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MEMORIAL JARDIM SECRETO SHAY PELED FINAL.docx

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JARDIM SECRETO
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
SHAY DE AZEVEDO PELED
DOCUMENTÁRIO: JARDIM SECRETO
VITÓRIA, ES
2018
2
SHAY DE AZEVEDO PELED
DOCUMENTÁRIO: JARDIM SECRETO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Departamento de
Comunicação Social do Centro
de Artes da Universidade Federal
do Espírito Santo, como requisito
parcial para obtenção do grau de
Bacharel
em
Cinema
e
Audiovisual.
Orientador: Prof. Klaus’Berg
Nippes Bragança
VITÓRIA ES
2018
3
SHAY DE AZEVEDO PELED
DOCUMENTÁRIO: JARDIM SECRETO
Memorial Descritivo apresentado ao Departamento de Comunicação Social do
Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Bacharel em Cinema e Audiovisual.
Aprovado em de de 2017.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Klaus’BergNippes Bragança
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
__________________________________________________
Prof. Dr. Erly Milton Vieira Jr.
Universidade Federal do Espírito Santo
__________________________________________________
Profa. Me. Suellen Vasconcelos Sacramento
Universidade Federal do Espírito Santo
VITÓRIA, ES
2018
4
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer primeiramente Klaus Bragança por aceitar me orientar, pela paciência, pelas
referências incríveis tanto de filme quanto de textos e, por fim, por dividir comigo a mesma
empolgação por fazer cinema.
Quero agradecer a Tati Franklin por pensar comigo a temática e sempre abrir minha cabeça
para novas ideias, além de ser uma amiga incrível. E a Suelen, que me encheu de orgulho ao
aceitar participar da minha banca, me ajudou muito no processo de montagem, além claro, de
fazer parte do casal mais incrível que conheço.
Ao Erly Vieira, que mesmo não sendo meu orientador de TCC, foi meu orientador durante
toda a caminhada desse curso e me ensinou muito, tanto na pesquisa quanto em sala de aula.
A professora Gabriela Alves, que sem saber, me ajudou no processo de direção, além de
claro, mostrar a força que nós mulheres temos.
A Natália Dornelas (direção de som) e Luiza Grillo (direção de foto), mulheres incríveis que
fizeram o filme comigo.
A Marcus Neves, que me orientou desde o primeiro corte do filme. Obrigada por mergulhar
de cabeça em tudo que fizemos juntos. Seu coração é enorme, Marcus!
A minha mãe e meu pai, que antes mesmo de eu começar a fazer cinema, já me mostraram as
belezas desse mundo das artes.
E, por fim, ao Matheus Kerkoff por me apoiar sempre e estar ao meu lado nesse, que é um
grande momento da minha vida, a formatura!
5
RESUMO:
Este memorial descritivo tem por objetivo relatar o processo de pesquisa, produção e
realização do curta documentário Jardim Secreto (2018) produzido como Trabalho de
Conclusão de Curso da aluna Shay de Azevedo Peled, para o grau de Bacharel em Cinema e
Audiovisual. O documentário tem como sujeito Eugênio Martini, o jardineiro vigia do centro
de Vitória.
Palavras Chaves: Documentário; Vigilância​; Público/Privado
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Frame do filme À tua sombra ……........................................................................17
Figuras 02, 03, 04: ​Making of ​do filme 'À tua sombra.............................................................18
Figuras 05 e 06: ​Making of d​ o filme 'À tua sombra'................................................................18
Figuras 07, 08, 09: Frames do filme À tua sombra..................................................................18
Figura 10: Eugênio Martini e seu jardim (foto Tribuna Online).............................................19
Figura 11: ​Frame do filme ​Citizenfour​ de Laura Poitras.​.........................................................22
Figuras 12 e 13: ​Frames do filme Nunca é noite no mapa.​......................................................22
Figura 14: ​Frame do filme de Ernesto de Carvalho​................................................................23
Figuras 15 e 16: ​Frames do filme "Nunca é noite no mapa".​...................................................24
Figura 17: ​Câmera de Martini no espaço público.​...................................................................28
Figura 18: Martini em um dos vídeos postados no Facebook..................................................33
Figuras 19 e 20: ​Frames da sequência em que Martini discorre sobre o assalto na Costa
Pereira.​......................................................................................................................................36
Figura 21: ​Câmera de vigilância de Martini capta o exército deixando a
praça.​.........................................................................................................................................3
7
Figura 22: ​Construção do Jardim comunitário pelas câmeras de Martini.​...............................37
Figura 23: ​Vídeo protagonizado, filmado e editado por Martini sobre a construção do Jardim
Comunitário.​.............................................................................................................................38
Figuras 24 e 25: Frames da sequência que Martini manuseia o gramofone.............................38
Figura 26: Monumento em rua pública construído por Martini...............................................41
Figura 27: Martini e o Jardim. Frame do filme........................................................................42
Figura 28: ​Print da página Jardim Comunitário do Centro de Vitória.​....................................43
Figura 29: ​Frame do vídeo postado por Martini da "senhora do guarda-chuva".​...................44
Figura 30: ​Print dos comentários sobre o vídeo da "mulher do guarda-chuva" na página do
Facebook.​.................................................................................................................................45
Figura 31: Martini e seu jardim................................................................................................48
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................09
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................................................10
2. MOTIVAÇÃO E OBJETIVOS……………..........................................................…….….16
2.1 A escolha do tema………….....................................………….........................................16
2.2 Referências….....................................…………............................…................................19
2.3 Proposta de Direção…………...........................................................................................24
3. PRÉ-PRODUÇÃO ……………………..............................................................................29
3.1 Pré-entrevistas....................................................................................................................29
4.2. roteiro................................................................................................................................30
3.3. Equipe ..............................................................................................................................32
3.4. Desenho d​e Produção: decupagem do roteiro, diárias e cronograma​...............................32
3.7. Fotografia e som...............................................................................................................33
4.PRODUÇÃO ........................................................................................................................34
4.2. Primeira Diária .................................................................................................................34
4.3. Segunda Diária .................................................................................................................35
4.4. Terceira Diária ..................................................................................................................38
4.5. Resoluções e última diária ...............................................................................................39
5. PÓS
PRODUÇÃO............................................................................................................................39
5.1. Decupagem de entrevistas.................................................................................................39
5.2. Montagem .........................................................................................................................42
5.3 Planos Futuros..............................................​...........................​..............​.............................46
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................​................​............................48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................49
FILMOGRAFIA ......................................................................................................................50
ANEXOS..................................................................................................................................51
Anexo 01 - Roteiro Jardim Secreto .........................................................................................51
Anexo 02 - Lista de perguntas Pré Entrevista Jardim Secreto.................................................54
Anexo 03 - Cronograma...........................................................................................................55
8
INTRODUÇÃO
Jardim Secreto é um curta metragem documental que tem como temática a vigilância
nos espaços públicos e privados. O filme segue a vida do protagonista Eugênio Martini,
comerciante do centro de Vitória que, ao longo dos anos, instalou em volta da sua loja de
equipamentos eletrônicos e nas redondezas do bairro mais de 80 câmeras de vigilância.
Martini controla o sistema das câmeras de sua casa, logo acima de sua loja chamada ​Martini
Celular de onde tem visão privilegiada da região. A frente de seu local de trabalho há um
canteiro público para onde grande parte das câmeras se voltam e que tem como guardião o
próprio Martini. Ele mantém o jardim que tem, entre as plantas e flores cuidadas e renovadas
a cada mês, um pequeno lago com peixes e anões de porcelana. Além disso, o espaço é
habitado por pequenos animais como galinhas e pintinhos e, em gaiolas, são mantidos alguns
coelhos e roedores.
Martini é recorrentemente procurado por emissoras de televisão à procura de suas
imagens que já captaram assassinatos, assaltos, pichadores e abusos, filmados de diversos
ângulos. Conhecido no bairro, Martini recebe muitos elogios pela melhoria da segurança e da
queda no índice de assaltos; mas também recebe muitas críticas devido ao uso indevido da
imagem e a intervenção no direito à privacidade, uma vez que suas câmeras vigiam um
espaço público e as imagens são usadas para fins próprios. Além de doar as imagens para as
redes de televisão capixabas, Martini tem uma página no Facebook chamada "Jardim
Comunitário do Centro de Vitória" e, quando lhe convém, posta trechos de ocorridos na rua.
É o caso de imagens de grafiteiros pintando as paredes do bairro, de ladrões de suas flores ou
ainda, de casos misteriosos como o caso de um homem vestido de branco espalhando roupas
pela rua. Todos os vídeos são editados com ângulos diversos que suas câmeras permitem,
além de comentários de Martini que entram como legendas. É comum também a manipulação
das imagens com o uso de ​zoom,​ aceleração da imagem ou ​slow motion​ em seus vídeos.
A partir do contexto de Martini, o filme "Jardim Secreto" tem como tema as práticas
de vigilância, como elas se diversificam e como estão extremamente presentes no cotidiano
da vida urbana e social contemporânea. ​O documentário pretendeu ainda problematizar
diferentes questões. Uma delas é questão da segurança pública e da violência (um dos
motivos iniciais da instalação das câmeras, segundo Martini). Outra é a discussão que
9
envolve os frágeis limites entre público e privado e também como lidar com a crescente
intensificação do controle, da vigilância e do monitoramento, alheios a nossa vontade.
Resumidamente, a ideia foi abordar ​embates e controvérsias acerca dos regimes
contemporâneos de visibilidade e de vigilância contemporâneos através de um documentário
de personagem.
Diante desse contexto, este memorial tem como objetivo relatar a experiência pessoal
da direção no processo fílmico do documentário Jardim Secreto, realizado no ano de 2018 no
Centro de Vitória, no Espírito Santo. O trabalho foi dividido em capítulos que se propõem a
discutir a fundamentação teórica e os objetivos da proposta, bem como os diferentes
processos do filme - pré-produção, produção e pós-produção. O trabalho finaliza com uma
conclusão sobre o processo total do trabalho.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A vigilância é um aspecto cada vez mais presente e incorporada socialmente nas
sociedades contemporâneas e, ao mesmo tempo, cada vez mais despercebida. Nas palavras de
Bauman (2014), a vigilância insinua-se em um estado líquido, móvel e flexível, infiltrando-se
e espalhan​do-se em muitas áreas da vida sobre as quais sua influência era, antes, apenas
marginal. Segundo Bragança (2018), a vigilância contemporânea possui ainda ramificações
políticas, judiciais, sanitárias, sexuais e comerciais, além de um recorte em que implica suas
modalidades estéticas e artísticas. Além disso, para o autor,
Vigilância adquire um significado drástico e amplo na contemporaneidade, desde o
sistema restrito de vídeo, do espaço público ao monitoramento privado do ambiente
doméstico, passsando pelo exibiconismo pornografico feito nas redes sociais, até a
"prisão da visibilidade" produzido por reality shows televisivos. Vigilância é uma
pauta e uma preocupação pública, fonte de ansiedades culturais e de disputas de
poderes de visibilidade (p. 185).
A escolha da temática da vigilância para pensar o documentário vem portanto de
questionamentos de ordem social, cultural e político frente a crescente expansão de
equipamento de monitoramento nos últimos anos nos centros urbanos. Muitos autores
apontam o ocorrido no dia 11 de setembro, nos EUA, como responsável pelo grande ​boom
desses equipamentos por todo mundo e pela reorganização das ideias de segurança e de
10
vigilância que envolvem e afetam, não somente espaços e pessoas supostamente 'suspeitas',
mas variados grupos sociais e quaisquer locais, sejam públicos ou privados. Relacionado a
isso, cresce o fluxo de monitoramento nas redes com diversos propósitos que vão do
comercial ao securitário e que abrem diversas questões sobre as implicações destes
dispositivos para a vigilância, o controle e a formação de saberes específicos sobre
inclinações, condutas de indivíduos e populações.
No livro ​Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade
(2013), de Fernanda Bruno, a autora discorre ​os múltiplos aspectos de uma vigilância que
está vinculada tanto a segurança e ao controle quanto a outros processos mais subjetivos, mas
sempre, intrinsecamente ligada à tecnologia. No ambiente das práticas cotidianas, em relação
ao ver e a ser visto, a autora aponta a proliferação de ​realitys shows além da cultura de
exposição nas redes que levam a questionamentos sobre a diluição de fronteiras entre o
público e o privado e sobre conceitos de intimidade e sociabilidade. Além disso, a
proliferação de dispositivos móveis de comunicação dotados de câmeras de fotografia e vídeo
e de plataformas digitais de compartilhamento de conteúdo audiovisual, tornou possível uma
ampla circulação de imagens de toda ordem, produzidas por uma multidão diversificada de
indivíduos nos contextos e nas condições mais distintas. Nas palavras da autora:
Uma série de questões de ordem estética, política e social endereçam-se às
dinâmicas de produção e circulação dessas imagens, marcadas por ambiguidades
que embaralham circuitos do voyeurismo, do ativismo, da vigilância, do jornalismo,
do amadorismo, da autoria etc. (BRUNO, 2​013, p. 7-8).
David Lyon, diretor do Centro de Estudos de Vigilância e co-autor do livro ​Vigilância
Líquida com Zygmunt Bauman, discorre que embora a perda da privacidade é uma das
primeiras coisas que vem a cabeça da maioria quando se debate o tema vigilância, é fácil ver
que questões mais sérias estão em jogo. "As questões de anonimato, de confidencialidade e
da privacidade não devem ser ignoradas, mas também estão estritamente ligadas a
imparcialidade, justiça, liberdades civis e direitos humanos." (LYON; BAUMAN, 2013, p.
12).
A ​vigilância popularmente tem como finalidade garantir a segurança e proteção sendo
uma atividade de monitoramento de pessoas, locais ou informações. É amplamente utilizada
por governos e instituições para a aplicação da lei, manter fiscalização e controle social e
11
segurança, reconhecer e monitorar as ameaças e impedir/investigar atividades criminosas.
Atualmente, novos programas estão sendo desenvolvidos melhorando e ampliando as
tecnologias de monitoramento o que leva a uma preocupação maior em relação aos seus fins.
Por ser um tema polêmico, ​muitas áreas do conhecimento têm se debruçado sobre a temática
da vigilância, sua construção na história e sua consolidação na contemporaneidade. O assunto
transita em áreas diversas - cultura, tecnologia, economia e política, sob diferentes
perspectivas.
Apesar de muito teorizada, a temática da vigilância passou a ser parte
progressivamente incorporada e naturalizada no cotidiano contemporâneo como ressalta
Fernanda Bruno (2013, p.23): ​"práticas de vigilância que num passado recente estariam
restritas a grupos específicos e justificadas por razões particulares são incorporadas no
cotidiano da vida urbana, da rotina familiar, das relações sociais, das formas de
entretenimento."
No artigo "CCTV ​horrors:​ do voyeurismo à vigilância na era da mídia digital" de
Klaus Bragança, o autor problematiza as influências que as tecnologias de vigilância
promovem na materialidade fílmica do cinema de horror contemporâneo. O autor coloca a
relação de nosso tempo com certo "exibicionismo ativista", a “cam era”, uma época da
multiplicação dos dispositivos com função de registro imagético. Segundo Bragança "há uma
fascinação voyeurística em olhar, há, reciprocamente, uma fascinação em ser visto" ou nas
palavras de Hille Koskela “se estar sob vigilância para alguns é desagradável, para outros é
um modo de aumentar sua visibilidade” (2004, p. 204 ​apud B
​ RAGANÇA, 2015, p. 578).
Em média, é estimado, que uma pessoa comum é registrada até 50 vezes por dia no
seu transitar diário em um espaço urbano. De acordo com uma nota de pesquisa da IHS
1
Markit estimava-se que o número de câmeras de segurança na América do Norte cresceu de
33 milhões de unidades em 2012 para quase 62 milhões no final de 2016. Atualmente, a
indústria de vídeo vigilância gera cerca de 25 bilhões de dólares em receita em todo o mundo
e, este número está em constante ascensão. Comparado a quatro anos atrás, o número de
equipamentos duplicou sendo o barateamento das tecnologias não só um facilitador, mas
também uma consequência da grande procura.
1
IHS Markit Ltd é uma empresa com sede em Londres, Reino Unido que fornece informações e análises para apoiar o
processo de tomada de decisão de empresas e governos em setores como mercados financeiros; aeroespacial, defesa e
segurança; automotivo; químico; energia; marítimo e comercial; e Tecnologia.
12
Apesar de muito presente no seu cotidiano, o entendimento dos efeitos e da magnitude
do sistema de monitoramento ainda é muito distante para o cidadão comum. Em 2013,
porém, uma grande polêmica fez crescer mundialmente a discussão sobre a vigilância: o
vazamento de informações através do jornalista Glenn Greenwald pelo ex-agente da Agência
de Segurança Nacional americana, a NSA, Edward Snowden. Snowden era um analista de
sistemas, administrador de sistemas da ​Agência Central de Inteligência Norte-Americana
(NSA), que tornou públi​cos detalhes de diversos programas que constituem o sistema de
vigilância global da Agência norte-​americana. Snowden deixa claro que o sistema
norte-americano de vigilância não se restringe a pessoas consideradas suspeitas, mas a
qualquer cidadão e, através de diversas estratégias, ​como ​ligações, buscas na internet,
câmeras de seguranças, cartões de crédito, etc. A revelação chocou o mundo, pois o
monitoramento não se restringe ao solo norte americano, mas a diversos países. O Governo
dos Estados Unidos acusou-o de roubo de propriedade do governo, comunicação não
autorizada de informações de defesa nacional e comunicação intencional de informações
c​lassificadas como de inteligência para pessoa não autorizada.
Snowden trouxe à tona a dimensão da tecnologia de espionagem e colocou a questão
em debate porém o que fazer com essas informações ainda é uma grande dúvida. Segundo a
pesquisadora Fernanda Bruno (2013, p.28), a atividade de vigilância tem sua definição a
observação sistemática e focalizada podendo ser tanto direcionada a indivíduos, quanto a
populações ou informações, porém com o objetivo de "produzir conhecimento e intervir
sobre os mesmos, de modo a conduzir suas condutas". Destacando "modo a conduzir suas
condutas", ​não é à toa que popularmente se diz que o bem mais valioso na
contemporaneidade é a informação, pois é através dela que governos e empresas têm se
consolidado - ou colapsado.
Um mundo de monitoramento, observação, classificação, checagem e atenção que
abriga uma "sociedade de controle" como diria Deleuze (1992) no seu conceito criado a luz
de Foucault (1975) e sua pesquisa sobre a sociedade disciplinar. Deleuze, reformula o
conceito de Foucault pensando que, na modernidade, a disciplina não mais emana de uma
instituição, como por exemplo a escola, a família, a prisão, a fábrica ou de um governo, mas é
difusa; surge de todos lados, infiltrada e invisível. As lógicas disciplinares não se tornam
ineficazes, mas se encontram generalizadas e fluidas através de todo o campo social. Nas
13
palavras de Michael Hardt (1996, p. 358), em Sociedade Mundial de Controle: "A passagem
da sociedade disciplinar à sociedade de controle se caracteriza, inicialmente, pelo
desmoronamento dos muros que definiam as instituições. Haverá, portanto, cada vez menos
distinções entre o dentro e o fora”.
Para discutir a informação e a dimensão da suscetibilidade frente ao sistema de
monitoramento é interessante citar o teórico Mark Poster (1999) que em seus dois livros
Critical Theory and Poststructuralism ​de 1989 e ​The Second Media Age d​ e 1995 escreve
sobre "modo de informação", maneira como a comunicação eletronicamente mediada desafia
e, ao mesmo tempo reforça, os sistemas de dominação emergentes na sociedade e cultura
pós-moderna. Bauman (1999, p.50) cita parte do texto do autor em seu ensaio ​Globalização:
As consequências humanas dizendo que a enorme quantidade de dados que são geradas
virtualmente, por exemplo, com o uso do cartão de crédito resulta em um “superpanótico”,
porém com uma diferença crucial: "sendo os vigiados quem fornece os dados aos vigilantes,
tornam-se eles próprios fatores primordiais e voluntários da vigilância". Bauman
provavelmente escreveu isso a luz do conceito de "sociedade de controle" de Deleuze (1999).
Retrocedendo a temática no tempo. Tom Gunning (2004), em “O retrato do corpo
humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema”, faz um panorama interessante
para pensar a lógica da fotografia e da investigação no início de uma lógica vigilante. O autor
escreve sobre o surgimento da fotografia e sobre sua possibilidade de apreensão:
Em sistemas de poder e autoridade, as possibilidades de circulação de fotografia
também puderam desempenhar um papel regulador, mantendo um senso do singular
e do reconhecível, trazendo a imagem separável de volta à sua fonte (2004, p.38).
Para Gunning (2004, p. 38), a fotografia apresenta-se como um meio para "se
apropriar da fisicalidade de um fugitivo" tornando-se parte de um novo discurso de poder e
de controle. Esse processo de identificação do sujeito proporcionada pela fotografia
representa um novo aspecto da disciplina de um corpo e de manutenção de identidades por
meio da vigilância.
Na lógica "prisional" da fotografia de Gunning a icônica frase de Foucault (1975) "a
visibilidade é uma armadilha” parte do seu livro ​Vigiar e Punir​, ​faz todo o sentido. ​No livro
Foucault resgata o conceito arquitetônico de ​Panóptico, termo concebida pelo filósofo e
jurista inglês Jeremy Bentham em 1785, utilizado para designar uma penitenciária ideal, que
14
permite a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem que estes possam saber se
estão ou não sendo observados. O fato de não saber se estão sendo observados, leva os
prisioneiros a adotar a comportamento que o vigilante deseja. Para Bentha​m (2008), o
s​istema era aplicável, sem exceções, a todos e quaisquer estabelecimentos, nos quais
queira-se manter, sob inspeção, um certo número de pessoas. Ele ainda completa:
Não importa quão diferentes, ou até mesmo quão opostos, sejam os propósitos,: seja
o de punir o incorrigível, encarar o insano, retomar o viciado, confinar o suspeito,
empregar o desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os que
estejam dispostos em qualquer ramo da indústria, ou treinar a raça em ascensão no
caminho da educação, em uma palavra, seja ele aplicado aos propósitos das prisões
perpétuas na câmara da morte, ou prisões de confinamento antes do julgamentos, ou
casas penitenciárias, ou casas de correção, ou casas de trabalho, ou manufaturas, ou
hospícios, ou hospitais, ou escolas. (BENTHAM, 2008, ​p. 19)
Foucault (1975, p.178) resgata o termo para falar de um panóptico que não se
encontra apenas na arquitetura pensada por Bentham. Para o filósofo francês, "o panóptico ao
contrário deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento; uma
maneira de definir as relações do poder com a vida cotidiana dos homens”. Para ele, o
conceito se estende criando uma máquina de ver, em um edifício transparente onde "o
exercício do poder é controlável pela sociedade inteira” (p. 201)
Mas como Deleuze, Bauman coloca algumas mudanças em relação ao conceito de
panóptico em seu artigo sobre a globalização. Citando o sociólogo Thomas Mathiesen,
Bauman (1991, p.51) escreve que houve uma transformação na atualidade de uma situação
em que muitos vigiam poucos para uma situação em que poucos vigiam muitos. "No
exercício do poder, a vigilância substituiu o espetáculo”. O sociólogo polonês ​explica que
antigamente, o poder, a realeza, se colocava ao povo de modo a se deixar ser observado,
mostrando sua riqueza e esplendor. Já o novo poder moderno preferiria "ficar na sombra,
observando os súditos, em vez de ser observado por eles" (p.59).
Citando ainda Mathiesen, Bauman coloca que essa nova conjuntura leva a criação de
um outro mecanismo de poder, aliado ao Panóptico, que chama de Sinóptico. No panóptico,
as instituições eram, por natureza, estabelecimentos locais tanto de condição como de efeito.
A vigilância tinha o intuito de imobilizar, de impedir movimentos autônomos. Já o sinóptico
nas palavras de Bauman:
(...) é, por sua natureza, global; o ato de vigiar desprende os vigilantes de sua
localidade, transporta-os pelo menos espiritualmente ao ciberespaço, no qual não
mais importa a distância, ainda que fisicamente permaneçam no lugar. Não importa
15
mais se os alvos do Sinóptico, que agora deixaram de ser os vigiados e passaram a
ser os vigilantes, se movam ou fiquem parados. Onde quer que estejam e onde quer
que vão, eles podem ligar-se — e se ligam — na rede extraterritorial que faz muitos
vigiarem poucos. O Panóptico forçava as pessoas à posição em que podiam ser
vigiadas. O Sinóptico não precisa de coerção — ele seduz as pessoas à vigilância. E
os poucos que os vigilantes vigiam são estritamente selecionados (1991,p. 52).
No Sinóptico, os habitantes locais observam os globais, diferente do panóptico em
que os próprios locais selecionados observaram outros locais. Bauman (1991) coloca ainda
que a autoridade dos locais é garantida por seu próprio distanciamento. Apesar de invisíveis e
distantes estão muito presentes de forma diária e intrusa. O sociólogo usa a televisão como
exemplo do encontro dos locais com os globais: "os ecos do encontro reverberam
globalmente, abafando todos os sons locais mas refletidos pelos muros locais, cuja
impenetrável solidez de presídio é assim revelada e reforçada (p.51).
Desde da concepção Guttingiana de pensar a fotografia como capaz de aprisionar a
fisicalidade ​de um ​fugitivo, até o momento atual em que maior justificativa da vigilância é a
segurança, o monitoramento coloca-se de forma pouco apreensível. Além disso, tende cada
vez mais à invisibilidade, tanto de seus fins quanto de seus olhos. É dentro da lógica do
observador invisível, porém presente, que observa nas sombras, que se pode pensar o sistema
de monitoramento de Eugênio Martini e suas câmeras voltadas para o espaço público, sendo
sua "motivação" a segurança do bairro. Ao produzir imagens de pessoas e acontecimentos,
apenas visíveis em sua privacidade e liberadas nas redes sociais com sua edição e
consentimento, sob uma lógica corretiva, remete-se, em pequena escala, ao efeito do
sinóptico, com sua autoridade garantida por seu próprio distanciamento e invisibilidade. A
partir da divulgação na ​internet d​ os vídeos em sua página particular "Jardim Comunitário",
Martini constrói para si uma imagem e tenta certa visibilidade ao interagir com os outros
internautas. Voltando as palavra de Bragança "há uma fascinação voyeurística em olhar, há,
reciprocamente, uma fascinação em ser visto" (2015, p. 578).
2. MOTIVAÇÃO E OBJETIVOS
2.1 A escolha do tema/personagem
16
Em 2016 tive a oportunidade de dirigir um curta de ficção dentro da disciplina de
2
direção no curso de Cinema. O filme se chamava "À tua sombra" e tinha como temática o
voyeurismo e a vigilância. No roteiro do filme, havia esse personagem que andava pelas ruas
de Vitória atrás de uma menina desatenta. Sem explicações do real motivo de sua
perseguição, o homem a vigiava e registrava seus movimentos com uma pequena câmera.
Em seu quarto ele logava o material e o editava, desacelerando, dando ​zoom,​ montando uma
nova história. O assunto me cativou, principalmente pela metalinguagem envolvida em um
filme que tem em sua narrativa o processo de filmagem e edição presentes em sua feitura.
Sempre achei interessante também a questão do espectador, de quem vê e quem é visto que
acaba criando um efeito parecido com o de apontar uma câmera para um monitor, um ​looping
com infinitas camadas de imagens. Para mim, era interessante, ainda, entender as várias
câmeras de espectadores, sendo a equipe uma instância de registro, além do espectador do
filme como mais um ​voyeur. O filme contou com uma fotografia que representou a
diversidade de registros, tendo uma linguagem visual diferente (câmeras diversas para cada
personagem), delimitando, assim, quem era o olhar do momento: a equipe de filmagem,
"eles" (dentro da narrativa o homem era vigiado por outros personagens misteriosos) ou o
próprio personagem.
Figura 01: Frame do filme À tua sombra
Uma das locações onde grande parte do filme aconteceu foi o centro de Vitória. Ao
redor da catedral do bairro, fomos atrás de ruas que possuíam um lado mais sombrio e
2
Link do filme: ​À tua sombra
17
acabamos na Dionísio Rosendo, rua que, a partir da catedral, desce até a praça central Costa
Pereira.
Figuras 02, 03, 04: ​Making of ​do filme 'À tua sombra'
Como o filme tratava da vigilância, as câmeras de segurança do espaço urbano foram
incorporadas. Na rua escolhida, logo notei um número de câmeras de segurança incomum;
em média, três câmeras em cada poste. Na descida da rua, um enorme canteiro público era
alvo de grande parte das câmeras. Intrigada descobri que as câmeras, apesar de estarem em
espaço público, eram privadas, de posse de uma pessoa: Eugênio Martini.
Figuras 05 e 06: ​Making of d​ o filme 'À tua sombra'
Além das câmeras, o jardim me chamou muita atenção. Com uma enorme variedade
de plantas e animais, além de estátuas de diferentes desenhos animados, o espaço tinha um ar
kitsch. ​Lembro também que fiquei extremamente intrigada com os animais soltos: galinhas e
coelhos andavam pelo jardim sem cercas. Lembro de pensar "estou fazendo um filme de
vigilância com o personagem errado". O filme Jardim Secreto, portanto, nasce de uma ficção.
18
Figuras 07, 08, 09: Frames do filme À tua sombra.
Pela recente revitalização da região, muitos jovens vieram morar no centro de Vitória
onde começo minha pesquisa. Intrigada com o jardim e as câmeras, fui perguntando sobre
Martini, um homem conhecido pelo bairro. Os primeiros comentários me assustaram.
Segundo alguns informantes, era um homem conservador e extremamente sem princípios,
pois expunha pessoas para seu próprio bem. Além disso, se achava "o dono da rua" e do
canteiro público em frente a sua loja.
Seguindo minha "pesquisa de campo", encontrei Martini em diversas entrevistas para
jornais locais além de descobrir a página do ​Facebook q​ ue ele administra. O Jardim
3
Comunitário do Centro de Vitória , uma página pública e com 332 seguidores e muitas
interações. Lá tive contato com os vídeos editados por ele. Decidi, enquanto olhava a página,
que além de já ter material para um novo filme, eu tinha encontrado um personagem muito
instigante.
Figura 10: Eugênio Martini e seu jardim (foto Tribuna Online).
3
​Link da página de Martini:​ ​Facebook Jardim Comunitário do Centro de Vitória
19
2.2 R​eferências
Um artigo que me marcou muito no processo de pesquisa do Jardim Secreto foi
"Estética do flagrante: Controle e prazer nos dispositivos de vigilância contemporâneo" da
supracitada, Fernanda Bruno (2016). O artigo começa colocando a vigilância não apenas
como herdeira "da cinzenta maquinaria industrial-disciplinar, da empoeirada burocracia
estatal e das luzes esclarecidas do Iluminismo", mas como herdeira das "cores e os prazeres
da cultura do espetáculo", que se desenvolve com as cidades modernas (p. 1-2). ​No momento
em que nem a vigilância, nem o espetáculo cabem nas definições modernas, Bruno foca n​a
naturalização da vigilância como modo de olhar e prestar atenção na cultura contemporânea.
Ela foca em dois processos: a incorporação de câmeras de vigilância às paisagens e
arquiteturas urbanas e a produção e circulação de imagens amadoras da cidade e de seus
corpos nas mídias contemporâneas. Como se tivesse escrito para o personagem desse filme,
Bruno fala dessa mistura de controle e de prazer que define como a "estética do flagrante"
(p.2): um olhar, uma atenção vigilante sobre a cidade e ainda sobre os indivíduos que nela
circulam. A atitude vigilante, segundo a autora, não deve ser entendida como uma atividade
sombria, coercitiva e dominadora, orquestrada por um ​Big Brother.​ "Assim como a vigilância
moderna era inseparável da maquinaria estatal, burocrática e disciplinar do capitalismo
industrial, a vigilância contemporânea é inseparável da maquinaria informacional, reticular e
modular do capitalismo pós-industrial." (p. 4). Pensando ainda no selo cínico “sorria, você
está sendo filmado”, Bruno coloca a fronteira tênue entre a vigilância e as pulsões
exibicionistas.
Esse exibicionismo, como já dito, pode ser encontrado nas práticas de exposição do
eu nas redes sociais e em sites de compartilhamento de conteúdo, com as relações sociais
contemporâneas se desenvolvendo atreladas a uma mistura de voyeurismo, exibicionismo e
vigilância. É possível notar fortemente também a vigilância nos conteúdos audiovisuais. Com
uma variedade enorme de formatos (séries, ficções, documentários), conteúdos audiovisuais
que às vezes nem tratam da temática da vigilância inserem em suas decupagens planos
filmados por câmeras de segurança. É possível pensar tanto em produtos que têm na sua
estrutura a vigilância a serviço do entretenimento (como os reality shows), como também em
produtos que têm como temática a vigilância.
20
Séries contemporâneas, de futuros distópicos, de fantasia, drama e suspense
adicionam vigilância não só através do aparato, o equipamento (câmeras, telas etc), mas
através de personagens misteriosos e onipresentes que ocupam posição de poder em relação a
outros personagens. Como exemplo, cito algumas séries famosas como ​Handmaid's Tale,​ na
qual a personagem está sempre sendo observada, por um indivíduo que assume a função de
vigilância, chamado "​the eye"​ ). Outras séries podem ser citadas: ​Stranger Things q​ ue na
segunda temporada tem seus personagens observados em telas de monitoração; ​Mr Robot que
tem um hacker como protagonista que virtualmente vigia a vida das pessoas; ​Person
Unknown que aborda um grupo de jovens que acorda em uma cidade abandonada cheia de
câmeras e microfones e, por fim, a série que desenvolveu em diversos episódios a temática
da vigilância, pois se passa em um futuro distópico, ​Black Mirror. Ressalto também diversas
séries de policiais que têm na imagem de vigilância, a prova do crime.
Durante a minha caminhada desde 2016 quando fiz o "À tua sombra", venho
assistindo também muito filmes com a temática da vigilância (citados na "filmografia").
Entretanto, ​dois documentários foram especialmente marcantes para pensar esse filme.
Apesar de muito diferentes, os dois têm em seus documentaristas uma justificativa do tema
ou uma trilha até o personagem documentado - o que acho muito interessante e que estava
em meus planos para o "Jardim Secreto". O primeiro é ​Citizenfour,​ da diretora Laura Poitras,
de 2014, que documenta a revelação de Edward Snowden sobre o sistema de vigilância
global do governo norte americano. O documentário, ganhador de Oscar, registra como se
deram os encontros entre Edward Snowden e grandes jornalistas, antes e depois de sua
identidade ter sido revelada ao público.
O filme, não só pela temática, já citada mais acima nas referências teóricas, é muito
interessante em seu prólogo. O documentário começa com Poitras recebendo emails
criptografados de alguém que se identifica, apenas, por ​Citizenfour.​ Na tela aparecem os
emails ​(imagem à direita) sendo digitados e os procedimentos seguidos pela diretora e
guiados pelo informante anônimo (até o momento Poitras não sabia da identidade de
Snowden). Quase como uma investigação, a documentarista traça seus passos até um hotel
em Hong Kong, onde finalmente se encontra com Snowden. Toda a abertura mostra a
perseguição da diretora pelo governo americano já que seus documentários anteriores já
criticavam as políticas americanas. O filme foi importante para pensar como começar o meu
filme que, de início, tinha em seu prólogo também meus passos até meu protagonista. No
21
final das contas, a parte que me incluía fisicamente, através dos ​making ofs ​de "À tua
sombra" foram limados. Não foi intencional, mas como 'dono' das imagens, Martini agiu
como co-diretor, ao selecionar o conteúdo que me passava. Meu olhar, obviamente está lá, e
"À tua sombra", de alguma forma, também.
Figura 11: ​Frame do filme ​Citizenfour​ de Laura Poitras.
Essa preocupação em mostrar a direção no filme, aparece como tendência de
documentários contemporâneos nos quais a ligação entre o documentarista e o tema é
claramente explicitado. Diversos documentários revelam, em seu prólogo, as motivações do
diretor. Essa me parece ser uma tentativa de endossar a autoria e assumir uma visão pessoal
do mundo, ao contrário dos documentários modernos que tendiam a neutralizar os discursos
do diretor. O diretor de documentário contemporâneo mostra seu afeto e revela-se. Além de
deixar sua opinião clara, diversas vezes os documentaristas aparecem fisicamente em cena.
O segundo filme que me marcou foi "Nunca é noite no mapa", do diretor
pernambucano, Ernesto de Carvalho. Eu o assisti na mostra Kinoforum, em São Paulo e o
documentário é todo construído em cima de imagens registradas pelos carros do ​Google
Earth. Através das imagens de ruas e becos de diversas cidades, o diretor discute pobreza,
violência e especulação imobiliária, além de fazer uma crítica social ao aplicativo que, com
seu olhar maquínico e virtual, é neutro (ou cego) às mazelas humanas. O próprio título
sugere, ao meu ver, a desconexão com a realidade em um mapa que não têm noite. O filme é
seguido pela voz ​off do diretor que conduz um olhar peculiar do espectador frente às
imagens . Abaixo 2 ​frames d​ o filme:
22
Figuras 12 e 13: ​Frames do filme Nunca é noite no mapa.
O olhar maquínico do aplicativo é uma temática interessante para pensar o
equipamento de vigilância, que têm, segundo Bruno (2016, p. 4), um caráter opaco,
impessoal, sem negociação possível, "sendo uma instância de inspeção cujo sujeito da ação,
ou melhor, do olhar, não está presente na cena, mas nem por isso é neutro". A autora
completa:
Não se trata apenas de ver, mas de rever e recriar o olhar quantas vezes se desejar,
produzindo uma imagem indefinidamente estocada para o futuro, tornando o seu
“destino” e a sua significação bem mais incertos, suspensos e sujeitos a um olhar a
posteriori. Por fim, um desequilíbrio social que concerne à dessimetria na relação de
poder entre o observador e o observado, uma vez que a impossibilidade de ver e
negociar com o sujeito do olhar tornam o indivíduo sob a vigilância relativamente
impotente frente a sua própria imagem, que é de algum modo confiscada pela
câmera (p.4- 5).
Além da temática interessante e atual do filme, o que me chamou a atenção foi a
inserção do documentarista no filme. O único rosto não incorporados à paisagem, com
individualidade do filme, é o do diretor (​Figura 14​, abaixo à esquerda). Apesar de a câmera
estar em seu rosto, o espectador é convidado a se
aproximar através do ​zoom que o próprio diretor faz da
sua imagem. Em voz ​off​, Carvalho conta que foi
flagrado pelo carro do ​Google Earth em seu bairro;
revela que sua primeira ação foi fazer o mesmo no seu
filme (abaixo o plano e contra- plano). O filme inicia
nas ruas virtuais do aplicativo até chegar ao diretor.
Desse ponto o filme decola. Meu primeiro anseio no "Jardim Secreto" foi encontrar a mim
mesma nas ruas do centro, capturada pelas imagens de Martini, assim como Carvalho foi
filmado pelo ​Google Earth.
23
Figuras 15 e 16: ​Frames do filme "Nunca é noite no mapa".
Duas outras coisas me fizeram lembrar do filme de Carvalho no meu "Jardim
Secreto"; o direito de imagem e a apropriação da imagem. O desfoque foi algo que tive que
incorporar no filme, pois temia repetir algo que Martini faz, - e que critico veementemente que é expor as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, minha vontade era de, ao contrário do olhar
maquínico das câmeras, individualizar essas pessoas. Existe algo fascinante no rosto, algo
que o cinema trabalha bem com os primeiros planos, que eu não queria perder. Preferi retirar
imagens (mais à frente falarei sobre isso) do que, de fato, desfocar alguns rostos. Nas redes
não pude fugir do desfoque, pois além do rosto, a identificação com o nome expõe ainda mais
pessoa, apesar de todos os comentários estarem de forma pública nas redes sociais.
Algo que sempre lembro da disciplina de edição de vídeo, ministrada pelo Gabriel
Menotti, é a força do ​remix.​ Esse novo modo de fazer cinema utiliza outros recursos e mídias
e tem ganho espaço. No limbo que é internet e nos "HDS do mundo" já existem tantas
imagens que é possível criar novos filmes somente com a remixagem, sem ligar uma única
câmera. São infinitas possibilidade de trabalhar com algo que já existe, ressignificando os
"​ready mades audiovisuais". Esse é outro aspecto potente do filme de Carvalho; a força de
ressignificá-lo um material já existente. Quando tive contato com o material editado por
Martini, pensei em ressignificá-lo com meu olhar.
Durante o debate, após a exibição do filme de Ernesto de Carvalho, uma pessoa
perguntou na platéia: "e o direito de imagem?" Ele respondeu: "Foda-se o direito de
imagem​."​ Lembro que questionei também Martini sobre o direito e autorização do uso de
imagem, e ele disse o mesmo, só que de outra forma. A diferença porém é que Carvalho fala
do do ​Google Earth, j​ á Martini, diz respeito às pessoas.
2.3 P​roposta de Direção
24
Partindo da premissa de que na atualidade as práticas de vigilância estão disseminadas
mas ainda invisibilizadas, pensei em um documentário que tratesse do tema de forma crítica.
Em nenhum momento eu esperei respostas claras para as questões que nortearam o projeto;
afinal são questões ainda muito recentes, envoltas em embates e controvérsias. Entretanto,
acredito que foi possível problematizar, através de um personagem específico, respostas
individuais que talvez sirvam para o entendimento de questões coletivas. Além disso, foi
possível explorar um perfil de Eugênio Martini. O documentário acabou proporcionando uma
virada de jogo e a câmera apontou para quem normalmente encontrava-se atrás dela, o
jardineiro vigia.
Como dito, através da pesquisa na sua página de ​Facebook, descobri que além de
produtor de vídeos, Martini era um homem que aparecia constantemente na mídia. Algo que
me surpreendeu. Martini não era um expectador onipresente, invisível, arquetípico dos textos
teóricos sobre vigilância, mas um espectador contemporâneo, presente, visível, que vê e quer
ser visto. Encontrei Martini não só nas redes sociais, mas também em entrevistas de TV,
falando de algum caso ocorrido nas redondezas que suas câmeras captaram. Um dos mais
4
emblemáticos tratava-se de uma entrevista à G1 em que, emocionado, Martini contava de um
assalto a seu jardim. Um homem na calada da noite levou todos os animais do seu canteiro.
Martini, no dia seguinte, o reconheceu através das filmagens gravadas e o confrontou. Os
dois partiram para briga. Na reportagem Martini doou todas as imagens, inclusive da briga, e
diz na entrevista: "as coisas estão invertidas, o policial disse que se houver lesão corporal, eu
posso ser preso, mas o ladrão, nada!"
Isso me lembra um trecho da vigilância líquida, de Bauman (2013):
Todos nós devemos identificar os inimigos da segurança para não sermos incluídos
entre eles. Precisamos acusar para sermos absolvidos, excluir para evitarmos a
exclusão. Precisamos confiar na eficácia do dispositivos de vigilancia para termos o
conforto de acreditar que nós, criaturas decentes que somos, escaparemos ilesos das
emboscadas armadas por esse dispositivo ​(p. 98).
Assistindo seus vídeos e suas entrevistas, comecei a perceber a esperteza do meu
personagem central. Muitas de suas edições pareciam justificativas dos seus atos de forma a
sensibilizar seus vizinhos e internautas; uma forma de receber proteção contra futuros
ataques, além de revelar o (bom/mal) caráter dos envolvidos. Em um dos vídeos postados na
4
Link da reportagem G1: ​Roubo de flores
25
sua página, no qual aparece uma mulher roubando flores do seu jardim, Martini escreve: "A
luta do bem contra o mal". O vídeo inicia com ele arrumando o jardim e acaba com a mulher
roubando flores.
Dentro da lógica de Martini, procede citar Bruno (2016) mais uma vez. As câmeras de
Martini captam cidadãos de todo o tipo que são taxados segundo suas opiniões. Logo,
qualquer um pode ser vítima de sua avaliação moral. Segundo Bruno, a incorporação das
câmera de vigilância nas arquiteturas urbanas cria uma indiscernibilidade entre vítimas e
suspeitos, bem como entre segurança e ameaça. Ela escreve: "somos todos igualmente
vítimas e suspeitos potenciais, assim como a consciência da vigilância representa
simultaneamente segurança e ameaça"(p.5-6).
Martini também utiliza a lógica do flagrante e do poder de evidência, próprias à
estratégia de videovigilância. "A ausência de uma intencionalidade suposta, o registro de uma
visão sem olhar, o fortuito maquínicamente flagrado, conferem à imagem de vigilância um
caráter de “prova” que está intimamente articulado às suas funções de controle ​(BRUNO,
2016, p. 7).
Além disso, a estética do flagrante é carregada de um "libido do instante" (p. 08) que
recai sobre o cotidiano, o comum. São i​magens que brincam com o ​público e o privado, e
levam a atenção normalmente dada as celebridades, ao cidadão comum. Além disso, a ideia
de instante não só está ligada a instantaneidade, mas também com distribuição e divulgação
imediatas, fazendo do instante capturado um instante partilhado, conectado. Bruno ainda
escreve:
Em alguns casos, tal estética do flagrante pende mais para o policial e/ou o
jornalístico, buscando cenas de suposto interesse público em tom de denúncia e
motivados por uma atitude “cidadã”. O chamado jornalismo “cidadão” e
“participativo” nos dá inúmeros exemplos, tanto na Internet quanto na grande mídia,
convocando amadores a enviarem as imagens disparadas por suas câmeras. (2016,
p.8-9)
As filmagens de Martini são imagens que têm um efeito de vigilância mas que
também divertem, entretêm, dão prazer. Os flagrantes são editadas de diversos ângulos, com
legendas e efeitos atraindo a atenção do espectador. As imagens de Martini, ainda incita, o
que Bruno chamaria de "voyeurismo dist​ribuído” ​(p.11) e que coloca os circuitos da
vigilância não mais como fechados (CCTV - “closed circuit television”), mas como vias
abertas das câmeras amadoras, da Internet e do espaço urbano.
26
Bragança ​(2018) utiliza Koskela ​para falar sobre o exibicionismo presente na
vigilância; se para alguns estar sob vigilância é desagradável, para outros é um modo de
aumentar sua visibilidade. O autor cita Koskela que defende que o exibicionismo confere um
verdadeiro poder ao cidadão ao inverter a ordem representacional, requerendo os direitos
autorais da sua própria vida, "...se se qualquer um pode circular imagem de alguém, porque
não fazê-lo esse alguém m​esmo?” (p. 206). Martini trabalha assim, utilizando-se das redes,
para montar um personagem para si, que gosto de ch​amar de "cidadão de bem".
Apesar dos vídeos de Martini circularem livremente nas redes, com os rostos dos
filmados identificáveis, não encontrei muitas críticas, nem processos legais em relação ao uso
indevido das imagens. Também não há processos que dizem respeito às câmeras instaladas
ilegalmente em espaços públicos que, ao me ver, facilitam o trabalho da prefeitura de
fiscalização da área e sanam a necessidade de imagens para televisões locais. (Em entrevista
da G1, a apresentadora, em certo momento, diz "Martini, que é parceiro nosso..."). Porém, na
minha pesquisa, me deparei com processos legais em relação ao jardim. O processo diz:
Após receber uma denúncia de que um munícipe utilizava um canteiro entre a rua
Dionísio Rosendo e a praça Costa Pereira, no centro, para criar algumas espécies de
animais, como preás, coelhos, galinhas e outros, fiscais da Gerência de Fiscalização
da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam) foram ao local e emitiram
um auto de constatação nesta sexta-feira (22). ​O empresário negou-se a receber o
auto de constatação e tomou ciência de que terá um prazo de 24 horas para retirar os
animais do local, sob pena de ser multado conforme prevê a lei federal 9605/98,
5
regulamentada pelo decreto 6514/2008."
Esses fatos servem para apresentar e contextualizar o personagem. Um senhor que,
entre processos e escândalos, cuida de um jardim público e vigia a região por motivos,
segundo ele, de segurança da sua loja. Um homem que gosta de estar na mídia e que se
aproveita dela para difundir suas ideias sobre o mundo. ​A princípio, havia pensado que lidaria
com um personagem com perfil agressivo. Também comecei a imaginar como seriam as
gravações desse filme, já pensando em estratégias de abordagem do personagem. ​Desde o
início, já estava claro que faria um filme de personagem, com o documentário sendo
construído em cima de u​m único ponto de vista. Logo o film​e seria todo guiado pelo
pensamento de Martini, suas contradições, suas ações, seus sonhos e seus vídeos; por isso, a
5
​Link do processo contra Martini: ​denúncia
27
pesquisa prévia foi muito importante para me preparar para o encontro e para ajudar a pensar
o roteiro.
Fazer um documentário de personagem, com um protagonista que representa ideias
tão diferentes do meu foi muito desafiador. Importante ressaltar que esse documentário foi
realizado durante um momento político no qual emerge o conservadorismo, a religiosidade, o
medo, a apologia ao controle do Exército e da ditadura e, um ator importante e ameaçador, "
o cidadão de direita". Alimentado com ideias tradicionalistas, de lutar contra a corrupção e
fazer justiça com as próprias mãos "porque tudo está corrompido" surge meu personagem.
Figura 17: ​Câmera de Martini no espaço público.
Pensando nas entrevistas, o meu primeiro dilema foi como Martini se portaria diante
das câmeras. Por um lado, eu sabia que como diretor de seus próprios vídeos, ele já estava
acostumado a se colocar diante das câmeras; já conhecia a lógica e o tempo de filmagem. Por
outro lado, esse poderia ser um fator dificultante, pois seu discurso poderia estar, de alguma
forma, já pronto e calculado.
Meu segundo dilema foi a diferença de pensamento entre nós. E me vieram perguntas
do tipo: como esse filme soaria para ele? Teria que fazer duas versões, uma para ele e outra
para mim? Isso seria errado? Logo lembrei de um texto que me marcou muito sobre o
processo documental, "A dificuldade do documentário" de João Moreira Salle​s (2013). Par​a
Salles, a ética para com o personagem é o que define um documentário. Em "Jardim Secreto",
eu lido com um personagem real, ao contrário dos últimos trabalhos que fiz. Um personagem
28
que tinha suas expectativas e que merece respeito. Desde o início, portando, me propus e
ouvi-lo sob as premissas da alteridade. Tentei ao máximo não ofendê-lo ou colocá-lo como
uma pessoa ruim. Longe de pensar no filme como uma propaganda para Martini, ou fazer um
filme que o tornasse um herói, tentei lidar eticamente com ele. Apesar de todas as
contradições do personagem, pude entender uma lógica em seu pensamento, que condiz com
sua maneira de encarar a vida. Tentei fazer um filme que fosse crítico, mas que não
amaldiçoasse o personagem, mas sim que revelasse sua condição humana de ambiguidade e a
"verdade" - se é que se pode pensar em verdade quando se liga uma câmera.
A construção da relação com o personagem foi, portanto, umas das minhas primeiras
questões para pensar o filme. Como o último documentário que participei foi "Transvivo" no
qual a ligação/admiração com o personagem foi algo fundamental para o filme acontecer, a
minha expectativa foi a de real e indiscriminada aproximação. Tudo se resolveu bem quando
nos encontramos pessoalmente.
Outra questão que emergiu foi o filme ​versus o planejamento do filme. Acostumada
com ficção, com roteiro e decupagem, com planejar e a executar, filmar um documentário foi
um desafio. O roteiro não foi desconsiderado, nem o planejamento. Só ficou claro que em
documentários, as coisas não saem como planejadas, algo que aprendi a ver como positivo.
Se soubermos incorporar as mudanças, o filme ganha imensamente. Acredito que esse foi
meu caso.
3. PRÉ-PRODUÇÃO
3.1. Pré-entrevistas e visita de locação
A primeira vez que falei com Martini foi em setembro de 2017. Eu estava começando
a escrever o pré projeto e precisava conhecê-lo e saber se ele participaria de um filme. A
melhor solução , seria, então, encontrá-lo pessoalmente.
Ele estava em sua loja de celulares (onde passei a encontrá-lo todas as outras vezes
que o visitei). Ele se mostrou solícito em me receber e conversar comigo. Eu me apresentei e
falei que queria conhecê-lo melhor e fazer um TCC que abordasse o jardim comunitário e
instalação das câmeras de segurança na rua. Também falei que rodei um filme em sua rua e
queria saber se apareci em suas câmeras. Ele combinou de olhar seus HDs e aceitou, sem
29
titubear, participar do projeto (até o momento não havia falado sobre o filme). Peguei o
número dele e apesar de ter mandado muitas mensagens ao longo do processo, nunca recebi
resposta.
Uns meses depois, quando já tinha finalizado meu pré-projeto e já tinha rascunhado
um primeiro roteiro, fiz uma segunda visita. Além de me aproximar, eu tinha a intenção de
conhecer seu museu do telefone, uma coleção de peças antigas de telefonia que ele organizou
em forma de museu.
Eu o encontrei trabalhando no jardim. Ele ficou surpreso ao me ver e, orgulhoso, me
levou até seu museu. O museu fica em cima de sua casa, o mesmo prédio azul em frente ao
canteiro público. Junto do museu, Martini construiu uma área de auditório onde recebe jovens
e crianças para falar do museu e da história da telefonia. Apesar de muito diferente do que
imaginei, o museu é muito interessante e, após a visita, criei uma cena em meu roteiro que se
passava no museu. No final das contas, como tudo que programei, a cena mudou bastante e
acabou entrando como a cena inicial depois da introdução (falarei mais a fundo sobre isso na
montagem).
Conversei com ele sobre a ideia de fazer um filme sobre sua vida e ele aceitou
prontamente. Disse ainda que eu viesse participar da reunião do bairro que aconteceria no dia
seguinte. Combinei também de ligar para ele (já que ele não responde mensagens) para
marcarmos uma pré entrevista.
No dia seguinte, fui a reunião de bairro, que aconteceu no auditório. Ao contrário do
que imaginei, não era realmente uma bairro, mas de alguns poucos moradores dos arredores.
Eles se diziam da "ala conservadora" e discutiam algumas mudanças que não foram acatadas
pela organização "oficial" do bairro. Entre "acabar com a baderna dos bares", "expulsar os
moradores de ruas das calçadas" e "acabar com o uso de drogas na região", fui bombardeada
de pensamentos fora da minha bolha universitária. Um dos presentes usava uma camiseta
"Bolsonaro 2018". Não fiquei muito, mas a reunião rendeu preocupação novas em relação a
como lidar com um personagem com pensamentos tão diversos do meu.
3.2. Roteiro
Eu só consegui materializar o roteiro depois das visitas, apesar de já ter algumas
ideias em mente. Foram três tratamentos ao todo (terceiro tratamento em anexo 1). O roteiro
30
contava com imagens do Centro, (das câmeras, das atitudes vigilantes, pessoas nas janelas,
placas e avisos de câmeras), da loja, do museu, do jardim vazio e Martini trabalhando no
jardim. Também contava com imagens filmadas pelas câmeras de Martini e comentadas por
ele, além de imagens ​making of ​de nós em suas câmeras durante as gravações. Muito
permaneceu, muito mudou.
Seguindo a sugestão da minha orientação, decidi iniciar o filme com os passos que dei
até chegar ao personagem​, uma trilha que ajudasse o espectador a entender meus motivos
como documentarista. Começaria portanto com as imagens feitas pelas câmeras de segurança
do Martini durante a filmagem de ​À tua sombra​. Como nunca cheguei a ver essas imagens,
(percebi ao longo das filmagens que as imagens das câmeras de Martini nem sempre eram
guardadas por ele e as que eram, não estavam muito acessíveis a mim), as imagens dele
foram, inicialmente, substituídas pelas que filmamos. Trouxe trechos do filme e takes de
making of onde a claquete pontuava um outro filme. A ideia era unir essa abertura ao final
com as imagens ​making of d​ o "Jardim Secreto", filmadas pelas câmeras de vigilância de
Martini (ainda tinha esperança de conseguir as imagens). A abertura acabou caindo na
montagem, como falarei mais a frente, mas de alguma forma, o film​e "À tua sombra" está
nes​se filme, pois foi a partir dele que tudo começou.
O roteiro se construiria basicamente em cima do VO das entrevistas e seria coberto
com o dia-a-dia de Martini e suas imagens das câmeras de segurança. Além disso, algumas
cenas encenadas, numa tentativa de trazer algo mais alegórico para o documentário. Pensei
em um jardim que possuísse vida e vigiasse também a sua volta, através das estátuas e dos
animais. A trilha daria um ar de suspense para o filme e traria essa instância viva para o
jardim.
Como dito, muita coisa mudou. Meu roteiro possuía um afastamento do personagem
algo explicado pelo fato de eu não conhecê-lo a fundo. Com o desenrolar das filmagens, com
a aproximação, algo como o ​talking head foi incorporado ao filme. Quando escondido atrás
das imagens de apoio e da VO, sentia que além de haver um distanciamento, fazendo com
que algumas falas perdessem a força. A entrevista talking head foi o momento de colocar
Martini em frente às câmeras, na virada de jogo de quem está sempre atrás delas. O fato dele
falar bem e fluido, também contribuiu para a incorporação das entrevistas ​talking head.
Algo que permaneceu desde o início do roteiro foi a gradual entendimento do
personagem, na ideia de revelar aos poucos quem era Martini. Queria criar no espectador uma
31
dúvida sobre as intenções do personagem. Começar portanto com as falas mais "leves" e
trazer a questão da vigilância como assuntos finais foram ideais presentes desde o início no
roteiro. Queria que aos poucos Martini fosse desnudado. Falar sobre o jardim foi uma forma
de introduzir o assunto com suavidade apesar de que, aos poucos, percebemos que o jardim é
também uma ferramenta do aparato de vigilância de Martini.
As imagens das câmeras de vigilância de Martini ficaram no final, pois representam
todo um ideal vigilante que queria revelar com o passar do filme. Querendo ou não, tenho que
admitir que a força do filme não se encontra nas minhas imagens, mas nas dele. Logo, algo
que mudou no roteiro foi a inserção de mais imagens feitas por Martini. Como essas imagens
foram chegando a mim aos poucos, o roteiro mudou muito na montagem. Posso dizer que o
roteiro foi meu norte incial, mas que depois, com o desenrolar do filme, segui sul.
3.3. Equipe
Eu sempre gostei de equipes pequenas, principalmente pela possibilidade de construir
intimidade e pela agilidade. Então escolhi apenas duas pessoas amigas para me acompanhar
no filme. Também pensei em mulheres nas cabeças de funções para trazer mais meninas para
o set. No som, chamei Natalia Dornelas, que entraria mais tarde também como edição de
som. Na foto, chamei Luiza Grillo. As duas estudaram e já produziram comigo e, por causa
disso, as filmagens foram muito tranquilas e produtivas.
O fato de sermos só mulheres foi bem interessante principalmente, tratando-se do teor
entrevistas, afinal Martini tem opiniões extremamente machistas. (algo que já esperava afinal,
em geral, os preconceitos andam juntos). Na última entrevista ele pede desculpa para "nós
mulheres" e diz "que é o homem, macho, que vai agir para melhorar o mundo, proteger e
cuidar das mulheres e crianças". Talvez ele não falasse isso se a equipe fosse composta de
homens.
A equipe incorporou também Matheus Noronha, que fez assistência de som em uma
diária mais complicada e Marcus Neves, que idealmente, entraria junto na edição de som com
Natália. Porém, até esse momento que escrevo esse memorial, a edição de som ficará para
depois. Sann Gusmão fez a trilha original do ​À tua sombra que é incorporado ao ​Jardim
Secreto​ em alguns momentos de "suspense".
32
3.4. Desenho d​e Produção: decupagem do roteiro, diárias e cronograma
Com o roteiro pronto, fiz a decupagem que logo se mostrou pouco útil. Apesar da
clareza em relação ao que exatamente eu queria de cada cena, muita coisa foi pensado no
momento, enquadramentos principalmente, pelo fato do personagem ser muito independente,
ajudando muitas vezes (fizemos cenas extras interessantíssimas) mas também atrapalhando
de seguirmos o roteiro.
O cronograma (em anexo), pensado na pesquisa, não foi tão fielmente seguido,
principalmente pelo espaçamento entre as entrevistas. Foi importante para mim esse tempo,
porque a cada nova diária, novas questões surgiam e o tempo era necessário para repensar os
próximos passos. Em relação ao equipamento, na parte do som, usamos um H4N, lapela e
microfone direcional da UFES. E na fotografia, a minha câmera 6D e um monopé. Na luz,
resolvemos a maior parte com luz natural, um LED e rebatedor.
Como se tratava de um roteiro relativamente simples, com poucas locações e pouco
deslocamento, além de uma equipe pequena, o desenho de produção foi muito tranquilo. As
filmagens foram gravadas de forma solta, cada semana um trecho. Fui destrinchando o
roteiro/decupagem, filmando duas, três cenas por vez. Todo o processo foi muito intuitivo. A
primeira diária fiz uma ordem do dia, já as seguintes eu mesma anotava a ordem da filmagem
e ia dirigindo. As meninas confiavam totalmente em mim e isso foi muito importante para as
filmagens fluírem bem. Também bastava um olhar para que as duas começassem a rodar.
Martini não era bobo, logo percebia e fazia o seu melhor, nunca olhando para a câmera.
3.5. Fotografia ​e som
O primeiro motivo que fez eu me interessar pela questão da vigilância, e que fez eu
pensar em um roteiro como ​À tua sombra, v​ eio da fotografia. A estética das imagem de
monitoração. Sempre me demorei nas telas de monitoração de prédios, onde em uma única
tela podia ver diversas ações e pessoas, na surdina. Além de achar fascinante a visualidade da
imagem de vigilância, onde parece que nada escapa (grande angular), a "sujeira" na imagem
como "defeitos de VHS" (algo que muitas vezes nem ocorre mais, devido a qualidade de
captação das câmeras atuais), além das informações presentes na tela (data, hora, etc.), dando
mais uma camada de significado. Sempre me lembra as pistas dos filmes de suspense, onde
33
na data da imagem desvendamos o crime ou ainda, dando ​zoom da imagem podemos
identificar o assassino.
Desde o início pensei em uma fotografia para o filme que se diferencia da estética das
câmeras de segurança, afinal algumas cenas seriam compostas das imagens das câmeras de
Martini. Logo ao contrário das imagens fixas com visão panorâmica, com observador
invisível, automatismo da gravação, imagem de baixa qualidade com balanço de cor diferente
(as vezes preto e branco), registro sem interrupção, além de data e hora presentes na lateral,
(estética definida por Fernanda Bruno), às imagens feitas por nós tinham pouca profundidade
de campo (mais desfoque), além de planos mais fechados e de câmera na mão.
Figura 18: Martini em um de seus vídeos postados na página do facebook do Jardim Comunitário.
Com foco na captação limpa do áudio das entrevistas para o uso de VO no filme, o
som direto do filme não teve um papel muito independente da foto. A minha preocupação
principal era que tivéssemos em todos os clipes sons ambientes bem captados. Logo, nada no
filme foi gravado sem microfone. Além disso, a captação foi fundamental, como já dito, para
a pré entrevista, que se tornou a VO de boa parte do filme por não ser tão amedrontadora
como uma câmera (apesar de Martini não parecer a pessoa que tem medo de ser gravado). Na
ideia original, o filme teria uma trilha musical forte, algo que acabou não sendo feito
especificamente para o filme. Porém de alguma forma a ideia se manteve quando foram
incorporado trechos da trilha do filme À tua sombra, que possui trilha original e que compôs
as partes de "suspense". Como no corte final as imagem do filme À tua sombra foram
limadas, penso de forma pessoal que a trilha é um dos resquícios subliminar de como
chegamos ao personagem.
34
4. PRODUÇÃO
4.1 Primeira Diária - (22/03/2018)
A melhor diária de entrevista foi a primeira, ​na qual gravei somente som da entrevista.
Como acho câmera sempre muito invasivo e intimidador, e como não pretendia usar ​talking
head n​ a época, resolvi fazer um entrevista mais a fundo, de primeira, só com gravador ligado.
Apesar de muito não ter entrado no filme (foram 40 minutos de entrevista), foi o momento de
aproximação e de entendimento por parte de Martini que se tratava de um filme sobre ele, e
não uma entrevista televisiva. Logo, fui a fundo, perguntei da infância, da sua família, da sua
chegada no Espírito Santo (ele é catarinense), de como surgiu a loja, o jardim e por fim, as
instalações das câmeras. Também perguntei do processo de edição, algo que insisti muito
mas que foi pouco abordado por ele. Apesar de levar uma lista de perguntas (em anexo), não
usei e nenhum momento. As perguntas fluíram da conversa, que era, muitas vezes, levada por
ele.
Nessa entrevista ficou claro que não teria dificuldade nas entrevistas. Martini sabe
falar bem e mostrar seu ponto de vista. É também um homem muito espirituoso, tudo que ele
faz existe um propósito muito maior e não "terreno" ( segundo ele); algo bem interessante
para um personagem de documentário. Além de citar filósofos e inventores em sua entrevista,
Martini usa muitos trechos da bíblia e da história de Jesus. Diversas vezes, ele se compara ao
criador, como um salvador do bairro, dizendo não estar preocupado com o jardim, o coelho, a
sua família, mas sim com a comunidade, o todo.
Há contradições em tudo que Martini fala. Depois da primeira entrevista, decidi
assumir essas incongruências do personagem, exatamente para mostrar que seu discurso
securitário, o seu jardim e as suas câmeras, não foram criadas somente para a segurança do
bairro e da população, como Martini diz, mas também para segurança própria e proteção de
seus bens.
Por fim, quando acabamos a entrevista, algo que ele decidiu, porque "tinha que voltar
a trabalhar" e sugeri nossa próxima diária: queria filmá-lo em sua ilha de edição. Ele me disse
que preferia preservar a intimidade da sua família. Fiquei muito surpresa na hora e muito
decepcionada, afinal uma boa sequência do filme se passaria em sua ilha de edição, onde
poderíamos ver sua tela de monitoramento e seu aparato de vigilância. Mais tarde, entendi
perfeitamente que não poderia esperar nada diferente dele, como uma pessoa que expõe a
35
intimidade alheia, é normal que ele dê valor para a sua. A frustração de não entrar em sua ilha
foi acalmada quando, na segunda diária, Martini me deu uma imagem muito preciosa e que
substituiria toda essa locação.
4.2 Segunda Diária - (13​/04/2018)
A segunda diária começamos com planos da rua e da segurança do bairro. Cadeados,
telas, grades, arames, cercas, placas e câmeras foram o foco. Uma das poucas cenas
preservadas do roteiro.
Subimos para o auditório, onde entrevistamos o Martini, o ​talking head oficial do
filme. A entrevista rendeu tanto que tive que criar novas perguntas de última hora, pois as que
separei foram respondidas rapidamente (aprendi e hoje em dia sempre vou com perguntas
extras).
Percebendo a força do ​talking head​, resolvi perguntar algumas coisas importantes
novamente, além de pedir uma introdução sobre quem ele era. Filmamos uma entrevista que
rendeu enormemente e que entrou várias partes no filme. O filme portanto acabou sendo
construído com a entrevista inicial (a somente de som) e essas entrevistas filmadas da
segunda diária.
Depois passamos para a dinâmica do computador e novamente, como dito, ele
surpreendeu trazendo duas imagens que entraram imediatamente na montagem porém me
trariam muita dor de cabeça. A ideia era colocá-lo diante de suas imagens para ouvi-lo
analisá-las. Essa cena antigamente se daria em sua ilha de edição, mas como dito, fomos
barradas.
A primeira delas se tratava de um reação a um assalto, ocorrido na greve da policia,
época que Vitória ficou com as ruas fantasmagóricas. A cena foi captada toda a partir de uma
única câmera, a câmera 7 (indicação presente na imagem), que aponta a praça Costa Pereira.
Resumidamente dois jovens tentam assaltar três homens. Durante o assalto um dos homens
consegue desarmar um dos assaltantes, que foge, o outro assaltante é pego pelos três que
batem nele de forma violenta. Após deixá-lo desacordado, o amarram a um banco e durante a
madrugada ele recebe a visita do exército, que rondava as ruas da cidade. Porém eles
escolhem não fazer nada e o deixam amarrado.
36
Figuras 19 e 20: ​Frames da sequência em que Martini discorre sobre o assalto na Costa Pereira.
Apesar da violência extrema da cena, Martini não parece chocado. A frieza com que
lida com o ato me remete logo a suas falas nas entrevistas que lidam com a “ bandidagem”, o
“roubo” como falta de caráter e mau caratismo. Em nenhum momento de seu discurso de
segurança pública ele parece se atentar ao porquê do aumento dos assaltos, a relação com a
pobreza. Em parte da sua entrevista que não entrou no filme, ele defende o ato heroico
daqueles que se defendem de assaltos, como se fosse a luta do cidadão de bem contra o
cidadão do mal.
Figura 21: ​Câmera de vigilância de Martini capta o exército deixando a praça.
Os comentários de Martini sobre as imagens, trouxeram questões importantíssimas
para o documentário. A primeira delas foi em relação a posse da imagem e a escolha de
Martini de não mostrá-la. Como proprietário das câmeras as escolhas de quem vê são dele.
Aliás, ele mesmo escolheu esta imagem para nos mostrar, dentre as milhares de horas de
gravação.
A segunda imagem se tratava de um vídeo filmado e editado próprio Martini. O vídeo
marca em sua lateral 2011 e tem como tema a construção do jardim comunitário. No vídeo,
em talking head martini explica o porquê da construção. O vídeo intercala suas entrevistas
com fotos e vídeos da madrugada em que ele e outros moradores do bairro, viraram a noite
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plantando flores na baia de contenção de carros feita pela prefeitura na frente da loja de
Martini. Os vídeos foram captados com suas câmeras de segurança.
Figura 22: ​Construção do Jardim comunitário pelas câmeras de Martini.
O vídeo entra na montagem como uma introdução sobre o jardim, sem precisar
recorrer ao talking head das entrevistas. Além disso, umas das minhas frustrações de não
entrar na ilha de edição de Martini é sanada, pois ao fundo é possível ver sua tela de
monitoramento, com certeza na época, com menos imagens que atualmente.
Figura 23: ​Vídeo protagonizado, filmado e editado por Martini sobre a construção do Jardim
Comunitário.
4.3 Tercei​ra Diária (09/05/2018)
A penúltima diária, que acabou sendo a última (pois conseguimos muito material),
começou no museu. Filmamos detalhes dos objetos do museu e pedimos que Martini interagir
com o material, organizando, limpando. Em dado momento ele liga seu gramofone, um toca
disco manual, e uma música incrível soa no ambiente morto do museu. Como um grande
personagem Martini mais uma vez nos deu uma cena nova. Pedimos que repetisse e como
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não bastasse ele ainda decide trocar a agulha do equipamento, agregando ainda mais a ação.
Pra finalizar, quando Martini tira o disco, algo não planejado, e lê o nome do disco uma nova
surpresa, o disco se chamada “ a vida é um jardim onde as mulheres são as flores” de
Vicente Celestino, Martini completa “ Jardim, flores, tudo a ver comigo!”.
Figuras 24 e 25: Frames da sequência que Martini manuseia o gramofone.
Grande parte por se tratar de um personagem/diretor, Martini guiava as filmagens. Em
diversos momentos ele cortava, além de sugerir planos "querem fazer um close?". Por já ter
conhecimento do processo fílmico.
Descemos para o jardim de Martini e o filmamos interagindo com os animais e
molhando as plantas. Martini, para nossa surpresa, muito a vontade com a rua, abre a tampa
do que achamos ser um bueiro e retira de lá a água que molha as plantas do jardim. Mais uma
cena adicionada ao filme, trazida pelo personagem, que mostra como Martini se apropria dos
recursos público da cidade.
Algo interessante e que entrou pouco na montagem final, foram as interações dos
moradores do Centro com Martini. Fica claro que Martini é uma figura conhecida e
respeitada por muitos. Os assuntos sempre variam com elogios ao jardim e com críticas à
segurança. Martini sempre começava a conversa com “Você viu o que postei lá na página?
Mais um assalto!”
4.4 Resoluçõe​s da última diária
A última cena presente no roteiro que não havíamos gravado ainda era uma sequência
em que, seguindo Martini, andávamos pelo centro nas ruas em que as câmeras foram
instaladas. A ideia era conhecer um pouco do processo das instalações das câmeras, além de
39
mostrar quão longe as suas câmeras iam. A cena ia ser toda coberta com as imagens das
câmeras de Martini, onde a equipe apareceria, fazendo uma conexão com a abertura pensado
no roteiro: a que éramos filmamos por suas câmeras durante a filmagem do filme À tua
sombra. A sequência seria coberta com os comentários de Martini, gravados com um lapela.
Antes de firmarmos essa sequência, o material já estava todo na ilha de edição. Ai me
dei conta do volume enorme de material que já possuía e como a sequência podia ser
resolvida de outra forma, através de vídeos já prontos: os vídeos editados por Martini e
postados em sua página do Facebook. Resolvi testar e editar sem a cena e acabou que ela foi
dispensada.
5. PÓS PRODUÇÃO
5.1 Decupa​gem de entrevistas
Desde o início meu foco no filme era o jardim. Partir do jardim como uma instância
que vigiava, independente, representando pelos animais e estátuas para falar da vigilância, da
privacidade, do público ​versus o privado. Antes de começar a entrevistar Martini, achei que
teria que fazer algumas conexões na fala que trouxessem o jardim para o foco, uma
montagem, uma organização da entrevista. No final das contas a fala de Martini coloca o
jardim como centro desde o início.
Portando, toda a ordenação e escolhas dos trechos da entrevista se deram a partir do
jardim. A música que Martini coloca no gramofone que tem como nome relação com o
jardim. Seguido das falas iniciais que o colocam em Vitória, no centro, bem na Praça Costa
Pereira onde ele construiu o jardim.
Tudo se volta ao jardim para depois sair dele. A fala em que Martini justifica a
construção do jardim, seguido dos cuidados dele no canteiro em que ele define que o jardim
resolveu os problemas dele com os assaltos. Essa é uma grande virada pois acredito faz o
espectador se perguntar: Qual a relação do fim dos assaltos com o jardim? Resposta que dou
em uma das sequências finais, em que Martini fala da morte de inocentes.
Seguindo temos o momento que Martini entra na questão da monitoração e da relação
com a vizinhança que ele usa como exemplo, mais uma vez, o próprio jardim. Ele diz
"Quando eu fiz o jardim as pessoas me disseram, você tá doido, vão roubar tudo, não vai
sobrar, nada. Hoje eles me admiram porque eu criei uma segurança". Ele ainda completa que
alguns não o entendem e lhe questionam "porque você não cuida da sua casa vai cuidar da
40
rua?". Mais a frente ele fala que se ofende quando alguém lhe pergunta "você vende esses
pintinhos, esses coelhos?", ele completa "é como se perguntassem, você vende seus filhos?".
Mais uma vez se contradizendo, afirmando posse do jardim.
As próximas duas sequências das entrevistas se afastam do jardim para falar de
violência, do direito da imagem e da privacidade. São as sequências da reação ao assalto e o
vídeo postado em sua página do ladrão arrependido. As duas sequências são seguidas em VO
pela entrevista de Martini em frente ao computador. Essa entrevista é muito interessante e foi
usado muito pouco infelizmente, devido ao tempo de filme. É nesse entrevista que ele conta
alguns casos, um deles, ele colocou uma câmera no ninho da galinha e ao vivo transmitiu na
sua loja o nascimento dos pintinhos em uma tela. Foi um sucesso na loja que vive lotada de
pessoas esperando o serviço. Ele conta também o dia que o fiscal da prefeitura tentou retirar
as plantas da calçada. Martini se amarrou ao monumento e em lágrimas, com apoio da
população, afastaram (verbalmente) o fiscal. O caso levou a um processo iniciado pelo fiscal,
mas acabou se diluindo devido as provas fílmicas (das câmeras de Martini) do acontecimento
que atestavam que o afastamento havia sido praticado pela população (em sua maioria
clientes da loja de celular de Martini).
Figura 26: Monumento em rua pública construído por Martini.
As últimas duas sequências de falas são as mais longas e são sequências que optei
pelo rosto de Martini tanto pela fluidez das falas que não tem corte, quanto pela importância
do tema. A primeira parte da entrevista ele fala sobre o tripé para que o mundo funcione
perfeitamente: 1) um mundo limpo, 2) vigiado e 3) mantido em ordem pelos homens (não as
mulheres). A próxima entrevista, e última do filme, Martini discorre da sua vida corrida e da
conscientização das pessoas em relação ao que ele faz. Novamente ele usa o jardim como
41
exemplo. Achei uma boa forma de finalizar o filme, meio uma forma de fazer o espectador
ter a opção de entender o modo de viver do personagem.
Acredito verdadeiramente que, através da minha escolha nas entrevistas, preservei o
personagem, um dos meus objetivos desde o início. Mantenho minha posição interna de
divergência de suas opiniões, porém tentei mostrar as facetas do personagem que é, no
mínimo, contraditório. Não tive a intenção de colocá-lo como um herói, longe disso, porém
como disse, nao acredito em dicotomias, um personagem ruim/bom, mas sim em pessoas com
defeitos e qualidades. Gosto da ultima frase dele após cheirar uma flor de maracujá, ele pega
no fruto e diz "Olha que coisa linda! E ninguém mexe!". Mostra seu apego e seu sentimento
de posse om o jardim, mas também mostra o seu carinho e o comprometimento com o local.
Figura 27: Martini e o Jardim. Frame do filme.
5.2 M​ontagem
Apesar de todo o planejamento de pré, o filme se resolveu na montagem,
principalmente pelo fato de boa parte do roteiro ter caído durante as gravações, tornando a
edição do filme um desafio maior, porém muito estimulante. O filme teve ao todo 11 versões.
A primeira versão, que Klaus decidiu chamar de copião, possuía 32 minutos e foi quase que
um apanhado do material e uma tentativa de ver o que funcionava e o que não funcionava.
Essas cortes foram mostrados para muitas pessoas, boa parte da minha lista de
agradecimentos deste memorial, e os comentários, por incrível que pareça, foram muito
similares e me abriram a mente para questões éticas presentes no material que havia
selecionado. As duas questões mais emblemáticas foram em relação a essas imagens captadas
pelas câmeras de Martini que coloquei no copião.
A primeira delas foi em relação a imagem da reação ao assalto na Praça Costa Pereira.
Ao contrário do que imaginei, os comentários não foram em relação a violência ou exposição
42
do assalto, mas sobre o exército e as consequências de mostrar o abandono do homem ferido
pelos militares. Logo, questões entraram em pauta: como essa imagem de descaso soaria aos
olhos da ordem militar? Esse filme podia sofrer represálias? Fui orientada a deixar apenas o
áudio em que Martini fala sobre o caso, sem mostrar os militares. A minha escolha foi a de
deixar os segundos finais antes dos militares deixarem a praça, em um carro blindado, apenas
insinuando a ida. Também deixei alguns segundos da praça após ida do carro, no silêncio que
o plano da câmera de segurança possui, reforçando o vazio e a partida.
Foi na ilha de montagem que percebi a falta de imagens gravadas por Martini, além
dos vídeos postados por ele em sua página do Facebook: ​Jardim Comunitário do Centro de
Vitória. Selecionei alguns dos vídeos mais emblemáticos editados por ele e trouxe para a
timeline. ​A segunda questão veio desse vídeo que selecionei.
Me chamou ​a atenção um vídeo recente, com legenda "​Que pena que essa vovó não
aprendeu com a mamãe dela que não se deve roubar flores". ​Na descrição do vídeo estava
escrito: Se alguém conhecer essa senhora que rouba me passa por mensagem que eu vou
pessoalmente na casa dela."
Figura 28: ​Print da página Jardim Comunitário do Centro de Vitória.
O vídeo começa com Martini cuidando do jardim e trocando a grama. Crianças
brincam com as estátuas e pessoas interagem com canteiro. O jardim fica pronto. Anoitece e
Martini some. Numa preparação cinematográfica, Martini adiciona legendas de suspense:
"Mas a noite chega e com ela os ladrões", "Você lembra da senhora de guarda chuva?". O
43
vídeo segue e mostra, com definições assustadoras, o rosto de uma mulher segurando um
guarda chuva. Parece que ela usa do objeto como estratégia para se esconder das câmeras,
mas falha afinal as câmeras estão por toda a parte. O vídeo segue com comentários do tipo:
"Olha para Deus senhora" e "O diabinho atentou" seguido das imagens em que a mulher
retira quatro vasos de flores presos no coqueiro do Jardim. O vídeo finaliza com uma foto das
flores e a legenda "A cidade ficou menos bonita sem as flores do coqueirinho".
6
A primeira questão que surge é: se o jardim é comunitário, público, como que pegar
um planta passa a ser um roubo? Logo uma segunda pergunta se formula em minha mente. Se
Martini está expondo uma mulher, sem seu consentimento, em um local público, colocando
sobre ela um juízo de valores, não estou fazendo o mesmo, de forma ainda mais drástica, ao
colocá-la em um filme? A exposição não passa a ser ainda maior, se pensando na circulação
desse material em festivais? Não estou ​tornando essas pessoas vulneráveis a uma série de
apropriações e talvez ataques que filme não tem como protegê-los? É importante frisar que o
vídeo possui atualmente (15/06/18) vinte e nove (29) compartilhamentos e dez (10) mil
visualizações.
Figura 29: ​Frame do vídeo postado por Martini da "senhora do guarda-chuva".
Pensando assim, resolvi substituir essa imagem, que apesar de emblemática para
entendimento do personagem Martini, acabava expondo pessoas que não tem nada a ver com
a história de Eugênio. Pesquisei mais fundo os vídeos postados por Martini e descobri um
víde que adicionava uma nova camada ao roubo - a interação dos internautas - algo muito
forte na página de Martini.
Tenho tido a sensação que no Facebook, os blogs, os bares, nas ruas, cada vez mais os
6
​Para os que acessarem o memorial online, o link do vídeo (​FaceBook​) que está público na rede social.
44
internautas ditos de direita, ou conservadores, têm tomado os lugares para expor suas
opiniões abertamente. A página de Martini é um bom exemplo disso. Os comentários partem
de pessoas de todas as idades, moradores do centro de Vitória e simpatizantes das ações de
Martini e, na minha opinião, de pensamento mais conservador. Algumas das frases transcritas
são: "Vagabunda.....", "Velha sem vergonha descarada", "Pelo tempo que ela demorou para ir
e voltar, mora por perto. Fazer a impressão da foto dela colocar no poste igual ao velho oeste.
Sem vergonha.", "Tem que colocar um localizador no vaso de planta e descobrir onde esse
espírito de porco mora... Safada... Asquerosa" ou ainda, proferido por uma jovem de no
máximo 25 anos "Coloca um fio de alta tensão, quando ela for pegar vai tomar uma descarga
que vai cair de cú trancado no chão..... FDP".
Um dos comentários tenta abrandar e justifica que talvez ela seja uma mulher doente.
Martini responde que se o roubo fosse na residência da senhora, ela não ficaria feliz. Acho
importante essa resposta dele para mais uma vez desconstruir a ideia de que o jardim é
público e de todos.
Figura 30: ​Print dos comentários sobre o vídeo da "mulher do guarda-chuva" na página do Facebook.
Outra questão que não pude deixar de notar, é a diferença dos comentários de quando
se trata de uma mulher, para quando se trata de um homem. Os homens não deixam de ser
julgados porém de forma muito mais branda, dificilmente apelando a frases violentas.
45
Acredito, como minha professora Gabriela Alves, que nenhuma opressão anda sozinha. O
machismo e misoginia dos comentários é encontrado facilmente na fala de Martini, inclusive
em parte da entrevista do filme. Ele diz: o papel dos homens, desculpem vocês mulheres
(olhando para mim, Luiza e Natalia, presentes no dia), é manter a ordem, vigiar e proteger
mulheres e crianças.
O vídeo que escolhi e que entra para substituir "a mulher do guarda-chuva", se trata
de um homem que leva a estátua da chapeuzinho-vermelho do jardim comunitário e, graças a
interação dos internautas, segundo a legenda do próprio vídeo, traz de volta na calada da
noite. Não fica claro se ele foi reconhecido por alguém ou se ele se viu nas imagens pelas
redes sociais (houve 17 compartilhamentos do vídeo) e se arrependeu. Porém, fica claro, que
se trata de um caso recorrente. Muitos coelhos, pintinhos e plantas já foram devolvidos para o
jardim depois de "roubados", através da tática de Martini de exposição nas redes.
Quando se fala da ética com o personagem não posso deixar de citar Lima e
Guimarães no texto ​A ética do documentário: o Rosto e os outros​. Para eles tudo se inicia
com o fato de que o filme, de alguma forma, é um "investimento de poder, dono de meios
discursivos e imagéticos que assujeitam aquele que é filmado, situado, de início, em uma
posição que lhe permite bem menos desenvoltura do que àquele que filma." Sendo Martini o
antigo feitor das imagens, e eu a atual, resolvi subverter-lo e resguardar o sujeito filmado, no
caso aqui a senhora.
Eu escolhi essa nova imagem pois mostra um personagem, apesar das legendas
agressivas, humano. Além disso, acho que a imagem traz um pouco desse "ativismo de sofá",
muito presente na nossa época. Eu acredito que não por arrependimento mas por vergonha,
que o homem devolveu a estátua. A força que a imagem gravada tem, a sensação de um
julgamento que os comentários no vídeo criam, é que fizeram, na minha opinião, que o
homem trouxesse o objeto para o jardim. Apesar de devolvê-lo, as legendas ainda o
descrevem como um ladrão.
5.3 Plano​s Futuros
Meus planos futuros em relação ao filme são, inicialmente a finalização completa do
filme, principalmente no quesito cor e som do filme, com um desenvolvimento de uma trilha
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musical, uma edição de som, mixagem e masterização do filme. Pensando em exibições e
distribuição, pretendo fazer o filme circular pelo circuito de festivais brasileiro
principalmente, mas sem excluir a possibilidade de festivais na América Latina. Após rodar
bem, pretendo disponibilizá-lo online, numa plataforma como Vimeo ou Youtube.
Nas pesquisas que fiz em relação a festivais brasileiro e internacionais, infelizmente
festivais específicos de ​surveillance movie​, ainda são poucos. Alguns que encontrei foram
organizados anos atrás dentro do circuito universitário em universidades da Europa. Porém
muitas janelas estão se abrindo para curtas metragens em festivais brasileiros e pretendo
inscrever o Jardim Secreto principalmente nas mostras e festivais específicos produções feitas
por mulheres. Na breve pesquisa que fiz, pude notar uma enorme variedade desse tipo de
festivais o que me deixou animada em relação a circulação do filme.
Como pretendo estender meus estudos em relação ao ​surveillance movie​, e a questão
da vigilância e privacidade no audiovisual, o memorial pode ser um primeiro passo para a
ideia de um possível mestrado ou ainda um artigo sobre o processo fílmico.
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As minhas frustrações nesse projeto, decorrentes de ações que não saíram como
inicialmente planejada, foram todas substituídas pela satisfação de um novo desafio vencido.
Não acredito que fiz o documentário da minha vida, nem um filme de grande impacto, mas
com certeza o aprendizado de todo esse projeto me fizeram crescer e aplicar, de alguma
forma, muito do que aprendi nesse curso nos últimos anos. Nos tropeços dessa caminhada de
quatro anos, uma coisa eu tenho certeza - eu escolhi o curso certo. Uma profissão que une
arte, música, imagem, além, do mais importante, se interessa por pessoas e vidas.
A infinidade de opções presentes na captação da vida de um personagem me fascina
continuamente... E o que sempre é esquecido por mim - e relembrado continuamente no
processo fílmico - é a força e capacidade do próprio personagem de nos conduzir para sua
trajetória que, normalmente, se mostra muito mais interessante do que os mapas traçados no
início da caminhada fílmica.
Com Martini, eu tive a oportunidade de sair da minha bolha e entrar em contato com
um cidadão de convicções próprias e contraditórias, mas também de alguma forma, nobres. É
um personagem instigante, pois tem muitas certezas em um mundo reflexivo e cheio de
dúvidas. Vivencia-se uma certa calma em ouvir uma pessoa que não hesita; com respostas tão
certas para o mundo e o futuro. Se vive nele, uma certa inconsciência e intolerância, um
fechar de olhos para muitas questões, por outro lado há vida, ação e vontade de mudança.
Talvez por outras causas, eu me inspiro nele e desejo um pouco dessa vontade, de mudar
mundo, de colocar um pouco de mim na história.
Figura 31: Martini e s​eu jardim.
48
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HARDT, Michael. ​A sociedade mundial de controle. In: ALLIEZ, Eric (org.). Gilles
Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed. 34, 2000
KOSKELA, Hille. “Webcams, TV shows and mobile phones: empowering exhibitionism”​.
In: ​Surveillance & Society – C
​ CTV Special​. V
​ ol.2, n.2-3. Kingston, ON: Queen’s
University, 2004, pp.199-215.
KOSKELA, Hille. “CamEra - the contemporary urban panopticon”​. I​ n: S
​ urveillance &
Society​. Vol.1, n.3. Kingston, ON: Queen’s University, 2003, pp.292-313.
SALLES, João Moreira.“A dificuldade do documentário”. In: Martins, José Souza; Eckert,
Cornelia; CaiubyNovaes, Sylvia (orgs.) O imaginário e o poético nas ciências sociais. Bauru:
EDUSC, 2005, p.57-71.
FILMOGRAFIA
1. Nunca é noite no mapa - Ernesto de Carvalho (2016, BR)
2. Citizenfour - Laura Poitras (2014, EUA)
3. Risk - Laura Poitras (2016, EUA)
4. Câmera escura - Marcelo Pedrosa (2012, BR)
5. Caché - Michael Haneke (2005, EUA)
6. 1984 - Michael Radford (1984, Canadá)
7. Janela Indiscreta - Hitchcock (1954, EUA)
8. Look - Adam Rifkin (2007, EUA)
9. 388 Arletta Avenue - Randall Cole (2013, EUA)
10. Alone with her - Eric Nicholas (2007, EUA)
11. Land of plenty - Win Wenders (2004, EUA)
12. A vida dos outros - Florian Henckel von Donnersmarck (2006, Alemanha)
13. Handmaid's Tale - Bruce Miller (2016, EUA)
50
14. Stranger Things - Ross Duffer, Matt Duffer (2016, EUA)
15. Person Unknown - ​Christopher McQuarrie (2010, EUA)
16. Black Mirror - ​Charlie Brooker (2011, EUA)
17. Sex, Lies and Videotape - Steven Soderbergh (1989, EUA)
ANEXOS
Anexo 01 - Roteiro/sugestão de estrutura - Jardim Secreto
ROTEIRO JARDIM SECRETO
CENA 1 - [IMAGEM DE ARQUIVO] - INTRODUÇÃO
Trecho do filme À tua sombra.
CORTA PARA
Tela preta e texto: "Esse não é o filme." (pausa)
"Esse filme foi filmado em 2016, no Centro de Vitória." (pausa)
"O filme contava a história de um homem que vigiava." (pausa)
"O que não sabíamos (pausa)....é que também estávamos sendo vigiados."
CORTA PARA
Tela de créditos iniciais: ​JARDIM SECRETO
CENA 3 - [INT. DIA - LOJA MARTINI CELULAR]
Martini (em contraluz), abre a porta sanfona de sua loja, inundando o ambiente de luz.
Os objetos presentes no recinto, antes não identificáveis pela escuridão, vão ganhando forma.
É possível ver fileiras de telas quebradas, celulares e objetos eletrônicos.
Martini sai da loja.
51
CENA 4 - [EXT. DIA - RUAS DO CENTRO DE VITÓRIA]
Martini caminha pelo centro da cidade. Ele retira um molho de chaves do bolso e
balança enquanto caminha. Ele chega a um galpão e abre sua porta.
CENA 5 - [INT. DIA - MUSEU DO TELEFONE]
Quando Martini entra o ambiente se inunda do som de diversos toques de telefone - os
objetos do museu apesar de desconectados e velhos tocam freneticamente. Martini caminha
tranquilo até um grande telefone. Ele tira do gancho e apoia na mesa. O som de todos o
telefones param ao mesmo tempo.
VO de Martini (parte já gravada) - "As pessoas me ligam muito" ou "Não tenho um
dia de paz" ou "Eu tenho muito trabalho" ou "acredito que fui enviado para cá (parte da
entrevista)"
Martini começa a limpar os objetos calmamente. Os objetos são mostrados
enfileirados, ao fundo o som de ocupado de um telefone soa. Martini, em VO de entrevista,
fala sobre sua infância/sobre sua coleção/ sobre como sempre amou filmar.
CENA 6 - [EXT. NOITE - JARDIM]
A câmera é ligada e setada, entram em foco folhas e flores. Os planos são detalhes e
não fica claro o local da filmagem. É possível identificar certo movimento de um animal,
sendo o foco os olhos. Detalhes de folhas. flores e superfícies refletoras (câmeras de
segurança). Petrificados, é possível ver partes dos corpos das estátuas do jardim e os olhos
que não piscam.
CENA 7 - [INT. DIA - ESCRITÓRIO MARTINI]
Tela preta. É possível ouvir cliques de mouse e teclado e o barulho de uma cadeira de
rodinhas.
Uma imagem da rua da loja aparece (imagem x), filmada pelas câmera de Martini. A
imagem é aproximada, sendo possível ver a seta do mouse na tela. Ouve-se a voz de Martini
(VO) que descreve o que ocorre nas filmagens. Nas imagens é possível ver assaltos, furtos e
pichações e seus comentários sobre os ocorridos.
52
CORTA PARA
Martini está de costas sentado na frente de um computador. Na tela, é possível ver
pastas nomeadas por mês. Ele abre as pastas e explica sobre seu sistema de vigilância.
CENA 8 - [EXT. DIA - RUAS DO CENTRO]
O centro da cidade e suas ruas. É possível ver as pessoas olhando pelas janelas das
casas, espiando entre as portas (atitude vigilante). As câmeras de martini são mostradas uma a
uma, sendo possível identificar o entorno. A cena é seguida de uma trilha instrumental e o
som da cidade. A última imagem é da câmera com flores em cima, parte do jardim de
Martini.
CENA 9 - [EXT. DIA - RUAS DO CENTRO]
Imagem das câmeras de segurança: indiscernível, a imagem é mostrada em muito
zoom, sendo possível ver apenas cores e movimento pixelados. Aos poucos as imagens vão
sendo mostradas a uma distância mais natural entrando em foco a equipe do doc (+
equipamentos câmera, boom, claquete) e Martini caminhando pelas ruas onde as câmeras
estão instaladas. Ele explica a instalação das câmeras e conta as histórias de cada local
(Martini e direção lapelados).
CENA 10 - [EXT. DIA - JARDIM]
Martini cuida do jardim. Alimenta os animais, tira as ervas, recolhe o lixo, rega. É
possível vê-lo através das folhas e objetos do jardim, como uma câmera que espia. Martini
fala em VO do seu cuidado com o jardim e das câmeras escondidas entre as folhagens.
CENA 11 - [INT. DIA - INTERNET]
Vídeo editado por Martini sobre o filme que está sendo feito.****​(depende dele)
CENA 12 - [IMAGEM DE ARQUIVO] (opcional)
Uma imagem da rua da loja aparece (imagem x), filmada pelas câmera de Martini.
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Ouve-se a voz de Martini (VO) que descreve o que ocorre nas filmagens. A mesma imagem
porém seguida de outro trecho em ​off da fala de Martini. (obs: uma nova relação com a
imagem criada com a fala)
CENA 13 - [EXT. DIA - JARDIM]
​Câmera de segurança Martini: Martini vem caminhando ao longe com as ferramentas
de jardinagem na mão. Ele apoia as coisas ao seu lado e se aproxima da câmera. Ele olha
atentamente para dentro da lente. Tira um pedaço de pano do bolso e limpa a lente da sua
câmera de segurança.
CORTA PARA
Tela preta e texto: Com Eugênio Martini
CORTA PARA
Sob os créditos finais (direção, produção, foto e som), imagens das câmera de Martini
do making of de À tua sombra. ​(dialogando com a abertura - filme)
Anexo 02 - Lista de perguntas - pré entrevista - Jardim Secreto
PERGUNTAS EUGÊNIO MARTINI:
- Queria que você começasse se apresentando ( nome, sua idade e sua profissão)
- Fala um pouco sobre onde você mora, quanto tempo faz que você mora aqui?
- Como é morar em cima da sua loja?
- Como é seu trabalho? O que exatamente você faz?
- Qual sua relação com bairro e com a vizinhança?
- Quando foi que você teve a ideia de cuidar do jardim e porque?
- Qual sua relação com cuidar das plantas?
- Fala um pouco sobre o museu do telefone
- Porque preservar esses telefones é importante para você
- Você tem planos futuros para essas imagens que você guarda?
54
- Você assiste a todo o material filmado? Qual sua estratégia? O que você faz com o
material selecionado?
- Qual a situação mais estranha que você presenciou nas imagens?
- Qual a relação do jardim, das flores e as câmeras? Na primeira vez que eu vim te ver
você me disse algo sobre as plantas e as câmeras, você lembra? ("As plantas disfarçam
a agressividade das câmeras"
- Como as câmeras afetaram a vizinhança?
- Quais são as maiores críticas em relação a instalação de câmeras?
- Você conhece a legislação de filmagem em ambientes públicos?
- Os motivos iniciais da instalação são o crime, mas você acha que a instalação das
câmeras diminuiu os assaltos/furtos?
- Porque você acha que o crime aumentou na cidade?
- Privacidade, você acha que de alguma forma você invade a privacidade alheia com
suas câmeras?
Anexo 03 - Cronograma
ETAPAS
ATIVIDADE
S
SEMANAS
FEV
1
1.
PESQUISA
Pesquisa: textos
e filmes
Orientação
2.
PRÉPRODUÇÃO
2
MAR
3
4
5
x x x x x
x
6
ABRIL
7
8
9
x x x x x
x x
Desenvolviment
o de roteiro
x x x x
Plano de
11
JUNHO
JULHO
12
1
3
14
15
16
17
18
19
20
21
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x x x
Pré- entrevistas
Decupagem
10
MAIO
x
x
x
x
55
22
23
24
filmagem
Contratação de
x
equipe
Reserva/aluguel
x
de equipamento
Ordens do-dia
3.
FILMAGEM
x
Filmagem
Jardim Secreto
x
x
4.
Edição
PÓSPRODUÇÃO Edição de som
x
x
Colorização
x
x
x
x
Finalização
filme
5.
MEMORIAL
Organizar
material e
escrever
memorial
x
x x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
56
Download