MERCADOS E PREÇOS escassos, não havia necessidade de economia. Por isso, bens económicos são bens escassos, isto é, são aqueles cuja oferta é limitada. 1. MERCADOS E PREÇOS O objeto central da análise económica é o comportamento económico dos indivíduos e das empresas, as suas decisões de produção e de consumo, e a inter-relação entre estas decisões. A inter-relação entre indivíduos e empresas dá origem a transações económicas, compra e venda de uma determinada quantidade de bens (produtos ou serviços) a um determinado preço. O conjunto das transações sobre um determinado bem é o mercado (desse bem), que pode ter ou não existência física. A metodologia económica de análise do comportamento de mercados e preços assenta no chamado modelo da oferta e da procura, que é o tema deste capítulo introdutório. No entanto, antes de entrarmos no estudo deste modelo, é conveniente apresentar alguns conceitos básicos que serão úteis no estudo da economia. 1.1. LINGUAGEM E CONCEITOS FUNDAMENTAIS Existem várias definições de economia, não cabendo no âmbito deste livro uma análise comparativa e exaustiva dos diferentes conceitos. Limitamo-nos a apresentar uma definição que servirá de ponto de partida ao nosso estudo da ciência económica: A economia é o estudo da forma como as sociedades utilizam recursos escassos na produção de bens para satisfação de necessidades múltiplas, e de como os distribuem entre os vários indivíduos. 1.1.1. O problema económico surge porque as necessidades dos indivíduos excedem largamente os recursos disponíveis. A preocupação do economista é assegurar que os recursos (escassos) disponíveis sejam utilizados da melhor forma possível, para que se consiga satisfazer o maior conjunto possível de necessidades. É necessário, então, utilizar esses recursos eficientemente. A conjugação da escassez dos bens com a multiplicidade de necessidades coloca a eficiência como um dos principais critérios de análise da economia. O conceito de eficiência é central a toda a análise económica. Importa por isso precisar o que os economistas entendem por eficiência. Em economia, eficiência corresponde a uma boa utilização dos recursos, isto é, uma utilização sem desperdícios. A economia está a produzir de forma eficiente quando o bem-estar de um agente económico não pode aumentar sem prejudicar o bem-estar de outro agente económico (critério de eficiência de Pareto). Note-se que os conceitos de bem económico, necessidade, e eficiência não se limitam ao domínio do material. Desde que um ser humano sinta uma vontade (necessidade), o que for que a satisfaça é bem económico (se a sua oferta for limitada). Por exemplo, uma missa é um bem económico, porque satisfaz uma necessidade (espiritual) dos fiéis, e tem oferta limitada (quer o número de sacerdotes, quer o número de igrejas disponíveis, são limitados); por outro lado, o tempo necessário para assistir à missa é um recurso escassíssimo. A eficiência não deverá deixar de ser uma preocupação primordial na definição dos locais e horários das missas a celebrar, para que estas possam satisfazer as necessidades do maior número de fiéis. Escassez e eficiência 1.1.2. Otimização Mais do que um corpo de conhecimentos, a economia é uma forma de olhar o mundo. O ponto de partida da ciência económica é a constatação que os recursos disponíveis são escassos. Se os recursos não fossem Todas as pessoas, singulares ou coletivas, têm uma atividade económica, isto é, são agentes económicos. Os economistas costumam agrupar os 1 2 ÁLVARO ALMEIDA MERCADOS E PREÇOS INTRODUÇÃO À ECONOMIA diversos agentes económicos em várias categorias, de acordo com as suas funções económicas e os objetivos que comandam as suas decisões. O primeiro tipo de agentes económicos é as pessoas singulares, ou os grupos de pessoas que constituem unidades de decisão mais pequenas, as famílias. As famílias têm duas funções económicas essenciais. Primeiro, são os detentores ou fornecedores dos factores de produção, que fornecem às empresas, em troca de um determinado rendimento. Segundo, utilizam o rendimento que obtêm dos factores de produção para comprar os bens finais (consumo), ou para aforrar (poupança). As decisões das famílias são tomadas em função do seu objectivo último, que se assume ser a sua felicidade, ou bem-estar. As decisões de consumo, ou de trabalho, das famílias visam maximizar a sua utilidade, ou bem-estar. O segundo tipo de agentes económicos é as empresas, aquelas pessoas colectivas que existem para realizar a produção de bens e serviços. As empresas adquirem factores de produção, quer bens de capital (investimento), quer bens de consumo intermédio, e organizam os factores de produção para produzir bens e serviços. As decisões das empresas são tomadas em função do objectivo de maximização do valor da empresa, o que irá contribuir para aumentar o bem-estar dos seus proprietários. Note-se que de um ponto de vista estático, maximizar o valor da empresa é equivalente a maximizar o lucro (diferença entre proveitos e custos). O terceiro tipo de agentes económicos é o Estado e outras entidades públicas. A existência de entidades que actuam em nome colectivo é necessária quando a actuação individual das famílias e empresas não é suficiente para garantir o bem-estar social. O Estado supre esta lacuna, angariando receitas (voluntárias ou coercivas) para financiar as despesas necessárias à prossecução do seu objectivo, que se assume ser a maximização do bem-estar social. 1.1.3. Custo de oportunidade Qualquer agente económico só poderá tomar decisões óptimas se conhecer os custos e benefícios associados a cada uma das decisões possíveis. Note-se, porém, que o custo relevante é o custo económico (o impacto negativo no nosso bem-estar), e não o custo financeiro (o valor monetário que se tem de despender para obter esse bem), ou o custo contabilístico (o custo registado na contabilidade das empresas). A noção de custo relevante em economia é a de custo de oportunidade. O custo de oportunidade de um bem corresponde ao valor daquilo que se prescinde para obter esse bem (relativamente à melhor aplicação alternativa). Por exemplo, o custo de oportunidade de frequentar um curso de pósgraduação é a soma do custo financeiro directo (as propinas), com os custos financeiros indirectos (o custo das deslocações, por exemplo), e com o custo não financeiro associado à perda de bem-estar que resulta do tempo de lazer de que se tem de abdicar para estudar. Para muitos, esta parcela do custo, que é “invisível”, é mais importante que as outras parcelas mais óbvias. Note-se que o custo de oportunidade pode variar significativamente de agente económico para agente económico. O custo de oportunidade de frequentar um curso de pós-graduação vai variar de aluno para aluno, porque as deslocações são diferentes e porque o valor atribuído ao lazer também pode ser diferente. O custo de oportunidade pode variar também ao longo do tempo, para o mesmo agente económico. Para alguns alunos, o custo de oportunidade de assistir às aulas vai variar ao longo do tempo, sendo mais elevado, por exemplo, naquelas noites em que o seu clube de futebol favorito jogar uma final europeia... Todos estes agentes económicos vão actuar racionalmente, isto é, vão tomar decisões óptimas, aquelas que permitem alcançar o seu objectivo, tendo em conta as restrições que enfrentam. A decisão óptima é a escolha que produz o resultado que melhor contribui para alcançar os objectivos do agente económico. 3 4 ÁLVARO ALMEIDA 1.2. INTRODUÇÃO À ECONOMIA CONSUMIDORES E PROCURA DE BENS O modelo da oferta e da procura recebe o seu nome dos seus dois elementos centrais, a curva da oferta e a curva da procura. Nesta secção vamos analisar esta última. 1.2.1. Determinantes da procura A procura de bens finais é efectuada pelos agentes económicos que genericamente são designados como famílias ou consumidores. Para compreendermos a procura de bens, teremos então de compreender o que determina as escolhas destes agentes económicos quanto efectuam as decisões relativas ao consumo. O ramo da economia que estuda estas escolhas é conhecido como Teoria do Consumidor.1 Uma análise detalhada da teoria do consumidor sai fora do âmbito deste texto, pelo que nos limitaremos a salientar o principal resultado desta teoria: Teoria do consumidor: os consumidores escolhem a quantidade que pretendem consumir de um determinado bem, de forma a maximizar a sua utilidade, tendo em conta as suas preferências, a sua restrição orçamental, e os preços desse e de outros bens (preços relativos). A teoria do consumidor diz-nos que a procura de um determinado consumidor por um determinado bem vai depender das suas preferências (gostos), do seu orçamento e dos preços de todos os bens. A procura total por esse bem vai resultar da soma das procuras individuais. Se definirmos uma relação entre a quantidade procurada de um bem e as variáveis que influenciam essa quantidade procurada, podemos construir uma função procura: 1 A procura de bens de investimento ou de bens utilizados na produção resulta de escolhas das empresas. Por esta razão, as determinantes da procura por este tipo de bens são diferentes da procura por bens finais, e são analisadas pela Teoria dos Custos (ver secção 1.3.). No entanto, estes bens têm curvas da procura que são qualitativamente semelhantes às curvas da procura por bens finais, pelo que o modelo da oferta e da procura se aplica também a este tipo de bens. 5 MERCADOS E PREÇOS Função procura: relação entre a quantidade procurada de um bem e todos os factores que afectam essa quantidade. Q = −a1 PX + a2 PS − a3 PC + a4 EPx + a5 R + a6 N + a7 PUB + a8 FE (1.2.1) A equação 1.2.1 apresenta um exemplo de uma função procura, onde a quantidade procurada (Q) do bem é função linear de várias determinantes. Genericamente, as determinantes da procura por um bem X são as seguintes (o símbolo +/– indica o sentido da variação esperada da quantidade procurada quando aumenta o valor da variável em causa): - preço do bem X (PX, – ): se o preço do bem X aumentar, os consumidores vão poder comprar menos quantidade (efeito-rendimento) e vão antes procurar bens substitutos (efeito-substituição); - preço de bens substitutos (PS, + ): bens substitutos são aqueles bens que satisfazem as mesmas necessidades que o bem X; se o preço desses bens aumentar, os consumidores vão procurar menos esses bens e procurar mais o bem X; - preço de bens complementares (PC, – ): bens complementares são aqueles bens cujo consumo está associado ao do bem X; se o preço desses bens aumentar, os consumidores vão procurar menos esses bens e por isso também vão procurar menos o bem X; - expectativas sobre preços futuros (EP): se os consumidores esperarem que no futuro os preços se virão a alterar, vão postecipar/antecipar o seu consumo para beneficiar de baixas de preços ou evitar subidas, o que terá reflexos no consumo corrente do bem X; por exemplo, se se esperar uma subida de PX, os consumidores vão antecipar o seu consumo, e a procura corrente de X vai aumentar; - rendimento dos consumidores (R, + ): no caso de bens de consumo corrente, o orçamento dos consumidores está limitado pelo seu rendimento; no caso de bens de consumo duradouro, a restrição está mais relacionada com a sua riqueza e/ou capacidade de endividamento (mas o rendimento não deixa de ser uma determinante fundamental destes); 6 ÁLVARO ALMEIDA - - INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS dimensão do mercado (N, + ): a quantidade procurada depende dos factores que influenciam a escolha de cada um dos consumidores, mas também do número de consumidores; a dimensão do mercado vai ser um elemento fundamental na determinação da quantidade procurada; preferências dos consumidores: qualquer variável que influencie os gostos dos consumidores vai influenciar a procura do bem X; estas variáveis incluem, por exemplo, os gastos com publicidade (PUB), ou factores específicos a cada bem (FE), como, por exemplo, as condições atmosféricas no caso da venda de guarda-chuvas. preço, e PS representa o preço médio dos outros automóveis todo-oterreno (em milhares de euros): A função procura genérica apresentada acima refere-se à procura de uma indústria,2 isto é, à procura por um determinado bem X. Também se podem definir funções procura do produto de uma empresa. A principal diferença é que estas deverão também incluir como determinantes variáveis relativas ao comportamento das outras empresas produtoras do bem X. Por exemplo, se Q representar a quantidade procurada de automóveis todo-o-terreno (em milhares de veículos), PX for o seu preço, PY o preço dos automóveis familiares, R o rendimento médio anual das famílias portuguesas, PUB o valor gasto pelos fabricantes destes veículos em publicidade (todas estas variáveis definidas em milhares de euros), i a taxa de juro (em pontos percentuais), e N o número de famílias (em milhões), a equação 1.2.2. poderia representar a função procura da indústria de automóveis de todo-o-terreno no país P: Q = −2 PX + 1 PY + 1,5 R − 2 i + 20 N + 0,015 PUB Qm = −5 PT + 5 PS + 1 PY + 1,5 R − 2 i + 20 N + 0,1 PUB 1.2.2. A curva da procura O preço do bem tem um papel especial no seio dos elementos da função procura, na medida em que muitas vezes é a única variável da função que está sob o controlo da empresa produtora. Quando o gestor tem de definir o preço de venda do seu produto, é importante conhecer a relação entre o preço e as vendas, isto é, a curva da procura: Curva da procura: relação entre o preço de um bem e a quantidade procurada desse bem, ceteris paribus. A curva da procura (D) é muitas vezes representada num gráfico, com o preço (P) no eixo vertical e a quantidade procurada (Q) no eixo horizontal, como na Figura 1.2.1. A curva da procura tem inclinação negativa, já que quanto maior for P, menor deverá ser Q. (1.2.2) Por outro lado, a procura de um modelo específico (chamemos-lhe Car TT1) poderia ser dada pela equação 1.2.3., onde Qm representa a quantidade procurada de Car TT1 (em milhares de veículos), PT o seu 2 O termo indústria é utilizado aqui, como é frequente em economia, para representar o conjunto de empresas que produzem o mesmo bem, independentemente de esse bem ser um bem industrial, agrícola, ou serviços. Por exemplo, poderemos referir-nos à “indústria do turismo”, ou à “indústria do leite”. 7 (1.2.3) Figura 1.2.1 8 ÁLVARO ALMEIDA INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS Dada a função procura por automóveis todo-o-terreno utilizada no exemplo anterior, e supondo que num determinado momento PY=20, R=15, i=8, N=3, e PUB=1000, a curva da procura por automóveis todoo-terreno seria dada pela equação 1.2.4., Cada curva da procura é definida para determinados valores de todas as outras variáveis relevantes. Se o valor de alguma dessas variáveis se alterar dá-se uma variação da procura, a que corresponderá uma deslocação da curva da procura. Um aumento (diminuição) da procura significa que a cada preço a quantidade procurada será maior (menor), isto é, a curva da procura desloca-se para a direita (esquerda) se: - o preço de bens substitutos aumenta (diminui) - o preço de bens complementares diminui (aumenta) - o rendimento dos consumidores aumenta (diminui) - aumenta (diminui) a preferência dos consumidores pelo bem Q = −2 PX + 1x 20 + 1,5 x15 − 2 x8 + 20 x3 + 0,015 x1000 ⇒ 1 PX = 50,75 − Q 2 (1.2.4) A esta curva da procura corresponderá a curva D1 da Figura 1.2.2. Utilizando a equação 1.2.4 podemos constatar que quando P=0, vem Q=101,5, quando P=30 vem Q=41,5, e que Q=0 quando P=50,75. Com estes três pontos podemos traçar a curva da procura. Dada uma determinada curva da procura, podemos analisar o efeito de variações no preço sobre a quantidade procurada. Basta para isso ver que quantidade corresponde a cada preço, ao longo da curva. Por exemplo, se o preço aumentar de 30 para 40, a curva da procura D1 mostra-nos que a quantidade procurada deverá baixar de 41,5 para 21,5. No exemplo da figura 1.2.2, se os gastos com publicidade aumentarem para PUB=2000, a quantidade procurada quando o preço é 30 aumenta de 41,5 para 56,5. A curva da procura desloca-se para a direita, passando de D1 para D2, e passa a ser dada pela equação 1.2.5: 1 PX = 58,25 − Q (1.2.5) 2 1.2.3. Elasticidades da procura Um dos problemas que surgem quando se pretende aplicar a análise desenvolvida na secção anterior, é a dificuldade em estimar a função procura, ou mesmo a curva da procura, por um determinado bem. No entanto, o modelo de oferta e procura pode ser utilizado, sem grande perda, mesmo que não se conheça a forma funcional da curva da procura. Basta conhecer a elasticidade-preço da procura. O conceito de elasticidade é um dos mais importantes na análise económica, tendo diversas aplicações. Genericamente, Figura 1.2.2 9 Elasticidade: mede a variação relativa numa variável (dependente, Y), causada por uma variação relativa unitária noutra variável (independente, X), ceteris paribus 10 ÁLVARO ALMEIDA INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS A elasticidade mede a reação da variável Y a variações da variável X, em termos relativos. Por exemplo, uma elasticidade igual a 3 implica que se X aumentar 1%, Y deverá aumentar 3%. O valor da elasticidade-preço da procura é também relevante para analisar o impacto de variações do preço nas receitas das empresas. A receita das vendas depende da quantidade vendida e do preço de venda. Se o preço aumentar, a receita aumentaria se a quantidade procurada se mantivesse constante. No entanto, sabemos que aumentos de preço estão associados a reduções da quantidade procurada. Esta redução da quantidade levaria a uma redução da receita. Temos então dois efeitos de sentidos opostos, e o impacto sobre a receita total (RT=PxQ) vai depender de qual dos dois efeitos é maior. A resposta depende da elasticidade-preço da procura: A principal aplicação do conceito de elasticidade é a elasticidade-preço da procura: Elasticidade-preço da procura (εP): variação percentual na quantidade procurada de um bem, causada por uma variação de 1% no preço desse bem (Q1 − Q0 ) ∆Q Q0 ∆Q P var % Q Q εP = − =− =− =− ∆ P ( P − P ) var % P ∆P Q 1 0 P P (1.2.6) Elasticidade-preço e receita total: um aumento do preço leva a um aumento (diminuição) da receita total se a elasticidade-preço for menor (maior) do que 1, isto é, se a procura for inelástica (elástica) 0 A equação 1.2.6 apresenta diversas formas de cálculo da elasticidadepreço da procura.3 Note-se que a fórmula de cálculo da elasticidade inclui um sinal menos (–), para tornar a elasticidade positiva, porque a relação quantidade/preço é geralmente negativa. A elasticidade-preço pode ser calculada a partir do inverso da inclinação da curva da procura (∆P/∆Q), se a forma funcional da curva da procura for conhecida. Alternativamente, pode-se calcular a elasticidade a partir de dois pontos da curva da procura, (P0,Q0) e (P1,Q1). Este será geralmente o método mais fácil de implementar. Na curva D1 do exemplo da secção anterior, constatamos que quando P=30, Q=41,5 e quando P=40, Q=21,5. Então, a elasticidade-preço da procura de veículos todo-o-terreno será εP=1,45. O valor da elasticidade-preço da procura está relacionado com a inclinação da curva da procura. Quanto maior for a elasticidade, menos inclinada é a curva da procura. Exemplificando com casos extremos: se εP=0, a curva da procura é vertical (a procura é inelástica); se εP for muito grande (no limite, infinito), a curva da procura é horizontal. 3 Ao longo do texto utilizamos a letra grega ∆ para indicar variações. ∆X será então a “variação na variável X” e ∆X/X a taxa de crescimento da variável X. 11 Por exemplo, se εP=2, um aumento de 5% no preço causa uma diminuição de 10% na quantidade procurada. Então, a receita vai aumentar em 5% por causa do preço, mas vai diminuir em 10% por causa da quantidade. O efeito líquido na receita vai ser uma diminuição de cerca de 5% na receita total (RT1 = P1Q1 = 1,05 P0 x 0,9 Q0 = 0,945 P0Q0 = 0,945 RT0). Por estes motivos, é importante compreender os fatores que influenciam a elasticidade-preço da procura de um bem. As principais determinantes da elasticidade-preço são as seguintes: - bem essencial: a elasticidade-preço será menor se o bem for visto como essencial; os consumidores não irão reduzir significativamente o seu consumo deste tipo de bens, mesmo que o seu preço aumente muito (ex: eletricidade); - existência de bens substitutos: a elasticidade-preço será maior se existirem bens substitutos, isto é, outros bens que satisfaçam a mesma necessidade; por exemplo, o vinho verde é um bem substituto do vinho maduro; se o preço do vinho verde aumentar, os consumidores irão consumir vinho maduro, deixando de procurar o vinho verde; - percentagem do rendimento gasto no bem: quanto maior for a percentagem do seu rendimento que os 12 ÁLVARO ALMEIDA - INTRODUÇÃO À ECONOMIA consumidores gastam num bem, maior será a sua elasticidade-preço (ex: carne); os consumidores serão muito mais sensíveis a variações no preço deste tipo de bens, dado que qualquer variação no preço terá um impacto muito grande no orçamento familiar; prazo de ajustamento: as elasticidades-preço de longo prazo tenderão a ser maiores do que as de curto prazo; se o preço de um bem aumentar, os consumidores não irão alterar significativamente os seus hábitos de consumo imediatamente, pelo que no curto prazo a quantidade procurada não é muito afetada; no entanto, se o preço se mantiver elevado durante muito tempo, os consumidores irão gradualmente deixar de consumir o bem, e no longo prazo a quantidade procurada diminui significativamente. O conceito de elasticidade da procura pode ser aplicado a outras variáveis da função procura. Uma aplicação comum é a que compara variações na quantidade procurada com variações no rendimento dos consumidores, conhecida como elasticidade-rendimento da procura: Elasticidade-rendimento da procura: variação percentual na quantidade procurada de um bem, causada por uma variação de 1% no rendimento dos consumidores desse bem (Q1 − Q0 ) ∆Q Q0 ∆Q R var % Q Q = = = εR = ∆ R R − R ( ) ∆R Q var % R 1 0 R R (1.2.7) 0 1.3. EMPRESAS, CUSTOS E CURVA DA OFERTA O segundo elemento do modelo da oferta e da procura é a curva da oferta, objeto de análise desta secção. 13 MERCADOS E PREÇOS 1.3.1. Teoria da produção A oferta de bens é assegurada pelos agentes económicos que genericamente são designados como empresas ou produtores. Para compreendermos a oferta de bens, teremos então de compreender o que determina as escolhas destes agentes económicos quanto efetuam as decisões relativas à produção. Os ramos da economia que estudam estas escolhas são conhecidos como Teoria da Produção e Teoria dos Custos. Uma análise detalhada destas teorias sai fora do âmbito deste texto, pelo que nos limitaremos a salientar os seus principais resultados. A teoria da produção analisa a questão de como produzir, e a sua principal conclusão é: Teoria da produção: as empresas escolhem a combinação de factores de produção mais eficiente (isto é, a que permite obter um determinado nível de produção ao menor custo), tendo em conta a tecnologia existente e os preços dos factores de produção. A teoria da produção diz-nos que a escolha das empresas relativamente a como produzir vai depender da tecnologia disponível e dos preços dos factores de produção. Qualquer actividade produtiva exige a utilização de factores de produção. Genericamente, os factores de produção poderão dividir-se em três grandes grupos: recursos naturais (tudo aquilo que existe na natureza em estado bruto), trabalho (a aplicação do esforço humano), e capital (todos os recursos produzidos pelo homem). A quantidade de um bem que uma empresa poderá produzir dependerá da quantidade de factores de produção que utilizar e da forma como os combina. Haverá assim uma relação entre a quantidade utilizada de cada um dos factores de produção, e a quantidade produzida de um determinado bem por uma empresa, a que chamamos função de produção. A Função de Produção é a relação que indica a quantidade máxima de um bem que é possível produzir com uma dada quantidade de factores de produção. Sendo Q a quantidade produzida de um dado bem, L a quantidade de factor trabalho, K a quantidade de factor capital, e R a quantidade de recursos naturais utilizados na produção do bem, a função de produção desse bem será do tipo Q = f (L, K, R). 14 ÁLVARO ALMEIDA 1.3.2. INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS serviços, se introduzam melhorias nos produtos existentes, ou se introduzam novos produtos. Produtividade O conceito de produtividade tem um significado preciso em economia, que não coincide com a utilização comum do termo. Em economia, produtividade é a capacidade dos factores de produção para criar produto. A utilização comum do termo produtividade está geralmente associada à produtividade do trabalho, isto é, a quantidade de produto que se consegue obter com uma unidade do factor trabalho (Y/L). É possível que a produtividade do trabalho aumente sem que haja um verdadeiro aumento da eficiência na produção, que é o que o conceito de produtividade pretende medir. Suponhamos que um jardineiro utilizando uma tesoura manual consegue cortar 10m2 de relva numa hora. Suponhamos ainda que o mesmo jardineiro utilizando um cortador de relva motorizado consegue cortar 100m2 de relva no mesmo período. O indicador “produtividade do trabalho” indicaria que a produtividade é maior com o cortador motorizado, já que se produz mais com a mesma quantidade de trabalho. No entanto, a comparação directa não pode ser efectuada, já que a quantidade de recursos utilizada não é a mesma nos dois casos; no segundo caso utiliza-se mais capital. Então, este aumento da produção por hora de trabalho não representa necessariamente um aumento da eficiência no processo produtivo, isto é, da produtividade. Para concluirmos se houve aumento da produtividade teremos que comparar a quantidade produzida com a quantidade de factores de produção utilizados, isto é, teremos de calcular a produtividade total dos factores. A Produtividade total dos factores (PTF) é quantidade de produto que se consegue obter com uma unidade ponderada de todos os factores de produção. Uma constatação empírica habitual, relativa ao conceito de produtividade, é a chamada Lei dos rendimentos marginais decrescentes. Esta “lei” (isto é, regularidade empírica) constata que, geralmente, à medida que se adiciona unidades de um facto de produção, mantendo os outros fatores fixos, o acréscimo de produção obtido é cada vez menor. 1.3.3. Custos de produção A Teoria dos Custos analisa as decisões das empresas relativas a que bens, e quanto, produzir. O ponto de partida desta teoria é a definição de custo económico relevante, que deverá ser o custo de oportunidade, isto é, a soma do valor de cada um dos fatores de produção na sua melhor aplicação alternativa. O custo económico será diferente do custo financeiro ou do custo contabilístico. Por exemplo, as amortizações dos equipamentos são um custo contabilístico, mas não um custo económico. O custo económico correspondente será o custo da manutenção do equipamento, e a remuneração na melhor aplicação alternativa dos capitais investidos no equipamento. O custo total de produção corresponderá à soma do custo com cada um dos fatores de produção: n Custo total de produção = ∑c q i =1 (1.3.1) 4 PTF = Y/(aK+bL) O aumento da produtividade total dos factores ao longo do tempo é designado por progresso tecnológico. Genericamente, haverá progresso tecnológico sempre que se introduzam melhorias (de qualquer tipo: técnico, organizacional, etc.) no processo de produção de bens e (1.3.2) ci = custo de oportunidade do factor de produção i; qi = quantidade utilizada do facto de produção i Note-se que o custo total de produção terá de incluir a remuneração dos capitais próprios, isto é, a rentabilidade que os acionistas da empresa poderiam obter se não tivessem investido na empresa e tivessem aplicado esses recursos na melhor aplicação alternativa (lucro normal). 4 “a” e “b” são ponderadores que representam a importância relativa do factor capital e do factor trabalho, respectivamente, no processo produtivo. 15 i i 16 INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS Nem todos os custos são relevantes para todas as decisões, pelo que é conveniente identificar diversas categorias de custos. Uma primeira distinção é a que separa Custos variáveis (CV), isto é, aqueles que variam com a quantidade produzida (ex: matérias-primas, horas extraordinárias), de Custos fixos (CF), aqueles que são independentes da quantidade produzida (ex: custos com os edifícios). Note-se que o Custo total (CT) será sempre Note-se que a definição de curto e longo prazo diferirá de empresa para empresa. Em determinados sectores (ex: telecomunicações), o curto prazo poderá abranger vários anos, enquanto noutros sectores (ex: comércio ambulante) o longo prazo poderá corresponder a apenas algumas semanas. ÁLVARO ALMEIDA CT = CF + CV (1.3.3) Por outro lado, distingue-se o Custo médio (cmd), ou custo por unidade produzida, que pode ser calculado dividindo o custo total pela quantidade produzida, do Custo marginal (cmg), o custo de uma unidade adicional de produto. O cmg é equivalente ao acréscimo de custo total causado pelo aumento da quantidade produzida em uma unidade (cmg = ∆CT/∆Q). Note-se que se se verificar a Lei dos rendimentos marginais decrescentes, o custo marginal será crescente com a quantidade produzida. 1.3.4. Perspetivas de análise: o curto e o longo prazo As decisões da empresa serão diferentes consoante o horizonte temporal disponível para as executar, isto é, consoante sejam decisões de curto ou de longo prazo. O curto prazo corresponde aquele período durante o qual pelo menos um dos factores de produção é fixo. A decisão de curto prazo refere-se à escolha da quantidade a produzir, dada a capacidade de produção instalada, e da combinação de factores variáveis a utilizar nessa produção. 1.3.5. Economias de escala A escolha da dimensão ótima da empresa está relacionada com existência (ou não) de economias de escala. Haverá Economias de escala quando os custos de produção de longo prazo aumentam menos que proporcionalmente à quantidade produzida. Por outro lado, haverá Deseconomias de escala quando os custos de produção de longo prazo aumentam mais que proporcionalmente à quantidade produzida. Na presença de economias de escala, o custo médio de produção (de longo prazo) será menor se a quantidade produzida aumentar. A existência de economias de escala está geralmente associada à necessidade de grandes investimentos iniciais. Por exemplo, existem grandes economias de escala na indústria de telecomunicações porque a maior parte do custo de produção está associado à instalação da rede. Depois de a rede estar instalada, o custo adicional de fornecer mais um minuto de comunicação é pouco significativo, pelo que o custo médio do minuto de comunicação será muito mais baixo se a quantidade fornecida for muito grande. A existência de deseconomias de escala está geralmente associada aquelas empresas onde o controlo e/ou contribuição pessoal do gestor é importante, como é o caso de muitos serviços pessoais (ex: cabeleireiro). Como quanto maior for a empresa mais difícil se tornará ao gestor exercer esse controlo, o custo médio de produção será crescente com a dimensão da empresa. O longo prazo corresponde aquele período durante o qual todos os factores de produção são variáveis. A decisão de longo prazo refere-se escolha da dimensão óptima para a empresa, e do investimento necessário para atingir essa dimensão. 17 18 ÁLVARO ALMEIDA 1.3.6. INTRODUÇÃO À ECONOMIA Custos e maximização do lucro As decisões da empresa dependerão do seu objetivo, que como vimos, é a maximização do lucro. O lucro da empresa (LT) corresponde à diferença entre as suas receitas (RT) e os seus custos (CT). As receitas da empresa dependerão do preço de venda e da quantidade vendida. A empresa poderá escolher o preço de venda, e o mercado determina a quantidade vendida, ou poderá escolher a quantidade a oferecer, e o mercado determinará o preço. Formalmente é mais simples analisar a segunda hipótese, mas nenhuma conclusão substancial é afetada por essa opção metodológica. O problema da empresa será escolher a quantidade a produzir que maximize o seu lucro. Essa quantidade será aquela para a qual a receita marginal (rmg) é igual ao custo marginal (cmg), porque se essa condição não se verificar a empresa não estará a maximizar o lucro. Se rmg>cmg, a empresa deveria produzir mais uma unidade, já que iria receber mais por essa unidade adicional do que lhe custaria produzir. Se rmg<cmg, a última unidade produzida está a contribuir negativamente para a rentabilidade da empresa, pelo que deverá ser abandonada, isto é, a empresa deverá reduzir a produção.5 Como Rmg = P [ 1 – 1/ εP],6 a condição de maximização do lucro da empresa vem P= Cmg 1 1− MERCADOS E PREÇOS custo marginal de curto prazo. A decisão de longo prazo da empresa será escolher a dimensão que satisfaça a condição 1.3.4, onde o custo marginal relevante será o custo marginal de longo prazo. Note-se que a equação 1.3.4 mostra-nos que o preço de venda será igual ao custo marginal multiplicado por uma margem θ, sendo θ = 1 / [11/εP]. A margem depende da elasticidade-preço da procura do produto da empresa, e será tanto maior quanto menor for εP. Se εP for baixa, a empresa detém um grande poder de mercado sobre os consumidores, pelo que poderá cobrar preços mais elevados, correspondentes a uma margem sobre o custo de produção superior. 1.3.7. A curva da oferta A equação 1.3.4 sugere que a quantidade oferecida pela empresa será função do preço de venda do bem e de todos os factores que influenciam o custo marginal. Com base nesta informação, pode-se construir uma Função oferta, uma relação entre a quantidade oferecida de um bem e todos os factores que afectam essa quantidade, definida de forma a maximizar o lucro das empresas. (1.3.4) εP Então, a decisão de curto prazo da empresa será produzir a quantidade que satisfaça a condição 1.3.4, onde o custo marginal relevante será o 5 Formalmente, o máximo de LT poderá ser determinado calculando a sua derivada em ordem a Q, e igualando-a a zero. Como Rmg e Cmg são as derivadas em ordem a Q de RT e CT, respectivamente, vem Maximizar LT = RT – CT RMg = CMg 6 Como Rmg é a derivada de RT em ordem a Q, RT=PQ, e P é função de Q, vem Rmg = ∆P/∆Q x Q + P = P [ 1 + ∆P/∆Q x Q/P]. Dado que εP = – ∆Q/∆P x P/Q, vem Rmg = P [ 1 – 1/εP]. 19 Q = a1 PX − a2 PS + a3 PC − a4W − a5 PI + a6 FE (1.3.5) A equação 1.3.5 representa um exemplo de uma função oferta, onde a quantidade oferecida (Q) do bem é função linear de várias determinantes. Genericamente, as determinantes da oferta de um bem X são as seguintes (o símbolo +/– indica o sentido da variação esperada da quantidade oferecida quando aumenta o valor da variável em causa): - preço do bem X (PX, + ); - preço dos bens substitutos na produção (PS, – ); quando uma empresa pode utilizar a sua capacidade produtiva para produzir o bem A ou o bem B, diz-se que A e B são bens substitutos na produção (ex: numa empresa de 20 ÁLVARO ALMEIDA INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS confeções, calças e saias podem ser bens substitutos na produção); - preço dos bens complementares na produção (PC, + ); quando o bem A é produzido como um subproduto do bem B, A e B são bens complementares na produção (ex: a carne e as gorduras animais são bens complementares na produção, porque quando se abate um animal obtemos os dois produtos); - preço dos fatores de produção, como salários (W), ou matérias-primas (PI) (–); - alterações na tecnologia ou outros factores específicos que afetem a produção (FE). Por exemplo, se Q representar a quantidade oferecida de automóveis todo-o-terreno (em milhares de veículos), PX for o seu preço, PY o preço dos automóveis familiares, W o salário médio anual dos trabalhadores (todas estas variáveis definidas em milhares de euros), Paço o preço em euros da tonelada de aço, e i a taxa de juro (em pontos percentuais), a equação 1.3.6 poderia representar a função oferta da indústria de automóveis de todo-o-terreno no país P: Q = 4 PX − 1 PY − 0,5 W − 0,04 Paço − 4 i (1.3.6) O preço do bem tem um papel especial no seio dos elementos da função oferta, na medida em que muitas vezes é a variável estratégica das decisões da empresa. Como acontece para a função procura, também no caso da função oferta é importante conhecer a relação entre o preço e a quantidade produzida. A Curva da oferta é uma relação entre o preço de um bem e a quantidade desse bem que os produtores estão dispostos a produzir e a vender, ceteris paribus. Figura 1.3.1 Dada a função oferta de automóveis todo-o-terreno definida na equação 1.3.6, e supondo que num determinado momento PY=20, W=12, Paço=200, e i=8, a curva da oferta por automóveis todo-o-terreno seria dada pela equação 1.3.7, Q = 4 PX − 1x 20 − 0,5 x12 − 0,04 x 200 − 4 x8 ⇒ 1 PX = 16,5 + Q (1.3.7) 4 A esta curva da oferta corresponderá a curva S1 da Figura 1.3.2. Utilizando a equação 1.3.7 podemos constatar que quando P=16,5, vem Q=0, e que quando P=30 vem Q=54. Com estes dois pontos podemos traçar a curva da oferta. A curva da oferta (S) é muitas vezes representada num gráfico semelhante ao utilizado para a curva da procura, como na Figura 1.3.1. A curva da oferta tem inclinação positiva, traduzindo o facto de que quanto maior for P, maior deverá ser Q. 21 22 ÁLVARO ALMEIDA INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS 1.3.8. A elasticidade-preço da oferta O conceito de elasticidade pode também ser aplicado ao comportamento da função oferta, sendo definida a Elasticidade-preço da oferta, a variação percentual na quantidade oferecida de um bem, quando o preço desse bem varia 1%: (S1 − S0 ) ∆S var % S S0 ∆S P S = εS = = = ∆ P P − P ( ) var % P ∆P S 1 0 P P (1.3.9) 0 Figura 1.3.2 Dada uma determinada curva da oferta, podemos analisar o efeito de variações no preço sobre a quantidade oferecida. Basta para isso ver que quantidade corresponde a cada preço, ao longo da curva. Por exemplo, se o preço aumentar de 30 para 40, a curva da oferta S1 mostra-nos que a quantidade oferecida deverá aumentar de 54 para 94. Cada curva da oferta é definida para determinados valores de todas as outras variáveis relevantes. Se o valor de alguma dessas variáveis se alterar dá-se uma variação da oferta, a que corresponderá uma deslocação da curva da oferta. Um aumento da oferta significa que a cada preço a quantidade oferecida será maior, isto é, a curva da oferta desloca-se para a direita e para baixo. No exemplo da figura 1.3.2, se a taxa de juro baixar para i=4, a quantidade oferecida quando o preço é 30 aumenta de 54 para 70. A curva da oferta desloca-se para a direita, passando de S1 para S2, e passa a ser dada pela equação 1.3.8: 1 (1.3.8) PX = 12,5 + Q 4 23 O valor da elasticidade-preço da oferta indica a sensibilidade da quantidade oferecida a variações do preço. Uma elasticidade pequena (próxima de zero) indica que a quantidade oferecida não é significativamente afetada por variações do preço; isto é, a quantidade oferecida permanece praticamente constante, mesmo que o preço suba ou desça muito. Pelo contrário, uma elasticidade grande sugere que qualquer variação no preço provoca grandes alterações na quantidade oferecida. O valor da elasticidade-preço da oferta está relacionado com a inclinação da curva da oferta. Quanto maior for a elasticidade, menos inclinada é a curva da oferta. Exemplificando com casos extremos: se εP=0, a curva da oferta é vertical (a oferta é inelástica); se εP for muito grande (no limite, infinito), a curva da oferta é horizontal. 1.4. EQUILÍBRIO DE MERCADO Os instrumentos de análise desenvolvidos nas secções anteriores relativos ao comportamento da procura e da oferta, nomeadamente a curva da procura e a curva da oferta, podem agora ser combinados para estudar o comportamento dos mercados e a evolução dos preços. 24 ÁLVARO ALMEIDA 1.4.1. MERCADOS E PREÇOS INTRODUÇÃO À ECONOMIA Determinação do preço de equilíbrio O conceito fundamental no estudo dos mercados é o conceito de equilíbrio. Em economia, diz-se que existe equilíbrio quando não existem forças económicas que levem a mudanças na situação actual. O importância do conceito de equilíbrio resulta do facto de qualquer situação que não seja de equilíbrio não ser sustentável, isto é, é apenas transitória e rapidamente desaparece. Assim, as situações que mais nos interessam são as situações de equilíbrio, porque são essas que iremos observar a maior parte do tempo. A aplicação do conceito de equilíbrio ao comportamento dos mercados permite-nos definir a condição de equilíbrio de mercado. Existe equilíbrio de mercado quando a quantidade oferecida é igual à quantidade procurada, a um determinado preço. Na figura 1.4.1, o equilíbrio de mercado é obtido quando P=Pe e Q=Qe, dadas as curvas da procura (D) e da oferta (S). O preço Pe é o único preço de equilíbrio, porque se o preço fosse outro, o mercado não seria estável. Por exemplo, se o preço fosse Pa (Pa>Pe), a quantidade oferecida seria maior do que a quantidade procurada, isto é, haveria um excesso de oferta. Nessas circunstâncias as empresas iriam tentar escoar os excedentes baixando o seu preço de venda, pelo que Pa não seria um preço de equilíbrio. Por outro lado, se o preço fosse Pb (Pb<Pe), a quantidade procurada seria maior que a quantidade oferecida, isto é, haveria um excesso de procura. Nessas circunstâncias os consumidores iriam tentar obter a quantidade que desejam, oferecendo-se para pagar preços superiores, pelo que Pb não seria um preço de equilíbrio. Apenas se o preço for igual a Pe é que tanto consumidores como produtores estão satisfeitos e não têm incentivos a mudar os preços. Resumindo: P<Pe => Excesso de procura => aumento de preços P>Pe => Excesso de oferta => diminuição de preços P=Pe => Equilíbrio => preços estáveis 25 Figura 1.4.1 1.4.2. Análise de variações no equilíbrio de mercado Da análise da secção anterior concluímos que o equilíbrio é a situação mais comum, e que em equilíbrio os preços são estáveis. A observação empírica do funcionamento de qualquer mercado mostra-nos que os preços variam constantemente. Como é que podemos conciliar estas duas observações? A resposta passa pela constatação que o preço Pe só é o preço de equilíbrio quando a curva da procura é D e a curva da oferta é S. Se a procura ou a oferta se alterarem, altera-se o preço de equilíbrio. Como é que o equilíbrio de mercado é afetado por alterações na procura ou oferta: - um aumento (diminuição) da procura, correspondente a uma deslocação da curva da procura para a direita (esquerda), leva ao aumento (diminuição) do preço de equilíbrio e da quantidade transaccionada - aumento (diminuição) da oferta, correspondente a uma deslocação da curva da oferta para a direita (esquerda), leva à diminuição (aumento) do preço de equilíbrio e ao aumento (diminuição) da quantidade transaccionada 26 ÁLVARO ALMEIDA INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS A figura 1.4.2 representa o efeito de um aumento da procura. Inicialmente a procura era dada por D0 e a oferta por S0, sendo a situação de equilíbrio correspondente ao ponto A, com P=P0 e Q=Q0. Um aumento da procura levou à alteração da curva da procura, que passou a ser D1. Esta alteração mudou a situação de equilíbrio que passou a ser a correspondente ao ponto B, com P=P1 e Q=Q1. Figura 1.4.3 Assim, variações nos preços resultam de variações na oferta e/ou na procura. A análise do comportamento de qualquer mercado, em termos de flutuações de preços e de quantidades procuradas, terá assim de passar pela análise de potenciais variações na curva da oferta e na curva da procura. Figura 1.4.2 A figura 1.4.3 representa o efeito de um aumento da oferta. A situação inicial é idêntica à da figura anterior, com a procura dada por D0 e a oferta por S0, e a situação de equilíbrio correspondente ao ponto A. Um aumento da oferta levou à alteração da curva da oferta, que passou a ser S1. Esta alteração mudou a situação de equilíbrio que passou a ser a correspondente ao ponto C, com P=P2 e Q=Q2. 1.4.3. Aplicações do modelo da oferta e da procura O modelo de oferta e procura que desenvolvemos nas secções anteriores tem várias aplicações possíveis. Uma das aplicações mais comuns é a análise do efeito de uma alteração exógena na oferta ou na procura sobre o equilíbrio de mercado, isto é, sobre o preço e a quantidade transaccionada. Um dos exemplos deste tipo de aplicações é a chamada análise da incidência, que consiste na análise do efeito da intervenção do Estado sobre o mercado de um determinado bem. Um primeiro exemplo de análise da incidência é o estudo de quem suporta os custos se o governo instituir um imposto sobre os produtores de determinado bem. O caso mais simples de analisar é o de um imposto fixo por unidade produzida de um bem X, no montante de T, cobrado 27 28 ÁLVARO ALMEIDA MERCADOS E PREÇOS INTRODUÇÃO À ECONOMIA aos produtores do bem X. A introdução deste imposto vai aumentar o custo de produção do bem X pelo montante do imposto. Dado que a curva da oferta está associada ao custo marginal de produção do bem X, e este custo vai aumentar pelo montante T, os produtores só estarão dispostos a oferecer a mesma quantidade se o preço for superior em T. A curva da oferta vai então deslocar-se para cima por esse montante T. A figura 1.4.4 representa o efeito no equilíbrio de mercado da introdução desse imposto. A curva da procura é D0, e a curva da oferta inicial (sem imposto) é S0. Nestas condições, o equilíbrio de mercado é dado pelo ponto A, com um preço P0 e quantidade transaccionada Q0. A introdução de um imposto unitário no valor de T vai alterar a curva da oferta. Por exemplo, sem imposto os produtores estariam dispostos a oferecer a quantidade Q0 ao preço P0. Depois da introdução do imposto, o custo marginal de produção vai aumentar pelo valor do imposto, pelo que os produtores só estarão dispostos a oferecer a mesma quantidade Q0 ao preço P1=P0+T. A curva da oferta desloca-se para cima, para S1, sendo o deslocamento vertical igual ao valor do imposto. O novo equilíbrio de mercado é dado pelo ponto C, com um preço P2 e quantidade transaccionada Q2. A comparação entre o equilíbrio inicial (ponto A) e o equilíbrio final (ponto C) permite-nos analisar quem suporta os encargos do imposto, isto é, sobre quem incide o imposto. No equilíbrio final, os consumidores pagam P2 por unidade do bem X, mas os produtores só recebem P3=P2–T por unidade produzida. Os consumidores viram o preço do bem X aumentar pelo montante P2–P0, e os produtores viram o seu preço de venda diminuir pelo montante P0–P3. Apesar de legalmente o imposto incidir sobre os produtores, os custos do imposto (a incidência) são repartidos entre produtores (que suportam um custo igual a P0–P3) e consumidores (que suportam um custo igual a P2–P0). 29 Figura 1.4.4 No exemplo da figura 1.4.4, os custos do imposto são repartidos entre produtores e consumidores, em partes aproximadamente iguais, mas a incidência do imposto pode ser muito diferente da apresentada neste exemplo. A incidência de um imposto depende das elasticidades de procura e oferta: o imposto irá incidir mais sobre a parte cuja elasticidade for inferior. As figuras 1.4.5 e 1.4.6 mostram dois exemplos extremos. Na figura 1.4.5 está representado um caso de procura perfeitamente elástica, típica de bens que têm substitutos muito próximos, como aconteceria por exemplo, com a procura por vinho do Douro. Uma procura perfeitamente elástica traduz o facto de para o consumidor poder ser indiferente consumir vinho do Douro ou vinho de outra região, pelo que qualquer aumento de preço do vinho do Douro implica que o consumidor deixa de consumir vinho do Douro e consome vinho de outra região. Neste caso, como a elasticidade da oferta é (infinitamente) inferior à da procura, a introdução de um imposto sobre o vinho do Douro (mas não sobre o vinho de outras regiões) iria incidir totalmente sobre os produtores de vinho do Douro, que veriam o seu preço de venda reduzir-se de P0 para P3=P0–T. O preço de venda aos consumidores não se altera mesmo depois da introdução do imposto, porque se os produtores não absorvessem os custos com o imposto, iriam 30 ÁLVARO ALMEIDA INTRODUÇÃO À ECONOMIA MERCADOS E PREÇOS perder todos os consumidores que passariam a consumir vinho de outras regiões. Figura 1.4.6 Figura 1.4.5 Na figura 1.4.6 está representado um caso de procura inelástica, como aconteceria por exemplo, com a procura por bens essenciais, como o tabaco. Neste caso, como a elasticidade da oferta é superior à da procura, a introdução de um imposto sobre a produção de tabaco iria incidir totalmente sobre os consumidores, que veriam o preço de venda aumentar de P0 para P2=P0+T. A baixa elasticidade da procura permite que o custo de um imposto sobre os produtores seja integralmente transferido para os consumidores do bem. 31 32