Copyright © 2023 Zoe X UNDER YOUR SKIN 1ª Edição Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor. Capa: Daniel Caetano Revisão: Bárbara Pinheiro Diagramação: April Kroes Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal. TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Eu mudei de nome, de vida e, depois de tanto tempo, achei que seria seguro voltar para Detroit. Agora, o demônio na minha cabeça canta canções de amor para o garoto que é proibido para mim, para o garoto ao qual eu destruí a família, e fica de joelhos para o homem implacável e cruel que me vigia do outro lado da rua. Eu estou louca. Eu estou me apaixonando. Eu estou condenada. Sinopse Sumário Aviso 1 Aviso 2 Aviso 3 Playlist Prefácio Carta da autora Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40 Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítulo 46 Capítulo 47 Capítulo 48 Capítulo 49 Capítulo 50 Capítulo 51 Capítulo 52 Capítulo 53 Capítulo 54 Capítulo 55 Capítulo 56 ESTE LIVRO É PROBLEMÁTICO PRA CARALHO. Não leia se você tiver dificuldade de separar história ficcional de realidade. Estamos lidando aqui com um mundo quebrado, com personagens problemáticos, que vivem suas vidas sem regra moral alguma. Não existe alguém para dizer o que é certo e errado, os personagens aqui não estão procurando limites ou serem melhores como pessoas. Este livro é direcionado ao público +18 e para quem gosta de ler sobre gente perturbada, se não é o seu caso, feche-o agora e vá ler outra coisa. Ciente dos avisos passados, se quiser prosseguir daqui é de sua total responsabilidade. G AT I L H O S ESTA HISTÓRIA CONTÉM: Abuso sexual e psicológico, pedofilia, incesto, agressão física, psicológica e verbal, CNC (sexo consensual não consensual) e personagens com distúrbios mentais. Os personagens não usam preservativo em momento nenhum deste livro para a construção de pontos que a autora queria para o enredo. Não era a intenção trabalhar aqui IST’s ou gravidez, mas é sempre bom lembrar que o uso de preservativo é essencial na vida real. Aqui você também encontra uma personagem que fetichiza estupro. Isso é ELA, dela. Não o livro ou o que a autora acredita. Não confunda ficção com realidade e, se for ler, prepare-se para respirar fundo algumas centenas de vezes. Este livro não existe para te fazer melhor, ele existe pra te fazer sentir. Antes de me ofender nas avaliações, pense bem: te dei todos os avisos e não te obriguei a ler. A única responsável aqui foi você. Ouça no Spotify clicando aqui. Quebraram meu coração em pedaços pequenos demais, da forma mais cruel que existe. O que surgiu disso foi este livro. Ele é pra você que tem medo do que vive embaixo da sua cama, mas ama ver como meus monstros brincam dentro da minha cabeça. E para o meu quase-marido, que dorme ao nosso lado. Você nunca silenciará os seus demônios sem antes ouvir o que eles têm a dizer. Ego de escritor é uma merda. Digo isso com propriedade porque este livro é a prova viva desse fato. Ele surgiu em algum momento do ano passado, quando tive uma conversa de madrugada com a Bruna Palazzo e acabei chorando tudo o que vinha acumulando nos últimos nove meses. A sombra dele me rondava de modo absurdo, mas só naquela conversa com a Bruna é que tive coragem de olhar para essa sombra e dizer “é, talvez eu precise encarar você”. (Bruna, muito obrigada mesmo por ter pegado minha mão naquele dia. Nunca vou esquecer. Você não sabe, mas salvou minha vida naquela noite.) Eu sabia a história. Sabia que não tinha nada igual por aqui. Que toda a galera que me odeia de graça ia cair matando se eu escrevesse. E com muito medo, eu não escrevi. Tive medo de ser julgada. Medo de perder leitoras. Medo de acabar com a minha carreira. Porra, escrever é o meu sustento. Antes de qualquer coisa, eu preciso pensar nos números, em como isso impacta na vida da minha família. Como colocar tudo isso em risco? Acreditem, quando essa água bateu na minha bunda, eu tentei desistir. O problema era que, sempre que fechava os olhos, lá estava o dono deste livro, me encarando atrás das grades. O problema era que, toda vez que eu me sentia imprestável, quando me questionei mil e uma vezes sobre o que eu era, a resposta que vinha, a primeira e única era: escritora. Eu sou isso. É intrínseco a minha alma. É visceral. Tá aqui desde antes de eu nascer e, provavelmente, me acompanhe depois que eu morrer. E eu entrei nesse mercado exatamente assim. Montei a Dark Hand com todos os elementos que eu sabia que eram “comerciais” para a época, com a minha forma de contar histórias. Com meus clichês, eu conto coisas que têm peso, com o fundinho que aquece o coração, mas também são do meu jeito. Bad Prince acho que nem preciso explicar, e In Flames – meu olho está enchendo d’água enquanto escrevo isso – foi quem me provou que eu ainda conseguia escrever, mesmo com um bando de gente tentando me derrubar. Ele também me mostrou que muita gente ainda ia me ler, mesmo com todo o hate absurdo que eu levo por aí sem mexer com ninguém. E, de fato, eu nunca precisei. Meu trabalho sempre falou por mim. Meu amor por isso aqui, minha paixão alucinante em precisar mostrar para o mundo o que minha cabeça criou… Só não esperava um trem como UYS passar por cima de mim e eu não poder mantê-lo escondido. Este livro não é bonito. Na verdade, este livro é a tradução de todo o meu último ano em palavras. E eu pensei mil e uma vezes se vocês mereciam, se queriam ou se precisavam ver toda a feiura dele. E talvez vocês não precisassem, nem merecessem algo do tipo. Mas, olhando para ele pronto, não consegui escondê-lo. Não consegui nem mesmo me arrepender de ter escrito. Cheguei à conclusão de que, sinceramente, não me importo se as pessoas não gostarem dele. Eu gostei. Eu me dediquei. Eu coloquei tanta dor nesse filho da puta, eu me entreguei tão de corpo e alma que… não dá para se arrepender disso. Se alguém conseguisse ver meu peito no momento, ele ia ser tão feio quanto este livro. Então, mesmo quebrada, mesmo completamente destruída por motivos que eu nunca vou dar na mão desse mundo literário pronto para acabar comigo, eu estou muito feliz do que eu fiz da minha dor. Eu estou muito orgulhosa de dizer: fiz o que tinha que fazer e fiz com excelência. No fundo, é óbvio que espero que vocês gostem. Mas se vocês não gostarem, tudo bem. O Universo é grande demais para a gente não fazer o que quer/precisa com medo dos outros. Com todo o amor do mundo e muito respeito, Zoe X. 23 de março de 2017 Estava tarde. Menos de três horas que eu havia deixado aquele lugar. Olhei pelo vidro da janela traseira do carro da polícia, com o estômago mastigando a si mesmo e tremi quando um suspiro escapou da minha boca por conta do choro silencioso. O céu estava nublado, tingindo tudo de um azul morto, frio e triste. Tão triste quanto eu estava por dentro. Eu não queria causar aquilo. Não queria destruir sua família, não queria perdê-la, não queria machucá-la, mas querer não é poder quando algo tão nefasto mora dentro de você. O demônio cravou as garras nos meus ombros e eu não pude resistir. Precisava obedecê-lo, precisava satisfazê-lo. E por ser tão fraca, por vontade própria, eu acabei com tudo. Minhas mãos sobre minhas coxas estavam geladas. Eu mal senti quando mais uma lágrima grossa se misturou ao restante da cascata que molhava minhas bochechas, pescoço e o colarinho da camiseta rosa com coelhinhos estampados. A ansiedade do que vinha a seguir me consumia e a cada batida da mão do policial na madeira da porta da casa dos Hunt, foi uma batida do meu coração. Papai pegou uma das minhas mãos e entrelaçou nossos dedos enquanto acariciava meu braço. Eu não o encarei. Não tinha coragem. Sabia que ele estava bravo, que estava se sentindo traído, e se eu não seguisse seu plano até o final, seria pior para mim. Prendi a respiração quando o senhor Hunt apareceu na porta. Christopher Hunt com seu corpo grande e forte, sob a luz azulada da rua, parecia um mocinho de filme de terror. Tive pena dele naquele minuto, porque, graças a mim, ele viveria um pesadelo dia após dia. Mordi com força a bochecha por dentro da boca. O gosto de sangue preencheu minha língua, mas tudo o que eu fiz foi respirar fundo e me manter encarando aquela cena. Foi como se o mundo operasse no mudo. A tempestade acima das nossas cabeças estava prestes a cair. A luz amarela de dentro da casa dos Hunt parecia ser o único ponto de calor no mundo, mas nem ela foi capaz de aquecer o coração daquela família escondida no fundo do corredor. Amália Hunt segurava Aidan e Adria junto de si. Em desespero, ela encarava o marido, o policial e o carro onde eu estava como se o que era dito não fizesse sentido. Adria olhava apenas para o pai, tentando fugir da mãe enquanto os policiais o encaminhavam para o outro carro. Mas foi Aidan, o irmão mais velho da minha melhor amiga, que me assustou. Ele não tirava os olhos dos meus. Não havia nada no seu rosto. Não havia raiva, tristeza ou questionamento. Não havia nada lá. E eu tinha certeza de que, no dia que tivesse algo, eu não queria estar perto para descobrir o que era. seis anos depois Adultos não sabem o que estão fazendo da vida. Eles só estão lá existindo, tentando tomar decisões que façam as pessoas em volta acreditarem que eles têm controle de tudo, que estão seguros com as decisões que tomam, das mais simples às mais arriscadas. Adultos vivem um eterno jogo de cobrir a cabeça e descobrir os pés. Eles só não admitem isso para o resto do mundo. Como eu não fazia naquele momento. Quem me visse sentada na primeira poltrona do ônibus que partiu daquela manhã da Virgínia, com meu moletom verde-água e fones de ouvido brancos, olhando pela janela o efeito do outono que começava a se debruçar pelas árvores que ladeavam a estrada, jamais imaginaria que tudo o que eu queria era me encolher, me esconder, ou só sumir. Queria ser a porra da mosca invisível na parede. Queria conseguir fazer meu coração bater mais devagar, ou ter controle sobre o tremor no meu peito, ou na ansiedade que me fazia bater os dentes a cada pedaço de faixa pintada na estrada. Era minha forma anormal de distrair a mente. Era minha tentativa falha de acreditar que voltar para Detroit, depois de tudo, era uma boa ideia. — O passado ficou para trás — insisti naquela mentira. — Afrodite Grayson não existe mais. Agora eu era Harper Wilde. Era a estudante de psicologia que havia conseguido uma bolsa na melhor faculdade de Detroit, órfã, esforçada e esperançosa. Nada parecida com Afrodite Grayson. Quis rir quando a voz do ser que eu fingia não coexistir dentro de mim gargalhou. Era uma risada alta, fria, maléfica. Tem certeza de que ainda não é a doce Afrodite? Tem certeza de que não está indo embora da porra da cidade só porque vão descobrir seu segredo sujo? — a provocação daquele demônio me fez estremecer. Neguei com a cabeça. Tsc. Tsc. Tsc — ele parecia lamentar. — Acha mesmo que ir para a cidade onde tudo aconteceu como uma pessoa nova vai ajudar você a superar? A se curar? — O riso na voz daquela podridão agarrada ao meu ser me enojou. Ele deu mais uma risada alta, zombando de mim. Você é doente, Afrodite. Você é suja. Você nunca vai se livrar disso. — CALA A BOCA! — gritei, com o coração acelerado, me desencostando do banco e a voz sumiu. Em compensação, todos os olhares em volta focaram em mim. Um grande adeus ao plano de ser invisível. — Está tudo bem, querida? — a senhora ao meu lado perguntou, parecendo um pouco assustada. Engoli em seco a vergonha. Pousei a mão no peito e respirei fundo, tirando os fones de ouvido, tentando esconder o rosto do resto das pessoas. — Eu… — Minha voz era um murmúrio. — Foi só um pesadelo. Me desculpe — pedi, já me encostando de novo contra a janela do ônibus, me cobrindo e escondendo o rosto, fingindo que voltava a dormir. O demônio estava errado. Eu não voltava por libertação. Eu voltava porque, depois de tanto tempo, entendia que não adiantava fugir. Ele tinha razão. Eu era doente, e suja, e podre. E se eu era tudo isso, não importava a quantos quilômetros eu estivesse, nem qual era o nome no meu novo documento. Nada mudaria o fato de que eu era filha do meu pai. Que eu era o que era, e fazia o que fazia. Depois de tentar dormir por meia hora e não conseguir, abri o bolsinho de fora da bolsa e coloquei um dos calmantes sob a língua. Ainda faltavam seis horas de viagem, e eu não queria fazer o caminho de volta para casa consciente. Eu só queria chegar. E, quem sabe, sobreviver. Estava quase anoitecendo quando conferi o número do apartamento na última mensagem trocada. Segurando minha mala junto ao corpo, apertei com força o número sessenta e quatro e me abracei, olhando em volta. A vizinhança não era a mais limpa, ou a mais segura, mas por algum motivo esquisito da minha cabeça quebrada, aquilo não me assustava. Muito pelo contrário. O arrepio que correu pela minha coluna quando vi ao longe sombras escuras se movimentando tinha uma centena de motivos, mas medo não era um deles. — Quem é? — A pergunta feita pela voz do porteiro eletrônico me trouxe de volta. — Ah, olá. Sou Harper, aluguei um quarto… — Eu nem terminei minha pequena apresentação. — Caramba, tinha me esquecido de você! — a voz feminina gritou alarmada do outro lado. — Espere um pouco, já estou descendo. Ouvi a batida seca do interfone na base e suspirei aliviada. Meu quarto novo não era uma pegadinha do craigslist. Encarei a fachada do prédio, achando a parede cinza e a porta pesada de ferro escuro e vidro texturizado condizentes com o lugar. Era o que eu aguentava pagar, e melhor, era longe da parte da cidade onde eu havia crescido. Ali, com toda a certeza, eu estaria bem longe de todos que um dia conheceram a antiga eu. Ajeitei minha postura quando notei que alguém se aproximava vindo lá de dentro, e segurei o fôlego, ouvindo o trinco barulhento quando a pessoa girou a chave. A porta se abriu num solavanco seco, a garota de cabelos tingidos de vermelhos e olhos grandes sorriu para mim, exibindo os dentes da frente mais proeminentes. — Harper? — Nem deu tempo de confirmar. — Olá, eu sou a Amanda. — Olá. — Ergui a mão, num aceno fraco, enquanto ela me revistava com os olhos. — Você só trouxe isso? Confirmei com a cabeça. — Ah… — Dando um suspiro, ela colocou a cabeça para fora e olhou para os dois lados. — Faz o seguinte, entra, vai subindo. A porta está aberta e o Mark está na sala. Eu só vou pegar uma coisinha ali e já volto. E pulando para a rua, me deixando sozinha em frente à porta aberta, ela saiu olhando para os lados, como se não quisesse ser observada. Arregalei um pouco os olhos enquanto negava aquela pequena apresentação caótica e segui para dentro, tendo a porta sendo batida nas minhas costas com violência, fazendo aquele som ecoar escadas acima. Encarei a escadaria que me aguardava. O chão de cimento, o cheiro de umidade, o corrimão de ferro retorcido pintado de preto. Não era convidativo, mas não tinha outra opção. Ajeitei a mochila nas costas, ergui minha mala do chão e, pensando que eram seis andares para cima, comecei minha saga. Chegar ao quarto andar colocando os pulmões para fora me fez perceber o quanto não era uma desvantagem a vida caber em uma mala de vinte e três quilos e uma mochila grande. Parei, suada, olhando para baixo e para cima, pensando que se tivesse mais alguma coisa lá embaixo para buscar, talvez eu, cansada da viagem e louca por um banho, não teria capacidade de reclamar, caso fosse roubada. Quando minha respiração voltou a ficar minimamente controlada, tirei a blusa de moletom, enrolei-a na cintura, e continuei escada acima sob luzes amareladas, corredores silenciosos e um pequeno arrependimento de não escolher um prédio com elevador. Foi pensando nisso que encontrei a porta do sessenta e quatro entreaberta, e um pouco aliviada, a empurrei com cuidado. A primeira coisa a me atingir foi o cheiro enjoativo da maconha, depois a luz vinda da tv sem som, e enxerguei um garoto de cabelos desgrenhados e barba por fazer, com uma lata de cerveja na mão e um baseado apagado na outra. — Amanda, você demorou… — ele disse quando viu a porta abrir, mas parou um pouco confuso quando me encarou. — Você não é a Amanda. — Não. — Neguei com a cabeça. — Meu nome é Harper — contei aquela mentira por tanto tempo que ela era automática. — Aluguei o quarto dos fundos. — Meu tom dócil o tirou da defensiva. — Ah, é mesmo, ela falou que você ia subir… Bom — ele olhou em volta —, é por ali, você precisa de ajuda? Olhei pelo caminho que ele indicou com a mão. — Não se preocupe, acho que consigo me virar. — Passei pelo portal e, ignorando a vibe meio suja do lugar, segui pelo corredor. No trajeto, enxerguei a cozinha, pensando que eu gastaria algumas horas ali colocando as coisas no lugar, já que eu gostaria de comer em um local limpo, e o banheiro que seria dividido, anotando mentalmente que eu precisava comprar alguns litros de clorox no dia seguinte e carregá-los escada acima. Depois daquela visão, o banho do dia estava cancelado. Eu só rezava que a porta do fundo do corredor fosse acolhedora o bastante para mim, e quando eu a abri, a expectativa foi atendida com louvor. A janela estava aberta, ar frio e corrente vinha dela. O cheiro ali dentro era um pouco menos denso que no resto da casa, e eu fechei a porta às minhas costas para que o fedor da erva ficasse do lado de fora mesmo. O colchão parecia novo, o armário recém-pintado, e as paredes também. Havia uma escrivaninha em um canto, um papelzinho com a senha do wi-fi nela. É aqui — pensei. Os trezentos e vinte dólares que eu pagaria pelo aluguel do quarto incluíam água e wi-fi. A luz seria dividida, e a alimentação era cada um por si. Com isso definido, não me senti culpada por não querer conversar com meus colegas de apartamento naquela hora. Tudo o que consegui dar conta de fazer foi procurar meu lençol na mala, forrar o novo travesseiro que me esperava e, depois de deixar só uma brecha da janela aberta, apaguei a luz, deitei na cama e apaguei. Amanhã era outro dia. Hoje, naquele minuto, eu só precisava descansar. Acordei cedo no dia seguinte. Tranquei meu quarto, dei uma olhada no que faltava na geladeira, e depois de escovar os dentes e analisar a situação caótica do banheiro um pouco melhor e ver que não era assustador como eu imaginava, ainda que precisasse de uma limpeza pesada, caí na rua com a mochila vazia nas costas para trazer as compras de volta. Em duas horas na rua, conheci o quarteirão em volta do apartamento e consegui o que precisava. Quando voltei para minha nova casa, enquanto tirava o que havia comprado da mala, Amanda levantou. Surgindo no corredor com uma camiseta de banda de rock maior que seu corpo, as unhas dos pés pintadas de preto estavam descascadas como as da mão, e ela parecia ter passado por uma noite difícil. — Bom dia, vizinha. — Dando um meio-sorriso, ela abriu a geladeira, pegou um frasco de iogurte e o abriu, levando direto para a boca, vindo sentar na bancada de madeira clara. — Já foi fazer compras hoje? — É… — respondi, observando um pouco desconfortável enquanto ela fuçava no que eu havia trazido. — Hm, você cozinha? — Ela largou o pacote de macarrão de lado, desinteressada. — Eu gosto, você não? Amanda negou com a cabeça. — Acabo comendo na faculdade, ou comprando algo no meio do caminho. Minha parte da geladeira só tem comida de café da manhã e coisa congelada. — Dando de ombros, Amanda virou um pouco mais de iogurte na boca. — Ei — ela disse um pouco mais alto, me fazendo parar no trajeto para a geladeira —, você também vai estudar na Detroit Mercy? Dei um suspiro, e junto de um meio-sorriso, confirmei com a cabeça. — Vou. — Que ótimo! Você já conhece o lugar? — Não — neguei, abrindo a geladeira e liberando uma prateleira dela para mim. — O plano é ir lá hoje, no período da tarde, resolver sobre matrícula e aulas. Depois vou procurar emprego em algum lugar no caminho entre o campus e o apartamento. — Você procura algo específico? Tem experiência com algo? — Trabalhei como garçonete e também fiz limpeza por um tempo, mas acho que aqui a rotina de servir mesas é melhor do que a de passar um dia inteiro esfregando privadas — respondi, finalmente conseguindo colocar minhas coisas na geladeira. Eu me ergui, batendo uma mão na outra, e encarei Amanda sentada no banquinho alto, apoiada no balcão, olhando através de mim, como se pensar fosse um esforço muito grande para seu cérebro naquele momento. — É, tem umas três cafeterias no caminho, e um restaurante bem grande perto do campus. Acho que essas são suas melhores apostas. Eu só ia te dizer para tomar cuidado com o horário que vai sair deles, a cidade não é a mais segura da América, e nosso bairro não é referência em segurança. Uma menina como você… Virei rápido demais para ela. — O que tem uma menina como eu? Ela sorriu um pouco maldosa e se esticou para pegar um maço de cigarros fechado no cantinho do balcão. — Seu rosto grita que você é inocente, que é de fora. — Mal sabia ela. — Eu vou me cuidar — insisti no tom firme e olhei em volta, procurando uma saída. — Você se importa se eu der um jeito nesta cozinha? — Nenhum. — Negando com a cabeça, Amanda deu a primeira tragada. — Acho que, se você conseguir colocar esta casa em ordem, o mínimo que posso fazer é te convidar para a festa de início de semestre. — Festa? Eu não sou muito disso… Amanda revirou os olhos com força. — Ah, não me venha com essa caretice. Quantas vezes na vida você vai ter… Quantos anos você tem mesmo? — Dezenove. — Então, quantas vezes na vida você vai ter dezenove anos? — Uma? — Não era óbvio? — Por isso mesmo, sexta, às dezenove, você vai estar pronta me esperando na sala. Ok? E sem me dar chance de responder que não, ela se levantou, espreguiçou, e saiu na direção de seu quarto. Respirei fundo e encarei a bagunça em volta. Em uma semana, eu arranjaria uma boa desculpa para não ir àquela merda de festa, ou simplesmente sumiria sem deixar rastro. Eu era boa naquilo. E não pensando tanto no futuro, comecei a colocar a louça suja no lava-louças, me preparando para encarar o fogão. Duas da tarde. Conferi o celular três vezes enquanto esperava a mulher da recepção ter boa vontade e me levantar para me atender. Dei um suspiro pesado, olhei em volta, e bati de leve o celular na bancada, chamando a atenção dela. Dava para ler Mary na placa em seu peito. Mary devia ter perto de sessenta anos, e digitava em um computador antigo como se caçasse milho no teclado. Quando notou minha impaciência, respirou fundo, tirou os óculos presos em cordinhas cheias de miçanga em volta do pescoço e me perguntou com a voz mais imperativa que podia: — Algum problema, mocinha? — Eu, ah, é… — Nervosa por ter a mulher me encarando daquele jeito como se eu estivesse errada em estar ali, respirei fundo, na tentativa de me acalmar e recomecei: — Eu consegui uma bolsa, vim de outro Estado e preciso ver se minha matrícula está ok e pegar o horário das aulas… — Espere. — Ela deu uma última olhada no computador e então perguntou: — Qual o seu nome? — Harper. Harper Wilde — reforcei. — Hm… — Ela levou alguns minutos com a cara fechada e meneou com a cabeça algumas vezes. — Achei. — Arrastando a cadeira, Mary pegou dois papéis plastificados e veio até mim. — Aqui estão as aulas disponíveis, monte sua grade de acordo com o que precisa para o semestre e anote aqui. — Pousando um bloco de papel em cima do balcão, ela se afastou. Obedeci, o mais rápido que podia, observando que minha rotina seria uma bagunça completa. Havia dias em que minhas aulas seriam metade pela manhã e metade de tarde, outros em que seria só à tarde, e outros que só de manhã. Achei aquilo um tormento, mas não discuti. Fiz uma cópia do que havia decidido em outro papel e ergui a cabeça, procurando por Mary, sinalizando que havia terminado minha obrigação. Sem nenhuma simpatia, ela pegou minha agenda, levou ao computador e avisou: — Você receberá um e-mail amanhã confirmando seus horários. Qualquer mudança será avisada assim também, então fique de olho. — Ok… preciso fazer mais alguma coisa? — Não. Pode ir embora. — O tom entediado dela não me dava vontade alguma de ficar. — Certo, obrigada. — Dando meia-volta, atravessei para o corredor de piso quadriculado em preto e branco, com paredes revestidas em madeira, pensando que meus próximos dias seriam de esforço para mudar tudo, mudar minha vida, a mim, a minha cabeça fodida. E o próximo passo era encontrar um emprego. Atravessei a cidade universitária, me esquivei do máximo de pessoas, e conforme o nervosismo começava a me abraçar, agarrei o relicário que carregava no pescoço e brinquei com ele, arrastandoo contra a corrente de um lado para o outro. Fiz aquilo até entrar no restaurante, e sem ter muito por onde fugir, fui direto para o balcão. A garota no caixa tinha unhas pintadas de rosa, o cabelo bem curtinho e muitas sardas no rosto. — Olá, querida. O que posso fazer por você hoje? — Ela me ofereceu um sorriso enorme, o que não me deixou mais calma. — Eu vim saber se vocês têm alguma vaga de emprego — falei baixinho, mas a voz atrás de mim era forte e alta, e me pegando de surpresa, girei rápido demais para encarar o senhor que contava dinheiro na mesa. — E você tem alguma experiência? Sustentando um olhar mais duro sob as sobrancelhas grossas e escuras, eu chutava que aquele homem tinha perto de cinquenta anos. Os braços e pernas eram finos comparados com o tronco. E a barriguinha redonda contra a mesa me fez pensar que ele era do tipo que mandava e não fazia nada. Engoli em seco o medo de levar um não na cara e tentei não gaguejar. — Tenho. — Confirmei com a cabeça. — Trabalhei servindo mesas por três anos, tenho referências e tudo o que o senhor precisar. — Pegue leve com a menina, Phill — a menina atrás de mim falou alto. — Jullie acabou de pedir as contas, você precisa de alguém que faça os turnos loucos dela, não seja idiota. — Mille, se meta no seu trabalho. — O tom de implicância deles parecia mais íntimo. — Sente aqui, menina. — Ele indicou o lugar à sua frente para mim. — Me fale sobre você. Obedecendo, cobri as mãos com a manga da blusa e apoiei os cotovelos sobre a mesa. — Me chamo Harper Wilde, tenho dezenove anos, e começo a faculdade na semana que vem. Vim da Virgínia, tenho boas referências lá e posso te dar o telefone dos meus antigos chefes. — Quais seus horários livres? — Ele separou mais um bolinho de dinheiro, me encarando vez ou outra. — Aqui… — Tirei do bolso a cópia do que tinha de matérias e mostrei para Phill. — Acho que não vai ter nenhuma mudança, mas é isso. — Meu tom era baixo, dócil, submisso. — Hm… — Analisando o papel, ele começou a fazer contas internas, vendo como me encaixaria. — Tenho uma vaga que pode te servir. O salário de experiência é menor. Pago o mínimo por hora nos seus primeiros quinze dias, se você ficar, dependendo do turno, conversamos sobre o aumento. As meninas aqui sabem fazer as coisas acontecerem para ganhar gorjetas, se você é boa nisso, vai pegar o jeito logo. Cuide da sua aparência, use o uniforme e se mantenha sempre com o sorriso no rosto, isso vai ajudar. Você é bonita, cliente querendo agradar não vai faltar. — Ele mal me olhava. — Vai aceitar? Demorou um longo segundo para eu entender que ele me oferecia a vaga. Parecia um golpe de sorte. Respirei fundo, juntei as mãos entre as coxas, e um pouco mais feliz, fiz que sim com a cabeça. — Quando posso começar? — Volte aqui amanhã cedo, às sete… — E, de repente, ele gritou: — Mille, apresente a novata para o pessoal da cozinha. A garota de cabelos curtos veio sorrindo, tocando no meu ombro enquanto eu me levantava ao entender que a conversa com o chefe tinha acabado. — Vamos lá, bem-vinda à casa — Mille soprou cantando no meu ouvido e me direcionou para dentro do balcão. Estou em casa. Foi esse pensamento que me atingiu, claro, sem meiaspalavras, como um soco no estômago. Está mesmo? — A resposta veio do intruso vivendo dentro da minha mente. — Não é sobre a casa — me justifiquei, mesmo sabendo que ele não merecia. — É sobre a cidade. E eu sabia que aquele sentimento tinha tomado conta de mim depois da chuva forte começar de madrugada. O tempo no Michigan era sempre inclinado para o frio e, graças aos deuses, a umidade nunca era baixa, mesmo quando o inverno tomava conta, ou o calor do verão vinha para castigar. Eu sentia falta daquilo, daquela sensação diferente no ar, que enchia os pulmões de algo que em nenhum outro canto que pisei conseguiu me dar. Você sente falta da cidade porque sabe que aqui é fácil de caçar, sua putinha safada. Está se iludindo como uma adolescente sonhadora por quê? Engoli em seco, me livrando das cobertas e encarando o teto. — Odeio você — falei baixo, sentindo a garganta arranhar. Ah, aí está uma verdade. Você me odeia, odeia muito, até porque, eu sou você. — E ele gargalhou, não me dando opção a não ser levantar, já que se eu ficasse mais tempo na cama, corria o risco de acabar concordando com o demônio que vivia dentro da minha cabeça. Entrei no chuveiro antes das seis e meia. Saí perto das sete. Merecia um banho longo. Precisava de um banho longo. Sem muita alternativa, liguei o secador no meu quarto de porta fechada, e enquanto alinhava os cachos loiros que desciam até o meio da cintura, ouvi o abrir e fechar de portas do lado de fora. Eu tinha acordado a casa toda? Merda. Ótima primeira semana, querida… — A voz diabólica soou na minha mente fazendo aquela velha sensação de sempre ser um incômodo ressurgir em meus ombros como uma velha conhecida. Era tudo o que eu não precisava naquele recomeço. Minha desculpa e desejo de boas-vindas foi traduzida em uma pilha de panquecas e café fresco que deixei depois de tomar minha parte. Quando desci as milhares de escadas do prédio cinzento e triste para cair na rua, sabia que meus companheiros de casa estavam agradecendo por eu ter aparecido e não me odiando por acordá-los por precisar secar o cabelo. Assim que abri a porta para a rua, a rajada de vento bagunçou meus cabelos e abaixou meu capuz azul-acinzentado. A brisa com cheiro de chuva e fumaça queimou meu nariz e, olhando em volta, vi que estava certa. Fossem pelos meus motivos, fossem pelos motivos dele, eu estava em casa. O vestido vermelho de gola alta e decote em V agarrava minha cintura e me incomodava um pouco nas coxas. Se eu não tomasse cuidado ao abaixar, poderia mostrar mais do que gostaria. O avental quadriculado em amarelo e branco era um pouco ridículo e eu fui obrigada a prender meu cabelo em um rabo de cavalo alto. — Adorei seus brincos — Rose, a garota que dividiria o turno comigo pelo que vi anotado no quadro do vestiário, disse para chamar minha atenção. — Eles vão amar. — Ela indicou o lado de fora da porta enquanto forçava o pé para dentro de botas de couro vermelho. — Obrigada… — falei baixo, parando em frente ao espelho na parede, fingindo retocar meu batom para observá-la melhor. Sua maquiagem era muito pesada para o horário da manhã, e a forma como ela se comportava, os sinais que seu corpo emitia… havia algum segredo muito mal escondido ali, mas quem era eu para julgar? Exatamente, sua depravada de merda. Quem é você para pensar mal de sua nova colega? Pelo menos, ela deve cobrar para fazer o que faz, já você? — A risada que ele deu arrepiou meus braços, meu ventre, minha alma. Engoli em seco, já que ele tinha razão, eu era pior, muito pior que Rose, e me virei na direção dela, ajeitando o vestido. — Acha que estou bem? — Encarei meus sapatos, os tênis brancos pareciam inocentes demais perto das botas de couro de Rose. — Está ótima. Parece que você acabou de sair de um comercial de alvejante, com esses dentes brancos e batom vermelho. Se essa sua vibe garota do campo inocente der certo e suas gorjetas forem maiores que as minhas, amanhã vou matar você e me vestir com sua pele. Ela riu. Eu abri um sorriso sem dentes. Aquele poderia ganhar a lista de top 5 elogios mais estranhos que eu já havia recebido. Passei pela cozinha dando bom dia ao pessoal, notei a cara de alívio da menina do turno anterior quando me viu chegando para rendê-la e, depois de ela me explicar o que cada mesa tinha pedido e o que faltava, me beijou ambos os lados do rosto como se eu fosse uma velha amiga e foi para o vestiário. Conhecendo bem a rotina de um restaurante cheio, olhei primeiro para as mesas com clientes de prato vazio e passei em cada uma delas, me apresentando com o bloco de anotações na mão. Conferi se cada cliente da minha estação estava satisfeito, trouxe os pratos que o pessoal do balcão gritou ser da minha área, limpei as mesas vazias e enchi os copos de café até a jarra estar vazia e eu precisar colocar mais para passar. Era uma dança a qual eu sabia dançar. Era confortável estar no papel que eu sabia desempenhar bem. E eu o fiz até que ele entrou. Eu soube que era ele, porque além de ele olhar tempo demais para mim antes de escolher o lugar onde sentar, o diabo dentro de mim riu. Era o riso mais alegre e doloroso que ele podia dar. E daquela vez, quando fui pegar o cardápio para levar até ele, minhas mãos tremeram. Controle-se — exigi de mim, mas o que fiz foi tropeçar nos próprios pés chegando bem à mesa dele. Todos pararam o que faziam. — Ei, menina, você está bem? — A mão áspera e forte pegou em meu braço e eu senti todo o corpo gelar. — Eu… droga. — Fechei os olhos, envergonhada, me colocando de pé e alisando minhas roupas. — Estou. Desculpa. — Respirei fundo, evitando olhar em seus olhos, evitando ver seu rosto, e olhando para o meu bloquinho como se fosse o único ponto para encarar, já que o cliente tinha o menu nas mãos, perguntei, gaguejando um pouco: — O-o que o senhor vai querer hoje? — Saiu baixa, sussurrada, a minha pergunta e me senti encolher ainda mais quando ele ergueu o rosto para mim. Seus olhos não estavam procurando a garçonete. Aquele homem estava pouco se fodendo se eu o serviria uma xícara de café ou um balde de merda. Seus olhos estavam nas minhas coxas, nos meus quadris, na minha cintura, nos meus seios grandes e pesados. No meu rosto de olhos claros, nariz pontudinho, nas bochechas coradas e nos lábios cheios pintados de batom vermelho. Eu o vi lamber os lábios pela visão periférica. Tudo em mim aqueceu. — Para começar, quero café e… pode me dizer o que é isso? Precisei afastar o bloco de anotação do rosto e vê-lo. O homem à minha frente tinha por volta de trinta e cinco anos, cabelos castanhos, barba por fazer, nariz largo e olhos escuros profundos, com olheiras leves embaixo deles. Não era o tipo de homem que pararia o trânsito. Não era feio. Com sua camisa xadrez e cheiro de madeira, provavelmente trabalhava com carpintaria, e com a aliança grossa em seu dedo na mão que apontava algo no menu, eu chutava que ele tinha três filhos que nunca sonhariam que o pai estava prestes a fazer o que faria comigo. Engoli em seco quando percebi o que precisaria fazer, e o fiz. Aproximei-me um pouco mais dele e curvando o corpo ao seu lado, sentindo seu braço parado na mesa roçando no meu seio, li a opção onde o dedo dele ficava ao lado. — Isso é nosso combinado mais pedido da casa. — Me afastei, encolhendo os braços, me escondendo de novo atrás do bloquinho. — São torradas, ovos, bacon e um bolinho de canela. — Certo, então vou querer um desses. Qual o seu nome? — O modo como ele perguntou e me encarou me fez engolir seco antes de encará-lo. — Harper — soprei meu nome, ansiosa e excitada por dizê-lo. — Harper — ele repetiu. — Nome bonito. — Sorrindo para mim, me senti na obrigação de devolver o sorriso. — Em um minuto, já volto com seu café. Quando dei as costas a ele, senti seus olhos queimando em minha nuca, em meu traseiro. É ele. Definitivamente, é ele. — O diabo bateu no meu ombro, parecendo empolgado. Queria repreendê-lo. Queria mandá-lo embora, mas a verdade era que estava começando a ficar tão ansiosa quanto ele. Três dias de emprego novo. Três dias ganhando uma quantidade estúpida de gorjeta enquanto sorrio gentilmente para os clientes que se sentam na minha estação. Três dias em que uma onda de pequenos choques acompanha lugares muito particulares do meu corpo a cada vez que o homem que descobri se chamar Roy aparece para comer. Mais cedo, eu o vi entrar em uma caminhonete escura do outro lado da rua, e agora que saía do trabalho, ao colocar os pés na rua em uma noite pouco movimentada, com vento de chuva varrendo as calçadas, vi a caminhonete estacionada no mesmo lugar. Não havia ninguém dentro dela, e se o motorista não estava no restaurante, ele só podia estar me seguindo. Que fácil! — o demônio na minha mente comemorou. — Solte os cabelos. — Era o conselho mais amoroso que ele podia dar. Sempre era assim quando ele estava prestes a ganhar algo. Eu obedeci, e um pouco atrapalhada, conferindo meus bolsos para não perder a chave do apartamento, caso algo acontecesse, virei a esquina e esperei. Sabia jogar aquele jogo, mas nunca ficava menos interessante. Nunca ficava menos excitante. Na verdade, toda vez era como a primeira, e sempre que a possibilidade de ter o que eu precisava aparecia, era como se fogos de artifício fossem acesos dentro do meu estômago. Nunca borboletas. Só fogo, luzes. Bonito, efêmero, dolorido. Meus passos eram lentos, me fingi de distraída, mas só o fiz porque precisava ter certeza de que Roy continuava atrás de mim. A confirmação veio quando passei em uma fachada espelhada e vi que lá do outro lado da rua, em um casaco pesado, boné e uma tentativa horrenda de ser discreto falando ao telefone e tapar o rosto, ele me acompanhava. Meu coração acelerou. A sensação de alerta, de perigo, fez meu sangue pulsar. Ele vem aí… — a voz diabólica cantou nos meus ouvidos. Acelerei um pouco o passo. Não é porque gostava que não me assustava. A diferença, no final das contas, era que eu gostava do que sentia, gostava do que a caminhada enérgica provocava quando minhas coxas grossas roçavam uma na outra. Porra, se eu continuasse daquela forma, era capaz de ter um orgasmo só por causa daquela fricção antes de chegar ao próximo quarteirão. Tentei controlar minha respiração, inspirando pelo nariz e expirando pela boca. Aquilo não melhorou a sensação no meu estômago, na minha pele, nos meus braços e pernas. Era como se houvesse uma placa de gelo se formando entre a pele e a carne. E a carne começava a ferver. Meu Deus, eu posso quase sentir o gosto… — As imagens que invadiram minha mente vieram acompanhadas de riso. — Estamos famintos, Afrodite. Estamos sedentos por amor, amor bruto, doentio e sujo — a voz melodiosa continuou. — Como acha que ele fará? Aposto que ele não vai olhar em seu rosto, que vai te enfiar contra a parede e te foder por trás. Será medo de você vê-lo e não poder mais servir café roçando os peitos em seu ombro? Mordi meu lábio com força, quase ansiosa demais, me segurando para não olhar para trás, tentando conferir se ele ainda estava lá em qualquer brecha de reflexo que encontrava. A verdade era que eu, depois de ter o que precisava, nunca me lembrava deles. Ele estava preocupado que eu visse seu rosto? Foda-se seu rosto, depois de tudo, ele não passaria de um borrão. Uma alma errante. Um desgraçado que encontrou alguém pior que ele no meio do caminho. Meu coração batia forte. Havia suor se acumulando na minha testa, mesmo com a ventania castigando, anunciando a chuva que viria naquela noite. E eu, propositalmente, diminuí meu passo ao passar em todo beco escuro, desesperada para que Roy tomasse uma atitude logo. Ele é devagar. Será que já fez isso antes? Acho que teremos que ensiná-lo. Mais dois quarteirões e estaremos em casa. Você não quer chegar cedo em casa hoje, não é mesmo? Não, eu não queria. Então pare no próximo beco. Derrube o celular no chão, fale sozinha em voz alta, fique parada fingindo que algo está errado. Ele vai pegá-la pelo cabelo e tapar sua boca. Finja se esforçar muito para fugir, não deixe ele saber que você gosta… Balancei a cabeça, calando aquela maldita voz. Eu não precisava de instruções, eu sabia exatamente o que precisava fazer, e quando cheguei ao primeiro beco escuro, bem em frente, deixei meu celular cair. Meu coração martelou nas orelhas. Meu corpo era uma divisão de gelo e fogo alucinante. Eu podia sentir o ar em volta, mesmo com todo aquele vento, mesmo com a cidade vibrando, e sabia que ele estava vindo. Fingi estar chateada, xingando o celular enquanto sabia que embaixo de mim, se eu não estivesse usando calcinha, haveria uma poça, tamanha minha excitação. Eu torcia para que ele viesse. Eu precisava desesperadamente que ele viesse. E no segundo em que o senti trocando de calçada, pronto para chegar até mim, ouvi a voz feminina de Amanda da esquina em frente. — EI, HARPER? Porra, Harper, o que você tá fazendo parada aí… — O que Amanda disse se tornou um borrão nos meus ouvidos. Roy passou por mim, me ignorando completamente. Comecei a tremer. Minha mão foi involuntariamente para o colar no meu pescoço e meus olhos se encheram d’água. Eu tinha raiva de Amanda naquele minuto. Um ódio tão preciso e denso que, se não houvesse o mínimo controle, eu teria ido até ela e socado sua cara. Mas não. Não fui. Não fiz. Eu respirei fundo, coloquei o celular no bolso e passei a mão pelo rosto, limpando as lágrimas discretamente. — Meu celular caiu no chão. — Recuperei minha voz e andei na direção dela. — Parei para conferir se estava tudo bem. — É, mas não é legal ficar por aqui assim. Não é seguro, ainda mais para você que não é daqui… — Mal sabia ela. — Certo… E enquanto ela contava suas aventuras pelo bairro perigoso, lidei com o demônio em minha cabeça gritando e se debatendo dentro de mim enquanto fingia ser a garota calma, doce e perfeita que tanto gostavam. O gosto amargo na minha língua desceu pela minha garganta conforme subia os degraus ao lado de Amanda. O demônio dentro da minha cabeça mostrava cenas do que queria fazer com ela. Ora sua cabeça era estourada contra a parede. Ora eu me via jogando seu corpo miúdo pelo guarda-corpo da escada, assistindo-a cair lá embaixo, ouvindo seu grito ecoar pelas escadas. Aquela não era eu. Eu não faria isso. Mas se deixasse que ele tomasse conta… não podia garantir nada. Respirei fundo, mordi a ponta da língua e tentei voltar à realidade. Minha mão ainda estava no antigo relicário, passando-o de um lado para o outro na corrente presa ao meu pescoço. — Harper? Harper, você ouviu alguma coisa do que eu disse? — Ela parecia um pouco irritada, mas seu sorriso amarelo me dizia que Amanda se esforçaria para ser gentil comigo. — O quê? Ah, me desculpe. — Pousei uma das mãos na testa em frente à porta do nosso apartamento e enquanto ela a abria, respirei fundo. — Acho que estou cansada demais. — Seu turno foi muito difícil? Trabalhar nessas escalas malucas não deve ser fácil. — Eu até gosto, já me acostumei, mas o ritmo é diferente. Eu morava em uma cidade menor, aqui é o tempo todo barulhento, gente de todo lado, é um pouco assustador… — Minha voz dócil de garota do interior deslumbrada a ganhou. — Bom — ela fechou a porta assim que passei e foi seguindo para a cozinha, eu a acompanhei —, estava te falando sobre como o bairro é perigoso. A garota do quarto andar tomou uma facada e precisou ficar internada um tempo, em uma tentativa de estupro, então, por favor, tenha cuidado. — Eu terei. — Meu tom de voz firme a fez acreditar nisso. — Não é bizarro que a gente fique mais feliz por ela ter tomado uma facada do que ter sido violada? Meu Deus, eu realmente me pergunto em que mundo a gente vai parar… — Interrompendo seu pensamento, ela abriu seu suco de laranja e virou no gargalo em frente à geladeira aberta. Eu me aninhei com os cotovelos apoiados no balcão, observando-a. — É uma merda que ela tenha passado por isso, nós estamos vulneráveis o tempo todo… — Por que acha que esses depravados fazem isso? Só por sexo? Não pode ser. Se fosse, uma prostituta poderia resolver, ou as esposas, porque eu tenho certeza de que parte desses monstros são casados. Muito bem-casados, às vezes, nós sabemos, não é mesmo, Afrodite? Ignorei aquela voz. — Sinceramente? Eu nunca vou conseguir entender a fundo. — Não era mentira. — Mas acho que é pelo poder. Li alguma coisa no jornal que um homem foi forçado à castração química, mas continuou violando mulheres com cabos de vassoura e qualquer outra coisa que pudesse ser introduzida, bem, você sabe onde… — Porcos nojentos — Amanda xingou. — Imundos — reforcei, não discordando dela. Era imoral, nojento, sujo. Era o pior ato que um ser podia cometer com outro. Mas era a única coisa capaz de me colocar em um estado no qual eu era viciada. Era a única coisa que fazia o demônio na minha cabeça calar a boca por um tempo. Era a única coisa que o saciava o suficiente por algumas semanas, ou dias, e então ele voltava querendo mais. — Você veio a pé do trabalho hoje? — Amanda perguntou, se curvando para fuçar o fundo da geladeira, procurando seu jantar. — Vim, sim. — Não justifiquei o motivo. — São muitas quadras, está tentando perder peso ou algo do tipo? — O olhar recriminador dela caiu sobre mim por meio segundo. — Se for, pelo amor de Deus, seu corpo é lindo. Eu daria tudo pelas suas curvas e… — Não, nada de problemas com meu corpo — cortei logo. — Eu só gosto de andar, mesmo. — Ah, sendo assim, se quiser companhia para voltar, às quartas eu tenho aula de debate e sempre vai até mais tarde, podemos voltar juntas. — É que não sei o horário que vou sair nas próximas vezes, mas se for próximo ao seu, acho que podemos. — Tentei ser gentil e espantar qualquer pensamento negativo que ela pudesse ter de mim. — Já pegou o que precisava para o seu jantar? — perguntei, vendo-a com um pote nas mãos. — É salada de batata e frango, você quer? — Ela me ofereceu o pote. — Não, obrigada. — Passei por ela, pegando as coisas na minha prateleira da geladeira. — Vou cozinhar algo rápido e dormir, amanhã tenho o dia cheio, trabalho, faculdade começando… — E você já está sabendo da festa que vai ter? Parei, erguendo a cabeça para ela, negando. — Festa? Não. Ainda não tenho amigos aqui, então ninguém me avisou de nada. Amanda revirou os olhos no primeiro segundo ao me ouvir dizer que não tinha amigos. — Garota, fala sério… — Com as mãos na cintura, ela suspirou de modo mais dramático e apontou na minha direção. — Sexta terá festa em uma fraternidade do campus. A mais famosa, cheia de letras do alfabeto grego. — Credo. — Meu comentário a fez rir, e eu o fiz com um sorriso no rosto também. — E você vai comigo. Vou te apresentar todo mundo, talvez seja um pouco demais para você, já que eu percebi que você não curte muito coisas que façam fumaça… na verdade, preciso perguntar, você já foi a alguma festa assim? — Sinceramente? — Me virei para o fogão, pronta para fritar meu frango. — Não. — Mentira. O diabo riu, orgulhoso de mim. — Então, prepare-se. Que horas você sai do trabalho, na sexta? — Acho que perto das oito da noite, por quê? — Porque vou te esperar aqui. — Ela parecia muito animada enquanto engolia um pedaço grande de batata quase sem mastigar. — Vou escolher sua roupa, sua maquiagem, arrumar seu cabelo e você vai comigo nessa festa. Pretendo te dar seu primeiro porre, se puder, compre algo para ressaca amanhã. Eu ri, negando com a cabeça. — Não sei se eu… — Você tem dezenove anos, é gente boa, bonita, e de fora. Pense nisso como meu presente de boas-vindas para você. — Ela parecia animada. — Ok, eu vou… — Certo. — E cheirando sua axila, Amanda encarou o pote de comida fria que havia devorado e completou: — Agora eu vou para o banho. Preciso mesmo de um. Sem se despedir, me deixou para trás. Com calma, eu cozinhei meu macarrão, piquei o frango em tirinhas, coloquei no prato e comi em paz, enquanto ouvia risos vindo do quarto de Mark e a água do chuveiro rolando. Quando Amanda terminou o banho, antes de ela sair do chuveiro, fui rápida em colocar a louça suja no lava-louças, incluindo o pote vermelho que ela largou em cima do balcão, e voei para o meu quarto. Não queria papo, não queria segurar aquela máscara por mais tempo. Tudo o que fiz foi escorregar para o chão do quarto, apoiar a cabeça nos joelhos, e naquele escuro total, enquanto meu demônio se erguia do nada para me açoitar, eu chorei. Fraca. Suja. Podre. Eu não queria ser, mas não tinha mais poder de escolha. Quinta, Roy não apareceu. Meu dia foi uma merda. Sexta, eu estava tentando superar que talvez ele não viesse mais, que tivesse vergonha de si, do que pensou em fazer, e tentasse me evitar. Ele é a porra de um covarde. Vamos encontrar outro — a voz insistente na minha cabeça pediu. E eu estava quase convencida a deixar para lá quando, enquanto eu servia café a uma senhorinha e sua neta, tentando ser o mais gentil possível para que a gorjeta fosse boa, ouvi a voz que aprendi a reconhecer no salão. Não me virei e tentei não demonstrar nenhuma emoção enquanto ia para o balcão grande conferir os pratos que a cozinha mandava. Quando me virei para o salão de novo, lá estava ele, sentado na minha estação. Segurei o sorriso que queria dar. Senti o estômago queimar, a pele arrepiar. Eu me mantive no papel de garçonete prestativa e carinhosa. Passei pelas mesas que precisava, e depois da minha bandeja esvaziar, me aproximei dele. Roy cheirava à colônia masculina barata. Tinha ajeitado os cabelos com algum gel e largado o chapéu na mesa, com uma das mãos sobre a peça, ele me encarava. Parei bem em frente a ele e sorri. — Como vai, Harper? — ele perguntou. — Bem, Roy. E você? — Estou faminto. Abrindo um sorriso ainda maior, peguei meu bloco de anotações e a caneta, prendendo a bandeja embaixo do braço. — E o que vai querer? — Esperei ansiosa, encarando-o, olho no olho. Eu me senti audaciosa. Ele ficou naquele transe, me encarando, por um longo segundo em silêncio, então suspirou e disse: — Me dê o que você tem de melhor. Feliz pelo desafio, anotei o pedido que sabia que o agradaria e lhe dei as costas, sabendo dos olhares que ganhava dele, sabendo que aquilo era só o começo. Não demorou muito, mas fingi estar mais ocupada do que realmente estava, conferindo as mesas que eram minha obrigação, e depois de servir um pedaço de torta de abóbora para a avó e a netinha, voltei ao balcão para o prato de Roy. Precisei encarar o chão enquanto caminhava na direção de servi-lo, e quando coloquei o prato na sua frente, ele abriu um sorriso tão quente, tão confortável, que meu coração pareceu tropeçar. Ouvi uma risada cruel. Uma que mais ninguém ouviu. — Você é perfeita, Harper. Como adivinhou que eu tinha fome? — Conheço bem meus clientes. — Dei de ombros, um pouquinho convencida, sorrindo para ele. — E como vai a faculdade? — Parei, encarando-o um pouco incerta, franzindo o cenho. Nunca havia falado sobre a faculdade com ele. — Ouvi você conversando com aquela baixinha um dia desses. Está gostando? — Ah, está começando, então não tenho muito para dizer ainda… Conte a ele da festa. Diga onde vai estar — a voz dentro da minha cabeça ordenou e, obediente, eu o fiz. — Hoje tenho minha primeira festa, essas coisas de fraternidade e tudo mais, sabe? Não sei muito bem como vai ser, mas vou. — Sério? Espero que você se divirta. — É, vai ser no bairro vizinho, onde tem aquelas casas maiores. Nunca fui para aqueles lados, mas vou com minha colega de apartamento, mesmo que acredite que volte sozinha para casa. Ela é descolada, legal, e é daqui, então conhece muito mais gente do que eu. — Tentei parecer encantada com a oportunidade que a cidade grande me dava. — Você vai gostar, e vai se divertir. Só tome cuidado, não ande sozinha, a cidade não é tão segura… — É, eu sei. Prometo que vou me cuidar. Logo fui chamada por outra mesa, depois por outra, e quando dei por mim, Roy já tinha limpado seu prato e deixado cem pratas na mesa. Era minha maior gorjeta, até então, e eu sabia que era um pagamento, um pedido de desculpas antecipado, pelo que ele faria comigo mais tarde. Girei a chave na porta, ouvindo o som de risos. Dentro do apartamento, havia uma pequena confusão no sofá. Meninas se maquiando, rindo e conversando, envoltas em fumaça de cigarro e maconha. Amanda estava ganhando pequenas tranças no cabelo vermelho enquanto uma loira maquiava seu rosto. Parei, observando aquela cena, um pouco incerta do que fazer, até os olhos da minha roommate baterem em mim. Seu sorriso cresceu quase como o de um predador e ela gritou meu nome, animada: — Harper! — Suas outras duas companheiras me encararam, curiosas. — Essa é Alice — ela indicou a menina de cabelos curtos e loiros que a maquiava — e essa é Jordan — apontou para a morena com mechas laranjas que trançava seu cabelo —, elas vão me ajudar com você hoje. Bati a porta às minhas costas, ergui a mão, meio incerta, e agitei os dedos em um cumprimento tímido. — Oi… — Minha voz quase falhou. — Você chegou um pouco mais cedo do que planejamos, mas é melhor assim. — Amanda deu de ombros. — Por que você não vai adiantando seu banho? Vamos terminar com Jordan e aí, seremos todas suas. — Pode ser. — Me sentindo sob pressão de uma maneira meio desconfortável, coloquei minha chave no aparador e caminhei na direção do meu quarto, completamente arrependida por aquelas duas estranhas estarem tão próximas sem eu ter escolha. Tomei banho, lavei os cabelos e os sequei. Enrolada na toalha, coloquei a cabeça no corredor e pedi orientação para roupa. As meninas riram e a tal Alice brotou na porta do banheiro com uma sacola. — Acho que é do seu tamanho. — Obrigada… — Tentei corresponder seu sorriso, mas logo fechei a porta e senti a pontada da ansiedade me pegando pelo pescoço. Revirei a sacola, achando um vestido curto, de veludo pretoazulado, e meia-calça. Sem muita expectativa, vesti as peças e quando olhei no espelho de corpo inteiro atrás da porta, meu coração acelerou. Eu gosto disso. Gosto muito. — Quase tomei um susto com a voz intrometida no meio dos meus pensamentos, mas não discuti com ele. O vestido abraçava minha cintura, marcando-a ainda mais, desenhando meu corpo, apertando um pouco demais meus seios no decote em V profundo. As alças dele eram um pouco mais grossas, o que me fez agradecer mentalmente, mas virando de costas, a visão da beiradinha da minha bunda de fora quando me movi, fingindo dar um passo para frente, me fez querer descartar o vestido. Abri a porta para reclamar daquilo, mostrei para as meninas, mas fui fortemente proibida de mudar de roupa. Não queria que elas me odiassem, não queria ser um problema ou excluída, então, quando me arrastaram para o sofá, sem me dar a chance de fugir e mudar de roupa, vindo com pincéis sobre minha pele e todo o tipo de maquiagem que um rosto pode sustentar, as garotas brincaram de boneca comigo. Quando terminamos, me senti sufocada e não era graças à fumaça. Aproveitei que elas queriam terminar de se arrumar e corri para o meu quarto, conferir o que tinha sido feito. No reflexo do vidro da janela, conferi que meus olhos estavam maquiados com sombra preta e várias camadas de rímel. Minha boca, como no trabalho, gritava um vermelho-sangue envolto em gloss da moda com cheiro de morango. Meu cabelo estava solto, com trancinhas perdidas por ele, como o de Amanda, e parecia que essa era a nova moda. Desconfortável por saber que estava chamando atenção demais, procurei uma jaqueta no guarda-roupa e a coloquei por cima do vestido. Calcei minhas botas, coloquei o relicário no pescoço e, depois de dar duas borrifadas do perfume que gostava, achando que talvez pudesse ter uma noite comum de garota de faculdade, me encontrei com o pequeno bando agitado e ansioso na sala e saí com elas. O táxi parou em frente ao número 213 da avenida de rua larga cheia de repúblicas estudantis. A casa onde íamos tinha o gramado cheio de gente conversando, fumando, rindo e se beijando. Um grupinho animado brincava com um galão de cerveja e dois caras com camiseta de time de futebol seguravam um terceiro de pontacabeça, enquanto este parecia prestes a vomitar, mas não parava de beber pela torcida em volta. Desconfortável era pouco para definir como eu me sentia desde o momento em que botei os pés em casa naquela noite. Eu devia ter recusado o convite de Amanda. Aquela vida universitária não era para mim. Eu não era normal. Eu não devia e não merecia me misturar com aquela gente, não era justo com eles, não era bom para mim. Seria catastrófico para todos. — O que foi? — Amanda parou na minha frente quando viu que não me movi. — Está assustada? — Eu… — Não tive tempo de formular uma mentira decente, e agradeci por ela não me deixar terminar a frase. — Nunca foi em uma festa assim? — O sorriso dela era reconfortante. Mal sabia Amanda pelos lugares que eu já tinha passado. Suas mãos gentis vieram sobre minha jaqueta e ela empurrou o tecido para fora dos meus ombros. — O que está fazendo? — Você é linda, está escondida todo esse tempo e eu acho que você merece um bom início de semestre. Vamos considerar esse o seu batismo, ok? — Tirando minha jaqueta, ela a amarrou na minha cintura e trouxe as mãos para o meu rosto, acariciando minhas bochechas antes de se afastar. — Só não transe com ninguém aqui hoje, porque garotos de faculdade conseguem ser babacas com novatas como ninguém. Fique perto, beba, se divirta. Só se tem dezenove uma vez na vida. Aproveite. — Seu sorriso largo era convidativo e a mão esticada na minha direção também. Então, mesmo sabendo que podia acabar mal, mesmo sabendo que eu nunca pertenceria ao mundo das pessoas normais, mesmo sabendo que eu não merecia que ela fosse tão boa comigo, eu aceitei sua mão. Atravessamos o gramado, Amanda fez questão de me apresentar para cada uma das pessoas que a cumprimentou. Rostos e nomes demais de uma vez só. Se gravei três, foi muito no caminho até a porta. Quando conseguimos passar pelo portal, a música alta me obrigou a soltar a mão de Amanda e tapar os ouvidos. A garota de cabelos tingidos de vermelho riu quando me viu daquele jeito e segurou na manga da jaqueta para me guiar pelos corpos dançantes. Eu mal consegui prestar atenção na casa com todas aquelas luzes piscantes e barulho ensurdecedor. Isso até sairmos daquela sala quente e apertada. A cozinha estava lotada também, mas o som que predominava ali era o de conversas e risos. Olhando em volta, tentando assimilar o ambiente, não recusei quando Amanda colocou um copo de plástico com um líquido vermelho e cheiro doce na minha mão e continuou me puxando até despontarmos no quintal traseiro. — Você parece um pouco assustada — Amanda comentou, achando graça enquanto sacava um cigarro e o acendia. — Não sei se foi uma boa ideia vir. — Imagina. — Soprando a fumaça do cigarro para o lado contrário, ela se voltou para mim, afastou meu cabelo do colo e deu uma puxadinha no meu vestido para baixo. — Vou te apresentar todo mundo que precisa conhecer, e isso vai facilitar e muito sua vida na faculdade, acredite. — Sério? Não vejo como conhecer pessoas pode ajudar… Amanda me interrompeu, rindo: — Bobinha. Vamos lá — ela respirou fundo e encarou o gramado —, ali estão os caras do time de futebol. Os do time de basquete e os da natação. Em alguns anos, esses caras estarão jogando e você vai assistir da sua tv. Os da natação, com certeza, irão para as Olimpíadas, acredite. Ali atrás, perto daquela loira, está o pessoal de administração. Ali do lado, sentados naquela rodinha, está vendo? É a nata, o pessoal da medicina, e sinceramente, pense no network que você pode fazer. Todo mundo ali ou tem um bom contato de emprego, ou família rica, ou qualquer coisa que, dentro e fora da faculdade, pode te abrir portas. — Entendi — respondi baixinho, dando um suspiro. — Então, acredite, eu respeito muito o seu trabalho honesto, mas se você não quer terminar com um diploma e emprego nenhum, é bom saber ser amiga de quem pode te ajudar no futuro. — Dando mais uma tragada, ela voltou a pegar minha mão e disse: — Se precisa um pouquinho de coragem, dê um bom gole no seu copo agora. Vou te apresentar ao pessoal que importa de verdade. Sem opção, eu obedeci. O suco misturado com vodca era doce e forte. Minha garganta queimou. O estômago reclamou. Eu dei três goles grandes. Foi o que deu tempo antes de Amanda voltar a me puxar pelo deck e descer as escadas para o gramado. Beber de estômago vazio nunca era uma boa ideia. O tempo de atravessar o grande quintal traseiro foi o bastante para o álcool bagunçar um pouco meu cérebro. Foi pior do que eu pensei quando Amanda começou a me apresentar para pessoas que se aproximavam fisicamente para me cumprimentar. Que moda era aquela? Garotos e garotas, que nunca me notariam no mesmo corredor que eles, pararam para me cumprimentar. Alguns me ofereceram maconha ou alguma bebida diferente da minha, todos foram legais e perguntaram meu nome, de onde eu vinha e o que estava cursando. Sentindo a língua mais solta, não me senti tão mal de conversar com eles. Amanda me permitiu assimilar a primeira rodinha do pessoal do futebol, e fez muita propaganda de um garoto chamado Luke. Ele sorriu para mim o tempo todo, e o modo como me olhou não foi inocente, mas me retraí um pouco, mesmo que houvesse o riso cruel no fundo da minha mente sugerindo que aquele garoto poderia aliviar um pouco as coisas. Arriscado demais — sussurrei para o demônio. E daí? — ele respondeu de volta. Tentei ignorá-lo, dei mais um gole na bebida. Por quase uma hora, nós transitamos pelo quintal. O copo na minha mão era trocado o tempo todo. Amanda ria, eu ria de volta. Ela me apresentava a alguém como amigo, eu o tratava como amigo. A timidez foi ficando de lado. Consegui conversar, rir, e num atrevimento momentâneo, corresponder o olhar de flerte que Luke me lançava da roda vizinha. — Ei, Amanda, não vai trazer sua amiga nova pra gente conhecer? — Ouvi alguém chamar por cima das conversas paralelas e da música. Virei o rosto na direção do chamado, junto da minha colega de apartamento, e sorrindo genuinamente, segui atrás dela enquanto Amanda parecia bem feliz de ser chamada para a rodinha mais querida e poderosa do lugar. Foi então que aconteceu e eu me senti idiota de não ter percebido aquela desgraça chegar. O vento soprou, brincando com meu cabelo, arrepiando minha pele. Era um alerta. O ar ficou mais frio, as pessoas mais lentas e tudo em volta ficou no volume zero, conforme minha visão se tornava mais clara. Meu sorriso se desfez do rosto lentamente, como se cada segundo para processar que aquela imagem era real custasse cada grama de felicidade que já havia sentido na vida. Amanda não parou de me puxar. Eu não tive forças para parar. Como Caronte, pronta para me transportar pelo rio Estige, ela continuou seguindo e eu o via cada vez mais nítido atrás dela, mais velho e mais bonito do que nunca, sentado como um rei na poltrona azul-escuro, vestindo uma jaqueta colegial branca com símbolos azuis, com sua lata de cerveja na mão, os lábios curvados pouca coisa para cima, covinhas vincadas nas bochechas, cabelos loiros meio bagunçados e olhos castanhos muito interessados na minha direção, estava um dos rostos mais presentes nos meus pesadelos. Um dos meus maiores carrascos. Uma das minhas vítimas mais fatais. Lá estava Aidan Hunt. Porra — pensei. — Ele sabe quem eu sou. Ele sabe o que eu sou. E ele vai te matar — o diabo alertou. — Fuja, criança tola. E eu não precisei de um segundo aviso para soltar a mão de Amanda, dar as costas a tudo, e sair correndo dali. Podia ouvir Amanda chamando meu nome falso ao fundo. Podia ouvir alguns risos, sentir a estranheza das pessoas, mas nada me parou. Na verdade, aquela sensação ruim, aquele peso no peito, só me repeliu. As garras do meu demônio pessoal estavam em volta do meu pescoço, do meu estômago, do meu coração. Minha cabeça girava, meu peito doía, a garganta ardia. Não conseguiria segurar o choro por muito mais tempo, e depois de atravessar a cozinha, foi um alívio soltar o gemido estrangulado e feio no meio daquele som alto. As lágrimas desceram queimando pela pele gelada. Quentes como lava, intensas como um rio. Era real. Era ele. Era ele e tudo estava arruinado. Assim que saí pela porta da sala, senti a mão no meu estômago se apertar mais ainda. Me arrastei para fora dali, fingindo ser invisível, tentando ser rápida e, finalmente, depois de me bater com corpos, da cabeça girar, de ver flashes e mais flashes, minhas botas bateram contra o asfalto e a primeira coisa que consegui fazer foi correr. Três casas depois, eu mal tinha fôlego, e me agarrando a um arbusto, todo o álcool do meu estômago veio para fora. Tossindo, quase me engasgando por falta de ar, vomitei toda aquela merda colorida no gramado de alguém que me odiaria no dia seguinte. Limpei a boca no braço da jaqueta, passei a mão pelo rosto e tentei soltar os braços, fechar os olhos e respirar fundo. Todo meu corpo doía. O tremor que vinha lá de dentro da alma começava a se espalhar. Cada órgão meu, cada mísera célula sabia que eu estava em perigo. Meu Deus, e se ele me reconheceu? E se contar para Adria? E se a senhora Hunt vier atrás de mim? E se… — Não tive tempo de pensar em mais nada. Não tive nem mesmo tempo de gritar pelo susto. A mão em volta da minha boca me puxou contra o corpo do meu agressor. Minha cabeça bateu contra o peito dele e fui abraçada, imobilizada. Tentei me debater, me esforcei para fazer algum barulho, mas isso só o fez ser mais rápido. Mentalmente, eu agradeci. O medo que eu sentia antes, sobre os Hunt, era perigoso. Do tipo que me travava. O que surgiu naquele tranco de adrenalina repentino era o que me relaxava, o que me deixava respirar. Meu coração tremeu. Meu estômago começou a esquentar. O demônio no fundo da minha mente lambeu os lábios. Eu pensaria em Aidan depois. Se precisasse, eu até iria embora da cidade, mas antes ganharia meu pequeno prêmio de consolação por ser uma idiota de achar que voltar para Detroit era uma boa ideia. A casa na qual eu estava no quintal, se encontrava completamente escura. O recuo da garagem era perfeitamente escondido para ele fazer o que quisesse comigo. O cheiro de Roy era fácil de reconhecer. Sua mão quente e suada contra meu rosto me dava alguma noção do quanto ele estava acelerado e ansioso para me pegar daquela forma. Vadiazinha sortuda, você — meu demônio debochou. Eu o ignorei. Se desse certo, ele me deixaria em paz por pelo menos um mês. Roy não disse nada quando me ergueu do chão. O máximo que surgiu foi um gemido meio rosnado pelo esforço de me arrastar para o fundo da garagem, para o canto escuro e esquecido, e a cada passo daquilo, a resposta do meu corpo foi querer mais e mais. Foi gostar, mais e mais. Principalmente, quando as apostas do meu demônio se mostraram certas. Ele me colocou com o rosto contra a parede. Sua mão segurou com força na minha nuca. Tanta força que eu sabia que ficaria marcada depois. Seu corpo gigante cobriu o meu, a textura das suas roupas contra mim, seu cheiro, sua presença. Tudo aquilo me abraçou e engoliu, mas ele nem sonhava que quem o mastigaria e cuspiria depois seria eu. Seria eu a arruinar suas noites de sono quando ele abraçasse sua mulher, ou visse sua filhinha brincando de boneca. Seria eu que torturaria sua mente pela vontade de fazer de novo, e também o machucaria eternamente quando a culpa aparecesse. E Roy fazia esse tipo, o que, alguma hora, lá no fundo da consciência, tentaria afogar a lembrança do que fez comigo em um copo de cerveja. Quis rir, mas sua mão não permitia, ainda me calando. A outra no meu pescoço afastou meu cabelo para o lado. Sua barba arranhou minha pele, e grosseiro, ele me cheirou antes de pousar a boca quente em mim. Primeiro ele me mordeu, depois chupou. Eu gemi alto, ainda no meu papel de vítima, mas ele nunca sonharia que as lágrimas que molhavam sua mão eram de gratidão. Eu não queria pensar em Aidan. Eu não podia acessar aquela merda de memória. Eu só queria continuar fugindo. Então, sabendo que ele não tinha experiência naquilo, fui a garota que sempre deveria ser e parei de gritar. Ele notou a diferença na minha postura e afastou o rosto, parecendo esperar alguma reação surpresa. A mão dele na minha boca se afastou por um mísero segundo e eu sussurrei: — N-não vou gritar — saiu baixo, trêmulo, meio engasgado pela garganta machucada. — Só-só n-não me machuque. — O pedido era feito com tristeza, com raiva e conformismo. O pior do fingimento. Eu era uma desgraçada, mas ele não precisava saber. Então, parecendo acreditar na sua vítima medrosa e submissa, a mão que estava no meu rosto desceu para minha garganta. Ele me segurou por ali, e parecendo aproveitar a chance como um ladrão sabendo que o tempo é seu inimigo, usou da mão livre para abaixar as alças do meu vestido. Meus seios ficaram expostos, minha cabeça foi forçada para frente e bati a testa na parede. Fechei os olhos e apreciei a sensação do tremor do medo e da ansiedade me tomando conforme aquele homem nada desconhecido me apalpava, me descobria, me sentia também. Foi então que o senti, bem na minha bunda, duro e pronto. Por um segundo, fiquei triste por Roy ser inexperiente. Eu precisava de alguém que me acertasse com socos, que me deixasse no chão, que não se importasse de eu ver seu rosto, ou de me machucar. Mas ele era tudo o que eu tinha, e eu sabia como usaria isso a meu favor. — Por favor, não — choraminguei. Mas ele não parou, e me surpreendendo, suas mãos foram parar nos meus ombros e desceram, vasculhando cada pedaço livre da minha pele, até pegar minhas mãos. Por meio minuto, ele entrelaçou os dedos nos meus, e me movendo como se eu fosse um boneco, grudou minhas palmas na parede. — Não se mova. — Ele tentou disfarçar a voz. Ouvi-lo soprar as palavras na minha nuca arrepiou todo meu corpo. Fiz que sim com a cabeça e me mantive lá, quieta, com as pernas entreabertas, esperando, chorando, sentindo meu corpo balançar graças aos tremores de mil causas diferentes. O homem que me observou por dias, começou a se sentir seguro para explorar um pouco mais. Suas mãos voltaram aos meus seios. Ele parecia achar graça que meus mamilos estivessem tão duros em um momento tão desgraçado. A prova disso é que seus dedos me beliscavam, torciam, provocavam. Era sua tentativa de fazer ser bom para mim? Mal sabe ele que seu sobrenome é desgraça. — Ignorei a voz. Beijando meu ombro nu, roçando a barba por toda minha pele, bruto, meio sem jeito, mais confiante e agressivo, Roy desceu uma das mãos por dentro do tecido, invadindo o vestido, meia-calça e calcinha de uma vez. Sua palma cobriu minha boceta e quando sentiu o calor, a umidade toda dali, eu o vislumbrei sorrir. — Por favor, eu sou virgem — implorei quando seu dedo tocou meu clitóris inchado e escorregadio de tão molhado. — Não tire isso de mim, faça em outro lugar, mas não… — Sufoquei o pedido, fingindo me abraçar. Meu demônio começou a rir. Rir não. Gargalhar. Eu sabia que ele ria da minha encenação, mas mais ainda do homem que me estuprava e tentava ser benévolo ao escolher meu cu em vez da minha boceta só por um pedido virginal. Frouxo do caralho — dessa vez foi minha própria voz quem disse. O diabo continuou rindo enquanto Roy, apressado, erguia meu vestido, abaixava minha meia-calça junto da calcinha e trazia meu quadril mais para trás. Minhas mãos escorregaram para baixo, meu corpo ficou curvado. O topo da minha cabeça contra a parede. Encarando o chão, vendo minha calcinha na altura dos joelhos, os pés dele entre os meus. Ouvi o zíper das suas calças sendo aberto, e logo depois ele deixou suas calças caírem também. Eu vi a tatuagem em sua perna, mas naquele escuro não consegui decifrar o que era. Mesmo que tentasse, duvidava que conseguiria, já que meu coração batia nos ouvidos, na cabeça, na ponta dos dedos. Meu corpo fervia, implorava, gritava por seu castigo, por sua punição. Quando ele roçou o pau por toda minha extensão, provocando meu clitóris e a entrada da minha boceta, eu quase gritei ao senti-lo forçar um dedo no meu cu. — Por favor, para! — Engasguei pelo susto. — Por favor, você está me machucando! — Tentei pedir misericórdia, mas sabia que ele não daria. Tudo o que ele fez foi puxar minhas mãos para trás, fazendo com que eu abrisse mais minha bunda para ele tentar entrar. Ouvi a cuspida logo que ele se afastou, depois o dedo tentou entrar de novo junto do pau se esfregando em mim. Meu clitóris sensível pra caralho parecia distribuir ao meu corpo pequenas doses do anúncio inevitável. Eu seria completamente violada. E adoraria cada segundo daquela coisa doentia e suja. Minha boceta pesava de tão molhada e excitada. Como aquele idiota realmente acreditava na minha virgindade? Quis rir, mas me contive. Estávamos perto, muito perto. Eu não podia perdêlo. Me forcei de pouquinho em pouquinho para trás. O movimento curto e lento de vaivém do corpo roçando o pau dele que parecia ser grande entre meus lábios. Trazendo seus dedos cada vez mais para dentro de mim, abrindo caminho no lugar mais apertado, me preparando para o gran finale. Roy não era do tipo que me prenderia por horas, que me castigaria. Ele só queria seu objeto de cobiça, e depois que conseguisse, correria para ir embora e fingiria que aquilo nunca tinha acontecido. Eu era capaz de vê-lo na manhã seguinte, me perguntando como foi minha noite de festa, como se ele não tivesse tido sua participação especial em destaque. Parecendo perceber que eu não sentia dor com seus dedos enterrados no meu rabo, Roy os tirou com cuidado e, sem proteção, sem nada entre nós, encaixou a cabeça do pau na entrada onde seus dedos faziam pressão segundos antes e se forçou para dentro. Não consegui segurar meu grito. Roy realmente era grande, quente e pulsava. Abri minha bunda ainda mais para ajudá-lo. Senti conforme ele se tocava ao encaixar a glande dentro de mim, esperando o caminho se abrir com maior facilidade. Lágrimas de dor e prazer escaparam dos cantos dos meus olhos. Insano, sujo, minha perdição. Forcei o corpo contra o dele. Ouvi seu gemido bruto, inesperado, rouco. Uma das mãos seguraram meu quadril, a outra o ajudou a não ser expulso do meu corpo com a pressão que acontecia. Respirei fundo. Relaxei. E, pouco a pouco, eu o senti entrando, rasgando, machucando, ardendo, doendo. Senti cada mísero centímetro daquela primeira entrada. Meu demônio bebeu cada gota de dor, de desespero, de prazer do meu flagelo, direto do meu seio. E no primeiro movimento de entra e sai, ele quase levou tudo de mim. Empinei mais a bunda, as mãos de Roy apertaram meus quadris em uma força brutal, e depois disso, ele esqueceu tudo, assim como eu. Minha mente virou um espaço em branco, quieto, divino, e conforme ele me fodia como a vadia barata que eu era, enquanto castigava meu corpo, invadia meu cu e gemia alto, eu atingi meu momento de redenção. O calor excruciante do meu estômago se espalhou por todo canto. Eu gemi. Eu chorei. Tremendo, com o coração batendo na garganta e o corpo sem controle algum, eu gozei, abraçando-o internamente com tanta força quando meu corpo se retraiu, que foi tarde demais para Roy. Por culpa minha, ele gozou pesado dentro de mim, do meu cu. Levou dois segundos para ele entender o que tinha feito. Então, quando a consciência o pegou pelo pescoço, tudo o que aquele covarde idiota fez foi me largar, não se importando que eu tivesse batido os joelhos com força demais no chão, ajeitar suas calças e correr dali. Eu não queria ver meu estado. Só acompanhei a corrida do meu estuprador para longe e, depois de alguns minutos, limpei o rosto, ajeitei o cabelo, me recompus e voltei para a rua, para a caminhada longa para casa, finalmente, com a mente em silêncio. De olhos fechados, eu podia ver tudo. Todas as luzes e todas as cores passando pelas minhas pálpebras, como se estivesse deitada no gramado do parque mais movimentado da cidade, ao pôr do sol, e não escondida no armário do corredor, com os pulsos amarrados e um medo congelante que acabou fazendo com que eu urinasse nas calças. Toda aquela pequena vida em um filtro eterno em tons de cinza. — Afrodite! — Ouvi de longe e tentei puxar o ar pela boca. Não pude. Toquei a fita prateada que cobria meus lábios e mais lágrimas desceram. Quentes, grossas, carregadas de agonia. Ele me chamou mais uma vez, sua voz cheia de raiva: — Afrodite! Permaneci em silêncio. Eu só tinha cinco anos. Eu não podia, eu não queria, mas não tinha opção. Então o monstro abriu a porta, esticou as garras na minha direção, e eu finalmente acordei. Acordar com a boca seca e o coração disparado era rotina para mim. Toda vez que o passado, ou minhas transgressões vinham visitar minha mente vulnerável durante o sono, era assim. No começo, quando aquilo me afetava, eu gritava. Depois, passei a me debulhar em lágrimas como a criança assustada que eu era, mas agora? Agora tudo não passava de uma dor silenciosa, de um demônio sentado no peito, bem sobre o que restava do meu coração. Chovia lá fora. Sabia disso pelo som dos pingos na minha janela, mas além desse barulho, vinha o estranho ranger da cama e gemidos abafados da parede atrás do meu armário. Aquilo era obra de Amanda. Sexo por si só não me abalava, mas depois da noite passada, me testei. Esperei ouvir alguma coisa, qualquer coisa, na minha mente. Não veio. Nada. E eu quase comemorei. Só não o fiz porque a verdade era só uma: eu tinha medo dele. Tinha medo de um dia ele abrir meu peito por dentro, me rasgar ao meio, e expor toda a podridão que eu carregava. Quando ele me dava aquele tempo de paz, eu acreditava fielmente que só fazia o que fazia por culpa dele. Se não houvesse aquele diabo no meu ombro, podia jurar por Deus que nunca mais me colocaria em risco, que não meteria um alvo nas costas como fazia, mas não ousava dizer aquilo em voz alta. Tinha medo de ele aparecer em carne e osso para gritar na minha cara o quanto eu era mentirosa. Pousei a mão sobre o peito, e me sentindo mais calma, mordisquei a ponta da língua, mas saliva nenhuma seria suficiente para molhar minha garganta. Soprei o ar dos pulmões, triste por saber que já tinha despertado e saí debaixo das cobertas. O mais silenciosamente possível, com os pés descalços, abri a porta do quarto, rezando para ninguém me ouvir. O que achei ser impossível com os gemidos ficando mais altos. O masculino e o feminino. Mordi o lábio com inveja. Fazia muito tempo que não tinha uma transa daquelas. Nos últimos dois anos, fui escravizada pelo vício desgraçado. Parecia que o convencional não me satisfazia mais e, sendo assim, eu não deveria estar curiosa sobre o que acontecia no quarto ao lado do meu, mas ver a porta entreaberta não ajudou. Não seja esse tipo de gente — me ordenei mentalmente e, me abraçando, avancei pelo corredor. Quase me parabenizei por resistir à tentação no caminho de ida. Enchi o copo d'água na torneira, bebi gole a gole sob o som que preenchia a casa e bati o copo no fundo da pia, tentando dar um recado sutil para eles pararem, para minimamente abaixarem o volume, mas não adiantou. Precisava contar com minha determinação interna para não dar, ao menos, uma mera espiada e voltar para a cama. Conferi o relógio da cozinha. Nele, às cinco horas da manhã gritavam. O apartamento estava começando a clarear, mas a vida nem sonhava em começar do lado de fora, o que era mais uma desculpa para que eu voltasse para minhas cobertas em silêncio e esperasse às sete da manhã para levantar e ir trabalhar. Respirei fundo e voltei por onde vim. E eu realmente me esforcei para seguir daquela forma, mas foi só colocar os pés no corredor que o som da cama batendo contra a parede pareceu ficar mais forte. Diminui o passo e respirei fundo de novo. Vamos lá, Afrodite. — A voz surgiu grossa, sonolenta, meu demônio tinha tirado o menor cochilo da vida. — Só uma espiada não te fará mal. — Não! — soprei verbalmente, tapando a boca em seguida. Você deveria me dar paz! Eu te dei o que você queria — briguei com ele. Paz? Por aquela cena deprimente? — Ele riu. — Você nem se lembra dele, nem seu corpo… por que eu deveria esperar, tendo um pagamento tão merda? Não respondi. Era verdade. Um belo banho e quatro horas de sono apagaram qualquer lembrança de Roy. Você vai embora se eu olhar? — perguntei, esperançosa. Não. Mas você vai se arrepender se não olhar… não está curiosa, Afrodite? Não quer saber quem fode tão gostoso com Amanda? E se você puder participar? Dizem que nada se compara à chupada de uma mulher… — Aquela provocação me deu agonia. Cala a boca. Eu vou olhar e você vai me dar paz. Ele riu. E eu cedi. Estava acostumada a perder as batalhas. Respirei fundo, dando um passo na direção da porta, com medo do casal no quarto me descobrir só por ouvir meu coração batendo descompassado. Por sorte, o barulho deles era mais alto, e eu duvidava que eles parariam mesmo que me vissem ali. As janelas de vidro descobertas traziam a claridade da rua antes do nascer do sol. Aquilo era o suficiente para me deixar enxergar o que acontecia com clareza. Havia um espelho sobre a cabeceira da cama de casal. O cheiro de maconha, suor e sexo invadiram meu nariz e a visão do corpo branco, alto e definido sobre Amanda me fez refletir que aquela pessoa podia servir de inspiração para os mestres gregos na hora de esculpirem estátuas perfeitas. Dava para ouvir o som do sexo molhado, de cada enterrada dele sobre ela, da saliva, do ar fugindo dos pulmões, do prazer, das palavras não ditas. E eu quase me perdi olhando aquela cena bonita e excitante, mas algo quebrou dentro de mim quando o garoto ergueu a cabeça. De olhos fechados, gemendo baixo, rouco, tentador, perigoso. Aidan Hunt fodia minha colega de apartamento. Naquele minuto, eu queria matar Amanda. Por colocá-lo dentro de casa, por foder com ele daquela forma, por ser o tipo de garota que eu nunca seria. Fechei os olhos, me contendo, e me afastei da porta. Mil e uma perguntas surgiram na minha mente. Duas brilharam em vermelho-neon. "E se Aidan me reconhecesse?" "E se Aidan me fodesse?" Era mais provável que ele me matasse. Voltei para cama, a contragosto. Meu ventre pulsava. A excitação mais suja veio pesando em meus seios, minha pele, minha boceta, minhas veias. Fogo correu pelo meu corpo. Faça. Se alivie, estúpida — o demônio pediu, mas não fiz. Eu me puni, me privei, e mesmo com lágrimas nos olhos, ouvindo a foda do outro quarto, não cedi. Levantei assim que o despertador tocou. Tensa, mal-humorada, escovei os dentes ensaiando sorrisos e me obriguei a engolir aquele sentimento desgraçado e bagunçado que pesava o peito e irritava o estômago. Vesti minha calça jeans, a regata branca e joguei um suéter azul-escuro por cima. Maquiei os olhos de leve, prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto, e colocando um laço branco no topo, me senti pronta para encarar o mundo fora daquele banheiro vestida no meu disfarce de inocente. Peguei a mochila no quarto, tranquei minha porta e caminhei até a cozinha. A porta de Amanda continuava entreaberta e vi o vislumbre do corpo de Aidan adormecido quando passei. Mordi os lábios dentro da boca e soltei a respiração em um bufo. Eu não queria problemas com Amanda. Também não queria o passado batendo na minha porta. Pensando em como isso podia ser desastroso, entrei na cozinha, larguei minha bolsa na cadeira do balcão e avancei para usar a velha cafeteira da pia. Enquanto limpava para poder usar, a possibilidade de deixar o café de Amanda pronto para me desculpar pelo sumiço da noite anterior passou pela minha cabeça, mas isso foi por água abaixo quando tomei um susto. — Você já está saindo? — A cafeteira pulou da minha mão, se espatifando no fundo da pia. — Merda — soprei. — A culpa é minha. — De repente, Amanda estava ao meu lado. — Desculpa ter te assustado. Você se machucou? — Não — neguei, sem nem mesmo olhar para ela e terminei de recolher os pedaços de vidro da pia. — Estava distraída — falei, me livrando do problema. — E agora te devo uma cafeteira nova — lamentei, jogando o que sobrou da pequena jarra no lixo. — Não se preocupe com isso. O que aconteceu ontem? — direta, ela parou com as costas apoiadas na pia e eu ergui a cabeça e a encarei de lado. — Eu te procurei para conversar. Você sumiu de um jeito esquisito. Quer me contar o que rolou? Me obriguei a controlar cada mísera parte do meu rosto antes de respondê-la: — Eu… — Suspirei da forma mais dramática possível e olhei para a parede antes de ajeitar a postura e olhar para as minhas mãos. — Tive medo. Você é tão linda, legal, e popular… não é o que eu estou acostumada. — Usei minha voz mais dócil e acanhada. E sem eu esperar, de repente, as mãos de Amanda me envolveram em um abraço terno como resposta. Eu odiei. Aquilo até teria funcionado se ela e suas mãos não cheirassem a sexo tão brutalmente. — Sinto muito que tenha sido demais. — Ela acariciou meu ombro e, mais alta do que eu, apoiou o queixo na minha cabeça. — Talvez possamos tentar algo mais íntimo da próxima vez. Quero que você se divirta, sinto que seremos grandes amigas. Ela beijou o topo da minha cabeça e eu não a respondi, mas a afastei com delicadeza. — E me desculpe pela madrugada agitada — ela embalou, mas sua cara dizia estar tudo, menos arrependida. — É que trouxe o cara mais gostoso, cobiçado e lindo do campus. E pretendo que isso dure. Você vai amar conhecer Aidan. Mal sabia ela. — Aposto que sim. — Sorri fraco. — Mas fique tranquila, porque eu durmo feito pedra e não ouvi nada — menti, abrindo meu sorriso para algo doce, querido, confiável. Funcionou. — É por isso que adoro você! — Animada, Amanda me deu mais um abraço rápido e se espreguiçou logo em seguida. — Agora vou dormir. Ele é realmente bom no que interessa. Não preguei o olho até agora. Eu não precisava de detalhes, mas talvez, se trepasse com Aidan, eu também contaria vantagem. Aidan passou o fim de semana no apartamento, o que me fez esperá-lo sair para buscar roupas em sua casa, para poder entrar e ficar trancada no meu quarto o domingo todo, me forçando a dormir o máximo possível. Foi horrível para minha bexiga, mas pior ainda para minha ansiedade. Seria infernal se ele resolvesse mesmo namorar Amanda. E o primeiro motivo disso era insano de tão absurdo. Eu tinha ciúme de Aidan. Ele era parte do MEU passado. Era MEU, e eu nunca tive algo assim para ser obrigada a dividir. A segunda começou bem. Deixei café feito na nova cafeteira, que comprei em uma das pausas do trabalho, como pedido de desculpas pelo meu sumiço e corri para o meu turno da manhã. Tudo parecia normal. Tudo deveria estar normal. Mas, lá no fundo do meu ser, sentia meu coração tremendo, como se algo fosse dar errado. Como se uma tragédia fosse acontecer. Ignorei o instinto. Era comum me sentir daquela forma. Era só mais uma segunda maldita, e eu não tinha tempo para ficar me lamentando ou procurando mais problemas do que eu já tinha. Enquanto vestia o uniforme no trabalho, me encarei no espelho e pensei “e se eu pintasse o cabelo de preto?”. Sinceramente, eu não achava que faria muita diferença, eu não havia mudado tanto dos treze anos. Aquela era a maldita idade que eu tinha quando Aidan me viu pela primeira vez. E se ele, em uma síncope de cinco minutos, me reconhecesse? Meu cabelo loiro-claro, meus traços, algo no meu jeito? Engoli em seco com a possibilidade de Adria aparecer e ser ela a pegar meu jogo sujo. O lápis de olho precisou ser afastado do meu rosto porque, só de pensar na chance de isso acontecer, meus olhos encheram d’água. Por que é que eu voltei para Detroit? — me perguntei mil e uma vezes enquanto terminava de me ajeitar. E minha questão ficou sem resposta quando a garota do turno que eu cobriria veio me buscar porque eu estava atrasada. Trabalhei intensamente até às nove e vinte e três. Eu sabia a hora porque, quando o sino da porta tocou, um arrepio forte, do tipo que faz tudo tremer, bateu em mim. Encarei o relógio na parede atrás do balcão, estranhei o horário e pensei que Roy deveria ter vindo mais cedo por conta da ansiedade. Não me virei para ver a figura a qual eu só via o reflexo distorcido sentar na minha estação, mas duvidei ser Roy pela altura do reflexo. Seria um novo desafio? Um novo preferido? O novo rosto que eu conheceria para esquecer para sempre? Pensando sobre isso, cuidadosamente terminei de colocar as bebidas na bandeja, brinquei com um dos meninos da cozinha e me virei para andar pelo salão. Foi quando meus olhos focaram nele. Sentado na mesma mesa do meu último escolhido, com o agasalho da faculdade, mãos com as palmas sobre a mesa e dedos entrelaçados, que eu o vi. Olhos escuros, grandes e intensos me fitavam abertamente. Sua boca estava cortada em um meio-sorriso. Engoli em seco. O medo veio com tudo, como se a barragem de uma represa tivesse sido arrebentada dentro de mim. Como se todo o pavor e a culpa daqueles anos todos estivessem ali, tudo de uma vez. Não consegui dar dois passos, mesmo desviando o olhar, porém, o efeito Aidan Hunt era imediato. Tremendo, perdi o equilíbrio da bandeja, tentei conter o desastre, mas perdi a força. Em segundos, na frente de todos. Na frente dele, eu fui ao chão junto de todo o líquido e vidro que carregava. O barulho da queda foi estrondoso. A dor no meu joelho direito me fez dar um grito inesperado. Chamei mais atenção do que devia. Do que gostaria. — Harper! — Ouvi meu nome falso sendo chamado em muitas vozes diferentes, mas não dei conta de responder. A crise de pânico me rondava. Aconteceria em instantes, então fiquei ali, com as mãos espalmadas no chão molhado, encarando o nada, tentando respirar e me concentrar na dor física. Isso durou menos de dez segundos. Mãos brancas de dedos bonitos e unhas aparadas me seguraram pelos ombros e me ergueram como se eu fosse uma boneca de pano. No momento em que fiquei de pé e ergui a cabeça, percebi que estava fodida. Olho no olho. Quase sem distância física, senti seu cheiro. Forte, hipnotizante, destruidor. — Achei você — ele disse com os olhos escuros sentenciando os meus. E não tive como me proteger. Aidan podia ler minha mente. Aidan, com certeza, sabia de tudo. — Você está bem? — A pergunta feita logo em seguida nublou minha mente, e graças ao meu silêncio, ele continuou: — Meu nome é Aidan, estive na sua casa esse fim de semana, sou amigo da Amanda. Quis rir processando o que ele dizia. Aidan estava se apresentando para mim? Aquilo significava que ele não se lembrava, certo? Meu Deus, ele não se lembrava! Fogos de artifício explodiram no meu estômago e as fagulhas começaram a se espalhar, amortecendo tudo em mim. — Olá — respondi, incerta e hesitante —, sou Harper. — Olhando para baixo, para toda a bagunça e gente em volta de mim, informei: — Acho que tem vidro no meu joelho. Aidan soltou meus ombros e precisei de algum esforço para me manter em pé, ainda mais com ele se ajoelhando na minha frente. Suas mãos tocaram meus quadris, depois minha perna machucada. Ele analisou o sangue escorrendo e olhou em volta. Precisei me esforçar para lembrar como se respirava. Aidan Hunt tinha uma das mãos na parte interna da minha coxa e pensamentos nada puros passaram pela minha mente. — Ei, tem vidro no joelho dela. Eu sou estudante de medicina e posso resolver. Vocês têm algum kit de primeiros-socorros? — ele perguntou para alguém perto cujo rosto para mim virou um borrão. — Temos, sim. Harper, leve ele para o vestiário. O kit está no armário do banheiro — a voz feminina preocupada avisou. — Vou cuidar da sua estação, a minha está sob controle. Processei a informação com lentidão, lamentando que Aidan tirava a mão daquele lugar tão íntimo. Porra, qual era o meu problema? Sacudi a cabeça de leve e recuperei a fala, voltando ao mundo real. — C-Claro — minha voz saiu fraca —, por aqui. — Indiquei para ele me seguir. Minha boca ficou com um gosto doce demais quando Aidan voltou a me tocar, colocando a mão no meu ombro, me guiando para a mesa cheia de coisas no fundo da sala do vestiário. Sem muita delicadeza, ele empurrou os frascos de ketchup e mostarda vazios para o lado e arranjou um espaço onde meu traseiro coubesse. — Sente aqui — ele ordenou e me soltou, virando o corpo na direção do banheiro. Estranhando aquilo tudo, só me movi quando ele deu o primeiro passo, em uma dança sem música. Eu o analisei em silêncio, vendo sua cintura mais fina e seus ombros largos que, quando nu, eram bonitos de se ver. Assim como o cabelo despenteado do meio da transa também parecia mais… merda. Pare de pensar assim — briguei comigo mesma, tentando me controlar. Evitei encará-lo, pousando as mãos juntas no colo, pensando na minha música favorita na intenção de sumir com aquelas ideias bizarras. Ele é proibido, ele é perigoso — me convenci. E é quase irresistível. — A voz da besta que vivia na minha cabeça me assustou bem quando Aidan ficou de pé e se virou para mim com um meio-sorriso angelical no rosto. — Que sorte eles terem uma pinça aqui. — Uhum. — Foi tudo o que consegui dizer conforme ele vinha na minha direção. — Pode segurar isso aberto no seu colo, por favor? — Aidan me ofereceu a caixa vermelha e branca e eu a peguei sem encarálo, sem tocá-lo. Precisava de distância, principalmente, pela minha vontade alucinante de alcançá-lo. Eu e minha maldita tendência de brincar com o perigo. Aidan arrastou um dos bancos para sentar na minha frente, e como se eu fosse feita de vidro, ele colocou as mãos na minha perna, moldou os dedos ao redor da minha panturrilha e me guiou a apoiar o pé em sua coxa, mas resisti um pouco. — Vou sujar você. — As palavras escaparam da minha boca, e caí em uma armadilha boba ao encará-lo. Lá estava o olhar de quem sabia de tudo e não revelava nada. Ele sorriu, mantendo meu pé sobre seu colo. — Isso é um problema para você? — Parecia que ele achava aquilo divertido. — Eu… — Seus olhos tentaram me aprisionar, mas desviei o rosto para o lado e neguei com a cabeça, focando na porta. — Relaxe. Tirar esse caco de vidro não será sua melhor experiência. E fazer isso é o único jeito de me desculpar pela noite mal dormida que você teve por minha causa. Puxei o ar, endireitei a coluna e afastei o tronco dele, conforme arregalava os olhos e sentia minhas bochechas queimando. Aidan assistiu à minha mudança com interesse e depois fez algo que teria me impactado tanto quanto um tiro no rosto. Ele riu. Meu coração bateu uma vez mais forte. Doeu. E eu adorei. — Desculpe, Harper. Às vezes, eu passo dos limites. Aproximando o rosto do meu joelho, ele analisou a ferida e tirou as mãos de mim para higienizá-las com álcool. A sensação da pele sem o toque dele era nova. Fogo e gelo coexistindo. Meu Deus, meu Deus, meu Deus — implorei mentalmente. — Termine logo, por favor. Mas ele não parecia ter o mínimo interesse em ser rápido. Algo se agitou na minha mente quando Aidan me tocou, aquela coisa ronronou ao sentir o ar que ele expirava contra minha pele. Suspirei, mas me mantive quieta, assistindo ao loiro de olhos escuros e cílios grossos e cheios se preparando para cuidar do meu machucado. — Vai doer — ele avisou, mas mal sabia ele que eu era muito resistente. Tensionei. Preparei cada músculo meu para o impacto, para o alívio, e quando ele fez o que precisava, olhou para o meu rosto, parecendo curioso e furioso por eu não ter expressado dor. — Está tudo bem? — A pergunta tinha um fundo esperançoso e eu não entendi o porquê, mas confirmei com a cabeça. Aidan se ofendeu com meu silêncio. Talvez ele fosse sair dali me chamando de idiota. Sinceramente? Era melhor assim. Esperei que ele limpasse a ferida e fizesse o curativo. Aproveitando os últimos momentos daquela proximidade, fui a primeira a reagir quando ele tirou as mãos do esparadrapo e não me tocou de novo. Escorreguei para o chão e, no mesmo segundo, Aidan se levantou. Foi impossível não o tocar naquele pouco espaço. E do auge dos meus 1,63 de altura, me senti em minúscula perto dele. Aidan com toda a certeza tinha mais de 1,90 fácil. Minha testa ficava bem na altura onde seu coração devia ficar. Encarei o tecido da sua camiseta e segui, erguendo o queixo para olhar o seu rosto. Mais um erro. Seus olhos me capturaram. A sala ficou menor que uma caixa de fósforos. O ar pesou: nos meus pulmões, à nossa volta. Denso, quente, sufocante. Meu coração acelerou. Minha boca secou. O medo me fodeu como a vadia que eu era e cuspiu na minha cara. Aquele foi o minuto mais longo de toda a minha vida. — Se continuar a sangrar, vou precisar dar outra olhada. Talvez, se você quiser, te levo ao hospital onde faço estágio e posso dar uns pontos. Neguei com a cabeça, um movimento curto e lento. — Eu estou bem. — A voz doce e baixa quase saiu trêmula, por culpa, por medo, por um tesão repentino e desgraçado que fazia meu corpo pulsar e doer. — Não precisa se preocupar. Precisei me esforçar muito para minhas pernas não tremerem. — Certo… — A voz dele ficou mais baixa e sua cabeça pendeu um pouco na direção da minha. — Tente se cuidar então, Harper. E por um golpe de sorte, Milles abriu a porta. — Harper, tá tudo bem? — Está — falei mais alto para ela ouvir, mas ainda estava presa nos olhos de Aidan. — Obrigada, mas preciso voltar ao trabalho. Ele não me respondeu, só ergueu a cabeça, respirou fundo e olhou para a garota na porta. — Ela deveria ir ao hospital. Ignorei qualquer coisa falada depois disso, conseguindo me afastar de Aidan e ir cambaleando até a porta do meu armário. — Até mais, Harper. — Ouvi Aidan dizendo, mas fingi estar entretida com algo e só acenei com a mão. — Cuido da sua estação por mais cinco minutos, ok? — Milles avisou antes de sair também, e quando sozinha, sem pensar duas vezes, peguei o amontoado de roupas no armário, botei o bolo de tecido contra a boca e gritei. Foi forte, foi alto, foi desesperador. Afrodite, Afrodite, você nunca aprende? — A risada do demônio completamente acordado dentro de mim fez os pelos da minha nuca se arrepiarem. Por que você odeia tanto os Hunt? — ele perguntou enquanto eu guardava a blusa de volta e limpava as lágrimas dos cantos dos olhos. Encarei meu reflexo no espelho e respondi em voz alta: — Eu não os odeio. Longe disso. Mas eu aposto que eles odeiam você. Espere até esse garoto descobrir quem você é de verdade. — Ele só foi gentil agora, eu não vou mais falar com ele. Eu juro. Mas foi o silêncio que me respondeu. E doeu como um tapa ardido bem no meio da cara. Eu queria ver Aidan de novo. E queria ficar sozinha com ele de novo. Mesmo que, quando soubesse quem eu era, ele pudesse me matar. Uma semana se passou. Uma semana infernal. Roy não aparecia no restaurante, mas estava sempre me esperando pelo meio do caminho como o guarda-costas que não solicitei, me seguindo até em casa sem ameaçar me tocar, mesmo que tivesse toda a chance do mundo de fazê-lo. Em um dia estressante, quis gritar com ele, e na última quinta só faltei entrar sozinha em um dos becos no caminho e convidá-lo para me foder da maneira mais humilhante possível. O diabo na minha cabeça não me dava paz. Aidan Hunt e sua família de merda não me davam sossego, ainda mais quando ele aparecia todo santo dia no lugar onde eu deveria ter um pouco de paz. Ver Amanda apaixonada por ele também era um porre. Em um dia desses, me pegando pós-banho, ela tentou dizer que eu parecia fria demais com seu aspirante a namorado e que eu deveria dar uma chance para Aidan como amigo, já que ela gostaria de me apresentar um amigo dele e nós sairmos em casal. Aquilo me desconcertou. A raiva aqueceu meu peito. Não queria ela no lugar de casal com Aidan, mas para não sair do personagem, botei a culpa no cansaço, no trabalho, na faculdade e não consegui fugir, me comprometendo a ir a mais uma festa infernal com o casal do ano. Eu era uma idiota por me enfiar naquele acordo, mas a paz dentro de casa reinou depois da promessa feita. Naquela terça, eu trabalhei de manhã e fiquei na faculdade na parte da tarde. A quantidade de trabalhos começava a ser preocupante e resolvi adiantar o máximo possível naquele tempo livre. Coloquei meus fones de ouvido, reuni os livros que precisava ao lado do computador da biblioteca e digitei alucinadamente, por horas, até que uma cabeça loira apareceu atrás do monitor. Ergui os olhos para enxergar o garoto loiro que conheci na festa que fui. — Harper, certo? — O ouvi dizer quando tirei o fone e confirmei com a cabeça. — Sou Luke, lembra de mim? — O garoto abriu um sorriso doce para mim. — Lembro. — Não falei mais nada. — Ah — ele olhou em volta, um pouco desconcertado pelo meu tom seco —, te chamei porque a biblioteca fecha em quinze minutos. Só estamos nós aqui e eu já vou indo, mas se você quiser, posso te dar uma carona, o que acha? — Obrigada — suspirei, relaxando um pouco —, mas estou meio ferrada aqui, então pretendo continuar digitando até ser expulsa. — Tem muito o que fazer? — Luke tentou espiar a tela. Mordi o lábio e confirmei com a cabeça. — Muito. Não sei como darei conta na semana de provas. — Era um lamento real. — Se você precisar de ajuda, podemos estudar juntos um dia. — Quase ri da proposta. Pensei em afastá-lo, mas algo iluminou minha mente no último segundo. — É claro. Quando der. — Sorri da forma mais inocente possível e ele correspondeu, sorrindo de volta e se erguendo como um vencedor, mal sabia que eu podia destruí-lo. — Vou cobrar. — Piscando para mim, ele se ergueu e deu um passo para trás. — Até, Harper. — Até, Luke. — O nome veio diferente na boca. Mais doce, mais macio. Acenei para ele e quando o garoto saiu pela porta, voltei a colocar meus fones. Eu realmente fui expulsa da biblioteca, mas pelo menos consegui salvar meu trabalho antes de apagarem as luzes, e precisei apertar o passo para não passar mais nenhum segundo na presença da bibliotecária carrancuda. Foi nessa tentativa de me afastar o máximo da mulher que parecia pronta para colocar fogo em mim só com a força do pensamento, que acabei em um caminho diferente para a saída, e então achei a abertura para onde deveriam ficar as piscinas. Pessoas de cabelo molhado e toalhas em volta do pescoço saíam rindo e conversando pelo corredor. Por que eles estão tão felizes? — o diabo na minha cabeça perguntou. E eu entrei pelo túnel de onde as pessoas vinham, indo no sentido contrário, querendo entender. O cheiro de cloro e umidade me acertou assim que cruzei as portas no final do corredor escuro. A iluminação dali era ruim, mas acreditei que fosse por conta do horário. As duas piscinas olímpicas estavam vazias, poucas pessoas ainda saíam dos vestiários ao fundo, e o cara que achei que fosse o treinador já tinha me visto, mas falava com dois alunos em particular. Aproveitei o momento em paz para olhar o mural. Cartazes de competições no estado, recortes de jornais, avisos ao time e fotos estavam lá. E eu quis muito, mas muito mesmo, poder roubar uma delas. Na imagem, Aidan e seu corpo esculpido estavam completamente à mostra. Liso, limpo, sem nenhuma marca, nenhuma tatuagem, nenhum pelo… O demônio sugeriu algo. Eu fechei os olhos e saboreei a imagem do garoto proibido, nu, na minha cama. Na cama? Não em um beco? — a besta perguntou. Aidan não é desse tipo. — Minha resposta foi defensiva. Então você o faria seu namorado? — ele debochou. — Afrodite, você é doentia. Ele nunca olharia para você. Ele tem Amanda. Magra, popular, normal… Encarei a fotografia com um pouco de raiva e ressentimento. Eu poderia, se quisesse. Eu teria Aidan se… — Posso ajudar, mocinha? — A voz do treinador me pegou de surpresa, e me virei para ele em um pulo. Não. Não pode. Ninguém podia. — Claro. Como faço para me inscrever no clube? — O diabo riu da minha atitude, eu o ignorei mais uma vez. O homem me mediu de cima a baixo. Eu sabia que ele julgava meu peso, meu corpo e tudo o mais que podia. — Sabe nadar? — o treinador perguntou, um pouco desacreditado. — Sei. — Era verdade. — Nada bem? — incisivo, ele ergueu as sobrancelhas. — Posso melhorar. — Segurei as alças da mochila, confiante. Respirando fundo, ele coçou a testa. — Esteja aqui amanhã, vamos ver o que você pode fazer. Engoli um sorriso esperançoso e fiz que sim com a cabeça, animada. Eu deveria ficar longe de Aidan, mas como a porra de uma mariposa voando para a luz, eu precisava ficar ao redor, na borda, quase caindo sobre ele. O frio na espinha que me pegou com a ideia de Aidan descobrir que eu o perseguia, me excitou pesado. Ficou quase impossível andar com aquela saia, com as coxas roçando uma na outra, com o ventre pesando de tesão. Se Roy estivesse do lado de fora, como eu imaginava que estaria, aquele seria meu dia de sorte, nem que eu precisasse ajudá-lo uma segunda vez. O cheiro de chuva me pegou desprevenida. Encarei o céu escuro, cheio de nuvens carregadas e engoli em seco. Não era sempre, mas às vezes chuvas fortes me traziam memórias as quais eu queria esquecer. Quando vi a sombra de Roy do outro lado da rua, qualquer pensamento ruim sumiu. Vê-lo trazia alívio, tesão, fuga. E eu vi os dentes do meu demônio se abrirem, afiados e manchados de sangue, em um sorriso ridiculamente grande. Hora de produzir novas memórias para essa chuva maldita. — Senti suas garras nos meus ombros, cheias de ternura. Ele precisa ter coragem — respondi. Ele te segue há dias, seja paciente. Tenha esperança. Quase ri do conselho bondoso. Que tipo de alma faria um demônio cuidadoso? Desci a escada, coloquei os pés na calçada e, tão lentamente quanto pude, comecei minha jornada para casa. Na primeira quadra, mesmo com a iluminação ruim, ainda havia muita gente. Porém, olhando ao redor, notei Roy mais perto do que qualquer noite antes. Mudei de calçada, indo para o lado escuro da rua, onde a cerca de metal delimitava um parque que a faculdade cuidava como quintal do campus na cidade. Ele veio atrás. Definitivamente, algo havia mudado. Seus passos eram pesados, eu o ouvia contra o chão, e depois de atravessarmos mais uma quadra, finalmente, percebi que ele avançava enquanto eu diminuía o ritmo. Os carros dos últimos alunos já tinham partido, não havia mais ninguém na rua além de nós, e assim que passei por uma lixeira grande, atenta, o ouvi suspirar. Meu demônio riu. Será que ele sabe que você é uma viciada? Que você quer e precisa dele dessa forma? Que você reza para que doa, para que te quebre? Ele não sabe, mas desta vez, vai me dar tudo como preciso — respondi. Boa garota — ele estava orgulhoso —, faça cara de choro e implore por sua virgindade inexistente. E eu obedeceria porque, por mais que odiasse aquele demônio, aprendi a amar e depender daquela merda toda para sobreviver, para esquecer, para continuar. — Har-ar-per — meu nome falso foi chamado baixo e parei no lugar. — Harper! — ele chamou uma segunda vez. Forte, certo do que fazia. Sem alternativa, com o coração acelerado e os mamilos tão duros que o peso do sutiã começava a ser agonizante, peguei fôlego, já com a respiração acelerada, e me virei devagar. Dentro de todas as possibilidades, nenhuma me preparou para aquela. Parabéns, idiota! — o demônio comemorou ao ver a arma apontada para a minha cabeça. — Finalmente, um pouco de diversão. Vamos lá, Afrodite, você sabe o que fazer. Por alguns segundos, como um ser humano normal, eu encarei a pistola e fiquei em choque. Meu corpo tremeu de medo, o ar ficou difícil de ser aspirado. Então segui olhando a mão, o braço, lá estava o rosto de Roy. Descoberto, com olhos insanos, parecendo ter perdido o juízo. Finalmente tomei fôlego. — Roy? — soprei seu nome, fingindo não entender o que acontecia, tentando ignorar a vontade arrebatadora de que ele me pegasse pra valer. — Não fale meu nome. — Ele engatilhou a arma. — Tentei evitar que isso acontecesse, que eu precisasse fazer isso com você de novo, mas não aguento. Essa merda é mais forte do que eu. — Roy, eu… — Tentei contar que entendia, mas ele não deixou. — VOCÊ NÃO SABE DE NADA! — explodindo, ele acabou com a distância entre nós. Minha única reação foi erguer as mãos e olhar para baixo, mesmo que o rosto dele estivesse sobre o meu. Tudo em mim tremia. E tudo gritava. Era o medo, a tristeza, o anseio e a repulsa. Era o céu e o inferno, o carinho e a punição. Era o meu pesadelo, minha desgraça, meu castigo e meu vício. Quanto pior, melhor. E não dava para fugir. — Me dê sua calcinha — ele ordenou. O hálito quente com cheiro de álcool bateu no meu rosto. Engoli em seco e lentamente abaixei as mãos. Ergui a saia e, com a arma na minha têmpora, cuidei de cada movimento para não o assustar. Notei que chorava quando vi as marcas na blusa escura. Agradeci a reação humana, já que há um bom tempo eu vinha me perguntando se ainda pertencia à essa raça. Também me perguntava se, mesmo com toda minha sujeira, eu seria digna de amor. Amor não pode te curar. Nada pode. — Suspirei ouvindo aquilo. — Vamos, Afrodite. Ande logo com isso. Olhei nos olhos de Roy e disse: — Aqui está. — Ofereci o tecido encharcado e o vi sedento, pegando-o como se valesse ouro, cheirando-o como um viciado. Pensei que me mandaria chupá-lo enquanto ele entrava naquele transe. Que se masturbaria na minha frente e me faria engolir seu gozo, mas não. Roy realmente havia mudado. Sua arma foi parar no bolso, ele não parecia ter medo de eu fugir. Quando ele me pegou no colo, eu mal consegui gritar. Minhas pernas ficaram suspensas, abertas. Minhas costas foram moídas contra a grade. E sem aviso, sem dó ou piedade, Roy me fodeu de uma vez, duro, até o fundo. Cru. Pesado. Animalesco. Eu chorei de dor, eu gritei de alívio, não me controlando conforme ele segurava minha bunda para foder mais rápido ou me mordia no peito sobre o tecido da blusa, me fazendo gemer do mais puro prazer e agonia. No fundo da minha mente, meu demônio ria, valsando sozinho conforme eu era bombardeada de violência e devassidão. Conforme Roy entrava e saía de mim cada vez mais rápido, buscando seu alívio próprio, meu clitóris roçava contra ele e eu não consegui me conter tanto. Me segurei na grade, pedi por misericórdia, mas cada vez mais molhada e apertando-o, ele nem cogitou a ideia. Na verdade, ele só tentou me calar, e eu fiquei duas vezes mais excitada quando uma das suas mãos veio ao meu pescoço. O demônio bateu palmas. Eu amava ser sufocada. — Eu vou… — ele avisou, parecendo querer me obrigar a ver. Era uma pena que seus dedos apertando forte em volta da minha garganta me fizessem gozar primeiro. Mal pude gemer, mas Roy não foi silencioso. O desgraçado saiu de mim e gozou fora, me sujando inteira. Eu não me importava. Quando ele me soltou, com as pernas sem firmeza, caí no chão. Ele viraria um borrão, portanto, não me preocupei em vê-lo correr para longe. Mantive os olhos fechados, tentei recuperar o controle da respiração. Tentei ouvir a voz que me atormentava todo santo dia, mas ela não estava lá. No mesmo instante, começou a chover, mas eu fiquei ali, de olhos fechados, sendo lavada pela chuva, no meu momento de pessoa normal, me lembrando de que aquilo era só água. Só água. Não podia me ferir. ARES Eu era um deus. Um que apreciava o caos, mas que venerava a destruição. Foi só por isso que, naquela noite, eu só observei. Eu esperei e assisti à Afrodite sendo vítima do destino. Algumas coisas dentro daqueles dias, observando caçador e caça, não faziam sentido. Seu perseguidor era falho, barulhento, mas ela não corria. Ela ficava, facilitava, e eu me perguntava se era por burrice, inocência ou vontade de ser pega. Eu queria descobrir a verdade. Acendi meu primeiro cigarro do outro lado da rua, atento ao homem que apontava uma arma para ela. Escondido nas sombras, vi Afrodite tirar a pequena peça íntima branca. Odiei vê-lo guardá-la no bolso depois de cheirá-la. Eu ainda não sabia seu cheiro, mas o descobriria em breve e daria um jeito para que mais ninguém tivesse acesso a ele. Traguei meu cigarro ouvindo a pouca resistência dela. Seria medo de morrer? Assisti, curioso. Absorvi os pedidos silenciosos da loirinha, o choque de ser erguida, mas o horror por ser penetrada daquela maneira? Ele não estava lá. Me atentei aos gemidos, a cada suspiro no meio do choro mudo. Bebi daquela novidade. Eu estava louco, ou Afrodite estava gostando daquilo? Ele a enforcou. Ela sorriu antes de engasgar sem ar. Algo congelou o sangue nas minhas veias e depois o superaqueceu. Olhei para baixo, para o meu corpo e não tive alternativa, a não ser rir. Aquele parecia ser o maldito efeito dela. Afrodite me fazia sentir. Do outro lado da rua, naquela sujeira, ambos chegaram ao ápice. Ele, cheio de vergonha. Ela, no chão, de olhos fechados, em uma expressão que eu não conseguia decifrar. O homem correu. Ela ficou e deitou no concreto, mesmo com a chuva forte. Sem medo, mantendo o capuz sobre minha cabeça, me aproximei dela, e foi como ter o coração batendo, vivo de verdade depois de anos paralisado e seco. Doeu visceralmente e me assustou pela primeira vez em muito tempo. Afrodite sorria. Satisfeita. Plena. Divina. Ali eu tive certeza de que deveria fazê-la minha. Dei meia-volta. Sabia a direção que o abusador havia ido, onde seu carro estava estacionado. Três quadras depois, eu o peguei. A porta do carro estava fechada, mas não trancada. Ele paralisou de susto quando eu a abri e só reagiu quando peguei na sua nuca. A calcinha de Afrodite estava em sua mão. Eu fiquei cego. — Qu-quem é você? — ele se atrapalhou para dizer. Eu não respondi. Desci sua cara contra o volante, batendo repetidas vezes com toda a força que tinha. Até minhas veias queimarem. Até ouvir o som de algo quebrando. Até sentir o cheiro de sangue. Até ele parar de lutar. O corpo do homem tombou para trás, desacordado. Tomei a peça de Afrodite dele. — Sou seu pior pesadelo, filho da puta — respondi ao cara que não podia escutar. — Sou Ares. A chuva da noite passada renovou minhas esperanças. Acordei com dor no corpo, um pouco resfriada, mas com a mente limpa. Um completo silêncio. Uma paz que só o pior dos castigos poderia me proporcionar. Saí dos lençóis lentamente e me esgueirei até o armário, achando meu velho maiô, com o coração ansioso para o que estava prestes a fazer. Eu me troquei, penteei os cabelos e tomei o café mais reforçado da última semana. Não deixei nada pronto para Amanda ou Marck, e esperava não ver nenhum dos dois antes de sair, porém, de calcinha e camiseta, ela apareceu na porta do quarto. — Já vai sair? — Sonolenta, ela se espreguiçava. — É, preciso terminar o trabalho que comecei ontem — menti de forma bem convincente. — Sabe que pode usar meu computador se precisar, não sabe? Abri um sorriso do mais amigável. — Obrigada, mas acho que vou conseguir comprar o meu no final do mês. — Virei para a porta e não me despedi antes de sair. Eram 8h10 da manhã. Minha primeira aula começava às 10h30. Sentada na beirada da piscina, com as pernas dentro d'água e aquela touca plástica que apertava a cabeça, fiquei observando o resto das pessoas ali. Atléticos, rápidos, nada a ver comigo. Por alguns minutos, repensei aquela atitude impulsiva. O que eu estava fazendo ali se Aidan nem estava presente? Meu suspiro chateado soprou magia no ar. Aquela era a única explicação, já que, do outro lado, de jeans e camisa social branca, distribuindo sorrisos com sua mala preta nos ombros, Aidan Hunt chegou. O mundo pareceu parar de girar. Todos pararam para apreciar a caminhada do garoto que mantinha o sorriso de covinhas no rosto. Aidan parecia divino. Proibido. Tentador. Eu quase desisti daquela merda quando me dei conta de que só estava ali por causa dele. Porém, como um sinal maldito do Universo tentando me impedir de fugir, ele me viu. Seus passos mudaram de direção, seu sorriso ficou mais caloroso. Seus olhos brilharam. — Harper. — Meu nome parecia música na sua boca. — Não sabia que você nadava. — Oi, Aidan. — Minha voz mais doce e submissa saiu conforme eu encolhia os ombros e o olhava de soslaio. — Sei nadar, e achei que seria bom entrar para o clube, mas não sei se dou conta. — Olhei em volta e sussurrei: — Todos parecem tão bons aqui. Talvez isso não seja pra mim. — Erro seu achar isso. Me espere aqui que vou te ajudar. — Ele deu meia-volta. — Aidan — chamei uma vez, mas ele ignorou. — Aidan! — falei mais alto, mas ganhei uma piscadela e ele sumiu no vestiário. Meu coração disparou, minha cabeça girou, e eu esperei a voz surgir, mas só ouvi uma risada baixa. Não desperte, por favor, não desperte! — implorei mentalmente. Meu corpo ainda se lembrava da noite passada, isso devia bastar para, no mínimo, quinze dias de paz, de controle. De alívio. Fechei os olhos com força, curvando um pouco o corpo para frente, segurando na borda da piscina. É Aidan, só Aidan. Ele é um garoto legal e não se lembra de você. Se acalme. Resista — disse a mim mesma repetidas vezes, até que ouvi o som de um corpo entrando na água bem ao meu lado. Mesmo com o ambiente fedendo a cloro, o perfume dele invadiu minhas narinas e eu abri os olhos com pressa, sedenta para vê-lo. Com uma touca azul igual a minha, Aidan, com toda a sua altura, mesmo dentro d'água ainda ficava maior que eu. O rosto perfeitamente esculpido. As covinhas, o sorriso, as ruguinhas nos cantos dos olhos… o peito liso, definido, a pele limpa, quase marmorizada, se não fosse a tatuagem azul e preta impressa sobre ele. Só estranhei ser o desenho de uma borboleta. Não consegui disfarçar meu interesse naquilo. — Era para ser uma mariposa, mas ninguém espera ver beleza no desenho de caveira nas costas de uma borboleta — ele explicou, me deixando constrangida pela minha indiscrição. — Você tem alguma? — Tatuagem? Nenhuma. — Neguei com a cabeça, evitando olhar seu rosto. — Mas achei a sua bonita. Sabia que ele sorriria. — Certo. Agora, se você não se importa — Aidan se abaixou e aproximou o rosto do meu, me obrigando a ir para trás —, pare de me evitar. Você é tímida assim, sempre? — Eu só… não — admiti. — Ótimo. Sem eu esperar, Aidan me abraçou, se encaixando entre minhas pernas e me puxou para si, para fora da borda, para dentro da piscina. Minha única reação foi agarrá-lo com força, assustada pela atitude brusca, pelo contato físico tão intenso. — O que você está fazendo? — perguntei num sussurro gritado enquanto ele nos levava para o fundo. — Ninguém aprende a nadar no raso, baixinha. Meu coração congelou. Baixinha? Havia algo diferente no meu estômago. Eu não conhecia a sensação. Quando Aidan me soltou, me agarrei à borda. Era a minha chance de sobreviver à piscina. De não me afogar ao me apaixonar por ele. Eu não conseguia parar de pensar em Aidan Hunt. Naquela manhã, ele me ensinou como o professor mais amoroso e gentil. Ele me fez mostrar o que eu sabia, corrigiu meus movimentos, e em toda oportunidade, me parabenizou. Focou em mim e me chamou de baixinha da forma mais íntima e carinhosa possível. Aquilo me desconcertou. Não prestei atenção na aula, mas rabisquei o nome dele junto do meu na folha de anotações do dia, como se sonhar com aquilo não fosse errado. Quando o vi com os amigos, sentado em uma das mesas no restaurante em que eu trabalhava, quis vomitar meu coração. Ele bateu tão forte que me deu tontura. Minha única saída foi fingir não ver Aidan e ir logo para o vestiário. A porta abriu e Rose me encarou, espantada. — Já está sabendo? — O tom da fofoca era urgente. — Do quê? — Roy foi atacado, está no noticiário… — Minha mente deu pane. — Harper? Acabaram de deixar para você. — Milles apareceu com um buquê de rosas azuis e uma caixa. — Você está namorando? — Rose perguntou, mas tudo acontecia muito rápido. — Não. Espere… — Caminhei para dentro do vestiário e me sentei com os presentes no banco à minha frente. — Roy? O que aconteceu com ele? — Ele não contou, mas a polícia suspeita que… — enquanto a garota falava, eu procurava o cartão das flores — …ele tinha ido mexer com coisa ilegal… Achei o bendito cartão e o abri. "AGORA ELE NÃO PODE MAIS TE SEGUIR.” ARES — Cortaram os pés dele, Harper. Você acredita numa crueldade dessa? O mundo parou de girar. O único som que eu ouvia era o do meu coração. BUM. BUM. BUM. Eu abri a caixa. E vendo os pés de Roy lá dentro, eu gritei. A xícara de chá esfriava na minha mão, enquanto do lado de fora do meu quarto escuro eu ouvia a discussão baixinha, que ganhava força, já que minhas babás acreditavam que meu choque era tanto que eu não podia ouvi-los. — Ela precisa ver uma psicóloga, um médico, não de nós dois — Amanda insistiu. — Eu sou quase médico. Posso cuidar dela. E ela não tem ninguém aqui, eu já chequei. Você é a pessoa mais próxima, nem as amigas do trabalho sabem muito dela — Aidan rebateu. — Vamos lá, Amanda. Dê mais alguns dias para ela se recuperar. Está tudo muito recente, não tem nem quarenta e oito horas que enviaram a porra de um par de pés pra essa menina. Imagina se fosse com você? O silêncio durou muito entre eles. Ela deu um suspiro. — Você tem razão. Mas precisamos tirá-la disso. Ela não sai desse quarto, não come, mal fala… — É o choque. Vai passar. — É bom que passe logo. Você e eu não podemos ficar vindo aqui o tempo todo, e não dá pra contar com o Marck em nada. Ele mal tem dormido aqui. Já que a gente não vai sair, eu vou tomar um banho e fumar um. Você podia convencer ela a fumar também, assim, quem sabe, ela consiga dormir? Não demorou para a porta do banheiro bater. Queria que a cabeça de Amanda estivesse entre a porta e o batente nessa hora. Dei um gole no chá doce. Melado. Era quase o mesmo gosto da água com açúcar que me deram quando a polícia chegou para colher meu depoimento e levar os pés de Roy embora. As flores azuis também se foram e, por algum motivo bizarro, eu fiquei triste por isso. Apesar de chocantes e esquisitos, aqueles eram presentes meus. Ninguém tinha direito de tomá-los. Ou tinham? Minha cabeça estava uma bagunça e eu não queria consertar. Não quando quem me tirou do restaurante e me colocou no carro como se eu fosse um pacotinho de algo precioso tinha sido Aidan. Ele me levou para casa, subiu cada um dos degraus comigo, tirou meus tênis de trabalho e me deitou na cama. Aidan tentou me alimentar, me convencer a conversar, mas não consegui desenvolver quase nada. Meus dedos brincavam com o papel assinado por um deus grego enquanto outro ser do Olimpo me encarava preocupado, segurando minha mão livre. E era absurdamente bizarro como a mão dele se encaixava bem na minha. Quando Amanda chegou naquela noite, odiei quando ele me soltou para vê-la e explicar tudo. No começo, eu achei que ela teria pena de mim, mas como a atenção de Aidan não diminuiu, sua paciência durou pouco. Eu a compreendia. Se tivesse Aidan, nunca dividiria ele com ninguém, por segundo nenhum. Ela tinha o direito de me odiar um pouco daquela vez. A porta do quarto se abriu. Mantive o olhar vazio até ele chamar meu nome: — Harper? Achei seu rosto com lentidão e suspirei. — Oi… — Minha voz saiu cansada, baixa. — Que tal a gente sair um pouco deste quarto? Não é que não adore cada segundo com você aqui dentro, mas acho que meu traseiro não aguenta mais seis horas sentado neste chão. — O meio-sorriso divertido dele me ganhou. — Podemos assistir a um filme na sala, algo para você distrair a cabeça, o que acha? Encarei a xícara de chá, tomei fôlego e concordei. — Precisa de ajuda para sair daí? — ele perguntou já perto da cama, muito gentilmente. — Acho que sim. Me desculpe por isso. — Dócil, eu realmente não queria ser um fardo para ele. — Por te ajudar a levantar? Não se preocupe. — Ele pegou a xícara, colocou-a sobre a mesa de estudo e veio me oferecer a mão. — Não só por isso. Você tem mais o que fazer do que ficar aqui e… — Tentei dizer enquanto ficava de pé, sentindo o efeito da falta de alimento. Aidan esperou eu me estabilizar, então afastou meu cabelo para trás do ombro com a mão livre, e ainda com uma mão na minha, de frente para mim, ele disse: — Acredite, podiam estar distribuindo notas de cem lá fora. Eu ainda estaria aqui, cuidando da minha paciente favorita. — O sorriso mais doce se abriu nos lábios de Aidan Hunt. Sem uma resposta que me fizesse parecer uma idiota, eu só abri um meio-sorriso e apertei seus dedos um pouquinho mais forte em agradecimento antes de irmos para a sala. Amanda saiu do banho, enrolada na toalha, de cabelos molhados e baseado aceso entre os dedos. Quando passou por Aidan que ia para a cozinha buscar comida que havia comprado, fez questão de beijá-lo de maneira obscena e eu sabia que aquele era um recado de que eu tinha o médico, mas o homem era dela. Fingi que não vi e continuei a rodar a lista de filmes do streaming sem conseguir escolher nada de bom. Quando ambos vieram para a sala, Amanda direcionou Aidan para o outro sofá, mas ele se sentou na ponta próxima a mim. Com os olhos dela sobre mim, eu não me atrevi a mexer nenhum músculo. — O que achou de bom? — Aidan perguntou. — Sinceramente? Estou entre desenho e aquelas comédias ruins… — Por que não vemos um filme que te ajude a superar? Jogos mortais, O Albergue? — Amanda, porra… — Aidan xingou, olhando para ela, indignado. — Ela precisa sair dessa, e se ajudar. — Ela encolheu os ombros. — E eu adoro esse tipo de filme. O que você diz, Harper? — Ela não deu tempo de Aidan brigar com ela mais uma vez. — Eu… — Não tive coragem de dizer não. — Podemos tentar se você acha que é uma boa ideia. — Tem certeza? — Aidan tentou confirmar comigo, mas Amanda deu dois tapinhas no ombro dele, ofereceu o baseado e falou, enquanto apagava a luz: — Confie nela. Harper é uma garota forte. Não discuti. Achei o filme que ela queria e dei play. Odiei o começo. Parecendo notar minha tensão, Aidan ofereceu a mão e eu aceitei, gostasse sua parceira ou não. Ele resistiu quando eu apertei seus dedos com a tensão crescente. Aguentou minha mão esquentando e suando contra a sua conforme eu começava a ficar nervosa com tudo o que via na tela. E quando minha mente voltou dois dias atrás, e eu enxerguei os pés de Roy como se estivessem na minha frente de novo, precisei largá-lo para correr para o banheiro e vomitar. Voltei para o meu quarto e fechei a porta. Ouvi toda a discussão do casal em formação. Não consegui dormir, pensando que Aidan se importava comigo. Eu ainda estava aproveitando o silêncio da casa e da minha mente, estranhando meu demônio não ter surgido depois de tanta coisa, quando o interfone tocou. Levantei da cama com alguma preguiça e cansaço, mas fui rapidamente até a cozinha para atendê-lo. — Alô? — falei baixo, tentando não acordar ninguém. — Tenho uma entrega para Harper. — Meu coração gelou. — Eu… já estou descendo. Bati o interfone sem esperar uma resposta, voltei ao meu quarto, revirando minha bolsa para encontrar algum trocado para o entregador e botei os chinelos. Saí pela porta sem nem mesmo fechá-la e desci aqueles degraus mais rápido do que nunca. Quando cheguei lá embaixo, abri a porta com a respiração disparada e encontrei o entregador com um buquê enorme. Meu coração doeu. Não tinha outro membro decepado, tinha? — Harper? — o entregador perguntou. Confirmei com a cabeça. — Aqui, é seu. — O buquê de rosas azuis era grande o bastante pra eu precisar do braço inteiro para carregá-lo. Eu mal consegui agradecer, o homem não esperou a gorjeta, e já saiu andando na sua bicicleta. Estranhei, mas fechei a porta e, olhando em volta, garantindo estar sozinha, me sentei no chão e encarei meu presente. O bilhete estava junto e eu, com os dedos trêmulos, o abri para ler. “Te achei. O mundo estava claro demais, brilhando em um amarelo irritante quando te vi. Quando me reconheci. Te achei, Afrodite, e o mundo voltou aos tons de azul que eu tanto gostava. Depois de tanto tempo procurando, como o deus da guerra amaldiçoado pelas más línguas, afastado da deusa do amor injustiçada, mal sabia eu, até colocar os olhos em você, o tamanho da necessidade que tinha de tê-la, de possuí-la, de marcá-la. Eu espero que você se lembre logo. Que sinta minha falta, me escolha, me deseje. Eu sei esperar. Eu vou esperar. Do outro lado da rua. Seu deus, seu Ares.” Eu me levantei num pulo e, num ato de coragem misturado com curiosidade, abri a porta e encarei a rua, procurando-o em algum canto, mas estava muito cedo, muito claro, e eu duvidava que Ares estivesse ali agora. Porém ele sabia. Como? Eu não fazia ideia. Mas ele sabia. Subi as escadas pensando em mil coisas. Desde quando ele estava lá? Ele me viu quando cheguei em Detroit? Ele veio da Virgínia comigo para cá? Ele me chamou por aquele nome para fazer par com o seu, ou ele realmente sabia que ele me pertencia? Como ele era? Com o que se parecia? Onde ele apareceria? Meu Deus, aquele era o mesmo homem que tinha arrancado os pés de Roy? Abri a porta do apartamento com o olhar perdido e a cabeça fervilhando, tão absorta em todas as minhas questões que não notei Aidan sentado no sofá. — Bom dia — ele cumprimentou e eu tomei um susto. — Bom dia… O que faz fora da cama essa hora? — perguntei, parando no lugar. — Preciso ir para o hospital. Tenho horas a cumprir. E você? — Me mandaram flores… — não abri mais do que aquilo. Não podia arriscar. — Você tem um namorado? — As sobrancelhas de Aidan se juntaram de um jeito questionador. — Não… podemos falar disso depois? Ainda não consegui dormir, minha cabeça está me matando. — Esfreguei entre os olhos e ele relaxou um pouco. — Vou te dar um comprimido antes de sair. E se você não dormir hoje à noite, vou arranjar algo para você descansar. — Isso vai passar logo, e você tem sido um bom amigo para mim. Obrigada mesmo, Aidan. Agora, pare de se preocupar um pouco comigo e cuide mais de você e do seu… não sei o nome do que você tem com Amanda, mas parece ser sério. Ele riu. — Depois conversamos, então. Meu coração bateu tão forte que eu tive certeza de que ele pôde ouvir. Algo no fundo da minha mente começou a trabalhar no automático e eu mal tive chance de fazê-lo sumir, ou de tomar o controle de volta. Obedeci, quando meu corpo me levou até o banheiro, e de banho tomado, escovei o cabelo e o prendi em uma trança lateral, colocando pequenos brincos de pérolas falsas. Um blusão de tricô, jeans e meus velhos tênis brancos foram os escolhidos da vez, e sem ninguém para me prender em casa, coloquei a mochila nas costas e saí. Teria roído minhas unhas se elas tivessem um tamanho decente para isso. Brinquei tanto com o relicário no meu pescoço, passando-o de um lado para o outro, que tive medo de arrebentá-lo. Ainda assim, não desisti do meu caminho. Era maior do que eu. Desci do ônibus, no ponto mais próximo ao hospital, e caminhei mais algumas quadras com o céu cinzento de Detroit anunciando a chuva que mais tarde cairia sobre nós e só parei, entendendo o que eu fazia, quando a mulher da recepção do hospital confirmou. — Você veio visitar Roy Adams? — Isso mesmo. — Confirmei com a cabeça. — Espere um momento. — A mulher de cabelos cacheados cheio de mechas me fez ficar em pé no balcão por um longo tempo, até me entregar a etiqueta de visitante para eu colar sobre o peito. — Você tem meia hora, já que tem mais gente lá em cima. Mais gente? Provavelmente, a família. Não era problema para mim, mesmo que pudesse ser para ele. — Perfeito. — Dei as costas à recepção e caminhei na direção do elevador. Meu coração batia acelerado, meu corpo tremia de ansiedade, e o motivo de estar ali era ainda um mistério. Mas algo me mantinha sob a coleira. Algo me obrigava a continuar. E não desobedeci. Apertei o botão do andar em que Roy estava, odiei o cheiro que invadiu meu nariz quando as portas se abriram novamente, e foi pior ainda a sensação que me abraçou quando desci naquele andar. Um véu da solidão mais fria cobria o andar do hospital e eu evitei ficar parada muito tempo para que ela me pegasse. Depois de uma boa caminhada naquele andar, finalmente achei o quarto onde Roy estava e ele não era particular. Na verdade, eu fiquei bem chocada pelo estado do lugar. As divisórias entre os leitos eram feitas com plástico branco. O cheiro de produto de limpeza parecia ainda pior, e eu me esgueirei para dentro, vendo claramente as sombras de Roy deitado e de, provavelmente, sua esposa, em pé ao lado. A coitada acariciava os cabelos do marido. Beijava-lhe a testa. Cuidava do idiota que não a respeitava. Assistindo àquilo, fui me aproximando aos poucos, até parar em frente ao plástico que dava entrada naquele leito. Podendo ser vista. Querendo ser vista. Mas Roy mantinha os olhos fechados. Por um rasgo no plástico, eu podia ver os cotos cobertos, sentir o desespero do homem que tinha perdido algo que nunca mais ia recuperar. E, por mais que eu tivesse buscado por alguém como Roy por necessidade extrema, não tinha um pingo de dó dentro de mim para lamentar por ele. Bem feito. Devia ter sido pior. Era só o que eu conseguia pensar, já que eu precisava do pecado, mas odiava o pecador. E enquanto minha máscara caía, ele abriu os olhos. E me ver lá talvez tenha sido ainda pior para ele. Era eu, sua vítima, o motivo dele estar no hospital agora, ao lado da sua esposa. O que ela faria se soubesse? O que ela diria? Como ela o recriminaria? Tive vontade de falar, mas não podia sustentar tudo o que precisava, caso abrisse a boca, então me bastou a sensação dele olhar nos meus olhos e ter medo de mim. Bastou os gritos que ele deu. Bastou o desespero dele ao abraçar sua esposa enganada. Dei as costas a Roy para sempre, com os olhos manchados de lágrimas que, dessa vez, não eram de desespero. Voltei para o elevador, apertei o botão para descer, e incomodada pela demora, me abracei e andei de um lado para o outro. — Ei, Harper. O que faz aqui? — A voz me chamou de longe e foi como se todo o meu corpo pulsasse de uma vez. Virei o rosto com pressa para vê-lo, do fundo do corredor, vestindo um uniforme diferente do que eu imaginei, Aidan surgiu. — Ei — cumprimentei de volta e dei um passo para o lado, ignorando o elevador por completo. — Eu tentei visitar o cara que era meu cliente, mas não me senti bem… Aidan fechou a cara e deu um suspiro nervoso. — Isso não é por aquela merda de obrigação de superação que Amanda falou, não é? — Não. Eu juro que não — defendi minha colega de apartamento. — Ótimo. Porque, baixinha, você não é obrigada a nada, ok? — Me puxando para um meio abraço, Aidan encaixou a mão na minha cintura e o queixo sobre a minha cabeça. — Você faz ficar mais fácil. Obrigada — agradeci baixinho, apertando seu ombro antes de soltá-lo logo. Era perigoso não o soltar nunca mais se ficasse mais tempo ali. — Mas eu preciso começar a me mexer. Tenho um emprego para manter, contas para pagar, uma vida para continuar. — Certo. Mas não precisa fazer nada disso sozinha. Inclusive, eu saio em quinze minutos. Tem uma reunião hoje da galera para terminar de ajustar as coisas pro Halloween. Você não quer ir comigo? — Amanda vai? — Acho que não. Ela tinha alguma coisa do trabalho para fazer, mas isso é um problema? Parei por um momento, o alerta vermelho brilhando na minha cabeça. — Não quero arranjar problemas para você. — Era a maior das verdades, até então. — Não se preocupe comigo. Sou bem grandinho para lidar com qualquer coisa que possa acontecer. Agora, você? Você é pequena demais. Precisa de ajuda. — Ele brincou com minha trança. — Me espere lá embaixo na recepção. Em dez minutos, estarei lá. Quase me causando um infarto, ele se curvou e beijou minha bochecha. Aidan Hunt me deu um beijo demorado na bochecha. Imagine se ele soubesse o que você aprontou com o pai dele? — A voz do diabo voltou com tudo, mas nem ela foi capaz de me meter medo. De desistir. Ele podia descobrir, mas eu iria embora antes disso. Como uma criança ansiosa para tomar sorvete, sentei com a mochila nas pernas e a agarrei, completamente ansiosa, balançando o corpo enquanto encarava os elevadores. O nervosismo de ter Aidan me mandando esperá-lo, me comeu o estômago, mas foi só ele chegar sorrindo para que cada uma das úlceras causadas pela sua ausência fossem curadas. Você está se apaixonando, Afrodite? — A voz que estava adormecida por todos aqueles dias, despertou cantarolando no meu ouvido. Tentei não acreditar no que ela dizia. Tentei fingir que ele não havia acordado mais uma vez e foquei no loiro vindo na minha direção. — Demorei? — Aidan perguntou ao se aproximar e eu fiquei em pé num pulo. — Não. Não demorou. — Sorri, tentando esconder o nervosismo que ele me causava. — Ótimo. Saímos por ali, então. Meu carro está na rua hoje. Me guiando, ao meu lado, mas mantendo uma mão no meu ombro, segui com Aidan para fora das paredes daquele lugar que me dava mil e um sentimentos ruins. Aidan abriu a porta como um cavalheiro e eu me senti uma traidora vagabunda com Amanda ao aceitar todo aquele tratamento sem me repreender. Talvez, se eu soubesse manipular a situação, as coisas não fossem tão mal, não? Quer enganar a quem? Você não os quer juntos — o diabo soprou. De fato, eu não queria. Queria Aidan comigo, por mais perigoso que fosse. Fuja disso — briguei comigo mesma e me obriguei a perguntar quando ele entrou pela porta do carro: — Você pode avisar Amanda de que estou com você? Não quero que ela pense coisa errada. Aidan me encarou como se eu fosse esquisita e riu, despreocupado. — Ok, vou avisar, mas… por que você está tão ansiosa para que eu faça isso? Tem medo de Amanda pensar alguma besteira? Confirmei com a cabeça. — Acho que ela pode não gostar de eu estar o tempo todo com você nos últimos dias… — É o que tem sido, nós não temos culpa. — Ele deu de ombros e suspirou. — E eu realmente acho que não é um problema, até porque foi Amanda que insistiu para que eu te conhecesse e ficasse numa boa com você. Ela se importa que você goste de mim para não reclamar da minha presença no apartamento de vocês o tempo todo. — Ele achava graça daquilo, pude ver no sorrisinho que segurou. — Mas se isso te acalma. — Aidan sacou o celular do bolso e começou a digitar. — Vou avisá-la de que está comigo hoje. — Obrigada. — E seu namorado? — ele perguntou depois de enviar a mensagem. — Meu namorado? — É, você não recebeu flores dele naquele dia? — Eu te disse, eu não tenho um namorado. — Aidan tirou o carro da vaga, atento ao que eu falava. — E não sei quem enviou aquelas flores. — Então você tem um admirador secreto? — Aquilo parecia absurdo dito em voz alta. — Não acho que chegue a tanto. Aquele foi o segundo presente dele e não acredito que vá evoluir para um terceiro. — Por que não? — Porque sou eu. Não há nada interessante sobre mim e quando a pessoa perceber, vai parar. — Você não se vê com muita clareza. — Foi o único comentário dele antes de mudar de assunto. Você não pode dizer nada, garoto. Você nem se lembra de mim — respondi mentalmente, tentando pensar em um bom assunto para seguir pelo caminho que não me envolvesse. Por sorte, Aidan encontrou um caminho e passou o trajeto me contando como começou a trabalhar no hospital, naquele em específico, e falou dos desafios da medicina, da vida escolar e em como mal dormia para conciliar tudo. Aquela conversa só serviu para me deixar ainda mais encantada por ele, vendo todo o esforço que ele precisava fazer, ainda mais depois de eu arruinar tudo. Era para Aidan ter uma vida fácil, leve, mas ela não existia por minha causa. Por minha culpa. Quis abraçá-lo e dizer que sentia muito, mas tudo o que fiz foi descer quando ele estacionou e me manter com as mãos juntas ao corpo. Decididamente, eu não podia chegar mais perto de Aidan sem maiores riscos, sem trazer maiores problemas, tanto para ele quanto para mim. — Fui absurdamente chato, não é? Está na sua cara que te dei sono. — Não, jamais. Eu acho demais você conseguir dar conta de uma vida assim, eu não daria… — Você já se desdobra em muitas, é nova, não tem ninguém e se vira como dá. Eu ainda tenho algum apoio familiar, mesmo que… — Ele passou na borda da ferida e evitou entrar. Fiquei um pouco decepcionada. A curiosidade lá no fundo fervia para saber o que tinha dado da vida dos Hunt depois da tragédia com o pai. — Mesmo que isso aqui seja uma bagunça o tempo todo. — Ele indicou a casa da fraternidade. — É uma festa? — perguntei, um pouco insegura. — É uma reunião semanal, mas o pessoal mais novo perde um pouco o controle. E era possível ver isso traduzido em bebida, som alto e gente dançando para todo lado. Não era uma festa de lotar o gramado, mas tinha pelo menos cinquenta pessoas por ali, fácil. Olhei em volta um pouco perdida e, de novo, a mão dele veio ao meu ombro para me guiar. — Lá em cima — ele disse perto do meu ouvido ao passar pela porta —, primeira porta à direita. Consciente demais da pouca distância física, subimos as escadas, desviando dos outros transeuntes, e entramos pela porta que ele indicou. O cheiro carregado de fumaça de todo tipo de coisa me atingiu. Era charuto, cigarro e maconha em uma única leva. Naquela sala mal ventilada, respirar aquilo me fez correr. — Olha quem chegou! — gritaram quando viram Aidan. — Demorou hoje — alguém meio bêbado reclamou, e muitas exclamações seguiram. — É porque eu faço uma coisa que vocês deveriam aprender sobre, se chama trabalho, porra — ele brincou de volta, dando uma bronca. — E eu trouxe uma amiga, tratem ela direito. — Soltando minha nuca, ele me largou no espaço sideral que era aquela sala cheia. — Harper, sente onde achar mais confortável. Não tive muita opção de escolha. Uma poltrona me foi apontada e logo minha bunda estava grudada nela. Também me ofereceram tudo o que havia para fumar, mas recusei. Logo largaram um copo cheio de cerveja na minha mão e neste eu achei ser seguro dar um gole, enquanto entendia o caos daquela sala. Em um canto, garotos jogavam pôquer. Em uma rodinha mais afastada, conversas filosóficas chapadas eram desenvolvidas. No outro, onde estava Aidan, resolviam problemas. — Os pais dele não vão mais viajar, a festa não vai poder ser lá e aqui a gente precisa segurar com o barulho. — O que sobra? — Aidan perguntou. — Só aquele celeiro velho e a casa dos pais do Cole. — Celeiro? — perguntei e a atenção veio parar no meu rosto. Senti as bochechas queimando na hora. — Alguma ideia, baixinha? — Aidan me chamou daquela forma na frente de outras pessoas e eu quase entrei em combustão. — Eu… estava pensando. Vocês querem algo épico, não é? — Sem dúvidas — um dos caras respondeu. — Então por que não fazem uma casa de horrores? A festa pode ser mais uma na casa, vão ver centenas delas pela cidade, mas algo focado no susto decente? Não tem. Eles levaram algum tempo considerando minha ideia. Por um segundo, achei que tinha falado besteira. O gosto da cerveja na minha boca chegou a ficar ruim. Isso foi até Aidan vir até mim. Olhos brilhando e sorriso aberto no rosto. Quando ele pegou meu rosto entre as mãos e me ergueu, beijando o meio da minha testa, a sala explodiu em gritos de comemoração. — Temos o melhor Halloween! — gritaram de um lado. — O melhor já visto! — puxaram do outro. Mas eu só sabia rir por ter Aidan Hunt com os olhos nos meus, parecendo me achar brilhante. — Seremos aterrorizantes — ele soprou para mim. — Eu conto com isso. — Mal sabia ele o quanto era difícil me assustar. Naquela noite, eu me diverti como nunca. Conheci todos os garotos daquela sala e não me senti tão retraída como seria normalmente, além de ajudar a escolher as atrações que o celeiro abrigaria. No final das contas, quase me senti como uma universitária comum. A volta no carro também foi interessante. — Vamos lá, temos então a recepcionista que vai levar o pessoal para o primeiro quarto — ele listou comigo. — Vou precisar de uma das meninas da torcida para isso, mas tenho alguns nomes em vista. — Depois, vocês têm a ala das bonecas; o presidiário louco que vai perseguir o pessoal até o açougueiro e os mortos-vivos, que vão tirar o pessoal do celeiro. Vai ser ótimo. — E você, vai participar? — Como convidada? Não perderia por nada. Pode separar meu ingresso. — Apoiei as mãos nas coxas e o encarei, esperançosa. — Espero que vocês consigam colocar tudo isso para funcionar até o fim de semana. — Somos um time grande, e alguns são mais desocupados do que eu, mas darei um jeito. — Espero que sim. Se eu puder ajudar… — me ofereci da forma mais inocente possível. — Você realmente já fez muito. Agora eu espero que vá curtir, e que desta vez fique até o final da festa — ele disse parando em frente ao prédio e ligando o pisca-alerta. — Você não vai descer? Ele suspirou. — Hoje não. Minha mente borbulhou de possibilidades. Será que ele tinha brigado com Amanda? Eu vou resolver, vou salvar as coisas e seguir meu rumo. Ignorei a risada no fundo da minha mente. Quando me despedi de Aidan naquela noite, eu realmente quis acreditar que seria uma boa pessoa, que poderia mantê-lo seguro enquanto minha vida e a dele estivessem cruzadas de novo. Era tudo para descontar um pouco do passado, para fazer valer o presente. E se eu decidir querê-lo também? E se eu não te der escolhas, querida Afrodite? — a voz do diabo perguntou enquanto eu subia as escadas até o apartamento. Não o respondi. Sabia que, se ele quisesse, me perturbaria até eu ceder. E eu precisava dar uma chance de Aidan se afastar de mim. Precisava dar uma chance dele e Amanda darem certo e terem uma vida nada fodida comparada à minha. Foi por isso que entrei no apartamento e, sem pensar, fui logo bater na porta dela. Demorou um pouco até que ela abrisse, mas quando o fez e o rosto avermelhado e um pouco inchado surgiu na fresta, deu para perceber que tinha chorado. — Posso entrar? — perguntei em um tom ameno. Ela só fez que sim com a cabeça e se afastou, voltando para sua cama e deitando-se nela, ficou encarando o teto. Muito sem jeito, me sentei ao seu lado e suspirei profundamente. — Você brigou com Aidan hoje? — Ele falou algo? — A voz dela estava nasalada pelo choro. — Não, mas imaginei. Senti que você não estava gostando muito da nossa amizade repentina, mas não achei que isso pudesse virar uma possível briga entre vocês. — Estou com ciúme, Harper. É difícil admitir, mas é verdade. — Ela limpou o rosto e me encarou. — Ele é tão perfeito que dá medo de perder. Eu sei. — Mas você sabe que eu não sou uma ameaça, não é? E que somos só amigos. Na verdade, eu ainda estou conhecendo ele direito, mas é tudo por sua causa. — Eu sei… — E sabe também que se não fossem vocês dois, nesses últimos dias, eu nem sei o que seria de mim, não é? — reforcei a importância dela. — Acho que eu não teria nem comido, se não fosse por vocês. — Você passou por um momento péssimo e traumatizante e eu estou preocupada com meu ficante… — Não minimize o que está sentindo. Isso significa que você gosta dele o bastante para se importar. E eu acho que ele gosta de você da mesma forma. — É que ele tem estado ocupado demais, e quando ficou livre, não estava só comigo — ela choramingou. — Ele se desdobra em mil para dar conta de tudo o que você admira nele. Você tem sorte de Aidan ser seu futuro namorado. Ela sentou, os olhos brilhando. — Acha que tenho chance de isso acontecer? — Acho que você está esquecendo quem você é. — Piscando para ela, me ergui. — Amanhã eu volto a trabalhar. Preciso dormir direito esta noite ou não vou aguentar o ritmo, mas ligue para ele. Está tudo bem entre nós. — Me desculpe… — Interrompi a fala dela no meio: — Boa noite. — Dando as costas, fechei a porta do quarto de Amanda com a sensação de que fazia a coisa certa. Isso, deixe ela mais encantada por ele e acreditando que você é uma boa amiga. Quando ver você metendo com o namoradinho dela, vamos ver por quanto tempo você mantém seu teto. Fingi que aquilo não me excitou. Que não queria fazer o teste de ter Aidan entre minhas pernas com Amanda assistindo. Eu tentaria até o fim ser boa com aqueles dois. Pelo menos, até o máximo que eu aguentasse. Minha vida voltou a caminhar. No trabalho, evitavam o assunto delicado comigo e eu focava em atender às minhas mesas da melhor forma, já que tinha que cobrir quatro dias sem nenhum ganho. Nada muito diferente aconteceu. Além da ausência de Aidan, que estava se desdobrando entre a rotina puxada e a organização da festa de Halloween, quando saía tarde da noite do restaurante, tinha a plena certeza de que alguém começava a me seguir. Eu nunca tinha tido alguém me seguindo aleatoriamente daquela forma. A sensação nova foi um fôlego de vida. Uma nova distração. Eu só pude agradecer. Naquela noite, quando deitei, esperando por um sono calmo, me vi presa, correndo pelos corredores da rodoviária. Lá estava eu, de novo aos quinze, com os pés ensopados, me preparando para fugir. E lá estava aquele maldito demônio, gigante e feio, me caçando, me farejando, pronto para me impedir de ir embora. O medo de ser pega foi tanto que me urinei no sonho e fora dele. O presente daquelas memórias horríveis era saber que continuava viva e livre. Eu me ergui, e sem pena de mim, me limpei e recolhi os lençóis. Perto das sete e meia, eles já estavam secando e eu já tinha limpado minha parte da geladeira e organizado meu armário da cozinha. Vi Marck, o morador misterioso, chegar ao amanhecer para dormir, e esperei Amanda levantar com café fresco. Apesar da madrugada cansativa e escura, aquela noite prometia e eu não ficaria de fora. Era Halloween, todo mundo brincava de ser outra pessoa, e comigo não foi diferente. Consegui uma fantasia de Alice no País das Maravilhas e não tive muito mais trabalho além de escovar o cabelo para ele cair liso além da minha cintura e vestir tênis confortáveis nos pés. A maquiagem de todos os dias também precisou servir, porque quando eu acabei de passar o batom vermelho, minha colega de apartamento, vestida de pirata, junto de suas amigas, vieram gritando que os carros tinham chegado. A sombra do clima ruim entre mim e Amanda tinha ido embora completamente, e ela pegou minha mão com um sorriso gigante no rosto quando abrimos a porta para a rua. Entendi o motivo daquela felicidade toda quando o primeiro carro teve o vidro do passageiro abaixado e Luke, o garoto que me olhava com interesse, surgiu. — Para onde vai, Alice? — o garoto brincou comigo. — Para onde você levar. — Foi Amanda quem respondeu, abrindo a porta para eu entrar. Todo o grupo se divertiu junto, e eu me permiti fazer parte, criar aquela memória e me manter ali até ele chegar. E até que demorou. Ah, garota burra… — Ele inflou os pulmões. — Vamos nos divertir. Me abraçando, o demônio encarou Luke. Esse moleque sabe que será destruído por você? Eu posso tentar. Posso me controlar — quis teimar. E Aidan? Desistiu dele? — o diabo me tentou. Não… — eu não era capaz, ainda — …eu só não posso agora. — Não valia a pena mentir para quem sabia tudo. Vai fazer sua amiguinha nova de idiota? Afrodite, você não precisa mais de mim. Sozinha, você fode sua vida muito bem. Eu não vou fazer nada de errado… Mas eu ia, não ia? Eu me envolveria tanto com Aidan que o pegaria para mim. E o manteria lá até precisar encontrar sua família, até deixar de ser interessante, até obrigá-lo a me punir por tudo o que tinha feito com os Hunt. Agora você entendeu, menina burra? Meu silêncio doloroso era um sonoro sim. Descobri ao longo dos anos que havia dores sentidas em volume máximo que não passavam de uma topada de pé no sofá e dores vividas no mundo, no meio de uma multidão, com um sorriso no rosto. Essas tinham a potência da perda de um membro, mas ninguém sabia. Era o tipo de dor para se sentir sozinha, e foi a essa dor que me abracei quando chegamos à fila da casa dos horrores. Infelizmente, eu não conseguia deixar de olhar para Amanda e invejá-la. Não conseguia parar de encarar minhas mãos e sentir pena de mim. O diabo estava certo. Eu acabaria com a vida de Aidan e o faria acabar com a minha. Não tinha final feliz para uma mente perturbada como a que eu carregava. Por sorte, eu tinha a mão de Luke sobre a minha. Para ele, já estava certo de que seríamos um casal naquela noite. E para mim, mesmo que ele não fosse o ideal, ainda assim, me seria útil. Mesmo que meu estômago doesse e cada pedaço meu quisesse saber de Aidan com urgência, voltei toda minha atenção para Luke e seus amigos. Deixei que ele afastasse o cabelo do meu rosto e se aproveitasse para passar o braço pelos meus ombros, me mantendo perto. Bebi da sua bebida. Até fumei da sua maconha. Amanda parecia orgulhosa de me ver entrosada. Ou ocupada com alguém que não fosse seu namoradinho. Eu, por outro lado, começava a relaxar de um jeito que não era bom para ninguém. — Isso aqui está muito cheio. Não podemos voltar depois? — perguntei, me esticando para ver até onde ia a fila. O grupo concordou. — Você tem medo, Harper? — um dos garotos perguntou. — Nenhum, mas tem uma festa rolando ali do lado e eu acho melhor irmos para lá do que ficarmos presos aqui. É só atravessar o matagal, não? E nisso, os garotos tinham acertado em cheio, espalhando espantalhos pelo meio do mato, causando um ar sombrio no caminho do celeiro para a casa onde a festa acontecia. — É, não vejo motivo para não voltarmos depois… — muito interessado em me agradar, Luke endossou meu pedido. Eu quase não conseguia esperar. Quando o grupo todo saiu da fila e começou a caminhar para a casa, eu me senti grata. Luke tentou puxar assunto e eu o respondi como se fosse burra, o que o obrigou a dobrar a atenção em cima de mim, me explicando coisas óbvias. Agradeci muito o silêncio vindo da boca dele quando chegamos à casa com o som alto. Luz negra fazia as fantasias em neon se destacarem, e não demoraram a colocar um copo na minha mão. Outro garoto do grupo começou a puxar papo comigo. Luke não pareceu gostar muito, eu não dei atenção ao meu parceiro chateado e ainda precisei agradecer a Amanda por me puxar, com um shot na mão. — Eles estão te disputando? — ela perguntou quando conseguiu me afastar deles. — Não — falei depois de fazer careta ao engolir a bebida que ela havia trazido. — Impressão sua. — Pois acho que você não enxerga o quanto é linda. Ela me girou, e rindo, me puxou para dançar com as outras garotas. Aquilo durou meia hora. Eu até que gostei do sabor de ser uma garota comum, mas não tinha escolha. Não quando senti que a garota vestida de palhaço vinha na minha direção. Parei de dançar. Ela fincou os pés no chão à minha frente. — Oi? — Tentei contato, mas ela só continuou sorrindo daquele jeito assustador, parecendo encarnar o personagem com fervor. Sem resposta, quase dei as costas, mas ela me puxou e colocou uma caixinha na minha mão. — O que é isso? — Tentei mais uma vez interagir com ela, mas do mesmo jeito que chegou, ela me deu as costas e partiu. Encarei o objeto leve em meu poder e o abri. O botão de uma rosa que eu desconfiava ser azul apareceu, e um bilhete colado na tampa me chamou a atenção. Olhei em volta, conferindo se ninguém mais prestava atenção em mim e li o bilhete. "É bom se comportar. Estou de olho. Ares.” Ler aquilo me causou um turbilhão de sentimentos. Primeiro: Quem caralho era Ares? E se ele estava tão perto, por que não aparecia? Por que não me castigava? Por que não me tomava? Eu não ia ficar com medo de alguém que não tinha coragem de vir até mim. Por isso, desligada do meu papel de boa moça, derrubei o presente-alerta no chão e encontrei minhas vítimas conversando entre si. Luke e Derek. Conseguia me lembrar do nome do garoto por um milagre. O mesmo milagre que manteve o sorriso no meu rosto quando fui até ele e ofereci uma mão para cada. O recado era claro. Derek não tinha nada a perder. Luke queria me impressionar. Subi as escadas de mãos dadas com os dois, duvidando da capacidade deles, mas não da minha. No dia seguinte, eu sabia todas as desculpas para usar, mas ali, eu estava sóbria, constante, procurando por problemas. E o problema seria encontrado no dark room no andar de cima. Derek era moreno, alto, de ombros largos e sorriso molha calcinha. Luke era menor, mais juvenil, mas com seus olhos claros hipnotizados em mim, se eu pedisse com jeitinho para ele ir até a lua, ele faria o impossível para conseguir minha atenção. Um loiro e em moreno. Era quase a produção de um filme adulto. Ri disso quando pensei na cena toda que faria com aqueles dois. Quando chegamos à fatídica porta no andar de cima, Luke me puxou para si e sussurrou: — Tem certeza? O diabo na minha cabeça gargalhou. Ele acha que você é uma boa moça? Mal sabe ele a putinha que vai foder daqui a pouco. — Ignorei a ofensa, afinal de contas, era a mais pura verdade. Eu não era nenhuma princesinha indefesa, estava longe disso. Sorri, tirando a mão da dele para acariciar o rosto de Luke, a fim de tranquilizá-lo. — Vamos nos divertir. — Minha resposta simples o encheu de coragem. Derek abriu a porta. Dois passos para frente e estávamos dentro. E aquela maldita sala nos engoliu. Meus olhos sofreram com o flash azulado da parede que disparava a cada dois segundos. Quando me acostumei, ver os corpos juntos por ali, pelos cantos, me excitou de imediato a ponto dos meus mamilos endureceram contra o sutiã e doerem por ter pressão sobre eles. Garotos e garotas seminus se agarravam nos sofás e poltronas distribuídos pela sala. Alguns trepavam nas mesinhas espalhadas, outros no chão. Ninguém se importando muito com o que acontecia em volta, todo mundo querendo sentir prazer ao extremo. Era isso que eu buscava. Prazer. Liberdade. Devassidão. Derek foi quem puxou minha mão, indicando o caminho. Consequentemente, eu puxei Luke na direção do sofá de dois lugares disponível no canto. Paramos os três, Luke nas minhas costas, Derek na minha frente. O moreno acariciou meu rosto, sorrindo travesso, me puxou para si. Sua boca veio até a minha e eu não esperei para levar as mãos até seu pau sobre a calça. Estava quase completamente duro. E eu o ajudei a ficar mais. Me espremi contra ele, meus peitos contra seu tronco, minha língua deslizando contra a sua, minha mão acariciando seu pau sobre o tecido grosso do jeans. — Não podemos esquecer do nosso amigo — sussurrei contra a boca de Derek quando ele me pegou pela cintura e tentou me arrastar para o sofá. Ele riu e concordou com a cabeça. Virei de costas para ele e coloquei as mãos nos ombros de Luke. Ele parecia ansioso, inseguro, pobre garotinho. — É sua primeira vez? — perguntei do modo mais carinhoso que pude quando o rosto dele estava próximo ao meu, enquanto nas minhas costas Derek beijava meu pescoço e, com uma mão em torno da minha cintura, me apoiava e começava a alisar minha bunda. Luke confirmou com a cabeça. — Não sou virgem, mas nunca fiz assim. — Era corajoso da parte dele admitir sem ficar fingindo. — Então só se preocupe em ser participativo — dei a dica, segurando em seu queixo, puxando-o para beijá-lo. Seu gosto era muito mais inocente do que o de Derek. A forma como ele me beijava era muito mais carinhosa. Pobre coitado. Desci minha mão direto para sentir seu pau sobre a calça e quase ri quando percebi o quanto ele estava duro feito pedra. Emocionado. Seria divertido. Abri o botão da calça dele ao aprofundar o beijo, suspirei e empinei um pouco a bunda quando Derek se ajoelhou atrás de mim e afastou minha calcinha. Desci o zíper de Luke e nem precisei me esforçar. O pau dele pulou para fora da cueca e eu sorri contra sua boca, sentindo os dedos de Derek correrem pela minha boceta molhada e me penetrarem de uma vez. Gemi alto, afastando o rosto do garoto loiro. Luke tomou coragem para apertar meus seios e eu o ajudei soltando a fita que prendia o tecido no decote. Fiquei quase nua da cintura para cima, e o garoto não perdeu tempo, pegando meus seios com firmeza e descendo o rosto sobre meu colo, beijando e sugando todo o canto com destreza. Melhor do que eu esperava mesmo. Minha forma de agradecê-lo foi masturbá-lo com mais intensidade. Sua umidade melou meus dedos e um pouco da palma da minha mão, mas nada comparado como eu molhava os dedos de Derek que parecia muito disposto a enfiar a língua no meu cu o mais rápido possível. Eu sabia bem o que ele queria, mal sabia que eu estava doida para dar. Ganhei um tapa no traseiro que me fez dar um gritinho. E Luke foi obrigado a se afastar de mim quando Derek pareceu cansado de não ganhar atenção e me pegou por trás, me puxando na direção do sofá. Eu ri, puxando Luke pela blusa para ele não se afastar. Derek se sentou no sofá, abaixou as calças, colocou a camisinha numa destreza invejável e me puxou para o seu colo. Me segurando só um pouco para encaixar o pau na entrada da minha boceta, quando o fez, me liberou. Meu peso todo foi para baixo, seu pau entrou de uma vez. Soltei um gritinho. Ele gemeu também. No meio de tanta gente trepando e gemendo, fizemos parte daquela sinfonia e eu achei injusto que Luke ficasse de fora. Derek sustentou meu peso e se impulsionou para dentro e fora de mim. Eu joguei o tronco para frente e, ficando cara a cara com o pau de Luke, o enfiei na boca como uma profissional. Aquele garoto merecia um boquete dedicado e eu o fiz, enfiando-o no fundo da garganta, sufocando os gemidos que o pau do outro me causava. Me apoiei nos joelhos de Derek, senti seus dedos acariciando meu rabo. Ele realmente queria comer meu cu, e eu o incentivei, rebolando gostoso no seu colo e acariciando suas bolas. Luke segurou meus cabelos e fodeu minha boca. Eu não queria que aquilo parasse. Derek finalmente ganhou espaço na minha bunda. Dois dedos seus deslizaram para dentro. Me senti invadida e quis rir, mas o pau de Luke indo e voltando na minha boca não me deixava expressar nada. Quando senti que estava pronta, me afastei de Luke, olhei para trás e não precisei dizer nada. Derek me puxou contra o seu peito, me segurou pelo pescoço com força e eu fiquei ainda mais excitada. Com a mão livre, ele beliscou meu mamilo direito e riu no meu ouvido antes de dizer: — Vou foder seu cu e Luke sua boceta. Quero ver você gozando enquanto é compartilhada, sua putinha. Aquele garoto não sabia o que fazia. Me excitei ainda mais com aquilo. Queria desesperadamente os dois, naquele segundo. Apoiei os pés no sofá, ergui os quadris e peguei seu pau. Fui eu que o encaixei na minha entrada de trás e o forcei para dentro. Gemi, xinguei, fechei os olhos e aproveitei a dor, o prazer, a porra do demônio me agarrando por todo o canto. Era quente. Sufocante. E eu o coloquei para dentro devagar, de uma vez, deslizando no seu pau até o fim. — Porra — xinguei baixo quando senti que tinha chegado ao limite, mas não parei. Abri os olhos e vi Luke concentrado encarando a cena. Eu devia estar um desastre, mas não me importei. Me ajeitei, afastei a calcinha na parte da frente e o convidei. Ele demorou um pouco mais com a camisinha do que Derek, mas quando se aprontou, foi ligeiro em aprender seu lugar. Foi só ele vir meter na minha boceta que Derek gemeu alto no meu ouvido, xingando igual a mim. A pressão em todo o canto, um pau contra o outro dentro de mim, aquilo era louco, bom, extremamente necessário para me acalmar. Ares, covarde, você não me assusta. Eu não sou sua — minha mente disse por algum motivo. Eu não queria me lembrar de nada fora daquele quarto. Eu só queria ser fodida como a vagabunda que eu era. E eu fui. Os garotos arranjaram um ritmo que funcionava. Saindo e entrando de mim num ritmo intenso, duro, bom. Meu papel era pedir por mais. E eu implorei até ganhar um tapinha no rosto vindo de Derek. Eu gostava da maneira dele de trepar, mas na segunda vez, provavelmente seria entediante. Não ruim, mas não o suficiente para mim. Luke me fodeu e acariciou meus seios. Derek arrombou meu rabo e, enquanto me enforcava, brincava com meu clitóris. E tudo ia crescendo, intenso, no meio daquela sala cheia de sexo, devassidão e sujeira. Olhei em volta por um segundo. Adorei tudo o que vi. Adorei ainda mais o acordo escrito na parede em neon que brilhava a cada flash azulado liberado. “O que acontece aqui, fica aqui.” Ou era assim, ou ninguém participaria no futuro, não? Ri, lendo aquilo. No momento, eu não queria pensar no depois. E me concentrando no agora, senti meu ventre começar a pulsar. Aquela pressão gigante por ser preenchida em todo o canto só fazia tudo mais intenso. — Eu vou gozar — avisei com a voz fraca, já que os dedos de Derek na minha garganta seguravam mais forte do que seria o convencional. Meu aviso não os pegou de surpresa. Luke bateu os quadris com mais força contra mim. Parecia que ele agradecia não precisar mais se segurar. Derek se enterrou com mais força no meu cu. Puxei o ar entredentes porque não dava para gritar. Mas bastou pouco daquilo, aliado aos dedos espertos de Derek no meu clitóris, para o meu corpo reagir. Havia um rastro quente subindo do meu calcanhar, pelo lado de dentro da minha perna, coxa e virilha. Dedos, braços e seios. Aquele fogo veio ao meu ventre. Até minha bunda. E quando explodiu, ninguém pôde se segurar. Eu gritei enquanto gozava. Meu corpo todo pulsou. Meu rabo e minha boceta massacraram os paus de Luke e Derek. Eu os apertei tanto que senti cada um dos jatos de porra que eles jorraram. E acabamos os três, sentados no sofá, suados e meio loucos, rindo do que tinha acabado de acontecer. O êxtase do que eu tinha feito me pegou antes mesmo que eu pudesse terminar de ajeitar minhas roupas, mas no fim, eu consegui ficar apresentável, e sem me importar com os garotos, saí do dark room. Como já tinha feito minha cama, resolvi deitar nela. Aceitei a mão da amiga de Amanda que eu tinha esquecido do nome e dancei com aquele grupo, rindo e me divertindo até os pés doerem. Até Aidan aparecer para nos levar em um tour sem filas para a casa dos horrores. E eu me senti um pouco louca, mas apesar de ter a mão junto de Amanda, Aidan não tirava os olhos de mim. Aquela dúvida me corroeu até a manhã seguinte. Acordei perto do meio-dia, o estômago roncando de fome. Esfreguei os olhos e me localizei onde estava, como estava, me lembrei do que tinha feito. Estúpida — me dei uma bronca mentalmente. Se arrependeu, querida? — o diabo perguntou. Não. — Quase sorri. — Mas fui descuidada. Se descobrirem que você é uma vagabunda, você pode se aproveitar disso. Já pensou em como seria excitante alguém te obrigando a fazer seja lá o que essa pessoa quer, só para não contar por aí a verdade? — Aquela ideia era louca. E boa demais para ser verdade. Ninguém vai saber, e eu vou fingir que não aconteceu — respondi, tirando as esperanças do demônio. Bem naquele momento, meu celular vibrou. “Oi, Harper, aqui é o Luke. Peguei seu número com a Amanda.” Tem certeza? Bloqueei a tela e ignorei a mensagem. Meu demônio riu. Ninguém além de quem te fodeu, não é mesmo? Não respondi. Não queria mais pensar naquilo, e ele, parecendo adivinhar, me pegou na curva. O que me diz de Aidan? O que tem ele? A forma preocupada que ele te olhou a noite toda, principalmente naquele celeiro. Talvez não fosse a mão de Amanda que ele queria estar segurando. Nem ela que ele queria estar fodendo ao chegar neste apartamentinho de merda. Neguei com a cabeça. Pare de falar besteira. Ele e Amanda estão quase namorando. Tem certeza de que não quer fazer nada para impedir isso de acontecer? Não. Tenho. — Tentei mentir. Falsa do caralho. — Ele riu de mim. Estou tentando não foder com Aidan de novo. — Aquilo era sincero. Tentar fazer uma boa ação e realmente fazê-la são coisas diferentes. É da sua natureza ser podre, você vai tomá-lo e destruílo. — Vi o sorriso de dentes pontudos se formar na minha mente. — Sei disso, porque somos um, Afrodite. Não. Você é a merda de um parasita — corrigi. — Não quero falar sobre Aidan. Eu gosto dele. Gosto de verdade. Está apaixonada — ele sentenciou. Estou. Mas ele é proibido para mim. Não posso, não devo… Então vamos falar do meu novo queridinho. O que te deixou sem fala e te levou à loucura ontem. Ares — ele segurou o S na língua —, gosto desse nome. Não sei quem é. Nunca o vi. Até agora. Acha que ele vai aparecer? Depois de você provocá-lo como ontem? Talvez. Não sei o que pensar dele… gostei do que ele me escreveu, não gostei de me dar ordens sem se apresentar. Achei um pouco covarde — confessei. Um deus covarde? Duvido muito. Talvez seu presente chegue logo, Afrodite. Está preparada para aceitá-lo? Não sei… E era verdade, eu não fazia ideia se estava pronta para a retórica de Ares. Talvez não fosse nada, talvez me surpreendesse. Só o tempo poderia dizer. Cansada daquela conversa, saí das cobertas e, descalça, com um camisetão velho de pijama, abri a porta do quarto para ir ao banheiro. Tomei meu banho esfregando o chão do chuveiro, escovei os dentes limpando a pia e tomei ciência de que precisava tirar outro dia para faxinar o apartamento logo. Me enrolei na minha toalha e sequei o cabelo, que estava imundo pela noite passada, não me preocupando muito de sair naquele estado, já que meu quarto ficava perto. Mas foi só abrir a porta que todo meu corpo se arrepiou. Aidan estava sem camisa, só de calça jeans, com um dos braços apoiados no batente e a outra mão erguida, pronta para bater. Nós ficamos em silêncio por um longo minuto. Eu admirando toda a beleza dele, com o coração parecendo bater na garganta, analisei cada mínimo detalhe da perfeição de Aidan. E ele, para o meu espanto, parecia retribuir. — Eu, é… — me enrolei para responder — …já terminei. — Meu tom de voz foi bem baixinho e ganhei um sorriso dele. — Percebi. — Seu tom foi baixo, mas não como o meu. — Eu e Amanda vamos tomar café na cidade, você não quer ir com a gente? Enchi o peito de ar e, sem pensar, concordei com a cabeça. — Ótimo. Então termine de se arrumar, baixinha. Estamos te esperando. — E indiscriminadamente, como se não fosse nada, Aidan ergueu a mão e tocou minha bochecha, me acariciando antes de se afastar. Eu quase me teletransportei para o meu quarto. Você o quer. Você o quer muito. — O diabo riu. — Ouso dizer que nunca te vi querer tanto alguém, nem mesmo o… Cala a boca — mandei. Ok, querida. Mas você notou, não é? Notei o quê? Afrodite, não se faça de burra. — Era um tom duro. Uma bronca. — Você o quer, mas ele também te quer de volta. Você está louco. E você está cega. Eu não estava. Eu só tinha medo daquilo ser ilusão. Porque, por Deus, se ele me quisesse, se eu tivesse certeza, aquilo seria um problema. Eu o teria beijado naquela porta de banheiro, e teria feito muito mais que isso depois. Precisei de muito controle para não invadir o espaço do casal. Precisei de mais controle ainda para não avançar em Amanda e tirá-la do que era meu. Porque isso era real: Aidan era MEU. E meu domingo inteiro foi sobre sobreviver ao pensamento de tomá-lo para mim de uma vez. Agradeci quando ele se despediu. Só assim consegui dormir em paz. Ou pensei que iria, mas a noite inteira meu demônio choramingou por Aidan. Ele disse coisas e me mostrou cenas que saíram da realidade e invadiram meu sono conturbado. Aidan. Aidan. Aidan. Eu não suportava mais. Doía fisicamente pensar nele. E quando acordei, naquela manhã de segunda, precisando urgentemente limpar minha cabeça, agradeci que a faculdade me esperava. Coloquei tudo o que precisava na mochila, fiz meu café da manhã e, com um pouco de ressentimento por Amanda ocupar o lugar que eu queria estar, não deixei nada para ela, ou para o fantasma que era Marck no apartamento. Me dediquei ao máximo em cada uma das aulas, anotei tudo o que precisava e me orgulhei de ganhar nota máxima em um trabalho na segunda aula. Aquele era um bom segredo sobre mim. Eu adorava me fazer de burra na frente de homens perigosos, mas era um mérito pessoal ser aplicada e inteligente dentro de uma sala de aula. Ser uma boa aluna, de alguma forma, era seguro para mim. Era a disciplina que eu precisava. Era o fator que minha mãe teria orgulho da filha em pelo menos um aspecto da vida. “Ela é uma desgraçada, mas é boa aluna” ela diria se soubesse o que me tornei. Pensar nela me fez tocar no relicário no meu pescoço e apertá-lo com força. Eu carregava aquilo desde que me conhecia por gente e esperava nunca me livrar dele. Quando eu morresse, o que eu acreditava que não demoraria, o relicário seria enterrado comigo. Estava perdida nesse mar de pensamentos, resgatando as últimas memórias seguras que eu tinha de quando mais nova, quando saí da sala e, no corredor, vi o grupinho popular reunido, conversando. Derek não estava lá, mas Luke parecia sedento por mim e seus olhos me acertaram assim que coloquei o pé no corredor. Ele sorriu, eu não correspondi. Fingi não o ter visto e virei para o outro lado do corredor. Dois minutos depois, meu celular vibrou. “Eu fiz algo de errado?” Não. Você só é entediante. Tive vontade de responder, mas resisti. “Me desculpe, eu ando muito ocupada.” — Mandei por pena e guardei o celular no bolso antes do professor começar a terceira aula do dia. Saí da faculdade o mais rápido possível, cheguei ao restaurante com algum tempo de folga e consegui almoçar no balcão. Os garotos da cozinha gostavam de mim e capricharam no meu lanche. Um deles, querendo me agradar e cuidar de mim pelas semanas difíceis, me preparou um milkshake de chocolate escondido do chefe. Eu não reclamei. Gostava daquele ambiente. Me dava bem com todo mundo ali. Quando terminei, fiz questão de levar o meu prato até a pia e lavar eu mesma antes de ir para o vestiário. Era o meu jeito de dizer obrigada. Carregando minha mochila na mão, entrei pelo vestiário vazio e agradeci por um pouco de paz. Essa gratidão perdurou quando abri meu armário e um envelope branco caiu dele. Por um minuto, meu estômago cheio se retorceu. Achei que fosse vomitar. Meu coração disparou e minhas mãos ficaram frias. Eu sabia quem tinha mandado aquilo. Ares — meu demônio cantou o nome. Só podia ser ele. Me abaixei e, com os dedos trêmulos, rasguei a parte de cima do envelope. Virei-o na mão e recebi o conteúdo. Fotos e uma carta. “O mal do ser humano é a teimosia. Por que está me magoando, pequena deusa? Por que está me machucando? Eu não vou dividi-la. Eu mandei você se comportar. Mas você não me ouviu. Você não me obedeceu. E agora, meu amor, minha Afrodite, eu vou te punir. Serei bondoso desta vez, mas é a primeira e última. Não me provoque uma segunda vez.” Ares. A carta arrepiou todos os pelos do meu corpo, mas as fotos? As fotos arrepiaram minha alma. Elas eram de mim, Luke e Derek. De todos os ângulos possíveis. Se aquilo caísse nas mãos erradas, se aquilo fosse divulgado… Se Ares, com ódio de mim, colocasse aquilo no mundo, o que Aidan ia pensar? Meu estômago embrulhou mais ainda. Corri para o banheiro. O almoço foi embora pela privada. Quando terminei, peguei aquelas fotos e meti no fundo da minha mochila, sabendo que teria que colocar fogo nelas quando chegasse em casa e estivesse sozinha. Meu Deus. Eu estava consciente, eu estava de olho, não tinha ninguém tirando fotos… como ele conseguiu aquilo? Ares estava lá? O ar me faltou. Eu não consegui nem mesmo me trocar. Saí para o salão e Milles me encarou com as mãos na cintura. — Harper, está tudo bem? Você está branca feito um fantasma. — Alguém entrou aqui? — Meu tom era quase de acusação. — Como assim? Todo mundo entrou aqui para se trocar hoje. — Não uma de nós. Alguém de fora — perguntei, tentando me conter. — Não… e não dá para puxar pela câmera porque não voltou a funcionar desde que a polícia levou, depois daquele incidente dos pés… — Ela foi diminuindo o tom de voz. — Aconteceu algo? Olhei em volta, os funcionários me encaravam curiosos. Eu não podia dizer o que tinha acontecido. Não podia deixar ninguém daquela parte da minha vida descobrir. Eu gostava daquele emprego e precisava dele. — Não. — Respirei fundo e endireitei a postura. — Eu… eu vou me trocar. Dei meia-volta e tentei colocar tudo aquilo em uma parte da minha mente onde toda a sujeira ficava guardada. Mas a tarde inteira, enquanto eu servia mesas e sorria para desconhecidos, meu demônio dançava e cantava. Você está fodida, ele vem para você. E eu não sabia se aquilo me assustava ou me excitava. Era, finalmente, o tipo de caçador que eu procurei a vida toda. Nove e meia da noite em ponto, eu abri a porta de casa. O cheiro de hambúrguer sendo frito me abraçou assim que entrei, e eu estranhei que todo o apartamento estivesse escuro, menos a cozinha. — Amanda? — chamei antes de fechar a porta. — Ela ainda não chegou. Sou só eu. — Foi a voz de Aidan que me recepcionou. O único momento bom do meu dia. Só de ouvi-lo, meu coração derreteu. Fechei a porta, coloquei as chaves no aparador e larguei minha mochila ao lado do portal da cozinha. Ergui o rosto para ver Aidan de avental, cozinhando, parecendo feliz. Aquela poderia ser nossa vida. — Eu vim para cá mais cedo e resolvi fazer o jantar. — Ele me localizou. — E isso está dando certo? — perguntei com uma das sobrancelhas erguidas, e chegando perto dele, espiei o fogão. Aidan sorriu de canto e me encarou, fingindo estar abismado. — Está duvidando das minhas habilidades culinárias? Cuidado, baixinha. Sou eu quem está fazendo seu jantar. Ergui as mãos, pedindo desculpas. — Achei que eu fosse a única que conseguisse cozinhar algo decente nesta casa. Amanda sobrevive das marmitas esquisitas da mãe dela, e Marck? Tudo o que tem na geladeira na parte dele é frango com batata doce. — E você costuma cozinhar o quê? — ele perguntou. — De tudo um pouco. Já trabalhei na cozinha de um restaurante, então precisei aprender. E você? De onde veio essa habilidade? — Eu… — Ele deu um suspiro. — Aconteceram coisas com a minha família e, por um tempo, minha mãe não conseguia sair da cama. Eu precisei aprender a cozinhar para que minha irmã pudesse comer alguma coisa decente. Eu não consegui dizer algo sobre isso. Eu não imaginava como havia sido devastador para a família toda a prisão do pai de Aidan. Pensar na mãe dele depressiva sem o marido e ele precisando lidar com a responsabilidade até de alimentar Adria, cortou meu coração. Encarei Aidan naquele momento, e sem ele imaginar, pedi perdão. — Mas esse tempo difícil ficou para trás. Logo minha avó assumiu as coisas, minha mãe ficou bem de novo, minha irmã cresceu e eu voltei para Detroit. Porém, aprendi a gostar de cozinhar por conta disso. — Eu sinto muito que você tenha passado por um inferno desse, porém, agora você dificultou meu julgamento. Ele parou, me encarando, divertido. — Está dizendo que saber de uma história triste, afeta o modo como você vê as coisas? — Estou te dizendo que eu vou sentir o gosto, se sua comida for uma merda, mas jamais terei coragem de te dizer isso em voz alta. Aidan explodiu em riso. Aquilo fez algo no meu estômago tremer e eu nunca havia sentido aquela sensação. Era por isso que, talvez, com ele, fosse fácil e capaz de haver amor. Aidan me fazia sentir coisas que eu nunca havia sentido. Que eu não merecia sentir. E não conseguia evitar. — Você não pode mentir para mim. Somos amigos. Amigos não mentem uns para os outros — ele insistiu, virando mais um hambúrguer. — Você está mal de amigos — completei, colocando os cabelos para trás e logo em seguida abrindo a torneira para lavar as mãos. — O que posso fazer para ajudar? — Descascar batatas seria incrível. — Então farei isso por você, amigo — reforcei a última palavra com um sorriso no rosto que foi correspondido e tratei de pegar o saco de batatas em cima da mesa. Por um tempo, eu e Aidan trabalhamos em silêncio um ao lado do outro, em uma sintonia estranha, nossa, boa. Durou até ele quebrar o silêncio: — Ok, eu te contei algo sobre o meu passado. — E? — E agora queria saber mais sobre você — ele disse quase sem jeito. Meu coração acelerou. — Então é uma troca? — Relações são trocas, não? — Hm, são. — Parei com a faca na mão e o encarei. Os olhos castanhos pareciam sedentos em cima de mim. — Então eu mereço algo — ele jogou. — O que quer saber? — Não sei, me conte algo. — Eu não sou uma pessoa muito interessante, já te disse isso — reforcei como uma bronca, já que aquilo era desconfortável. Antes de contar toda minha história para alguém, para Aidan, precisava ter cem por cento de certeza de que ele me amaria de todo o coração, mesmo que eu fosse uma vadia desgraçada e louca. — E eu já te disse que discordo. — Ok. Não tenho irmãos, nem pais. Sou sozinha desde sempre e me viro como posso. — E não tem uma amiga, um tio, uma tia, avós? — Não tive a sorte de ter uma família bem estruturada igual a sua. — Abaixei o tom de voz. — E nunca me preocupei muito em ter amigos. — Por quê? — A pergunta veio direta. — Porque é mais seguro ser sozinha. Você só pode se decepcionar, ou se machucar, com pessoas que você confia. Um desconhecido não vai acabar com a sua cabeça da mesma forma que alguém de dentro. — Então você não deixa ninguém entrar de verdade? Dei um sorriso fraco e voltei minha atenção para a batata na minha mão. — Ninguém quer entrar na minha vida nesse nível, então é uma preocupação a menos. — Você está errada — Aidan disse tão firme que eu neguei com a cabeça e o encarei de novo. — Estou? — Está. Eu estou tentando entrar. — Quase desmoronei ao ouvir aquilo. — Você não pode. — Mordisquei o lábio. — Por que não? — Ele virou completamente para mim, sério, não gostando da minha resposta. — Cheguei! — Amanda gritou da sala e eu ergui as sobrancelhas. Não era óbvio? Mordi os lábios por dentro e inflei os pulmões antes de expirar com força. Ele não pareceu nenhum pouco satisfeito enquanto Amanda vinha se jogar no seu pescoço, perguntando o que ele fazia. Aidan terminou de usar o fogão e foi montar os lanches. Ele e Amanda conversavam sobre seus dias e um dos chefes dela que era um cuzão. Eu me recolhi à minha insignificância e tratei de fritar as batatas. Me concentrei tão intensamente na tarefa que, quando coloquei a bacia com as fritas na mesa, Amanda me chamou a atenção. — Hein? — perguntei, perdendo o que ela tinha dito antes. — Não tem ninguém ruim assim onde você trabalha? Porque, vamos combinar, limpar mesas e servir deve ser o cão na terra. — Eu gosto — me defendi. — E não. — Roubei uma batata antes de me sentar. — Não tem ninguém ruim por lá, na verdade, todo mundo meio que se ajuda. — Vocês têm algo para beber? — Aidan perguntou, mudando de assunto. Eu estava evitando encará-lo. — Caramba, esqueci de comprar — Amanda lamentou. — Eu tenho um suco de maçã — avisei. — Podemos tomar? — ele pediu permissão e fiz que sim com a cabeça. — Claro — falei antes de dar a primeira mordida no meu lanche. E, puta que pariu, aquilo estava delicioso. Até fechei os olhos para mastigar e engolir a primeira mordida. A carne tinha um fundinho apimentado meio forte, mas estava muito bem harmonizado com o resto do lanche. — Gostou? — Abri os olhos para ver Amanda me encarar de um jeito diferente. — Isso está realmente muito bom — elogiei e percebi o sorriso de Aidan se formando conforme ele servia suco no meu copo e depois no da sua ficante premium. — De nada — orgulhoso do trabalho, ele disse quando se sentou e encheu seu copo. — E qual é o tempero especial que você usou? — Amanda tentou puxar a atenção dele para si. — Amor, querida. — Ele pegou seu lanche, e com os olhos fugindo para mim por meio segundo, ele repetiu: — Foi puro e simples amor. Aquilo me sufocou. Acabei com o suco do meu copo e o repus. Os dois começaram a conversar, mas mantive minha boca ocupada, só interagindo com acenos positivos ou negativos de cabeça, fugindo dos olhos castanhos do outro lado da mesa. Isso durou até minha mente começar a ficar nublada, lenta, cansada. Amanda também se espreguiçou. — Acho que a comida pesou — ela disse ainda de boca cheia e bateu na barriga. — Pior que preciso concordar. — Aidan bocejou e eu o imitei. — Podemos lavar a louça amanhã? — perguntei e ganhei risos em resposta. — Ninguém aqui vai brigar com você por não limpar nada na hora que usou, Harper. Estamos todos cansados. — Eu guardo o que sobrou na geladeira — Aidan se ofereceu, já se levantando. Daquela vez, eu não consegui recusar o cuidado. Eu não sabia nem mesmo como chegaria ao meu quarto. Meus olhos estavam quase se fechando na mesa. Mas me esforcei, respirei fundo e levantei. — Até amanhã — balbuciei para os dois e saí tropeçando pelo corredor. Quando cheguei ao meu quarto, minha visão estava falhando. Meu corpo implorando pela cama. Eu não consegui nem mesmo tirar os sapatos. Só caí sobre o colchão e não vi mais nada. ARES Colocá-la para dormir foi mais fácil do que pensei. Aliás, o apartamento todo estava em completo silêncio desde o final daquela refeição em conjunto, e isso facilitou minha vida. Com o tranquilizante que batizei o suco compartilhado, ninguém me pegaria dentro daquele apartamento. Por isso, tive tempo de me divertir. Quando entrei no quarto de Afrodite, a primeira coisa que pensei era que aquela garota não merecia viver uma vida tão medíocre. O lugar era apertado, porém limpo. Mais limpo que o resto do apartamento. Ainda assim, os móveis eram de péssima qualidade, assim como os lençóis sob os quais ela estava deitada. O remédio tinha pegado tão pesado em seu sistema, que ela deitou sem nem tirar os tênis. Aquilo não era um problema para mim. Virei seu corpo, colocando-a com as costas no colchão pronto para despi-la, mas antes de começar, afastei os cabelos loiros e compridos em volta dela e encarei seu rosto. A perfeição de Afrodite adormecida me fazia flutuar. Quis rir pela sorte de ter aquele acesso a ela. Quase quis gritar como um maníaco só de imaginar em como ela reagiria depois daquele castigo. Eu daria a ela o que ela precisava, mas tomaria dela tudo o que queria. Acariciei sua bochecha, a pele perfeita, os olhos de cílios grandes fechados e com resto de maquiagem. A beleza corrompida perfeita. Não queria demorar mais, mas o processo precisava ser prazeroso. Rocei o polegar pelos lábios cheios e inertes, pensando no plano futuro que tinha para aquela boca, e voltei a me concentrar na missão de livrá-la daquelas roupas. Primeiro o tênis e as meias, liberando os pés gordinhos pintados de esmalte claro. Nada parecidos com os que mandei de presente para ela. Completamente compatíveis com os meus planos de usá-los. Segui para a calça jeans que ela usava. Desabotoei e desci o zíper, arrastando o tecido pela cintura, depois coxas, revelando a calcinha branca de renda que ela usava, muito parecida com a que eu tinha roubado do seu abusador anterior. Gostei daquele padrão. Desci as calças por suas coxas grossas, passei pelos joelhos e pelas pernas. Logo Afrodite estava quase nua da cintura para baixo. Joguei a peça de roupa no chão e voltei para livrá-la da calcinha. O fundo estava seco, mas eu planejava que, das próximas vezes em que ela me encontrasse, estivesse consciente, e se usasse uma Encharcada. calcinha, ela sempre se encontraria úmida. Tirei a blusa de frio que ela usava, segurando seu tronco com cuidado, depois a blusa e o sutiã. Deitei seu corpo de volta na cama e parei para analisar os seios pesados, as curvas de seu corpo, o volume em seu ventre, tudo perfeitamente bonito. Eu adorava Afrodite exatamente como ela era. Acariciei seu rosto e beijei sua testa. O perfume do seu cabelo me atingiu. Era fácil ficar viciado naquele cheiro. Era fácil me viciar nela. Voltei para minha bolsa, peguei minha machadinha, e escolhendo bem uma mecha da parte de trás do seu cabelo, cortei um pequeno pedaço como recordação daquele momento tão grandioso. Me afastei de Afrodite para vê-la nua na cama. A satisfação de tê-la tão vulnerável me atingiu. Sentindo o sangue correr vivo em minhas veias, voltei para minha mochila. Guardei a mecha loira e peguei as cordas. Encarei a garota adormecida de novo e suspirei. — Prometo que você vai gostar, e que vai aprender a não me provocar. Então, eu comecei a prendê-la como queria. Meia hora depois, Afrodite estava como uma obra-prima. Amarrei suas mãos para trás do corpo, impossibilitando qualquer movimento, ou que seus braços cobrissem seus seios. Queria vê-la por inteiro. Já suas pernas, eu as flexionei, amarrei e, para que ficassem separadas, fiz um enlace com os braços. Seus olhos ganharam vendas. Sua boca ganhou uma mordaça ball gag comprada só para aquele momento. Com as pernas abertas, exposta, adormecida, ela me hipnotizou. Encarei minha arte por um longo tempo, orgulhoso do que via, e me sentei ao seu lado, esperando-a acordar. Acordei, mas achei que estivesse presa no sonho quando abri meus olhos e não vi nada. Havia algo em minha boca. Uma mordaça? Forcei a mandíbula, tentando abri-la e fechá-la, mas fui impedida. Tentei forçar os braços para frente, não consegui. Eu estava amarrada? Aquilo era real? O pânico sentou no meu peito. Minha respiração acelerou, eu choraminguei. Tentei me mover na cama, mas minhas pernas estavam presas também. Eu quis chorar. O medo me pegou. Meu corpo gelou. Lágrimas molharam o tecido sobre meus olhos. Meus dentes fincaram com força na coisa plástica na minha boca. Fiz sons com a garganta. Gritos presos. E então, eu o ouvi. — Shhhhh. Não precisa temer, pequena deusa. Eu te avisei que viria. — A voz modificada era muito masculina, grossa, rouca. Ouvi-la junto do toque sobre minha barriga afetou aquela parte fodida e quebrada do meu cérebro. De um jeito absurdamente prazeroso, eu me acalmei. Não deixei de temer. Mas não queria mais fugir. Ares finalmente tinha vindo até mim. Se pudesse, eu teria sorrido, assim como o demônio na minha mente. Eu o via lá, sentado no escuro, ansioso, espreitando curioso pelo que ele faria comigo. A mão deslizou para cima. Ares suspirou. Senti seus dedos no meu seio esquerdo, as pontas de dois deles circulando o limite do mamilo, desenhando-o no meu peito, me arrepiando cada centímetro de pele. — Esse não era o encontro que eu havia planejado — a voz quase inumana disse. — Mas parece que é o que você queria, não é mesmo? Não respondi, nem mesmo me esforcei. Minha concentração estava nos dedos dele em mim, pesando agora contra o bico duro, provocando-o de propósito para depois beliscá-lo. — Você não é a garotinha burra e boa que eles acreditam. — Puxei o ar mais forte, como ele poderia saber algo sobre mim? — Você é insanamente perigosa, Afrodite. Quase igual a mim. Sabe o motivo de eu estar aqui? Porque, há tempo demais, você me faz sentir. Os dedos no meu mamilo foram cruéis. Se eu pudesse, teria gritado. A mordaça impediu. O som na minha garganta não era agradável. Junto da tortura, ele completou: — E eu não gosto de sentir. Ali eu acreditei que Ares me mataria. E eu não sabia se rezava por socorro, ou se agradecia. Quase engasguei de dor antes dele parar de me beliscar. Minha respiração acelerou, meu coração bateu ainda mais forte. Eu daria tudo para poder tirar aquela venda e colocar meus olhos nele. Mas o que ganhei foi carinho. Ares acariciou meu seio e ficou por um tempo ali. A dor passou, só sua sombra ficou. Aos poucos, o toque dele, estranhamente morno e confortável contra minha pele nua e fria, foi se tornando acolhedor. Aquela mudança fez meu ventre pesar. — Eu te trouxe um presente, mas antes… — A mão dele me deixou, senti o colchão se mover. Ele provavelmente estava sentado e se levantou. A ansiedade do próximo passo me pegou. Ouvi seus passos indo para a frente da cama. Sua respiração contra o modificador de voz. Sua presença tendo visão de todo o meu corpo nu e amarrado. Imóvel. Vulnerável. Disponível para qualquer coisa que ele quisesse fazer. Não era controlável sentir o que eu sentia, mas minha excitação só cresceu. Queria que ele me tocasse para descobrir isso logo, porém era impossível que ele não visse minha pele arrepiada, os bicos dos meus seios duros, minha boceta que provavelmente brilhava de tão molhada. Finalmente, senti seu toque outra vez. Ele segurou minha perna, como se buscasse um apoio, e então sua mão livre desceu contra a parte de trás da minha coxa, quase na minha bunda. Foi um tapa ardido. Forte. A surpresa me fez puxar o ar pelo nariz com força. Ele deu mais um. Atingiu minha bunda. Eu me movi, tentando girar o corpo para impedi-lo, mas Ares me segurou e me bateu de novo. E de novo. E de novo. Até o ardido virar dor. Até eu gritar como podia para ele parar. Pedindo por ajuda. Ele me bateu até eu chorar. E eu o amei por isso. Vendo meu corpo sacudir pelo choro e pela dor, ele me deu um último tapa, então acariciou minha bunda. A pele devia estar toda marcada. Eu não sabia como me sentaria no dia seguinte. — Não espere minhas desculpas, você sabe que mereceu — ele disse. — E, talvez, você deva me agradecer… é… — Minha ansiedade só cresceu quando seus dedos se moveram rápido para minha boceta. Seus dedos acariciaram os grandes lábios com vigor antes de me abrir e escorregar do clitóris até a entrada. Dois dedos me invadiram de uma vez. Escorregaram fácil demais para dentro de mim. Ares riu. — Você é tão fodida, Afrodite. — Ele suspirou. — Olhe como você está molhada. Olhe como você está louca para ser fodida por mim… — Ares começou um movimento lento de vaivém com os dedos dentro de mim. Minha respiração ficou entrecortada. Agarrei os lençóis embaixo de mim como deu. Tentei erguer os quadris para ele, contraindo minha bunda. Ele percebeu. Seus dedos saíram da minha boceta. Eu quis chorar de novo pela frustração. — Ah, Afrodite. Você não percebe? Eu não vou foder você hoje. Algo em mim se quebrou tamanha a decepção. Como ele não ia me foder? Não, não, não. Meu demônio me atormentaria a vida toda se ele não terminasse o que havia começado. Tentei pedir, mesmo amordaçada, mas o que aconteceu em seguida me fez parar para sentir. Os dedos dele rodearam meu cu, lubrificando com minha excitação que deve ter melado seus dedos mais que o suficiente. — Na verdade, quem vai foder você, é o seu presente. — Sem gentileza, Ares meteu um dos dedos no meu cu e eu tentei relaxar, apesar da ardência. Eu não sabia o que era seu presente, mas estava disposta demais a descobrir. A fim de me deixar mais molhada, Ares percebeu que eu não me mexeria e tirou a mão da minha perna para levá-la até o meu clitóris. A carícia em movimento circular começou lenta e quando ele achou o ritmo que me fazia reagir, se manteve nele. Seu dedo no meu cu começou a se movimentar também, e antes do que eu esperava, ele colocou um segundo. Eu grunhi em meio aos pequenos gemidos. — Shhhh. Isso não é nada perto do que você vai aguentar hoje para mim. Vamos lá, Afrodite, use seu poder. Me dê seu amor, uma prova dele. Aproveite tudo o que vou te dar. O pedido era feito com tanta devoção que não me dei alternativa. Relaxei o máximo que podia, sentindo meu corpo resistir cada vez menos aos dedos de Ares. Foi, então, que ele colocou um terceiro. Meu corpo reagiu. Meu clitóris inchado e escorregadio sofrendo com seu toque, seus dedos no meu cu, aquela pressão toda junto das amarras, da venda, da mordaça. Completamente sem controle. Completamente entregue. E foi como me afogar. A sensação não foi daquele fogo rápido que se consumia em segundos antes dos caras que me arrastaram para o escuro irem embora. Aquilo ali era completamente diferente. Era como mergulhar em água gelada e corrente, muito profundamente, de uma vez, e poder respirar embaixo dela. Eu transcendi enquanto gozava na mão dele. Ergui o tronco, urrei como dava, queria gritar de acordar toda a casa, mas a merda da mordaça não deixava e eu acabei cravando os dentes nela com força. Meus sentidos ficaram confusos. Não havia o mínimo controle em nada. Todo o meu corpo pulsava e tudo meu queria mais. Mais sexo. Mais devassidão. Mais Ares. Mais daquela punição. E então eu o ouvi rindo, e enquanto me preparava para a próxima, o ouvi dizer, parecendo orgulhoso. — Afrodite, meu amor. Sabe o que você acabou de fazer? Acabou de molhar toda sua cama. Você teve a porra de um squirt com meus dedos no seu cu. — De alguma forma, eu sentia o sorriso em sua voz. — Quero ver isso acontecer com meu presente enfiado em você também. Ares se afastou por algum tempo. Ouvi um zíper sendo aberto e sons estranhos. A ansiedade voltou a crescer. Tudo o que eu queria era poder dar uma espiada. — Espero que você esteja pronta — ele avisou e senti o peso de algo no colchão. Não era ele, era algum objeto. Será que era um vibrador? Era esse o presente? Não tive tempo para perder pensando naquilo. Ares voltou a me tocar. Suas mãos eram grandes, e conforme ele acariciava o lugar onde tinha massacrado com seus tapas com uma mão, a outra voltou para minha boceta. Ele sabia muito bem o que fazia. Massageou toda minha carne, então tocou toda minha extensão de uma vez, de cima a baixo, parecendo satisfeito por me encontrar ainda tão molhada. — É como achei que seria. Você nunca decepciona. — A satisfação que havia naquela fala veio acompanhada de um tapa na minha bunda. Arfei. Minha pele extremamente sensível pelo abuso sofrido ardeu. Eu gostei e mexi os quadris, tentando ir mais para baixo, na direção dele. Seus dedos acariciaram a borda da minha entrada. Eu o queria dentro e rebolei na sua mão. Parecendo querer me frustrar, ele se afastou. A raiva tomou conta de mim. Queria gritar para ele me foder logo, mas não podia. Bufei, irritada. — Calma, pequena deusa. A pressa é inimiga da perfeição. E sem lubrificante extra, nem você aguentaria isso. — Ouvi a tampa de algo ser aberta e fiquei na expectativa. Meu Deus, o que eu não daria para poder assistir àquela cena? O que eu não daria para vê-lo fazer tudo aquilo comigo? O que eu não daria para olhar nos olhos de Ares? Não tive tempo de pensar o que tinha para negociar. Ele se aproximou, enfiou o dedo cheio de lubrificante no meu cu de novo e espalhou o produto com cuidado. Engoli em seco, pensando no tamanho do que ele queria enfiar em mim. Me senti desafiada. Me senti sem opção. Me senti completamente excitada com aquela porra de ideia doentia. O dedo dele saiu de mim, sua mão se encaixou sobre o meu púbis, e o que eu imaginava que fosse ser o polegar pousou sobre meu clitóris já inchado de novo. A mão livre dele ficou responsável sobre o meu presente, e eu soube disso porque algo foi encaixado no meu cu. Com a quantidade de lubrificante que ele passou naquela coisa, se fosse um vibrador comum, teria entrado de primeira, mas quando senti a ponta, ou a cabeça, do que era aquilo, pressionando até os lados da minha bunda, me assustei. Tentei protestar, tentei choramingar, mas Ares não me deu opção de fugir. Seu dedo no meu clitóris entrou em ação e sua voz estranha e modificada falou mais baixo: — Não tenha medo, amor. Isso é tudo para você. Tudo por você. Então me chupe, me foda, e enfie o que quiser no meu rabo — era o que eu queria dizer, mas não podia. Nem faria. Apenas me concentrei em relaxar ainda mais para conseguir agradá-lo, para deixá-lo satisfeito, para deixá-lo orgulhoso. Aos poucos, com os estímulos certos, aquilo funcionou. Pude sentir a forma que não era completamente arredondada do que ele forçava para dentro de mim. A temperatura, que era mais fria do que plástico. O peso era maior do que o de um vibrador comum. Definitivamente, aquilo não era um vibrador. Definitivamente, aquilo me excitou pra caralho. Minha boceta devia estar escorrendo de tão molhada. Minha respiração voltou a ficar acelerada e todo o meu corpo começou a queimar. Insuportavelmente. Forcei como dava o quadril para baixo, querendo que aquilo entrasse em mim, e parecendo perceber meu esforço, Ares continuou a pressionar meu presente com um pouco mais de força. Meu corpo reagiu quando aquilo rompeu a primeira barreira e entrou. Meu rabo ardeu, mas o abraçou com vigor e pulsou forte em volta do formato desconhecido. Eu quis gritar pela onda de prazer que me tomou. Meu ventre todo contraiu. E Ares, não me deixando ganhar terreno naquela sensação, parou de me estimular. — Ainda não quero você gozando. Está muito na borda, precisa estar dentro, pequena deusa. Coloque-o para dentro. — Era um pedido cheio de ordem. Eu choraminguei mais uma vez, mas me conformei que meu corpo não era meu. Nunca havia sido. E naquele momento, eu queria que fosse dele. Fiz que sim com a cabeça, que era a única parte do corpo que ainda tinha algum movimento decente e respirei fundo. Seu dedo acariciou meu clitóris novamente de uma forma diferente, como se quisesse acalmá-lo e não o provocar mais. Eu me esforcei para relaxar. A única coisa que consegui fazer com as mãos embaixo de mim foi abrir um pouco mais minha bunda, enquanto Ares desistia do meu clitóris e começava a tocar toda minha boceta. Ele parecia maravilhado do quão molhada eu estava e espalhou sobre mim ainda mais minha excitação enquanto, pouco a pouco, forçava mais meu presente para dentro de mim. Ter Ares no mesmo quarto que eu, me tendo tão incapaz sob suas mãos, era mortalmente instigante, provocante… Era mais do que excitante, e eu não conhecia palavra que pudesse descrever. O escuro nos meus olhos não me incomodava. A mordaça na minha boca não era mais um problema. Meu corpo todo amarrado, exposto e indefeso era parte do pagamento. O pagamento para estar com alguém que parecia saber exatamente quem eu era. Que brincava com o limiar do prazer e da dor da forma mais crua que poderia. Que, de alguma forma, eu confiava. Ares havia arrancado os pés de um homem por mim. Que ato de bondade poderia se aproximar desse? Não consegui achar uma resposta porque os dedos dele se afundaram na minha boceta e tudo o que consegui foi gemer. — Foi assim que você se sentiu com aqueles dois, Afrodite? — A voz quase animalesca queria me provocar. — Você gosta de ser preenchida até o fundo? Gosta que te foda com força? Minha boceta latejou. Movi meus quadris, querendo mais daquilo. Ares se aproveitou e meteu mais do meu presente para dentro. — Estamos na metade, pequena deusa. Estamos quase lá. Mas antes de continuar, eu vou fazer você gozar de novo. E ele nem precisava pedir muito. O ritmo dos dedos dele dentro de mim mudou. Eu sabia o que ele fazia, ele queria me ver molhar a cama de novo. E enquanto fazia isso com uma das mãos, a outra fazia movimentos curtos e rápidos de vaivém com meu presente na minha bunda. O presente gelado, grosso, pesado. Os dedos ágeis, molhados, certeiros. Meu corpo pegou fogo como se ele tivesse jogado gasolina e riscado o fósforo sobre mim, mas quando o orgasmo me pegou de vez, de novo eu mergulhei na água mais profunda e gelada que já entrei na vida. Meu corpo todo sofreu o impacto. Eu gritei, não gemi. E se não fosse por aquela porra de mordaça, não seria a casa que eu ia acordar, mas sim o prédio todo. Minha boceta e meu cu pulsavam. Cada mínima célula minha tinha consciência do que acontecia, e parecia agradecer por aquela tortura. O choque foi maior quando, orgulhoso, Ares me bateu de novo na bunda. — Gostosa do caralho. — Ouvi-o dizer mais baixo. — Você vai gozar de novo, agora com tudo dentro de você. Meu corpo ainda tremia. Eu mal sentia minhas pernas e braços amarrados. Minha mente ainda tentava processar. Meus orgasmos eram fracos demais perto daquilo que ele me dava. Tudo era muito mais mental, muito mais meu, do que dos outros. Nunca houve um homem preocupado com meu prazer, com meu corpo, como ele estava fazendo. Aquilo era amor? Aquilo era o quê? Mais uma vez, ele me puxou dos meus pensamentos. Meu corpo exausto não tinha opção de descanso. Se ele quisesse, eu o serviria. E quando ele voltou a brincar com meu clitóris, eu correspondi. Mesmo que meu corpo tivesse acabado de ter uma onda de prazer alucinante, ele parecia disposto a ter mais. Na verdade, ele parecia sedento por mais, e Ares percebeu. Os movimentos de vaivém do objeto desconhecido no meu rabo continuou. Lento e um pouco mais profundo. Cada vez que ele ganhava mais terreno, mais fundo ia no meu cu. Eu não podia dizer que não gostava daquilo. Parecia que havia orgulho em mim por ser uma vadia gulosa que aguentava algo tão grosso e grande. Na verdade, eu adoraria poder olhar aquilo. Imaginar como estava, só deixava tudo mais instigante. E eu movi os quadris, rebolando, ainda segurando minha bunda afastada como dava, porque o objeto não parecia ficar mais fino. Aquilo fez Ares pressionar o objeto contra mim e eu quis gritar, porque ele não voltou para trás, ele não parou um pouquinho. Ele só terminou de enfiar meu presente na minha bunda até o fim. Eu senti que era o fim quando ganhei um tapa de mão aberta na boceta e ele começou a rir. — Olha só, meu amor, minha deusa. — Ares acariciou a parte interna da minha coxa até estar perto da minha bunda, do meu cu. — Entrou tudo. Você aguentou tudo. — Ele fez o primeiro movimento de entra e sai daquilo em mim. Longo e lento. Eu tremi por inteira. Havia um limite e ele estava prestes a ser quebrado. Minha mente só conseguia pedir para que ele continuasse, que me tocasse, que me fodesse. Duro, forte, que fizesse doer, que fizesse ser bom. Que me deixasse sem conseguir sentar sem pensar nele. Meus peitos doíam de tão excitados. Meu ventre parecia sedento por mais daqueles espasmos. Minha boceta pulsava, e meu rabo? Eu nunca tinha sentido algo daquele jeito, daquela forma, naquela intensidade. — E você vai gozar mais uma vez, amor. E sabe o que tem aqui? Sabe como você vai gozar? — Ele voltou a mexer com minha boceta e aumentou o ritmo daquele vaivém no meu rabo. Eu não conseguia deixar os olhos abertos, não conseguia controlar minha respiração. Não conseguia fazer meu coração se acalmar. Eu queria mais. Precisava de mais. E ele me dava a cada toque, cada pequena mudança de ritmo. Cada movimento calculado. Ares atingiu meu clitóris em cheio. Não foi lento. Não foi cuidadoso. Ele veio bruto, firme, exigente. Ele queria me ver gozar daquela forma louca de novo. E naquela pressão do caralho, com meu rabo sendo arrebentado por aquela coisa grossa e grande, eu não demoraria a chegar onde precisava. Na verdade, o balde estava completamente cheio, e precisava de uma única gota para transbordar. E essa gota não foi com seus dedos, ou com meu presente, ou com todo aquele cenário fodido de stalker invadindo meu quarto. Veio da fala dele, do que Ares tinha feito. Do que ele revelava. — Sabe com o que eu estou fodendo o seu cu? Sabe qual é o seu presente? — A voz ficou mais profunda, mais grossa. Me arrepiou inteira. — Com a machadinha com que arranquei os pés do seu estuprador. Estou te fodendo com nossa pequena vingança, minha pequena deusa, e… porra! — Ele não precisou dizer mais nada, ou falar mais nada. Eu fui enfiada dentro d’água e daquela vez não podia respirar. E foi melhor do que qualquer outra vez. Meu corpo tremeu, vibrou, pulsou e latejou em lugares que eu nem sabia que poderia sentir prazer. Era como se o frio, a água, e tudo aquilo que eu sentia subindo pela minha pele fosse mais intenso e forte do que o fogo que sentia quando acabava tropeçando por aí. Ares era como luz no meio da escuridão. E eu o odiei e amei, mais do que tudo, naquela porra de momento. Não havia dúvidas da minha insanidade. Eu estava gozando, tendo o orgasmo mais alucinante da minha vida, com a arma de um crime enfiada em mim. O efeito daquilo fez minha mente nublar. Ares falou algo, mas não consegui nem mesmo prestar atenção. Tudo o que senti foi quando ele tirou aquilo de mim, e quando ele veio, me pegando pelos cabelos, me girando no colchão. Meu couro cabeludo ardeu, minha cabeça pendeu para fora da cama. Por um minuto, a possibilidade de ele arrancar minha cabeça com a machadinha que tinha acabado de me foder veio forte. Houve medo. Muito medo. E paz. Talvez eu merecesse morrer. Talvez a única forma de acabar com todo aquele tormento fosse a morte. Mas, logo em seguida, ouvi o som de um zíper sendo aberto bem na frente do meu rosto. — Agora você vai retribuir, Afrodite. E eu espero que você seja tão boa comigo quanto foi com aquele merda com quem fodeu na festa. Que sua boca seja tão doce quanto sua boceta parece ser. — As mãos dele vieram para trás da minha cabeça. — Não grite. — A mordaça foi retirada. Meu maxilar doía. Eu o abri e fechei algumas vezes, antes de sentir a cabeça do pau de Ares contra os meus lábios. Estava molhada, cheirando a sexo. Abri a boca, pouco, e ele se forçou para dentro. Aquilo me surpreendeu. Eu já tinha visto uma variedade grande de paus durante minha vida, mas agora tudo o que eu tinha era minha língua para descobrir como era uma única parte dele. A cabeça era grande, larga, a divisão da glande para o resto era bem-marcada. Ele era grosso e cheio de veias. Sabia disso porque, tão duro, minha língua brincou facilmente com a textura dele. E quando Ares forçou tudo contra minha boca e bateu no fundo da minha garganta, meu queixo bateu contra seu púbis e eu quase engasguei. Ele xingou e colocou a mão em volta da minha garganta. — Eu queria foder sua boceta. Enchê-la de porra — a voz disse mais perto do que nunca. Seus dedos apertaram como um colar. A passagem de ar ficou um pouco mais estreita enquanto os quadris dele se afastavam e voltavam. Ares realmente estava fodendo minha boca. — Queria fazê-la gozar em mim, por mim, comigo, pequena deusa. Queria fodê-la, e machucá-la, e amá-la como se deve. Mas você me provocou. — Ele forçou seu pau no fundo da minha garganta e deu um gemido alto de prazer. — Caralho, que boca gostosa. — O tom de voz artificial mudou e imaginei que ele tinha dito aquilo entredentes. Quase sem ar, me aproveitei de quando ele se afastou para abrir a boca e tentar respirar melhor, mas Ares não queria me dar paz. Seu pau voltou violentamente. Suas duas mãos vieram para minha garganta. Ele me fodeu como um animal, até eu pensar que perderia a consciência, mas antes que isso acontecesse, ambas as mãos dele foram para os meus seios e os apertaram com força. Eu retribuí o carinho, sugando-o e passando a língua mais tensionada por toda a extensão que invadia minha boca de forma tão animalesca. Ares gemeu mais forte, respirou mais alto. E ele não avisou antes de encher minha boca de porra. Na verdade, meu stalker tirou o pau na minha boca depois do terceiro jato, e de propósito, terminou de gozar no meu corpo. Pescoço, peitos, pernas. Tudo foi marcado por ele. O gosto forte na minha boca preencheu minha língua. Sem questionamentos, eu o engoli. E o melhor de tudo? Procurei em minha mente e não encontrei nada. Não havia nada. O demônio não estava lá. — Vou desamarrar suas mãos. Você vai esperar eu sair do quarto, contar até trinta, e então pode fazer o que quiser. — Ares tinha me virado de bunda para cima. Sua porra agora estava no meu lençol. Eu não o respondi. Ganhei mais um tapa na bunda e ele avisou: — Não serei tão bom da próxima vez em que me provocar, Afrodite. Não me obrigue a te machucar. — Era um aviso sério, real. Perigoso. Não respondi de novo. Ares me soltou as mãos. O alívio foi imediato. Flexionei os dedos e girei os pulsos, trazendo para frente do corpo. Meus ombros agradeceram. Estava tão concentrada nas sensações do sangue correndo livremente que quase não notei quando ele se afastou. Houve um pequeno momento em que quis erguer a mão e pedir para ele ficar. Para deitar comigo. Mas não tive coragem. E ele saiu sem dizer nada. Eu não contei trinta segundos. Eu não estava nem aí para os trinta segundos. Quando dei por mim que Ares estava indo embora, desamarrei a corda que prendia minhas pernas, me livrei da venda e saí pelada do quarto. Não pensei em nada, só em vê-lo, em encontrá-lo. Em como descobriria como ele tinha entrado. Mas as portas dos quartos estavam fechadas, a cozinha parecia a mesma da hora do jantar, e a porta da sala estava trancada. Parei ali no meio do cômodo, tentando ouvir algo além do meu coração e da respiração descontrolada, mas era tudo silêncio. Estava quase dando as costas para voltar ao meu quarto, quando a cortina da sala dançou. De imediato, me virei para ela e fui ver a janela aberta. A janela que dava para a escada de incêndio. Tinha sido por ali que Ares tinha entrado. Procurei por alguém descendo, mas não vi nada, não ouvi som de corpo contra o metal também. A frustração me atingiu em cheio. Fechei a janela e comecei o caminho de volta, mas enquanto passava pelo corredor, tentei abrir a porta de Marck. Estava trancada. Sinal de que ele estava seguro. Meu coração errou uma batida pensando em Aidan, em sua segurança com Ares por perto. Foi por isso que não me segurei e abri a porta do quarto de Amanda. Abri uma única brecha, mas vi o que doeu meu coração. Em parte de alívio, em parte de revolta. Aidan de cueca, dormia de barriga para cima. Amanda, deitada com a barriga contra o colchão, mantinha a mão sobre o peito dele. Os dois apagados, derrubados como eu tinha sido, por algo que tínhamos compartilhado. Minha mente foi rápida em trazer o motivo. O suco. Só podia ser o suco. Era meu. Eu ia beber. Eles beberam comigo. A revolta me pegou. Não queria que Ares tocasse um só fio de cabelo de Aidan. Não queria que fizesse mal a ele. Era como me dividir em duas, Harper e Afrodite. E Ares tinha direito a tudo o que Afrodite era, mas Harper era e sempre seria só de Aidan. Com um pouco de raiva, voltei para o meu quarto, coloquei a primeira roupa que encontrei na gaveta de pijamas e, depois de me limpar no banheiro, fui para a cozinha. Revistei embaixo do armário para encontrar um saco de lixo e me dirigi à geladeira, e não entendendo o que sentia, comecei a chorar enquanto colocava tudo o que tinha na minha prateleira para fora. Não sei se fiz barulho demais, ou se foi acaso do destino, mas cinco minutos depois daquele caos acontecendo, a porta do quarto de Amanda se abriu e eu paralisei no lugar. Segurei o choro, mordendo o lábio inferior com força e mantive o saco de lixo meio cheio em frente ao corpo. Aidan saiu de lá meio bagunçado, meio sonolento, mortalmente lindo. Ele pareceu esquecer que não vestia nada além da cueca preta, e vê-lo daquele jeito me machucou ainda mais. Eu era estúpida por pensar só no meu prazer. Eu precisava proteger Aidan. Precisava mantê-lo seguro. Talvez, fazê-lo terminar com Amanda e evitá-lo seria o mais inteligente. — O que faz acordada uma hora dessa? — ele me perguntou com os olhos incomodados pela luz. Não consegui respondê-lo. Não com uma palavra. Me atrevi abrir a boca e soltei um gemido de dor. Aidan pareceu finalmente acordar e me enxergar. Seus olhos castanhos, vivos e quentes me encararam, preocupado. — Está tudo bem? Neguei com a cabeça, olhando para o chão, envergonhada de ser pega daquela forma, ainda mais por ele. Aidan não me forçou a falar mais. Na verdade, com toda sua bondade, ele veio até mim, ignorando o fato de eu segurar um saco de lixo e ele estar só de cueca, o garoto que fazia meu coração flutuar, me abraçou. Como se eu fosse delicada e frágil, ele me pegou pelos braços e me puxou para si, grudando minha cabeça contra seu peito, contra a tatuagem lindamente macabra e envolveu meu corpo com um dos braços, enquanto com a outra mão livre, acariciou meu rosto. Seu queixo se apoiou na minha cabeça depois de ele beijar o topo dela e dizer: — Não se preocupe, baixinha. Eu estou com você. Mal sabia ele que aquele era meu problema. Eu queria que ele estivesse, mas se o quisesse seguro, ele não poderia estar. Sabia que aquilo era um sonho. Sabia porque, mesmo muito doente, mamãe ainda cheirava à lavanda. Aquele cheiro limpo e reconfortante dela era o que eu mais sentia falta, e para eu vê-la deitada ali, quase completamente sem cabelos, tão magra que mal conseguia se mexer, com a sonda no nariz, na pior visão do que o câncer podia fazer por alguém que não tinha dinheiro para poder se tratar, com aquele cheiro que não tinha nada a ver com o que eu senti de verdade, só podia ser um sonho. Ver minha mãe daquela forma quando mais nova foi assustador para mim, mas mesmo pequenininha e ainda inocente, algo dentro de mim sussurrou para eu ser forte. Minha mãe merecia isso. Era tudo o que eu tinha para dar. De repente, eu não tinha dezenove. Eu tinha quatro anos de novo. Mamãe dormia no quarto que deveria ser meu. Não era normal uma adulta em estado terminal estar em uma cama de solteiro, em um quarto de paredes cheias de arco-íris e unicórnios, tudo em tom de rosa. Mas lá estava ela, definhando onde eu deveria ser feliz. — Afrodite? Minha deusa do amor e da beleza… — Mamãe esticou a mão de dedos magrinhos e fracos na minha direção. Eu estava agarrada ao batente da porta. Sua voz rouca e falha me assustou. Encolhi os ombros, com um pouco de medo dela. — Venha até aqui, meu amor. Fique um pouco comigo. Prendi a respiração e segui até ela. Pé ante pé, até estar ao lado da cama. Mamãe ainda mantinha o braço erguido, mas os olhos, de pálpebras rosadas, estavam fechados. Ela suspirou quando percebeu que eu estava ali. — Suba aqui, filha. Deite com a mamãe. — Ela deu um pequeno sorriso. Os lábios rachados estavam um pouquinho sujos de sangue nas fissuras. Sabendo que aquilo era importante para ela, escalei a cama e encaixei o corpo no dela. Mamãe me abraçou por trás e acariciou minha barriga. Cheirou meus cabelos. Beijou minha cabeça. — Eu deveria sobreviver para cuidar de você — ela sussurrou. — Me desculpe por não poder vê-la crescer. Me desculpe por não poder ficar para te proteger. Aos quatro, quando aquilo aconteceu, eu não entendi. Aos dezenove, ouvir aquilo de novo, me fez querer chorar. Minha mãe chorou. Eu me lembrava da sensação das últimas lágrimas dela molhando minha camiseta. Ela repetiu aquilo no sonho. Ela iria morrer de novo. Eu não queria ver. Eu não queria sofrer mais. E, por um golpe de sorte, eu acordei. Minha mão estava em volta do relicário. Meu coração batia forte. Meu corpo parecia completamente acordado. Completamente alerta. Eu só tinha aberto os olhos. A cabeça zunia um pouco, mas não dei abertura para nada me pegar desprevenida. Levantei e fui direto para o chuveiro. Precisava seguir minha vida. Precisava viver meus dias como o planejado. Um dia de cada vez, até me formar, ou até encontrar alguém que me matasse no meio do caminho. Quando fiquei nua e olhei meu corpo na frente do espelho, quando vi o que Ares fez com minha bunda, acreditei que ele fosse a pessoa que pudesse me matar. Não havia um único pedaço do meu traseiro ou da parte de trás das minhas coxas que não estivesse se tornando um hematoma. Aquilo ficaria roxo-escuro, quase preto. Ele havia me batido para valer. Como eu havia gostado daquilo e, logo em seguida, estava chorando por gostar daquilo? Não sabia explicar. Nem queria entender. Talvez a única coisa que me amarrasse fosse o amor. O amor, aquele que não podia me curar, que não podia me salvar, mas que me faria recuar para não machucar alguém que eu já tinha fodido tanto. Meu Deus, eu amava Aidan? Realmente amava? Não fazia ideia. Na noite passada, quando ele me abraçou até eu me acalmar, achei que o amava. Mas como entender se eu nunca tinha amado alguém daquela forma? Será que eu só o amava por que ninguém nunca havia me tratado como ele tratava? Eu não sabia o que responder, não sabia mais como agir, mas as coisas estavam acontecendo e eu não tinha controle algum sobre elas. Terminei meu banho mais introspectiva do que nunca, e quando saí para a faculdade, tentei ser discreta para não precisar falar com ninguém. Era um milagre haver silêncio fora, mas muito mais haver silêncio dentro. Eu precisava aproveitar. Meu dia foi calmo. Ficar sentada foi um tormento. Se Ares queria me fazer lembrar dele a cada segundo, ele conseguiu com louvor. Tudo em mim doía. Mas a lembrança da noite passada, de ainda tê-lo nos lençóis, de como ele se preocupou comigo, do que ele havia usado em mim… Era uma mistura de prazer, insanidade e medo que só crescia. Foi quase uma bênção o dia escurecer cedo pelo céu pronto para derrubar uma tempestade pesada sobre nós. Aquilo fazia com que os clientes pedissem mais coisas já que ficariam presos. Por sorte, naquela tarde, eu tinha duas mesas ocupadas. Em uma, uma garota escrevia em seu computador enquanto tomava seu milk-shake de chocolate. Na outra, um homem lia o jornal, concentrado, mordiscando seu lanche e nem notando quando eu repunha seu café. Aproveitei a calma do movimento, enchi os potes de ketchup, mostarda, sal e pimenta de todas as estações. Limpei as mesas e os sofás. E desisti de sentar com as garotas porque os banquinhos eram duros demais. — Você não precisa fazer tudo isso, sabia? — Jessica, uma garota que eu quase nunca fazia turno junto, bateu no banquinho ao lado dela, me chamando, mas recusei. — Estou entediada — desconversei. — E com essa chuva, não acho que vá melhorar muito. Me apoiei contra as costas de um sofá. — Se essa chuva continuar, minhas gorjetas vão para o lixo — Jessica reclamou. — Daqui a pouco, o pessoal aparece para jantar, e vão ficar mais tempo. Você vai ver, este lugar vai lotar — incentivei, tentando ser otimista, enquanto olhava pela janela, não acreditando muito na mentira que contei. A chuva estava forte. Muito forte. Me causou arrepios me lembrar do que acontecia quando chovia desse jeito, mas não tive tempo de pensar nisso. — Opa, cara gato entrando. Para sua estação ou para a minha? Tomara que seja para a minha — Jéssica disse e eu sorri antes de olhar sobre o ombro. Meu coração bateu ainda mais forte vendo Aidan entrando. Seu guarda-chuva preto foi colocado no cesto perto da porta. Ele passou a mão, bagunçando um pouco do cabelo meio úmido e eu estranhei por ele parecer tão molhado para quem tinha como se proteger da chuva. — Eu o conheço — falei, contando vantagem. — Droga. Então é todo seu. — Jessica não parecia tão magoada assim e eu nem olhei para ela quando me virei para ir na direção dele. Na verdade, me esqueci de tudo em volta de nós para isso. — Achei que os guarda-chuvas servissem para nos proteger da chuva — falei quando cheguei perto dele, mantendo as mãos para trás do corpo, vendo Aidan mais molhado de perto. A camiseta de mangas compridas preta estava colada no corpo por estar tão molhada, o jeans dele não estava muito melhor. — É, eles só não são a prova de babacas. Um carro passou e me molhou inteiro enquanto eu vinha a pé da faculdade. — E seu carro? — estranhei. — Resolvi sair sem hoje. Foi uma péssima ideia, não? Corri para cá porque sabia que era um lugar bom de se esperar passar a chuva. — O meio-sorriso dele me ganhou. — Vá ao banheiro, tente torcer essa roupa e depois venha para a mesa. — Indiquei o caminho. — Vou ver o que posso fazer por você. Ele passou por mim e eu segurei o sorriso, balançando um pouco o corpo enquanto Aidan caminhava para o banheiro. Era assim que eu deveria me sentir quando apaixonada? Como se pequenas brasas queimassem sobre minha pele e eu quisesse sair dançando? Talvez fosse só estupidez em excesso. Quinze minutos depois, Aidan voltou. Um pouco mais arrumado, não tão menos molhado, mas se sentou perto do aquecedor e colocou as mãos sobre a mesa, esfregando as palmas uma contra a outra, me encarando. Fingi não ver, olhando para o buraco que dava acesso à cozinha, esperando o lanche dele ficar pronto. Não demorou muito, peguei o prato, o copo cheio de refrigerante e levei para a mesa dele. — Aqui, um prato cheio de calor e gordura, tudo o que um futuro médico não recomendaria a um paciente — falei quando coloquei a comida na sua frente. Aidan sorriu, suas covinhas apareceram. Meu coração errou uma batida. — Você pode sentar comigo? Caso eu tenha um infarto, seria bom ter alguém que conheço junto de mim. Olhei em volta. Meus clientes estavam bem abastecidos, mas ainda assim, conferi com Jessica e ela piscou para mim, me dando passe livre para sentar. — Acho que posso dar uma pausa. Com muito cuidado, me sentei no sofá que parecia feito de pregos. Segurei a dor sem demonstrar nenhuma expressão e lembrei que Aidan corria perigo perto de mim. Pensar nisso me fez juntar as mãos sobre a mesa e encarálas, evitando olhar para o garoto. — Como você está? — A pergunta dele tinha um outro peso. — Bem. — Era o mais fácil de responder. — E você? — perguntei depois de um suspiro. — Preocupado. Você só fugiu do meu abraço quando… — Quando Amanda chamou por você. — Balancei o corpo para frente e para trás, a fim de provocar um pouco de dor propositalmente. — É. Eu não queria que ela nos visse daquela forma. Ele sorriu. Vi pela visão periférica. — Te preocupa que ela fique com aqueles ataques de ciúme de novo? — Ele parecia doido para me provocar. — Por mais que ela não tenha motivo para isso — reforcei a ideia de que eu e Aidan era uma ideia impossível —, me preocupa sim. Amanda é praticamente a dona do apartamento, é alguém querida, não quero que pense mal de mim. — Cometi o erro de olhar para os olhos dele. Olhos escuros, curiosos, intensos. — Não te incomoda ela ficar com ciúme de novo? — Não. — A calma de Aidan respondendo aquilo me atordoou. — Não quero essa merda de competição feminina entre mim e Amanda. — Abaixei a cabeça e suspirei. — Não estou aqui para isso, Aidan. Ele ignorou o que eu disse. Sua mão veio sobre a minha, ele a puxou em sua direção. Cada mísera célula minha ficou consciente daquele toque. Por que tinha que ser tão bom? Ergui a cabeça e segui com os olhos pela mão fria na minha, o braço exposto com veias aparentes, a blusa erguida no cotovelo, subi até seus ombros, pescoço, boca, nariz e olhos. Olhos que queimavam. E diferente daquele olhar que recebi quando tinha treze anos de dentro de uma viatura, aquele olhar era quente, cheio de coisas para dizer. Coisas que eu talvez não pudesse escutar. — Não quer saber o motivo de não me incomodar? — Ele queria que eu respondesse sim. Eu estava morta de curiosidade, e doida para dizer que sim. Sim. Me diga por que diabos você não se importa se sua namoradinha surta de ciúme de mim. — Era o que eu tinha vontade de dizer. Mas o que saiu da minha boca foi completamente o contrário: — Não. Não quero saber, Aidan. Amanda ama você. É com ela que você está. Preciso respeitar isso. — Puxei minha mão de volta. — Me desculpe. Não quero te forçar a sair de nenhum limite moral. — Ele negou com a cabeça. — Não é sobre isso. Aidan voltou a tentar pegar minha mão. Com receio, eu permiti. — É que, você é diferente. — Aidan olhou no fundo dos meus olhos e disse da forma mais tocante possível: — É como se eu já te conhecesse. E você conhece, meu amor. Só que, se souber quem eu realmente sou, talvez você me odeie. — Eu tenho a mesma sensação com você. E eu não tenho isso há muito tempo. — Suspirei e acariciei seus dedos. — Na verdade, eu nunca tive. — Além de Ares. Porra. Ares. Ares, se desconfiasse daquele envolvimento com Aidan, o colocaria na mira. — E acho que, porque é diferente, nós podemos confundir as coisas, mas você tem alguém e eu também tenho… — Você me disse que não tinha um namorado. — Ele não soltou minha mão, mas seu tom foi mais duro. — E eu não tenho. Não é algo com formato, assim como você e Amanda, ao que parece… — devolvi sua dureza. — Mas até eu descobrir, é seguro que possamos seguir como amigos. Até porque, eu realmente gosto quando você está por perto. — Não planejo não estar. — A resposta dele foi firme. Séria. Real. Meu coração correspondeu a intensidade do que ele me dizia. Soprei o ar dos pulmões e dei um meio-sorriso, feliz pelo que ouvia. — Bom saber que não vou perder você. Agora, coma tudo e se aqueça. É tudo por conta da casa. — Apertei seus dedos antes de levantar. Precisava de um pouco de distância. A rachadura entre Harper e Afrodite estava grande demais para eu sustentar mais dois segundos perto dele. Se eu permanecesse ali mais de meio segundo, talvez eu mandasse tudo à merda. Talvez eu colocaria tudo de lado e o chamaria para fugir comigo. E assim eu perderia Ares… E assim eu arruinaria tudo. Não era um bom começo. Eu estava obcecada. Duas semanas se passaram desde o encontro com Ares na madrugada. Duas semanas de loucura procurando por ele em todo rosto que eu cruzava, em cada beco escuro pelo qual eu passava, em cada cliente que eu atendia. E era um inferno quando esse cliente era Aidan. E era pior ainda porque, todo santo dia, Aidan aparecia. Fosse para estudar e me pedir um café em seus intervalos loucos. Fosse para almoçar e conseguir cinco minutos de conversa comigo. Todos os dias ele estava lá, no lugar onde eu não poderia ignorá-lo, onde não poderia evitá-lo. Onde seria impossível eu colocar a distância segura necessária. — Ei — ele disse quando passei com a bandeja vazia perto dele, segurando a barra do meu vestido. — Como você está hoje? — Bem… — Não era mentira. — E você? Olhei para ele e para o que estava aberto em seu computador. Era algo sobre trauma e eu não entendia nada daquilo. — Estudando para as provas. Você já começou? — No meu tempo livre, estou vivendo com a cara enfiada nos meus resumos. — É por isso que não tenho te visto à noite? — A pergunta me pegou desprevenida. — Não, eu estou estudando de manhã. Até troquei meus turnos por isso. Eu acabo jantando aqui e quando chego em casa, tomo banho e deito logo que posso. — Sua rotina anda exigente demais. — Não mais que a sua. Se eu sei direito, você faz parte do clube de natação, cuida de fraternidade, está no último ano de medicina, ainda trabalha em hospital e namora. Ele riu. — De tudo isso, eu só não namoro. — Mas tem um relacionamento, não? — Ele não pôde negar. — Então. Me conte, como dá conta? — Drogas — ele sussurrou. — Drogas muito pesadas. Foi minha vez de rir. — Ok, se você não vai compartilhar seu segredo… — Fiz que ia seguir meu caminho, mas ele me segurou pelo vestido. — Posso te contar se você aparecer na próxima festa que faremos. — Próxima festa? — O celular dele tocou. Eu li o nome no visor. Meu estômago doeu. Era Adria. — Preciso atender, nos falamos depois? — Claro. — Tentei sorrir, mas o choque atrapalhou meus planos. O bom foi que Aidan não pareceu notar. Eu não gastava meu tempo pensando em Adria há anos. Me martirizei tanto por isso no começo que, depois de um tempo, pensar nela se tornou perigoso demais para mim. Lembro que nos primeiros dias, depois de entender que a tinha perdido para sempre, tive febre. Depois, passei quase um mês sem conseguir levantar da cama. Nunca pensei que o corpo humano pudesse ter esse tipo de reação física pela perda de uma pessoa, mas parece que quando alguém morre dentro do seu coração, matando uma parte de você, seu corpo precisa reagir para combater a infecção. Eu só melhorei quando entendi que, se não levantasse, morreria naquela vida miserável, e eu não podia ficar ali. Eu precisava levantar. Precisava seguir. Perder Adria foi o que me fez tomar coragem para me planejar e partir. Foi pensando nessa partida que eu cheguei em casa, mas antes de girar minha chave na porta, ouvi os gritos lá dentro. — É foda quando você vem todo dia aqui, e não me assume como o que realmente sou, Aidan. Eu estou cansada de não saber o meu lugar na sua vida! — Amanda falava bem alto. — O seu lugar está bem explicado, Amanda. Acontece que você não aceita mais só isso, você quer que eu te peça em namoro, que diga que eu te amo, mas não posso fazer isso. Meu coração começou a bater na garganta e eu não tive coragem de abrir a porta. Parei com a mão na maçaneta, ouvindo. — Você não gosta de mim? Porra, Aidan! — Eu gosto de você, Amanda. Eu gosto de estar aqui, mas não mais que isso. Minha vida anda uma loucura neste último ano, eu não… — VOCÊ NÃO ME QUER! — Amanda gritou aos prantos. Eu que não ia entrar no apartamento naquele minuto. — Amanda… — Diga que me quer, Aidan. Diga que vai se esforçar para me amar. Diga isso, porra! — Aquela humilhação toda era demais, porém, se fosse comigo, se eu fosse perder Aidan, talvez fizesse o mesmo. — Amanda, levanta — ele pediu. — Amanda, me solta. — Não. Não posso. Eu te amo. Eu realmente te amo, caralho, você entende isso? — Eu entendo, e eu sinto muito, mas não dá pra continuar. — Aidan, não. Não. Por favor. — Ela chorava muito, aquilo era horrível. — Amanda, porra, me solta! — Foi a vez dele de falar mais alto. — Aonde isso vai parar? Não vai dar certo, não percebe? — Eu vou fazer dar certo, eu prometo. Você só precisa ficar. Fique comigo, porra! — Não. Acabou. — Aidan, por favor. POR FAVOR! A porta abriu. Aidan me encarou com os olhos arregalados. Encarei-o por um longo segundo, depois vi Amanda sentada no chão, esticando a mão na direção dele, chorando muito. — Aidan… — ela chamou mais uma vez. Mas ele não olhou para trás. Ele nem pareceu ouvi-la. Seus olhos estavam nos meus. — Agora eu não tenho mais um relacionamento. Aquele recado bateu na minha cara com tanta força, que quando ele passou por mim, eu encarei Amanda e me senti perdida. Eu deveria ajudá-la? Deveria contar que, nas entrelinhas, secretamente, eu podia ser a causa do fim do seu conto de fadas? Não. Claro que não. Respirei fundo e entrei em casa, fechando a porta, indo consolá-la. — Ele acabou comigo. Ele foi embora — ela repetia. E lá no fundo da minha mente, eu vi o sorriso de dentes cerrados surgir. É, sua vaca. Ele foi embora. Ele não te quer. Ele quer a gente — o demônio disse dentro da minha cabeça. Amanda chorou a noite toda. Ouvi os gemidos, os suspiros e os monólogos incrédulos dela pela madrugada. No fundo, não podia julgá-la. Compreendia sua dor, mesmo que o diabo que vivia na minha cabeça gozasse dela o tempo todo. Para me retratar por toda a festa que ele fez, cuidei do café da manhã dela, e percebendo que Amanda não se levantaria para comer tão cedo, me atrevi a abrir a porta de seu quarto, e deixei o prato de panquecas e o suco de laranja em cima do aparador. Era dia de treino no clube de natação. Quando cheguei à piscina, tentei passar despercebida. Não era um dia bom, já que o ser que coexistia dentro de mim não parava de falar. Na verdade, com a possibilidade de encontrar Aidan na piscina, ele parecia sapatear no meu cérebro. No meu coração. Entrei no vestiário silenciosamente, me troquei e voltei encarando o chão. Entrei na água em um mergulho profundo, obrigando meu corpo a se adaptar à temperatura da água com rapidez. Quando emergi, nadei batendo os braços e as pernas de forma coordenada até a borda e só então parei para respirar. Segurei na borda, apoiando a testa nas costas das mãos, pensando em como as coisas seriam agora. Em como eu afastaria Aidan com nada no meio do caminho. Você não vai. Não vou? Não vai afastá-lo. Agora eu também o quero. Você não pode tê-lo. Nem eu. Aidan… Acha que Ares não vai gostar? — Ele sorriu. — E se os dois brigassem por você? Por nós? Eu gostaria disso. Não. Não gostaria. Aidan não pode se machucar mais por minha causa. Você é tão covarde… — Ei, baixinha, seu tempo melhorou muito — o elogio veio de cima e eu ergui a cabeça rápido demais. Lá estava a visão de Aidan de sunga e eu precisei me esforçar muito para não abrir a boca e ficar encarando-o como uma imbecil, babando por seu corpo esculpido. — Sério? — Foi a única coisa que consegui responder rápido. Ele se ajoelhou. — Sério. Apoiei os braços na borda e ergui um pouco o tronco para fora d’água. Nossos rostos ficaram quase na mesma altura. — Escute… — Ele desviou o olhar por um segundo e deu uma breve pausa. — Sinto muito por você ter ouvido e visto aquela cena de ontem. Diga que você adorou — o diabo falou. — Amanda está inconsolável. Chorou a noite inteira, não deixou ninguém dormir — eu o provoquei. — Sinto muito por você não ter dormido também. — Amanda parecia ser invisível para ele naquele momento. — Você está bem com tudo o que aconteceu? — Minha pergunta era realmente séria. Aidan confirmou com a cabeça e eu não soube o que dizer. Ficamos nos encarando em silêncio. Um tentando ler a mente do outro. — Você pensou sobre o que eu disse? — Ergui uma das sobrancelhas ouvindo aquela pergunta. — Você diz muitas coisas. — Sobre a festa. Ir comigo. É amanhã. Nós vamos — o diabo respondeu, pomposo. — Aidan… — Seu nome saiu em um tom alerta, quase de bronca, dos meus lábios. — Harper — ele correspondeu, me imitando. — Amanda vai? — perguntei baixo. — Não faço ideia. E não me importo. Ouvir aquilo deveria me fazer recuar. Negar veementemente. — Eu… — Os olhos de Aidan brilhavam, sedentos por uma resposta positiva. — Vou pensar. Ele me deu um meio-sorriso. Uma das covinhas apareceu. — Qual a graça? — perguntei, não entendendo. — É admirável o quanto você se esforça para me manter longe. É uma pena que não vai funcionar mais por muito tempo. — Seguro de si, ele se ergueu. — Te espero amanhã à noite. Mando o endereço por mensagem. — E não me dando escolha, ele me deu as costas. Sem pensar duas vezes, me impulsionei para dentro d’água e mergulhei fundo, querendo afogar toda a felicidade que sentia por ter Aidan Hunt aos meus pés. Era sexta à noite. Eu deveria estar trabalhando. Ou estudando. Mas estava na frente do espelho, me questionando se deveria usar algo diferente de calça jeans, tênis e blusa de frio azul-claro para invadir um prédio com um bando de jovens adultos inconsequentes. No final das contas, me convenci de que aquela era a roupa ideal. Meu cabelo estava solto. No rosto, passei a mesma quantidade de sempre de maquiagem e achei que estava de bom tamanho. Não queria levantar suspeitas em casa. Saí do banheiro, peguei minha mochila e respirei fundo quando fechei a porta do meu quarto. Amanda estava na sala, deitada no sofá, encarando a televisão, completamente apática. Mas foi só me ver pronta para sair, que ergueu a cabeça e perguntou: — Aonde você vai? Achei que ia ficar aqui hoje, eu ia pedir para vermos um filme juntas… — Seu tom era quase magoado por eu não participar de planos que nem sabia que existiam. — Poxa, eu sinto muito. Minhas provas começam segunda, então eu vou para faculdade estudar… prometo que, se me avisar da próxima vez, eu estarei aqui — menti enquanto me aproximava dela. — Você vai ficar bem? Amanda voltou a encarar profundamente. — Não. — Há algo que eu possa fazer? a televisão, suspirando — Faça Aidan voltar comigo. — Colocando ambas as mãos sobre o rosto, Amanda riu da própria desgraça. — Meu Deus, eu o amo tanto, como ele pôde ir embora daquele jeito? Você viu, como que alguém praticamente mora junto do outro por um mês inteiro e não quer… — Às vezes, as coisas foram mais rápido do que ele planejava. — Dei alguma alternativa porque fiquei sem jeito. Às vezes você é uma insuportável suja — meu diabo cuspiu. — Eu ainda acho que ele vai voltar, mas é infernal não ter nenhuma resposta dele para as mensagens que eu mando. Ele nem me atende mais, acredita? — Como vai no trabalho? — Tentei mudar o assunto. — Uma merda. Não consigo me concentrar em nada. Minhas provas também estão para começar e eu tenho certeza que minhas notas vão ficar na berlinda. Como me apaixonar por Aidan Hunt tem o poder de acabar com a minha vida? — Me compadeci por sua indignação. Não sabia e não podia responder, porque, no meu caso, seria “como você pode acabar com a vida de Aidan Hunt e ainda se apaixonar por ele?”. — Preciso ir. — Não queria mais gastar tempo com Amanda porque eu sabia que estava sendo muito filha da puta com ela. — Bom estudo — ela desejou sem me olhar. — Obrigada. — Minha mão estava na maçaneta. E então, eu parti. Queria dizer que me sentia mal, mas não sentia. Era só questão de tempo, já que Aidan era meu mesmo. Levei meia hora para atravessar a cidade, e ainda precisei conferir três vezes o endereço que Aidan havia me mandado por mensagem para saber que estava no lugar certo. Mato alto em volta do conjunto de prédios abandonados não me fazia pensar em festa, mas quando mais gente passou por mim e seguiu para dentro do terreno, soube que era mesmo ali o lugar certo. De fato, foi só passar pela porta de ferro grossa que o som bateu contra o meu peito e senti todos os meus órgãos reagindo à batida da música. Jovens dançavam no escuro. Flashes de luzes coloridas corriam pelo teto. Quando a porta bateu atrás de mim, demorei meio minuto para ler o ambiente. Seria difícil encontrar Aidan ali no meio. Gente conhecida passou por mim, tirei a mão do bolso e acenei para o grupo, e vendo que precisava me mover, entrei no meio da multidão. Meia hora depois, eu tinha um copo de vodca com suco de morango e muito gelo na mão e vontade nenhuma de ficar ali embaixo. Mais um grupo de pessoas que eu conhecia me viu. Precisei conversar com algumas delas. Tive medo de duas amigas de Amanda mandarem mensagem para ela dizendo onde eu estava e ela descobrir que eu havia mentido, e tudo ficou pior quando os olhos de Luke brilharam na minha direção. — Você tem me evitado — ele foi direto, vindo até mim, não me deixando fugir. — Tenho — admiti, um pouco impaciente, um pouco não querendo fazê-lo perder tempo. — Achei que você e eu teríamos alguma chance depois do que aconteceu. Tipo, foi legal, não foi? — A insegurança dele cheirava mal. Quis rir. Ele tinha medo de foder mal? Abri um sorriso fraco. — Foi legal, Luke, mas foi só aquilo. — Não quer me dar uma chance mesmo? — Ele tocou uma mecha do meu cabelo. — Eu realmente gosto muito de você. Suspirei profundamente e dei um gole grande na minha bebida. — Eu sinto muito. Podemos manter só a amizade? É o que posso te oferecer. — Tentei não ser uma vaca completa, mas não tinha o mínimo apego com aquele garoto. Ele era bonito, popular, o pretendente perfeito para uma vida de sucesso. Mas existia Aidan. E por mais tentador que fosse investir em um marido burro que eu controlaria com facilidade e me proporcionaria uma vida confortável, a possibilidade de um futuro caótico e destrutivo com Aidan era o que me atraía. — Ok. — Ele suspirou também, largando meu cabelo. — Só amigos. O clima daquilo ia de mal a pior. — Certo… agora eu acho que vou ao banheiro. Sem me despedir direito, virei as costas e saí, procurando um lugar longe daquele garoto. Rodei pelo salão, comecei a me incomodar com a música, com aquela gente, com o cheiro, e depois de pegar mais bebida, notei a porta que dava para as escadas. Subir me pareceu uma boa ideia. Sem ninguém para me impedir, segui para ela. Estava escuro no primeiro andar, e pelo som, tinha gente transando por ali. Subi mais um lance, e mais outro, e mais outro, até chegar ao quinto. Ali, finalmente, não tinha ninguém, mas as marcas de abandono estavam mais fortes também. Bem de frente para a escada havia um cômodo. A parede estava meio detonada, a luz da lua entrava por ali. Tinha uma pilha de material de construção velho e esquecido no chão, e a natureza começava a querer tomar seu espaço de volta, já que, no chão de cimento, o musgo deu força para alguma vegetação crescer, assim como as paredes também tinham sua dose de plantas. Era bonito de ver. E me acalmava. Me livrei do peso da mochila cheia de cadernos e livros e sentei sobre a pilha de cimento esquecida. Sem o som alucinante, sem gente em volta, tentei relaxar um pouco. Apoiei os cotovelos nos joelhos e pousei o rosto nas mãos, dando um suspiro profundo, limpando a mente. Eu vinha lutando há tanto tempo comigo mesma, tentando ser uma boa pessoa, tentando não causar mal a ninguém além de mim, mas estava cada dia mais difícil. Encarei a noite pelo buraco da parede. Queria que, de alguma forma, a mágica fosse real. Que eu fosse mesmo uma deusa, capaz de realizar tudo o que quisesse. Mas a realidade era que eu era uma quase adulta fodida. Porra, o que eu estava fazendo? Amanda estava em casa, chorando por Aidan. Eu havia mandado o pai dele para a porra da prisão, estava enganando o garoto, fingindo ser outra pessoa, e com certeza acabaria com a vida dele se continuasse com aquela loucura. Eu era uma pessoa ruim. Só descobriu isso agora? — meu diabo debochou. — Você é podre, Afrodite. Somos um lixo. Aceite logo essa verdade. Levantei e me aproximei da parede fodida com raiva de mim, com vontade de me bater. Não quero ser assim. Não posso ser assim. Mas você é assim. Não pode mais controlar, não percebe? O que minha mãe diria? Sua mãe está morta. Eu sei, mas ainda assim, ela não me apoiaria nessa loucura, ela… eu vou embora. Não vou me encontrar com Aidan. Eu vou tentar fazer o certo. Não, não, não, não! Fique, espere, ele é meu. Ele é nosso. Eu o quero! — meu demônio esperneou. — Foda-se — falei em voz alta e me virei para pegar minha mochila. Mas bem na hora em que me virei, Aidan estava lá, parado, com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta colegial, com os olhos escuros presos em mim e um meio-sorriso se formando no rosto. — Foda-se o quê? — ele perguntou, parecendo achar graça da situação. Parei no lugar, completamente congelada. Endireitei a coluna e engoli a saliva com força, encarando-o um pouco insegura. — Eu ia embora — admiti em voz baixa, meio trêmula. — Ia? Não vai mais? — Ele deu dois passos na minha direção. Eu recuei um pouco também. — Eu não deveria ter vindo. — Tentei me apegar aos meus argumentos decentes para sair daquela situação. — Não deveria? — As sobrancelhas de Aidan se juntaram, ele pareceu confuso. — Não. — Neguei com a cabeça, indo para trás conforme ele vinha para mim. — Mas você veio. Então, mais cedo, isso parecia uma boa ideia. — O modo como ele falava, baixinho, caloroso… será que ele não percebia o quanto me colocava na berlinda? O quão difícil era me controlar? Tudo só ficou pior quando fiquei sem resposta e sem espaço para fugir. Mantive minhas mãos nos bolsos para não o tocar quando ele ficou bem na minha frente. Aidan apoiou uma das mãos bem ao lado do meu rosto na parede e o braço inteiro do outro lado. Tão perto que todo meu pulmão ficou tomado por seu cheiro, que eu podia sentir cada uma das vibrações do seu coração batendo, que eu podia ver cada um dos detalhes dos seus olhos quando seu rosto desceu para perto do meu. — Aidan… — murmurei seu nome. — Me fale, por que isso não é uma boa ideia? — Não conseguia notar nada mais além da sua boca, do contorno dos seus lábios. De como eu não queria fugir. Aquilo era cruel. Meu demônio me arrebentou por dentro. Minha necessidade física de Aidan doía. Doía muito, e não era prazerosa. Por que aquilo não era uma boa ideia? Porque eu poderia amá-lo de verdade. E poderia destruí-lo para valer. — Não sou uma boa opção para você. — Harper… — Sua mão saiu da parede para o meu rosto. Seus dedos acariciaram minha bochecha e cada centímetro meu de pele reagiu se arrepiando. Quase gemi pelo prazer. — Baixinha… — Por favor, não faça isso — pedi com dificuldade e fechei os olhos quando ele abaixou o rosto para o meu. — Você não quer? — A pergunta foi feita com a mão indo para minha nuca, com os lábios dele quase roçando os meus. O tempo em volta de nós dois parou. Abri os olhos de novo, encarei os dele e não pude mentir. Não conseguiria nem se tentasse muito. — É tudo o que eu mais quero — murmurei envergonhada. Não tinha mais para onde correr, não dava mais para me esconder. Quando Aidan desceu a boca sobre a minha, tudo o que eu pude fazer foi segurar a respiração. Seus lábios tocaram os meus com gentileza. Eram macios, quentes, cuidadosos. Ninguém nunca havia sido cuidadoso comigo antes. Aidan era o primeiro que pedia permissão para que eu abrisse a boca e recebesse sua língua sobre a minha. Demorou um pouco para eu lembrar como se respirava. Demorou muito para eu processar que, Aidan, o irmão da minha melhor amiga, o cara cujo pai eu mandei para cadeia, o exnamorado da minha colega de apartamento, estava me beijando, mas quando o fiz, abri mais a boca e levei minhas mãos ao seu rosto. Mantive Aidan por perto, acariciei sua bochecha, seu maxilar, toquei seu pescoço. Era real. E quando me dei conta disso, me entreguei. Aidan sugou meu lábio inferior, depois voltou a mordiscá-lo e me pressionou contra a parede. Aquilo fez com que todo o meu corpo tivesse consciência dele. O beijo se aprofundou, ainda delicado, ainda… romântico? Eu nunca havia experimentado algo naquele nível, já que, sim, eu queria arrancar a roupa dele, queria tê-lo dentro de mim, mas não queria só isso. Queria tocá-lo, queria beijá-lo, queria senti-lo em cada mínimo pedaço, em cada centímetro de pele. Queria não afastar a boca da sua. Queria que ele se sentisse acolhido, abraçado, em casa. Queria ser o lar de Aidan e nunca na vida eu quis isso. Uma das suas mãos desceram para minha cintura. O beijo ficou mais intenso, urgente. Eu não consegui segurar o gemido que escapou da minha boca quando ele apertou o corpo no meu. E então eu ouvi o riso maldoso vindo do fundo da minha mente. Nós o pegamos. Nós o pegamos e Ares vai acabar com ele. Como acha que será, Afrodite? Acha que Aidan vai sobreviver quando Ares arrancar as mãos dele? — O diabo parecia ansioso pela desgraça. Não, não, não! — quase implorei. — Me deixe viver isso, me deixe ser só um pouco feliz. Feliz? Você quer ser feliz? — Ele riu. — Felicidade não existe para pessoas como nós. Amor não vai te curar. Não vai te fazer feliz. Ele… — Desisti de brigar e abri os olhos, afastando Aidan pelo peito. Seu coração bateu forte contra minha mão. Sua respiração estava tão acelerada quanto a minha e sua boca inchada. Aquele momento, a troca de olhares, durou muito. Em mim, o medo pelo risco em que o colocava. Nele, o desejo de continuar o que começamos e ir até o fim. Aidan fez menção de voltar a me beijar, mas o impedi. — Não devíamos ter feito isso. Me desculpe. Me desvencilhei dele. — Harper — ele me chamou, mas não voltei. Peguei minha mochila. — Harper! — Aidan tentou de novo, mas não me virei para vê-lo. Não queria que ele visse as lágrimas nos meus olhos por saber que o havia condenado, mais uma vez. Três dias se passaram desde a festa. Três dias de muita culpa, agonia e dor de estômago. Meus olhos se enchiam d’água toda vez que eu pensava em Aidan. Meu coração disparava toda vez que pensava em Ares. De um, eu desliguei o celular e fugi o tempo todo. Mesmo quando ele apareceu na porta do meu trabalho, eu neguei com a cabeça e coloquei outras pessoas para atendê-lo. Mesmo quando ele apareceu na piscina e eu recolhi minhas coisas e saí sem dar chance de ele falar um A. Não era seguro, não era bom para ele. Até porque eu estava esperando por Ares. Na primeira noite, fiquei deitada na minha cama, pensando o que ele faria comigo quando entrasse. Mas o dia amanheceu e não vi nem mesmo sua sombra. Dormi o sábado inteiro, a noite foi outra tortura. Me forcei a dormir ou estaria um lixo na segunda para a rotina puxada. As provas estavam começando, eu não podia vacilar. Levantei, dando de cara com Amanda saindo do banheiro e agradeci por Aidan não aparecer na porta de casa atrás de mim. Seria uma confusão dos infernos, uma que eu não poderia lidar. Mas seria divertido, não seria? Amanda deu a entender tantas vezes que era melhor que você, imagine ela descobrir que perdeu o namorado para nós? — O diabo apareceu. Não. Não seria divertido. Olha o estado dela. Amanda carregava olheiras gigantes e escuras embaixo dos olhos. Parecia ainda mais magra, mais quebradiça, mais frágil do que nunca. Ela não conseguia sorrir. Era triste de ver. Triste é o caralho, ninguém mandou ela pegar o que não era dela — meu diabo brigou comigo. — Aidan é nosso. Sempre foi nosso. Uma discussão àquela hora da manhã era tudo o que eu não precisava. Corri para o trabalho e, mesmo com a cabeça indo e voltando para a noite de sexta, cuidei das minhas mesas com maestria. Meu pensamento ia e vinha para a sensação que beijá-lo me causou. Até parece que o amor funciona, não? — Meu diabo riu. Foi diferente. Você sabe que foi — rebati. E do que isso vale? Você acabou com a vida dele. Imagine o que vai acontecer quando Ares o pegar? Foi só um beijo, não foi? Ele não vai… Ele não pode… Nós não sabemos de nada, garota burra. — O diabo não facilitou. Engoli as dúvidas. O futuro era uma incerteza dolorida. Saí do trabalho direto para a faculdade. Engoli os meus resumos, fiz duas provas e voltei a estudar, mas minha cabeça estava tão cheia, meu coração tão pesado, que nadar me pareceu uma ótima ideia. Já era tarde, o último treino terminaria em meia hora, mas o treinador não disse nada quando me viu indo para o vestiário, nem quando eu entrei na água. Na verdade, com a piscina mais vazia, ele pareceu orgulhoso de me ver lá. Nadei intensamente, de propósito, pelo resto de tempo que tinha. Até não haver mais ninguém ao meu lado. Até ser a última nas duas piscinas. — Harper! — Ouvi a voz do treinador. — O treino de hoje acabou. — Ele encarou o relógio de pulso. — Eu sei. Posso ficar mais um pouco? — pedi com a cara mais inocente do mundo, sendo realmente apelativa. — Tive uma semana difícil. — Embarguei a voz e ele ergueu as sobrancelhas. Dando um suspiro, ele deu alguns passos na minha direção, e com as mãos na cintura, disse: — Não me traga problemas, ok? — Só vou tomar banho e ir para casa. Eu juro — prometi. — Certo… então, boa noite. — Até amanhã. — Acenei, vendo-o caminhar na direção do corredor. Assim que ele sumiu, eu afundei na água. Nenhum barulho externo. Nenhum cheiro. Nenhum intruso. Era eu e minha cabeça fodida ali dentro. Soprei todo o ar dos pulmões, coloquei a cabeça para fora d’água e voltei para mergulhar ao fundo. Minha cabeça estava pesada, mesmo que o diabo estivesse em silêncio. Eu só queria que toda aquela água fosse capaz de limpar minha mente. Que toda aquela água pudesse afogar o diabo que vivia nela. Que pudesse apagar o meu passado, minhas transgressões, meus pecados. Que tirasse de mim a memória de beijar Aidan, ou aquele sentimento novo que crescia dia após dia por ele. Por Ares também. Porque, na minha loucura, eu era amante do deus da guerra e da violência, e aquilo me fascinava. Me forcei a ficar embaixo d’água até não ter mais fôlego nenhum, e emergi boiando, encarando o teto da piscina, ouvindo todo o meu corpo gritar que estava vivo. Meus pulmões desesperados por ar. Meu coração batendo alucinadamente. O sangue correndo pelas minhas veias. Aquilo era estar viva, não era? Era quase a mesma sensação que eu tinha quando… Senti uma vibração diferente e ergui a cabeça. Estava perto da borda e não vi ninguém na direção do corredor. Voltei a deitar a cabeça na água e abri os olhos. Foi aí que vi que tinha algo errado. Uma figura preta surgiu no meu campo de visão, me olhando de cima. Fiquei em pé para olhar direito, para ter certeza de que não estava louca, mas quando botei o pé no chão da piscina, a mão arrancou a touca do meu cabelo e, entrelaçando os dedos nos fios, me empurrou para baixo, me afogando. Era Ares. Furioso comigo. Pronto para me punir. Pronto para me matar. Eu me debati. Gritei e gastei todo o ar dos pulmões enquanto tentava me livrar da mão de Ares. Enquanto tentava fugir da água. Eu não queria morrer na água. Sua mão puxou minha cabeça para cima. Emergi, abrindo a boca, puxando todo o ar que podia, completamente em choque pela surpresa de ser pega daquele jeito. Ele não quis saber. Ele não aliviou. Ainda com a mão nos meus cabelos, ele me içou para cima, tentando me tirar da piscina. Meu couro cabeludo doeu. Eu gritei, me esforçando para sair logo da água, querendo chorar pelo susto, pelas memórias molhadas e cheias de uma história que eu não queria reviver. Larguei o corpo no chão assim que saí da piscina e tentei conter o tremor nos braços, nas mãos, no coração. Encarei minhas mãos por algum tempo, esperando mais, mas parecia que Ares queria que eu tivesse aquele momento para processar o que havia acabado de acontecer. Sua mão ainda estava no cabelo do topo da minha cabeça. Ele estava parado bem à minha frente. Seus tênis pretos, seu jeans escuro… fui erguendo a cabeça, vendo sua blusa de frio preta, com o capuz puxado para cima e, no rosto, a máscara de caveira. — Ares… — grunhi seu nome e ele se ajoelhou na minha frente. Meu coração parecia que ia saltar do peito. Minha garganta secou. Tão perto, tão enigmático, tão… Não tive tempo para processar, a voz robótica fez os pelos da minha nuca se arrepiarem. — Eu te avisei, não avisei? — Eu não… — choraminguei, envergonhada. De fato, ele tinha avisado. De fato, eu sabia o que viria. Você queria que ele viesse. Nós queríamos, querida. — Me desculpe. — Abaixei o rosto, encarando o chão, o pequeno espaço entre nós. — Não. Não desculpo. Não agora. Você tem que pagar. O homem que tocou em você, que beijou você… — Meu peito doeu. — Ele também irá pagar. — Aidan não… — Ergui a cabeça no ímpeto de defendê-lo, de tirá-lo do perigo, mas o que ganhei em troca calou minha boca. Com a mão aberta, Ares acertou meu rosto com tanta força que caí de lado. Minha face latejou. Coloquei a mão fria sobre a pele quente e senti tudo formigar. Puta que pariu, ele vai dar exatamente o que nós tanto procuramos. Faça ele nos bater de novo, faça ele nos bater mais. Faça ele nos dar o que merecemos! — meu diabo torceu, animado como nunca. Ares se ergueu, eu o encarei de baixo. Enorme, poderoso. Um deus de verdade. E eu o desejei e temi. Eu o idolatrei e quis correr dele. O conflito daquele fascínio todo fez eu me mover para trás, para longe, quando ele deu um passo na minha direção. Ares achou que eu fosse correr dele. Que eu fosse fugir. Não. Jamais faria aquilo. Não havia possibilidade, não quando ele podia me dar exatamente o que eu queria, da forma como eu queria. Violento, bruto, quase mortal. Queria ser humilhada, degradada, visceralmente fodida. Queria que doesse, que marcasse, que me fizesse gritar. Queria que me punisse como eu merecia, mas que, acima de tudo, me tomasse como se eu fosse a coisa mais preciosa do Universo. E, parecendo ler minha mente, ele avançou. Fazendo parte do jogo, virei de bruços e tentei fugir, mas ele foi mais rápido. Pegando minha cabeça, ele a bateu contra o chão. Senti minha testa arder. Meu cérebro chacoalhou. Ele não me deu tempo de sentir minha dor. Ares montou nas minhas costas e me pegou pelo pescoço, fazendo eu me erguer como uma cobra enquanto seus dedos apertavam em volta da minha garganta, me impedindo de respirar. — Eu vou te machucar, pequena deusa. Vou te foder e vai doer. Será que isso vai te ensinar a não me trair? — Ares… — Tentei chamá-lo, mesmo sendo estrangulada. — Me deixe ir. Não. Não deixe. Me obrigue a ficar. — Nunca. — Seus dedos deixaram minha garganta, mas ele continuou segurando minha cabeça no lugar pelos cabelos. Foi um alívio poder respirar direito. Mas não melhorou muita coisa quando senti o metal frio sendo pressionado contra minha garganta. Ares ia me matar? Se o fizesse, seria um favor. Se não, só pela ameaça, eu deveria ser sua eterna escrava. — Não vou deixá-la ir, Afrodite. Eu já disse, você é minha. — Ele parecia nervoso comigo e eu quis chorar. Na verdade, eu chorei. As lágrimas quentes que escorreram pelos meus olhos não eram por mim. Eram por ele estar bravo comigo. Era por eu saber que ele não seria tão bondoso com Aidan. — Vai me provocar de novo? — a voz esquisita perguntou e eu só consegui soprar a resposta. — Não… — Ótimo. Então agora, meu amor, eu quero que você sinta. Quero que você grite. Quero que implore para eu parar. — Ele correu com a faca para baixo, arranhando minha pele. — E logo te aviso que, mesmo que você sangre, que você chore, que você desmaie, eu não vou. Fechei os olhos, saboreando o gosto da vitória. Quis sorrir abertamente, explodindo na mais plena felicidade, mas não o fiz, não podia sair do personagem. Meus seios estavam doloridos, meu ventre pesado. Cada mísero centímetro de pele estava arrepiado. Eu estava mergulhada em desejo, o mais podre e puro tesão. A mais alucinada vontade de ele me dilacerar, me quebrar em pedaços, me machucar mais do que qualquer outra vez. Que eu perdesse a consciência. Que eu chegasse ao meu limite. A vida toda eu esperei ser punida daquela forma. A vida toda eu mereci ser machucada daquela forma. Era a maior e melhor forma de amor que eu conhecia. A faca desceu entre meus seios, por cima do maiô, passeou por minha barriga, mas no último segundo, ele a desviou e arranhou minha pele da coxa com ela. Eu solucei entre o choro e ouvi o riso por baixo da máscara. Ele parecia amar me ver apavorada. — Estou esperando você começar a brigar pra valer, amor. Pisquei, processando o que ele dizia e, se ele precisava de motivação, eu daria. Com muito esforço, me sacudi, na tentativa de tirá-lo de cima de mim enquanto gritava. Um grito alto, do fundo da alma, carregando toda minha força. Meu demônio ria no fundo da minha mente, saltitando de um lado para o outro. As mãos nos meus cabelos me libertaram. Senti que fazia exatamente o que Ares queria quando tentei me levantar e ele me empurrou, me fazendo mergulhar no chão de pedra e ralar os joelhos. Ele riu, e como uma cobra, veio sobre mim. Senti suas mãos nas minhas pernas, mesmo eu tentando me arrastar para longe, e logo seu tronco estava sobre o meu. Seu riso rouco no meu ouvido me excitou tanto que eu talvez o decepcionaria quando ele me fodesse. Me sentia pesada de tão molhada que estava. — SOCORRO, ALGUÉM ME AJUDA! — gritei porque sabia que era o que ele queria que eu fizesse, mas não tive tempo de gritar mais. Ares me calou a boca com uma das mãos. Seu corpo pesado sobre o meu fez respirar ficar difícil. E, finalmente, eu senti raiva. Mordi sua mão como deu. Tentei arranhá-lo enquanto ele estava em cima de mim. Mas nada pareceu distraí-lo do seu objetivo final. Ares queria me foder e, de alguma forma, enquanto éramos aquela bagunça de puxões de cabelo e tentativas de chute, ele colocou o braço em volta do meu pescoço, me dando um mata-leão enquanto afastava meu maiô para o canto e me penetrava de uma vez. Eu gritei quando o senti dentro de mim até o fundo. O pau de Ares era grosso e grande. Eu me lembrava bem dos contornos de quando ele havia invadido minha boca, noites atrás. Se na minha imaginação tê-lo dentro de mim era bom, na vida real, no meio daquele contexto todo, era mil vezes melhor. Seu braço ao redor do meu pescoço apertou com mais força. Eu puxei o ar e tentei contê-lo. Sua cabeça contra a minha não se afastou quando ele fez o primeiro movimento de entra e sai. A fricção de nossos corpos fez meus joelhos serem mais agredidos contra aquele chão, mas tentei manter as pernas abertas para que ele fosse o mais fundo possível, que tivesse toda a liberdade de me possuir. — Você vai implorar pela vida do garoto? — ele disse entredentes, com raiva, quando se apertou contra mim. — Ares… — eu gemi, não conseguindo me conter. — Acha que ele poderia te foder desse jeito? Que ele ficaria, mesmo depois de descobrir seu segredinho sujo? Será que ele seria capaz de te amar, mesmo assim? — A cada pergunta, ele entrava e saía, uma estocada mais forte que a outra. Doía. Machucava. Era bom pra caralho. Cravei as unhas no braço de Ares por cima da blusa e não respondi. Meus gemidos não me deixavam balbuciar nada. O prazer daquele pecado me deixava cega. Eu só queria que ele me fodesse. Que ele acabasse comigo. Seu braço se apertou no meu pescoço. O ar que entrava nos meus pulmões era mínimo. Ares continuou a me foder com força, aumentando o ritmo. Minha boceta o recebia tão bem que merecia um prêmio: a maior vagabunda que já existiu. Ali, com ele, eu sabia que era tarde demais para voltar atrás. Eu sabia que, até tentaria ser feliz com Aidan, e faria funcionar por um tempo, mas não seria completa. No final, eu era podre, baixa, suja. Ninguém normal poderia me amar. Ninguém normal poderia me aceitar. Ninguém normal poderia me dar o que eu verdadeiramente queria. Com a privação de ar ao máximo, com Ares me fodendo daquela forma, com tudo em mim doendo por dentro e por fora, eu gozei violentamente. Minha boceta pulsou com força em volta do seu pau, eu o senti por completo dentro de mim. Podia imaginar que Ares fazia força para não gozar a cada vez que eu o apertava. Podia sentir que seu corpo estava tenso para não acabar com aquilo logo. Ficava cada vez mais claro que Ares me queria. Ficava cada vez mais claro que Ares me amava. — Caralho, Afrodite — ele me xingou, libertando meu pescoço e erguendo seu tronco. Meu rosto foi para o chão. Sua mão para os meus cabelos. E parecendo querer colocar um fim naquilo, ele acelerou ao máximo suas estocadas fundas. Eu estava anestesiada. Mal senti meu rosto queimar sendo apertado contra o chão. Cada fibra minha parecia ter sido mergulhada em morfina. Eu só conseguia pensar nele me enchendo de porra e gemendo meu nome. Eu só conseguia pensar que beijos românticos eram bons para garotas inteiras, mas só aquela sujeira toda era capaz de trazer felicidade a almas fodidas. Ares segurou meu quadril e meus cabelos com força enquanto terminava de gozar dentro de mim. Quando terminou, ele se deitou contra as minhas costas e falou: — Eu não sou a porra de um anti-herói. Eu sou o vilão. Pense bem quando me escolher. Quando ele saiu de mim, meu coração se quebrou. Eu não o queria longe, mas não tinha forças para dizer. Então fiquei deitada ali, tentando controlar minha respiração, enquanto ouvia os passos dele se afastando, aproveitando a paz que reinava na minha mente. Eu levei, pelo menos, vinte minutos para me mover. Quando consegui ficar em quatro apoios para me erguer, todo o meu corpo doeu. Mordi o lábio inferior com força assim que me levantei. Talvez aquela dor fosse por ficar estirada no chão frio. Eu, por um momento inocente, pensei que fosse. Até me encarar. Até perceber que o chão era o último culpado pelo meu estado. Meus joelhos estavam doendo, ralados, o sangue que saiu deles deixou rastros nas minhas pernas e no chão. Meus braços, doloridos, também estavam machucados nos cotovelos. Meu couro cabeludo ardia, e quando levei a mão até a cabeça, notei que minha testa sangrava. Eu tremia. Não sabia se pelo choque de adrenalina correndo pelo corpo, ou se pelo medo de me encarar no espelho. E o pior veio pela ardência que senti dentro de mim. Olhei para baixo de novo. Meu maiô estava preso na virilha e entre minhas coxas, a porra de Ares escorria junto de pequenos riscos vermelhos. Ele havia me machucado. Eu havia gostado. E queria mais, mesmo que precisasse de tempo para me recuperar. Um pouco desengonçada pela dor, entrei no vestiário, me limpei como dava e me vesti o mais rápido possível. Queria ir para casa. Queria processar o que havia acontecido com a mente em silêncio. Queria correr antes da vergonha por gostar tanto do que havia acontecido me pegar. Abri a porta de casa rezando para tudo estar em silêncio, mas dei azar. Um enorme azar. Marck finalmente estava em casa, ele dividia um baseado com Amanda no sofá enquanto assistiam a um filme. Nenhum deles me olhou de verdade quando entrei e agradeci por isso, já que não tinha certeza se o capuz da minha blusa cobria o corte na cabeça. — Oi — os dois disseram juntos, parecendo cada um em seu mundo particular. — Oi — respondi baixo, já querendo atravessar para o meu quarto, mas fui impedida. Amanda me obrigou a parar quando me segurou pela blusa. Olhei para ela um pouco confusa. Seus olhos demoraram para focar no meu rosto. Com toda a certeza, ou ela tinha fumado muito, ou tinha usado mais alguma outra droga. — Você viu Aidan hoje? — A pergunta direta fez meu estômago doer. — Não. Não o vi. — Acho que ele está me evitando. — Ela suspirou, derrotada. — Você pode pedir para ele falar comigo quando o ver? Eu sinto tanta falta dele que parece que vou morrer. — A voz dela estava quase quebrando. — Farei o que puder — menti. — Obrigada, Harper. Você é uma boa amiga. Acho que amo você. — Ela me soltou, deixando todo o peso daquela merda de relação nas minhas costas. Não respondi Amanda. Eu não a amava. Nem chegava perto de amar. Correndo daquela conversa, fui direto para o meu quarto, larguei minha mochila em cima da cama e, depois de pegar meu pijama, entrei em silêncio no banheiro. Arranquei minha roupa, tentando ignorar a dor e, completamente nua, analisei meu reflexo no espelho. Eu estava um caos. Destruída. O corte na minha testa era superficial, mas ficaria feio nos próximos dias. Meu couro cabeludo estava vermelho ainda, a ardência tinha ido embora, mas tocando-o, a memória dos puxões que Ares havia dado estava lá. O resto de mim era uma mistura de hematomas que ficariam roxos na manhã seguinte e ralados feios que iam arder como o inferno quando eu entrasse embaixo do chuveiro. — Ok. Coragem — falei baixinho para me incentivar a entrar no boxe. Fechei os olhos. Quando a água caiu sobre meus machucados, tranquei as mãos em punho e apertei o mais forte possível, reprimindo a vontade de gritar. Eu deveria querer matar Ares por isso, mas tudo o que eu conseguia fazer era agradecê-lo. Os machucados me diziam que tinha sido real. A dor prolongada me fazia reviver os momentos junto dele, e cada vez que eu pensava sobre, maior a certeza de que meu demônio havia sido nocauteado e dormia, finalmente controlado, finalmente me dando um pouco de paz. Ainda assim, as coisas não eram tão simples. Com cuidado, esfreguei o xampu na cabeça, meu cabelo estava duro por causa do cloro, e depois de lavá-lo, passei o creme de hidratação. O tipo de rotina que uma pessoa que não tinha acabado de ser estuprada teria. Rindo da minha desgraça, encarei o chão do banheiro que eu havia lavado com água sanitária há dois dias e imaginei que me sentar ali não seria um problema. Não que fizesse muita diferença, eu procurava por perigo em cada esquina que cruzava na vida. Me segurando na parede em busca de apoio, me abaixei até que me largar no chão não fosse doer tanto. Joguei o cabelo para o lado, deixando a água quente cair nas minhas costas e abracei meu corpo. Por alguns minutos, fechei os olhos e aproveitei o silêncio dentro da minha cabeça. Aproveitei o som da água. Aproveitei o momento em que me sentia sã. E então, tudo veio de uma vez. A primeira vez em que vi Aidan. A sensação de reencontrá-lo depois de tanto tempo. A culpa, o remorso, a angústia que senti ao ter certeza de que ele era quem era. A curiosidade, a sensação de pertencimento, o ciúme, o gostar… então era ele na piscina, ele na fraternidade, ele rindo no carro ou me mostrando sua coleção de músicas favoritas no meio de uma carona. Era ele e seu sorriso perfeito, quente como um dia de sol, iluminando minha vida, me fazendo acreditar que alguém fodida como eu podia ter uma vida normal, nem que fosse por uma semana. Escondi o rosto entre os joelhos e comecei a chorar. Chorei por acabar com a vida de Aidan no passado. Por condenar nosso possível futuro, não só uma, mas duas vezes. Chorei mais ainda por beijá-lo, sentir o gosto do paraíso e me dar conta de que nunca entraria nele. Que não pertencia àquele lugar. Chorei por odiar Ares saber tanto de mim. E chorei mais ainda por amar tanto o que ele fazia, principalmente como fazia. Chorei por ser quem eu era. Chorei por condenar todo mundo à minha volta. Chorei por não ter como fugir. Eu queria morrer. Eu deveria morrer. Mas o mundo não era tão bondoso para me matar despretensiosamente. Saí do chuveiro quando a água quente estava dando sinal de acabar, e pelo cansaço, não tive coragem de secar o cabelo. Vesti meu pijama mais quente, escovei os dentes e saí com a toalha na cabeça direto para o meu quarto, ignorando a nuvem fumacenta na sala. Quando fechei a porta, o barulho da televisão e o cheiro da maconha ficaram de fora. Me sentei na cama e fiquei quieta por alguns minutos, apreciando as sombras escuras que se formavam com a luz que entrava pela janela. Saboreando aquele quase silêncio. Foi quando esbarrei na minha bolsa. Ela se abriu e vi algo que não estava lá antes. Um envelope azul-escuro. Meu estômago voltou a doer. Respirei fundo e o toquei, com receio, com ansiedade, e me sentando grudada na janela, me aproveitando da luz que vinha de fora, eu o abri. "Doce e bela deusa do amor, por acaso, tem sentido meu coração bater mais forte nos dias em que você cruza meu caminho? Você tem recebido minhas oferendas? Percebe a pureza do meu amor? Ah, Afrodite, há muito o que quero fazer com você. Há muito que quero te mostrar, mas me pergunto se você está pronta para deixar essa capa humana, covarde e repugnante para trás. Talvez agora, depois de ver o pouco do que sou capaz quando seriamente provocado, você finalmente perceba que não estou brincando. Quero você. Preciso de você. Será que você não entende? Será que precisa continuar sendo cruel com esse pobre deus da guerra e da violência, completamente fascinado pela sua beleza, pelo seu terror? Quanto mais você quer me torturar? Quanto mais você quer me obrigar a te machucar para perceber que eu sou o que você quer? Que sou exatamente o que você procura? Sua beleza é mortal. Seu amor é um veneno. Minha violência é um presente para você. Minha guerra é por e para você. Se não sou seu maior devoto, o mais fiel, não sei o que sou. Só sei que esses jogos estão me cansando. Vê-la nos braços de qualquer outro que não seja eu, me revolta. Então te peço para escolher. No fundo do envelope está nosso anel de compromisso. Se me quiser, se eu for o suficiente, coloque-o no dedo anelar. Caso não me escolha, tudo o que posso fazer é avisar: você não pode fugir de mim. Eu estarei lá. O tempo todo. Não me decepcione. Escolha entre mim e o garoto.” Ares Li a carta uma segunda vez. Queria ter certeza de que não havia enlouquecido. Que não estava alucinando. Quando virei o envelope e o anel prateado com pedra azul em forma de gota em cima caiu na minha mão, soube que era real. Ares era real. Nossa loucura era real. E mesmo gostando dele, a visão de Aidan no fundo da minha mente nublou tudo. Deitei na cama, encarando o teto, com o anel e a carta contra o peito. Meu coração batia forte demais. Vivo. Desesperado. Confuso. Eu era Afrodite naquele momento, não Harper. Eu era a garota de seis anos assustada dentro do armário. E do lado de fora, quem me procurava não era um monstro, era o deus da guerra, pronto para servir o demônio que vivia na minha cabeça querendo me dilacerar. Achei que tinha me livrado da agonia que o desespero causava quando adormeci, mas acordei como se minha alma tivesse voltado para o corpo em um choque, com o coração disparado e a sensação de que estava em perigo. Ergui o rosto, vendo meu quarto claro, pois não havia fechado a janela direito e, aos poucos, conforme entendia que estava na minha cama, segura, consegui com que o tremor de tensão não me pegasse. Relaxei contra o travesseiro de novo. A carta de Ares permanecia no meu peito, eu havia dormido feito morta e não tinha me mexido a noite toda. O anel também estava lá. Suspirei quando meus dedos tocaram o objeto. Não tive coragem de colocá-lo. Eu tinha quase certeza do que faria. Quase. Mas ainda assim, precisava reforçar meus motivos. Precisava pegar impulso, porque sabia que quando decidisse, não poderia voltar atrás. Quando escolhesse, seria para sempre. Saí da cama, lamentando por saber que aquele era um dia matutino para quase todo mundo. Naquela maldita quarta, seria fácil encontrar Amanda e Aidan na faculdade. Era uma merda eu estar tão quebrada, tão cansada e com a porra de uma prova marcada para o meu primeiro horário. Se não tivesse aquela prova, com toda certeza eu ficaria em casa, fingindo que o mundo do lado de fora não existia. Que nada daquilo era real. Sem escolha, alisei o cabelo, tinha dormido com a toalha na cabeça e prendê-lo não era uma opção quando precisava esconder aquele corte na testa, vesti calças limpas e uma blusa de frio mais grossa, já que a temperatura começava a cair, e sem tomar café, com o anel de Ares no bolso, eu saí de casa. Cheguei até a faculdade com os fones de ouvido bem à mostra, em um claro recado de que não queria conversa. Minha cara também não ajudava. A garotinha amável e inocente do interior estava de férias. A minha versão detonada não conseguia manter o personagem por muito tempo. O bom foi que, demonstrando desinteresse, cheguei à minha sala sem precisar dizer bom dia para ninguém. A única coisa que me deixou um pouco melhor foi terminar minha prova primeiro, com a certeza de que havia ido bem. Quando entreguei o papel ao professor e me dirigi para a porta, o alívio foi tanto que até sorri. Eu poderia ir embora mais cedo. Poderia até dar um cano no trabalho e passar o dia na cama com a desculpa de que havia caído da escada. As fotos dos meus machucados comprovariam o acidente, ninguém duvidaria da minha palavra. Enquanto eu articulava o plano, virei no corredor que dava nas escadas de saída e precisei parar no lugar. Não fui muito silenciosa. Não dava para ser quando alguém enfiava uma estaca no seu peito. Mesmo assim, ninguém me notou. Em um canto mais discreto, tendo uma conversa acalorada, Amanda e Aidan interagiam de costas para mim. Engoli em seco. Vê-lo tão perto, inteiro e bem, fez meu coração doer de felicidade. Eu o queria bem. Eu o queria feliz e saudável, vivendo a vida que merecia. Amanda poderia dar aquilo a ele. Qualquer outra mulher que não fosse eu, poderia. Comigo, o caminho de Aidan seria de tristeza e decepção. O que ele faria ao descobrir quem eu era de verdade? Como ele me trataria depois disso? E mais, como sua família reagiria? Eu não queria viver isso. Eu não estava pronta para encarar toda aquela merda. Muito menos, ele merecia mergulhar nela por minha causa. Suspirei. Aidan pareceu rir. Meu coração errou uma batida. Meu demônio o adorava, e se Ares não tivesse calado sua boca, ele estaria brigando comigo, mandando eu ir atrás de Aidan, não o deixar, não desistir dele… Porém, na minha mente, só havia silêncio. O silêncio mais doloroso e triste que eu já tinha ouvido. Meus olhos encheram d’água. Eu não queria ser uma má pessoa. Eu não deveria ser uma má pessoa. Ares podia me ajudar a manter as coisas na linha. Ares era a solução dos meus problemas. Ares me amava, mesmo eu sendo um monstro. Foi por isso que, mesmo sem ninguém ver, coloquei a mão no bolso e coloquei o anel. Serviu perfeitamente. Quando ergui a mão para limpar as lágrimas que desceram pelas bochechas, ele brilhou no meu dedo. Passei pelo casal que parecia se acertar, nutrindo ódio dentro do peito. Se Aidan tinha me levado ao paraíso com um beijo, não havia nome para dar ao lugar onde Ares havia me levado. Era sublime e letal. Permitido apenas para os insanos. Permitido apenas para pessoas como eu. — Afrodite? O céu resolveu cair sobre a minha cabeça bem na hora em que saí do trabalho e a chuva me acompanhou até em casa. Estava colocando a chave na porta pesada do prédio, quando ouvi a voz masculina chamar. Molhada, cansada e com a mente em frangalhos, ouvir alguém me chamar por aquele nome me deu um pouco de esperança. Será que era Ares? Meu coração reagiu de imediato, minha boca secou em segundos. Parei o que fazia, sem coragem de me mover. — Você é Afrodite? — Toda a sensação de felicidade passou. Ares saberia quem eu era. Soprando dos pulmões toda minha frustração, me virei para enxergar quem me chamava e encontrei o entregador em cima da moto, tão molhado quanto eu, carregando um buquê de rosas azuis maior do que os anteriores. — Sou eu — falei alto o bastante para que ele me ouvisse, mesmo com o barulho urbano junto daquela maldita tempestade. — Ótimo. O presente é seu. — Ele parecia feliz por se livrar das flores. E eu, apesar de me sentir querida e cuidada pelo presente, não conseguia parar de pensar se aquilo era um aviso de que ele não tocaria em Aidan por eu escolhê-lo; se era um mimo por eu tomar minha decisão; ou se chegaria ao meu quarto e encontraria os dedos do garoto que tinha parte do meu coração no meio daquelas flores. Com todas as possibilidades fervendo na minha mente, tentei escorrer um pouco do excesso de água nas minhas roupas sobre o tapete da entrada, mas deixei um rastro molhado enquanto subia as escadas. Quando vi que não estava mais seca quando cheguei ao meu andar, gemi de desgosto ao fechar os olhos, imaginando que precisaria ficar mais tempo que o necessário do lado de fora do meu quarto. Eu só precisava de roupas secas, um belo banho quente e dormir. Dormir muito. Fazia tempo que não me sentia tão esgotada, e o pensamento de precisar voltar depois de seca para limpar toda a água do caminho, dando chance para Amanda me contar sobre sua conversa com Aidan mais cedo, me desanimou por completo. Foi por isso que girei a chave devagar, e a maçaneta mais ainda, na esperança de que não houvesse ninguém na sala ou na cozinha. Mas com todo o azar que eu tinha, assim que me viu abrir a porta, a voz feminina me recepcionou. — Essa chuva está terrível… Meu Deus, quem te deu um buquê desse tamanho? — Eu pude notar todos os tons pelos quais aquela pergunta passou. Tinha incredulidade, inveja e descrença. Abri a porta ainda em silêncio, raspando os dentes com pressão sobre o lábio inferior, coloquei minhas chaves no aparador e suspirei, exibindo o buquê com algum orgulho. — Meu namorado. — Aquilo era real? Eu realmente tinha um namorado? Eu não sabia se aquela palavra se encaixava exatamente na relação que eu tinha com Ares. Parecia pouco, parecia simples, mas aquela explicação me daria menos trabalho. Amanda se levantou em um pulo e falou, com um sorriso no rosto que eu julguei ser de deboche: — Namorado? Desde quando? Você deu um superfora no Luke, foi por isso? — Para quem estava vegetativa há menos de vinte e quatro horas, Amanda parecia bem viva. Cedi com os ombros e me virei para encará-la. Esperava alguma distância, mas Amanda veio para perto. — Luke é legal, mas não era para mim. E faz pouco tempo. Esse é um presente de começo de relacionamento. — Meu tom cansado não era fingimento. — Preciso ir lá para dentro, ou vou criar uma poça aqui na sala. Molhar esse piso de madeira não é uma boa ideia. — Tentei fugir, mas Amanda ignorou completamente. — Uau. Rosas azuis. — Seus olhos estavam arregalados, suas mãos vieram para minhas flores. — Isso é raro. Caro. Ele deve ser rico. Eu quis socar a cara dela, mas não mais do que quando Amanda passou a mão pelo embrulho e a ergueu, exibindo um envelope envolto em plástico transparente. — Olha, um cartão! — Ela fez menção de abrir, com um sorriso no rosto que me deu vontade de quebrar cada um dos seus dentes. — Não! Amanda, isso é meu. — Puxei o envelope e o afastei dela. Amanda ergueu as mãos, como se fosse um erro bobo. — Desculpe! Eu sou curiosa e empolgada. Acho que falar com Aidan hoje me deu forças… — Dando alguns passos para trás, ela se sentou no sofá e, como se fosse adolescente, sacudiu as pernas e disse: — Acho que vamos voltar. — Ele deu a entender isso? — Deu. — Eu não conseguia acreditar. — Disse muita coisa legal… talvez demore um pouco, mas voltamos a ser amigos, e com a proximidade, você sabe… — Claro. — Ergui as sobrancelhas, fingindo concordar. — É um passo atrás do outro, logo voltaremos. Você não gosta dessa notícia? — Amanda parecia louca na minha opinião, mas como não cabia a mim decidir nada na vida de Aidan, eu disse o que ela queria escutar. — Eu espero muito que vocês voltem logo e sejam felizes. Aquela mentira me doeu. Foi como enfiar uma faca no próprio peito ver a imagem mental de Aidan feliz ao lado dela. O anel no meu dedo pesou. Eu fiz uma escolha. — Obrigada! Com certeza, daqui a uns anos, quando a gente se casar, você será madrinha. — Minha mente foi longe pensando naquela cena horrível. — Agora me conte, que porra aconteceu com seu rosto? Esse corte na sua testa… — Eu caí da escada. — A mentira pulou da minha boca, e pronta para me livrar daquela situação irritante, eu me esforcei: — Inclusive, estou toda dolorida. Você se importa de limpar essa água? Se eu demorar muito, além de toda ralada, eu vou ficar gripada. — Não se preocupe. Vá logo lá para dentro. — Levantando de novo, Amanda se enfiou para a cozinha e meu caminho finalmente ficou livre. Passei direto para o banheiro, não me importando de precisar sair de lá de toalha. Assim que me fechei e tranquei a porta, finalmente ficando sozinha, coloquei o buquê no chão e fui o mais rápido que meus dedos permitiam para tirar o envelope de Ares do plástico e ler suas palavras. Eram as migalhas que sustentavam minha mente por um fio. Era ele a única coisa capaz de fazer minha dor passar. “Minha doce e pequena deusa, agora, mais do que nunca, você não pode fugir de mim. Não vejo a hora de colocar minhas mãos em você.” Ares. Perder Aidan causava uma dor excruciante, mas pertencer a Ares me fazia sentir viva. E para alguém pronto para a morte, cada segundo respirando era precioso. Eu mal dormi. Sonhei com Aidan e Ares a noite toda. Um sonho confuso e cansativo. Um sonho violento e enlouquecedor. Quando acordei e saí daquele torpor, agradeci por ter resolvido tudo logo. Agora com as coisas sendo o mais concretas possíveis com Ares, eu tomaria distância de Aidan e ele seria só uma lembrança. Uma das dolorosas. Que vez ou outra surgiria com as garras contra meu coração, mas que passado o susto da dor repentina, voltaria ao poço de sonhos quebrados dentro de mim. Sentada, esfreguei os olhos e tomei coragem de levantar. Estava determinada a colocar minha rotina nos eixos. Não só ela, como minha relação com o pequeno círculo de pessoas que eu conviveria nos próximos anos. Prometi a mim mesma que me esforçaria com Amanda, e futuramente teria alguma relação com Marck, quando ele aparecesse em casa. Tomei banho, também pensando sobre o futuro do trabalho, se seria capaz de me tornar gerente do restaurante, ou se deveria buscar uma segunda opção, já que precisaria juntar dinheiro para os anos em que a faculdade fosse mais pesada. É. Pensar em um futuro controlável e simples ajudava. Cuidei dos meus machucados, pensei em como Ares se encaixaria na minha vida, no meio daquela rotina redondinha e simples, e ri. Talvez ele fosse mesmo a escolha certa. Alguém como eu não conseguia ter tanta disciplina sem uma válvula de escape. Quando coloquei os pés na rua, um casal caminhava de mãos dadas na calçada e, por um momento, me questionei em como Ares se pareceria. Ele era alto, tinha mãos fortes e o pau digno de filmes adultos, mas eu não sabia nada além disso. Então, como em um jogo bobo e meu, caminhei na direção do trabalho, montando a aparência dele como um quebra-cabeça na minha mente, ansiosa pelo dia em que, finalmente, poderia colocar os olhos no meu deus da guerra. Trabalhei até o meio da tarde, consegui tirar um cochilo leve de meia hora no vestiário, e depois de colocar um analgésico para dentro, porque meu corpo ainda estava terrivelmente dolorido, me troquei, tirando o uniforme e colocando minhas roupas normais para encarar o frio, e voltei para a rua. Ainda faltavam duas provas naquele dia e depois era lidar com apresentação de trabalho antes do recesso de final de ano. Eu queria ter a melhor nota da sala ainda no final daquele semestre, e faria de tudo para conquistar honras no meu currículo, por isso, cheguei à faculdade pronta para ir até a biblioteca e reler meus resumos, até ter certeza de que tinha aprendido tudo da matéria dada até ali. Empolgada, com o vento frio beijando minhas bochechas, abri a porta para o prédio e fui abraçada pelo calor e barulho de pessoas nos corredores cheios. Parecia que todo mundo tinha tido minha ideia de ir estudar antes do horário, inclusive, o grupinho popular dos amigos de Aidan, junto de Amanda e suas amigas que pareciam não querer muita conversa comigo quando ela não estava perto. Dei um suspiro pesado quando minha colega de apartamento acenou para mim e me chamou para perto. Meu primeiro impulso foi pensar em uma desculpa para não ir, mas minha cabeça vislumbrou minha ideia de mais cedo. Você precisa se enturmar direito, sem fazer merda, Harper. Essa é você, a boa menina do interior, inocente e discreta. Engoli uma dose de coragem e, vestindo minha máscara, segui até o grupo. — Tem prova hoje também? — Amanda perguntou depois de abrir espaço para mim na rodinha. — Duas. Mas são minhas últimas. E vocês? — Tentei puxar assunto com o resto da roda. — Hoje e amanhã — um garoto que eu não sabia o nome respondeu. — Tenho mais três, um professor meu passou mal e cancelou a prova da semana passada — uma das amigas de Amanda choramingou. — Estamos na mesma… ainda preciso dar conta do trabalho acumulado no escritório. Meu chefe não respeita a semana de provas e, por tudo o que aconteceu, eu acabei vacilando com alguns documentos na semana passada… — Amanda lamentou. — Você vai dar conta, agora as coisas estão melhorando, não estão? — incentivei, sendo o mais acolhedora possível. — É. — Ela pareceu mais esperançosa que nunca, ainda mais quando ergueu a cabeça e olhou para o lado. — As coisas vão voltar a ser como eram, e eu estou contando que será logo. Segui seu olhar, percebendo que ela abria um sorriso afetado e entendi o motivo. Aidan vinha do fundo do corredor. Meu coração se apertou quando ele abriu um meio-sorriso. Meu estômago tremeu quando senti seus olhos fixos em Amanda. Suas mãos estavam dentro do bolso da jaqueta da fraternidade, sua postura era firme, como se ele estivesse decidido a algo, e aquilo me doeu muito. Achei que haveria ao menos algum esforço para falar comigo após nosso beijo. Achei que ele se importaria pelo menos um pouquinho, mas talvez Aidan fosse um babaca. Talvez ele realmente fosse voltar com Amanda, depois de perceber que eu era um lixo. Talvez ele tenha odiado me beijar e se arrependido de tê-lo feito. Porra. Aquela possibilidade me acertou bem no meio da cara. Meus olhos encheram d’água enquanto a mágoa e a raiva transbordavam do meu coração para o resto do meu corpo. Naquele momento, eu sentia que tinha feito mais do que certo escolhendo Ares. Na verdade, por um momento, eu até pensei que seria bom se os dois se encontrassem e Aidan fosse um pouco machucado. Travei o nó na garganta quando ele entrou na roda sem dizer nada. Os olhos dele não se desviaram de Amanda e ela virou o corpo completamente para ele, sorrindo. Ela, eu, todo mundo ali estava esperando pelo óbvio. Eles se beijariam, era claro, cristalino. Cada passo dele na direção dela foi uma batida do meu coração em prantos. Respirar doía. Eu não podia acreditar que Aidan iria me magoar daquela forma. Eu não podia aceitar que Aidan fosse tão filho da puta. Mas, a um passo de distância da garota de cabelos vermelhos, ele mudou. Seu rosto virou na minha direção. Seus olhos se fixaram nos meus. Seus pés mudaram a rota. Não. Não. Não — implorei silenciosamente, mas não adiantou de nada. Toda a rodinha ficou tensa. Parecia que todo mundo havia prendido a respiração. Eu até tentei, mas meu coração bateu alucinado contra o peito e minha respiração ficou mais profunda quando Aidan parou na minha frente. Olhei para cima. A garganta quase fechando. Meu corpo todo formigando de nervoso. Pensei que fosse desmaiar, mas, com muito custo, me mantive em pé e consciente quando ele colocou a mão direita no meu rosto. Senti um tremor mais pesado no estômago. Que porra era aquela? Borboletas? Só podiam ser. Um bando delas se debatendo contra as paredes do meu estômago, me mordendo, me comendo viva. Aidan se curvou, diminuindo a distância dos nossos rostos. Eu sabia que todos os olhos estavam em nós, principalmente os de Amanda. Eu quis morrer. Eu quis gritar e comemorar. Eu não sabia o que fazer, mas não tive tempo de pensar. A boca dele chegou perto da minha orelha e eu o ouvi dizer baixinho, com um tom orgulhoso e cheio de desdém: — Eu te avisei, você não pode mais fugir de mim, pequena deusa. Então, enquanto todo o meu corpo entrava em choque, Ares me beijou. Sua boca na minha. Sua língua, seu gosto, seu toque. Real, intenso, completamente fascinante. Fechei os olhos e mergulhei em Aidan. Ouvi os sons de indignação, de raiva e de tristeza em volta. Me apoiei em Ares e não o soltei. Estávamos destruindo tudo em volta, e enquanto estava abraçada a ele, não me importei com as consequências daquele ato rebelde. Na verdade, eu nunca estive tão feliz em toda a minha vida. Ele mordiscou meu lábio inferior e o puxou um pouquinho, afastando o rosto do meu logo em seguida. Não consegui abrir os olhos de imediato. As borboletas que mastigavam meu estômago agora estavam por meus braços, ventre e pernas conforme sua respiração batia contra minha pele. Doía a forma como meu corpo se esforçava para não tremer. Mas mesmo sem enxergar, sabia que Aidan sorria enquanto acariciava minha bochecha mais uma vez e soprava contra minha boca, só para eu ouvir. — Você é minha. Engoli o peso daquilo e abri os olhos a tempo de vê-lo se erguer. Seus olhos escuros se mantiveram em mim conforme ele dava passos para trás, e quando ele virou de costas para ir embora, a realidade despencou na minha cabeça. A roda inteira olhava para mim de boca aberta. Meu primeiro instinto foi me virar para Amanda, mas eu mal consegui ver seu rosto antes da mão dela atingir o meu. Seu tapa foi forte, estalado, ardido. Eu não rebati. Merecia isso. — Sua desgraçada! — vociferando para cima de mim, suas amigas inúteis reagiram para afastá-la, e a postura cheia de raiva não durou. O choro de Amanda ecoou pelo corredor, e todos, absolutamente todos, me culparam. Quem sabia o que tinha acontecido, e quem não tinha ideia. Por um momento, quis cavar um buraco e me enfiar dentro, mas isso passou logo. Foda-se o que eles achavam. Que morressem todos. Aidan era meu. Ares era meu. Não havia nada que pudesse estragar o meu dia. Dei as costas a todos aqueles hipócritas de merda e fui direto para a biblioteca. Precisava de cinco minutos para colocar a cabeça em ordem, para resolver minhas provas, e então, mais tarde, lidar com Amanda. Eu era uma imbecil. Uma hora depois de ter terminado as provas, eu estava sentada em um dos bancos da faculdade, com os pés cruzados, as mãos sobre o banco e a cabeça a mil. Como alguém podia ser tão fodido? Em um mesmo dia, eu experimentei a maior alegria de toda a minha vida, e depois fui afogada por todos os sentimentos mais devastadores possíveis. E se Aidan só tinha feito tudo aquilo por vingança? Se ele era Ares, ele sabia meu nome, sabia quem eu era. Era muito possível que ele tivesse armado todo aquele circo só para me foder, só para acabar com a minha vida naquela cidade. E agora, como eu conviveria com minha colega de apartamento? Como conviveria com as pessoas na faculdade? Todo mundo me achava uma traíra, uma vagabunda, e eles tinham razão. Tentei respirar fundo algumas vezes. Tentei pensar em como a discussão com Amanda seria, em como eu resolveria as coisas. Porra, ela precisava ser razoável. Ela precisava entender que… Parei por um segundo. Amanda não precisava entender nada. Se eu estivesse no lugar dela, um tapa seria pouco. Eu mataria por Aidan, mesmo sem saber a verdade entre nós. Suspirei, acabada, me dando por vencida. Não tinha coragem de mandar mensagem para ele para descobrir o que aconteceria. Não tinha a mínima condição de mandar uma mensagem para ela para dizer que sentia muito. E não dava para ficar mais tempo na faculdade. Precisava ir para casa. Precisava encarar a consequência de tudo, mesmo querendo fugir. Talvez, se entrasse direto para o meu quarto, se não tivesse uma conversa logo agora que ela ia estar de cabeça quente… Dei uma risada fraca. Pare de ser idiota, Afrodite. Ela vai te engolir — disse a mim mesma. — Enfrente logo essa merda e, amanhã, comece a procurar um novo lugar para ficar. Era a solução, caso aquela noite fosse ser caótica como eu imaginava. Sem vontade, sem coragem, respirei fundo e levantei. Do lado de fora, o tempo frio e molhado continuava. Imaginei que, lá de cima, algum deus assistia a toda aquela merda e ria. A cada degrau que subia mais o medo se acumulava nos meus ombros. Meu estômago estava tão embrulhado que eu tinha quase certeza de que as borboletas tinham morrido e agora estavam apodrecendo dentro de mim. Foi estranhamente sombrio abrir a porta do apartamento e empurrá-la sem me mover para dentro. Estava tudo escuro, em silêncio. Um arrepio correu minha coluna. Algo dentro de mim não queria entrar. Aquilo estava parecendo um pesadelo. Um dos que eu não conseguia acordar antes de estar morta. Juntei as mãos e, em um gesto inocente, me belisquei com a ponta das unhas. Doeu. Marcou. Era bem real. Suspirei e, lamentando não estar sonhando, sabendo que não podia virar as costas e correr, adentrei ao apartamento. Fiquei parada do lado de dentro, no escuro, esperando qualquer barulho ou vibração que indicasse vida ali dentro. Não ouvi nada. Não senti nada. Será que tinha alguém ali? Engoli a saliva com mais força e, tentando me encorajar, atravessei o corredor pé ante pé, com a única iluminação vinda das janelas dos quartos que estavam de porta aberta. Não tinha ninguém no quarto de Marck, nem no de Amanda. A casa estava morta e os espíritos do outro lado pareciam ansiosos para me dar um susto a qualquer segundo. Eu merecia. Quando cheguei em frente à porta do meu quarto, a vontade de chorar me pegou em cheio. Eu odiava aquela merda toda. Eu só queria me sentir acolhida, e confortada, e… eu não sabia explicar. A insegurança de não saber o que Aidan queria, se Amanda seria capaz de me desculpar, se as pessoas que viram aquela cena poderiam me ver com outros olhos, me derrubava. Estava um pouco aliviada por encontrar a casa vazia, assim poderia deitar na cama e chorar até adormecer. Amanhã seria outro dia. Amanhã eu pediria desculpas à Amanda e começaria a procurar por outro lugar para ficar, caso ela não pudesse me perdoar. Foi pensando nisso que abri a porta do quarto, mas a visão que tive fez meu cérebro rachar. A janela estava aberta, a luz da rua entrava por ela. Na cama, Amanda estava sentada com os braços e as pernas cruzadas, me encarando com ódio enquanto lágrimas escorriam pelas bochechas. A cama estava sem coberta e sem lençol. O armário, aberto, estava vazio. Minha mala, a que eu trouxe tudo o que tinha, estava fechada junto de uma sacola maior com outras coisas minhas. Foi um soco no estômago entender o que acontecia. Ela já tinha guardado minhas coisas. Ela estava me expulsando. Senti minha pressão baixar. Minha mente ficou nublada e meu coração disparou. Ela estava me colocando na rua. Eu não tinha mais um teto. — Quando você chegou — a voz de Amanda estava mais grossa que o normal, talvez por todo o tempo em silêncio, talvez por todo o choro —, eu realmente acreditei que poderíamos ser amigas. Eu te apresentei aos meus amigos, te mostrei com quem andar, te incentivei, te ajudei, te dei a mão… — Amanda… — Tentei interrompê-la, mas ela não parou. — Mas você não se importou em acabar comigo. Em me destruir. — Seu tom de voz aumentou, seus braços se descruzaram e ela apertou a borda do colchão com força. — Você teve coragem de me dizer que não queria nada com Aidan, fez um joguinho ridículo no começo, evitando-o, e tudo isso era para tirá-lo de mim, não é mesmo? — Você não sabe o que diz — me defendi. — Sei muito bem o que estou dizendo. Sei o que vi, Harper! Você — ela me apontou — com essa sua cara de boa moça, esse jeito de garotinha tímida, me deixando café da manhã como voto de amizade, me servindo veneno! — Eu não tive culpa! — falei mais alto, sentindo a cabeça doer a cada acusação dela. — VOCÊ SABE EXATAMENTE O QUE FEZ! — Amanda ficou em pé, bem na minha frente, respirando como um bicho, parecendo pronta para me bater. — Você é falsa, Harper. Você é o pior tipo de gente que existe. Você roubou meu namorado e isso não vai ficar por nada. Vê-la tão de perto fez um filme passar pela minha cabeça. Eu não tinha mais por que fingir ser uma boa pessoa com aquela insuportável do caralho. E então, quando decidi não me importar, o peso sumiu dos meus ombros, meu coração se acalmou. Até minha respiração normalizou. — Amanda, você é uma idiota. — Aquilo saiu da minha boca tão espontaneamente que até eu me assustei. Cheguei a rir. — Aidan não te quer há muito tempo, mas como eu pensei em você e o rejeitei várias vezes — menti um pouquinho só para fazê-la ver como era bom se sentir a segunda opção —, ele te manteve. — Está dizendo que ele só estava me usando? — Ela avançou e eu não me mexi. Sua testa tocou a minha. Abri um sorriso maldoso. Um que nunca havia dado. — Estou dizendo que você é uma garotinha burra, carente e interesseira. — Ergui o rosto e a empurrei para trás. — Você acha que ama Aidan? Acha que pode tê-lo? O que ele fez hoje foi para te tirar do pé dele, sua burra! Amanda ergueu a mão e veio pronta para me bater, mas ergui a mão e segurei a dela no ar, apertando seu pulso, causando dor a ela. — Sua… — Você não vai me bater de novo. Se eu sou uma vagabunda, que seja. Eu aceito. Agora você lide que foi rejeitada, trocada pela garota gorda pela qual você nunca considerou uma ameaça. Ela chorou ainda mais. Quando dei por mim, também estava chorando. Ambas com raiva. Ambas tristes. Não havia nenhum perdão para mim naquela noite, e mesmo que tivesse, eu não queria mais ficar. — QUERO VOCÊ FORA DAQUI! — gritando na minha cara, ela tentou avançar de novo para cima de mim, mas não deixei. Eu a empurrei com força e encarei minha mala. — Você mexeu nas minhas coisas? — minha pergunta tinha raiva. — Eu e Marck. Ele não te quer aqui também, e só não está aqui para te expulsar comigo porque tinha compromisso.— Amanda cuspiu, venenosa. — Foda-se você e ele — xinguei, ignorando a presença dela, fui até minhas coisas. — Se faltar algo, pode saber que vou te cobrar — falei sem nem mesmo olhar para Amanda. Coloquei a sacola no braço, me arrependendo de não comprar uma segunda mala antes e, me organizando, saí do quarto. — Você é um monstro, Harper. Você é um maldito monstro! — Amanda gritou do corredor e eu parei em frente à porta depois de abri-la. Olhei sobre o ombro, com a raiva evaporando por cada poro meu, e disse: — E você é só uma garota burra. Quem você acha que sobrevive no escuro? — Sem uma resposta dela, saí do apartamento e bati a porta. Aproveitando o gás da fúria, desci as escadas como um foguete, mesmo com todo o peso que carregava, mas assim que bati a porta pesada da entrada do prédio e me vi na rua escura, debaixo de chuva, com tudo o que eu tinha embaixo do braço, me encostei contra a parede e escorreguei para o chão, puxando o capuz da blusa sobre a cabeça, escondendo o rosto nas mãos. Eu não sabia para onde ir. Eu não tinha um lugar para ficar. E depois do que havia acontecido naquele apartamento, eu não sabia mais nem quem eu era. Como eu reagi daquela forma? Como eu pude… Não consegui terminar meu raciocínio. Quebrei no meio. Chorei alto, copiosamente, e ninguém me ouviu, o som da chuva e dos carros abafava tudo. Mais uma vez, eu estava entrando em colapso, estava na beira do precipício, mas não havia ninguém para me puxar da borda. Pelo menos, foi isso o que pensei, até que, uns quinze minutos depois de eu estar sentada na calçada ao lado do prédio, fugindo da chuva embaixo da marquise, o entregador do dia anterior chegou. De uma forma bem merda, ele me reconheceu. — Afrodite? Só fiz que sim com a cabeça, e vendo que eu não ia me levantar, o garoto desceu da moto e veio na minha direção. Me entregando uma caixa de presente preta com laço azul, ele sorriu e me deu as costas. Encarei o objeto, me sentindo completamente imprestável, com medo de ali dentro ter algo como “bem feito” vindo de Aidan junto de algo que pudesse me machucar. Só essa possibilidade foi como dividir meu coração em dois. Doeu fisicamente. — Termine logo com essa merda — falei, limpando as lágrimas dos olhos, coisa que não adiantou de nada porque logo gotas maiores rolaram pela minha bochecha. Sacudi a caixa, tentando ouvir o que tinha dentro, e o tilintar metálico aguçou minha curiosidade. Apoiando a caixa no chão, abri o laço e, devagar, tirei a tampa. No fundo da caixa tinham duas chaves e um papel. Respirei fundo, pegando primeiro o papel. De um lado dele, estava escrito um endereço. Do outro, sem assinatura, estava: “Bem-vinda” Caralho. O que aquilo significava? Respirei fundo e apoiei a cabeça nas mãos de novo. O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço? Me balancei compulsivamente enquanto a visão de Aidan inundava meu cérebro. E se ele quiser terminar sua vingança me matando? E se eu for e ele me torturar até o fim? Isso não seria um problema, porém, se ele admitisse que as últimas semanas foram parte de um plano para me quebrar, isso sim acabaria de vez comigo. Um mendigo chegou à marquise em que eu estava e começou a ajeitar suas coisas para dormir. Estava tarde, e se eu não me movesse, acabaria dividindo a coberta com o homem que cheirava fortemente à urina. Desistindo do poder de controlar meu destino, eu me levantei. Se fosse para dar certo, eu teria sorte de ser com Ares. Se fosse para tudo acabar de vez, era justo que fosse com Aidan. Consciente dos riscos que corria, dei sinal para o primeiro táxi. A agonia dentro do meu peito só piorou quando entramos na parte nobre da cidade. Por algum motivo, eu acreditava que acabaria na velha casa dos Hunt, mas não. Estava na área de prédios de luxo, não conseguindo pensar direito em como as coisas tinham mudado tanto. Como é que eles estavam ainda mais ricos se… Guardei minha dúvida para depois. Minha prioridade era outra no momento, afinal de contas, eu estava caminhando para minha possível morte. — Moça, chegamos. — O taxista me tirou dos pensamentos e eu sacudi de leve a cabeça, tentando entender. — O quê? — Chegamos. É aqui o endereço que você me deu. — Ele apontou para o prédio de fachada imponente, preta e dourada do lado esquerdo. Olhei com atenção, lendo a palavra Olimpo sobre o portão de entrada. Ri da piada ridícula. — Certo. Obrigada. — Tirei o dinheiro da gorjeta daquele dia do bolso, entregando as notas meio amassadas e úmidas ao homem antes de descer, arrastando minhas coisas para a calçada molhada. O táxi foi embora rápido. Eu fiquei em pé ali embaixo da chuva que havia se transformado em uma garoa fina. Olhei para cima, para o esplendor do endereço de Aidan e me perguntei como ele se conformou de passar dias naquele apartamento pequeno e sujo, em uma área pobre, sem luxo algum. Suspirei com a possível resposta. Ele fez por mim. Fosse por amor, ou por vingança, ele havia feito por mim. Tirei o papel do bolso de novo, confirmando o andar e o número do apartamento e, pegando a chave arredondada, me aproximei do portão e a enfiei na fechadura. O barulho do trinco se abrindo foi violento. Sem coragem alguma, eu entrei. Passei pela portaria, onde ninguém falou comigo, parecendo achar que, por ter uma chave, eu era moradora, e fui direto para o hall. O chão, as paredes e o teto eram revestidos de pedra branca. Os móveis elegantes da cor preta com detalhes dourados estavam bem espalhados pelo lugar espaçoso, e o elevador tinha portas douradas em vez das prateadas. Apertei o botão para chamá-lo e esperei, tentando arrancar as peles da boca com os dentes, querendo chorar por não saber qual era o próximo passo. Eu sempre quis tanto morrer, mas será que seria assim? Com a cabeça tão confusa? Com o coração tão quebrado? Pelo menos, não havia ninguém para sentir falta. O elevador finalmente chegou. Enfiei minhas coisas dentro, e com o coração batendo na garganta, apertei o botão do último andar. As portas fecharam. A caixa metálica começou a se mover para cima, e a cada andar que ela avançava, minha ansiedade parecia pronta para me dar um ataque cardíaco a cada segundo. Quando as portas se abriram no andar certo, eu realmente achei que estava infartando. Meu coração doeu, meu corpo pareceu formigar por inteiro. Até o rosto. Comecei a suar frio e não tive coragem de sair. Nem de me mover. Tentei respirar fundo algumas vezes, soltando o ar fazendo barulho, até sentir um mínimo relaxamento, até minha mente se agarrar ao fio de esperança de que, qualquer uma que fosse a opção do meu futuro, um deles acabaria com a desgraça de vida que eu levava e a outra poderia me fazer feliz. Eu não podia viver para sempre dentro do elevador. Agarrei minha mala com força, ajeitei a sacola pesada no braço e saí para o corredor. Aquele ato foi feito com o pé direito. O resto de inocência que eu ainda tinha estava sendo gasto antes de não sobrar mesmo mais nada. Olhei para os lados e vi o número do apartamento brilhar em dourado na porta preta. A casa do deus. A casa do dono do meu destino. Meu futuro lar, ou minha futura cova. Fechei os olhos, limpei minha mente, e me conformei. Não havia finais felizes para gente como eu, e era tudo culpa minha. Estranhamente, uma coragem esquisita, contraditória e fraca surgiu. Foi ela que me fez atravessar o corredor, e mesmo com os dedos trêmulos, enfiar a chave na fechadura. Quando a girei, desta vez, o barulho foi muito mais suave que o do portão. Não havia mais para onde voltar, ou como voltar. E sabendo que não havia para onde fugir, eu entrei. — Finalmente você chegou. — A voz de Aidan me atingiu assim que fechei a porta. Tentei ler aquele tom de voz, mas não adiantou muita coisa. Ainda com a mão na maçaneta, incerta, com a cabeça baixa, tentei enxergar alguma coisa daquele lugar. E não foram os móveis caros, a decoração sofisticada ou o tamanho do apartamento que me surpreenderam. Foi a quantidade de velas acesas e a mesa posta para dois com mais velas sobre ela. Se havia uma mesa posta, ele não ia me matar de imediato, não é? Respirei aliviada e me virei devagar na direção da voz, mantendo minha cabeça e meu olhar para baixo, não sabendo o que sentir, não me sentindo completamente segura. Tentei não tremer tanto, mas quando vi seus pés entrando na minha visão periférica, não consegui me segurar e o encarei. Ares estava sentado em uma poltrona. Pés descalços, calça e camisa pretas, rosto pintado como se fosse uma caveira, cabelos ajeitados para trás e uma faca na mão transformaram-no na visão da mais pura inconsequência. Prendi a respiração quando ele, vendo que eu não me mexeria, se levantou e veio na minha direção como um tubarão. Parecendo sentir o cheiro do meu medo, podendo ler cada um dos meus receios. Em questão de segundos, eu estava com as costas e a cabeça contra a porta, com a mão dele contra o meu colo e a faca bem acima, na minha garganta. Meus olhos se arregalaram pelo susto. Ares tinha o rosto a centímetros do meu. Seus olhos não me diziam nada, mas sua boca se abriu em um meio-sorriso. — Por favor — era quase uma ordem —, não me faça esperar assim de novo. Tirando a faca do meu pescoço, ele me deu um pequeno espaço para relaxar. Não funcionou muito bem. — Como devo te chamar? Aidan ou Ares? — Havia raiva na minha voz e ele ergueu as sobrancelhas ao se surpreender com isso. Uma das mãos dele veio parar na porta ao lado da minha cabeça e seu corpo pendeu um pouco para mim, cortando o espaço que havia me dado. — Você, pequena deusa… — Aidan jogou a faca no chão e pegou minha mão livre, a mão com o anel, e a ergueu até sua boca — …você pode me chamar do que quiser quando estivermos só nós dois. — Isso é algum tipo de piada? — Minha fala saiu meio tremida, meio indignada conforme ele beijava os nós dos meus dedos delicadamente. — Você está me vendo rir? — A resposta amargou minha boca. — Não é piada nenhuma. Aidan, Ares, eu não sou dois, mas como você, lá fora, eu sei me misturar. Minha garganta quis se fechar. — Eu não sou como você. — Puxei minha mão e, em um ato impensado, eu o empurrei. Aidan riu. — Meu amor, você quer mesmo que eu te diga o quanto somos parecidos? — Ele voltou para mim, uma mão para o meu ombro, a outra para o meu rosto. Seus dedos acariciaram minha bochecha. — Quer que te esfregue na cara que a pose de boa moça não combina em nada com a mulher que atrai homens potencialmente perigosos para ser abusada? Ou quer que eu seja mais específico — ele desceu o rosto, beijando minha testa, bem onde estava machucado, onde ele machucou — e fale da nossa experiência? — Aidan continuou a beijar minha têmpora. — Em como você só reagiu quando mandei. Em como estava absurdamente macia e molhada quando eu te fodi à força? A trilha de beijos acabou ao lado da minha boca. Eu estava irada. Eu estava com nojo. Eu queria chorar. Minha resposta foi erguer a mão e bater em seu rosto. Ele suspirou antes de voltar o rosto para o meu. — Você me enganou — rosnei para ele, a primeira lágrima desceu queimando contra minha pele. — Não, Afrodite. — Ele negou com a cabeça. — Eu lutei por você. — Lutou por mim? — Minha voz fugiu no final da frase, senti mais lágrimas caindo, neguei com a cabeça, dando um riso sem graça. — Desde quando você sabe que eu sou eu? — Desde o minuto que coloquei os olhos em você. — Tentei olhar para outro lugar, mas Aidan pegou com cuidado em meu queixo e me obrigou a olhá-lo. — Afrodite, amor, eu nunca esqueci seu rosto, seus olhos, sua boca. — Seu polegar veio ao meu lábio inferior e ele ficou em silêncio por alguns segundos, concentrado no contorno da minha boca. — Essa porra de boca perfeita. — Aidan — rosnei seu nome e ele sorriu, voltando a olhar nos meus olhos. — Você achou mesmo que eu não me lembrava de você? Eu penso em você desde os meus dezessete, desde que percebi que você era fodida da cabeça como eu. Quando você surgiu naquela festa, logo que você virou as costas, eu levantei tudo o que podia sobre você. Amanda foi um alvo fácil, arrancar dela tudo o que ela sabia sobre você não durou meia cerveja. E como eu sabia que te assustaria se chegasse direto em você, dei um jeito de participar do seu mundo. Para poder entrar na sua casa e forçar nossa convivência, usei sua colega de apartamento. — Não havia remorso algum na fala dele, nem um pingo de raiva no meu coração ouvindo aquilo. Na verdade, só uma coisa me irritava. — Você fodeu com ela. — Minha acusação o fez rir. — De tudo o que eu estou te contando, é com isso que você está brava? — Aidan acariciou minha bochecha de novo. — Eu precisava cumprir meu papel, Afrodite. Você pode me perdoar por isso? — Você me seguiu. — Sim. — Você… você sabe o que fez. — Eu fiz o que eu sabia que você gostava. Ou você gostaria que eu não tivesse feito? Não pude responder. Era verdade. Ele tinha razão. — Você arrancou os pés de Roy — acusei-o. — E essa não é a pior coisa que já fiz na vida, nem é a pior coisa que farei com qualquer homem que colocar as mãos em você, depois de ter aceitado ser minha. — Está dizendo que mataria por mim? — Franzi o cenho, não acreditando no que ouvia. — Estou te pedindo para não me testar, mas sim. Se qualquer outro homem te tocar, eu vou matá-lo. — Era real. Era muito real. E me causou crise de choro e de riso, ao mesmo tempo, quando achei que aquilo não fosse possível. Sabendo que não corria risco de vida, eu o empurrei e dei alguns passos pelo apartamento, tentando absorver as informações todas, tentando entender onde estávamos. — Você é louco — falei baixinho, limpando as lágrimas. — Você é completamente insano! — Virei para Aidan, gritando: — Você sabia que Amanda me colocaria para fora! — Sabia — em paz, ele respondeu, voltando a se aproximar de mim. — Sabia e faria de novo. — Eu não sei mais para onde ir. Eu não tenho onde ficar! Aidan… — Minha voz embargou conforme ele chegava perto de novo. — Você fez isso por vingança? Você fez isso pelo que aconteceu com seu pai? — Mais uma vez, carinhosamente, ele pegou meu rosto entre as mãos. — Eu fiz o que fiz porque queria você aqui, comigo. Você tem um teto agora, um novo lar. Acha que eu fiz isso por vingança? — Seu tom de voz compreensivo me acalmou, mas ainda assim, o choro não cessou. — Amor, olhe bem nos meus olhos. Eu não mentiria para você. O que você fez no passado é o que me atraiu até aqui, mas não para vingança. Eu vim te reivindicar minha. Você acha que sou insano? Você é igual a mim, só não consegue assumir ainda. — Como posso acreditar? Como posso confiar? A bagunça da minha mente nublou todo o resto. E me surpreendendo, Aidan largou meu rosto, mas logo em seguida se ajoelhou na minha frente e segurou minhas mãos. — Não pode, mas me deixe te libertar, me deixe tirar todo o medo e toda a culpa dos seus ombros. — Ele beijou minhas mãos e voltou a falar: — Me coloco de joelhos por você, pequena deusa. Só por você. Você que é meu sol e minha lua, meu céu e inferno. Perfeita mistura de bom e mau. — Eu ainda não sei como te chamar… — Me chame como quiser, Afrodite. Eu sou seu. Então ele se ergueu e me abraçou. O abraço bom e seguro de Aidan. O abraço forte e protetor de Ares. — Você está cansada, machucada e molhada. Me deixe cuidar de você. E sem forças para lutar, eu só confirmei com a cabeça, deixando ele fazer de mim o que bem entendesse porque, no final das contas, fosse Aidan, fosse Ares, ali era meu lugar. Aidan me levou até o banheiro. Em silêncio, me livrou de cada uma das peças de roupa e me colocou embaixo do chuveiro. Pensei que ele me deixaria sozinha, pois o vi pegar minhas roupas e sair, mas, minutos depois, ele voltou e, enquanto a água tirava o xampu da minha cabeça, assisti ao garoto se livrar da camisa, depois das calças junto da cueca. Suspirei, vendo-o nu. Uma obra de arte. Um deus grego. Era isso o que Aidan era. Ainda com o rosto pintado, ele veio também para o chuveiro e parou na minha frente. Era uma sensação nova. Eu tinha medo, receio, uma insegurança enorme, mas também tinha desejo, paixão, tesão e, eu desconfiava, que amor. Amor… Como entender aquele sentimento? Como olhar para algo que dizem ser tão puro, tão sublime, e apesar de não ser merecedora de tal coisa, ainda sentir sombras daquilo vibrando no meu coração? Naquele momento, eu não conseguia pensar. Eu não queria pensar. Entrei pela porta daquele apartamento pensando que iria morrer. Eu sempre quis morrer. Sempre pensei que fosse o melhor dos presentes, mas quando podia acontecer pela mão de alguém que eu tinha tanto carinho, pela mão de alguém que eu achava que amava… doeu. Talvez eu não quisesse morrer, não agora que Aidan e Ares se revelavam a mesma pessoa… Encarando-o com a iluminação bonita do chuveiro, ergui a mão e toquei seu peito, traçando sua tatuagem com a ponta dos dedos. Os olhos de Aidan se fecharam quando eu o toquei. Sua expressão era de puro prazer. Como alguém podia sentir aquilo comigo sem parecer sujo? Sem o ato todo começar e terminar do jeito errado? Terminei de traçar todos os detalhes da mariposa e, muito lentamente, desci as unhas por seu abdômen, até o vinco em sua cintura. Aidan se arrepiou por completo enquanto suspirava. Seu pau começou a endurecer e eu estava pronta para pegálo, quando a mão dele veio sobre o meu pulso. — O que está fazendo? — A pergunta me pegou desprevenida. Não era óbvio? — Você não vai me foder? — Juntei as sobrancelhas, não entendendo o porquê ele me parava. — Não é por isso que me trouxe aqui? — Não era uma acusação. Na verdade, talvez aquela fosse a única parte inocente que restava. O que é que Aidan queria de mim, se não era aquilo? — Eu quero foder você, quero fazer amor com você, mas não quero só isso de você. Seu dia foi uma merda, Afrodite. Você está confusa, e se você quiser transar comigo porque me quer, não vou negar, porém, se quiser descontar tudo em uma foda violenta, hoje eu ficarei devendo. Recolhi a mão, envergonhada. Não conseguia nem mesmo encará-lo. Percebendo que eu não tinha algo para dar, Aidan avançou para baixo do jato d’água do chuveiro caro e quentinho. Pegou sabão e esfregou o rosto. Fiquei no cantinho da parede, com as mãos juntas em frente ao corpo, com vontade de chorar por me sentir rejeitada. A verdade era que eu não sabia lidar com as coisas sem envolver punição física. Eu merecia aquilo, então não me humilhar e me degradar até ter paz por saber que estava pagando era algo que me desconcertava. Na verdade, Aidan me punia da pior maneira, mostrando o quão ruim eu era comigo mesma. Eu odiava encarar aquilo. A maquiagem preta escorria pelo corpo de Aidan. Eu o vi ficar completamente duro e engoli em seco. Quando voltei a encarar seu rosto, ele estava de olhos abertos, me vigiando. Não senti vergonha. Era impossível não prestar atenção em um pau daquele tamanho, era ridículo fingir que eu não o queria. Mas parecendo disposto a me punir, Aidan me virou de costas e começou a cuidar do meu cabelo. Ele passou o condicionador e o desembaraçou com os dedos. Eu me arrepiei a cada toque dele, e foi uma tortura ainda maior quando ele me virou de frente para eu lavar a cabeça. Ergui os braços para esfregar os fios e notei seus olhos fixos nos meus seios. Engoli em seco a vontade de pegar sua mão e obrigá-lo a me tocar. Quando eu achei que ele finalmente ia, Aidan se esticou e fechou o chuveiro, acabando com qualquer esperança minha. Saímos do boxe, ele me ofereceu uma toalha e, decepcionada, me sentindo diminuída, sequei meu corpo com cuidado. Sabia que ele olhava, que notava cada pequeno detalhe, e quando o encarei de novo, não aguentei. Segurando a toalha em frente ao corpo, me dei por vencida e falei: — Não sei fazer isso… — Cada fibra minha estava sedenta por ele. — O quê? — Ele se ergueu, me olhando com atenção. — Eu te quero. Aidan, Ares, não importa. — Admitir aquilo em voz alta não doeu tanto quanto eu achei. — Por causa de tudo, e apesar de tudo, eu te quero muito. Mas não sei como… nunca fiz isso sem precisar ser extrema… — Você fodeu com Luke e Derek. — Não era uma acusação. — Não é igual. Não é como isso. — Lambi os lábios, ansiosa. — Nunca teve nenhum sentimento, nunca houve ausência de dor. Eu tinha medo de dizer mais. Era cedo demais. Era frágil demais. — Está dizendo que nunca fez amor? Confirmei com a cabeça. Ele deu um passo na minha direção e, sério, largou a toalha. — Eu também não. — Meu coração acelerou. — Mas quero tentar com você. Esticando a mão na minha direção, o deus regente do meu universo me ofereceu o mundo, me ofereceu tudo, e eu o aceitei. Assim que minha mão pousou sobre a de Aidan, ele me puxou para si. Nossos corpos se chocaram de forma bruta, e ansiosa, levei as mãos ao seu pescoço e o puxei para baixo, para mim, desesperada pelo beijo que me tirava da realidade, louca para descobrir se ainda merecia o paraíso. Quando sua boca se abriu diante da minha e sua língua pediu passagem entre meus lábios, eu flutuei. Uma das mãos dele se prendeu na minha nuca, a outra grudou meu corpo no seu, deslizando por minhas costas, indo até minha bunda e a apertando com força. Aquela era uma pequena amostra que, mesmo que ele fosse tentar ser carinhoso, haveria mais. Sorri entre o beijo, pensando que tinha um deus imoral, um anjo caído, um vilão insano, tudo isso na mesma pessoa jogada aos meus pés. Meu par perfeito. Foi quando dei o primeiro gemido de prazer por tê-lo daquela forma, que Aidan mordiscou meu lábio inferior com força e afastou o rosto do meu. Seus olhos brilhavam contra os meus. Meu coração doeu com tamanha perfeição tão perto, tão deturpada, tão minha. E devagar, seu rosto veio para o meu, mas não para me beijar. Aidan lambeu as lágrimas que nem percebi terem saído dos meus olhos, e continuou o passeio da boca da pontinha da minha orelha direita até o meu queixo, me cheirando feito um animal, se esfregando contra minha pele. Quando ele mordeu meu queixo e puxou meus cabelos da nuca para liberar meu pescoço para si, com a boca contra minha garganta, toda minha pele se arrepiou contra seu riso. — Eu vou foder você três vezes, amor. — Ele beijou minha garganta. — Vou gozar na sua boca gostosa. — Beijando a base do meu pescoço, Aidan chupou minha pele com pressão. Eu sabia que ficaria marcada, mas não reclamei. — Na sua boceta macia. — Seus dedos seguraram meu cabelo com mais força quando pensei em abaixar a cabeça para vê-lo. No segundo seguinte, Aidan voltou para o meu rosto. Olho no olho. Perto demais. Sua boca quase contra a minha. Arfei, completamente em chamas. Completamente entregue a qualquer coisa que ele quisesse fazer comigo. — No seu rabo apertado. Ele sugou meu lábio inferior e eu arfei contra sua boca, segurando seu rosto para aprofundar o beijo. Aidan soltou minha nuca e me abraçou por inteiro, me devorando no beijo nada delicado, me dizendo naquele ato que não havia volta. Eu sabia, eu sempre soube. E não estava reclamando. Suas mãos desenharam meu corpo pelas laterais. Um toque firme, preciso, quase dolorido. Aidan parecia querer gravar cada mínima curva minha, e não resisti. Embrenhei meus dedos por seu cabelo, puxando mais seu rosto para o meu, sentindo o calor do tesão do seu pau contra meu ventre. Se tivéssemos a mesma altura, com toda a certeza eu já o teria dentro de mim. Se ele já estava melado, havia uma poça no meio das minhas pernas. — Preciso de você dentro de mim — liberei sua boca para pedir, e quis morrer ao sentir que ele sorria. — Você vai ter que esperar um pouco. — Abri os olhos, querendo entender o motivo, mas me arrependi no segundo seguinte. Aidan, com as mãos na minha bunda, me puxou para cima. Eu dei um gritinho de susto, me segurando em seus ombros com força, não acreditando que ele me erguia do chão. Ele me ajeitou no colo como se eu não pesasse nada e escondi o rosto em seu pescoço, cruzando as pernas ao redor de sua cintura. — Aidan… — Seu nome saiu com incômodo. — Me beije. — Seu rosto tentou chegar ao meu. — Aidan, me solta. Eu sou pesada. — Eu mandei você me beijar. — Me ignorando completamente, sua voz ficou impaciente. Respirei fundo e voltei o rosto para o seu. — Isso é… — Ele não me deixou terminar a frase. — Perfeito. — E quando sua língua voltou à minha, fechei os olhos, esquecendo tudo em volta. Corpos não importavam. O lugar era o de menos. Éramos só Aidan e eu, mesmo que houvesse uma bomba prestes a explodir sobre as nossas cabeças. Naquele momento, nas próximas horas, era só isso o que tínhamos, era só isso o que importava. Ele começou a andar. Me agarrei a ele com mais força e tentei ignorar o frio na barriga que parecia reviver as borboletas que moravam no meu estômago. Mantive meus olhos fechados, concentrada em sua boca, tentando ignorar quando ele me segurava com um único braço. Quando Aidan tirou a boca da minha para falar com a inteligência artificial sobre iluminação, me distraí beijando seu queixo e descendo por seu pescoço. Se ele havia me marcado, me sentia no direito de fazer o mesmo. Ele riu quando sentiu a pressão dos meus lábios e língua contra ele. — Está tentando marcar algum território? — Aidan pegou em minha nuca e puxou meu rosto para o seu, ainda nos movimentando. Fui obrigada a abrir os olhos. — Espere para ver o que vou fazer com você. No segundo seguinte, ele me jogou na cama e eu tive um vislumbre de onde estava. O quarto dele era do tipo saído de revistas. Chão, móveis pretos, até o teto escuro cheio de ornamentos e saídas de luz. Naquele segundo, tudo era iluminado por luz azul-neon, mas não tive tempo de prestar mais atenção, porque, na minha frente, ele se ergueu. Visceralmente lindo. Absurdamente excitado. Naquela noite, inteiramente meu. Deitada contra o lençol de seda preto, não entendi o motivo da demora. Eu o queria tanto, por que ele não vinha logo? Por que estava gastando tempo me olhando? Incomodada, tentei me sentar, mas sua mão veio para o meu ombro e ele me empurrou. — Me deixe ver você. — O pedido não era pedido coisa nenhuma. Respirei fundo e fechei os olhos, sabendo não ter opção. Aquilo era estranho. Me causava incômodo. Tentei me distrair, pensei que admirá-lo também faria aquela sensação passar, mas só piorou quando eu o vi se ajoelhar. Aidan queria fazer sexo oral em mim? Porra. Aidan ia fazer sexo oral em mim. Ergui o tronco em um pulo antes de ele descer ao chão e ergui a mão. — Não. — Foi tudo o que consegui dizer. Suas sobrancelhas se juntaram e ele parou, tentando entender. — Não? — Tentou confirmar. — Não. — Neguei com a cabeça. — Não quero que você me chupe. — Por quê? — Não havia julgamento na pergunta. — Por quê? — E então eu não queria responder, não sabia responder, e me coloquei de joelhos na beira da cama, com os cabelos molhados cobrindo os seios e as mãos no colo. — Porque eu… não gosto — menti. — Você não gosta? — Ele juntou as sobrancelhas e, quando eu desviei o olhar, Aidan tocou meu queixo e me fez encará-lo. — Quem foi o idiota que te chupou errado? Me diga e eu vou arrancar a língua do desgraçado. — Não é isso. É que… eu sou suja. É feio. Eu… — Minha cabeça entrou em conflito. Morri de vergonha. Me deu vontade de chorar. Percebendo que tinha algo errado, Aidan parou na minha frente e segurou meu rosto entre as mãos. — Não precisa me explicar agora. — O tom de voz calmo e seguro dele foi minha pequena âncora para não desabar. — Eu sei que existe uma parte de você que acredita em muitas mentiras sobre quem você é. — Ele desceu o rosto contra o meu, beijando minha testa. — Sobre o seu corpo. — Mais um beijo entre minhas sobrancelhas. — Sobre o seu sexo. — Outro beijo na ponta do meu nariz. — Mas eu estou aqui para mudar tudo. Você é única para mim, Afrodite. É minha pequena deusa, perfeita, moldada para mim. — Ele beijou minha bochecha esquerda. — Eu não quero mudar você. Não quero limpar você. Não quero te levar para a luz. — Sua boca se arrastou para minha têmpora. — Eu quero abrir seus olhos. Quero estar sob sua pele. Quero fazê-la ver como eu a vejo. — Outro beijo na bochecha. — Quero amar cada pedaço seu, e te colocar a par da realeza que você é, do cuidado que merece. — Mais um beijo na pontinha do nariz. — Tudo o que eu te peço é para ser minha, por completo, por inteiro. — Seus lábios se arrastaram para minha bochecha direita. — Você acha que pode? Eu te espero há tanto tempo, sabia? Nunca trouxe outra mulher aqui. Nunca deixei ninguém deitar sobre a cama que também seria sua. — Mais um beijo, dessa vez na têmpora direita. — Eu te imploro, Afrodite. — Seu rosto se afastou um pouco do meu, mas seus olhos me capturaram. — Deixe-me amar você por inteira. Você não sabe como tenho sonhado com seu cheiro, com seu gosto… — Ele beijou meu queixo. — Por favor, me deixe fazer você gozar na minha boca. E quando ele tocou os lábios nos meus, eu o puxei para mim. Queria nos fundir em uma coisa só. Queria que todos os meus machucados, todas as minhas feridas mais profundas, fossem curadas com aquele amor doentio e absurdo. Queria suas marcas, seu carinho, sua compreensão, sua violência, seu terror. Seu peito estava sobre o meu, mas seu quadril não. Aidan tentou acompanhar o ritmo do meu beijo desesperado, mas quando o mordi mais forte, ele tirou a boca da minha e atacou meu pescoço. Não reclamei. Menos ainda quando ele afastou meus joelhos e subiu a mão pela parte interna da minha coxa. Seus dedos acariciaram minha virilha, depois desenharam meus grandes lábios, sentindo que estava molhada a ponto de escorrer. Sua boca desceu do meu pescoço para o meio dos seios em um rastro de lambidas e chupadas, e então, quando se decidiu para onde seguir, seus dedos me abriram e com as pontas do indicador, dedo médio e anelar, ele começou a massagear toda parte interna da minha boceta. Clitóris, pequenos lábios e entrada. Eu não sabia que era capaz de ficar tão excitada, mas senti-lo cuidadoso, com a boca e a língua, gentil, sobre meu mamilo direito, enquanto espalhava minha lubrificação, me deixou louca. Dando uma sugada mais forte no meu seio, Aidan mordiscou o bico rijo e pediu com a respiração batendo contra minha pele, ao mesmo tempo que seu dedo médio circulava minha entrada: — Comigo, você nunca mais vai precisar esconder nada. — A língua mais dura provocou o ponto sensível e eu arfei, movendo o quadril, querendo seus dedos dentro de mim. — Confia em mim? Eu sabia que era um pedido de permissão. Um que nunca me fizeram. Um que nunca me permitiram negar. Com as borboletas batendo asas, prontas para alçar voo dentro de mim, em um gemido baixo, condenei minha alma, ou o que sobrava dela, ao deus mais perverso de todos. — Confio. Ele sorriu. Não precisei ver, mas conseguia imaginar. Aidan se moveu, me ajeitou sobre a cama como queria e, quando meu quadril estava na beirada do colchão, tomei coragem para tirar os olhos do teto e procurá-lo. Não foi difícil encontrá-lo. Suas mãos afastaram minhas coxas, então ele passou ambos os braços por baixo delas e me travou contra si. Seus olhos estavam fixos na minha boceta. Ele mordiscou o lábio inferior que se rasgava em um meio-sorriso. Eu quis morrer com aquela visão. Tentei fechar as pernas, mas ele impediu e fez que não com a cabeça lentamente. — Você está inchada e brilhante de tanto desejo. — Aidan parecia hipnotizado. — Nunca vou me cansar de ver isso. E, no segundo seguinte, Aidan Hunt me tomou pela primeira vez. Minha respiração acelerou muito. De tesão. De ansiedade. De pavor. Ouvi sua respiração profunda quando ele me cheirou. Quando puxou o ar entre os dentes. Quando xingou. Agarrei os lençóis antes de ele me tocar. Fechei os olhos, tentando afastar os pensamentos cruéis. Mordi o lábio quando um pequeno soluço de pavor quis ganhar força. Eu o queria. Não era por ele. Era por mim. Era meu corpo. Era a primeira pessoa capaz de me amar sem eu precisar me esconder. Me agarrei àquele pensamento e jurei que ficaria até sentir algum prazer. Achei que demoraria muito para isso acontecer, mas Aidan parecia ter mais conhecimento sobre o corpo humano do que um médico em formação comum. Suas lambidas lentas e longas começaram de baixo para cima. Sua língua passava pela minha entrada, provocando, e seguia o caminho até meu clitóris. Lento, arrastado, paciente. Ele continuou com aquele movimento até que senti o tesão aumentar. Até que quis experimentar mais daquilo. Até que movi meu quadril, buscando de Aidan algo mais. Ele fez mais uma vez o movimento de baixo para cima com a língua, mas quando chegou ao meu clitóris inchado de tanto desejo, seu movimento mudou. Meu ventre se contraiu com a surpresa. Meu corpo todo se arrepiou. A sensação de quente e frio começou nos meus pés, no baixo ventre, na parte interna dos meus braços. Ele continuou fazendo pressão naquele ponto sensível, sua língua parecia saber o que cada tipo de movimento faria com meu corpo e eu comecei a gemer baixinho a cada onda de impacto, a cada quebra de onda que sofria graças a Aidan e sua sede pela minha boceta. Suas mãos acariciavam minhas coxas, seus lábios sugaram meu clitóris. Eu quase gritei, estranhando aquela sensação, não entendendo como podia ser tão errado e tão bom. Desesperadamente, olhei para baixo. Foi como tomar um soco. Os olhos de Aidan estavam concentrados no meu rosto. Me vendo curiosa, ele aumentou a velocidade do que fazia, e eu achei que fosse explodir. Deitei a cabeça contra o colchão, arqueei o tronco, puxei os lençóis e tentei fugir dele. A pressão era demais, eu não sabia lidar, eu não merecia tanto. Mas a ideia dele era bem diferente da minha. Aidan me segurou no lugar com força e não mudou o movimento que fazia com a língua sobre meu clitóris. Na verdade, ele ficou mais duro, mais certeiro, e eu, sem ter o que fazer, sem ter para onde correr, gritei seu nome. — Aidan! — Mas era tarde demais, no segundo seguinte, sem conseguir fugir, eu explodi. As ondas de quente e frio correram pelo meu corpo, meu ventre pulsou tanto que todo o meu corpo sofreu com a vibração. Meu coração bateu na garganta. Meus pulmões estavam pegando fogo. Meu corpo entrou em um pequeno colapso. Aidan me soltou e eu só tive forças para juntar os joelhos no alto, com os pés apoiados no cantinho do colchão. Sentia minha boceta inchada, latejando, absurdamente sensível. Fechei os olhos, tentando normalizar a respiração, e coloquei as mãos sobre o rosto. Lágrimas molhavam os cantinhos dos meus olhos e eu comecei a rir. Aidan se deitou ao meu lado e me abraçou pela cintura. Perto de mim, sentia meu cheiro nele, e mesmo tendo problemas com isso, não o achei nenhum pouco repulsivo. — Qual é a graça? — A voz macia e calma me trouxe de volta. — Eu nunca… — Limpei os olhos das últimas lágrimas que vinham, os fechei e neguei com a cabeça. — Nunca? — Ele queria que eu continuasse, mas sua mão subindo pela minha barriga e vindo para os meus seios me desconcentrou. — Nunca muitas coisas… — Carinhosamente, coloquei a mão em seu rosto e me aproveitando que ele estava bem em cima do meu, o fiz me encarar. Não queria dizer nada. Não queria nenhuma promessa vazia ou ideias do amanhã. Queria passar pelo momento, queria vivê-lo plenamente. — Você não vai me contar. — Seus olhos tentavam ler os meus sob a luz azul. — Não. — Puxei seu rosto para o meu, e contra seus lábios, eu disse: — Mas vou retribuir. Empurrei Aidan pelo ombro antes que ele pudesse me beijar e me ajoelhei no colchão. Meu corpo ainda não estava totalmente recuperado, mas não era um problema. Na verdade, os resquícios do que ele tinha acabado de me dar só serviram de desafio para que eu pudesse devolver na mesma proporção. Me curvei sobre ele e sua mão veio para acariciar minha bunda. Tentei me concentrar em seu pau, completamente duro e exposto, pronto para mim. A grossura de Aidan não permitia meus dedos se fecharem ao seu redor. Testei apertá-lo um pouquinho, na tentativa de conseguir e ri quando ele puxou o ar entre os dentes. Eu não conseguia ver suas cores muito bem por causa da luz azul em cima das nossas cabeças, mas no primeiro movimento lento e profundo que fiz de vaivém com a mão, notei a primeira gota de tesão se acumular na cabeça de seu pau. Fiz de novo, e de novo, até perceber que mais líquido se acumulava ali e, sem pensar duas vezes, enquanto o masturbava devagar, indo até o fim e voltando até quase o topo, coloquei os lábios em volta da glande e o suguei. O corpo de Aidan tremeu embaixo do meu e sua mão passou a acariciar minha boceta de novo. Mantendo-o onde estava, brinquei com a língua, sentindo seu gosto se espalhar por ela, e reconhecendo o sabor, me lembrando de como ele havia fodido minha boca antes, decidi que mesmo que Aidan merecesse misericórdia, Ares não merecia. Me ajeitei melhor sobre os joelhos, empinando um pouco mais a bunda para ele brincar comigo como bem entendesse e aumentei a pressão dos dedos em volta do seu pau enquanto o masturbava um pouquinho mais rápido. Ouvi o primeiro gemido baixo dele. Meu coração acelerou. Minha vontade de agradá-lo fez cada mísera parte minha se arrepiar. Seus dedos entrando e saindo da minha boceta também foram um belo estímulo. Meu ventre começou a pesar, minhas carícias com a língua se intercalaram com pequenas sugadas. — Afrodite, porra. — Ouvi Aidan xingando no meio de um suspiro mais pesado e, sem prepará-lo para isso, segurei seu pau pela base e logo depois de sugá-lo, desci com a boca devagar, fazendo pressão de pouco em pouco, até tê-lo completamente dentro da boca. — Puta que pariu. — Aidan tirou os dedos de dentro de mim e me deu um tapa na bunda. Eu o segurei no fundo da garganta e seu quadril subiu, fazendo-o bater mais fundo. Não foi um problema para mim, mas ele moveu as pernas e gemeu pesado. — Caralho! — O xingo alto quando o tirei por completo da boca e cuspi nele, masturbando-o para deixá-lo ainda mais molhado, me fez rir. Limpei a garganta e o voltei para a boca, mas daquela vez trabalhando em conjunto com minha mão, masturbando com intensidade diferente a cada sobe e desce, indo até a metade e voltando para a cabeça, imitando o que ele havia feito no meu seio antes. Por um momento, me senti orgulhosa, dominando-o tão bem, dando tanto prazer a Aidan quanto ele havia me dado. Me senti segura, quase a deusa que ele enxergava. A resposta de Aidan de que gostava do que acontecia não foi discreta. Seus dedos voltaram para dentro de mim, ele fez alguns movimentos de vaivém, e vendo que minha boceta voltava a ficar molhada, não perdeu tempo, indo acariciar meu cu, lubrificando-o. Eu arranquei suspiros e gemidos de Aidan. Ele tremeu algumas vezes, procurando por controle, mas não deixou de forçar seus dedos para dentro de mim. Quando o primeiro deles entrou, eu parei o que fazia e puxei o ar entre os dentes. Sem dizer nada, Aidan aproveitou da minha pausa com seu pau e me puxou para cima de si. Ergui o quadril um pouco, não entendendo o que ele queria, mas quando ele se encaixou entre minhas pernas, tudo ficou muito claro. Não deu tempo de dizer nada. O garoto foi tão habilidoso para encaixar a boca na minha boceta que quando sua língua brincou com meu clitóris eu tombei a cabeça e gemi. — Não é justo — choraminguei. — Essa é a graça do jogo. — Quis rir ao ouvi-lo, mas decidi ser pior. Eu o faria perder o controle primeiro, e sem esperar um segundo convite, enfiei o pau de Aidan até o fundo da garganta, começando um vaivém lento e intenso, pressionando-o contra a garganta quando chegava ao limite. Ele perdeu o rumo quando comecei com aquilo, mas logo voltou a mover um segundo dedo para dentro do meu rabo e ganhou ritmo com a língua. Não cedi. Aumentei a velocidade do que fazia e acariciei suas bolas. E assim descobri como ganhar o jogo. Ele não me avisou, e acho que nem poderia, já que pareceu ser pego de surpresa como eu, porém, assim que eu o coloquei no fundo da garganta e o pressionei, Aidan me mordeu na parte interna da coxa. E logo que eu o tirei do limite, sugando-o, o primeiro jato de porra bateu na minha língua. Eu continuei a subir e descer com a cabeça em movimentos mais curtos, sentindo cada jorro dele. Seu pau pulsou contra meus lábios. Seu gosto, seu cheiro, sua textura. Aidan me deixou de boca cheia e enquanto ele tremia embaixo de mim, gemendo baixo, respirando como se tivesse acabado de atravessar a piscina a nado sem respirar nenhuma vez, fiz questão de sair de cima dele, e quando tive certeza de que ele me via, eu o engoli. Cada gota. Era tudo meu. Por alguns segundos, ele me encarou como se eu fosse uma miragem. Quando se deu conta de que eu era real, ele voou em cima de mim. A mão no meu pescoço me prendeu contra o colchão. Segurei em seu braço, um pouco assustada, muito excitada, mas relaxei por completo quando ele me beijou. Meu gosto e o dele. Meu cheiro e o dele. Juntos, parecia que combinávamos bem demais. Foi entre aquele beijo agressivo e profundo que Aidan se encaixou entre minhas pernas. Foi enquanto aquele beijo se acalmava para se tornar quase carinhoso que, ainda duro, ele se encaixou em mim. Foi no auge do que eu achei que podia sentir de amor que Aidan moveu os quadris e entrou de uma vez até o fundo. Ali eu descobri que não queria que acabasse nunca. Ali eu descobri que teria vivido mil infernos se soubesse que aquele era o fim da linha. Abri a boca buscando por ar e ele mordeu meu lábio inferior. Seus dedos não aliviaram o aperto na minha garganta. — Eu esperei tanto por isso, minha pequena deusa fodida. — Ele fez o primeiro movimento para sair de mim. — Eu quero você toda marcada, toda minha. Não vou dividi-la nunca mais, você está entendendo? — Aidan voltou a se enterrar em mim. Lento e furioso. — Você é minha. Sua mão soltou minha garganta e sua boca voltou à minha. Aidan me manteve embaixo de si, me beijando com devoção, me fodendo com vontade, e eu achei que tinha chegado ao céu. Mas eu era inocente demais. Aidan manteve nossas bocas coladas, ajeitou minhas pernas atrás do seu quadril, e ainda dentro de mim, me abraçou e se ergueu. Desisti de lutar. Não havia motivo para qualquer vergonha dentro daquele quarto. Não havia por que guardar qualquer coisa daquele homem. Aidan me tinha por inteira, bem na palma da mão, então quando eu o abracei para não cair e senti suas mãos forçando meu corpo para cima e para baixo, para que seu pau entrasse e saísse de mim, eu só aproveitei. Ele não demorou muito tempo daquele jeito, nos tirando da cama e me apoiando em um aparador, abriu bem minhas pernas e me fodeu de frente, tocando meus seios, beijando meu pescoço, voltando a massacrar meus lábios, minha língua. Eu estava quase gozando pela fricção toda do corpo dele no meu com aquela posição, mas ele me pegou pelos cabelos e depois de morder minha boca, riu e negou. — Eu sinto sua boceta me apertando mais quando quer gozar. E não, ainda não, amor. Me deixa te foder em cada canto deste quarto primeiro. Me deixa espalhar nosso cheiro por ele. — E eu não pude negar. Aidan me puxou para o seu colo de novo e foi para o lado da janela da varanda. Minhas costas e cabeça bateram contra a parede, ele não me deu tempo nem para reclamar. Sua boca estava na minha no minuto seguinte. Seu pau entrou tão fundo que, em meio ao meu riso, gemi alto contra sua boca e ele me apertou ainda mais onde suas mãos me tocavam. Eu o apertei, arranhei, mordi e adorei. Fui uma verdadeira devota de Aidan. Ouvimos um trovão do lado de fora, mas pela primeira vez em muito tempo, eu realmente não tive medo da chuva. Abracei ainda mais seu corpo depois disso. Gemi ainda mais sentindo seu pau deslizar para dentro e fora de mim com tanta facilidade. Era absurdo que mesmo tão molhada, eu ainda o sentia centímetro por centímetro. Era impressionante que eu, tão acostumada a tudo rápido e nos moldes mais grotescos, estivesse aproveitando, estivesse gostando, estivesse quase rezando para não acabar. Mas éramos humanos. Eu duvidava que Aidan aguentasse três fodas de uma vez, então me comprometi a fazer memorável o fim daquela primeira vez. Abri os olhos e olhei o quarto em volta, vendo uma poltrona no canto perto da mesa de cabeceira, pedi: — Aidan, na poltrona — saiu um sopro de voz entre a respiração entrecortada. Ele me deixou colocar os pés no chão, mas ainda me segurou com força pela cintura, me mantendo no lugar enquanto conferia ser uma boa ideia, ou se havia um lugar melhor. Parecendo concordar, ele me arrastou, junto de si, mas eu o obriguei a parar. — Me deixe fazer isso do jeito certo. — Peguei em seus ombros e o coloquei sentado. Ele encostou as costas contra o encosto e me olhou de cima a baixo. — Achei que fosse eu a cuidar de você hoje — Aidan me provocou. Suspirando, me achando muito esperta, me ajeitei sobre ele na poltrona, e segurando seu pau para encaixá-lo em mim, com a voz mais dócil, falei: — Você gozou na minha boca, e vai gozar na minha boceta, mas… — Descendo sobre ele, sentindo cada pedaço meu comemorar nossa junção, minha fala foi interrompida por um gemido ao tê-lo todo dentro de mim. Apoiei as mãos em seu ombro e o encarei, séria. — Não acho que aguente uma terceira. Aidan deitou a cabeça para trás, gargalhando. Sua risada durou pouco, já que eu resolvi começar a me mover, fazendo um movimento lento com o quadril. — Eu esqueço — ele ergueu as mãos e colocou meu cabelo para trás — que você não sabe muita coisa sobre mim. — Aidan manteve uma das mãos segurando meu cabelo atrás da cabeça e eu tomei aquilo como um desafio, vendo como ele olhava para o meu corpo, como parecia pronto para derrubar meio mundo. Me exibindo, deitei o corpo um pouco para trás e ele soltou meu cabelo. Me apoiei em seus joelhos e brinquei um pouco mais forte com a dança dos quadris sobre ele. Aidan tocou meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, parecendo concentrado. Logo em seguida, prendeu os bicos duros e arrepiados entre o indicador e o dedo médio, como se fossem pinças. A sensação foi uma pequena explosão no meu ventre. Eu arfei, percebendo que caía numa armadilha. — Se eu perder, já sabemos o que ganho. — Ele soltou meus mamilos e me abraçou. Nossos peitos se juntaram, ele me impediu de continuar a me mover. — Mas e se eu estiver tão duro quanto quando começamos? — Uma de suas mãos desceu da minha coluna para minha bunda. Seu dedo abrindo caminho até meu rabo. — Então… — coloquei a boca sobre a dele, tão próxima, não ia desistir — …eu o colocarei para dentro sem ajuda nenhuma. — Me forcei para baixo, tentando um movimento de vaivém. — Com o seu tamanho, e sua grossura, é castigo o suficiente? — Por hoje, é. — Aidan desceu um tapa pesado sobre a minha bunda e depois de mordiscar meu lábio inferior, olhou nos meus olhos e desafiou: — Me dê o seu melhor. — Seu desejo é uma ordem. — Inocentemente, eu fui colocar as mãos em seu rosto, mas Aidan não deixou. Brutal, ele segurou meus pulsos e prendeu minhas mãos nas minhas costas com uma única mão como algemas. Eu entendi o recado. E não queria nada diferente dele. Recomecei minha pequena dança de quadris em cima dele, rebolando devagar, sentindo-o pulsando dentro de mim conforme o apertava. Meus olhos estavam presos aos dele. Aidan estava completamente concentrado em mim, ora encarando minha boca, ora meus seios, e quando eu me erguia um pouco, ele mordia o lábio e suspirava por me ver fazê-lo sumir de novo. Ainda presa por sua mão, curvei o rosto na direção dele e toquei seus lábios com os meus. Aidan não me rejeitou. Sua boca devorou a minha. Mas antes de ele se empolgar muito, ajeitei os joelhos como precisava graças à mudança de posição e falei contra sua boca: — Grite meu nome. — E a boa garota que morava dentro de mim deu adeus. O ritmo do meu corpo mudou drasticamente. Sentei em Aidan como a puta que eu era e ele pagou o preço. — Caralho, não. — Ele tentou me conter, mas apoiei a cabeça em seu ombro e continuei o sobe e desce rápido e intenso. Aidan não desistiu de lutar, mas o fogo estava se espalhando por todo o meu corpo e não havia o que fazer, não tinha como me segurar. Em um ato desesperado, ele largou minhas mãos para agarrar minha cintura e impedir o movimento, mas ele só se fodeu mais. Apoiei as mãos nas costas da poltrona e com ele todo dentro de mim, comecei o movimento insano de mover os quadris para frente e para trás. Curto e intenso. Rápido e extremamente prazeroso. A fricção, o som do sexo, as respirações, os gemidos, as desistências. Ninguém mais estava disputando nada. Queríamos um ao outro. Precisávamos um do outro. Me rendi ao abraçá-lo. Ele me aceitou, correspondendo. Então, em um conjunto bonito, borboletas voaram no meu peito quando eu vi Aidan puxando meu rosto para o seu, e contra minha boca, ele rosnou meu nome. — Afrodite! — Aidan… — gemi enquanto me tremia inteira, gozando junto dele, não conseguindo pensar em nada além de que poderia viver ali dentro daquele quarto, longe de todas as confusões do mundo, para sempre. Aidan segurou meu rosto entre as mãos, nossas testas ainda estavam grudadas, nossas respirações eram uma completa bagunça, e havia algo em seu olhar que eu não sabia descrever. — Você acredita que eu te amo? — ele sussurrou. — Ainda não. — A sinceridade das minhas palavras era o melhor presente que podia dar. — Então tome uma prova. Levante-se e veja. Respirei fundo, tomando coragem de me erguer e quando o fiz, dei as costas a Aidan, já me preparando para ir para o banheiro. — Ei! — ele quase gritou. — Aonde você vai? Parei no lugar, com as coxas juntas, com medo de demorar demais, e o encarei sobre o ombro. — Vou me limpar… O rosto dele se fechou em uma máscara. Aidan nem saiu da poltrona. Como se eu fosse uma boneca, ele me puxou para trás, para o seu colo, e colocando suas pernas entre as minhas, me fez afastar bem as coxas. Beijando o caminho do meu ombro até a base do meu pescoço, ele perguntou baixinho: — Vai limpar o quê? — Enquanto uma mão sua me segurava pela cintura, a outra desceu sobre minha boceta. — É que… — me engasguei com as palavras. — Acha que eu quero que você limpe minha porra? — Aidan meteu os dedos dentro de mim quando confirmei com a cabeça e eu gemi. A mistura de Aidan e Ares era boa demais para ser verdade. — Afrodite, aprenda… — seus dedos saíram melados de nós dois — …eu amo ver minha porra escorrendo em você. — Ele espalhou o gozo por todo meu pequeno lábio e clitóris, bem devagar, me acariciando. — É um prazer te marcar. — Ele voltou a me foder com os dedos. — Então, por favor, nunca mais corra para se limpar. — Tremi com sua voz ao pé do meu ouvido junto dos seus dedos dentro de mim. Será que era assim que gente apaixonada se comportava quando estava sozinha? Será que a vontade de foder nunca passava? Não tive tempo de responder, Aidan trouxe os dedos cheios de nós para minha boca e enquanto eu os limpava com maestria, ele soltou: — A propósito, você me deve. Eu ainda estou duro, ainda quero você. Arregalei os olhos e me movi para o lado, vendo que era verdade. Aidan estava praticamente intacto, e vendo o espanto no meu rosto, ele riu. — Não vou aguentar uma quarta hoje, conheço meus limites. — Você tomou alguma droga? — Foi mais forte do que eu, e o fez cair no riso enquanto puxava minha mão para si. — Hoje não. Hoje, o único incentivo foi você. — Beijando os nós dos meus dedos, ele perguntou: — Tem certeza de que não quer ajuda? — Não. — Era questão de orgulho. — E quer ficar aqui? Confirmei com a cabeça. — Certo. — Ele relaxou contra a poltrona, tocando seu pau como se fosse normal gozar tanto e ainda continuar em pé. — No seu tempo. A provocação me pegou de jeito. Foi quase como me chamar de burra. Saí do seu colo, indo direto com meus joelhos ralados para o chão e, tomando seu pau, encarando-o quase que com raiva, o lambi por inteiro, limpando-o completamente, arrancando pequenos suspiros de Aidan. Sua respiração mudou. Em pouco tempo, minha raiva também. Vê-lo daquela maneira me fez prometer que sempre o chuparia em alguma posição em que pudesse ver seus olhos. Eles ardiam em brasa, e afogavam quem quer que fosse no mais profundo oceano. Como aquela cor escura podia ser tão poderosa injetada nos olhos do garoto que dominava meu coração? Eu não fazia ideia, só sabia que ali, de joelhos, chupando seu pau que mal cabia na minha boca, eu só sabia querer agradá-lo. Não havia nada que Aidan me pedisse que eu pudesse negar, pelo menos dentro daquele quarto, enquanto ele me encarava como se eu fosse a coisa mais rara do mundo. Eu o levei ao limite. Chupei, lambi, suguei. Mamei esfomeada, o masturbei com maestria e quando Aidan começou a dar pequenos gemidos, percebi que era a hora de parar. Assisti-lo tinha me deixado completamente pronta. Se era uma competição de que corpo aguentava mais, eu sabia que venceria no final. Quando o coloquei na boca pela última vez, fiz questão de deixá-lo coberto de saliva e me ergui à sua frente. Ele tentou se mover, mas fiz que não com a cabeça. Obediente, Aidan permaneceu como estava e eu me virei de costas para ele. Ajeitei o cabelo que já estava completamente seco, e o prendendo nele mesmo na cabeça, me preparei para sentar no colo de Aidan. Colocando os pés no estofado, fiquei de cócoras e encaixei a cabeça do seu pau bem na entrada do meu cu. — Não vai me deixar participar de nada? — Aidan se lamentou. Quis rir daquilo quando apoiei as costas contra seu peito e deitei a cabeça em seu ombro. Olhei para ele tão disposto e disponível e achei justo exigir dele o que havia me tirado de vantagem. — Já que você me proibiu de usar minhas mãos antes, faça favor de usar as suas. — Seu desejo é uma ordem. — O sorriso cheio de malícia que ele me deu desapareceu quando sua boca tocou a minha em um beijo mais carinhoso, cúmplice, cheio de uma confiança que eu esperava que durasse pós-sexo. Aidan acariciou meu seio com a mão esquerda e, muito disposto, com a direita ele acertou minha boceta em um tapa cheio. Gemi contra sua boca, ele só me beijou com mais desejo e não perdeu tempo em provocar meu clitóris. Agradeci por ele me ajudar quando relaxei e rebolei um pouquinho contra seu pau. Me senti ardendo com a grossura de Aidan abrindo caminho, mas me forcei para baixo até a cabeça entrar. — Meu Deus… — Suspirei contra a boca dele. — Porra. — O xingo me fez sorrir. Eu não sabia o que pulsava mais, meu cu ou o pau de Aidan, mas naquele momento, não importava muito. Era um pouquinho doloroso, mas nunca havia sido tão bom. Ainda mais com seu carinho nos meus seios e a atenção bem dada à minha boceta. Naquele torpor, aproveitei a onda de prazer, dos dedos dele dentro de mim fazendo pressão, e me tocando junto, desci um pouco mais. A mão de Aidan que estava nos meus seios veio parar no meu pescoço. Ele mordeu minha boca, sugou minha língua e respirou fundo. Meu corpo e o dele pareciam em um impasse maluco para saber quem podia mais e a cada centímetro dele dentro de mim, mais o aperto em volta dele parecia prestes a massacrá-lo. — Pare de fazer isso — ele pediu e eu ri, mesmo com a privação de ar. — Não posso — lamentei, mas tentei ajudar. Como meu peso estava sendo sustentado pelas minhas pernas e por Aidan, movi ambas as mãos para minha bunda e tentei ajudá-lo a entrar. Relaxei, me concentrei em seus dedos que retornavam ao meu clitóris e voltei a sentir o tesão avassalador. Gemendo baixinho perto do ouvido de Aidan, fui descendo sobre ele pouco a pouco, engolindo-o centímetro a centímetro, até ele estar inteiro dentro do meu cu. Não era um objeto. Não eram seus dedos. Era o seu pau. Enorme e grosso. Todo enfiado na minha bunda. Nós dois gememos alto quando minha bunda tocou suas coxas, mas ao contrário do que pensei, ele não me deu tempo para me acostumar. Aidan segurou com mais força ainda no meu pescoço e escorregou o corpo para baixo, me levando junto. Ficamos meio deitados, meio sentados, mas entendi o que ele queria, e obediente como sempre, apoiei os pés sobre seus joelhos. Ele segurou meu quadril e, no segundo seguinte, eu dei um grito que acordou todo o prédio, urrando de prazer ao senti-lo entrar e sair. Aidan xingou e travou a mandíbula, eu não gostei. Queria ouvi-lo. Queria mais. E me libertando das suas mãos, me sentei endireitando o tronco e comecei a cavalgá-lo. — Caralho, Afrodite. — Não deu dois segundos para ele dizer meu nome. E melhor do que isso, ele me pegou pelos cabelos, erguendo o tronco logo atrás de mim. — Você gosta de me ouvir também, não é? — Gosto — assumi. — Ótimo. — Ele voltou a se deitar, mas manteve a mão no meu cabelo e desceu um tapa na minha bunda. — Então cavalga com esse rabo no meu pau, vai. Prontamente, eu apoiei as mãos com mais firmeza nos seus joelhos e acelerei os meus quadris contra ele. Aquilo me matou. Gemi sem pudor algum, devo ter xingado, devo ter pedido mais. Ganhei mais. Aidan me bateu de novo e me xingou quando eu o coloquei para dentro devagarinho, rebolando enquanto começava a me tocar. — Ah, mas não vai mesmo. — Ouvi-o dizer ao erguer o tronco de novo, mas daquela vez ele foi além. Aidan nos ergueu comigo encaixada no seu pau e eu não sabia se gritava ou se ria. Ele nos voltou para a cama, me colocando de quatro e, habilidoso, puxou minhas mãos para cima da minha bunda, segurando-as enquanto me fodia com força, até o fundo. Senti suas bolas contra minha boceta. Meu corpo pareceu esquentar e esfriar, tudo ao mesmo tempo e eu avisei: — Aidan… — Seu nome saiu estrangulado. — Não. — Ele desceu um tapão sobre minha bunda mais uma vez e saiu completamente de mim. Eu quis gritar, mas não tive tempo. Aidan deitou ao meu lado e me puxou para cima dele. — Quero gozar olhando você. Eu estava nua, no apartamento que dividi com Amanda e Marck, sentada com as pernas em cima da cama. Havia goteiras por todo o canto, pingando o tempo todo, fazendo o nível de água no chão subir rápido. Em um minuto, estava dando nas soleiras. Depois um pouco mais para cima, e logo a água alcançaria meu colchão. Era dia, tudo estava estranhamente claro, cinzento. Menos a água. A água era escura feito petróleo. Eu não tinha para onde fugir. Me abracei em cima da cama. Estava frio, eu estava sozinha. Então, do meu antigo quarto, ouvi alguém bater na porta da sala. — Afrodite, meu bem, abra a porta. — Me encolhi contra a parede nas minhas costas. Ele continuou a bater. Aquela voz. Eu sabia quem era. Eu não ia abrir. — Afrodite, venha logo abrir para o seu maridinho. — A voz começou a engrossar, ficar monstruosa, e as batidas na porta começaram a ficar mais fortes. — Ande logo, Afrodite! — Mais uma porrada que sacudiu o prédio. — Você foi feita para me servir, você foi feita para me satisfazer. — Eu achei que ele derrubaria a porta. —ABRA LOGO! ME DEIXE ENTRAR! ME DEIXE ENTRAR! ME DEIXE ENTRAR! A água subiu mais, ele continuou a bater na porta, ele ia derrubar a porta… — Afrodite, acorde! — A voz mudou. Senti a pressão nos meus ombros. Era real. Era o mundo real. Suspirei aliviada, abrindo os olhos o mais rápido que podia, encontrando o rosto de Aidan perto do meu e o abracei com força. A noite passada havia sido real. Todos os problemas que ele havia causado no meio do caminho também. E eu estava viva. Respirei fundo, não acreditando que agradecia por estar viva. Aidan me manteve em seus braços até que meu coração se acalmou. — Você está bem? Com o que você sonhava? — Seus braços se mantiveram em volta de mim enquanto estávamos deitados na cama, mas seu rosto recuou para ele poder ver o meu. Fechei os olhos, respirando fundo e negando com a cabeça. — Você não quer saber sobre isso… — Minha voz saiu em um sopro. — Eu quero saber tudo — Aidan foi incisivo. — Você estava dizendo coisas… Arregalei os olhos e tentei me sentar. Ele não deixou de primeira. — O que eu disse? Aidan me mediu, parecendo incerto. — Aidan, o que eu disse? — Eu odiava dormir com alguém por perto, com medo de acabar falando besteira enquanto estava inconsciente. Por que é que eu achei que com Aidan seria diferente? Arrasada, parei de lutar. — Por favor, o que eu disse? — Tentei mais uma vez, com a voz embargada. — Você disse “vai embora, papai”. Fechei os olhos e respirei um pouco mais aliviada. — Afrodite — ele me chamou e abri os olhos, encontrando os dele. — Me conte a verdade. Me conte o porquê você tremia pra caralho, claramente com medo, e por que mandou seu pai embora? — Aidan… — Me conte por que você mudou de nome, e por que você claramente não quer ser associada ao passado? É pelo que aconteceu com meu pai? Neguei com a cabeça. Não conseguia falar. Meu coração começou a bater forte, parecendo crescer, dificultando respirar. Precisei mesmo me sentar e Aidan deixou, se sentando ao meu lado, espreitando, enquanto eu apoiava a cabeça nos joelhos e enfiava as unhas no couro cabeludo. Era agora que ele me mandaria embora. Era agora que ele me humilharia. Era agora que ele me julgaria. — O que mais tem escondido, meu amor? — Seu tom de voz calmo não conseguiu me pegar daquela vez. As lágrimas molharam meu rosto muito cedo. E cansada de ter aquele bolo na garganta, eu o encarei de baixo e disse: — Você precisa me prometer que não vai me achar louca. — Eu prometo. — E precisa prometer que não vai me colocar para fora antes de eu vestir minhas roupas. Ele ergueu a mão para me tocar, mas me esquivei. — Afrodite… — Estou falando sério, Aidan. Você… — Peguei fôlego — … você vai ter nojo de mim. — Como eu teria nojo de você? Nós somos iguais, Afrodite. — Não somos. — Neguei com a cabeça. — Eu conheço o seu histórico. Eu vivi na sua casa. Você não viveu na minha, você não sabe absolutamente nada sobre mim. — Meu tom distante o incomodou. Senti muito por isso, mas precisava erguer os muros em segundos, ou não sobraria nada de mim quando ele me colocasse para fora. Quando ele me acusasse. — Eu já te provei que sou o vilão. Que você não pode se enganar com minha carcaça. — Ele bateu contra o próprio peito. — E eu te digo que dentro da minha cabeça existe um demônio. Ele é real, mas não se criou sozinho. — Então me conte a história toda, eu quero saber. Eu mereço saber. — Aquilo na voz dele era angústia? Afundei a cabeça de novo nos joelhos. Que merda eu estava fazendo? Só de tocar nas bordas daquela coisa podre, eu já estava machucando Aidan. Respirei fundo. Olhos amarelos dissimulados apareceram no fundo da minha mente. Lá estava ele, ansioso por ouvir a história nunca contada do seu nascimento. A receita de como se fode uma cabeça até não sobrar dignidade humana nela. Então, erguendo a cabeça, tentei encher o peito de coragem enquanto mais uma lágrima grossa rolava pelo meu rosto e comecei: — Quando eu tinha quatro anos, oito meses e quatorze dias, minha mãe morreu. Eu sei exatamente meu tempo de vida, porque, minha parte inocente, minha parte boa, quem eu deveria ser, morreu ali também. — Aidan apoiou o corpo em uma das mãos e continuou a me encarar. Eu não aguentava olhar em seus olhos. — As economias dos meus pais não foram suficientes para todo o tratamento dela, ainda mais com um câncer tão agressivo, então eles combinaram que ela viria para casa por um tempo e, na hora de morrer, voltaria ao hospital para fazer a passagem sem dor. — Tentei limpar o rosto com as costas da mão. — Nessa época, meu pai não era um fodido completo, mas já tinha começado com seu plano podre, e enquanto minha mãe definhava no meu quarto, eu dormia com ele na cama deles. Precisei parar um pouco e respirar algumas vezes. Aidan não disse nada. — Duas semanas depois do enterro, meu pai me levou até a sala e me colocou no seu colo enquanto eu assistia desenho. Lembro até hoje de como ele acariciava meu cabelo e descia a mão pelo meu corpo. Naquela época, eu não entendia. Era ele quem me alimentava, quem me dava banho desde que minha mãe tinha ficado doente… não deveria ser um problema, não é mesmo? — A pergunta retórica cheia de ironia me doeu. — Essa rotina de muito colo e toques continuou até ele ter coragem de colocar a porra de um filme pornô para eu assistir. Eu me lembro desse filme até hoje. Eu sei cada mísero gemido, fala e posição. Eu só tinha quatro anos e eu lembro como se fosse ontem. — Minha voz embargou. Eu precisei de mais uma pausa. Eu não conseguia parar de tremer. Eu não queria mais me lembrar. Mas eu não tinha outra opção. Puxei o lençol para me cobrir mais, envergonhada da minha nudez, da minha história, da minha pele, e virando de lado, tentando ignorar Aidan ali, continuei: — Quando me acostumei com o filme, ele passou a ficar nu para assisti-lo comigo em seu colo. Ele se esfregou demais em mim e eu não gostei, pedindo para ele parar. Papai odiou minha atitude. Lembro dele me puxando pela gola da blusa como se eu fosse um cachorro de coleira e me colocando no armário do corredor. Era escuro e empoeirado. Eu chorei a noite inteira, mas ninguém apareceu. Ninguém me tirou de lá até a tarde seguinte. — Engoli em seco. — Ele me bateu por ter me mijado e disse que eu era uma menina má por não cuidar dele. Que ele estava triste porque minha mãe tinha morrido e precisava de ajuda. — Ri sem graça, me lembrando da cena. — Eu pedi desculpas, acredita? Minha indignação me fez falar com as mãos, mas logo me contive e me abracei. — Em dois dias, ele fez de novo. Eu não reclamei e fui dormir com a camiseta suja de porra. Eu não sabia o que era, mas não gostava do cheiro. — E eu me lembrava muito bem daquele cheiro em específico. — Quando ele foi fazer de novo, eu reclamei mais uma vez. Adivinha o que ele fez? Voltei ao armário escuro. Chorei mais alto, gritei muito. A vizinha apareceu perguntando se eu estava bem, ele me soltou, mandou eu fingir que estava pintando no meu quarto ou ia me arrepender, e mentiu dizendo que era a tv. — A mulher não desconfiou? — A voz de Aidan estava baixa e profunda. Eu neguei com a cabeça. — E mesmo que tivesse desconfiado, meu pai aprendeu a lição. — Ele parou? — Ele já sabia a resposta. — Ele criou um quarto à prova de som no nosso porão. Um silêncio mortal caiu sobre nós e eu pensei se deveria continuar ou não, porém, o que mudaria parar? Aidan não queria minha parte feia? Minhas dores e meus traumas? Lá estava tudo, e mais. — Meu pai construiu uma segunda sala no porão. Um sofá com a base de alumínio e uma televisão presa na parede. Bem no alto… você se lembra onde eu morava? — Não. Nunca fui levar você, ou buscar minha irmã. — Hm… — Dei um suspiro profundo. — Meu pai mudou um pouco a tática dele depois que descemos para o porão. Ele colocava o filme e pedia para eu assisti-lo e imitar como as mulheres se tocavam. Eu não queria no começo, mas o corpo humano é uma merda. Eu tinha cinco anos e dois meses quando descobri como me dar a porra de um orgasmo. — Desisti de limpar o rosto das lágrimas que vinham abaixo. Na verdade, eu abaixei a cabeça e chorei por minutos. Chorei com dor no peito. Na alma. Minha garganta parecia prestes a rasgar e quando consegui me conter, voltei à história: — Mas nem tudo eram flores. Meu pai mandava eu ficar quieta sobre o que acontecia. Me chantageava, me recompensava quando eu era boazinha… ainda assim, eu era rebelde. Eu não gostava quando ele me tocava. Foi aí que veio a primeira chuva forte junto de uma negativa minha ao que ele chamava de “tempinho do papai”. — Fiz aspas com os dedos. — O porão inundou quase na minha altura. Ele me largou incontáveis vezes na água, dizendo que jacarés iam me pegar, que fantasmas me puxariam para baixo… E com medo disso, eu comecei a brigar cada vez menos, fui aprendendo a ficar mais dócil… Deixava ele me tocar um pouco, deixava se esfregar em mim, achei que ficaria mais fácil. Que teria mais desenho e menos pornô na televisão, que ficaria menos no porão. Mas não. Sabe o que aconteceu? No meu aniversário de seis anos, o desgraçado me deitou no sofá, comprou um filme novo e pediu para interpretar comigo. Era um jogo, segundo ele. Um jogo que me deixaria feliz e ele também. Que ia doer só um pouquinho, mas que eu ia gostar de fazê-lo sempre. — Ri da ironia do destino. — Meu presente foi perder a virgindade com um estuprador pedófilo. Se você queria ser o primeiro homem na minha vida, querido, eu sinto muito. Você chegou muito atrasado — cuspi as palavras, já me defendendo de qualquer acusação que ele pudesse ter feito em sua mente contra mim. — Depois disso, tudo piorou. Eu sangrei tanto que ele não me tocou por dois meses, mas logo que me viu bem, bastou uma lata de cerveja que a coragem de me forçar de novo surgiu. Cada vez mais a coisa foi piorando, e piorando, e ninguém nunca notou, nunca se importou. Nem quando meu pai montou uma cama de armar no porão e fez dali o meu quarto. Nem quando eu apareci com manchas pelo corpo, ou quando meu comportamento mudou completamente. Mesmo assim, eu aguentei por mais um ano. Um ano inteiro de abuso, de violência. Mas nada mudou e eu comecei a acreditar que eu merecia aquilo. Comecei a acreditar que gostava daquilo. Foi aí que o demônio surgiu na minha cabeça. E não foi Deus, não foi nenhum adulto, não foi ninguém de fora. Foi ele, aqui dentro — bati na minha têmpora — que fez ficar mais fácil. Respirei fundo e me coloquei de pé. Aidan se mexeu na mesma velocidade que eu, e parou bem na minha frente. — Pronto — suspirei e tomei coragem de encará-lo —, você tem na mão a chave principal do meu quebra-cabeça. A pior história de terror que conheço é a minha. Agora você pode me achar doentia, e podre, e louca por gostar das coisas que eu gosto, por fazer as coisas que eu faço. Você pode me colocar para fora e… Não tive tempo de começar a ofendê-lo para poder tirar a dor dos meus ombros. Aidan me abraçou com força contra seu peito, me segurou firme enquanto eu chorava. Apoiou meu corpo enquanto as memórias voltavam e me faziam perder a força das pernas. Aidan me voltou para a cama e me deitou sobre seu peito, me segurando como se se importasse. Como se eu importasse. Isso levou quase uma hora inteira. Quando eu finalmente me acalmei, ele puxou meu rosto para o seu e o beijou por inteiro. Cada pequeno beijo sobre minhas rachaduras. Sobre a versão menos perversa de uma vida feia. — Eu prometo que ninguém, além de mim, nunca mais vai te machucar — Aidan disse quando selou os lábios nos meus. Eu agradecia. Agradecia muito. Afinal de contas, ele realmente era o único que podia me quebrar, de alguma forma. Não sei que horas cochilei com Aidan fazendo carinho em mim, mas acordei assustada quando lembrei que havia uma vida além daquele quarto. Saí de cima dele em um pulo e notei que ele também havia caído no sono. — Aonde você vai? — Sua voz de sono era perfeita. Assim que fiquei de pé, a pontada que senti na cabeça me pegou de jeito e voltei a me sentar, colocando as mãos nas têmporas. A dor de cabeça pelo choro e pela tensão de mais cedo ia acabar com meu dia. — Eu preciso ir trabalhar. E pegar o resultado das provas de ontem. Mas… nossa, minha cabeça vai me matar. — Espere aqui. — Ouvi seu corpo se movendo, e então, um tempo depois, ele veio até mim. Ergui o rosto, vendo que ele havia vestido uma boxer e aceitei o comprimido que ele me oferecia junto de um copo d’água gelado. — Vou ligar no seu trabalho e dizer que você não pode ir hoje, tente descansar mais um pouco até o remédio fazer efeito. — Você não vai sair? — Ergui o queixo para ver seu rosto direito. — Não. — Ele deu um meio-sorriso e se dobrou para mim. — Hoje meu dia é todo seu. — Dando um beijo na minha testa, ele abriu uma porta no quarto que eu não tinha notado, e tomou banho com a porta aberta. Cochilei com a visão perfeita do corpo de Aidan no chuveiro, mas quando acordei, ele não estava lá. O cheiro de comida no ar fez meu estômago roncar e me ergui sem nenhuma lembrança da dor na minha cabeça. Ainda assim, meu coração parecia pesado e, mesmo tudo parecendo bem, eu sabia que ainda tinha muita coisa para acertar. Resolvi entrar embaixo do chuveiro e lavar o corpo. Ainda me senti suja, ainda mais por tocar em coisas proibidas para mim e acabei lavando os cabelos para tentar afastar a sensação. Chegando até a pia, descobri que ele havia deixado uma escova de dentes para mim e agradeci mentalmente. Toda aquela pequena faxina ajudava muito com minha cabeça fodida. Nua, saí do banheiro enrolada na toalha, mas vendo o guardaroupa de Aidan perto, me senti à vontade o bastante para pegar uma das camisas dele e saí do quarto na ponta dos pés, seguindo próxima à parede, analisando o apartamento à luz do dia, acabei no final do corredor, para a cozinha aberta junto da sala e vi Aidan de costas, lavando algo na pia. — Está melhor? — ele perguntou terminando a última peça de louça e se virou para o balcão, para mim, pegando os dois pratos de comida. Ele havia feito bacons, ovos e panquecas. Confirmei com a cabeça, imitando-o e indo na direção da mesa limpa. Não havia nenhum resquício das velas da noite passada quando arrastei a cadeira e apoiei o joelho sobre ela, desviando o olhar um pouquinho para a sala ao lado, ainda me acostumando com aquele ambiente em tons de cinza, preto, branco e dourado, tentando juntar peças que não faziam sentido na minha cabeça. Não houve nenhuma resposta, principalmente quando senti a mão de Aidan na minha cintura. Pega distraída, ergui o rosto a tempo de receber sua boca na minha em um beijo gentil, mas exigente. Apertei seus braços, mordisquei seu lábio e ri quando suas mãos desceram para apalpar minha bunda, conferindo que embaixo da camisa não havia mais nada. — Acho que você veste minhas camisas melhor do que eu. — Queria me sentir segura para brincar de volta, mas tudo o que fiz foi sorrir e recuar um pouco. Aidan notou minha distância, mas não disse nada, nem mudou sua atitude. Me soltou com cuidado, beijou o topo da minha cabeça e foi sentar de frente para mim. Encarei o prato bonito, desconfortável por não entender onde estávamos exatamente, e tentei puxar assunto antes de começar a comer: — Então você realmente sabe cozinhar? — Sei. Mas você não vai me elogiar por panquecas prontas e fritar bacon, vai? — Talvez eu vá. Era o tipo de café que eu só comia se fizesse ou… — Minha vontade de continuar a falar foi morrendo. — Ou na minha casa — ele completou. Evitei encará-lo e enfiei comida na boca, confirmando com a cabeça. — Você sabe que não é um tabu falar disso para mim, não? Eu realmente não… — Ele mastigou e se encostou contra a cadeira, me encarando, não me deixando fugir. — Não é que não me importo, mas eu deveria te agradecer. Larguei os talheres e o encarei como se fosse louco. — Você sabe que falar isso não faz o mínimo sentido, não? — soprei a pequena acusação. — Como é que você… — Primeiro que, o errado foi o meu pai. Não há discussão sobre isso, independente do que você acredite que tem responsabilidade. Inclusive, todo mundo pensa assim do lado de cá, se isso te conforta. — Confortava, mas ainda me dava vontade de vomitar, mesmo que Aidan falasse sobre aquilo como se não fosse nada, como se estivesse me contando quantas vértebras tinha na coluna. — Porém, com ele longe, você pode conferir que nossa vida só prosperou. Mordi o lado de dentro da boca, e curiosa, enchi o garfo de comida só para escapar de falar e perguntei antes de levá-lo à boca: — Como? Ele pareceu se divertir por aguçar minha curiosidade. — O que está te incomodando, Afrodite? Engoli a comida com algum custo. — Não faz sentido você não me odiar. Você já sabe como minha cabeça funciona, você sabe o motivo. Mesmo que as coisas tenham melhorado, seu pai sempre foi um ótimo pai. Você deveria me achar doente, ter nojo de mim, usar do que sabe para soltá-lo… eu destruí a sua família! Então, não. Não sei. Não faz sentido na minha cabeça. Não consigo entender você cozinhar para mim — empurrei o prato para frente — ou me trazer para sua casa, ou me querer. — Respirei fundo para continuar. — Não me leve a mal, mas eu não entendo. Como é que você — apontei para toda a perfeição dele — quer a mim? Apontei para o meu peito, para tudo o que eu era. Imperfeita, quebrada, insanamente suja. Me surpreendendo mais ainda, Aidan começou a rir. Ele gargalhou alto, deitou a cabeça para trás e esfregou os olhos antes de parar. Depois cruzou os braços, me fitando com um sorriso absurdamente bonito no rosto. — Afrodite, você está com uma venda sobre os olhos há tanto tempo que acredita ser cega, não é? — Aidan suspirou. — Eu compreendo seu medo, apesar de achá-lo ridículo. E você se acha suja? Insana? Meu amor, eu fiquei obcecado por você no dia em que você acredita ter acabado com a minha família. Eu já sabia que algo estranho estava acontecendo e observei toda a tempestade se formar. E não se engane com a minha aparência, com a minha capacidade de ser o mais agradável dos homens. Eu sou insano. — A forma como ele anunciava aquilo era tão tranquila, tão natural, que não me deu medo algum. — Se você acha que tenho mil e um motivos para acabar com você, eu sei que tenho o dobro para te manter. — Não faz sentido… — Apoiei os cotovelos em cima da mesa e, fechando os olhos, massageei as têmporas. — Afrodite, o que não fez sentido foi eu passar a vida fingindo sentir coisas que nunca senti. — Abri os olhos para vê-lo, hipnotizada pelo que ele contava. — Me mandaram ser um bom filho e me deram instruções de como fazê-lo. Sabendo que era vantajoso seguir as regras na frente deles, eu o fiz. E segui essa merda de sequência por toda a vida, o tempo todo. Na escola, nos clubes em que passei, com a turma de amigos… Eu fui o melhor ator que você já viu. E vi você ser também. — Os olhos dele brilharam nos meus. — Entende agora, amor? Entende por que você não tem motivo algum para desconfiar do meu desejo, das minhas atitudes, e do meu amor? — Você está dizendo que não sente nada, Aidan. — Minha voz saiu como um sopro. — Como pode sentir algo por mim? Ele se levantou, a cadeira voou para trás e minha reação foi dar um pulinho, assustada. Isso não o impediu de cobrir a distância entre nós em meio segundo e se ajoelhar ao meu lado. Aidan moveu minha cadeira como se não fosse nada, me colocando de frente para si, não me deixando fugir. — Você gosta de sentir dor? — A pergunta foi feita com o rosto quase contra o meu. — Gosto — respondi dura. — Eu gosto de causá-la. — Ele afastou uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha. — Você gosta de ser punida? — Uhum — confirmei enquanto sua mão vinha acariciar minha bochecha. — Sou o maior carrasco que você conhece. Acha que não sinto nada por você? Afrodite, você é a primeira e única pessoa pela qual eu tive algum respeito na vida sem precisar fingir. — Aidan juntou a testa na minha e falou: — Sabe quando descobri isso? — Não — soprei no mesmo tom de voz mais baixo que o dele. — No dia em que vi você pegar meu pai pela mão e levá-lo para a cozinha. Uma garotinha de treze anos, tão perturbada quanto eu, aos meus dezessete, acabando com a vida de um homem feito. Meu coração bateu forte. Eu tinha aquela memória guardada em um lugar muito profundo. Não queria vê-la. Não queria me lembrar daquela merda toda. Comecei a tremer, quis afastá-lo, mas ele não deixou. — Aidan — pedi, mas ele não se moveu. Era como empurrar uma parede. — Você deitou sobre o balcão, lembra? — E, no segundo seguinte, ele meteu a mão na minha nuca e se ergueu, me colocando de pé. Foi rápido demais para que eu tivesse alguma atitude para quando ele me colocou contra a mesa e se encaixou entre minhas pernas. Meu coração parecia prestes a sair pela boca. Meu corpo estava completamente alerta e eu quis chorar. Por que uma memória que tinha tanta dor também tinha tanto mais? Por que a resposta do meu corpo a algo que eu tinha tanta vergonha de ter feito só me fazia pensar em fazer de novo? Eu vivi a vida inteira depois daquele dia pensando que eu não deveria ter feito, mas depois de tanto tempo em silêncio no fundo da minha mente, ouvi a voz do meu demônio. Não minta mais, sua putinha. Você sabe que se seu pai não descobrisse, você teria continuado a trepar com o pai da sua melhor amiga até enjoar. E então tudo voltou. Papai conseguiu uma vaga para mim na mesma escola particular que a filha do seu patrão. Como ele era um bom funcionário e eu, inteligente, logo passei a estudar em uma escola feita para a elite, onde nenhuma das crianças vivia perto da minha realidade. Eu apostava que nenhuma delas era obrigada a cuidar do próprio uniforme, a lavar banheiros, faxinar a casa, ou a cozinhar com apenas onze anos. Vendo todas elas brincando felizes na hora do intervalo, eu duvidava muito que qualquer uma delas tivesse que chamar o pai de marido dentro de casa. E daquilo, por muitas vezes na primeira semana de aula, eu tive raiva. Foi em um desses dias, quando tinha queimado minha mão enquanto cuidava do café da manhã, que Adria surgiu na minha frente. Seu cabelo era de um castanho-claro brilhante e ia até o meio das costas. O uniforme que vestia era mil vezes mais novo do que o meu de segunda mão. Era mais limpo também. Não fazia ideia do que os olhos escuros dela tinham visto em mim, já que eu não tinha nenhum amigo, nem nada para oferecer a ninguém daquele mundo. Mesmo assim, isso não a impediu de me oferecer a mão. No dia seguinte, a garota trouxe pomada para o meu machucado e dividiu seu lanche comigo. Depois disso, nos tornamos inseparáveis. No começo, meu pai não gostou de eu ter outra pessoa. Quando eu contei que tinha feito minha primeira amiga e falei sobre ela em casa, notei o ciúme, o medo de eu contar o que fazíamos. Naquela idade, ele já tinha me feito entender que as pessoas do lado de fora não entenderiam, que nos julgariam. Que me levariam para um abrigo e eu passaria fome enquanto nenhuma família iria me querer. Percebi que podia dobrar meu pai agradando-o, e foi o que fiz na primeira vez que Adria me convidou para sua casa. Cuidei do jantar daquela noite com muito esforço, limpei toda a cozinha e quando ele terminou de comer, tirei a roupa e deitei no sofá. Ele pareceu feliz. Ele me deixou ir. Ele não devia ter feito isso. A primeira coisa que me fez ter inveja de Adria foi o fato de sua mãe nos buscar na escola. Amélia veio vestida com roupas de academia e um sorriso de dar inveja. Seu carro branco era enorme, seu corpo era lindo, seus cabelos loiros e curtos gritavam que ela tinha muito dinheiro para passar horas no salão para que parecesse tão natural. E ela abraçou sua filha como se ela valesse o mundo antes de me cumprimentar. Entrei no carro, coloquei o cinto de segurança e as observei em silêncio até pararmos de novo, em outra escola, e o irmão de Adria entrar. Ele era mais velho, o cabelo mais claro que o da irmã, e havia algo em seu rosto… uma expressão de que o mundo era dele. E era mesmo. O mundo era de quem tinha dinheiro. De quem tinha família. Quando Aidan entrou no carro, sentando no banco da frente, ergueu a mão e nos cumprimentou antes de colocar os fones. Achei que ele não tinha me visto, mas depois de algum tempo, notei seus olhos me encarando pelo retrovisor, curioso com o rosto novo. Tudo piorou quando chegamos até a casa dos Hunt. Era uma mansão. Longe demais da minha realidade. Eu duvidava que o porão deles fedesse à umidade. Eu duvidava que qualquer um deles limpasse alguma coisa, e apostei certo quando fui levada até a sala de jantar e vi a funcionária terminando de colocar a mesa. Olhei para Adria e pedi perdão por querer matá-la e viver sob sua pele. Viver sua vida. Sua realidade. Pedi perdão com mais afinco quando seu pai chegou, fazendo festa com ela, beijando a esposa, tentando interagir com o filho, e sendo extremamente simpático comigo. Queria ter aquela família. Queria ser parte daquele pedaço de perfeição no mundo. Quando voltei para casa naquela noite, obrigada a dormir na minha cama de armar no colchão fedido, eu chorei enquanto fechava os olhos e rezava para que alguém pudesse me levar. Acordei com a chuva. Ao me levantar, meus pés mergulharam na água. Soube que não adiantava pedir nada para ninguém. A vida que eu tinha, era a vida que merecia. Isso só ficou mais claro quando meu pai desceu as escadas, me procurando com um DVD novo na mão, me mandando deitar. Eu obedeci. Com o tempo, meu pai percebeu minha mudança, e gostou disso. Eu o agradava para ir até a casa de Adria, e quando voltava, não dava um pingo de trabalho. E, de fato, eu amava passar minhas tardes por lá. Adria tinha tudo. Todas as bonecas. Todos os eletrônicos. Todas as roupas legais. Todos os filmes. Nós podíamos nadar na piscina da casa dela. Sua mãe nos levava ao shopping e me dava presentes e sorvete. E só ali eu me sentia feliz. Só ali eu me permitia ser criança. Adria ria do fato de eu quase sempre preferir brincar com suas bonecas, mas eu nunca mencionei a ela que não tinha nenhuma. Eu nunca contei que os únicos filmes disponíveis em casa eram o da Barbie, de quando eu tinha quatro anos e mamãe era viva, e os pornôs que papai me deu. Eu escondi dela que achava sua mãe perfeita, mas olhava para seu pai e perguntava se havia algum segredo sujo. Que o via como homem. E que o achava bonito. Muito mais bonito e jovem que meu pai. Quando meu pai começou a confiar em mim, quando aprendi a manipulá-lo com o que ele queria, ele começou a me dar um pouquinho de liberdade. Passei a poder dormir na casa de Adria de semana e ir com ela para o colégio. Passei a dormir em sua casa de fim de semana. Passei a ser quase um membro da família nos dois anos seguintes. Participei de festas. Fui convidada para viagens. Ensinei Adria a cozinhar e fizemos um bolo no aniversário de Aidan. Ela se empolgou e, no meu aniversário, me fez uma festa surpresa. Menstruei pela primeira vez e sua mãe me ensinou tudo sobre absorventes, ainda me deu chocolate e bolsa de água quente para as primeiras cólicas. Eles tinham carinho por mim. Eu tinha completa devoção a eles. Principalmente por Christopher Hunt e sua figura de pai, marido e empresário perfeito. O modo como ele conversava com Aidan, claramente tentando entrar no mundo do filho. O jeito como ele tratava Adria como uma princesinha, sempre trazendo presentes, sempre colocando-a na cama e enchendo de carinho. A forma como tratava a esposa, sempre fazendo algum carinho mais erótico quando achava que ninguém estava olhando, dando toda a atenção, proporcionando uma vida de rainha… Chegou o tempo em que eu não queria mais ser a esposa do meu pai. Nem a filha de Christopher Hunt. Eu quis ser a mulher dele. E com o diabo na minha cabeça sussurrando ideias, eu decidi que seria. Meu corpo começou a mudar. Christopher notava isso, principalmente quando eu ajustava as roupas de forma a provocá-lo. Meus seios se desenvolveram muito cedo e eu o segurava mais forte quando ele me abraçava. Com o tempo, foi ele quem passou a fazer as coisas mais demoradas. Sentei em seu colo várias vezes. Acariciei suas coxas fingindo estar distraída uma dezena de vezes. Deixei que ele fizesse cócegas em mim e me tocasse em lugares que só meu pai havia tocado antes. Me senti viva como nunca. Ele nunca disse não. Ele nunca me afastou. Em uma manhã de sábado, Adria estava apagada na cama e eu decidi levantar. Olhei pela janela do corredor e vi Aidan se alongando na beira da piscina, mas não quis continuar a olhá-lo. Ele me encarava sério, como se soubesse que havia algo errado comigo, como se pudesse ler minha mente. Eu o odiei naquele minuto, e voltei para o meu caminho. Fora do quarto de Adria, em vez de descer para a cozinha, meus pés me guiaram para outro lugar. Subi mais um lance de escadas, e assim que cheguei à porta do quarto do casal, ouvi o som de gemidos. Queria espiar. Queria ver se eles faziam como nos filmes em que eu via, já que o que meu pai fazia comigo estava longe daquilo. Queria estar no lugar de Amélia. Eu estaria no lugar dela. E então me deitei no chão em frente à porta, e ouvindo os gemidos deles, me toquei até meu corpo todo tremer de prazer. Naquele segundo, eu decidi que não demoraria muito para ter aquele homem para mim. De olhos fechados, na cozinha de Aidan, senti conforme ele colocava meu corpo para baixo, me deitando sobre a mesa e vindo sobre mim. Tentei expulsar a memória que parecia pronta para agarrar meu cérebro. — Vamos, Afrodite. Me encare de novo — ele ordenou, mas não obedeci, tentando afastar suas mãos de mim. Minha cabeça girou na espiral da lembrança. Adria tinha me contado ao telefone que a mãe e o pai tinham brigado e com a mãe passando o fim de semana fora, ela me queria lá. O senhor Hunt parecia transtornado quando cheguei. O copo de bebida em sua mão só me deu mais certeza de que estávamos perto do que eu queria. Adria o obrigou a ver um filme com a gente na sala. Ela preparou nossa noite de pijamas, enchemos o colchão, e Christopher acabou com sua garrafa de uísque, sem dar a mínima para o filme. Adria dormiu. Eu não. Nem o senhor Hunt. Ele se levantou e foi para a cozinha. Dali para frente, a memória ficava confusa. Lembrava de ir até ele. De tirar minha roupa. De fazê-lo me tocar. Ele me perguntou o que eu fazia, mas não respondi. Passei a mão por seu corpo, comparando com o que eu conhecia, reconhecendo que ele queria. E ele queria mesmo, porque quando o puxei na direção do balcão e me deitei sobre ele, Christopher Hunt se enfiou entre minhas pernas e me fodeu. O diabo no meu peito gritou. Eu fechei os olhos e senti tudo. Senti a dor, senti o prazer, senti o abuso, a sujeira, a tormenta toda. Quis gritar, e chorar, e gemer. Podia ter pedido para ele parar. Podia ter mandado ele ir mais forte. Mas soube que pediria desculpas por acabar com sua família quando abri os olhos e olhei para o corredor, vendo Aidan Hunt parado no escuro, espiando seu pai me estuprar. Abri os olhos num ímpeto alucinante e encarei os olhos escuros dele bem em cima de mim. Quando parei de me debater, Aidan parou de me apertar. — Me encare como você fez naquela noite. — Você realmente viu. — Não era um sonho. — Do começo ao fim. Foi ali que descobri que uma rainha pode ser a proteção ou a queda de um rei. Minha resposta foi só uma. Ergui a mão e acertei seu rosto. Um tapa ardido, estalado, alto. Aidan puxou o ar com tanta força que fez barulho. Sua expressão mudou. — Você podia ter me impedido! — cuspi as palavras na sua cara com ódio. — Não, Afrodite. Não tinha como impedir isso de acontecer porque, depois de instigar a porra do pedófilo que vivia dentro do meu pai, você queria engoli-lo! — ele gritou de volta. — Eu vi você se masturbando, ouvindo meus pais fodendo. Eu vi você sentando no colo do meu pai e ele não fazendo nada para tirar você de lá. Eu até pensei em contar tudo para minha mãe, mas quando percebi que tinha algo a mais em você… Era tarde demais. Acha que eu me ofendo, que eu te odeio por ter denunciado meu pai? Quero mais é que ele apodreça na cadeia. Ele não deveria ter te tocado, nem antes por ser uma criança, nem agora, nem nunca. Você não pertencia a ele, você já era minha! — Aidan bateu meus ombros contra a mesa e eu girei para o lado, me abraçando, chorando de novo. Eu não aguentava mais chorar. — Que porra você quer de mim? — As palavras saíram da minha boca num lamento dolorido. — Eu quero você de verdade! — Aidan me obrigou a sentar e pegou no meu rosto entre toda a bagunça do meu cabelo. — Eu quero a Afrodite real. A destrutiva, a implacável, a devassa, a inocente. Quero todas as suas camadas, todas as suas verdades, e, Afrodite, eu nunca vou te julgar, meu amor. Eu nunca vou te condenar, desde que você nunca me obrigue. — Você vai cansar de mim, vai me abandonar… vai descobrir que eu não valho a pena. Você se encantou comigo porque eu quebrei sua família, Aidan! — Eu o sacudi pelos braços. — Olhe o tamanho da loucura disso. — Não, não, não — ele negou, tentando me forçar a olhá-lo. — Eu me encantei por você porque você é como eu. Só precisa parar de pedir desculpas por sentir o que sente, por querer o que quer. O mundo é seu, Afrodite, tome-o comigo. Tome-o ao meu lado. Aidan secou minhas lágrimas, mas novas correram pelo meu rosto. — Você pode tentar? — ele perguntou com a testa contra a minha. — Você pode me amar? E o meu peito doeu quando as borboletas pousaram em volta do meu coração e bateram suas asas todas ao mesmo tempo. Respirei fundo, contendo o choro ao máximo, e o encarei. — Você me quer de verdade? Então precisa saber… — Engoli em seco. — Eu não me arrependo. — Admitir aquilo foi como jogar um martelo em um teto de vidro estando bem embaixo dele. — Eu não me arrependo do que fiz com seu pai. Eu só me arrependo de ter sido pega. O sorriso que Aidan abriu fez todos os pelos do meu corpo se arrepiarem. Era bonito. Era vil. Era quase como meu demônio sorrindo para mim. — Essa é a sua versão que eu mais gosto. — Não vi um pingo de mentira nos seus olhos quando me disse aquilo. — Então, cuidado com ela, porque posso te machucar. — Então machucaremos um ao outro até o fim, meu amor. — E erguendo meu queixo conforme descia o rosto para o meu, Aidan finalizou: — Se precisar morrer pelas suas mãos, será um prazer. Talvez você seja a única que eu não tenha coragem de matar. Quando ele me beijou, as borboletas alçaram voo. Parecia que eu nunca havia vivido, até estar nos braços dele. Precisei me controlar quando o telefone dele tocou. — Tenho que atender. — Ele mordeu meu lábio. — Ignore. Por favor. — Tentei beijá-lo de novo, mas ele riu. — Não posso. Já te explico. — Aidan beijou minha testa e me soltou como se não quisesse. Soltei um suspiro profundo e desci da mesa enquanto ele ia pelo corredor. Frustrada, tentando controlar o choque entre as minhas emoções e meu corpo, tentei me distrair limpando os pratos, organizando a cozinha e guardando as sobras na geladeira. Como Aidan não voltou, um pouco curiosa, caminhei pela casa, achei minhas coisas no armário da entrada e, pensativa, voltei ao quarto. Organizei a cama, ajeitei tudo em seu lugar e parei ao lado da porta de correr que dava para a varanda enorme. A insegurança começou a cantar nos meus ouvidos, mesmo com tudo o que tinha acabado de acontecer na cozinha, e enquanto eu olhava para o céu cinzento do lado de fora, finalmente Aidan surgiu. Olhei para trás, mas ele nem entrou no quarto direito e começou a falar: — Quando meu pai foi preso, minha mãe quase perdeu tudo. Ela é fraca, burra. Nunca soube se virar. Acho que se não tivesse uma funcionária, morreria de fome antes que aprendesse a ligar um fogão. — Tinha asco em sua voz. — Você odeia sua mãe? — Odeio. — Foi natural. — Ela sabe? — Não. Nem sonha. — Ele deu um meio-sorriso e veio para perto, sentando na poltrona onde trepamos na noite passada, me puxando pelo braço para sentar no seu colo. — Mas esse não é o foco. Quando ela perdeu o controle de tudo, pedi para ser emancipado e salvei a empresa do meu pai. — Como? — Vendi alguns imóveis e contratei gente decente, inclusive um CEO queridinho do universo das exportações. Como meu pai achava que eu seria seu sucessor, sabia de bastante coisa da empresa e estudei muito durante o ano crítico em que vivemos. Meus avós também me apoiaram bastante, meu avô segurou as pontas antes de morrer com o financeiro e minha avó virou nossa mãe, mas enfim, por vezes, eu recebo ligação do CEO e não posso perder. — Entendi… — Balancei as pernas e Aidan afastou o cabelo do meu ombro. — No que está pensando? Que gostaria que você tivesse tirado minha roupa e me fodido na mesa — pensei. — Enquanto você estava ao telefone, eu andei um pouco pela casa… — E? — E quero saber se realmente vou poder ficar aqui. — Aidan riu, deitando a cabeça contra o encosto da poltrona. — Você está com um anel de compromisso de cinquenta mil dólares na mão, Afrodite. — Ele pegou minha mão e entrelaçou nossos dedos no ar. — Sabe o que isso significa? — Somos namorados? — Aquilo parecia tão rápido, e tão básico… não combinava. Ele negou. — Não gosto desse título. É fraco. Porém, quero fazer as coisas direito, você merece isso. — Ele encarou nossas mãos juntas. — Esse anel significa que onde eu estiver, você também estará. — Seus olhos fitaram meu rosto, procurando por algo. — Então se você quiser ficar, há uma parte para você no closet. — Não acha que é rápido? Não acha que… — Acho que já fiquei longe demais de você — ele me interrompeu. — Talvez seja um problema saber que você estará em casa quando eu precisar sair, mas acho que isso vai durar a vida inteira. Aproximei o rosto do dele, com um meio-sorriso no rosto e soltando a mão da sua para segurar seu queixo, respondi: — Talvez só dure até eu te matar. Aidan riu, mas me abraçou e me beijou fervorosamente. Me empolguei rápido e me ajeitei em seu colo como na madrugada passada. Sem usar nada por baixo daquela camisa, o senti duro. Era bom saber que eu não era a única sofrendo. Que meu corpo não era o único descontrolado. — Quero foder você, mas não tenho tempo de fazer tudo o que quero — Aidan soprou contra minha boca. — Por favor… — quase miei em protesto e comecei a abrir a camisa. — Estamos atrasados, preciso ir cedo para a faculdade e você vai comigo. — Ele ergueu o rosto e eu recuei, me esfregando contra sua ereção enquanto ia ao segundo botão. — E se eu disser que não quero ir? Seus olhos foram para minhas mãos, acompanhando conforme eu ficava nua no seu colo, parecendo sedento. — Vou precisar perguntar se há algo que eu posso fazer para que você mude de ideia… — A voz mais baixa, profunda, me fez pensar que ele estava quase convencido a perder a hora. A camisa foi parar no chão. — Afrodite… — Era um alerta, mas eu o ignorei. Joguei o cabelo para trás e passei as mãos por meu corpo, por meus seios. — O quê? — Não se acostume com fodas rápidas comigo. E então ele me devorou. Suas mãos na minha bunda puxaram meu corpo para frente, contra o seu. Aidan abocanhou meu seio e o sugou forte. Gritei pelo susto da dor e do prazer que despontou no meu corpo e ganhei um tapa bem dado na bunda. Quis rir, mas me segurei. A sensação de formigamento e calor se espalhava tão fácil pela minha pele quando eu olhava para Aidan embaixo de mim que, qualquer ação dele, qualquer mínima reação do meu corpo ao seu era como o mar bravo em um dia de tormenta. Um efeito borboleta maldito, em que o bater de asas de uma delas causava um tsunami do outro lado do mundo. Abracei seu corpo, entrelaçando meus dedos em seu cabelo, pressionando sua cabeça contra meus seios, gemendo baixinho conforme sua língua me provocava, seus dentes me mordiscavam, seus lábios me sugavam. Absolutamente entregue, viciada nele, forcei os quadris para baixo, me encaixando sobre o volume em sua cueca e me rocei contra ele quase que agressivamente. Aidan subiu uma mão para minha nuca e, agarrando meus cabelos, quando desci os quadris, ele me forçou um pouco para trás, não tirando a boca do meu seio, passando a ser mais intenso, correspondendo ao que crescia dentro de mim, a minha necessidade avassaladora. O celular dele despertou. Ninguém ligou. Me apertei contra Aidan ao máximo, querendo algum alívio, mas fui impedida de continuar porque, tanto a mão nos meus cabelos, quanto a que estava na minha bunda, me forçaram a me erguer. Choraminguei, engolindo mais um gemido baixinho enquanto abria os olhos para entender o que acontecia, já que ele também tirava a boca de mim. — Espere — ele mandou e eu me sustentei naquela distância, vendo-o se movimentar para se livrar da cueca. Seu pau completamente duro e molhado quase saltou para fora do tecido, e na minha ânsia, não o esperei terminar de descer a peça de roupa pelas coxas. — Eu mandei esperar. E eu caguei para o que ele disse. Ajeitei os pés sobre a poltrona, e com uma das mãos apoiada no ombro de Aidan, eu o tomei. Só o encaixei na minha entrada e, desesperada para senti-lo forçando a entrada em mim, me preenchendo, indo até o fundo, me aproveitei do tanto que estávamos sedentos. Me forcei para baixo, sentando nele numa brutalidade que ele não esperava, ganhando um grito meio abafado contra meu pescoço quando cheguei ao fundo. Minha boceta latejou tendo-o todo dentro de mim. Aidan mordeu meu pescoço com força, mas logo me afastou um pouco e olhou para baixo. Eu o imitei. — Caralho, Afrodite… — Sua mão veio para minha boceta, acariciando os lábios completamente abertos, quase espremidos, para comportar sua grossura. Aidan parecia hipnotizado naquela visão. — Olhe como você é perfeita para mim. Olhe como me encaixo em você. — Fiz um mínimo movimento para cima e ele soprou o ar com força quando eu gemi baixinho. — Porra. Olha sua marca no meu pau. — E, realmente, conforme eu ia me erguendo de pouquinho, podia ver resquícios brilhando sobre ele. Aidan aliviou o aperto na minha nuca, trazendo a mão para meu rosto, me acariciando conforme trazia o rosto para o meu e olhava dentro dos meus olhos. — Você é minha deusa. Minha Afrodite. Sou seu devoto. Sou seu maior servo. Morreria só por um segundo dentro de você… — Sua outra mão veio bem na base da minha coluna e ele me forçou para baixo, entrando em mim até o fundo. Arfei contra sua boca, batendo com a mão aberta contra seu ombro enquanto ele me queimava, enquanto me fazia arder por inteira. — Grite, Afrodite. Grite para o seu Ares. Grite por quem está disposto a morrer por você, a matar por você, a viver com você. Mas eu não o obedeci de imediato. Não tinha coragem ainda de dizer com todas as letras, mas eu o amava. Não era algo natural. Era bestial, violento, incrivelmente sujo e intenso. Por isso, guardava para mim e só para mim. Não podia dizer. Não podia correr o risco de ele se assustar e ir embora. Por isso, eu o beijei. Eu o devorei com meus lábios, língua e dentes. Eu o acariciei, o apertei e o massacrei enquanto subia e descia os quadris com força. Sentando nele violentamente, me machucando, me excitando, fodendo-o, amando-o, marcando-o com minhas unhas contra sua pele, até que Aidan me dominou, puxando nossos corpos para baixo e, quando começou a se movimentar, entrando e saindo de mim, correspondendo toda a minha brutalidade, precisei separar nossas bocas e gritar. Os vizinhos nos expulsariam em breve, mas não importava. A sensação daquela fricção toda da minha boceta contra seu corpo, de seu pau me invadindo da forma mais primitiva possível, era demais para eu aguentar. Ergui o corpo, cavalgando sobre ele, gemendo alto, pedindo por ele, pedindo para acabar comigo, e com suas mãos apertando meus seios em uma brutalidade absurda, Aidan gemeu meu nome como uma bronca quando gozou dentro de mim, junto comigo, como eu tanto queria. Caí sobre ele, absurdamente cansada, em uma paz que nunca tinha sentido na vida, e sorri. Sorri para o garoto de olhos escuros que me abraçava contra seu peito. Naquele momento, eu ouvi coisas. Tive certeza de estar completamente louca. Mas parecia que as batidas do seu coração diziam meu nome. Parecia que ele realmente batia por mim. Quando finalmente parei de tremer e Aidan pareceu retomar o fôlego, apoiei o queixo sobre seu peito e o encarei em silêncio. Não queria levantar, não queria me mover. Seus olhos nos meus diziam o mesmo. A confirmação veio quando ele deu um suspiro profundo e se esticou para pegar o celular, me mantendo no lugar, com ele ainda dentro de mim. — Estamos atrasados pra caralho. — Não era uma reclamação verdadeira. — Espero que tenha valido a pena. — Você sempre vale. — A ponta dos seus dedos desenhou a lateral do meu rosto. — Mas agora — Aidan me ajeitou em seu colo, me colocando mais para cima, ficando com o rosto a centímetros do meu —, pequena deusa, você vai se vestir. Sem banho. Sem me limpar de você. Vai andar para cima e para baixo daquela faculdade com a minha porra dentro de você, na sua calcinha, nas suas coxas. — Não sei se quero ir… — Era verdade. O dia anterior, apesar de parecer ter sido há uma semana, ainda estava vívido na minha cabeça. — Está com medo? Confirmei com a cabeça. — Não precisa temer mais nada, eu já te disse. Confie em mim. — Eu confio. — Isso também era verdade. — Não confio neles. — Afrodite, seja muito sincera, você realmente se importa com a opinião daquela gente? — É fácil para você falar quando este é o seu último ano. — É fácil de resolver isso, você pode mudar de faculdade. Neguei com a cabeça. — Não tenho dinheiro — interrompi logo aquela ideia absurda. — Mas eu tenho. E se eu tenho… — Não comece — neguei, mordiscando o lábio inferior. — Não sou interesseira. Não quero seu dinheiro. — Mas o terá… e não é só isso que eu pretendo dividir com você. Respirei fundo. Aidan me beijou. Não adiantava discutir naquele segundo. Aidan não me deixou mesmo ir até o banheiro. Na verdade, ele me acompanhou até o armário e fez eu me vestir na sua frente, só para garantir que eu estaria marcada por ele o tempo todo. Não disse nada, mas gostei daquilo. Me fazia sentir pertencente. Dele. Quando ele me deu as costas para se arrumar, pensei em colocar minhas coisas no armário, mas um estalar na minha mente me fez parar. Nem comece. Ele já te fodeu como queria. Acredita mesmo que ele vai te manter muito tempo aqui? Não acredite. Ele vai enjoar de você. Ele vai te colocar para fora. Nem perca seu tempo desfazendo as malas, logo você vai precisar sair daqui. — A voz na minha cabeça era cruel. Doeu muito ver a cena de Aidan me colocando para fora. Talvez hoje ele faça isso, ou você acha mesmo que Aidan vai te assumir na faculdade? Você, como é, podendo acabar com a reputação dele… acho melhor esperar, queridinha. A ansiedade me enforcou. Precisei sair do closet e me sentar na cama. Pousei as mãos nos joelhos e fechei os olhos, respirando fundo. Fiz aquilo até a sombra sobre os meus olhos sumir, até meu coração ficar mais leve, até abrir os olhos e ver Aidan sorrindo para mim saindo do banheiro. Ele me ama — briguei com meu demônio. — Ele vai ficar. Vamos contar os dias, então… — Vamos? — Aidan me ofereceu a mão e eu aceitei. Faria o diabo pagar com a língua. Eu o faria perceber que não havia nada que ele pudesse dizer ou fazer para estragar as coisas entre Aidan e eu. O aquecedor do carro estava ligado e eu agradeci muito. Na rua, do lado de fora, a cidade estava cinzenta enquanto uma garoa grossa caía. Todo mundo usava roupas de frio. O inverno chegou com tudo. Aidan colocou um dos seus rocks dos anos dois mil para tocar e deixou a mão na minha coxa enquanto dirigia. Eu não consegui conversar. Fiquei buscando aquela presença maldita dentro de mim. Revistei cada esquina da minha mente, mas parecia que meu demônio agora tinha medo de Aidan. Não gostei disso. Significava que, quando com Aidan, eu ficaria em paz. Mas quando sem ele, minha mente ficaria infernal. Soltei um suspiro profundo e me afundei no banco. Aidan me olhou pelo canto do olho e perguntou: — Está tudo bem? — Está. — Acariciei sua mão sobre minha coxa. — Estou com dor de cabeça, mas vai passar. — É igual de manhã? — Não, é mais fraca. Não se preocupe. — Claro que me preocupo. Você ainda é a minha paciente favorita, amor. — Pegando minha mão, ele a puxou para sua boca e a beijou. — Me conte, no que está pensando? — Não sei se quero ser vista do seu lado hoje… Isso pode te sujar. Se espalharem o que eu fiz naquela festa, como acha que vai ser? O que vão falar de você por estar comigo? Não é uma boa ideia… Aidan soprou uma risada debochada. — Afrodite, está querendo fugir de mim? — Não. Estou com medo de… — Esqueça esse medo, eu já te disse, não ligo para nenhum deles e sei quem você é. Sei exatamente quem você é, e é isso o que basta para mim. — Não se importa com sua reputação? — provoquei. Aidan parecia não me levar a sério. — Amor, deixe que eu cuido disso. Agora, preste atenção. Entraremos por aquela porta juntos. Andaremos naqueles corredores de mãos dadas. Vou deixá-la em sua sala e te buscarei nela. Vou tocá-la e beijá-la a hora que quiser. E, como eu já disse antes, não vou deixar ninguém, além de mim, te machucar. — Ele olhou para mim, dirigindo com uma mão pela avenida. — Isso está bom para você? Como fugir da vontade de esfregar Aidan na frente de todo mundo? Como recusar a chance de mostrar que ele se importava comigo e que me queria? — Está. Podemos fazer isso juntos. — Apertei sua mão de leve e o meio-sorriso rasgou seu rosto. Eu relaxei. Não havia nada que pudesse me causar arrependimento por aquela decisão. Estar com Aidan era algo concreto, real. Vivi a vida toda sonhando com o melhor dos dois mundos e o tinha bem ao meu lado. Não tinha motivo para eu correr logo agora que ele estava lá. Um pouco mais segura, me aconcheguei nele depois de sair do carro e ganhei um beijo na testa. — Está com frio? — Não consegui encará-lo. A ansiedade me fez olhar em volta, já vendo olhos curiosos sobre nós. — Um pouco, mas lá dentro isso passa. — Não queria ficar ali, mas ele parou de andar. Sem discutir, Aidan tirou sua jaqueta no meio do estacionamento e me fez vestir por cima do meu cardigã. — Acho que você fica melhor com as minhas roupas do que eu. — Pegando meu rosto com ambas as mãos, ele selou os lábios nos meus antes de voltar a pegar minha mão e me guiar para dentro do prédio. E foi aí que tudo parou. Todo mundo que estava de fora parecia saber da fofoca do dia anterior. Todo mundo parecia incrédulo de me ver ao lado dele, como um casal assumido, como quem não tinha vergonha. E com o coração rugindo no peito, senti quando Aidan largou minha mão e passou o braço pelo meu ombro, me mantendo mais perto ainda. Demonstrando, ao vivo e em cores, que eu era dele. Foi inevitável sorrir. Foi impossível não rir quando pensei que toda aquela gente em volta nem sonhava que Aidan estava marcado em mim, entre minhas coxas, por toda minha pele. De repente, ficou fácil não me esconder. De repente, caminhar até minha sala e ganhar um beijo apaixonado dele antes de entrar para me sentar, foi completamente natural. — Te busco depois. Me espere — ele pediu antes de me soltar. Eu me virei sob todos os olhares acusatórios, sorrindo como se os mandassem todos para o inferno. Demorou vinte minutos para eu sentir a primeira garra se enfiando no fundo do meu cérebro. Você gostou de ser exibida como um troféu, não foi? — ele me provocou. Não me enche. Imagine o que todo mundo estava pensando? Com certeza eles te odeiam. Pare — pedi. Daqui a pouco vão saber o que você fez com Luke e Derek. Vão achar Aidan idiota e você uma puta. — A sugestão me doeu de novo, mas fingi que não. Não adianta você me provocar. Aidan disse que não liga. Eu confio nele. Ele gargalhou, como se soubesse de algo que eu não sabia. Tentei mantê-lo quieto até terminar de acompanhar a correção. Fiquei feliz por perceber que tinha quase gabaritado a prova, mesmo depois de tanta confusão, e quando o alarme avisou que a aula havia acabado, peguei minhas coisas e parei na porta, com a prova na mão, ansiosa por compartilhar com Aidan. Meu coração se aqueceu pela normalidade de querer compartilhar algo com ele, mas minha felicidade durou pouco. Assim que meus olhos deixaram a prova, eles focaram no rosto à minha frente. Era Amanda. E ela não parecia nada feliz. Dei um passo para trás, mas isso não a impediu. A garota de cabelos tingidos de vermelho veio até mim, parou na minha frente, e pela nossa diferença de altura, quase me engoliu. — Onde é que você passou a noite, sua vagabunda? — A pergunta foi feita como um tapa na minha cara. A plateia da minha sala e dos amigos dela fecharam a roda em volta de mim. Ficou sufocante. — Eu… Eu não sabia o que dizer. O conflito entre ser Harper, pequena e dócil, e ser Afrodite, fodeu o meu cérebro. — Ela dormiu na minha casa. Comigo. — A voz de Aidan soou alto, quebrando o silêncio de tensão, e nós duas viramos o rosto para vê-lo. — Aliás… — Aidan cortou o limite da rodinha e ficou bem ao nosso lado. — Agora a casa não é minha, é nossa. Harper vai morar comigo. A grandeza de Amanda escorreu pelo chão. A raiva dela mudou de alvo e seu corpo se virou completamente para Aidan. — Você nunca me levou na sua casa… — O tom magoado dela doeu. — É — quando ele suspirou, percebi que aquela não era a versão de Aidan que eles estavam acostumados a ver, aquele pedaço era Ares, a versão real —, eu sempre fui até a sua casa. — O meio-sorriso dele naquele minuto era cruel. — Adivinhe o motivo? Aquilo foi mais eficiente do que bater na cara de Amanda. — Você não pode falar sério. — Ela me olhou com desprezo. — Olhe para ela e olhe para mim. Eu não sou uma vagabunda qualquer. — E então, para o meu terror, na frente de todo mundo, ela disse: — Você sabe o que essa safada fez na festa de Halloween? — Sei. — A naturalidade com que ele respondeu fez Amanda ficar confusa. — E você lembra do que tenho seu e posso espalhar se você não deixar Harper em paz? O jogo virou muito rápido. — Aidan! — ela tentou. — Você não pode estar falando sério! — Estou. Deixe Harper em paz. Supere. Ela não foi a causa para eu terminar com você. Ela foi a causa de eu ir até você. — Aquilo me atingiu em cheio. Ele ia mesmo assumir aquilo na frente de todo mundo? Pensei em falar algo para que ele parasse, mas Aidan ignorou completamente minha presença e se virou para a turminha que tinha vindo junto de Amanda. — Amanda está fazendo todos vocês odiarem alguém que não merece. Ela fala mal de todos vocês, julga a vida financeira de cada um e é maldosa com os próprios amigos. Eu nunca teria um relacionamento com uma parasita, porque, no final das contas, é isso o que ela quer. Pendurar o diploma na parede e ter alguém que a sustente. — Entendi o que ele queria fazer naquele segundo e quase ri. Aidan ia virar o jogo. — Pensem bem, quantas vezes ela falou mal de alguém que não estava presente? Façam as contas, vocês não são burros. — Pare de falar essas coisas! — Amanda tentou puxá-lo, impedi-lo, mas não adiantou de nada. — Eu estou com Harper agora. Vocês já a conhecem, e me conhecem melhor ainda. Se depois desses anos todos de convivência, não confiarem no meu julgamento, acho que não quero mais ser amigo de nenhum de vocês. Mas, pior ainda, caso tentem machucá-la ou estragar as coisas entre nós, vocês serão meus inimigos. Estamos entendidos? A turma que veio com Amanda parecia envergonhada. Meus colegas de classe pareciam ter amado a briga toda. Eu ainda tentava entender o que fazer em seguida, mas nem precisei pensar muito. Aidan me pegou pela mão e me puxou para longe, enquanto Amanda ficava sozinha. — Você está bem? — Aidan perguntou, me parando no corredor seguinte. — O que foi aquilo? — Franzi as sobrancelhas, mas ele sorriu. — Aquilo, amor, foi dar um espelho ao bobo da corte. — O que você tem da Amanda? — Minha curiosidade me comeu. O ciúme também. — Apenas o necessário para tirar um peão do caminho, eu juro. — Se curvando para mim, Aidan me beijou. Um beijo com resquícios de crueldade e diversão. Um sabor que, se eu não tomasse cuidado, poderia dizer em voz alta que era delicioso. Cinco dias se passaram. Cinco dias em que eu ainda pegava minhas roupas na mala porque tinha medo demais de precisar recolhê-las. Cinco dias em que, quando com Aidan, estava no paraíso, e quando sem ele, meu diabo atingia minha cabeça com cacos de vidro. Cinco dias de muito sexo, muita entrega e muito medo. Não havia um pingo de dúvida dentro de mim, eu estava completamente apaixonada por ele. Eu o amava tanto que poderia morrer no seu lugar, ou matar por ele. Abri os olhos na cama e encarei o teto. Precisava atravessar a cidade para chegar ao trabalho a tempo. Precisava tomar um belo banho para ter coragem de fazer isso, ainda mais com a neve caindo pesada há dias lá fora. Me virei nas cobertas, olhando pela porta da varanda e fiquei quieta por alguns minutos, tentando convencer meu corpo de que a oferta de Aidan não era boa. Ele queria me dar uma mesada, fazer eu parar de trabalhar, virar uma dondoquinha dentro de casa. Eu não quis aceitar. Não queria perder minha individualidade, nem algo seguro. Se amanhã ele me desse um pé na bunda, precisaria do meu emprego mais do que nunca. Sem ter opção, me levantei como um robô e me enfiei no chuveiro, jurando que um banho quente seria capaz de exorcizar aquele desânimo. Depois de vestida com todas as roupas quentes que eu tinha, descobri que não. Saí do quarto com a mochila nas costas e cheguei até a cozinha ouvindo a voz de Aidan ao telefone. Ele tinha feito café para mim e peguei meu prato, vendo-o vestido com a roupa verde do hospital, sentado no sofá, com o telefone na orelha. — Adria, a faculdade de direito não é um parque de diversão. Você está no seu terceiro ano, falta pouco. — Ouvir o nome dela com tanta normalidade fez meu estômago tremer. Tentei comer um pouco, mas ouvi toda a conversa com muita curiosidade. — Como eu estou aguentando? É meu último ano aqui. — Ele riu para a irmã, mas seus olhos vieram para mim. — Porém eu só estou aguentando passar por essa droga por um motivo, um que eu acho que você vai adorar. — VOCÊ ESTÁ NAMORANDO? — Mesmo longe, pude ouvir a voz de Adria no telefone dele. — Parece mais sério do que isso. — Eu gostava do modo como ele falava. Era exatamente como eu me sentia. — Ela está morando comigo. Vou levá-la no Natal. — Meu Deus, vou conhecê-la em menos de vinte dias? — A empolgação da garota era real. Mas será que, se ela soubesse que era eu, continuaria feliz assim? Será que, quando a família Hunt restante olhasse para mim ao lado de Aidan, eles aceitariam? A vontade de comer sumiu. Meu estômago congelou como o tempo lá fora. — Tenho algumas ideias sobre. Ela está aqui agora… — Aidan notou a mudança no meu rosto e se levantou para vir até mim. — Como ela é? — Perfeita. — Perfeita como? Loira, morena? Alta ou baixa? Me dê detalhes! Qual o nome dela? Vou procurar as redes… — Fechei os olhos e neguei com a cabeça. Aquilo ia dar uma merda gigantesca. Senti quando Aidan parou na minha frente. — Adria, agora não. Te ligo depois, ok? — Estou esperando ansiosamente. — Deu pra ouvir como se ela estivesse naquela cozinha com a gente. Aidan finalmente desligou o telefone. — O que foi? — Quando pretendia me contar que vamos ver toda a sua família no Natal? — Meu tom de acusação não foi suave. Eu nem mesmo consegui olhar nos olhos dele. — Pensei que fosse óbvio. Você conhece minha família, as tradições não mudaram. — Eu não sabia que estava inclusa no seu plano. — Você está inclusa em cada parte da minha vida, Afrodite. Não finja surpresa. — O problema não é esse, Aidan. — Me levantei, desistindo do meu prato, e o encarei o mais séria possível. — Uma coisa é você saber de tudo e sermos nós aqui dentro, outra coisa é eu precisar encarar sua irmã, sua mãe, sua avó… Você não pensa em como isso vai ser horrível? Não entende o que elas vão pensar de mim? Como vão me tratar? Como vão tratar você por estar comigo? — Vai ser difícil, mas elas vão precisar superar — ele disse aquilo de um jeito tão sem emoção que eu só consegui rir de nervoso. — Você é insano. — Neguei com a cabeça. — E eu estou atrasada para pegar meu ônibus. Peguei minha mochila e fui na direção da porta. — O que quer que eu faça? — Não sei. Mas não conte comigo neste Natal. Eu não vou. — Você precisa esquecer o passado, Afrodite — ele falou mais alto para mim. — E você precisa lembrar que tudo o que eu tenho é ele. — Bati a porta nas minhas costas. Será que Aidan não percebia que, por mais que eu quisesse, nunca poderia deixar para trás? Nunca poderia esquecer? Foi só entrar no elevador que a desgraça começou. Meu diabo tripudiou comigo até eu chegar ao trabalho. E enquanto eu tentava cumprir meu turno, ele me bombardeou de pequenas possibilidades desgraçadas. Imagens de Adria me batendo, chorando, apontando o dedo para mim, inundaram minha cabeça. Amélia também estava lá, e com ela era pior. Ela me dizia o quão maldita eu era, o quão suja e traíra. Ela, que me tratou como uma filha, havia perdido o marido e quase todo o dinheiro da família por minha causa. Eu me perdi sob todas aquelas acusações na minha cabeça. Quando o relógio marcou o fim do meu turno, encarei-o por algum tempo em silêncio. Não queria ir para a faculdade. Não queria ver Aidan ainda. Ele vai deixar de te amar rapidinho — o diabo sussurrou. E eu me convenci. — Só dá pra saber testando — disse em voz alta, mais para mim que para ele. Me aproximei do caixa o mais discretamente possível. — Milles, nunca fiz isso, mas dá para dobrar meu horário? Preciso de dinheiro agora que me mudei. — Se pegar o turno agora, só sai no último horário. Tem certeza? — Tenho. Já acabei minhas provas, o trabalho que preciso apresentar está pronto há semanas… — Então vou marcar você como ativa no turno. — Obrigada. — Pisquei para a garota e voltei para minhas mesas como uma caçadora, mas por todo o tempo em pé ali, não apareceu nenhum cliente como Roy. Nada potencialmente perigoso. Nada degradante o bastante. Frustrada, quando acabou o turno, olhei meu celular cheio de mensagens de Aidan e chamadas perdidas, e o ignorei. Ele não entendia como aquilo era pesado para mim. Ele não conseguia ver que eu vivi a vida toda com aquele peso sobre os ombros. Que não era só ele saber de tudo que magicamente mudava como as coisas eram do lado de fora, ou como eu me sentia em relação àquela história. Vamos lá, garota. Vamos caçar — meu diabo incentivou. — Nós amamos Aidan, mas ainda somos nós — ele reforçou. E era verdade. Eu o amava. Mas precisava de… Nem eu sabia do que precisava naquele segundo, mas era instintivo. Era o que eu fazia quando as coisas por dentro estavam uma bagunça do caralho. Eu me despedi do pessoal da cozinha e das meninas do salão, abri a porta do restaurante e fui beijada pelo vento frio da noite congelante. Respirei fundo, enchendo o pulmão daquele ar antes de escolher uma direção certa e seguir por ela. Eu ia para a parte mais podre da cidade. Talvez lá fosse meu lugar, no final das contas. Era nítido o quanto Detroit tentava melhorar. Mesmo que isso fosse dentro de condomínios como o que Aidan morava. Sob grades. Sob bairros moldados para que os moradores acreditassem que, pelo menos ali naquela bolha, eles estavam seguros. Fora dela, nas ruas abandonadas, nos becos escuros, não havia sinal dessa melhora. Era a lei do mais forte que mantinha as coisas em ordem. Uma ordem desumana. Uma ordem vil. Ainda mais para garotas loiras com cara de inocente, vagando tarde da noite por vielas que não deveriam conhecer. Quando cheguei àquela parte da cidade, caminhei mais meia hora sentindo o frio mordendo minhas bochechas, até encontrar o brilho da possibilidade florescendo em algo que deveria ser um bar. Defini assim porque tinha neve acumulada sob o toldo que escondia a placa com nome em verde-neon, e apesar de ter mesas precárias do lado de fora, os homens tomavam doses de vodca na calçada. Parei, tentando entender o que acontecia. Ouvi os clientes falando entre si, não era inglês ou espanhol. Talvez russo? Não tinha certeza. Querendo exibir meu rosto, tentando me passar por uma pessoa mais velha, atravessei o pequeno grupo e caminhei até o caixa. — Boa noite, moça bonita. O que faz em um lugar como esse? — O velho atrás do balcão tinha cara de sujo. Engoli em seco, tentando controlar meu coração. — Estou de passagem, mas está muito frio. Quanto custa a dose do que eles estão tomando? — Para eles? Dois dólares, mas para você? — Ele bateu o pequeno copo de vidro na minha frente e virou a vodca nele. — Para você é por conta da casa. Sorri, flertando de novo com o velho e virei a dose de álcool na boca de uma vez só. Era muito forte. Desceu rasgando. Botou fogo no meu peito. Bati o copo no balcão e, sorrindo, agradeci. Aquele ponto foi o bastante para chamar atenção de algum dos caras da calçada. E na minha tática de atrair algum deles, demorei colocando a touca de volta na cabeça e saí pela calçada, sem falar com ninguém. Minutos depois, assim que virei a esquina, notei que dois me seguiam. — Ei, boneca, espere por nós — um deles, claramente alegre, gritou para mim. Continuei andando. Não entendia o sentimento dentro de mim. Aquela parecia a primeira vez. Aquilo parecia… errado? Meu coração doeu por Aidan. Pare de se lamentar. Isso é o que precisamos. Aidan é sagrado demais, bom demais, nós não merecemos. Não merecemos. Somos uma vadiazinha desgraçada. Eu acreditei naquilo. Acreditei tão piamente que, sem pensar, olhei para trás sorrindo e comecei a andar devagar. Aidan vai me odiar. Aidan vai terminar comigo. Isso era questão de tempo. Aproveite enquanto tem memórias felizes, ou você acredita que foi feita para aquele apartamento? Para o estilo de vida que ele quer te dar? Essa vidinha de casal vai acabar em breve, Afrodite. Você é impura. Ou acha mesmo que pode dar uma família a ele? E meu demônio tinha razão. Eu não tinha nada a oferecer a ele, no final das contas. Foi por isso que quando o primeiro homem me pegou pelas costas, eu não me assustei. Me sentia morta por dentro. Me sentia inútil. E sabendo fazer muito bem meu papel, eu gritei. O cara de trás de mim segurou meus braços para trás com uma das mãos e tapou minha boca com a outra. O cheiro de sua luva era de cigarro e bebida. Eu tremi. O outro veio ao meu rosto. Não conseguia encará-lo. Nem quando tirou minha touca. Nem quando ajeitou meu cabelo. Muito menos quando acariciou meu rosto e desceu até tocar meus seios sobre a blusa. Ele disse algo na língua que eu não conhecia para o seu amigo e, logo em seguida, falou comigo: — Uma garota tão bonita não pode andar sozinha uma hora dessa sem pagar pela passagem. Se você for boazinha, eu e meu amigo podemos até te levar em casa, quem sabe não nos divertimos por lá também? Fechei os olhos. Meu corpo estava estranho. Apesar de pronto, apesar de conhecer aquele jogo, apesar de apreciar a caçada, faltava algo. Concentre-se — o diabo mandou. — Você vai ser uma boa garota? Fiz que sim com a cabeça. — Se gritar sem motivo, eu juro que te darei um — o cara atrás de mim falou. Mas antes que pudessem me soltar, a sombra surgiu sobre nós. Atrás do homem à minha frente, Ares surgiu. Ele não se escondia mais com uma máscara. Seu rosto pintado em forma de caveira era cruel. Seus olhos negros tão escuros e assustadores que ninguém se moveu. Quando ele encostou a faca no pescoço do homem que tocava meu seio por cima da blusa, ouvi sua voz mais baixa, furiosa e mortal. — Eu poderia dizer “toque nela e estará morto”. Mas você já tocou. — E como se cortasse manteiga, Ares deslizou a faca pela garganta do desconhecido, abrindo-a de ponta a ponta. — E você já morreu. Sangue respingou em mim, no meu rosto, na minha roupa, enquanto a primeira vítima dele se dava conta da morte chegando e caía de joelhos no chão, o outro me soltou e tentou impedir. Mais rápido ainda, eu vi Ares o pegar. A faca o acertou entre os olhos. Eu não o vi morrer. Não consegui, já que o homem aos meus pés segurou nas minhas pernas enquanto manchava a neve de vermelho. Ele esticou a mão na minha direção. Me encolhi contra a grade às minhas costas e o chutei para longe. Dois segundos depois, não havia o mínimo movimento. — Se você não estiver machucada, me ajude com os corpos. — O tom de voz não era amigável. — Aidan… — soprei seu nome. — Agora não. Calei a boca e me aproximei dele, pegando o outro corpo pelas pernas, sem questionar, apesar de tremer muito. O carro estava na rua do lado e o fato dele nem pensar para abrir o porta-malas forrado com plástico, me fez deduzir que aquela não era sua primeira vez. Ajudei-o com o segundo corpo. Depois de fechá-los na mala, Aidan voltou e espalhou a neve marcada de sangue. Observei tudo parada, no frio, sem saber o que fazer. Precisei ouvir sua ordem. — Entre. No segundo seguinte, me afundei no banco do carona. Ele entrou, ainda com o capuz erguido, não olhou para mim. Não tive coragem de encará-lo também. Queria morrer, de medo, de vergonha. Piorou quando ele parou em frente ao prédio. — Desça. — Eu… — choraminguei. — Afrodite, desça. — A raiva estava lá. — Aonde você vai? — solucei a pergunta, segurando o choro. — Minha avó tem uma criação de porcos a duas horas da cidade. É lá que eu lido com corpos. Porcos comem de tudo. — Tão sem emoção, aquilo me arrepiou a coluna. — Você já matou muita gente? — Você já fodeu muita gente? — Doeu como um tapa, mas ele percebeu que não iríamos a lugar nenhum daquele jeito. Aidan respirou fundo e se movimentou para abrir minha porta. — Desça. Sabendo que era o melhor a fazer, me virei para seguir, mas parei e sobre o ombro, olhei para ele. — Aidan, me desculpe. — Vá para casa, Afrodite. Fique lá e não faça merda. Ainda estou pensando no seu castigo, não me faça ser pior. — Certo… Perdendo aquela batalha, eu o obedeci. Acordei sem Aidan. Ele não estava em lugar nenhum do apartamento. Tomei café sozinha, organizei tudo no lugar e liguei para ele antes de sair. Doeu quando ele não me atendeu. Sabia que tinha errado, mas era injusto me tratar com voto de silêncio. Mandei uma mensagem. “Estou saindo para trabalhar. Espero que você esteja bem.” Passei o dia todo discutindo com o diabo na minha cabeça. Quando voltei para casa, tarde da noite, Aidan não estava lá. Acendi as luzes da cozinha e da sala quando fechei a porta e, só para ter certeza, eu o chamei: — Aidan? — Minha voz saiu muito baixa pelo medo. Limpei a garganta e repeti: — Aidan? — falei mais alto e esperei. Não houve som além do da minha respiração. Então, eu quebrei. Caí no chão, com o coração em pedaços, com uma dor tão grande que parecia que me partiria em duas. Descansei o rosto nas mãos, não tendo vontade nenhuma de levantar e me perguntei em voz alta: — O que foi que eu fiz? Se ele queria me castigar, aquilo não era o bastante? Parecia que não. Passei a noite no sofá, sem coragem de comer, sem vontade de ir deitar na cama onde o cheiro dele estava impregnado em cada fio do lençol. Me senti absolutamente pequena e vulnerável. Me culpei terrivelmente, me xingando dos piores nomes possíveis. Era como um dos pesadelos, mas quando abri os olhos na manhã seguinte, tudo continuou igual. Sem sol. Sem Aidan. Sem vontade de viver. Isso durou mais três dias. Isso acabou comigo como se a nevasca tivesse atingido o meu coração. Virei uma morta-viva enquanto todo mundo à minha volta parecia feliz e animado comemorando que só faltavam quinze dias para o Natal. Eu queria que o Natal pegasse fogo. Queria que cada pessoa sorrindo que passou por mim, escorregasse na calçada e quebrasse a perna. Queria que Aidan voltasse, que me fizesse sentir algo além daquela tristeza avassaladora. Foi quando, atendendo a uma das minhas mesas, Rose me chamou: — Harper? Telefone para você. É o seu namorado. Pedi licença aos clientes e, com medo, ansiosa e assustada, caminhei o mais rápido que podia até o balcão. O telefone grande e vermelho, preso na base, pesou contra minha mão quando eu o ergui e encostei na orelha. — Aidan? — soprei seu nome, insegura. — Olá, pequena deusa. — Eu comecei a chorar. — Ah, meu Deus, é você mesmo? Aidan, você precisa saber, eu sinto muito. Eu sinto mesmo… — Afrodite, se acalme. — A voz dele havia mudado, não era aquela odiosa. — Eu te liguei, mandei mensagens, mas você… — Não respondi. Desculpa. Estava magoado com você, e não é algo com o qual estou acostumado a lidar. — Foi por isso que demorou? — Não. Nem por isso que estou ligando. Quero que você venha para casa quando terminar o turno de hoje, tudo bem? Mil e uma coisas passaram pela minha cabeça. — Eu… — E quero que você se lembre que, apesar de tudo, eu amo você. Engoli em seco o medo. Queria responder. Queria muito responder, mas aquela não era hora. — Estarei aí. — Ótimo. Estou com saudade, amor. Ele ia me punir. Fechei os olhos, aliviada. Ele faria aquela sensação horrível sumir. O relógio andou como uma tartaruga, mas assim que fui liberada, nem me preocupei em trocar de roupa. Ignorei o frio do lado de fora, ignorei todo mundo que olhava para mim como se fosse louca, e dei sinal para o primeiro táxi que passou. Queria perder o menor tempo possível até estar frente a frente com ele. Até abraçá-lo, até tê-lo dentro de mim e sentir que estava tudo bem entre nós. Fiz tudo em um estado de consciência quase dissociativo. Ignorei o que estava à minha volta. Ignorei a voz na minha cabeça. Só voltei para a realidade quando o taxista me chamou, de forma grosseira: — Não vai me pagar, menina? — Eu, o quê? — Olhei para o taxímetro e sacudi a cabeça, acordando de vez. — Me desculpe. Entreguei o dinheiro na mão do homem e pulei para fora do carro, correndo para dentro do prédio, apertando o botão do elevador continuamente até ele abrir na minha frente. Tudo era urgente. Tudo parecia prestes a cair na minha cabeça, e assim que eu abri a porta do apartamento, realmente caiu. Na minha frente, Adria estava em pé ao lado da mesa, tomando uma xícara de café. Tive meio segundo de vantagem dela. Seu cabelo tinha sido pintado de uma cor escura e estava curto. Ela continuava estreita, mas era mais alta do que eu. Bem-vestida com suas roupas de inverno de marca, ela segurava o riso enquanto se preparava para sentar ao lado de Aidan. Ele tinha o rosto em uma máscara. Olhos fixos em mim, como se me esperasse, como se tivesse planejado o mínimo detalhe daquela cena para assisti-la do melhor ângulo. A cabeça de Adria se virou na minha direção e, quando seus olhos bateram nos meus, quando ela me reconheceu, sua xícara foi parar no chão. Cacos de vidro e café para todo lado. — Afrodite? — meu nome saiu da boca dela como se Adria visse uma miragem. — É você mesma? — Se recuperando do choque, antes que eu pudesse responder, a garota que um dia eu chamei de melhor amiga, virou para o seu irmão e perguntou: — O que ela faz aqui? Havia ressentimento na voz dela. Me doeu absurdamente me dar conta disso, me dar conta de que todo o meu medo era real. Adria me odiava. Aidan se ergueu, sua cadeira fez barulho arranhando o chão. Aquele som arrepiou cada um dos pelos do meu corpo. — Adria, Afrodite é a garota sobre quem eu falei desde a hora em que você chegou. Afrodite é minha namorada — ele sentenciou. O corpo dela desabou na cadeira. — Aidan… você está ficando louco? Você se lembra do que aconteceu? — A voz de Adria estava embargada. — Perfeitamente. E se você não se lembra, enquanto você era a criança no meio da confusão, eu precisei ser o adulto. Ainda assim, nada do que passamos foi culpa dela. — Eu sei, mas… o que aconteceu acabou com a gente. — Eles me ignoraram por completo. — E com ela também — Aidan foi firme e esticou a mão na minha direção. — Afrodite, venha aqui. Por um momento, eu esqueci como andar. Minha fala estava travada, mas pouco a pouco consegui mover os pés e, lentamente, me aproximei da mesa, não conseguindo ir além, não conseguindo invadir o espaço dela. Se Adria me mandasse pôr o rosto no chão para ela pisar em cima, eu faria. Se ela quisesse me bater, se quisesse me xingar, eu aceitaria. Por mais que Aidan fizesse aquele discurso bonito, eu sabia a verdade. Ele sabia a porra da verdade. Eu tinha sim acabado com a vida do pai deles e fodido a deles por tabela. Encarei Aidan com o rosto coberto de lágrimas. Ele não tinha o direito de me punir daquela forma. Ou tinha todo o direito. Eu ainda não conseguia me decidir, mas, mais tarde, eu o faria. No momento, meu foco era a garota que tirava as mãos do rosto, mostrando que chorava tanto quanto eu. Aquilo me quebrou de tantas maneiras que, se soubesse, acho que Aidan nunca teria feito. Ignorando que ele estava lá, me segurei na mesa e, à distância de um braço de Adria, eu me ajoelhei sobre os cacos de vidro. A dor deles entrando na minha carne não era nada comparada à dor no meu peito. — Adria… — o nome dela saiu como um sopro da minha boca. Lembrei-me da menina desesperada que vi pela última vez quando a polícia levou seu pai. — Adria, meu Deus, eu senti tanto a sua falta. Ela não conseguia me olhar. — Adria, me perdoe. Me perdoe. — O choro embargava minha voz, fazia a garganta doer, mas não parei de implorar. — Eu juro que eu nunca quis te magoar. Eu nunca quis te ferir. Eu sinto muito… Ela virou para mim. — Eu sinto muito que meu pai tenha abusado de você. — Dizer aquilo em voz alta, para mim, a destruiu. Em um impulso, sem pensar, eu avancei para abraçá-la e, por sorte, ela me correspondeu. Como se estivesse descontando todos os minutos em que a quis do meu lado, todos os momentos em que quis tê-la segurando a minha mão, todos os segundos em que senti falta de olhar para o seu rosto e ter certeza de que alguém iria me apoiar, eu a abracei mais forte. Adria era a única pessoa que eu não havia conseguido matar. Eu a tranquei num caixão no meu peito, mas nunca consegui, de fato, enterrá-la com o resto de corpos que fiz questão de esquecer. Seu rosto nunca seria mais um no mar de faces apagadas que havia na minha mente. A falta dela nunca parou de doer. A saudade que eu sentia era a única coisa que me fazia repensar um grande “e se” nas noites em que eu me perdia pelas esquinas da minha cabeça. E soube que, apesar de me punir, Aidan também me dava um motivo para ficar, para tentar. Principalmente, quando sua irmã acariciou minhas costas e riu no meio do choro. — Preciso entender como você virou minha cunhada. — Vocês duas vão para a sala, há muito para conversar. Eu vou limpar essa bagunça primeiro e, depois, Afrodite, talvez eu tenha um histórico com seu joelho. Eu mal notei a dor depois de tanto tempo naquela posição. Quando me ergui, havia sangue no chão, e meus joelhos ainda ralados, cheios de pequenos cortes. — Acho que você tem uma sina, Aidan. Com meus joelhos ralados e coração fodido — falei sem encará-lo, mas sabia que ele sorria. — Isso é estranho — Adria disse ao meu lado, rindo sem graça. — Nem me fale — soprei mais baixo. Aidan ainda limpava a cozinha. — Como isso aconteceu? — Ela indicou nós dois. — O que ele já te contou? — Era mais seguro saber o que ela sabia. — Não muita coisa — ela tentou dizer mais baixo também, mas Aidan estava ouvindo. — Conte o que quiser, Afrodite. Mesmo com a pior versão dos fatos na mão, ela vai dar um jeito de me defender — ele disse abaixado na cozinha. — Ok. Aidan namorou minha colega de apartamento e a dispensou para ficar comigo. Por causa disso, eu perdi meu teto e ele me acolheu. — Era um resumo absurdo e ridículo, mas fez Adria olhar, desconfiada. — Isso é sério? — Pior que é — Aidan confirmou e, jogando fora os cacos de vidro, veio para perto de mim. — Eu vou querer ouvir essa história com mais detalhes depois, mas… — Suspirando, ela me encarou. — É bom te ver bem. — Você também. — E sem pensar, soltei: — Achei que você me odiasse. — Eu odiei por um tempo. — Adria não parecia orgulhosa de assumir. — Na minha cabeça infantil e egoísta, eu realmente achei que você tivesse culpa, afinal de contas, meu pai era o melhor pai do mundo. Mas com o tempo, fui enxergando coisas, entendendo outras. — Queria que você não precisasse disso. — Era real. — Imagino que para você as coisas não foram mais fáceis. Você e seu pai continuaram morando na cidade? Meu coração acelerou de zero a cem. — Continuamos. Depois eu acabei saindo de casa e fui morar na Virgínia por um tempo. — A mentira pulou da minha boca bem na hora em que Aidan veio para cuidar dos meus joelhos. Adria o encarou, parecendo apreciar o modo como ele me olhava e se preparava para cuidar de mim. Talvez a punição de Aidan fosse um carinho. Talvez, enquanto eu o enchia de merda, ele me retribuísse amor. Adria passou toda aquela tarde com a gente, mas, no final, precisou ir embora. Nossa despedida foi boa, mas ouvi Aidan e ela na porta. — Obrigado pelo esforço — ele disse para ela. — Não se preocupe, irmão. Todo mundo já sofreu muito com essa história, estou farta disso. Porém, não espere isso da mamãe… — Eu cuido dela depois. — Vai mesmo levá-la no Natal? — Vou. — Ok… vou ver o que posso fazer para ajudar. Ele ia manter aquela ideia? Caí contra o sofá, fechando os olhos, querendo desaparecer. Ouvi a porta se fechar e abri os olhos, me ajeitando no sofá, observando Aidan agora que estávamos sozinhos. Não havia mais uma máscara. Não precisávamos mais fingir. — Aidan, eu… — Quieta — ele mandou, encarando o nada. Prendi a respiração. Tinha tanto que eu queria falar, tanto que eu queria explicar. — Mas… preciso te explicar. Ele girou sobre os calcanhares, virando na minha direção. Seus olhos brilharam de uma forma diferente. Ares… — Você ainda precisa daquilo? — Eu sabia exatamente sobre o que ele falava. Suas palavras foram o riscar do fósforo sobre a gasolina. Cada maldito pedaço meu correspondeu. E com receio, mas sem vergonha alguma, confirmei com a cabeça. Aidan andou até mim como um felino. Passo a passo. Causando tensão a cada centímetro que se aproximava. Não tive coragem de encará-lo, fitei o chão vendo seus tênis conforme ele se aproximava. A vibração do seu corpo parado à minha frente era forte demais para ignorar. Pouco a pouco, eu ergui o rosto, vistoriando-o, vendo seu pau marcar na calça já duro. Como podia? A irmã dele mal havia saído e… — De joelhos. Quero brincar com você. Ergui o rosto para ele, fiz que não com a cabeça. A voz na minha mente riu. Coloque-nos de joelho, amado. Force-nos. Quebre-nos. Dê o que precisamos. E como se pudesse ouvir meus pensamentos, quando não obedeci, Aidan me pegou pelos cabelos e me colocou no chão. Meus joelhos doeram como o inferno. Meu corpo inteiro agradeceu o choque da dor. Suas mãos brutas no meu cabelo forçaram meu rosto a olhar para cima, a encará-lo de baixo. Uma perfeição que eu esperava que ninguém mais além de mim colocasse as mãos. — Você é a minha pequena deusa. — Sua mão livre veio pelo meu rosto, acariciando a pele da bochecha, esfregando o polegar nos meus lábios. — É o meu amor — ele suspirou —, mas também é a minha vadia. A minha putinha. — Seu dedo forçou a entrada na minha boca e ele se dobrou, com o rosto vindo para o meu. — Eu prometo que vai doer. E antes que eu estivesse pronta, ele tirou a mão do meu rosto e me deu um tapa ardido. Foi rápido demais. Aidan me jogou contra o sofá, minhas costas bateram no encosto e minha cabeça foi forçada para trás. Meu coração disparou com a surpresa, uma lágrima de excitação escorreu pelo canto do meu olho, e enquanto Aidan se livrava das roupas, meus seios começavam a pesar contra o sutiã, sedentos por qualquer toque dele. Não tive muito tempo para me recuperar, ele veio para cima de mim com uma mão no meu pescoço, me enforcando conforme me obrigava a me erguer e enfiava a outra mão por baixo do meu vestido. Aidan pegou minha calcinha e a desceu pelas minhas coxas e pernas em uma brutalidade absurda. Meus pulmões agradeceram quando ele soltou minha garganta. Concentrado, o garoto pegou meus braços e, juntando meus pulsos, os amarrou com a calcinha. Por um minuto, eu quis rir, mas só até ele olhar para o meu rosto como se quisesse me matar. Aidan fez de mim uma boneca. Ergueu meus braços para o alto, depois fez o mesmo com meu vestido, mas não o tirou. Me punindo, ele deixou o tecido todo acumulado na minha cabeça. Só minha boca e nariz de fora. Aidan me proibia de vê-lo. Me proibia de assistir. De saber o que ele faria a seguir. Não tive tempo de choramingar. Ele me forçou contra o sofá. Minhas mãos tocaram o encosto, minha cabeça parecia sobre o assento. Senti-o forçar o tecido do meu sutiã para baixo e liberar meus seios. Relaxei por dois segundos enquanto ele me acariciava. Dei um grito abafado quando ele fechou a mão no meu seio esquerdo. Era bom. Dolorosamente bom. Eu me debati. Aidan não teve dó de mim. Quando soltou meu seio e eu abri a boca em busca de ar, seu pau entrou por ela de uma vez só. Eu quase me engasguei. As mãos de Aidan nos meus braços apertavam tanto que ficariam marcadas, mas eu não me importava. Me esforcei para lambê-lo conforme ele começava o movimento de vaivém contra o meu rosto. Ele gostou. — Isso mesmo, pequena deusa. Quero você sufocando com meu pau na sua garganta. — Aidan segurou os quadris no lugar, forçando-o no fundo, me impedindo de respirar. Aquilo fez meu coração disparar. Todo o meu corpo ficou alerta. Ele não se moveu até perceber que realmente precisava. Seu pau saiu da minha boca, repleto de saliva. Senti a umidade no meu queixo, escorrendo pelo meu pescoço. Ele riu. Eu me preocupei em recuperar o fôlego enquanto sentia a cabeça do seu pau sendo esfregada contra meu lábio inferior. Quando me senti pronta, fui eu que o abocanhou. Suguei-o com força, seu gosto se espalhando na minha língua era o maior e melhor incentivo possível, e quando Aidan começou a gemer foi como se minha boceta quisesse dar sinal de vida. Me senti pesada de tanto tesão. Meu ventre pulsava, tudo em mim pedia por ele, mas meu deus violento estava mais preocupado em foder minha boca com força. As molas do sofá protestavam contra as investidas de Aidan. O barulho que eu fazia entre aquele vaivém frenético não o fez ao menos diminuir o ritmo. Parecia de propósito. Descobri ser de propósito. Aidan se forçou contra mim e me xingou antes de recuar um pouco com os quadris e gozar forte na minha boca. Foi tanta porra que senti escorrer para fora. Do que dei conta, engoli enquanto o sentia latejar contra meus lábios e língua. O aperto das suas mãos nos meus braços ficou mais suave. Achei que tinha acabado. Achei que minha punição era morrer de tesão depois de servilo. Mas não. — Não se mova — ele mandou ao sair de cima de mim. Prontamente, obedeci. Me mantendo com as mãos para cima, naquela posição desconfortável pra caralho. Ouvi Aidan suspirar. Senti seus dedos sobre o meu queixo, sobre sua porra, espalhando-a pelo meu pescoço, pelos meus seios. Apostava que se abrisse os olhos, o encontraria sorrindo. De repente, senti que ele me abraçava e me colocava para o alto. Dei um gritinho de surpresa, mas não desci os braços. Minha bunda ficou na beirada do sofá. Aidan me fez erguer os joelhos e flexionar as pernas. Fiquei aberta, exposta, sentindo suas mãos passeando livremente por minhas coxas, ansiosa para o que ele faria a seguir. Não me decepcionando, ouvi quando Aidan foi para o chão, entre minhas pernas, e senti quando, depois de acariciar toda minha boceta, ele esticou meus grandes lábios para me ver toda. Aquela mesma sensação de antes veio forte. Pensei em fechar as pernas, mas ele me manteve aberta. — Eu adoro ver você assim, Afrodite. Essa boceta gostosa, molhada, quente… — E então, sem avisar, senti seus dedos me invadindo. Meu corpo reagiu de imediato. O som dos dedos dele deslizando para dentro de mim tão excitada ganhou o ar junto dos meus gemidos mais baixos. Aidan abaixou o nível das coisas quando começou a brincar com meu clitóris com a língua. Eu urrei de prazer. Ele mudou o movimento dos dedos, em vez do entra e sai frenético, eles se moviam dentro de mim, causando uma pressão alucinante. Apoiei as mãos na cabeça para não o desobedecer. Odiava não poder olhar. Odiava que Aidan fosse tão gostoso e bom naquilo. Odiava saber que, por um erro meu, fiquei sem tê-lo por quase uma semana. Eu nunca mais me separaria dele. Tive essa certeza quando senti mais um dedo me invadindo. Ele não parou de brincar comigo com sua língua, até forçar um quarto dedo. — Porra! — eu xinguei e tentei recuar com os quadris. — Shhhh. — Ele me segurou no lugar. — Aidan, é muito… — Me perdi no gemido que dei quando ele começou um novo vaivém mais lento. — É, é muito. Mas eu vou enfiar minha mão toda nessa boceta e você vai gostar. E vai lembrar disso quando pensar em tirar de mim a chance de te foder assim. Eu pensei em desistir, em xingá-lo, em brigar. Mas tudo o que aconteceu foi ficar mais excitada conforme ele aumentava o ritmo do vaivém. — Me deixe ver. — O pedido o surpreendeu. Ouvi o riso dele e me derreti ainda mais por aquele sádico do caralho. — Ainda não. Me convença de que merece. — Senti seu rosto contra a parte interna da minha coxa. — Me mostre que é capaz. Aidan me mordeu e todo o meu corpo se enrijeceu antes de ele voltar a beijar meu clitóris da maneira mais obscena possível. Sua língua brincava de um lado para o outro entre sugadas e mordiscadas. Seus dedos voltaram ao vaivém. E o meu corpo, sabendo o que ele queria, parecia disposto a forçar todos os limites só para agradá-lo. Meus gemidos ganharam volume. Eu não conseguia me controlar, ainda mais quando Aidan forçou um pouco mais a mão para dentro de mim. Todas as porras de borboleta despertaram. E elas pareciam cobrir cada centímetro da minha pele. Aidan percebeu que eu estava no limite e diminuiu a intensidade no meu clitóris, mesmo assim, talvez fosse tarde demais. — Aguente, Afrodite. — Era uma ordem cheia de restrições. Cheia de ameaças. Tentei ao máximo obedecer. Tentei ao máximo relaxar. Ele viu a oportunidade e entrou com o último dedo que faltava. Depois disso, eu não obedeci mais. Abaixei os braços, olhando para baixo, não acreditando no que via. A mão de Aidan estava quase toda dentro de mim. — Meu Deus — soprei antes de deitar a cabeça, tendo o corpo todo sofrendo do efeito daquilo. — Sim, seu deus. Eu — ele respondeu, forçando mais para dentro conforme fazia movimento de entra e sai. — Você quer mais, Afrodite? Fiz que sim com a cabeça. Então, tomando cuidado comigo, mas sem muita gentileza, Aidan passou os nós dos dedos para dentro de mim e minha boceta logo aceitou toda a sua mão. A visão daquilo me deixou louca. Tê-lo lá dentro daquele modo fez todas as borboletas alucinarem. Senti como se elas me mordessem por toda parte. Ardeu, mas era tão, tão, tão bom, que assim que ele triscou no meu clitóris e começou a movimentar a mão, eu não aguentei mais segurar. Larguei a tensão. O medo. A insegurança. Larguei os problemas, o mundo lá fora, o passado. Larguei tudo e segurei o amor que sentia por Aidan. Não pesava. Não machucava. E foi por ele que mergulhei na água mais fria e profunda, tendo o corpo tomado de uma vez, sem pausa, sem dó, pelo orgasmo mais intenso da minha vida. — Como você está? Há meia hora ele tinha tirado a mão de dentro de mim, conferido se eu estava bem e me desamarrado. Meu corpo não tinha um pingo de força depois daquela coisa tão extrema e eu agradeci por Aidan acender a lareira antes de tirar o resto da minha roupa e me puxar para deitar em cima dele. — Bem, eu acho… — consegui responder, enchendo o pulmão de ar. — Não quer me matar por ter trazido Adria? — Quero — assumi. — Você podia ter me avisado antes. — Se eu tivesse avisado, você não teria aparecido. — Era verdade. — Ainda assim, era meu direito de escolha. — Não olhei para ele. — Você sabe que estar comigo é escolher isso. Eu não vou abrir mão de nada. — Nem se sua mãe mandar você escolher sua família ou eu? Ouvi o que sua irmã falou antes de ir embora. Não quero lidar com isso. — Minha mãe nunca faria isso, ela sabe que perderia e, apesar de tudo, ela não é tão idiota assim. — Então, está me dizendo que não tenho chance de fugir? — Estou te preparando para o futuro. Será que você não percebe? — Ele segurou meu rosto, puxando-o sobre o dele. — Eu a amo, Afrodite. E sou egoísta. Quero você em toda parte da minha vida. Começando a encher meu rosto de beijos, Aidan parecia não entender o quanto aquilo era difícil para mim. — Isso é algo do Aidan, ou do Ares? Ele riu e parou a sessão de beijos. — Dos dois, meu amor. Afinal de contas, somos todos a mesma coisa. Não. Não éramos. Harper era minha capa, dócil, inteligente, prestativa e educada. Afrodite era a merda. Toda quebrada. Toda fodida. Respirando por aparelhos. Três dias depois, eu acreditei que podia ser feliz. Acordei com Aidan me beijando o pescoço antes de sair da cama e resolvi enrolar um pouco mais nos lençóis. Acabei cochilando e acordei com a voz dele falando com alguém. Me localizei no mundo antes de levantar e, curiosa, fui até a porta ouvir. A ligação estava no viva-voz. Do outro lado era uma mulher. Demorou dois segundos para reconhecer Adria. — Você está feliz? — Genuinamente — Aidan respondeu sem pensar. — Ela é o meu lugar feliz. — Meu Deus, eu não acredito que você está falando assim. — Foi a minha vez de sorrir. Uma coisa era Aidan dizer as coisas que dizia para mim. Outra completamente diferente era ele expor para o mundo. — Só é louco que eu não a conheça mais… sei lá, a conexão aí foi boa, queria tentar ver até onde isso vai. — E eu agradeço, irmãzinha. Mas Afrodite é alguém que, por motivos óbvios, desconfia da própria sombra. Você não tem ideia do quanto eu precisei correr atrás dela. — Eu imagino, ainda mais por todo o nosso histórico… — É, mas tem mais do que isso. Enfim, acho que você deve tentar se reaproximar dela, mas dê tempo ao tempo. — Acha que devo chamá-la para algo antes do Natal? Nós vamos nos encontrar lá, talvez eu possa ajudá-la com uma conversa sincera antes, um apoio… compras? Ele riu. — Acho que Afrodite não é muito de compras, mas eu adoraria que ela mudasse isso. Já ofereci dela largar o emprego e se concentrar somente nos estudos, mas ela não quer. — Ela ainda é orgulhosa? — Ainda é — ele confirmou. — Bom… é um caminho. — Em breve, as coisas vão mudar, mas enquanto isso, conto com você para facilitar com nossa família. — Aidan, não posso garantir nada. Talvez se você fosse até a casa da vovó e conversasse… — Não. Eu já avisei que minha namorada estará presente no Natal. Deixe o gosto da surpresa pegar a mamãe desprevenida. Sem tempo de armar qualquer veneno pré-fabricado para cima de Afrodite. — Eu espero que você esteja certo. — Quando foi que eu errei? — Ridículo, convencido. — Você tinha a quem puxar. — Era absurdamente bom ver Aidan brincando com Adria. Eu só odiava o assunto. Quando percebi que ele vinha na direção do quarto, corri para o banheiro e fui escovar os dentes. Aidan se despediu da irmã e sentou na cama. — Dormiu bem? Confirmei com a cabeça e cuspi a pasta na pia. — Ouvi sua conversa. — Era a intenção, ou não teria colocado no viva-voz. Encarei Aidan pelo espelho e confirmei mais uma vez. — Tem certeza de que precisamos disso? — Não vou te manter escondida, Afrodite. Não estamos fazendo nada de errado. Então por que eu tinha a sensação de que estávamos? Por que eu ainda não tinha conseguido pendurar minhas roupas no armário? — NÃO! — Ergui o corpo suado, agarrando as cobertas, finalmente abrindo os olhos. Me sentei na cama, tremendo muito, percebendo tudo escuro, tudo calmo a não ser pela minha respiração acelerada e meu coração disparado. Aidan estava ao meu lado, me abraçando, tentando entender o que acontecia. — Outro pesadelo? — Sua voz macia era um calmante e tanto. — Uhum — grunhi a resposta e tentei parar de chorar, escondendo o rosto contra seu peito, me aninhando em seu colo. Aidan fez de mim uma bolinha e me abraçou. — Passou. Não foi real, amor. — Beijando o topo da minha cabeça, ele tentou de novo. — Seja lá o que for, não pode te machucar. Respirei fundo, negando com a cabeça. — Quer me contar o que foi, então? Meu peito ainda tremia, mas me esforcei para contar. — Estávamos na casa da sua avó. Todo mundo era cinza, inclusive você. O Natal era só uma armadilha. Adria, sua mãe, seus avós e seu pai estavam lá. Meu pai estava lá. Todos estavam com raiva de mim. Todos me acusavam de coisas. Você… — Meu peito tremeu mais e a vontade de chorar cresceu. — Você era a pessoa com mais raiva, e quando não podia ficar pior, todos vocês se juntaram para me esfaquear. Ele ficou em silêncio por um tempo, absorvendo o que eu tinha contado, tentando assimilar meus medos. — Você confia que eu não vou deixar ninguém mais te machucar? — Confio. — Concordei com a cabeça, me apertando nele. — Ótimo. Então seu sonho não tem fundamento. Eles são como sombras do passado dançando no chão. Não são reais. — Mas não posso me livrar disso nunca? Não aguento mais. — Pode. Aceite-as. Se aceite. É o que venho te pedindo o tempo todo, Afrodite. Largue sua culpa. O que você é, o que se tornou, foi por causa do passado. Mas você não precisa carregar as memórias. Não precisa se martirizar por isso. — Você não entende. — Me sentei para encará-lo no escuro. — Você passou por algum grande trauma para ser como é? — Não. — Então como sabe o que preciso fazer? — É um palpite… — Vendo que me irritava propor algo que eu claramente não dava conta de fazer, Aidan me puxou de volta para si. — Me conte algo do passado que ainda não contou. Me diga como foi depois do último dia em que vi você. — Meu pai me mudou de escola. Eu fui proibida de ter amigos. Minha vida virou um inferno completo. No começo, ele me levava e buscava na escola, e me jogava no porão sem comer, sem nada, e saía para trabalhar. Às vezes, ele não voltava. E às vezes chovia muito. — Fiz uma pausa, lambendo o lábio inferior devagar. — Lembra que te perguntei se você já tinha ido até minha casa? — Aidan confirmou com a cabeça. — Morava do lado da cidade que enchia. Deve encher até hoje, já que é um problema do solo também. Meu pai tinha uma bomba manual para jogar a água para fora, mas ela ficava no quintal. — Então o porão enchia? — Quase sempre. Uma vez, ele demorou a voltar por três dias. A água ficou na altura do meu pescoço. Eu quase morri de hipotermia. Foi aí que alguém notou que tinha algo de errado e finalmente resolveu me ajudar. — Quem? — Uma amiga da minha mãe que era enfermeira. Meu pai adorava ela. Ele a tinha como amiga. Tia Debbie. — Sorri ao dizer seu nome. — Quando ele chegou em casa e viu meu estado, me enfiou no carro e levou para a casa dela. Ela perguntou o motivo dele não me levar até um hospital, ele disse que não tinha dinheiro, e ela não recusou ajuda. Mas, de um jeito muito habilidoso, mesmo sem eu dizer nada, ela notou sinais e começou a me fazer ir vê-la com maior frequência. — Você contou para ela? — Não precisei. Duas semanas antes do meu aniversário de quinze anos, ela me chamou e fez suas suposições. Perguntou se eu queria denunciar, que se eu precisasse, ela ficaria ao meu lado. Mas já tinha acontecido aquela merda com sua família, eu não queria acabar ferrando a tia Debbie também, e disse para ela esquecer. Que quando eu fosse maior de idade, eu ia embora, ou o mataria antes disso e, na cadeia, não seria um perigo a mais ninguém. — Dei uma risada fraca. — Eu realmente acreditava que as grades seriam a única coisa capaz de me deter. Enfim. Tia Debbie conhecia gente de todo o canto, ajudava qualquer um, do marginal ao presidente. Acontece que, onde morávamos, existia muita gente do primeiro tipo. O presente dela para mim foi minha nova identidade, dinheiro e um saquinho com comprimidos para dormir. — Espera. Ela sabia e não o denunciou? — Aidan disse aquilo com uma revolta na voz que me surpreendeu. — Tia Debbie era pobre, sozinha… não vou julgar os motivos dela, não quando ela foi a única que me tirou daquela merda. — Aidan ficou quieto, emburrado. — Enfim. Um dia antes do meu aniversário, eu estava livre pela casa. Revirei tudo o que podia, achei dinheiro guardado no terno que meu pai nunca vestia e o roubei. Deixei minha mala pronta no armário do corredor e fui cuidar do jantar. O diferencial dos nossos pratos naquela noite era que, no do meu pai, tinha uma camada grossa de queijo e remédio para dormir. E como ele comia quase sem mastigar, não fez a mínima diferença. Lembro dele levantar se espreguiçando, mandando eu ficar pronta que, depois do cochilo dele, assistiríamos a um filme juntos. Como pode imaginar, isso nunca aconteceu. Eu fui embora assim que ouvi o primeiro ronco. — Espere. Seu pai ainda está vivo? — Aidan parecia se conter muito. — Está. — Afrodite, qual o endereço dele? — Não. Não que eu não o queira morto, mas… você não precisa fazer isso. — Eu quero fazer — ele rosnou, me puxando mais para ele. — Eu sei que quer. Também quis, por muito tempo, mas podemos pensar nisso outro dia? Eu só quero conseguir dormir mais um pouco. Só preciso descansar um pouquinho. Sem falar nada, Aidan nos deitou e não me largou. Eu não queria que largasse. Queria ficar ali para sempre. A vida parecia boa. Limpando minhas mesas e tagarelando com os clientes, eu quase me convenci disso. A faculdade estava indo muito bem, eu já estava praticamente livre das entregas daquele final de ano e com notas de dar orgulho a qualquer um. E meu relacionamento com Aidan, apesar das discordâncias, parecia mais brilhante do que nunca. Talvez fosse uma boa amostra do futuro, mesmo que eu tivesse me arrependido um pouco da versão da história que tinha contado naquela madrugada. Eu não precisava colocá-lo atrás do meu pai. Não queria mais nada daquele homem presente na minha vida, muito menos o peso da morte dele nas costas de Aidan. Fiquei a tarde toda pensando em como ele havia reagido, nas coisas que deve ter pensado… será que ele achava que eu estava protegendo meu genitor? Aquele pensamento acabou comigo. A ansiedade me pegou pelos calcanhares e meu demônio surgiu sapateando na minha cabeça, cantando sobre Aidan tentar matar meu pai e morrer no caminho, ou ser preso por isso. Tudo só ficou pior quando o telefone do balcão tocou e gritaram o meu nome. — Harper, é seu namorado. Parecendo prever um desastre completo, eu o atendi, trêmula: — Aidan? — Oi, amor. Tudo bem por aí? — Tudo… e você? — Tudo perfeitamente bem. Só estou ligando para avisar que chegaram algumas emergências por aqui e não vou conseguir te pegar hoje. Meu coração errou uma batida. Ele estava mentindo. — Aidan, tem certeza de que é isso? — Afrodite, confie em mim. — Aidan, por favor… — choraminguei. — Meu amor, não tem motivos para você temer por mim. Prepare-se para receber uma casa de herança. Amo você. — E então ele desligou. Fiquei ouvindo o som do telefone depois da ligação acabar e me tremi inteira na tentativa de segurar o choro. — Está tudo bem? — Milles perguntou, vendo meu estado. — Eu… não sei. — Desnorteada, larguei o aparelho e me sentei em um dos bancos perto do balcão. — Posso terminar meu turno mais cedo? Por favor, eu… — Não tive condição de terminar minha frase. — Claro. Faltam quinze minutos para você sair. Podemos dar conta. Fique bem, Harper. — Não consegui nem mesmo agradecer a batidinha que ela me deu no ombro e cambaleei até o vestiário. Que inferno eu tinha que erguer aquele defunto? Que merda eu tinha feito da minha vida? Todas as possibilidades desastrosas passaram pela minha vista. Eu quis morrer. Quis deitar no meio da rua e deixar os carros passarem por cima. Mas tudo o que fiz foi cair na rua sem rumo, e quando dei por mim, estava dentro de um bar. Luzes piscando, fumaça de gelo seco rolando pelo ar e, de repente, pareceu que ninguém se importava com a minha presença. Ninguém se esforçou para pedir minha identidade. Na verdade, logo que sentei no bar, o cara do outro lado me deu um copo de dose como cortesia e perguntou: — O que vai querer? Um chá de sumiço ou uma morte bem lenta. — Me dê seu drink mais forte. — Teve um dia difícil hoje? — Ele queria mesmo puxar papo. — Com certeza ele vai ficar pior depois disso daqui. Virei a dose da bebida que não sabia qual era o nome e meu estômago reclamou. Fiquei quieta no balcão, desenhando o nome de Aidan na madeira, ignorando todos os outros corpos em volta. A vontade de chorar encheu meu peito quando pensei na possibilidade dele se machucar. Um alívio sem tamanho cresceu dentro do meu coração quando o imaginei colocando as mãos no desgraçado do meu pai. Não tinha chance dele se dar mal, ou tinha? Quer dizer, Aidan era novo, forte e brutalmente violento. Meu pai não daria conta. Eu precisava rezar para que ele não desse conta. E se a polícia o pegar? E se alguém vir e denunciar? Aidan vai para cadeia fazer companhia ao pai dele. Um pedófilo e um assassino, tudo na mesma família, que graça não? Cale a boca. O quê? Você não quer ver, não quer assumir que o seu namoradinho podia dar as mãos para você e viver numa ala psiquiátrica? O barman serviu o drink. Eu acabei com ele em três goles e bati o copo contra o balcão. Esperava que o álcool fizesse meu demônio calar a boca, mas só ficou pior. Visões de Aidan sendo preso como se fosse seu pai naquela noite encheram a minha cabeça. Eu não queria aquilo. Eu não aguentaria aquilo. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Pensando se ia para casa, ou se acabava indo na direção que sempre tentei evitar, mal notei quando um homem de meia-idade encostou no balcão ao meu lado. Seu hálito cheirando a álcool soprou sobre o meu rosto: — Posso te pagar uma bebida? Não respondi. Me levantei, procurei a placa do banheiro e segui até lá. Lavei o rosto, conferi meu celular, e sem nenhum sinal de Aidan, decidi ir para casa e esperar. Paguei minha conta no bar em completo silêncio, conferi o horário antes de passar pela porta e me assustei ao ver que passava da meia-noite. Eu não tinha a mínima ideia de quanto tempo tinha andado até chegar ali, muito menos quanto tempo tinha gastado ali dentro, porém sabia ter sido demais. Talvez meu pai não estivesse em casa. Talvez Aidan tivesse desistido. Rezei por isso, mesmo sabendo que ninguém me ouviria. E com a mente embaralhada pelo álcool junto de todas as minhas incertezas e medos, assim que virei a primeira esquina na direção do caminho de casa, vi que o homem que eu tinha rejeitado no bar estava me seguindo. Ah! Que prazer enorme. Nós nem estávamos procurando, porém um amor sujo sempre reconhece seus discípulos fiéis. Olha só, Afrodite, olha como temos sorte. Aidan afundará suas garras nas entranhas do seu pai e, enquanto o velamos, comemoraremos sua morte chorando em um pau desconhecido. Não. Aidan consideraria traição. Mas por que só você precisa obedecer? Você pediu para ele não ir até seu pai, mas ele foi. Ele pediu para você não atrair estranhos, mas… como ele vai saber? Não quero mentir para ele, não vou mentir para ele. Ele ia mentir para você. Pare de me confundir. Pare de bagunçar minha cabeça. Vai embora! Ele gargalhou alto. Afrodite, Afrodite. Você acha mesmo que pode escapar de mim? Que posso ir embora? Eu sou seu e você é minha, nós somos um só. Não adianta mentir para mim, não adianta me esconder nada, não adianta fingir comigo. Sei absolutamente tudo sobre você. Ninguém te conhece melhor. Então faça um favor a nós dois, ande mais devagar, entre na primeira rua mais escura, deixe ele nos bater, deixe ele nos machucar, deixe que ele te viole, que prove que seu corpo não é seu, que te humilhe, que te faça sentir nada. Deixe que ele me alimente. Eu estava pronta para ceder. Estava pronta para admitir que não merecia o que Aidan me dava, que mesmo no seu auge da sujeira, era limpo demais. Ele se preocupava comigo, ele cuidava de mim, e nenhum dos homens que eu encontrei nas esquinas ou nos becos fez isso. Eu era um objeto, um balde de porra, um nada, e cada fibra minha tinha certeza de que eu merecia isso. Cada pedaço meu ansiava por essa sensação da quebra da inocência, da corrupção, da tragédia. Eu era viciada no que era podre e feio, e eu não conseguia sentir o que precisava com o Aidan justamente por amá-lo. Tomei fôlego, olhei para trás conferindo se o homem ainda me seguia, mas quase congelei no lugar. Lá estava Aidan. Atrás de mim. Pronto para me pegar. E apesar da vergonha, apesar do medo, quando pensei em como ele reagiria quando me pegasse armando uma segunda traição, eu corri. Cheguei em casa sem sentir meu corpo. Parte pelo medo, pela ansiedade, parte pela caminhada no frio. Me atrapalhei para pegar as chaves no bolso, já que, mesmo de luvas, meus dedos estavam duros. Quando finalmente consegui entrar no apartamento, Aidan terminou de fechar a porta e me pegou pelos cabelos com força, me jogando no chão. Dei um grito pela surpresa, mas não me movi, fiquei de joelhos com o corpo curvado e os braços em X contra o peito, como se me abraçasse, como se pudesse me proteger. — Me diga, Afrodite — ele se abaixou ao meu lado, fincou os dedos na minha nuca e me obrigou a erguer a cabeça, não tive coragem de encará-lo —, que porra passou pela sua cabeça? Eu não mandei você vir para casa? — Mandou — soprei a palavra. Ele me sacudiu com raiva e virou meu rosto para o seu. — Então por que você não veio? — furioso, ele gritou comigo. Meu coração se rachou em mais um cantinho, um dos poucos que sobrava inteiro. — E-eu fiquei perdida e… — Eu não tinha uma explicação para dar. — E foi atrás daquilo que eu posso te dar com outra pessoa. Quer ser levada ao limite, Afrodite? Pois eu vou te levar até ele. — Ele sacudiu minha cabeça com o rosto bem perto do meu. — Hoje não há nada divino aqui para você. Hoje você será minha puta, minha vadia, minha cachorra. — Aidan cuspiu na minha cara. — Hoje eu vou te machucar. Ele se ergueu, me obrigando a erguer o tronco também e deu um tapa de mão aberta no meu rosto. Minha pele formigou. As lágrimas que saíram pelos meus olhos naquele segundo não eram de tristeza, não eram de dor, eram de alívio. Eu precisava desesperadamente daquilo. Aidan não esperou eu me recuperar, abriu as calças na minha frente e puxou o meu rosto contra o seu pau. — Me chupa como a putinha que você realmente é. Ele estava duro, mas não completamente. Ainda assim, a cabeça exposta estava lubrificada e ele a esfregou contra o meu lábio. Fui erguer uma das mãos para me auxiliar, mas Aidan não permitiu. — Você está proibida de me tocar. Voltei a mão para o meu colo e abri um pouco mais da boca para recebê-lo. O pau de Aidan pesava contra minha língua. E conforme ficava mais duro enquanto eu o mamava, parecendo faminta, ele o empurrou inteiro contra minha garganta, me prendendo com o rosto contra seu corpo, me impedindo de respirar com todo seu tamanho e grossura chegando ao auge, bloqueando minha garganta quase até o fundo. Eu tentei gritar, mas ele não me soltou. Forcei os dentes contra ele, não para machucar, mas para alertar, e Aidan pareceu gostar daquilo, porque quando tirou o pau da minha boca completamente envolto em saliva e apontando para cima de tão duro, ele o fez gemendo. Eu tossi, tentando conter o engasgo, tentando recuperar o ar. Ele não ligou. Voltou minha cabeça para o seu pau, e me olhando de cima, me forçando a ficar em uma posição que meus olhos não podiam fugir dos seus, Aidan fodeu minha boca. Eu me senti tão pequena e frágil sob ele, com aquele pequeno medo do que viria a seguir, mudou tudo. Todo meu corpo estava vivo, como se fosse na rua. Como se fosse um completo desconhecido. Aquela versão dele podia me fazer mal. Aquela versão dele não estava preocupada se eu teria um orgasmo no meio daquela loucura. Ele só me colocaria para baixo da maneira que podia. E sabendo o que Aidan pensava sobre mim, ou a maneira como me tratava mesmo no meio da sua violência toda, eu o agradeci pelo sacrifício de me colocar naquela posição. Quando percebeu que eu tinha parado de chorar, Aidan me soltou violentamente na direção do chão. Eu voltei o rosto para baixo, não sabendo o que fazer a seguir. — Você tem uma única chance — ele me rondou. — Levante agora e saía. Esqueça que eu existo, esqueça tudo o que eu te ofereci. — O pensamento daquilo me fez soluçar de dor. — É sua última chance, Afrodite. Se você quer que eu traga o inferno sobre você, se você precisa disso, será nos meus moldes. Eu não me movi. — Vou contar até três. Depois disso, você está fodida. Um. — Respirei fundo. — Dois. — Pensei em como Ares me tratou na piscina. Minha boceta transbordou com a lembrança. — Três. — Senti Aidan se abaixando atrás de mim. — Não diga que eu não avisei. Aidan me puxou para trás, abriu minhas calças. Fiz meu teatro como faria com qualquer homem na rua. Tentei fugir, mas ele me virou no chão, de barriga para cima, e lutou comigo. Prendeu minhas mãos no alto da cabeça e abaixou calça e calcinha até o meio das minhas coxas. Sua mão veio para minha boceta, conferindo o estado da minha excitação. Vendo que eu estava mais do que pronta para recebê-lo. — Você acha mesmo que será fácil assim? Ah, Afrodite, eu te avisei tanto para não querer esse lado meu… por que você não facilita as coisas? Aidan me girou no chão de novo, me colocando com a bunda para cima. Suas mãos ergueram meus quadris e quando tentei me mover para longe, me prendendo pelas pernas, Aidan pegou seu cinto e começou a me bater furiosamente. Eu gritei a cada uma das estaladas na minha bunda. Minha pele parecia pegar fogo em cada uma delas. Não foi nada comparado à primeira vez que ele fez aquilo. Foi brutal. Duro. Violento. Foi um castigo de verdade. E me excitou tanto que meu clitóris parecia prestes a explodir. Bastava uma passada de dedos por ele que eu gozaria feito a puta que era. Quando ele parou, eu despenquei com a cara contra o chão, erguendo ainda mais a bunda no ar, com a respiração trêmula e o rosto lavado pelo choro. Aidan não se deu por vencido. Suas mãos carimbaram minha bunda, uma nádega de cada vez, e então ele se encaixou atrás de mim. Senti a cabeça do seu pau forçar entrar no meu cu e me assustei. — Se você tentar fugir, vai ser pior. — O aviso era real, e sabendo que não podia tocá-lo, levei minhas mãos para minhas nádegas, e mal sentindo meu próprio toque na pele maltratada, me abri ao máximo para ele enquanto tentava relaxar. Como incentivo, senti quando ele cuspiu no meu cu. Aidan foi rápido ao se erguer. Segurou meu quadril com uma mão, apertando com força, me forçando para trás enquanto vinha com o quadril para frente. A cabeça do seu pau escapou algumas vezes, mas na quinta tentativa, ele rompeu a primeira barreira. Eu segurei a tensão, tentando me abrir mais para ele e, pouco a pouco, sem parar para me dar uma folga, sem um segundo de respiro, ele foi entrando mesmo com meu corpo gritando para que ele não o fizesse. Mesmo que eu começasse a gritar alucinadamente, pela dor e pelo prazer. Aidan me massacrou até suas bolas tocarem minha bunda. Eu ardia. Queimava. Doía horrores. Era excitante em um tanto absurdo. Quase pecado. Quase profano. No primeiro movimento de vaivém dele, eu gritei. Meu corpo começou com um tremor tão grande, tão absurdo, que ele também xingou. Eu queria que ele me fodesse rápido. Que fosse ainda mais bruto. Que me machucasse. E eu pedi. Só não esperava ganhar algo daquela forma. Aidan saiu de mim quase por completo e voltou em uma estocada só. Eu ergui o tronco. Suas mãos vieram para o meu rosto. Uma para o meu queixo, a outra, com uma faca, contra minha face. O fio me cortou. Ele gozou. Eu também. Mas havia sangue no chão e meu rosto ardia. Aidan havia me marcado. Aidan havia mesmo me feito dele. Não podia ser verdade. Não devia ser verdade. Mas quando meu corpo finalmente acabou de sentir tudo e todas as coisas, a ardência no meu rosto permaneceu. Aidan estava em pé, mas eu? Eu não. Ainda estava jogada no chão, com porra no rabo e, quando toquei minha face, ainda não acreditando, ganhei sangue nas mãos. Era real. E eu gritei em desespero enquanto me erguia. — Afrodite — ele me chamou tão calmo que não pude acreditar. — Você. Me. Cortou — consegui dizer, olhando para ele, para meus dedos, tremendo tanto que parecia prestes a convulsionar. — Cortei. A agonia se instalou no meu peito. Perdi o controle da respiração, das lágrimas. Pousei a mão sobre o colo, tentando entender, tentando me manter sã. Minha cabeça girava. Eu só queria gritar. Então, vendo que eu entrava em parafuso, ele veio até mim e me empurrou até a parede. — Afrodite, calma, caralho. — Sua voz era mansa, mas não muito. Aquilo me irritou profundamente. — VOCÊ ME CORTOU! VOCÊ CORTOU MEU ROSTO! — gritei em pânico, empurrando seu peito. — NÃO ENCOSTA EM MIM, NÃO ENCOSTA EM MIM! — Eu vou cuidar disso. Preciso que você se sente. — Ele não se moveu, mesmo que eu batesse nele com toda minha força. — AIDAN, SAI DE PERTO DE MIM, AGORA! — Ali, olho no olho, ele percebeu que era real o meu pedido e deu dois passos para trás com as mãos no alto. — Preciso ver se vai precisar de pontos. — A calma na fala dele me assustou. Pontos? No meu rosto? O quão feio aquilo tinha sido? Ajeitei a calça e comecei a procurar um espelho. Ele veio atrás de mim, querendo me impedir. Como um trator, eu passei por cima dele e cheguei ao espelho do corredor. Meu grito foi ainda pior. Minha garganta doeu. Eu pensei que fosse desmaiar. Havia um corte que começava pouca coisa abaixo do olho esquerdo e corria para baixo e lado, atravessando meu nariz e bochecha. Ia quase até minha têmpora. Eu não podia acreditar. Minha pressão despencou. Precisei sentar no chão. Aidan falava, mas eu não conseguia ouvir. Tudo parecia a merda de um pesadelo. Eu só queria acordar. Eu precisava acordar. Mas assim que ele me colocou de pé, percebi que aquela era a merda da vida real. Olhei nos olhos de Aidan e vi, pela primeira vez, talvez, que era muito sério quando ele me dizia que não era anti-herói porra nenhuma. Aidan era o vilão. Minha resposta foi uma só quando me dei conta. Ergui a mão e com toda a força que tinha, atingi seu rosto. — VOCÊ NÃO TINHA ESSE DIREITO! No impulso do momento, ele me jogou contra a parede e me prendeu com seu corpo. — Eu sempre tive esse direito, amor — venenoso como o diabo na minha cabeça, ele soprou sobre mim. — Você é minha para amar. E se eu quiser, é minha para destruir. Não diga que não avisei, você é a única a qual eu pedi permissão. — Você é insano! — Empurrei Aidan. — Eu te odeio! — Saí do banheiro, mas ele veio atrás de mim. — Não. Não odeia. Você me ama. E agora ninguém mais coloca as mãos em você. — Aidan deu a volta em mim e pediu de novo: — Me deixe cuidar do seu rosto. — Não encoste em mim. — Recuei quando sua mão tentou me tocar. — Você prometeu que ninguém mais ia me machucar. — Não. Eu disse que ninguém, além de mim, teria esse direito. Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia o que dizer. Tudo o que eu queria era chorar. — Se não quer que eu toque em você, me deixe te levar ao hospital, então. Está sangrando mais do que eu planejei. Acho que você precisa de alguns pontos. — Eu vou. Mas voltando, eu vou embora. Nunca mais quero ver você. Ele não disse nada. Não tinha o que dizer. Estávamos acabados, pelo meu vício sujo, pelo seu capricho insano. Pelo lado bom, não teria mais que me preocupar com a porra do Natal. — Pressione isso no rosto para tentar estancar o sangramento. — Aquela foi a única frase de Aidan para mim antes de sairmos do apartamento. Eu não queria olhar para ele. Não queria ouvir sua voz. Não queria sentir seu cheiro. Então, me lembrando da infância, apesar do meu corpo continuar funcionando, me escondi na minha mente, dentro da sala de brinquedos, desassociando de toda a dor, de toda a tristeza que sentia. Voltei para a realidade poucas vezes. A primeira foi quando Aidan parou em um hospital que eu não conhecia. A segunda foi na hora de fazer a ficha, em que ele respondeu que era meu namorado e que não sabia o que tinha acontecido, porque me encontrou em choque. A terceira foi quando eu o ouvi dizer que, se eu quisesse, ele pagaria por uma plástica. — Eu não quero seu dinheiro — respondi baixo, só para ele ouvir. Ele me ignorou. Me levaram para um quarto privado. Me examinaram. A polícia tentou falar comigo quando Aidan foi chamado para longe. Só tive forças para dizer que não tinha sido ele e me calei sobre qualquer outra pergunta. Agradeci muito quando uma enfermeira entrou e, bondosa, disse: — Ela está em choque. Preciso limpar a ferida antes do cirurgião aparecer para vê-la. Quem sabe, depois, vocês conversam com ela direito? A polícia não teve escolha a não ser me deixar em paz. A mulher limpou minha ferida com cuidado. Ardeu. Não reclamei. Um homem de branco entrou para me examinar. — Olá, Harper. Meu nome é Leon, sou seu médico hoje. Quer me contar como isso aconteceu? Neguei com a cabeça. — Certo. — O suspiro dele era triste. — Bom, vou dar uma olhada para ver o que posso fazer, ok? Relaxei contra o travesseiro e fechei os olhos, segurando o choro. — Podemos fazer uma cirurgia leve aqui, mas apesar de fundo, com cola cirúrgica e bons pontos, só vai sobrar uma linha fina… — O que é mais barato? — Foi minha única preocupação. — Os pontos, sem dúvida — ele respondeu de imediato. — Então será assim — defini. — E, por favor, alguém pode me dar algo para dor de cabeça? Eu só quero dormir. — Posso ajudar com isso também. — Virando para a enfermeira, o médico deu instruções e ela saiu. Olhei para a porta, no corredor um homem baixinho e gordo limpava o chão, uma mãe carregava uma criança com a perna quebrada no colo, e Aidan me encarava pela janela de vidro. Eu não sabia o que sentir. Eu não tinha ideia do que poderia dizer, então encarei o teto e esperei ser costurada. Quem sabe os pontos na minha cara também consertavam meu coração? Duas horas depois, eu estava pronta. Limpa. Com a roupa do hospital. E com a cara costurada. Aidan entrou no quarto e pediu ao médico para ver o estado dos pontos, e sem me tocar, estudou meu rosto, parecendo satisfeito. — Não vou abafar os pontos com um curativo agora, mas antes de dar alta para ela, eu vejo o que fazer — Leon avisou. — Ela não terá alta agora? — Não. A equipe médica acredita que ela precisa de uma noite aqui. Você pode vir buscá-la amanhã à noite. Vinte e quatro horas são o suficiente para nós vermos se a ferida vai cicatrizar bem. Aidan soltou a respiração com força, claramente odiando. — Certo. — E virando-se para mim quando o médico saiu do quarto, ele disse: — Eu sei que você está louca comigo, mas precisa saber que eu não me arrependo de nada. Eu te amo, eu sou seu. E você é minha. Não espere um pedido de desculpas por marcá-la, por querer deixar exposto que você me pertence. Mas me desculpe por precisar machucar você de verdade. — Aidan… — Minha mente estava indo longe graças à medicação. — Amanhã. Amanhã nós conversaríamos. Amanhã, quando a dor fosse menor, quando eu conseguisse processar tudo, talvez ver seu rosto não me causasse tanta tristeza. — Ok. Amanhã. — Fechei os olhos, minhas pálpebras pesavam. — Durma bem, meu amor. Durma bem, minha Afrodite. E ele se foi. Ninguém vai olhar para nós — meu diabo choramingou. Todo mundo vai olhar para mim — rebati num suspiro. Nós estamos retalhados. deformado — ele gritou em pura dor. Nosso belo rosto, cortado, Meu coração está em pedaços — concluí e saí da frente do espelho. Agora você é a deusa do ódio e da desgraça. — Ele me abraçou enquanto eu saía do banheiro. Passei o dia sentada na cama. Não queria comer. Não queria conversar. Não queria nada. Só me mexi quando o médico voltou e examinou meu rosto. Já era tarde da noite quando Leon entrou. — Como foi seu dia? Não respondi. — Está sentindo dor? — Não. Os remédios estão fazendo efeito. — Ótimo. — Pegando meu rosto com delicadeza, o homem analisou o machucado com cuidado e pareceu satisfeito. — A polícia voltou? — Voltou. — E você contou algo? — Não há nada para contar — respondi da forma mais monótona possível. O médico parecia decepcionado por eu não falar. — Vou te passar uma pomada para ajudar com a cicatriz, e se você quiser voltar para tirar os pontos, vou ficar feliz, mas seu namorado pode fazer isso em casa, se você quiser. Ele está terminando medicina, não é? — É sim. — Engoli a vontade de chorar. — Vocês estão juntos há muito tempo? — Doutor, ele não tem culpa pelo que aconteceu comigo. — Sabia onde aquela conversa ia dar. — Inclusive, o senhor sabe se ele vem me buscar? — Vem. Já vou deixar sua alta assinada, mas como falaram para ele que você ficaria aqui por vinte e quatro horas, provavelmente, ele só venha na madrugada. — Certo. Obrigada… — O médico foi gentil comigo. — Vou me livrar dessas roupas de hospital e tentar dormir enquanto ele não vem. — É uma ótima pedida. — Da porta, ele se despediu. — Melhoras, Harper. Quando ele saiu, notei o faxineiro de ontem ainda andando pelo corredor. Aquele senhor não tinha mais onde limpar? Deixando aquilo de lado, me troquei no banheiro, evitando meu reflexo a todo custo. Voltei para o quarto, incomodada com o homem que entrou para limpar sem nem mesmo pedir permissão, e fiquei de costas para ele, ajeitando minhas coisas em uma sacola, olhando pela janela que dava para a rua. — Harper? — Ouvi o faxineiro perguntar. — Oi? — respondi sem olhar para trás. — Você se machucou feio, não? — A voz estava mais próxima. A voz macia, meio rouca… — Foi seu namorado que fez isso com você? — Me virei. Ele estava atrás de mim. Os olhos dele não haviam mudado, mesmo que seu rosto tivesse envelhecido. Como ele estava ali? Como tinha me achado? O pavor me congelou. — Não acredito que te encontrei, minha Afrodite. — Ele sorriu. A agulha entrou no meu pescoço e eu não vi mais nada. Meus olhos pesaram, minha cabeça pareceu flutuar, mas quando abri os olhos, aquela última cena gravada por dentro das minhas pálpebras se provou real. Ao meu lado, meu pai cantava uma das suas músicas dos anos oitenta, comemorando minha captura. E vendo meus pulsos amarrados com duas abraçadeiras, virei o rosto para o lado direito, escondendo-o para poder chorar em paz. Um choro silencioso. Um choro meu. — Acordou, Harper? — O tom irônico em cima do meu nome falso me enjoou. — Que porra de nome é esse? Eu te dei o nome de uma deusa. Por que o trocou? Não respondi. — Bem, seja lá o motivo, agora não importa. Agora você está de volta. Agora é Afrodite de novo. Minha doce e querida Afrodite… ah, tem tanto que preciso te dizer, e tanto que quero saber. — Ele suspirou. — Vamos começar pelo seu namoradinho. É aquele filho mais velho dos Hunt, não é? O que aconteceu, ele te roubou de mim? Te manteve presa todo esse tempo? Desgraçados. Tentaram te roubar de todo o jeito, não foi? — A ilusão dele era tão absurda que nem tentei convencê-lo do contrário. — Foi ele quem fez isso com o seu rosto? Que te convenceu a ir embora? — De repente, ele ficou nervoso e engrossou a voz. — Afrodite, por acaso, ele é mesmo seu namorado? Continuei em silêncio. — Sua cabeça deve estar confusa. Você vai me responder essas coisas mais tarde. Agora, eu vou te contar como foi que te identifiquei ontem. — Se empolgando, ele pareceu esquecer completamente de Aidan por um momento e eu agradeci. — Há alguns anos, eu descobri um bom negócio. Sabe esses carrinhos de hospital, que as enfermeiras largam por todo o canto durante os atendimentos? Eles estão recheados de medicamentos. Calmantes, morfina… E isso dá muito dinheiro na rua. Então eu cuido da faxina e roubo um pouco do material quando posso. Já juntei um bom dinheiro assim. Estava te esperando voltar. Mais um pouco e eu posso me aposentar, ficando com minha querida, minha esposinha. — Sua mão veio para minha coxa e tentei afastá-lo. Ganhei um tapa. — Não faça assim. — Meu pai pareceu magoado. — Acho que você voltou muito mal-acostumada. Mas vou te lembrar como as coisas funcionam. — Depois de um suspiro, ele continuou: — Olha só como o destino é, ontem eu nem queria ir trabalhar, mas cancelaram uma compra e eu fui. Quando cheguei, não te reconheci de primeira, mas o sobrenome do rapaz que estava bancando sua consulta me fez ficar de olho. Estava limpando a recepção quando vocês entraram, mas acho que você não me viu, não é? Que seja. Seu nome na ficha não fez muito sentido, então, curioso, quis ver de perto quem um Hunt desgraçado tinha trazido, e veja só a surpresa, era você! Minha Afrodite! — Você me sequestrou do hospital. — Todo o nojo dele estava na minha voz. — Eu não te sequestrei de lugar nenhum. Você é minha filha. Você me pertence! Pode ter esquecido como isso funciona há tanto tempo longe, mas vai lembrar. Como vai lembrar… Ele voltou a cantar alto e eu me encolhi para a porta. Talvez aquilo fosse um castigo. Um dos grandes, já que aprontei tanto quando longe daquele maldito. Já que não consegui me livrar das merdas em que ele me viciou. Talvez aquele fosse o pagamento por ter decepcionado Aidan. Se eu não o tivesse provocado, se eu não tivesse dito que tudo bem me machucar, não teria ido ao hospital e não estaria ali com meu pai. Reconheci o velho posto de gasolina perto da esquina de casa. Parecia abandonado, assim como o resto da vizinhança. Aquela parte da cidade tinha ficado mais pobre, ainda mais feia. Só a nossa velha casa que não. Nossa velha casa parecia a mesma. Meu pai estacionou dentro da garagem e me alertou: — Não tente nenhuma gracinha. Prefiro te matar a te perder de novo. Engoli em seco. Morrer não parecia uma má ideia quando a previsão do futuro era ser o que ele queria que eu fosse, e eu realmente considerei essa possibilidade quando meu pai abriu a porta. Tentei chutá-lo, mas apesar de velho, ele era forte. Me surpreendendo, ele me pegou pelo meio do corpo e me ergueu. Soquei suas costas com as mãos. Eu me esforcei muito para chutá-lo. Ele me xingou de todos os nomes possíveis. Devolvi com todos os palavrões que sabia. — Não adianta gritar, querida. Não temos mais vizinhos, ninguém vai te ouvir. — Ele riu da minha cara quando, dentro de casa, eu chamei por socorro. Corpulento, ele me bateu contra as paredes conforme andava. E entendendo para onde íamos, gritei alto, ainda mais desesperada: — NÃO. NÃO. O PORÃO NÃO. — Então você se lembra? — Ele riu, satisfeito. — O PORÃO NÃO! Os piores pesadelos eram lá. As piores memórias foram vividas naquelas paredes. Então, abrindo a porta, ele puxou a cordinha da luz e me jogou pela porta. Esperei cair no chão, mas nada me preparou para o impacto da água podre e extremamente gelada no corpo. Emergi, gritando: — ME TIRA DAQUI! — Mas ele já tinha recolhido a escada. — Não tiro. Até você se acalmar, é aí que vai ficar. Está um pouco molhado porque estou velho demais para bombear tanta água, mas se procurar mergulhando, achará sua velha cama. Nossos velhos filmes… não sente saudade daqueles momentos, Afrodite? Cuspi na direção dele, tentando me manter com a cabeça fora da água. Ele riu da minha tentativa frustrada. — Volto quando você estiver com a cabeça mais fria. — E rindo da piadinha infame, ele me deu as costas, fechando a porta. O ódio e a dor que consumiram meu peito naquele minuto saíram em um grito alto, o mais desesperador de todos. Eu estava de volta ao lugar dos meus pesadelos. Eu estava de volta para a pior vida que eu conhecia. AIDAN Eu matei pela primeira vez aos catorze. Não me considerava um psicopata porque tinha sentimentos. Mesmo que menos intensos do que o resto das pessoas, eu conhecia o sentir. Talvez tenha sido apenas isso que me segurou até aquela idade para tomar gosto de brincar de Deus. Garotas do colégio estavam reclamando de um bêbado importunando perto do shopping. Em dois dias, descobri quem o cara era. Segui sua rotina, me fiz de amigo, ofereci bebida e, levando-o para um lugar afastado, o esfaqueei até o corpo parar de se mover. Ele não tinha família ou amigos. Foi uma primeira vítima fácil para alguém tão descuidado, na época. Quando a polícia achou o corpo, eu tinha vinte anos e a natureza cumpriu muito bem seu papel. Ainda assim, me senti orgulhoso quando a notícia saiu no jornal. Era uma obra minha. Não a melhor, mas uma grande estreia. Dali para frente, o mundo ficou mais claro, e mais interessante. Descobri como ser perfeito para a sociedade. Um bom filho, um estudante de primeira classe, o garoto de ouro que todo mundo adorava. Aprendi que isso me dava controle, que me daria o mundo. E achei que não havia ninguém parecido comigo, até encontrar com ela. Muito nova para o meu gosto, completamente insana com sua visível paixonite pelo meu pai. Estava pronto para ignorar a existência de Afrodite, e o faria muito bem. Até aquela fatídica noite. Até ver em seus olhos a calma e a frieza de quem destruía o mundo dos outros e não tinha um pingo de arrependimento. Eu nunca a culpei pelo que aconteceu com meu pai. Ele era o adulto. Ele deveria ter dado limites. Ele não deveria ter estuprado uma criança. Quando a polícia veio buscá-lo, minha vontade foi de surrá-lo antes. Mas tudo o que eu vi na minha frente foi a menina chorando no carro da polícia e quase morri de curiosidade para saber o que se passava naquela cabeça. Será que o choro era teatro? Será que era real? Se era real, qual era o motivo exato dele vir à tona? A verdade era que eu queria estudar sua cabeça. Sem um viés romântico. Tudo por pura ciência. Mas ela desapareceu feito fumaça. Ninguém podia tocar no nome de Afrodite em casa. Minha mãe, imbecil, acreditava que a menina era o motivo da ruína da sua família. Minha irmã, por muito tempo, acreditou em minha mãe. Eu nunca fui menos rígido sobre a realidade. Meu pai merecia cada um dos dias da sua pena. E a vida seguiu. Nunca quis sair de Detroit porque tinha a esperança de encontrá-la, mas a faculdade estava chegando ao fim e os planos de mudança ao final dela se tornavam cada vez mais concretos. Até aquela noite banal, em uma festa idiota de início de ano letivo, ela aparecer. Eu a reconheci no primeiro segundo que meus olhos bateram nos seus. Linda, assustada, completamente em pânico. Ela sabia quem eu era e correu. Não fui atrás. Não levantei suspeitas. Foi mais fácil caçá-la pelas beiradas. Com Amanda me dando tudo o que sabia e livre acesso a ela, não tive trabalho algum. Em dias, eu estava dentro de sua casa, frequentando seu local de trabalho, encontrando com ela em todo o lugar possível, fingindo cair no seu jogo. Fingindo acompanhar Harper como um grande amigo. Fui com ela o que fui com todos, e me reconheci como igual quando percebi que, aquela maldita máscara que ela usava, era como a minha. Passei a admirá-la. Passei a segui-la. Passei a achar que tinha direito sobre ela. E, no final das contas, me vi perdido no que sentia. Era mais forte do que qualquer outra coisa que já tinha experimentado na vida. Era mais quente que a raiva, mais potente que o ódio. E precisei admitir para mim mesmo. Eu a amava. Eu precisava dela. Eu a queria. Afrodite, por mais que pensasse ter alguma opção, nunca teve uma. Ela era minha. Seria sempre minha. Mesmo com todas as nossas excentricidades, nós éramos almas gêmeas. Era por isso que eu sabia que, depois que a raiva passasse, ela mudaria de ideia e ficaria em nossa casa. Sabia que quando ela entendesse que eu podia dar tudo o que ela precisava, Afrodite nunca mais pensaria em ir embora. Foi com essa esperança em mente que entrei no hospital naquela noite, na hora marcada da alta de Afrodite, pronto para fazer o que precisasse para levá-la de volta ao nosso apartamento. — Boa noite — chamei atenção da atendente da recepção. — Vim buscar minha namorada, ela deve ter tido alta. Harper Wilde é o nome dela. — Um minuto, senhor. — A mulher prestou atenção na tela à sua frente, franziu as sobrancelhas e se virou para mim com um grande ponto de interrogação na cara. — Harper Wilde saiu deste hospital duas horas atrás. O choque daquela informação me atingiu como um tiro. A dor foi física, tão forte e real que levei a mão até o peito. — Como? — É, senhor. Está assinada e tudo, olhe aqui. Meu cérebro brilhou em vermelho quando vi o nome da assinatura lá. Xinguei todos os palavrões existentes em pensamento. Mantendo a expressão mais serena possível, sorri para a atendente e falei em tom de voz amigável: — Harper deve ter esquecido de me avisar. Vou ligar para ela. Obrigado. A mulher abriu um sorriso enorme para mim. — Disponha. Tenha uma ótima noite, senhor. Dei as costas a ela e não consegui segurar o sorriso falso no rosto. Meu telefone discou o número da minha irmã. — Olá, queridinho… — Ela ia brincar comigo, mas a cortei rápido. — Não tenho tempo para isso agora. Você, por acaso, tem o endereço antigo de Afrodite? Sabe onde ela morava? — Está tudo bem? — Não — falei, já desarmando o alarme do carro e entrando nele. — Me diga logo se você sabe a porra do endereço. — Caralho — ela xingou do outro lado. — Espera. Eu consigo puxar do processo do papai. — Você tem quinze minutos para descobrir e me mandar por mensagem. — Aidan, que porra está acontecen… — Eu desliguei na cara dela. Joguei o celular no banco do carona e soquei meu volante até doer as mãos. Até conseguir me conectar com aquela porra de dor e pensar racionalmente. Não era normal me sentir daquele modo. Não era comum eu perder o controle assim. Mas na minha cabeça, eu só conseguia ver o papel assinado com um nome rabiscado de qualquer jeito e, cheio de orgulho, entre parênteses ao lado, a palavra pai na ficha dela. Dirigi até o apartamento como se fosse um piloto de fórmula 1. Abri a porta do escritório com um empurrão e, movendo a estante falsa para o lado, digitei a senha do cofre. Eu odiava lidar com armas. Achava pouco divertido, muito barulhento, mas não podia negar a eficiência. E, naquele caso, não me cabia nenhuma imprudência. Se eu tivesse tempo para me divertir, com toda a certeza faria. Mas se precisasse de algo rápido para salvar Afrodite, não seria eu a falhar. Minha pistola tinha silenciador. Havia anos que não usava, mas testando seu peso na mão, isso não faria diferença. Bem na hora, meu celular vibrou. O endereço apareceu na tela. Eu saí correndo. Não estava escrito o que eu era capaz de fazer, caso aquele filho da puta machucasse Afrodite. Meu pai desgraçado fez, pelo menos, o favor de esquecer a luz acesa. Mas com a água em um nível tão alto, aquilo não era de tanta ajuda. O negócio estava tão feio que, se eu esticasse o braço, minha mão tocaria o teto. Aquilo me deu a sensação de que o mundo ia cair sobre a minha cabeça, que não teria mais ar, e precisei de cada mínima grama racional para me manter concentrada e não surtar. Eu precisava aguentar. Precisava manter o rosto para fora d’água para não molhar ainda mais minha ferida. Precisava continuar a me mover para não afundar, para o corpo tentar esquentar. Afrodite, por que ainda está lutando? A água vai roubar o calor do seu corpo. Você vai congelar sem sentir, de dentro para fora. Imagina como será quando seus órgãos pararem de funcionar? Será que você finalmente vai encontrar a paz que procura? Não — rosnei para o meu diabo. — Esse não pode ser o fim. Não posso acabar aqui, não posso deixar… Aidan? Aidan já te deixou, garota. Aidan não sabe onde você está. Aidan rasgou sua cara. Aidan não vai chegar aqui. Não vai te tirar dessa água suja. Não vai te salvar. Ele… — E qualquer coisa que eu tivesse para dizer, morreu. Respirei fundo, sentindo o cheiro podre daquela água suja, me lembrando de como a minha pequena mania de limpeza começou. Primeiro por me achar imunda pelo que meu pai fazia comigo. Depois porque, desesperadamente, eu queria eliminar aquele cheiro em específico. O nível do meu desconforto era tanto que precisei segurar o vômito toda santa vez em que precisei respirar pelo nariz, já que quando o fazia pela boca, depois de um tempo, tinha a sensação de ter o gosto daquela sujeira toda na língua, presa na garganta. Não demorou muito para começar a tremer de frio. Em pouco tempo, as coisas ficariam feias. Continuei a nadar e, fechando os olhos, fiz como quando era mais nova, trancada naquele mesmo lugar. Usei minha imaginação e me vi fora dali. Busquei forças na visão de Aidan adormecido ao meu lado, na luz do sol tocando seus cabelos, dos sorrisos que atingiam os olhos e eram todos meus. Pensei em suas mãos no meu corpo, na forma como ele me amava, como me devorava, como cuidava de mim. Pensei em cada uma das pequenas coisas que não disse para ele. Pensei na principal delas. Me imaginei no meio da sala do apartamento, dizendo. Aquilo era tão bom, tão vivo para mim, que quase consegui sentir seu cheiro. Quase senti seu gosto. Quase pude sentir o calor do seu toque. E eu teria me mantido trancada ali com ele até meu corpo começar a falhar, mas antes que esse milagre pudesse acontecer, ouvi a porta se abrindo e a escada caiu na água. Ergui a mão para proteger meu rosto e vi meu pai no alto da escada, me apontando uma velha pistola. — Venha, Afrodite. Hora de sair daí. — Tenho alguma opção? — cuspi as palavras para ele. — Se quiser viver? Não. Eu sei o que vai te acontecer sem aquecimento aí embaixo, e eu já te disse, prefiro você morta do que te perder de novo. E naquele momento, pensando no filme com Aidan que se passou na minha cabeça, eu não queria morrer. Sem opção, nadei na direção da escada. — Vai atirar em mim? — provoquei. — Se for preciso? Vou. — Ele deu passos para trás e eu subi para o corredor, molhando todo o chão, me tremendo toda. Mesmo que ali dentro de casa estivesse mais quente, meu corpo não conseguia sentir a mudança de temperatura. — Arranque essa roupa molhada. — Como? Minhas mãos estão atadas. — Ergui os pulsos e, parecendo ter algum medo de mim, ele tirou um canivete do bolso do robe que vestia e cortou as abraçadeiras. Esfreguei os pulsos e, tentando ignorar a presença daquele monstro, comecei a tirar a roupa. Os olhos dele estavam fixos em mim, apreciando cada peça que caía no chão. Sedento por me ver nua. Me doeu tanto tirar a calça que, mesmo que eu não quisesse chorar, senti as lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto enquanto segurava todo o resto daquela tempestade em um nó gigante na garganta. Não tirei nem a calcinha nem o sutiã. Me ajoelhei de novo, me encolhendo, esfregando os braços, tremendo tanto que meus dentes batiam numa força que pensei que pudessem se quebrar. — Tire tudo. — Ele indicou com a arma. — Não — rosnei. E como se não fosse nada, ele mirou para o chão entre nós e atirou. Meus ouvidos zuniram. Eu soltei um soluço do choro contido. — Eu mandei tirar — meu pai gritou. Sobreviva — uma voz nunca ouvida antes soprou nos meus ouvidos. Era a mesma voz fraca e suave da minha mãe. Prometi que ia tentar. Tomei coragem e me ergui. Me livrando das peças, encarando a parede à minha frente, imaginando todas as formas dolorosas de matar meu pai. Passei as alças do sutiã pelos braços e o soltei nas costas. — Que espécie de vagabunda é você? Toda marcada… — ele reclamou do que Aidan havia feito. Eu amei ter cada uma daquelas marcas, ainda mais naquele momento. Devagar, com câimbras pelo corpo todo, tirei a calcinha e tentei fechar as pernas ao máximo. — Onde estão seus pelos? Não me diga que você faz parte dessa modernidade… — Ignorei o que ele dizia. — Vou morrer de hipotermia se não me aquecer. Me dê a merda de uma toalha. Ele já sabia disso. Parecendo irritado, tirou do armário do corredor uma toalha de quando eu era criança e me jogou. Aquele pedaço de pano fedia, mas era melhor que nada. Eu não esperei para abri-la e me cobrir. — Tem fogo na sala. Tenho uma lareira portátil. Vamos até lá. — Preciso mesmo ficar sem roupas? — Tentei de novo. — Você vai ficar como me agrada. Faz tempo que não aprecio curvas femininas andando por esta casa e você só ficou mais bonita conforme cresceu. Sua mãe… Me ergui feito um bicho. — Não fale sobre ela. Você não tem o direito. — Eu sou seu pai, me respeite — ele reclamou quando passei por ele. — Você desaprendeu como ser boa para essa família, mas vai aprender de novo. Sei que vai. Só quando cheguei à sala é que vi o estado daquela casa. Meu pai tinha correspondência acumulada por todo canto. Pilhas de comida comprada, copos e talheres por todo lado. O cheiro era repulsivo. A porta de entrada, fechada há anos, estava bloqueada por uma pilha de livros que ele devia ter pegado de doação. A janela atrás do sofá estava empoeirada, com a cortina encardida meio aberta. O velho sofá xadrez continuou o mesmo. Ainda mais surrado. Ainda mais podre. A mesinha de centro era um caos completo. No chão, pela luz da lareira que ele se orgulhava de ter comprado, dava para ver o rastro dos pés dele pelo pó. Tive nojo de pisar naquele chão. Ele notou meu choque. — A cozinha está pior. Eu não tenho tempo de cuidar da casa, isso é coisa de mulher. — Me afastei dele o mais rápido que pude, indo para frente do fogo, me recusando a sentar naquela sujeira. — Agora que você está aqui, vai poder cuidar da casa. Vai poder cuidar do seu maridinho. A arma na mão dele, ainda apontada para mim, foi a única coisa que me fez segurar a língua. Fiquei em silêncio, ignorando-o, tentando me aquecer de todo jeito. Quando os tremores começaram a passar, enrolei a toalha ao meu redor da melhor forma e continuei estática ali. — Afrodite, venha se sentar — ele mandou. — Seu sofá está nojento. E eu ainda estou com frio — respondi de má vontade, esticando os dedos em frente ao fogo, pensando que podia enfiar a cabeça do meu pai lá dentro. — Não me irrite. Obedeça logo — ele gritou comigo. — Não — insisti. Eu não queria me sentar. Eu não ia me sentar. Não tinha a possibilidade daquele homem conseguir me tocar de novo sem uma boa briga, sem uma luta valendo tudo. Se meu pai quisesse abusar de mim de novo, ele precisaria mesmo me matar primeiro. Ouvi um clique. — Ou você vem, ou seu corpo vai fazer parte da decoração. E eu juro que vou usá-lo depois da morte. — A ameaça me doeu. Como eu queria ter uma pá para rachar seu crânio ao meio. Como eu gostaria que Ares entrasse pela porta e acabasse com a vida dele. Travei os lábios, mortalmente enraivecida, e me virei na direção dele. E, então, tudo piorou. Meu pai tinha se livrado do robe. Estava completamente nu no seu canto favorito do sofá. Não consegui segurar e curvei o corpo, vomitando pura água. — Porra, Afrodite! — ele me xingou enquanto se levantava e me pegou pelos cabelos. Eu nunca odiei tanto ter cabelo comprido quanto naquele segundo. Meu pai me jogou na direção do sofá. Caí naquele tecido asqueroso sem muita opção. Quase vomitei de novo. Eu precisava urgente de um banho. Eu precisava com mais urgência ainda conseguir sair dali. Ele jogou papel toalha sobre meu vômito e afastou a sujeira para um lado. Como podia ser tão podre? Parecendo animado, ele voltou rápido para o sofá. Fiquei na ponta mais extrema, tentando manter a máxima distância dele. Como um rei, sentou com o controle em uma mão e a arma na outra. E então, eu vi o que aconteceria em seguida. Ele ia colocar um filme. Ele ia me obrigar a ver. E de repente, meu cérebro derreteu. De repente, eu tinha quatro anos de novo. De repente, toda a alegria, toda a vontade de viver, evaporou do meu corpo. Ele me faria sua escrava. Ele me trancaria naquela casa caindo aos pedaços para sempre. Ele me obrigaria a fazer aquilo de novo e de novo e de novo, quisesse eu ou não. Gostasse ou não. Copiosamente, eu comecei a chorar. Desesperadamente, meu demônio me abraçou como a criança indefesa que eu era. Resistiremos, Afrodite. Aprendemos muito. Resistiremos. E a cara feia dele parou de me assustar. Na minha mente, agora, ele era como eu. Ele era eu. O pornô começou. Meu pai sorriu. — Deite-se. Não deitei. — Agora. Deite-se. Ele se levantou. A arma veio parar no meio da minha testa. Fechei os olhos. Meu eu de quatro anos segurou minha mão. Você aguenta — meu pequeno eu me consolou. Não quero mais ter que aguentar. Então lute. — Era o conselho mais absurdo. — Se a gente morrer, ele não tem nada. Não sobra nada, só um corpo vazio. Abri os olhos. — Deite-se, Afrodite! E contra todas as probabilidades, eu o respondi: — Não! Meu pai não teve coragem de atirar, mas ele ia me dar com a arma na cabeça. Quando ele ergueu a mão para me bater, eu ergui a minha e o segurei pelo pulso, como tinha aprendido anos antes como fazer, apertando com a unha o mais forte possível bem no meio dele, na parte mole. A arma caiu no chão e disparou. Foi um azar do caralho não ter sido nele, mas pelo menos não foi em mim. Meu pai fechou a outra mão e socou minha cabeça. Ele gritava comigo e eu com ele. Ambos furiosos. Ambos lutando ao máximo, ele para ter o prêmio que achava que merecia. E eu lutando pela minha vida. Minha cabeça tremeu com a força do soco, mas me mantive acordada. Ainda assim, ele forçou o corpo para cima do meu, ainda me socando, tentando me colocar para baixo enquanto se enfiava entre minhas pernas. Eu tentei chutá-lo. Usar as pernas para deixá-lo longe. O arranhei inteiro e soquei em todo canto de volta. Sua mão veio para o meu pescoço. Ele me enforcou pelo relicário. Eu engasguei. Ele riu. Meu pai cresceu sobre mim. Ele ia ter o que queria. Minhas chances tinham acabado. Eu estava acabada. Mas como um milagre, quando o colar rompeu no meu pescoço, o som de vidro quebrado se juntou à nossa confusão e meu pai parou de gritar. O mundo, de repente, passou a girar em câmera lenta. Ele me soltou, cambaleou um pouco para trás e encarou seu peito nu. Um buraco mínimo vermelho começou a sangrar. Ele tocou para ver se era real. Outro vidro quebrou. Outro buraco surgiu. Ele me encarou sem entender, mas eu entendi. Era o meu milagre. Meu pai caiu para o lado, no chão, e num ímpeto violento, desesperado, me sentei sobre sua barriga e, pegando o ornamento em cima da mesa de centro, um velho presente do casamento dele e da minha mãe, esmaguei seu rosto. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco… Perdi as contas. Perdi o ar. Meus braços queimaram. O rosto dele virou uma massa. Sangue escorria dos ferimentos todos, mas ele merecia mais. Ele merecia todo o inferno, de todas as religiões, de todos os universos. Ele merecia cada demônio existente sobre os ombros. Ele merecia mais. Merecia pior. — Amor, calma. Acabou. Largue isso. — Era a voz de Aidan. Eu sabia que era Aidan. Mas minha fúria era tanta que eu o empurrei também. Ele caiu no chão, e eu saí de cima do meu pai para ir para cima dele. Minha toalha se foi no processo. Aidan tentou me segurar, mas não conseguiu. Abri suas calças. Não me importei de como ele estava. Eu só precisava sentir. Eu só precisava… Ele entendeu e prontamente me ajudou. Montei em Aidan e o cavalguei forte, rápido, me agarrando às suas roupas, me sentindo inteira, preenchida. Olhei para o lado, todo aquele sangue… sangue do homem que destruiu minha vida. Sangue do meu genitor. Sangue da pessoa que arruinou tudo. Estava no chão. Nas paredes. Nos móveis. E em mim. Nas minhas mãos, nos meus seios e no meu rosto. Aidan havia atirado, mas eu tinha lutado. Eu não tinha cedido. Eu tinha terminado. Eu, finalmente, tinha abraçado meu demônio. Eu, finalmente, tinha matado meu pai. Foi juntando todas essas peças que meu orgasmo chegou. Gozei gritando alto, com o rosto para cima, expulsando tudo, sentindo todas as borboletas presas no meu peito, no meu estômago, entre minhas veias, alçando voo. E só então eu caí sobre Aidan, sendo abraçada por ele, beijada em cada mísero canto. Não precisei dizer nada. Encarando seus olhos escuros, naquele momento, naquele maldito segundo, eu entendi tudo. Eu estava corrompida até os dentes. Nunca houve demônio na minha cabeça. Sempre tinha sido eu. A cada situação de perigo em que me coloquei. A cada risco que corri. A cada pensamento ruim, julgador ou tentador. Tudo era eu. Eu não precisava mais enganar a mim mesma. Eu não precisava mais tentar agradar todo mundo. A não ser, talvez, Aidan. Porque queria fazê-lo feliz. Porque o amava. — Eu te amo — ele disse enquanto segurava meu rosto. — Eu te amo muito mais. Finalmente eu consegui dizer. A última borboleta voou de mim para o peito dele. Agora, dentro de mim, só viviam mariposas, e na minha mente, finalmente, houve paz. AIDAN Para quem viveu a vida em uma linha reta, controlada, passar por aquele momento com Afrodite tinha me levado ao extremo. Atirar em seu pai logo que estacionei o carro e ouvi o som da gritaria foi a coisa mais irracional que eu já tinha feito. Eu deveria ter pulado pela janela e esganado o filho da puta com minhas próprias mãos, mas ao final de tudo, olhar o corpo ao nosso lado, completamente desfigurado por todo o ódio que Afrodite guardava, pareceu correto. A poça de sangue ao redor do cadáver estava quase nos tocando. Sorri por isso e a abracei com mais força. O crédito daquela morte era dela. O meu prêmio por participar foi ouvir as três palavras que saíram da sua boca depois de tudo. Finalmente, a venda dos seus olhos tinha caído. Finalmente, seus olhos estavam brilhando com o caos, faiscando destruição. — Preciso sair daqui — ela me pediu. — Preciso ir para casa, e tomar um banho, e ter você a noite toda. Acariciei suas costas, adorando aquela sugestão. — Você precisa de roupas. Lá fora está muito frio, e temos coisas a fazer antes de irmos para casa. Precisamos nos livrar do corpo. Ela suspirou. — Ele me jogou no porão, está cheio d’água. Não tenho o que vestir. — Eu tenho roupas minhas no carro. — Com cuidado, a ergui do meu peito e me levantei também. — Vou buscar. Afrodite fez que sim com a cabeça e ficou parada, encarando o corpo do pai enquanto eu pulava de volta pela janela quebrada. Ela não se moveu até eu voltar. Em silêncio, enquanto ela se trocava, liberei o caminho da porta da frente e me enfiei pela casa, procurando nos armários um cobertor velho. — Preciso que me ajude — disse a ela quando encontrei o que precisava. Afrodite não parecia em choque. Não tremia. Não esboçava culpa. Nada. A garota, na verdade, foi bem ágil para me ajudar a abrir a coberta no chão, e não pestanejou ao pegar os pés do morto para erguê-lo e colocá-lo sobre o pano. Seu pai era pesado. Precisamos nos esforçar. Mas em um trabalho de equipe exímio, em alguns minutos, o cadáver estava trancado no porta-malas. Assim que o fechei, olhei para Afrodite. Os cabelos soltos, meio ondulados. As mãos nos bolsos do moletom duas vezes maior que ela. O rosto corado, a boca vermelha de tanto que ela tinha mordido. Os pontos da minha marca trilhando um novo desenho na sua face. Perfeita. Minha. Não me controlei. Peguei Afrodite de surpresa e a sentei sobre o porta-malas, acertando sua boca sem pedir permissão, recebendo toda a entrega de volta. Poderia amá-la para sempre. Poderia fodê-la ali mesmo. Mas ela tinha um pai para amaldiçoar, e eu um corpo para me livrar. Com muito custo, me afastei dela. — Precisamos ir. — Só vou pegar uma coisa lá dentro, você pode esperar? — Seja rápida. E traga suas roupas. Quanto menos coisa deixar para trás, melhor. — Beijei o topo da sua cabeça. — Certo. Ligue o carro — Afrodite disse escorregando para o chão. Dois minutos depois, nós estávamos indo embora e eu vi, pelo retrovisor, fumaça escura começando a sair pela janela. — O que você fez? — Coloquei os livros perto da lareira e joguei o resto das garrafas de bebida pelo chão — ela disse se ajeitando no banco e, entrelaçando os dedos com os meus da mão livre, Afrodite deitou a cabeça no meu ombro. — Aquela casa é um mausoléu das minhas piores lembranças. Ela também merece queimar. Aquilo nunca foi um lar. — Agora acabou, pequena deusa. Você está livre. — De novo, beijei sua cabeça e me concentrei na rua. Afrodite cochilou pelo caminho todo. Só acordou quando o carro sacudiu na estradinha de terra. Ela se esticou no banco e olhou em volta, estranhando tudo tão escuro. — Onde estamos? — Está vendo aquelas luzes lá embaixo? — Apontei e ela concordou com a cabeça. — Lá é onde os porcos ficam. Depois disso, é a casa da fazenda, mas nós não vamos tão longe. — Você costuma fazer esse passeio com frequência? Dei um meio-sorriso a ela e virei o rosto para vê-la. — Ninguém mais estranha meu carro por aqui na madrugada. Não houve julgamento nos seus olhos. Eu a amei ainda mais depois disso. Segui até o final da estrada enquanto o som do carro embalava aquela noite tão especial e parei bem em frente ao primeiro curral. Abri a porta, desci do carro e enchi os pulmões com aquele cheiro animalesco antes de procurar o lugar certo. Eu precisava dos porcos mais famintos. Dos mais agressivos. Quando os encontrei, Afrodite já estava fora do carro, só esperando minhas ordens. — Nós vamos jogá-lo aqui. — Indiquei o lugar e ela concordou depois de dar uma olhada nos porcos. — Acha que vai fazer mal a eles comer alguém tão ruim? — A pergunta dela me divertiu. — Acho que ele vai virar merda da pior qualidade para adubo. Ganhei um riso solto dela. O mais bonito. Meu. Abrimos o porta-malas e, com muito esforço, erguemos o corpo sobre a cerca. Quando o cadáver bateu no chão, os animais correram para ter sua refeição. Subi na cerca, apoiando os braços nela, assistindo enquanto os porcos rasgavam a carne e engoliam os pedaços daquele desgraçado quase sem mastigar. Aquilo nunca ficava entediante. Nunca perdia a graça. Por um segundo, absorto em um dos meus momentos favoritos do processo, me esqueci de Afrodite. Até olhar para o lado e ver seus cabelos sendo mexidos pelo vento gelado conforme ela se inclinava para frente e cuspia sobre o que restava do cadáver do pai. Ela o amaldiçoou. E eu esperei não sobrar nem os ossos para poder voltar ao carro. O sentimento de excitação era grande. Meu pau estava tão duro que poderia fodê-la a noite inteira e metade do dia seguinte. Estava pronto para começar algo, mas assim que me sentei no banco e olhei para o lado, para ela, precisei parar. Afrodite sentia o mesmo que eu. Seus olhos denunciavam, presos no meu rosto, ansiosos por algo. Ela tinha gostado do que havíamos feito. Não tinha mais a culpa. Não tinha mais nenhum peso. Aquele era o nosso momento de virada. Finalmente, entre nós, não teríamos mais nenhuma máscara. Me esticando, mexi no porta-luvas e peguei o que precisava. — Você ainda me odeia? — perguntei ao me encostar de volta no banco, com nossos rostos muito próximos um do outro. — Não. — A resposta serena veio acompanhada de uma piscada longa. — E você ainda quer ir embora? — Tenho alguma opção? — ela perguntou de um jeito divertido. — Nenhuma. — Sorri, encarando seus lábios ao suspirar. — É por isso que… — Encarei a caixinha nas minhas mãos e a abri. O anel de diamante brilhou mesmo na pouca luz e eu voltei a olhar para ela. Seus olhos não deixaram os meus. Aquilo me impressionou. — Eu quero te fazer minha, sem nenhuma restrição, para sempre. — Eu já sou sua. Você sabe. Está gravado aqui dentro — ela indicou o próprio peito — e aqui — ela indicou a marca em seu rosto. Não parecia haver rancor. Eu me desmontei contra sua boca, não a beijando, mas aspirando Afrodite para dentro de mim. — Então, meu amor. Minha pequena deusa — falei entre seus lábios —, me dê a honra de ser a minha esposa. Diante de todos os deuses e diabos dessa terra. Seja minha. Ela tremeu contra mim. Senti seus lábios se curvando. — Eu morreria por você — ela soprou. — Eu mataria por você — respondi. — E eu não quero nada diferente disso. — Suas mãos tocaram meu rosto com cuidado, como se eu estivesse prestes a sumir. — Só me prometa que será para sempre. E que, ninguém além de você, poderá me machucar. — Eu prometo. — E eu aceito. Quando beijei Afrodite, senti o gosto da mudança. Meu peito rugiu. Não havia volta. Finalmente, eu tinha quebrado suas paredes de proteção, a arrancado do seu lugar mais sombrio, a livrado da venda sobre seus olhos. Não restava mais nenhuma ilusão lá, do lado de dentro. Sob a sua pele só havia ela e eu. Por toda a eternidade. três anos depois Era Natal. Natal com a família de Aidan. A minha família. Demorou, pelo menos, um ano para sua mãe me aceitar. Mesmo não me importando mais, eu entendia sua dor e tentei ser a melhor nora possível. Parecia que tinha conseguido esse feito depois de parir um menino idêntico a Aidan. River Hunt tinha as mesmas covinhas apaixonantes do pai e mudou a minha vida. Depois dele, nunca mais tive problemas com água. Descobri com a maternidade que não estava completamente perdida. Descobri, junto de Aidan, que talvez houvesse algo que eu amasse mais que a ele, e ele mais que a mim. — Me dê esse neném gorducho aqui. — Adria se ofereceu para pegá-lo do meu colo. Com quase um ano, ele começava a pesar. — A madrinha sentiu tanta saudade de você! — Ela o ergueu no alto e beijou sua barriga. Meu filho gargalhou. Toda a casa se iluminou, todo mundo sorriu. Logo em seguida, Aidan chegou e foi direto para ela. — Nada de sequestrar meu filho. — Meu marido tirou nossa criança dos braços da irmã e o segurou com cuidado antes de olhar para mim. — Ainda bem que hoje a noite é nossa, não é? — Adria brincou com o afilhado e não viu Aidan piscar para mim. Não me contive e sorri para ele, ansiosa por nossa noite juntos. Era dia de caçar. Era dia de fazer nosso pequeno acerto de contas com o mundo, enquanto nosso bebezinho ficaria seguro em casa. Suspirei aliviada quando as cenas da nossa última vez invadiram minha mente e me ergui para beijar Aidan. Selei os lábios nos dele, agradecendo silenciosamente por nossa vida perfeita. Não havia mais demônios na minha mente. Finalmente, havia paz. Finalmente, eu era feliz. FIM