
(mais de cem mil ficaram), a maioria escolheu estas brigadas, e, entre
estes, a maior parte foi enviada para reforçar a Linha Maginot, no nor­
deste de França. Aí, os republicanos das brigadas de trabalho lutaram
contra a invasão alemã entre Maio e Junho de 1940, e foi ao longo
destas linhas de retirada que levaram a cabo os primeiros actos de
resistência contra as forças de ocupação.
Alguns republicanos passaram directamente para diversas for­
mas de resistência clandestina. Outros juntaram-se-lhes mais tarde,
depois de fugirem dos campos onde tinham sido novamente detidos.
A situação tornou-se mais difícil no Inverno de 1940, altura em que
muitos veteranos republicanos (incluindo combatentes estrangei­
ros) foram submetidos ao duro regime dos campos penais de Gurs
e Vernet d'Ariege, de onde vários foram mandados para campos de
concentração no norte de África. Outros foram detidos em campos
para prisioneiros de guerra (stalags), nos quais os nazis inicialmente
confinavam os espanhóis republicanos que capturavam a combater no
Marcha vitoriosa de Franco em Madrid
de condições de saneamento básico e de abrigo provocaram a mor­
tandade entre os prisioneiros, já de si enfraquecidos pelas privações
da guerra. Juntamente com os espanhóis republicanos foram detidos
outros combatentes estrangeiros impossibilitados de regressar aos
países de origem. Aqueles que puderam, fugiram. Enquanto refu­
giados políticos, as opções, tanto para os republicanos como para os
outros combatentes, eram sombrias e brutais. A Frente Popular fora
extinta em França, como em Espanha, e os republicanos eram vistos
pelo governo de Daladier com desconfiança e desdém. Foi feito um
grande esforço para o repatriamento voluntário dos refugiados espa­
nhóis, uma opção escolhida por cerca de 70 mil, em Março de 1939. Ao
fim de alguns meses, e com as mulheres e crianças colocadas noutros
locais, foi dada à população masculina que permanecia em campos
franceses a possibilidade de escolher entre permanecer em detenção,
integrar a Legião Estrangeira, os Bataillons de marche (uma espécie de
- - ...
-
� __,.
'
-
Campo de refugiados republicano no sudoeste de Franca, em Março de I939 (houve vários; o que
aparece nafotografia é o de Argeles-sur-Mer ou o de Le Barcares).
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
exército francês. Os espanhóis utilizados como trabalhadores estran­
geiros nos destacamentos de Vichy, em trabalhos rurais ou florestais,
depressa se envolveram em actos de sabotagem. Para muitos refugia­
dos republicanos, o caminho para a resistência começava logo com a
necessidade de sobrevivência quotidiana. Constituíam uma percen­
tagem significativa de uma classe que um historiador da Resistência
classificou como «civis irregulares». Desesperados para evitar a deten­
ção ou o repatriamento, os republicanos mantinham a sua existência
confinada às margens sociais e económicas da sociedade, fazendo o
possível por passar despercebidos junto dos oficiais de Vichy e das
forças de ocupação. Num espírito de entreajuda pela sobrevivência,
criaram redes de solidariedade que, com o tempo, se transformaram
em redes de resistência. A precariedade da vida dos refugiados levou a
que os republicanos aprendessem à custa da experiência que nem sem­
pre existia uma linha divisória clara entre sobrevivência e resistência.
Mas, entre os que se envolviam activamente na resistência, havia uma
forte consciência de que, ao defender a tradição republicana francesa,
davam continuidade à luta colectiva que tinham deixado para trás em
Espanha, em Fevereiro de 1939.
O maquis, na sua fase inicial de 1941, no sudeste de França, cresceu
a partir dos conhecimentos militares práticos, técnicas e experiência
dos veteranos espanhóis republicanos. Eram eles quem conhecia as
técnicas de sabotagem - como produzir bombas a partir de restos,
fazer emboscadas ou desviar um comboio sem utilizar explosivos.
As mulheres também se envolviam nas operações, cabendo-lhes fre­
quentemente o perigoso e crucial trabalho de ligação. Os republica­
nos integravam ainda as redes clandestinas que apoiavam os serviços
de contra-informação aliada e organizavam operações de fuga entre
França e Espanha. Estas funcionavam nas duas direcções, mobili­
zando pessoal militar aliado e civis em perigo, bem como recolhendo
agentes aliados e refugiados republicanos em risco de detenção (ou
pior) pelo regime de Franco. Uma das mulheres envolvidas no traba­
lho de ligação foi Neus Catalã, filha de agricultores de Tarragona e
membro do Partido Comunista Catalão. Em Fevereiro de 1944, foi
deportada para Ravensbrück no maior comboio de mulheres alguma
vez enviado de França, e do qual fizeram parte 27 espanholas republi-
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
Anónimo espanhol, 1937.
canas. Catalã sobreviveu e, depois da guerra, recolheu testemunhos
de outras resistentes republicanas e deportadas. Mas foram precisos
40 anos - até ao fim do franquismo - para que o seu livro fosse
publicado em Espanha.
A partir do final de 1942, as consequências da ocupação nazi, e em
especial a política de trabalhos forçados, estimularam a resistência
em larga escala na Europa. Nessa linha, o maquis republicano espanhol
tornou-se parte do movimento multiforme e em expansão da resis­
tência rural e urbana em França. Os espanhóis que lutavam no maquis
em França levavam a cabo o mesmo tipo de guerrilha de sabotagem,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
propaganda e sobrevivência que os seus compatriotas republic anos
que tinham ficado em Espanha e que actuavam como uma guerrilha
local contra as forças de segurança de Franco. Tenha permanecido por
escolha ou necessidade, o maquis republicano em Espanha entendia a
sua própria luta como outra frente na guerra de resistência que emer­
giu na Europa em 1943 contra a discriminação racial, étnica e social
defendida pelos nazis e seus colaboradores.
Em nenhum outro sít io a nova ordem de Hitler foi tão br ut al
como na frente oriental. Também ali se encontravam espanhóis repu­
blicanos a combater o exército alemão. Ironicamente, muitos deles
tinham sido afastados, ainda jovens, da devastação da guerra no norte
de Espanha, em 1937, e enviados para a União Soviética (entre outros
dest inos) como fo rma de p rotecção cont ra os bombardeamentos
aéreos em massa inflig idos às cidades republic an as pelos apoiantes
nazis e fascistas de Franco. Havia cerca de três mil crianças refugia­
das na União Soviética provenientes da Espanha republicana. Cerca
de dois mil adultos chegaram mais tarde, essencialmente durante a
diáspo ra de 1939. E ram sobretudo militares e quadros políticos liga­
dos ao movimento comunista espanhol. Todos, sem excepção, foram
forçados a integrar o vasto e duro esforço de mobilização da União
Soviética para a guerra, na sequência da invasão alemã de 1941. Estes
republicanos que ser viram como combatentes integravam essencial­
mente unidades de guerrilha: alguns eram pilotos, e vários homens e
mulheres serviram como soldados e enfermeiras na defesa de Lenine­
grado e de Moscovo. Também eles combateram e morreram em Esta­
linegrado. Dos cerca de 700 republicanos que combateram na frente
orient al, ap roximadamente 300 foram mortos, incluindo os filhos
únicos de duas importantes políticas republicanas: Rubén, de 22 anos,
filho da famosa Dolores Ibárruri (Pasionaria), morreu em Est aline­
grado em Setembro de 1942; Santiago, também de 22 anos, filho de
Margarita Nelken, a deputada que mais defendeu o direito dos pobres
sem terra, morreu em combate na Ucrânia, emJaneiro de 1944.
A lut a permanente pela democracia republic ana espanhola era
evidente em todas as frentes, incluindo em África. Quando se deu a
queda de França em Junho de 1940, mais de dois mil veteranos espa­
nhóis republicanos viram-se espalhados pelas várias forças francesas
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
p resentes nas colónias e territó rios dependentes, desde a Síria ao
Ma g rebe. Cerc a de 300 desses republic anos eram já vete ranos da
missão levada a cabo por forças anglo-francesas, em Abril, em Nar­
vik (Noruega), na qual a 13. ª Semibrigada (composta na totalidade por
espanhóis) da Legião Estrangeira Francesa tinha actuado como tropa
de choque, sofrendo elevadas baixas em consequênc ia do confronto.
Quando a maioria das auto rid ades fr ancesas no Mag rebe aceitou a
auto ridade de Vichy; os veteranos republic anos que puderam fazê-lo
juntaram-se às forças francesas de De Gaulle. Para muitos, isso impli­
cou a t ravessia do deserto do Sara desde Marrocos e Algéria até ao
Chade, na África equatorial francesa, para se alistarem na 22. ª Divisão
Armada do general Leclerc. Esta força lutou na Líbia e noutros locais
do norte de África em conjunto com a 8. ª Armada Britânica. A divisão
de Leclerc, que integrou o desembarque na Normandia, foi o primeiro
contingente aliado a ent rar em Paris, em Agosto de 1944.
Os republicanos que lut aram nas forças de Leclerc baptizaram
os seus t anques como «Guadalajara», «Brunete», «Belchite», «Ebro»
e «M ad rid», de acordo com as bat alhas e lug ares da Guerra Civ il de
Espanha, para onde esperavam voltar quando reg ressassem do exílio.
Consideravam-se afortunados por pode rem combate r, já que mu i­
tos dos seus camaradas tinham padecido ou morrido nos campos de
concentração de Vichy; no norte de África. Muitos t inham ainda de
suport ar as condições desesperantes nas brig adas de t rabalho for­
çado, inclusive os que est avam a ser usados como força de t rabalho
na construção da linha férrea t rans-sariana. Aí trabalhavam também
out ros refug iados eu ropeus do fasc ismo que se t inham alist ado na
Legião Estrangeira, tal como os espanhóis republicanos, como forma
de luta contra a nova ordem nazi.
{...} com outros cinco homens da Legião Estrangeira{...} Miralles {...}
o{espanhol republicano} veterano de todas as guerras{...} fez parte do
ataque ao oásis italiano de Murzak, no sudeste da Líbia{emJaneiro de
1941}.{ ...}«Imagine-se{...}» disse Bolafio{...} como se ele próprio esti­
vesse a descobrir a história, ou o significado da história, à medida que a
contava.«Toda a Europa controlada pelos nazis e, no meio do nada, sem
que ninguém soubesse, lá estavam eles - quatro norte-africanos, um
{!52}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
tipo preto e aquele raio daquele espanhol [...} erguendo a bandeira da
liberdade pela primeira vez em muitos meses.»
A heterogénea composição étnica das forças livres francesas,
sublinhada aqui por]avier Cercas no seu romance de época, Soldados
de Salamina, assume uma importância central para o significado da
guerra. Miralles, o «veterano de todas as guerras» e personagem ficcio­
nal de Cercas que participa na odisseia dos espanhóis republicanos no
deserto do Magrebe (via Chade) até à Líbia, é um dos soldados mesti­
ços de Hitler e Franco que, com o seu anti-heroísmo, salvam a Europa
do ideal fascista de pureza racial e virtude marcial. No romance, estes
soldados «voluntariam-se» para combater em Murzak, tirando à sorte
e perdendo. A sua própria «virtude» nasce do pragmatismo e das con­
tingências, e surge apenas por oposição à pureza mortífera e à cate­
gorização brutal contra as quais eles lutam. Neste processo, como
Cercas sublinha, foram eles, e não os seus oponentes que citavam
Spengler, os soldados que salvaram a civilização no último minuto.
Também na metrópole francesa, a energia dos espanhóis «ver­
melhos», como lhes chamavam os nazis e os franquistas, constituía
um forte incentivo aos movimentos de resistência no sul e no norte.
O XIV Corpo do Exército Republicano Espanhol exercia grande
influência no sul de França. Durante a guerra civil, tinha levado a
cabo formas de combate de guerrilha e de comando inovadoras, a
uma escala da qual só agora, através da pesquisa dos arquivos, se está
a tomar consciência. No Outono de 1943, o XIV Corpo foi mais ou
menos assimilado pelos Franc-tireurs etpartisans (FTP), um dos pilares
centrais da Resistência Francesa. Um aliado próximo do FTP era 0
movimento urbano MOI (Main d'oeuvre immigrée), cujo cosmopoli­
tismo cultural, heterogeneidade racial e radicalismo político se trans­
formou na antítese viva da nova ordem de Hitler.
O MOI foi buscar as suas origens aos veteranos das Brigadas
Internacionais - que, na sua maioria, tinham fugido dos campos de
prisioneiros de Gurs - e à tradição do internacionalismo de esquerda
que tinha estado na base do seu envolvimento na Guerra Civil de
Espanha. Além de combatentes republicanos franceses e espanhóis,
o MOI incluía italianos, romenos, arménios, polacos, austríacos,
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
{153}
checos e húngaros. Tal como nas Brigadas Internacionais, muitos
elementos do MOI, provavelmente mais de metade, eram judeus.
Com este perfil, o MOI sofreu uma pressão psicológica maior do que
qualquer outra organização de resistência. Não só os riscos eram mais
elevados no ambiente urbano, como a maioria dos seus elementos
fazia parte da lista dos mais procurados, devido a três razões cumula­
tivas: por serem de esquerda, estrangeiros e judeus. A execução de 22
combatentes do MOI - muitos dos quais tinham lutado em Espanha
-, em Fevereiro de 1944, após esta organização ter infligido sérias
perdas às forças de ocupação emParis, deu origem ao famoso «cartaz
vermelho» que os nazis colaram às centenas nas paredes da cidade.
O 23.º membro do MOI condenado à morte era uma mulher romena,
Olga Bancic, que foi executada na Alemanha alguns meses depois.
A tentativa de, com este cartaz, deslegitimar a resistência ape­
lando ao chauvinismo francês documenta algo de substancialmente
diferente: que a guerra contra a nova ordem era uma guerra civil den­
tro e entre os países europeus, cujo significado tomava corpo nas for­
ças multi-étnicas e cosmopolitas dos resistentes. A partir de 1943, o
FTP em Paris era também dirigido por dois espanhóis veteranos, e
incluía o combatente francês Henri Rol-Tanguy; cujo nome de guerra,
Rol, advinha do segundo apelido que tinha adoptado em 1938, em
memória de um camarada morto na Batalha do Ebro.
Ofamoso «cartaz vermelho» produzido pelos nazis
mostra os rostos de ro dos 22 combatentes da resis­
tência FTP-MOI capturados e executados em Paris,
em Fevereiro de 1944. Muitos dosfundadores do
MOI eram republicanos ou membros das Brigadas
Internacionais que se tinham evadido do campo prisio­
nal de Gurs. Três dos dez elementos aquifotografados
tinham combatido em Espanha ao lado da república:
Celestino Afonso, Shloime Grzywacz e Francisc Wolf,
cujo nome de guerra era Joseph Boczo.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Foi também a uma unidade espanhola republicana que o gene­
ral Leclerc atribuiu a honra de assumir uma posição de vanguarda na
libertação de Paris. Foi em parte pelo reconhecimento do contributo
espanhol para a Resistência - mais de dez mil combatentes, em 1944
- mas também porque «Paris» era uma antecâmara simbólica para a
libertação de Madrid, onde, esperavam fervorosamente os exilados,
os aliados iriam concluir a tarefa começada pela guerrilha. Mas, em
menos de um ano, os republicanos perderiam definitivamente a bata­
lha por Madrid. Afinal, a libertação da Europa pelos aliados terminou
nos Pirenéus. No Outono de 1944, os veteranos republicanos foram
deixados sozinhos a atravessar a fronteira, tendo sido novamente
expulsos pelas forças de Franco e forçados a regressar a França, desta
vez para um exílio definitivo. Hitler foi derrotado em 1945, mas Franco
estava bem encaminhado para ganhar a Segunda Guerra Mundial. O
seu regime ditatorial foi deixado intacto pelas potências ocidentais,
cada vez mais preocupadas com as cisões da Guerra Fria e dispostas
a fechar os olhos aos assassínios em massa e à repressão em Espanha,
em troca do compromisso reiterado de Franco no que se refere ao
combate ao comunismo.
Este fechar de olhos aconteceu apesar do importante papel desem­
penhado por Espanha no apoio ao Eixo durante praticamente toda
a Segunda Guerra Mundial, contrariando o seu estatuto formal de
estado não beligerante. De facto, a sua importância advinha precisa­
mente desse estatuto. Franco, que só pôs fim às relações diplomáticas
com o Terceiro Reich no dia da vitória, a 8 de Maio de 1945, fornecia
a Hitler matérias-primas estratégicas, alimentos e trabalho. Permitia
ainda o reabastecimento e os fornecimentos dos submarinos, autori­
zava o acesso dos alemães aos radares, ao reconhecimento aéreo e às
instalações de espionagem espanholas, além de lhes dar acesso aos
serviços de propaganda espanhóis na América Latina. Este auxílio nas­
ceu da profunda afinidade ideológica entre o franquismo espanhol e
o nazismo alemão. A afinidade tornava-se patente na forte influência
que a Gestapo exercia sobre o aparelho policial espanhol e na forma
como a imprensa falangista divulgava os materiais de propaganda nazis
como se fossem notícias. Mas a consequência mais conhecida desta
afinidade foi o envio, em 1941, da Divisão Azul falangista, que levou
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
cerca de 47 mil soldados espanhóis a combater ao lado do exército do
Terceiro Reich na frente oriental. A consequência menos conhecida foi
a complacência de Franco, que autorizou os nazis a anularem o estatuto
de prisioneiros de guerra a milhares de prisioneiros espanhóis republi­
canos que tinham em seu poder, permitindo desta forma que fossem
transferidos dos stalags para campos de concentração.
Foi a recusa do regime de Franco em reconhecer a nacionalidade
aos prisioneiros espanhóis que abriu a porta às deportações. De facto,
as autoridades nazis anunciaram esta sua política a 25 de Setembro
de 1940, durante uma visita à Alemanha do número dois de Franco,
Ramón Serrano Suiier, ministro do Interior (e também dos Negócios
Estrangeiros, a partir de Outubro de 1940), e que era ainda o líder da
Falange, o partido fascista (e único). Na sequência desta política, os
republicanos espanhóis foram detidos em diversos campos de con­
centração: Dachau, Oranienburg, Buchenwald, Flossenburg, Ravens­
brück, Auschwitz, Bergen-Belsen, Neuengamme, e sobretudo, em
Mauthausen. Muitos dos prisioneiros republicanos ostentavam na
farda o triângu lo azul atribuído aos que não tinham nacionalidade.
Mas alguns tinham também o triângulo vermelho atribuído aos depor­
tados políticos, sendo classificados pela burocracia nazi como Nacht
und Nebel: prisioneiros cujas actividades antifascistas os condenavam
ao esquecimento deliberado, como parecia indicar a alusão wagne­
riana «noite e nevoeiro», a partir da qual tinham sido classificados.
Cerca de dez mil republicanos espanhóis morreram em campos
de concentração nazis - um número que é igual ou mesmo superior
ao dos que morreram em combate na Segunda Guerra Mundial (este
número é difícil de calcular com rigor, mas as estimativas - que têm
em conta os combatentes com uniforme e os de guerrilha - apontam
para cerca de seis a dez mil). Algu ns deles, como Diego Morales,
outro veterano de várias gu erras, sobreviveram às dificuldades de
Buchenwald, para morrer «estupidamente» de disenteria depois de o
campo ser libertado. A história de Morales é conhecida porque ele é
recordado no comovente livro de memórias A Escrita ou a Vida, do
seu camarada de resistência e colega de deportação,Jorge Semprún.
Filho de um diplomata republicano espanhol, Semprún sobreviveu à
deportação, para se tornar num dos líderes da resistência clandestina
{156}
BREVE HIS TÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
a Franco na década de 50 e no início da de 60, e, muito tempo depois,
ministro da Cultura de Espanha, no governo social-democrata. Na
sua obra, especialmente em A Escrita ou a Vida, Semprún deixou-nos
alguns dos mais notáveis textos sob re o significado dos campos de
concentração na cultura e memória europeias. Semprún optou po r
escrever em francês, já que o castelhano se tinha transformado, para
ele, num símbolo da ocupação política e cultural do inimigo.
De todos os campos de concentração, Mauthausen era o mais ter­
rível para os republicanos: 7200 foram aqui encarcerados; destes, cinco
mil morreram - o que representa metade de todos os espanhóis que
morreram em campos nazis. O campo de Mauthausen deixou-nos um
importante acervo de documentação visual, constituído por fotografias
tiradas sobretudo pelas suas autoridades. Quando se tornou evidente a
inexorável derrota da Alemanha, ordenou-se a destruição dessas foto­
grafias, mas uma quantidade considerável foi posta a salvo por um grupo
de prisioneiros republicanos, incluindo dois catalães, Antonio García e
Francisco Boix. O jovem Boix, que em 1936, aos 16 anos, tinha fotogra­
fado em Barcelona a energia e a mobilização cheia de esperança da juven­
tude socialista e comunista à qual pertencia, conseguiu, no início de 1945,
graças à rede de solidariedade existente dentro do campo, enviar para o
exterior uma grande quantidade de fotografias através de um grupo de
jovens espanhóis, também prisioneiros, que tinham sido contratados
para trabalhar numa pedreira privada na vila de Mauthausen.
As fotografias fo ram então escondidas po r uma mulhe r, Anna
Pointne r, que estava ligada ao movimento socialista austríaco. As
traseiras do seu jardim davam para a pedreira. Quando o campo foi
libertado em Maio, Boix recuperou as fotografias no caminho para
Paris. São p rovas únicas tanto em quantidade como em qualidade,
e fo ram mais tarde usadas nos julgamentos de Nuremberga, onde o
próprio Boix testemunhou. Das fotografias inicialmente preservadas
pelos prisioneiros do campo, restam ainda hoje cerca de mil. Depois
da guerra, Boix trabalhou como repórter fotográfico em França, mas,
com a saúde arr uinada pela detenção no campo, foi assolado po r
doenças. Morreu aos 30 anos, em 1951, depois de os seus rins deixarem
de funcionar - mais uma entre muitas mortes «estúpidas», como as
classifica cruamente Semprún.
VI TÓRIA E DERRO T A: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
.�
Francisco Boix, o adolescente que
em 1937 tinha levado consigo para
afrente espanhola uma máquina
fotográfica,foi deportado, em
1941, de um stalagpara o campo
de concentração de Mauthausen,
ondefoi nomeadofotógrafo oficial
'
do campo. Boixfora capturado
•
de
brigada
juntamente com uma
trabalhofrancesa da qual vários
amigos tinham tentado,
em vão, libertá-lo.
Ü VOLKSGEMEINSCHAFT DE FRANCO
Aqui a centelha do espírito humano é uma vaga recordação,
uma história perdida.
AGUSTÍ BARTRA, Tercera elegia
Neste lugar, nada vos pertence.
1942
Guarda prisional da prisão de Les Corts, Barcelona,
Os campos e a «guerra sem limites» também existiam dentro de
Espanha, onde o p róp rio pai de Francisco Boix morreu como preso
político, em 1942. Tal como na nova ordem nazi à qual aspirava per­
tencer, também a Espanha franquista estava a ser construída como
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
uma sociedade monolítica, através da exclusão brutal de determina­
das categorias de pessoas.
Os excluídos, em termos genéricos, representavam eleitorados
republic anos derrotados que não podiam abandonar Espanha: eram
trabalhadores urbanos, camponeses sem terra, regionalistas nac io­
nalist as, profissionais liberais e represent antes da «nova» mulher
- grupos que tinham desafiado a ordem cultural, política e econó­
mica estabelecida. Para o regime de Franco, eram todos «vermelhos»
e, estando fo ra do sistema, não lhes eram reconhecidos quaisquer
direitos.
Dezenas de milhares de pessoas fo ram execut adas - assassi­
nadas por ordem judicial depois de julgamentos militares sumários.
Centenas de milhares de out ros homens, mulheres e crianças pas­
saram por aquilo a que os historiadores hoje chamam «o un iverso
penal» do franquismo: refo rmatórios e prisões, campos de concen­
tração e batalhões de trabalhos forçados, nos quais as forças milita­
res dest ac adas para os org an izar se refe riam a si próprias como «o
exército de ocupação». Os detidos eram alvo de esfo rços brutais e
continuados para que mudassem a suas consciências e valores. Com
esta finalidade, dezenas de milhares fo ram coagidos, maltratados e
humilhados numa base diária. Às vezes, a pressão aplicada era ainda
maior. Matilde Landa, uma proeminente activista política cuja con­
denação à morte fo i comutada para prisão perpétua em 1939, usou
a experiênc ia que t inha da lei para c riar um dos primeiros ser viços
legais de apoio aos prisioneiros. Em parte devido à sua fama, e tam­
bém pelo facto de ser uma mulher com educação nascida em «bom
berço», e por isso considerada recuperável segundo a doutrina do
regime, teve direito a repet idos esfo rços para que repudiasse as suas
ideias polític as e aceitasse o baptismo e a confissão. Foi-lhe até pro­
metida a liberdade c aso fizesse uma retract ação públic a. Quando
tudo isto falhou, Landa fo i encarcerada repet idamente em solitá­
rias por períodos c ada vez mais longos. Transferida de Madrid para
a prisão de mulheres de Palm a de Maiorc a, aí continuou o regime de
coerção, até que, a 26 de Setembro de 1942, Matilde Landa caiu para
a morte de uma janela no interior da prisão, possivelmente num acto
de suicídio.
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
Prisioneiros políticos republicanos num estabelecimento
prisional espanhol, em 1952 (peíí.al de Ocaíía).
Entre as outras vítimas da visão franquista do mundo contaram­
-se também as «crianças perdidas». Destas faziam parte os bebés ou
crianças que, depois de serem retirados às mães quando estas eram
detidas, viam os seus nomes alterados para serem adoptadas por
famílias do regime. Milhares de crianças da classe trabalhadora foram
também enviadas para instituições, após as suas famílias terem sido
consideradas pelas autoridades como inapt as para as educarem. O
regime de Franco falava em «protecção de menores». Todavia, a ideia
de protecção estava intimamente ligada aos discursos de cast igo e
purific ação. Em teoria, a pun ição era para os pais, a «redenção» ou
«reabilit ação» para as c rianças. Mas, na realidade, como as crian­
ças republic anas sent iram na pele, a ideia de que deviam expiar os
«pecados dos pais» estava profundamente enraizada na mente dos
funcionários do estado (em especial, mas não só, na dos religiosos).
Ao mesmo tempo, era repetidamente dito às crianças que também
elas eram irrecuperáveis. Assim sendo, tornavam-se muitas vezes alvo
de segregação por parte de colegas nas instituições estatais, além de
sofrerem outras fo rmas de maus-tratos físicos e psicológicos.
Um a das c rianças que passou po r um c ampo de concentração
nazi e t ambém por um refo rmatório fr anquista em B arcelon a nos
anos 40 esc reveu sobre as semelhanç as ent re as duas inst ituições,
{I6oJ
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
considerando-as fábricas de desumanização. Outra «criança perdida»
que passou pelas instituições franquistas afi rmou, em entrevista para
um documentário televisivo nos anos 70, que o seu «verdadeiro eu»
tinha morrido quando estivera sob detenção nos anos 40. A sua decla­
ração faz lembrar a ideia de revenant dos c ampos de concentração.
Como notou Jorge Semprún, não se «regressava» dos campos, a não
ser como fantasma.
Também o trabalho era apresentado, na Espanha dos anos 40,
como uma forma de redenção dos pecadores. Os prisioneiros republi­
canos foram usados como mão-de-obra escrava: 20 mil trabalharam na
construção da basílica do Vale dos Caídos, o monumento que Franco
consagrou à vitória das suas fo rças na guerra civil. Os batalhões de tra­
balho republicanos fo ram também usados no exército e em empresas
privadas. A agência estatal responsável pela sua supervisão era o cha­
mado comité para a redenção das penas de prisão através do trabalho.
As noções católicas de penitência e expiação através do sofrimento
permitiam esta exploração económica extrema.
Os alvos mais atingidos pela disciplina penal do regime fo ram,
como se ria de espe rar, os t rab alh adores u rbanos - o eleitorado
republicano por excelência, agora prost rado pela derrota. Os histo­
riado res podem inte rrogar-se se, caso tivessem saído vitoriosos, os
republicanos te ri am conseguido manter o apoio dos trabalhadores,
tendo em conta as pesadas consequências económicas resultantes
da reconst r ução do p aís. Ce rto é que o regime de F ranco nunca
enfrentou este problema, tendo excluído abertamente um elevado
número de t rabalhadores urbanos e rurais da sua definição de comu­
nidade nacional, e conferindo uma justificação ideológica à explo­
ração económic a feit a em nome do « renascimento nacion al». Os
salários abaixo do nível de subsistência assim justificados ajudaram
à acumul ação acele rad a dos luc ros dos bancos, da indúst ria e dos
grandes proprietários ao longo d a década de 40. A repressão tam­
bém exerceu um papel importante no crescimento económico dos
anos 60, ao garantir a «estabilidade» que tornava a Espanha at ractiva
aos olhos dos investido res est rangeiros.
A exclusão social no regime de Franco não tinha como alvo uma
classe específica. Houve várias purgas entre o funcionalismo público,
{I6I}
em especial entre professores das universidades e das escolas, levando
a que um grande número de profissionais espanhóis de classe média
se juntasse ao grupo dos excluídos. A repressão cultural foi particu­
larmente sentida no País B asco e sobretudo na Catalunha, onde os
movimentos políticos populares tinham des afi ado o conceito de
um estado castelhano ultracentralizado. Durante algum tempo, foi
banido o uso das línguas basca e catalã. Em toda a Espanha, um quarto
dos professores perdeu o direito a exercer a sua profissão. Os republi­
canos eram também fo rçados ao exílio interno e os seus filhos excluí­
dos das universidades. Foi o caso de Magdalena Maes, que pertencia
a uma família influente da classe média de Zamora, mas que, por ser
sobrinha de Amparo B arayón (cujo assassínio extrajudicial já foi refe­
rido no capítulo 2), não pôde prosseguir os estudos nem a carreira de
jornalista que tinha escolhido.
Para os civis, a guerra i ria continuar ao longo dos anos 40, at ra­
vés de dive rsas fo rmas de repressão institucionaliz ada e de discri­
minação a partir das quais o regime foi construído. Nenhuma esfera
est av a imune à mobiliz ação ideológic a fr anquist a : o emp rego e a
educação, como já se viu, mas também o direito, a economia, a cul­
tura e a próp ria organiz ação da vida quotidiana e do espaço público.
Através de todos estes canais, o regime estava empenhado na cons­
t rução de uma divisão maniqueísta dos espanhóis entre vitoriosos e
vencidos.
A própria história ser viu de instrumento nesta tarefa de exclu­
são. Franco legitimou a sua violenta nova o rdem tendo como refe­
rência uma leitu ra ult raconse r v ado ra d a histó ri a - que tinha sido
significativamente desafiada durante o regime republicano. O Gene­
ralísimo erigiu um mito de nação repressivo a partir de uma Espanha
monolítica nascida no século xv com os Reis Católicos, na qual a
hierarquia e a homogeneidade cultural, garantida pelo catolicismo,
ge rav am uma grandez a impe rial. Embora o império já tivesse aca­
bado, sob o regime de Franco Espanha seri a de novo impo rt ante,
como que uma fo rt alez a cont ra os «pecados» da modernidade per­
sonificados pela república: o pensamento livre e esclarecido, a acei­
tação da mudança igualitária, a tole rância em relação às diferenças
culturais e à heterogeneidade.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
O regime instituiu a Causa General, uma espécie de comissão
da não verdade e da não reconciliação em cujos tribunais, por toda
a Espanha, se convidava à denúncia de «crimes vermelhos». Os que
testemunhavam, tendo perdido entes queridos - inclusive nos assas­
sínios extrajudicias que se seguiram ao golpe militar de Julho de 1936
- retiravam provavelmente algum conforto e consolo destes proce­
dimentos. Mas a falta de abonação das provas (que incluía por vezes a
fabricação primária de provas) e a ênfase colocada nas denúncias sen­
sacionalistas sublinhavam o objectivo principal destes procedimentos
enquanto legitimação e estabilização do regime através da criação de
uma narrativa maniqueísta da guerra civil. A mensagem principal da
Causa General era a afirmação de que todas as atrocidades tinham sido
cometidas pelos republicanos e sofridas pelos apoiantes de Franco.
Aqueles que eram alvo das denúncias seriam objecto - caso fossem
capturados - de processos judiciais, num sistema em que a própria
lei servia como instrumento de repressão.
Até 1963, todos os arguidos sobre os quais recaía a suspeita de
serem opositores à ordem franquista responderam perante tribu­
nais militares. O sistema civil de justiça continuava a existir e exer­
cia um papel complementar na repressão. Mas, para os tribunais,
eram nomeados magistrados militares, além de que a sua jurisdição
se tornou ainda mais limitada após a criação de várias secções espe­
ciais cujo objectivo era predominantemente repressivo. Os exemplos
mais famosos foram o Tribunal para a Erradicação da Maçonaria e do
Comunismo (1940) e a Lei das Responsabilidades Políticas (1939),
uma legislação onde cabia tudo e que tinha efeitos retroactivos (podia
ser aplicada a actos que remontassem até Outubro de 1934), consti­
tuindo, desse modo, um exemplo de má prática legal e da dinâmica
vingativa do regime de Franco. A lei autorizava o pagamento de com­
pensações financeiras a título de multas ou de expropriações dos
arguidos e respectivas famílias. Os que eram condenados pelos tribu­
nais militares eram automaticamente enviados para os tribunais de
Responsabilidades Políticas. Quem respondia perante estes tribunais
não era julgado pelo que tinha feito, mas por actos de omissão, ou seja,
por não ter apoiado activamente a revolta militar. Pelo menos 500 mil
pessoas foram submetidas aos procedimentos legais destes tribunais
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
entre 1939 e 1945. Embora dezenas de milhares de processos nunca
tenham chegado à fase final - devido, muitas vezes, aos atrasos buro­
cráticos e à falta de pessoal do estado -, os efeitos repressivos sobre
aqueles que eram apresentados em tribunal acabavam, mesmo assim,
por ser pouco mitigados.
As decisões legais franquistas dispunham ainda de outros recur­
sos para destruir vidas. Um dos mais traumatizantes, embora pouco
comentado, foi a anulação da legislação republicana relativa ao
divórcio e ao casamento (o que também gerou muitos filhos ilegíti­
mos). Não só os divórcios eram declarados nulos retroactivamente,
como aqueles que tinham casado em cerimónias civis eram obriga­
dos a casar novamente para verem o seu estatuto reconhecido. No
entanto, os padres recusavam-se muitas vezes a realizar esses casa­
mentos - caso estivessem em desacordo com as ideias políticas ou
com os valores de qualquer um dos consortes. Desta forma, mas
também de outras, os clérigos funcionavam como agentes impor­
tantes da disciplina social na Espanha do pós-guerra, reflectindo a
aliança institucional entre igreja e estado, um elemento crucial para
a legitimação política do franquismo. Um dos termos deste acordo
passava pela obrigação de os padres informarem as autoridades polí­
ticas sobre os paroquianos, denunciando os «vermelhos» aos tribu­
nais do estado.
A denúncia era um dos mecanismos mais importantes para a
detenção e o julgamento de republicanos na Espanha do pós-guerra.
Mas os padres não eram os únicos denunciantes. Dezenas de milhares
de espanhóis também respondiam de forma activa ao encorajamento
do regime - por convicção política, preconceitos sociais, oportu­
nismo ou medo. Denunciavam vizinhos, conhecidos, e até familiares
- denúncias em relação às quais não eram exigidos quaisquer nm­
damentos. Embora o sistema fosse instigado pelo regime, teve como
resultado a criação de uma densa rede de cumplicidades e de colabo­
ração. Por outras palavras, o trabalho de legitimação do franquismo e
a construção da sua comunidade brutal tinha lugar no próprio seio da
sociedade espanhola. Acontecia de várias formas - através da humi­
lhação diária a que os derrotados eram submetidos para que apren­
dessem as lições do poder e o significado da sua derrota. Acontecia,
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
por exemplo, quando um pai «vermelho» era obrigado a ir, de chapéu
na mão, pedir ajuda para um filho doente aos vizinhos bem relaciona­
dos com o regime.
Estes momentos de interacção foram cruciais para reconstruir o
poder e as hierarquias locais (e nacionais). No período imediatamente
a seguir à gu erra, Espanha manteve uma estrita separação entre os
diferentes mundos sociais. Ao lado da mais miserável pobreza e do
terror generalizado, existiam redutos de facilidade, segurança e
ordem. Enquanto as mulheres republicanas eram humilhadas pelos
«vitoriosos» das suas aldeias - que lhes rapavam o cabelo e aplicavam
óleo de castor -, transportadas com os filhos por toda a Espanha em
camiões de gado, ou violadas nas estações de polícia, as mulheres dos
aristocratas latifundiários do sul ou das famílias de classe média mais
abastadas da Espanha conservadora celebravam a recuperação da
esfera familiar e alegravam-se com o ressurgimento dos valores católi­
cos. Como afirmou, décadas depois, uma mulher próxima do partido
conservador católico CEDA:
Havia uma ausência de liberdade, mas, logicamente, nós, que tínhamos
vidas bem estruturadas, que éramos profissionais e olhávamos para as
coisas somente a partir do ponto de vista pessoal, sentíamo-nos bas­
tante à vontade e felizes.
No entanto, para os que tinham sido derrotados, regressar à
intimidade da vida privada era muitas vezes impossível. Além da
insegurança existente no espaço público - os falangistas obrigavam
os transeuntes considerados «duvidosos» a fazer a saudação fascista -,
havia também a insegurança e a fragilidade do «lar». A maior parte do
tempo, as casas encontravam-se vazias, uma vez que as mulheres
tinham de trabalhar muitas horas, visitar familiares detidos ou pro­
curar meios de subsistência - como a comida era escassa, recorriam
muitas vezes ao mercado negro, cujo funcionamento penalizava
ainda mais as classes desfavorecidas das cidades. E mesmo quando era
possível estar no «lar», esse espaço era cada vez mais invadido pelas
agências estatais - em especial pelas secções femininas do partido
único, a Falange -, que ofereciam serviços de apoio social em troca
VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
do direito de exercer uma supervisão moral e uma monitorização da
«penitência» dos derrotados.
A brutal comunidade nacional espanhola não seria derrubada
tão depressa. É certo que em 1945 o frenesi dos assassínios tinha
diminuído. Depois da derrota do Eixo,Franco deve ter sentido neces­
sidade de se tornar mais cauteloso. Mas o mais importante, o investi­
mento no terror, já se tinha concretizado. Além disso, a forma como
os aliados decidiram punir o regime de Franco pela sua aliança com o
Eixo - excluindo Espanha das ajudas do Plano Marshall destinadas
à reconstrução da Europa - teve como efeito prático um prejuízo
ainda maior para os vencidos da Guerra Civil. Como notou inteligen­
temente e com uma perspectiva de longo alcance o primeiro-ministro
republicano no exílio,Juan Negrín, a inclusão de Espanha no Plano
Marshall poderia ter mitigado ou mesmo minado os efeitos punitivos
do projecto disciplinador de Franco. Os acontecimentos posteriores
vieram confirmar esta teoria. Foi a mobilidade laboral gerada nos
anos 50, quando a economia espanhola foi impulsionada em conse­
quência dos acordos comerciais e de ajuda com os EUA - os quais
funcionaram como uma espécie de Plano Marshall privado de Espa­
nha -, que permitiu aos eleitorados «vermelhos»/vencidos uma fuga
às rígidas hierarquias e à memória rancorosa das aldeias e cidades de
província, frequentemente através dos seus filhos e filhas, que ruma­
vam às cidades em crescimento para se transformarem na nova força
de trabalho do sector industrial burguês. Durante estes anos, o êxodo
dos pobres das zonas rurais do sul «resolveu» finalmente o problema
estrutural do excesso de camponeses sem terra, que, na década de 30,
tinha estado no centro dos conflitos sociais em Espanha - problema
esse a que os republicanos tinham tentado responder de uma forma
manifestamente mais igualitária.
No final dos anos 50 e no início dos anos 60, a cidade permitia
um relativo grau de anonimato e, consequentemente, alguma liber­
dade - ainda que não fosse possível fugir à exploração económica.
Mas nem as cidades, nem as vilas e aldeias da Espanha profunda
pertenceriam aos vencidos, pelo menos enquanto durasse o regime
de Franco, que não permitia qualquer símbolo nacional ou discurso
público que reflectisse as suas experiências. Dos vencidos não havia
{166}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
qualquer sinal. Nenhum espaço público lhes pertencia. Enquanto os
franquistas que morriam tinham direito a memoriais de guerra e a
ver os nomes gravados nas igrejas - «caídos por Díos y por Espaiía» - ,
os mortos republicanos não podiam ser velados publicamente. Os
derrotados tinham de anuir a esta negação. As mulheres escondiam
dos filhos a morte violenta dos maridos e pais para os proteger física
e psicologicamente. Nas aldeias de toda a Espanha, muitas pessoas
guardavam secretamente listas de mortos. Havia irmãs que traçavam
mentalmente a localização dos seus irmãos mortos, mas que nunca
falavam disso. Em Espanha, o conhecimento silencioso das sepulturas
produziu necessariamente uma forte divisão entre memória pública e
privada. Essa divisão haveria de permanecer viva, mesmo após o fim
do regime de Franco.
Anónimo espanhol, r937/r940.
7. Os usos da história
{...} sópodemos esquecer aquilo quejá soubemos. Aprimeira coisa afazer, então, é saber:
PEDRO LAÍN ENTRALGO
Nunca mais uma história será contada como sefosse a única.
JOHN BERGER
P
Wila.
ARA os espanhóis, a Guerra Civil continua a ser um marco polí­
tico de grande importância devido, precisamente, à utilização
ideológica que dela foi feita pela ditadura de Franco. O regime engen­
drou uma versão monolítica e altamente partidarizada da guerra
- referindo-se-lhe como uma «cruzada» ou uma «guerra de libertação
nacional», e nunca como guerra civil.
Em 1963, quando as praias espanholas se começaram a encher
de turistas europeus, o regime - que ainda executava pessoas por
«crimes de guerra» - celebrava os seus «Vinte e Cinco Anos de Paz».
O cerimonial público e os milhões de cartazes colados nas paredes das
cidades e vilas de norte a sul do país retratavam a guerra como uma luta
contra as hordas de espanhóis antinacionalistas ao serviço da conspira­
ção judaica, marxista e maçónica, uma guerra pela unidade nacional e
contra os separatistas, da moralidade contra a iniquidade. Mesmo em
meados dos anos 60, o que era celebrado não era a «paz», mas a «vitória».
Com esta atitude, o regime procurava evitar qualquer forma de aggior­
namento cultural ou social. Neste processo, a história contemporânea
- e, acima de tudo, a história da Guerra Civil - via-se reduzida a um
ramo da propaganda do estado: apologias e enaltecimentos, escritos
por polícias do regime, oficiais do exército e funcionários públicos, já
que só estes tinham acesso aos arquivos e aos meios para publicar.
É precisamente por este facto que as obras históricas anglo­
-americanas sobre a Guerra Civil adquirem uma grande influência
{170}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
na década de 60 e no início da de 70. Tais obras abrangiam estudos
diplomáticos, políticos e económicos e centravam-se na rápida inter­
nacionalização da guerra e nas suas implicações na política das gran­
des potências dos anos 30. Analítica e intelectualmente rigorosos,
esses trabalhos funcionaram como um antídoto contra a produção
tendenciosa do regime de Franco, embora estivessem, por definição,
afastados da base empírica que os arquivos espanhóis constituíam.
No final dos anos 70 e no início dos anos 80, novos trabalhos
começaram a surgir - incluindo de espanhóis - à medida que se
verificava a lenta transição do regime ditatorial de Franco para um sis­
tema democrático liberal. Essas obras analisavam o desenvolvimento
político interno das duas partes beligerantes e a sua relação com a
polarização ocorrida na Europa dos anos 30. Entre elas encontravam­
-se as primeiras análises sobre o franquismo e os fascismos europeus,
bem como pesquisas sobre os combatentes estrangeiros que lutaram
pela república - este último é um trabalho ainda em curso e que tem
recolhido novos elementos desde a abertura dos arquivos de Moscovo.
Tal como os trabalhos antecedentes, também estas obras diferiam
dos escritos franquistas ideologicamente acríticos. Mesmo assim, a
ideologia ainda era apresentada de forma por vezes excessivamente
esquemática e bidimensional.
A abertura política em Espanha em finais de 70 e inícios de 80
conduziu às primeiras tentativas de produção de escritos com base
nos arquivos históricos da Guerra Civil - a maioria destes trabalhos
foi desenvolvida por uma nova geração de espanhóis. Porém, ironica­
mente, essas tentativas foram bastante restringidas pela própria polí­
tica do regime de transição. O regresso à democracia tinha sido feito
com a concordância das elites franquistas, em troca de uma amnistia
política de facto, o chamado «pacto de silêncio». Ninguém seria cha­
mado a prestar contas, nem haveria qualquer equivalente à comissão
de verdade e reconciliação. Embora esta amnistia não abrangesse
especificamente a forma como a história deveria ser escrita, na prática,
teve implicações. O mesmo tipo de receio social face à possibilidade
de um recrudescimento da guerra civil, repetidamente recordado e
manipulado pela ditadura e ainda patente no poder de fogo do exér­
cito e dos civis de extrema-direita nos anos 70 e no início da década de
OS USOS DA HISTÓRIA
80, levava os espanhóis a manterem a autocensura no que se refere ao
que podiam ou não dizer em público acerca da guerra.
Mas o pacto de silêncio resultava também da cumplicidade dos
«espanhóis comuns» durante a repressão, como vimos no capítulo 6.
Reinava um sentimento de culpa entre os herdeiros dos denunciantes
ou assassinos, a que se juntava o receio das famílias que tinham sido
vítimas de repressão. Sentia-se um receio generalizado em relação às
consequências que poderiam advir da reabertura das velhas feridas
que o regime de Franco evitara sarar, década após década. A desvan­
tagem deste modus vivendi da transição democrática, por mais neces­
sário que fosse noutros domínios, era a de manter em silêncio aqueles
que durante 40 anos a isso tinham sido obrigados, privando-os do
reconhecimento público do seu passado e das suas memórias.
No entanto, uma das características mais notáveis do final dos
anos 80 em Espanha foi a proliferação de obras de historiografia empí­
rica muito detalhadas, que reconstituíam minuto a minuto a repres­
são exercida por Franco em cada uma das províncias espanholas. No
início do novo milénio, cerca de 60 por cento das províncias tinha
sido investigada, pelo menos até certo ponto. Neste caso, os histo­
riadores viram-se muitas vezes obrigados a desenterrar dos arquivos
locais material há muito esquecido para recriar episódios em relação
aos quais as fontes do estado central já não possuíam elementos. Ape­
sar da proclamada virtude moral do regime de Franco, o facto é que,
no início dos anos 70, ele tratou de localizar e destruir boa parte da
documentação conservada em arquivos policiais, judiciais e militares
que provava a existência de repressão. (Também significativa neste
aspecto, embora esse segmento de informação não possa ser colma­
tado através de outras fontes locais, foi a delapidação dos arquivos do
Ministério do Negócios Estrangeiros espanhol relativos ao período
da aliança entre Franco e Hitler, na década de 40.)
Esta tarefa contínua dos historiadores faz parte do necessário
trabalho de restituição da memória colectiva, no sentido de contar
os vários episódios complexos que foram silenciados pela «verdade»
monolítica apresentada pela ditadura, exemplificada na Causa Gene­
ral, de que já falámos no capítulo 6. Mais importante do que isso, o
trabalho dos historiadores significa o reconhecimento público de
{172}
BREVE HISTÓRIA DA GUE R RA CIVIL DE ESPANHA
todas as histórias que não podiam ser tornadas públicas devido às
circunstâncias especiais e precárias da transição democrática. Esta
nova história da repressão, descrita com nomes reais e com a conta­
bilidade dos mortos feita a partir dos registos municipais e das listas
dos cemitérios, correspondeu, na realidade, a um memorial de guerra
para aqueles que nunca o tinham tido e para todos os que não tinham
alcançado a liberdade em 1945. Se no regime de Franco a história tinha
sido usada como instrumento de repressão, agora o trabalho de histo­
riadores independentes - tanto amadores como profissionais - era
uma parte fundamental na reparação dos direitos perdidos e, como
tal, um acto de democracia e de cidadania constitucional.
MEMÓRIAS ANTIGAS, NOVAS HISTÓRIAS
Felizmente para ti, meu filho, há muito tempo que deixámos de ter medo em
Espanha.
PEDRO ALMODÓVAR, Em Carne Viva, 1997
Para que tudo pudesse ser recordado tal como tinha acontecido,
houve que ultrapassar medos. Desde o começo do novo milénio, tem-se
assistido a uma explosão da memória republicana com o aparecimento
de grupos de pressão civis, sendo um dos mais conhecidos a Associação
para a Recuperação da Memória Histórica (ARMH). Esta associação
fez petições para a exumação dos restos mortais dos que foram assassi­
nados extrajudicialmente pelas forças do regime e enterrados em valas
comuns, com o objectivo de identificar os corpos e de permitir que os
familiares e amigos os enterrassem devidamente. Estima-se que os desa­
parecidos rondem um total de 30 mil, mas apenas uma pequena parte
- na ordem das centenas e não dos milhares - será provavelmente alvo
de exumação. De entre os que já o foram, contam-se Pilar Espinosa,
de Candeleda, em Ávila, cujo assassínio extrajudicial foi descrito no
capítulo 2. Desde 1936 que os seus restos mortais estavam enterrados
juntamente com outras duas mulheres mortas ao mesmo tempo, numa
sepultura aparentemente anónima mas que tinha sido discretamente
assinalada com uma pequena e simples pedra por habitantes da aldeia.
OS USOS DA HISTÓRIA
{173}
A própria ARMH cresceu a partir da pesquisa que um dos mem­
bros fundadores, Emílio Silva, realizou sobre o seu próprio avô,
morto em Outubro de 1936 por vigilantes do regime, em Priaranza
dei Bierzo, León, no noroeste de Espanha. A avó de Silva, embora
tivesse plena consciência do destino do marido, nunca disse aos seus
seis filhos o que tinha acontecido. No caso de Silva, como em muitos
outros, seria a geração seguinte a colocar as questões - estimulada
pela sensação quase inconsciente de vacuidade mental, angústia e
falta de capacidade de ligação aos mais velhos. O «olhar perdido dos
netos», como lhe chamou um destacado historiador espanhol, foi
determinante para que se desse mais atenção ao passado de Espanha.
A singela sepultura em Priaranza que continha os restos mortais do
avô de Silva e de outras 13 vítimas tornou-se uma bandeira na luta da
ARMH, e o caso foi levado ao alto comissário das Nações Unidas para
os Direitos do Homem.
Como resultado, a sepultura foi aberta em Outubro de 2000 e,
em Maio de 2003, o avô de Emilio Silva (que também se chamava
Emílio Silva) foi a primeira vítima da Guerra Civil de Espanha a ter
a sua identidade confirmada através de um teste de ADN. Para a
família Silva, o ciclo violentamente aberto em Outubro de 1936 ficou
finalmente encerrado a 18 de Outubro de 2003, quando Emílio Silva
e os «13 de Priaranza» foram transladados e enterrados na sua terra,
em cemitérios locais e com direito a cerimónias privadas. Existe uma
importante carga simbólica no regresso dos mortos à terra de ori­
gem, já que das memórias que os mais velhos guardavam dos efeitos
devastadores do golpe militar de Julho de 1936 fazia parte justamente
a memória da aniquilação do «lar» enquanto espaço de segurança.
Um livro em particular, que dá conta desta aniquilação, catapultou
para a esfera pública essas memórias sobre a repressão física e psico­
lógica. Esse livro chama-se A Death in Zamora (Uma Morte em Zamora)
e foi escrito pelo filho de Amparo Barayón (cuja história é contada no
capítulo 2), que foi criado nos Estados Unidos e nada soube da mãe
até ter regressado a Espanha, no final dos anos 80, para então desco­
brir a verdade sobre a sua detenção e assassínio extrajudicial. O livro
narra de forma detalhada uma extraordinária odisseia pelo tempo,
pelo espaço e pela memória, além de mostrar de que forma a dinâmica
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
que emergiu da sociedade civil possibilitou a celebração verificada em
Espanha nos primeiros anos do século xxi.
Além da publicação de trabalhos históricos sobre a repressão, tem­
-se assistido também a uma grande produção jornalística (incluindo
filmes e documentários) sobre as prisões, os batalhões de trabalho e
a guerrilha antifranquista de 1940, que, como já vimos, se encarava a
si própria não como entidade isolada mas como uma componente da
guerra europeia de resistência contra a nova ordem nazi. Mais recen­
temente, em 2003, um documentário sobre o comovente tema das
«crianças perdidas» que foram retiradas às suas famílias republicanas
(Los ninosperdidos deifranquismo) alcançou grandes audiências em todo
o país. Esta proliferação de memórias republicanas é uma maneira de
libertar informação - antes que as gerações que passaram por tudo
aquilo desapareçam de vez. Para as vítimas, hoje idosas, que foram
submetidas a trabalhos forçados ou a prisão prolongada por motivos
políticos, o objectivo é que seja dado conhecimento público do que
lhes foi feito antes que morram. Nesse sentido, a comparação que
se deve fazer é com a memória do Holocausto no seu sentido mais
amplo. Num caso como no outro, um dos principais motores é o fim
da memória biológica e o tremendo sentimento de tristeza, de perda
e de perigo que isso gera.
Também para as gerações subsequentes, estes motivos são, em
parte, válidos. Ao contrário da geração dos pais, a dos netos, que foi a
que colocou as questões de forma predominante, sentiu que o podia
fazer, uma vez que se sentia segura - visto estar suficientemente afas­
tada do trauma directo que atingiu as suas famílias e do contexto social
e político que lhe tinha dado origem. Esta é uma primeira explicação
para o «olhar perdido dos netos». Mas é apenas parte da explicação,
porque não justifica que a recuperação destes acontecimentos doloro­
sos tenha tido tanta importância para pessoas para quem tais eventos
são, essencialmente, uma memória posterior, do pós-guerra - já que
não viveram directamente estes momentos nem as suas consequên­
cias imediatas. Provavelmente, esta é uma questão que sai do âmbito
deste livro, uma vez que coloca a Espanha num contexto europeu mais
alargado de imponderáveis relacionados com o aumento exponencial
de memórias e celebrações nos nossos dias. Mas, em Espanha como
OS USOS DA HISTÓRIA
noutros sítios, esta quase obsessão tem certamente mais a ver com
uma tomada de consciência subliminar de tudo o que se perdeu para
sempre - através da «purificação», do genocídio e da diáspora - nas
guerras que atingiram a Europa em meados do século xx. A «memó­
ria» pode, então, servir também como forma de consolo, numa altura
em que já não acreditamos em determinado tipo de progressos mas
em que ainda estamos firmemente presos a uma concepção linear do
tempo. Encarado de um ponto de vista mais positivo, o trabalho de
recuperação dos fragmentos da história é uma forma de solidariedade.
«Tantos amigos que não cheguei a conhecer desapareceram em 1945,
no ano em que nasci», escreveu Patrick Modiano na sua busca por um
dos desaparecidos, que se transformaria num memorial a todos os
que desapareceram.
Apesar do seu significado civil e cultural, as comemorações em
Espanha, como noutros locais da Europa, também têm algo a ver com
a política dos dias de hoje. E em Espanha a complexa dinâmica centro­
-periferia faz-se sentir na política de comemorações, como em tudo o
resto. Enquanto o conservador e centralista Partido Popular (PP), no
governo de Março de 1996 até Março de 2004, se mostrou relutante
em apoiar qualquer iniciativa - civil ou política - que pudesse pôr
em causa a legitimidade do regime de Franco, já os políticos catalães
perceberam o potencial que residia no apoio à celebração da república.
Em particular, isto permitiu que os nacionalistas catalães questionas­
sem a autenticidade da conversão do PP a uma forma esclarecida de
«patriotismo constitucional». De facto, a posição do PP no que diz
respeito à actual «guerra de arquivos» poderia sugerir a sua adesão a
uma concepção de patriotismo à moda antiga, tendo por base uma
concepção mais agressiva e chauvinista do centralismo castelhano.
Esta «guerra de arquivos» está a ser travada em relação a material que
começou por fazer parte dos despojos de guerra de Franco e que agora
integra o Arquivo Nacional da Guerra Civil em Salamanca (cidade
que foi uma das capitais de Franco durante a guerra e que perma­
nece como centro da Espanha católica, centralista e conservadora).
Enquanto esteve no poder, o PP opôs-se a qualquer tentativa do
governo regional catalão para recuperar dos arquivos a documenta­
ção original catalã, que tinha sido levada pelos exércitos franquistas
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
durante a guerra e guardada em Salamanca, de forma a poder ser utili­
zada para incriminar e condenar os opositores republicanos.
A igreja católica espanhola também ainda não resolveu a questão
do seu envolvimento na repressão franquista. Em 1971, proferiu uma
declaração pública que, embora de forma cautelosa, pedia desculpa
pelo papel desempenhado pela igreja na Guerra Civil e nos aconteci­
mentos posteriores. Inferia-se que representava também um pedido
de desculpas no que diz respeito ao contributo crucial que a igreja
tinha dado à legitimação da ditadura aos olhos dos poderes políticos
ocidentais - ditadura essa que, durante mais de três décadas, violara
diariamente o respeito pelos direitos humanos mais básicos dos espa­
nhóis. Apesar de tudo isto, ainda hoje, em pleno século xx1, histo­
riadores independentes que tentam consultar fontes da igreja sobre a
década de 40 vêem-se frequentemente impedidos de o fazer. São, de
facto, os arquivos católicos eclesiásticos e laicos, mais do que os mili­
tares, que constituem a última barreira à documentação da Guerra
Civil e dos anos de paz artificial que se lhe seguiram.
A Guerra Civil de Espanha é ainda um passado rodeado de
controvérsia, como se pode verificar através de vários sintomas con­
temporâneos, embora nenhum tão evidente como a ausência de um
grande museu dedicado à guerra - especialmente em Madrid. É mais
provável encontrar obras sobre a Guerra Civil fora da capital - noto­
riamente em Guernica, no País Basco, que possui aquilo que mais
se aproxima a uma exposição contemporânea sobre a guerra - ou,
numa escala mais reduzida, em exposições locais e temporárias. Em
2003, começaram a surgir algumas excepções, sob a forma de peque­
nas exposições, normalmente na vizinhança de locais onde ocorre­
ram batalhas importantes, como por exemplo na aldeia de Morata de
Tajufia (Madrid), onde se comemorou a Batalha de]arama. Mas é sin­
tomático que estes exemplos partam da iniciativa privada. O mesmo
se aplica à Catalunha, onde, apesar de tudo, estas iniciativas acabaram
por granjear o apoio do governo regional.
O regresso ao franquismo surgiu entretanto sob a forma de um
popular livro de história, Los Mitos de la Guerra Civil [ Os Mitos da
Guerra Civi[J, de Pio Moa, publicado em 2003. A sua propaganda ana­
crónica do franquismo é totalmente desacreditada face toda a inves-
OS USOS DA HISTÓRIA
[177}
tigação histórica espanhola e internacional realizada nos últimos 25
anos. Mas, ao contrário da maioria das publicações espanholas que
derivaram dessa pesquisa, Mitos está escrito de forma clara e acessível,
e tem como objectivo chegar ao público em geral. O livro obteve um
sucesso comercial extraordinário em Espanha, particularmente entre
o público jovem, mais vulnerável, uma vez que a abordagem dos anos
30 e 40 nos programas escolares de história é ainda inconstante ou
inexistente. A pobreza do trabalho de Moa, a sua incapacidade para
transmitir a complexidade e as diversas vertentes da verdade histó­
rica procurada por muitos leitores, tornam esta obra deslocada no
tempo, numa altura em que a recuperação da memória republicana
assinala a maturidade da cultura democrática espanhola. Mas talvez
o fenómeno Moa faça parte deste processo - apesar da (e não por
causa da) falta de substância do seu trabalho.
A polémica em torno de Moa também ocorre no seio da própria
sociedade civil - a mesma entidade que a cruzada franquista procu­
rou aniquilar. Moa conta com apoios poderosos nos meios de comu­
nicação social espanhóis, mas a sua desconstrução do franquismo já
não conta com o apoio que advém do poder de um estado repressivo.
A sociedade civil espanhola tornou-se mais forte e complexa à medida
que as memórias republicanas e as valas comuns foram discutidas.
Além disso, o livro de Moa viu-se ultrapassado em vendas pela obra
de ]avier Cercas, Soldados de Salamina, um romance sobre a Guerra
Civil que, de forma subtil e humana, ridiculariza os valores vazios dos
«respeitáveis soldados» que deram início ao golpe militar. E, afinal de
contas, até mesmo a falta de fundos que tem impedido o progresso
dos trabalhos da Associação para a Recuperação da Memória Histó­
rica pode ser um preço que vale a pena pagar para garantir a sua inde­
pendência. Porque quando a tarefa de promover a memória pública
cabe aos governos e estados - mesmo que sejam democracias libe­
rais - altera-se o significado e o valor dessa memória. O processo de
recuperação da memória através da sociedade civil é mais reparador
e mais útil para a construção de uma cultura democrática. Como
refere o antropologista Michael Taussig, esse processo «permite que
os poderes morais e mágicos dos mortos que não tiveram descanso
fluam para a esfera pública».
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Então que papel desempenham as actuais agendas de comemora­
ções e as políticas contemporâneas, e a complexa mistura de ambas,
para os historiadores que investigam a longa Guerra Civil de Espanha?
Vimos como, desde o início dos anos 90, o trabalho de uma nova gera­
ção de historiadores em Espanha tem vindo a enfatizar a guerra como
um conflito que envolveu a sociedade no seu todo. Começou por dei­
tar por terra os mitos do regime franquista e foi bem-sucedido, apesar
do trabalho de Moa. E estão agora a aparecer novas obras, construídas
com base numa nova metodologia histórico-sociológica desenvolvida
por profissionais europeus. Há ainda alguns tópicos importantes
que têm de ser verificados - por exemplo o papel do serviço mili­
tar obrigatório e do exército na construção da nação, em especial na
república de Espanha. Assim como vários historiadores europeus se
têm voltado para o estudo da íntima relação entre a mobilização polí­
tica das massas, as mudanças culturais e a identidade/subjectividade
individual nos anos 30, também em Espanha precisamos de olhar com
mais atenção para a revolução geracional que estava em curso, não
só nas ruas mas também na cabeça das pessoas, e que atingiu o auge
durante a Guerra Civil. Quaisquer que sejam os temas específicos, o
que há de comum em todo este trabalho é o facto de ele poder ajudar­
-nos a compreender melhor a complexidade e as contradições das
mudanças sociais e culturais em curso durante o período de guerra
em Espanha.
Para quem não é espanhol, a ideia do esforço de guerra repu­
blicano como «última grande causa» exerce ainda uma grande atrac­
ção. É este o legado que perdura da esquerda europeia e americana.
Afirma-se com frequência que a derrota da república em Espanha foi
um momento clarificador para os progressistas. Depois da derrota
em Espanha, não poderia voltar a existir outra «narrativa grandiosa»,
nem a crença na história enquanto motor para a mudança humanís­
tica esclarecida. Por isso, é paradoxal que a «última grande causa»
tenha parecido, ela própria, imune durante tanto tempo às implica­
ções desta concepção. Nos anos 30 esta ideia fazia-se sentir no com­
promisso assumido de forma emocionalmente intensa por muitos
europeus, e não só, com a causa política da república democrática
em guerra, tendo, assim, servido como importante grito mobilizador
OS USOS DA HISTÓRIA
de auxílio prático. Em ambos os sentidos, temos de compreender «a
última grande causa» como um fenómeno histórico de pleno direito,
embora também tenhamos de nos precaver para não o utilizar como
esquema interpretativo para escrever a história da guerra.
De facto, de certo modo, esta«última grande causa» tornou-se, tal
como outras fórmulas simplificadas que têm perdurado ao longo dos
tempos (como«revolução versus guerra), numa espécie de consolo que
ajuda a mitigar o peso da derrota. Simultaneamente, também realça a
visão binária do mundo que fazia parte da cultura da velha esquerda,
mas também da cultura dos seus opositores - tanto da de Franco,
em Espanha, como da de Joseph McCarthy, nos Estados Unidos. Bill
Aalto, o rapaz americano (de origem finlandesa) do Bronx que integrou
as Brigadas Internacionais e que lutou na guerrilha republicana, não
era apenas um herói da classe trabalhadora, mas era também homos­
sexual. Foi por esta razão que, ao contrário do que aconteceu com lrv
Goff, que esteve com ele na guerrilha, Aalto foi impedido (pelos pró­
prios camaradas) de se juntar aos Lincolns para lutar na força especial
americana que combatia ao lado da resistência na Europa ocupada.
A experiência de Aalto depois da Guerra Civil de Espanha e as ques­
tões que ele colocou relativamente às políticas dos funcionários e às
esferas pública e privada tal como eram entendidas nos anos 40 e 50,
indicavam o surgimento de uma nova esquerda que constituía, ela
própria, uma crítica ao carácter monolítico da velha esquerda e à sua
recusa em ter em conta as implicações da subjectividade.
O fascínio da «última grande causa» residia, acima de tudo, na
sua simplicidade emocional, embora também perpetuasse a noção
errada de equiparação da simplicidade à virtude moral. O facto de a
segunda república espanhola ter sido um projecto político e cultural
eticamente superior àquele representado pelo franquismo nada tem
a ver com a «simplicidade» das suas causas, e muito menos com a sua
perfeição.
Os voluntários internacionais que combateram para salvar a
democracia republicana espanhola eram homens e mulheres do seu
tempo e, no que respeita às condições da época, os anos 30 e início
dos 40 foram mais difíceis, dolorosos e«imperfeitos» do que a maioria
das épocas. Muitos combatentes envolveram-se em mais do que uma
{I8o}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
guerra, como aconteceu com os espanhóis republicanos - que nem
sequer se podiam consolar com as certezas fáceis do patriotismo, nem
mesmo com a segurança mínima de uma terra-mãe.
Até nisso foram um exemplo típico do seu tempo. Porque a
guerra civil europeia de meados do século xx assistiu à implosão de
todos os países e nações. O período de 1939-45 foi o final sangrento de
um processo de violentos conflitos internos que durou anos - tanto
em termos sociais e culturais como políticos. Tratou-se de uma guerra
travada contra a brutal categorização que estava no âmago da nova
ordem nazi, em relação à qual havia resistentes, espectadores e cola­
boradores em praticamente todos os países do continente europeu.
O facto de a memória popular não «recordar» a guerra desta forma
durante as décadas subsequentes (o que, em muitos casos, ainda acon­
tece) mostra bem a forma eficaz como o passado foi reconfigurado em
função das necessidades políticas do pós-guerra - facto reforçado,
sem dúvida, pelo enorme desejo que as populações atingidas pela
guerra tinham de o esquecer. Mas, se olharmos para a história e não
para a memória que temos desta época, poderemos perceber até que
ponto é irrazoável e injusta a invocação do argumento espúrio de que
a «Espanha» não entrou como «nação» beligerante na Segunda Guerra
Mundial para impedir que os veteranos republicanos espanhóis que
participaram no desembarque do Dia D participem nas comemora­
ções - como aconteceu em 2004, a última em que existiu uma liga­
ção viva com os eventos celebrados.
O passado é um país distante. Mas fazer história é, por definição,
um diálogo sem fim entre o presente e o passado.
Muito do que estava em causa em Espanha faz parte dos dilemas
dos dias de hoje e tem no seu âmago questões raciais, religiosas, de
género e outras formas de guerra de culturas que nos desafiam a não
usar violência política, ou qualquer outra, para as resolver. Em resumo,
como se exorta no início deste livro, não devemos mitificar os nossos
medos nem usá-los como arma contra aqueles que são diferentes.
A Guerra Civil de Espanha e todas as guerras civis que ocorreram na
Europa em meados do século xx foram, em grande parte, configura­
das a partir desta mitologia do medo e a partir do ódio pela diferença.
O grande desafio do século xx1 é, então, não fazer o mesmo. Esta é
OS USOS DA HISTÓRIA
uma exortação com especial relevo para a própria Espanha que, pela
primeira vez na sua história, se transformou num país de emigração.
Mas não é menos apropriada para o resto dos europeus. Porque os
campos de concentração ainda existem entre nós - e, infelizmente,
não apenas enquanto memória histórica. O poeta húngaro Miklós
Radnóti evocou a república de Espanha e os amigos que nela tinham
morrido em combate como símbolos daquilo que fazia com que a luta
valesse a pena. Radnóti estava detido num campo de trabalho contro­
lado pelos alemães, perto de Bor, na Sérvia, e acabou por ser morto
por guardas húngaros durante uma marcha forçada de prisioneiros,
na sequência da retirada do exército alemão. Em Julho de 1944, este
poeta escreveu:
Entre rumores falsos e vermes, vivemos aqui com franceses, polacos,
Italianos barulhentos, sérvios heréticos, judeus nostálgicos, nas
montanhas.
Este corpo febril, desmembrado mas ainda com vida, espera
Por boas notícias, pelas palavras doces das mulheres, por uma vida livre
e humana{ ...}
A Guerra Civil de Espanha, enquanto gu erra de culturas, per­
manece como uma parábola dos nossos dias (tanto quanto o foi para
Radnóti), enquanto procuramos a tal «vida de liberdade e de humani­
dade» que nos escapa. A parábola permanece, ainda que a nossa falta
de humanidade para com os outros assuma configurações diferentes
em cada época.
ANEXOS
Lista iconográfica
Todos os cartazes e fotografias não mencionados abaixo: Ministério da
Cultura, Archivo General de la Guerra Civil Espafiola, Espanha
{40} A divisão de Espanha a 22 de Julho de 1936
© Cambridge University Press
{43} Soldados rebeldes entram em cidade do sul
Archivo Serrano, Hemeroteca Municipal de Sevilla, Espanha
{48} Amparo Barayón
Colecção privada, cortesia de Ramón Sender Barayón
{66} Oliver Law
Colecção privada, cortesia do falecido Harry Fisher
{?2} Iconografia em montra de loja
Colecção Kati Horna, Ministério da Cultura,
Archivo General de Ia Guerra Civil Espaiíola, Espanha
{74} Mobilização de jovens republicanos
Colecção privada, cortesia deAntonina Rodrigo
{76} Miliciana
Instituto de Espafia, Londres
[77} Trabalhadora republicana durante a guerra
Ministério da Cultura,Archivo General de laAdministración, Espanha
[77} Aula de alfabetização
Biblioteca Nacional, Madrid
{80} Comboio de propaganda
Fotografia: Antoni Campaiíá, reproduzida por cortesia da família Campaiíá
[80} Poema mural
Cortesia de Cary Nelson
[rn2} Mulheres em zona rebelde, trabalho de guerra
Biblioteca Nacional, Madrid
{188}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
{102} Mulheres em zona rebelde saudando a bandeira
Ministério da Cultura, Archivo General de la Administración, Espanha
{124} A divisão do território espanhol emJulho de 1938
© Cambridge University Press
{135} Menino vendedor de rua na Espanha republicana
Colecção Kati Horna, Ministério da Cultura, Archivo General de la
Guerra Civil Espafi.ola,Espanha
{146} Marcha vitoriosa de Franco
Actualidad Espafi.ola
{147} Campo de refugiados republicanos numa praia francesa
Fotografia: Robert Capa,© Magnum Photos
{153} Cartaz vermelho
Bibliotheque de Documentation Internationale
Contemporaine (BDI C) et Musée d'Histoire Contemporaine, Paris
{157} Francisco Boix
Cortesia de Benito Bermejo
{159} Presos políticos
Agenda EFE, Madrid
Oeditoreoautorpedemdesculpaporquaisquererrosouomissõesnalistaacima.
Se contactados, terão todo o prazer em rectificá-la na primeira oportunidade.
Notas
1. As ORIGENS DA GUERRA C1v1L DE ESPANHA
A epígrafe «Vivam aqueles que nos trazem a supremacia da lei» foi a saudação
com que os partidários republicanos foram recebidos numa aldeia, pouco
antes da declaração da segunda república.
De acordo com o termos do Tratado de Cartagena (!907), as grandes potên­
cias tinham atribuído a Espanha - que já controlava os enclaves norte-africa­
nos de Ceuta e Melilla - a tarefa de policiar o norte de Marrocos.
O texto da declaração difundida por Franco a partir do território espa­
nhol em Marrocos aquando da insurreição militar pode ser consultado em
F. Díaz-Plaja, La gu,erra de Espafia en susdocumentos (Barcelona: Ediciones G.P.,
1969), PP· n-3.
2. REBELIÃO, REVOLUÇÃO E REPRESSÃO
Entrevista do jornalista americanoJay Allen a Franco em The News Chronicle,
29 de Julho, 1 de Agosto de 1936.
A citação de um dos jornalistas espanhóis que acompanhavam o exército
sulista de Franco encontra-se em M. Sanchéz del Arco, E! surde Espafia en la
reconquistade Madrid (Sevilha: Editorial Sevillana, 1937), p. 205-
3. MOBILIZAR E SOBREVIVER: A REPÚBLICA EM GUERRA
A hostilidade das elites britânicas em relação à república de Espanha não
diminuiu ao longo da Guerra Civil. Em 1938, um correspondente do Minis­
tério dos Negócios Estrangeiros britânico descreveu o ministro daJustiça
B REVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ES PANHA
republicano, o parlamentar socialista e líder mineiroRamón González Pena,
como um «latoeiro [das Astúrias}» C:W 13853/29/41 F.O. General Correspon­
dence: Spain, PublicRecords Office).
5. A REPÚBLICA SITIADA
O estudo mais recente sobre a forma como a República conseguiu armar­
-se foi realizado por Gerald Howson e intitula-se Arms for Spain (Londres:
John Murray, 1995). Ainda há demasiadas divergências entre os académicos
para que se possa falar em consensos relativamente às razões pelas quais
a república perdeu a guerra. Porém, face às evidências empíricas, poucos
especialistas defenderão que a república esteve em pé de igualdade com os
franquistas no que se refere à quantidade ou à qualidade da ajuda militar
recebida.
NO TAS
7. Os usos DA HISTÓRIA
Relativamente à memória, à perda e ao nosso encontro com a conturbada
história europeia de meados do século xx, consultar WG. Sebald, Os Emi­
grantes (Lisboa: Teorema, 2005). Sobre a recuperação da memória histórica
enquanto acto de solidariedade para com os mortos, ver Patrick Modiano,
Dora Bruder(Porto: Asa,1998)(edição francesa original, Paris: Editions Galli­
mard, 1997). A citação provém da edição norte-americana, p. 81.
A história de Bill Aalto é contada em «Fighting the war, breaking the mould:
Bil1Aalto(1915-1958)», inR. Baxell, H. Graham e P. Preston (coord.),More than
One Kind ofFight: New Histories of the International Brigades in Spain (Londres:
Routledge/Caiíada Blanch, 2006). Há um resumo da vida de Aalto em P. Car­
roll, T he Odyssey of the Abraham Lincoln Brigade. Americans in the Spanish Civil
Wfzr(Stanford, Ca.: Stanford University Press, 1994), pp. 118, 167f., 254-8.
Para estimativas actualizadas relativamente à ajuda soviética, ver G. Howson,
Armsfor Spain,Apêndice 3, pp. 278-303, e, sobretudo, a lista de material, nas
PP· 302-3.
G. Agamben, «T he Camp as a Biopolitical Paradigm of the Modem», Homo
Sacer. Sovereign Power and Bare Life (Stanford, Ca.: Stanford University Press,
1998). Ver também A. Weiner, Landscaping the Human Garden (Stanford,
Ca.: Stanford University Press, 2003).
6. VITÓRIA E DERROTA: AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA
MiklósRadnóti, «Sétima Écloga, Lager Heideman, nas montanhas acima de
Zagubica»,Julho de 1944.
A citação que descreve o ataque a Murzak foi retirada de]. Cercas, Soldados
de Salamina (Barcelona: Tusquets Editores, 2001), p. 158. Tradução portugue­
sa: Soldados de Salamina (Porto: Asa, 2002).
A criança que viveu a experiência quer de um campo de concentração nazi
quer de um reformatório franquista foi Michel de Castillo, Tanguy, Histoire
d'un enfant d'aujourd'hui (Paris: Gallimard, 1957). Tradução portuguesa: Tan­
guy (Lisboa: Presença, 1961).
A apoiante da CEDA que comentou a ausência de liberdade na Espanha de
Franco foi Petra Román de Bondia, em entrevista dada no último programa
da série A Guerra Civil Espanhola, produzida pela Granada Television no iní­
cio dos anos 80.
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RosAs, FERNANDO, O Estado Novo nosAnos Trinta (1928-38), Lisboa, Estampa, 1986
Cronologia
JULHO
17-18 Tem início a insurreição militar nos territórios espanhóis do norte de África,
que alastra a várias guarnições em Espanha.
18-20 A rebelião é derrotada em Madrid e Barcelona.
24-25 O executivo francês, liderado pelo socialista Léon Blum, volta atrás com
a sua oferta inicial de ajuda militar à república de Espanha.
28 Hitler e Mussolini decidem, cada um por si, fornecer apoio militar aos rebeldes.
Os primeiros aviões chegam a Marrocos para transportar o Exército de África
(comandado por Franco) para Espanha (Sevilha).
AGOSTO
O Exército de África desdobra-se a partir de Sevilha e dá início à sua marcha
sangrenta pelo sul, em direcção a Madrid.
2
A França anuncia a sua anuência a uma política de não intervenção.
14 Assassínios em massa em Badajoz, depois de as tropas de Franco terem tomado a cidade.
15 O governo britânico proíbe a exportação de armamento para Espanha.
18 Federico García Lorca é executado em Granada.
22
A prisão de Modelo, em Madrid, é invadida e são executados presos políticos.
24 Chega a Madrid o primeiro embaixador da União Soviética em Espanha.
27-28 Começam os bombardeamentos aéreos sobre Madrid.
SETEMBRO
3 O Exército de África toma Talavera, o último grande centro urbano a separá­
-lo de Madrid.
9 Primeiro encontro do Comité de Não Intervenção, em Londres.
{200}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
18 O executivo do Comintern aprova medidas de solidariedade para com a
república espanhola, incluindo o recrutamento de combatentes voluntários
internacionais.
CRONOLOGIA
{201}
1937
JANEIRO
24 A CNT anarco-sindicalista junta-se ao governo regional catalão.
Mussolini aumenta exponencialmente o fornecimento de armas e tropas a
25 Os rebeldes emitem um decreto que proíbe a actividade política e sindical.
Franco.
28 As forças de Franco fazem um desvio para reforçar o cerco à guarnição de
Toledo.
29 A União Soviética aceita enviar armamento à república. A junta militar nomeia
Franco como supremo comandante político e militar da zona rebelde.
2 O governo britânico faz um «acordo de cavalheiros» com a Itália, para preser­
var o status quo no Mediterrâneo.
6 Os Estados Unidos estabelecem um embargo legal à exportação de armas para
Espanha.
30 O bispo de Salamanca, Plá y Deniel, emite uma carta pastoral (intitulada «As
Duas Cidades») em defesa os militares rebeldes, na qual, pela primeira vez, a
FEVEREIRO
palavra «cruzada» é empregue para descrever a guerra civil. O governo republi­
6-27 Batalha de Jurema, na frente sudeste de Madrid. A Brigada Abraham Lincoln
cano emite um decreto em que assinala a sua intenção de substituir as forças
entra pela primeira vez em combate. As forças republicanas, com a ajuda da
milicianas por um exército popular sujeito à disciplina militar.
aviação e dos tanques soviéticos, fazem frente à ofensiva rebelde que ameaça­
va cortar a auto-estrada Madrid-Valência.
OUTUBRO
Começam a chegar os voluntários das Brigadas Internacionais.
7 Málaga é tomada pelos rebeldes, com o auxílio dos italianos. Os refugiados
que fugiam rumo a Almeria são alvo de fortes bombardeamentos.
1 O parlamento republicano aprova a autonomia basca.
7 Constituição de um governo basco autónomo, liderado pelo PNY.
11 Amparo Barayón é executada em Zamora.
MARÇO
8-18 Batalha de Guadalajara, na frente nordeste de Madrid. As tropas de Mussolini
sofrem a primeira derrota, em confronto com a Brigada Garibaldi, também ela ita­
NOVEMBRO
6 O governo republicano muda-se para Valência.
7 Começa a disputa de Madrid.
liana. O empate técnico em redor de Madrid há-de manter-se até ao final da guerra.
30 O general Mola dá início à ofensiva rebelde na frente norte (Biscaia) e a Legião
Condor alemã bombardeia Durango.
16 Para auxiliar Franco, Hitler envia-lhe a Legião Condor, uma força especial
equipada com tanques e com os mais recentes aviões bombardeiros e de com­
bate alemães.
18 A Alemanha e a Itália reconhecem Franco.
ABRIL
19 Franco decreta a unificação da Falange com os carlistas num único partido
liderado por si. Estabelecimento de uma efémera patrulha marítima do Comi­
té de Não Intervenção.
DEZEMBRO
6 Mussolini aceita enviar uma força expedicionária, o Corpo di Truppeh
26 A capital basca, Guernica, é destuída por intensos bombardeamentos alemães
e italianos.
Voluntarie (CTV), para auxiliar Franco.
29 Pilar Espinosa é executada em Candeleda (Ávila).
MAIO
3-7 Combates de rua e protestos populares em Barcelona (Dias de Maio).
17 O parlamentar socialista Juan Negrín torna-se primeiro-ministro de um novo
executivo republicano.
{202}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
CRONOLOGIA
31 A Alemanha e a Itália retiram-se da patrulha marítima do Comité de Não
{203}
DEZEMBRO
Raides aéreos sobre Barcelona.
Intervenção.
15 As forças republicanas dão início à ofensiva em Teruel (Aragão).
JUNHO
24
Franco inicia a contra-ofensiva na frente de Teruel.
3 Morte do general Mola num acidente de aviação.
16 Em Barcelona, são detidos os líderes do POUM.
19 Capitulação de Bilbau perante as tropas de Franco.
21
Em França, o executivo de Blum demite-se.
30 Portugal retira-se do acordo de patrulhamento marítimo da não intervenção.
JANEIRO
7 As forças republicanas tomam a cidade de Teruel.
JULHO
1
Carta colectiva dos bispos espanhóis aprova o regime de Franco.
6-26 Batalha de Brunete, na frente oeste de Madrid.
FEVEREIRO
22
AGOSTO
As cerimónias religiosas privadas voltam a ser permitidas na Espanha repu­
MARÇO
10
24
12
portos republicanos.
26 As tropas de Franco tomam Santander.
Franco revoga a lei republicana relativa ao casamento civil. Hitler ocupa a
Áustria.
Ofensiva militar republicana na frente nordeste (Aragão). Começa a haver
ataques de proveniência desconhecida a navios neutrais que se dirigem aos
Franco lança uma nova ofensiva em Aragão, com o objectivo de alcançar a
costa mediterrânica e dividir a zona republicana em dois.
blicana. Franco implementa um bloqueio naval ao portos da república no
Mediterrâneo.
As forças de Franco recuperam Teruel.
13 Blum forma um novo executivo, e Negrín vai a Paris para discutir a reabertura
da fronteira com França.
16-18 Aviões italianos descolam de Maiorca e bombardeiam Barcelona de forma
ininterrupta.
SETEMBRO
10
17 O governo francês reabre a fronteira com Espanha.
Conferência de Nyon, na qual as principais potências europeias discutem os
ataques de submarinos «desconhecidos» aos navios neutrais no Mediterrâneo.
ABRIL
A Itália, tida por muitos como responsável pelos ataques, e a Alemanha não
3 As forças de Franco tomam Lérida.
comparecem.
8 Em França, dá-se a queda do governo de Blum, que é substituído por um exe­
cutivo mais conservador, liderado por Edouard Daladier.
ÜUTUBRO
21
15 As forças de Franco conseguem chegar ao Mediterrâneo, em Vinaroz, e divi­
dem a república em dois.
Queda do norte republicano (Gijón e Avilés).
29 Transferência do governo republicano de Valência para Barcelona.
16 Acordo anglo-italiano, entendido em grande parte dos círculos diplomáticos
internacionais como um sinal de que a Grã-Bretanha aceitaria, implicitamen­
te, a permanência de tropas italianas em Espanha até ao final da Guerra Civil.
NOVEMBRO
6 A Itália junta-se à Alemanha e aoJapão no Pacto Anti-Comintern.
21
Franco dá início à ofensiva contra Valência.
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
MAIO
1 Negrín publica o programa de objectivos de guerra da república, constituído
por 13 pontos.
4 O Vaticano aceita estabelecer relações diplomáticas plenas com Franco.
CRONOLOGIA
8 Com o apoio tácito do Vaticano, Negrín cria uma comissão para supervisionar
a reintrodução do culto público na Catalunha.
24 Começa o julgamento dos líderes do POUM.
29 Parada de despedida das Brigadas Internacionais, em Barcelona.
n A república de Espanha pede à Sociedade das Nações o fim da não interven­
ção, sem sucesso.
NOVEMBRO
23 O 14.º batalhão do exército republicano (guerrilha) leva a cabo um inovador
16 Chega ao fim a Batalha do Ebro: as fo rças republicanas entram em retirada
raide de coman dos, libertando soldados republic anos aprisionados na fortale­
pelo rio. Mais do que de uma derrota militar, trata-se uma derrota pol ítica,
za costeira de Carchuna (Motril, Granada), para lá das linhas rebeldes.
determinada pelo desfecho da Conferência de Munique.
24 Franco recebe fo rmalmente o primeiro núncio apostólico (representante
29 Ataques aé reos sobre Barcelona e Valência.
papal).
DEZEMBRO
]UNHO
13 O governo francês fecha a fronteira com Espanha.
19 A Alemanha assume o controlo de várias operações de colocação de minas em
Espanha.
23 Franco começa a sua ofensiva contra a Catalunha.
jULHO
5 O Comité de Não Intervenção aprova um plano para retirar de Espanha os
voluntários internacionais.
1939
25 O exército republicano lança a ofensiva do Ebro, que viria a ser a maior batalha
da guerra; o seu objectivo consiste em aliviar a pressão militar de Franco sobre
Valência, mas também em inverter a tendência diplomática internacional.
AGOSTO
JANEIRO
23 Negrín instaura a lei marcial na zona republicana.
26 As tropas de Franco tomam Barcelona. Migração em massa de refugiados para
a fronteira com França.
17 Negrín militariza as fábricas de armamento da Catalunha, com o propósito
de as manter sob controlo do governo central. Os seus ministros catalães e
bascos demitem-se, em protesto.
18 Franco recusa todas as iniciativas de paz.
FEVEREIRO
1 O parlamento republicano reúne pela última vez em solo espanhol, no Castelo
de Figueras.
9 Franco promulga a Lei de Responsabilidades Políticas, que criminaliza, com
SETEMBRO
29 Conferência de Munique, entre a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e a Itália.
A França e a Grã-Bretanha aceitam a anexação da Sudetenland checa por Hitler.
efeitos retroactivos, a actividade política republicana.
10 Capitulação da Catalunha. Franco fecha a fronteira com França. Negrín insta­
la-se na zona republicana do centro-sul.
27 A Grã-Bretanha e a França reconhecem Franco.
ÜUTUBRO
P rossegue a Batalha do Ebro.
4 A república retira das suas linhas os voluntários internacionais, em cumpri­
mento do plano do Comité de Não Intervenção.
MARÇO
4-6 Uma revolta descoo rdenada na base naval republicana de Cartagena leva
a armada a fazer-se ao mar. Esta é retida pelos franceses no norte de África,
{206}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
para ser entregue a Franco. A república perde, assim, os meios necessários para
transportar milhares de refugiados que temem pelas suas vidas.
Glossário
5 O comandante republicano na frente madrilena, coronel Segismundo Casado,
rebela-se contra Negrín, com base na convicção errónea de que, enquanto ofi­
cial do exército, será capaz de negociar com Franco uma «paz com garantias».
6-13 Combates de rua em Madrid entre as forças pró e anti-Casado. Em toda a res­
tante zona centro-sul, o exército republicano mantém-se à margem.
26-28 As forças de Casado triunfam em Madrid, mas Franco recusa-se a negociar.
Casado não tem outra alternativa senão ordenar a rendição da força aérea e do
CEDA (CoNFEDERACIÓN EsPANOLA DE DERECHAS AuTÓNOMAS): partido católico
exército republicanos.
de massas com projecção nacional, foi fundado em 1933 e dependia fortemente das
27 As tropas de Franco ocupam Madrid. Migração maciça de refugiados; muitos
redes organizacionais da igreja.
refugiados republicanos afluem aos portos mediterrânicos, principalmente a
Alicante, mas relativamente poucos conseguem fugir, dada a escassez de bar­
CNT (CoNFEDERACIÓN NACIONAL DEL T RABAJO): união de trabalhadores anarco­
cos. Franco assina o Pacto Anti-Comintern.
-sindicalista fundada em 1910.
ABRIL
CoMINTERN: Internacional Comunista (ou Terceira Internacional), criada por Leni­
1 Franco emite o seu último comunicado de guerra, anunciando o fim das hosti­
lidades militares. Os Estados Unidos reconhecem o regime de Franco.
ne em 1919 com o objectivo de ser uma organização congregante de todos os partidos
comunistas.
6 Franco torna pública a adesão espanhola ao Pacto Anti-Comintern.
FALANGE: Partido fascista espanhol fundado em 1933 por José Antonio Primo de
Rivera, cujo pai fora o ditador militar de Espanha entre 1923 e 1930.
PCE (PARTIDO COMUNISTA DE EsPANA): partido comunista oficial em Espanha, fun­
dado em 1921 e afecto à Internacional Comunista (Comintern).
PNV (PARTIDO NACIONALISTA VAsco): partido nacionalista basco, fundado em 1895.
O PNV era fortemente católico e socialmente conservador, mas opunha-se ao ultra­
centalismo da direita espanhola.
POUM (PARTIDO 0BRERO DE UNIFICACIÓN MARXISTA): partido comunista dissi­
dente (isto é, não alinhado com o Comintern), formado em Setembro de 1935. A zona
de influência do POUM era, sobretudo, a Catalunha.
PSOE (PARTIDO SOCIALISTA 0BRERO EsPANOL): partido socialista espanhol, funda­
do em 1879.
{208}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
UGT (UNIÓN GENERAL DE TRABAJADORES): sindicato liderado pelos socialistas, foi
fundado em 1888 e era tradicionalmente mais forte em Madrid e nas zonas industriais
Indice Remissivo
do norte de Espanha, como as minas de carvão das Astúrias ou a indústria pesada de
Biscaia (País Basco).
AALTO, BrLL:75,128,179
Barbieri,Francesco:87
Afonso XIII:22
Barcelona: 21, 22, 32, 43, 44, 7 1, 82, 85,
Agricultura:19,44
87, 95, 96, 123, 124, 129, 134, 136,
Alemanha:17,51,53,57,61,63,104,105,
156,157,159
106, 109, 110, 113, 121, 127, 128, 137,
Belchite:119,151
138, 139, 141, 153, 155, 156, 196, 198,
Bélgica:95
199,201
Berlanga,Luis G.:81
Alfabetização:77,78,79,183
Berneri, Camillo: 87
Alicante:141,202
Bilbau:87,96
Allen,Jay:51
Blitzkrieg: 123,138
Blum,León:59
Boix,Francisco:156,157
Botwin,Naftali:65
Brigadas Internacionais:63,65,66,67,
69, 75, 1 03, 104, 127, 128, 137, 152,
154,179
Brunete,Batalha de:65,74
Buchenwald:155
Almodóvar, Pedro:172
Alonso,Celestino:154
Anarco-sindicalista:22,29,82,95
Andaluzia:32,50
Anschluss: 123,125,126,141
Anticlerical:45,46,58,107,131
Aragão:44,82,120,123,128,133,135
Assassínios extrajudiciais: 46, 49, 50,
58,98,161-2,172-3
Associação para a Recuperação da
Memória Histórica:172,173,177
Astúrias:33,34,80,119
Áustria:63,123
Avilés:119
CABANELLAS, GENERAL MIGUEL: 93,
94
Campos de concentração: 65, 98,141,
147,15 1,155,156,158,160,181
Cantalupo,Roberto:97
Carchuna (Motril):128
BADAJOZ:51
Carlistas:27,41,98
Bangic, Olga:153
Cartagena: 114,141
Barayón,Amparo:47,48,49,161,173
Casamento:98,163
{2IO}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
{2n}
ÍNDICE REMISSIVO
Catalã,Neus:148
Etiópia:51
Goff, lrv:75,128,179
Komsomol:117
Catalunha: 26, 40, 82, 84, 85, 86, 8 7,
123, 124, 125, 129, 132, 133, 134, 137,
Exército rebelde/franquista: 53, 72,
Gõring,Hermann:141
Grã-Bretanha:53,57,58,59,60,61,88,
95, 105, 106,1 21, 123, 125, 1 27, 138,
LANDA,MATILDE:158
139,145,161,176
104
Exército republicano:69, 75, 7 8, 103,
Catolicismo:18,20,107,no,131,161
104,117,118,119,120,1 21,122,123,
Causa General: 161,162,17 1
127,128,135,137
Cercas,Javier:145,152,177
Extremadura: 50
Checas:86
Churchill,Winston:106
Cinema:60,103
Comunistas:68,82,83,85,87,129,132,
133
Contra-reforma agrária:50
141,142
10 1,107,108,110,155,164
Legião Condor: 94
Guadalajara,Batalha de:63,104,151
Lei das Responsabilidades Políticas:
Guerra Civil Finlandesa:64
Fome: 21,127,134,
França:53,57,59,60,61,87,88,105,117,
DALADIER,EDOUARD:146
121,123,125,126,127,134,138,141,145,
De Gaulle,Charles:151
146,147,148,149,150,152,153,156
Denúncia:no,134,161,163
Franco,general Francisco:13,19,25,33,
Desemprego:31,32,64,84
48, 50,51,52,53,54,5 8,60,63,7 1,
DiaD:180
72,73,74,87,91,92,93,94,95,96,
HEARTFIELD,]OHN: 79
Hitler, Adolf: 17,42,58,59,70,72,93,
103,105,123,138 ,1 41,150,152,1 53,
154,17 1
Hutchins,Evelyn:67
foÁRRURI,DOLORES: 150
Igreja católica:23,24,27,28,45,46,52,
Dias de Maio:82,83,86,87,129
97,98,99,100,102,103,104,105,
100,106,107,108,no,131,163,176
Diplomacia: 13, 86, 88, 107, 121 , 125,
106,107,108,109,113,114,115,117,
Império Espanhol:18,19,25,105,161
Indústria: 1 9, 20, 42, 44, 74, 76, 96,
127,132
118,119,120,121,122,123,124,125,
Divisão Azul:100,154
126, 127, 128, 131, 135, 136, 137, 138,
Divórcio:163
139,140,141,145,146,148,149,150,
Durango:94
152,153,154,155,1 57,1 58, 159,160,
Durruti,Buenaventura:72
161,162,164,165,166,169,170,17 1,
172,175,179
EBRO,BATALHA DO:136
Franco,Nicolás:98
Eden, Anthony:106
Franquismo:13,108,109,no,149,154,
158,163,170,174,176,177,179
Educação:23,32,7 8,158,161
Edwards,Thyra:67
139,162
Lei Marcial: 162
Guerra Fria:81,153
Fascismo:25,36,63,64,65,68,106,151
Federalismo:20
Leclerc,general Philippe:151,153
Grzywacz,Shloime:154
Guernica:94,176
FALANGE:25,46,48,80,93,98,99,100,
Law, Oliver:65
100,103,119,129,160
Internacional Comunista
(Comintern): 69, 70, 85, 109,132,
133
Itália: 17, 51, 53,57,61,63, 73, 103,104,
105,106,109,113,1 21,123,128,137,
MAÇONARIA:107
Madrid: 29,33,39,42,43,50,53,60,62,
63, 70, 7 1, 72, 73, 74, 76, 79,80,81,
94,95,104,118,120,121,140,146,
151,153,158,176
Maes,Magdalena:161
Málaga:43
Mannerheim,Carl Gustav:64
Maquis: 148,149,150
Marrocos:25,26,33,39,51,151
Mauthausen:155,156,157
McCarthy, Joseph:179
México:115,145
Migrações:12
Miliciana:53,76
Mobilização rebelde/franquista: 27,
28,33,41,43,100-101,108,161,17 8
Mobilização republicana:33,35,57,63,
74-79,119,140,150,156,17 8
Moa,Pio:176,177,17 8
Modiano,Patrick:175
Espinosa,Pilar:48,172
GALIZA:41
JAPÃO:57,109
Jarama,Batalha de:63,66,104,176
Espionagem:136,154
Gandía:141
Juventude:33,156
Monarquia:20,23
Estados Unidos:63,65,66,81,173,179
García,Antonio:156
Morales,Diego:155
Mulheres:28,48,50,67,76,77,80,100,
Estaline:44,60,61,69,113,114,127
García Lorca,Federico:48
KEA, SALARIA:67
Estalinegrado: 150
Gijón:119
Kerensky, Alexander: 58
Mola,general Emílio: 51,53,93,96
101,148,150,164,165,172
{212}
BREVE HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA
Munique,Acordo de:138,139
Primeira República:24
Mussolini,Benito:17,42,58,59,70, 72,
Primo deRivera,JoséAntonio:25,98
87, 93, 99, 103,141
Primo de Rivera, general Miguel: 22,
24
NACHTUNDNEBEL: 155
Nações Unidas:173
Propaganda:52,79,92,93,95,101,109,
149,154,169,176
73, 75, 91, 105, 106, 113, 114, 115,117,
119,121,125,129,133,139
Sevilha:19,40
Silva,Emílio:173
Socialistas:23, 24,26, 29, 32, 34, 35,46,
69,87,129,132,140
Sociedade das Nações:125
Spengler, Oswald: 25
Stalags: 147,155
Não intervenção:57,60,61,68,69,70,
Narvik (Noruega):150
União Soviética: 60, 61, 69, 81, 86, 87,
95, 1 05, 113, 114, 115, 117, 1 27, 138,
139,140,150
VALE DOS CAÍDOS:160
Valência:20,40,44,7 1,72,123,125,134,
137,138,141
Vaticano:106,107,108,132
QuEIPO D E L L A N O, G ENE R A L
GoNzAL0:40
{213}
ÍNDICE REMISSIVO
TALAVERA DE LAREINA:53
Vigo:41
Taussig,Michael:177
Vinaroz:123,124
Nazismo:64,66,106,110,154
RACISMO: 52,106,110
Teruel:120,121,122,1 23,128
Negrín,Juan: 82, 88, 113, 121, 122, 123,
Radnóti,Miklós:181
Toledo:52,60,93
WOLF, FRANCISC:154
125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132,
Ravensbrück:148,155
Transição democrática:17 1,172
Woolsey, Gamei:43
133,136,138,139,141,165
Reforma agrária:23,28,45,50
Trotski,Leão:86
Nelken,Margarita:150
Nin,Andreu:86
Nuremberga:156
139,141,146,147,148,15 1
Renau,Josep:79
Resistência Francesa:65,152
ÜRWELL, GEORGE:82,85
Revolução:17,21,23
Ouro:42,114,115,126
Revolução Russa:17,21
OVRA:87
Rivas,Manuel:41
Rojo,general Vicente:118,120
PACTOANT1-COMINTERN:109
Rol-Tanguy, Henri:153
Partido Comunista Francês (PCF):69
Rolfe,Edwin:66
Partido Nacionalista Basco (PNV):74
Rosselli,Cario:87
Partido Popular (PP):175
Rosselli,Nello:87
Plano Marshall:165
Poderio aéreo:62,72,104
SALAMANCA:93,107,175,176
Pointner,Anna:156
Sanjurjo,general José:131
Polónia:63,65,115
Saragoça:19,25,26
Portugal:113
Secção feminina da Falange:101
POUM:86,87,136,137
Segunda Guerra Mundial:11,13,66,75,
Presos políticos:87,104,108,120,146,
147,152,155,156,158,160,181
ZONA FRANQUISTA/REBELDE: 48, 100,
Refugiados: 12, 36, 53, 7 1, 85, 133, 134,
137,140,141,153,154,155,1 80
Semprún,Jorge:155,156,160
Prieto, lndalecio:128
Sender,Ramón:14,47
Primeira Guerra Mundial: 12,17,21,63
Serrano Sufier,Ràmón:98,155
«ÚLTIMA GRANDE CAUSA»:66,178,179
Unamuno,Miguel:91,107
102,103, 104,136
Zona republicana:100,131, 134,140
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