Uploaded by Brunow ops

Premio PCE I

advertisement
A arte de agir exponencialmente errado
O bar está agradavelmente lotado, música boa e risadas de fundo, um ar de tranquilidade. No
balcão, Frank Tassone pede a conta do seu consumo, e choca-se ao notar que não havia trazido
seu dinheiro. “Posso emprestar-lhe o meu”, um idoso sentado próximo de Tassone
inesperadamente afirma. “Não há necessidade, vou usar o cartão da minha empresa”, responde
Tassone, discretamente. “Que bom, porque eu também não trouxe dinheiro”.
A situação fictícia descrita acima mostra um breve diálogo hipotético entre Frank Tassone, um
ex-administrador de uma escola pública retratado no filme Bad Education (2018), e Trasímaco,
um dos mais importantes sofistas na história. Ao longo deste texto, será analisada a relação das
ações de Tassone com as ideias de Trasímaco, além de suas implicações na vida real de acordo
com conceitos éticos explorados em sala.
O filme Bad Education conta a real história do maior escândalo de peculato em escolas públicas
da história dos Estados Unidos, onde Frank Tassone e Pam Gluckin, que administravam a
escola, roubaram mais de 4 milhões de dólares e mentiram para pais e investidores ao longo de
15 anos. Durante o filme, observamos Tassone, o personagem principal, se transformando de
um homem justo, alegre e íntegro para uma pessoa desesperada, antiética e manipuladora. Essa
transição entre aquilo que ele mostrava às centenas de pessoas às quais ele tinha contato todos
os dias e aquilo que ele fazia por trás das cortinas é um claro exemplo do que Trasímaco
defendia em relação ao Anel de Giges.
“O que você faria se ninguém pudesse te ver?”. Esse é o primeiro verso da música “Anel de
Giges”, de Fabio Brazza, e é precisamente o questionamento levantado por esse conceito,
descrito no início da obra “A república”, de Platão. O conceito do Anel de Giges surge da
história fictícia de Giges, um pastor que encontra um anel que o torna invisível, e ele usa sua
nova habilidade para casar com a rainha, matar o rei e ganhar poder sob o reino. Pensando
nisso, Sócrates e Trasímaco discutem se o indivíduo age de forma justa porque é o certo ou
porque suas ações terão consequências. Trasímaco afirmava que não importava o que acontecia
por trás das cortinas, bastava que o indivíduo parecesse justo. Já Sócrates dizia que ser justo
beneficiava o indivíduo, e que agir de forma injusta seria tolice, pois impediria o indivíduo de
atingir a eudaimonia, isto é, de certa forma, a felicidade.
Se Tassone resolvesse sentar ao lado de Trasímaco no bar e contar sua história, o velho diria
que o problema teria sido que ele foi pego e exposto pelas injustiças que cometeu, e não as
injustiças em si. Já Sócrates diria que o ex-administrador corrompeu sua alma ao cometer tais
delitos, e portanto não conseguiria atingir a verdadeira felicidade tendo que viver com seus
atos.
Quem assiste ao filme Bad Education ou lê sobre a história de Tassone, pode chegar a
conclusão que um delito de tamanha proporção não é identificável, e possivelmente concordar
com Sócrates. Porém, antes de avaliarmos seus atos de maior proporção, é necessário entender
como tudo começou através do conceito de Ladeira Escorregadia. A situação de Tassone é um
exemplo claro do conceito de Ladeira Escorregadia, que, em suma, diz que pequenos delitos
ficam cada vez maiores, mais facilmente, ao longo do tempo. Segundo o protagonista, toda sua
trajetória criminosa começou quando ele usou o cartão da escola para pagar a conta em um
restaurante, e percebeu que a escola não o cobrou pelo gasto. Como mostra o conceito de ladeira
escorregadia, uma vez que ele cruzou a linha do que era justo, mesmo que por pouco, ele se
abriu para fazer isso novamente, criando uma reação exponencial de delitos: A arte de agir
exponencialmente errado.
Em conclusão, esse comportamento provou-se um padrão entre malfeitores corporativos, desde
CEOs e gerentes nos quais os delitos impactam milhares de vidas, como o caso de Tassone, até
funcionários os quais os delitos apenas os dão uma vantagem injusta. De qualquer forma, a arte
de agir exponencialmente errado se aplica a todos que decidem sair da linha, devido a uma
falsa sensação de estar “fazendo o que todos fazem”. Esse fenômeno foi amplamente
comentado por Fábio Barbosa, CEO da Natura. O executivo diz que um dos maiores erros é
cometer delitos antiéticos por achar que é o único jeito de ter sucesso em um mundo onde todos
cometem esses delitos.
Bibliografia
https://filosofianaescola.com/moral/dialogo-entre-socrates-e-trasimaco-sobre-o-que-e-ajustica/
https://deconrecon.asia/bad-education-is-a-class-act-on-ethically-grey-educators-review/
https://www.bbc.com/worklife/article/20140806-the-slippery-slope
https://qz.com/1837891/hbos-bad-education-reviewed-by-a-former-roslyn-high-teacher
“O anel de Giges” Marco Antonio Oliveira de Azevedo- Os Grandes Problemas da Ética
https://www.youtube.com/watch?v=TfVmW6sNux8
https://www.youtube.com/watch?v=JjwVRxcsQiE
Notas da palestra de Fábio Barbosa
Download