Uploaded by Wisard Magalhaes

Os 10 Mandamentos da Esquerda Crista (1)

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Copyright © 2019 by Michael J. Kruger
Publicado originalmente sob o título: The Ten Commandments of Progressive Christianity.
Published by arrangement with Cruciform Press. Translated and printed by permission. All
rights reserved.
1ª edição 2021
ISBN: 978-65-89129-10-3
Impresso no Brasil
Tradução: Elmer Pires
Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Júlio Araújo
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão ebook: Tiago Dias
----------------------PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM CRIME
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financiamento da produção de novas obras como esta.
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-----------------------
K94d
Kruger, Michael J.
Os 10 mandamentos da esquerda cristã / Michael J. Kruger ; [tradução: Elmer Pires]. – São Paulo:
Trinitas, 2021.
75 p. ; 21cm
Tradução de: The ten commandments of progressive
christianity
Inclui referências bibliográficas.
ISBN 978-65-89129-10-3
1. Pós-modernismo – Aspectos religiosos – Cristianismo.
2. Liberalismo (Religião). I. Título.
CDD: 230.046
-----------------------
Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477
Editora Trinitas LTDA
São Paulo, SP
www.editoratrinitas.com.br
“É impressionante como muitos desses novos ‘10 Mandamentos’ tornaram-se o padrão em nossa
cultura e estão na ponta da língua de tantos círculos ditos cristãos. Como um cirurgião de ponta,
Michael Kruger se recusa a oferecer um diagnóstico leve ou uma cura superficial. Seu livro é uma
análise convincente e oportuna que todos precisamos ouvir.”
— Michael Horton, Westminster Seminary California
“Não permita que a brevidade desse livro o engane. Michael Kruger escreveu uma crítica incisiva da
ruína intelectual e do desvio teológico do cristianismo progressista. Igrejas, pastores, alunos, grupos
de jovens, escolas e universidades cristãs fariam bem em se apropriar da sabedoria deste livro
pequeno, porém devastador.”
— Kevin DeYoung, Pastor na Christ Covenant Church (Matthews, NC); Professor de Teologia
Sistemática no Reformed Theological Seminary (Charlotte, NC)
“Cresci em denominações protestantes genéricas e conheço muitas igrejas da atualidade, portanto
posso atestar: consigo, de longe, identificar nelas esses ‘10 Mandamentos do cristianismo
progressista’. Não há nada novo na mensagem dessas congregações, nem mesmo o fato de
retratarem-se a si mesmas como salvadoras da sociedade. Michael Kruger ajuda-nos a enxergar as
inconsistências internas que permeiam esse ensino, uma delas sendo desacreditar a certeza e o
absolutismo agindo com… bom, certezas e absolutismos. Devemos estar preparados para entender
por qual razão tentativas como essas de reinterpretar o cristianismo jamais transtornarão o mundo,
como fizeram os apóstolos pela pregação das boas novas de que Jesus Cristo é o Senhor.
— Collin Hansen, Editor-chefe da The Gospel Coalition; Autor de Blind Spots: Becoming a
Courageous, Compassionate, and Commissioned Church
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Uma Aula Magistral sobre Meias Verdades
CAPITULO 1
Jesus é mais um Modelo de Vida do que um Objeto de Adoração
CAPITULO 2
Afirmar o Potencial das Pessoas é mais Importante do que Lembrá-las da sua Pecaminosidade
CAPITULO 3
O Ministério de Reconciliação deve ser Valorizado acima de Julgamentos
CAPITULO 4
O Comportamento Gracioso é mais Importante do que Crer na Verdade
CAPITULO 5
Questionamentos Atraentes são mais Valiosos do que Respostas Sólidas
CAPITULO 6
Encorajar a Busca Pessoal é mais Importante do que a Unidade de Grupo
CAPITULO 7
Suprir Necessidades Reais é mais Importante do que Manter Instituições
CAPITULO 8
A Paz é mais Importante do que o Poder
CAPITULO 9
Deveríamos nos Preocupar mais com Amor e menos com Sexo
CAPITULO 10
A Vida neste Mundo é mais Importante do que a Vida no Mundo Vindouro
SOBRE O AUTOR
NOTAS
INTRODUÇÃO
Uma Aula Magistral sobre Meias Verdades
Em 1923, J. Gresham Machen, então professor no Seminário Teológico
de Princeton, escreveu seu clássico, Cristianismo e Liberalismo.1 O livro
foi uma resposta ao crescimento do progressismo nas principais
denominações de sua época. Machen defendia que, na verdade, a
compreensão liberal e progressista do cristianismo não é uma mera versão
variante da fé, nem uma simples representação de uma perspectiva
denominacional diferente, mas sim uma religião completamente distinta.
Em poucas palavras, o cristianismo liberal e progressista não é cristianismo.
O que é mais notável no livro de Machen é a sua predição. Sua descrição
do cristianismo progressista — uma versão terapêutica da fé que valoriza as
problematizações em detrimento das soluções e exalta o ser “bom” à custa
do “verdadeiro” — permanece, hoje, basicamente, da mesma forma. Só por
esses elementos já deveria ser leitura obrigatória e garantida para todos os
seminaristas e líderes cristãos.
Embora os defensores modernos dessa visão apresentem o cristianismo
progressista como algo novo e revolucionário, suas doutrinas não são nada
inovadoras. Sim, podem até ter novos nomes (por exemplo, cristianismo
“emergente”) e surgir com novas roupagens, mas não passam de uma
releitura de sistemas de pensamento que já existem há gerações.
Há pouco tempo que a presença permanente do cristianismo progressista
chamou minha atenção, quando me deparei com um devocional diário de
Richard Rohr, em cujas páginas o autor lista os dez princípios que julga
necessários ao cristianismo moderno. Esses dez princípios foram, na
verdade, extraídos do livro If The Church Were Christian: Rediscovering
the Values of Jesus [“Se a Igreja Fosse Cristã: Redescobrindo os Valores de
Jesus”], de Philip Gulley.2
Nesta coleção de devocionais, ironicamente intitulada “De Volta à
Essência”,3 Rohr estabelece seus dez princípios como uma espécie de
confissão de fé do liberalismo teológico moderno (isso tudo depois de
difamar as confissões de fé). Esses dez princípios são, de fato, os “Dez
Mandamentos do cristianismo progressista”.
Uma diferença, no entanto, é que ao invés de serem apresentados no alto
do monte, encontram guarida na sala de aula da universidade. Esses
princípios tratam muito mais dos nossos próprios desejos humanos do que
da verdade revelada de Deus — menos Moisés, mais Oprah.
Perceba, no entanto, que cada um desses novos mandamentos é, no
máximo, parcialmente verdadeiro. De fato, essa realidade é o que torna essa
lista e mesmo o cristianismo de esquerda tão desafiadores. Meias verdades
podem parecer excessivamente atraentes, até que reconhecidos os seus
fundamentos e implicações. Benjamin Franklin estava certo quando disse:
“Uma meia verdade costuma ser uma mentira completa”.
Ao longo dos próximos dez capítulos, diagnostico e critico cada um
destes princípios, oferecendo-lhes uma resposta bíblica e teológica, e
ocasionalmente mergulhando no clássico de Machen. Se a igreja quer
batalhar diligentemente pela “fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos” (Jd 3), então precisamos ser capazes de distinguir a verdadeira fé
dos ensinos que se mascaram de fé verdadeira.
Minha esperança (e oração) é que este livro torne a vital tarefa de
separar a verdade da mentira um pouco mais fácil.
CAPÍTULO 1
Jesus é mais um Modelo de Vida do que um
Objeto de Adoração
Analisemos o primeiro mandamento do cristianismo de esquerda: Jesus
é mais um modelo de vida do que um objeto de adoração.
De muitas maneiras, esse princípio liberal equivale perfeitamente ao
primeiro mandamento do cristianismo progressista. Tendo a opção entre
adorar a Jesus (o que pressupõe sua divindade) e meramente considerá-lo
um bom guia moral, os progressistas sempre favorecem a última opção.
É claro, um de seus defensores vê isso e protesta dizendo que esse
primeiro mandamento não rejeita a divindade de Jesus, tendo em vista as
partes “mais um… do que”. Acaso o cristianismo progressista afirma a
divindade de Jesus, mas simplesmente prioriza o seu exemplo moral?
De acordo com o livro de Gulley, a resposta é um sonoro não. Sem
meias palavras e com total descaramento, Gulley rejeita o nascimento
virginal, nega a impecabilidade de Jesus e considera seus milagres como
mitos criados para elevar Cristo à “posição de divindade”. De fato, Gulley
insiste que “a adoração a Jesus por parte da igreja é uma prática que ele não
incentivaria”.4
Logo, fica claro que os progressistas não simplesmente enfatizam o
exemplo moral de Jesus. Ao invés disso, os liberais rejeitam
deliberadamente a divindade de Cristo. Essa negação não é nenhuma
novidade. Na época de Machen, os liberais agiam da mesma forma:
O liberalismo o considera [Cristo] como um exemplo e guia; o cristianismo, como Salvador; o
liberalismo faz dele um exemplo de fé; o cristianismo, objeto da fé.5
Aprofundemo-nos, porém, nesse ponto. O cristianismo seria válido se
Jesus nada mais fosse que um exemplo moral? Vários problemas surgem
em decorrência dessa crença.
O Próprio Jesus Afirmou ser mais que um Exemplo Moral
Comecemos reconhecendo que Jesus era, evidentemente, um exemplo
moral aos seus seguidores. Na verdade, ele chamava os discípulos a imitá-lo
(veja João 13.15).
Jesus, contudo, é somente um exemplo moral? Ou, em outras palavras,
os evangelhos apresentam Jesus como um mero homem sábio? Alguém
como Gandhi, dando dicas para a vida prática?
Uma leitura honesta dos evangelhos demonstra que a resposta a essa
pergunta é um retumbante não. Na verdade, de Mateus a João, Jesus é
apresentado não apenas como um bom mestre, mas como o Senhor Deus
dos céus e da terra. Além das passagens mais óbvias de João que dão prova
da divindade de Cristo (veja João 1.1, 1.18, 8.58, 10.30), estudiosos
defendem que a divindade de Jesus também é evidente nos Evangelhos
Sinópticos de Mateus, Marcos e Lucas.
Para dar um exemplo, Michael Bird defende em sua obra recente, Jesus
the Eternal Son [“Jesus: o Filho Eterno”],6 que mesmo Marcos —
normalmente considerado como o Evangelho que apresenta o Jesus mais
“humano” — oferece uma cristologia decididamente elevada. Jesus é o
“Senhor”, YAHWEH se achegando ao seu povo, aquele que perdoa
pecados, o senhor do vento e dos mares, o juiz do universo. Essa realidade
levou C. S. Lewis a oferecer sua tão conhecida citação sobre Jesus como
“apenas” um bom mestre moral:
Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a seu respeito: “Estou
disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser
Deus”. Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e
dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático — no
mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa. Faça a
sua escolha.7
Os Discípulos de Jesus o Adoravam como Senhor
Embora o primeiro mandamento do cristianismo progressista hesite
diante do culto a Jesus, os cristãos primitivos seguiam o caminho inverso.
E, visto que exaltavam a Cristo como Senhor, os discípulos da igreja
primitiva entregavam-se ao seu senhorio e o adoravam sem reservas.
E eis a surpresa: os cristãos primitivos adoravam a Cristo mesmo sendo
absolutamente monoteístas. Mesmo sendo composta de judeus, a igreja
primitiva adorava a Jesus precisamente porque cria nele como o único Deus
de Israel.
Também devemos notar que Jesus nunca rejeitou essa adoração;
tampouco se sentiu intimidado, desconfortável ou receoso diante do culto
que as pessoas lhe prestavam. Cristo recebia essa adoração sem restrições.
Eis alguns exemplos:
• Os magos adoram a Jesus (Mt 2.11).
• Os discípulos adoram a Jesus no barco (Mt 14.33).
• Os discípulos adoram a Jesus após sua ressurreição (Mt 28.9; Lc
24.52).
• O cego de nascença adora a Jesus (Jo 9.38).
• Todo joelho se dobrará em adoração ao Senhor Jesus Cristo (Fp 2.10).
• Os anjos adoram a Jesus (Hb 1.6).
• Basicamente, o livro inteiro de Apocalipse trata acerca da adoração a
Cristo.
Aliás, esses poucos exemplos não consideram as inúmeras declarações
doxológicas prestadas a Jesus, nem consideram as práticas de adoração dos
cristãos primitivos entregando a Cristo uma devoção reservada somente a
Deus.8
O Exemplo Moral de Jesus somente é Válido se Jesus for Senhor
Embora os cristãos progressistas levem muito em consideração o
exemplo moral de Jesus, o que estranhamente falta em seu sistema é por
que alguém deveria se preocupar com isso. Afinal, se Jesus não passa de um
homem comum, por que seu código moral em particular seria melhor do
que o de qualquer outra pessoa? Por que acreditar que o código de conduta
apresentado por Jesus importa?
Por falar nisso, não é o sistema cristão progressista que está sempre
lutando contra pessoas que fazem declarações morais absolutistas? Os
bastiões do esquerdismo não nos dizem que a moralidade é relativa? Que a
moralidade passa por constante mudança e é condicionada pela cultura?
Afinal, não existe um sistema moral mais verdadeiro que outro; não force a
sua moralidade sobre mim!
Então, por que Jesus deveria ter esse tratamento diferenciado? Por que
essas críticas não se aplicam ao seu caso, se ele não passa de um ser
humano como nós?
Suponho que alguém possa defender que a autoridade moral de Jesus
não advém de sua divindade, mas de sua posição como profeta de Deus.
Mas como alguém pode mesmo saber que Cristo é um profeta de Deus? As
Escrituras são o único meio suficiente que conhecemos acerca de Jesus para
concluirmos sua divindade.
Evidentemente, essas declarações liberais revelam o que os progressistas
pensam acerca das Escrituras. Muitos deles não confiam na Bíblia e
rejeitam abertamente a sua inspiração divina. Agora, se as Escrituras não
são confiáveis e não são inspiradas por Deus, como os liberais conseguem
saber que Jesus foi um profeta?
Alguns progressistas talvez afirmem aceitar a inspiração das Escrituras.
Ora, mas se realmente aceitam que a Bíblia vem da parte de Deus, por que
então não aceitam o claro ensino das Escrituras de que Jesus não é um
simples profeta? Por que não aceitam as passagens já citadas neste capítulo
provando cabalmente que Jesus é totalmente digno de toda adoração?
Seja como for, a abordagem progressista de que “Jesus é apenas um
mestre moral” simplesmente não funciona.
E, além de tudo isso, não me impressiona a confusão causada pelo apelo
progressista de Jesus ser um guia da moralidade, visto que muitos
progressistas não querem nem mesmo seguir o ensino moral de Jesus! Por
exemplo, os progressistas estão dispostos a apoiar o claro ensino de Jesus
de que o casamento é exclusivamente entre um homem e uma mulher (veja
Mateus 19.5–6)? Ou de que Cristo é o único caminho para a salvação (Jo
14.6)?
Se não estiverem dispostos a crer nesses pontos, então por que a ânsia de
apelar para Jesus como um mestre moral?
O Cristianismo não é Moralismo
Eis aqui o problema mais fundamental com esse primeiro princípio. Ao
remover a pessoa de Cristo da equação como objeto de adoração, o
cristianismo torna-se, basicamente, uma religião moralista. O liberalismo
prega que doutrina e teologia não importam, mas sim o comportamento.
Obras acima de credos.
Crer nessas ideias, no entanto, vai diretamente contra o cristianismo
histórico, que é uma religião por graça, e não por méritos. Não se trata
primeiramente do que nós fazemos, mas do que Deus fez por nós. Ou, nas
palavras de João: “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado
a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação
pelos nossos pecados” (1Jo 4.10). O próprio Machen absorveu esse
conceito muito bem:
Aqui se encontra a diferença fundamental entre o liberalismo e o cristianismo — o progressismo
está, no geral, no modo imperativo, enquanto o cristianismo começa com um indicativo
triunfante; o liberalismo apela para a vontade do homem, enquanto o cristianismo anuncia,
primeiramente, um ato gracioso de Deus.9
O que Deus Uniu
O primeiro mandamento do cristianismo progressista reflete
precisamente o cenário do mundo ocidental há mais de um século. Esse
princípio representa ainda outra vã tentativa de preservar a moralidade de
Jesus, enquanto se livra de sua identidade divina.
No final de tudo, essa mescla simplesmente não funciona. O ensino
moral de Jesus só tem autoridade se retida sua identidade como Senhor.
Ambas as realidades não podem, nem devem ser separadas: “De modo que
já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não
o separe o homem” (Mt 19.6).
CAPÍTULO 2
Afirmar o Potencial das Pessoas é mais
Importante do que Lembrá-las da sua
Pecaminosidade
Poucos assuntos dividem mais o cristianismo progressista do
cristianismo histórico do que o problema do pecado. De fato, é a
desconsideração, o menosprezo ou mesmo a rejeição por completo da
doutrina do pecado que define a essência do cristianismo progressista.
Décadas atrás, Machen comentou o mesmo: “A perda da consciência do
pecado está na própria raiz do movimento liberal moderno”.10 Chegamos
então ao segundo mandamento do cristianismo progressista: Afirmar o
potencial das pessoas é mais importante do que lembrá-las da sua
pecaminosidade.
A raiz desse princípio é o problema do pecado.11 O ser humano é
pecador? Se sim, qual a importância dessa verdade? Mais que isso, qual a
importância de que as pessoas saibam que são pecadoras? Devemos pregar
contra o pecado dessas pessoas? Como ponderar entre a pecaminosidade
das pessoas e o seu potencial enquanto portadoras da imagem de Deus?
Pesando o Pecado e o Potencial Humano
É óbvio que, antes de tudo, devemos reconhecer que esse segundo
princípio é parcialmente verdadeiro. A mensagem cristã não trata apenas do
pecado e do arrependimento. “Você é um pecador” não é tudo que pode ou
deve ser dito. Cristo nos salva do nosso pecado, sim, mas, a partir daí, ele
inicia uma obra regeneradora no íntimo de cada cristão. E, claro, esse
trabalho começa a restaurar a beleza da imagem de Deus em nós.
Nesse sentido, podemos afirmar, com justiça, que o ser humano tem
potencial e que este deve ser reconhecido e celebrado. Não nos esqueçamos,
porém, de que esse potencial só se torna válido mediante a graça salvadora
de Deus e por meio da morte de Cristo, que venceu nossos pecados. À parte
da salvação, qualquer afirmação do potencial humano rapidamente se
transforma em uma versão de moralismo humanista.
Em outras palavras, devemos reconhecer ambas as realidades: nossa
total depravação e o maravilhoso potencial que temos como portadores da
imagem de Deus. São verdades que coexistem.
É, contudo, precisamente esse o problema com a mensagem do
cristianismo progressista. Seus defensores não têm problema em aceitar a
capacidade inata que o ser humano tem por ser criado à imagem de Deus; a
resistência deles surge quando o assunto é o pecado. Repito, os cristãos
progressistas separam aquilo que a Bíblia uniu.
A Rejeição do Ensino Bíblico acerca do Pecado
Agora, pode-se objetar que nem todos os cristãos progressistas negam o
estado de pecado da humanidade. Alguns desses cristãos progressistas
podem até mesmo defender que estão dispostos a testemunhar ambas as
verdades.
Voltando ao livro de Gulley — a base da lista de Rohr —, logo
descobrimos que o próprio Gulley não afirma ambas as verdades. Na
realidade, o autor se mostra bastante inflexível quando defende que o
ensino cristão histórico acerca do pecado é fundamentalmente errado.
Considere o seguinte:
Gulley defende que as igrejas que ensinam que o ser humano é pecador
são culpadas de “abuso espiritual” e “crueldade” para com os seus
membros.12
Gulley declara abertamente: “cresci em uma tradição que enfatizava o
pecado e a necessidade de salvação; não considerei essa visão útil para a
minha vida, então decidi abandoná-la”.13
Gulley nega o pecado original afirmando que Adão e Eva não eram
pessoas reais; ou seja, as narrativas que envolvem essas duas personagens
não passam de “mitos” religiosos. Além disso, o relato da Criação não pode
ser considerado confiável, pois é contraditório e inconsistente.14
Gulley defende que deveríamos parar “de considerarmos a nós mesmos
miseráveis pecadores, merecedores da condenação divina”. Ele chega a se
queixar de hinos como “Maravilhosa Graça”, pois descreve Deus salvando
pecadores.15
A Rejeição da Obra Salvífica de Cristo
Rejeitar o ensino bíblico acerca do pecado é a superfície; em suas
profundezas se encontra a rejeição de uma verdade cristã ainda mais
fundamental, a saber, de que o propósito da morte de Jesus Cristo era
salvar-nos de nossos pecados.
Aquele que rejeita a doutrina do pecado e diminui sua gravidade precisa
encontrar um motivo diferente para a morte de Cristo. Para os progressistas
(ao menos aqueles como Gulley), Jesus não poderia morrer na cruz para
pagar pelos pecados da humanidade, pois isso seria como engrandecer a
iniquidade. Não, Cristo precisa ter morrido por outra razão. Desta forma
chegamos a outro princípio importante do cristianismo progressista: a
rejeição da expiação substitutiva.
Gulley declara:
Ao longo dos séculos, a igreja sempre entendeu a salvação como ser resgatado do pecado e ir
para o céu depois que morrer. Agora, e se eu acreditar que a salvação é a jornada da vida em
direção à maturidade, à plenitude, ao amor? Se esse for o caso, Jesus não é aquele que salva a
humanidade pelo seu sacrifício de sangue, mas aquele que exemplifica essa maturidade, essa
plenitude, esse amor; aquele a quem os cristãos podem se voltar e dizer […] “podemos ser como
ele!”.16
Vê-se, portanto, que essa visão acerca da morte de Cristo esposada pelo
cristianismo progressista não só rejeita a doutrina do pecado original, mas
também nega a obra salvadora de Cristo na cruz. Mais uma vez, sob esses
ditames, o cristianismo é reduzido a mero moralismo.
O Cristianismo Progressista (ou ao menos essa versão) não é
Cristianismo
Rejeitada a doutrina do pecado original, em seguida a ideia de que
somos pecadores carentes de salvação e, por fim, negada a verdade de que
Jesus morreu na cruz pelos pecados da humanidade, o que resta do
cristianismo histórico e bíblico? Quase nada. Na verdade, Machen defendia
que aquilo que nos resta não é cristianismo, mas outra religião.
Por isso, digo com todas as letras que muito mais proveitoso é confiar na
mensagem simples e clara do apóstolo Paulo: “Fiel é a palavra e digna de
toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores,
dos quais eu sou o principal” (1Tm 1.15).
CAPÍTULO 3
O Ministério de Reconciliação deve ser
Valorizado acima de Julgamentos
Uma das principais marcas do cristianismo progressista é sua ênfase na
forma como as pessoas se relacionam com o seu próximo à custa da
maneira como o ser humano se relaciona com Deus. Essa preocupação se
faz evidente em seu terceiro mandamento: O ministério de reconciliação
deve ser valorizado acima de julgamentos.
Neste ponto, Gulley preocupa-se com relacionamentos humanos
quebrados ou feridos. Na visão desse autor, a igreja deveria fazer mais para
reparar ou restaurar esses relacionamentos, mas permanece preocupada
demais com o comportamento das pessoas. Os cristãos precisam parar de
julgar e começar a ajudar.
Agora, posso começar reconhecendo que o objetivo aqui é, em parte,
recomendável. Proporcionar reconciliação a relacionamentos conturbados é
um propósito bíblico fundamental. A Bíblia tem muito a dizer a respeito de
tópicos como perdoar uns aos outros (Lc 17.4), reconciliar-se uns com os
outros (Mt 5.24; At 7.26), reconciliação entre marido e mulher (1Co 7.11) e
a remoção de hostilidade entre grupos (Ef 2.16). De fato, Gulley está certo
em afirmar que a reconciliação entre pessoas é um aspecto importante do
cristianismo.
O problema, no entanto, é de que forma Gulley acredita que a
reconciliação é idealmente alcançada. E é nessa parte que Gulley toma
emprestado um princípio bíblico e lhe dá um toque decididamente
progressista/esquerdista. A reconciliação é idealmente alcançada, ele
defende, quando a igreja está menos preocupada com o costume de
“julgar”. Se ao menos a igreja se livrasse da “cultura do julgamento”,
parasse de oferecer “condenação e culpa” e abandonasse “sua predileção
pelo pensamento de ‘oito ou oitenta’, ou de ‘esse ou aquele’”, então poderia
ajudar mais as pessoas a se reconciliarem umas com as outras.17
Agora, outra vez, depende de o que se quer dizer com expressões como
essas. Se a preocupação aqui é com o tom ou a postura geral da igreja,
então estamos de acordo. As igrejas precisam ter cuidado, mesmo enquanto
lidam com o pecado, mesmo quando se prestam à graciosidade, à paciência
e à caridade. Agora, se o autor quis dizer que a igreja não deve se meter no
comportamento das pessoas e julgá-lo pecaminoso ou errado, daí já é um
caminho bem diferente.
De fato, essa última abordagem tem diversos problemas significativos.
É Profundamente Antibíblico Afirmar que nunca Podemos Julgar um
Comportamento como Certo ou Errado
As Escrituras estão repletas de exemplos em que o povo de Deus julga
determinados comportamentos como errados. Jesus fez isso. Paulo agiu
assim. E até mesmo nós somos chamados a agir assim: “Se teu irmão pecar
[contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu
irmão” (Mt 18.15).
A essa altura alguém pode protestar: “Mas quem sou eu para dizer a
alguém que ele/ela está errado/errada? Eu também sou pecador”. Sim, essa
é uma perspectiva essencial, mas a Bíblia nunca exige que alguém seja
completamente sem pecado antes de poder falar contra o pecado de outra
pessoa. Perfeição pessoal não é um pré-requisito para se possa defender o
que é certo, ou então ninguém jamais seria capaz de condenar o pecado —
incluindo (como veremos em instantes) aqueles que querem julgar quem
julga!
A base apropriada para chamar algo de pecado não é a perfeição pessoal,
mas simplesmente se Deus declara esse algo pecaminoso.
Dizer que Nunca Podemos Considerar um Comportamento Errado é,
no Fim das Contas, Contraproducente
A grande ironia daqueles que dizem que não devemos julgar é que eles
próprios julgam. Aqueles que dizem “não julgueis” estão declarando que
um comportamento é “errado” (nesse caso, o ato de julgar), enquanto
praticam eles mesmos esse comportamento errado! Logo, essa abordagem
prova-se profundamente inconsistente. Esse é o equivalente retórico de
serrar o galho no qual se está sentado.
Dessa forma, o cristianismo progressista é o resultado do contexto
cultural atual. Vivemos num mundo que insiste, mais do que nunca, que não
devemos julgar. Mas também vivemos numa geração que há muito o mundo
não via tão crítica e amargurada. Como nunca antes, as pessoas, hoje, se
sentem livres para expressar, geralmente com vigor e fervor, sua indignação
moral contra qualquer ofensa (como os ativistas das redes sociais podem
atestar), e ainda assim permanecem, aparentemente, ignorantes de como
esse comportamento falha em condizer com o lema de não julgar.
É Inevitavelmente Seletivo Dizer que Nunca Podemos Declarar que um
Comportamento está Errado
Uma curiosidade da insistência progressista de que não devemos ser
pessoas que “julgam” é que esse comportamento é seletivo. Em se tratando
da ética sexual, por exemplo, os cristãos progressistas nos dizem que não
devemos julgar práticas e comportamentos contrários. Eles defendem que a
forma pessoal de manifestação e expressão deve ser livre. Mas quando se
trata de racismo, ambientalismo, abusos e outras problemáticas
semelhantes, então, aparentemente, julgar o comportamento dos outros é
permissível. Na verdade, julgá-los é necessário!
Dizer que Nunca Podemos Considerar um Comportamento Errado
substitui o Processo de Reconciliação
O problema fundamental com a abordagem progressista acerca do ato de
julgar é que ela destrói aos poucos o próprio objetivo que está tentando
atingir, isto é, a reconciliação. Essa harmonia só pode existir quando erros
são reconhecidos e pecadores responsabilizados; quando há
arrependimento. Para tanto, deve haver julgamento sobre o comportamento
do próximo, o qual precisa ser realmente errado — e não apenas errado na
opinião de alguém. De outra forma, a reconciliação torna-se uma simples
ilusão.
Podemos e devemos afirmar que a reconciliação é um importante
princípio bíblico. E podemos afirmar que as igrejas não devem carregar um
tom ou uma postura de julgamento, mas sempre agir com graça, paciência e
um espírito de amor. Nada disso, porém, requer que abandonemos o claro
ensino de Deus de que algumas coisas devem ser consideradas certas e
outras, erradas.
Essa é a maneira apropriada de julgar, e não uma prática a ser evitada;
todo cristão é chamado e encorajado a isso. Nas palavras do profeta Isaías:
“Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal” (Is 5.20).
CAPÍTULO 4
O Comportamento Gracioso é mais
Importante do que Crer na Verdade
Como temos visto, o cristianismo progressista é amplamente definido
por sua ênfase na moralidade em detrimento da doutrina. Seus defensores
apregoam que o que realmente importa não é aquilo em que cremos, mas
como nos comportamos. Isso nos leva ao quarto mandamento: O
comportamento gracioso é mais importante do que crer na verdade.
Numa primeira leitura, há certo terreno comum. Certamente,
concordamos que a igreja deve ser caracterizada por uma postura terna e
amorosa (ainda que haja controvérsias quanto à implicação desse amor e
dessa ternura). No mínimo, pode-se dizer que a igreja (e os cristãos) deve
ser paciente, gentil, bondosa e amorosa para com todos — até mesmo com
aqueles que têm convicções teológicas diferentes.
Ainda assim, porém, há uma série de problemas que surgem da maneira
como esse mandamento é aplicado e da forma como Gulley dá mais
detalhes a seu respeito.
A Busca da Boa Teologia é o Problema?
Priorizar o comportamento externo acima da teologia chama a atenção
do mundo moderno, pois a população em geral já tem a ideia de que
pessoas que se preocupam com teologia são facciosas, radicais, dogmáticas
e até mesmo maliciosas. Pelo contrário, dizem-nos que o que importa é
simplesmente ser amável com as pessoas.
Gulley revela esse estereótipo ao comparar pessoas que se preocupam
com teologia com os fariseus. Segundo Gulley, o problema com os fariseus
é a sua “fixação pela ortodoxia” e sua “busca equivocada pela pureza
teológica”.18 Ou seja: sua preocupação com a ortodoxia provavelmente
revela o seu farisaísmo inato.
Deixando de lado a natureza ríspida (!) dessa comparação, posso
simplesmente citar sua tremenda imprecisão histórica. Jesus nunca disse
que o problema com os fariseus era a sua preocupação excessiva com a
ortodoxia. O problema com os fariseus era o legalismo (preferir leis
humanas e preterir as leis de Deus) e a hipocrisia (falar uma coisa e fazer
outra). Além do mais, legalismo e hipocrisia geralmente andam de mãos
dadas. O problema dos fariseus não era se preocupar demais com a boa
teologia; não, pelo contrário, era se preocupar de menos! A teologia dos
fariseus era uma bagunça. Sua doutrina glorificava o homem, invertia as
prioridades do próprio Deus e seguia seletivamente a lei do Senhor.
Toda essa dificuldade levanta um ponto importante. Ensinar boa teologia
não é o problema, mas a solução. Ensinar boa teologia é vital; é a essência
de cuidar bem de uma alma. Ao invés de enxergar a teologia como algo que
machuca ou oprime as pessoas, lembremo-nos de que a boa teologia, na
verdade, consola e liberta. Os fariseus feriam as pessoas precisamente ao
ensinar-lhes (e ao servir de exemplo) uma má teologia.
O Comportamento é mais Importante do que a Teologia?
Outro problema em relação ao quarto mandamento do cristianismo
progressista é a dicotomia que este cria entre o comportamento e a doutrina.
Seus defensores nos dizem que o comportamento é simplesmente mais
importante do que a doutrina.
A dificuldade, no entanto, é que ambos, comportamento e doutrina, não
podem ser facilmente separados. Na verdade, qualquer declaração sobre
comportamento certo ou errado é uma declaração teológica! Não se pode
determinar um comportamento piedoso na falta de categorias teológicas e
de conceitos firmes, pois o comportamento só é “certo” se concordar com a
lei e com o caráter de Deus.
Há uma rica ironia aqui. A declaração “O comportamento gracioso é
mais importante do que crer na verdade” é, em si, uma proposição que
requer o ato de crer daquele que a ouve! Aparentemente, nesse caso, a
“crença correta” importa.
Recebemos mais “Graça” Priorizando o Comportamento?
O impulso de Gulley em preferir o comportamento à doutrina é
conduzido por uma convicção simplista, isto é, que o comportamento leva à
graciosidade. No dizer desse mesmo autor: “Jesus sabia que o
comportamento ríspido normalmente tem raízes em uma busca extraviada
por pureza teológica”.19 Em outras palavras, boa teologia não tende a
produzir um comportamento gracioso. Ao contrário, defende Gulley,
produzimos um comportamento mais gracioso quando enfatizamos... o
próprio comportamento.
Aqui é onde Gulley fecha o círculo e retorna ao primeiro mandamento
progressista, a saber, que o cristianismo diz mais respeito à moralidade do
que à adoração a Jesus. Simplificando, o argumento básico de Gulley é que
o comportamento gracioso flui mais facilmente do moralismo. Obviamente,
a triste realidade é que, na verdade, eram os fariseus, e não Jesus, que se
comprometiam com o moralismo. E de forma alguma seu moralismo os
tornava mais graciosos.
Novamente, há uma ironia aqui. Embora critique a natureza ríspida dos
fariseus, Gulley, ainda assim, defende a metodologia moralista dos próprios
fariseus. É esse tipo de incongruência que surge sempre que a doutrina e a
teologia são rebaixadas. Tudo que resta é uma religião de ser “bonzinho”
com as pessoas.
Se realmente desejamos nos tornar pessoas mais graciosas, nossa
resposta não pode ser enfatizar o comportamento e “tentar mais e melhor”.
Pelo contrário, a resposta é fixar os olhos em Jesus Cristo, o Filho de Deus,
que entregou sua vida para pagar a dívida dos nossos pecados e nos
capacitar por meio do Espírito a viver uma nova vida. Só assim
conseguiremos negar a nós mesmos e amar o nosso próximo com entrega.
J. Gresham Machen resume esse ponto muito bem:
O que é estranho sobre o cristianismo é que ele adotou um método inteiramente diferente. Ele não
transformou as vidas dos homens apelando para a vontade humana, mas contando uma história;
não através da exortação, mas pela narração de um evento [...] as vidas de homens são
transformadas através de um fragmento de notícias.20
A abordagem cristã exige o pensamento teológico.
Por fim, fica claro que o comportamento correto não é mais importante
do que a teologia correta. Ambos, teologia e comportamento, são
importantes. Tenhamos em mente o lembrete do apóstolo Paulo: “Tem
cuidado de ti mesmo e da doutrina” (1Tm 4.16).
CAPÍTULO 5
Questionamentos Atraentes são mais
Valiosos do que Respostas Sólidas
Talvez nenhum outro mandamento capture mais o ethos do cristianismo
progressista do que o quinto: Questionamentos atraentes são mais valiosos
do que as respostas sólidas.
Trata-se de uma estratégia eficaz. Coloque-se como alguém humilde e
inquisitivo, numa simples jornada de descobertas. Então descreva o outro
lado como formado por despenseiros altivos, defensores de dogmas
excessivamente rígidos.
Você não passa de um inquiridor bem-intencionado; os outros é que são
maldosos, um bando de sabe-tudo, senhores do saber. Brilhante. Na
verdade, essa é a reclamação de Gulley contra a igreja. Ele defende que a
instituição da igreja tem se “comprometido com a propaganda” e
“obedecido às cegas”, afastando-se da “explicação vigorosa da verdade”.21
Certo, mas, sendo assim, como devemos lidar com esse quinto
“mandamento”? Permita-me apresentar alguns pensamentos.
Uma Caricatura do Cristianismo
Antes de tudo, percebamos, mais uma vez, que há um elemento de
verdade nesse ponto. Só nos Estados Unidos, as expressões de cristianismo
são muitas e variadas; muitos já se acostumaram com denominações que
dão respostas rasas e insatisfatórias a dúvidas honestas acerca da fé. Em
contextos assim, questionamentos a respeito da fé são desencorajados. E,
quando feitos, a liderança pressupõe que o inquiridor está disposto a aceitar
a resposta provida de bom grado; o envolvimento intelectual profundo
deixou de ser uma opção.
Se o referido mandamento progressista é projetado para corrigir essa
abordagem do cristianismo, então estamos de acordo. Tal correção é
necessária. Mas seria uma caricatura pintar todos os cristãos (ou o
cristianismo) como propagadores do anti-intelectualismo. Na verdade, ao
longo das eras, a maior parte dos cristãos já pressionou a Bíblia e lhe fez as
perguntas mais difíceis — intelectuais, históricas e pessoais. Ao fazê-lo,
esses cristãos descobriram que as Escrituras fornecem respostas sólidas e
convincentes. Por que tamanha solidez seria motivo de ridicularização?
Qual Posição é Intelectualmente Irresponsável?
Suspeito que parte do problema em jogo é o pensamento progressista de
que é intelectualmente irresponsável reivindicar a verdade, exigência esta
feita pelo cristianismo histórico. Essa reivindicação soa arrogante; até
mesmo presunçosa. Como alguém pode ter a certeza de verdades tão
profundas? Os cristãos progressistas defendem que a melhor forma de agir é
dizer: “Não sei”.
Embora essa abordagem liberal dê um ar de humildade, seus problemas
são graves. Em primeiro lugar, dizer “Não sei” só é a resposta certa se, de
fato, não houver nenhuma base epistemológica para chegar ao
conhecimento do respectivo questionamento. Agora, e se, ao contrário,
houver base para obter conhecimento acerca da dúvida em questão?
Existindo essa base, dizer “Não sei” constitui uma posição intelectualmente
irresponsável.
Em outras palavras, “Não sei” nem sempre é a resposta certa; às vezes, é
a resposta errada.
Imagine que, recentemente, você teve aulas sobre a Guerra Civil
Americana. Caso um amigo seu pergunte: “Abraham Lincoln assinou a
abolição da escravatura nos EUA?”, e sua resposta for “Sim”, dificilmente
você seria contestado como um sabe-tudo arrogante. Na verdade, se tivesse
respondido “Não sei”, devido a uma noção equivocada de humildade
intelectual, então você poderia ser repreendido por rejeitar uma evidente
verdade histórica.
É claro que os progressistas defenderão que se trata de uma falsa
comparação, pois sabemos que Lincoln assinou a abolição da escravatura,
mas não sabemos, digamos, se Jesus realmente ressuscitou. Mas é
justamente esse ponto que está sendo discutido! Visto que a Bíblia é, na
verdade, a Palavra de Deus inspirada e revelada, quanto mais certeza
podemos ter quanto à ressurreição de Cristo do que a respeito de Abraham
Lincoln.
O argumento progressista só funcionaria se alguém já “soubesse” que a
Bíblia não é a Palavra de Deus e, portanto, pudesse colocar em dúvida
qualquer uma de suas reivindicações. Mas como os progressistas
conseguiriam obter esse conhecimento? Do ponto de vista progressista, não
é um absurdo afirmar conhecimento absoluto?
Em outras palavras, para ser intelectualmente defensável, a posição
progressista necessariamente precisaria saber que é impossível saber se a
ressurreição de Cristo realmente aconteceu ou não. Mas esse conhecimento
exigiria um alto nível de certeza intelectual — algo que os progressistas
declaram ser impossível.
Certezas Sorrateiras
Esse raciocínio todo conduz a um problema real com a posição
progressista: ela é inconsistente.
O cristianismo progressista lamenta o dogmatismo e a certeza do
cristianismo bíblico. Tudo seria muito melhor, defende Gulley, se todos
admitissem sua incerteza. O referido autor, porém, tem bastante certeza de
suas posições — a ponto de condenar outras posições bem depressa. Em
certo ponto, ele descreve uma perspectiva sobre a conversão como um
“ponto de vista infantil”, de alguém claramente “preso” a uma posição
teológica ruim.
Nesse caso, e também em muitos outros, Gulley simplesmente
contrabandeia sua certeza às escondidas, pela porta dos fundos. E ele está
longe de agir sozinho. Os progressistas são rápidos em condenar todo tipo
de comportamento dentro do seu campo de visão, ao mesmo tempo em que
insistem que os cristãos que acreditam na Bíblia estão errados quando
defendem certezas históricas. Por exemplo, considere o debate sobre o
casamento de pessoas do mesmo sexo. Note que ouvimos pouquíssimos
progressistas comentando algo como “Não temos a resposta para esse
problema. Não podemos ter certeza a esse respeito”. Não, pelo contrário:
recebemos um absolutismo por parte deles. Recebemos certeza. Recebemos
dogmatismo.
Assim, tem-se a impressão de que o verdadeiro problema não é a
certeza. Os progressistas simplesmente trocaram um conjunto de crenças
assertivas por outro.
Todos temos certezas. Todos pressupomos alguns ensinos como
verdadeiros e absolutamente reais. A pergunta-chave envolve a base dessas
certezas. Os cristãos baseiam sua certeza na Palavra de Deus.
O mundo pode zombar das Escrituras, mas Cristo manteve-se alicerçado
na certeza que ele próprio declarou ao Pai: “A tua palavra é a verdade” (Jo
17.17).
CAPÍTULO 6
Encorajar a Busca Pessoal é mais Importante
do que a Unidade de Grupo
O cristianismo sufoca o pensamento livre? A igreja só está interessada
em proteger sua própria autoridade?
No sexto capítulo de seu livro, Gulley responde a ambas as perguntas
com afirmativas. Ele lamenta o fato de cristãos estarem tão preocupados
com proteger a igreja de visões dissidentes que chegam a sufocar o
pensamento livre e mesmo a expulsar aqueles que não se conformam ao seu
sistema doutrinário. Essa problematização nos leva ao sexto mandamento
do cristianismo progressista: Encorajar a busca pessoal é mais importante
do que a unidade de grupo.
Para provar seu ponto de vista, Gulley conta a história de conhecidos
que “tiveram sua comunhão cortada” ou foram “evitados” pela igreja por
certos comportamentos ou crenças. Eles simplesmente tentaram pensar por
conta própria, mas a igreja estava mais interessada na “uniformidade do
grupo”. Os progressistas então apregoam que Jesus jamais aceitaria essa
espécie de rompimento. Pelo contrário, argumenta Gulley, Cristo era a favor
da “jornada pelo saber espiritual” e “não tinha nenhum problema com o
pensamento independente e a ação individual”.22
Para deixar claro, esse capítulo do livro de Gulley faz boas observações
sobre a maneira como algumas congregações praticam a disciplina
eclesiástica. Ele está certo em ser cauteloso com a prática de “evitar” de
alguns grupos e, sem dúvida, não erra ao afirmar que algumas igrejas (como
já mencionei) não se interessam pela comunhão com pessoas que fazem
perguntas difíceis. Mas a mensagem geral do capítulo de Gulley é simplista
demais. Igrejas que seguem certas verdades com firmeza e convicção são
retratadas como mesquinhas e vingativas, e aqueles que questionam essas
verdades são retratados como guerreiros lutando contra o sistema por
liberdade de consciência. E Jesus, é claro, estaria do lado desse grupo
libertário.
Essa narrativa toda pode ser aceita pelo lado cristão progressista, mas
eu, particularmente, a considero repleta de problemas significativos.
O Cristianismo não é uma Simples Jornada
Os progressistas gostam de retratar a religião cristã (e todas as religiões,
nesse caso) como uma “jornada” espiritual. A religião é, fundamentalmente,
uma “exploração ” individual das nossas crenças espirituais.
O problema é que por trás dessa abordagem está um pressuposto gritante
(embora oculto) do liberalismo teológico: Deus não se revelou com clareza
e evidência. Deus nem mesmo revelou uma mensagem de salvação. Na
verdade, o pressuposto oculto e fundamental dessa narrativa progressista é
que a religião refere-se ao ser humano buscar e encontrar a Deus, e não ao
ato de Deus ter se revelado à humanidade.
É compreensível a irritação dos progressistas contra o cristianismo
bíblico. De acordo com seus defensores, a religião (por definição!) é sempre
um fluxo, um movimento. É o processo de buscar a Deus. Quão arrogante
seria declarar que ele foi encontrado! Em contraste, o cristianismo bíblico
defende que Deus claramente revelou a mensagem de salvação em Cristo
Jesus, e que todas as pessoas em todos os lugares são chamadas a crer nas
boas novas do Senhor.
A Igreja Recebe Inquiridores
Gulley promove a visão de que as igrejas, via de regra, não gostam de
membros inquiridores, pois questionamentos são considerados ameaças à
autoridade da igreja. Novamente, embora certamente haja congregações que
agem assim, não creio que essa seja a verdadeira posição da igreja
evangélica como um todo.
Pelo contrário, a maioria das igrejas tem esse desejo de que as pessoas
façam perguntas. Na verdade, as igrejas querem que as pessoas façam
perguntas acerca da fé cristã, aprendam sobre as doutrinas em que os
cristãos creem e por que acreditam nelas. Logo, parece que a queixa
progressista sobre as igrejas é por outro motivo. Não se trata de não aceitar
questionamentos (creio que a maioria das igrejas os aceite). A verdadeira
problematização progressista é de que a igreja pensa que há resposta para
muitos desses questionamentos!
Portanto, a real objeção de Gulley se dá porque os cristãos acreditam
que existem respostas claras e cognoscíveis às questões mais importantes da
vida. O que ele realmente objeta é a crença cristã na verdade absoluta.
Esse é o ponto crítico. E é por isso que os progressistas nunca se
satisfazem com a simples mudança de tom ou de abordagem por parte dos
cristãos. Eles só se sentirão satisfeitos quando os cristãos abandonarem por
completo a afirmação de que o verdadeiro cristianismo possui verdades
fundamentais.23
Jesus Ensinou a Disciplina Eclesiástica
Como já deu para perceber, creio que Gulley não erra em afirmar que
algumas tentativas de sufocar o erro são problemáticas. Mas ele cita
erroneamente 1Coríntios 5.11 como evidência de que o apóstolo Paulo
defende a prática num sentido mais lato.
O que o apóstolo defende é a disciplina eclesiástica, aquele processo em
que os líderes de uma congregação corrigem, de forma amorosa, um
membro rebelde que se envolveu em desobediência grave (seja moral, seja
doutrinária). Como toda disciplina, ela deve ser executada de forma gentil e
para o bem de quem a recebe. E, apesar de Gulley supor que Jesus seria
contra tal prática, Cristo a corrobora claramente em Mateus 18.15-20. No
versículo 17, ele diz: “E, se ele [o irmão rebelde] não os atender, dize-o à
igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e
publicano”. Em 1Coríntios 5.11, portanto, Paulo concorda com Jesus: o que
alguns podem caracterizar como “sufocar” é, às vezes, um componente bom
e necessário de um processo de disciplina eclesiástica ordenado e redentivo.
Tenha em mente que a disciplina eclesiástica limita-se aos membros da
comunidade pactual. Essas passagens bíblicas não proíbem o cristão de
interagir com não cristãos ou com pessoas de visões discordantes. Como já
deixei claro anteriormente, a igreja recebe não cristãos que desejam se
achegar e aprender acerca de Jesus Cristo.
A disciplina eclesiástica volta-se aos cristãos professos que se perderam
no meio do caminho, a fim de que se arrependam de práticas pecaminosas e
sejam restaurados. A disciplina ministrada pela igreja serve para manter a
paz e a pureza do corpo.
Errando a Mensagem
Logo, acredito que o sexto mandamento do cristianismo progressista
sofre de uma série de premissas erradas ou de uma má compreensão das
bases. Seu ensino, mesmo sem provar, pressupõe que não há verdade
absoluta, que a igreja não aceita questionamentos (enquanto, de modo geral,
aceita, sim) e que sua instituição não compreende adequadamente a
natureza e o propósito da disciplina eclesiástica (a qual serve ao bem do
membro disciplinado).
E ainda mais grave que tudo isso, a posição progressista erra o cerne da
mensagem cristã. O cristianismo não se trata da “jornada” sem fim da
humanidade em direção a Deus; a religião cristã, pelo contrário, é a jornada
consumada que Deus fez para achegar-se a nós, a fim de salvar-nos dos
nossos pecados. Nas palavras de João Batista: “Nisto consiste o amor: não
em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o
seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).
CAPÍTULO 7
Suprir Necessidades Reais é mais Importante
do que Manter Instituições
Em seu livro Eles Gostam de Jesus, mas não da Igreja,24 Dan Kimball
indica uma mudança crucial nos dados demográficos de pessoas mais
jovens, a saber, que elas estão desiludidas com a igreja institucional. Esses
jovens professam seguir a Cristo, mas são céticos quanto às organizações
religiosas. Esse fenômeno é apreendido no sétimo mandamento do
cristianismo progressista: Suprir necessidades reais é mais importante do
que manter instituições.
No sétimo capítulo de seu livro, Gulley lamenta sobre como as “funções
institucionais (e disfuncionais) superam a missão e o propósito da igreja”.25
Ele defende que a maioria dos cristãos está cega para essa realidade:
“Parece ser um traço comum entre o ser humano e as instituições que
criamos: ignorar nossas falhas, mesmo quando estas impedem nossa
capacidade de agir e crescer”.26
Embora Gulley ofereça uma lista de observações úteis nesse capítulo, há
também um tom anti-institucional subjacente que acaba divorciando Jesus
Cristo de sua noiva, a Igreja.
A Igreja não é Perfeita
Sem dúvida, Gulley está certo de que a igreja não é uma instituição
perfeita. Ele oferece uma série de exemplos de denominações mesquinhas,
ensimesmadas, obcecadas com sua autopreservação e compulsivas por
tamanhos e quantidades. Em particular, ele nota como muitas congregações
são geridas como se fossem empresas, fato que cria uma cultura corporativa
que tende a operar como uma corporação listada entre as mais ricas do
mundo, e não como a noiva de Cristo. Congregações desse tipo estão mais
preocupadas com o “preço de suas ações” do que com a necessidade das
pessoas e da comunidade ao seu redor.
Há muito com o que concordar neste ponto, e tenho certeza de que cada
leitor poderia contribuir com o seu próprio relato das fraquezas presentes na
igreja moderna. Repleta de pecadores e parte integrante de um mundo
caído, toda igreja, evidentemente (e inevitavelmente), tem falhas.
A Igreja Permanece Noiva de Cristo
Ainda assim, a igreja permanece a gloriosa e maravilhosa noiva de
Cristo, amada com grande amor e purificada por seu sangue (Ef 5.25–27).
A igreja de Deus não será perfeita até a volta de Cristo, mas já é, com
justiça, considerada santa — separada para Deus.
Infelizmente, Gulley não partilha de uma visão elevada da igreja. Para
ele, a igreja como instituição é relativamente dispensável. Por quê? Porque,
em sua visão, a igreja tem pouco a ver com Jesus. O autor argumenta que
“Jesus parecia dar [à igreja] pouca importância […] sua gênese e
continuação não pareciam prioridade para ele”.27
É claro que estas são declarações chocantes quando comparadas ao que
Jesus realmente disse sobre a igreja. Cristo não enxergava a igreja como
uma edificação humana, mas como o corpo que ele próprio edificaria.
“Edificarei a minha igreja”, Cristo disse a Pedro e, preocupado com sua
continuação, acrescentou: “e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela” (Mt 16.18).
Além disso, Jesus zelava pela estrutura da igreja, especialmente com a
forma de restaurar ovelhas perdidas, como aquela mencionada quando
citamos o processo de disciplina eclesiástica traçado em Mateus 18.15–20.
Perceba que Jesus não estava lidando com a igreja invisível — cristãos
genuínos espalhados pelo mundo —, mas com expressões tangíveis e locais
da instituição (igreja) que pode até mesmo aplicar disciplina a membros
rebeldes. Em outras palavras, Jesus afirmava o valor da igreja institucional.
O Propósito da Igreja
Boa parte do problema referente ao relato de Gulley acerca da igreja é
que ele a enxerga como tendo um propósito unicamente horizontal — isto
é, o modo como o ser humano se relaciona com o seu próximo. A igreja
deveria ajudar pessoas em necessidade: “alimentando o faminto, fazendo
amizade com os solitários, amando o inimigo, curando o doente”.28
Embora esses elementos estejam no escopo da igreja, o que falta no
relato de Gulley é o propósito vertical da igreja (a forma como o ser
humano se relaciona com Deus). Nenhuma menção é feita do chamado à
igreja a adorar e glorificar a Cristo. Nenhuma menção é feita sobre a igreja
ser o ambiente no qual Deus fala ao seu povo por meio de sua Palavra.
Nenhuma menção é feita sobre o que Deus faz por meio dos sacramentos.
Isso explica muito da frustração de Gulley com a igreja. Ele acredita que
a função principal da igreja é resolver problemas sociais. E ele parece
chateado, pois considera que a igreja não tem feito o suficiente.
Essa abordagem se encaixa muito bem com a crença da esquerda cristã.
Se o sistema religioso de alguém é puro moralismo, as únicas categorias
cabíveis, evidentemente, serão as horizontais. A “igreja”, então, torna-se
apenas mais uma instituição de caridade ou uma versão da AMC local.
Em contraste, a visão bíblica da igreja não escolhe entre dimensões
verticais ou horizontais. Ela afirma ambas. É claro, a igreja deve ser luz e
bênção no mundo, mas também foi projetada para redundar em glória e
louvor a Deus, a fim de proclamar sua verdade.
Problema Errado, Solução Errada
Gulley salienta corretamente que a igreja não é uma instituição perfeita.
De fato, pode ser frustrante ver congregações atoladas em burocracias e
procedimentos, falhando em seu chamado inato. Mas a suposta solução de
Gulley não é, nem de longe, uma solução. Ao invés de simplesmente
descartar a instituição eclesiástica como uma criação humana, como o autor
quer que façamos, precisamos levar a igreja de volta ao seu devido lugar:
uma instituição ordenada e criada pelo próprio Cristo e para a sua própria
glória.
Não ousemos transformar a igreja em mais uma simples ferramenta para
tratar de problemas sociais. Novamente, embora haja espaço para a igreja
servir em prol da comunidade, não podemos nos esquecer de que o
propósito primário da igreja é adorar a Cristo e proclamar sua Palavra.
Lembremo-nos, também, de que um dia a igreja será perfeita: “Então,
veio um dos sete anjos que têm as sete taças cheias dos últimos sete flagelos
e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro;
e me transportou, em espírito, até a uma grande e elevada montanha e me
mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, a
qual tem a glória de Deus. O seu fulgor era semelhante a uma pedra
preciosíssima, como pedra de jaspe cristalina” (Ap 21.9–11).
CAPÍTULO 8
A Paz é mais Importante do que o Poder
Para aqueles frustrados com a religião institucional, pode parecer que os
líderes eclesiásticos estão preocupados sobretudo com o poder, para tê-lo e
mantê-lo. De fato, pode até parecer que igrejas atraem pessoas famintas por
poder, ávidas por comandar os outros. O oitavo mandamento do
cristianismo progressista foi desenvolvido para ir contra esse problema: A
paz é mais importante do que o poder.
Comecemos reconhecendo que boa parte desse oitavo mandamento
progressista está correto. Deus não chama os líderes da igreja à
autopreservação severa, mas ao serviço humilde e sacrificial. Assim como
Pedro admoesta os presbíteros: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre
vós, não [...] como dominadores dos que vos foram confiados, antes,
tornando-vos modelos do rebanho” (1Pe 5.2–3).
Gulley apresenta sua perspectiva fornecendo vários exemplos de má
liderança eclesiástica — pastores/bispos famintos por controle e dispostos a
pisar nas pessoas para consegui-lo. Tenho certeza de que muitos cristãos
poderiam contar histórias semelhantes por experiência própria. Entretanto,
como em capítulos anteriores, Gulley tem o diagnóstico correto, mas a cura
errada (ou terrivelmente incompleta). Como veremos a seguir, a fim de
livrar a igreja da autoridade indevida, Gulley oferece uma abordagem
excessivamente igualitária e que pode acabar furtando da igreja sua real
autoridade.
Autoridade vs Autoritarismo
Gulley faz uma distinção plausível entre autoridade e autoritarismo.
Embora a autoridade seja legítima, o autoritarismo é destrutivo. O
autoritarismo é uma forma de liderança excessiva, de cima para baixo,
comparável ao abuso, e que tem o poder de destruir os membros e a
congregação como um todo. O próprio Jesus reconhecia os perigos da
liderança despótica: “Então, Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os
governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade
sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se
grande entre vós, será esse o que vos sirva” (Mt 20.25–26). Gulley também
está certo em sugerir que a liderança autoritária precisa ser tratada quanto
antes: “Quanto antes o autoritarismo for desafiado, mais saudável será a
igreja”.29
Mas logo surge a dificuldade: como é possível saber se determinada
liderança é autoritária? Gulley apresenta uma ponderação útil: “A liderança
em questão edifica ou destrói?”.30 Esse ponto ecoa as palavras de Paulo:
“Porque, se eu me gloriar um pouco mais a respeito da nossa autoridade, a
qual o Senhor nos conferiu para edificação e não para destruição vossa, não
me envergonharei” (2Co 10.8).
Como veremos, entretanto, tudo depende de compreender a diferença
entre edificar e destruir.
Que Forma Toma para si a Autoridade Legítima?
Embora Gulley deva ser elogiado por falar contra a liderança autoritária,
permanece a necessidade de uma boa liderança com sua devida autoridade.
Qual é o alcance da autoridade legítima da igreja?
É aqui onde a bagunça começa. Por exemplo, podemos nos perguntar se
a igreja (ou seus líderes) tem a autoridade de condenar falsas doutrinas.
Pastores e presbíteros podem usar sua autoridade para defender a verdade e
condenar o erro?
Aparentemente, Gulley acredita que não. Ele conta a história de uma
pastora que foi examinada por um comitê, devido a preocupações em
relação à sua teologia progressista. Mas na cabeça de Gulley, o próprio
questionamento foi um abuso de poder: “[O comitê] deixou de ter
autoridade genuína para exercer autoritarismo; deixou de edificar para
destruir”. Segundo Gulley, o comitê só queria saber de “comando e
controle”.31
Em que mundo defender a sã doutrina tornou-se um abuso de
autoridade? A igreja não tem controle sobre suas doutrinas e ensinos? Paulo
não diz a Tito que é dever do presbítero “que tenha poder tanto para exortar
pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem” (Tt 1.9)? E
não é verdade que todas as autoridades, até mesmo as legítimas, ainda
precisam de certo nível de “comando e controle”? Pois, se não tiverem esse
elemento de governo, não é fato que deixariam de ser autoridades?
Essa confusão e tamanha inconsistência levantam perguntas sobre o
ponto de vista de Gulley em relação à igreja. Parece que qualquer exercício
de autoridade é visto como inapropriado, tirânico, ou mesmo uma mistura
de inadequação com tirania. Ora, essa postura despótica não cabe no
cristianismo progressista. Como vimos em capítulos anteriores, o pacote
esquerdista, em seu cerne, carrega consigo um tom distintamente contrário
às autoridades. Ninguém pode nos dizer o que fazer ou no que crer (embora,
ironicamente, o livro todo de Gulley trate do que fazer e no que acreditar)!
O que Significa Buscar a Paz?
Se os membros de uma igreja devem buscar a paz, e não o poder, como
Gulley sugere, então o que essa busca significa exatamente? Incrivelmente,
o autor aproveita a oportunidade para defender o pacifismo e para
repreender a igreja nos EUA por apoiar as Forças Armadas. Logo, a “paz”,
de acordo com Gulley, é mais uma vez vista em termos unicamente
horizontais. Trata-se da paz entre as nações; trata-se de cessar o conflito
militar.
Deixando de lado a questão do pacifismo (não há espaço para tratá-la
aqui), é certo que podemos, em uma só voz, afirmar que a reconciliação
entre as pessoas é um princípio bíblico fundamental. Como já expliquei, a
Bíblia lida com o perdão ao próximo (Lc 17.4), com a reconciliação mútua
(Mt 5.24, At 7.26), com a harmonia entre marido e esposa (1Co 7.11) e com
a remoção de hostilidade entre grupos (Ef 2.16).
Gulley, porém, ignora completamente a forma como essa paz horizontal
é alcançada. Basta se esforçar? A igreja torna-se uma emulação da ONU?
Protestamos contra as diversas guerras e conflitos armados mundo afora?
As Escrituras, por sua vez, respondem à pergunta de como a paz é
alcançada: “Porque ele [Jesus] é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e,
tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade” (Ef
2.14). O poder para amar o próximo e para manter o vínculo da paz começa
com a compreensão do amor de Deus por nós em Cristo. Esse é o
fundamento da verdadeira paz: “Nós amamos porque ele nos amou
primeiro” (1Jo 4.19).
Em outras palavras, a paz horizontal (entre a humanidade) começa,
antes de tudo, com o reconhecimento de que carecemos da paz vertical
(entre Deus e a humanidade). E apenas Jesus pode fornecer paz com Deus.
Inacreditável dizer, Gulley não parece ter interesse pelo método
proposto por Jesus para receber paz. Para o autor, a paz não passa de um
conceito político e social. Novamente, o cristianismo progressista, com seu
desinteresse pela doutrina — e, por consequência, seu desinteresse por
Jesus — é reduzido a mero moralismo.
Problema Certo, Solução Errada
Gulley está certo quando indica problemas com déspotas eclesiásticos
que buscam dominar o rebanho ao invés de pastoreá-lo gentilmente. Líderes
autoritários podem causar graves estragos tanto aos membros como à igreja
em geral. Mas, embora Gulley esteja certo no diagnóstico, persistem as
dificuldades quanto à cura. No esforço de livrar a igreja de líderes que ele
julga autoritários, Gulley acaba por livrar a igreja de toda a sua autoridade.
Ironicamente, essa libertação proposta pelo autor torna a igreja ainda mais
vulnerável a indivíduos abusivos e suscetível a falsos ensinos.
A cura para a liderança ruim não é o cessar absoluto de toda liderança.
Pelo contrário, a má liderança deve ser substituída pela liderança piedosa,
misericordiosa, gentil, cristocêntrica.
Além disso, Gulley continua a pensar apenas no sentido horizontal. Sem
Jesus e sem as boas novas do Evangelho, o referido autor não explica como
alcançar a pacificação, tarefa difícil, quase impossível. Aparentemente, aos
olhos de Gulley, as igrejas locais precisam simplesmente tentar mais vezes
e com mais ímpeto, até conseguirem.
Esse tipo de pacificação torna-se um jugo envolto em nosso pescoço —
um arado que acabamos precisando puxar com a nossa própria força. Por
isso, digo sem medo de errar: a melhor escolha é recorrer a Jesus, aquele
que é o grande portador da paz; e Cristo a dará gratuitamente: “Deixo-vos a
paz, a minha paz vos dou” (Jo 14.27).
CAPÍTULO 9
Deveríamos nos Preocupar mais com Amor e
menos com Sexo
Como já observamos, o cristianismo progressista é decididamente
moralista: sua crença não importa, mas sim seu comportamento. Quão
curioso, porém, é que essa abordagem não aparece em assuntos
relacionados ao sexo. Quando o assunto se refere a questões sexuais, de
repente os progressistas tornam-se a favor da liberdade e da escolha moral.
Essa abordagem é evidente no nono mandamento da esquerda cristã:
Deveríamos nos preocupar mais com amor e menos com sexo.
De uma perspectiva retórica, trata-se de uma linguagem bem eficaz.
Afinal, sua mensagem fala aquilo que as pessoas já querem ouvir — você
tem toda a liberdade sexual que quiser e, ao mesmo tempo, é uma pessoa
boa, um ser humano a favor do “amor”. Todos saem ganhando. O indivíduo
pode manter qualquer prática sexual questionável e continuar se
congratulando por sua superioridade moral.
O livro de Gulley expande esse clichê a um argumento completo em prol
da liberdade sexual. O autor ergue sua defesa adotando uma abordagem
muito comum, portanto façamos uma breve análise de sua estratégia.
Passo 1: Apresente as Virtudes Morais Daqueles que se Encontram em
Pecados Sexuais
O primeiro passo é mostrar que as pessoas envolvidas na disputa acerca
do comportamento sexual são genuinamente boas, maravilhosas, seres
humanos virtuosos e ecléticos. Esse movimento tem o objetivo de fazer as
pessoas duvidarem se o pecado sexual é tão vil quanto a Bíblia diz ser.
Afinal, se é tão ruim assim, como pessoas tão maravilhosas conseguem
manter essas práticas? Em outras palavras, visto que pessoas maravilhosas
se envolvem em comportamentos que considero errados, então, talvez, seja
eu quem precise repensar se a prática em questão é realmente pecaminosa.
Gulley faz esse movimento com astúcia brilhante. Seu primeiro exemplo
é o de um casal com seus oitenta anos que convive e mantém relações
sexuais com pessoas fora do casamento. O autor nos diz que ambos são
pessoas “boas”, que “recebem calorosamente” outras pessoas em seu
“modesto lar”, e que há fotos dos “netos espalhadas pelo corredor”.32
Aqui vemos como a estratégia de Gulley é amplamente edificada sobre a
premissa de que determinada prática só será errada se as pessoas que a
abraçam forem desagradáveis. Na verdade, o autor chega a essa conclusão
sem meias palavras, a respeito do mesmo casal de idosos: “O lar que ambos
criaram tornou-se um ambiente de profundo amor e respeito mútuo; nada
daquilo parecia pecado para mim”.33
Mas não é dessa maneira que os cristãos pensam acerca da moralidade.
Os cristãos não condenam um ensino ou uma prática somente quando se
mostra desagradável. Nós, crentes em Jesus Cristo, não julgamos um
comportamento baseando-nos em como as circunstâncias podem nos fazer
“sentir”. Defendemos que algo é ruim quando este algo entra em conflito
com o caráter de Deus, que é refletido em seus mandamentos morais.
Logo, os cristãos defendem ser bem possível — na verdade, muito
comum — que pessoas boas, com muitas outras virtudes, se envolvam em
comportamentos extremamente errados. Quem comete pecados horríveis
não são só os assassinos em série. Até mesmo a doce senhorinha ao seu
lado pode cometer pecados, mesmo pecados graves.
É claro, Gulley (e os pós-modernos, de modo geral) não vivem de
acordo com a premissa defendida de modo consistente. Se ser “uma boa
pessoa” torna um comportamento aceitável, então o que acontece quando
uma pessoa considerada muito bondosa se envolve com uma prática
repreensível? Por exemplo, molestar crianças. Gulley e seus companheiros
certamente não defenderiam a aceitação dessa prática.
Passo 2: Insista que Deus tem Coisas mais Importantes com que se
Preocupar
O próximo passo nessa estratégia é minimizar a santidade de Deus. O
Senhor não tem tempo para se preocupar com o pecado sexual. Essa prática
não o incomoda; ele tem problemas mais urgentes a resolver. A esse
respeito, Gulley é claro enquanto fala acerca do casal de idosos: “Sabem,
amigos, acredito que Deus tenha coisas maiores com que se preocupar.
Apenas sejamos gratos que aquele casal de idosos tem um ao outro”.34
Certamente, as pessoas são livres para retratar Deus dessa forma. Na
verdade, os progressistas geralmente pintam Deus como um sujeito
descontraído — um tipo de avô fofinho que não quer se intrometer na sua
vida, que só quer que você seja feliz. Esse, porém, não é o Deus da Bíblia.
O Deus da Bíblia é infinitamente santo e, na verdade, lida em diversas
partes de sua Palavra com a prática e o pecado sexual. E Deus não condena
o pecado sexual por ser um radical ou retrógrado, mas porque o pecado
sexual atinge o coração da nossa humanidade, agredindo violentamente o
casamento, cujo propósito é refletir a união de Cristo com a sua Igreja (Ef
5.32).
Passo 3: Mostre que o Comportamento Sexual Divergente conduz a
Bons Resultados
Esse terceiro passo estratégico é similarmente brilhante. Pois, nesse
ponto, Gulley mostra como o pecado sexual traz alguns resultados
positivos, ou ao menos como a prática sexual ajuda a resolver outros
problemas.
Por trás desse argumento há uma premissa sorrateira, ou seja, de que
algo é bom — na verdade, que este algo deve ser bom — caso conduza a
um bom resultado. Isto é, um bom resultado serve como prova positiva do
valor moral pertencente ao comportamento que o produziu. Em relação ao
casal idoso, Gulley nota que eles estavam financeiramente atados; logo, a
vida a dois (como casal) os ajudava com as despesas. Além disso, ambos
eram “solitários” e precisavam de companheirismo.35
Essa estratégia funciona bem, é claro, pois qualquer um que insista que
o casal não deveria viver dessa forma parece insensível à situação
financeira dos dois e indiferente para com a solidão deles. Mais uma vez,
essa não é a perspectiva bíblica. Posso ser compassivo e compreensivo com
a situação deles, enquanto os ajudo a seguir o mandamento de Deus acerca
da prática sexual lícita. Não são decisões autoexcludentes.
Além disso, é dever do cristão desafiar a ideia corrosiva de que
dificuldades e sofrimentos justificam comportamentos pecaminosos. A
incapacidade de pagar o meu aluguel não me dá o direito de roubar um
banco, e tenho certeza de que o cidadão pós-moderno concordaria com essa
ideia. Porém, em essência, essa é a lógica que os progressistas usam para
tentar encobrir o pecado sexual.
Passo 4: Retrate Aqueles que se Levantam contra Certas Práticas
Sexuais como Pessoas Insensíveis e Cruéis
Toda boa história tem seu revés, uma nêmesis contra a qual torcer. Nessa
história do casal idoso, Gulley descreve o pastor da igreja que primeiro lhe
informou sobre a situação do casal. Ao invés daquela descrição terna,
positiva dada ao casal idoso, esse pastor recebe o tratamento contrário.
Ele, então, é caracterizado como “crítico”, “indevidamente
transtornado”, alguém que “categoricamente condena” os outros, ávido por
perpetrar seu “código sexual meticuloso”.36 Gulley até mesmo dá a
entender que o referido pastor é mesquinho, indisposto a ajudar
financeiramente o casal de idosos. De acordo com esse retrato
excessivamente simplista, o casal envolvido em pecado sexual deixa de ser
o problema. O problema é esse sujeito que traz à tona o problema!
Essa é a moralidade invertida da pós-modernidade (embora aplicada de
forma inconsistente). Quando convém à agenda progressista mais genérica
(por exemplo, assalto a banco, não pode; pecado sexual, sim, pode), a
balança se inverte e passa a pesar dois pesos, duas medidas.
O que falta, porém, ao argumento de Gulley é a ideia de que o pecado
prejudica as pessoas e de que esse pastor talvez estivesse genuinamente
preocupado com o prejuízo que o pecado sexual causa. Em outras palavras,
é possível — uma ideia chocante para muitos em nosso mundo pósmoderno — ser verdade que confrontar o pecado é sinônimo de amor?
Passo 5: Insista que Jesus Está do seu Lado
O passo final na justificação do pecado sexual é ostentar o suposto apoio
de Jesus. Para tanto, Gulley dá vazão a clichês básicos, como o de Jesus ser
mais gracioso com pecadores do que com legalistas. O autor chega mesmo
a apelar (não que seja uma surpresa vê-lo fazendo isso) à história de Jesus
sendo ungido por uma mulher pecadora.37
Gulley, no entanto, não menciona que a mulher levou consigo os seus
pecados e ajoelhou-se aos pés de Jesus, não em rebeldia, mas arrependida!
Na verdade, Jesus relata àquela mulher que os pecados dela eram muitos,
mas que todos estavam perdoados (Lc 7.47). Sim, Jesus perdoa a pecadores.
Mas precisamos reconhecer e admitir que somos pecadores.
Em suma, o nono mandamento de Gulley é uma obra de arte da
esquerda cristã. Ele segue o manual clássico da justificação do pecado
sexual e, à primeira vista, pode soar convincente. Mas, no final das contas,
sua posição simplesmente não se sustenta. Não somos chamados a
transformar o amor e a prática sexual em conceitos antagônicos. Pelo
contrário, somos chamados a valorizar e estimar ambos. Como Paulo nos
lembra: “Ninguém despreze a tua mocidade; pelo contrário, torna-te padrão
dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1Tm
4.12).
CAPÍTULO 10
A Vida neste Mundo é mais Importante do
que a Vida no Mundo Vindouro
Chegamos, por fim, ao décimo e último “mandamento” do cristianismo
progressista. Este é um verdadeiro clássico: A vida neste mundo é mais
importante do que a vida no mundo vindouro.
É difícil imaginar uma única declaração que capture o ethos do
cristianismo progressista com mais maestria do que o seu décimo
mandamento. Na verdade, este princípio revela o pivô mais basilar dos
progressistas, que se voltam deliberadamente contra assuntos eternos e
enfatizam questões terrenas. Seus defensores pregam que o ser humano não
precisa se preocupar com o que acontece depois da morte, pois ninguém
realmente sabe o que acontece. Tudo o que importa é ajudar o pobre,
alimentar o faminto e aliviar o sofrimento humano.
Esse mandamento marca um final apropriado e condizente nessa
pequena obra, pois incorpora concisamente muitos dos princípios do
cristianismo progressista citados por Machen há muitos anos. A seguir, eis
alguns deles, ecoando os conceitos mais gritantes apresentados nos
capítulos anteriores.
Preferir o Horizontal e Preterir o Vertical
Para os cristãos progressistas, o ser humano sofre de um problema real.
Não se trata, porém, de crer que a humanidade pecou e se rebelou em
ofensas contra um Deus santo. Pelo contrário, o problema da humanidade é
que existe sofrimento, guerra, pobreza, doença e fome.
Em outras palavras, os progressistas definem os problemas da
humanidade somente em conceitos horizontais (ou seja, a forma como o ser
humano se relaciona com o próximo e com o mundo ao seu redor), e não
em conceitos verticais (o relacionamento entre Deus e a humanidade).
Como resultado, o ideal mais alto do cristianismo progressista não pode ser
outro senão consertar o presente e ater-se a problemas temporais.
Considerar a eternidade, na melhor das hipóteses, é perda de tempo. Na
verdade, Gulley lamenta a “preocupação” da igreja com uma “ênfase
exagerada” sobre o que acontece depois da morte e reclama das “fortunas
que são gastas salvando pessoas de perigos e lugares imaginários”.38
Pregando o Moralismo, e não a Salvação
Se não há eternidade com a qual se preocupar, então para onde a
humanidade deve voltar a sua atenção? Às boas obras, é claro. Sua atenção
deve se voltar à ajuda ao necessitado. A marca do cristianismo progressista
é um compromisso pleno com a postura de ser “bom” e fazer coisas “boas”.
Gulley usa as seguintes palavras: “Se a Igreja fosse cristã, faríamos o que
Jesus fez — cada um ajudaria o seu próximo a viver neste mundo e pararia
de se preocupar com o mundo vindouro”.39
É claro que qualquer um que esteja familiarizado com o ensino de Jesus
há de considerar essa declaração genuinamente chocante. Cristo dava
especial ênfase ao mundo vindouro e dele falava com frequência. Considere
apenas um exemplo: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar
a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma
como o corpo” (Mt 10.28).
Sem inferno, sem pecado e sem julgamento, o cristianismo progressista
não tem outra opção senão se tornar uma religião moralista.
Reivindicar Incerteza Abraçando a Certeza
No cerne do argumento de Gulley está a crença de que o inferno não é
real. “Decidi não investir esforço em salvar almas de um inferno no qual
não acredito”.40 Na verdade, ao longo desse mesmo capítulo, Gulley
declara, repetidas vezes, que o inferno não existe. O autor aposta seu
destino eterno (bem como o destino eterno de muitas outras pessoas) em
sua convicção pessoal.
Mas como ele sabe que o inferno não existe? O que falta no argumento
de Gulley é uma forma de saber o que é ou não verdade. Ele nada mais faz
que declarar sua crença sem qualquer base.
A ironia das palavras de Gulley é que ele, na verdade, se posiciona como
um humilde inquiridor, incerto de suas crenças. “Ainda não cheguei a uma
compreensão definitiva de Deus, e penso que jamais a alcançarei”.41
Essa inconsistência realça uma das técnicas mais notáveis e perniciosas
da esquerda cristã: alegar incertezas absolutistas, mas depois introduzir,
sorrateiramente, suas próprias convicções, esperando que ninguém perceba
a hipocrisia e a incoerência tão pungentes dessa posição.
Conclusão
Percebe-se, portanto, que o último mandamento de Gulley contém, com
formidável astúcia, três marcas do cristianismo progressista. Seu décimo
princípio enfatiza o ser humano, e não Deus; enfraquece e rebaixa a
doutrina da moralidade; e, por fim, afirma incertezas para os outros, mas
certezas para si mesmo.
Tragicamente, a posição progressista faz uma cortina de fumaça diante
da real mensagem do cristianismo — a verdadeira mensagem de Jesus. De
fato, Cristo se preocupava com o sofrimento da humanidade e, sem dúvida,
chamou todo crente a ter a mesma preocupação. Nós, porém, não tratamos o
sofrimento humano como um ato de moralismo, mas como uma resposta à
graça da cruz.
Além disso, não lidamos exclusivamente com o sofrimento temporal,
pois, mesmo que pudéssemos aliviar toda a aflição da humanidade, esse
alívio não resolveria a maior das nossas necessidades. Nas palavras de Jesus
Cristo: “Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a
sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?” (Mt 16.26).
Sobre o autor
Michael J. Kruger é o presidente do Seminário Teológico Reformado em
Charlotte, NC, nos EUA, além de dispor da cátedra Samuel C. Patterson de
Novo Testamento e Cristianismo Primitivo na mesma instituição.
Notas
1 J. Gresham Machen. Cristianismo e Liberalismo (Recife: Os Puritanos, 2013).
2 Philip Gulley. If the Church Were Christian: Rediscovering the Values of Jesus (San Francisco, CA:
HarperOne, 2010).
3 Disponível em: https://cac.org/returning-to-essentials -2017-11-30/.
4 Gulley, p. 16–17.
5 J. Gresham Machen. Cristianismo e Liberalismo (Recife: Os Puritanos, 2013), posição 1444
(Kindle).
6 Michael F. Bird. Jesus the Eternal Son: Answering Adoptionist Christology (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 2017).
7 C. S. Lewis. Cristianismo Puro e Simples (São Paulo: Martins Fontes, 2005).
8 Para mais acerca do assunto, veja Larry Hurtado, One God One Lord: Early Christian Devotion
and Ancient Christian Monotheism, 2. ed. (London: T&T Clark, 2000).
9 J. Gresham Machen. Cristianismo e Liberalismo (Recife: Os Puritanos, 2013), posição 771
(Kindle).
10 J. Gresham Machen. Cristianismo e Liberalismo (Recife: Os Puritanos, 2013), posição 1018
(Kindle).
11 Independentemente de como os progressistas definam ou entendam o termo “pecaminosidade”, os
cristãos evangélicos reconhecem, com justiça, que todo pecado, em todos os sentidos, é
consequência direta da Queda: vivemos num mundo caído, somos uma humanidade caída, em que
todos são pecadores.
12 Gulley, p. 40, 30.
13 Ibid., p. 33.
14 Ibid., p. 37–40.
15 Ibid., p. 44, 43.
16 Ibid., p. 44.
17 Ibid., p. 54, 57, 61.
18 Ibid., p. 67.
19 Ibid.
20 J. Gresham Machen. Cristianismo e Liberalismo (Recife: Os Puritanos, 2013), posição 785
(Kindle).
21 Gulley, p. 93.
22 Ibid., p. 116, 118.
23 Os cristãos não creem que todo ensino da Bíblia é igualmente claro ou evidente, porquanto
algumas doutrinas são difíceis de entender. No entanto, os crentes em Jesus Cristo creem, de fato,
que são claras e evidentes a todos “as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas
para a salvação” (CFW, cap. I, VII).
24 Dan Kimball. Eles Gostam de Jesus, mas não da Igreja (São Paulo: Vida, 2011).
25 Gulley, p. 123.
26 Ibid., p. 125.
27 Ibid., p. 137.
28 Ibid., p. 126.
29 Ibid., p. 146.
30 Ibid., p. 144.
31 Ibid., p. 145.
32 Ibid., p. 157–159.
33 Ibid., p. 160.
34 Ibid., p. 158.
35 Ibid.
36 Ibid., p. 159.
37 Ibid., p. 166.
38 Ibid., p. 175, 176, 184.
39 Ibid., p. 184.
40 Ibid., p. 181.
41 Ibid., p. 18.
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